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Abandono Afetivo:
Afeto e Paternidade em
Instâncias Jurídicas

Emotional Abandonment: Affection and Paternity in Brazilian Courts

Abandono Afectivo: Afecto y Paternidad en Instancias Jurídicas

Lisandra Espíndula Moreira


Universidade Federal de Alagoas

Maria Juracy Filgueiras Toneli


Universidade Federal
de Santa Catarina

http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703001442013
Artigo

PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2015, 35(4), 1257-1274


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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO,
2015, 35(4), 1257-1274 Lisandra Espíndula Moreira & Maria Juracy Filgueiras Toneli

Resumo: O objetivo deste artigo é discutir arqueologicamente a articulação entre


paternidade e criminalidade, tomando como base um documento jurídico que aciona
um pai por abandono afetivo. Em especial, analisamos a produção de sujeitos nos
jogos enunciativos que responsabilizam o pai por sua ausência na vida da prole. Para
que se construa essa responsabilização em relação ao(a) filho(a) é necessário que os
enunciados se movimentem e estabeleçam diferenciações entre a responsabilidade
familiar x de outras instâncias (comunidade e Estado). No interior da instância familiar,
os enunciados explicitam a matriz heterossexista, construindo lugares específicos para
homens e mulheres, recheados de prescrições, funções e características. Para que se
transforme numa demanda jurídica legítima, o afeto será entendido como cuidado e
convívio. Mesmo nesta operação enunciativa, o cuidado paterno não se produz de
forma semelhante ao cuidado materno. Ao referir-se à paternidade, o afeto (cuidado) se
transformará na demanda por limite e autoridade, que se sustenta na associação entre
a ausência paterna e a criminalidade.
Palavras-chaves: Paternidade. Afeto. Psicologia Jurídica.

Abstract: This article discusses the relation between paternity and crime using discourse
analysis. We researched case that contained the judgment regarding the emotional
abandonment by the father. In particular, we analyze the subject’s production in
statement as they blame the father for his absence in children’s life. The use of the
statements outlined the family responsibility and established differences between the
family’s responsibility and community or State’s responsibility. Within the family unit,
the statements described the father’s responsibility when they built specific roles for
men and women with specific prescriptions, functions, and features, thereby creating a
heterosexist matrix. When this turns into a legitimate legal demand, the affection will
be translated as care and family intimacy. In this discursive analysis, differences can
be observed in the manner in which the maternal and paternal care are discursively
produced. In the case of paternal care, this difference can be translated into the child’s
need for authority and the demand for limits. This difference could be at the base of the
association between paternal absence and crime.
Keywords: Paternity. Afecct. Forensic Psychology.

Resumen: El objetivo de este artículo es discutir de forma arqueológica la relación


entre paternidad y criminalidad, analizando un documento jurídico-legal a través del
cual se acciona a un hombre- padre por Abandono Afectivo. En especial, se analiza la
producción de sujetos en los juegos  de enunciativos que responsabilizan al padre por su
ausencia en la vida de los/as hijos/hijas. Para construir esta responsabilidad con relación
al(la) hijo(a) es necesario establecer las diferencias entre la responsabilidad familiar
y otras instancias (comunidad y Estado). En el interior  de la familia, los enunciados
dejan explícita la  matriz heterosexual, construyendo lugares específicos para hombres
y mujeres, llenos de prescripciones, funciones y características. Para convertirlo en
una demanda legal legítima, el afecto se entenderá como el cuidado y la convivencia.
Inclusive  en esta operación enunciativa, la atención paterna no se produce de manera
similar a la atención materna. Al referirse a la paternidad, el afecto (cuidado) se
transformará en la  demanda por límites y autoridad, que se sustenta en la asociación
entre a ausencia paterna y la  criminalidad.
Palabras clave: Paternidad. Afecto. Psicología Criminal.

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A discussão presente neste artigo faz parte o tipo de positividade de um discurso


de um estudo maior que analisou arque- (Foucault, 2005, p. 141-142).
ologicamente os enunciados a respeito de
paternidade e criminalidade nas decisões Metodologia
dos tribunais de segunda e terceira instân-
cia dos estados do sul do Brasil, buscando
Utilizamos como ferramenta a proposta
descrever possíveis jogos de enunciação. O
arqueológica de Foucault (2005), buscando
enunciado que foi o ponto de partida dessa
descrever uma arqueologia da articulação
pesquisa – ausência paterna como causadora
1 O impulso inicial para
entre paternidade e criminalidade a partir
de criminalidade1 - não surge como uma
essa pesquisa foram de um determinado corpus. Em especial,
fórmula mágica nos materiais e nem foi
algumas ações sociais, neste artigo direcionamos a análise para um
buscado dessa maneira. Em contrapartida,
uma forte articulação entre documento referente a “Abandono Afetivo”,
surgiram movimentos de enunciados que
ausência paterna e crimina- processo em que um pai foi acionado por ter
lidade, como se a primeira
de diversas formas articulavam essas duas
abandonado afetivamente o filho. Foucault
fosse causa da segunda. questões (criminalidade e paternidade) e,
(2005) propõe com o termo – arqueologia – não
As ações foram desen- com isso, evidenciavam lutas de forças, jogos
a busca de um começo ou de uma exploração
volvidas por uma parceria de saber/poder que se mesclaram para que
geológica, mas “designa o tema geral de uma
entre uma organização não surjam as enunciações que fundamentam
governamental - ONG de descrição que interroga o já dito no nível de
ou não as sentenças lidas.
combate à criminalidade de sua existência; da função enunciativa que
Porto Alegre, o Ministério nele se exerce, da formação discursiva a que
Público do Estado do Rio Tomar a articulação entre paternidade pertence, do sistema geral de arquivo de que
Grande do Sul (MPRS) e as e criminalidade a partir dos enunciados faz parte” (p. 149).
Secretarias Estaduais da é tomar cuidado para escapar da busca
Saúde (SESRS) e da Edu- por um correlato. Não há nessa pesquisa
Partimos de alguns princípios inspirados em
cação (SEERS) (Moreira & o intuito de verificar se essa articulação
Toneli, 2013) Foucault (2005), de sorte a elaborar uma
existe, autenticando a veracidade de uma
analítica que: 1. Não se propõe interpre-
2 Tomar o discurso como
proposição causal entre ausência paterna
tativa, como se buscasse um discurso mais
documento é buscar definir e criminalidade. Para Foucault (2005), essa
oculto; dirige-se ao discurso na qualidade
“os pensamentos, as re- seria uma das funções enunciativas, mas
de monumento2; 2. Não busca a transição
presentações, as imagens, existem outras. O enunciado requer uma
contínua, mas quer “definir os discursos em
os temas, as obsessões determinada posição de sujeito a ser ocupada, sua especificidade; mostrar em que sentido
que se ocultam ou se colocando em questão o princípio de autor,
manifestam nos discursos” o jogo de regras que utilizam é irredutível a
como problematizado anteriormente. Além qualquer outro” (p. 157); 3. Não é ordenada
(p. 157), como se ele fosse
disso, a função enunciativa ainda pressupõe pela figura da obra, pois busca descrever prá-
signo de outra coisa. Já a
arqueologia se diferencia
tanto uma existência material quanto um ticas discursivas que podem atravessar obras
por tomar discurso como domínio associado, relaciona-se com todo individuais, comentando-as na íntegra ou em
monumento, pois busca um campo adjacente, reatualiza outros parte; 4. Não se propõe à reconstituição do
descrever os próprios dis- enunciados, “figura em um campo definido, pensamento ou desejo no momento em que
cursos “enquanto práticas com uma posição determinada, em um jogo os discursos foram proferidos, a arqueologia
que obedecem a regras” enunciativo que a extrapola” (Foucault, 2005,
(p. 157). Esclarecemos que
se constitui na “descrição sistemática de um
p. 112). Não se busca atribuir “sentidos” discurso-objeto” (p. 158).
neste artigo quando se faz aos enunciados, mas relaciona-los com
referência a “documentos”
um campo de objetos. Abrem-se posições
não se adere a essa forma Em outras palavras, buscamos analisar
de analisar o discurso, não subjetivas possíveis ao invés de definir aos
a paternidade na sua articulação com a
se utiliza a palavra como enunciados um sujeito/autor. Em vez de
criminalidade sem tentar produzir uma
conceito teórico, mas se limitá-los, posiciona-os num domínio de
ontologia do “pai”. Indagar “sobre como
faz referência aos materiais coordenação e coexistência.
que compõem o corpus de
certos tipos de discurso produzem efeitos
pesquisa, pois se tratam de Analisar uma formação discursiva é, ontológicos ou operam através da circu-
documentos jurídicos.. pois, tratar um conjunto de performan- lação de movimentos ontológicos” (Prins,
ces verbais no nível dos enunciados e & Meijer, 2002, p. 159). A estratégia para
da forma de positividade que as carac- alcançar esse objetivo está em permanecer
teriza; ou, mais sucintamente, é definir no contexto dos próprios discursos: “não

