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Saber pensar é
saber caminhar no fundo
dos Abismos.
Ou melhor, e acompanhar
as ondas de
flutuações que provêm
dos abismos insondáveis.
Walter Trinca
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Este capítulo es resultado del proyecto “Fundamentos teóricos y epistemológicos de la comprensión como
método”. Acta 2018-23528. CODI-778”, realizado con el respaldo del Centro de Investigaciones de la Fa-
cultad de Comunicaciones y Filología de la Universidad de Antioquia, además, contó con el apoyo del
programa Estrategia de Sostenibilidad otorgado al Grupo de investigación Estudios Literarios (GEL) 2021-
2022 por la Vicerrectoría de Investigación de la misma Universidad.
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Mestre (1999) e Doutor (2003) em Ciências da Comunicação, área de Concentração Epistemologia do
Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Com 40 anos de
experiencia profissional tem trabalhado em diversos meios de comunicação como repórter, redator,
colunista, editor e diretor. Professor Titular da Universidade de Antioquia e Coordenador do Mestrado em
Jornalismo. E-mail: osoriova@gmail.com.
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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
19º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo
9 a 12 de Novembro de 2021
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Resumo
Reflete-se sobre o ancestral Andino Sentipensante como narrativa experimental no
Jornalismo Literário, para narrar os caminhos (métodos) da compreensão na trama da
imaginação em um mundo ch'ixi, como mundo outro já presente. A perspectiva do
protagonismo social dos povos Andinos, se pregunta a respeito dos modos em que se
manifestam as ideias e se iluminam com a noção ch´ixi palavra de origem aymara, que
forma parte do humano transtempo, ressonância de infinitas possibilidades de nossa
vida, contingência de renovados mundos e vidas. Esta aproximação ao Jornalismo
Literário, brinda outras possibilidades de relatos do Primeiro Habitante como um lutador
que evoca sua face esquecida pelo ocidente e percorre os caminhos de sua narrativa
ancestral, estruturando sua autonomia cidadã, fazendo presença nos contextos globais
transmediais.
Palavras-chave
Jornalismo Literário. Narrativa. Oratura. Sentipensante. Ch'ixi. Contingência. Pachakuti.
1. Introdução
Na América Latina, o ancestral Andino Sentipensante como narrativa jornalística
de recreação experimental protagonista, através de conceitos e abordagens contra
hegemónicos, assume seu papel para centrar parte dos novos interesses de pesquisa na
convergência não só mediática, mas também em nível metodológico. Noções ou visões
de mundo com as quais se propõe trabalhar no Laboratório Crítico de Relatos ignorados,
com protagonistas em vivência e de sua própria história. Esta é uma metodologia
qualitativa que repensa o uso e significado dos conceitos como princípio metodológico
no Jornalismo Literário. O potencial dos conceitos, como métodos de análise das
narrativas, nos permite dotar de sentido o caos do mundo e os sucessos de incerteza que
acontecem nele; já que a narrativa jornalística é uma força cultural que tem suas
profundidades na milenar arte da oratura. Vinculando teoria e mundo empírico, as
conexões revelam as chaves de análise que os autores trabalhados nos oferecem, para
compreender O ancestral Andino Sentipensante como narrativa experimental
protagonista no jornalismo literário.
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internacionais. Dificilmente se encontrará um tema ou um embate sobre o qual não se
solicite a palavra ou não se pronuncie um Andino. Como protagonistas centrais têm
ocupado espaço na arena pública, marcando posição e desempenhando papéis que
extrapolam a clássica imagem de índio exótico, a serviço de uma historiografia branca e
a manipulação de sua imagem no quadro das identidades.
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protagonista” para o jornalismo literário. O pré-histórico se junta com o atual. Eis que as
diferentes temporalidades que coabitam a simultaneidade espacial de realidades e forças
sociais diversas. Onde se formam capas profundas de palimpsestos que permitem a
profundidade de abstração dos conceitos: abigarrado, ch’ixi, oratura, pachakuti,
contigência, sentipensante e narrativa jornalística.
É que toda narrativa é conformada em espaços e tempos, que também devem ser
revistos por que nessa visão ancestral...
