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HEGEL, G. - A Diferença Entre Os Sistemas Filosóficos de Fichte e Schelling
HEGEL, G. - A Diferença Entre Os Sistemas Filosóficos de Fichte e Schelling
HEGEL, G. - A Diferença Entre Os Sistemas Filosóficos de Fichte e Schelling
DIFERENÇA ENTRE
,
OS SISTEMAS FILOSOFICOS
DE FICHTE E DE SCHELLING
1. HEGEL EM }ENA
1 l�udolf Haym, Hegel und seine Zeit, Berlin, Verlag Rudolf Gaertner,
IH!i7, n•lmp. Dnrmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1974, p. 183.
nesta sua primeira obra filosófica, uma decidida vontade de «separar as
águas» em filosofia, com uma audácia e uma segurança pouco comuns
num estreante.
O título completo desta obra é Diferença entre os Sistemas Filo
sóficos de Fichte e de Schelling, em relação com os «Contributos
para uma Mais Fácil Visão do Estado da Filosofia nos Começos
do Século Dezanove», l.º Fascículo, de Reinhold (de agora em
diante, referi-la-emos, simplesmente, pela abreviatura Differenzschrift),
tendo sido publicada em Jena, em 1801, pelo editor Seidler. A «Adver
tência prévia» está datada de Julho desse mesmo ano, mas a redacção
deverá ter sido concluída em meados da Primavera. Numa nota à
p. 159 da edição original (ou seja, aproximadamente 4/s do total das
184 páginas da 1. ª edição), Hegel refere-se ao 2. º Fascículo do livro de
Reinhold, publicado em meados de Abril de 1801, como tendo saído
após aqueles linhas terem sido redigidas. Não sendo impossível que
aquela nota tivesse sido acrescentada após a redacção definitiva da to
talidade da obra - como aliás a «Advertência prévia» o foi - é vero
símil que em inícios de Abril o trabalho se encontrasse já concluído.
A reacção dos contemporâneos foi um misto de surpresa e de admi
ração. A Stuttgarter Allgemeine Zeitung escreveu: «Schelling cha
mou da sua pátria um robusto campeão e, através dele, declara ao
público estupefacto que mesmo Fichte está muito abaixo das suas teo
rias». Reinhold, em carta dirigida a Fr. Niethammer, a 27 de Janeiro
de 1802, reconhece que Schelling encontrou um companheiro talentoso
e hábil. Poder-se-ia ainda mencionar o testemunho de Schiller, em car
ta a W. von Humbolt de 18 de Agosto de 1803, em que Hegel é con
siderado uma «profunda cabeça filosófica», embora aqui o juízo de
Schiller tenha já em conta a obra de 1802, Fé e Saber, e, provavel
mente, o renome que Hegel, entretanto, adquirira como professor de
filosofia na Universidade de Jena, apesar dos seus fracos dons de expo
sição 2 . O próprio Schelling, em carta dirigida a Fichte a 3 de Outubro
de 1801, refere-se à Differenzschrift como sendo a obra de um «espí
rito excelente» 3.
Schriften», Hamburg, Felix Meiner, 1968, p. 24. Sobre este assunto, cf. Otto
Põggeler, Regeis Idee einer Phiinomenologie des Geistes, Freibur g / München,
Karl Alber Verla g, 19932, pp. 110 e se gs.; Richard Kroner, Von Kant bis
Hegel, Tübingen, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck}, 1977, 2.ª ed., vol. 2.º, p. 152.
estaria condenada a permanecer um desejo vão. Exige-se, por isso, 1]111'
tentemos compreender mais claramente as intenções de Hegel, nos prin
2. A NECESSIDADE DA FILOSOFIA
vistaª·
O idealismo de Fichte, defende Hegel, é um idealismo subjectivo;
isto significa que a harmonia entre o sujeito e o objecto, entre a liber
dade e a natureza, para Fichte, está apenas idealmente contida no Eu,
ou seja, no princípio supremo da sua filosofia, nunca se podendo tornar
completamente objectiva sem que, fazendo-o, se negasse a si mesma e
ameaçasse a própria liberdade. É o ponto de vista prático, com que se
inicia o sistema de Fichte, que lhe dá um carácter necessariamente sub
jectivo. O Eu prático, o Eu na sua mais alta potência, na terminologia
de Schelling, no seu acto originário de autodeterminação - que Fichte
designava pelo termo Tathandlung -, só consegue encontrar a natu
reza como algo em que pode exercer a sua acção, legitimando, então,
que, para a consciência teórica, ela apareça de acordo com as leis
imanentes da inteligência. Só que daqui resulta, com não menos neces
sidade, como também Schelling já demonstrara antes de Hegel, a nuli
dade teórica deste sistema, condenado ao ponto de vista da reflexão,
para a qual a natureza aparece sempre como algo já dado e, por isso,
privado da sua dimensão espiritual. Por este motivo, em Fichte, ainda
segundo Hegel, a intuição transcendental que permite ao Eu aceder à
posse de si mesmo nunca se transforma na auto-intuição do absoluto,
permanecendo fixada na sua própria subjectividade.
Uma tal filosofia não poderá estar à altura das necessidades da
época. Se, como Hegel afirma, «O poder de unificação desapareceu da
vida dos homens», se o que o tempo cindiu - o sujeito e o objecto, o
homem e a natureza, Deus e o mundo - permanece cindido pela
inexistência de uma força capaz de proceder à sua unificação, não será
s Sobre este assunto, cf. Otto Põggeler, op. cit. , pp. 131 e se gs. Note-se,
3. 0 PROBLEMA DO MÉTODO
14
caminho em direcções opostas, a igual dignidade da filosofia da natu
reza e da filosofia transcendental - teses que Schelling defendera com
brio no Prefácio ao Sistema de 1800 , servirão a Hegel para forne
-
is
Cf. Gesammelte Werke, Band 4, ed. cit., p. 42.
16 Entende-se por forma de uma proposição aquilo que ela diz acerca
da re laçã o do sujeito com o predicado. Neste sentido, é óbvio que a forma
da n e gaçã o se opõe à da afirmação. Mesmo supondo que. o sujeito e o
predicado são os mesmos, numa proposição afirmativa e numa negativa,
vt�-st• facilmente que a relação entre os dois é totalmente diferente num
l'ilHo t• no outro. Sobre este assunto, cf. Rolf-Peter Horstmann, Die Grenze
d1·r V1·n11111f1, Wcinhcim, Athcnílum Verlag, ·1995, 2.'' ed., p. 122.
tem, para Fichte, qualquer fundamento no Eu, sendo apenas um facto
contingente 1 7. Que algo se oponha, poderá acontecer ou não, compe
tindo apenas à WL, enquanto ciência dos primeiros princípios do saber
humano, determinar o modo necessário como tal acontece. O que Fichte
nega é que no Eu, tal como a WL o concebe, possa residir, simultanea
mente, o princípio do seu pôr-se e o do seu não se pôr.
Schelling, em carta dirigida a Fichte a 19 de Novembro de 1800,
insistia na necessidade de fornecer uma comprovação material do idea
lismo, que mostrasse de que modo a natureza pode ser deduzida do Eu,
não, obviamente, do eu subjectivo do filósofo, mas sim do Eu objectivo,
do «puro objectivo da intuição intelectual», como dirá, em 1801, a Ex
posição do Meu Sistema de Filosofia 1ª. Para Fichte, tal comprova
ção, não só era desnecessária, como também contrária aos princípios da
WL: que um mundo material exista fora da consciência comprova-se
pela resistência que o Eu sente em fazer valer, por toda ·a parte, a li
berdade absoluta, que é o fundamento do seu pôr-se a si mesmo.
É certo que, em Fichte, esta resistência recebe ainda uma explica
ção de ordem transcendental. Se o Eu que se põe a si mesmo é a rea
lidade absoluta, a negação só pode resultar de uma supressão, pelo
próprio Eu, da sua actividade posicional. É por isso que a resistência
que mencionámos não deve ser confundida com a afecção de que se
socorre a filosofia de Kant para explicar a origem dos nossos conheci
mentos; aquela, ao contrário desta, é, simultaneamente, real e ideal: real
porque limita o Eu, ideal porque é posta pelo próprio Eu, ou seja, é,
como já dissemos, o Eu limitando-se. Só que, na interpretação hegeliana,
este limite interno, parecendo autorizar uma dedução da realidade a
partir do primeiro princípio da WL, falha, de facto, nos seus propósi-
GA 1/2, p. 390.
t s Regista-se aqui uma clara evolução no pensamento schellinguiano,
que Hegel não acompanhará, ou qµe, pelo menos, interpretará num senti
do muito próprio. Enquanto no Sistema de 1800 Schelling admitia que o
caminho do Eu à natureza era paralelo ao caminho que ia da natureza ao
Eu, em 1801 defende que tanto o Eu como a natureza podem ser deduzi
dos de um puro objectivo, que não é nem sujeito nem objecto, mas sim
indiferença quantitativa relativamente a um e a outro. (Cf. Exposição, § 1,
SW, IV, pp. 1 14-1 15.) Ora, para Hegel, o «puro objectivo» schellinguiano,
ou o absoluto, não se caracteriza pela indiferença; ele é sujeito e objecto
simultaneamente.
tos: o princípio e o resultado do sistema, em Fichte, nunca coincidem,
pois o limite, uma vez posto, nunca é reabsorvido pela actividnd1•
posicional. Como Hegel dirá (e é este o cerne da sua crítica ao sistema
de Fichte): neste «idealismo do dever», que transforma o absoluto em ..t
produto da reflexão, e o racional em algo que é posto pelo entendimen
to, o Eu nunca é igual a Eu, mas deve, somente, sê-lo. A sua identi
dade final consigo mesmo necessitaria, para ser posta, da forma do
tempo, resultaria de um progresso infinito, que mais não seria do que
um progresso empírico indefinido, cujo termo, apenas postulado, se
anularia de facto como termo efectivo.
É assim que, no sistema de Fichte, de acordo com a interpretação
hegeliana, o sujeito e o objecto estão condenados a permanecer eterna
mente opostos e a cisão entre ambos não poderá nunca ser suprimida.
O absoluto hegeliano, ao invés, é uma identidade da identidade dos
opostos e da sua não-identidade; eles são efectivamente suprimidos no
absoluto, na medida em que é também nele e por ele que são postos
como opostos. Mas, no sistema de Fichte, a resolução da tarefa da filo
sofia, que consiste em suprimir a cisão, terá de ser indefinidamente
adiada, pois tal sistema resultou apenas do facto de se ter elevado ao
absoluto um dos opostos, relativizando o outro. Ora um tal absoluto só
pode ser ainda algo de relativo, diríamos, até, de duplamente relativo:
não só relativo ao que se lhe opõe, mas também à arbitrária decisão do
filósofo em o absolutizar dessa forma.
Na linguagem de Hegel, o sujeito fichteano é, como já dissemos,
sujeito-objecto subjectivo: nele, exprime-se uma identidade entre o su
jeito e o objecto, na medida em que o objecto resulta da supressão da
actividade posicional do sujeito; e o objecto é igualmente sujeito-objecto,
pelas mesmas razões, mas agora objectivo, ou seja, desprovido de ver
dadeira capacidade posiciona}: o seu ser é um mero ser-posto, pois não
seria se um sujeito não o determinasse como o objecto que é. ·
20
rão fundamentar as hipóteses que colocam como o seu ponto de
partida. Nesta perspectiva, esta Differenzschrift, para lá do seu
marcado carácter polémico e da sua inserção no contexto histórico
-filosófico alemão dos começos do século XIX, antecipa a feição que
tomará o idealismo absoluto de Hegel, quando o autor o expuser
diante do público na sua forma acabada.
CARLOS MORUJÃO
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DIFERENÇA ENTRE OS SISTEMAS FILOSÓFICOS
DE FICHTE E DE SCHELLING
ADVERT�NCIA PRÉVIA
30
autêntico princípio da especulação. Mas, mal a especulação sai
do conceito de si mesma que apresentou por si mesma e se con
figura como sistema, abandona-se a si mesma e ao seu princípio
e não regressa a ele. Ela abandona a razão ao entendimento e
transfere-se para a cadeia das finitudes da consciência, cadeia
essa a partir da qual não se reconstrói novamente a si mesma
como identidade e verdadeira infinitude. O próprio princípio, a
intuição transcendental, põe-se, com isso, na posição equívoca de
algo de oposto à . multiplicidade que é deduzida a partir dele.
O absoluto do sistema mostra-se apenas na forma do seu apare
cimento captado pela reflexão filosófica, e esta determinidade,
que lhe é dada por meio da reflexão, a saber, a finitude e a
oposição, nunca lhe é retirada. O princípio, o sujeito-objecto,
apresenta-se como um 1 sujeito-objecto subjectivo. O que é de- 7
<luzido dele reveste, com isso, a forma de uma condição da cons
ciência pura, do Eu = Eu, e a própria consciência pura reveste a
forma de uma consciência condicionada por uma infinitude ob
jectiva, a saber, a progressão temporal in infinitum, na qual se
perde a intuição transcendental e o Eu não se constitui a si
mesmo em auto-intuição absoluta, portanto, o Eu = Eu trans
forma-se a si mesmo no princípio: o Eu deve ser igual a Eu.
A razão posta na oposição absoluta, por conseguinte, despo
tenciada em entendimento, torna-se, com isso, princípio das fi
guras que o absoluto pode dar a si mesmo, e às suas ciências.
Ter de distinguir estes dois lados do sistema fichteano - um,
segundo o qual ele expõe de modo puro o conceito da razão e da
especulação, portanto, toma a filosofia possível, outro, segundo o <:
32
AS DIVERSAS FORMAS QUE APARECEM 9
NO FILOSOFAR DOS NOSSOS DIAS
Uma época que deixou atrás de si, como passado, uma tal
quantidade de sistemas filosóficos, parece ter de chegar àquela
indiferença que a vida obtém após ter-se experimentado todas as
formas; o impulso para a totalidade exprime-se ainda como im
pulso para a completude dos conhecimentos, quando a individua
lidade ossificada já não se atreve a viver; ela procura, através da
multiplicidade daquilo que tem, aparentar aquilo que não é. Na
medida em que transforma a ciência em conhecimento, recusou
-lhe a participação viva que a ciência requer, manteve-a à distân
cia e em pura figura objectiva, e manteve-se a si mesma, contra
todas as reivindicações a erguer-se à universalidade, intocável na
sua particularidade obstinada. Para este género de indiferença,
quando ela sai de si mesma por curiosidade, não há nada de
mais agradável do que dar um nome a uma filosofia de tipo
novo, e, tal como Adão exprimiu o seu domínio sobre os ani
mais no facto de lhes ter dado um nome, exprimir o domínio
sobre uma filosofia através da descoberta de um nome. Deste
modo, ela é deslocada para o plano do conhecimento. Os conhe
cimentos deparam-se com objectos que lhes são estranhos; no
saber da filosofia, que nunca é outra coisa senão um conheci-
1m! n to, a totalidade do interior não se moveu e a indiferença
n fi rm o u com p l e ta men te a sua liberdade.
Nenhum sistema de filosofia se pode subtrair à possibilidade
de um tal acolhimento; cada um é susceptível de ser tratado de
um ponto de vista histórico. Tal como cada figura viva pertence,
ao mesmo tempo, ao fenómeno, assim uma filosofia, como
fenómeno, se entregou àquele poder que a pode transformar
numa opinião morta e, desde o começo, em passado. O espírito
vivo que reside numa filosofia exige, para se revelar, nascer por
intermédio de um espírito semelhante. Ele passa diante da con
duta histórica, que resulta de qualquer interesse pelo conheci
mento de opiniões, como um fenómeno estranho, e não revela o
seu íntimo. Pode-lhe ser indiferente o facto de servir para en
grossar a restante colecção de múmias e o amontoado universal
de contingências, pois ele próprio escapou ao coleccionar curioso
de conhecimentos disponíveis. Este agarra-se à sua tomada de
10 posição indiferente à verdade J e mantém a sua independência,
quer aceite quer recuse opiniões, quer se mantenha indecidido;
com os sistemas filosóficos, não pode ter qualquer outra relação
senão a de considerá-los opiniões, e tais contingências como
opiniões não lhe podem fazer mal algum; ainda não reconhece
ram que a verdade existe.
Mas a história da filosofia ganha, quando o impulso de alar
gar a ciência se lança a isso, um lado mais útil, na medida em
que deve servir, nomeadamente, segundo Reinhold, para pene
trar no espírito da filosofia mais profundamente do que já acon
teceu, e levar mais longe as opiniões próprias dos predecessores
sobre a fundamentação da realidade do conhecimento humano,
através de novã s opiniõe s próp rias; só através de um tal conhe
cimento das tentativas que foram feitas até hoje para resolver a
tarefa da filosofia, poderá por fim a tentativa dar efectivamente
resultado, se é que foi concedido à humanidade alcançá-lo 4. Vê
-se que à finalidade de uma tal investigação subjaz uma repre
sentação da filosofia segundo a qual esta seria uma espécie de
arte manual, que se deixaria aperfeiçoar através de novos proce
dimentos técnicos incessantemente descobertos. Cada nova des
coberta pressupõe o conhecimento dos procedimentos já utiliza
dos e dos seus objectivos; mas, após todos os melhoramentos
feitos até ao presente, permanece ainda a tarefa fundamental,
que, depois de todos os outros, Reinhold parece pensar como a
descoberta de um último procedimento técnico universalmente
válido, por meio do qual, para todos os que fossem capazes de
o conhecer, a obra se realizaria por si mesma. Se se tra tas se d e
fazer uma tal descoberta e a ciência fosse a obra morta da habi
lidade alheia, caber-lhe-ia, certamente, aquela perf�ctibilidade de
que são capazes as artes mecânicas, e, em cada época, os siste
mas filosóficos anteriores não deveriam ser considerados senão
como exercícios preliminares para as grandes cabeças. Mas se o
absoluto, tal como a sua manifestação, a razão, é eternamente
um e o mesmo, como de facto é, então, cada razão que se dirige
e se conhece a si mesma produziu uma verdadeira filosofia e re
solveu para si a tarefa que, tal como a sua solução, é a mesma
para todas as épocas s . Porque, na filosofia, a razão que se conhece
a si mesma tem a ver somente consigo, reside também nela mes
ma toda a sua obra e a sua actividade, "€, em relação à essência
mais íntima da filosofia, não há antecessores nem seguidores.
