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O Mito Da Propriedade
O Mito Da Propriedade
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I
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I
indice
foi publicada øigínalmute m ínglês com o título
Esta obro
THE MYIH OF OWNERSHIP por Oxford Univqsity Pr6s, U.5.4
Copyríght @ 2002 by Oxford Unív1sity Press, lqc.
Publiudo ølrdoés de acordo cm Oxford University Press.
Copyright @ 2005 , Livraria Mørtins Fontæ Editorn Ltda.,
São Paulo, pøn a presilte edieio.
1¡ edição
maío de 2005
Tiadução
RAN D AO CIP OLL A
MARCELO B
Prefacio 1.
Acompanhmento editorial
Luzîa Aparccída dos Santos
Revisões gráficas
lvani Aparæída Mørtins Cæøríffi
Mauro de Banæ
Dínarte Zomnelli da Síloa
2. Critérios tradicionais de eqüidade tribut¡ária...... 16
Prcdução gráfica
Gqaldo Aloæ I. A moralidade política no sistema tributário:
PaginaçãoÆotolitos justiça 16
Studío 3 Dæmooluímüto Editorial
II. Eqüidade vertical: a distribuição dos ônus
DadG Intsnaciomis de Cataloga$o m Publiøção (CIÐ
fiscais 18
(Câmæ Broilein do Liw, SP, Bræil) III. O princípio do benefício 22
Mwphy, Lian, 1960- IV. Capacidade contributiva: talento pessoa1....... 28
O mito da prcpriedade : os imPostos e a jutiça / Liam
Murphy e Thoms Nagel ; tladução Marcelo Brandão Ci-
V. Capacidade contributiva: igualdade de sa-
polla. - São Paulo : Martins Fonts, 2005. - oustiça e di¡eito) crifícios....... 34
Trtulo origimt the myth of omenhip : taxæ md jwtice. VI. A capacidade contributiva como uma idéia
Bibliografia. igualitária... 39
ISBN 8Í336-2131-0
VII. O problema do libertarismovulgar... 44
1 . tncidência - Estados Unidos 2. Justiça distri-
Imp6t6 -
butiva Estados Unidæ 3. T¡ibutação - AsPectos sciais
- - VIII. A eqüidade horizontal 52
Ëstados Unidos I. Nagel, Thoms, 1930. II. Tíhrlo. III- Título:
Os impGtos e a iustiça. fV. Série.
3. A justiça econômica na teoria política 55
052652 CDU-34:336'2(73)
mos e sem impor custos ilegítimos. É esse o único modo 4. Redistribuição e øção públicø diretø
oeio aual node ser iustificado um sistema de propriedade
essencialmente convencional, e portanto um esquema tri-
butário. A as con-
cgpçqqx de bem-estar gggl, igg!d,a$ dg_ep94U1idu=4g;
qlc.,-11as també- àsd ibe+dq@ dividual
@ó não pode, no nível dos princípios,
fazer apelo aos direitos de propriedade.
ria que não existem critérios substantivos de justiça distri- artimanhas dos poiíticos podem às vezes lidar com esses
butiva, mas somente critérios de procedimento, e que a problemas de maneira rápida e expedit4 uma vez que são
justiça considerada em si não requer redistribuição alguma, muitos os bens públicos que compètem pelos recurös dis_ ,.
nem mesmo para garantir a igualdade de oportunidadesz' poníveis. A divisão da base tribuiária o município, o
Mas podèríamos também supor que a justa distribui- estado e o país também pode garantir ".,tr"
que as pessoas rece_
de oportu-nida- bam os bens pelos quais pagam. Entretånto, nãs discussões
ção exige Lm mínimo social, ou a igualdade
des, ou algum princípio mais firme de igualdade. Vamos a seguiq, vamos deixar de lado essa complicação e
conside_
somente supor que, por mais igualitária que a concep-ção rar como bem público qualquer bem qué não possa ser for_
seja em espírito, uma distribuição justa semp,re vai envolv-er necido a indivíduos específicos, mas, pura ser iornecido, te_
uma substancial desigualdade de recursos. E uma questão nha de ser posto à disposição de todos.