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existe nenhuma forma de contestar esses constroem as posições diferenciadas para


tipos de gramáticas a não ser habitá-las de sujeitos no exercício das relações familiares
maneira que produzam nelas uma grande (pais, mães, filhos). Para esse objetivo, este
dissonância, que ‘digam’ exatamente aquilo documento se mostra bastante fértil.
que a própria gramática deveria impedir”
(Prins, & Meijer, 2002, p. 159).
Abandono afetivo
Tomamos como corpus de pesquisa a juris-
3 Derivado do latim O documento aqui analisado é um acórdão
prudência3, ou seja, as decisões concretas
jurisprudentia, de jus do TJSC que tinha como foco das enunciações
dos Tribunais de Justiça dos três estados da
(Direito, ciência do Direito) a questão do abandono afetivo, conforme as
região sul (TJRS, TJSC e TJPR), além do Tri-
e prudentia (sabedoria), informações da ementa referente à decisão
entende-se literalmente que bunal Regional Federal (4ª região) e Superior
de março de 2007.
é a ciência do Direito vista Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal
com sabedoria. Os roma- Federal (STF). A jurisprudência mostra-se TJSC 2006.015053-0. DIREITO
nos definiam-na, segundo campo fértil de análise tendo em vista sua CIVIL – OBRIGAÇÕES – RESPON-
Ulpiano, como o conheci- dupla importância temporal: seu caráter his- SABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO
mento das coisas divinas tórico, pois permite analisar como têm sido POR DANOS MORAIS E MATE-
e humanas e a ciência do utilizados alguns enunciados e seu caráter RIAIS – PROCEDÊNCIA DAQUELA
justo e do injusto: divinarum E IMPROCEDÊNCIA DESTA EM 1º
futuro, tendo em vista que a utilização de
atque humanarum rerum GRAU – INCONFORMISMO DE RÉU
notia, justi atque injusti suas enunciações serve como precedente para
E AUTORA – INSURGÊNCIA DO
scientia. Modernamente, legitimar decisões vindouras semelhantes. REQUERIDO – ILEGITIMIDADE PAS-
é jurisprudência aplicada Nesse aspecto, verifica-se a sua “potencia- SIVA AD CAUSAM POR OFENSAS
também no sentido de lidade normalizadora” (Perucchi, 2008), PROFERIDAS EM PROCESSO – ACO-
Ciência do Direito. É claro pois inova juridicamente ao estabelecer e LHIMENTO – PROCRASTINAÇÃO
o sentido literal: o Direito esmiuçar, pela interpretação das leis, normas DO FEITO – RESPONSABILIDADE
aplicado com sabedoria DO SISTEMA LEGAL-JUDICIÁ-
que não estavam explícitas no texto legal. Os
(Silva, 2000). RIO – AUSÊNCIA DE DANOS
efeitos da jurisprudência, como dispositivo de
MORAIS – INEXISTÊNCIA DE ILÍ-
4 Acórdão – Designação poder “incidem no cotidiano familiar, na vida
CITO – INCONFORMISMO DA REQUE-
dos julgamentos proferi- de homens e mulheres nestes novos arranjos RENTE – VALOR ÍNFIMO – ABAN-
dos por tribunal. sociais contemporâneos. Opera por meio DONO MORAL DO FILHO PELO
de um conjunto de regras constitutivas das PAI – MAJORAÇÃO DO QUANTUM
práticas discursivas que normalizam modos POR DANOS MORAIS – QUAN-
de vida, atividades familiares, profissionais, TIA ADEQUADA - DANOS MATE-
de consumo e de sociabilidade” (Perucchi, RIAIS – NEXO CAUSAL ENTRE ILÍCITO
2008, p. 62). E DECRÉSCIMO FINANCEIRO DA
AUTORA – AUSÊNCIA – RECURSOS
CONHECIDOS – PROVIMENTO PAR-
A pesquisa foi realizada no acervo virtual CIAL AO DO RÉU E IMPROVIMENTO
das instâncias jurídicas citadas acima, cru- AO DA AUTORA
zando descritores reacionados aos termos
paternidade e criminalidade. Ao todo foram O pai que se omite em cuidar do filho,
selecionados 208 acórdãos4. Os materiais abandonando-o, ofende a integridade
foram lidos e analisados, seguindo seus psicossomática deste, acarretando ilí-
cito ensejador de reparação moral. O
movimentos, deslocamentos, modificações
sofrimento do filho abandonado pelo
e permanências na articulação entre pater- pai gera à figura materna daqueles
nidade e criminalidade. A análise completa danos morais, principalmente quando
compõe a tese de doutoramento da primeira a consequência desse sofrer é decisiva
autora. Para esta escrita, optamos por apre- na formação da personalidade como
sentar um acórdão referente à ação movida um todo unitário.
contra um homem pai por abandono afetivo.
Não analisaremos juridicamente a decisão, Propomos uma circulação por essas enun-
julgando como procedente ou não essa ciações, seguindo suas pistas, trilhas, rastros.
demanda. Interessam-nos as enunciações que Como nos alerta Butler (2003a), “parece

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que cada texto possui mais fontes do que com os mecanismos da justiça do que com
pode reconstruir em seus próprios termos. uma busca deliberada do requerido protelar
Trata-se de fontes que definem e informam o desfecho do processo.
a linguagem do texto, de modo a exigir uma
exegese abrangente do próprio texto para A terceira demanda, o dano moral por aban-
ser compreendido” (p. 11). Percorremos esse dono afetivo, carrega os jogos enunciativos
documento buscando o que está aqui dito e que aqui nos interessam. Nessa demanda, há
as condições de possibilidade que permitem uma necessidade de enunciar a importância
a esse(s) desembargador(es) dizer(em) o que da figura paterna, possibilitando que anali-
aqui diz(em). Não se trata apenas de análise semos enunciados em ação. Inicialmente,
do texto que configura esse acórdão, mas dos sustenta-se a importância do convívio familiar
textos que compõem esse texto. Tomamos como um direito da criança e do adolescente,
cada citação utilizada nesses materiais como estabelecido pelo Estatuto da Criança e do
uma nova pista a ser buscada. Partimos de um Adolescente – ECA (Brasil, 1990), salientando
primeiro material que foi se multiplicando a necessidade da dupla parental.
nessas buscas e atravessamentos.
Outrossim, o ECA, regulamentando o
5 Apelação – termo origi- Trata-se de uma Apelação Cível , decorrente
5 supramencionado dispositivo, prevê,
nado do latim appelatio, de uma ação por danos morais e materiais dentre os direitos fundamentais da
que é usado no mesmo criança e do adolescente, o direito ao
interposta pela mãe de um filho “abandonado”
sentido originário: recurso respeito e à dignidade como pessoas
interposto de juiz inferior pelo pai. O filho obteve o reconhecimento
humanas em processo de desenvolvi-
para superior. Designa um de paternidade e indenização por abandono mento (art. 15, ECA), bem como o de
dos recursos que se pode afetivo em outro processo. Ou seja, a mãe, serem criados e educados no seio de
utilizar a pessoa prejudi- por ter assumido afetivamente sozinha o filho, sua família (art. 19, ECA). O direito à
cada pela sentença, a fim acusa o pai de abandono afetivo e busca convivência familiar expressa, dentre
de que, subindo a ação indenização por danos morais. outros desdobramentos, o direito dos
para superior instância, e, filhos de serem acompanhados em seu
conhecendo está o seu desenvolvimento tanto pelo pai, como
mérito, pronuncie uma É necessário conhecer algumas particu-
pela mãe (TJSC 2006.015053-0).
nova sentença, confirman- laridades desse acórdão. O pedido da
do ou modificando a que mãe por danos morais sustenta-se em três
se proferiu na jurisdição de pontos: 1) as ofensas que sofreu ao longo A definição do convívio como direito, pode
grau inferior (Silva, 2000). do processo; 2) a demora de 13 anos no ser compreendida como uma construção
reconhecimento da paternidade, pelo recente, atrelada à elaboração do ECA. Dias
6 Interessante que nesse (2010), relembra que anterior ao ECA, em
documento há um voto pedido de investigação solicitado pelo
contrário às decisões pai, mesmo sabendo que o filho era seu; processos de separação, o filho passava a
tomadas pela maioria, ou e, 3) o acompanhamento do sofrimento do residir com um dos genitores, aquele que
seja, dos três juízes um menor pelo abandono afetivo do pai após detinha a guarda, “expressão que significa
discordou, procedimento a abertura do processo de reconhecimento verdadeira ‘coisificação’ do filho, colocan-
que, na maioria dos acór- de paternidade. Ao longo do texto, cada do-o muito mais na condição de objeto do
dãos lidos, não ocorreu. que sujeito de direitos” (Dias, 2010, p. 430).
ponto é julgado. A decisão, pela maioria6,
Esta característica nos Com a prioridade direcionada à criança, os
possibilita conhecer algu- teve a última demanda contemplada, mas
as outras não. No caso das ofensas sofridas dois pais permanecem atrelados aos direitos
mas enunciações e suas
contestações, além de ao longo do processo, primeira demanda, e deveres do poder familiar.
explicitar certos jogos de a defesa alegou que os ataques pessoais à
saber/poder. mãe do investigante faziam parte de uma O convívio familiar passa a ser descrito, não
tática. Além disso, o processo tramitou em apenas pela coabitação, mas pela determi-
segredo de justiça e as ofensas teriam sido nação de práticas afetivas. A definição desse
proferidas pelo advogado e não pelo reque- direito da criança não se restringe à satisfação
rido pai. Em relação à segunda demanda – a das necessidades dos filhos, mas, sustentada
demora no processo de reconhecimento de pelo saber psi, avança para a prescrição de
paternidade –, argumenta-se que o tempo relações cotidianas suficientemente adequa-
para resolução da ação tem mais relação das do ponto de vista psíquico.

