Você está na página 1de 56

Casos Clínicos

em
Psiquiatria Sumário
UMA PUBLICAÇÃO DO Departamento de
Psiquiatria e Neurologia da Faculdade de
Medicina - UFMG e da Residência de Psiquiatria Editorial ..................................................................................................1
do Hospital das Clínicas - UFMG

Editor Geral Auto-relato


Maurício Viotti Daker Quinze delírios ..........................................................................................2

Diretor Executivo
Geraldo Brasileiro Filho
Artigos Originais
Comissão Editorial Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas y
Alfred Kraus • Antônio Márcio Ribeiro Teixeira • Betty terapéuticas................................................................................................10
Liseta de Castro Pires • Carlos Roberto Hojaij • Carol Pilar Sierra San Miguel, Lorenzo Livianos Aldana, Luis Rojo Moreno
Sonenreich • Cassio Machado de Campos Bottino • Cleto
Discinesia tardia com predomínio de distonia ........................................13
Brasileiro Pontes • Erikson Felipe Furtado • Irismar Reis
Guilherme Assumpção Dias
de Oliveira • Delcir Antônio da Costa • Eduardo Antônio
de Queiroz • Eduardo Iacoponi • Fábio Lopes Rocha • Ataxia prolongada associada à intoxicação por lítio ...............................18
Flávio Kapczinski • Francisco Baptista Assumpção Jr. • Yara Azevedo, Cíntia de Azevedo Marques, Eduardo Iacoponi
Francisco Lotufo Neto • Hélio Durães de Alkmin • Helio
Elkis • Henrique Schützer Del Nero • Jarbas Moacir Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels,
Portela • Jerson Laks • John Christian Gillin • Jorge perphenazine, and paroxetine: case report and literature review...........21
Paprocki • José Alberto Del Porto • José Raimundo da Luiz Renato Gazzola
Silva Lippi • Luis Guilherme Streb • Michael Schmidt-
Degenhard • Marco Antônio Marcolin • Maria Elizabeth
Uchôa Demichelli • Mário Rodrigues Louzã Neto • Caso Literário
Miguel Chalub • Miguel Roberto Jorge • Osvaldo Pereira Sales ...........................................................................................................29
de Almeida • Othon Coelho Bastos Filho • Paulo Machado de Assis
Dalgalarrondo • Paulo Mattos • Pedro Antônio Schmidt
do Prado Lima • Pedro Gabriel Delgado • Ricardo
Alberto Moreno • Roberto Piedade • Ronaldo Simões Patografia
Coelho • Sérgio Paulo Rigonatti • Saulo Castel • Sylvio Patografia de Vincent van Gogh ..............................................................32
de Magalhães Velloso • Talvane Martins de Moraes • Andrés Heerlein
Tatiana Tcherbakowsky Nunes de Mourão

Editora Caso Histórico


Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda (Coopmed) Freud e o uso de cocaína: história e verdade...........................................42
José Antônio Zago
Capa, projeto gráfico, composição eletrônica e produção
Folium Comunicação Ltda
Descrição Clássica/Homenagem
Periodicidade: semestral Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito .....................48
Michael Schmidt-Degenhard
Tiragem: 5.000 exemplares

Assinatura e Publicidade Seguimento ...........................................................................................53


Coopmed 0800 315936

Correspondência e artigos Index CCP ............................................................................................54


Coopmed
Casos Clínicos em Psiquiatria
Av. Alfredo Balena, 190 Normas de Publicação ................................................................55
30130-100 - Belo Horizonte - MG - Brasil
Fone: (31) 3273 1955 Fax: (31) 3226 7955

E-mail: ccp@medicina.ufmg.br

Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp

Capa:
Montagem de auto-retrato de Vincent van Gogh com
retrato de seu psiquatra Dr. Gachet.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):1-55


Editorial

Publicar uma revista de Casos Clínicos em Psiquiatria é uma Publishing a magazine for Clinical Cases in Pschiatry is an
iniciativa inspirada. Achamos que devemos nos empenhar para seu inspired enterprise. We think that we should strive for its success. The
êxito. O estudo do caso constituiu sempre a base, o ponto de partida e case study is the basis, starting point and the development field of med-
o campo de desenvolvimento da atividade médica: conhecimento dos ical work: knowledge of facts, formulation of nosology, theory elabora-
fatos, formulação da nosologia, elaboração das teorias, etiologias, desen- tion, etiology, treatment development and technical teaching. In his
volvimento dos tratamentos, ensino profissional. Na Introdução à Introdução à Psiquiatria Clínica (1990) Kraepelin tells us his
Psiquiatria Clínica (1990) Kraepelin explica sua intenção: oferece intention: offer the presentation of clinical cases carried on with his
sob forma de aulas escritas as apresentações de casos clínicos realizados students as written lessons. The cases are observed, described and the
com seus alunos. O caso observado, descrito, sendo selecionados os main aspects are selected to form a clinical nosological picture, a diag-
aspectos significativos para conceber um quadro clínico, um diagnósti- nosis. While Kraepelin analyzes the cases, he formulates and classifies
co. É na medida em que analisa os casos que Kraepelin formula e clas- the diseases. The reading of those lessons has allowed us to follow the
sifica as doenças. Podemos seguir, com a leitura destas aulas, o nasci- birth of psychiatric entities as Kraepelin.
mento das entidades psiquiátricas, conforme Kraepelin. It’s a classical procedure the understanding trials and explana-
Para identificar as alterações, lançar hipóteses etiológicas, tentati- tions of clinical cases, to identify their alterations and to start etiolog-
vas de entender, explicar, a apresentação do caso clínico é procedimen- ical hypothesis. Due to its importance, publishing books and maga-
to clássico e, devido a sua importância, publicar em livros e revistas os zines with cases was also a classical procedure. Questions, laboratori-
casos também era procedimento clássico. Indagações, pesquisas de labo- al researches, hypothesis were suggested and argued based upon clini-
ratório, hipóteses foram sugeridas e debatidas em torno do caso clínico. cal cases, besides its uses to exemplify, classify and argument in favor
Sem falar do seu uso para exemplificar, classificar, argumentar a favor of theory and of therapeutical proposals. The names of some cases
de teorias, de propostas terapêuticas. Nomes de certos casos tornaram- become emblematic: Ellen West, Susan Urban. The Elliot’s case (as
se emblemáticos: Ellen West, Suzan Urban. O caso Elliot (retomado described by Damasio in 1994 to enrich his thesis) appears in many
por Damasio em 1994, para ilustrar suas teses) aparece em vários estu- neurological and neurosurgery studies. The internal medicine took
dos neurológicos, neurocirúrgicos. O ensino da medicina interna usou advantage of published cases in magazines and even in tome books
muitas vezes a publicação de casos em revistas e mesmo em tratados de many times.
muitos tomos. As an exemplification, as an argument the clinical case is still a
Como exemplo, argumento, o caso clínico continua instrumento precious instrument. Many magazines have special section dedicated
precioso. Muitas revistas lhe dedicam seções especiais. Na psiquiatria o to them. In psychiatry the space dedicated to them is evidently small.
espaço que lhe é dedicado é evidentemente pequeno. Não se trata aqui This is not a "research" but if we observe few recent editions of psy-
de uma "pesquisa", mas examinando alguns números de revistas psi- chiatric magazines, we will find that in the year 2000 the first five edi-
quiátricas recentes, é óbvio: nos cinco primeiros números do ano 2000,
tions of British Journal of Psychiatry have no clinical case. It hap-
o British Journal of Psychiatry não inclui nenhum artigo dedicado
pens even in the April 2000 edition of Archives of General
a "caso clínico". Nem o número de abril de 2000 dos Archives of
Psychiatry. The 7th and 8th editions of the American Journal of
General Psychiatry. O American Journal of Psychiatry, em cada
Psychiatry of this year include one clinical case conference related
um dos números 7 e 8 deste ano, inclui um artigo de "clinical case
with cognitive behavioral therapy and another showing the characte-
conference", um relacionado com terapia cognitivo-comportamental,
ristics of twin sisters.
outro observando características de duas irmãs gêmeas.
The very important magazine Arquivos de Neuropsiquiatria
A valiosa revista Arquivos de Neuropsiquiatria (SP) dedica às
(SP) dedicates an unusual large section to the presentation of cases: in
apresentações de caso uma seção de proporções pouco comuns: no núme-
ro de junho de 2000, 60 do total de 200 páginas, e no número de setem- the June edition, 60 out of a total of 200 pages, and in the September
bro 70 entre o total de 200 páginas. Trata-se de casos neurológicos. edition, 70 out of a total of 200 pages. They are neurological cases.
Nas revistas psiquiátricas predominam (ou são exclusivos) artigos In psychiatric magazines, articles about epidemiology and basic
dedicados à epidemiologia e pesquisas básicas, com amplo uso de esta- research predominate (or are exclusive), creating a wide use of statisti-
tísticas, quantificação. Não podemos afirmar que isto represente o inte- cal and quantifications methods. We cannot affirm that this represents
resse dos estudiosos, mas é claro que as revistas exigem tal orientação, the interest of the scholars but it is clear that magazines have such ori-
e para os autores publicar se tornou quase uma questão de sobrevivên- entation, and for the authors, publishing is almost a survival problem
cia na carreira. in their career.
A quantificação, considerada critério de cientificidade, parece The quantification as a scientific standard is not applicable in the
pouco aplicável no "caso particular", embora o "caso único" seja reco- "particular case” although the "single case" is recommended as alter-
mendado como abordagem alternativa (Hersen M, p. 73-105) entre os native approach among methods from research in Psychiatry (LKG
métodos de Pesquisa em Psiquiatria (LKG Hsu, Research in Hsu, Research in Psychiatry, New York, Plenum Medical Book
Psychiatry, New York: Plenum Medical Book Company, 1992). Company, 1992)
Os módulos, o isolamento de elementos mínimos, (moléculas, neu- The modules, the isolation of minimum elements (molecules, neu-
rotransmissores, receptores) são parte importante das pesquisas atuais. rotransmitters, receptors) are important part of nowadays research. It
Claro que a apresentação do caso leva a um nível complexo de estudo, is known that the explanation of the case leads to a complex level of
pouco compatível com a abstratização estatística que os elementos ou as study that is not compatible with the abstractive statistical data
funções isoladas constituem. O relacionamento com os outros, as con- formed by elements or the single functions. The relationship, the
dutas da pessoa, objetos da psiquiatria, não podem ser limitadas a regis- behavior of people, subject of psychiatry cannot be limited as quantita-
tros quantitativos. Para pesquisá-los precisamos de conceitos e métodos tive records. To research them, we need to have concepts and methods
que não são os praticados na maioria dos estudos publicados. that are not used in the majority of the published studies.
Não consideramos que uma revista de casos clínicos pretenda cor- We do not assume that a magazine for clinical cases will fulfill all
rigir as omissões de outras publicações. Mas com certeza, ela nos evoca the omissions of other publications. But certainly we can call the idea
a "complementaridade", da qual as ciências humanas e as da natureza of "complementary", which is now widely spread by social and natu-
tanto falam. ral sciences.

Carol Sonenreich Carol Sonenreich


Diretor do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital do Servidor Director of the Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital do
Público Estadual - São Paulo Servidor Público Estadual - São Paulo
Auto-relato
QUINZE DELÍRIOS
FIFTEEN DELUSIONS

Luiz Ferri Barros Delirei que o próprio governador do Estado estava me per-
seguindo por minhas idéias políticas e que eu seria metralhado,
minha família também seria morta a tiros e minha casa seria des-
Na verdade não sou um bom contador de delírios. Isto por- truída por bombas.
que segue-se às minhas crises maníacas uma amnésia a respeito Então, alucinado, telefonei para o amigo com quem eu havia
das crises que vivi.
comprado maconha em sociedade e disse para ele:
Apenas com muita concentração e muito esforço de memó- _ “O governador está atrás de mim. Eu vou embora daqui para
ria, fui capaz de reunir aqui lampejos de lembranças para relatar
alguns momentos esparsos das grandes fantasias delirantes e alu- ele não matar minha família.”
cinatórias que já vivi. Meu amigo falou-me para eu ficar em casa porque ele ia me
Antes de relatá-los, no entanto, acho importante dizer como levar um médico. Eu disse que não, de jeito nenhum, porque
o delírio se estabelece. Ele não chega sem avisos. todos seríamos mortos. Desliguei o telefone, corri até a cômoda
As crises são precedidas por uma grande inquietação. Ocorre onde guardava a maconha, peguei o pacote, joguei na privada e
intensa agitação motora e insônia durante dois ou três dias. Não dei descarga.
sei onde ficar, nenhuma posição me acomoda. Depois saí correndo, descendo a escada na embalada, fugin-
Depois, vem aos poucos de início e em seguida velozmente,
do de casa. Mônica tentou me segurar, eu não deixei. Eu acha-
tomando conta de tudo, uma incontrolável euforia. A euforia é
uma sensação de bem estar, de poder, de plenitude. De força va que se saísse sozinho eu seria metralhado na rua e desta forma
perante o mundo. A euforia faz com que no meio de toda a des- pouparia Mônica e as crianças.
graça e sofrimento que é a loucura, ainda assim o mundo se apre- Mônica tentou segurar-me de todo o jeito e quando saí cor-
sente com inigualável grandiosidade e beleza. rendo pelo quintal e fui para a rua, ela saiu atrás de mim. Eu gri-
Com a euforia, o pensamento dispara e fica fora de controle. tava:
É quando se perde o nexo e idéias disparatadas começam a nos _ “Vai pra dentro. Fique em casa.”
ocorrer. Mantém-se concentração absoluta num assunto ou dis- E ela:
persão total de pensamentos com a mente correndo solta entre os _ “O que foi? O que está acontecendo?”
mais variados contextos. Ocorre o que Schreber muito bem defi- _ “Fique em casa. Vai para dentro.”
niu como “coação a pensar”. “A essência da coação a pensar con-
siste no fato de que o homem é forçado a pensar ininterruptamen- Para mim era uma questão de vida ou morte. Se ela viesse
te” e em grande velocidade. atrás de mim, seria metralhada também. Isto não podia acontecer.
Daí o pensamento começa cada vez mais a afastar-se da rea- Ela não podia morrer. O problema era apenas meu. Então eu gri-
lidade, criando uma nova realidade delirante em que se acredita tei de novo pra ela, na frente dos vizinhos que já tinham saído à
firmemente. Às vezes, esta realidade delirante não nos atinge por rua, para saber o que estava acontecendo:
completo, justapondo-se à realidade de fato. Então, algumas coi- _ “Não venha atrás de mim. Eu não gosto de você. Deixe-me
sas são interpretadas pela parte sadia de nosso cérebro, outras em paz. Eu tenho outra mulher. Eu tenho outra mulher, você
pela parte que está em delírio. Às vezes o delírio nos domina por não entende?”
completo. É quando perdemos a noção de nossos atos.
Ela chocou-se e se paralisou. Imediatamente uma vizinha
Quando se entra em delírio, encasquetando-se que uma
determinada coisa irreal está acontecendo, não é possível com- abraçou-a e ela acabou ficando parada, estupefata.
preender que os outros não percebam a mesma realidade. O Eu corri dez, quinze quarteirões, ou mais. Quando minha
mesmo ocorre quando se alucina, ouvindo vozes ou enxergando- força acabou, fiquei andando ao léu, sem saber mais onde estava.
se coisas inexistentes. Daí Mônica chegou de carro com meu cunhado, desesperada, e
eles me puseram dentro do carro. Eu gritava alucinado:
_ “Deixem-me descer. Eu vou me matar. Eu quero morrer sozi-
-1-
nho. Eles vão me pegar. Você não pode morrer comigo
De repente, uma manhã, achei que iria ser preso imediata- Mônica, você precisa cuidar das crianças.”
mente. Mas eu não achava que era só a polícia que estava atrás de Mônica tinha chamado meu pai e ao chegarmos em casa ele
mim e nem que eu seria apenas preso. já estava me esperando para levar-me ao médico da família -

Mestre e doutorando em Filosofia da Educação pela USP Endereço para correspondência:


Presidente do Projeto Fênix - Associação Nacional Pró-Saúde Projeto Fênix
Mental Travessa Dornelas França, 59 - Pompéia
05023-000 - São Paulo- SP
Extrato do livro Anjo Carteiro - A Correspondência da Psicose. Editora Imago, 0800 10 9636
Rio de Janeiro, 1996, ps.297/324 (edição esgotada; no prelo segunda edição pelo E-mail: lfbarros@fenix.org.br
Projeto Fênix - Associação Nacional Pró-Saúde Mental; reproduzido com autori-
zação do autor)

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 2


Quinze delírios

naquele tempo eu não tinha psiquiatra. Levei dez dias para sair Bebi mais de um litro de leite enquanto meu irmão dizia: “Isto,
do delírio. Luiz: leite, leite, leite.” (Ele havia encontrado uma forma de me
Naquele tempo eu e Mônica nos amávamos muito e ela, logo alimentar).
depois do choque, percebeu rápido que eu apenas dissera “Eu
tenho outra mulher” para impedir que ela me seguisse. Então,
desvencilhando-se da vizinha, tomou providências para me acu- -4-
dir. Com o passar do tempo o nosso amor sucumbiu às asperezas
da vida, até mesmo por causa das constantes situações de xeque- Em meu trabalho eu usava uma calculadora HP 38C, consi-
mate em que eu a colocava nos meus delírios e depressões. Um derada na época a melhor calculadora financeira existente e às
dia, muitos anos depois, ela chegou-se a mim e perguntou: vezes eu costumava carregá-la na cintura.
_ “Luiz, daquela vez que você saiu correndo de casa, lembra-se, Um dia cismei que minha calculadora era capaz de fazer
era mesmo verdade que você tinha outra mulher?” tudo. Não ela sozinha, naturalmente. Julguei que ela estivesse
Não era verdade e ela sempre soube disto, mas ao relatar o acoplada por radiotransmissão a uma central de computação
caso à sua mãe, esta a manteve em eterna dúvida. mundial, de espionagem estatal. Ela era um elo do Grande Irmão
de Orwell em 1984.
Primeiro falei com minha chefe, no alto escalão de uma
-2- Secretaria de Estado:
_ “Sabe, eu tenho participado de reuniões sigilosas e se alguma
Na praia, tive um delírio místico, religioso, em que eu me jul- informação importante vazar, a culpa não é minha, é de
gava um profeta. Eu estava em estado de beatitude e julgava que minha calculadora.”
todas as coisas aconteciam porque eu as fazia acontecer. Ela era psicóloga, por coincidência, e logo percebeu que eu
Se uma folha de árvore caísse ao vento era porque eu estava estava delirando. Telefonou para minha mulher e ela veio me bus-
olhando para ela e ordenando-lhe que caísse. Se uma pessoa car no escritório, tendo já marcado hora no meu psiquiatra. Eu
andasse era porque eu queria que andasse e assim por diante... fui com ela ao médico e chegando lá, mostrei-lhe a calculadora.
Logo depois entrei a estrebuchar. Pensei ter tido uma convul-
Que ele cuidasse dela porque ela é que era perigosa, estava desa-
são. Muitos anos depois, meu irmão médico, que estava comigo
justada; não eu.
na ocasião, disse que na verdade tive uma crise histérica. Eu bal-
Depois saímos do médico e enquanto Mônica dirigia, na
buciava sons ininteligíveis e para mim, dentro de mim, eu estava
Avenida Paulista, eu encaixei a calculadora no lugar do cinzeiro
falando com Deus em uma linguagem arcaica. Durante muito
do carro e lhe disse:
tempo eu julguei ter tido um contato com Deus, até que o tempo _ “Pode largar do volante, de tudo isto de controle mecânico do
passou e essa impressão se dissipou.
carro que é obsoleto e desnecessário. Já programei a calcu-
Acredito, no entanto, que muitas das experiências místicas,
ladora e em conexão com as centrais eletrônicas ela vai levar
sobrenaturais, possam ser fruto de delírios e alucinações doentias.
nosso carro até em casa.”
Assim como acredito que as religiões todas nada mais são do que
uma resposta que o homem criou para sua maior dor psicológica:
a solidão perante o destino e o universo. -5-

-3- Um delírio que me perseguia sempre, em várias crises subse-


qüentes, era o delírio da espionagem eletrônica. Para mim todos
Houve uma ocasião em que passei dias brigando com um os aparelhos eletrônicos, em especial os rádios e as televisões,
computador inexistente. Eu me alimentava muito mal. O compu- estavam conectados entre si mandando informações para uma
tador se comunicava comigo em linguagem binária e eu assim res- central nacional, às vezes mundial, de computação. Lá eu era
pondia a ele dentro de meu cérebro. A uma determinada altura, observado pelos senhores do mundo, como se eu fosse espionado
a briga se tornou uma livre associação de palavras. As palavras me pelo Grande Irmão de Orwell. Quando eu estava na rua, ou às
ocorriam em duplas, uma seguindo-se à outra em uma velocida- vezes à janela de minha casa, onde não havia aparelhos eletrôni-
de impressionante. Eu estava em Barra do Una e um dia meu cos, eu estava sendo filmado a grandes altitudes por aviões ou
irmão médico levou-me até o outro irmão, psicólogo, em Guaecá. satélites espiões que eu não via, mas tinha certeza que estavam lá.
Eu me alimentava muito mal. Não sei como foi, comecei o jogo Nas televisões eu sempre via um botão qualquer ou uma luz
de livre associação de palavras com meu irmão psicólogo. Eu que me filmavam. Então, a central de televisão podia me ver e
dizia uma palavra, ele dizia outra. Para mim, cada palavra devia escutar, da mesma forma que eu via e escutava o programa que
vencer a anterior, ser mais forte, dominá-la. E assim ficamos estavam passando.
longo tempo. A uma determinada altura cheguei à palavra “leite” Assim, durante dias, eu falava com o rádio ou a televisão,
e ele, sem me propor outra palavra, fixou-se na palavra “leite”. conversando ou com a emissora ou com os participantes do pro-
Eu propunha outras palavras e ele repetia: “leite”. Acabei tam- grama.
bém por me fixar na palavra leite e dizia: “leite, leite, leite.” Ele Já fiquei conversando, por este método delirante, com as
me dizia: “Isto, Luiz: leite.” Levantei-me da praia e, com ele ao grandes estrelas nacionais e internacionais de TV e também com
meu lado, fui até dentro de casa na cozinha, onde encontrei leite. Tatcher, Bush, Gorbatchov...

3 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9


Naqueles momentos, então, que o entrevistado, ou o ator, minhas pernas finas, logo concluí que de fato eu estava com
olha para a câmera e fala para os telespectadores, ah, eles estavam AIDS.
falando diretamente para mim... Eles me olhavam no olho. Então, Chamei a Mônica para irmos embora. Enquanto ela e as
eu também olhava no olho deles e respondia. crianças almoçavam rapidamente fui para fora da casa, esperá-los
De noite, em meu quarto, eu achava que havia câmaras de fil- na rua. Minha tia quis me levar de volta para a festa, me dar comi-
magem escondidas, filmando o meu sexo com Mônica. da e tal e eu nada. Queria ir embora pra casa, deitar na minha
cama.
-6- Quando Mônica veio com as crianças, pegamos o carro e
fomos embora. Havíamos andado uns vinte quilômetros talvez,
sem falarmos nada um ao outro, quando cheguei-me ao ouvido
De tarde, na praia, apareceu-me um relógio em visão. A visão
me acompanhou o tempo todo. Não importa o que eu fizesse, dela e falei baixinho:
_ “Eu estou com AIDS.”
para onde olhasse, o relógio _ sempre com a hora certa _ apare-
cia no fundo. Ela me respondeu:
_ “Fique quieto. Não fale uma palavra!”
Então, à noite, no apartamento de praia que meu irmão alu-
gava, veio-me a explicação da visão: “Vou morrer à meia-noite.” E Dirigiu até um retorno que havia na pista, onde pode parar o
fiquei com a idéia fixa de que ia morrer à meia noite. Mas não carro num lugar seguro. Mandou as crianças brincarem num
disse para ninguém. canto da praça e sentou-se comigo no meio de um gramado.
Às dez horas, por aí, Mônica, eu e as crianças saímos do apar- Disse-me, então:
_ “Fala Luiz. O que está acontecendo?”
tamento e fomos para o rancho que tínhamos em Barra do Una
_ “Eu estou com AIDS, Mônica. Peguei AIDS.”
antes de construir nossa casa. Arrumamos as camas e nos deita-
_ “Você fez alguma coisa para achar que tenha pego AIDS?
mos para dormir. A visão do relógio e a certeza de morrer à meia-
noite não me abandonavam, no entanto. Você saiu com alguém, fez alguma coisa assim?”
_ “Não. Eu juro que não fiz nada. Mas veja minha magreza.
Daí pensei:
_ “Eu sou como Matraga, chegou minha hora e minha vez. Veja como as pessoas me evitaram na festa...”
Como ele, não vou esperar meu destino passivamente: vou _ “Você está magro porque está em crise, isto sempre acontece.
enfrentá-lo.” Quanto às pessoas, foi você quem as evitou. Você quis vir
Saí do rancho e fui para a rua onde fiquei andando, pronto embora, não quis falar com ninguém.”
para brigar pela vida com quem viesse me desafiar. A rua estava _ “Eu estou com AIDS!”
vazia e eu não sabia de onde viria o inimigo. Eram onze e meia em _ “E como você pegou?”
meu “relógio-visão” quando pensei diferente: _ “Pelos mosquitos, você sabe. Pela picada dos pernilongos.”
_ “Se querem me matar, vão ter de vir à minha toca. Me pegar _ “Luiz, AIDS não se pega assim, você sabe disso. Agora, vou
no meu lugar.” lhe falar uma coisa e você preste muita atenção senão eu vou
Voltei para o rancho, afastei a cama das crianças e a da ficar muito brava com você. Nós estamos no meio da estrada.
Mônica e deitei-me num acolchoado bem em frente da porta. Faltam duas horas pra chegar em casa. Nós vamos entrar no
Antes de deitar, no entanto, peguei um facão de cozinha e segu- carro e ir embora pra casa. Lá nós conversaremos com calma.
rei-o na mão direita, firme, pronto para dar o golpe se alguém Mas, por favor, ouça o que estou lhe dizendo; isto é uma coisa
invadisse o lar de minha família. muito séria: você não vai falar mais neste assunto até chegar-
De manhã cedo, Mônica encontrou-me dormindo no chão mos em casa. Nós temos dois filhos pequenos que não podem
com a faca do lado. ficar pensando que o pai deles está com AIDS apenas porque
Enquanto eu esperava a meia-noite, dormi... E não morri. você está delirando. Entendeu?”
_ “Entendi.”
_ “Então vamos embora. Vou chamar as crianças.”
-7-
Viemos para São Paulo sem conversar uma palavra sequer
Fui a um churrasco no interior, na casa de um tio meu. Eu durante a viagem. Passei quase uma semana obcecado pela idéia
estava de bermuda curta, camiseta leve e um par de chinelos. de AIDS e pernilongos. Às noites, eu ficava acordado com uma
Chegando lá havia aquela festa toda, todo mundo animado, fes- toalha de rosto na mão matando pernilongos no quarto das crian-
teiros mesmo, e eu me senti muito mal porque todos estavam ves- ças.
tidos muito bem, traje esporte fino e só eu de bermudas e chine- Minha obsessão era evitar o contágio das crianças e para
lo. mim, em meu delírio, as formas de contágio foram se multiplican-
Como acontecia em outras crises, eu havia emagrecido em do. Ao fim de alguns dias eu tinha separado para meu uso exclu-
poucos dias mais de dez quilos. sivo copos, louças e talheres e não deixava ninguém usá-los além
Percebi que as pessoas me evitavam na festa e às vezes olha- de mim.
vam para mim de soslaio. É claro que me olhavam de soslaio e Estranhamente, o sexo, a própria forma de contágio da
evitavam vir falar comigo porque eu estava em delírio. Devia estar AIDS, não me incomodava. Eu não achava que a Mônica, minha
muito estranho. Mas eu achei que estavam me evitando porque parceira sexual, estivesse com AIDS. Apenas eu estava. Tinha
eu estava com AIDS. Percebendo minha magreza, olhando pego dos pernilongos.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 4


Quinze delírios

Daí ela teve de pegar os livros que tínhamos em casa sobre Neste delírio, após ser medicado em São Paulo, fui para a
AIDS e me fazer reler, explicando-me como se pegava a doença, praia com Mônica e as crianças e também com meu irmão médi-
como se eu nunca tivesse sabido. Depois me disse: co e sua família.
_ “Se você está tão preocupado, vá fazer um exame de sangue. Desta vez tive a maior impregnação de haldol de todas as
Mas eu lhe proponho outro teste. Você sabe que eu não estou minhas crises. Aliás, mesmo em minhas internações, nunca vi nin-
com AIDS. E que sou uma pessoa consciente, lúcida, que não guém tão impregnado quanto eu fiquei. O akineton não foi sufi-
quero pegar AIDS. Pois você também não tem, e para você ciente para deter a impregnação.
ter certeza disso eu lhe ofereço o meu corpo. Venha deitar Primeiro meu corpo ficou todo rígido e eu só me movimen-
comigo.” tava muito lentamente, com o andar estranho dos robôs.
Depois, uma tarde, fui acometido por um repuxamento mus-
-8- cular na nuca e no pescoço e eu ficava com o rosto de lado, com
a musculatura toda estirada. Meu maxilar se travou e o trismo não
permitia que eu abrisse a boca.
De uma das vezes em que estive internado, lembro-me de
Minha cunhada deitou-me numa esteira de taboa e me fez
estar amarrado na cama num dos quartos do Bezerra de Menezes
massagens. Assim fiquei sabendo que massagens não adiantam
e pensar que estava enterrado vivo numa espécie de catacumba
nada para isto.
que eu imaginava ser vizinha do cemitério do Araçá.
Meu irmão me pegou pelo braço, pôs-me no carro e levou-
Neste dia eu fiquei, talvez, amarrado das dez horas da manhã
me até a farmácia em Boissucanga. No caminho, havia enormes
até quatro da tarde. O delírio evoluiu. Após algum tempo eu não
máquinas de terraplanagem que abriam naquele tempo o novo
estava mais enterrado vivo. Eu era um morto sem condições de
leito da Rio-Santos.
ser enterrado.
A catacumba onde eu estava era uma espécie de purgatório Durante todo o percurso, eu achava que seríamos esmagados
com objetivos de purificação. Era um lugar intermediário entre o por aquelas máquinas imensas. Estava certo que elas estavam ali
Hospital das Clínicas e o Cemitério do Araçá para onde eram apenas para nos perseguir, triturando-nos entre suas pás e estei-
mandados os mortos de graves doenças infecciosas. Havia um ras. Os barreiros que havia no caminho tinham sido feitos de pro-
pessoal burocrata que decidia quem podia ser enterrado, e quem pósito pelas máquinas para nos fazer atolar. Depois elas viriam e
podia subia pelo elevador até o cemitério. Quem não podia, con- nos esmagariam enquanto estivéssemos atolados.
tinuava amarrado. (Não havia elevador no local). Em Boissucanga, na farmácia, na calçada do lado de fora,
Meu corpo estava numa estranha transmutação e de repente lembro-me de uma mulher índia com um facão na mão que olha-
eu não era mais eu. Perdi todas as esperanças de ser solto pois eu va para mim desconfiada. Eu tinha medo que ela me atacasse com
era, afinal, o vírus da AIDS que tinha sido isolado naquele estra- o facão.
nho lugar para ser estudado pelos médicos. Eu era um vírus e De fato, como eu estava, com a cabeça estirada de lado, o
tinha sido capturado. Meu corpo todo tinha sido envolto por uma maxilar teso, repuxando músculos faciais e andando feito robô -
película plástica para que não contaminasse ninguém. Após um acho que ela estava me estranhando. Lembro-me até hoje de seu
tempo, perdi as esperanças de ser solto e parei de gritar. Foi olhar fixo e seu facão enorme seguro pelo braço direito, em posi-
quando, um tempo depois, fui solto da cama. ção de alerta.
Andei até a sala de televisão sem ver ninguém e fiquei senta- Na realidade, ela estava mesmo preparada para me atacar,
do num dos bancos de madeira que havia no local. Os bancos tanto que meu irmão me puxou para dentro da farmácia, dizen-
estavam postos em L, como devem estar até hoje, e assim pare- do-me:
_ “Cuidado com a índia. Você não vê o facão dela e que ela está
ciam delimitar um espaço máximo de ação de cerca de dez metros
quadrados. Daí eu vi ao meu lado, sentado, assistindo televisão, pronta para atacar? Ela está com medo de você. Fique comi-
um companheiro paciente. Era um preto gordo, já um senhor, go. Não vá mais lá.”
bonacheirão, com um gorro enfiado na cabeça. Eu não sabia que Daí meu irmão me fez beber meio vidrinho de Fenergan e
ele estava vendo televisão. Nem sabia que ali havia televisão - eu poucos minutos depois, como por milagre, toda minha muscu-
não a via, pendurada alta na parede. Para mim, eu continuava latura se relaxou e eu me livrei da impregnação. O delírio com
preso para toda a eternidade naquele quadrado delimitado pelos as máquinas de terraplanagem, no entanto, continuou e eu vivi
bancos e o preto era o meu vigia. na volta até Barra do Una o mesmo terror de que elas iriam nos
triturar.
-9-
- 10 -
O haldol, assim como outros neurolépticos, causa efeitos
colaterais, comumente chamados de “impregnação” e que consis- Uma noite, na praia, fiquei de meia noite até sete horas da
tem basicamente numa crescente robotização dos movimentos manhã condicionando um bagre num balde de água.
por uma rigidez muscular que se espalha pelo corpo todo. Para Eu estava certo de estar progredindo em meu intento que era
deter a impregnação usam-se outros remédios junto com os neu- o seguinte: cada vez que eu batesse no balde três vezes “toc, toc,
rolépticos. toc,” o bagre viria até a superfície falar comigo. Então eu batia

5 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9


com um pau no balde “toc, toc, toc” e em seguida jogava comida migo tirara a tampa do barco com sensores remotos. Percebi a
de peixe na água. tempo que o barco estava destampado e voltei a tampá-lo. Sorri
De manhã cedo, vendo-me na faina com o balde, depois de comigo mesmo. Eram os sensores remotos deles contra minha
eu explicar o que estava fazendo, meu irmão me disse: “Agora é percepção e rapidez. Mudei de lugar no barco e controlei o nível
hora de escovar os dentes, olha a pasta para o bagre.” E eu, acredi- d’água. Remei com vigor e cheguei à margem de casa, muito abai-
tando mesmo no que fazia, peguei um pouco de pasta de dente e xo de meu terreno, devido à correnteza. Meu filho chorava, gri-
“toc, toc, toc,” joguei nágua para ele. tando do lado de lá do rio, na praia:
Nesta manhã meu irmão me trouxe para São Paulo para _ “Paiê, Paiê, vem me buscar...”
medicar-me e eu só concordei em vir depois que ensinei o pedrei- _ “Já vai, meu filho. Não sai daí. Não tenha medo, eu já vou
ro de minha obra a tomar conta do bagre. voltar.” (Entre nós havia um rio de 40 m de largura, corren-
Foi assim: eu fui com ele até o rio, soltei o bagre na do em grande correnteza).
margem e ele logo sumiu na água funda. Eu disse para o Os vizinhos vieram me ajudar a esvaziar o barco. Eles esta-
Armando: vam de óculos escuros: eram inimigos. Deixei-os fazer força sozi-
_ “Você não se preocupe. Ele está logo num buraco ali. De nhos para esvaziar o barco, não sou besta, vou deixá-los cansados.
tarde você vem até aqui e bate com este pauzinho na beira. Eles esvaziaram o barco e levaram-no até em frente a minha casa,
Vai fazer toc, toc, toc. Daí ele vem e você dá comida pra ele. no lugar de atravessar de novo. (Perderam a tampa do
Vê se cuida bem do meu bagre enquanto eu estiver em São barco mas eu sabia que era espionagem, roubaram a minha
Paulo.” tampa).
_ “Paiê, Paiê, me tira daqui...”
_ “Espera, espera. Não saia do lugar!”
- 11 -
Corri até o rancho. Encontrei uma tampa de lata de spray e
peguei a faca. Cortei um pedaço do plástico para ajustar no local,
Estava em transcurso uma revolução separatista. São Paulo arranquei o pedaço com o dente - meu inimigo me olhando,
novamente lutava contra o Brasil. (Hoje acho engraçada esta ver- vendo onde eu ia falhar para ele atacar - tapei o buraco do barco
são, pois, como paulista, nunca aceitei a expressão “revolução e atravessei de novo o rio.
separatista” e sim “revolução constitucionalista”). Sou paulista Peguei meu filho e voltei para casa. Falei para a Mônica:
ferrenho. Desci a serra, com Mônica e as crianças, para Barra do _ “Não dá pra ir à praia hoje. Os inimigos estão todos por aí.
Una. Minha missão era no litoral. Fizeram uma correnteza no rio que você precisa ver. Quase
À noite, antes de deitar, angustiado, eu disse à Mônica senta- me pegaram.”
do na cama, dentro do rancho:
_ “Se eu morrer, você diz ao Governador que eu morri por São
Paulo?” Ela disse que sim. Eu insisti: - 12 -
_ “Você promete?” Ela prometeu.
Dormi. Logo após a publicação de Memórias do Delírio, de minha
Acordei com Mônica vestindo o biquini. Ela estava defronte autoria, uma série de artigos e resenhas sobre o livro foram publi-
à janela aberta, de costas para a cama, amarrando o sutiã do cados pela imprensa. Para a resenha da revista Veja eu fui entre-
biquini. Eu comecei a chorar. Eu era um covarde. Minha mulher vistado. A reportagem que a revista publicou, com uma foto
precisava ficar mostrando os peitos para o inimigo, pela janela, minha, ainda que de costas, deu-me uma sensação incrível de des-
para que não bombardeassem o meu rancho. (A praia era deser- conforto pela grande exposição a que eu me submetia e principal-
ta e entre o rancho e a praia havia uma touceira de bambu; mente pelo fato de que considerei a matéria muito crua e dura,
Mônica não estava se exibindo, apenas estava à vontade, como o ainda que desse grande destaque ao livro. Logo comecei a deses-
local permitia). tabilizar-me. E em poucos dias eu estava em delírio.
Saí para levar meus filhos para a praia. Grudei o menor deles Semanas antes havia sido publicada uma resenha em
para atravessar o rio. (Entre meu terreno e a praia existe o Rio Curitiba. Por um erro de composição do jornal, a matéria que
Una. Havia chovido muito e o rio estava com grande correnteza). saiu sob o título da resenha e ao lado de uma reprodução da capa
Logo percebi que o inimigo, para me capturar, havia lançado mão do livro era uma notícia sobre o Cartel de Medellin. No dia
de um interessante ardil: ele baixara o nível do mar para o rio cor- seguinte é que o jornal publicou corretamente a resenha. Mas
rer ligeiro e eu me atrapalhar na correnteza. Vocês acham que isto fiquei com este fato na cabeça e quando a reportagem da Veja me
é impossível porque não conhecem a astúcia e os recursos de meu desestabilizou passei a achar que o jornal de Curitiba estava me
inimigo: ele fazia isto com gigantescas bombas hidráulicas na mandando uma mensagem cifrada. Que como eu falava mal da
barra do rio, onde o rio encontra o mar, escondido por trás da maconha no livro eu seria alvo dos traficantes do Cartel.
restinga de areia. Pus o menino no barquinho e saí remando em Passei uns quinze dias sendo perseguido pelo Cartel de
diagonal à correnteza. Dei risada. Era a força bruta deles contra Medellin. Para cada instante eu esperava um ataque. Minha famí-
a minha habilidade. Deixei o menino na praia e vim buscar o lia, como de hábito, de início lutou contra minha convicção deli-
outro, do lado de cá do rio. (O barco era pequeno; o rio estava rante, mas, a partir do momento em que ficou claro que eu esta-
forte: não dava pra levar os dois ao mesmo tempo). No meio do va com o delírio estabelecido, em seguida entrou no jogo. Não me
rio o barco começou a afundar. Logo percebi o que houve. O ini- contrariavam e apenas diziam que para que os traficantes pudes-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 6


