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Musicalização on-line para a primeira infância em tempos

de pandemia: reflexões sobre práticas em construção.

Comunicação

Isaac Souza1
Universidade Federal de Minas Gerais
isaac_flauta@yahoo.com.br

Angelita Broock2
Universidade Federal de Minas Gerais
angelbroock@gmail.com

Helena Lopes3
Universidade Federal de Minas Gerais
helopesster@gmail.com

Resumo: No ano de 2020 os educadores, de uma forma geral, tiveram que adaptar o ensino
para ambientes virtuais. O mesmo aconteceu com professores que trabalham diretamente
com Educação Musical Infantil. Portanto, o presente artigo apresenta um recorte de um
estudo elaborado com o objetivo de investigar, mapear, descrever e refletir como tem sido
as práticas de educadores musicais que têm atuado de forma remota ministrando aulas para
crianças até 06 anos de idade em ambientes virtuais, em diferentes contextos de ensino-
aprendizagem. Um survey foi elaborado através de um formulário on-line e ficou disponível
para respostas em julho de 2020. Obtivemos respostas de 91 educadores musicais oriundos
de diferentes regiões brasileiras e que atuavam com educação infantil. Os resultados nos
trouxeram reflexões sobre o formato de ensino virtual para a primeira infância e sua eficácia
enquanto modelo de ensino. Os participantes da pesquisa apresentaram fragilidades neste
novo modo de exercerem sua prática profissional no atual contexto, que passam por
aspectos referentes ao uso e domínio das tecnologias, pelo planejamento das aulas para os
ambientes virtuais, pela dimensão relacional via telas com crianças e famílias e ainda pelas
questões objetivas e subjetivas que as crianças apresentam a partir de suas vivências no
atual contexto.
Palavras-chave: Educação musical, Musicalização infantil, Ensino Remoto, Aulas on-
line.


1
Mestrando do curso de Educação Musical da UFMG
2
Professora da Escola de Música da UFMG
3
Professora da Escola de Música da UFMG

XII Encontro Regional Sudeste da Associação Brasileira de Educação Musical
A Educação Musical Brasileira e a construção de um outro mundo:
proposições e ações a partir dos 30 anos de lutas, conquistas e problematizações da ABEM
09 a 20 de novembro de 2020

Introdução

Desde março de 2020, com a chegada da Pandemia de COVID-19 no Brasil e


consequente recomendação da suspensão de todas as atividades presenciais não essenciais
e com potencial de aglomeração de pessoas, diversos segmentos tiveram que interromper
suas atividades de forma abrupta, incluindo a educação e o ensino de modo geral. Vimos
escolas públicas e privadas serem fechadas, faculdades e cursos de diversas áreas do
conhecimento interrompendo suas atividades. Tornou-se necessário, portanto, reinventar os
modos de trabalho e mediante a impossibilidade de contato social, as tecnologias virtuais
foram incorporadas em práticas laborais nas quais esse uso não era anteriormente
necessário, ou usual. Novos ambientes de ensino-aprendizagem foram criados a partir da
necessidade de continuidade do trabalho educacional formal e informal, através do uso de
tecnologias digitais e de comunicação.

Afetados por este contexto e instigados por questões dele provenientes no que se
refere às aulas de musicalização infantil on-line para a primeira infância, decidimos
investigar práticas de educadores musicais brasileiros que, na atual conjuntura da pandemia
de COVID-19, trabalham com musicalização infantil na primeira infância em diferentes
contextos de forma remota, no modo on-line.

No intuito de compreender o panorama atual das aulas de musicalização infantil que


estão sendo ministradas por diferentes educadores musicais em várias localidades do Brasil,
empreendemos uma pesquisa Survey intitulada “Aulas de música para a primeira infância
em tempos de isolamento social”.

Para uma análise dos resultados apresentados no Survey, buscamos referenciais


teóricos ou pesquisas realizadas sobre aulas de musicalização para a primeira infância no
modo on-line, as quais não foram encontradas por se tratar de uma prática muito recente
em decorrência do isolamento social ocasionado pela pandemia de COVID-19. Deduzimos,
portanto, que as pesquisas e registros devam estar acontecendo concomitantemente à
experiência vivida pelos educadores no presente momento, constituindo-se, assim, em um
território novo de investigação. Nesse sentido, este trabalho propõe-se a contribuir para a
temática.