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A grande evolução das ciências que familiar, caberia a cada um dos membros,
estudam o psiquismo humano veio a tarefas e funções específicas. Nesse sentido,
escancarar a decisiva influência do o Direito entra na família, acompanhado
contexto familiar para o desenvolvi- do saber psi, para prescrever, determinar e
mento sadio de pessoas em formação.
fiscalizar tarefas e funções específicas para
Não mais se podendo ignorar essa rea-
lidade, passou-se a falar em paterni- os agentes que ali se encontram. Eis que se
dade responsável... O distanciamento constrói, nesse documento, um lugar de pai,
entre pais e filhos produz sequelas de uma função paterna que precisa ser neces-
ordem emocional e reflexos no seu sariamente exercida pelo homem, possível
sadio desenvolvimento. O sentimento de ser acionado caso não venha a ocupa-la.
de dor e de abandono pode deixar
reflexos permanentes em sua vida (p. No âmbito da relação parental, sendo
106). (TJSC 2006.015053-0). os pais os orientadores da entidade
familiar, há que se reconhecer a impor-
Podemos pensar que uma das condições que tância da existência tanto da figura
torna possível acionar um membro da família materna como da paterna para a for-
mação do indivíduo, cabendo a ambos
por abandono afetivo é um movimento nos
os pais o dever de oferecer aos filhos
próprios modos de compreender a(s) famí- amparo e afeto, criando-os e educan-
lia(s). Pensando em imagens de família em do-os com o carinho indispensável à
algumas épocas históricas, Roudinesco (2003) formação da sua personalidade (TJSC
analisa as demandas políticas lançadas à famí- 2006.015053-0).
lia. Numa imagem de família “tradicional”,
o objetivo principal estava em assegurar a
transmissão de um patrimônio, subordinada à Pater viril
lógica patriarcal e assentada numa ordem do
mundo imutável. Já a família “moderna” (final O exercício da parentalidade aparece ini-
do século XVIII) funda-se no amor român- cialmente direcionada a ambos mas, na
tico e obedece à lógica afetiva, atribuindo sequência, se constrói o enunciado em prol
autoridade ora dividida entre Estado e pais, da paternidade como elemento necessário
ora dividida entre pais e mães, semelhante e diferenciado da maternidade. Analisando
ao jogo de forças presente nas enunciações a diferenciação binária da parentalidade é
em análise nesse acórdão. Na família “con- possível conhecer o que se constitui como
temporânea”, surgida a partir de 1960, os polo para a paternidade, suas características,
indivíduos buscam relações íntimas ou rea- demandas, normatividades. Que característi-
lização sexual e a transmissão de autoridade cas atribuem-se ao homem pai? Que jogos de
vai se configurando numa problemática por saber poder evidenciam-se nessa produção
conta das recomposições conjugais. Dessa de paternidade? Que discursos possibilitam
rápida recuperação histórica, é interessante esse investimento na figura paterna?
pensar que, no auge da afetividade, há certa
cristalização das questões de autoridade e A ausência das funções paternas já se
apresenta hoje, inclusive, como um
produção de categorias para o exercício das
fenômeno social alarmante e provavel-
relações familiares, o que poderia estar em mente é o que tem gerado as péssimas
transformação e se caracterizar como certa consequências conhecidas por todos
“crise” contemporânea. nós, como o aumento da delinquência
juvenil, menores de rua e na rua, etc.
Apesar das diferentes nuances nas imagens E isto não é um fenômeno de deter-
de família e dos direitos das crianças e ado- minada classe social. Certamente, nas
classes menos favorecidas economica-
lescentes produzirem obrigações em outros
mente, o abandono material é maior,
sujeitos e instâncias (a família, a sociedade e pois se mistura também com a questão
o Estado), é a família que recebe a responsa- política de abandono de Estado, que
bilidade maior. Partindo da “lógica e natural” também exerce em muitos casos, uma
responsabilização da família, as enunciações função paterna e de o ‘Grande Outro’.
passam a descrever o que, nessa instância Esta ausência paterna e o declínio do

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pater-viril está acima da questão da histórico das categorias identitárias, assim