Quinze delírios

sem me pegar teriam de pegar todo mundo. Em que pese o ligei- explosão. Eu me sentia uma bomba ambulante. O único cigarro
ro alívio em termos de segurança que eu sentia, passei a ficar que fumei tranqüilo, neste dia, foi no consultório de meu médico,
muito preocupado com todos da família e a sentir-me culpado que me garantiu que eu podia fumar e peidar o quanto quisesse
pela insegurança em que agora todos viviam. Apenas ao final de que não explodiria. Lembro-me até hoje da esdrúxula conversa
meu delírio, quando comecei a duvidar de minhas certezas, é que que tivemos, ele divertido e sério a me explicar que eu não corria
meus pais e irmãos fizeram força para me convencer de que nin- o risco de explodir.
guém me perseguia. A experiência com a risperidona não deu certo para mim;
Há sabedoria no ditado que diz que não se deve contrariar os pelo contrário, foi aterradora por deflagrar minha fase de delírios
loucos. Dá conforto ter gente a seu lado que “acredite” nas per- cenestésicos. Tive notícias, no entanto, de que o uso do remédio
cepções desvairadas. Negar, fazer força contra na hora errada, foi aprovado e de que alguns doentes têm-se dado bem com ele.
além de nos tornar mais isolados, às vezes faz com que pensemos Mesmo sem questionar a competência e a ética dos médicos que
que quem está contrariando a evidência do delírio está do outro conduziram este experimento, duvido, entretanto, que o protoco-
lado, faz parte dos “inimigos.” lo final deste teste discorra sobre a possível interferência desta
droga na instalação de delírios cenestésicos. Possivelmente, por-
que sou uma irrelevância estatística.
- 13 -

Em 1993, minha instabilidade era tão grande, eu entrando e - 14 -


saindo sucessivamente de crises alternadas de depressão e euforia
que meu médico sugeriu-me e acabou por convencer-me e à O uso da risperidona, ainda que por pouco tempo, deixou-
minha família de que seria interessante tentar uma nova medica- me de herança os delírios cenestésicos que voltei a ter mesmo sem
ção. Havia também a conveniência de se tentar um novo neuro- estar mais usando esta droga. Sei lá o que aconteceu, ela deve ter
léptico, pois o uso a longo prazo que eu fazia do haldol estava aberto algum novo tipo de sinapse patológica no meu repertório
dando sinais de estabelecimento da discinesia tardia. (A discine- neurológico.
sia é um sintoma colateral da medicação e que se caracteriza por Sei que um dia eu precisava ir a um cartório no centro da
aqueles esgares de lábio tão marcantes da loucura. Em grande cidade para passar a escritura definitiva de um imóvel que eu
parte dos casos, é efeito de remédio e não sintoma da doença). havia vendido muitos anos antes. Peguei meu carro e fui. Ou,
Eu concordei, esperançoso, e entrei na “aventura de ser antes, tentei ir.
sujeito experimental de um medicamento que estava em teste no Não pude lá chegar porque a meio caminho envolvi-me no
Brasil, antes de ser lançado no mercado”. Era a risperidona. O centro de uma revolução. Era, para repetir o enredo, alguma
experimento foi conduzido na USP e na UNICAMP, entre outros coisa de confusão de São Paulo com o resto do país. Mas, de
centros de pesquisa, e eu fui inscrito no grupo piloto do Instituto repente, a revolução virou uma guerra e eu de paulista virei bra-
de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. sileiro e tudo se tratava de defender o solo pátrio.
Quando iniciei com a medicação eu estava em leve crise, mas Só que as forças armadas não se entendiam e o exército não
logo a seguir entrei em forte delírio. Um tipo novo de delírio que se dava com a marinha e nem os dois com a aeronáutica. Eu era
eu ainda não conhecia. Tive meu primeiro delírio cenestésico, que um agente de informações e espionagem da marinha. E quando
se caracterizava por fortes dores e sensações musculares e corpo- estava passando pela Rua Santo Antônio, no Bexiga, em frente a
rais. um posto de gasolina, levei um tiro na perna, certamente desferi-
O que eu sentia era uma tremenda e insuportável dor toráxi- do pelas forças da aeronáutica. A dor foi lancinante e tive uma
ca e nas costas. Era uma dor aguda e lancinante que me atraves- tremenda contração. Sorte que o trânsito estava parado e então
sa em diagonal desde o peito até a base da coluna, verticalmente. eu coloquei o pé sobre o painel do carro e então pude massagear
Eu tinha certeza de que havia uma espada enorme, do tipo das a perna.
que os cruzados usavam, afiadíssima, atravessada em minhas cos- O frentista do posto de gasolina me olhava com estranheza e
tas e em meu peito, fincada de baixo para cima. E eu não podia o mesmo fazia um motoqueiro parado a meu lado e assim, logo
me mexer, pois a cada movimento a espada cortava mais. Ficava que o farol abriu, eu saí dirigindo com dificuldade porque eles
horas sentado, parado numa mesma posição retorcida para tentar eram inimigos e eu não podia me expor mais, ainda mais agora
evitar a dor. que estava ferido.
Neste mesmo delírio eu quase explodi. Literalmente. Desisti de ir ao cartório e resolvi dirigir-me de volta ao
Mexendo, um dia, com minha binga (aquele tipo de isqueiro anti- Pacaembu, para voltar para casa e buscar socorro. Minha perna
go), eu, ao abastecê-la de fluido, derramei grande quantidade de direita doía violentamente e pesava uns quinze quilos. Eu tinha
líquido na mesa e sem me aperceber inalei todo o gás que se vola- de fazer uma força enorme para não deixar meu pé afundar no
tilizava. Quando me dei conta do sucedido, passei a ficar apavo- acelerador. Observei que não havia sangue no lugar do tiro, mas
rado, achei que eu iria explodir. Principalmente porque, fumante isso não me surpreendeu, pois estava claro que eu havia sido atin-
inveterado, mesmo diante da minha absoluta convicção do risco gido por uma arma nova que me introduzira na barriga da perna
de explosão, eu não deixava de acender um cigarro atrás do um projétil de chumbo líquido, razão pela qual eu também não
outro. Mas eu fumava com uma tremenda preocupação em não localizava a bala quando nas paradas do trânsito voltava a massa-
peidar, porque estava certo de que se eu peidasse ocorreria uma gear a perna.

7 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9


Na Rua Maria Antônia havia um pedágio de calouros do ção com a morte era que eu poderia a qualquer momento ser atin-
Mackenzie. Perto da Rua Sergipe, com um trânsito novamente gido por um tiro de longa distância, disparado pelo vão da janela
parado, chegou à minha janela um estudante em trote e pediu-me de meu quarto, razão porque eu precisava ficar deitado sem tra-
um trocado para o chope dos veteranos. Eu, sem querer e sem vesseiro para não deixar minha cabeça à mostra, na linha de tiro.
poder evitar, talvez passei-lhe o grande trote de sua entrada na A terceira grande preocupação era com meu seguro de vida para
faculdade. garantir a educação de meus filhos depois que eu morresse.
Eu precisava de socorro. Não achava que agüentaria chegar Acabei, afinal, localizando meu psiquiatra por telefone, jus-
ao Pacaembu e, desesperado de dor, contei-lhe do tiro que eu tamente para que ele me providenciasse a urgente remoção que
levara, pedi socorro, que ele providenciasse um médico. Meu eu necessitava para um centro cirúrgico, a fim de amputar minha
sofrimento e minha dor eram tão autênticos que ele, mesmo sem perna. Ele acabou por convencer-me de que meu problema esta-
entender nada e mesmo sem o sangue que seria a evidência do va na cabeça e não na perna e de que eu precisava era de uma
tiro, parece de fato ter acreditado na história toda. consulta e uma medicação com urgência. E a única alternativa
Ao mesmo tempo que as manifestações cenestésicas se inten- rápida que havia para isto era eu ir até o seu consultório na Vila
sificavam, minha cabeça não parava e eu via naquilo tudo, de o Mariana, pois de lá ele não tinha condições de sair naquela hora.
calouro de engenharia do Mackenzie tentando me ajudar, a mim, Andei mancando o quarteirão que me separa da avenida e
um ex-estudante de Filosofia da USP, uma amostra de como o tomei um taxi. Para meu azar o motorista era inimigo. Pois a
destino dá voltas e de como os inimigos de ontem podem ser os guerra continuava e durante dias ainda se estendeu. Mas eu sabia
aliados de hoje na história das verdadeiras guerras. como lidar com este inimigo que estava no volante. Para não
Tudo foi, afinal, tão rápido que sequer deu tempo de o rapa- deixá-lo raciocinar resolvi contar-lhe piadas e assim fui durante a
zola sair da estupefação em que o coloquei, posto que em segui- meia hora do trajeto. Não sei de onde minha memória foi sacar
da achei que o melhor mesmo era eu ir até em casa e num ato tanta piada, eu que não sou de contar piada. E as piadas se suce-
reflexo, para despistá-lo, apontei com vivacidade para a esquina diam sem cessar, todas com duplo sentido e, ainda, por requinte,
da frente e disse-lhe que visse... se ele não tinha visto aquele carro tenho a lembrança de que a maioria delas era de política e de
assim-assim atropelar a moça que atravessava a rua e ele, ao se
caserna. Só que o cara não ria. E eu gargalhava sozinho, mas isso
virar para mais esta insuspeita ocorrência, distraiu-se de mim e saí
não importava porque cada piada que eu conseguia terminar
quase cantando pneu em direção à minha casa.
representava uma vitória minha.
Por rápido que tudo fosse, o tempo ainda foi suficiente para
Cheguei salvo ao consultório. E de lá saí, noitinha já, com
eu colocá-lo a par de importante mensagem, de cujo teor não
minhas receitas e a recomendação expressa de meu médico de ir
lembro, que ele deveria por questão de vida ou morte fazer che-
direto para a farmácia e para casa, sem parar em lugar nenhum,
gar a um alto líder nacional, depois de eu ter-lhe declinado minha
sem conversar com pessoa qualquer a respeito de assunto
patente, para o caso de eu ser morto no caminho.
nenhum e principalmente sem contar piadas.
Sei dizer que pelo espelho vi o rapaz sair correndo para um
O taxi que eu tomei na volta para casa era dirigido por um
grupinho de estudantes, tão logo meu carro se afastava.
velho veterano da defesa civil, que também participava do esfor-
O que ele contou aos outros e o que pensou de mim e desta
estranha guerra que eu travava eu não sei. Mas naquele momen- ço de guerra. Com ele não falei nada durante o trajeto, seguindo
to eu dava de mim o melhor para minha causa e minha causa era a orientação de meu médico, mas fiquei alarmado com as muta-
o meu país. ções que seu rosto assumiu durante a corrida, fruto de alucina-
Ao chegar em casa, vi que eu estava isolado. Em casa não ções visuais que comecei a ter naquele instante. Era particular-
havia ninguém, e trabalhando ao longo dos fios telefônicos de mente desagradável o fato de durante todo o caminho o velho vir
minha rua, bem em frente de onde eu moro, havia muitos homens pondo e tirando o céu da boca, enquanto dirigia.
fazendo reparos nos postes, erguidos por aquelas caçambas auto- Para meu conforto, ao chegar em casa meus pais ali estavam
máticas dos caminhões de serviço. Tudo aquilo nada mais era do e com eles e meus remédios reiniciei minha verdadeira e perma-
que uma operação para interferir com minha linha telefônica de nente guerra que é a luta contra a loucura.
tal forma que eu estava incomunicável. Ao cartório fui no dia seguinte, de Metrô, amparado por
Tanto isto era verdade que todos os números para os quais eu minha mãe que me guiou pelos labirintos das escadarias das esta-
tentava ligar davam ocupado ou eram ligações para o número ções e através das multidões do centro de São Paulo, porque
errado. Só conseguia falar com gente estranha que me desligava o compromisso de negócio não pode esperar a guerra acabar e eu
telefone na cara. mesmo, no fundo, sabia que honrar minha palavra numa transa-
Um lampejo de lucidez alucinada me conduziu a procurar ção comercial era mais importante do que continuar guerreando.
meu médico. Mas não sem antes render-me à dor e deitar-me na Há anos atrás a venda daquele terreno ajudara a pagar meus
cama para não exaurir minhas forças. Minhas preocupações eram remédios. Estes mesmos remédios de que depende a manutenção
três, entre outras, durante os minutos em que descansei em meu de minha sanidade, mas que até hoje não conheço nenhum sem
quarto. Preocupava-me sobretudo a morte que adviria de duas algum tipo de efeitozinho colateral. O efeito colateral que a rispe-
formas certas. A primeira, inexorável se eu não conseguisse ridona me deu foi este de me instalar na fase dos delírios cenesté-
socorro médico imediato e não tivesse minha perna amputada, sicos. Justo ela, cuja vantagem alardeada era a de não ter efeito
era que o chumbo líquido se solidificaria e causaria uma gangre- colateral algum. Hoje faz tempo que não tenho delírios e alucina-
na que se estenderia pelo meu corpo todo. A segunda preocupa- ções cenestésicos, mas justo no lugar em que levei o tiro de chum-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 8


Quinze delírios

bo líquido, na barriga da perna direita, costumo ter, agora, de vez A única forma de saber o que é um delírio ou uma alucina-
em vez, uma cãibra feroz. ção é passando pela própria experiência. Não desejo isso a nin-
Quando ouço falar de remédio psiquiátrico sem efeito cola- guém, e que ninguém pense que esta é uma experiência que vale
teral, hoje em dia, tenho um medo que me pélo. Penso que sejam a pena. Não vale. O surrealismo vivido é a pior das realidades
efeitos desconhecidos ou não relatados na literatura médica. existentes.
Conheço pessoas, no entanto, que admiram minha vivência.
Creio que imaginam que me enriqueci espiritual ou existencial-
- 15 -
mente com ela. É ao contrário. Esse “enriquecimento” a que se
referem, algum tipo de crescimento, só se dá ao nível da expan-
Ocorre-me que talvez mais útil seja eu encerrar este texto não são da consciência, não com o contato patológico com o incons-
com o relato de mais um delírio qualquer, mas com a reafirmação ciente. Se algum crescimento a doença me trouxe, este é referen-
de que sou amnésico a respeito de meus delírios depois que eles te a ela mesma e se constitui no desenvolvimento da consciência
se desfazem. de minha fragilidade e no reforço de meu lado sadio para dar
Imagino que alguém possa achar estranha essa afirmação conta de suportar e conviver com as crises, tentando não destruir
após ter lido várias páginas de relatos variados de delírios recen- minha vida a cada novo episódio delirante.
tes e até bem antigos, alguns com diversos detalhes. Mas o fato é O contato com o sublime e com o tenebroso que existe no
que o relatado corresponde à minha memória mais significativa inconsciente é, de fato, uma fonte de crescimento e energia, e
em cada caso e os detalhes são mínimos comparados à multiplici- tanto mais quando nos apropriamos conscientemente de seus
dade dos episódios que se desenvolvem em cada momento do conteúdos. Mas com limites. Qualquer um pode fazer isso inten-
delírio e à complexidade das sensações e emoções que vivo numa sa e proficuamente se souber curtir seus sonhos. O lado tenebro-
crise. Principalmente no que se refere à intensidade das vivências. so do inconsciente à solta na vida, dominando em delírio todas as
Relatar um delírio dando destaque ao lado humorístico das ações e sensações, é literalmente uma loucura. É patológico e em
situações, como fiz em alguns casos, é importante para realçar o qualquer instante, sem mais aviso, pode levar à morte num ato
surrealismo das experiências e para tentar tornar a leitura mais qualquer desvairado durante uma crise. Por isso nenhum delírio
agradável, mas pode levar à falsa impressão de que tudo não é engraçado, a despeito das situações hilariantes que possa criar.
passa de uma grande curtição. Nada mais enganoso. A tônica oni- Quem quiser se aproximar da compreensão do que vem a ser
presente em cada uma dessas situações é a de um medo tenebro- um delírio, tome contato profundo com os seus próprios sonhos.
so. Um pavor e uma angústia inenarráveis. Nada é vivido pelo Principalmente com os pesadelos. Experimente imaginar o que
lado engraçado, exceto nas pequenas tréguas de conversações viria a ser o seu pior pesadelo e imagine o que seria de você viven-
com pessoas que me conhecem muito bem e sabem me acompa- do este pesadelo ininterruptamente durante duas ou três sema-
nhar no desvario. nas, acordado, enquanto tenta continuar dando conta da sua
A fase de bem estar nas crises corresponde, para mim, ao iní- vida, trabalhando, cuidando dos filhos, se relacionando com as
cio do descontrole eufórico. Seria, como se diz, a fase pré-manía- pessoas e com os fatos do mundo real. Misture as vicissitudes de
ca. Quando o delírio se estabelece em plenitude, a vivência é ater- seu cotidiano com o lado mais tenebroso de seu inconsciente e
rorizante. O sofrimento é superlativo. depois me diga que minha experiência ou a de qualquer outro
Cada delírio destes, de que relatei passagens, durou muitos psicótico é enriquecedora.
dias, às vezes até duas ou três semanas, e cada minuto desses dias Verdade é que, em momentos meus de desalento e desespe-
foi um momento de pânico, de urgência, de situação emergencial, rança perante o mundo e as pessoas, eu às vezes já fantasiei que
onde alguma ameaça fatal me assolava de forma acachapante. O seria muito instrutivo para alguns experimentar uma crisezinha
medo de vir a morrer numa explosão causada por um peido de psiquiátrica para largar mão de tanta onipotência ou de tanto
gases inflamáveis não é menor do que o de vir a ser esmagado por chorar de barriga cheia. Mas isso não passa de meus rancores. Na
uma motoniveladora no canteiro de obras de uma estrada em verdade, volto a dizer que não desejo a experiência a ninguém,
construção. Nem a angústia é menor. nem mesmo a meus desafetos.
Diante das situações intensa e ininterruptamente vividas ao Quanto a meu próprio destino, acalanta-me a esperança de
longo de vários dias e noites, aquilo que minha memória retém que Deus seja sábio. Talvez ele dê o frio conforme o cobertor.
não passa de fragmentos. De dezenas ou mesmo centenas de delí-
rios não guardo a menor recordação. E de muitas das crises cujos
fragmentos eu relatei, minha ex-mulher ou meus pais e irmãos tal- Comentários deste e de outro auto-relato de delírios por Othon
vez tenham melhor memória do que eu. Bastos no próximo número de CPP.
Por isso não sou um bom contador de delírios. O que deles
me lembro e o que consigo transmitir numa narrativa nem de
longe se assemelham à reconstituição das situações que vivi.

9 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9


Artigos Originais
SÍNDROME DE KLEINE-LEVIN: CONSIDERACIONES DIAGNÓSTICAS Y
TERAPÉUTICAS
KLEINE-LEVIN SYNDROME: DIAGNOSTIC AND THERAPEUTIC CONSIDERATIONS

Pilar Sierra San Miguel* polifagia e hiperfagia. Orlosky9 en una revisión de 33 casos,
Lorenzo Livianos Aldana** encontró como alteración más frecuente la confusión (73%), irri-
Luis Rojo Moreno** tabilidad (58%), amnesia (39%), ilusiones (30%), letargia (24%),
depresión (21%) y desinhibición sexual (18%).10
La diversidad etiológica es notable. Por una parte, se ha pos-
tulado un trastorno funcional del sistema mesencéfalo-hipotála-
Resumen mo-límbico, al encontrar diferentes altera-ciones hormonales
hipotálamo-hipofisarias y de neurotransmisores. Ademas, con
El síndrome de Kleine-Levin es un síndrome caracterizado por la frecuencia existen antecedentes de infecciones víricas o gripales
triada clásica de hipersomnia periódica, trastornos de la alimentación los días previos al primer episodio, encontrando infiltrados de
en forma de megafagia y diversos síntomas neuropsiquiátricos. Se
linfocitos que evocarían una encefalitis viral localizada.11 Incluso
trata de un trastorno de difícil diagnóstico, que puede iniciarse con
se han descrito casos en los que los síntomas aparecieron des-
sintomatología muy inespecífica. Hasta el momento, se han descrito
pues de experiencias psicológicas estresantes o traumatismos
unos 100 casos. El presente artículo expone el caso de un hombre
craneoencefálicos.12 Por otra parte, anomalías neuroendocrino-
de 22 años inicialmente diagnosticado de trastorno de somatización
lógicas comunes podrían explicar la coexistencia entre el síndro-
y que finalmente lo fue de síndrome de Kleine-Levin, tras perfilarse
me de Kleine-Levin y la enfermedad de Parkinson en algunos
la sintomalogía clásica de somnolencia excesiva, hiperfagia e hiperse-
pacientes.13
xualidad. En este trabajo, los autores exponen el cuadro clínico insis-
tiendo en los tratamientos utilizados y resultados obtenidos.
Caso clínico
Palabras-claves: Síndrome de Kleine-Levin; Hipersomno-lencia;
Hiperfagia; Sexualidad Paciente varón de 22 años que acude al Centro de Salud
Mental, derivado por su médico de familia refiriendo somnolen-
Satterley describió por primera vez en 1815 un caso con un cia excesiva y estado de ánimo depresivo.
perfil similar a lo que actualmente denominamos síndrome de Embarazo, parto y desarrollo psico-motor normal. Sin
Kleine-Levin. Posteriormente, Dana (1884), Anfimot (1898), antecedentes médicos, ni psiquiátricos propios o familiares. En
Kleine (1925)1 y Levin2 (1929) aportaron casos con una sintoma- cuanto a su biografía, segundo de tres hermanos, soltero, convive
tología coincidente. El término de “síndrome de Kleine-Levin”, se con sus padres. Obtuvo el Graduado Escolar y actualmente tra-
debe a Critchley y Hoffmann3,4 quienes lo propusieron en 1942. baja como taxista. Personalidad dependiente con tendencia a la
Aparece de forma más frecuente en varones, en la última introversión y retraimiento social.
etapa de la adolescencia y a partir de la segunda década de la vida, En el momento de la primera consulta, se mostraba empáti-
posteriormente se observa una disminución gradual tanto en la co y con conciencia de enfermedad. Según relataba, la enfer-
frecuencia como en la duración de los episodios.5 También exis- medad actual se había iniciado hacía dos años. En un principio,
ten casos descritos con una clínica muy similar en mujeres, en definía unos síntomas vagos consistentes en “sensación de
relación con el periodo menstrual pudiendo ejercer un impor- mareo”, inestabilidad y parestesias en zona frontal y temporal
tante papel etiopatogénico la progesterona.6 derecha, de presentación matutina. La inespecificidad de estos
En cuanto a la hipersomnia, puede instaurarse de forma síntomas, motivó un diagnóstico inicial de trastorno de somati-
brusca o gradualmente, tiene un carácter recurrente y una zación. Progresivamente el cuadro se fue agravando, llegando a
duración variable, desde un día hasta seis semanas como caso interferir notablemente en su vida diaria, especialmente en el
extremo.7 plano laboral, dada la imposibilidad de acudir a su trabajo como
Billiar,8 uno de los autores que más ha publicado en torno a taxista en los turnos matutinos. El paciente refería episodios de
este tema, escogió el término “sobrealimentación”, a la hora de hipersomnia matutina, despertándose solo mediante estímulos
describir los trastornos alimentarios, ya que incluyen megafagia, intensos, con amnesia posterior y sensación de extrañeza. La

* Médico Interno Residente de Psiquiatría, Hospital La Fe. Endereço para correspondência:


** Prof. Titular de Psiquiatría, Universidad de Valencia y Hospital Lorenzo Livianos Aldana
La Fe. Dpto. Medicina, U.D. Psiquiatría
Avd. Blasco Ibañez, 17
E-46010 Valencia
España

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12 10


Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas y terapéuticas

evolución seguía un curso cíclico, pero sin relación con el perio- vasculares, traumatismos craneoencefálicos, tumores de afecta-
do estacional. ción supraselar,16 síndromes de apnea-sueño, fármacos sedantes o
Al mismo tiempo, presentaba aumento del apetito con acce- anticomiciales, pueden estar presentes. Es decir, la etiología mul-
sos compulsivos de hiperfagia, aumento de la líbido e hipersexu- tifactorial puede retrasar un diagnóstico certero.
alidad (traducidos en episodios de masturbación muy frecuentes) Por lo que respecta al tratamiento, Hart17,18 en 1985 desta-
Según sus familiares, las fases en las que se reagudizaba la có el papel del carbonato de litio debido a su acción sobre el
clínica se acompañaban de sintomatología afectiva, consistente en metabolismo de la serotonina, que se encuentra aumentada en el
ánimo triste, pobre control emocional y apatía. En ningún líquido cefalorraquídeo de estos pacientes, con una renovación
momento se evidenciaron alteraciones psicopatológicas de otra aumentada, al igual que la dopamina. Desde entonces, numero-
índole.
sos autores hecho notar su efecto beneficioso,19 de modo que en
Exploraciones complementarias:
la actualidad, el litio se considera la mejor opción terapeútica
• hemograma y bioquímica sin hallazgos patológicos;
pudiendo resultar efectivo en la fase aguda y especialmente
• función tiroidea dentro de valores normales;
en la prevención de recaídas. Las dosis recomendadas son de
• electroencefalograma anodino;
• registro poligráfico del sueño: Ha sido imposible su real- 800 mg/d, hasta llegar a litemias estables de 0,4 mEq/l. Tras
ización por la dificultad del paciente en acudir al hospital en un periodo asintomático no concreto y con la normalización en
los horarios previstos. el estudio polisomnográfico, la medicación puede ser retirada
para evitar efectos secundarios, aunque con frecuencia se ha de
reinstaurar.
Tratamiento Se ha defencido el uso de eutimizantes del tipo de la carba-
macepina20 o el ácido valpróico. Otra posibilidad terapeútica la
Ante la inespecificidad inicial del cuadro, instauramos trata- constituyen los psicoestimulantes del tipo de la efedrina, anfeta-
miento con antidepresivos inhibidores de la recaptación de sero- minas o metilfenidato, que actúan sobre la hipersomnolencia,
tonina, junto con sulpiride. Posteriormente, añadimos un antide- pero no sobre el resto de la sintomatología y que en ocasiones
presivo dopaminérgico con marcado efecto estimulante como el
pueden servir para prevenir la recurrencia.
amineptino. En ambos casos, no obtuvimos respuesta positiva.
Pese a que el acento se ha marcado, como hemos visto, en la
Una vez perfilado el diagnóstico, utilizamos carbonato de
participación de la serotonina y dopamina, los fármacos activos
litio hasta llegar a niveles terapeúticos. Sin embargo, pese a con-
siderarse el tratamiento de primera elección en la actualidad, en en estos sistemas no lograron efecto alguno en nuestro paciente.
nuestro caso seguimos sin obtener el efecto previsto. La respuesta ha aparecido única y exclusivamente con psicofár-
Posteriormente, añadimos un psicoestimulante como el metil- macos activos en la vía noradrenérgica. Así pues, conviene consi-
fenidato, los resultados fueron esperanzadores en un principio, derar esta vía como una alternativa terapeútica.
mejorando el conjunto de la sintomatología de forma global y más
específicamente la somnolencia matutina y la hiperfagia. No Summary
obstante, tras un periodo de cuatro meses, la clínica se reinstauró
con las mismas características del principio. Por último, se añadió
Kleine-Levin’s syndrome is characterised by the classic triad of peri-
reboxetina a dosis de 4 mg al día, logrando una sustancial mejoría
odic hypersomnia, hyperphagia and hypersexuality along with other
del cuadro clínico con una notable disminución del número de
episodios hipersomnes, si bien no se ha logrado el blanqueo abso- neuropsychiatric symptoms. The diagnosis is often difficult as it can
luto. Por medio de los registros diarios que lleva a cabo el begin with very vague simptomatology. About a hundred cases have
paciente, observamos que la frecuencia de los episodios se ha been described worldwide.The present work exposes the case of a
reducido a un 10% de la original, no así la intensidad que per- 22 year-old man initially diagnosed of somatization dysfunction and,
manece inalterable. Esta mejoría se mantiene desde hace unos after the classic triad of excessive drowsiness, hyperphagia and
seis meses, lo que permite abrigar unas ciertas esperanzas. hypersexuality has been profiled, finally received the diagnose of
Kleine-Levin syndrome. In this work, the authors expose the clinical
picture stressing the treatments used and the results obtained.
Discursión

El diagnóstico del síndrome de Kleine-Levin puede verse Key-words: Kleine-Levin Syndrome; Hypersomnia; Hyperphagia;
oscurecido debido a la presencia de cambios comportamentales y Sex Behavior
psicológicos.14 Con gran frecuencia, dada la gran variedad de
alteraciones neuropsiquiátricas posibles, los pacientes consultan
por sintomatología afectiva, letargia, amnesia e incluso por tras- Bibliografía
tornos psicóticos. Consecuentemente, los diagnósticos iniciales
pueden ser trastorno de somatización, depresión, histeria, esqui- 1. Kleine W. Periodisch Schlafsucht. Monatsschur Psychiatry
zofrenia15… lo que nos puede conducir a un tratamiento inade- Neurol 1925; 57:285-320.
cuado. Ademas no debemos olvidar, que antecedentes de infec- 2. Levin M. Periodic somnolence and morbid hunger: a new
ciones respiratorias de vías altas, encefalitis, accidentes cerebro- syndrome. Brain 1936; 59:494-504.

11 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12


3. Critchley M, Hoffmann HL. The syndrome of periodic som-
nolence and morbid hunger, Kleine-Levin syndrome. BMJ
1942; 1:137-139.
4. Critchley M. Periodic hypersomnia and megaphagia in ado-
lescent males. Brain 1962; 85:627-656.
5. Talbot JA, Hales R. Tratado de Psiquiatría Segunda Edición.
Ed Ancora, 1996.
6. Billiard M, Guilleminault, Dement. A menstruation-linked
periodic hypersomnia Kleine-Levin syndrome or new clinical
entity? Neurology 1975; 25:436-443.
7. Espinar J, Vela A. Las hipersomnias recurrentes: propuesta
de clasificación. Psiquis 1987; 8(5):184-193.
8. Billiard M. The Kleine-Levin Syndrome. Sleep 1980. 5th Eur.
Congr. Sleep Res. Amsterdam 1980:133-137.
9. Orlosky MJ. The Kleine-Levin Syndrome: A review.
Psychosomatics 1982; 23:609-621.
10. De Burgos R, Cañadillas F. Síndrome de Kleine-Levin:
revisión a propósito de un caso. Psiquiatría Biológica 1997;
4:127-129.
11. Doyle L. A case of fever, attended with inordinate appetite. J
R Coll Physicians Lond 1994; 28:172-173.
12. Will R, Young J. Kleine-Levin syndrome: report of two cases

resumo 13.
with onset of symptoms precipitated by head trauma. B J
Psychiatry 1988; 152:410-412.
Muller T, Kuhn W, Bornke C, Bullner T, Przuntek H. Kleine-
Levin syndrome and Parkinsonian symtoms. A case report. J
Neurol Sci 1998; 157:214-216.

bula 14.

15.
Mukaddes NM, Alyanak B, Kora ME, Polvan O. The psy-
chiatric symptomatology in Kleine-Levin syndrome. Child
Psychiatry Human Development 1999; 29:253-258.
Bonnet F. Kleine-Levin syndrome misdiagnosed as schizo-
phrenia. European Psychiatry 1996; 11:104-105.

Efexor 16.

17.
Jungheim K, Badenhoop K, Ottmann OG, Usadel KH.
Kleine-Levin and Munchausen in a patient with recurrent
acromegaly 1999; 40:140-142.
Hart EJ. Kleine-Levin syndrome: normal CSF monoamines
and response to lithium therapy. Neurology 1985; 35:1395-
1396.
18. Marcos A, Espinar J. Síndrome de Kleine-Levin. Presentación
de tres casos y revisión de los aspectos etiopatogénicos, clíni-
cos y terapéuticos. Arch Neurol 1993; 56:333-339.
19. Billiard M. Lithium carbonate: effects on sleep patterns of
normal and depressed subjects and its use in sleep wake
pathology. Pharmacopsychiatry 1987; 20:195-196.
20. Mukaddes NM. Carbamazepine for Kleine-Levin syndrome.
J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 1999; 38:791-792.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12 12


DISCINESIA TARDIA COM PREDOMÍNIO DE DISTONIA
TARDIVE DYSKINESIA WITH PREDOMINANT DYSTONIA

Guilherme Assumpção Dias pode chegar a 50%.3 Em geral, a DT instala-se lentamente, seu
curso é bastante variado e freqüentemente estabiliza-se ao longo
dos anos. Pode, em alguns casos, melhorar gradualmente, mesmo
com o uso continuado de antipsicóticos.5 Quando o antipsicótico
Resumo é descontinuado, estima-se que 5% a 40% dos casos em geral, e
50% a 90% dos casos leves, regridam, 30% deles em três meses
A discinesia tardia é uma complicação do uso de antipsicóticos que
e mais de 50% em 12 a 18 meses.3
ainda desafia os especialistas. É apresentado, após breve introdução
Devido à presença de sintomas semelhantes em populações
ao tema, o caso de um paciente de 42 anos, sexo masculino, que
esquizofrênicas não tratadas,6 e muitas vezes com taxa de inci-
depois de oito anos de uso de antipsicóticos desenvolveu forma
dência semelhante à dos pacientes que receberam antipsicóticos,
grave de discinesia tardia com predomínio de sintomatologia distô-
nica. Analisa-se a conduta terapêutica adotada e as diretrizes atuais alguns autores sugerem que a DT possa ser mais um sintoma tar-
para o tratamento da discinesia tardia, bem como as principais dio da esquizofrenia ao invés de um efeito de drogas.7 Essas dis-
hipóteses fisiopatológicas. cinesias espontâneas, na verdade, assim como outros distúrbios
de movimento, constituem importante diagnóstico diferencial da
DT. Discinesias orais leves, por exemplo, podem ser observadas
Palavras-chaves: Discinesia Tardia; Distonia Tardia; Patologia, em idosos com próteses dentárias mal fixadas, que nunca recebe-
Terapêutica; Agentes Antipsicóticos ram antipsicóticos.5 O DSM-IV cita como principais diagnósticos
diferenciais as seguintes condições: doença de Huntington, doen-
A discinesia tardia (DT) é um efeito colateral decorrente do ça de Wilson, coréia de Sydenham, lupus eritematoso sistêmico,
uso prolongado de drogas bloqueadoras de receptores dopami- tireotoxicose, envenenamento por metais pesados, próteses den-
nérgicos centrais, como os antipsicóticos e a metoclopramida. A
tárias mal fixadas, discinesias devidas a outros medicamentos, tais
síndrome caracteriza-se por movimentos repetitivos, involuntá-
como L-dopa, bromocriptina ou amantadina, discinesias espontâ-
rios, hipercinéticos, mais comumente afetando a região orofacial,
neas e outros transtornos de movimento induzidos por neurolép-
manifestos como protusão da língua, movimento de beijar, masti-
ticos (p.ex. distonia aguda e acatisia aguda).3
gar, franzir. Esses movimentos são usualmente denominados de
São fatores de risco para DT: a idade,8 o sexo feminino quan-
coreiformes na psiquiatria1 e de estereotipias na neurologia.2
do acima de 65 anos,9 fatores genéticos possivelmente ligados ao
Além de movimentos propriamente coréicos e de estereotipias,
metabolismo de drogas,1 o uso de álcool, de drogas ilícitas e de
são descritos distonia, acatisia, mioclonias, tremores e tics.
Embora freqüentemente coexistam, vários autores separam a DT fumo,10 o diabetes mellitus,11 os transtornos de humor,12 os trans-
em subformas correspondentes a esses movimentos, avaliando tornos mentais orgânicos, a presença de alterações neurológicas
para cada uma delas os fatores de risco, a epidemiologia e a res- ou estruturais13 e, dentre os quadros esquizofrênicos, aqueles
posta a tratamentos. O termo geral discinesia tardia pode ser com predomínio de sintomas negativos.14 O risco aumenta com a
substituído pelos termos estereotipia tardia, distonia tardia, duração e gravidade da doença1 e com a dose acumulada de
coréia tardia, etc. Conforme os critérios diagnósticos do DSM-IV, antipsicóticos,15 embora faltem mais dados empíricos elucidati-
é necessário que os sinais e os sintomas se desenvolvam dentro de vos.9 A presença de sintomas extrapiramidais agudos é forte fator
quatro semanas após a abstinência de um neuroléptico oral (oito preditor de risco.9 O tratamento intermitente parece aumentar o
semanas no caso de medicações de depósito) e que haja um perío- risco de DT.9 O emprego de eletroconvulsoterapia não predispõe
do de exposição ao medicamento de pelo menos três meses (um à DT, ao contrário do que alguns estudos da década de 60 indi-
mês se o indivíduo tem 60 anos ou mais).3 cam.1 Embora alguns autores tenham sugerido um papel para os
Na população psiquiátrica que usa antipsicóticos típicos, a anticolinérgicos como fator de risco para DT, a maioria dos estu-
prevalência média gira em torno de 15% a 25% para a DT clás- dos encontrou ausência de relação causal.1 Ghandirian et al
sica; 1,5% a 13,4% para a distonia tardia. A acatisia tardia4 pos- (1996) mostraram que o uso de lítio com antipsicóticos aumenta
sui a maior prevalência, de até 48%.1 Em idosos, a prevalência o risco de DT.13

Residente do segundo ano da Residência de Psiquiatria do Endereço para correspondência:


HC-UFMG Residência de Psiquiatria
Hospital das Clínicas - UFMG
Av. Prof. Alfredo Balena, 110
30130-100 - Belo Horizonte - MG

