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WBA0506_V1.

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Análise de Cenários Econômicos
Análise de Cenários Econômicos
Autoria: Roberto Resende Simiqueli
Como citar este documento: SIMIQUELI, Roberto. Análise de Cenários Econômicos. Valinhos: 2017.

Sumário
Apresentação da Disciplina 03
Unidade 1: Os fundamentos da análise macroeconômica 05
Unidade 2: O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira 37
Unidade 3: As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações 69
Unidade 4: Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia 98
Unidade 5: Concorrência: fundamentos e estruturas 129
Unidade 6: A Concorrência em Perspectiva Estratégica 153
Unidade 7: Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90 179
Unidade 8: Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000 206

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Apresentação da Disciplina

Nesta disciplina apresentaremos os fun- reflexão às transformações constantes dos


damentos teóricos e metodológicos para mercados nacionais e internacionais. Assim,
a análise da conjuntura econômica nacio- é fundamental que você se mantenha atual-
nal e internacional, dedicando especial izado sobre os rumos da economia brasile-
atenção aos agregados macroeconômicos ira e suas relações com os mercados inter-
e a seu comportamento, ao impacto de de- nacionais. Diferentes posições dos agentes
cisões governamentais sobre os mercados governamentais, mudanças em ministérios
e à dinâmica da concorrência entre as em- chave, representação de diferentes setores
presas em um determinado setor. Num se- na Câmara e no Senado, mudanças na con-
gundo momento, estudaremos brevemente juntura política internacional, a atenção da
a evolução recente da economia brasileira e imprensa a determinadas figuras do execu-
internacional, aplicando o que aprendemos tivo ou do judiciário – todos estes elemen-
nas primeiras unidades para construir uma tos podem contribuir para a performance
análise do cenário econômico atual. de uma dada economia, ou comprometer o
A Análise de Cenários Econômicos envolve ritmo de crescimento econômico dos anos
não só o conhecimento aprofundado dos anteriores. Com as ferramentas teóricas
fundamentos da reflexão macroeconômica proporcionadas por esta disciplina e um
e microeconômica, mas a aplicação desta conjunto confiável e abrangente de fontes

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de informação, esperamos que você possa
analisar em detalhe as transformações da
nossa economia.

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Unidade 1
Os fundamentos da análise macroeconômica

Objetivos

1. O objetivo desta unidade é apresentar


fundamentos da análise macroeco-
nômica, destaque para: os agregados
macroeconômicos e as relações esta-
belecidas entre eles; os condicionan-
tes do equilíbrio no mercado de bens;
a relação entre a renda, a produção,
e as formas de gasto autônomo; e a
operação do multiplicador keynesia-
no.

5
Introdução

Nossos estudos em Análise de Cenários essa realidade a partir de óticas bastante


Econômicos começam por uma pequena, distintas.
porém importante, definição – a perspecti-
va a partir da qual observamos a economia.
Qualquer investigação sobre a performan-
Link
ce econômica recente (ou mesmo passa- Para uma bem-humorada introdução à histó-
da) parte desse mesmo ponto. Então, nos ria do pensamento econômico e a algumas de
questionaremos: Qual escopo adotaremos? suas principais tradições intelectuais e proble-
Quais as nossas unidades de análise? Quais mas teóricos, veja 60 Second Adventures in Eco-
as informações relevantes? E, finalmente, o nomics (combined).
que pretendemos adotando essa perspecti-
va em particular?
No caso da economia, essas observações
1. Famílias, empresas, mercados,
sobre escopo, unidades de análise e pers-
pectiva são ainda mais importantes do que
setores e nações
o usual. Não se trata apenas da dicotomia
Você deve acompanhar a cobertura jorna-
entre enxergar as árvores, mas não a flo-
lística sobre a performance da economia
resta, ou vice-versa, mas de observarmos
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brasileira. Provavelmente também lê sobre Como você pode imaginar, a microecono-
os investimentos em infraestrutura e os in- mia se preocupa com as dinâmicas micro,
dicadores econômicos da sua região. E cer- ou seja, o comportamento dos agentes eco-
tamente tem informações sobre a conjun- nômicos, das menores unidades de análise
tura econômica internacional. O próximo possíveis, em situações de concorrência. A
passo é desconstruir um argumento recor- abordagem microeconômica é comumen-
rente, defendido por muitos jornalistas eco- te empregada para analisar as escolhas dos
nômicos: o de que a economia de um país consumidores entre dois produtos concor-
pode ser analisada a partir de metáforas rentes, a interação entre empresas rivais
com o orçamento familiar ou com as contas num dado mercado, a precificação de di-
de uma empresa. ferentes produtos, situações específicas de
Essa desconstrução passa pela revisão das concorrência e as circunstâncias em que
bases da reflexão e do debate econômico. uma empresa continua ou interrompe suas
Em economia, partimos de uma distinção atividades. Logo, a microeconomia se ocu-
fundamental entre dois grandes campos pa de consumidores e firmas, da demanda
de estudo: a macroeconomia e a microe- desses consumidores, calcada em suas ne-
conomia. cessidades e em seu orçamento, e da oferta
de produtos pelas firmas, a partir de consi-

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derações sobre preços, custos e estruturas anteriormente, é de escopo – a macroeco-
de mercado. nomia não se preocupa com estes objetos,
A macroeconomia parte de outro universo mas não os ignora completamente. Apenas
de categorias e preocupações. Parte de uma parte de outras unidades de análise, traba-
perspectiva fundamentalmente macroscó- lhando com um conjunto de informações
pica: para a análise macroeconômica, pou- relevantes diverso do empregado pelos
co importa a decisão do consumidor entre microeconomistas, com intenções radical-
uma ou outra marca de margarina. Isso quer mente distintas.
dizer que esses consumidores não existem O objeto central da macroeconomia é a per-
para os economistas especializados nesse formance da economia nacional e interna-
campo? Seriam preços, custos de produção, cional, medida a partir do comportamento
oferta, demanda e escolhas individuais in- de um conjunto de agregados macroeconô-
significantes para os macroeconomistas? micos. Você certamente já ouviu falar deles
Então todo o referencial adotado pela mi- – são as informações cruciais para que com-
croeconomia é invalidado nas investiga- preendamos a situação econômica global e
ções macroeconômicas? A resposta a esses o posicionamento das diferentes economias
questionamentos é não, de forma alguma. A nos mercados internacionais.
diferença fundamental, como enfatizamos
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Um primeiro agregado é o produto interno de câmbio e pelo balanço de pagamentos
bruto (PIB), indicativo de tudo que é produ- (um resumo de todas as transações entre a
zido numa dada economia. Esse produto é economia nacional e o resto do mundo), e
resultado do investimento nos diferentes pelo mercado financeiro, estrutura funda-
setores, que garante níveis específicos de mental na determinação da taxa de juros e,
emprego e desemprego. O emprego de tra- por consequência, do investimento.
balhadores e de capital (remunerados, res-
A macroeconomia parte dessas grandes
pectivamente, por salários e juros) é recom-
unidades de análise e desses conjuntos de
pensado com o pagamento da renda, que,
informações para atender a finalidades dis-
por sua vez, corresponde ao consumo. Nem
tintas da microeconomia: a intervenção so-
tudo que é recebido como renda é consu-
bre a economia nacional a partir da política
mido, de modo que algumas camadas da
econômica. Essa intervenção pode atender
sociedade acumulam rendas passadas e
a uma multiplicidade de objetivos específi-
constituem uma poupança para necessida-
cos – a manutenção da estabilidade de pre-
des futuras ou para que possam dela aufe-
ços, popularizada no discurso econômico
rir rendimentos financeiros. Essa dinâmica
brasileiro como o “combate à inflação”; o
é complicada pela relação dessa economia
crescimento e desenvolvimento econômi-
com o mercado externo, pautada pela taxa
co, entendido como a elevação gradual do
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PIB com diversificação das atividades realizadas na economia nacional; o combate ao desempre-
go, que comprometeria a situação econômica como um todo, se em nível elevado; e a distribui-
ção de renda, seja por considerações de justiça redistributiva (i.e., o entendimento de que todas
as pessoas que vivem e trabalham nessa economia teriam direito a um patamar digno de renda),
seja pela sua importância para a performance dessa economia.

Para saber mais


A reflexão em macroeconomia é marcada, historicamente, pelas contribuições de John Maynard Ke-
ynes, importante economista britânico e autor da Teoria Geral do Juro, do Emprego e da Moeda. Ainda
que alguns dos economistas anteriores a Keynes se preocupassem com os ciclos de crescimento e
estagnação de uma dada economia e com as condições para que as sociedades alcançassem patama-
res mais elevados de produção e bem-estar material, esse autor é o primeiro a sistematizar a reflexão
macroeconômica em uma teoria abrangente, voltada para a intervenção sobre a economia por meio de
orientações políticas claras.

De forma análoga, enquanto a microeconomia oferece ferramentas para a tomada de decisões


por firmas e agentes individuais, a macroeconomia se pauta por proporcionar um vasto leque de
opções a agentes governamentais: prefeitos, governadores, ministros, secretários, presidentes.
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Por outro lado, seu estudo garante aos empresários (ou aos membros de uma dada organização
empenhados no planejamento econômico e/ou financeiro) condições de prever os desdobra-
mentos prováveis de decisões de política econômica, podendo desenhar melhores respostas às
mudanças no cenário macroeconômico.

Link
Além de recomendarmos a leitura da Teoria Geral, um dos textos fundamentais em economia, sugerimos
a introdução feita por Jorge Miguel Cardoso Ribeiro de Jesus, em A Economia de John Maynard Keynes: uma
pequena introdução.

Agora talvez esteja um pouco mais claro o porquê de afirmarmos que a economia nacional é algo
vastamente diferente do orçamento familiar ou das contas de uma empresa. Tratamos, em cada
caso, de diferentes unidades de análise, recorrendo a diferentes informações, e atendendo a di-
ferentes finalidades. Mas como essas unidades interagem? Qual o peso e a importância dessas
informações? Quais as consequências esperadas de diferentes escolhas de política econômica?
É disso que trataremos ao longo desta seção.

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2. Produto, Consumo e Renda e comércio/serviços). Logo, representa (1)
a articulação constante de fatores de pro-
Essa breve introdução serviu ao propósito dução na criação de novas mercadorias, ou
de apresentar a problemática fundadora da na prestação de serviços e (2) a oferta des-
macroeconomia e as diferenças fundamen- sas mercadorias para a sociedade, para que
tais entre enfoques micro e macro, em eco- elas sejam consumidas.
nomia. Mas nosso propósito, ao dar os nos-
Assim, o produto é resultado da atuação de
sos primeiros passos além da introdução, é
uma multidão de trabalhadores e de mon-
apresentar o que seria o referencial central
tantes expressivos de capital, dois dos fa-
da reflexão em macroeconomia: as relações
tores de produção mencionados acima. A
entre os agregados.
articulação desses fatores na produção não
Partamos de uma identidade bastante sim- depende, porém, somente da boa vontade
ples. Como mencionamos alguns parágra- de trabalhadores e capitalistas – é realizada
fos atrás, um dos agregados fundamentais somente mediante a remuneração por seu
em qualquer economia é o produto, i.e., emprego, a renda. Essa mesma renda paga
tudo que é produzido numa unidade econô- aos trabalhadores e aos capitalistas é des-
mica. O produto reúne os resultados dos di- pendida na compra de bens necessários à
ferentes setores (agroextrativista, indústria vida, ou consumo. Estabelece-se, de prin-
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cípio, uma identidade entre produto, con- Agora, vamos retomar rapidamente a ex-
sumo e renda. Tudo que é produzido seria, plicação que demos acima sobre a circu-
teoricamente, consumido com a renda paga laridade da renda. Cada um dos diferentes
pela participação dos fatores na produção. enquadramentos possíveis abre diferentes
Sob outra ótica, a demanda de trabalhado- caminhos para interpretação e análise. Pri-
res e capitalistas por bens e serviços criaria vilegiaremos, nesse primeiro momento, a
incentivos para a produção, que ocuparia ótica do dispêndio, i.e., esse circuito de ren-
trabalho e capital, remunerando-os. A essas da, produto e consumo se moveria a partir
considerações deu-se o nome de fluxo circu- dos determinantes do consumo e de suas
lar da renda. Em síntese, trata-se da ideia de especificidades.
que produto, consumo e renda estão intima- Se falamos em consumo em geral, talvez
mente ligados, e conformam uma identida- nos venha à mente apenas o consumo das
de macroeconômica. Essas identidades são famílias (C), aquela forma usual de consumo
centrais para a reflexão, sendo geralmente que desempenhamos no nosso dia a dia. A
representadas algebricamente por: compra de mantimentos e peças de vestu-
Produto Nacional = Consumo Agregado = ário, o pagamento de serviços de manuten-
Remuneração dos fatores ção, limpeza e estética, a aquisição de bens
supérfluos para lazer, o pagamento de servi-
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ços de entretenimento, entre outros. Esse é consumo das famílias e do investimento, o
o consumo que prontamente identificamos consumo do governo não é garantido pela
como tal. Agora, essa economia é marcada remuneração direta aos fatores, mas pela
por outras formas de consumo também. É arrecadação de impostos e pelo gasto au-
preciso considerar a despesa realizada pelas tônomo. Discutiremos suas possibilidades
empresas para ampliação da produção fu- e condicionantes posteriormente. Por ora,
tura, na forma de novas instalações, novos cabe frisar que nessa primeira abertura so-
maquinários, ou à variação de estoques. Ao bre o consumo, podemos afirmar que a de-
dispêndio das empresas para a finalidade manda total por bens (Z) seria equivalente
produtiva damos o nome de investimento (I) ao consumo agregado, correspondente à
e você provavelmente já percebeu que esse soma do consumo pessoal das famílias (C),
agregado, apesar de elencado como parte do investimento (I) e do consumo do gover-
do consumo agregado, é radicalmente dis- no (G). Algebricamente, temos:
tinto do consumo pessoal das famílias. São Z=C+I+G
outros determinantes, outras finalidades, e
outras decisões de gasto. Soma-se, a essas Uma última ressalva é que devemos consi-
duas categorias de consumo, o consumo derar, também, a parcela do produto que é
público do governo (G). Diferentemente do demandada por agentes no exterior e a por-
ção do consumo interno atendida pelo mer-
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cado externo. Logo, é preciso incorporar as alguns indicativos da demanda total por
exportações (X), a parcela do produto ven- bens, dado importante de qualquer análi-
dida para o exterior, e as importações (M), se sobre a economia, mas esses indicativos
os bens consumidos e investidos produzi- ainda são muito superficiais. Nossa inten-
dos por estrangeiros. Assim, temos uma re- ção, agora, é avançar em profundidade até
visão da identidade exposta anteriormente: que cheguemos ao referencial fundamental
Z = C + I + G + (X – M) da reflexão em macroeconomia: um modelo
econômico.
3. Oferta, demanda e o multipli- Comecemos, mais uma vez, pelo consumo
cador das famílias. Estudamos a importância des-
se consumo na determinação do produto.
Nas páginas anteriores, construímos um Mas o que determina o consumo? Uma pri-
primeiro conjunto de identidades e relações meira resposta envolve dois fatores: (1) a
entre agregados que nos permitem analisar participação do governo na renda, por im-
parte da performance de uma dada eco- postos ou subsídios, e (2) o comportamento
nomia. As considerações sobre demanda, dos consumidores:
consumo, investimento, despesas do gover-
no, exportações e importações garantem
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YD = Y – T e seus componentes se pensarmos na nossa
despesa doméstica: há os gastos essenciais,
C = C(YD)
inevitáveis, correspondentes a um padrão
C = c0 + c1Yd mínimo para a sobrevivência (alimentos,
Assim, a renda disponível (Yd) representa o peças básicas de vestuário, habitação), e
restante da renda após a aplicação do saldo há gastos proporcionais à renda disponível
entre impostos e subsídios (T). Se há mais para além do indispensável (aquela despe-
subsídios do que impostos, eleva-se a ren- sa decorrente do que resta uma vez feitas as
da disponível; caso contrário, ela é reduzi- compras do mês e pagas as contas).
da (e essa redução é incorporada às receitas Diferentemente do consumo, o investimen-
do governo). A função função de consumo to (I) será tomado, por enquanto, como uma
C(YD) representa a disposição dos consumi- variável exógena. O que isso quer dizer? En-
dores em despender sua renda disponível quanto o consumo é determinado endoge-
em consumo. Um refinamento dessa função namente (i.e., dentro do modelo), deixare-
diz respeito à divisão do consumo entre a mos a determinação do investimento como
despesa necessária para a subsistência (c0, externa, ao menos até termos condições de
constante, invariável) e uma proporção da discutir os fatores que influem na decisão
renda disponível – a propensão marginal a
de investir.
consumir (c1). É fácil analisar esse agregado
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Após expor a determinação da renda dispo- governo. A essas decisões damos o nome
nível, temos duas representações do gover- de política fiscal.
no nessa economia hipotética: a despesa Assim, podemos expandir nossa fórmula da
do governo (G) e a influência dos impostos demanda por bens:
e subsídios sobre a renda (T). Essas duas va-
riáveis são especiais (e exógenas) por uma Z = c0 + c1(Y-T) + I + G
série de motivos. Em primeiro lugar, os go- Se nos lembrarmos da identidade entre
vernos não mantêm a mesma regularidade produção, consumo e renda, somos levados
que as empresas ou os consumidores, quan- a outro ponto importante do desenvolvi-
do se trata da atuação econômica; suas po- mento desse raciocínio: a ideia de que a de-
líticas mudam a cada período do tempo, e manda por bens tenderia (hipoteticamente)
não há uma explicação interna ao modelo ao equilíbrio com sua oferta, ou seja, que a
para essas mudanças (lembrando: são deci- demanda geral por bens (Y) eventualmente
sões políticas e econômicas externas à lógi- equivaleria à produção (Y):
ca do modelo). Em segundo lugar, uma das
Y=Z
finalidades da macroeconomia é justamen-
te a reflexão sobre as consequências de de- Y = c0 + c1(Y-T) + I + G
cisões de gastos e tributação por parte do

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Há duas decorrências importantes desse Isolando a renda/produção, temos condi-
último enunciado. A primeira é que ele ga- ções de analisar a influência das demais va-
rante a circularidade produção-consumo- riáveis (investimento, despesa do governo
-renda ao representar tudo que é produzido e tributação) sobre este agregado. Ou seja,
como função da demanda, e essa demanda temos uma fórmula que nos garante indica-
como função da renda. A segunda é resulta- tivos das consequências de variações posi-
do de uma pequena manipulação algébrica tivas ou negativas do investimento, da des-
sobre a equação de equilíbrio: pesa do governo e da relação entre tributos
Y = c0 + c1(Y-T) + I + G e subsídios na produção e na renda dessa
economia.

18/236 Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica


Para saber mais
Vamos parar por um minuto para analisar as implicações dessas relações:

• Variações positivas no investimento resultariam em elevações na renda e na produção, por maior de-
manda de matérias primas, máquinas e bens intermediários.

• Variações positivas na despesa do governo representariam a entrada de novos recursos na economia,


visando à ampliação da infraestrutura ou dos serviços públicos. O consumo do governo proporciona-
ria uma elevação na demanda, a qual corresponderia uma elevação na oferta.

• De forma inversa, uma elevação na carga tributária impactaria sobre a demanda agregada, reduzin-
do-a, com consequências negativas sobre a renda e a produção.

Uma primeira conclusão é que a produção e a renda, nesse modelo, são dependentes das variá-
veis exógenas (investimento, gasto do governo e tributação). Logo, a única forma de se garantir
crescimento econômico, a curto prazo, é por meio de elevações no investimento ou no gasto do
governo (os subsídios – redução de T – seriam uma possibilidade algébrica, mas exploraremos
suas insuficiências no futuro).

19/236 Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica


Mas há algo de grande importância que dei- estímulo à produção e gerando nova ren-
xamos de lado. A que ritmo essa economia da. Mas e os 10% restantes? Qual o destino
cresce, com variações positivas no investi- dessa parcela da renda?
mento e na despesa governamental? Você Renda não consumida é renda poupada.
percebeu a mudança do papel desempe- Logo, o restante da renda (representado
nhado pela propensão marginal a consumir, por 1- c1, uma vez que c1 varia entre 0 e 1) é
nessa nova apresentação da produção? denominado propensão marginal a poupar
Reflita por um momento sobre essa propen- (s1). Como a renda é dividida entre poupan-
são. No modelo, ela é representada como ça e consumo, é importante lembrar que:
parte da função consumo das famílias, e c1 + s1 = 1
nos dá um indicativo do percentual da ren-
da incorporado à demanda pelo consumo. s1 = 1 - c1
Assim, considerando que as famílias dessa E uma elevação nessa propensão seria uma
economia consumam 90% do que recebem, coisa boa, não? Da mesma forma que no or-
como renda, sua propensão marginal a con- çamento familiar, renda excedente e poupa-
sumir (c1) seria 0,9 (c1=0,9). De toda a ren- da deve ser algo muito positivo, não? Não!
da recebida por essas famílias, 90% seria
reincorporada à demanda, proporcionando
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Esse é um dos motivos para aquela breve
digressão no início da seção sobre as dife-
renças entre a economia nacional e o or-
Y = (1/0,2) [c0 + I + G – c1T]
çamento familiar. Diferentemente do que
o senso comum nos leva a crer, uma maior Y = 5 [c0 + I + G – c1T]
propensão à poupança não é uma coisa boa, Logo, a elevada propensão a consumir do
da perspectiva do crescimento econômico. Consumistão proporciona, a cada elevação
Por que isso acontece? Vamos voltar a nosso pontual no investimento ou no gasto do go-
esboço de modelo. verno, uma variação cinco vezes maior na
Tomemos por base duas economias hipo- renda.
téticas – as chamaremos Consumistão e Caso radicalmente distinto é observado
Poupância. Em uma, a população apresen- em Poupância, uma nação desenvolvida,
ta elevada propensão marginal a consumir em que a propensão marginal a consumir
(c1 = 0,8). Isso é indicativo de uma socieda- é baixíssima (c1 = 0,2, logo s1 = 0,8). Como
de em que a maior parte da renda ainda é consequência disso, variações na renda são
destinada ao consumo, e geralmente cor- muito mais discretas:
responde ao perfil de economias em de-
senvolvimento.
21/236 Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica
medida da variação da renda em função da
variação das diferentes formas de gasto
autônomo, ou seja, do quanto a renda e a
Y = (1/0,8) [c0 + I + G – c1T]
produção de uma nação variam a partir de
Y = 1,25 [c0 + I + G – c1T] elevações no investimento ou nos gastos do
Assim, variações positivas no investimento governo. A demonstração de sua atuação
ou na despesa do governo ainda proporcio- demandaria um pouco mais de tempo e es-
nariam uma elevação na renda, mas essa paço, mas pode ser encontrada em muitos
elevação seria apenas uma fração (25%) do dos materiais de apoio referenciados na
incremento original. nossa bibliografia.
Você deve estar se perguntando – para além
da álgebra elementar mobilizada nessas
equações, qual o motivo para isso? O moti-
vo dessa diferença de ritmo de crescimen-
to entre as duas economias é a atuação de
algo que os economistas denominam mul-
tiplicador keynesiano dos gastos (k = 1/(1-
c1) ou k = 1/s1). O multiplicador nos dá uma
22/236 Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica
Link
Ao longo da seção, mobilizamos criticamente a ideia equivocada de que uma economia nacional seria
comparável ao orçamento de uma família, para discussão e análise. Apesar da fácil demonstração dos
erros presentes nessa identidade, esse é um mito persistente, e é muito difícil encontrar jornalistas eco-
nômicos que não incorram nessa falácia. Se você se interessou por esse tema, recomendo a leitura de um
artigo do economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do Instituto de Economia da Unicamp. Nele,
o professor explora os equívocos resultantes dessa comparação, tecendo comentários sobre a importân-
cia do gasto público e o impacto de tentativas recentes de ajuste fiscal na economia brasileira. Comparar
orçamento público e orçamento doméstico é uma falácia, por Pedro Paulo Zahluth Bastos.

A consequência prática é que sociedades empenhadas no consumo de sua renda geralmente


apresentam maiores taxas de crescimento econômico, a partir de variações positivas no gasto
governamental ou no investimento. Essa é a razão para a repetição de “milagres” econômicos em
que países relativamente atrasados se modernizam rapidamente. Vivenciamos essa realidade,
no Brasil, entre os anos 1940 e 1970, e casos similares foram observados no Japão pós-guer-
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ra, na China pós-revolução, na Coréia, na
segunda metade do século XX, e em tantas
outras economias que se modernizaram ao
longo do último século.
Para saber mais
Curiosamente, economistas apontam a existên-
cia de um paradoxo da poupança. Quanto mais
desenvolvida economicamente a sociedade, mais
renda excedente ela produz, e menos dessa ren-
da é comprometida com a finalidade de consumo.
Assim, eleva-se tendencialmente a propensão
marginal a poupar, no longo prazo, o que reduz os
efeitos de investimentos ou despesas governa-
mentais sobre a produção.

24/236 Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica


Glossário
Gasto autônomo: o nome dado às variáveis exógenas do modelo; por partirem de decisões dos
investidores e do governo, investimento (I) e gastos do governo (G) são considerados formas de
gasto autônomo.
Macroeconomia: campo da reflexão econômica preocupado com o comportamento dos agrega-
dos macroeconômicos, com a performance da economia nacional e internacional, e com prog-
nósticos de política econômica.
Multiplicador keynesiano dos gastos: razão em que uma economia é abalada por variações
(positivas ou negativas) do gasto autônomo. Decorrente das propensões marginais a consumir e
a poupar em uma dada economia.

25/236 Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica


?
Questão
para
reflexão
Quando discutimos o multiplicador keynesiano dos gastos, tra-
balhamos com duas nações hipotéticas com diferentes propensões
marginais a consumir e a poupar. Como consequência, cada uma
dessas nações apresentaria diferentes respostas à elevação dos
gastos autônomos. Agora, o que aconteceria se esses dois gru-
pos não fossem nações, mas parcelas de uma mesma sociedade?
Poderíamos pensar nas camadas de baixa renda, com maior pro-
pensão a consumir (c1 = 0,8 e s1 = 0,2, replicando o exercício anteri-
or e facilitando seus cálculos), e camadas de alta renda, com maior
propensão a poupar (c1 = 0,2 e s1 = 0,8)? Tomando o crescimento
econômico (i.e., elevação da produção e da renda – Y) como objetivo
central da atuação governamental, em qual camada da sociedade o
governo deveria concentrar seus gastos e subsídios? Qual poderia
ser tributada com menor impacto para a economia como um todo?
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Considerações Finais (1/2)
• A economia é dividida em dois grandes campos de análise – a microeconomia,
que se preocupa com a interação entre firmas e consumidores, por mecanismos
de escolha e concorrência, e a macroeconomia, preocupada com o comporta-
mento de agregados – renda, consumo, produção, investimento, desemprego –
que nos dão indicativos da performance da economia nacional e dos mercados
internacionais. Por enquanto, nos ocuparemos da análise macroeconômica.
• A macroeconomia está assentada sobre a ideia de fluxo circular da renda: toda
renda gerada num dado sistema econômico impulsionaria a demanda, gerando
consumo, que, por sua vez, estimularia a produção (gerando mais renda).
• Dessa ideia simples deriva-se uma série de considerações sobre a demanda de
bens, especificamente quanto ao perfil do consumo das famílias (C = c0 + c1Yd;
YD = Y – T), do investimento e do gasto do governo (variáveis exógenas, gasto
autônomo). Dessas considerações emerge a equação de equilíbrio do mercado
de bens:

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Considerações Finais (2/2)
Y=Z
Y = c0 + c1(Y-T) + I + G
Y= 1 [c0+I+G-c1T]
1-C1
• O multiplicador keynesiano dos gastos (k = 1/(1-c1) ou k = 1/s1) dá indícios do
ritmo em que uma dada economia cresce, a partir de variações no gasto autôno-
mo. É maior ou menor de acordo com a propensão marginal a consumir e a pro-
pensão marginal a poupar (c1 e s1, respectivamente, lembrando que c1 + s1 = 1).
• Começamos a construir um primeiro modelo analítico, referencial base em-
pregado pelos economistas para a análise de cenários econômicos. Partindo
do equilíbrio no mercado de bens, discutiremos na próxima seção as outras di-
mensões dessa economia – o mercado financeiro e o mercado de trabalho. Mu-
nidos de considerações sobre esses três mercados, completaremos nosso mod-
elo e teremos condições de partir para a análise.

