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NOVAS TECNOLOGIAS
NO DIREITO E NA
SOCIEDADE
Editor
Francine Zanin Bagatini
Conselho Editorial
Dra. Janaína Rigo Santin
Dr. Edison Alencar Casagranda
Dr. Sérgio Fernandes Aquino
Dra. Cecília Maria Pinto Pires
Dra. Ironita Policarpo Machado
Dra. Gizele Zanotto
Dr. Victor Machado Reis
Dr. Wilson Engelmann
Dr. Antonio Manuel de Almeida Pereira
Dr. Eduardo Borba Neves
Editora Deviant
2018
Copyright © Editora Deviant LTDA
Categoria: Direito
Produção Editorial
Editora Deviant LTDA
ISBN
xxx-xx-xxxx-xxx-x
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
CDD 340
SUMÁRIO
1
EXISTE ESPAÇO PARA O DISCURSO
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
EM ERAS DE BIG DATA?
Pedro Arthur Capelari de Lucena1
1 INTRODUÇÃO
Duas visões dicotômicas tomam espaço nas discussões sobre o uso da in-
teligência artificial, e seus modelos de aplicações às novas realidades pela con-
temporaneidade. Uma retoma a visão já um tanto quanto conservadora, que
explora no caso de maior uso da Inteligência Artificial, um ambiente distópico
e cruel, daqueles percebidos normalmente nas obras de ficção. O conservador
tecnológico assente então, pela manutenção do que já funciona, com um grande
receio de aplicações contrárias àquelas previamente bem testadas, legisladas e
compreensíveis a sociedade.
Outros veem o uso como um ato meramente mercantilista, com os dados
tendo papel quase único, de objeto de ganhos econômicos.
Contudo há um terceiro grupo, que cada vez ganha mais adeptos, que vê as
mudanças na seara tecnológica, de maior implantação da Inteligência Artificial
1 Pedro Arthur Capelari de Lucena, Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direi-
to da Universidade de Lisboa, Advogado. Contato em: pedroarthurclucena@gmail.com
10 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
2 Há ainda, em toda a contextualização da música, o fato da saída de Syd Barret, um dos fun-
dadores da banda, e os seus motivos. Barret foi expulso da banda pelo seu uso abusivo de drogas,
principalmente de lsd e sua desconexão com o mundo real.
3 O ensaio foi escrito originalmente em 1935. Contudo foi publicado apenas em 1953. Trazemos
a versão traduzida pela Editora Tempo Brasileiro, em 1999, p. 45.
12 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
tado bruto, mas sim no seu uso, e na forma que nos induz, por mecanismos de
linguagem, a lhe utilizar.4
Há uma constante no livro de Huxley e na hermenêutica filosófica de Hei-
degger de que o controle social as práticas hedonistas geradas pela aplicação
tecnológica trariam relações de certos “tédios eternos”, e de aceitações de mun-
do, postos por aqueles que o dominam, e dominam a linguagem. O tédio, cons-
truído por essa linha de raciocínio, é, de alguma forma, característica de vida em
todos os humanos.
Contudo – o que em Huxley trabalha de forma lúdica, e em Heidegger de
modo acadêmico – é, já naquela época, a constante necessidade de não termos
tédio em sociedades hiperconectadas, e em civilizações ultra-estruturadas. O
que por mais confuso que possa soar, faz com que a busca pela hiperconexão e
não tédio, nos entedie.
Em “O pesadelo de Descartes: Do mundo mecânico à Inteligência Artifi-
cial”, João de Fernandes Teixera nos traz a reflexão do que o tédio contemporâ-
neo é gerado de algum modo, pela ampla necessidade de estarmos “hiperconec-
tados”, mesmo que de forma breve e ruim.
Segundo suas palavras:
O receio de tal modo foi ampliado a uma dimensão, que gerou em alguns,
na contemporaneidade, a total descrença de sociedades hiperconectadas.
4 Construção de análise a partir da leitura de Gregory Field em Heidegger’s Polemos: From Being
to Politics.
14 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
Parece que para muita gente, talvez a maioria, estas formas artificiais do
processo de afirmação pessoal não chegam. Um tema recorrente nos es-
critos dos observadores sociais da segunda metade do século XX é a sen-
sação de falta de objectivos de que sofre muita gente nas sociedades mo-
dernas. [...] Sugerimos que aquilo a que se chama “crise de identidade” é
na verdade uma busca de um rumo, frequentemente traduzida na dedica-
ção a uma actividade de substituição. Pode ser que o existencialismo seja
em grande parte uma reacção à falta de objectivos da vida moderna. [...]
Prevalece muito nas sociedades modernas a busca de “realização”. Mas
pensamos que para a maioria das pessoas uma actividade cujo objectivo
principal é a realização (isto é, uma actividade de substituição) acaba por
não trazer realização completamente satisfatória. Por outras palavras, não
satisfaz completamente a necessidade do processo de afirmação pessoal.
(KACYNSKI, 1995).
O texto de Kacynski nos lembra alguns dos conceitos trazidos por Hei-
degger. Contudo há a presença de um conhecimento de outro cientista para a
construção de sua visão negativa. Foi muito, as invenções (e suas aplicabilidades)
de Alan Turing, que moldaram a visão negativa do Unabomber.
CAPÍTULO 1 - 15
3 A “DESMISTIFICAÇÃO” DE TURING
E A CHEGADA DA BIG DATA.
5 Isaac Asimov foi um autor Russo que tem na sua obra um grande apreço pela Ficção Científica.
Em Eu, Robô, Asimov traz contos sobre a evolução da robótica. Robbie, conto que abre a obra,
nos mostra o preconceito da sociedade com os robôs. Já Byerleys, o último conto da obra, é nos
mostra um possível robô que dita o funcionamento do mundo com o uso de máquinas. Há na obra
a questão pessimista quanto a tecnologia. Contudo Asimov, que era um profícuo escritor, elaborou
várias teses, publicadas em sua ampla obra, sobre benefícios da tecnologia, se bem aplicada.
16 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
6 Não há precisão sobre quem inventou a machine learning. Contudo pode-se dizer que Alan
Turing foi um dos primeiros pesquisadores da matéria, com seus questionamentos sobre poder a
máquina pensar. O Teste de Turing é fundamental para a construção da ideia de machine learning.
Outro grande cientista, a qual remete como o primeiro aplicador de machine learning é Arthur
Samuel, que criou um programa de aprendizagem para jogo de damas.
7 Big data é um conceito. São os grandes dados de grande volume, de alta velocidade e de ampla
variedade que podem estar não estruturados.
CAPÍTULO 1 - 17
8 Há uma série de críticos negativos a forma que utilizamos o Big Data. Em especial trago duas
cientistas e seus respectivos livros, para consulta a quem tenha interesse: Cathy O’ Neil - Weapons of
Math Destruction e Sofiya Noble,- Algorithmics of Opression: How Search Engines Reinforce Racism.
9 Há de se ter a lembrança de que no Brasil, e em quase todos os países considerados democrá-
ticos, o direito à intimidade e à vida privada estão consagrados, como direitos fundamentais. No
Brasil o direito de privacidade, além de ser componente de criação de todo o texto constitucional,
está presente de forma expressa no artigo 5º da Constituição Federal. No tocante de direito de
personalidade, o artigo 21 do Código Civil nos garante.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem diversos casos que nos revelam um mal-uso de big data em polí-
ticas públicas e na iniciativa privada10, acarretando aquilo que Turing mais de-
testaria, o de que máquinas inteligentes fizessem, uma manutenção e propensão
de discursos preconceituosos. Mas também, além do uso por empresas, existem
incríveis aplicações em políticas públicas de big data, com um potenciais usos
futuros.
Exemplos podem ser vistos, como no controle de expansão de epidemias.
Em 2009 se pôde, com aplicação algorítmica em Big Data, antecipar o surto
da Gripe H1N1 em diversas regiões do mundo. Outros exemplos de seus usos
podem ser vistos na prevenção de crimes ou de desastres naturais. Ou seja, a big
data é uma ferramenta, e sua análise tem e terá aplicações positivas, ou negativas,
de acordo com o uso.
Por isso o discurso daquele que estuda o tema tem e terá cada vez mais que
ser suplantado na ciência e na análise crítica e interpretativa, sem pré-conceitos
de aplicações da tecnologia, com olhares cínicos sobre suas disruptivas caracte-
rísticas. E este é talvez o ponto chave, que terá que invariavelmente ser analisado
por aqueles que buscarem interpretar as aplicações em big data analytics e todas
suas possibilidades: o caráter disruptivo.11
A ideia de disrupção, tem o sentido de modificar de tal forma a realidade,
que deixa a realidade anterior, de certo modo, obsoleta. É, no mais tradicional
significado, de Schumpeter, uma revolução. A superficial e aparente problemá-
tica da disrupção é que esta não acompanha, e nem tem como acompanhar, o
mundo do direito positivado. Além das questões relacionadas ao direito pri-
vado, existem as de direito público. Como proteger os cidadãos daquilo que
10 Como algoritmos usando inteligência artificial, aplicado ao big data, decidindo empréstimos
de bancos, não somente pelo histórico econômico do cidadão, mas pelo seu local de moradia, cor
de pele, sexo e outras questões.
11Clayton Christensen cunhou em 1995, o termo disrupção, no conceito que temos, e o trouxe
pela primeira vez no artigo Disruptive Technologies: Catching the wave. Contudo a sua inspiração
vem de Joseph Schumpeter, com o seu conceito de destruição criativa, presente principalmente no
seu livro Capitalismo, Socialismo e Democracia.
20 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
sequer existe, e que sequer temos verdadeiras compreensões do que é. Tal fator
é relevante, pois a machine learning e a big data analytics foram, são, e serão, ins-
trumentos de criação de ambientes disruptivos, utilizados em larga escala pela
humanidade.
O que definirá o bom e o mau uso em uma realidade de mudanças em
velocidades ímpar? Será o papel do Direito, que deverá, ao nosso entender, ver
o mundo das novas tecnologias também com os olhares disruptivos, por mais
complexo que possa soar.
Caso não haja a ponderação em uma nova perspectiva, não tão só positiva
e positivada, quanto as várias respostas disruptivas, simplesmente estaremos de
algum modo negando as novas tecnologias, ambiente este em que está, por mui-
tas vezes, as respostas das inovações e das melhoras sociais.
Frente à nossa compreensão em que há uma impossibilidade do acompa-
nhamento do direito positivado as novas tecnologias e as análises de Big Data,
deveremos resgatar com prudência os valores dos direitos fundamentais, e reco-
nhecendo os novos, no passo da evolução humana.
Talvez Pink Floyd tenha “errado”12 na sua projeção de Welcome to the Ma-
chine, se distanciando daquilo que efetivamente será, de algum modo, a reali-
dade. Assim como fez Asimov em seu “Eu, Robô”, e Huxley em “Admirável
Mundo Novo”. Compreensível, pois estamos falando de arte, e não de ciência.
A análise de big data, se bem aproveitada, sem o uso meramente comercial,
nos dá um alicerce a aplicação de tecnologias disruptivas, que tendem a gerar
transformações sociais, de melhoria, sempre com respeito aos “velhos” e “novos”
direitos fundamentais.
Será a primeira que, como humanidade, teremos a chave da biblioteca de
Borges.13
Que façamos um bom uso.
12 Não há em realidade erro, por se tratar de obra de arte, com inúmeras percepções, como
referimos no texto. Por este motivo fizemos usos das aspas.
13 Alusão ao conto Biblioteca de Babel, em que Jorge Luis Borges imagina como seria a bi-
blioteca babilônica, sendo esta infinita. A biblioteca babilônica de Borges valoriza a leitura, não é
tão ordeira permitindo leituras saltadas e não sequenciais e mistura diversas referências. Borges,
inconscientemente e de forma ficcional, trazia elementos percebidos pela contemporaneidade,
com o acesso a Big Data.
CAPÍTULO 1 - 21
REFERÊNCIAS
ASIMOV, Isaac. Eu, Robô. 1 Ed. Editora Aleph. São Paulo, 2014.
BORGES, Jorge Luis. Ficções. 1 Ed. Companhia das Letras. São Paulo, 2007.
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Yale University Press, 2000.
HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. 22 Ed. Rio de Janeiro. Editora Biblioteca
Azul, 2014.
WATERS, Roger. Welcome to the Machine. In: FLOYD, Pink. Wish you Were Here.
Harverst EMI, 1975.
22 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
CAPÍTULO 2 - 23
2
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA ECONOMIA
CRIATIVA E DIREITOS AUTORAIS
Lucie Menegon Alessi14
INTRODUÇÃO
Este estudo versa sobre a propriedade intelectual da arte “criada” por Inte-
ligência Artificial. Neste viés, objetiva investigar as possíveis soluções oferecidas
pelo Direito às questões oriundas dos avanços tecnológicos frente ao aperfei-
çoamento e evolução da Inteligência Artificial. A principal motivação para o
presente estudo é o desejo de estudar as questões inerentes ao desenvolvimento
de “Artistas Artificiais” - através de sistemas artificiais autônomos de criação
artística com capacidades semelhantes às dos artistas humanos.
A Inteligência Artificial (IA) é um ramo da ciência da computação em que
as máquinas podem sentir, aprender, pensar, agir e adaptar-se ao mundo real,
ampliando e simulando a capacidade humana, automatizando tarefas e ajudan-
do a solucionar alguns dos problemas sociais mais desafiadores. Exemplos de
14 Advogada nas áreas de Direito Autoral e Gestão de Negócios, com MBA em Business Law
pela FGV e Pós-Graduação em Gestão de Empresas e Negócios pela ESPM-Sul, Propriedade
Intelectual, Direito Autoral, Blockchain e Novas Economias pelo ITSRJ, Advanced em Negócios
Exponenciais pela Harvard Business Review. Mestranda em Gestão Empresarial pela Universi-
dade Autônoma de Lisboa. Membro da comissão executiva do Legal Hackers Porto Alegre e da
comissão AB2L Porto Alegre. E-mail: lucie@ascadvogados.com.br.
24 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
projetos de (IA) clássicos como Deep Blue (que superou o campeão de xadrez
Kasparov) e Jeopardy da IBM, bem como o AlphaGo e Deep Mind da Google
reforçam as evidências de que estamos no caminho da singularidade das má-
quinas, conforme defende o futurista Raymond Kurzweil (OLIVEIRA, 2018).
O estudo When Will Artificial Intelligence Exceed Human Performance? re-
alizado por investigadores da Universidade de Yale (Estados Unidos) e Uni-
versidade Oxford (Reino Unido) recolheu a opinião de 352 cientistas e espe-
cialistas renomados segundo os quais daqui a 45 anos há 50% de probabilidade
das tarefas ocupadas por humanos conseguirem ser superadas por um sistema
de Inteligência Artificial, sendo que em cerca de 10% das probabilidades a data
reduz para nove anos.
O relatório confirma a Lei de Moore e retrata a exponencialidade da evolução
tecnológica e as mudanças completas da sociedade como conhecemos. Segundo
os alertas do físico Stephen Hawking, os humanos estão limitados a sua evolu-
ção biológica e não poderão competir com a Inteligência Artificial, uma vez que
se tornará independente e veloz (GRACE et al., 2018).
Desta forma, frente às conclusões de um futuro previsível, vive-se uma
mudança de era na qual é impossível ignorar os avanços da tecnologia (neuro-
tecnologia), notadamente da Inteligência Artificial, e seus reflexos nas relações
humanas, o que gera um sem número de indagações e desafios. O primeiro pas-
so neste caminho consiste na análise do estado da arte no domínio da aplicação
da Inteligência Artificial em atividades artísticas.
Sabe-se, também, que o Direito é demasiado lento para acompanhar todas
as transformações sociais, ou seja, não é tão rápido para debater e regulamentar
questões oriundas do desenvolvimento tecnológico, e que a eficácia das normas
jurídicas dependerá da capacidade de seus operadores em acompanhar as trans-
formações sociais, econômicas e políticas.
Com foco no exposto, este estudo é relevante porque as inúmeras ques-
tões geradas pela criação por Inteligência Artificial demandam potencialmente
a definição dos novos direitos autorais, em razão da diversidade de situações
surgidas dessa nova realidade. Para trazer a lume este tema, inicialmente são
CAPÍTULO 2 - 25
1 INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E
CRIATIVIDADE: POSSIBILIDADES
A Inteligência Artificial, por outro lado, é definida por Teixeira (2014, n.p.)
como “uma tecnologia que fica a meio caminho entre a ciência e a arte”, cujo
propósito “é construir máquinas que, ao resolver problemas, pareçam pensar”. Se
o segredo da inteligência humana é a fisiologia do cérebro, que é formado pelos
neurônios e pelas ligações entre eles, a Inteligência Artificial, como a própria
denominação indica, utiliza redes neurais construídas para simular o processa-
mento cerebral, criando “artificialmente” um modelo bastante aproximado do
cérebro humano (TEIXEIRA, 2014).
Pode-se estudar a relação do comportamento de expressão criativa através
da aplicação de técnicas de IA sob dois paradigmas 18 composicionais: com-
posição assistida pelo computador e composição pelo computador (ROADS,
1996; POHLMANN, 2002). No primeiro paradigma, a composição artística é
realizada por um usuário através do auxílio do computador. A segunda aborda-
gem diz respeito à composição totalmente realizada por um computador, sendo
bem mais promissor para o estudo do ponto de vista da inteligência artificial
(ROADS, 1996).
Mas a inteligência artificial poderá ser consciente, além de criativa? Em
um texto postado no portal The Conversation, Subhash Kak, professor de en-
genharia elétrica e computacional da Universidade Estadual de Oklahoma, nos
Estados Unidos, que trabalha na aprendizagem mecânica e na teoria quântica,
discute essa possibilidade. Ele relata que os pesquisadores estão divididos sobre
se esses tipos de máquinas hiperconscientes existirão, e aponta que tudo depen-
de do que entendemos por consciência (MAES, 2017).
A maioria dos cientistas da computação acredita que a consciência é uma
característica que à medida que a tecnologia se desenvolve. Alguns acreditam
que a consciência envolve a aceitação de novas informações, armazenamento
e recuperação de informações antigas e processamento cognitivo de tudo em
percepções e ações”, define Kak. Ele diz que, se definirmos a consciência assim,
“um dia as máquinas serão, de fato, a consciência final” (MAES, 2017).
Em contraste desta perspectiva, Jan Vogler, violoncelista clássico nascido
na Alemanha e residente em Nova York, afirmou que a arte, ligadas ao consci-
CAPÍTULO 2 - 27
ência criativa é o que nos faz humanos (NAKAZAWA, 2018), fazendo surgir
uma importante questão: e se as máquinas puderem criar arte?