Um ano é um dia. Um dia é uma hora. Uma hora é um segundo. Um ano é um dia na vida
da humanidade ou pode ser um mês, também um segundo. O tempo histórico é longo
demais. Os problemas que traz à tona faz acreditar que nossa medida de tempo é muito
predatória, é antivida quando é cronometrada em uma linha de progresso de séculos
(OSORIO, 1999, 38).
A la manera de los antiguos mayas, que tenían dos maneras de medir el tiempo, la cuenta
corta y la cuenta larga, los historiadores franceses han introducido la distinción entre la
duración larga y la corta en los procesos históricos. La primera designa a los grandes
ritmos que, a través de modificaciones al principio imperceptibles, alteran las viejas es-
tructuras, crean otras y así llevan a cabo las lentas pero irreversibles transformaciones
sociales. […] Desde el punto de vista de la duración corta, las figuras no se repiten: la
historia es creación incesante, novedad, el reino de lo único y singular. Desde la duración
3
Relato da oralidade ancestral. Para os Huitotos (Amazonia na Colômbia e Peru) coração, peito, memória
e pensamento são a mesma cosa. Essa narrativa oral construída durante séculos é a oratura ou relato da
oralidade em toda Abya Yala, que dialoga com a milenar arte da oratura angolana e moçambicana.
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larga se perciben repeticiones, rupturas, recomienzos: ritmos. Las dos visiones son ver-
daderas. La mayoría de los cambios que hemos experimentado, pertenecen, claro está, a
la duración corta pero los más significativos están en relación directa o indirecta con la
duración larga (PAZ, 1986, 7-8).
En nuestro territorio conviven no sólo distintas razas y lenguas, sino varios niveles histó-
ricos […] Varias épocas se enfrentan, se ignoran o se entredevoran sobre una misma tierra
o separadas apenas por unos kilómetros […] Las épocas viejas nunca desaparecen com-
pletamente y todas las heridas, aun las más antiguas, manan sangre todavía. A veces,
como las pirámides precortesianas que ocultan casi siempre otras, en una sola ciudad o
en una sola alma se mezclan y superponen nociones y sensibilidades enemigas o distantes
(PAZ, 1981, 2).
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É que uma ciência social e narrativa da contemporaneidade deve transitar pelas
diversas bifurcações que nos instigam as crises humanas.
Uma definição simples de narrativa é aquela que compreende uma das respostas humanas
diante do caos. Dotado da capacidade de produzir sentidos, ao narrar o mundo, o sapiens
organiza o caos em um cosmos. O que se diz da realidade constitui uma outra realidade,
a simbólica. Sem essa produção cultural, a narrativa, o humano ser não se expressa, não
se afirma perante a desorganização e as inviabilidades da vida. Mais do que talento de
alguns, poder narrar é uma necessidade vital (MEDINA, 1999, 24).
Los caminos narrativos (métodos) nos conducen por hechos y acontecimientos para no
perdernos en las nieblas del olvido. Entre la ficción y la historia, entre el ahora y el ma-
ñana, entre tiempos cortos, medios y largos, en espacios amplios y abiertos, se fundan las
narrativas que permiten profundizar en el conocimiento humano (OSORIO, 2020, 100).
[Onde...] El hecho como acontecimiento es aquello que sucede en un devenir o transfor-
mación incesante y permanente, es decir, todos los tiempos en un tiempo simultáneo, que
se hacen presentes en las narrativas como métodos de conocimiento (OSORIO, 2020,
109).
4
Sobre a tradução como criação e crítica (1962) é o ensaio inaugural sobre a teoria da transcriação de
Haroldo de Campos. Sobre a razão antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira (1980) também
é um ensaio seminal.
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2. Pachakuti
Como é sabido o conceito andino de pachakuti em qhichwa e aymara significa a
revolta ou comoção do universo. Pacha=tempo-espaço; kuti=volta, turno, revolução.
