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MOEDA

de onde veio, para onde foi

2/ Edição JOHN KENNETH GALBRAITH

Uma obra fascinante — que a todos interessa — pelo renomado autor


de O Novo Estado Industrial e A Era da Incerteza.
“A maior parte das coisas na vida — automóveis, amantes, câncer
— interessam apenas aos seus possuidores. Dinheiro, ao contrário,
é igualmente importante para aqueles que o têm como para aqueles
que não o tâm. Uns e outros, portanto, preocupam-se em compre­
endê-lo e todos podem estar plenamente seguros que isso nâo é
difícil ” Quem o diz é o próprio JOHN KENNETH GALBRAITH, no seu
estilo inconfundível — talento literário, ironia e humor aliados à
erudição do mais renomado e respeitado economista da atualidade
GALBRAITH apresenta uma visão ampla e competente do papel e
significado da moeda através dos tempos — dos reis da Lídia até o
tumultuado presente.
No primeiro capítulo do livro, o Prof. GALBRAITH fala de história, da
história da moeda e como os mistérios associados à moeda devem
ser compreendidos. A seguir, ele mesmo descreve seus propósitos
quanto ao livro: “De há muito tem sido de bom tom entre os historia-
dores — exceto no recôndito mais secreto de seus pensamentos —
exibir modéstia sobre as lições da história. Talvez eia só ensine que
ensina pouco. No que se refere à moeda tal restrição não é válida.
A história da moeda muito ensina. Através da história podemos ver,
com maior clareza, toda a evolução da moeda e das técnicas de sua
boa ou má administração e como, atualmente, funcionam ou fracas­
sam. É o passado que nos permite ver como as instituições modernas
alteraram os problemas da manutenção da estabilidade dos preços
no presente.”
Este livro preocupa-se com as lições da história, mais do que com a
própria história. . . e sua finalidade não é de todo solene. Há muito
de fascinante na história da moeda e aspectos, ricos em detalhe, que
revelam o comportamento humano e a loucura dos homens. Que o
amor ao dinheiro esteja na raiz de todos os males é, naturalmente,
discutível. O que não se discute é que a perseguição à fortuna, ou
uma longa associação com ela, seja capaz de levar, na© só a um com­
portamento bizarro, mas, também, decididamente pervertido.
JOHN KENNETH GALBRAITH é o mais popular e mundialniente famosa
economista. Professor em Harvard, ex-presidente da American Eco-
nomic Association, é autor de várias obras consagradas universal­
mente. A ERA DA INCERTEZA é um best-seller nacional desde a sua
publicação, saindo agora em 5/ edição. Foi assessor do Presidente
Kennedy e continua ocupando lugar de destaque no palco das
discussões.

novos umbrais
I ttuio do original ern mgtés
MONEY — Whence It Came. Where It Went

Copyright
Houghton Mifflin Co.. 1975

Capa de
Jairo Porfirio

Venda autorizada exclusiv amente no Brasil

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* 5.988 de 14 de dezembro de 1975.

1983

/ udos os direitos reservados por

ENIO MATHEL'S GUAZZELLI & CIA. LTDA.


02515 — Praça Dirceu de Lima. 515
Telefone: 266-0926 — São Paulo

Printed in Brazil
Impresso no Brasil
1 Moeda .......................................................................................... 1

2 De moedas etesouro ................................................................... 7

3 Bancos.......................................................................................... 19

4 0 banco........................................................................................ 31

5 Do papel ...................................................................................... 49

6 Um instrumento derevolução ..................................................... 63

7 A guerra da moeda......................................................................... 73

8 O grande acordo.............................................................................. 91

9 O preço........................................................................................... 109

10 O sistema impecável...................................................................... 125

11 A queda........................................................................................... 143

12 A inflação suprema......................................................................... 155


VIII MOEDA

13 Os ferimentos auto-infligidos.................................................... 1/3


193
14 Quando a moeda parou ...........................................................
209
15 A ameaça do impossível............................................................

16 O advento de J. M. Keynes.......................................................

17 A guerra e a lição seguinte ...................................................... '


18 Bons tempos: a preparação ....................................................... 265

19 A nova economia no seu apogeu ............................................. 279

20 Para onde foi................................................................................ 295

21 Epílogo ....................................................................................... 315


De um modo inocente, este hvro foi seu próprio progenitor. Inicialmente,
deveria ser um longo ensaio sobre os problemas de administração da eco­
nomia, estabilização monetária, e suas origens. Era um empreendimento
oportuno. Eu podia basear-me numa vida inteira de leituras — casuais
ou não - pois esses assuntos devem ser do conhecimento especializado do
economista - e eu sempre havia achado a história da moeda, antiga e atual,
extremamente atraente. Era tão interessante o empreendimento, que o
ensaio acabou por transformar-se num livro, e o livro acabou sendo volu­
moso. Como deve estar evidente, foi uma tarefa muito agradável, no
contexto desse tipo de trabalho.
E uma parte muito grande do prazer deve-se aos meus companheiros
nesse empreendimento. Um deles foi David Thomas, um assistente muito
fiel, inteligente e fascinante, agora, infelizmente, perdido por mim para
a prática de advocacia. David tinha uma capacidade notável para encontrar
tanto as coisas de que eu necessitava quanto aquelas em que eu precisava
corngir-me. Qualquer contraventor que tiver a sorte de cair nas suas mãos
»ciá salvo pela descoberta de alguma lei ou algum decreto, até então
X MOEDA

desconhecido, em seu favor. Como tem ocorrido com quase tudo que
tenho escrito, Arthur Schlesinger Jeu, contestou e corrigiu este trabalho.
Ninguém faz isso com uma riqueza maior de informações e julgamento.
Os erros que permanecem são todos meus. Minha amiga e assistente
Emeline Davis datilografou, redatilografou e corrigiu o manuscrito e super­
visionou o seu progresso até a gráfica. Nanny Bers ajudou-a e a mim tam­
bém. E, como tem acontecido com tudo que tenho feito há anos, todos os
problemas de clareza, edição, estilo e bom gosto ficaram sujeitos ao olho
infalível e à autoridade implacável de Andréa Williams. A todos, toda
a minha gratidão.
"A Sra. Bold tem mil e duzentos por ano, e acho que o Sr. Harding
pretende viver com ela. "
"Mil e duzentos por ano'.” exclamou Slope; - e pouco depois
saiu. . . Mil e duzentos por ano, ía dizendo a si mesmo, enquanto
caminhava lentamente para casa. Se fosse verdadeiro o fato de que a
Sra. Bold recebia mil e duzentos por ano, como estaria ele errando ao
opor-se a que o pai dela retomasse à sua velha casa. A linha de pensa­
mento do Sr. Slope provavelmente deve ter ficado bastante clara a
todos os meus leitores... mil e duzentos por ano...

Anthony Trollope, Barchester Towers

Não muito tempo atrás, uma das investigações sobre os problemas tipica­
mente complicados do 379 Presidente dos Estados Unidos trouxe à luz
uma transação rnais do que normalmente interessante. 0 Sr. Charles G.
MOEDA

Rebozo, bom e reticente amigo do Sr. Nixon, havia recebido em benefício


Jo então Presidente, para fins políticos ou pessoais, 100.000 dólares
daquele empresário ainda mais reticente, o Sr. Howard Hughes. Afirma-se
que esta soma considerável foi em seguida guardada em dinheiro num
cofre por mais de três anos antes de ser devolvida ao Sr. Hughes. O mais
curioso, em relação a esta transação, não é o fato de que alguém deveria
devolver dinheiro ao Sr. Hughes, o que é parecido a jogar gotas salgadas
no oceano. Ao contrário, é o fato de alguém deixar tanto dinheiro parado.
Assim deixado, como todos sabiam, ele sofreria uma perda significativa
de valor — um dólar de 1967 possuía um poder aquisitivo de 91 cents
em 1969, o ano em que o Sr. Rebozo depositou o dinheiro, e inferior a
80 cents quando retirou e o devolveu. (No início de 1975, esse valor
tinha caído a 64 cents.) O impacto desta tendência não pode ter passado
desapercebido aos dois cavalheiros. Tinha sido abandonada a compensação
parcial por esta perda sob a forma de juros, dividendos ou até os ganhos
de capital que qualquer homem pelo menos um pouco prudente esperaria
receber. O mais ineficaz dos emprestadores na Parábola dos Talentos foi
repreendido por voltar apenas com o dinheiro originalmente emprestado.
Não se acredita que os Srs. Nixon e Rebozo fossem indiferentes a preocu­
pações pecuniárias; ambos tinham caído muito abaixo do padrão bíblico
mínimo de desempenho financeiro. Houve descrença geral e muitos balan­
çaram suas cabeças por uma atuação tão má.
Houve neste episódio uma demonstração notável do que tem ocor­
rido em relação às atitudes quanto à moeda. Todos esperam que se desva­
lorize. Ninguém sugeriu que o Presidente, responsável último pela manu­
tenção do valor da moeda, tivesse sido muito audacioso ao apostar pessoal­
mente em sua capacidade de atingir essa meta. Como qualquer outra
pessoa, acreditava-se que ele deveria adotar alguma estratégia para com­
pensar essa desvalorização, embora não se acreditasse na probabilidade
de sucesso. E nem havia outro país, no mundo não-socialista, cujo líder
teria depositado mais confiança em sua capacidade de manter o valor da
moeda nacional do que o Presidente dos Estados Unidos. Em qualquer
outro lugar, a tendência desses anos era a mesma - de aumento de preços,
e decréscimo do poder aquisitivo da moeda a uma taxa incerta e errática.
Nada é eterno, sem excetuar a inflação. Mas para muitos deve ter parecido
que esta tendência era tristemente persistente.
E tampouco os que descuidadamente depositaram 100.000 dólares
em dinheiro foram as principais vítimas. Mais desapontadora ainda foi a
posição daqueles cujas pequenas riquezas e rendas eram fixas em dólares,
libras, marcos, francos ou outra moeda, e que não eram capazes de dizer
MOEDA 3

o que essas moedas comprariam no futuro, a não ser que seria menos do
que no presente. No último século, houve muita incerteza nos países
industriais quanto à capacidade de um homem para ganhar dinheiro, mas
pouca incerteza quanto ao que ele daria a esse homem uma vez tivesse
sido ganho. Neste século, o problema de ganhar ou conseguir dinheiro,
embora continue sendo considerável, tem diminuído. Em seu lugar surgiu
uma nova incerteza, em relação ao que poderá valer o dinheiro, indepen­
dentemente de como tenha sido adquirido e acumulado. Houve época
em que ter um rendimento seguramente denominado em termos mone­
tários era muito confortável, como pensava o Sr. Slope. Mais recente­
mente, uma renda fixa pode ser uma maneira de empobrecer rapida­
mente. O que aconteceu a moeda?

Há muito tempo tem sido dc bom tom entre os historiadores, exceto no


seu recôndito mais secreto, exibir modéstia a respeito das lições da His­
tória. Talvez ela só ensine que pouco ensina. No que se refere à moeda,
essa restrição não é válida. A história da moeda ensina ou pode ensinar
muito. Na verdade, é discutível quanto pode ser aprendido de duradouro
sobre a moeda de alguma outra maneira. As atitudes sobre a moeda desen­
volvem-se em oscilações cíclicas prolongadas. Quando a moeda é má,
as pessoas querem que ela seja melhor. Quando é boa, pensam em outras
coisas. Somente ao examinarmos as coisas no tempo é que poderemos
ver como as pessoas que vivem com a inflação aspiram por uma moeda
estável, e como aquelas que aceitam a disciplina e o custo da estabilidade
acabam aceitando os riscos da inflação. É este ciclo que nos ensina que
nada, nem mesmo a inflação, é permanente. Também aprendemos que o
medo à inflação que esta deixa atrás de si pode ser tão prejudicial quanto
a própria inflação. A História ainda nos permite ver, da maneira mais clara
possível, como a moeda e as técnicas de sua boa ou má administração
foram desenvolvidas, e como agora funcionam ou fracassam. É o passado
que nos ajuda a ver como novas instituições - sociedades anônimas, sindi­
catos, o estado do bem-estar - alteraram o problema da manutenção da
estabilidade dos preços no presente, e como novas circunstâncias — a tran­
sição a uma estrutura de classes em que cada vez menos pessoas são ade-
quadamenie ensinadas a receber menos, e os interesses políticos mutáveis
dos mais ricos - têm complicado substancialmente essa tarefa.
É com as lições da História, mais do que com a História em si mes­
ma, que este livro se preocupa. A sua finalidade é didática e expositiva.
4 MOEDA

menos em relação ao passado do que ao presente. Mas a sua finalidade


também não é absolutamente solene. Há muito de fascinante na históna
da moeda. Há muitas coisas que esclarecem com riqueza de detalhes o
comportamento e as loucuras dos homens. Pode-se discutir que o dinheiro
seja a causa de todos os males. Adam Smith. para muitos um profeta de
autoridade somente ligeiramente inferior à dos profetas das Sagradas
Escrituras, pensava em 1776 que de todas as ocupações às quais o homem
havia se dedicado até aquela época — guerra, política, religião, recreação
violenta, sadismo espontâneo — ganhar dinheiro era socialmente a menos
prejudicial. O que não se pode discutir é que o esforço para ganhar dinhei­
ro, ou qualquer associação duradoura com ele, seja capaz de levar a um
comportamento não somente bizarro, como decididamente pervertido.
Há boas razões para isso. Os homens que têm dinheiro, como os
homens antes favorecidos por nobreza no nascimento e títulos honorí­
ficos, infalivelmente têm imaginado que o assombro e a admiração inspi­
rados pelo dinheiro reahnenle devem-se à sua sabedoria ou personalidade.
O contraste entre a sua visão ampliada de si mesmos e a realidade freqüen-
temente ridícula ou torpe tem sido sempre uma fonte de admiração e
divertimento. De maneira semelhante, tem sempre havido um prazer
abjeto com a rapidez com que o assombro e a admiração evaporam quando
algo ocorre com o dinheiro desse indivíduo.
() dinheiro confunde de outra maneira. Repetidamente, em séculos
passados, os homens tem acreditado terem dominado o segredo de sua
multiplicação infinita. E assim como têm persuadido a si mesmos, também
têm convencido outros homens. Invariavelmente, há apenas a redescoberta,
talvez em forma de fraude bastante antiga. O período compreendido entre
as altuias transcendentais alcançadas pelo gênio financeiro e o ponto mais
baixo do colapso subsequente - entre o John Law salvador da Regência
Francesa e o John Law mendigo em Veneza; entre Nicholas Biddle, o
primeiro mestre das finanças americanas e figura atemorizadora para os
Presidentes do país, e o Nicholas Biddle, o mais famoso dos falidos de
Filadélfia; entre o Bemard Comfeld dos aviões a jato e das concubinas
de olhos instes e o Bemard Comfeld da prisão de Saint Antoine — é de
apenas alguns meses, somente de alguns anos, no máximo. Há admiração
e um certo prazer perverso nessas rápidas ascensões e quedas terríveis,
particulannente porque ocorrem com outras pessoas. Neste caso, indubi­
tavelmente, o importante é a estória, e não o significado.

Algo deve ser dito sobre o enfoque mental por nós recomendado ao leitor
deite livro. Muitas discussões sobre a moeda envolvem excessiva super­
MOEDA 5

posição de encantamento sacerdotal. Em parte, isso é proposital. Os que


falam e ensinam sobre a moeda e ganham a sua vida trabalhando com ela
adquirem prestígio, estima e retorno pecuniário, tal como um médico ou
feiticeiro, cultivando a crença de que possuem uma associação privilegiada
com o oculto - que possuem habilidades que não são de modo algum
acessíveis ao indivíduo comum. Embora profissionalmente recompen­
sadora e pessoalmente lucrativa, essa também é uma forma de fraude
muito bem consolidada. Não há coisa alguma sobre a moeda que não possa
ser compreendida pelas pessoas de curiosidade, diligência e inteligência
apenas razoáveis. E apesar dos eventuais erros de interpretação ou fato
que esta estória possa conter, não há qualquer erro, disso o leitor pode
estar seguro, que resulte de simplificação excessiva. O estudo da moeda,
acima de todos os outros campos da Economia, é aquele em que a comple­
xidade é usada para disfarçar a verdade ou fugir a ela, e não para revelar.
Muitas das coisas na vida - automóveis, amantes, câncer — são impor­
tantes somente para os que as possuem. O dinheiro, ao contrário, é igual­
mente importante para os que o têm e os que não o têm. Ambos, portanto,
devem estar interessados em compreendê-lo. Ambos devem estar seguros
de poderem compreendê-lo.
Neste sentido, será perguntado se um livro sobre a história da moeda
não deveria começar com alguma definição do que a moeda realmente
é. O que faz com que esta lira de papel intrinsecamente sem valor tenha
utilidade paia troca, o que faz com que outra tira de tamanho semelhante
*
não tenha esse valor ’ Os antecedentes desse esforço não são encorajadores.
Os entrevistadores de televisão com fama de perguntadores argutos regular­
mente começam as suas entrevistas com os economistas da seguinte manei­
ra: “Diga-me, o que é a moeda, afinal de contas?” As respostas são invaria­
velmente incoerentes. Os professores de Introdução à Economia ou Moeda
e Bancos começam com definições de sutileza genuína. Estas são então
cuidadosamente transcritas, memorizadas com dificuldade e piedosamente
esquecidas. O leitor deve progredir nestas páginas com base no conheci­
mento de que a moeda é nada mais, nada menos do que sempre pensou
ser - o que é comumente oferecido ou recebido pela compra ou venda
de bens, serviços ou outras coisas. As diversas formas de moeda e o que
determina o que podem comprar constituem outro problema. Mas revelar
isso é exatamente o objetivo das páginas deste livro.

Vnu ultima palavra. Esta é uma história da moeda; é consideravelmente


menos do que uma história de todas as moedas em todas as épocas - algo
que não deve ofender a qualquer historiador. Em todas as épocas sempre
6 MOEDA

foi preciso fazer alguma escolha. Esta escolha baseou-se nos fatos (como
no caso do Banco da Inglaterra) que determinaram o desenvolvimento
da moeda; ou (como no caso do debate entre Jackson e Biddle) melhor
esclarecem as forças que lutaram por seu controle; ou (como em relação
à obra de Keynes e à história recente) contribuíram mais para os nossos
conhecimentos atuais. Com um viés maior, porém, parte dessa escolha
inquestionavelmente resultou do que mais interessava ao autor.
Nos capítulos finais, como ficará evidente, a escolha converge
fortemente para o dólar. Neste caso, a arte, real ou não, simplesmente
imita a vida. É ao dólar que chega a história da moeda. É com ele que
a história da moeda termina, pelo menos por enquanto.
moedas <•
u------------------ -
J
A moeda é um artigo de conveniência bastante antigo, mas a noção de que
um artefato seguro, aceito sem discussão é, em todos os sentidos, um
é
fato bastante ocasional - em grande parte, uma circunstância do último
século. Pelos quatro mil anos que precederam esse século, houve acordo
quanto ao uso de um ou mais de três metais para fins de troca, a saber,
prata, cobre e ouro, sendo a prata e o ouro também usados numa ocasião
na combinação natural denominada electrum. Pela maior parte desses
anos, a prata ocupou a posição principal; por menos tempo, como entre
os micenianos, ou em Constantinopla após a divisão do Império Romano,
o ouro foi o metal dominante.
* Sempre foi considerado depreciativo o

1 Quanto ao uso de metais diferentes o acordo não é tão generalizado. O exposto


acima foi resumido do relato de Keynes. Cf. John .Maynard Keynes. Etsays in
Pera.ai&>n (Nova York: Haicourt, Brace and Co., 1932), pp. 181-82. Um esboço
inlerevante do desenvolvimento inicial dos metais e da moeda pode ser encon­
trado em ferrcind Braudel. Capitalúm and Material Life 1400-1800 (Nova York:
Harpcr and Ro
,
* 19t>”’), pp. 325-72.
8 MOEDA

fato de que Judas havia entregado Jesus por 30 moedas de prata. O tratar-
-se de prata mostra apenas que foi uma transação comercial normal; se
tivesse sido com três moedas de ouro, uma relação de troca plausível na
época, a transação teria sido algo excepcional. Ocasionalmente, e na
medida do uso relativo, o ouro era colocado abaixo do cobre. Por períodos
curtos, deve ser notado, o ferro também foi usado. E mais tarde o fumo,
como será mencionado, teve uma experiência limitada, porém notável.
Artigos mais estranhos ou exóticos, como gado, conchas, uísque e pedras,
embora muito aproveitados pelos professores de Moeda, nunca foram
importantes por muito tempo para pessoas afastadas de uma vida rural
primitiva. A associação histórica entre moeda e metal é mais do que pró­
xima; para todos os fins práticos, durante a maior parte do tempo, a
moeda tem sido representada por um metal mais ou menos precioso.
Um metal era um objeto inconveniente para ser aceito, pesado,
dividido e avaliado quanto à sua qualidade em pó ou em peças, embora
mais conveniente, neste sentido, do que cabeças de gado. Assim sendo,
desde os tempos mais remotos, ou até antes, os metais foram transfor­
mados em moedas dc peso predeterminado. Esta inovação é atribuída por
Heródoto aos reis da Lídia, presumivelmente no final do oitavo século
A.C.:

Todas as jovens mulheres da Lídia prostituem-se, e com isso obtêm


seus dotes; estes, juntamente com suas pessoas, são posteriormente
aplicados conforme julgam apropriado. .. Os modos e costumes
dos lídios não diferem em sua essência dos da Grécia, exceto quanto
à prostituição das mulheres jovens. Esse foi o primeiro povo, segun­
do se sabe, que cunhou moedas de ouro e prata e as negociou genera-
lizadamente.2

Parece possível, com base nas referências dos autores épicos indus, que
moedas, inclusive com divisão decimal, tenham sido usadas na índia
várias centenas de anos antes disso.3 A cunhagem de moedas após os
lídios desenvolveu-se bastante nas cidades gregas e em suas colônias da
Sicília e da Itália, transformando-se numa importante forma de arte.

2 Herodoto. Livro 1. Clio. Tradução do Rev. William Beloe (Filadélfia: M’Carty


and Dans, 1S44), p. 31.

3 Alevander Del Mar. History of Monetary Syitems (Londres: Etfingham Wilson,


1S45. Sova York: Augustus M. Kelley, 1969), pp 1-2.
DE MOEDAS E TESOURO 9

Alguns espécimens que sobreviveram não podem ser examinados sem


assombro por sua beleza. Após Alexandre, o Grande, adotou-se o costume
de representar a cabeça do soberano nas moedas, menos para garantir o
peso e a qualidade do metal, como se afirmado, do que como homenagem
deliberada do governante a si mesmo. E era uma homenagem que podia ter
o resultado oposto. De acordo com Suetônio, após a morte de Calígula o
seu dinheiro foi recolhido e fundido para que não só o nome, mas as
feições do tirano pudessem ser esquecidas.

A cunhagem era notavelmente conveniente. Também era um convite a


grandes fraudes públicas e pequenas fraudes privadas. Para governantes
esbanjadores ou premiados por necessidades, e esses têm sido maioria
absoluta em sua classe, regularmente surgia com o tempo a descoberta de
que podiam reduzir o volume de metal em suas moedas, ou substituí-lo por
um metal de qualidade inferior, e esperar, na verdade, que ninguém notasse
pelo menos logo. Portanto, uma quantidade menor de prata ou ouro com­
praria tanto quanto antes, ou o mesmo peso de metal puro compraria
mais. E também ocorria a empresários privados, após a conclusão de uma
transação, que podiam cortar ou raspar algumas micromiligramas das
moedas que haviam concordado em pagar. Isto, com o tempo, aumen­
taria os lucros em termos marginais, mas favoravelmente. A falsificação
também é uma inovação antiga. Já em 540 A.C., diz-se que Polícrates de
S.imos enganou os espartanos com moedas de ouro falso.
Com o tempo, e dependendo das necessidades financeiras dos
governantes, a sua capacidade de resistir à tentação, que geralmente era
modesta, e com o desenvolvunento privado das artes peculatárias, a cunha­
gem apresentou uma tendência para piorar. Os gregos, e principalmente
os atenienses, parecem ter resistido ao enfraquecimento da moeda com
uma compreensão bastante clara de que este era um expediente tempo­
rário e prejudicial, e que a honestidade era, no mínimo, uma boa polí­
tica comercial. Após a divisão do Império Romano e a reafirmação da
influência grega em Constantinopla, o besante foi por muitos séculos o
símbolo mundial de bom dinheiro, aceito em todos os lugares com o
ouro que continha.
Em contraste, a história da altamente desenvolvida cunhagem em
Roma, de acordo com a lenda já firmemente estabelecida, foi uma histó-
na Je constante redução da base metálica, começando, como normal­
mente se acredita, em consequência das exigências financeiras das Guerras
Púnicas. Com o tempo, esse processo transferiu o padrão monetário do
império do ouro e da prata para o cobre. Ao tempo de Aureliano, a moeda
10 MOEDA

básica dc prata cra 95% feita dc cobre. Mais tarde, o seu conteúdo em
prata caiu a 2%.4 Os modernos colecionadores de moedas, conforme tem
sido sugerido, agora possuem as boas moedas de ouro e prata que eram
acumuladas e que, com o massacre, exigindo a fuga forçada ou provocando
a morte dc seus proprietários, foram abandonadas e esquecidas.5 Com o
tempo, seria afirmado que a desvalorização da moeda provocou a queda
dc Roma. Esta historiografia - a tendência de atribuir vastas conseqüén-
cias adversas ao comportamento monetário, reprovada por este observador
- será freqüentemcnte mencionada neste livro. Não é preciso dizer, porém,
que deve ser encarada com a maior suspeita.

Na Antiguidade e na Idade Média, as moedas de jurisdições diferentes


convergiam para as principais cidades comerciais. Se houvesse qualquer
disposição para aceitar moedas, eram inevitavelmente as piores que eram
oferecidas, sendo retidas as boas moedas. Com base em tal precaução é
que surgiu, em 1558, a observação duradoura de Sir Thomas Gresham,
feita previamente por Oresme e Copérnico, e refletida no entesouramento
das melhores moedas romanas, de que o mau dinheiro sempre desloca
o bom dinheiro. Talvez seja a única lei da Economia que nunca tenha sido
discutida, e por jamais ter havido uma exceção digna de nota. A natureza
humana pode ter variações infinitas. Mas também possui aspectos cons­
tantes. Um deles é o de que, dada uma escolha, os indivíduos sempre
aguardarão o melhor para si mesmos, ou seja, para aqueles que mais amam.
Com numerosas moedas em circulação, adulteradas, cortadas, lima­
das, refinadas, podadas, sendo as piores oferecidas em primeiro lugar,
elas acabaram por tornar-se um problema. O caminho ficou aberto para
a grande reforma seguinte, que foi a volta à pesagem. Este passo decisivo
foi dado pela cidade de Amsterdam em 1609 — um passo que liga a histó­
ria da moeda à história dos bancos. Foi um passo provocado em parti­
cular pelo grande volume de comércio em Amsterdam. Isso, por sua vez,
estava associado a um dos acontecimentos mais influentes na história
da moeda - as viagens de Colombo e o efeito da conquista e do desen­
volvimento da América Espanhola sobre a Europa.
Houve muitos indivíduos, na Europa depois de 1493, que sabiam
apenas remotamente da descoberta e conquista de terras além do oceano,

4 Norman Angell. The Story of Money (Nova York: Frederick A. Stokes Co.,
1929), pp. 116-17.

5 Angell, pp. 117-18.


de moedas e tesouro 11

ou para os quais essa notícia sequer foi transmitida. No entanto, pode-se


afirmar com segurança que pouquíssimas pessoas não sentiram uma de
suas principais consequências. A descoberta e a conquista puseram em
movimento um enorme fluxo de metal precioso da Aménca à Europa,
e o resultado foi uma grande elevação de preços - uma inflação ocasio­
nada por um aumento da oferta do melhor tipo de dinheiro de boa quali­
dade. Quase ninguém na Europa estava tão afastado das influências do
mercado para não sentir algum efeito sobre o seu salário, sobre o que
vendia, sobre qualquer pequeno objeto que quisesse comprar. Os aumen­
tos de preços ocorreram inicialmente na Espanha, onde os metais chegaram
em primeiro lugar; a seguir, à medida em que eram carregados pelo comér­
cio (ou, talvez em menor escala, pelo contrabando ou por conquista)
à França, aos Países-Baixos e à Inglaterra, a inflação os seguiu. Na Anda­
luzia, entre 1500 e 1600, os preços subiram cinco vezes. Na Inglaterra,
se tomássemos como 100 os preços da última metade do século quinze,
isto é, antes das viagens de Colombo, à altura da última década do séc
dezesseis estariam a 250; oitenta anos mais tarde, ou seja, na década de
1673 a 1682, estariam a 350, trés vezes e meia acima do que haviam
alcançado antes de Colombo, Cortez e Pizarro. Após 1680, estabilizaram-se
e assim permaneceram, pois tinham caído muito antes na Espanha.6
Como foi observado, esses preços, e não os relatos dos conquis­
tadores representaram a notícia de que a América tinha sido descoberta,

6 Grande parte dos conhecimentos modernos deste período deve-se às diligentes,


até fenomenais pesquisas de Earl J. Hamilton, inicialmente de Duke University,
e mais tarde da Universidade de Chicago, a quem Keynes e muitos outros pagaram
tributo muito caloroso - considerando-o trabalho de “elevado significado histó­
rico’’. O Professor Hamilton passou milhares de horas de sua juventude consul­
tando os livros e registros de hospitais, conventos e outras instituições da Espanha,
calculando índices de preços, e também nos arquivos espanhóis (inclusive aquele
maravilhoso monumento à afeição burocrática por papel, o Arquivo Geral das
índias), determinando a fonte, a natureza e as quantidades dos tesouros ameri­
canos que chegavam à Espanha. Cf. em particular, o seu American Treamre and
Price Revolution in Spain, 1501-1650, Harvard Economic Studies, Vol. XLIII.
(Cambridge: Harvard University Press, 1934), e “American Treasure and the
Rise of Capitalism (1500-1700)”, Economica, Vol. IX, N9 27 (novembro de
1929), do qual extraí os índices aqui citados. Os índices ingleses aqui mencio­
nados, com algumas aproximações, são o produto do trabalho do historiador
alemão Georg Wiebe. Os seus cálculos, inicialmente publicados em 1895, foram
corrigidos quanto a alguns detalhes, mas não ordens de grandeza, por Abbott
Payson Usher em “Prices of Wheat and Commodity Price Indexes for England
1259-1930,” The Review of Economic Statistics, Vol. XIII, N9 1 (fevereiro
de 1931), pp. 103 e segs.
12 MOEDA

para a maioria dos europeus. Em ação estava a proposição básica quanto


à relação entre moeda c preços, embora de uma maneira primitiva, mas
inegável a teoria quantitativa da moeda. Esta afirma, cm sua forma mais
elementar, outros fatores permanecendo constantes, que os preços variam
cm relação direta à variação da quantidade dc moeda cm circulação. No
século dezesseis c no início do século dezessete, os preços subiram bastante
com o grande aumento da oferta dc metais preciosos disponíveis para
cunhagem c oriundos do outro lado do Atlântico. Haverá ocasião para
examinarmos a forma moderna c mais sofisticada da teoria quantita­
tiva da moeda cm outro ponto desta história. A essa altura, conheci­
mentos suficientes terão sido extraídos da experiência monetária para
que possa ser prontamente compreendida e, o que é mais importante,
não seja mal entendida.
A notícia recebida das Américas não trouxe uma alegria uniforme.
Na Espanha, a nova riqueza também levou a uma elevação dos salários;
nesse país, os salários parecem ter acompanhado aproximadamente os
níveis de preços. No resto da Europa, ficaram muito atrás dos preços,
possivelmente devido à influência das diferenças do crescimento popula­
cional. Os dados disponíveis apenas mostram ordens de grandeza. Além
disso, nessa época os trabalhadores, principalmente agrícolas, tinham
alguns rendimentos que não eram monetários. Não obstante, na Ingla­
terra entre 1673 e 1682, quando os preços estavam três vezes e meia
acima dos níveis pré-colombianos, parece provável que os salários fossem
apenas duas vezes mais altos. Havia uma diferença semelhante na França,
e pode ser feita a mesma suposição quanto às cidades comerciais dos
Países-Baixos e do norte da Europa.
Não foi pela última vez — e talvez não pela primeira — que a infla­
ção exerceu um efeito profundo sobre a distribuição da renda, com uma
tendência particular para punir mais os que tinham menos. As perdas dos
que recebiam os salários mais baixos, em termos reais, constituíam, por
sua vez, ganhos dos que os remuneravam e recebiam os preços altos e cres­
centes. O resultado era um lucro elevado.7 Com a conseqüência da inten­
sificação do capitalismo comercial ou do capitalismo industrial em sua
manifestação mais elementar. Por muito tempo, os historiadores têm
falado, freqüentemente com mais grandiosidade do que compreensão
pessoal, de como o tesouro americano financiou, lubrificou, estimulou ou

7 Um distinção feita por Keynes, que contrastou a inflação de lucros à inflação


de renda. John Maynard Keynes. A Treatise on Money (Nova York: Harcourt,
Brace and Co., 1930), Vol. II, pp. 148 e segs.
DE MOEDAS E TESOURO 13

intensificou o desenvolvimento inicial do capitalismo europeu. Segundo


um dado ponto de vista, foram o ouro e a prata que por si mesmos provo­
caram o surgimento desse capitalismo. Na verdade, não foram os metais,
mas as suas conseqüências, e estas não foram de modo algum misteriosas.
Os altos preços e baixos salários significavam altos lucros. Dos lucros
altos surgiam poupanças substanciais e um forte incentivo para investi-las.
Além disso, os preços crescentes facilitavam ganhar dinheiro; às recom­
pensas naturais de negociações astutas ou fabricação eficiente acrescentou-
-se o ganho, com o passar do tempo, resultante da capacidade de vender
a mesma coisa por mais. A inflação realmente lubrifica o comércio, mas
ao resgatar os comerciantes dos seus erros de otimismo ou estupidez.
Finalmente, deve-se supor que os lucros mais fáceis tenham dado oportu­
nidades mais amplas a novos empresários, mais dinâmicos, agressivos e
criativos, ou menos inibidos pelo impossível do que aqueles que já estavam
atuando. Foi assim que o dinheiro americano e a inflação resultante ajuda­
ram a promover o nascimento do capitalismo europeu. Sem dúvida, ele
teria nascido de qualquer maneira. Mas também não se pode discutir
que isso ajudou bastante.
No que se refere à Espanha, a lenda persiste regularmente contra as
demonstrações de fato. Possivelmente isto seja devido à atitude dos
historiadores espanhóis, que raramente têm sido estimulados pelo con­
vencimento nacional, ao contrário dos historiadores de outros países.
Têm contentado a si mesmos em supor o pior. A Santa Inquisição na
Espanha permanece na mente de todos como o exemplo clássico de cruel­
dade pública, pelo menos até Hitler. Não é algo que se desejaria elogiar.
Mas o número de judeus, marranos e outros hereges que caíram vítima
de seus procedimentos ditos judiciais durante os três séculos de sua atua­
ção — alguns milhares, no máximo - foram muito menos numerosos, em
alguns casos, do que os que foram massacrados sumariamente nas cidades
renanas num único ano. A Invencível Armada permanece até hoje como
exemplo clássico de poder militar extraordinário e pomposo derrotado
por um adversário inferior, mas muito mais sangüinário e atento. Contra
esta crença a verdade não tem conseguido muito progresso. E a verdade é
que os ingleses tinham uma tonelagem praticamente equivalente, com na­
vios de guerra melhor projetados, armados mais fortemente e equipados com
tripulação muito superior, e portanto possuíam uma força muito maior.8

8
“Em 1588, Elizabeth I era a senhora da marinha mais poderosa que a Europa
jamais havia visto... uma frota capaz de superar em rapidez e flexibilidade de
14 MOEDA

Ocorre coisa semelhante com a visão geralmente aceita do tesouro


americano da Espanha. A lenda diz que foi o ouro saqueado dos templos
dos astecas, extraído como resgate de Atahualpa por Francisco Pizarro -
a maravilhosa sala cheia de artefatos de ouro exigida por Pizarro em troca
do Inca - ou cedido pelos índios depois de aplicada uma técnica de
persuasão muito dolorosa. Este tesouro foi então transportado à Espanha
em galeões, muitos dos quais foram atacados e tomados por hordas de
piratas que patrulhavam as rotas espanholas e que tinham seu roubo justi­
ficado, pelo menos em parte, pela criminalidade e avareza ainda maior
dos espanhóis.
O tesouro saqueado dos templos ou extraído dos índios foi, na
verdade, uma fração insignificante do total. Em grande parte, ele foi
extraído em atividades de mineração. E nem era ouro, em sua maior
parte. Quase todo metal, após os primeiros anos, era prata. A partir da
década de 1531-1540, o peso da prata nunca foi inferior a 85% do total,
e após a década de 1561-1570, jamais inferior a 97%.9 San Luis Potosi,
Guanajuato e as outras ricas minas de prata do México, algumas das
quais continuam a ser exploradas até hoje, bem como as do Peru, foram
a fonte do tesouro americano. Finalmente, a maior parte do tesouro foi
transportada segura e rotineiramente à Espanha. Ignorando dois ou trés
anos maus, as perdas para os piratas, justos ou não, foram pequenas.
Isto continuou a ocorrer até a década de 1630, após a qual as exportações
de prata diminuíram, pois as jazidas mais ricas tinham sido exauridas.
Os metais entrados oficialmente na Espanha eram, de acordo com
a lei e a política mercantilista, cunhados nas casas da moeda do país. Essas
moedas passavam então aos centros comerciais da Europa Setentrional,
que vendiam produtos desejados ou, sendo menos afetados pelo afluxo
de dinheiro, tinham preços mais baixos. Juntamente com as moedas iam
os metais contrabandeados, que haviam deixado de passar pelas casas de
moeda espanholas ou pela Espanha como um todo. No século dezesseis,

manobra qualquer inimigo em qualquer tempo, e a sua distância preferida. . . de


derrotá-lo decisivamente.” Garrett Mattinglcy. The Armada (Boston: Houghton
Mifflin Co., 1959), pp. 195-96.

9 Hamilton, American Treasure and The Price Revolution in Spain, 1501-1650,


p. 40. Thorold Rogers, em seu estudo clássico dos preços ingleses, realizado no
século passado, falou a respeito do grande efeito da nova prata e do pequeno
efeito do novo ouro. A History of Agriculture and Prices in England, Vol. V,
1 583 1702 (Oxford: Clarendon Press, 1887), p. 779.
DE MOEDAS E TESOURO 15

metais preciosos dirigiram-se em grandes quantidades à França e aos


Países-Baixos no século seguinte para pagar os exércitos espanhóis que ali
lutavam. A guerra, vale a pena lembrar, era uma ocupação importante
nessa época, com exigências substanciais sobre a receita pública. (Max
Webcr estimou que aproximadamente 70% das receitas espanholas e cerca
de dois terços das receitas de outros países europeus eram assim empre­
gados nesse período.10) Uma parte não insignificante desse fluxo convergia
para Amsterdam, a qual retornamos a esta altura.
O tesouro americano não só aumentou lucros e estimulou o comér­
cio e a indústria, pois também ampliou as oportunidades de todos os que
viam na moeda uma maneira de ganhar dinheiro. Não era difícil, para ps
falsificadores, produzir uma imitação excelente contendo um pouco
ou muito além do metal básico. Eram ajudados pelo fato de que a cunha­
gem de dinheiro, mesmo quando controlada rigorosamente, como na
Espanha, ainda era em grande parte uma forma de empreendimento pri­
vado. Os mercadores de Amsterdam no final do século dezesseis — cem
anos após o início do grande fluxo de prata — eram os destinatários de
uma coleção variada de moedas, amplamente depreciadas de diversas
maneiras imaginosas quanto ao seu conteúdo em ouro e prata. Um manual
para negociantes de moeda, publicado pelo parlamento holandês em
1606, enumerava 341 moedas de prata e 505 de ouro.11 Dentro da Repú­
blica Holandesa, não menos de quatorze casas da moeda estavam então
produzindo dinheiro; havia, como sempre, uma vantagem em substituir
o dinheiro de melhor qualidade pelo que era aceito. Era muito inconve­
niente para cada mercador pesar as moedas recebidas; as balanças também
eram justificadamente muito suspeitas. Adam Smith escreveu sobre a
solução 170 anos mais tarde: “Para eliminar os inconvenientes [acima
mencionados], foi estabelecido um banco em 1609, com a garantia do
governo da cidade. Este banco recebia as moedas estrangeiras e as moedas
leves [ou aviltadas] do país ao seu valor intrínseco em termos do padrão
monetário local, deduzindo apenas o necessário para cobrir as despesas
de cunhagem e os outros gastos de administração. Para o valor remanes­
cente, após essas pequenas deduções, era feito um crédito em seus

10 Tal como citado em Hamilton, “American Treasure and The Rise of Capitalism
(1500-1700),” p. 340.

11 Richard Van Der Borght. “A History of Banking in the Netherlands.” A History


of Banking (Nova York: The Journal of Commerce and Commercial Bulletin,
J *96), Vol. IV, p. 192.
16 moeda

livros.”12 Assim surgiu, para regulamentar e limitar o abuso da moeda,


o primeiro banco público digno de nota.13 Instituições semelhantes logo
foram criadas em Rotterdam, Delft e a então importante cidade comercial
de Middlebourg. Com o tempo, bancos guardiães da moeda surgiram em
outros países.
Com a ascensão desses bancos, caíram os lucros resultantes da fun­
dição, adulteração e outras reduções do metal. No banco público, só con­
tava o metal válido. E igualmente, ou mais importante ainda do que isso,
com o surgimento dos estados nacionais as moedas passaram a ser menos
numerosas e eram melhor cunhadas. Assim, a cunhagem deixou de atrair
a atenção de homens de instinto peculatário. Os retornos propiciados por
essa engenhosidade tomaram-se baixos ou insignificantes. Os problemas
associados à moeda deixaram de ser os de cunhagem; em lugar disso,
passaram a ser os de bancos e tesouros nacionais, não excluindo os das
instituições que foram estabelecidas para proteger a cunhagem. Na histó­
ria da moeda, uma constante é a de que todo remédio aplicado segura­
mente constitui uma fonte de novos abusos.
Isso foi válido com o Banco de Amsterdam, a respeito do qual
devemos acrescentar alguma coisa para completar a estória. Por um século
após a sua fundação, funcionou com utilidade e retidão notavelmente
rigorosa. Os depósitos eram depósitos, e inicialmente o metal permanecia
guardado para o indivíduo que o possuía até ser transferido a outro indi­
víduo. Nada era emprestado. Em 1672, quando os exércitos de Luís XIV
aproximaram-se de Amsterdam, houve preocupação geral. Os mercadores
cercaram o banco, alguns suspeitando que a sua riqueza pudesse não estar
mais lá dentro. Todos os que pediram o seu dinheiro o receberam, e
quando verificaram que isso ocorria, não desejavam mais ser pagos. Como
seria freqüentemente observado no futuro, por mais desesperadamente
que os indivíduos quisessem retirar o seu dinheiro de um banco, quando
vissem que podiam consegui-lo, não o queriam mais.
Com o tempo, porém, houve uma mudança para pior. Uma relação
amigável sempre tinha existido entre o prefeito e os membros do Senado
da cidade de Amsterdam, a qual - não incidentalmente, era proprietária
do Banco, e os diretores da Companhia Holandesa das índias Orientais.

12 Adam Smith. Wealth of Nations (Londres: T. Nelson and Sons, 1884), Livro IV,
Cap. III, p. 196.
13 Houve pelo menos um precursor de curta duração em Veneza. O termo apro­
priado é banco público, e não banco central. O Banco de Amsterdam tinha poucas
das características e funções mais tarde associadas aos bancos centrais.
DE MOEDAS E TESOURO 17

Geralmcnte, eram os mesmos homens. No século dezessete, a Companhia


fora uma empresa extraordinariamente sólida, embora freqüentemente
exigisse financiamento a curto prazo para a armação de navios ou até
que os navios retornassem ao porto. Tais empréstimos vieram a ser feitos
pelo Banco com base nos fundos depositados em nome de outros indi­
víduos. Esse foi um pequeno passo na direção do que, para o banco
comercial moderno, é a operação mais ortodoxa. Porém, por volta do fim
do século dezessete, a Companhia deixou de ter tanto sucesso em suas
operações. Seus déficits e suas dívidas aumentaram, e no século dezoito
as coisas ficaram ainda piores. Em 1780, a guerra com a Inglaterra trouxe
pesadas perdas de cargas e navios, e o Banco começou a receber seus
empréstimos de volta cada vez mais lentamente. Além disso, o governo
municipal também começou a solicitar empréstimos do Banco. Agora,
se os depositantes quisessem receber todo o seu dinheiro de uma vez,
nem todos poderiam ser atendidos. Parte do dinheiro estaria fora, em
empréstimos a cobrar ou incobráveis, concedidos à Companhia ou ao
governo da cidade. Anteriormente, ao aceitarem pagamento por merca­
dorias e dívidas, os comerciantes tinham tomado depósitos a um ágio
sobre as moedas mais duvidosas, que representavam a alternativa. Agora,
suspeitando dificuldades no Banco, somente aceitavam pagamento por
transferência de depósitos bancários com deságio. E o Banco começou
a limitar o volume de moeda que podia ser retirado ou transferido a
outro banco. A recusa ou a incapacidade de cobrir depósitos de dinheiro
tornar-se-ia no futuro o sinal seguro de que um banco estava em dificul­
dades — sinal de que, independentemente da maneira pela qual a medida
fosse explicada, o fim estava à vista. Para o Banco de Amsterdam, o fim
veio em 1819. Após dois séculos e alguns anos de serviços, suas ativi­
dades foram encenadas.
UBancos
0 dinheiro tem três progenitores: casas da moeda, secretários de
tesouro ou ministros da fazenda, sendo estes a fonte do papel-moeda;
e bancos, de um tipo ou outro. Em sua reivindicação de precedência,
os bancos surgiram logo depois das casas da moeda e constituem, da
mesma maneira, uma idéia extremamente velha. A atividade bancária teve
uma existência importante nos tempos do Império Romano, e depois
declinou na Idade Média, à medida em que o comércio tornava-se mais
difícil e a concessão de empréstimos entrava em choque com a objeção
religiosa à usura. Com a Renascença, reviveu graças ao comércio e quando
os escrúpulos religiosos cederam lugar ao aproveitamento normal de van­
tagens pecuniárias. Tanto quanto se pode associar algum tipo de atividade
empresarial a um tipo étnico, a atividade bancária pertence aos italianos.1

1 Ver Abbott Payson Usher. “The Origins of Banking: The Primitive Bank of
Deposit, 1200-1600.“ The Economic History Review, Vol. IV, N9 4 (abril de
1934), pp. 399 e segs. O Professor Usher sugere a existência de uma possível
20 moeda

Tanto o seu declínio quanto o seu renascimento ocorreram na Itália;


nenhum banqueiro, desde então, nem mesmo os Rothschilds ou J.
Pierpoint Morgan, conseguiram igualar os Medieis em grandiosidade,
sendo esta substancialmcnte aumentada pela sua posição de agentes fiscais
da Santa Sé. As casas bancárias de Veneza* 2 e Gênova são as precursoras
reconhecidas dos bancos comerciais modernos regulares. Quase tão avan­
çadas como essas eram as casas bancárias do vale do Pó, e, à medida em
que o empréstimo de dinheiro desenvolveu-se em Londres, não deixou de
ser natural que a rua em que tivessem sido estabelecidas as primeiras
atividades bancárias recebesse o nome dos lombardos.*
O processo pelo qual os bancos criam dinheiro é tão simples que
até repugna a mente. Quando algo tão importante está envolvido, parece
que seria apenas decente haver algum mistério mais profundo. Os depósitos
do recém-mencionado Banco de Amsterdam estavam, de acordo com as
instruções dos seus proprietários, sujeitos a transferência a outros indi­
víduos para pagamento de suas contas. (Este serviço tinha, por muito
tempo, sido oferecido pelos precursores privados do Banco.) A moeda
em depósito servia como dinheiro pelo fato de estar num banco e ficar
sujeita a transferência por um golpe de pena.

ligação entre as primeiras atividades bancárias de Roma e as posteriores na Itália,


mas conclui “não haver indícios revelando qualquer continuidade nessa prática”,
(p. 402).
2 Um estudo pioneiro e extremamente interessante das práticas iniciais é o de
Charles F. Dunbar. “The Bank of Venice”. The Quarterly Journal ofEconomics,
Vol. VI, N9 3 (abril de 1892). Em Veneza chegaram a existir mais de cem bancos
de depósitos nos séculos treze, quatorze e quinze. Numerosos também faliram
com ressonância variável. Vários esforços foram feitos pelo Senado para con­
trolá-los, incluindo detalhes tais como horário de funcionamento e obrigação de
contar o dinheiro à vista do depositante. Os resultados dos controles foram
menos do que perfeitos. Um senador do século dezesseis, Tommaso Contarini,
enumerou as dificuldades num discurso. Tal como foi citado por Dunbar, obser­
vou que um banqueiro “... pode ajudar seus amigos sem o pagamento de di­
nheiro, simplesmente fazendo um lançamento a crédito. O banqueiro pode satis­
fazer seus próprios desejos de móveis e jóias escrevendo duas linhas em seus livros,
e pode comprar patrimônios ou dotar uma criança de recursos sem qualquer
desembolso efetivo.” (p. 316). Ver também Frederic C. Lane. “Venetian Bankers,
1496-1533: A Study in the Early Stages of Deposit Banking”. The Journal of
Political Economy, Vol. XLV, N9 2 (abril de 1937), pp. 187 e segs.
* (N. do T.) Tem o nome Lombard Street a rua de Londres onde se localizam
muitas das instituições financeiras. É o equivalente britânico de Wall Street nos
Estados Unidos.
BANÍ OS 21

Inevitavelmente, foi descoberto - pelos conservadores dirigentes


municipais de Amsterdam, enquanto refletiam incestiiosamentc sobre as
suas próprias necessidades como diretores da Companhia Holandesa das
índias Orientais - que outro golpe de pena daria a um tomador do Banco,
diferente do credor do depositante original, um empréstimo com base
nesse depósito ocioso. Não era mero detalhe que o banco ganhasse juros
sobre o empréstimo assim efetuado. O depositante original poderia ser
informado de que seu depósito tinha sido colocado cm tal uso - c talvez
fosse pago por isso. O depósito inicial ainda permanecia a crédito do depo­
sitante original. Mas havia agora um novo depósito correspondente ao
empréstimo. Ambos poderiam ser usados para realizar pagamentos, ou seja,
como moeda. A moeda, portanto, era criada. A descoberta de que os
bancos podiam criar moeda dessa forma surgiu muito cedo no desenvol­
vimento da atividade bancária. Havia os juros a ganhar. Quando há tal
recompensa, os homens tém o instinto natural para a inovação.
Havia uma oportunidade alternativa envolvendo notas bancárias,
que seria maravilhosamente explorada na República Americana eventual­
mente surgida. Consistia em dar ao tomador do empréstimo não um
depósito, mas uma nota resgatável em dinheiro que tivesse sido colocado
no banco como capital ou depósito sedentário. Com esta nota, o tomador
podia realizar seu pagamento; o recebedor desse pagamento poderia, ao
invês resgatar a nota e trocá-la por dinheiro, usá-la para seus pagamentos,
e assim por diante, ad infinitum. Enquanto isso, o banco recebia juros
sobre o empréstimo original. Talvez um dia a nota fosse devolvida e tro­
cada por dinheiro vivo, correspondente ao depósito original. Mas, a essa
altura, o tomador já teria pago o seu empréstimo, também em dinheiro
vivo. Tudo estaria bem, e juros teriam sido ganhos. Havia uma possibili­
dade de que a nota continuasse a passar de mão em mão e nunca voltasse
para cobrança. O empréstimo que tivesse levado à sua emissão renderia
juros e, no devido tempo, seria devolvido. A nota, enquanto isso, conti­
nuaria a dar as suas voltas. Contra o dinheiro que originalmente havia
permitido o empréstimo inicial, direito algum seria exercido. Na década
de 1960, o Sr. George W. Bali, um advogado, político e diplomata muito
bem sucedido, deixou a vida pública para associar-se à grande casa Lehman
Brothers de Wall Street. “Por que”, perguntou um pouco mais tarde,
“ninguém me disse coisa alguma sobre a atividade bancária mais cedo?”

Escrevendo em meados do século passado, John Stuart Mill tratou dos


fatores determinantes do valor da moeda - o que pode comprar - em
poucas frases:
22 MOEDA

O valor, ou poder aquisitivo da moeda depende, em primeiro lugar,


da procura e da oferta... A oferta de moeda. .. é formada por toda
a moeda em circulação num dado momento. .. A procura de moeda,
mais uma vez, consiste em todos os bens oferecidos à venda.3

A explicação era inteiramente adequada à época. E nos diz o que os


bancos poderiam fazer com a moeda. Poderiam ser feitos empréstimos
a partir de um depósito original de dinheiro vivo. Novas notas ou novos
depósitos utilizáveis como dinheiro daí resultariam. A oferta de bens
permaneceria inalterada, os preços seriam mais altos, e a moeda valeria
menos. Se os bancos fossem avarentos, competitivos, ou ambos, e os
tomadores fossem correspondentemente eufóricos, a expansão dos emprés­
timos a juros e resultantes de depósitos ou notas poderia ser bastante
grande. E o mesmo ocorreria com o aumento dos preços ou a redução do
valor ou poder aquisitivo da moeda.
Este aumento de preços era uma deficiência, do ponto de vista do
público ou, em qualquer caso, para os indivíduos que pagavam mas não
recebiam. Para os bancos, também havia um perigo. Esse perigo era repre­
sentado pela possibilidade de que os dfepositantes e portadores de notas
viessem, mais ou menos ao mesmo tempo, retirar o seu dinheiro. O depo­
sitante original poderia recebê-lo, pois o seu dinheiro ainda estaria
lá. Assim, alternativamente, poderia também o indivíduo a quem
o depósito tivesse sido emprestado. Mas, ambos não poderiam. A mara­
vilha dos bancos, em relação à moeda — a maravilha da criação de depó­
sitos ou emissão de notas que era assim permitida — ficava suspensa como
por um fio de seda. Havia a exigência de que os depositantes ou portadores
de notas comparecessem em número decentemente pequeno para que o
banco fosse capaz de entregar o dinheiro vivo que era obrigado a pagar.
E quando espalhava-se o pensamento de que o banco poderia não pagar,
então, geralmente com muita pressa, todos compareciam. Quando isso
ocorria, os depósitos e as notas que antes serviam como moeda deixavam
de ter utilidade. Os depósitos e as notas dos que chegassem primeiro
poderiam ser trocadas por dinheiro; para os depósitos e as notas dos que
chegassem mais tarde não haveria coisa alguma. Os seus depósitos e as
suas notas eram direitos e papéis de um banco que falira. Como tal, não
eram mais dinheiro. O milagre da criação de moeda era agora contraba­
lançado pelo desespero criado pelo seu súbito desaparecimento.

3
John Stuart Mill. Principles of Political Economy (Londres: John W. Parker
and Son, 1852), Vol. II, Livro III, Cap. VIII, pp. 12-3.
BANCOS 23

Havendo menos dinheiro para comprar bens, os preços cairiam.


A queda poderia ser rápida e ruinosa para os indivíduos com bens
para vender ou dívidas para pagar. Era a depressão ou o pânico,
a contrapartida natural da euforia anterior. Mais uma vez, algo bastante
simples.
À medida em que os bancos dcscnvolvcram-sc, a partir do século
dezessete, também o fizeram os ciclos de euforia e pânico, com o apoio de
outras circunstâncias. A sua duração veio a coincidir aproximadamente
com o tempo que levava para as pessoa^ esqucccrcm-se do desastre prece­
dente — para que os gênios financeiros de uma geração morressem na
miséria e fossem substituídos por novos artistas que os crédulos e os
ludibriados acreditavam ser verdadeiramente dotados do toque de Midas.
Os ciclos de euforia e despertar estenderam-se por duzentos e cinqüenta
anos, ligando John Law a Bernard Cornfeld e à Equity Funding Corpo­
ration of America. Como John Law demonstrou o que um banco poderia
fazer com a moeda e a ela, talvez melhor do que qualquer outro homem
desde então, ele merece atenção especial. Além disso, como realizaram-se
em Paris, as suas operações tinham um estilo e um colorido todo especial
que não se manifestariam em distritos financeiros mais provincianos.
Também tiveram uma clareza notável.

Law chegou à França em 1716 com credenciais que alguém poderia então
ter considerado menos do que dignas de confiança. Originário da Escócia,
um detalhe que deverá merecer muita atenção mais tarde, estava fugindo
de uma acusação de assassinato na Inglaterra, onde havia sido excessiva­
mente bem sucedido num duelo. Gastando uma herança considerável,
tinha vivido alguns anos como jogador. 0 Duque de Saint-Simon, a cujas
memórias devemos longos comentários sobre as operações de Law — e que
era um dos poucos nobres franceses que conheciam Law e não foram
financeiramente prejudicados por esse relacionamento — descreve-o como
sendo “o tipo de homem que, sem enganar, continuamente vencia no jogo
de cartas através da consumada arte (que parecia-me incrível) dos seus
métodos de jogo.”4 Anteriormente, na Escócia, na Holanda e na Itália,
Law havia procurado vender a sua grande idéia, que consistia em fazer com
que um banco de terras emitisse notas a prestamistas contra a garantia
das terras do país. Era uma revelação que voltaria a surgir posteriormente
sob muitas formas — na Alemanha em época tão recente quanto 1923.

4
Duque de Saint-Simon. Memoirs. Tradução e edição de Lucy Norton (Londres:
Hamish Hamilton, 1972), Vol. Ill, p. 299.
24 moeda

Entretanto, Law encontrou dificuldades com os pouco criativos escoceses


e holandeses.
A França, porém, era um solo fértil, embora aí Law oferecesse uma
variação baseada em terras mais distantes. Luís XIV, tendo vivido por
tempo demasiado, morrera no ano anterior ao da chegada de Law. A situa­
ção financeira do reino era assustadora: as despesas eram duas vezes supe­
riores às receitas, o tesouro achava-se cronicamente vazio, e os coletores
gerais de impostos e as suas hordas de cobradores eram competentes prin­
cipalmente em benefício de sua própria ganância. O Duque de Saint-
Simon, embora nem sempre o consultor mais confiável, havia recente­
mente sugerido que a solução mais simples era decretar a falência nacional
- repudiar todas as dívidas e começar tudo novamente. Felipe, Duque de
Orléans, e Regente em nome de Luís XV, então com apenas sete anos de
idade, era em grande parte incapaz de pensar ou agir. Aí surgiu Law.
Afirma-se que alguns anos antes ele havia conhecido Felipe num porão
de jogo. O último “tinha ficado impressionado pelo gênio financeiro
do escocês.”5
Segundo um édito real de 2 de maio de 1716, Law e seu irmão
obtiveram o direito de estabelecer um banco com o capital de seis milhões
de libras, cerca de 250.000 libras inglesas. O banco foi autorizado a emitir
notas. Isso foi feito sob a forma de empréstimos e, como era possível
imaginar, o principal tomador foi o Estado. O governo usou as notas,
por sua vez, para pagar suas despesas e seus credores. As notas foram
declaradas instrumento legal para o pagamento de impostos.
De início, as notas foram amplamente aceitas, não só para impostos,
mas para todas as finalidades. Isto deveu-se ao fato de que Law, além de
afirmar que todo banqueiro que não mantivesse uma reserva suficiente de
dinheiro vivo para resgatar os papéis não mereceria viver, prometera o
resgate em moeda do peso do metal contido na data de emissão do papel.
Os reis da França, de acordo com prática de há muito estabelecida, tinham
continuamente reduzido o peso do metal contido pela moeda francesa
esperando, como sempre, que menos ouro ou prata fariam o trabalho de
mais metal. Assim sendo, Law parecia estar fornecendo garantias contra
a malversação real de fundos. Por um certo período, em comparação com
as moedas de mesma denominação, as notas de Law foram vendidas com
ágio.

5 1 Igin Groseclose. Money and Man (Nova York: Frederick (Jngar Publishing Co.,
1%1), p. 129.
BANCOS 25

Não pode haver dúvida de que nesses primeiros meses John Law fez
algo de útil. A posição financeira do governo melhorou. As notas empres­
tadas ao governo e por ele utilizadas para cobrir o atendimento de suas
necessidades, bem como as emprestadas a empresários privados, aumen­
taram os preços, de acordo com a colocação de Mill. E os preços mais
altos, sustentados pelo otimismo gerado pela morte de Luís e a antiga e
resistente capacidade da economia francesa de sobreviver e até melhorar
em face das piores dificuldades, provocou uma recuperação substancial
dos negócios. Law abriu filiais de seu banco em Lyons, La Rochelle,
Tours, Amicns, e Orléans; atualmente, de acordo com a linguagem
moderna, ele teria se tornado uma instituição de âmbito nacional. O seu
banco tornou-se uma companhia publicamente autorizada, o Banque
Royale. Tivesse Law parado neste ponto, ele seria lembrado por uma
modesta contribuição à história dos bancos. O capital subscrito em
dinheiro pelos acionistas teria sido suficiente para satisfazer todos os
portadores de notas que quisessem resgatá-las. O resgate sendo garantido,
não haveria muitos interessados em efetuá-los. É possível que ninguém,
tendo tido um início tão promissor, jamais pudesse parar.
Como os primeiros empréstimos e a primeira emissão de notas, .
foram tão benéficos — além de uma fonte de muito alívio pessoal — o
Regente propôs uma nova emissão. Se algo é bom, mais deve ser ainda
melhor. Law concordou. Sentindo a necessidade, também encontrou um
modo de fortalecer as reservas com as quais o Banque Royale sustentava o
seu volume crescente de notas. Aqui ele mostrou que não havia esquecido
a sua idéia original de um banco de terras. A sua idéia era criar a Com­
panhia do Mississipi para explorar e levar à França os grandes depósitos de
ouro que se acreditava haver no subsolo da Louisiana. Ao metal assim
obtido seriam acrescentados os ganhos do comércio. No início de 1719, a
Companhia do Mississipi (Compagnie d’Occident), mais tarde a Companhia
das índias, recebeu privilégios exclusivos de comércio na índia, China e
nos Mares do Sul. Mais tarde, como fontes adicionais de receita, obteve o
monopólio do fumo, o direito de cunhar moedas e a arrecadação de
impostos.
O passo seguinte era colocar no mercado as ações do que era agora
um dos primeiros aglomerados. Em 1719, isso foi feito com uma reação
mais visível, audível e, às vezes violenta, do que até então ou possivel­
mente desde essa época. O congestionamento provocado pelas pessoas
que desejavam comprar as ações era intenso; o ruído das vendas era ensur­
decedor. As transações eram feitas na antiga bolsa da Rue Quincampoix.
(Mais tarde, foram transferidas para a Place Vendôme, e finalmente ao
26 MOEDA

terreno do Hotel Soissons.) O valor das propriedades adjacentes cresceu


rapidamente, graças à procura das pessoas que desejavam estar próximas
das operações. O valor das ações elevou-se fenomcnalmente. Indivíduos
que haviam investido alguns milhares no início do ano possuíam milhões
em questão de semanas ou meses. Tais indivíduos passaram a ser chamados
de milionários; é a esse ano, evidentemente, que devemos essa útil palavra
de origem francesa. À medida em que o ano passava, mais e mais ações do
conglomerado eram oferecidas aos investidores.
Enquanto isso, o Banque Royale também estava aumentando cons­
tantemente os seus empréstimos e, com isso, as notas em que eram toma­
dos. bla primavera de 1719, as notas emitidas atingiam 100 milhões de
libras; em meados do verão, havia mais 300 milhões. Nos últimos seis
meses de 1719, mais 800 milhões de libras em notas haviam sido emitidas.
Poder-se-ia pensar que a venda de ações estava criando um vasto
fundo pará o desenvolvimento das regiões virgens da Louisiana. Infeliz­
mente, isso não acontecia. Por um acordo vantajoso com o Regente, os
valores recebidos com a venda das ações da Companhia do Mississipi não
iam para a Companhia, mas ao governo da França, como empréstimo para
que este pagasse as suas despesas. Somente os juros dos empréstimos esta­
vam disponíveis para o desenvolvimento colonial e para a extração do
ouro que deveria ir para as reservas do Banque Royale. Para simplificar um
pouco, Law estava emprestando notas emitidas pelo Banque Royale ao
governo (ou a prestamistas particulares), que depois as passava a pessoas
em pagamento de dívidas ou despesas públicas. Essas notas eram então
utilizadas pelos que as recebiam para comprar ações da Companhia do
Mississipi, e os valores assim obtidos eram entregues ao governo para
pagar despesas e credores, que então usavam as notas para comprar mais
ações, cujas receitas de venda eram usadas para cobrir mais despesas do
governo e pagar mais credores do Estado. E assim a coisa continuava,
sendo cada ciclo maior do que o anterior.
O fato de que o governo da França era um investimento ainda menos
atraente do que os pântanos da Louisiana, ou até mesmo que o governo, e
não a Louisiana, era o objeto real do investimento, passou desapercebido
a quase todos durante aquele ano. Law, cujo nome foi convertido, no lin­
guajar francês, ao nome Lass, de som melhor, era agora o homem mais bem
conceituado da França. Convencido de suas próprias habilidades, como
invariavelmente-ocorre com os gênios financeiros, voltou a sua atenção
para outras reformas econômicas e sociais — muitas delas extremamente
sensatas. Pediu que aos camponeses fossem distribuídas as terras não culti­
vadas da igreja, que as taxas de pedágio fossem abolidas, as tarifas redu­
BANÍ OS 27

zidas, e que o comércio de cercais íosse libertado de reslnçdcs. E


a financiar sistematicamente obras públicas c industriais com os i-.in
préstimos e as notas deles resultantes. Foi proclamado nobre por um
soberano agradecido: ele não podia, sob pena de confusão com o Regente,
ser identificado com Nova Orléans, e por isso tornou se o primeiro, c até
hoje o último Duque de Arkansas.6 Em 5 de janeiro de 1720, recebeu o
reconhecimento máximo de seu génio financeiro: foi nomeado Contro­
lador Geral da França. O fim estava bem próximo.
É desnecessário dizer que as notas constituíam o grande problema.
No início de 1720, o Príncipe de Conti, ofendido, segundo se afirma, por
não ter conseguido comprar ações a um preço que considerava justo,
enviou um monte de notas ao Banque Royale para serem trocadas por
dinheiro. Era um volume substancial; trés carroças foram enviadas para
trazer de volta o ouro e a prata. Law apelou ao Regente, que por sua vez
ordenou ao Príncipe que devolvesse uma parcela considerável do metal
que havia recebido em troca. Mas outros, agindo com base numa visão
mais profunda, começaram a solicitar a troca dos títulos de Law por
metal, remetendo-o para a Inglaterra e a Holanda. Um deles, um nego­
ciante de nome Vermalet, “obteve ouro e prata no valor de quase um
milhão de libras, que colocou numa carroça de agricultor e cobriu com
feno e esterco animal. Disfarçou-se então com o avental sujo de um cam­
ponês e dirigiu a sua preciosa carga para segurança na Bélgica”.7* Medidas
deviam ser tomadas para restaurar a confiança. Uma delas, não desprovida
de engenhosidade, envolveu o recrutamento forçado de alguns milhares de
mendigos das favelas de Paris. Foram equipados com pás e outras ferra­
mentas e marcharam em grupos pelas ruas como se estivessem a caminho
da Louisiana para escavar ouro. Todos saberiam que o ouro por eles
extraído logo estaria jorrando de volta ao Banco para apoiar as notas emi­
tidas. Tendo sido suficientemente utilizados e exibidos, os homens foram
levados aos portos. Infelizmente, grande parte escapou ao caminho dos
navios - talvez até tivessem sido estimulados a fazer isso. Assim, depois

6 Norman Angell. The Story of Money (Nova York: Frederick A. Stokes Co.,
1929), p. 247.
n
Charles MacKay. Memoirs of Extraordinary Popular Delusions and lhe Madness
of Crowds (Londres: Richard Bentley, 1841; Boston: L.C. Page and Co., 1932),
p. 29. Este é um relato vívido das operações de Law, bem como de vários outros
episódios de loucura popular. Seria pedir demais supor que todo esse relato
suportasse as provas de modernas pesquisas históricas, o que c uma pena, pois
é um livro fascinante.
28 moeda

de venderem as suas ferramentas, logo podiam ser observados novamente


em suas choças. A notícia de que Paris tinha os mendigos, mas não o ouro,
exerceu um efeito perturbador sobre os investidores e portadores das notas
do Banque Royale. Foi necessário então restringir o pagamento de di­
nheiro em troca das notas — o sinal definitivo de que o “boom” tinha ter­
minado. Mais tarde, Law tomou uma medida adicional mais forte — em
sua nova posição proibiu, exceto em pequenas quantidades, a posse de
ouro e prata e estendeu essa proibição as jóias. Informantes foram convi­
dados a participar dos tesouros por eles eventualmente denunciados.
Enquanto isso, no Banque Royale havia agora uma quantidade ainda maior
de pessoas, desejando não títulos ou notas, mas dinheiro vivo; num dia de
julho de 1720, a multidão era tão grande que quinze pessoas morreram
pisoteadas. Ou pelo menos isso é o que se conta. Law não era mais um
gênio financeiro; sabia-se que se fosse exposto à população de Paris, não
teria restado um pedaço substancial sequer de seu corpo. Assim sendo, o
Regente manteve-o à distância, e depois fez com que saísse da França. Foi
para Veneza, e tendo vivido por uma década “em decente pobreza, uma
vida quieta e virtuosa, morreu na fé católica, recebendo piedosamente os
Sacramentos da Igreja.”8
Na França, Law deixou fortunas destruídas, preços em declínio,
atividades empresariais em depressão, e uma desconfiança duradoura de
bancos e suas atividades. Quanto às notas:

De todas as nações do mundo, os franceses são os mais renomados


para cantar sobre seus males ... as ruas ressoavam com canções...
uma delas ... em particular, aconselhava a aplicação de ... notas
[emitidas por Law] ao uso mais ignóbil que pode receber qualquer
papel.9

O réquiem do Duque de Saint-Simon também é digno de menção:

Se os méritos sólidos de tal banco forem acrescentados, como de


fato o foram, à miragem de um esquema no Mississipi, uma com­
panhia por ações, uma linguagem técnica, um método artificioso
de tirar dinheiro de Pedro para pagar Paulo, todo o estabelecimento,
desprovido de minas de ouro e da pedra filosofal, deverá necessa-

o
Saint-Simon, p. 299.
9 MacKay, p. 37.
BANCOS 29

riamente terminar em ruína, deixando uma pequena minoria enri­


quecida pela desgraça total de todo o resto dos indivíduos. Isso, na
verdade, é o que aconteceu.10

Ainda segundo o Duque de Saint-Simon, o banco de Law teria sido uma


boa idéia, exceto na França. Os franceses careciam somente de auto con­
trole necessário. Era, como veremos, um argumento extremamente questi­
onável.

10
Saint-Simon, p. 269.
banco

O milagre da criação da moeda por um banco, como John Law demons­


trara em 1719, podia estimular a indústria e comércio e dar a quase todos
um sentido agradável de bem-estar. Os parisienses nunca sentiram-se tão
prósperos como naquele ano maravilhoso. E, como também foi demons­
trado por Law, o resultado poderia ser um dia terrível de juízo final. Aqui,
em sua forma mais breve, estava enquadrado o problema que iria ocupar
homens de gênio financeiro ou cupidez pelos dois séculos seguintes: como
ter a maravilha sem o juízo final?
Alguns concluíram que um não podia ser conseguido sem o outro.
Por muito tempo depois de Law, os franceses permaneceram profunda­
mente desconfiados de bancos e notas bancárias, de qualquer dinheiro que
não fosse feito de metal. A desconfiança foi reforçada durante a Revolução
pela experiência com os assignats, a respeito dos quais ainda falaremos.
Os camponeses franceses, em especial, desenvolveram uma preferência pela
manutenção de sua riqueza em moedas metálicas, preferência que de
32 Moi da

certo modo ainda sobrevive. Nisto não estavam sozinhos. Na China e na


índia, a piata e o ouro tambem tvcebiam foite pivfeivneia. o na índia até
hoje é considerado piudente conservar economias cm piata ou ouro cm
volta dos pulsos e do pescoço ou nas oivlhas da esposa. Como mulher,
ela está razoavelmente isenta de violência. Assim. passa a acontecer o
mesmo com a riqueza da família. Todos os joalhciios possuem balanças
para garantir ao investidor o peso do metal pivcioso nos ornamentos ven­
didos. Mas a desconfiança em relação aos bancos e ao seu dinheiro em suas
primeiras manifestações não estava, de modo algum, limitada a pessoas
simples. Era amplamente compaitilhada. Emboia estivesse disposto a
admitir bancos para fins de depósito. Thomas Jefferson era fortemente
contrário à emissão de notas por eles. Escrevendo a John Taylor em 1S16,
ele afirmou que os estabelecimentos bancários deviam ser mais temidos do
que exércitos permanentes. John Adams afirmava que cada nota bancária
emitida além da quantidade de ouro e prata nos cofres “nada representa,
e é, portanto uma fraude aplicada a alguém."1
Contra essas visões austeras afirmava-se a circunstancia do poder
insuperável já mencionado: ouro e prata, quando depositados num banco,
podiam ser emprestados a juros, e os tomadores dos empréstimos podiam
pagar os juros com o que tivessem ganho aplicando os recursos empres­
tados. E se, como foi descrito no capítulo anterior, mais pudesse ser
emprestado do que estava depositado - dada a pequena probabilidade de
que todos os depositantes viessem retirar o seu dinheiro ao mesmo tempo
— mais tomadores podiam ser aceitos, e mais juros podiam ser ganhos.
Infelizmente, segundo a opinião de John Adams. Do encanto intrínseco
deste ganho e da melhoria resultante do bem-estar da comunidade surgiu
uma pressão insuperável para a realização dos empréstimos que aumen­
tavam as notas e os depósitos além dos montantes de ouro e prata exis­
tentes nos cofres. Assim podemos definir mais precisamente o problema de
um banco: como deve ser limitado o volume de empréstimos e que outras
precauções devem ser tomadas contra o dia em que os depositantes e por­
tadores de notas vierem retirar o metal precioso que não existir, devido à
própria natureza da atividade bancária?
As soluções são três e, examinadas retrospectivamente, são bastante
óbvias. Na prática, duas delas ou todas as três podem ser combinadas.
Podem ser feitos arranjos para que os banqueiros sejam obrigados a enfren­

1 Harry E. Miller. Banking Théories in the United States Before ISoO. Hanard
Economie Studies, Vol. XXX (Cambridge: Harvard Vniversity Press, 192.),
p. 20.
O BANCO 33

tar sistematicamente os pedidos de troca de suas notas (ou seus depósitos)


por dinheiro. Sabendo que a isso podem ser obrigados, serão mais cuida­
dosos em seus empréstimos, procurando ter a certeza de que sempre terão
reservas razoavelmente amplas de metal. Ou a reserva de dinheiro a ser
mantida pode ser especificada por lei, uma solução mais tarde favorecida
nos Estados Unidos. Ou alguma medida especial pode ser procurada para
o dia em que todos vierem buscar o metal inexistente em quantidade
suficiente. Se alguma fonte mais alta estiver pronta a fornecer dinheiro
vivo em tais ocasiões, então, como foi observado quando os exércitos de
Luís aproximaram-se de Amsterdam, o desejo de tê-lo será desestimulado.

Nos dois séculos posteriores a Law, todas essas soluções vieram a ser
adotadas, juntamente com outra, a de proibir os bancos de permitir a
prestamistas que retirassem seus empréstimos em notas que não correspon­
dessem a depósitos recebidos. 0 direito de emitir notas, com a esperança
de que as notas poderiam continuar a passar de mão em mão e jamais
retomarem para pagamento em dinheiro era corretamente considerado,
como algo especialmente sujeito a abusos. Esses remédios raramente resul­
taram de raciocínio e reflexão: todos foram reações a experiências amar­
gas. Em todas as épocas, os homens sentiram-se colocados entre recom­
pensas imediatas e custos de excessos e as recompensas mais distantes do
auto controle. Foi somente após os primeiros serem experimentados que
as últimas vieram a ser transformadas em lei.
O instrumento pioneiro de reforma foi o Banco da Inglaterra. De
todas as instituições voltadas para a atividade econômica, nenhuma gozou
de tanto prestígio por tanto tempo. Em todos os sentidos, é para a moeda
o que a Basílica de São Pedro representa para a Fé. E a reputação é mere­
cida, pois originou-se daí grande parte da arte, bem como do mistério asso­
ciado à administração da moeda. 0 orgulho de outros bancos centrais tem
sido imitar fielmente o Banco da Inglaterra ou conseguir pequenas vari­
ações de seus métodos, consideradas como demonstrações de originalidade
mental ou cultural. Como veremos, a direção de bancos centrais tem se
tomado uma profissão tristemente rotineira e simples em épocas mais
recentes. Os governos mantêm os seus bancos centrais na mais curta das
rédeas. Isso é verdade, juntamente com outros, no caso do Sistema Federal
de Reserva dos Estados Unidos, que goza da liturgia, mas não da realidade
da independência. Muitas funções são há muito tempo rotineiras; por
tradição, mesmo as pesquisas de um banco central não podem ser contro-
|.| MOI OA

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( •oveiniidoiet do Shirina I'rdrral de Kevrva, os presidentes oriundos de
umbos os pailldos o Irin nllli/.ado, ;'h vezes, como um lugar de depósito,
nfto somente dr Inndot públicos, mat também de homens que não scriarn
i apa/rs dr com Him os saldos cm scut próprios talões de cheques. Margaret
limnan, c suas agradáveis recordações de seu pai, deixou dúvidas de que
um dos homens por ele nomeado, Jake Vardaman, antigo ajudante de
ordens da Marinha, los.se capaz, até de somar. No moderno Banco da
Inglaterra, se uma decisão é considerada importante, ela não é comunicada
aos diretores externos ale ser tomada. Isto não pode ser considerado como
um reforço do seu poder. O brilho no entanto pemanece. Parte desse
brilho decorre de qualquer associação corn a moeda, por mais rotineira
que seja é o que leva moços outrossim inteligentes a tornaram-se vice-
•picsidcnlcs do ('hase Manhattan ou trabalharem para a Prudential. Mas, a
maior parle desse brilho é herança do Banco da Inglaterra. Nenhum chefe
de banco central de alguma importância, enquanto debate decisões que
não lhe cabe tomar, deixa de sonhar com o dia em que a sua oportunidade
chegará, Então, como aconteceu outrora com o Governador do Banco da
Inglaterra, todo o mundo financeiro aguardará as suas palavras ou medidas.
Os homens tremerão ao seu impacto, mesmo que não tenham a menor
idéia do seu significado.

As origens do Banco da Inglaterra não foram impressionantes. O fundador,


William Paterson, era contemporâneo c concidadão de John Law, também
oriundo da região das planícies da Escócia, e com os mesmos instintos,
possivelmente étnicos, para a inovação fiduciária. Enquanto estava na
América nos últimos anos do século dezessete, Paterson foi possuído pela
idéia de uma grande colônia situada estrategicamente no Istmo do Panamá,
que então tinha o nome de Darien. Voltando à Europa, encontrou dificul­
dades iniciais para vender a idéia, como acontecera com o banco de terras
de Law. Mas, assim corno Law acabou encontrando o Regente com neces-

2 “I he Business Situation”, f ederal Reserve Bank of New York. Monthly Review,


Vol. 55, N9 12 (dezembro de 1973), p. 291.
O BANCO 35

sidades de fundos -após a morte de Luis XIV, Paterson encontrou Gui­


lherme de Orange em dificuldades, em conseqüéncia de suas guerras com o
mesmo monarca. Paterson também ofereceu uma solução: uma com­
panhia bancária seria organizada por autorização real, com um capital de
1.200.000 de libras inglesas. Quando o capital fosse subscrito, os recursos
seriam emprestados a Guilherme; a promessa de pagamento do governo
seria a garantia de uma emissão de notas no mesmo valor. As notas assim
autorizadas circulariam como empréstimos a tomadores privados dignos
de crédito. Juros seriam recebidos tanto sobre esses empréstimos quanto
os empréstimos ao governo. Mais uma vez, a maravilha do banco.
Em 1694, isso foi aceito, e nasceu o Banco da Inglaterra. As neces­
sidades financeiras superaram todas as objeções, incluindo as dos Tories,
que afirmavam com certa veemência que os bancos eram instituições
republicanas por natureza. Contra o duplo retorno de juros, as despesas
devem ter sido pequenas; o quadro inicial da organização era formado pela
Junta de Diretores, pelo Governador, pelo Governador-Assistente, dezes­
sete escriturários e dois porteiros, estes últimos remunerados a 25 libras
anuais. Logo a Junta deixou de incluir William Paterson, que tinha sido
contratado originalmente a 2.000 libras anuais. Ele brigou com os seus
colegas depois de passados apenas alguns meses — alguns autores mais
recentes sugerem ter havido conflito de interesses. Ele estava promovendo
um concorrente, o Banco de Pensão dos Órfãos.3* Em qualquer caso,
voltou à Escócia, e ali encontrou uma acolhida entusiástica ao seu projeto
de Darien. Os frugais escoceses correram, como os franceses o fizeram
mais tarde com o Banque Royale, a investir na companhia que desenvol­
veria esse litoral cheio de doenças e febres. Todos os investidores que
permaneceram fiéis à companhia perderam o seu dinheiro. Quase todos os
1200 colonos que zarparam em cinco navios, incluindo a esposa e o filho
de Paterson, perderam suas vidas. Paterson sobreviveu com alguma difi­
culdade. Posteriormente, a sua contribuição considerável à história das
finanças foi reconhecida, e a sua reputação foi parcialmente restabelecida.
Tornou-se um influente defensor da união entre a Inglaterra e a Escócia.

Nos quinze anos que se seguiram à concessão da autorização original ao


banco, o governo continuou a atravessar dificuldades financeiras, e o banco
proporcionou-lhe mais recursos. Em troca, recebeu um monopólio da cons-

3 John Giusepp. The Bank of England (Londres: Evans Brothers, 1966), p. 26.
'Autores anteriores acreditaram que ele havia sido injustamente removido da
grande organização que criara.
36 Mfjl.bA

títuição de banco» vib a forma de companhia» por acõc», regulada


Coroa, um monopólio que durou qua/; um >Zculo. So início, o Banco
considcrava-sc simplesmente como mau um banqueiro, embora privile­
giado. Com atividades semelhantes, mas de uma forma rnenm privilegiada
trabalhavam o» ourives, que então haviam surgido como recipiente» de
depósitos e fontes de empréstimos, c cujas operações dependiam rnais da
resistência de seus cofres do que da retidão de suas transações. Opuse
*
ram-se intensamente à renovação da autorização de funcionamento do
Banco. A sua objeção foi superada, e a autorização fm renovada. Logo,
porém, surgiu um novo rival a desafiar a posição do Banco corno banqueiro
do governo. Foi a Companhia dos Mares do Sul. Em 1720, após alguns
anos de existência rotineira, surgiu com urna proposta para assumir as
dívidas do governo em troca de várias concessões, incluindo, segundo se
esperava, privilégios do comércio com as colónias espanholas, o que,
embora isso não tivesse sido notado claramente na época, exigia um tra­
tado altamente improvável com a Espanha. O Banco da Inglaterra lutou
bastante contra a Companhia dos Mares do Sul pelas dívidas do governo,
mas foi completamente batido pela generosidade desta última, bem como
pelo suborno de membros do Parlamento e do governo por parte da
empresa. A rivalidade entre as duas companhias não impediu que o Banco
fosse uma fonte generosa de empréstimos ao empreendimento da Mares
do Sul. No fim das contas, escapou por um triz.4
O entusiasmo que se seguiu ao sucesso da Companhia dos Mares do
Sul foi extremo. No mesmo ano em que as operações de Law estavam
atingindo seu clímax do outro lado do Canal da Mancha, desenvolveu-se
violenta especulação com as ações da Companhia, juntamente com várias
outras promoções da empresa, incluindo uma para a fabricação de uma
roda em movimento perpétuo, outra para “reformar e reconstruir casa de
párocos e vigários” e a imortal companhia para “realizar um empreendi­
mento tão lucrativo que ninguém deve saber qual é.”5 Tudo transfor­
mou-se eventualmente em nada, ou quase nada. Em consequência de sua
salvação praticamente acidental, a reputação de prudência do Banco foi
muito aumentada. Assim como os franceses ficaram desconfiados de

4 Detalhes podem ser encontrados em R.D, Richards, “The Bank of England


and the South Sea Company”. Economic Híitory (A Supplement of The Econo­
mic Journal), Voi. II, N9 7 (janeiro de 1932), pp. 348 e segs.

5 Charles Mackay. Memoin of Extraordinary Popular Deluríons and the Madness


of Crowds (Londres: Richard Bentley, 1841; Boston:) L.C. Page and Co., 1932),
p.55.
O BANCO 37

bancos, os ingleses ficaram desconfiados de companhias por ações. As Leis


da Bolha (denominadas assim por causa da “explosão da bolha” da Com­
panhia dos Mares do Sul) foram promulgadas c por mais de um século
mantiveram tais empresas sob a proibição mais rigorosa.

De 1720 a 1780, o Banco da Inglaterra surgiu gradativamente corno o


guardião da oferta de moeda bem como das preocupações financeiras do
governo inglês. As notas do Banco da Inglaterra eram pronta e rapidamente
convertidas em dinheiro vivo c, em conscqücncia, não erarn apresentadas
para resgate. As notas de seus concorrentes privados menores não inspi­
ravam tal confiança, e eram regularmente sacadas ou ocasionalmente aban­
donadas. Em torno de 1770, o Banco da Inglaterra tinha se tornado
praticamente a única fonte de papel-moeda em Londres, embora as emis­
sões de notas de bancos do interior durassem até boa parte do século
seguinte. Os bancos privados, em lugar disso, passaram a ser apenas insti­
tuições de depósito. Quando faziam empréstimos, eram os depósitos que se
expandiam, e não a circulação de notas e, como detalhe conveniente, os
cheques começaram a ser usados.
O prestígio do banco agora era bastante grande. Em 1780, quando
Lord George Gordon liderou a sua massa através de Londres em protesto
contra as Leis de Auxílio aos Católicos, o Banco foi um dos alvos prin­
cipais. Representava a ordem estabelecida. Enquanto os distritos católicos
de Londres estavam sendo pilhados, as autoridades demoraram a reagir.
Quando começou o sítio ao Banco, as coisas foram consideradas mais
graves. Tropas intervieram, e até hoje são enviados soldados para proteger
o Banco à noite.

Como foi observado, ao final do século dezoito o Banco da Inglaterra


havia eliminado as notas de seus rivais londrinos menores. Os abusos da
emissão excessiva de notas bancárias haviam portanto sido eliminados, pelo
menos na City. Mas as outras tarefas principais de um banco central ainda
precisavam ser dominadas. Em épocas de otimismo ou euforia especulativa,
os bancos menores podiam expandir seus empréstimos e depósitos sem
controle, provocando assim o colapso subsequente e a contração da oferta
de moeda em depósito. E ainda não havia proteção contra o dia em que,
por qualquer motivo, os depositantes viessem retirar o dinheiro vivo que
não existisse no banco, pela própria natureza de suas atividades. Havia
ainda uma necessidade adicional - de modo algum'peculiar aos bancos e à
moeda. Era a necessidade de um mecanismo para fiscalizar o fiscal. Pois o
próprio Banco, sob pressão de otimismo ou necessidade pública, poderia
38 MOEDA

sucumbir à tentação e expandir com excessiva generosidade os seus em­


préstimos, notas e depósitos. Este problema foi o primeiro a impor-se.
Por volta do final do século, a Inglaterra esteve em guerra, alterna­
tivamente, em duas frentes — primeiro, com as colônias americanas (com
as quais, incidentalmentc, havia diferenças de opinião sobre a emissão de
dinheiro que chegaram a constituir uma causa importante de atrito),
depois com Napoleão, e novamente com a jovem República. A guerra teve
suas conseqüências usuais. Era necessário dinheiro para sustentar os exér­
citos em luta, para a esquadra e para subsídios a aliados que aceitassem a
política humana (para os britânicos, pelo menos) pela qual a Inglaterra
contribuía com riqueza mais abundante enquanto os aliados contribuíam
com a sua mão-de-obra mais abundante. Pitt não mediu esforços, e
segundo muitos, não mediu escrúpulos, em suas exigências de empréstimos
do Banco. Embora os impostos fossem aumentados, e um imposto sobre a
renda, também chamado de imposto sobre a propriedade, tivesse sido
cobrado contra forte resistência, as necessidades persistiram. Nos últimos
anos do século, as reservas do Banco caíram, e houve corridas ocasionais.
Finalmente, em 1797, sob condições de grande tensão, incluindo a expec­
tativa de que os franceses logo desembarcariam, o Banco suspendeu o
direito de resgaste de suas notas e seus depósitos em ouro e prata. A
conseqüência imediata mais importante foi o pronto desaparecimento de
moedas de ouro e prata e uma falta de moedas para pequenas transações.
As pessoas passavam as notas e conservavam o metal. Gresham, mais uma
vez. O Banco apressadamente imprimiu notas de uma e duas libras, e
também retirou de seus cofres uma quantidade de moedas espanholas que
haviam sido tomadas. A cabeça de George III foi impressa sobre a cabeça
do monarca espanhol, inspirando um poeta anônimo, mas oposicionista
notável a escrever:

The Bank, to make their Spanish dollars pass,


Stamped the head of a fool on the neck of an ass.
* 6

As necessidades do governo persistiram. Os empréstimos e as resul­


tantes emissões de notas continuaram a aumentar. E então o mesmo
aconteceu com os preços e o valor do ouro. O trigo, que custava seis

* (N. do T.) “O Banco, para tomar os seus dólares espanhóis aceitáveis, Imprimiu
a cabeça de um tolo sobre a de um asno.”
6
Giuseppi, p. 76.
O BANCO 39

shillings c nove pencc por arroba cm Michaelmas em 1797, e estava ao


mesmo nível um ano mais tarde, subiu acima de onze shillings em 1799, e
a dezesseis shillings no ano seguinte.7 O pão subiu da mesma forma. O
preço do ouro não cunhado elevou-se significativamente no mesmo perí­
odo. Nos poucos anos seguintes, os preços reduzíram-se ligeiramente, para
logo após subirem bruscamente mais uma vez. Tudo isto era uma questão
de preocupação geral e, refletindo a distribuição de poder na vida política
inglesa da época, a preocupação não estava voltada para o preço dos ali­
mentos, mas ao do ouro. Em consequência, em 1810, a Câmara dos
Comuns constituiu uma comissão para estudar a questão — a Comissão
Especial sobre o Alto Preço do Ouro. A sua principal tarefa, que muitos
considerariam envolver uma expressão diferente da mesma questão, era ve­
rificar se era o valor das notas do Banco da Inglaterra, a moeda básica, que
tinha caído, ou se o preço do ouro é que tinha subido. A comissão delibe­
rou e concluiu devidamente contra o comportamento das notas. O ouro
tinha subido de preço devido à emissão excessiva das ainda irresgatáveis
notas do Banco da Inglaterra. A comissão propôs que, após um período de
dois anos, o Banco mais uma vez tornasse as suas notas inteiramente conver­
síveis em dinheiro. Assim conversíveis, não poderia haver aumento do
preço do metal.
Seguiu-se, em 1811, um famoso debate, na realidade, o debate mais
famoso da história, sobre a natureza da moeda e da sua administração.
Parlamentares tomaram parte, e especialistas em moeda apresentaram suas
opiniões. Nessa época, como desde então, não se ficou sabendo o que fazia
de um homem um especialista em moeda. Daí para a frente, porém, pas­
saram a ser um elemento fixo dos meios monetários.
No debate, indistinguível mas inteiramente reconhecível, houve uma
diferença de opiniões que persiste até hoje.8* Qual a origem de uma mu­
dança econômica? Começa com os responsáveis pela moeda — neste caso,
os que faziam empréstimos e, portanto, provocavam o aumento da oferta
de notas e depósitos? (Disto resultaria então o efeito sobre os preços e a
produção, incluindo o estímulo do aumento de preços sobre a produção e
o comércio.) Ou a mudança surge na produção? Origina-se na atividade
empresarial e nos preços, com efeitos conseqüentes sobre a procura de em-

7 T. S. Ashton. Economic Fluctuations in England, 1700-1800 (Oxford: Oxford


University Press, 1959), p. 18.
8 Como igualmente ocorreu anos depois na discussão entre os proponentes dos
chamados princípios bancários e monetários da política do Banco.
•IÜ MOEDA

préstimos e, portanto, sobre a oferta de notas e depósitos, ou seja, a oferta


da moeda? Em resumo, a moeda influencia a economia, ou responde à
economia? A questão ainda é feita. “Com o tempo, a doutrina monetária
tem oscilado em sua avaliação da moeda como causa ou efeito das con­
dições econômicas.”9
Os anos de guerra foram anos de expansão de atividades económicas
e, como foi observado, de preços crescentes. Uma corrente, incluindo os
grandes responsáveis pelo próprio Banco, sustentava que as condições eco­
nômicas (afetadas pela guerra) exerciam a influência decisiva. O Banco e
seus empréstimos e emissões de notas eram apenas uma reação a essa
circunstância. O preço do ouro tinha se elevado sob pressão da atividade
comercial. A corrente oposta afirmava que o Banco, por sua generosidade
e fraqueza de resistência ao governo, tinha permitido a saída das notas que
provocaram o aumento. O preço do ouro não tinha subido; eram as notas
do Banco que claramente tinham sido desvalorizadas. E não deveria haver
dúvida alguma; era responsabilidade do Banco garantir que suas notas
não se desvalorizassem. Este ponto de vista reforçou o parecer da Co­
missão.
De longe, o participante mais memorável nesse debate foi um corretor
londrino de origem judaica que, sem o seu conhecimento ou o de qualquer
outra pessoa, estava lançando uma das carreiras mais famosas no pensa­
mento econômico, em consequência dessa discussão. Alguns mais tarde o
considerariam o maior de todos os economistas. Era David Ricardo, um
defensor intransigente da Comissão do Ouro e do que logo seria conhecido,
pelo mundo inteiro, como padrão-ouro. “Durante as últimas discussões da
questão do ouro, foi afirmado, com muita justiça, que uma moeda, para ser
perfeita, deve ser de valor absolutamente constante.”10*Após concordar que
não se podia esperar que os metais preciosos não seriam tão invariáveis ou
perfeitos (“eles mesmos estão sujeitos a maiores variações do que é dese­
jável para um padrão. São, entretanto, os melhores instrumentos que
conhecemos.”11), Ricardo diria que, sem tal padrão, a moeda “ficaria
exposta a todas as flutuações às quais a ignorância ou o interesse dos emi-
ç
Sidney Weintraub e Hamid Habibagahi. “Money Supplies and Price-Output
Indeterminateness: The Friedman Puzzle”. Journal of Economic Issues, Vol. VI,
n?s 2 e 3 (junho-setembro de 1972), p. 1.

10 David Ricardo. The Works and Correspondence of David Ricardo, Vol. IV,
Pamphleis 1815-1S23, Piero Srafta, ed. (Cambridge: Cambridge University Press,
1951 ),p. 58.

Knaido. Pamphleis, p. 62.


O BANCO 41

tentes poderiam sujeitá-la.”12 Não se opunha a notas bancárias. Achava-as


econômicas e convenientes. Mas deveriam sempre ser inteiramente conver­
síveis em metal, à vista.
Os conselhos de Ricardo encaixavam-se numa grande tradição de
assessoramento econômico - sem igual na indicação dos fins, fraco na indi­
cação dos meios. Ou, como colocou gentilmente um historiador recente,
ele era “um economista teórico, capaz de ficar totalmente cego ao que
estava acontecendo sob o seu nariz - por exemplo, o fato de que o país
estava em guerra.”13 A este detalhe, porém, Pitt não podia estar cego;
qualquer que fosse o efeito do preço do ouro, ele precisava enfrentar Napo-
leão. Continuou a pedir empréstimos ao Banco. Ricardo triunfou em termos
de princípios, mas perdeu somente por questões de necessidade prática.
Mas, no fim ele também venceu na prática. As opiniões mais respei­
táveis continuaram a seu lado. Em 1821, após o final da guerra, a conver­
sibilidade absoluta foi restaurada à antiga taxa de troca de notas por ouro.
Ricardo, neste como em outros assuntos, tinha conquistado a Inglaterra
“tão completamente como a Santa Inquisição havia conquistado a Es­
panha.”14
Nem tudo estava bem ainda. O Banco ainda era considerado muito
cordato. Em 1824, com as lembranças da Bolha dos Mares do Sul suficien­
temente remotas, houve mais uma torrente notável de promoções e emis­
sões de empresas. Muitas refletiam, mais uma vez, a atração fatal da
América do Sul, embora houvesse uma reação encorajadora a uma com­
panhia que pretendia “drenar o Mar Vermelho para recuperar o tesouro
abandonado pelos egípcios após os judeus o terem cruzado.”15 Uma polí­
tica liberal do Banco, pensou-se após o colapso eventual, havia estimulado
essa expansão. Uma década mais tarde houve expansão semelhante dos
empréstimos, outra fase de prosperidade, e nova corrida às reservas. Estas
chegaram perto da exaustão, e o Banco viu-se à frente de uma nova sus­
pensão ou da falência. Desta vez, foi salvo por um consórcio de banqueiros
franceses. Estes emprestaram ouro ao Banco da Inglaterra, ouro que por
sua vez haviam retirado do Banco da França, o acordo servindo, entre

12 Ricardo. Parnphlets, p. 59.

13 Giuseppi, p. 79.

14 John Maynard Keynes. The General Theory of Employment Interest and Money
(Nova York: Harcourt, Brace and Co., 1936), p. 32.
15 A. Andreades. History of the Bank of England (Londres: P.S. King and Sons,
1909), p. 250, citando Juglar, Les crises économiques, p. 334.
42 MOEDA

outras coisas, para disfarçar o salvamento humilhante do Banco da Ingla­


terra pelo Banco da França. Em 1844, após uma intensa discussão dos
respectivos papéis da moeda e dos bancos na administração monetária, Sir
Robert Peei colocou firmemente o Banco numa camisa de força - o que
Walter Bagehot, trinta anos mais tarde, denominaria “sistema de ferro fun­
dido”.16 A Lei de Autorização a Bancos desse ano fixou a emissão de
notas pelo Banco da Inglaterra em 14 milhões de libras. Este montante
seria garantido por títulos do governo. Além disso, mais notas poderiam
ser emitidas somente se houvesse ouro e prata (não mais de um quarto
desta última) nos cofres. O “sistema de ferro fundido” foi muito rigoroso
para outra das funções previamente mencionadas, e que agora estava
sendo adquirida pelo Banco — fornecer fundos quando os indivíduos com­
parecessem em número elevado para retirar seus depósitos nos bancos
menores. Esta deficiência foi remediada permitindo-se a suspensão da lei
sempre que ela provasse ser indevidamente inconveniente.