de simples realismo. Mas deixaremos indeterminad4 por . Também poremos de lado, por enquanto, uma outra li_
nha de. gastos públicos, que podem ser adequadamente
enquanto, a natureza de uma distribuição just4 a fim de po-
dermos tratar da ação pública direta. Como qualquer con- chamados de deaeresp!þklpa. Èmbora nem toàos concor_
cepção substantiva de þstiça distributiva terá na prática de dem com issofüm Sïande pessoas pensa Que _r
t"àlitut-s" parcialmente através da ação pública direta, os ^i-".o de
independentemente das exigências dalustiça distributiva _
dois temas terão de ser reunidos mais à frente. nós temos, de alguma forma a obrigação coletiva de con_
Quando se supõe como pano de fundo alguma solu- tribuir para prevenir ou aliviar grunã"i desastres, como a
principal da fome, as epidemias e a degradação ambientaf e temos tal_
ção para o problema da distribuição, o motivo
ação púbhcã direta passa a ser o fornecimento de bens pú- vez, além disso, a obrigação de apoiar certos bens intrínse_
indivíduo pode .o.rl
¡iicoi - ou seja, aqueles dos quais nenhum
nin-
loTo3 arte (o que inclui a preservação do patrimônio
artístico). Essas obrigações, casó existam, transcendem as
ser excluído, uma vez que não podem ser fornecidos a
guém a menos que sejam fornecidos a todos. Entre eles in- tronteiras nacionais e podem ser fortes o suficiente para
cluem-se coisas como a segurança externa e interna e a justificar uma imposição do governo sobre os cidadãos.
Es_
manutenção do sistema jurídico, o qual permite que a li- taria justificada, por exemplo, a cobrança de impostos para
berdade natural governe a criação e a distribuição dos re- fornecer ajuda a países paupérrimo, o, pu.u um progïama
de apoio governamental às àrtes. Tal justìficaçao nao ãe
ba_
searia nos benefícios que essas coisas proporcionam aos
2. Uma concepção como essa é defendida em Epstein (1985), 7 -18, 283- ci_
dadãos, mas no dever que os cidadãos têm de apoiá_las.
305; e Epstein (1987).
108 O M]TO DAPROPNEDADE REDISTNBUIÇAo t,açao TUaLICADIRETA 709
Mais tarde voltaremos a esse assunto. Por enquanto, te valerá mais dinheiro para os que têm
mais do que para
falaremos somente dos bens públicos que são bens para o os que têm menos, de tal modo_ qr", ," os
primeiró, pågu_
público. E deixamos entre parênteses a questão distributi- rem mais, o sistema será mais eficiente.
É clãro qrre os'idËa_
va, supondo hipoteticamente, como pano de fundo, uma iizadores do sistema terão de adivinhar
esses valores, uma
, distribuição desigual ma justa., vez que o mercado não os revelará. É ¿ificl
saber se or rr,"r_
Ao determinar o nível, o tipo e a forma de financia- mos valores podem ser revelados pelo processo
político.
mento de cada um desses bens públicos, determinaremos completamente diferente då fixação ä" p."ço,
também ipso føcto o que permanece sob o controle privado
. .lsg.é
da distribuição das mercadorias ,ro ,n"r.udo
.
liw". S" rlm
de cada indMduo. E se a distribuição anterior é just4 va- por exemplo - pode ser comprado poï um
mos querer que cada pessoa receba aquilo pelo que paga ,1"i;i,tP"rgos,
rnot\.lctuo sem ser fornecido a todos, e se
o seu fornecimen_
com seu dinheiro quando este é captado peia coisa pública. to ocorre dentro de um mercado competitivo, as conse_
lJma vez que a exclusão não é possível, não podemos pedir qüências serão duas: em primeiro lugaa às
pessoas que têm
que cada qual só compre aquela quantidade de proteção mais ou menos riqueza ou renda ,iu, q.r" gostam
iguat_
militar, por exemplo, que ele quer e acha que pode pagar. mente de aspargos comprarão ,r-u q.runtidãde
maiãr ou
Também não podemos oferecer a proteção cobrando de to- bem por um determinadô p."ço; em segundo
dos a mesma quantia - inclusive dos que não pagam. Te- ï:l_"rj",r,re
Iugar/ todos os compradores poderão comprar aspargos
mos de dar a todos o mesmo nível de proteção ao mesmo pelo mesmo preço - que, pa.a åigrr,r, é o máimo
cuslo per capita de gastos públicos, muito embora o valor estariam dispostos a plgar po, alguns ramos d" ":;;
d" urpurgor,
monetário desse custo seja diferente para cada pessoa. mas para outros, mais ricos do que eles,
está bem abãixõdo
O principai motivo dessa diferença de valor não é que máximo (ou preço de.reserva) que eles estariam
dispostos a
certas pessoas têm mais consciência dos perigos de uma pagaL mesmo por todos os aspargos que
fossem capazes de
invasão militar, mas que algumas'têm mais dinheiro, de tai comer. Por isso, um mercado competlìivo
de bens þra""d;;
modo que o dólar com que elas contribuem para a defesa cria automaticamente um grande excedente _
u difur"r,çu
não é um dólar que seria gasto em necessidades básicas, entre o preço real e o preço de reserva _ para
as pessoas que
mas em algo menos importante. Qganto mais dinheirovocê têm muito dinheiro. Os pobres só se bånefi.iu_
¿"rr" å"_
tem, tanto menos valeþara vocêãdólar marginãflãàìlnì,ã=- cedente no caso de beni privados muito baratos,
como o
ùtilidade marginal dos seus gastos com a defesa ou com seus sal ou os relógios digitais. para eles, a maioria
das coisas
fins particulares alternativos se iguala num nível mais alto não parecem baratas, uma vez que fazem
a maioria de suas
do que se igualaria se você tivesse muito menos dinheiro - compras bem perto do preço dáreserva.