Como muitos conceitos andinos, pachakuti pode ter dois sentidos divergentes e
complementários (mas também antagónicos em algumas circunstâncias): o de catástrofe
ou o de renovação. Pachakuti, para a socióloga boliviana Silvia Rivera Cusicanqui, é um
momento de incubação de um acordar. É uma incubação com retrocessos, vagarosa e
dolorida… os dois elementos, a sua vez, são uma possibilidade de catástrofe e renovação,
não estão separados do momento mesmo. O instante está grávido com essa contingência
tensionando o tempo histórico e destruindo a linearidade. Tem uma crise das palavras
onde todo se desmorona, porque o que cremos compreender por movimento social está
fazendo águas, porém tem luzes na trama produtiva da imaginação sobre um mundo
ch’ixi como mundo outro já presente. Na episteme indígena, como parte de um
pensamento próprio e criativo, é fundante a ideia do acordar. O conceito de Pachakuti é
isso: um momento de inflexão, de mudança, mas que não é um processo veloz, porém um
processo de acumulação profunda, que estamos vivendo neste momento, mas desde
tempos ancestrais, assim passado e presente tornam-se um na construção do futuro.
Todos os tempos ao mesmo tempo, como a física quântica tem demonstrado. Dessa visão
de mundo que provém do Humano-Ser-Ancestral, Silvia Rivera clareia como essas
diferentes ordens emergem fecundamente em suas contradições e abigarramentos,
conceito que expressa as heterogeneidades constitutivas das sociedades andinas. O
conceito-metáfora abigarrado é uma expressão da oratura mineira da região de Oruro na
Bolívia, e compreende o contexto andino como uma formação folheada por
temporalidades diversas e justapostas. Mas é preciso abrir os sentidos humanos para
mergulhar na sensibilidade de transformar nossas relações afetivas em possibilidades
analíticas do mundo abigarrado do pensamento ancestral, que é o ponto de partida da
epistemologia ch’ixi um esforço de superação dos binarismos hegemônicos, esmiuçando
a heterogeneidade que constitui as sociedades (RIVERA, 2018, 17).
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3. Ch’ixi
O ch’ixi surge no horizonte cognitivo da Silvia Rivera para nomear “aquela rara
mistura que somos”. O escultor aymara Víctor Zapana lhe disse em uma oportunidade:
‘ch’ixinakax utxiwa’, é dizer, existem, enfaticamente, as entidades ch’ixi, que são
poderosas porque são indeterminadas, porque não são brancas nem negras, são as duas
coisas ao mesmo tempo. A serpente vem de cima e ao mesmo tempo de baixo; é masculina
e feminina; não pertence ao céu ou à terra, mas habita ambos os espaços, como chuva ou
como um rio subterrâneo, como um raio ou como uma veia da mina. Rivera considera
que nas premissas de uma bússola ética e da igualdade de inteligências e poderes
cognitivos – certamente expressáveis em uma diversidade de línguas e epistemes – poderá
tecer-se talvez uma epistemologia planetária Ch’ixi que nos habilitará em nossas tarefas
comuns como espécie humana, mas ao mesmo tempo vai nos enraizar ainda mais em
nossas comunidades e territórios locais. Esse es o tema central de seu libro: Um mundo
ch’ixi é possível. Ensaios desde um presente em crise (RIVERA, 2018).