28
Referências

BLANCHARD, O. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1999.


JESUS, J.M.C.R. A Economia de John Maynard Keynes: Uma Pequena Introdução. Textos de Econo-
mia, Florianópolis, v.14, n.1, p.118-137, jan./jun. 2011.
KEYNES, J. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, A. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999.
VASCONCELLOS, M. Economia: Micro e Macro. São Paulo: Atlas, 2001.

29/236 Unidade 1 • Os fundamentos da análise macroeconômica


Questão 1
1. Dentre os vários componentes da demanda geral por bens, dois são con-
siderados representantes do gasto autônomo. São eles:

a) Consumo e investimento.
b) Investimento e poupança.
c) Propensão marginal a consumir e propensão marginal a poupar.
d) Investimento e despesa do governo.
e) Despesa do governo e consumo.

30/236
Questão 2
2. Assinale a alternativa que melhor explica a função consumo das famí-
lias.

a) O consumo das famílias é uma das variáveis de gasto autônomo, sendo, portanto, exógena
ao modelo.
b) O consumo das famílias é função direta da tributação e das importações, uma vez que de-
pende das tarifas cobradas pelo governo sobre bens importados.
c) O consumo das famílias pode ser desmembrado em dois componentes: uma parcela cons-
tante, invariável, que representa o mínimo de subsistência, e outra, composta pela parcela
da renda destinada ao consumo (e correspondente à propensão marginal a consumir).
d) O consumo das famílias varia exclusivamente em função da poupança e dos subsídios go-
vernamentais.
e) Variável exógena ao modelo, o consumo das famílias é tomado como dado para os períodos
de análise, e permanece invariável.

31/236
Questão 3
3. Tomando por base uma economia hipotética, com famílias com propen-
são marginal a consumir de 90% (c1 = 0,9) e propensão marginal a poupar
de 10% (s1 = 0,1), assinale a alternativa que apresenta o multiplicador ke-
ynesiano de gastos:

a) 5.
b) 2,25.
c) 0,11.
d) 3.
e) 10.

32/236
Questão 4
4. Suponha que uma economia cuja propensão marginal a poupar seja de
20% (s1 = 0,2) apresentou elevação das despesas governamentais da ordem
de dois bilhões de reais (R$2.000.000.000,00). Mantidas todas as demais
variáveis constantes, assinale a alternativa que seria a elevação resultante
da produção e da renda.

a) Dez bilhões de reais (R$10.000.000.000,00).


b) Um bilhão de reais (R$1.000.000.000,00).
c) Cinco bilhões de reais (R$5.000.000.000,00).
d) Dois bilhões de reais (R$2.000.000.000,00).
e) Quinhentos milhões de reais (R$500.000.000,00).

33/236
Questão 5
5. Assinale a alternativa que representa corretamente o equilíbrio do mer-
cado de bens:

a) Y = (1/(1-c1))(c0 + I - G + c1T).
b) Y = (1/(1-c1))(c0 + I + G - c1T).
c) Y = (1/(1+c1))(c0 + I + G - c1T).
d) Y = (1/(1-s1))(c0 + I + G - c1T).
e) Y = (1-c1)(c0 + I + G - c1T).

34/236
Gabarito
1. Resposta: D. nal a consumir). Isso garante a forma usual
dessa função:
Investimento (I) e despesa do governo (G)
C = c0+c1(Y-T)
são as variáveis exógenas ao modelo, deter-
minadas externamente. Como tal, são tam-
bém conhecidas como variáveis de gasto
3. Resposta: E.
autônomo, ou seja: representantes de deci- O multiplicador keynesiano dos gastos
sões de gasto que não são definidas exclusi- pode ser calculado a partir da propensão
vamente pelo montante da renda disponível marginal a consumir (k = 1/(1-c1)) ou a par-
ou por condicionantes internos ao modelo. tir da propensão marginal a poupar (k = 1/
s1). Como c1 = 0,9 e s1 = 0,1, qualquer uma
2. Resposta: C. das duas formas nos levaria a k = 1/0,1 , ou
O consumo das famílias pode ser desmem- seja: k = 10.
brado em dois componentes: uma parce-
la constante, invariável, que representa o 4. Resposta: A.
mínimo de subsistência, e outra, composta
Partindo das fórmulas elencadas na res-
pela parcela da renda destinada ao consu-
olução do exercício anterior (k = 1/(1-c1) e k
mo (e correspondente à propensão margi-
35/236
Gabarito
= 1/s1), temos que k, para s1 = 0,2, é igual a
5. Mantidas todas as demais variáveis con-
stantes, uma variação de G seria acompan-
hada por uma variação 5 vezes maior de Y
– logo, os dois bilhões em gastos governa-
mentais resultariam em dez bilhões de el-
evação da produção e da renda.

5. Resposta: B.

A fórmula correta é Y = (1/(1-c1))(c0 + I + G


- c1T). A renda e a produção variam pos-
itivamente em função do investimento e
do gasto do governo, e negativamente em
função da tributação. Essas variações são
mediadas pela razão inversa da propensão
marginal a poupar (1/(1-c1)).

36/236
Unidade 2
O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira

Objetivos

1. O objetivo desta unidade é apresentar


as determinações do investimento, no
modelo keynesiano básico, sua im-
portância para a demanda agregada e
a centralidade das incertezas e da di-
nâmica financeira no funcionamento
da economia.

37
Introdução

Ao discutir os fundamentos do modelo ke- Como discutimos de forma breve, essa de-
ynesiano básico – a principal ferramenta manda é compreendida, num primeiro mo-
que empregaremos na construção de aná- mento, como a resultante de três grandes
lises macroeconômicas de conjuntura – en- conjuntos de despesas – o consumo das
fatizamos, em vários momentos, a prepon- famílias (C), os gastos do governo (G) e o
derância e o protagonismo da demanda investimento (I). Na unidade anterior, ex-
nesse modelo. A demanda move o sistema ploramos em algum detalhe a determina-
econômico, garantindo que a produção seja ção do consumo, sua relação inversa com a
consumida, e que trabalhadores e máqui- poupança e a construção do multiplicador
nas sejam devidamente empregados ou keynesiano do gasto, mas também apre-
ocupados. Qualquer flutuação negativa na sentamos um dado importante sobre duas
demanda é motivo de alerta; se deixado à dessas variáveis: seu papel como elementos
própria sorte, o sistema pode não encon- de gasto autônomo no modelo.
trar meios de corrigir essa insuficiência e a O gasto autônomo é importante justamen-
economia em questão pode rapidamente te por sua independência relativa frente à
se encontrar numa espiral de estagnação e renda. O consumo, em sua compreensão
desemprego. usual, depende diretamente do montante
de recursos à disposição das famílias; já
38/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira
investimento e gastos do governo pode- de juros no mercado de capitais e algumas
riam ser realizados mesmo em patamares dinâmicas peculiares do chamado “lado
deprimidos de renda, configurando veícu- monetário” da economia.
los interessantes para a recuperação dessa As aspas em torno do “lado monetário” são
economia, em momentos de estagnação e/ indispensáveis justamente pelas conside-
ou crise. rações de John Maynard Keynes sobre o in-
Mas dizer que o gasto autônomo é relati- vestimento e a dinâmica capitalista: crítico
vamente independente da renda não é o da usual dicotomia entre “lado real” (bens
mesmo que dizer que ele é determinado de e serviços, produção, mercado de trabalho)
forma alheia ao sistema. Muito pelo con- e “lado monetário” (mercados de capitais,
trário. Tanto investimento quanto despesas taxa de juros, mercados de divisas) na análi-
governamentais obedecem a uma série de se econômica, Keynes compreendia as eco-
limites e condicionantes, e só são realiza- nomias contemporâneas como “economias
dos em circunstâncias peculiares. Ao longo monetárias da produção”, em que o cha-
desta unidade, discutiremos a importância mado lado real responderia diretamente às
do investimento para as economias capita- flutuações experimentadas no lado mone-
listas contemporâneas, sua relação direta tário, e vice versa. Ainda que tenhamos se-
com a taxa de juros, a determinação da taxa parado essas dimensões em duas unidades,
39/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira
só o fizemos para facilitar a exposição e a Provavelmente, se já considerou essa pos-
leitura – o mercado de capitais e o mercado sibilidade, você pensou em algum mercado
de bens e serviços estão intimamente liga- em visível expansão. Afinal, o número cres-
dos, e não podem ser separados, se quere- cente de estabelecimentos em um determi-
mos realmente entender o funcionamento nado setor deve ser indicativo de sua saúde
da economia. econômica. Não haveria tantos pet shops,
escolas de idiomas, hamburguerias, cerve-
1. Investimentos e incertezas jarias e food trucks se esses mercados ou
nichos não se mostrassem mais rentáveis.
Você já considerou a possibilidade de abrir Esse é um dos cânones de toda a reflexão
seu próprio negócio? Quais considerações em economia – os agentes econômicos es-
estariam envolvidas nessa decisão? O que é tão sempre em busca da realização de seus
necessário para que um cidadão brasileiro próprios interesses materiais, e, assim, mo-
se estabeleça como microempreendedor e ver-se-iam para ramos de atividade em que
passe a atuar de forma autônoma, ofere- esses interesses fossem melhor atendidos.
cendo bens ou prestando serviços em mer- Logo, por mais que talvez você não tenha
cados variados? se informado em profundidade sobre as
margens de lucro ou o valor agregado em

40/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


um dado negócio contrastando-as com seu a dinâmica nos setores dos quais é consu-
ramo atual de atividade, provavelmente es- midor (seus fornecedores) ou com os quais
timou esses fatores, fez alguns cálculos rá- concorre indiretamente.
pidos, considerou os números e as evidên- Os empresários também refletem, a todo
cias claras de sucesso desses ramos, e en- momento, sobre o retorno obtido por seus
tão optou por lançar-se ou não a essa nova investimentos no setor em que atuam, pon-
forma de atuação. derando sobre o estado geral da economia
Ainda que abrir um negócio próprio seja o e de sua área de atuação, em meio a tan-
sonho de muitas pessoas, essa escolha tam- tas outras; momentos de crise ou depres-
bém é marcada por uma série de dificulda- são econômica apresentam impacto mais
des, e por um conhecimento muito espe- duro sobre alguns setores, enquanto repre-
cífico. Um empresário deve considerar seu sentam possibilidades de crescimento para
mercado cuidadosamente, dimensionando outros. Consideram, também, o contraste
produção e produtos para atender de for- entre as despesas realizadas no presente e
ma adequada à demanda e não incorrer em seu potencial de retorno futuro – ou seja,
custos e riscos desnecessários. Deve, tam- como os investimentos realizados agora
bém, estar bem informado sobre seus con- poderiam significar um reposicionamento
correntes existentes ou potenciais, e sobre das suas empresas nos próximos meses ou
41/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira
anos. Agora, além de considerar todos es- presentado nas estatísticas, e também não
ses elementos, os empresários fazem algo está sob seu controle: os dados econômicos
cuja dificuldade é ainda maior – eles de- mobilizados para a tomada de decisões re-
cidem. E não há ninguém que possa fazer fletem o passado do sistema; as consequên-
isso por eles. cias dessas decisões, seu futuro.
Donos de empresas, acionistas e adminis- Logo, os empresários decidem produzir ou
tradores sempre podem contratar multi- não, empregar ou não, investir ou não co-
dões de economistas para que estes deem nhecendo somente o passado da economia,
o suporte necessário em funções de plane- mas suas decisões não atuarão diretamente
jamento econômico, coleta e manipulação sobre esse referencial pretérito – os resulta-
de dados, mas ainda cabe a eles a escolha dos de suas escolhas serão julgados em um
entre investir ou não, entre produzir neste futuro que ainda permanece, para todos os
ou naquele patamar, entre contratar novos efeitos, oculto para os envolvidos na toma-
funcionários ou enxugar a folha de paga- da dessas decisões.
mento. E apesar de poderem considerar to- Isso pode parecer uma obviedade gritante,
dos os elementos que elencamos acima nas mas não é; trata-se, na verdade, de uma das
suas decisões, há um ponto importante so- principais contribuições keynesiana para a
bre essas escolhas que não será nunca re- análise econômica: a afirmação de que as
42/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira
decisões de investir são tomadas em meio meros a consultar, consultam a si mesmos,
à incerteza estrutural quanto ao futuro da consultam a seus pares, consultam às suas
economia. Essa incerteza pode ser adminis- esperanças e anseios sobre o futuro. Um
trada, reduzida, por vezes mitigada parcial- empresário que acredita em uma melho-
mente, mas nunca completamente elimina- ra da performance da economia, no futuro
da. É ela que torna as economias capitalistas próximo, está obviamente mais inclinado a
contemporâneas máquinas tão complexas, investir em seu negócio do que um capita-
de compreensão por vezes tão difícil. lista descrente na atuação recente de seu
Como os empresários decidem investir ou setor. É por isso que você já deve ter ouvido,
não, num sistema marcado por algo tão por vezes, que “os investidores estão receo-
assombroso quanto essa incerteza sobre o sos”, ou que “os mercados estão apreensi-
futuro? A resposta é mais simples do que vos” com uma dada decisão de política eco-
parece. Eles decidem a partir de expectati- nômica; o estado mental dos investidores é
vas sobre esse mesmo futuro. Ponderam os um elemento importante da dinâmica capi-
dados à sua disposição, consideram as va- talista e, infelizmente, esse mesmo elemen-
riáveis em jogo, avaliam a rentabilidade es- to é de mensuração quase impossível.
perada de seu investimento, contrastam-na Ainda assim, há partes mensuráveis dessa
com seu custo, e, quando não há mais nú- decisão. E, dessa forma, podemos estimar o
43/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira
comportamento dos investimentos a partir nhos de eficiência desse capital, na margem
de dois fatores decisivos – a taxa de retorno – a eficiência marginal do capital) ao custo
esperada (em que a adjetivação “esperada” do empréstimo para a compra de um bem
dá conta do papel das expectativas) e a taxa de capital (a taxa de juros do mercado – i),
de juros, ou seja: que também representa o retorno que seria
I = f(taxa de retorno esperada; taxa de obtido se esses mesmos recursos, investi-
juros) dos na produção, fossem aplicados no mer-
cado financeiro. Logicamente,
Essa taxa de retorno esperada, por sua vez,
é entendida como a eficiência marginal do • Se EMC > i, o acréscimo no montante
capital (EMC) – uma taxa que liga o preço de de capital (i.e., o investimento) apre-
aquisição do investimento ao valor presente senta eficiência marginal maior do
dos retornos líquidos esperados ao longo do que a taxa de juros; ou seja, seu retor-
tempo. O contraste fundamental, na deci- no é superior ao preço pago pelo em-
são de investir, é entre essa eficiência mar- préstimo. É vantajoso investir!
ginal e a taxa de juros. Ou seja: ao escolher • Se EMC < i, o acréscimo no montante
investir ou não, os investidores contrastam de capital (i.e., o investimento) apre-
o retorno esperado por acréscimos infinite- senta eficiência marginal menor do
simais na produção (i.e., quais seriam os ga-
44/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira
que a taxa de juros; ou seja, seu retorno é inferior ao preço pago pelo empréstimo. Não é
vantajoso investir!
Apresentada de forma esquemática, a decisão de investir representada na função Investimento
(I = f(EMC, i)) possibilita maior compreensão dos determinantes subjacentes à eficiência margi-
nal do capital e à taxa de juros, conforme ilustra a figura 1.
Figura 1- Decisão de investir.

FONTE: adaptado de Vasconcellos (2001, p.282)

45/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


Partindo do diagrama acima para entender a maquinário. Essa variável mede o retorno
determinação do investimento, somos con- esperado pela incorporação de novos inves-
frontados por uma série de questões objeti- timentos à produção, num dado momento,
vas. A primeira delas é o contraste entre fa- a partir das expectativas dos investidores
turamento esperado e custos de operação e quanto aos retornos proporcionados no fu-
manutenção do equipamento (energia, de- turo por esses investimentos.
preciação, mão de obra); obviamente, caso Do outro lado, temos a taxa de juros do mer-
esses custos de operação sejam superiores cado (i). Mas o que determina essa taxa de
ao faturamento esperado, o investimento juros? Analisaremos então.
não é sequer considerado. Subtraído dos
custos, esse faturamento passa a ser en-
tendido como o valor presente dos retornos
líquidos esperados, agora contraposto ao
preço de aquisição dos bens de capital em
questão. Da oposição desses elementos, te-
mos a Eficiência Marginal do Capital – i.e.,
qual o ganho de eficiência, na margem, pela
incorporação daquela unidade adicional de

46/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


brio entre a oferta e a demanda de moe-
Link da. Mas, antes de chegarmos ao equilíbrio
desse mercado peculiar, é necessário que
A relação entre taxa de juros e investimento é um entendamos os fundamentos da teoria
dos pontos altos das teorias propostas por John monetária contemporânea e dos vários fa-
Maynard Keynes, na primeira metade do século tores envolvidos nessa dimensão da dinâ-
XX. Sobre as relações entre investimentos, juros mica econômica.
e poupança, recomendamos este breve artigo: A
relação entre investimento, poupança e taxa de ju- A moeda é, por si só, um elemento peculiar.
ros: um panorama do debate sobre financiamento No limite, é compreendida como um ati-
de longo prazo de F. Valente. vo financeiro de aceitação geral, garantida
por lei, utilizado na troca de bens e serviços.
A existência de uma moeda estabelecida é
pré-requisito para as relações econômicas
2. O Banco Central e a Oferta de travadas nas economias capitalistas con-
Moeda temporâneas, por uma série de motivos.
Essa moeda se configura em meio ou ins-
Em última instância, a taxa de juros pode trumento de troca, indispensável a virtu-
ser compreendida com o preço de equilí- almente todas as transações econômicas;
47/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira
ao mesmo tempo, é lida como a unidade de meios de pagamento compreende tanto a
conta desse sistema – todas as outras mer- moeda em poder do público (PP), o dinhei-
cadorias são mensuradas a partir de seu ro portado pelos agentes de uma dada eco-
preço, expresso em unidades monetárias; nomia, quanto o saldo dos depósitos à vis-
e, por fim, estabelece-se como reserva de ta (DV), mantidos no sistema bancário, mas
valor: a moeda representa o direito, por seu resgatáveis a qualquer instante. Assim:
possuidor, de adquirir outras mercadorias, M = PP + DV
podendo ser guardada para uso posterior
(forma poupança).
Se pensarmos no total de moeda disponível
para utilização em uma dada economia, en-
contraremos uma multiplicidade de defini-
ções, hierarquizadas em níveis de complexi-
dade e liquidez. Num primeiro momento, é
importante que consideremos o estoque de
moeda disponível para uso da coletividade
a qualquer momento, também conhecido
como meios de pagamento (M). O saldo dos
48/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira
Para saber mais
Moeda em poder do público e depósitos à vista não são os únicos agregados monetários de interesse. A
macroeconomia contemporânea considera uma sequência de agregados correspondentes a diferentes
graus de liquidez (i.e., de capacidade de liquidação ou venda, ou possibilidade de utilização como moe-
da). São eles:
M1 = PP + DV (haveres monetários; concepção usual de oferta de moeda)
M2 = M1 + depósitos especiais remunerados + depósitos de poupança + títulos emitidos por instituições
depositárias
M3 = M2 + quotas de fundos de renda fixa + operações compromissadas registradas no SELIC (Sistema
Especial de Liquidação e Custódia)
M4 = M3 + títulos públicos de alta liquidez
Conforme avançamos de M1 a M4, menos líquido é o agregado, e maior a sua rentabilidade em juros.

49/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


nomia (logo, a oferta de moeda). Há vários
Link mecanismos de criação de moeda, ou de
expansão da base monetária, tais como a
Para maiores detalhes sobre os diferentes agre- troca de dólares por reais no banco cen-
gados monetários, sua mensuração e seu estado tral, por exportadores, e os empréstimos
em diferentes momentos do histórico recente, dos bancos comerciais ao setor privado. Os
recomendamos as Notas Técnicas do Banco Cen- mecanismos de destruição de moeda ge-
tral. O site do Banco Central do Brasil é um recur- ralmente seguem o caminho inverso, como
so valioso para qualquer interessado na dinâmica nos casos da troca de reais por dólares por
financeira das economias capitalistas contempo- importadores, e o resgate de empréstimos
râneas. bancários. Ainda que a imagem de dinheiro
sendo criado ou destruído seja talvez per-
turbadora, na verdade estamos falando da
Não faria muito sentido falarmos em oferta expansão ou contração da base monetária
de moeda se essa mesma moeda não pu- de uma economia – criação/destruição de
desse ser criada ou destruída; é pelos me- moeda não representam mais que uma ele-
canismos de criação e destruição de moeda vação ou redução da quantidade de moeda
que as autoridades monetárias regulam o disponível na economia.
montante de dinheiro à disposição da eco-
50/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira
A regulação da quantidade de moeda ofer- te, (5) a regulamentação e controle de cré-
tada numa economia repousa, em última dito (estabelecimento da institucionalidade
instância, sob a autoridade do Banco Cen- básica de crédito numa economia).
tral. Para controlar esse importante ele-
mento da dinâmica econômica, essa ins- 2. A Demanda de Moeda e a De-
tituição dispõe de algumas ferramentas, terminação da Taxa de Juros
como: (1) as emissões monetárias (o direito
de cunhagem ou impressão de moeda para A demanda por moeda, apesar de envolver
circulação); (2) o estabelecimento dos pa- uma multiplicidade de motivos, é de expli-
tamares de reservas obrigatórias dos ban- cação relativamente simples. Reduzidas aos
cos comerciais (percentual dos recursos dos mínimos denominadores comuns, as razões
bancos comerciais que devem ser mantidos para demanda de moeda são geralmente a
constantes, depositados); (3) a realização realização de transações econômicas pe-
de operações de mercado aberto (com- los agentes, a precaução frente a um futuro
pra/venda de títulos governamentais; (4) o econômico estruturalmente incerto, e a es-
afrouxamento ou recrudescimento da polí- peculação, em que a moeda demandada é
tica de redescontos (empréstimos aos ban- empregada pelo valor nela contido.
cos, taxas de juros específicas); e, finalmen-

51/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


A demanda de moeda por motivo de tran- e kP se assemelham, e as fórmulas para ob-
sações (MdT) é estipulada a partir do nível tenção de MdT e MdP diferem somente nos
geral de preços (P), da renda ou produto real coeficientes empregados, podemos uni-las
(y) e de um coeficiente, comumente conhe- em uma só função:
cido como coeficiente marshalliano ou co- MdP = kPPy
eficiente de Cambridge (kT). Seguindo essa
lógica, temos: MdT+P = kT+PPy = kPy

MdT = kTPy Por essa lógica, k passa a ser um coeficiente


geral, que agrega a demanda por moeda a
De forma análoga, a demanda de moeda partir da renda monetária (Py) para os mo-
por motivo de precaução (MdP) é entendi- tivos de transação e precaução.
da como resultado de um coeficiente (kP)
que meça a parcela da renda retida para Mais complexa, dentre as razões para a de-
precaução, pelo receio dos agentes frente manda por moeda, é a demanda por moti-
à performance da economia. O coeficiente vo de especulação (MdE). Em que consistiria
kP é maior ou menor de acordo com a con- esse motivo para demanda por moeda? Se-
fiança dos agentes na performance recente gundo Keynes, a demanda por moeda para
da economia nacional, com correspondente especulação corresponderia à moeda reti-
efeito sobre a demanda por moeda. Como kT da para operações financeiras com imóveis,
52/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira
títulos e outros ativos, visando à constitui- Md = MdT+P + MdE
ção de um portfólio de ativos passíveis de Md = kT+PPy + f(i)
liquidação no futuro. Logo, ela está direta-
mente relacionada à possibilidade de ganho Md = f(Py,i)
financeiro, e à taxa de juros num dado mo- Ou seja: de forma sucinta, a demanda por
mento, que corresponde ao rendimento que moeda é afetada pela renda nominal e pela
esse agente obteria da compra de títulos. taxa de juros. Quão maior for a renda nomi-
Em outros termos, a taxa de juros é o preço nal, maior será demanda por moeda. Quão
implícito ou custo de oportunidade da re- maior for a taxa de juros, menor será de-
tenção de moeda. Quanto maior a taxa de manda por moeda.
juros, menor a retenção de moeda para esse
Temos condições, a partir dessas considera-
motivo, e maior a compra de títulos para es-
ções, de elaborar um primeiro conjunto de
peculação. Assim sendo:
conclusões sobre o equilíbrio no mercado
MdE = f(i) , supondo que ∆MdE /∆i < 0 de moeda. A oferta é fixada arbitrariamen-
Desta forma, teríamos uma função deman- te, dependendo das autoridades de política
da de moeda total (Md) estabelecida a partir monetária. Se considerássemos tão somen-
dos três motivos para demanda por moeda: te precaução e transações, teríamos:

53/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


Oferta de moeda Ms = M0
Demanda de moeda Md = kPy
Equilíbrio Ms = M0 = Md = kPy
M0 = (1/V)Py ou MV = Py
Essa é a chamada equação quantitativa da moeda, em que V expressa a velocidade-renda da
moeda, a quantidade de giros da base monetária para uma dada renda y e um nível de preços P
(é também o inverso do coeficiente marshalliano – k ; k é a retenção de moeda, ao passo que V
reflete sua utilização, em relação à renda nacional).
Se levarmos em conta o motivo especulação, temos:
Oferta de moeda Ms = M0
Demanda de moeda Md = f(Py, i)
Equilíbrio Ms = M0 = Md = f(Py, i)
M0 = f(Py, i)

54/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


Para saber mais
Vamos parar por um minuto para analisar as implicações dessas relações:

Se considerarmos somente precaução e transações, elevações de M promoveriam aumentos no nível ge-


ral de preços (P), no curto prazo, já que V e y tenderiam a permanecer constantes. Caso a renda nacional
(y) apresente potencial para crescimento, variações da base monetária poderiam estimulá-la.

Como também consideramos o elemento especulação, é preciso ter em conta um impacto mais direto da
política monetária sobre a renda. Dá-se a esse fenômeno o nome de Efeito Keynes, e ele pode ser descrito
da seguinte forma: com uma elevação da base monetária, fica mais barato financiar investimentos (já que
um aumento de M promove uma redução da taxa de juros, i); essa redução de i garante uma elevação dos
investimentos (I), o que, por sua vez, eleva a demanda agregada e a renda nacional (y). Com isso, eleva-
ções na oferta de moeda (M) não necessariamente resultariam em inflação.

Quanto mais sensíveis forem os investimentos à taxa de juros, maior será a eficácia da política monetária.
De forma inversa, quanto mais sensível for a demanda de moeda à taxa de juros (pelo motivo especula-
ção), menor será a eficácia da política monetária.

55/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


Para saber mais
Keynes propôs também uma situação peculiar,
em que uma elevação na oferta de moeda não
conduziria necessariamente ao aumento dos in-
vestimentos. O nome dado a esse cenário especí-
fico é Armadilha da Liquidez. Em uma situação de
armadilha da liquidez, uma economia deprimida
e com taxas de juros muito baixas levaria a uma
elevada retenção de moeda para fins especulati-
vos, sem investimento na atividade produtiva. Os
especuladores julgam que a taxa de juros já está
em seu limite mínimo, e só poderá recuperar-se
no futuro.