De certa forma. Há anos, segundo Oliveira (2018), computadores – e sof-
twares – são utilizados para a concepção de obras protegidas por direitos auto-
rais. Assim, livros são escritos no Microsoft Word, sistema integrante da plata-
forma Office; projetos de arquitetura são desenvolvidos no AutoCAD, software
criado pela Autodesk, Inc., em que CAD significa Computer Aided Design, ou,
em português, desenho auxiliado por computador; imagens são editadas com
Photoshop, desenvolvido pela Adobe Systems, caracterizado como editor de
imagens bidimensionais; e artistas utilizam software para esboçar, criar, retocar
e finalizar suas obras.
A Inteligência Artificial vem sendo empregada na música, e não é uma
prática recente, haja vista que a primeira partitura composta com a ajuda de
máquinas data de 1957, chama-se “Suíte Illiac” e foi inspirada nos corais de Bach
(NOGUEIRA, 2018). Ademais, um projeto desenvolvido pela Sony em parce-
ria com a Universidade Pierre e Marie Curie, em Paris, por mais de vinte anos,
resultou na Flow Machine Composer, um código que permitiu que a Inteligên-
cia Artificial gerasse músicas automaticamente ou em colaboração com artistas
(TEIXEIRA, 2018). Em janeiro de 2018, foi lançado um álbum com quinze
músicas, cujos padrões de artistas e de estilos são identificados pelo sistema
e reproduzidos, gerando novas composições, uma delas – One Note Samba, ou
Samba de uma nota só – no padrão de Tom Jobim (NOGUEIRA, 2018).
Carboni (2017) comenta que o rapper Sabotage, falecido em 2003, “ressus-
citou” de certa forma treze anos mais tarde com a música Neural, lançada pelo
Spotify e criada com base na utilização de Inteligência Artificial e com o auxílio
da família, amigos e antigos produtores do artista.
Na seara das artes plásticas, cabe mencionar “About a Theory of ‘Graffiti’”,
obra criada por um computador “treinado” com imagens referência de grafita-
gem, que controla um cabeçote de plotagem que borrifa água e tinta sobre blo-
cos de concreto, e resultou em desenhos considerados uma nova forma de arte
gerada por Inteligência Artificial.
28 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
um dia um robô fizer isso significa que ele criou algo realmente original. Até
2016 nenhuma máquina passaria no teste de Lovelace, mas no de Turing, algu-
mas já passariam, principalmente quando o assunto é criar videogames (AS-
SENNATO, 2016).
Ainda, Julian Togelius, professor do departamento de Engenharia da New
York University, trabalha para criar computadores mais inteligentes do que os
humanos, e a sua pesquisa é voltada a videogames onde os personagens do jogo
são dotados de inteligência artificial criativa. Ele é pioneiro no uso dos chama-
dos “algoritmos evolutivos”, que são inspirados em funções biológicas, como
mutação, reprodução e seleção natural, e que são capazes de se adaptar às habi-
lidades e preferências do jogador.
O professor trabalha ainda com um sistema chamado geração processual
de conteúdo, seguindo a tese de que as próprias máquinas serão capazes de criar
conteúdos do jogo, ou até um game inteiro, com base em seus próprios algo-
ritmos. Ele acredita que, dessa forma, os computadores se tornem ainda mais
criativos do que os humanos, os quais, segundo ele, acabam se plagiando incons-
cientemente diversas vezes (ASSENNATO, 2016).
Por fim, cumpre mencionar o movimento Ciborgue, o qual conceitualmen-
te é explicado pelo hibridismo entre o ser humano e a máquina, frente a incor-
poração das tecnologias nos modos de existência humana (HARAWAY, 2000).
O nome do “primeiro ciborgue” é Neil Harbisson, reconhecido em 2016.
Tal ideia foi concebida após uma reflexão sobre a necessidade de esta-
belecer uma relação mais íntima entre os seres humanos e máquinas, em um
momento em que o tema da exploração espacial começava a ser discutido. O
cientista Clynes, desenvolvedor de instrumentação fisiológica e de sistemas de
processamento de dados, transmitiu essa ideia escrevendo uma introdução para
o livro Cyborg: evolution of the superman (1965) de D. S. Halacy, onde fala de
“uma nova fronteira”, não meramente espacial mas, mais profundamente, o re-
lacionamento entre o “espaço interior” e o “espaço exterior” - ou seja, uma ponte
entre a mente e a matéria.
30 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
Encerrando este tópico, observa-se que se por um lado restou provado que
a criatividade humana pode, numa justa dimensão, ser “replicada” pela Inteligên-
cia Artificial, e por consequência, surgem inúmeros questionamentos sobre os
conceitos de criatividade, arte, direitos do autor, e os efeitos gerados no campo
da propriedade intelectual são analisados a seguir.
Carboni (2017, n.p.) também atenta para o fato de que o Código Civil
brasileiro “estabelece que a capacidade de direitos e deveres na ordem civil é ex-
clusivamente da pessoa humana (pessoa física), apesar de países como a Arábia
Saudita já terem reconhecido a personalidade jurídica e concedido a cidadania a
uma robô, como é o caso da Sophia”. É pertinente esclarecer que Sophia é uma
robô – desenvolvido pela Hanston Robotics, com sede em Hong Kong – capaz
de aprender a expressar emoções cocomo os humanos. Pela ONU, foi nomeada
34 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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abs/1705.08807>. Acesso em: 19 nov. 2018.
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40 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
CAPÍTULO 3 - 41
3
ADVOCACIA 4.0 E A REINVENÇÃO
DAS ORGANIZAÇÕES JURÍDICAS
Gérson Salvi Cunha15
INTRODUÇÃO
15 Estrategista nas áreas de Gestão, Inovação e Reestruturação Empresarial, membro do Stra-
tegic Management Society (SMS), Mestrando em Gestão Empresarial pela Universidade Autô-
noma de Lisboa, possui Especialização em Recuperação de Empresas pelo INSPER/SP, Pós-
-graduação em Marketing e Comunicação pela ESPM-Sul, cursou Governança Corporativa em
Empresas Familiares pelo IBCG, Advanced em Negócios Exponenciais pela Harvard Business
Review, é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. E-mail: gerson@ascadvogados.
com.br.
42 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
a quarta onda de revolução é irreprimível, não poderá ser detida por ne-
nhuma força reacionária e o futuro de internet onipresente, interação com
bots, machine learning, big data, e-commerce e inteligência artificial, permi-
tirão transformações ainda mais radicais nas relações humanas e entre
clientes, empresas e corporações. A advocacia vive intensamente este mo-
mento e seus agentes não podem pecar por omissão ou mesmo inaptidão,
visto que a boa aceitação dos serviços já ofertados, por meio de platafor-
mas virtuais bem estruturadas e acessíveis, confirma essa nova realidade.
CONCLUSÃO
Com foco em todo o exposto, este breve estudo enfatizou que a quarta
revolução é essencialmente digital, mas tem força suficiente para reestruturar
um segmento tão tradicional como é o jurídico. Delineando, assim, a figura de
um novo advogado que tem a tecnologia como aliada e que usa estratégias de
gestão tanto no exercício da sua profissão quanto para imprimir excelência no
atendimento ao seu cliente.
A profundidade desta mudança no âmbito jurídico é tamanha que os tradi-
cionais tribunais superiores no Brasil – inclusive a máxima corte da Justiça, que
é o Superior Tribunal Federal, o guardião da Constituição – agora fazem uso de
robôs com Inteligência Artificial.
Ademais, não se pode perder de vista na implementação do debate sobre
a advocacia 4.0 que os clientes também são afetados por essa transformação,
porque hoje eles têm acesso à informação, e futuramente, como já comentado,
mais dados estarão ao seu alcance, inclusive fornecidos pelos grandes escritórios
50 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
REFERÊNCIAS
BLOMBERG, Jason. Innovation takes the exponential express. Disponível em: <ht-
tps://www.wired.com/insights/2015/01/innovation-takes-the-exponential-express/>.
Acesso em: 19 nov. 2018.
CAPÍTULO 3 - 51
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GOMES, Helton Simões. Como as robôs Alice, Sofia e Mônica ajudam o TCU a
caçar irregularidades nas licitações. G1 Tecnologia, 18 mar. 2018. Disponível em:
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nica-ajudam-o-tcu-a-cacar-irregularidades-em-licitacoes.ghtml>. Acesso em: 19 nov.
2018.
GROSS, Eduardo. O mindset da advocacia 4.0. Publicado em: 2 ago. 2018. Disponível
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-so-sabe-direito-conheca-o-conceito-de-t-shaped-lawyer-ou-advogado-4-0/>. Acesso
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MARTINS, Victor Hugo Coelho. Advocacia 4.0: a imperiosa revolução sem prece-
dentes. Publicado em: 26 jun. 2018b. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/
52 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
dePeso/ 16,MI282517,81042-Advocacia+40+A+imperiosa+revolucao+sem+preceden-
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MENA, Isabela. Verbete Draft: o que é Exponencialidade. Projeto Draft, 6 set. 2017.
Disponível em: <https://projetodraft.com/verbete-draft-o-que-e-exponencialidade/>.
Acesso em: 19 nov. 2018.
SILVA, Davi Gabriel da. Teal: o futuro das organizações. Publicado em: 5 maio 2018.
Disponível em: <https://ofuturodascoisas.com/teal-o-futuro-das-organizacoes/>.
Acesso em: 18 nov. 2018.
TAURION, Cezar. Ainda existirão advogados no futuro? Publicado em: 21 abr. 2016.
Disponível em: <http://cio.com.br/opiniao/2016/04/21/ainda-existirao-advogados-
-no-futuro/>. Acesso em: 19 nov. 2018.
4
A EPIDEMIA NA PROPAGAÇÃO DAS FAKE NEWS
SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO BRASILEIRO
Rafael Caselli Pereira16
1 INTRODUÇÃO
16 Advogado. Doutorando e Mestre pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul - PUCRS. Membro da ABDPro - Associação Brasileira de Direito Processual, Membro do
IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil, Membro do CEAPRO - Centro de
Estudos Avançados de Processo; Pós-Graduado e Membro Honorário da ABDPC - Academia
Brasileira de Direito Processual Civil. Autor de diversos artigos e livros jurídicos. E-mail de con-
tato: rafaeladv2011@gmail.com.
54 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
17 Sobre a expressão “novos direitos”, sugere-se a leitura de BARILEI, Paolo. Diritti e libertà
fondamentali. In: RICCOBONO, Francesco. (Org.) Nuovi diritti dela società tecnológica. Mi-
lano: Giuffrè, 1991, p.1-12.
CAPÍTULO 4 - 57
18 Sua incidência pode dar-se por qualquer medida de tempo (ano, mês, quinzena, semana, dia,
hora, minuto, segundo) ou por quantidade de eventos em que a medida restou descumprida, de-
pendendo da finalidade e do objeto a ser tutelado, sendo devida desde o dia em que se configurar
o descumprimento e incidirá enquanto a decisão não for cumprida.
19 Sobre o tema, sugere-se a leitura do que propomos com a 2.ª edição de nossa obra: PEREI-
RA, Rafael Caselli. A multa judicial (astreinte) e o CPC/2015 – visão teórica, prática e jurispru-
dencial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.
CAPÍTULO 4 - 59
20 Sobre o ponto, sugere-se a leitura do capítulo 15, item 15.6 de nossa obra, onde sugerimos
critérios para o momento de fixação e critérios para modulação do quantum final alcançado pela
astreinte – uma proposta de fundamentação qualificada do processo, a partir da sistematização das
bases ideológicas do Novo Código. (PEREIRA, 2018, p. 306-322).
21 A indenização por perdas e danos dar-se-á, sem prejuízo da multa fixada periodicamente,
para compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação.
60 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
À luz desses princípios, é forçoso concluir que, sempre que os direitos cons-
titucionais são colocados em confronto, um condiciona o outro, atuando como
limites estabelecidos na própria Lei Maior para impedir excessos e arbítrios.
Assim, se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação
contrapõe-se o direito à inviolabilidade da vida privada, da honra e da imagem,
segue-se, como consequência lógica, que este último condiciona o exercício do
primeiro, conforme leciona Cavalieri Filho (2007).
A multa (tutela inibitória) não é um fim em si mesma, mas o meio que,
portanto, só existe e se justifica para a garantia do moderno processo de resul-
tados através do cumprimento da obrigação determinada que, nada mais é, do
que a entrega do bem da vida, de forma sumária e antecipada, nas obrigações
de fazer e de não fazer. Não visa compensar (tutela ressarcitória) o prejudicado,
que sofreu um dano pelo ato ilícito causado por todo aquele que cria, divulga,
propaga, dissemina e, inclusive, compartilha fake news. Sendo de conhecimento
notório que, em relação à mensuração dos danos inexiste no sistema brasileiro
critérios fixos e objetivos para tanto, propõem-se, neste item, alguns critérios a
serem considerados pelo Poder Judiciário para fixação da indenização por danos
morais pela propagação das fake news.
A nosso ver, a partir do caso concreto, o juiz deverá sempre considerar os
aspectos subjetivos dos envolvidos, tais como: a) condição social, cultural e con-
dição financeira do ofensor e do ofendido; b) a intensidade do abalo psíquico
suportado consubstanciado pela extensão do dano, que poderá ser mensurado
através da quantidade de visualizações e compartilhamentos da notícia falsa,
sendo que, mesmo que tal dano possa ser considerado in re ipsa, ou seja, inde-
pendente de prova, a prova testemunhal ou o resultado de uma eleição em que
determinado político foi derrotado pela quantidade de notícias falsas divulgadas
CAPÍTULO 4 - 61
contra si, podem ser considerados para se alcançar o valor devido, a título de
reparação por danos morais e materiais. Por fim, considerando a relevância do
tema e da gravidade dos danos sofridos pelo ofendido com base em fake news,
que terá sua reputação atinginda pelo resto de sua vida, é imperioso que as con-
denações sejam exemplares, tendo como justificativa: c) o caráter punitivo e, ao
mesmo tempo, pedagógico da medida.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ÉPOCA. Se é falsa, não pode ser notícia. 2018. Disponível em: <https://epoca.globo.
com/brasil/noticia/2018/04/se-e-falsa-nao-pode-ser-noticia.html?q=Quem+coman-
da+as+maiores+f%C3%A1bricas+de+not%C3%ADcias+falsas+nas+redes&enviar=En-
viar>. Acesso em: 10 jun. 2018.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume 2: teoria geral das
obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004.
LONGHI, João Vitor Rozatti. Marco Civil da Internet no Brasil: breves considera-
ções sobre seus fundamentos, princípios e análise crítica do regime da responsabili-
dade civil dos provedores. In: MAGALHÃES, Guilherme Martins (Coord.). Direito
privado e Internet. São Paulo: Atlas, 2014.
LUCCA, Newton de. Direito e internet: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo:
Quartier Latin, 2008.
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JEWKES, Yvonne (Eds.). The Media Studies Reader. London: Arnold, 1998.
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral na internet. São Paulo: Método, 2001.
STRAUSS, Jared; ROGERSON, Kenneth. Policies for online privacy in the United
States and the European Union. Telematics and Informatics, n. 19, p. 173-192, 2002.
SUNSTEIN, Cass Robert. A verdade sobre os boatos: como se espalham e por que
acreditamos neles. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
VOSOUGHI, Soroush; ROY, Deb; ARAL, Sinan. The spread of true and false
news online. 2017. Disponível em: <http://ide.mit.edu/sites/default/files/publica-
tions/2017%20IDE%20Research%20Brief%20False%20News.pdf>. Acesso em: 11
jun. 2018.
CAPÍTULO 5 - 65
5
CLOUD COMPUTING: UM ESTUDO DA
JURISDIÇÃO APLICÁVEL A PARTIR DOS
TERMOS DE SERVIÇO DO DROPBOX E
DA AMAZON WEB SERVICES (AWS)
1 INTRODUÇÃO
22 Mestre em Direito Público pela UNISINOS. Especialista em Relações Internacionais pela
Verbo Jurídico. Pós-graduanda em Tecnologia e Inovações Web pelo SENAC. Bacharela em Di-
reito pelo UniRitter. Professora de Direito Internacional na UNIFIN, empresária e Advogada.
E-mail: vanessaolbernardi@gmail.com
23 Bacharel em Ciências da Computação pela PUCRS. Arquiteto de Software na e-Core e
empresário. E-mail: andreymoser@gmail.com
66 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
24 O NIST é o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, foi fundado em 1901 e faz parte do
Departamento de Comércio dos EUA, sendo um dos mais antigos laboratórios de ciências físicas
do país. (NIST, 2017)
25 As características que compõem esse modelo de serviço são: i) serviço sob demanda, ii) ampla
rede de acessos, iii) agrupamento de recurso, iv) rápida elasticidade, e, v) serviço medido. (MELL,
2011, p. 3).
26 Devido à delimitação do presente artigo, não será apresentado os modelos de implantação,
mas salienta-se que há quatro, quais sejam: público, privado, comunitário ou híbrido. Para saber
mais, ver: Mell, 2011.
68 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
3 ESCOLHENDO A JURISDIÇÃO
27 As hipóteses de competência concorrente estão presentes no art. 12 caput da LINDB e nos
artigos 21 e 22 do CPC. Tratam-se de hipóteses bastante amplas de possibilidade de julgamento
pelo judiciário brasileiro.
28 A única possibilidade de competência exclusiva diz respeito a ações relativas a bens situados
no território nacional (art. 23 CPC e art. 12, §1 LINDB).
29 Na competência concorrente, é possível que a sentença estrangeira proferida por outro país
seja homologada pelo judiciário brasileiro pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), desde que
cumpra os requisitos legais, quais sejam, aqueles previstos nos art. 15 da LINDB e no art. 963 do
CPC.
30 Na competência exclusiva, em regra, não é possível a homologação da sentença estrangeira
proferida por outro país, principalmente por entender que sua homologação feriria a soberania
nacional (art. 17 LINDB).
CAPÍTULO 5 - 71
Desse modo, como regra geral, todo e qualquer conflito relacionado aos
serviços prestados pela empresa devem ser encaminhados aos tribunais da Cali-
fórnia, Estados Unidos da América. Entretanto, há uma ressalva, qual seja a de
existência de normas que protegem o consumidor, exceção que se entende ser
aplicada no Brasil, diante da existência de normas de proteção ao consumidor –
Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Entretanto, diferentemente dos consumidores, que são os usuários finais
de serviços na nuvem, os serviços da AWS oferecidos pela Amazon tem como
objetivo atingir um outro publico mais específico, quais sejam, os especialistas
de tecnologia. A AWS disponibiliza tanto soluções PaaS como IaaS para desen-
volvedores e especialistas de infraestrutura.