Nesses anos, o Banco progrediu no sentido de colocar as operações dos


bancos subordinados, ou comerciais, sob o seu controle. Ao fazê-lo,
colocou em uso os dois instrumentos históricos de política de um banco
central — operações de mercado aberto e taxa de redesconto.
Uma expansão rápida dos empréstimos dos bancos comerciais, dos
depósitos resultantes, e do gasto destes últimos provocaria, como vimos,
uma elevação de preços. O efeito sobre a Inglaterra, exposta inteiramente
à concorrência estrangeira, era estimular compras de outros países. E trans­
formava a Inglaterra num mercado de produtos muito caros, desestimu-
lando as suas exportações. Um sinal de expansão indevidamente rápida dos
empréstimos bancários, portanto, era uma saída de ouro para compras no
exterior ou para investimentos visando a obtenção desses produtos. Isto o
Banco agora previa e impedia com a elevação da taxa interbancária - a
taxa à qual, de um modo ou outro, emprestava fundos a outros bancos ou
à qual aceitava instrumentos de crédito dos que solicitavam recursos para
financiar transações comerciais. (Esta medida tinha sido facilitada em 1833
por legislação em vigor, isentando o Banco das leis de usura.) Esse aumento
da taxa interbancária era agora um sinal aos bancos de que deveriam res­
tringir seus empréstimos. No caso de não ser percebido o sinal, o Banco da
Inglaterra podia vender títulos governamentais no mercado aberto e per­
mitir que os seus outros investimentos, incluindo seus títulos comerciais,

16 Walter Bagehot, Lombard Street (Nova York: Scribner, Arnistrong and Co..
1876), p. 25.
O BANCO 43

vencessem e fossem cobrados. Assim, em lugar de uma carteira de títulos


passava a ter dinheiro. E este dinheiro, por não estar nos outros bancos,
fazia com que estes tivessem reservas menores contra os seus depósitos,
e fossem assim obrigados a restringir mais a concessão de novos emprés­
timos. Podiam restabelecer seus saldos de caixa tomando empréstimos
do Banco da Inglaterra. Mas, aqui é que entrava a taxa interbancária.
Tendo sido aumentada, desestimulava tais empréstimos — e desencorajava
empréstimos pelos clientes finais quando a eles era transferida. Assim, o
Banco da Inglaterra regulava os volumes de empréstimos — e conseqüen-
temente, a criação de depósitos e moeda — pelo sistema bancário como
um todo.
Poucas expressões têm recebido uma dose de mistério como “opera­
ções de mercado aberto”, “taxa interbancária”, e “taxa de redesconto”.
Isto deve-se ao fato de que os economistas e banqueiros têm se orgulhado
do seu acesso a conhecimentos de que mesmo o mais perspicaz dos outros
cidadãos julga estarem além de sua inteligência. As operações de mercado
aberto são as vendas de títulos acima mencionadas pelo banco central,
para remover os fundos ou as reservas que podem ser emprestados pelos
bancos comerciais ou comuns. A taxa interbancária e a taxa de redes­
conto são a mesma coisa; impedem os bancos de recuperar seus saldos
de caixa tomando empréstimos sem sacrifícios do banco central. E isto é
tudo. Em vista do contexto de seu desenvolvimento no século passado,
é difícil considerar esses mistérios como algo além de uma acomodação
simples, e até óbvia às circunstâncias.
E o mesmo aconteceu com a última função de um banco central —
a constituição de uma fonte segura de fundos inteiramente aceitáveis
quando, por qualquer motivo, as pessoas desejassem transformar os seus
depósitos comerciais em dinheiro que não existisse, pela própria natureza
do processo de criação de depósitos. Nas crises de 1825 e 1833, tinha
havido essa corrida pelo ouro. No resto do século, surgiu novamente várias
vezes. Uma das corridas mais espetaculares ocorreu em 1890, quando a
grande casa bancária de Baring Brothers and Company repentinamente
viu-se em poder de 21 milhões de libras em obrigações argentinas vencidas
e não pagas, e com a perspectiva de falência. (A América do Sul, mais
uma vez.) Para essas emergências, também havia um procedimento pre­
estabelecido. O Banco elevava a sua taxa a nível suficiente para desesti­
mular todos os empréstimos desnecessários e atrair fundos livres para
investimento do exterior. E então atendia as necessidades de todos os
banqueiros solventes que solicitavam dinheiro. Os seus depositantes
eram tranqüilizados. E assim sendo, acontecia mais uma vez como em
44 MOEDA

Amsterdam. “A certeza de que o dinheiro poderia ser retirado eliminou


todo o desejo de retirá-lo.” 17 A partir de 1825, o Banco da Inglaterra
reconheceu a sua responsabilidade de “emprestador de última instância”.
Esta expressão também é muito usada pelos especialistas; dela a história
despe o mistério para revelar apenas um ajustamento bastante simples
às circunstâncias.

Em 1800, as duradouras suspeitas dos franceses em relação a tais insti­


tuições tinham cedido às necessidades financeiras de Napoleão. Havia
surgido o Banco da França que, durante o século que começava, desen­
volver-se-ia paralelamente ao Banco da Inglaterra. Em 1875, o antigo
Banco da Prússia transformou-se no Reichsbank. Outros países já haviam
adquirido instituições semelhantes, ou logo o fariam. Em 1867, num
congresso pouco divulgado em Paris, os representantes dos principais
países industriais da Europa decidiram que daí por diante o pagamento
em espécie significaria apenas pagamento em ouro. Haverá ocasião para
mencionar novamente esta reforma.
Dentro de cada país, as notas e os depósitos bancários eram livre­
mente conversíveis em ouro a uma taxa fixa. Qualquer indivíduo que
assim recebesse ouro podia trocá-lo pela moeda de outro país industrial
maduro a uma taxa fixa. Seguia-se que havia uma taxa fixa de câmbio
entre as moedas mais importantes. Assim, era irrelevante saber, exceto por
um pequeno cálculo aritmético, em que moeda um preço estava fixado,
um contrato estava firmado, ou um empréstimo tinha sido contratado.
Os bancos centrais — e, por comum acordo, o Banco da Inglaterra em par­
ticular — fiscalizavam e protegiam a conversibilidade das moedas em ouro,
e o arsenal de instrumentos para esse fim agora achava-se completo. Parecia
uma estrutura bastante sólida. Era menos aceita nos Estados Unidos do
que na Europa, como os capítulos seguintes indicarão. Mas, isto parecia ser
apenas uma questão de tempo e entendimento; tais assuntos certamente
deviam ser difíceis para uma democracia recém-nascida, e os agricultores,
no que se refere a dinheiro, eram particularmente atrasados. A tendência
nos Estados Unidos mostrava um encaminhamento na direção correta.
E em todos os países havia uma moralidade confortadora. Os que
apoiavam a moeda forte e o padrão-ouro eram homens bons. Os que não
o faziam eram maus. Se estes últimos soubessem do que se tratava,
seriam somente um pouco melhores do que ladrões. Se não soubessem,

17 Amhcades, p. 336.
O BANCO 45

seriam estúpidos. Em nenhum caso poderiam ser admitidos na companhia


de cidadãos'respeitáveis. E não cra apenas a moralidade dos conservadores;
era também uma virtude dos inteligentes e sofisticados membros da
esquerda. Os socialistas, e mais tarde os comunistas, embora desejassem
ser revolucionários, não queriam ser bandidos.
Na verdade, as realizações monetárias do século dezenove foram
bastante frágeis. Homens de reflexão ou nervosos sempre haviam apontado
um perigo — o de que o ouro pudesse tornar-se abundante e comum e
provocar um aumento assustador dos preços. Talvez nesse caso devesse
ser abandonado por algo de maior valor e menor volume. Não era um
pensamento totalmente acadêmico. Em apenas um ano, 1850, seguindo-se
à corrida dos aventureiros, perseguidores de fortunas e otimistas ao novo
filão, o novo estado da Califórnia produziu tanto ouro quanto o mundo
inteiro havia produzido num ano normal da década precedente. Ao mesmo
tempo, nas jazidas australianas homens afortunados estavam apanhando
grandes pedras com as próprias mãos — uma de duzentas libras foi encon­
trada somente alguns centímetros abaixo da superfície. E no final do
século vieram as descobertas no Klondike e no Rand. Havia ainda muitas
terras distantes e inexploradas no planeta. Quem poderia afirmar o que
elas conteriam?
Teria sido interessante ver o que essa abundância teria provocado.
Freud afirmava que a ligação do homem ao ouro era algo profundo em
seu subconsciente. Assim sendo, o prestígio do metal, pelo menos em
parte, teria sobrevivido, mesmo que o ouro se tomasse comum como o
carvão. A hipótese não foi testada, pois a abundância não se verificou.
Ouro suficiente foi encontrado para exercer efeitos sobre os preços. Nos
vinte e cinco anos anteriores a 1848, quando as pepitas foram vistas pela
primeira vez na corrente de água do moinho de John Augustus Sutter,
os preços do ouro ou seu equivalente tinham caído. No quarto de século
seguinte subiram, embora segundo os padrões modernos o aumento —
de cerca de 20% - não tenha sido substancial. Após a África do Sul, as
descobertas diminuíram no seu todo. O ouro continuou sendo escasso.
Keynes calculou, em 1930, que um transatlântico poderia transportar
através do oceano todo o ouro que havia sido extraído, processado ou
garimpado nos sete mil anos precedentes.18 Um super petroleiro moderno
seria muito mais adequado.

18 John Maynard Keynes. A Treatise on Money (Nova York: Harcourt, Brace and
Co., 1930), Vol. II, p. 290. Keynes também é a fonte de observação de Freud.
46 MOEDA

Um grande perigo para o ouro era a guerra. O padrão-ouro, no último


século, deveu muito à administração inteligente do Banco da Inglaterra
por um breve período e foi realmente uma arte dirigir um banco central.
Deveu muito mais à Pax Britannica. No século seguinte, os governos cm
guerra, como o fizera o de Pitt, recorreriam aos seus bancos centrais
para conseguir o dinheiro que não podiam obter arrecadando impostos.
E nenhum banco, qualquer que fosse sua pretensão de independência,
podia simplesmente pensar em resistir.
Uma das coisas mais perigosas seria a democracia. 0 Banco da
Inglaterra era o instrumento de uma classe dominante. Dentre os poderes
recebidos dessa classe pelo Banco estava o de infligir penalidades. Podia
reduzir preços e salários e provocar desemprego. Eram os corretivos
empregados quando o ouro estava sendo perdido e a euforia era excessiva.
Poucas pessoas, ou nenhuma, anteciparam o que os camponeses e operários
fariam quando tivessem o poder que tornaria os governos relutantes em
impor tais sacrifícios mesmo em defesa de uma causa tão justa quanto a
proteção da moeda nacional.
Entretanto, logo foi percebido que os interesses dos ricos nessas
questões podiam diferir dos interesses de outras pessoas. Escrevendo
em 1810, Ricardo observou que

A desvalorização do meio circulante tem sido mais prejudicial aos


homens endinheirados ... Pode ser enunciado, como princípio de
aplicação universal, que todo homem é prejudicado ou beneficiado
pela variação do valor do meio circulante na proporção da estrutura
de seus bens, se formada por dinheiro, ou se os direitos fixos em
dinheiro contra ele superam os direitos fixos que possa ter em
relação a outras pessoas.19

Os agricultores, por outro lado, eram ajudados:

Ele, [o agricultor] mais do que o membro de qualquer outra classe


da comunidade, é beneficiado pela desvalorização da moeda, e preju­
dicado pelo aumento do seu valor.20

Na Inglaterra, o triunfo da classe endinheirada de Ricardo foi com-

19 Ricardo, Vol. III, Pamphlets and Papers, 1809-1811, p. 136.


20 Ricardo. Pamphlets and Papers, pp. 136-37.
O BANCO 47

plcto, ou quase. Nos Estados Unidos, no entanto, ficou sujeito ao mais


forte dos desafios. De uma forma ou outra, este desafio dominaria a polí­
tica americana durante o primeiro século e meio da vida da República.
Somente a política da escravidão dividiria os homens mais furiosamente
do que a política da moeda.
UPo papel

Se a história dos bancos comerciais pertence aos italianos e a dos bancos


centrais aos ingleses, a do papel-moeda emitido por um governo indubi­
tavelmente pertence aos americanos. Evidentemente, os papéis dos bancos
e dos governos têm muito em comum. As notas emprestadas por um
banco conservam paridade absoluta de poder aquisitivo em relação ao
ouro ou à prata que prometem em troca, desde que possam ser convertidas
nesses metais. E continuam a manter essa paridade, mesmo que o seu valor
nominal total supere substancialmente o metal disponível para o seu res­
gate. É importante apenas que a inadequação da reserva subjacente de
metal não seja demonstrada pela solicitação de todos ou muitos indivíduos
no sentido de que as notas sejam resgatadas.
Além disso, como mostrou a experiência britânica durante as guerras
napoleônicas, as notas bancárias não perdiam todo o seu valor, nem mesmo
grande parte dele, quando fosse negada a sua conversibilidade em ouro
ou prata. À primeira vista, os fatores decisivos são o volume emprestado
50 MOEDA

em relação ao estado geral da economia — mais especificamente, o volume


de bens e serviços disponíveis para compra — e a perspectiva de resgate
final. Após o Tratado de Ghent e a vitória em Waterloo, tornou-se pouco
provável que o governo britânico continuaria a pressionar o Banco em
busca de empréstimos e das notas deles resultantes. E pareceu provável
que as recomendações da Comissão do Alto Preço do Ouro quanto à
conversibilidade total seriam postas em execução cedo ou tarde. Assim,
as notas do Banco da Inglaterra tiveram o seu poder aquisitivo acrescido
gradativamente, e também valorizaram-se em relação ao ouro. Isto contras­
tava notavelmente com a tendência oposta dos papéis amplamente mais
abundantes e infmitamente menos promissores do Banque Royale, um
século antes.
Não muito era modificado quando um governo, em lugar de alojar
seus títulos em seu banco e tomar as notas bancárias para pagar os seus
soldados, marinheiros, funcionários e fornecedores, emitia suas próprias
notas e as entregava diretamente aos que estivessem esperando pagamento.
As notas assim emitidas também eram uma promessa de entregar ouro ou
prata pertencente ao tesouro público. Mais uma vez, a promessa de pagar
normalmente — ou poderíamos até dizer, invariavelmente — era de volume
superior ao valor do metal disponível. Mas, tal como ocorria com as notas
bancárias, a estima atribuída a essas notas do governo e o seu poder
aquisitivo permaneciam elevados enquanto fossem inteiramente conver­
síveis em ouro ou prata. A redução sofrida pelo seu poder aquisitivo ao
deixarem de ser conversíveis dependia, por conseguinte, do volume de
notas emitidas em relação ao volume de bens a serem comprados e da
perspectiva de resgate final. Se o volume emitido fosse modesto, a dimi­
nuição do poder aquisitivo poderia ser pequena, e assim permanecer,
mesmo que a promessa de resgate, como freqüentemente ocorria, fosse
adiada indefinidamente.
Em suas primeiras manifestações, os papéis governamentais geral­
mente apresentavam a vantagem de oferecer uma taxa de juros — uma
promessa de um ágio modesto ao serem entregues para resgate. Também
possuíam, por trás da promessa de resgate a majestade e a integridade do
Estado, dois atributos extremamente duvidosos durante a maior parte da
história da moeda. Além disso, também recebia um valor fixado ou for­
çado. Era declarado que, ao ser apresentado em montante adequado por
um devedor ao seu credor, o papel liqüidava legalmente a dívida — tinha
poder liberatório como moeda legal. Assim, os devedores procurariam
obter e conservar o dinheiro para pagar dívidas. Os credores não podiam
resistir. I ste reforço invariavelmente foi menos potente do que se esperava.
DO PAPEL 51

Várias circunstâncias explicam o papel pioneiro das colônias americanas


no uso do papel-moeda. A guerra, como sempre, forçou a inovação finan­
ceira. Alem disso, o papel-moeda, como os empréstimos do Banco da
Inglaterra, era um substituto para a tributação e, no que se refere aos
impostos, os colonos eram particularmente resistentes; opunham-se à tribu­
tação sem representação, como foi observado com tanta veemência, e
também opunham-se à tributação com representação, uma qualidade
menos divulgada. “Não pode haver dúvidas de que havia uma forte resis­
tência ao pagamento de impostos em todas as colônias. Foi essa uma das
características marcantes do povo americano mesmo muito tempo após
a sua separação da Inglaterra.”1 No período colonial, o papel-moeda
também foi considerado, não incorretamente, como um antídoto para a
insatisfação econômica. Além disso, as colônias também estavam sob a
proibição geral da metrópole quanto à formação de bancos - conseqüen-
temente, não podia haver notas bancárias, a alternativa óbvia para as notas
emitidas pelo governo. E algo ainda deve ser creditado a um instinto de
experimentação monetária — talvez à crença de que, juntamente com todas
as outras maravilhas do Novo Mundo, também houvesse a possibilidade,
original e inigualada na História, de criar dinheiro para enriquecer os
homens.
O instinto de experimentação monetária data dos primeiros dias
da colonização. Os colonos, como qualquer história indica, eram ende-
micamente pobres. Quase todas as explicações atribuem esta falta de
dinheiro à ausência de qualquer fonte local de ouro e prata e à política
comercial da metrópole, que refletia a crença mercantilista de que toda
a riqueza com algum significado era representada por ouro e prata e, conse-
qüentemente, sugava esses metais dos colonizadores. Ambas as explica­
ções parecem improváveis. Muitos países ou comunidades tinham ouro
e prata em relativa abundância, sem possuírem minas ou jazidas. Veneza,
Gênova e Bruges não possuíam veios de metal precioso. (O mesmo se dá
hoje em dia com Hong Kong e Singapura.) Enquanto os colonos eram
obrigados a pagar em dinheiro vivo pelo que compravam da Grã-Bretanha,
também dispunham de produtos — fumo, peles, navios, serviços de trans­
porte — pelos quais os comerciantes britânicos estariam dispostos e teriam
suficiente liberdade para gastar ouro e prata. É ainda mais plausível a
hipótese de que a falta de dinheiro metálico nas colônias fosse outra mani-

1 G. S. Callender. Selections from the Economic History of the United States,


1765 1S60 (Boston: Ginn and Co., 1909), p. 123.
52 MOEDA

fest ação da lei de Gresham. Desde o início, os colonos fizeram experiên­


cias com o uso de substitutos de metais. Os substitutos, sendo menos
valiosos do que o ouro c a prata, eram passados a outras pessoas, man­
tendo-se assim em circulação. O ouro e a prata eram conservados pelos
que os recebiam ou eram utilizados para aquelas compras, incluindo as
realizadas na metrópole, nas quais os substitutos eram inaceitáveis.
O primeiro substituto foi tomado dos índios. Nos primeiros tempos
da colonização, as contas ou conchas usadas pelos índios foram as moedas
aceitas da Nova Inglaterra à Virgínia. Em Massachusetts, tornaram-se
moeda legal em 1641, à taxa de seis conchas por penny sujeitas a alguns
limites quanto ao porte da transação. Entretanto, dentro de uma ou duas
gerações, a sua aceitação começou a cair. As conchas eram de duas deno­
minações, preta e branca, sendo a primeira duas vezes mais valiosa do que
a segunda. Exigia-se pouca habilidade e um pequeno volume de tintura
para converter uma concha de menor denominação noutra de valor supe­
rior. Além disso, a aceitação das conchas dependia do seu resgate em
peles pelos índios. Os índios, na verdade, representavam o banco central
do sistema monetário baseado ern conchas, e as peles de castor consti­
tuíam a moeda de reserva em que as conchas podiam ser convertidas.
Esta conversibilidade sustentava o poder de compra das conchas. À medida
em que o século dezessete passava e as colônias expandiam-se, os castores
foram afastando-se para florestas e cursos d’água cada vez mais distantes.
As peles, deixando de serem disponíveis, fizeram com que as conchas
deixassem de ser conversíveis e, portanto, de acordo com as expectativas,
perderam o seu poder de compra. Logo desapareceram de circulação,
exceto como troco.

O fumo, embora regionalmente mais restrito, foi muito mais importante


do que as conchas. Começou a ser usado como moeda na Virgínia uma
dúzia de anos após a primeira colônia permanente ter sido estabelecida
em Jamestown em 1607. Vinte e três anos mais tarde, em 1642, passou
a ser a moeda legal do território, de acordo com a decisão da Assem­
bléia Geral da colônia, e graças ao interessante artifício negativo de proibir
contratos que exigissem pagamento em ouro ou prata. O uso do fumo
como moeda sobreviveu na Viigínia por quase dois séculos, e por um
século e meio em Maryland - em ambos os casos, até a Constituição
colocar a moeda sob a alçada exclusiva do governo federal. O padrão-ouro,
de acordo com o cálculo geral, durou de 1879 até o cancelamento da
última veisão atenuada por Richard Nixon em 1971. Considerando todo
o período de duração da história americana, o fumo, embora mais limi­
DO PAPI L 53

tado regionalmente. teve uma existência duas vezes mais longa do que
o ou tio.
Inicialmente, o fumo passava de mão em mão exatamente como
notas de papel e moedas metálicas. Alem de ser rclativamente esboroadiço.
tinha duas outras caiacterísticas de importância considerável. Como meio
de troca que eia cultivado, em vez de minerado, cunhado ou impresso, a
sua oterta não era apenas uma questão de sorte, organização, ou autori­
zação pelo Fstado. mas de livre iniciativa c vontade I ficava exposto com
grande rapidez à peida de qualidade. Ambas as características do fumo
toiam exploradas com dinamismo. Desde os primeiros tempos das colônias
de \ irginia e Maryland, os governos coloniais preocuparam se com o
estabelecimento de acordos para limitar a produção de fumo e assim
sustentar o seu poder aquisitivo. Em 1666, foi negociado um tratado
entre Virgínia. Maryland e Carolina (como era então o nome dessa colô­
nia). concordando-se com a suspensão de toda a produção de fumo por
um ano. Em 1683, o fracasso de um esforço semelhante levou ao envio
de bandos pelos campos, destruindo as plantas de fumo e forçando a
Assembléia de Virgínia a decretar que os participantes seriam conside­
rados culpados de traição e punidos com a morte, caso tais operações
fossem conduzidas por oito ou mais malfeitores.
Embora uma produção elevada provocasse uma forte inflação de
preços, denotada em libras de fumo, como moeda o fumo apresentava
um encanto especial para os produtores. A super produção de artigos
agrícolas, a sua procura geralmente inelástica e os preços desastrosos
daí resultantes têm tornado difícil para os agricultores pagar os juros e o
principal de hipotecas ou outras dívidas. A preços baixos, seria necessana
uma quantidade excessiva de trigo, algodão ou cabeças de gado. Enquanto
o fumo continuasse funcionando como moeda, a mesma quantidade
permitia saldar uma dada dívida, pois esta era fixada em libras de folhas
de fumo. A lei de 1642, proibindo contratos com pagamento em ouro
e prata, foi uma bem pensada concessão dos plantadores de fumo a si
mesmos. Importunados por credores que não desejavam receber em
fumo barato e queriam contratos com pagamento em algo mais substan­
cial, principalmente ouro e prata, os plantadores tomaram a medida
mais lógica, decretando a ilegalidade de tal ameaça.
O preço do fumo em moeda britânica era, pari passu, a taxa de
câmbio entre o dinheiro de Virgínia e Maryland e a libra esterlina. Quando
o preço do fumo era de dez pence a libra-peso, era o mesmo o valor da
taxa de câmbio; ou seja, a hbra-fumo de Virgínia ou Maryland valia dez
pence na moeda inglesa. Quando o preço do fumo caísse a cinco pence.
54 MOEDA

a taxa de câmbio passava a scr dc cinco pcncc por libra-fumo. Entre níveis
de preços e taxa dc câmbio havia portanto, um ajustamento simples,
automático e sem demora. Foi uma manifestação precoce e excepcional­
mente elegante do que hoje os especialistas chamam de sistemas dc taxas
de câmbio flutuantes.
Uma libra de fumo de má qualidade sendo ainda uma libra de fumo,
oferecia como vantagem óbvia a produção do fumo de menor qualidade,
caso pudesse scr cultivado a um custo mais baixo. E isto levou ao funcio­
namento poderoso da Lei de Gresham na obtenção do produto resultante.
Ninguém passava fumo de boa qualidade quando houvesse sobras, talos ou
folhas de tendência a empestar o ar. Na margem norte do Lago Erie, em
Ontário, o fumo é uma cultura importante. Em minha mocidade, um
vizinho de nome Norman Griswold, cuja fazenda situava-se ao sul da
nossa, sustentava o seu vício de nicotina com folhas de diversas quali­
dades a ele passadas por fazendeiros vizinhos e por ele mesmo defumadas.
A chegada de Norman, quando soprava o vento sul, podia ser sentida
quinze minutos antes de ele aparecer. Todas as autoridades concordam
que era esse o tipo de fumo que os plantadores de Virgínia e Maryland
colocavam em circulação em primeiro lugar.
Representou, na verdade, a contrapartida das moedas cortadas e
fundidas que os mercadores de Amsterdam tinham achado tão trabalhosas.
Eventualmente, a solução foi a mesma. Armazéns públicos foram estabele­
cidos, também como contrapartida do Banco de Amsterdam. Ali, o fumo
era pesado e classificado, e eram emitidos certificados representando quali­
dades e quantidades definidas. Os certificados, por sua vez, entravam em
circulação. Em 1727, notas ou certificados baseados em fumo passaram
a ser a moeda legal de Virgínia e continuaram a ser usados quase até o
final do século. Tão íntima era a associação entre o fumo e a moeda que
o papel-moeda de Nova Jersey, um estado não produtor de fumo, trazia
em seu anverso uma folha de fumo, bem como a advertência exigente:
“Falsificar representa a Morte."2*
Na Carolina do Sul, durante os anos finais do período colonial,
o arroz também foi usado por algum tempo como moeda, assim como
aconteceu com o fumo em Virgínia e Maryland. Em outras regiões, houve
experiências menos importantes com cereais, gado, uísque e brandy,
todos ocasionalmente declarados como moeda legal para a liquidação de
dívidas. O uso de uísque e brandy como moeda torna excepcionalmente

2 Reproduzido em Norman Angell. The Story of Money (Nova York: Frederick A.


Stokes Co., 1929), a partir da p. 86.
DO PAPEL 55

pungentes as advertências comuns cm toda a história americana, contra


beber a própria fortuna. Nenhum desses substitutos foi importante, em
comparação com a moeda de papel.

A primeira emissão dc papel-moeda foi feita pela Colônia da Baía de


Massachusetts em 1690; foi descrita como “não só a origem do papel-
-moeda na America, mas também no Império Britânico, e praticamente
no mundo cristão.”3 Também foi provocada, como se sabe, pela guerra.
Em 1690, Sir William Phips — um homem cuja própria fortuna e posição
tinha sido constituída com base no ouro e na prata recuperados de um
galeão espanhol junto às costas do Haiti e da República Dominicana
atuais — liderou uma expedição de soldados não regulares de Massachusetts
contra Quebec.4 O produto da queda da fortaleza deveria cobrir os custos
da expedição. A fortaleza não caiu. As colônias americanas estavam
funcionando com orçamentos praticamente nulos — Adam Smith observou
que o governo civil de Massachusetts, pouco antes da Revolução, custava
18.000 libras esterlinas por ano, os de Nova York e Pensilvânia, 4.500
libras, e o de Nova Jersey apenas 1.200 libras5*— e não havia entusiasmo
para cobrar impostos para pagar os heróis derrotados. Assim, foram emi­
tidas notas aos soldados, prometendo eventual pagamento em dinheiro
vivo. Foi prometido resgate em ouro ou prata à medida em que esses
metais eram arrecadados em impostos, embora nesse ínterim as notas
também recebessem o valor de moeda legal para o pagamento de impostos.

3 Ernest Ludlow Bogart. Economic History of the American People (Nova York:
Longman, Green and Co., 1930), p. 172.

4 Cujos intendentes também estavam realizando uma das mais interessantes contri­
buições à história da moeda. Quando a chegada de dinheiro vivo da França para
pagar a guarnição e para outros fins começou a demorar, promessas de pagamento
foram impressas em cartas de baralho e entregues aos soldados e outros credores.
Essa moeda de cartas de baralho continuou em circulação por cerca de sessenta
anos. O governo de Versalhes desaprovou-a, de início, mais tarde aceitou-a. Em
1711, houve uma emissão de 100 libras em espadas e paus, e de 50 libras em copas
e ouros. À época de Wolfe e Montcalm, essa moeda tinha sido fortemente infla-
cionada. Com a queda da Nova França esse experimento foi encerrado. Herbert
Heaton. “The Playing Card Currency of French Canada”. The American Econo­
mic Review, Vol. LVIII, N9 4 (dezembro de 1928), pp. 649 e segs.

5 Adam Smith. Wealth of Nations (Londres: T. Nelson and Sons, 1884), Livro
IV, Cap. VII, p. 235.
56 MOEDA

Pelos vinte anos seguintes, as notas circularam juntamente com ouro c


prata de denominação equivalente. Sendo intercambiávcis as notas e os
metais, não havia, portanto, qualquer desvalorização.
Inevitavelmente, porém, ocorreu aos colonos que as notas não eram
um expediente temporário, para ser usada apenas uma vez, mas uma
alternativa geral à tributação. Mais notas eram emitidas quando parecia
necessário, e o resgate prometido era adiado repetidamente. Os preços
estabelecidos em termos de notas começaram a subir; o mesmo acon­
teceu, portanto, com os preços do ouro e da prata. Por volta de meados
do século dezoito, o montante de prata ou ouro pelo qual uma nota pode­
ria ser trocada era apenas uma décima parte do que havia sido cinquenta
anos antes. Por fim, as notas foram resgatadas por alguns shillings a libra,
com base no ouro enviado para pagar a contribuição colonial à Guerra
da Rainha Ana.
Enquanto isso, as outras colônias da Nova Inglaterra e a Carolina
do Sul também tinham descoberto o papel-moeda. E algumas delas, espe­
cialmente a Carolina do Sul e Rhode Island, foram muito mais liberais
em suas emissões. O papel de Rhode Island era tão volumoso que era
considerado com alarma até em Massachusetts. Um comentarista de
Massachusetts reclamou, em 1740, que “Rhode Island compra da. .. Baía
de Massachusetts todos os tipos de produtos britânicos e estrangeiros com
este papel impresso que nada custa, o que lhe permite competir conosco
no comércio.”6 Estas notas logo perderam total ou virtualmente qualquer
valor.

A respeito das notas emitidas por Massachusetts para pagar os soldados


que retomavam de Quebec, Samuel Eliot Morison disse que representavam
“um novo artifício no mundo de língua inglesa que minava o crédito e
aumentava a pobreza.”7 Outros historiadores, menos judiciosos, têm
refletido o mesmo ponto de vista. Mas, também é sabido que o aumento
dos preços estimula o espírito empreendedor e incentiva a atividade econô­
mica, assim como a sua queda deprime ambos. Se o papel-moeda fosse

6 William *Douglas “A Discourse Conceming the Currencies of the British PLan-


tations in America” (Boston, 1740). Citado em Richard A. Lester. Monetary
Experiments (Princeton: Princeton University Press, 1939), p. 9. É grande o meu
débito para com o Professor Lester, um velho amigo cujo livro corrigiu decisi­
vamente a visão da história monetária colonial.
7 Samuel Eliot Morison. The Oxford History of the American People (Nova York:
Oxford University Press, 1965), p. 124.
DO PAPEL 57

emitido por um governo em quantidade suficiente para impedir que os


preços caíssem, j>u no máximo houvesse um aumento moderado, o seu
uso poderia ser benéfico. 0 resultado não seria o empobrecimento, mas
a riqueza crescente. A questão, evidentemente, é saber se poderia haver
autocontrole e se o colapso empobreccdor final poderia ser assim evitado.
O silogismo de Law volta agourentamente à nossa atenção: se algo é bom,
mais deve ser melhor ainda.
O autocontrole obviamente não existia em Rhode Island, Carolina
do Sul, ou mesmo em Massachusetts. Em outros lugares, porém, estava
presente em grau surpreendente. As Colônias Centrais manipulavam o
papel-moeda com o que agora deve ser considerado como impressionante
habilidade e prudência. Uma diferença de grau, que pode tornar-se uma
diferença qualitativa, deve aqui ser ressaltada. É a diferença entre impedir
ou inverter a queda de preços e promover um aumento geral — com
inflação. Os líderes das Colônias Centrais, como muitos outros depois
deles, procuravam alcançar o primeiro objetivo. Não desejavam o segundo.
A primeira emissão de papel-moeda nessa região foi feita pela Pensil-
vânia em 1723. Os pgjços estavam caindo nessa época, e as atividades
comerciais passavam por uma fase de depressão. Ambos recuperaram-se,
e com isso a emissão foi suspensa. Parece ter havido benefícios semelhantes
com uma segunda emissão em 1729; os níveis de atividade e preços na
Inglaterra no mesmo ano sugerem que, na ausência de tais medidas, os
preços teriam continuado baixos. Emissões semelhantes também produ­
ziram resultados satisfatórios em Nova York, Nova Jersey, Delaware e
Maryland. Como na Pensilvânia, todos conheciam a virtude da mode­
ração.
A experiência mais interessante ocorreu em Maryland. Nas outras
colônias, as notas foram postas em circulação com o simples artifício de
usá-las para o pagamento de despesas públicas. Em contraste, Maryland
declarou um dividendo de trinta shillings a cada contribuinte e, além
disso, criou uma agência de empréstimos em que fazendeiros e negociantes
dignos de crédito podiam obter um suprimento adicional, que eram
obrigados a devolver mais tarde. Vale a pena ressaltar que o dividendo não
se repetiu; como nas outras Colônias Centrais, as notas emitidas eram
resgatáveis em moeda forte. Um historiador quase contemporâneo dessa
época, com um dote para a metáfora, creditou ao experimento o “forneci­
mento da chama que inflamou a indústria.”8 Um estudioso mais recente

8 George Chalmers. Introduction to the History of the Revolt of The American


Colonies. Vol. II, p. 160. Citado em Lester, p. 148.
5H MOEDA

concluiu que “este foi o papel-moeda mais bem sucedido emitido por
qualquer das colônias.”9 Dois séculos mais tarde, durante a Grande
Depressão, um soldado inglês convertido em profeta econômico, o Major
C. 11. Douglas, fez praticamente a mesma proposta. Era o Crédito Social.
Exceto em regiões distantes como as pradarias canadenses, Douglas ganhou
hostilidade generalizada sendo tido como tolo em assuntos monetários.
Apenas havia nascido duzentos anos atrasado.
As experiências monetárias da Pensilvânia e de seus vizinhos não
foram, de modo algum, uma reação irrefletida às circunstâncias. Foram
amplamente debatidas e tiveram o apoio enérgico de Benjamin Franklin,
o político mais inteligente das colônias e um defensor ardente do papel-
•rnoeda. Em 1729, ele publicou A Modest Enquiry into the Nature and
Neceasity of a Paper Currency, um ensaio em defesa de uma moeda de
papel, e nos anos subseqüentes apoiou essa causa de um modo muito mais
prático. Em 1736, a Pennsylvania Gazette, o jornal de Franklin, publicou
um pedido de desculpas por aparecer irregularmente, pois o seu impressor
estava “usando a prensa para o bem público, tornando o dinheiro mais
abundante.” 10 A prensa estava sendo ocupada para imprimir dinheiro.
Pelo final do século dezenove, a expansão dos corpos docentes
das universidades, um interesse crescente pelo passado e uma necessidade
premente de assuntos para a realização de teses de doutoramento e outras
pesquisas acadêmicas levaram a uma exploração muito maior da história
econômica colonial. Até então, entre os historiadores e economistas,
o padrão-ouro tinha se tornado uma questão de fé. A sua pesquisa não
subordinava essa fé à luz dos fatos. Pelo que não passava de um entendi­
mento tácito entre homens bem pensantes, as tendências excessivamente
liberais de Rhode Island, Massachusetts e Carolina do Sul eram tomadas
como epítome da experiência monetária colonial. A experiência diferente
das Colônias Centrais era simplesmente ignorada. Um destacado estudioso
moderno da experiência monetária colonial observou que “procura-se em
vão por uma discussão dessas experiências satisfatórias nos textos usuais
sobre a história monetária e financeira americana.”11 Outro concluiu que

9 C.P. Gould. Money and Transportation in Maryland, 1720-1765. Johns Hopkins


University Studies. Vol. XXXIII, 1915, p. 89. Citado em Lester, p. 151.

10 The Papers õf Benjamin Franklin, Vol. 2, 1735-1744, Leonard W. Labaree, ed.


(New Haven: Yale University Press, 1960), p. 159.

11 Lester, p. 141.
DO PAPEL 59

. .gerações de estudos históricos têm estimulado uma impressão errônea


das práticas monetárias das colônias.” 12
Os jovens sempre estudam que Benjamin Franklin foi o profeta da
poupança e um expoente da experimentação científica. Raramente tem
sido dito a eles que ele advogou o uso da prensa para tudo, menos para
a difusão de conhecimentos.

As experiências monetárias coloniais não provocaram qualquer admiração


na metrópole. Eram proyas das tendências desequilibradas dos colonos.
Assim, em 1751 o Parlamento proibiu a emissão de mais papel-moeda na
Nova Inglaterra e, treze anos mais tarde, estendeu essa proibição ao resto
das colônias. Uma exceção pouco diplomática foi feita para o papel que
visava atender as necessidades do Rei, ou seja, para a guerra. Houve forte
protesto nas colônias. Em 1766, Franklin levou pessoalmente o seu argu­
mento em defesa do papel-moeda à Câmara dos Comuns. Foi um esforço
eloqüente, mas sem efeito. A proibição tomou-se uma séria fonte de
tensão entre a Grã-Bretanha e as colônias. Tem sido menos divulgada e
comentada do que merece porque, a este respeito, muitos historiadores
respeitáveis têm acreditado que o Parlamento estava totalmente certo.
Escrevendo em 1900, Charles J. Bullock, que logo tomou-se professor em
Harvard e uma respeitada autoridade em assuntos financeiros coloniais,
descreveu a experiência monetária colonial como “um carnaval de fraude e
corrupção”, um “quadro negro e desgraçado”. A ação do Parlamento,
pondo um fim às emissões, foi por ele descrita como “salutar”. As obje­
ções dos colonos, como ele esclarece, estavam inteiramente erradas.
A independência não teria mérito algum se representasse uma licença para
a insanidade monetária.13
Alguns colonos compartilhavam da opinião de que a independência
não valia o risco da experiência monetária que permitiria: “.. .havia uma

12 E. James Ferguson. “Currency Finance: An Interpretation of Colonial Monetary


Practices”. In Issues in American Economic History, Gerald D. Nash, ed. (Boston:
D. C. Heath and Co., 1964), p. 85.

13 Charles J. Bullock. Essays on the Monetary History of the United States (Nova
York: MacMillan Co., 1900; Greenwood Press, 1969), pp. 43 e segs. À época
desses ensaios, o Professor Bullock lecionava em Williams College. Ao longo de
sua extensa carreira em Harvard, ele adquiriu uma reputação não injustificada
como uma figura pré-renascentista, mesozoica, segundo alguns. Esta reputação
não diminui, de modo algum, o respeito atribuído às suas posições sobre as
finanças coloniais.
bO MOEDA

parcela substancial da população, particularmente nas maiores cidades do


leste, que permaneceu indiferente à revolta contra a Inglaterra, não tanto
devido à oposição ao movimento, mas ao medo de que a independência
produzisse emissões excessivas de papel-moeda, com as conseqüentes
perturbações para as atividades comerciais.”14

Dado o seu instinto para fazer experiências com assuntos monetários,


seria surpreendente se os colonos não tivessem descoberto ou inventado os
bancos. Eles o fizeram, e o seu entusiasmo por esta inovação teria sido
grande se também não tivesse sido sistematicamente reprimido. Na pri­
meira metade do século dezoito, as colônias da Nova Inglaterra, junta­
mente com Virgínia e Carolina do Sul, autorizaram a constituição de insti­
tuições bancárias. A mais famosa, e também a mais discutida de todas, foi
a pomposamente denominada Organização Manufatureira e do Banco de
Terras de Massachusetts, que possivelmente devia algo às idéias de John
Law. A Organização Manufatureira autorizou a emissão de notas bancárias
a juros baixos aos subscritores de seu capital - sendo as notas mais ou
menos garantidas pelos imóveis dos acionistas. As mesmas notas poderiam
ser usadas para pagar o empréstimo que sustentava a sua emissão. Esta
dívida também poderia ser paga em produtos manufaturados ou agrícolas,
incluindo aqueles originados do uso do crédito concedido. A Organização
Manufatureira precipitou uma disputa muito acirrada na colônia. O Tribu­
nal Geral a ela era favorável, uma pré-disposição inquestionavelmente
aumentada pela doação de ações a vários dos juízes. Os comerciantes a
ela opunham-se. No fim, a disputa foi levada a Londres. Em 1741, as Leis
da Bolha — a resposta britânica, como se recorda, à Companhia dos Mares
do Sul e suas promoções, pondo fora da lei as companhias por ações não
especificamente autorizadas — foram declaradas aplicáveis às colônias.
Era um exercício abusivo de legislação retroativa, que ajudou a inspirar
a proibição constitucional contra tais leis. No entanto, extinguiu eficaz­
mente os bancos coloniais.

A história da moeda revela duas tendências altamente seguras. Após uma


experiência recente com a inflação, as pessoas preferem preços estáveis,
e tendo longa experiência com preços estáveis, tomam-se indiferentes ao
risco de inflação. E, em geral, as comunidades mais antigas mostram-se

** Dari» Rich Dewey. Financial History of the United States (Nova York: Longmans,
Green and Co., 1903), p. 43.
DO PAPEL 61

menos dispostas à experimentação monetária do que as comunidades


mais novas. No meio século antes da independência, ambos esses fatores
atuaram nas colónias. A inflação na Nova Inglaterra na primeira metade
do século dezxjito levou, na segunda metade, a um interesse crescente,
embora menos do que decisivo, por uma moeda relativamente confiável
e de poder aquisitivo estável. E assim como Londres uma vez havia enca­
rado com horror as tendências monetárias de Boston, a própria cidade
de Boston com o tempo viria a olhar com desgosto semelhante a irres­
ponsabilidade aparente de Kentucky, Tennessee e Ohio. Os partidários
de uma moeda forte eram membros da classe endinheirada, segundo a
definição de Ricardo, sem dúvida — eram os defensores legendários da
moeda, e cuja defesa baseia-se firmemente em seu desejo de que as dívidas
de terceiros para com eles não sejam pagas em moeda de poder aquisi­
tivo decrescente. Mas, os comerciantes, na medida em que representavam
interesses um pouco diferentes, podem ter sido mais influentes. Desejavam
uma moeda conveniente, que fosse prontamente aceita no exterior, a uma
taxa previsível de câmbio, e que não sofresse perda de poder aquisitivo
entre o momento em que os bens fossem vendidos e as contas resultantes
fossem pagas. Foram os comerciantes de Boston, como acabamos de
mencionar, que lideraram a luta contra a Organização Manufateira.
HJm instnnnento
<le revolução

Com a independência, a proibição do Parlamento em relação ao papel-


-moeda ficou sem efeito segundo uma conhecidíssima expressão moderna.
*
E, independentemente do modo pelo qual as colônias pudessem estar
movendo-se no sentido de introduzir uma moeda digna de maior con­
fiança, agora não havia alternativa à emissão de papel pelo governo. Não
se pode dizer que foi uma alternativa aceita com muita resistência. Antes
de reunir-se o Primeiro Congresso Continental, algumas das colônias
(inclusive Massachusetts) tinham autorizado a emissão de notas para o
pagamento de operações militares. O Congresso não tinha poderes diretos
de tributação; um dos seus primeiros atos foi autorizar uma emissão de
notas. Outros estados posteriormente autorizaram novas emissões. Foi

* (N. do T.) O autor refere-se ao adjetivo “operative”, usado freqüentemente pelos


porta-vozes do governo Nixon ao desmentir declarações próprias anteriores, a
respeito do caso Watergate.
64 MOEDA

com essas notas que a Revolução Americana foi financiada. De junho


de 1775 a novembro de 1779, houve quarenta e duas emissões pelo Con­
gresso Continental, com um valor nominal total de 241.600.000 de dóla­
res. Nos mesmos anos, os estados emitiram mais 209.500.000 de dólares.
Os empréstimos domésticos, em grande parte nas notas que acabamos
de mencionar, proporcionaram menos de 100.000.000 de dólares.1
Refletindo o conhecido desagrado por tal incômodo, a arrecadação de
tributos foi insignificante. Os impostos recolhidos em conseqüência de
solicitações aos estados renderam somente alguns milhões de dólares.
Robert Morris, a quem os historiadores atribuíram o título menos
do que impecável de “Financiador da Revolução”, obteve seis e meio
milhões de dólares em empréstimos da França, algumas centenas de
milhares da Espanha e, depois que a vitória já estava à vista, um pouco
mais de um milhão dos holandeses. Também esses montantes eram mais
simbólicos do que reais. Em grande parte, a Revolução foi paga com
papel-moeda.
Como as emissões pelo Congresso ou pelos estados foram muito
superiores a qualquer aumento correspondente do comércio, os preços
elevaram-se — lentamente, de início, e a uma taxa em rápida aceleração
depois de 1777. O Congresso logo tomou medidas para sustar o declí­
nio, resolvendo em 1776 que “qualquer pessoa que a partir deste momento
sucumba à perda de toda a virtude e consideração por seu país, recu­
sando tais notas em pagamento... será considerada, declarada e tratada
como inimigo neste país, e impedida de qualquer comércio ou relação
com os habitantes destas colônias.”1 2*Os resultados, como sempre, foram
desapontadores. Os aumentos de preços continuaram sem controle. Even­
tualmente, segundo o dito popular, “uma carroça de dinheiro não conse­
guiria comprar uma carroça de produtos.” Em Virgínia, o par de sapatos
custava 5.000 dólares, em notas locais, e um conjunto completo de roupas
custava mais de um milhão. Os credores escondiam-se dos seus devedores
como se fossem caçados. Caso contrário receberiam notas sem valor.
“A viúva que antes vivia confortavelmente com a herança de um marido
falecido, passou a experimentar a frustração de sua bem intencionada
ternura. As leis do país intrometiam-se, e a obrigava a receber um shilling

1 Estas estimativas diferem de um especialista para outro. As que são apresentadas


neste livro são as de Davis Rich Dewey. Financial History of the United States
(Nova York: Longmans, Green and Co., 1903), pp. 36,46.
2 Norman Angell. The Story of Money (Nova York: Frederick A. Stokes Co.,
1929), p. 255.
UM INSTRUMENTO DE REVOLUÇÃO 65

quando deveria receber uma libra. A virgem em flor que havia crescido
com direito indiscutível a um grande patrimônio era legalmente destituída
de tudo, exceto de sua beleza e suas virtudes pessoais... Os sonhos de uma
idade de ouro eram concretizados para o pobre e o devedor, mas, infeliz­
mente o que estes ganhavam era perdido por outros.” 3 A expressão “não
vale um continental” adquiriu seu lugar permanente na linguagem ameri­
cana. Até Benjamin Franklin tomou-se irônico:

Esta moeda, da maneira que a administramos, é uma máquina mara­


vilhosa. Presta seus serviços quando a emitimos; paga e veste as
tropas, e proporciona mantimentos e munição; e quando somos
obrigados a emitir uma quantidade excessiva, paga a si mesma pela
desvalorização.4*

Assim, os Estados Unidos surgiram não numa maré de inflação, mas de


hiper inflação — o tipo de inflação que só termina quando o dinheiro
perde todo o seu valor. O que é certo, porém, é que não havia qualquer
alternativa. A cobrança de impostos, se estes tivessem sido autorizados
por legisladores dispostos sobre cidadãos dispostos, teria sido difícil,
se não impossível, num país de população dispersa, sem governo central,
com experiência mínima em assuntos fiscais, sem máquina de arreca­
dação de tributos, e com as suas costas e vários dos seus portos e alfân­
degas em poder do inimigo. E o povo estava longe de mostrar-se disposto
ao pagamento de impostos. Os impostos eram mal vistos por natureza
e eram identificados com a opressão estrangeira. Uma política rigorosa
de contenção de gastos pelo Congresso Continental e pelos estados poderia
muito bem ter feito com que os patriotas de verão (e os conservadores
monetários) pensassem duas vezes sobre as vantagens da independência.
Os empréstimos também não representavam uma alternativa. Os homens
com propriedades, então a única fonte doméstica, não tinham razão
alguma para acreditar que o país fosse um devedor seguro. Os emprés­
timos da França e da Espanha não foram motivados pela esperança de

3 David Ramsay. History of the American Revolution (Londres: Johnson and


Stockdale, 1791), Vol. II, pp. 134,136. Também em Angell, pp. 256-57.
4 Carta a Samuel Cooper, 22 de abril de 1779, em The Writings of Benjamin Fran-
khn, Albert Henry Smyth, ed. (Nova York: Macmillan Co., 1906), Vol. VH, p.
294.
66 MOEDA

retorno, mas pela malícia em relação a um velho inimigo. Assim, só resta­


vam as notas. Segundo qualquer cálculo racional, foi o papel-moeda que
salvou a situação. Ao lado do Sino da Liberdade poderia muito bem haver
uma boa réplica de uma nota do dólar continental.
Não era um pensamento atraente aos historiadores posteriores.
Como no caso das notas coloniais, os historiadores influentes eram homens
para os quais uma moeda forte e o padrão-ouro não erarn simplesmente
questão de economia, mas de moralidade. As necessidades exigentes do
novo país deviam subordinar-se ao que era certo. E nem se podia permitir
que a verdade ou uma visão eclética do problema enfrentado pelo novo
governo corrompessem ou enganassem estudantes ou políticos poste­
riores. A experiência monetária do Congresso Continental “forneceu o
exemplo clássico, a quase todos os autores sobre o tema da moeda. Nenhu­
ma crítica é suficientemente severa.”5 O Professor Bullock concluiu
que “a oposição que o movimento revolucionário recebeu de muitos dos
indivíduos mais inteligentes e respeitáveis da América”6 foi uma reação
forte e honesta ao seu temor, inteiramente justificado pelos fatos, de
um emprego descuidado do papel-moeda. Somos levados a concluir que
para impedir tal abuso teria valido a pena continuar com os ingleses. E
nem os estudiosos mais recentes têm desistido. Um livro-texto de história
econômica, publicado após a Segunda Guerra Mundial e amplamente lido,
afirma que “algumas vezes é sugerido que, como o governo [continental]
era fraco e o povo odiava impostos, o papel-moeda era o melhor instru­
mento disponível e, portanto, justificável”. Mas o próprio autor responde:
“Aceitar tal raciocínio é assumir uma atitude em face dos problemas
econômicos que é fatalista e contrária ao progresso social.” 7

5 Dewey, p. 41. A posição do Professor Dewey em relação a estas questões era


decididamente aberta e compassiva: “.. .a questão não é o que poderia ter sido
feito, mas o que era possível na América, durante a revolução, e para estadistas
falíveis. A nação estava envolvida numa luta pela sua sobrevivência; nessas circuns­
tâncias, as regras da arte monetária, como as regras e os métodos ordinários de
procedimento civil, devem ceder lugar à necessidade primordial de usar todos os
recursos disponíveis... a guerra significa desastre e perda .. .não podemos tirar
muitas lições proveitosas para uma administração financeira satisfatória criti­
cando o meio circulante do Congresso Continental.” Dewey, pp. 42-43.
6 Charles J. Bullock. Essays on the Monetary History of the United States (Nova
York:Macmillan Co., 1900;Greenwood Press, 1969), p. 63.
7 Chester Whitney Wright. Economic History of the United States (Nova York:
McGraw-Hül Book Co., 1949), p. 184.
UM INSTRUMENTO DE REVOLUÇÃO 67

No último século, poucas coisas preocuparam mais regularmente o pensa­


mento conservador do que o temor do papel-moeda. Sem dúvida, isso
era principalmente uma questão de interesse pecuniário — o receio do
credor de que seria pago em dinheiro de poder aquisitivo inferior, a
preferência do comerciante por uma moeda amplamente aceitável, e a
possibilidade de um homem olhar o seu tesouro e saber que perduraria,
que não precisava de uma estratégia para a sua preservação. Mas, no
pensamento de alguns conservadores dessa época, também deve ter
havido um sentido duradouro do serviço singular que o papel-moeda tinha,
no passado recente, prestado à revolução. Não apenas à Revolução Ame­
ricana tinha sido financiada desse modo. Também tinha sido assim na
erupção socialmente muito mais terapêutica na França. Se os cidadãos
franceses tivessem sido obrigados a agir segundo os cânones financeiros
convencionais, não poderiam ter agido, e tampouco os americanos o
teriam feito. Se o papel tinha ajudado revolucionários antes, por que não
poderia novamente — como aconteceria na Rússia depois de 1917, e na
China após a Segunda Guerra Mundial?
Também é possível que tenhamos aqui as explicações para o fato de
a atuação revolucionária do papel-moeda ser tão pouco comentada e exal­
tada. Eventualmente, a Revolução Americana imediatamente adquiriria
respeitabilidade, o que também aconteceria com a Revolução Francesa.
Os livros escolares contariam às crianças as suas maravilhas. Mas um limite
precisaria ser fixado. Não poderia ser aceito, com decência ou segurança,
que algo tão maravilhoso tivesse sido permitido por algo tão questionável
como as notas continentais da Revolução Americana ou os assignats da
Revolução Francesa.

Como seria de se esperar, a idéia com a qual os franceses colocaram o papel


em apoio da revolução foi, em todos os sentidos, mais sutil, engenhosa
e lógica do que a dos americanos. Na verdade, o princípio era tão plausível
que houve um sentido de desapontamento com a descoberta de que o
resultado era imperfeito. Mas, se a experiência não deu certo, os fms ainda
assim foram alcançados. “As conveniências exigiam o papel-moeda; o
sucesso da revolução popular era impossível sem ele.” 8 Para avaliar melhor

8 Seymour E. Harris. The Assignats, Harvard Economic Studies, Vol. XXXIII


(Cambridge: Harvard University Press, 1930), p. 8. Este livro, originalmente
uma tese de doutoramento premiada, é um trabalho notável para a sua época.
Num período de severa e rigorosa ortodoxia em questões monetárias, o autor
dheutiu com simpatia e ecletismo o problema monetário e financeiro num movi-
68 MOEDA

os assignats, devemos dizer umas palavras introdutórias, algumas a título


de lembrete.
Há muito pouco, em Economia, que invoca a ação do sobrenatural.
Mas, por um fenômeno muitos têm sido tentados. Ao olhar um pedaço
retangular de papel, frequentemente de qualidade indiferente, represen­
tando um herói ou monumento nacional, ou trazendo uma representação
clássica semelhante à dos trabalhos de Peter Paul Rubens, Jacques Louis
David ou algum mercado de legumes bem estocado, e impresso em tinta
verde e marrom, certos indivíduos têm sido assaltados pela pergunta:
por que algo intrinsecamente tão sem valor é tão obviamente desejado?
O que, em contraste com uma massa semelhante de tiras do jornal de
ontem, lhe dá o poder de adquirir bens, pagar serviços, estimular a
cupidez, promover a avareza, levar ao crime? Certamente deve haver
alguma mágica. A reputação e a tendência sacerdotal das pessoas que
fazem do conhecimento da moeda uma profissão já foram notadas. Em
parte, isso ocorre porque essas pessoas são tidas como conhecedoras da
razão pela qual o papel aparentemente sem valor é tão valioso.
A explicação é inteiramente mundana; não há qualquer mágica
envolvida. Os autores sobre moeda regularmente têm feito distinção entre
tipos de moeda: (1) a que deve seu valor, como o ouro e a prata, a um
interesse inerente, resultante de alguma função bem estabelecida de
orgulho de posse, prestígio de propriedade, adorno pessoal, uso como
aparelho de jantar, ou para fins odontológicos; (2) a que pode ser pronta­
mente trocada por algo de interesse inerente, ou que promete uma troca
eventual, como as notas da colônia de Massachusetts; e (3) a moeda que
intrinsecamente é destituída de valor, não traz promessa de resgate por
qualquer objeto útil ou desejável, e que é sustentada, no máximo, pelo
decreto do Estado no sentido de que deve ser aceita. Na verdade, todas
as três versões são variações do mesmo tema. John Stuart Mill, como
vimos, relacionava o valor da moeda à sua própria oferta e à oferta dos
objetos disponíveis para compra. Sendo a moeda ouro ou prata, haveria
uma possibilidade pequena, salvo pela abundância provocada pelas minas
de San Luis Potosi e pelo moinho de Sutter, de que a sua quantidade
crescesse desmesuradamente. Este limite inerente à oferta era a garantia
de que, como moeda, teria sua quantidade limitada e conservaria o seu
valor. E a mesma garantia de limitação de oferta valia para o papel-moeda

mento revolucionário. A ortodoxia aceita, muito ampla no caso das assignats, foi
examinada com um espírito crítico e informado que predizia a contribuição pos­
terior do Professor Harris à heresia monetária e econômica inteligente.
UM INSTRUMENTO DE REVOLUÇÃO 69

que era inteiramente conversível em ouro e prata. E valia ainda para o


papel que não pudesse ser convertido em coisa alguma, desde que a sua
oferta fosse limitada. Era a escassez, que era importante, não a falta de
valor intrínseco. O problema do papel, na ausência da conversibilidade,
estava em nada existir que restringisse a sua oferta. Portanto, era vulne­
rável ao aumento ilimitado que reduzisse ou destruísse o seu valor. A falta
de valor intrínseco do papel é apenas um detalhe. Pedras extraídas aleato­
riamente da superfície da Terra e divididas em unidades de uma libra
de peso ou mais não serviriam muito bem como moeda. Tão grande seria
a sua oferta potencial que o peso das pedras necessárias para uma pequena
transação seria incômodo. Mas, pedras extraídas da Lua e transportadas
à Terra, divididas e seus pedaços devidamente certificados quanto a peso
e fonte, embora geologicamente indiferenciáveis das substâncias terrestres,
representariam uma possibilidade bem distinta, pelo menos enquanto as
viagens fossem pouco freqüentes e as rochas lunares se mantivessem na
escassez necessária.
A engenhosidade dos assignats baseava-se no bem pelo qual podiam
ser trocados, e cuja escassez lhes dava valor. Não era ouro e prata; estes
não existiam em quantidade aceitável, pois, como era de se esperar, eram
possuídos principalmente por aqueles contra os quais a revolução era
dirigida. Portanto, tinham sido contrabandeados, remetidos, ou tomados
no exterior. O ativo que os apoiava e limitava era a terra, exatamente o
que a revolução estava tomando disponível — precisamente a principal
razão de ser da revolução. A terra não podia ser escondida. E nem mesmo
o emigrante mais engenhoso podia levá-la consigo. Era ainda algo cuja
quantidade total não podia ser aumentada. Por essa razão, era algo que os
indivíduos que permaneciam na França satisfaziam-se em ter tanto quanto
o próprio ouro.
O recurso inicial não foi as terras dos aristocratas, mas da Igreja.
Estima-se, em geral, que estas representavam vinte por cento de todas as
terras da França em 1789. Os Estados Gerais tinham sido convocados
em conseqüência das terríveis dificuldades financeiras por que passava
o reino. Nada mais podia ser emprestado. Não havia banco central que
pudesse ser instruído a assumir empréstimos. Tudo ainda dependia da
existência de emprestadores dispostos, ou que podiam ser convencidos
e forçados ao cumprimento do seu dever patriótico. O Terceiro Estado
dificilmente poderia ser responsável por votos favoráveis a novos ou mais
pesados impostos, pois seus membros estavam principalmente preocupados
com a dureza regressiva dos impostos então cobrados. Na verdade, em 17
de junho de 1789 a Assembléia Nacional declarou ilegais todos os impos-
70 MOEDA

los, uma medida assombrosa atenuada pela ressalva de que continuariam


a ser arrecadados temporariamente. Enquanto isso, a memória de John
Law mantinha os franceses intensamente desconfiados do papel-moeda
comum, durante o ano de 1788, uma proposta para uma emissão de notas
com juros provocou tanta oposição que foi preciso retirá-la. Mas, uma
emissão de notas que pudessem ser convertidas em terras era diferente.
As terras da Igreja eram uma dádiva da Revolução.
A medida decisiva foi tomada em 19 de dezembro de 1789. Auto­
rizou -se uma emissão de 400 milhões de libras; como prometido, “liqui­
daria a dívida pública, estimularia a agricultura e a indústria, e faria com
que as terras fossem melhor administradas.”9 Estas notas, os assignats,
seriam resgatadas dentro de cinco .anos a contar da venda de terras da
Igreja e da Coroa em valor equivalente. Os primeiros assignats rendiam
juros de 5%; qualquer pessoa com um montante apropriado poderia
usá-los diretamente em troca de terra. No verão seguinte, quando uma
nova emissão substancial foi autorizada, os juros foram eliminados. Mais
tarde ainda, também foram emitidas denominações menores. Houve
desconfiança. A memória de Law continuava a ser revivida. Um ameri­
cano anônimo interveio com Advice on The Assignats by a Citizen of the
United States. Advertiu a Assembléia contra os assignats com base na rica
experiência recente de seu próprio país com os continentais. Entretanto,
a reação inicial à moeda lastreada em terras foi em geral favorável.
Se tivesse sido possível parar com a emissão original ou com a de
1790, os assignats teriam sido celebrizados como uma inovação extrema­
mente interessante. Não era um padrão-ouro, prata ou fumo, mas um
padrão baseado sólida e logicamente no generoso solo da França. O poder
de compra, nos primeiros anos, manteve-se razoavelmente estável. Havia
discussões cheias de admiração pelo modo com que os assignats tinham
colocado a terra em circulação. E os negócios tinham melhorado, o
emprego tinha aumentado e as vendas das terras da Igreja e do governo
tinham sido facilitadas. Ocasionalmente, as vendas eram excessivamente
boas. Em relação à renda anual, os preços fixados eram modestos; os espe­
culadores com grandes volumes de assignats já tinham surgido para tirar
vantagens das pechinchas.
Na França, entretanto, como anteriormente na América, as exigên­
cias da revolução eram insistentes. Embora as terras fossem limitadas,
os direitos sobre elas podiam ser aumentados. A grande emissão de 1790
foi seguida de outras — especialmente após o início da guerra em 1792.

* Hams, p. 62.
UM INSTRUMENTO DE REVOLUÇÃO 71

Os preços denominados em assignats começaram a subir; a sua taxa de


conversão por ouro e prata, operação que havia sido autorizada pela
Assembléia, caiu rapidamente. Em 1793 e 1794, sob a Convenção e a
administração de Cambon, houve um período de estabilidade. Os preços
foram estabilizados com algum êxito. O que teria sido ainda mais impor­
tante, a oferta de assignats foi limitada pelo correto artifício de repudiar
os que haviam sido emitidos sob o governo real. Nesses anos, mantiveram
um valor em torno de 50% do seu valor nominal em termos de ouro ou
prata. Logo, porém as necessidades prevaleceram. Mais e mais assignats
foram emitidos. Num passo inovador na guerra econômica, Pitt permitiu
após 1793 que os exilados realistas emitissem assignats para exportação
à França. Isto, segundo se esperava, contribuiria para acelerar a decadência.
No final, as prensas francesas estavam operando num dia para atender as
necessidades do dia seguinte. Logo, o Diretório suspendeu a troca de
bens imóveis pelo papel agora quase sem valor - e a França abandonou
o padrão-terra. Os credores também foram protegidos contra o paga­
mento das suas dívidas em assignats. Isto os salvou da humilhação de
serem obrigados a esconderem-se de seus devedores (como ocorrera pouco
antes na América). Uma nova moeda de papel, o mandats territoriaux,
também com direitos de conversão em terra, obtiveram uma reação desfa­
vorável, o que foi pouco supreendente. Em fevereiro de 1797 (16 do mês
fluvioso do ano V), o Diretório voltou ao ouro e à prata. Mas, por essa
época, a revolução já era um fato consumado. Tinha sido financiada, e
isto fora permitido pelos assignats. Pelo menos, eles têm tanto direito à
lembrança quanto a guilhotina.

0 papel serviria de maneira semelhante aos soviéticos durante e após a


Revolução Russa. Em 1920, cerca de 85% do orçamento do Estado eram
cobertos pela impressão de papel-moeda. Nesse ano, ou não muito tempo
depois, um estudante de pós-graduação em Economia em Harvard visitou
a União Soviética. De acordo com o conselho de aventureiros semelhantes
da mesma época, levou em seu bolso um certo volume de papel higiênico.
Num bonde superlotado em Moscou, ele sentiu um dia que um ladrão
enfiava a mão em seu bolso. Notou, divertidamente e com satisfação que
não era o bolso onde estava o seu dinheiro, mas o bolso que continha o
papel higiênico. Este foi removido rapidamente pelo ladrão. Somente
mais tarde o jovem estudante veio a perceber que o gentil produto que
havia sido roubado era mais valioso do que o maço de notas no outro
bolso. Após a Revolução, a União Soviética, como os outros estados
comunistas, tomou-se um defensor severo de preços estáveis e uma moeda
72 MOEDA

forte. Mas, os russos, não menos do que os americanos ou franceses,


devem a sua revolução ao papel.
Não que o uso do papel seja uma garantia de sucesso revolucionário.
Em 1913, na antiga cidade colonial espanhola de Chihuahua, Pancho
Villa estava operando a sua combinação usual de banditismo e reformismo
social. Os soldados estavam limpando as ruas, as terras eram dadas aos
peões, as crianças estavam sendo colocadas em escolas, e Villa estava
imprimindo dinheiro de papel a metro quadrado. Este dinheiro não podia
ser trocado por qualquer ativo superior. Nada prometia. Não era susten­
tado por resíduo algum de prestígio ou estima. Era abundante. Seu único
título de valor era a ssinatura de Pancho Villa. Ele dava este dinheiro a
qualquer pessoa que parecesse estar em necessidades ou o agradasse. Não
lhe trazia sucesso, embora, indubitavelmente, gozasse de certa populari­
dade enquanto durasse. Mas, o exército dos Estados Unidos o perseguiu;
homens mais sensatos intervieram para aconselhá-lo a retirar-se a uma
fazenda em Durango. Ali, uma década mais tarde, enquanto suspeitava-se
que ele estava pretendendo retornar ao banditismo, à reforma social e à
política monetária, ele foi assassinado.
A guerra da moeda

Nada, já foi notado, espicaça mais seguramente um interesse por preços


estáveis e moeda forte do que uma experiência inflacionária. E este inte­
resse é notavelmente aumentado após um colapso completo da moeda
como o que ocorreu durante a Revolução Americana ou, o que discuti­
remos mais tarde, na Alemanha em 1923. Assim sendo, embora a nova
República Americana tivesse surgido em meio a uma inundação de
dinheiro sem valor, os seus primeiros anos foram marcados por um com­
prometimento firme e arrependido para com uma moeda forte e os meios
de impedir o seu declínio eventual.
A Constituição reservou o direito de cunhagem ao governo federal.
Expressamente proibiu os estados de emitir papel-moeda. E, num impe­
dimento bem menos conveniente, também proibiu o governo nacional de
emitir papel-moeda. Uma moção para eliminar um parágrafo permitindo
ao governo “emitir notas com base no crédito dos Estados Unidos”, sendo
nU a maneira pela qual o papel-moeda era então descrito, foi especifica­
74 MOEDA

mente aprovada pela Convenção de 1787. Acabaria sendo uma lição sobre
a flexibilidade da Constituição, e também sobre a dos seus defensores,
quando estão envolvidas as exigências monetárias. A proibição constitu­
cional foi informalmente abandonada pelo Secretário do Tesouro Gallatin
durante a guerra de 1812-1814; sob as usuais pressões de tempo de guerra,
emitiu notas do Tesouro, muitas delas a juros de 5,4%, mas algumas sem
juros e em denominações suficientemente pequenas, a menor de 3 dólares,
para que passassem de mão em mão como moeda. Estas notas não tinham
o poder de liquidar dívidas. Esse talvez tenha sido o último fio de consti-
tucionalidade ao qual tenham ficado presos.
Durante a Guerra Civil, no entanto, todo o fingimento foi abando­
nado. Há alguns indícios de que uma associação indevida com o dinheiro
estimula o farisaísmo, a obtusidade política e maneiras rexpulsivamente
pomposas. Nesses termos, um útil caso ilustrativo é o de Salmon P. Chase,
que para a sua própria infelicidade pessoal, foi o Secretário do Tesouro
no governo Lincoln, pois acreditava que ele mesmo deveria ser o Presi­
dente. Após uma demonstração inicial de relutância, solicitou ao Con­
gresso autorização para repetidas emissões de notas,
* mais uma vez na
ausência de qualquer alternativa para o pagamento de despesas de guerra.
Esse dinheiro era papel-moeda puro e simples. Em 1870, falando severa­
mente como Presidente da Suprema Corte e pela maioria do tribunal,
o próprio Chase sustentou que essas notas eram inconstitucionais e, mais
tarde ainda, em 1871, quando uma Corte de composição diferente reti­
ficou essa posição, Chase permaneceu firmemente em minoria.1
A Constituição, não obstante, foi um ponto de retorno. As expe­
riências do governo com o papel-moeda, excluindo os episódios
Gallatin e “greenback”, perderam força. Os instintos inovadores
e inflacionários americanos, porém, não foram reprimidos. Daí para
a frente, voltaram-se para os bancos com grande entusiasmo e
vigor.

* (N. do T.) No original, “greenbacks”. Esta moeda de papel, como se vê no texto,


foi emitida pela primeira vez durante a Guerra de Secessão dos Estados Unidos
(1861-1865). Receberam esse nome porque uma das suas faces era de cor verde.
Esta expressão refere-se à moeda americana de papel usada principalmente no
século dezenove, e não à atual, também impressa em verde. O termo original
‘‘greenback" será mantido a partir deste ponto da narrativa para identificar esse
meio circulante específico.

1 Hepbum vs. Griswold, 8 Wallace 603 (1870); Legal Tender Cases. Knox vs.
Lee c Parker vs. Davis, 12 Wallace 457 (1871).
A GUERRA DA MOEDA 75

Alexander Hamilton, além de assumir as dívidas dos estados e do Con­


gresso Continental, fez algo para salvar as notas continentais. Foram
resgatadas dos indivíduos que as possuíssem, naquela época, à taxa compa­
rativamente generosa de um centavo de dinheiro forte para cada dólar.
Em resposta a outra recomendação de Hamilton, uma casa da moeda foi
estabelecida em Filadélfia. Concordou-se amplamente que o dinheiro
básico do país seria representado por moedas de ouro e prata; a principal
diferença de opinião, na verdade, era sobre se as moedas deveriam ter a
imagem da deusa da liberdade ou de algum político contemporâneo
apropriado.
Ordenou-se que a águia de ouro de dez dólares contivesse 24,75 grãos
de ouro puro por dólar;
* o dólar de prata, 371,25 grãos de prata pura.
Nos primeiros anos, a casa da moeda só recebeu prata, pois, trocando-se
24,75 grãos de ouro fora da casa da moeda podia-se obter um pouco
mais de 371,25 grãos de prata. Em conseqüência, um número pequeno
porém recompensador de cents extras podiam ser ganhos levando-se
prata,, em lugar de ouro, à casa da moeda. Os que assim obtêm lucros
não são conhecidos, mas sempre existem. Em linguagem monetária, o
ouro estava subvalorizado.
Mas, logo nem mesmo a prata era mais entregue à casa da moeda.
O dólar que era cunhado em Filadélfia era claro e brilhante e um pouco
mais leve do que o dólar de prata então em circulação nas colônias espa­
nholas, e do qual o dólar americano havia tirado o seu nome. Logo desco­
briram os colonos espanhóis que o dólar americano mais brilhante e leve
podia passar muito bem pela moeda local, mais pesada e valiosa em termos
do conteúdo em prata. E os comerciantes americanos logo descobriram
que os dólares espanhóis obtidos das colônias da Espanha, presumivel­
mente a um pequeno ágio, podiam ser conduzidos de volta aos Estados
Unidos, fundidos e recunhados em dólares americanos com um lucro de
uns dois dólares para cada cem fundidos. Assim, tendo tirado o ouro de
circulação dos Estados Unidos, o dólar americano agora empurrava o dólar
espanhol para o sul, colocando-o fora de circulação. Era a lei de Gresham
com duplo efeito. Jefferson pôs um fim a esta asneira, como evidente­
mente a considerava, suspendendo a cunhagem de dólares de prata. Por
uma geração ou mais, a nova República funcionou com uma moeda
formada principalmente de uma miscelânia de peças metálicas estrangeiras,
incluindo, evidentemente, libras, shillings e pence. Passamos agora ao tema

• (N. do T.) Medida de peso equivalente a 50 miligramas.


76 MOEDA

mais importante, o dos bancos, que graças à independência podiam ser


formados livremente.

Os bancos e a sua moeda foram uma descoberta ainda mais compulsiva


para os cidadãos da jovem República do que o papel-moeda havia sido
para os colonos. O papel-moeda podia salvar o país dos horrores da tribu­
tação. E, se moderadamente usado, como na Pensilvânia colonial, podia
impedir a deflação com os seus conseqüentes efeitos deprimentes sobre os
negócios. Esses benefícios, porém, eram de efeito geral, e exigiam atenção
pública. Os benefícios da moeda bancária eram muito específicos e esta­
vam ao alcance da vontade individual.
Em particular, as notas de um banco eram entregues ao tomador
de um empréstimo a uma taxa de juros que devida e diretamente remune­
rava os proprietários do banco. E as mesmas notas permitiam ao tomador
adquirir a posse de terras, edifícios, ferramentas, matérias-primas e mão-de-
-obra, com os quais se tomava um agricultor ou industrial, ou o estoque
de bens e os prédios com os quais tomava-se um comerciante. A função
do crédito, numa sociedade simples, na verdade é notavelmente igualitária.
Permite ao homem com energia e sem dinheiro participar da economia
mais ou menos em pé de igualdade com o homem que possui capital
próprio. E quanto mais casuais as condições sob as quais o crédito é con­
cedido e, portanto, quanto mais pobres os que são financiados, mais iguali­
tário é o crédito. Trata-se ainda daquela equiparação aceitável que nivela
por cima, e não por baixo, ou pelo menos parece fazer isso. Daí a necessi­
dade fenomenal de criar bancos nos Estados Unidos, necessidade que
persistiu durante todo o século passado e estendeu-se até boa parte do
século atual. E daí, também, o gosto marcante, embora não reconhecido,
pelos maus bancos. Os maus bancos, ao contrário dos bons, emprestavam
aos indivíduos com grandes riscos, ou seja, aos pobres.
Ao tratarmos do Banco da Inglaterra, dissemos que um banco cen­
tral desempenha três funções principais em relação aos bancos comerciais:
contrabalança a tentação de empréstimos e emissões de notas em volume
excessivo, pelos bancos comuns, apresentando as suas notas para resgate;
de modo semelhante, restringe a expansão de empréstimos e a ampliação
resultante dos depósitos, exigindo que os bancos comerciais mantenham
uma proporção preestabelecida de seus depósitos nos cofres, ou retirando
fundos passíveis de empréstimo dos bancos através da venda de títulos
e mantendo por si mesmo esses fundos; finalmente, usa os seus emprés­
timos como fonte de salvação quando um número excessivo de pessoas
comparecem para retirar dinheiro dos bancos comerciais. As duas pri­
A GUERRA DA MOEDA 77

meiras dessas funções eram profundamente hostis ao funcionamento dos


bancos, tal como o desejavam os necessitados e ambiciosos no jovem país.
E se as duas primeiras funções não fossem desempenhadas, a última
também ficaria fora de cogitação. Um banco não poderia ser salvo quando
um número excessivamente grande de pessoas viessem retirar dinheiro,
caso o descontrole anterior não tivesse sido reprimido.
Era esse o cenário da grande controvérsia sobre os bancos nos
Estados Unidos. Para o interesse pecuniário de alguns, era necessário haver
controle, moeda e preços estáveis, e um emprestador de último recurso.
Para outros, era interessante não haver qualquer controle sobre o que
poderia ser ganho com empréstimos cedidos ou tomados. As conse­
quências, por mais desastrosas que fossem, não poderiam ser tão más
quanto o controle. Embora esses fossem os elementos essenciais do con­
flito, houve, como sempre acontece quando a moeda está envolvida, nume­
rosas circunstâncias, posições, atitudes e equívocos que o complicaram
ainda mais.

Juntamente com as suas propostas de assumir a dívida, o resgaste (de um


modo muito especial) das notas continentais, as suas propostas de cunha­
gem e as suas recomendações para o estímulo às indústrias, Alexander
Hamilton também propôs a criação de um banco central. Assim como o
Banque de France de Napoleão uma década mais tarde, imitava o figurino
do Banco da Inglaterra; os países podiam combater os ingleses, mas não
desprezavam as suas instituições financeiras e a sua sabedoria em assuntos
pecuniários. O Banco dos Estados Unidos deveria ser autorizado a fun­
cionar pelo prazo de vinte anos, com um capital de 10 milhões de dólares,
dos quais o governo subscreveria 2 milhões. Nenhuma pessoa poderia ter
mais de mil das vinte e cinco ações; estrangeiros poderiam ter ações, mas
não direito a voto. Quando os livros foram abertos para subscrição em
julho de 1791, tudo foi imediatamente tomado. Logo houve forte especu­
lação sobre os direitos de compra das ações. Entretanto, vários partici­
pantes frugais limitaram-se ao pagamento de uma entrada modesta, e o
banco começou a operar com cerca de 675.000 dólares em dinheiro.
Segundo os seus próprios padrões, o Banco dos Estados Unidos teve
êxito notável. Nos vinte anos seguintes, juntamente com as suas oito
filiais, funcionou como local de depósito para fundos governamentais,
como instrumento para a sua transferência de uma parte do país a outra
(o que não é um simples detalhe, dado o primitivismo das comunicações
78 MOEDA

naquela época), como instrumento de desembolso de recursos públicos,


e como fonte de empréstimos governamentais e crédito privado. Tanto
o governo quanto os prestamistas particulares tomavam os seus emprés­
timos, ou pelo menos parte deles, em notas emitidas pelo Banco. Essas
notas eram conversíveis em ouro ou prata, circularam ao par com esses
metais a partir de sua emissão, e eram bem conceituadas perante o pú­
blico.
Nessa época, os outros bancos ainda eram relativamente pouco
numerosos — em 1805, estima-se haver setenta e cinco2, todos nos estados
da costa leste. O Banco dos Estados Unidos implantou (pelo menos é o
que parece)3 um controle substancial sobre esses bancos, recusando-se
a aceitar as notas daqueles que não as convertessem em espécie à vista.
Com o exemplo do Banco, outros agiram da mesma maneira. Os deposi­
tantes, portanto, davam a sua preferência a um banco cujas notas fossem
geralmente aceitas. E todos, exceto os prestamistas mais ansiosos, procu­
ravam um banco cujas notas pudessem ser aceitas pelos seus credores.
Ocasionalmente, o Banco dos Estados Unidos acorria em ajuda dos bons
bancos estaduais que estavam sendo ameaçados por portadores de notas
ou outros credores. Assim, além de promover o auto controle, o Banco
funcionava como emprestador de última instância. Portanto, em sua curta
duração avançou muito no sentido de consolidar e desenvolver as funções
reguladoras básicas de um banco central. Como será observado mais
adiante, o Sistema Federal de Reserva, em seus primeiros vinte anos, não
conseguiu os mesmos resultados. O que o Banco conseguiu era precisa­
mente o que muitos não desejavam.

Havia, antes de mais nada, a desconfiança em relação a bancos em geral,


e a bancos grandes em particular. Assim como os tories da Inglaterra viam
no Banco da Inglaterra algo que se opunha à autoridade e às instituições
tradicionais, ou seja, a cunha do republicanismo, os cavalheiros de Vir­
gínia viam no Banco dos Estados Unidos um instrumento de usurpação

2 As cifras foram extraídas do relatório do Controlador do Meio Circulante em


1876, e citadas em Paul Studenski e Herman E. Krooss. Financial History of
the United States (Nova York: McGraw-Hill Book Co., 1952), p. 73.
3 As provas da existência de um controle tão firme são algo subjetivas. É possível
que alguns autores tenham atribuído medidas do Segundo Banco dos Estados
Unidos mais ou menos automaticamente ao Primeiro Banco. Todos os que escre­
vem sobre a história dos bancos devem confessar seu débito para com o volu­
moso trabalho de Bray Hammond. Banks and Politics in America (Princeton:
Princeton University Press?! 95 7).
A GUERRA DA MOEDA 79

do poder financeiro e de urbanização pouco salutar. Também consideravam


os bancos como uma espécie de fraude, um meio de transferir riqueza dos
que trabalhavam honestamente no campo para os que viviam comprando e
vendendo e, portanto, lucravam com o trabalho dos outros, ou para os
que possuíam empresas industriais que eram antagônicas à sociedade
agrária que consideravam natural e justa. Em 1814, após ter retornado a
Monticello, esquecido as suas divergências anteriores com John Adams, e
ambos tivessem começado a sua famosa correspondência, Jefferson expres-
sou-se a respeito da nocividade e desonestidade dos bancos:

Sempre fui inimigo dos bancos; não dos que descontam em dinheiro;
mas dos que poêm o seu próprio papel em circulação, expulsando
assim o nosso dinheiro. Meu zelo contra essas instituições foi tão
forte e aberto quando do estabelecimento do Banco dos Estados
Unidos, que fui tido como maníaco pela tribo de fanáticos pelos
bancos, que estavam tentando extrair do público os seus ganhos
falsos e estéreis... Devemos construir um altar para o velho papel-
-moeda da revolução, que arruinou os indivíduos mas salvou a repú­
blica, e queimar aí todos os títulos de autorização de constituição
de bancos, presentes e futuros, juntamente com as suas notas? Pois
eles arruinarão tanto a república quanto os indivíduos. Isto não pode
ser feito. A loucura é muito forte. Seu poder de ilusão e corrupção
apossou-se de todos os membros de nossos governos, gerais, espe­
ciais, e individuais.4

Havia uma oposição mais específica que vinha de outros bancos,


grandes e pequenos. Para estes, o Banco dos Estados Unidos era um
concorrente privilegiado. Tinha os depósitos do governo federal, o que era
uma vantagem excepcional; também operava no mesmo ramo que eles,
como banco comercial ordinário. Mas, o Banco não era só um concorrente,
era também um senhor. Impunha a sua disciplina sobre os outros bancos,
exigindo que cumprissem a sua promessa de resgatar as suas notas em
dinheiro. As operações seriam muito mais livres sem o Banco. Não se podia
duvidar que o ressentimento dos bancos era transmitido inteiramente aos
clientes - principalmente quando empréstimos lhes eram negados ou eram
solicitados a devolver empréstimos anteriores.

Carta a John Adams, em The Adams-Jefferson Letters, Lester J. Cappon, ed.


(Nova York: Simon and Schuster, 1971), Vol. II, p. 424.
80 MOEDA

Na votação original que estabeleceu o Banco, o nordeste do país foi


a favor, o sul menos desenvolvido, ficou contra. A idade, a essa altura,
havia tornado Massachusetts e os seus vizinhos os novos bastiões do conser­
vadorismo financeiro.5* Em 1810, a Câmara dos Representantes votou a
favor da renovação por uma margem folgada de votos (73 a 35). O Con­
gresso então entrou em recesso, e os oponentes do Banco conduziram um
trabalho urgente de esclarecimento junto aos legisladores errantes. Ao
voltar do recesso, o Senador votou. O resultado foi um empate de 17
votos.
Em épocas mais recentes, e ao contrário do que acontece com os
postos de Secretário de Defesa ou Estado, o posto de Secretário do Te­
souro tem envolvido poderes em grande parte rotineiros, cerimoniais ou
delegados, a menos que seja ocupado por alguém com acesso excepcional à
política geral do Presidente. Lyndon Johnson, ao tentar convencer um
subordinado no sentido de aceitar esse posto, advertiu-o de que em caso de
recusa, ele, Johnson, não iria tolerar qualquer pessoa com cabeça nessa
posição. A posição de Vice-Presidente nunca foi considerada decisiva para
os assuntos da República, pelo menos quando o ocupante não é um
infrator de leis e o Presidente não está sob ameaça de impeachment ou
algum mal do coração. Em 1810, a situação era diferente. Jefferson tinha
feito oposição ao Banco, como a maioria dos membros do seu Gabinete.
Madison, que o sucedera em 1809, embora fosse mais maleável, tinha
sustentado anteriormente que o Banco não era constitucional. Mas, Albert
Gallatin era o Secretário do Tesouro, e apoiava a constituição do Banco.
Era tão forte o seu poder independente que isto foi bastante. Fez pressão
para a renovação, mas, quando ocorreu empate no Senado, o Vice-Presi­
dente Clinton teve a sua vez. Passou para a oposição e o projeto renovando
a autorização foi derrotado.

A história pode não se repetir, mas os eventos dos vinte e cinco anos
seguintes constituem testemunho impressionante em contrário. Livres da
disciplina imposta pelo Banco e estimulados pela Guerra de 1812 e pela
prosperidade subseqüente, os bancos estaduais multiplicaram-se de 88 em

5 Bray Hammond advertiu com muita justiça contra uma divisão simplista entre
interesses capitalistas e agrários na questão do banco. Ambos os lados estavam
interessados em ganhar dinheiro;houve muitos desertores dos dois lados regionais;
e as objeções específicas dos bancos estaduais, bem como as questões constitu­
cionais, é que devem ser enfatizadas. (Hammond, pp. 197 e segs.) Não obstante,
a tendência geral para associar-se bancos mais livres e crédito fácil às novas regiões,
e a ser moderada ou contida com o tempo, parece-me absolutamente inegável.
A GUERRA DA MOEDA 81

1811, a 208 em 1815. As suas emissões de notas subiram de um valor esti­


mado de 45 milhões de dólares em 1812, a 100 milhões em 1817.6 A
maior expansão ocorreu nos novos territórios dos Apalaches e no oeste
do país.
Após a captura da cidade de Washington em 1814, e em muitos casos
deve-se supor que o pretexto foi muito bem recebido, os bancos situados
fora da Nova Inglaterra suspenderam os pagamentos em espécie. A elimi­
nação de qualquer necessidade de resgatar as notas facilitou muito a sua
emissão. Também levou a um complicado conjunto de descontos quando
as notas eram apresentadas para a compra de bens ou o pagamento de
dívidas. As notas dos bancos da Nova Inglaterra, como eram conversíveis
em ouro ou prata, eram transacionadas ao par com esses metais. As notas
ligeiramente menos promissores de Nova York estavam sujeitas a um
desconto de 10%. As notas claramente mais extravagantes dos bancos
de Baltimore e Washington sofriam um desconto de 20%. Numerosas
notas de regiões a oeste dos Apalaches sofriam um desconto de 50%.
Para complicar ainda mais, todas as notas circulavam acompanhadas de
uma massa de papéis falsos.
Em 1817, o estado da Pensilvânia autorizou trinta e sete bancos
num só ato da legislatura. Nos anos imediatamente seguintes, houve
aumentos adicionais aí mesmo e em outras regiões. Toda localidade sufi­
cientemente grande para ter “uma igreja, uma taberna, ou um ferreiro,
era considerada como lugar apropriado para o estabelecimento de um
banco”.7 “Outras sociedades anônimas e os comerciantes emitiam
‘moeda
*. Mesmo barbeiros e donos de bares competiam com os bancos
neste campo... quase todo cidadão considerava emitir moeda como
seu direito constitucional.” 8
Mais uma vez, a desordem estimulou um interesse pela ordem, e
a inflação criou o interesse pela estabilidade de preços. (Afirmar que as
notas dos bancos do oeste estavam avaliadas a um desconto de 50%,

6 Os números de bancos foram fornecidos pelo Controlador do Meio Circulante,


citado em Studenski e Krooss, p. 79. As estimativas do volume de notas em
circulação devem-se a Emest Ludlow Bogart. Economic History of the American
People (Nova York: Longmans, Green and Co., 1931), pp. 370-371, e certamente
são muito grosseiras.
7 Norman Angell. The Story of Money (Nova York: Frederick A. Stokes Co.,
1929), p. 279.
8 A. Barton Hepbum. A History of Currency in the United States (Nova York:
Macnulhn Co., 1915), p. 102, Exagerado, é claro.
82 MOEDA

evidentemente, é o mesmo que dizer que os preços em termos de tais


notas tinham dobrado.) Além disso, o Banco dos Estados Unidos tinha
desaparecido quase exatamente no momento em que os seus serviços
- a compra e venda de títulos governamentais e a importante função de
transferência e desembolso de dinheiro público — eram muito necessárias
para a condução da Guerra de 1812. Tão inadequada foi a administração
em geral deste empreendimento, militar ou não — sem igual, talvez, até
a guerra do Vietnam - que a desordem monetária não poderia ter contri­
buído muito para a confusão. Mas, embora apenas em termos marginais,
não deixou de ajudar.
Daí a reprise. Em 1814, líderes financeiros — Stephen Girard,
David Parish, John Jacob Astor - formularam planos para um novo
Banco dos Estados Unidos. Nos meses seguintes, eles e outros indivíduos
insistiram em sua necessidade em Washington. Em 1816, o Segundo Banco
foi criado.9 Exceto por ser maior dò que o seu antecessor — uma empresa
muito grande para a época - a sua autoridade e as suas funções eram
praticamente as mesmas.
Inicialmente, como acontecera com o Banco da Inglaterra um
século antes, o Segundo Banco demonstrou poderosamente a necessidade
de fiscalização do fiscal. Em 1816, a prosperidade do pós-guerra estava
a todo vapor; havia uma especulação particularmente ativa com as terras
do oeste. O novo Banco participou com entusiasmo. Foi particularmente
ativo em empréstimos para fins imobiliários. E, como se fosse destinada
a enfatizar as suas intenções liberais, houve uma forte especulação com
as próprias ações do Banco. Este tampouco pressionou no sentido de
autocontrole pelos outros bancos. Recordando-se, talvez, da desgraça
que tinha sido o destino do seu predecessor em conseqüência dessa
prática, o Banco absteve-se de apresentar as notas dos bancos estaduais
pará resgate. Em 1818, a filial do Banco em Baltimore, com substancial
proporção de fundos perdidos em maus empréstimos, foi à falência,

o z z
A literatura sobre a história do Segundo Banco é tão rica em detalhes que o pro­
blema de resumi-la
* chega a ser formidável. Quanto aos esforços levando à consti­
tuição do Banco, ver Kenneth L. Brown, “Stephen Girard, Promoter of the
Second Bank of the United States”. The Journal of Economic History,Vol. II,
N9 2 (novembro de 1942), pp. 125 e segs. e Raymond Walters, Jr.. “The Origins
of the Second Bank of the United States”, The Journal of Political Economy,
Vol. LUI, N9 2 (junho de 1945), pp. 115 e segs. O estudo-padrão mais antigo
sobre o Banco é o de Ralph CJ1. Caterall, The Second Bank of the United
States (Cliigaco: University of Chicago Press, 1903).
A GUERRA DA MOEDA 83

embora, segundo os mecanismos folgados de então, isso não derrubou


a matriz em Filadélfia.
Em 1819, William Jones, um político de inteligência questionável,
mas mau juízo comprovado, foi substituído à testa do Banco por Langdon
Cheves, descrito pela maioria dos historiadores como um homem extra­
ordinariamente insensível,10 que pode muito bem ter sido o que a ocasião
exigia. Instituiu uma política drástica de contração de empréstimos
e execução de devedores. Simultaneamente, embora em grande par­
te poderia parecer coincidência, a prosperidade terminou, os preços
caíram, os devedores encerraram as suas atividades, e o número de
falências subiu. Este foi o primeiro dos cinco grandes pânicos que,
a intervalos de aproximadamente vinte anos, marcaram a história do
século.
Assim como Jones havia sido excessivamente liberal, Cheves foi,
no fim das contas, excessivamente austero. Em 1823, foi sucedido por
um indivíduo muito mais interessante, inteligente e eclético, ao qual
havia sido recusado um diploma ao formar-se na Universidade da Pensil-
vânia, porque, com treze anos de idade, fora sido considerado muito
jovem. Era Nicholas Biddle. Ao contrário dos seus antecessores, Biddle
tinha uma visão muito clara do papel do Banco. Desejava que fosse afir­
mativo e útil na concessão de empréstimos e uma força positiva na comu­
nidade em geral. Via claramente a sua função como uma forma restritiva
em relação aos bancos estaduais. Em comparação com os seus predeces­
sores ou a maioria dos seus contemporâneos, também era extraordinaria­
mente mais arrogante.
Sob a direção de Biddle, várias novas filiais foram estabelecidas,
até haver um total de vinte e nove. Os empréstimos e investimentos em
títulos foram aumentados. Os pagamentos, inclusive os aceitos em nome
do governo, só o eram em notas de bancos que as resgatavam por ouro
ou prata. A disposição e a capacidade dos bancos para isso eram mantidas
sob fiscalização permanente mediante a devolução imediata de suas notas
para resgate. Os bancos estaduais, não surpreendentemente, responderam

Uma característica sujeita a debate. O falecido David Mc Cord Wright, com


base nos Papers de Cheves, procurou reconstituir a reputação de Cheves como
um homem razoável, mal representado pelos historiadores. Ver o seu artigo
“Langdon Cheves and Nicholas Biddle: New Data for a New Interpretation”.
The Journal of Economic History, Vol. XIII, N9 3 (verão de 1953), pp. 305
e segs.
84 MOEDA

a essa impertinência resgatando em espécie as notas do Banco dos Estados


Unidos. Era como se cada lado estivesse policiando o outro.
A circulação de notas do Banco dos Estados Unidos — e por causa
disso, os empréstimos que as punham em circulação - inicialmcnte esta­
vam limitadas quanto ao seu volume, pelo menos em pequenas denomi­
nações, por um controle firme, embora acidental. Segundo o decreto de
autorização do funcionamento do Banco, todas as notas precisavam ser
assinadas, sem fac-símile ou falsificação, pelo presidente e pelo tesoureiro
em pessoa. Com as penas primitivas então usadas, não mais de 15.000
notas11 podiam ser assinadas num dia, e isso deixava pouco tempo para
outras tarefas mais interessantes. Pediu-se ao Congresso que mitigasse essa
restrição permitindo que as filiais também emitissem notas. O Congresso
recusou, e isto levou a um dos vários atos pelos quais Biddle incentivou
e enfureceu os seus opositores. Fez com que um gerente de uma filial
emitisse um cheque pagável a um outro funcionário. O funcionário bene­
ficiado então endossava o cheque para pagamento em nome do Banco.
Assim, o cheque passava a ser uma promessa do Banco de pagar em espé­
cie; não era mais um cheque, mas uma nota bancária. Como tal, era aceita
por prestamistas e aqueles aos quais era passada.

A engenhosidade de Biddle para contornar os obstáculos legais não aumen­


tou a estima dos que haviam se negado a aceitar a legislação que ele solici­
tara. Muito menos o fizeram seus modos pessoais em geral. Falava com
gosto do seu poder como banqueiro e indicou, em mais de uma ocasião,
que era comparável em autoridade ao poder do Presidente dos Estados
Unidos. Também ficava satisfeito em concordar com a afirmação de que
a sua posição lhe concedia poder de vida e morte sobre os bancos esta­
duais e louvava a reserva e a magnanimidade com que exercia o seu poder.
Quando perguntado por uma Comissão do Senado se o Banco dos Estados
Unidos não oprimia os bancos estaduais, ele respondeu: “Nunca. Há
muito poucos bancos que não poderiam ter sido destruídos pelo exercício
de alguns poderes do Banco. Nenhum jamais foi prejudicado.”11 12* Isto
levou o Presidente Jackson a observar que “o presidente do Banco nos
diz que a maioria dos bancos estaduais existem graças à sua indul-

11 Esse número é fornecido em Studesnki e Krooss, p. 87.


12 Arthur M. Schlesinger, Jr., The Age of Jackson (Boston: Little, Brown and Co.,
1946), p. 75.
A GUERRA DA MOEDA 85

gcncia.” 13 Já foi sugerido que a associação com a moeda pode encorajar


a obtusidade política. Ainda mais do que Chase, Biddle é uma prova disso.
Como foi ressaltado pelo Professor Schlesinger, Biddle também
tinha a oposição do “establishment” e dos partidários de uma moeda
forte. Havia banqueiros do leste que se ressentiam da disciplina que
impunha. Também havia alguma preocupação em Nova York, cuja impor­
tância prática é difícil saber, quanto ao fato de que o Banco estava dando
a Filadélfia a supremacia nos meios financeiros. Certamente, se o banco
central ali tivesse sobrevivido, Filadélfia teria sido um importante centro
financeiro, talvez o maior do país, e Wall Street teria sido apenas mais
uma rua. Nesses anos, os pontos de vista de Jefferson, por uma moeda
forte e contra o Banco, e agora também esposados por Jackson, também
encontraram receptividade entre os trabalhadores, muitos dos quais sen­
tiam que o papel-moeda, emitido pelo governo ou por um banco, era um
instrumento pelo qual eram enganados, através do aumento de preços ou
pela imposição de uma redução de parte de sua remuneração justa.14
Entretanto, parece indiscutível, como no caso do Primeiro Banco,
que a oposição mais forte vinha dos bancos estaduais menores, mais novos
e efêmeros, e dos cidadãos que sentiam que a sua oportunidade de pro­
gresso econômico dependia da existência de tais instituições. Refletindo
a marcha geral do processo de desenvolvimento, boa parte do sul agora
estava disposta a aceitar o Banco e os seus controles. As novas regiões
ocupadas a oeste, com as suas necessidades específicas de crédito fácil
e credores mais liberais, eram agora o foco da oposição.

Embora a carta-patente do Banco não expirasse até 1836, a controvérsia


preparatória começou vários anos antes. De vez em quando, era bastante
áspera. Em 1831, na distante cidade de Saint-Louis, o irmão de Biddle,
o diretor da filial local, envolveu-se numa disputa particularmente aguda
a respeito dos méritos do Banco, que ele julgava serem extraordinários.

13 J.D. Richardson. A Compilation of the Messages and Papers of The Presidentes,


1789-1908, Vol. II (Washington: Bureau of National Literature and Art, 1908),
p. 581.
14 Schlesinger, pp. 74 e segs. Como todos que escreveram sobre este período, devo
muito a esse livro soberbo. Deve ser notado que a minha interpretação de algumas
questões purumente econômicas difere dos pontos de vista do outro na época em
que u trabalho foi escrito.
86 MOEDA

Daí resultou um duelo a pistola, em que os dois participantes morreram.


Esta dupla tragédia reflete menos a qualidade de ambos como atiradores,
e mais a necessidade de respeitar o Major Biddle, que era míope. O duelo
foi disputado à excessivamente curta distância de um metro e meio.
Em 1832, as forças pró-Banco no Congresso, lideradas por Henry
Clay, fizeram aprovar uma lei renovando a carta-patente do Banco. Essa
lei foi vetada por Jackson com uma mensagem bastante pungente, e
o Banco acabou tornando-se uma das questões mais importantes nas
eleições daquele ano. Por sua vez, Biddle não estava desprovido de recur­
sos. Em apoio à sua crença de que a atividade bancária era a fonte última
de poder, ele regularmente adiantava fundos a membros do Congresso
quando as leis de apropriação de verbas tinham atrasado o seu paga­
mento. Daniel Webster foi, em diversas ocasiões, um diretor do banco
e pago como consultor jurídico. “Acredito que meus honorários não foram
renovados ou restaurados como de praxe. Se for desejável que a minha
relação com o Banco seja mantida, talvez seja bom enviarem-se os
honorários usuais.”15 Vários outros homens de destaque haviam sido
assim tratados, inclusive membros da imprensa. Dentre os proeminentes
jornalistas “no gancho” estava James Gordon Bennett, celebrizado por
Samuel Eliot Morison como o pai da imprensa marron americana.”16*
Jackson venceu as eleições, e com margem superior à conseguida quatro
anos antes. O destino do Banco, portanto, estava selado. Assim, por mais
oitenta anos, selado estava também o futuro da idéia de um banco central
nos Estados Unidos.
De volta ao poder por mais quatro anos, Jackson prontamente
removeu do Banco os depósitos do governo. (Inicialmente, foram manti­
dos em bancos escolhidos ou privilegiados; mais tarde, sob o sistema
de tesouro independente, o governo manteve seus próprios depósitos,
na verdade tomando-se o seu próprio banqueiro.) Houve oposição a essa
medida no Gabinete. Numa interessante avant-prémiere do Massacre da
Noite de Sábado, de autoria de Richard Nixon, 140 anos mais tarde,
Jackson julgou ser necessário demitir dois Secretários do Tesouro antes
de encontrar um - Roger B. Taney, mais tarde Presidente da Suprema
Corte - que fizesse o que era mandado. Biddle, ainda impressionado com
a sua onipotência como banqueiro, reagiu contraindo os seus empréstimos

15 Carta de Webster a Biddle. Citada em Schlesinger, p. 84.


16 Samuel Eliot Morison. The Oxford History of the American People (Nova York:
Oxford University Press, 1965), p. 438.
A GUERRA DA MOEDA 87

com o objetivo de precipitar uma crise. “Uma pequena recessão foi o


resultado.”17 O máximo que Biddle conseguiu foi cristalizar o apoio
a Jackson.