Tal como não se pode falar de melhoramentos constantes, tam- -rf.:
bém não se pode falar de pontos de vista próprios em filosofia 6.
Como poderia o racional ser uma coisa própria? Aquilo que é pró
prio de uma filosofia, por ser próprio, só pode pertencer · à forma
do sistema, não à essência da filosofia. Se algo de próprio consti
tuísse efectivamente a essência de uma filosofia, ela não seria filo
sofia alguma; e se um sistema explica que algo 1 de próprio cons- 11
titui a sua essência, tal sistema poderá - não obstante isso - ter
resultado da especulação autêntica, que apenas fracassou na tenta
tiva de se exprimir na forma de uma ciência. Quem está prisioneiro
de uma peculiaridade, só vê nos outros peculiaridades; se, na es
sência da filosofia, se conceder lugar a pontos de vista particulares,
e se Reinhold considera uma filosofia própria aquilo de que se ·
r.
Se, aqui, a peculiar.idade da forma do próprio sistema, a to
talidade da sua natureza intrínseca, produziu uma tal expressão,
ao invés, a peculiaridade da filosofia de Reinhold consiste na
tendência para instituir e fundamentar, que se ocupa com pon
tos de vista filosóficos próprios e com a preocupação de fazer a
sua história. O amor e a fé na verdade elevou-se a uma altura
tão pura e vertiginosa que ele, para que a entrada no templo seja
correctamente instituída e fundamentada, edifica um átrio espa
çoso, no qual a verdade, para se poupar o passo, se ocupa duran
te muito tempo com o analisar, o metodologizar e o enumerar,
até que afirma, como prova da sua incapacidade para a filosofia,
que os passos temerários dos outros não foram senão exercícios
preparatórios, ou erros do espírito.
A essência da filosofia não tem justamente chão para proprie
dades e, para atingi-la, se o corpo exprime a soma das proprie
dades, é necessário lançar-se nela à corps perdu 7; pois a razão,
que encontra a consciência prisioneira de peculiaridades, só se
tornará especulação filosófica na medida em que se elevar a si
mesma e se confiar a si mesma e ao absoluto, que se tornará ao
mesmo tempo o seu objecto. Ela só põe em risco aí as finitudes
da consciência e, para as ultrapassar e construir o absoluto na
12 consciência, eleva-se à especulação e, 1 na ausência de funda
mento para as limitações e peculiaridades, agarrou em si mesma
a sua própria fup.damentação. Porque a especulação é a activida
de que a razão una e universal exerce sobre si mesma, ela, se
libertou o seu próprio ponto de vista das casualidades e das li
mitações, deve (em vez de ver nos sistemas filosóficos de diver
sas épocas e cabeças apenas diferentes modos e pontos de vista
meramente próprios), encontrar-se a si mesma através das for
mas particulares, em vez de encontrar uma mera multiplicidade de
conceitos e opiniões razoáveis, pois uma tal multiplicidade não é
uma filosofia. O verdadeiramente próprio de uma filosofia é a
individualidade interessante, na qual a razão organizou para si
mesma uma figura, com os materiais de uma época particular;
aí, a razão especulativa particular encontra o espírito do seu
espírito, a carne da sua carne, intui-se a si nela como uma e a mesma
essên�ia viva e como um outro. Cada filosofia é em si completa
e tem, como uma autêntica obra de arte, a totalidade em si. Tão
-pouco como a obra de Apeles ou de Sófocles, se Rafael e
Shakespeare a tivessem conhecido, lhes teria podido aparecer
como um exercício prévio para si mesmos, mas sim como u m a
.16
força espiritual aparentada à sua, tão-pouco pode a razão, nas
suas configurações precedentes, ver-se a si mesma como exercí
cios prévios de que poderia tirar partido; e se Virgílio conside
rou Homero como um tal exercíçio prévio para si e para a sua
época mais refinada, então a sua obra permaneceu um exercício
posterior de imitação.
A NECESSIDADE DA FILOSOFIA
A RELAÇÃO DA ESPECULAÇÃO 20
COM O SÃO ENTENDIMENTO HUMANO
4ó
A especulação, porém, eleva à consciência a identidade sem cons
ciência para o são entendimento humano, ou constrói como uma
identidade consciente o que é necessariamente oposto na cons
ciência do entendimento comum, uma unificação do separado na
crença que é, para ele, um horror. Porque o sagrado e o divino
subsistem somente como objecto na sua consciência, ele vê ape
nas na oposição suprimida, na identidade para a consciência,
somente a destruição do divino.
Mas em particular o são entendimento humano não pode ver
nada mais do que destruição naqueles sistemas filosóficos que
satisfazem a exigência da identidade consciente suprimindo a
cisão, pelo que um dos opostos, em particular quando se encon
tra já fixado pela cultura do tempo, é elevado ao absoluto e o
outro é aniquilado. Aqui, a especulação, como filosofia, supri
miu certamente a oposição, mas, como sistema, elevou de limita
da a absoluta uma forma sua habitual e conhecida. O único lado
que é aqui tomado em consideração, a saber, o especulativo, não
existe, de forma alguma, para o são entendimento humano; des
te . lado especulativo, o limitado é totalmente diferente daquilo
que parece ao são entendimento humano; 1 nomeadamente, pelo
facto de ter sido elevado ao absoluto, já não é este limitado.
A matéria do materialista não é mais a matéria morta a que se
opõem a vida e a cultura, ou o eu do idealista não é mais a cons
ciência empírica que, como limitada, tem de pôr um infinito fora
de si. Cabe à filosofia a pergunta sobre se o sistema purificou de
verdade de toda a finitude a manifestação finita, que alçou a
infinito, e se a especulação, onde mais se afasta do entendimento
humano comum e das suas oposições fixas, não está submetida
ao destino do seu tempo, que consiste em pôr absolutamente urna
forma do absoluto, portanto, algo por essência oposto. Se a espe
cu lação libertou realmente o finito, que tornou infinito, de todas
ns formas da manifestação, é antes de mais com o assumir que
o entendimento humano comum aqui esbarra, quando, de outro
modo, não tem qualquer notícia do trabalho especulativo. Quan
d o a especulação apenas de facto alça o finito a infinito e assim
o a n i q uila - e a matéria e o eu, na medida em que devem abran
su
mente a anterior; nela, abstraiu-se da pura identidade e é posta
a não-identidade, a pura forma do não-pensar 16, tal como a p r i
meira põe a forma do puro pensar, que é distinta do pensa r
absoluto, da razão. Só porque o não-pensar é também pensado,
só porque A não = A é posto também pelo pensar, pode em geral
ele ser posto; em A não = A, ou A = B, é posta a identidade, o
relacionar, o = da primeira proposição também, mas apenas sub
jectivamente, quer dizer, apenas na medida em que o não-pensar
é posto pelo pensar. Mas este ser-posto do não-pensar pelo pen
sar é totalmente contingente para _o não_-pensar, uma mera forma
-
para a segunda proposição, da qual se deve abstrair para ter a
sua matéria em estado puro.
Esta segunda proposição é tão incondicionada quanto a pri
meira e, nessa medida, condição da primeira, tal como a primei
ra é condição da segunda. A primeira proposição é condicionada
pela segunda, na medida em que subsiste através da abstracção
·
da desigualdade que a segunda contém; a segunda, na medida
em que necessita de uma relação, para ser uma proposição.
A segunda proposição foi aliás exprimida sob a forma subal
terna do princípio de razão suficiente; ou melhor, ela só foi re
baixada nesta significação altamente subalterna na medida em
que foi transformada em princípio de causalidade. A tem um
fundamento, significa: a') A é atribuído um ser que não é o ser
de A, A é um ser-posto que não é o ser-posto de A; portanto, A
não A, A = B. Se se abstrair do facto de A ser algo de posto,
= -
tal como deve ser feito, para ter a segunda proposição em esta
do puro, então, ela exprime, em geral, um não-ser-posto de A.
Pôr A como posto e, ao mesmo tempo, como não-posto é já a
síntese da primeira e da segunda proposições.
Ambas as proposições são proposições sobre a contradição,
só que em sentido oposto. A primeira, a da identidade, enuncia
que a contradição é = O; a segunda, na medida em que é relacio
nada com a primeira, que a contradição é tão necessária como a
não-contradição. Ambas são, como proposições, postas por si com
n mesma potência. Na medida em que 1 a segunda é expressa 26
de ta l modo que a primeira é imediatamente relacionada com
l' l a , e l a é a máxima expressão possível da razão através do en
ll'nd i men to; esta relação entre ambas é a expressão d ã antinomia,
l' como antinomia, como expressão da identidade absoluta, é in-
d i fl' rl• n te p ô r A = B ou A = A, nomeadamente quando A = B e
A = A <'.' a cei te como relação de ambas as proposições. A = A
r.
contém a diferença de A como sujeito e de A como objecto e, ao
mesmo tempo, a identidade, tal como A = B contém a identida
de de A e de B, com a diferença entre ambos.
Se o entendimento, no princípio de razão suficiente, como
uma relação entre ambas as proposições, não reconhece a
antinomia, então é porque não cresceu em direcção à razão, e,
formalmente, a segunda proposição não é nada de novo para ele.
Para o mero entendimento, a proposição A = B não diz mais do
que a primeira; o entendimento compreende, a seguir, o ser posto
de A e de B apenas como uma repetição de A, quer dizer, ele
retém somente a identidade e abstrai do facto de que, na medida
em que A é repetido ao ser posto em B ou como B, é posto um
outro, um não-A e, na verdade, como A, portanto, A é posto
como não-A. Quando se reflecte apenas sobre o aspecto formal
da especulação e a síntese do saber se fixa na forma analítica, a
antinomia, a contradição que se suprime a si mesma, é a expres
são formal suprema do saber e da verdade.
Na antinomia, se for reconhecida como expressão formal da
verdade, a razão subordinou a si a essência formal da reflexão.
Mas a essência formal sobrepõe-se, se o pensamento deve ser
posto na única forma da primeira proposição, oposta à segunda,
com o carácter de uma unidade abstracta como a verdade pri
meira da filosofia, e se da análise da aplicação do pensar deve
ser atingido um sistema de aplicação do conhecimento. De se
guida, todo o seguimento deste trabalho puramente analítico
surge do modo seguinte.
O pensamento, como repetibilidade infinita de A como A, é
uma abstracção, a primeira proposição é expressa como activida
de. Mas, então, falta a segunda proposição, o não-pensar; deve
-se transitar obrigatoriamente para ela como condição da primei
ra, e também ela, a matéria, ser posta. Com isto, os opostos estão
completos e a transição é um certo modo da relação de uma com
a outra, que se chama uma aplicação do pensar e é uma síntese
altamente incompleta. Mas também esta síntese fraca persiste, ela
própria, contra a pressuposição do pensar como posição de A = A
até ao infinito; pois, na aplicação, A torna-se imediatamente posto
como não-A, e o pensamento é suprimido na sua subsistência
absoluta, como uma repetição infinita de A como A. O que é
oposto ao pensamento é determinado, através da sua relação com
o pensa.mento, como pensado = A. Mas porque um tal pensar é um
pôr = A, condicionado por uma. abstracção, e, por conseguinte,
52
é um oposto, , o pensado, para além de ser 1 um pensado = A , 27
tem também ainda outras determinações = B, que são totalmen te
independentes do mero ser-determinado através do puro pensar:
e estas determinações são meramente dadas ao pensar. Deve por
tanto existir para o pensamento, como princípio do filosofar ana
lítico, uma matéria absoluta, de que mais abaixo se falará .
A fundamentação desta oposição absoluta não deixa ao trabalho
formal, no qual consiste a famosa descoberta da recondução da
filosofia à lógica 17, nenhuma outra síntese imanente senão a da
identidade do entendimento, a saber, a de repetir A até ao infi
nito. Mas mesmo para repetir ela necessita de um B, um C, etc.,
nos quais o A repetido possa ser posto; estes B, C, D, etc., são,
em prol da repetibilidade de A, uma multiplicidade, algo que se
opõe - cada um tem determinações particulares que não são
postas através de A -, quer dizer, uma matéria absolutamente
múltipla, cujos B, C, D, etc. devem encaixar em A da maneira
que for possível; uma tal impureza do encaixe substitui-se à iden
tidade originária. O erro fundamental pode então ser representa-
do pelo facto de, na consideração formal, não se reflectir na
antinomia de A = A e A = B. A uma tal essência analítica não
subjaz a consciência de que o fenómeno puramente formal do <(
absoluto é a contradição: uma consciência que só pode surgir
quando a especulação parte da razão e de A = A como identi
dade absoluta do sujeito e do objecto.
INTUIÇÃO TRANSCENDENTAL
Porn d t• ste Indo nega tivo, o saber te m um lado posi tivo, ou st•jn,
a intuição. O puro saber (que seria o saber sem intuição) é o
aniquilamento dos opostos em contradição; a intuição sem esta
síntese dos opostos é uma intuição empírica, dada, sem consciên-
- eia. O saber transcendental unifica ambos, a reflexão e a intui-
28 ção; é, ao mesmo tempo, conceito e ser. Pelo facto de 1 a intui
ção se tornar transcendental, surge na consciência a identidade
do subjectivo e do objectivo, que estão separados na intuição
empírica; o saber, na medida em que se torna transcendental, não
põe meramente o conceito e a sua condição - ou a antinomia
entre ambos, o subjectivo -, mas, ao mesmo tempo, o objectivo,
o ser. No saber filosófico, o intuído é, ao mesmo tempo, uma
actividade da inteligência e da natureza, da consciência e do
inconsciente. Pertence, simultaneamente, a ambos os mundos, ao
ideal e ao real: ao ideal na medida em que é posto na inteligên
cia e, por isso, em liberdade; ao real, na medida em que tem o
seu lugar na totalidade objectiva,_ em que é deduzido como um
elo na cadeia da necessidade. 1.Se nos colocarmos do ponto de
vista da reflexão ou da liberdade, o ideal é o primeiro e a essên
cia e o ser apenas a inteligência esquematizada; se ' nos colocar
mos do ponto de vista da necessidade ou do ser, ó pensamento
é apenas um esquema do ser absoluto. No saber transcendental
ambos, o ser e a inteligência, encontram-se unidos; da mesma
forma, o saber transcendental e a intuição transcendental são uma
e a mesma coisa; a expressão diferenciada aponta apenas para a
preponderância do factor ideal ou do reaL
Tem o mais profundo significado que se tenha afirmado, com
tanta seriedade, que a filosofia não poderia existir sem intuição
transcendental. Que significaria então filosofar sem intuição?
Destruir-se a si mesmo infinitamente em finitudes absolutas; se
jam estas finitudes subjectivas ou objectivas, conceitos ou coisas,
tenha-se ou não transitado de um género delas para o outro, o
filosofar sem intuição prossegue numa série infinita de finitudes,
e a passagem do ser ao conceito ou do conceito ao ser é um salto
injustificado. Chama-se formal a um tal filosofar, pois tanto a
coisa como o conceito, cada um para si, é apenas uma forma do
absoluto; ele pressupõe a destruição da intuição transcendental,
uma oposição absoluta do ser e do conceito, e, quando fala do
incondicionado, transforma-o novainente em algo de formal, pre
cisamente na forma de uma ideia que estivesse em oposição ao
ser. Quanto melhor é o método, mais deslumbrantes se tornam
os resultados. Para a especulação, as finitudes são raios de u m
foco infinito, qu � as irradia e é_ SQ:nipos�� ��as; o foco é pos to
_
nelas e elas no foco. Na intuição transcendental é suprimida toda
a oposição, é aniquilada toda a diferença da construção do uni
verso através e por meio da inteligência, e a sua organização que
aparece como independente e intuída como objectiva. O produ
zir da consciência desta identidade é a especulação, e porque a
idealidade e a realidade são um só nela, ela é intuição. 1
Os POSTULADOS DA RAZÃO 29
- - - - - 5.5 -
razão, não como algo limitado, mas sim como completação da
unilateralidade do trabalho da reflexão; não para que permane
çam opostas, mas sim para que sejam uma só. Vê-se em geral
que todo este modo de postular tem o seu fundamento somente
no facto de que se parte da unilateralidade da reflexão; esta
unilateralidade necessita de postular, para complemento da sua
insuficiência, o oposto que dela foi excluído. Mas, deste ponto
de vista, a essência da razão contém uma posição falsa, pois
aparece aqui como algo que não se basta a si mesmo, mas sim
como algo de necessitado. Mas quando a razão se conhece a si
'· mesma como absoluta, então aí começa a filosofia, com o que
- ' termina aquele modo de proceder que parte da reflexão: com a
3 0 identidade da ideia 1 e do ser. Ela não postula um deles, mas
põe imediatamente ambos com a absolutidade, e a absolutidade
da razão não é senão a identidade de ambos.
r.
da ciência. Só na medida em que recebem os seus lugares na
conexão da totalidade objectiva do saber e é realizada a sua
perfeição objectiva é que a multiplicidade daquelas relações se
liberta da contingência. O filosofar que não se constrói em siste
ma é uma fuga constante diante das limitações, é mais uma luta
da razão pela liberdade do que um puro autoconhecimento de si
mesmo, que se tornou seguro e claro sobre si. A livre razão e o
seu acto são uma só coisa e a sua actividade é uma pura expo
sição de si mesma.