A AWS é uma plataforma da Amazon que “consiste em produtos e servi-
ços em nuvem seguros que oferecem poder computacional, armazenamento de
banco de dados, entrega de conteúdo” (AMAZON, s/d), entre outras soluções
32 Aqui utiliza-se a palavra aplicativo como qualquer sistema ou aplicação disponibilizado atra-
vés da Internet, e não com o viés de aplicativo apenas mobile (para celular).
33 Art. 2 CDC.
CAPÍTULO 5 - 73
Amazon
Web Services Leis de Luxemburgo Tribunais de Luxemburgo
EMEA SARL
Amazon Web
Leis de Washington Tribunais de Washington
Services, Inc.
34 A ideia desse trabalho não é estudar especificamente sobre a legislação a ser aplicada, prin-
cipalmente por uma questão de delimitação do tema, mas preferiu-se trazer de forma ampla a
jurisdição e a legislação aplicável no caso do contrato.
74 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
processo deverá ser interposto nos Tribunais de Washington com aplicação das
leis locais.
Diante disso, é importante lembrar que não apenas as grandes empresas
estão utilizando os recursos de cloud computing, mas principalmente os pequenos
desenvolvedores e as startups. Esses recursos estão sendo amplamente utiliza-
dos, especialmente porque permite a economia de todos os custos computa-
cionais, como infraestrutura e custos indiretos, como eletricidade, engenheiros,
entre outros. (HAJIBABA; GORGIN, 2014, p. 70-71).
Diante disso, é possível identificar uma relação desproporcional, princi-
palmente porque, se de um lado existe a presença de uma das maiores empresas
do mundo, de outro pode haver uma pessoa física ou até mesmo uma pequena
empresa. Assim, há uma lacuna no direito a qual deve ser estudada, para que
possam surgir propostas e soluções que, de certo modo, protejam esses consu-
midores intermediários.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
______. Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>.
Acesso em: 09 nov. 2018.
76 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
______. Marco Civil da Internet. Brasília: Senado Federal, 2014. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso
em: 09 nov. 2018.
BUYYA, Rajkumar et al. Cloud computing and emerging IT platforms: Vision, hype,
and reality for delivering computing as the 5th utility. Future Generation computer
systems, v. 25, n. 6, p. 599-616, 2009.
DROPBOX. Termos de Serviço do Dropbox. [s.l, 17 abr. 2018]. Disponível em: <ht-
tps://www.dropbox.com/pt_BR/privacy#terms>. Acesso em: 11 nov. 2018.
MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. vol. 1. 4 ed. Rio
de Janeiro: Editora Forense, 1971. p.31; BARROSO, Darlan. Teoria geral e processo
de conhecimento. Barueri, SP: Manole, 2003. p.46.
MELL, Peter et al. The NIST definition of cloud computing. 2011. Disponível em:
CAPÍTULO 5 - 77
<https://nvlpubs.nist.gov/nistpubs/legacy/sp/nistspecialpublication800-145.pdf>.
Acesso em: 06 nov. 2018.
PALLIS, George. Cloud computing: the new frontier of internet computing. IEEE
internet computing, v. 14, n. 5, p. 70-73, 2010.
6
SMART CONTRACTS EM BLOCKCHAIN:
GARANTIA DE “BOA-FÉ COMPUTACIONAL”
Carolina Trindade Martins Lira35
1 INTRODUÇÃO
35 Acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: ca-
rolt06@gmail.com.
80 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
árduo, além de que a vida útil dos contratos era curta, dificultando a execução
de outros modos que não fossem pelo uso compulsório da força. O contrato
escrito formalizou algumas situações, tornando-se “uma maneira de codificar
uma obrigação, de estabelecer confiança e definir expectativas”. (TAPSCOTT,
2016, p. 137).
É preciso ter em mente que o ecossistema digital em que vivemos pede
mais do que a simples digitalização dos contratos físicos para fins de organização
sistêmica, ou com o cuidado para com os papéis e documentos em geral. Essa
prática já não corresponde às necessidades atuais nem inserem de forma satis-
fatória os contratos nesse meio. Faz-se necessário compreender que, apesar do
apreço especial que os operadores do direito têm pelo papel, seu uso tende a
se tornar cada vez menor. Através dessas novas formas de elaboração do ins-
trumento de contrato, a própria gestão destes é facilitada pela capacidade de
manutenção proporcionada pelo armazenamento computacional e acompanha-
mento eficaz de etapas contratuais. É importante estar apto para fazer uso das
informações apresentadas pelo contrato e decidir de forma mais célere, através
da livre e fácil navegação. (LIMA; NYBO; PAZETTI, 2017).
Os contratos ordinários, previstos em espécies no Código Civil, têm como
função principal a documentação de acordos, sendo assim muito limitados. Se,
tal qual preveem Jensen e Mickling (1976), as corporações e entidades, de modo
geral, são tão somente um conjunto de contratos e relações consensuais, seria
quase mágica a abertura de possibilidades que os softwares distribuídos no blo-
ckchain poderiam ocasionar, facilitando a colaboração entre negócios, bem como
entre eles e os recursos externos. Desta feita, através da redução dos custos de
contratação proporcionada pela tecnologia, faz-se possível a maior abertura das
empresas, com o desenvolvimento de novos relacionamentos fora da sua redoma.
CAPÍTULO 6 - 81
Pensado por Nick Szabo na década de 1990, foi descrito como sendo um
protocolo de transação informatizado, que executa os termos de um contrato,
satisfazendo as condições contratuais comuns, minimizando as falhas maliciosas
e acidentais, reduzindo a necessidade de intermediários de confiança. O que a
ferramenta proporciona, economicamente e de forma prática, é a redução dos
custos de elaboração e de execução, além de outros custos de transação. (SZA-
BO, 1997).
Esse conceito foi, porém, melhorado e tomou vida, de forma efetiva, anos
depois, com o advento do blockchain do Bitcoin (NAKAMOTO, 2009), que per-
mitiu as correções das quais necessitava pela ausência de tecnologia disponível
para a implantação da forma pensada inicialmente.
A diferença pontual está na transformação das cláusulas em transações
perpétuas e invioláveis, que ficariam guardadas de forma duradoura, construin-
do um histórico acessível e quase inabalável, na medida em que hackear a rede
requer, por vezes, um gasto de tempo e recursos que não compensaria os lucros
corruptos eventualmente obtidos. Juridicamente, um Smart Contract pode ser
utilizado como rastro auditável, cujo objetivo é provar se os termos acordados
foram ou não cumpridos, favorecendo um compliance36 específico que elimina o
problema da corrupção nas auditorias em virtude da sua imutabilidade.
Desde 2015, a partir do White Paper intitulado “A Next-Generation Smart
Contract and Descentralized Application Plataform”, quando a plataforma Ethe-
reum transformou a programação desses contratos em pilar de sustentação da
estrutura blockchain, o conceito vem sem popularizando. Como decorrência,
acordos sem pagamento deixam de ser uma realidade à medida que as tran-
36 Proveniente do inglês to comply, que significa estar em conformidade, agir de acordo com uma
regra, instrução, comando ou pedido. Na prática, compliance é o conjunto de disciplinas utilizadas
como ferramenta para fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes
estabelecidas institucionalmente, bem como evitar, detectar e tratar desvios ou quaisquer incon-
formidades possíveis.
84 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil. Lei nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 5 jul. 2018.
______. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. Disponí-
vel em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.
htm>. Acesso em: 5 jul. 2018.
SZABO, Nick. A formal language for analyzing contracts. 2002. Disponível em: <ht-
tps://nakamotoinstitute.org/contract-language/>. Acesso em: 2 out. 2018.
7
A TRIBUTAÇÃO DA RENDA DA PESSOA
FÍSICA NO USO DAS CRIPTOMOEDAS:
O CASO DO BITCOIN
Graziela Moraes38
1 INTRODUÇÃO
38 Graziela Moraes, doutoranda em ciências jurídicas pela UAL – Universidade Autônoma de
Lisboa, advogada. E-mail: grazimoraes.adv@gmail.com
96 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
2 CRIPTOMOEDAS
Existem inúmeras espécies da “moeda”, das mais variadas naturezas, como lite-
coin; ethereum; ripple; monero, sendo a de maior notoriedade o bitcoin.
Atualmente há quem defenda que a criptomoeda é uma moeda virtual
descentralizada e independente de intervenção estatal, e há quem propague ser
um mero ativo. Não há, pois, na literatura, consenso quantoà natureza jurídica
da criptomoeda, como passaremos a exemplificar. É, pois, uma divisa virtual
criptografada. No caso, não basta ser digital para ser caracterizada como cripto-
moeda, é necessário que se utilize da criptografia.
A insegurança ainda assombra investidores e curiosos, ante a ausência de
regulação e incerteza quanto ao seu reconhecimento. No entanto, ninguém “quer
ficar de fora” da nova tendência, com o que Estados, empresas e companhias
vêm investindo nas suas próprias moedas. (BRANT; OLIVEIRA, 2018).40
2.1 BITCOIN
40 A startup portuguesa Aptoide lançou, em janeiro do corrente ano a moeda virtual AppCoins,
que em menos de 24 horas tornou-se uma das 50 criptomoedas mais valiosas. (NUNES, 2018).
41 Em março do corrente ano foi publicada uma pesquisa realizada pela agência de risco Weiss
Ratings, a qual identificou as piores criptomoedas. Em que pese o Bitcoin não tenha ficado entre
as moedas mais fracas, restou com a nota B-, abaixo de outras criptomoedas consideradas mais
fortes, como a NEO. In SA, Victor. As piores criptomoedas de acordo com a agência de risco
Weiss Ratings. (PORTAL DO BITCOIN, 20 de março de 2018). Atualmente, o bitcoin ocupa a
primeira posição no ranking da CoinMarketCap. (COINMARKETCAP:2018)
42 Gráfico histórico de preço do bitcoin. (BUY BITCOINS WORLDWIDE, 2018)
43 Até hoje a verdadeira identidade de Satoshi Nakamoto é desconhecida. Conta Luis Gallego
que: “[…] In May of the year (2015) one of the most promising announcements on the subject
occurred when Australian computer scientist Craig Wright, after several previous leaks by third
parties, claimed to be said person presenting a series of tests of this authorship, the nevertheless
were questioned by some experts. Craig Wright the promised to broadcast the final test, which
would consist of transferring bitcoins from one of the initial transaction blocks, something that
98 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
At the end of October 2008, in the middle of the financial crisis, Satoshi
Nakamoto published, through the Cryptography Mailing List (crypto-
graphy@metzdowd.com) and the page: http.//www.bitcoin.org, his arti-
cle: ‘Bitcoin A Peer-to-Peer Electronic Cash System’, in which the author
presented his design for an electronic payment system without trusted
third parties […]. (GALLEGO, 2017).
the true founder could only do with his private key. Finally, however, he would end up recreating,
alleging the media and police harassment […]”. (GALLEGO, 2017).
44 Movimento dos anos 90 que visava criar meios que possibilitasse excluir o poder governa-
mental, passando para os indivíduos, com meios de pagamento e moeda unicamente virtual.
45 Gabriel Barros, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que o termo peer-to-peer
cuida-se de: “Um tipo de rede de computadores onde cada estação possui capacidades e respon-
sabilidades equivalentes. Isto difere da arquitetura cliente/servidor, no qual alguns computadores
são dedicados a servirem dados a outros”. (DURANTE, 2017).
46 Leia-se em sentido amplo: tablets, smartphones, laptops, etc.: “node”, na acepção técnica.
47 Em que pese a intenção de seu criador, a criatura assim não se desenvolveu. Vejamos: para
ser titular de Bitcoin, é necessário a detenção de uma wallet (carteira); dita carteira é gerenciada
por uma instituição criada para tal fim, a qual gera a chave privada e pública de determinada car-
teira, podendo o detentor possuir mais de uam carteira, dresde que cada uma tenha um numero
de Bitcoins, que não se confundem entre eles. Depois de criar sua carteira, através da qual poderá
transacionar operações ou efetuar pagamentos através do QR Code pessoal, é necessário “carregar”
a wallet, o que pode ser feito através da mineração ou da aquisição de moeda, pelo sistema peer-
-to-peer ou através da aquisição diretamente de Exchange. Ainda que as tarifas e taxas cobradas
pelas Ecxchanges sejam infinitamente desonerosas face às instituições financeiras, fato é que, na
prática, o Bitcoin necessita de terceiros para circular.
CAPÍTULO 7 - 99
48 Benito Arruñada, Professor em Pompeu Fabre University e Barcelona GSE, Barcelona, Es-
panha, em seu artigo especializado no tema capitulado: Blockchain in Public Registries, explica:
“Blockchain is the technology underpinning the Bitcoin cryptocurrency. As with any other type
of money, electronic currency must make sure that it changes hands without any risk of being
diverted and that it is not spent twice by the same individual. Tradicional payment systems solve
theses problemas by relying on central, specializaed and trusted third parties such as banks, pay-
ment systems, credit card companied and clearing houses. In contrast, the Blockchain solves them
with a peer-to-peer solution. It is able to replace the trusted third party because it contains the
history of all previous transactions, and therefore is a source of evidence for establishing who owns
what at any given moment”. (ARRUÑADA, 2017).
49 Existem 24 milhões espalhados pela rede que serão localizados até 2140, o que é possível de
se afirmar por se tratar de um script de cálculo exponencial. Nos primeiros 4 anos de criação lo-
calizavam-se 50 Bitcoins por minuto, passados 4 anos passou-se a encontrar 25 a cada 10 minutos,
daqui a 4 anos serão encontrados 12,5 Bitcoins a cada 20 minutos e assim exponencialmente até
a localização de todos Bitcoins gerados. O tempo é decorrente da complexidade do cálculo que
aumenta gradativamente na medida em que determinado número de Bitcoins for mineirado.
50 Escreveu em 26 de novembro de 2017.
100 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
Nesse contexto, o Bitcoin seria uma commoditie que é moeda, ou uma mo-
eda que é commoditie? A questão instiga juristas e economistas mundo a fora.
Não nos resta outra conclusão senão a de que o Bitcoin possui natureza híbrida.
Atualmente há quem o utilize como moeda60 e quem o torna um ativo61.
Não se pode olvidar que moedas são instrumentos monetários hábeis a dar
liquidez às transações, possui ampla aceitação e servem como referência de preço
dentro de sua territorialidade. Diante destas informações cogita-se, ao avaliar as
criptomoedas, a possibilidade de uma moeda isenta de vinculação estatal, novi-
dade esta que estremece o sistema atual e incita discussões.
O Banco Central Europeu (2018), ao definir dita criptomoeda, afirma que
se trata de um ativo especulativo, ante a ausência de autoridade pública central
que a emita, não ser aceita de forma universal, estar suscetível à ataque ciberné-
tico, e ser volátil.
A transação de criptomoedas por meio de bolsa de valores já é realidade no
Brasil, sob a denominação BOMESP – Bolsa de Moedas Virtuais Empresariais
de São Paulo – (UMPIERES, 2017) o que nos faz retomar à ideia de criptomo-
eda como commoditie e não essencialmente moeda.
Hoje, desvirtuando sua essência, é utilizada para especulação de mercado.
Amanhã, será utilizada essencialmente como moeda, só depende de seus ope-
radores.
No Brasil a curiosidade latente inspira estudos acerca do tema. A corte dos
Estados Unidos da América, ao julgar uma ação de fraude, sentenciou que Bit-
coin é commodity62. Na mesma via, o Comitê da Autoridade de Valores Mobiliá-
rios de Israel declarou formalmente que o Bitcoin não é valor mobiliário pois está
ausente o controle por uma entidade central, assim como não estaria limitada
60 Mundo a fora estabelecimentos comerciais vêm aceitando o pagamento de produtos e servi-
ços em Bitcoin.
61 A bolsa de valores de Chicago abriu o mercado de Bitcoin, o tratando como efetivo ativo. Da
mesma forma, há investidores que operam diariamente na compra e venda da criptomoeda.
62 Bitcoin cai após juiz dos EUA decidir que criptomoedas são commodities. In Cabeça Bitcoin
[em linha] 7 Mar. 2018 Disponível em: <https://cabecabitcoin.blogspot.com.br/2018/03/bitcoin-
-cai-apos-juiz-dos-eua-decidir.html?spref=fb&m=1>. Acesso em: 29 mar. 2018.
CAPÍTULO 7 - 103
63 RIGGS, Wagner. Israel declara que Bitcoin não é valor mobiliário. In Portal do Bitcoin [em
linha] 31 Mar 2018. Disponível em: <https://portaldobitcoin.com/israel-bitcoin-nao-e-valor-
-mobiliario/>. Acesso em: 31 mar. 2018.
64 Bitcoin. In: Infomoney [em linha] Disponível em: <http://www.infomoney.com.br/mercados/
bitcoin>. Acesso em: 19 nov. 2018.
65 Ainda sobre o tema, reportagem veiculada (ULRICH, 2018).
104 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
66 Ganho de capital é o lucro obtido com a alienação de determinado bem, obtido através do
cálculo aritmético de redução do custo de aquisição do valor de alienação do bem.
CAPÍTULO 7 - 105
[...] debemos advertir que nos encontramos ante un marco tributario in-
seguro y aún por definir. Como señala Lambooji, la calificación fiscal de
los BTCs está en su infancia en la mayor parte de las jurisdicciones y, allí
donde existen pronunciamentos, las soluciones adoptadas no son siempre
favorables al uso de este nuevo instrumento. (LEFEBVRE, 2015).
Não é difícil perceber que muito ainda se tem a descobrir sobre o bitcoin e
sua necessidade (ou não) de regulamentação e consequente tributação.
Vejamos.
Primeiro: como comprovar a operação? Temos que as transações com crip-
tomoedas se dão de forma unica e totalmente virtual, razão pela qual é aconse-
lhável que o próprio cidadão que transacionar o “ativo” arquive todas as transa-
ções realizadas da moeda virtual, ainda que através de “print” do comprovante,
para futura comprovação frente ao fisco, se necessário.
Segundo: é possivel atualizar o valor de aquisição da criptomoeda? Dis-
cute-se, ainda, no meio jurídico, a possibilidade de agregar valor às moedas ad-
quiridas em exercícios anteriores, diante da variação da cotação, no intuito de
minorar o ganho de capital futuro o que, em um primeiro momento, não se
vislumbra possível.