Na última parte do século passado e nos primeiros anos deste século,


com a supremacia da moralidade da moeda forte e do padrão-ouro, a
destruição do Banco por Jackson foi universàlmente considerada como
tudo, menos como um ato vil. O professor Wright, da Universidade de
Chicago, escrevendo em 1949, como foi observado, atribuiu o ato ao
ódio violento de Jackson pelo Banco, e lamentou que “a experiência
do país com um grande banco central tivesse sido encerrada.”18
Em épocas mais recentes, porém, à medida em que a sabedoria
convencional dos banqueiros começou a ser pelo menos modestamente
questionada, e um caráter democrático mais agudo também atribuiu
alguma visão e virtude ao homem comum, o ato de Jackson passou a ser
considerado com satisfação variável. Ele estava unindo-se instintiva, mas
inequivocamente, aos seus constituintes, falando em nome dos pequenos,
dinâmicos e ambiciosos habitantes dos novos estados, das novas fazendas,
e da fronteira oeste em expansão.
Era, num sentido importante, o seu aliado acidental. Opunha-se
ao Banco como monopólio — um monstro que, como Biddle havia dito,
detinha poder que rivalizava o do Estado. Esse poder era contrário à
política democrática; também era o poder dos seus inimigos políticos.19
Mas, ele era a favor de uma moeda forte — de uma moeda de ouro e
prata e da eliminação do papel como instrumento do demônio. Livrando-se
do Banco, ele não conseguiu a moeda forte, mas a mais fraca de todas -
uma explosão de novos bancos, uma avalanche de notas bancárias. Mas
isto, e os empréstimos assim possibilitados, era o que o seu eleitorado mais
queria. Se Andrew Jackson tivesse conseguido a moeda forte que acre­
ditava desejar, seu nome teria sido renegado pelo já mencionado povo
pequeno, dinâmico e ambicioso da fronteira americana. Se tivesse concre­
tizado esta reforma ao seu primeiro mandato, não teriam votado nele

17 Jacob P. Meerman. “The Climax of the Bank War: Biddle’s Contraction 1833-34”.
The Journal of Political Economy, Vol. LXXI, N9 4 (agosto de 1963), p. 388.
18 Chester Whitney Wright. Economic History of the United States (Nova York:
MacGraw-Hill Book Co., 1949), p. 370.
19 Sobre os aspectos politicos do conflito, ver especialmente Robert V. Remini.
Andrew Jackson and the Bank War (Nova York: W.W. Norton and Co., 1967).
88 MOEDA

novamente; se ela tivesse ocorrido no segundo, talvez não permitissem


a sua volta ao Tennessee. Os historiadores, ao ponderar se Jackson estava
certo ou errado na área financeira, devem admitir uma terceira possibi­
lidade, a de que ele estava confuso.20
Ou possivelmente houvesse, no seu caso, uma relação muito dis­
tante entre fala e pensamento. Segundo a lenda, atrás dos fardos de algo­
dão na Batalha de Nova Orleans, à medida em que os ingleses se aproxi­
mavam, ele deu a ordem histórica: “elevem os canhões um pouco mais
para baixo.”

A história restante de Biddle é como uma fábula. O seu banco particular


teve a sua carta-patente renovada pela Comunidade da Pensilvânia, e em
conseqüência da especulação com algodão e adiantamentos excessivos a
diretores, suspendeu seus pagamentos em 1839 e mais tarde faliu. Biddle
foi preso e acusado de fraude. O tribunal da Pensilvânia julgou as provas
insuficientes para condená-lo. Ele faleceu pouco mais tarde, ainda em
litígio.21 Seu destino foi o de quase todos os que atuaram com espírito
inovador com a moeda. Law, como se recorda, mal conseguiu escapar
da população de Paris e morreu com dignidade mas pobre em Veneza.
Paterson também escapou por um triz da morte no desastre de Darien,
que o arruinou financeiramente. Robert Morris, depois de ser o Finan­
ciador da Revolução, passou vários anos na prisão por dívidas. Hamilton
foi assassinado após ser o alvo da desonra e do escárnio do público por
sua ligação com a repugnante Sra. Reynolds e o seu voraz marido. Jay
Cooke, que vendeu os títulos que financiaram a Guerra Civil juntamente
com os “greenbacks”, faliu posteriormente com um impacto ensurde­
cedor. Andrew Mellon, que chegou a ser solenemente celebrizado como
o maior sucesso de Hamilton, também escapou por um triz de um pro­
cesso por evasão de imposto de renda. Harry D. White e Lauchlin Currie,
os dois homens com os quais Marriner S. Eccles trouxe o keynesianismo
a Washington, foram escorraçados de seus postos — num caso, para a
morte, e no outro, para o exílio, como simpatizantes comunistas. William
Jennings Bryan, cuja voz tonitruante combateu a cruz de ouro, foi redu­
zido, ao fim de sua vida, a fazer propaganda de imóveis na Flórida. Desa­

20 “Foi uma batalha de arrogância, estupidez e confusão”. Remini, p. 10.


21 Houve amargo desacordo quanto à sua culpa. Os jacksonianos acreditam que ele
escapou à prisão apenas porque era um banqueiro e um Biddle. Conforme Bray
Hammond. “Jackson, Biddle the Bank of the United States,” The Journal of
Econumic History, Vol VII, N9 1 (maio de 1974), p. 15 e segs.
A GUERRA DA MOEDA 89

fiado por Clarence Darrow em Dayton para defender a verdade literal


da Bíblia, apoiou Jonas com certeza e serenidade. Mas, então falhou e
concordou que Noé não havia colocado dois espécimes de cada ser vivo
na Arca. Certamente, Noé não havia colocado peixe algum. Bryan morreu
poucos dias depois. Finalmente, embora seja apenas uma figura modesta
na história da moeda, tivemos John B. Connally. Entrou no gabinete
de Richard Nixon como Secretário do Tesouro, firmou os acordos do
Smithsonian Institute que desvalorizaram o dólar em 1971 e, no curso
mais normal dos eventos, acabou sendo processado.
* Ele, porém, foi
mais afortunado do que a maioria, foi absolvido.

(N. do T.) Não pela desvalòrização e ou pelos acordos. Como se recorda, foi
acusado de receber contribuições políticas ilegais dos produtores de laticínios.
O yrande acordo*
Segundo a interpretação usual e, deve ser acrescentado, bem pouco inspi­
rada da lüstória monetária dos Estados Unidos, os anos posteriores a
1832 foram deploráveis. A liberdade de atividade bancária, as falências
de bancos daí resultantes, a utilização de “greenbacks”, a agitação por
mais “greenbacks” e a pressão, em parte bem sucedida, pela cunhagem
de prata barata, combinadas aos repetidos pânicos, contribuíram para
tomar o sistema financeiro dos Estados Unidos, como disse Andrew
Camegie, “o pior do mundo civilizado.”1
Mas, apesar disso, nem tudo poderia ter estado errado. Pois os
que falavam com mais desconsolo das aberrações monetárias dos Estados
Unidos no século passado sempre expressaram-se com admiração e, em

1 Norinan Angell. The Story of Money (Nova York: l-redcrick A. Stokes Co.,
1929), p. 307.
92 MOEDA

certas ocasiões, êxtase, a respeito do desenvolvimento econômico da


nação. Nada igual havia sido visto antes. Uma de duas coisas deve ser
verdadeira. Os instrumentos monetários devem ter tido algum aspecto
compensador. Ou, caso contrário, foram excepcionalmente destituídos
de importância.
Numa visão mais séria e um pouco mais profunda, os cem anos
decorridos a partir de 1832 foram anos de acordo básico. Havia, na ver­
dade, um sistema monetário dualista. Cada úma das partes ajustava-se
às necessidades e predileções da região do país ou parte da economia a
que atendia. Entre as partes havia uma coexistência difícil, interrompida
por conflitos ocasionais. A paz baseava-se, em grande parte, na incapa­
cidade de cada lado destruir o sistema favorecido pelo outro. Em cada
lado, esta incapacidade era a fonte de muita tristeza virtuosa.
Para a comunidade financeira, comercial e credora em crescimento,
principalmente situada no leste, mas como sempre estendendo a sua
influência para o oeste e o sul com o passar das décadas, o arranjo propor­
cionava uma moeda forte básica — ouro e prata. E para esta comunidade,
primeiro sob controle estadual, depois federal, houve bancos cada vez
mais dignos de confiança — bancos com uma firme disposição para resgatar
as suas notas e os seus depósitos em dinheiro quando solicitados. As notas
e os depósitos bancários, portanto, tinham o mesmo poder aquisitivo do
ouro e da prata.
Para as novas regiões do país, à medida em que eram abertas, havia
o direito de criar bancos à vontade, e portanto o mesmo ocorria com as
notas e os depósitos que resultavam dos seus empréstimos Nenhum
banco central testava a capacidade desses bancos para resgatar suas notas;
embora houvesse controles estaduais especificando o volume de fundos
a serem mantidos em reserva contra as notas e os depósitos, eles eram
aplicados com mão leve e gentil. Em conseqüência, à medida em que a
civilização, ou algo aproximado, chegou a Indiana ou Michigan nas
décadas de 1830 ou 1840, o mesmo aconteceu com um banco. As suas
notas, quando emitidas e emprestadas a um agricultor para adquirir terras,
gado, sementes, forragem, alimentos ou equipamentos simples, punham-no
em atividade. Se ele e os outros agricultores prosperassem e devolvessem
os seus empréstimos, o banco sobreviveria. Se ele e os outros não prospe­
rassem e deixassem de pagar os seus empréstimos, o banco faliria, e alguém
— talvez um credor local, talvez um fornecedor do leste — ficaria com
as notas sem valor em suas mãos. Mas, alguns prestamistas deste banco
agora já estavam operando. Em algum lugar, alguém que ficara segurando
as notas havia feito uma contribuição involuntária à conquista do oeste.
O GRANDE ACORDO 93

Era um arranjo que banqueiros e comerciantes respeitáveis no leste


viam com desgosto extremo. No entanto, para eles não era intolerável.
Tinham uma moeda forte para operar entre si e com os estrangeiros.
E também tinham bons bancos. Com cuidado, podiam distinguir entre
as notas boas e as notas duvidosas do oeste, e recusar as últimas ou
aceitá-las a um desconto apropriado. Tinham perdas, mas também conse­
guiam aumentar as vendas. Homens de sabedoria econômica, expressando
os pontos de vista da comunidade empresarial de boa reputação, tanto
nessa época como mais tarde, falavam da anarquia do sistema bancário
instável. E explicavam que os colonizadores, em sua ânsia de conseguir
as notas bancárias, e devido à sua visão primitiva da economia, estavam
confundindo moeda com capital. Os homens de sabedoria estavam errados.
A anarquia auxiliava a fronteira oeste muito mais do que um sistema
ordenado que mantivesse um controle estrito sobre o crédito. E não havia
confusão ingênua alguma entre moeda e capital. Para o colonizador, as
notas que recebiam do banco eram capital, pois elas permitiam que conse­
guisse capital. Não é freqüente os indivíduos julgarem erroneamente
o seu interesse pecuniário em larga escala por um período muito longo.
O grande movimento para o oeste no século passado envolveu indivíduos
que não incorriam nesse erro. Os que afirmavam em contrário estavam
demonstrando, tanto nessa época como ainda hoje, que o chamado pensa­
mento econômico válido freqüentemente nada mais é do que um espelho
das necessidades dos grupos respeitavelmente ricos.2
O acordo que se seguiu à extinção do Segundo Banco dos Estados
Unidos teve o seu preço. Repetidas vezes, refletindo a euforia estimulada
por outras causas, eram criados bancos e eram feitos empréstimos sem
muito controle. E então, por alguma razão súbita, os indivíduos acorriam
aos bancos para retirar o seu dinheiro. Esses eram os períodos de pânico.
Seria conveniente examinarmos, primeiramente, a história desses bancos
e, posteriormente, no próximo capítulo, os pânicos que representaram
o seu preço.

O fim do Segundo Banco, como o do Primeiro, deixou o sistema bancário


— concessão de cartas-patente e controle — inteiramente aos estados.

2 Como observou Bray Hammond - e este é um ponto importante - os jackso-


nianos não estavam menos interessados em criar moeda do que os indivíduos que
atacavam. Formavam uma nova geração, mais numerosa, de pequenos empre­
sários. Bray Hammond. Banks and Politics in America (Princeton: Princeton
University Press, 1957), pp. 326 e segs.
94 MOEDA

E assim como o fim do Primeiro Banco fora comemorado com um


aumento significativo do número de bancos estaduais, o mesmo aconte­
ceu após o Segundo Banco. Só que desta vez houve um estouro. Entre
1830 e 1836, o número de bancos mais do que dobrou — o aumento
foi de 330 para 713. A circulação de notas elevou-se mais ou menos na
mesma proporção — de 61 milhões a 140 milhões de dólares. Os saldos
em espécie — reservas de ouro e prata — apresentaram, como era de se
esperar, um aumento mais modesto — subindo somente de 22 milhões
para 40 milhões de dólares.3
Nesses anos, a expansão foi facilitada por duas novas concepções
legais. Uma foi o banco pertencente ao governo estadual. Como a sua
finalidade era fazer empréstimos com as suas notas recém emitidas, isto
estava em conflito evidente com a proibição constitucional em relação
à emissão de moeda pelos estados. Como se pretendesse ressaltar esse
ponto, a legislatura do estado de Kentucky, ao criar um banco desse tipo,
apropriou recursos apenas para chapas de impressão, papel, e alguns
móveis. O restante deveria ser pago com o dinheiro que se imprimisse.
Entretanto, como agora estava evidente, no que dizia respeito à moeda,
a Constituição podia ser contornada — estava subordinada às leis ainda
maiores que refletiam as necessidades do público e os ditames políticos.
Num parecer preliminar, o Presidente John Marshall, da Suprema Corte,
sustentou que a emissão de “letras de crédito” pelos bancos dos estados
era inconstitucional. Mas, em 1837, após a sua morte, a Corte manteve
o direito de emissão dos bancos dos estados.
A outra concepção ainda mais importante foi a liberdade de ativi­
dade bancária. Por decisão das legislaturas estaduais, um banco não era
uma sociedade anônima, que nessa época e por muito tempo ainda exigiria
uma autorização especial do estado para funcionar, mas uma associação
voluntária de indivíduos e, portanto, como os serviços de ferraria ou
cordoaria, estava aberta a qualquer um. Havia regras, como as relativas
às reservas de dinheiro a serem mantidas na proporção das notas e dos
depósitos. Em alguns estados, essas regras eram cumpridas com firmeza
considerável, geralmente após uma entristecedora experiência com a falta
de qualquer cumprimento. Mas, freqüentemente, o não cumprimento

3 Chester Whitney Wright. Economic History of the United States (Nova York:
McGraw-Hill Book Co., 1949), p. 370. Não é preciso ressaltar que os dados sobre
o volume de notas em circulação e as reservas em espécie constituem estimativas
grosseiras. Detalhes da evolução em diversos estados foram admiravelmente exa­
minados por James Roger Sharp. The Jacksonians versus the Banks (Nova York:
Columbia University Press, 1970).
O GRANDE ACORDO 95

das regras era descoberto somente após a falência do banco ter tomado
a questão puramente acadêmica. Nesses anos, na então conservadora
Comunidade de Massachusetts, foi descoberto um banco com uma circu­
lação de notas de 500.000 dólares, após a sua falência, com reserva em
espécie de apenas 86 dólares e 48 cents. Uma reserva realmente modesta.
Talvez porque a história tenha sido registrada e preservada com mais
eficácia do que em outras regiões, os anais dos bancos de Michigan na
década de 1830 são particularmente interessantes. A lei exigia uma reserva
de ouro e prata na proporção de 30% das notas em circulação - uma base
bastante sólida. E eram utilizados fiscais para inspecionar os bancos e fazer
cumprir essa exigência. Pouco antes de surgirem os fiscais, também eram
postos em circulação o ouro e a prata que serviam de reserva. Eram trans­
feridos em caixas de banco a banco; quando necessário, essa reserva era
aumentada com o acréscimo de uma mistura de chumbo, cacos de vidro
e (muito apropriadamente) pregos de dez pence, sob a cobertura mais fina
de moedas de ouro. Um dos fiscais, com o eterno dote da metáfora apli­
cável à época, reclamou que “o ouro e a prata voavam pelo território
como num passe de mágica; o seu som era ouvido nas profundezas das
florestas, mas, como o vento, ninguém sabia de onde vinha ou para
onde ia.”4
Ocasionalmente, as profundezas da floresta, o centro de um pântano
ou, mais provavelmente, um posto comercial em local desolado era consi­
derado um ponto particularmente apropriado para a instalação de um
banco. A partir daí, o banco podia emitir notas a um prestamista (que
por sua vez as passaria adiante) e esperar que nenhum dos que as rece­
bessem eventualmente saberia onde enviá-las para resgate. Entretanto,
deve ser ressaltado mais uma vez que na história o pior é o que sobrevive.
0 lugar de Spiro Agnew entre os vice-presidentes está garantido. O mesmo
se dá com os bancos. Muitos bancos desse período, incluindo vários
pertencentes aos governos estaduais, foram administrados cuidadosa e
responsavelmente. E mesmo entre aqueles que faliram, houve muitos que
o fizeram somente depois de esforços honestos e úteis que permitiram
a homens merecedores estabelecerem-se em fazendas ou empresas e
ganharem a vida.

Em 1836, o governo federal decretou que, a partir desse momento, terras


públicas deveriam ser adquiridas somente com dinheiro vivo ou com notas

4
Angell, p. 290.
% MOEDA

de bancos que as resgatassem em espécie. Esta exigência inconveniente e


amplamcnte criticada serviria para testar a qualidade das emissões de
notas dos bancos estaduais, assim como o havia feito a insistência dos
dois Bancos dos Estados Unidos em devolver as notas para resgate. Acre­
ditou-se por muito tempo que tinha sido aplicado algum controle modesto
tanto sobre os empréstimos bancários quanto sobre a criação de bancos.
No ano seguinte, não necessariamente em conseqüência disso, houve o
pânico.5 Seguiu-se o sentimento de remorso que seguramente acompanha
uma euforia especulativa e que teria sido útil se tivesse vindo mais cedo.
As leis estaduais sobre bancos e o seu cumprimento tornaram-se bem mais
rigorosos. Entre 1840 e 1847, o número de bancos caiu, e diminuiu mais
ainda o volume de notas em circulação. A partir de então, ambos aumen­
taram novamente, mas de uma forma mais moderada.
Apesar disso, à época da Guerra Civil, o sistema monetário ameri­
cano era sem sombra de dúvida o mais confuso da longa história do
comércio e da cupidez a ele associada. As moedas surgidas em Amsterdam
antes de 1609 eram a simplicidade personificada, em comparação com o
que havia nos Estados Unidos. Estima-se que havia 7.000 notas diferentes
em circulação mais ou menos generalizada, resultado de emissões por
aproximadamente 1.600 bancos estaduais diferentes, muitos já desapare­
cidos. Além disso, como o papel e os serviços de impressão eram baratos
e a emissão de notas era defendida como um direito humano, os indiví­
duos tinham entrado neste ramo em seu próprio benefício. Estima-se
que 5.000 emissões falsas estavam em circulação. Ningúem podia operar
sem um guia atualizado que distinguisse as notas saudáveis das notas de
qualidade inferior, das notas órfãs, ou das notas inteiramente más. Um
“Manual de Notas Bancárias” ou um “Detector de Notas Falsas” era
literatura essencial a qualquer empresa significativa.

Com a Guerra Civil, as forças pró-moeda forte obtiveram um avanço


considerável contra os seus oponentes no acordo — ou pelo menos foi
o que pareceu de início. Os congressistas e senadores do sul e do vale
do Mississipi tinham saído do Congresso. As exigências da guerra podiam
ser lançadas contra a desordem e a confusão dos bancos estaduais e suas
notas. Um novo banco central estava fora de cogitação, mas um novo

5 Houve época em que os historiadores atribuíram muita importância à chamada


Circular de Espécie. Há dúvidas sobre isso atualmente. A este respeito (e muitos
outros pontos), estou em débito para com Peter Temin. The Jacksonian Economy
(Nova York: W.W. Norton and Co., 1969). Conforme p. 120 e segs.
O GRANDE ACORDO 97

sistema de bancos, autorizados e controlados pelo governo federal, era


uma possibilidade. Em 1863, com o apoio do Secretário do Tesouro
Chase e do Congresso, a Lei dos Bancos Nacionais foi aprovada, estabe­
lecendo um novo sistema de bancos nacionais. 0 primeiro cuidado, como
seria de se esperar, foi dispensado ao controle de suas emissões de notas.
Podiam emitir notas, mas somente até 90% do valor de obrigações do
governo federal compradas pelo banco emitente e depositadas no Tesouro.
A segurança desse arranjo deve ser evidente; se um banco malograsse, as
obrigações podiam ser vendidas e as notas resgatadas com uma folga
confortável, em circunstâncias normais. Era ainda uma maneira útil
de assegurar um mercado para as obrigações do governo em termo
de guerra.
Este arranjo tinha uma deficiência evidente - contra a qual o Con­
gresso buscou proteger-se. O volume da emissão de notas dependeria
do volume de títulos governamentais disponíveis para depósito contra
as notas. Se o governo fosse desregrado, o mesmo aconteceria com o
volume de títulos e, conseqüentemente, com o volume de notas. Para
impedir essa situação, o Congresso limitou as emissões de notas dos
bancos nacionais a 300 milhões de dólares. Raramente as circunstâncias
econômicas conseguiram confundir os mais prudentes em previsão econô­
mica com maior facilidade. Nos vários anos seguintes à guerra, o governo
federal teve elevados superávits. Não podia pagar suas dívidas, resgatar
seus títulos, porque isso significaria a inexistência de obrigações para
sustentar as notas dos bancos nacionais. Liquidar a dívida significava
destruir a oferta monetária.
Embora fosse possível prever que os bancos estaduais opunham-se
à Lei dos Bancos Nacionais, de início eles não se sentiram prejudicados.
A suspensão dos pagamentos em espécie em 1861 livrou-os da sempre
mal acolhida necessidade de resgatar as suas notas em dinheiro. Os
“greenbacks” (a serem discutidos em breve) tornaram-se moeda legal
e foram utilizados para isso. Mas, em 3 de março de 1865, apenas um
mês antes de Appomatox, o poder financeiro voltou a afirmar-se. O
Congresso foi persuadido a aprovar legislação adicional eliminando todas
as notas estaduais. Um imposto anual de 10% foi aplicado a todas as
emissões de bancos estaduais a partir de 19 de julho de 1866. Foi talvez
o exemplo mais impressionante, na história do país, de que o poder de
tributar é, na verdade, o poder de destruir.6

6 Conforme Hammond.
98 MOEDA

Mais uma vez, a destruição foi menor do que se poderia supor.


Era outro momento em que os prestamistas americanos estavam rece­
bendo seu crédito não sob a forma de notas, mas de depósitos contra os
quais emitiam cheques. Na década seguinte, o uso de depósitos e cheques
expandiu-se fenomenalmente. Enquanto isso, ainda era possível a uma
nova comunidade criar um banco. O banco, ao atender um emprestador,
colocava à sua disposição um depósito, em lugar de uma nota bancária.
A finalidade preenchida era a mesma.
A criação de depósitos era, por sua natureza, mais cautelosa do que
a criação de notas, como já ressaltamos. As notas eram emitidas, passavam
de mão em mão, e talvez jamais retomassem para serem resgatadas. Os
cheques emitidos a partir de depósitos sempre retomavam para resgate,
e se o homem que recebesse o cheque tivesse a sua conta em outro banco,
o dinheiro era prontamente perdido para esse banco. Entretanto, os depo­
sitantes do banco ao mesmo tempo estariam recebendo os resultados dos
empréstimos feitos a prestamistas de outros bancos, e a eles pagos em
cheque. Somente se o primeiro banco estivesse expandindo os seus emprés­
timos mais rapidamente do que os seus colegas é que haveria uma saída
líquida de caixa. As penalidades do descontrole eram mais imediatas
com os bancos de depósitos, mas a diferença era apenas de grau.
E não era tão significativa que levasse a qualquer cautela muito
grande. As falências de bancos continuaram após a proibição das notas
e, em alguns anos, foram epidêmicas — 140 suspensões de pagamento
em 1878; 496 em 1893; 155 em 1908.7*(Voltaremos às conseqüências
de tais falências no próximo capítulo.) Em sua maioria, as vítimas eram
bancos estaduais de pequeno porte. Por mais sessenta e cinco anos, esses
bancos continuaram a ser criados. E os empréstimos e depósitos resul­
tantes continuaram a colocar ou manter em atividade agricultores margi­
nais, mas ambiciosos, e empresários, merecedores ou não.

Embora a Guerra Civil fizesse o jogo dos partidários da moeda forte


nesse acordo e os auxiliasse a livrar-se das notas dos bancos estaduais,
enfraqueceu a sua posição em relação ao próprio desejo de uma moeda
forte. Nos anos anteriores à guerra, a moeda circulante aceita era formada
por peças de prata ou ouro, e o ouro predominava cada vez mais. Legis­
lação promulgada em 1834 e 1837 reduzira o peso do ouro por dólar
em relação ao da prata. (O dólar de prata permaneceu com 371,25 grãos

7 U.S. Bureau of the Census. Historical Statistics of the United States, Colonial
Times to 1957 (Washington, D.C., 1960), p. 636.
O GRANDE ACORDO 99

do metal puro; o dólar de ouro teve uma redução de 24,75 para 23,22
grãos.) Para os que buscavam esse tipo de ganho, o lógico agora era vender
prata no mercado aberto, comprar ouro e levá-lo à casa da moeda. Após
as descobertas na Califórnia, o ouro passou a ser entregue às casas da
moeda em grande quantidade. Por um certo tempo, era até lucrativo
fundir as moedas menores — meios dólares, quartos de dólar e décimos -
e trocar a prata resultante por ouro para cunhagem. Esta tendência foi
remediada pelo Congresso em 1853, diluindo-se a prata nas moedas
menores para que, após a fusão, nenhum lucro pudesse ser obtido levan­
do-se a mistura resultante à casa da moeda. Assim, após 1837 o meio cir­
culante dos Estados Unidos passou a ser metal precioso, e o metal era
o ouro. O único papel-moeda era representado pelas notas dos bancos.
As notas que eram suficientemente boas para serem trocadas por alguma
coisa eram conversíveis em ouro. A prata, tendo desaparecido da
vista, agora desaparecia também do pensamento. O país estava agora
inteiramente no sistema do padrão-ouro, de fato, ainda que não
de direito.

Há muitó'se afirma que a verdade é a primeira vítima da guerra. A moeda,


na realidade, pôde sucumbir antes disso. No exercício fiscal encenado
em 30 de junho de 1861, as despesas do governo dos Estados Unidos
foram de 67 milhões de dólares. No ano seguinte, foram de 475 milhões.
Subiram rapidamente nos anos subseqüentes, alcançando 1,3 bilhões
em 1865, um nível não alcançado novamente até o ano de 1917.8 Em
face de gastos tão elevados, Salmon Portland Chase colocou-se à altura
da situação com uma indecisão histórica. Advertiu solenemente contra a
utilização do papel-moeda: . .não há expediente certamente mais fatal
de empobrecimento das massas e descrédito do governo de qualquer
país.” 9 Mas ele revelou uma relutância notável, embora previsível, quanto
a recomendar o uso de impostos, e o Congresso não o superou neste
sentido. No exercício fiscal encenando em 30 de junho de 1862, o
governo teve receitas de 52 milhões de dólares. Dadas as despesas acima
mencionadas de 475 milhões de dólares, isso significou um déficit real-

8 ILS. Bureau of the Census. Historial Statistics, p. 711. As despesas não incluem
a amortização da dívida.
9 Albert S. Bolles. Financial History of the United States (Nova York: Augustin
M. Kelky, 1969), VoL III, p. 14.
100 MOEDA

mente espetacular de 423 milhões de dólares. As receitas foram apenas


11% das despesas. Nos três anos seguintes, os impostos foram aumen­
tados e incluíram a notável inovação, se bem que de curta duração, do
imposto sobre a renda. Mas, sob as pressões intransigentes da guerra,
as despesas subiram ainda mais. Embora em 1865 as receitas fossem
de 334 milhões, o déficit alcançava quase um bilhão de dólares.1011Foi
graças ao papel-moeda e a empréstimos que este déficit foi coberto.
A partir de 1862, a venda de títulos públicos passou a ser um impor­
tante empreendimento. Jay Cooke organizou uma equipe de vendas com
2.500 pessoas para persuadir o público a comprar obrigações e apoiar
a União. Tão exitoso foi o seu esforço que as vendas iniciais superaram
o montante que o Congresso havia autorizado. Imediata e obsequiosa­
mente, o Congresso aumentou o volume autorizado. Mas, mais fundos
eram necessários. Em 1862, o Congresso, com a aquiescência de Chase,
autorizou a emissão de 150 milhões de dólares em notas, moeda legal
para todas as finalidades, exceto o pagamento de direitos alfandegários.
(As alfândegas eram a esperança de arrecadação do ouro que pagaria
os juros da dívida.) As notas foram impressas em tinta verde. Daí o
seu nome histórico — “greenbacks”. Nos meses subseqüerites, volumes
maiores foram autorizados. Logo Chase estava pedindo que as notas
fossem autorizadas em denominações inferiores a cinco dólares para que
atuassem mais adequadamente como meio circulante, tendo colocado
as suas desconfianças sob controle absoluto, embora temporário. Antes
do fim, 450 milhões de dólares haviam sido autorizados.
Os historiadores têm sido muito rigorosos com os “greenbacks”.
Até hoje, o termo simboliza a lassidão fiscal e monetária — “seria o mesmo
que emitir ‘greenbacks’”. O inevitável Professor Wright concluiu que
“... os maiores erros no financiamento da guerra foram a incapacidade de
tributar pronta e vigorosamente e o uso de papel-moeda com todos os seus
males...”11 Até estudiosos um pouco mais tolerantes têm criticado Chase
pela “emissão excessiva de papel-moeda de poder liberatório legal alimen­
tando a inflação, conseqüentemente.”12*

10 U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics, p. 711.


11 Wright, p. 443.
12 Paul Studenski e Herman E. Krooss. Financial History of The United States
(Nova York: McGraw Hill Book Co., 1952), p. 146. Esses autores acrescentam
sensatamente: “No entanto, conseguiu de algum modo os fundos necessários
para a guerra, e isto era o mais importante, no final das contas.”
O GRANDE ACORDO 101

A esta altura, podemos seguramente deixar o leitor em liberdade


para tirar a única conclusão disponível. Não era possível fazer muito mais
com as obrigações. O esforço de vendas foi extraordinariamente vigoroso
e imaginativo. E o dinheiro de depósitos ou reservas, quando aplicado
em obrigações e gasto pelo governo como qualquer nova despesa,
aumentava a procura e, conseqüentemente, a inflação. A tributação
poderia ter sido feita mais cedo e com maior intensidade. Mas, após
o máximo ter sido feito, os “greenbacks” ainda teriam sido
necessários.13
E os resultados não foram tão deploráveis. Em 1861, como foi
observado, o Tesouro e os bancos suspenderam os pagamentos em espécie
- a troca de notas por ouro. Em Nova York, um estranho mercado espe­
culativo de ouro desenvolveu-se, um espetáculo bastante triste em tempo
de guerra, e que perturbou bastante as autoridades, embora aparentemente
não tenha provocado muitos danos. Em termos mais práticos, os preços
em papel-moeda subiram até alcançarem o seu ponto máximo em 1864,
ligeiramente acima do dobro do nível de 1860. (Tomando o período
1910-1914 como base, o índice de preços no atacado foi 93 em 1860,
e 193 em 1864.)14 Isto trouxe muitas dificuldades aos trabalhadores;
durante a guerra os salários subiram menos da metade do aumento dos
preços.15 Mas, os agricultores estavam muito satisfeitos com o trigo a
dois dólares (e mais ainda, quando a guerra terminou), e estimulados pelos
preços crescentes e pelas necessidades da guerra, a capacidade e a produção
industriais ampliaram-se espetacularmente. Para um país partido em
dois, sustentando um exército que chegou a ser formado por um milhão
de homens e envolvido numa das maneiras mais sangrentas conseguidas

13 Conforme Irwin Unger. The Greenback Era (Princeton: Princeton University


Press, 1964). Também somos obrigados a mencionar Wesley C. Mitchell. A History
of the Greenbacks (Chicago: University of Chicago Press, 1903), um clássico em
sua época, embora com conclusões atualmente discutíveis.
14 U.S. Bureau of the Census. Historical Statistics, p. 115. Este é o índice histórico
Warren e Pearson, que recebeu os nomes de George F. Warren e Frank A. Pearson,
de Comell University. Provou aos autores - e talvez a Franklin D. Roosevelt -
que os preços no atacado acompanhavam o preço do ouro e seriam aumentados
se o preço do ouro fosse elevado - ou seja, se a quantidade de ouro contida no
dólar fosse diminuída. (Ver o Capítulo XV.)
15 O índice dos salários diários médios (ponderados), tomando 19 de janeiro de
1961 = 100, era 134 em 1864, e 149 em 1865. U.S. Bureau of the Census,
Hàtorical Statistics, p. 90. Estes cálculos baseiam-se em informações limitadas.
Ao contráno dos preços, os salários não caíram muito após a guerra.
102 MOEDA

pelos homens para eliminarem a si mesmos, ésse desempenho não pode


ser considerado mau. A má reputação financeira da Guerra Civil resulta
da determinação dos historiadores posteriores e marcadamente conser­
vadores de provar que o que fora alcançado com algo tão contrário à
moralidade da moeda forte como os “greenbacks” só podia ser ampla­
mente insensato.

O que foi exposto acima refere-se ao ocorrido no norte. Argumentação


melhor ainda pode ser feita contra a administração monetária da Confe­
deração. No sul, o sentimento de que os horrores da guerra já eram sufi­
cientemente grandes sem os horrores da tributação foi decisivo. Os impos­
tos do governo confederado — um imposto de propriedade sobre as terras
e os escravos, um imposto sobre a exportação de algodão, que logo foi
anulado pelo bloqueio pela União — produziam receitas insignificantes.
Requisições de fundos eram feitas aos estados. Esses fundos eram repre­
sentados por moeda emitida pela Confederação em volume apropriado
para pagar suas despesas ou, com economia ainda maior, por moeda emi­
tida para essa finalidade e outras semelhantes pelos próprios estados.
Essas emissões, juntamente com empréstimos internos, é que financiaram
a guerra. Todas as emissões de notas confederadas somaram, até o final
da guerra, cerca de um bilhão de dólares; os empréstimos alcançaram
um terço dessa soma. Os preços elevaram-se durante toda a guerra — a uma
taxa de 10% ao mês até março de 1864. Um índice de preços para os
estados confederados do leste, usando os meses iniciais de 1861 como
base (igual a 100), chegou a 4.285 em dezembro de 1864, e a 9.211 no
mês de abril do ano seguinte, quando a guerra acabou. Os salários ficaram
muito atrás. Enquanto os preços eram 90 vezes mais altos em 1865 do que
em 1861, os salários, de acordo com cálculos feitos, tinham subido apenas
dez vezes.16 Os fiscais do controle de preços procuravam impedir aumen­
tos fixando tetos para produtos básicos. Numa ocasião, os jornais publi­
caram esses tetos ao lado dos preços que estavam sendo cobrados. As
notas e obrigações da Confederações perderam totalmente o seu valor
após Appomattox.
Nenhum estudioso sério defendeu este método de financiamento
de guerras. Mas, tampouco parou-se aí. “Os autores nortistas de incli­

16 Os dados de preços e salários são fornecidos por Eugene M. Lemer. “Money,


Prices and Wages in the Confederacy, 1861-65”, The Journal of Political Eco­
nomy, Vol. LXIII, N9 1 (fevereiro de 1955), PP- 20 e segs.
O GRANDE ACORDO 103

nação para o estudo de problemas econômicos algumas vezes atribuem


o colapso da Confederação ao seu papel-moeda..17
Sem dúvida, impostos diferentes e mais pesados poderiam ter sido
cobrados. Esses impostos também teriam permitido cobrir parte dos
encargos da guerra. O caos decorrente dos tremendos aumentos de preços
teria sido diminuído; a reputação de estabilidade e bom senso da Confe­
deração teria sido aumentada, e poderia admitir-se que o mesmo teria
ocorrido com o moral das tropas, não mencionando o dos trabalhadores.
Mas, ainda é preciso lembrar que um pequeno país novo, submetido a
um bloqueio, separado de suas fontes de produtos industriais, bem como
de seus mercados compradores, e lutando principalmente em seu próprio
território, sustentou um grande exército no campo - as estimativas variam
desde 600.000 até a improvável cifra de um milhão de homens - por
quatro anos. Foi um empreendimento formidável. Que o tenha feito com
recursos de apenas 37 milhões de dólares em dinheiro forte foi, no míni­
mo, um grande feito de prestidigitação financeira. O milagre da Confede­
ração, como o milagre de Roma, não foi o de sua queda, mas o de ter
sobrevivido por tanto tempo. Conta-se a história de um arqueólogo que
daqui a dez mil anos estará escavando as ruínas do que terá sido Nova
York e encontrará os remanescentes de um banheiro pago, identificando
a sua finalidade. Concluirá que a civilização terá malogrado porque algo
aconteceu de errado com a cunhagem. Os que atribuem o colapso da
Confederação ao seu papel-moeda pertencem à mesma corrente.
*

Nos trinta e cinco anos restantes do século, o partido da moeda forte


no grande acordo teve o seu poder aumentado significativamente. 18
A sua retirada na questão dos “greenbacks” terminou, e um contra-
•ataque foi repelido. Repelido foi também um novo ataque a favor da
prata. E, evidentemente, o benefício conseguido com a eliminação das
notas dos bancos estaduais foi mantido.
O resgate dos “greenbacks” foi iniciado em 1866 a um ritmo regular
de dez milhões de dólares nos seis primeiros meses, e mais tarde à taxa

17 Edward Channing. History of the United States (Nova York: Mcmillan Co.,
1925), Vol., VI. d. 411.
18 Certamente, estou fazendo uma condensação particularmente implacável das
controvérsias desse período. Para uma história rica em detalhes, o leitor deve
consultar Unger.
104 MOEDA

de quatro milhões por mês. Não foi uma política popular. As despesas
do governo, incluindo os custos do apoio aos regimes de reconstrução
no sul, ainda eram elevadas. E os preços estavam caindo. O preço do
trigo tinha continuado a subir após a guerra e alcançara 2 dólares e 94
cents em 1866. Em 1869, caíra a $2,54, e caiu quase um dólar a mais
no ano seguinte. O índice de todos os preços de produtos agrícolas, que
era 162 em 1864, caiu a 138 em 1868, e a 128 no ano seguinte. (Dez anos
mais tarde, era 72.)19 As dívidas hipotecárias dos agricultores haviam
subido durante a guerra; os soldados, agora fora do exército e reiniciando
atividades agrícolas em suas regiões de origem ou na fronteira oeste, esta­
vam entre os muitos que reagiram desfavoravelmente à queda de preços.
Os que assim foram afetados atribuíram a responsabilidade à retirada
dos “greenbacks”. Em 1868, com amplas maiorias em ambas as casas
do Congresso, a retirada foi suspensa e, em 1871 e 1872, o Tesouro,
contra a oposição dos partidários da moeda forte, autorizou um aumento
de alguns milhões. O ano seguinte foi um período clássico de pânico,
quando o povo recorreu em massa aos bancos para retirar o seu dinheiro.
Para suportar essa procura, houve uma nova emissão ainda maior. Em
1874, o Congresso aprovou legislação estabelecendo a expansão dos
“greenbacks” em circulação a um total permanente de 400 milhões de
dólares.
Isso foi vetado por Grant — “Não acredito em qualquer método
artificial que faça o papel-moeda equivalente ao metal, quando este não
existe ou não é oferecido para resgatar as promessas de pagamento.”20
A questão foi então conduzida ao eleitorado. Em 1876, surgiu o Partido
“Greenback” para defender o papel-moeda (e outras novidades finan­
ceiras, incluindo a supressão das novas notas dos bancos nacionais, que
se afirmava violarem o direito exclusivo e sagrado do governo para emitir
moeda), e na eleição para o Congresso de 1878 conseguiu mais de um
milhão de votos, elegendo quatorze congressistas. (Foi esta eleição que
trouxe para sempre à linguagem comum a distinção entre moeda fraca
e forte.) Enquanto isso, embora novas emissões de “greenbacks” tivessem
sido proibidas, a retirada também fora suspensa. A questão foi resolvida
deixando-se simplesmente que as coisas ficassem como estavam. A circu­
lação total de “greenbacks” foi fixada à cifra extraordinariamente precisa

U.S. Bureau of the Census. Historical Statistics, p. 115.


20 Davis Rich Dewey. Financial History ofthe United States (Nova York: Longmans,
Green and Co., 1903), p. 361.
O GRANDE ACORDO 105

de 346 milhões, 681 mil e 16 dólares. Aí permaneceu por muitas décadas,


tanto quanto se pode dizer. O ano de 1878 foi o ponto alto da causa
pró-“greenbacks”. A atenção voltou-se então à prata.
A prata, desde a antiguidade a mais forte das moedas fortes, agora havia
se tornado uma moeda fraca. Em 1867, como se recorda, os principais
estados europeus, reunidos em Paris, tinham decidido fazer do ouro
a reserva básica e única das suas moedas nacionais e o meio de pagamento
entre si. O que parecia bom para a Europa também foi tido como bom
para os Estados Unidos. Assim, em 1873, no que pareceu a todos uma
medida rotineira, o dólar comum de prata foi eliminado do processo de
cunhagem.21 (Um dólar mais pesado foi cunhado por alguns anos para
uso por comerciantes que transacionavam com o Oriente, onde a prata
ainda era exigida pelos que recebiam pagamentos.) E seis anos mais tarde,
em consonância com legislação prévia, os “greenbacks” sobreviventes
foram declarados conversíveis em ouro e somente ouro. E as notas dos
bancos nacionais, como eram conversíveis em “greenbacks”, também
tornaram-se inteiramente conversíveis em ouro. A retomada — a volta
a um padrão-ouro — foi conseguida com facilidade. Os preços estavam
agora de volta aos níveis anteriores à guerra.22 A rápida expansão da
indústria e da agricultura tinha tomado pequena a circulação do papel,
antes muito elevada em relação ao volume de transações. Portanto, agora
que era possível conseguir ouro, ninguém o queria; esse fato não gerou
muitos comentários.
Essa situação não perduraria. Os preços baixos que a tinham facili­
tado tanto não agradavam os agricultores. Enquanto isso, a adoção do
padrão-ouro na Europa havia forçado os governos (principalmente o da
Prússia) e aos bancos a vender sua prata por ouro. Em conseqüência,
o preço da prata caiu em relação ao do ouro. Na década de 1870, caiu
ainda mais em conseqüência de importantes descobertas de prata em

21 Embora os motivos ainda sejam discutidos. Há um ponto de vista influente que


afirma que, enquanto os habitantes do oeste nada perceberam, os defensores
do ouro sabiam muito bem o que significavam. Segundo as interessantes obser­
vações de Paul M. O’Leary. “The Scene of the Crime of 1873 Revisited: A Note”.
The Journal of Political Economy, Vol. LXVIII, N9 4 (agosto de 1960), pp. 388
e segs.
22 “O nível de preços de um modo geral inferior ... foi o fator que permitiu a
volta eml 879”. James K. Kindahi. “Economic Factors in Specie Resumption,
The United States, 1865-79”. The Journal of Political Economy, Vol. LX1X,
N9 I (fevereiro de 1961), pp. 30 e segs.
106 MOEDA

Nevada. Por metade de um século estando a prata acima do preço de


cunhagem, a Lei de Gresham tinha impedido que fosse cunhada, e havia
atraído o ouro em seu lugar. Agora, a prata era barata; chegara a sua vez
nas casas da moeda; porém, verificava-se agora que a legislação de 1873
a excluía. O dólar de prata não mais seria cunhado. A legislação de 1873,
tão pouco notada na época, passou a ser o crime de 73. Um financista
inglês, Ernest Seyd, havia subornado o Congresso a tomar essa medida.
Mais tarde, a conspiração foi exagerada, dizendo-se que havia sido o
trabalho de uma cabala de banqueiros judeus.23 Assim, à medida em
que a agitação em torno dos “greenbacks” recuava na década de 1880,
o contra-ataque da prata ocupava o seu lugar.
Politicamente, era muito mais forte. Os defensores dos “greenbacks”
lançaram um partido político. Os homens pró-livre circulação da prata
fizeram o mesmo — o Partido Populista. Mas, mais importante, capturaram
outro partido — o Democrata. A referência ao termo “livre” significa a
cunhagem livre ou ilimitada de prata à antiga taxa de 371,25 grãos por
dólar - uma taxa, não é preciso dizer, que envolvia um retomo em dólares
pela prata bem acima do que agora podia ser obtido no mercado. Com
371,25 grãos de prata por dólar e 23,22 grãos de ouro, o valor relativo
dos metais era o índice antigo (mas não histórico) de 16 por 1.
Os simpatizantes da livre cunhagem da prata obtiveram seus pri­
meiros progressos em 1878. Após a guerra, os partidários da moeda fraca,
enviados agora por estados mais novos do oeste, controlavam o Congresso;
os partidários da moeda forte invariavelmente elegiam o Presidente.
Em fevereiro de 1878, derrotando um veto do Presidente Hayes, o Con­
gresso ordenou a compra de dois a quatro milhões de dólares em prata
por mês ao seu preço de mercado. Essa prata deveria ser cunhada em
dólares ao peso antigo. Mais dólares surgiriam das casas da moeda do que
seria preciso para comprar a prata barata no mercado. Este lucro seria
do governo.
Os partidários de uma moeda forte esperavam que esta medida,
por mais insensata que a considerassem, pelo menos satisfizesse os propo­
nentes da circulação da prata. Infelizmente, estes permaneceram insatis­
feitos. A agitação continuou, não pela cunhagem de um volume limitado
de prata, mas de toda a prata que fosse oferecida. Ao sentimento de que
isto elevaria os preços não só da prata, mas dos produtos agrícolas em
geral, era acrescentado pelos proponentes da prata, homens bons e reli­
giosos, que a defesa da prata era a defesa de Deus. Nos anos seguintes,

23
(Jngcr, pp. 339-340.
O GRANDE ACORDO 107

Deus ficou profundamente envolvido na política monetária americana,


quaisquer que fossem os Seus desejos.
Em 1890, devido a tortuosas negociações entre os defensores de
tarifas mais altas e os partidários da prata, as compras do metal foram
liberalizadas ainda mais. As notas do Tesouro emitidas pela prata adquirida
eram resgatáveis em ouro ou prata, de acordo com a preferência do por­
tador. Como era de se prever, a Lei de Gresham começou a operar contra o
ouro. A prata era utilizada nas transações. Os portadores de notas do
Tesouro as resgatavam em ouro, que então retinham, ou enviavam e
usavam no exterior. A reserva de ouro do Tesouro decresceu, e em 1893
houve uma forte corrida aos estoques de ouro. Para restaurá-los, obrigações
do governo foram vendidas por ouro, mas o ouro assim recebido foi gasto
para resgatar notas que tinham sido emitidas para comprar prata.
A desgraça pode transformar-se em felicidade quando os homens são
suficientemente atentos para pôr a culpa em alguma coisa. O ano de 1893
oferece um bom exemplo. A corrida pelo ouro assumiu as proporções de
um pânico. O pânico tinha outras causas, incluindo, como sempre, a espe­
culação precedente. Entretanto, os partidários de uma moeda forte e os
seus porta-vozes atribuíram toda a culpa à prata, como o fez o Presidente
Grover Cleveland. Durante o verão de 1893, Cleveland convocou o Con­
gresso para uma sessão especial para impor o controle à prata. Com a elo-
qüente oposição de William Jennings Bryan, que era então membro da
Câmara de Representantes, e após um prolongado debate no Senado, o
submisso e assustado Congresso fez o que o Presidente queria.
Os partidários da prata não estavam ainda denotados. Em 1896,
levaram a questão ao eleitorado. Bryan, do ponto de vista dos partidários
da moeda forte, “insistiu insensatamente em fazer da questão da prata o
principal tema da eleição.”24 Perante a convenção do Partido Democrata,
emitiu o seu desafio imortal: “ ... responderemos à sua exigência por um
padrão-ouro dizendo-lhes: vocês não devem empurrar sobre a fronte do
trabalhador essa coroa de espinhos, não devem crucificar a humanidade
numa cruz de ouro.”25 Tendo anteriormente sido advertido da virtude da
prata, Deus agora aprendia que o ouro estava implicado, pelo menos sim­
bolicamente, na morte do Seu filho.

24 A. Bar to n Hepburn. A History of Currency in the United States (Nova York:


Macmillan Co., 1915), p. 378. O Dr. Hepburn, antigo controlador do Meio
Circulante, foi Presidente do Conselho de Administração do Chase National
Bank.

Studcnski e Kroos, p. 233.
108 MOEDA

Na eleição, Bryan foi derrotado decisivamente. O tempo tinha


produzido o seu resultado usual. Agora, o Meio Oeste era a favor de uma
moeda forte. Mckinley obteve 271 votos do colégio eleitoral contra 176.
O jornal World, de Nova York, declarou: “Desde a queda de Richmond não
tiveram os americanos patrióticos uma razão tão forte de júbilo ... a
honra foi preservada.”26
Em 1900, uma legislação adicional afetando a cunhagem e as notas
reafirmou ainda mais o compromisso com o ouro. Em conseqüência,
alguns puristas estabelecem esse ano como data da adoção do padrão-ouro
pelos Estados Unidos. Na verdade, a sua vitória já fora conseguida.
Houve, entretanto, um humor revelador na lei de 1900. Permitia
aos bancos nacionais, os bons bancos do “establishment”, a emissão de
notas até 100% do valor das obrigações do governo depositada no Te­
souro. Também cortou pela metade um pequeno imposto que havia sido
aplicado a essa circulação. O resultado foi um aumento imediato do
volume de notas em circulação, emitidas pelos bancos nacionais — subiu
mais de duas vezes nos oito anos seguintes. Todos os bons financistas elogi­
aram a medida como necessária para a expansão do comércio do país —
uma ação correta e benéfica. Sob a forma de “greenbacks”, certificados de
entrega de prata, ou notas do Tesouro entregues em troca de prata, todos
instrumentos indistinguíveis entre si, na realidade, essa expansão do meio
circulante era incorreta, insensata e imprudente — ou, de acordo com a
expressão do World de Nova York, altamente desonrosa e antipatriótica.
Nenhum princípio distingue os dois casos, somente a interessante asso­
ciação entre verdade e interesse financeiro respeitável.

26
Studenski e Krooss, p. 234.
Não pode ter havido uma época em que foi tão bom ser rico como os
últimos anos do século passado e a primeira década deste século. Não
havia imposto sobre a renda, pois o que fora cobrado durante a Guerra
Civil havia sido obliterado logo após o conflito. Havia um gritante con­
traste com a vasta maioria de pessoas muito pobres. Escrevendo em 1899,
Thorstein Veblen observou que a propriedade era então “o indício mais
facilmente reconhecido de um grau de sucesso respeitável, em contrapo­
sição à realização heróica ou destacada. Portanto, é a base convencional
de estima.”1 Com instinto seguro, os historiadores referem-se a esses anos
como sendo a Idade do Ouro.

1 Thorstein Veblen. The Theory of the Leisure Gass (Nova York: Macmillan Co.,
1899; Boston: Houghton Mifflin Co., 1973), p. 37. Existe tradução brasileira.
A teoria da classe ociosa, São Paulo: Livraria Pioneira Editora. 1965.
HO MOEDA

Com a mesma precisão, poderia ser chamada de idade de ouro. Pois


uma boa parte, se não a maior, da estima atribuída por Veblen à riqueza
devia-se à natureza da moeda. Se a moeda fosse fraca e de valor declinante,
mesmos os ricos sentiriam alguma incerteza quanto ao seu valor. As suas
mentes, como as de outros indivíduos, estariam voltadas para o dia em que
o seu dinheiro se desintegrasse, como aconteceu com as notas continentais
ou com o reichsmark. Podem ter uma estratégia para defenderem-se, mas
talvez ela falhe, e para que valerá o dinheiro então? Essa questão não surgi­
ria para o seu possuidor ou aqueles que poderiam denegri-lo, caso a moeda
fosse forte e eterna.
Até 1900, os preços tinham, de um modo geral, caído desde o final da
Guerra Civil. Os preços do trigo, do algodão e de outros produtos agrícolas
eram equivalentes à metade do que vigorava cem anos antes. Homens
sólidos podiam ter esperanças razoáveis de enriquecimento não só com a
acumulação de dinheiro, mas com um aumento contínuo do poder de
compra do que possuíam.
Para os ricos, essa época tinha ainda outras vantagens. Muitos pra­
zeres eram privilégio exclusivo dos ricos, e outros não os aspiravam - um
ponto importante, ao qual retomaremos no último capítulo. Um desses
prazeres era viajar. Somente os ricos iam à Europa; o proletariado fazia
apenas uma travessia do Atlântico rumo oeste, à América, e dadas as
circunstâncias graves desse movimento, era mais do que suficiente. Assim
como não era necessário passaporte, a menos que alguém se aventurasse
nas duvidosas regiões sob o domínio do Sultão ou do Czar, ninguém tam­
pouco preocupava-se com taxas de câmbio. O número de libras, shillings e
pence que podia ser conseguido com cem dólares era constante, tal como a
taxa à qual ambas as moedas podiam ser trocadas por ouro. Ignorando as
tarifas alfandegárias, havia uma grande uniformidade entre os preços de
produtos agrícolas quando convertido em libras esterlinas, francos ou
dólares. Nos tempos que antecederam o telégrafo sem fio, sinais feitos com
bandeiras em Land’s End ou outros pontos avançados instruíram os navios
carregados de cereais, que saíam do canal de São Lourenço, para dirigi­
rem-se ao Tâmisa, a Rotterdam, Antuérpia ou Hamburgo, de acordo com
pequenas diferenças de preço entre um porto e outro. Nada agora plane­
jado ou até imaginado para o Mercado Comum aproxima-se do sistema
monetário único e universal que então existia.
A capacidade dos ricos e dos seus acólitos de ver a virtude social
no que servia aos seus interesses e conveniências, e considerar ridículo
ou tolo o que não servia, nunca foi melhor manifestado do que em seu
apoio ao ouro e sua condenação do papel-moeda. A tendência paralela
O PREÇO 111

dos economistas de encontrar a virtude no que os indivíduos ricos e


respeitáveis aplaudem era igualmente evidente. Mas, havia ainda uma pre­
cisão e harmonia, bem como uma tendência unificadora, no funciona­
mento do sistema do padrão-ouro, que o recomendavam até àqueles que
não eram consciente ou sabiamente os servos dos ricos. 0 sistema simpli­
ficava e tornava seguras as relações entre as moedas de diferentes países e
dava aos países industriais e seus impérios uma única moeda. Era triste
saber que também tinha algumas falhas sérias, até fatais, que podiam inflin-
gir penalidades pesadas ao indivíduo comum e, à medida em que o tempo
passava, até aos ricos. Essas falhas eram particularmente sérias no contexto
do acordo monetário que vigorava nos Estados Unidos.
*
Em termos de classificação de formas de infortúnio econômico, é preciso
dizer algo a respeito de uma questão de nomenclatura. No transcorrer de
sua desastrosa odisséia, Pal Joey, a mais inspirada das criações de John
O’Hara, encontra-se cantando numa casa em Chicago em troca de bolinhos
e café. Explica o seu infortúnio dizendo que o pânico ainda persistia. O
seu termo — arcaico e ligeiramente pretensioso — reflete o ouvido infa­
lível de O’Hara. Durante o século passado e até 1907, os Estados Unidos
haviam tido pânicos, e isso, sem sentido de vergonha, era o modo pelo qual
eram chamados. Mas, em 1907, a linguagem estava se tornando, como a
maioria das coisas, um escravo do interesse econômico. Para minimizar o
choque à confiança, empresários e banqueiros tinham começado a explicar
que qualquer retrocesso econômico corrente não era realmente um pânico,
somente uma crise. Não eram inibidos pelo uso desse termo num contexto
ainda mais agourento — o da crise final do capitalismo — por Marx. Por
volta da década de 1920, porém, a palavra crise também tinha adquirido
a assustadora conotação do evento que descrevia. Assim, oferecia-se mais
segurança explicando que não se tratava de uma crise, somente de uma
depressão. Uma palavra bastante suave. Então, a Grande Depressão asso­
ciou as mais aterradoras desgraças econômicas a esse termo, e os semanti-
cistas econômicos passaram a explicar que não havia depressão em vista,
apenas uma recessão, na pior das hipóteses. Na década dos 50, quando
houve um modesto declínio, os economistas e as autoridades governa­
mentais uniram-se negando que se tratava de uma recessão — era apenas
um movimento lateral, ou um reajustamento. O Sr. Herbert Stein, o
amável indivíduo cuja difícil honra foi ser o porta-voz de Richard Nixon
para assuntos econômicos, teria se referido ao pânico de 1893 como uma
correção de crescimento.
112 MOEDA

O caráter desencantador dos eventos descritos como pânicos no


século passado e como depressões nos primeiros anos deste século não
pode ser posto em dúvida. Ocorreram em 1819 e, depois desse ano, em
1837, 1857, 1873, com menos intensidade em 1884, com grande seve­
ridade em 1893, e novamente em 1907. Houve outro em 1921, breve, mas
severo, e depois o mais drástico e duradouro de todos — iniciando-se em
outubro de 1929. Tão regular tinha sido a sua ocorrência que durante os
primeiros anos do presente século acreditava-se que um movimento siste­
mático e ondulatório era uma característica da vida e do desenvolvimento
econômicos. Era possível obter-se um título avançado em Economia espe­
cializando-se em ciclos econômicos, denominados apenas “ciclos” pelos
mais informados. Era um dos ramos da Economia mais misteriosos,
incertos, discutíveis e, portanto, eminentes.
Também havia, como era lembrado, a interpretação de Marx. Este
também considerara as crises normais, pelo menos numa sociedade capi­
talista. O poder produtivo progressivamente crescente retornava aos traba­
lhadores somente uma fração — e uma fração decrescente — do valor dos
bens por eles produzidos. Devido à incapacidade dos trabalhadores para
comprar o que produziam, e à tendência das poupanças dos capitalistas
de serem aplicadas numa expansão cada vez maior das fábricas e da pro­
dução, havia uma acumulação excessiva de estoques, lucros decrescentes, e
crises cada vez mais severas. Na crise final, o capitalismo atenuado pela
concentração nas mãos de poucos, seria destruído. Marx não era um nome
popular nos Estados Unidos, ou mesmo na Inglaterra, onde vivera e traba­
lhara. Mas, na Europa e em países de língua inglesa, em segunda ou terceira
mão, ou nos comentários dos estudiosos, persistia o pensamento de que
a sucessão de pânicos ou crises predizia o fim do capitalismo.2

A imagem usual do ciclo econômico era de um movimento ondulatório, e


as ondas do mar eram a metáfora mais aceita. Os preços e a produção
subiam gradativamente, depois com mais rapidez, alcançavam um ponto
máximo, e depois caíam. Media-se a duração do ciclo de crista a crista ou
de depressão a depressão; a imagem da onda, mais uma vez. A realidade no
século dezenove e no início do século vinte estava mais próxima dos dentes
de uma serra, com uma elevação gradativa de um lado, e uma queda ver­
tical do outro. Ou, se estivéssemos falando de uma onda, seria um caso
do crescimento demorado, seguido por uma quebra abrupta.

2 Por exemplo, na obra clássica de Wesley C. Mitchell. Business Cycles (Nova


York: National Bureau of Economic Research, 1928), pp. 8-9.
O PREÇO 113

Em todos os pânicos foi possível reconhecer alguns elementos cons­


tantes. Primeiro, havia uma expansão da atividade econômica. Esta normal­
mente concentrava-se em alguma forma dominante de investimento, que
reformulava a geografia econômica do país. Os canais foram o primeiro
objeto desse investimento; depois, com maior importância ainda, vieram
as ferrovias. Com a construção de canais e ferrovias, houve a expansão
para novas terras. Os preços subiam frcqüentemente, embora nem sempre.
Então, à medida em que o tempo passava, a expansão cedia lugar à
especulação, um termo que precisa ser entendido com alguma exatidão.
(Um atento observador de Boston notou, em 1840, que a especulação era
aquilo que, quando bem sucedido, é chamado empresa, e é uma coisa má
só quando fracassa.)3 A especulação concentra-se num ou em mais de um
dos ativos, reais ou financeiros, que constituem o ponto central da expan­
são em andamento. Em 1819, e novamente em 1837, isso aconteceu com
as terras, o que não foi surpresa. Em 1829, o governo vendeu, 1,2 milhões
de acres
* de terras públicas por 1,5 milhão de dólares, em grande parte a
negociantes que prontamente as revenderam a um lucro a indivíduos que
por sua vez as revenderam por ainda mais. Esses também foram os anos de
ouro da construção de canais. Houve um “boom” em serviços públicos de
melhoria — estradas, palácios do governo, escolas e algumas prisões — e
nos títulos que financiavam esses empreendimentos lucrativos.
Em 1857, o interesse especulativo havia voltado a sua atenção
para as estradas de ferro. E aí permaneceu até o fim do século. Nos anos
que precederam o pânico de 1873 e, mais uma vez, o de 1893, houve
grande “boom” na construção de ferrovias. Com ele houve especulação nos
títulos que as financiavam. Nada no século dezenove é mais extraordinário
do que o modo pelo qual os homens esqueciam a última débâcle de uma
ferrovia e começavam a perder dinheiro na seguinte. Outros objetos
menores de especulação também atraíram a atenção. Antes do pânico de
1873, havia ainda um mercado aberto para o ouro, cotado em “green-
backs”. Em 1869, Jay Gould, com Jim Fiske como seu agente, procurou
dominar o mercado do ouro — controlar o ouro com o qual os negociantes
tinham de cumprir as suas obrigações de fornecer o metal. O sucesso, para
esses notáveis salafrários, dependia da ausência de vendas de ouro pelo

3 R. Hildreth Banks, Banking and Paper Currencies (Boston: Whipple and Damrell,
4840). Citado por Samuel Rezneck. Business Depressions and Financial Panics
(Nova York: Greenwood Publishing Corp. 1968), p. 85.
* (N. do T.) Aproximadamente 486 mil hectares.
114 MOEDA

governo, o que Gould acreditava ter garantido ao comprar o cunhado de


Grant (e, portanto, o Presidente) além de uma ou duas autoridades menos
importantes. Os seus homens, porém, não foram capazes de manipular
Grant. O esforço falhou. No período anterior ao pânico de 1907, houve
um esforço amadorístico para dominar o mercado do cobre.
Em 1907, embora as ferrovias ainda fossem importantes, o interesse
especulativo estava voltando-se para ações ordinárias em geral. A depressão
de 1921 foi precedida, o que não era típico do período, por uma especu­
lação com terras e nos mercados de “commodities”. O grande mercado
comprador da década dos vinte novamente concentrou-se em ações ordi­
nárias. Em 1929, os horizontes infinitos da tecnologia haviam capturado a
visão otimista. E o mesmo tinha acontecido com a noção de que havia
uma forma peculiarmente onisciente de gênio financeiro a quem a tarefa
de adquirir riqueza especulativa podia ser delegada. Em conseqüência da
primeira crença, a RCA, uma empresa pioneira do que hoje chamamos de
eletrônica, foi um alvo favorito da especulação, embora jamais tivesse pago
um dividendo. A Seabord Air Line, que era considerada ppr muitos ino­
centes como a oportunidade de um passo de entrada na aviação, foi outra
empresa favorita, embora na verdade, fosse uma ferrovia. E a companhia
de investimento fechada, precursora do fundo mútuo, foi o artifício pelo
qual o gênio financeiro assumiu o controle da tarefa especulativa dos indi­
víduos de cupidez pouco inspirada. No fim da década dos vinte, houve
uma enorme multiplicação de companhias de investimento.
A especulação ocorre quando os indivíduos compram ativos, sempre
com o apoio de alguma doutrina racionalizadora, porque esperam que os
seus preços subam. Essa expectativa e a ação resultante então servem para
confirmar a expectativa. No momento, a realidade não é o que o ativo em
questão — as terras ou mercadorias ou ações ou companhia de investi­
mento — renderá no futuro. Ao contrário, é somente importante que
pessoas em número suficiente estejam esperando que o objeto de especu­
lação tenha o seu preço aumentado para que esse aumento realmente
ocorra, o que atrairá mais pessoas ainda para estimular a realização de
novas expectativas de aumentos adicionais.
Este processo possui uma simplicidade cristalina; só pode durar
enquanto os preços subirem seguramente. Se algo interromper seriamente
as elevações de preço, as expectativas pelas quais as elevações são susten­
tadas serão destruídas ou ameaçadas de alguma forma. Todos os que
detiverem o ativo com a expectativa de aumentos futuros — todos, menos
os ingênuos e os eminentemente otimistas, dos quais sempre há uma oferta
O PREÇO 115

considerável — procurarão abandonar o mercado. Seja qual for o ritmo da


elevação precedente, lento ou rápido, a queda resultante sempre será
abrupta. Daí a semelhança com a lâmina de uma serra ou o quebrar das
ondas. O mesmo ocorreu (piando a especulação e a expansão económica
que a acompanhava encerraram-se em todos os anos de pânico de 1819 a
1929.

Essa experiência teve ainda outros aspectos constantes. Embora os preços


em geral nem sempre subissem muito durante os períodos de “boom”, eles
sempre caíam significativamente durante e após os pânicos. Esta assimetria
decorria, em parte, do fato de que a tendência geral dos preços sempre foi
decrescente no século passado. O “boom” simplesmente sustava o declí­
nio. E então, durante o colapso subseqüente, a tendência declinante era
sensivelmente acentuada. EssaS reduções, especialmente de preços de
produtos agrícolas, eram de uma amplitude difícil de imaginar numa
época mais recente de grupos de pressão para a defesa dos interesses rurais,
legisladores sensíveis e esquemas de sustentação de preços. Em 1818, o
índice dos preços agrícolas era 117; em 1821, havia caído a 64. 0 trigo
em Cincinnati estava então a vinte e cinco cents a arroba, o trigo a dez
cents, e o uísque estava literalmente uma droga no mercado, a quinze
cents o galão. Entre 1836 e 1840, o índice de preços agrícolas caiu de
89 a 65, e posteriormente foi a 48, em 1843.4 E esses movimentos não
foram um fenômeno distante, quase arqueológico. De 1920 a 1921, em
apenas um ano, os preços dos produtos agrícolas caíram quase pela me­
tade. Entre 1929 e 1932, diminuíram ainda mais.
O efeito dos pânicos sobre o emprego urbano e a produção é muito
menos seguro do que o efeito sobre os preços. Os níveis de preço podiam
ser encontrados; os desempregados precisavam ser contados, e isso não foi
feito com qualquer grau de precisão até a Grande Depressão. Os anos ante­
riores a 1840, como disse o Professor Paul David,5 constituem um período
de trevas quanto a dados estatísticos. Nos anos de pânico, e depressão

4 U.S. Bureau of the Census. Historical Statistics of the United States, Colonial
Times to 1957 (Washington, D.C., 1960); p. 115 e segs. O índice, como foi
notado antes, é o de Warren e Pearson, sendo a base 100 o nível do período
1910-1914. As cotações em Cincinnati foram extraídas de Rezneck, p. 58.
5 P.A. David, “New Light on a Statistical Dark Age: U.S. Real Product Growth
before 1840”. In New Economic History, Peter Temin, ed. (Baltimore: Penguin
Brooks, 1973), pp. 44 e segs.
116 MOEDA

subsequente, o crescimento econômico certamente diminuía de velo­


cidade e talvez parasse, em alguns casos. Nada mais pode ser dito
com segurança.6
Entretanto, houve indícios amplos de sofrimento, embora subjetivos.
No verão de 1819, acreditava-se que 50.000 trabalhadores estavam desem­
pregados em Nova York, Filadélfia e Baltimore. Em Poughkeepsie, um
trabalhador engenhoso e independente, de nome John Daely, confessou-se
culpado pelo roubo de um cavalo, explicando que “não podia conseguir
emprego, e não podia pensar em qualquer outro plano tão imediato e
seguro que lhe proporcionasse um lar e um emprego estável.”7 O seu plano
teve êxito: foi condenado a oito anos. Um jornal, examinando a situação,
declarou que “pairam sobre nós trevas mais profundas dó que jamais vistas
pelos homens mais idosos. A última guerra foi um paraíso, comparada a
estes tempos.”8 Dezoito anos mais tarde, após o pânico de 1837, o New
York Herald concluiu que “os Estados Unidos nunca estiveram em situ
ação tão periclitante quanto neste momento.”9 Num espasmo de com­
paixão cavalheiresca, disse especialmente que “choramos e lamentamos
pelas pobres, enrubescidas, chorosas, indefesas, inocentes e belas
mulheres envolvidas por esta crise geral.”9 Todo pânico subseqüente
trouxe expressões semelhantes de tristeza e prosa quase igualmente
alarmante.
Os pânicos também introduziram o recurso a duas linhas de ação
compensadora que sempre foram muito populares, embora não haja
qualquer prova de jamais terem sido muito eficazes. Uma é tentar eli­
minar o infortúnio econômico afirmado que ele não existe. Em novembro
de 1820, um mês bastante negro, após a crise do ano anterior, o Presidente
Monroe informou o Congresso da situação “próspera e feliz” do país,
acrescentando que “é impossível observar espetáculo tão agradável e glori­
oso sem ser afetado pela gratidão mais profunda e reconhecida ao Supremo

6 Moses Abramovitz. “Resource and Output. Trends in the U.S. Since 1870”.
Occasional Paper 52 (Nova Yokr: National Bureau of Economic Reserarch,
1956), pp. 6-7.
7 Rezneck, p. 56, de onde também provêm as adivinhações sobre os níveis de
desemprego.
8 Rezneck, p. 56.
9 Ambas as citações são de Wilfred J. Funk, When the Merry-Go-Round Breaks
Down (Nova York: Funk & Wagnails Co., 1938), pp. 10-1.
O PREÇO 117

Autor de Todo o Bem por bênçãos tão numerosas e inestimáveis.”10 Na


época, o governo estava profundamente preocupado com a crise econô­
mica. Em março de 1837, enquanto as provações daquele ano terrível
estavam sendo sentidas, Andrew Jackson declarou, em seu discurso de des­
pedida: “Deixo este grande povo próspero e feliz.”11 Em junho de 1930,
Herbert Hoover foi visitado por uma delegação de homens de espírito
público, que pediam uma expansão de obras públicas para diminuir o sofri­
mento dos desempregados, que estavam alcançando os milhões.” ‘Cava­
lheiros’, afirmou o Presidente, ‘os senhores vieram sessenta dias atrasados.
A depressão já terminou.’ ”12 Levando-se em conta a sinceridade com que
ininterruptamente proclamavam o fim da inflação, o Sr. Nixon e os seus
economistas estavam atuando numa tradição mais antiga do que imagi­
navam.
A outra reação favorita é apelar ao refúgio religioso como substituto
de ações mais dispendiosas. Em 1837, um religioso zeloso aconselhou os
sofredores a usar o tempo de crise para “Depositar seu Tesouro nos Céus”,
acrescentando ainda que “Tudo isto pode ser feito mesmo com pequenos
rendimentos.”13 Em 1857, outro ano de crise, o Journal of Commerce
ofereceu conselhos semelhantes sob a forma aproximada de verso:

Roube um pouco de seu tempo de Wall Street


e toda preocupação mundana,
E gaste uma hora, durante o dia,
em oração humilde e esperançada.14

Em 1878, o Arcebispo Williams, de Boston, adotou a medida ainda


mais prática de fazer circular uma declaração às suas paróquias pedindo ao
povo que não reagisse aos seus temores correndo aos bancos para retirar

10 J. D. Richardson. A Compilation of the Messages and Papers of the Presidents.


1789-1908, Vol. II (Washington: Bureau of National Literature and Art, 1908),
pp. 74-5.
11 The Statesmanship of Andrew Jackson, Francis N. Thorpe, ed. (Nova York:
The Tandy-Thomas Co., 1909), p. 493.
12 Arthur M. Schlesinger, Jr. The Crisis of the Old Order (Boston: Houghton, Mifflin
Co., 1957), p. 231.
13 Rezneck, p. 84.
14 Robert Sobel. Panic on Wai Street (Nova York: Macmillan Co., 1968), p. 108.
118 MOEDA

seu dinheiro. Exatamente isso provocou corridas. Em outubro de 1907,


como passo culminante de sua tentativa de sustar o pânico desse ano —
manifestado por corridas às companhias de investimento e aos bancos de
Nova York — JJ *. Morgan, ele mesmo eminente membro de conselhos epis­
copais, convocou os principais religiosos da cidade ao seu escritório e
pediu-lhes que proferissem sermões encorajadores no domingo seguinte.
“Líderes religiosos de todas denominações concordaram em pintar quadros
animadores da situação naquele fim de semana.”15 Uma longa história,
portanto, antecede o Reverendo Dr. Peale e o Reverendo Dr. Graham, os
mais recentes expoentes do evangelho economicamente útil e socialmente
tranqüilizador.
Entretanto, houve fatores que distinguiram claramente os períodos
de “boom” e pânico de antigamente das desgraças posteriores. No século
passado, a força de trabalho urbana era relativamente pequena, e a força de
trabalho agrícola era enorme. No ano de 1820, após o pânico, 2,1 milhões
dos 2,9 milhões de trabalhadores que se estimava haver nos Estados Unidos
atuavam no setor agrícola. Cinqüenta anos mais tarde, em 1870, a força de
trabalho rural ainda era metade do total. À época da Grande Depressão,
representava menos de uma quarta parte.16 Na agricultura, em tempos de
crise econômica, os preços caem, os homens perdem suas fazendas aos
credores, mas quase ninguém fica desempregado. (Na depressão dos anos
de 1930, o emprego agrícola de certo modo aumentou, à medida em que a
população retirava-se das cidades). E no século passado as empresas urba­
nas eram mais parecidas com fazendas do que ocorre agora. A grande
sociedade anônima burocratizada ainda não havia reunido o poder neces­
sário para manter os seus preços. Os sindicatos ainda não tinham poder
suficiente para defender os níveis de salários. Assim, nas cidades os preços
caíam, o mesmo acontecendo com os salários, e em algumas indústrias os
salários caíam mais do que os preços. Era esta redução da renda monetária
da empresa e da renda real dos assalariados que, mais do que o desemprego
em massa, provocava dificuldades econômicas. Fazia com que a depressão
do século passado fosse uma coisa muito diferente do que veio a ser mais
tarde. Retomamos agora ao papel da moeda nessas crises.

É desnecessário dizer que os bancos forneciam o dinheiro que financiava a

15 Sobel, p. 315.
16 U.S. Bureau of the Census. Historical Statistics, p. 74. Mais uma vez, o leitor deve
lembrar-se de que as cifras mais antigas, embora suficientemente válidas em
termos de ordens de grandeza, antecederam à era de precisão estatística.
O PREÇO 119

especulação que sempre antecedia à crise. Os que compravam terras, mer­


cadorias, ou ações e dcbêntures de estradas de ferro solicitavam emprés­
timos aos bancos. À medida em que as notas e os depósitos resultantes
entravam em circulação, eles pagavam as aquisições especulativas de outros
indivíduos. Um fator contribuinte era o fato de que os bancos eram
pequenos e locais, e conseqüentemente podiam acreditar no que os especu­
ladores acreditavam, sendo envolvidos pela mesma convicção eufórica de
que os valores subiriam para sempre. O sistema bancário, tal como operava
no século passado e mais tarde, estava bem organizado para expandir a
oferta de moeda como exigia a especulação.
Os bancos e a moeda também contribuíam para a crise subsequente.
Uma constante adicional de todos os pânicos era a falência de bancos. Nos
pânicos anteriores, as empresas fictícias dos pântanos e das encruzilhadas
desapareciam, aliás, como os seus criadores sempre souberam que acon­
teceria. Em período mais avançado do século passado, as perdas conti­
nuaram, e foram mais pesadas ainda entre os bancos estaduais menores.
No pânico dos anos 1873 e 1874, 98 bancos suspenderam seus paga­
mentos, em comparação com apenas 29 nos dois anos precedentes. Em
1892, houve 83 suspensões, e 496 no ano de pânico que o seguiu. Em
1907 e 1908, 246 bancos fecharam. Depois de 1920, o verdadeiro mas­
sacre começou, e após 1929, chegou quase a uma situação de eutanásia.
Nos quatro anos iniciados em 1930, mais de nove mil bancos e banqueiros
morderam o pó.17
A falência de um banco não é um infortúnio econômico ordinário.
Como foi assinalado pelo Professor Friedman,18 não possui apenas um,
mas dois efeitos adversos sobre a atividade econômica: os proprietários
perdem a sua capacidade de comprar bens. Mas a falência (ou, por isso
mesmo, o temor da falência) também significa uma redução da oferta de
moeda. Não há mistério algum nisto. Um banco saudável faz empréstimos
e, em conseqüência, cria depósitos que, por sua vez, representam moeda.
Um banco que teme a falência está contraindo seus empréstimos e, conse­
qüentemente, seus depósitos. E o banco que tiver falido estará liquidando
os seus empréstimos e, portanto, os seus depósitos congelados não mais

17 U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics, p. 636 e segs.


18 Milton Friedman e Anna Jacobson Schwartz. A Monetary History of the United
States, 1867-1960. Estudo do National Bureau of Economic Research (Princeton
University Press, 1963), p. 353. Embora esse estudo tenha levado o Professor
Friedman a conclusões diferentes das aqui apresentadas, é um modelo de precisão
acadêmica ao qual devo muito, como todos dedicados ao estudo deste tema.
120 MOEDA

representarão moeda. A liquidação também afetará as reservas, os emprés­


timos, depósitos e, conseqüentemente, a oferta de moeda de outros
bancos.
Como foi notado, quando havia pânico no século passado, eram
especialmente os pequenos bancos estaduais que faliam. Isto era apenas
uma conseqüência do Grande Acordo. Os que desejavam uma moeda forte
a tinham, e dispunham de bancos grandes e seguros. As novas regiões
tinham as empresas muito mais livres que atendiam as suas necessidades
aceitando empréstimos e garantias muito mais duvidosas. As falências de
bancos inerentes a este sistema não eram preocupação do “establishment”
pró-moeda forte. Recordando uma reunião de banqueiros em 1931 para
discutir a maré crescente de falência de bancos, George L. Harrison, então
Governador do Banco Federal de Reserva de Nova York, observou que
“houve um momento èm que muitos de nós na cidade [isto é, em Wall
Street] acreditavam que os efeitos da falência de ... pequenos bancos
na comunidade podiam ser isolados. .”19 As coisas ficaram sérias, ele acres­
centou, quando ficou evidente que os grandes bancos de Nova York
também poderiam ser afetados pelo pânico que se alastrava.
Entretanto, muito antes de 1931, a separação entre os interesses
financeiros centrais e os interesses dos bancos do interior, que estava
implícita no Grande Acordo, já estava desaparecendo. Comunicações
melhores e a freqüência crescente de relações comerciais entre as diferentes
partes do país foram alguns fatores que contribuíram para isso. Em conse­
qüência de importância mais imediata, os bancos do interior tenderam a
manter depósitos crescentes nos bancos de Nova York e outras grandes
cidades. Quando os depositantes recorriam aos pequenos bancos pelo seu
dinheiro, os pequenos bancos recorriam aos grandes. Com isso, estes
últimos também sentiam a pressão.
Além disso, à medida em que o século dezenove terminava e cedia
o seu lugar ao século vinte, a especulação deixava de ser um fenômeno
local, tornando-se de âmbito nacional. A especulação com terras ocorreu
nas regiões agrícolas e de fronteira da colonização. O mesmo aconteceu
com a especulação que antecedeu ou seguiu-se à chegada das ferrovias. O
colapso dessa especulação afetou principalmente os bancos do interior.
A especulação em títulos, em contrapartida, foi uma atividade que envol­
veu os centros financeiros. Os empréstimos para a compra de títulos foram
feitos pelos bancos das grandes cidades. Esses bancos também subscre­
veram e compraram ações e debêntures. Quando os preços destas caíram

19
Friedman e Schwartz, p. 359.
O PREÇO 121

os bancos das cidades é que foram afetados, e seus depositantes alarmar-


maram-se e correram em busca do seu dinheiro.
Além disso, por volta do final do século, Nova York estava desen­
volvendo um novo tipo de banco, que refletia algumas das tendências
mais ousadas do oeste. Eram as companhias estaduais de investimento.
Estas companhias podiam ser constituídas para dedicar-se a uma varie­
dade maior de atividades do que os bancos estaduais ou nacionais —
administrar ativos para os ricos, registrar e transferir títulos de socie­
dades anônimas, atuar como avalistas de emissões de debéntures e admi­
nistradores de patrimônios. E eram controladas com muito menos rigor.
Assim, pouco surpreendentemente, tiveram um crescimento fenomenal. O
chefe de uma grande companhia de investimento, o Knickerbocker Trust,
envolveu-se profundamente na especulação com o cobre em 1907. Quando
esta bolha estourou, espalhou-se a notícia de que a Knickerbocker estava
em dificuldades. Os depositantes amontoaram-se em busca do seu dinheiro,
transformando as dificuldades em realidade, como sempre. Logo, outras
companhias, inclusive a Trust Company of America, que também estava
profundamente envolvida no caso do cobre, começaram a sentir falta de
dinheiro. O pânico de 1907, ao contrário dos anteriores, não veio do
interior: foi um produto novaiorquino.
Por esse motivo, foi muito mais sério. Não que o seu impacto sobre o
país fosse maior do que o de pânicos anteriores. Na verdade, era porque
o impacto exercia-se sobre pessoas muito mais importantes. Do sentido de
necessidade assim criado surgiu a pressão para a próxima medida impor­
tante no processo de mudança e reforma monetária, o Sistema Federal
de Reserva.

Bem antes de 1907, as dificuldades dos bancos das grandes cidades já


davam oportunidades para medidas oficiais. No ano de 1873, a retirada dos
até então pecaminosos “greenbacks” foi suspensa, e 26 milhões de dólares
foram relançados para fornecer reservas e eliminar tensões em Nova York.
Em pânicos subseqüentes, o Tesouro depositava fundos governamentais
para ajudar os bancos maiores a suportar as corridas. Em 1907, J. P.
Morgan, que é celebrizado por todos os historiadores como salvador da
Trust Company of America, após declarar que o pânico poderia muito bem
ser sustado ali mesmo, apelou ao Secretário do Tesouro, George B.
Cortelyou, para a realização de depósitos para salvar a Trust Company. Os
recursos subscritos para o resgate por outros banqueiros de Nova York,
incluindo Morgan, tinham sido insuficientes, Cortelyou não tinha permis­
são para depositar fundos públicos numa companhia de investimento. Isso
122 MOEDA

era apenas um detalhe: 35 milhões de dólares foram prontamente deposi­


tadas nos bancos nacionais e, com a mesma presteza, emprestados à Trust
Company of America. Ela conseguiu assim os fundos que persuadiram os
seus depositantes de que era uma companhia segura. Esses arranjos eram
especiais e incertos.20 Também careciam de compaixão. Em 1907,
quando Charles Barney, chefe da desesperadamente acossada Knicker-
bocker Trust, recorreu a J. P. Morgan em busca de ajuda, não foi recebido.
Barney matou-se com um tiro. Em parte para ajudar homens acossados
como Barney, mas mais para atender aos interesses de homens mais
importantes, os Estados Unidos ressuscitaram a idéia de um banco central
nos anos seguintes.

Em qualquer retrospectiva dos pânicos ou das crises do século passado,


repete-se a questão que preocupava a Comissão do Ouro. Obviamente, a
moeda tinha um papel. Era uma causa fundamental? Ou a moeda e os
bancos a ela associados eram apenas uma reação às tendências tipicamente
instáveis do crescimento no novo país?
Não há resposta fácil, embora isto não impedisse os historiadores de
apresentarem respostas. Os arranjos bancários e monetários do século
passado, como acabamos de ver, foram admiravelmente concebidos para
reagir à euforia, financiá-la, ampliá-la, e depois dar força ao colapso
subseqüente. Os bancos e a moeda podiam ser criados, sem controle
eficaz, para financiar a expansão e a especulação. Com a falência ou o
temor à falência, a contração de empréstimos e depósitos então tornava
ainda pior o dia do juízo final.
Mas também era essencial o impulso para tomar empréstimos,
investir, assumir riscos, especular. Se isso não existisse, nenhum banco
poderia ser responsável pela sua criação. No século dezenove, esse instinto
era altamente desenvolvido nos Estados Unidos, e por um bom motivo. Um
novo continente, rico em terras e matérias-primas, subitamente havia
ficado disponível para uso. A posse dos seus recursos proporcionava as

Não que tenha sido considerada uma função inteiramente especial ou acidental
do Tesouro na época. Leslie M. Shaw, que foi o Secretário de 1902 a 1907, via o
Tesouro explicitamente como um banco central. Ele achava que “nenhum banco
central ou governamental no mundo inteiro pode influenciar prontamente as
condições financeiras internacionais como o Secretário com a autoridade da qual
agora está investido.” Friedman e Schwartz, p. 150.
O PREÇO 123

receitas do seu uso. Também dava ao proprietário o aumento de valor da


propriedade que acompanhava esse uso. E essas oportunidades existiam
em grande escala.
O ato decisivo era deter a posse de alguma propriedade. E isto foi
propiciado pelos bancos. Assim, além de o sistema bancário ter sido
manifestamente concebido para permitir a expansão e a especulação,
também havia um poderoso incentivo para atrair pessoas aos bancos.
Ninguém pode afirmar o que era mais importante. Na Grã-Bretanha e na
França, também houve pânicos ou crises no século passado, como ocorrera
antes. Foram muito mais suaves do que nos Estados Unidos, e isto tem
sido comumente atribuído à maior maturidade e ao conservadorismo dos
seus instrumentos bancários e monetários. Esta explicação pode muito
bem ser válida. Mas algo deve ser atribuído à ausência de incentivos
semelhantes à expansão e à euforia. E essa idéia ganha força quando se
recorda que tanto na Grã-Bretanha quanto na França os maiores episódios
de euforia especulativa e colapso basearam-se no otimismo engendrado
pelas ilimitadas oportunidades que se supunha existirem nas Américas. A
Companhia do Mississipi, a Bolha dos Mares do Sul, o desastre de Darien, a
corrida do capital britânico à construção de canais nos Estados Unidos na
década de 1830, a repetida fascinação dos investidores britânicos pela
América do Sul, são apenas alguns exemplos dessa idéia.
O máximo que pode ser afirmado é que a facilidade de obtenção de
dinheiro junto aos bancos e o desejo de consegui-lo para fins especulativos
ou produtivos estavam intimamente interligados. Nos anos posteriores,
quando não houve mais a mesma perspectiva de ganho com a participação
no uso de novos recursos ou a posse de propriedades, as coisas ocasional­
mente foram muito diferentes. Os bancos tornaram-se então dispostos e
ansiosos para fazer empréstimos, criar depósitos e, desse modo aumentar a
oferta de moeda, e ninguém vinha a eles em busca desses empréstimos.
® sistema impecável

0 Sistema Federal de Reserva é tratado com reverência por quase todos os


economistas. Nenhum assunto é tratado com mais admiração - ou, em
termos mais amplos, com mais sucesso — na sua instrução aos jovens a
respeito da sutileza e bondade das instituições estabelecidas. As sociedades
anônimas são prejudicadas por um instinto para o monopólio. Os sindi­
catos interferem com o mercado, reivindicam restrições ao comércio, resis­
tem a novas tecnologias e, portanto, dificultam o progresso, e podem ser
vítimas de extersionistas e escroques. Os organismos reguladores de gover­
no são instrumentos sabidamente imperfeitos para a orientação da eco­
nomia. O Sistema Federal de Reserva não está inteiramente acima de
críticas. Comete muitos enganos, mas estes sempre são considerados como
interessantes erros do julgamento. Não são examinados com espírito crí­
tico, mas com respeito para descobrir onde os homens de visão erraram.
Para os economistas é impossível que alguém possa ser demitido ou seria­
126 MOEDA

mente advertido por tais erros.1 Essa aprovação remonta às origens da


instituição e pode ignorar totalmente as circunstâncias. O relato mais
lido das origens do Sistema fala com admiração do seu nascimento nas
últimas semanas de 1913, quando a Lei da Reserva Federal foi aprovada
pelo Congresso e assinada pelo Presidente Wilson. “Resultou do pânico de
1907, com a sua alarmante epidemia de falências de bancos: o país ficara
saturado, de uma vez por todas, com a anarquia do sistema bancário pri­
vado.”2 O Professor Samuelson, autor do resumo procedente, acrescenta
que o Sistema é conhecido pelos economistas com o apelido de “Fed”, e
que esta contração afetiva, embora repulsiva, não possui qualquer cono­
tação de desrespeito.
* Observa ainda que o efeito das decisões da prin­
cipal autoridade deliberativa do Sistema, a Comissão de Mercado Aberto,
torna os seus membros, com “exagero perdoável”, talvez “o grupo mais
poderoso de cidadãos privados da América.”3
A existência de conflito com as circunstâncias deve ter sido perce­
bido até pelos menos atentos. Como resposta aos grandes pânicos, o
Sistema era particularmente deficiente. Em 1920-1921, sete anos após o
estabelecimento do Sistema, houve uma crise severa, que se seguiu dez
anos mais tarde pela maior depressão de todos os tempos. Há muitos
indícios, não rejeitados, pela opinião profissional ortodoxa, de que a
política do Sistema tornou as coisas muito piores - que ajudou a financiar
a especulação precedente e ajudou a intensificar a contração subseqüente,
tanto em 1920-1921, quanto em 1929. Tampouco constituiu-se em antí­
doto melhor para uma epidemia alarmante de falências de bancos. Nos
vinte anos anteriores à fundação do Sistema, houve 1748 suspensões de
funcionamento de bancos; nos vinte anos que seguiram-se a esse evento

1 Um autor recente, Edward J. Kane, afirma que esta imunidade está enfraquecendo
— que os economistas nos últimos tempos têm reagido com mais intensidade à
“inépcia inevitável das intervenções [do Sistema Federal de Reserva) em mercados
específicos e à sua queda extraordinária para a tapeação’’. Ver o trabalho “All for
the Best: The Federal Reserve Board’s óOth Annual Report’’. The American
Economic Review, Vol. LXIV, N9 6 (dezembro de 1974), pp. 835 e segs. Jul­
gando, possivelmente, com base numa amostra menor de tais comentários, acre­
dito que o Professor Kane exagerou na sua conclusão.
2 Paul A. Samuelson, Economics, 8? ed. (Nova York: McGraw-Hill Book Co.,
1970), p. 272.
* (N. do T.) O autor provavelmente refere-se ao sentido de “fed”, como na exores-
são “fed up”, significando enfastiado, aborrecido, ou chateado.
3 Samuelson, pp. 272-73.
O SISTEMA IMPECÁVEL 127

que supostamente encerrara a anarquia do sistema bancário privado, houve


15.502.4
Assim como a limitação dos empréstimos bancários durante a fase
de “boom” é uma função básica de um banco central, o mesmo acontece
com a de fonte de última instância durante a depressão subseqüente.
Entretanto, durante a Grande Depressão não foi o Sistema Federal de
Reserva, mas a Reconstruction Finance Corporation, criada especialmente
para esse fim, que desempenhou tal função. E quando a instabilidade
bancária foi finalmente encerrada em 1933 - quando todos os bancos
foram subordinados a supervisão eficaz e os seus depositantes foram asse­
gurados, em conseqüência, de que poderiam ter o seu dinheiro quando
viessem buscá-lo — não foi o Sistema Federal de Reserva, mas a Federal
Deposit Insurance Corporation, uma instituição relativamente anónima e
inteiramente destituída de prestígio, que realizou essa tarefa. Na década
dos 30, descobriu-se que uma oferta abundante de fundos para emprés­
timo pelos bancos não garantia o seu uso. Em conseqüência, tornou-se
necessário ao governo fazer com que os gastos fossem assegurados, e não
simplesmente permitidos. Isso foi feito graças a seus próprios empréstimos
e desembolsos — através da política fiscal, e não da política monetária.
Uma depressão, quando servera, estava além do alcance do Sistema Federal
da Reserva.
Finalmente, houve a inflação. Em 1963, para comemorar o quin­
quagésimo aniversário da fundação do Sistema, o Conselho de Governa­
dores (como agora se chama) publicou (ou, mais precisamente, republicou)
um pequeno volume tratando de suas finalidades. “Hoje”, dizia, “é geral­
mente entendido que a principal finalidade do Sistema é estimular o cresci­
mento a altos níveis de emprego e com uma moeda estável.. .”5 Na
década seguinte, houve a mais severa inflação jamais ocorrida em tempo
de paz. A Comissão do Mercado Aberto, presumivelmente ainda o grupo
mais poderoso de cidadãos privados nos Estados Unidos, reuniu-se repe­
tidas vezes para discutir o problema. A inflação continuou. Quando perdeu
a sua força, o desemprego cresceu acentuadamente. O poder está naquilo
que pode fazer.
Nos Estados Unidos, há uma importante tradição em economia que
tende menos para o conservadorismo do que para um conformismo confor-

4 U.S. Bureau of the Census, Historical Satatistics of the United States, Colonial
Times to 1957 (Washington, D.C., 1960), p. 636.
5 Board of Governors of the Federal Reserve System. The Federal Reserve System;
Purposesand Functions (Washington, D.C. 1963), p.2.
I2H MOEDA

távd. Na Universidade de Harvard, alguma» vezes é chamada de Síndr/ma


de Behnonl o desejo dc numerosos membro» profissjonaJmcnte re'.pe>
lado» do corpo docente de Harvard dc deslocar-se de sua» casas, deixando
suas esposa» c a paz dc um subúrbio agradável por urn ey.ritór/>, um
computador ou uma »ala dc aula, wm qualquer perturbação ou dc^/Vo
rcsullaiitc dc controvérsia», crítica» ou mesmo qualquer pensamento rr/Á-
modo. Esta preferencia pelo conforto chocaw com <n fato» quando entra
cm conflito com o <pic é mais conveniente. O Síndroma de Belmont é uím
coisa natural c, indubitavelmente, inofensiva. Afinal, a vida académica
ccrtamcnte náo poderia »cr melhorada sc todo» o» »cu» participante» vm-
ti»scm uma compulsão para »acudir ou mudar o mundo. Alguém deve
ensinar o que comumcntc se acredita. Ma» também é essencial, agora que
estamos tratando do Sistema Federal de Reserva, reconhecer que por se>
senta ano» dc tem sido um beneficiário institucional importante do Sín­
droma dc Bclmont, ou seu equivalente ern outras organizações acadêmicas.
Quase todos os aspectos dc sua história devem ser encarados corn em mão
discriminatória quanto a tudo o que é comumente ensinado ou aceito.

Náo queremos dizer que as realizações do Sistema sejam insignificantes.


Algumas térn sido insuflcientemente louvadas. Nos primeiros anos do Sis­
tema, nas melhores áreas centrais das principais cidades americanas, ter­
renos de qualidade superior foram adquiridos, construindo-se prédios de
sóbrio estilo fiduciário clássico. Desde então, eles têm fornecido uma
impressão de sólida substância a centros financeiros outrossim secundários,
como Cleveland e Saint Louis. Na Inglaterra ou na França, somente a
capital possui tal centro de gravidade financeira; nos Estados Unidos, uma
dezena de grandes cidades são abençoadas com isso. Esses símbolos, em­
bora de pouca importância, não são desprovidos de significado. E nem
deve ser deplorada a sobriedade da arquitetura. A moeda, para a maioria
das pessoas, é uma coisa séria. Esperam que a arquitetura financeira reflita
essa qualidade sobriedade e seriedade, jamais leviandade e frivolidade.
0 mesmo, pode ser acrescentado, vale para os banqueiros. Os médicos,
embora vidas estejam ern suas rnâos, podem ser divertidos. Em Decline
and Dali, Evelyn Waugh apresenta até um médico profundamente embria­
gado. Um banqueiro engraçado é inconcebível. Nem mesmo Waugh pode­
ría tornar plausível um banqueiro bêbado.
O Sistema Federal de Reserva também colocou em funcionamento
um método altamente eficiente de compensação e conversão de cheques.
Antes, quando o cheque de um banco era levado a outro, automaticamente
era cobrado uma taxa um pequeno imposto, na verdade, sobre qualquer
O SISTEMA IMPECÁVEL 129

gasto de dinheiro. Com o Sistema, o pagamento por meio de cheque


tornava-se efetivamente livre. Um passo pequeno, mas claramente útil.
Finalmente, desde os seus primeiros dias o Sistema Federal de Re­
serva estabeleceu uma reputação sem precedentes de honestidade. Jamais
algum funcionário foi preso por roubo ou desfalque, embora algo deva
ser atribuído ao fato de que tão poucos manipulam ou jamais veem o
dinheiro real. E os funcionários raramente foram suspeitados, se é que
isso jamais aconteceu, de usar o seu conhecimento das intenções do Sis­
tema para seu proveito pessoal. Mais uma vez, parte disso pode ser atri­
buída ao número limitado de pessoas que têm acesso a tais informações
e ao fato de que os conhecimentos que oferecem oportunidades de lucro
são muito mais limitados do que comumente se imagina. Recentemente,
funcionários subalternos dos Bancos Federais da Reserva de Boston e
Filadélfia foram presos por embolsarem notas velhas que deviam destruir.
A eles ocorreu, nada ilogicamente, que essas notas ainda poderiam ser
usadas. Ainda persiste, porém, o fato de que os padrões de honestidade
no Sistema são admiravelmente severos.6
Quanto ao resto, nos seus primeiros anos o. Sistema foi uma vítima
dos seus problemas de parte legislativo. O planejamento do Sistema movi­
mentou ambas as partes do artigo acordo. Os que desejavam um banco
central cederam o suficiente aos antigos oponentes do poder financeiro
centralizado para que a nova estrutura tivesse um poder difuso, de méto­
dos e finalidades incertos. Assim o Sistema Federal de Reserva perma­
neceu até a década dos 30, quando as oportunidades inerentes à adminis­
tração da moeda e, portanto, ao banco central como instituição entraram
em declínio.