Educação, Ensino e Virtualidade

Educação a Distância (EAD)

Conforme Costa (2017), no Brasil, a Educação à Distância (EAD) considera o percurso


de difusão do conhecimento formativo a partir da primeira década do século XX, por meio
da utilização dos suportes radiofônicos e comunicação textual via correspondência,
passando pelas tele aulas e videoaulas transmitidas pela televisão, culminando com o uso de


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tecnologias mais recentes, nas quais a tecnologia de informação perpassa computadores,


sistemas e aplicativos amplamente utilizados4.

O autor conceitua e analisa:

Educação a distância é entendida como modalidade de educação mediada


pelas tecnologias de informação e comunicação, a fim de proporcionar a
interação entre professor e estudante; que passou por momentos
históricos, desde cursos por correspondência até os nossos dias atuais, por
meio de cursos que usam a internet; e que hoje, no Brasil, tal modalidade
está largamente amparada em legislação específica. (COSTA, 2017, p.59)

A temática da EAD no campo da Educação Musical tem sido discutida por muitos
pesquisadores como destaca RIBEIRO (2013):

Essa modalidade de ensino tem despertado o interesse dos pesquisadores,


inclusive daqueles ligados à área de educação musical (Baker,2012; Borne,
2011; Braga,2009; Cajazeira,2004; Dammers,2009; Gohn,2009; Henderson
Filho,2007; Kangasluoma,2010; Krüger, 2010; Oliveira,2012; Ribeiro,2013;
Souza,2002; Viana Júnior, 2010; Westerman,2010).(p.36).

Na literatura é possível encontrar ainda pesquisas de programas informais de serviço


on-line de ensino de música, como o Cifra Club, site brasileiro que oferece aulas de
instrumento e canto através de vídeos gravados e em aulas síncronas5, conforme descreve
RIBEIRO (2013). Contudo, ainda não foram localizados registros sobre a experiência de
musicalização infantil para a primeira infância em modo on-line.

O decreto nº 5.622 de 2005 que regulamenta a educação à distância no Brasil exclui a


educação infantil de seu escopo, bem como os cursos livres. Define metodologia, gestão e
avaliações próprias e regulamentadas, o que, descarta, portanto, aulas de musicalização
infantil para a primeira infância dessa categoria de ensino. Assim sendo, como classificar e
descrever as aulas de musicalização para a primeira infância ministradas em modo online, no
atual contexto da Pandemia de COVID-19?

Ensino Remoto Emergencial (ERE)

Behar (2020) apresenta em seu artigo a diferença entre Educação a distância (EAD) e
Ensino Remoto Emergencial (ERE), conceituando este último como:

(...) uma modalidade de ensino que pressupõe o distanciamento geográfico


de professores e alunos e foi adotada de forma temporária nos diferentes
níveis de ensino por instituições educacionais do mundo inteiro para que as
atividades escolares não sejam interrompidas. (BEHAR, 2020, p.01).


4 Um marco importante para a conceituação e normatização da EAD foi o Decreto nº 5.622 de 2005, que
estabelece os parâmetros legais e conceituais desta modalidade de ensino.
5
Nas aulas síncronas os alunos assistem às aulas no momento exato em que ela está acontecendo.

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A autora afirma ainda que diante da abrupta interrupção das aulas presenciais,
docentes se viram diante do desafio de construírem competências digitais, adaptarem às
aulas, aplicando estratégias pedagógicas on-line. Apesar de se referir ao contexto escolar, as
características dessa modalidade de ensino são perfeitamente aplicáveis em contextos de
ensino informal, e por não apresentar nenhuma restrição à educação infantil, é
perfeitamente extensível ao contexto de musicalização para a primeira infância em formato
on-line.

Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA)

Na atualidade, o termo Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) tem sido utilizado


com frequência por educadores, profissionais de comunicação e de tecnologia como um
mecanismo capaz de auxiliar no processo de ensino-aprendizagem mediado por tecnologias
de informação. Sobre isso, Behar, Leite e Santos (2005, p. 2 apud ZONANI e BOCCARO, 2008)
apresentam algumas reflexões sobre o ambiente virtual de aprendizagem (AVA) e o definem
como um espaço na Internet formado pelos sujeitos, suas interações e as formas de
comunicação que se estabelecem através de uma plataforma de software (infraestrutura
tecnológica composta pelas funcionalidades e interface gráfica), tendo como foco principal a
aprendizagem.