Nesta autoprodução da razão, o absoluto configura-se numa
totalidade objectiva, uma totalidade em si mesma produzida e
acabada, que não tem nenhum fundamento fora de si, mas que
se funda em si mesma no seu início, no seu meio e no seu fim. 1
Um tal todo aparece como uma organização de proposições e de 3 1
intuições. Cada síntese da razão e da intuição que lhe corres
ponde - ambas estando unidas na especulação - está, como
unidade do consciente e do inconsciente, para si no absoluto e
infinitamente; mas, ao mesmo tempo, ela é finita e limitada, na
medida em que está posta na totalidade objectiva e tem outras
sínteses fora de si. A objectividade menos cindida - objectiva
mente, a matéria, subjectivamente, o sentir (a consciência-de-si) -
é ao mesmo tempo, um oposto infinito, uma identidade totalmen-
te relativa; a razão, a faculdade da totalidade (nessa medida
objectiva) completa-a através do que lhe é oposto e produz, por
meio de uma síntese de ambas, uma nova identidade, que é
novamente, diante da razão, uma identidade deficiente, que, por
isso mesmo, se completa de novo. O método do sistema, que não
deve ser chamado nem analítico nem sintético, aparece no esta-
do mais puro quando se apresenta como um desenvolvimento
da própria razão, que não reclama sem cessar para si a emana
ção do seu aparecimento como uma duplicidade - com isto ape
nas a aniquilaria -, mas se constrói a si mesma na forma de uma
identidade condicionada por aquela duplicidade, opõe de novo
a si mesma esta identidade relativa, de modo que o sistema pros
segue até uma totalidade completa e objectiva, une-a com a vi
são d o mundo oposta, subjectiva até à infinitude, cuja expansão,
d cssn forma, se contraiu, simultaneamente, na idef1_tidade mais
ricn e m a i s simples.
É possível que uma autêntica especulação não se exprima
1wrfo i tn mcnte no seu sistema, ou que a filosofia do sistema e o
p r<'i p r i o s i s tema n ã o coinci dam, q u e u m sistema exprima, da fo r-
ma mais determinada, a tendência para aniquilar os opostos, e
não consiga alcançar a identidade mais acabada. A diferença
entre estas duas considerações torna-se importante particular
mente na avaliação dos sistemas filosóficos. Quando, num siste
ma, a necessidade que lhe subjaz não se configurou perfeitamen
te e um condicionado, um subsistente apenas na oposição, se
elevou ao absoluto, tal sistema tornou-se, enquanto tal, dogma
tismo; mas a verdadeira especulação pode encontrar-se nas mais
diversas filosofias, que se caluniam entre si como dogmatismo e
desorientação espiritual. A história da filosofia só tem valor e
interesse quando se detém neste ponto de vista. De outro modo,
não se apresenta como a história da razão una e eterna, que se
apresenta em infinitas e múltiplas formas, mas apenas como uma
narrativa de acontecimentos ocasionais do espírito humano e de
opiniões sem sentido que são imputadas à razão, e que, todavia,
são uma carga só para quem não reconheceu o racional nelas e,
por isso, as subverteu. !
32 Uma autêntica especulação, mas que não se realizou até à
sua completa autoconstrução sob a forma de sistema, parte ne
cessariamente da identidade absoluta; a cisão da identidade em
subjectivo e objectivo é uma produção do absoluto. O princípio
de base é, por conseguinte, completamente transcendental e, a
partir do seu ponto de vista, não há nenhuma oposição absoluta
do subjectivo e do objectivo. Mas, assim, o aparecimento do
-
absoluto é uma oposição; o absoluto não se encontra no se u
aparecimento, ambos se opõem. O aparecimento não é identida
de. Esta oposição não pode ser suprimida transcendentalmente,
quer dizer, não de forma que, em si, não haja nenhuma oposi
ção; com isto, o aparecimento é apenas aniquilado e, todavia, ele
deve igualmente ser; afirmar-se-ia que o absoluto, no seu apare-
.) cimento, teria saído para fora de si. Portanto, o absoluto deve
pôr-se a si mesmo no seu aparecimento, quer dizer, não o deve
aniquilar, mas sim construi-lo como identidade. A relação causal
entre o absoluto e o seu aparecimento é uma falsa identidade,
pois a oposição absoluta subjaz a esta relação. No absoluto am
bos os opostos permanecem, mas com um grau diferente; a uni
ficação é violenta, na medida em que um submete o outro; um
domina, o outro torna-se subordinado. A unidade foi forçada a
uma identidade meramente relativa; a unidade, que deve ser
absoluta, é incompleta. O sistema tornou-se num dogmatismo
- num realismo que põe absolutamente a objectividade, ou num
r.
idealismo que põe absolutamente a subjectividade -, c o n t rn n
sua filosofia, quando ambos (o que é mais ambíguo no p r i m e i ro
do que no segundo) saíram da verdadeira especulação.
O puro dogmatismo, que é um dogmatismo da filosofia, tam
bém permanece, segundo a sua tendência, imanente na oposição.
Nele domina como princípio fundamental a relação de causalida
de, na sua forma mais completa, como acção recíproca, como in
fluência do intelectual sobre o sensível ou do sensível sobre o
intelectual. No realismo e idealismo consequentes desempenha
apenas um papel subordinado, mesmo quando parece ainda do
minar, e, naquele, o sujeito é posto como produto do objecto e
neste o objecto como produto do sujeito; mas a relação de causa
lidade foi, segundo a sua essência, suprimida, na medida em que
o produzir é um produzir absoluto e o produto é um produto
absoluto, quer dizer, na medida em que o produto não tem qual
quer estabilidade senão no produzir, não é posto como . algo de
autónomo, subsistente antes e independentemente do produzir, tal
como acontece na pura relação causal, que é o princípio formal do
dogmatismo. Neste, ele é um posto através de A e, ao mesmo
tempo, um não-posto através de A; A, portanto, absolutamente, é
apenas sujeito, e A = A exprime apenas a identidade do entendi
mento. Mesmo quando a filosofia, no seu trabalho transcendental,
se serve da relação causal, 1 B, que parece oposto ao sujeito, de 33
acordo com o seu ser oposto, é uma mera possibilidade e perma
nece absolutamente uma possibilidade, quer dizer, é apenas um
acidente; e a verdadeira relação da especulação, a relação substan
cial, é, sob a aparência da relação causal, o princípio transcen
dental. Formalmente, isto pode ser expresso da seguinte forma: o
verdadeiro dogmatismo reconhece ambos os princípios, A A e =
62
c1encia empírica múltipla, 1 fora do Eu como objecto há n i nd11 :ir.
múltiplos objectos da consciência. O acto da consciêncin-de-Hi
distingue-se de forma determinada do acto de outra consciência
pelo facto de o seu objecto ser igual ao sujeito; Eu = Eu é, nessa
medida, oposto a um mundo infinito objectivo.
Desta forma, não surgiu nenhum saber filosófico por meio
da intuição transcendental, mas, pelo contrário, quando a refle
xão se apodera dela e a opõe a outras intuições, nenhum saber
filosófico é possível. Este acto absoluto da livre auto-actividade é
a condição do saber filosófico, mas ainda não é a própria filoso
fia; por meio desta, a totalidade objectiva do saber empírico é
equiparada à pura consciência-de-si, esta última é, com isso, to
talmente suprimida como conceito ou como oposto, e, com isso,
também a primeira o é. Notar-se-á que, em geral, só existe a
consciência pura, Eu = Eu é o absoluto; toda a consciência
empírica seria apenas um puro produto do Eu = Eu, e a consciên
cia empírica seria, nessa medida, totalmente negada, enquanto
nela ou através dela existisse uma absoluta dualidade, nela apa
recesse um ser-posto que não fosse um ser-posto do Eu, para o
Eu e através do Eu. Com a autoposição do Eu tudo seria posto,
fora dele nada seria posto; a identidade da consciência pura e
empírica não é uma abstracção do seu ser-oposto originário, mas,
pelo contrário, a sua oposição é uma abstracção da sua identida-
de originária.
•
________________....._
.___ __ _ _ _ ___ _ ___
identidade absoluta, representada como actividade, a qual, so
mente, na medida em que coloca o produto, o limite, coloca ao
mesmo tempo os opostos como aquilo que limita. O facto de a
imaginação produtiva, como faculdade sintética, aparecer como
o que é condicionado pelos opostos, valeria apenas para o ponto
de vista da reflexão, que parte dos opostos e compreende a in
tuição apenas como uma ligação deles. Mas, ao mesmo tempo, a
reflexão filosófica deveria, para indicar este ponto de vista como
subjectivo e próprio da reflexão, produzir o ponto de vista trans
cendental, pois reconhece aquelas actividades absolutamente
opostas como sendo apenas factores ideais, como identidades
totalmente relativas em face da identidade absoluta, na qual tan
to a consciência empírica, como o seu contrário (a saber, a cons
ciência pura, que, como abstraída daquela, tem nela um contrá
rio), são suprimidas. Só neste sentido o Eu é o ponto médio
transcendental de ambas as actividades opostas e indiferente
relativamente a ambas; a sua oposição absoluta tem somente um
significado para a sua idealidade. !
Simplesmente, já a incompletude da síntese, que está expres- 40
sa na terceira proposição-de-fundo e na qual o Eu objectivo é
um Eu + não-Eu, desperta a desconfiança de que as actividades
opostas não devem valer apenas como identidades relativas,
como factores ideais, aquilo pelo que poderiam ser tomadas se
se visse apenas a sua relação com a síntese e se se abstraísse do
título de absolutidade que ambas as actividades recebem, tal
como a terceira.
Mas o pôr-se-a-si-mesmo e o opor não devem surgir nesta
rl'lação um com o outro e contra as actividades sintéticas. Eu = Eu
{> actividade absoluta, que em nenhuma perspectiva deve ser vista
como identidade relativa e como factor ideal. Para este Eu = Eu,
u m não-Eu é um absolutamente oposto; mas a sua unificação é
necessária e o único interesse da especulação. Mas que unifica
çno é possível se supusermos a existência de opostos absolu
tos? É claro que propriamente nenhuma; ou - dado que se
deve partir, pelo menos em parte, do oposto da absolutidade, e
a terceira proposição-de-fundo deve necessariamente surgir, mas
a oposição subjaz - apenas uma identidade parcial. A identi
dade absoluta é, na verdade, princípio da especulação, mas per
manece, tal como a sua expressão Eu = Eu, apenas a regra, cuja
n•a l i zação infinita é apenas postulada, mas não construída no
sistt• m a .
O ponto fundamental deve ser o de comprovar que o pôr-se
-a-si-mesmo e o opor são actividades absolutamente opostas no
sistema. Na realidade, as palavras de Fichte expressam-no de
forma imediata; mas esta oposição absoluta deve ser justamente
a condição sob a qual, somente, a imaginação produtiva é possí
vel. Mas a imaginação produtiva é o Eu apenas enquanto facul
dade teórica, que não se pode elevar acima da oposição; para a
faculdade prática, a oposição desaparece, e a faculdade prática é
a única que a suprime. Deve por isso demonstrar-se que tam
bém para esta a oposição é absoluta, e que mesmo na faculdade
prática o Eu não se põe igual a Eu, mas que o Eu objectivo é
igualmente um Eu + não-Eu, e a faculdade prática não penetra
até ao Eu = Eu. Ao invés, a absolutidade da oposição surge da
incompletude da síntese suprema do sistema, na qual está ainda
presente.
O idealismo dogmático conserva a unidade do princípio na
medida em que nega o objecto em geral e põe um dos opostos,
a saber, o sujeito na sua determinidade, como o absoluto, tal
como o dogmatismo, que é materialismo na sua pureza, nega o
sujeito. Se, para o filosofar, {'.)a riecessiáade·
t.. P..P. \-'- t_ ' !'."" ' :. "' ""- .,
tem apenas na base
uma tal identidade, que deve ser realizada pelo facto de um dos
41 opostos ser negado e dele se abstrair absolutamente, 1 então é
indiferente qual dos dois, o subjectivo ou o objectivo, é negado.
A sua oposição encontra-se na consciência e a realidade de um,
tal como a realidade do outro, está aífundamentada; a consciên
cia pura não pode ser nem mais nem menos comprovada na
consciência empírica, do que a coisa-em-si do dogmático. Nem o
subjectivo, nem o objectivo, isolados, preenchem a consciência; o
puro subjectivo é uma abstracção, tal como o puro objectivo; o
idealismo dogmático põe o subjectivo como fundamento-real do
objectivo, o realismo dogmático põe o objectivo como funda
mento-real do subjectivo. O realismo consequente nega absoluta
mente a consciência como uma auto-actividade do pôr-se. Mas
quando também o seu objecto, que o realismo põe como funda
mento-real da consciência, é expresso como não-Eu = não-Eu,
quando ele indica a realidade do seu objecto na consciência e,
portanto, para ele a identidade da consciência é feita valer como
um absoluto, oposto ao seu alinhamento objectivo de finito em
finito, deve, certamente, abandonar a forma do seu princípio de
uma pura objectividade. Mal ele concede um pensar, o Eu = Eu
deve ser exposto a partir de uma análise do pensar. Trata-se do
68
pensar expresso como propos1çao; pois o pensar é o auto
-relacionamento activo de opostos, e relacionar é pôr os opostos
como idênticos. Simplesmente, como o idealismo faz valer a
unidade da consciência, o realismo pode fazer valer a sua dupli
cidade. A unidade da consciência pressupõe uma duplicidade, o
relacionar pressupõe um ser-oposto; ao Eu = Eu opõe-se uma
outra proposição igualmente absoluta: o sujeito não é idêntico ao
objecto; ambas as proposições têm o mesmo nível. Tanto como
certas formas, nas quais Fichte expôs o seu sistema, poderiam
induzir a tomá-lo por um sistema de idealismo dogmático, que
nega o princípio que lhe é oposto - tal como Reinhold não re
para no significado transcendental do princípio de Fichte, segun
do o qual se exige pôr no Eu Eu, ao mesmo tempo, a diferença
=
Z.I
identidade absoluta, mas sim, na sua suprema dignidade, é opos
ta à consciência empírica. A partir daqui, toma-se claro que ca
rácter tem a liberdade neste sistema; ela não é a supressão dos
opostos, mas sim a oposição a eles e, nesta oposição, é fixada
como liberdade negativa. A razão constitui-se como unidade por
meio da reflexão, à qual se opõe absolutamente uma multi-
46 plicidade; o dever exprime esta oposição permanente, 1 o não
-ser da identidade absoluta. O puro pôr, a actividade livre é posta
como uma abstracção na forma absoluta de algo de subjectivo.
A intuição transcendental, da qual parte o sistema, era algo de
subjectivo sob a forma da reflexão filosófica, que se eleva ao puro
pensamento de si própria por meio da abstracção absoluta; para
ter a intuição transcendental na sua verdadeira ausência de
forma, teve-se de abstrair deste carácter de algo de subjectivo; a
especulação teve de afastar a forma do seu princípio subjectivo,
para o elevar à verdadeira identidade do sujeito e do objecto.
Mas, assim, a intuição transcendental, na medida em que perten
ce à reflexão filosófica, e a intuição transcendental, na medida
em que não é nada de subjectivo nem de objectivo, permanece
ram uma e a mesma coisa. O sujeito = objecto não sai mais da
diferença e da reflexão, permanece um sujeito = objecto subjecti
vo, para o qual o aparecimento é algo de absolutamente estra
nho e que não consegue intuir-se a si mesmo no seu apareci
mento.
Tal como a faculdade teórica do Eu não consegue atingir a
auto-intuição absoluta, também a faculdade prática não o conse
gue; esta, tal como aquela, está condicionada por um choque,
que, como facto, não se deixa deduzir do Eu, e cuja dedução
significa que é mostrado como condição da faculdade teórica e
prática. A antinomia permanece como antinomia e exprime-se no
esforço, que é o dever como actividade. Esta antinomia não é a
forma na qual aparece o absoluto da reflexão, tal como para a
reflexão não é possível nenhuma outra concepção do absoluto
senão através da antinomia; mas este oposto da antinomia é o
fixado, o absoluto. Como actividade, nomeadamente, como um
esforço, o oposto deve ser a síntese suprema e a ideia de
infinitude permanecer uma ideia em sentido kantiano, absoluta
mente oposta à intuição. Esta oposição absoluta da ideia e da
intuição, e a síntese de ambas, que não é senão uma exigência
que se destrói a si mesma - a saber, a exigência de uma unifi
cação que não deve acontecer -, exprime-se no progresso i n fi-
nito. A oposição absoluta é, com isto, relegada para a forma de
um ponto de vista inferior, que, durante muito tempo, valeu
como uma verdadeira supressão da oposição e suprema dissolu
ção da antinomia por meio da razão. A existência prolongada na
eternidade inclui a infinitude da ideia e a intuição, mas a ambas
de tal forma que torna impossível a sua síntese. A infinitude da
ideia exclui toda a multiplicidade; o tempo, pelo contrário, inclui
imediatamente em si a oposição, uma exterioridade recíproca, e
a existência no tempo é algo de em si mesmo oposto, múltiplo,
e a infinitude está fora dela. O espaço é, igualmente, um ser
-posto-fora-de-si; mas, no 1 seu carácter de oposição, pode ser 47
considerado uma síntese infinitamente mais rica do que o tem
po. A prioridade, que o tempo contém, de o progresso dever
acontecer nele, pode consistir apenas no facto de o esforço ser
absolutamente oposto a um mundo sensível externo e ser posto
como um interior, pelo que o Eu é hipostasiado como sujeito
absoluto, como unidade do ponto e, mais popularmente, como
alma. Se o tempo deve ser uma totalidade, como tempo infinito,
então o próprio tempo é suprimido, e não era necessário recor-
rer ao seu nome e a um progresso da existência alongada. A ver
dadeira supressão do tempo é o eterno presente, quer dizer, a
eternidade; e, nesta, são abolidos o esforço e a permanência dos
opostos absolutos. Aquela existência alongada atenua a oposição
apenas na síntese do tempo, cuja indigência, através desta liga
ção atenuante com uma infinitude que se lhe opõe absolutamente,
não se torna completa, mas mais acentuada.