gernpre partindo do pressuposto de uma distríbuição desi- No caso de um bem público, os indMduos não
podem
_guaf mas teoricamente justa. adquiri-lo em diferentes quantidades e não existe
a neces_
Assim, o melhor que podemos fazer é situar os gastos sidade de cobrar o *er*ò de todos; por isso,
o excedente
públicos num nível financiado por contribuições desiguais não se distribui automaticamente de maneira
radicalmente
dos indivíduos, contribuições essas que se aproximem o desigual..O.que o Estado precisa r" purg.rntur,
então, é quai
mais possível de igualar, para cada um deles, a utilidade a quantidade únicø desse bem qru à"rrã
fornecer a todos, e
marginal dos gastos públicos e privados. Para qualquer ní- quanto deve cobral separadamànte, de cad,a
um. São per_
vel dado de gastos totais com a defesa, a proteção resultan- guntas muito diferentes das que se colocam
païa o p.ódrr_
î
110 O MITODAPROPNEDADE
REDTSTNBUIÇAo r,eçao runLrcADrRErA L1.1
tor de um bem privado: que preço único cobrar de todos de nado de ação pública. por isso, há determinados níveis de
modo que o total de vendas, de quantidades diferentes para segurança nacional, por exemplo, ou de limpeza de ruas,
os diversos indiríduos, renda o máximo de lucro? O gover- cujos custos podem ser cobertos por mais dé uma divisão
no deve operar mais como um monopólio com discrimina- entre os contribuintes sem exceder o preço de reserva de
ção de preços. Precisa saber o quanto o bem público vale ninguém. Com efeito, pode haver muiias åspécies de bens
para cada indivíduo e cobrar de cada um esse tanto, finan- público_s quais essa regra se aplica pu.u qràlq.rer nível de
- ciando o custo total do bem com a soma dessas avaliações 1s
ação pública até o nível de saturação _ or-rseja, o nível
-. em
desiguais e estabelecendo o nível da ação pública direta que a utilidade marginal cai a zeÍo e ninguóm quer mais
num ponto em que para cada pessoa a avaliação de preço navios de guerra ouvarredores de rua, qrilqr", que seja o
seja igual ou menor que o preço de reserva da pessoa para preço que se tenha de pagar por eles.
aquele nível.
Certos níveis altos de ação pública direta não atendem , . Vamos, supor que exista um níve1 de saturação para a
defesa nacional; que um de nossos contribuintes. charnado
a essa condição, pois custam mais do que a soma de quanto Pobre, esteja disposto a pagar um mátmo de 1.0% de uma
valem para os indMduos cujos impostos devem financiá- renda de 20.000 dólares para chegar a esse nível, e que o
los. Não há meio de disftibuir-lhes os custos de tal modo outro contribuinte, Rico, esteja disposto apagar até 30i/o de
que sua utilidade marginal não seja mais baixa que a utilida- uma renda de 100.000 dólares; e que o custo desse nível
de dos usos privados do mesmo dinheiro, pelo menos no para cada cidadão (por cabeça) seja de somente 10.000 dó_
caso de alguns contribuintes. Por outro lado, há níveis clara- lares. Evidentemente, o sistema éeria ineficiente se tirasse
mente ineficientes de ação pública direta, que necessa- 10.000 dólares do consumo privado de cada um deles, uma
riamente deixam nas mãos de alguns contribuintes um di- vez que com isso Pobre ficaria mais pobre. Tämbém seria
nheiro que teria maior utilidade marginal se fosse tirado de- ineficiente se optasse por um nível mãnor de ação pública.