Rivera (2018, 79) lembra que em Aymara ch’ixi significa a cor cinza que é
manchada por muitos pontos, uma cor que à distância pode parecer homogênea, mas que
ao aproximar-nos podemos perceber que em sua constituição existem milhares de pontos
negros e brancos. Desde essa metáfora-conceito propõe conceber a mestiçagem como
fusão à distância, mas se olharmos mais de perto poderíamos perceber os pontos (brancos
e indígenas) que constituem conflituosamente esta identidade. Assim, ch’ixi erige-se em
um discurso identitário entre um ser ch’ixi e um fazer ch’ixi que pode atravessar
fronteiras e encarna polos opostos de maneira reverberante no mundo ch’ixi. E que
dialoga profundamente com o Sentipensar a narrativa jornalística a ritmo de misturas,
onde se transforma o EU contemporâneo em um tecido do passado e presente:
No nos sorprenda que allí, en ese mundo rústico, elemental o anfibio (el del hombre-
caimán y el hombre-hicotea) que ha atraído a los antropólogos, se haya configurado tam-
bién el complejo literario de Macondo, hoy de reconocimiento universal. Científicos e
intelectuales del Norte y del Sur convergieron así creadoramente con novelistas y poetas
para abrir surcos nuevos de comprensión del cosmos y retar versiones facilistas y parcia-
les del conocimiento que provienen de la rutina académica o universitaria. Los Macondos,
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junto con los bosques brujos de los yaquis, las selvas de los Mundurucú y los ríos-ana-
conda de los tupis son símbolos de la problemática tercermundista y de la esperanza eu-
roamericana: reúnen lo que queremos preservar y lo que ansiamos renovar. Retan lo que
cada uno cree que piensa de sí mismo y de su entorno. En fin, lo macondiano universal
combate, con sentimiento y corazón, el monopolio arrogante de la interpretación de la
realidad que ha querido hacer la ciencia cartesiana, especialmente en las universidades
(FALS, 2009, 372-373).5
4. Sentipensar
O conceito de Sentipensar e a pesquisa sentipensante foi encontrada pelo
sociólogo Orlando Fals Borda conversando com pescadores de San Martín de la Loba
munícipio da Colômbia, no departamento de Bolívar e situado a 445 quilômetros da
capital departamental, Cartagena de Índias. Ali um camponês falou-lhe das práticas
ancestrais de “pensar com o coração e sentir com a cabeça”. Intimamente relacionado
com este conceito de “o sentipensante” está a ideia que deriva da cultura anfíbia, do
“Humano Hicotea”, que surge dos pescadores do rio São Jorge, e que não inclui apenas
o “sentipensante”, senão implica outra coisa, e é resistir diante dos contratempos da vida,
sabendo superar as dificuldades, pois respeita os tempos e a espera. Ideia utópica que
pode ser pensada nos processos de resiliência social. A hicotea6 tem seus tempos, no
verão ela dorme, e no tempo úmido volta à vida com interesse e energia igual ou maior
que a estação chuvosa anterior; segundo os sujeitos, protagonistas da pesquisa e que são
chamados de humanos-hicotea, dizem que sofrem mas também desfrutam, e ao fazer o
balanço, apesar da pobreza, a alegria vai ganhando, e assim a cultura anfíbia é a síntese
da forma de vida dominante nas culturas ribeirinhas e do Ser Sentipensante que assimila
com uma filosofia de vida simples, as contingências do trabalho e as vivências dos seres
que sentem e pensam com seus sentidos ligados à natureza do rio e suas savanas, e de
suas sociedades comunitárias ancestrais (FALS, 2009).
5
Este texto é uma versão revisada da palestra com que o autor reiniciou suas atividades na universidade,
depois de 20 anos de ausência, tempo no qual procurou e ensaiou formas alternas de obtenção e acumulação
de conhecimentos, hoje sintetizadas pela escola de Pesquisa-Ação-Participativa.
6
A Hicotea ou jicotea é uma tartaruga de orelhas laranjas é uma espécie de tartaruga da família dos emídidos
(Emydidae). Vive nas zonas cenagosas do norte da Colômbia, e o nordeste da Venezuela. De igual maneira
no sul do México, especificamente em Tabasco.
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O conceito-metáfora do Ser-Sentipensante-Hicotea se expressa na cultura anfíbia
com sua carapaça para resistir os abusos e o jugo explorador do capitalismo. A figura do
humano-hicotea é a forma de representar uma vivência popular de resistência, com
profundas raízes históricas na reprodução da conduta coletiva contemporânea. A carapaça
ainda hoje é o sentir nos camponeses do litoral como símbolo da persistência e rebeldia.
Por que não são suficientes as amplas atitudes de adaptação, porém se precisa de uma
blindagem para resolver a dura presença desse capitalismo selvagem (FALS, 1984, 123).
No mundo ribeirinho, Fals exalta o ethos da cultura anfíbia como o eixo da sociedade do
litoral. Da sua descrição, entendimento e análise se desprendem as chaves para
compreender essa complexa sociedade e criar os princípios para a mudança (FALS,
1979).
5. Considerações finais
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A palavra visionário nos vem imediatamente quando pretendemos designar tanto aquele
que conhece o futuro quanto aquele que sonha sonhos impossíveis, tanto aquele que vê
mais e melhor do que nós quanto aquele que nada vê. Mas não perguntamos de onde
nasce nossa crença de que o tempo por vir seria dado ao olhar e a um olhar mais perspicaz
do que o comum (aliás, não costumamos indagar de onde vem essa palavra: perspicaz).
