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DANIEL GEMIGNANI
Bacharelando em Direito pela PUC-SP.
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Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 3. ed., p. 7.
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APRESENTAÇÃO
A principal meta dos estudos de graduação é o binômio formar e instruir o aluno,
capacitando-o para o exercício da sua opção profissional, fazendo-o com firmeza e
confiança, com o fito de atingir sucesso pessoal e estabilidade financeira. Os
bacharelandos realmente vocacionados e talentosos, entretanto, despontam nos bancos
acadêmicos desde cedo e emitem questionamentos e opiniões além do exigido,
firmando posições individuais ricas de conteúdo, prontos a demonstrar não estarem
satisfeitos com o universo da graduação. Avizinham-se da pós-graduação, cuja missão
primordial é impulsionar o raciocínio crítico, apoiando o desenvolvimento das idéias
novas e promissoras, de modo a atingir a construção de trabalhos científicos, que irão
irradiar novos conceitos e instrumentos para a comunidade jurídica.
Desse cenário, surgirão novos mestres e pensadores, cientistas e operadores do inédito,
proporcionando campo fértil ao aprimoramento dos currículos das faculdades, das
matérias a serem ministradas aos alunos da graduação e também ao legislador, como
instrumento pródigo de sementes a plantar no terreno do Congresso Nacional. Como
professor dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC-SP, cuidando, há muitos
anos, das ciências criminais, contando com a colaboração entusiasmada dos alunos,
idealizamos e formamos o Núcleo de Estudos e Pesquisas de Ciências Criminais da
PUC-SP. Viabilizamos, finalmente, o contato permanente entre alunos da graduação e
da pós-graduação, afeitos a Direito Penal e Direito Processual Penal, ávidos por estudos
e sequiosos por pesquisas nessas áreas. O projeto encontra-se em seu nascedouro, mas
cercado de entusiasmo e ousadia por parte de seus integrantes.
O primeiro resultado dos encontros, debates e discussões, em torno das reformas
processuais penais de 2008, concretizou-se nas linhas deste artigo, que, com imensa
satisfação, apresento. Sob minha coordenação, após o amadurecimento dos seus autores,
construíram-se os lineamentos da reparação civil em razão do crime praticado, a ser
obtida na ação penal. A Lei 11.719/2008, que introduziu a inédita possibilidade de se
conceder à vítima a indenização civil do dano advindo do crime, lamentavelmente, não
forneceu substrato suficiente para a aplicação segura do novel instituto. Restou à
doutrina a responsabilidade de viabilizar a utilização do instrumento, de modo a não
frustrar, mais uma vez, a parte interessada, que teria o direito, mas não como exercê-lo.
Os três autores bacharelandos, integrantes do Núcleo de Estudos e Pesquisas, André
Vinícius Monteiro, Daniel Gemignani e Rapahel Zanon da Silva fazem parte daquele
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INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, denominada, também, Constituição cidadã,2 fundou
ordem jurídica nova no que diz respeito à composição institucional brasileira e no que
se refere aos paradigmas jurídicos sobre os quais se deve desenvolver toda relação entre
o Estado e o cidadão. Nesse sentido, caracteriza-se esta ordem constitucional por sua
completude e extensão, em marco inaugural de uma fase que se refere às relações entre
os Poderes estatais constituídos e entre ditos Poderes e os cidadãos, caracterizada pela
necessidade de interpretação dos fatos e institutos jurídicos sobre novos paradigmas.
Assim, no contexto legal de valorização do ser humano, inserem-se as recentes reformas
do Código de Processo Penal, que devem, em primeiro lugar, ser analisadas sob uma
perspectiva que as conforme ao texto constitucional, caracterizando-as como resultado
da ponderação legislativa dos princípios encartados na Constituição. Em segundo lugar,
2
GEMIGNANI, Daniel. A coerência na interpretação dos direitos sociais quando analisados pelo STF:
comparação evolutiva do tema. In: COUTINHO, Diogo; VOJVODIC, Adriana (org.). Jurisprudência
constitucional: como decide o STF? São Paulo. Malheiros, 2009.
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3
“Definições estipulativas, por sua vez, parecem-se com regras, são prescritivas: delimitam como deve
ser usado um termo ou como ele será usado por certo autor em certo texto ou contexto. As ciências em
geral fazem uso de definições estipulativas: a partir delas procedem as demonstrações. Uma estipulação
determina, marca ou delimita um campo do saber. (...) Cada disciplina ou campo do saber, que em
Aristóteles aparece como uma ciência, tem pontos de partida próprios, apenas seus (Berti, 1998:6). A
geometria tem os seus, a física, os seus, a ética, outros tantos. Por isso, os princípios de que se valerão os
juristas encontram-se normalmente na parte inicial dos textos que estipula e define seu próprio campo.
Fazendo isso, o direito pode destacar-se do saber comum ou leigo a respeito do que se deve fazer, do que
é devido, do que é legal ou ilegal.” LOPES, José Reinaldo de Lima. As palavras e a lei. São Paulo: Editora
34, 2007, p. 27 e 44.