13 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17


Caso Clínico • antipsicóticos: 1990 tioridazina, depois haloperidol
(5 mg/d); 1991 haloperidol + clorpromazina (50 a
100 mg/d); 1992 propericiazina (10 gotas/d), pimozida; 1993
Identificação
propericiazina (10 gotas/d), depois trifluoperazina (5 mg/d);
P.P.M., sexo masculino, 42 anos, leucoderma, solteiro, natu- 1994 trifluorperazina (5 mg) + flufenazina IM, depois halope-
ral e procedente da grande Belo Horizonte, MG. Reside com a ridol (10 mg/d); 1995 tioridazina, depois risperidona
mãe. Há 10 anos afastado do trabalho (trabalhava com pintura de (3 mg/d); 1996-1997 risperidona (3 mg/d), haloperidol;
equipamentos). • antidepressivos: 1990 fluoxetina (20 mg/d); 1991 amineptina,
clormipramina (150 mg/d); 1992 nortriptilina, clormipramina
(150 mg/d); 1993 maprotilina, moclobemida (300 mg/d),
História da Moléstia Atual
clormipramina, imipramina; 1994-95 imipramina (150 mg/d);
O paciente foi atendido pela primeira vez no Ambulatório • benzodiazepínicos: 1990 bromazepam; 1991 diazepam; 1992-
Bias Fortes do Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG) em 1993 nitrazepam; 1994-1999 flurazepam;
14/06/99, onde chegou acompanhado do irmão, com a queixa • estabilizadores do humor: 1992-94 carbonato de lítio
principal de “agitação”. (900 mg/d);
Referia-se a uma série de movimentos involuntários que • anticolinérgico: 1990-99 biperideno.
apresentava na cabeça, no tronco e nos membros, e que já sabia
serem decorrentes do uso prévio de certos medicamentos. Tais
movimentos se iniciaram há sete meses e eram generalizados e História Pregressa
contínuos, embora de intensidade variável, apresentando dimi-
nuição com o decúbito. Interferiam com o sono e com a habilida- Nega outras doenças ou cirurgias prévias.
de para execução de tarefas corriqueiras, posto que predomina-
vam no membro superior dominante (direito). Produziam grande
sofrimento, além de cansaço físico, pois lhe consumiam muita História Familiar
energia.
Na época estava em uso de olanzapina (5 mg/d), clonazepam
Negativa para doenças psiquiátricas. Pai falecido com silico-
(2 mg à noite), flurazepam (30 mg à noite), biperideno (4 mg/d),
prometazina e vitamina E (800 mg/d). A olanzapina fora introdu- se pulmonar. Irmão coronariopata.
zida há quatro meses, sem melhora do quadro.
Exame Psíquico
Sua história psiquiátrica se iniciou em 1990. Segundo o
irmão, começou a apresentar tendência ao isolamento, dificulda-
de para dormir e absenteísmo ao emprego. Sempre fora trabalha- Paciente cooperativo, higienizado, bem vestido. Usava sua
dor, responsável e tinha bom relacionamento, tanto em casa blusa aberta até a metade devido a intensa transpiração. Bom
quanto no trabalho, apesar de mais reservado. Na época, foi lhe contato interpessoal. Apresentava postura distônica acentuada de
prescrito bromazepam para dormir. Em pouco tempo (algumas tronco, pescoço e membros superiores e movimentos involuntá-
semanas), passou a “cismar” com as pessoas. Dizia que colegas de rios coreiformes de membros superiores.
trabalho o estavam perseguindo, “pegando no seu pé”, “zomban- Consciência clara. Orientado no tempo, no espaço e autopsi-
do” dele. Tinha medo de que os próprios familiares estivessem quicamente. Normovigil, normotenaz. Sem alteração da cons-
colocando veneno em sua comida. Ouvia vozes que identificava ciência do eu. Memória preservada. Pensamento de curso nor-
como de vizinhos ou de familiares, as quais “falavam mal” dele. mal, organizado. Sem alteração do juízo de realidade. Sem altera-
Era comum baixar a cabeça, angustiado, tampando os ouvidos ção da sensopercepção. Sem alteração do humor. Afeto síntone.
com as mãos. Mostrava-se extremamente incomodado com sons Angustiado com seus movimentos anormais. Hipobúlico.
externos. Tornou-se recluso, relapso com cuidados pessoais, não Inteligência normal.
se barbeava. Comia apenas arroz puro. De 1990 a 1997 fez con-
trole ambulatorial, com o diagnóstico de esquizofrenia paranóide,
apresentando períodos de exacerbação dos sintomas psicóticos Hipóteses Diagnósticas
(duas vezes por ano, em média) e períodos de melhora, nos quais
chamava a atenção dos familiares sua falta de iniciativa e hipoati-
Esquizofrenia paranóide – remissão incompleta, CID10 –
vidade (conseguia ter cuidados básicos de higiene, apresentava
boa interação com familiares, mas passava a maior parte do dia F20.04.
ocioso). Em nenhum momento conseguiu retornar ao trabalho. Discinesia tardia, com predomínio de distonia (distonia tar-
Nunca foi internado em hospitais psiquiátricos, pois possui bom dia), CID10 – G24.8.
suporte familiar e em suas crises não se tornava fisicamente agres-
sivo. Seu último surto psicótico ocorreu em 1997. Desde então
seu quadro psiquiátrico se encontra bem controlado. Conduta
No período de 1990 a 1997 fez uso de diversas medicações
psiquiátricas, conforme pôde ser observado em receitas antigas Avaliação conjunta com ambulatório de movimentos anor-
trazidas à consulta: mais da neurologia (HC-UFMG), o que se realizou no dia seguin-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17 14


Discinesia tardia com predomínio de distonia

te (15/06/99), sendo adotadas, em comum acordo, as seguintes • 02/06/00: seu irmão tem observado melhora lenta mas pro-
estratégias: gressiva desde o início do tratamento.
• suspensão da olanzapina;
• introdução de clozapina (dose inicial de 12,5 mg, duas vezes
ao dia); Discussão
• introdução de reserpina (dose inicial de 0,25 mg/d);
• aumento do biperideno para 6 mg/d; O paciente apresenta quadro grave de DT, manifesto por
• redução lenta e progressiva do flurazepam; movimentos distônicos e coreiformes, mas com predomínio dos
primeiros, podendo, assim, ser denominado distonia tardia. Esta
• manutenção do clonazepam 2 mg/d e vitamina E
caracterização traz implicações terapêuticas e prognósticas, con-
400 mg duas vezes/dia.
forme se evidenciará adiante.
Escala Fahn-Marsden de Avaliação de Distonia (Burke et al,
Do ponto de vista terminológico, notamos a tendência em
1985)16 – 15/06/99:
psiquiatria de designar-se movimentos neurológicos estereotipa-
• I - escala de movimento (pontuação total de 0 a 120): olhos
dos de “coreiformes”. Estereotipia:
(0), boca (6), fala/deglutição (3), pescoço (6), MSD (12), MSE
“is an involuntary, patterned, repetitive, continuous, coordi-
(8), tronco (8), MID (0), MIE (0), total (43);
nated, purposeless, or ritualistic movement, posture, or utte-
• II – escala de incapacidade (pontuação total de 0 a 28): fala
rance. Stereotypy may be simple, as exemplified by a repeti-
(2), escrita (2), alimentação (1), engolir (0), higiene (1), vestir-
tive tongue protusion or body-rocking movements, or com-
se (1), andar (1), total (8).
plex, such as self-caressing, crossing and uncrossing of legs,
marching in place, and pacing... Chorea consists of conti-
Retornos nuous, abrupt, brief, irregular movement that flow ran-
domly from one body part to another”.2
• 24/06/99: hemograma de base sem alterações.
• 02/07/99: iniciada clozapina. A estereotipia tardia seria o tipo mais comum – 78% – de
discinesia tardia na clínica de movimentos anormais do HC-
• 12/07/99: fazendo uso diário de 50 mg clozapina, 1 mg de
UFMG, seguida de distonia, acatisia, tremor, coréia – apenas 3%
reserpina, 6 mg de biperideno, 2 mg de clonazepam, 15 mg de
com base na definição acima – e mioclonos tardios.2 Parece que
flurazepam, 800 mg de vitamina E. Relata certa redução dos
no caso da discinesia tardia os psiquiatras preferem o termo
movimentos anormais (de 20% em sua avaliação subjetiva).
“coreiforme” em vez de estereotipia devido a sua conotação niti-
Queixa desânimo e “corpo ruim” desde o início do uso da
damente neurológica, enquanto que estereotipia nos remete a
reserpina. Ao exame observa-se certa diminuição dos movi-
quadros endógenos ou funcionais e a descrições clássicas como
mentos coreiformes, mantendo-se postura distônica.
estereotipias posturais, estereotipias do movimento ou maneiris-
Conduta: suspensão gradual da reserpina, aumento gradual
mo, além da estereotipia da fala (verbigeração), peculiares à cata-
da clozapina. Restante mantido. Leucograma semanal.
tonia. No caso do nosso paciente, predomina a distonia:
• 05/08/99: em uso de 75 mg/d de clozapina.
“sustained and patterned contractions of muscles producing
• 19/08/99: em uso de 150 mg/d de clozapina. Relata desâni-
abnormal postures or repetitive twisting (eg, torticollis) or
mo, apatia.
squeezing (eg, blepharospasm) movements”.2
• 24/08/99: escala de Fahn-Marsden sem qualquer alteração
com relação à primeira consulta.
Durante um período de oito anos, P. fez uso de vários tipos
• 06/09/99: clozapina aumentada para 200 mg/d, divididos em de antipsicóticos típicos, antes de desenvolver DT – haloperidol,
duas tomadas diárias. tioridazina, propericiazina, clorpromazina, trifluoperazina, pimo-
• 04/11/99: não houve melhora substancial após o aumento zida, flufenazina – além da risperidona. Apresentou, segundo
para 200 mg/d. Sem sintomas psicóticos positivos. Boa intera- seus relatos, parkinsonismo farmacológico com o uso de halope-
ção com familiares. Angustiado com a movimentação. ridol, trifluoperazina e risperidona. Até onde se pôde observar
Hipobúlico, hipoativo. Sono preservado. Ao exame: postura pelas receitas trazidas, este efeito ocorreu com apenas 3 mg/d de
distônica, poucos movimentos coreiformes. Conduta: dose risperidona, o que indicaria uma maior susceptibilidade indivi-
mantida. Suspenso flurazepam. dual a sintomas extrapiramidais e, portanto, maior risco para
• 04/01/00: escala de Fahn-Marsden, subescala de movimento DT.9 Desenvolveu acatisia com pimozida. Também fez uso asso-
41. Aumentado clonazepam para 4 mg/d. ciado de carbonato de lítio durante alguns meses, o que é consi-
• 03/02/00 e 02/03/00: quadro mantido. derado fator de risco para DT.13
• 03/04/00: relata melhora da movimentação não superior a P. foi diagnosticado como portador de esquizofrenia paranói-
20% a 30%, com relação ao início do uso da clozapina. Passa de. Alguns dados, no entanto, podem sugerir um componente de
grande parte do dia deitado, corpo cansado. Prescrito aumen- fundo afetivo, como a presença freqüente de sintomas depressi-
to de dose para 250 mg/d e, após uma semana, 300 mg/d (100 vos associados a retraimento social; o uso freqüente de antide-
mg às 8:00 + 200 mg às 20:00). pressivos variados e de lítio; a certa ciclicidade de períodos de
• 11/04/00: escala de Fahn-Marsden 37/8. exacerbação e remissão de seus sintomas psicóticos; a grande pre-
• 02/05/00: houve redução da movimentação em decúbito. servação da personalidade e da afetividade; e a ausência atual de

15 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17


sintomas psicóticos. Não apresentou sintomas de exaltação do ram melhora em 64% dos pacientes com a reserpina, 68% com a
humor, aceleração do pensamento, aumento da fluência do dis- tetrabenazina, 55% com a metildopa e 59% com a oxpertina.18
curso ou realização excessiva de atividades. Este possível compo- Em estudo de 1992 da American Psychiatric Association encon-
nente afetivo poderia influenciar, por um lado, na evolução trou-se menos de 40% de melhora.1
menos deteriorante de sua esquizofrenia e, por outro, numa Evidências têm apontado efeito neurotóxico dos antipsicóti-
maior susceptibilidade para o desenvolvimento de DT.12 Durante cos, que, através de vários mecanismos, podem levar a aumento
discussão do caso em apresentação clínica na Residência de de radicais livres, o que estaria associado ao risco para DT. A vita-
Psiquiatria do HC-UFMG, aventou-se a hipótese de acometi- mina E tem sido recomendada, pois, além de seu efeito antioxi-
mento orgânico, por solvente ou metal pesado, decorrente de sua dante, poderia reduzir a supersensibilidade de D221 ou alterar o
atividade como pintor, o que também o predisporia à DT. A metabolismo de monoaminas.9 É geralmente segura e produz
ausência de história familiar para transtornos mentais e seu qua- poucos efeitos colaterais.9 Não há nos pacientes com DT níveis
dro clínico até certo ponto incaracterístico falam a favor de tal séricos baixos de vitamina E.22 As taxas de melhora em estudos
acometimento. Esta hipótese está sendo avaliada (dados signi- controlados variaram de 18,5% a 43% dos pacientes, sendo mais
ficativos, se existentes, serão comunicados nessa revista na seção efetiva em casos com menos de cinco anos de evolução e com o
“Seguimento”). emprego da dose de 1.600 mg/d, por um período de pelo menos
Uma das estratégias para o manejo da DT grave é a substitui- oito semanas.9 É uma promessa também na profilaxia da DT.23
ção dos neurolépticos típicos por um atípico diferente da cloza- O GABA é o neurotransmissor mais encontrado nos núcleos
pina num primeiro momento e, posteriormente, em caso de res- da base e tem íntimas relações com os sistemas dopaminérgicos.
posta insatisfatória, pela própria clozapina.9 Optou-se por substi- Foram encontradas evidências de diminuição da atividade das
tuir a olanzapina pela clozapina. vias gabaérgicas estriatais na DT. Em 19 estudos com benzodia-
Estudos têm mostrado que o desbalanço das vias dopaminér- zepínicos e valproato, encontrou-se melhora em 54% dos pacien-
gicas estriatais está relacionado à gênese da DT. Os neurônios tes.18 Em 1988, outra revisão mostrou melhora em 35% e altas
gabaérgicos estriatais de projeção se distribuem em duas vias. Na taxas de tolerância farmacológica.20 Soares, em metanálise, não
via direta, que desinibe o tálamo quando estimulada, predomi- encontrou utilidade para benzodiazepínicos e achou muitos efei-
nam os receptores D1, enquanto na via indireta, que inibe o tála- tos colaterais com os demais agonistas.19 Sintomas distônicos
mo, predomina o tipo D2. Os movimentos discinéticos se dariam podem responder mais ao clonazepam do que movimentos
pela predominância da supersensibilidade de D1.9 Drogas como coreoatetóicos.24
a clozapina, que bloqueiam de modo balanceado receptores D1 e O biperideno foi utilizado por estar indicado nos casos de
D2, teriam menor propensão para causar DT. Outra vantagem distonia tardia. Nas demais formas de DT os anticolinérgicos ten-
farmacodinâmica da clozapina seria o bloqueio de heterorrecep- dem a piorar o quadro, pois o bloqueio colinérgico nos núcleos
tores pré-sinápticos 5-HT2 em neurônios dopaminérgicos da base aumenta a liberação de dopamina.1,9
nigrais, o que aumenta a liberação de dopamina na fenda sinápti- Para o manejo de casos com predomínio de distonia, Egan et
ca por desinibição.17 al propuseram como seqüência a adição de anticolinérgicos, vita-
Jeste e Wyatt (1982), revisando oito estudos publicados com mina E e clonazepam ao antipsicótico em uso, seguida de mudan-
clozapina, encontraram melhora estatisticamente significativa em ça para antipsicótico de nova geração e, depois, para clozapina se
51% dos pacientes.18 Tem sido considerada melhora significativa o tratamento não for efetivo.9 Os próximos passos seriam blo-
a redução de pelo menos 50% na intensidade dos movimentos queadores de canal de cálcio e depletores de dopamina. Como
involuntários, medido por escalas apropriadas. Esta consideração medidas finais, sugerem o uso da toxina botulínica (para casos
é imprescindível posto que pode haver flutuação espontânea da mais localizados) ou o aumento da dose de antipsicótico típico
intensidade dos sintomas de até 30% ao longo do tempo.18 Em até se obter a supressão dos sintomas, seguido de redução bem
estudo duplo-cego mais recente (1994), Tamminga et al encontra- gradual.9 Os bloqueadores de cálcio parecem mais efetivos em
ram melhora significativa em comparação com grupo-controle.9 doses altas e principalmente para idosos com quadros graves.25
As taxas de melhora com placebo podem alcançar 37,3% dos Apesar de esses movimentos involuntários ainda serem fonte
pacientes.19 Quando possível a diminuição ou retirada do antip- de grande angústia para o paciente, seu irmão e sua mãe têm
sicótico verifica-se fase inicial de exacerbação da sintomatologia, observado melhora lenta, mas progressiva, proporcionando dife-
após a qual foram encontradas taxas de melhora de 37%18 e rença significativa em relação a seu estado pré-tratamento. P. tem
55%20 dos casos. Por outro lado, com o aumento da dose do dormido melhor, pois sua movimentação diminuiu consideravel-
antipsicótico típico, encontrou-se melhora inicial em 66,9%18 e mente com o decúbito, tem conseguido pegar ônibus e ir às con-
44%20 dos pacientes, com o risco de agravamento subseqüente sultas sozinho e mostra grau ligeiramente maior de independên-
do quadro por aumento adicional da população de receptores cia em tarefas diárias. Seu irmão relata, por exemplo, que P. sem-
dopaminérgicos. pre deixava seus óculos quebrarem ao caírem no chão, o que não
As terapêuticas coadjuvantes instituídas no presente caso tem acontecido mais. Quanto à pontuação na escala de Fahn-
foram a reserpina, a vitamina E, o clonazepam e o biperideno. A Marsden, de junho/99 a abril/00, houve redução de 43 para 37 na
reserpina foi posteriormente suspensa em função de efeitos cola- subescala de movimento e persistência dos valores na subescala
terais, descritos por P. como desânimo, apatia, sensação de de incapacidade.
“corpo ruim”. A partir da hipótese da supersensibilidade dopa- A resposta à terapêutica instituída tem sido, de qualquer
minérgica, os depletores de dopamina passaram a ser avaliados forma, ainda insatisfatória. Esta constatação encontra suporte na
no tratamento da DT. Jeste e Wyatt, em revisão de 1982, observa- literatura, posto que o processo de remissão é lento, podendo

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17 16


Discinesia tardia com predomínio de distonia

demorar até três anos1 e não atinge todos os pacientes. Além 10. Duke PJ, Pantelis C, Barnes TRE. South Westminster schi-
disto, os casos de distonia parecem ter menor taxa de remissão, zophrenia survey: alcohol use and its relationship to
com ou sem a retirada do antipsicótico.26 Deveremos divulgar a symptoms, tardive dyskinesia and illness onset. B J Psychiatry
evolução do quadro clínico nas próximas edições dessa revista. 1994; 164:630-636.
A falta de tratamento comprovadamente efetivo para a DT e 11. Woerner MG, Saltz BL, Kane JM, Lieberman JA, Alvir JMJ.
a sua origem essencialmente iatrogênica reforçam a importância Diabetes and development of tardive dyskinesia. Am J
da sua prevenção, através do uso criterioso de antipsicóticos e do Psychiatry 1993; 150:966-968.
emprego das menores doses necessárias. Os antipsicóticos de 12. Kane JM. Tardive dyskinesia in affective disorder. J Clin
nova geração despontam como grande promessa para se diminuir Psychiatry 1999; 60(5):43-47.
a incidência desta complicação.12,27 13. Ghadirian AM, Annable L, Bélanger MC, Chouinard G. A
cross-sectional study of parkinsonism and tardive dyskinesia
Summary in lithium-treated affective disordered patients. J Clin
Psychiatry 1996; 57:22-28.
Tardive dyskinesia is a complication due to the use of antipsychotics 14. Liddle PF, Barnes TR, Speller J, Kibel D. Negative symptoms
and still represents a challenge to specialists. After a brief introduc- as a risck factor for tardive dyskinesia in schizophrenia. B J
tion to the theme, the author relates a case of a 42 year old male Psychiatry 1993; 163:776-780.
patient presenting a severe form of tardive dyskinesia with predomi- 15. Sweet RA, Mulsant BN, Gupta B et al. Duration of neurolep-
nant dystonic symptomatology acquired eight years after the use of tic treatment and prevalence of tardive dyskinesia in late life.
antipsychotics. A discussion about the treatment of this patient and Arch Gen Psychiatry 1995; 52:478-486.
the current guidance for treatment of tardive dyskinesia is devel- 16. Burke RE, Fahn S, Marsden CD, Bressman SB, Moskowitz
oped, as well as about itts physiopathologic bases. C, Friedman J. Validity and reliability of a rating scale for the
primary torsion dystonias. Neurology 1985; 35(1):73-7.
17. Stahl SM. Essencial psychopharmacology-neuroscientific
Key-words: Tardive, Dyskinesia; Tardive Dystonia; Pathology;
basis and clinical applications. Cambridge: Cambridge
Therapeutics; Antipsychotics Agents
University Press, 1996.
18. Jeste DV, Wyatt RJ. Therapeutic strategies against tardive
Agradecimentos diskinesia. Arch Gen Psychiatry 1999; 39:803-816.
19. Soares KV, McGrath JJ. A systematic review and meta-analy-
O autor e CCP agradecem ao Prof. Dr. Francisco Cardoso, sis. Schizophr Res 1999; 39(1):1-16.
Adjunto do Departamento de Psiquiatria e Neurologia da FM- 20. Jeste DV, Lohr JB, Clark K, Wyatt RJ. Pharmacological treat-
UFMG, pela contribuição na revisão do artigo. ments of tardive dyskinesia in the 1980s. J Clin
Psychopharmacol 1988; 8(suppl):38S-48S.
21. Gattaz WF, Emrich A, Behrens S. Vitamin E attenuates the
Referências Bibliográficas development of haloperidol induced dopaminergic hyper-
sensitivity in rats: possible implications for tardive dyskine-
1. Bassit DP, Louzã Neto MR. eds. Discinesia tardia. São Paulo:
sia. J Neural Trams 1993; 92:197-201.
Casa do Psicólogo, 1999.
22. McCreadie R, MacDonald E, Wiles D, Campbell G,
2. Stacy M, Cardoso F, Jankovic J. Tardive stereotypy and other
Paterson JR. The nithsdale schizophrenia surveys: plasma
movement disorders in tardive dyskinesias. Neurology 1993;
lipid peroxide and serum vitamin E levels in patients with
43:937-941.
and without tardive diskinesia, and normal subjects. B J
3. American Psychiatric Association. eds. Diagnostic and statis-
Psychiatry 1995; 167:610-617.
tical manual of mental disorders. 4th ed. Washington DC:
American Psychiatric Association, 1994. 23. Gupta S, Mosnik D, Black DW, Berry S, Masand PS. Tardive
4. Dech H, Daker MV. Acatisia: enfoque clínico-descritivo e dyskinesia: review of treatments past, present and future.
aprofundamento diagnóstico. J Bras Psiquiatria 1996; Ann Clin Psychiatry 1999; 11(4):257-266.
45(12):685-688. 24. Thaker GK, Nguyen JA, Strauss ME, Jacobson R, Kaup BA,
5. Kaplan HI, Sadock BJ. eds. Comprehensive textbook of Tamminga CA. Clonazepam treatment of tardive dyskinesia:
psychiatry. 6th ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1995. a practical GABAmimetic strategy. Am J Psychiatry 1990;
6. Krapelin E. A dementia praecox. Tradução de Daker MV. 147:445-451.
Demência precoce. Casos Clin Psiquiatria 1999; 1:59-67. 25. Cates M, Lusk K, Wells BG. Are calcium channel blockers
7. Bazire S. Psychotropic drug directory - the professio- effective in the treatment of tardive dyskinesia? Ann
nals’pocket handbook and aide memorie. Quay Books, 1999. Pharmacother 1993; 27(2):191-196.
8. Jeste DV, Lacro JP, Palmer B, Rockwell E, Harris MJ, 26. Shaplesky J, McKay AP, McKena PJ. Successful treatment of
Caligiuri MP. Incidence of tardive dyskinesia in early stages tardive dystonia with clozapine and clonazepan. Br J
of low-dose treatment with typical neuroleptics in older Psychiatry 1996; 168:516-518.
patients. Am J Psychiatry 1999; 156(2):309-311. 27. Jeste DV, Rockwell E, Harris MJ, Lohr JB, Lacro J.
9. Egan MF, Apud J, Wyatt RJ. Treatment of tardive dyskinesia. Conventional vs newer antipsychotics in elderly patients. Am
Schizoph Bull 1997; 23(4):583-609. J Geriatr 1999; 7(1):70-76.

17 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17


ATAXIA PROLONGADA ASSOCIADA À INTOXICAÇÃO POR LÍTIO
LASTING ATAXIA ASSOCIATED WITH LITHIUM INTOXICATION

Yara Azevedo* Após uso prolongado do lítio, podem aparecer distúrbios


Cíntia de Azevedo Marques** cognitivos, como diminuição da atenção e memória e rigidez
Eduardo Iacoponi*** muscular.4
Alguns efeitos neurológicos decorrentes do uso de lítio
podem ser permanentes. Entre esses, são descritos seqüelas cog-
nitivas, incluindo prejuízo da memória, da atenção, do controle
Resumo das funções executivas e déficits visuo-espaciais, sintomas esses
compatíveis com a demência subcortical.5 Tem sido raramente
Relatado um caso de paciente portadora de transtorno afetivo bipo- associado também à ataxia, o distúrbio neuromuscular bilateral,
lar tipo I que após quadro de intoxicação por lítio apresentou ataxia a polineuropatia periférica, uma síndrome semelhante à miastenia
prolongada. Embora as complicações neurológicas na intoxicação gravis, a rabdomiólise e a hipertensão intracraniana benigna.6,7
pelo lítio sejam comuns e conhecidas na prática clínica, as seqüelas Os efeitos neurotóxicos do lítio geralmente ocorrem em con-
neurológicas permanentes são raras e desconhecidas da maioria dos centrações séricas altas ou em pacientes que apresentam alguns
psiquiatras. Foi realizada revisão dos relatos de casos publicados de fatores de risco.8 Os fatores de risco que predispõem a efeitos
seqüelas neurológicas associadas ao uso de lítio e seus fatores de colaterais e toxicidade são diminuição da função renal, associada
risco aventados. à idade avançada ou à doença renal, delirium, demência, doença
física com vômitos e/ou diarréia, uso de diuréticos e/ou outro far-
macoterápico, baixa ingestão de sódio e/ou aumento da excreção
Palavras-chaves: Ataxia; Distúrbio Bipolar; Intoxicação por
do sódio e gravidez.4,9
Lítio
Apresentaremos a seguir o relato de uma paciente portadora
de transtorno bipolar I, segundo a quarta edição do Diagnostic
Há quase 30 anos o lítio foi aprovado nos Estados Unidos
and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV),10 que após
pela Food and Drug Administration (FDA) como estabilizador de
um quadro de intoxicação por lítio apresentou ataxia prolonga-
humor e para o tratamento da mania. Embora seja uma droga
da, efeito comum durante quadros de intoxicação, porém pouco
muito estudada, os seus mecanismos de ação não são totalmente conhecido e potencialmente irreversível.
conhecidos. No uso terapêutico do lítio, dentre as dificuldades
encontradas, talvez a principal seja o manejo dos efeitos adversos,
sendo que a maioria desses efeitos estão associados a doses eleva- Descrição do Caso
das e são de natureza transitória. Dentre os diversos sistemas sus-
ceptíveis aos efeitos colaterais, o sistema nervoso, justamente M.J.A.P. é uma paciente de 46 anos, do sexo feminino, com
aquele onde se dá a ação terapêutica do lítio, é que é particular- primeiro grau incompleto, casada, dona de casa, natural do
mente predisposto. Dos efeitos colaterais neurológicos mais notá- Ceará, que mora em São Paulo há 25 anos. Em fevereiro de 1999
veis no início do tratamento, tremor fino das mãos pode ocorrer foi trazida ao serviço de emergência por familiares, pois apresen-
em até 65% dos pacientes, associado à redução da coordenação tava há duas semanas sintomas compatíveis com mania psicótica.
motora, nistagmo e fraqueza muscular. São descritos também dis- Ela fazia na época uso regular de 600 mg/dia de carbonato de
foria e perda da espontaneidade.1 lítio, 400 mg/dia de carbamazepina e 200 mg/dia de tioridazina.
A neurotoxicidade manifesta-se precocemente por disartria, A paciente apresentara quadro semelhante de mania psicóti-
ataxia e tremores grosseiros. Acompanhando o quadro de confu- ca há 14 meses, quando foi tratada com 900 mg/dia de carbona-
são metal aguda, pode haver mais freqüentemente fasciculações to de lítio, 400 mg/dia de carbamazepina e dose não especificada
musculares e mioclonias, mas são descritos também blefaroespas- de tioridazina, sendo que há 10 meses o lítio foi diminuído para
mo e apraxia de abertura de pálpebras.2 Estes quadros podem 600 mg/dia. Dois meses antes dessa primeira consulta a paciente
progredir para convulsões, coma e morte. A taxa de morte entre apresentou sonolência excessiva por um dia e, por isso, foi enca-
pacientes que tomam lítio é estimada em uma morte para cada 14 minhada a um pronto-socorro geral. Ao exame apresentava dimi-
mil pacientes.3 nuição do nível de consciência, nistagmo e ataxia, com litemia de

* Coordenadora da Residência Médica do Departamento de Saúde Endereço para correspondência:


Mental da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Yara Azevedo
** Médica Residente de Segundo Ano do Departamento de Saúde Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental
Mental da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo
*** Professor Adjunto do Departamento de Saúde Mental da Rua Major Maragliano, 241
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. 04017-030 - São Paulo - SP
E-mail: jenya@uol.com.br
Telefone: (11) 5087-7036

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20 18


Ataxia prolongada associada à intoxicação por lítio

4,1 mEq/l, o que fez com que recebesse uma hipótese diagnósti- mEq/l e restante sem alterações. Por isso, o estabilizador do
ca de delirium (intoxicação grave por lítio). M.J.A.P. recebeu alta humor foi trocado para valproato de sódio, na dose de 1.000
melhorada após duas semanas em uso de lítio 600 mg/dia e tam- mg/dia. Desde então está eutímica e não teve mais quadros de
bém com os demais medicamentos já citados, embora mantendo delirium. Sua ataxia persiste há 11 meses.
dificuldade de deambulação por fracasso da coordenação muscu-
lar dos membros inferiores (marcha atáxica).
No seu passado a paciente teve dois episódios depressivos
Discussão
maiores, um há 20 anos e outro há quatro anos, tendo sido trata-
da em ambas ocasiões com imipramina. Não tem antecedentes As complicações neurológicas na intoxicação pelo lítio são
familiares de episódios depressivos ou maníacos, de suicídio, nem comuns e conhecidas na prática clínica. Entretanto, as seqüelas
mesmo de dependência de álcool. neurológicas permanentes são raras e desconhecidas pela maioria
Na primeira consulta a paciente apresentava-se com humor dos psiquiatras e, embora existam relatos de casos há mais de 25
irritável, pensamento acelerado e idéias deliróides de conteúdo anos, não há descrições nos livros texto mais usados em nosso
grandioso e religioso. Ao exame físico apresentava instabilidade meio1,4,11 ou no Physician's Desk References.
da marcha com incoordenação dos movimentos dos membros Alguns fatores de risco são aventados para desenvolvimento
inferiores. Foram feitas hipóteses diagnósticas de transtorno da seqüela neurológica. Schou6 revisou mais de 40 relatos de
bipolar I, atual episódio de mania psicótica e ataxia cerebelar a casos de seqüelas neurológicas após quadros de intoxicação por
esclarecer. Havendo possibilidade de ser cuidada pelos familia- lítio que foram publicados desde 1972, e encontrou doença clíni-
res, a paciente não foi internada e foi orientada a suspender a car- ca com febre (em 11 casos), uso concomitante de dieta hipossó-
bamazepina, aumentar o lítio para 900 mg/dia e aumentar a tiori- dica e diuréticos (em um caso), cirurgia (em um caso), baixa
dazina para 400 mg/dia. ingestão alimentar (em dois casos), início recente de lítio em dose
Após alguns dias em casa apresentou quadro de início súbi- alta (em quatro casos), superdosagem por suicídio (em quatro
to de confusão mental, discurso mais acelerado, humor irritável e casos) ou acidental (em seis casos) e uso concomitante de dose
alucinações auditivas. Ao exame neurológico apresentava dimi- alta de haloperidol e febre (quatro casos). Além desses, outros
nuição do nível de consciência, com força muscular normal nos fatores de risco descritos são: idade avançada, sexo feminino,
quatro membros, mas com acentuação da marcha atáxica. Seus transtorno mental orgânico, uso crônico do lítio, litemia acima da
reflexos estavam vivos globalmente e não apresentava alterações faixa terapêutica, disfunção renal, febre e desidratação.9,12-14
na sensibilidade. Apresentava nistagmo vertical, fundo de olho Dos psicotrópicos, os neurolépticos, a carbamazepina, os
sem edema de papila e não apresentava sinais meningeorradicu- bloqueadores do canal de cálcio, os diuréticos e a metildopa são,
lares. Feita hipótese diagnóstica de delirium (intoxicação por especialmente, relacionados à neurotoxicidade do lítio.15
lítio?), a paciente fora internada, e todas medicações suspensas. A paciente descrita era do sexo feminino e usava, na ocasião
Em seus exames evidenciou-se litemia de 0,7 mE/l, anemia nor- do início da ataxia, dose baixa de carbamazepina e neuroléptico.
mocítica e normocrômica, TGO e TGP discretamente aumenta- A combinação do lítio com a carbamazepina é geralmente bem
dos, função renal normal, T3 e T4 normais com TSH discreta- tolerada e o mecanismo do aumento da neurotoxicidade de
mente diminuído (0,2 mg/ml), anticorpos antitireóide negativos e ambas as drogas quando associadas é desconhecido.16
tomografia computadorizada do encéfalo normal. Este quadro O lítio parece ter afinidade especial pelo cerebelo e a ataxia
remitiu após duas semanas e a paciente recebeu alta hospitalar é uma das seqüelas neurológicas mais freqüentemente relatada na
melhorada, eutímica, tomando clonazepam, 4 mg/dia, mas man- literatura. Nagajara et al12 relataram seis casos de seqüelas neuro-
tendo a mesma ataxia. lógicas entre 965 pacientes com diagnóstico de transtorno afetivo
Em março de 1999 voltou a ficar insone, com humor irritá- bipolar acompanhados por 10 anos, tomando lítio em doses tera-
vel, afeto lábil, choro fácil e idéias deliróides místicas. Feita hipó- pêuticas. A ataxia teve início súbito em quatro casos e estava
tese de novo episódio de mania psicótica e optou-se por manter acompanhada de quadro confusional e tremores. Em dois pacien-
apenas o clonazepam e este quadro remitiu após uma semana. tes, o início da ataxia foi insidioso. Todos mantiveram a ataxia
Para elucidação da causa da ataxia foi encaminhada para pós-interrupção do uso de lítio. A observação desses casos suge-
uma avaliação neurológica. Feitos estudo doppler-color do siste- re uma freqüência de 1,2% casos de ataxia em pacientes toman-
ma carotídeo vertebral, ultra-som de carótida e nova tomografia do lítio, entretanto este dado necessita de confirmação por outros
de crânio normais. A ressonância magnética foi inconclusiva, pois estudos.
paciente permaneceu agitada durante o exame. Assim, a causa da Nos exames de diagnóstico por imagem pode-se evidenciar
cerebelopatia não foi esclarecida, sendo aventados acidente vas- atrofia cortical e cerebelar em alguns casos e em outros a tomo-
cular cerebral, degeneração subaguda da medula por déficit de grafia de crânio é normal. É difícil precisar se a alteração radioló-
B12 e doença aterosclerótica. Diagnosticou-se também hiperten- gica é devido à lesão ou pela idade dos pacientes estudados,12
são arterial sistêmica. porém há relatos de pacientes jovens tomando lítio que após into-
Em abril de 1999 a paciente estava eutímica e o carbonato de xicação apresentaram atrofia cerebelar grave.14
lítio foi reintroduzido como estabilizador do humor na dose de O mecanismo exato de lesão neurológica é desconhecido,
900 mg/dia. Após um mês, teve outro quadro semelhante de deli- porém em biópsia post mortem mais comumente descreve-se
rium com duração de dois dias, acompanhado de piora evidente lesões das células de Purkinje cerebelares, gliose no núcleo den-
da ataxia. Seus exames laboratoriais evidenciaram litemia de 0,8 tado e desmielinização de axônios.17

19 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20


Conclusões ed. Washington, DC: American Psychia-tric Press, 1998:379-
430.
Os efeitos colaterais do lítio, embora sejam de difícil manejo, 5. Brumm VL, van Gorp WG, Wirshing W. Chronic neuropsy-
não tiram sua posição como tratamento de escolha para os trans- chological sequelae in a case of severe lithium intoxication.
tornos bipolares em todas faixas etárias. Como a maioria desses Neuropsychiatry Neuropsychol Behav Neurol 1998;
efeitos é dependente da dose, deve-se averiguar periodicamente 11(4):245-249.
sua concentração plasmática e se servir dela para ajustar as dosa- 6. Schou M. Long-lasting neurological sequelae after lithium
gens. intoxication. Acta Psychiatr Scand 1984; 70: 594-602.
Na presença de fatores de risco, o lítio está associado a 7. Su KP, Lee YJ, Lee MB. Severe peripheral polyneuropathy
seqüelas neurológicas incapacitantes e permanentes. Por isso, and rhabdomyolysis in lithium intoxication: a case report.
deve-se minimizar o uso concomitante de outras drogas e, sempre Gen Hosp Psychiatry 1999; 21(2):136-137.
que um fator de risco for identificado (p.ex. febre, desidratação, 8. Moncrief J. Lithium: evidence reconsidered. B J Psychiatry
infecção, etc), sua dose deve ser apropriadamente reduzida ou 1997; 171:113-119.
suspensa. 9. Timmer RT, Sands JM. Lithium intoxication. J Am Soc
Nephrol 1999;10 (3):666-674.
10. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical
Summary Manual of Mental Disorders. 4th ed. Washington: American
Psychiatric Association, 1994.
This paper presents a case of a patient with type I bipolar mood dis- 11. Loudon FB. Drug treatments. In: Kendell RE, Zealley AK.
order who developed lasting ataxia following lithium intoxication. eds. Companion to Psychiatric Studies. 5th ed. London:
Although neurological complications due to lithium intoxication are Churchill Livingstone, 1995:817-847.
common and well knownin clinical practice, permanent neurological 12. Nagaraja D, Taly AB, Sahu RN, Channabasavanna SM,
sequelae are rareand remain unknown to most psychiatrists. We Narayanan HS. Permanent neurological sequelae due to
review case reports concerning lithium-related neurological seque- lithium toxicity. Clin Neuro Neurosurg 1987; 89(1):31-34.
lae and risk factors associated with this clinical picture. 13. Cookson J. Lithium: balancing risks and benefits. B J
Psychiatry 1997; 171:120-124.
Key-words: Ataxia; Bipolar Disorder; Lithium, Intoxication 14. Roy M, Stip E, Black D, Lew V, Langlois R. Cerebellar dege-
neration following acute lithium intoxication. Rev Neurol
1998; 154(6-7):546-548.
Referências Bibliográficas 15. Janinack PG, Davis JM, Prekorn SH, Ayd Jr JF. Principles
and Practice of Psychopharmacotherapy. Baltimore:
1. Jeffreson JW, Greist JH. Lithium. In: Kaplan HI, Sadock BJ. Williams & Wilkins, 1993:398.
eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 2nd ed. 16. Ciraulo DA, Slattery M. Anticonvulsants. In: Ciraulo DA,
Maryland: Williams & Wilkins, 1995:2022-2030. Shader RI, Greenblatt DJ, Creelman WL. eds. Drug
2. Micheli F, Cersosimo G, Scorticati MC, Ledesma D, Molinos Interactions in Psychiatry. Baltimore: Williams & Wilkins,
J. Blepharospasm and apraxia of eyelid opening in lithium 1995:252-267.
intoxication. Clin Neuropharmacol 1999; 22(3):176-179. 17. Naramoto A, Koizumi N, Itoh N, Shigematsu H. An autopsy
3. Cassidy S, Henry J. Fatal toxicity of antidepressant drugs in case of cerebellar degeneration following lithium intoxica-
overdose. BMJ 1987; 295:1021-1024. tion with neuroleptic malignant syndrome. Acta Pathologica
4. Lenox RH, Manji HK. Lithium. In: Schatzberg AF, Japonica 1993; 43:55-58.
Nemeroff CB. eds Textbook of Psychopharmaco-logy. 2nd

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20 20


CORTICAL ATROPHY DURING TREATMENT WITH LITHIUM IN
THERAPEUTIC LEVELS, PERPHENAZINE AND PAROXETINE: CASE
REPORT AND LITERATURE REVIEW
ATROFIA CORTICAL DURANTE TRATAMENTO COM LÍTIO EM NÍVEIS TERAPÊUTICOS,
PERFENAZINA E PAROXETINA: RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA

Luiz Renato Gazzola patient had no family history of psychiatric illness, except for a
great uncle with an unknown mental illness. She had a history of
parental emotional neglect during her childhood. She was a quiet
and shy adolescent, did not date during her teens, and had very
Summary few romantic relationships as an adult. She was described as the
model of strength and stability for her family. A boyfriend of
We present, in clinical case conference format, a case in which deli- three years died in an accident, one year before the onset of the
rium developed and rapidly progressed to mild dementia in a pre- patient's psychiatric illness. Past medical history was unremark-
viously healthy (from the neurological standpoint) 40 years old able except for mild head injury, without loss of consciousness,
woman being treated with lithium, paroxetine, and perphenazine for sustained in a car accident when she was seven years old. The
bipolar disorder I with psychotic features.The unusual aspect of the patient did not drink alcohol or abused substances but did smoke
case is the fact that it was associated with de novo cortical and cere- 1.5 packs a day.
bellar atrophy, as evidenced by two MRIs performed six months At age 39, she developed without apparent precipitant the
apart. We present our possible explanation for the findings as medi- erotomaniac delusion that her cousin loved her and wished to
cation-induced toxic dementia, as well as the differential diagnosis marry and have a child with her. She believed that he was com-
(including a detailed discussion of the possible causes of dementia in municating these thoughts through “subliminal messages.” She
this age group).We discuss some unusual drug interactions, and offer saw the bedcovers turned down in his home and interpreted this
a review of the pertinent literature. as a sign of his decision to become intimate with her. The severi-
ty of her delusional thinking became apparent that same night,
Key-words: Cortex, Cerebral; Cerebellar Cortex; Atrophy; when she entered her cousin's bedroom by breaking through a
Dementia; Delirium; Drug Interactions, Drug Toxicity; window, convinced that he had sent her messages to join him for
a romantic encounter. Her cousin, amazed at her bizarre behav-
Lithium; Perphenazine; Paroxetine
ior and frightened, ordered her to leave at gunpoint. Ms. A went
to a nearby bar from which she called her aunt to tell her that she
We will present a clinical case and its differential diagnosis,
was receiving a message from the radio explaining that her cousin
followed by discussion and literature review. The format adopted
wanted to meet her at the bar. Her aunt became appropriately
for this article will be similar to a clinical case conference. It is
alarmed and persuaded Ms. A to come to her house. Ms. A fell
important to clarify that we directly cared for Ms. A during her
asleep at her aunt's house, but she awoke at 4 AM feeling ener-
third hospitalization only, when she was admitted to a university-
getic and refreshed, and she left. Later that day Ms. A showed up
affiliated hospital. The information included here concerning the
at a yard sale and took off all of her clothing, explaining that she
first two hospitalizations and the outpatient follow-up was
wanted to sell it as part of the yard sale. Her aunt took her to an
obtained through medical records and through the reports of her
prior and subsequent physicians, who were not linked to the emergency room, but Ms. A eloped before she could be evaluat-
same university-affiliated practice. The patient whom we called ed. She was subsequently found showering at the maternity ward,
Ms. A gave written consent to this publication. Some minor where she explained that her cousin had instructed her to do so
details were changed to protect confidentiality. in preparation for her giving birth to their baby. The patient
seemed calm and objective and said that she was convinced that
she was behaving rationally in an attempt to cope with what she
Case Presentation called the upcoming changes in her life.
Ms. A was then involuntarily admitted to a psychiatric hos-
Ms. A was a 40 years old, single, white female, living alone, pital. She was alert and oriented, but in addition to her erotoma-
with no prior psychiatric history. She was said to be a bright nia, had grandiose delusions that she was a superior person with
woman holding a post-graduate degree and was functioning at a many ideas ahead of her time, and that her picture had appeared
high level in a professional career until she was 39 years old. The on the front cover of several major magazines. She additionally

Visiting Professor at Universidade Federal de Minas Gerais. Endereço para correspondência:


Written at the Department of Psychiatry of the College of Luiz Renato Gazzola
Physicians and Surgeons of Columbia University, New York, NY, Fafich - Sala 4036 - Campus UFMG Pampulha
U.S.A. Av. Antônio Carlos, 6627
31270-901 - Belo Horizonte - MG

21 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28


reported that people were using telepathy to control her psychiatrist found her to be mildly depressed, with excessive
thoughts and behavior, as well as that when she was alone, she somnolence in the afternoons, but without evidence of psychosis
was convinced of the strong presence of someone nearby who or gross cognitive impairment. Her sister, however, voiced con-
was not visible. cern that Ms. A was increasingly having memory problems and
While in the hospital, Ms. A inserted two pieces of metal into was “less sharp” than before the hospitalizations. Perphenazine
an electrical outlet in response to a subliminal message from her was decreased to 2 mg/day. When thyroid function tests revealed
cousin. Her neurological examination at the time was entirely a TSH elevation of less than two folds the upper range, Ms. A was
normal. A neuropsychological test battery reportedly revealed started on 0.1 mg/day of levothyroxine. Her lithium level was
that she was very bright and had no signs of cognitive impair- 1.4 mEq/L, and her psychiatrist accordingly lowered her lithium
ment. Projective personality tests were consistent with the diag- to 1,200 mg/day.
nosis of bipolar disorder, manic, with psychotic features. Ms. A A month later, Ms. A presented to the evaluation service of
was treated with 8 mg/day of perphenazine, and up to a university-affiliated hospital where we met her for the first time.
1,500 mg/day of lithium carbonate (level 0.9 mEq/L). She began She requested hospitalization because of her concerns about
to show clinical improvement, and after 15 days on this dose of ongoing difficulty concentrating, disorientation, memory pro-
lithium she was discharged. blems, and low energy. She said that on occasion she did not
Ms. A continued to report feeling intense pressure, “just know what she was doing and could only remember “pieces of
barely able to hang on,” and fear that she would never regain con- things”. Her sister confirmed that she was confused and unable
trol of her mind. She felt unable to return to work and subse- to remember where she had left her belongings during the day,
quently never did. Around two months after discharge she appea- and that she stayed up at night, pacing. Ms. A exhibited marked
red stable to her outpatient psychiatrist who discontinued perphe- tongue and hand tremor and was found to have slow speech,
nazine while maintaining her on lithium carbonate, 1,500 mg/day. depressed mood, impaired memory (0/3 in five minutes), and
Several days later Ms. A began to complain of increasing anxiety inability to perform even simple calculations, and to tell how
and racing thoughts focused on her finances. She felt unable to many quarters make a dollar. At the time, she was receiving paro-
make even simple decisions, e.g., where to place a chair in her xetine 40 mg/day, perphenazine 2 mg/day, levothyroxine
room, and saw distorted faces on television. She heard her own 0.1 mg/day, and lithium carbonate 1,200 mg/day, with a serum
voice carrying on a debate inside her head. Perphenazine was res- lithium level of 1.1 mEq/L. She was admitted to the psychiatric
tarted but she did not improve. Shortly after her 40th birthday she service where she showed activity varying from passivity to mild
was readmitted to the same facility from which she had been dis- agitation, dysphoric mood, irritable affect, latency to answer and
charged two and an half months before. circumstantial speech, thought blocking, nonsensical conversa-
At the time of her second hospitalization, she was anxious tion. She was quick to fatigue and easily dropped objects, was
and dysphoric, distractible, and experiencing thought blocking. oriented only to name, repeatedly attempted to leave the unit and
She was alert and oriented, and neurological examination did not had an unstable gait. Her confusion appeared to be increased
show tremors or ataxia. All laboratory values, including thyroid from day to day.
function tests, were normal. Shortly after admission nursing staff A dementia work-up was performed. Routine laboratory
during the evening reported that she appeared confused and nee- tests of blood count and chemistry, HIV test, RPR, ESR,
ded help finding her room. A MRI was ordered but was unremar- PT/PTT, folate, B12, fasting and post-prandial glucose, thyroid
kable; revealing only a few small areas of scattered foci of increa- function tests, antinuclear antibodies, chest X-ray, EKG, and
sed signal in the central semiovale bilaterally on T2 weighted ima- analysis of cerebrospinal fluid (CSF) including VDRL and
ges, interpreted as representing only small ischemic gliotic chan- cryptococcal antigens were all normal or negative.
ges, a normal finding for her age group. Medication at that time A repeat MRI was performed and compared with the origi-
included lorazepam 3 mg/day perphenazine, 8 mg/day benztro- nal MRI from six months earlier (which was obtained from her
pine, 2 mg/day and lithium carbonate 1,500 mg/day (level former psychiatrist, by mail). The most recent exam revealed the
1.1 mEq/L). Ms. A was said to have depressed mood and cons- presence of mild generalized cerebellar and cortical atrophy that
tricted affect and paroxetine was started and increased to were not apparent before. On volumetric calculation, the cortex
20 mg/day. Ms. A showed “some improvement in mood” had decreased from 1,200 cc to 1,025 cc (a drop of about 15%),
(clinical details such as time frame and specific mental status fin- and the cerebellum had decreased from 154 cc to 137 cc. Both
dings were not available to us – the patient was being treated in sets of films were seen at our university-affiliated Radiology
another service at the time and we only had access to a discharge Department, and the original reading of the first set was conside-
summary). Although she complained of ongoing confusion and red to be accurate.
disorientation, she was discharged, and her mood symptoms and Very sensitive to medication, Ms. A developed deep confu-
distractibility were attributed to a possible diagnosis of “chronic, sional state after 1 mg of lorazepam used as pre-medication to
delayed PTSD”, related to her childhood experiences and to the MRI. She appeared to have marked EPS. All medications except
loss of her boyfriend. for lithium were held for 48 hours, but this seemed to have no
Ms. A continued to experience episodes of confusion and effect on the delirium, which continued to increase steadily.
disorientation. She felt unable to leave alone any longer and, two An EEG was then performed and showed abnormal inter-
months after discharge, relocated to another state so that she mittent diffuse theta-delta waves, slowing at times, rhythmic, with
could live with her older sister. Another two months later a local frontal predominance. Lithium was then discontinued. Within

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 22


Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine and paroxetine: case report and literature review

two days the patient began to partially recover her cognitive func- increased energy) but these, on the other hand, are not exclusive
tions. Her behavior became less intrusive, with improved sociabi- to manic patients. Criterion D-2 of the DSM-IV in both schi-
lity and better eye contact. Her mood was brighter and her affect zophrenia and schizophreniform disorder is consistent with
more appropriate. Her thought process was clearer and less mood episodes during the course of these illnesses, as long as they
disorganized. She became oriented to person, place and time and have occurred during active phases and their total duration has
showed better attention span. While her psychotic and affective been brief relative to the duration of the active and residual
symptoms did not reoccur, some of Ms. A's cognitive deficits (e. periods. Some descriptions of the patient's behavior, e.g., her
g., impaired short-term memory) persisted. She was discharged to calm and objective report of her delusional reasons for going to
her sister's care on no medication. the maternity ward, do not strike us as particularly consistent
A repeat EEG shortly after discharge (about two weeks after with mania. She was described at one point as having racing
lithium was discontinued) was found to be normal. Ms. A's blood thoughts, although these were also said to be focused on one
and her water supply were tested for lead with negative results. theme only (her finances), and to have occurred at the same time
Heavy metal screens in blood and hair were also negative. One as she was considered to be anxious and dysphoric. Diagnoses
year later, although Ms. A was oriented to person, place, and like brief psychotic disorder without marked stressors, or schi-
time, she continued to complain of memory problems and of “not zophreniform disorder, cannot be ruled out for Ms. A's first epi-
being able to think efficiently.” Her sister similarly reported that sode. That was the rationale to discharge her from our service on
Ms. A's thinking was not as clear as it had been prior to her ill- no psychiatric medication with recommendation for a close out-
ness, and that she exhibited difficulties with memory and sustai- patient follow-up. We had no proof of the recurrent nature of her
ned concentration. At a two-year follow-up, despite the absence illness. We were faced to a case that could be explained by a brief
of psychotic and affective symptoms, she was still unable to resu- psychosis followed by an organic syndrome. However, the latest
me her previous professional career due to subtle but persistent information that we have now about Ms. A's course including a
cognitive deficits, consistent with mild dementia. She was able to major depressive episode during the third year and the absence of
obtain employment in a less demanding position. During the fol- psychotic relapse in spite of a long period without neuroleptics
lowing year Ms. A experienced a two-month episode of major rescues the possibility of a diagnosis of bipolar I disorder. Longer
depression without psychotic features, which responded to out- observation of her future course is needed to tell exactly what the
patient treatment with fluvoxamine and valproate. She has been long-term diagnosis is. In any case, however, it appears fairly clear
_ and this is important to our line of thought _ that in spite of the
kept on these drugs to date (little more than three years after the
third hospitalization) and remains stable both psychiatrically and relatively late onset, Ms. A's first episode did not have any neuro-
neurologically, although with a persistent but stable cognitive logical features and she had intact memory, orientation, and gene-
deficit. For various external reasons, a third MRI and serial neu- ral cognition at that time.
ropsychological tests were not obtained. If we take a detailed look into the second and third admis-
sions, including the period between these two hospitalizations,
we cannot really be certain that she subsequently presented clear
Discussion symptoms of a so-called functional psychosis or even of a mood
disorder. Granted that she appeared depressed on occasion, and
We will now address our proposed diagnosis for this patient, had symptoms suggestive of psychosis such as the distorted faces
as well as its limitations and possible alternatives. on television and the impression of having her own voice in a
This patient came to us with a previous diagnosis of bipolar constant debate in her mind, right at the beginning of the second
disorder with psychotic features. We do not entirely accept this hospitalization. However, what started to show very shortly the-
diagnosis. The onset of the illness in Ms. A was not typical: 75% reafter, into the first few days of the second hospital stay, was a
of women with bipolar I have a depressive episode first, and most confusional state. One cannot rule out that her dysphoric,
of them have already had clear episodes by age 30. Late onset anxious mood, her experiences of being “just barely able to hang
always suggests organic pathology or other causes, but still, Ms. on”, her fear of losing control, her inability to decide where to
A's onset is not unheard of: a good 20% of patients have their place a chair in a room, her easy distractibility and even some
first episode in their late 30’s or early 40’s. There is also the pos- hints of derealization, could fit perfectly the prodromic phases of
sibility of mild to moderate undiagnosed earlier depressive episo- a very insidious delirium. What was read at the time as a thought
des, which are often less spectacular to exterior observers than a process disorder with blocking could be the result of incipient
full-blown mania. Ms. A's onset is also somewhat atypical for cognitive impairment, and even the symptoms that motivated
bipolar disorder in terms of the nature and intensity of her paroxetine to be started could have been due to mild confusion
psychotic features, e.g., the marked erotomania, the command and not to depression. The “sundowning” and inability to find
auditory hallucinations, the ideas of influence and the delusional her way to her room in the ward without being escorted are
interpretations that are all more commonly seen in other psycho- highly indicative of delirium. From this point on, while she conti-
ses, but again, these symptoms do not exclude the diagnosis of nued to be seen as showing symptoms of a mood disorder, the
bipolar I with psychotic features. It is hard to judge the nature of patient persistently complained of having periods of confusion
the first episode by discharge summary only, especially in regard and disorientation and of not being able to think clearly, to the
to the actual degree of mania. She did have grandiose delusions, point of abandoning her career. She was in our view rather func-
hypersexuality and manic behavior (e.g., taking off her clothing, tionally impaired (and significantly so) than depressed.

23 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28


On presentation to our service, other than low energy and The gait disturbance resembles that seen in apraxia from frontal
disturbed night sleep, which can both be explained by mild chro- lobe diseases, with small, shuffling steps.
nic delirium, mood symptoms cannot be clearly identified. She In dementias secondary to diffuse brain damage the cause
was at that point progressing to frank delirium. The longitudinal (such as head injury, anoxia, hypoglycemia or encephalitis) is
course of the memory disturbance called for a full dementia usually obvious from the history. Most of the endocrine disorders
work-up, and most of the major causes were ruled out, either by and vitamin deficiencies as causes of dementia were equally ruled
lack of any of the associated symptoms of these disorders1 or by out by normal physical exam and laboratory values. Of these,
negative tests. hypothyroidism is the most common, but the slight, transient
Chronic infections of the central nervous system are usually TSH elevation that our patient presented was far from enough to
associated with systemic manifestations, meningeal involvement, warrant any consideration of this possibility.
abnormal CSF, and abnormalities on MRI, which were all absent. Tuberous sclerosis, progressive myoclonic epilepsy and meta-
Syphilis and both HIV and cryptococcus infections were scree- bolic diseases such as leukodystrophies, mitochondrial cytopathy,
ned out. Subacute sclerosing panencephalites by persistent repli- storage diseases, homocystinuria, etc, manifest much earlier in
cation of the measles virus virtually does not occur in the patient's the life cycle. However, late presentation of Wilson's disease can
age group. Other rare slow viruses and prions (papovavirus, occur in patients under the age of 40. Hepatic involvement
Creutzfeldt-Jakob disease) could not be ruled out at the time but occurs in only half of the patients, but virtually all patients that
the subsequent course is incompatible with the one seen in these show psychiatric and neurologic disturbances as the first sign of
diseases. Curiously, Creutzfeldt-Jakob disease could have had the the disease do present the Kayser-Fleisher rings. The vasculitis
time line of Ms. A's rapidly progressive dementia, if it were not group (lupus, polyarteritis nodosa, granulomatous angiitis,
for the three-year follow-up. Some other features of this disease Behcet's disease) is accompanied by laboratorial evidence of
are missing, including myoclonus and the so-called periodic com- inflammatory phenomena and specific antibodies, which were
plexes in EEG, although these are not present in all cases. absent in our patient, as well as numerous other clinical signs and
Interestingly enough, Finelli2 proposes a diagnosis of drug-indu- symptoms.
ced Creutzfeldt-Jakob-like syndrome to describe eight patients More difficult to rule out in our patient are the primary and
that presented several characteristics of this disease (their cases vascular dementias. Pick's disease is highly unlikely due to her
were in various ways very similar to Ms. A’s) but who were finally age and to the absence of circumscribed atrophy (anterior por-
diagnosed with delirium and dementia secondary to drug intoxi- tions of the frontal and temporal lobes). The patient is also young
cation. Lithium alone or in combination with other medications for Alzheimer's disease, but this diagnosis, although very rare in
(levodopa, nortriptyline and “polypharmacy”) was the drug con- her age group, is not unprecedented even in the absence of risk
sidered responsible for the syndrome in six out of the eight factors such as Down's syndrome. The fact that these dementias
patients. Serum drug levels were below the usual toxic range in are inexorably progressive, however, seems inconsistent with Ms.
half of these patients. Unfortunately neuroimaging studies were A's course of cognitive stabilization for the last three years. As for
not carried out. the vascular dementias, it is true that our patient showed some of
Dementia secondary to underlying neurologic conditions the relevant MRI characteristics. Some of these dementias invol-
such as Parkinson's disease and other movement disorders, ve areas of low attenuation or abnormal signal in the deep white
amyotrophic lateral sclerosis and multiple sclerosis are unlikely matter, particularly in the periventricular regions and centrum
due to the lack of the typical findings in our patient's neurologi- semiovale, referred to by the term “leukoaraiosis”. They are more
cal exam. Dementia in these cases is usually a late manifestation. characteristic of Biswanger's disease (subcortical arteriosclerotic
The exception to that rule is that very occasionally dementia may encephalophaty), but are not at all specific, and are also seen in
be the presentation feature of Huntington's chorea, but in vir- normal subjects (specially when they are not numerous, which
tually all cases that come to the attention of a physician there is was Ms. A's case), in Alzheimer's disease, and in other vascular
family history of the disease. Other secondary dementias related dementias. Ms. A lacked as well other neuroimaging signs of
to mass lesions are promptly ruled out by MRI. Obstructive these conditions and had no risk factors except for smoking. Her
hydrocephalus by acqueductal stenosis may present occasionally course was not consistent with multi-infarct dementia, which
in late adulthood with headaches, dementia and incontinence but usually shows abrupt onset and subsequent fluctuation with
the MRI will usually show an enlarged third ventricle with normal periods of improvement and stepwise deterioration, together
fourth ventricle. Communicating hydrocephalus in which intra- with focal neurologic signs. It is true that nocturnal confusion,
cranial hypertension is either absent or not recognized presents relative preservation of personality, emotional lability, and
with a subacute onset over weeks or months of progressive intel- depression are common features of small-vessel disease, but it is
lectual deterioration. This syndrome can occur after meningitis, unusual to find this condition at age 40 in the absence of hyper-
head injury or subarachnoid hemorrhage, but the majority of tension, diabetes or vasculitis.
patients gives no history of such an illness and the hydrocephalus This leaves us with the toxic dementias. Heavy metals and
can be delayed. This diagnosis was in the realm of possibilities for alcohol were not in the picture. The list of drugs that can lead to
Ms. A, but several clinical features were missing. It is usually acute delirium (and some of them, when used chronically, to
accompanied by slowness and restriction of movements. dementia) is extensive, including, other than the drugs of abuse,
Hyperreflexia in the legs and extensor plantar responses may be barbiturates, hypnotics, antidepressants, levodopa, anticholiner-
found, as well as urinary incontinence in one-half of the patients. gics, and anticonvulsants. Lithium carbonate is, of course, widely

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 24


Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine and paroxetine: case report and literature review

known to be associated with neurotoxicity at levels above It is known that lithium has a diuretic effect, presumably by
1.5 mEq/L. Levels above 3.0 are often associated with severe neu- interfering with vasopressin-stimulated adenyl- cyclase, leading to
rotoxicity with permanent neurological sequelae including cogni- lithium-induced polyuria and at times the development of neph-
tive dysfunction secondary to brain damage,3-5 if not promptly rogenic diabetes insipidus.27 Perhaps one mechanism underlying
treated as a medical emergency. Marked toxicity with delirium lithium delirium and dementia may result from changes in either
and ataxia ordinarily starts at least above 2.0 mEq/L, and the secretion or absorption of CSF, leading to cortical atrophy. Barkai
interval between 1.5 and 2.0 is usually filled with other signs of and Nelson28 reported that the formation of CSF in rats signifi-
milder toxicity such as gross tremors and diarrhea. It is less cantly decreased by 19% after chronic treatment with lithium.
widely recognized that lithium can lead to neurotoxicity, deli- On the other hand, Ehle and Uebelhack29 reported the occurren-
rium, and dementia even at levels below 1.5 mEq/L, and even in ce of hydrocephalus in a case of lithium-haloperidol combined
the absence of other signs of lithium toxicity. The highest docu- therapy, speculating on the role of the influence of lithium on
mented level that we have for Ms. A was 1.4, which can be quite Na+-K+ stimulated ATPase, on active transport and on adenyl
excessive for some patients, but is not particularly striking. All of cyclase as the basic mechanism for the findings. It is interesting to
her other levels in several measurements throughout her treat- ask whether the drop in cortical volume on MRI in our patient is
ment in different hospitals and clinics were always between 0.9 a consequence of hydrocephalus. On occasion it may be difficult
and 1.1 mEq/L. to distinguish hydrocephalus due to abnormal CSF dynamics
Numerous cases of lithium-induced delirium have been from hydrocephalus ex-vacuo secondary to atrophy, but usually
reported.6,7 Furthermore, there is an extensive literature on the even in normal pressure communicating hydrocephalus the ven-
question of the toxicity of lithium and neuroleptics in combina- tricles rather than the subaracnoid spaces are enlarged, unlike
tion, starting with early reports in the mid and early 70's invol- our patient's case. Unfortunately we do not dispose of a third
ving haloperidol and thioridazine, followed by numerous papers MRI to help clarify this point. Another mechanism that has been
in the 80's and early 90's expressing either skepticism (such as proposed for lithium-neuroleptic toxicity is increased lipid pero-
comments on the difficulty to distinguish a combined toxicity xidation in the cerebral cortex as seen in rats put on both drugs,
syndrome from the toxicity to either agent alone) or confirmation which was higher than the peroxidation induced by haloperidol
(studies pointing to either higher frequency of NMS and EPS or alone and lithium alone.30
to delirium and brain damage _ our patient in her third admis- One very interesting finding is the fact that phenothiazines
sion did have a degree of EPS that she had not experienced befo- seem to induce intracellular elevations of lithium and higher tis-
re). We refer the interested reader to a collection of these stu- sular distribution of Li+ both in vitro and in vivo. Pandey, Goel
dies.8-23 Several neuroleptics have been implicated, including, and Davis suggested that this might explain neurotoxic side
most recently, risperidone.24 An extensive review by Goldman25 effects of lithium in these combinations.31 This could account for
in 1996 identified 237 reported cases of toxicity, both with the fact that even in the presence of therapeutic levels, more toxi-
lithium/haloperidol and lithium/non-haloperidol neuroleptics. city may occur (our patient was on a phenothiazine). Piperazine
This number seems impressive, but when paired to the likely phenothiazines produced the most marked elevations of intracel-
hundreds of thousands of patients on this kind of combination lular lithium, doubling the red cell:plasma lithium ratio (LR) in
around the world, one can understand why some studies failed to vitro. The aminoalkyl phenothiazines and thioxanthenes were
demonstrate a toxic interaction:26 this occurrence appears to be somewhat less active in this regard, while the non-phenothiazine
at least infrequent if not rare, although it may be dramatic when antipsychotics, such as loxapine, haloperidol and molindone,
it does happen. produced only minor increases in the LR. Tricyclic antidepres-
Lithium neurotoxicity is poorly understood. In regard to risk sants produced a 20% to 30% increase, while other antidepres-
factors, West and Meltzer5 reported five cases of lithium toxicity sants and benzodiazepines did not show any activity on the LR.32
with levels between 0.75 and 1.7 mEq/L, and made a point that Anecdotal reports have linked numerous other medications
patients who developed neurotoxicity had markedly higher with the development of neurotoxicity without an apparent effect
ratings on psychosis and on anxiety in the pre-toxic period com- on the pharmacokinetic disposition of lithium. Anticonvulsants
pared to patients who never developed neurotoxicity. However, and calcium antagonists have all been implicated in a sufficient
rather than increased vulnerability to the development of severe number of case reports to warrant concern.33 As these medica-
neurotoxicity, this may be associated with the fact that such tions have all been commonly coadministered with lithium, the
patients are more likely to have neuroleptics added to their relative risk of serious interactions appears to be quite low, but
lithium regimen. Brown and Rosen7 note that possible risk factors caution is advised.
for the development of lithium-induced delirium include conco- Our patient was on other drugs as well, including lorazepam,
mitant administration of neuroleptics, advanced age, and relapse paroxetine and levothyroxine. It is unclear if these drugs played
of an acute psychotic or depressive illness. For our patient, who a role in the development of neurotoxicity. The literature in this
developed TSH elevation after being on lithium for a relatively regard is scattered. Reports on paroxetine-lithium toxicity were
short period of time, one can speculate that this too, may indica- not found in our literature search, however interactions with
te that she was particularly prone to adverse effects of lithium. other SSRIs have been addressed in some papers. Initial studies
Her history of head trauma, which in certain cases increases sen- indicated that the combination of lithium and fluoxetine34 fails to
sitivity to psychoactive drugs, does not appear to have been signi- demonstrate any detrimental interaction, but some subsequent
ficant enough. case reports contradict this. Austin, Arana and Melvin reported

25 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28


two cases in which significant neurotoxicity developed in geria- Conclusion
tric patients on lithium augmentation of antidepressant treat-
ment, one involving nortriptyline and the other fluoxetine, despi- At the time of her third discharge, our diagnosis for this case,
te therapeutic doses of all drugs.35 One striking case of acute neu- which needs to be considered as tentative and provisional since
rotoxicity in many aspects similar to our patient's state was we have no formal confirmation for the causal relationship, was
published by Noveske, Hahn and Flynn.36 The symptoms started the following:
within 48 hours of the addition of fluoxetine to a regimen of Axis I - Delirium due to lithium (and other drugs) intoxica-
lithium and lorazepam. Isolated reports of other kinds of appa- tion. Dementia due to lithium (and other drugs) intoxication,
rently detrimental interaction of lithium and fluoxetine have mild. On the basis of previous discharge summaries from other
appeared in the literature as well.37-39 In spite of the fact that our services, probably bipolar I disorder with psychotic features, cur-
patient was already showing some mild signs of neurotoxicity rently in remission, but other conditions such as schizophreni-
before paroxetine was introduced, and despite the absence of for- form disorder or brief psychotic disorder without marked stres-
mal reports of paroxetine-lithium toxicity at this point, the many sors cannot be ruled out.
similarities between SSRIs warrant that we at least consider that Axis II - None.
this drug may have participated in aggravating our patient's clini- Axis III - Mild generalized cortical and cerebellar atrophy -
cal picture. As for benzodiazepines and lithium, no major toxicity status post lithium (and other drugs) toxicity.
has been demonstrated, although the interaction with alprazolam Axis IV- Moderate psychosocial stressors - declining health,
carries a small rise in serum lithium concentrations.40 We mentio- loss of job, death of boyfriend.
ned above another case in which lithium, a SSRI and lorazepam Axis V - GAF score of 35 on admission and 65 on discharge.
resulted in toxicity - the same benzodiazepine that our patient Does our case really document the causal relationship bet-
was taking - but no data support that this last drug played any sig- ween lithium intoxication in Ms. A and her mild dementia with
nificant role. Levothyroxine as well does not appear to interfere cortical and cerebellar atrophy? No, this would be too strong to
with lithium in our literature search. Much the opposite: we affirm. Granted that the normalization of the EEG and the par-
found a report of delirium associated with lithium-induced tial recovery of the cognition after lithium discontinuation are
hypothyroidism that seemed to have responded to levothyroxi- very suggestive. Agreed that we may say that we have a relatively
ne.41 In this patient the TSH was eight times more elevated than long follow up of three years (six times longer than the duration
the upper normal limit. Severe hypothyroidism is in itself enough of Ms. A's lithium use) showing neither further progression nor
to produce psychiatric manifestations. She was also briefly on full recovery of the dementia. The rapid decline of cognitive func-
thioridazine, which confounds the picture, although the peak of tioning during the six months of lithium treatment, including de
the delirium occurred five to seven days after this drug was dis- novo atrophy documented by two MRI readings, followed by
continued. partial recovery then complete cognitive stability for three years
Although our patient denied the use of other medications is not consistent with the natural course of a dementia of neuro-
(including over-the-counter drugs), we should mention to the logic rather than toxic etiology. Still, we have no third MRI to
interested reader other potentially dangerous lithium interac- confirm the stability of the atrophy (as opposed to further dete-
tions, related to pharmacokinetic changes rather than to direct rioration due to an unrelated process or some degree of recovery
neurotoxicity. In a good review such as the one proposed by due to possible changes in the dynamic of the CSF after lithium
Finley, Warner and Peabody in 1995,42 we can be reminded that was discontinued) and no serial and objective neuropsychiatric
any medication that alters glomerular filtration rates or affects assessment of the dementia. Ms. A could have an insidious
electrolyte exchange in the nephron may influence the pharmaco- dementia process that was either missed or was not yet apparent
kinetic disposition of lithium. Concomitant use of diuretics has in her first MRI (some small ischemic changes were noticed),
long been associated with the development of lithium toxicity, which might have accounted as well for her late and atypical
but the risk of significant interactions vary with the site of phar- onset of a mood disorder. Her current course does not favor this
macological action of the diuretic in the renal tubule. Thiazide possibility, but the question is far from settled.
diuretics have demonstrated the greatest potential to increase Our report does not intend to deny the incontestable value
lithium concentrations, with a 25% to 40% increase in concen- of lithium in the management of bipolar disorder. Our findings
trations often evident after initiation of therapy. Osmotic diure- are certainly rare in the large majority of successful lithium treat-
tics and methyl xanthines appear to have the opposite effect on ments. What this case argues for is the need to assess lithium-trea-
lithium clearance and have been advocated historically as antido- ted patients for changes in cognition, especially when other medi-
tes for lithium toxicity. Loop diuretics and potassium-sparing cations are prescribed simultaneously. In this era in which
agents have minor variable effects. Nonsteroid anti-inflammatory psychiatric treatments have moved from classical monotherapy to
drugs (NSAIDs) have also been associated with lithium toxicity, more complex multidrug regimens, this awareness seems particu-
although the relative interactive potential of specific NSAIDs is larly important. Another fundamental lesson of this case is the
difficult to determine. Small prospective studies have demonstra- need for close monitoring of subtle cognitive signs even when
ted large interindividual differences in lithium clearance values they appear to be explained or masked by the common symptoms
associated with different NSAIDs. A growing body of evidence of psychoses and mood disorders. In our patient signs of cogniti-
also suggests that ACE inhibitors may impair lithium elimination, ve impairment were apparently already present during the second
but further investigations are needed to identify patients at risk. hospitalization, but a long time passed by before they were ack-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 26


Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine and paroxetine: case report and literature review

nowledged as such. This case, to a certain extent, also argues for 7. Brown AS, Rosen J. Lithium-induced delirium with thera-
more attention to the possibility of interactions between paroxe- peutic serum lithium levels: A case report. J Geriatr
tine (and other SSRIs) and lithium as risk factors for enhanced Psychiatry Neurol 1992; 5:53-55.
neurotoxicity, and for further research involving neuroimaging 8. Harvey NS, Merriman S. Review of clinically important drug
studies in patients with documented lithium neurotoxicity. interactions with lithium. Drug Safety 1994; 10(6):455-463.
9. Habib M, Khalil R, le Pensec-Bertrand D, Ali-Cherif A,
Bongrand MC, Crevat A. Persistent neurological syndrome
Resumo after treatment with lithium salts. Toxicity of the lithium-
neuroleptic combination? Revue Neurolo-gique 1986;
Apresenta-se caso de delirium que progrediu rapidamente para 142(1):61-64.
demência leve, em uma mulher de 40 anos previamente saudável 10. Baptista T. Lithium-neuroleptics combination and irre-
do ponto de vista neurológico, em tratamento com lítio, paroxetina versible brain damage. Act Psychiatrica Scand 1986;
e perfenazina para transtorno bipolar tipo I, com manifestações psi- 73(1):111.
cóticas. A originalidade do caso é o fato de estar associado com o 11. Miller F, Menninger J. Correlation of neuroleptic dose and
surgimento de atrofia cortical e cerebelar, conforme evidenciado neurotoxicity in patients given lithium and a neuroleptic.
por dois exames de ressonância magnética realizados com seis Hosp Community Psychiatry 1987; 38(11):1219-1221.
meses de intervalo. Apresenta-se explicações possíveis para os 12. Bailine SH, Doft M. Neurotoxicity induced by combined
achados como sendo devidos a demência tóxica induzida por medi- lithium-thioridazine treatment. Biol Psychiatry 1986; 21(8-
camentos, bem como diagnóstico diferencial, incluindo uma discus- 9):834-837.
são detalhada sobre as possíveis causas de demência nessa faixa 13. Yassa R. A case of lithium-chlorpromazine interaction. J Clin
etária. Discute-se algumas interações medicamentosas não habituais Psychiatry 1986; 47(2):90-91.
com a revisão da literatura pertinente. 14. Jeffries J, Remington G, Wilkins J. The question of lithi-
um/neuroleptic toxicity. Can J Psychiatry 1984; 29:601-604.
15. Prakash R. Lithium-haloperidol combination and brain dam-
Palavras-chaves: Córtex Cerebral; Córtex Cerebelar; Atrofia;
age. Lancet 1982; 1:1468-1469.
Demência; Delírio; Interações de Drogas; Toxicidade de Drogas;
16. Serup J, Brun C. Interaction of lithium and neuroleptics.
Lítio, Perfenazina; Paroxetina Ugeskrift for Laeger 1980; 142:2643-2644.
17. Boudouresques G, Poncet M, Ali Cherif A, Tafani B,
Agradecimentos Boudouresques J. Acute encephalopathy during combined
phenothiazine and lithium treatment. A new case with low
The author thanks Lewis A. Opler, M.D., Ph.D., for his contri- blood lithium. Nouvelle Presse Medicale 1980; 9:2580.
bution to the section regarding the mechanisms of lithium toxicity; 18. Puhringer W, Kocher R, Gastpar M. Incompatibility of lithi-
Jack Gorman, M.D., and Peter Bookstein, M.D., for reviewing the um therapy with neuroleptics. a case report. Nervenarzt
manuscript; and Sarah Lisanby, M.D., for calculating the cortical 1979; 50:124-127.
volumes through MRI films. 19. Loudon JB, Waring H. Toxic reactions to lithium and
haloperidol. Lancet 1976; 2:1088.
20. Miller F, Menninger J, Whitcup SM. Lithium-neuroleptic
References neurotoxicity in the elderly bipolar patient. J Clin
Psychopharmacol 1986; 6:176-178.
1. Brown, MM, Hachinski, VC. Dementia. In: Isselbacher KJ, 21. Spring GK. Neurotoxicity with combined use of lithium and
Braunwald E, Wilson JD, Martin JB, Fauci AS, Kasper DL. thioridazine. J Clin Psychiatry 1979; 40(3):135-138.
eds. Harrison's Principles of Internal Medicine. McGraw- 22. Spring GK. Delirium associated with lithium and thiori-
Hill, New York, 1994:142-145. dazine. Am J Psychiatry 1983; 140(9):1257-1258.
2. Finelli PF. Drug-induced Creutzfeldt-Jakob like syndrome. J 23. Fuller MA, Sajatovic M. Neurotoxicity resulting from a com-
Psychiatry Neurosci 1992; 17(3):103-105. bination of lithium and loxapine. J Clin Psychiatry 1989;
3. Shopsin D, Johnson G, Gershon S. Neurotoxicity with lithi- 50:187.
um: differential drug responsiveness. Int Pharmacopsychia- 24. Chen B, Cardasis W. Delirium induced by lithium and
try 1970; 5:170-182. risperidone combination. Am J Psychiatry 1996; 153:1233-
4. Cohen WJ, Cohen NH. Lithium carbonate, haloperidol and 1234.
irreversible brain damage. JAMA 1974; 230:1283-1287. 25. Goldman SA. Lithium and neuroleptics in combination: the
5. West AP, Meltzer HY. Paradoxical lithium neurotoxicity: A spectrum of neurotoxicity. Psychopharmacol Bull 1996;
report of five cases and a hypothesis about risk for neuro- 32(3):299-309.
toxicity. Am J Psychiatry 1979; 136:963-966. 26. Goldney RD, Spence ND. Safety of the combination of lithi-
6. Ghadirian AM, Lehmann HE. Neurological side effects of um and neuroleptic drugs. Am J Psychiatry, 1986;
lithium: Organic brain syndrome, seizures, extrapyramidal 143(7):882-884.
side effects, and EEG changes. Compr Psychiatry 1980; 27. Pandey GN, Davis JM. Cyclic-amp and adenylate cyclase in
21:327-336. psychiatric. In: Palmer GC. Neuropharma-cology of Cyclic

27 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28


Nucleotides. Baltimore: Urban & Scharzenberg, 1979:112- young healthy volunteers. Int J Clin Pharmacol Therap 1995;
151. 33:415-419.
28. Barkai AI, Nelson HD. Alterations by antidepressants of 35. Austin LS, Arana GW, Melvin JA. Toxicity resulting from
cerebrospinal fluid formation and calcium distribution lithium augmentation of antidepressant treatment in elderly
dynamics in the intact rat brain. Biol Psychiatry 1987; patients. J Clin Psychiatry 1990; 51(8):344-345.
22:892-898. 36. A Noveske FG, Hahn KR, Flynn RJ. Possible toxicity of
29. Ehle G, Uebelhack R. Dangerous side effects of combined fluoxetine and lithium. Am J Psychiatry 1989;
lithium therapy. Psychiatrie, Neurologie und Medizi-nische 146(11):1515.
Psychologie - Beihefte 1977; 22-23:177-182. 37. Ohman R, Spigset O. Serotonin syndrome induced by flu-
30. Sawas AH, Gilbert JC. Lipid peroxidation as a possible voxamine-lithium interaction. Pharmacopsychiatry 1993;
mechanism for the neurotoxic and nephrotoxic effects of a 26(6):263-264.
combination of lithium carbonate and haloperidol. Arch 38. Hadley A, Cason MP. Mania resulting from lithium-fluoxe-
Intern Pharacodynamt Therap 1985; 276:301-312. tine combination. Am J Psychiatry 1989; 146(12):1637-1638.
31. Pandey GN, Goel I, Davis JM. Effect of neuroleptic drugs 39. Sacristan JA, Iglesias C, Arellano F, Lequerica J. Absence
on lithium uptake by the human erythrocyte. Clin Pharmacol seizures induced by lithium: possible interaction with fluox-
Therap 1979; 26:96-102. etine [letter]. Am J Psychiatry 1991 Jan;148(1):146-7.
32. Ostrow DG, Southam AS, Davis JM. Lithium-drug interac- 40. Evans RL, Nelson MV, Melethil S, Townsend R, Hornstra
tions altering the intracellular lithium level: an in vitro study. RK, Smith RB. Evaluation of the interaction of lithium and
Biol Psychiatry 1980; 15:723-739. alprazolam. J Clin Psychopharmacol 1990; 10(5):355-359.
33. Shukla S, Godwin CD, Long LE, Miller MG. Lithium-car- 41. Norris MS, Mathew RJ, Webb WW. Delirium associated with
bamazepine neurotoxicity and risk factors. Am J Psychiatry lithium-induced hypothyroidism: a case report. Am J
1984; 141:1604-1606. Psychiatry 1983; 140:355-356.
34. Breuel HP, Muller-Oerlinghausen B, Nickelsen T, Heine PR. 42. Finley PR, Warner MD, Peabody CA. Clinical relevance of
Pharmacokinetic interactions between lithium and fluoxe- drug interactions with lithium. Clin Pharmacokinetics 1995;
tine after single and repeated fluoxetine administration in 29(3):172-191.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 28


Caso Literário
SALES
SALES

Machado de Assis* do rapaz que a filha, não hesitou em casá-los; ligá-lo à família era
assegurar a persistência de Sales na execução do plano.
O casamento fez-se em agosto, indo os noivos passar a lua-
Ao certo, não se pode saber em que data teve Sales a sua pri- de-mel no Recife. No fim de dous meses, não voltando eles ao
meira idéia. Sabe-se que, aos dezenove anos, em 1854, planeou engenho, e acumulando-se ali uma infinidade de respostas ao
transferir a capital do Brasil para o interior, e formulou alguma questionário que Sales organizara, e muitos outros papéis e opús-
cousa a tal respeito; mas não se pode afirmar, com segurança, que culos, Melchior escreveu ao genro que viesse; Sales respondeu
tal fosse a primeira nem a segunda idéia do nosso homem. que sim, mas que antes disso precisava dar uma chegadinha ao
Atribuíram-lhe meia dúzia antes dessa, algumas evidentemente Rio de Janeiro, cousa de poucas semanas, dous meses, no máxi-
apócrifas, por desmentirem dos anos em flor, mas outras possíveis mo. Melchior correu ao Recife para impedir a viagem; em último
e engenhosas. Geralmente eram concepções vastas, brilhantes, caso, prometeu que, se esperassem até maio, ele viria também.
inopináveis ou só complicadas. Cortava largo, sem poupar pano Tudo foi inútil; Sales não podia esperar; tinha isto, tinha aquilo,
nem tesoura; e, quaisquer que fossem as objeções práticas, a ima- era indispensável.
_ “Se houver necessidade de apressar a volta, escreva-me; mas
ginação estendia-lhe sempre um véu magnífico sobre o áspero e o
aspérrimo. Ousaria tudo: pegaria de uma enxada ou de um cetro, descanse, a boa semente frutificará. Caiu em boa terra, con-
se preciso fosse, para pôr qualquer idéia a caminho. Não digo cluiu enfaticamente.”
cumpri-la, que é outra cousa. Ênfase não exclui sinceridade. Sales era sincero, mas uma
Casou aos vinte e cinco anos, em 1859, com a filha de um cousa é sê-lo de espírito, outra de vontade. A vontade estava
agora na jovem consorte. Entrando no mar, esqueceu-lhe a terra;
senhor de engenho de Pernambuco, chamado Melchior. O pai da
descendo à terra, olvidou as águas. A ocupação única do seu ser
moça ficara entusiasmado, ouvindo ao futuro genro certo plano
era amar esta moça, que ele nem sabia que existisse, quando foi
de produção de açúcar, por meio de uma união de engenhos e de
para o engenho do sogro cuidar do açúcar. Meteram-se na Tijuca,
um mecanismo simplíssimo. Foi no Teatro de Santa Isabel, no
em casa que era juntamente ninho e fortaleza; - ninho para eles,
Recife, que Melchior lhe ouviu expor os lineamentos principais
fortaleza para os estranhos, aliás inimigos. Vinham abaixo algu-
da idéia.
_ “Havemos de falar nisso outra vez, disse Melchior; por que mas vezes, _ ou a passeio, ou ao teatro; visitas raras e de cartão.
Durou essa reclusão oito meses. Melchior escrevia ao genro que
não vai ao nosso engenho?”
voltasse, que era tempo; ele respondia que sim, e ia ficando;
Sales foi ao engenho, conversou, escreveu, calculou, fascinou começou a responder tarde, e acabou falando de outras cousas.
o homem. Uma vez acordados na idéia, saiu o moço a propagá-la Um dia, o sogro mandou-lhe dizer que todos os apalavrados
por toda a comarca; achou tímidos, achou recalcitrantes, mas foi tinham desistido da empresa. Sales leu a carta ao pé de
animando a uns e persuadindo a outros. Estudou a produção da Legazinha, e ficou longo tempo a olhar para ela.
zona, comparou a real à provável, e mostrou a diferença. Vivia no _ “Que mais? perguntou Legazinha.”
meio de mapas, cotações de preços, estatísticas, livros, cartas, Sales afirmou a vista; acabava de descobrir-lhe um cabelinho
muitas cartas. Ao cabo de quatro meses, adoeceu; o médico branco. Cãs aos vinte anos! Inclinou-se, e deu no cabelo um beijo
achou que a moléstia era filha do excesso de trabalho cerebral, e de boas-vindas. Não cuidou de outra cousa em todo o dia.
prescreveu-lhe grandes cautelas. Chamava-lhe “minha velha.” Falava em comprar uma medalhi-
Foi por esse tempo que a filha do senhor do engenho e uma nha de prata para guardar o cabelo, com a data, e só a abririam
irmã deste regressaram da Europa, aonde tinham ido nos meados quando fizessem vinte e cinco anos de casados. Era uma idéia
de 1858. Es liegen einige gute Ideen in diesen Rock, dizia uma vez nova esse cabelo. Bem dizia ele que a moça tinha em si algumas
o alfaiate de Heine, mirando-lhe a sobrecasaca. Sales não desce- idéias boas, como a sobrecasaca de Heine; não só as tinha boas,
ria a achar semelhantes cousas numa sobrecasaca; mas, numa mas inesperadas.
linda moça, por que não? Há nesta pequena algumas idéias boas, Um dia, reparou Legazinha que os olhos do marido andavam
pensou ele olhando para Olegária, _ ou Legazinha, como se dizia dispersos no ar, ou recolhidos em si. Nos dias seguintes observou
no engenho. A moça era baixota, delgada, rosto alegre e bom. A a mesma cousa. Note-se que não eram olhos de qualquer. Tinham
influição foi recíproca e súbita. Melchior, não menos namorado a cor indefinível, entre castanho e ouro; _ grandes, luminosos e

* Contos/Outros Contos
Obra Completa Vol. II pp. 1072-7
[GN. 30 mai. 1887.]