E nos parece muito natural que também os tempos idos possam ser vistos: diante da dor
e da catástrofe, não aconselhamos alguém ou nós mesmos a “não olhar para trás”? Não
cremos apenas que o tempo, futuro ou passado, destina-se à visão. Essa crença reafirma
nossa convicção de que é possível ver o invisível, que o visível está povoado de invisíveis
a ver e que, vidente, é aquele que enxerga no visível sinais invisíveis aos nossos olhos
profanos (CHAUI, 1988,32).
“O pior cego é aquele que não quer ver” disse a sabedoria popular.
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” disse José Saramago no romance Ensaio
sobre a Cegueira.
Contudo, podemos ver as palavras da narrativa jornalística e anfíbia que dança
entre dois mundos?
Dita narrativa possibilita a quinta dimensão do espaço que é o cotidiano e os
caminhos ch’ixi a cotejam como uma possibilidade teórico-metodológica instigante para
o campo dos diálogos. Desse modo, põe em evidência sua centralidade e a labor produtiva
da ordem cósmica indígena. Mas de que modo as narrativas jornalísticas protagonistas
podem contribuir para a construção de novas relações dos sujeitos com os espaços? Fico
pensando nas narrativas ch’ixi como rizomas que navegam os tempos. Como disse Silvia
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Rivera o ch’ixi erige-se em um discurso identitário entre um ser ch’ixi e um fazer ch’ixi
que pode atravessar fronteiras e encarna polos opostos de maneira reverberante no mundo
ch’ixi (RIVERA, 2018, 79).
De toda a produção simbólica da sociedade em que opera, bem como das sociedades
contemporâneas que o cercam, o aprendiz de mediador encontra na oratura – relato da
oralidade popular – e na literatura – registro de seus poetas – a melhor via de
sensibilização e pesquisa. Sua emoção e sua racionalidade expostas a estes grandes
âmbitos de produção simbólica lhe oferecem caminhos de comunhão, ou interação social
criadora. A cultura popular, tomada na expressão de oratura, está à flor da pele na
sociedade e o jornalista tem o privilégio de a ela estar exposto, se levar a sério sua
condição de repórter. O relato cultural vivo permanece disponível, apesar de o povo ter
uma visão bastante crítica do jornalista que não ouve. Por outro lado, o registro literário
é um acervo da intertextualidade cultural e, se procurado pelo jornalista, tem muito a lhe
contar para que compreenda um pouco melhor sua gente. Os cientistas de todas as áreas
confirmam a fertilidade da Arte como fonte de compreensão e conhecimento do mundo
(MEDINA, 1991, 198).
Oratura eloquente, simples, pessoal, que abraça ideias, pois é a ponte entre o velho
e o novo. Além de ligação fonte de conhecimento e filosofia da escuta para viver no tempo
da narração do outro, do diferente, do semelhante, do distante, do próximo, do oponente,
do amigo. Filosofia que é música para nosso pensamento e evocação de uma liberdade
que só pode ser alcançada através da ética jornalística e da prática rigorosa na busca do
outro. O Humano Ser é construído no decorrer desse processo. Nossas vidas são trânsito
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histórico em que há decisões a cada momento, mas a oratura dos instantes é frágil,
perecível, uma grande contradição humana, pois a realidade é um redemoinho de
complexidades. Quando falamos, pensamos, quando escrevemos repensamos,
reavaliamos nossos pensamentos. Contudo, para ouvir é preciso ficar em silêncio, para
ouvir com atenção e compreender em profundidade. Conversando nas profundezas do
íntimo.
Finalmente, poderíamos afirmar que a humanidade se sente mais feliz com a
oratura, esse pensamento que nos ajuda a compreender e construir o Humano-Ser-
Ancestral e o Mundo Ch’ixi.
Referências
CHAUI, Marilena. Janela da alma, espelho do mundo. In: O olhar. Adauto Novaes [et
al.]. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
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Rama, Ángel. Transculturación narrativa en América Latina, México, Siglo XXI Edi-
tores, 1982.
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