Uma outra definição encontrada é a de Bastos e Mazzardo (2004) que apresentam o


termo ambiente virtual de ensino-aprendizagem (AVEA). Neste conceito destaca-se e
valoriza-se o papel que o professor desempenha no processo de planejamento e
implementação das atividades didáticas que acontecem nestes ambientes.

Muitos educadores musicais têm utilizado as salas de aplicativos e plataformas


digitais como Teams, Zoom, Google Meet, House Party e outros, para ministrarem suas aulas
de forma síncrona. Silva (2003) conceitua a sala virtual como um espaço on-line, que
possibilita aos usuários maior comunicação com os colegas de turma, com o professor, com
os conteúdos e atividades disponibilizadas. Portanto, essas salas virtuais quando utilizadas
com a finalidade de realização de aulas e outras atividades de caráter formativo, tornam-se
ambientes virtuais de aprendizagem. Sendo assim, a partir dos conceitos supracitados, é
possível inferir que os educadores musicais que ministram aulas de musicalização para a
primeira infância na modalidade de ensino remoto emergencial, viabilizam tal processo
através da criação de ambientes virtuais de aprendizagem.

Reflexões sobre Musicalização Infantil

Muitos professores que atuam com musicalização infantil tiveram que reinventar
suas práticas docentes para o contexto da virtualidade neste tempo de pandemia. Este tem
sido um grande desafio para os educadores em todos os níveis de ensino e aprendizagem, e
consideramos um desafio ainda maior para aqueles que trabalham com música na primeira
infância, dadas as limitações que este modelo oferece e a necessidade de interações
humanas para esta faixa etária. Segundo Brito (2003), as interações permitem que os bebês

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e crianças pequenas se comuniquem através dos sons, favorecendo assim seu


desenvolvimento cognitivo e afetivo e a criação de vínculos entre as crianças, os adultos e a
música.

A musicalização pode ser entendida como um processo de educação musical, que


começa espontaneamente e de forma intuitiva por meio de contatos com sons cotidianos,
incluindo sons musicais (BRITO, 2003). Violeta Gainza (1988) nos diz que musicalizar é
“tornar um indivíduo sensível e receptivo ao fenômeno sonoro” (p.101) incluindo o vínculo
afetivo como parte desse processo musicalizador, capaz de romper barreiras e abrir canais
de expressão e comunicação.

Maura Penna (2010) diz que a sensibilidade musical pode ser adquirida e construída
num processo em que as potencialidades dos indivíduos são trabalhadas e preparadas para
reagir ao estímulo musical, muitas vezes de forma não consciente. Para a autora:

Musicalizar é desenvolver os instrumentos de percepção necessários para


que o indivíduo possa ser sensível à música, apreendê-la, recebendo o
material sonoro/musical como significativo. Pois nada é significativo no
vazio, mas apenas quando relacionado e articulado ao quadro de
experiências acumuladas, quando compatível com os esquemas de
percepção desenvolvidos. (PENNA, 2010, p. 33)

O termo musicalização infantil é definido por Tiago Madalozzo (2019) como “um
processo em que, com a sensibilização sonora, a criança passa a atribuir sentido aos
conceitos musicais a partir de uma série de práticas ativas em que se envolve de maneira(s)
significativa(s)” (p. 100). O autor completa ainda que a criança passa a atribuir sentido
musical a partir de suas experiências de forma duplamente significativa, incluindo tanto o
entendimento das características técnicas musicais (conceitos) quanto a sua experiência
pessoal em relação à música.

No Referencial Curricular para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), a musicalização é


entendida como uma abordagem específica de Educação Musical, e acontece por meio de
canções, jogos, danças, exercícios de movimento, relaxamento, prática instrumental,
improvisação e audição, noções básicas de ritmo e melodia que quando apresentados à
criança se reportam ao universo lúdico da infância (BRASIL;1998, v.3, p.45-79).

