Resumo
O presente estudo objetiva propor uma discussão em torno da literatura engajada, apontando
contribuições estéticas e políticas, como um gesto intrínseco ao próprio fazer literário, relaciona-
do ao engajamento intelectual dos escritores José Saramago e Jean-Paul Sartre. Salientamos o
comprometimento histórico que os autores reimprimem em sua escrita. Para efeito de discus-
são, investigamos como se dá o engajamento existencial de duas personagens saramaguianas: o
“homem do leme” e a “mulher da limpeza”, d’O Conto da Ilha Desconhecida (1998 [1997]). Leva-
mos em consideração algumas indagações, a saber: Como se situa o escritor, enquanto sujeito
social e artista? De que modo o engajamento que está na sociedade se transforma no texto literá-
rio? Como o engajamento existencial do autor e das personagens constitui um percurso libertá-
rio? Quando se perscruta a referida aproximação, temos o pressuposto de uma “vizinhança co-
municante” na interlocução entre os campos literário e filosófico. A nossa principal hipótese é
uma afirmação que possibilita outros questionamentos sobre a mesma obra literária: o conto é
um projeto que se realiza na ação das personagens por meio da liberdade, necessária ao engaja-
mento. Nesse sentido, os autores direcionam seus leitores ao pensamento crítico-reflexivo sobre
si mesmo e sobre seu próprio contexto social. O embasamento teórico que fecunda o corpus de
nosso trabalho consiste na recorrência a reflexões de autores como Antonio Candido (1993; 2004),
Alfredo Bosi (1996), Arthur Danto (1975), Franklin Leopoldo e Silva (2003; 2004; 2008) e Jean-Paul
Sartre (1963; 2004; 2008; 2012).
Palavras-chave: Engajamento, Liberdade, Literatura.
The existential engagement of the characters of The Tale of the Unknown Island:
dialogues between José Saramago and Jean-Paul Sartre
Abstract
This study aims to propose a discussion about the engaged literature, pointing to aesthetic and
political contributions, as an intrinsic gesture to the literary work itself, related to the
intellectual engagement of the writers José Saramago and Jean-Paul Sartre. We emphasize the
historical commitment reprinted by these authors in their writing. For the purpose of
discussion, we investigated how the existential engagement of two Saramaguian characters is
constituted: the “rudder man” and the “cleaning woman”, from The Tale of the Unknown Island
(1998 [1997]). We take into consideration some questions, namely: How is the writer situated, as
a social subject and artist? How does the engagement that is in society become literary text?
How does the existential engagement of the author and the characters constitute a libertarian
path? When we look at this approximation, we have the presupposition of a “communicating
neighborhood” in the interlocution between the literary and philosophical fields. Our main
hypothesis is an affirmation that makes possible other questions about the same literary work:
the story is a project that takes place in the action of the characters through the freedom,
necessary to the engagement. In this sense, the authors direct their readers to critical-reflexive
thinking about themselves and their own social context. The theoretical basis that fecundates
the corpus of our work relies on the recurrence to reflections of authors such as Antonio
Candido (1993; 2004), Alfredo Bosi (1996), Arthur Danto (1975), Franklin Leopoldo e Silva (2003;
2004; 2008) and Jean-Paul Sartre (1963; 2004; 2008; 2012).
Considerações Iniciais
mem aquilo que é, mas não o suficiente para mantê-lo da mesma forma, pois ele é livre
para ser como quiser.
Eis o risco que a literatura atravessa ao viver suas crises e rupturas ao longo
dos séculos. Portanto, para se pensá-la enquanto reveladora da realidade, pontes preci-
saram ser rompidas, a exemplo, tomemos o pensamento da “arte pela arte”, consolida-
do no século XVIII, alcançando períodos posteriores. Em contraste com esse movimen-
to, a preocupação estética dos prazeres subjetivos não está em primeiro plano, devido
às transformações da ficção em deformar hierarquias e acomodações que o próprio ser
humano constrói e em que se insere; além de mostrar ao homem que ele se tornará
aquilo que escolher ser, se não se furtar à responsabilidade de suas escolhas, pois o ho-
mem é lançado ao mundo, mas não vive isolado dele, como remonta toda filosofia exis-
tencialista, justificada ao longo dos escritos sartreanos. Neste preâmbulo, a arte literária
está distante de ser um refúgio.
dos. Assim, escrever é agir e não se insere apenas no âmbito contemplativo da realida-
de.