Terceiro: como declarar todas as transações? As transações deverao ser de-
claradas por intermédio do programa específico, fornecido pela Receita Federal
do Brasil, Programa de Apuração dos Ganhos de Capital o qual, no final do
exercício deverá ser sincronizado com o programa de Ajuste de Declaração da
renda das pessoas físicas. Nao obstante, é sabido que a maioria das transações
são realizadas através de intermediadoras, as chamadas exchanges de criptomoe-
das. Também é sabido que são inúmeras transações diárias, em virtude das espe-
culações de mercado. Há, portanto, a dúvida não elucidada se há a necessidade
de declarar todas as transações realizadas diariamente ou tão somente a entrada
e saída de ativo da conta da exchange para a conta da pessoa física. A questão
implica análise. O Fisco vem demonstrando que fiscalizará a integralidade das
operações realizadas pelas pessoas físicas, como veremos nas linhas a seguir.
Quarto: como as operações sao rastreadas? Em que pese acredita-se ser,
ainda, irrastreável a totalidade das operações, principalmente as realizadas p2p
(peer-to-peer68), a orientação é de que a declaração seja realizada com a maior
transparência possível, incluindo data e horário da operação, número exato de
moedas adquiridas e nome ou chave de identificação do vendedor, além, claro,
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
69 A Receita Federal promulgou instrução normativa criando a obrigação acessória às corretoras
e intermediadoras de criptomoedas, denominadas exchanges, para que informem mensalmente a
integralidade das operações realizadas por seus clientes. Veja que a Receita Federal se utiliza do
termo criptoativo. (RIGGS: 2018)
108 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
REFERÊNCIAS
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national Review. IPRA CINDER. 1ª ed. Jan-Jun. 2017.
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dium=social&utm_campaign=compfb>. Acesso em: 29 mar. 2018.
CABEÇA BITCOIN. Bitcoin cai após juiz dos EUA decidir que criptomoedas são
commodities. Disponível em: <https://cabecabitcoin.blogspot.com.br/2018/03/bit-
coin-cai-apos-juiz-dos-eua-decidir.html?spref=fb&m=1> Acesso em: 29 mar. 2018.
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so em: 29 mar. 2018.
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18 Dezembro 2017, às 14:20]. Disponível em: <https://europa.eu/european-union/
about-eu/money/euro_pt>. Acesso em: 27 dez. 2017.
110 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
GUSSON, Cassio. Had Fork no Bitcoin Cash acontece hoje: Entenda o caso e saiba
como manter seus ativos seguros. In: Criptomoedasfacil.com. Disponivel em: <https://
www.criptomoedasfacil.com/hard-fork-no-bitcoin-cash-acontece-hoje-entenda-o-ca-
so-e-saiba-como-manter-seus-ativos-seguros/>. Acesso em: 15 nov. 2018.
LEFEBVRE, Francis, et. al. Claves Prácticas. Tudo sobre Bitcoin: aspectos económi-
cos, fiscales, contables y administrativos. Madrid: Lefebvre-El Derecho, S.A, 2015.
ISBN 978-84-16268-66-5.
MARQUES, Diego. Bear Run: Preço do Bitcoin pode cair para US$3.500 antes
de saltar para $14,000. In: Guia do Bitcoin. Disponível em: <https://guiadobitcoin.
com.br/bear-run-preco-do-bitcoin-pode-cair-para-us-3-500-antes-de-saltar-pa-
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In Eco. Disponível em: https://eco.pt/2018/01/08/esta-criptomoeda-portuguesa-ja-e-
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SÁ, Victor. As piores criptomoedas de acordo com a agência de risco Weiss Ratings.
In: Portal do Bitcoin. Disponível em: <https://portaldobitcoin.com/as-piores-crip-
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ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Ludwig von
Mises Brasil, 2014. ISBN 978-85-8119-078-5.
______. Qual é afinal o valor do bitcoin para o investidor? Jornal Valor Econômico. 2
de março de 2018, p. C10.
8
BLOCKCHAIN: UM ÔNUS OU UM
BÔNUS PARA A CAPACIDADE
ARRECADATÓRIA DOS ESTADOS?70
Melissa Guimarães Castello71
1 INTRODUÇÃO
70 Este artigo foi originalmente publicado na Revista Interesse Público, Belo Horizonte, ano 20,
n. 108, p. 161-174, mar/abr 2018.
71 Procuradora do Estado do Rio Grande do Sul. Professora do curso de Relações Internacio-
nais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-Sul). Mestre em Direito pela Uni-
versity of Oxford (revalidado pela UFRGS), doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Estado do Rio Grande do Sul, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS,
com intercâmbio na University of Texas at Austin.
Endereço: Rua Marquês do Pombal, 1405/602, Porto Alegre-RS, CEP 90540-001.
Telefone: (51) 9 8187-1124. E-mail: melicastello@hotmail.com
114 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
2 APRESENTANDO O BLOCKCHAIN
72 O referido Instituto realizou um encontro para estudar os usos do blockchain para fins tribu-
tários nos dias 15 e 16 de março de 2017, conforme informações disponíveis em <https://www.
wu.ac.at/en/taxlaw/institute/gtpc/
current-projects/tax-and-technology/events/>. Acesso em: 22 jun. 2017.
73 A utilização por governos pode se dar de forma ampla, e vêm se destacando os usos para
facilitar o acesso do cidadão a serviços públicos, como ocorre com a unificação de diversos dados
pessoais em um único documento ou portal. Governos também podem utilizar o blockchain para
viabilizar o exercício do direito de voto a partir dos computadores pessoais dos cidadãos. Algumas
das experiências existentes nesta área estão descritas no capítulo 8 do livro de TAPSCOTT (2016,
p. 197-224).
74 Roma e Silva mencionam as corretoras “Mercado Bitcoin” e a “Bitcoin to you” como exemplos
de corretoras de criptomoedas no Brasil (ROMA; SILVA; 2016).
CAPÍTULO 8 - 117
75 Vide o artigo 24 do Decreto-lei n° 37/1966: “Para efeito de cálculo do imposto, os valores
expressos em moeda estrangeira serão convertidos em moeda nacional à taxa de câmbio vigente
no momento da ocorrência do fato gerador”.
118 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
parte dos contribuintes. Esta utilização passaria pela criação de smart contracts
como ferramenta para fiscalizar os contribuintes.
Segundo Tapscott, smart contracts são um método sem precedentes de
assegurar o cumprimento dos contratos (TAPSCOTT e TAPSCOTT, 2016, p.
47). Esta nova técnica contratual consiste em uma programação autoexecutável,
que dispara comandos automáticos, se e quando alguns eventos acontecem. Um
exemplo simples seria a pré-autorização para que o valor de determinado servi-
ço fosse automaticamente debitado no cartão de crédito, se e quando o serviço
fosse prestado. Um smart contract em blockchain permite esta automatização, e
dá às duas partes envolvidas na operação a segurança de que os comandos pré-
-autorizados não serão modificados, exceto se houver a mútua anuência para
repactuar o acordado, pois o conteúdo registrado no blockchain é imutável, como
já exposto. Além disso, os smart contracts podem ser validados de forma instan-
tânea, por todos os interessados, sem a necessidade de um intermediário nesta
operação. (BLOCKCHAIN, 2017, p. 9).
As autoridades tributárias podem utilizar smart contracts criando um sistema
em blockchain, programado para, toda vez que ocorrer determinado pagamento,
redistribuir os valores, de acordo com percentuais previamente estipulados, alo-
cando para o destinatário final o que lhe compete, e para o Estado o montante
do tributo a ser pago. (KAKAVAND; DE SEVRES; CHILTON, 2017, p. 19).
Essa programação pode ser especialmente útil nos casos de retenção na fonte:
imagine-se que o empregador ordene o pagamento do salário bruto para o em-
pregado, mas que o smart contract já dispõe de todas as informações necessárias
para calcular e pagar o imposto de renda retido na fonte, a contribuição
previdenciária devida pelo empregado, bem como todos os outros descontos
legais pertinentes. No momento em que o empregador autoriza o pagamento, o
valor é distribuído entre todos os envolvidos no processo, e o empregado recebe
seu salário líquido. (BLOCKCHAIN, 2017, p. 7).
Os custos operacionais para “rodar a folha de pagamentos” cairiam drasti-
camente, devido à eliminação de todo o trabalho que o empregador tem todos
os meses, para calcular e arrecadar todos os tributos devidos pelo empregado, pa-
CAPÍTULO 8 - 123
78 Nesses casos, o empregador acaba agindo como um verdadeiro agente do governo, ao calcular
e arrecadar todos os tributos devidos pelo empregado, como bem indicam os autores do texto
BLOCKCHAIN (2017, p. 7).
124 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Tribunais. , São Paulo: RT, v. 953, mar-2015. Disponível em: <https://proview.
thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/periodical/92292703/v20150953/docu-
ment/104521776/anchor/a-104521776.>. Acesso em: 22 jun. 2017.
GARCIA, Marco Aurélio Fernandes; OLIVEIRA, Jean Phelippe Ramos de. To bit
or not to bit?: vires in numeris. Propostas de regulação do uso de criptomoedas em
transações comerciais. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico – RFDFE,
Belo Horizonte, ano 5, n. 8, set./fev. 2016. Disponível em: <http://www.bidforum.com.
br/PDI0006.aspx?pdiCntd=239802>. Acesso em: 22 jun. 2017.
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SÁ, Victor. A Suécia começou oficialmente a usar a blockchain para registrar proprie-
dades. Disponível em: <https://portaldobitcoin.com/suecia-comecou-oficialmente-u-
sar-blockchain-para-registrar-propriedades/.>. Acesso em: 31 jul. 2017
CAPÍTULO 8 - 127
9
HOME SHARING E SUA APLICAÇÃO NO
BRASIL: UMA ANÁLISE LEGISLATIVA E
FUNDAMENTALISTA DO INSTITUTO
NAS RELAÇÕES LOCATÍCIAS
Marcelo Marques Forni79
1 INTRODUÇÃO
79 Advogado, formado em Direito pela Universidade de Caixas do Sul – UCS, Advogado, Pós-
-graduando em Direitos dos Negócios pela UNISINOS. E-mail: forni.marcelo@gmail.com
130 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
sem um vínculo profundo, criando assim o instituto do home sharing, esta por
sua vez, estabelecida dentro da economia compartilhada.
A “economia colaborativa”, como também é chamada a sharing economy,
visa utilizar os espaços ociosos da sociedade em prol da própria sociedade, trans-
ferindo a confiança (trust) que antes era provida pelo Estado para uma aplicação
tecnológica ou aos próprios usuários. Neste ponto não se insere a intenção de
lucro da empresa intermediadora e tampouco a solidez dos institutos legislativos
dos países, apenas o objetivo da sharing economy.
Em contraponto a esta liquidez e aparente facilidade trazida ao merca-
do, surgem problemas e preocupações das autoridades. Estas transitam entre
preocupações meramente comerciais, por interesse, por segurança e equilíbrio
comercial, padrão de prestação de serviço ou outros diversos motivos que
aparecem na prática cotidiana. Nesta senda, iniciam-se os questionamentos de
se a regulamentação destes institutos tecnológicos é necessária ou apenas opor-
tuna.
Percebe-se que o home sharing, em especial pelo AirBnB, aplicativo mais
popular neste ramo, aparece para mudar o paradigma de locações no cenário
brasileiro, levando ao direito uma necessidade de adaptação, seja para equalizar
as relações ou para determinar medidas de segurança ao consumidor e ao mer-
cado.
licença dada pelo Estado dizendo que aqueles estranhos são confiáveis (táxis),
por meio de uma plataforma digital que unifica os interesses dos usuários. Ou
seja, a trust que era dada pelo Estado foi transferida para o usuário, para a tecno-
logia aplicada e pelo filtro usado pela empresa nas relações comerciais.
Este implemento, ao chegar no mercado, foi saudado fortemente pela so-
ciedade em razão da facilidade de utilizar o produto e por colocar no mercado
uma competitividade antes quase inexistente ou inadaptada aos parâmetros de
preços confortáveis à sociedade. Nas palavras de Ranchordás, a economia cola-
borativa foi a digitalização de emprestar uma xícara de café.
O Home sharing, apresenta a mesma intenção do aplicativo Uber. Ele per-
mite que estranhos aluguem suas casas, quartos, apartamentos para outros estra-
nhos, sem que exista um prévio contato pessoal ou de avaliação do inquilino. Em
resumo, qualquer imóvel que possua uma finalidade de “hospedagem” pode ser
“locado”80 por um curto espaço de tempo, ou não, sem que este estabelecimento
esteja regulado e assentado nas estruturas tradicionais de confiança ou na prévia
formalidade entre inquilino e locador com análise de crédito, pagamento anteci-
pado da reserva, requerimento de fiador, entre outros requisitos legais.
Em suma, nas palavras de Lima (2017):
80 Utilizei aspas, pois não há definição correta ainda para estes institutos, ao tempo que não se
define como locação por temporada, uma locação comercial ou de qualquer outro gênero, visto
que tal instituto não está regulado, como será demonstrado no decorrer do estudo.
132 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
aquele que precisa daquele espaço ou tempo e que se interesse por aquele espaço
oferecido, basicamente como um Tinder nas relações afetivas, porém no âmbito
da locação. Segundo Ranchordás (2017, p. 5 e 11, grifo original):
Home sharing platforms are primarily “matchmakers” or digital interme-
diaries: They do not provide accommodation, they match supply and demand
by allowing third-parties to post advertisements and peer-review comments on
their websites or mobile applications.
[...]
First, digital platforms that promote home-sharing do note provide ac-
commodation. Rather, they allow individuals to rent their spare rooms or entire
apartments to tourists by providing user-friendly websites, mobile applications,
and relying on social media for additional information about the users.
Assim, percebe-se que o funcionamento do home sharing, de modo co-
mercial, se baseia na confiança entre os usuários, nos feedbacks que cada locador
ganha ao receber um inquilino e que o inquilino recebe do locador, além da con-
fiança que aquela passa para este por meio de fotos do imóvel, contatos breves e
reviews de outros usuários.
Entretanto, este mercado se situa em uma espécie de mundo à parte dos
demais negócios, o que gera transtornos legais, como disputas de competitivi-
dade de mercado, problemas com condomínios residenciais, utilização do bem
locado temporariamente para produtos do crime, entre diversas outras situações
sociais.
Portanto, tem-se que o home sharing introduz à sociedade um novo modo
de se relacionar comercialmente e, principalmente, traz ao direito a necessidade
de um olhar crítico no tocante ao futuro destas plataformas. Crítico no sentido
de adaptar-se a ele e não excluí-lo.
CAPÍTULO 9 - 133
81 Como exemplo destas medidas, foi proposto o Projeto de Lei nº. 01-0232/2017 pelo Ve-
reador Paulo Frange (PTB). Pode ser acessado em <http://documentacao.camara.sp.gov.br/iah/
fulltext/projeto/PL0232-2017.pdf.>. Acesso em: 23 nov. 2017.
134 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
ceituação da própria norma legal82 é quase feita sob medida. No entanto, quando
analisada em seus detalhes, percebe-se que, apesar da semelhança, o home sha-
ring não pode ser assim enquadrado.
Primeiramente, pelo fato de que, conforme ensina Sílvio de Salvo Venosa
(2013, p. 227), em razão do prazo determinado, a locação exige contrato escri-
to, por ser excepcional e com prazo certo. Além disso, o artigo de lei exige um
rol dos bens móveis que guarnecem o imóvel locado, portanto, não se adapta à
liquidez e rapidez do home sharing, que nem sempre apresenta esses requisitos
mínimos. Apesar de esta última exigência não ser essencial para a formação do
contrato, já descaracteriza aquela do home sharing, que vem para quebrar esta
formalidade e basear-se apenas na ocasião e encontro de vontades.
Portanto, em razão dos breves aspectos acima demonstrados, pode-se ex-
trair que, os aluguéis promovidos pelo home sharing, especialmente pelo apli-
cativo AirBnB, enquadram-se na lei do inquilinato, gozando de seus freios e
contrapesos, sendo, no entanto, necessária a ideal adequação deste instituto na
própria lei, para que não haja problemáticas de definição e aplicação destas be-
nesses, visto que a apreciação de casos sob este prisma se tornaria uma colcha de
retalhos, ao tempo que não há encaixe perfeito dentro da lei.
5 DO FUNCIONAMENTO DO APLICATIVO
COMO INTERMEDIÁRIO
82 Art. 48. Considera-se locação por temporada aquela destinada à residência temporária do
locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu
imóvel e outros fatos que decorram tão somente de determinado tempo, e contada por prazo não
superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel. Parágrafo único. No caso de alocação
envolver imóvel mobiliado, constará do contrato, obrigatoriamente, a descrição dos móveis e uten-
sílios que o guarnecem, bem como o estado em que se encontram. - Lei nº 8.245/1991. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8245.html>. Acesso em: 13 dez. 2017.
136 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
83 Interessante observar novamente o artigo 48 da lei de locações (Lei 8.245/1991) anterior-
mente citada.
CAPÍTULO 9 - 139
imóvel para aquele que “pratica lazer, realização de cursos, tratamento de saúde,
feitura de obras em seu imóvel e outros fatos que decorrem tão-somente de de-
terminado tempo, tornando mais flexível a atuação do aplicativo, por exemplo.
Em contrapartida, a cidade de Estocolmo, por exemplo, não possui um uso
disseminado deste tipo de tecnologia. Apesar da sua alta capacidade financeira
e falta de estabelecimentos de hospedagem a sua preocupação no uso dos apli-
cativos é a segurança pública (ao tempo que poderia ser utilizado para facilitar o
tráfico humano), a insatisfação das “associações de condomínio” (em virtude do
trânsito de pessoas estranhas em áreas comuns de prédios) e por fim, a evasão
fiscal em face da não regularização. (RANCHORDÁS, p. 45, 46).
Ações semelhantes estouram no Brasil. Em especial as disputas entre con-
domínios e locadores de AirBnB, a exemplo da decisão proferida no processo nº
0002073-28.2017.8.16.0001, da 1ª Vara Cível de Curitiba, contrapondo direi-
tos de vizinhança e sossego com os direitos de uso do bem, dando prevalência a
este, priorizando o direito de propriedade.