les para aumentar a quantidade do bem público oferecido. Porém, se é esse o nÍve_l determinado pelo Estaão, será que
Entre esses dois extremos há os níveis eficientes de Pobre deve pagar 2.000 dólares e Rico, 18.000 dólares? öu
ação pública direta e alocação de custos, que não excedem será que Rico deve pagar 20.000 dólares e pobre não deve
o preço de reserva de nenhum contribuinte. Nessas solu- pagar nada? Ou, aind4 será que cada um deles deve pagar
ções, não é possível melhorar a situação de ninguém (por uma parte do total na proporção dos seus preços d",eìeiua
meio de uma mudança dos impostos ou do nível de ação - ou seja, tB.7S0 dólares e 1.250 dóiares? (Não que essas
pública direta) sem piorar a situação de outro. Entretanto, sejam as únicas alternativas eficientes.) Essas alocações
não
como existem muitas soluções eficientes ne.sse sentido, a só são todas eficientes como também igualam a útilidade
eficiência por si só não basta para determinar uma escolha marginai da defesa nacional e dos gaãtos privados para
entre elas. Mesmo que os contribuintes paguem desigual- cada contribuinte - uma vez que a utiliãade mãrginal ao
a¿_
mente peló custo dos bens púb1icos, de acordo com o val,cr lar gasto em defesapara cadá um deles dependõ do quanto
diferente que o dinheiro tem para e1es, na maioria dos ca- o outro está pagando.
sos haverá um excedente que pode ser distribuído entte A escolha feita pelo Estado nesse seu papel de mono_
eles de diversas maneiras. Isso ocorre porque, em geral, o ,..
pólio com discriminação de preços inevitavelmente suscita
custo total de um bem público é menor do que a soma dos não só questões de eficiência mas também questões de
preços de reserva dos indMduos, dado um nível determi- justiça. Essa justiça pode não ser idêntica à just(a
distribu_
172 O MITO DAPROPPJEDADE REDrsrRlBurçAo n açÃo eunLrcADrRETA 113
solve-se assim o problema da obtenção de criadagem), te- exigem a transferência de recursos dos ricos para os pobres
remos de dar à questão da distribuição uma consideração em virtude da diminuição da utilidade marginal da maioria
independente. Até agoÍa, neste capítulg estivemos que- dos bens materiais; (d) as concepções liberais igualitárias
rendo saber como determinar o nível adequado de ação pú- como a de Rawls, que associam a liberdade de oportunida-
blica direta em relação a certos critérios mínimos de justiça des à priorização da melhora das condições dos mais po-
que devem ser atendidos por uma distribuição dos recursos bres. Não vamos avaliar os méritos de cada uma dessas còn-
entre os indivíduos particulares. Inciui-se aí o critério liber- cepções por enquanto, mas vamos nos concentrar na rela-
tário. Agora temos de considerar outras alternativas de fun- ção delas com a questão da repartição entre o público e o
do, alternativas que impõem mais restrições. Trata-se no- privado, repartição essa que agora tem de atender a duas fi-
vamente, na teoria, de uma questão anterior à da repartição nalidades ao mesmo tempo: a justiça distributiva e o finan-
entre o público e o privado, uma vez que uma concepção ciamento dos bens públicos.
mais substantiva de justiça distributiva não precisa neces- A redistribuição não precisa se dar através da ação pú-
sariamente ser implementada por meio do fornecimento blica direta, mas pode ser feita dessa maneira, e é impor-
público direto dos benefícios: o nível de ação pública direta tante decidir se as transferências redistributivas serão feitas
é logicamente secundário e, como dissemos, só pode ser em dinheiro ou em espécie. Porém, mesmo deixando-se de
determinado em função de uma resposta à questão da dis- lado as ações públicas de intenção especificamente redistri-
tribuição. butiva, haverá também conseqüências para o fornecimento
público de bens cuja função não é a redistribuição. O finan-
ciamento desses bens pela receita dos impostos não aten-
IV. Redistribuição derá mais somente à eficiência como na discussão anterioq,
mas também a uma finalidade redistributiva. Considerações
Isso é problemático para as teorias de justiça substanti- distributivas vão influenciar a alocação dos custos dos bens
vamente redistributivas. Não se sabe como se pode efetuar públicos entre os contribuintes, e não só a alocação do exce-
uma distribuição utilitária ou rawlsiana sem especificar o dente, que já discutimos. lsso tem de ser feito mesmo que o
nível esperado de ação pública direta. Mas vainos deixar fator principal para a determinação da quantidade ou-níuel
essa questão de lado por enquanto e simplesmente obser- apropriado de bens públicos ainda seja a eficiência medida
var que muita gente seria a favor de um critério francamen- em relação a uma distribuição de fundo supostamente justa.