7 Butler (2003a) propõe estratificação social. É um fenômeno como invisibilizam as diferenças e “inter-
uma crítica genealógica e consequência das transformações secções com modalidades raciais, classistas,
à produção de sujeitos sociais iniciadas com a revolução étnicas, sexuais e regionais de identidades
políticos, em especial, feminista, a partir da redivisão sexual
discursivamente constituídas” (p. 20). A inter-
à categoria “mulheres”. do trabalho e a consequente queda do
patriarcalismo (solicitado autor livro ferência das transformaçõessociais aparece
Nessa crítica, alerta para o
processo de ocultação e Groreninga e Pereira, 2003, p. 225) como um processo que deturparia a função
naturalização das opera- (TJSC 2006.015053-0). “natural” e “a-histórica” do pai, no exercício
ções políticas que efetivam da autoridade e também a função da mãe.
a construção dos sujeitos. Nessa citação, enunciados se atravessam
Numa simples represen- As enunciações estabelecem a primazia
compondo jogos de verdade, produzindo
tação de sujeitos, há um dessa problemática – ausência paterna – em
imbricado e simultâneo
associações que fundamentam certa articula-
ção entre ausência paterna e consequências relação a alguns outros marcadores sociais
processo de produção
desses sujeitos. sociais – delinquência juvenil e menores de (estratificação social, abandono material).
rua. Mas não apenas essa associação está em Eis a produtividade do enunciado: exclui
8 Utilizamos o termo pa- jogo: fala-se de juventude, de desigualdade ou minimiza os efeitos de outras relações de
rentalidade com o objetivo social, de abandono do Estado, transforma- poder nos fenômenos colocados em questão
de descolar a categoria (aumento da delinquência juvenil, menores
ções sociais, feminismo, patriarcalismo. Ana-
de gênero vinculada
lisamos essa enunciação a partir da produção de rua e na rua, dentre outros).
ao exercício parental,
colocando em questão de sujeito que está aqui posta de uma forma
a dicotomia presente ao bastante peculiar: o pai está aqui produzido Além disso, a definição da paternidade
se falar em maternidade na sua ausência. No discurso jurídico que como categoria explicativa é possível no
e paternidade. Segundo contempla as questões de paternidade, os acionamento de sua diferenciação em
Uziel et al. (2006), essa lugares de sujeito são múltiplos – o pai, relação à maternidade. Caso contrário,
terminologia, apesar da mesmo que na ausência; o filho, a ser pro- estaria falando de parentalidade8, ou de
pouca usualidade no co-
tegido como instância prioritária; a sociedade forma mais ampla, do papel da família.
tidiano, foi estabelecida a
partir do vocabulário fran- que sofrerá as consequências de exercício, Investigando a “categoria” jurídica nomeada
cês (traduzida do original ou não, da paternidade e o Estado como de “abandono afetivo”, há prevalência de
parentalité) com o intuito instância substitutiva da autoridade paterna. processos acionando o pai por abandono
mesmo de evitar a generi- afetivo. Em menor número estão processos de
ficação do termo, própria As noções jurídicas de poder parecem abandono afetivo em que a mãe é acionada.
da língua portuguesa. regular a vida política em termos pura- Nos casos da mãe, confirmado o abandono
mente negativos – isto é, por meio de
afetivo, a mesma perde o poder familiar.
limitação, proibição, regulamentação,
controle e mesmo, “proteção” dos indi-
Tasch (2010) explica que na jurisprudência
víduos relacionados àquela estrutura de Santa Catarina, os casos de abandono
política, mediante uma ação contin- por parte da mãe geralmente referiam-se
gente e retratável de escolha (Butler7, à avaliação dos modos de vida dessa mãe
2003a, p. 18). (várias eram usuárias de álcool e/ou drogas),
culminando com a extinção do poder fami-
A categoria “pai” está sendo construída, liar. Nesse sentido, configura-se o abandono
potencializada e/ou regulada pelas mes- afetivo materno quando, através de uma
mas estruturas de poder através das quais avaliação moral, entende-se que esta mãe
busca legitimação ou através das quais é “não possui condições psicológicas e morais
solicitada a prestar contas. Além disso, nas para proporcionar uma formação saudável
importantes ressalvas de Butler (2003a) aos e digna a seus filhos” (Tasch, 2010, p. 13).
pressupostos presentes na discussão da
produção e ocultação de sujeitos políticos, Já no caso dos homens pais – geralmente
há a invocação de um “antes” – premissa ações ajuizadas pelas mães juntamente com
de um sujeito anterior a ser representado seus filhos – o processo não busca a retirada
e a invocação de uma identidade comum do poder familiar. Pelo contrário, expressa-
acionada pela nomeação dessa categoria. mente, busca manter esse vínculo e pleiteia
Ambos os pressupostos retiram o caráter a responsabilização através da determinação

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de uma indenização por danos morais. Nesse coerência no contexto da matriz heterosse-
9 Apesar disso, em outras caso, a permanência do poder familiar e o xual? Matriz heterossexual ou heteronorma ou
decisões jurídicas, o pagamento da indenização são pensados heterossexualidade compulsória são modos
Brasil tem construído um ambos como uma punição. Segundo Dias de explicitar uma operação permanente e
enunciado importante em (2010), num caso assim, a perda do poder gritante, mas ao mesmo tempo invisibilizada,
termos de isonomia. Cabe que exige unidade entre sexo, gênero e desejo
familiar, isoladamente, poderia “constituir-se
lembrar a decisão do STF,
não em uma pena, mas uma bonificação por (homem, masculino) de forma oposicional
em 2011, que atribuiu à
união estável homoafetiva abandono” (p. 450). à outra unidade de sexo, gênero e desejo
o reconhecimento como (mulher, feminino).
entidade familiar (STF Há certo mal-estar vinculado ao exercício
477.554, 16 de agosto A coerência ou a unidade interna de
da parentalidade masculina, como se o pai
de 2011). É exatamen- qualquer um dos gêneros, homem ou
sempre quisesse da paternidade fugir. Será mulher, exigem assim uma heteros-
te nesses embates que
que a paternidade seria um campo em que sexualidade estável e oposicional...
ficam claras as colagens
em relação ao casa- o masculino estaria colocado como pro- A instituição de uma heterossexuali-
mento/conjugalidade e blemático? Será que o lugar problemático dade compulsória e naturalizada exige
parentesco/parentalidade. do masculino em relação à parentalidade e regula o gênero como uma relação
Haja vista a polêmica em constitui-se a partir da explicitação do caráter binária em que o termo masculino
relação ao reconhecimen- construído dessa relação? diferencia-se do termo feminino, reali-
to da união entre casais zando-se essa diferenciação por meio
homoafetivos ser legitima- de práticas do desejo heterossexual
da como casamento e o As demandas associadas ao exercício materno (Butler, 2003a, p. 45).
temor do desdobramento e paterno aparecem distintas, apesar da
desse reconhecimento na mesma categorização: “abandono afetivo”. Ao fazer referência a “pai” e “mãe” como
legitimação do parentesco Ao pai, os jogos enunciativos demandam o categorias distintas e opostas na forma como
dos casais legitimados por exercício da autoridade (colocando como devem exercer a sua relação parental, a
essa via. Nesse sentido, consequência a ausência de figura de auto-
muitos projetos de lei só
enunciação nos remete ao binarismo e à
ridade). Já à mãe reivindica-se o cuidado, cristalização dessa matriz9. Partir do fato,
são aprovados quando
provando ou não sua negligência. Atualizam- tomado como incontestável, de que para
estabelecem claramente
uma separação do casa- se binarismos: feminino/masculino, cuidado/ gerar uma criança necessita-se de uma
mento com as questões autoridade, corpo/mente, natureza/cultura. pessoa do sexo masculino e outra do
do parentesco. A demanda ao pai por afeto, no abandono sexo feminino, bem como limitar a isso as
afetivo, poderia ser considerada uma sub- possibilidades de vínculo parental é o que
10 Fassin (2011) mostra versão a essa coerência binária, não fosse
que nos Estados Unidos
Fassin10 (2011) descreve como naturalização
o enunciado produzir o afeto como coisa ou biologização da filiação. A filiação tinha
da América a polêmica
do debate se refere à sa-
distinta para pai e mãe. No caso do que se sua dimensão social e cultural reconhecida
cralização do casamento, apresenta no documento, o afeto masculino pelos especialistas do Direito de família até
já no contexto francês a seria exatamente o exercício da autoridade. os anos 1990 e a retomada naturalista da
sacralização está vincula- filiação vem à tona precisamente quando
da à filiação e à nacio- Problematizar essa construção binária é colo- surgem reivindicações homoparentais.
nalidade. O autor tem car em questão os limites das especificidades Enfatizar o caráter biológico da filiação
uma reflexão interessante
do que se direciona para homens e mulheres, surge como estratégia para argumentar a
sobre a sacralização, ex-
plicando que ela refere-se para pais e mães, para o masculino e feminino. limitação de direitos homossexuais sem
ao processo de naturali- Será sempre a paternidade uma referência assumir discursos explicitamente homo-
zação: “o que se sacra- ao binarismo heterossexual? Poderíamos fóbicos (Fassin, 2011).
liza, em uma sociedade pensar em paternidade como um exercício da
democrática, é aquilo que parentalidade sem o atravessamento da matriz Essa dualidade primária é produzida teo-
se estima essencial e que heterossexual? Seria possível estabelecer essa ricamente como uma condição para exis-
se busca, então, retirar mesma demanda jurídica – dano moral por tência e constituição do sujeito na ordem
da esfera da deliberação
abandono afetivo do filho – no caso de um simbólica – herança de teorizações psi. Numa
política para conceder
o estatuto de verdade casal homossexual? Seria possível o uso do entrevista de Butler com Rubin (2003), essa
absoluta que transcende mesmo enunciado, caso os dois sujeitos questão é colocada sob suspeita, em especial
a história” (p. 11). fossem nomeados “pais”? Em que medida pelo caráter essencialista do âmbito simbó-
a categoria “pai” só alcança estabilidade e lico, como se ele fosse anterior a qualquer