Refere-se, portanto, a um homem do povo que bate à porta das petições do palácio do rei,
com intuito de conseguir um barco que o leve à ilha desconhecida por mapas e viajantes;
porém, o rei permanecia na porta dos obséquios, enquanto o descontentamento social só
aumentava na porta em que estava o homem que queria um barco. A narrativa comunica
características do ser humano e das suas relações sociais, além da resistência necessária
para se alcançar os objetivos do homem; para que ele alcance o seu desejo será necessária
resistência. Os excluídos resistem como uma medida de se oporem às forças alheias. Sara-
mago trabalha com a memória de seu tempo, bem como a ambivalência dos valores que o
homem de seu tempo vivia, não tão distante da contemporaneidade.
De onde surgiu esse homem? O que quer com essa ilha desconhecida? Ain-
da não sabemos, no máximo poderíamos compreendê-lo em sua contingência, isto é, a
possibilidade que algo aconteça ou não. Deste modo, não há causa primeira, na verda-
de essa personagem nos aparece com as duas pontas da vida cortada: não se sabe o
nascimento, tampouco sobre aonde chegará, simplesmente se sabe que o indivíduo é
para se fazer nesse absurdo que é a existência e nela tecer valores. Em Bosi (2002, p. 16),
compreendemos que:
Assim, a face que a sociedade repele, Saramago lança em sua obra, no viés
de uma potência expressiva de literariedade e em estilística. Nesse sentido, Saramago
não apresenta a resistência somente enquanto tema de narrativa, mas essa resistência
constitui sua maneira de fazer literatura. Afirma-se que a resistência é uma leitura do
que ocorre no conto de Saramago, como um meio de combate aos antivalores de seu sé-
culo. Pode-se interpretar a resistência como tema e resistência como processo de escri-
ta. Vale recordar o combate ao nazifascismo que Sartre enfrentou com sua filosofia, lite-
ratura e teoria literária; sem falar no regime salazarista revisto por Saramago e seu po-
sicionamento crítico enquanto combate à ditadura e sua miséria se alastrando em Por-
tugal; seus livros foram publicados em períodos de turbulências de movimentos soci-
ais. Para Bosi (2002, p. 20), “[...] a resistência ético-política buscava traduzir-se em uma
resistência no plano das opções narrativas e estilísticas”.
sentido de crítica, de uma personagem engajada no seu direito, entendendo que ainda
não está no melhor reino, por isso foi resistente e avesso ao conformismo, por uma
existência autêntica. Essa autenticidade implica em enfrentar os problemas do homem
em situação e não fugir das condições com que se depara.
2 “Estar em situação, segundo nós, significa escolher-se em situação e os homens diferem entre si como
diferem suas respectivas situações e também conforme a escolha que efetuam de sua própria pessoa”
(SARTRE, 1963, p. 35).
3 “não é o que ele é e é o que ele não é” (SARTRE, 2008, p.128).
4 “Os estados dos Outros não estão abertos a tal privilégio cognitivo e podem ser entendidos como um impossível de conhecer”
(DANTO, 1975, p.49).
Vejamos que essa relação de poder, que funciona como uma rede se alas-
trando, está presente sem que Saramago cite seu nome, sobrevive ao anestesiamento do
povo, à sua dormência e demência como se vivessem em uma bolha em que somente o
conforto dos seus lares interessa. Ainda que o povo estivesse descontente com o rei,
nada foi feito da parte deles. Esse anestesiamento, a sensibilidade bloqueada ou sus-
pensa dos súditos, contribui para a sobrevivência das relações hierárquicas do reino e
sua expansão hegemônica, principalmente com o homem do barco. Não há quem possa
controlar essa relação de poder e submissão silenciosa, mas o escritor aparece para di-
vergi-la e apontá-la em seus variados níveis, lançando-nos implicitamente o questiona-
mento: Como não saber o que está acontecendo em nosso meio!? Como saber e ser pas-
sivo ao aniquilamento invisível, porém, presente!? Isso cabe tanto à condição de subal-
ternidade, quanto ao silêncio dos subalternos.