te redistributivo de justiça econômica e social. De acordo Como dissemos, a divisão abstrata do processo de jus-
com um tal critério, as condições libertárias de procedimen- tificação em dois estágios é problemática e altamente artifi-
to não são suficientes para garantir a justiça dos resultados cial. (Quando o princípio distributivo é utilitarista, essa
das transações econômicas. Entre as concepções desse tipo, divisão é ainda mais peculiar, uma vez que então dois argu-
podemos mencionar: (a) aquelas que postulam outras con- mentos utilitaristas se sobrepõem um ao outro.) Entretan-
dições de procedimento, como alguma forma positiva de to, vamos supor que é possível conceber a solução do pro-
igualdade de oportunidades através da educação, da saúde, biema da distribuição como logicamente anterior, sem es-
do fornecimento de serviços de cuidados para as crianças pecificar como deve ser implementada e sem ainda Íazer
novas etc.; þ) aquelas para as quais um mínimo social de- nenhuma suposição acerca da ação pública direta. Têríamos
cente é um bem em si; (c) as concepções utilitaristas que então uma base para determinar o nível eficiente de um
)
118 O MITO DAPROPNEDADE RrorsrRrrurçÁo E AÇAo PúBLT1ADTRETA 1\9
bem público como a defesa nacional, tanto em comparação daqueles que lhes prestam seu apoio político podem estar
com outros bens púbiicos quanto em comparação com os mescladas. Isso se evidencia pela discuìsão anterior dos ar_
gastos privados. Determinando isso, teríamos já determina- gumentos em favor de um mínimo social, dos serviços de
do a parcela de custos com a defesa com que teriam de arcar r-.*9., da educação universal etc., não motivados poi uma
os diversos indivíduos, a partir dos diferentes recursos que finalidade distributiv4 mas pela eficiência. porém, tanto
eles têm nessa justa distribuição. Por fim, poderemos ajustar num caso como no outro, parecem haver motivos razoâveis
pelos impostos os custos com que cada um deles terá de ar- para.se-fornecer alguns desses benefícios em espécie em
car de fato, e essa será uma das maneiras pelas quais criare- vez de fornecer tudo sob a forma de dinheiro vivo. Não é
mos a distribuição justa. Isso significa que a redistribuição preciso que essa ação pública tome a forma de escolas e
geralmente se efetuará por meio de transferências diretas e universidades públicas ou de um serviço nacional de saúde:
também por meio da diferenciação das contribuições vota- certas coisas podem ser feitas com vales dedicados a certos
das ao financiamento dos bens públicos. Mas é importante fins, vales para a compra de aiimentos ou concessões de mo_
conceber que esses bens são financiados em parte pelos re- radia - preservando assim algumas das vantagens dos me-
cursos daqueles que se beneficiam da redistribuição.
canismos mercadológicos de fornecimento Jdistribulção.
Porém, existe mais de um motivo para favorecer o fornåci_
Vamos supor que Rico tenha uma renda pré-distributi-
va de 100 e Pobre tenha uma renda de 10, e que a justiça mento de bens em espécie.
distributiva exija que Rico transfiraL0 para Pobre, de modo O mais importante é aquele descrito por T. M. Scanlon
em "Preference and Urgency"6. Mesmo que as razões de se
que eles fiquem com 90 e 20 respectivamente. Vamos supor
ajudar os necessitados sejam declaradamente redistributi_
ainda que, em relação a essa distribuição supostamente
just4 um nível de gastos com bens públicos no qual Rico vas, a medida de valor usada por uma determinada con_
cepção de justiça distributiva deve ser objetiva o suficiente
contribua com 30% de 90 e Pobre contribua com 10% de20
para ser aceita do ponto de vista da diversidade de sistemas
iguale para ambos a utilidade marginal dos gastos públicos
d9 valores presentes na sociedade. A satisfação das prefe_
e privados. Esse resultado pode ser obtido cobrando-se 29
rências individuais, sejam elas quais forem, não atende a
de imposto de Rico para o orçamento dos bens públicos e
esse critério. Podemos até sentir que temos o dever de pro_
transferindo-se outros B de Rico para Pobre.
porcionar uns aos outros as condições de justa igualdade
de oportunidades ou um padrão de vida decente, mas isso
não significa que temos o dever de ajudar um indivíduo a
V. Transferência ou ação pública?
obter outra coisa em vez dessas pelo simples fato de ele dar
mais valor a ela do que a essas.