Em 1908, seguindo-se ao pânico, o Congresso aprovou a Lei Aldrich-


-Vreeland. Nos anos precedentes, quando pessoas atemorizadas acorriam
aos bancos, os últimos tinham ocasionalmente emitido certificados provi­
sórios - literalmente, promissórias ao portador - para compensar os seus
saldos com outros bancos e com os seus credores mais confiantes.
Deste modo, os bancos tinham sido capazes de reservar o seu dinheiro
mais aceitável para os depositantes mais exigentes. A nova legislação
regularizou esses arranjos. Os bancos receberam permissão para unirem-se

6
Quanto à confirmação de minha impressão sobre a honestidade do pessoal do
Sistema, sou grato a meu colega Andrew Brimmer, até bem pouco membro do
Conselho de Governadores do Sistema Federal de Reserva.
130 MOEDA

e emitir uma moeda de emergência. Isto poderia ser feito com a garantia de
diversas obrigações c empréstimos comerciais - que, na verdade, podiam
ser transformados cm dinheiro sem serem vendidos. Um imposto
asseguraria a retirada desta moeda auxiliar uma vez vencida a fase de
emergência. A lei foi invocada apenas uma vez - no início da guerra
de 1914. Outro artigo mais importante da lei criava uma Comissão
Monetária Nacional para conceber um procedimento permanente para
minimizar ou contrabalançar o efeito de pânicos e, além disso, propiciar
um sistema monetário estável.
Assim, apropriadamente surgiram dois organismos para estudar a
administração da moeda nos Estados Unidos, um para cada uma das par­
tes do velho acordo. A primeira, a recém-mencionada Comissão Mone­
tária Nacional, estava sob a chefia do Senador Nelson W. Aldrich, de
Rhode Island. Um homem gentil, cortês e de aspecto profundamente sena­
torial, Aldrich estava declaradamente comprometido com altas tarifas,
moeda forte, livre atuação dos grandes banqueiros e todas as demais me­
didas que, com razoável certeza, aumentassem a riqueza ou o poder dos
que já eram ricos, uma comunidade que claramente incluia o próprio
Aldrich. Essa identificação tinha sido recentemente reafirmada pelo casa­
mento de sua filha Abby Aldrich com John D. Rockefeller, Jr., uma união
lembrada nos tempos atuais pelo nome de Nelson Aldrich Rockefeller.
Aldrich, nos primeiros anos do século, era geralmente tido como o homem
mais influente no Senado. Lincoln Steffens, que preferia uma expressão
forte a uma definição precisa, e chamava de “patrão dos Estados Unidos.”7
Sob a direção de Aldrich, vários estudos de instituições monetárias dos
nstados Unidos e, mais particularmente de outros países, foram encomen­
dados aos profissionais em Economia, que então começavam a surgir. É
pelo menos possível que a reverência dos economistas pelo Sistema Federal
de Reserva deva-se um pouco à circunstâncias pela qual muitos dos pio­
neiros desta profissão também participaram do nascimento dessa insti­
tuição.
O estudo concorrente, que foi iniciado um pouco mais tarde, era
encabeçado pelo Representante Arsene Pujo, do estado da Louisiana. A
orientação ativa foi proporcionada por Samuel Untermyer. O seu propó­
sito era examinar as operações do truste do dinheiro — o poder cinzento
localizado em Nova York, e cujo fortalecimento suspeitava-se estar sendo

7 Lincoln Steffens. The Autobiography of Lincoln Steffens (Nova York: Harcourt,


Brace and Co., 1931), p. 507.
O SISTEMA IMPECÁVEL 131

promovido por Nelson Aldrich. O ponto mais alto do esforço de Pujo


e Untermycr ocorreu cm 18 de dezembro de 1912, com a convocação,
para a cadeira de testemunha em Washington, do então idoso J.P. Morgan.
Embora velho, Morgan sabia o valor de ater-se a uma única afirmação,
por mais improvável que fosse, c apegar-se a ela. O dinheiro, disse ele à
comissão, não era a fonte do poder. O caráter, sim. Desta afirmação ele
não pode ser afastado, embora isso não fosse acreditado pelos partidários
rurais do velho acordo.
As audiências da comissão Pujo constituíram um alerta às tropas;
foi do estudo de Aldrich que surgiram as propostas concretas. Em 1910,
antes de estar muito avançado o trabalho da Comissão Monetária Nacional,
Paul M. Warburg, dono de um banco de investimentos em Wall Street,
homem de personalidade forte e original e grande sentido de indepen­
dência — duas décadas mais tarde incorreria na ira de Wall Street ao
advertir, praticamente sozinho, contra a insanidade e o risco elevado do
mercado excessivamente especulativo - havia apresentado um projeto para
um único banco central. A ele dava o nome de United Reserve Bank.
Graças a este projeto e ao seu trabalho posterior no primeiro Con­
selho do Sistema, Warburg tem sido chamado, com muita justiça,
de pai do Sistema. O seu projeto, porém, foi tristemente modificado
por Aldrich.
Este último, quando chegou a hora de introduzir um projeto de lei,
tomou providências para enfrentar a antiga oposição dos Democratas -
declarada e repetida por anos em plataformas do partido - a toda e
qualquer proposta de criação de um banco central. A sua idéia era flan­
quear a oposição apresentando não apenas um, mas vários bancos centrais.
E a própria palavra banco seria evitada. Em 1912, ele introduziu um
projeto de lei para instituir uma Associação Nacional de Reserva, junta­
mente com quinze associações regionais. Estas manteriam as reservas - os
depósitos dos bancos participantes. A elas os bancos recorreriam em busca
de empréstimos, inclusive a salvação em caso de emergência. Tudo estaria
solidamente sob o controle dos banqueiros que as formassem. Era uma
concepção fatídica. A oposição aceitou a idéia regional. Foi então capaz
de excluir a idéia de uma autoridade nacional ou central de manutenção
de reservas. Também foi capaz de amenizar o controle das instituições
regionais, com as quais concordara, por parte dos banqueiros. Aceitou
que as instituições resultantes fossem chamadas de bancos. Daí surgiu a
forma básica do Sistema Federal de Reserva.
Entretanto, a legislação final não foi o trabalho de Aldrich e seus
colegas republicanos, mas dos democratas. Talvez não pudesse ter sido
132 MOEDA

de outro modo. Nenhum aspecto da política americana — e, em parte,


da política anglo-saxônica - é tão certo quanto a tendência dos políticos
para primeiro tornarem-se cativos e depois agentes de sua oposição. Em
conseqüência, as iniciativas mais importantes não são tomadas por aqueles
que originalmente mais as apoiam. Aqueles que são capturados por uma
idéia temem demasiadamente os seus oponentes. A ação ocorre quando
a oposição reconhece a necessidade da medida e deseja desarmar os propo­
nentes originais. Na década de 1960, os democratas liberais nos Estados
Unidos manifestaram-se insistentemente pela paz e pela amizade inter­
nacional, mas continuaram com a Guerra Fria e mergulharam o país na guer­
ra do Vietnam. Fizeram isso em parte pelo temor de serem considerados apa­
ziguadores e cripto-comunistas pela direita. Richard Nixon, tendo creden­
ciais impecáveis como soldado da Guerra Fria, levou o país à paz e ao
ajuste com Moscou e Pequim, e retirou as nossas tropas do Vietnam,
embora muito lentamente. Assim, ele flanqueou a sua oposição liberal em
termos de política exterior. Quando o Professor Milton Friedman propôs
uma renda garantida para os pobres, isso foi considerado (muito correta­
mente) como um ato de imaginação criadora. Quando uma administração
republicana a propôs ao Congresso, representou uma marca de estadismo
conservador. Quando George McGovem, disputando a eleição para Presi­
dente, apresentou uma variante próxima em termos ligeiramente mais
generosos, ela foi condenada pelos conservadores como sendo o sonho de
um maníaco em questões fiscais. Como conhecidos e irredutíveis defen­
sores do dólar, os republicanos foram capazes, no início da década de
1970, de desvalorizá-lo não uma vez, mas duas. Para qualquer pessoa
suspeita de uma atitude mais flexível em relação à integridade do dólar,
tal medida teria sido extremamente perigosa.
Assim foi em 1912. Woodrow Wilson, ao tornar-se Presidente,
rapidamente aceitou a visão da oposição de que um banco central era
necessário. A oposição, tendo feito a concessão de aceitar não um, mas
vários bancos centrais, fez com que isso se tornasse o marco de referência.
Em 1913, o Presidente convocou uma sessão especial do Congresso para
promulgar a lei. Ainda foi uma longa batalha. Os homens de Bryan apa­
receram mais uma vez com várias propostas imaginativas, incluindo uma
emissão de “greenbacks” no valor de 200 milhões de dólares, para emprés­
timos aos produtores de algodão, trigo e milho, e fundos semelhantes
para o comércio em geral e obras públicas. Também desejavam que a lei
reservasse uma vaga para um lavrador ativo no Conselho do Sistema. Mas,
William Jennings Bryan era agora o Secretário de Estado, uma idéia enge­
nhosa para coptar a sua atuação para o “establishment”. Algumas das
O SISTEMA IMPECÁVEL 133

propostas bryancscas foram aceitas - principalmente as que limitavam o


papel dos banqueiros no novo Sistema. Outras foram derrotadas pelas
propostas mais conservadoras do principal patrocinador do projeto de lei,
o Representante Cárter Glass, de Virgínia. Algumas das propostas, incluin­
do a dos fundos especiais para os agricultores, foram abandonadas pelo
próprio Secretário de Estado. Uma proposta para uma forma elementar
de seguro dos depósitos apoiado pelos lucros do Sistema foi abandonada
*
em conferência entre as duas câmaras, por insistência do Representante
Glass.
Dois dias antes do Natal de 1913, Woodrow Wilson assinou a lei que
criava o Sistema Federal de Reserva (Federal Reserve Act). Não previa
um banco central, mas até doze — o número posteriormente escolhido.
A orientação de Washington seria exercida por um Conselho de
sete membros, dos quais o Secretário do Tesouro e o Controlador
do Meio Circulante seriam membros ex officio. Os poderes do
Conselho eram tênues. Na verdade, a idéia regional havia triunfado,
e a autoridade real pertencia aos doze bancos. Cada um deles seria
dirigido por um conselho de nove diretores, seis dos quais seriam
escolhidos pelos bancos-membros, ou participantes, embora somente
três deles pudessem ser banqueiros. Os três restantes deveriam ser
nomeados por Washington. A American Bankers Association, analisando
a perda de direitos de seus membros e o papel aparentemente ponde­
rável do governo no Sistema, declarou: “Para os que não acreditam
em socialismo, é muito difícil aceitar...”8
No décimo dia do mês seguinte de agosto, nos escritórios do Secre­
tário do Tesouro, William Gibbs McAdoo, o primeiro Conselho tomou
posse. Ao contrário dos que se seguiriam, era um grupo de considerável
distinção. O primeiro Governador foi Charles S. Hamlin. Dentre os mem­
bros estavam W. P. G. Harding, de Birmingham, Alabama, Warburg,
Frederick A. Delano, que mais tarde ficaria famoso como o tio de Fred
de Franklin Delano Roosevelt, e A. C. Miller, um professor de Economia
da Universidade da Califórnia. Miller estava fadado a proporcionar vinte e
dois anos a partir da fundação. Woodrow Wilson, em sua visão das perspec­
tivas, foi mais positivo do que os banqueiros. Escreveu a McAdoo que “um

♦ (N. do T.) Reunião conjunta de comissões da Câmara e do Senado para conciliar


as versões de uma lei, aprovadas em cada casa do Congresso.
8
Paul Studenski e Herman E. Krooss. Financial History of the United States
(Nova York: McGraw-Hill Book Co., 1952), p. 258.
134 MOEDA

novo dia raiou para o amado país cuja duradoura prosperidade e fdidd^^
tão sinceramente desejamos.’’9

Os dispositivos detalhados da lei, tal como foi finalmente aprovada, <xrr;bí.


naram arranjos comparativamente simples a algumas esplêndidas irtror<;v
sões de concessões ilógicas à ala agrária do velho acordo nacional.
Exigia-se que todos os bancos nacionais fizessem parte do Soterra;
os bancos estaduais de reputação mínima também tiveram permi;-^
para fazer parte. (Os bancos nacionais foram encorajados a entregar as
obrigações que tinham garantido as suas emissões de notas, embora eeta
operação não fosse completada antes de 1935.) A taxa de inscrição dcn
bancos-membros, como daí para a frente seriam chamados, era de do
seu capital, metade permanecendo disponível mediante chamada. Er.e
investimento, por sua vez, era o capital do Banco Federal de Reser.a
local. O retomo sobre este capital era limitado; estava inteira e sabiamerite
claro, desde o início, que o Sistema não deveria ser testado quanto à sua
capacidade de obter lucro. Os bancos-membros eram obrigados a manter
um nível mínimo especificado de reservas contra os seus depósitos, e pelo
menos um terço dessas reservas devia ser mantido em depósito no Banco
Federal de Reserva. As reservas podiam ser de ouro, o equivalente do ouro
em certificados de verso amarelo, emitidos pelo Tesouro em troca do ouro
entregue à casa da moeda ou de qualquer outra forma ao governo, cu
podiam ser formadas pela salada de moedas então existentes — “green-
backs”, certificados de prata, as notas do Tesouro da experiência de 1 *90
- todas então portadoras do cognome honroso, “moeda legal”. A natureza
da moeda ilegal, excluindo-se as notas falsificadas, nunca era indicada.
Toda a moeda legal era, evidentemente, conversível em ouro em qualquer
banco, a qualquer momento, e a vista. As reservas dos bancos-membros
passaram a ser os depósitos dos Bancos Federais de Reserva.
A principal recompensa pela participação no Sistema era a capaci­
dade para tomar empréstimos, por necessidade ou desejo de lucro, junto
ao Banco de Reserva. A garantia para tais empréstimos era representada
por crédito comercial ou agrícola a curto prazo, os chamados títulos ou
notas comerciais. Estes, nos primeiros anos do Sistema, adquiriram mística
formidável como base apropriada dos empréstimos de um banco central.
Assim como o empréstimo tomado pelo cliente de um banco-membro
assumia a forma de um depósitos desembolsável na conta desse cliente,

9 Citado em Benjamin Haggott Beckhart. Federal Reserve System (Nova York:


American Institute of Banking, 1972), p. 134.
O SISTEMA IMPECÁVEL 135

também a tomada de empréstimos por um banco-membro constituía


um depósito transferível ou retirável pelo banco-membro no Banco de
Reserva. Esta tomada de empréstimos pelos membros, nessa época como
sempre, recebeu o nome de redesconto; a taxa de juros cobrada era (e con­
tinua a ser) a taxa de redesconto. Em lugar de um depósito, o banco-mem­
bro poderia tomar notas - notas do Sistema Federal de Reserva. Como
concessão aos velhos defensores do papel-moeda governamental e, tam­
bém, à ainda mais antiga desconfiança cm relação aos bancos, essas notas
representavam obrigações do próprio governo dos Estados Unidos. Por isso
mesmo, como qualquer exame pode mostrar, as notas do Sistema Federal
de Reserva agora não são assinadas por um diretor do Banco Federal de
Reserva ou do Sistema como um todo, mas conjuntamente pelo Secretário
do Tesouro e pelo político que goza do título de Tesoureiro dos Estados
Unidos, que não fosse por isso seria totalmente desconhecido. Por alguma
razão, há muito tempo tem sido considerado boa coisa que esse funcio­
nário inútil seja uma mulher.
Contra os seus depósitos, cada Banco Federal de Reserva foi obri­
gado a manter uma reserva de 35% em moeda legal. Contra as notas, do
Sistema, foi obrigado a conservar uma reserva de 40% em ouro ou certi­
ficados representando depósitos de metal no Tesouro. Daí para a frente,
o Sistema seria o local de depósito de fundos públicos. Foi autorizado a
negociar com obrigações governamentais. Ao contrário do Banco da
Inglaterra, os Bancos Federais de Reserva não podem transacionar direta­
mente com o público. Houve muitos outros detalhes na lei, quase todos
sem importância.

O velho acordo, como vimos, tinha dado à comunidade financeira os


bancos sólidos e a moeda forte que desejava. À fronteira da colonização
e ao meio rural tinha permitido as atividades bancárias livres que, não sem
razão, os agricultores consideravam benéficas aos seus interesses. Foi aí,
nos pequenos bancos do interior, que a anarquia existiu; foi aí que os
mais ambiciosos tomadores de empréstimos eram atendidos e criavam-se
depósitos com base em reservas pequenas ou exíguas. Nesta área, para
pôr fim à anarquia de uma atividade bancária privada instável, segundo as
expressões do Professor Samuelson, o novo Sistema precisaria ser bastante
duro. Em contraste, podia-se confiar nos bancos das grandes cidades
quanto à sua responsabilidade, até certo ponto, de manter reservas razoa­
velmente adequadas. Mesmo no pânico de 1907, embora o seu epicentro
fosse Nova York, foram as novas companhias de investimento que entra­
ram em dificuldades, e não os grandes bancos comerciais.
136 MOEDA

Os pequenos bancos do interior é que foram tratados pela lei da


Reserva Federal com a mais impressionante falta de lógica. Diferenciou
segundo o tamanho das cidades a reserva de moeda legal que os bancos
deveriam manter contra os depósitos - 18%, 15% e 12%. Mas, para os
bancos que por mais de um século tinham sido os mais descontrolados
- os bancos do interior - impôs a exigência mais baixa - 12%. Nos gran­
des e relativamente conservadores centros financeiros — Nova York,
Chicago, Filadélfia e suas melhores aproximações — a exigência foi a mais
alta - 18%. Nas outras regiões, nas cidades médias, era de 15%. Quase
ninguém mencionou a principal razão para este arranjo, que continua até
hoje, embora em versão modificada. A atividade bancária casual, ou até
perigosa, era muito favorecida pelos bancos que a ela se dedicavam - e por
aqueles que, como cem anos antes, haviam desejado muito obter os
empréstimos. Tivessem os bancos do interior ficado sujeitos às mesmas
exigências de reserva dos bancos das cidades ou dos grandes centros
metropolitanos, eles não poderiam ter se filiado ao Sistema. Assim, foi
reconhecido que o velho acordo exigia que continuassem atuando à sua
maneira. As reservas eram mais elevadas nos bancos conservadores das
grandes cidades pois, sendo conservadores, eles já mantinham proporção
mais alta de reservas.
Mas, por mais adequada que fosse a estratégia, ela não funcionou.
Os bancos do interior ainda tinham a alternativa de não se filiarem ao
Sistema. E este foi o caminho que a maioria deles escolheu. O Sistema
Federal de Reserva tornou-se, na prática, o sistema bancário dos bancos
maiores. Em 1929, quinze anos após a fundação do Sistema, quase dois
terços (65%) de todos os bancos ainda não estavam filiados. Esses dois
terços, porém, tinham menos de um terço de todos os recursos bancários.
O Sistema era um clube dos grandes e fortes.

Nas discussões que antecederam a aprovação da lei da Reserva Federal,


repetiu-se muito um conceito mágico. Foi feita referência a um meio
circulante elástico. Cárter Glass declarou, durante o debate sobre a lei,
que “o meio circulante baseado na dívida da nação [a lei dos Bancos
Nacionais] é absolutamente insensível às necessidades da economia da
nação.”10 O título da lei, quando foi promulgada, proclamava o objetivo

10 Citado em “Economic Decision - Making Through the Political Process;The U.S.


Federal Reserve Act: A Case Study,” por William J. Raduchel (trabalho não
publicado). Agradeço a meu amigo e antigo assistente por colocar esse excelente
estudo à minha disposição.
O SISTEMA IMPECÁVEL 137

— “propiciar um meio circulante elástico.” Esta expressão contribui muito


para afastar as suspeitas dos interesses agrários. Elástico sugeria algo
flexível, fraco. Algo semelhante era o que tinham buscado há muito
tempo na oferta de moeda. Se era elástica, não podia ser ruim.
Infelizmente, elasticidade era uma palavra com diversas interpre­
tações.11 Os que a usavam raramente faziam uma pausa para esclarecer
o seu significado. Portanto, elasticidade podia significar a capacidade de
sustentar um grande aumento dos empréstimos com base numa pequena
ampliação de reservas. Neste sentido, havia muita elasticidade. Se um dos
bancos regionais adquirisse de um banco central estrangeiro um novo
depósito de 1.000 dólares em ouro (para o que estava autorizado), podia,
obedecendo às exigências de reserva, suportar empréstimos adicionais
de 3.000 dólares aos seus membros. Os fundos assim tomados se tornariam
depósitos, ou seja, reservas dos bancos-membros. Para os bancos das
grandes cidades, com a sua reserva obrigatória de 18%, este aumento de
reservas podia sustentar uma expansão cinco vezes maior dos empréstimos
e depósitos resultantes.12 O aumento de 1.000 dólares no Banco de
Reserva, oriundo de alguma fonte externa podia, em princípio, significar
mais 15.000 dólares em depósitos — dinheiro para gastar — nos bancos-
-membros. Isto, sem dúvida, era elasticidade. Era maior, evidentemente,
para os bancos menores.
Várias coisas interpunham-se no caminho da teoria, impedindo que
os quinze mil dólares fossem efetivamente alcançados. Como os Bancos
Federais de Reserva não visavam lucro, não estavam estimulados a ter o
maior volume de empréstimos possível, ganhando os juros máximos
permitidos pelas suas reservas. Um afluxo de ouro, de acordo com a
prática dessa época, não iria a um Banco Federal de Reserva, mas um dos
grandes bancos-membros. A sua capacidade de sustentar novos emprés­
timos e depósitos contaria com o potencial simples de expansão de qual­
quer acréscimo dos seus saldos de caixa. Não poderia ter o efeito composto
de uma adição às reservas do Sistema Federal de Reserva. Mas mesmo

11 Um aspecto realçado pelo Professor Friedman. Conforme Milton Friedman e


Anna Jacobson Schwartz. A Monetary History of the United States, 1867-1960.
Estudo do National Bureau of Economic Research (Princeton: Princeton Univer-
sity Press, 1963), p. 189 e segs.
12 Incluindo o tempo necessário e a exigência de que os bancos-membros parti­
cipem em geral do processo de expansão. Se apenas expandir-se, seus depósitos
serão tranferidos a outros bancos sem um fluxo recíproco de expansão dos
outros.
138 MO! DA

esta elasticidade era maior do que a permitida pela legislação de b,uu<»s


nacionais precedente. Se houvesse um substancial afluxo de ouro do
exterior, o que poderia resultar da necessidade do financiamento da
guerra ou da busca de abrigo por um europeu rico, a expansão final dos
empréstimos e depósitos podia ser bastante grande. Haveria inflação
dentro de um sistema de padrão-ouro bastante sólido.
Essa expansão podia ser sustada pelos Bancos Federais de Reserva.
Como foi observado, podiam manter os seus empréstimos aos bancos a
níveis inferiores aos permitidos pelas suas reservas. E, através da venda
de títulos, podiam transferir numerário (por exemplo, o ouro do exterior
que acabamos de mencionar) dos bancos-membros e das reservas destes
últimos aos seus próprios cofres. Assim, o potencial de expansão ficaria
reduzido pela ação deliberada das autoridades do Sistema Federal de
Reserva. A contrapartida de um meio circulante elástico era, portanto, um
poder discricionário muito mais amplo do banco central - exatamente o
que os proponentes da elasticidade mais temiam. Nos trinta anos subse-
qüentes, um grande afluxo de ouro tornaria esse poder discrionário em
tudo, menos uma questão puramente académica.
A elasticidade tinha outro significado; era a capacidade de trocar
facilmente um tipo de moeda, depósitos bancários, por outro, o dinheiro
vivo. Isto, por sua vez, tinha dois aspectos. Antes da aprovação da lei que
criou o Sistema, havia uma necessidade sazonal de mais dinheiro para
pagar produtos agrícolas quando eram colocados no mercado. Numerosos
agricultores, juntamente com outras pessoas, preferiam ser pagos com o
que lhes parecia ser dinheiro mesmo, e não com um cheque emitido
contra um depósito. Esta procura sazonal exigia que os depósitos fossem
convertidos em dinheiro; isto esgotava as reservas de caixa dos bancos.
Para atender a procura, os bancos algumas vezes tinham que promover
a liquidação antecipada de alguns empréstimos, ou, mais provavelmente,
emprestar menos do que gostariam. Não há indícios de que esta pressão
sazonal fosse muito mais do que um simples inconveniente; entretanto,
era o tipo de problema que podia ser percebido pela mente financeira
mais estreita. Com o novo Sistema, os bancos-membros podiam obter
notas dos Bancos Federais de Reserva, de acordo com as necessidades,
contra a garantia de seus empréstimos comerciais. Essas notas eram admi­
ravelmente satisfatórias às pessoas que queriam ser pagas em dinheiro.
Quando essas notas eram redepositadas num banco estadual, atendiam
exatamente à mesma finalidade. À medida em que os agricultores pagavam
as suas dívidas ou gastavam as suas notas, estas voltavam às maos de
pessoas que preferiam depósitos a dinheiro. Sendo relativamente pouco
O SISTEMA IMPECÁVEL 139

importante, o problema da elasticidade sazonal foi resolvido com bas­


tante rapidez, como acontece com a maioria dos problemas sem impor­
tância.
Mas a elasticidade na troca de um tipo de moeda por outro tinha
um aspecto mais tradicional e muito mais importante. Era a possibilidade
dessa troca durante as ocasiões tensas e entristecedoras em que as pessoas
acorriam aos bancos em busca do dinheiro que estes não possuíam. Este
problema, acima de todos, deveria ser resolvido pela lei que instituíra o
Sistema Federal de Reserva. Para alguns dos menores bancos-membros,
poderia ter piorado o problema. Como tomadores em situação de emer­
gência, eles não eram muito bem recebidos no seu amigo na praça, o
Banco Federal de Reserva. Os seus títulos freqüentemente eram encara­
dos, com desconfiança, e algumas vezes com razão. E como a lei Lhes
havia dado a possibilidade de fazer um volume superior de empréstimos
com base numa reserva de fundos do que era permitido anteriormente
— ou seja, a primeira forma de elasticidade — a necessidade de tal socorro
pode muito bem ter sido aumentada. Além disso, os pequenos bancos
estaduais não eram membros do Sistema. Eram também os bancos que,
por bons motivos, eram mais vulneráveis ao temor de insolvência
e à consequente corrida de depositantes. Quando essa corrida acontecia —
quando um número excessivainente grande de seus depositantes
procuravam trocar seus depósitos por dinheiro — o único recurso
desses bancos, como sempre, era fechar as suas portas e abandonar as
suas atividades.

Quando o novo Sistema começava a funcionar, os Estados Unidos estavam


entrando em guerra. Faz parte do cliché favorito dizer que essa foi a
primeira crise do Sistema, e que a enfrentou bem. Isto é besteira. Os
Bancos Federais de Reserva compraram obrigações do governo e ajudaram
a venae-las na medida das necessidades do Tesouro e a taxas
de juros especificadas pelo Tesouro. Em tempo de paz, empréstimos
a cidadãos privados podem ser recusados. Empréstimos públicos
não podem, em tempo de guerra. Quando as suas taxas são estabe­
lecidas e são especificados os volumes das compras de títulos públicos,
um banco central deixa de ter poder independente. O Sistema iniciou
a sua vida como um anexo rotineiro do Tesouro, um papel que não
exigia qualquer iniciativa.
Enquanto isso, ficou cada vez mais evidente que o Sistema tinha
um defeito estrutural básico. A idéia regional, por mais admirável que
fosse no atendimento das necessidades locais de orgulho e ambição arquite-
140 MOEDA

tônica e para afastar as desconfianças dos interesses rurais, era essencial-


mente impraticável.
Nos primeiros dias, os bancos regionais levaram a sua autonomia
a sério; isto foi especialmente verdade no caso do Banco Federal de
Reserva de Nova York, que sob a liderança de um diretor ambicioso e
prestigioso, Benjamin Strong, acreditou que a sua localização junto à
própria Wall Street o tomava o primeiro entre desiguais. Enquanto isso,
como autoridade de coordenação, o Conselho do Sistema em Washington
era prejudicado pelo poder muito tênue que a ele havia atribuído a lei
criadora do Sistema. Também carecia de prestígio e, com o tempo, tam­
bém deixou de ter competência.
Os membros do Conselho eram funcionários públicos remunerados
aos níveis de vencimentos do governo. Os diretores dos Bancos Federais
de Reserva, por outro lado, eram banqueiros, e recebiam vencimentos de
banqueiros. (Nos primeiros anos, dois presidentes do Conselho deixaram
o posto para serem presidentes de Bancos Federais de Reserva, obtendo
com isso vencimentos duas vezes mais altos.) Numa época em que os
homens eram medidos pelo que ganhavam, a influência residia na remu­
neração e posição do banqueiro.
Além disso, havia a crença, endêmica em todas as atitudes políticas
americanas, de que um especialista adquire essa condição ao ser nomeado
para a posição apropriada. À medida em que os membros originais che­
gavam ao final dos seus mandatos ou continuavam, o Conselho do Sistema
tomou-se presa cada vez mais fácil dessa doutrina. Na década dos 20, o
Presidente Harding nomeou como presidente do Conselho um indivíduo
chamado Daniel R. Crissinger, também de Marion, Ohio. Crissinger havia
treinado para o posto atuando como vizinho e amigo de Harding e como
consultor jurídico de uma empresa de escavadoras a vapor. Permaneceu
nesse posto até 1927. Os outros diretores da segunda geração, que asses­
soraram Crissinger, foram descritos nas memórias de Herbert Hoover como
“mediocridades”.
Além disso, em seus primeiros anos o Conselho tinha uma visão
limitada dos instrumentos de controle ao seu comando. Frequentemente,
podia conseguir um acordo dos bancos regionais quanto a uma elevação
ou redução da taxa do redesconto que considerasse prudente, ou sobre a
qual o Presidente Strong já tivesse decidido anteriormente. Por alguns
anos, não absorveu adequadamente a natureza da medida auxiliar repre­
sentada pelas operações de mercado aberto.
lito não é um mero detalhe. As operações de mercado aberto, como
O SISTEMA IMPECÁVEL 141

se recorda, envolvem a venda ou a compra de títulos públicos.13 Uma


venda coloca esses títulos nas mãos dos bancos-membros ou de seus clien­
tes, e põe o dinheiro em que são pagos nos cofres do Banco Federal de
Reserva. O dinheiro assim transferido reduz as reservas dos bancos-mem­
bros, e isto exige que restrinjam os seus empréstimos ao público ou tomem
empréstimos do Banco Federal de Reserva à nova taxa, superior, de redes­
conto. Assim, são as operações do mercado aberto que geralmente tornam
eficaz o uso da taxa de redesconto. Ao deixar de reconhecer a impor­
tância das operações de mercado aberto, o Conselho negava a si mesmo a
maior parte do poder disponível a um banco central.
Em 1935, como parte de uma reforma geral, a experiência regional
foi abandonada. A administração Roosevelt, mais declaradamente descon­
fiada do poder financeiro do que a de Wilson, fmalmente deu ao país um
só banco central. As funções dos Bancos Federais de Reserva regionais
tornaram-se, como observou o Professor Friedman, mecânicas e apenas
de assessoria.14
É notável que esta desentronização nunca tenha sido reconhecida.
Os doze bancos regionais e os seus edifícios sobrevivem como filiais.
As suas tarefas mecânicas são úteis e vastas principalmente a compen­
sação de cheques, a movimentação rotineira de fundos e a administração
das transações financeiras governamentais. Mas o mito de autonomia e
importância também sobrevive. Um folheto publicado em 1917 pelo
Banco Federal de Reserva de Richmond, Virgínia, a unidade que sustenta a
dignidade daquela que foi a capital da Confederação, mostra o Conselho de
Administração, com todos os seus nove membros, deliberando em torno de
uma mesa adequadamente sólida, numa sala apropriadamente decorada.
Um homem próximo à máquina fotográfica está vestindo um casaco
esporte; fora isso, tudo está em ordem. Entretanto, com relutância e indi­
retamente, o texto reconhece a verdade. Os diretores, como é explicado,
não estabelecem dividendos, não controlam a política de investimento,
não supervisionam operações, como o termo poderia significar. (Nem
mesmo, embora isto não seja dito, nomeiam funcionários ou fixam venci-

13 Letras, notas e obrigações do governo. As operações de mercado aberto também


incluem a compra e venda de divisas estrangeiras. Uma excelente descrição mo­
derna pode ser encontrada em Sherman J. Maisel, Managing The Dollar (Nova
York: W.W. Norton and Co., 1973), p. 35 e segs. O Professor Maisel foi por alguns
anos membro do Conselho do Sistema Federal de Reserva. O seu livro é o melhor
exame de suas operações de dentro para fora.
14 Friedman e Schwartz, p. 190.
142 MOEDA

mentos.) Eles “estabelecem, sujeito à aprovação do Conselho de Diretores


[do Sistema], as taxas de desconto que os Bancos de Reserva cobram
pelos empréstimos aos bancos-membros.” Esta é uma maneira difícil de
dizer que a taxa de redesconto também está sob o domínio exclusivo da
autoridade central. Na lista de funções desse sóbrio corpo deliberativo
em Virgínia, permanece somente uma que pode ser considerada categórica.
Os Diretores do Banco Federal de Reserva de Richmond “fornecem aos
funcionários do Sistema considerável volume de informações locais sobre
as condições da economia.”15 Como Richmond está a apenas 109 milhas de
Washington, as estradas são boas, o serviço telefônico é excelente, e os
seus jornais estão imediatamente disponíveis, caso seja desejado, o volume
de tais informações não existentes em Washington não pode ser muito
grande. Os livros-texto, sem exceção, ajudam a sustentar o mito regional.
Nova York pode ser o centro financeiro. Washington, a capital. Mas,
orientação importante é dada, por Kansas City. Talvez haja alguma utili­
dade em perpetuar a lenda, aumentando o orgulho local, mesmo às custas
da verdade. Mas a verdade e a realidade possuem as suas exigências, e
estas são as de que a concessão de Aldrich ao interior era impraticável
e foi desfeita nestes quarenta anos.

M Robert P. Black. The Federal Reserve Today (Richmond: Federal Reserve Bank
of Richmond, 1971), p. 7.
zfl queda
r------- ----------- ---- ------------

Com a criação do Sistema Federal de Reserva, a prolongada luta dos


Estados Unidos para aperfeiçoar uni sistema monetário sensato e conser­
vador estava finalmente encerrada. Em qualquer país industrial, a moeda,
de qualquer tipo, era agora conversível em ouro, sem falsidade ou demora.
A prata destinava-se apenas para galvanização. Era especialmente impor­
tante que o americano, um dos povos mais descuidados e com tendência
para experiências no que diz respeito à moeda, dos mais desconfiados
sempre que o ouro era mencionado, tivesse fmalmente chegado a uma
solução, embora com muita relutância. Tinham no Sistema Federal de Re­
serva um instrumento para fazer tudo o que um estado moderno precisava
fazer com a sua moeda — monopolizar a emissão de notas, controlar os
empréstimos bancários e a resultante criação de depósitos, e fornecer aos
bancos os empréstimos de socorro de última instância. É verdade que o
Sistema Federal de Reserva foi prejudicado pelo acordo que permitiu o
seu nascimento. Mas isto, incluindo a incerteza quanto à localização do
poder, se com o Conselho do Sistema em Washington ou com os doze
Bancos Federais de Reserva — ainda não havia sido descoberto. A idéia
144 MOEDA

de um banco central descentralizado — doze bancos centrais, cada um


atuando com alguma medida de independência indefinida em relação a
seus colegas e a Washington — ainda não parecia contraditória. Ao con­
trário, parecia uma idéia aberta e democrática, apropriada à democracia
aberta que seria atendida pelos bancos. E, como já foi observado, as defi­
ciências do Sistema Federal de Reserva não eram, como o não aparecimento
do carteiro, coisas a serem condenadas. Nos Estados Unidos, como em outros
países, os burocratas ordinários são criticados por seus erros. Em geral,
os diplomatas e os diretores do banco central são estimados por seus
erros. Se os erros forem espetacularmente desastrosos, como, por exem­
plo, os do falecido John Foster Dulles no Departamento de Estado,
ou do falecido Benjamin Strong, do Banco Federal de Reserva de Nova
York (acredita-se que Strong tenha contribuído eficazmente para a crise de
1929), a sua posição na estima do público poderá tomar-se ainda mais se­
gura. Terão deixado uma marca na corrente peculiarmente elegante da his­
tória. Em 1914, após 2.500 anos de experiência e muitos erros (e nos Esta­
dos Unidos, mais de um século de controvérsia amarga e confusa), podia
parecer que a moeda fosse, num certo sentido, um assunto encerrado.
Todos os historiadores rejubilam-se com a estranha coincidência
de acontecimentos importantes. Acredita-se que alivia o leitor do tédio,
mostra o quão sensível o autor é ao paradoxal, e sugere até ao menos
religioso dos leitores que u’a mão benigna, maligna ou divertida, está
em controle das coisas, em última instância. Nenhum historiador poderia
ter ficado mais satisfeito com os eventos do verão de 1914. Em 10 de
agosto, enquanto os membros do novo Conselho do Sistema Federal
de Reserva reuniam-se na sala do Secretário do Tesouro MacAdoo para
serem empossados em seus novos postos, os canhões de agosto estavam
soando. Estavam assinalando o final do sistema monetário do qual os
novos bancos podiam ser considerados como o passo culminante.
Não é surpreendente que os membros do novo Conselho não perce­
bessem isso. Em qualquer caso, o presente tinha exigências mais premen­
tes. Os membros do Conselho estavam envolvidos com o Secretário
McAdoo numa disputa por espaço no escritório - temiam que os seus
escritórios então situados no prédio do Tesouro os tomassem subser­
vientes a esse departamento. Também estavam profundamente preocu­
pados com a sua posição no sistema de precedência social de Washington.
Nesta escala, tinham sido postos abaixo tanto da Comissão de Comércio
Interestadual quanto da Comissão do Serviço Público Civil. Para diretores
de um banco central, isto era chocante. A indignidade gerou uma recla­
mação ao Presidente Wüson, que não se mostrou muito simpático a eh;
A QL'EDA 145

clc disse apenas que “eles poderiam vir logo depois do corpo de bom­
beiros.”1 Os jornais, porém, referiam-se obsequiosamente ao Conselho
corfio “a nova Suprema Corte das finanças.”

Com o irromper da guerra, os principais participantes industriais — Ale­


manha, França, Grã-Bretanha, Áustria — suspenderam os pagamentos em
espécie. Ou seja, as notas e os depósitos não mais podiam ser convertidos
em ouro; esses países estavam abandonando o padrão-ouro. Nos Estados
Unidos, embora fosse admitido o não-envolvimento, a mesma ação era
proposta e bastante discutida. O argumento para o abandono do padrão-
ouro parecia óbvio: por cem anos, os europeus, mas principalmente os
ingleses, tinham investido nos Estados Unidos. Em conseqüéncia, uma
ampla carteira de títulos americanos — talvez no valor de 6 bilhões de
dólares - pertencia a residentes no exterior.2 Se qualquer parte apre­
ciável disto fosse liquidada em dinheiro, as reservas de ouro americanas
logo desapareciam. (O Sistema Federal de Reserva começou suas ope­
rações naquele outono com somente 203 milhões de dólares em ouro
nos seus cofres.) Era melhor segurar o ouro disponível.
Em resposta aos temores de tal liquidação e aos cálculos da rapi­
dez com que o estoque de ouro dos Estados Unidos seria exaurido pelos
vendedores que exigissem dinheiro, os títulos foram jogados no mer­
cado de Nova York nos primeiros dias nervosos da guerra. E as receitas
foram convertidas, juntamente com outros saldos, em libras esterlinas
ou ouro. Em conseqüéncia, o dólar caiu do seu nível normal de $4,87
por libra ao fenomenal nível de $7,00 a libra. Dólares podiam ser conver­
tidos em ouro como antes, e o ouro podia ser enviado a Londres, onde
podia comprar libras mais ou menos ao velho preço. Essas libras podiam
então ser usadas de novo em Nova York para comprar $7,00, e não
$4,87, para nova conversão em ouro. Aí estava um lucro verdadeiramente

1 William Gibbs McAdoo. Crowded Years (Boston: Houghton Mifflin Co., 1931),
pp. 287-88.3
3 Paul Studenski e Herman E. Krooss. Financial History of the United States (Nova
York: McGraw-Hill Book Co., 1952), p. 281. Outras estimativas, como a de Ale­
xander D. Noyes {The War Period of American Finance, [Nova York: G.P. Put­
nam’s Sons, 1926], p. 60), são algo inferiores.
14b molda

maravilhoso. 0 ouro começou a sair para a compra de libras de acordo


com esse processo, embora a idéia de perda com a ação dos submarinos
alemães e os assaltos ao comércio tivessem um efeito profundamente debi­
litante sobre os embarques. Imobilizando o ouro, este temor foi respon­
sável pela manutenção da libra a nível tão alto. Outro caminho era suge­
rido, o fechar da Bolsa de Valores de Nova York e, com isso, impedir a
liquidação dos títulos mantidos no exterior. Isto foi feito.
A providência dos especialistas financeiros foi, como ocorre com
tanta freqüência, uma péssima orientação para o futuro. Quando a Bolsa
de Valores de Nova York fechou, as transações deslocaram-se para a ma
(Wall Street), no que os operadores mais respeitáveis chamaram de Mer­
cado Fora da Lei. A Bolsa indignadamente proibiu a seus membros transa­
cionar com os fora-da-lei. As transações continuaram. Em outubro, os
fora-da-lei mais empreendedores estavam emitindo folhas datilografadas
apresentando os preços de fechamento, e logo notou-se que- estes não
eram muito diferentes dos que vigoravam no momento em que a Bolsa
havia sido fechada. Evidentemente, os investidores europeus estavam
tendo segundos e mais favoráveis pensamentos sobre a liquidação dos seus
investimentos num país que parecia estar tão seguramente remoto da luta.
E essa luta, agora se percebia, era uma verdadeira chacina, e com a consi­
derável probabilidade de ser prolongada. Em dezembro, a Bolsa reabriu.
Nada aconteceu. Os cálculos em relação ao ouro também foram cance­
lados. 0 Banco da Inglaterra, enquanto isso, tinha aberto uma agência no
Canadá para receber ouro e assim eliminar o risco de transporte oceânico.
Mas, agora, o ouro começava a entrar, e não a sair. O fluxo de ouro era
uma verdadeira enchente. Logo, os Estados Unidos tinham mais ouro do
que qualquer país jamais havia possuído - o aumento foi de 1,5 bilhão
de dólares, no final de 1914, a 2,0 bilhão ao final de 1915, e a 2,9 bilhões
no fim de 1917.3 Era uma enchente com duplo efeito. Destruiu o padrão-
-ouro nos países dos quais saía e também no país em que entrava.

Parte do ouro veio para depósito e custódia; parte para ser investido em
títulos americanos; mas, a força básica do fluxo era a necessidade de pro­
dutos americanos pelos países beligerantes. Numa era de agricultura socia­
lista e compras de trigo pela União Soviética, é necessário fazer um esforço
mental para lembrar que a Rússia já foi uma importante fonte de trigo para3

3 Avaliado a 20 dólares e 67 cents a onça. U5. Bureau of the Census, Historical


Siatistics of the United States, Colonial Times to 1957 (Washington, D.C., 1960),
p 649.
A QUEDA 147

a Europa. Agora este mercado estava cortado, e os Estados Unidos torna­


ram-se importantes fornecedores de cereais. Também eram necessários
navios, chapas blindadas e, acima de tudo, munições. Em 1915, estava
evidente que os participantes, em particular a Grã-Bretanha, jamais pode­
riam suprir-se da infinidade de bombas que, segundo os modernos con­
ceitos da tática militar, precisavam ser lançadas através da terra de ninguém
antes de uma ofensiva ou mesmo ao acaso, num dia tranqüilo. Ao assumir
o posto de Ministro das Munições em maio de 1915, Lloyd George come­
çou a fazer encomendas em qualquer quantidade que os seus compradores
achavam que podiam ser atendidas.
Alguns desses suprimentos foram pagos com a apreensão e venda nos
Estados Unidos dos títulos americanos que antes se havia pensado po­
derem ser jogados no mercado pelos seus assustados proprietários. O gasto
desses recursos não envolveu qualquer movimento de ouro. Em princípio,
deve-se notar que esses empréstimos estavam disponíveis a ambos os lados.
Na prática, os britânicos controlavam os oceanos. Assim, tornavam impos­
sível aos seus inimigos transportar qualquer quantidade apreciável dos
produtos que os empréstimos permitissem comprar; portanto, os alemães
e os austríacos não podiam contar com os empréstimos permitidos por esta
política de tratamento equitativo. Em conseqüência, William Jennings
Bryan foi levado ao último dos seus muitos atos de inconveniência pública.
Afirmou que tais empréstimos aos ingleses eram incoerentes com qualquer
posição de neutralidade estrita, como Wilson havia exigido, tanto em
termos de pensamento quanto de ação. Por esta aberração ele foi severa­
mente combatido pelos que acreditavam que a verdade evidente deveria
ficar subordinada às exigências do patriotismo ou às perspectivas de
ganho pecuniário. Para o grande alívio de tais cidadãos, Bryan deixou o
Gabinete em junho de 1915, devido à reação de Wilson ao afundamento
do Lusitania. Bryan continua sendo um dos raríssimos membros de Gabi­
nete, na experiência americana, a registrar através da renúncia a sua opo­
sição a uma política que desaprovava.
O ouro também era usado diretamente para comprar suprimentos.
Parte desse ouro vinha das reservas do Banco da Inglaterra, do Banco da
França e do Banco Imperial da Rússia. Havia ainda o ouro que tinha
estado anteriormente em circulação ou em mãos de particulares. À medida
em que as moedas de ouro acorriam aos bancos ingleses ou franceses em
resultado de transações ordinárias, notas eram emitidas em seu lugar. E os
ingleses e franceses eram solicitados a trocarem seu ouro por papel, um
pedido que levou alguns a refletirem sobre as compensações maiores do
entesouramento. Assim, em 1914, os cidadãos privados na França pos-
HM MOI IM

suíain urn volume de euro eJimado cm 12 LiIIuq dr doljp-» f ,


arrecadou somente 240 rmlhO» de d6Ja/<-s 4
Para enfrentar o» problemas com que v: dchonUvam o4 irV„H,iX
h^ateirã e da F rança durante a guerra, ti5<> há l.omms miL/g/ov
* t,t
rendimentos correntes de exportaçoc», ativo
* parjvria <lr venda
timos ou créditos, de um tipo ou outro, ou há ouro para paga/ r,t f>,n
cedores estrangeiros' quando i.vso ocorre, as autoridades envolvidas a* aba/n
sendo responsabilizadas por um verdadeiro succv.o, Al terna fivamentr
esses ativos não existem, caso em que os rncsmm indivídm/s %iítt */r:r»;p
sabilizados pelo fracasso, Entretanto, nada é percebido tão facilmente peia
imprensa e pela opinião pública como a visão do gémo íiananceiro Am ba;
desejam crer, quando tais maténas importantes estão envolvidas, que
sempre há indivíduos de visão e poder transcendentais, homens que jxxlem
tirar algo do nada. Na Grã-Bretanha durante íe após) a guerra, a irnagi-
nação popular assim estimulada concentrou-se num funcionário do íe-
souro, de trinta e um ano» de idade (em 1914), chamado John Maynard
Keynes. Os seus documentos desse período, recentemente publicados?
sugerem que ele era um homem trabalhador, competente e cheio de
recursos, que fazia corresponder os meios ao» pagamentos com alemão
e habilidade, e que estendia a sua atenção aos problemas semelhantes dos
franceses e dos russos. E nada mais do que isso.

0 efeito da remoção do ouro da Europa foi retirar das reservas dos bancos
franceses e ingleses, do Banco da França e do Banco da Inglaterra, o metal
em que o papel podia ser convertido. E removendo o ouro da circulação
manual ordinária e substituindo-o por papel, também aumentara substan-
cialmcnte a proporção da oferta de moeda que, dada a possibilidade e
conversão, estaria sujeita à troca por ouro. O principal efeito disto sobre
0 ftrturo do padrão-ouro deve ficar evidente. Havia muito mais papel
para converter, muito menos ouro para permití-lo.
Houve um outro efeito talvez ainda mais sério. A arrecadação do
ouro era uma maneira de indicar aos cidadãos que, em comparação com
notas de papel-moeda ou depósitos bancários, ele tinha uma importância

4 Segundo Noyes, p. 131. £ desnecessário ressaltar que as estimativas de tais saldos


contêm uma elevada dose de imaginação.
1 John Maynard Keynes. The Collected Writings of John Maynard Keynes. Vol.
XVI, Activities 1914-1919: The Treasury and Versailles (Londres: Mcmillan and
Co, 1971).
A QUEDA 149

superior. Antes de 1914, os indivíduos passavam moedas de ouro com


tanta facilidade quanto passavam os meios secundários, prata ou papel.
Daí para a frente, o ouro sempre pareceria ser melhor - algo que poderia
prudentemente ser conservado em reserva. E assim aconteceu, pois as
moedas de ouro, que antes de 1914 eram recebidas e transferidas sem
qualquer atenção ou pensamento, tornaram-se a partir de então algo a ser
examinado, exigido, comentado e retido. Em parte por essa razão -
Gresham, mais uma vez — não muitos indivíduos nascidos após 1914
jamais viriam a receber uma moeda de ouro numa operação normal de
comércio ou pagamento.

Esse foi o efeito de fluxo de saída. Nos Estados Unidos, enquanto isso,
o padrão-ouro estava sendo igualmente devastado pela enchente. Como
foi observado, entre o fim de 1914 e o fim de 1917, o estoque de ouro
dos Estados Unidos quase duplicou. O ouro era recebido pelos agentes
bancários dos britânicos e dos franceses nos Estados Unidos era depo­
sitado nas contas dos fornecedores, e permanecia nos cofres dos seus
bancos ou era enviado como depósito nos Bancos Federais de Reserva
locais. Se tudo tivesse sido usado como reserva pelos bancos comuns e
pelos Bancos Federais de Reserva, teria sido capaz de sustentar uma expan­
são fenomenal de empréstimos, depósitos e emissões de notas. Esta expan­
são, sendo muito superior a qualquer aumento concomitante da oferta de
bens e serviços, teria resultado numa elevação muito grande dos níveis de
preços - o que teria alarmado os seguidores de Bryan, pois estes dese­
javam preços que não caíssem, ou preços que recuperassem reduções ante­
riores, mas não preços descontroladamente crescentes. E para o seu indu­
bitável assombro, esses aumentos de preços teriam ocorrido com uma
moeda que era inteiramente conversível em ouro. Os Estados Unidos
defrontavam-se com uma inflação causada pelo ouro.
Entretanto, os novatos banqueiros centrais dos Estados Unidos, bem
como os banqueiros comerciais, permitiram que as reservas se acumu­
lassem além das exigências legais. Este limite sobre os empréstimos (e a
expansão resultante de notas e depósitos) não foi fixado pelas reservas,
como era tão meticulosamente estabelecido na lei do Sistema Federal de
Reserva. Era estabelecida pelas necessidades e exigências dos tomadores
de empréstimos e pelo que os bancos comerciais e os Bancos Federais de
Reserva isolada e independentemente consideravam ser prudente empres­
tar. Da pletora de ouro veio uma oferta limitada de moeda, não pela
oferta de ouro, como no caso do padrão-ouro clássico. Era limitada pelas
decisões dos bancos comerciais e do novo banco central, e pelo que os
150 MOEDA

tomadores desejavam obter. Era uma forma primitiva de meio circulante


administrado. Não era uma administração precisa. Ao contrário, resultava
de numerosas ações descoordenadas, o tipo de administração que se
encontra no Partido Democrata ou num hospital para doenças mentais
dirigido pelos próprios pacientes. Permanece o fato de que, simultanea­
mente ao aparecimento do Sistema Federal de Reserva, também surgiu a
necessidade de divorciar a oferta de moeda da oferta de ouro.

Em 1917, quando os Estados Unidos entraram na guerra, os seus emprés­


timos à Grã-Bretanha e à França substituíram o ouro e os títulos arreca­
dados como meios pelos quais esses aliados cobriam as suas necessidades.
Assim, o ouro deixou de fluir para os Estados Unidos, e em lugar disso
começou um pequeno fluxo de saída para a Espanha e os outros países
neutros restantes. Isto foi sustado por lei. Os Estados Unidos, portanto,
abandonavam o padrão-ouro, pelo menos em termos de transações inter­
nacionais. Continuava sendo possível para os americanos trocar notas de
papel e depósitos bancários por ouro, embora para alguns isso fosse muito
impatriótico, desde que o ouro não saísse do país. A Primeira Guerra
Mundial, domesticamente falando, foi feita com base no padrão-ouro. Foi
uma guerra de moeda forte — um fato excepcional. Mais exatamente, o
afluxo de ouro permitiu uma rede vasta e elástica dentro da qual quase
tudo podia ocorrer. A questão decisiva nesta guerra, como em outras,
não era o que acontecia à moeda; como sempre, ela estava subordinada
às necessidades bélicas. O que contava era como os fundos destinados a
financiar a guerra eram levantados.
Como sempre, para os que não estavam lutando a tributação deixou
uma mancha desagradável sobre o patriotismo, mancha que foi acentuada
nesses anos nos Estados Unidos pela recém-promulgada emenda que institui
um imposto sobre a renda, (As coisas eram mais agradáveis na França,
onde um imposto sobre a renda, embora autorizado, não chegou a entrar
efetivamente em vigor antes da assinatura do Armistício.) Em conse-
qüência, os conservadores encontraram-se argumentando contra um com­
prometimento exagerado com uma política de pagar à medida em que se
gastava. O instinto inicial do Secretário McAdoo era favorável a uma pe­
sada tributação - sugeriu, como diretriz, que 50% do custo fossem cobertos
por impostos. J. P. Morgan achava que o máximo deveria ser de 20%. De
acordo com as estimativas usuais, na realidade cerca de 30% do custo da
Primeira Guerra Mundial foram cobertos por receitas tributárias correntes.
O resto foi coberto por métodos não sensivelmente diferentes dos usados
durante a Guerra Civil.
A QUEDA 151

Pela primeira vez desde que Sir William Phips retomara de Quebec,
uma guerra séria não havia trazido uma exigência séria de emissão imediata
de papel-moeda pelo governo. Isso aconteceu apenas porque havia agora
um instrumento muito mais sutil. O Tesouro podia tomar emprestado
do Sistema Federal de Reserva — qualquer que fosse a independência
teórica deste último, não lhe era dado recusar qualquer coisa ao governo
na prática, ou mesmo sonhar em fazer isso. Em conseqüência dessa ope­
ração, o Sistema ficava com obrigações recém-emitidas, e o Tesouro com
notas recém-emitidas pelo Sistema ou novos depósitos igualmente utili­
záveis nos Bancos Federais de Reserva. Em sua natureza última, bem como
em termos de efeito prático, este procedimento só diferia superficial­
mente da impressão de “greenbacks”. E tampouco a situação mandava
muito mesmo quando o Tesouro vendia obrigações aos bancos comer­
ciais. O governo, em conseqüência de tais vendas, dispunha de
caixa ou depósitos, que passava a gastar. O banco então levava as
obrigações governamentais ao Banco Federal de Reserva e levantava
empréstimos com base nesses títulos públicos de boa qualidade para
repor os fundos que o governo tinha usado. Assim como acontecia
com a venda direta ao Sistema, mais dinheiro era criado para pagar
as despesas de guerra.
Estas transações foram conduzidas por homens de modos sóbrios
e educados, bem vestidos e de fala correta. Não havia qualquer indício da
promoção agressiva que marcou a emissão dos “greenbacks”. A Guerra
Civil e os “greenbacks” permanecem como exemplo clássico de finanças
irresponsáveis. A Primeira Guerra Mundial não tem tal reputação. Esses
são os benefícios de um estilo adequado em Economia e administração
da moeda.
Na verdade, a prestidigitação da Primeira Guerra Mundial envolveu
um exercício ainda mais complexo de engodo. Assim como sob a super­
visão de Jay Cooke durante a Guerra Civil, foi recrutada uma legião de
vendedores voluntários de obrigações para passar os títulos do governo
ao público. Um aspecto elogiável deste esforço era o discurso de três
minutos de duração — um reconhecimento de que os apelos ao patrio­
tismo e ao dever público são eficazes em proporção inversa à sua dura­
ção. Essa prática de venda tinha, em princípio, uma justificativa econô­
mica. Algumas pessoas podiam ser persuadidas a comprar obrigações, em
lugar de gastar dinheiro. Poupando, ao invés de gastar, o indivíduo dimi­
nuía a pressão sobre os mercados, reduzindo a severidade da inflação. Os
serviços de mão-de-obra, as matérias-primas e os equipamentos que assim
deixavam de ser comprados ou usados ficavam disponíveis ao governo para
152 MOEDA

fins bélicos. Na Primeira Guerra Mundial, porém, os compradores dos


títulos públicos foram estimulados a tomar empréstimos dos bancos para
as suas comprar, usando os títulos como garantia. E muitos fizeram
exatamente isso. Mais uma vez, os bancos usavam as obrigações assim
adquiridas para restabelecer as suas reservas tomando empréstimos dos
seus Bancos Federais de Reserva. Exceto pelo fato de ser ainda mais
indireto, o efeito imediato era novamente indistinguível do levantamento
direto de.empréstimos pelo governo junto aos Bancos Federais de Reserva.
Mais tarde, poderia haver uma diferença. Após a guerra, o povo procurou
manter as suas obrigações e devolver os seus empréstimos bancários. Isto
provocou uma contração das despesas para consumo corrente e, admissi-
velmente, acentuou um pouco o declínio dos gastos de consumo após a
guerra. Na euforia da guerra, pouco surpreendentemente, ninguém
prestou atenção a esses possíveis efeitos. Além disso, tampouco foi grande
o número das pessoas que procuraram descobrir porque os indivíduos
deveriam ser aconselhados a tomar empréstimos dos seus bancos para
comprar obrigações que o governo poderia facilmente ter vendido aos
mesmos bancos a um custo mais baixo.

Nos Estados Unidos, os preços no atacado praticamente dobraram durante


a guerra, com grande parte do aumento correndo entre meados de 1916 e
meados de 1917, os meses imediatamente anteriores à entrada do país na
guerra. A Grã-Bretanha e a Alemanha, embora muito mais profundamente
envolvidas por um período muito mais longo, sofreram um aumento de
preços somente um pouco maior. Tomando os preços no atacado em julho
de 1914 como 100, estavam a 216 na Alemanha quatro anos mais tarde.
Na Grã-Bretanha, estavam a 239. A França, com os seus territórios indus­
triais ao norte tomados, a guerra desenvolvendo-se em seu próprio solo,
e com uma aversão excepcionalmente forte à tributação, teve um aumento
muito maior - em 1918, os preços no atacado eram três vezes e meia
superiores ao nível do pré-guerra. A Itália, embora fisicamente menos
afetada pelo conflito, mas com uma aversão ainda maior à tributação,
também teve um grande aumento de preços — de aproximadamente quatro
vezes e meia.6 Na Grã-Bretanha e na Alemanha, esforços sérios foram
feitos para sustar as elevações através de controles de preços, e estes, por
sua vez, foram combinados a medidas para racionar os produtos básicos

6 Os movimentos comparativos de preços no atacado estão resumidos em Bulletin


de la Statistique Générale de la France, Paris, Librairie Felix Alcan, Vol XII,
N9 IV ((julho de 1923), pp. 347-48.
A QUEDA 153

c materiais escassos. Na França também foram usados alguns controles,


mas eles não foram aplicados com seriedade.
Nos Estados Unidos, havia restrições informais ao consumo, como
dias sem carne e sem trigo e, a partir de meados de 1917, o governo,
através de Grain Corporation, chefiada por Herbert Hoover, ofereceu-se
para adquirir todo o trigo produzido no país a um preço de 2 dólares e
20 cents o alqueire, e que subiu para S 2,26 no ano seguinte. Este era um
preço mínimo; os agricultores tinham liberdade para vender a outros
compradores se obtivessem preços superiores, o que muitos conseguiam.
Preços máximos para combustível foram fixados formalmente pela Admi­
nistração de Combustíveis. Vários produtos, principalmente mas não
esclusivamente os de procura bélica intensa, estavam sujeitos a acordos de
preços entre os produtores e a Comissão de Fixação de Preços da Junta
de Indústrias Bélgicas. Ferro e aço, cobre, madeira, lã, peles e couros, teci­
dos de algodão, ácido nítrico e ácido sulfúrico, níquel, alumínio, mercúrio,
zinco, tijolos, cimento, telhas ocas e pedra moída, areia e cascalho eram
assim controlados. A obediência aos níveis de preços era voluntária, ou,
no máximo, estava sujeita à apreensão do produto pelo governo, à ameaça
de retirada ou a prioridades de transporte, ou à acusação de atitude impa-
triótica, o que na época significa ser pró-alemão. Um membro excepcio­
nalmente ilustre da Comissão de Fixação de Preços foi F. W. Taussig,
de Harvard, talvez o mais respeitado economista de sua época. Escrevendo
longamente sobre essa experiência, logo após, ele disse, a respeito da
fixação de preços, que “era basicamente um processo oportunístico,
desenvolvendo-se de caso a caso.”7 Ele ficou impressionado por uma
circunstância; a experiência mais bem sucedida de fixação de preços
havia sido com o níquel, ramo no qual havia então um monopólio com­
pleto. O fato de que. um monopólio ou um enfoque semelhante simpli­
ficava grandemente o trabalho de fixação de preços seria uma das lições
importantes da Segunda Guerra Mundial.
Embora, como o Professor Taussig sustentava com veemência, os
controles de preços da Primeira Guerra Mundial tivessem exercido uma
influência modificadora sobre os preços de produtos em situação de
procura excepcional, a Primeira Guerra Mundial, como a Guerra Civil, foi,
em grande parte, disputada sob a égide do mercado, uma circunstância
que Bemard Baruch, Presidente da Junta de Indústrias Bélicas, jamais

7 F.W. Taussig. “Price-Fixing as Seen by a Price-Fixer”. The Quarterly Journal of


Economia. Vol XXXIII (fevereiro de 1919), pp. 205 e segs. A citação está na
página 238.
*
MOt D

de ixou de lamentar. (Acreditava que todos os preços e salários deveríam


ter sido congelados, uma posição, embora considerada excessivamente
excêntrica, ele ainda estava recomendando insistentemente no início da
Segunda Guerra Mundial.) 0 financiamento da Primeira Guerra Mundial,
ignorando-se o disfarce, foi idêntico ao da Guerra Civil. E o mesmo ocor­
reu com os movimentos de preços. Consideradas todas as coisas, a admi­
nistração da Guerra CrvÜ talvez pudesse ser defendida com mais facilidade.
A Primeira Guerra Mundial marcou o início do fim do padrão-ouro
internacional - da moeda internacional única que. a qualquer custo, o
ouro tinha sido. Nunca mais houve uma distribuição razoavelmente viável
dos estoques de ouro entre os países industriais - houve principalmente,
e por muitos anos, uma pletora nos Estados Unidos e escassez em quase
todos os outros lugares. Esforços para revive i») foram feitos na década dos
20 na Grã Bretanha, na F rança c nos outros países industriais. Exceto nos
Estados Unidos, e por breve período na F rança, nenhum país importante
voltou a olhar para as suas reservas de ouro e sentir-se seguro. Nenhum
permitiu, exceto por períodos curtos, que os seus cidadãos trocassem seu
papel ou seus depósitos bane anos por ouro. Lm sua forma mais desenvol­
vida, o padrão-ouro foi uma expeneneu de curta duração, uma questão
de poucas décadas, no máximo meio século. Eot somente a impressão de
que era o passo final, a moeda última, que o fez parecer tão mais velho.
xll suprema

A tendência, e na verdade a principal finalidade do padrão-ouro, era unir


as atividades e políticas econômicas das nações. Ele o conseguiu durante
o seu breve reinado. Se as condições econômicas eram boas na Inglaterra
e os preços consequentemente firmes, mercadorias eram enviadas para
venda e ouro saía para pagá-las. Observada esta saída, e o seu efeito acen­
tuado pelo Banco da Inglaterra, ele levava a uma redução das reservas dos
bancos comerciais, um aumento das taxas de juros, uma contração resul­
tante de empréstimos, um enfraquecimento dos preços e reduções dos
níveis de produção e emprego. Enquanto isso, o ouro que chegava em
Paris, Berlim ou Nova York provocava nesses lugares uma expansão con­
trária - e muito mais agradável - dos empréstimos e da atividade econô­
mica. Em consequência eventual dessa expansão e da elevação de preços a
ela associada, o fluxo começaria a ser no sentido de saída desses países, e
novamente de volta à Grã-Bretanha. Em todos os seus estágios, os movi­
mentos podiam ser previstos e acelerados por homens de recursos que
eiUrum transferindo seus fundos para tirar proveito de taxas de juros
ou preços mais altos. Era um arrar.jo que funcionava com mais precisão
156 MOEDA

nos livros-texto do que no mundo real, e tinha uma simetria mais perfeita
nas mentes dos que esboçavam a teoria do banco central do que era reve­
lado nas ações dos que praticavam esses negócios. Não obstante, não
se pode negar que o padrão-ouro (reforçado pela moralidade fiscal ampla­
mente aceita do orçamento equilibrado) foi um instrumento notável de
coordenação do comportamento econômico em diferentes países.
Também possuía uma deficiência marcante. Esta residia em impor,
numa era de nacionalismo crescente, uma tendência cada vez maior de
tornar os governos responsáveis pelo desempenho da economia, exigindo
que tanto o instinto nacionalista quanto a administração econômica
doméstica ficassem subordinados a um mecanismo internacional e impes­
soal, capaz de gerar dificuldades e perturbações consideráveis. Era uma
deficiência que não era reconhecida pelos defensores do ouro. Viam
qualquer relutância dos governos como algo inerente à falta de fibra moral
dos políticos — uma falta que os levava a procurar diminuir as pressões
impostas pelo ouro. Não se reconhecia que a moralidade dos políticos
dificilmente pode ser alterada a curto prazo.
No final da Primeira Guerra Mundial, como foi notado, todos os
principais beligerantes haviam abandonado o padrão-ouro, excetuando-se
em parte os Estados Unidos. Nenhum país importante permitia mais a
livre exportação do ouro. Portanto, nenhum país precisava mais preo­
cupar-se com a possibilidade de que estrangeiros convertessem depósitos
ou notas em ouro para retirá-lo do país. E tampouco havia o perigo de que
os seus cidadãos fizessem a mesma coisa, motivados igualmente por cautela
ou cupidez, a não ser de maneira sub-reptícia. Assim sendo, a política
interna não mais estava limitada pelo mede de que pudesse haver perda
de ouro. E como o ouro não podia sair, a sua perda não podia reduzir as
reservas bancárias, os depósitos dos bancos, a circulação de notas, o que
teria efeitos deprimentes sobre a produção, os preços e o nível de emprego.
Todos os países industriais, em outras palavras, estavam agora livres
para seguir políticas econômicas internas que refletissem as suas prefe­
rências ou necessidades, sem consideração imediata para com o que os
outros países estivessem fazendo. A disciplina de coordenação imposta
pelo ouro não mais existia.
Nos primeiros quinze anos que se seguiram à Primeira Guerra Mun­
dial, e especialmente logo após o conflito, os países industriais explo­
raram esta Uberdade de maneiras notavelmente diversas. Os franceses ado­
taram a linha de menor resistência, de um modo geral, com os melhores
resultados. Os ingleses seguiram a linha de maior resistência, com grande
sofrimento em decorrência dos ferimentos auto-inflingidos. Os alemães
A INFLAÇÃO SUPREMA 157

enfrentaram a situação de tal modo, ou cederam às circunstâncias, de


maneira a provocar a maior inflação dos tempos modernos. Nos Estados
Unidos, por uma combinação de má administração e ausência de admi­
nistração, produziu-se a maior depressão. Em toda a longa história da
moeda, a década de 1920 — ampliada por alguns anos para incluir as suas
conseqüências — talvez seja a mais instrutiva de todas.
*
Dos principais países combatentes, excluindo a Rússia, a França foi a
única a sofrer devastação física significativa. Uma ferida horrenda, com
a largura de cinco milhas em sua maior parte, algumas vezes mais, atra­
vessava todo o país desde os Estreitos de Dover até a fronteira com a
Suíça. Dentro dela, havia uma paisagem lunar coberta com os detritos de
batalhas, e, em muitos lugares, ainda mais mortífera pela presença alea­
tória de bombas que não haviam explodido. Como na Grã-Bretanha e na
Alemanha, toda uma geração de trabalhadores tinha sido destruída pelo
conflito — na França, as perdas foram maiores entre os camponeses de
idade relevante do que no proletariado industrial, pois a mobilização e a
morte de camponeses era menos prejudicial à economia. Havia ainda a sus­
tentar uma carga enorme de aleijados, mutilados, homens e mulheres
dependentes de alguma outra maneira. Os franceses, porém, tinham uma
coisa muito a seu favor. Podiam reconstruir sem pensar no custo. Estavam
profundamente convencidos de que os alemães deviam pagar e precisavam
ser forçados a pagar. Nem isto decorria inteiramente da tendência congê­
nita dos franceses (como acreditam os angjo-saxões) de equivocarem-se
quando se trata de assuntos econômicos. Cinqüenta anos antes, os alemães
tinham imposto o pesado total de cinco bilhões de francos em indeni­
zação aos franceses após a guerra franco-prussiana. Os franceses haviam
feito um esforço especial e liquidado esse montante em vinte e quatro
meses.
Como os alemães estariam pagando, parecia apropriado aos governos
franceses do pós-guerra tomar empréstimos para pôr o trabalho em anda­
mento. Quando o dinheiro alemão fosse recebido, os empréstimos pode­
riam ser liquidados. Partindo desse ponto de vista, a recontrução francesa
avançou com confiança e rapidez exemplares.
Sob o estímulo dos empréstimos e gastos, os preços subiram, e
embora sujeitos a uma redução considerável em 1920 e 1921, quando a
prosperidade do pós-guerra entrou em colapso nos Estados Unidos e na
Inglaterra, continuaram a elevar-se. Em julho de 1920, os preços no ata­
cado na França eram cinco vezes superiores aos de 1914; em julho de
158 MOEDA

1922, tinham caído 23,3 vezes o nível anterior à guerra. Em 1923, com a
reação desfavorável do mundo à ocupação de Ruhr, a evidente dificuldade
em arrecadar indenizações pela ação armada, e a combinação entre esses
fatores com a grande inflação alemã desse ano, desvaneceu-sc a esperança
de que os boches
*
pagariam. Eliminado este apoio à confiança, a taxa de
inflação aumentou significativamente. Em julho de 1924, os preços esta­
vam 4,9 vezes acima do nível de 1914; em julho de 1926, a 8,5 vezes esse
nível.1 Inevitavelmente, ocorreu aos franceses que seria sensato manter
outras moedas em reserva que não o franco, e durante esta era específica
de inflação havia moedas de estabilidade exemplar — dólares, francos
suíços e até libras esterlinas. Assim, enquanto os preços subiam na França,
o valor de troca do franco caía cada vez mais à medida em que as pessoas
o trocavam por outras moedas. Nos meses imediatamente seguintes à
guerra, quando ainda refletia a disponibilidade de empréstimos e supri­
mentos americanos, o franco estava em torno de 5,45 por dólar. Nos
meses seguintes, caiu a uma taxa irregular e, no final de 1922, estava a
13,84 por dólar. No fim de 1923, estava a 19,02?
Em conseqüência do declínio relativamente maior do franco em
comparação com o aumento de preços, a França, na primeira metade
da década dos vinte, era um país maravilhosamente barato para viajar e
comprar artigos, e os franceses atribuíram parte dos seus aumentos de
preços ao afluxo resultante de pessoas em busca de pechinchas. Adequando
a ação à crença, os parisienses, num dia de 1926, atacaram e expulsaram
das ruas de Paris um ônibus carregado de americanos na crença de que eles
estavam causando a elevação do custo de vida.
De 1919 a 1926, a França foi, na verdade, extremamente próspera.
A devastação foi eliminada, excluindo terras irrecuperáveis como as situ­
adas em tomo de Verdun. (Em geral, a área em que as grandes batalhas
foram disputadas era inacreditavelmente pequena. A Batalha de Verdun
foi disputada numa área ligéiramente superior à dos parques de Londres.)
A indústria expandiu-se, e em muitas áreas de maneira prodigiosa. Em

* (N. do T.) Designação depreciativa aplicada ao alemão durante a Primeira Guerra


MundiaL

1 Dados de preços extraídos do Bulletin de la Statistique Générale de la France,


Paris, Librairie Felix Alcan, Vol. XV, NP I (outubro de 1925), p. 14 e Vol. XVII,
N9 II (janeiro-março de 1928), p. 132.2
2 Martin Wolfe. The French Franc Between Wars, 1919-1939 (Nova York: Colum-
bia University Press, 1951), p. 213.
A INFLAÇÃO SUPREMA 159

1929, a produção de aço, aumentada pela recuperação da Alsácia-Lorena


da Alemanha, foi duas vezes superior à de 1913, e três vezes maior do que
o nível alcançado em 1921, logo após a guerra. Mas, o que o povo notava
era o nível dos preços. Mais uma vez, podemos observar o grande ciclo que
controla as atitudes em relação à moeda. Quando há inflação, os indiví­
duos desejam preços estáveis. Se há estabilidade, então uma elevada tribu­
tação, uma economia pouco dinâmica e o desemprego, passam a ser as
maiores ameaças. A experiência francesa na década dos vinte também
esclarece um princípio intimamente relacionado. Quando há prosperidade,
ela é tida como algo natural. A atenção passa a recair sobre os preços. Se os
preços são estáveis, então os indivíduos começam a pensar se a produção
e o emprego não poderiam ser maiores. O mais urgente é o que as pessoas
não têm.
Não tendo estabilidade de preços na década dos 20, os franceses a
desejavam muito. Este desejo era aumentado pela crença comum, mesmo
nos círculos mais sofisticados desse época, de que a inflação exercia qual­
quer efeito benéfico para a economia. Era má, e inteiramente má. Nesses
anos, dois destacados observadores da economia francesa declararam, com
genuína surpresa que “por mais paradoxal que pareça, os eventos econô­
micos na França do pós-guerra prestam-se à interpretação de que a inflação
exerce um efeito estimulante sobre o desenvolvimento industrial.”3 Um
pensamento realmente radical.
Mas, enquanto os franceses ansiavam por preços firmes e por um
franco estável, eles ansiavam muito pouco pelas medidas que os tornariam
possíveis, principalmente os impostos e os limites à tomada de emprés­
timos. Um observador, no início da década, poderia muito bem ter predito
que o franco acompanharia o marco; ainda é um enigma esse fato não ter
ocorrido. Entretanto, em 1926, um novo mistério de união nacional, enca­
beçado por Poincaré, assumiu o poder. Comprometia-se a salvar o franco e,
de um modo geral, a introduzir os impostos e controles sobre empréstimos
comerciais que levariam a esse objetivo. Embora logo cedesse na questão
dos impostos, o povo acreditou na sua seriedade. O sucesso veio dessa
crença e do bem-estar geral do país, tanto quanto de medidas específicas.
Os preços começaram a estabilizar-se; logo o franco estabilizou-se nas
bolsas estrangeiras. O que tinha sido chamado de batalha do franco tinha

3 W.F. Ogbum e W. Jaffe. The Economic Development of Post-War France (Nova


York: Columbia University Press; 1929). Citado em T. Kemp. The French Eco-
nomy 1913-1939 (Londres: Longman Group, 1972), p. 67. Este é um estudo
sucinto dos mais úteis.
160 MOEDA

sido vencido, de maneira até surpreendente. Com justiça um historiador


francos considerou a política francesa desses anos como uma ilha de razão
num mar de erros.4 A razão estava em fazer o que parecia óbvio nesse
momento - e reconhecer, como sempre, que é difícil fazer algum mal
significativo à economia francesa.
À época da estabilização, como antes, a desvalorização do franco em
relação a outras moedas era maior do que o aumento concomitante dos
preços franceses. Assim, a França continuava a ser um bom país para
fazer compras, e mais difícil para realizar vendas. Em 1928, abençoada com
muito ouro, a França voltou ao padrão-ouro. Entretanto, os francos só
podiam ser trocados por lingotes, e o número mínimo de francos neces­
sários para isso era de 215.000. Isto estava bem além do alcance do cida­
dão comum. O ouro numa moeda de 20 francos de 1914 agora valia quase
100 francos. A família francesa que tivesse resistido com êxito ao impulso
de entregar o seu ouro para fms patrióticos no tempo de guerra não podia
considerar-se mal orientada. À medida em que o ouro afluía aos bancos
franceses e ao Banco da França, o fluxo inspirava a confiança que trazia
ouro em ainda maiores quantidades para depósito. A França emergia
agora como o mais robusto dos defensores do ouro e do sistema do padrão-
-ouro.
A França escapou à inflação suprema. As exigências de indenizações
que a levaram bem longe nesse caminho tiveram algo a ver - e muito,
segundo os homens que viveram nessa época - com o colapso então ocor­
rido na Alemanha.

A Revolução Russa, obedecendo à tendência de todas as revoluções, fora


financiada por uma maré de papel. Os regimes de sucessão dasEuropa
Oriental após 1918, com pesadas exigências, pouco governo e ainda menos
receitas, tiveram graus diversos de inflação, em muitos casos elevados.
Entretanto, para o mundo em geral, o drama supremo da moeda do
após-guerra desenvolveu-se na Áustria e na Alemanha. Em especial, a
inflação alemã percorreu todo o seu caminho devastador. Os preços subi­
ram sem limite. No final, o dinheiro nada comprava. Toda conseqüência
clássica da inflação - enormes dívidas pagas com alguns centavos, varre-

4 Alfred Sauvy. Histoire Economique de la France entre les Deux Guerres, Vol. I,
1918-31 (Paris: Fayard, 1965). Citado em Charles P. Kindleberger, The World in
Depression 1929-1939 (Berkeley e Los Angeles: University of Califórnia Press,
1973), p. 48. Este último é o melhor livro em língua inglesa sobre a Grande
Depressão, e ao qual devo muito.
A INFLAÇÃO SUPREMA 161

dores de rua e malandros comprando quadros de velhos mestres por


alguns dólares, os que viviam de rendas subitamente pobres, os especu­
ladores igualmente desmerecedores subitamente ricos — estiveram presen­
tes. Com a exceção do caso da Confederação Americana, nada como isso
tinha havido desde as revoluções francesa e americana. Excluindo a China,
nada como isso aconteceu desde então.
Entretanto, a inflação austríaca precedeu à alemã, e poderia ser
argumentado que exerceu um impacto maior sobre o pensamento econô­
mico. Ocorreu sob a égide do jovem Ministro das Finanças da nova repú­
blica, Joseph A. Schumpeter, que posteriormente teve uma espetacular
carreira acadêmica na Alemanha e nos Estados Unidos. A inflação foi sen­
tida ou lembrada pelos homens que iriam compor o grupo mais respei­
tável de economistas conservadores (liberais, no sentido europeu) do
mundo — Friedrich von Hayek, Ludwig von Mises, Gottfried Haberler,
Fritz Machlup e Oskar Morgensterns, todos os quais eventualmente
também mudaram-se para os Estados Unidos. Todos compartilhavam
com Schumpeter de uma desconfiança profunda em relação a qualquer
medida que pudesse criar o risco de inflação, além de um desgosto
ainda maior por qualquer coisa que parecesse sugerir socialismo. Todos
eram influentes.
A inflação austríaca ocorreu em 1922. Quando a Liga das Nações
acorreu ao auxílio da jovem república no final daquele ano — e reformas
fiscais e de outra natureza foram postas em prática — a coroa tinha caído
a 70.000 por dólar. Antes da guerra, o seu valor era de 4,9 por dólar. A
inflação alemã disparou por quase todo o ano seguinte. É ela que exige
um exame mais detido.

Outras inflações são associadas a circunstâncias de força maior - guerra ou


revolução — ou a má administração econômica. A grande inflação alemã
distinguiu-se por ser atribuída pelos historiadores não só a essas causas,
mas também a chicana. Acreditou-se por muito tempo ter sido o estra­
tagema pelo qual os alemães, inescrupulosa ou desesperadamente, ou
ambas as coisas, demonstraram a um mundo impressionável que o custo da
arrecadação das indenizações segundo o Tratado de Versalhes seria supe­
rior ao custo de cancelá-las. Examinando-se o que ocorreu, o argumento de
malícia desaparece em grande parte. A cobrança de indenizações desem­
penhou um certo papel na inflação alemã, mas de uma maneira perfeita­
mente comum. Com exceção dos absurdos finais, as forças que contri­
buíram para a inflação alemã não foram especialmente notáveis e demons­
tram muito pouco no sentido de existência de medidas deliberadas.
162 MOEDA

Nos meses após o final da guerra e o estabelecimento da repú­


blica, o sistema fiscal alemão foi substancialmente reforçado. O antigo
governo, como o da França, carecia de poder para cobrar impostos diretos,
em particular sobre a renda. Esta deficiência feliz (para os ricos) fora
finalmente corrigida, e as receitas foram aumentadas. Em conseqüência,
o orçamento doméstico alemão foi praticamente equilibrado nos primeiros
anos após a guerra. Em 1921, excluindo o déficit com as ferrovias, as
receitas cobriam cerca de 90% das despesas. Em 1922, por um curto
período, o orçamento doméstico foi equilibrado. Isto superava em muito o
desempenho francês na mesma época.
No entanto, ainda subsistiam dois problemas graves. Em todos os
países e em qualquer época sempre há um grande volume de ativos que
podem ser gastos no mercado. Dinheiro, depósitos bancários à vista,
depósitos a prazo, obrigações governamentais e outros títulos poderão
ser convertidos na medida das necessidades e gastos se houver o impulso
de fazê-lo. Na Alemanha, como em outros países durante a guerra, o volu­
me desses ativos que podiam ser gastos havia crescido substancialmente
- a dívida pública tinha subido de pouco mais de 5 bilhões de marcos
em 1914 a mais de 105 bilhões em março de 1919. Os saldos de moeda,
que estavam um pouco abaixo de 6 bilhões de marcos no final de 1914,
aproximavam-se de 33 bilhões no final de 1918.5
Em tempos modernos, ao examinar os efeitos de políticas mone­
tárias e fiscais sobre o volume de procura na economia, os economistas
não têm dado muita atenção à possibilidade de que os ativos líquidos
sejam jogados nos mercados, destruindo os melhores cálculos macro­
econômicos. A experiência alemã do início da década dos vinte é um
lembrete muito útil desse perigo. E também ressalta que o perigo é
induzido pela própria inflação. É a inflação que leva as pessoas atentas
e preocupadas a perguntar se a moeda ou os ativos monetários devem
ser mantidos ou se não seria melhor trocá-los por bens ou ativos físicos
antes que os preços subam sem parar.
Para os alemães, o segundo problema era representado pelas indeni­
zações a serem pagas segundo o Tratado de Versalhes. Esses pagamentos
adicionavam-se ao orçamento doméstico e, nos primeiros anos após a
guerra, o seu valor era praticamente igual ao total do orçamento. O livro

5 Frank D. Graham. Exchange, Prices and Production in Hyper-Inflation: Germany


1920-1923 (Princeton: Princeton University Press, 1930), p. 7. Este estudo, feito
por um amigo admirado e antigo colega de Princeton, é uma fonte básica sobre
a inflação alemã. É um assunto sobre o qual há uma vasta bibliografia.
A INFLAÇÃO SUPREMA 163

de Keynes, The Economic Consequences of the Peace,6*talvez o trabalho


mais influente jamais escrito sobre um tema de importância econômica
corrente, pode muito bem ter deixado o mundo com uma impressão
exagerada de quão pouco razoáveis eram essas exigências. Mas, a conta
eventual, 132 bilhões de marcos-ouro, ou marcos do pré-guerra (cerca de
33 bilhões de dólares) era elevada. Não há mistério algum sobre o que
esse pagamento teria exigido. As despesas públicas alemães bem como
os investimentos em necessidades de consumo, como habitação, preci­
sariam ser rigorosamente limitados. Os impostos, especialmente sobre bens
de consumo, deveriam ser implacáveis. Esta combinação teria então produ­
zido o superávit de receitas públicas que teria permitido o pagamento das
indenizações. E ambas as medidas, especialmente os impostos pesados,
teriam diminuído o consumo e as importações sem afetar excessivamente
as exportações. Daí teria resultado uma acumulação de dólares, libras,
francos, e ouro em conseqüência de uma balança comercial favorável.
Quando essas moedas fossem compradas pelo governo com os marcos do
superávit orçamentário e devolvidas aos franceses, belgas ou ingleses, as
indenizações estariam sendo pagas. O fator que limitava esta capacidade
de pagar indenizações era a disposição do povo alemão para aceitar e pagar
os impostos mais altos e reduzir o consumo público e privado.
Esta disposição raramente é muito forte. Não o era na Alemanha no
início da década dos vinte, quando as indenizações já eram vistas mais
como um ato de vingança do que de justiça. Além disso, o montante das
indenizações não foi fixado antes de abril de 1921, e a partir daí o escalo­
namento dos pagamentos ainda permaneceu incerto. Isto significava que,
quanto mais se pagasse num ano qualquer, maiores provavelmente seriam
as exigências no ano seguinte. Este não era um arranjo que conduzisse a
uma política tributária forte e uma disposição adequada para o pagamento
de impostos.

Em 1919, os preços praticamente triplicaram na Alemanha. Talvez seja


notável o fato de que não tenham subido mais ainda. Uma revolução
política havia ocorrido, e uma revolução social estava sendo contida.
0 bloqueio aliado só terminou nesse ano e, em conseqüência disso e da
desorganização geral, alimentos e matérias-primas eram desesperada­
mente escassos. Os novos tributos ainda não estavam em vigor, e a tomada
de empréstimos continuou para fins internos e para o pagamento das

6
John Mynard Keynes. The Collected Writings of John Maynard Kaynes, Vol. II:
The Economic Consequences of the Peace. (Londres: Macmillan and Co., 1971)
164 MOEDA

obrigações impostas pelo Armistício c mais tarde pelo Tratado. O aumento


de preços continuou em 1920, mas, notavelmente, chegou ao fim nesse
ano, e houve ate uma pequena redução. A recessão que emanava dos
Estados Unidos, com a repentina abundância de produtos agrícolas e
outros bens, exerceu eleitos até sobre a Alemanha. Da primavera de 1920
ao verão de 1921, os preços na Alemanha estavam estabilizados, na prática,
a quatorze vezes acima do nível do período anterior à guerra. J. M. Keynes
estava agora apoiando-se no seu julgamento amplamente divulgado, de que
as exigências de Versalhes estavam muito além da capacidade da economia
alemã, especulando febrilmente contra o marco. Escapou por um triz
da ruína financeira, sendo salvo por empréstimos de seus editores e de um
financista amigo. “Teria na verdade sido um desastre se o homem que
tão recentemente tinha despertado a curiosidade da opinião mundial
dizendo saber mais do que os melhores especialistas fosse envolvido
por uma falência.”7 Sem dúvida.
0 erro de Keynes foi apenas quanto à data. No verão de 1921, os
preços começaram novamente a subir. Em abril, o montante total de
indenizações foi fmalmente fixado em Londres e, como já foi dito, no
valor de 132 bilhões de marcos-ouro, isto é, marcos de valor correspon­
dente ao período anterior à guerra. Esta soma pode ter levado alguns
alemães a concluir que não havia esperança e a começar a trocar os seus
ativos monetários por bens. Os preços mundiais de mercadorias também
tinham parado de cair. E um déficit orçamentário crescente tanto no
plano externo quanto no interno estava fazendo sentir os seus efeitos.
Em qualquer caso, os preços internos subiram de 14 vezes o nível de 1913,
em meados de 1921, a 35 vezes esse nível no final do ano. O aumento
continuou em 1922; no final desse ano, os preços eram 1.475 vezes supe­
riores aos anteriores à guerra. E em 1923 as coisas ficaram bem mais sérias.
Em 27 de novembro de 1923, os preçôs internos eram 1.422.900.000.000
vezes superiores aos do período anterior à guerra. Os preços de produtos
importadores tinham subido um pouco mais.8

7 R.F. Harrod, The Life of John Maynard Keynes (Londres: Macmillan and Co.,
1963), p. 296. De acordo com a lenda corrente em Cambridge (Inglaterra) quando
lá estive, Keynes foi salvo por seu pai, John Neville Keynes, também da Univer­
sidade. Isto, segundo Harrod, não foi o que ocorreu; Keynes, diz ele, revelou efeti­
vamente as suas dificuldades aos seus pais, que aconselharam cautela, pouco sur­
preendentemente.
8 Os níveis de preços foram fornecidos por Graham, pp. 156-59.
A INFLAÇÃO SUPREMA 165

0 aumento de preços foi acompanhado, e superado, como na


França, pela queda de marco em relação à libra e ao dólar. Na fase de
estabilidade momentânea em 1921, o marco estava a aproximadamente
81 por dólar. Em meados dc 1922, tinha caído a 670. Na primavera de
1923, uma comissão de Reichstag foi constituída para examinar as razões
pelas quais o marco tinha caído a 30.000 por dólar. Quando a comissão
finalmente reuniu-se em 18 dc junho, o marco já estava a 152.000 por
dolar, e em julho foi a um milhão. A partir daí, o declínio foi rápido.
Em 22 de julho, o correspondente dc London Daily Mail em Berlim,
um homem apropriadamente impressionável, disse num despacho: “fiquei
abismado quando soube hoje que precisava pagar 24.000 marcos por
um sanduíche de presunto, quando ontem, no mesmo bar, um sanduíche
custava apenas (sic) 14.000 marcos.” Acrescentou que felizmente os
salários estavam sendo aumentados e que “os vencimentos de um ministro
de gabinete tinham sido elevados de 23.000.000, dez dias atrás, a
32.000.000 de marcos.”9
Nas semanas seguintes, todo comentário banal jamais feito sobre a
inflação, e o seu número é enorme, tornou-se realidade. Homens e mulhe­
res corriam para gastar seus salários, se possível minutos após recebê-los.
Notas eram transportadas às lojas em carrinhos de mão - ou de bebê.
Uma referência ao recurso à máquina de imprimir sempre tem ocupado
um lugar particularmente proeminente no campo do clichê monetário.
Na Alemanha nesse outono recorreu-se a virtualmente todas as prensas
que fossem capazes de imprimir dinheiro. As notas eram literalmente
produzidas sem parar. Ocasionalmente, o comércio até parava quando as
impressoras se atrasavam na produção de novas notas de denominações
suficientemente grandes para que o volume de papel exigido para o ali­
mento do dia pudesse ser carregado. No final de julho, o correspondente
de Daily Mail relatou esse problema:

É difícil conseguir descontar um cheque. A nota de 10.000 marcos


é a de maior denominação impressa e os bancos não a possuem
mais. Esta manhã, caminhões carregados com papel-moeda chegaram
incessantemente ao Reichsbank, mas mensageiros com carrinhos
de mão também lá estavam paia levar os maços de notas entregues
pelo Banco. . . O caixa do meu banco deu-me 4.000.000 de marcos

9 Norman Angell. The Story of Money (Nova York: Frederieh A. Stokes, Co.,
1929), pp. 334-35.
100 MOI DA

em notas de 1 Oth), cada uma valendo menos de um farthing .


* . .
Obscqmosamente fechou as paia mim num papel de embrulho
que mais farde pus na mesa do restaurante onde almocei e abri
quando o gaiçon trouxe a conta Mas, esta dificuldade logo desa­
parecera. pois esperamos ter notas de 4 ()(X).()()() de marcos no final
da próxima semana 10

\as semanas seguintes, home muitas dessas histórias. No final de


outubro, o Acu EvA 7'mna contava o caso de um estranho mim dos
“restaurantes menos luxuosos" de Berlim que exibiu uma nota de um
Joiar e pediu toda a comida que esse dinheiro pudesse comprar. Trou­
xeram-lhe uma lauta refeição e, quando estava para sair, o garçon apareceu
com mais um prato de sopa, outro antepasto e curvou-se educadamente:
“0 dólar acaba de subir de novo.”11 Um despacho da Associated Press
anuncias a soienemente que um novo mal espalhava-se pelo Reich.
“'Ataque de zeros', ou ‘ataque de cifras’, é o nome criado pelos médicos
alemães para uma doença nervosa em decorrência das atuais cifras fantás­
ticas em moeda. Inúmeros casos do ‘ataque’ são anunciados entre homens
e mulheres de todas as classes, prostrados pelos seus esforços para calcular
em milhares de bilhões. Muitas dessas pessoas são normais, exceto por um
desejo de escrever filas intermináveis de zeros.” 12 O New York Times
observou que os poloneses, cuja moeda ainda podia ser contada em milha­
res em relação ao dólar, estavam em situação muito melhor. Até o governo
boichevista, que no início do ano havia anunciado a estabilização do rublo,
e cujas iniciativas estavam ‘‘naturalmente sujeitas a suspeita”, reconhecia
a necessidade de uma moeda que inspirasse confiança. E reconhecendo
a “incredulidade dos financistas estrangeiros” no que dizia respeito ao
comunismo, as autoridades soviéticas tinham tomado a medida admirável
de convidar um grupo de lepiescntantes de magnatas aos coties do seu
banco central para que vissem a reserva do ouro com os seus propnos
olhos.

A lenda que relaciona a grande inflação aluinao às indenizações firme­


mente sustenta que ela ficou fora de controle quando os franceses ocu-

* (N. do] .) Moeda inglês« de cobre, equivalente a 0,25 pence.


10 Angell, pp. 335 36.

11 The New York Times, 30 de outubro de 19 23.

12 The New York Times, 7 de dezembro de 1923.


A INI I A(, AO St PR I M A 167

param o Ruhr em 1<>23 paia cumprir as ohrig.içórs de pag.imenh)


de acotdo com o Tratado. A resultante desorganização da produção,
combinada aos pesados custos da polític a de resishòh ia passiva do
governo alemão paia o seu orçamento, é que pós a inflação fora do com
Hole e destruiu o mano. | ssa exphi aç.io é tendenciosa. (>s Iram w for nn
Juramente criticados pela ocupação. A explii ação também Hit's da a
culpa pela debacle econômica. <1 l>uo «lesse r.n ror ínio é óbvio. Fm 1722.
antes da ocupação fiancesa, os preços subiram de 3 7'/) (1713 = loG)
a 14'.500. Quando os franceses entraram, o marco já eu.iv» a I mói
poi dólar c caia rapidamente. (1 que era n-m se nao mllaç.m’ No rna-.mio
a ocupação do Ruhr pela I rança apenas acrescentou um pout o de gasolina
ao que ja cia uma tempestade de fogo.
Nos últimos meses de 1923, a inflação desenvolveu-se por >i mesma
e lambem destruiu todos os métodos conhecidos para controlá-la. Manter
dinheiro era. evidentemente, um exercício incrível de tolice. Assim, todas
as rendas correntes, além de todas as economias passadas, eram levadas
apressadainente ao mercado. A tributação, como fator de controle, per leu
lodo o seu valor. Os pagamentos a funcionários públicos, soldados e na
compra de suprimentos precisavam ser feitos correntemente. Como a
remuneração dos ministros mencionada pelo correspondente de
os vencimentos desses funcionários eram aumentados dianamrmc
0 resultado de qualquer aumento compensatório dos impostos não eia
arrecadado por semanas ou meses. Quando chegasse, os pagamentos
correntes teriam subido muito mais. Um vasto deficit governamental
tornou-se consequência da própria inflação.
As empresas tinham necessidades semelhantes de cobrir a di.siancia
entre as despesas correntes e a chegada posterior das receitas de venda.
E esta distância também aumentava com a inflação. Isto nao podia set
financiado pelos bancos, além de qualquer outro tipo de credito, nenhum
banqueiro, são ou louco, faria um empréstimo que poucas semanas mais
tarde sena pago com dinheiro cujo valor, isto e, poder aquisitivo, seria
somente uma fração do empréstimo original. Assim, o Rcichsbank
foi obrigado a fornecer empréstimos dnelameiile às empresas, hm
dezembro de 1921, os descontos comerciais do Reiclisbank loializavam
1,1 bilhão de marcos. Em novembro de 1923, tinham atingido um
máximo de 347.301.073.776 bilhões de marcos. Os empréstimos gover­
namentais alcançaram um total de 49/ bilhões de bilhões de marcos
em dezembro.13

13
Graham, p. 63.
168 MOI DA

Como ninguém quena gmmlar dinheiio, tampom o alguém desejava


tei inn deposito bancauo. Pc qualquer mamma. agora havia dificuldades
paia ctetuar paramentos cm cheque, pois o beneficiário cst.iva perfeita-
mcnlc ciente da possibilidade de (pit' o pagamento perderia valor antes
de poder descontar o cheque, e o bam o pensava o mesmo sobre o que
aconteceria até o cheque sei compensado A .um. tanto as empresas quanto
o governo, quando tomavam empiéstmios, sacavam os valores em dinheiro,
tanto quanto possível Pai a vasta prmiiia de papel-moeda Ahnms órgãos
do governo alemão cm necessidade de empié.timos prometiam pagamento
aos seus cicJorcs em dinheiio com poder aqui.itivo constante em termos
de meicadonas centeio, no caso do estado de Oldenburg; aveia. no caso
de Bedim, carvão combustível betuminoso tipo Westfália n? IV, no caso
da Companhia de Fornecimento de Eletricidade de Baden.
A tcndcncia da desvalorização internacional da moeda no sentido
de anteceder e superar os aumentos dos preços internos, por mais astro­
nómicos que estes fossem, atraiu, como na França, um exército interna­
cional de pessoas em busca de pechinchas. Isto foi acentuado por nego­
ciantes locais que adquiriam as propriedades daqueles indivíduos cujas
economias agora eram destituídas de valor e precisavam vender utensílios
domésticos, quadros, outros objetos de família ou imóveis para poderem
comer. À medida em que a inflação prosseguia, a exportação de tesouros
pessoais foi proibida, e as pessoas que deixavam a Alemanha eram obri­
gadas a abrir as suas bagagens e entregar o que levaram. Na França, supes-
-sc que os caçadores de pechinchas eram americanos. Na Alemanha,
ai -juientamcnte, espalhou-se o boato de que eram judeus.

Em 29 de novembro de 1923, baixou o pano. Como na Áustria um ano


antes, o fim veio subitamente. E, como na inflação fiancesa mais suave,
o fim veio com extiaordinána facilidade. Talvez tivesse terminado simples­
mente porque não poderia ter continuado. Em 20 de novembro, foi decla­
rado que o velho rcichsmark não tinha mais valor como dinheiro. Foi
intioduzida uma nova moeda, o leiitemnaik e uma unidade eta trocada
por cada mil bilhões, isto é, trilhão, das antigas. Declarou se que o novo
lentenmaik eia garantido por uma piuneiia hipoteca sobre toda a tetra
e os outros ativos tísicos de Reich. Esta ideia teve ancestrais nos assignats;
era. entretanto, muito mais fraudulenta. Na Fiança em 1789, havia lenas
disponíveis, visíveis, icceniemenle apropriadas da Igreja, e pelas quais a
moeda imcialmenlc podia ser trocada; qualquer alemão que desejasse
exercer O direito de conversão dos seus lenteninaiks por propriedades
alemães teria sido considerado nienlalinente desequilibiado.
A INI 1 A(, AO SI I’Rl MA 169

Não obstante. essa solução funcionou As cm mul.iiii ,ltn


\es meses piecedentes. os pagamentos exigidos pelo Tratado tinham ratdo
3 niveis insignificantes c não foram mais restituídos substancialmenfe
\o final, duiante a década dos vinte mais foi pn.o A Alemanha em emprés­
timos do que ela pagou em lermos de indenização,14 embora o principio
de que o vencedor devesse subsidiar o sem ido não se tornasse po|t!i( .t
inteniacionalmente reconhecida antes do final da Segunda Guerra Mundial
Sircsemann. agora o Primeiro Ministro, havia abandonado a resistência
passoa no Ruiu com a sua pesada taiga sobre o orçamento Fm conse­
quência dessas medidas, o luçamcnto podia ser equilibrado F nqu.mfo
isso, o Reichsbank suspendeu o desconto dc títulos de empms.ts pnvid K
Anos um período cuito e doloroso, essas empresas passaram nov tm-mm »
ser atendidas pelos bancos comerciais. 0 desemprego, que havia mio
pequeno durante a inflação, elevou-se substancialmente no ultimo tnmrv
re de lc23. e no Natal mais de um quarto dos membros de todos os sindi­
catos estas am sem emprego. Entretanto, a recuperação for imediata, em
todo o ano de 1924, o desemprego atingiu somente.6,4 f da força de
trabalho. Em 1925. caiu a 3,3%.15

Em 20 de novembro de 1923, o dia em que o velho reichsmark expirou,


também, por enorme coincidência, expirou o presidente do Reichsbank,
Rudolph Hasenstein. O seu lugar foi ocupado por Hjahnar Horace Greeiev
Schacht, que assim tornou-se o principal personagem por trás do nulagrc
do rentenmark. A sua reputação como fazedor de milagres perdurou.
O mito popular afirma que ele foi o gênio financeiro que concebeu a recu­
peração económica alemã sob Adolph Hitler, financiou o rcaunamcnm
alemão e orientou a política econômica nazista nos pniiicui.o
anos de sucesso na Segunda Guerra Mundial. Paia poucos homens
as recompensas da reputação como gemo tinanceuo toiain lao ambíguas,

M Lm autor recente, Richar M. Wait, atuina que durante o período de mdciu-


zações a Alemanha pagou 36 bilhões de marcos, obtendo enqneslimo» externo»
de 33 bilhões. Muitos desses empréstimos nao foram pagos hm Pie A.vtgr Depart
(Nova York. Simon and Schuster, 1966), p 504
15 <A dados sobre sindicatos em 1923 sao fornecidos por Graham, p. 317. l’s üuUui
provem de Angus Maddison. "1 conomic Growth m Western turupe 16 'Ü '
Jn Warren C. Scoville e J ( layburii la f orce, /he Economic Development u/
Western Europe from 1914 lo the Present (I exmgiun, Massachusetts DA'
Heath and Co., 1970), p. 56, e sao ajustados com o objetivo de inJurr todcis
os assalariados.
170 MOEDA

pois elas o fi/eiain um inshunicnto vit.d dos crimes de Hiller e o


piiseiaii) no banco dos réus em Nmemberg. Mais uma vez, a associarão
faiai com a moeda
Schacht foi. na verdade, como quase tudo cm Economia, um aci­
dente do momento. Se as exigências anteriores sobre o orçamento alemão
tivessem continuado após as exigências de indenizações e o custo
da resistência passiva nada teria salvo o marco ou a sua reputação.
Xliviados esses custos, c dada a aspiração dos indivíduos que sofrem uma
expcnencia de intlação por uma morda em que podem confiar - e a sua
disposição de sustentar um mito que também apoie essa confiança tudo
era possível. Vinte c um anos c alguns meses mais tarde, os economistas
americanos, avaliando os efeitos dos ataques aéreos da Segunda Guerra
Mundial sobre a economia alemã, interrogaram Schacht em sua prisão
no pos-guerra; ele havia sido alojado num posto de confinamento, próximo
a Frankfurt, reservado para os membros mais técnicos e profissionais do
alto comando nazista, e que o Exército Britânico estava operando sob o
nome em código de Dustbin.
* Schacht fez enérgicos protestos para ressal­
tar a sua falta de influência no período nazista. Isto, dizia ele, decorria
de sua incapacidade para convencer Hitler da necessidade de equilibrar
o orçamento, limitar os empréstimos bancários e aderir, em períodos
prósperos ou não, às leis imutáveis da ortodoxia financeira. Os econo­
mistas saíram convencidos de que Schacht era, na verdade, um homem
de mente Imitada e congelada que, plausivelmente, tinha exercido muito
pouca influência sobre a bem mais pragmática política económica nacio­
nal-socialista. Com isto concordou a conclusão dos juízes de Nuremberg
mais tarde, e ele foi absolvido.
Em 1948, o reichsmark, que enquanto isso tinha novamente substi­
tuído o rcntenmark, estava mais uma vez praticamente sem valor Desta
vez, os preços não tinham disparado; ao contrário, o direito de acesso a
bens resultava da posse de caitrtes ou cupons de racionamento, e não de
moeda. Todos tinham dinheiio suficiente; o caitáo de racionamento é
que era examinado cuidadosamenle pelo vendedor. (.) reichsmaik, à taxa
de dez por um, foi substituído pelo deutschcmaik. O dmheiio subitamente
tornou-se escasso e importante mais uma vez. Os bens retidos em anteci­
pação do lançamento da nova moeda toinaiam-se disponíveis da noite
para o dia. Não mais precisavam ser racionados. Este foi o novo milagre
alemão. O planejamento da conversão da moeda foi a obia de dois ameri-

* (N. do T.) Expressão que significa “barril (ou caixote) de lixo”.