Quero falar ao rei, Já sabes que o rei não pode vir, está na porta dos
obséquios, respondeu a mulher, Pois então vai lá dizer-lhe que não
saio daqui até que ele venha, pessoalmente, saber o que quero, rema-
tou o homem, e deitou-se ao comprido limiar, tapando-se com a man-
ta por causa do frio. Entrar e sair, só por cima dele (SARAMAGO,
1998, p. 9-10).
Sequer posso conceber que efeitos que terão meus gestos e atitudes, já
que sempre serão retomados e fundamentados por uma liberdade que
irá transcendê-los e só podem ter significado caso esta liberdade lhes
confira uma. Assim, o “sentido” de minhas expressões sempre me es-
capa; jamais sei exatamente se significa o que quero significar ou se-
quer sou significante; [...] A linguagem me revela a liberdade daquele
que me escuta em silêncio, ou seja, sua transcendência (SARTRE, 2008,
p. 458).
Perguntamo-nos, então, até que ponto uma obra literária pode ser levada a
sério? Até que ponto pode-se promover a literatura como integrante da vida humana?
A este respeito, as manifestações de caráter estético confluem com a existência e seus
percalços das ações e situações a que o ser está suscetível.
A identidade do homem que queria um barco é valorada, pois ele toma co-
nhecimento de suas ações. Na procura da ilha desconhecida temos a busca do sentido
de uma existência autêntica, como já mencionado: o enfrentamento dos problemas do
homem em situação durante o projeto em que vive, pois estar no mundo requer justifi-
cativa, alguma valoração do que é esse ser e se é possível encontrá-lo dentro ou fora
dessa essência. Assim, para que o homem do barco encontrasse um significado de vida
que também pudesse servir aos outros, fez-se necessário que o homem do barco se en-
gajasse por ele mesmo, pois o que se sabe ainda não era o suficiente para formar sua
identidade. Desse modo, “só existe a realidade na ação. O homem não é nada mais que
seu projeto, ele não existe senão na medida em que se realiza e, portanto, não é outra
coisa senão o conjunto de seus atos, nada além de sua vida” (SARTRE, 2012, p. 30).
dade do homem do barco funcionou como um bando antagônico na disputa pela porta das
petições; em vez de ajudado, ele foi tiranizado.
Por mais que a consciência nos permita estar no mundo com algum saber, é
através da linguagem que constituímos sentidos e fundamentamos o que somos. Pela
linguagem o homem que queria um barco se engaja em seu contexto, dando significa-
dos às suas ações, ele ainda convence e cativa não somente o rei, mas também o capi -
tão, a partir de argumentos persuasivos e ousados, pela sua condição de súdito, e põe
em ação o seu projeto.
A mulher da limpeza foi esperá-lo à prancha, mas antes que ela abris-
se a boca para se inteirar de como lhe tinha ocorrido o resto do dia, ele
disse, Está descansada, trago aqui comida para os dois, E os marinhei-
ros, perguntou ela, Não veio nenhum, como podes ver, Mas deixaste-
os apalavrados, ao menos, tornou ela a perguntar, Disseram-me que já
não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam
eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de car-
reira para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um im-
possível, como se ainda estivéssemos no tempo do mar tenebroso. (...)
Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a conhe-
ço. (...) que pensas fazer, se te falta a tripulação, Ainda não sei (...) mas
quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quan-
do nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber
quem és, O filosofo do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar-se ao
pé de mim (...) dizia que todo homem é uma ilha (SARAMAGO, 1998,
p. 38-41).
consciência assumirá esse possível que, por mais avassalador que pareça, é um possível
entre outros” (SILVA, 2004, p. 144).
Por meio da linguagem estamos em ligação direta com o outro, que cumpre
a função essencial de nos ajudar na leitura da pessoa que somos. O pensamento é filtra-
do pela linguagem: “Essa linguagem é de marinheiro, mas tu não és marinheiro, Se te-
nho a linguagem, é como se fosse” (SARAMAGO, 1998, p. 27). Apropriar-se da lingua-
gem e exercê-la é o meio para que o sujeito construa sua realidade. O homem do barco
e a mulher da limpeza se mostraram personagens que não se desligam do social, preci-
sam se relacionar com os outros, precisam transmitir seus desejos e por meio da lingua-
gem criam conexão um com o outro. Quando a mulher da limpeza acompanha o ho-
mem do barco nessa empreitada, ela torna-se reveladora do que o homem do barco é,
por meio do qual ele vê a si mesmo, mas ela pode livremente atribuir-lhe interpreta-
ções que escapam à liberdade dele. Ela torna-se essencial, pois existe um hiato, uma
fresta entre o que o homem é e o que ele acha ser.