29 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31


até quentes. Viviam em geral como os de toda a gente; e, para ela, olhos, à guisa de lágrimas, mas lágrimas de gozo único. Eram cen-
como os de nenhuma pessoa, mas o fenômeno daqueles dias era tenas de contos, que ele sacolejava nas algibeiras, passava às mãos
novo e singular. Iam da profunda imobilidade à mobilidade súbi- e atirava ao tecto. Contos sobre contos; dava com eles na cara do
ta e quase demente. Legazinha falava-lhe, sem que ele a ouvisse; corretor, em cheio; repelia-os de si, a pontapés; depois recolhia-
pega-va-lhe dos ombros ou das mãos, e ele acordava. os com amor. Já não eram lágrimas nem diamantes, mas uma ven-
_ “Hem? que foi?” tania de algarismos, que torcia todas as idéias do corretor, por
Legazinha a princípio ria-se. mais rijas e arraigadas que estivessem.
_ “Este meu marido! Este meu marido! Onde anda você?” _ “E as despesas?” disse este.
Sales ria também, levantava-se, acendia um charuto, e entra- Estavam previstas as despesas. As do primeiro ano é que
va a andar e a pensar; daí a pouco mergulhava outra vez em si. O seriam grandes. A companhia teria virtualmente o privilégio da
fenômeno foi-se agravando. Sales passou a escrever horas e horas; pescaria, com pessoal seu, canoas suas, estações de paróquias,
às vezes, deixava a cama, alta noite, para ir tomar alguma nota. carroças de distribuição, impressos, licenças, escritório, diretoria,
Legazinha supôs que era o negócio dos engenhos, e disse-lho, tudo. Deduzia as despesas, e mostrava lucro positivo, claro,
pendurando-se graciosamente do ombro: numeroso. Vasto negócio, vasto e humano; arrancava a população
_ “Os engenhos? repetiu ele. E voltando a si: _ Ah! os engen- aos preços fabulosos daqueles dias de preceito.
hos...” Trataram do negócio; apalavraram algumas pessoas. Sales
Legazinha temia algum transtorno mental, e procurava dis- não olhava a despesa para pôr a idéia a caminho. Não tinha mais
traí-lo. Já saíam a visitas, recebiam outras; Sales consentiu em ir a que o dote da mulher, uns oitenta contos, já muito cerceados; mas
um baile, na Praia do Flamengo. Foi aí que ele teve um princípio não olhava a nada. São despesas produtivas, dizia a si mesmo. Era
de reputação epigramática, por uma resposta que deu distraida- preciso escritório; alugou casa na Rua da Alfândega, dando gros-
mente: sas luvas, e meteu lá um empregado de escrita e um porteiro far-
_ “Que idade terá aquela feiosa, que vai casar? perguntou-lhe dado. Os botões da farda do porteiro eram de metal branco, e
uma senhora com malignidade.” tinham, em relevo, um anzol e uma rede, emblema da companhia;
_ “Perto de duzentos contos, respondeu Sales.” na frente do bonet via-se o mesmo emblema, feito de galão de
Era um cálculo que estava fazendo; mas o dito foi tomado à prata. Essa particularidade, tão estranha ao comércio, causou
má parte, andou de boca em boca, e muita gente redobrou os algum pasmo, e recolheu boa soma de acionistas.
carinhos com um homem capaz de dizer cousas tão perversas. _ “Lá vai o negócio a caminho!” dizia ele à mulher, esfregan-
Um dia, o estado dos olhos foi cedendo inteiramente da imo- do as mãos.”
bilidade para a mobilidade; entraram a rir, a derramarem-se-lhe Legazinha padecia calada. A orelha da necessidade começa-
pelo corpo todo, e a boca ria, as mãos riam, todo ele ria a espá- va a aparecer por trás da porta; não tardaria a ver-lhe o carão chu-
duas despregadas. Não tardou, porém, o equilíbrio: Sales voltou pado e lívido, e o corpo em frangalhos. O dote, capital único, ia-
ao ponto central, mas - ai dela! - trazia uma idéia nova. se indo com o necessário e o hipotético. Sales, entretanto, não
Consistia esta em obter de cada habitante da capital uma parava, acudia a tudo, à praça e à imprensa, onde escreveu alguns
contribuição de quarenta réis por mês, - ou, anualmente, quatro- artigos longos, muito longos, pecuniariamente longos, recheados
centos e oitenta réis. Em troca desta pensão tão módica, recebe- de Cobden e Bastiat, para demonstrar que a companhia, trazia
ria o contribuinte durante a semana santa uma cousa que não nas mãos “o lábaro da liberdade.”
posso dizer sem grandes refolhos de linguagem. Que ele há pes- A doença de um conselheiro de Estado fez demorar os esta-
soas neste mundo que acham mais delicado comer peixe cozido, tutos. Sales, impaciente nos primeiros dias, entrou a conformar-
que lê-lo impresso. Pois era o pescado necessário à abstinência, se com as circunstâncias, e até a sair menos. Às vezes vestia-se
que cada contribuinte receberia em casa durante a semana santa, para dar uma vista ao escritório; mas, apertado o colete, rumina-
a troco de quatrocentos e oitenta réis por ano. O corretor, a quem va outra cousa e deixava-se ficar. Crendice do amor, a mulher
Sales confiou o plano, não o entendeu logo; mas o inventor expli- também esperava os estatutos, rezava uma ave-maria, todas as
cou-lhe. noites, para que eles viessem, que se não demorassem muito.
_ “Nem todos pagarão só os quarenta réis; uma terça parte, Vieram; ela leu, um dia de manhã, o despacho de indeferimento.
para receber maior porção e melhor peixe, pagará cem réis. Correu atônita ao marido.
Quantos habitantes haverá no Rio de Janeiro? Descontando _ “Não entendem disto, respondeu Sales, tranqüilamente.
os judeus, os protestantes, os mendigos, os vagabundos, etc., Descansa; não me abato assim com duas razões.”
contemos trezentos mil. Dous terços, ou duzentos mil, a qua- Legazinha enxugou os olhos.
renta réis, são noventa e seis contos anuais. Os cem mil res- _ “Vais requerer outra vez?” perguntou-lhe.
tantes, a cem réis, dão cento e vinte. Total: duzentos e dezes- _ “Qual requerer!”
seis contos de réis. Compreendeu agora?” Sales atirou a folha ao chão, levantou-se da rede em que esta-
_ “Sim, mas...” va, foi à mulher; pegou-lhe nas mãos, disse-lhe que nem cem
Sales explicou o resto. O juro do capital, o preço das ações governos o fariam desfalecer. A mulher, abanando a cabeça:
da companhia, porque era uma companhia anônima, número das _ “Você não acaba nada. Cansa-se à toa... No princípio tudo
ações, entradas, dividendo provável, fundo de reserva, tudo esta- são prodígios; depois... Olha o negócio dos engenhos que
va calculado, somado. Os algarismos caíam-lhe da boca, lúcidos e papai me contou...”
grossos, como uma chuva de diamantes; outros saltavam-lhe dos _ “Mas fui eu que me indeferi?”

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31 30


Sales

_ “Não foi; mas há que tempos anda você pensando em outra e o dote da mulher desapareceu. Legazinha suportou com alma as
cousa!” necessidades; fazia balas e compotas para manter a casa. Entre
_ “Pois sim, e digo-te...”
duas idéias, Sales comovia-se, pedia perdão à consorte, e tentava
_ “Não digas nada, não quero saber nada”, atalhou ela.
ajudá-la na indústria doméstica. Chegou a arranjar um emprego
Sales, rindo, disse-lhe que ainda havia de arrepender-se, mas ínfimo, no comércio; mas a imaginação vinha muita vez arrancá-
que ele lhe daria um perdão “de rendas,” nova espécie de perdão, lo ao solo triste e nu para as regiões magníficas, ao som dos gui-
mais eficaz que nenhum outro. Desfez-se do escritório e dos zos de algarismos e do tambor da celebridade.
empregados, sem tristeza; chegou a esquecer-se de pedir luvas ao Assim correram os primeiros seis anos de casamento.
novo inquilino da casa. Pensava em cousa diferente. Cálculos pas-
Começando o sétimo, foi nosso amigo acometido de uma lesão
sados, esperanças ainda recentes, eram cousas em que parecia não
cardíaca e de uma idéia. Cuidou logo desta, que era uma máqui-
haver cuidado nunca. Debruçava-se-lhe do olho luminoso uma
na de guerra para destruir Humaitá; mas a doença, máquina eter-
idéia nova. Uma noite, estando em passeio com a mulher, con-
na, destruiu-o primeiro a ele. Sales caiu de cama, a morte veio
fiou-lhe que era indispensável ir à Europa, viagem de seis meses
apenas. Iriam ambos, com economia... Legazinha ficou fulmina- vindo; a mulher, desenganada, tratou de o persuadir a que se
da. Em casa respondeu-lhe, que nem ela iria, nem consentiria que sacramentasse.
_ “Faço o que quiseres”, respondeu ele ofegante.
ele fosse. Para quê? Algum novo sonho. Sales afirmou-lhe que era
uma simples viagem de estudo, França, Inglaterra, Bélgica, a Confessou-se, recebeu o viático e foi ungido. Para o fim, o
indústria das rendas. Uma grande fábrica de rendas; o Brasil aparelho eclesiástico, as cerimônias, as pessoas ajoelhadas, ainda
dando malinas e bruxelas. lhe deram rebate à imaginação. A idéia de fundar uma igreja,
Não houve força que o detivesse, nem súplicas, nem lágri- quando sarasse, encheu-lhe o semblante de uma luz extraordiná-
mas, nem ameaças de separação. As ameaças eram de boca. ria. Os olhos reviveram. Vagamente, inventou um culto, sacerdo-
Melchior estava, desde muito, brigado com ambos; ela não aban- te, milhares de fiéis. Teve reminiscências de Robespierre; faria um
donaria o marido. Sales embarcou, e não sem custo, porque culto deísta, com cerimônias e festas originais, risonhas como o
amava deveras a mulher; mas era preciso, e embarcou. Em vez de nosso céu... Murmurava palavras pias.
seis meses, demorou-se sete; mas, em compensação, quando che- _ “Que é?” Dizia Legazinha, ao pé da cama, com uma das
gou, trazia o olhar seguro e radiante. A saudade, grande miseri- mãos presa entre as suas, exausta de trabalho.
cordiosa, fez com que a mulher esquecesse tantas desconsolações, Sales não via nem ouvia a mulher. Via um campo vastíssimo,
e lhe perdoasse _ tudo. um grande altar ao longe, de mármore, coberto de folhagens e
Poucos dias depois alcançou ele uma audiência do Ministro flores. O sol batia em cheio na congregação religiosa. Ao pé do
do Império. Levou-lhe um plano soberbo, nada menos que arra-
altar via-se a si mesmo, magno sacerdote, com uma túnica de
sar os prédios do Campo da Aclamação e substituí-los por edifí-
linho e cabeção de púrpura. Diante dele, ajoelhadas, milhares e
cios públicos, de mármore. Onde está o quartel, ficaria o palácio
milhares de criaturas humanas, com os braços erguidos ao ar,
da Assembléia Geral; na face oposta, em toda a extensão, o palá-
cio do imperador. David cum Sibyla. Nas outras duas faces late- esperando o pão da verdade e da justiça... que ele ia... distribuir...
rais ficariam os palácios dos sete ministérios, um para a Câmara
Municipal e outro para o Diocesano. Agradecimento e breve consideração diagnóstica
_ “Repare V. Exa. que é toda a Constituição reunida, dizia ele
rindo, para fazer rir o ministro; falta só o Ato Adicional. As
CCP agradece a Ramon M. Cosenza, professor sênior e dou-
províncias que façam o mesmo.”
tor do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências
Mas o ministro não se ria. Olhava para os planos desenrola-
Biológicas da UFMG e atual membro da Residência de
dos na mesa, feitos por um engenheiro belga, pedia explicações
para dizer alguma cousa, e mais nada. Afinal disse-lhe que o Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UFMG, pelo envio desse
governo não tinha recursos para obras tão gigantescas. conto a um tempo humano e trágico. Do ponto de vista psicopa-
_ “Nem eu lhos peço,” acudiu Sales. “Não preciso mais que de tológico, dada a disfunção ocupacional e social de Sales e seu
algumas concessões importantes. E o que não concederá o quadro clínico, pode-se pensar em transtorno do espectro bipo-
governo para ver executar este primor?” lar com traços narcísicos de personalidade. Indicação bibliográfi-
Durou seis meses esta idéia. Veio outra, que durou oito; foi ca digna de nota é o livro de J. Leme Lopes “A Psiquiatria de
um colégio, em que pôs à prova certo plano de estudos. Depois Machado de Assis”; São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte:
vieram outras, mais outras... Em todas elas gastava alguma cousa, Agir, 1974.

31 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31


Patografia
PATOGRAFIA DE VINCENT VAN GOGH
VINCENT VAN GOGH’ S PATHOGRAPHY

Andrés Heerlein dio, tanto por la importancia del connotado paciente como por
sus eventuales consecuencias para la mejor comprensión de los
límites y fronteras de las posibilidades creativas de nuestros enfer-
mos. Porque si bien van Gogh era un genio, a la vez se trataba de
Resumen un paciente con un padecimiento muy similar al de múltiples per-
sonas que enfrentamos en nuestro diario vivir como psiquiatras.
Mediante un análisis histórico-biográfico y psicopatológico de la vida Y es por ello que la psiquiatría no puede quedar ajena al
y obra de Vincent van Gogh, el presente estudio intenta una aproxi- análisis y la comprensión de las complejas interacciones que
mación longitudinal a los principales diagnósticos médicos y psiquiá- puedan existir entre la anormalidad psíquica y el fenómeno de la
tricos rotulados en este caso. Basado en múltiples estudios biográfi- genialidad.
cos y psiquiátricos, se describen las principales etapas de la vida del El presente estudio se basa en las revisiones histórico-biográ-
pintor y su personalidad premórbida. Se analiza su producción pic- ficas de Tralbaut,1 de Walther y Metzger2 y de Nágera,3 como así
tórica y su correspondencia con Theo van Gogh, poniendo especial también en los estudios psicopatológicos de Karl Jaspers4 y de
atención a las interrogantes diagnósticas asociadas. Se describe el Lemcke,5 apoyados ambos en la correspondencia de Vincent a
pródromo de su trastorno psicótico, la psicopatología y el trágico Theo van Gogh y a sus otros familiares. Se intenta además con-
desenlace. Finalmente se discuten los aspectos diferenciales de los siderar los aspectos hereditarios, clínicos y diagnósticos postula-
principales diagnósticos planteados, cuales son neurolúes, epilepsia o dos hasta ahora, efectuando un breve diagnóstico diferencial.
psicósis endógena, intentando poner especial énfasis en los aspectos Finalmente se discuten los principales argumentos sobre los que
longitudinales de su desarrollo biográfico y psicopatológico. se debieran apoyar las teorías diagnósticas acerca del mal que
afectara a Vincent van Gogh.
Palabras-claves: Desorden Mentales; Psicopatología; Historia;
Neurosífilis; Epilepsia; Desorden Afectiva, Psicósis Biografía

El estudio de la compleja vida de Vincent van Gogh y de su La extensión del tema no nos permite adentrarnos en cada
dramático desenlace constituyen uno de los desafíos mas intere- uno de los eventos conocidos de la vida de Vincent van Gogh, por
santes y difíciles que un especialista proveniente de la medicina lo que tendremos que concentrarnos en los aspectos mas rele-
pueda emprender. Desde luego contamos con importantes vantes o bien, los eventualmente asociados a su nosología. La
patografías legadas por connotados psicopatólogos de la talla de Tabla 1 ordena en el tiempo las principales etapas de su vida.
Karl Jaspers, que casi hacen innecesaria una revisión del tema. Podemos observar diferencias significativas en los distintos
Luego está la enorme cantidad de interpretaciones que se le han períodos de la vida de van Gogh. En honor al espacio, nos limi-
otorgado a cada una de las fases mórbidas de su existencia, así taremos a destacar los períodos mas relevantes del artista en rela-
como un sinnúmero de teorías explicativas acerca de su enfer- ción a su desarrollo psicopatológico. Su infancia estuvo marcada
medad. Finalmente queda el problema mas complejo, cual es, el por el duelo del primogénito y mortinato Vincent, fallecido un
intentar analizar la patografía de un genio que modificara signi- año antes del nacimiento del pintor. La muerte del primogénito
ficativamente el destino del arte y la pintura occidental. Porque al Vincent afectó fuertemente a la pareja van Gogh-Carbentus, los
hablar de un genio nos referimos a una persona que, en diferentes que dejaron un recuerdo lapidario enfrente de la iglesia. Vincent,
dimensiones, escapa a los patrones de normalidad y adecuación el pintor, tuvo en sus primeros años de vida frecuente contacto
que acostumbramos a usar en medicina y psicología. ¿Es acaso con esta lápida y la tumba de su hermano mayor, enfrentándose
posible efectuar una exploración psicopatológica y aventurar u así precozmente al tema de la muerte.
diagnóstico cuando se trata de un genio? La adolescencia y juventud transcurren en una aparente nor-
Como podemos ver, el compenetrarse con este tema consti- malidad y tranquilidad, destacando la extremada seriedad con que
tuye un verdadero desafío, que no sólo exige la mayor concen- se describe al joven van Gogh desde sus inicios. Su buena adapta-
tración e ilustración posible sino que nos sitúa frente a preguntas ción inicial al rol profesional en al comercio artístico, particular-
insolubles. No obstante, creo que es importante asumir este estu- mente en el período de La Haya, no permiten sospechar el dolo-

Departamento de Psiquiatría y Salud Mental, Facultad de Endereço para correspondência:


Medicina, Campus Norte. Universidad de Chile. Dept. de Psiquiatría y Salud Mental, Facultad de Medicina,
Campus Norte.
Universidad de Chile.
Av. La paz 1.003 - Santiago de Chile - Chile

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 32


Patografia de Vincent van Gogh

roso camino que le deparaba el destino a Vincent. La estabilidad Entre 1876 y 1880 Vincent intenta estructurar sin resultado
y adaptación laboral dura casi cinco años, desmoronándose en un destino religioso, primero como estudiante de teología y luego
Inglaterra en relación a un amor no correspondido. Luego de su como pastor improvisado en la región del Borinage, regresando al
desilusión amorosa en Londres surge un cambio muy notorio en hogar paterno en condiciones deplorables.
la vida del pintor, caracterizado por el inicio de los problemas A partir de 1880 van Gogh se distancia de la religión, regre-
laborales, la desorientación vocacional, el despido de parte de la sando a sus inquietudes pictóricas. Intenta estructurar una carre-
Galería Goupil, el creciente interés religioso, la desadaptación ra artística, lo que va ocurriendo sin un orden establecido. En el
social y la necesidad de desarrollar una actividad predicadora. interin, surgen nuevas desilusiones amorosas e importantes dife-
rencias familiares. El estrecho vínculo e irrestricto apoyo de su
Tabla 1 - Hitos biográficos en la vida de Vincent van Gogh hermano Theo comienza a ser cada vez mas central en su biogra-
fía. Aunque mejor adaptado, en esta etapa van Gogh continúa
1852 Nacimiento (mortinato) del hermano mayor del pintor Vincent van caracterizandose por una tendencia al aislamiento, por los rasgos
Gogh, bautizado con el nombre de Vincent. introvertidos, por sus evidentes dificultades en el relacionamien-
1853 Nacimiento de Vincent Willelm van Gogh, en Groot Zundert,
Holanda.
to social y cotidiano, por su desadaptación y por una probable
1857 Nacimiento de Theo van Gogh. inestabilidad emocional.
1864 Primeros dibujos, apoyado por su madre. Los estudios de Lemcke nos revelan la totalidad de las cartas
1865 Estudios en el colegio-internado de Jan Provily en Zevenbergen. de Vincent a Theo van Gogh, destacandose las cartas que presen-
1867 Estudios en Tilburg por 18 meses. tan alteraciones psicopatológicas.5 Podemos observar que en este
1869 Dependiente en la galería de arte Goupil, La Haya y Bruselas.
1873 Traslado a Londres por Goupil; desilusión amorosa con Ursula período (1882-1884) surge un número considerable de cartas que
(Eugénie) Loyer; cambio psicopatológico y preocupaciones religiosas. presentan alteraciones psicopatológicas, si bien leves.
1875 Destinado a Goupil en Paris; conflictos laborales e inclinaciones bíblicas. En 1886 Vincent se traslada a Paris, disminuyendo significa-
1876 Regreso a Londres. Despedido en Goupil, trabaja en Inglaterra como tivamente la correspondencia con Theo. Por ende, desconocemos
maestro de escuela en Ramsgate. Camina 110 km, de Ramsgate a
gran parte de la situación interna del pintor durante esta fase. A
Londres. “Ayudante” del reverendo de Isleworth. Primera prédica.
Vuelta a la casa paterna a Etten, Holanda. partir de Febrero de 1888 hay un repunte anímico evidente en la
1877 Marcha a Amsterdam para ingresar al seminario de Teología. vida del pintor, evidenciado tanto por las cartas como por la pro-
1878 Abandono de sus estudios.Vuelta al hogar e inscripción en una escue ductividad pictórica.
evangelista en Bruselas. En Noviembre es enviado como evangelista Este período corresponde a la fase provenzal, donde Vincent
voluntario a la región minera de Borinage.
1879 Pastor provisional en Wasmes (Borinage) hasta Julio; fervor desme-
intenta organizar una comunidad de artistas en la colorida ciudad
dido, regala su ropa, cuida a los enfermos, duerme sobre tablas; lo de Arles. A mediados de 1888 aparecen los primeros signos psi-
tildan de “loco”; fracaso global en la misión; nuevo cambio psicopa- copatológicos, relatados por el propio pintor, culminando en la
tológico. primera crísis psicótica evidente a fines (Navidad) de 1888. Este
1880 Vagabundea por los caminos. Continúa como misionero, por su cuen- período coincide con la visita y posterior distanciamiento de Paul
ta. En Julio decide hacerse pintor y comienza sus estuidos de
anatomía y perspectiva. Comienza ayuda económica de Theo. Gaugin, con quién comparte casa, productividad y devenir por
1881 Nuevo drama sentimental con su prima Kee. Cambio a La Haya, casi dos meses. Desde su llegada a Arles, Vincent trabaja en fun-
donde el pintor Mauve. ción de consolidar la comunidad de artistas. La visita de Gaugin
1882 Relación sentimental con prostituta (Clasina) con quien convive por es esperada largamente y con gran exitación. Gaugin no compar-
20 meses; hospitalizado por infección gonocósica; intento serio de
te las visiones artísticas y personales de Vincent, produciendose
oficializar el vínculo y adoptar el hijo de Clasina; conflicto y rechazo
familiar. un desencuentro creciente. El 23 de Diciembre de 1888 se desen-
1883 Ruptura “forzada” con Clasina, vuelve con sus padres. cadena un primer episodio psicótico, el que coincide con el dis-
1885 Muerte de su padre; marcha a Amberes a estudiar a Rubens. Sífilis? tanciamineto de Gaugin, la desilusión y el fracaso del proyecto
1886 Ingresa a regañadientes a una academia bajo la dirección de Siebert comunitario en la Provence. A partir de este momento Vincent
y Verlat, en Amberes; en marzo, cambio a Paris con la familia de Theo,
inicio de contacto con pintores vanguardistas.
presenta múltiples crísis psicóticas intermitentes que ameritan
1887 Contacto con Toulouse-Lautrec, Pissarro, Degas, Serat, Signac y rehospitalización.
Gauguin. Inicio de etapa productiva. Los hallazgos psicopatológicos en sus cartas a Theo se hacen
1888 En Febrero, cambio a Arles (Provence); proyecto de una colonia de mas evidentes, requiriendo una estrecha vigilancia por parte de su
artistas. Intensa productividad; en Octubre llega Gauguin; el 24 de
hermano. A pesar de su reclusión voluntaria en el asilo de Saint-
Diciembre intenta agredir a Gauguin, ruptura, mutilación y ofrenda de
su hemioreja inferior; primera reclusión hospitalaria, por dos semanas. Rémy, cerca de Arles, la productividad pictórica se mantiene inal-
1889 Alucinaciones intermitentes. Rehospitalización en Marzo, por un mes. terada.
Visita de Signac. Traslado al asilo de Saint-Rémy, cerca de Arles. En Mayo de 1890 se traslada a Auvers-sur-Oise para recibir
Períodos de lucidez alternados con violentas crisis. Gran productivi- un tratamiento de parte del doctor Gachet, donde mantiene su
dad pictórica.
ritmo de gran producción pictórica.
1890 Nace el primer hijo de Theo; en Mayo traslado a Paris y luego a
Auvers con el Doctor Gachet; continúa productivo, pero en crisis. Fallece a fines de julio de 1890, sin un anuncio previo, expli-
Continúa escribiendo, pintando y leyendo literatura seria. El 27 de cación ni un signo de premeditación suicidal. Pocos días antes del
julio se dispara un tiro en el pecho, muriendo a los dos días. Ultimas trágico desenlace pinta sus últimas obras, manteniendo en líneas
palabras: “La misére ne finira jamais”. generales el estilo y las caracteristicas centrales de su obra.
1891 Internación a un asilo psiquiátrico y fallecimiento de Theo.
Durante este período, Vincent mantiene la correspondencia con

33 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41


Theo y continúa leyendo a autores complejos como Voltaire y naturaleza, los animales, las flores, y coleccionaba toda clase de
Zolá, entre otros. objetos. El contacto con los escolares de la aldea lo habría vuelto
aún mas intranquilo, por lo que los van Gogh contratan una niñe-
ra. Esta describiría mas tarde al niño Vincent como extraño, dife-
Aspectos Médicos
rente a los demás. “Su comportamiento era raro y excéntrico, lo que
le valía muchos castigos”. Vincent era para ella el menos agradable
Antecedentes Familiares de los hijos. La descripción de la viuda de Bie-van Aalst, detalla-
das en el libro de Tralbaut, coinciden en señalar que, a diferencia
La Tabla 2 revela en forma cronológica los antecedentes de Theo. Vincent era un niño serio. Según su hermana Elizabeth,
médico-psiquiátricos relacionados con la vida de Vincent van Vincent era un niño solitario y apartado.1
Gogh y su familia nuclear. Cabe destacar aquí el antecedente pro- No encontramos mayor información sobre la pubertad y la
porcionado por el propio pintor acerca de su familia materna adolescencia de Vincent, pero nos parece probable que no haya
(Carbentus), donde se sostiene que una tía habría sido epiléptica diferido mucho de su infancia. A los 12 años es enviado al inter-
y que habrían habido múltiples desordenes mentales en su familia. nado de Zevenbergen, donde no se habría adaptado bien.
En la historia familiar nuclear destaca el muy probable suici- Tiempo despues Vincent le relata a Theo la gran nostalgia del
dio del hermano menor, Cornelius o ‘Cor’, acontecido en hogar que sintiera durante este período, esperando con ansias las
Sudáfrica, la psicosis crónica de Wilhelmine, su hermana predi- visitas de sus padres y añorando las escasas visitas al seno familiar.
lecta y la enfermedad de Theo, quién fallece en un hospital psi- Segun Nágera, esta separación del hogar habría tenido gravitan-
quiátrico en Utrecht un año después del suicidio de Vincent. Se tes consecuencias para el desarrollo de van Gogh. El carácter soli-
desconocen los detalles de la patología de Theo, pero se ha pos- tario e introvertido se habría acentuado gracias a la vivencia sub-
tulado un cuadro psicótico progresivo. Algunos autores han pos- jetiva de separación del hogar, la que nunca habría sido resuelta.3
tulado una neurosífilis, la que también ha sido rotulada para su Posteriormente, en el período de La Haya, Vincent habría
destacado protegido.6,7 No obstante, no hay suficientes elemen- alcanzado un mejor nivel de adaptación social y laboral, revelan-
tos probatorios que apoyen la teoría de una neurolúes comparti- do cierta estabilidad. No obstante, no contamos con información
da por ambos hermanos, lo que será discutido posteriormente. confiable acerca de su personalidad y sus vivencias en este perío-
do. Suponemos que el traslado a Londres, determinado por la
Tabla 2 - Antecedentes médico-psiquátricos de Vincent van Gogh y de galería Goupil, no fue bien recibido por Vincent, quien se alejaba
la familia van Gogh - Carbentus aún mas del hogar. Sin embargo, no hay antecedentes que sugie-
ran graves alteraciones durante el primer período de su estadía en
1882 Vincent es hospitalizado três semanas por una infección gonocósica. Inglaterra. A los 20 años de edad, Vincent vive como pensionista
1885 Eventual tratamiento de Vincent con yoduro de potasio: lúes? en la casa de la señora Loyer, donde se enamora de su hija.
1886 Eventual tratamiento de Theo con yoduro de potasio por lúes secun-
daria. Luego de la desilusión amorosa en Londres se produce un
1888 Primera hospitalización en Arles. Mutilación de hemioreja inferior. importante cambio de la personalidad de van Gogh, donde se evi-
1889 Múltiples hospitalizaciones por episodios psicóticos transitorios. dencian rasgos de creciente excentricidad, introversión, tenden-
Intento de suicidio. cias proselitistas, rasgos fanáticos, desadapatación y tendencias al
1889 Vincent declara que la hermana de su madre era epiléptica y que aislamiento. Estas características se mantendrán a lo largo de la
había muchos casos de desordenes mentales en la familia.
1890 Traslado a Auvers-sur-Oise; tratamiento por el Dr. Gachet.
vida del pintor. Vincent es descrito como excéntrico, individualis-
1890 Posible suicidio de ‘Cor’, el hermano menor de Vincent, en Sudáfrica. ta, romántico y contradictorio. En numerosas oportunidades lo
1890 Suicidio de Vincent. describen como un ‘loco’, en particular durante el período reli-
1891 Muerte de Theo en Utrecht, en un sanatorio psiquiátrico. gioso. No obstante, la excentricidad no aparece reflejada en la
1892 Ingreso de Willhelmien, la hermana preferida, a un asilo psiquiátrico, conducta general, sino en la forma de emprender sus proyectos.
donde permanecerá recluida hasta su muerte, en 1941. Intentos de
suicidio que requerirán contención ocasional.
A los 24 años Vincent trabaja brevemente como librero en
Dordrecht, donde un colega lo describe de la siguiente forma: “Es
un muchacho poco atractivo, mas bien insociable y que rara vez
habla con alguien en la tienda”.3 Se toma la vida muy en serio, la
Personalidad Premórbida vive siempre en forma intensa y sin eludir los desafíos. Es una
persona muy alejada de los intereses materiales y desde muy tem-
Las escasas descripciones existentes en relación al niño prano tiene que ser apoyado económicamente por su familia.
Vincent van Gogh coinciden en describirlo como un ‘niño- Solitario, sensible e introvertido, van Gogh no pierde tiempo en
adulto’, serio, retraído, solitario, disciplinado, observador, inteli- adaptaciones al orden establecido, manteniendo siempre una
gente y amante de la naturaleza. No hay antecedentes de la exis- curiosa relación con un orden moral o estético superior. Las esca-
tencia de conflictos familiares gravitantes, pero podemos suponer sas descripciones de su relacionamiento social dejan entrever una
que la muerte del primogénito Vincent y el constante recuerdo, a clara inseguridad personal, particularmente en sus vínculos con el
través de la visita ineludible a la tumba de su hermano, tuvieron sexo opuesto. Simpatizante de los niños, de los pobres y débiles
una influencia considerable en el desarrollo temprano del artista.7 en general, Vincent no logra dar concreción a estos impulsos en
Según su cuñada Johanna, ya en la infancia Vincent tenía un su vida cotidiana, manteniéndose en un plano de soledad mas
carácter difícil, pendenciero y obstinado. Se apasionaba por la abstracto. La extrema sensibilidad, su introversión y la falta de