E assim, por todo o globo o AirBnB e os aplicativos de home sharing vem
trazendo impactos em diversas sociedades. Barcelona como já citado, Paris re-
centemente promovendo ameaças ao aplicativo para que retirasse da lista de
imóveis disponíveis para aluguel diversos apartamentos que não se enquadram
na legislação municipal regulatória (que no caso de Paris se trata apenas de um
registro municipal do imóvel para fins de controle tributário) (AFP, 2017), e
Londres são só alguns exemplos.
Portanto, brevemente aqui exposto que em diversos países, mas principal-
mente cidades, o AirBnB já atua com força, bem como as autoridades para
regulamentar tal aplicação. A regulamentação, em países colaborativos com o
aplicativo e a tecnologia aplicada (LA VANGUARDIA, 2017) se limita a uma
inscrição ou registro municipal para controle, com algumas determinações de
segurança e sem outras imposições limitantes. Por outro lado, em países em que
o lobby do turismo ou é forte, as limitações são maiores, desmotivando o cresci-
mento deste instituto de locações voláteis.
140 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AFP. Paris threatens Airbnb with court case. Disponível em: <https://www.afp.com/
en/news/2266/paris-threatens-airbnb-court-case-doc-v25nt1.>. Acesso em: 13 dez.
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada: Doutrina e Prática. 12ª ed.
São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 227.
142 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
CAPÍTULO 10 - 143
10
PROTEÇÃO DE SOFTWARES NO
BRASIL: ASPECTOS PRÁTICOS EM
TEMPOS DE CLOUD COMPUTING
Marcílio Henrique Guedes Drummond84
1 INTRODUÇÃO
84 Advogado Sócio do Guedes Drummond Advogados. Co-fundador do Legal Hackers Sete
Lagoas-MG. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Coimbra (Uruguai). Mes-
trando em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de La Empresa (Uruguai). Head
Jurídico do ecossistema Santa Helena Valley (Sete Lagoas-MG). Criador e professor do curso
“Advogado de Startups”. E-mail: mhgd.ufmg@gmail.com
144 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
veis de uma empresa, o que transmite uma mensagem de boa governança para o
mercado e possíveis investidores.
Sobre o prazo de proteção aplicado ao direito autoral de software, no Brasil,
ele é de 50 anos, após 1º de janeiro do ano subsequente à sua publicação, con-
forme o § 2º, do art. 2º da Lei de Software. Na ausência da data de publicação,
o prazo será contado a partir da data de criação. Portanto, a título de exemplo,
se o software for publicado em 2018, a proteção sobre ele vale 50 anos a partir
de 2019.
revelado, por óbvio. Ademais, as criações protegidas por segredo comercial per-
manecem confidenciais, ao passo que na Patente e no Direito Autoral são reve-
ladas – aquela desde seu depósito e este quando finalizado o prazo de 50 anos.
Ocorre que, para se manter o segredo, é extremamente importante que
medidas de proteção no desenvolvimento e comercialização do software sejam
tomadas. Tais medidas dizem respeito à acordos de confidencialidade com fun-
cionários, fornecedores e qualquer um que tenha acesso ao código fonte, além de
restrição do acesso a informações cruciais e a proteção por meio de criptografia,
senhas, entre outras medidas.
Por óbvio, como ponto negativo do uso do segredo comercial como forma
de proteção do código fonte, é que há sempre o risco dele ser descoberto e reve-
lado, acabando com o diferencial competitivo da empresa.
Portanto o ideal para a proteção do código fonte dos softwares é a utiliza-
ção de uma estratégia mista, que combine boas práticas de segredo industrial
– como os acordos de confidencialidade com os funcionários e parceiros, limi-
tação de acesso à determinadas informações, criptografia, dentre outros – com
a estratégia de registrar o software no INPI como Direito Autoral, mantendo-o
em sigilo, pois como já dito, o registro de programas de computador mantém o
sigilo do código fonte por 50 anos, em regra, sendo que a exceção seria eventual
litígio judicial no qual fosse determinada a quebra do sigilo.
Dessa forma, cria-se a barreira inicial do segredo inicial, seguida de uma
barreira auxiliar de Registro do Software, em sigilo, caso o segredo industrial seja
quebrado e seja necessária uma prova inequívoca da anterioridade da criação do
código fonte.
CAPÍTULO 10 - 153
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº. 9.609, de 19 de fev. de 1998. Dispõe sobre a proteção da proprieda-
de intelectual de programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9609.htm>.
Acesso em: 17 nov. 2018.
BRASIL. Lei nº. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos
à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
L9279.htm>. Acesso em: 17 nov. 2018.
ESTADÃO. Economia: país demora 11 anos para aprovar patentes. 2015. Disponível
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var patentes,1693427>. Acesso em: 18 nov. 2018.
154 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
11
ALGORITMOS E DEMOCRACIA:
REFLEXÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NOS PROCESSOS
DEMOCRÁTICOS CONTEMPORÂNEOS85
Leonardo Abido86
1 INTRODUÇÃO
destes passa de tal modo despercebida, que não se pensam nas eventuais conse-
quências e influências que os mesmos podem ter em diversos aspectos da vida.
É neste ínterim que o presente trabalho visa abordar, qual a real influência
que os algoritmos possuem em um aspecto fundamental da sociedade como um
todo: a democracia. Para o desenvolvimento do presente, averígua-se, a partir
do método de pesquisa hipotético dedutivo e se utilizando primordialmente
da pesquisa bibliográfica, sobre o problema de pesquisa: Há ou não, e em que
aspectos, influência dos algoritmos de inteligência artificial nos processos de-
mocráticos contemporâneos.
O trabalho busca fazer algumas considerações acerca da democracia na
contemporaneidade, debruçando-se, principalmente, nos desafios que essa de-
mocracia encontra atualmente. Após, se fará uma abordagem preliminar ao tema
da Inteligência artificial, focando-se a pesquisa, especialmente, nos algoritmos
utilizados diariamente na internet, como redes sociais e ferramentas de busca.
Por fim, será analisado conjuntamente os dois temas anteriormente expostos,
visando-se analisar mais diretamente em quais aspectos dos processos democrá-
ticos, os algoritmos visualizados poderiam, eventualmente, exercer influência, de
maneira direta ou indireta.
Para que a defesa dos interesses dos trabalhadores não seja conseguida à
custa dos direitos das mulheres, dos emigrantes ou dos consumidores é
necessário estabelecer uma equivalência entre estas várias lutas. Só nessas
circunstâncias é que as lutas contra o poder se tomam verdadeiramente
democráticas. (MOUFFE, 1996, p. 34).
do modo como está posto, se atribuiria o poder a esta minoria, de vetar uma de-
cisão tomada pela maioria, o que, de certo modo, poderia se considerar contrário
aos ideais clássicos de democracia e gerar um privilégio injusto a essa minoria: o
de suplantar uma decisão majoritária. (DAHL, 2012, p. 242).
A resposta mais plausível para este dilema democrático residiria, na con-
cepção de Dahl, em dois caracteres fundamentais: primeiramente, assegurar a
essa minoria que, de modo algum, as decisões da maioria poderão levar a ame-
aças a elementos considerados básicos, como direitos fundamentais ou ques-
tões de cultura e/ou costumes. Posteriormente, que sejam geradas nessa minoria
constantes expectativas que, futuramente, ela possa a ser maioria neste processo
democrático, o que a levaria a melhor defender aqueles interesses que conside-
ra primordiais, respeitando sempre o grupo que futuramente será minoritário.
(DAHL, 2012, p. 254).
Para findar essa análise inicial acerca da Democracia contemporânea, im-
portante ressaltar o papel que a informação tem para os processos democráticos.
A relação entre informação e democracia, por si só, não é uma marca da De-
mocracia contemporânea, mas sim a quantidade de informações disponíveis e
o massivo acesso dos cidadãos a informações, frutos majoritários do acelerado
desenvolvimento das TIC’s (Tecnologias da informação e comunicação), como
telefones e a internet, especialmente.
Pode-se questionar, contudo, até que ponto essa quantidade massiva de
informações é algo deveras benéfico para a Democracia. Neste aspecto, Dahl
(2012, p. 542) cita que a compreensão política dos cidadãos não é necessaria-
mente aprofundada por possuírem estes uma quantidade maior de informações.
O grande fato a ser levantado é que as tecnologias de informação são mas-
sivamente utilizadas, podendo tal uso se dar tanto para algo positivo à demo-
cracia quanto para algo negativo. Pode-se utilizar essas tecnologias para se dar
acesso ao maior número possível de pessoas a um debate por exemplo, como
também podem ser utilizadas para a difusão de fake news87 sobre outros candi-
datos, entre outros.
87 Fake news são informações deliberadamente fabricadas e publicizadas com a intenção de en-
ganar e induzir os outros a acreditar em falsidades ou a duvidar de fatos verificáveis. Definição
160 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
trazida por White (2017) e originalmente cunhada pelo Ethical Journalism Network. Disponí-
vel em https://ethicaljournalismnetwork.org/fake-news-bad-journalism-digital-age. Acesso em
28/08/2018.
CAPÍTULO 11 - 161
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CANAL TECH, Algoritmos de redes sociais formam “bolha política” em torno dos
usuários. Disponível em: <https://canaltech.com.br/redes-sociais/algoritmos-de-redes-
-sociais-formam-bolha-politica-em-torno-dos-usuarios-60755/>. Acesso em: 10 ago.
2018.
COPPIN, Ben. Inteligência artificial. Tradução e revisão técnica: Jorge Duarte Pires
Valério. Rio de Janeiro: LTC, 2010.
PARISER, Eli. The Filter Bubble: what the internet is hiding from you. Penguin
Press, 2011.
RUSSELL, Stuart J.; NORVIG, Peter. Inteligência artificial. Tradução: Regina Célia
Simille. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
TORRANO, Bruno. Democracia e respeito à lei. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015
TURING, Alan M. (1950). Computing machinery and intelligence. Mind, 59, 433-
460. Disponível em: <http://phil415.pbworks.com/f/TuringComputing.pdf>. Acesso
em: 19 nov. 2018.
12
FRANK E O ROBÔ: A ROBÓTICA E A
HIPERVULNERABILIDADE DO IDOSO
Cristina Stringari Pasqual88
1 INTRODUÇÃO
88 Doutora e Mestre em Direito pela UFRGS. Especialista em Processo Civil pela PUCRS.
Professora da Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior
do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Advogada.
89 Filme norte americano, dirigido por Jake Schreier, lançado em 12 de agosto de 2012.
90 A empresa Soft Banck Robotics criou um robô humanoide que já é utilizado em casas de
repouso. O robô se chama Pepper e consegue reagir e conversar segundo a interpretação que faz
sobre o paciente. Como mostra a reportagem publicada em https://institutomongeralaegon.org/
tecnologia/robo-cuidador-de-idosos. Também há na Holanda a robô Tessa criada pela empresa
Tinybots que usa tecnologia de voz e estímulos musicais para ajudar idosos com deficiência. Veja
em https://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2018/01/empresa-da-vida-um-robo-cuida-
dor-que-ajuda-idosos.html. Sobre as tecnologias de assistência para idosos, com informações
sobre diversos robôs já desenvolvidos e utilizados como cuidadores ver por todos CARMO, Eli-
sangela Gisele do; ZAZZETTA, Maria Silvana; COSTA, José Luiz Riani. Robótica na assis-
tência ao idoso com doença de Alzheimer: as vantagens e os desafios dessa intervenção. Estudo
Interdisciplinar do envelhecimento vol. 21, n.2. Porto Alegre, 2016, p. 59-66.
170 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
2 A HIPERVULNERABILIDADE DO IDOSO
91 Segundo a OMS entre os anos de 2000 e 2015 a expectativa de vida aumentou cinco anos
globalmente, sendo tal evolução a mais rápida desde a década de 1960. Sobre o tema ver: https://
nacoesunidas.org. A previsão para 2050 é de que haverá dois bilhões de pessoas no mundo com
60 anos, sendo que o Brasil será o sexto país do mundo em idosos até 2025. Sobre o tema ver
CARMO, Elisangela Gisele do; ZAZZETTA, Maria Silvana; COSTA, José Luiz Riani. Robóti-
ca na assistência ao idoso com doença de Alzheimer: as vantagens e os desafios dessa intervenção.
Estudo Interdisciplinar do envelhecimento vol. 21, n.2. Porto Alegre, 2016, p. 48.
172 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
92 Ver por todos SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores Hipervulneráveis: a proteção
do idoso no mercado de consumo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 218.
93 VASCONCELOS, Fernando; MAIA, Maurilio Casas. A tutela do melhor interesse do vul-
nerável: uma visão a partir dos julgados relatados pelo Min. Herman Benjamin (STJ). Revista de
Direito do Consumidor vol. 103, jan.- fev. 2016, p. 243-271.
94 Como a Lei nº 8.742/1993, Lei Orgânica da Assistência Social, a Lei nº 8.842/1994, que
estabeleceu uma política nacional para a tutela do idoso, objetivando assegurar seus direitos sociais
no intuito de promover-lhes “autonomia, integração e efetiva participação na sociedade”; a Lei
nº 10.048/2000, que estabeleceu a prioridade de atendimento de idosos em repartições públicas
e concessionárias de serviços públicos; e, a Lei nº 10.173/2001, impondo a preferência na trami-
tação de processos judiciais.
95 Expressão consolidada na doutrina e na jurisprudência. No ano de 2009 foi proferida no STJ
a primeira decisão referindo a expressão hipervulnerabilidade. A discussão estabelecida em juízo
dizia respeito a interpretação a ser dada a norma na tutela dos indígenas. REsp n. 1.064.009 – SC.
Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJ 27.04.2011.
96 Assim, BARLETTA, Fabiana Rodrigues. O direito à saúde da pessoa idosa. São Paulo: Sa-
raiva, 2010, p. 118.
CAPÍTULO 12 - 173
tatuto do Idoso), em conjunto com outras leis que tenham também aplicação ao
objeto da relação in concreto (v.g. o Código de Defesa do Consumidor)100.
Podemos dizer que o idoso pode ter uma vulnerabilidade biológica, a qual
pode ser agravada por seu “ciclo vital”101, mas que também pode ser intensificada
por questões psicológicas, culturais, sociais, ambientais e até mesmo afetivas,
sendo possível assim falar-se na hipervulnerabilidade decorrente de um processo
“biopsicossocial”102.
Frente a tal realidade, imprescindível um olhar cauteloso a toda e qualquer
relação jurídica entabulada por um idoso, e por isso o uso das novas tecnologias
postas em sociedade traz à tona o questionamento de se o que hoje há no Brasil
em matéria legislativa é suficiente para garantir a proteção efetiva da hipervul-
nerabilidade decorrente do envelhecimento, e em especial em face da utilização
de robôs como instrumentos ou ferramentas para o acompanhamento ou trata-
mento de necessidades especiais demandadas pelos idosos.
103 Veja reportagem publicada na revista Veja publicou reportagem acerca dos dez países mais
robotizados do mundo. https://veja.abril.com.br/tecnologia/conheca-os-10-paises-mais-roboti-
zados-do-mundo/.
104 BORGE, Iván Mateo. La robótica y la inteligencia artificial en prestación de servicios ju-
rídicos. Inteligencia artificial, Tecnología, Derecho. NAVARRO, Susana Navas (Dir.). Valencia: Ti-
rant lo Blanch, 2017, p. 123.
105 Ver sobre o tem, http://xrobo.com.br/
106 PALMERINI, Erica. Robótica y derecho: sugerencias, confluencias, evoluciones en el mar-
co de una investigación europea. Revista de Derecho Privado n. 32, enero - junio de 2017. Colom-
bia: Bogotá, p. 02.
107 Nesse sentido ANDRÉS, Moisés Barrio. Robótica, inteligencia artificial y Derecho. Cyber
Elcano n. 36, set. 2018. Real Instituto Elcano, p. 2.
108 A cerca do robô Sophia ver https://www.hansonrobotics.com/wp-content/uploads/2018/09/
gds_Sophia_D058.jpg.
109 ASIS, Rafael de. Sobre ética y tecnologías emergentes. Papeles el tiempo de los derechos n. 7,
2013, p. 8.
176 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
114 RoboLaw-Regulating emerging robotic Technologies: Robotics facing law and ethics, dis-
ponivel em www.robolaw.eu.
115 MELO, Verónica E. El derecho ante la inteligência artificial y la robótica. El Derecho: Diario
de doctrina y jurisprudencia n. 14.343, feb. 2018.
116 Em http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P-
8-TA-2017 0051+0+DOC+XML+V0//PT.
117 Na introdução da Resolução (letra F) consta expressamente: “Considerando que o envelhe-
cimento da população se deve a um aumento da esperança de vida em consequência da melhoria
das condições de vida e do progresso na medicina moderna, constituindo um dos principais de-
safios políticos, sociais e económicos do século XXI com que as sociedades europeias se deparam;
que, em 2025, mais de 20% dos europeus terão uma idade igual ou superior a 65 anos, assistin-
do-se a um aumento particularmente rápido do número de pessoas de 80 anos ou mais, pelo que
o equilíbrio entre gerações nas nossas sociedades será fundamentalmente diferente, e que é do
interesse da sociedade que os idosos gozem de boa saúde e permaneçam ativos o máximo de tem-
po possível”. Da mesma forma na letra O: “Considerando que os desenvolvimentos na robótica
e inteligência artificial podem e devem ser concebidos de tal forma que preservem a dignidade,
a autonomia e a autodeterminação do indivíduo, especialmente nos domínios dos cuidados e da
companhia dos humanos, e no contexto dos dispositivos médicos, da «reparação» ou melhoria dos
seres humanos.”
178 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
118 ASIS, Rafael de. Sobre ética y tecnologías emergentes. Papeles el tiempo de los derechos, n. 7,
2013, p. 9. Destaca o autor que o termo roboética foi proposto oficialmente durante o Primeiro
Simposio Internacional de roboética em San Remo, no ano de 2004. Ressalta também que no
mesmo ano no Japão, foi firmado por cientistas e representantes da indústria robótica japonesa, na
International Robot Fair de Fukuoka, A World Robot Declaration, que equivale a uma versão ro-
bótica de juramento hipocrático, sendo nela afirmado que “a próxima geração de robôs coexistirão
com os humanos. Assistirão o humanos física e psicologicamente. Contribuirão para a realização
de uma sociedade segura y pacífica. Com o objetivo de que a sociedade aceite a acolha os robôs,
será necessário definir e aplicar determinados standards, modificar os ambientes de vida e traba-
lho, y as instituições púbica promoverão a introdução de robôs. Importa também destacar que
da Resolução do Parlamento Europeu sobre Robótica antes referida, também surgiu um Código
de Ética para engenheiros de robótica, o que mais uma vez destaca a preocupação com o tema.