Por isso que a escolha é um risco, e a realidade não é apenas esse peso de
ter de escolher, por ora poder-se-á ser lançado a uma posição que não se possa alcançar
com a vista. Vejamos o homem do barco, que se atreveu a uma caravela sem saber na -
vegar: ele torna-se responsável por essa decisão e o mundo não se voltará a favor de
sua vontade para que seus desejos se realizem; portanto, ele só poderá contar com as
suas possibilidades.
Ainda que pareça ter sido fácil persuadir o rei e o capitão, cuja finalidade
era conseguir um instrumento que efetivasse seu desejo de busca ao desconhecido, o
trajeto também é adverso, pois o homem do barco vive o perigo, mas o projeto se reali-
za através da consciência da personagem a partir de suas relações com a mulher da
limpeza. Contudo, as personagens tornam-se parte integrante do instrumento que os
levou por meio do projeto de si mesmos.
O homem do leme não apenas buscou saber de si, mas pode se modificar
conforme as suas possibilidades em exercer sua ação sobre si mesmo, em vez de se dei-
xar dominar pelas hierarquias burocráticas do rei. Como afirma Sartre (2008), a grande
liberdade é dizer não a si mesmo e o que o homem do leme fez foi constatar o desco-
nhecimento em que se encontrava e não se bastar com o que ele era, e sim consolidar a
sua capacidade em refazer-se diante de tantos entraves. E para continuar o que se tor-
nou, foi preciso que ele se renovasse em cada passo de seu projeto.
uma luta de camadas sociais ou minorias e passa ser uma luta de oprimidos que bus-
cam afirmar sua identidade, tanto na escrita, quanto na realidade concreta, “[...] o escri-
tor que se despe dos preconceitos e do imaginário burguês para plasmar uma lingua-
gem aderente ao real e aos valores de progresso, justiça e liberdade” (BOSI, 2002, p. 19).
A literatura, no campo dos debates sociais, sem tornar-se panfletária, foi tra-
balhada com precisão em 1948 com a publicação do ensaio sartreano Que é a Literatura?
Esse é o alicerce do engajamento, em que se encontra o rol de argumentações acerca da
narrativa literária enquanto operante da busca pela verdade através da linguagem em
ato, pela linguagem na qual se tece a realidade e se constitui mundos e culturas.
al após a Revolução Russa. No entanto, Sartre não se dedica ao termo engajamento en-
quanto conceito exclusivo nas suas obras, não há uma análise especificamente desse
termo. Por outro lado, há a caracterização ao longo da sua recorrência nos escritos lite-
rários e filosóficos, que, segundo sua perspectiva, refere-se a um valor moral, de um ser
que sabe que escolhe, de um ser que se percebe pensando e que leva à provocação do
que é o homem.
É falso que o autor aja sobre os leitores, ele apenas faz um apelo à li-
berdade deles, e para que suas obras surtam qualquer efeito, é preciso
que o público as assuma por meio de uma decisão incondicionada.
Mas numa coletividade que se retoma sem cessar, que se julga e se
metamorfoseia, a obra escrita pode ser condição essencial da ação, ou
seja, o momento da consciência reflexiva (SARTRE, 1989, p.120, apud
SILVA, 2008, p. 72).
Mas, dirá você, e se o pintor fizer casas? Pois bem, precisamente, ele
as faz, isto é, cria uma casa imaginária sobre a tela, e não um signo de
casa. E a casa assim manifesta conserva toda a ambiguidade das casas
reais. O escritor pode dirigir o leitor e, se descreve um casebre, mos-
Ora, devemos refletir sobre essa questão, pois se o poema também lida com
a palavra, qual o porquê de seu engajamento não ser o mesmo que o da prosa? Em
suma, é importante deixar claro que a divergência entre ambas é a seguinte: a poesia
tem a linguagem tal qual espelho do mundo (SARTRE, 2004). Mas não entendamos er-
roneamente, o autor não quer dizer que o poema é uma cópia da realidade, mas que o
poeta não vai tratar da palavra como signo e sua linguagem não é utilitária. Trata-se
ainda da multissignificação que assume o significado de uma palavra no poema, não
há preocupação com a clareza da comunicação. O poeta trata a palavra já como signifi-
cada, justamente para alcançar a efemeridade da imagem que ele quer transformar em
poesia.