A INI LAÇAO SUPREMA 171

canos de origem judaico-alemã, Gerhard Colm c Kaymond Goldmiith.


0 espectador inocente foi o Ministro da Economia, I udwig Erhard.
Erhard era. no entanto, o homem que ocupava o cargo e. assim. ele passou
a ser o novo milagreiro. Nem mesmo as frases foram mudadas Infeliz­
mente. Fthard tornou-se primeiio-ministro, (piando a ma atuação mostrou
claramente que ele também era um homem acidental, mesmo que fosse
cm grau menor.

Supõe-se que a grande inflação alemã, como as outras ocorridas na Europa


Central, tenha produzido uma grande transferência de rupre/a dos que
possuíam depósitos a prazo, dinheiro, títulos ou hipotec rs, aos que tmh im
direitos a receber ou propriedades. E, apesar de uma insuficiência de d.idos
estatísticos que a confirmem, parece plausível que essa transferencia tenha
realmente ocorrido. Acredita-se que a perda aí envolvida, a perda simuha-
nea de posição social e a conseqücnte raiva e frustração das pessoas, teve
muito a ver com a ascensão do fascismo ou do comunismo. E%sas são
proposições para as quais não há provas, e é inconveniente, embora costu­
meiro, substituir provas seguras pela convicção das afirmações. Mas os
simples fatos merecem um exame. Todos os países na Europa Central
que sofreram um colapso de suas moedas após a Primeira Guerra Mundial
eventualmente vieram a ter regimes fascistas, comunistas, ou ambos em
muitos casos — como nos da Polônia, Hungria e Alemanha Oriental.
Os países em que a moeda não sofreu tal colapso foram quase umiorme-
mente mais felizes.
0 que não se pode negar é que a inflação alemã tenha deixado os
alemães com um medo generalizado de sua repetição. E qualquer que
terdia sido o efeito da inflação ao abrir o caminho paia o fascismo, as
medidas posteriormente tomadas com base no medo ã inflarão certa­
mente não foram desprovidas de efeito. Já observamos, e isso voltaia
a se repetir, que a medida antiintlacionaua mais torle e tomada quando
menos é necessária. Em 8 de dezembro de 1931, com uma sexta parle
da força de trabalho alemã desempregada, o governo de lieimich tíiumiig
decretou uma redução de 10 a 15% da maioiia dos salaiios, o que couvs-
pondeu a uma volta ao nível de quatro anos antes. Decretou lambem
uma redução de 10% dos preços dos piodutos industiiais, e dccies-
crnios semelhantes de aluguéis, passagens de tciiovias, lietcs leiiovia-
nos, e serviços municipais. Anlcuoimciile, os vencimentos dos funcio­
nários públicos tinham sido coitados em um quinto, e os impos­
tos sobre salários, oi deitados e a renda Unham sido subsiancialmenle
elevados. Os pagamentos de assistência aos desempiegados também
MOEDA
172
„„me o desemprego s"b”‘ a (»UÍnt°
foram reduzidos. No s‘\ * r ,,() ano $ubv<|"<‘nte Hitler subiu
da força do tmbalho da Al‘,,,bU
ao poder 16 * *7

Ai ur-os de desemprego foram extraídas de Maddison, p. Guillebaud, que


excluiu algumas categorias não industriais, avalia o dcsempivgu em y 931 eni ccrca
de urn quarto da força de trabalho, e cm 1932 em um tviço çç Guillebaud.
The Economic Recovery oj Germany (Londres. Macmillan & < u 19 39), p. 31.
17 Mau tarde, durante a década dos 30, Bruning associou se ao corpo docente de
Harvard como Professor de Governo. Inia noite, num seminário de boas vindas,
perguntei-lhe se suas medidas draconianas num período de deflação geral não
tinham promovido a casa de Adolph Hitler. Ele disse que não. Quando, impru­
dentemente, insisti nesse ponto, ele perguntou me se eu duvidava da palavra do
antigo chanceler do Reich Alemão.
Cs

Assim como a França escolheu a linha de menor resistência na década


da grande dispersão monetária, a Grã-Bretanha adotou a de maior reni­
tência. A experiência francesa foi melhor, embora isto não se;a uma-prova
de maior sabedoria. A França, como vimos, tem uma tendência para üvrar-
-se de todo e qualquer infortúnio. A Grã-Bretanha, com a sua pesada
dependência do comércio internacional, é um país difícil de administrar
A política econômica britânica, conseqüentemente, precisa ser melhor
do que a maioria dos outros países, e o que frequentemente e tido como
mau desempenho britânico não passa na verdade de um retlexo da maior
dificuldade da sua tarefa. Entretanto, na década dos vinte, os ingleses,
depois de considerável quantidade de retlexão e debate, fizeram exaia-
rnente o que piorava mais a situação.
Na Grã-Bretanha, como em outros lugaies, os pieços caiiam em
1920 e 1921 à medida em que a situação de escassez piopna da gueita
foi superada, o orçamento foi novamente colocado sob controle e a
prosperidade acabou. O desemprego, que logicamente havia sido insigni­
ficante nos anos precedentes, subiu a 12,0% da força de tiabalho em
1921. Sua média no ano seguinte foi supenoi a 10%. A partir daí caiu,
MOI.DA
174

os preços fumai anise ou subiiam como também fizeram os salários.


Tudo parecia estai de volta ao normal 011 ao (pie, de acordo com o grande
solecismo do Presidente Ihnding, os americanos então chamavam de
*
estado normal. (\pós a partida do Presidente Nixon em 1974, um lexi­
cógrafo falou cm letoino à nmmalidade.) Fm 1925, tomou-se a decisão
de voltai ao p.idião-omo,
Lsta foi uma decisão menos importante do que foi considerada
por debates postenoies. Nos dias maioies da Grã Bretanha, a libra esterlina
e 0 ouro ctam intcrcambi.iveis. c não se pensava que um fosse inferior
ao outro. Paia uma nação disposta a recuperar a sua eminência passada,
económica ou de qualquer outro tipo, restabelecer essa identidade era
uma medida natural. Ninguém estava mais exposto à memória dessas
g-onas passadas do que o então Ministro das Finanças, Winston Churchill,
paca quem 0 passado era parte da própria vida, além de uma rica fonte
de prestigio familiar e riqueza pessoal. O seu pronunciamento no Parla­
mento em 2S de abril de 1925, anunciando o retorno ao ouro, foi um
evento churchilliano. Os domínios autônomos, observou, tinham passado
ou estavam caminhando para o restabelecimento do padrão-ouro, e
deveria portanto haver “unidade completa de ação” em todo o Império
Britânico. 0 sucesso da medida estava sendo assegurado por apoio ameri­
cano - 290 milhões de dólares do Banco Federal de Reserva de Nova
York, e 100 milhões de dólares de J. P. Morgan. A conseqüència seria uma
grande restauração do comércio internacional e intra-imperial. Daí para
a frente, as nações unidas pelo padrão-ouro “flutuariam em conjunto,
como navjos cujos costados estão unidos e sobem e descem no porto com
a maré”. Como pequeno efeito, acrescente-se que só podia haver ouro para
exportação. Não haveria mais moedas de ouro. O Aew York Times do
dia seguinte noticiou que, “de acordo com a opinião difundida nos corre­
dores”, 0 discurso do Ministro tinha sido uma oração “das melhores numa
longa tradição” e “inteiiamente de acordo com a sua própria elevada repu­
tação como orador parlamentar”. A sua manchete indicava que as propos­
tas de Churchill tinham levado o “PARLAMFNTO F A NAÇÃO AO
PINÁCULO DO LNTUSIASMO”.1 Dezesseis anos mais taide, Churchill
estaria bem colocado; nenhum homem estava melhor equipado paia fazer
o leão rugir. Lm 1925, tanto ele (pranto a sua oratória foram, sem duvida,
uma desgraça.

* (N. do T.) No original, “nonnalcy”.

1 New York Times, 29 de abrd de 1925.


OS FERIMENTOS Al IO INI I K.IDOS 175

O erro que dcfendei.iin foi restaurar a lihra ao seu conteúdo ,]e ()Ur0
do préqmena, de 123.27 gjâos de ouro puro, c ao smi antigo vilor de
tioca île 4.S7 dolaies. l in 1920, a lihra tinha caído até 3.20 dólares de
ouro. I niboia desde então tivesse sofrido uma re< iipei a^,ii> e ainda esti­
vesse subindo, os níveis de conteúdo de ouro e da taxa de câmbio do
pre guerra ainda eram excessivainenle altos. Isso ocorria porque, j es^s
níveis, os preços botânicos ciam muito elevados Devido aos altos preços
britânicos, qualquer pessoa com ouro ou dólares era beneficiada io tro. a
-los pela moeda de um dos concorrentes hritânuos e comprar bens nesses
países. E os piópnos ingleses tampouco podiam beneficiar se trocando
libras por dólares. omo ou outras moedas à favorável taxa churcbdli ma
e comprando no exterior. Em 1925, as vantagens dc preço nessa ot*-
ração eram de aproximadamente 1(X7. As exportações, corno sempre,
eram essenciais para a Grã-Bretanha. Assim, mantidos constantes outros
íatores. o carvão, os tecidos c outros bens manufaturados ingleses >ó
poderiam tornar-se competitivos às novas taxas de câmbio se os seus
preços caíssem aproximadamente 10'7. Um processo muito pouco
confortável.
0 caso do carvão era praticamente desagradável, pois as minis,
ainda em mãos dc empresas privadas, estavam mal equipadas, muitas
vezes administradas com indiferença e operadas por uma força de traba­
lho mal utilizada, furiosa e altamente inteligente. A diminuição dos pn-çus
do carvão exigiria salários mais baixos. Concordando que haveria proble­
mas na indústria carbonífera, Churchill atribuiu essas dificuldades i ma
situação do setor. Numa corajosa substituição de pensamento por metá­
fora, ele afirmou que a taxa de câmbio não tinha mais a ver com os pn>
blemas de carvão do que com a Corrente do Golfo do Mexico Kcvncv
prontamente descreveu esta afirmação como sendo da “e»pccie ceicbio
de penas.” 2
Embora outros tivessem duvidas incluindo Regm.dd McKmna,
Presidente do Conselho de Administiaçao do Midland Bank, o anLgo
Ministro das Finanças, que havia sido aliaido paia a pohlica do ouio
somente com muita dificuldade a oposição a Chuichill eia lidciada
por Keynes. Ira uma oposição com um aigumenlo basiantc simples.’

2 John Maynard Keynes. Essaya ui ftnuMíluri (Nova York Harcourt, bta<.c and ú.,
1932), p. 246.

3 Embora nem mesmo Keynes o tenha leito com prcscicmia completa. Ame» da
volta ao ouro, Keynes achava que ela íaru com que o» preços americanos subis­
sem, Com possíveis consequemus milacioruira». E O seu argumento icstungia se
176 MOEDA

Retornando ao ouro à antiga paridade, a Grã-Bretanha aceitava a neces­


sidade de uma dolorosa redução de preços e salários com a conseqüente
estagnação e com desemprego, fontes ricas de tensões sociais. Mas Keynes
defendeu o seu argumento com compaixão. Estava ansioso por descobrir
porque Churchill, um homem de reputação considerável, tinha sido impe­
lido a fazer “uma coisa tão boba”. E, de certo modo, desculpou-o.
Churchill, explicou Keynes, “não tinha um julgamento instintivo que o
impedisse de cometer erros.” E “carecendo desse julgamento instintivo,
ele havia sido ensurdecido pelas vozes clamorosas das finanças conven­
cionais; e, acima de tudo... tinha sido mal orientado pelos seus especia­
listas.”4 A qualidade da misericórdia às vezes pode ser bastante exagerada.

Na verdade, Keynes não foi perdoado por sua compaixão, e eventos


posteriores o tornaram ainda menos merecedor de absolvição, pois os
homens respeitáveis naturalmente encaram o indivíduo que está certo
como uma ameaça à sua própria proeminência. Nos quatro anos seguintes,
os preços na Grã-Bretanha permaneceram sob pressão e o desemprego
continuou elevado - de sete a mais de nove por cento da força de tra­
balho. Era uma marca registrada britânica. Nesses anos, Samuel Dodsworth,
o magnata aposentado da indústria automobilística de Sinclair Lewis,
chegou à Inglaterra. Ele queria ver, além da Abadia de Westiminster, os
trabalhadores da indústria têxtil de Lancashire recebendo a assistência
aos desempregados.
Não é fácil, meio século mais tarde, imaginar uma época em que
trabalhadores sindicalizados pudessem ser informados diretamente de uma
redução de salários. Não era inteiramente possível em 1926. Quando os
mineiros foram informados de que os seus salários seriam reduzidos con­
forme exigia a política monetária, eles logicamente prepararam-se para
entrar em greve. Qs proprietários anteciparam-se à greve dispensando os
trabalhadores temporariamente. Em apoio aos mineiros houve uma greve
geral. A greve geral não durou muito e, como muitos outros infortúnios
britânicos, foi aproveitada pela maioria da população. Dentre os que

somente à oposição quanto à volta ao ouro; nem ele, nem outros recomendaram
a solução simples de reduzir o valor da libra em ouro e dólares. Isto era rejeitado
como alguém rejeitaria a demolição das ruínas druidas de Stonehenge. Quanto
às discussões precedentes, ver Charles P. Kindleberger. The World in Depression
1929-1939 (Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1973), pp. 43
e segs.
4 Estas citações são de Keynes, pp. 246, 24 8-4 9.
OS FERIMENTOS ALTO-INFLIGIDOS 177

tomaram uma posição compensadora em favor da lei, da ordem e do


governo constitucional, e contra a tirania das massas, estava Winston
Churchill. Outra vez a Corrente do Golfo do México. Mas, a greve dos
mineiros durou boa parte de 1926 antes de ser finalmente derrotada.
Durante toda a década dos vinte, as exportações permaneceram fracas, a
reserva de ouro do Banco da Inglaterra continuou em posição periclitante,
e foi necessário solicitar apoio adicional dos Estados Unidos.
Keynes ainda estava sob vigilância por sua oposição ao Tratado de
Versalhes, embora agora fosse reconhecido que a sua posição neste campo
tivesse muitos méritos. Agora, em troca de sua capacidade de previsão
ele era obrigado a contentar-se com a direção de uma companhia de
seguros, escrever, cultuar as artes, lecionar de uma maneira casual e espe­
cular ardentemente em seu próprio nome e no do King’s College de
Cambridge, do qual tomou-se o tesoureiro. Não foi antes da Segunda
Guerra Mundial que as coisas ficaram suficientemente sérias para permitir
a sua readmissão ao “establishment”. Churchill, por outro lado, saiu-se
muito melhor. A convenção que faz do erro em assuntos monetários
algo apenas interessante funcionou mesmo no seu caso extraordinaria­
mente óbvio. Todos concordavam que ele tinha cometido um erro. Mas
não havia tido efeitos tão adversos sobre a sua carreira como os da sua
posição anterior e talvez mais defensável em favor da campanha nos
Dardanelos.
Em 1929, o desemprego estava caindo e a produção subindo, embora
ainda a taxas modestas. A posição de ouro do Banco da Inglaterra ainda
era fraca. Vieram então a crise americana e a queda. Em conseqüència,
pelo menos em parte, da adversidade que seguiu-se à decisão de 1925,
a Grã-Bretanha tinha então um governo trabalhista. Não estava muito
mais imune do que os seus predecessores às clamorosas vozes das finanças
ortodoxas. Em 23 de agosto de 1931, Ramsay MacDonald foi informado
de que um empréstimo esperado de um consórcio de bancos americanos
seria possível, supondo que certas reduções orçamentárias, incluindo uma
diminuição da assistência aos desempregados, recebessem o apoio do
gabinete e do público. Nesse momento, uma minoria do gabinete mostrou-
-se recalcitrante. Assim, MacDonald renunciou e formou um ministério
de coalisão com liberais e conservadores. Em setembro, a obrigação de
pagar ouro de acordo com a Lei do Padrão-Ouro foi suspensa.5

5 C.f. R. Basset. Nineteen Thirty-one (Londres: Macmillan and Co., 1958), pp. 127
e segs.
us MOEDA

Num sentido, Churchill havia triunfado. Ajudado pelo complexo


de inferioridade dos socialistas em tais assuntos, a sua medida de 1925
tinha destruído todas as ameaças da esquerda por mais quinze anos.
A volta ao padrão-ouro em 1925 fora talvez a ação mais decisivamente
prejudicial envolvendo a moeda nos tempos modernos.
Nos Estados Unidos, a prosperidade do pós-guerra continuou durante
o ano de 1919 e boa parte de 1920. Então veio uma severa depressão.
O Sistema Federal de Reserva, estando temporariamente suspenso o seu
papel de guardião contra a expansão e o declínio, no mínimo facilitou
ambos. Enquanto os preços estavam subindo e prosseguia a especulação
em mercadorias e terras, manteve as taxas de juros baixas. Os bancos
comerciais tomaram empréstimos livremente dos Bancos Federais de
Reserva para atender as necessidades dos seus clientes para especulação
e outras exigências. O Tesouro dos Estados Unidos, que ainda precisava
vender obrigações, apoiava a política liberalizante, embora muito também
deva ser atribuído ao tomar dos homens cautelosos de que fariam estourar
a bolha. Se o fizessem seriam culpados pessoalmente pelo colapso. Era
melhor que o colapso viesse por si mesmo. E veio logo.
No início de 1920, extintas as necessidades militares, superada a
escassez do tempo de guerra e não mais apoiadas as encomendas do exte­
rior por empréstimos americanos, os preços estabilizaram-se e começaram
a cair. Quando a reviravolta veio, o Sistema Federal de Reserva recobrou
a sua coragem. A taxa de redesconto foi elevada a uma taxa sem prece­
dentes de 6%. Os empréstimos pelos Bancos de Reserva aos bancos
comuns, que haviam aumentado, mantiveram-se constantes e depois
caíram substancialmente. Em 1921, eram inferiores à metade do nível
de 1920. De meados de 1920 em diante, os Estados Unidos sofreram o
que muitos acreditam ter sido a mais forte depressão da sua história até
aquela época. O Sistema Federal de Reserva, em face do seu primeiro teste
real, não pode ser considerado como aprovado com menção honrosa ou
qualquer outro tipo de menção. De acordo com a opinião geral, acentuou
a expansão e piorou a depressão. Este sempre foi considerado um erro
particularmente interessante.6

6 A sua falta de agressividade para encerrar a expansão de 1919 pode ter explicado
a não renomeação de W. P. G. Harding como Presidente (ou Governador, como se
dizia então) do Conselho em 1922. Entretanto, como observou o Professor
Friedman, ele não foi muito prejudicado por esse erro. Tornou-se Governador do
Banco Federal de Reserva de Boston — sendo o seu padrão de vencimentos,
como foi notado antes, o padrão dos banqueiros, e não o dos funcionários pú-
OS FERIMENTOS ALTO-INFLIGIDOS 179

A depressão de 1920-1921 passou logo. Em sua breve passagem,


porém, mostrou um padrão de comportamento de preços que era rico
cm presságios. A economia americana não mais respondia de maneira
homogênea à deflação e à depressão. Os preços de produtos agrícolas
estavam apresentando uma tendência para cair mais rápida e significati­
vamente do que os de produtos industriais. Em 1921, os preços de pro­
dutos não-agrícolas no atacado estavam, em media, 158% acima do seu
nível em 1914. Os produtos agrícolas estavam somente a 124% desse
nível.7 É óbvio que forças diferentes atuando sobre esses preços, e uma
diferença evidente residia no fato de que os preços agrícolas eram fixados
em mercados não controlados, com muitos vendedores e compradores.
Os preços industriais, fixados em mercados de poucos vendedores, estavam
sob controle privado muito maior. As conseqüências dessa diferença e
desse controle eventualmente serjam muito importantes.
Uma conseqüência imediata foi uma década de insatisfação por
parte dos agricultores. Outra foi o nascimento da imortal fórmula da
paridade. Logo ficou evidente aos líderes rurais que não era o nível dos
preços agrícolas que era importante, mas sim o seu nível em relação aos
dos outros preços. Daí surgiu a idéia de que o objetivo natural e justo da
política agrícola deveria ser a manutenção da relação entre os preços
pagos e recebidos pelos agricultores no pré-guerra, que tinha sido bas­
tante favorável. O preço de um produto agrícola no pré-guerra, elevado
pelo acréscimo desde então sofrido pelos preços pagos pelo agricultor,
seria o nível de paridade. A última conseqüência, menos importante,
foi a suspeita de que talvez o Sistema Federal de Reserva tivesse
contribuído para agravar as dificuldades dos agricultores - um renasci­
mento modesto do antigo temor de que um banco central podia fazer
ao agricultor.
A depressão de 1920-1921 foi a primeira a testar o cansaço da nação
com a anarquia da atividade bancária não controlada e as falências daí
resultantes, bem como a capacidade de reação do Sistema Federal de
Reserva. Este teste também fracassou. Em 1921,505 bancos suspenderam
os seus pagamentos, um número mais de três vezes superior ao do ano

blicos civis - com vencimentos duas vezes superiores aos que recebia em Washin­
gton. Cf. Milton Friedman e Anna Jacobson Schwartz. A Monetary History of the
United States, 1867-1960. Estudo do National Bureau of Economic Research
(Princeton: Princeton University Press, 1963), p. 229.
7 U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics of The United States, Colonial
Times to 1957 (Washington, D.C., 1960), p. 117.
ISO MOEDA

anterior. E o número de falências continuou alto - em somente dois dos


anos do período até 1929 ele foi inferior ao de 1921. A maioria das falên­
cias registrou-se entre os pequenos bancos estaduais que não eram mem­
bros do Sistema. Ainda estava em vigor o velho acordo, que permitia às
áreas rurais ter os empréstimos e a criação de depósitos e moeda em
bases casuais que acreditavam serem adequadas às suas necessidades, e
também a sofrer as conseqüências. Mas um número apreciável e crescente
de falências registrou-se também entre membros do Sistema Federal de
Reserva. E esses bancos eram maiores; durante a década dos vinte, eram
responsáveis por entre um terço e metade, em alguns anos, de todos os
depósitos dos bancos falidos.8
Não obstante as grandes esperanças, os Estados Unidos ainda não
dispunham de um órgão para acompanhar a atuação dos bancos e para
resgatá-los quando demasiadas pessoas acorressem em busca de dinheiro.
Na verdade, durante esses anos o Sistema Federal de Reserva pareceu não
supor que as falências de bancos estivessem sob a sua jurisdição. “Anual­
mente, o Conselho divulgava as cifras melancólicas. . . e limitava-se a
notar que as suspensões de pagamento eram desproporcionalmente veri­
ficadas em bancos não filiados ao Sistema, e não em bancos-membros, mas
em bancos em pequenas comunidades... bancos em áreas agrícolas, e não
em áreas industriais.”9 Este fato também tinha muito em termos de
presságio, quando na década seguinte bancos de todos os lugares, grandes
e pequenos, membros ou não, caíram como árvores num ciclone.

Portanto, o primeiro teste dos novos instrumentos monetários americanos


não teve resultados ambíguos. Não houve progressos em relação à expe­
riência do século dezenove. Agora, estava sendo aplicado um teste muito
mais severo. Os que arranjam a vida para os homens de reputação e emi­
nência financeira não têm descanso.
Após a depressão de 1921 vieram os oito anos de vacas gordas.
Que não foram gordas para todos. Os agricultores estavam descontestes
e faziam sentir as suas queixas. Os trabalhadores cujos sindicatos tinham
sido eficazmente desmanchados pela depressão de 1921; os negros e as
outras minorias; as mulheres, não seria preciso acrescentar — estavam
todos sem representação, e ninguém podia dizer até onde ia a sua
insatisfação.

8 L.S. Bureau of the Cen>us. Historical Starístics, p. 117.

9 I rirdinuncSchuartz.pp. 269-70.
OS FERIMENTOS AUTO-INFLIGIDOS 181

O que é certo é que sob a agradável fachada havia brechas. Os salá­


rios e preços de 1922 a 1929 foram quase estáveis.10 Como tanto a pro­
dução quanto a produtividade estavam aumentando (a produção por
trabalhador na indústria de transformação cresceu 43% durante a década
dos vinte),11 isto significava que os lucros estavam aumentando. 0 lucro
líquido de uma amostra de 84 grandes empresas na indústria de transfor­
mação praticamente triplicou entre 1922 e 1929; seus pagamentos de
dividendos dobraram.12 Auxiliado por sucessivas reduções do imposto
sobre a renda, este fato significou que a parte da renda destinada aos ricos
para consumo e investimento tinha sido amplamente aumentada. Esta
renda precisava ser gasta ou investida. Se algo interrompesse esse consumo
ou investimento, haveria uma queda de procura — e problemas para
a economia.
Tanto os gastos de consumo quanto o investimento eram vulneráveis.
Os gastos dos ricos podiam cair se ficassem sujeitos a um susto grave por
exemplo, um declínio substancial do mercado de ações. Uma parcela
considerável do seu investimento estava aplicada em empréstimos estran­
geiros - a cidades alemães, repúblicas sul-americanas. Muitas coisas podiam
acontecer a este tipo de investimento — revolução, repúdio da dívida,
dificuldade em adquirir.o ouro ou os dólares necessários para o paga­
mento dos juros ou do principal — o que assustaria os investidores. Grande
parte dos empréstimos domésticos destinava-se às promoções da geração
corrente de gênios financeiros — as ferrovias dos Van Sweringens, os servi­
ços de utilidade pública de Samuel Insull e Howard C. Hopson, as opera­
ções mais diversificadas e obscuras de Ivar Krueger. Todas elas envolviam
uma estrutura complexa e ocasionalmente incompreensível de “holding
companies”, em que as sociedades anônimas a níveis mais altos emitiam
debêntures (e ações preferenciais) para comprar e deter as ações das
sociedades a níveis inferiores, até atingir o nível das empresas efetiva­
mente em operação. Isto proporcionava o controle das empresas com
um investimento mínimo. Também significava que se algo interrompesse

10 A tendência dos preços no atacado, como foi assinalado pelo Professor Friedinan
ao notar que não foi um período de inflação geral, foi de ligeiro declínio. Cf.
Friedman. Schwartz, p. 296 e segs.
11 John Kenneth Galbraith. The Great Crash, 1929, 39 ed. (Boston: Houghton
Mifflin Co., 1972), p. 180. De W. Arndt. The Econornic Lessons of the Nineteen-
-Thirties. (Londres: Oxford LJniversity Press, 1944), p. 15.

12 U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics, p. 591. Baseado em cálculos


do National Bureau of Economic Research.
182 MOEDA

o fluxo de dividendos de baixo para cima — com os (piais os juros das


debêntures dos níveis superiores podiam ser cobertos — as debéntures
não seriam remuneradas, e toda a estrutura faliria. Fundos externos não
mais seriam investidos. E nada mais seria investido em qualquer lugar
por quem assim perdesse dinheiro.
As promoções de “holding companies”, juntamente com as com­
panhias de investimento, foram as maravilhas dos vinte e os que as into-
duziram foram os gigantes da época. Tanto as promoções quanto os pro­
motores foram, em todos os sentidos, os precursores dos conglomerados,
fundos de perfonnance, fundos de crescimento, fundos “offshere” e
fundos de investimento imobiliário, e os seus construtores e demolidores
foram os indivíduos que iriam estimular e depois destruir o cenário finan­
ceiro das décadas dos anos sessenta e setenta.
Finalmente, em parte em decorrência dos lucros do período e,
na verdade, do génio aparente dos grandes promotores, houve o “boom”
de mercado de ações. As ações começaram a subir na última metade de
1924 e assim continuaram durante 1925. Houve uma breve redução em
1926. Nesse ano, dois furacões e a exaustão da oferta de novos compra­
dores. necessários para manter o prosseguimento de qualquer especulação,
provocaram o colapso do grande “boom” com as terras da Flórida. Mas,
em 1927, o movimento ascendente foi retomado, e continuou a ganhar
impulso durante esse ano, em 1928, e até setembro de 1929. A média
de vinte e cinco ações de empresas industriais, calculada pelo New York
Times, que estivera a 134 no final de 1924, 245 no fim de 1927, estava
a 331 no início de 1929. Foi de 339 a 449 mos três meses do verão desse
ano, uma elevação de 32%. Como antes, os indivíduos e as instituições,
particularmente as novas companhias de investimento, antecessoras dos
fundos mútuos, estavam comprando porque esperavam que os preços
subissem. As suas compras faziam com que os preços subissem, levando à
concretização de suas expectativas e estimulando novas e ainda maiores
expectativas e a resultante corrida para compra. Esta corrida, seja dito
mais uma vez, duraria até que a oferta de novos compradores que susten­
tava as expectativas se esgotassem ou algo acontecesse para inverter as
expectativas. Quando isso ocorresse, como resultado do colapso de emprés­
timos estrangeiros ou da falência das grandes “holding companies”, os
investidores tenderiam a ceder os seus temores. Tanto os gastos de investi­
mentos quanto os de consumo cairiam.
Financiando a venda de títulos de baixa qualidade e alimentando
a especulação no mercado de ações, um papel importante foi desempe­
nhado nesses anos pelo novo sistema monetário.
OS FERIMENTOS AUTO-INFLIGIDOS 183

A subscrição de títulos na década dos vinte era amplamente financiada


pelos bancos comerciais, e nesse período grande parte dessas operações
eram feitas por empresas associadas aos bancos comerciais. A compra
especulativa de títulos por pessoas físicas era financiada de maneira seme­
lhante. Muitas dessas operações, com a expectativa de ganhos, eram feitas
na margem. Isso quer dizer que os bancos proporcionavam os fundos
para a compra de ações e tomavam estas últimas como garantia dos
empréstimos.
Os bancos comerciais que emprestavam dinheiro para essas operações
estavam, por sua vez, tomando substanciais empréstimos do Sistema
Federal de Reserva. Portanto, o Sistema estava ajudando a financiar a
grande expansão do mercado de ações. Seria errado dizer que a tivesse
provocado; homens e mulheres não especulam apenas porque têm dinheiro
para fazê-lo. Mas o Sistema Federal de Reserva alimentou a especulação,
e nada fez para pará-la.13

A alimentação do “boom” pelo Sistema foi, segundo a lenta, o resultado


de outro erro interessante. A 19 de julho de 1927, o navio Mauretanui
chegou ao porto de Nova York com dois notáveis passageiros, Montagu
Norman, Governador do Banco da Inglaterra, e Hjalmar Schacht, presi­
dente do Reichsbank. (Não foi um momento de presciência geral.
Alexander Kerensky, encerrando nesse dia uma visita aos Estados Unidos,
declarou aos jornais que o regime soviético ia mal das pernas e cama
dentro de alguns meses.) O sigilo que cobria a visita.era bastante grande e,
de certo modo, muito ostensivo. Os nomes dos dois grandes banqueiros
não constavam da lista de passageiros. Nenhum deles, ao chegar, reuniu-se
com a imprensa, embora, segundo o New York Times, o Dr. Schacht,
ao sair do salão de refeições no caminho de entiada após sair da quaren­
tena, “tinha feito uma pausa suficientemente longa paia anunciar que
nada tinha a declarar.” 14 Sir Montagu subiu apiessadainente as escadas,
acenando a sua mão e foi menos cooperativo ainda.

13 Escrevendo antes sobre este período, argumentei, como o fuço aqui, que a espe­
culação não ocorre simplesmente porque iiá dinheiro disponível fura tal apli­
cação. O Professor Friedman combateu me argumentando que pode-se isentar o
Sistema de responsabilidade por causar o “boom” sem isenta ío da responsa­
bilidade de pará-lo. Esta correção eu aceito, Cf. bricdman e Schwartz, p. 291.
14
New York Times, 2 de julho de 1927.
184 MOEDA

Charles Rist, o Vice-Governador do Banco da França, reuniu-se


aos dois homens em Nova York, e depois os três juntaram-se em discus­
sões com Benjamin Strong, o Governador do Banco Federal de Reserva
de Nova York. A esta altura, as dúvidas sobre quem estava dirigindo o
Sistema Federal de Reserva - se o Conselho em Washington, se os aberta
e democraticamente espalhados Bancos regionais, se o Banco Federal
de Reserva de Nova York - tinham sido limitadas a uma disputa cavalhei­
resca entre Nova York e Washington. Os banqueiros do velho mundo,
como os chamava o Times, não duvidavam de que o poder estivesse nas
mãos de Strong. Nos dias seguintes, houve muita especulação sobre os
assuntos em discussão, quase toda ela errada. Esses assuntos eram, reconhe­
cidamente, de conseqüências públicas. Os homens que os discutiam eram
funcionários públicos de fato, se não até de acordo com a lei. Era reco­
nhecido, porém, que o público devia ficar excluído do conhecimento de
suas negociações. Esse reconhecimento, no que diz respeito à política
monetária internacional, ainda é consideravelmente válido.
O tema principal, ou, em qualquer hipótese, o tema de maior impor­
tância era no final das contas a persistentemente fraca posição das reservas
do Banco da Inglaterra. Segundo os banqueiros, essa posição poderia
melhorar se o Sistema Federal de Reserva reduzisse as taxas de juros,
estimulando empréstimos. Os proprietários de ouro então procurariam
as taxas de retomo mais altas mantendo o seu metal em Londres. E, com o
tempo, preços mais altos nos Estados Unidos melhorariam a posição
concorrencial da indústria e dos trabalhadores britânicos. Ainda a sombra
de Winston Churchill. Se parte do ouro fosse para Berlim, que ainda estava
no final da grande inflação, ou para a França, que estava procurando
consolidar o esquema de estabilização de Poincaré, isso também seria
muito bom.
O Sistema concordou. Logo após a reunião, a taxa de redesconto
foi reduzida de 4 para 3,5%. As reservas dos bancos comerciais foram
restauradas nos meses seguintes por operações de mercado aberto — pela
compra de 340 milhões de dólares em títulos do governo pelos Bancos
Federais de Reserva. Este, segundo a visão comum (ainda amplamente
aceita), foi o erro que levou à grande especulação no mercado de ações.
No momento em que era necessário controle, os estrangeiros haviam per­
suadido as autoridades americanas a serem liberais para o seu benefício,
mas às custas dos Estados Unidos. Adolph C. Miller, urn membro do
Conselho do Sistema Federal de Reserva que tinha reprovado a medida,
mais tarde descreveu-a como “a maior e mais corajosa operação jamais
realizada pelo Sistema Federal de Reserva, e... [ela] resultou num dos
OS FERIMENTOS AUTO-INFL1G1DOS 185

erros mais caros cometidos por ele ou qualquer outro sistema bancário
nos últimos 75 anos!" 15 O Professor Lionel Robbins, da London School
of Economics e um observador altainente prestigioso dos eventos, declarou
mais tarde: “A partir dessa data, de acordo com todos os dados, a situação
ficou completamente fora de controle.’’16
No panteão financeiro americano, juntamente com Hamilton,
Biddle, Jay Cooke e Salmon P. Chase, um nicho mais do que simples­
mente secundário está reservado para Benjamin Strong. Mais do que qual­
quer outro americano do seu tempo, ele era considerado capaz de enfren­
tar os sofisticados financistas do velho mundo em seus próprios termos.17
Nada é mais interessante do que saber que a transação à qual o seu nome
está associado é esta concessão a Hjalmar Schacht e Montagu Norman.
Tais são as fontes da fama. Não que sejam peculiares à economia. Se não
fosse pelo escândalo Watergate, H. R. Haldeman e John Dean III não
teriam sido incluídos nos livros de História. Nem Gordon Liddy. John
Mitchell não passaria de uma simples nóta de rodapé. Tanto John Foster
Dulles quanto Dean Rusk foram distinguidos pela magnitude dos seus
erros em política exterior. Salvo pelo fato de estar associado à pior guerra
em termos de direção desde a de 1812, ninguém jamais teria ouvido falar
de William C. Westmoreland. Quando o resto falha, a imortalidade pode
sempre ser assegurada por um erro adequado.

Na verdade, havia uma certa lógica ao lado do Governador Strong — os que


destacam o seu erro histórico têm simplificado excessivamente a questão.
Mais uma vez, as circunstâncias são bastante elucidativas.
Dadas as desordens ou dificuldades contemporâneas da Alemanha,
da França e da Grã-Bretanha, não era surpreendente que, no início da
década dos 20, muitos possuidores de ouro buscassem refúgio paia os seus
tesouros nos Estados Unidos. Os estoques, que estavam a um nível inima­
ginável de 2,9 bilhões de dólares no final de 1918, subitam a 4,2 bilhões
no final de 1926,18 exatamente antes da chegada dos peregrinos do

15 Lionel Robbins. The Great Depression (Nova York: Macmillan and Co., 1934),
p. 53. A declaração de Miller foi feita à Comissão sobre Bancos e Moeda do
Senado.

16 Robbins, p. 53.

17 Um tema de Lester V. Chandler, seu biógrafo altamente competente, em Ben-


jamin Strong, Central Banker (Washington: The Brookings Institution, 1958).

18 U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics, p. 649.


186 MOEDA

Mauretania. Ao chegar, o ouro era depositado cm bancos comerciais,


nos quais, se isso fosse permitido, teria sustentado uma substancial expan­
são do volume de empréstimos, notas e depósitos (sempre supondo que
houvesse pessoas e empresas em busca de empréstimos) com grande efeito
inflacionário. Este efeito o Sistema Federal de Reserva impediu na década
dos vinte através de operações de mercado aberto - vendendo títulos
públicos adquiridos com ouro durante a guerra e transferindo este último,
portanto, dos cofres dos bancos comuns, onde serviriam como base para
empréstimos e depósitos, para os seus próprios cofres. (Em março de
1923, estabeleceu a Comissão Federal de Investimento no Mercado
Aberto, o grupo de cidadãos de poder inigualado, segundo o Professor
Samuelson, para coordenar essas operações.) Uma vez seguramente na
posse do Sistema, o ouro não mais mantinha relação necessária alguma
com os empréstimos e depósitos dos bancos comerciais e, conseqüente-
mente, com a oferta de moeda. O Sistema manteve os seus empréstimos
aos bancos bem abaixo do que teriam permitido as suas reservas de ouro.
0 que era emprestado dependia da taxa de juros que cobrava dos bancos
e, em certa medida, do seu próprio efeito de estímulo ou desestimulo
à tomada de empréstimos pelos bancos. Estes empréstimos, por sua vez,
afetavam as reservas e a capacidade de concessão de empréstimos dos
próprios bancos comerciais.
Assim, embora os Estados Unidos operassem no sistema do padrão-
-ouro, o estoque de ouro não tinha grande significado. Agora, em tempo
de paz, como antes, durante a guerra, o país tinha um meio circulante
administrado. Como o afluxo de ouro não mais exercia um efeito neces­
sário sobre os empréstimos, depósitos, preços ou taxas de juros dos
Estados Unidos - já que estes eram determinados pelas medidas do
Sistema Federal de Reserva — as forças clássicas que redistribuíam o
metal sob o padrão-ouro não mais atuavam. Quando o ouro vinha, não
havia uma queda necessária das taxas de juros; nenhuma expansão de
empréstimos e da atividade econômica; nenhum aumento de preços;
nada, em resumo, para contrabalançar a entrada de ouro e estimular novas
saídas, como exigia o funcionamento do padrão-ouro clássico. Seria pos­
sível apoiar o Governador Strong, um defensor inegável do ouro, pois
ao ceder a Schacht, Nonnan e Rist, estava apenas fazendo o que o padiào-
-ouro faria automaticamente. É possível que ele tenha visto as coisas
desse modo, embora tal interpretação mais provavelmente tenda a surgir
após a ocorrência do fato.
E nem mesmo é inteiramente seguro que uma política mais severa
em 1927 ou mais tarde teria parado a especulação no mercado de ações.
OS FERIMENTOS AUTO-INFLIGIDOS 187

Outras coisas poderiam ter sido suspensas antes disso. Os bancos empres­
tam para fins comerciais, industriais e agrícolas ordinários, bem como
para especulação. Na década dos 20, o aumento dos empréstimos agre­
gados pelos bancos comerciais, excluindo o ramo imobiliário, foi relati­
vamente moderado — de 23,0 bilhões de dólares, em meados de 1921,
a 30,0 bilhões em meados de 1929.19 (Os empréstimos ao setor imobi­
liário, no qual havia grande especulação, cresceram a taxas muito maiores.)
Mas, dentro dos valores agregados recém-mencionados, os empréstimos
a corretores para a sustentação de títulos na margem, isto é, para espe­
culação, subiram tremendamente - de 810 milhões de dólares, no fim
de 1921, a 2,5 bilhões no início de 1929, outro tanto sendo contribuição
de sociedades anônimas e outras fontes não bancárias. Houve um grande
aumento adicional em 1929 — nos meses de verão, de aproximadamente
400 milhões por mês.20 A taxa sobre os empréstimos dos corretores, para
os quais não era preciso fazer qualquer provisão para aumento de preços
nesses dias, era maravilhosa — variava de 6 a 12%, e às vezes até mais.
Era um rendimento de 12% com segurança quase perfeita, e o dinheiro
estava imediatamente disponível mediante notificação. 12% são 12%.
Assim, se o Sistema Federal de Reserva tivesse apertado as suas taxas e
os seus empréstimos, os bancos, a menos que ficassem surpreendente­
mente imunes à atração dos 12%, teriam reduzido as suas operações menos
seguras, menos lucrativas e mais ordinárias para fins comerciais, industriais,
agrícolas e para o setor habitacional. Esses seriam os empréstimos que
teriam sido diminuídos. O temor de que isso realmente acontecesse afligiu
bastante os mentalmente suscetíveis membros do Conselho do Sistema
Federal de Reserva em Washington. Além disso, era decrescente a parcela
do crédito para o mercado de ações que provinha dos bancos. As socie­
dades anônimas industriais e comerciais estavam sendo cada vez mais
atraídas pelas altas taxas dos empréstimos com cláusula de chamada.21

19 U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics, p. 631.

20 U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics, p. 660, e Galbraith, pp. 72-4.

21 Os empréstimos dos bancos às empresas também podiam ser reciclados para apli­
cação no mercado de ações. “A taxas de 10%, 15%, ou mesmo 20%, era lucrativo
para um empresário oferecer seus estoques e outros ativos tangíveis como garantia
de um empréstimo bancário a 6%, 7%, ou 8%, e emprestar os fundos a um cor­
retor.” Harold Barger, The Management of Money (Chicago: Rand McNally and
Co., 1964), p. 91. Tenho a impressão de que o volume deste processo de reci­
clagem não era muito grande.
188 MOEDA

A alternativa era advertir, e se possível suspender operações com


os bancos que estavam especificamente levantando empréstimos do
Sistema para aplicar no mercado de ações. Infelizmente para esta solução,
os principais infratores eram os maiores bancos de Nova York. E os
grandes bancos de Nova York, por sua vez, eram unha e carne com o
Banco Federal de Reserva de Nova York. O National City Bank, um dos
maiores juntamente com o Chase National, era então dirigido por Charles
E. Mitchell, um homem agitado e, como os eventos posteriores demons­
traram, extremamente obtuso, que estava pessoalmente muito envolvido
no mercado. Se o “boom” entrasse em colapso, o mesmo aconteceria
com Mitchell, uma relação que ele era perfeitamente capaz de com­
preender.
No início de 1929, de todos os homens possíveis, justamente
Mitchell tornou-se diretor do Banco Federal de Reserva de Nova York.
Em fevereiro de 1929, o Conselho do Sistema, em Washington, emitiu
uma advertência contra o uso de fundos do Sistema para financiar a espe­
culação, com a objeção do Banco Federal de Nova York. Essa advertência
de modo algum espalhou o sentido de cautela: “Um membro [banco
comercial] não estará dentro dos seus direitos normais de redesconto de
recursos no seu banco de reserva quando tomar empréstimos para conceder
créditos especulativos ou manter empréstimos especulativos.”22 Apressava-
-se então em dizer que aquilo que os bancos faziam com o seu dinheiro,
isto é, com o dinheiro dos depositantes, era da sua conta. Esta foi uma
abdicação abjeta da responsabilidade básica do banco central, qual seja
a de manter todo o crédito bancário sob vigilância e todo o controle
necessário. O mercado oscilou em resposta a esta advertência, mas logo
recuperou-se.
O Conselho por sua vez voltou-se para a discussão de mais alguma
ação ou inação. Em março divulgou-se que estavam em andamento reu­
niões na sede do Sistema em Washington; houve notícias de uma reunião
sem precedentes, num sábado. Os bancos finalmente assutaram-se e come­
çaram a diminuir os seus empréstimos ao mercado de ações; em 26 de
março, a taxa de chamada, isto é, a taxa para manter os títulos na margem,
alcançou 20%. O mercado caiu com elevado volume de negócios. Nesse
momento, Mitchell assumiu o controle. Anunciou que sentia a obrigação
“suprema inerente a qualquer advertência do Sistema Federal de Reserva,
ou qualquer outra coisa, de fazer algo no sentido de impedir qualquer

22
Citado em Galbraith, p. 38.
OS FERIMENTOS AUTO-INFLIGIDOS 189

crise perigosa no mercado monetário.”23 Juntando a ação às suas palavras


e necessidades pessoais, no dia seguinte o National City Bank aplicou
25 milhões de dólares em empréstimos a corretores, em parcelas de 5
milhões para cada ponto que taxa de chamada subisse acima de 16%.
O mercado prontamente recuperou-se; embora não escapasse a críticas,
Mitchell continuou como diretor sem qualquer censura do que se tenha
conhecimento.24 O Conselho do Sistema Federal de Reserva não tomou
qualquer outra iniciativa de controle.
Algo neste triste desempenho deve ser atribuído não a atitudes
deliberadas, mas a incompetência. A crença americana de que qualquer
pessoa pode tornar-se diretor de banco central por nomeação já foi sufi­
cientemente salientada, e estava agindo com toda força na década dos
vinte. Herbert Hoover, que havia descrito os membros do Conselho no
período como mediocridades, avaliava Strong da mesma maneira. Ele
o chamou de anexo mental da Europa. Entretanto, em 1927 as coisas
tinham melhorado ligeiramente. Roy A. Young, um homem um pouco
mais competente, tinha substituído Daniel Crissinger, o advogado da
companhia de escavadoras. Young pressionou em favor de restrições aos
empréstimos bancários para especulação no mercado de ações. Entre­
tanto, basicamente desistiu durante o ano de 1929; ele concluiu, como
disse mais tarde, que a “histeria”, embora pudesse ser parcialmente
limitada, precisava ir até o fim da sua trajetória.25

23 Citado em Galbraith, p. 42.


24 Mitchell não sobreviveu. Foi atingido duramente pela crise daquele outono e
mais tarde foi preso por evasão de impostos e despedido pelo Banco. Foi absol­
vido da acusação de evasão de impostos, embora tenha ficado sujeito a um longo
e caro processo civil exigindo a recuperação de um milhão e cem mil dólares
em impostos não pagos. Ele não estava só; os efeitos fatais da associação com
a moeda (bem como a regra da vida americana, de que sofrem os maiores tombos
justamente aqueles que, sem qualificação aparente, sobem aos níveis mais altos)
atuaram poderosamente contra os dois mais notáveis colegas de Mitchell no
período, Albert H. Wiggin, presidente do Chase, e Richard Whitney, então vice-
-presidente, e mais tarde presidente e principal defensor da Bolsa de Valores
de Nova York. Wiggin foi multado, entre outras coisas, por especular com ações
do Chase, usando empréstimos do Chase, e que ele explicou como incentivos
e fonte de interesse no seu trabalho. Whitney, cuja incompetência mais juvenil
do que criminosa, não havia sido notada devido à sua posição social, educação
em Harvard e relações de parentesco, foi condenado pelo roubo de títulos e
enviado a Sing Sing.
25 Seymour E. Harris. Twenty Years of Federal Reserve Policy, Harvard Economic
Studies, Vol. LXI (Cambridge: Harvard University Press, 1933), Parte II, p. 547.
190 MOEDA

Houve ainda uma outra razão para deixar as coisas andarem sozinhas,
que não foi mencionada por Young ou qualquer outra pessoa. Mais uma
vez, uma questão de culpa. Se o Sistema Federal de Reserva limitasse
com decisão os créditos para especulação, não só teria sido responsável
pela extinção do “boom” como seria responsável pelas conseqüências.
Isto incluiria a perda de centenas de milhões de dólares por centenas de
milhares de especuladores, muitos dos quais consideravam-se investidores
prudentes e merecedores. É possível que também provocasse uma depres­
são. Quem estaria disposto a incorrer na fúria daí resultante? Quem dese­
jaria, pelo resto de sua vida, ser culpado — e desprezado — por isso? No
início do verão de 1929, Paul M. Warburg, que além de ser um arquiteto
do Sistema e um dos primeiros Governadores, era uma das figuras mais
prestigiosas na comunidade financeira, fez uma advertência contra a orgia
corrente de “especulação irrefreada”. Num comentário presciente, ele
sugeriu a possibilidade, se a especulação continuasse, de “uma depressão
generalizada, envolvendo todo o país.” Clamou por uma ação mais decisiva
pelo Sistema Federal de Reserva. A reação foi feroz; os comentaristas
menos ofensivos disseram que ele estava desligado do espírito da época.
Outros mais francos o acusaram de sabotagem — de estar “jogando areia
na prosperidade americana”. Houve comentários de que ele poderia estar
em situação exposta no mercado. Warburg disse mais tarde a seus amigos
que foi a experiência mais difícil de sua vida.26 Era muito melhor, do
ponto de vista do Sistema Federal de Reserva, deixar que a natureza
agisse livremente, e levasse a culpa.

O fim veio nos últimos dias de outubro desse ano. Na quinta-feira, 24 de


outubro, depois de uma sucessão de dias maus, achou-se que o mercado
havia perdido o seu fundo. Isso aconteceu na terça-feira seguinte.
Nos dias subseqüentes, e pânico amainou, mas o mercado continuou
a cair. Houve uma breve recuperação na primavera de 1930, e depois
um novo declínio. Em 8 de julho de 1932, a média de ações de empresas
industriais do Times estava a 58 — um pouco acima de um oitavo do
nível de três anos antes. A essa altura, quase tudo estava chegando ao
seu fundo. O Produto Nacional Bruto — o volume total de produção do

Este livro é um guia valioso da visão contemporânea em relação a estas impor­


tantes questões.
26
Galbraith, p. 77
OS FERIMENTOS AUTO-1NFLIGIDOS 191

sistema econômico — estava um quarto abaixo do nível de 1929, quando


medido em preços desse ano, e não muito distante da metade, em termos
de valor corrente. Em 1929, o desemprego — as estimativas foram feitas
a posteriori, e são menos do que perfeitas — havia alcançado em média
1,6 milhão de pessoas durante o ano, ou 3,2% da força de trabalho. Em
1932, a sua média foi de 12,1 milhões, ou pouco menos de um quarto
da força de trabalho. No ano seguinte, foi ainda maior. Não havia seguro
de desemprego; a assistência aos indigentes, segundo um princípio consti­
tucional solene muito citado pelos ricos, era de responsabilidade muni­
cipal. Todos os preços tinham caído um terço em relação ao nível de 1929,
mas os preços agrícolas tinham sofrido uma queda particularmente hor­
renda. Em 1929, os preços de produtos não-agrícolas no atacado tinham
atingido a média de 92% do nível de 1926 (ou seja, 1926 = 100). Em
1932, estavam a 70%, uma queda de um quarto. Os preços dos produtos
agrícolas no atacado estavam a 105 em 1929; em 1932, sua média era de
48% do nível de 1926, uma redução de mais de metade em três anos.27
Mais uma vez, para referência futura, deve ser notada a ação de forças
diferentes sobre partes distintas da economia.
A produção continuou pequena, os preços continuaram baixos, e
o desemprego continuou alto pelo resto da década. Só em 1937 o Produto
Nacional Bruto foi igual ao de 1929, e não foi senão em 1941 que o
desemprego, como era então calculado, caiu a menos de 10% da força
de trabalho.28 A depressão de 1920-1921 foi forte, mas curta. A dos 30
foi forte e muito, muito longa.

27 U. S. Bureau of the Census, Historical Statistics, pp. 73, 116, 139.


28 Nesses anos, os que trabalhavam para a WPA e outros projetos de assistência ao
trabalho eram contados como desempregados. Do modo pelo qual este trabalho
era considerado e remunerado, essa classificação pode muito bem ter sido bastante
apropriada.
ci cjsoecJa
Argumenta-se, devido ao seu efeito sobre as atitudes das pessoas e as
conseqüèncias para o seu comportamento, que a Grande Depressão foi
até agora o evento mais importante do século — pelo menos para os ame­
ricanos. Nenhuma das duas guerras teve efeitos semelhantes sobre tantas
pessoas; o surgimento da energia atômica, embora possa ter levado a uma
certa medida de cautela entre os patologicamente beligerantes, foi de
conseqüência ainda menor. Em comparação, as viagens à Lua foram apenas
um detalhe. Poucos que viveram a Grande Depressão não foram alterados
por essa experiência.
Em contraste com as guerras, muito pouca atenção tem sido dada
aos fatores que converteram as crise desconfortáveis e perturbadoras do
século anterior nessa profunda e prolongada tragédia. Para os marxistas,
foi apenas mais uma manifestação da tendência fatídica do capitalismo; foi
pior do que as que a antecederam porque as crises do capitalismo deviam
piorar mesmo até o colapso apocalíptico final. Para os estudiosos ortodoxos
da epoca, foi apenas mais uma fase descendente do ciclo econômico possi­
194 MOEDA

velmente prolongada pelos mal orientados esforços dos governos para encer­
rá-la.
Nem a crise do mercado de ações, nem a especulação precedente têm
geralmente sido consideradas como causas decisivas. O comportamento
da Bolsa era uma resposta a forças mais profundas e fundamentais; não
era, em si mesmo, uma causa básica de mudança. “A prosperidade come­
çou a arrefecer no início de 1929, embora o público não o percebesse
antes da sensacional quebra do mercado de ações em outubro.”1 Havia
uma certa superficialidade em atribuir algo tão horrível quanto a Grande
Depressão a uma coisa tão pouco substancial quanto a especulação em
ações ordinárias. E talvez também estivesse atuando um certo instinto
de proteção. 0 mercado de ações geralmente tinha sido considerado
pelos virtuosos como coisa moralmente depravada. Por que dar aos inimi­
gos de Wall Street mais munição do que já tinham? Por que também
tornar a especulação socialmente significativa?
De um ponto de vista mais maduro, a especulação do fim da década
dos 20 e o colapso do mercado de ações devem ser considerados como
acontecimentos importantes. Como foi notado anteriormente, a prospe­
ridade da década dos 20 foi fortemente favorável aos rendimentos das
empresas e dos ricos. Em conseqüência, o prosseguimento da prosperi­
dade dependia da continuação de altas despesas de investimento pelas
empresas e de elevados gastos de consumo pelos ricos. A quebra do mer­
cado de ações deu um golpe mortal a ambos. Quando as cotações caíram
rapidamente, subiu reciprocamente a prudência em todas as decisões de
investimento. Empresas sólidas começaram a reconsiderar as suas aplica­
ções. As frágeis estruturas montadas por Hopson, Krueger, pelos Van
Sweringens, por Insull e Feshay foram forçadas a recuar, pois logo os seus
criadores ficaram sem o dinheiro para pagar os juros das enormes emissões
de debêntures que tinham permitido a construção de suas pirâmides.
Os bancos repentinamente tornaram-se cautelosos. Os tomadores de em­
préstimos tinham sido apanhados no mercado. Logo, os depositantes pode­
riam apavorar-se. Era melhor ter bastante dinheiro. E os investidores indivi­
duais, com os seus dedos seriamente queimados de brincar com fogo, tam­
bém eram péssimos clientes em potencial para novas emissões de títulos.
A queda das despesas de consumo foi igualmente severa. Os indi­
víduos que até outubro estavam gastando os ganhos de capital não mais

1 Paul Studenski e Herman E. Krooss. Financial History of the United States


(Nova York: McGraw-Hill Book Co., 1952), p. 353.
QUANDO A MOEDA PAROU 195

os possuíam. Muitos que não foram direfamentc afetados acharam pru­


dente agúem como se o tivessem sido. Nada de mais aconteceu aos negó­
cios nas semanas anteriores à tempestade de outubro; nas semanas seguin­
tes. o recuo foi devastador. Mais recentemente, Charles P. Kindleberger,
um economista e historiador com uma útil resistência ao uso de clichés,
procurou reexaminar os fatos. A sua cautelosa conclusão: “À luz do
colapso súbito da economia, dos preços das mercadorias e das impor­
tações no final de 1929, c difícil sustentar que o mercado de ações tenha
sido um fenômeno superficial. . .”2* A crise de mercado de ações não foi
um fato sem importância. A economia era vulnerável ao seu golpe, e dada
essa vulnerabilidade, o golpe tornou-se um fato de maior importância.

Uma vez complemante em andamento a devastação que havia seguido à


crise de mercado de ações, a história monetária da década precedente
repetiu-se com precisão notável, como se fosse um espelho. É possível
que então o Sistema Federal de Reserva não pudesse ter interrompido o
processo de deflação e a depressão, assim como, antes da crise, não podia
ter seguramente interrompido a especulação. Mas, como durante a fase
de expansão, o que fez piorou ainda mais a situação. Como no período
de 1919 a 1921, a administração monetária acentuou o ’’boom” e inten­
sificou a queda.
Nos meses subseqüentes à crise de mercado, os Bancos Federais de
Reserva reduziram as taxas de juros - a taxa de redesconto do Banco
Federal de Reserva de Nova York (como já foi explicado, a taxa que
cobrava pelos empréstimos aos bancos-membros), que havia sido de 6%
antes da crise, foi reduzida em parcelas de 0,5% até chegar a 1,5% em
1931. Ninguém pode negar que essa taxa era muito menos do que uma
taxa de usura. Entretanto, as reduções parceladas foram excessivamente
espaçadas, representando uma reação muito lenta às grandes quedas da
produção, de emprego e dos preços que estavam então ocorrendo. E os
outros bancos Federais de Reserva, explorando a sua admirada autonomia,
ficaram bem atrás. Mais importante ainda, as compras de títulos no mer­
cado aberto não foram encorajadas, mas sim evitadas. Nesses anos, cresceu
o número de depósitantes, individualmente ou em magotes, que acorriam
aos bancos para retirar dinheiro. O caminho óbvio, para o Sistema Federal
de Reserva, era comprar títulos governamentais, enchendo os bancos com
o dinheiro resultante. E esse dinheiro poderia ser emprestado pelos bancos

2 Charles P. Kindleberger. The World in Dépréssion 1929-19J9 (Berkerley e Los


Angeles: University of California Press, 1973), p. 127.
196 MOEDA

se fosse desejado; de qualquer maneira, eles estariam lá quando mais ccdo


ou mais tarde acontecesse à maioria, as temidas filas sc formassem e a
corrida fosse iniciada. Mas, só cm 1932 os Bancos Federais de Reserva
começaram a realizar operações de mercado aberto em escala apreciável.
A razão dessa estupidez — todas as autoridades no assunto concor­
dam que foi um erro particularmente interessante — c uma para a qual o
leitor a esta altura já deve estar preparado. Na formulação da política
monetária, nós já vimos que os indivíduos envolvidos reagem com mais
segurança à experiência recente mais marcante, e não aos acontecimentos
correntes. Na década dos 30, a experiência recente mais vívida para os
economistas, especialistas em finanças, banqueiros e políticos tinha sido
a inflação. Os preços tinham dobrado apenas quinze anos antes, durante a
Primeira Guerra Mundial. A reação fora profundamente desfavorável. E
somente uma década antes, na Alemanha e na Europa Oriental, os preços
tinham disparado e o dinheiro tinha perdido todo o seu valor. Nas décadas
dos 20 e dos 30, também houve a grande migração de economistas da
Áustria, Alemanha e Europa Central para a Inglaterra e os Estados Unidos.
Todos tinham passado por experiências de primeira mão com a hiperin-
flação. Como conseqüência normal, portanto, as advertências respeitáveis
desses anos de extrema deflação foram contra o grave perigo da inflação.
A percepção deste perigo inexistente era especialmente aguda nos Bancos
Federais de Reserva; estes, acima de tudo, eram os centros reconhecidos
da sabedoria financeira convencional.3 Esta percepção impediu que o
Sistema Federal de Reserva aliviasse mais adequadamente a posição cada
vez mais difícil dos bancos comerciais.4*

Embora o medo à inflação fosse a força mais importante que imobilizava


a mente financeira, dois outros fatores também estavam atuando nçsses
anos. O primeiro era a concepção purgativa da política econômica. Esta
afirmava que o “boom” criava distorções prejudiciais, mas raramente espe­
cificadas, dentro do sistema econômico. A recuperação só podia ocorrer
quando elas fossem eliminadas. A deflação e as falências eram os corre­
tivos naturais. Joseph Schumpeter, Ministro das Finanças de seu país

3 A este respeito, ver Lester V. Chandler. America’s Greatest Depression 1924-1441


(Nova York: Harper and Row, 1970), p. 113 e segs.
4 Houve exceções. Din homem com visão notavelmente diferente foi Eugene
Meyer (pai de Katharine Meyer Graham), que tornou-se Presidente do Conselho
do Sistema Federal de Reserva em 1930. Usou o seu posto para insistir numa
política menos restritiva. Não conseguiu superar o peso da corrente ortodoxa.
QUANDO A MOEDA PAROU 197

durante a maior parte da inflação austríaca, estava agora surgindo como


figura de destaque no cenário econômico americano. Argumentava que o
sistema econômica precisava expelir os seus próprios venenos através da
depressão. Examinando a história dos ciclos econômicos, ele concluía
que nenhuma recuperação havia sido permanente sem que isso aconte­
cesse, e que qualquer intervenção pública para acelerá-la apenas adiava a
terapia e, portanto, a recuperação. Lionel Robbins, a voz mais admirada
do pensamento ortodoxo inglês, como já foi observado, oferecia essencial­
mente os mesmos conselhos no mais famoso livro sobre a Depressão:
“Ninguém quer falências. Ninguém gosta da liquidação por si mesma .. .
[Mas] quando o grau de investimento inadequado e endividamento exces­
sivo passa de certos limites, medidas que adiam a liquidação só tendem a
piorar as coisas.”5 Uma formulação bastante mais grosseira foi apresen­
tada pelo Secretário do Tesouro, Andrew Mellon. Para promover a recu­
peração, ele aconselhava, o país precisava “liquidar mão-de-obra, liquidar
ações, liquidar agricultores, liquidar imóveis.”6
Finalmente, havia o síndroma da confiança nos negócios. Este fator
bastante poderoso na época, e do qual ainda permanecem alguns vestí­
gios, sustentava que as opiniões dos banqueiros e empresários precisavam
ser respeitadas mesmo quando estivessem erradas e fossem positivamente
contrárias à recuperação. Pois se alguma medida fosse tomada em oposição
a essas opiniões, a confiança nos negócios seria reduzida. A confiança redu­
zida significaria menor investimento, menor produção, nível de emprego
mais baixo e depressão pior. Seguia-se, portanto, que as medidas corretas,
se tomadas em oposição às opiniões dos empresários e dos meios finan­
ceiros, seriam medidas erradas. Como os banqueiros e empresários mais
respeitáveis temiam as medidas governamentais de assistência aos indi­
gentes, de dar emprego a desempregados e expandir a procura de outra
forma, o síndroma da confiança favorecia poderosamente a inatividade.
Herbert Hoover estava profundamente comprometido com o sín­
droma da confiança e, até o fim, procurou converter o seu sucessor. Escre­
vendo a Roosevelt no início de 1933, ele expressou a sua convicção de
que “uma declaração inicial sua sobre duas ou três políticas do seu governo

5 Lionel Robbins. The Great Depression (Nova York: Macniillan Co., 1934), pp. 62
e segs., especialmente p. 75.
6 Herbert Hoover. The Memoirs of Herbert Hoover: The Great Depression 1929-
1941 (Nova York: Macniillan Co., 1952), p. 30. As memórias de Hoover não são
um modelo de precisão. Entretanto, esta citação, mesmo que seja muito impres­
sionista, inquestionavelmente retrata a atitude de Mellon.
198 MOEDA

servirão muito para restaurar a confiança e provocar a retomada do


caminho da recuperação.” Dentre as promessas que achava contribuírem
mais para a confiança estavam a de um orçamento equilibrado, com tudo
o que significava em relação a gastos de assistência e elevação do emprego,
e a de “evitar qualquer manipulação ou inflação do meio circulante.”7

Uma vez em andamento a deflação de preços e a redução da produção,


outras forças convergiram para mantê-las, dando-lhes efeito cumulativo.
Como foi notado antes, os indivíduos prejudicados e atemorizados redu­
ziram as suas compras. Isto afetou os preços, a produção e o nível de em­
prego dos seus fornecedores, o que provocou efeitos deprimentes adicio­
nais sobre a procura. E investidores prejudicados e atemorizados pararam
de investir e agarraram-se ao dinheiro que possuíam. Assim, a renda era
poupada e não mais investida ou gasta, e isto também teve efeitos adi­
cionais. E os trabalhadores perdiam empregos e reduziam os seus gastos.
Em conseqüência, os preços e a produção caíam, com efeitos adicionais
sobre os preços, a produção e o emprego. Nem nessa época, nem desde
então, alguém deu um peso preciso, ou mesmo impreciso, a essas diversas
forças deflacionárias. Entretanto, duas delas, com particular importância
para a história da moeda, ou devido às suas perspectivas, merecem atenção
especial.
Uma era a tendência, à medida em que a Depressão piorava em 1930,
1931 e 1932, de que as empresas com algum controle sobre os seus preços
— o tipo de controle de que carecem, por exemplo, os agricultores — bus­
cassem alguma vantagem competitiva com reduções de preços e poste­
riores reduções de salários para compensar a diminuição dos retornos.
Quando isto acontecia, outras empresas do setor as acompanhavam; logo
desenvolvia-se uma espiral descendente, o inverso da moderna espiral
inflacionária. Em lugar de os preços empurrarem os salários para cima e
os salários fazerem os mesmos com os preços, os preços forçavam a dimi­
nuição dos salários, de modo que cada redução de preços levava a um
novo ciclo de redução de salários.
O Presidente Hoover colocou-se contra tais reduções de salários,
embora sem qualquer efeito digno de nota. Ele acreditava que elas redu­
ziam o poder aquisitivo, acentuando a deflação. Com o advento do New

7 Arthur M. Schlesinger, Jr. The Crisis of the Old Order (Boston: Houghton Mifflin
Co., 1957), p. 476.
QUANDO A MOEDA PAROU 199

Deal, o principal objetivo da NRA (National Recovcry Administration) foi


sustar esta espiral descendente. Os seus métodos envolviam uma inter­
venção direta, a contrapartida de controles posteriores de preços e salá­
rios destinados a interromper a espiral.
Os economistas da época deram notas baixas tanto a Hoover quanto
à NRA. Essa intervenção conflitava com o funcionamento livre e compe­
titivo dos mercados. Impedir reduções de salários era impedir reduções
normais e desejáveis dos custos de mão-de-obra. Tais reduções levariam a
operações mais rentáveis, mais emprego. Não se considerava importante
que as reduções de salários afetassem adversamente o poder de compra e a
procura agregada. No final das contas, a visão ortodoxa da NRA preva­
leceu. O seu desaparecimento foi muito bem recebido.
Numa visão da História a prazo mais longo, os argumentos favoráveis
ao Presidente Hoover e à NRA parecem muito melhores do que eram na
época. Há agora poucas dúvidas de que, na moderna economia industrial,
os preços e os salários podem interagir produzindo movimentos fortes e
autônomos sobre as rendas monetárias e os preços. E a intervenção direta
para sustar esses movimentos, nos quarenta anos decorridos desde a
NRA, tem sido uma questão surgida várias vezes na política econômica.
Hoover e os criadores da NRA estavam reagindo de uma maneira direta
às circunstâncias; como geralmente acontece, as circunstâncias consti­
tuem uma orientação melhor para a ação do que a teoria predominante.
A outra força deflacionária a ser notada nesses anos foi a falência
dos bancos. Isso também tinha efeitos cumulativos. À medida em que se
espalhava a notícia de que um banco estava em dificuldades, os indivíduos
a ele corriam, como antes, em busca do seu dinheiro. E nessa época mesmo
os melhores bancos estavam em dificuldades. E à medida em que as filas
formavam-se do lado de fora de um banco, a ansiedade aumentava entre
os seus vizinhos. No melhor relato de primeira mão de tal experiência,
Marriner Eccles, mais tarde Presidente do Conselho de Governadores do
Sistema Federal de Reserva, mas então chefe de um grupo de bancos de
elevada reputação em Utah, contou o que aconteceu num dos seus bancos
quando se soube que uma instituição vizinha, o Ogden State Bank, não
abriria as suas portas naquele dia:

Disse. . . [aos funcionários] o que teriam de enfrentar em algumas


horas. “Se vocês querem que este banco continue aberto,” disse,
“vocês devem desempenhar o seu papel. Façam o seu trabalho como
se nada de extraordinário esteja acontecendo. Sorriam, sejam agra­
dáveis, falem sobre o tempo, não demonstrem qualquer sinal de
200 MOEDA

pânico. O trabalho mais difícil vai ser o de vocês no departamento


de poupanças. Em lugar dos três guichês que normalmente usamos,
hoje abriremos todos os quatro. Devem ser ocupados a toda hora,
pois, se qualquer guichê de caixa ou funcionário neste banco fechar
mesmo por um curto período, isso aumentará o pânico. Faremos
com que sejam trazidos sanduíches; ninguém poderá sair para o
almoço. Não poderemos vencer esta corrida hoje. O máximo que
podemos fazer é reduzir a sua velocidade. Algumas pessoas virão
aqui para fecharem suas cadernetas de poupança. Vocês devem
pagá-las. Mas lentamente. É a única chance que temos de enfrentar
o pânico. Vocês conhecem muitos depositantes de vista, e no pas­
sado vocês não precisaram verificar as suas assinaturas, mas hoje,
quando vierem aqui com as suas cadernetas para fecharem as contas,
vocês devem examinar todos os cartões de assinaturas. E não tenham
pressa ao fazê-lo. E mais uma coisa: quando pagarem, não usem
notas graúdas. Paguem em notas de cinco e dez dólares, e contem
bem devagar. Nosso objetivo é desembolsar o mínimo durante o dia
de hoje.”
Os caixas e escriturários desempenharam os seus papéis com
perfeição, apesar da multidão que invadiu o banco no momento em
que as portas foram abertas. ..
... A multidão no banco estava tão nervosa quanto era densa.
Algumas pessoas esperaram horas para retiraram o seu dinheiro.
Se tentássemos fechar às três horas, ninguém podia dizer o que acon­
teceria. Mas, como em todas as outras situações, a falta de alterna­
tivas nos fez adotar a mais corajosa. Decidimos fazer uma exceção
nesse dia e permanecemos abertos enquanto houvesse pessoas que
quissessem sacar o seu dinheiro.
Enquanto isso, um telefonema havia sido dado ao Banco Fede­
ral de Reserva de Salt Lake City para mandar dinheiro aos nossos
bancos em Ogden bem como a todos os outros da First Security
Corporation. O carro-forte que trouxe fundos para nós em Ogden
chegou ao local como a cavalaria do Exército costuma chegar nos
filmes para salvar a todos dos índios. Os guardas entraram no banco
em meio à multidão e abriram caminho. . .
... Ficando em pé sobre o balcão, ergui minha mão e pedi
atenção:
“Atenção, por um momento!”
Houve silêncio instantaneamente.
“Um momento!”, repeti. “Desejo dar um aviso. Parece que es-
QUANDO A MOEDA PAROU 201

tamos tendo alguma dificuldade para atender nossos depositantes


com a rapidez costumeira. Muitos de vocês estão na fila há bastante
tempo. Eu noto que muitos de vocês se empurram e há bastante irri­
tação. Apenas quero dizer a vocês que em vez de fechar às três horas,
como sempre, decidimos ficar abertos enquanto houver alguém aqui
que deseje retirar os seus saldos ou fazer um novo depósito. Portanto,
as pessoas que acabaram de entrar podem voltar mais tarde, ainda
hoje, à tarde, ou à noite, como preferirem. Não há razão para exci­
tação ou pânico. Como vocês todos viram, acabamos de receber de
Salt Lake City uma grande soma de dinheiro que atenderá a todas as
suas necessidades. Há bem mais dinheiro de onde veio.” (Isto era
verdade — mas não disse que poderíamos recebê-lo.)8

O Banco de Eccles sobreviveu, assim como Eccles, com muita dis­


tinção.
Em 1929, 659 bancos faliram, um número razoável, após a crise
do mercado de ações. Em 1930, o mesmo aconteceu com 1352 bancos.
Em 1931, o número foi de 2294. As falência ainda eram mais numerosas
entre os bancos pequenos, não filiados ao Sistema, e pertencentes ainda ao
velho acordo. Mas, agora, quando se espalhavam boatos e se formavam
filas, nenhum banco estava a salvo. Os membros do Sistema caíram junto
com os demais. E logo ficou evidente que nem mesmo os grandes bancos
de Nova York estavam seguros. Em 1931, como se recorda, o Governador
Harrison, do Banco Federal de Reserva de Nova York, viu a si mesmo
reexaminando a sua crença inclemente de que “a falência dos pequenos
bancos ... podia ser isolada.”9 Os seus pensamentos nessas linhas tinham
quase certamente sido estimulados em dezembro de 1930 pela falência do
Banco dos Estados Unidos. Com depósitos de 200 milhões de dólares, este
foi o maior banco comercial a falir na história americana. O banco tinha
um papel importante no financiamento da indústria de roupas de Nova
York. E o seu nome infeliz levou muitos estrangeiros a acreditar — como
tem sido sempre dito — que o crédito do governo dos Estados Unidos estava
envolvido de alguma maneira. O Banco Federal de Reserva de Nova York
tinha procurado interessar os grandes bancos da cidade numa operação
conjunta de salvamento. Eles acharam melhor deixar que o Banco dos
Estados Unidos falisse. Havia algumas dúvidas quanto à validade do salva-

8 Marriner S. Eccles, Beckoning Frontiers (Nova York: Altred A. Knopf, 1951),


pp. 58-60. Citado com permissão.
9
Ver Capítulo IX, página 136.
202 MOEDA

mento. Mais importante, era conhecido entre os círculos dos bancos de


Nova York como uma empresa de judeus. Portanto, numa atitude comum
à epoca, não era uma verdadeira perda.
Quando um banco falia, os seus depositantes não mais possuíam
o seu dinheiro para gastar. E assim os seus gastos eram reduzidos. E em­
préstimos e depósitos não eram mais criados para tomadores de recursos.
Isso provocava a diminuição dos seus investimentos e de gastos adicionais.
E os saldos do banco falido em outros bancos eram retirados à medida em
que a liquidação prosseguia. Assim, os empréstimos desses bancos caíam e
eram chamados para resgate, o mesmo se dando com os investimentos e os
gastos. E outros bancos enchiam-se de cautela e liquidavam e negavam
empréstimos com efeitos semelhantes. “As falências de bancos foram evi­
tadas somente pelos bancos que mais rápida e habilidosamente conver­
teram-se em instituições de custódia de depósitos.”10 Tanto as falências
como o medo às falências tiveram o mesmo efeito. Ambos foram forças do
poder considerável no sentido de estimular a deflação — contraindo os
gastos de consumo, de investimento e, por conseguinte, as vendas, a pro­
dução, o emprego e os preços. Nesses anos, o sistema monetário tomou-se
um motor com tal efeito. Não que o fluxo de causa e efeito se dirigisse
somente do sistema monetário para a economia. Enquanto as falências de
bancos enfraqueciam a economia, as quedas de preços, produção, lucros
e emprego estavam arruinando bons empréstimos, espalhando o pânico e
enfraquecendo os próprios bancos. A vida econômica, como sempre, é
uma matriz em que os resultados tomam-se causas, e as causas tomam-se
resultados.

E, 1932, o Sistema Federal de Reserva finalmente superou o seu medo à


inflação e começou a realizar operações de mercado aberto. Títulos do
governo foram adquiridos; assim, o dinheiro fluiu para os bancos. Era
muito tarde. Os banqueiros apavorados agarravam-se ao dinheiro que assim
recebiam como garantia adicional contra o dia em que viriam os seus
depositantes. Em parte devido a esse modo eles logo manteriam reservas
acima das necessidades, o que ocorreria por vários anos.
Esta mudança de atitude nem mesmo significou que o Sistema agora
estivesse disposto a assumir o papel clássico de fonte de última instância.
Se um banco estivesse em boas condições, com muito dinheiro em suas
mãos, os seus empréstimos poderiam ser redescontados no seu Banco

10 Afirmação de Jacob Viner, um dos mais notáveis economistas da época. Citada


em Studenski e Krooss, p. 379.
QUANDO A MOEDA PAROU 203

Federal de Reserva. Se necessitasse de dinheiro desesperadamente, isto


indicaria dificuldades, c os seus ativos seriam examinados com um enfoque
imparcial. Waltcr Bagehot, num relato famoso das funções de um banco
central, disse que em momentos de grande crise ele deve emprestar com
liberalidade, mas a altas taxas de juros. Nesses anos, o Sistema Federal de
Reserva fez o oposto desse conselho clássico. Emprestou sem liberalismo a
baixas taxas de juros.
No final de 1933, cerca de metade dos bancos do país tinham desa­
parecido. E já no início de 1932, havia poucos cujos diretores não se
perguntavam se não estariam entre as próximas vítimas de processo. Em
tais circunstâncias, o conceito de fonte de última instância não era um de­
talhe acadêmico que pudesse ser deixado às preferências cautelosas do Sis­
tema Federal de Reserva. Era algo pelo qual todo banqueiro ansiava urgen-
teniente. Como o Sistema permanecia omisso a esse dever, era preciso criar
um emprestador especial de última instância. Isso foi feito em 1932; cons­
tituiu-se a Reconstruction Finance Corporation (RFC).
A RFC, por mais desesperadora que fosse a necessidade, também
começou muito lentamente. A essa altura, muitos bancos tinham poucos
ativos viáveis para usar como garantia. Necessitavam de capital, além de
empréstimos. E havia o medo, se não da inflação, pelo menos de medidas
impropriamente enérgicas. “A estrutura do nosso crédito privado está
ligada inextricavelmente ao crédito do governo dos Estados Unidos”, disse
Ogden L. Mills, então Secretário do Tesouro, um porta-voz estimado da
sabedoria financeira convencional, a uma audiência radiofônica em março
de 1932, acrescentando: “a nossa moeda apoia-se predominantemente
no crédito dos Estados Unidos. Reduza-se esse crédito [como seria feito
se houvesse medidas impropriamente precipitadas] e todo dólar que vocês
possuírem se tornará suspeito.”11 Tipicamente, escapava ao raciocínio do
Secretário que um número cada vez menor de americanos pudesse ter qual­
quer volume de dólares em suas mãos.
O primeiro chefe da RFC, o ex-vice-presidente Charles G. Dawes,
também estava aquém do ideal. Ele era principalmente aquela figura tipi­
camente americana, o estadista de clichês e livre-atirador. Esses são homens
de impressionante autoconfiança e pensamento altamente previsível -
John W. Davis e John J. McCloy são outros exemplos famosos — que são
chamados por Presidentes quando se deve simular sabedoria ou ação.
Embora conseguisse muito pouco além disso, Dawes teve êxito ao drama-

n Citado em Chandler, p. 123.


204 MOEDA

tizar maravilhosamente o papel da fonte de última instância. Ern junho de


1932, ele renunciou abruptamente, anunciando que estava voltando à
direção do Central Republic Bank de Chicago, do qual estava licenciado. A
direção desse banco exigia a sua atenção. Poucos dias mais tarde, o Central
Republic obteve um empréstimo de 90 milhões de dólares do RFC. O
banco estava em situação particularmente fraca. Seus depósitos, na época,
eram de 95 milhões. Os ativos previamente disponíveis para apoiar os
depósitos devem ter sido verdadeiramente insignificantes.12
Apesar da RFC, as corridas continuaram. Por volta do fim de 1932 e
início de 1933, tinham deixado de envolver bancos pequenos e isolados e
agora espalhavam-se a comunidades inteiras, e até mesmo estados. Também
alcançavam os principais centros financeiros e os grandes bancos. A solu­
ção que então ocorreu às autoridades, à medida em que as corridas se gene­
ralizavam, foi fechar todos os bancos da comunidade antes que os seus
depositantes os fechassem. No final de outubro de 1932, todos os bancos
de Nevada foram assim postos em férias. No início de fevereiro de 1933,
surgiu o boato de que o Hibernia Bank and Trust Company de Nova
Orleans estava em dificuldades. Para dar uma desculpa plausível enquanto
o banco ganhava tempo para recorrer à RFC, o Governador Huey P.
Long decidiu proclamar um feriado em homenagem a Jean Laffite, o fa­
moso pirata. Foi dissuadido e, num gesto de atenção, comemorou em lugar
disso o rompimento de relações diplomáticas com a Alemanha dezesseis
anos antes. Quinze dias mais tarde, a tempestade ocorreu em Michigan. Um
dos dois grupos de bancos que realizavam grande parte das atividades ban­
cárias no estado, a Union Guardian Trust, estava em grandes dificuldades e
pediu auxílio à RFC. James Couzens, o republicano liberal que, mais do
que o próprio Ford, fez a carreira de Henry Ford, não via razão para usar
o dinheiro dos contribuintes para salvar um banco mal administrado em
seu estado natal ou em qualquer outro lugar. E assim também pensava
Henry Ford. Ele foi solicitado, como maior depositante individual, a
subordinar os seus direitos a um empréstimo de salvação. Era um dever
público. Ford não se sentia obrigado a esse dever. E assim todos os bancos
de Michigan precisaram ser fechados. Em outros estados, as pessoas
ouviram as notícias e correram aos seus bancos. Mais feriados foram pro­
clamados. Três semanas mais tarde, quando Roosevelt tomou posse,
somente os bancos do nordeste ainda estavam funcionando. Em 6 de
março de 1933, por ordem exclusiva com base no Trading with the Enemy

12 Schlesinger, p. 238.
QUANDO A MOEDA PAROU 205

Act, da Primeira Guerra Mundial, o feriado tornou-se nacional. Em


semanas precedentes, os indivíduos tinham suprido a si mesmos de fundos
como precaução cm fevereiro, a moeda em circulação subiu de 5,7 bilhões
para 6,7 bilhões de dólares.’3 Este volume era insignificante, porém, em
comparação com os 30 bilhões de dólares de depósitos14 agora inacessíveis
nos bancos comerciais em ferias.
Em 1923, a Alemanha tinha tido tanto dinheiro que ele não possuía
valor algum. Agora, dez anos mais tarde, quase não havia dinheiro nos
Estados Unidos. É lógico que ainda havia algo a ser aprendido sobre a
administração da moeda.
Na Alemanha, Hitler subiu ao poder no início de 1933. Grande parte
do seu sucesso deve ser atribuída ao desemprego maciço e à dolorosamente
profunda redução de salários, ordenados, preços e valores imobiliários
após a defesa maluca do marco encetada por Brüning. Nos Estados Unidos,
Roosevelt subiu ao poder em março. O seu predecessor tinha sido remo­
vido da Presidência, o que não era comum, após apenas um mandato,
porque ele, seus assessores e seu banco central tinham ficado por tanto
tempo paralisados pelo medo à inflação. Qualquer que fosse a impor­
tância da moeda, ninguém poderia duvidar da importância dos temores
que produzia.
Os bancos não permaneceram fechados por tempo suficiente para
revelar como uma economia moderna poderia funcionar — ou deixar de
funcionar — sem moeda. Os que tinham empregos ou ativos recebiam bens
contra uma promessa de pagamento futuro. Os que não tinham empregos
ou dinheiro não obtinham essa ajuda. Mas não tinham tido dinheiro ou
ajuda antes que os bancos fechassem. A economia operou nesses dias a um
nível bastante baixo. Mas já estava atuando a nível muito baixo antes
que os bancos fechassem. E certamente houve mais escassez e sofrimento
nos Estados Unidos quando a moeda parou do que na Alemanha quando
cresceu até ficar sem valor. Mas ambas as experiências perduraram muito
tempo nas memórias nacionais.15

13 Federal Reserve Bulletin, Vol. 19, N9 4 (abril de 1933), p. 215.

14 U. S. Bureau of the Census. Historieal Stalisties of the United States, Colonial


Times to 1957 (Washington, D. C., 1960), p. 632. A cifra em 30 de junho de
1933 era de 32 bilhões de dólares. Tinha havido uma redução de 49,4 bilhões em
30 de junho de 1929, uma indicação, entre outras coisas, de volume de moeda
destruído pelas falências de bancos.
15 Os bancos que pareciam razoavelmente solventes foram reabertos em 15 de
março. Muitos continuaram fechados para reorganização ou liquidação eventual.
206 MOEDA

Com o advento de Roosevelt, o padião-ouro foi suspenso -- as notas e os


depósitos deixaram de ser conversíveis nos bancos por moedas de ouro.
Este foi um ato de escolha, não de necessidade. Embora nos meses que
antecedesse à posse de Roosevelt tivesse havido substanciais retiradas
domésticas e estrangeiras de ouro, as reservas dos Estados Unidos ainda
eram grandes. Na Primeiia Guerra Mundial, os franceses e ingleses tinham
recebido apelos paia entregarem o seu ouro. Agora um governo americano
mais austero instruía os seus cidadãos c as suas empresas a fazerem isso.
A maioria obedeceu. Um famoso professor de finanças de Harvard que
contestava o direito do governo de sequestrar o seu tesouro foi demitido,
em que pese a sua estabilidade. Houve boatos, no entanto, de que ele
tinira estado envolvido em algumas promoções duvidosas de empresas
concessionárias de serviços públicos. Haverá ocasião para mais algumas
palavras sobre o ouro no próximo capítulo.
Segundo legislação de 1933, 1934 e 1935, o Sistema Federal de
Reserva foi amplamente reformado. Todas as dúvidas quanto à verdadeira
localização do poder foram finalmente dirimidas. O Secretário do Tesouro
e o Controlador do Meio Circulante foram eliminados do Conselho do Sis­
tema; os sete membros do Conselho de Governadores do Sistema Federal
de Reserva, como então passou a chamar-se, passaram a ter mandatos de
quatorze anos, não podiam ser renomeados, e obtiveram autoridade abso­
luta sobre os Bancos regionais, incluindo o seu pessoal. Desde então,
nenhum nome de diretor de Banco regional tornou-se célebre e, exceto por
suas esposas e seus vizinhos, os nomes de poucos são conhecidos. “...
[D]esde 1933, uma das tendências mais fortes tem sido a erosão do poder
dos Bancos Federais de Reserva regionais.”16 Dentre os novos poderes
atribuídos ao Conselho estavam os de alterar as reservas que os bancos
comerciais deviam manter em seus Bancos de Reserva e especificar as
margens exigidas dos que especulavam em títulos.
Agora finalmente os Estados Unidos tinham um banco central em
todos os sentidos. Como era de se prever, esta foi uma realização dos
democratas, o partido que, sendo o mais desconfiado de tal centrali­
zação e tal poder, podia autorizá-los sem tornar-se suspeito de más inten­
ções. Tem sido dito que qualquer organização cuja forma é aperfeiçoada

16 Sherman J. Maisel. Managing the Dollar (Nova York: W. W. Norton and Co.,
1973), p. 158. O Professor Maisel, antigo membro do Conselho de Governadores,
coloca o poder do banco regional em quarto lugar após o do Presidente do Con­
selho, e da sua equipe de assessores, e o dos membros do Conselho.
QUANDO A MOIDA PAROU 207

já sc encontra em declínio nesse momento. Após 1933, pode-se concordar


que o Sistema Fedeial de Reserva seja um exemplo desse argumento.
Durante o quarto de século seguinte, ficou em grande parte fora da cor­
rente principal da política econômica.

Na legislação bancária aprovada em 1933, havia uma cláusula que tinha


recebido a oposição dos conservadores, hem como do novo governo. Era da
autoria do Representante Henry B. Steagall, do Alahama, que tinha uma
reputação de excentricidade ou de extravagância no que se refere a di­
nheiro, e do Senador Arthur Vandcnberg, de Michigan; criava o seguro
dos depósitos bancários. Uma organização especial, a Federal Deposit
Insurance Corporation, que seria autorizada e teria o seu capital subs­
crito pelo Tesouro e pelos Bancos Federais de Reserva. O seguro estaria
disponível aos depositantes de todos os bancos — estaduais ou nacionais,
filiados ou não ao Sistema Federal de Reserva — que quisessem associar-se.
Os riscos da proposta estavam evidentes a todos. Os melhores bancos
agora seriam obrigados a aceitar responsabilidade pelo descontrole dos
piores. Os piores, sabendo que outros seriam obrigados a pagar, obteriam
uma licença para um comportamento descontrolado e que a supervisão
autorizada pela lei não podia esperar reprimir. A American Bankers Asso-
ciation liderou a luta contra o plano “até a última trincheira”, afirmando
que era “ilógica, anticientífica, injusta e perigosa”17, além de insatis­
fatória. Talvez significasse a volta aos dias mais selvagens da atividade
bancária sem controle.
Em toda a história monetária americana, nenhuma ação legislativa
promoveu mudanças como essa. Desde essa época, até o momento em que
estas linhas estão sendo escritas, jamais houve filas fora de um banco que
depois tenham se espalhado a outros bancos da mesma cidade. Pratica­
mente não houve qualquer fila. E não houve razão para que se formassem.
Um fundo governamental de seguro agora apoiava os depósitos; indepen­
dentemente do que acontecesse ao banco, os depositantes ainda rece­
beriam o seu dinheiro. E como o organismo seguiador, a Federal Deposit
Insurance Corporation, pagaria pela falta de controle, havia uma razão
muito sólida para uma supervisão e uma intervenção que impedissem a
falta de autocontrole. Num sentido adicional, a FD1C era o que o Sistema
Federal de Reserva não tinha conseguido ser - uma fonte altamente
confiável de recursos em última instância, que viria imediata e incondicional-

17 ■,
Arthur M. Shlesinger, Jr. The Corning of the New Deal (Boston: Houghton Miftlin
Co., 1958), p. 443.
208 MOEDA

mente ao auxílio dos bancos, com qualquer volume de dinheiro que fosse
necessário para cobrir os depósitos segurados. Em 1933, 4004 bancos fali­
ram ou foram considerados em situação imprópria para reabertura após
o feriado bancário. Em 1934, as falências caíram a 62, somente nove das
quais envolveram bancos segurados. Onze anos mais tarde, em 1945, as
falências de bancos nos Estados Unidos foram reduzidas a apenas uma.18
A anarquia dos bancos sem controle tinha sido extinta não pelo Sistema
Federal de Reserva, mas pela obscura, desprestigiada e indesejada Federal
Deposit Insurance Corporation.

18
U. S. Bureau of the Census. Tistorical Statistics, pp.636-37.
2Q C3ffs®ec5^ra
do útszponsáv&l
Na frase mais citada do seu primeiro discurso de posse, Franklin Roosevelt
chamou atenção para o altamente atuante papel do medo nos assuntos
econômicos. Tinha ouvido referências sobre o modo pelo qual o medo da
perda de empregos, fazendas, residências, depósitos bancários ou de uma
empresa estava levando as pessoas a comportarem-se com uma cautela
irrefletida que piorava tudo ainda mais. Mesmo em 4 de março de 1933,
ele podia ter chamado atenção para os efeitos continuados de medo à
inflação que, à sua maneira, exercia um efeito ainda mais paralisante sobre
a ação governamental, e que nos meses seguintes seria seu próprio obstá­
culo principal. Este medo, levando à exclusão de qualquer medida que
pudesse aumentar a oferta de moeda, ampliar as despesas e o déficit não
coberto, de qualquer medida que parecesse ameaçar fazer essas coisas e
assim reduzir a confiança dos empresários e envolver o síndroma da con­
fiança era capaz, enquanto prevalecesse, de excluir toda medida governa­
mental para promover a recuperação. Havia, por exemplo, muito pouco
que podia ser feito fora do campo da oratória que não aumentasse as
despesas públicas em alguma proporção.
210 MOEDA

A eleição cie Roosevelt, na verdade, tinha aumentado o medo à


inflação. À medida em que a Depressão continuava e piorava, a velha
chama tinha sido reavivada no Congresso. O Senador Key Pittman, de
Nevada, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, era
um devotado expoente da piata. () Senador Elmer Thomas, de Okla-
homa. que havia sido um soldado nas fileiras de Bryan, era uma vez favo­
rável a qualquer forma de expansão do meio circulante. “Precisamos ter
mais dinheiro cm circulação. Não importa qual seja a sua forma — prata,
ouro, lata, cobre ou papel.”1 O seu apoio estava crescendo em ambas as
casas do Congresso, e pela última vez, como mais tarde se verificou. À
medida em que as coisas pioravam, os inflacionistas ganhavam defensores
até em círculos respeitáveis. A Comissão para a Nação, encabeçada por
Frank A. Vanderlip, que por alguns anos havia sido o presidente do Natio­
nal City Bank, e James Rand, da Remington Rand, abriram-lhes uma
porta na comunidade de banqueiros e empresários, vista com grande des­
confiança, possivelmente pelas suas supostas idéias contra a democracia,
bem como o dólar. Charles E. Coughlin, o pregador radiofônico de Michi-
gan, foi uma ponte altamente influente para a Igreja. Alguns economistas
estavam agora começando a defender a introdução do dólar-mercadoria —
uma moeda que devesse seu valor não ao conteúdo em ouro, mas ao seu
poder aquisitivo constante. Este poder aquisitivo constante, segundo o
argumento, seria a verdadeira estabilização da moeda. E como tal estabili­
zação agora exigisse que os preços fossem elevados — sendo excessivo o
poder aquisitivo da moeda, segundo qualquer cálculo corrente — podia-se
defender a estabilização do dólar e a elevação dos preços ao mesmo tempo.
Entretanto, a grande maioria dos economistas, bem como dos
banqueiros e empresários respeitáveis, permaneciam fiéis aos temores
com os quais haviam sido criados. Mais tarde, em 1933, quarenta dos eco­
nomistas mais prestigiosos reunir-se-íam sob a liderança de Edwin W.
Kemmerer, de Princeton, na Comissão Nacional de Economistas para a
Política Monetária, como o objetivo de combater toda e qualquer brin­
cadeira com a moeda. (O Professor Kemmerer tinha em anos precedentes
encabeçado missões monetárias ao México, à Guatemala, Colômbia, ao
Chile, ao Equador e a outras regiões remotas, nas quais invariavelmente
havia instado os governos seus clientes a adotarem alguma aproximação do
padrão-ouro, sempre com efeito de curta duração, pois, sem exceção,
logo eles o abandonavam. Esta afinidade com o ouro deu-lhe muita fama

1 Arthur M. Schlesingcr, Jr. The Corning of lhe New Deal Boston: Houghton
Mifflin Co., 1958), p. 41.
A AMI AÇA 1)0 IMPOSSÍVEL 211

e algum dinheiio. I* possível que, embota inoccntcmente, cie tenha sido


apanhado cm algum conflito <!<' interesses.) ( om o advento de Roosevelt,
os temores c o necessário sentido de vigilância aprofundaram-se. Tudo o
que Roosevelt havia dito durante a campanha era confortador. Mas, quem
poderia estar certo de que ele realmente pretendia fazer o que dizia9
Eia óbvio que muitos no Congiesso esperavam que ele não cumprisse a sua
palavra.

Desde os primeiros dias, as linhas formaram-sc cm torno da questão da


inflação não só fora, mas também dentro do novo governo. Ninguém de
destaque no governo estava disposto a descrever a si mesmo como um
inflacionista. Um político americano pode ansiar por liberdade de laços
matrimoniais insípidos. Mas ele não quer se tornar um adúltero decla­
rado. A mesma coisa acontecia com a inflação. No máximo, havia propo­
nentes da acima mencionada estabilização no sentido de que o dólar não
deveria ter o seu valor aumentado ou diminuído, o mais proeminente
desses sendo o Secretário da Agricultura, Henry A. Wallace. E havia parti­
dários intransigentes do combate à inflação. Os líderes dessa corrente eram
Lewis W. Douglas, o diretor de orçamentos de Roosevelt; James Warburg,2
filho de Paul M. Warburg, e recém-chegado a Washington como assessor
do Tesouro; Dean Acheson, também do Tesouro e de grande fama no
futuro; e, pelo menos por enquanto, Bernard Baruch. “As pessoas que
falam em inflação gradativa,” dizia Baruch, “também poderiam falar
num revólver que disparasse gradativamente. .. A moeda não pode voltar
a funcionar nurna atmosfera cheia de ameaças de destruição do seu va­
lor.”3
Nas semanas imediatamente seguintes a 4 de matço, os partidários
da moeda forte, como não hesitavam em chamarem a si mesmos, contro­
lavam o jogo. Na semana após a posse, a Câmara dos Deputados, a pedido
de Roosevelt e por idéia de Douglas, aprovou uma lei abiarigenle de
economia, cortando vencimentos de autoridades, funcionários públicos
e legisladores e reduzindo pensões. Alguns democratas liberais protes­
taram, mas foram ignorados. Houve mais dificuldades com uma emenda
do Senador Thomas à Lei de Ajustamento Agrícola exigindo — entre

2 Em anos posteriores, seus pontos de vista niodiiicarain se subsiancialniente.

3 Schlesinger, p. 196.
212 MOEDA

outras coisas — a livre cunhagem de prata; a aceitação de até 200 milhões


de dólares em prata em pagamento de obrigações de governos estrangeiros;
a emissão, sujeita a restrições, de até 3 bilhões de dólares em “greenbacks”;
e a concessão de autoridade ao Executivo para reduzir à metade o con­
teúdo de ouro e prata do dólar. Por trás dessas idéias estava toda a antiga
paixão. Não estando seguro de que pudesse derrotar a emenda Thomas, o
governo pelo menos fez com que a autoridade fosse facultativa, e não obri­
gatória, e desta forma foi aprovada. Embora a ameaça fosse assim evitada,
o foi ao preço de tornar praticamente ilimitada a autoridade de Roosevelt
sobre a política monetária. Isso aumentou ainda mais a preocupação
quanto às idéias de Roosevelt. Tudo estaria perdido se ele cedesse aos
inflacionistas, agora que tinha essa vasta autoridade.
No verão e no outono de 1933 houve uma mudança importante;
os homens pró-moeda forte perderam poder. A reviravolta na luta pela
mente de Roosevelt, mais visível e dramática do que muitas reviravoltas
em questões econômicas, foi provocada pela Conferência Econômica de
Londres.

