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Análise do Capítulo I do 

Sermão de Santo António aos Peixes 

            O Exórdio consiste na exposição do plano a desenvolver e das


ideias a defender, sendo constituído por cinco parágrafos, iniciando-
se pelo conceito predicável e terminando com a invocação a Maria.
            O primeiro período do primeiro parágrafo, ou incipit, (que é
constituído por dois períodos) começa com o conceito
predicável (“Vos estis sal terrae”) e termina com uma interrogação
retórica: “qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?”. O
padre Vieira não segue os cânones retóricos, visto que não começa
propriamente pelo Exórdio. De facto, o sermão começa com Vieira
informando os ouvintes, suportado na frase bíblica acima referida, da
natureza do assunto que vai tratar.

                O conceito predicável (“Vos estis sal terrae” = Vós sois o sal


da terra) é uma frase escrita em latim, retirada da Bíblia (mais
concretamente do Evangelho de São Mateus), que funciona como a
confirmação, através de textos da Escritura, do tema inicial. Chama-
se, pois, conceito predicável ao texto bíblico que serve de tema e que
irá ser desenvolvido de acordo com a intenção e o objetivo do autor.
A sua decifração far-se-á a partir da leitura dos dois primeiros
parágrafos.

            A alegoria que aqui se começa a desenhar está já presente no


texto bíblico: os discípulos de Jesus Cristo são o sal da terra; a terra
são os ouvintes.
            O efeito do sal é impedir a corrupção. É sobre e contra essa
corrupção que Vieira quer falar, é a base da sua argumentação e há
de demonstrá-la no decorrer do sermão, sobretudo quando passar
em revista os defeitos dos peixes. Como veremos, os defeitos, em
rigor, nem chegam a ser defeitos dos peixes, porque se trata da
natureza dos mesmos. E o que é natural é natural. E há de confirmar
a base da sua argumentação: de facto, realmente, os colonizadores,
os colonos, possuem os defeitos que Vieira lhes criticará.
            O valor simbólico do sal aparece aqui associado ao poder
regenerador e purificador da Palavra de Deus.
            Note-se, por outro lado, que o sal tem duas valências: impedir
a corrupção dos alimentos (valência que surge em S. Mateus) e dar
sabor, temperar os alimentos (São Lucas). No entanto, o padre Vieira
faz uso apenas da primeira – a de impedir a corrupção –, pois era a
que se adequava à natureza do assunto que vai desenvolver.
            A partir daqui, quando o auditório já conhece que «sal» é uma
metáfora de doutrina ou mensagem evangélica, o jesuíta atribui
novos significados aos termos «terra» e «corrupção»: “… mas quando
a terra [isto é, a sociedade] se vê tão corrupta como está a nossa [a
cidade de S. Luís do Maranhão], havendo tantos nela que têm ofício
de sal, qual será, ou qual pode ser a causa dessa corrupção?”. O
pronome possessivo «nossa» e o determinante demonstrativo
«desta» não deixam dúvidas acerca do local onde existe a corrupção.
Por outro lado, o vocábulo «corrupção» surge duas vezes, bem como
o adjetivo «corrupta» (uma vez explícita, outra implicitamente). A
alguém restarão ainda dúvidas sobre a temática em questão?

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