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 34


Patografia de Vincent van Gogh

sentido realista le impiden establecer puentes sociales, quedando de pintor, ya hace mucho tiempo que debería estar reducido
siempre en una profunda soledad. Como bien señalara Jaspers, completa e irremediablemente a la condición antes mencio-
van Gogh presenta una clara inclinación a la soledad y al ensimis- nada. No obstante, no pienso que mi locura tomaría la
mamiento, aunque “está siempre suspirando por la amistad y el forma de manía de persecución, ya que en los estados de exi-
trato de las gentes que tan obstinadamente rehuye”.4 tación mis sentimientos me conducen mas bien a la contem-
En síntesis, los escritos permiten definir con cierta certeza la plación de la eternidad, y de la vida eterna. En todo caso,
personalidad premórbida de van Gogh como sigue: introvertido, debo estar muy atento con mis nervios, etc...”.1
sensible, profundo, excéntrico, solitario, con rasgos fanáticos,
amante de la naturaleza, con poca capacidad para tolerar frustra- La excitación que Vincent siente con la llegada de Gaugin
ciones y una clara desadaptación social. Su funcionamiento cog- rápidamente se compromete con una compleja convivencia de
nitivo se caracteriza por una intensa emocionalidad, generalmen- ambos artistas. Sus visiones del arte y del mundo son enteramen-
te incierta e incongruente, con tendencias holísticas, rigidez y la te disímiles, logrando sólo un encuentro superficial. Gaugin ame-
escasa tolerancia a las frustraciones, en el marco de rasgos de neu- naza con irse, mientras van Gogh entra en un estado de crecien-
roticismo e inestabilidad crecientes. te inestabilidad. De acuerdo con Gaugin, Vincent se torna irrita-
Ocasionalmente se desprenden de su conducta y de sus car- ble, agresivo, impulsivo, mutista e impredecible. Padece insom-
tas rasgos de psicoticismo, de depresividad, de tendencias auto- nio de continuación, y ocasionalmente lo habría espiado durante
destructivas y una evidente incapacidad de adecuación a la reali- el sueño. Luego de una disputa van Gogh sigue a Gaugin por las
dad social y económica. calles de Arles con una navaja de afeitar, quien lo confronta.
Dejemos que el mejor testigo del pródromo de la psicosis de
Vincent, Paul Gauguin, nos relate los hechos:
Pródromo del primer episodio psicótico “Cuando llegué a Arles, Vincent estaba intentando encon-
trar su camino, mientras que yo, que era mucho mayor, ya
En Febrero de 1888 Vincent llega a Arles con la esperanza de era un hombre maduro... Durante el último período de mi
constituir una comunidad de artistas. Desde un comienzo el pin- estancia, Vincent se convirtió en excesivamente brusco y rui-
tor comienza a alabar las virtudes de esta soleada región del sur doso, y de repente silencioso. varias noches descubrí que,
de Francia, mostrando en su productividad pictórica y en sus car- habiéndose despertado, estaba al pie de mi cama...
tas una creciente satisfacción. Con la ayuda de Theo, Vincent se Invariablemente era suficiente que yo le dijera en tono
concentra plenamente en su obra y su proyecto, logrando conso- grave: ’Vincent ¿te pasa algo?’, para que volviera a la cama
lidar un notable registro pictórico. A mediados de 1888 fallece el sin decir palabra y cayera en un sueño profundo. Tuve la
tío Vincent (Cent), quién originalmente favorecía y protegía al idea de pintar su retrato mientras estaba pintando su bode-
pintor, pero ahora lo deshereda. No obstante, desde su llegada a gón favorito, girasoles. Y una vez terminado el retrato me
Arles, van Gogh se muestra optimista, productivo, creativo y dijo: ’Si que soy yo, pero me he vuelto loco’. La misma noche
esperanzado. Es posible pensar en la presencia de una alteración fuimos al café, donde tomó un ajenjo ligero. De repente me
hipomaniacal, como veremos posteriormente. En Agosto de tiró el vaso y su contenido a la cabeza. Eludí el golpe y
1888, Vincent comienza a especular con la llegada de Gaugin, tomándolo con fuerza en mis brazos, salí del café; pocos
quién finalmente llega a regañadienetes en Octubre. Durante el minutos después Vincent se encontraba en cama, donde dur-
período de espera, van Gogh se dedica a remozar la casa amaril- mió hasta la mañana siguiente. Al despertarse me dijo:
la, pintando varios lienzos (Girasoles) con fines decorativos. ‘Querido Gauguin, me parece recordar vagamente que ano-
Segun Jaspers, ya en ésta época se visualizan los primeros signos che te ofendí’ a lo que le contesté: ‘Con ganas te perdono,
de una alteración psicopatológica.4 Las espectativas de la llegada pero el incidente de anoche podría repetirse, y si me alcanza
de Gaugin son poco realistas y surgen de la visión romantica del un golpe podría perder los estribos y estrangularte.
artista. Semanas antes de la llegada de Gaugin Vincent le escribe Permíteme pues, que le escriba a tu hermano y le anuncie
a su hermano Theo: “Si, es cierto me avergüenzo de ello, pero qui- mi regreso’. Al atardecer, y después de haber comido rápida-
siera impresionar a Gauguin con mi trabajo...; su venida va a alte- mente mi cena, sentí la necesidad de salir solo y tomar aire.
rar mi manera de pintar...”.1 Pocos dias antes de la llegada de Había cruzado ya la plaza de Victor Hugo, cuando oí detrás
Gauguin, Vincent escribe: “He intentado presionar mi propio tra- mío un paso rápido e irregular, muy familiar. Di la vuelta
bajo lo máximo posible, en mi deseo de poder mostrarle algo nove- justo en el momento en que Vincent se abalanzaba hacia mí
doso, de no ser objeto de su influencia antes de poder mostrarle mi con una navaja de afeitar abierta en la mano. Mi mirada en
propia individualidad...”. Durante este período, trabaja en forma ese momento tiene que haber sido verdaderamente muy
febril, descuidando su alimentación, sueño y necesidad de repo- poderosa, porque se paró y bajando la cabeza, se fue corrien-
so. En forma profética anuncia su devenir en su última carta antes do en dirección a nuestra casa...”8
de la ansiada llegada de Gauguin:
“No estoy enfermo, pero sin duda pronto lo estaré si no con- Al día siguiente, el 24 de Diciembre de 1888, la policía lo
sumo bastante alimento y dejo de pintar por algunos días. encuentra inconsciente en su habitación. De acuerdo al reporte
De hecho, estoy muy próximo al estado de locura de Hugo de un diario local, en la misma noche de la confrontación con
van der Goes en el cuadro de Emil Wauters. Y si no fuera Gauguin, Vincent vuelve a la casa amarilla y se mutila la hemio-
porque yo tengo una doble naturaleza, una de monje y otra reja izquierda, entregando la pieza envuelta en un paño a una

35 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41


conocida (Rachel) de un burdel vecino. A partir de este episodio, que logra captar desde la breve ventana de su celda, consiguién-
Vincent se convierte en paciente hospitalario recurrente, lo que dolo con gran precisión. Es justamente desde esta situación que
no obsta que mantenga una febril productividad pictórica, hasta Vincent pinta su segunda noche estrellada (Starry night), notable-
su muerte, ocurrida 18 meses después. mente distinta a la del año anterior, fundiendo realidad y fantasía.
Para muchos autores la presencia de las alucinaciones visuales,
entre otros factores, permitieron dar el paso para el origen de
Psicopatología y evolución
dicho cuadro. La obra de van Gogh sufre, desde su celda del asilo
de Saint-Rémy, un nuevo cambio, caracterizado por una gran
Lamentablemente, las descripciones clínicas de los diferentes
liberación interna y una irrestricta expresión de su interioridad.
epiodios psicóticos de Vincent van Gogh son muy escasas. En
En Mayo y Junio, van Gogh se adapta bien al asilo, pintando
Navidad de 1888, después del episodio de automutilación de su
importantes obras. No obstante, tras una breve y frustrante visita
hemioreja inferior, Theo viaja a Arles, donde describe el estado
a Arles a comienzos de Julio, donde no encuentra a un pastor
de su hermano como sigue: “Por momentos aparece lúcido, pero
amigo ni al Dr. Rey, vuelve a desencadenarse uno de los “ataques”,
luego, subrepticiamente cae en una divagación filosófica o teológi-
con clara sintomatología productiva y que durara hasta Agosto.
ca. A veces, toda la miseria de su pasado resurge en el; el quiere llo-
De las cartas a Theo se desprenden tres fases psicóticas en Arles,
rar, pero no puede hacerlo”.1 El 1. de Enero de 1889 Vincent apa-
del 24 de Diciembre de 1888 al 19 de Enero de 1889 la primera,
rece mas recuperado, escribiendo a Theo: “Espero que Gauguin te
del 4 al 18 de Febrero la segunda y del 26 de Febrero a mediados
reembolse completamente, también un poco en el negocio de la pin-
de Abril. En Saint-Rémy se describen cuatro episodios: del 9 de
tura. Espero comenzar pronto con mi trabajo”. Luego añade:
Julio a mediados de Agosto, nueva y curiosamente del 24 de
“Escríbele una línea a mama por mi, para que nadie se preocupe”.
Diciembre de 1889 al 1. de Enero de 1890, del 23 al 30 de Enero
En el reverso de dicha carta le envía un mensaje de amistad a
Gauguin, hablando de “alta fiebre” y de “debilidad comparable”. y de mediados de Febrero a mediados de Abril. En algunos casos,
El 2 de Enero su médico tratante, el Dr. Rey le escribe a Theo la fase aguda duraba sólo unos días, en otros, varias semanas, que-
señalando que Vincent se recupera rápidamente y que el estado dando siempre una lenta remisión posterior. Durante la mayoría
de sobreexcitación solo será temporal.1 El 7 de Enero es dado de de las crisis se observa un delirio paranoídeo con elementos mís-
alta, con su cabeza aun vendada. Al regreso a la casa amarilla, tico-religiosos. Se describen alucinaciones auditivas y visuales,
Vincent le asegura a su hermana y su madre estar recuperado y con ocasionales momentos de confusión. En algunas ocasiones,
que durante un buen tiempo estará libre de problemas. En este van Gogh describe una amnesia posterior a las crisis. En otras,
período, van Gogh pintó dos memorables cuadros, el Retrato del hay claros indicios de su plena lucidez durante las crísis psicóti-
Dr. Rey y Los Jardines del Hospital de Arles. Durante el mes de cas y los desajustes conductuales. Así, por ejemplo, estando en
Enero, Vincent continúa pintando en forma solitaria. La gente de Saint-Rémy, van Gogh obtiene permiso para salir a pintar al
Arles se muestra hostil y agresiva contra el artista, y ya el 9 de campo, siempre en compañía de un gentil auxiliar, de nombre
Febrero es rehospitalizado, esta vez sin la espectacularidad ante- Poulet. En una oportunidad, estando en el camino de regreso y
rior. A petición ciudadana, Vincent es confinado y la casa amaril- sin aviso, se da vuelta y golpea a Poulet en el abdómen. Al
la es clausurada. En su soledad, Vincent le escribe a Theo: “Si no siguiente día, Vincent espontáneamente lamenta haberlo golpea-
cuento con tu amistad, me veré irremediablemente conducido al do y le pide disculpas, señalando además que “me sentía persegui-
suicidio, y, cobarde como soy, lo debiera cometer finalmente”.3 do por la policía de Arles”.1,3 En otra oportunidad lo encontraron
Cabe destacar aquí que Theo recientemente había contraído nup- intentando comerse sus pinturas, habiendo ingerido tres tubos de
cias con Johanna. En el mes de Marzo Vincent se resigna a su ellas.1 En el reporte de alta del Dr. Peyron se mencionan nume-
condición de confinamiento. Theo relaciona su enfermedad con rosos intentos de envenenamiento. Luego de un nuevo período
las malas condiciones materiales de la vida previa de Vincent, de crisis en Diciembre de 1889, esta vez mas breve, van Gogh
favoreciendo su reclusión. Mientras el Director del Hospital de comienza a recuperar su impulso. En Enero de 1890 se ve opti-
Arles, el Dr. Urpar, le diagnostica una “manía aguda con delirium mista y productivo en sus cartas. No obstante, en estrecha rela-
generalizado”, el Dr. Rey habla de “crisis epilépticas”.1 En Mayo, ción con la noticia del nacimiento del primer hijo de Theo, se
Vincent es trasladado voluntariamente al hospicio del pueblo produce una recaída. En esta oportunidad Vincent habla de una
provenzal de Saint-Rémy, manifestando que un hombre en su melancolía. De hecho, muchas crisis estuvieron en relación a los
condición tal vez debiera decidirse por la legión extranjera. cambios en la vida de su hermano, como el anuncio del compro-
La ficha clínica de Saint-Rémy describe en sus inicios un esta- miso (el mismo día de la primera crísis), el matrimonio y el naci-
do de “manía aguda, con alucinaciones visuales y auditivas, siendo miento del hijo de Theo.
necesario su observaciones por un período prolongado”. En Saint- El nuevo episodio le dura hasta Abril de 1890, a pesar que es
Rémy se lo trata con una terapia hidropática, con baños dos veces justamente en este período cuando consigue el tan anhelado
a la semana. Van Gogh parece complacido con el tratamiento, deseo de vender su segundo cuadro. Se describe a si mismo como
reportando los pormenores de su condición en forma regular a su abatido, angustiado, desganado, triste. Habla de los
familia. En las cartas se habla de “ataques”, refiriéndose a las cri- “Antropófagos de Arles” y deja entrever una clara nostalgia por el
sis psicóticas. Un día después de arribar al hospicio reinicia la norte.1,3 Theo, a través de Pissarro, establece un contacto con el
pintura, teniendo a su disposición una segunda habitación para Dr. Gachet, quien venía originalmente de Flandes y quien se
trabajar. Obviando las rejas, el artista desarrolla múltiples temas muestra dispuesto a recibir al paciente.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 36


Patografia de Vincent van Gogh

Gachet no solo hablaba la lengua materna de Vincent, sino enfermedad han proliferado en progresión geométrica. La Tabla
que era un profundo conocedor de la pintura y sus creadores, 3 nos resume los principales diagnósticos planteados hasta hoy.
como Cézanne, Courbet y Monet. Tenía conocimientos artísticos
y practicaba una medicina alternativa, incluyendo el uso de la
Tabla 3 - Vincent van Gogh: patologías neuro-psiquiátricas postuladas
homeopatía y la corriente eléctrica.
Luego de una tensa espera, Vincent pasa por Paris en cami- Síndrome de Méniere Arenberg,1 Yasuda5
no a Auvers-sur-Oise, donde reside el Dr. Gachet. Johanna, la Intoxicación digitálica Lee9
esposa de Theo, escribe estar muy impresionada por la saludable Oleo (terpentina) y luz solar Bonkowsky,10 Gachet5
y fornida apariencia de Vincent, quien esta perfectamente recupe- Epilepsia Evensen,11 Navratil,12 Doiteau1
Psicosis epiléptica Birnbaum,5 Meige,5 Minkowska5
rado de su problema nervioso. Su seguridad, su autoestima y su
Epilepsia temporal Müller,13 Gastaut1,14
confianza se habrían recuperado notablemente, y la manía de per- Estado crepuscular Riese,15 Steiner5
secución se habría desvanecido, escribe Johanna.1 Estamos ahora Psicosis maníaco-depresiva Perry16
a mediados de mayo, dos meses antes del suicidio. Luego de una Esquizofrenia Jaspers,4 Schilder,1 Westermann-Holstijn,17
breve y tranquila estadía en Paris Vincent se traslada a Auvers, Kerschbaumer,1 Rose,1 Bychowsky1
desde donde le escribe a Theo que el Dr. Gachet le impresiona Lúes Springer,6 Wilkie7
como un buen sujeto, aunque tanto o mas excentrico que el Neurastenia Fels,1 Uhde5
mismo. No obstante, en pocas semanas Vincent cambia su opi- Psicopatía Bolten1
Tumor cerebral Bader1
nion sobre Gachet, cenando juntos y hablando en varias oportu-
nidades sobre arte. En cuanto llega a Auvers, Vincent retoma su
trabajo, buscando locaciones apropiadas, aumentando sus aven-
turas expresionistas. Trabajaba con mayor intensidad que antes, Si bien es posible afirmar que la influencia de algunos fac-
duerme de 9 P.M. a 5 A.M. y parece estar recuperado. No obstan- tores tóxicos como el alcohol y el absinto,5 la terpentina o el dig-
te, en algunas cartas deja entrever gran preocupación económica, ital,5,9 sumados a la crónica desnutrición y al tabaquismo
frustración y desesperanza. Tras la visita de Theo y su familia, desmesurado, pudieran haber afectado el equilibrio psíquico del
Vincent pasa un breve período de bienestar, volviendo a eviden- artista, no cabe duda que estos factores son sólo circunstanciales
ciar signos depresivos a comienzos de Julio, viajando a Paris el 6 y no explican la totalidad del cuadro clínico. Incluso hay autores
de Julio de 1890. Theo le prepara una abultada agenda social, que que han planteado la posibilidad de una porfiria.10 Sin embargo,
incluye a su antiguo amigo Toulouse- Lautrec y a su hermana que- el estudio de sus cartas, de la personalidad premórbida y de su
rida Wilhelmien. No obstante, y antes de la llegada de su herma- biografía (Tabla 1) nos ha demostrado que las manifestaciones
na, bruscamente y sin explicaciones interrumpe su visita y regre- iniciales de su trastorno hicieron su aparición mucho antes del
sa a Auvers. En estos días, Vincent presenta una explosión agre- consumo de dichas substancias. A su vez, el estudio del pródro-
siva en casa del Dr. Gachet, sin una causa justificada ni explica- mo y de la mayoría de las manifestaciones clínicas nos revela que
ción posterior. la psicopatología del cuadro psicótico no coincide con el diag-
El domingo 27 de Julio Vincent almuerza como de costum-
nóstico de una psicosis exógena. Si bien hay períodos de con-
bre y sale luego a caminar (cazar cuervos?). Regresa mas tarde de
fusión, van Gogh mantiene sus sunciones cognitivas intactas
lo común, inestable, y afirma que se atrasó porque estaba herido,
hasta su muerte, sin signos de deterioro. A su vez, en muchos
restándole gravedad al hecho. Al visitarlo en su pieza, van Gogh
le exhibe la herida al arrendatario diciendo: “me he disparado... pasajes de sus crisis psicóticas se describe una clara conciencia de
sólo espero no haber fallado”. En presencia del Dr. Gachet, el sus actos.
moribundo se fuma una pipa y le afirma que en caso de salvarse El diagnóstico de un síndrome de Méniere5,18 tampoco
lo va a repetir una y otra vez. Al llegar Theo Vincent le dice: “no parece muy probable, considerando al desarrollo longitudinal y la
llores, lo hice por todos nosotros”. Luego le pregunta a Theo acer- mayoría de los síntomas expuestos.
ca de su condición médica, quién le responde que puede ser favo- En honor al tiempo, nos deberemos remitir aqui sólamente a
rable, a lo que Vincent responde: “De nada sirve... la miseria no los diagnósticos que parecen como los mas probables:
terminará jamás”. Estas fueron sus últimas palabras, muriendo el • parálisis general (neurolúes encefálica);
29 de Julio en la madrugada, a los 37 años. Los motivos del suici- • epilepsia parcial compleja o psicomotora;
dio nunca se aclaran del todo. Se postulan las razones económi- • psicósis endógena.
cas, la inestabilidad emocional, una creciente conciencia de la
declinación artística, el temor a otra crisis o una nueva desilusión Neurolúes: la mayoría de los expertos en la biografía de V.
amorosa, esta vez con la hija del Dr. Gachet, Marguerite.7 En el van Gogh coinciden en documentar una hospitalización de dos
lecho de muerte, Vincent no explica a nadie su conducta y se limi- semanas, en 1885, por una infección gonocósica.1,3,6,7
ta a fumar sin interrupciones su pipa. Posteriormente, de acuerdo con Wilkie, Vincent habría tenido un
Seis meses después fallece su hermano Theo, en un asilo psi- cuadro lúetico por el que habría recibido tratamiento con yoduro
quiátrico de Utrecht. de potasio.7 La infección se podría haber originado en su discuti-
da relación con Classina, en La Haya, o bien, posteriormente, en
Diagnóstico 1985. Wilkie, entre otros, sostiene que no sólo Vincent sino tam-
bien Theo habría padecido de una lúes, tal vez adquirida en
Ya desde la primera hospitalización de Vincent van Gogh en Paris.7 La irregular vida llevada por el pintor y la alta prevalencia
Arles, a fines de 1888, las teorías en torno al diagnóstico de su de dicha enfermedad en la Europa de fin de siglo hacen bastante

37 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41


probable este diagnóstico, especialmente si consideramos la bas- familiares, que nos alejan aún mas de la posibilidad exclusiva de
tante bien documentada y segura infección gonocósica, la que fre- una parálisis general, y nos orientan claramente a las dos posibi-
cuentemente se asocia a la entrada del Treponema pallidum. No lidades mas probables, cuales son, la de una epilepsia o de una
obstante, cabe preguntarse si la enfermedad psiquiátrica de psicósis endógena.
Vincent van Gogh puede explicarse sólo a través de una sífilis, y Epilepsia: el diagnóstico de una epilépsia ha sido planteado
si cabe plantearse el diagnóstico de una parálisis general. No obs- por varios connotados especialistas.11,13,19 Si bien este diagnósti-
tante, el cuadro psicótico iniciado en Diciembre de 1888 tras la co fue planteado inicialmente por Rey durante su hospitalización
disputa con Gauguin no parece estar relacionado con dicha enfer- en Arles, no hay una descripción clínica clara de crísis tónico-cló-
medad. Para demostrar esta afirmación deberemos considerar la nicas, de algún tipo de crisis motora o sensitiva o de episodios
personalidad premórbida (antes de 1888), la psicopatología, los ictales aislados. Si bien existirían algunos elementos sugerentes de
antecedentes genéticos y la evolución. Como hemos demostrado este tipo de mal en los períodos finales de su enfermedad, quedan
previamente, Vincent van Gogh tuvo siempre una personalidad muchas preguntas pendientes. De acuerdo con Gastaut, existi-
muy particular, caracterizada principalmente por introversión, rían evidencias de crísis convulsivas durante la hospitalización en
escasa sociabilidad, seriedad extrema, neuroticismo, sensibilidad, Saint-Rémy, donde por lo demás, dicho diagnóstico fue plantea-
fanatismo y problemas de identidad. En el período religioso, en do por el Dr. Peyron, quién escribe lo siguiente: “Yo considero que
1880, mucho antes de sus contactos sexuales, el pintor evidenció el Sr. van Gogh es objeto de ataques de epilepsia”. Por lo mismo, se
conductas muy excéntricas, durmiendo en el piso, regalando su le trata con bromuros, muy usados en esa época para dicho mal.
ropa e incluso vagabundeando, por lo que los mineros lo llama- La eventual confusión descrita durante alguna de las crísis, la dis-
ban “el loco”. Vincent regresa a su casa en un estado lamentable, cutible amnesia posterior, las alucinaciones visuales y los delirios
teniendo que ser recuperado y luego ser mantenido por su fami- paranoídeos y religiosos han sido esgrimidos como evidencias cla-
lia. Todo esto ocurre antes de la eventual infección venérea. ras de la presencia de un trastorno epiléptico. A su vez, se han
Debemos considerar además que el tiempo que transcurre entre descrito fenómenos de hipergrafia y de religiosidad, lo que se
la infección gonocósica (eventuál contagio luético) y la primera constituiría en un síndrome de Geschwind.
fase psicóticas es de 1882 a 1888, osea, breve para la instalación
En este caso, deberíamos inclinarnos mas bien por el diag-
de una parálisis general. En este lapso no se vislumbran indicios
nóstico de una epilepsia psicomotora, el que resulta muy contro-
de la infección, ya sea en sus fases primaria o secundaria.
vertido dadas las características tanto de la biografía como de la
Recordemos además que el pintor ya evidenciaba algunas altera-
psicopatología del pintor. Los registros de las fases psicóticas
ciones psicopatológicas en sus cartas iniciales, sugiriendo así un
revelan que éstas cursaban muchas veces con lucidez y plena con-
cuadro de inicio muy solapado, justo después de su primera desi-
ciencia de enfermedad. No hay diferencias nítidas entre los perío-
lusión amorosa en Londres (1873). El cambio experimentado por
dos críticos y los intervalos asintomáticos, como tampoco un
van Gogh tras esta desilusión fue muy marcado e irreversible. De
patrón sugerente de actividad ictal, ya sea breve o prolongado.
ser un empleado relativamente exitoso e independiente, con un
Varios episodios guardan íntima relación con los acontecimientos
futuro promisorio en Goupil, van Gogh pasa a ser un sujeto desa-
biográficos, que alteran la vida del pintor, como son los conflic-
daptado, incapaz de mantenerse y bastante marginal.
Posteriormente, las descripciones psicopatológicas de la tos con Gauguin, con la familia de Theo, con los ciudadanos de
enfermedad de Vincent, a partir de 1888, y las cartas a Theo, seña- Arles, etc. Hay claros trastornos conductuales e impulsos agresi-
lan la presencia de una clara conciencia de enfermedad, de luci- vos subrepticios, inexplicables, y con demostrada conciencia pos-
dez y de una inteligencia intacta, hasta su muerte. Vincent escri- terior. Algunos se producen en plena actividad laboral. Aún den-
be normalmente, discute y lee sobre filosofía unas pocas semanas tro de las fases psicóticas, la mayoría de los síntomas y trastornos
antes de su muerte. No hay ningún signo de deterioro cognitivo, conductuales son experimentados concientemente y con claro
como tampoco se registra alguna alteración neurológica. Lo mas registro mnésico. Si bien Vincent habla ocasionalemente de con-
llamativo de sus cartas continúa siendo la mantención de un esti- fusión y de amnesia posterior, no hay evidencias claras que apo-
lo riguroso y preciso, con buena capacidad de memoria, pero con yen este hecho. Al contrario, en la mayoría de los desajustes con-
ciertas alteraciones psicopatológicas del tipo de la descripción de ductuales que involucran a terceras personas, como Gauguin,
alucinaciones mixtas o delirios de persecución, de referencia, reli- Poulet, Johanna o Theo, queda registrada nítidamente una con-
giosos o de grandeza. Resulta difícil sostener la hipótesis de una ciencia lúcida, aún en presencia de alucinaciones o de ideas deli-
parálisis general ante esta evidencia clínica. Al contrario, la gran rantes. Llama la atención el interés de Vincent en apoyar el diag-
productividad pictórica y epistolar, generalmente muy lúcida, nóstico de una epilepsia, lo que de acuerdo a sus cartas a Theo,
tienden a rebatir fuertemente esta hipótesis. parece complacerle. En algunas cartas Vincent habla de amnesia
En síntesis, podemos afirmar que si bien van Gogh pudo posterior, de total inconciencia, lo que no es siempre concordan-
padecer una infección luética, es muy poco probable que haya te con la descripción de terceros. No olvidemos el episodio des-
sido ésta la causa de su trastorno psiquiátrico. Si bien aceptamos crito por el auxiliar de Saint-Rémy, Poulet, quien señalara a
la necesidad de encontrar una unidad diagnóstica, nos parece Tralbaut que Vincent lo habría atacado impulsivamente para dis-
demasiado forzado intentar explicar todo el proceso psicótico culparse al día siguiente, argumentando que “me sentía persegui-
del pintor a través de una neurolúes, que, como sabemos, evolu- do por la gente de Arles”. Queda claro que este episodio psicótico
ciona en etapas y con un cuadro clínico bastante diferente. ocurrió con absoluta lucidez, y con claro recuerdo posterior. Al
Finalmente, no debemos olvidar los antecedentes psiquátricos menos en este episodio, no nos parece apropiado hablar de epi-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 38


Patografia de Vincent van Gogh

lepsia. Debemos recordar tambien que en 1889 no existían aún ma y adaptada, necesitando continuamente el apoyo y sustento
las categorías diagnósticas de Kraepelin y Bleuler. familiar. Hay conductas anormales, sufrimiento e ideación suici-
Es importante discutir aquí el problema de la personalidad da mucho antes de la eclosión de la primera fase psicótica pro-
premorbida. Creemos que sería un error basar el diagnóstico de ductiva. Todos estos elementos hablan claramente a favor de una
Vincent van Gogh sólo en el corte transversal de sus últimos 18 psicosis endógena, con elementos esquizomorfos.
meses de vida. Hemos visto claros signos de alteración psicopato- De acuerdo con Karl Jaspers, van Gogh sufrió de una esqui-
lógica mucho antes de la eclosión psicótica de 1888, por lo que no zofrenia, lo que es apoyado por Schilder y Westermann-
podemos evitar un análisis longitudinal de la vida y la personali- Holstijn.4,5,17 Hay numerosos argumentos que apoyan fuertemen-
dad premórbida del artista. te este diagnóstico, como son, por ejemplo, los antecedentes
La mayoría de los autores interesados en describir una tipo- familiares (Wilhelmina?, Cornelius??), la personalidad premórbi-
logía particular asociada a la epilepsia, hablan de personalidad o da, los conflictos de identidad, la incapacidad progresiva de auto-
comportamiento enequético, que se caracterizaría por un biotipo sustentarse, lo bizarro de su conducta, la inadecuación y el aisla-
displásico, cuyo psiquismo se muestra perseverante, viscoso e miento social progresivo, la sintomatología crítica e intercrítica, la
hipersocial.14 El epiléptico respondería con sincero agradeci- impulsividad irracional, la ambivalencia en sus relaciones perso-
miento a las muestras de afecto y las atenciones que pudiera reci- nales, la introversión, etc. No cabe duda que hay importantes
bir de otras personas. Segun Gastaut, el comportamiento enequé- argumentos que favorecen el diagnóstico de una esquizofrenia,
tico es una manifestación característica de la epilepsia psicomoto- pero sin embargo cabe preguntarse si finalmente logramos enten-
ra y que comprendería los siguientes rasgos: la escas actividad, la der la cabalidad del cuadro clínico con dicho diagnóstico.
indolencia, la lentificación, la perseveración y el tipo vivencial El análisis de las cartas, de la conducta y la psicopatología
coartado.14 nos sugiere que éste diagnóstico no alcanza a explicar plenamen-
Si bien no se ha podido demostrar fehacientemente que estos te la globalidad de los fenómenos mórbidos y premórbidos que
rasgos de la personalidad efectivamente sean mas prevalentes aquejaron al artista. La correspondencia de los hermanos van
entre los pacientes epilépticos, debemos tenerlos en considera- Gogh permite entrever claras fluctuaciones anímicas en el deve-
ción. El lector podrá reconocer fácilmente que ninguno de estos nir del pintor. Asi por ejemplo, hay alusiones francamente depre-
rasgos son compatibles con la personalidad de van Gogh antes sivas y hasta suicidas en las cartas de 1880 y 1881, pasando pos-
descrita. El análisis de la personalidad premórbida e intermórbi- teriormente a contenidos francamente optimistas. Van Gogh fre-
da de Vincent apoya fuertemente los postulados de Jaspers, ale- cuentemente hace mención de su ánimo melancólico y desespe-
jándonos de la posibilidad de u diagnóstico de epilepsia. ranzado. Posteriormente, a su llegada a Arles, van Gogh pasa por
En síntesis, queremos sumarnos a la opinión de la mayoría de una racha de furia de trabajo. Le escribe a Theo:... “Me encuentro
los epileptólogos actuales, en el sentido de que no se puede cada día mejor... tengo una fiebre continua de trabajo... tengo
hablar de epilepsia mientras no hayan crisis ictales o alguna clara menos necesidad de compañía que de trabajar desenfrenádamente...
evidencia clínica de actividad comicial. La hipótesis de una epi- en algunos momentos no confío mas que en mi exaltación y enton-
lepsia nos parece muy atractiva, pero creemos que es insuficiente ces me dejo arrastrar a las mayores extravagancias.” Luego habla de
para explicar y comprender realmente la cabalidad de la triste y “paisajes pintados a mayor velocidad que todo lo hecho anterior-
prolongada patografía de Vincent van Gogh. ¿Es acaso posible mente”. En todo este período, habla de “el montón de ideas que
ignorar la personalidad premórbida del artista, su precoz quiebre lo inudan”, diciendo: “ideas para mi trabajo se me ocurren de con-
emocional, sus extravagancias y graves desadaptaciones, su desin- tinuo, pintando soy una locomotora”. Luego del primer episodio
serción social, su intoversión, las asociaciones entre su biografía y psicótico, dice: “ya no podré alcanzar esas cimas hacia las que la
los episodios psicóticos, el análisis de su correpondencia y su pro- enfermedad parecía arrastrarme. ¿Que vendrá después?”
ducción pictórica y los episodios psicóticos de los últimos 18 En las descripciones que Vincent hace a Theo sobre sus cri-
meses de su vida? ¿Cabe acaso plantearse un diagnóstico trans- sis, dice: “Tengo momentos en que me crispo de entusiasmo, de
versal que no respete los claros elementos longitudinales que demencia o de espíritu profético, como un oráculo griego sobre un
afectan su biografía? trípode. En tales momentos conservo una gran presencia de espíri-
Psicosis endógena: creemos que el único grupo de enferme- tu”. En otra carta acota: “... Voluntad no tengo ninguna; lo mismo
dades que puede explicar la mayoría de los signos, síntomas y me ocurre en cuanto a los deseos y a todas las cosas de la vida cor-
conductas de van Gogh, desde su infancia hasta su misteriosa riente, como, por ejemplo, el volver a ver a mis amigos, que me tie-
muerte, lo constituye algún tipo de psicósis endógena. nen casi sin cuidado...
Recordemos que el concepto de psicósis endógena permite expli- se diría que mi melancolía no ha variado ni un ápice”. Estas fluc-
car la interacción entre la vulnerabilidad biológico-genética, la tuaciones están registradas en la correspondencia con Theo, y
personalidad y los aspectos biográficos y ambientales. presentan un cierto patrón estacional. La mayoría de las crisis de
En este caso estamos frente a una psicósis generalmente lúci- desánimo se presentan en otoño-invierno, período en que se per-
da, con una historia premórbida sugerente de una prediposición cibe un estado anímico y una productividad inhibida. Es posible
endógena, y con abundantes antecedentes hereditarios. Hay una que la nostalgia también influya sobre el desencadenamiento de
personalidad premórbida anormal y un claro quiebre biográfico sus crisis, ya que tanto en 1888 como en 1889 van Gogh debe ser
en la juventud. Posteriormente hay un desapego progresivo a las hospitalizado el 24 de Diciembre.
normas sociales, llegando a la marginalización total. A partir de Hay entonces suficiente evidencia que apoya la tesis de un
los 21 años, hay una clara incapacidad de vivir en forma autóno- elemento anímico incorporado en la psicosis de van Gogh. No

39 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41


pensamos, como Perry,16 que se trate de un trastorno bipolar ais- Discusion
lado, ya que como señaláramos previamente, son demasiados los
elementos que sugieren un trastorno esquizomorfo. Pero si hace- El presente trabajo ha realizado un esfuerzo particular en
mos abstracción de la dicotomía Kraepeliniana y nos sumamos a destacar los aspectos longitudinales de la vida de Vincent van
los supuestos de Griesinger o Janzarik, en el sentido de una psi- Gogh. Junto con tener en consideración los elementos prodrómi-
cosis endógena única con variantes dinámico-estructurales, cos y los síntomas y signos de su patología final, hemos puesto
encontramos el espacio y la flexibilidad necesaria para poder especial énfasis en recorrer el camino y la personalidad del artis-
ordenar la patología de van Gogh en la confluencia de las dimen- ta desde su infancia. Mediante esta metodología, nos hemos
siones afectivas y esquizofrénicas. encontrado con innumerables indicios que permiten comprender
Sólo de esta forma puede ser explicada la evolución global de el posterior desenlace de su enfermedad. La sola consideración
la enfermedad del pintor, su gran productividad durante los de los aspectos transversales de su patología psiquiátrica no
intervalos asintomáticos, las fluctuaciones anímicas y la escasa habrían permitido concluir con certeza las posibilidades diagnós-
presencia de sintomatología residual. A su vez, este tipo de psico- ticas aquí señaladas. El caso de Vincent van Gogh nos permite
sis puede cursar con la florida sintomatología descrita, presentán- ilustrar claramente en que forma la personalidad, la biografía y
dose frecuentemente en una interacción muy estrecha con la pro- los eventos psicosociales relevantes interactúan con la vulnerabi-
pia biografía y las variabes psico-sociales. Van Gogh tiene la per- lidad estructural en el desencadenamiento de un trastorno psicó-
sonalidad previa y el cuadro clínico de un individuo cercano al tico de tipo endógeno. A su vez, hemos podido ver como estos
ámbito de lo equizofrénico, pero al momento de la eclosión psi- elementos nos resultan fundamentales en la formulación de un
cótica claramente lo sobrepasa, presentando un dinamismo y una adecuado diagnóstico diferencial.
fuerza creadora enteramente compatible con un trastorno del Cabe preguntarse, en base a la evidencia clínica aquí presen-
ánimo. Cualquiera de estas dos entidades por separado son insu- tada, el tratamiento de mantención que elegiríamos en el caso de
ficientes para dar cuenta de las múltiples y controvertidas mani- tener que tratarlo hoy. Creo que muchos colegas tenderían a
festaciones de la enfermedad de Vincent van Gogh. Sólo la suma incluir un agente estabilizador del ánimo en el tratamiento farma-
de ambas, ya sea a través de la formulación de un diagnóstico cológico de un cuadro semejante. Esta desición, por lo demás,
multiaxial con un trastorno bipolar o esquizoafectivo en el primer resultaría muy afortunada. Imaginemos lo que habría ocurrido
con la historia del arte moderno si van Gogh hubiese recibido en
eje y una personalidad esquizotípica en el segundo, o, a través de
forma prolongada agentes neurolépticos en sus últimos dos años
la formulación simple de un trastorno Eesquizoafectivo, pueden
de vida.
explicar satisfactoriamente las múltiples viscicitudes en la com-
Creo que el presente caso debe invitar a todo psiquiatra a
pleja enfermedad del artista. Creemos que el dejar fuera las evi-
reflexionar acerca de la importancia de el establecimiento de un
dentes oscilaciones anímicas, las claras fases de exaltación y eufo-
adecuado diagnóstico y de la elección terapéutica apropiada. La
ria alternadas con fases de gran retraimiento, desilusión e inhibi-
formulación de un diagnóstico equivocado y la consecuente elec-
ción, no permite entender plenamente la enfermedad de van
ción equivocada de un determinado fármaco, especialmente
Gogh. De hecho, el análisis cualitativo de su obra en los últimos cuando es de uso prolongado, puede no sólo cambiar irremedia-
años apoya fuertemente esta tesis. blemente un destino individual, sino alterar el curso de la historia.
La inclusión de un elemento afectivo dentro del diagnóstico La presente discusión clínica no debe olvidar que estamos
de una psicosis endógena permite explicar mejor las intervalos frente a la presencia de un persona extraordinaria. Las conclusio-
asintomáticos, las alucinaciones mixtas, la recuperación cabal nes que aquí se esbozan sólo corresponden a aproximaciones
después de las crisis, como asi también, las frecuentes oscilacio- muy limitadas en nuestra escasa comprensión del genio humano,
nes anímicas, que a menudo se acercaban ya sea a las ideas de sui- y no deben ser consideradas como verdades incuestionables. No
cidio o a la euforia creativa. Pero tal vez lo mas importante en el obstante, creemos necesario destacar con este ejemplo las insos-
planteamiento de un diagnóstico de una psicosis endógena esqui- pechadas posibilidades que puede presentar un paciente psiquiá-
zo-afectiva, es la posibilidad de explicar tanta creatividad, tanto trico, que en este caso, revolucionó el arte moderno occidental.
fervor, tanta pasión y tanta productividad. De esta forma pode-
mos entender también la relación íntima que el pintor establece
con la naturaleza, sus matices, contrastes y fulminantes colores. Summary
Finalmente, un recorrido secuencial por la obra del autor en sus
últimos 27 meses se correlaciona con los estados anímicos subya- Since the death of Vincent van Gogh by suicide in 1890, his illness has
centes, presentando gran luminosidad a su llegada a la Provence, been a controversial subject among biographers and psychiatrist.The
y un progresivo oscurecimiento de sus tonos y, en particular, de present study is based upon his biography, his letters and paintings,
the premorbid personality profile and the psychopathological fea-
los fondos de sus telas, en el período en Auvers, pocas semanas
tures described before and after the onset of his psychosis. Based on
antes del suicidio.
this data, the possible diagnosis of syphylis, epilepsy or endogenous
En resumen, concluímos que Vincent van Gogh probable-
psychosis are discussed.
mente padeció una psicósis endógena con elementos esquizomor-
fos y afectivos, que se inicia tempranamente en la vida, con un
perfil mas bien esquizomorfo, para concluir en un cuadro psicó- Key-words: Mental Disorder; Psycopathology; History; Neuro-
tico compatible con un trastorno esquizoafectivo. shyfillis; Epilepsy; Affective Disorder, Psychotic

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 40


Patografia de Vincent van Gogh

Referencias 11. Evensen H. Die Geisteskrankheit Vincent van Gogh. Z


Psychiatr Psych Ger Med 1926; 84:133-153.
1. Tralbant ME. Vincent van Gogh. Barcelona: Editorial 12. Navrantil L. Woran litt Vincent? Zur Beurteilung der
Blume, 1973. Krankheit Van Goghs aufgrund seines werkes. Ciba-
2. Walther Y, Metzger R. Van Gogh. The Complet Paintings. Symposium 1959; 7:210-216.
Köln:Benedict Taschen Verlag GmbM, 1993. 13. Müller WK. Die Erkran Kung des Vincent van Gogh unter
3. Nágera M. Vincent van Gogh. Un estudio psicológico. neveren psychiatrischen. Gesichtspunkten. Materia Med
Barcelona:Editorial Blume, 1980. Nordmark 1959; XI(12):409-421.
4. Jaspers K. Genio y locura. 3. ed. Madrid:Aguilar S.A. 14. Wofensen MM, Podgaitz L. Personalidade y epilepsia. La
Ediciones, 1961. predisposición a los ataques convulsivos. Alcmeon. Rev Arg
5. Lemke S, Lemke C. Über die psychische Krankheit Vincent Clin Necropsiquiatria 1996; 5:170-179.
Van Goghs. Nervenarzt 1993; 64:594-598. 15. Riese WW. Vincent van Gogh in der Krankheit. Grenzfragen
6. Springer B. Die genialen syphylitiker. Berlin:Verlag der des Nerven-und Seelenlebens. München: Bergmann, 1926.
Neven Generationen, 1926. 16. Perry JM. Vincent vvan Gogh’s illness - a case report. Bull
7. Wilkie K. Viaje a Van Gogh, la luz enloquecida (1890-1990). History Med 1947; 21:146-174.
Madrid:Espasa-Calpe, 1990. 17. Westermann-Holstiun AJ. Die psychologische Ent-wicklung
8. Prather M, Stuckey C. Paul Gauguin. Köln: Könemann Vincent van Goghs. Imago 1959; 10:384-417.
Verlag, 1994. 18. Arenberg KJ, Coutryman LLF, Bernstein LM, Shambaugh
9. Lee CT. Van Goghs vision: digitalis intoxication. JAMA GE. Vincent’s violent vertigo. Acta Otolaryngol (suppl)
1981; 245:727-729. 1991; 485:84-103.
10. Bonkowsky ML, Cable EE, Cable JW et al. Porphyrogenic 19. Minkowska F. Van Gogh, sa vie, sa maladie et son
properties of the terapenes camphor, pinene and thujone oeuvre. Presse du Temps Prèsent: L’evolution Psychiatrique.
(with a note on historic implications for absinth and the Paris, no. 1, 1932 (1963).
illness of Vincent van Gogh). Biochem-Pharmacol
1992;43:2359-2368.