Percebemos assim que através de uma prática musical ativa (formal ou informal) as
crianças se tornam sensíveis e receptíveis ao fenômeno sonoro, atribuindo sentidos tanto
musicais quanto pessoais, incluindo sua relação com o outro neste processo. Tanto no
contexto da escola regular quanto em cursos livres, nas aulas de musicalização infantil essa
relação se dá entre a música, a criança, o professor e o cuidador. Neste contexto de aulas
virtuais, os cuidadores têm exercido também o papel de mediadores entre a criança, o
professor e a música, o que torna este trabalho ainda mais desafiador, visto que na muitas
vezes esse cuidador não é musicalizado. Salientamos, portanto, a importância do educador
com formação musical neste processo de musicalização, a fim de garantir que os objetivos

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musicais sejam contemplados nas aulas virtuais (e nas presenciais), de forma que os
cuidadores possam se envolver e se engajar nas atividades propostas, contribuindo assim
para o desenvolvimento musical dos pequenos.

Musicalização e Lazer: aproximações de uma experiência em tempos de


pandemia

Para além dos aspectos específicos da musicalização infantil no que concerne à


transmissão de conhecimentos musicais em uma prática educativa, que engloba os
processos de planejamento, criação, improvisação e apreciação, um aspecto muito relevante
é a dimensão da ludicidade evidente nesse processo, tônica fortemente presente nos relatos
da pesquisa cujos resultados foram apresentados parcialmente neste artigo. Brito (2003)
reconhece em sua vasta experiência que a criança é um ser brincante e que por meio da
brincadeira se relaciona com o mundo e faz música.

É possível, então, construir um raciocínio que converge para um conceito que se


torna o ponto de partida para se pensar a musicalização infantil de forma mais ampliada e
por consequência, impactar nas ações de educadores musicais e na experiência das crianças.
Este conceito é o de Lazer, e, conforme afirma Gomes (2004) ele é uma dimensão da cultura
socialmente construída e compreende a vivência de inúmeras práticas culturais, tais como o
jogo, a brincadeira, as diferentes linguagens artísticas.

Aqui cabe um outro ponto de suma importância: a ludicidade é uma expressão


humana que não se restringe à infância. Portanto, ela deve pautar a vivência do educador
musical, que, logo, deve se dar de forma brincante, o que não significa em absoluto voltar a
ser criança, e sim, estabelecer com a criança uma comunicação cuja linguagem dialógica seja
o brincar. Nesse sentido, Pereira (2009) afirma que

A partir do momento em que uso o brincar como simples ferramenta de


ensino, eu privo a criança do exercício de reelaborar uma dada realidade e
dar novos significados às coisas em sua volta. Porém, se entendo o brincar
como uma possibilidade de expressão, reconhecendo-o como cultura, como
forma do ser humano de tornar-se presente no mundo com sua
peculiaridade de indivíduo e de integrante de um grupo social, há uma
chance de o brincar se instalar como uma das ações de formação de
identidade da criança e, aí sim, exercer um papel importante na
aprendizagem (PEREIRA, 2009, p. 26).

Assim sendo, o reconhecimento do brincar como dimensão da cultura, de efeito


estruturante identitário, como expressão humana, possibilita uma experiência de
aprendizagem muito mais profunda do que a utilização do brincar como ferramenta de
ensino. E considerar o brincar pelo lugar da cultura é reconhecê-lo como uma experiência de
lazer. E reconhecer a dimensão lúdica como essencial para a práxis da musicalização infantil
também é aquiescer que o lazer também é seu atributo. Portanto, é possível deduzir que a
musicalização infantil apresenta o abocamento de duas dimensões, a saber: a pedagógica e a

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do lazer.

Aulas de Música para a Primeira Infância em tempos de isolamento social

A pesquisa em andamento relatada neste trabalho surgiu a partir da necessidade da


reestruturação das aulas de musicalização do projeto de extensão universitária do Centro de
Musicalização Integrado da UFMG, que é coordenado pela Profa. Angelita Broock. As aulas
do projeto acontecem de forma presencial e tivera que ser adaptadas para o ensino remoto
emergencial. Este projeto atende a comunidade belo-horizontina e região e as aulas são
ministradas por estagiários, que são estudantes do curso de Música da Universidade e
supervisionados por professores desta instituição. Além disso, esse survey veio ao encontro
do tema de pesquisa de mestrado do Isaac Souza, que tem o intuito de analisar práticas de
educadores musicais que ministram aulas de forma virtual para grupos de crianças
pequenas.