56/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


Glossário
Demanda de moeda: a demanda, pelo sistema econômico, de moeda para diferentes motivos
– transações, precaução e especulação. Os motivos transação e precaução são relativamente
simples, e envolvem a operação de um coeficiente fixo (k ou 1/V) a partir do nível geral de preços
e da renda nacional (Py). O motivo especulação é uma função da renda e da taxa de juros, e é um
dos elementos mais complexos do modelo.
Investimento: o “consumo das empresas”; a parcela da despesa agregada realizada com vistas à
elevação dos patamares futuros de bem-estar e produção de uma dada economia. A decisão de
investir é de grande importância para a demanda agregada: entendida como parte dos gastos
autônomos do modelo, é de difícil determinação, e depende fundamentalmente da taxa de juros
e das expectativas dos investidores quanto ao futuro.
Oferta de moeda: volume de meios de pagamento colocados à disposição da economia nacional
como um todo, a partir das políticas implementadas pelo Banco Central. Falamos na expansão
ou contração da oferta monetária como criação ou destruição de moeda – medidas de criação
de moeda envolveriam a liberação de moeda na economia, enquanto medidas de destruição de
moeda sua retirada de circulação.

57/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


?
Questão
para
reflexão
As determinações da oferta e da demanda de moeda são comple-
xas, e seus resultados são, muitas vezes, inesperados. É preciso que
os agentes econômicos considerem cuidadosamente o nível geral
de preços (P) da economia, as possibilidades de expansão da ren-
da (y), assim como o patamar atual da taxa de juros (i), do investi-
mento (I) e das expectativas dos investidores. Como a escolha do
investimento ainda depende das perspectivas desses investidores
quanto ao rendimento futuro, qual seria a consequência usual de
uma maior oferta de moeda (seja por emissão, seja por redução dos
encaixes compulsórios, seja por compra de títulos etc.) numa eco-
nomia nacional com baixas expectativas? Como a redução da taxa
de juros seria percebida pelos agentes? Como se comportaria o in-
vestimento?
58/236
Considerações Finais (1/2)

• O investimento é um dos componentes centrais da demanda agregada, e


sua importância é ainda maior quando consideramos seu papel enquanto
variável de gasto autônomo – i.e., sua independência relativa frente à renda.
• A decisão de investir é uma escolha complexa, e envolve uma série de fatores.
Marcadamente, investidores consideram a taxa de juros (i), o custo de con-
tração de empréstimos ou aquisição de novo capital, e a eficiência marginal
do capital (EMC), uma estimativa do retorno desse investimento, no futuro,
comparando-o com a despesa envolvida em sua realização e manutenção.
• A taxa de juros é determinada no mercado de moeda, em que a oferta de
moeda é definida arbitrariamente, pelo Banco Central, e a demanda de mo-
eda depende da quantidade de moeda demandada pela economia para os
motivos transação, precaução e especulação.

59
Considerações Finai (2/2)

• Em situações normais (fora do pleno emprego dos fatores), elevações na


oferta de moeda resultariam em uma redução da taxa de juros, com con-
sequente elevação do investimento, da demanda agregada e da renda na-
cional. Porém, há situações em que (A) a economia nacional já se encontra
em pleno emprego de fatores de produção, e a elevação de M só promove
elevação do nível geral de preços (inflação), ou (B) as expectativas dos in-
vestidores quanto ao futuro estão tão baixas que a redução da taxa de juros
não conduz a uma elevação dos investimentos, promovendo um misto de
estagnação e inflação.

60
Referências
BLANCHARD, O. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
JESUS, J.M.C.R. A Economia de John Maynard Keynes: Uma Pequena Introdução. Textos de Econo-
mia, Florianópolis, v.14, n.1, p.118-137, jan./jun. 2011.
KEYNES, J. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, A. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999.
VASCONCELLOS, M. Economia: Micro e Macro. São Paulo: Atlas, 2001.

61/236 Unidade 2 • O protagonismo do investimento e a importância da dinâmica financeira


Questão 1
1. Assinale a alternativa que define corretamente as funções da moeda nas
economias capitalistas.

a) Compras e trocas.
b) Meio de troca, unidade de conta e reserva de valor.
c) Representação impressa do valor das mercadorias.
d) Medida básica dos preços e do valor de troca.
e) Meio de conta, unidade de troca e reserva de valor.

62/236
Questão 2
2. Assinale a alternativa correta. Keynes denominava a economia capitalista
por economia monetária da produção. Essa denominação é explicada:

a) Pela separação entre lado real e lado monetário, na economia.


b) Pela determinação monetária da produção.
c) Pela ênfase dada pelo autor à Teoria Quantitativa da Moeda e às suas consequências.
d) Pelo impacto da política emissionária sobre o nível geral de preços.
e) Pela ligação fundamental entre lado real e lado monetário da economia, em que o mercado
de moeda determina a taxa de juros e é determinado pelos movimentos da produção.

63/236
Questão 3
3. Na equação Quantitativa da Moeda (MV = Py), os termos M e V represen-
tam, respectivamente:

a) O nível geral de preços e a renda.


b) Os meios de pagamento e o nível de produção.
c) Os meios de produção e o nível geral de preços.
d) Os meios de pagamento e a velocidade-renda da moeda.
e) A renda nacional e a velocidade-renda da moeda.

64/236
Questão 4
4. Partindo da equação Quantitativa da Moeda (MV = Py) e considerando
uma economia em pleno emprego de fatores, uma elevação de 10% na
base monetária, com renda e velocidade-renda da moeda constantes, re-
sultaria em:

a) Uma elevação de 10% no nível de emprego.


b) Uma redução de 10% na renda.
c) Uma elevação de 10% nos preços.
d) Uma redução de 10% nos preços.
e) Uma redução de 10% nas taxas de juros.

65/236
Questão 5
5. “A decisão de investir é uma escolha complexa, e envolve uma série de
fatores. Marcadamente, investidores consideram __________, o custo de
contração de empréstimos ou aquisição de novo capital, e _________, uma
estimativa do retorno desse investimento, no futuro, comparando-o com a
despesa envolvida em sua realização e manutenção.” Escolha a alternativa
que preenche corretamente as lacunas do texto:

a) a demanda de investimentos (I); a oferta de capital (K).


b) a taxa de juros (i); o faturamento esperado (f).
c) a eficiência marginal do capital (EMC); a taxa de juros (i).
d) o preço de aquisição do bem de capital (p); a a eficiência marginal do capital (EMC).
e) a taxa de juros (i); a eficiência marginal do capital (EMC).

66/236
Gabarito
1. Resposta: B. juros e é determinado pelos movimentos da
produção. Lado real e lado monetário não
A moeda é reconhecida por suas três fun- podem ser pensados independentemente.
ções básicas: a de meio de troca, funda-
mental para a comercialização de bens e 3. Resposta: D.
serviços; a de unidade de conta, já que ela
é a referência numérica básica de todos os Os termos em questão representam, res-
preços, em uma dada economia; e a de re- pectivamente, os meios de pagamento e a
serva de valor, já que a moeda representa a velocidade-renda da moeda. Esses elemen-
garantia institucional de certa quantia, de- tos explicam a relação entre expansão da
finida pelo governo. base monetária e elevação do nível geral de
preços.
2. Resposta: E.
4. Resposta: C.
Um dos dados fundamentais da reflexão ke-
ynesiana é a ligação fundamental entre lado Ao movimento em questão corresponderia
real e lado monetário da economia, em que uma elevação de 10% nos preços, explicada
o mercado de moeda determina a taxa de pelo fato da economia em questão encon-
trar-se em pleno emprego e pela constância
67/236
Gabarito
das outras variáveis. A TQM se pauta, justa-
mente, pela exploração dessa correlação;
medidas emissionárias resultariam, muitas
vezes, em uma elevação do nível geral de
preços.

5. Resposta: E.
A passagem em questão, com as lacunas
devidamente preenchidas: “A decisão de
investir é uma escolha complexa, e envolve
uma série de fatores. Marcadamente, inves-
tidores consideram a taxa de juros (i), o cus-
to de contração de empréstimos ou aquisi-
ção de novo capital, e a eficiência marginal
do capital (EMC), uma estimativa do retorno
desse investimento, no futuro, comparan-
do-o com a despesa envolvida em sua reali-
zação e manutenção.”
68/236
Unidade 3
As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações

Objetivos

1. O objetivo desta unidade é apresentar


algumas considerações gerais sobre a
interação entre uma economia nacio-
nal e o mercado externo, mediada por
algumas variáveis fundamentais: taxa
de câmbio, importações e exporta-
ções. Essa relação é pensada a partir
do modelo de análise econômica que
construímos nas duas unidades ante-
riores, e contribui para a reflexão que
propusemos até aqui.

69
Introdução

Até o presente momento, pensamos as do conjunto, ou se apropriando de parcelas


questões referentes à economia nacional a maiores ou menores desta.
partir de um viés peculiar – o de uma eco- As relações econômicas entre os países,
nomia fechada. O que isso quer dizer? Ain- entendidas nos termos de nosso modelo,
da que tenhamos considerado as determi- são o objeto desta unidade. Nas páginas
nações do consumo, do investimento e das seguintes, discutiremos os motivos pelos
despesas governamentais, que tenhamos quais as economias se encontram cada vez
nos aventurado pelo equilíbrio no merca- mais internacionalizadas, as consequências
do de moeda, e que possamos, com base da globalização produtiva, e as formas pe-
nesse referencial, tecer algumas conside- las quais a interação com outras economias
rações gerais sobre a performance da eco- nacionais interferem sobre a nossa econo-
nomia brasileira nos últimos anos, nem essa mia. Nesse sentido, daremos prioridade a
economia nem nenhuma outra no planeta três variáveis centrais – a taxa de câmbio,
existe de forma completamente isolada das que orienta as relações de compra e ven-
demais. Um dado fundamental do capita- da da moeda nacional e/ou estrangeira, as
lismo contemporâneo é a interdependência importações, que representam o montante
entre uma multitude de sistemas econômi- de nossa demanda atendida no exterior, e
cos, cada qual contribuindo para a riqueza as exportações, demanda de outras econo-
mias atendida pela nossa produção.
70/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
Mas como e quando as economias nacionais Esse primeiro sistema internacional dá indí-
passaram a interagir internacionalmente? A cios da primeira consideração fundamental
pergunta é tão antiga quanto sua resposta. no estudo das trocas econômicas entre na-
Sistemas de trocas internacionais existem ções: a tendência à especialização. Mas, an-
desde os tempos da Antiguidade, em que tes que nos aprofundemos sobre esse pon-
diferentes reinos e impérios atuavam eco- to, é necessário que mencionemos outro
nomicamente em diferentes capacidades. O ponto – a dependência, desses sistemas, de
Egito, por exemplo, contava com expressiva uma institucionalidade econômica comum.
produção de cereais e de papiro, comercia- E, geralmente, de um mantenedor dessa
lizado ao longo do Mediterrâneo; ânforas, institucionalidade; uma força política que
azeite e vinhos gregos abasteciam as mesas disciplina e, muitas vezes, domina e orga-
de diferentes povos; e as tinturas comer- niza esse sistema. As relações econômicas
cializadas pelos fenícios (eles mesmos exí- internacionais estão diretamente ligadas às
mios comerciantes) serviam de base para a relações políticas internacionais, e é impos-
diferenciação entre o vestuário das pessoas sível compreender um aspecto sem estudar
simples e da aristocracia de cada uma des- o outro.
sas sociedades. Na Antiguidade, o comércio “internacional”
é organizado, a partir de certo momento,
71/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
pelo Império Romano. A bem da verdade, Europa, mantidas pela chamada Liga Han-
esse comércio passa a ser realizado pelas di- seática, uma associação de mercadores ho-
ferentes províncias do Império – já que esta landeses, alemães e escandinavos. No meio
estrutura política controla, em seu auge, do caminho, a Feira de Champagne, que
todo o litoral do Mediterrâneo, o comércio reunia a produção dos diferentes espaços
entre os diferentes povos reunidos no Im- do mundo conhecido – pimenta, temperos
pério é feito sob os olhos das legiões. Com e seda da Índia e da China, peles da Rússia,
a decadência do Império e seu saque pelas bacalhau da Noruega, azeite e vinhos da Es-
tribos bárbaras, no século V d.C., o comércio panha, da Grécia e da Itália, e uma série de
internacional é relegado ao segundo plano; outras especialidades regionais.
ainda que as feiras locais persistam duran- Mas o comércio internacional só é impul-
te toda a Idade Média, o comércio de lon- sionado de forma definitiva nos primeiros
ga distância não tem a mesma sorte. Dois séculos da Idade Moderna: com a crise do
circuitos mercantis renascem, por volta dos mundo feudal e a emergência dos Estados
séculos X e XI – a longa rota que trazia as Dinásticos Modernos, comerciantes e ban-
especiarias por terra e mar do Oriente, con- queiros ganham papel de destaque na bus-
trolada, em seu extremo, pelos mercadores ca dos soberanos por riqueza. É nesse mes-
italianos; e as rotas de comércio do norte da mo período (séculos XVI e XVII) que o mundo
72/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
do comércio se expande e incorpora novos Uma nova etapa é marcada pela ascensão
continentes: as Américas e a Oceania. Aqui, dos ingleses, que se estabelecem, entre os
a especialização definida nas etapas ante- séculos XVIII e XIX, como potência hegemô-
riores ganha novos contornos: sob a égide nica no cenário internacional. Sua hegemo-
do colonialismo, os novos territórios são or- nia se deve à rápida transformação da pro-
ganizados exclusivamente para a produção dução na Inglaterra, país pioneiro na Revo-
de gêneros agrícolas e extração de riquezas lução Industrial, e centro do comércio e das
minerais. A institucionalidade do sistema é finanças internacionais. Berço dos primei-
garantida pelo reconhecimento do valor dos ros economistas, o Reino Unido estabelece
metais preciosos, pela legitimidade conferi- uma nova institucionalidade para as trocas:
da aos impérios coloniais e pelas redes mer- a ciência econômica, e os estudos de uma
cantis e financeiras que interligavam esses série de economistas sobre comércio inter-
territórios; ainda que portugueses e espa- nacional. Adam Smith e David Ricardo são
nhóis dominassem as terras americanas, dois dos primeiros nomes, numa longa linha
os holandeses eram os grandes financistas de estudiosos nesse tema. A especialização
desse período, e Amsterdam era a capital avança e se aprofunda, defendida agora pe-
econômica do mundo ocidental. los termos da Teoria das Vantagens Compa-
rativas.

73/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
Para saber mais
A reflexão sobre comércio internacional já era realizada séculos atrás, quando as primeiras Monarquias
Absolutistas procuravam formas de aumentar o tesouro real e assim financiar guerras e obras públicas.
Assim, esse tema sempre foi caro aos economistas. Uma primeira abordagem sistemática, nas linhas do
que expusemos nesse capítulo, é a chamada Teoria das Vantagens Absolutas, proposta por Adam Smith
na Riqueza das Nações. Segundo o pensador escocês, uma nação buscaria adquirir produtos em cuja pro-
dução não demonstrasse a mesma eficiência que as demais. Esse ponto é elaborado e refinado, poste-
riormente, por David Ricardo, no que foi denominado de Teoria das Vantagens Comparativas. Ricardo é o
proponente original da noção de especialização de diferentes economias nacionais apresentada nesta
unidade; cada nação se engajaria quase que exclusivamente na produção dos bens em que apresentasse
maior eficiência. Assim, todo o sistema internacional sairia ganhando.

74/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
Para saber mais
A ordem internacional foi marcada por uma série de paradigmas políticos e econômicos. Um desses mo-
mentos, de especial interesse para o estudo das relações econômicas internacionais na contemporanei-
dade, é o período marcado pela hegemonia do Império Britânico e pela constituição do padrão-ouro. Entre
o fim do século XVIII e a Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra foi a principal potência política e econômica
do mundo ocidental; sob o domínio inglês, as relações comerciais e financeiras entre os países ganharam
uma nova institucionalidade. Adotando uma estratégia hoje compreendida como Imperialismo do Livre
Comércio, os ingleses mantinham uma série de nações independentes em sua zona de influência, tornan-
do-se os parceiros econômicos preferenciais de economias como a brasileira ou a argentina. Pautadas
pela exportação de produtos primários, essas economias periféricas se posicionavam de forma subalter-
na, nesse sistema, e se especializavam quase que exclusivamente nos gêneros agrícolas ou minerais que
costumavam vender para os ingleses. Além de serem os grandes promotores do liberalismo econômico e
da supressão de barreiras comerciais, no período, os ingleses também defendiam a conversibilidade das
moedas nacionais em ouro, como forma de estabilizar suas flutuações. Após adotarem esse padrão com a
libra, outras moedas, dependentes da moeda inglesa, seguiram o mesmo padrão. Com isso, esses gover-
nos abdicavam do controle sobre a sua política monetária e atrelavam o câmbio à performance da libra.

75/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
A radicalização da concorrência entre as
grandes economias capitalistas leva a uma Link
ruptura dessa institucionalidade, com as Uma etapa fundamental da institucionalização
disputas entre os imperialismos na virada das relações econômicas internacionais no pós-
do século XIX para o século XX. Com a Pri- -guerra é a conferência de Bretton Woods, rea-
meira Guerra Mundial, a Crise de 1929 e a lizada em 1944. O economista Luiz Gonzaga de
Segunda Guerra Mundial, o sistema inter- Mello Belluzzo explora em detalhe seu significado
nacional toma um severo golpe, do qual se e a crise originada do abandono desse paradigma
recupera com dificuldade; a reconstrução em O declínio de Bretton Woods e a emergência dos
da economia internacional a partir dos es- mercados ‘globalizados’.
combros da Era Vitoriana é uma tarefa difí-
cil, e só se torna possível a partir da criação
de um novo conjunto de instituições econô-
micas e financeiras internacionais. Merece
destaque a conferência de Bretton Woods, O período imediatamente posterior à Se-
de 1944, que define os termos básicos de gunda Guerra Mundial é marcado por uma
operação do sistema econômico interna- série de novidades – a descolonização de
cional no pós-guerra. territórios antes controlados pelos gran-

76/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
des impérios, a emergência de uma série de
novas potências em ascensão, a divisão do
mundo entre capitalistas e socialistas (in-
terrompida em 1989), as disputas entre pri-
Link
As relações econômicas internacionais são me-
meiro e terceiro mundo. Mas precisaremos
diadas, principalmente, por três grandes orga-
deixar alguns dos detalhes dessa história
nizações – o Banco Mundial, o Fundo Monetário
para outra ocasião. Por ora, é importante
Internacional e a Organização Mundial de Comér-
lembrar que esse sistema, como os ante-
cio. Para maiores informações sobre essas insti-
riores, é marcado pela especialização das
tuições, recomendamos a leitura do artigo Inter-
economias nacionais, agora organizadas
national Economic Organizations, Developing Coun-
em cadeias produtivas que se estendem de
try Reforms, and Trade, de Anne Krueger.
um canto a outro do mundo, e pela institu-
cionalidade garantida pelas Nações Unidas,
suas conferências e organismos.

77/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
1. O preço da internacionaliza- uma moeda em termos da outra? A resposta
ção: a taxa de câmbio, sua deter- a todas essas perguntas nos é dada por um
minação e sua importância dos preços chave da economia (junto com
o nível geral de preços e a taxa de juros) – a
Se você já visitou algum outro país, certa- taxa de câmbio.
mente sabe que não é possível consumir os A taxa de câmbio nominal é o preço da mo-
bens e serviços comercializados naquele eda ou divisa estrangeira em termos da
país com reais. Cada economia possui uma moeda nacional. Em termos aproximados,
moeda própria, ou adere a uma moeda co- em setembro de 2017, um peso argentino
mum de acordo com seu pertencimento a pode ser comprado por dezoito centavos de
um bloco econômico. No caso do Brasil, rea- real (1,00 ARS = 0,18 BRL), um euro pode
lizamos transações em reais (R$); na Argen- ser comprado por três reais e setenta cen-
tina, em pesos argentinos (ARS ou simples- tavos (1,00 EUR = 3,71 BRL), uma libra es-
mente $); na União Europeia, em euros (€); terlina pode ser comprada por quatro reais
no Reino Unido, em libras esterlinas (£); e, (1,00 GBP = 4,07 BRL) e um dólar americano
finalmente, nos Estados Unidos, em dólares pode ser comprado por três reais (1,00 GBP
(US$). Como essas diferentes moedas se re- = 3,09). Mas o que determina esses preços?
lacionam? Como é estabelecido o preço de No caso da taxa de câmbio, a relação chave
78/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
é a oferta e demanda de divisas, ou a ofer- a taxa de câmbio com outras moedas – i.e.,
ta e a demanda para cada uma das moedas como cada uma dessas operações cria de-
estrangeiras frente ao real. manda por dólares, elevamos o preço relati-
Como essa relação é determinada? Pela in- vo das moedas estrangeiras e rebaixamos a
tensidade das transações entre essas eco- nossa, fazendo com que o real valha menos
nomias. Quanto mais exportamos, rece- frente ao dólar, à libra, ao euro e assim por
bemos turistas e capitais externos, maior diante).
a demanda por reais (logo, mais valoriza- Se as economias capitalistas transacionas-
da é nossa moeda, e mais baixa é a taxa de sem de forma absolutamente livre, essas
câmbio com outras moedas – i.e., o real é flutuações seriam determinadas pelo mer-
demandado por agentes de outras econo- cado e pelo fluxo de mercadorias e pessoas
mias, seu preço relativo se eleva, e é possí- entre os diferentes países. Mas, como forma
vel comprar mais das moedas estrangeiras de limitar a vulnerabilidade de uma dada
com nossa moeda). Por outro lado, quanto economia a flutuações externas, esses sis-
mais importamos, enviamos turistas e ca- temas operam no que denominamos de re-
pitais para o exterior, maior a demanda (de gimes cambiais – regras estabelecidas pelas
brasileiros) por dólares (logo, isso implica autoridades monetárias para a flutuação da
em uma desvalorização do real, elevando taxa de câmbio. Comumente, dividimos es-
79/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
ses regimes em dois tipos: regimes de câmbio fixo, em que o Banco Central fixa antecipadamente
a taxa de câmbio e compra divisas a esse preço, para assegurar sua manutenção; e regimes de
câmbio flutuante, em que não há compromisso do Banco Central com a fixação da taxa de câm-
bio e ela é deixada à mercê do mercado. Na verdade, o que se observa é a existência de uma série
de formas intermediárias, como a chamada flutuação suja, em que se permite o estabelecimento
da taxa pelo mercado com a intervenção do Banco Central em casos limite, ou o regime de ban-
das cambiais, em que a flutuação é admitida dentro de limites estabelecidos pelo Banco Central.

Para saber mais


Para além das diferenças óbvias em seu funcionamento, o que faz com que o câmbio fixo ou o câmbio va-
riável sejam opções mais ou menos desejáveis de política cambial, num dado momento? Vamos começar
pelo câmbio fixo. Sua principal vantagem é garantir, por um intervalo determinado, uma taxa de câmbio
conveniente à elevação dos investimentos (pela entrada de capitais estrangeiros), às exportações ou às
importações (para modernização da estrutura produtiva). Sua principal desvantagem, no entanto, é o
seu elevado custo de manutenção; para que o câmbio se estabilize nesse patamar, é preciso que o Banco
Central se comprometa com operações de câmbio a esse preço, garantindo que a flutuação do preço re-
lativo da moeda nacional tenda para o patamar desejado.

80/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
Para saber mais
Logo, essa desvantagem se converte na principal vantagem do câmbio flutuante – nesse regime cambial,
não há necessidade de intervenção do Bacen no mercado de moeda estrangeira, logo não se observam
os custos elevados envolvidos na compra de dólares em regimes de câmbio fixo. Por outro lado, o câm-
bio flutuante sujeita a economia à variação constante do preço relativo de sua moeda frente às moedas
estrangeiras, trazendo certo grau de instabilidade para a economia e impossibilitando o controle efetivo
dos outros preços chave.

Como demonstramos acima, a taxa de câmbio é o preço chave do mercado de divisas, e sumari-
za, em si, as relações de uma dada economia com os mercados internacionais. Mas como se es-

81/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
tabelecem essas relações? Qual o impacto dutos que exportamos ficam correspon-
de flutuações na taxa de câmbio? Para isso, dentemente mais baratos, já que é possível
é importante que levemos em conta as ex- comprar R$3,00 de produtos com apenas
portações e importações. US$1,00, i.e., no exemplo acima, os produ-
tos importados ficam 50% mais caros (pas-
2. Exportações, Importações e sando de R$2,00 a R$3,00), ao passo que
Âncora Cambial nossas exportações ficam 33% mais baratas
para agentes estrangeiros (indo de US$1,50
Como mostramos anteriormente, com uma a US$1,00). Assim, uma primeira consequ-
desvalorização cambial (i.e., baixa deman- ência das variações cambiais é seu impacto
da de real frente ao dólar) a taxa de câm- sobre exportações, importações e demanda
bio sobe. Mas qual a consequência prática agregada – com valorização cambial (taxa de
disso? Num dado momento, poderíamos câmbio baixa), nossa moeda vale mais fren-
ter uma mudança de US$1,00 por R$2,00 te às moedas estrangeiras, o que nos permi-
para US$1,00 por R$3,00; com isso, bens te importar mais e exportar menos, fazen-
importados ficam mais caros, de modo que do com que a demanda agregada diminua.
não compensa comprarmos de outras eco- Correspondentemente, com desvalorização
nomias; ao mesmo tempo, todos os pro- cambial (taxa de câmbio alta), nossa moeda

82/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
vale menos frente às moedas estrangeiras, Como vimos, um movimento de valoriza-
o que nos permite exportar mais e importar ção cambial possibilita uma elevação das
menos, fazendo com que a demanda agre- importações. Com isso, os produtores na-
gada se eleve. cionais são forçados a competir com em-
Você deve se lembrar da importância da de- presas internacionais, respondendo aos
manda agregada na determinação da situa- preços praticados internacionalmente. O
ção de uma dada economia: é ela que move mecanismo de âncora cambial prevê que
a renda nacional e o nível geral de preços, os preços na economia nacional sejam re-
operando entre os limites do desemprego e duzidos pela pressão exercida pelos preços
da inflação. Assim, deve soar como natural estrangeiros, o que forçaria o empresaria-
que a taxa de câmbio possua uma ligação do brasileiro a operar com maior eficiência
direta com a inflação, em uma dada econo- e menores preços.
mia, e que a valorização e a desvalorização Se a relação entre inflação e taxa de câm-
cambial atuem no controle do nível geral de bio fosse tão simples assim, poderíamos dar
preços. Nesse sentido, utiliza-se muitas ve- nossa conversa por encerrada e passar para
zes a valorização do câmbio como uma ân- o próximo tópico. Mas não é. A âncora cam-
cora cambial. Mas como opera esse meca- bial muitas vezes se converte em uma ar-
nismo, e qual sua importância? madilha cambial: ao passo em que a fixação
83/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
de uma taxa de câmbio favorável para as res). Mas é possível apontar também resul-
importações tenderia a estimular a eficiên- tados de médio prazo para essas políticas:
cia e competitividade do empresariado bra- com câmbio desvalorizado, a elevação pro-
sileiro, essa mesma taxa de câmbio frustra longada das exportações poderia aumentar
o potencial de exportação dessa economia a oferta de dólares, com respectiva queda da
ao mesmo tempo em que aumenta a de- dívida externa em dólares. Efeito inverso é
pendência de financiamentos externos. Por esperado de uma valorização cambial, com
ser uma relação complexa, é preciso pensar o possível agravamento da dívida externa
em vários preços chave da economia, e nas (também pelo endividamento do governo
consequências sobre cada um deles. federal para manter o câmbio valorizado).
Em todos os casos, a relação entre taxa de
3. Dívida Externa, Mercados de câmbio e os demais preços de uma dada
Moedas e Taxa de Juros economia obedece a uma regra básica: é
preciso ponderar a variação dos preços in-
Outra consequência lógica dos movimentos
ternos frente aos preços externos, mediar
de valorização ou desvalorização cambial é
essas variações pela taxa de câmbio, e então
a flutuação do estoque da dívida externa em
se perguntar se seria conveniente a compra
reais (sem impacto sobre seu saldo em dóla-
ou venda de produtos ou capitais na nossa
84/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
economia ou nos mercados internacionais. cia estrutural do nosso mercado fren-
Vamos parar para pensar sobre isso por dois te aos mercados externos, pautada
minutos: pela importação de vários produtos
essenciais (como petróleo e bens de
• Em um contexto de elevada inflação,
capital) pode fazer com que a inflação
uma redução na taxa de câmbio (i.e.,
efetivamente se eleve. Nesse caso, ca-
valorização da moeda nacional) incor-
beria às autoridades de política cam-
reria em importações a preços mais
bial promoverem a desvalorização do
baixos, podendo fazer com que o nível
câmbio (i.e., elevação da taxa de câm-
geral de preços se reduzisse também.
bio) para garantir que as empresas na-
Esse é o mecanismo de âncora cam-
cionais aproveitassem a oportunidade
bial, que discutimos anteriormente.
para concorrer nos mercados interna-
Por outro lado, essa situação tornaria
cionais a baixos preços. A dificuldade,
a compra de bens nacionais desinte-
aqui, seria ponderar qual consequên-
ressante, para agentes internacionais,
cia traria mais danos ao sistema.
coibindo as exportações.
• Mecanismo similar pode ser observa-
• Por outro lado, se essa inflação for um
do no que diz respeito à taxa de juros.
fenômeno internacional, a dependên-
Quando há diferença positiva entre a
85/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
taxa de juros interna e as taxas exter-
nas, capitais internacionais migram
para a economia brasileira, elevando
a demanda por reais e promovendo
uma valorização da moeda nacional
(redução da taxa de câmbio).
• Efeito inverso acontece quando nos-
sas taxas de juros internas diminuem:
há uma queda na oferta de divisas,
com correspondente desvalorização
da moeda nacional, e capitais es-
trangeiros e nacionais buscam opor-
tunidades de valorização fora do país.