Todos os desenvolvimentos posteriores do que está contido
no esforço e a síntese da oposição resultantes desse desenvolvi
mento, têm em si o princípio da não-identidade. Todo o prosse
gui mento posterior do sistema releva de uma reflexão conse
q uente; a especulação não tem qualquer participação nisso.
t\ identidade absoluta está apenas presente na forma de um opor,
n saber, como ideia; a ligação causal incompleta subjaz a cada
u ma das suas ligações com os opostos. O Eu que se põe a si
mesmo na oposição, ou que se limita a si mesmo, e o que vai
l'ITI d irecção ao infinito, aparecem na seguinte ligação: o primeiro
sob o nome de subjectivo, o segundo sob o nome de . objectivo;
pois o determinar-se a si mesmo do Eu subjectivo é um determi
l l íl I' d l' acordo com a ideia do Eu objectivo, da auto-actividade
abso l u tn , dn i n fini tude, e o Eu objectivo, a auto-actividade abso
l u t n, (> d l• tl'rm i n a d o por m e i o do subjectivo, de acordo com esta
r.
ideia. A sua determinação é uma determinação recíproca. O Eu
subjectivo, ideal, recebe do objectivo, por assim dizer, a matéria
da sua ideia, a saber, a auto-actividade absoluta, a indetermi
nação. O Eu objectivo, real, que se dirige ao infinito, é limitado
pelo subjectivo; mas o subjectivo, porque determina pela ideia
de infinitude, suprime de novo a limitação, toma o objectivo, na
sua infinitude, finito, mas ao mesmo tempo, na sua finitude,
infinito. Nesta determinação recíproca permanece a oposição da
finitude e da infinitude, da determinidade real e da indeter
minidade ideal; idealidade e realidade não estão unidas; ou o Eu,
as actividades ideal e real simultaneamente, que se distinguem
apenas como direcções diferentes, unificou em sínteses singula
res incompletas as suas direcções diferentes, tal como se mostra-
48 rá mais à frente, no impulso, no sentimento, 1 mas não atinge
nelas uma exposição completa de si mesmo. Ele produz, no pro
gresso infinito da existência prorrogada, partes infinitas de si
mesmo, mas não se produz a si mesmo na eternidade do intuir
-se a si mesmo como sujeito-objecto.
O agarrar-se à subjectividade da intuição transcendental, por
meio da qual o eu permanece um sujeito-objecto subjectivo, apa
rece mais nitidamente na relação do Eu com a natureza, em parte
na dedução desta, em parte na ciência que nela se funda.
Porque o Eu é sujeito-objecto subjectivo, permanece nele um
lado pelo qual um objecto lhe é absolutamente oposto e pelo qual
ele é condicionado por ele; o pôr dogmático de um objecto abso
luto transforma-se neste idealismo, tal como vimos, num limitar
-se-a-si-mesmo, absolutamente oposto à actividade livre. O ser-
-posto da natureza através do Eu é a sua dedução e nisto consiste
o ponto de vista transcendental; mostrar-se-á até onde ele alcan
ça e qual é o seu significado.
Como condição da inteligência é postulada uma determi
nidade originária, o que apareceu acima como a necessidade
(porque a pura consciência não é nenhuma consciência comple
ta) de prosseguir em direcção à consciência empírica. O Eu deve
limitar-se, opor-se absolutamente a si mesmo; ele é sujeito e o
limite está nele e através dele. Esta autolimitação é tanto uma
limitação da actividade subjectiva, de inteligência, como da ob
jectiva; a actividade objectiva limitada é o instinto 24; a subjectiva
limitada é o conceito de fim. A síntese desta determinidade dupla
é o sentimento; nele, o conhecimento e o instinto estão unidos.
Mas, ao mesmo tempo, o sentir é algo de simplesmente subjec-
tivo 25 e, diante do Eu= Eu, diante do indeterminado, aparece
sobretudo como um determinado em geral e, na verdade, como
um subjectivo, em oposição ao Eu como objectivo; ele aparece
como um finito em geral, tanto diante da actividade infinita real,
como diante da infinitude ideal, e em relação a esta última como
um objectivo. Mas, para si mesmo, o sentimento caracterizou-se
como síntese do subjectivo e do objectivo, do conhecimento e do
instinto, e, porque é síntese, desaparece a sua oposição diante do
indeterminado, seja este indeterminado apenas uma actividade
infinita objectiva ou subjectiva. Ele é em geral finito apenas para
a reflexão, que produz aquela oposição à infinitude; em si, ele é,
tal como a matéria, subjectivo e objectivo, identidade, contanto
que esta não se tenha reconstruído em totalidade.
O sentimento, tal como o instinto, aparecem como limitados,
e a exteriorização do limitante e da limitação em nós é instinto
e sentimento; o sistema originariamente determinado de instin
tos e sentimentos é a natureza. Porque a consciência d ela nos
importuna e, ao mesmo tempo, a substância, no qual este siste
ma de limitações 1 se encontra, deve ser aquela que pensa e quer 49
livremente, e que nós pomos como nós mesmos, é que ela é a
nossa natureza 26. E eu e a minha natureza constituímos o sujeito
-objecto subjectivo, a minha natureza está, ela própria, no Eu.
Porém, têm de ser distinguidos dois modos de mediação da
oposição entre a natureza e a liberdade, entre o limitar originá
rio e o ilimitar originário, e deve-se essencialmente mostrar que
a mediação acontece de modos diferentes. Isto mostrar-nos-á
numa nova forma a diferenciação do ponto de vista trans
cendental e do ponto de vista da reflexão, em que o último re
prime o primeiro: a diferença entre o ponto de partida e o resul
tado deste sistema.
Umas vezes, o Eu é Eu, a liberdade e o instinto são uma
=
Zl
cendental, pontos de vista que partem de um e precisamente o
mesmo instinto originário, que constitui a minha essência, visto
simplesmente de dois lados diferentes.» 28 A sua diversidade re
side apenas no aparecimento.
Outras vezes, são ambos diferentes, um é a condição do ou
tro, um domina o outro. Na verdade, a natureza como instinto
deve ser pensada como determinando-se a si mesma através de si
mesma, porém, ela caracteriza-se por ser o contrário da liberdade.
Por isso, dizer-se que a natureza se determina a si mesma signi
fica: ela é determinada a determinar-se, por meio da sua essência,
formaliter, ela nunca pode ser indeterminada como um ser livre
pode perfeitamente sê-lo; ela está também, materialiter, perfeitamen
te determinada e não pode, como o ser livre, escolher entre uma
certa determinação e o seu oposto 29 . A síntese da natureza e da
liberdade dá, então, a seguinte reconstrução da identidade, a par
tir da cisão e em direcção à totalidade. Eu, como inteligência, o
indeterminado, e Eu que sou movido pelo instinto, a natureza, o
determinado, torno-me no mesmo, pelo facto de o impulso vir
para a consciência; então, nesta medida, ele está em meu poder, ele
quase não age nesta região, mas sou eu que ajo, ou não ajo, de
acordo com ele 30. O reflectinte é superior ao reflectido; o instinto
do reflectinte, do sujeito da consciência, chama-se instinto supre
mo 31; o inferior, a natureza, deve ser posto na dependência do su
perior, da reflexão. A relação de dependência de um aparecimento
do Eu relativamente ao outro deve ser a síntese suprema.
Mas esta última identidade e a identidade do ponto de vista
transcendental são totalmente opostas. Na transcendental, há o
so Eu Eu, o Eu posto na relação substancial 1 ou, pelo menos, na
=
78
Na medida em que a liberdade e a natureza se unificam, a q tl l' l n
abandona a sua pureza e esta a sua impureza; a actividade s i n
tética, para ser, todavia, pura e infinita, deve ser pensada como
uma actividade objectiva, cujo fim último é liberdade absoluta,
absoluta independência de toda a natureza: um fim último que
nunca pode ser alcançado 32, uma série infinita, através de cujo
prosseguimento o Eu se tomaria absolutamente = Eu; quer di
zer, o Eu suprime-se a si mesmo como objecto e, com isso, tam
bém como sujeito. Mas ele não se deve suprimir; assim, para o
Eu há apenas um tempo prorrogado indefinidamente, preenchi
do com limitações e quantidades, e o conhecido progresso deve
prestar a sua ajuda; onde é esperada a suprema síntese, perma
nece sempre a mesma antítese do presente limitado e de uma
exterioridade existente no seu exterior. O Eu = Eu é o absoluto,
a totalidade, fora do Eu não há nada; mas, até então, o Eu não
vai até ao sistema e, se o tempo estiver misturado niss<?, nunca
lá chegará; ele é absolutamente afectado por um não-Eu e só
consegue pôr-se constantemente a si mesmo como uma quanti
dade de Eu.
Com isto, a natureza é algo de essencialmente determinado e
morto, tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista
prático. Daquele ponto de vista, ela é a autolimitação intuída,
quer dizer, o lado objectivo do autolimitar-se; na medida em que
é deduzida como condição da consciência-de-si e é posta como
condição para explicar a consciência-de-si, ela é meramente algo
de posto em benefício da explicação pela reflexão, o resultado de
uma produção ideal. Mas se a natureza já possui, pelo facto de
a consciência-de-si ser mostrada como condicionada por ela, uma
igual dignidade da autonomia, então, a sua autonomia, porque
só é posta através da reflexão, é, por isso mesmo, também ani
q uilada e o seu carácter fundamental é o do ser-oposto.
Da mesma forma, do ponto de vista prático, na síntese do
determinar-se-a-si-mesmo sem consciência e do autodeterminar-se
a través de um conceito, do impulso natural e do impulso da liber
dade por mor da liberdade 33, a natureza toma-se, através da 1
cn usalidade da liberdade, um produto real. O resultado é o se- s1
g u in te : o conceito deve ter causalidade sobre a natureza e a natu
rl•za deve ser posta como algo de absolutamente d eterminado.
Quando a reflexão põe completamente a sua análise do ab
so l u to n u ma antinomia, quando põe um dos membros como Eu,
i nd l•tl'rm i n i d ad c ou determinar-se-a-si-mesmo, e o outro mem-
79
bro como objecto, ser-determinado, e reconhece ambos como
originários, afirma deste modo a relativa incondicionalidade de
ambos e, com isso, também a sua relativa condicionalidade.
A reflexão não pode ir além desta acção recíproca do condicionar
mútuo. Ela mostra-se como razão pelo facto de apresentar a
antinomia do incondicionado condicionado, e, na medida em que,
através deles, aponta para uma síntese absoluta da liberdade e
do impulso natural, não afirmou a oposição e a subsistência de
ambos, ou de um deles, nem se afirmou a si mesma como o
absoluto e o eterno, mas aniquila-os e derruba-os no abismo do
seu termo. Mas quando se afirma a si e a um dos seus opostos
como o absoluto e se fixa na relação causal, então, o ponto de
vista transcendental e a razão são subordinados ao ponto de vista
da mera reflexão e ao entendimento, que conseguiu fixar o racio
nal, sob a forma de uma ideia, como um absolutamente oposto.
Nada resta para a razão senão a impotência de uma exigência
que se suprime a si mesma e a aparência de uma mediação - em
bora formal e própria do entendimento - da natureza e da li
berdade na mera ideia da supressão dos opostos, na ideia da in
dependência do Eu e do absoluto ser-determinado da natureza,
que, como algo para ser negado, é posto como absolutamente de
pendente. Mas a oposição não desapareceu, mas sim - porque,
na medida em que permanece um membro dela, o outro tam
bém permanece - foi tornada infinita.
Deste ponto de vista supremo, a natureza tem o carácter da
objectividade absoluta ou da morte; só de um ponto de vista
inferior ela surge com a aparência de uma vida, como sujeito =
8U
Deste determinante-de-si-mesmo através de si mesmo devem
ser agora predicados, na sua antinomia, os produtos da reflexão,
causa e efeito, todo e partes, etc., 1 portanto, a natureza deve ser r.2
posta como causa e efeito de si mesma, como todo e parte, etc.
simultâneos, por meio do que ela conserva a aparência de ser
algo de vivo e orgânico 35 .
Simplesmente, este ponto de vista, a partir do qual o objec
tivo é caracterizado, pela faculdade de julgar reflexionante, como
algo de vivo� transforma-se num ponto de vista inferior. O Eu só
se encontra a si mesmo como natureza na medida em que intui
apenas o seu carácter-limitado originário e põe absolutamente o
limite absoluto do impulso originário, portanto, põe-se objectiva
mente a si mesmo. Mas, do ponto de vista transcendental, o
sujeito = objecto é reconhecido apenas na consciência pura, no
pôr-se-a-si-mesmo ilimitado; mas este pôr-se-a-si-mesmo tem
diante de si um oposto absoluto, o qual, deste modo, é . determi
nado como limite absoluto do impulso originário. Na medida em
que o Eu, como impulso, não se determina a si mesmo segundo
a ideia de infinitude, portanto, põe-se como finito, este finito é a
natureza; como Eu, ele é simultaneamente infinito e sujeito
-objecto. O ponto de vista transcendental, na medida em que põe
apenas o infinito como Eu, faz, assim, uma separação entre o
finito e o infinito. Ele extrai a subjectividade-objectividade da
quilo que aparece como natureza, e esta não permanece senão
como o invólucro morto da objectividade. A ela, ao até então
finito-infinito, é retirada a infinitude, e ela permanece pura
finitude, oposta ao Eu = Eu; o que o Eu era nela, é atraído pelo
sujeito. Se agora o ponto de vista transcendental Eu = Eu, no
qual nada há de subjectivo nem de objectivo, progride da iden
tidade para a diferença entre os dois, a qual, como opor, perma
neceu contra o pôr-se-a-si-mesmo, contra o Eu = Eu, e determina
cada vez mais a oposição, chega também a um ponto de vista no
qual a natureza é posta para si mesma como sujeito = objecto;
mas não se deve esquecer que esta visão da natureza é apenas
u m produto da reflexão a partir do ponto de vista mais baixo.
Na dedução transcendental, o limite do impulso originário (ob
jl'ctivamente posto: natureza) permanece uma pura . objectivida
d c, absolutamente oposta ao impulso originário, à essência ver
d a d e i ra , que é E u= Eu, sujeito = objecto. Esta oposição é a
m n d ição pela qual o Eu se torna prático, quer dizer, tem de
s u p ri m i r a o p os ição; e s ta su p ressã o é pensad a de modo ta l que
um é posto como dependendo do outro. A natureza é posta, na
perspectiva prática, como algo absolutamente determinado pelo
conceito; na medida em que ela não é determinada pelo Eu, o
Eu não tem causalidade ou não é prático; e o ponto de vista que
põe a natureza viva cai novamente, pois a sua essência, o seu
em-si, não deve ser senão um limite, uma negação. Deste ponto
de vista prático, a razão permanece apenas a regra morta e
mortal da unidade formal posta à disposição da reflexão, que põe
53 o sujeito e o objecto numa 1 relação de dependência mútua, ou
de causalidade, e, deste modo, põe totalmente de lado o princí
pio da especulação, a identidade.
Na exposição e na Dedução da natureza, tal como ela é feita no
Sistema do Direito Natural, mostra-se em toda a sua dureza a opo
sição absoluta da natureza e da razão e o domínio da reflexão.
O ser racional deve construir uma esfera para a sua liberda
de, esfera essa que prescreve a si mesmo; mas ele é esta esfera
apenas em oposição, na medida em que se põe a si mesmo aí
em exclusividade, de modo que nenhuma outra pessoa a possa
escolher; na medida em que aí a prescreve a si mesmo, opõe-na
essencialmente a si. O sujeito - como o absoluto, em si mesmo
activo e determinando-se a si mesmo a pensar um objecto - põe
fora de si a esfera que lhe pertence da sua liberdade, e põe-se a
si mesmo separado dela 36, a sua referência a ela é apenas um
ter. A característica fundamental da natureza é ser um mundo
do orgânico, um oposto absoluto; a essência da natureza é um
atomismo morto, uma matéria mais fluida, ou mais resistente e
mais sólida 37, que, de múltiplos modos, é mutuamente causa e
efeito. O conceito de acção recíproca diminui pouco a oposição
total entre o que é mera causa e o que é mero produto; com
isso, a matéria toma-se mutuamente modificável de muitas for
mas, mas mesmo a força desta ligação indigente reside fora dela.
A independência das partes, graças à qual elas podem constituir
em si mesmas todos orgânicos, tal como a dependência das par
tes em relação ao todo, é a dependência teleológica do conceito,
pois a articulação 38 é posta em benefício de um outro, o ser ra
cional, que é essencialmente distinto dela. O ar, a luz, etc., trans
formam-se em matéria atómica configurável, e, aqui, trata-se, na
verdade, de matéria em geral no sentido vulgar, como o sim
plesmente oposto ao que se põe-a-si-mesmo.
Deste modo, Fichte está mais próximo do que Kant de con
seguir vencer a oposição da natureza e da liberdade, e de m os-
tl2
trar a natureza como algo de absolutamente causado e morto;
em Kant, a natureza é igualmente posta como algo de absolu ta
mente determinado. Porém, ela não pode ser pensada como de
terminada por aquilo que, em Kant, se chama entendimento, mas
os seus múltiplos fenómenos particulares devem ser deixados
indeterminados pelo nosso entendimento humano discursivo, devem
ser pensados como determinados por um outro entendimento,
mas de tal modo que isto vale apenas como uma máxima da
nossa faculdade de julgar reflexionante, e nada é decidido acerca
da realidade de um outro entendimento. Fichte não necessita
deste desvio que consiste em deixar a natureza surgir como algo
de determinado apenas pela ideia de um outro entendimento
separado, diferente do entendimento humano; ela é imediatamen-
te determinada através da 1 e para a inteligência. Esta, limita-se 54
a si mesma absolutamente, e este limitar-se-a-si-mesma não pode
ser derivado do Eu = Eu, mas apenas deduzido, quer dizer, deve
mostrar-se a sua necessidade a partir do estado de carência da
consciência pura, e a intuição deste seu absoluto carácter limita
do, quer dizer, da negação, é a natureza objectiva.
Das consequências que daí resultam, sobressai esta relação
de dependência da natureza relativamente ao conceito, de oposi
ção à razão, nos dois sistemas da comunidade dos homens.
A comunidade é representada como uma comunidade de
seres racionais, obrigada a desviar-se pelo domínio do conceito.
Cada ser racional é algo de duplo para o outro: a) um ser livre
e racional; b) uma matéria modificável, algo capaz de ser tratado
como uma mera coisa 39 . Esta separação é absoluta e, deste modo,
uma vez posta na sua não-naturalidade, não é mais possível uma
referência pura de uns relativamente aos outros, na qual a iden
tidade originária se exponha e reconheça, mas cada referência é
um dominar e ser dominado de acordo com as leis de um enten
dimento consequente; a totalidade do edifício da comunidade dos
seres vivos é erigida pela reflexão.