A Conferência Econômica e Monetária que se reuniu em Londres em junho


de 1933 foi, juntamente com a Conferência de Potsdam em 1945, uma das
reuniões internacionais verdadeiramente mais bizarras do século, pelo
menos até agora. Uma herança do governo Hoover refletia a esperança de
que a discussão internacional pudesse de algum modo mitigar os problemas
econômicos que afligiam o mundo, principalmente a instabilidade das
moedas, tarifas protecionistas, o “dumping” de mercadorias em excesso e,
além desses, o próprio mal terrível da depressão. Sessenta e seis nações
fizeram-se representar, uma garantia de que nenhuma idéia de melhoria,
por mais deplorável que fosse, seria esquecida. Na prática, o propósito
muito mais limitado da conferência era permitir aos países que ainda
estavam no padrão-ouro — França, Itália, Suíça (evidentemente), Bélgica,
Holanda, Polônia (estranhamente), e os Estados Unidos (a conferência
tinha sido concebida sob um governo republicano) — tentar persuadir os
que o haviam abandonado a estabilizarem as suas moedas. Essa estabili­
zação não envolvia mistério algum; exigia apenas que os traidores mone­
tários tomassem o ouro disponível para conversão sempre que as suas
moedas caíssem abaixo de uma certa taxa de câmbio pelas moedas apoia­
das no padrão-ouro. A partir daí, as suas moedas não cairiam mais. Se isso
não fosse feito, os países que tinham abandonado o padrão-ouro e cujas
moedas podiam ser adquiridas a uma taxa de câmbio favorável teriam uma
vantagem injusta ao vender seus bens, pelo menos em relação aos países
A AMEAÇA DO IMPOSSÍVEL 213

que ainda estavam no padrão-ouro. Estes últimos perderiam ouro à medida


em que fosse trocado pelas moedas mais baratas e seriam forçados, mais
cedo ou mais tarde, a abandonar o padião-ouro. Para países que acabavam
de sair de suas lutas para estabilizar suas moedas — os que ainda mais do
que os Estados Unidos viviam com a lembiança da inflação — essa era uma
perspectiva muito mal acolhida. A França, com a sua especialmente árdua
luta pela estabilização, que acabara de ser encerrada, era, pouco surpreen­
dentemente, o país líder do bloco pró-ouro.
Quando a conferencia foi planejada, ninguém poderia ter duvidado
qual seria o aliado ou mesmo o mentor dos franceses. Os Estados Unidos
estavam firmemente no padrão-ouro, com amplas reservas do metal, e
era liberado por homens para os quais o ouro era uma religião. Quando os
delegados reuniram-se no Museu de Geologia em Kensington, os Estados
Unidos já tinham abandonado o padrão-ouro. A sua posição, consequen­
temente, era ambígua. Ainda estava comprometido com a religião que pos­
suíra até recentemente? Ou poderia agora desejar que o ouro caísse, com
conseqüentes vantagens na venda de produtos americanos, principalmente
produtos agrícolas, nos mercados estrangeiros, provocando ainda o aumen­
to dos preços internos? Nas semanas que antecederam a conferência,
Roosevelt, obedecendo à sua ortodoxia inicial, tinha dado a numerosos
estadistas que o haviam visitado a impressão de que era favorável à estabi­
lização do dólar — era provável a que se tornasse ouro disponível para que,
a partir de certo ponto, o declínio do dólar em relação ao valor das outras
moedas fosse interrompido. Entretanto, a delegação americana partiu
sem que esta questão básica tivesse sido resolvida, ou até mesmo discutida.
Era uma emissão significativa, mas, de modo pelo qual as coisas estavam
sendo tratadas, não era totalmente incomum.
A delegação — chefiada por Cordell Hull, com James M. Cox, cabeça
da chapa Cox-Roosevelt na eleição presidencial de 1920, como vice-chefe
- incluía homens de ambos os pontos de vista em relação à estabilização,
sendo compensados por outros membros sem qualquer ponto de vista
sobre o assunto. Um destes último, Ralph W. Merrison, do Texas, foi
incluído no último minuto como recompensa pelo seu apoio financeiro
aos democratas. Outro, o Senador Key Pittman, interessava-se apenas
pela remonetização da prata e por umas férias do tédio nacional imposto
pela Lei Seca. Ele assombrou os seus colegas com a sua capacidade, mesmo
quando bêbado, de acertar um cuspidor distante com uma mistura de
fumo mascado e de tornar-se súbita, mas brevemente sóbrio, sempre que
a prata era mencionada. Durante a recepção oficiai ele saudou George V e
a Rainha Mary com informalidade excepcional. “Rei, estou contente em
214 molda

conhecê-lo. E você lambem, Rainha.” Uma certa noite, um garçon do


Claridge pediu a James Waibmg (pie o acompanhasse até a despensa.
Pittman, completamente nu, estava sentado na pia, sob a impressão de que
era uma estátua num chafariz. O gaiçon não tinha conseguido persuadí-lo
de outra coisa.4
Dentre as numerosas delegações, a americana podia reivindicar o
título, não só de mais pitoresca, mas também de mais confusa c, à medida
em que a conferência prosseguia, os membros da delegação também
criaram uma antipatia total e justificada uns pelos outros. Entretanto,
a delegação britânica, chefiada por Ramsay MacDonald, tampouco deixava
claro se era defensora do ouro, como parecia apropriado, ou de uma libra
inconversível a uma taxa de câmbio, em relação a outras moedas, que não
prejudicasse mais uma vez as exportações britânicas. Como alguém disse,
acontecia apenas que, sendo britânica, a sua confusão era um pouco mais
organizada. Nos meses que antecederam à conferência, a opinião política
americana tinha se tornado firmemente insistente no sentido de que os
britânicos, os franceses e outros aliados menores pagassem as suas dívidas
de guerra aos Estados Unidos. Os aliados, agora sem esperanças de cobrar
primeiro dos alemães, recusavam-se com a mesma firmeza. Se este tópico
fosse mencionado, como se temia, ele esvaziaria a conferência. Foi combi­
nado, portanto, que ele não seria discutido em Londres. Ramsay Mac­
Donald, como Schlensinger conta com muito prazer, “deu início rapida­
mente aos debates com uma nota de má fé, clamando em seu discurso de
abertura por uma redução das dívidas de guerra.”5 Os seus assessores
apressaram-se em explicar esta aberração com base em sua adiantada
deterioração física e mental.
Iniciada a conferência, os franceses prontamente fizeram gestões no
sentido de que houvesse um acordo preliminar quanto à estabilização das
taxas de câmbio — uma ação temporária que, segundo esperavam, abriria
caminho para acordos mais permanentes. Isto tornava a estabilização
em termos de ouro o primeiro assunto a ser discutido. Nada mais poderia
ser feito até que este problema fosse resolvido. A posição dos Estados
Unidos era crítica, evidentemente. Em Washington, os homens pró-moeda
forte do Presidente — Acheson, Lewis Douglas, Baruch, bem como o

4 O caso foi relatado a mim por James Warburg. Uma versão um pouco diferente,
igualmente para a saudação de Pittman ao rei, acha-se na autobiografia de Warburg.
The Long Read Home (Garden City: Doubleday and Co., 1964), pp. 128-29.
5 Schlesinger, p. 213.
A AMEAÇA DO LMPOSSÍVEL 215

Secretário do Tesouro Woodin eram todos favoráveis à estabilização,


tal como acontecia com James Warburg, que estava com a delegação.
Rooscvelt, a essa altura, era tido como homem com dúvidas sobre a
estabilização, mas ninguém podia ter certeza total, pois ele estava vele­
jando ao longo da costa da Nova Inglaterra. Para resolver o impasse, e
também porque se acredita que ele queria viajar e encontrar-se com o seu
destino, Raymond Molcy, um dos mais importantes assessores no “brain
trust” de Rooscvelt, c agora Secretário-Assistente de Estado, visitou o
Presidente em seu barco. Molcy conseguiu, ao que parece, não descobrir
qual era o ponto de vista de Rooscvelt, e partiu para Londres com mais
esta incerteza para orientar a delegação.
A chegada de Molcy foi esperada com suspense amplamente divul­
gado - e com certo desgaste por Cordell Hull, que não reagiu muito bem
à impressão generalizada de que estava sendo substituído em seu posto.
Após a chegada e uma apressada série de reuniões, Moley concluiu que
os franceses estavam certos, que um mecanismo temporário de estabili­
zação era defensável. A libra estava então a 4 dólares e 40 cents, tendo
recentemente subido um pouco. Moley acreditou que o Presidente acharia
isto aceitável. Recomendou a estabilização do dólar a essa taxa em relação
à libra.
O erro dos assessores presidenciais pró-moeda forte pode muito bem
ter estado em permitir que ele se isolasse e pensasse - e, como foi dito,
lesse um livro sobre a idéia da neo-estabilização, ou dólar-mercadoria.
Em qualquer caso, a 19 de julho, enquanto os delegados estavam sendo
recebidos em Cliveden, na casa do Visconde de Astor no vale do Tâmisa,
durante a década dos 30 o principal local de reuniões sociais de que foi
ali chamado de “establishment” pela primeira vez, chegou a notícia de
que Rooscvelt era contrário à estabilização. Em outras palavras, ele não
tornaria o ouro disponível sempre que o dólar caísse significativamente
abaixo do seu valor corrente de troca com a libra esterlina e o franco,
com a garantia conseqüente contra quedas adicionais. E mais ou menos
um dia depois, numa mensagem à conferência, ele tornou a sua posição
inteiramente e, muitos pensaram, pavorosamente clara:

Eu consideraria uma catástrofe, semelhante a uma tragédia mundial,


se a maior conferência de nações, reunida para promover uma
estabilidade financeira ruais real e permanente e trazer mais prospe­
ridade às massas de todas as nações devesse, antes de qualquer
esforço sério para considerar esses problemas mais amplos, permitir
que se desviasse por uma proposta de um experimento puramente
216 MOEDA

artificial e temporário afetando as trocas monetárias de somente


algumas nações. . .
. . .os velhos fetiches dos chamados banqueiros internacionais
estão sendo substituídos por esforços para planejar as moedas
nacionais com o objetivo de dar a essas moedas um poder aquisitivo
constante e que não varie substancialmente em termos das merca­
dorias que possam ser compradas e das necessidades da civilização
moderna.
Gostaria de ser bastante franco ao dizer que os Estados Unidos
buscam o tipo de dólar que daqui a uma geração tenha o mesmo
poder aquisitivo e de pagamento de dívidas que o dólar que espe­
ramos conseguir no futuro próximo. Esse objetivo significa mais
para o bem das outras nações do que uma taxa fixa por um mês
ou dois em termos da libra ou do franco.6

Assim, a posição de Roosevelt tinha mudado. E assim fora proclamada.


0 efeito mais imediato, mais divulgado, mas, de muitos modos, o menos
importante, foi o que se exerceu sobre a conferência. A sua principal fina­
lidade, um acordo sobre estabilização, deixara de existir. A conferência
continuou, mas principalmente com a finalidade de eliminar qualquer
idéia de humilhação. (O repúdio de Roosevelt também marcou efetiva­
mente o final da carreira pública de Raymond Moley — mais um exemplo
da violência com que a moeda destrói os homens públicos.) A reação de
vários dos homens pró-moeda forte à posição de Roosevelt foi demons­
trada numa linguagem que o falecido Joe McCarthy consideraria grosseira.
O Guardian de Manchester, num comentário típico, denominou a mensa­
gem de Roosevelt “um Manifesto da Anarquia”.7 O New York Times foi
um pouco mais sóbrio; emitindo suas palavras com extremo cuidado,
disse que a mensagem era “de uma natureza tendente a intensificar a
confusão.”8 Ramsay MacDonald estava perturbado e incoerente, mas
confortou-se um pouco com o fato de que o Rei George expressara a sua
raiva pela mágoa que lhe havia trazido. Mais importante do que a reação
foi o efeito sobre o governo Roosevelt. Nos poucos meses seguintes, os
principais defensores da moeda forte — Douglas, Acheson, Warburg —
abandonaram o governo.

6 New York Times, 4 de julho de 1933.


7 A reação do Guardian foi extraída de Schlesinger, p. 224.
8 New York Times, 9 de julho de 1933.
A AMEAÇA DO IMPOSSÍVEL 217

Mas houve vezes destacadas de apoio. Fiel aos princípios de toda


uma vida, Baruch agora passava destemidamente para o lado vencedor.
Antes de haver estabilização, ele disse a Roosevelt, cada nação deve colocar
a sua casa em ordem “com os mesmos esforços hercúleos que você está
empregando.”9 Outro homem de mente flexível, ou pelo menos pouco
disposto a cometer o mesmo erro duas vezes, era Winston Churchill.
Agora fora do poder, esquecidos os navios amarrados juntos na maré
de ouro, Churchill disse que era errado vincular políticas à “raridade ou
abundância de qualquer mercadoria [como o ouro] ” e “além da compreen­
são humana” que isto devesse ser feito por amor à França.”1011Na
Alemanha, Konstantin von Neurath falou do “destemor” de Roosevelt,
e Hjalmar Schacht foi ainda mais útil de outro modo. Disse ao Völkischer
Beobachter, o porta-voz do Nacional-Socialismo, que Roosevelt havia
adotado a filosofia de Hitler e Mussolini.11 Walter Lippmann, um
observador mais aceitável, também aprovou. Irving Fisher, professor
de Economia Política em Yale, escreveu um artigo especial para o
New York Times, aplaudindo a medida do Presidente. “Tivessem os
críticos do Presidente Roosevelt qualquer compreensão real do que
é a estabilidade monetária, a sua declaração na última segunda-feira
não teria sido a bomba que foi.”12 Acreditava ainda que o Presi­
dente certamente não se opunha à estabilização. Mas, sendo um homem
sensato, tinha procurado alcançar a estabilização do poder de compra
do dólar, e não de taxa de câmbio. Roosevelt, em outras palavras,
tinha simplesmente aceito a fórmula de neo-estabilização daqueles para
os quais a estabilização, no futuro imediato, significava preços mais
altos.
Palavras bem mais fortes de aprovação vieram de uma fonte ainda
mais importante — em assuntos econômicos, a mais importante da década,
ou talvez do período. Escrevendo no Daily Mail, John Maynard Keynes
cumprimentou Roosevelt entusiasticamente pela sua posição. A manchete,
a ser citada freqüentemente nos anos seguintes, dizia: O PRESIDENTE

9 Schlesinger, p. 224.
10 A reação de Churchill foi extraída de Schlesinger, pp. 223-24.
11 John A. Garraty. “The New Deal, National Socialism, and the Great Depression”.
The American Historical Review, Vol. 78, N9 4 (outubro de 1973), p. 922. Este
artigo oferece uma interessante comparação das políticas americanas e alemã
de recuperação econômica.
12 New York Times, 9 de julho de 1933.
21S MOEDA

ROOSEVELT ESTÁ ESPLENDIDANIENTE CERTO.13 Não apenas


certo, mas esplendidaniente certo.
Muitos economistas agora concordam em dar o primeiro lugar a
J. M. Keynes e o segundo a Irving Fisher por suas contribuições ao pensa­
mento e à política em assuntos monetários neste século. Todos, indepen­
dentemente de predileção, dariam o primeiro e o segundo lugares a um
ou ao outro. Nada ilustra melhor as mudanças de atitude do que a reação
da época ao seu aplauso à medida presidencial. O New York Times julgou
ser “dificilmente necessário dizer” que as idéias de Fischer e Keynes
“há muito são conhecidas do público, e que ambos têm sido rejeitados
pelo consenso maior do pensamento econômico e financeiro.” 14
Fisher, e Keynes em grau menor, compartilhavam, com o consenso
maior do pensamento econômico e financeiro, da crença de que preços
mais altos e a expansão da produção a eles associada podiam ser alcançados
muito facilmente. Não sabiam como seria difícil conseguir isso com
Roosevelt — como era difícil estar esplendidaniente certo, ou apenas
certo. Essa descoberta foi feita logo depois.

Em 1848, como foi dito no Capítulo 3, John Stuart Mill apresentou


uma explicação do que governava o comportamento dos preços e, por­
tanto, do valor da moeda. Nos anos seguintes, essa explicação de um modo
geral funcionou muito bem, inclusive para esta história. Quanto mais
moeda (permanecendo inalteradas a oferta de bens e a resultante quanti­
dade de comércio), mais altos seriam os preços. Se a oferta de moeda
fosse infinitamente grande, como na Alemanha em 1923, os preços seriam
infinitamente altos.
Por volta de 1933, tinha sido reconhecido que a moeda não incluía
apenas o dinheiro que circulava de mão em mão, mas também os depó­
sitos bancários. E quando a atividade econômica estava em expansão, os
empréstimos bancários cresceriam bastante e os depósitos bancários subi­
riam. Assim, em termos de grau, a oferta de moeda dependia do estado da
atividade econômica. Além disso, há muito tinha sido reconhecido que
a elevação de preços estimulava a atividade econômica. Assim, o aumento
da oferta de moeda que provocasse elevação de preços também podia
aumentar o nível da oferta de bens para venda. Isto teria um reflexo pos­
terior de desestimulo aos aumentos de preços. Por fim, era preciso levar

13 Schlesinger, p. 223.
14 New York Times, 9 de julho de 1933.
A AMEAÇA DO IMPOSSÍVEL 219

em consideração não só o volume da oferta de moeda, mas o ritmo ao


qual era gasta. O dinheiro gasto imediatamente após ser recebido obvia­
mente exercia um efeito diferente sobre os preços do que o dinheiro que
era colocado em baixo do colchão.
Em meio a todos esses refinamentos, entretanto, permanecia a
opinião da maioria dos economistas e o instinto da maioria das outras
pessoas de que o fator ativo na relação era a oferta de moeda. Essa era
a causa; os preços eram o efeito. Também era a alça que podia ser agarrada,
pelo menos aparentemente. A oferta de moeda podia ser aumentada;
os preços mais altos e a expansão econômica daí resultariam.
No início do século, os refinamentos que acabamos de mencionar
tinham sido adicionados à formulação de Mill principalmente por Irving
Fisher. Um homem esbelto e simpático, com olhos vivos e bem humo­
rados, e uma barba elegantemente aparada, Irving Fisher era o mais versátil
e, por ampla margem, o mais interessante de todos os economistas ameri­
canos, com a exceção de Thorstein Veblen (que também obteve o seu
doutoramento em Yale). Além de lecionar economia em Yale, Fisher foi
um matemático, um fundador da econometria, o inventor dos números-
-índices, e um entusiasta por eugenia, nutrição, especulação em títulos
e Lei Seca. Ele considerava a proibição de bebidas alcoólicas importante
para aumentar a produtividade da mão-de-obra. Ainda jovem, inventou
um arquivo de fichas que ele mesmo fabricou, de início, e mais tarde
vendeu à Remington Rand. Com isto, e o seu envolvimento posterior
com o mercado de ações, ele prosperou bastante — a respeito do que ele
não tinha qualquer sentimento de culpa. Após a crise de 1929 ele perdeu,
de acordo com o seu filho, entre oito e dez milhões de dólares, uma soma
considerável, mesmo para um economista.15 Em 1944, Keynes, que não
gostava de substituir a verdade por elogios, respondeu a uma carta de
Fisher aprovando os acordos recentemente concluídos em Bretton Woods:
“A sua carta deu-me o maior prazer possível. Você foi um dos meus pri­
meiros professores nestes assuntos.” 16
Fisher indicou que os preços dependem do volume de dinheiro ou
moeda em circulação e da taxa à qual ela gira, e do volume de depósitos
bancários e da taxa à qual estes giram, todos divididos pelo volume de
transações comerciais. Todos os refinamentos foram portanto reunidos

15 Irving Norton Fisher. My Father - Irving Fisher (Nova York: Comet Press,
1956), p. 264.
16
Fisher, p. 326. Os acordos de Bretton Woods são discutidos no Cap. XVIII.
220 MOEDA

numa única regra. Em sua forma algébrica, a equação de trocas de


Fisher,17 como tem sido chamada há muito tempo, ainda reina nos livros-
-texto, e é a formulação reconhecida do que se denomina teoria quanti­
tativa da moeda.

Havia uma possibilidade terrível ligada à fórmula de Fisher, mas


não muito considerada. Era a possibilidade de que a oferta de moeda
não pudesse ser aumentada. A maior parte da oferta cie moeda, como
agora é adequadamente entendido, é formada pelos depósitos nos bancos.
Esses surgem à medida em que as pessoas e empresas tomam empréstimos
em dinheiro. Se a economia estiver em fase suficientemente má, as perspec­
tivas de lucro forem suficientemente negras, e a depressão for suficiente­
mente profunda, os empresários poderão não tomar empréstimos. Logo,
não serão criados depósitos, e com isso nenhum dinheiro surgirá. Os
bancos poderão receber dinheiro para reserva quando os Bancos Federais
de Reserva comprarem títulos públicos dos próprios bancos ou dos seus
clientes. Este dinheiro ficará então ocioso nos bancos. Sem a criação
de empréstimos e depósitos, não haverá efeito sobre os preços ou, através
destes, sobre a produção. Isto, como se verificava então, não era uma
possibilidade hipotética, mas intensa e miseravelmente real.

No passado, Irving Fisher não tinha dúvidas. Tendo formulado a equação


de trocas, ele passou tipicamente às suas aplicações práticas. A oferta
de moeda, como acreditava, deveria ser alterada de maneira a manter os
preços estáveis. O índice de preços, a outra grande contribuição de Fisher,
orientaria e controlaria a redução do conteúdo em ouro — ou o seu
aumento posterior, à medida em que fosse necessário. Um homem notavel­
mente imune aos atrativos da vida quieta e sem controvérsias, singular­
mente livre do Síndroma de Belmont, Fisher por muito tempo tinha sido
um pregador do seu dólar compensado, como era chamado, e tinha arregi­
mentado os seus discípulos para promover a sua adoção. Em 1933, com a
estabilização das taxas de câmbio não sendo mais uma consideração domi­
nante, o caminho estava aberto para as idéias de Irving Fisher.

17 IV1V t M V f t
P =----- —------- , onde P e o nível de preços, M o volume de moeda ou dinheiro
em circulação, V a velocidade de circulação desse dinheiro, ou a taxa à qual
gira, M’ o volume de depósitos bancários à vista, V’ a taxa de giro, ou velocidade
de circulação desses depósitos, e T o volume de transações, ou, grosseiramente
falando, o nível de comércio.
A AMEAÇA DO IMPOSSÍVEL 221

O plano exato de Fisher exigia uma redução do ouro contido do


dólar à medida cm que os preços caíssem. Os bancos, incluindo os Bancos
Federais de Reserva, teriam então mais dólares e reservas com os quais
fazer empréstimos. A expansão de reservas seria automática, não ficando
sob o arbítrio do Sistema Federal de Reserva. (Antes, as pessoas que
tinham possuído ouro poderiam ter sido capazes de levá-lo à casa da
moeda e trocar o metal por uma quantidade crescente de papel — ou,
concebivclmente, ter recunhado o metal numa moeda mais leve. Entre­
tanto, agora que Roosevelt havia sequestrado os estoques privados de
ouro, esta possibilidade inexistia.) Na realidade, não foi seguido o proce­
dimento de Fisher, mas uma pequena variante dele.
Em lugar de proclamar uma redução do conteúdo do dólar em ouro,
usou-se o artifício de elevar o preço ao qual o ouro era trocado na casa
da moeda. Como um preço mais alto do ouro significava que o dólar
continha menor quantidade de metal, o resultado era indiferenciável.
A fonte imediata desta variante foi o Professor George F. Warren, do
New York State College of Agriculture, Universidade de Cornell. Em
associação com seu colega de muitos anos, Frank A. Pearson, o Profes­
sor Warren tinha demonstrado com grande competência estatística que,
por quase cem anos, tinha havido uma relação bastante próxima entre
os preços, o nível de produção e os aumentos do estoque mundial de
ouro. Se a produção expandia-se mais rapidamente do que os estoques
mundiais de ouro, os preços caíam. Se os estoques de ouro se elevassem
mais rapidamente do que a produção, os preços subiam. Disto Warren e
Pearson tinham tirado a conclusão óbvia: quando se deseja aumentar os
preços e ampliar a produção deve-se aumentar efetivamente a oferta de
ouro reduzindo o montante de ouro contido no dólar. Faça-se isto aumen­
tando o preço do ouro em dólares. Warren, como Fisher, gostaria de ter
visto este ajustamento feito segundo uma fórmula uniforme. “. . . pois
proporcionar algum método de alteração futura necessária do preço do
ouro, sem necessidade de longos anos de perturbação econômica e agi­
tação política parece ser uma proposta bastante conservadora.”18 Mas,

18 George F. Warren. “Some Statistics on the Gold Situation”, The American


Economic Review, Vol. XXIV, N9 1 (Suplemento, março de 1934), p. 129. Este
trabalho foi apresentado na reunião anual da American Economic Association em
Filadélfia em dezembro de 1933, e foi a primeira de tais reuniões às quais compa­
reci. O público era grande e intensamente contrário a Warren. Eu também tinha
essas dúvidas, refletindo a minha sólida educação anterior. Durante a reunião,
Irving Fisher foi abertamente pageado pelo pessoal do hotel.
MOEDA

ele estava disposto a aceitar, como Fisher, uma decisão, ad hoc, de aumen­
tar o preço do ouro. Isso não importava muito, desde que esse preço
fosse aumentado.
A referência de Warren ao conservadorismo na afirmação acima
não era casual. Com a manipulação do preço do ouro, ele acreditava que
muitas outras ações públicas e reformistas, incluindo o programa agrícola
do New Deal, podiam ser evitadas. Isto ele achava ser altamente desejável.
Era um dos primeiros de uma longa linha de reformadores monetários,
estendendo-se até o Professor Milton Friedman em nossos dias, que
têm esperado que as suas mudanças tomem desnecessárias outras medidas
governamentais mais amplas. São radicais monetários porque são conser­
vadores, politicamente falando.
Do ponto de vista dos economistas, o recurso de Roosevelt à suges­
tão de Warren não poderia ter sido mais grosseiro. Na profissão de econo­
mista, há uma ordem de precedência muito bem definida. No topo estão
os teóricos da Economia, e a sua eminência profissional nessa ordem
é compartilhada pelos que lecionam e fazem pesquisas em Moeda e Bancos.
No nível inferior desta hierarquia estão os especialistas em Economia
Agrícola e Economia Doméstica e, dentro do campo da Economia Agrí­
cola, uma posição especialmente baixa está reservada para os professores
de Administração Rural. Warren era um professor de Administração Rural.
Por mais brilhante que fosse o sucesso do seu plano de aquisição do ouro,
ainda teria sido mal visto pelos estudiosos mais respeitáveis.
A partir do outono de 1933, o governo começou a comprar ouro
a preços gradativamente mais altos. Assim como o Sistema Federal de
Reserva era por demais respeitável para salvar bancos em má situação,
também o era para aplicar algo tão duvidoso quanto a visão monetária
de George F. Warren. Assim como fora usada como fonte de última ins­
tância para os bancos em dificuldades, também foi usada a RFC. O próprio
Roosevelt fixou os preços aos quais o ouro seria comprado. Mais tarde,
ele viria a ser criticado pela maneira casual e pela irresponsabilidade com
que decidia o preço do dia seguinte, ao tomar o café da manhã com o
Secretário do Tesouro Morgenthau e com o presidente da RFC, Jesse
Jones. Uma vez, o aumento decidido foi de 21 cents porque, sendo igual
a três vezes sete, parecia ser um número de sorte. Nenhum homem vivo
podia dizer qual era a diferença entre um julgamento refletido e um
julgamento irrefletido — ou se um era melhor do que o outro. Mas, quando
se fala de moeda, uma fachada solene é necessária, mesmo que as razões
da escolha estejam envoltas em ignorância. O preço do ouro foi gradativa­
mente elevado por esse processo desde o seu nível primitivo de 20 dólares
A AMEAÇA IX) IMPOSSÍVEL 223

c 67 cents a onça até chegar, no início de 1934, a aproximadamente


35 dólares a onça. Inicialmentc, só o ouro recém-extraído era comprado,
e mais tarde todo e qualquer ouro estava sujeito a esse procedimento.
Os resultados foram desapontadores, e em parte devido a outra
medida do governo naquele ano atarefado. Naquela primavera, como se
recorda, o governo fizera um apelo paia a ariecadação do ouro dos cida­
dãos, e isso incluía os bancos. Em conseqüência, o preço mais alto do ouro
ou a reduzida quantidade de ouro contida no dólar, não aumentava as
reservas monetárias dos bancos. O aumento do valor do ouro era lucro
do Tesouro. Os bancos, não tendo mais dólares do que antes, tampouco
tinham mais reservas contra as quais fazer empréstimos e, portanto, não
tinham maior incentivo do que antes para emprestar, ampliar depósitos e,
assim, aumentar a oferta de moeda.19 Portanto, não havia maneira clara
pela qual a política de compra de ouro podia afetar os preços internos.
E não afetou, no período durante o qual foi adotada. No final de 1933,
os preços no atacado caíram. O caso dos preços de exportação pode ter
sido uma exceção. Neste caso, os dólares mais baratos faziam com que
os produtos americanos fossem mais competitivos no exterior. É possível,
do mesmo modo, que a política tenha ajudado a sustentar as exportações
e os seus preços em dólares.
Enquanto isso, havia intensas críticas dos ortodoxos em relação
ao experimento da compra de ouro. Era uma coisa ser criticado por uma
política que funcionava, outra coisa ser criticado por uma política que
parecia não conseguir coisa alguma. Assim, Roosevelt desistiu. Para a
declarada satisfação dos seus colegas, a glória de George Warren chegava
ao seu fim. Afinal de contas, um professor de Administração Rural.
Em janeiro de 1934, segundo legislação que havia sido solicitada pelo
Presidente, o governo tomou o lucro obtido com o preço mais alto do
ouro e colocou-o num fundo para comprar e vender divisas na medida das
necessidades para estabilizar taxas de câmbio. Voltou então ao padrão-
-ouro. Como faziam os outros países, isto valia apenas nas transações
internacionais. Os americanos não podiam pôr as mãos em ouro quando
quisessem, e além disso estavam proibidos de possuí-lo.
A essa altura, como foi observado, os homens pró-moeda forte
tinham abandonado o governo. Não desejavam associar-se à inflação que
seria produzida pela política de compra de ouro. Os seus temores eram

19 Como mais tarde entrava ouro do exterior, um dado peso realmente comprava
mais dólares e ampliava o volume de reservas.
224 MOEDA

claramente infundados; os preços não subiram. Mas, também foram


derrotadas as esperanças de Fisher, Warren e, em menor grau, de Keynes.
A moeda tinha tratado imparcialmente os que temiam a inflação e os que
desejavam alguma inflação — ou, mais precisamente, desejavam recuperar
as reduções passadas de preços. Todos estavam errados. Um país que
queria a inflação era como uma mulher de virtude excepcional que deci­
disse ter um amante, após muitos conselhos contrários da consciência e
dos amigos, apenas para descobrir em seguida que o amante não estava
disposto e tampouco era capaz.

Havia ainda uma possibilidade mais ortodoxa. Como foi indicado anterior­
mente, em 1932 o Sistema Federal de Reserva tinha reprimido suficien­
temente o seu medo à inflação a ponto de ir ao mercado e comprar obri­
gações governamentais e assim substituir títulos por caixa nos cofres dos
bancos. Esta política prosseguiu nos anos seguintes. As conseqüências
destas medidas também foram profundamente desapontadoras. Ate então,
era reconhecido e ensinado que quando os bancos tinham reservas acima
de suas necessidades, excluindo-se alguns períodos menos importantes ou
exemplos de cautela excessiva, eles expandiriam os seus empréstimos e,
conseqüentemente, os seus depósitos e a oferta de moeda. A história dos
pequenos bancos da fronteira da colonização indicava que esta expansão
seria realizada não com um excesso de cautela, mas na ausência irrespon­
sável de cautela.
Agora os bancos simplesmente estavam sentados em montes de
dinheiro. Os bancos acumulavam reservas acima das necessidades — devido
a uma falta de tomadores, a resistência em emprestar, ou um desejo
supremo de manter liquidez — sem dúvida era uma mistura de todos
os três fatores. Já em 1932, os bancos-membros do Sistema tinham, em
média, 256 milhões de dólares em reservas acima do que era exigido em
função dos seus depósitos. Em 1933, as suas reservas excedentes atingiram
528 milhões de dólares; em 1934, eram de 1,6 bilhão de dólares. Em 1936,
o valor era de um bilhão de dólares mais alto. Em 1940, aumentadas pelo
ouro enviado aos Estados Unidos para custódia, as reservas excedentes
atingiram, em média, 6,3 bilhões de dólares.20
Em questão de aproximadamente cinco anos, o círculo do fracasso
da política monetária tinha sido completado. Em 1928 e 1929, o Sistema

20
Lester V. Chandler. American’s Greatest Depression, 1929-1941 (Nova York:
Harper and Row, 1970), p. 174.
A A MF AÇ A DO IMPOSSÍVEL

1 ederal de Reserva não fora capaz de controlar o “boom” porque pawiv i


a economia, pois fazê-lo significaria receber a pecha da responsabilidade
pelo colapso subsequente. Agora não tinha meios de combater a Depres­
são, pois os bancos não emprestavam e os tomadores não levantavam
empréstimos. Numa metáfora que circulou nessa época, a política mone­
tária era como uma mola. Você podia puxá-la. com resultados incalcu­
láveis. Mas não era possível empurrá-la de qualquer maneira.
Não é surpreendente que. após 1933. a política monetária em geral,
e o Sistema Federal de Reserva em particular, tenham caído na obscuri­
dade. Embora ainda celebrizado nos livros-texto como antes, em
Washington o Sistema Federal de Reserva passou a ser um organismo
secundário. Dois de seus líderes. Marriner Eccles e Lauchlin Currie, alcan­
çaram a fama não pela política monetária do Sistema, mas pela política
fiscal keynesiana que a suHtitmu. Houve, porém, um momento brilhante.
A medida em que as reservas excedentes aumentavam depois de 1934,
algumas autoridades sempre ansiosas começaram a imaginar que enorme
volume de empréstimos c depósitos elas sustentariam se jamais fossem
usadas. Assim, ressurgiu a preocupação com a inflação. Em 1936 e 1937,
com a economia passando por uma recuperação bastante lenta, o novo
poder de elevar as rcxTvas obrigatórias dos bancos-membros foi aplicado.
1 ia uma maneira direta de reduzir o excesso aparentemente perigoso.
I in consequência, os bancos elevaram as suas taxas de juros e reduziram os
volumes de empréstimos. Nos mesmos meses, algumas medidas foram
tomadas paia cohkar o orçamento do governo federal novamente em
equilibuo o deficit foi cortado praticamente à metade no exercício
fiscal encerrado em 30 de junho de 1937, e novamente à metade no ano
seguinte. A combinação de políticas monetárias e orçamentária restritivas
jogou uma nova recessão intensa dentro da depressão maior. Foi outro erro
interessante. “Com o benefício do tempo, agora parece claro que o
aumento das exigências de reserva dos bancos-membros na primavera
de 1937 foi um erro.” 21
A medida tomada em 1937 foi o último erro do Sistema Federal
de Reserva por muito tempo. Isso deve-se ao fato de que foi a última
medida de qualquer importância tomada nos quinze anos seguintes.
O problema com a política monetária agora estava claro. Podia tornar
reservas disponíveis. Não podia fazer com que fossem levantadas por

1 Chxndiei. p. ls_). O própno Chandier fui, por muitos anos, diretor do Banco
t edciai ac Reserva em Fúadélfa.
2.'h MOEDA

empréstimos, provocando a resultante criação de depesitos. Quanto


velha questão do fluxo de causação. agora estava claro que era o estado q
economia que predominava, pelo menos em períodos de depressão ç
oferta de moeda não afetava os preços e o comércio tanto quanto o estado
da economia influenciava a oferta de moeda e o nível dos preços. A res­
posta - bastante óbvia neste ponto, mas muito menos obvia na época -
era tornar a criação e o uso da moeda obrigatórios, e não voluntários.
A moeda não devia ser apenas produzida, mas gasta - devia influenciar
diretamente o estado da atividade econômica. Esta foi a política adotada
a partir de então, embora com muita cautela. Era uma política fiscal, e
não monetária. Estava irrevogavelmente ligada ao nome do Ke\ nes.
Qb advento <h
*

1 1,1 l Lo, com cinquenta e dois anos de idade, podia-se dizer que John
M>i\n.nd Keynes estava no ponto máximo de uma carreira razoavelmente
noLÍ\el. As suas opiniões em relação ao Iratado de Versalhes tinham sido
'•ngadas, emboia lambem tivessem estimulado os alemães a resistir às
indenizações que ajudaram essa vingança. Ele certamente tinha estado
coneto quanto a Churchill e à volta ao padrão-ouro. Havia publicado em
193'J o que se destinava a ser a sua obra-prima, A Trealise on Money, em
dois volumes.1 Alto, magro, arrogante, tipicamente inglês, ele era uma
importante figura no mundo intelectual de Londres.
\a verdade, boa pane de sua reputação ainda estava para ser feita,
uma ciivmistància da qual ele estava inteiramente ciente. Escrevendo a
Geoige Bernard Shaw em 19 de janeiro de 1935, ele disse: “Para com­
preender o meu estado mental, você precisa saber que acho estar escre-

1 Juhn Masrwd kevnes. .4 Tre^e on Money .Sova York: Harcourt, Brace and
< o . iQ Vn.
v ndo um Imo de te >ria econômica que revolucionará. não imediata-
mente. mas nos próximos (jez anos, o modo pelo qual o mundo pensa
a respeito dos problemas econômicos.’ ‘ E isso de tato aconteceu.
O que contribuiu para o sucesso do boro, bem como à reputação
de Key nes. foi o seu mstuil0 gc que havia forças na economia moderna
que estavam anulando a mais importante hipótese feita pelos homens
de mente ortodoxa - a hipó:ese de que. deixado a si mesmo e ao tempo,
o sistema econômico encontraria o seu equilíbrio empregando todos
ou quase todos os trabalhadores dispostos. Estava envolvido mais do
que apenas as opiniões ortodoxas Se o instinto de Key nes estivesse certo,
as esperanças dos radicais monetários também seriam destruídas. Uma
alteração de conteúdo do dólar em ouro ou um aumento das reservas dos
bancos não signifk.iria mais tomadores de recursos, mais deposites, mais
moedas e um retorno da economia â situação de pleno empiego. () nível
de atividade cconomn a podia ser indiferente à oferta de moeda. Os
cmpiestimos podia u estar disponíveis nos bancos, no entanto, os retornos
na aplicação dos empréstimos. dada a tendência natural da economia a
um desempenho iiisa!;faio
* ru> e ao desemprego, poderiam ser suficieiite-
mcnle baixos p.iia que nu gacm w interessasse em tomá-los. Concluía-se
como começavam a indu4r o> fracassos da política de cornpia de 01110 e
das opeiações de mefcado jt^-rto cm meados da década dos 30, que a
política inonet.iria i.áo funcionava 1 ra csscneialmcnte passiva ou voluntá­
ria. I ia iiecessaiia uma politua que aumentasse a oterta de moeda dispo­
nível e g.tianiissc o seu ux) Ai, o estado da economia forçosamente
deveria melhorar
\ conclusão quanto à política apropriada era uma conclusão à qual
key nes havia chegado muno antes de atingir a sua justificação teórica.
Xo final da década dos vinte. e’.e ajudara a persuadir Lloyd George, no
dei i aderi o esforço de retorno político deste último, a apoiar um pro-
giama amplo de emprestemos pura obras públicas com a finalidade de
eliminar o desemprego. Os empréstimos criavam moeda; e seu dispêndio em
obras publicas garantia 0 seu uso e o seu efeito sobre a produção. E no
final de W33. enquanto o programa de compra de ouro dos Estados .
lindos estava negando tanto as esperanças dos seus defensores quanto
os temores dos seus oponentes, ele sugeriu o mesmo caminho a Rooscvelt.

H t HjuieJ ZXe Liy uf Jvhn MiiyrtGrd /íeynes ( Lunúres: Macmdlan and < 0 ,
1 3 n P ■*** ’ Key nes esta'3 rvsponCer.Co a uma suzvstão do Síiaw para que
() ATA l \TO DE J. M Kx Y\i S

“beposito enorme ênfase no aumento do poder aquisitivo nacional graças


a despesas governamentais financiadas por empréstimos.”3 Os partidários
do New Deal não deviam contentar-se em tornar recursos disponíveis para
serem emprestados e gastos; deviam eles mesmos tomar os empréstimos e
gastá-los. Nada podia ser deixado à esperança ou ao acaso.
A justificação teórica veio no livro mencionado por Keynes a Sliaw,
The General Theory of Employment Interest and Money.4 publicado na
Grã-Bretanha em fevereiro de 193o. e nos Estados Lmidos alguns meses
mais tarde. Keynes há muito tempo era suspeito, perante os seus colegas,
pela clareza do seu estilo e do seu pensamento, os dois quase sempre
andando juntos. Ern The General Theory, ele recuperou a sua reputação
acadêmica. É um trabalho de obscuridade profunda, mal escrito e prema­
turamente publicado. Todos os economistas afirmam tê-lo lido. Somente
alguns o fizeram. Os demais sentem uma culpa secreta porque jamais o
lerão. Parte de sua influencia resultou do fato de ser bastante incompre­
ensível. Outros estudiosos foram necessários para compreender o seu
signil n ado e reformular as suas proposições de forma inteligível. Os que
micialmciitc realizaram essa tareia Jcan Robinson na Inglaterra, Alvin
llansen e Sesmour Harris em Harvard - posteriormente tornaram-se
pregadores altamente clka/cs de suas ideias.

A ciença de que a economia encontraria o seu equilíbrio a pleno emprego


dependia, em parte, de que ha muito tempo era conhecido pelo nome de
lei de Sa\ atribuída a J. B Sav, o colega e intérprete francês de Adam
Smith e, também em parte, do movimento corretivo dos salários, preços
e das taxas de juros quando havia desemprego. A lei de Say, uma propo­
sição bastante simples, dizia que o resultado da venda de um bem era
distribuído em parte a alguém sob a forma de salários, ordenados, juros,
alugueis ou lucros (ou era tirada do homem que absorvesse um prejuízo),
sendo esses os recursos necessários para comprar tais bens. O que ocor­
ria com um bem ocorria com todos. Sendo assim, não poderia haver falta
de poder de compra na economia. Os movimentos de preços, salários e
taxas de juros validavam a proposição de J. B. Say e também garantiam
que a tendência fundamenta! da economia seria o funcionamento a pleno

Carta ao New } Times, 31 de dezembro Ce 1 933.


4 John Mx) nard Kev nes The General Theury uf Employment Interest and Money
York Harcoun. Brace and Co . 1936). Retlelindo alguma preferência desco-
nt-.ecxda, o mulo de Kevnes não tinha virgulas. Foram insendas por editores e
revisores desde err.Jo
M< j( I) V

emprego. As pessoas e empresas poupavam parte de suas rendas, e est.i


poupança, evidentemente, precisava ser gasta. Isto acontecia quando era
investida em habitação, tabncas e bens de capital. Se as pessoas poupassem
mais do que era investido, o excesso de poupança reduziria as taxas de
juros. O investimento sena então estimulado e a poupança (pelo menos
teoricamente), seria desencorajada. Assim, o excesso de poupança sena
eliminado e a lei de Say confirmada. Os preços dos bens também cairiam
em consequência de qualquer falta de poder de compra que resultasse
de um excesso de poupança. Isto encorajaria as compras e. reduzindo a
renda que gerava a poupança, também reduziria a própria poupança.
Mais uma vez. confirmar-se-ia a lei de Say.
Até Keynes. a lei de Say remou na bconomia por mais de um século.
E a regra não era apenas algo casual, de um modo geral, a aceitação de
Say era o teste que separava os economistas respeitáveis dos excêntricos.
Até o final da década dos 30, nenhum candidato a doutoramento nas
maiores universidades americanas cpie talawe scriamente de uma falta
de poder aquisitivo como causa de depressão podia ser aprovado. I ra
um homem que não via alem da superfície das coisas, mio merecia a
companhia dos súbios A lei de Say e o mais notável exemplo de estabi­
lidade das ideias cconóinuas, mesmo quando estão erradas.

Apoiando Say. como loi oi senado, estavam as foiças que mantinham


a economia a pleno emprego. I s.sas lambem eram bastante simples. Se
houvesM
* desemprego, a concorrência jxu trabalho provocaria uma redu­
ção dos salanos Os preços veriam menos imediatamcrite afetados pelo
desemprego. Portanto, a relação entre preços e custos tornar-se-ia mais
atraente - os salanos rta.s cairiam - e os trabalhadores cujo emprego
fosse prevumente pouco lucrativo aos empregadores seriam então contra­
tados. A queda de salinos não afetaria o poder de compra; segundo Say,
esse sempre sena suficiente. O emprego continuaria a aumentar até que
a aproximação do pleno emprego elevasse os custos da mão-de-obra e
interronqsei.se as contratações. Assim, a economia atingiria o equilíbrio
no nível do pleno emprego ou bem próximo dele. Daí originava-se tam­
bém a recomendação decisiva dos economistas ortodoxos para eliminar
o desemprego. Nada deve ser feito para interferir com a redução de salários
mima depressão. Resistir a todos cantos de sereias, incluindo o de Herbert
Hoover, que como se recorda era contrário à redução de salários, hm
nenhum outro aspecto a compaixão seria tão incorreta, pois manter os
ularios a rnveia ar.ificialmente altos apenas perpetuava o desemprego
r d.fn uldades dos desempregados.
O ADVEM O DE J. M. Kr ã M S 2 <1

Esta era a doutrina, ou talvez mais precisamente, a ideologia a que


Keynes pôs um fim. Há várias maneiras de iniciar a apresentação dos
seus argumentos: talvez a mais fácil seja através da taxa de juros. Os juros,
segundo ele afirmava, não representavam o preço que as pessoas pagavam
para poupar. Ao contrário, era o que obtinham mantendo os seus ativos
em fábricas, máquinas ou outros tipos semelhantes de investimento sem
liquidez - em sua linguagem, o que era pago para superar a sua prefe­
rencia pela liquidez. Assim, uma queda das taxas de juros podia não
desestimular a poupança, incentivar o investimento, e garantir que toda
a poupança seria usada. Poderia, isto sem levar os investidores a recuar
para a manutenção de dinheiro ou algum ativo equivalente. Assim, as
taxas de juros não mais viriam em apoio à lei de Sav. assegurando que a
poupança seria pasta. 1 se a lei de Sav não era mais um axioma seguro
da vida, a noção de uma falta de poder de compra não podia mais ser
ignorada. Podia, entre outras coisas, ser a consequência de uma redução
dos salários 5
*>a$
O que as pess pnveuravam poupar, do ponto de vista de Keynes,
ainda piccnava ser igualado ao que desejavam investir. Mas, o mecanismo
de ajustamento, segundo ele argumentava, não era a taxa de juros, mas o
volume total de produção da economia. Se esforços para poupar supe­
rassem o desejo de investir, a falta resultante de poder de compra ou
procura levai ia ã queda da produção. E ela continuaria a cair até que o
nível de empiego e a renda tivessem diminuído de tal modo que a pou­
pança lambem tivesse caído ou se tornasse negativa. Deste modo, a
poupança finalmenle seria igual ao investimento - que, enquanto isso,
também lena caído, mas não na mesma proporção. 0 equilíbrio econô­
mico assim estabelecido, como deve ficar evidente, não seria um equi­
líbrio a pleno emprego, mas com desemprego. Assim, o desemprego
eia, paia kev nes. uma condição natural da economia.
Havia muno mais. E nem todos os argumentos de Keynes sobre-
viveiam. A teona dos juros com base na preferência pela liquidez, por
exemplo, embora contribuísse para a argumentação de Keynes, não
ganhou a aceitação permanente como descrição da realidade. Mas, em
duas coisas Keynes teve influência imediata. A lei de Say afundou sem
deixar vestígios. A partir de então concordou-se que podia haver poupança
excessiva. E podia, em contrapartida, haver uma falta de procura efetiva

1 ne e um pento comnie.vo na obra de Kevnes. Para uma discussão completa (e


muito do que é un portante sobre Kevnes). ver o adrmravel trabalho de Robert
1 d^hiiun, The c>t Áeinei tXeei York: Randorn House, 1966).
232 MOEDA

para o que estava sendo produzido. E a noção de que a economia atingiria


o seu equilíbrio com desemprego - uma noçao admiravelmente reforçada
pela experiência cotidiana na década dos 30 também exerceu influência
quase imediata.

Embora Keynes parecesse radical a alguns na sua época, ele era completa­
mente ortodoxo num sentido importante. A estrutura econômica que ele
pressupunha era uma estrutura há muito reconhecida irrestritamente
pelos economistas - uma estrutura de concorrência, preços de livre movi­
mentação e o controle desimpedido do comportamento econômico pelas
forças de mercado. Havia sindicatos, mas para Kcynes eles não faziam
muita diferença. As sociedades anônimas e o seu poder tampouco eram
relevantes. Na verdade, tanto os sindicatos quanto as sociedades anônimas,
enquanto Keynes escrevia, estavam agindo de um modo que confirmava
a sua tese. Ele contava com um apoio para as suas idéias que não chegou
a usar efetivamente.
Assim, durante os cinqüenta anos anteriores a Keynes, as sociedades
anônimas ganharam muito em influência e poder de mercado em todos
os países industriais. Foi o período clássico do que seria chamado de
concentração empresarial. Com a exceção, em parte, dos Estados Unidos,
também houvera a ascensão do moderno sindicato trabalhista. E no final
da década dos 30, sob a égide do New Deal e em resposta ao esforço da
organização da CIO,
* os Estados Unidos tinham superado os outros
países em termos de organização sindical. O efeito da concentração empre­
sarial e do fortalecimento sindical era tornar radicalmente mais inseguros
os ajustamentos que se supunha sustentarem a lei de Say e o equilíbrio
a pleno emprego.
Em 1920, como foi notado, os preços dos produtos agrícolas caíram
com mais rapidez e intensidade do que os preços dos produtos industriais.
A razão, não colocada seriamente em debate, era a de que as sociedades
anônimas industriais detinham em seus mercados o poder — normalmente
associado ao monopólio ou oligopólio — de suavizar ou sustar o declínio
de preços. Os agricultores e os outros pequenos empresários careciam de
tal poder. Mais uma vez, de 1929 a 1932, os preços dos produtos agrícolas

* (N. do T.) Congress of Industrial Organizations. Uma federação de sindicatos


industriais originalmente constituída em 1935 corno urna comissão interna da
AFC (American Federation of Labor). Após uma divergência sobre a questão
do sindicato de empregados de uma mesma empresa ou de um mesmo setor,
uniu-se à AFL em 1955.
O ADVENTO DE J. M. KEYNES 233

no atacado caíram mais da metade. Os preços dos outros produtos caíram


menos de um quarto.6 Este movimento desigual foi influentemente
estudado por Gardiner C. Means, na época funcionário do Departamento
de Agricultura dos Estados Unidos.7 Aos preços industriais mais contro­
lados ele associou a duradoura expressão “preços administrados”.
O ajustamento keynesiano a um excesso de poupança é realizado
através de uma redução da procura agregada. Quando a poupança cai,
algo deve ceder, e o que cede é o nível de preços ou a produção. Se os
preços puderem ser mantidos a níveis altos pelo poder de mercado da
empresa, então será a produção que deverá cair. Quando a produção cair,
o mesmo ocorrerá com o emprego. Com o poder de mercado das empresas,
o desemprego passa a ser um elemento altamente característico do ajusta­
mento keynesiano. E a diminuição dos gastos dos que perdem seus empre­
gos ou temem perdê-los deve exercer um efeito deprimente adicional sobre
a produção e o emprego. É plausível que este efeito sobre a produção e
o emprego seja muito superior ao que ocorreria, numa economia de
livre concorrência, em resultado da redução de preços e salários visuali­
zada por Keynes, de um modo geral.8
A diferença em termos de níveis de produção e emprego durante
a Depressão entre os setores sob o poder de mercado das empresas e os
setores de livre concorrência era grande - embora, como sempre, nem
tudo possa ser atribuído a uma única causa. Entre 1929 e 1933, o pro­
duto não-agrícola da economia caiu de 88,6 bilhões a 57,8 bilhões de
dólares, a preços de 1929. A produção agrícola subiu ligeiramente - de
10,7 bilhões a 11,0 bilhões de dólares. O emprego não-agrícola caiu de
37 milhões em 1929 a 29 milhões em 1933. O emprego agrícola apresen­
tou uma variação insignificante — de 10,5 milhões a 10,1 milhões de
pessoas.9
A ascensão dos sindicatos também destruiu completamente a espe­
rança ortodoxa de que as reduções de salários atuariam como uma influ-

6 U. S. Bureau of the Census, Historical Statistics of the United States, Colonial


Times to 1957 (Washington, D. C., 1960), p. 116.
7 Louis H. Bean, J. P. Cavin e Gardiner C. Means, “The Causes: Price Relations
and Economie Stability”, in U. S. Department of Agriculture, Yearbook of
Agriculture 1938 (Washington, D. C., 1938).
8 Mais precisamente, a que deveria ter visualizado, dada a sua visão da economia.
Esse ponto não está muito claro em sua obra.
9
U. S. Bureau of the Census. Historical Statistics, pp. 70, 140.
234 MOEDA

ência estabilizadora, funcionando como um corretivo do desemprego.10


Quaisquer que fossem os méritos das reduções de salários para aumentar
o emprego, eles não surgiriam sc as reduções não ocorressem. E um dos
primeiros objetivos de um sindicato é resistir a tais reduções. O ajusta­
mento de salários monetários que Keynes considerava de valor corretivo
duvidoso era algo que se tornava cada vez menos provável. Mas o desem­
prego, que era agora a alternativa às reduções de salários, podia exercer
um efeito ainda maior em termos de redução da procura agregada do
que o ajustamento discutido por Keynes.11
A ascensão das grandes empresas e dos sindicatos tinha ainda
outra importância para o sistema keynesiano. Deviam ser os principais
inbtrumentos de seu fracasso quando houvesse inflação, além de de­
pressão,
Uma questão discutida em relação à Revolução Keynesiana tem sido há
muito tempo a que diz respeito a quanto deve ser atribuído exclusiva­
mente ao indivíduo que Uie deu o nome. Muitos estudiosos têm argumen­
tado que mais atenção deve ser dada aos seus numerosos precursores;11 12 na
verdade, dizem que essa preparação de terreno explica bastante a aceitação
de Keynes. Esses estudiosos têm uma posição válida.
Já um século antes, Malthus tinha apresentado a idéia de uma defi­
ciência geral de procura. Uma geração antes de Keynes, J. A. Hobson
tinha desenvolvido a posição de que as crises econômicas eram causadas
por poupança excessiva. (Tão grande era a sua heresia que em 1899 ele
não teve permissão para ensiná-la até a adultos aquiescentes. “.. .ao pare-

10 Esta, na época apropriada e no contexto da livre concorrência entre pequenas


empresas, não era uma esperança tão inútil quanto seria considerado pela teoria
posterior. Foi, por exemplo, graças à disposição, se essa é a palavra certa, dos
agricultores americanos no sentido de aceitar um retorno inferior pelo seu esforço
— e à sua capacidade de impor uma redução semelhante aos seus empregados -
que manteve alto os níveis de produção e emprego no setor agrícola durante a
Grande Depressão. Se os agricultores e seus empregados tivessem se recusado a acei­
tar qualquer redução de suas rendas - retirando os seus serviços de alguma forma
milagrosa uma vez reduzidas as suas remias abaixo dos níveis anteriores à Depres­
são — os níveis de produção e emprego no setor teriam sido muito mais baixos.
11 Também um ponto ambíguo na obra de Keynes. Ele realmentc previu esforços
de manutenção de salários pelos sindicatos.
12 Segundo o artigo de George Garvy, a ser publicado proximamente, “Keynes
and the Economic Activists of Pre-Hitler Germany”. The Journal of Política!
Economy. Ainda no prelo enquanto este livro era publicado. Agradeço a meu
velho amigo por permitir que lesse seu interessante trabalho.
O ADVENTO DE J. M. KEYNES 235

cer questionável a virtude da poupança ilimitada, ou havia cometido o


pecado irremissível.”)13
Por alguns anos antes da publicação de The General Theory, econo­
mistas inovadores e altamente responsáveis tinham desenvolvido e apli­
cado, de certo modo, as mesmas idéias na Suécia. A eles deve ser atribuída
especificamente a noção de que o orçamento do governo nacional deve
basear-se com receitas ao nível de pleno emprego, e não deve ser reduzido
à medida em que as despesas caem durante a depressão. Esta, em sua
forma mais elementar, é a idéia que, mais recentemente, recebeu o nome
de orçamento de pleno emprego.
Além disso, na época de Keynes também já fazia alguns anos que
o Major C. H. Douglas estava convertendo alguns incultos à idéia do
Crédito Social. O elemento ativo do Crédito Social era um dividendo
social, correspondente ao equivalente de dinheiro e pagável aos cidadãos
em geral — uma reprise da idéia pioneira de Maryland no período colonial.
O dividendo social certamente seria gasto. Não envolvia a passividade da
política monetária. Assim, Douglas antecipou-se a Keynes — enquanto o
próprio Keynes observava.
Keynes também foi antecipado por um dos fazedores de milagres
da década dos 20 — Waddill Catchings. Com John Foster Dulles e outros,
Catchings foi um arquiteto de trés das grandes promoções de companhias
de investimento do período - Blue Ridge, Shenandoah e Goldman Sachs
Trading Corporations — realizações pouco diferentes, exceto quanto à
extrema respeitabilidade dos seus promotores, daquelas concebidas mais
recentemente por Bernard Cornfeld. À época em que envolveu-se com tais
atividades, refletiu prescientemente sobre as causas das depressões econô­
micas, na próxima das quais seria um perdedor espetacular. Com William
T. Foster, antigo presidente do Reed College, ele produziu dois livros
notáveis; especialmente um deles, The Road to Plenty, alcançou um
grande público quando a Depressão realmente chegou. Sustentava, em
oposição a J. B. Say, que a poupança excessiva — uma falta de poder de
compra — era possível, e até normal. A solução consistia em fazer o
governo tomar empréstimos e gastar — o remédio keynesiano. Em Harvard
durante o início da década dos 30, o mais lúcido professor preocupado
com Moeda e Bancos era John H. Williams, um homem conservador mas
nada antiquado. Para a surpresa de quase todo mundo, ele dizia a seus

13 Hobson relatou-o em “Confessions oi" an Economic Heretic”, uma conferência


pronunciada em Londres em 1935. Citado por Keynes em The General Theory,
p. 366.
MOEDA

alunos que a tese de Foster e Catchings sobre a superpoupança e a cura


não devia ser ignorada automaticamente. Outros economistas eram menos
tolerantes, e os não-economistas não eram necessariamente mais simpá­
ticos. Roosevelt leu o livro antes de assumir a Presidência em Washington,
e anotou em sua cópia; “Muito bom para ser verdade — não se pode
conseguir alguma coisa por nada.” 14
A um nível mais alto de respeitabilidade acadêmica nesses anos,
Lauclilin Currie, um instrutor em Harvard, publicou em 1934 The Supply
and Control of Money in the United States.15 Em alguns aspectos impor­
tantes, Currie antecipou-se a Keynes; era uma estratégia acadêmica impru­
dente, pois o livro provocou dúvidas sobre o conceito de Currie como
economista.
Além disso, bem antes de Roosevelt tomar posse, os jornais da cadeia
Hearst tinham advogado firme e violentamente um empréstimo público
de 5 bilhões de dólares — uma soma assombrosa nessa época — para ser
gasto em obras públicas. Como o advento do New Deal, surgiram obras
públicas c programas de emprego público - PWA, CWA, WPA * - embora
numa escala menor do que a reclamada por Hearst. Não eram vistos como
medida de política monetária - uma maneira de aumentar a procura
criando moeda e assegurando o seu uso - mas como um remédio impera­
tivo para a falta de emprego. Era, entretanto, uma política em busca de
uma racionalização, que foi fornecida por Keynes.
Finalmente, já em 1933 Irving Fisher havia proposto a aplicação
de fundos tomados por empréstimos diretamente nas folhas de pagamento
de empresas privadas; apelava a Roosevelt para que o governo tomasse
empréstimos e os transferisse a empregadores privados, sem juros, a dois
dólares por dia por 100 dias para cada funcionário acrescentado à folha
de pagamento. Isto também asseguraria a realização de despesas. Outros
planos estavam em circulação para pagar pessoas por serviços, pensões, ou
simplesmente porque existiam. Estabeleciam, como condição adicional,
que o dinheiro, se não fosse gasto dentro de um período decente, se tor­
nasse sem valor. Também neste caso os gastos seriam forçados.

14
Arthur M. Schlesinger, Jr. The Crisis of the Old Order (Boston: Houghton Mifflin
Co., 1957), p. 136?

15 Lauchlin Currie. The Supply and Control of Money in the United States (Cam-
bridge: Harvard Lniversity Press, 1934).

(N. do T.) Public Works Administration, Civil Works Adnünistration e Works


Progress Administration, respectivamente.
O ADVENTO DE J. M. KEYNES 237

Em meados da década dos 30 também havia uma demonstração avançada


do sistema kcynesiano. Era a política económica de Adolph Hitler e do
Terceiro Reich. Envolvia empréstimos em larga escala para gastos públicos,
e primeiramente estes destinaram-se a obras civis — estradas de ferro,
canais e auto-estradas. O resultado era um ataque muito mais eficaz ao
desemprego do que em qualquer outro país industrial.16 Em 1935, o
desemprego alemão era mínimo. “Hitler já havia encontrado a forma de
eliminar o desemprego antes de Keynes terminar de explicar porque
ele ocorria.”17 Em 1936, quando os preços e salários sofreram pressão
altista, Hitler tomou medidas adicionais para combinar uma política
de emprego expansionista com amplos controles de preços. Deve ser
observado que a política econômica nazista era uma resposta concebida
especialmente para fazer frente ao que parecia ser uma situação extra­
ordinária. O nível de desemprego era desesperador. Assim, houve emprés­
timos de recursos e as pessoas foram postas a trabalhar. Embora tivesse
havido muita discussão a respeito de tais políticas na Alemanha pré-hitle-
rista, parece duvidoso acreditar que fosse muito influente. Hitler e os seus
bancos não eram do tipo livresco. Não obstante, a eliminação do desem­
prego na Alemanha durante a Depressão, sem inflação — e de início
apoiada apenas em atividades essencialmente civis - foi uma realização
marcante. Raramente foi elogiada e não muito comentada. A noção de
que Hitler não era capaz de fazer o bem estende-se à sua política econô­
mica, como acontece, mais plausivehnente, a todo o restante.

Assim, o efeito de The General Theory foi legitimar idéias que já estavam
em circulação. O que tinha sido aberração de excêntricos e malucos
tornava-se agora tema de respeitável discussão acadêmica. Sugerir que
podia haver superpoupança não mais custava a um homem o seu diploma,
ou, necessariamente, a sua promoção. Que o remédio apropriado paia

16 “. . . os nazistas tiveram . . . mais sucesso ao curar os males econômicos da década


dos 30 Ido que os Estados Unidos). Reduziram o desemprego e estimularam a
produção industrial mais rapidamente do que os americanos e, levando em conta
os seus recursos, resolveram os seus problemas monetários e comerciais com mais
sucesso, e certamente com mais imaginação. Isto deveu-se, em parte, ao uso mais
intenso de déficits governamentais. . . Em 1936, a Depressão já estava pratica­
mente superada na Alemanha, e longe disso nos Estados Unidos”. John A. Garraty.
“The New Deal, National Socialism, and the Great Depression”. The American
Historical Reriew, Vol. 78, N9 4 (outubro de 1973), p. 944.
17
Joan Robinson. Citada por Garvy.
238 MOEDA

a poupança excessiva era o dispêndio público financiado por empréstimos


era agora um tópico apropriado de discussão - embora continuasse a pro­
vocar reações bastante amargas. 0 caminho estava final mente aberto
para a ação governamental.
As idéias keynesianas passaram ao domínio da política governa­
mental através das universidades. Se estava havendo uma revolução, não
estava sendo feita nas ruas ou nas fábricas, mas nas salas de seminários.
Keynes foi endossado principalmente pelos jovens estudiosos. Os econo­
mistas são parcimoniosos, entre outras coisas, de idéias; a maioria vale-se
das idéias dos tempos em que fizeram o seu curso. Assim, a mudança não
vem da modificação do pensamento de homens e mulheres, mas da passa­
gem de uma geração para outra. Os grandes contemporâneos de Keynes,
quase sem exceção, analisaram o seu livro e o acharam errado. Esta con­
vicção, com algumas raras exceções,18 carregaram então para as suas
aposentadorias e possivelmente além disso.
O principal centro britânico de discussão keynesiana era, como se
poderia esperar, a Universidade de Cambridge; ali as idéias foram brilhan­
temente examinadas e explicadas por dois colegas mais jovens de Keynes,
R. F. Kahn e Joan Robinson. Foi através de Harvard que as idéias keyne­
sianas atingiram os Estados Unidos. Nos meses que se seguiram ao apare­
cimento de The General Theory, a discussão foi praticamente contínua
— um estudante interessado podia participar praticamente todas as noites
de um seminário formal, ou mais freqüentemente, bastante informal,
sobre o livro. Os estudantes que haviam estado em Cambridge, Inglaterra,
e tinham conhecido Keynes, tornavam-se pequenos oráculos em
Cambridge, Massachusetts — tribunais de recursos reconhecidos quanto
ao que Keynes realmente queria dizer.19
Com o tempo, os ex-alunos de Harvard tomaram conhecimento da
fermentação keynesiana e ficaram pesarosos. (Anos mais tarde, uma
pequena organização, a Fundação Veritas, foi formada para combater
essa ameaça.) Os membros mais antigos do corpo docente, embora tole­
rantes, não aprovavam as novas idéias. No outono de 1936, a universidade

18 As exceções mais notáveis foram Alvin H. Hansen, a ser novamente mencionado,


e A. C. Pigou, de Cambridge e King’s College, que Keynes destacou como o
homem cujos trabalhos representavam o melhor do que estava errado. Os traba­
lhos finais de Pigou refletiram uma forte influência de Keynes.
19 A principal autoridade desse tipo era Robert Bryce, recém-chegado da Universi­
dade de Cambridge. De Harvard, saiu para trinta anos ou mais de serviço como
alto funcionário na área de política econômica do governo do Canadá.
O ADVENTO DE J. M. KEYNES 239

comemorou seus trezentos anos de fundação. Era sabido que títulos


honoríficos seriam dados aos maiores homens nos vários campos das
ciências naturais, das ciências sociais, das artes, e da vida pública, e que
Franklin D. Roosevelt, para o pesar de muitos formandos ilustres, faria
um dos principais discursos. Os membros mais jovens dos Departamentos
de Governo e Economia ofereceram sugestões aos seus superiores quanto
a dignos merecedores dos títulos; a idéia era propor nomes que, por sua
aceitabilidade, causassem o maior embaraço possível. O nome escolhido
com tal enfoque pelos cientistas políticos foi o de Leon Trotsky; pelos
economistas mais jovens, foi o de Keynes. Nenhum recebeu o título.
Em grande parte, os que os receberam já foram esquecidos.
De 1938 em diante, porém, um membro superior do corpo docente
de Harvard, reçém-chegado da Universidade de Minnesota, foi vital para
a aceitação de Keynes. Era Alvin H. Hansen. A reação inicial de Hansen
como comentarista de The General Theory foi fria; entretanto, ele tinha
uma capacidade notável, mesmo excepcional, de mudar de idéia. Logo,
o seu seminário sobre política fiscal passou a ser um foco importante de
discussão teórica e prática. No final da década dos 30, passou a ser acom­
panhado por um fluxo constante de autoridades de Washington. Portanto,
tornou-se a principal avenida pela qual as idéias de Keynes chegaram
a Washington. Hansen também escreveu com lucidez e infatigavelmente
sobre a política keynesiana. Menos lúcido, mas ainda mais infatigável,
foi outro professor de Harvard um pouco mais jovem, Seymour E. Harris.
Hansen, Harris e, com seu livro-texto pioneiro, Paul A. Samuelson, foram
os homens que trouxeram as idéias keynesianas aos americanos.20

Entretanto, Washington na segunda metade da década dos 30 também


era um solo fértil. O fracasso da política monetária, juntamente com o
fechamento da NRA, tinha deixado o governo sem um projeto claro para
eliminar o desemprego e promover a recuperação. Uma possibilidade
era um ataque ao monopólio. Cs monopólios eram maus; algo de bom
deveria resultar de um ataque a eles. Mais logicamente, o poder de mercado
dos monopólios, como já for observado, significava que os preços perma­
neciam altos, em face de uma procura decrescente. Eram a produção e o

20 Nesses anos, um grupo de economistas jovens de Harvard e Tufts também publi­


cou um pequeno mas influente tratado sobre a política keynesiana. Richard V.
Gilbert, George H. Hildebrand, Jr., Arthur W. Stuart, Maxine Yaple Sweezy. Paul
M. Sweezy, Lorie Tarshis and John D. Wilson, An Economic Program for Ame­
rican D emocracy (Nova York: Vanguard Press, 1938).
2 lí) MOEDA

emprego que sofriam. Restaurando-sc a concorrência presumivelmente


seria reduzida a influência dos preços administrados, diminuindo a impor­
tância desta causa do desemprego. No final da década dos 30, houve um
marcante reavivamento do interesse pela aplicação de medidas antitruste
em Washington. Resultou dessa visão do problema.
A dificuldade estava em que o poder de mercado c a administração
de preços não eram problemas de umas poucas empresas; eles existiam
praticamente em toda a economia americana. Consequentemente, a
solução exigia uma reestruturação completa dessa economia. Gastar
dinheiro levava tempo, como estava demonstrando agora a experiência
do início da década dos 30 com as obras públicas. Mas era uma maravilha
de rapidez, ern comparação com o tempo que seria necessário para aplicar
as leis antitruste a todas as sociedades americanas que exerciam poder
sobre os seus preços. E não muitos do New Deal estavam dispostos a
propor o passo simultâneo lógico, que seria desmantelar os sindicatos.
Portanto, sobrava apenas Keynes.
Da publicação de The General Theory em diante, o centro da pre­
gação keyncsiana em Washington passou a ser o Conselho de Governa­
dores do Sistema Federal de Reserva. A história parecia estar desenvol­
vendo-se de uma maneira excepcionalmente lógica. A política monetária
resultava apenas num aumento de reservas excedentes. Os que por ela
eram responsáveis estavam voltando-se, assim, à política fiscal, menos
passiva e mais segura, que assegurava o uso da moeda criada. Na verdade,
o papel do Sistema Federal de Reserva foi em grande parte acidental.
Lauchlin Currie, tendo se antecipado a Keynes, estava notavelmente
aberto às suas idéias. Ele era então o Diretor de Pesquisas do Conselho
do Sistema. E o Presidente do Conselho era Marriner Eccles, cuja descrição
de uma corrida a um banco já tivemos oportunidade de ler. Eccles, medi­
tando sobre a sua própria experiência perigosa como banqueiro e as pri­
vações e os riscos dos agricultores e empresários de Utah durante a
Depressão, tinha sido levado independentemente à idéia de que o governo
devia intervir na economia segundo as linhas keynesianas. Assim explica-se
o surgimento do Sistema Federal de Reserva como a cunha de Keynes
em Washington, após a publicação de The General Theory.
Currie agiu de um modo mais prático. Em 1939, ele passou do
Sistema de Reserva para a Casa Branca e, de fato, se não de direito, tor­
nou-se assessor do Presidente para assuntos económicos, sendo o primeiro
de uma longa linha. Na Casa Branca, colocou a si mesmo numa posição
em que funcionava como agência de empregos e despachante geral para
os economistas do governo. Quando posições importantes surgiam em
O ADVENTO DE J. M. KEYNES 241

qualquer ponto do governo, ele esforçava-se para assegurar que fossem


ocupadas por pessoas de firmes convicções keynesianas. Ao final da
década dos 30, ele havia estabelecido uma rede informal desses prosélitos,
alcançando todos os organismos fiscalmente importantes. Todos perma­
neciam em comunicação regular sobre as idéias e políticas. Nem Currie,
nem qualquer dos envolvidos considerava isto como uma conspiração.
Simplesmente parecia a coisa necessária e sensata a ser feita.21

Assim as idéias keynesianas foram postas em posição de influência na


segunda metade da década dos 30. Foi em Washington, e não em Londres,
que execeram o seu primeiro impacto. No seu todo, porém, esse impacto
fez-se sentir mais sobre pensamentos e esperanças do que sobre a política
prática. Numa falange sólida contra as idéias estavam todos os homens
práticos. Quando não são capazes de compreender uma idéia, os homens
práticos abrigam-se na superioridade inata do bom senso. Acrescente-se
que “bom senso” é outra expressão para aquilo em que sempre acre­
ditaram.

21 No verão de 1940, poucos dias após a queda da França, fui chamado a Washington
por Currie. Leon Henderson acabara de ser encarregado de dirigir o controle de
preços na recentemente reavivada Comissão Consultiva para a Defesa Nacional.
Era uma posição potencialmente poderosa - e também efetivamente poderosa,
como se verificou mais tarde. Henderson, entretanto, não era um keynesiano
completo. Currie queria um discípulo digno de confiança à mão. Era eu. Daí
surgiu o meu trabalho no controle de preços durante a guerra. Dois anos antes,
também a pedido de Currie, eu havia dirigido um projeto amplo de avaliação da
experiência de obras públicas na década dos 30 para a Junta Nacional de Planeja­
mento de Recursos (“The Economic Effects of the Federal Public Works Expen-
ditures, 1933-1938” [com G. G. Johnson, Jr.l). O relatório, pouco surpreendente­
mente, adotou uma posição francamente favorável à política keynesiana - de uso
de obras públicas e dos empréstimos por elas exigidos, não apenas para propor­
cionar empregos e conseguir a construção de prédios, mas como parte de uma
política ampla para induzir a recuperação e aumentar o nível de produção:
“.. . homens e materiais ociosos”, ressaltava em tons keynesianos inegáveis,
“representam a situação normal ou de equilíbrio na economia moderna.. . A
construção de obras públicas, financiada de modo a compensar poupança ociosa,
representa uma das maneiras de escapar de um nível persistentemente baixo de
investimento privado e de um nível persistentemente elevado de desemprego.”
(P. 4). Mais tarde, quando Currie foi atacado intensa e injustificadamente como
agente comunista na década dos 50, reencontrei cartas escritas dele recebidas,
e há muito esquecidas, insistindo na importância de pôr a “nossa gente” em
um outro órgão do governo. A “nossa gente” era keynesiana. Ocorre-me que
eu teria dificuldades para transmitir esse significado a uma das comissões do
Congresso então à caça de comunistas. A ocasião para isso não surgiu.
242 MOEDA

O que sempre tinha sido acreditado, e estava em oposição a Keynes


e os keynesianos, eia uma loiça exliaoidmanamciile poderosa. Por duzen­
tos anos, os americanos de sangue mais puro tinham demonstrado uma
queda pelo papel-moeda. Por setenta anos tinham feito agitações em favor
da piata. A experimentação monetária nos listados Unidos era, portanto,
uma tradição antiga c das mais aceitáveis politicamente. lambem retinha
uma grande clientela política. Um congressista ou senador, voltando a
Oklahoma ou lowa apos la/ei um apelo paia uma emissão de “greenbacks”
para elevar os preços e ajudar a causa da justiça social, podia ser consi­
derado um herói. Nenhuma tradição ou clientela dessa ordem apoiava
a ideia do financiamento do déficit governamental, um orçamento delibe­
rado e promiscuamcnte desequilibrado. Um homem que voltasse a lowa
após advogar essa idéia em Washington podia ser considerado perigosa­
mente doido.
Os governos sábios sempre tinham procurado equilibrar os seus
orçamentos. A incapacidade de atingir esse objetivo sempre fora uma
demonstração de incompetência política; as coisas não precisavam ser
mais complicadas do que isso. Além disso, os políticos sempre tinham
procurado desculpar-se por gastar mais do que era permitido pelos recur­
sos, e haviam demonstrado muita engenhosidade nesse esforço. Por mais
engenhosas que fossem as explicações, todas eram espúrias, no final das
contas — um disfarce para gastar demais, tributar muito pouco, admi­
nistrar muito mal. A racionalização keynesiana dos déficits e do financia­
mento do déficit certamente era uma nova versão do mesmo comporta­
mento. Aconselhando Roosevelt em fevereiro de 1933, o Presidente
Hoover disse que “ajudaria muito a estabilizar o país” se fosse escla­
recido “...que o orçamento será certamente equilibrado, mesmo que
uma tradição um pouco mais elevada seja necessária; que o crédito do
governo será mantido com a recusa de examí-lo através da emissão
de títulos.”22
Roosevelt não discordou; em sua primeira fala pelo rádio após a
sua posse, ele disse que o país precisava “terminar com- os déficits”,
acrescentando que “qualquer governo, como qualquer família, pode
num ano gastar mais do que recebe. Mas vocês e eu sabemos que uma
continuação desse hábito significa uma casa pobre.” 23

97
William Starr Myers e Walter 11. Newton. The Hoover Administration: A Doeu-
mented Narrative (Nova York: Charles Seribnefs Sons, 1936), pp. 339-340.
Citado em Sclilesinger, p. 476.
23
Schlesinger, p. 420.
O ADVENTO DE J. M. KEYNES 243

As crenças assim reafirmadas pelos dois Presidentes ainda eram pode­


rosas cinco anos mais tarde — uma barreira ainda formidável contra as
idéias de um distante professor inglês. Na posição de Roosevelt também
estava explícito o que depois seria chamado de falácia de composição.
Esta também era uma barreira firme às idéias keynesianas — e assim
continua igualmente influente até hoje.
Um modo de pensamento atraentemente plausível, a falácia de
composição estende a economia da unidade familiar à do governo. Uma
família não pode gastar indefinidamente além da sua renda. Portanto,
tampouco o pode um governo. Um pai que toma um empréstico para viver
deixa dívidas e não meios de subsistência para os que vêm depois. Um
governo que toma empréstimos faz o mesmo. Ambos são moralmente
deficientes.
Examinando bem. vê-se que a comparação entre família e estado
não é plausível. Que algo tão maciço, diversificado, complexo e incom­
preensível como o governo dos Estados Unidos (ou qualquer outro
governo nacional) esteja sujeito às mesmas regras e restrições da família
de um assalariado é uma proposição que, pelo menos, exige alguma prova.
Nem mesmo é uma prova de que deva ser assim, como freqüentemente
se afirma. Além disso, deve ser observado que a riqueza e a solvência de
uma nação dependem do que a sua economia nacional produz. Se a
tomada de empréstimos e o seu gasto aumentarem a produção, como
afirmavam as idéias keynesianas, então aumentarão a solvência. Só muito
raramente os empréstimos e a sua aplicação aumentam a riqueza de uma
família. Uma reclamação constante dos keynesianos era a de que os seus
oponentes não compreendiam o que estavam tentando fazer. Também
era igualmente verdadeiro que os keynesianos não compreendiam a profun­
didade da tradição à qual a sua posição estava sujeita ou o poder pelo
qual era governada.24

A política keynesiana também foi limitada nesses anos pelo papel secun­
dário disponível à tributação. Em parte, esta era uma questão de circuns­
tância. Antes da Segunda Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos
era uma pequena organização; ern 1930, as suas despesas totais foram de
1.4 bilhão de dólares; ern 1940, ainda menos de 10 bilhões. As compras
de bens e serviços pelo governo federal representaram 2% do Produto

lm erro de compreensão que cenamente eu também cometi.


molda

Nacional Bruto em 1939 e 6": em 1940.25 Xo final das décadas dos 50


c dos 69. em comparação, variaram entre 10 e 12“.26
Sendo tão pequenas as despesas federais, o mesmo ocorria com os
impostos necessários para cobri-las. Em anos posteriores, a política kcyne-
siana viria a depender muito de dois tipos de alterações fiscais, lana é
a tendência dos impostos sobre a renda de pessoas jurídicas e pessoas
físicas de ajustarem-se de um modo fortuito. Quando a produção e o
emprego caem, o mesmo se dá com os lucros e os rendimentos, incluindo
os rendimentos sujeitos a sobretaxas. E à medida em que caem os rendi­
mentos, também reduzem-se os impostos, e mais do que proporcional­
mente. O oposto é válido quando aumentam a produção, o emprego,
os lucros e os rendimentos. Na década dos 30. sendo pequenos os impos­
tos, este efeito tendia a ser insignificante.
Também seria aceita em anos posteriores a idéia de uma redução de
impostos para aumentar o déficit c, portanto, expandir a tomada de
empréstimos c os gastos públicos com fundos emprestados. Na década dos
30, com o orçamento desequilibrado, uma redução de impostos para
aumentar o déficit parecia uma medida excessivamente radical até para os
keynesianos mais fanaticos. Curne e tabez alguns outros consideravam
a incapacidade de a;H.dar para a manipulação dos impostos como uma
falha da política 2' 1 m geral, entretanto, a política keynesiana era identi­
ficada com gastos públicos crescentes.
Também isto exerceu um efeito político adverso. Os gastos então
efetuados não tinham finalidades socialmente respeitáveis, como os gastos
paia a defesa nacional. Ao contrário, tinham o aspecto esbanjador invaria­
velmente associado ás despesas do cidadão médio ou pobre. E a política
keynesiana passou a compartilhar essa reputação. Mais tarde, quando
a política keynesiana para expandir a produção passasse a dar ênfase
maior ao uso de impostos, as atitudes mudariam muito. Dentre os bene­
ficiados com as reduções de impostos estariam os abastados e ricos. A
estimulação econômica puxada pelo aumento de despesas dos ricos inevi­
tavelmente tem um aspecto digno e salutar que inexiste nos gastos dos
indignos pobres. A transição do uso dos gastos públicos para o uso da
redução de impostos pode explicar muito da aquisição de respeitabilidade
pela estimulação ke\ nesiana da economia.

■? V. S Burreau of the Cemus. Histórica! Statistics, p. 142.

'* k eonomic Repon of the Presidente. 1974, pp. 249, 329.

1 lc expirssvu eisa opimão a mun numa ocumío.


o ADVENTO DE J. M. KEYNES 245

No que diz respeito ao que se passou na década dos 30. o efeito prático
de Keynes não foi muito grande. Em 1932. 1933 e 1934, as receitas do
governo federal tinham sido inferiores à metade do valor das despesas
— um desequilíbrio relativo maior do que o verificado em qualquer ano
de paz desde então. No exercício fiscal encerrado em 30 de junho de 1932,
as receitas foram de 1,9 bilhão de dólares, e as despesas de 4,7 bilhões
de dólares. Mas, em relação à economia, essas magnitudes estavam longe
de ser impressionantes, como já foi comentado. Após 1934. as receitas
ganharam terreno relativamente às despesas. No exercício fiscal encerrado
em junho de 1938, o déficit foi de apenas 1,2 bilhão de dólares, com des­
pesas de 6,8 bilhões. Elevou-se mais uma vez em conseqüència da recessão
de 1937-1938, e o aumento em parte foi deliberado. Foi a primeira vez
que se justificou o déficit com a política keynesiana, pelo menos pelas
autoridades a si mesmas. Mas. as magnitudes ainda eram pequenas. No
exercício fiscal de 1939, por exemplo, o déficit foi de apenas 3,9 bilhões
de dólares, o mesmo do ano seguinte. Isto era apenas ligeiramente superior
ao déficit de 3.6 bilhões em 1934.28 Claramente, o triunfo da política
keynesiana não foi esmagador. **A política fiscal. . .[foi] um instrumento
mal sucedido de recuperação na década dos trinta — não por não ter
funcionado, mas porque não foi experimentado.”29
Na verdade, a Grande Depressão não acabou. Foi empurrada de lado
pela Segunda Guerra Mundial. Esta, num sentido repugnante, foi o triunfo
da política keynesiana. Mas, o problema que criou não foi em termos de
emprego ou produção; foi a inflação. E para isto, corno seria descoberto
mais uma vez um quarto de século mais tarde, o sistema keynesiano
não oferecia soluções.

V. S. Bureau of the Census. Historical Statistics, p. 711.


’* t Broun. "Fiscal Policy in the Thirties - A Reappraisal,” The American
*',
Kwwmu: Rene Vol. XL VI, S? 5 (dezeinbro de 1956), P- 663.
c* cs

() papel didutno caUsUotes na primeira metade do presente século


übvi miente foi ou^vcü^c!. A Primeira Guerra Mundial mostrou como
eia fiáml a e t rutura monetária que tinha sido erigida sobre o ouro — uma
*
estrutura que, pof volta de H14, fazia com que quase todos OS que se
presumiam possuidores de conhecimentos especializados em moeda
acreditassem ter sido resolvido o antigo problema do dinheiro. Com os
canhões de acosto, o pudrão-ouro desapareceu; nunca foi restaurado de
maneira satisfatória. A grande prosperidade da década dos 20 mostrou
como a política monetária era fútil como instrumento de controle, pelo
menos quando era empregada por homens que não desejavam ser culpados
pela crise que, não sem razão, supunha-se seguir ao seu uso efetivo. A
Grande Oepressáo demonstrou a ineficácia parente da política monetária
para resgatar o país de uma ense — para romper o equilíbrio com desern-
p:rgo uma vez que este se tivesse inteira e firmemente estabelecido. Para
iitu, so a pvl.nca riscai funcionava. Somente a política fiscal assegurava
q-r i.á> sô ha.ena moeda para empréstimos, mas que seria levantada
‘ cu.pn.-ji_-K’s c giSta. Es^a foi a lição de John -Maynard Keyncs
248 MOEDA

Agora chegava a lição de outra guerra. Era a de que a política fiscal,


por mais útil que fosse para ampliar a produção e o emprego e superar
a depressão ou recessão, era, por si mesma, ineficaz no sentido oposto.
Na economia industrial moderna e altamente organizada, não era capaz
de impedir a inflação, exceto ao preço de um desemprego muito maior,
muito mais capacidade ociosa do que era tolerável em tempo de paz ou
que pudesse ser ao menos considerada cm tempo de guerra.
Essas foram as lições. Em todos os casos, a aprendizagem foi imper­
feita. A esperança de que a política monetária funcionasse e a fé na capa­
cidade de magia dos homens que administravam uma economia moderna
em tomo de uma mesa lustrosa sobreviveriam no ensino de Economia e
teriam um ressurgimento desastroso na política prática um quarto de
século mais tarde. A lição da Segunda Guerra Mundial, de que medidas
gerais para restringir a procura não impedem a inflação numa economia
que está funcionando à sua capacidade máxima, ou perto dela, também
encontrou resistência por outro quarto de século. Dizia-se que a expe­
riência da guerra era suigeneris, era diferente o que poderia ser feito numa
economia em tempo de paz. A nostalgia combina-se regularmente com a
respeitabilidade declarada para dar precedência a velhos erros, e não a
novas verdades.

A Segunda Guerra Mundial chegou gradativamente tanto à Grã-Bretanha


quanto aos Estados Unidos. Desde o final do verão de 1939 até a invasão
da França em maio do ano seguinte, na Grã-Bretanha, era possível acre­
ditar, por mais improvável quê possa parecer em retrospecto, que seria
evitado um conflito em larga escala. E nos Estados Unidos, até a queda
da França, a esperança dominante era a de ficar de fora. Só gradativa­
mente, nos meses seguintes, é que esta esperança deu lugar ao medo de que
os Estados Unidos deixassem de se envolver, de que Hitler pudesse triun­
far. A conseqüência, em ambos os países, foi a possibilidade de dispor de
um período para planejamento, quando, na verdade, ambos os governos
estavam sob pressão para demonstrar, por meio de declarações ao público,
que esse planejamento estava realmente em andamento. Muito disso tinha
algo a ver com a Economia.
Em ambos os países, o planejamento econômico refletia fortemente
a nova concepção fiscal keynesiana. O que se recomendava como polí­
tico contra o desemprego em tempo de paz funcionaria contra a inflação
de tempo de guerra; em lugar de despesas públicas para aumentar o em­
prego, haveria agora impostos mais altos para restringir a procura e o con­
sumo civis. Esta restrição tornaria recursos humanos, fábricas e materiais
A GUERRA E A LIÇÃO SEGUINTE 249

disponíveis paia uso militar. Este era o cerne da questão; o resto era
simples detalhe.
Que o planejamento britânico correspondesse à concepção keynesiana
não era nada surpreendente; o mais influente arquiteto desse planejamento
era o próprio Kcyncs. Durante os meses de espera, ele publicou seus
pontos de vista detalhadamente, primeiro no Times (Londres), e depois
num livreto de circulação bastante ampla, intitulado //ow to Pay for
the War.1 As necessidades básicas de subsistência - alimentos, aluguéis,
roupas — seriam fornecidas em quantidade adequada a preços estáveis.
Se os custos subissem, subsídios seriam utilizados para manter os preços
estáveis. Isto, por sua vez, removeria a justificação de aumentos de salários.
A estabilidade dos salários era importante. Quanto ao resto, a procura
agregada, ou seja, o poder de compra, seria mantida em equilíbrio com
a oferta de bens disponíveis para compra aos preços correntes. Isto seria
conseguido, em parte, com impostos e, também em parte, por uma novi­
dade keynesiana, a poupança compulsória. Uma taxa seria cobrada sobre
todos os salários, ordenados e outros rendimentos, e reembolsada com
juros após a guerra. Dada a experiência triste da década dos 30, este
alívio ao poder de compra após a guerra seria então um estimulante
bem-vindo.
A redução ou remoção do poder de compra era o elemento básico.
Keynes disse que “. . . a única maneira de escapar [desta inflação] é retirar
do mercado, por tributação ou diferimento, uma proporção adequada do
poder de compra dos consumidores, para que não mais exista uma força
irresistível a empurrar os preços para cima.”12 Um papel secundário era
atribuído ao controle direto de preços ou ao racionamento - “medidas
de racionamento e controle de preços devem desempenhar um certo papel
em nosso esquema geral, e devem ser um acessório valioso à nossa proposta
principal.”3
Em Washington, como nos anos precedentes, a reação a Keynes
foi mais rápida e reverente do que em Whitehall. Assim, foi concebido um
esquema significativamente semelhante. Em Washington, porém, havia
uma alternativa. Lembrando a sua experiência durante a Primeira Guerra
Mundial, Bernard Baruch estava insistindo em que somente um amplo

1 John Maynard Keynes. How to Pay for the War (Washington: Harcourt, Brace
and Co., 1940).
2 Keynes, p. 51.
3 Keynes, p. 51. As expressões foram sublinhadas por este autor.
250 MOEDA

controle de salários e preços funcionaria na eventualidade de outra guerra.


“Acho que é preciso fixar um teto sobre toda a estrutura de preços, inclu­
indo salários, aluguéis e preços de produtos agrícolas ...” 4 O prestígio
de Baruch no Congresso era muito grande, e essa eminência resultava
menos de sua sabedoria ou de sua imponente presença física, do que de
seu incansável apoio financeiro aos senadores do sul que sabia terem ree­
leição mais segura, e nos quais, portanto, tal investimento não envolvia
sério risco de perda pecuniária.5* Assim, a questão não foi discutida fran­
camente. Foi proposto que, por meio do uso da tributação, a procura
sempre fosse mantida em linha com o que a economia podia produzir aos
preços correntes quando as fábricas e a mão-de-obra estivessem inteira­
mente ocupadas. Este seria o principal instrumento para impedir a infla­
ção. Mas, à medida em que a produção se ampliasse, em relação aos níveis
da Depressão, sob o estímulo da procura de tempo de guerra, era de se
esperar que surgissem pontos de estrangulamento para certos produtos
e materiais. Esses pontos de estrangulamento seriam particularmente
graves para certos itens — metais, máquinas operatrizes, produtos químicos
— que estariam sob a pressão especial das exigências bélicás. Neste caso,
seriam usados preços máximos e aplicados controles sobre o consumo ou
uso, na medida do necessário. A palavra teto foi adotada com a espe­
rança de que Baruch, que havia empregado o termo, ficasse satisfeito e
desse a sua bênção. Também dava uma impressão útil (se bem que fraudu­
lenta) de flexibilidade. Os preços sempre podiam flutuar para baixo a
partir do teto, embora fosse certo que tal fato não aconteceria nas
circunstâncias em que seriam fixados. Num trabalho que teve circulação
influente em Washington em 1941, foi notado que “a mais lembrada
experiência da nossa [Primeira] Guerra Mundial é a inflação”; que “qual­
quer que seja o estado de sentimentos sobre a atual guerra, qualquer
espécie de enquete demonstraria uma determinação rígida [sic] de derrotar
a inflação.” Argumentava, como o fez Keynes, que o recurso último para

4 Depoimento perante a Comissão sobre Bancos e Moeda da Câmara dos Repre­


sentantes, 19 de setembro de 1941. Citado por Bernard Baruch. The Public Years
(Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1960), p. 287. Expressão sublinhada
por este autor.
5 Segundo os cálculos conhecidos, cerca de vinte receberam contribuições para
campanhas'eleitorais de Baruch, no montante de 1.000 dólares por eleição,
5.000 dólares sendo dados a James Byrnes, da Carolina do Sul, que atuou como
coordenador. Exigia-se apenas discursos que reafirmassem a sabedoria de Baruch.
A 4.000 ou 5.000 dólares por ano, este era um investimento excelente e extre­
mamente barato em relações públicas.
A GUERRA E A LIÇAO SEGUINTE 251

impedir a inflaçao deveria, ser medidas que “procurassem controlar o


aumento ou reduzir o volume de gastos na economia como um todo.” 6
Nessas idéias preliminares, nenhum papel havia sido atribuído à
política monetária — após os fracassos das décadas precedentes, no má­
ximo ela era considerada um instrumento fútil. E realmente não teve
qualquer papel significativo durante a guerra. A taxa de redesconto perma­
neceu ao modesto nível de l%.durante toda a guerra, com uma taxa prefe­
rencial mais baixa para empréstimos a curto prazo ao governo. O acesso
a esta pechincha pelos bancos estava limitado pelos regulamentos de
tempo de guerra e controles restringindo a procura de empréstimos ban­
cários, incluindo controles diretos sobre o crédito ao consumidor. A partir
de 1940, o Sistema Federal de Reserva tornou-se, como já foi mencionado,
um órgão sem importância em Washington. A sua contribuição mais
marcante às operações de guerra em 1940 e no início de 1941 foi a trans­
ferência da Comissão Consultiva de Defesa Nacional para os seus novos
e reluzentes escritórios; esse era o organismo que estava planejando e, de
um certo modo, organizando a mobilização econômica inicial.

Em fins de maio de 1940, pouco antes da queda da França, o presidente


Roosevelt estabeleceu — na verdade, ressuscitou da Primeira Guerra
Mundial — órgão já mencionado, a Comissão Consultiva de Defesa Nacio­
nal; a sua finalidade era planejar e organizar o país para a produção militar,
ou, como muitos suspeitavam, tranqüilizar o povo simulando esse tra­
balho. Um dos seus sete membros, Leon Henderson, um funcionário
público excepcionalmente inteligente e dinâmico, foi encarregado de
dirigir os seus esforços para a “estabilização de preços no campo das
matérias-primas.”7 Henderson interpretou a expressão matérias-primas
de maneira ampla, incluindo os preços de tudo, exceto dos produtos
agrícolas, em relação aos quais há vinte anos a política governamental,
retoricamente ou de fato, estava comprometida não com a sua estabili-

6 John Kenneth Galbraith. “The Sélection and Timing of Inflation Controls”,


The Review of Economie Statistics, Vol. 23, N9 2 (maio de 1941), pp. 82 e segs.
A importância atribuída por um historiador a um trabalho escrito por ele mesmo
é uma questão complicada e a respeito da qual tudo, exceto a modéstia extrema,
deve provocar ceticismo. No entanto, neste caso há provas. As opiniões transmi­
tidas nesse trabalho levaram à minha indicação como responsável *pela
organização
e administração do controle de preços durante a guerra, posto que mantive, em
meio a críticas crescentes, de abril de 1941 até dois anos mais tarde.
7
New York Times, 29 de maio de 1940.
252 MOEDA

zação, mas com o seu aumento. Esse compromisso não fora alterado pela
perspectiva de guerra. Henderson e uma pequena equipe de assessores fez
o que foi principalmente um estágio de vigilância sobre os preços até
abril de 1941, quando, por Ordem Executiva, foi criado o Departamento
de Administração de Preços e Abastecimento Civil (OPA), também sob a
chefia de Henderson. Este departamento recebeu a incumbência de esta­
belecer tetos para os preços; entretanto, carecia-se de autoridade legisla­
tiva, e os infratores só podiam receber condenação verbal. (Foi durante
esses anos que, para descrever tal punição, a expressão “jawboning”*
foi acrescentada ao vocabulário usual.)
No início de 1942, após o ataque a Pearl Harbor e depoimentos e
debates legislativos excepcionalmente prolongados, o controle de preços
finalmente recebeu sanção legislativa completa, com tribunais especiais
para a sua aplicação, e foram devidamente estabelecidas as penalidades
por infração. Não se procurou obter autoridade para o controle de salá­
rios, durante toda a guerra esta permaneceu uma questão de controle rela­
tivamente informal, embora não menos firme por causa disso. Os preços
de produtos agrícolas só foram colocados sob controle efetivo em meados
de 1943.
Com a aprovação da Lei de Controle de Preços de Emergência de
1942, que acaba de ser descrita, o caminho estava aberto para a expli­
cação integral da concepção keynesiana, a esta altura totalmente aceita.
Haveria controle firme dos preços que estivessem sob pressão especial;
a limitação fiscal da procura manteria os preços geralmente estáveis.
À medida em que a nova legislação de controle de preços entrou em
vigor, logo ficou evidente que a concepção geral era tristemente defici­
ente. Já foi suficientemente observado que as idéias econômicas que
são admiráveis em termos de sua teoria subjacente podem mostrar-se
tristemente deficientes na prática. É uma tendência que não poupa mesmo
os autores de uma história como esta. Entretanto, a concepção prevista
para a administração da Segunda Guerra Mundial era deficiente tanto
teórica, quanto praticamente.
O insucesso prático envolvia o mais antigo problema de financia­
mento em tempo de guerra — a tendência das despesas de superarem os

* (N. do T.) Provocar as alterações desejadas por pressão verbal, mas sem funda­
mento legal, por intervenção de alta autoridade. Foi o procedimento adotado
pelo Presidente John F. Kennedy em relação aos preços da indústria siderúrgica
em setembro dç 1961, segundo Arthur M. Schlesinger, Jr. Mil Dias: John
Fitzgerald Kennedy na Casa Branca (Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasi­
leira S.A., 1966), pp. 637-42. Tradução de Waltensir Dutra.
A GUERRA E A LIÇAO SEGUINTE 253

mais bem intencionados esforços de elevar as receitas, sob a ação dos


inperativos das necessidades militares. Segundo qualquer padrão prece­
dente, os impostos foram elevados severamente na Segunda Guerra
Mundial; em 1944, as receitas do governo federal eram seis vezes superiores
às de 1939, uma expansão impressionante. Mas, as despesas cresciam ainda
mais rapidamente; em 1942, o primeiro ano do conflito, foram mais de
duas vezes superiores às receitas. Nos outros anos da guerra, as despesas
variaram entre duas e três vezes as receitas.8 Não foi mais possível do que
em conflitos anteriores manter a tributação à frente dos gastos. Com
menos desejo de que ocorresse o que se queria e um conhecimento melhor
da História, isto poderia ter sido previsto.
A fixação seletiva de preço também enfrentou sérias dificuldades
práticas. Os preços, na moderna economia industrial, são inconvenien­
temente numejosos; os preços de distintas partes da economia precisaram
ser atribuídos à vigilância de pessoas diferentes. A velocidade da reação
de pessoas diferentes aos aumentos de preços variava tão inevitavelmente
quanto a de corredores numa corrida ou a dos namorados ao amor. Além
disso, havia uma diferença significativa em termos de facilidade ou difi­
culdade com que os tetos de produtos distintos eram fixados. Alguns
produtos tinham apenas algumas variedades, qualidades, alguns tamanhos,
a preços F.O.B. e sem descontos especiais. Em outros casos, o produto era
um objeto de assombrosa variedade, e os seus preços obedeciam ao mesmo
comportamento. Esta diferença afetava o tempo de reação dos respon­
sáveis pela fixação dos preços. As diferenças entre os tempos de reação
significavam, por sua vez, que uma indústria podia facilmente conse­
guir um aumento de preços que para outra seria proibido. Essas diferenças
de tratamento não deixavam de ser notadas; certamente não deixavam de
ser notadas quando o preço da indústria não controlada, por exemplo,
carvão ou sucata, era o custo da indústria controlada, por exemplo, a
siderúrgica. Esta dificuldade também poderia ter sido antecipada.
Esses eram os problemas piáticos da concepção keynesiana. O pro­
blema mais profundo em termos de princípios econômicos era ainda mais
sério e sobreviveria, perturbando a política governamental pelos trinta anos
seguintes. Resultava do poder de mercado; significava que, muito antes
de ser atingido o nível de pleno emprego, as empresas tinham o poder de
*
8 Os numeros são os fornecidos pela Economic Report of the Presidente, 1974,
p. 324. Todas as cifras subseqüentes sobre receitas e despesas federais, a menos
que haja indicação em contrário, são as das contas nacionais. Estas são as cifras
de receita e despesa que mostram mais precisamente o efeito das operações
governamentais sobre a economia.
254 MOEDA

elevar os seus preços, e isso era muito vantajoso em termos de lucros


para elas. O desemprego (incluindo as pessoas envolvidas em projetos
de assistência ao trabalho), que em media alcançara quase 20% da força
de trabalho civil em 1938, caiu acentuadamente sob a influência dos
gastos miliatares — a 14,6% em 1940 e 9,9% em 1941.9 Esta redução foi
uma demonstração impressionante não só da eficácia do remédio keyne-
siano para o desemprego, mas da reação distinta aos gastos militares, em
comparação com a reação aos gastos civis. Um dispêndio para fins civis
que fosse somente uma fração dos gastos militares, se realizado apenas uns
poucos meses antes, teria provocado os mais profundos protestos dos
conservadores e, entre os mais suscetíveis, sintomas de parada cardíaca.
Agora era muito bem recebido.
Entretanto, os aumentos de preços não esperaram pelo pleno em­
prego. No final de 1941, com o desemprego ainda a nível elevado, os
preços começaram a subir, e o aumento acelerou-se nos primeiros meses
de 1942. Os preços dos produtos agrícolas subiram e, considerando o seu
baixo nível precedente, isto era inevitável. Mas os preços dos produtos
industriais também começaram a aumentar, mesmo em face de uma pro­
dução em expansão e lucros satisfatórios e cada vez maiores. Estava claro
que, muito breve, os aumentos de preços seriam amplos e generalizados. E
os aumentos de salários logo estariam estimulando e justificando elevações
adicionais de preços. Nos anos seguintes, haveria muita discussão sobre
a curva de Phillips entre os economistas,10 uma função estatística demons­
trando, com base em experiência passada, o aumento de preços que preci­
saria ser suportado para colocar o desemprego num determinado nível
mais baixo. A experiência de 1941 mostrou o que seria aprendido mais
tarde, que a relação entre inflação e desemprego era altamente repelente —
que abaixo de um certo nível relativamente reduzido de desemprego, o
custo de uma diminuição adicional era uma taxa substancial de elevação
de preços, consideravelmente superior ao que Phillips previa.