CAPÍTULO 12 - 179
CONCLUSÃO
119 Em https://startse.com/noticia/conheca-judith-o-primeiro-robo-100-brasileiro.
180 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
REFERÊNCIAS:
ASIS, Rafael de. Sobre ética y tecnologías emergentes. Papeles el tiempo de los dere-
chos, n. 7, 2013, p. 1 – 14.
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. O direito à saúde da pessoa idosa. São Paulo: Sarai-
va, 2010.
CARMO, Elisangela Gisele do; ZAZZETTA, Maria Silvana; COSTA, José Luiz
Riani. Robótica na assistência ao idoso com doença de Alzheimer: as vantagens e os
desafios dessa intervenção. Estudo Interdisciplinar do envelhecimento vol. 21, n. 2.
Porto Alegre, 2016, p. 47-74.
COSTA FELIPE, Bruno Farage da. Direitos dos robôs, tomadas de decisões e esco-
lhas morais: algumas considerações acerca da necessidade de regulamentação ética e
jurídica da inteligência artificial. Revista Juris Poiesis, n°22, abr. 2017, Rio de Janeiro, p.
150-169.
CROVI, Luis Daniel. Los animales y los robots frente al Derecho. Revista Venezolana
de Legislación y Jurisprudencia, n. 10, 2018. Caracas, p. 133-144.
do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P8-TA-2017-0051+0+DOC+XML+V0//PT.
ESPECIAIS
184 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
CAPÍTULO 13 - 185
13
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E
DIREITOS DE IMAGEM*
Vítor Palmela Fidalgo120
1. INTRODUÇÃO
II. Tratando-se ainda de uma análise fenomenológica122, onde não existe uma
autonomia dogmática, a abordagem deverá ser segmentada, discorrendo-se sobre o
impacto da inteligência artificial em cada área do direito. É o que iremos fazer no
presente opúsculo. Partindo das normas que regem os direitos de personalidade,
mais concretamente da proteção civil auferida pelo direito à imagem123 e da ma-
turidade hermenêutica que este direito especial de personalidade atingiu ao longo
dos tempos, iremos examinar quais os problemas que a inteligência artificial coloca
neste âmbito.
III. Antes de partirmos para a análise, duas notas parecem-nos importantes
de referir: não obstante os problemas éticos124 que se colocam com a inteligência
artificial, a nossa análise será, primordialmente, juscientífica. Para além de não nos
atermos a considerações estereotipadas e alarmistas quanto ao advento da inteli-
gência artificial125, enquanto juristas, - peticionando-nos por alguma deriva ide-
ológica que possamos ter - a nossa análise deve ser e será virada para soluções de
casos concretos, tendo em conta os princípios e as normas existentes. Esta questão
está relacionada com a segunda nota que queremos deixar. O presente estudo, ain-
da que singelo, tentará não se fixar, unicamente, numa seriação de problemas ou
factos, como se de um estudo historicista se tratasse. Ainda que conscientes das
dificuldades que se anteveem, estamos com os autores que referem que o Direito
nunca estará completamente indefeso “ao ponto de ser surpreendido em inapelá-
vel contra-pé pela vertiginosa sucessão de avanços tecnológicos”126. Não existe, de
facto, um “espaço livre de Direito”, mas sim um esforço hermenêutico na busca de
o hardware interage, de forma cada mais complexa, com o ambiente, seja pelo desenvolvimento de
veículos autónomos e de impressoras 3D.
122 Nuno Sousa e Silva, «Direito e Robótica: uma Primeira Aproximação, ROA, Ano 77,
jan./jun., 2017, p. 487 e ss., p. 491.
123 Em termos terminológicos, ainda que tenhamos preferência pela expressão “direito à imagem”,
seguimos o título que foi dado à conferência que estabelece o termo “direitos de imagem”, sendo que,
no presente estudo, as duas expressões serão utilizadas como sinónimos.
124 Cf., por exemplo, Sánchez García, «Robótica y Ética», Derecho de los Robots, Madrid,
Wolters Kluwer, 2018, p. 229 e ss.
125 Sobre o mito da singularidade tecnológica ou o transhumanismo existem múltiplas obras com
interesse que podem ser consultadas, a maior parte delas com um cariz filosófico. Para uma leitura
acessível sobre esta matéria, vide, entre outras, Jean-Gabriel Ganascia, Le Mythe de la Singula-
rité: Faut-il craindre l’intelligence artificielle, Paris, Seuil, 2017.
126 Carneiro da Frada, «Vinho Novo em Odres Velhos? – A responsabilidade civil das
“operadoras de internet” e a doutrina comum da imputação de danos», Direito da Socieda-
de da Informação, vol. II, 2001, p. 7 e ss., p. 8.
CAPÍTULO 13 - 187
soluções adequadas, que deverá ser levado a cabo pelo jurista. Será esse desidrato
a que nos propomos.
2. A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E O
DIREITO: PANORÂMICA GERAL
127 Apesar de este instrumento legislativo poder ser considerado pioneiro, na medida em que
foi o primeiro com devida extensão e de uma forma genérica a tocar nas problemáticas sobre a
inteligência artificial e a tecnologia robótica, o mesmo tem alguns antecedentes que devem ser
mencionados.
A nível europeu, devemos fazer referência ao Projeto RoboLaw, financiado pela Comissão Euro-
peia, que teve como objetivo elaborar um relatório sobre todas as questões éticas e jurídicas que
se colocam com a tecnologia robótica, oferecendo ainda orientações e princípios aos reguladores
europeus e a cada Estado-membro. Este relatório foi finalizado em setembro de 2014, encon-
trando-se o mesmo disponível para o público. Em alguns Estados-membros também já existiram
discussões públicas sobre robótica e inteligência artificial. Tal foi o caso da Alemanha, na Sessão
do Comité da Agenda Digital do Parlamento Alemão, em 22 de junho de 2016, que teve como
tema os efeitos da robótica na economia, no trabalho e na sociedade; ou do Reino Unido, onde
teve lugar uma Consulta pública do Parlamento britânico, que deu lugar ao Relatório Robotics
and artificial intelligence, publicado a 12 de outubro de 2016 (vide www.publications.parliament.
uk/pa/cm201617/cmselect/cmsctech/145/145.pdf ), onde se aborda as implicações da tecnologia
robótica e inteligência artificial no mercado de trabalho, bem como as questões éticas e legais
envolvidas e as medidas que devem ser tomadas pelo Governo para promover a investigação e
inovação nestas áreas.
188 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
Fora do contexto europeu, a relação entre o Direito e a inteligência artificial e a tecnologia robótica
também não tem sido esquecida. A 27 de junho de 2016, o Governo norte-americano, à semelhan-
ça do que foi feito no Reino Unido, promoveu uma consulta pública para saber o ponto de vista
dos consumidores, dos académicos, das empresas privadas e das ONGs, tendo como tópicos, entre
outros, as implicações legais da inteligência artificial (vide https://www.federalregister.gov/documen-
ts/2016/06/27/2016-15082/request-for-information-on-artificial-intelligence). Adicionalmente, em
2007, na Coreia do Sul, o Ministro do Comércio, da Indústria e da Energia apresentou um Código
de Ética para a Tecnologia Robótica com conteúdo semelhante ao que é agora apresentado pelo Par-
lamento Europeu na sua Resolução.
128 Tendo como base o art. 225.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
129 Apesar de, por vezes, surgirem quase como sinónimos, inteligência artificial e robôs ou tecnolo-
gia robótica são realidades distintas. A inteligência artificial é um campo da ciência e da engenharia
que se ocupa da compreensão, desde o ponto de vista informático, do que se denomina, correntemente,
comportamento inteligente. Adicionalmente, também se ocupa da criação de artefactos que exibem
esse comportamento. Trata-se de igualar ou copiar as diversas capacidades do cérebro humano de for-
ma a manifestar comportamentos inteligentes, sintetizando e automatizando tarefas. Poderá ser apli-
cável a qualquer âmbito de atividade intelectual humana, pelo que utiliza técnicas e conhecimentos
de outras disciplinas, tais como a filosofia, a estatística, a engenharia mecânica, a neurociência, a
psicologia e as matemáticas.
A tecnologia robótica, por seu turno, de forma clássica, consiste numa subdisciplina da Engenha-
ria Industrial, correspondendo ao engenho eletrónico capaz de realizar operações no meio ambiente
através de programação. A circunstância de, na tecnologia robótica, ser implementada inteligência
artificial e outras técnicas inovadoras de hardware e software, faz com que o robô enriqueça os seus
comportamentos, mas também a sua complexidade, o que irá influir na sua relação com o meio am-
biente, seja com objetos, seja com pessoas.
Neste âmbito, também o algoritmo deve ser diferenciado. O algoritmo consiste na sequência de ins-
truções que é utilizada na inteligência artificial. De facto, um sistema de inteligência artificial necessita
de uma sequência de instruções que especifique as diferentes ações que o computador deve executar
para resolver um determinado problema. O algoritmo é, assim, o procedimento para encontrar a solu-
ção de um problema mediante a redução do mesmo a um conjunto de regras (vide, entre outros, Gar-
cía-Prieto Cuesta, «Qué es un Robot?», Derecho de los Robots, Madrid, Wolters Kluwer,
2018, p. 25 e ss.; Susana Navas Navarro, Inteligencia Artificial. Tecnología. Derecho, coord.
Susana Navas Navarro, Valencia, Tirant lo Blanch, 2017, p. 23 e ss.).
CAPÍTULO 13 - 189
130 Cf., por exemplo, Louisa Specht / Sophie Herold, «Roboter als Vertragspartner?
Gedanken zu Vertragsabschlüssen unter Einbeziehung automatisiert und autonom
agierender Systeme», Multimedia und Recht, 2018, p. 40 e ss.
131 Cf., entre outros, Nuno Sousa e Silva, ob. cit., p. 508 e ss.; Toni M. Massaro / Helen
Norton, «Siri-ously? Free Speech Rights and Artificial Intelligence», Northwestern
University Law Review, vol. 110, n.º 5, 2016, p. 1169 e ss., disponível em «www.scholarly-
commons.law.northwestern.edu» (visitado em 25.08.2018).
132 Ugo Pagallo, The Laws of Robots: Crimes, Contracts, and Torts, Heidelberg, Spring-
er, 2013, p. 45 e ss.
133 Cf. p. 3, B e C e passim, da Resolução.
134 Cf. p. 368, C. e § 51, da Resolução.
135 Cf. pp. 6 e 7, T., V. e W., da Resolução.
136 Cf. § 1, da Resolução.
137 Cf. § 2 e § 16, da Resolução.
138 Cf. § 11 e p. 23 e ss., da Resolução.
139 Cf. § 7 e § 23, da Resolução.
190 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
146 Ana Morais Antunes, Comentário aos artigos 70.º a 81.º do Código Civil (Direitos de Per-
sonalidade), Lisboa, Universidade Católica Editora, 2012, p. 186.
147 Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 108.
148 Idem, p. 254.
CAPÍTULO 13 - 193
151 Cf., entre outros, Carnelutti, «Diritto alla vita privata. Contributo alla teoria
della libertà di stampa», RTDP, 1995, p. 3 e ss., p. 4.
152 Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora,
1995, p. 246 (nota 560); Menezes Cordeiro, ob. cit. p. 258; Cláudia Trabuco, «Dos Con-
tratos Relativo ao Direito de Imagem», O Direito, ano 133, n.º 2, 2001, p. 389 e ss., pp. 406
e 407. Ana Morais Antunes, ob. cit., pp. 179 e 180; David de Oliveira Festas, Do conteúdo
patrimonial do Direito à Imagem - Contributo para um Estudo do seu Aproveitamento Con-
sentido e Inter Vivos, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pp. 272 e 273. Como refere este
último autor, “deve ser considerada retrato e sujeita a consentimento do titular
toda a representação ou fixação da imagem, isto é, a atribuição de suporte, indepen-
dentemente da técnica utilizada”.
153 Em sentido próximo, Paulo Mota Pinto, «O Direito à Reserva sobre a Intimidade
da Vida Privada», ob. cit., p. 551 e ss. Alguns autores, como Luísa Neto, Código Civil
Anotado, vol. I, coord. Ana Prata, Coimbra, Almedina, 2017, p. 116, referem mesmo que
o direito à imagem “é um direito decomposto face ao direito à reserva da intimidade
da vida privada”.
154 Como afirma Oliveira Ascensão, Direito Civil. Teoria Geral, 2.ª ed., vol. I, Coimbra,
Coimbra Editora, 2000, p. 119, o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada
não deixa de ser um direito “residual”, onde o conteúdo é sistematicamente preen-
chido pelos demais direitos de personalidade, como é o caso do direito à imagem.
CAPÍTULO 13 - 195
personalidade obsta à captação da imagem per se, seja convocando o art. 79.º, seja
chamando à colação a disposição seguinte que refere que “todos devem guardar
reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem”155.
VII. Adicionalmente, a inteligência artificial permite hoje um grau de so-
fisticação na edição de imagem superior às técnicas anteriormente utilizadas. A
título de exemplo, num processo de edição de características faciais, era extre-
mamente difícil atingir-se um elevado grau de realidade, circunstância que está
rapidamente a alterar-se com a utilização de software baseado em inteligência
artificial, sendo que os efeitos nefastos já se fazem sentir. Recentemente, o web-
site Reddit bloqueou vários tópicos de discussão acerca de técnicas de edição de
vídeo baseadas em ferramentas de inteligência artificial que conseguiam sobre-
por rostos de figuras públicas em cenas pornográficas, denominadas deepfakes156.
As deepfakes são imagens ou vídeos falsos, onde as imagens de pessoas são so-
brepostas através de técnicas baseadas na inteligência artificial, que permitem
uma autenticidade aparente muito genuína. A visualização desses vídeos, para
além de prejudicar a imagem do visado, é uma fonte de lucro fácil para quem os
coloca na rede.
Com efeito, a inteligência artificial leva-nos ainda para um nível superior
de exposição e manipulação de imagens. Já não se trata unicamente da possibi-
lidade de visualização em massa de imagens, mas sim da sua alteração de forma
complexa. Contudo, como já tem sido defendido, o art. 79.º não limita as for-
mas de exposição ou reprodução157. Qualquer forma de exposição ou reprodu-
ção, digital ou não, que seja tecnicamente possível, estará abrangida pela norma,
onde se incluem, naturalmente, as fotomontagens. O limite será apenas que a
155 E isto não obstará ao facto de se considerar o direito à reserva sobre a intimidade da vida pri-
vada como um direito “em função do indivíduo”, tendo um objeto que se modula de acordo com a
atuação do indivíduo, ao contrário do que sucede no direito à imagem, que se tutela independen-
temente da atuação do titular. Como referiu Paulo Mota Pinto, «A Limitação Voluntária
do Direito à Reserva sobre a Intimidade da Vida Privada», Direitos de Personalidade e
Direitos Fundamentais: Estudos, Coimbra, Almedina, 2018, p. 679 e ss., p. 684, nota 9, exis-
tem casos no direito à reserva da intimidade da vida, como o direito à honra, se se
considerar que o mesmo ainda integra este direito, onde a sua tutela não se adequa
em função do indivíduo, o que será o caso da captação da imagem de outrem.
156 Vide «www.reddit.com/r/deepfakes».
157 Ana Morais Antunes, ob. cit., p. 180.
196 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
163 A relação entre o direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à proteção de da-
dos pessoais pode ser reconduzida a três tipos de abordagens: olhando para o direito à privacidade
e da proteção de dados pessoais como direitos separados, mas que se complementam; estabelecen-
198 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
está juridicamente funcionalizado à proteção dos dados pessoais164 dos seus titula-
res165, proteção esta não referente aos próprios dados per se, mas sim à finalidade e
ação exercidas sobre os mesmos166.
II. Esta será mais uma das formas de tutela da imagem, dado que a inteli-
gência artificial, conforme referimos supra, irá permitir a captação e reprodução de
imagens em massa (big data), cuja principal fonte é a internet. No seu tratamento
são utilizadas tecnologias baseadas em data mining e algoritmos assentes em técni-
cas de machine learning, tendo como objetivo a criação de nova informação167, que
poderá consistir, eventualmente, num perfil de uma determinada pessoa.
Com efeito, constituindo a imagem uma informação relativa a uma pessoa
singular, capaz de a identificar e que, por esse motivo, cabe no conceito de dados
pessoais168 presente no art. 4.º do Regulamento Geral de Proteção de Dados169
(doravante RGDP), esta será protegida enquanto tal.
do a proteção dos dados pessoais como fazendo parte do conteúdo do direito à privacidade; e, por fim,
entendendo, tal como nós propugnamos, que o direito à privacidade e o direito à proteção de dados
são direitos distintivos, embora alguns dos valores em jogo se possam sobrepor (sobre esta questão,
tomando uma posição semelhante à nossa, vide Giusella Finocchiaro, Il nuovo Regolamento eu-
ropeo sulla privacy e sulla protezione dei dati personali, Torino, Zanichelli Editore, 2017, p. 5
e ss.; Orla Lynskey, The Foundation of EU Data Protection Law, Oxford, Oxford University
Press, 2015, p. 89 e ss.). Esta questão não tem apenas uma dimensão teórica, na medida em
que a deficiente qualificação dos bens jurídicos tutelados e dos valores em jogo pode
redundar em decisões contraprocedentes, como, por exemplo, num caso de colisão de
direitos entre o direito à proteção dos dados pessoais e outros direitos ou interesses
de terceiros, como o direito à liberdade de expressão ou o acesso a documentos públicos.
164 Sobre a origem e evolução do direito à proteção dos dados, que tem como base o Princípio da
Dignidade Humana e o Livre Desenvolvimento da Personalidade, vide Ana Garriga Domínguez,
Nuevos Retos para la Protección de Datos Personales en la Era del Big Data y de la Computación
ubicua, Madrid, Dykinson S.L., 2016, p. 89 e ss.; Alexandre Sousa Pinheiro, Privacy e pro-
tecção de dados pessoais: a construção dogmática do direito à identidade informacional, Lisboa,
AAFDL, 2015, p. 425 e ss. e Catarina Sarmento e Castro, Direito da Informática, Privacidade
e Dados Pessoais, Coimbra, Almedina, 2005, p. 22 e ss.
165 Neste sentido, A. Barreto Menezes Cordeiro, «Dados pessoais: conceito, extensão e
limites», Revista de Direito Civil, Ano III, n.º 2, 2018, p. 297 e ss., p. 298.