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construção social, uma relação simbólica reitera-se a norma heterossexual, pois não
que precederia qualquer vida social. se consideram as crianças que escapam a
esse restrito formato. Como pergunta Pre-
Há algo intrinsecamente problemático ciado (2013), “Quem defende a criança
11 Queer não está sendo em qualquer ideia de que, em certa queer11?”. A dupla original (pai e mãe) nos
utilizado por Preciado medida, a própria linguagem ou a remete ao drama edipiano, não como uma
(2011) como um neologis- capacidade para adquiri-la requer uma
fase de desenvolvimento ou em um tempo
mo às minorias sexuais, diferenciação sexual enquanto diferen-
ciação principal. Se os seres humanos
definido, mas como uma precondição da
mas como movimento de
fossem hermafroditas ou se reproduzis- individualização. Entretanto, nas sociedades
“desterritorialização da he-
terossexualidade” (Preciado, sem de forma assexuada, imagino que estudadas por Lévi-Strauss, que serviram de
2011, p. 14). A potência ainda seriam capazes de falar (Rubin, & base para essas formulações, o parentesco
do conceito está em situar Butler, 2003, p. 166). nas relações de casamento e descendência
o corpo não como “um “eram a estrutura social. Elas organizam quase
dado passivo sobre o qual A dupla origem se configuraria como começo toda a vida social ou então constituíam o
age o biopoder”. Queer mais importante e visível aparato institucio-
invariável – homem no lugar de pai e mulher
está sendo utilizado para
no lugar de mãe. Todas as possibilidades nal” (Rubin e Butler, 2003, p. 190). Já nas
nomear o “monstro sexual”,
onde as minorias tonam-se divergentes dessa premissa sacralizada sociedades urbanas modernas, as questões
multidões. “A sexopolítica encontram-se à margem das possibilidades de parentesco não funcionam da mesma
torna-se não somente legitimadas de parentesco, em especial as forma, no sentido da estruturação da vida
um lugar de poder, mas, demandas homoparentais. Perde espaço social. Isso não quer dizer que o parentesco
sobretudo, o espaço de também a filiação monoparental, pois tam- perde sua importância, tendo em vista que,
uma criação na qual se bém colocaria em questão a possibilidade a partir dele, uma série de práticas se torna
sucedem e se justapõem possível – como é o caso do judiciário nos
os movimentos feministas,
de exercício da parentalidade por apenas
uma das figuras parentais. A adoção por documentos analisados.
homossexuais, transexuais,
intersexuais, transgêneros, solteiros seria a prova de que existem regimes
chicanas, pós-coloniais” de filiação distintos. Contrapondo “a ‘ilusão As relações de parentesco estariam, então,
(Preciado, 2011, p. 14). antropológica’, segundo a qual ‘a’ cultura – a serviço da heterossexualidade compul-
ou somente ‘a nossa cultura’ – determinaria sória e também as identidades de gênero
verdades atemporais, a ideia de que a ordem derivariam, em certa medida, das relações
simbólica da filiação é histórica, isto é, que de parentesco. Pensar a parentalidade
se trata de uma ordem definida por escolhas com figuras que colocam em questão a
políticas” (Fassin, 2011, p.14). Em relação heterossexualidade seria questionar a pos-
ao material aqui analisado, as enunciações sibilidade de perpetuação dessa matriz e,
negam a possibilidade de exercício monopa- por conseguinte, colocar a transmissão da
rental da filiação sob pena de descaracterizar cultura (heterossexual) também em risco.
a demanda da mãe ao pai que abandonou o Subversão dessa lógica questionando os
filho. Considerar possível e legítimo que uma termos que a constroem.
mãe ou um pai assuma individualmente as
responsabilidades da filiação, desconfigura Se compreendermos a lei como uma
estrutura anterior e transcendente às
a responsabilização da outra figura.
manifestações sociais, políticas e,
necessariamente, históricas, o simbó-
As condições de possibilidade da construção lico será apresentado como uma força
desse enunciado – de que para a origem da que não poderá ser modificada e sub-
criança devem existir pai e mãe como duplo vertida sem a ameaça da psicose ou da
ponto de referência –, segundo Butler (2003b), perversão. Ao contrário, se compreen-
repousam “em um conjunto de pressuposi- dermos a lei como algo que é vivido
e constantemente reiterado de forma
ções que ecoam a posição de Lévi-Strauss
imanente às relações de poder, as pos-
em The Elementary Structures of Kinship sibilidades de modificação e subver-
de 1949” (p. 244). Esse clamor em nome são, inclusive do simbólico, não neces-
da criança carrega em si o pressuposto de sariamente significarão uma ameaça à
que essa criança também seria (ou deveria cultura e à civilização (Arán, & Peixoto
ser) heterossexual. Em nome “da criança” Júnior, 2007, pp. 142-143).

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Nesse sentido, não haveria uma correspon- estão atreladas ao casal heterossexual, as
12 Foucault (1995) retoma dência direta entre o exercício de uma relação relações de poder decorrentes dessas análises
dois significados da parental exercida por um pai e/ou uma mãe produzem efeitos hierarquizantes tomando
palavra sujeito: “Sujeito real e as posições ou figuras imaginárias que como forma “natural” a matriz heterossexista.
a alguém pelo controle e sustentam simbolicamente o sujeito. Há
dependência, e preso à
que se pensar com que concepção de pai O que se coloca em questão são os modos
sua própria identidade por
uma consciência ou auto- se lida nessas práticas discursivas, que pai como essas formulações agem constituindo
conhecimento” (p. 235). é reivindicado pelo saber psi e que pai está e posicionando sujeitos e, ao mesmo tempo,
Desconstrói-se a perspec- sendo reivindicado nos materiais jurídicos, sendo constantemente constituídas na forma
tiva comum de que o po- a partir de uma interpretação e usos deste como os sujeitos reais se posicionam em
der subordina os sujeitos saber. Percorrendo os textos que são tomados relação a elas, ou seja, a operação perfor-
desde fora. Para Foucault como base para o acórdão, compreende-se mática do parentesco (Butler, 2003a). A
e assumido também por
que o pai e a paternidade são reivindicados parentalidade, constituída na heterossexu-
Butler, o poder é algo que
constitui o sujeito.
no seu papel universal como base do saber alidade compulsória diferencia o exercício
psi a respeito da constituição de sujeito. a partir de sujeitos posicionados como pais
13 Na análise, buscamos ou mães. Em decorrência, a paternidade e
os textos completos que Ainda que Édipo fosse universal... isso a maternidade são fabricadas conforme um
foram utilizados para cita- de maneira alguma confirmaria a tese arranjo social prévio e a-histórico.
ções no acórdão. de que ele é a condição da cultura: essa
tese pretende saber que ele sempre fun-
ciona da mesma maneira, isto é, como Cabe analisar alguns termos com os quais a
condição da própria cultura. Mas se paternidade é construída nesse documento.
Édipo é interpretado em sentido amplo, Um deles é “Pater viril” (conforme citação
como um nome para a triangularidade anterior), uma expressão peculiar presente
do desejo, então é relevante pergun- na citação do acórdão e nos materiais
tar: que formas essa triangularidade encontrados nas pistas das enunciações.
assume? (Butler, 2003b, p. 256-257) O estranhamento à expressão surge pela
redundância. Não seriam todos os pais viris?
Negligencia-se a produção histórica e cultural A redundância aqui serviria exatamente para
que possibilita ao pai ocupar determinados marcar a impossibilidade de pensar a “função
lugares e eis que a tarefa deveria ser exa- paterna” para além da presença ou referência
tamente “pensar pai, mãe e filhos como a um corpo masculino. Um corpo mascu-
lugares de sujeito instituídos socialmente lino dotado de pênis, ativo, heterossexual,
e historicamente; pensar a identidade indi- potente – viril.
vidual, familista e edipianizada como uma
forma histórica de constituição de sujeitos, Seguindo a trilha dos materiais que compõem
de produção de subjetividades” (Albuquerque o documento pesquisado13, encontramos uma
Junior, 2005, p. 117). Nesse sentido, o Édipo reflexão deste autor sobre as transformações
circunscreve-se a uma realidade social, a contemporâneas que posicionam diferente-
saber, a família nuclear burguesa da sociedade mente mulheres e homens em função da
moderna Ocidental, apesar de ser tomada “grande revolução da sexualidade mascu-
como essência para toda e qualquer subje- lina” – a invenção da pílula da potência – o
tividade (Albuquerque Junior, 2005). Viagra. Segundo Pereira (2002), o comprimido
“vem anunciar a fé no significante maior da
Buscando compreender a constituição do masculinidade de nossa cultura: garantia de
sujeito, explicita-se a subjetividade como potência ao símbolo fálico. Portanto, ele é a
condição de potência e efeito das relações promessa de sustentação da cultura fálica tão
de poder. Sujeito é um lugar ambíguo, pois ameaçada no pós-feminismo” (p. 1).
é a condição de possibilidade de uma forma
de potência e, ao mesmo tempo, efeito de O apelo à construção de um “pater viril”,
um poder anterior12. Se os modos de subje- assegura o exercício da paternidade a um
tivação contemporâneos ou as formas como determinado sexo, remete esse sexo a um
os explicamos em algumas teorizações psi corpo que seria natural e anatomicamente