86/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
Glossário
Âncora Cambial: O mecanismo de âncora cambial prevê que os preços na economia nacional
sejam reduzidos pela pressão exercida pelos preços estrangeiros, o que forçaria o empresariado
brasileiro a operar com maior eficiência e menores preços.
Regimes cambiais: regras estabelecidas pelas autoridades monetárias para a flutuação da taxa
de câmbio. Comumente, dividimos esses regimes em dois tipos: regimes de câmbio fixo, em que
o Banco Central fixa antecipadamente a taxa de câmbio e compra divisas a esse preço, para as-
segurar sua manutenção; e regimes de câmbio flutuante, em que não há compromisso do Banco
Central com a fixação da taxa de câmbio e ela é deixada à mercê do mercado.
Taxa de câmbio: medida da relação entre oferta e demanda de divisas (moedas) estrangeiras.
Em termos usuais, é a taxa pela qual trocamos reais e dólares.

87/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
?
Questão
para
reflexão
Suponha que uma economia aberta e com governo opere com uma
taxa genérica de importação de 25%. Considerando o elevado défi-
cit governamental, seu ministro da fazenda propõe a adoção de um
regime de câmbio fixo com a valorização da moeda nacional, esta-
belecendo a paridade entre essa moeda nacional e o dólar. Quais
seriam as consequências imediatas dessa medida? Dentre essas,
quais poderiam trazer resultados para essa economia? Quais se-
riam prejudiciais, e quais setores seriam afetados por essa decisão?
Por fim, você consegue pensar em alguma outra forma de equilibrar
a receita estatal sem recorrer a este imposto de importação? Conti-
nue refletindo sobre estas questões conforme avançamos pela pró-
xima unidade, em que discutiremos o papel do Estado na economia.

88/236
Considerações Finais

• Virtualmente todas as economias capitalistas participam de trocas internacionais, e estas


trocas são marcadas pela especialização das diferentes economias e pelo estabelecimento
de uma institucionalidade comum.
• A variável fundamental, nessas trocas, é a taxa de câmbio, uma medida da relação entre ofer-
ta e demanda de divisas (moedas) estrangeiras. Em termos usuais, é a taxa pela qual troca-
mos reais e dólares.
• A taxa de câmbio tem uma ligação peculiar com as exportações e importações, sendo res-
ponsável pelo estímulo ou desestímulo a essas duas variáveis e por seu impacto sobre a de-
manda agregada. Assim, nível geral de preços e taxa de câmbio estão ligados de forma direta.
• O mesmo vale para as taxas de juros: caso nossa taxa de juros seja superior à praticada nos
mercados internacionais, haverá aporte de capitais estrangeiros para a economia brasileira,
com progressiva valorização da moeda nacional (i.e., redução da taxa de câmbio). Com uma
taxa de juros inferior à praticada nos mercados internacionais, haverá fuga de capitais es-
trangeiros, e progressiva desvalorização da moeda nacional (i.e., elevação da taxa de câmbio).
89
Referências

BLANCHARD, O. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1999.


JESUS, J.M.C.R. A Economia de John Maynard Keynes: Uma Pequena Introdução. Textos de Econo-
mia, Florianópolis, v.14, n.1, p.118-137, jan./jun. 2011.
KEYNES, J. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, A. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999.
VASCONCELLOS, M. Economia: Micro e Macro. São Paulo: Atlas, 2001.

90/236 Unidade 3 • As Relações com o Mercado Externo: taxa de câmbio, importações e exportações
Questão 1
1. Um elemento central nas relações de qualquer economia com o mercado
externo é a taxa de câmbio. Essa taxa pode ser definida como:

a) O preço do dólar e do euro num dado momento, resultante da inflação nessas economias.
b) Uma medida da relação entre oferta e demanda de divisas (moedas) estrangeiras.
c) O prêmio pago a investidores estrangeiros pela cessão da liquidez.
d) Uma das resultantes da inflação.
e) Uma taxa fixada arbitrariamente pelas autoridades monetárias, que determina nossa parti-
cipação nas trocas internacionais.

91/236
Questão 2
2. Assinale a alternativa que melhor define o funcionamento âncora cambial.

a) Manutenção do câmbio flutuante, com adequação da indústria nacional aos mercados ex-
ternos.
b) Estabelecimento de limites para flutuação do câmbio, com promoção das importações.
c) Preservação de uma taxa de câmbio fixo, com valorização da moeda nacional, promovendo
exportações e demanda agregada.
d) Transformação dos termos fundamentais da estrutura produtiva nacional, com participação
expressiva do crédito público.
e) Promoção do câmbio fixo e valorização da moeda nacional (i.e., redução da taxa de câmbio),
forçando as empresas nacionais a competirem com as estrangeiras.

92/236
Questão 3
3. Em macroeconomia, usamos constantemente o termo trindade impossível
para explicar a difícil manipulação simultânea da taxa de câmbio, taxa de juros
e nível geral de preços. Essa denominação pode ser explicada pela (o):

a) Utilização de alguns desses preços chave ou de seus mercados de origem no controle dos
demais (i.e. subordinação do câmbio à política industrial, ou manipulação da taxa de juros
para garantir a contenção da inflação).
b) Ausência de controles efetivos sobre o mercado externo, já que seus movimentos indepen-
dem das decisões governamentais locais.
c) Elevado risco de tentativas de redução da taxa de juros e do controle do câmbio, que podem
resultar em uma escalada inflacionária.
d) Impossibilidade de coexistência dos três preços, já que a internacionalização da economia
determina a sujeição do nível geral de preços à taxa de câmbio.
e) Recurso à taxa de juros como o único preço de ajuste em uma dada economia.

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Questão 4
4. Escolha a alternativa que lista corretamente alguns dos regimes cambiais
mais comuns:

a) Câmbio firme, câmbio variável, âncoras cambiais, flutuação suja.


b) Câmbio fixo, câmbio recorrente, limites cambiais, flutuação suja.
c) Câmbio automático, câmbio flutuante, bandas cambiais, flutuação espúria.
d) Câmbio automático, câmbio variável, bandas cambiais, flutuação suja.
e) Câmbio fixo, câmbio flutuante, bandas cambiais, flutuação suja.

94/236
Questão 5
5. Quais as consequências prováveis, no curto prazo, da manutenção da
economia em um regime de câmbio fixo, com desvalorização da moeda
nacional?

a) Elevação das exportações e entrada de capitais estrangeiros.


b) Redução da demanda agregada e endividamento externo.
c) Elevação da competitividade e estabilidade de preços.
d) Aumento nas importações e estabilidade de preços.
e) Elevação do salário mínimo e da renda nacional.

95/236
Gabarito
1. Resposta: B. 3. Resposta: A.

A taxa de câmbio deve ser entendida como A denominação “trindade impossível” re-
a medida da relação entre oferta e deman- mete à utilização de alguns desses preços
da de divisas (moedas) estrangeiras. Em chave ou de seus mercados de origem no
termos usuais, é a taxa pela qual trocamos controle dos demais (i.e. subordinação do
reais e dólares. câmbio à política industrial, ou manipula-
ção da taxa de juros para garantir a conten-
2. Resposta: E. ção da inflação). Logo, ao menos um desses
preços chave será “sacrificado” para que se
Pela manutenção do câmbio fixo e valoriza- alcancem os objetivos de política econômi-
ção da moeda nacional, o mecanismo de ân- ca relacionados aos outros dois.
cora cambial prevê que os preços na econo-
mia nacional sejam reduzidos pela pressão 4. Resposta: E.
exercida pelos preços estrangeiros, o que
forçaria o empresariado brasileiro a operar Os regimes cambiais mais comuns são câm-
com maior eficiência e menores preços. bio fixo (fixação de taxa de câmbio e sua
manutenção pelo Bacen), câmbio flutuante
(aceitação da taxa de câmbio definida pelo
96/236
Gabarito
mercado), bandas cambiais (estabeleci-
mento de limites dentro dos quais o câmbio
flutua livremente) e flutuação suja (similar
ao câmbio flutuante, mas com amorteci-
mento de variações drásticas pelo Banco
Central).

5. Resposta: A.
Mantido todo o resto constante, essa estra-
tégia resultaria na promoção das exporta-
ções (pela relação entre os preços nacionais
e os praticados no mercado externo) e a en-
trada de capitais estrangeiros.

97/236
Unidade 4
Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia

Objetivos

1. O objetivo desta unidade é expor as


formas usuais de intervenção go-
vernamental sobre a economia, suas
consequências esperadas e as res-
postas de agentes privados à política
econômica. Como o capítulo em ques-
tão retoma os pontos centrais das três
unidades anteriores, ele é entendido,
também, como um sumário do mode-
lo construído até aqui e uma síntese
do que aprendemos, até este ponto,
sobre análise de cenários econômicos.

98
Introdução

Ao longo das unidades anteriores, constru- Há um último ponto que permanece obscu-
ímos um modelo simples, porém eficiente ro, em nossa análise: o papel do Estado. Dei-
para análise de cenários econômicos pre- xamos este ponto por último por uma razão
sentes, passados e futuros. Com o apoio de simples – enquanto discutíamos as formas
noções fundamentais de macroeconomia, de combate à inflação ou ao desemprego,
fomos capazes de esmiuçar o comporta- os mecanismos à disposição de agentes go-
mento da demanda agregada e da maioria vernamentais para a estabilização da eco-
de seus componentes (consumo, investi- nomia e as formas diretas e indiretas de es-
mento, exportações e importações), en- tímulo à demanda, constantemente tece-
tender as relações entre gasto autônomo mos considerações sobre opções de política
e crescimento da renda, explorar as deter- econômica para a realização dos objetivos
minações do investimento e a dinâmica do pontuais, de curto prazo, de uma economia
mercado de moeda, e, por fim, avançar so- (estabilidade de preços, distribuição de ren-
bre o entendimento das relações econômi- da e promoção do crescimento, por exem-
cas internacionais e da taxa de juros, medi- plo). A não ser que você esteja lendo este
da a ligação entre as dimensões produtiva texto a partir da referência peculiar de um
e financeira de uma dada economia com o dos órgãos públicos destinados à gestão
restante do mundo. da política econômica, essas considerações

99/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


talvez tenham causado dúvida. Afinal, não não é somente um mantenedor dos contra-
são exatamente medidas ou estratégias à tos; possui elevada importância como regu-
disposição de empresas, grandes ou peque- lador das flutuações repentinas numa dada
nas, numa economia capitalista; essas ati- economia, garantindo estabilidade ao sis-
tudes só são possíveis a partir do referencial tema e norteando sua atuação por um con-
proporcionado pelo aparelho estatal, pela junto de metas e uma estratégia de médio
possibilidade de emissão de moeda, compra prazo. Para os agentes do setor privado, en-
de moeda estrangeira a preços constantes, tender a atuação estatal é fundamental por
redução artificial da taxa de juros, elevação possibilitar a resposta às decisões de polí-
do salário mínimo, e assim por diante. Por tica econômica tomadas pelas várias esfe-
que, então, estudar a atuação dos agentes ras do governo. Uma pequena variação no
governamentais, e as formas de interven- sistema tributário, a mudança da estratégia
ção do Estado na economia? governamental quanto à taxa de câmbio, a
Quer queira quer não, não há economia ca- promoção da indústria nacional por tarifas
pitalista sem Estado, ainda que este Estado protecionistas e desvalorização da moeda,
só se faça presente para a garantia dos di- aumentos no salário mínimo, revisões das
reitos fundamentais e da defesa da ordem. diretrizes orçamentárias do governo – to-
Ainda assim, na maioria dos casos, o Estado das essas medidas são pensadas com vistas

100/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


a incentivar a demanda e/ou promover objetivos específicos de política econômica. Saber reco-
nhecê-las e tirar proveito da conjuntura criada pela atuação governamental é uma competência
muito valorizada pelo mercado, nos dias de hoje, e pode significar a diferença entre o sucesso de
uma dada empresa ou sua falência.

Para saber mais


Poucos temas são tão polêmicos, em economia, quanto os resultados da intervenção estatal sobre as re-
lações econômicas. Cada escola de pensamento apresenta diferentes posições sobre o tema. Geralmen-
te, elas podem ser sumarizadas da seguinte forma:

• Liberalismo clássico (Smith, Ricardo, Mill): a economia deveria funcionar sem depender do Estado, mas
ele ainda é responsável por reformas importantes. Esses autores veem a possibilidade de promulgação
de leis que defendam a concorrência e garantam o bom funcionamento dos mercados.

• Economia Neoclássica (Jevons, Walras, Marshall): os mercados tendem ao equilíbrio se deixados à pró-
pria sorte. Economia e política são campos distintos, e não cabe aos economistas debaterem política,
como não cabe aos estadistas intervirem sobre a economia.

101/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


Para saber mais
• Marxismo (Marx, Lenin, Rosa Luxemburgo): contrariando a crença popular, os marxistas não são a fa-
vor de maior intervenção do Estado na economia. Marx afirmava que o Estado nada mais é que um
comitê de negócios da classe dominante; percebem a vida política (e a atuação do Estado) como uma
engrenagem na exploração dos trabalhadores.

• Keynesianismo (Keynes, Hicks, Minsky): o funcionamento das economias capitalistas em equilíbrio no


nível de pleno emprego é um caso específico – o caso geral é a operação dessas economias com de-
semprego de fatores. Logo, salvo raras exceções, caberia ao Estado garantir a manutenção da deman-
da agregada e do nível de emprego.

• Escola Austríaca (Hayek, von Mises, Bohm-Bawerk): nada de bom pode vir da intervenção estatal na
economia. As benesses distribuídas pelo Estado perturbariam a estrutura de recompensas de uma
dada sociedade, garantindo desincentivos à ação racional individual.

• Neoliberalismo (Friedman): o Estado tem função limitada. Se extrapolar seus limites, comumente ga-
rante a elevação do nível geral de preços e a instabilidade econômica.

102/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


Para saber mais
• Desenvolvimentismo (Furtado, Prebisch): cabe ao Estado atuar de forma incisiva na garantia do desen-
volvimento nacional, proporcionando crescimento com distribuição de renda e corrigindo desigualda-
des, de forma a garantir uma trajetória de desenvolvimento sustentável. Forte inspiração keynesiana.

• Nova Economia Institucional (North): o Estado deve se pautar por fomentar as instituições de defesa
da propriedade e da concorrência. Reformas liberalizantes garantiriam um ambiente mais saudável
para os negócios, promovendo ganhos significativos de competitividade.

Link
Uma das principais razões para a intervenção estatal sobre o mercado é a tendência a crises periódicas
nas economias capitalistas. Neste bem-humorado vídeo, o geógrafo David Harvey explica os fundamen-
tos dessas crises e sua recorrência ao longo do tempo: RSA Animate: David Harvey – Crises of Capitalism
(em inglês).

103/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


1. Metas e Instrumentos de Polí- • Manutenção do nível de emprego:
tica Econômica pessoas desempregadas não conso-
mem, e, como você deve se lembrar,
Talvez você não lembre, mas tocamos neste o desemprego é a distância entre o
ponto rapidamente, ainda no primeiro capí- que uma economia poderia produzir e
tulo. Normalmente, os governos interferem o que ela efetivamente produz (logo,
na economia a partir de um conjunto de representa uma série de oportunida-
metas específicas, cada qual pensada como des perdidas ou desperdiçadas pelos
uma situação de ganho econômico para a agentes econômicos). Como geral-
coletividade. A atuação é mediada por um mente é do interesse da sociedade
conjunto de instrumentos de política eco- promover patamares razoáveis de
nômica, que representam as diferentes for- produção e renda, é comum que o go-
mas possíveis de atuação governamental verno atue no combate ao desempre-
com vistas a estes objetivos. go criando postos de trabalho e capi-
taneando iniciativas de capacitação
Comumente, listam-se entre as metas de
profissional. Outras medidas (como
política econômica:
variações no salario mínimo ou in-
centivos a contratantes de entrantes

104/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


no mercado de trabalho) também são do governo, nesse sentido, são o sala-
pensadas nesse sentido. rio mínimo e as várias alíquotas de tri-
• Distribuição de Renda: se você se butação, que podem influir na forma
lembra do papel do multiplicador ke- como diferentes camadas sociais são
ynesiano do gasto, certamente enten- oneradas ou privilegiadas pela arre-
de por que uma distribuição equitati- cadação de recursos pelo Estado.
va de renda é importante para garan- • Combate à inflação: a inflação pode
tir a estabilidade e o crescimento de ocorrer por uma série de motivos, mas
uma economia capitalista. O comba- geralmente é entendida como uma flu-
te à desigualdade garante não só um tuação positiva e consistente do nível
sistema econômico mais estável, com de preços, com consequências ruins
participação maior do consumo (e, sobre a economia como um todo. Uma
portanto, maior impacto do investi- arrancada inflacionária redistribui de
mento e de variações da renda), mas forma drástica a renda dentro do sis-
também uma sociedade mais justa, tema, a partir da rapidez (ou lentidão)
igualitária e democrática, da perspec- com que contratos e pagamentos são
tiva da igualdade de oportunidades. revistos para dar conta da flutuação
As ferramentas básicas à disposição dos preços. Como vimos, também in-
105/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia
viabiliza a concorrência das empresas pode ser empregado para esse obje-
nacionais com o capital estrangeiro, tivo, mas é recomendável cautela: o
e eleva a demanda de moeda para o foco exagerado ou exclusivo na infla-
motivo transação, promovendo ele- ção pode causar grandes danos para
vação correspondente nas taxas de os outros objetivos usuais de política
juros. De forma correlata, incide di- econômica, sacrificados em nome da
retamente sobre o poder de compra estabilidade de preços.
dos trabalhadores, pela dificuldade • Crescimento Econômico: as econo-
de revisão ou reajuste dos salários. mias capitalistas contemporâneas são
A defasagem dos salários reais pode organismos em constante expansão.
colocar essa economia numa situação Suas empresas demandam maiores
de redução estrutural da demanda, mercados; seus mercados, mais pro-
e a inflação geralmente é uma situa- dutos; seus consumidores, mais renda
ção indesejável, seu enfrentamento para dispender na satisfação de suas
sendo, muitas vezes, a principal meta necessidades. Assim, é fundamental
de política econômica nas economias que essas economias cresçam. Explo-
em desenvolvimento. Todo o arse- ramos esse tópico em algum detalhe
nal de política econômica do governo quando discutimos as flutuações po-
106/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia
sitivas na demanda agregada: é por tadas em alguns dos tópicos anteriores
essa via (elevações na demanda e cor- (programas de transferência de renda
respondentes incrementos na renda) e elevação do salário mínimo).
que as economias geralmente elevam
sua produção. Mas a promoção des-
se crescimento pode ser feita por vias Link
variadas – por um lado, é possível es- Um dado importante sobre a política de rendas,
timulá-lo pelo gasto autônomo do go- em economias como a brasileira, é seu papel na
verno, mas esse gasto autônomo tem promoção do crescimento econômico. Há alguns
seus limites (explorados a seguir); por anos, pesquisadores do Instituto de Pesquisas
outro, pela organização dos mercados Econômicas Aplicadas (IPEA) estudam essa rela-
ção. Neste breve artigo, de 2010, o ciclo recente
de moeda de modo a garantir taxas de
de crescimento conjunto dos salários e do nível
juros favoráveis ao investimento; uma
geral da produção é explorado de forma sucinta:
terceira via viria pela promoção das ex-
Distribuição de renda é desenvolvimento.
portações e de seu papel positivo so-
bre a demanda; por fim, é possível falar
também em medidas de promoção di-
reta da renda, como aquelas apresen-

107/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


Para saber mais
O economista Celso Furtado, ao escrever O Mito do Desenvolvimento Econômico, chama a atenção para a
complexa relação entre empresas e Estados na economia contemporânea: “O traço mais característico
do capitalismo na sua fase evolutiva atual está em que ele prescinde de um Estado, nacional ou multina-
cional, com a pretensão de estabelecer critérios de interesse geral disciplinadores do conjunto das ati-
vidades econômicas. Não que os Estados se preocupem menos, hoje em dia, com o interesse coletivo. À
medida que as economias ganharam em estabilidade, a ação do Estado no plano social pôde ampliar-se.
Mas, como tanto a estabilidade quanto a expansão dessas economias dependem fundamentalmente das
transações internacionais e estas estão sob o controle das grandes empresas, as relações dos Estados
nacionais com estas últimas tenderam a ser relações de poder. Em primeiro lugar, a grande empresa con-
trola a inovação - a introdução de novos processos e novos produtos - dentro das economias nacionais,
certamente o principal instrumento de expansão internacional; em segundo lugar, elas são responsáveis
por grande parte das transações internacionais e detêm praticamente a iniciativa nesse terreno; em ter-
ceiro lugar, operam internacionalmente sob orientação que escapa em grande parte à ação isolada de
qualquer governo; e, em quarto, mantêm uma grande liquidez fora do controle dos bancos centrais e têm
fácil acesso ao mercado financeiro internacional” (FURTADO, 1974, p. 32-33).

108/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


Para saber mais
Essa afirmação é importante por trazer à tona as dificuldades por vezes enfrentadas na elaboração da
política econômica, e o dado fundamental de que muitas vezes a vida econômica de uma nação é refém
não das estratégias de desenvolvimento ou estabilidade de um dado Estado, mas das práticas das gran-
des empresas.

Como antecipamos no nosso tratamento das diferentes metas de política econômica, cada um
desses objetivos pode ser alcançado pelo emprego de uma variedade de instrumentos. Geral-
mente esses instrumentos são enquadrados da seguinte forma:
• Política Fiscal: compreende tanto a arrecadação de tributos pelo governo, por via da políti-
ca tributária, quanto suas despesas, pela chamada política de gastos. Os gastos são repre-
sentados como componente da demanda agregada, uma das formas de gasto autônomo
em nosso modelo; e os impostos? Grosso modo, impactam sobre a renda, reduzindo-a ao
montante de renda disponível para consumo e poupança. Discutiremos a tributação em
mais detalhe na sequência.
• Política Monetária: os mecanismos à disposição do governo para influenciar oferta e de-
manda de moeda – emissões, open market, depósitos compulsórios, redescontos e legisla-
109/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia
ção sobre crédito e taxa de juros. Ex- • Política de Rendas: algumas políticas
ploramos esses elementos em alguma peculiares, que usualmente seriam
profundidade no capítulo 2, sobre a entendidas como fiscais, monetárias
dinâmica financeira da economia. É ou cambiais, são geralmente enqua-
importante lembrar que instrumentos dradas como políticas de rendas. Tra-
de política monetária não servem so- tam-se de iniciativas de promoção do
mente à manipulação do mercado fi- poder de compra, da renda mínima
nanceiro: podem atuar no sentido do ou de distribuição de renda entre os
combate à inflação ou na promoção agentes econômicos. Como o governo
do crescimento econômico. arrecada recursos da coletividade, ele
• Política Cambial: exploramos esse pode redistribuí-los de forma a tornar
ponto no capítulo anterior; trata-se essa mesma sociedade mais igualitá-
do controle, pelo governo, da taxa de ria, da perspectiva da renda.
câmbio, com impacto decisivo sobre Pensar, ponto por ponto, nas múltiplas for-
importações, exportações, demanda mas de atuação dentro dos limites de cada
agregada, inflação e taxa de juros. um desses instrumentos, envolveria ela-
borar um compêndio muito mais extenso
do que o escopo desta disciplina permite.
110/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia
Como imaginar as consequências e desdobramentos de diferentes instrumentos de política eco-
nômica? É aqui que você vai empregar o modelo construído nas páginas anteriores. Procure se fazer
as seguintes perguntas sempre que se deparar com uma determinada linha de política econômica:
(1) como enquadrá-la, dentro do eixo política fiscal, política monetária, política cambial e política
de renda? (2) quais metas são defendidas ou promovidas por essa política? (3) como essa política
impactaria sobre as variáveis chave do modelo – nível de preços, taxa de juros, taxa de câmbio e
demanda agregada? (4) quais as consequências positivas e negativas dessa linha de atuação?

Para saber mais


Um dado fundamental sobre a atuação do Estado na economia é a relação entre o orçamento da união e
a sua arrecadação, i.e., o contraste entre quanto o governo gasta e quanto ele ganha. Assim, um governo
que gasta mais do que ganha opera no que chamamos de déficit fiscal; uma administração que efetiva-
mente é capaz de arrecadar além de seus gastos lida com uma situação de superávit fiscal. Agora, qual a
importância das duas situações? Um governo operando em déficit fiscal é um governo que está se endi-
vidando e comprometendo as possibilidades de pagamento dessa dívida no futuro.

111/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


Para saber mais
Ou seja: há uma elevação da razão dívida bruta/PIB, o que compromete a possibilidade de pagamento
dessa dívida (ou mesmo de seu serviço, das amortizações dos juros) no médio e longo prazo. Em termos
claros, diretos, é um governo que está vendendo o futuro para operar no presente, ao criar condições adver-
sas para a realização de política econômica e concessão de crédito internacional no futuro. Por outro lado,
um governo operando em superávit fiscal trabalha com a possibilidade de amortização ou pagamento de
parcelas da dívida pública, liberando a coletividade desse peso, nos próximos anos. É importante ressaltar
que, apesar de não ser o ideal, uma situação de endividamento temporário de um determinado Estado
não é exatamente um “pecado capital”, como afirmam alguns economistas; faz parte da dinâmica de
intervenção e atuação do Estado. Por vezes, é possível imaginar objetivos de curto prazo que justifiquem
esse endividamento. Agora, se falamos em endividamento crônico e na impossibilidade de equilíbrio fis-
cal, a situação já é mais drástica.