Com isso, ainda fica em aberto a questão de como se
No exemplo de Scanlory se alguém prefere comer mal
implementar a redistribuição se não for conjugada ao fi- para construir um monumento ao seu deus, isso não signi_
nanciamento dos bens públicos. Como decidir entre a ação fica que, se nós sentimos que temos a obrigação de coñtri_
pública direta e a simples transferência de recursos privados? buir para que ele possa comer o suficientã, tenhamos de
A questão se complica ainda mais pelo fato de que certos nos sentir também no dever de contribuir com uma quantia
tipos de ação pública podem cumprir uma dupla função,
uma vez que podem justificar-se tanto como bens públicos
quanto como formas de redistribuição; as próprias razóes 6. Scanlon (1975)
120 O MITO DAPROPKIEDADE REDrsnR-iBurÇ,{o E AÇAo púBLtcA DTRETA 721
equivalente para que ele construa seu monumento. Na
xar a administração e o gasto desse dinheiro nas
mesma medida em que o fornecimento de bens em espécie mãos de_
las mesmas, a fim de que possam controlá_lo
desencoraja essas permutas e garante que a redistribuição de acordo
com-seus próprios valores e juízos. A primeira
se efetue tendo por veículo algo a que todos dão valor, ele é uma afir_
mação contra a redistribuição; a segunãa é u favor
tem uma vantagem sobre a redistribuição monetária. Isso da auto_
nomia. É possível aceitar-så uig"mí;;rsão da
se aplica afortiori ao caso em que a redução da desigualda- segunda sem
aceitar-se a primeira. Ou seja,þode haver
de socioeconômica também se justifica por ser um bém pú- quemäiga que é
melhor q-ue pessoas decidam individualmente
biico. A melhora em questão tem de ser considerada valio-
a:,,,,,,,,,,,,,,,,
o"quä fa_
zer com "seu" dinheiro, mas ao mesmo tempo
sa por todos, e benefícios específicos têm maior probabili- afirme que
o governo tem o dever legrtimo de, através
dade de produzir os efeitos sociais desejados. dá configuraiao
do sistema tributárioe dãpropriedade, determinarä
Existem também motivos que justificam o paternalis- qul é
".delas" - qual a renda e á riqìeza que os
mo no que diz respeito ao atendimento de necessidades diversos indiví_
duosterão à sua disposição depois de todos os impostos
básicas: saúde, educação, aposentadoria e segurança con- e
transferências.
tra a invalidez frsica e o desemprego. A comunidade pode
ter razão de não confiar em que os indiúduos sejam pru- - A pura distribuição. de recursos pode ser implementa_
da por uma substancial isenção_de imposto
dentes quanto a isso, sobretudo quando não têm muitõ di- ae reiraa paìa a
pessoa frTica, por um imposto de renda negativo (ou
nheiro. Para fins políticos, o melhor talvez seja fazer com crédi_
to tributário sobre a renãa), por subsídioräu .o.r.rpt"Ãlr,_
que esses programas paternalistas sejam universais em sua
tação salarial, por um salário-família ou por
aplicação; mas seus efeitos mais importantes se exercem um grànde d.e_
mogrant* ou dividendo social dado automaticam--ente
sobre aqueles que não dispõem de uma quantidade subs- a to_
dos. No lado da receita, a distribuição pode
tancial de recursos particulares excedentes que possam ser ser sustentada
de diversas maneiras, das quais a tåbuiaçao
usados como "câmara de descompressão" contra os efei- progressiva da
renda é apenas uma. Os argumentos .o.,t á
tos da imprudência. oiig goaern_
ment * contra o gigantismo dos serviços públicos
Não obstante, é difícil ter certeza de que esse é o me- pro_
gramas de ação pública direta _ não precisam "äã, tam_
se voltar
Ihor curso de ação. E possível que, na implementação de bém contra a redistribuição, que, em princípio,
uma redistribuição substantiva, a linha da repartição entre poderia rea_
Iizar-se principalmente em áinh"iro, ae åt
o público e o privado tenha de ser desenhada de tal modo q""-ä,
pessoas tivessem liberdade paru Íazer com "ioa"
que a parte do leão dos recursos distribuídos fique sob con- ele o qr.rå b"-
entendessem: usá-lo
trole privado, tanto por um motivo de eficiência quanto
para promover o valor da autonomia. A conhecida afirma- l:d:previdênciarå#å::rf ïä:ä:?;iy,"á
lsso/.os programas governamentais
j:"'iji
teriam a seu caïgo
ção retórica dos conservadores, de que as pessoas sabem mente o fomecimento dos bens públicos, cuja
so_
melhor do que o governo o que preferem fazer com seu di- extensão, uma
vez garantida uma distribuição justa, podéCa
ser determi_
nada por considerações de eficidncia. '
nheiro, associa na verdade duas afirmações distintas: (1) a
de que o dinheiro que as pessoas ganham antes de pagar
impostos é delas, e portanto não se deve exigir que elas o
* Dønogrant:rJma
repartam com os outros; e (2) que, qualquer que seja a . .. comprementação de renda ou renda mínima
forneci_
da diretamente a todo cidadãõ, independentem"rrt"
quantidade de dinheiro de que disponham, o melhor é dei- à" r,ru.lurse ou condição
social. (N. do T.)