A comunidade de seres racionais aparece como condiciona
da pela limitação necessária da liberdade, que dá a si mesma a
lei para se limitar 4º; e o conceito do limitar constitui um reino
da liberdade, em que cada acção recíproca da vida, infinita e ili
mitada para si mesma, quer dizer, bela, é aniquilada, dado que
o vivo é despedaçado em conceito e matéria, e a natureza é posta
n u m a situação de dependência. A liberdade é o carácter da
rn c i o n a l i d a d c, ela é aquilo que em si suprime todas as limitações
e o ponto supremo do sistema fichteano; mas na comunidade
com outros ela deve ser abandonada, para que seja possível a li
berdade de todos numa comunidade permanente de seres racio
nais, e a comunidade é, de novo, uma condição da liberdade.
A liberdade deve suprimir-se a si mesma para ser liberdade. Com
isto, torna-se de novo claro que a liberdade é, aqui, algo de mera
mente negativo, a saber, indeterminidade absoluta, ou, tal como
em cima foi mostrado acerca do pôr-se-a-si-mesmo, é um puro
factor ideal: a liberdade considerada do ponto de vista da refle
xão. Esta liberdade não se encontra a si mesma como razão, mas
sim como ser racional, quer dizer, sintetizada com um oposto,
um finito; e já esta síntese da personalidade inclui em si a limi
tação de um dos factores ideais, como é aqui a liberdade.
A razão e a liberdade como ser racional não são mais razão e
liberdade, mas sim algo de singular; e a comunidade da pessoa
com outros não deve ser vista como uma limitação da verdadei
ra liberdade do indivíduo, mas sim como um alargamento dela.
A suprema comunidade é a suprema liberdade, tanto do ponto
55 de vista do poder como do exercício; suprema 1 comunidade essa
na qual, porém, a liberdade, como factor ideal, e a razão, como
oposto da natureza, desaparecem totalmente.
Se a comunidade dos seres racionais fosse, por essência, uma
limitação da verdadeira liberdade, seria em si e para si mesma a
suprema tirania; mas porque, por enquanto, é apenas a liberda
de como algo de indeterminado e como factor ideal, que será
limitado, não surge ainda imediatamente na comunidade, atra
vés daquela representação para si, a tirania. Mas ela surge da
forma mais completa através do modo como a liberdade deve
ser limitada, para que a liberdade dos outros seres racionais seja
possível; nomeadamente, a liberdade, através da comunidade,
não deve perder a forma de algo de ideal, de oposto, mas sim,
nessa qualidade, tornar-se fixa e dominante. Através da comuni
dade de referências vivas autenticamente livres, o indivíduo re
negou a sua indeterminidade, que se chamava liberdade. Somen
te na referência viva existe liberdade, na medida em que ela
inclui em si a possibilidade de se suprimir e de entrar em outras
referências; quer dizer, a liberdade é posta de lado como inde
terminidade, como factor ideal. Numa relação viva, a indeter
minidade, na medida em que é livre, é apenas o possível, e não
algo de efectivo feito para dominar, um conceito imperativo. Mas,
no Sistema do Direito Natural, a indeterminidade suprimida não é
84
compreendida como limitação livre da sua liberdade; porém, n a
medida em que a limitação por meio da vontade comum é e l e
vada a lei e fixada como conceito, a verdadeira liberdade, a
possibilidade de suprimir uma referência determinada, é aniqui
lada. A referência viva não é mais possível de ser indetermina
da, portanto, não é mais racional, mas sim absolutamente deter
minada e fixada por meio do entendimento; a vida tornou-se
dependente, e a reflexão transportou para ela o seu domínio e
triunfou sobre a razão. Esta situação de indigência torna-se di
reito natural e não é afirmada como se o seu supremo objectivo
fosse suprimi-lo, e, no lugar desta comunidade feita à medida
do entendimento e não-racional, construir uma livre organização
da vida por meio da razão, livre da escravidão sob o conceito;
ao invés, o estado de indigência e a sua extensão infinita vale,
acima de todo o movimento da vida, como necessidade absolu-
ta. Esta comunidade sob o domínio do entendimento não é re
presentada de modo tal que ela própria devesse ter para si mes
ma, como lei suprema, a supressão, na verdadeira infinitude de
uma bela comunidade, desta indigência da vida, na qual ela é
posta por meio do entendimento, e por este sem-fim do determi
nar e do dominar, tornando dispensáveis as leis graças aos cos
tumes, a desordem da vida insatisfeita graças ao gozo santifica
do, e o crime da força comprimida graças à actividade 1 possível 56
por grandes objectos; mas, pelo contrário, o domínio do conceito
e a escravidão da natureza são absolutamente feitos e alargados
ao infinito.
O sem-fim do determinar, no qual o entendimento deve cair,
mostra do modo mais imediato a insuficiência do seu princípio,
do dominar por conceitos. Também este estado de indigência
conhece a finalidade de impedir as ofensas dos seus cidadãos,
em vez de as vingar quando já aconteceram. Portanto, ele tem
não somente de proibir ofensas reais por meio de castigos, mas
também de prevenir a possibilidade de uma ofensa, e proibir,
com essa finalidade, acções que, em e para si, não parecem pre
j udicar ninguém e ser totalmente indiferentes, mas que tornam
mais fácil a ofensa de outros e dificultam a sua protecção ou a
descoberta dos culpados 41 . Se então, por um lado, _um homem
não se submete ao estado por nenhum outro impulso senão o de
u t i l izar e gozar de forma tão livre quanto possível o seu poder,
n i'l o há, por outro lado, de forma alguma, qualquer acção da qual
o l'n tl•nd i men to consequente deste estado não possa calcular u m a
possível ofensa para outros. É com esta possibilidade interminá
vel que tem que lidar o entendimento que previne e o seu po
der, o dever de policiamento, e neste ideal de estado não há
acção nem movimento que não tenham de ser necessariamente
submetidos a uma lei, tomados sob inspecção imediata e obser
vados pela polícia e pelas restantes autoridades, de modo que
(2.ª Parte, p. 155 42) num estad.o com uma constituição fundada
nestes princípios a polícia sabe bastante bem onde está cada ci
dadão a cada hora do dia e o que é que ele faz *.
papel consumido. Este papel não será falsificado, pois para urna falsa .letra
de câmbio basta apenas um passaporte, para o qual devem ser tornadas
tantas disposições e unir tantos artifícios. » {É, portanto, postulado que num
estado bem organizado poderia apenas surgir a necessidade de um passe
falso, por conseguinte, que fábricas de passes falsos, tal como são por vezes
descobertas nos estados vulgares, não encontrariam nenhum comprador.
Para a prevenção da imitação do papel privilegiado agiria também urna
outra organização do estado, que, de acordo com a p. 152, seria encontra
da «para a impedir a moeda falsa».) «Na medida em que o estado tem o
monopólio dos metais, etc., não deve entregá-la aos pequenos comercian
tes, sem comprovar com quem e para que utilização o anteriormente rece
bido seria gasto.» Cada cidadão ocupará, tal corno entre os militares prus
s i a nos um estrangeiro tem apenas um confidente para fiscalizar, não apenas
u m , mas pelo menos urna meia dúzia de homens para fiscalizar, prestar
l'on tas, etc., cada um destes vigilantes terá, por sua vez, outros tantos, e
. 1 ssim a té ao i n finito; tal corno cada um d os mais simples negócios dá ori-
1-11•111 a u m a q u a ntidade i n fin i ta de negócios.
O direito natural, através da oposição absoluta do impulso
puro e do impulso natural, torna-se a exposição do domínio
completo do entendimento e da escravidão completa da vida:
uma construção na qual a razão não toma qualquer parte e que,
por conseguinte, rejeita, porque ela tem de se encontrar, da for
ma mais expressa, na organização mais perfeita que pode dar a
si mesma, a saber, na autoconfiguração sob a forma de um
povo. Porém, aquele estado do entendimento não é uma orga
nização, mas sim uma máquina, o povo não é o corpo orgânico
de uma vida comum e rica, mas sim uma multiplicidade
atomística e pobre de vida, cujos elementos são substâncias
absolutamente opostas, às vezes uma quantídade de pontos, os
seres racionais, outras vezes matérias modificáveis de diversos
modos pela razão, quer dizer, nesta forma, pelo entendimento;
a unidade desses elementos é um conceito, a sua ligação é um
dominar interminável. Esta absoluta substancialidade dos pon
tos funda um sistema da atomística da filosofia prática, no qual,
tal como na atomística da natureza, um entendimento estranho
aos átomos torna-se lei, que no plano prático se chama direito;
um conceito da totalidade, que se opõe a cada acção - pois cada
uma é uma acção determinada -, a deve determinar, portanto,
deve matar o que há de vivo nela, a saber, a verdadeira iden
tidade. Fiat iustitia, pereat mundus, é a lei, mas nem sequer no
sentido em que Kant a interpretou 43 : aconteça o direito, mes
mo que desapareçam todos os malandros do mundo, mas sim:
o direito tem de acontecer, mesmo que, para tal, tivessem de
ser exterminados, a ferro e fog o, como se costuma dizer, a con
fiança, o prazer e o amor, todas as potências de uma autêntica
identidade moral.
Passamos agora para o sistema da comunidade ética humana.
A Doutrina da Ética tem em comum com o direito natural o
facto de a ideia dominar absolutamente o impulso, a liberdade,
a natureza; mas distinguem-se no facto de o direito natural ter
como finalidade o domínio dos seres livres sob o conceito uni
versal, de modo que o abstracto fixado da vontade geral perma
nece também fora do indivíduo e tem poder sobre ele. Na dou
trina da ética, o conceito e a natureza devem ser postos e
unificados numa e precisamente a mesma pessoa; no estado, deve
dominar apenas o direito, no domínio da moralidade só o
59 dever 1 deve ter poder, na medida em que é reconhecido como
lei pela razão do indivíduo.
Ser-se senhor e escravo de si mesmo parece, na verdade, ser
preferível à situação na qual o homem é o escravo de um estra
nho. Simplesmente, a relação da liberdade e da natureza, se se
deve tomar, na moralidade, um domínio e uma escravidão sub
jectivas, uma submissão própria da natureza será muito mais anti
natural do que a relação no direito natural, no qual o que orde
na e tem poder aparece como um outro, situado fora do
indivíduo vivo. Nesta relação do direito natural, o vivo tein con
tinuamente uma autonomia fechada em si mesma; o que não se
encontra unido nele, ele exclui de si; o que se opõe é um poder
estranho. E quando se perde também a crença na unidade do
interior com o exterior, pode todavia subsistir a crença na sua
concordância íntima, uma identidade sob a forma de carácter; a
natureza íntima é fiel a si mesma. Mas quando, na doutrina dos
costumes, o que ordena: é transferido para o próprio homem e
quando nele um ordenante e um subordinado são absolutamen
te opostos, a harmonia interna é destruída; a desunião e a cisão
absoluta constituem a essência do homem. Ele tem de procurar
uma unidade, mas, na não-identidade absoluta subjacente, resta
-lhe apenas uma unidade formal.
A unidade formal do conceito, que deve dominar, e a
multiplicidade da natureza, contradizem-se, e o conflito entre
ambas não tarda em mostrar um significativo estado de mal.
O conceito formal deve dominar; mas ele é um vazio e deve ser
preenchido pela referência ao impulso e, assim, surge uma
multiplicidade infinita de possibilidades para agir. Mas se a ciên
cia o mantém na sua unidade, ela não realizou nada através de
um tal princípio vazio e formal. O Eu deve determinar-se a si
mesmo de acordo com a ideia de uma auto-actividade absoluta
no sentido de suprimir o mundo objectivo, deve ter causalidade
sobre o Eu objectivo, entra, portanto, em relação com ele .
O impulso ético toma-se um impulso misturado 44 e, assim, tão
múltiplo quanto o impulso objectivo: daqui resulta, então, uma
grande multiplicidade de deveres. Tal multiplicidade pode ser
g randemente diminuída quando, como Fichte, se permanece na
u n iversalidade dos conceitos; mas, então, tem-se apenas, de novo,
pri ncípios formais. A oposição de múltiplos deveres tom.a o nome
de col isão e traz consigo uma contradição significativa. Quando
os deveres deduzidos são absolutos, não podem colidir; mas coli
l l l' m tll'ccssaria mente, porque são opostos; devido à sua idêntica
a hso l u t idndc, n cscolh n é possível e, por causa da colisão, neces-
sária; nada permite decidir senão o arbítrio. Se não dev l�SSl' ex i s t i r
qualquer arbítrio, não deveriam os deveres permanecer n o mesmo
plano de absolutidade; um deveria, como se tem de dizer, ser mais
60 absoluto do que os outros, o que contradiz o conceito, 1 pois cada
dever é, como dever, absoluto. Mas, porque temos de lidar com
esta colisão, portanto, abandonar a absolutidade e um dever ter
preferência relativamente aos outros, tudo depende agora, para
que se possa atingir a autodeterminação, de, através de uma ava
liação, estabelecer a primazia de um conceito de dever sobre o
outro e, entre os deveres condicionados, escolher segundo o me
lhor exame. Se o arbítrio e a contingência das inclinações são ex
cluídos na autodeterminação da liberdade pelo conceito supremo,
então, a autodeterminação transita, de agora em diante, para a
contingência do exame e, com isso, para a inconsciência do móbil
de um exame contingente. Se Kant, na sua doutrina dos costumes,
acrescenta a cada dever exposto absolutamente perguntas
casuísticas, e se não se quer acreditar que ele, com isso, quis
mostrar o seu desprezo p ela absolutidade do dever exposto, deve
mos aceitar que ele apontou, antes, para a necessidade de uma
casuística no que respeita à doutrina dos costumes, e, com isso,
para a necessidade de não confiar no seu próprio exame, que é,
na verdade, algo de totalmente contingente. Só que a contingência
é o que deve ser suprimido por uma doutrina dos costumes; trans
formar a contingência das inclinações na contingência do exame
não pode satisfazer o impulso ético; que busca a necessidade.
Em tais sistemas da doutrina dos costumes e do direito na
tural, a polaridade fixa e absoluta da liberdade e da necessidade
não permite pensar em nenhuma síntese nem em nenhum ponto
de indiferença; a transcendentalidade é totalmente perdida no
fenómeno e no seu poder, o entendimento; nela, a identidade
absoluta não se encontra nem se produz. A oposição permanece
também absolutamente fixada, mesmo se embelezada pelo pro
gresso infinito. Ela não se pode verdadeiramente dissolver, nem
para o indivíduo, no ponto de indiferença da beleza do espírito
e da obra, nem para a comunidade verdadeiramente viva dos
indivíduos, numa colectividade.
Na verdade, Fichte fala também do sentido estético - quando
menciona, entre os deveres dos diferentes estados, os deveres dos
artistas estéticos, como de um último complemento da moral -
como sendo um elo de ligação entre o entendimento e o coração; e
porque o artista nem se volta somente para o entendimento, tal
90
como o sá bio, tll'm somente para o coração, como o doutrinador
popu lar, ma s sim para a totalidade do espírito na unificação das
suas faculdades 45, prescreve ao artista estético e à formação estética
uma relação altamente eficaz no incremento dos fins da razão 46 .
Acima de tudo, o facto de não se compreender como na ciên
cia que se baseia numa oposição absoluta, tal como este sistema
da doutrina dos costumes, se pode falar de um elo de unifica-
ção 1 entre o entendimento e o coração, da totalidade do espírito 61
- pois a determinação absoluta da natureza por meio de um
conceito significa o domínio absoluto do coração pelo entendi
mento, condicionado pela unificação suprimida -, mostra-o já o
lugar perfeitamente subalterno que ocupa a formação estética,
quão pouco em geral se conta com ela para o acabamento do
sistema. Indicou-se, aí, que a arte deve ter uma relação altamen-
te eficaz com o incremento dos fins da razão, na medida em que
prepara o solo para a moralidade, de tal modo que, quando a
moralidade surge, encontra já metade do trabalho realizado, no
meadamente, a libertação dos laços da sensibilidade.
É espantoso como Fichte se exprime de forma excelente acer
ca da beleza, mas inconseque:i;i.temente em relação ao seu siste
ma, e, por isso, não faz em geral nenhuma aplicação dela relati
vamente a este, e, imediatamente, em relação à representação da
lei dos costumes, uma falsa aplicação.
A arte, exprime-se Fichte, transforma o ponto de vista trans
cendental em ponto de vista comum, na medida em que, para àquele, o
mundo é feito, para este, é dado; mas, do ponto de vista estético, é dado
tal como é feito. Através da faculdade estética, há uma verdadeira
unificação do produzir da inteligência e do produto que aparece
a ela como dado, do Eu que se reconhece como ilimitado e ao
mesmo tempo como pondo a limitação, ou melhor, uma unifica
ção da inteligência e da natureza, a qual, justamente em prol des
ta unificação possível, é ainda algo mais do que um produto da
inteligência. O reconhecimento da unificação estética do produzir
e do produto é algo de completamente diferente da posição do
dever absoluto e do esforço, e do progresso infinito, conceitos que,
na medida em que se reconhece aquela suprema unificação, se
anunciam como antíteses, ou apenas como sínteses de esferas mais
subalternas e, com isso, carenciadas de algo superior.
O ponto de vista estético é, além disso, descrito desta forma:
o mundo dado, a natureza, tem dois lados; ela é o produto da
nossa limitação e o produto do nosso agir livre e ideal; cada figu-
ra no espaço deve ser vista como exteriorização da íntima pleni
tude e da força do corpo que tem tal figura. Quem segue apenas
o primeiro ponto de vista, vê apenas formas desfiguradas, com
primidas, angustiadas; vê apenas a fealdade. Quem segue o últi
mo, vê a plenitude poderosa da natureza, a vida e a ascensão; vê
a beleza 47 . O agir da inteligência no direito natural produzira a
natureza apenas como matéria modificável; não era, portanto, um
agir livre e ideal, um agir da razão, mas sim do entendimento.