2. Death and Taxes – a estrutura do sistema tributário e como, quando


e onde os impostos podem ter efeito positivo

Muitas vezes, o debate ideológico ou midiático em economia se descola de considerações prag-


máticas sobre política econômica e se organiza em torno de clamores apaixonados em favor desta
112/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia
ou daquela filosofia de organização da vida os impostos não deveriam interferir sobre os
econômica. Um caso paradigmático desse preços relativos do mercado, minimizando
problema é a discussão usualmente travada o impacto da carga tributária sobre as deci-
sobre tributação na grande imprensa, que sões econômicas dos agentes. Na sequên-
não leva em consideração os detalhes finos cia, elencados sobre o denominador comum
da estrutura tributária, e se perde em meio do princípio da equidade (que reza que os
a libelos pela supressão de todos os impos- impostos devem dividir seu ônus de forma
tos, ou contra sua legitimidade. Como afir- igualitária e justa entre os indivíduos), há
mamos anteriormente, o Estado é compo- os princípios do benefício e da capacidade
nente indispensável de qualquer economia de pagamento: respectivamente, defendem
capitalista avançada. E, por mais que eles que um tributo justo é aquele que se eleva
por vezes onerem nossa renda e pareçam de forma proporcional aos benefícios obti-
representar uma fonte sem fim de despesas, dos pelos agentes da atuação do Estado, e
os tributos são parte desse componente; é de que agentes e famílias contribuiriam com
preciso entendê-los para poder criticá-los. impostos de acordo com sua capacidade de
Em teoria, os impostos deveriam obedecer pagamento (o que chamamos de impostos
a alguns princípios básicos. Em primeiro lu- progressivos).
gar, enfatiza-se o princípio da neutralidade:
113/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia
O problema, no nosso caso, é que a estrutu- e transferência de renda e dificulda-
ra tributária brasileira viola cada um desses des econômicas; logo, não faria sen-
princípios de forma peculiar: tido exigir os alvos dessa política que
arcassem com carga fiscal maior que
• Convivemos com uma multiplicidade
o restante da sociedade. O problema
de impostos sobre o consumo (impos-
é ainda maior quando pensamos nos
tos indiretos), que incidem sobre dife-
benefícios indiretos conferidos pelo
rentes categorias de bens e serviços.
governo, na forma de perdão de dí-
Com isso, a atividade econômica não
vidas, renegociações e similares, que
se pauta só pelos preços e lucros pra-
geralmente beneficiam camadas de
ticados em cada setor, mas também
renda elevada.
pela carga tributária incorporada à
operação naquele ramo de ativida- • O princípio da capacidade de paga-
de (em desacordo com o princípio da mento é, com vasta margem, o ponto
neutralidade). em que encontramos maiores dificul-
dades. Isso se deve não à estrutura de
• O princípio do benefício é polêmico,
nosso imposto de renda, que é poten-
por geralmente haver uma correla-
cialmente progressivo (ainda que os
ção entre políticas de ação afirmativa
analistas concordem que deveria ha-
114/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia
ver uma faixa maior de isenção e tri- a carga tributária seja progressiva, e que os
butação progressivamente maior para impostos incidam sobre os estratos supe-
os estratos superiores), mas a nossos riores da renda (garantindo que recursos
impostos sobre consumo: como eles que seriam retirados do sistema econômi-
são incorporados ao preço de bens e co efetivamente permaneçam nele); é pre-
serviços, sua incidência acaba por pe- ciso que não interfira com os preços rel-
sar de forma direta no bolso do traba- ativos dos setores (estabelecendo-se de
lhador, com impacto negativo sobre o forma cuidadosa, de modo a não prejudi-
consumo e a demanda agregada. car a dinâmica econômica); e que seja dev-
E como esses impostos poderiam ter efeito idamente auditada, e que seu destino seja
positivo sobre o sistema? Ao financiar o garantido e verificado por lei.
déficit público e permitir que o governo
atue de forma decisiva na promoção da
demanda e do investimento, a arrecadação
tributária potencializaria o crescimento, a
distribuição de renda, o nível de emprego
e o combate à inflação, nessa sociedade.
Mas, para que isso aconteça, é preciso que
115/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia
Link
Um importante proponente da tributação progressiva da renda, nos dias de hoje, é o economista Sérgio
Wulf Gobetti. Neste breve artigo, ele explora os motivos pelos quais o imposto sobre grandes fortunas
traria resultados positivos para a economia brasileira: Governo deveria aumentar o Imposto de Renda dos
mais ricos? SIM, de Sérgio Wulf Gobetti.

É preciso entender o nosso sistema tributário para que possamos criticá-lo. Caso contrário, corremos
o risco de fazer afirmações genéricas e pouco informadas sobre a necessidade de redução universal da
tributação, quando isso agravaria a fiscalidade do Estado e contribuiria para a instabilidade econômica.
Uma fonte indispensável, nesse sentido, é o breve texto publicado no Nexo Jornal em 2016 – Impostos:
aumentar, reduzir ou reformar todo um sistema. O artigo explica de forma clara e objetiva a estrutura do
sistema tributário brasileiro, recorrendo a alguns exemplos no detalhamento de tributos diretos e indi-
retos. Vale a leitura.

116/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


Glossário
Política Cambial: trata-se do controle, pelo governo, da taxa de câmbio, com impacto decisivo
sobre importações, exportações, demanda agregada, inflação e taxa de juros.
Política Fiscal: compreende tanto a arrecadação de tributos pelo governo, por via da política tri-
butária, quanto suas despesas, pela chamada política de gastos.
Política Monetária: os mecanismos à disposição do governo para influenciar oferta e demanda
de moeda – emissões, open market, depósitos compulsórios, redescontos e legislação sobre cré-
dito e taxa de juros.

117/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


?
Questão
para
reflexão
Pense sobre os três impostos detalhados abaixo, parte da estrutura
tributária brasileira:
• IRPF (Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas) é um imposto
direto, de responsabilidade da receita federal, cobrado direta-
mente no recebimento de renda por uma pessoa física.
• IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) incide diretamente
sobre produtos industrializados (nacionais ou importados); logo,
é um imposto indireto, de responsabilidade da receita federal,
cobrado sobre a produção ou importação de mercadorias.
• ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) inci-
de sobre toda a movimentação de mercadorias e serviços, sendo
também classificado como um imposto indireto, de responsabi-
lidade da receita estadual.
118/236
?
Questão
para
reflexão

Quais as consequências da elevação ou redução de cada


um desses tributos? Quem seriam os agentes (ou as es-
feras de governo) responsáveis pela arrecadação e pela
revisão desses tributos? Quais camadas da população
são afetadas de forma mais direta por cada um deles?

119/236
Considerações Finais
• O Estado é um componente fundamental de qualquer economia capitalista
avançada, e sua atuação sobre essa economia pode ser tanto positiva quan-
to negativa.
• A intervenção estatal é norteada por um conjunto de metas de política eco-
nômica, que comumente engloba a manutenção do nível de emprego, o
combate à inflação, a distribuição de renda e a promoção do crescimento
econômico.
• Essas metas são alcançadas por meio de uma série de instrumentos, que re-
presentam o arsenal de política econômica à disposição do governo. Trata-
-se da política fiscal, política monetária, política cambial e política de renda.
• A estrutura tributária é a forma pela qual o Estado arrecada tributos da po-
pulação, redirecionando-os para seus objetivos específicos. É preciso com-
preendê-la em profundidade e evitar críticas rasas, para construir análises
efetivas da situação econômica do país.

120
Referências

BLANCHARD, O. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1999.


JESUS, J.M.C.R. A Economia de John Maynard Keynes: Uma Pequena Introdução. Textos de Econo-
mia, Florianópolis, v.14, n.1, p.118-137, jan./jun. 2011.
KEYNES, J. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, A. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999.
VASCONCELLOS, M. Economia: Micro e Macro. São Paulo: Atlas, 2001.

121/236 Unidade 4 • Decisões governamentais e seu impacto sobre a economia


Questão 1
1. Em linhas gerais, o que define a intervenção econômica estatal por meio
da política fiscal?

a) O controle dos meios de pagamento pela criação ou destruição de moeda.


b) O ajuste de nossas relações com o mercado externo por meio do controle da taxa de câmbio
e das tarifas alfandegárias.
c) A distribuição de renda a partir da elevação do salario mínimo e de programas de transfe-
rência direta de renda.
d) A arrecadação de tributos pelo governo, por via da política tributária, e a realização de des-
pesas consideradas de interesse da sociedade, pela política de gastos.
e) Nenhuma das anteriores.

122/236
Questão 2
2. A afirmação comum de que a população brasileira é assolada por eleva-
dos impostos se deve, em grande medida, a:

a) Pesadas alíquotas de imposto de renda, que incidem fundamentalmente sobre a parcela


mais rica da população.
b) Elevados impostos indiretos, que impactam sobre o consumo dos mais ricos.
c) Pesadas alíquotas de imposto de renda, que incidem fundamentalmente sobre a parcela
mais pobre da população.
d) Elevados impostos indiretos, que impactam sobre o consumo dos mais pobres.
e) Todas as anteriores.

123/236
Questão 3
3. Entre as alternativas listadas abaixo, escolha a única que NÃO corres-
ponde a uma meta usual de política econômica.

a) Manutenção do nível de emprego.


b) Distribuição de renda.
c) Elevação do índice de liberdade econômica.
d) Combate à inflação.
e) Crescimento econômico.

124/236
Questão 4
4. Analise as afirmações a seguir:

1. O princípio da neutralidade da tributação defende que os impostos não deveriam interferir


sobre os preços relativos do mercado;
2. O princípio do benefício significa o pagamento de maiores alíquotas de impostos pelos maio-
res beneficiários da atuação econômica do Estado;
3. O princípio da capacidade de pagamento supõe que todos os agentes, em uma dada econo-
mia, deveriam pagar o mesmo valor absoluto, em impostos.
Escolha a alternativa que liste somente as afirmações VERDADEIRAS:
a) 1, 2 e 3.
b) 2 e 3.
c) 1 e 2.
d) 1.
e) 3.

125/236
Questão 5
5. Analise as seguintes medidas de política econômica: (1) elevação do
encaixe compulsório; (2) promoção de programas de transferência de
renda; (3) manutenção de bandas cambiais para estabilização do câm-
bio. Essas medidas podem ser caracterizadas, respectivamente, como
componentes da:

a) política cambial, política de crescimento e política monetária.


b) política fiscal, política de crescimento e política cambial.
c) política monetária, política de crescimento e política cambial.
d) política monetária, política de crescimento e política de rendas.
e) política monetária, política de rendas e política cambial.

126/236
Gabarito

1. Resposta: D. 3. Resposta: C.

A política fiscal compreende tanto a arreca- A única alternativa que não corresponde a
dação de tributos pelo governo, por via da uma meta usual de política econômica é a
política tributária, quanto suas despesas, elevação do índice de liberdade econômica.
pela chamada política de gastos.
4. Resposta: C.
2. Resposta: D.
O terceiro item está incorreto, uma vez que
O maior problema de nossa estrutura tribu- o princípio da capacidade de pagamento
tária é a regressividade dos impostos sobre supõe que agentes e famílias contribuiriam
bens e serviços - ou seja, os elevados impos- com impostos de acordo com sua capacida-
tos indiretos, que impactam sobre o consu- de de pagamento (o que chamamos de im-
mo dos mais pobres. postos progressivos).

127/236
Gabarito

5. Resposta: E.

A elevação do encaixe compulsório (redu-


ção do potencial de criação de moeda dos
bancos comerciais) é um dos mecanismos
usuais da política monetária. A promoção
de programas de transferência de renda é
uma medida comum da política de rendas.
E a manutenção do regime de bandas cam-
biais é, de forma clara, parte do instrumen-
tal de política cambial.

128/236
Unidade 5
Concorrência: fundamentos e estruturas

Objetivos

1. O objetivo desta unidade é proporcio-


nar um breve sumário das estruturas
de concorrência usualmente encon-
tradas em economias capitalistas, seu
impacto sobre a dinâmica de concor-
rência entre diferentes empresas e sua
importância na determinação de es-
tratégias competitivas para posicio-
namento das empresas (ou a resposta
a estratégias adotadas por empresas
rivais).

129
Introdução

Até aqui, nos ativemos ao que denomina- cia para a dinâmica de concorrência num
mos de modelo keynesiano básico. Tecemos dado setor e as estratégias possivelmente
uma série de considerações sobre a econo- adotadas nesses cenários.
mia no âmbito macro, e extrapolamos es- Por que isso se faz necessário? Como ado-
sas considerações para os nexos lógicos tamos, desde o princípio, o referencial de
entre as diferentes variáveis que compõem análise de cenários econômicos a partir da
esse modelo. Com base nisso, estudamos a iniciativa privada e em resposta à atuação
taxa de câmbio, a taxa de juros, o nível geral do governo, em macroeconomia, é conve-
de preços, os condicionantes da demanda niente que discutamos o “microcosmo” da
agregada e as formas e objetivos de inter- atuação empresarial em uma economia ca-
venção estatal na economia. Agora, é che- pitalista. Você deve ter um conhecimento
gada a hora de abandonarmos o nível ma- aprofundado da organização de sua área
croeconômico de análise e nos dedicarmos de atuação. Provavelmente deve ser capaz
a alguns termos microeconômicos da refle- de listar os principais produtos comerciali-
xão sobre cenários econômicos: as chama- zados nesse setor, seus produtores, a forma
das estruturas de mercado, a sua importân- como eles se relacionam, os diferentes ni-

130/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas


chos desse mercado, quais decisões empresarias recentes foram mais ou menos frutíferas, e
assim por diante. Mas há um elemento central à compreensão de qualquer setor de atividade
econômica, ainda mais em tempos de crise: a forma como esse setor está organizado, i.e., seus
termos básicos de operação e funcionamento. É este o nosso ponto de partida, para a presente
discussão.

Para saber mais


Um dado econômico fundamental é a operação de diferentes setores (por vezes conectados) em diferen-
tes estruturas de mercado. Logo, é bem possível que um setor que opere em monopólio ou oligopólio de-
mande produtos produzidos em situações de concorrência oligopolística, ou vice-versa. Ao longo dessa
unidade e da próxima, procure responder aos seguintes questionamentos: como essa diferença e grau de
concentração impactam sobre a relação entre os dois setores? Numa situação de crise, quais empresas
provavelmente seriam forçadas a arcar com uma redução nos lucros? Como isso impactaria sobre a es-
trutura desses setores, num futuro próximo?

131/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas


1. Estruturas de Mercado
Link Há uma parte amplamente divulgada do
As disputas entre diferentes empresas são pau-
conhecimento econômico que é assumida
tadas, na grande maioria das vezes, pelas espe-
como certeza ou verdade universal por um
cificidades dos mercados disputados por essas
grande número de pessoas. Segundo essa
corporações. Assim, é comum ver embates entre
revelação científica, todas as nossas trocas
grandes marcas que acusam umas às outras de
seriam organizadas em mercados, pautadas
monopólio. Um exemplo recente é a batalha le-
pela interação entre a oferta e demanda,
gal entre Apple e Samsung. Leia atentamente o
em que produtores e consumidores intera-
artigo do link abaixo e mantenha esse exemplo
giriam de forma livre e alcançariam o “pre-
em mente enquanto discutimos as estruturas de
ço de equilíbrio”, pelo qual a quantidade de
mercado, nessa unidade.
bens demandada seria comprada, realizan-
do simultaneamente a oferta da produção.
Essa interpretação da realidade, derivada
dos tratados de economia política dos sécu-
los XVIII e XIX, atenderia pelo nome de “sis-
tema de mercado”, e responderia a leis como

132/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas


o equilíbrio geral e a lei de demanda, entre Carros? Pois bem: a diferenciação entre pro-
tantas outras. Sua livre atuação garantiria a dutos já rompe com uma das cláusulas pé-
realização do pleno potencial econômico da treas da concorrência pura – se os produtos
sociedade, e levaria os indivíduos, por meio são diferenciados, há considerações outras
das trocas livres, ao progresso material e ao na sua aquisição, por um consumidor, para
bem-estar. É a isso que denominamos de além da quantidade demandada e de seu
concorrência pura, ou mercado em concor- preço de equilíbrio. Entrantes nesse mer-
rência perfeita, ou ainda livre concorrência. cado (empresas que repentinamente de-
É muito provável que você já tenha ouvi- sejassem produzir papel higiênico, cerveja,
do falar sobre essa forma de organização sucos, água mineral ou peças de vestuário)
da economia. Agora, muito provavelmente não poderiam competir em condições iguais
também não ouviu muito sobre seus pres- com as pré-existentes. E se essa oferta não
supostos, ou sobre a perspectiva sumariza- pode se elevar de forma espontânea e livre,
da nesse modelo analítico. Vamos partir dos em resposta a elevações da demanda, não é
bens que você consome no dia a dia – você possível falar em livre concorrência ou con-
prefere alguma marca de papel higiênico ou corrência pura/perfeita.
toalha de papel? De cerveja? Água mineral? É bem provável que a concorrência pura
Biscoitos? Massas? Roupas? Eletrônicos? exista, em algum rincão da atividade eco-
133/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas
nômica onde produtos e produtores são in- volvimento de capacidades e competências
diferenciados, mas ela não é o caso geral. E técnicas, os preços praticados pelos concor-
isso não é necessariamente algo negativo, rentes estabelecidos, o contato com forne-
ou um resultado da dinâmica perversa de cedores, os canais para distribuição – estará
concentração de capital ou da intervenção se debruçando sobre as barreiras à entrada,
malfadada do Estado na economia. É um que previnem que os capitais se movam de
fato da vida econômica, algo tão natural, forma efetivamente livre.
nos dias de hoje, quanto as variações da taxa Quando falamos em estruturas de mer-
de câmbio ou o assalariamento do trabalho. cado, falamos na ocorrência em maior ou
Mas, na maioria das vezes, a concorrência menor grau dessas imperfeições. Assim,
não se dá nessas circunstâncias, mas no temos quatro estruturas peculiares, cada
que se denominou de concorrência imper- qual caracterizada por alguns condicio-
feita. Ao pensar em concorrentes, produtos nantes básicos:
e marcas, certamente pensou no que a te-
• Concorrência perfeita: esse é o ce-
oria econômica comumente denomina de
nário usualmente empregado como
imperfeições de mercado. Se avançar na re-
referencial básico, nos modelos apre-
flexão e imaginar os obstáculos impostos a
sentados em manuais de microeco-
novas empresas no setor – como o desen-
134/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas
nomia. Nesse cenário, o mercado é • Monopólio: se a concorrência perfei-
disputado por um número infinito de ta representa o mercado hipotético,
firmas, cada qual operando em condi- puro, em que todos são iguais e dispu-
ções muito similares às demais. Como tam consumidores em pé de igualda-
as firmas são, por definição, indistin- de, o monopólio é o caso inverso – em
tas, também se supõe que o mercado um mercado dominado por estruturas
trabalhe com produto homogêneo; monopolísticas, há apenas uma em-
i.e., os produtos das empresas são in- presa, cuja imagem é automatica-
diferenciados, também, e o consumi- mente associada com a daquele mer-
dor “escolhe” tão somente levando cado, setor ou produto. Esse mono-
em conta o preço. Por fim, não há bar- pólio pode ser resultado de uma série
reiras à entrada de consumidores ou de fatores, podendo ter sua origem
firmas, nesse mercado; qualquer um tanto na proteção estatal ao setor,
com capital suficiente pode se tornar quanto na dinâmica de concorrência
um novo ofertante, ajudando a garan- e concentração de capital no passa-
tir o preço de equilíbrio. Como conse- do, ou mesmo na existência de uma
quência, essas empresas operam com demanda popular a ser satisfeita por
margens minúsculas de lucro. um monopólio dito natural (empresas

135/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas


responsáveis pelo abastecimento de ração no setor. O resultado da con-
água ou energia elétrica, por exemplo, jugação desses fatores é que o preço
constituem monopólios naturais). Em é ditado pela empresa monopolista,
todo caso, o produto ofertado nesse nesses mercados; sem concorrentes
mercado não possui substitutos pró- que possam fazer frente aos preços
ximos, o que faz dele uma mercadoria cobrados pelo monopólio, os consu-
exclusiva daquele gênero. Provavel- midores são forçados a escolher entre
mente esse mercado é mantido com pagar o preço ou não consumir o pro-
o amparo de um conjunto de barrei- duto em questão.
ras à entrada, que atuam no senti- • Concorrência monopolística (ou
do de desencorajar outras empresas concorrência imperfeita): uma situa-
interessadas no setor; é possível que ção híbrida é representada pelos mer-
essas barreiras sejam artificiais, resul- cados em concorrência imperfeita, ou
tado da proteção a essa área, como concorrência monopolística. Nesse
pode ser que elas emerjam de condi- caso, ainda se observa a infinidade de
ções específicas da concorrência nes- empresas atuando no mesmo merca-
se mercado e representem os pesados do, mas agora é possível pensar em
investimentos necessários para ope- diferentes formas de atuação, com
136/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas
algum grau de diferenciação entre os • Oligopólio: de forma similar à concor-
produtos. Ainda que esses produtos rência imperfeita, o oligopólio é uma
possam ser considerados diferencia- estrutura facilmente observável na
dos, persiste a relação de substituição realidade econômica (a vasta maioria
próxima entre eles. A possibilidade de dos mercados opera em estruturas de
desenvolvimento de substitutos para concorrência imperfeita ou oligopó-
os produtos desse mercado garante lio). Neste caso, um pequeno número
que ele opere com poucas barreiras à de empresas domina e disputa o mer-
entrada; é possível visualizar capitais cado em questão, “dividindo-o” em
advindos de outros setores migrando fatias (o chamado market share, ou a
para este ramo sem grandes impedi- fatia do mercado controlada por uma
mentos. Como contam com pequena dada empresa). Os produtos das fir-
ou moderada diferenciação em seus mas participantes do oligopólio po-
produtos, as firmas possuem uma pe- dem ser homogêneos ou diferencia-
quena margem para fixação de pre- dos, mas a estrutura é preservada por
ço, correspondendo à preferencia dos um conjunto de barreiras à entrada de
consumidores por suas mercadorias novas empresas. Como consequência
frente às dos concorrentes. de seu poder de mercado e da possi-

137/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas


bilidade de diferenciação, é comum tes distintos, marcados pelo histórico da
que oligopólios também sejam mar- concorrência em cada um desses casos.
cados por algum potencial de fixa-
ção de preço pelas firmas. Um dado
interessante é que os oligopólios se
Para saber mais
dividem entre oligopólios concentra- Nem todo monopólio é uma “perversão” da con-
dos, marcados por um pequeno nú- corrência. Apesar de falarmos em falhas de mer-
mero de empresas atuantes no setor, cado ou concorrência imperfeita, alguns mono-
e oligopólios competitivos, em que o pólios são consequência das condições usuais de
oligopólio efetivamente domina um operação de um dado setor. Assim, são chamados
setor com muitas firmas (mas em que de monopólios naturais. Alguns exemplos incluem
a maioria delas possui pouquíssimo a geração e distribuição de energia elétrica e as
poder de mercado). concessionárias de transporte público no meio
urbano.
É possível pensar, ainda, em várias formas
híbridas ou peculiares de interação entre as
empresas, em estruturas de mercado pecu-
liares. Cada uma dessas estruturas também
possibilita uma variedade de condicionan-
138/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas
2. Concorrência, crise e oportu-
nidades

Qual o propósito de considerações sobre


Link as diferentes estruturas de concorrência,
Um espaço marcado por um oligopólio compe- a essa altura do campeonato? Em termos
titivo, no Brasil, é o setor cervejeiro, em que um sucintos, conhecer os termos em que as
pequeno número de grandes empresas disputa nossas firmas disputam a predileção dos
as maiores fatias do mercado e uma multitude consumidores pode nos dar importantes
de pequenas cervejarias atua nas franjas da es- indícios sobre qual caminho seguir em si-
trutura. Para entender esse setor e seus desafios tuações peculiares. Um caso específico diz
(típicos dessa estrutura de mercado) recomenda- respeito à reação da firma às medidas to-
mos o vídeo a seguir. O mercado da cerveja no país madas por seus concorrentes; trataremos
e seus desafios. desse caso específico na próxima unidade,
dedicada a um breve estudo da estratégia
competitiva, seus condicionantes e conse-
quências. Outro diz respeito à intervenção
estatal na economia – como empresas de

139/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas


diferentes setores poderiam responder no por empresas interessadas em expan-
caso de mudanças na linha de política eco- dir sua base de consumidores. Ambas
nômica adotada pelo governo? Elencamos as estratégias foram usadas recente-
alguns exemplos mente por grandes varejistas brasi-
leiros, com a redução do IPI (imposto
• A redução de impostos indiretos é um
sobre produtos industrializados) pelo
mecanismo comumente empregado
governo federal.
pelo Estado para incentivar a deman-
da agregada, com elevação da renda • A oferta de crédito subsidiado pelo
disponível para consumo. Caso os pro- Estado é um dos mecanismos mais
dutos cujos impostos foram reduzidos importantes de promoção do cres-
sejam comercializados em monopó- cimento econômico. No caso de di-
lio ou oligopólio, é comum que ape- ferentes estruturas de mercado, a
nas parte da redução seja repassada abertura de canais de crédito parti-
ao consumidor final, como forma de cularmente vantajosos pode significar
manter as elevadas margens de lucro novas oportunidades a serem apro-
dessas estruturas de mercado. É cla- veitadas. O BNDES (Banco Nacional
ro, oferecer descontos maiores pode do Desenvolvimento Econômico e
significar ganho de poder de mercado Social) possui linhas específicas para
140/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas
grandes empresas de setores chave • Flutuações na taxa de juros podem
da economia, geralmente vinculadas facilitar ou comprometer as possibi-
a obras de infraestrutura ou interes- lidades de investimento de uma dada
se estratégico. Por vezes, o Banco atua firma. Nesse caso, é importante que
também na promoção do investimen- grandes empresas se atenham cons-
to em pequenas e médias empresas, tantemente para a possibilidade de
subsidiando a compra de equipamen- reinversão dos lucros, ou para a cap-
to eletrônico ou licenças de softwa- tação de recursos em outros merca-
re. Em cada situação (i.e., oligopólios dos. A comercialização de seus títulos
concentrados ou concorrência mo-
em mercados internacionais pode fa-
nopolística), é interessante pensar
zer sentido, caso a taxa de câmbio de-
em como cada empresa aproveitaria
sencoraje a inversão por empresários
o crédito ofertado a taxas abaixo do
brasileiros.
praticado pelo mercado. Dependendo
da taxa de câmbio e do potencial de
inserção em outras economias, esse
tipo de incentivo pode representar os
primeiros passos na internacionaliza-
ção de uma dada firma.
141/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas
Link
Para saber mais No Brasil, situações que ameacem a concorrência
em um determinado setor são julgadas pelo CADE
Um momento importantíssimo da discussão
– Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
contemporânea sobre concorrência capitalista
Esse órgão é responsável por defender o princípio
e estruturas de mercado foi a publicação de Te-
da livre concorrência estabelecido na Constituição
oria da Dinâmica Econômica e Capitalismo, Socia-
Federal de 1988, impedindo a subversão ou res-
lismo e Democracia, pelo economista Joseph Alois
trição da concorrência por agentes com elevado
Schumpeter, em meados do século XX. Schumpe-
poder de mercado. Para entender os fundamen-
ter é o grande teórico da inovação e do poder de
tos de sua atuação e estudar alguns exemplos
mercado, na história do pensamento econômico.
práticos, recomendamos o Guia prático do CADE.
Suas teses nos ajudam a entender as diferentes
formas assumidas pela concorrência e as estra-
tégias adotadas por diferentes empresas na luta
pela sobrevivência.

142/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas


Glossário
Barreiras à entrada: obstáculos à participação de novas empresas em um dado setor.
Concorrência monopolística: ou concorrência imperfeita; situação em que várias empresas dis-
putam um determinado mercado, com diferenciação de produtos e margens de lucros. Esse mer-
cado pode tender à concentração, situação em que provavelmente as empresas mais fortes do
setor se organizarão em um oligopólio, ou manter-se aberto à entrada de novos concorrentes.
Monopólio: situação em que uma única empresa controla um setor ou mercado, sendo a forne-
cedora exclusiva de um determinado bem. Mercados marcados por monopólios possuem eleva-
das barreiras à entrada, possibilitam altas margens de lucro para a firma monopolista e geral-
mente estão restritos a situações peculiares.