122 O M]TO DAPROPNÊDADE RrolsrrunurçÃo raçao rúnLrcADrRETA 723
já
Voltemos por fim àquele tipo especial de bem que
mencionamor, qr" não é nem um bem para determinados Yer, p. ex., Rawls (1999); Beitz (1.999); pogge (1992). A globalização
.7.
i"Ji"ia"ot particulares nem um bem público para todos econômica tornou mais urgente a questão de se siber se o govémo de um
país rico pode adotar cu¡sos de ação benéficos para os países
eles, mas ua,t", ,t* bem em si' O que dissemos é
que',se þobres, mesmo
que prejudiquem ao mesmo tempo os interesses dos ñabitantes pobres dos
sustentada pelos
uma tal coisa existe, é justificável que seja pró_prios_países ricos, que, não obstante, encontram-se em situáção muito
irnpot,ot coletados peÍo Estado sob a categoria não de bens melhor do que a imensa maioria dos que moram em países pobres.
124 O MITO DAPROPRIEDADE REDrsrRrBuIÇ,4o e açao nuøLtcADtRETA I2S
cional e os diversos bens privados, desde a habitação até as Pa¡a resumi¡, gostaríamos de frisar três coisas.
Em pri_
.
viagens de férias, têm todos de competir normativamente meiro lugaç além da justiça distributiv4 existem outros
ex_
pelo dóIar marginal. ceientes
Tglivos para se dividir desigualmente o custo dos
O orçamento adequado para a ajuda externa será a gastos públicos entre os que têm reiursos diferentes.
Em
soma das quantias que atendam às obrigações dos cida- segundo lugaç além.daquélas que à primeira vista
se afigu_
dãos considerados individualmente e sempre comparadas ram como bens públicos, existèm muitas outras coisas
ãm
a outros possíveis empregos de seus recursos individuais. E que se pode ver um aspecto de bem público e que,
portan_
se, nesse caso ou em outro, atingir-se um ponto de satura- to, são candidatas a ser objeto de uma açao públicä dteta
ção em que a soma atingida já seja mais do que suficiente, sem que para isso seja necessário fazer_se apelo justiça
à
voltamos então à questão de como dividir o resultante "ex- distributiva. Em terceiro lugar, para aqueles que,
como nós
cedente" moral. Nessas circunstâncias, as pessoas teriam e muitas ou.tla: pessoas, aceitam com åeriedaà"
u oUrlguio_
de dar menos do que se poderia em princípio exigir delas riedade social da justiça distributiva mesmo que
- esta se li_
caso os custos fossem maiores. Assim, a solução do proble- mite ao fornecimento de um mínimo social oL das condi_
ma do financiamento do cumprimento dos deveres públi- ções de igualdade de oportunidades _, fica em aberto a
cos se encaixa na mesma estrutura do problema dos bens questão de saber se essa justiça deve se realizar pela
trans_
públicos. ferência de pagamentos, pelo fornecimento d",å;;;;;
blicos em espécie ou pelá distribuição de vales dediËadås
a
propósitos específicos, a serem usados no mercado priva_
VII. Conclusão 9i;T"* uma
distributiva
concepção fortemente igualitári" ¿.