O ponto de vista estético da natureza é agora aplicado também às
leis morais e, certamente, à natureza não seria permitido, antes
das leis morais, ter a primazia da capacidade de um ponto de vista
belo. A lei moral comanda absolutamente e subjuga todas as inclinações
naturais. Quem a vê deste modo, comporta-se diante dela como um es-
62 cravo. Mas, todavia, a lei moral 1 é, ao mesmo tempo, o próprio Eu, ela
surge da profundidade íntima da nossa própria essência; e, quando lhe
obedecemos, obedecemos todavia apenas a nós mesmos. Quem a vê deste
modo, vê-a esteticamente 48 . Que nós obedecemos a nós mesmos sig
nifica que a nossa inclinação natural obedece à nossa lei moral;
mas na intuição estética da natureza, vista como exteriorização da
íntima plenitude e força dos corpos, não surge uma tal separação
do obedecer, tal como na eticidade, de acordo com este sistema,
intuímos no obedecer a si mesmo a inclinação natural limitada pela
razão vizinha, o impulso submetido ao conceito. Este ponto de
vista necessário sobre a eticidade, em vez de ser estético, deve ser
justamente aquele que mostra a forma desfigurada, angustiada e
comprimida, a saber, a fealdade.
Se a lei moral incrementa apenas a autonomia como um de
terminar de acordo com e através de conceitos; e se a natureza
apenas pode justificar-se por meio de uma limitação da liberdade
de acordo com o conceito de liberdade de muitos seres racionais; e
se estes dois modos comprimidos constituem o meio supremo pelo
qual o homem se constitui como homem; então, não se pode en
contrar lugar para o sentido estético, tomado no seu âmbito mais
largo - a saber, como auto-configuração completa da totalidade
na unificação da liberdade e da necessidade, da consciência e do
sem consciência -, nem na medida em que se expõe no puro gozo
ilimitado de si mesmo, nem no seu aparecimento limitado, na ju
risdição civil e na moralidade. Pois, no sentido estético, todo o
determinar por conceitos está de tal modo suprimido que, para
ele, esta essência ao modo do entendimento, que consiste em
dominar e determinar, quando é encontrada, é feia e odiosa .
COMPARAÇÃO ENTRE O PRINCÍPIO DA FILOSOFIA 62
DE SCHELLING E O DE FICHTE
94
ração entre sujeito e objecto; mas, na medida em que os pÕl'
igualmente de forma absoluta com a identidade oposta à se p a ra
ção, pô-los apenas de forma condicionada, tal como uma tal iden
tidade - que é condicionada pela aniquilação dos opostos - é
também apenas relativa. Mas o próprio absoluto é, por isso, a
identidade da identidade e da não-identidade; o opor e o ser-um
coexistem nele.
Na medida em que a filosofia separa, não pode pôr os sepa
rados sem os pôr no absoluto; pois, de outro modo, eles são
puramente opostos, que não têm nenhuma outra característica
senão a de um não ser enquanto o outro é. Esta referência ao
absoluto não é, de novo, a supressão de ambos, pois assim não
seriam separados; pelo contrário, devem permanecer como sepa
rados e não perder este carácter, na medida em que são postos
no absoluto e o absoluto é posto neles. E, de facto, ambos têm
de ser postos no absoluto: que direito teria um relativamente ao
outro? Em ambos encontra-se, não apenas o mesmo dire ito, mas
também a mesma necessidade; pois se apenas um estivesse rela
cionado com o absoluto e o outro não, a essência de ambos seria
posta de forma diferente e a sua unificação - portanto, a tarefa
da filosofia que consiste em suprimir a cisão - seria impossível.
Fichte pôs apenas um dos opostos no absoluto ou como o ab
soluto; o direito e a necessidade reside, para ele, na consciência-de
·si, pois apenas esta é um pôr-se-a-si-mesmo, um sujeito = objec
to, e esta consciência-de-si não é inicialmente relacionada com o
absoluto como algo de mais elevado, mas é ela própria o abso
luto, a identidade absoluta. O seu direito mais elevado em ser
posta como o absoluto consiste precisamente no facto de ela se
pôr a si mesma e o objecto .não, o qual é simplesmente posto por
meio da consciência. Mas, que esta posição do objecto é apenas
contingente mostra-se a partir da contingência do sujeito-objecto,
na medida em que este é posto como consciência-de-si; pois este
sujeito-objecto é ele próprio um condicionado. O seu ponto de
v ista não é, por conseguinte, o supremo; ele é a razão posta
numa forma limitada, e só a partir do ponto de vista desta for-
ma limitada o objecto aparece como algo que não se 1 determina 65
a si mesmo, como algo de absolutamente determinado. Por isso,
·
a m bas as formas têm de ser postas no absoluto ou o absoluto
l' m a m bas as formas e, ao mesmo tempo, ambas permanecer
Sl'pa ra d as; com isto, o sujeito é sujeito-objecto subjectivo, e o
objl•cto é sujei to-objecto objectivo. E de agora em diante, uma vez
- - - - -- - - - - ---
posta uma dualidade, cada um dos opostos é em si mesmo um
oposto e a divisão prossegue até ao infinito; cada parte do sujei
to e cada parte do objecto é, ela própria, no absoluto, uma iden
tidade do sujeito e do objecto: cada conhecimento é uma verda
de, tal como cada grão de poeira é uma organização.
Só na medida em que o próprio objecto é um sujeito-objecto
é que o Eu = Eu é o absoluto. Então, para que o Eu = Eu não se
transforme em Eu deve ser igual a Eu, o Eu objectivo deve ser,
ele próprio, sujeito = objecto.
Na medida em que tanto o sujeito como o objecto são um
sujeito-objecto, a oposição do sujeito e do objecto é uma oposi
ção real; pois ambos são postos no absoluto e têm através dele
realidade. A realidade dos opostos e a oposição real encontra-se
apenas por meio da identidade de ambos *. Se o objecto é um
objecto absoluto, é um objecto meramente ideal, tal como a opo
sição é meramente ideal. Pelo facto de o objecto ser algo de
meramente ideal e não se encontrar no absoluto, o sujeito torna
-se também algo de meramente ideal so, e tais factores ideais são
o Eu como pôr-se-a-si-mesmo e o não-Eu como oposto a si. De
nada ajuda o facto de o Eu ser vida e agilidade puras, de ele
próprio ser fazer e agir, o mais real de tudo, o mais imediato na
consciência de cada um; mal ele é oposto absolutamente ao ob
jecto, deixa de ser algo de real, mas apenas algo de pensado, um
puro produto da reflexão, uma mera forma do conhecer. E a
partir de meros produtos da reflexão não se pode construir a
identidade como totalidade, pois eles surgem por abstracção da
identidade absoluta que, em relação a eles, imediatamente, só se
pode comportar como aniquiladora, não como construtora. Tais
produtos da reflexão são, precisamente, infinitude e finitude,
indeterminidade e determinidade, etc. Do infinito não há nenhuma
l UU
num tal entendimento sensível, deve, na verdade, · permanccL•r
uma mera ideia; para nós homens deve, na verdade, ser impossí
vel que a explicação por meio do mecanismo concorde com a
conformidade a fins. Estes pontos de vista críticos, altamente
subordinados e irracionais, elevam-se todavia, mesmo quando
opõem simplesmente uma à outra a razão humana e a razão
absoluta, à ideia de um entendimento sensível, quer dizer, à ra
zão; não deve portanto em si, quer dizer, na razão, ser impossí
vel que o mecanismo natural e a conformidade natural a um fim
concordem. Mas Kant não abandonou a diferença entre um em si
possível e um real, nem elevou à realidade a ideia suprema ne
cessária de um entendimento sensível, e por isso, para ele, na
sua ciência da natureza, por um lado, é impossível em geral a
intelecção da possibilidade das forças fundamentais, por outro,
uma tal ciência da natureza, para a qual a natureza é a matéria,
quer dizer, algo de absolutamente oposto, mas não determinante
de si mesmo, pode construir apenas uma mecânica. Com a po
breza das forças de atracção e de repulsão 55 , tal ciência tornou
já a matéria demasiado rica; pois a força é um interior que pro
duz um exterior, é um pôr-se-a-si-mesmo Eu, e, de um ponto
=
1 U2
seus múltiplos pontos um círculo, em cujo íntimo ponto méd io,
porém, ela não é capaz de se colocar, pois, desde o início, é alg o
de exterior. Para o conceito, o objecto é um exterior, para o ob
jecto, o conceito é um exterior.
Nenhuma das duas ciências se pode, portanto, constituir
como a única, nenhuma pode suprimir a outra. O absoluto seria,
desse modo, posto apenas n uma forma da sua existência, e ao
pôr-se na forma da existência tem de se pôr numa dualidade da
forma, pois o aparecer e o cindir-se são um só.
Por causa da identidade interna de ambas as ciências - pois
ambas expõem o absoluto, tal como ele se engendra a partir das
potências inferiores de uma forma da manifestação, até à totali
dade dessa forma -, cada uma das ciências, de acordo com a
sua conexão e a sua progressão, é igual à outra. Uma é um com
plemento da outra. Tal como um antigo filósofo disse, aproxima
damente: a ordem e a conexão das ideias (do subjectivo) é a mes
.
______________ __......._
. _ _ ___ __ ___ --- - -
quanto tais, esforçam-se por atingir o ponto de indiferença; como
identidade e totalidade relativa, este último encontra-se por tod n
a parte nelas, mas, como totalidade absoluta, encontra-se fora
delas. Porém, na medida em que cada uma das ciências do ab
soluto, assim como a sua oposição, é real, conexionam-se, como
pólos da indiferença, nesta última; elas são as linhas que ligam
os pólos ao centro. Mas este centro é, ele próprio, algo de duplo,
uma vez identidade, a outra totalidade, e, nesta medida, ambas
as ciências aparecem como a progressão do desenvolvimento, ou
como autoconstrução da identidade, em direcção à totalidade.
O ponto de indiferença pelo qual ambas as ciências - na medida
em que, consideradas do lado dos factores ideais, são opostas -
se esforçam, é o todo, representado como uma autoconstrução
do absoluto, o ponto último e supremo delas. O centro, o ponto
de transição da identidade que se constrói como natureza, à sua
construção como inteligência, é o devir interior da luz da natu
reza, como diz Schelling, o relâmpago do ideal no real e o seu
constituir-se a si mesmo como ponto. Este 1 ponto, como razão, 75
é o ponto de viragem das duas ciências, é o cume supremo da
pirâmide da natureza, o seu último produto, ao qual ela chega
completando-se; mas, como ponto, deve igualmente expandir-se
numa natureza. Quando a ciência se põe nele como centro e a
partir dele se cinde em duas partes, e um dos lados se anuncia
como o produzir sem consciência, o outro, como o consciente,
ela sabe, imediatamente, que a inteligência, como um factor real,
transporta ao mesmo tempo consigo, para o outro lado, toda a
autoconstrução da natureza, e tem em si ou ao seu lado tudo o
que a precedeu, tal como sabe que na natureza, como um factor
real, o que se lhe opõe na ciência é igualmente imanente. E, com
isto, é suprimida toda a idealidade dos factores e a sua forma
unilateral; este é o único ponto de vista superior no qual ambas
as ciências se perdem uma na outra, na medida em que a sua
separação é reconhecida como apenas científica, e a idealidade
dos factores é reconhecida como sendo apenas posta com esta
finalidade. Este ponto de vista é, imediatamente, apenas negati
vo, subsiste apenas a separação de ambas as ciências e das for
mas nas quais o absoluto se pôs a si mesmo, não uma síntese
real, não o ponto de indiferença absoluto, no qual estas formas
são aniquiladas na medida em que ele as une. A identidade ori
ginária, que expandiu a sua contracção sem consciência - sub
jl'cti va men te, do sentir, objectivamente, da matéria - na conti-
l Ul
guidade do espaço e na sucessão do tempo, organizadas sem fim,
como totalidade objectiva, e opôs a esta expansão a contracção,
que se constitui a si mesma, aniquilando-a no ponto que se co
nhece a si mesmo da razão (subjectiva), a saber, a totalidade
subjectiva; aquela identidade deve uni-las a ambas na intuição
do absoluto que se torna objectivo na totalidade completa: na
intuição do eterno devir humano de Deus, da geração do Verbo
desde o início.
Esta intuição do absoluto que se configura e se encontra
objectivamente a si mesmo, pode igualmente ser considerada de
novo numa polaridade, na medida em que são postos em pre
ponderância, como factores deste equilíbrio, de um lado, a cons
ciência, do outro, o sem consciência. Aquela intuição aparece, na
arte, mais concentrada num ponto, e dominando a consciência:
ou, na arte propriamente dita, como obra, que, sendo objectiva,
é em parte duradoura, e em parte pode ser tomada, pelo enten
dimento, como uma exterioridade morta, um produto do indiví
duo, do génio, mas pertencendo à humanidade; ou aparece na
religião como um movimento vivo que, sendo subjectivo, satisfa
zendo apenas por momentos, pode ser posto pelo entendimento
como um mero interior, o produto de uma multidão, de uma
genialidade universal, mas pertencendo também a cada indiví
duo. Na especulação, aquela intuição aparece mais como cons
ciência, e, alargada na consciência, como um agir da razão sub
jectiva, que suprime a objectividade e o sem consciência. Se para
a arte, na sua verdadeira amplitude, o absoluto aparece mais na
76 forma 1 do ser absoluto, para a especulação ele aparece mais
como algo que se engendra a si mesmo na sua intuição infinita;
mas, na verdade, na medida em que se concebe como um devir,
põe ao mesmo tempo a identidade do devir e do ser, e o que lhe
aparece como engendrando-se a si mesmo é posto, ao mesmo
tempo, como o ser originário absoluto, que apenas pode devir
na medida em que é. Ela sabe, deste modo, afastar a preponde
rância que a consciência tem sobre si, uma preponderância que
é, mesmo assim, algo de essencialmente exterior. Ambas, a arte
e a especulação, são, na sua essência, ofício divino, ambas são
uma intuição viva da vida absoluta e, por isso, estão em unidade
com ela.
Deste modo, a especulação e o seu saber encontram-se no
ponto de indiferença, mas não, em si e para si, no verdadeiro
ponto de indiferença; se se encontram aí, depende do facto d e Hl'
1 Uli
reconhecerem apenas como um lado desse ponto. A filosofi a
transcendental é uma ciência do absoluto, pois o sujeito é, ele
próprio, sujeito-objecto e, nessa medida, razão; se ela se puser a
si mesma, na qualidade desta razão subjectiva, como o absoluto,
ela é então uma razão pura, quer dizer, formal, cujos produtos,
as ideias, são absolutamente opostos a uma sensibilidade ou
natureza, e, em relação aos fenómenos, podem apenas servir
como regra de uma unidade que lhes é estranha. Na medida em
que o absoluto é posto na forma de um sujeito, esta ciência tem
um limite imanente; ela só se eleva a ciência absoluta e ao ponto
de indiferença absoluto pelo facto de conhecer o seu limite e de
saber suprimir-se a si mesma e a este, e fazendo-o, de facto, de
forma científica. Na verdade, muito se falou, no passado, das
barreiras da razão humana e também o idealismo transcendental
reconhece limites que não se podem conceber da consciência-de
-si, nos quais estamos encerrados de uma vez por todas; mas, na
medida em que os limites são ali aceites como barreiras da · razão
e aqui como inconcebíveis, a ciência reconhece a sua impotência
para se suprimir por si mesma, quer dizer, a não ser por um
salto mortale ou pelo subjectivo, no qual ela pôs a razão para
novamente dela abstrair.
Porque a filosofia transcendental põe o seu sujeito como um
sujeito-objecto e, com isso, é um lado do ponto de indiferença
absoluto, a totalidade está com certeza nela; a própria filosofia
da natureza no seu conjunto cai, enquanto saber, no interior da
sua esfera. E não se pode proibir a ciência do saber, que consti
tuiria apenas uma parte da filosofia transcendental, nem tão
pouco a lógica, de reivindicar a forma que ela dá ao saber e a
identidade que se encontra no saber, ou melhor, de isolar a for
ma como consciência e de construir por si o fenómeno. Mas esta
identidade, separada de toda a multiplicidade do saber, como
pura consciência-de-si, mostra-se como relativa, pelo facto de não
sair, em nenhuma das suas formas, do seu ser condicionado, por
meio de um oposto.
O princípio absoluto, o único fundamento real e ponto de
apoio estável da filosofia é, tanto na filosofia de Fichte como na
de Schelling, a intuição intelectual; 1 dito para a reflexão: a iden- 77
tidade do sujeito e do objecto. Na ciência, ela torna-se objecto de
reflexão; e, por isso, a reflexão filosófica é, ela própria, intuição
transcendental, torna-se objecto para si própria e é uma só com
l'l e; d es ta forma, é especulação. Por isso, a filosofia de Fichte é
l WJ
um produto autêntico da especulação. A reflexão filosófica está
condicionada, ou a intuição transcendental vem à consciência
através da livre abstracção de toda a multiplicidade da consciên
cia empírica. Nessa medida, ela é subjectiva. Se a reflexão filosó
fica se transformar, assim, a si mesma, em objecto, ela transfor
ma algo de condicionado em princípio da sua filosofia; para
captar puramente a intuição transcendental, ela deve ser ainda
abstraída deste elemento subjectivo, de modo a que ela não seja,
para a reflexão filosófica, como fundamentação da filosofia, nem
subjectiva nem objectiva, nem consciência-de-si oposta à matéria,
nem matéria oposta à consciência-de-si, mas sim identidade ab
soluta, nem subjectiva nem objectiva, pura intuição transcen
dental 62. Como objecto da reflexão, toma-se sujeito e objecto 63 ;
a reflexão filosófica coloca estes produtos da pura reflexão, na
sua permanente oposição, no absoluto. A oposição da reflexão
especulativa não é mais um objecto e um sujeito, mas sim uma
intuição transcendental subjectiva e uma intuição transcendental
objectiva: aquela é um Eu, esta é uma natureza. Ambas são a
suprema manifestação da razão absoluta que se intui a si mes
ma. Pelo facto de estes dois opostos - que se chamam, então,
Eu e natureza, consciência-de-si pura e empírica, conhecer e ser,
pôr-se e opor-se a si mesmo, finitude e infinitude - serem pos
tos ao mesmo tempo no absoluto, a reflexão comum não vê nes
ta antinomia senão contradição; só a razão vê a verdade nesta
contradição absoluta, por meio da qual ambos são postos e am
bos são aniquilados, nenhum é e os dois são ao mesmo tempo.
lW
ACERCA DO PONTO DE VISTA DE REINHOLD 77
E A FILOSOFIA
111
da mesma coisa, mas da absoluta mesmidade, do único. E, pre
cisamente por isto, nem o princípio de uma, nem o princípio da
outra, são mera subjectividade ou mera objectividade, nem, muito
menos, aquilo em que ambas se interpenetram é a mera
egoidade, a qual, tal como a natureza, é engolida no ponto de
indiferença absoluto.