143/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas


?
Questão
para
reflexão
Um dado fundamental das diferentes estruturas de mercado é a
existência de barreiras à entrada, nas estruturas mais concentra-
das, que possibilitam a manutenção de margens de lucro acima do
que seriam esperadas, para aquele setor, ou acima das médias da
economia como um todo. Qual a consequência disso, para o consu-
midor? Como isso impacta na distribuição de renda? Por outro lado,
essas margens de lucro possibilitam às empresas que as mantém
certa resiliência em situações de crise ou concorrência acirrada.
Se você fosse o responsável por uma grande empresa, de um setor
monopolista ou oligopolista que enfrentasse diretamente as con-
sequências de uma crise econômica, o que você faria? Como traba-
lharia com os lucros acumulados em momentos anteriores?
144/236
Considerações Finais

• Partimos da compreensão de que nem todo mercado opera em concorrên-


cia perfeita; a bem da verdade, na maioria dos casos se observam situações
de concorrência imperfeita ou oligopólio.
• As diferenças entre estruturas de mercado geralmente dizem respeito à di-
ferenciação de produtos, ao número limitado de firmas, à existência de bar-
reiras à entrada e à capacidade de fixação de preço pelas empresas.
• Analisamos os traços fundamentais de quatro estruturas de mercado para-
digmáticas: a concorrência perfeita, o monopólio, a concorrência imperfei-
ta (ou monopolística) e o oligopólio.
• Discutimos rapidamente o impacto de diferentes estruturas de mercado nas
respostas adotadas pelas firmas às mudanças de conjuntura ou de orienta-
ção de política econômica.

145
Referências

BLANCHARD, O. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1999.


JESUS, J.M.C.R. A Economia de John Maynard Keynes: Uma Pequena Introdução. Textos de Econo-
mia, Florianópolis, v.14, n.1, p.118-137, jan./jun. 2011.
KEYNES, J. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, A. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999.
VASCONCELLOS, M. Economia: Micro e Macro. São Paulo: Atlas, 2001.

146/236 Unidade 5 • Concorrência: fundamentos e estruturas


Questão 1
1. O mercado de refrigerantes, no Brasil, é caracterizado pela disputa en-
tre AMBEV, Brasil Kirin, Coca Cola e Pepsico. Pelo número relativo de con-
correntes e pelas condições gerais desse mercado, podemos caracterizá-lo
como uma situação típica de:

a) Monopólio.
b) Concorrência monopolística.
c) Concorrência perfeita.
d) Concorrência desigual.
e) Oligopólio.

147/236
Questão 2
2. Os traços definidores de um monopólio, na teoria microeconômica, são:

a) Baixas barreiras à entrada, fixação de preços pelo mercado, apenas uma empresa atuando
de forma decisiva no setor.
b) Elevadas barreiras à entrada, fixação de preços pelo mercado, apenas uma empresa atuando
de forma decisiva no setor.
c) Elevadas barreiras à entrada, fixação de preços pelo monopolista, múltiplas empresas atu-
ando de forma decisiva no setor.
d) Baixas barreiras à entrada, fixação de preços pelo mercado, múltiplas empresas atuando de
forma decisiva no setor.
e) Elevadas barreiras à entrada, fixação de preços pelo monopolista, apenas uma empresa atu-
ando de forma decisiva no setor.

148/236
Questão 3
3. “_____________ é uma situação de mercado em que os investimentos
necessários são muitos elevados e os custos marginais são muito baixos.
Caracterizados também por serem bens exclusivos e com muito pouca ou
nenhuma rivalidade.” Escolha a alternativa que preenche corretamente a
lacuna do texto acima:

a) Truste.
b) Concorrência imperfeita.
c) Monopólio natural.
d) Concorrência perfeita.
e) Oligopólio.

149/236
Questão 4
4. Uma empresa decide elevar seus investimentos em marketing, promo-
vendo a repaginação do design de seus principais produtos e apelando
para os gostos dos consumidores, com a intenção de elevar sua participa-
ção num dado mercado e conquistar espaços antes dominados por seus
rivais. Nos termos da teoria microeconômica, esse expediente pode ser
entendido como:

a) O equilíbrio entre oferta e demanda em um mercado operando sob concorrência perfeita.


b) O estabelecimento de um monopólio a partir de benesses estatais.
c) A fixação de preços pela firma monopolista.
d) A diferenciação de produtos em uma situação de oligopólio ou concorrência imperfeita.
e) A reavaliação da política monetária pelo Banco Central.

150/236
Questão 5
5. Na reflexão sobre estruturas de mercado, um dado fundamental é a di-
ficuldade para a participação de novas empresas em um dado mercado. O
nome usualmente dado a esse impedimento é:

a) Monopólio.
b) Limites à participação.
c) Constrangimentos institucionais.
d) Barreiras à entrada.
e) Poder de mercado.

151/236
Gabarito
1. Resposta: E. rios são muito elevados e os custos margi-
nais são muito baixos. Caracterizados tam-
O mercado brasileiro de refrigerantes é ca- bém por serem bens exclusivos e com muito
racterizado, de forma clara, por um oligo- pouca ou nenhuma rivalidade.
pólio. Há elevadas barreiras à entrada e um
número limitado de empresas disputa o se- 4. Resposta: D.
tor.
Em teoria microeconômica, essa é uma es-
2. Resposta: E. tratégia de diferenciação de produtos, e a
interação da empresa com seus concorren-
Monopólios são caracterizados por eleva- tes denota a concorrência em oligopólio ou
das barreiras à entrada, fixação de preços concorrência imperfeita.
pelo monopolista e apenas uma empresa
atuando de forma decisiva no setor. 5. Resposta: D.
3. Resposta: C. O enunciado apresenta uma definição su-
mária da noção de barreiras à entrada, ex-
O monopólio natural é uma situação de plorando a sua obstrução à participação de
mercado em que os investimentos necessá- novos agentes num dado mercado.
152/236
Unidade 6
A Concorrência em Perspectiva Estratégica

Objetivos

1. Dando seguimento ao raciocínio ini-


ciado na unidade anterior, esta seção
tem por objetivo explorar a noção de
estratégia competitiva e as diferen-
tes forças competitivas envolvidas na
concorrência capitalista. Esses con-
ceitos sintetizam muitos dos traços
peculiares de diferentes estruturas de
mercado, proporcionando um amplo
panorama dos termos em que a dis-
puta por mercados e preços é travada.

153
Introdução

Como vimos anteriormente, diferentes referencial peculiar: a conceituação, ori-


mercados são marcados pela existência de ginada na obra de Michael Porter, sobre as
diferentes estruturas, e diferentes estru- chamadas forças competitivas e as estra-
turas condicionam diferentes respostas à tégias competitivas adotadas pelas empre-
dinâmica econômica. Mercados mais con- sas em diferentes cenários. Isso faz parte
centrados, marcados por oligopólios ou da mudança de escopo em nossa proposta
monopólios, provavelmente teriam con- de análise de cenários econômicos, empre-
dições de resistir às intempéries da con- endida na unidade anterior; se antes nos
juntura sem danos graves às firmas que ocupamos fundamentalmente do âmbito
os ocupam. Agora, mercados atomizados, macroeconômico, aqui continuamos as in-
marcados pela concorrência perfeita ou vestigações de inspiração microeconômica.
pela chamada concorrência monopolísti-
ca, provavelmente assistiriam à falência
de um grande número de empresas em cir-
cunstâncias adversas.
Para além do arcabouço das diferentes es-
truturas de mercado e dos traços definido-
res de cada uma delas, adotamos aqui um
154/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica
Uma decorrência fundamental das consi-
Para saber mais derações microeconômicas incorporadas
por Porter é a de que há, em cada setor in-
Nesta unidade, recorremos extensivamente aos ar-
dustrial, um conjunto de características es-
gumentos de Michael Porter sobre estratégia, con-
truturais básicas que influenciam tanto a
corrência e diferenciação. Assim, se você se inte-
rentabilidade quanto as estratégias com-
ressa por esses temas, recomendamos a leitura do
petitivas à disposição das empresas. Esses
principal livro deste autor – Estratégia Competitiva:
elementos dependem, fundamentalmente,
técnicas para análise de indústrias e da concorrência.
do peso relativo de diferentes agentes en-
volvidos na concorrência. A cada um destes
agentes corresponde uma dentre muitas
forças competitivas, e eles são, de forma um
tanto resumida e direta, os fatores que per-
mitem a existência de lucros acima da mé-
dia em determinados setores industriais.

155/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica


1. Agentes e Forças Competitivas tulados está diretamente ligado à realidade
da concorrência econômica, e é facilmente
O modelo proposto por Porter é valioso jus- explicado com recursos a exemplos e situa-
tamente por sua acessibilidade. É possível ções cotidianas.
derivá-lo de algumas considerações sim-
Há cinco agentes econômicos relevantes,
ples sobre a concorrência em variados se-
cinco elementos cujo comportamento e
tores, e ele oferece um poderoso framework
performance precisam ser observados de
para a tomada de decisões frente às ações
perto por qualquer firma. O primeiro deles,
de outros agentes econômicos significa-
imediatamente perceptível, é encontrado
tivos. Assim, antes de tentar memorizar os
no setor em que a nossa firma (i.e., o pon-
diferentes agentes, forças e estratégias mo-
to de onde observamos a economia) opera
bilizadas nesse modelo, é preciso que você
– os concorrentes estabelecidos. Tratam-se
se comprometa com uma tarefa fundamen-
das empresas que já operam nesse setor, e
tal: procure pensar nos termos das relações
disputam os mesmos mercados (ou alguns
expostas por esse modelo de concorrência.
dos mesmos mercados) que a nossa firma.
Diferentemente do modelo tradicional, de
Para essas empresas, as barreiras à entra-
concorrência perfeita, defendido pelos eco-
da já não são mais um desafio; elas já se en-
nomistas clássicos, esse conjunto de pos-
contram posicionadas convenientemente
156/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica
no setor, e conhecem os termos fundamen- Outro elemento chave à operação de qual-
tais de sua operação. Assim, essas empre- quer setor é a sua relação com substitutos
sas disputam o mercado ou setor em que potenciais, i.e., os produtos próximos o bas-
atuam levando em conta principalmente a tante dos fabricados por aquele setor para
intensidade da rivalidade entre concorrentes eventualmente disputar espaço na opinião
estabelecidos, uma medida de quão agressi- dos consumidores. Não se trata, efetiva-
vas elas são umas com as outras na dinâmi- mente, da concorrência travada no âmbito
ca concorrencial. de um só setor, ou um só mercado, mas da
O mesmo não pode ser dito dos entrantes percepção, pelos consumidores, de que a
potenciais, empresas dispostas a atuar nes- compra de um smartphone possivelmente
se setor, mas que ainda não iniciaram suas substituiria a compra de um tablet, ou que
operações nesse mercado. Pense nessa pos- o néctar de frutas poderia substituir os re-
sibilidade: uma dada empresa, renomada frigerantes. A existência desses produtos
por sua atuação no setor X, observa as mar- configura uma constante ameaça de substi-
gens de lucro praticadas no setor Y e per- tuição, a qual as empresas e setores devem
cebe ali uma possibilidade muito lucrativa responder prontamente.
de atuação. O que impede essa empresa de
participar da concorrência no nosso setor?
157/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica
Esses mercados, como procuramos de- rivalidade, ameaça de entrada, ameaça de
monstrar, não existem no vácuo – são cons- substituição, poder de negociação dos for-
tantemente acossados por entrantes po- necedores e poder de negociação dos com-
tenciais e por substitutos potenciais. Mas há pradores. Em representação gráfica, tería-
duas outras dimensões que precisam, tam- mos o seguinte, conforme ilustra a figura 2.
bém, ser consideradas: a relação das firmas
em um dado setor com seus fornecedores e
seu grau de dependência de seus compra-
dores. Assim, outro dado fundamental para
o estado da concorrência de qualquer setor
é o poder de negociação de fornecedores e
compradores.
De forma bastante resumida, são esses os
cinco principais agentes competitivos: con-
correntes estabelecidos, entrantes poten-
ciais, substitutos potenciais, fornecedores
e compradores. De forma análoga, as cin-
co forças competitivas são intensidade da
158/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica
Figura 2 – Representação gráfica dos agentes competitivos.

FONTE: adaptado a partir de Porter (2001, p.89)

Mantendo esse esquema analítico em mente, podemos pensar nos seguintes traços definidores
de cada agente competitivo e da respectiva força competitiva:
• Os concorrentes estabelecidos disputam o setor a partir do que entendemos como inten-
sidade da rivalidade. Essa intensidade, por sua vez, é garantida por quão numerosos ou
159/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica
equilibrados são os concorrentes, pelo prática de preços de entrada dissuasi-
ritmo de crescimento desse setor, pela vos. As barreiras são o obstáculo ób-
presença de custos fixos ou de arma- vio à entrada de novos concorrentes
zenamento elevados, pela ausência de num dado setor; quão menores forem,
diferenciação entre os produtos, pe- maiores serão as ameaças de entrada.
los incrementos em que a capacidade Sumarizam um conjunto variado de
produtiva é aumentada, pelos inte- obstáculos à livre atuação econômi-
resses estratégicos nesse setor e pe- ca, como economias de escala, dife-
las barreiras de saída. Cada um desses renciação de produtos, necessidades
elementos contribui diretamente para específicas de capital, custos de mu-
a intensidade da rivalidade no setor, dança, acesso a canais de distribuição
contribuindo para o recrudescimento e políticas governamentais. De forma
das disputas entre as firmas no mer- análoga, há a ameaça, para os entran-
cado ou setor em questão. tes, de medidas retaliatórias por par-
• A ameaça de entrada, força à disposi- te das empresas estabelecidas num
ção dos entrantes potenciais, é con- dado setor; assim, a intensidade da
trabalanceada pelas barreiras à en- rivalidade naquele setor atua também
trada, pela retaliação prevista e pela no sentido de refrear a entrada de no-

160/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica


vos competidores. O mesmo pode ser de mercado estudadas no capítu-
observado com relação aos preços de lo anterior; situações de monopólio
entrada, por vezes muito inferiores geralmente envolvem pouco ou ne-
aos custos operacionais iniciais, na- nhum poder de negociação dos com-
quela indústria. pradores; monopsônio (comprador
• A ameaça de substituição, represen- exclusivo) é o caso análogo para for-
tada pela presença de substitutos necedores. Quanto maior o poder de
potenciais, é relativamente mais sim- negociação dessas duas partes, quão
ples: quanto mais atrativa em termos maior será a pressão sobre os lucros,
de custo-benefício (ou preço-desem- ainda que por extremos variados da
penho) for a alternativa oferecida pe- operação econômica (fornecedores
los produtos substitutos, maior será a com elevado poder de barganha pres-
pressão sobre os lucros de um deter- sionam os custos para cima, ao pas-
minado setor. so em que compradores com elevado
poder de negociação comprometem
• Por fim, o poder de negociação de os preços de venda dos produtos de
fornecedores e compradores se rela- um dado setor).
ciona diretamente com as estruturas

161/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica


as forças de diferentes agentes econômicos
Para saber mais é simples: cada setor é único, no que com-
pete ao estado da concorrência e das forças
É importante relembrar que todos esses elementos
competitivas. Assim, de pouco ou nada adi-
impactam de forma decisiva sobre um componen-
antaria tecermos considerações gerais so-
te fundamental da análise microeconômica, algo
bre a análise e reposicionamento em situ-
que mencionamos extensivamente no passado: o
ações peculiares de conjuntura econômica,
preço. Dependendo da distribuição de forças com-
se não pudéssemos aproximar esses temas
petitivas em um dado mercado, as empresas atu-
da realidade concreta, dos termos em que
antes naquele setor podem ter controle maior ou
a concorrência é conduzida diariamente.
menor sobre os preços. Pense por alguns minutos –
Assim, diferentes circunstâncias da dispu-
como cada uma das cinco forças impactaria sobre
ta por market share e por lucros, em setores
os preços praticados naquele mercado?
variados, condicionam diferentes respos-
tas a situações de crise ou crescimento da
2. Incorporando as forças com-
economia; determinam como os ganhos do
petitivas na análise
crescimento ou os prejuízos da crise poderi-
A razão para trazermos a reflexão sobre es- am ser mantidos dentro do setor, ou se pre-
tratégia competitiva e sobre o desnível entre cisariam ser repassados para fornecedores

162/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica


ou compradores. Ajudam-nos a entend- A primeira deliberação é: como essa empre-
er como um dado mercado pode se tornar sa está localizada, em termos de setores de
mais atrativo para entrantes potenciais, ou atuação e margens de lucro? Essa é a pri-
se o produto em questão se tornará mais ou meira questão que devemos nos fazer. Isso
menos vulnerável à ameaça de substituição. nos dá uma ideia de quão rentável é este
Como precisar essas influências? Na maior setor, quando comparado com o restante
parte das vezes, o trabalho de quantificá-las da economia, e de como essa empresa cor-
recai sobre setores de estatística e pesqui- responde às margens dos diferentes setores
sa de mercado. No entanto, isso não nos em que se faz presente.
impede de refletir em termos qualitativos O passo seguinte envolve pensar nos con-
sobre a posição de uma firma em um dado correntes presentes nos setores em que
setor, e desse setor no todo da economia. É atuamos – quem são eles? Qual sua partic-
hora de reconstruirmos nosso trajeto, se- ipação relativa no mercado? Como nos rela-
guindo os passos que nos guiaram do mac- cionamos com os concorrentes? Há espaço
ro ao micro, mas agora no sentido inverso – para diálogo ou ação conjunta? A política de
vamos do micro ao macro, analisando como preços dos concorrentes é historicamente
a nossa firma hipotética se situa. agressiva? Como eles se relacionam com
fornecedores e compradores? Os concor-
163/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica
rentes são a medida fundamental de nossa psicológicos do consumo? Um realinham-
performance, num dado setor, e é preciso ento nos preços, em diferentes setores, ou
observá-los com cuidado, mantendo con- na renda disponível para consumo, pode
stante atenção para seus movimentos. Por significar a escolha por um substituto mais
outro lado, a estratégia competitiva não barato ou mais caro. Todos esses dados são
pode ser somente reativa – é preciso anal- obtidos por meio de pesquisas de mercado,
isar o estado presente e passado das forças recorrentemente contratadas pelos depar-
competitivas e, por vezes, tomar a iniciativa tamentos de marketing de grandes empre-
e agir antes que os concorrentes ajam. sas, e cujos dados muitas vezes são abertos
Isto feito, cabe refletir sobre os substitu- para os tomadores de decisão naquela fir-
tos potenciais. Quais outros produtos ocu- ma. Você percebe, agora, como a concor-
pam, na mentalidade do consumidor, lu- rência está diretamente ligada às mudanças
gar próximo ao que comercializamos? Sob no âmbito macroeconômico?
quais circunstâncias seríamos preteridos
em favor desse outro produto? Ele apresen-
ta preços mais elevados, qualidade inferior,
ou é geralmente deixado de lado em função
de ativos intangíveis ou condicionantes
164/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica
Na sequência, como entender os desafios
Link postos à entrada de novos concorrentes, no
nosso setor? Quais empresas efetivamente
No Brasil, contamos com ainda outro órgão de ameaçam o setor em questão, e poderi-
defesa da concorrência – na verdade, da defesa am atuar nele nos próximos anos? É pos-
dos direitos e do poder de negociação dos con- sível também desenhar uma estratégia de
sumidores. Trata-se do PROCON – a Fundação de retaliação ativa aos entrantes potenciais,
Proteção ao Consumidor. Para saber mais sobre envolvendo preços mais baixos e especial-
as suas atribuições e sua importância na garantia ização de produtos em grau suficiente para
dos direitos dos consumidores, consulte. desencorajá-los. A questão, nesse caso, é
quanto de nossa margem de lucro estaría-
mos dispostos a sacrificar para tal.

165/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica


Para saber mais
Há uma curiosa dinâmica entre concorrência, concentração e inovação. Partindo das considerações de J.
A. Schumpeter, que mencionamos na unidade anterior, e dos argumentos de M. Porter, podemos explorar
uma interdependência entre os três conceitos/fenômenos. Empresas capazes de adotar estratégias ade-
quadas se encontram mais bem posicionadas para sobreviver à concorrência e às flutuações do mercado.
Logo, com o passar do tempo, o mercado em questão tenderia à concentração em torno destes competi-
dores. Com as margens de lucro possibilitadas pelo seu maior poder de mercado, essas empresas teriam
recursos à sua disposição para investir de forma efetiva em pesquisa e desenvolvimento, se tornando
canais ativos de inovação em uma dada indústria. Com isso, sua posição se tornaria progressivamente
mais sólida e as “regras do jogo” da concorrência naquele setor mudaria, também; para disputar espaço
com estas grandes empresas, as entrantes potenciais precisariam se adequar às exigências tecnológicas
do mercado.

166/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica


Glossário
Agentes competitivos: os agentes atuantes nessa situação de concorrência, influindo direta ou
indiretamente sobre o mercado em questão.
Estratégia competitiva: as ações (ou reações) de empresas às circunstâncias gerais da concor-
rência em seu setor, a partir da busca de um posicionamento estrategicamente vantajoso, con-
siderando as diferentes forças em atuação no setor em que operam.
Forças competitivas: os “vetores” que influem sobre um dado mercado, em situações de con-
corrência; a influência sentida pelas empresas envolvidas na concorrência a partir da atuação
dos variados agentes.

167/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica


?
Questão
para
reflexão
Partindo do breve vídeo que acabamos de recomendar e de seus co-
nhecimentos sobre o setor de entretenimento eletrônico, procure
responder às seguintes questões:
• Quais são os principais desafios para as empresas atuantes no
setor? Quão intensa é a rivalidade entre as maiores empresas do
ramo?
• Quais barreiras se colocam a diferentes empresas interessadas
em participar desse mercado? Você consegue imaginar alguma
concorrente potencial que se beneficiaria da entrada nesse setor?
• Quais produtos têm atuado como substitutos dos consoles de jo-
gos eletrônicos, ameaçando as vendas dessa indústria?

168/236
?
Questão
para
reflexão
• Como se dá a relação usual dessas empresas com seus fornece-
dores? Pense na Foxconn, por exemplo, que é responsável pelos
componentes de diferentes aparelhos.
• Por fim, como entender a relação entre essas empresas e seus
consumidores? Quais os preços usualmente cobrados por apa-
relhos e jogos?
Respondendo essas questões, você terá um mapa simplificado dos
agentes e das forças competitivas em jogo nesse mercado. Isso o
ajudará a aplicar esse mesmo expediente para diferentes setores,
pensando, inclusive, no realinhamento dessas forças em mudanças
no cenário macroeconômico.

169/236
Considerações Finais
• Para uma análise estratégica das condições de concorrência a que uma em-
presa está sujeita, recorremos aos expedientes recomendados por Michael
Porter em sua conceituação sobre estratégia competitiva.
• Para Porter, é possível observar um conjunto de cinco agentes competitivos,
cada qual correspondendo à mobilização de uma força competitiva peculiar:
• Os concorrentes estabelecidos, que se movem a partir da intensidade da
rivalidade em um dado mercado;
• Os entrantes potenciais, contidos ou incentivados pela resistência (ou fra-
gilidade) das barreiras à entrada no mesmo mercado;
• Os substitutos potenciais, que acossam o setor em questão a partir da sua
ameaça de substituição;
• Os fornecedores, que possuem determinado poder de negociação frente a
seus consumidores nesse mercado;
• E, por fim, os consumidores, cuja força é mensurada, também, nos termos
de seu poder de negociação.
170
Referências

BLANCHARD, O. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1999.


JESUS, J.M.C.R. A Economia de John Maynard Keynes: Uma Pequena Introdução. Textos de Econo-
mia, Florianópolis, v.14, n.1, p.118-137, jan./jun. 2011.
KEYNES, J. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, A. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999.
VASCONCELLOS, M. Economia: Micro e Macro. São Paulo: Atlas, 2001.

171/236 Unidade 6 • A Concorrência em Perspectiva Estratégica


Questão 1
1. Michael Porter se dedicou ao estudo das ações ou reações de empresas às
circunstâncias gerais da concorrência em seus setores de atuação, a partir
da busca de posicionamentos estrategicamente vantajosos e com base na
consideração de diferentes forças atuantes nessas estruturas de mercado.
Esse campo de estudo é sumarizado, pelo autor, sob o título de:

a) Estruturas de mercado.
b) Forças competitivas.
c) Agentes competitivos.
d) Estratégia competitiva.
e) Análise da concorrência.

172/236
Questão 2
2. A força competitiva associada aos concorrentes estabelecidos é a:

a) Ameaça de entrada.
b) Ameaça de substituição.
c) Intensidade da rivalidade.
d) Capacidade de negociação.
e) Estratégia.

173/236
Questão 3
3. Coca Cola e Pepsi disputam há décadas o mercado internacional de
refrigerantes. É comum a associação das duas empresas a esse mercado
específico, e seus produtos são reconhecidos internacionalmente. Caso
outra empresa ameaçasse esse mercado com a produção de bebidas não-
-gaseificadas, com menor teor de açúcar, e uma postura agressiva orien-
tada para a propaganda de seus efeitos positivos sobre a saúde, podería-
mos caracterizá-la como:

a) Uma entrante potencial exercendo ameaça à entrada.


b) Outra concorrente estabelecida elevando a intensidade da rivalidade nesse setor.
c) Um fornecedor exercendo seu poder de negociação.
d) Uma substituta potencial exercendo ameaça de substituição.
e) Nenhuma das anteriores.

174/236
Questão 4
4. Qual das opções abaixo NÃO relaciona de forma correta um agente
competitivo a sua correspondente força competitiva?

a) Concorrentes estabelecidos – intensidade da rivalidade.


b) Fornecedores – capacidade logística.
c) Consumidores – Poder de negociação.
d) Substitutos potenciais – ameaça de substituição.
e) Entrantes potenciais – barreiras à entrada.

175/236
Questão 5
5. Um dado importante sobre a reflexão empreendida por Michael Porter
e sumarizada nessa unidade é:

a) A ênfase dada pelo autor a situações de livre concorrência, predominantes nas economias
capitalistas.
b) Sua observação apurada dos aspectos macroeconômicos da concorrência.
c) O reconhecimento das especificidades, no âmbito micro, da operação de diferentes firmas,
em diferentes setores.
d) Sua defesa desinteressada do liberalismo econômico.
e) A crítica sistemática da desigualdade econômica.

176/236
Gabarito
1. Resposta: D. da, pelos interesses estratégicos nesse se-
tor e pelas barreiras de saída. Cada um des-
O ponto fundamental da análise elaborada ses elementos contribui diretamente para a
por Michael Porter é a reflexão sobre a cha- intensidade da rivalidade no setor, contri-
mada estratégia competitiva, seus condi- buindo para o recrudescimento das dispu-
cionantes e desdobramentos. tas entre as firmas no mercado ou setor em
questão.
2. Resposta: C.
3. Resposta: A.
Os concorrentes estabelecidos disputam o
setor a partir do que entendemos como in- Trata-se de uma ameaça de substituição por
tensidade da rivalidade. Essa intensidade, uma substituta potencial; apesar das eleva-
por sua vez, é garantida por quão nume- das barreiras à entrada nesse mercado, a
rosos ou equilibrados são os concorrentes, empresa pode se pautar pela produção de
pelo ritmo de crescimento desse setor, pela um substituto ao produto em questão, sem
presença de custos fixos ou de armazena- precisar arcar com os riscos e custos de se
mento elevados, pela ausência de diferen- envolver na acirrada disputa pelo mercado
ciação entre os produtos, pelos incrementos de refrigerantes.
em que a capacidade produtiva é aumenta-
177/236
Gabarito
4. Resposta: B. • Os fornecedores, que possuem deter-
minado poder de negociação frente a
Para Porter, é possível observar um conjun- seus consumidores nesse mercado;
to de cinco agentes competitivos, cada qual
• E, por fim, os consumidores, cuja fora
correspondendo à mobilização de uma for-
é mensurada, também, nos termos de
ça competitiva peculiar:
seu poder de negociação.
• Os concorrentes estabelecidos, que se
movem a partir da intensidade da ri- 5. Resposta: C.
validade em um dado mercado;
O grande mérito da análise construída por
• Os entrantes potenciais, contidos ou Porter é sua ênfase nas especificidades da
incentivados pela resistência (ou fra- concorrência no âmbito micro.
gilidade) das barreiras à entrada no
mesmo mercado;
• Os substitutos potenciais, que acos-
sam o setor em questão a partir da sua
ameaça de substituição;

178/236
Unidade 7
Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90

Objetivos

1. Discutiremos a performance da eco-


nomia brasileira nas décadas de 1980
e 1990, partindo das considerações
construídas nas aulas anteriores.
2. Apresentaremos os movimentos ge-
rais dessa economia, entrando em de-
talhes quando oportuno.