;irrìtÇ,
exclui a possibilidade de qué a ação púbíica di_
reta.se limite, por motivos práticos, principalmeni"
Pelo fato de conter tantas variáveis avaliativas e empí- uo .u*_
po daqueles bens públicos-que benËficiam a tocios indistin_
ricas, a estrutura que apresentamos não postula, por si só,
tamente, sendo a redistribuição implementada não
nenhuma conseqüência concreta para a questão dos im- através
da ação do Estado, mas principalmente pela transferência
postos. Mas deixa bem claro que, se somos favoráveis à di-
de pagamentos e pela.ob.ar,çã de impoåtos diferenciados
minuição das desigualdades ou ao fornecimento de um pa-
para o financiamento dos bens públicoi.
drão de vida mínimo e decente a todos os membros da so-
ciedade, temos de distinguir esse objetivo de todos os pres-
supostos acerca do nível de ação pública direta e temos de
distingui-lo também de um outro objetivo igualmente de-
sejável por si mesmo: o de financiar os bens públicos de
modo a igualar a utilidade marginal dos gastos públicos e
privados para todos os indMduos. A distribuição e a repar-
tição entre o público e o privado são problemas distintos,
posto que fartamente interligados. O que procuramos fa-
zer foi, antes de mais nada distinguir os valores que exer-
cem influência sobre a avaliação tanto de um problema
quanto do outro.
ABASETNBUTÁNA 127
xa, talvez nula, sobre os gêneros de primeira necessidade,
5. Abøse tributønø como os alimentos. Na verdade, porém, um imposto sobre
o consumo pode ter qualquer grau de progressMdade des_
de que seja por exemplo, estruturado ãe modo idêntico ao
do imposto de renda anual, prevendo-se porém uma isen_
ção para todas as economias e investimenios até que sejam
sacados para consumo. Os norte-americanos
¡a esiao fami-
liarizados com essas isenções, sob a forma áas contas de
aposentadoria individu al (indiaidual retirement account ou
lRA)- ou contribuições para planos de aposentadori4 isen_
tas de impostos. Um dos modos pelos quais um imposto
pleno sobre o consumo pode ser implemeitado é a simples
I. Eficiência e justiça expansão dessas isenções de modo a incluir toda a ,"rrdu
não consumida.
O que se deve tributar? A questão da escolha da base Essa não foi a única controvérsia sobre a base tributária
tributária tem figurado com destaque na literatura tributa- que chamou a atenção. Do ponto de vista político, são igual_
rista das últimas décadas, sobretudo em virtude de uma mente importantes as diversas questões de exclusão qü","
controvérsia contínua quanto à oportunidade da substi- levantam quer se tome a renda Como base, quer o consumo
tuição do imposto de renda norte-americano por um im-
- se os contribuintes devem poder deduzir ou receber como
posto sobre o consumol. Uma vez que, segundo a defini- crédito o pagamento dos juros de uma hipotec4 de cuida_
çã,o padrão, a renda é o consumo mais o aumento de ri- dos com a saúde ou de doações feitas paia caridade. Num
queza, o debate aqui se reduz à questão - importante dos nível mais puramente teórico, os economistas e filósofos
pontos de vista teórico e político - do tratamento tributá- querem saber se a base tributária ideal não seriam as opor_
rio do capital2. tunidades ou talentos das pessoas seu consumo ou renda
Como explicaremos de modo mais completo na seção -
potenciais e não atuais.
IIf a questão da tributação da renda aersus a tributação do
consumo como fonte primária da receita federal é total- . .A maior parte do debate sobre a base tributári4 e par_
ticularmente sobre o tratamento tributário do capital,
mente independente da questão da progressividade. Quan- þra
em torno da eficiência. Não há dúvida de que, se åois siJte_
do a maioria das pessoas pensa num imposto sobre o con- mas tributários atingem os mesmos objetivos (evantar fun_
sumo/ tende a imaginar um imposto nacional sobre as ven- dos para a ação pública diret4 assegúrur a justiça econô_
das ou talvezum imposto sobre o valor agregado, pago por
mica, talvez proporcionar certos incentivos comportamen_
todos na mesma alíquota - embora possa incidir de forma tais desejáveis), o sistema que custa menos é o melhor. Os
mais pesada sobre os artigos de luxo e numa taxa mais bai-
custos mais óbvios de um esquema tributário são os da admi_
nistração, que são pagos tanto pelo governo quanto pelos
1. Messere (1998),3, relata que essa idéia não é mais levada a sério na contribuintes. Quanto a isto, alguns ãisseram que um im_
Europa, embora já tenha sido. posto sobre o consumo é mais simples que um imposto so_
2. Para uma discussão esclarecedora sobre os conceitos de renda, con-
sumo e riquez4 verBradford (1986), cap.2.
bre a renda e, por isso, impõe m"nos custos administrati_