9 U. S. Bureau of the Census. Historical Statistics of the United States, Colonial


Times to 1957 (Washington, D. C., 1960), p. 73.

10 Cujo nome originou-se de A. W. Phillips, da Universidade Nacional da Austrália


e da London School of Economics. Embora seja tema de discussões atuais, os
cálculos subjacentes à curva foram considerados suspeitos por economistas mais
perspicazes, pois eles dependiam de informações que antecederam, em parte,
à ascensão moderna do poder das grandes empresas e dos sindicatos. A. W. Phillips.
“The Relation Between Unemployment and the Rate of Change of Money Wage
Rates in the UK, 1861-1957”. Economica, Vol. XXV, N9 100 (novembro de
1958).
A GUERRA E A LIÇÃO SEGUINTE 255

Felizmente, havia uma solução tanto para os problemas práticos


quanto para os teóricos. Era voltar a Baruch e fixar todos os preços impor­
tantes ao mesmo tempo. Isto exigia apenas que as posições anteriores, tão
eloqüentemente defendidas, fossem silenciosa mas completamente aban­
donadas. Isto, ao surgir a necessidade, foi feito com rapidez exemplar e
sem qualquer debate ou até comentário público.
Em 28 de abril de 1942, o Regulamento Geial de Preços Máximos
fixou um teto para todos os preços (com a exceção significativa dos pro­
dutos agrícolas até 1943) aos mais altos níveis alcançados durante o mês
anterior. O Regulamento, também conhecido pelo apelido de General
Max,
* permaneceu, com muitos refinamentos e modificações, como o
instrumento básico de controle até o verão de 1946, quando as restrições
foram suspensas. Os aluguéis também eram controlados.
Em que pese o mito em sentido contrário, assiduamente cultivado
pelos amigos devotados das forças de mercado, esses controles foram
bastante eficazes. De 1942 a 1945, os preços dos produtos industriais
no atacado permaneceram virtualmente estáveis — o aumento global de
50,7 a 53,0 (1967 = 100) pode ser comparado ao aumento de 135,3 para
166,1, apenas no ano de 1974. A partir de 1943, quando os tetos se torna­
ram aplicáveis aos alimentos, o índice de preços no atacado tornou-se
absolutamente estável. (Os aumentos dos preços agrícolas de alguns pro­
dutos alimentícios também eram compensados por subsídios.) O índice
de Preços para o Consumidor aumentou de 51,8 para 53,9 entre 1943 e
1945. Durante o ano de 1974, subiu de 139,7 para 155,4.11 Conside­
rando-se a escala do esforço militar e o déficit orçamentário a ele asso­
ciado, não há dúvida de que, na ausência de controles, teria havido aumen­
tos substanciais, acelerados e, por fim, verticais dos níveis de preços. Ao
final da guerra, os preços e salários quase certamente estariam dobrando,
talvez triplicando anualmente, ou mesmo mais. Também faz parte da lenda
em contrário dizer que houve um caso sério de mercado negro e signifi­
cativa deterioração dos níveis de qualidade. Isto não era medido pelos
índices. Na verdade, a proporção de todas as transações no mercado negro
era pequena, mesmo no final da guerra. E a deterioração da qualidade
levanta problemas técnicos. Não é fácil, mesmo com alguma determinação

* (N. do T.) O nome em inglês era "GeneralMaximum Price Regulation". (Grifado


pelo tradutor).
11 Todos os dados de níveis de preços são do Economic Report of the President,
1975, pp. 300,305.
25b MOEDA

agressiva, reduzir a qualidade da gasolina, do carvão, da energia elétrica, ou


até de muitos alimentos.
Quando os controles foram suspensos em 1946, houve uma expansão
substancial dos preços. O índice de Preços para o Consumidor foi de
53,9, em 1945, a 58,5 no ano seguinte, e a 66,9 em 1947. Após um
ganho de mais cinco pontos, estabilizou-se e caiu.12 Este aumento é o
argumento adicional contra a eficácia dos controles; mostrou que a infla­
ção do tempo de guerra apenas havia sido adiada. Teria sido mais sensato
tomá-lo como indicação do que teria ocorrido, com magnitude muito
maior, se não tivesse havido controles durante a guerra. E parte dessa
expansão poderia ter sido evitada se os controles de guerra não tivessem
sido tão abruptamente cancelados em 1946.
Os controles não eram populares para aqueles cujos preços eram
fixados. A sua impopularidade era quase certamente aumentada pela pouca
idade dos que os administravam e pela tendência de associar eficácia de
controle a rigidez de administração. Além disso, do ponto de vista comum,
os encarregados dessa atividade não escondiam perfeitamente um certo
sadismo administrativo quando estava envolvida uma grande sociedade
anônima, ou a sua convicção de que não só tinham um monopólio da sabe­
doria econômica, mas também do patriotismo. Para o público, porém, os
controladores continuaram muito populares. Chester Bowles, um execu­
tivo eficaz e advogado realizado, que se tomou administrador do OPA em
1943, foi uma das primeiras autoridades governamentais a usar pesquisas
de opinião pública para testar a reação do público a determinadas polí­
ticas. Em novembro de 1945, ele recebeu a seguinte análise das atitudes
do público:

“De acordo com a pesquisa de âmbito nacional que acabamos de


concluir, o apoio público que tivemos nos últimos três anos não
diminuiu. O modo pelo qual o OPA tem administrado não só o con­
trole de preços, mas o racionamento, ainda é esmagadoramente
aprovado pelas mulheres que são responsáveis pelas compras. No­
venta e um por cento dizem que o OPA tem feito um “bom” ou
“muito bom” trabalho na administração dos controles de preços,
e somente 9% acham que o trabalho tem sido “fraco”. O apoio ao
que ainda resta do racionamento é praticamente igual.13

12 Economic Report of the Presidente, 1974, p. 300.

13 Charles Bowles. Promises to Keep (Nova York: Harper and Row, 1971), p. 136.
A GUERRA E A LIÇÃO SEGUINTE 257

A memória social na Primeira Guerra Mundial nos Estados Unidos


foi a da inflação. É importante salientar que a memória da Segunda Guerra
Mundial, um convulsão muito maior em termos econômicos, não tenha
sido a da inflação. Quando essa guerra terminou, a memória ainda era a
da depressão que a havia precedido.

O erro de cálculo teórico em relação à política de estabilização de preços


na Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos concentrou-se no poder de
mercado das grandes sociedades anônimas e no papel dele não inteiramente
desvinculado que era exercido pelos sindicatos. As empresas, como foi
observado, podiam aumentar os preços bem antes de ser alcançado o
nível de produção a pleno emprego. Os lucros e custos de vida mais alto
então levavam — ou teriam levado — ao aumento das exigências dos sin­
dicatos. Este uso de poder eficazmente derrotava toda esperança de um
equilíbrio perfeito entre procura agregada e oferta agregada a preços
estáveis e aproximadamente ao nível de produção de pleno emprego.
Entretanto, pode acontecer que as penalidades e as recompensas do erro
em Economia sejam distribuídas imparcialmente. O poder empresarial
tornou o controle de preços necessário na Segunda Guerra Mundial, mas
também contribuiu notável e inesperadamente para o seu sucesso.
Isso aconteceu porque tornou-se relativamente simples fixar preços
em setores nos quais havia poder de mercado. E tais setores — os das
grandes empresas — sendo comuns a uma grande parte da economia,
simplificavam grandemente a tarefa de controle dos preços.
Especificamente em mercados de muitos vendedores e muitos compra­
dores — nos quais inexiste poder de mercado — não há mecanismo pelo
qual a oferta disponível possa ser distribuída eqüitativamente entre os
compradores interessados, havendo escassez ao preço corrente. Alguns
compradores podem conseguir tudo o que querem; outros nada obtêm.
Nessas circunstâncias, o incentivo para pagar algo mais ao vendedor para
evitar a privação total é muito forte. E a tentação do vendedor para aceitar
não é fraca. E o número de compradores e vendedores sendo muito grande,
as possibilidades de detecção são pequenas. Além disso, como os registros
contábeis das empresas pequenas geralmente são pobres ou inexistentes,
e os empregados são poucos e geralmente dignos de toda a confiança, a
transação ilícita deixa poucos vestígios e não cria o risco de um telefonema
ao governo por um empregado patriótico, honesto e indignado. No mer­
cado competitivo de muitos compradores e vendedores, os controles
são muito difíceis de aplicar.
258 MOEDA

Com a grande empresa, tudo é enormemente mais fácil. Há, em


primeiro lugar, o efeito da capacidade excessiva. A pequena empresa em
concorrência intensa opera, na verdade, à capacidade máxima. A grande
empresa, ao contrário, normalmente opera com alguma capacidade ociosa.
Isto era o que ocorria em 1941 e 1942; enquanto na agricultura o efeito
da queda de procura nos anos de Depressão precedentes tinha sido sobre
os preços, na indústria de grandes empresas, como já foi comentado várias
vezes, o efeito exerceu-se mais sobre o nível de produção. Assim, quando
os preços das grandes empresas fossem fixados, elas continuariam a ampliar
a produção e podiam, portanto, prosseguir atendendo todos os seus
clientes por um período substancialmente longo. A escassez e a tentação
resultante de fugir ao espírito dos controles não surgiriam por muito
tempo. E com o aumento da produção surgiriam lucros maiores, que
removeriam a justificativa (mas não os apelos) para preços mais altos.
Mesmo quando o limite de operação à capacidade máxima foi
alcançado, os controles sobre as grandes empresas foram mais fáceis de
administrar do que os controles sobre as pequenas empresas em situação
de concorrência intensa. A grande empresa conhecia os seus clientes;
podia distribuir quantidades escassas mais ou menos eqüitativamente
entre eles ou podia ser obrigada a fazer isso. O número de empresas a
serem vigiadas era pequeno. Cada uma tinha registros detalhados que
simplificavam a investigação de transações ilícitas. Os empregados ou os
sindicatos voluntariamente forneciam informações sobre tramóias das
grandes empresas. E além de tudo isso havia a saudável vulnerabilidade da
grande empresa à publicidade desfavorável. Em questões econômicas, a
simpatia pelo pequeno infrator é muito maior do que a dispensada ao
grande infrator.
Que o controle de preços da grande empresa com poder de mercado
era uma coisa muito mais simples do que para as empresas atuando no
mercado competitivo clássico não foi uma descoberta a posteriori. Foi
pouco estudada e logo esquecida. Foi resumida logo após a guerra da
seguinte maneira:

O controle de preços tem sido administrado com pouco rebuliço e


controvérsia pública em relação a uma grande variedade de bens
manufaturados de produção e consumo, tanto durante a Segunda
Guerra Mundial quanto no período mais recente [da guerra da
Coréia]. Tem havido relativamente poucas reclamações de má
distribuição de quantidades ou da existência de mercado negro. Isto,
segundo a observação comum ocorre na parte da economia que é
A GUERRA E A LIÇÃO SEGUINTE 259

típica a existência de mercados imperfeitos. Os grandes problemas


do controle de preços têm sido encontrados na venda de alimentos e
roupas, a parte da economia que, com algumas exceções impor­
tantes, mais se aproxima da concorrência perfeita. Pelo menos dois
terços dos esforços do Departamento de Administração de Preços
foram dedicados a esses produtos, e uma proporção consideravel­
mente maior dos seus fracassos ocorreu exatamente nesta área.
Os esforços para manter os preços da carne, antes e após a intro­
dução de um sistema eficaz de racionamento, demonstraram ser
um exemplo quase clássico das frustrações da fição de preços por
si mesma em mercados de muitos compradores e vendedores.14

A natureza do sistema econômico da Segunda Guerra Mundial agora pode


ser vista em sua totalidade. É algo que raramente foi encarado dessa
maneira.
Como os preços durante a guerra permaneciam a níveis compen­
sadores e, portanto, proporcionavam incentivos à produção, a sua função
não desapareceu inteiramente. Mas, juntamente com a moeda, o seu papel
foi reduzido substancialmente. Específica e obviamente, como eram
fixados, os preços não mais subiam para diminuir o consumo ou
o emprego de produtos ou serviços em escassez. E tais aumentos não
mais indicavam aos produtores onde deviam investir ou expandir as
suas operações. Tampouco foram os aumentos de preços o fator deci­
sivo na transferência de fábricas, mão-de-obra e materiais para emprego
militar, embora os preços dos artigos militares estivessem, sem dúvida,
a níveis compensadores.15
O consumo civil não foi reduzido por preços mais altos, mas pelo
racionamento, ou permitindo-se que as prateleiras ficassem vazias, for­
çando o não atendimento dos consumidores, ou dando os produtos aos
que chegassem primeiro, bem cedo de manhã, ou ficassem mais tempo

14 John Kenneth Galbraith. A Theory of Price Control (Cambridge: Harvard Uni-


versity Press, 1952), p. 26. Esta conclusão é coincidente com a do mesmo autor
num artigo anterior. “Reflections on Price Control.” The Quarterly Journal of
Economicus, Vol LX, N9 4 (agosto de 1946), p. 475, e segs.
15 Os preços de produtos finais de uso militar — tanques, aviões, munições, navios
- estavam sujeitos às limitações inerentes aos procedimentos de controle usados.
Apesar de alguns esforços iniciais nessa direção, eles não ficaram sujeitos a tetos.
Evidentemente, os preços dos materiais utilizados em sua produção eram con­
trolados.
260 MOEDA

numa fila. Nem todas essas técnicas podem ser recomendadas. A pro­
dução militar necessária não foi conseguida com preços mais altos, mas
com uma combinação de controles negativos e positivos. A produção de
automóveis, a maior parte da construção civil, e a maioria dos investi­
mentos para fins não-militares foram proibidos e, conseqüentemente, o
mesmo se deu com o uso de materiais e mão-de-obra nessas aplicações. E o
uso não militar e não essencial de aço, cobre, outros metais, borracha e
outros materiais foi proibido. Tetos também foram fixados para o emprego
em indústrias civis. Controles positivos então alocavam os materiais mais
escassos — aço, cobre, alumínio, borracha, e alguns outros — a finalidades
militares ou civis indispensáveis.
Associada aos controles mencionados e ajudando-os de maneira
importante estava a expansão da economia. A produção total da economia
em preços constantes — o Produto Nacional Bruto — aumentou de 209
bilhões de dólares em 1939, o último ano não afetado pela guerra ou pela
perspectiva de guerra, a um máximo de 361 bilhões de dólares em 1944.
Este aumento foi praticamente igual ao sofrido pelas compras públicas
para fins militares. Isto significa que o consumo civil agregado não foi
reduzido durante a guerra; ao contrário, aumentou bastante, pois houve
um declínio do investimento empresarial para fins civis. As compras de
bens e serviços civis, a preços constantes, foram de 156 bilhões de dólares
em 1940, 171 bilhões em 1944, e subiram mais 12 bilhões em 1945.16
Portanto, de um modo geral a Segunda Guerra Mundial foi disputada
pelos Estados Unidos com a expansão da produção — empregando as
fábricas e a mão-de-obra que tinham ficado ociosas durante a Depressão,
introduzindo novos trabalhadores na força de trabalho e promovendo o
trabalho por períodos mais longos.17* Talvez desde a agonia dos mártires
cristãos em Roma não tenha havido tanta menção da grandiosidade dos
sacrifícios nos Estados Unidos nesses anos. A referência era feita a bens,
não a sangue. Alguns bens, como novos automóveis e despertadores, torna­
ram-se inacessíveis. Mas, pelo final da guerra, os americanos tinham mais
para consumir, tanto agregadamente quanto por família, do que em

16 Economic Report of the Presidente, 1974, p. 250. Preços de 1958.

17 O Twentieth Century Fund, segundo uma estimativa grosseira, atribuiu aproxi­


madamente três quartos do acréscimo de produção de 1940 a 1944 ao emprego
de trabalhadores previamente desempregados ou introduzidos pela primeira
vez na força de trabalho. O restante foi atribuído ao aumento natural de números
absolutos e a ganhos de produtividade. America’s Needs and Resources (Nova
York:The Twentieth Century Fund, 1947), p. 13.
A GUERRA E A LIÇÃO SEGUINTE 261

qualquer outra época anterior. Raramente o sacrifício foi tão recompen­


sado quanto compensador.

Havia, entretanto, muito mais dinheiro para gastar do que podia ser
gasto. Embora os bens de consumo disponíveis aumentassem, os salários,
ordenados e lucros decorrentes da expansão da produção e do emprego
aumentaram muito mais. A diferença era poupança; nunca, antes disso e
desde então, os americanos pouparam em escala tão grande. Em parte,
isto foi uma resposta aos esforços de venda de obrigações governamentais
para financiar a guerra, e desta vez ninguém se sentia estimulado a ir aos
bancos para tirar o dinheiro para comprá-los. Na verdade, as obrigações
foram desqualificadas como garantia de empréstimos. A poupança também
subiu porque era difícil gastar dinheiro: alguns bens que eram desejados
estavam sendo racionados; outros, como gasolina, que eram necessários
para consumo em outras coisas, era escassos ou também racionados. (Tem
sido observado, freqüentemente, que uma pessoa poupa dinheiro ficando
em casa.) Para obter alguns bens, era preciso entrar numa fila. Alguns
objetos costumeiros de consumo, como novos automóveis ou novas
casas, não podiam ser comprados. As pessoas também pouparam por­
que esperavam que os preços caíssem, a depressão voltasse, os em­
pregos se tornassem escassos após a guerra. Seria bom ter uma reserva
nessa altura.
Em 1940, a poupança pessoal era 5,1% da renda disponível. Em
1943 e 1944, chegou a 25%.18 Como pode indicar apenas um instante
de reflexão, esse era um esquema notável para conseguir o esforço neces­
sário durante uma guerra. Homens e mulheres estavam trabalhando não
para obter serviços e bens que exigiam mão-de-obra, materiais e equipa­
mentos para produzir; estavam trabalhando em troca de dinheiro, cuja
produção nada custava. Um quarto de todo o esforço civil em 1943 e
1944 estava sendo assim aplicado. As reivindicações reais de mão-de-obra,
materiais e equipamentos, estavam sendo adiadas para depois da guerra. É
triste saber que um arranjo tão feliz também era fortuito; deveria ter sido
o fruto de um planejamento muito cuidadoso.19

18
Economic Report of the Presidente, 1974, p. 268.
19
Este esquema, que denominou “o sistema de desequilíbrio”, descrevi com algum
detalhe em A Theory of Price Control. O livro, publicado para um público espe­
cializado em 1952, atraiu uma falta generalizada de interesse.
MOÍ DA

Na Grã-Bretanha, no Canadá, na Austrália e também na Alemanha, o


esquema amplo de administração em tempo de guerra foi semelhante ao
dos Estados Unidos, o racionamento de mercadorias escassas ou excepcio-
nahnente indispensáveis - pneus, açúcar, calçados, óleo de calefação, gaso­
lina. alimentos enlatados, carne — eia importante, mas não, como na
Grã-Bretanha ou na Alemanha, completamente indispensável à adminis­
tração da economia de guerra. O racionamento de alimentos padecia do
inquebrantável otimismo dos responsáveis pelo abastecimento quanto ao
que estaria disponível e do desejo associado de cultivarem a sua popula­
ridade e o aplauso do público pelo aumento da ração permitida. Em
conseqüência, freqüentemente ocorria que os suprimentos não surgiam em
quantidade suficiente para a ração. Os compradores viam-se então com
dinheiro na mão e um cartão de racionamento, ambos requisitos sufici­
entes para uma compra, mas nada tinham para comprar. Estava sendo
derrotada uma das primeiras finalidades de um racionamento, que é
proporcionar uma quantidade menor a cada um, mas garantir que essa
quantidade esteja disponível, aconteça o que acontecer. Na Grã-Bretanha,
o racionamento foi muito mais amplo e foi administrado com maior pre­
cisão. O racionamento também era fundamental ao esquema alemão.
Tanto na Grã-Bretanha quanto na Alemanha, os cartões de racio­
namento tornaram-se a moeda decisiva à medida em que a guerra pros­
seguia. Todos ou quase todos podiam obter as linhas ou os marcos neces­
sários; era a disponibilidade de um cartão de racionamento que determinava
se uma compra, e praticamente qualquer compra podia ser feita. Em con­
traste com o meio de troca tradicional, o cartão de racionamento está
disponível a todos em quantidades iguais, com exceções privilegiadas.
Os ricos em termos de propriedades, rendimentos ou saldos acumulados de
moeda tradicional não recebem mais deste outro tipo de moeda do que o
pobre, e portanto não podem comprar mais do que este. E os ricos normal­
mente não podem comprar cartões de racionamento de outras pessoas.
Assim, o uso de uma moeda de racionamento impõe um igualitarismo que
é considerado necessário para sustentar o moral durante a guerra, mas que
não é considerado desejável em tempo de paz.
Durante a guerra, as acumulações de moeda tradicional aumentaram
na Grã-Bretanha. Entretanto, os impostos eram muito elevados e as rendas
foram mantidas sob controle estrito. Em consequência, o dinheiro não
se tornou um objeto desprezível; como nos Estados Unidos, parecia valer
a pena mantê-lo para gastar depois da guerra. Na Alemanha, como nos
outros beligerantes europeus, as acumulações da moeda tradicional foram
A GLTRRA E A LIÇÃO SEGUINTE 263

muito grandes, e pela segunda vez num quarto de século o marco efeti­
vamente perdeu o seu valor. Para o acesso a bens, só contavam os cartões
de racionamento ou direitos semelhantes. Nessas circunstâncias, os preços
fixos não importavam muito; eles tornaram-se, como a moeda que os
cobria, um dado pouco importante, comparado à posse ou não do cartão
de racionamento necessário pelo indivíduo. Um aspecto peculiar da moeda
de racionamento é a de que ela é boa para uma transação ou, se passada
adiante pelo varejista para exigir a reposição de estoques, um conjunto
de transações. Ninguém, portanto, tinha incentivo para trabalhar com o
objetivo de acumulá-los; a ninguém podia ser negado o volume mínimo.
Segundo este regime monetário nos anos imediatamente anteriores à
Segunda Guerra Mundial, a atividade produtiva na Alemanha prosseguiu
basicamente sob o efeito do hábito e do impulso inicial adquirido.
A inflação reprimida de 1945-1948 foi muito mais prejudicial à
produção do que a sua antçcessora de 1923. Por outro lado, a inflação de
1923, com a sua eutanásia da classe que vivia de rendas - dos que pos­
suíam ativos denominados e pagáveis em marcos — exerceu quase certa­
mente um efeito muito mais forte sobre a riqueza relativa. No seu todo,
e por essa razão, a memória social dos alemães em relação à inflação de
1923 foi mais forte do que a da experiência de 1945. E assim continua a
ser. A perda de ativos causa um profundo impacto sobre um grupo de
pessoas impressionáveis. A perda de emprego é aceita mais filosofica­
mente.

Sendo o marco em grande parte inútil como meio de troca na Alemanha


após 1945, alguns substitutos vieram a ser usados, como sempre. Mais
precisamente, houve uma volta a uma das moedas clássicas do passado,
o fumo, mais especificamente. Este agora estava disponível de uma forma
muito superior. Em vez de folhas transferidas desajeitadamente de mão
em mão, ou às vezes suspeito certificado de depósito num armazém,
havia o cigarro finamente cunhado e altamente padronizado. Este era o
equivalente, em todos os sentidos, de uma moeda bem concebida. O
cigano isolado era usado como troco; o maço de vinte cigarros e o pacote
de duzentos eram usados como múltiplos convenientes para transações
maiores. A forma decimal havia sido modificada, mas não a ponto de criar
dificuldades matemáticas insuperáveis. Poucas formas de dinheiro têm sido
mais difíceis de falsificar na História. Nenhuma tinha em si mesma uma
tendência tão perfeita de autocontrole do seu valor. Se o valor de troca do
cigano apresentasse uma tendência a cair, isto é, se a oferta fosse muito
grande e o preço de produtos obtidos com a troca de ciganos fosse muito
MOEDA

alto, havia uma tendência, por parte do portador dessa moeda, de fumá-la
ou oferecê-la a um amigo viciado, em lugar de passá-la adiante. Isto reduzia
a oferta, mantendo o seu valor. Algum abuso resultou da coleta de pontas
e da sua reciclagem em moeda nova, mas de qualidade inferior. Em 1946,
o sanitário adjacente aos escritórios do General Lucius Clay e de outros
altos funcionários militares americanos na Alemanha tinha um cartaz que
dizia: “Não jogue pontas de cigarro no vaso”. Um soldado que tinha obser­
vado a atenção com que eram procuradas para reciclagem havia acres­
centado, abaixo, a seguinte explicação: “Ficam encharcados e difíceis de
fumar.” Entretanto, essa moeda de qualidade inferior podia ser pronta­
mente reconhecida, e era aceita somente a um deságio apropriado. O
instinto dos primeiros colonizadores dos Estados Unidos de que o fumo
tinha a predestinação de um admirável meio de troca foi inteiramente
confirmado pela experiência da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial.

Em 1948, acompanhando a prática de diversos outros países após a Se­


gunda Guerra Mundial, veio a reforma monetária alemã. Sujeitando-se a
arranjos bastante complexos para manter a paridade do sacrifício de troca
entre a moeda e outros ativos, ela consistiu, em sua essência, em reduzir o
volume excessivo de moeda armazenada. Envolveu, como já foi mencio­
nado, a troca dos velhos reichsmarks por novos deutschemarks à taxa de
dez dos primeiros para cada um dos últimos — um índice bastante mais
modesto do que a relação de um trilhão por um entre o reichsmark e q
rentenmark em 1923. Os negociantes e produtores, como também já foi
dito, souberam que a nova moeda estava para vir. Esperaram por ela.
Então, quando chegou, subitamente as lojas ficaram repletas de bens. Para
a nova moeda também valia a pena produzir mais bens. Os controles de
preços podiam agora ser abandonados, bem como o racionamento. E o
fumo, como moeda, estava mais uma vez de volta à névoa da História e
da lenda. 0 ciclo seguro que, na administração da moeda, faz com que os
indivíduos reajam mais fortemente à sua experiência adversa mais recente
foi logo encontrado em funcionamento na Alemanha. Tendo sofrido mais
uma vez com a inflação após a Segunda Guerra Mundial, e ainda persis­
tindo as memórias da inflação de 1923, os alemães nas duas décadas
seguintes foram, dentre todos os povos, os que mais esforços fizeram para
impedir a inflação. E, ao fazê-lo, com o tempo transformaram o deutsche-
mark em novo símbolo mundial de moeda forte.
tempos:
ci preptiração

0 período de vinte anos compreendido entre 1948 e 1967 pode muito


bem ser caracterizado pelos historiadores como a era mais favorável na
história da economia industrial, bem como da Economia. As duas décadas
passaram-se livres de pânicos, crises, depressões ou qualquer coisa além de
pequenas recessões. Em somente dois anos, 1954 e 1958, a produção
deixou de crescer nos Estados Unidos. Foi durante essas décadas que o
novo termo Produto Nacional Bruto, ou PNB, passou a fazer parte da lin­
guagem comum; era algo que, como freqüentemente se afirmava, gozava
do que sempre era chamado de crescimento saudável. Na verdade, não
havia dúvidas quanto ao caráter saudável do crescimento. O desemprego
ficou a nível baixo nesses anos, pelo menos segundo os padrões da década
dos 30 — em apenas dois anos, 1958 e 1961, alcançou média superior a
6" da força de trabalho. E segundo os padrões mais recentes, não houve
inflação apreciável. Durante a década dos 50, os preços industriais apresen­
taram uma tendência desagradável de elevar-se à medida em que novos
níveis de salários eram transferidos a preços mais altos, e estes conduziam
a níveis de salários superiores — a conhecida espiral. Mas, este movimento,
2bb MOEDA

embora pouco confortável na época, era pequeno em comparação com os


problemas posteriores, e era em parte compensado (exceto para os agricul­
tores) por preços agrícolas déclinantes. Em 1948, o índice de preços no
atacado estava a 82,8; em 1967, era igual a 100? Este aumento, de aproxi­
madamente dezessete pontos em vinte anos, foi inferior à taxa de aumento
anual do mesmo índice no verão de 1974. A partir do início da década dos
60 e prosseguindo por vários anos, os preços permaneceram inteiramente
estáveis. Nesses anos, os líderes empresariais americanos, reunindo-se em
cerimônias públicas e comparando o seu desempenho com o dos países
comunistas, eram praticamente esmagados pelos seus próprios elogios. Os
economistas, embora reservassem parte do mérito para si mesmos, não
discordavam. E em segredo, nem mesmo muitos comunistas discordavam.
Foi uma época muito difícil para os críticos do sistema capitalista.
Isso ocorria especialmente nos Estados Unidos, mas em outros
países industriais as coisas eram apenas um pouco menos favoráveis. A
construção dos estragos da guerra foi feita rapidamente. Às vezes, os
países encontravam-se com importações excessivas, exportações muito
pequenas, e, em conseqüência, havia uma redução dos meios para pagar
a diferença. O problema da Grã-Bretanha nesses anos foi particularmente
difícil, em parte devido ao fato de que os britânicos gostam mais das
discussões económicas do que outros povos, e conseqüentemente destacam
as suas dificuldades mais claramente, e também em parte porque a eco­
nomia britânica exige, com a sua dependência muito grande de impor­
tações e exportações, como já foi observado, uma administração muito
mais precisa do que a da França ou dos Estados Unidos. Portanto, em
certos períodos dessas décadas, a balança comercial britânica esteve em
deterioração. Em 1949 e 1967 foi necessário desvalorizar a libra. E, além
disso, após discussões orgíacas repetindo mais ou menos literalmente as
manchetes dos jornais ou os debates do Parlamento sobre a última crise,
o investimento empresarial seria moderadamente limitado, o aumento do
consumo refreado por impostos mais altos ou controles mais severos sobre
empréstimos para financiar o consumo, e o aumento das despesas públicas
seria retardado, freqüentemente com o abandono de mais um símbolo
da grandeza imperial. Isto traria um reajuste apropriado das importações
às exportações, e a Grã-Bretanha estaria salva novamente.
Como nos anos anteriores a 1914, as empresas negociavam e os
indivíduos viajavam na certeza do que os seus dólares, libras, francos,

1 Economie Report of the Presidente, 1974, p. 305.


BONS TEMPOS: A PREPARAÇÃO 267

marcos ou ienes lhes podiam proporcionar quando trocados entre si ou por


outras moedas. A noção de um movimento flutuante, isto é, errático e
desconhecido das moedas ainda não havia sido inventada. Não muitas
pessoas a teriam considerado boa coisa. Nos primeiros anos deste período,
houve restrições ao movimento de capitais de um país a outro — em
termos simples, sobre o volume de fundos numa moeda que podiam ser
trocados por fundos em outra moeda a qualquer momento. Do mesmo
modo, havia ainda restrições ao comércio. Mas, durante esses anos, tanto
04 movimentos de capitais quanto as restrições ao comércio foram grada­
tivamente liberalizadas à medida em que os controles cambiais eram elimi­
nados e eram reduzidas as quotas impostas ao movimento de bens. Os
estados europeus — França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxem­
burgo — começaram o seu movimento para 0 que esperavam ser a união
econômica absoluta. Economistas de convicções mais diversas há muito
têm medido o progresso do conhecimento intelectual de muitas pessoas
pela sua capacidade de reconhecer as vantagens maiores do comércio
internacional, em comparação com os benefícios mais estreitos e egoístas
do protecionismo. E uma das não pequenas maravilhas desses anos foi a
demonstração de que, finalmente, em sua visão do comércio internacional,
o Homem havia amadurecido. Os agricultores e alguns outros ainda eram
apóstolos das trevas protecionistas. Para os demais, a idade da luz já
havia chegado.

Uma idéia e duas instituições receberam a maior parte do crédito pelas


realizações desses anos. A idéia, evidentemente, era a política fiscal
keynesiana. Controlando as despesas em relação às receitas, 0 governo
tornava o nível de produção e, portanto, o nível de emprego no sistema
econômico, uma variável dependente, e não independente — 0 resultado
de uma política positiva, e não a conseqüência incerta dos caprichos do
ciclo econômico. E isso era tudo que havia mudado. A propriedade privada
dos meios de produção, a sociedade anônima privada e 0 mercado clássico
continuavam como antes. O sistema keynesiano era uma idéia bastante
conservadora, mas, aparentemente funcionava. Era aceita em todos os
países industriais.
Os dois instrumentos institucionais, que eram considerados especial­
mente importantes para os Estados Unidos, foram os acordos de Bretton
Woods e a Lei de Emprego de 1946. Os acordos puseram ordem nos
arranjos monetários internacionais. O segundo instrumento, através do
Conselho de Assessores Econômicos do Presidente e da Comissão Mista do
Relatório sobre a Economia (mais tarde Comissão Mista de Economia),
268 MOEDA

forneceu uma estrutura operacional para as idéias keyenesianas tanto no


Exercito Federal quanto no Congresso.
Keynes foi uma das principais forças no esquema de Bretton Woods.
Assim, o seu nome está associado não apenas às idéias que receberam o
crédito pelo sucesso desses anos, mas também com ambas as instituições.
Se houver razão para dar às duas décadas o nome de qualquer pessoa,
elas certamente devem ser chamadas de Era de Keynes.2 A essa altura,
Keynes não era mais uma figura suspeita no cenário britânico. Como o
Barão Keynes de Tilton, ele havia se tornado um membro perfeitamente
qualificado do “establishment” britânico. Ele não viveu para ver as reali­
zações tão poderosamente associadas ao seu nome. Em 21 de abril de
1946, ele morreu do mal cardíaco do qual padecia há nove anos. Isto foi
considerado por alguns como tendo sido agravado por ter corrido para
tomar um trem. Teria sido apropriado, em que pese a austeridade britânica
no pós-guerra, pôr à sua disposição um cano com motorista.
Além das idéias e instituições, havia uma influência de importância
ainda maior. Era a confiança - menos no sistema do que nos instrumentos
disponíveis para administrá-lo e na capacidade de decisão inteligente na sua
escolha e no seu emprego. Pode ser observado que à política fiscal
foi novamente acrescentada nesses anos a política monetária, embora de
forma modesta. A sua reputação enegrecida na década dos trinta e antes
disso não estava inteiramente recuperada. Mas, em 1951, foi retirada
parcialmente de sua aposentadoria que já durava uma década. Segundo os
termos de um acordo entre o Tesouro e o Sistema Federal de Reserva em
março daquele ano, o Sistema foi liberado do compromisso de sustentar
o preço das obrigações governamentais. Isto quer dizer que ficou livre
para elevar as taxas de juros — pois, desde que as emissões anteriores de
obrigações não podiam sofrer redução de preço, as suas taxas de juros ou
as de outros ativos intercambiáveis não podiam subir. A pressão para a
liberação do Sistema Federal de Reserva veio em parte dos bancos. Para
os agricultores, as empresas siderúrgicas, e mesmo os médicos e profes­
sores, preços mais altos parecem ser compensadores, e algo que, na luta
por seus interesses, as empresas ou pessoas procuram conseguir. Os ban­
queiros também gostam de preços mais altos, pelo menos até certo ponto,
e o seu preço é a taxa de juros. O abandono da política monetária na
década anterior tinha deixado a taxa de juros a níveis muito baixos. Era
admitido com correção que, com a reativação da política monetária,

2 O título usado, na verdade, por meu culto e inteligente amigo Robert Lekachman.
Conforme o seu Age of Keynes (Nova York: Random House, 1966).
BONS 1EMPOS: A PREPARAÇÃO 269

as taxas seriam mais altas. Entretanto, a liberação não foi defendida


pelos seus clientes sobre os rendimentos dos bancos. Foi um ato realizado
exclusivamentc no interesse nacional.
Numerosos economistas também apoiaram a reativação da política
monetária; as complexidades das operações de um banco central ainda
estavam sendo descritas nos livros-texto, e era triste saber que algo teorica­
mente tão lindo devesse estar em abandono na prática. Assim, no início
da década dos 50, o papel passivo do Sistema Federal de Reserva — sua
baixa taxa de juros e o seu compromisso de adquirir o volume de obriga­
ções necessário para sustentar essa taxa — veio a ser descrito por nume­
rosos economistas como um “motor de inflação”. Porque não havia sido
assim descrito nos anos muito mais inflacionários que precederam esse
período é um mistério. Em qualquer caso, embora muito gradativamente,
a política monetária foi mais uma vez acrescentada à política fiscal como
parte da “caixa de ferramentas” usadas para dirigir a economia. Havia
muita confiança entre os economistas de que, finalmente, tinham domi­
nado o uso judicioso dessas ferramentas.
Na verdade, nesses bons tempos essas ferramentas não foram subme­
tidas ao seu teste último — o de controlar a inflação, com uma breve
exceção, quando não funcionaram. Em todos, exceto um ou dois desses
anos, a política econômica atuou contra a condição para a qual as ferra­
mentas eram mais eficazes — que não era a inflação, mas o desemprego
e a depressão ou recessão. Durante esses vinte anos, benevolamente a eco­
nomia precisou ser estimulada de um modo geral, e não controlada.
Quando precisava ser controlada, o sucesso desaparecia. Mas, vamos
primeiro a história.

O Fundo Monetário Internacional, juntamente com o seu companheiro,


o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, teve as suas
origens, em que pese muita preparação, em New Hampshire, no Hotel
Monte Washington em Bretton Woods, em julho de 1944. Foi assim que
uma pequena estância nas montanhas tirou licença de sua personalidade de
silvestre para tornar-se, em todo o mundo, o símbolo da política monetária
esclarecida e da assistência aos povos pobres e ambiciosos do globo.
Setecentas e trinta pessoas de quarenta e quatro países compareceram
à conferência durante aqueles dias de verão; deve ter havido muito poucos
simpósios internacionais na história de tais reuniões em que a compreensão
pública do que estava ocorrendo, ou até do que estava sendo tentado,
tenha sido tão pequena. Isto estava longe de ser um obstáculo. As pessoas
geralmente consideram importante o que não compreendem. Isto aumenta
270 MOEDA

o prestígio e o prazer dos participantes e o temor dos políticos de que,


ao rejeitar as medidas resultantes, possam estar provocando prejuízos
sérios.
Embora a conferência fosse obrigada a estender as suas sessões
além do período originalmente programado, para a considerável incon­
veniência do hotel em que tinham feito reservas na primeira temporada
de veraneio após a guerra, o acordo foi eventualmente alcançado numa
grande quantidade de detalhes infinitamente técnicos relativos às duas
organizações propostas. Isto foi auxiliado pela incerteza de numerosos
participantes quanto ao que estavam discutindo; se alguém finge ter o
conhecimento que não possui, não pode pedir explicações para sustentar
possíveis objeções.
Mas grande parte do acordo atingido deve ser atribuída ao papel
dominante de dois homens excepcionalmente talentosos, cada um dos
quais havia previamente produzido uma proposta detalhada. Um deles,
evidentemente, era Keynes; o outro era Harry D. White, Secretário-Assis­
tente do Tesouro dos- Estados Unidos. Dos dois, White, apoiado pelos
recursos dos Estados Unidos (que seriam indispensáveis para o sucesso),
foi possivelmente a figura mais poderosa. Descortês e irascível e, como
Keynes, arrogante, ele foi acusado, não muito tempo mais tarde, de ser
protetor e agente dos comunistas.3 Em 13 de agosto de 1948, ele respon­
deu às acusações à Comissão de Atividades Anti-Americanas da Câmara
de Representantes com um desprezo mal controlado, deixando de men­
cionar apenas que se houvesse sido um comunista, teria sido o seu senhor,
e não a seu servo — o que poderia ser comprovado por todos os que o
conheciam. Então, um dia ou dois mais tarde, ele também morreu do mal
cardíaco do qual já sofria há algum tempo. Em Bretton Woods, o acordo
entre Keynes e White não foi exatamente igual a um acordo entre todos,
mas grande parte disso.
Em que pese o mistério que cercou as discussões de Bretton Woods,
tanto as finalidades quanto o esquema básico do Fundo Monetário Inter­
nacional — o FMI, como veio a ser conhecido — eram extremamente sim­
ples. Em 1944, os estoques mundiais de ouro estavam ainda pior distri­
buídos do que jamais haviam estado. E o próprio padrão-ouro não possuía
reputação muito boa na época. Os acordos de Bretton Woods procuraram
reconquistar as vantagens do padrão-ouro — moedas cambiáveis a taxas
estáveis e previsíveis em ouro e, portanto, a taxas estáveis e previsíveis

3
E as instituições de Bretton Woods logo passaram a ser atacadas como instru­
mentos do imperialismo capitalista.
BONS TEMPOS: A PREPARAÇÃO 271

entre si. E isto se procurou alcançar ao mesmo tempo em que se minimi­


zava o sacrifício imposto pelo padrão-ouro aos países que estavam com­
prando muito, vendendo pouco e, conseqüentcmente, perdendo ouro. Isto
foi feito pela moderação e redução do choque de aplicação das medidas
— políticas fiscais mais restritivas, políticas monetárias mais rigorosas,
com taxas de juros mais altas, talvez um controle maior sobre as rendas
— pelas quais um país podia reduzir a procura para consumo e investi­
mento e os preços, tornando-se assim um mercado mais difícil para as
vendas de outros países e mais fácil para compras, para manter dinheiro
aplicado a juros, e por todos esses meios conseguisse inverter a tendência
de saída do ouro.
Pouco surpreendente, o elemento moderador foi a moeda — um
fundo, o Fundo, ao qual os países apelariam até poderem regularizar a
situação. Ao Fundo original todos os países fizeram subscrições — em
parte em ouro ou dólares, sendo estes intercambiáveis, evidentemente,
e em parte (e, para a maioria, isto era mais viável) em suas próprias
moedas. Essas subscrições foram efetuadas segundo um cálculo elástico da
participação de cada nação no comércio internacional e com base em sua
capacidade geral de pagamento. Os principais subscritores foram, de longe,
os Estados Unidos e a Grã-Bretanha.
Todos os países comprometiam-se a manter as suas moedas estáveis
— sujeitas a uma pequena flutuação de 1% — em relação às dos demais.
Se a moeda de um país começasse a cair sob a pressão de importações
excessivas e pequeno volume de exportações, digamos, o seu banco central
compraria essa moeda e apoiaria o seu valor em relação ao das moedas
de outros países. E se as reservas geralmente mínimas do banco central
em termos de moedas aceitáveis aos outros países não permitissem tais
compras, o país poderia recorrer ao FMI para obter ouro, dólares, ou
outras moedas aceitáveis para manter o programa de sustentação. Ao fazer
isso, depositava um montante equivalente de sua própria moeda como
garantia. Não passava de um mecanismo pelo qual se podia obter rapida­
mente um empréstimo de divisas fortes. O montante máximo que podia
ser emprestado por um país junto ao FMI estava limitado à sua quota
— o montante de sua contribuição. Urna escala de custos crescentes com o
montante e a duração do empréstimo estimulava o país a eliminar as
circunstâncias que houvessem levado à necessidade original. E ganhava
tempo para tomar as medidas terapêuticas — impostos mais altos, menores
despesas públicas, taxas de juros mais altas. Se o país fosse pequeno
e vulnerável a aconselhamento, ele seria instruído pelo FMI quanto à
conveniência de tais medidas e, com o tempo, as missões do FMI adqui-
272 MOEDA

ririam uma certa reputação devido à severidade e até mesmo ao sadismo


político de suas recomendações. O sacrifício que o ouro inflingia imedia­
tamente era inflingido um pouco mais tarde pela missão do FMI. Se os
problemas do balanço de pagamentos do país fossem persistentes, ele
recebia permissão para uma desvalorização em relação ao ouro e às outras
moedas até o limite de 10%. Se, como o Brasil, a sua moeda estivesse
endemicamente sujeita a desvalorização, havia até tolerância. Na verdade,
nada acontecia.
Esse era o sistema de Bretton Woods. Após discussões adicionais
a respeito de sua organização em Savannah em 1946, o Fundo começou
a funcionar em Washington em 19 de março de 1947. Os países comu­
nistas, após considerarem inicialmente a possibilidade de filiação, não se
associaram ao Fundo.

Nos primeiros anos da sua existência, o FMI foi uma amável curiosidade
acadêmica, mantendo relação mínima com os problemas existentes. Isto
ocorria porque, como também ficaria evidente duas décadas mais tarde,
ele podia enfrentar pequenos problemas admiravelmente, mas não era
capaz de resolver grandes problemas. No período imediatamente subse-
qüente à guerra, os membros europeus devastados pela guerra, tinha
grandes necessidades de importações e uma capacidade insignificante de
exportação. O hiato resultante era enorme. Para colocar as importações
e as exportações em alguma espécie de equilíbrio, seria preciso muito
tempo. Keynes defendeu a constituição de um fundo suficientemente
grande para cobrir este hiato. Os delegados dos Estados Unidos respon­
deram, com o apoio do seu conhecimento político superior, que o Con­
gresso dos Estados Unidos jamais permitiria á apropriação das somas
exigidas. O ponto de vista dos Estados Unidos prevaleceu — por algum
tempo. Mas, quando o dinheiro precisou ser achado, o Congresso recebeu
a solicitação e reagiu. Um empréstimo especial de 3,75 bilhões de
dólares foi feito à Grã-Bretanha pelo Acordo Financeiro Anglo-Ameri­
cano de 1945. Mais tarde, muito mais dinheiro surgiu com o Plano
Marshall.
O Fundo, com o seus recursos comparativamente modestos — 2,75
bilhões dos Estados Unidos, 6,8 bilhões de dólares de todas as fontes,
em comparação com apropriações totais de 12,5 bilhões de dólares
para o Plano Marshall — permaneceu basicamente inativo durante esses
anos.
Por volta de meados da década dos 50, entretanto, as economias
européias já haviam se recuperado inteiramente, e até mais do que isso.
BONS TEMPOS: A PREPARAÇÃO 273

As exportações novamente mantinham relação razoável com as impor­


tações. As agora modestas discrepâncias podiam ser cobertas ou contar
com a ajuda do FMI para serem cobertas. Assim, ele gradativamente saiu
da penumbra. Um substituto sensato para o padrão-ouro parecia ter sido
encontrado. Nesse momento, como tinha acontecido com o padrão-ouro
antes das duas guerras — os mecanismos básicos — moedas inteiramente
conversíveis entre os principais países industriais, sendo as dificuldades
ocasionais — passaram a ser tidos como coisa natural. Assim como antes
de 1914, embora agora com um papel relativamente menos importante
para o ouro, em seu todo os problemas monetários internacionais pareciam
ter sido resolvidos.

O segundo mecanismo que merece crédito pelo desempenho econômico


satisfatório desses anos foi um esquema puramente doméstico do governo
dos Estados Unidos; foi a Lei do Emprego de 1946. O seu resultado foi
a institucionalização do assessoramento e da orientação em assuntos
económicos ao Executivo Federal. Também isto teve a sua origem nas
discussões durante a guerra. Uma fonte foi a Comissão para o Desenvol­
vimento Econômico. Este organismo, reunindo empresários liberais e eco-'
nomistas keynesianos, surgiu durante a guerra. Foi o produto do temor
de uma severa depressão após a guerra, que seria prejudicial tanto à repu­
tação do capitalismo quanto aos lucros que proporcionava aos empresários
envolvidos. E também foi o resultado da bem merecida reputação, na
época, de duas outras importantes associações empresariais, a Câmara
de Comércio dos Estados Unidos e a Associação Nacional de Fabricantes,
pelo seu negativismo arraigado em todas as questões de política econô­
mica, mesmo quando uma atitude positiva poderia ter favorecido os
interesses dos seus membros. A primeira publicação importante da Comis­
são, Jobs and Markets
* surgida em 1946, reafirmou a tese keynesiana
sem, entretanto, invocar o nome de Keynes. A fórmula da Comissão,
concebida por Beardsley Ruml, um homem de enorme e diversificada
engenhosidade, consistia em apelar para o equilíbrio do orçamento federal
segundo todas as regras respeitáveis, mas somente quando a economia
estivesse operando a pleno emprego, ou perto desse nível. Por inferência
inelutável, mas não por menção direta, o financiamento do déficit torna­
va-se assim a política apropriada para enfrentar problemas de desemprego.
Um exercício sutil de semântica. Para uma associação empresarial, essa

4 The Committee for Economic Development. Jobs and Markets (Nova York:
McGraw-Hill Book Co., 1946).
2 74 MOEDA

posição exigia muita coragem na época.5* Entretanto, a Comissão logo


deixou de importunar.
0 apoio mais específico à Lei do Emprego veio dos economistas e refor­
mistas liberais reunidos em Washington para a execução das tarefas de
administração da guerra. Essas tarefas geralmente eram rotineiras ou pouco
inspiradoras; o alívio era encontrado em discussões profissionais informais
de como o emprego, a produção e as realizações globais do tempo de
guerra poderiam ser estendidos ao período de paz. O centro de grande
parte dessas discussões foi a Associação Nacional de Planejamento, uma
congregação flexível de economistas, autoridades governamentais, repre­
sentantes de sindicatos trabalhistas e associações rurais, com pitadas de
empresários liberais que forneciam o apoio financeiro. Em especial, era o
local de reunião dos keynesianos de Washington — Gerhard Colm e Alvin
Hansen (este último temporariamente servindo ao Conselho do Sistema
Federal de Reserva), Richard e Milton Gilbert, primos com uma dedicação
poderosa às idéias keynesianas e um dote especial de pregação, Walter
Salant (ao qual Keynes tinha escrito com protestos dg admiração pelos
seus discípulos de Washington), Robert Nathan, a força dominante no
planejamento da economia de guerra, Michael Meehan, um dinâmico e
talentoso estatístico do Departamento de Comércio, além de outros.
Nathan, Meehan, Milton Gilbert e também Gerhard Colm refletiam ainda
uma outra influência que se tornava então decisiva para o progresso das
idéias keynesianas. Eram os cálculos da renda nacional, do produto nacio­
nal e dos seus componentes. Embora há muito tempo em desenvolvimento,
esses cálculos tinham sido colocados num estado muito avançado de
perfeição e oportunidade por Simon Kuznets, o notável economista e
estatístico da Universidade de Pensilvânia e do Departamento Nacional
de Pesquisa Econômica, e mais tarde de Harvard. (Em 1971, Kuznets
recebeu o Prêmio Nobel de Economia pelo seu trabalho.) Robert Nathan
e Milton Gilbert tinham sido alunos e colaboradores de Kuznets. Sob a
orientação de Nathan, os cálculos de Kuznets foram usados e receberam
amplo destaque durante a guerra; mostraram que aumentos da produção
total eram possíveis, o que estava sendo destinado para consumo e investi­

5 A Comissão para o Desenvolvimento Econômico foi informada, por esses tempos,


de que eu estava lendo Jobs and Markets para comentá-lo em Fortune, louvando
o seu esclarecimento keynesiano. Os autores procuraram-se para implorar que
as referências a Keynes fossem eliminadas. No interesse dessa causa maior, essa
claramente sensata invasão da liberdade e integridade jornalística foi aprovada.
BONS TEMPOS: A PREPARAÇAO 275

mento civil e o que, conseqücntemente, podia scr colocado à disposição


para fins militares. O conhecimento dessas magnitudes muito teve a ver
com a realização de um planejamento muito mais racional durante a
guerra nos Estados Unidos, e espccialmentc na Grã-Bretanha, do que na
Alemanha, onde tais informações não existiam. Com a paz, ficou evidente
que os mesmos cálculos mostrariam que níveis de produto e emprego
seriam possíveis, o que seria poupado da renda resultante, e o que preci­
saria ser investido para compensar essa poupança e, conseqücntemente,
assegurar o pleno emprego. Os cálculos eram

...a contrapartida empírica do modelo keynesiano do sistema


econômico e das alterações de produção e emprego a curto prazo
que ele explica. Foi, na verdade, a aparição conjunta em meados
da década dos 30 da teoria geral de Keynes e dos primeiros rela­
tórios de Kuznets sobre o produto nacional bruto e os seus compo­
nentes de gastos que possibilitaram exprimir quantitativamente a
revolução keynesiana no pensamento econômico.6

Logo surgiu da discussão da proposta de que se procurasse obter


um compromisso legislativo firme para com as idéias de Keynes e Kuznets.
Inicialmente, esse compromisso foi realmente firme. As primeiras versões
do projeto da Lei do Pleno Emprego, como foi inicialmente denominada,
proclamavam o direito soberano e irrecusável de todo cidadão americano
a um emprego. E o governo seria chamado, a cada ano, a especificar e
garantir os níveis de investimento, público e privado, que (compensando
a poupança estimada ao nível de pleno emprego) asseguraria esse nível
de emprego. Em qualquer ano em que o investimento privado não propor­
cionasse o total necessário, o governo federal deveria ser instruído no
sentido de. tomar empréstimos e gastar o que fosse preciso para cobrir a
diferença. Inicialmente, a legislação indicava o investimento total que
mais provavelmente seria necessário — 40 bilhões de dólares exatos. Em
1945, um projeto (eliminando a cifra de 40 bilhões) foi apresentado ao
Senado por James E. Murray7 de Montaria, sob o número S380. Foi
amplamente co-patrocinado pelos membros liberais.

6 Moses Abramovitz. “Nobel Prize for Economics: Kuznets and EconomicGrowth”.


Science, Vol. 174, N9 4008 (29 de outubro de 1971), p. 482.

7 Originalmente do Condado de Elgin, Ontario, na margem norte do Lago Erie.


Este paraíso liberal é também a região natal do autor.
27b MOEDA

Já em 1945 estava ficando difícil ser contrário ao pleno emprego,


embora, no final, muitos legisladores tenham enfrentado o desafio. No
Senado, a reação contrária, liderada por Robert A. Taft, foi relativa­
mente suave; grande parte do esforço envolveu modificações verbais que,
do ponto de vista dos apresentadores do projeto, teve como efeito ocultar
o uso do financiamento do déficit e, do ponto de vista dos seus inimigos,
de desestimulá-lo. O projeto passou pelo Senado com o seu compromisso
para com o pleno emprego, as previsões necessárias do investimento e
o apelo às despesas resultantes intacto, mas não inteiramente.
A Câmara foi então, como geralmente desde essa época, muito mais
conservadora. E quando o projeto chegou a esta casa do Congresso, a
oposição já havia tomado conhecimento da ameaça e se organizara para
combatê-la. Uma análise técnica da legislação foi preparada para a Asso­
ciação Nacional de Fabricantes e para Donaldson Brown, um executivo da
General Motors; concluía que a legislação aumentaria indevidamente os
poderes do executivo federal, legalizaria os gastos e a ampliação do execu­
tivo, traria o socialismo, seria impraticável e inviável, prometeria demais e
ficaria exposta ao ridículo. Este material e outros semelhantes foram
distribuídos por todo o país, com atenção especial aos eleitores do
Senador Murray em Montana, onde foram colocados em caixas de corres­
pondência nos meios rurais e devem ter sido fonte de muita perplexidade.8
Em conseqüência dessa oposição, a lei S380 foi profissionalmente
esvaziada em comissões e finalmente combatida como sendo muito liberal
pelos congressistas que tinham sido acalmados pela emasculação. Assim
foi aprovada pela Câmara. A Comissão de Conferência concordou em
remover, como ofensiva, a referência ao pleno emprego. No que deve ter
envolvido um recorde por qualificação, modificação e recuo verbal genera­
lizado, declarou-se que seria a política do governo dos Estados Unidos,

... USAR TODOS OS MEIOS PRATICÁVEIS.. .COM A ASSIS­


TÊNCIA E A COOPERAÇÃO DA INDÚSTRIA, DA AGRICUL­
TURA, DOS TRABALHADORES ESTADUAIS E MUNICIPAIS,
PARA COORDENAR E UTILIZAR TODOS OS SEUS PLANOS,
FUNÇÕES E RECURSOS PARA CRIAR E MANTER, DE UMA

8
Stephen Kemp Bailey. Congress Makes a Law (Nova York: Coluinbia University
Press, 1950), pp. 137-38. Este livro é um estudo extraordinariamente completo
e lúcido das origens, da diluição e da aprovação da Lei do Emprego de 1946.
A análise contrária foi feita pelo Professor Jules Backman, da New York Univer­
sity, considerado um homem hábil para estas tarefas nessa época.
BONS TEMPOS: A PREPARAÇÃO 277

MANEIRA CALCULADA PARA ESTIMULAR E PROMOVER A


LIVRE CONCORRÊNCIA E O BEM-ESTAR GERAL, CONDIÇÕES
PARA QUE HAJA EMPREGO ÚTIL A TODOS OS INDIVÍDUOS
CAPAZES, DISPOSTOS E EM BUSCA DE TRABALHO, E PROMO­
VER NÍVEIS MÁXIMOS DE EMPREGO, PRODUÇÃO E PODER
AQUISITIVO.

Para alcançar esses objetivos pomposamente apresentados, não


haveria orçamento keynesiano de poupança e investimento, privado ou
público. Tampouco haveria, seria desnecessário dizer, qualquer obrigação
de alcançar um dado nível de despesas daí resultante. Em lugar disso, um
relatório seria encaminhado a uma comissão mista especial das duas causas
do Congresso no início de cada sessão legislativa. Examinaria o estado da
economia e limitar-se-ia a sugerir as medidas que seriam necessárias para
estimular e promover a livre concorrência e o emprego máximo e útil
dos “capazes, dispostos e em busca de trabalho,” como dizia a declaração
acima reproduzida. A vitória do contra-ataque conservador a Keynes —
que, juntamente com Henry Wallace, Stuart Chase e William Beveridge,
era destacado nos debates como um dos demônios a serem exorcizados
- parecia razoavelmente completa.
E também foi uma vitória de Pirro. Os conservadores da Câmara
de Representantes, em parte como um esquema para reduzir os poderes
fiscais do Presidente, em parte para substituir substância por aparato,
incluíram na lei um artigo criando um corpo consultivo especial para pro­
blemas econômicos — o Conselho de Assessores Econômicos. Isto foi
aceito pelos liberais. Tão pouco importante parecia, de início, que se
passaram vários meses antes que o Presidente Truman nomeasse seus
três membros. Quando ele o fez, a sua escolha para a presidência recaiu
sobre Edwin G. Nourse, um professor estimável, cuja dedicação às idéias
keynesianas não era surpreendentemente insignificante, pois a elas ele
jamais havia dado a menor atenção. Entretanto, o vice-presidente era
Leon Keyserling, que havia trabalhado na elaboração e aprovação da Lei
do Emprego. Keyserling estava apaixonadamente comprometido com
os seus objetivos, e ele também era um homem excepcionalmente dinâ­
mico e de grande experiência em pregação em Washington. Em novembro
de 1949, ele tomou-se presidente em exercício, e presidente efetivo no
ano seguinte. Keyserling não se sentia amarrado pelas limitações conser­
vadoras colocadas na lei básica. Ele orientou o novo Conselho firmemente
para a realização dos objetivos originais de emprego. Com Walter Heller,
que se tomou presidente uma década mais tarde, no governo Kennedy, ele
278 MOEDA

mostrou que a defesa de idéias, tanto junto a um Presidente, quanto em


geral, não era um instrumento desprezível de poder. Embora a sua reivin­
dicação de um papel de pioneiro na nova organização e na nova política
não seja atualmente discutida, foi negada por muito tempo. Keyserling
padecia do sério “handicap” moral de ser um advogado. Ao final da
Segunda Guerra Mundial, os economistas profissionais estavam se tornando
uma força nos Estados Unidos. Era difícil aceitar que esta primeira expres­
são do seu poder fosse feita por alguém que não estivesse matriculado no
seu ofício. Keyserling não ajudou muito ao referir-se freqüentemente a
esta fonte de pesar profissional. Desde Keyserling, todos os membros do
Conselho têm sido economistas perfeitamente certificados.
Nos vinte anos que se seguiram à aprovação da Lei do Emprego e
ao estabelecimento do Conselho de Assessores Econômicos, tem sido
publicado a cada mês de janeiro9 o Economic Report of the Presidenf,
trata-se de uma declaração profissionalmente competente do comporta­
mento recente e das perspectivas da economia. Esses relatórios não têm
ficado isentos de limitações; raramente um governo examina a sua atuação
passada e a julga inadequada. Nunca avalia os resultados de sua política
e os considera qualquer coisa além de voltados para a direção certa. Não
obstante, a simples presença junto ao Presidente de homens preocupados
imediatamente com os níveis de produção e emprego e com o efeito
adicional de sua preocupação com gastos, impostos, a política do Sistema
Federal de Reserva, a política de comércio externo, e até a política agrária
tem sido importante. É difícil aceitar que os participantes na elaboração
da primeira versão da lei S380 — e desejam um orçamento nacional
especificando o que seria recebido, o que seria investido ou gasto, e o
que o governo precisaria gastar além disso para empregar os indivíduos
capazes, dispostos e em busca de trabalho — pudessem ter pedido mais
do que isso, em vista da história posterior.

9
Ocasionalmente publicado em fevereiro. Nos primeiros tempos, houve mais de
um Report por ano.
lü tD&va economia
no seu ap&tj&u*

Nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos, uma
referência a Keynes, muito mais do que uma referência a Marx, que era
uma ameaça menos relevante, era considerada como provocação de anta­
gonismo conservador que podia muito bem ter ficado silencioso e elimi­
nava aquiescência moderada que de outro modo poderia ter sido conse­
guida. Embora o produto keynesiano fosse aceitável, o nome de Keynes
era uma bandeira vermelha.
Em 1947, Seymour Harris, da Universidade de Harvard, o mais
esforçado e um dos mais eficazes pregadores keynesianos, editou uma
série influente de ensaios sobre essas idéias. (Começava com o obituário
majestoso do Times de Londres de 22 de abril de 1946: “Lord Keynes,
o grande economista, faleceu em Tilton, Firle, Sussex, no dia de ontem,
em conseqüência de um ataque do coração. Com a sua morte, o país
perde um grande inglês. Ele foi um homem genial...”) Harris deu ao seu
volume o título A Nova Economia.1 Em anos subseqüentes, esse nome

1 The New Economics: Keyne’s Influence on Theory and Public Policy, Seymour
E. Harris, ed. (Nova York: Alfred E. Knoph, 1947).
280 MOEDA

tornou-se a forma aceita de referência.2 Com o governo Kennedy, o com­


promisso do governo dos Estados Unidos com a Nova Economia foi
declarado abertamente. No governo Kennedy e nos primeiros anos do
governo Johnson, a produção total da economia cresceu ininterrupta­
mente. O emprego resultante cresceu mais rapidamente do que a força
de trabalho; em conseqüência, o desemprego caiu constantemente. E
graças a modestos esforços diretos, os preços permaneceram estáveis. Esta
era a Nova Economia. Nada parecia estar errado.
E tampouco os responsáveis tinham qualquer espécie de dúvida
muito grande. Nos primeiros dias de 1968, quando o período de prospe­
ridade do pós-guerra estava completando o seu vigésimo ano, os econo­
mistas do Presidente sentiram-se estimulados a meditar sobre as realizações
mais recentes. Durante estes últimos “anos de realizações”, observaram,
foi “muito mais do que uma coincidência [que] políticas fiscais e mone­
tárias tenham sido ativa e conscientemente usadas para promover a prospe­
ridade. ..” E “não mais”, acrescentaram, “a política econômica federal...
espera haver uma recessão ou inflação séria antes de serem tomadas quais­
quer medidas.”3 Seguia-se então uma pequena concessão à modéstia,
rapidamente retirada:

As políticas fiscais e monetárias não têm sido perfeitamente execu­


tadas ou coordenadas nos últimos anos. Mas, as nossas políticas
têm permanecido sob exame contínuo e coordenado. E as nossas
ações têm sido regularmente na direção certa, se não sempre perfei­
tamente programadas ou aplicadas com a intensidade exata.4

Foi, infelizmenté, a última oportunidade para autocongratulação,


por mais merecida que fosse. E um sentido melhor da História teria preve­
nido a todos contra isso. Em dezembro de 1928, Calvin Coolidge enviava
a sua última mensagem sobre o Estado da União ao Congresso. Ele dizia:
“Nenhum Congresso dos Estados Unidos jamais reunido, ao examinar o
estado da União, já encontrou perspectivas mais agradáveis do que as

2 James Tobin, em The New Economics One Decade Older (Princeton: Princeton
University Press, 1974), sugere que o uso comum da expressão não deve ser
atribuído ao livro de Harris, mas a jornalistas de Washington que a usaram numa
outra circunstância em 1962.
3 Economic Report of the President, 1968, p. 7. Grifado pelo autor.

4 Economic Report of the President, 1968, p. 7.


A NOVA ECONOMIA NO SEU APOGEU 281

existentes no presente momento. No setor doméstico, há tranqüilidade


e contentamento... e o período mais prolongado de prosperidade.”5
No ano seguinte veio o dilúvio.

Por trás da fachada benigna da Nova Economia havia nesses anos, no


entanto, quatro deficiências sérias. Algumas estavam tornando-se visíveis
exatamente nessa época; todas estão agora maravilhosamente claras com
a sempre valiosa ajuda da retrospectiva.
A primeira era a dependência de predição e previsão - na tomada
de medidas antes do surgimento das necessidades. A previsão é uma
coisa imperfeita — toda previsão em Economia é imperfeita. E, ainda
mais seriamente, o economista em altas posições oficiais acha-se sob
forte pressão pessoal e política para prever erradamente. Isso em parte
deve-se à tentação de prever o que se deseja, e é sempre um desempenho
econômico melhor, e não pior, que é desejado. Em parte, porque a predi­
ção em Economia é considerada por muitos como autoconsumável. Uma
predição melancólica sobre emprego e produção tenderá, como se imagina,
a fazer com que os empresários fiquem melancólicos e pessimistas, e a
levá-los a reduzir os níveis de atividade. Uma predição de preços mais
altos levará as empresas a examinar novamente os seus preços e a elevá-los.
E os sindicatos basearão as suas reivindicações salariais no que o governo
afirma que deverá acontecer com os preços e os custos de vida — uma
previsão de preços mais altos imediatamente será um argumento na mesa
de negociações. Segue-se que toda predição oficial em Economia é sus­
peita; todos que as lêem devem supor que contêm um componente impor­
tante de esperança. Na década decorrida desde os meados dos 60 aos
meados dos 70, a política econômica foi em grande parte guiada por
predições profundamente subordinadas à esperança.
Além disso, a predição econômica oficial não podia contradizer
outras expectativas públicas ainda maiores. Em 1967 e 1968, os últimos
anos de sucesso econômico, a economia estava sob a pressão crescente
dos gastos com a guerra do Vietnã. Em toda a doutrina oficial, essa guerra
logo deveria terminar; a luz estava brilhando cada vez mais forte no agora
imortal túnel. Os economistas do governo, por mais que pudessem acre­
ditar que a guerra continuaria e tornar-se-ia ainda mais cara, não podiam
fazer disso uma base de cálculos públicos. Não podiam predizer publi­
camente que as despesas de guerra aumentariam, que as pressões infla-

5
John Kenneth Galbraith. The Great Crash, 1929, 3? ed. (Boston: Houhgton
Mifflin Co., 1972), p. 6.
282 MOEDA

cionárias se intensificariam. A expectativa oficial quanto ao. final da


guerra, por mais errada ou caprichosa, era absolutamente dominante.
As três outras deficiências eram específicas e concretas. Todas
tinham o efeito de limitar ou até negar a capacidade do governo para
combater eficazmente a inflação.

A primeira dessas três deficiências adicionais estava na maquinaria usada


para enfrentar o agora conhecido problema do poder de mercado. Nos
anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, o poder e a autoconfiança dos
sindicatos de trabalhadores cresceram constantemente. Se o poder de
mercado das grandes sociedades anônimas não aumentou — como alguns
economistas esforçavam-se denodadamente para comprovar - era porque,
como as suas próprias estatísticas mostravam, esse poder já era muito
grande há muito tempo. Entretanto, do ponto de vista de todos, exceto
os mais inspirados defensores do mercado concorrencial clássico, esse
poder efetivamente aumentara. Agora, portanto, quando a capacidade
máxima de operação era aproximada, era possível aumentar os preços em
todas as indústrias concentradas. E também era possível, para os sindi­
catos, reagindo a esses preços, conseguir salários mais altos e, para as
empresas, passar adiante os custos superiores de mão-de-obra. A conhecida
espiral, portanto. Em tempo de guerra, a espiral não podia ser interrom­
pida pela política fiscal em geral exceto às expensas da produção e além
do que podia ser suportado. Em tempo de paz, não podia ser interrompida
exceto por um nível de desemprego superior ao que seria tolerável. A
solução que aparentemente foi alcançada durante o governo Kennedy
foi muito inadequada tanto em termos de mecanismo quando das idéias
que a apoiavam. Para uma visão completa dessa deficiência, é necessário
recorrer a um relato dos primeiros momentos desses bons tempos.

Um teste severo da capacidade da economia para combinar alto nível de


produção e preços estáveis seguiu-se ao irrompimento da guerra da Coréia
do verão de 1950. Os preços subiram rapidamente nos meses seguintes,
em parte em resposta ao já mencionado poder de mercado, em parte
em conseqüência da corrida aos bens por pessoas com a lembrança das
recentes faltas de suprimento na Segunda Guerra Mundial. Em junho
de 1950, o índice de preços no atacado estava a 80; em janeiro do ano
seguinte, a 89 (1967 = 100).6 Contra a resistência inicial do governo

6 Calculado a partir do Economic Report of the President, 1952, p. 189, e do


Economic Report of the President, 1974, p. 305.
A NOVA I (ONOMIA NO SEU APOGEU 283

Triiman, o Congresso aprovou legislação estabelecendo controles de


salários c preços, boi constituído o Departamento de Estabilização de
Preços sob a direção decidida de Michacl DiSallc e Gardncr Ackley, este
último um veterano do controle de preços da Segunda Guerra Mundial.
Montou-se uma organização completa para a administração e o cumpri­
mento da legislação.
Raramente uma medida económica teve um resultado mais imedia­
to c eficaz. O movimento ascendente dos preços foi prontamente inter­
rompido. É possível que os aumentos de preços eventualmente se tor­
nassem mais moderados à medida em que o povo descobrisse que o con­
flito da Coreia era, em termos de impacto, um problema menor — não era
um “replay” da Segunda Guerra Mundial. Mas, no momento em que a
medida foi tomada, uma espiral de salários e preços estava em andamento
cm sua plenitude. Na ausência de controles, teria continuado e talvez
ganhasse velocidade.
Mais uma vez, foi demonstrado que a ação direta era necessária
para controlar a espiral. Outra vez, porém, a experiência não teve qualquer
influência. O sucesso rápido dos controles da guerra da Coréia foi reco­
nhecido. Mas, mais uma vez, era uma guerra. A experiência de tempo
de guerra foi novamente ignorada como sendo sui generis. Ninguém
poderia dizer que este pequeno e distante conflito tivesse despertado
emoções patrióticas intensas ou levado a ações que não seriam possíveis
numa situação de paz. Mas não se imaginou que fosse relevante para a
experiência de tempo de paz.
Os controles desse período foram desmantelados em 1953. A partir
daí, os preços e os salários de setores industriais retomaram o seu lento
caminho ascensional. Este pareceu suficientemente perturbador, na época,
para levar o governo Eisenhower — primeiramente em meados da década
dos 50, e depois no final da década - a aumentar as taxas de juros, restrin­
gir a expansão monetária, e tentar o controle do orçamento. Um déficit
orçamentário de apenas um pouco menos de 6 bilhões de dólares em 1954
foi transformado num superávit aproximadamente do mesmo tamanho
nos dois anos seguintes. Em 1958, o déficit tinha crescido novamente
a 10,2 bilhões de dólares; isto foi reduzido a 1,2 bilhão de dólares no ano
seguinte, e foi transformado num superávit de 3,5 bilhões em 1960.7
Os preços dos produtos agrícolas caíram significativamente em
ambos os períodos de restrição. Não estando sujeitos ao poder de mercado

7
Estes são os déficits e superávits nas contas nacionais (ver Capítulo XVII, p. 290,
nota n9 8). Economic Report of the Presidem, 1974, p. 328.
284 MOEDA

das grandes sociedades anônimas ou à pressão de reivindicações sindicais,


reagiam como os preços devem reagir. A essa altura, o índice dos preços
industriais estava a 95,3 (1967 = 100), dez pontos acima do nível de
1953, quando os controles da guerra da Coréia tinham sido removidos.
Em 1960 e 1961, as restrições monetárias e fiscais praticamente puseram
fim ao aumento dos preços industriais. Mas, a lição mais espetacular e
dolorosa, como agora já se pode compreender, foi o nível de desemprego
provocado - em média, 6,7% da força de trabalho em 1961.8 Uma conse-
qüência política mais do que puramente casual do controle de preços com
desemprego foi a eleição de John F. Kennedy em 1960. Tão estreita foi
a sua margem de votos sobre o adversário, que é impossível supor que,
na ausência de tantos sacrifícios induzidos com boas intenções ele pudesse
ter ganho. Foi às medidas tomadas para controlar os aumentos dos preços
industriais que os republicanos, incluindo o Sr. Nixon, atribuíram a
sua denota.

A lição de sua eleição não foi esquecida pelo novo governo. Na década
dos 50, o Presidente Eisenhower e os seus assessores tinham feito nume­
rosos apelos aos sindicatos e às empresas para moderarem as suas exigên­
cias de salários e preços em nome do patriotismo mais alto e de maior
estabilidade de preços. Como antes, e com grande intensidade nos vinte
anos subseqüentes, o papel decisivo do poder empresarial e sindical para
provocar a inflação já era reconhecido. Os apelos então admitiam a neces­
sidade de intervenção direta. Após a admissão da necessidade, explicava-se
regularmente que uma intervenção mais atuante era incompatível com
o sistema de mercado.
O novo governo democrata aceitou, até certo ponto, a necessidade
de intervenção. Uma busca começou imediatamente por um mecanismo
para conter a espiral de salários e preços. O problema foi exposto explici­
tamente no relatório do Conselho de Assessores Econômicos no primeiro
ano do novo governo: “Há importantes segmentos da economia em que
as empresas são grandes ou os empregados são bem organizados, ou ambas
as coisas. Nesses setores, forças privadas podem exercer poder considerável
sobre os termos de negociações de salários e decisões de fixação de
preços.” 9
A ação em resposta baseou-se ainda num cumprimento voluntário,
exceto quando este podia ser auxiliado por pressão oficial ou sanção

8 Economic Report of the President, 1974, pp. 279, 305.


9 Economic Report of the President, 1962, p. 185.
A NOVA ECONOMIA NO SEU APOGEU 285

indireta. Limites ou marcos formais para a fixação de salários e preços


foram estabelecidos. De acordo com esses limites, os sindicatos foram
solicitados a manter as suas reivindicações a um montante equivalente
ao ganho anual de produtividade, então estimado em 3% ao ano. Tendo o
ganho de produtividade aumentado a produção por homem-hora em pro­
porção suficiente para cobrir este aumento de salários não havia, em
conseqüência, e em média, aumento algum de custos. Sendo estáveis os
custos, as empresas podiam ser solicitadas a manter os seus preços
estáveis.
Na primavera de 1962, a política foi dramaticamente testada — e
divulgada. No início desse ano, Arthur Goldberg, Secretário do Trabalho e,
antes disso, consultor jurídico do sindicato dos trabalhadores na side­
rurgia, tinha negociado um acordo salarial com a indústria siderúrgica
que estava em conformidade geral com as diretrizes. A United States
Steel Corporation, com o gênio para o farisaísmo e a auto-afirmação
profundamente obtusa que há muito têm sido tradicionais num certo ramo
das relações públicas empresariais, anunciou secamente um aumento de
preços de 6 dólares por tonelada. Enquanto o aumento era anunciado
ao público, o presidente da Steel Corporation foi à Casa Branca anunciá-lo
ao Presidente. Outras empresas prepararam-se para seguir a liderança da
U. S. Steel, logo o fazendo. O Presidente Kennedy respondeu com algum
comentário inspirado sobre o caráter e a filiação dos empresários. Isto,
combinado a ameaças de medidas antitruste, pela Comissão Federal de
Comércio, e em relação às compras de aço pelo governo, além de uma
reação enfurecida do público, da imprensa e do Congresso, fez com que
as companhias pensassem duas vezes. Uma ou duas, mais sensíveis do que
as demais, decidiram não acompanhá-las. Assim foi salvo o princípio
voluntário do controle de preços e salários, como pouco rigorosamente
era chamado. Nos quatro anos seguintes, um período de expansão cons­
tante de emprego e produção, os preços industriais permaneceram prati­
camente estáveis. Numa avaliação controlada de experiência, Walter
Heller, o principal arquiteto da política econômica desses anos, concluiu
que “.. .julgando tanto pelas opiniões exprimidas privadamente (e os
gritos públicos de dor) das empresas e dos sindicatos, e por cuidadosos
estudos comparativos de tendências de salários e custos, as diretrizes
podem receber com justiça o crédito por parte da moderação dos salários
e preços na grande expansão da década de 1960.” 10

10 Walter W. Heller. New Dimensions of Political Economy (Cambridge: Harvard


University Press, 1966), p. 46.
2 Sb MOEDA

Mas não duraria muito. A partir de 1966, houve grandes aumentos de


gastos com a guerra do Vietnã. A relutância natural para aumentar impos­
tos foi adicionada a relutância ainda maior para aumentá-los devido a
uma guerra impopular. Só em 1968 foi finalmente votada uma sobretaxa
para financiar os gastos com a guerra. Enquanto isso, a procura em expan­
são exercia pressão sobre os preços e os custos de vida. À medida em que
estes subiam, o mesmo ocorria com a pressão por salários mais altos.
Era parte do acordo, afinal de contas, que os preços permaneceriam estáveis.
Ao mesmo tempo, a autoridade moral do governo, que agora precisava
angariar apoio para uma guerra generalizadamente rejeitada, tinha sido
tristemente enfraquecida. Assim, enquanto a necessidade das diretrizes
aumentava, a sua eficácia diminuía. Em 1966, um acordo com os sindi­
catos dos trabalhadores na construção civil em Nova Jersey superou
por uma grande margem o montante permitido pelas diretrizes, tal como
ocorreu com um acordo com os mecânicos das companhias de aviação.
Logo estavam mortas as restrições tanto aos preços quanto aos salários.
Os economistas do governo Nixon, assumindo o poder em janeiro de
1969, deixaram bem clara a sua oposição a qualquer intervenção no
mercado, por questão de altos princípios.
Para eles, o princípio, por mais conflitante que fosse com a reali­
dade, era importante. Nada é mais fundamental ao pensamento econô­
mico conservador do que a proeminência benigna do mercado. O mercado
não é benigno ou proeminente quando é necessário haver intervenção
governamental para impedir inflação, e portanto melhorar o seu desem­
penho. Mas jamais as medidas condizentes com as linhas das diretrizes
e os controles de preços a elas associados tampouco foram inteiramente
incorporadas ao pensamento convencional dos economistas liberais. Para
isto também havia boas razões. O sistema keynesiano deixava intacto o
mercado e, conseqüentemente, as idéias microeconômicas já consolidadas
nos livros-texto e entre os seus professores. A oferta e a procura atingiam
o seu equilíbrio após a administração necessária da procura a um nível
de produção superior ao anterior. O mecanismo pelo qual a procura e a
oferta eram equilibradas, os preços estabelecidos, e os recursos distribuídos
entre as diversas aplicações não eram alterados. As diretrizes reconheciam
que os preços e salários estavam sujeitos ao controle de empresas e sindi­
catos. Não refletiam o equilíbrio de mercado, mas sim o poder das empre­
sas e dos sindicatos. Para tal poder, a Economia aceita não tinha lugar.
Era algo, em conseqüência, do que numerosos economistas liberais devota­
damente procuraram desviar os seus olhos. Alguns ainda o fazem.
A NOVA ECONOMIA NO SEU APOGEU 287

Os membros liberais do Conselho de Assessores Econômicos, durante


os seus mandatos, não podiam fugir ao poder desagradavelmente real dos
sindicatos sobre os salários, das empresas sobre os preços, e da interação
de ambos. Mas, uma vez de volta às universidades e aos subúrbios adja­
centes e lecionando os jovens, podiam fugir novamente dessas preocu­
pações confusas, controvertidas e pouco científicas. Em suas publicações
e atividades didáticas, os preços eram retirados mais uma vez do alcance
das empresas e os sindicatos eram repostos nos mercados. O emprego era
mais uma vez assegurado e a inflação impedida por bem concebidos
ajustes profissionais de política monetária e fiscal.
Daí a deficiência. A experiência desses bons tempos mostrou que
o poder econômico — das empresas e dos sindicatos - podia derrotar
os esforços para combinar elevado nível de emprego e estabilidade de
preços. Assim, na prática a intervenção era essencial. Mas, a prática
nunca se tornou parte do princípio, e este continuou sendo muito influ­
ente. Há um mito esperançoso que afirma, quando se trata de questões
profundamente importantes para o cidadão, como ocorre com a política
econômica, que é o cidadão quem realmente decide. Talvez a longo prazo
isso seja verdade; ele conserva o feliz direito de eventualmente retirar
do poder aqueles que fracassam. Mas enquanto o fracasso não fica evidente
ou a expulsão não se toma possível, as políticas econômicas, como na
cirurgia do coração, ficam nas mãos dos especialistas. Portanto, o que os
economistas acreditam, ou desejam acreditar - os princípios econômicos
por eles seguidos — não são questões de mero detalhe. São questões
decisivas.

A deficiência seguinte foi a inelasticidade fatal do sistema keynesiano.


Enquanto esse sistema se desenvolvia durante esses anos, as despesas
deixaram de ficar sujeitas a redução. Os impostos ainda ajustavam-se
automaticamente com aumentos ou reduções de renda tributável. Mas,
exceto no caso extremo de guerra, deixavam de estar sujeitos a aumentos
introduzidos por lei. Se as despesas podem ser elevadas mas não podem
ser reduzidas, e os impostos podem ser reduzidos mas não podem ser
elevados, a política fiscal torna-se, obviamente, uma rua de mão única.
Pode funcionar maravilhosamente bem contra a deflação e a depressão,
mas não contra a inflação.
O sistema keynesiano sempre tinha sido mais inflexível do que
imaginavam os seus defensores. Na década dos 30, como foi observado
anteriormente, a política fiscal foi vista em funcionamento através das
despesas públicas. Estas seriam aumentadas para compensar a insufi-
2 SB MOEDA

ciência de despesas ou de investimento no setor privado, e reduzidas


quando fossem suficientes. Os impostos ficariam intactos. Como a expan­
são da produção e do emprego resultava na eliminação de pessoas dos
programas de assistência c dos projetos de trabalho do governo e na
redução das exigências dos agricultores sobre o orçamento federal, por
exemplo, havia alguma possibilidade de diminuir despesas à medida em
que a produção e o emprego se ampliavam. Entre 1936 e 1937, as des­
pesas federais foram reduzidas de 8,5 bilhões para 7,2 bilhões de dólares,
ou seja, mais de 15% — um corte substancial e, na época, particularmente
imprudente.11 Ainda assim, ninguém acredita que as despesas públicas
possam ser diminuídas com facilidade.
Nos anos do pós-guerra, as despesas tornaram-se ainda mais inelás-
ticas. Durante a Depressão, os gastos públicos destinavam-se a finalidades
econômicas e sociais — para expandir a produção e o emprego e elevar
a renda dos desempregados. Sendo essas as suas finalidades, eles eram
vistos por homens de posições sólidas e conservadoras com dificuldade
ou alarme. Sempre havia um grupo forte que apoiava a sua redução.
Após a Segunda Guerra Mundial, as despesas públicas tornaram-se
muito maiores — em 1954, aproximadamente oito vezes maiores do que
quinze anos antes. Mas, agora uma parte bastante grande destinava-se a
fins militares. Estas despesas eram claramente respeitáveis. Tinham o apoio
de uma poderosa burocracia militar e das suas indústrias fornecedoras. E
tais despesas não mais visavam a sustentação da renda, da produção e do
emprego, por mais agradáveis que fossem esses benefícios incidentais. Sua
finalidade era conter o comunismo, sustentar a segurança nacional, prote­
ger a liberdade, armar o Mundo Livre — fins aplaudidos pelos conserva­
dores. Assim sendo, as despesas não mais estavam sujeitas a ajustes segundo
as necessidades econômicas. Como freqüentemente se dizia, com a segu­
rança nacional não se brinca.
Isto significava que o ajuste precisava ser permitido pelos impostos.
Nos anos do pós-guerra, em comparação com os anos de depressão, os
impostos tinham apresentado uma flexibilidade intrínseca maior. O grande
aumento das despesas públicas tinha sido aproximadamente compensado
por uma arrecadação superior de impostos sobre as rendas de pessoas
físicas e jurídicas. Já destacamos a tendência benigna desses impostos.
Com o aumento do produto, da renda e do emprego, tanto os rendimentos

11 Economic Report of the President, 1965, p. 262. Despesas correspondentes


ao ano civil, segundo as contas nacionais.
A NOVA ECONOMIA NO SEU APOGEU 289

pessoais quanto os lucros das empresas sobem. Portanto, pessoas até então
não tributadas começam a pagar impostos, e os indivíduos situados em
faixas inferiores são promovidos a faixas mais altas. E os lucros das empre­
sas sobem mais do que proporcionalmente ao aumento da produção e da
renda. E quando a produção, a renda e o emprego caem, esses efeitos
atuam no sentido inverso. Quanto mais elevado o volume de impostos,
maiores são esses efeitos estabilizadores. As concessões fiscais para os
mais ricos obviamente prejudicam o funcionamento deste processo
benigno. Entretanto, nos vinte anos do período de bons tempos, vários
desses benefícios, principalmente o estabelecimento da alíquota máxima
de 50% sobre o que é graciosamente chamado de renda auferida,
* ainda
não haviam sido aplicados. E diversas válvulas de escape e proteções
contra a incidência do imposto ainda não estavam sendo inteiramente
exploradas. O efeito automático de estabilização dos impostos sobre a
renda nesses anos era relativamente forte.
Excessivamente forte, na verdade. No início da década dos 60,
a Nova Economia havia incorporado à sua sabedoria convencional a noção
de que, a pleno emprego, as receitas do governo eram muito elevadas em
relação às despesas. O resultado era um “freio fiscal” para a produção,
a renda e o emprego. Para eliminar o efeito desse freio, julgava-se neces­
sária uma diminuição horizontal dos impostos. A essa altura, a sofisti­
cação pública permitia tal medida; os impostos podiam ser reduzidos e
o déficit aumentado com a finalidade deliberada e exclusiva de aumentar
o déficit orçamentário e assim melhorar o desempenho da economia. Em
1964, essa redução, correspondente a 14 bilhões de dólares em receitas,
foi aplicada. Foi “a expressão mais clara e dramática do novo enfoque à
política econômica.”12
Implícita nesta medida estava, porém, a necessidade de invertê-la
caso um excesso de procura começasse a forçar a elevação de preços.
E isto, como os fatos posteriores o demonstrariam, era muito mais
difícil. Há mais do que a normal relutância política para a introdução
de impostos mais altos. Um aumento de impostos no momento em que
os preços estão surgindo parece a todos, exceto aos cidadãos mais esclare­
cidos, uma medida particularmente gratuita. Mais está sendo pago nos

* (N. do T.) No original, “earned income”, que devemos diferenciar de “unearned


income”. A primeira expressão refere-se aos rendimentos percebidos em decor­
rência dos serviços prestados por um indivíduo, excluindo rendas de propriedade,
que estão incluídas no conceito de “unearned income”.
12
Heller, pp. 71-2.
2‘>0 MOEDA

preços dos bens; agora, o governo acrescenta uma ofensa ao prejuízo,


com impostos mais altos. Poucas medidas económicas parecem menos
lógicas.
Reforçando este obstáculo elementar há a própria política da polí­
tica — de usar aumentos de impostos para combater a inflação. São os
impostos sobre a renda de pessoas físicas e jurídicas que devem ser usados,
o seu impacto, caso sejam aplicados com alguma aproximação de justiça;
é sentido principalmente pelos mais ricos. No passado, os homens endi­
nheirados de Ricardo foram notáveis por sua oposição à inflação. Mas,
quando as medidas para controlar a inflação exercem um impacto especial
sobre os seus rendimentos, esta oposição tende a persistir em grande
parte. Para os assim envolvidos talvez seja melhor ter a inflação. Em
qualquer caso, o uso de impostos como instrumento de combate à inflação
diminui imensamente o ardor antiinflacionário dos mais ricos.
Se os impostos não podem ser aumentados exceto sob a ação de
força maior, como em caso de guerra, e as despesas públicas não podem
ser significativamente reduzidas por motivo algum, segue-se que a política
keynesiana não é útil para limitar a procura. Pode aumentar o poder de
compra, mas não pode diminuí-lo. Durante os vinte anos de felicidade,
nenhum método seguro foi concebido para enfrentar a espiral de salários
e preços — enfrentar o poder direto de mercado como causa da inflação.
E a política fiscal também estava ficando inútil como instrumento de
combate à inflação. As metas ali estavam: mas os instrumentos para
alcançá-los estavam ficando cada vez mais ineficazes.
Havia uma exceção, e essa era a política monetária. Nada, no declí­
nio dos outros instrumentos, foi tão infeliz quanto o crescimento da fé
neste instrumento.

A última deficiência foi esta ressuscitação, durante esses anos, da crença


na política monetária. Em vista da história deste instrumento, foi um fato
tão surpreendente quanto prejudicial. O uso efetivo da política monetária
durante os bons tempos foi, na verdade, bastante cauteloso. E tampouco
era encorajador. Em geral, acreditava-se que operações moderadamente
restritivas no mercado aberto, combinadas a taxas mais altas nos emprés­
timos dos bancos junto ao Sistema Federal de Reserva, haviam promovido
a interrupção da expansão em meados da década dos 50. E não sustaram
o aumento dos preços industriais. Então, no final da década, em conju­
gação com uma política fiscal restritiva, puseram fim aos aumentos de
preços — mas ao custo de uma redução do produto e de um aumento do
desemprego que, dentre outras conseqüências, ajudaram a eleger Kennedy.
A NOVA ECONOMIA NO SEU APOGEU 291

Não obstante, a fé na política monetária estava crescendo nos basti­


dores. Em parte, esse era o resultado do enfraquecimento da memória
dos insucessos anteriores. Em parte, era devido à esperança humana normal
de que a salvação de algum modo possa ser encontrada em alguma mágica,
bruxaria, ou feitiçaria acessível somente aos especialistas. Ainda em parte,
refletia o irredutível prestígio dos diretores de banco central em geral,
e do Sistema Federal de Reserva em particular, um fato ao qual os leitores
desta história não mais devem reagir com surpresa. No pequeno mundo da
Economia, os fracassos da política monetária, embora perfeitamente
reconhecidos, continuam a ser um reflexo não de falhas fundamentais,
mas de aberrações interessantes. Os livros-texto e o ensino da matéria
ainda contam, com detalhes refinados, como o movimento da taxa de
redesconto e a compra e venda de obrigações, notas e letras podem aumen­
tar ou diminuir a oferta de moeda, estimulando ou desestimulando desse
modo a economia. A discussão dos movimentos da oferta de moeda
tornou-se especialmente elegante, embora ficando sujeita, um tanto
incoerentemente, a dúvidas crescentes (a serem mencionadas logo adiante)
sobre o que deveria ser incluído nos agregados monetários. E o melhor
de tudo era a liberdade que a política monetária tinha em relação à inter­
ferência de qualquer uma das inconveniências do processo público. A
política monetária . goza de um grau de flexibilidade inacessível
à política fiscal: as decisões do Conselho de Governadores do Sistema não
estão sujeitas aos procedimentos demorados que caracterizam a ação do
Congresso ou à passagem de tempo entre a aprovação e a aplicação da
política fiscal.”13
Mas grande parte do processo de ressucitação foi devida à pregação
eficaz do mais esforçado estudioso da política monetária e da história
da moeda durante esses anos, o Professor Milton Friedman. Como
cónservador devoto e cheio de princípios, o Professor Friedman via na
política monetária a chave da fé conservadora. Não exigia intervenção
direta do estado no mercado. Escapava à administração direta de des­
pesas e impostos, para não mencionar o orçamento vultoso, implícito
no sistema keynesiano. Era uma fórmula para minimizar o papel do
governo — para voltar ao mundo maravilhosamente mais simples do
passado. O Professor Friedman não perdoava ou minimizava a impor­
tância dos erros do Sistema Federal de Reserva. Ao contrário, ele os

13
Campbell R. McConnell. Economics, 4? ed. (Nova York: McGraw-Hill Bood Co.,
1969), p. 332. Este é um dos dois ou três manuais de Economia mais usados.
292 MOEDA

destacava, e assim não assumia qualquer responsabilidade por infortú­


nios ou omissões passados. A tarefa era apenas muito mais simples do
que anteriormente se supunha; o Professor Friedman voltou a Irving
Fisher e afirmou que era preciso prestar atenção apenas à quantidade
de moeda na equação de Fisher. “As alterações do comportamento do
estoque monetário têm estado intimamente associadas às flutuações
da atividade econômica, da renda monetária, e dos preços.. . As altera­
ções monetárias freqüentemente têm tido uma origem independente;
não têm sido simplesmente um reflexo de alterações da atividade eco­
nômica.”14,15 A oferta de moeda, agora também denotada por agre­
gados monetários consiste, como sempre, na moeda em circulação (isto é,
fora dos bancos), e em depósitos bancários sujeitos à saque por emissão

14 Milton Friedman e Anna Jacobson Schwartz. A Monetary History of the United


States, 1867-1960. Estudo do National Bureau of Economic Research (Princeton:
Princeton University Press, 1963), p. 676.
15 Um resumo mais completo da posição monetarista, o melhor disponível atual­
mente, na minha opinião, é o de Tobin, pp. 58-59. Justifica uma citação com­
pleta, ligeiramente modificada: “O monetarismo, na minha opinião, compreende
o seguinte... (a) as taxas passadas de crescimento do estoque de moeda são os
únicos determinantes sistemáticos e não aleatórios — do crescimento do PNB
nominal (em dólares correntes), (b) Um corolário:.as políticas fiscais não afetam
significativamente o PNB nominal, embora possam alterar a sua composição e
também influenciar as taxas de juros, (c) Outro corolário: o impacto geral de
políticas e eventos monetários e financeiros sobre o PNB nominal pode ser resu­
mido, para fins práticos, nos movimentos de uma única variável, o estoque de
moeda. Conseqüentemente, a política monetária deve ser guiada exclusivamente
por esta variável, com a exclusão de taxas de juros, fluxos de crédito, reservas
livres, e outros indicadores, (d) As taxas nominais de juros estão ligadas às expec­
tativas de inflação e, portanto, à inflação real, com uma defasagem. Embora
o impacto imediato de políticas monetárias expansionistas sobre o mercado
possa ser a redução de taxas de juros, isto logo é invertido quando os prêmios
pela inflação resultante são acrescentados às taxas de juros, (e) O banco central
pode e deve fazer o estoque de moeda crescer a uma taxa uniforme, igual à taxa
de crescimento do PNB em potencial, mais um objetivo em termos de taxa dç
inflação, (f) Não há compensação duradoura entre desemprego e inflação, mas
uma taxa natural única de desemprego que permite mudanças estruturais e busca
de empregos. A política governamental produzirá inflação cada vez mais rápida
se perseguir persistentemente uma taxa inferior a esse nível natural de desem­
prego, e produzirá uma deflação acelerada se tentar alcançar uma taxa mais alta.
Se for adotada a política monetária de crescimento uniforme, a economia man­
ter-se-á na sua posição de desemprego natural. Como este equilíbrio pode ser
alcançado com qualquer taxa de inflação, a meta de inflação pode muito bem
ser igual a zero.”
A NOVA ECONOMIA NO SEU APOGEU 293

de cheque. Por acréscimo posterior, e ainda em discussão, também inclui


as contas de poupança, pois estas também podem estar prontamente
disponíveis para gasto, e a diferença entre as contas de poupança, e os
depósitos à vista estava se tornando cada vez menos nítida. Se esses agre­
gados fossem controlados de maneira a permitir um aumento moderado
e constante em relação, em termos de magnitude, ao crescimento da
atividade econômica, a tarefa da administração da economia estaria con­
cluída. Nada mais precisaria ser feito. Para esta tarefa simples, o elaborado
aparato deliberativo do Sistema Federal de Reserva realmente não é
necessário, e em várias ocasiões semi-sérias, o Professor Friedman defen­
deu a extinção do Sistema. O que é necessário, em lugar disso, é um
conjunto de regras firmes e determinação para obedecê-las. Para qualquer
um que deseje encontrar facilidade num mundo complexo, nada poderia
ser mais agradável. O argumento do Professor Friedman não foi apre­
sentado por acaso; era apoiado por dados maciços que, na medida do
necessário, foram levantados para atender aos objetivos do autor. (Mudan­
ças substanciais da velocidade do emprego da moeda precisavam ser
explicadas. Havia também o sério e não resolvido problema, já mencio­
nado, quanto ao que deve ser contado como moeda.) Nos anos seguintes,
na verdade, a solução impressionantemente simples do Professor Friedman
não seria tentada. Mas, apoiaria poderosamente a esperança de que
todos os problemas pudessem ser resolvidos pela mágica da administração
monetária. Que pena.
Essas eram, portanto, as deficiências da teoria econômica keyne-
siana, ou, mudando um pouco a metáfora, as fagulhas que se transfor­
mariam em chamas no final da década dos 60 e no início da década dos
70. Foram os economistas do governo Nixon que forneceram o vento
necessário.
O historiador circunspecto termina o seu trabalho bem antes de chegar
ao presente; aí, toma o seu lugar com os outros para assistir o desfile
dos eventos do dia. Uma razão solene é apresentada para isso: a História
não pode ser escrita imediatamente, deve-se adquirir alguma perspectiva
dos acontecimentos. A vantagem tática desse controle é maior ainda.
As pessoas geralmente estão bem informadas dos acontecimentos corren­
tes. Podem questionar a interpretação do historiador, e até mesmo o seu
relato dos fatos. A sua vantagem profissional é assim perdida. É melhor
ficar seguro com o passado.
As circunstâncias deste trabalho, infelizmente, não permitem essa
solução cautelosa. Procura relatar a sabedoria e os erros do passado,
mas usando-os para esclarecer o presente. Assim sendo, não há escapatória
decente, nestas últimas páginas, das perplexidades do presente e de um
mundo perturbado, como tão freqüentemente nos dois milênios e meio
desde os reis da Lídia, pela tendência apresentada por sua moeda para
tomar-se má ou para que a administração da moeda faça mal a quase
todas as outras coisas, incluindo a produção e o emprego. Apesar disso,
296 MOEDA

há circunstâncias atenuantes. Muito do que tein acontecido no presente


recente não é disputado tão terrivelmente. E muito disso foi antecipado
pelos eventos do passado próximo e do passado distante. Muito do que
deve ser feito também já foi antecipado — mas, quanto a isto há diver­
gências muito maiores.