Portanto, o objetivo deste estudo foi investigar, mapear, descrever e refletir como
tem sido as práticas de educadores musicais que têm atuado de forma remota ministrando
aulas para crianças até 06 anos de idade em ambientes virtuais, em diferentes contextos de
ensino-aprendizagem.

Metodologia

Para a coleta de dados deste estudo, foi elaborado um survey através de um


questionário semiaberto com 40 questões, organizado em cinco sessões:

- Informações gerais (nome, e-mail, cidade/estado, formação, tempo de atuação e


contextos);

- Ensino Remoto para a Primeira Infância: questões técnicas e organização;

- Ensino Remoto para a Primeira Infância: questões didáticas;

- Percepção do educador sobre as aulas no formato de ensino emergencial a


distância;

- Considerações finais (questões abertas).

O questionário foi elaborado pelo Google Forms6, e o link de acesso foi divulgado
através de e-mails, publicações nas redes sociais e disponibilizado para respostas durante o
mês de julho de 2020. A participação foi voluntária e os respondentes poderiam se abster de
responder qualquer questão.


6
Formulário online e gratuito, que pode ser criado a partir de uma conta de e-mail do Google.
https://www.google.com/forms/about/ (acesso em 03/09/2020)

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Resultados e análise

Tivemos a participação de 101 respondentes, sendo que, destes, 10 não atuavam


com Música na Primeira Infância e não prosseguiram com o preenchimento do questionário,
restando então as respostas de 91 educadores musicais oriundos de diferentes regiões do
Brasil, conforme listado a seguir: Sudeste: 42 participantes; Sul: 17 participantes; Nordeste:
16 participantes; Centro-Oeste: 7 participantes; DF: 7 participantes; Norte: 1 participante.
Além disso, tivemos a participação de um profissional residente em Portugal.

Sobre a formação profissional dos participantes, 66,7% possuíam licenciatura em


música, 11,9% possuíam bacharelado em música, 11,82 % estavam cursando a licenciatura
em música, apresentavam alguma formação técnica na área da música ou cursos de pós
graduação em música e 9,58 % apresentavam formações diversas, a saber: fisioterapia,
pedagogia, teatro e palhaçaria e musicoterapia. Sobre o tempo de experiência profissional
como professor de musicalização infantil, 70,6% possuíam entre 5 e 10 anos de experiência.
Apesar da maioria dos participantes ter formação acadêmica ou técnica em música, quando
perguntados sobre os conteúdos musicais e extramusicais desenvolvidos nas aulas, cerca de
44% dos participantes listaram entre os conteúdos musicais muitos conteúdos
extramusicais, mesmo tendo um campo específico para que esses fossem listados. Tal
ocorrência pode apontar para uma falta de clareza e compreensão de conceitos
fundamentais da Educação Musical, e, por consequência, uma fragilidade na formação
desses profissionais.

No que concerne às aulas de musicalização infantil de forma remota, 89,5% dos


participantes estavam atuando nessa modalidade de ensino. A predominância de atuação no
contexto escolar foi significativa (64%), seguida das aulas ministradas vinculadas às escolas
de música (36%). Outros contextos apareceram na pesquisa através das aulas ministradas
para grupos particulares (25%), casas de brincar (12%), projetos de extensão universitária
(10%), dentre outros. Salientamos que muitos educadores musicais estavam atuando em
mais de um contexto de ensino e assinaram mais de uma resposta a essa pergunta.

Sobre os dispositivos tecnológicos utilizados para a realização das aulas de


musicalização de forma remota, o aparelho celular e o notebook apareceram como os
dispositivos mais utilizados pelos profissionais, seguidos do tablet. Dentre as plataformas e
os aplicativos mais utilizados, destacaram-se Zoom, Google Meet, Whatsapp, Skype e Teams
e o acesso à internet para 90,5% desses profissionais se dava por banda larga. Outro ponto
importante a destacar é que 95,3% dos participantes da pesquisa produziam vídeos para as
aulas e o uso dos aparelhos para a captação de vídeo, o processo de edição dos vídeos e a
falta de espaço físico e condições adequadas para as filmagens foram elencados como os
principais fatores dificultadores desse processo. Percebemos aqui um ponto frágil no que diz
respeito ao domínio do uso de aplicativos e plataformas, o que por consequência, limita a
efetiva construção de um ambiente virtual de aprendizagem, visto que ter domínio dessas
ferramentas é fundamental para uma melhor qualidade das interações e para a transmissão
dos conteúdos. Nesse contexto, o foco do educador, muitas vezes, deixa de ser o processo
de aprendizagem e a tentativa de dominar as ferramentas tecnológicas passa a ser o foco da