166 Alexandre Sousa Pinheiro, ob. cit., p. 803.
167 Para uma compreensão, detalhada, dos vários conceitos de big data, vide Ana Alves Leal, «As-
petos jurídicos da análise de dados na internet (big data analytics) nos setores bancá-
rios e financeiro: proteção de dados pessoais e deveres de informação», FinTech: Desafios
da Tecnologia Financeira, coord. António Menezes Cordeiro, Ana Perestrelo de Oliveira,
Diogo Pereira Duarte, Coimbra, Almedina, 2016, p. 75 e ss., p. 79 a 83.
168 Para um estudo sobre o conceito legal de dados pessoais, vide A. Barreto Menezes Cordeiro,
ob. cit., p. 299 e ss.
169 Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016,
relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre
circulação desses dados, e que revoga a Diretiva 95/46/CE.
CAPÍTULO 13 - 199
O art. 4.º, 1), refere a definição legal de “dados pessoais” como “informação relativa a uma pessoa
singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa
singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um iden-
tificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identi-
ficadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica,
genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular”.
170 Alexandre Sousa Pinheiro, ob. cit., p. 473.
200 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
171 Paulo Mota Pinto, «A Limitação Voluntária do Direito à Reserva sobre a Inti-
midade da Vida Privada», ob. cit., p. 693; Ana Morais Antunes, ob. cit., p. 182; Cláudia
Trabuco, ob. cit., p. 434; David Festas, ob. cit., p. 299; Guilherme Dray, Direitos de Per-
sonalidade: alterações ao Código Civil e ao Código do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2006,
p. 51.
172 Refere o Acórdão do STJ, de 07.06.2011 (processo n.º 1581/07.3TVLSB.L1.S1), dispo-
nível em «www.dgsi.pt», o seguinte: “Para que ocorra uma situação de consentimento tácito,
significação externa de autorização para a captação, reprodução e publicitação da imagem de
quem quer, torna-se necessário que os sinais (significantes ou exteriorizáveis) do titular do direito
se revelem ou evidenciem como inequívocos ou desprovidos de qualquer dúvida”.
173 Cf. art. 9.º, n.º 2, a), do RGDP.
174 Jack B. Balkin, «The Path of Robotics Law», California Law Review Circuit, vol.
6, 2015, p. 45 e ss., disponível em «www.scholarship.law.berkeley.edu» (visitado em
02.08.2018), p. 49 e ss.
175 Samir Chopra / Laurence F. White, A legal theory for autonomous artificial agents,
University of Michigan Press, 2011, p. 153 e ss.
CAPÍTULO 13 - 201
176 As reações a esta proposta não se deixaram de fazer sentir: 156 peritos em Inteligência Artificial
já vieram contestá-la, tendo sido submetida uma carta aberta ao Parlamento Europeu, referindo-se
que deverá ser a defesa do ser humano a estar no centro do debate e não a atribuição de direitos a
robôs (vide, Open Letter to the European Commission Artificial Intelligence And Robotics, de 05.04.2018).
177 Cf. § 59, f ), da Resolução.
178 Cf. 58 §, da Resolução.
179 Cf. § 49 a § 59, da Resolução.
180 No mesmo sentido, vide Tabernero de Paz, Los Robots y la Responsabilidad Civil Extracon-
tractual», Derecho de los Robots, Madrid, Wolters Kluwer, p. 107 e ss., p. 115.
181 Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade, reimp., Coimbra, Almedina, 2017,
pp. 5 e 6.
202 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
sucede com o ser humano, qualquer personalidade jurídica atribuída a robôs será
sempre legal e não inerente a estes. De facto, se as pessoas são o princípio e o fim
do Direito, o Direito limita-se a constatar a existência de personalidade jurídica
no ser humano. O mesmo já não sucede com as pessoas coletivas ou qualquer
outro tipo de entidades em que o Direito imputa, subjetivamente, situações ju-
rídicas à semelhança das pessoas humanas.
Com efeito, somos da opinião de que, mesmo que haja um nível elevado
de autonomia, nunca poderemos considerar existir um direito de personalida-
de inerente a esses robôs. E os nossos argumentos não se escondem em asser-
ções formais, relacionadas com a nomenclatura ou com o antropocentrismo do
Direito, mas sim no facto de autonomia não ser sinónimo de liberdade182. Ao
contrário dos outros seres, ao ser humano foi dada a possibilidade de conformar
a sua própria natureza, dentro do âmbito da sua liberdade. Um ser a quem foi
dada autonomia, nunca será livre, e, não sendo livre, nunca poderá ser titular de
direitos de personalidade, como o direito à imagem183.
V. Acrescentaríamos ainda que tão-pouco nos atrai qualquer conceção que
funda a personalidade jurídica de entes dotados de inteligência artificial numa
pretensa equiparação com a personalidade coletiva. Não sendo o local indicado
para refletirmos de forma profunda sobre a natureza jurídica da personalidade
coletiva184, sempre diríamos que, sendo a personalidade coletiva uma criação do
Direito, esta está ainda funcionalmente ligada aos interesses do ser humano185; a
não ser que, conforme já foi referido186, desejemos lograr um instrumento que des-
responsabilize o ser humano, solução que, afinal, é um paradoxo para com a própria
ideia de Direito (e de Justiça).
ção dos interesses e fins das pessoas humanas que justifica e funda juridicamente a sua
existência”.
186 Mafalda Miranda Barbosa, ob. cit., p. 1488.
187 Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., p. 52; Ana Morais
Antunes, ob. cit., pp. 235 e 236.
188 Cf. art. 20.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
204 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
189 Cf. art. 79.º, n.º 1, conjugado com o art. 71.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
190 Cf. García-Prieto Cuesta, ob. cit. p. 45. Refere o autor o seguinte: “Algunos robots
pueden centrarse solamente en reproducir la cara de una persona, o los brazos, mien-
tras que otros implementan todo el cuerpo”.
CAPÍTULO 13 - 205
191 David Oliveira Festas, ob. cit., p. 377 e ss.; Oliveira Ascensão, ob. cit., pp. 79 e 80.
192 Paulo Mota Pinto, «A Limitação Voluntária do Direito à Reserva sobre a Intimi-
dade da Vida Privada», ob. cit., p. 716; Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade,
ob. cit., p. 167.
193 Cf. art. 62.º, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
206 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
limites à tecnologia, sendo que, os sinais que se vão manifestando, alguns deles
referenciados no presente estudo, suscitam preocupação. Será necessário colocar
a pessoa no centro do Direito uma vez mais. De resto, nunca deverá ser possível
um nível elevado de tecnologia com um nível inferior de ética.
III. Com esta nova Revolução Industrial, onde a tecnologia se torna ver-
dadeiramente pessoal, a imagem torna-se ainda mais plástica. A captação, re-
produção e manipulação da imagem sem o devido consentimento poderão tor-
nar-se, assim, uma inevitabilidade, concentrando-se a sua tutela unicamente na
perspetiva economicista, menosprezando-se os seus valores essenciais, como a
autodeterminação da pessoa sobre a sua imagem e a reserva sobre a intimida-
de da vida privada. Poderão ser mesmo resgatadas algumas vozes195 no direito
continental, e, já agora, no right of publicity196-197 norte-americano, que desde há
muito teorizam a separação entre um bem de personalidade e a própria pessoa,
dando azo a que o mesmo possa ser transmitido autonomamente. A eventual
afirmação das teorias dualistas não será tanto pelo lado económico dos bens
de personalidades, que é inegável, mas sim pela desconsideração, paulatina, dos
valores pessoalíssimos ligados à personalidade da pessoa humana. Em suma,
diríamos que, como forma de compensação por esta perda maximiza-se o perfil
economicista do direito.
IV. Esta realidade obriga assim a que intervenha o Direito Objetivo. Uma
vez mais, o princípio da dignidade humana198, preenchendo lacunas valorativas,
terá aqui um papel fulcral. Se olharmos para a génese dos direitos de personali-
dade, especialmente da sua tutela civil, o seu enriquecimento dogmático foi, na
maior parte das vezes, uma resposta aos abusos políticos e legislativos cometidos
à dignidade da pessoa humana. Tendo em conta a multiplicação de meios capa-
zes de pôr em causa a esfera pessoal de cada um, e, em especial, o direito à ima-
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14
A AUTOREGULAÇÃO REGULADA COMO MODELO
DO DIREITO PROCEDURALIZADO: REGULAÇÃO
DE REDES SOCIAIS E PROCEDURALIZAÇÃO
Georges Abboud199
Ricardo Campos200
INTRODUÇÃO
199 Mestre e doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC-SP. Pro-
fessor de processo civil da PUC-SP e do programa de mestrado em direito constitucional do Instituto
Brasiliense de Direito Público – IDP-DF. Advogado e Consultor Jurídico.
200 Professor assistente na cátedra de Teoria do Direito, Direito Público e Direito das Mídias na
Goethe Universität Frankfurt am Main, Alemanha. Advogado e Consultor Jurídico.
201 Ver publicacao representativa da Science sobre o tema, Yochai Benckler, Cass Sunstein, et al The
science of Fake News, em: Science 2018 vol. 359, issue 6380, p. 1094 - 1096. C. Wardle, H. Derakhs-
han, Information disorder: Towards an interdisciplinary framework for research and policy making,
Council of Europe Policy Report DGI (2017), vol 09, Council of Europe, 2017. Frauke Rostalski,
„Fake news“ und die „Lügenpresse“ - ein (neuer) Fall für das Straf- und Ordnungswidrigkeitenrecht?
em: RW Rechtswissenschaft, vol. 8 (2017), S. 436 - 461.
214 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
questão, que por vezes, acaba por tornar nebulosa tanto a percepção do problema
em si quanto a resposta sobre uma possível via de solução.
O ponto de partida do presente ensaio terá como foco a relação entre di-
reito e transformação social, especialmente como a normatividade do direito e
a epistemologia social são modificadas pelo surgimento de novas tecnologias
na passagem de uma sociedade antes centrada na impressão e em organizações
para uma sociedade centrada em redes computacionais e plataformas digitais.
Do ponto de vista metodológico, a ancora epistêmica assenta-se no que Bender
e Wallbery chamam de nova retoricidade („rhetoricality“), a qual diagnostica a
partir do século XIX uma transformação da epistemologia social gerando uma
rede a-centríca de discursos dispersos, que se encontram para além da reivin-
dicação de completude que ainda determinava o projeto iluminista, os direitos
humanos e civis. Essa nova retoricidade diagnostica a forma de existência hu-
mana moderna expressa em seu caráter infundado, aberto e incompleto, e assim
cada vez mais experimental e aberto ao novo. Nesse contexto, estabelecem-se
discursos que não mais permitem um metadiscurso exemplificativo, que não seja
ele próprio um discurso retórico202.
Esses processos ou discursos a-centricos dispersos pela sociedade tornam
por exemplo, a concepção de um sujeito do conhecimento, ou melhor, da clássica
dicotomia de um sujeito observador e um objeto observável, obsoleta203. Para o
presente artigo trata-se de compreender como o direito opera numa sociedade
cada vez mais fragmentada e a-centrica, onde a recorrente metáfora, até então
utilizada dentro do direito e da ciência política, onde a política é cabeça da so-
ciedade, cada vez mais perde em plausibilidade204.
202 John Bender, David Wellbery, Rhetoricality: On the Modernist Return of Rhetoric, em: dies
The Ends of Rhetoric. History, Theory, Practice, Standford University Press, Standford 1990, P.
3 - 42. Thomas Vesting, Die Medien des Rechts. Computernetzwerke Velbrück Wissenschaft,
Weilerwist 2015, p. 104.
203 I. Kant, Prolegomena zu einer jeden künftigen Metaphysik, die als Wissenschaft wir auf-
treten können, in: Werke in 6 Bände, W. Weischedel, tomo 3, Darmstadt 1963, p. 189. A formula
kantiana poderia ser resumida da seguinte forma: o conhecimento prescreve à natureza as leis. Ver
também Karl-Heinz Ladeur, Warum nach den Medien des Rechts fragen? ancila iuris.
204 Niklas Luhmann, Politische Theorie im Wohlfahrtstaat, Günther Olzog: Munique, 1981,
p. 22 - 23.
CAPÍTULO 14 - 215
205 Nessa nova escola com foco nos meios do direito tem uma origem interdisciplinar e não
retilínea. Pode-se liga-la ao pensamento de Walter J. Ong sobre oralidade e „literecy“, também ao
alemão Friedrich Kittler. No direito, a ressonância dos estudos dos meios do direito ganhou voz
com os trabalhos de Cornelia Vismann, Thomas Vesting, Fabian Steinhauer, Karl-Heinz Ladeur
entre outros.
206 Antes de Lessing, Ethan Katsh já havia pesquisado a relacao entre midias e o direito espe-
cialmente quais os efeitos da mudanca do meio acarretaria para o direito. Ver Ethan Katsh, The
Eletronic Media and the Transformation of Law, Oxford University Press, Oxford 1989. Ethan
216 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
Katsh, Law in the Digital World, Oxford University Press, Oxford 1995. Para Katsh nao somente
a forma como o direito é comunicado acaba sendo transformada no mundo digital, mas o conceito
de direito em si.
207 Lawrence Lessing, Code the other laws of cyberspace, p. 61 ss.
208 Lawrence Lessing. The Law of the Horse: What Cyber Law Might Teach, In: Harvard Law
Review, n. 113, Rev. 501, 1999, passim.
209 A segunda edição de seu balado livro com o título „Code: Version 2.0“ fora escrita numa
„wiki“ junto com estudantes das universidade de Stanford e Cardozo Law School e licenciado
mais tarde pelo creative communs licence.
210 Lawrence Lessing. The Law of the Horse: What Cyber Law Might Teach, cit., p. 506.
CAPÍTULO 14 - 217
211 Lawrence Lessing. The Law of the Horse: What Cyber Law Might Teach, cit., p. 510. Nes-
sa mesma perspectiva, Vilém Flusser vislumbra o futuro como uma sociedade regulada por código
e estruturada em divisão social entre duas classes a dos programadores e as dos programados.
Vilém Flusser. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo:
Cosac Naif, 2007 p. 64.
212 Esse déficit de conhecimento do Estado para intervir em âmbitos sociais já é tema recor-
rente dentro do direito administrativo e constitucional. A discussão se dá em torno do conceito
de prerrogativa de avaliação („Einschätzungsspielraum“), a qual parte da constatação de que o
legislador
213 Nick Srnicek, Platform Capitalism, Polity Press Cambridge 2017.
218 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
que a nova lógica dos „ganhadores“ do mundo digital como Google, Facebook,
Amazon, Microsoft, Siemens, GE, Uber, Airbnb entre outros, agem para ofere-
cer software ou hardware, no qual outras firmas podemos então interagir e criar
produtos para economia.
Tendo esse desenvolvimento como pano de fundo do mundo digital atual,
percebe-se que o problema do constitucionalismo tradicional em limitar a ação
estatal passa, no capitalismo de plataformas, a ser o de concretizar standarts
de direitos fundamentais dentro dessas esferas privadas, nas quais não mais a
relação tradicional Estado/sujeito se coloca em primeiro plano, mas a relação
privado/privado214. Lessing, por sua vez, apesar de se apoiar no paradigma do
constitucionalismo tradicional perdendo de vista a gramática do digital moder-
no, oferece uma importante lição sobre as possíveis formas de regulação estatal
dentro do mundo digital. Para o autor, o futuro da regulação da internet pelo
governo é um futuro em que o governo regula por ação legislativa indireta.215
Uma moderna forma de regulação indireta, a qual cumpre as condições
de possibilidade de regulação de âmbitos complexos como do mundo digital,
pode ser encontrada no instituto da autoregulação regulada. A inerente tensão
que surge da necessidade de regulação - ou ao menos da implementação de
standarts de direitos fundamentais nesses ambientes - e da facticidade inerente
ao código, ou para utilizar um termo weberiano, da própria racionalidade ou lei
do código („Eigengesetzlichkeit“)216. Justamente por levar em contra a própria
racionalidade ou dinâmica do código a autoregulação regulada se coloca como
um modelo de direito proceduralizado, diferindo-se dos paradigmas até então
populares dentro da ciência jurídica.
214 Para uma versao mais detalhada de um constitucionalismo moderno que enfrenta essa te-
mática ver Gunther Teubner, Fragmentos Constitucionais. Constitucionalismo social na Globa-
lizacao, Saraiva 2016, pg. 237 ss.
215 Lawrence Lessing. The Limits in Open Code: Regulatory Standards and the Future of the Net,
In: Berkeley Law Technolgy Journal, n. 759, 1999, p. 763.
216 Max Weber utilizou esse termo especialmente nos estudos sobre religiao para explicar a ca-
racterística central da modernidade de uma tendencial separação de esferas sociais independentes
entre si, tais como a esfera erótica, o direito, a economia etc. Para ele cada uma dessas esferas teria
uma „lei própria“ („Eigengesetzlichkeit“) impossibilitando uma gramática universal. Para tanto
ver Max Weber, Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziologie I, Mohr Siebeck, Tübingen 1988,
p. 536 ss. Thomas Schwinn, Differenzierung ohne Gesellschaft. Umstellung eines soziologischen
Konzepts, Velbrück Wissenschaft, Weilerwist 2001, p. 154 ss.
CAPÍTULO 14 - 219
217 Em decisão monocrática no TSE, Ministro Sergio Banho aplicou a resolução 23.551/17
do TSE em ação proposta pela Rede Sustentabilidade. Uma página anônima do facebook havia
publicada noticias falsas da pré-candidata à presidência da Republica Marina Silva. O deferi-
mento ressaltou o pedido liminar de remoção de publicação pela plataforma em 48 horas e libe-
ração em 10 dias das informações dos dados pessoais dos criadores do perfil. Poucos dias após
o ocorrido revelou-se que as noticias tidas por fake news eram na verdade noticias baseadas em
artigos dos órgãos de impressa tradições como folha de Sao Paulo, porém escritas de forma não
jornalísticas e sensacionalistas. Sobre o conteúdo da representação ver Representação N 0600546-
70.2018.6.00.0000, classe 11541, Brasilia, Distrito federal.