41 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41


Caso Histórico
FREUD E O USO DE COCAÍNA: HISTÓRIA E VERDADE
FREUD AND THE COCAINE USE: HISTORY AND TRUTH

José Antônio Zago Freud escrevera à Martha, sua noiva. O traficante explica a
razão do grande interesse por essas cartas:
“Nelas, o pai da psicanálise defende o uso da cocaína, que
ele mesmo costumava ingerir. E, como você sabe, sempre fui
Resumo favorável à sua liberação. Assim, os grandes traficantes
seriam tratados como respeitáveis empresários, como ocorre
É apresentado um estudo histórico sobre Freud e seu uso de cocaí- aos fabricantes de bebidas, solventes e cigarros, e não preci-
na. O objetivo é responder às insinuações ou afirmações de que sariam se esconder como bichos nem gastar fortunas para
Freud, durante sua vida, teria usado e prescrito cocaína a seus corromper policiais e políticos.”2
pacientes e que este uso teria também influenciado sua obra.
O trabalho clínico diário em comunidade terapêutica com
dependentes de substâncias psicoativas requer dos profissionais
Palavras-chaves: Desordens, Uso de Drogas; Usuário de Cocaína;
envolvidos uma constante reflexão. Não só no sentido de avaliar
Psicoanálise; História da Medicina
e aprimorar o próprio trabalho, mas também de transformar seus
resultados em subsídios para a prevenção, cuja ação é mais do
Introdução âmbito educativo. Ou seja, o trabalho do profissional deve trans-
cender os limites de uma comunidade de tratamento, a fim de
A idéia deste texto surgiu a partir de algumas constatações que esse saber adquirido no cotidiano não se encerre dentro des-
práticas e teóricas a respeito de Freud e do uso de cocaína, quais ses limites e que seja, portanto, um saber vivo que a sociedade
sejam: possa usufruir como fonte de informação ou como estratégia de
• Na prática clínica não é incomum pacientes dependentes de melhoria da qualidade de vida.3 Desse modo, rever os dados e os
cocaína, com determinada sofisticação intelectual, afirmarem escritos de Freud, especialmente sobre sua relação com o uso de
que sabendo usar essa droga “ela não faz mal; pelo contrário.” cocaína e se esta teve ou não influência em sua produção intelec-
Citam então como exemplo Freud que a consumiu e produ- tual, torna-se imperativo como forma de esclarecimento e de
ziu uma obra praticamente universal, dando a entender que transparência, de respeito ou de compreensão para com uma difi-
parte do sucesso de Freud foi conseguido graças ao uso da culdade humana.
cocaína. Anexo o leitor encontra breve biografia de Sigmund
• Também não é raro meios de comunicação social informarem Freud.4-7
que Freud, além de usar a cocaína, a prescrevia a seus pacien-
tes, como no exemplo: “Muitas substâncias hoje consideradas Freud e a Cocaína
ilegais ou de uso restrito já foram usadas no passado em larga
escala como remédios ou fortificantes. A cocaína, por exemplo, Em sua autobiografia6 Freud escreveu que em 1884 se inte-
era empregada até o início do século como anestésico em peque- ressou profundamente em estudar o alcalóide de cocaína, muito
nas cirurgias. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, receitava pouco conhecido. Trouxe de Merck certa quantidade de cocaína,
cocaína a seus pacientes, como estimulante. Ele mesmo era um a fim de estudar seus efeitos fisiológicos. Devido a uma viagem
consumidor fiel da droga.”1 para visitar a noiva que não via há dois anos, deixou de lado a pes-
• Frei Betto, com singular sensibilidade, mostra no romance O quisa, pedindo que Köenisgtein, médico oftalmologista, investi-
Vencedor,2 como pensa um traficante; não o traficante que fica gasse sobre as propriedades anestésicas da cocaína em sua espe-
nas ruas e nas favelas, mas o traficante que manipula enormes cialidade. No seu retorno verificou que Carl Koller, com o qual
quantias de droga e dinheiro e que raramente aparece. Aquele conversara a respeito do alcalóide, empreendera decisivos expe-
que manipula às escondidas, o qual podemos chamar em lin- rimentos sobre as propriedades anestésicas, comunicadas no
guagem figurada de “lobo em pele de cordeiro.” No final do Congresso de Oftalmologia de Heidelberg. Freud considerou
romance, o vilão da história fala a um antigo conhecido que Koller o descobridor da anestesia local por meio da cocaína,
conseguiu, com persistência e dinheiro, obter as cartas que importante nas pequenas cirurgias. Considerou também que a

Psicólogo do Instituto Bairral de Psiquiatria - Itapira, SP e Mestre Endereço para correspondência:


em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, SP Rua Padre José Maurício, 11
Instituto Bairral de Psiquiatria - Itapira, SP 13970-000 - Itapira - SP
Fones: (19) 38633455 ou (19) 38639414 (Instituição)
E-mail: bairral@bairral.com.br

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47 42


Freud e o uso de cocaína: história e verdade

viagem o fez perder a oportunidade da descoberta e de se tornar propriedades: ‘Eu mesmo experimentei uma dúzia de vezes
famoso.6 o efeito da coca, que impede a fome, o sono e o cansaço e
Esse interesse sobre o alcalóide de cocaína também pode ser robustece o esforço intelectual.’ Ele escreveu a respeito de
constatado em excertos de cartas que escreveu a sua noiva seus possíveis usos para os distúrbios tanto físicos como
Martha: mentais. Por pouco tempo um defensor, tornou-se depois
a) Viena, segunda-feira, 21 de abril de 1884: Freud escreveu apreensivo em relação às suas propriedades viciantes e inter-
que havia lido sobre cocaína, de tribos que mastigam suas rompeu a pesquisa.”9
folhas para aumentar a resistência à fome e ao cansaço.
Soube também que um alemão deu esse produto a alguns sol- Freud experimentou cocaína e ficou fascinado com seus efei-
dados, o que os tornou mais fortes e resistentes. A idéia era tos sobre o humor e o trabalho. Com a morte de um paciente seu
elaborar uma experiência terapêutica com a cocaína em por cocaína e por um amigo ter tido problemas com essa droga,
casos de doenças cardíacas e, depois, esgotamento nervoso. Freud, com arrependimento, “encerrou este capítulo em seu traba-
Citou que poderia ser aplicado no caso do Dr. Fleischl: lho”.10
“sobretudo no terrível estado que se produz quando deixa de Freud (1884) introduziu a cocaína no tratamento da neuras-
tomar a morfina.”2 tenia e para a crise de abstinência em pacientes adictos de morfi-
b) Viena, quinta-feira, 19 de junho de 1884: “Só ontem à noite na. Embora os resultados em pacientes psiquiátricos tenham sido
terminei o artigo Über Coca; hoje, corrigi a primeira metade; desastrosos, abriu caminho para o uso da cocaína como anestési-
terá a extensão de uma página e meia.”2
co em oftalmologia, na prática médica e na cirurgia geral.11
c) Paris, 11 h da noite de segunda-feira, 18 de janeiro de 1886:
Na tentativa de fazer uma grande descoberta e tornar-se
Freud escreveu que Charcot o convidara, e a Ricchetti, para ir
famoso fez experiência com o alcalóide de cocaína. Publicou em
a sua casa no dia seguinte após o jantar. “Todo mundo estará
1884 um artigo em que recomendava o uso da cocaína para vômi-
lá.” “Um pouco de cocaína para desatar-me a língua.”2
tos e distúrbios digestivos. Escreveu ainda mais cinco textos
d) Paris, terça-feira, 2 de fevereiro de 1886: que seu cansaço é
sobre o tema e, conforme referido atrás, sugeriu a Leopold
parecido com uma pequena enfermidade denominada neuras-
Köenigstein e Carl Koller o uso de cocaína na oftalmologia, este
tenia, resultante de esforços, preocupações e excitação dos
últimos anos... “A pequena porção de cocaína que acabo de sendo reconhecido como o pai da anestesia local. Freud também
tomar me deixa loquaz, minha garota.” Sobre a noitada na casa consumia considerável quantidade da droga para combater suas
de Charcot, escreveu na mesma carta às 2h30 da madrugada, crises de neurastenia e a ofereceu a sua noiva Martha Bernays.5
que havia de quarenta a cinqüenta pessoas, das quais conhe- Gay12 afirma que Freud, temerariamente, recomendou e
cia três ou quatro. E que isso era tão aborrecido e só não enviou cocaína a sua noiva, embora não se saiba sobre o uso dela.
explodiu “... graças à cocaína.”2 Em seu artigo Sobre Coca, Freud mesclou relatório científico com
e) Paris, quarta-feira, 10 de fevereiro de 1886: Freud vangloriou- ardorosa defesa sobre as propriedades calmantes e estimulantes
se de Knapp, principal oftalmologista de Nova York e que da cocaína. Como dito, fazia uso da cocaína para aumentar sen-
também escreveu sobre cocaína, em visita no hospital sação de bem-estar, superar seus estados depressivos e a relaxar
Salpêtrière, ter reconhecido que ele, Freud, havia sido o pri- em eventos sociais.12
meiro a escrever sobre o alcalóide.2 Fleischl-Marxow, fisiologista e amigo de Freud, teve que
Em A Interpretação dos Sonhos,8 Freud fez a análise de dois amputar três dedos da mão devido a um acidente num experi-
sonhos seus onde aparece a questão da cocaína. mento. Como sentia fortes dores nos cotos, viciou-se em morfina.
Um deles é o sonho da monografia botânica que, entre outras Freud tentou tratá-lo substituindo a morfina pela cocaína, da
associações, ele relacionou com seus estudos sobre cocaína e com qual o paciente ficou dependente, morrendo aos 44 anos.5 Em
a figura do Dr. Köenisgstein que pesquisou o uso da cocaína nota de rodapé, Gay refere que Fleischl-Marxow se injetava
como anestésico.8 cocaína e que Freud, na época, não levantou objeções.
O outro, datado em 23-24 de julho de 1895, o sonho da inje- Posteriormente, Freud negou que tenha defendido esse procedi-
ção de Irma. Em suas associações e análise onírica Freud inter- mento.12
pretou que as escaras na região nasal de Irma sugeriam uma preo- Embora bem intencionado, Freud agiu no caso de Fleisch-
cupação com a sua própria saúde, pois na época estava usando Marxow de forma irrefletida e a morte do amigo afetou-o de “sen-
com freqüência cocaína para curar uma rinite. Também, ouvira timentos residuais de culpa,” que deram boas razões de autocríti-
dizer, poucos dias antes, que uma paciente que utilizava o mesmo ca a Freud. É um dos episódios mais perturbadores da vida de
método terapêutico apresentava uma necrose na mucosa nasal. Freud, embora tenha continuado a usar a cocaína em pequenas
Freud escreveu que em 1885 prescrevia cocaína para esses casos quantidades até meados de 1895.12
e que por isso havia atraído severas censuras. Associava também
o sonho à perda de um amigo em 1885 (Dr. Fleischl-Marxow),
que morreu intoxicado por cocaína.8 Discussão
Durante um período de sua vida Freud pesquisou, usou e
prescreveu cocaína a pacientes: Uma melhor apreciação do tema é obtida, primeiramente, ao
“De 1884 a 1887, Freud fez algumas das primeiras pesqui- considerarmos a questão da cocaína numa perspectiva histórica,
sas com cocaína. De início ficou impressionado com suas com foco na época de Freud.

43 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47


A cocaína é extraída da planta Erythroxylon coca, nativa da então o mais importante passou a ser o material comunicado pelo
Bolívia, Peru, Colômbia e Equador. Seu uso remonta há mais de paciente.6
2.000 anos por tribos indígenas e civilizações americanas. Há Se entendermos A Interpretação dos Sonhos (1899) como
indícios que tenha sido usada em cirurgias, como remédio para marco da nova abordagem para o tratamento das neuroses, a obra
distúrbios físicos e como fonte de vitaminas. A inquisição espa- de Freud, a psicanálise, está isenta de qualquer “ajuda” ou
nhola associou o uso da coca ao pecado e coibiu seu uso pelos influência de suas experiências pessoais ou profissionais com
incas dominados. Mas, por outro lado, a cocaína teria sido utili- cocaína.
zada como meio dos exploradores fazerem os explorados supor- Há ainda outro aspecto a considerar que independe do con-
tarem melhor a fadiga e a fome na exploração das minas de ouro. texto histórico.
Mascar folhas de coca é uma prática ainda hoje utilizada por cam- Hoje sabemos com mais precisão quais os transtornos decor-
poneses andinos, mas apenas recentemente fumar pasta de coca rentes do uso, abuso e dependência de cocaína. Ela bloqueia a
se tornou um problema na América do Sul. recepção neuronal da dopamina, serotonina e norepinefrina. A
Albert Newman, químico alemão, foi o primeiro a estudar dopanima está ligada nos centros límbicos do prazer, incluindo
cientificamente a planta da coca em 1882.10 O extrato de cocaína alimentação e sexo. Uma superestimulação crônica das vias de
foi utilizado em uma variedade de elixires, destacando o Vin dopamina pode resultar numa deficiência da mesma, ou seja, com
Mariani, fabricado pelo químico italiano Angelo Mariani. Esse o tempo há uma perda do controle quanto à quantidade de cocaí-
vinho foi apreciado, por suas propriedades estimulantes e revigo- na consumida, em razão da característica altamente reforçadora
rantes, pelo Papa Leão XIII, Júlio Verne, Émile Zola, Victor da droga. Assim, problemas clínicos como perda de peso severa,
Hugo, entre outros. Em 1885, John Styth Pemberton, farmacêu- desnutrição e desidratação podem resultar de “porres” de cocaí-
tico em Atlanta, EUA, com o sucesso do vinho, desenvolveu um na. As alterações comportamentais mal-adaptativas incluem
tônico para combater a melancolia, vendido em farmácias, com o agressividade, hipomania, agitação psicomotora, vigilância exces-
nome de French Wine of Coca, Ideal and Tonic Stimulant, fórmu- siva, prejuízo do julgamento e prejuízo do funcionamento
la original da Coca-Cola. Médicos de renome se interessaram e social.10 Também, o uso crônico de cocaína provoca transtornos
publicaram estudos sobre os benefícios da cocaína como de conduta social e moral, apatia, abandono das atividades nor-
Hammond, Mortimer e Halstead. Muitos tornaram-se dependen- mais e deterioração das funções intelectivas.15
tes dessa droga, inclusive Halstead, o pai da cirurgia moderna.2,10 Freud, tanto no escritos anteriores ou posteriores a 1886,
A cocaína somente foi considerada narcótico ilegal nos EUA em manteve sempre uma disposição muito grande para a família e
1914 pelo Decreto de Harrison.10 e na Inglaterra com a “Lei de para o trabalho, quer clínico, quer de produção científica. Além
Drogas Perigosas de 1920”.13 disso, essa disposição implicava numa produção científica cada
Na época em que Freud começou sua vida de pesquisador e vez mais qualificada, nem mesmo interrompida com todos os
médico havia um niilismo nos meios médicos de Viena quanto aos problemas que como judeu enfrentou na Segunda Guerra
recursos terapêuticos disponíveis, como massagens, hidroterapia Mundial e com a descoberta em 1923 do tumor maligno e com
e eletroterapia, para aliviar o sofrimento dos doentes psíquicos.5 sua evolução. Desse modo, se Freud fosse um usuário dependen-
Freud, ao despertar seu interesse pela cocaína, visava ganhar te ou crônico de cocaína, jamais manteria durante toda a sua vida
notoriedade superando o niilismo vigente com a descoberta de as condições físicas, psicológicas e, principalmente, intelectivas
um método mais eficaz de tratamento para os distúrbios nervo- para elaborar sua obra, a qual se desenvolveu tendo como base
sos. Assim, não possuía interesse exclusivo na obtenção de prazer um árduo trabalho de clínica: “Aos oitenta anos, Freud ainda era
com a droga, mas, em especial, como medicamento para si (neu- capaz de amar, trabalhar e odiar.”12
rastenia) e para pacientes. Ernst Kris em Estudio Preliminar sobre Dentro das atuais diretrizes e critérios diagnósticos Freud foi
Los Origenes del psicoanalisis mostra que também no período um dependente do tabaco. Fliess aconselhara-o a deixar o vício,
antecedente à psicanálise Freud tomava a si mesmo como sujeito pois provocava freqüentes catarros nasais. Freud, em 1929, res-
em repetidas experiências, inclusive quanto ao uso de cocaína pondeu: “Comecei a fumar aos 24 anos, primeiro cigarros, e logo
(nota de rodapé - Sobre la coca; 1883:84), e comunicava em seus exclusivamente charutos... Penso que devo ao charuto um grande
trabalhos suas observações.14 aumento da minha capacidade de trabalho e um melhor autocontro-
Freud usou cocaína de 1884 a meados de 1895, ano em que le.”5 Entretanto, a consciência sobre o uso do tabaco associado a
teve o sonho da injeção de Irma. Neste sonho Freud contou que riscos de saúde começou a existir em 1950 e o tabagismo somen-
havia feito uso recente de cocaína para curar uma intumescência te foi incluído como transtorno no DSM-III – R, 1987.10
nasal.12 A análise desse sonho, como já apontado, apareceu em A
Interpretação dos Sonhos, publicada em 1899. Nessa obra Freud
já reconhecia que a cocaína provocava intoxicação grave, admitia Conclusão
que durante um tempo a prescreveu como medicamento, rece-
bendo por isso severas censuras e que uma das associações do São infundadas as afirmações ou insinuações sugerindo que
sonho era um questionamento a sua conduta profissional.8 Freud tenha sido em sua vida um usuário de cocaína e que tam-
Sobretudo, ao descobrir graças a seu empenho, perseverança e bém, em todo seu trabalho clínico, prescrevia a referida substân-
dedicação de clínico e pesquisador a regra fundamental do seu cia aos seus pacientes. Freud fez uso de cocaína e a prescreveu a
método de tratamento, a livre associação, Freud abandonou seus pacientes no período de 1884 a 1895. Contudo, vale ressal-
todas as outras técnicas ou recursos de tratamento. A partir de tar que nessa época havia um niilismo terapêutico e os pesquisa-

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47 44


Freud e o uso de cocaína: história e verdade

dores buscavam novos caminhos e novas tentativas para a com- uma nova psicoterapia da histeria, do qual muito pouco
preensão dos fenômenos psíquicos, principalmente a histeria, se tem publicado. Um livro está no prelo: Die Traum-
sendo que o alcalóide de cocaína era uma droga praticamente deutung (A Interpretação dos Sonhos)."4
desconhecida quanto aos seus efeitos danosos à saúde.
Toda a obra sobre psicanálise foi elaborada posteriormente Nenhum dos textos anteriores ao ano de 1886 foi integra-
ao uso da cocaína por Freud, ou seja, sem a “ajuda” dessa droga. do às suas obras completas, por oposição de seus filhos e her-
Sim pela capacidade observadora, laboriosa e criativa de Freud. deiros Ernst e Anna Freud. Sua obra anterior aos textos de
É possível que as afirmações ou insinuações de que Freud
psicanálise, compreendendo o período de 1877 a 1886, é com-
durante a sua vida usou e prescreveu cocaína a seus pacientes
posta de 21 artigos sobre diversos temas: neurologia, medici-
sejam resultantes de informações incompletas ou de um conheci-
na, histologia, cocaína. Sua obra sobre psicanálise é composta
mento muito superficial da vida e do trabalho de Freud.
Contudo, afirmações ou insinuações assim não deixam de ser de 24 livros (dois dos quais com Josef Breuer, um com a cola-
modos de enaltecer a cocaína e, ao mesmo tempo, diminuir a boração de William Bullitt) e 123 artigos, além de comentá-
capacidade de Freud. Em outras palavras, afirmações ou insinua- rios, prefácios, etc. e traduzida em cerca de 30 línguas. Nesta
ções dessa natureza podem revelar não apenas falta de responsa- breve biografia destacamos algumas obras de Freud.
bilidade e de compromisso com a verdade, mas a dificuldade de Freud era o filho mais velho do terceiro casamento de
assumir seus próprios problemas. Jacob Freud, comerciante de tecidos. Jacob e Amalia Freud
teriam ainda mais sete filhos. Devido a má situação econômi-
ca, após um ano em Leipzig, a família mudou-se para Viena,
Summary
Áustria, onde o pai estabeleceu seu comércio no bairro judeu
de Leopoldstrasse.
This paper presents an historical study on Freud and his use of cocai-
ne. The aim is to give an answer to the insinuations or statements Freud começou seus estudos médicos em outubro de
about whether Freud, during his life, would have used and prescribed 1873, dedicando-se ao positivismo e à biologia darwiniana, a
cocaine to his patients and that this would also have influenced on qual serviria de modelo a todos os seus trabalhos. Em 1874,
his work. foi a Berlim freqüentar os cursos de Helmholtz. Depois de
um ano, por meio de uma bolsa de estudos, foi a Triestre,
Itália, onde estudou sobre as células nervosas das enguias
Key-words: Disorder, Drug User; Cocaine User; Psycho-analysis; machos de rio.
History of Medicine
Depois de diplomado médico, em 1882, noivou com
Martha Bernays, ocorrendo o casamento em setembro de
Anexo - Breve Biografia de Sigmund Freud 1886. Nos três anos seguintes à sua formatura trabalhou no
Hospital Geral de Viena, abandonando, por questões finan-
Em 1899 Freud escreveu esta nota autobiográfica, publi- ceiras, a carreira de pesquisador. Querendo tornar-se famoso
cada em 1901 em alemão nas Biographisches Lexicon hervorra- e se livrar da pobreza, começou a pesquisar sobre alcalóide de
gender Arzte des neunzehnten Jahrhunderts de J. L. Pagel: cocaína, acreditando nas virtudes dessa droga. Chegou a
"FREUD, SIGMUND, Viena. Nascido a 6 de maio de administrá-la em seu amigo Ernst von Fleischl-Marxow, des-
1856 em Freiberg, Moravia. Estudou em Viena. Aluno conhecendo sua ação anestesiante e a de provocar a depen-
do fisiólogo Brücke. Promoção (título médico) em 1881. dência. O efeito anestesiante da cocaína seria descoberto pelo
Aluno de Charcot em Paris de 1885-1886. Habilitado em oftalmologista Carl Koller.
1885 (designado Privatdozent). Tem trabalhado como Em 1885 foi nomeado Privatdozent e obteve uma bolsa de
médico e docente na Universidade de Viena, desde 1886. estudos para estudar em Paris onde foi conhecer o trabalho de
Proposto como Professor Extraordinário, em 1897. Martin Charcot, fascinado por suas experiências sobre a histe-
Inicialmente os trabalhos de Freud trataram sobre histo- ria. Depois, foi a Berlim onde fez os cursos do pediatra Adolf
logia e anatomia do cérebro e posteriormente sobre temas Baginsky. Retornando a Viena instalou-se como médico parti-
clínicos de neuropatologia; tem traduzido os escritos de cular, dividindo três tardes por semana como neurologista na
Charcot e de Bernheim. Über Coca, de 1884, é um traba- Clínica Steindlgasse.
lho introdutório da cocaína na Medicina. De 1891 é Zur Em 1887, conheceu Wilhelm Fliess, médico judeu berli-
Auffassung der Aphasien. De 1891 e 1893 são as mono- nense, com o qual trocou extensa correspondência íntima e
grafias sobre as paralisias infantis, que culminaram, em científica, onde iniciou sua auto-análise, o intercâmbio sobre
1897, no volume sobre o tema Handbuch, de Nothnagel. o caso Emma Eckstein e a publicação com Josef Breuer de
Studien über Hysterie, de 1895 (com o Dr. J. Breuer). Estudos sobre a histeria em 1895, onde são relatadas várias
Desde então Freud tem-se dedicado ao estudo das psico- histórias clínicas de mulheres: Bertha Pappenheim (caso Anna
neuroses e especialmente a histeria, e em uma série de O.), Fanny Moser (caso Emmy von N.), Anna von Lieben
breves ensaios tem enfatizado o significado etiológico da (caso Cäcilie M.), entre outras. Foi também durante essa ami-
vida sexual nas neuroses. Também tem desenvolvido zade que Freud substituiu a teoria da sedução (toda neurose

45 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47


derivaria de um trauma real) pela doutrina da fantasia, conce- fosse assimilada como uma “ciência judaica,” colocou Jung à
bendo então uma nova teoria do sonho e do inconsciente, fun- testa do movimento psicanalítico. Entre 1909 e 1913 Freud
damentada no recalque e no complexo de Édipo, inspirado publicou mais duas obras: Leonardo da Vinci e uma Lembran-
pela tragédia de Sófocles. ça de sua Infância e Totem e Tabu.
Em 1891, mudou-se para um apartamento da Rua Desde 1910 começaram algumas dissidências e, posterior-
Berggasse 19, vivendo com sua esposa, seis filhos e a cunhada mente, as cisões, quer por questões pessoais, quer por ques-
Minna Bernays, ali permanecendo até seu exílio em 1938. tões teóricas; em 1911 foram Adler e Stekell, Jung em 1913.
Freud tratava basicamente de mulheres da alta burguesia Não suportando as traições a sua doutrina, próximo à
vienense que eram consideradas “doentes dos nervos.” A Primeira Guerra Mundial, Freud publicou A História do
princípio utilizava os meios terapêuticos disponíveis e aceitos Movimento Psicanalítico, na qual aponta as traições de Adler e
na época como massagens, hidroterapia e eletroterapia. Jung. De 1920 a 1923 mais três obras foram publicadas, por
Constatando que esses métodos não davam resultados satisfa- meio das quais Freud definiu sua segunda tópica: Mais-além
tórios, começou a utilizar a hipnose, conforme os métodos de do Princípio do Prazer, Psicologia das Massas e Análise do Eu e
sugestão de Hippolyte Bernheim. Entretanto, com Breuer, O Eu e o Isso. A partir da segunda tópica, da questão do nar-
Freud foi também abandonando a hipnose, substituída com a cisismo, do dualismo pulsional e da oposição entre o eu e o
criação do método da livre associação e, finalmente, a psico- isso emergiram diferentes correntes do freudismo, como o
análise. Esse termo foi empregado pela primeira vez em 1896 kleinismo, annafreudismo, lacanismo, independentes, Ego
e sua invenção foi atribuída a Breuer. Nessa época a doutrina Psychology e Self Psychology. A oposição entre a escola inglesa
das “localizações cerebrais” estava perdendo terreno para o e a escola vienense começara no interior da IPA, em 1924.
associacionismo, que abriria caminho para a primeira formu- Em fevereiro de 1923, foi descoberto um tumor maligno
lação do conceito de “aparelho psíquico” também em 1896. no lado direito do palato. Foi feita uma cirurgia com a ablação
Em novembro de 1899 publicou A Interpretação dos dos maxilares e da parte direita do palato. Freud tinha que
Sonhos, embora a edição tenha sido datada em 1900. De 1901
usar, a partir de então, uma prótese. Sofreu ao todo, devido a
a 1905 publicou seu primeiro caso clínico (Dora), A psicopato-
essa enfermidade, 33 cirurgias. Tinha dificuldade para falar,
logia da vida cotidiana, O chiste e suas relações com o incons-
mas mantinha contato com seus interlocutores e mantinha
ciente e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.
suas atividades de rotina, abandonando apenas os problemas
Fundou em 1902 a Sociedade Psicológica das Quartas-
do movimento psicanalítico, conduzido então por Ernest
Feiras, primeiro centro de estudos de psicanálise, juntamente
Jones, que presidiu a IPA a partir de 1934.
com Alfred Adler, Wilhelm Stekel, Max Kahane e Rudolf
Teve encontro com Salvador Dali e manteve intercâmbio
Reitler. Já na primeira década do século ampliou o círculo de
com Albert Eisntein. Freud também lidou com telepatia, dedi-
adeptos da doutrina freudiana e no primeiro quarto do século
cou estudos a esse fenômeno com Ferenzi entre 1921 e 1933,
também a psicanálise chegou a vários países, como a Grã-
Bretanha, Hungria, Suíça e costa leste dos EUA. Na Suíça o contrariando Jones que queria dar à psicanálise uma base mais
médico Eugen Bleuler, chefe da clínica do Hospital Burghölzli racional e científica.
de Zurique, iniciou a aplicação do método psicanalítico no Em 1926, depois de um processo contra Theodor Reik,
tratamento das psicoses, desenvolvendo o conceito de esqui- Freud assumiu a defesa dos psicanalistas não-médicos publi-
zofrenia. No Brasil, as idéias de Freud foram divulgadas pela cando A Questão da Análise Leiga. Tinha grande estima e aco-
primeira vez pelo psiquiatra Juliano Moreira e, entre 1914 e lhia no seio desse movimento mulheres de vanguarda como
1930, outros médicos contribuíram para a implantação da psi- Marie Bonaparte, Lou Andreas-Salomé, entre outras, contri-
canálise no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia: Arthur Ramos, buindo assim com a emancipação feminina.
Júlio Porto-Carrero e Francisco Franco da Rocha. Em 1927, teve problemas de relacionamento com seu
Em 3 de março de 1907, Carl Gustav Jung, assistente de amigo o pastor Oskar Pfister ao publicar O Futuro de uma Ilu-
Bleuler, foi conhecer Freud em Viena. Freud publicou nesse são, onde defendia a tese que a religião é uma neurose coleti-
mesmo ano Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen. Em 1909, va. Em 1930, com a publicação de O Mal-estar da Cultura,
em companhia de Jung e de Sandor Ferenzi, a convite de colocou em dúvida a capacidade das sociedades democráticas
Stanley Hall, Freud pronunciou cinco conferências na Clark controlar as pulsões destrutivas.
University de Worcester, Massachusetts, EUA, publicadas Em março de 1938, quando da invasão da Áustria pela
com o título de Cinco Lições de Psicanálise. Alemanha, com a intervenção do diplomata americano
Em 1908 ocorreu o primeiro congresso em Salzburgo e William Bullitt e de um resgate pago por Marie Bonaparte,
em 1910, com Ferenzi, criaram uma associação internacional, Freud e sua família deixaram Viena rumo a Londres, residin-
a Internacionale Psychoanalytische Vereinigung (IPV) que em do em Maresfield Gardes 20, hoje Freud Museum. Redigiu
1933 passaria a ser chamada de International Psychoanalytical nesse país seu último texto Moisés e o Monoteísmo.
Association (IPA). Embora avesso à tradição e rituais judaicos, Freud faleceu em 23 de setembro de 1939 às três horas da
Freud nunca negou ser semita. E temendo que a psicanálise madrugada, depois de dois dias de coma e de ter recebido de

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47 46


Freud e o uso de cocaína: história e verdade

Max Schur, a seu pedido, com a concordância de Anna Freud, 7. Hall CS, Lindzey G. Teorias da personalidade. São Paulo:
três injeções de três centigramas de morfina. Herder, EPU, 1974: 43-92.
8. Freud S. A Interpretação dos Sonhos. In: Obras Completas.
3ª ed. Madrid: Biblioteca Nueva; 1973: 343-752.
Referências Bibliográficas 9. Fadiman J, Frager R. Teorias da personalidade. São Paulo:
Harper & Row do Brasil, 1979: 4.
1. Wassermann R. Substâncias hoje ilegais já foram usadas 10. Frances RJ, Franklin Jr. JE. Transtornos por uso de álcool e
como remédio no passado. O Estado de S. Paulo, 1999; 19 outras substâncias. In: Talbott J, Hales R, Yudofsky S, eds.
de set. (Caderno Especial - Drogas):14. Tratado de Psiquiatria; 1992:234-266, 253, 253-254.
2. Frei Betto. O Vencedor. São Paulo:Ática, 1996: 153, 51-52, 11. Mayer-Gross W, Slater E, Roth M. Psiquiatria Clínica. 2ª ed.
67, 115, 137-138, 140-141, 156. São Paulo: Mestre Jou, 1976: 448.
12. Gay P. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo:
3. Zago JA. Drogadição; o tratamento na comunidade terapêu-
Companhia das Letras, 1989: 56-57, 281, 555.
tica. Inform Psiqu 1995; 14:133-137.
13. Dunn J. O sistema de tratamento de usuários de drogas na
4. Freud S. Obras completas. 3ª ed. Madrid: Biblioteca Nueva; Inglaterra; mudanças nos últimos 200 anos. Boletim de
1973: XLIII. Psiquiatria 1995; 28:19-23.
5. Roudinesco E, Plon M. Dicionário de psicanálise. Rio de 14. Kris E. Estudio preliminar – Los Origenes del psicoanalisis.
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998: 272-279, 86-87, 438, 239, In: Obras Completas. 3ª ed. Madrid: Biblioteca Nueva; 1973:
274-275, 274. 3455.
6. Freud S. Autobiografia. In: Obras completas. 3ª ed. Madrid: 15. Vallejo Nagera J A. Introducción a la Psiquiatria. 8ª ed.
Biblioteca Nueva, 1973: 2761-2799. Barcelona: Científico-Médica; 1976:311.

anúncio
Sonata

47 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47


Descrição Clássica/Homenagem
HEINROTH E A MELANCOLIA: DESCRIÇÃO, ORDENAÇÃO E CONCEITO
HEINROTH AND MELANCHOLIA: DESCRIPTION, CLASSIFICATION AND CONCEPTION

Michael Schmidt-Degenhard* época psiquiátrica, exercem profunda influência notadamente


seus trabalhos filosóficos naturais.
Tradução: Maurício Viotti Daker** É necessário ressaltar com clareza que a diferenciação entre
psíquicos e somáticos, em sua dimensão profunda, significa algo
fundamentalmente diferente do que o moderno conflito entre os
representantes de uma extrema somatogênese e os de uma psico-
Resumo
sociogênese das psicoses endógenas: não se confrontam ideolo-
gias etiológicas, ambas as direções possuem origem filosófica.
O período romântico de Heinroth e sua concepção de melancolia
Tanto que não se verifica nenhuma genealogia direta dos somáti-
são analisados numa perspectiva trans-histórica, com vinculações ao
cos sobre Griesinger e Wernicke. Antes pelo contrário, levanta-se
pensamento filosófico-cultural da época e a outros períodos históri-
o jovem Griesinger em crítica radical à principal obra de Jacobi e
cos, inclusive com ramificações atuais. São investigados aspectos des-
dos representantes da escola somática.
critivos, classificatórios e conceituais da melancolia segundo Heinroth.
Os psiquiatras românticos colocam com profunda serieda-
Citados originais de Heinroth enriquecem o presente trabalho.
de, decerto com diferentes respostas, as questões fundamentais
sobre a essência da alma e sua relação com o corpo. Essas ques-
Palavras-chaves: Melancolia; Transtorno Depressivo; Histó- tões culminam finalmente no essencial problema metafísico, se
ria da Medicina então a alma, tida como imortal no homem, adoece, ou seja, se
poderia alienar-se.
Procurarei expôr em seguida o conceito de melancolia de Veio a ser rotina na psiquiatria, um pensamento mecanizado,
Heinroth, considerando, em especial, aspectos inerentes a pro- avaliar negativamente a influência da filosofia natural e antropo-
blemas históricos. Gostaria sobretudo de mostrar quais diretrizes logia romântica, como uma camisa de força no desenvolvimento
e tradições históricas de pensamento segue Heinroth em sua her- da especialidade para uma disciplina empírica. A contemplação
menêutica da vivência melancólica. A investigação de problemas natural no sentido de Schelling, contudo, não exclui a empiria.
históricos tem como tarefa o reconhecimento de “contínuas Esta se torna, antes, a base, o fundamento da questão filosófica.
estruturas de problemas” que, derradeiramente, possuem por Nesse mesmo sentido afirma Carl-Gustav Carus, em 1822, num
base uma “identidade trans-histórica”. Aqui a experiência antro- discurso sobre “a exigência de um futuro trabalho nas ciências
pológica fundamental da existência melancólica: a junção de cada naturais”, “que abordagem natural e abordagem especulativa não
tentativa de solução de problema, ou seja, das diversas teorias podem ser separadas”.1 Medida e avaliação cuidadosa de dados,
com seus respectivos fundos culturais e de pensamentos históri- associadas à observação e interpretação pressupõem, porém, a
cos, leva a ampliadas correlações de efeito. Nelas se mostra uma necessidade de uma formação equilibrada em ambos os caminhos
continuidade de idéias históricas que alcança a psiquiatria atual. de conhecimento, a fim de se atingir o verdadeiro sentido do
Introdutoriamente, permito-me breve esclarecimento da conhecimento científico: a visão do homem ou do objeto a ser
problemática concernente ao conceito científico da psiquiatria investigado. O conceito de visão se encontra no núcleo da doutri-
romântica. na científica romântica. Visão não significa registrar visualmente,
O campo de interesse da psiquiatria no início do século 19 é encontra-se em contraposição ao simples ver. Aquele que visiona
dominado por veementes discussões daqueles dois grupos que, penetra na essência do investigado mediante ato de conhecimen-
ainda hoje, são freqüentemente contrapostos (muito simplificada- to em que pensamento, fantasia e sentimento confluem ativa e
mente) como somáticos e psíquicos. O exame das fontes históricas reciprocamente. Assim, manifesta-se também em Heinroth, como
deixa aquela confrontação transparecer de modo muito mais ponto alto da arquitetura interna de sua obra, uma doutrina da
facetado: considerando a história do pensamento, esses grupos se essência dos transtornos mentais.
mostram, a despeito de sua polaridade, como representantes de Entretanto, Heinroth não deixa de sublinhar, num artigo
uma psiquiatria romântica sob a influência direta da filosofia do publicado em 1818 na Revista para Médicos Psíquicos de Nasse, o
idealismo alemão, com seus expoentes Schelling, Fichte e Hegel. especial valor da observação para a investigação dos transtornos
Precisamente Schelling se torna o mais significativo teórico dessa mentais: “É uma tarefa urgente, portanto, conseguir reunir cuidado-

* Especialista em psiquiatria, psicoterapia e neurologia. Livre- Endereço para correspondência:


docente pela Universidade de Heidelberg. Diretor da Clínica Michael Schmidt - Degenhard
Psiquiátrica Carl-Friedrich-Flemming do Centro Médico de Wismarsche Str. 393
Schwerin, Alemanha. D-19055 - Schwerin - Alemanha
** Prof. Adjunto Doutor do Departamento de Psiquiatria e
Neurologia da Faculdade de Medicina da UFMG