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diferenciado. Para que se problematize essa responsabilidade civil” (Pereira, 2012, p. 8).
estratégia de produção distinta de corpos É com base nessa construção técnica – que
humanos, evidenciando os jogos de poder, é estabelece a afetividade como cuidado – que
interessante pensar a respeito da construção é possível atribuir responsabilidade aos pais
social do gênero e do sexo. Não evidenciar para além da obrigação alimentar e exigir
essa construção, ou seja, “colocar a dualidade sanções ao seu exercício, quando conside-
do sexo num domínio pré-discursivo é uma rado inadequado.
das maneiras pelas quais a estabilidade interna
e a estrutura binária do sexo são eficazmente Seguindo o rastro dessa categoria jurí-
asseguradas.” (Butler, 2003a, p. 25). dica – “Abandono Afetivo”, chego à decisão
14 Esse documento não mais recente do STJ14. A decisão de abril de
fazia parte do arquivo Entendemos gênero, inspiradas nas proble- 201215 avalia se o abandono afetivo “constitui
montado a partir da pes- matizações de Butler (2003a), como perfor- elemento suficiente para caracterizar dano
quisa na jurisprudência,
matividade “efeito de uma prática reguladora moral compensável” (STJ 1159242). A enun-
mas foi aqui inserido como
um desdobramento, no que busca uniformizar a identidade por via de ciação da ministra relatora busca legitimar o
sentido de compreender as uma heterossexualidade compulsória” (p. 57). cuidado como um valor jurídico. “O cuidado
condições e enunciações A univocidade do sexo, a coerência interna dentro do contexto da convivência familiar
referentes à categoria jurídi- do gênero e a estrutura binária para o sexo e leva à releitura de toda a proposta constitucio-
ca do “Abandono Afetivo”. gênero são consideradas ficções reguladoras nal e legal relativa à prioridade constitucional
que consolidam e naturalizam regimes de para a convivência familiar” (STJ 1159242).
15 STJ 1.159.242 -
poder. Não existe uma substância ou iden- Para tanto, o texto do relatório resgata a teoria
SP Recurso especial
(2009/0193701-9) tidade de gênero por trás das expressões de de Winnicott para mostrar a importância do
gênero. O que se entende como gênero está cuidado na constituição infantil.
Julgadores: Nancy Andrighi
(Relatora), Massami Uyeda, constantemente sendo “constituído perfor-
mativamente, pelas próprias expressões tidas [...] do lado psicológico, um bebê
Sidnei Beneti, Paulo de Tar-
como seus resultados” (Butler, 2003a, p. 16). privado de algumas coisas correntes,
so Sanseverino e Ricardo
mas necessárias, como um contato
Villas Bôas Cueva.
afetivo, está voltado, até certo ponto, a
Data do julgamento: 24 de Encontramos nessas enunciações jogos de perturbações no seu desenvolvimento
abril de 2012. verdade a respeito do sexo, gênero e desejo emocional que se revelarão através de
CIVIL E PROCESSUAL CI- que buscam manter uma unidade estável dificuldades pessoais, à medida que
VIL. FAMÍLIA. ABANDONO através da heterossexualidade compulsória. crescer. Por outras palavras: a medida
AFETIVO. COMPENSA- Nos materiais, fala-se da importância e das que a criança cresce e transita de fase
ÇÃO POR DANO MORAL. para fase do complexo de desenvolvi-
peculiaridades necessárias ao exercício
POSSIBILIDADE. mento interno, até seguir finalmente
da paternidade, não simplesmente como
uma capacidade de relacionação,
o exercício de uma relação parental, mas os pais poderão verificar que a sua
se constrói o enunciado na diferenciação boa assistência constitui um ingre-
da paternidade em relação à maternidade. diente essencial. (Winnicott, 2008)
Tal atributo busca estabilidade num corpo (STJ 1159242).
masculino, que, por sua vez é tomado
como uma evidência natural – a diferença A enunciação legitima o cuidado como uma
sexual, que não facilita a compreensão de conduta a ser avaliada, prescrita e cobrada
seu caráter produzido. nas instâncias competentes. “Não se discute
mais a mensuração do intangível – o amor
“Amar é faculdade, cuidar é – mas, sim, a verificação do cumprimento,
descumprimento, ou parcial cumprimento, de
dever” uma obrigação legal: cuidar” (STJ 1159242,
p. 10). Esse movimento responde à crítica
O afeto é construído como autoridade no feita a esses processos pela impossibilidade
âmbito do Direito em geral, “vai além do de obrigar um pai ou uma mãe a amar seus
sentimento, e está diretamente relacionado à filhos. Através da diferenciação entre amor e
responsabilidade e ao cuidado... por isso pode cuidado, “o amor é faculdade, cuidar é dever”
se tornar uma obrigação jurídica e ser fonte de (STJ 1159242, p. 11), normatizam-se modos

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de cuidar e, por consequência, se possibilita a Na educação e na criação dos filhos,


mensuração do cuidado. A medida do cuidado não há um molde perfeito a ser obser-
se verifica em diferentes ações: “presença; vado, pois não há como medir o grau
de atenção, de carinho e de cuidados
contatos, mesmo que não presenciais; ações
dispensados pelos pais a sua prole, pois
voluntárias em favor da prole; comparações cada componente da célula familiar
entre o tratamento dado aos demais filhos tem também a sua história pessoal...
– quando existirem –, entre outras fórmulas Assim, imprescindível apoiar-se sobre
possíveis que serão trazidas à apreciação do firme substrato e esclarecer que o aban-
julgador, pelas partes” (STJ 1159242, p. 11). dono afetivo apenas ocorre quando o
Se o afeto fosse somente uma expressão de progenitor descumpre totalmente seu
dever de cuidado, infringindo flagrante-
amor, a reivindicação por responsabilidade
mente as mais comezinhas obrigações
civil não encontraria legitimidade. para com seu filho (STJ 1159242, p. 42).
dos filhos que comparecem em juízo
brandindo a só ausência de amor e Além disso, em nenhuma família há como
carinho de seus pais. Nesses casos, o se ter garantias dos efeitos positivos na vida
pai (ou a mãe, ou ambos) até se desin- dos membros. Essa é a principal enunciação
cumbe do dever de prestar auxílio do voto vencido, explicitando uma proble-
material ao filho, mas não dá a este o matização ética, através dos efeitos desse
carinho, a atenção e o amor necessá- tipo de decisão.
rios. Aqui é pacífica a inexistência de
abalo moral indenizável, tendo em Qualquer pessoa poderá dizer assim:
vista a máxima segundo a qual não se mas estou sendo preterido em relação
pode obrigar a gostar de quem quer que aos meus irmãos e qualquer dado subje-
seja, nem mesmo dos próprios filhos tivo poderia motivar um pedido de inde-
(TJSC 2011043951-1, apud Pereira, nização por dano moral. Ora, isso faria
2012, p.4). com que quantificássemos ou potencia-
lizássemos as mágoas... Então, abrir essa
Para que seja possível responsabilizar o pai porta aqui, reconhecer isso como um
direito não podemos, com todo o res-
civilmente é necessário que o enunciado
peito. Existe uma lesão à estima. Todos
explicite o dano causado pela falha paterna, nós. (STJ 1159242, pp. 16-17).
no caso pela omissão do cuidado. A cons-
trução argumentativa de um dano reside
No documento do TJSC, o relator procura
na produção da determinação causal entre mostrar a responsabilidade paterna que foi
ausência paterna e problemas na constituição negligenciada e os efeitos dessa ausência,
subjetiva do filho. Nesse sentido, invisibi- ressaltando os princípios constitucionais
lizam-se diversos outros fatores presentes que não foram observados por conta dessa
na história de vida de uma criança/filho(a) omissão. Várias são as formas de dizer sobre
para que seja ressaltada a ausência paterna. a ausência paterna e as suas consequên-
Da mesma forma, invisibilizam-se inúmeros cias para o desenvolvimento infantil e a
aspectos da vida daquela criança/filho(a), para sociedade, salientando as peculiaridades do
se ressaltar apenas os problemas, tomados exercício da paternidade e a necessidade de
como efeito direto dessa ausência. valorização dessa função. Além do enun-
ciado em prol do direito da criança e da
Não apenas a prescrição e mensuração do divisão de tarefa com a mãe, as formulações
cuidado estão colocadas em questão, mas que clamam pelo pai revestem-se de um
o seu efeito no desenvolvimento infantil. pânico relacionado à ausência desse ente. As
Entretanto, o julgamento do STJ também consequências não cessam de serem listadas
teve uma divergência (assim como no caso e a indenização é posta como forma de
em análise). No voto vencido, há uma valorização da própria paternidade.
interpretação importante em relação aos
estudos psicológicos que servem de base A valorização da paternidade, nessas enun-
para o enunciado do dano. ciações, é necessária como resistência às