Os bons tempos da administração da economia dos Estados Unidos acaba­


ram com a guerra do Vietnã. Os gastos bélicos e a procura resultante
exerceram pressão sobre os preços. As diretrizes sucumbiram. Os preços
elevaram-se.
Os gastos com a guerra e o déficit a ela associado são considerados
particularmente responsáveis por isso. Na verdade, eles foram rapida­
mente neutralizados. No ano civil de 1967, o governo federal teve um
déficit de 12,4 bilhões de dólares nas contas nacionais. Os impostos de
renda foram elevados com uma sobretaxa; como conseqüência principal,
mas não exclusiva, o déficit atingiu a cifra modesta de 6,5 bilhões de
dólares no ano seguinte. E em 1969 houve um superávit de 8,1 bilhões
de dólares.1 Com a abolição da sobretaxa e outras reduções de impostos,
o déficit então retornou.
A seqüência de eventos acima mencionada é importante; nos anos
seguintes, os economistas do governo Nixon atribuíram a inflação cres­
cente à desordem fiscal que haviam herdado. Por repetição, a explicação
adquiriu elevado grau de aceitação. Há uma conveniência óbvia em atribuir
falhas próprias aos erros dos predecessores no posto. Conduzida à sua
conclusão lógica, significaria que nenhum governo seria forçado a assumir
responsabilidades pelo desempenho econômico até estar no poder por
vários anos. Um álibi valioso. Mas, na verdade, a posição fiscal herdada
pelo governo Nixon era notavelmente sólida, segundo os termos que
normalmente descrevem tal situação. O mesmo não podia ser dito quanto
aos esforços de seus economistas para fazer da causação econômica um
ramo da arqueologia.
Nem mesmo eram alarmantes os movimentos de preços herdados
pelo novo governo. Tomando o ano de 1967 como base (= 100), o índice
dos preços no atacado tinha subido a 102,5 em 1968. E a 106,5 em 1969.12
Em questões econômicas, o infortúnio é, evidentemente, uma coisa rela­
tiva. Entretanto, esses aumentos de preços pareceram suficientemente

1 Economic Report of the President, 1974, p. 328.

2 Economic Report of the President, 1974, p. 305.


PARA ONDE FOI 297

graves para o novo governo, que assumiu o poder em janeiro de 1969


com a determinação firmemente declarada de eliminá-los. Para tal finali­
dade, o novo Presidente corajosamente anunciou as suas intenções de
ampliar e tornar ainda mais perigosas todas as deficiências, reais ou poten­
ciais, apontadas na administração anterior da economia. Em 27 de janeiro
de 1969, em sua primeira entrevista à imprensa após assumir o governo,
e com a incerteza sintática mais tarde celebrizada pelas fitas do caso
Watergate, o Sr. Nixon disse: . .o que estamos tentando fazer sem,
digamos, uma administração excessiva da economia - precisamos regular
perfeitamente os nossos assuntos fiscais e monetários para controlar a infla­
ção. Devo ressaltar mais uma coisa neste sentido. Não concordo com a
sugestão de que a inflação possa ser efícazmente controlada por apelos
aos trabalhadores, administradores e às empresas para obedecerem a
certas diretrizes.” 3
Todo o estrago possível estava aí. A administração da economia,
embora jamais fosse tão necessária, deveria ser minimizada. A menção
de uma “regulação perfeita”, uma expressão produzida por seus econo­
mistas, deu origem a um clichê ridículo. Era como regular perfeitamente
uma enchente do rio Mississipi. Embora se fizesse referência tanto à
política fiscal quanto à política monetária, tinha que significar uma
dependência muito grande da política monetária. Por nenhum esforço
da imaginação mesmo de um novo assessor presidencial se podia pensar
que as despesas ou as receitas tributárias federais fossem suscetíveis de
ajuste significativo. Estava presente ainda a idéia de que o sucesso, tanto
da política fiscal quanto da política monetária, não dependia de conheci­
mentos superiores, mas de uma técnica superior. Isto, como agora deve
ser sabido, nunca foi assim. Se tivesse sido, o problema econômico teria
sido resolvido há muito tempo, pois em todos os campos do conheci­
mento humano há abundância de bons técnicos.
Enquanto o caminho sem esperança era realçado pelo Presidente,
o poder importante era rejeitado. Não haveria interferência nos preços
e salários. A esperança anterior de controle foi substituída por um convite
às empresas e aos sindicatos para que exercessem todo e qualquer poder
de mercado que possuíssem e julgassem imediatamente compensador.
Não é difícil ser injusto ao julgar o Sr. Nixon. Ele atrai e justifica toda
a crítica possível. Entretanto, algo deve ser reservado, neste caso, para
os mais respeitáveis dos seus subordinados. Depondo alguns dias mais
tarde sobre as diretrizes que haviam ajudado a manter estáveis os preços

3
New York Times, 28 de janeiro de 1969.
298 MOEDA

durante o governo Kennedy, desde que resultados simples sejam aceitos,


o Secretário do Trabalho George Shultz disse que:

... (1) .. .eles não tinham sido muito eficazes enquanto estiveram
em vigor; (2) podem muito bem ter consolidado as forças inflacio­
nárias a longo prazo, desviando a atenção das armas fundamentais
de política monetária, fiscal e de mão-de-obra; (3) após o seu aban­
dono, podem ter contribuído para intensificar a insatisfação dos
trabalhadores e estimular acordos salariais superiores ao que teria
acontecido se não tivessem existido. Além disso, (4) são contrários
ao espírito de competição e subvertem as forças do mercado; e
(5) quando combinados ao processo de “jawboning”, possivel­
mente contrariam a legislação antitruste nacional.4

Nada mais permanecia a dizer em favor de controles diretos sobre preços


e salários. O Sr. Shultz logo surgiria como a voz dominante do governo
na área de política econômica.

Nos dois anos seguintes, essa política refletiu com notável precisão as
projeções do Presidente. A política fiscal foi restritiva em 1969. Nessa
altura, como foi observado, com a abolição da sobretaxa e a introdução
de outras medidas de alívio tributário e o aumento de despesas, ela tor­
nou-se bem mais folgada. O déficit federal nas contas nacionais foi de
11,9 bilhões de dólares em 1970, e alcançou a vultosa cifra de 22,2 bilhões
de dólares em 1971.5 Para resistir à inflação, deu-se ênfase à política
monetária; esta foi mais restritiva, com taxas de juros bastante superiores,
em 1969, e assim continuou até os últimos meses de 1970. E essa foi a
“regulação perfeita”.
Em meados de 1970, o longo período de “boom” e euforia no
mercado de ações chegou ao fim. Nada havia aí que pudesse ser de respon­
sabilidade do governo Nixon. As causas de qualquer colapso sempre estão
inseridas no “boom” precedente. Em 1929, os que acreditaram ter desco­
berto o segredo do mercado haviam descoberto apenas o segredo de um
mercado em elevação. E agora isso acontecia novamente. Como aconteceu
com as grandes “holdings companies” e as promoções de companhias de
4 Este resumo da posição de Shultz foi extraído de um ensaio de Neil de Marchi,
“Wage-Price Policy in the First Nixon Administration-Prelude to Control”, que
será incluído num volume sobre o desenvolvimento da política de preços e salários
nos Estados Unidos, a ser publicado pela Brookings Institution.

5 Economic Report of the President, 1974, p. 328.


PARA ONDE FOI 299

investimento, agora ocorria com os fundos de performance, cobertura,


crescimento, de recursos situados no exterior, de investimentos imobi­
liários e as frágeis criações da era do computador. Dificultando a tomada
de empréstimos por empresas más ou fracas, a política de restrição ao
crédito pode muito bem ter acelerado o processo. Os conservadores são
sujeitos notáveis para inflingir tal sofrimento a si mesmos ou aos seus
semelhantes. Mas, cedo ou tarde, o fim teria vindo de qualquer maneira.
Entretanto, o efeito da política monetária sobre os aumentos de
preços e o desemprego, a essa altura previsível, foi permitir que ambos
piorassem. O desemprego, que atingira em média 3,5% da força de tra­
balho em 1969, elevou-se a 4,9% em 1970, e a 5,9% no ano seguinte.
Os preços no atacado, a 106,5 em 1969 (1967 = 100), elevaram-se a 110,4
em 1970 e a 113,9 em 1971.6 O desemprego, como antes, não era a alter­
nativa à inflação. Como antes, os dois podiam coexistir. A política mone­
tária podia reprimir o nível de atividade e aumentar o desemprego, e espe­
cialmente nas indústrias — de habitações, e de construção civil em geral,
como exemplos principais — que mais dependem de capital de terceiros.
O poder de mercado das empresas e dos sindicatos, enquanto isso, podia
manter os preços em elevação como antes. A moderna economia capi­
talista podia sofrer de inflação. E também sofrer de recessão. E podia,
até um nível doloroso de desemprego, sofrer de ambos os males ao mesmo
tempo. Entretanto, os economistas levados pelo Sr. Nixon a Washington
não eram homens de pouca fé. Concessões podiam ser feitas à realidade,
mas somente por necessidade política a curto prazo.

Tais concessões foram feitas. A coragem política é uma força muito admi­
rada quando usada para o bem público. O impacto favorável da covardia
política merece mais aplausos do que comumente acontece. No verão de
1971, uma eleição presidencial estava a apenas um ano e alguns meses
de distância. Todas as pesquisas de opinião pública mostravam que a
reação pública à nova combinação de inflação e desemprego era adversa,
o que não surpreendia. Os principais candidatos à indicação do Partido
Democrata mostravam nas pesquisas as possibilidades de denotar o Sr.
Nixon. Os economistas podem recomendar sofrimento em nome de um
princípio. E podem apelar ao público para ter paciência enquanto os pro­

6 Economic Report of the President, 1974, pp. 279, 305. Embora houvesse aumen­
tos em todas as categorias, foram bastante fortes no caso de bens duráveis de
consumo, e particularmente no de bens finais de produção. Em ambas essas partes
da economia o poder de mercado das empresas e dos sindicatos é muito forte.
300 MOEDA

cessos, presumivelmente benignos, possam desenvolver-se até o seu final.


Infelizmente, a paciência não pode ser transformada em lei ou conseguida
por Ordem do Executivo. E os apelos para o seu exercício voluntário
têm o maior impacto sobre os indivíduos que os fazem.
Amplas concessões foram feitas às custas de princípios econômicos
mais altos e à paciência. Em 28 de julho de 1971, Paul McCracken, o aca­
dêmico chefe do Conselho de Assessores Econômicos, reafirmou resolu­
tamente a virtude e a eficácia da utilização corrente da política monetária,
e o erro, até a excentricidade, de qualquer interferência direta com os
preços ou os salários. Reconheceu que um observador contemporâneo,
este autor, no caso, que havia afirmado que o poder de mercado das em­
presas e dos sindicatos derrotaria a política monetária a menos que o
desemprego fosse severo, “tinha o mérito de ser lógico dentro dos limites
de sua visão peculiar do sistema econômico.” Mas, rejeitava com veemência
tal peculiaridade, combatia a economia de um congelamento de preços
como “ilusória” e advertia solenemente que “o controle geral de preços
e salários representaria uma séria ameaça à liberdade individual.”7 O fato
de que as empresas e os sindicatos já exerciam tal controle e, presumivel­
mente, ameaçavam a liberdade, não foi destacado.
Em sua defesa dos princípios, o Dr. McCraken teve o apoio inicial do
seu Presidente. Numa entrevista coletiva no início de agosto, o Sr. Nixon,
referindo-se novamente ao mesmo observador, afirmou que “opunha-se
resolutamente” ao “esquema Galbraith que é apoiado por muitos de
nossos senadores democratas,” o esquema envolvendo modesta inter­
venção direta no comportamente de salários e preços. O Presidente obser­
vou que essas políticas só eram favorecidas por “extremistas de esquerda”,
acrescentando generosamente que “eu não digo isto em tom de conde­
nação, é apenas uma observação.”8 Alguns dias mais tarde, a 15 de agosto,
o espectro extremista repentinamente deixou de vagar pelo país; o prin­
cípio ruiu em benefício da superior necessidade política. Foram conge­
lados todos os salários e preços, com exceção dos produtos agrícolas e
de alguns outros preços.
Ao mesmo tempo em que surgia o congelamento, o orçamento
era liberalizado e solicitavam-se reduções de impostos, que foram postas
em vigor no final desse ano. E a política monetária foi relaxada. A antiga
fé não havia sido abandonada, no entanto. As medidas contra o poder de

7 The Washington Post, 28 de julho de 1971.

8 New York Times, 5 de agosto de 1971.


PARA ONDE FOI 301

mercado eram temporárias. Os controles eram “destinados a criar con­


dições nas quais uma política orçamentária mais expansionista fosse mais
segura e eficaz.” Tudo acabaria bem, portanto. Os controles, no devido
tempo, teriam contido o impulso inflacionário: eram “instrumentos de
emergência, exigidos num contexto histórico particular, mas que ten­
deriam a desaparecer, não deixando qualquer modificação permanente no
sistema, exceto a erradicação das expectativas inflacionárias.”9
É difícil não discutir a afirmação anterior. A combinação de espe­
rança, com pura irresponsabilidade é impressionante. O problema enfren­
tado pelos controles — criado pelo poder de mercado das empresas e dos
sindicatos — não é novo, mas velho. Ninguém sugeriu que as empresas e
os sindicatos logo desapareceriam. Mas, o problema desapareceria. As
conseqüências de tanta irresponsabilidade não são pequenas. Algumas
pessoas perdem rendimentos, outras perdem os seus empregos; as ativi­
dades econômicas domésticas e internacionais são desorientadas; há
tensão e frustração social; a reputação do capitalismo é prejudicada; e o
mesmo acontece com a dos economistas. Os menos prejudicados talvez
sejam os teóricos que fazem tais afirmações e oferecem tais esperanças.

Os controles não foram administrados com seriedade — mais precisamente,


ficaram basicamente sem administração. Em contraposição às experiências
da Segunda Guerra Mundial e da guerra da Coréia, nenhuma organização
séria foi estabelecida para adminstrá-los. Os indivíduos por eles respon­
sabilizados, por sua própria admissão franca posterior, continuaram
sendo opositores firmes do princípio implícito.10 As empresas tinham
dificuldades para obter respostas quanto ao que era desejado delas. Tal
interpretação, na medida em que estava disponível, era proporcionada
freqüentemente por membros correntes ou antigos da indústria afetada
- uma forma de autotratamento contra o qual as administrações de
preços da Segunda Guerra Mundial e da guerra da Coréia tinham conce­
bido os mais cuidadosos instrumentos de proteção. Nenhum mecanismo
de execução foi criado; em lugar disso, foram emprestados funcionários

9 Economic Report of the President, 1972, p. 24.

10 Um ponto salientado em conversa por Herbert Stein, que logo sucederia


McCracken como Presidente do Conselho de Assessores Econômicos. C. Jackson
Grayson, Jr., o principal administrador responsável, saiu deste serviço para fazer
um enérgico ataque à -política. Ver o seu “Controls Are Not The Answer;
Challenge (novembro/dezembro de 1974). p. 9.
302 MOEDA

do Internai Revenue Service, cuja experiência e cujas perspectivas de


carreira estavam na área da cobrança de impostos.
Não obstante, as medidas atingiram os seus objetivos, com um
êxito que poderia ser classificado entre regular e notável. O aumento do
desemprego foi interrompido; em 1972 como novamente em 1973, houve
pequenas diminuições. Os preços no atacado permaneceram estáveis
duránte o congelamento do fim do ano de 1971. A Segunda Fase, que se
seguiu ao congelamento, limitava os controles, em termos gerais, aos con­
tratos coletivos de trabalho dos sindicatos e aos preços das grandes socie­
dades anônimas, ou seja, às áreas de poder de mercado. Não refletia
mal a lógica do controle. Em todo o ano de 1972, os preços industriais
subiram 3,6% sob esse regime. Os bens de consumo (exceto alimentos,
que não eram controlados) subiram 2,2% durante esse ano.11 Escrevendo
sobre essa experiência em janeiro de 1973, os economistas do governo
disseram, não sem satisfação ou sem razão, que desde agosto de 1971
havia ocorrido “uma dramática diminuição da velocidade da taxa de
inflação.”12 Observaram que a medida tinha lidado com as causas, não
com os sintomas. Os controles “não eram apenas uma medida de supressão
de aumentos de preços que explodiriam se os controles fossem remo­
vidos.”13
Nada disso significava que a velha fé estava morta. Expressou-se
ao mesmo tempo a confiança de que os Estados Unidos não enfrentavam
qualquer problema de inflação “além da capacidade de controle de polí­
ticas monetárias e fiscais prudentes.”14 Portanto, os controles agora seriam
abandonados. A 8 de janeiro.de 1973, o Secretário do Tesouro, George
P. Shultz, agora o principal formulador da política econômica do governo,
reuniu-se com jornalistas para afirmar a sua continuada oposição à polí­
tica em questão. Notou que os controles tinham funcionado bem numa
economia em declínio, mas exprimia a convicção de que funcionariam mal
agora que o pleno emprego estava sendo atingido e eram ainda mais
necessários. A eleição também havia sido vencida. Medidas foram tomadas
para desmantelar os controles.
O processo de desmantelamento desenvolveu-se erraticamente e
com alguns retrocessos durante o ano de 1973. No seu todo, as políticas

11 Economic Report of the President, 1974, p. 309.


12 Economic Report of The President, 1973,p. 30.
13 Economic Report of the President, 1973, p. 68.
14 Economic Report of the President, 1973, p. 54.
PARA ONDE FOI 303

monetária e fiscal foram razoavelmente prudentes. As receitas cresceram


mais do que as despesas; um déficit federal de 15,9 bilhões de dólares
nas contas nacionais em 1972 transformou-se num superávit de 600
milhões em 1973.15 O dinheiro continuou difícil e caro, ao final de 1973,
a taxa de redesconto estava ao nível sem precedentes de 7,5%. A taxa de
empréstimos dos grandes bancos comerciais — “prime rate” estava acima
de 9%.16 Um “política monetária e fiscal prudente” teve assim um julga­
mento bastante justo. Durante o ano de 1973, o custo de vida subiu
praticamente 9%, quase três vezes mais do que no ano de 1972. Em 1973,
os preços no atacado subiram 18%. Note-se pois a presciência do Secretário
Schultz e de seus colegas. Uma defesa persuasiva do sucesso de sua pro­
messa do que seria realizado por uma política fiscal e monetária prudente
exige muita engenhosidade e alguma habilidade literária.
No outono de 1973 veio a guerra do Yom Kippur, o embargo do
petróleo, e um aumento muito grande dos preços do petróleo. Esses
fatos receberam a culpa pela inflação ocorrida, por parte dos economistas
do governo, entre outros. Cerca de três quartos dos aumentos de preços
de 1973 ocorreram antes da guerra e da apreciável elevação dos preços do
petróleo.
Em 1974, as políticas prudentes continuaram. A estimativa preli­
minar do déficit federal nas contas nacionais foi de 7,6 bilhões de dó­
lares.17 A política monetária continuou restritiva até o início do outono
quando, em resposta a protestos amargos das indústrias afetadas e críticas
de economistas, tomou-se ligeiramente mais liberal. Durante o ano de
1974, o resultado adicional do que era proclamado ser prudente foi um
aumento de 18,9% dos preços no atacado, e uma elevação de 11,0% do
custo de vida.18 No final do ano, os preços dos produtos agrícolas esta­
vam se estabilizando. E também estava acontecendo o mesmo com os
preços de matérias-primas e, evidentemente, também dos serviços. Essas
15 Economic Report of the President, 1974, p. 328.
16 Economic Report of the President, 1974, p. 318. É argumentado corretamente
que essas taxas não são excessivas do ponto de vista de quem as recebe. O poder
de compra do dinheiro emprestado está caindo. Após levar em conta essa perda,
o emprestador nada ou pouco recebe em termos líquidos. O argumento é menos
convincente, no entanto, quando os juros são tomados como custo para o deve­
dor. Neste caso, eles devem ser relacionados à renda ou às receitas do devedor,
por exemplo, o comprador de casa própria em potencial, que normalmente não
terão crescido proporcionalmente a esses substanciais aumentos das taxas de juros.
17 Economic Report of the President, 1975, p. 329.
18 Economic Report of the President, 1975, pp. 304, 309.
304 MOEDA

são áreas de poder de mercado muito fraco. Onde havia poder de mercado,
a resistência à contenção era previsivelmente mais forte. Em dezembro
de 1974, a United States Steel Corporation anunciou um aumento de
quase 5% dos preços de uma grande variedade de produtos de aço, e mais
tarde recuou ligeiramente a pedido do Presidente. Substanciais aumentos
estavam sendo reivindicados em tarifas de serviços públicos, incluindo tele­
fônicos. Os preços da maioria dos produtos manufaturados ainda estavam
sendo elevados, embora, à medida em que os estoques se acumulavam, com
entusiasmo cada vez menor.
Os custos deste enfoque à estabilidade de preços estiveram longe de
ser pequenos. A contenção monetária, a principal arma, tinha então produ­
zido uma crise sem precedentes na indústria de construção de habilitações.
Mais uma vez, ocorria a discriminação devastadora da política monetária
contra os que devem operar com dinheiro emprestado. A produção da
economia como um todo também havia declinado modestamente durante
o ano, e as referências a uma taxa saudável de crescimento tinham agora
um tom nostálgico. O desemprego, no final de 1974, foi o mais alto em
números absolutos desde a Grande Depressão e, a 7,1% da força de tra­
balho, chegou muito perto de ser a taxa mais alta desde aqueles tempos
remotos. Em Detroit, foi observado que o recebimento de cheques de assis­
tência aos desempregados envolvia uma espera de duas horas e meia numa
fila. Uma proporção considerável de funcionários burocráticos e execu-
tivos-junior podia ser encontrada na fila. Entretanto, o compromisso com
os princípios continuava firme. Em dezembro de 1974, o Sr. Alan Greens-
pan, Presidente do Conselho de Assessores Econômicos (substituindo o
Dr. McCracken e o seu sucessor, o Sr. Herbert Stein), resumiu a sua posição
perante uma reunião de economistas de Washington em duas frases nota­
velmente elegantes:

Portanto, uma vez libertado da lâmpada o gênio da inflação, passa


a ser uma polítiea muito difícil encontrar a caligragem e o momento
exatos e apropriados para diminuir a aceleração dos prêmios de risco
criados pela redução de rendas, sem abortar prematuramente o
declínio dos prêmios de risco gerados pela inflação. É claro que
não é uma política fácil para seguir, mas é a política que devemos
adotar.19

19 Alan Greenspan. “Economic Policy Problem for 1975”, uma conferência não
publicada, pronunciada perante o Clube Nacional de Economistas, 2 de dezembro
de .1974,
PARA ONDE FOI 305

A inflação ainda era algo que, uma vez exorcizado, iria embora para
sempre. O capitalismo funcionava normalmente sobre um nível equili­
brado. Uma vez colocado nessa posição pelo Homem, Deus, também um
bom cavalheiro conservador, o manteria estável. Tudo o que era preciso
era a disposição para sofrer a dor necessária. Essa era a situação do pensa­
mento econômico em 1974. E, mais uma vez, também estavam numa
trajetória de colisão com a necessidade política. Nos últimos momentos do
ano, com o gênio da inflação ainda bem fora da lâmpada, os assessores do
Presidente reuniram-se numa região nevada do Colorado para reconhecer
que a dor era forte demais. Talvez fosse melhor ter menos desemprego e
mais inflação.
Uma passagem infeliz, demonstrando porém, o poder da fé na
Economia, em oposição à experiência.

Com o fracasso americano veio o fracasso mundial. Em todos os países


industriais, desde o final da década dos 60 os preços estavam sendo pressio­
nados para cima pela procura e por reivindicações salariais. Examinando-se
as coisas mais de perto, as duas forças eram partes de um todo mais amplo.
No século passado e nas primeiras décadas deste século, as rendas dos
países industriais eram profundamente estratificadas. Assim, convenien­
temente, também o era o consumo. Não se discutia que um funcionário
burocrático devesse ter um padrão de vida superior ao de um operário,
e que a família de um profissional liberal devesse ter um padrão superior
ao de ambos. Os administradores deviam ganhar ainda mais; e os proprie­
tários deviam ganhar mais do que todos. No nível mais baixo, e na melhor
das hipóteses somente como participantes parciais do produto comum,
estavam as minorias étnicas pobres - os negros nos Estados Unidos, os
irlandeses na Inglaterra, os argelinos na França e os italianos na Suíça.
Em todos os países, esses limites aceitos e recomendados para a
renda e o consumo foram pressionados cada vez mais. Em todos os lugares,
os menos favorecidos estavam proclamando com mais insistência as suas
reivindicações a alguma parte do consumo que antes havia sido conside­
rado como direito natural apenas dos privilegiados. Nada, nos tempos
modernos, tem sustentado mais discussões científicas do que a perspec­
tiva de mais lazer para as massas e a esperança de uma sociedade pratica­
mente sem classes. E nada tem provocado mais discussões desapontadas
do que as conseqüências econômicas do declínio da ética do trabalho e a
reafirmação cada vez mais vigorosa das reivindicações de renda daqueles
que sempre foram considerados como obrigados a satisfazerem-se com
menos, especialmente os operários.
306 MOEDA

A tendência das reivindicações dos consumidores de exercer pressão


cada vez mais insistente sobre a capacidade de atendê-las — e a correspon­
dente relutância perfeitamente natural, dos governos no sentido de limi­
tá-las — foi uma causa de inflação nos países industriais. A incapacidade
ou inépcia, tanto em princípio quanto na prática, do esforço para con­
trolar a inflação nos Estados Unidos foi ainda outra causa. Há uma notável
assimetria na relação entre os Estados Unidos e o resto do mundo com
que o país comercia. Os Estados Unidos são suficientemente autônomos,
em suas relações econômicas com os outros países, para que possam ir
longe para estabilizar os seus próprios preços havendo disposição e sabe­
doria para isso. Mas se os preços estiverem subindo nos Estados Unidos,
poucos países poderão evitar o impacto resultante. Podem ter mais in­
flação do que os Estados Unidos; mas não podem facilmente ter menos
inflação.

No século dezenove, a Grã-Bretanha e a libra lastreada em ouro haviam


sido elementos fixos da política econômica internacional; os outros países
ajustavam as suas medidas a esses dados. Na década dos 50 e no início
da década dos 60 - os bons tempos - os Estados Unidos e o dólar desem­
penharam papel semelhante. Os preços americanos eram estáveis; os dóla­
res representavam um ativo eminentemente seguro que qualquer um gos­
taria de possuir. Quando um país estava perdendo dólares, algo certamente
estava errado. Assim, com base nesse sinal, os governos tomavam medidas
— política fiscal mais restritiva, taxas de juros mais altas e, no caso de
alguns países excepcionalmente afáveis, como a Holanda, até mesmo
limites sobre os aumentos de salários — para pôr as coisas nos seus lugares.
Podia haver uma desvalorização, na pior das hipóteses. Era por meio de
tais ajustamentos aos Estados Unidos e ao dólar, e não com reuniões de
diretores de bancos centrais e ministros da fazenda, que era obtida a coor­
denação entre as políticas domésticas dos países industriais nesses anos.
Essa coordenação interna, por sua vez, é o primeiro pré-requisito da esta­
bilidade monetária internacional. Somente quando os preços internos
são relativamente estáveis ou movem-se em harmonia uns com os outros
é que as taxas de câmbio podem ser estáveis e conseqüentemente previ­
síveis.
Esta harmonia é que foi extinta pela instabilidade nos Estados
Unidos e pela inflação resultante nos outros países industriais no final da
década dos 60. Um fator adicional, e também fonte de maior complexi­
dade, foi uma diferença fundamental de movimentos de custos e produti- -
vidade entre os diversos países industriais — uma diferença dramati-
PARA ONDE FOI 307

zada pelo contraste entre a posição da Alemanha e do Japão, de um lado,


e dos Estados Unidos, de outro. Nesses anos, tendo os seus gastos mili­
tares limitados pelas potências vitoriosas após a Segunda Guerra Mundial
e o seu entusiasmo por atividades bélicas proveitosamente diminuído
pela derrota, a Alemanha e o Japão estavam usando as suas poupanças
para erigir novas fábricas e indústrias eficientes. Isto, por sua vez, estava
gerando bens civis a baixo custo. Os Estados Unidos, ao contrário, tinham
atravessado a Segunda Guerra Mundial com as suas fábricas do pré-guerra
intactas e comparativamente obsoletas. E uma proporção elevada de sua
poupança estava sendo destinada a sistemas de armamento e, mais tarde,
à sua excêntrica e mal fadada aventura no Vietnã. Assim, além da pressão
da procura e das reivindicações salariais, os Estados Unidos também
estavam sofrendo nesses anos o impacto de custos mais altos em conse-
qüência de uma produção relativamente ineficiente. Enquanto o dólar
fosse mantido a uma taxa fixa de câmbio em relação ao marco e ao iene
havia grandes vantagens em comprar na Alemanha e no Japão e vender nos
Estados Unidos. Era dito no fim da década dos 60 que o dólar estava
supervalorizado. E assim era.
Em conseqüência do acima exposto, empresas estrangeiras acumu­
laram dólares a partir do final da década dos 50 em conseqüência de
suas vendas crescentes nos Estados Unidos. Estes dólares não foram absor­
vidos pelas compras muito menores dos Estados Unidos. Nas mãos das
empresas que os receberam, ou por elas depositados nos bancos europeus,
os dólares passaram a ser o mais novo mistério dos especialistas mone­
tários — os eurodólares. Quando tomados ou cedidos por empréstimo,
formaram o mercado do eurodólar - como sempre, ao ser examinado, uma
coisa simples. Muitos dos dólares assim reunidos naturalmente foram
convertidos em ouro. Assim, na década dos 60 o grande estoque de ouro
dos Estados Unidos, cuja história remontava a 1914, começava a der­
reter-se. Em parte, era um custo do poder. De 1914 até depois da Segunda
Guerra Mundial, quando homens de meios pensavam num santuário para
a sua riqueza em caso de guerra, eles pensavam nos Estados Unidos. Agora,
os Estados Unidos eram uma superpotência envolvida no Vietnã e eram
um dos pratos da balança do terror, e não pareciam mais seguros. Melhor
era a Suíça, melhor ainda a Alemanha. No final da década dos 60, as
saídas de ouro dos Estados Unidos transformaram-se numa torrente.

Em certos períodos da década dos 60, ministros de finanças, secretários


de tesouro e diretores de bancos centrais reuniram-se para considerar o
que poderia ser feito para corrigir a crescente perturbação das transações
308 MOEDA

monetárias internacionais. Sempre eram descritos com faces carregadas


ao saírem dessas reuniões. Os jornalistas os questionavam sob a dificul­
dade, usual em assuntos monetários, de serem obrigados a simular conheci­
mento das perguntas a serem feitas. Após a reflexão apropriada, os partici­
pantes quase invariavelmente recusavam-se a fazer comentários. A tradição
de Schacht e Montagu Norman ainda era forte. Pouco surpreendente­
mente, nada era conseguido nessas reuniões, pois os que delas participavam
não tinham acesso às causas das dificuldades — às diferenças entre taxas
de inflação e os movimentos de custos que eram os responsáveis últimos
pelo desequilíbrio.
No final da década dos 60, os Estados Unidos deixaram, na verdade,
de fornecer ouro a todos os que solicitavam a sua conversão e limitaram-se
a fornecê-lo a outros bancos centrais para liquidação de débitos. Os outros
bancos centrais, por sua vez, restringiram as suas vendas de ouro aos
demais bancos centrais. Os indivíduos que desejavam possuir ouro eram
obrigados a adquirí-lo de outros indivíduos. O ouro agora tinha dois
preços: havia o preço antigo ou oficial, para compensação entre os bancos
centrais, e o novo preço de mercado aberto, estabelecido pelos negociantes
privados. Numa nova invenção dos especialistas, esse era o mercado de
duas camadas. Era o início do último passo para o abandono do ouro.
O fim veio em agosto de 1971. Como parte do conjunto mais amplo
de políticas anunciado durante aquele mês, os Estados Unidos deixaram
de fornecer ouro a outros bancos centrais segundo o mecanismo que
acaba de ser descrito. Não muitos notaram o que em outra época teria
sido um ato heróico. Isso foi devido, em parte, ao fato de que a linguagem
heróica foi evitada. Os homens não falavam do abandono final do padrão-
-ouro. Em lugar disso, era dito que o guichê do ouro tinha sido fechado.
Ninguém podia ficar excitado só porque um guichê era fechado. Ninguém
notou que o amável sistema de Bretton Woods tinha sucumbido. Não se
destinava je não estava preparado para enfrentar as grandes divergências
entre os movimentos de preços e taxas de câmbio que agora eram comuns.

Como foi notado, agora havia dólares em grandes volumes. Melhores


negócios podiam ser conseguidos trocando-os por marcos, ienes ou outras
moedas, ou comprando bens na Alemanha, no Japão, ou em outros países.
A segurança também aconselhava que essas eram as moedas a conservar.
Em conseqüência, o dólar agora era uma moeda fraca. Os outros países não
necessariamente rejubilavam-se com isso. Uma situação em que podiam
vender facilmente aos Estados Unidos e não eram pressionados excessi­
vamente pela concorrência americana não podia ser desconfortável. Havia
PARA ONDE FOI 309

vantagens cm permitir que a moeda caísse com o dólar. Isto podia ser
imediatamente conseguido, pelo menos a curto prazo, fazendo com que
o banco central vendesse livremente a moeda local por dólares. Assim, o
dólar ficaria convenientemente supervalorizado.
Negociações foram iniciadas para promover a desvalorização e re-
cstabilização do dólar. Essas negociações foram realizadas no final do
outono de 1971 nos prédios do Smithsonian Institute em Washington.
Evcntualmente, chegou-se a um acordo sobre novas taxas de câmbio;
elas refletiam diversas taxas de desvalorização do dólar, de aproxima­
damente 17%, no caso do iene, e 12%, no do marco, até pouco ou nada,
no caso do dólar canadense. Os governos participantes comprometeram-se,
através dos seus bancos centrais, a comprar e vender moedas para manter
as taxas de câmbio dentro de um intervalo de 2,25% em relação às pari­
dades combinadas. O Congresso, num ato simbólico exigido pelo Fundo
Monetário Internacional, devidamente reduziu o conteúdo de ouro no
dólar. O resultado foi descrito com relativa modéstia por Richard Nixon
como a maior reforma monetária na história da humanidade. O Secretário
do Tesouro, John B. Connally, que recebeu o crédito pelo acordo, gozou
momentaneamente do apreço atribuído pelas pessoas que não entendem o
está ocorrendo aos que são presumidos conhecedores dos problemas mone­
tários. Pois tanto para os Acordos do Smithsonian quanto para Connally o
apreço foi de curta duração. Ambos foram vítimas da época.
No início de 1973, coincidindo com o abandono dos controles da
Segunda Fase, houve um fluxo maciço de dólares para conversão em
outras moedas. Isto ocorreu na expectativa de mais inflação nos Estados
Unidos, e de uma nova desvalorização do dólar. Ambas as expectativas
foram solidamente justificadas pelos fatos. (Houve especulação somente
com outras moedas.) Manter as paridades dos Acordos do Smithsonian
era impossível. A instabilidade das moedas tornava-se agora a política
aceita; isto também recebeu um cognome benigno. Ficou conhecido pelo
nome de Sistema de taxas de câmbio flutuantes (“float”). Os econo­
mistas do governo douraram a sua rendição com uma manifestação super­
lativa de prosa burocrática:

No campo das relações econômicas internacionais, o ano de 1973


pode ser caracterizado como um ano de ajustes contínuos a dese­
quilíbrios passados, bem como a novos elementos que surgiram
durante o ano. No início do ano, os governos da maioria dos prin­
cipais países abandonaram as tentativas de fixar as taxas de câmbio a
níveis negociados. Embora os bancos centrais continuassem a intervir
310 MOEDA

em certa medida, os mercados de câmbio desempenharam o principal


papel na determinação das taxas de câmbio que os equilibrariam.
Este processo às vezes foi marcado por flutuações extraordinaria­
mente grandes das taxas de câmbio de mercado. Não obstante, o
mercado desempenhou muito bem a sua função de intermedia­
ção. . .20

A referência aos “desequilíbrios passados” tencionava transferir a


culpa aos antecessores, uma tática um tanto prejudicada pelo fato de que
os autores também eram os seus próprios antecessores. A referência a
“flutuações extraordinariamente grandes das taxas de câmbio de mercado”
era um eufemismo para uma séria desordem nas relações econômicas
internacionais. De que havia desordem ninguém tinha muitas dúvidas.
Em praticamente todas as transações econômicas — internacionais,
mais ainda do que domésticas — há um elemento de futuridade. Negócios
são acertados agora contra pagamento futuro. Tais negócios tornam-se
difíceis quando nenhuma das partes sabe quanto valerá o pagamento.
Isto ocorrerá se o comprador não souber o que está obrigado a pagar pela
moeda em que fará o pagamento. Ou se o vendedor não souber o que
receberá em sua própria moeda pelas divisas em que aceitar o pagamento.
E isso acontece quando as taxas de câmbio são instáveis.21 Por questões
de urgência, os bancos centrais na realidade eram obrigados a intervir
para proporcionar um mínimo de certeza. Uma moeda flutuante torna­
va-se assim uma moeda imperfeitamente estabilizada. A flutuação tornou-se
impura, tal como foi qualificada. Em 1974, o Fundo Monetário Interna­
cional deu início a discussões para formular regras para a condução da
flutuação impura pelos bancos centrais.
As conseqüências da flutuação impura para o comércio internacional
não foram imediatamente adversas. Ajudado por transações excepcional­
mente vultosas em cereais e outros produtos alimentícios, o comércio
internacional continuou a expandir-se em 1973. Não muitos, embora
houvesse alguns,22 podiam imaginar que esta improvisação desordenada

20 Economic Report of the President, 1974,p. 182.

21 Os contratos de entrega futura - compra de divisas para entrega futura a preços


fixados hoje - podem reduzir o risco. É uma operação que só está disponível
a custo considerável para grandes negociantes e não em todas as divisas.
22 Ver Ronald A. Krieger. “The Monetary Governors and the Ghost of Bretton
Woods”. Challenge (janeiro/fevereiro de 1975). Além dos perspicazes comentá­
rios sobre a situação monetária internacional, alguns em conflito com as con-
PARA ONDE FOI 311

refletia progresso. As esperanças de Keynes e White em Bretton Woods


eram no sentido de algo melhor. E estavam certos em ter tais esperanças.

A partir de 1973, mas exercendo o seu efeito integral em 1974, veio o


grande aperto dos preços do petróleo. Assim como muita coisa nesta
história, isso também foi muito mal compreendido. Em parte, resultou da
descoberta de um poder de barganha até então não usado pelos países
produtores; em parte, foi produto da inflação. 0 efeito de preços altos
que resultam de forte procura, como vimos, sempre tem sido fazer com
que os termos de troca tornem-se favoráveis para os produtores de ali­
mentos e matérias-primas. A tendência de tais produtores é operar à capa­
cidade máxima ou perto dela e vender ao que mercado lhes proporcionar.
Forte procura eleva tais preços em relação aos que têm mais condições
para regular a oferta. No caso dos países produtores de petróleo, houve
uma pequena variante no efeito; a forte procura nos países consumidores
possibilitou aos produtores elevar os preços sem sofrer imediatamente uma
situação de excesso de petróleo não vendido, que ameaçaria o acordo que
sustentava o preço. Sustentar os preços da OPEP durante um período de
procura não-inflacionária teria sido muito mais difícil. Tais acordos de
comércio de mercadorias não têm um passado de muito sucesso. Sem
inflação, este também teria fracassado.
Em todos os lugares, o preço mais alto do petróleo foi considerado
altamente inflacionário; nos Estados Unidos, serviu invariavelmente como
desculpa para a incompetência oficial no controle da inflação. Na verdade,
era deflacionário. Especialmente nos países árabes, mas também no Irã e
em outros países, as receitas resultantes dos preços mais altos eram muito
superiores ao que podia ser imediatamente gasto em bens de consumo ou
investimento. Assim, foram acumuladas em saldos ociosos. Portanto,
representaram uma retirada do poder corrente de compra, cujo efeito
imediato não era diferente da cobrança de um elevado imposto de con­

clusões deste trabalho, o Professor Krieger contribui com um versinho valioso


sobre a reação dos Governadores do Fundo Monetário Internacional, reunidos
em 1974, ao colapso do sistema de Bretton Woods:
“Humpty-Dumpty”* sentou num muro,
“Humpty-Dumpty” sofreu uma grande queda.
Todos os cavalos e soldados do rei
Formaram uma comissão especial para estudar a situação.
(N. do T.) “Humpty-Dumpty” é o herói de uma conhecida história para crianças,
sob a forma de charada, para a qual a resposta comumente é “egg” (ovo).
312 MOEDA

sumo sobre o petróleo ou seus derivados.23 O efeito, cada vez mais evi­
dente à medida em que o ano de 1974 passava, foi o efeito previsível
da austeridade fiscal. À medida em que a procura caía, os preços nos
mercados de concorrência intensa — produtos alimentícios, matérias-
-primas, serviços — começaram a diminuir. Os preços sujeitos ao poder de
mercado das empresas continuaram subindo. E o mesmo ocorreu com o
desemprego. Os países produtores de petróleo tinham dado aos países
industriais o sucedâneo de um aumento de impostos. O seu efeito, como
o de qualquer medida fiscal ou monetária antiinflacionária em geral, foi
aumentar o desemprego muito antes de começar a eliminar a inflação.

Não há muita coisa na história da moeda que apóie uma visão linear da
História, uma visão em que o conhecimento e a experiência adquiridos
numa época forneçam elementos para uma administração mais adequada
na fase seguinte. A história da moeda é menos generosa ainda para aqueles
que trabalham na orientação dessas atividades. Dos 2500 anos de expe­
riência e 200 anos de estudos intensos surgiram sistemas monetários tão
insatisfatórios quanto qualquer outro de períodos anteriores de paz.
Recentemente, os conservadores têm reagido desfavoravelmente à inflação,
embora sem muito entusiasmo pelas medidas para combatê-la. Os liberais
têm considerado o desemprego um problema mais sério. Na verdade,
nenhuma economia pode ser bem sucedida com um ou outro. A inflação
provoca o desconforto e a frustração de muitos. O desemprego causa
sofrimento agudo para um número menor. Não há maneira segura de
saber o que provoca maior sofrimento total. A principal lição da década
dos 30 foi a de que a deflação e a depressão destruíram a ordem inter­
nacional, levando cada nação a buscar sua própria salvação, indiferente
ao prejuízo que os seus esforços causavam para os vizinhos. Também
foi uma lição do fim da década dos 60 e do início da década dos 70 a
de que a inflação também destrói a ordem internacional. Os que exprimem
ou denotam uma preferência entre inflação e depressão fazem uma
escolha de tolos. A política sempre deve ser combater o mal de que
se padece.
Mas também está evidente agora que somente há escolha nos extre­
mos de inflação ou depressão. De outro modo, se somente forem aplicados

23 Este efeito dos aumentos do preço do petróleo foi identificado com muita preci­
são pelo Professor Richard N. Cooper, numa das Conferências de Cúpula sobre
a Inflação, promovidas pelo Presidente Ford nç outono de 1974. Poucos, não
incluindo o presente autor, reconheceram a força dessa posição.
PARA ONDE FOI 313

os remédios aceitos e ortodoxos, teremos ambos. Para esta combinação


não há apoio de qualquer um, liberal ou conservador. E a esta combinação
finalmente chegamos, depois de 2500 anos. Poucas histórias poderiam ter
um final menos feliz.
Poderia ser melhor? A resposta é: sim.
A prova começa com as pessoas que administram a moeda. Se alguma
coisa tiver ficado evidente nesta história, deve ser a noção de que admi­
nistrar a moeda é uma tarefa que atrai um nível de talento muito baixo,
protegido em sua profissão altamente imperfeita pelo mistério que se
acredita envolver a Economia em geral, e a moeda em particular. A incom­
petência também é protegida, como vimos, pelo fato de que o erro nunca
é em prejuízo dos responsáveis. Mais freqüentemente, torna-se um tema
interessante de discussão, algo que dá uma nova dimensão à personalidade.
Finalmente, em questões monetárias, como na diplomacia, um
caráter perfeitamente conformista, um bom alfaiate e a capacidade de arti­
cular o cliché financeiro em moda normalmente têm sido melhores para
o sucesso pessoal do que uma mente excessivamente inquisitiva. A tomada
de medidas eficazes e o pensamento a elas associado provocam medo e
críticas. É por estes, e não pelos resultados, que o indivíduo tende a
x í lembrado. Assim, na administração da moeda, como na da economia
31o MOEDA

em geral, o fracasso geralmente é uma estratégia pessoal mais compen­


sadora do que o sucesso.
Em nossa época, há relutância em atribuir conseqüências signifi­
cativas à incompetência humana — ao que, numa era semanticamente
menos cautelosa, chamava-se de burrice. Queremos acreditar que forças
sociais mais profundas controlam toda a atividade humana. Há sempre algo
a dizer em prol da tolerância. Mas faríamos melhor se estivéssemos cientes
de que a incompetência — estupidez mais inércia — é um problema. Não é
inevitável. No passado, a política econômica obteve êxitos. Devemos
supor que foi bem sucedida porque pessoas bem informadas e dinâmicas
o conseguiram, e não por acidente.
No futuro, distinguir entre o indivíduo competente e os demais não
será mais fácil do que no passado para o cidadão ou político leigo. Mas
não há dificuldade alguma em distinguir entre sucesso e fracasso. Daqui
para a frente, deveria valer uma regra simples para toda a atividade econô­
mica e mònetária: qualquer um que for obrigado a explicar o fracasso
também terá malogrado. Devemos ser gentis com aqueles cujo desempenho
tenha sido mau. Mas nunca devemos ser tão corteses a ponto de mantê-los
em suas posições de poder.

Nada disto destina-se a sugerir que o sucesso será fácil. Dentre as lições
desta história, duas destacam-se. A primeira é a de que o problema da
moeda agora está inteiramente ligado ao da economia, e também com o
da política. A segunda é a de que o desempenho econômico que há cem
anos teria sido aceito como inevitável e há cinqüenta anos como tolerável
não é mais aceito. O que então era desgraça hoje é fracasso.
Especificamente, no século passado e antes dele, a moeda tinha
importância. As empresas não tinham o poder generalizado de afetar os
preços. Os sindicatos não existiam. Os impostos e as despesas dos estados
nacionais eram controlados pelas exigências das necessidades de guerra e
paz, e não pelo que era necessário para o bom desempenho da economia.
O que era usado como moeda e quanto havia de moeda era importante;
os instintos dos seguidores (e dos oponentes) de Bryan não estavam
enganados.
Em tempos modernos, como vimos, o orçamento nacional passou a
ser um fator decisivo do desempenho econômico. Determina em grande
parte se a procura expandir-se-á, se os preços subirão, se o desemprego
aumentará e — em conseqüência dos empréstimos públicos e da resultante-
criação de depósitos — se a oferta de moeda se ampliará. E além do orça­
mento há o poder dos sindicatos e das empresas de afetar diretamente os
EPÍLOGO 317

preços e, mais do que incidentalmente, de negar o efeito restritivo das


políticas monetária e orçamentária. Como já vimos várias vezes, está perfei­
tamente ao alcance do poder dos sindicatos e das empresas, além de ser
vantajoso para eles, empurrar os custos e os preços para cima, à medida
em que a procura na economia está diminuindo e o desemprego sobe.
Daí a tendência particularmente desencantadora para uma combinação
entre recessão e inflação na economia moderna.
O poder das empresas e dos sindicatos levanta ainda a questão da
distribuição do poder como um todo no estado moderno e a da soberania
dos governos. E está implícita no esforço do estado para exercer tal poder
a decisão de determinar a forma de distribuição da renda. Portanto, a
política monetária acabou tornando-se uma parte secundária da política
econômica como um todo. E a política econômica, por sua vez, tornou-se
um aspecto da política — da questão de quem exerce o poder, quem
controla a distribuição de benefícios.
E isso não é tudo. Vimos que as moedas agora são acumuladas em
volumes significativos fora dos países que as emitem - os eurodólares e
petrodólares sendo os casos mais recentes. E o banco transnacional e a
empresa multinacional que detêm ou possuem esses saldos podem trans­
feri-los para outras moedas, e retransferí-los de volta, num volume que está
muito além do alcance da capacidade da maquinaria de estabilização mone­
tária existente. Daí o fato de o problema moderno da administração mone­
tária ter adquirido uma dimensão internacional muito mais ampla do que
até aqui havia ocorrido.
Há mais um problema. Como demonstram amplamente os recentes
exemplos do petróleo e dos produtos alimentícios, a oferta e a procura
na economia moderna agora são equilibrados somente após grandes movi­
mentos de preços e de renda. Estes exercem um efeito amplo e perturbador
sobre os níveis de preços domésticos e as taxas de câmbio. Assim, a estabi­
lidade dos preços e das taxas de câmbio também exige medidas para im­
pedir movimentos perturbadores dos preços de produtos de grande impor­
tância. Esta tarefa também transcende as fronteiras e jurisdições nacionais
e vai além do alcance da autoridade nacional.
Finalmente, para repetir, o que servia para um desempenho ade­
quado <no passado não é mais aceitável. Após as guerras napoleônicas na
Grã-Bretanha e da Guerra Civil nos Estados Unidos, medidas foram toma­
das para restaurar a estabilidade monetária e restabelecer os pagamentos
em metal. Os preços agrícolas caíram abruptamente. Houve alguma ele­
vação do desemprego. Houve muitos protestos, mas não eficazes. As difi­
culdades econômicas eram consideradas como um fato natural nessa época.
318 MOEDA

Preços baixos, salários reduzidos e perda de empregos não eram exata­


mente atos da Providência Divina. Mas ainda não eram atos governa­
mentais. Agora são, como é desnecessário dizer.

Nada, ou pelo menos pouca coisa dura para sempre. Mas o que está bem
consolidado tende a durar por algum tempo. Assim, as forças que têm
modelado a política passada (ou a política passada que tenha sobrevivido),
se tiverem sido identificadas corretamente nesta história, deverão presu­
mivelmente continuar a atuar pelo menos por algum tempo no futuro.
São imperativos históricos, no sentido integral da expressão. Isto significa
que não são objeto de preferências ideológicas, como comumente se ima­
gina. Encarar a política econômica como um problema de escolha entre
ideologias rivais é o maior erro dos nossos tempos. Só raramente, e em
geral em questões de importância secundária, é que as circunstância garan­
tem esse luxo. Com muito mais freqüência, as instituições e as circuns­
tâncias históricas representam a mesma camisa de força para liberais e
conservadores, socialistas e homens de mente declaradamente medieval.
O que funciona para um funciona para todos. O que falha para um é
insondável para todos.
Sendo o futuro próximo um prolongamento do passado mais recente
e distante, podemos citar seis imperativos que determinarão ou contro­
larão a política monetária e a política econômica mais ampla da qual
é agora uma parte menor. São os seguintes:
(1) A inutilidade obstinada da política monetária e as frustrações
e os perigos decorrentes de confiar nela. Esta talvez seja a lição mais
clara do passado recente. A administração da moeda não é mais uma polí­
tica, mas uma ocupação. Embora recompense os que a exercem, as suas
realizações neste século têm sido claramente desastrosas. Piorou tanto
os períodos de “boom” quanto de depressão após a Primeira Guerra
Mundial. Facilitou o grande mercado altista da década dos 20. Fracassou
como instrumento de expansão da economia durante a Grande Depressão.
Quando foi relegada a um papel secundário na Segunda Guerra Mundial e
nos bons tempos que a seguiram, o desempenho da economia foi, segundo
acordo geral, muito melhor. A sua ressuscitação como instrumento impor­
tante de administração da economia no final da década dos 60 e no início
da década dos 70 serviu para combinar uma inflação maciça a uma séria
recessão. E, pouco surpreendentemente, funcionou com efeito discrimi­
natório e punitivo contra as indústrias que dependiam de capital de tercei-
EPÍLOGO 319

ros, das quais a de construção de habitações é o exemplo mais destacado.


Argumentar que foi um sucesso pode estar muito além até das consi­
deráveis habilidades dos seus defensores. Somente os inimigos do capita­
lismo podem esperar que, no futuro, esta pequena, teimosa e impre­
visível alavanca seja um instrumento importante de administração da
economia.
O banco central continua a ser importante para tarefas úteis — a
compensação de cheques, a substituição de notas velhas e sujas, como
fonte de empréstimos em última instância. Essas tarefas ele o desempenha
bem. Juntamente com outros organismos públicos nos Estados Unidos,
também supervisiona os bancos comerciais subordinados. Esta é uma
tarefa que pode realizar muito bem, e na qual o seu desempenho precisa
melhorar. Em períodos recentes, os organismos controladores, incluindo
o Sistema Federal de Reserva, têm relaxado um pouco a sua vigilância.
Ao mesmo tempo, numerosos bancos têm sido envolvidos por outro dos
antigos espasmos de otimismo e expansão fútil. O resultado poderá ser
uma nova série de falências. É a esses problemas que o Sistema Federal
de Reserva deve a sua atenção.
Além dessas tarefas, a reputação dos diretores de bancos centrais
será tão elevada quanto menos responsabilidades assumirem. Talvez
possam voltar-se contra o vento — resistir um pouco e aumentar taxas de
juros quando a procura de empréstimos for persistentemente alta, inver­
tendo o seu comportamento quando a situação oposta estiver em vigor.
Mas, em geral, o controle deve ser exercido sobre as forças que levam as
empresas e as pessoas a buscar empréstimos — como ocorreu nos Estados
Unidos durante os anos da Segunda Guerra e os bons tempos que a ela
se seguiram — e não sobre o fato de se os empréstimos são concedidos ou
não.
Deve ser notado, para ser mais justo, que a ineficácia, se não o
perigo da política monetária, está sendo reconhecida por homens de mente
aberta no próprio Sistema. O Presidente do Banco Federal de Reserva de
Nova York já observou que mesmo a quantidade de moeda, a magnitude
de maior interesse para os que depositam a sua fé na política monetária,
não pode ser medida adequadamente. Também notou que os seus movi­
mentos a curto prazo não podem ser controlados, e que esses movimentos
tampouco exercem efeitos econômicos significativos.1 Não subsiste

1 Alfred Hayes. ‘Testing Time for Monetary Policy”. Conferência perante a Asso­
ciação de Banqueiros do Estado de Nova York, em Nova York, em 20 de janeiro
de 1975. Um dos problemas de mensuração da oferta de moeda é, entre outros,
320 MOEDA

muita esperança para a política monetária, exceto quanto é lembrado que


toda e qualquer medida deve ser tomada no que chamamos de curto prazo,
e que as mudanças a longo prazo não passam de um agregado de mudanças
a curto prazo. De modo semelhante, um recente Governador do Sistema
Federal de Reserva observou que . uma boa política monetária de­
pende do reconhecimento do quanto não sabemos [sobre a administração
da moeda].”2 Há fortes argumentos contra a ênfase num instrumento ou
numa inovação de efeitos amplos mas desconhecidos. Podem ser lembrados
os exemplos da energia atômica, do transporte supersônico, e mesmo do
gás freon.
Apesar disso, o que acontece quanto à ênfase na política monetária
não é inteiramente desconhecido. O seu desempenho já foi registrado,
e não é positivo.
(2) O fator de equilíbrio na administração da economia deverá
ser o orçamento nacional, e a necessidade principal, nesta área, é superar a
sua presente inelasticidade fatal no combate a excessos de procura. Este
imperativo não é novo ou misterioso. Como a política monetária não pode
ser usada para regular a procura agregada na economia, só resta a polí­
tica fiscal. Esta, como vimos, atua com mais certeza do que a política
monetária quando se trata de expandir a procura; foi por essa razão que
tomou o lugar da política monetária entre as opiniões dos economistas
durante a Grande Depressão. E funciona com efeito muito mais previ­
sível e justiça quando o objetivo é limitar a procura. Não há problema
político sério ou qualquer outro problema em reduzir impostos ou aumen­
tar despesas públicas para expandir a procura agregada. O Congresso dos
Estados Unidos é particularmente cooperador e rápido quando se exige
uma redução de impostos. De modo semelhante, um grupo substancial
de economistas liberais homeopaticamente apelam para a redução de
impostos como remédio para todos os males - às vezes até para a inflação.
Entretanto, nenhum entusiasmo semelhante existe quando se exige um
aumento de impostos. A redução de despesas é igualmente difícil, exceto
quando provoca o entusiasmo oral dos conservadores. E atua contra a
elevada probabilidade, segundo a opinião deste autor, de que as necessi-

o que envolve os depósitos de poupança, segundo observou o Sr. Hayes. Esses


depósitos são cada vez mais indiferenciáveis dos depósitos movimentáveis por
cheques.

2 Sherman J. Maisel. Managing the Dollar (Nova York: W. W. Norton and Co.,
1973), p. 311.
EPÍLOGO 321

dades públicas civis nos Estados Unidos estejam sendo menos amplamente
atendidas do que o consumo privado, ao menos dos mais ricos. Há ainda a
dificuldade estrutural adicional ligada à existência de uma grande defa-
sagem entre a decisão de reduzir uma despesa e o efetivo declínio dos
gastos, com os seus conseqüententes efeitos sobre a procura, como fre-
qüentemente ocorre com os gastos de construção e compra de arma­
mentos.
A solução, que deve ser encarada com relutância por todos que
vêem com maus olhos os excessos do poder executivo, é separar da política
fiscal o orçamento do governo nacional.3 As despesas seriam determinadas
e os impostos estabelecidos como atualmente acontece. A esperança é a
de que isto seja feito com um reconhecimento completo e civilizado da
necessidade de um equilíbrio apropriado entre gastos públicos e privados,
consumo público e privado. As receitas deveriam cobrir as despesas corres­
pondentes ao nível aproximado de pleno emprego. Os impostos assim
fixados redistribuiriam a renda entre os grupos de rendas como fosse
considerado social e economicamente desejável. Nesse ponto, seria conce­
dida autoridade ao Poder Executivo para aumentar ou reduzir impostos
dentro de limites especificados, puramente por razões de política fiscal,
isto é, de política econômica mais ampla. Essas modificações seriam
concebidas de modo a não afetar significativamente a incidência da tribu­
tação sobre grupos de rendas diferentes.
(3) O Controle direto de salários e preços onde há poder de mercado
é inevitável. Não deve ser usado onde não há esse poder - na agricultura,
nas pequenas empresas, onde não há sindicatos. Neste caso, o controle
da procura agregada deve bastar. Os controles refletem uma política que
poucos desejam aceitar, mas que não desaparecerá, em que pese os desejos
em contrário. Como vimos suficientemente, ao nível de pleno emprego
ou próximo dele, o poder de mercado de empresas e sindicatos fórtes é
capaz de criar por si mesmo uma dinâmica inflacionária. E, como vimos,
tem feito isso repetidamente. Embora seja possível sustar esse impulso
inflacionário, exige-se uma recessão maior e mais desemprego do que
pode ser tolerado pela compaixão humana ou pelos simples ditames da
sobrevivência política. Enquanto este livro está sendo publicado, mais
um esforço para combater a inflação por meio de políticas monetária

3 Ver o esquema desta proposta em James Tobin. The New Economics One Decade
Older (Princeton: Princeton University Press, 1974), pp. 76 e segs. A redução da
autoridade legislativa sobre a tributação é algo a ser levado a sério. O que falta é
uma alternativa.
322 MOEDA

e fiscal está chegando ao fim. O desemprego e a recessão resultantes são


severos — muito mais dolorosos do que os políticos de ambos os partidos
estão dispostos a reconhecer. E essas conseqüências surgiram bem antes
do fim da inflação que visavam eliminar. A inflação, pelo menos por um
período, está sendo combinada a uma recessão severa.
A única alternativa a esses efeitos desagradáveis é a intervenção
direta do governo onde há poder de mercado — onde existe poder privado
para aumentar preços e salários bem antes do nível de pleno emprego ou
mesmo em face de um declínio de procura. Isto retira da empresa privada
um poder profundamente querido. E também do sindicato. É uma
confissão de erro em grande parte do ensino passado e presente em
Economia.4 Mas, mais uma vez há a camisa de força das circunstâncias.
E assim, em vista de toda a relutância, a questão dos controles sempre
retorna.5
(4) A administração da moeda e a administração da economia são
partes inseparáveis do problema mais amplo da distribuição da renda na
economia moderna. Isto também ficará cada vez mais evidente. Nada é
tão atraente ao instinto individual ou conservador do que o pensamento
de que a política econômica é uma questão puramente técnica. Não há
questões de classe social ou política social. Dada a técnica adequada
— a habilidade “regulação perfeita” dos artesãos do Sr. Nixon — a econo­
mia será posta na sua posição ideal; o poder, a renda e o seu aproveita­
mento permanecem intactos. Os liberais tampouco têm ficado imunes à
noção de que a política fiscal e a política monetária — incluindo o controle
de preços e rendas — são socialmente neutras.
Mas não é assim. Uma característica básica da moderna sociedade
econômica, como vimos, é a rejeição de limites de renda e consumo pelas
classes sociais subalternas. A esta rejeição juntam-se reivindicações sobre

4 Especificamente, opõe-se à hipótese microeconômica geral de concorrência e à


idéia de que o monopólio e o oligopólio são sensíveis a quedas de procura, não
sendo significativamente afetados por movimentos horizontais de custos de mão-
-de-obra. E, evidentemente, entra em choque com a conclusão macroeconômica
geralmente otimista de que as políticas monetária e fiscal oferecem não o equilí­
brio ideal entre emprego e produção, de um lado, e estabilidade de preços, de
outro, mas um equilíbrio pelo menos tolerável.
5 Deve ser novamente ressaltado que esta política só é útil para as áreas da eco­
nomia em que há poder de mercado. Recordando a discussão sobre a experiência
da Segunda Guerra Mundial, só permite fixar os preços já fixados. Não. será
útil, e poderá até ser prejudicial se for aplicada a mercados em concorrência
como os de produtos agrícolas, serviços, pequenas empresas em geral, e comércio
varejista.
EPÍLOGO 323

a produção que não podem ser atendidas; destas reivindicações resulta


a inflação. Se os salários e, consequentemente, o consumo dos operários
precisarem ser limitados para impedir reivindicações além da capacidade
da economia, as reivindicações dos outros grupos de renda também virão
a ser discutidas. O que é exigido em termos de lucros, outras rendas
derivadas da propriedade, vencimentos de executivos e honorários de
profissionais liberais também ficará sob escrutínio. Não será uma resposta
adequada dizer que o consumo dos ricos, ou pelo menos o dos muito ricos,
constitui uma pequena parcela do total. A questão de eqüidade - de
algum enfoque de tratamento igual para todos - não é menos importante
do que a renda agregada envolvida. Assim, o progresso no sentido de uma
distribuição de renda mais .conscientemente igualitária será um aspecto
indispensável de uma política econômica bem sucedida. Já vimos suficien­
temente que a política bem sucedida exigirá limites sobre as reivindicações
dos sindicatos. Mas pode não haver futuro para uma política que escolha
os assalariados para a imposição de tais restrições e, por mais conveniente
que possa ser, deixe as outras classes intactas.
(5) O planejamento da oferta e da conservação dos níveis de uso
de produtos e serviços essenciais será um aspecto cada vez mais impor­
tante da administração da moeda e da economia. Como foi notado, os
movimentos de preços necessários para colocar em equilíbrio a oferta
e o uso de produtos importantes - combustíveis, alimentos, habitação
— podem agora ser muito grandes - suficientemente grandes para exercer
pressões prejudiciais sobre a estabilidade dos preços e dos salários. O
remédio óbvio é antecipar-se a essas faltas e, através de medidas gover­
namentais, expandir a oferta ou reduzir o consumo. Que essa medida
já foi imposta aos governos modernos em tempo de paz — e nos Estados
Unidos sob um governo declaradamente conservador - é um indício
dessa expectativa. (A natureza da ação não muda ao se chamar os plane­
jadores de czares. *) Como os problemas tanto de oferta quanto de con­
sumo são transnacionais, será necessário haver cooperação entre auto­
ridades nacionais de planejamento para a realização dessas tarefas. E a
organização supranacional passa a ser uma perspectiva. Mais uma vez,
especialmente nos casos de energia e alimentos, as circunstâncias estão
acelerando o ritmo e, como sempre, principahnente para os que são
ideologicamente relutantes.

* (N. do T.) O autor refere-se à expressão “energy czar”, usada nos Estados Unidos
para o diretor da Federal Energy Administration, criada após a decretação do
embargo do petróleo pela OPEP.
324 MOEDA

(6) O problema da instabilidade das taxas de câmbio se repetirá;


no futuro, não mais do que no passado, inesperadamente parecerá ser
uma solução. A estabilização monetária internacional, entretanto,
somente será possível quando as economias nacionais forem estáveis
— quando os países industriais tiverem conseguido combinar níveis razoa­
velmente altos de emprego a preços tolerantemente estáveis. Até aí,
toda discussão de reforma monetária internacional será feita num vácuo
e poderá ser seguramente ignorada, exceto por aqueles cujo emprego
delas dependerem. Pode-se supor que qualquer sistema futuro exigirá
uma capacidade de concessão de empréstimos vastamente superior à
do sistema de Bretton Woods, mesmo levando em conta que esta aumen­
tou recentemente.6 Com base na hipótese de que grandes blocos de
moedas móveis continuarão a permanecer em mãos de bancos, empresas
multinacionais, e (em escala menor) especuladores isolados, a reforma
eventual precisará incluir também algum tipo de controle dos movimentos
monetários internacionais.

Há outra perspectiva — pela qual podemos rezar bastante. É a de que


a política futura baseie-se na realidade corrente, e não em previsões.
A razão disso já vimos suficientemente; a previsão econômica não é
apenas altamente imperfeita, o que é reconhecido até mesmo pelos que
a fazem, exceto quando apresentam novas estimativas; mas a previsão
oficial possui uma tendência inelutável para o erro. Em todas as oca­
siões, com raríssimas exceções, é viciada pelo que as autoridades esperam
ou querem que aconteça. Ou, como no caso das despesas com a guerra
do Vietnã, não podem contrariar promessas oficiais maiores. A solução
não é a realização de melhores previsões, mas a acomodação imediata
e sem desculpas ao que existir, e mudança imediata e sem desculpas
quando isso não mais existir. No final do verão de 1974, Gerald Ford,
recém-chegado à Presidência, proclamou a inflação como a maior ameaça
à economia americana. Menos de meio ano mais tarde, com o desem­
prego subindo rapidamente, a produção caindo e os preços estabilizando-
-se, ele disse ser a recessão a maior ameaça. Tal mudança de ênfase não
é uma confissão de erro. Devemos aplaudir a reação imediata às circuns­
tâncias correntes. O erro do novo Presidente não estava em mudar de

6 Através da criação de Direitos Especiais de Saque e outras medidas, o sistema


de Bretton Woods foi ampliado muito além da concepção original, embora o
princípio inicial de empréstimo nunca tenha sido abandonado. Os montantes
disponíveis continuam sendo pequenos em relação às possíveis transferências
internacionais de fundos.
EPÍLOGO 325

idéias. Estava em supor que a inflação podia ser eliminada somente pela
recessão — que o poder de mercado das grandes empresas e dos sindi­
catos só podia ser detido pelo desemprego e pela queda do produto.
Nenhuma política econômica pode ser muito satisfatória quando só
oferece uma escolha entre inflação e depressão. Mas sobre este erro já
houve discussão suficiente.

Há uma última perspectiva, também profundamente enraizada nesta his­


tória. Nada, vale a pena repetir novamente, dura para sempre. Isso é
verdadeiro no caso da inflação. É verdadeiro no caso da recessão. Cada
uma estimula as atitudes e produz as medidas necessárias para a sua elimi­
nação, o que eventualmente ocorre. Mas vimos que as medidas necessá­
rias, incluindo as medidas para evitar a cada vez mais provável combi­
nação entre inflação e recessão, são exigentes e complexas. E tornam-se
cada vez mais exigentes e complexas. A natureza de exigência crescente
é a principal mensagem deste epílogo. Se esta história oferece algo certo,
é o fato de que os indivíduos que encaram a si mesmos como os mais
firmes defensores do sistema, que se proclamam os amigos mais leais
da livre empresa, e mesmo do capitalismo, tendem a ser os mais teme­
rosos de medidas destinadas a conservar o sistema. São os opositores
mais fortes às medidas que podem melhorar o seu desempenho, elevar
a sua reputação, aumentar a sua capacidade de sobrevivência. Os que
torcem pelo fim do capitalismo nunca devem acolher com agrado o espí­
rito ativista e afirmativo do New Deal, da Segunda Guerra Mundial e,
posteriormente, da Nova Fronteira. Este espírito, embora às vezes seja
vítima do seu próprio entusiasmo, otimismo, ou da obrigação de apazi­
guar a sua oposição, está aberto aos esforços que fazem o sistema funcio­
nar. Quando foi motivado por tal espírito, o sistema funcionou — nos
Estados Unidos, para a satisfação pelo menos de algo acima da maioria.
Os que anseiam pelo fim do capitalismo devem torcer para que o governo
seja exercido por homens que acreditam que toda ação positiva é anta­
gônica ao que eles cuidadosamente consideram ser os princípios funda­
mentais da livre empresa.
*
Undtee remissivo

Abramovitz, Moses, 116 n, 275 n Alexandre, o Grande, 9


Acheson, Dean, 211, 214, 216 American Bankers Association, 133,
Ackley, Gardner, 283 207
Acordo Financeiro Anglo-Americano Amsterdam,
de 1945, 272 início da cunhagem na cidade de,
Acordos de Bretton Woods, 267-71 11,15-7
Acordos do Smithsonian Institute, 89 Andreades, A., 41 n, 44 n
Adams, John, 32, 79 Angell, Norman, 10 n, 30 n, 55 n,
Agricultura, 91 n, 165 n
nível de paridade de preços, 179 Arroz,
preços, agrícolas, 96-7, 179, 233, como meio circulante, 54
252, 265 Ashton, T., 39 n
Águia de ouro de dez dólares, 75 Assignats, 31,67-8,169
Aldrich, Nelson W., 129, 130, 142 Associação Nacional de Fabricantes,
Alemanha, 273, 276
após a Segunda Guerra Mundial, Associação Nacional de Planejamento,
262-63 274
hiperinflação após a Primeira Astor, John Jacob, 82
Guerra Mundial, 156-72 “Ataque de zeros”, 166
indenizações segundo o Tratado Austria,
de Versalhes, 156-59, 170, 227 inflação após a Primeira Guerra
inflação durante a Primeira Guerra Mundial, 160-61
Mundial, 156
Nazistas no poder, 217, 237
reforma monetária, 168-70, 262- Backman, Jules, 276
-63 Bagehot, Walter, 42, 203
A MOEDA

Bailey, Stephen Kemp, 276 Barney, Charles, 122


Ball, George W., 21 Baruch, Bernard, 211, 249, 250, 255
Banco de Amsterdam, 16-7, 20 Bennett, James Gordon, 86
Banco central, 46 Beveridge, William, 277
nos Estados Unidos, 76-89 Biddle, Nicholas, 4, 6, 83, 88
funções do, 75, 214-15 Bogart, Ernest Ludlow, 55 n, 81 n
operações de mercado aberto, 43- Bolles, Albert S., 99 n
-4 Bowles, Chester, 256
e taxa interbancária, 43-4 Braudel, Fernand, 7 n
Banco de depósitos, Brimmer, Andrew, 129 n
empréstimos de, 16-7, 20, 102 Brown, Donaldson, 276
Banco dos Estados Unidos, Brüning, Heinrich, 171,205
Primeiro, 77-8, 85 Bryan, William Jennings, 88, 107,
Segundo, 93-9 139, 147
Banco da França, 41, 44, 147, 160 Bryce, Robert, 238 n
Banco Imperial da Rússia, 147 • Bullock, Charles J., 59,66
Banco da Inglaterra, 6, 33-47, 46, Byrnes, James, 250 n
76, 78, 147, 148, 152, 176-
-78 Callender, G. S., 51 n
Banco Internacional de Reconstrução Camara de Comércio dos Estados
e Desenvolvimento, 269 Unidos, 273
Bancos, Cambon, 71
comerciais, 19, 183 Capacidade excessiva, 265-67
controle de, 123, 131-33, 189 Capital,
desenvolvimento de bancos públi­ moeda e, 92, 94
cos, 17-18, 20-30, 37-46 Capitalismo,
estaduais, 91, 94-5, 102,120 crise e, 126, 200-01
falências de, 91, 102, 114, 115, desenvolvimento do, 13-4
180,213 Carnegie, Andrew, 91
fechados, 214-16 Casas da moeda, 16-8, 221
interior vs. grandes cidades, 134- Filadélfia, 75
-35,180 Catchings, Waddill, 235
John Law e, 23-30 Chalmers, George, 57 n
no período colonial dos Estados Chandler, Lester V., 185 n, 196 n
Unidos, 56-8, 74-8 Channing, Edward, 103 n
reservas, 32 Chase, Salmon P., 74, 99-100
Sistema Federal de Reserva e, Chase, Stuart, 277
125-26,131-33 Cheques, 167
Bancos Federais de Reserva, 135, origem dos, 40, 100
151, 142,200 Sistema Federal de Reserva e,
Banco Federal de Reserva de Nova 126-28
York, 140, 144, 195, 201, 208 Cheves, Langdon, 83
e falências, 207-08 Churchill, Winston, 175, 184, 227
Banque Royale, Ciclos econômicos, 199, 203
Law e, 25-30, 88 Clay, Henry, 86
Baring Brothers and Company, 43 Clay, Lucius, 264
ÍNDICE REMISSIVO 329

Cleveland, Grover, 107 Constituição dos Estados Unidos,


Clinton, George, 80 e bancos estaduais, 94-6
Cobre, e meio circulante, 73
cunhagem de, 7, 10 Contarini, Tommaso, 20 n
especulação, 137 Conti, Príncipe de, 27
Colm, Gerhard, 171, 274 Controles de salários e preços, 322
Colombo, Nixon e, 299-303
influência das viagens de, 11 período da guerra da Coréia, 283-
Comissão Consultiva para a Defesa -85, 301
Nacional, 251 Segunda Fase, 302
Comissão para o Desenvolvimento Segunda Guerra Mundial, 252-59
Econômico, 272 Cooke, Jay, 88,151,185
Comissão Especial sobre o Alto Preço Coolidge, Calvin, 280
do Ouro (Inglaterra), 39-42, Cornfeld, Bernard, 4, 23, 236
48 Cortelyou, George B., 121
Comissão Federal de Comércio, 285 Coughlin, Charles E., 210
Comissão Mista do Relatório sobre a Couzens, James, 216-17
Economia, 267 Cox, James M., 213
Comissão Monetária Nacional, 127-28 Crédito,
Comissão para a Nação, 222 função do, 75-7
Companhia Holandesa das índias Crise, 125, 126. Ver também Pâ­
Orientais, 16-7, 21 nicos.
Companhia dos Mares do Sul, 36, 39 Crissinger, Daniel R., 140,189
Companhia do Mississipi, Currie, Lauchlin, 88, 225, 236
Law e, 25-6,123
Companhias de investimento, 183-85,
298-99 Daely, John, 116
Conceito do Crédito Social, 233 Darrow, Clarence, 89
Concepção purgativa da política eco­ David, Paul A, 115
nômica, 203 Davis, John W., 216
Conchas, 52 Dawes, Charles G., 203
Confederação, Dean, John W., III, 185
administração do meio circulante, Déficit,
104-08 após a guerra do Vietnã, 296-97,
Conferência Econômica e Monetária 299-300, 303
de 1933 (Londres), 212 Guerra Civil, 102
Conferência de Londres, ver Confe­ Delano, Frederick A., 133
rência Econômica e Monetária Del Mar, Alexander, 8 n
Connally, John B., 89, 309 Departamento de Administração de
Conselho de Assessores Econômicos Preços e Abastecimento Civil,
do Presidente, 267, 277, 284 252
Conselho de Governadores do Siste­ Departamento de Estabilização de
ma Federal de Reserva, 34, Preços, 283
127, 129, 143-45 Depósitos bancários, 217
Conservação, seguro de, 217-21
de produtos e serviços, 323-25 Depressão,
330 A MOEDA

de 1920-1921, 177-79. Ver tam­ Empréstimos,


bém Grande Depressão. a corretores, 189-91
Desemprego, desenvolvimento de, 18-19, 23-4
na Alemanha após a Primeira na Revolução Americana, 60-1, 62
Guerra Mundial, 169 Equity Funding Corporation of Ame­
após a guerra do Vietnã, 302, rica, 23
307-09 Erhard, Ludwig, 171
após a Segunda Guerra Mundial, Escassez,
299 e valor da moeda, 66-7
em 1929, 183, 185 Espanha,
Keynes e, 255 inflação no século XV, 12
Despesas do governo, tesouro da, 14-5
crescimento das, 290 Especulação, 185-86, 218 pânicos e,
Guerra de Independência, 60-71 117-20
e obras públicas, 237 Estabilidade de preços,
venda de obrigações durante a na França após a Primeira Guerra
Primeira Guerra Mundial, 152- Mundial, 154
-53 Estados Unidos,
Deutschemark, 171 afluxo de ouro durante a Primeira
Dewey, Davis Rich, 60 n, 64 n, 104 n Guerra Mundial, 147-51
DiSalle, Michael, 283 “boom” após a Primeira Guerra
Dodsworth, Samuel, 176 Mundial, 176
Dólar, Guerra de Independência, 64-5
desvalorização, 149, 221 e padrão-ouro, 54, 173, 187, 217
instabilidade do, 306-08, 309-10 papel-moeda no período colonial,
Dólar compensado, 234 48-59
Dólar-mercadoria, 221, 238 pensamento keynesiano nos, 240-
Douglas, C. H., 58, 236 -41
Douglas, Lewis W., 211 questão do banco central, 78-88
Douglas, William, 56 n
Dulles, John Foster, 144, 185, 235
Dunbar, Charles F., 20 n Falsificação,
na Antiguidade, 9-10, 16-7, 97
Família Médici, 20
Eccles, MarrinerS., 88, 199, 201, 241 Família Rothschild, 20
Economic Report of the President, Federal Deposit Insurance Corpora­
233-34 tion, 127, 207
Economistas, 207-08 Felipe, Duque de Orléans, 24, 27, 30
migração de, 205 Ferguson, E. James, 59 n
Eisenhower, Dwight D., 283, 284 Fisher, Irving, 218, 223, 238, 292
Elasticidade, Fiske, Jim, 113
do meio circulante, 135-36 Fixação de preços, 146-48
Elizabeth I, 13 n Fonte dc última instância, 219-20
Embargo do petróleo, 302, 311-13 Ford, Gerald R., 324
Emprego, Ford, Henry, 204
Lei de Say e, 229-33 Foster, William T., 235
ÍNDICE REMISSIVO 331

França, Grain Corporation, 153


assignats, 31, 65-8 Grande Depressão, 64, 111, 118, 127,
e indenizações alemães após a 194,247
Primeira Guerra Mundial, 151 Grant, Ulysses S., 114
inflação na Primeira Guerra Mun­ Grayson, C. Jackson, 301 n
dial, 151 Grécia,
Law na, 23-30, 68 cunhagem de moedas na Antigui­
prosperidade e retomo ao padrão- dade, 9
-ouro, 153-55 “Greenbacks”, 73, 103, 103, 106,
Revolução Francesa, 31, 64, 65- 151
-70 Greenspan, Alan, 304
Franklin, Benjamin, 59, 65 Gresham, Thomas, 10, 38, 147
Freud, Sigmund, 45 Griswold, Norman, 54
Friedman, Milton, 119, 132, 137 n, Guerra Civil,
179 n, 291, 293 Estados Unidos, 73-4, 96-8
Fumo, Guerra da Coréia,
como meio circulante, 7, 53-61, controle durante a, 283-85
263-64 Guerra de 1812,73,83-5
Fundação Veritas, 238 Guilherme de Orange, 35
Fundo Monetário Internacional (FMI),
269, 271, 272-73, 310
Funk, Wilfred, 116 n Haberler, Gottfried, 161
Habibaghi, Hamid, 40 n
Haldeman, H.R., 211
Galbraith, John Kenneth, 181 n, Hamilton, Alexander, 75, 78, 89
189 n, 251 n, 281 n Hamilton, Earl J., 11 n, 14 n
Gallatin, Albert, 74, 91 Hamlin, Charles J., 133
Garraty, John A., 217 n, 237 n Hammond, Bray, 78 n, 93 n
Garvy, George, 234 n Hansen, Alvin, 229, 239, 274
George, Lloyd, 147, 229 Harding, W. P. G.» 133
Gilbert, Milton, 274 Harding, Warren G., 140,173
Gilbert, Richard V., 274 Harris, Seymour E., 67 n, 189 o, 232
Girard, Stephen, 82 A NovaEconomia, 279
Giuseppi, John, 35 n, 38 n Harrison, George L., 120, 201
Glass, Carter, 136 Harrod, R. F., 164 n, 228 n
Goldberg, Arthur, 285 Haveastein, Rudolph, 169
Goldsmith, Raymond, 171 Hayek, Friedrich von, 161
Gordon, George, 37 Hayes, Alfred, 319 n
Gould, C. P., 58 n Hayes, Rutherford B., 106
Gould, Jay, 113 Heaton, Herbert, 55 n
Governo Eisenhower, 283, 284 Heller, Walter, 277, 285
Governo Kennedy, 280, 285 Henderson, Leon, 251, 252
marcos formais, 289-90 Hepburn, A. Barton, 81 n, 107 n
GrS Bretanha, ver Inglaterra. Herodoto, 8
Graham, Billy, 118 Hildebrand, George H., 239 n
Graham, Frank D., 162 n Hildreth, R., 113 n
332 A MOEDA

Hitler, Adolf, 169, 217, 237 c as guerras napoleônicas, 41, 48


“Holding companies’’, 182, 200 indústria do carvão, 175-80
Hoover, Herbert, 117, 189, 204, 231 início da atividade bancária na,
e reduções de salários, 205-07 37-47
Hopson, Howard C., 181, 194 pensamento keynesiano na, 279
Hughes, Howard, 2 planejamento na Segunda Guerra
Hull, Cordell, 213 Mundial, 250
Insull, Samuel, 181, 194
Interesses pró-moeda forte, 91, 106,
Idade do Ouro, 109-11 107
Impostos, e Primeira Guerra Mundial, 151
aumento de, durante guerras, 102, Irmãos Van Sweringen, 182
250,287 Itália,
efeitos estabilizadores, 287-88 inflação na Primeira Guerra Mun­
papel-moeda como substituto de, dial, 146
49-50 início da atividade bancária na,
resistência a, 45-6, 56, 244-45 20
sobre a renda, 162, 287-88
sobretaxa para a guerra do
Vietnã, 286
Jackson, Andrew, 6, 84, 87-9, 117
índia
Jaffe, W, 159 n
uso de moedas na, 8
Jefferson, Thomas, 75
índice de Preços para o Consumi­
oposição a bancos, 32, 79, 81-6
dor, 256
Johnson, Lyndon B., 80
índice Warren e Pearson, 114 n, 221
Jones, Jesse, 222-23
Inflação; 3, 311-12
Jones, William, 83
na Alemanha após a Primeira
Junta de Indústrias Bélicas, 146
Guerra Mundial, 157-72
após a guerra do Vietnã, 307-09 Juros:
e desenvolvimento da atividade
Confederação, 106-07
credores e, 61, 64 bancária, 22-3, 34, 37
efeitos sobre a distribuição de e excesso de poupança, 230, 234
notas do governo, 49
renda, 13
espiral de salários e preços, 282, taxas de, 132, 179, 189-90, 201,
214, 229-30
285
teoria da preferência pela liquidez,
guerra e, 61-3, 69, 105-06, 155,
232
262-63
mundial, 305-06
poder de mercado e, 285
política fiscal e, 124, 283 Kahn, R. F., 238
provocada pelo afluxo de metais Kane, Edward J., 126 n
do Novo Mundo à Europa, 11- Kemmerer, Edwin W., 210
-12 Kennedy, John F., 277, 278, 280
Inglaterra, Kerensky, Alexander, 183
economia da, após a Primeira Keynes, John Maynard, 6, 7 n, 12 n,
Guerra Mundial, 174 41 n, 148, 163, 217, 247,
ÍNDICE REMISSIVO 333

deficiência do sistema keynesia- Lucros, 13, 266


no, 289-90 Luís XIV, 16, 24
How to Pay for the War, 249
e impostos, 244-45
influência de, 279-80 MacDonald Ramsay, 214
oposição a, 243-44 Machlup, Fritz, 161
e política fiscal, 263-64 Mackay, Charles, 27 n, 36 n
The Economic Consequences of Madison, James, 71
the Peace, 162 Maisel, Sherman Jr., 141 n, 206 n,
The General Theory of Employ­ 320 n
ment Interest and Money, 235, Mandats territoriaux, 71
237-38 Marshall, John, 94
A Treatise on Money, 227 Marx, Karl, 112
Keyserling, Leon, 227 Maryland:
Kindahi, James K., 105 n fumo co mo meio circulante, 52-4
Kindleberger, Charles P., 160 n, 195 papel-moeda no periodo colonial,
Knickerbocher Trust, 121 54
Kreuger, Ivar, 194 Massachusetts,
Krooss, Herman E., 78 n, 100 n, conchas, 57
107 n, 164 n, 195 n Organização Manufatureira e do
Kuznets, Simon, 274 Banco de terras, 57-8
papel-moeda no periodo colonial,
61
Law, John, 4, 23-30, 31, 33, 37, Mattingley, Garrett, 14 n
70, 101 McAdoo, William G„ 133, 145, 170
Lei Aldrich-Vreeland, 129 McCloy, John J., 203
Lei da Reserva Federal, 131, 150 McConnell, Campbell R., 291 n
Lei da Autorização a Bancos (Ingla­ McCracken, Paul W., 300, 304
terra), 42 McGovern, George, 132
Lei de Controle de Preços de Emer­ McKenna, Reginald, 175
gência (1942), 253 McKinley, William, 108
Lei de Gresham, 10, 52, 54, 106 Means, Gardiner C., 233
Lei de Say, 229-32 Meehan, Michael, 274
Lei do Emprego de 1946, 267, 272 Meerman, Jacob P., 87 n
aprovação da, 275-78 Meio circulante,
Lei dos Bancos Nacionais, 97 cartas de baralho, 55 n
Lei da Bolha (Inglaterra), 37 conchas, 48
Lekachman, Robert, 269 n desenvolvimento do papel, 40,
Lerner, Eugene M., 102 n 48-59
Lester, Richard A., 58 n elasticidade do, 135-38
Libra, a, 174-76 fumo, 7, 54-6, 263-64
Liddy, G. Gordon, 185 lastreado em terras, 65-9
Lídios, metais usados, 7-8
cunhagem de moedas, 8, 295 taxas de câmbio, 44, 53, 265-66
Lippmann, Walter, 217 tipos de, 66
Mellon, Andrew, 197
A Mot í>*

pa.lr Jo-ouro e, 1’6 7 1


Mrriado dr *.<>%
Nathan, Robcrt, 2’4
“twMim” antes da Grande í>rp,rv
National City Bank, 188
Ui>, 1X2 K9, 1 H 7 KH
Neuralh, KonUantin von, 217
crue de 1929, 200-02
Nixon, Richard M , 2, 5 3, 1 1 1. 28 7,
*«»
especular, no, 118 19, 184
296, 310
mercado fora-da 1er, 146 Nornun, Montagu, 183, 186, 308
Mexico,
Notas bancaria»,
minai de prata do, 14
controle de, 404
Mill, John Stuart,
dcsagios, 86
»obre o valor da moeda, 21, 68
desenvolvimento de, 21-4, 26, 41,
Miller, Adolph C., 133, 1H4
Miller, Harry E., 32 n 44, 76 .
Mill», Ogden L., 203 inflação e, 42-5
Mitchell, Charle» E., 1H8 oposição a, 31-3, 35
Notas continentais, 70-72
Mitchell, John M., 185
Mitchell, Wedey ( 101 n, I 12 n Notas do governo,
Mise», Ludwig von, 161 origem das, 48 9, 6(3-72
Notas do Sistema Federal de Reserva,
Mocda,
acumulai,ào no exterior, 318. 320 133, 152
cartôe» de racionamento c«no, Notai do lesouro, 7J, 133
26162 Nuunc, Fdwm G., 277
Mill »ohie o valor da, 21, 70 Nova Economia,
oferta de, 49, 70, 217 deticiéruias da, 279, 281 93
procuta exerxuva de, 168 mOexibilidade, 289
trona quantitativa da, 10 2 c politKa monetana, 290-93
valor da, 2, 10 2. 2 3, 68 72 Noyes, AJexandcr D., 148 n
adulteração de, 9 10, 16 17
cunhagem de, 15 7
e»tabilua«»ão, 224 29, 2 70 73
melai» usado», 7 8 Obrigações do governo dos Estado»
Mono judio», Unido», venda de, 152-54
atacado», 23940 Ogburn, W. F., 159 n
Moley, Raymond, 215, 222 O llara, John, 111
Morn», Robert, 64, 88 Operações de mercado aberto, defi­
Morgan, J. Pierpoint, 20, 118, 121, nição, 43
131» 151, 174 desenvolvimento de, 43-5
Morgenstern, Oskar, 161 Sistema Federal de Reserva e,
Mcugenthau, Henry, Jr., 222 140, 201, 213
Monson, Samuel Eliot, 56, 86 Orçamento federal,
Murray, James E., 275 objetivo de equdíbno, 273, 320-
-21, 324-25
Ouro,
fluxo da Europa aos Estados Uni­
NRA (National Recovery Adminrs- dos, na Pnmeira Guerra Mundial,
trationl, 199 145-50, 149
Nx-aonahsmo, mercado de duas camadas, 308
ÍNDICE REMISSIVO 335

moedas de, 7 Pitt, William, 38, 46, 69


o Novo Mundo como fonte de, Pittman, Key, 210, 213
14-5,45 Pizarro, Erancisco, 14-5
primeiras moedas americanas, 75- Planejamento,
-6 económico, 248-52, 273-79
proibição da propriedade privada Plano Marshall, 272
de, 221, 225 Poder das empresas, 134, 233, 255,
e taxas de câmbio, 44 282-83
e controle sobre os preços, 233
monopólio, 240-41
Padrão-0 uro, Poder de mercado. Ver Poder das
abandono, 52, 14547, 150, 149 empresas
e conferência de Bretton Woods, Poincaré, Raymond, 159
269 Polícrates, 9
Inglaterra e, 173-74, 177 Política fiscal, 267, 268
origem do, 40-1, 111 a Nova Economia e, 280, 283
Primeira Guerra Mundial e, 145- inflação e, 283
-46, 148 Nixon e, 295, 96
reverência pelo, 65, 133, 155, Política monetária, 224-25, 228, 251-
173-74, 222 -52, 268
vantagens e deficiências do, 149- A Nova Economia e, 280, 290-93
-51 Nixon e, 296, 297-303
Pânico(s), 115 Populistas,
de 1819, 83, 116 o Partido da livre cunhagem de
de 1837, 112, 117 prata, 110
de 1857, 117 Poupança,
de 1873, 113, 121 excesso de,
de 1884, 112 e taxas de juros, 230, 234
de 1893, 112 Segunda Guerra Mundial, 263-64
de 1907, 119, 121 Prata,
de 1921, 115, 126, 179-80 abandonada como padrão, 108
Papel-moeda: diluída em 1853, 101
desenvolvimento do, 31, 48-53 moedas de, 7, 10
e revoluções, 63-80 o Novo Mundo como fonte de,
Parish, David, 82 15-16
Partido “greenback”, 106 primeiras moedas americanas, 74-
Paterson, William, 34, 38, 89 -5
Peale, Norman Vincent, 118 proibição da propriedade privada
Peel, Robert, 42 de, 28
Pearson, Frank A., 101 n, 221 ver também Interesses pró-livre
Pensilvània, cunhagem de prata
papel-moeda no periodo colonial, Preço(s),
60 administrados, 233
Phillips, A. W-, 254 n agrícolas, 115, 179, 233, 252,
Phips, William, 55, 151 265, 284
Pigou, A. C., 238 n após a Guerra do Vietnã, 298
336 A MOEDA

controle de, durante a Primeira Ricardo, David, 40-2, 290


Guerra Mundial, 146-48 Richards, R. D., 36 n
controle direto de, 321-22 Richardson, J. D., 85 n
depois de 1493, 10-1 Rist, Charles, 184, 186
Depressão, 204-07 Robbins, Lionel, 185, 197
embargo do petróleo e, 310-12 Robinson, Jean, 229
em 1929, 184 Rogers, Thorold, 14 n
e salários, 12, 206 Roma,
ver também Inflação cunhagem de moedas na Antigui­
Primeira Guerra Mundial, 151-54, dade, 9-10
196 Roosevelt, Franklin D., 133, 197,
fluxo de ouro e, 145-49 209, 211, 228, 240, 252
inflação, 146-49 e equilíbrio orçamentário, 243
Produção, e moeda forte, 227-28
durante a guerra, 250, 263-64 e o preço do ouro, 222-23
e excesso de poupança, 234 Ruhr,
inflação e, 217 ocupação pela França, 167
redução da, 206-08 Rússia,
Produto Nacional Bruto, 264, 265 Revolução, 64, 70-1, 161, 166
Promissórias ao portador, 125 Rusk, Dean, 185
Pujo, Arsene, 130

Racionamento, Saint-Simon, Duque de, 23, 28-9


Primeira Guerra Mundial, 146 Salant, Walter, 274
Segunda Guerra Mundial, 249, Salários,
261-62 controle direto de, 321-22
Raduchel, William J., 136 n e preços, 12, 205-06
Ramsay, David, 65 n Samuelson, Paul A., 126, 239, 240
Rand, James, 210 Sauvy, Alfred, 160 n
Rebozo, Charles G., 1-2 Say, J. B., 229
Recessão, 125 Schacht, Hjalmar Horace, 169, 170,
Reconstruction Finance Corporation, 186, 308
203, 222-23 Schlesinger, Arthur M., Jr., 14, 117n,
Regulamento Geral de Preços Máxi­ 199 n, 219 n
mos, 255 Schumpeter, Joseph A., 161, 196
Reichsbank, 165, 170 Segunda Guerra Mundial, 66, 169,
Reichsmark, 194, 264 245
Renda garantida, 130 planejamento econômico, 245,307
Rentenmark, 169 Segundo Banco, Ver Banco dos Es­
Reservas bancárias, 33 tados Unidos
Sistema Federal de Reserva e, Shaw, George Bernard, 227
132-34, 218, 225-26 Shaw, Leslie M., 122 n
Rhode Island, Shultz, George, 298
papel-moeda no periodo colonial, Sindicatos,
56 poder dos, 233-34, 283-84
ÍNDICE REMISSIVO 317

Síndroma da confiança nos negócios, Tratado de Versalhes, 161


209, 220 e Keynes, 177
Sistema Federal de Reserva, 33, 78, Trollope, Anthony, 1
121, 125-42, 135, 278 Trotsky, Leon, 239
e o “boom” anterior à Grande Truman, Harry, 277
Depressão, 183 Truman, Margaret, 34
capacidade de reação, 201-05 Trust Company of America, 121,
Conselho de Governadores do, 204
240
depressão de, 1920-21, 177-78
e falências de bancos, 122-23 United States Steel Corporation, 285,
e Grande Depressão, 225-26 304
origens do, 133-42 Universidade de Harvard,
reforma do, 218 pensamento keynesiano na, 239-
e reservas de ouro, 225 -41
Smith, Adam, 4, 15, 55 Síndroma de Belmont, 128
Steagall, Henry B., 207 Untermeyer, Samuel, 130
Steffens, Lincoln, 130 Usher, Abbott Payson, 11 n, 19 n
Stein, Herbert, 111, 301 n, 304
Stresemann, Gustav, 169
Strong, Benjamin, 140, 144, 184, Van Der Borght, Richard, 17 n
185 Vanderlip, Frank A., 222
Stuart, Arthur W., 239 n Vandarman, Jake, 34
Studenski, Paul, 78 n, 100 n, 107 n, Veblen, Thorstein, 109, 219
133 n, 194 n Vermalet, 27
Suetönio, 9 Vietnã, 286
Sweezy, Maxine Yaple, 239 n gastos com a guerra do, 286-87,
Sweezy, Paul M., 239 n 287, 308
Villa, Francisco (“Pancho”), 69-71
Viner, Jacob, 202 n
Virginia,
Taft, Robert A., 276 fumo como meio circulante em,
Taney, Roger B., 86 52-3
Tarshis, Lorie, 240 n
Taussig, F. W., 153
Taxa intra-bancária, 42-3 Wallace, Henry A„ 211, 277
Taxa de redesconto, 133, 139, 178, Warburg, James, 223, 227
251, 302 Warburg, Paul M., 131, 190
definição, 43 Warren, George F., 101 n, 221, 223
Taxa de câmbio, 53, 324-25 Watt, Richard M., 169 n
e nacionalismo, 149-50 Waugh, Evelyn, 128
Taxas de câmbio flutuantes, 53, 266- Weber, Max, 15
-67, 310-12 Webster, Daniel, 86
Taylor, John, 32 Weintraub, Sidney, 40 n
Thomas, Elmer, 210, 224 Westmoreland, William C., 185
Tobin, James, 280, 321 n White, Harry D., 88, 270
338 A MOEDA

Whitney, Richard, 189 n Wilson Woodrow, 132, 131, 144


Wiebe, Georg, 11 n Wolfe, Martin, 158 n
Wiggin, Albert H., 189 n Wright, Chester Whitney, 66 n, 94 n
Williams, John, Arcebispo de Boston, Wright, David McCord, 83 n
117
Williams, John H., 235
Wilson, John D., 239 n Young, Roy A., 189

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