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52 48


Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito

sas descrições de doenças. Principalmente assim se fez adiantar, de ser determinadas com precisão conforme suas condições”.2
fato, a medicina somática. A medicina psíquica tem que repousar Heinroth fala em “formas de doença como plantas originadas do
nessa mesma base”.2 O estudo das formas, isto é, a nosologia do primeiro broto e seus graduais desdobramentos até a plena forma-
compêndio de Heinroth oferece uma plenitude de cuidadosas ção e amadurecimento”, até apresentarem “claramente desfecho
observações clínicas e psicopatológicas. final com variados resultados”.2
Seja, nesse contexto, pontuada a questão, se a psiquiatria A tentativa de Heinroth de ordenação dos transtornos men-
atual pode abdicar inteiramente dos elementos do esboçado e tais orienta-se na tradicional doutrina, também mantida por
para nós estranho conceito científico dos românticos, caso ela se Kant, dos poderes mentais, e distingue adoecimentos do pensa-
proponha à investigação do psiquismo em todas as suas dimen- mento (Geist), dos sentimentos (Gemüt*) e da vontade (Wille).
sões. Assim, recentemente, assinala Janzarik que também o pen- Heinroth fala, aliás, de “energias da alma”. Essas espécies são dife-
samento do psiquiatra de orientação neopositivista não pode, sem renciadas conforme os estados de exaltação ou de depressão dos
participação especulativa, estabelecer nenhuma ordem superior.3 poderes mentais, sob influência da doutrina contemporânea de
Johann Christian August Heinroth nasceu em 1773 em doenças do inglês William Cullen.4 Observe-se que Heinroth uti-
Leipzig e morreu nessa mesma cidade em 1843. Em 1818, foi liza pela primeira vez o conceito de “depressão”, originalmente
nomeado professor catedrático em Leipzig na primeira cadeira pretendido como neuropatológico, como referente ao tônus dos
alemã para “medicina psíquica”. Em 1818, publicou seu vasos cerebrais, para a designação de humor psíquico.
Compêndio dos Transtornos da Vida Psíquica, que ao lado das Essa transformação psicológica do conceito de depressão ori-
Contribuições para o Ensino das Doenças de 1810 oferece os prin- ginalmente considerado orgânico funda uma duradoura mudan-
cipais esclarecimentos sobre sua versão do conceito de melanco- ça de significado, o qual, contudo, inicialmente não concorre com
lia. Heinroth é amplamente cotado como o representante dos psí- o conceito de melancolia. “Depressão” circunscreve apenas o sin-
quicos, a seu nome é associado primeiramente, até hoje, a sua
toma ubiqüitário da tristeza, da disforia depressiva, enquanto que
doutrina sumariamente recusada da essência dos transtornos
“melancolia” designa uma determinada doença, ou seja, repre-
mentais, tida freqüentemente como teoria moralizante de peca-
senta um diagnóstico. A equiparação de ambos os conceitos e a
dos. Seja apenas indicado que essas idéias tão mal entendidas
conseqüente perda de significado da melancolia pertencem a uma
representavam uma tentativa contemporânea apoiada em
época posterior.
Schelling de se aproximar seriamente do inconcebível, do misté-
A doença melancolia aparece em Heinroth, portanto, como
rio do alienado, do psicótico. Na minuciosa introdução concei-
uma depressão dos sentimentos, como uma doença na qual os
tual do compêndio, Heinroth desenvolve uma antropologia da
pessoa como um todo, o que viria a ser pouco notado. Assim sentimentos são comovidos por uma “paixão deprimente”. Já na
como mais tarde, de forma tão clara praticamente apenas a feno- introdução, Heinroth retrata o quadro freqüentemente citado de
menologia personalística de Max Scheler (assim como a antropo- “em si espantado** sentimento melancólico”, “como que corrói a si
logia fenomenológica de V. E. von Gebsattel), coloca Heinroth a mesmo”. Essa metáfora do mal ruminante e penetrante dos depri-
experiência corpóreo-mental e histórica da existência da pessoa midos ilustra o poder de expressão fisionômica de Heinroth e
no ponto central de todas as discussões sobre o desenvolvimento lembra trabalhos analíticos existenciais de uma época posterior.
dos transtornos mentais. Estes, em muitos pontos corresponden- O outro pólo, o de exaltação dos transtornos dos sentimentos,
tes a nossas psicoses endógenas, são descritos como crises de forma o Wahnsinn***, o Ecstasis, no qual os “sentimentos em esta-
amadurecimento malsucedido na transição das idades da vida. do excitado, apaixonado, como que se subtraem de si mesmos, e
Nelas torna-se “alienado” “o plano criador divino” do desenvolvi- vivem apenas no mundo de seus sonhos”.5
mento humano. Dá a impressão de modernidade a formulação de A investigação do conceito heinrothiano de sentimento indi-
que os transtornos mentais decorreriam de um “perturbado pro- ca um aspecto central do problema histórico da questão da
cesso interno de organização para o desenvolvimento da vida com- melancolia. Servem-nos como guia trechos na verdade periféricos
pleta, isto é, livre”. Assim, o transtorno mental é um estado de do compêndio de 1818, que em parte surgem como observações.
“duradoura falta de liberdade ou perda da razão”, sendo que a Heinroth descreve o homem como “ser sensível, como um ser que
investigação da história de vida interior do doente se torna anseia a libertação das necessidades nele inatas e na emoção dessa
imprescindível. Impressionam, paralelamente a isso, seus princí- ânsia surge como sentimento ou coração”.5 Decisivo para nós é a
pios para delinear uma “ordem dos transtornos mentais fundada na identidade de significado de sentimento e coração. Logo designa
própria natureza”. Ele reconhece que “todas essas diversas formas sentimento novamente como aquilo “que nós habitualmente e de
não são imensuráveis, anárquicas, isto é, amorfas, senão que podem forma expressiva denominamos coração”.5 Em trecho posterior

* Gemüt - pode ser traduzido também como afeto, além de ânimo, coração, mente, etc. Existe, porém, a palavra Affekt em alemão, assim como outras palavras
além de Gemüt para designar ânimo, mente, emoção, humor, paixão, etc. Affekt possui conotação de acometimento emocioanal por curto tempo. Segundo o
Dicionário de Psiquiatria e Psicologia Médica de Peters, UH (Urban & Schwarzenberg, Munique - Viena - Baltimore, 1990) não há tradução de Gemüt para o
inglês, embora usualmente seja traduzido como affect. Em português, parece-nos o termo sentimento(s) o mais adequado. (Nota do tradutor)
** ou amedrontado, assustado. (Nota do tradutor)
*** Designação à época, em geral, para transtornos mentais com acometimento da capacidade intelectual, com perturbação do poder de julgamento, sem che-
gar a um estado propriamente demencial ou a um embotamento afetivo. (Nota do tradutor). Fonte: Peters UH. Wörterbuch der Psychiatrie und medizinischen
Psychologie. Urban & Schwarzenberg, München - Wien - Baltimore, 1990).

49 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52


encontramos a seguinte observação sobre o conceito de senti- des a saudade, a “nostalgia” e a “melancolia religiosa”. Todas
mento: essas formas indicam feições de nossa depressão endógena e ilus-
“É então essa expressão provincial demais ou tão vaga e abs- tram especialmente o fenômeno da inibição psicomotora depres-
trata, ou de todo artificial, que não se pretende mais deixá- siva. A idéia de uma psicomotricidade basal, a se considerar ainda
la servir com o mesmo significado que a representativa pala- antes da diferenciação em cada um dos poderes mentais, perma-
vra coração? Portanto aflição e desgosto, assim como alegria nece remota para Heinroth. Ela encontra sua incorporação na
e esperança, não devem mais ter seu lugar no sentimento? psiquiatria apenas sob a influência do pensamento histórico do
Onde mais então?”5 sensualismo, que favorece o surgimento de modelos neurofisioló-
gicos dos transtornos mentais, através de Jessen e Griesinger. A
Melancolia como doença do sentimento, do coração. Aqui caracterização dogmática da melancolia como doença do senti-
Heinroth se envolve, porém, numa velha tradição ocidental: mento impede que Heinroth considere com os mesmos direitos
“coração” representa um conceito antropológico fundamental os transtornos do pensamento, da vontade e da atividade.
para designação do centro e unidade pessoal do homem, sua base Heinroth pode enfrentar esse aforismo apenas através da exposi-
dinâmica, a partir da qual ele procura encontrar a compreensão ção de formas separadas no âmbito de outras espécies, que, no
de si mesmo. A história de idéias do conceito filosófico-teológico entanto, mostram aspectos essenciais de nossa depressão endóge-
de coração remete-nos até Augustinus e à teologia patrística. A na. O nome melancolia permanece o único da depressão do sen-
akedia, a inércia do coração que Cassian descreve como uma timento.
doença e tentação condicionada à solidão dos monges cristãos Assim descreve Heinroth5 como transtorno depressivo do pen-
isolados pertence a esse contexto. Sobre o misticismo alemão, samento a “idiotia com melancolia”, a “anoia melancólica”. O
lideram essa linha notadamente Hildegard von Bigen e Meister doente sofre de uma “fraqueza da inteligência”, ele é incapaz de:
Eckhard, passando por Paracelsus e Pascal até a depressiva “manter a ideação e formar julgamentos. Mas apesar disso
comoção de Kierkegaard. No contexto contemporâneo a ele sente seu estado, ele lamenta seu triste destino, cuja ori-
Heinroth o jovem Hegel mantém atual a congruência de signifi- gem não entende, porque não entende a si mesmo. Mas ele
cado de coração e sentimento; ainda na “Fenomenologia da incorre logo a seguir em 'infatigável, inútil atividade', para
Mente” ele contrapõe ao “Wahnsinn da presunção” a “lei do ao menos mostrar que sua boa vontade de estar ativo existe.
coração”. Portanto, coração e humor depressivo são essencialmen- Em seqüência torna-se triste e abatido, para ocupar-se na
te aparentados. A melancolia é para Heinroth a doença do âmago solidão não mais que infrutiferamente consigo mesmo”.5
da pessoa humana. Ele a descreve como o contrário da perfeição,
o “mais miserável estado”, no qual o sentimento seria arrancado Nos transtornos da vontade interessa-nos uma “falta de von-
de todo o mundo. Raramente convergem cultura e história médi- tade com tristeza”, a “abulia melancólica”, na qual o doente sofre
ca da melancolia tão estreitamente como na psiquiatria do médi- de “total inatividade, originada da incapacidade de querer”. Sua
co romântico Heinroth. vontade estaria “atada”. A “dor de sua incapacidade de agir” torna-
A melancolia como a doença da pessoa se encontra, assim, no ria esses doentes tristes. O estado se transforma em completa
centro da doutrina das doenças psiquiátricas de Heinroth, o sen- melancolia, donde o desespero não raro substitui o lugar da von-
timento ou o coração representa para ele aquele centro do tade e impulsiona o doente ao suicídio.5
homem através do qual este “é direcionado à eternidade”. A inter- A dificuldade de Heinroth de compreender os transtornos
pretação teológica última de Heinroth do conceito de sentimen- afetivos e psicomotores como constituintes em comum da melan-
to indica também, contudo, uma debilidade de sua concepção de colia indica com grande antecedência as dificuldades de futuras
melancolia. Esta não reconhece suficientemente o fenômeno clí- gerações até as modernas, para as quais a “inibição vital” cada vez
nico do sintoma cardinal da inibição vital da psicose depressiva. mais se torna problema central da estrutura sintomatológica
Numa observação ele chega a denominar claramente com um depressiva, na qual a alteração do humor pode mesmo parecer
termo grego, thymos, a esfera vital do impulso, a psicomotricida- secundária. Estamos, portanto, no direito de caracterizar a
de, que fará parte do conceito de ciclotimia de Kahlbaum. depressão endógena como uma psicose puramente afetiva?
Heinrot não pretende que caiba a ele um papel decisivo e consti- Talvez ofereça a história de problemas da clínica, aqui, um auxí-
tutivo na construção da sintomatologia da melancolia.5 lio valioso e inesperado.
A “melancolia pura” é descrita como paralisia do sentimen- A configuração clínica da melancolia segundo Heinroth e a
to, com “abatimento, ensimesmar-se em meditação sobre qual- nossa “depressão endógena” divergem também em vários outros
quer objeto da perda, da tristeza, da dor, do desespero”. sentidos. Assim, a melancolia é antes considerada de prognósti-
“Ansiosa, apressada movimentação ou imutável fixidez, com insen- co desfavorável. O Wahnsinn, pelo contrário, “promete a mais
sibilidade ante cada outro interesse além daquele do perturbado curta duração e o melhor desfecho”. Se como possível desfecho da
sentimento, entre gemidos, choro e lamúrias” podem caracterizar o melancolia temos que o “estado melancólico se torna um fardo,
quadro da melancolia pura.5 uma loucura que por fim se transforma em imbecilidade” ou o
Heinroth conceitua formas agitadas e inibidas como expres- doente “no seu interior gradualmente naufraga em embotamento
são de uma melancolia una, ambas são manifestações do “humor e idiotia”, então estaríamos nos movendo sobretudo no terreno
mental deprimido” basal. Como subformas da melancolia são das atuais psicoses esquizofrênicas. Surpreende-nos a descrição
descritas ao lado da forma pura a “melancolia com idiotice”, a do estádio final da melancolia com idiotia, mais propriamente
“melancolia com abulia”, a “melancolia geral” e como varieda- uma psicose esquizofrênica do nosso diagnóstico. Aqui:

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52 50


Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito

“reina no doente uma espécie de vida automática. Ele anda nica, que muito injustamente foi esquecido em meio à problemá-
sem rumo e se deixa levar por afazeres mecânicos, mas faz tica metafísica de sua doutrina de essência, merece admiração.
tudo pela metade e causa mais estragos do que realiza, deixa Finalmente, gostaria de citar sem comentários a teoria de
logo as mãos penderem e permanece ali pueril-tolo. Nesse essência da melancolia. Unicamente será referido à fala que, ao
estado desandam furtivamente os dias restantes de sua vida, penetrá-la, deixa-nos supor algo do sofrimento da vivência
cuja fonte de energia está esgotada”.5 melancólica: na melancolia “torna-se a pessoa uma vítima das pre-
mentes forças” que invadem seu coração...
Um breve parêntesis é interessante para esclarecer como a “Apoderar-se de si e tornar-se novamente autônomo não é
intuição de Heinroth também reconhece aspectos essenciais da mais uma possibilidade: o coração e seu objeto estão fundi-
psicose por nós designada de esquizofrenia. Ele descreve o assim dos. E porque nesse estado o coração não é mais da pessoa,
denominado “frenético Wahnwitz****”. Este representa uma senão que do objeto, um infindável martírio toma a pessoa,
exaltação da mente em que está perturbada principalmente a per- pois ela está numa infindável contradição, nesta: ela está
cepção do mundo externo sensorial, inclusive do próprio corpo. separada de si mesma e, no entanto, não pode separar-se de
Heinroth escreve: si mesma. Isso é verdadeiro suplício, pois a essência desse
“A vida mental está aqui inteiramente fragmentada em seus sofrimento é a visão e a sensação daquilo que em si é um
elementos, sendo que cada qual atua como tóxico destruti- como algo separado. Nessa auto-sensação do não pertencer
vo. Nenhum vínculo mental, nenhum sentimento, nenhu- a si mesmo perderam-se na melancolia os sentimentos, e
ma fantasia mantém juntos os elementos de toda atividade essa é a essência da melancolia, que se encontra na base de
mental, pensamento e vontade, e separados aniquila-se cada todos os modos de manifestação da mesma”.5
eu e seu próprio ambiente: o pensamento, ordem e coesão
das representações de um mundo real, a vontade, que ape- Mais de 120 anos depois falará V. E. von Gebsattel,6 em sua
nas sempre ligação e dissolução, deixam-se atingir através de penetração fenomenológica da vivência melancólica de alhea-
suas forças destruidoras”.5 mento, de “existência tornada inalcançável”, que só permite uma
“existência no vazio”. Heinroth e von Gebsattel aspiram o conhe-
Encontramos uma indicação para a antinomia maníaco- cimento da essência da melancolia, da qual a investigação psi-
depressiva na descrição de uma subforma “melancolia com quiátrica, na verdade, julga por vezes poder prescindir, mas que
Narrheit*****”, uma mistura de depressão do sentimento e exal- sem ela não se consegue um verdadeiro encontro terapêutico com
tação do pensamento. Nela se alivia o sentimento deprimido, no o doente mental.
fim da melancolia, “através de excitação e animação de representa-
ções agradáveis”. “Uma jocosidade febril apodera-se do doente e ele
tende a imaginária bem-aventurança, a fim de escapar da tortura da Summary
tristeza melancólica”. Esse estado duraria semanas ou meses, até
que a alma afundasse novamente em sua escuridão. Então surgi- Heinroth´s romantic cycle and his comception of melancholia are
ria mais uma vez a melancolia, que, no entanto, através de “reite- analysed in an historical perspective linking the philosophical and cul-
rada tensão”, após “reunidas forças”, é de novo substituída pela tural mening of his own time to another periods of time and to
tolice jocosa. Essa mudança repete-se constantemente, até que more recent works. Descriptive, classifiable and conceptual aspects
finalmente as “forças se esgotam”. O diagnóstico só poderia ser of the melancholie according to Heinroth are investigated. Heinroth’s
dado se fosse observada “toda a evolução da doença”, ou seja, a personal excerpts enrich the text.
mudança em ambas as formas, “o parecer não deveria ser o de um
estado monomaníaco do doente”.5
Key-words: Melancholia; Depressive Disorder; History of
Encontra-se em Heinroth, portanto, uma clara descrição da Medicine
loucura circular como uma forma de doença una, não como
mudança de duas diferentes doenças. Em 1851, o francês Falret
descreverá, sob outras condições históricas da ciência, fundamen- Referências Bibliográficas
talmente modificadas, a unidade de doença Folie circulaire e com
isso estabelece o ponto de partida para o desenvolvimento clíni- 1. Carus CG. Natur und Seele (Auswahl). Jena: Diederichs,
co da psicose maníaco-depressiva de Kraepelin. A correta obser- 1939:45.
vação já encontramos no romântico Heinroth, tão freqüentemen- 2. Heinroth JCA. Krankheitsberichte. Nasses Z Psych Ärzte
te rejeitado por suas especulações. Seu espírito de observação clí- 1818; 2:231-233.

**** Conceito etimologicamente mais antigo que Wahnsinn, com significado semelhante: incompreensível, vazio em razão, sem sentido. Era usado em sentido
leigo e amplo para todas as formas de transtornos mentais, como loucura. (Nota do tradutor)
***** Narrheit: termo genérico para loucura ou tolice. “Narr” significa tolo, doido, disparatado, insensato. Antigamente “Narr” era empregado no sentido de
brincalhão, charlatão, farsista, como em comédias no teatro ou no papel de bobo da corte, com sua vestimenta colorida peculiar. Hoje ainda existem expressões
que vinculam o termo a esse aspecto hilariante. “Narr” também significa carnavalesco. (Nota do tradutor). Fonte: DUDEN - Dicionário da Língua Alemã.

51 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52


3. Janzarik W. Basisstörungen. Eine Revision mit strukturdyna- 11. Leibbrand W, Wettley A. Der Wahnnsinn. Freiburg: Alber,
mischen Mitteln. Nervenarzt 1983; 54:122-130 1961.
4. Cullen W. Kurzer Begriff der medizinischen Nosologie. 12. Lidl M. Johann Christian August Heinroth (1773-1843) und
Leipzig, 1786. sein therapeutisches Konzept. Med Diss, Würzburg 1981.
5. Heinroth JCA. Lehrbuch der Störungen des Seelenle-bens Horst Wellem Verlag, Pattensen (Han.).
oder der Seelenstörungen und ihrer Behandlung. Leipzig: 13. Möbius PJ. Zum Andenken an J.Ch.A. Heinroth. Allg Z
Vogel, 1818. Psychiat 1898; 55:1-18.
14. Schmidt-Degenhard M. Melancholie und Depression. Zur
6. Von Gebsattel VE. Zur Frage der Depersonalisation. In:
Problemgeschichte der depressiven Erkrankungen in der
Prolegomena einer medizinischen Anthropologie. Berlin:
deutschsprachigen Literatur seit beginn des 19.
Springer, 1954. Jahrhunderts. Stuttgart: Kohlhammer, 1983.
7. Hartmann N. Zur Methode der Philosophiegeschichte. 15. Schomerus HG. Gesundheit und Krankheit der Person in
Kant-Studien 1910; 15:459-485. der medizinischen Anthopologie Johann Christian August
8. Heinroth JCA. Beyträge zur Krankheitslehre. Gotha, 1810. Heinroths. Med Diss, Heidelberg 1965.
9. Heinroth JCA. Lehrbuch der Anthropologie. Leipzig, 1822. 16. Tellenbach H. Melancholie. Problemgeschichte,
10. Kindt H. Katatonie. Ein Modell Psychischer Krankheit. Endogenität, Typologie, Pathogenese, Klinik, 2. Aufl. Berlin:
Stuttgart: Enke, 1980. Springer, 1974.

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52 52


Seguimento

REVELAÇÕES – CCP 1999; 1(1): 3-11 tas poderiam ser bem mais úteis e benéficas a todos os inte-
ressados e necessitados.
Paulo B. Linhares (auto-relato anônimo) Eu sou o “Paulo B. Linhares” (nome fictício) do Auto-
Relato da revista “Casos Clínicos em Psiquiatria”, volume 1,
Continuo com ótima saúde, convivendo bem com todo número1. Caso o senhor queira conhecer-me mais, respon-
mundo, principalmente com minha esposa e meus cinco filhos. da-me pelo E-mail:....... Cordialmente, despeço-me...”.
Sou o responsável pela manutenção financeira da minha família e
para quem quiser estudar e entender melhor meu caso, digo: Para o Doutor Hélio Elkis eu me identifiquei, colocando-me
“A partir de agosto de 1996 consegui adquirir um bom a disposição para um diálogo. O mesmo faço aqui agora, só que
apartamento e um carro de passeio, zero km e, em fevereiro o Doutor Maurício Viotti Daker julgou melhor que continue com
de 2000, consegui a quitação de ambas as aquisições. Entrei o nome fictício e, se alguém quiser estudar mais o meu caso para
de licença médica no INSS em 25/05/1982, sendo aposenta- que possa ser considerado como exemplo, entre com contato
do por invalidez em 01/08/1985. Cancelei a minha aposen- com a redação da revista – ccp@medicina.ufmg.br - e o Doutor
tadoria por invalidez em 10/02/1986, reduzindo assim os Maurício tomará as providências que julgar melhor.
custos do INSS, e passei a ser novamente um contribuinte. Terminando, desejo para todos muita paz e realmente uma PAZ
Na atividade profissional exerço uma função de alto nível e PLENA.
responsabilidade. Quanto a minha saúde, informo que não
tomo nenhum remédio psicotrópico há mais de seis anos”.

O meu objetivo é ajudar àqueles que trabalham na área da TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR RESISTENTE E
saúde mental para que possam dar aos necessitados o auxílio REVISÃO DE SEU TRATAMENTO COM
necessário para que todos tenham uma vida digna e em abun- CLOZAPINA – CCP 1999; 1(1):27-32
dância.
Toda a base deste conhecimento, que muitos médicos e até Costa EC, Miranda GV, Costa ALC, Daker MV
psiquiatras já defendem, só será aceita cientificamente quando (contribuiu neste seguimento Malloy-Diniz L)
tornar-se um assunto de uma cadeira obrigatória em todas as uni-
versidades do mundo, deixando de ser um estudo paralelo e até Persiste estabilizado em monoterapia com 300 mg/dia de
considerado como “Ciências Ocultas”, o que causa, pelo nome, clozapina. Verificou-se queixas relacionadas a memória e funções
muito medo e apreensão. executivas. O paciente foi submetido nos meses 1, 6 e 12 de uso
Por causa deste meu objetivo enviei um e-mail para o Doutor da clozapina a avaliação neuropsicológica: Mini-Exame do
Hélio Elkis, o qual transcrevo aqui agora: Estado Mental, Teste de Sondagem Intelectual, Inventário de
“Dr. Hélio Elkis, Desejo-lhe muita paz. Inteligência Não-verbal, Token Test, Teste de Fluência Verbal,
É necessário que a ciência, principalmente no ramo da psi- Teste Digit Span/de Aritmética/Construção com Cubos – Escala
quiatria e psicologia, evolua o mais rápido possível para que Wechler de Inteligência para Adultos, Teste de Aprendizagem
todos os elementos do gênero humano possam receber os Auditivo-verbal de Rey e Teste Gestáltico Visuomotor de Bender.
frutos positivos e válidos do conhecimento para viverem dig- Inicialmente, constatou-se dificuldades relacionadas às funções
namente a VIDA. executivas (fluência verbal), memória auditivo-verbal e habilida-
Dr. Hélio Elkis, há 20 anos venho estudando tudo sobre a des visuo-construtivas. Excetuando-se as dificuldades relaciona-
mente humana como um autodidata, só que nestes meus das à visuo-construção, que podem estar associadas ao uso de
estudos e pesquisas tive que caminhar sozinho, pois nin- álcool, as demais alterações cognitivas podem ser explicadas pelo
guém teve a caridade e humildade de querer me entender. quadro de transtorno afetivo bipolar. Aos seis meses verificamos
Nesta minha constante e firme disposição passei a com- melhora dos escores dos testes de funções executivas e memória
preender como funciona o “inconsciente”. Posso agora expli- auditivo-verbal, o que é compatível com os resultados obtidos em
car esta incógnita do ser humano. Veja o que escrevi nos três pacientes esquizofrênicos submetidos ao mesmo tratamento psi-
primeiros parágrafos do meu trabalho, que já é do seu cofarmacológico. A avaliação aos 12 meses demonstrou estabili-
conhecimento. dade da melhora cognitiva alcançada aos seis meses.
Dr. Hélio Elkis, o senhor já conhece um pouco sobre mim, Para detalhes: Costa E, Malloy-Diniz L, Costa DA, Miranda
mas ainda não sabe quem eu sou. Gostaria de saber se o GV, Viotti-Daker M. Avaliação prospectiva de sintomas neurop-
senhor deseja estudar um pouco mais para compreender siquiátricos de um paciente portador de transtorno bipolar resis-
melhor o meu caso. Assim o meu estudo e minhas descober- tente tratado com clozapina. Psiquiatr Biol 2000; 8(1): 3-7.

53 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):53-53


Index CCP

Volume 1 Transtorno de humor bipolar......27 Pathography.................................53


Transtorno obsessivo-compulsivo..36 Psicotic obsessive-compulsive
Transtorno obsessivo-compulsivo disorder ........................................39
Palavras-chaves psicótico .......................................36 Psychopathology ..........................15
Transtorno obsessivo-compulsivo Psychosis ......................................20
Acordares relacionados a resistente ......................................36 Psychotic depression ...................53
esforços respiratórios...................45 Transtorno psicótico .................... 3 Psychotic disorder .......................11
Alopurinol....................................33 RERA ...........................................43
Ansiedade.....................................45 Resistent obsessive-compulsive
Antidepressivos............................12,45 Key-words
disorder ........................................39
Antipsicóticos ..............................12,33 AD ................................................43 Schizophrenia...............................20
Apnéia ..........................................45 Allopurinol...................................34 Self-induced illness ......................40
Benzodiazepínicos .......................45 Antidepressants............................15
Catatonia ......................................12 Antipsychotics..............................15,34
Clozapina .....................................27 Autores clássicos e títulos especiais
Anxiety .........................................43
Conduta hipernómica..................47 Apnea ...........................................43 Alzheimer .....................................13,22
Delírio de infestação....................24 Artefactual disease .......................40 Benjamin Rusch ...........................57
Demência .....................................12,45 Benzodiazepines...........................43 Bleuler ..........................................38
Dementia praecox........................59 Bipolar disorder......................32,34,53 Bleuler, M.....................................22
Depressão.....................................12 Catatonia ......................................15 Chiarugi........................................55
Depressão psicótica .....................47 Clozapine .....................................32 Conrad .........................................22
Doença auto-induzida .................42 Dementia......................................15,43 Crichton .......................................55,56
Esquizofrenia ...............................16 Dementia praecox........................63 Cullen ...........................................55
Esquizofrenia de início tardio .....21 Delusional disorder .....................11 Ekbom..........................................24,25
Esquizofrenia paranóide.............. 3 Delusion of infestation ................26 Esquirol ........................................10
Estabilizadores de humor............33 Depression ...................................15,43 Freud ............................................9,10
Hemingway ..................................47 Ekbom’s Syndrome......................26 Gebsattel ......................................38
Hipertiroidismo ...........................24 Emil Kraepelin.............................63 Haslen ..........................................55
Hiperuricemia..............................33 Factitious disease .........................40 Jaspers ..........................................38
História da psiquiatria.................59 Geriatric psychiatry .....................26 Kraepelin ...................9,10,21,22,59,66
Insônia..........................................45 Hemingway ..................................53 Mesmer.........................................58
Mania............................................33 Hipernomy...................................53 Pinel .............................................55,57
Musicoterapia ..............................16 Hiperuricemia..............................34 Sauvages .......................................55,57
Parafrenia ..................................... 3 History of psychiatry ...................63 Schneider, Kurt............................22
Parafrenia tardia ..........................21 Hyperthyroidism..........................26 Schreber .......................................9,10
Patografia .....................................47 Insomnia.......................................43 Westphal.......................................38
Psicose..........................................16 Late-onset schizophrenia.............23
Psicose tardia ...............................21 Late-paraphrenia .........................23
Psicopatologia ..............................12 Late-psychosis..............................23 Títulos epeciais
Psiquiatria geriátrica....................24 Mania............................................34
Síndrome de apnéia hipopnéia Guimarães Rosa ...........................46
Mood stabilizers...........................34 Irmã Germana..............................54-58
obstrutiva do sono .......................45 Munchausen’s syndrome .............40
Síndrome de Ekbom....................24 Revelações ....................................3-11
Musical-therapy ...........................20
Síndrome de Munchausen...........42 Obsessive-compulsive disorder...39
Transtorno bipolar.......................33,47 OSAHS ........................................43
Transtorno delirante .................... 3 Paranoid schizophrenia ...............11
Transtorno factício.......................42 Paraphrenia..................................11

A edição anterior encontra-se na Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp

Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):54-54 54


NORMAS DE PUBLICAÇÃO
1 - A Revista Casos Clínicos em Psiquiatria destina-se à Panam 1989; 107 (5): 422-31 e, em português na activity by bone marrow sean (resumem). Blood
publicação de casos clínicos psiquiátricos em diversas Revista ABP-APAL. 1979; 54 (supl 1): 26.
modalidades, bem como discussões e comentários 6 - Todo trabalho deverá ter a seguinte estrutura e e) Revistas paginadas por fascículos:
sobre os mesmos. ordem: Seamenn WB. The case of the pancreatic pseu-
2 - A revista tem periodicidade semestral (junho e a) título (com tradução para o inglês); docyst. Hosp Pract 1981; 16 (sep): 24-25.
dezembro) com a seguinte estrutura: Editorial, Auto- b) nome completo do autor (ou autores), acompa- 8.2 - LIVROS E OUTRAS MONOGRAFIAS
relato, Artigos Originais, Casos Literários, Patografia, nhado(s) de seu(s) respectivos(s) título(s); a) Autor(es) - pessoa física:
Caso Histórico, Descrições Clásssicas/Homenagem, c) citação da instituição onde foi realizado o Eisen HN. Immunology: an introduction to
Seguimento e Cartas. trabalho; molecular and cellular principles of the immune
2.1 - Para efeito de categorização dos artigos, considera-se: d) Endereço do autor para correspondências response. 5th. New York: Harper and How,
a) Auto-relato: descrição pelo próprio portador de e) resumo do trabalho em português, sem exceder 1974: 406.
transtorno mental de sua condição, envolvendo um limite de 150 palavras; b) Editor, compilador, coordenador como autor:
sua vivência pessoal, a sintomatologia, as reper- f) Palavras-chave (três a dez), de acordo com a lista Dausset J, Colombanij D. eds. Histocompatibility
cussões psicossociais, o tratamento ou outras Medical Subject Headings (MeSH) do Index testing. Copenhague: Munksgaard; 1973: 12-18.
Medicus; 8.2.1 - Capítulo de livro:
questões que julgue pertinente, acompanhada
g) Texto: Introdução, Material ou Casuística e Weinstein L, Swartz MN. Pathogenic properties
eventualmente de complementos por membro
Método ou Descrição do Caso, Resultados, Dis- of invading microorganisms. In: Sodeman WA
do Corpo Editorial e sempre de comentário ou Jr, Sodeman WA. eds. Pathologic physiology:
discussão por especialista em seu caso. cussão e/ou Comentários (quando couber) e
mechanisms, of disease. Philadelphia: WB
b) Artigos Originais: trabalhos que apresentam a Conclusões (quando couber);
Saunders; 1974: 457-472.
experiência psiquiátrica, ou de profissional que h) Summary (resumo em língua inglesa), consistindo
8.2.2 - Trabalhos apresentados em congressos, seminários, reu-
lide com portadores de transtorno mental, em na correta versão do resumo para aquela niões, etc:
função da discussão do raciocínio, lógica, ética, língua; DuPont B. Bone marrow transplantation in seve-
abordagem, tática, estratégia, modo, alerta de i) Key-words (palavras-chave em língua inglesa) de re combined immunodeficiency with and unrela-
problemas usuais ou não, que ressaltam sua acordo com a lista Medical Subject Headings ted MLC complatible donor. In: Whithe HJ,
importância na atuação clínica ou psicossocial e (MeSH) do Index Medicus; Smith R. eds. Proceedings of the third annual
mostrem caminho, conduta e comportamento j) Agradecimentos (opcional); meeting of the International Society for
para sua solução. k) Referências bibliográficas como especificado no Experimental Hematology, 1974: 44-46.
c) Caso Literário: trabalhos que se relacionem a item 8; 8.2.3 - Monografia que forma parte de uma série:
descrições literárias envolvendo transtornos 7 - As ilustrações devem ser colocadas imediatamente Hunninghake GW, Gadeck JE, Szapiel SV et al.
mentais ou traços de personalidade. após a referência a elas. Dentro de cada categoria The human alveolar macrophage. In: Harris CC.
d) Patografia: casos clínicos focados na biografia de deverão ser numeradas seqüencialmente durante o ed. Cultured human cells and tissues in biomedi-
determinada personalidade de renome portadora texto. Exemplo: (Tabela 1, Figura 1). Cada ilustração cal research. New York: Academic Press, 1980:
de transtorno mental, com o objetivo de apresen- deve ter um título e a fonte de onde foi extraída. 54-56 (Stoner GD. ed. Methods and perspectives
tar elementos psicopatológicos interessantes e o Cabeçalhos e legendas devem ser suficientemente in cell biology; vol. 1).
claros e compreensíveis sem necessidade de consulta 8.2.4 - Publicação de um organismo:
significado destes para sua obra.
ao texto. As referências às ilustrações no texto deve- Ranofsky AL. Surgical operations in short-estay
e) Caso Histórico: casos clínicos de valor histórico
rão ser mencionadas entre parênteses, indicando a hospitals: United States - 1975. Hyattsville,
sob aspecto descritivo, diagnóstico, terapêutico Maryland: National Center for Helth Statistics.
ou outros, eventualmente acompanhados de categoria e o número da tabela ou figura. Ex: (Tabela
1). As fotografias deverão ser em preto e branco, 1978; Dhew publication num. (PHS) 78-1785
nota introdutória, comentários ou discussão. (Vital and Health statistics; serie 13, nm. 34).
f) Descrição Clássica/Homenagem: Divulgação de tra- apresentadas em envelope à parte, serem nítidas e de
bom contraste, feitas em papel brilhante e trazer no 8.3 - TESES
balho descritivo clássico de transtorno mental ou Caims RB. Infrared spectroscopic studies of solid
verso: nome do autor, título do artigo e número com
trabalho descritivo de autor a ser homenageado. oxigens (Tesis doctoral). Berkeley, California:
que irão figurar no texto.
g) Seguimento: notas sobre a evolução de caso apre- University of California; 1965; 156pp.
8 - As referências bibliográficas são numeradas consecu-
sentado em edições anteriores. 8.4 - ARTIGO DE JORNAL (não científico)
tivamente, na ordem em que são mencionadas pela
h) Cartas: comentários por parte do leitor sobre o Shaffer RA. Advances in chemistry are starting to
primeira vez no texto. São apresentadas de acordo
conteúdo dos artigos ou sobre a revista, com unlock musteiries of the brain: discoveries could help
com as normas do Comitê Internacional de Editores
possibilidade de réplica pelo autor ou pelos edi- cure alcoholism and isnomnia, explain mental illnes.
de Revistas Médicas, citado no item 5. Os títulos das How the messengers work. Wall Street Journal, 1977;
tores.
revistas são abreviados de acordo com o Index ago. 12:1 (col. 1). 10 (cl. 1).
i) Index CCP: compilação por palavras-chaves e key-
Medicus, na publicação “List of Journals Indexed in 8.5 - ARTIGO DE REVISTA (não científica)
words, além de títulos especiais e autores clássi-
Index Medicus”, que se publica anualmente como Roueche B. Annals of Medicine: the Santa Claus
cos, dos casos das edições anteriores.
parte do número de janeiro, em separata. As referên- culture. The New Yorker, 1971; sep. 4: 66-81.
3 - Os trabalhos recebidos serão analisados pelo Corpo cias no texto devem ser citadas mediante número ará-
Editorial da Casos Clínicos em Psiquiatria, que se 9 - Agradecimentos devem constar de parágrafo à parte,
bico sobrescrito e após a pontuação, quando for o colocado antes das referências bibliográficas, após as
reserva o direito de recusar trabalhos ou fazer suges- caso, correspondendo às referências no final do arti- key-words.
tões quanto à estruturação e redação para tornar mais go. Nas referências bibliográficas, citar como abaixo: 10 - As medidas de comprimento, altura, peso e volume
prática a publicação e manter certa uniformidade. No 8.1 - PERIÓDICOS devem ser expressas em unidades do sistema métri-
caso de artigos muito extensos, a Revista de Casos a) Artigo padrão de revista. Incluir o nome de todos os co decimal (metro, quilo, litro) ou seus múltiplos e
Clínicos em Psiquiatria se reserva o direito de publi- autores, quando são seis ou menos. Se são sete ou submúltiplos. As temperaturas em graus Celsius. Os
cá-los em quantas edições julgar necessárias. mais, anotar os três primeiros, seguidos de et al. valores de pressão arterial em milímetros de mercú-
4 - Os trabalhos devem vir em duas vias, digitados em You CH, Lee HY, Chey RY, Menguy R. rio. Abreviaturas e símbolos devem obedecer
espaço duplo, impresso em papel padrão ISO A4 Electrogastrografic study of patients with unex- padrões internacionais. Ao empregar pela primeira
(210 x 297mm), com margens de 25mm, trazendo na plained nausea, bloating and vomiting. vez uma abreviatura, esta deve ser precedida do
última página o endereço e telefone do autor e a indi- Gastroenteroly 1980; 79: 311-314. termo ou expressão completos, salvo se se tratar de
cação da categoria do artigo, conforme item 2.1, b) Autor corporativo: uma unidade de medida comum.
acompanhado do disquete com o arquivo nos The Royal Marsden Hospital Bone-Marrow 11 - Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão
padrões Word 6.0 ou superior, fonte Arial ou Times Transplantation Team. Failure os syngeneic bone- Editorial.
New Roman tamanho 12. marrow graft without preconditioning in post 12 - A publicação não se responsabiliza pelas opiniões
5 - Para efeito de normatização, serão adotados os hepatitis marrow aplasia. Lancet 1977; 2:242-244. emitidas nos artigos.
Requerimentos do Comitê Internacional de Editores c) Sem autoria (entrar pelo título): 13 - Os artigos devem ser enviados para:
de Revistas Médicas (Estilo Vancouver) que são Coffee drinking and cancer of the pancreas
seguidos pelas mais conceituadas revistas científicas (Editorial). Br Med J 1981; 283: 628.
internacionais. Estas normas poderão ser encontra- Casos Clínicos em Psiquiatria
d) Suplemento de revista:
das na íntegra nas seguintes publicações: Av. Prof. Alfredo Balena, 190
Mastri AR. Neuropathy of diabetic neurogenic 30130-100 - Belo Horizonte - MG
International Committé of Medical Journal. Editors, bladder. Ann Intern Med 1980; 92 (2 pt 2): 316-
Uniforms requeriments for manuscripts submitted
Tel: (31) 273 1955
318. Fax: (31) 226 7955
to biomedical journals. Can Med Assoc J 1995; Frumin AM, Nussabaum J, Esposito M.
152(9):1459-65 e em espanhol, no Bol Of Sanit Functional asplenia: demonstration of esplenic

55 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):55-55

Você também pode gostar