Quem, pensa Reinhold, está tomado pelo amor e crença na
verdade, e não pelo sistema, deixar-se-á facilmente persuadir que
o erro da solução que foi descrita reside no modo de conceber a
tarefa; mas não é tão fácil explicar em que consiste o erro das
descrições de Reinhold daquilo que, segundo Schelling, é a filo
sofia, nem como foi possível este modo de a conceber.
De nada serve remeter para a Introdução ao Sistema do Idea
lismo Transcendental, na qual se expõe a sua relação com a tota
lidade da filosofia e o conceito desta totalidade; pois, na sua
avaliação dele, Reinhold restringe-se a esta Introdução e vê aí o
contrário daquilo que lá se encontra. Muito menos se pode cha
mar a atenção para alguns lugares dela, nos quais o verdadeiro
ponto de vista é expresso da. forma mais determinada, pois
Reinhold menciona estes lugares na sua primeira avaliação deste
sistema; em tais lugares determinados afirma-se que só numa das
ciências necessárias e fundamentais da filosofia, a saber, no idea
lismo transcendental, o subjectivo é o primeiro 66, e não, como em
Reinhold, que coloca imediatamente a própria coisa às avessas,
que ele é o primeiro de toda a filosofia; não se trata também do
puro subjectivo, que é apenas o princípio do idealismo trans
cendental, mas sim do sujeito-objecto subjectivo.
Para aqueles que são capazes de não perceber em certos
enunciados o seu contrário, não é talvez supérfluo chamar a aten
ção, para além da Introdução ao Sistema do Idealismo Trans
cendental, e mesmo para além dos números mais recentes da
Revista de Física Especulativa, já para a 2.ª Parte do 1 .0 volume
79 deste última, 1 na qual Schelling se exprime deste modo 67: «A
filosofia da natureza é uma explicação física do idealismo; [ . . . ] a
natureza dispôs-se, desde longe, a chegar a estas alturas, que
atinge na razão. O filósofo só não repara nisto porque toma o
seu objecto, com o primeiro acto, já na mais alta potência, como
Eu, como dotado de consciência, e apenas o físico dissipa esta
ilusão. [ . ] O idealista está certo quando transforma a razão n a
..
ll2
a intenção da natureza [ . . . ] aquele mesmo idealismo torna-se, e k•
próprio, [ ] algo de explicável, e nisso coincide com a realidadl�
. . .
"" O que aconteceu depois de isto ter sido escrito. (Cf. Beitrii[(L', 2. Hc ft,
pp. 104 e segs.)
------ _ ili
vituperá-la como um expediente da exasperação, etc.; como se
queira. Sobre isto, a liberdade é total. Além do mais, uma filoso-
fia surge da sua época e, se se 1 quer compreender o despeda- 81
çamento desta última como uma imoralidade, a filosofia surge
da imoralidade; mas para restabelecer os homens da desorgani
zação da época, e salvaguardar a totalidade despedaçada pelo
tempo.
No que diz respeito à filosofia própria de Reinhold, ele dá uma
história pública dela: no decurso da sua metempsicose filosófica,
começou por vaguear na filosofia kantiana, e depois de a ter aban
donado vagueou pela de Fichte, desta passou à de Jacobi e, de
pois de a ter também abandonado, introduziu-se na lógica de
Bardilli. Após ter, de acordo com a página 163 dos Contributos,
«limitado a ocupação com ela ao puro aprender, ao puro receber
e à meditação no sentido mais autêntico, para combater a imagina
ção estragada pelos maus hábitos e para desalojar finalmente da
cabeça os antigos tipos transcendentais através dos novos
racionalistas», começa agora a elaboração daquela lógica nos
Contributos para um mais fácil Panorama do Estado da Filosofia no
Começo do Século XIX. Estes Contributos abrangem a época tão im
portante no avanço da formação do espírito humano que é o
surgimento do novo século, «para o felicitar por a causa da oca
sião de todas as revoluções filosóficas não ter sido realmente des
coberta nem antes nem depois dos derradeiros anos do século XVIII
e, com isso, a sua necessidade ter sido suprimida» 75 . Tal como
demasiadas vezes foi decretado em França que la révolution est finie,
também Reinhold já anunciou muitos fins da revolução filosófica.
Agora, reconhece a última finalização das finalizações, e, «apesar
de as piores consequências da revolução transcendental ainda
durarem um longo espaço de tempo», acrescenta ainda a pergun
ta sobre «Se não se equivocará outra vez, se, mesmo assim, tam
bém este verdadeiro e autêntico fim não poderá ser de novo,
apenas, o começo de uma nova viragem tortuosa?» 76 . Talvez se
devesse antes perguntar se este fim, na medida em que não é
capaz de ser um fim, será capaz de ser o início de qualquer coisa.
A tendência para fundar e sondar, o filosofar antes da filoso
fia, soube, por fim, exprimir-se perfeitamente a si mesmo. En
controu justamente aquilo que devia ser feito: a transformação
da filosofia num elemento formal do conhecer, em lógica.
Se a filosofa como um todo se funda a si mesma e funda em
si mesma a realidade dos conhecimentos, segunda a sua forma e
o seu conteúdo, o fundar e o sondar, ao invés, no seu impulso
de comprovar e analisar, de estabelecer o porquê e o «na medi
da em que», o então e o «até que ponto», nem saem de si mes-
82 mos nem 1 entram na filosofia. Para a angústia incessante, que
aumenta constantemente com a sua própria ocupação, todas as
investigações chegam demasiado cedo, e cada começo é uma
antecipação, tal corno cada filosofia é apenas um exercício pré
vio. A ciência afirma fundar-se em si mesma na medida em que
põe absolutamente cada uma das suas partes e, com isso, cons
titui no começo e em cada ponto singular uma identidade e um
saber; como totalidade objectiva, o saber funda-se tanto mais
quanto mais se forma a si mesmo, e as suas partes existem ape
nas enquanto fundadas ao mesmo tempo com esta totalidade dos
conhecimentos. O centro e o círculo estão de tal modo relaciona
dos entre si que o primeiro início do círculo é já uma referência
ao centro, e este não é um centro completo senão quando todas
as suas referências, a totalidade do círculo, estão completas: um todo
que necessita tão pouco de um motivo particular de fundamenta
ção quanto a terra necessita de um motivo particular para sofrer a
influência da força que a faz girar à volta do Sol e, ao mesmo tem
po, a mantém em toda a multiplicidade viva das suas figuras.
Mas o fundar ocupa-se sempre em procurar o motivo e em
balancear-se em direcção à filosofia viva; ele transforma este
balanço em obra verdadeira e, pelo seu princípio, torna impossí
vel atingir o saber e a filosofia. O conhecimento lógico, quando
prossegue realmente em direcção à razão, deve ter como resulta
do ser aniquilado na razão; deve reconhecer a antinomia como a
sua lei suprema. No tema de Reinhold da aplicação do pensar, o
pensar torna-se na repetibilidade infinita de A enquanto A em A
e através de A 77, e, de facto, de modo antinómico, na medida
em que A, ao ser aplicado, é posto de facto como B. Mas esta
antinomia está presente de forma totalmente sem consciência e
não reconhecida, pois o pensar, a sua aplicação e a sua matéria
coexistem pacificamente. Por isso, o pensar, como faculdade da
unidade abstracta, tal como o conhecimento, são meramente for
mais, e toda a fundamentação deve ser apenas problemática e
hipotética, até que, com o tempo, ao progredir no problemático
e no hipotético, se choque com o verdadeiro originário da verda
de, e com o verdadeiro por meio do verdadeiro originário 78•
Mas, por um lado, isto é impossível, pois de uma absoluta for
malidade não se pode atingir nenhuma materialidade (ambns são
absolutamente opostas), nem, muito menos, uma síntese absolu-
ta, que deve ser mais do que um mero encaixe; por outro lado,
nada se fundamentou, em geral, com algo de hipotético e de pro
blemático. Ou, então, o conhecimento é relacionado com o abso
luto, torna-se uma identidade do sujeito e do objecto, do pensar
e da matéria, e, assim, não é mais formal, surgiu um saber ma
çador, e, uma vez mais, a fundamentação antes do 1 saber não 83
foi conseguida. À angústia de entrar no saber nada resta senão o
consolo do seu amor e da sua crença e a sua tendência fixa para
analisar, metodologizar e narrar.
Se o balanço não transpõe o fosso, o erro não cai sobre este
perpetuar do balanço, mas sim sobre o seu método. Porém, o
verdadeiro método seria aquele em que o saber fosse atraído para
este lado do fosso, para o espaço de jogo do balanço, e a filoso
fia fosse reduzida à lógica.
Não podemos passar imediatamente à consideração deste
método, pelo qual a filosofia deve ser colocada no â mbito do
balanço, pois temos de falar, em primeiro lugar, daqueles pressu
postos que Reinhold considera necessários para a filosofia, portan
to, para o balanço para o balanço.
Como condição prévia do filosofar, da qual deve sair o esforço
para fundar o conhecimento, Reinhold menciona o amor à verda
de e à certeza; e como este amor é reconhecido imediatamente e
com suficiente facilidade, Reinhold não se detém mais nele 79.
E, de facto, o objecto da reflexão filosófica não pode ser senão o
verdadeiro e o certo. Se a consciência se encontra preenchida por
este objecto, uma reflexão sobre o subjectivo, sob a forma do
amor, não tem qualquer lugar; esta reflexão só produz o amor
na medida em que fixa o subjectivo, o qual, tendo um objecto
tão sublime como a verdade, é transformado - não menos que
o indivíduo animado por um tal amor, cuja existência ela postula -
em algo de supremamente sublime.
A segunda condição essencial do filosofar, a fé na verdade como
verdade, não será tão facilmente reconhecida como o amor. A pa
lavra fé teria certamente expresso de forma suficiente o que deve
ser expresso; em relação à filosofia, poder-se-ia falar, de facto,
da fé na razão como sendo a autêntica saúde; o ca �ácter supér
fluo da expressão «fé na verdade como verdade», em vez de
tornar a fé edificante, transforma-a em algo de equívoco. O prin
cipal é que Reinhold explica com seriedade que não se lhe deve
11erg11ntar o que é a fé na verdade; aquele para quem isto não é claro
1.11
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por si mesmo não tem, nem conhece, a necessidade de ver comprovado
pelo saber aquilo que só pode partir desta fé. Não se entende a si mesmo
com aquela pergunta; e Reinhold não tem mais nada a dizer-lhe 80 .
Se Reinhold acredita ter uma justificação para postular, é nos
postulados da intuição transcendental que se encontra o pressu
posto de algo de sublime para lá de qualquer prova, bem como
o direito e a necessidade de postular daí resultantes. Todavia,
B4 Fichte e Schelling, como o próprio Reinhold afirma, 1 descreveram
o agir peculiar da razão pura, a saber, a intuição transcendental,
como uma acção que regressa a si mesma 81 ; mas, àquele que
pedisse uma descrição da fé reinholdiana, Reinhold nada teria a
dizer. Todavia, ele faz mais do que aquilo a que se julga vin
culado; pelo menos, define a fé por oposição ao saber, como algo
que se tem por verdadeiro sem ser sustentado por nenhum sa
ber, e a definição daquilo que é o saber mostrar-se-á, também,
no decurso da fundamentação problemática e hipotética, tal como
a esfera comum do saber e da fé, e, portanto, a descrição ficará
completa.
Se Reinhold acredita estar dispensado de qualquer afirmação
posterior, parece-lhe, ao invés, que surgiu de forma surpreenden
te o facto de os senhores Fichte e Schelling terem postulado; os
seus postulados valem para ele como uma idiossincrasia da cons
ciência de certos indivíduos extraordinários, equipados para isso
com um sentido particular, em cujos escritos a própria razão pura
publicita o seu saber actuante e o seu agir sabedor 82 . Reinhold
também acredita (p. 143) ter-se encontrado no interior deste cír
culo mágico, ter saído dele e estar agora em condições de reve
lar o mistério. O que ele agora propala é que o que há de mais
universal, o agir da razão, se transforma para si no mais parti
cular, numa idiossincrasia dos senhores Fichte e Schelling. Aque
le para quem o amor e a fé de Reinhold não são claros e para
quem Reinhold nada tem a dizer sobre isso, não tem de o ver no
círculo mágico de um mistério, cujo possuidor, como represen
tante do amor e da fé, afirma estar equipado com um sentido
particular; um arcano que se ergue e apresenta na consciência
deste indivíduo extraordinário, e se quis publicitar no mundo
sensível através do Compêndio de Lógica e dos Contributos que
trabalham para ele.
_ . O postulado do amor e da fé soa mais agradável e mais suave
do que uina exigência maravilhosa de uma intuição transcen
dental. Um público pode ser mais edificado por meio de um pos-
118
tulado suave, mas ser repelido pelo postulado agreste da intuição
transcendental; simplesmente, isto nada tem a ver com o assunto
principal. .
Chegamos agora ao pressuposto fu.ndamental que diz respeito,
finalmente, do modo mais imediato, ao filosofar. Àquilo que a
filosofia deve pressupor, provisoriamente, para poder sequer ser
pensada como tentativa, chama Reinhold o verdadeiro origmá-
rio *, 1 o que é verdadeiro e certo por si mesmo, o fundamento 85
explicativo de todo o verdadeiro concebível; mas aquilo com que
a filosofia começa deve ser o primeiro verdadeiro concebível e,
na verdade, o verdadeiro primeiro concebível, o qual, por en
quanto, é apenas aceite de forma problemática e hipotética pelo
esforço filosófico; porém, no filosofar como saber, ele mostra-se
como o único primeiro possível se e na medida em que, quando
e até onde, surge com uma certeza completa; o facto de ele pró
prio, e a possibilidade e a realidade do conhecível e do q>nheci
mento, serem possíveis por meio do verdadeiro originário, como
o fundamento originário de tudo, que se anuncia no possível e
no real, e as razões porque eles o são; como e porque ele é ver
dadeiro por meio do verdadeiro originário, fora da sua relação
com o possível e o real no qual se revela, eis o que é simples
mente inconcebível, inexplicável e inomeável 83.
Vê-se, a partir desta forma do absoluto como um verdadeiro
originário, que, por isso, não se trata de produzir, em filosofia, o
saber e a verdade por meio da razão, que o absoluto na forma
da verdade não é uma obra da razão, mas que ele é já em e para
si algo de verdadeiro e certo, por conseguinte, algo de conhecido
e sabido. A razão não pode dar a si mesma nenhuma relação
activa com ele; ao invés, cada actividade da razão, cada forma
que o absoluto recebe através dela, deveria ser vista como uma
modificação dele, e uma modificação do verdadeiro originário
seria a produção do erro. Por isso, filosofar significa tomar em si
teve de o abandonar, como diz. Quando Jacobi fala da razão como da fa
culdade da pressuposição do verdadeiro, opõe o verdadeiro, corao a essência
verdadeira, à verdade formal, mas nega, como céptico, que ela possa ser
sabida humanamente; ao invés, Reinhold diz que aprendeu a pensá-lo por
ml•io de um fundamento formal, no qual, para Jacobi, o verdadeiro não se
1•1won trn .
11j
o já sabido de forma totalmente pronta com uma receptividade
pura e simplesmente passiva: e não se deve negar a comodidade
deste modo de proceder. Não é necessário recordar que a verda
de e a certeza fora do conhecimento, seja este uma fé ou um
saber, é um absurdo, e que só através da auto-actividade da
razão o absoluto se torna em verdadeiro e certo. Mas com
preende-se que seja estranho que esta comodidade, que já pres
supõe um verdadeiro originário pronto, o possa encontrar, quan
do se exige que o pensamento se potencie em saber por meio da
auto-actividade da razão, que através da ciência a natureza seja
constituída para a consciência, e que o sujeito-objecto não seja
nada se não se constituir por meio de uma auto-actividade.
A unificação da reflexão e do absoluto no saber acontece graças
àquele procedimento cómodo, completamente de acordo com o
ideal de uma utopia filosófica, na qual o absoluto se prepara já
86 para si mesmo num verdadeiro e certo e 1 se entrega totalmente
ao gozo do pensar passivo, que necessita somente de escancarar
a boca. Desta utopia, está banido o criar e construir trabalhosos,
assertóricos e categóricos; através de uma sacudidela problemá
tica e hipotética caem da árvore do conhecimento, plantada na
areia do fundamentar, os frutos que se mastigam e digerem por
si mesmos. Para a totalidade da ocupação da filosofia reduzida,
que quer apenas uma tentativa problemática e hipotética e um
carácter provisório, o absoluto deve ter-se já necessariamente
posto como o verdadeiro originário e sabido; pois como é que,
de outro modo, a verdade e o saber poderiam resultar do pro
blemático e do hipotético?