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sua atenção. Não por acaso a dificuldade na utilização das ferramentas tecnológicas foi
elencada como um dos principais obstáculos na realização das aulas on-line. Por sua vez, as
limitações na produção dos vídeos, seja no manuseio de equipamentos, na edição ou na
ambiência, podem comprometer a qualidade do material audiovisual e por consequência,
colocar em risco o interesse das crianças para as quais ele será destinado.

No que diz respeito às aulas de musicalização propriamente ditas, alguns aspectos


foram destacados. O tempo de duração das aulas ministradas pelos participantes era
variado, com duração de 20 a 30 minutos (68,3%), de 40 a 50 minutos (26,8%) e de 60
minutos (4,9%). Muitos participantes reduziram o tempo de suas aulas em ambiente virtual
por considerarem inviável a manutenção da mesma duração da aula presencial e por
entenderem que a aula online constitui uma outra experiência, que interfere na qualidade
do contato, das interações, que limita as expressões das corporeidades das crianças, tão
necessárias em seus processos de aprendizagem. A participação dos pais ou de algum
cuidador era solicitada por 85 % dos respondentes, o que não foi suficiente para aumentar o
engajamento das crianças e famílias. As aulas de musicalização eram ministradas conforme
descrição a seguir: síncrona e assíncrona (chamadas ao vivo e vídeos gravados): 57,2%;
apenas assíncrona (com vídeos gravados anteriormente): 28,6 % e apenas síncrona (por
chamada de vídeo ao vivo): 13,1 %. Com tantas variáveis, que passam pelas questões
relacionais, pela corporeidade7 das crianças e o uso do corpo nas aulas de musicalização
online muito restrito à experiência visual e auditiva para o estabelecimento do contato via
tela, é compreensível que aconteçam alterações no nível de engajamento das crianças.
Atenção, concentração e vínculo ficam comprometidos nessa experiência, e, por
consequência, o aprendizado musical. Diante desse cenário, os participantes da pesquisa
destacaram como ponto de dificuldade o planejamento das aulas para o ambiente virtual,
visto que, diante de tantas variáveis, torna-se praticamente impossível a simples
transposição do mesmo planejamento de uma aula presencial para uma aula on-line.

Diante do acima exposto, é compreensível que cerca de 85 % dos participantes


consideraram ineficaz ou parcialmente eficaz o modelo de ensino remoto de música para a
primeira infância e que 91,8% dos participantes não pretendem continuar com este formato
de aulas após o retorno das aulas presenciais. Contudo, apesar de não ser o modelo mais
eficaz, ficou claro na pesquisa sua validade no que se refere à manutenção dos vínculos das
crianças com as instituições às quais estão inseridas (Escolas, Casas de Brincar, Escolas de
Música), com os pares (colegas de escola e aulas em grupo), com os professores e com a
experiência musical, que, traz nova dinâmica em um cotidiano marcado pela impossibilidade
de circulação social e experiências externas de socialização. Muitos participantes destacaram
ainda, a importância do caráter lúdico como forma de conexão e aproximação da criança e
favorecimento da sua expressividade.


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Corporeidade diz respeito à maneira como o cérebro utiliza o corpo para os processos de aprendizagem e de
relação com o mundo.

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Reflexões e considerações finais

Diante de um contexto tão adverso ocasionado por uma Pandemia que impôs
repentinamente o isolamento social como medida sanitária imediata e consequente
interrupção da rotina de atividades presenciais escolares, com o convívio social, com amigos,
familiares, com os ambientes comunitários e itinerários das famílias pela cidade,
encontramo-nos diante de crianças diretamente afetadas por tudo isso e que tiveram suas
rotinas totalmente modificadas.