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transformações sociais que deslocaram O exame de DNA ocupa um lugar pri-


16 Conforme problemati- as posições historicamente cristalizadas vilegiado no âmbito dos exercícios de
zado em trabalho anterior de homem e mulher. As mudanças, com poder por parte do discurso jurídico
(Moreira, & Nardi, 2007), exatamente por tornar visível e atribuir
importantes implicações para as relações de
uma análise clássica des- um estatuto de verdade ao que era, até
gênero, são tomadas como perda e busca-se então, suposição. Os desdobramentos
ses cuidados, dentro da
estabelecer uma diferença do que seria o políticos do uso dessa tecnologia na
perspectiva feminista, é o
estudo de Badinter (1998) lugar simbólico do pai e a mudança real nas esfera jurídica são inúmeros e comple-
sobre a construção do relações de gênero, como forma de legitimar xos. A tese, defendida enfaticamente em
amor materno. Analisando a supremacia paterna. alguns enunciados da jurisprudência,
a França do século XVII e da eficácia do DNA tem conseguido,
principalmente XVIII, perío- Não se pode confundir a mudança do por exemplo, corroborar ou refutar os
do caracterizado pela prá- sistema patriarcal com a desvaloriza- testemunhos acerca da índole da vida
tica materna de entregar ção da figura paterna. A denúncia da sexual de uma mulher envolvida como
os filhos às amas-de-leite opressão do homem sobre a mulher, “pólo passivo”, ou seja, quando não é
e que se contrapõe às e a igualdade de direitos, não pode ela a autora do processo, nas investi-
práticas atuais de cuidado significar a mudança de posição do gações de paternidade (Perucchi, &
materno. Ao analisar tal pai. Esse sempre ocupará o lugar de Toneli, 2008, p. 146).
período, Badinter (1998) representante da lei, pois afinal isto
propõe o questionamento é determinante para a estruturação Nessa perspectiva, a problemática da ação de
do amor materno, enquan- dos sujeitos. A consideração das abandono afetivo está localizada na explici-
to um sentimento femi- diferenças, e não da igualdade é que
nino natural e universal, tação de que, a comprovação da vinculação
possibilitará a aproximação do ideal
salientando que conforme genética não produz facilidade maior para a
de justiça, bem supremo do Direito
a sociedade valorize ou (Pereira, 2003, p. 144). vinculação afetiva. Se o Direito institui o pai,
deprecie a maternidade, a através da atribuição da paternidade, o Estado
mulher será em maior ou encontra seu limite na dificuldade para fazer
menor medida uma “boa” Há também uma discussão que nos aponta
com que esse pai se torne um pai presente
mãe. A autora mostra para a primazia da biologia no âmbito da
afetivamente e não apenas financeiramente.
que o “amor materno” paternidade, através da confirmação da
foi sendo construído ligação genética. Espera-se que dessa liga-
no final do século XVIII. ção biológica decorra uma ligação afetiva, Entretanto, mesmo que se entenda a pater-
“A ‘invenção’ do amor
quase como instintiva. Exatamente na falha nidade como um exercício construído: “um
materno estava associada pai, mesmo biológico, se não adotar seu filho,
ao discurso econômico
desse mecanismo instintivo, que deveria
jamais será o pai” (Pereira, 2002, p. 4), a
(importância da população ser automático, reflexo, chama-se a ação
possibilidade de recusa da paternidade não é
e controle da mortalidade) da justiça, entra em cena o Estado.
tida como legítima, ou como um direito desse
e filosófico (expressão do
amor através das ideias do pai. Em texto explicativo sobre o programa
Semelhante a essa discussão (natureza x “Pai presente”17, do Conselho Nacional de
Iluminismo), situando as
cultura), em discussões feministas ocorria Justiça, Dias (2012) explica a importância de
mulheres como interme-
diárias e interlocutoras
o intuito de desmontar o mito do instinto notificação do genitor para o reconhecimento
entre o Estado e a família materno – um amor incondicional que brotaria ou o comparecimento para submeter-se ao
e localizando-as como res- naturalmente em cada mulher ao se descobrir exame de DNA, tendo em vista que a recusa
ponsáveis pelo futuro das mãe. Ou seja, mesmo quando a mãe gera em submeter-se ao exame de DNA gera a
nações” (Moreira, e Nardi, biologicamente uma criança, a crítica femi- presunção de paternidade, conforme Lei
2009, p. 572). nista16 mostrou o caráter produzido/inventado no 12.004 de 2009 (Brasil, 2009).
17 Programa instituído que liga afetivamente a mulher à criança,
por meio do Provimento evidenciando as exigências e prescrições Ninguém vai querer assumir a paterni-
no 12/2010. Determina que são demandadas nessa filiação. dade, que impõe obrigações e encar-
às Corregedorias de gos, se tem a chance de relegar tais res-
Justiça dos Tribunais de Através do que está dito nesses materiais, a ponsabilidades para um futuro às vezes
todos os Estados que bem distante. As consequências dessa
paternidade retoma essa ambição biológica,
encaminhem aos juízes os omissão são severas. Subtrai do filho
nomes e dados dos alunos antes direcionada apenas à maternidade, o direito à identidade, o mais signifi-
matriculados em esco- atrelando a confirmação da vinculação cativo atributo da personalidade. Tam-
las sem o nome do pai, genética à possibilidade de demandar uma bém afeta seu pleno desenvolvimento,
para que deem início ao vinculação afetiva. pois deixa de contar com o auxílio de

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quem deveria assumir responsabilida-