Neste caso, o prosador toma a palavra como signo de uma aparência exte-
rior. O escritor passa a ter a função de não deixar despercebido o mundo e diante dele
não se fazer de inocente, justamente porque a realidade não pode ser ignorada. O leitor
precisa ficar indignado, sentindo-se indispensável em relação ao mundo e aos proble-
mas que ele apresenta; por meio disso constitui-se a liberdade do leitor de agir em sua
realidade.
Existe apenas um motivo para que o homem não seja responsável por sua
conduta, sua biologia, pelo fato de que o homem não é fundamento de sua própria cri-
ação; no entanto, a caracterização biológica não é determinante de sua conduta. Para
compreender o projeto original de um indivíduo, isto é, o seu porquê, sua maneira de
ser, seu mundo tal como se apresenta, precisamos compreender os fragmentos de sua
vida e o projeto original como princípio disso. Aqui o pensamento se distingue da
perspectiva dos empiristas, não é em um ato que o homem vai se revelar por inteiro.
Ora, não se nasce herói e se for deste modo, o herói jamais fracassaria, pois a cada ato
ele seria vencedor. Não será um ato que determinará o que o homem é ou deixa de ser,
mas o conjunto desses fragmentos, e a cada ato o homem revela um pouco de si.
Salientamos que o autor não carrega a chave do texto, como se somente ele
pudesse dar significado por si só à obra; em cada época ela é a mesma, mas o observa-
dor não, e vai lhe atribuindo um novo aspecto. Levar em consideração o receptor de
determinada obra é pensar no sentido e no efeito que se atribui ao que se lê, além de fa-
zer parte da construção de experiências de tal leitor. Assim, a obra vai se constituindo
historicamente por ser porosa, isto é, passível de releituras e sentidos que não estão fe-
chados. Há o desfecho da narrativa, mas não há o desfecho das múltiplas interpreta-
ções, do desfiar-se com o texto atravessado pela dinâmica entre leitor-texto-autor; é o
que renova as narrativas, atravessando geografias.
Considerações Finais
O efeito criado pela narrativa nos relega o lugar comum, o cotidiano que nos
passa despercebido na maioria das vezes, direcionando-nos a uma nova dimensão do
olhar artístico, em que a forma é obscura e o gozo se prolonga em percepção, é sempre
um vir a ser. Se notarmos, ao longo da literatura e outras artes, não haverá obra acabada,
mas aberta e vulnerável a releituras, do contrário não interessa à literatura e outras artes,
do contrário não se pode afirmar que seja um fato literário. Ora, o óbvio nos interessa ao
avesso, e qual extensão da literatura toca-nos o avesso, deixando-nos maravilhados? A
princípio, entre a literatura e nós mesmos, há um véu. Para tocá-la, senti-la (a literatura),
alçar a língua na palavra, cabe a nós decidir: ou rasga-se o véu ou o desfiamos ou, devido
à impaciência de seus prolongamentos, a abandonamos.
Referências
BANDEIRA, Manuel. Antologia poética. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1961.
CANDIDO, Antonio. O Direito à Literatura. 1988 In. Vários Escritos. 4ª Ed. São Paulo.
Duas Cidades, 2004.
CANDIDO, Antonio. O discurso e a cidade. São Paulo, Editora Duas Cidades, 1993.
DANTO, Arthur. As ideias de Sartre. São Paulo: Editora Cultrix LTDA, 1975.
EM BUSCA da ilha desconhecida. Direção: Davi Khamis. São Paulo: Davi Georges
Khamis Produções, 2001. 48 min. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=xOvoSqQ85 Hc.> Acesso em 02 out. 2016.
SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras,
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______. Reflexões sobre a questão judaica. São Paulo: Européia do Livro, 1963.
SILVA, Eliana Borges da. O conceito de existência em Ser e Tempo. Dissertação (Mes-
trado em Filosofia). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2010.