Porque e na medida em que o pressuposto da filosofia é o
inconcebível em si e o verdadeiro originário, por este motivo e
nessa medida ela deve poder anunciar-se num verdadeiro conce
bível, e a filosofia não pode partir de um verdadeiro originário
inconcebível, mas tem de o fazer a partir de um verdadeiro con
cebível. Não somente não se demonstra esta consequência como,
pelo contrário, deve tirar-se a conclusão oposta: se o pressuposto
da filosofia é o verdadeiro originário, um inconcebível, então, o
verdadeiro originário anunciar-se-ia através do seu oposto, logo,
falsamente. Dever-se-ia antes dizer que a filosofia teria de come
çar, prosseguir e terminar com conceitos, mas com conceitos in
concebíveis: pois, na limitação de um conceito, o inconcebível,
em vez de ser anunciado, é suprimido. E a unificação de conce i
tos opostos na antinomia, o que para a ca p ac i d a d e de con cl'Lw r
é uma contradição, não é a verdadeira revelação do inconcebível
em conceitos, meramente problemática e hipotética, mas sim,
devido à conexão imediata com ele, a manifestação assertórica e
categórica, tornada possível pela reflexão. Se, de acordo com
Reinhold, o absoluto é inconcebível fora da sua relação com o
real e o possível, nos quais se revela, se ele é para conhecer no
possível e no real, isto é apenas um conhecimento por meio do
entendimento e não um conhecimento do absoluto. Pois a razão,
que intui a relação do real e do possível ao absoluto, suprime,
precisamente por isso, o possível e o real enquanto tais; diante
dela, desaparecem estas determinidades bem como a sua oposi
ção, e, desta forma, ela não reconhece a manifestação externa
como revelação, mas sim a essência, que se revela a si mesma;
tem, pelo contrário, de reconhecer um conceito em si, tal como a
unidade abstracta do pensar, não como um anúncio da essência,
mas como um seu desaparecimento da consciência; certamente
que ela em si não desapareceu, mas sim graças a uma tal espe
culação. 1
Passamos agora a considerar o que é a verdadeira tarefa da 87
filosofia reduzida à lógica. Ela consiste em descobrir e expor, por
meio da análise da aplicação do pensar enquanto pensar, o ver
dadeiro originário com o verdadeiro, e o verdadeiro através do
verdadeiro originário; vemos os diversos absolutos que para tal
são exigidos:
Na Lógica:
U4
é a materialidade que tem de ser destruída no pensar,
a matéria que não é pensável; 1
b) A outra parte do objecto é, na Teoria, a conhecida matéria lJO
da representação 95, na Lógica, a inexterminável forma do
objecto 96 independente do pensar, e que, porque a forma
não pode exterminar a forma, se deve ajustar a ela.
ül
ao outro. Ela não concebe ambos os pólos em si, mas, numa
modificação superficial e uma união por vizinhança, deixa esca
par a essência de ambos, e permanece alheia a ambos e à filoso
fia. Do pólo da dispersão, ela tem o princípio da oposição, mas
os opostos não devem ser meros fenómenos e conceitos até ao
infinito, mas um deles deve ser também um infinito e inconcebí
vel; deste modo, seria satisfeita a carência do entusiasta relativa
mente a um supra-sensível. Mas o princípio da dispersão desde
nha do supra-sensível, tal como o princípio do entusiasmo
desdenha a oposição do supra-sensível e qualquer permanência
de um limitado diante dele. Do mesmo modo, qualquer aparên
cia de um ponto intermédio, que a filosofia popular dá ao seu
princípio de uma não-identidade de um finito e de um infinito,
será rejeitado pela filosofia, que transforma em vida a morte dos
termos cindidos, por meio da identidade absoluta, e através da
razão, que os devora a ambos e os põe, maternalmente, em igual
dade, quer atingir a consciência desta identidade do finito e do
infinito, quer dizer, o saber e a verdade.
NOTAS
t C. A. Eschenmayer (1768-1 852), filósofo, físico, médico e teólogo
131
Transcendental (SW, III, p. 332), Acerca do Verdadeiro Conceito da Filosofia da
Natureza (SW, IV, p. 83) e Exposição do Meu Sistema de Filosofia (SW, IV,
p. 1 14).
3 Hegel refere-se à obra do teólogo Fr. Schleiermacher intitulada úber
die Religion. Reden an die Gebildeten unter ihren Veriichtern, publicada em 1799.
Posteriormente, em Glauben und Wissen (in Gesammelte Werke, «Jenaer
Kritische Schriften», hrsg. von Hartmut Buchner und Otto Põggeler, Band
4, Hamburg, Felix Meiner Verlag, 1968, p. 385), Hegel pronunciar-se-á cri
ticamente acerca de Schleiermacher, mas, em 1801, percebe-se a importân
cia que esta obra possa ter tido a seus olhos, em sintonia com os seus
próprios projectos filosóficos. A religião representava, para Schleiermacher,
uma forma de o homem se elevar acima da vida finita, ou seja, da influên
cia que o mundo dos objectos exerce sobre si, permitindo-lhe, assim,
desprender-se do poder do entendimento e da sua legislação.
4 Reinhold, Beitriige, 1. Heft, pp. 5 e segs.
s O termo «razão», neste contexto, deve ser entendido no sentido que
Schelling lhe deu na Exposição do meu Sistema de Filosofia, embora o facto de
a Differenzschrift ter sido publicada quase simultaneamente torne pouco
verosímil a existência de uma influência directa de Schelling sobre Hegel,
pelo menos no plano textual. Em todo caso, este era um dos temas sobre
que assentava o trabalho comum dos dois autores. (Aliás, e mau grado
algumas diferenças que iremos assinalando, a linguagem desta primeira
obra de Hegel ainda é, como já dissemos, largamente schellinguiana.) Para
a compreensão desta passagem, o leitor reportar-se-á aos §§ 1 e 2 da men
cionada obra de Schelling, in SW, IV, pp. 1 14-1 16, nos quais se defende:
1) que esta razão deve ser considerada como uma razão absoluta, ou seja,
uma razão na qual o pensar abstraiu daquele que pensa, e que não é,
portanto, razão de um � ujeito, mas não é também razão objectiva, na me
dida em que algo de objectivo só é possível por oposição ao subjectivo;
2) que uma tal razão nada tem fora de si, de modo que o seu ponto de
vista é o do absoluto na sua automanifestação.
6 Não é impossível que Hegel, aqui, se queira distanciar tanto de Fichte
______________ ___._,._________ _ _ - . - - -
1s Hegel resume, nestas linhas, um dos aspectos mais complexos da
filosofia da natureza de Schelling, e da filosofia da identidade. Para um cor
recto entendimento do texto, salientamos os aspectos seguintes. 1) Schelling
caracteriza a identidade absoluta como indiferença entre o sujeito e o ob
jecto e simboliza-a por A B. 2) Face a ela, quer o espírito, quer a matéria,
=
GA, 1/2, p. 272. Hegel não cita correctamente. Fichte escreve: «Eu oponho»
(Ich setze) e não «o Eu opõe» (Ich setzt) . Este equívoco tem pesadas
consequências para toda a interpretação hegeliana do pensamento de Fichte;
é justamente a livre actividade . do filósofo que desaparece, resultando da
qui, imediatamente, uma ontologização do Eu fichteano, que nada na Dou
trina da Ciência autoriza.
19 Idem, ibidem, SW, I, pp. 224-225 / GA, 1/2, pp. 366-367.
20 Reinhold, Beítriige, l. Heft, pp. 124 e segs.
21 Fichte, ibidem, SW, 1, p. 127 / GA, 1/2, p. 287.
mar que, no Eu, o Eu se suprimiu (ou seja, não é posto), para se pôr o
não-Eu, mas também que, no Eu, o Eu tem de ser posto para se pôr o
não-Eu? Mas só existiria contradição, como Hegel parece defender, se Fichte
a fi rmasse que o Eu é não-Eu; ora tal não acontece. A 3.ª proposição-de
=
U[i
tidade de actividade que é limitada no Eu, à qual corresponde uma certa
quantidade de actividade que é afirmada no não-Eu.
23 Cf. com o que dizemos, na Introdução, acerca da intenção de Fichte
p. 419.
26 Idem, Das System der Sittenlehre, SW, Bd. IV, p. 109 / GA, 1/5, p. 108.
27 Idem, ibidem, SW, Bd. IV, p. 108 / GA, 1/5, p. 1 07.
28 Idem, ibidem, SW, Bd. IV, p. 130 / GA, 1/5, p. 125.
29 Idem, ibidem, SW, Bd. IV, pp. 1 1 1 e segs. / GA, 1/5, pp. 109 e segs.
Cf., igualmente, A Destinação do Homem, S W, Bd. II, p. 1 84 / GA, 1 / 6,
pp. 202-203. A natureza determinada formaliter é, segundo Fichte, a natureza
tal como Espinosa a concebeu, na qual cada produto - na obra menciona
da, Fichte socorre-se do exemplo de uma árvore -, nas suas exteriorizações,
quer dizer, no aspecto exterior que sucessivamente reveste, não faz senão
aquilo que a sua natureza interna lhe exige. Se imaginássemos uma tal ár
vore dotada de consciência, esta seria apenas a observação das fases neces
sárias do seu crescimento, nunca a origem de um sentimento de limitação.
Qualquer limitação só lhe poderia aparecer como algo que, do exterior,
perturbasse o seu desenvolvimento, inflectindo-o numa direcção diferente
daquela que normalmente tomaria. Neste sentido, pode afirmar-se que a
árvore está completamente determinada, não possuindo a indetermina
ção do ser livre, ou seja, a possibilidade de escolher entre determinações
opostas.
3 0 Idem, Das System der Sittenlehre, SW, Bd. IV, pp. 126 e segs. / GA, 1/5,
3 2 Idem, ibidem, SW,- Bd. IV, pp. 144 e 131 / GA, 1 /5, pp. 136 e 126.
3 5 Idem, ibidem, SW, Bd. IV, p. 114 e segs . / GA, 1 /5, pp. 112 e segs.
36 Idem, Grundlage des Naturrechts, SW, Bd. III, pp. 57 e segs . / GA, 1/3,
39 Idem, ibidem, SW, Bd. III, pp. 86 e segs . / GA, 1 / 3, pp. 384 e segs.
Hegel distorce um pouco o pensamento de Fichte. Na realidade, este escre
vera: «Cada um pôs também como matéria o corpo do outro, como maté
ria configurável conforme o conceito: cada um prescreveu em geral a si
mesmo a faculdade de modificar a matéria. Cada um pode, por isso, cla
ramente, modificar o corpo do outro, na medida em que ele é m n terin l . »
É óbvio que a intenção d e Fichte é mostrar q u e o ou tro, n a med i d o cm q m •
não é apenas um corpo material, mas também um ser de razão, não pode
ser modificável, e que a minha acção sobre ele depende de uma lei da li
berdade. Por outras palavras: o outro exige-me que o reconheça como livre
e que paute por essa decisão a minha relação com ele. O que Fichte defen
de, e nisto Hegel já não o seguirá, como a leitura do seguimento tornará
claro, é que não há nenhum fundamento absoluto para que um ser racio
nal mantenha aquela decisão, que é, por este motivo, obra da liberdade.
40 Idem, ibidem, SW, Bd. III, pp. 85 e 92 e segs./GA, 1 /3, pp. 383-384 e
389 e segs.
41 Idem, ibidem, SW, Bd. III, p. 294/GA, 1/4, p. 86.
42 Idem, ibidem, SW, Bd. III, p. 302 / GA, 1/4, p. 92.
Bd, 8, pp. 378-379. Kant diz: «A proposição, de facto bem sonante, posta
em circulação sob forma de sentença, mas verdadeira: fiat iustitia, pereat
mundus, que significa em alemão. «que a justiça domine, mesmo que todos
os malandros do mundo desapareçam totalmente com ela», é uma pedra
angular e um princípio fundamental do direito, que corta todos os cami
nhos ínvios traçados pela astúcia ou pelo poder.»
44 Fichte, Das System der Sittenlehre, S W, IV, p. 152 / GA, 1/5, p. 143.
HZ
cesso dinâmico». Convém, no entanto, que não se compreenda a relação
entre estes três momentos como relevando de uma sucessão de carácter
temporal. São, em primeiro lugar, categorias que se encontram ao serviço
da nossa especulação, ou seja, do modo como o espírito humano expõe a
construção da matéria; e como cada etapa da construção da matéria repete,
a um nível superior, o que aconteceu em todos os outros, não há processos
químicos sem magnetismo ou electricidade, tal como, aliás, nesta 2." potên
cia da construção do mundo material se repetem os mesmos momentos da
l.ª potência (a saber, a força atractiva, a força repulsiva e o peso). Por outro
lado, Schelling defende que aquelas categorias têm um carácter dinâmico e
não meramente transcendental; isto significa que não constituem somente,
à maneira kantiana, uma condição de possibilidade do nosso conhecimento
do mundo material, pois são, em primeiro lugar, as condições originárias
que possibilitam que a matéria se construa a si mesma. (Cf. Primeiro Pro
jecto de um Sistema de Filosofia da Natureza, SW, Bd. III, pp. 1-268 /H.KA, Bd.
I / 7; Dedução Geral do Processo Dinâmico, SW, Bd. IV, pp. 1-78; Exposição do
Meu Sistema de Filosofia, esp. §§ 68-159, S W, Bd. IV, pp. 153 e segs.)
61 Para uma melhor compreensão do significado do conceito de forma,
tal como Hegel aqui o emprega, cf. Schelling, Exposição do Meu Sistema de
Filosofia (§ 15), S W, IV, p. 120: «A identidade absoluta existe apenas sob a forma
da proposição A = A, ou esta forma é imediatamente posta pelo seu ser. Pois
ela só existe de forma incondicionada e não pode ser de modo condiciona
do, mas o ser incondicionado pode apenas ser posto sob a forma daquela
proposição. Portanto, com o ser da identidade absoluta é posta também
imediatamente aquela forma, e não há aqui nenhuma passagem, nenhum
antes ou depois, mas sim absoluta simultaneidade do ser e da própria
forma.» Uma primeira ocorrência do conceito de forma, em Schelling, num
sentido já muito próximo do que adquirirá posteriormente na filosofia da
identidade, encontra-se no Primeiro Projecto de um Sistema de Filosofia da Na
tureza, de 1 799, in SW, III, p. 1 3 / HKA, I/7, p. 78.
62 A exigência de abstrair daquele que pensa, para se ficar com o «puro
filosofia».
75 Idem, ibidem, pp. I V e VI.
76 Idem, ibidem, pp. v e segs.
Ui
83 Idem, ibidem, pp. 70-75, passim.
84 Idem, ibidem, pp. 100 e 106 e segs.
ss Idem, ibidem, pp. 107 e 1 10.
96 Bardilli, Grundriss der ersten Logik, p. 82. Hegel não cita correctamen
te. Bardilli não emprega a expressão «forma do objecto», mas sim «forma
na matéria» (Form am Stoffe) do objecto, referindo-se ao espaço tridimen
sional, que permite que o pensar, aplicando-se a ela, possa criar as propo
sições apodícticas da ·geometria.
97 Idem, ibidem, p. 69.
98 Reinhold, Beitriige, 1. Heft, pp. III-IV.
99 A compreensão do sentido desta passagem, difícil de traduzir, é fa
141
GLOSSÁRIO ALEMÃO-PORTUGUÊS
Anfang - início Einsicht - intelecção
Ansich - em-si Endlos - sem-fim; interminável
Aufheben - suprimir Endlosigkeit - sem-fim
Aussersichgestztsein - ser-posto- Endzweck - fim final; finalidade
-fora-de-si Entgegensetzung - oposição
Bedingtheit - carácter-condicionado Entzweiung - cisão
Bedingung - condição Ergãnzung - complemento
Bedürfnis - necessidade Erklãrungsgrund - fundamento de
Bedürftiges - necessitado explicação
Begrenztheit - carácter-limitado Erscheinung - aparecimento; fenó-
Beschrãnkung - limitação meno
Bestand - estabilidade Gegensatz - antagonismo; oposto
Bestehen - (v.) subsistir; (sub.) sub- Gemüt - espírito
sistência Gestalt - figura
Bestehendes - (sub.) subsistente Gestaltung - figuração
Bestimmen - determinar; definir Glaube - crença; fé
Bestimmtheit - determinidade Gleichheit - igualdade
Bestimmung - determinação; definição Grund - fundamento
Bewusstlos - sem consciência Grundlegung - fundamentação
Beziehung - relação; referência Grundsatz - proposição-de-fundo
Bürger - cidadão Handeln - agir
Darstellen - expor; apresentar Handlung - acção
Darstellung - exposição; apresentação Ichheit - egoidade
Dasein - existência Ideell - ideal
Di ese lbigkeit - mesmidade Mangel - carência
Eige n tü m l ich - próprio Mangelhaftigkeit - insuficiência
E i gcn tü mlichkeit - peculiaridade; Materiatur - materialidade
propried ade Neigung - inclinação
1 4/J
Nicht-Ich - não-Eu Ungleichheit - desigualdade
Not - indigência Unterschied - distinção
Prinzip - princípio Vereinigung - unificação
Rãsonieren - raciocinar Verendlichen - finitizar
Realgrund - fundamento-real Verhãltniss - relação
Reelle - real Vermittlung - mediação
Reflektierende - reflexionante Vermõgen - faculdade; poder
Sache - coisa Vernichten - aniquilar
Satz - proposição; princípio Vernunftwesen - ser racional; ser-
Schein - aparência -de-razão.
Schranke - limite Verschiedenheit - distinção
Schwãrmerei - fanatismo Vervollstãndigung - completação
Selbstanschauung - auto-intuição Verweisen - remeter
Sittlichkeit - eticidade Verwirrung - perturbação
Selbstsetzen - autoposição Vollstãndigkeit - completude
Sich-selbst-setzen - pôr-se-a-si- Voraussetzung - pressuposição
-mesmo Wechselverhãltniss - reciprocidade
Sich-Setzen - pôr-se Willkür - arbítrio
Standpunkt - tomada de posição Wirken - actuar
Streben - esforço Zerreissen - despedaçar
Tat - acto Zerstõrung - destruição
Tãtigkeit - actividade Zerstreuen - dispersar
Trennung - separação Zufall - acaso
Trieb - impulso Zufãlligkeit - contingência
Tun - agir Zusammenhang - conexão
Unbegreifflich - ininteligível Zweckmãssigkeit - conformidade a
Unbestimmtheit - indeterminação um fim
1 4b
ÍNDICE
Introdução de CARLOS MORUJÃO ....... . ........... ............ . ........ . ... . ..... . . . .... . . . . ..
. . 7
147
Acabou de imprimir-se
em Setembro de dois mil e três.
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