218 No congresso brasileiro cursam momentaneamente inúmeros projetos para tratar do tema.
220 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
Quod omnes tangit, omnibus tractari et approbari debet. Dessa formula clássica
da máxima romana derivou o instituto redescoberto na idade média no direito das
corporações e está até os dias atuais presente de forma implícita ou explicita no
senso comum teórico do direito. H. Berman, em sua monumental obra sobre a for-
mação do pensamento jurídico moderno, situa o instituto quod omnes tangit como
um dos pilares da progressiva separação entre poder eclesiástico e poder da secular
no decorrer das revoluções papais do século XII e XIII, especialmente com relação
à jurisdição eclesiástica219. Derivado do instituto da tutela do direito romano220, a
máxima em questão criou nos séculos XII e XIII um teoria de limitações legais do
poder eclesiástico e do poder secular, ao estabelecer limites para decisões tomadas
sem uma maior participação dos afetados dessa decisão.
Por sua vez, esse instituto migra no século XIX do direito das organizações
ou corporações para a democracia representativa estatal, criando um vínculo per-
manente entre autores e destinatários das leis através do instituto da representação
democrática. Nos escritos do filósofo alemão Jürgen Habermas, vê-se de forma
clara como esse instituto do quod omnes tangit ganha uma centralidade no pensa-
mento filosófico-político moderno, mesmo que a genealogia do conceito não seja
algo refletido pelo autor221.
Um dos problemas centrais desse paradigma encontra-se no desiderato da di-
mensão organizacional do instituto do quod omnes tangit, antes aplicado no direito
219 Harold Berman, Law and Revolution. The Formation of the Western Legal Tradition. Harvard
University Press, Cambridge 1983 p. 221.
220 Nesse vários guardiões (tutores) possuem uma tutela indivisível, na qual essa administração
coletiva nao poderia ser dissolvida sem o consenso dos demais tutores.
221 Habermas tenta especialmente institucionalizar „discursos“ e ligá-los com procedimentos de-
cisórios igualitários a fim de as pretensões de justificação do discurso possam de alguma forma ser
transferidas para a decisão em si, conferindo-a uma dimensão mais geral e universal frente ao momen-
to voluntarista e particularista da decisão por maioria. Assim tanto a legitimidade quanto a aceitação
do direito. Ver especialmente Jürgen Habermas, Faktizität und Geltung, p. 208 - 237. Ver também
Bernhard Peters, Deliberative Öffentlichkeit, in: Lutz Wingert, Klaus Günther (Org.) Die Vernunft
der Öffentlichkeit und die Öffentlichkeit der Vernunft, Frankfurt am Main 2001, p. 655 - 677.
CAPÍTULO 14 - 221
222 Veja que para Habermas a jurisdição constitucional é um grande tema. Jürgen Habermas,
Faktizität und Geltung, Frankfurt am Main 1992.
222 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
223 Com isso não quer-se dizer que o direito fica totalmente desacoplado do sistema politico,
pelo contrário esse exerce um papel fundamental em fornecer parâmetros novos de ação do direito.
224 Klaus Eder, Zeitschrift für Rechtssoziologie 1987, P. 193 e p. 200.
225 Karl-Heinz Ladeur, Der Staat gegen die Gesellschaft, Mohr Siebeck, Tübingen 2006.
CAPÍTULO 14 - 223
234 Reckwitz, Gesellschaft der Singularitäten. Zum Strukturwandel der Moderne, Suhrkamp,
Berlin 2017, S. 100.
235 W. H. Whyte, The Organization Man 1997.
226 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
236 Gunther Teubner, Polykorporativismus: Der Staat als „Netzwerk“ öffentlicher und privater
Kollektivakteure, in: Peter Niesen, Hauke Brunkhorst (Orgs.) Das Recht der Republik: Fest-
schrift Ingeborg Maus, Frankfurt 1999, p. 346 - 372.
237 Ver de forma geral Ino Augsberg, Thomas Vesting (Orgs.) Karl-Heinz Ladeur. Das Recht
der Netzwerkgesellschaft, Mohr Siebeck, Tübingen 2013.
CAPÍTULO 14 - 227
238 Sobre a história da privatização, que é mais antiga que o proprio conceito ver Jörg Axel
Kämmerer, Privatisierung, 2001, p. 61 ss. Ver também Wolfgang Weiß, Privatisierung und Ver-
waltungsaufgaben, 2002. Barbara Remmert, Private Dienstleistung in staatlichen Vewaltungsver-
fahren 2003. Sobre o papel da dogmática nas privatizacoes ver Friedrich Schoch, Die Rolle der
Rechtsdogmatik bei der Privatisierung staatlicher Aufgaben, em: Stürner (Org.) Die Bedeutung
der Rechtsdogmatik für die Rechtsentwicklung, 2010, p. 91 ss.
239 Especialmente o direito penal moderno que é centrado no indivíduo passa a ter dificulda-
des para lidar com a sociedade das organizações. Casos surgidos dos novos produtos produzidos
com alta tecnologia por organizações/empresas como Contergan, Lederspray e Holzschutzmittel
causaram embaraços na dogmática tradicional do direito penal seja pelo falta da dificuldade de
constatação do nexo causal, seja pela questão da imputação. Contergan-Fall (LG Aachen Juris-
tische Zeitung 1971, p. 507)
240 Edgar Grande, Entlastung des Staates durch Liberalisierung und Privatisierung?, em: Voigt
(Org.) Abschied vom Staat - Rückkehr zum Staat? 1993, p. 388 ss. Gunnar Folke Schuppert,
Verwaltungswissenschaft, 2000, p. 383 ,Matthias Knauff, Der Gewährleistungsstaat: Reform der
Daseinsvorsorge 2004. Andreas Voßkuhle, Der „Dienstleistungsstaat“: Über Nutzen und Gefah-
ren von Staatsbildern, Der Staat 40 (2001). p. 495 ss.
241 Epistemologia social diferencia-se de duas matrizes do pensamento ocidental: a filosofia
analítica e teoria do conhecimento de matriz cartesiana. Para o viés da epistemologia social,
a forma com que as condições sociais do conhecimento se apresentam na sociedade é o ponto
central. Para uma visão geral veja T. Wilholt, Soziale Erkenntnistheorie, 2007, p. 46 ss. Sybille
Krämer, Medium, Bote, Übertragung 2008, p. 225. Para a dimensão política da epistemologia
social especialmente voltada para as fundações epistemológicas da política democrática ver Y.
Ezrahi, Imagined Democraties, 2012 p. 104 ss. Ver também Thomas Vesting, Medien des Rechts,
tomo I, p. 12ss.
228 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
242 A regulação do setor elétrico centra-se na regulação de empresas e organizações que forne-
cem energia. A regulação de telecomunicações fica responsável por ficar parâmetros das empresas
e organizações que prestam serviço de telefonia. E assim por diante. Nossa estrutura de organi-
zação do estado não ficou alheia à utilização das agências reguladoras. As agências reguladoras
fazem parte da Administração Pública Federal indireta e são submetidas a regime autárquico
especial, vinculadas ao Ministério que cuida da matéria que elas visam a regular. São essas as agên-
cias reguladoras nacionais: Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA – MP 2157-5/01);
Agência de De- senvolvimento do Nordeste (ADENE – MP 2156-5/01); Agência Nacional de
Águas (ANA – L 9984/00); Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC – L 11182/05); Agên-
cia Nacional do Cinema (ANCINE – MP 2228-1/01); Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL – L 9427/96); Agência Nacional do Petróleo (ANP – L 9478/97); Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS – L 9961/00); Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL
– L 9472/97); Agência Nacional de Transportes Aqua- viários (ANTAQ – L 10233/01); Agên-
cia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT – L 10233/01); Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA – L 9782/99). Os diretores das agências são nomeados pelo Presidente da
República, após serem aprova- dos pelo Senado Federal (CF 52 III f) e a gestão de recursos hu-
manos das Agências se faz nos termos da L 9986/00. Cf. Georges Abboud e Nelson Nery Junior.
Direito Constitucional Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 494-495. Floriano
Azevedo Marques Neto. Agências reguladoras independentes: fundamentos e seu regime jurídico, Belo
Horizonte: Forum, 2009. Gustavo Binenbojm. Agências reguladoras independetes, separação de pode-
res e processo democrático, In: Temas de Direito Administrativo e Constitucional, RJ: Renovar, 2007, p.
95-119. Gustavo Binenbojm. Um novo direito administrativo para o séc. XXI, , In: Temas de Direito
Administrativo e Constitucional, RJ: Renovar, 2007, p. 3-37.
CAPÍTULO 14 - 229
243 Martin Eifert, Regulierte Selbstregulierung und die lernende Verwaltung, in: Die Verwal-
tung. Zetischrift für Verwaltungsrecht und Verwaltungswissenschaften, Duncker & Humblot,
Berlim Caderno Especial „Regulierte Selbstregulierung als Steuerungskonzept des Gewährleis-
tungsstaates. p. 137 ss.
230 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
244 Thomas Vesting, Die Bedeutung von Information und Kommunikation für die verwal-
tungsrechtliche Systembildung, in: Wolfgang Hoffmann-Riem/Eberhard Schmidt-Aßmann/
Andreas Voßkuhle (Hrsg.), Grundlagen des Verwaltungsrechts, Bd. II: Informationsordnung –
Verwaltungsverfahren – Handlungsformen, München, 2. Aufl 2013, § 20; Andreas Voßkuhle, Der
Wandel von Verwaltungsrecht und Verwaltungsprozeßrecht in der Informationsgesellschaft, in:
Wolfgang Hoffmann-Riem/Eberhard Schmidt-Aßmann (Hrsg.), Verwaltungsrecht in der In-
formationsgesellschaft, Baden-Baden 2000, S. 349 ff. (369 ff.). Andreas Voßkuhle, Neue Ver-
waltungsrechtswissenschaft, em: Hoffmann-Riem, Schmidt-Aßmann, Voßkuhle (Orgs.)Grund-
lagen des Verwaltungsrechts, Tomo 1, 2006, § 1, p. 40 ss.
245 Willian Simon, The organizational Premises of Administrative Law, Law and Contempo-
rary Problems (2015) 61-100.
246 Hans Christian Röhl (Hrsg.), Wissen – Zur kognitiven Dimension des Rechts (DV Beiheft
9), Berlin 2010. Sobre a temática ver os artigo no livro Indra Spiecker gen. Döhmann/Peter Collin
(Hrsg.), Generierung und Transfer staatlichen Wissens im System des Verwaltungsrechts, Tübin-
gen 2008, e também em Gunnar Folke Schuppert/Andreas Voßkuhle (Hrsg.), Governance von
und durch Wissen, Baden-Baden 2008; Burkard Wollenschläger, Wissensgenerierung im Verfah-
ren, Tübingen 2009; Indra Spiecker gen. Döhmann, Wissensverarbeitung im Öffentlichen Recht,
Rechtswissenschaft 1 (2010), S. 247 ff.; ausführlich zum ganzen jetzt Ino Augsberg, Informa-
tionsverwaltungsrecht. Zur kognitiven Dimension der rechtlichen Steuerung von Verwaltungs-
entscheidungen, Tübingen 2014. Grundlegend zur Wissensthematik im (Öffentlichen) Recht
Karl-Heinz Ladeur, Das Umweltrecht der Wissensgesellschaft. Von der Gefahrenabwehr zum
Risikomanagement, Berlin 1995. Aus zivilrechtlicher Sicht instruktiv Dan Wielsch, Zugangsre-
geln. Die Rechtsverfassung der Wissensteilung, Tübingen 2008.
CAPÍTULO 14 - 231
Para W. Simon, por sua vez, o marco fundacional do paradigma das organi-
zações dentro do direito administrativo americano se deu com o Administrative
Procedure Act (APA) publicado em 1946 que tinha a produção estandardizada
de manufaturados em massa, a qual possuía como centro do marco regulatório a
„lage-scale organization“. Entretanto, nas ultimas décadas, houve uma profunda
transformação na pratica organizacional exigindo do setor público uma nova
forma regulatória para lidar com esse fenômeno da organização pós burocrática,
a qual é mais dinâmica e flexível247.
„In postbureaucratic organization, legitimacy depends less on prior au-
thorization than on transparency and consequent openness to ongoing diffuse
democratic pressures. The key type of norm is not the rule but the plan. Plans
are more comprehensive than rules, and although plans may contain rules, as
norms, they are more provisional and less categorically prescriptive than bu-
reaucratic rules. Plans typically set out procedures for monitoring their own
implementation and for frequent reassessment in light of information derived
from monitoring. Whereas change in bureaucracy tends to be episodic, chan-
ge in postbureaucratic organization tends to be continuous. Although they do
not regulate as tightly as rules, plans do not create pockets of unaccountable
discretion. Departures from a plan may be permissible, but they typically trig-
ger review and require explanation. Finally, postbureaucratic organization takes
a proactive approach to error detection: It tends to rely on audits more than
complaints, and it takes a diagnostic approach to complaints, understanding
them not just as evidence of idiosyncratic deviance, but as symptoms of systemic
malfunction.“248
Especialmente com a popularização da utilização ambiente da internet
criou-se novas possibilidades de articulação das empresas. Novos modelos dis-
ruptivos de empresas, inteligência artificial, casos automatizadas, internet das
247 Sobre as mudanças estruturais da empresa e sua ressonância no direito veja: Gunther Teub-
ner, Para o direito administrativo veja Roland Broemel, Strategisches Verhalten in der Regulierung.
Zur Herausbildung eines Marktgewährleistungsrechts in den Netzwirtschaften, Tübingen 2010,
p. 201 ff.;
248 Willian Simon, The organizational Premises of Administrative Law, Law and Contempo-
rary Problems (2015) p. 62.
232 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
coisas, entre outros mudam não somente o ambiente que em ocorre a concor-
rência das empresas, mas também coloca o direito público sob pressão para re-
pensar novos modelos de regulação condizentes com esse novo cenário social.
A questão atinente às fake news configura enblemático exemplo da necessidade
de formação de novos mecanismos de regulação e controle. Logo, não seria ne-
nhum exagero afirmar que as fake news constituem uma espécie de quebra de
accountability na formação e circulação das informações.
Richard Collins, comentando o debate que se deu no Reino Unido, em
2006, sobre a accountability da BBC, chama a atenção para duas concepções
distintas porém complementares dessa exigência democrática. A primeira delas,
de autoria da Baronesa Mary Warnock, sustenta que a accountability seria com-
posta por dois elementos: o dever de dar conhecimento ou informação (duty to
give an account) e o poder de impor uma sanção (right to hold in account).249 Já a
segunda, idealizada pelo estudioso Albert Hirschman, equaciona a accountability
ao exercício alternativo de três opções fundamentais: a de abandonar o veículo
de informações (seja por deixar de pagar preço ou de deixar de votar); a de se
fazer escutar (por meio do voto ou de reclamações diretas); ou a de demonstrar a
lealdade. O abandono é exercido pelo preço e pela política.250
O que se percebeu no Reino Unido, a partir dessas duas visões, é que a
garantia da accountability se vê por muitas vezes ameaçada pela tensão que existe
entre o mercado e o Estado em relação à mídia. Mesma tensão advinda do com-
bate às fake news. A partir do momento em que a circulação de notícias deixa
de ser monopólio do Estado, as várias empresas de telecomunicação - surgidas
para explorar essa nova fatia de mercado - encontram seu sustento nas assina-
turas daqueles interessados nos seus serviços. As pessoas então se dividem entre
consumidores e administrados. Os primeiros veem-se à mercê dos interesses do
mercado; os segundos, indefesos diante da opacidade da Administração Pública.
Embora os consumidores pareçam poder exercer de maneira mais direta o direi-
249 Richard Collins. Accountabilty, Citizenship and Public Media In: Monroe E. Price, Sefaan G.
Verhulst, Libby Morgan (orgs.). - Routledge Handbook of Media Law, New York: Routledge, 2013,
p. 219-233.
250 Richard Collins. Accountabilty, Citizenship and Public Media, cit., p. 219-233.
CAPÍTULO 14 - 233
to de exigir contas das suas emissoras, o produto por eles consumido sempre se
voltará ao que for mais lucrativo. Ao passo que, se os administrados podem votar,
não podem jamais ter acesso ao que motiva as comunicações do Estado. O que
Collins sugere, para resolver essa encruzilhada dolorosa, é um terceiro modelo.
O cidadão é o meio termo entre o mercado e o Estado, e deverá exigir tanto de
um quanto do outro, a transparência da qual ele tanto necessita para decidir o
próprio destino.251
Dentro do âmbitos das redes computacionais e plataformas digitais o
conceito de accountability deve ser entretanto repensado levando em conside-
ração as peculiaridades da gramática do mundo digital que são não organizacio-
nais. Assim, um importante desenvolvimento do conceito de accountability seria
acopla-lo ao conceito de autoregulação regulada, onde procedimentos sejam
criados para compensar a incerteza e gerar conhecimento sobre a persecução de
certos objetivos e interesses públicos estabelecidos252.
251 Richard Collins. Accountabilty, Citizenship and Public Media, cit., p. 219-233.
252 Ino Augsberg, Informationsverwaltung. Zur kognitiven Dimension der rechtlichen Steue-
rung von Verwaltungsentscheidungen, Mohr Siebeck, Tübingen 2014, p. 244 ss.
253 „Das ist in der Tat der erste Zugang, dass er von den Sinnen ausgeht, dass er die Sinnes-
erweiterungen, die Sinnesprothesen untersucht: Wahrnehmung ist dasjenige, was überhaupt erst
durch mediale Prozesse konstituiert wird, das heißt dass es also gar nicht so sehr um die Inhalte
geht,- also die Botschaft ist nicht das, was wir gerade sehen, das was wir lesen, was in den Texten
steht, sondern es geht um die Formierungsprozesse selber und das ist die eigentliche Botschaft
- und er hat dann auch zusammen mit Quentin Fiore, ein Buch veröffentlicht mit dem bezeich-
nenden Titel nicht The medium is the message, sondern The medium is the massage.“
234 - OS IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO E NA SOCIEDADE
254 „Im Kern ist McLuhans Idee, dass Medien eine Extension, eine Veräußerung des
menschlichen Körpers sind, Veräußerung und Erweiterung, das würde heißen, dass zum Beispiel
das Rad eine Erweiterung des Fußes oder der Gehwerkzeuge wäre, so dass ich dann sozusagen
nicht mehr selber laufen muss, sondern eben per Fahrrad, Auto, Zug, transportiert werde bezie-
hungsweise mich beim Fahrrad selber mit anstrenge, oder die große These, die er hat, dass der
Computer eine Veräußerung des menschlichen Gehirns sei, der Funktionalität, die das Gehirn
hat.“
255 Locus classicus é o caso Brisola vs. Jornal Nacional, no qual Brisola teve um direito de resposta
assegurado judicialmente de responder dentro da programação do jornal nacional, em cadeia
nacional.
CAPÍTULO 14 - 235