Os participantes da pesquisa apresentaram fragilidades neste novo modo de


exercerem sua prática profissional no atual contexto, que passam por aspectos referentes ao
uso e domínio das tecnologias, pelo planejamento das aulas para os ambientes virtuais, pela
dimensão relacional via telas com crianças e famílias e ainda pelas questões objetivas e
subjetivas que as crianças apresentam a partir de suas vivências no atual contexto. Esses
profissionais questionaram a eficácia do ensino remoto de música para a primeira infância.
Porém, passaram a integrar uma delicada rede de afetos e socialização das crianças.
Entenderam, com muita sensibilidade, que neste momento, ocupam prioritariamente um
outro lugar na vida das crianças, muito mais ligado ao vínculo, à socialização, à experiência
de lazer do que propriamente a uma experiência de cunho pedagógico. E como a
musicalização infantil apresenta em sua natureza o abocamento das dimensões pedagógica
e do lazer, é possível e compreensível que entre elas, de forma orgânica, aconteça uma
movimentação de relevância de uma ou de outra, conforme o contexto.

A partir da pergunta que fizemos aos participantes da pesquisa sobre seus


aprendizados neste período de isolamento social diante de suas novas práticas, foi possível
constatar que essa experiência tem proporcionado a eles muitas reflexões. Categorizamos
suas respostas em aprendizados sobre vínculos e afetos, sobre os desafios em se lidar com
as tecnologias, sobre reinventar suas práticas profissionais, sobre resiliência, sobre
valorização da vida, da arte e do contato social e sobre autoconhecimento.

Outra questão aberta que trouxe dados muito reflexivos dos professores foi em
relação à opinião dos que os educadores sobre o que as crianças mais precisam neste
momento de isolamento social. As respostas trouxeram reflexões sobre a necessidade do
estreitamento de vínculos e afeto. Trouxeram também a necessidade de as crianças serem
ouvidas com respeito, acolhimento empatia. Constatamos, portanto, que para além de
identificar novas práticas profissionais sustentadas por recursos tecnológicos, inclusive, que
muitos têm dificuldade em dominar, nesta nova prática a tecnologia da empatia, dos afetos,
faz-se mais necessária para que crianças, famílias e educadores musicais possam atravessar
estes tempos desafiadores com um pouco mais de leveza.

Entendemos que este formato de ensino impõe muitas limitações no processo de


ensino e aprendizagem de música na educação infantil. Mas também entendemos que por
termos a possibilidade do uso das tecnologias, o ensino musical tem estado presente no
cotidiano de muitas famílias e proporcionado momentos de aprendizagem com alegria e
descontração. Inicialmente esse formato tem sido muito desafiador para muitos professores,
mas ao mesmo tempo é possível perceber, tanto na prática como nas respostas dos

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participantes desse estudo, que esses mesmos professores têm atuado com muita
criatividade, motivação e superação, e que os resultados têm sido surpreendentes.

Este estudo tem implicações diretas para a Educação Musical, pois contribui com
reflexões para a prática atual em um formato de ensino que até então não era utilizado nas
aulas de musicalização infantil. Este estudo ainda está em andamento, logo, um estudo mais
aprofundado dos dados obtidos neste survey, uma análise qualitativa das aulas e um estudo
sobre como essa educação musical tem sido recebida pelas crianças e pelas famílias, poderá
contribuir ainda mais para o aprimoramento dessa prática de ensino.


Referências

ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini. Educação a distância na internet: abordagens e
contribuições dos ambientes digitais de aprendizagem. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29,
n.2, p. 327-340, jul./dez. 2003. Disponível em:
<https://www.scielo.br/pdf/ep/v29n2/a10v29n2.pdf>. Acesso em 15/08/2020.

ALVES, Lynn. Um olhar pedagógico das interfaces do Moodle. In: OKADA, Alexandra;
BARROS, Daniela; ALVES, Lynn (Org.). Moodle estratégias pedagógicas e estudos de caso.
Salvador: EDUNEB, 2009, p. 187-201.

BASTOS, Fábio; MAZZARDO, Mara Denise. Investigando as Potencialidades dos Ambientes
Virtuais de Ensino Aprendizagem na Formação Continuada de Professores. Revista Renote:
Novas Tecnologias na Educação. Porto Alegre: CINTED UFRGS. v2. n2, 2004

BEHAR, Patrícia Alejandra. Artigo: O Ensino Remoto Emergencial e a Educação a Distância,
06/07/2020. Disponível em: < https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/artigo-o-ensino-
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