179
Introdução
Essa unidade e a próxima representam, em Qual o nosso ponto de partida, nessa breve
última instância, exercícios práticos de aná- incursão pela economia brasileira contem-
lise de cenários econômicos. Até aqui nos porânea? Os malfadados anos 80.
pautamos quase que exclusivamente por
considerações teóricas, e recomendações A década de 1980 é comumente conheci-
para que você, ao analisar a performance re- da, pelos economistas e cientistas sociais
cente da economia brasileira, possa melhor brasileiros, como a “década perdida”. Pode
direcionar seu olhar. Agora, nossa intenção parecer um rótulo um tanto quanto pesa-
é empregar o referencial das unidades an- do, ainda mais considerando que se aplica
teriores para refletir sobre os dilemas en- a uma década inteira, mas ele correspon-
frentados por nossa economia nacional nos de, grosso modo, à realidade econômica do
últimos 30 ou 40 anos. Como você em breve país nesse momento. Eram anos difíceis, e
verá, os modelos construídos ao longo das a situação econômica profundamente des-
primeiras quatro unidades serão indispen- favorável dos mercados internacionais de
sáveis para que possamos entender as mu- capitais contribuiu para que a trajetória de
danças na conjuntura macroeconômica; as desenvolvimento dos anos anteriores fosse
considerações das unidades 5 e 6, por outro interrompida.
lado, contribuirão para a reflexão sobre a si-
tuação de diferentes mercados ou setores.
180/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90
1. Crise, inflação e estagnação – 2. Esse movimento de desenvolvimento
a década perdida da economia é garantido pelo que se convencionou
brasileira chamar de tripé do financiamento ou
capitalismo associado, em que a ini-
Antes de discutir a década em questão, é ciativa privada nacional, o Estado e a
importante refletirmos sobre os condicio- iniciativa privada estrangeira partici-
nantes estruturais da economia brasileira. pariam, conjuntamente, do desenvol-
Quais as diferenças fundamentais entre a vimento da economia nacional. Essa
nossa economia, naquele tempo, e o que proposta é bem-sucedida ao retirar o
temos hoje? ônus desses pesados investimentos
da indústria nacional e distribuí-los
1. A economia brasileira vinha, em 1980,
entre Estado e capital internacional,
de um ciclo prolongado de crescimen-
garantindo margens de crescimento
to econômico, garantido pelo inves-
superiores às resultantes do investi-
timento dos governos militares em
mento realizado apenas localmente.
infraestrutura e pela instalação, em
nosso país, de várias empresas multi- 3. Como você pode imaginar, a estrutura
nacionais. de financiamento da indústria brasi-
leira promovia elevadíssima vulnera-
181/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90
bilidade externa. As dívidas públicas e to e da estabilidade de preços para se
privadas estavam lastreadas em dólar, manter no poder. Tão logo a economia
e nós ainda nos relacionávamos com o brasileira perdesse a estabilidade e o
mercado externo por via da exportação crescimento conquistados nos anos
de gêneros primários. Logo, qualquer anteriores, a eficiência dos militares
flutuação na taxa de câmbio ou nas ta- seria duramente questionada.
xas de juros, nos mercados internacio-
nais, era recebida com apreensão. Para saber mais
4. Por fim, havia elevada sinergia entre Uma análise desse momento crítico da história
a trajetória de desenvolvimento eco- brasileira recente nos é dada por Maria da Con-
nômico das décadas de 1960 e 1970 e ceição Tavares, uma célebre economista portu-
o autoritarismo político dos governos guesa radicada no Brasil. Em O Grande Salto para
militares. Por um lado, o dirigismo da o Caos, Tavares explora a relação íntima entre a
ditadura garantia a realização de re- performance econômica dos governos militares e
formas por vezes impopulares e possi- sua legitimação política, discorrendo sobre como
bilitava a atuação estatal com planos crise econômica e crise política se relacionam de
de longo prazo; por outro lado, o regi- forma direta no início dos anos 1980.
me dependia do ritmo de crescimen-
182/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90
Esse modelo rui de forma decisiva no início dos internacionais de petróleo e no mer-
da década de 1980. A causa dessa crise é cado financeiro norte-americano. A OPEP
tanto interna quanto externa. Internamen- (Organização dos Países Exportadores de
te, a economia brasileira havia se desenvol- Petróleo), que se articula para reorganizar
vido com um perfil muito peculiar, manten- o mercado mundial de combustíveis, pro-
do a elevada dependência de investimen- move elevações de grande monta nos pre-
tos e bens de capital estrangeiros (logo, ços do barril de petróleo em 1973 e 1979.
refém da taxa de câmbio para a manuten- Com isso, várias economias dependentes de
ção do mercado financeiro local e da efici- importações dessa fonte de energia – como
ência marginal do capital das novas indús- a economia brasileira, nesse momento, e a
trias brasileiras). Por outro, os movimentos economia norte-americana – passam por
de valorização e desvalorização da moeda severas dificuldades em equacionar seu ba-
nacional também ditavam o ritmo das ex- lanço de pagamentos.
portações dos principais componentes de No caso da economia norte-americana,
nossa pauta, ainda estruturada em torno de essa situação é resolvida ao longo dos anos
produtos agrícolas e minérios. 1970, por meio de duas medidas peculia-
E onde tem início a crise que molda a dé- res. Em 1972, o governo dos EUA rompe a
cada perdida? Curiosamente, nos merca- paridade ouro-dólar que fundamentara sua
183/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90
atuação nas décadas anteriores. Seu obje- contraram repentinamente à míngua. Com
tivo central, com essa atitude, era abrir es- os capitais internacionais drenados pela
paço para novas formas de intervenção na economia norte-americana, a consequen-
economia, por um maior controle da política te alta do dólar e a elevação dos preços do
monetária. Esse controle, por sua vez, tinha petróleo, instala-se uma depressão econô-
um objetivo claro: reverter os déficits recor- mica profunda nas principais economias la-
rentes do balanço de pagamentos norte- tino-americanas. O Brasil não é exceção, e
-americanos, agravados pela elevação nos aqui o impacto da crise é severo.
preços internacionais do petróleo. O pró- A escassez de crédito colocava a economia
ximo passo é a elevação unilateral da taxa brasileira em cheque. A elevação dos custos
de juros base norte-americana, realizada dos investimentos, dos bens de capital e das
em 1979, que visava à garantia do retor- matérias primas obtidas no exterior já co-
no dos capitais norte-americanos interna- meçavam a mover o nível geral de preços, e
cionalizados para os mercados financeiros em 1979 experimentamos um primeiro sur-
ianques. Com isso, todas as economias em to inflacionário. A resposta do governo Fi-
desenvolvimento que dependiam desses gueiredo é desvalorizar o cruzeiro em 30%,
capitais para dar continuidade à trajetória ainda no mesmo ano, no intuito de conter a
de crescimento dos anos anteriores se en- inflação; a medida resulta em maior desa-
184/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90
celeração econômica, em pânico inflacio- res e sociedade civil que fundamentara as
nário e problemas de arrecadação. Com as duas décadas de ditadura.
contas do governo em claro desarranjo e os A eleição de Tancredo Neves, que falece an-
mercados se debatendo em torno de uma tes de assumir, e o empossamento de José
situação inusitada, que combinava inflação Sarney, em 1985, fazem pouco para conter
e estagnação, a economia brasileira experi- a inflação. As expectativas já estavam a tal
menta uma severa crise, que se estende até ponto deprimidas que a combinação hipe-
o segundo semestre de 1982. rinflação e estagnação fazia parte do coti-
O ano de 1983 assiste a outra maxidesvalo- diano dos brasileiros, que reajustavam os
rização cambial, com uma segunda desvalo- preços quase que diariamente. A moeda na-
rização do cruzeiro em 30%. Os ajustes im- cional entra em crise de confiança, e imó-
postos pelo Fundo Monetário Internacional veis e bens de consumo duráveis passam a
para permitir a rolagem da dívida externa ter os preços cotados em dólares. Impasses
limitam ainda mais o potencial de ação do nas negociações da dívida externa empur-
governo federal, e a recessão se aprofunda. ram a economia brasileira para a moratória,
As pressões levam o país à redemocratiza- no início de 1986. Em resposta à crise gene-
ção, com a falência do acordo entre milita- ralizada, é implementado o Plano Cruzado,

185/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90


com uma ousada aposta no congelamento O problema fundamental, com esse bre-
de preços e salários. 1986 representa a pri- ve intervalo de estabilidade, foi o descom-
meira calmaria experimentada pela econo- passo entre oferta e demanda – incapaz de
mia nacional desde 1979. captar recursos para expandir a oferta, as
empresas não conseguiam corresponder à
demanda da população brasileira; isso con-
Link duz ao desabastecimento de vários produ-
tos e à impossibilidade de manutenção do
A vida sob a hiperinflação pode parecer uma re- plano após a eleição. Até 1989, outros pla-
alidade distante da vivenciada pelos brasileiros, nos são tentados, mas sem sucesso. A eco-
nos últimos vinte e cinco anos. Por isso, talvez seja nomia brasileira sai dos anos 80 com índices
conveniente que você se aproxime um pouco des- de inflação que chegavam a 80% ao mês.
sa experiência. O documentário Laboratório Bra-
sil nos traz algumas perspectivas valiosas sobre a 1989 assiste, também, ao primeiro grande
economia brasileira nesse período. duelo eleitoral da recém-estabelecida de-
mocracia brasileira. De um lado, Fernando
Collor de Mello, criado e nutrido pelas oli-
garquias que sobreviveram à queda dos mi-
litares, um candidato do arcaísmo vestido
186/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90
com os trajes da modernidade. De outro, Luís Inácio Lula da Silva, a liderança sindicalista do ABC
que participara ativamente das greves do fim da ditadura e ajudara a fundar o Partido dos Traba-
lhadores, uma agremiação de centro-esquerda que reunia sindicatos, estudantes e intelectuais
críticos da concentração de renda e da estrutura social brasileira.

Link
A variação anual do PIB e preços acumulados foram listados, originalmente, por um relatório do IPEA
sobre os anos 1980 publicado em 2012. O texto curto, bastante direto, nos ajuda a entender os termos
gerais desse curioso período da economia brasileira. Para conhecer mais sobre o tema, leia Anos 1980,
década perdida ou ganha?

Outra dimensão do impacto dessas flutuações na vida dos brasileiros pode ser percebida por meio de
alguns comerciais do período. Há uma seleção de chamadas televisivas que dá ideia dos preços progres-
sivamente maiores, nesse momento de nossa história. Confira detalhes acerca disto.

187/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90


2. Aprofundamento da crise e a ração, provisória. Essa atitude, aliada à série
conquista da estabilidade de escândalos por corrupção, fizeram com
que parcelas expressivas da população bra-
Fernando Collor de Mello é eleito, contan- sileira fossem às ruas pedir pelo impeach-
do com o apoio de grandes conglomerados ment do presidente. Sem condição algu-
de imprensa e de grupos conservadores. ma de governabilidade, Collor renuncia em
Sua plataforma política consistia em pouco 1992; assume seu vice, Itamar Franco, com
mais do que um apelo à figura do candidato a dura missão de recuperar uma economia
como um “caçador de marajás”, um moral- que continuava refém da inflação.
izador da máquina pública, que cortaria os Governando a partir de uma coalizão que
funcionários desnecessários e ineficientes incluía PMDB, PFL e PSDB, Itamar nomeia
do Estado brasileiro e garantiria um retor- Fernando Henrique Cardoso como seu min-
no à estabilidade. Collor tenta novos planos istro da fazenda, incumbindo-o de enfren-
de combate à inflação, sem sucesso, e ado- tar a inflação de toda e qualquer forma.
ta uma medida vastamente impopular para Amparado por um grupo de economistas
garantir a fiscalidade do Estado – o confisco ortodoxos, liderados por Gustavo Franco
da poupança das famílias brasileiras, justifi- e Pedro Malan, FHC dá início ao Plano Real
cado, a priori, como uma ação de curta du- em fevereiro de 1994. Em etapas, o plano
188/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90
consistiu no seguinte conjunto de medidas: por Ciro Gomes; (6) o dia primeiro de julho
(1) ainda em 1993, Cardoso promove nova de 1994 marca a implementação da nova
mudança de moeda, do cruzeiro para o cru- moeda, o real, com a troca de toda a base
zeiro real; (2) em fevereiro de 1994 inicia-se monetária brasileira; (7) o real registra, já no
a publicação e o trâmite dos valores da URV primeiro mês de funcionamento, inflação de
(Unidade Real de Valor), a nova moeda es- apenas 6,08% - a menor em décadas.
critural da economia brasileira; (3) a URV
tem seu valor ligado diretamente ao dólar,
de modo a beneficiar-se da estabilidade da
moeda norte-americana nesse período; (4)
cria-se o Fundo Social de Emergência, em
Março de 1994, em que recursos do gover-
no eram armazenados para que a união pu-
desse realizar cortes necessários em gastos
considerados supérfluos pelo Ministério da
Fazenda; (5) FHC é substituído por Rubens
Ricupero em Junho, que por sua vez deixa
o ministério em Setembro, sendo sucedido

189/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90


consistia em uma estratégia de desindex-
Para saber mais ação dos preços chave da economia bra-
sileira, em que a rápida troca de moedas
Há um conjunto de trabalhos dos responsáveis
(cruzeiro real – URV – real) possibilitaria a
pela articulação do plano real (ou de simpatizan-
sua adequação aos custos de produção da
tes dessa corrente de política econômica) que ex-
economia, ao mesmo passo em que pre-
plora as motivações e resultados dessa forma de
gava equilíbrio fiscal e privatizações (como
combate à inflação. Essas posições são explora-
forma de aliviar a demanda dos gastos gov-
das em O Plano Real e Outros Ensaios, de Gustavo
ernamentais e garantir, ainda assim, a fis-
Franco, que traz a perspectiva original de um dos
calidade do Estado). No âmbito interna-
economistas envolvidos na operacionalização
cional, o real dependia de um movimento
do Real. Uma versão romanceada dessa história
abrangente de abertura econômica e con-
(e um tanto quanto floreada, segundo Franco) é
tingenciamento do câmbio – como o real
garantida por 3000 Dias No Bunker – um Plano na
estava vinculado ao dólar, era fundamental
Cabeça e um País na Mão, de Guilherme Fiúza.
que a relação entre a nossa moeda e a moe-
da norte-americana se mantivesse estável.
Mas como funcionava o plano real? De que
Os proponentes do plano defendiam, inclu-
maneira ele foi bem-sucedido em conquis-
sive, a manutenção do real valorizado frente
tar a estabilidade? Na superfície, o plano
190/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90
ao dólar como forma de garantir elevações etária (com controle rígido sobre o crédito e
da competitividade da indústria nacional e elevação da taxa de juros) objetivavam con-
estímulo às importações de bens de capi- trolar a inflação de demanda e atrair capi-
tal, para modernização de nosso parque in- tais estrangeiros para o Brasil, garantindo a
dustrial. entrada de algumas divisas para o custeio
É justamente nesse aspecto que o real pe- das bandas cambiais.
cou. Apesar da conquista da estabilidade Ainda que seus efeitos imediatos tenham
(por vezes narrada em tons heroicos pelos sido excelentes, o real elevou mais uma
partidários dos formuladores do plano), o vez a vulnerabilidade externa da economia
real comprometia, a um só tempo, a políti- brasileira, que sofreu com uma série de cri-
ca monetária e a política cambial, reféns da ses internacionais no final da década, mar-
estabilidade de preço. A economia brasileira cadamente a Crise Asiática (1997-1998)
dependia de câmbio estável, garantido com e a Crise da Rússia (1998). Nesse período
a fixação de bandas de operação pelo Banco (1999), a taxa de juros base chega a 45%,
Central, e a manutenção dessas bandas teve com elevação do endividamento, conse-
um impacto significativo sobre nossa dívida quente corte de gastos e elevação do de-
externa, entre 1994 e 2002. Da mesma for- semprego.
ma, as limitações impostas à política mon-
191/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90
Para saber mais
Na vertente crítica ao Plano Real, destaca-se o
volume organizado por Aloísio Mercadante – O
Brasil pós-real. Muitas das críticas elencadas aqui
são aprofundadas nesse trabalho, a partir de po-
sições plurais.

As eleições presidenciais de 2002 são mar-


cadas pela disputa entre José Serra, herdeiro
político de Fernando Henrique Cardoso, e
Luís Inácio Lula da Silva, que propõe novas
linhas de atuação do Estado sobre a econo-
mia, por meio de metas de crescimento e
políticas de renda. Lula elege-se com am-
pla vantagem, e é aberto um novo capítulo
da história política e econômica recente do
Brasil.

192/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90


Glossário
Estagflação: neologismo inventado pelos economistas brasileiros na década de 1980, para ex-
plorar a peculiar combinação entre estagnação e inflação que afligiu a nossa economia nesse
período.
Hiperinflação: movimento de elevação generalizada dos preços, observado ao longo de boa par-
te da década de 1980.
Plano Real: amplo programa de política econômica implementado a partir de 1993, com o ob-
jetivo de combater a inflação e garantir alguma medida de estabilidade de preços à economia
brasileira. É bem-sucedido em conquistar a estabilidade, mas compromete, no processo, os dois
outros preços chave da economia (a taxa de juros e a taxa de câmbio).

193/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90


?
Questão
para
reflexão

Ao longo desta unidade e das anteriores, discutimos ex-


tensivamente o problema econômico da inflação, en-
tendida como uma elevação generalizada dos preços em
uma economia. Tratamos de algumas das causas usuais
desse fenômeno – de quais delas você se lembra? Como
explicar a prevalência dessa escalada inflacionaria ao
longo dos anos 1980? Você consegue pensar em outras
causas plausíveis para a inflação?

194/236
Considerações Finais

• Analisamos rapidamente os condicionantes da crise enfrentada pela economia


brasileira no início dos anos 1980, explorando suas relações com os mercados fi-
nanceiros internacionais e com as dificuldades vivenciadas pela economia norte-a-
mericana.
• Discutimos rapidamente os movimentos sucessivos de elevação sistemática e ge-
neralizada dos preços na economia brasileira, ao longo da década de 1980.
• Problematizamos a relação entre esses movimentos e os marcos da história políti-
ca, nesse período, marcada pela redemocratização e pelas primeiras eleições de-
mocráticas em mais de duas décadas.
• Exploramos a difícil luta dos economistas brasileiros por estabilidade de preços, que
resultaria na implementação do Plano Real, na primeira metade da década de 1990.
• E, por fim, criticamos os resultados do Real a partir das dificuldades enfrentadas no
fim da década, demonstrativas das limitações desse corolário de política econômica.

195
Referências

BLANCHARD, O. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1999.


JESUS, J.M.C.R. A Economia de John Maynard Keynes: Uma Pequena Introdução. Textos de Econo-
mia, Florianópolis, v.14, n.1, p.118-137, jan./jun.2011.
KEYNES, J. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, A. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999.
VASCONCELLOS, M. Economia: Micro e Macro. São Paulo: Atlas, 2001.

196/236 Unidade 7 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 80 e 90


Questão 1
1. “Na superfície, o plano consistia em uma estratégia de (1) dos preços cha-
ve da economia brasileira, em que a rápida troca de moedas (cruzeiro real
– URV – real) possibilitaria a sua adequação aos custos de produção da eco-
nomia, ao mesmo passo em que pregava (2) e (3) (como forma de aliviar a
demanda dos gastos governamentais e garantir, ainda assim, a fiscalidade do
Estado). No âmbito internacional, o real dependia de um movimento abran-
gente de (3) e (4) – como o real estava vinculado ao dólar, era fundamental
que a relação entre a nossa moeda e a moeda norte-americana se manti-
vesse estável. Os proponentes do plano defendiam, inclusive, a manuten-
ção do real valorizado frente ao dólar como forma de garantir elevações da
competitividade da indústria nacional e estímulo às importações de bens de
capital, para modernização de nosso parque industrial”.

197/236
Questão 1

Escolha a alternativa que preenche corretamente as lacunas do texto:


a) Desindexação; equilíbrio fiscal; privatizações; abertura comercial; contingenciamento do
câmbio.
b) Indexação; equilíbrio fiscal; estatizações; abertura comercial; contingenciamento do câm-
bio.
c) Desindexação; equilíbrio fiscal; estatizações; tarifas comerciais; contingenciamento do câm-
bio.
d) Indexação; equilíbrio fiscal; privatizações; tarifas comerciais; câmbio flutuante.
e) Desindexação; investimento estatal; privatizações; abertura comercial; câmbio flutuante.

198/236
Questão 2
2. Escolha a alternativa que lista corretamente duas das principais críticas
ao plano real:

a) O recurso à âncora cambial comprometeu a indústria nacional, ao mesmo tempo em que os


juros elevados garantiam a evasão de capitais.
b) As privatizações reduziram a competitividade de nossa indústria, ao mesmo tempo em que
a elevação salarial comprometia o nível geral de preços.
c) O recurso ao câmbio flutuante garantiu a elevação da dívida externa brasileira, ao mesmo
tempo em que os juros baixos garantiam a evasão de capitais.
d) A elevação das tarifas alfandegárias tornava proibitiva a modernização de nossa estrutura
produtiva, ao passo que o gasto governamental promoveu a elevação da inflação.
e) O recurso à flutuação suja promoveu extensivo endividamento externo e os juros baixos ga-
rantiram a evasão de capitais.

199/236
Questão 3
3. Expedientes comuns na década de 1980, essas duas medidas tinham
por objetivo conter o avanço generalizado dos preços. Falamos de:

a) Equilíbrio fiscal e privatizações.


b) Abertura comercial e maxidesvalorização.
c) Desindexação de preços e privatizações.
d) Maxidesvalorização e indexação de preços.
e) Estatização da dívida e congelamento do salário mínimo.

200/236
Questão 4
4. É correto explicar a profunda crise econômica que atinge a economia
brasileira, no início dos anos 90, como:

a) Resultado da elevada despesa dos governos militares em obras de infraestrutura.


b) Desdobramento de crises menores na zona do euro.
c) Reflexo da depreciação dos termos de troca.
d) Consequência da crise política enfrentada pelos militares.
e) Falência do tripé de financiamento da indústria nacional.

201/236
Questão 5
5. Os anos 1980 e 1990 deixaram um legado peculiar para as gerações fu-
turas de economistas. Trata-se da(o):

a) Ênfase no combate à inflação como meta primeira da política econômica.


b) Apurado debate sobre desenvolvimento econômico e desigualdade.
c) Avançada discussão sobre os fundamentos políticos da concentração de renda.
d) Primeira experiência bem sucedida com programas de transferência de renda.
e) Nenhuma das anteriores.

202/236
Gabarito
1. Resposta: A. estável. Os proponentes do plano defen-
diam, inclusive, a manutenção do real va-
Na superfície, o plano consistia em uma es- lorizado frente ao dólar como forma de ga-
tratégia de desindexação dos preços cha- rantir elevações da competitividade da in-
ve da economia brasileira, em que a rápida dústria nacional e estímulo às importações
troca de moedas (cruzeiro real – URV – real) de bens de capital, para modernização de
possibilitaria a sua adequação aos custos nosso parque industrial.
de produção da economia, ao mesmo passo
em que pregava equilíbrio fiscal e privatiza- 2. Resposta: A.
ções (como forma de aliviar a demanda dos
gastos governamentais e garantir, ainda Apesar da conquista da estabilidade, o real
assim, a fiscalidade do Estado). No âmbito comprometia, a um só tempo, a política mo-
internacional, o real dependia de um movi- netária e a política cambial, reféns da esta-
mento abrangente de abertura econômica bilidade de preço. A economia brasileira de-
e contingenciamento do câmbio – como o pendia de câmbio estável, garantido com a
real estava vinculado ao dólar, era funda- fixação de bandas de operação pelo Banco
mental que a relação entre a nossa moeda Central, e a manutenção dessas bandas teve
e a moeda norte-americana se mantivesse um impacto significativo sobre nossa dívida

203/236
Gabarito
externa, entre 1994 e 2002. Da mesma for- de alguns preços chave em patamares
ma, as limitações impostas à política mone- considerados razoáveis pelas autoridades
tária (com controle rígido sobre o crédito e de política econômica).
elevação da taxa de juros) objetivavam con-
trolar a inflação de demanda e atrair capi- 4. Resposta: E.
tais estrangeiros para o Brasil, garantindo a
entrada de algumas divisas para o custeio O modelo de financiamento rui de forma
das bandas cambiais. decisiva no início da década de 1980. A
causa dessa crise é tanto interna quanto ex-
3. Resposta: D. terna. Internamente, a economia brasileira
havia se desenvolvido com um perfil muito
Duas medidas tentadas recorrentemente peculiar, mantendo a elevada dependência
no combate à inflação foram a maxidesval- de investimentos e bens de capital estran-
orização (em que o governo desvalorizava geiros (logo, refém da taxa de câmbio para a
rapidamente a moeda nacional, na tenta- manutenção do mercado financeiro local e
tiva de interromper a cadeia de elevações da eficiência marginal do capital das novas
sucessivas de preços) e a indexação de indústrias brasileiras). Por outro, os movi-
preços (que promovia a fixação arbitrária mentos de valorização e desvalorização da

204/236
Gabarito
moeda nacional também ditavam o ritmo
das exportações dos principais componen-
tes de nossa pauta, ainda estruturada em
torno de produtos agrícolas e minérios.

5. Resposta: A.

A concentração em torno do combate à in-


flação como meta quase exclusiva da políti-
ca econômica, nos anos 1980 e 1990, é uma
“herança maldita” desse período.

205/236
Unidade 8
Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000

Objetivos

1. Discutiremos a performance da eco-


nomia brasileira nas décadas de 2000
e 2010, partindo das considerações
construídas nas aulas anteriores.
2. Abordaremos os movimentos gerais
dessa economia.