des. (Dias, 2012, p. 1) ante a ausência do requerido na vida
procedimento de averigua- do menor era uma hipótese perfeita-
ção de paternidade, institu- mente previsível por parte da autora,
ído pela Lei no 8.560/92. “A Hennigen e Guareschi (2008) apontam que não me parecendo razoável que ela,
iniciativa busca aproveitar ainda há brechas na lei, no sentido dos sabendo dessa situação, venha pleitear
os 7.324 cartórios com deveres paternos, mas permanecem formas em juízo uma indenização por danos
competência para registro de regulação e controle da subjetividade18. morais em nome próprio, com base no
civil do país para dar início sofrimento experimentado pelo filho
“Cada vez mais aparecem conhecimentos,
ao reconhecimento de (TJSC 2006.015053-0).
paternidade tardia. A partir informações, dados, depoimentos e toda a
da indicação do suposto ordem de indicação de que o pai precisa
pai, feita pela mãe ou filho participar da vida dos(as) filhos(as)” (Henni- Forte jogo enunciativo que coloca em questão
maior de 18 anos, as infor- gen e Guareschi, 2008, p. 89). Nos materiais o fato dessa mãe ter se relacionado com um
mações são encaminhadas tomados aqui em análise, a paternidade não homem casado. Julga-se moralmente o rela-
ao juiz responsável. Este, é posta como direito do pai, muito menos cionamento da mãe e a decisão “dela”19 de ter
por sua vez, vai localizar e se supõe a possibilidade de renunciar a ela: um filho nessas condições. Não à toa, a estra-
intimar o suposto pai para tégia da defesa foi desqualificar a honra da
“Assim, a convivência dos filhos com os
que se manifeste quanto apelante, dizendo inclusive que ela mantinha
a paternidade, ou tomar
pais não é direito do pai, mas direito do
filho. Com isso, quem não detém a guarda relacionamento com outros homens, o que
as providências necessá-
tem o dever de conviver com ele. Não é não ficou provado no processo. A forma como
rias para dar início à ação
investigatória” (CNJ, 2012). direito de visitá-lo, é obrigação de visitá-lo” o documento analisa a conduta da mulher
(TJSC 2006.015053-0). O direito em primeiro parece uma fixação da moral conservadora
18 O investimento na plano é o do filho, contemplado com o diante das transformações sociais. Fonseca
paternidade está presente (2011) aponta que, anteriormente, “qualquer
exercício adequado da paternidade iniciado
também em outras áreas. situação que indicava a possibilidade da
Müller (2012), analisando com o reconhecimento.
mulher possuir mais de um parceiro sexual,
documentos da área de
servia para exonerar qualquer homem de
saúde pública no Brasil Está também colocado o direito da mulher/mãe
(elaboração e implanta- responsabilidade paterna” (p. 14). Com base
contar com a divisão da parentalidade para
ção da Política Nacional em observações da prática jurídica, a autora
que não assuma sozinha a tarefa que seria de
de Atenção Integral à mostra que houve transformações e hoje a
responsabilidade dos dois. “A requerente não
Saúde do Homem, 2009), inovação tecnológica é tomada pelos juízes
mostra que o investimen-
interpôs ação indenizatória em nome do filho
como maneira de evitar discussões moralistas.
to na paternidade parte pelos abalos morais por ele enfrentados, mas
“Se a mulher é virgem ou prostituta, se o
da estratégia da fragiliza- sim em nome próprio, pleiteando a reparação
homem é companheiro dela durante vinte
ção e vulnerabilização do pelos abalos que ela, como genitora do menor,
anos ou uma só noite, a resposta do juiz
homem-pai, buscando-se teve que suportar ao acompanhar o sofrimento
um encadeamento onde
é a mesma: vamos ver o que diz o DNA”
do filho abandonado” (TJSC 2006.015053-0).
é necessário “cuidar do (Fonseca, 2011, p. 14).
Porém, no documento, fica evidente que o
pai para que ele possa
direito da mãe acionar o pai por abandono
ser também um cuidador” Além disso, se a lei não mais diferencia
(Müller, 2012, p. 212). Na
não é aceito tranquilamente.
filhos que são concebidos dentro do con-
análise da “emergência trato de casamento, outrora chamados de
de um novo pai na res- Ouso dissentir da maioria por entender
que os fatos narrados pela autora não legítimos, daqueles externos aos parâmetros
significação da paterni-
configuram, no presente caso concreto, matrimoniais, por que essa mulher deveria
dade como um direito
do homem” (p. 213), o hipótese de dano moral à sua pessoa... presumir uma paternidade ausente? Aqui
exercício da paternidade A meu ver, o sofrimento alegado pela se explicita de maneira bastante intensa a
não estava aberto a qual- autora é condizente com as peculia- colagem da parentalidade com a conjugali-
quer possibilidade, mas ridades do seu envolvimento com o dade enquadrada com a moldura fracamente
marcado por questões de requerido, pois era do seu conheci- envernizada da moral. Os efeitos dessa
dever, de responsabilida- mento que o réu já tinha uma famí-
colagem se transformam em desigualdade
de e de direito. lia constituída com esposa e filhos, e
mesmo assim, a requerente optou por e hierarquização de filhos considerados legí-
19 No documento, a manter com ele um relacionamento timos ou bastardos. A posição da mulher mãe
responsabilização da de longos anos, vindo, inclusive, a ter desloca-se de mulher vítima para mulher
reprodução está colocada com ele um filho. Nesse cenário, o promíscua. Deslizamento construído e
unicamente nos ombros da sofrimento experimentado pela mãe enraizado na dicotomia ‘santa x puta’.

Abandono Afetivo: Afeto e Paternidade em Instâncias Jurídicas


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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO,
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Considerações Finais múltiplos dispositivos de poder. Há


todo um campo associado que merece
mulher: “a requerente op- atenção. Assim, é importante avaliar o
A necessidade de análise dos termos que efeito de discursos reconhecidos como
tou por manter com ele um
relacionamento de longos circulam nesses jogos enunciativos se científicos sobre o conjunto de práticas
anos, vindo, inclusive, a ter fundamenta na concepção de que é nessa e discursos que constitui a jurisprudên-
com ele um filho” (TJSC construção discursiva que se posicionam e cia brasileira acerca da paternidade
2006.015053-0). Essa se produzem diferentemente os sujeitos. Na (Perucchi & Toneli, 2008, p. 146).
enunciação contraria várias enunciação do voto vencido, evidencia-se o
formulações do campo da processo de produção de jogos de verdade. A forma como acontece essa produção de
saúde que, conforme indi- Mesmo nessa enunciação do voto vencido paternidade precisa ser problematizada,
ca Müller (2012), buscam que não tem força de lei, pois não se des- inclusive na Psicologia. Mesmo que se
legitimar a participação do
dobra nas ações indicadas, estão lá jogos de saliente a importância da paternidade,
pai nas diferentes instân-
cias e etapas relacionadas verdade, temporariamente não contemplados. Valente, Medrado e Lyra (2011) mostram que
ao planejamento familiar, essa não ocorre na forma de um convite,
com o objetivo explícito Além disso, os limites de “ganhar” ou mas como imposição ou sanção, produzindo
de ampliar e deslocar a “perder”, “defesa” e “acusação” são também formas de resistência. “A paternidade
responsabilidade sobre as embaralhados nas enunciações. No caso é fabricada pela técnica médico jurídica, ao
práticas contraceptivas, da presente pesquisa, essas enunciações mesmo tempo, parece resistir como uma ver-
antes restritas às mulheres.
explicitam construções sociais, históricas dade eminentemente social” (Valente et al.,
20 Colocamos em ques- e culturais a serem analisadas com bas- 2011, p. 69).
tão o reconhecimento tante cuidado, pois produzem sujeitos,
espontâneo porque há, em especial o sujeito pai. Na nomeação Enquanto empresta legitimidade, o reconhe-
por exemplo, no Pro- compulsória da paternidade pelo exame cimento jurídico regula os termos do que será
grama Pai Presente do de DNA ou na presunção de paternidade, considerada paternidade ou não. Tal processo
CNJ, um investimento caso haja negativa em fazer o exame, ou
intenso na importância do possibilita questionar qual a atratividade da
ainda no reconhecimento “espontâneo”20, há busca dessa legitimidade? Qual o custo desse
reconhecimento paterno.
Nesse sentido, espon- movimentos de produção de pai. A palavra reconhecimento (pensando que há sempre
tâneo refere-se ao fato legitimada pelo Estado através das instâncias um campo de exclusões nessas definições)?
do pai aceitar colocar jurídicas define um pai e dessa nomeação No caso do documento analisado, o jogo
o nome na certidão de decorrem muitas outras práticas que serão entre legitimação e regulamentação é bastante
nascimento sem que seja reguladas – atribuição de um sobrenome, complexo. A legitimação do Estado já estava
necessária a realização sucessão, dever de alimentos e, no limite, dada – o reconhecimento da paternidade
do exame de DNA. afeto ou a ação por abandono afetivo. realizado, mas de certa forma não garantia
a efetividade do exercício da paternidade. A
O discurso jurídico institui a atribuição
legitimação só se efetivaria pela regulação
de níveis valorativos à paternidade,
classifica-a, nomeia-a, define seu lugar dessa legitimação. Se a lei o aponta como
no arranjo familiar e sua importância o pai, é necessário que se estabeleçam os
na vida social. Mas não faz isso sozi- critérios de avaliação de quem poderá ser
nho, conta com outros discursos e seus considerado pai.

Abandono Afetivo: Afeto e Paternidade em Instâncias Jurídicas


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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO,
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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO,
2015, 35(4), 1257-1274 Lisandra Espíndula Moreira & Maria Juracy Filgueiras Toneli

Lisandra Espíndula Moreira


Universidade Federal de Alagoas, Maceió – AL. Brasil.
E-mail: lisandram@ig.com.br

Maria Juracy Filgueiras Toneli


Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis – SC. Brasil.
E-mail: juracy.toneli@gmail.com

Endereço para envio de correspondência:


Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Departamento de Psicologia. Campus Universitário Trindade, Florianópolis – SC. Brasil.

Recebido: 15/06/2013, 1ª Reformulação: 20/01/2014, Aprovado: 03/07/2015.

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