O Exórdio consiste na exposição do plano a desenvolver e das
ideias a defender, sendo constituído por cinco parágrafos, iniciando- se pelo conceito predicável e terminando com a invocação a Maria. O primeiro período do primeiro parágrafo, ou incipit, (que é constituído por dois períodos) começa com o conceito predicável (“Vos estis sal terrae”) e termina com uma interrogação retórica: “qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?”. O padre Vieira não segue os cânones retóricos, visto que não começa propriamente pelo Exórdio. De facto, o sermão começa com Vieira informando os ouvintes, suportado na frase bíblica acima referida, da natureza do assunto que vai tratar.
O conceito predicável (“Vos estis sal terrae” = Vós sois o sal
da terra) é uma frase escrita em latim, retirada da Bíblia (mais concretamente do Evangelho de São Mateus), que funciona como a confirmação, através de textos da Escritura, do tema inicial. Chama- se, pois, conceito predicável ao texto bíblico que serve de tema e que irá ser desenvolvido de acordo com a intenção e o objetivo do autor. A sua decifração far-se-á a partir da leitura dos dois primeiros parágrafos.
A alegoria que aqui se começa a desenhar está já presente no
texto bíblico: os discípulos de Jesus Cristo são o sal da terra; a terra são os ouvintes. O efeito do sal é impedir a corrupção. É sobre e contra essa corrupção que Vieira quer falar, é a base da sua argumentação e há de demonstrá-la no decorrer do sermão, sobretudo quando passar em revista os defeitos dos peixes. Como veremos, os defeitos, em rigor, nem chegam a ser defeitos dos peixes, porque se trata da natureza dos mesmos. E o que é natural é natural. E há de confirmar a base da sua argumentação: de facto, realmente, os colonizadores, os colonos, possuem os defeitos que Vieira lhes criticará. O valor simbólico do sal aparece aqui associado ao poder regenerador e purificador da Palavra de Deus. Note-se, por outro lado, que o sal tem duas valências: impedir a corrupção dos alimentos (valência que surge em S. Mateus) e dar sabor, temperar os alimentos (São Lucas). No entanto, o padre Vieira faz uso apenas da primeira – a de impedir a corrupção –, pois era a que se adequava à natureza do assunto que vai desenvolver. A partir daqui, quando o auditório já conhece que «sal» é uma metáfora de doutrina ou mensagem evangélica, o jesuíta atribui novos significados aos termos «terra» e «corrupção»: “… mas quando a terra [isto é, a sociedade] se vê tão corrupta como está a nossa [a cidade de S. Luís do Maranhão], havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa dessa corrupção?”. O pronome possessivo «nossa» e o determinante demonstrativo «desta» não deixam dúvidas acerca do local onde existe a corrupção. Por outro lado, o vocábulo «corrupção» surge duas vezes, bem como o adjetivo «corrupta» (uma vez explícita, outra implicitamente). A alguém restarão ainda dúvidas sobre a temática em questão?