206
Introdução

Os anos 80 e 90 foram marcados pelo pavor sempenhar na ordem econômica interna-


dos economistas e da população frente à in- cional do século XXI?
flação, construído ao longo de mais de uma Ainda que o Plano Real tivesse consegui-
década de elevações no nível de preços que do, a duras penas, garantir a estabilidade
beiravam o absurdo. Uma olhada de relance do nível geral de preços, a fez sacrificando
nos indicadores econômicos da década de a política monetária e a taxa de juros. Muito
1980 revela como esse problema estrutu- pouco se investiu, no Brasil dos anos 1990.
ral da economia brasileira comprometeu o Como consequência da paridade cambial e
crescimento, a demanda e o nível de empre- da âncora cambial, mantivemos nossa ele-
go, na chamada “década perdida”. Logo, faz vada vulnerabilidade externa. E isso impu-
todo sentido que gerações de nossos eco- nha limites óbvios ao potencial de cresci-
nomistas tenham sido educadas vendo na mento da economia brasileira.
inflação o pior dos males econômicos, um
adversário contra o qual toda arma, toda O ano de 2002 contrapôs, mais uma vez, dois
política, todo sacrifício é justificável. projetos antagônicos de Brasil. Duas visões
distintas do que era a economia brasileira,
Mas, uma vez conquistada a estabilidade, o e do que ela deveria vir a ser. Nesse cená-
que fazer? Para onde essa economia deve rio, José Serra, o herdeiro dos dois governos
caminhar? Qual papel o Brasil teria a de- FHC, e Luís Inácio Lula da Silva, o líder meta-
207/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000
lúrgico da redemocratização, disputaram os tório da nova proposta política encampada
votos de dezenas de milhões de brasileiros. pelo Partido dos Trabalhadores: um governo
O cenário eleitoral carregava muitos dos ví- que efetivamente governasse para todos, e
cios das eleições anteriores, e o chamado não só para os trabalhadores, ou para uma
“Risco Lula” foi mobilizado, em vários mo- das classes sociais. Lula abraçava um pro-
mentos, como justificativa para um voto útil jeto de conciliação de classe, e sinalizava
no candidato PSDBista. E o que era o Risco para o grande capital nacional que estava
Lula, no fim das contas? A expectativa ne- disposto a apoiá-lo e garantir substanciais
gativa mantida por parte do empresariado incentivos à indústria e aos serviços brasi-
brasileiro dos resultados catastróficos da leiros.
possível eleição do líder petista. Fundamen-
tado, em parte, nas agressivas propostas de
estatização apresentadas por Lula na elei-
Link
A Carta ao Povo Brasileiro permanece como um
ção de 1989, e em parte numa estratégia
dos documentos políticos e econômicos mais im-
pragmática de conquista de votos, esse dis-
portantes do início dos anos 2000.
curso perdeu força a partir da publicação,
pelo candidato, da Carta ao Povo Brasileiro,
um documento que revelava o teor concilia-

208/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000


1. Consumo, investimento e ex- mas, por outro lado, contou com a presen-
portações: as inspirações desen- ça constante de economistas de orientação
volvimentistas da política eco- desenvolvimentista, como Carlos Lessa e
Luciano Coutinho, em outras áreas do go-
nômica na Era Lula
verno. Assim, ele contava com ortodoxos
Eleito, Lula encampou um governo de conci- para conferir legitimidade e confiança à po-
liação, em que os sinais e benefícios para os lítica econômica, e com desenvolvimentis-
trabalhadores eram contrabalanceados por tas fortemente atuantes no BNDES, berço
ganhos e isenções nas camadas superiores de sua nova política de crescimento.
da sociedade. Seu traço definidor, num pri- Ainda que o início do primeiro mandato da
meiro momento, foi a adesão ao cânone da Era Lula fosse marcado pela proximidade
política econômica da era FHC, que reco- com os termos gerais da política econômi-
nhecia a paridade cambial e a estabilidade ca de Fernando Henrique Cardoso, já se de-
de preços como fundamentais para o bom senhava, na articulação de forças do novo
funcionamento da economia. Lula se cercou governo, um projeto pautado pela elevação
de “homens fortes” dos governos passados, do crescimento e a redução da desigualda-
como Henrique Meirelles e Armínio Fraga, de econômica e social. Nesse sentido, os
para garantir credibilidade às suas ações; dois mandatos se distinguem da década
209/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000
anterior pela promoção ativa da demanda e queles empregados pelas pequenas e mé-
pela redução da desigualdade; ambos os ob- dias empresas), mas também pela deman-
jetivos puderam ser construídos com base da por produtos agrícolas. E, nesse cenário,
em uma articulação de políticas de renda, a economia brasileira se estabelece como a
política fiscal, política monetária e política principal exportadora de soja e de proteína
cambial ativa. aviária do mundo, e um dos maiores cen-
Mas antes de analisarmos a performance tros extratores de minério de ferro. Ambos
da economia brasileira nos anos entre 2002 os produtos, fundamentais para a economia
e 2010, convém que completemos o nosso chinesa em rápida expansão, garantiriam o
quadro com a peça fundamental do desen- acúmulo de divisas nessa década de opor-
volvimento brasileiro, nesse período: a eco- tunidades; com essas divisas, o governo se
nomia chinesa e sua vertiginosa expansão. encontrava em posição vastamente favorá-
A China inundava os mercados internacio- vel, e podia realizar sua política cambial sem
nais de tecnologia comoditizada, vendendo incorrer em grandes riscos.
microchips “a preço de banana”. O acele- Mas o Brasil não poderia contar indefini-
rado crescimento da indústria chinesa teve damente com a performance econômica
não só um impacto decisivo sobre o preço chinesa. Assim, o primeiro mandato (2002-
dos bens de capital (principalmente da- 2006) foi pautado pelo fortalecimento da
210/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000
indústria nacional e pela expansão do con- ãs nacionais – o BNDES passa a atuar junto
sumo. Cada um desses elementos merece com os grandes complexos empresariais,
atenção demorada, e nos dedicaremos a garantindo empréstimos para empresas
eles em maior profundidade. que se destacassem em diferentes ramos de
A política industrial da Era Lula foi pensada atuação, vistos como estratégicos ou parti-
em articulação com a política fiscal – gas- cularmente dinâmicos.
to público e investimento do setor privado Essas empresas líderes eram promovidas
não eram pensados como elementos anta- ativamente pelo governo federal, e eram re-
gônicos, e a entrada constante de divisas correntemente convidadas às reuniões dos
garantia que a política monetária pudesse blocos de economias em desenvolvimento
ser usada de forma independente, com os – como os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, Chi-
objetivos inflacionários usuais. Uma série na e África do Sul) e o G20. Assim, as gran-
de ambiciosas obras públicas, geradoras des empresas brasileiras se internacionali-
de emprego e catalizadoras da arrancada zaram de forma ativa e competitiva nesse
de crescimento econômico de meados da momento. A estratégia, apesar de simples,
década, desencadeiam um efeito positivo, funcionava como uma inversão da âncora
dinâmico, na economia. A indústria é mobi- cambial: em lugar de promover a competiti-
lizada por meio de uma política de campe- vidade abrindo o mercado nacional para os
211/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000
concorrentes estrangeiros, o governo passa Os programas de transferência de renda (dos
a garantir subsídios para que o empresaria- quais o Bolsa Família é o exemplo mais claro,
do nacional disputasse o mercado externo. e o que proporcionava os debates mais in-
Isso promove uma elevação substancial da flamados) garantiam que parcelas da popu-
nossa demanda agregada, gera ainda mais lação antes alheias aos circuitos econômi-
divisas e cria canais de distribuição de ri- cos da renda e do consumo participassem,
queza no mercado interno. como consumidores, do Brasil que crescia
acompanhando a economia chinesa. Ainda
Nesse ponto, a estratégia governamental assim, o montante de recursos despendido
estava estruturada sobre a política de ren- e o impacto macroeconômico do Bolsa Fa-
da e sobre a política monetária. Combina- mília eram virtualmente desprezíveis. A ver-
va, a um só tempo, a promoção do consumo dadeira estrela da política de renda, na Era
com a manutenção dos juros em patamares Lula, foi o salário mínimo. Elevações suces-
muito inferiores aos praticados na Era FHC. sivas na renda das camadas mais baixas da
E como o governo operacionalizava esse ar- população garantiam que esses brasileiros
ranjo de políticas? Pela elevação progressi- passassem a integrar as cadeias de con-
va do salário mínimo, pela transferência di- sumo antes reservadas às elites econômi-
reta de renda para as populações abaixo da cas. Munidos de maior poder aquisitivo, os
linha da pobreza e pela expansão de crédito. membros dessa “nova classe média” dispu-
212/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000
nham dos recursos e da vontade para despender cada vez mais. Como consequência, o comércio
varejista cresceu rapidamente, e o setor de serviços experimentou crescimento notável também.
As indústrias de bens de consumo duráveis e automóveis contavam com renovado vigor, e novos
competidores internacionais (como as montadoras francesas e japonesas) se instalaram no Bra-
sil, para desfrutar de seu mercado consumidor em expansão.

Link
Há um amplo conjunto de teses sobre a chamada Nova Classe Média. Esse debate mobilizou setores im-
portantes das ciências sociais, no Brasil, por volta de 2010. Para uma síntese conveniente dessa discussão,
recomendamos o artigo de Celi Scalon e André Salata – Uma Nova Classe Média no Brasil da última década?
O debate a partir de uma perspectiva sociológica, publicado em 2012. Consulte em Scientific Electronic
Library Online - Scielo.

Uma crítica direta e pontual à ideia de Nova Classe Média é dada por Jessé de Souza, presidente do IPEA
no auge do debate. Em 2012, Jessé afirmava categoricamente – A noção de nova classe média é ilusória. A
entrevista está disponível no site do IPEA. Consulte.

213/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000


Outro aspecto fundamental foi a expan- dade à política de crescimento.
são do crédito habitacional e educacional, A consequência fundamental dessa articu-
por meio de programas como o Minha Casa lação de políticas é uma trajetória de cres-
Minha Vida e o ProUni. Com os subsídios cimento econômico.
para a aquisição da casa própria e de titu-
lação acadêmica pelos estratos inferiores A questão que se coloca, portanto, é: como
da renda, o governo efetivamente garan- poderia um modelo aparentemente tão
te que essa parcela da população (a) tenha bem estruturado, marcado por estabilidade,
mais renda disponível para o consumo, num
primeiro momento, e (b) possa desfrutar de
novos patamares de renda e inserção social,
num futuro próximo. Assim, política de cré-
dito e política de renda contribuem para a
expansão do consumo, garantindo estabili-

214/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000


crescimento e distribuição de renda, entrar nacional de 2008, que ainda não causara
em colapso entre 2012 e 2015? É disso que efeitos permanentes na economia brasilei-
nos ocupamos nos parágrafos seguintes. ra, nossa economia se vê em uma situação
difícil: a retração da demanda internacional
2. Crise econômica, crise políti- por nossos produtos e o fechamento de ca-
ca, e a derrocada do modelo lu- nais de financiamento estrangeiro limitam
lista nosso ritmo de crescimento.
Em resposta a essa situação, o governo
Após dois mandatos bem-sucedidos, Lula Rousseff procura manter as linhas gerais da
deixa a presidência com mais de 83% de política econômica da Era Lula, mas essa
aprovação. Sua sucessora, Dilma Rousseff, forma de administração da economia na-
é eleita no que parecia ser uma transição cional já mostrava sinais de desgaste. A el-
tranquila, sem sobressaltos. evada relação dívida/PIB fazia com que a el-
As dificuldades se asseveram a partir de evação do consumo via expansão de crédito
2012, com a queda no ritmo de crescimento para as famílias não fosse mais uma possib-
da economia chinesa e a consequente que- ilidade, ao mesmo tempo em que os canais
da nas importações de produtos brasileiros. usuais de geração e incorporação de recur-
Conjugada com a crise financeira inter- sos à economia se encontravam travados.
215/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000
Um agravante severo foi o compromisso os manifestantes, dois perfis muito claros:
assumido com as presidências anteriores (1) elementos ligados a vetores tradiciona-
de sediar dois eventos internacionais de is de reivindicação popular, marcadamente
grande porte – a Copa do Mundo de 2014 e o Movimento Passe Livre e outros setores
os Jogos Olímpicos de 2016, ambos envol- da esquerda não partidária, que almeja-
vendo grandes obras estruturais e elevado vam uma revisão dos termos em que o es-
dispêndio governamental. A descoberta de paço urbano era dividido e ocupado (i.e.,
canais de propina, entre as grandes emp- um aprofundamento da democratização via
reiteiras envolvidas nas obras públicas em consumo experimentada pela “nova classe
questão e os vários níveis e poderes do gov- média”); e (2) grupos de oposição ideológica
erno, catalisa a insatisfação popular, ver- aos governos Lula e Dilma, pautados ou pela
balizada em um conjunto significativo de recusa sistemática do partido (identificado
manifestações políticas a partir de Junho de com uma vaga “ameaça comunista”, infun-
2013. A partir da demanda por transporte dada, já que o Partido dos Trabalhadores e
público de qualidade, as Jornadas de Junho seus candidatos operam, há décadas, numa
agregaram a insatisfação política com a di- chave social-democrata) ou pelas pautas
visão dos ganhos do novo ciclo de modern- generalistas de combate à corrupção e mor-
ização da economia brasileira. Havia, entre alização da vida pública.

216/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000


A Revolta dos Vinte Centavos ou as Jorna- precisa lidar com as críticas constantes e a
das de Junho são importantes para a com- baixa generalizada das expectativas. A dis-
preensão dos momentos posteriores pelos tensão entre as demonstrações públicas de
quais o governo federal passa a lutar uma insatisfação e a estratégia do governo re-
guerra de atrito com os movimentos oposi- percute em índices de confiança cada vez
cionistas, a partir desse acontecimento. mais baixos, até meados de 2014.
De 2013 em diante, o grande adversário
da presidência da república não é a crise,
o crescimento, o desemprego ou a estab-
ilidade de preços – é a opinião generaliza-
da de que algo (não se sabe muito bem o
que) não vai muito bem no Brasil. A visibil-
idade às mobilizações dessa nova corrente
de movimentos garante uma rápida queda
na popularidade do governo. Agora, além
das dificuldades enfrentadas internaciona-
lmente, a administração de Dilma Rousseff

217/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000


Para saber mais
Um dado importante da guinada política de 2013 é que o catalisador das mobilizações – os aumentos
quase simultâneos das tarifas de transporte público em várias das capitais brasileiras – escapava com-
pletamente à intervenção do governo federal. Tratava-se de uma questão municipal ou estadual (no caso
dos sistemas em que o estado garantia parte dos investimentos na rede de transportes urbanos). Como
explicar, então, a insatisfação generalizada com a presidência e a sua política econômica, a partir dos
Levantes de Junho? Pela mobilização de setores dos movimentos populares em torno dessas pautas; o
mês de junho é marcado não só pela emergência dessas passeatas, como por uma discreta guinada con-
servadora – abandonando as reivindicações originais, muitos manifestantes (de perfil socioeconômico
diverso do encontrado nos primeiros atos) passam a encampar pautas genéricas como “mais saúde” ou
“mais educação” (também, muitas vezes, relevando como o investimento na educação fundamental é
compromisso do município). A moral da história é que para que façamos a crítica política e econômica
com qualidade, é preciso informação sobre quais níveis do governo efetivamente são responsáveis por
esta ou aquela medida. Isto também vale para a análise de cenários econômicos – diferentes alíquotas
tributárias são de competência municipal, estadual ou federal, assim como diferentes linhas de crédito e
decisão de gasto. Sem clareza sobre a organização do Estado e da sua atuação, nossa leitura da conjun-
tura fica inevitavelmente comprometida.

218/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000


As eleições daquele ano são travadas em seus principais programas. Em meio a esse
meio à confusão quanto ao programa dos esvaziamento programático, Dilma e Aécio
candidatos e à incerteza quanto aos rumos disputam um acirradíssimo segundo tur-
da economia brasileira. A oposição, reunida no, com uma vitória apertada da presiden-
em torno da figura de Aécio Neves, um dos te reeleita. Aécio se recusa a parabenizá-la
senadores que liderava o coro de críticos in- pelo resultado das urnas, e exige a reconta-
stitucionais às administrações Lula e Dilma, gem. A crise política se aprofunda de forma
não critica abertamente os principais pontos ainda mais dramática.
da política econômica da década anterior. O ano de 2015 é decisivo por uma série de
Aécio se compromete a manter e aprofund- fatores. Pressionada pelas mobilizações se-
ar os programas Bolsa Família e Minha Casa, manais contra o seu governo, Dilma Rousseff
Minha Vida, contando com uma divisão na faz um aceno aos defensores de uma políti-
base eleitoral do PT. O mesmo acontece em ca econômica mais conservadora e convi-
várias instâncias estaduais ou municipais; da Joaquim Levy para a posição de Ministro
candidatos que se beneficiavam das mobili- da Fazenda. Levy, adotando um receituário
zações populares contra a presidente man- neoliberal, promove reduções ainda mais
tinham o alinhamento político com o gov- significativas na já deprimida demanda
erno federal e se afirmavam “parceiros” de agregada. A tentativa de “reequilibrar” as
219/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000
contas do governo e conter os déficits fiscais resulta em novas reduções no consumo e na renda,
e o empresariado apresenta novos declives de confiança.

Para saber mais


A escolha de Joaquim Levy é um exemplo claro do dilema da “fada da confiança”, que detalhamos ante-
riormente. Levy, homem forte da ortodoxia econômica, é escolhido pelo governo na tentativa de “acalmar
os ânimos” do mercado (como se a decisão institucional de promovê-lo à posição de Ministro da Fazenda
fosse, por si só, reestabelecer a confiança dos investidores). Em termos práticos, sua escolha prenuncia
uma severa crise de legitimidade – os economistas heterodoxos, que compuseram a política econômi-
ca dos três mandatos presidenciais anteriores, viram a escolha de Levy como um erro crasso, já que ela
significava a reversão do conjunto de políticas defendido desde 2002; o mercado, por outro lado, viu
essa decisão como um ato de desespero, uma medida cujo único propósito seria a melhora prevista das
expectativas a partir da nomeação de um economista convencional para o ministério. Como resultado, o
governo se viu alijado de um de seus últimos grupos de defesa e perdeu de forma definitiva a confiança
do empresariado.

A crise política e a insatisfação com as tentativas de recuperação frente à performance econômi-


ca irregular dos últimos anos colocam o governo num impasse. Após repetidas tentativas dos
220/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000
oposicionistas, um pedido de impeachment A melhora nas expectativas, no câmbio e na
é protocolado, tomando por base os decre- confiança dos investidores prometida por
tos de crédito suplementar assinados por Temer não vêm, de imediato, e o Brasil mer-
Dilma. Em circunstâncias normais, os de- gulha em nova crise institucional. Novas
cretos não inspirariam qualquer polêmica: investigações implicam o presidente em-
a grande maioria dos líderes das diferentes possado de envolvimento com a corrupção
instâncias do executivo fazem ou já fizer- denunciada nos governos anteriores. É
am uso de expedientes similares para con- proposto um conjunto de reformas da legis-
cessão de crédito a grandes ações públicas. lação trabalhista e previdenciária, com a in-
Mas num contexto em que a opinião pública tenção declarada de facilitar o investimen-
pauta o debate político e econômico, e que to e a contratação de novos trabalhadores,
essa opinião pública já se encontra incorri- mas o custo político da aprovação dessas
givelmente viesada contra o governo feder- novas leis é altíssimo. Adicionalmente, a
al, a condenação das chamadas “pedaladas prorrogação dos prazos para aposentadoria
fiscais” foi um golpe de misericórdia. Dilma e a flexibilização das condições para con-
é alvo de um processo de impeachment, ar- tratação e remuneração dos trabalhadores
ticulado pela oposição e por setores de sua poderia ter efeitos deletérios sobre o nível
base aliada (notadamente seu vice-presi- de emprego, a renda, as expectativas de
dente, Michel Temer) e é removida do cargo.
221/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000
famílias e investidores, e, por consequência,
a demanda.
Na segunda metade da década de 2010, a
economia brasileira não se encontra em seu
melhor momento. O que o futuro nos res-
erva? Para onde vamos seguir, nos próxi-
mos anos? Agora termina o meu trabalho e
começa o seu. Munido do instrumental que
construímos nas páginas anteriores, espe-
ro que você se sinta capaz de analisar em
profundidade a complexa economia em que
vivemos e atuamos. Bom trabalho, e boa
sorte!

222/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000


Glossário
Commodities: bens primários (matérias primas, alimentos em estado bruto, minérios) exporta-
dos pela economia brasileira (e outras economias periféricas). Como as commodities participam
de forma expressiva de nossa pauta de exportação, flutuações nos seus preços têm impacto de-
cisivo sobre a performance da economia brasileira.
Crédito Habitacional: linhas de financiamento para aquisição de imóveis subsidiadas pelo go-
verno federal, geralmente implementadas pelos bancos públicos. Nesse período, o principal pro-
grama de crédito habitacional é o Minha Casa, Minha Vida.
Programas de Transferência de Renda: programas governamentais em que parcelas da popu-
lação recebem recursos do governo, sem contraparte em serviços; geralmente essas transferên-
cias estão condicionadas a critérios como renda, escolaridade, número de filhos etc. O exemplo
clássico é o Programa Bolsa Família, vigente ao longo desse período.

223/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000


?
Questão
para
reflexão
Depois de oito unidades discutindo o ferramental básico para a
análise de cenários econômicos, agora é a sua vez. Contando com
o modelo macroeconômico que construímos juntos, com as nossas
considerações sobre a análise da concorrência e com os movimen-
tos gerais da economia brasileira nas últimas três décadas, como
você responderia às questões a seguir?
• Quais as perspectivas para a economia brasileira hoje? Onde,
como, quanto e quando investir?
• Como podemos nos inserir de forma efetiva nos mercados inter-
nacionais, após o ciclo de crescimento de 2002 a 2012?
• O que seria necessário para que retomássemos esse ritmo de
crescimento?
224/236
?
Questão
para
reflexão

• Quais formas de atuação governamental poderiam


contribuir para uma melhora da conjuntura, no pre-
sente?
• Por fim, como a sua empresa deveria se posicionar,
nesse cenário? Considere tudo o que vimos até aqui
ao estruturar a sua resposta.

225/236
Considerações Finais
• Analisamos em profundidade os termos gerais da política econômica pós
2002, marcada pela retomada do crescimento e por renovada preocupação
com a distribuição de renda.
• No âmbito do crescimento, vimos como a economia brasileira respondeu
positivamente à alta internacional das commodities, atendendo a demanda
da economia chinesa e vinculando seu crescimento ao ritmo de expansão
da China.
• Discutimos como os ganhos das exportações de grãos e da internacionali-
zação dos grandes grupos empresarias brasileiros foram revertidos para a
população, por meio de políticas ativas de crédito e distribuição de renda
(elevação do salário mínimo, programas de transferência de renda).
• Por fim, exploramos como a desaceleração da economia chinesa e a crise fi-
nanceira de 2008 contribuíram para a crise econômica que, combinada com
a instabilidade política pós-2013, encerra o atual ciclo de crescimento.

226
Referências

BLANCHARD, O. Macroeconomia: teoria e política econômica. Rio de Janeiro: Campus, 1999.


JESUS, J.M.C.R. A Economia de John Maynard Keynes: Uma Pequena Introdução. Textos de Econo-
mia, Florianópolis, v.14, n.1, p.118-137, jan./jun.2011.
KEYNES, J. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007.
SILVA, A. Macroeconomia sem equilíbrio. Petrópolis: Vozes, 1999.
VASCONCELLOS, M. Economia: Micro e Macro. São Paulo: Atlas, 2001.

227/236 Unidade 8 • Analisando a Economia Brasileira Contemporânea – anos 2000


Questão 1
1. Parte importante da política industrial da Era Lula envolvia a promoção
de grandes grupos empresariais nacionais, favorecidos por linhas de crédi-
to vantajosas no BNDES e internacionalização. O nome dado a essa estra-
tégia foi:

a) Âncora Cambial.
b) Brasil Sem Fome.
c) Campeãs Nacionais.
d) Minha Casa Melhor.
e) Fome zero.

228/236
Questão 2
2. O principal fator internacional responsável pelo crescimento da econo-
mia brasileira, nos anos 2000, foi:

a) A baixa dos preços de bens de capital.


b) A crise da zona do euro.
c) O resgate do tripé do financiamento industrial.
d) A alta do preço das commodities.
e) A abertura do mercado brasileiro.

229/236
Questão 3
3. Como explicar a conjugação de política de renda e política monetária
na primeira década dos anos 2000?

a) Pela atuação das campeãs nacionais, que recebiam aportes de recursos federais e crédito
facilitado.
b) As duas políticas não se articulavam de forma decisiva, operando como ferramentas inde-
pendentes de política econômica.
c) A elevação na competitividade (resultante das privatizações dos anos 90) trouxe à economia
brasileira maiores salários, que explicam o crescimento a partir dos anos 2000.
d) O congelamento do salario mínimo e a retenção do crédito garantiam os baixos níveis de
inflação, propiciando crescimento sem elevação de preços.
e) A articulação de políticas de renda (elevação do salário mínimo, programas de transferência
de renda) e de crédito (como o Minha Casa, Minha Vida) visavam à elevação da demanda e
distribuição dos ganhos do crescimento entre a sociedade.

230/236
Questão 4
4. “As dificuldades se asseveram a partir de 2012, com a queda no ritmo
de (1) da economia chinesa e a consequente queda nas importações de
produtos brasileiros. Conjugada com a (2) de 2008, que ainda não cau-
sara efeitos permanentes na economia brasileira, nossa economia se vê
em uma situação difícil: a retração da demanda internacional por nossos
produtos e o fechamento de canais de financiamento estrangeiro limitam
nosso ritmo de crescimento.”

Escolha a alternativa que preenche adequadamente às lacunas do texto acima:


a) Elevação dos preços; crise financeira internacional.
b) Crescimento; crise financeira internacional.
c) Crescimento; alta do dólar.
d) Inflação; crise financeira internacional.
e) Expansão da produção industrial; crise política.

231/236
Questão 5
5. Os dois mandatos de Dilma Roussef são marcados por:

a) Estabilidade e crescimento.
b) Manutenção das linhas gerais da política econômica da Era Lula.
c) Vasto apoio popular.
d) Instabilidade política e econômica.
e) Nenhuma das anteriores.

232/236
Gabarito
1. Resposta: C. que se destacassem em diferentes ramos de
atuação, vistos como estratégicos ou parti-
A política industrial da Era Lula foi pensada cularmente dinâmicos.
em articulação com a política fiscal – gas-
to público e investimento do setor privado 2. Resposta: D.
não eram pensados como elementos anta-
gônicos, e a entrada constante de divisas A China inundava os mercados internacio-
garantia que a política monetária pudesse nais de tecnologia comoditizada, vendendo
ser usada de forma independente, com os microchips “a preço de banana”. O acele-
objetivos inflacionários usuais. Uma série rado crescimento da indústria chinesa teve
de ambiciosas obras públicas, geradoras não só um impacto decisivo sobre o preço
de emprego e catalisadoras da arrancada dos bens de capital (principalmente daque-
de crescimento econômico de meados da les empregados pelas pequenas e médias
década, desencadeiam um efeito positivo,
empresas), mas também pela demanda por
dinâmico, na economia. A indústria é mobi-
produtos agrícolas. E, nesse cenário, a eco-
lizada por meio de uma política de campe-
nomia brasileira se estabelece como a prin-
ãs nacionais – o BNDES passa a atuar junto
cipal exportadora de soja e de proteína avi-
com os grandes complexos empresariais,
garantindo empréstimos para empresas ária do mundo, e um dos maiores centros

233/236
Gabarito
extratores de minério de ferro. Ambos os 4. Resposta: B.
produtos, fundamentais para a economia
chinesa em rápida expansão, garantiriam o As dificuldades se asseveram a partir de
acúmulo de divisas nessa década de opor- 2012, com a queda no ritmo de crescimen-
tunidades; com essas divisas, o governo se to da economia chinesa e a consequente
encontrava em posição vastamente favo- queda nas importações de produtos brasi-
rável, e podia realizar sua política cambial leiros. Conjugada com a crise financeira in-
sem incorrer em grandes riscos. ternacional de 2008, que ainda não causara
efeitos permanentes na economia brasilei-
3. Resposta: E. ra, nossa economia se vê em uma situação
difícil: a retração da demanda internacional
A estratégia governamental estava estrutu-
por nossos produtos e o fechamento de ca-
rada sobre a política de renda e sobre a polí-
nais de financiamento estrangeiro limitam
tica monetária. Esse arranjo de políticas era
nosso ritmo de crescimento.
operacionalizado pela elevação progressiva
do salário mínimo, pela transferência direta
de renda para as populações abaixo da linha
da pobreza e pela expansão de crédito.

234/236
Gabarito
5. Resposta: D.

Os dois mandatos de Dilma Roussef (o se-


gundo é interrompido já em 2015) são mar-
cados por elevada instabilidade política e
econômica, agravada a partir de 2013.

235/236

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