4
“Não por acaso, os clássicos do controle de constitucionalidade sempre apontaram, entre as regras de
bom aviso ou preceitos sábios, que devem presidir, no particular, as relações entre os juízes e a
legislatura, o princípio da presunção de constitucionalidade das leis, a significar que toda lei, à partida, é
compatível com a Constituição e assim deve ser considerada, até judiciosa conclusão em contrário; ou,
mais precisamente, que a inconstitucionalidade não pode ser presumida, antes deve ser provada, de modo
cabal, irrecusável e incontroverso.” MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO,
Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo. Saraiva, 2009, p. 141.
6
5
NUCCI, Guilherme de Souza. Ciências criminais: a união indissolúvel nos campos legislativo e prático.
Boletim IBCCrim 193/6-7, ano 16. São Paulo: IBCCrim, dez. 2008.
7
prescrição (art. 366 do CPP), não sendo possível ao magistrado decretar a sua revelia
tendo em vista a indisponibilidade dos interesses envolvidos.6
Assim, a fixação pelo juízo penal de valor mínimo a ser ressarcido a vítima pelo réu, há
que se reger – pois civil a reparação –, pelos princípios próprios do processo civil, no
qual se busca não a culpa ou inocência do réu, mas o an debeatur e o quantum debeatur
resultantes do crime. Conseqüência disso, valendo-se dos princípios processuais civis, é
a aplicação do princípio dispositivo e da necessária intervenção da vítima como
assistente de acusação para, valendo-se do seu direito de ação, deduzir pedido próprio a
viabilizar a formação de litígio cível, bem como, produzindo as respectivas e pertinentes
provas do dano, a fim de que se possa dar parâmetro ao réu para a sua defesa e ao juízo
para a fixação de um valor mínimo passível de ressarcimento.
Concluindo, objetiva-se com o presente artigo instigar a discussão sobre este novo
instrumento positivado pela legislação, que, por seus contornos, e pelos pressupostos
aqui apresentados, requer discussões mais detalhadas sob o prisma científico, seja pela
sua incipiência, seja pela imperiosa necessidade de interpretação e aplicação
constitucional deste novo instituto processual.
1. ASPECTOS GERAIS
De início, importante ter em foco o mote legislativo que ensejou a reforma ora em
apreço. Anteriormente a esta, a sentença penal condenatória passada em julgado
configurava título executivo judicial, porém ilíquido (art. 475-N, II, do CPC). Desta
forma, nada obstante a certeza do título quanto às partes passiva e ativa, bem como
quanto ao objeto da obrigação – qual seja, o prejuízo emergente de infração penal –, a
vítima deveria iniciar, antes da ação executória cível, procedimento de liquidação.
Nestes termos, o parágrafo único do art. 475-N especifica que no caso de sentença penal
condenatória, o mandado inicial incluirá a ordem de citação do devedor, no juízo cível,
para liquidação ou execução, conforme o caso.
A ação civil ex delicto, antes da reforma, eliminava a necessidade de se ajuizar processo
de conhecimento para que demonstrada fosse a responsabilidade do autor da infração
penal, aproveitando-se, para tanto, a sentença penal condenatória como título passível
de liquidação e execução.
6
A respeito da revelia no processo penal em decorrência da citação por hora certa (art. 362 do CPP), cf.
SILVA, Ivan Luís Marques da. Citação por hora certa no processo penal. Disponível em:
[www.novacriminologia.com.br]. Acesso em: 12.04.2009.
8
Como ensina Tourinho Filho, “receber a pena, por si só, não basta. É preciso que se
restabeleça, tanto quanto possível, o status quo ante, isto é, é preciso que desapareçam
os efeitos do crime. E a reparação da ofensa causada pelo delito só será completa se à
pena se somar a reparação do dano”.7 Em virtude de tal entendimento, optou o
legislador por facilitar o ressarcimento do prejuízo causado pela infração penal,
suprimindo a obrigatoriedade da ação de conhecimento para apurar a culpa do réu, posto
já ter sido este condenado na seara criminal de forma definitiva.
Apesar de referido desembaraço, as vítimas, incrédulas com a eficiência judiciária ou
ignorantes quanto ao seu direito à reparação, em considerável percentagem de casos,
deixavam de propor a cabível ação de liquidação. Antes da reforma processual civil
trazida à baila pela Lei 11.232/2005, a liquidação era processo autônomo com petição
inicial, taxa judiciária, citação, instrução, recursos etc., razão pela qual, em diversos
casos, o custo e a demora acabavam por desinteressar a busca pelo ressarcimento
decorrente da infração criminal.
Assim, primeiro, com a transformação da liquidação em etapa procedimental e, agora,
com a possibilidade de o juiz criminal fixar valor mínimo a ser indenizado na própria
sentença penal condenatória, respeitaram-se os princípios da celeridade da prestação
jurisdicional e da eficiência, valorizando a vítima e desburocratizando o pleito
ressarcitório.
O legislador, ao inserir o novo inc. IV, no art. 387 do CPP, estimulou o acesso ao
Judiciário para a reparação dos danos. Com isso, o magistrado criminal recebe nova
parcela de competência para fixar, quando possível, valor mínimo a ser ressarcido à
vítima da infração penal. Trata-se de atribuição de competência eminentemente civil ao
juiz criminal.
O direito público subjetivo, que tem qualquer pessoa de exigir do Estado a prestação
jurisdicional, nos moldes desenhados por Liebman,8 mantém-se intacto, deslocando-se o
pedido da esfera civil para a penal, com opção de constituição de título certo, líquido e
exigível na própria órbita criminal de jurisdição.
Note-se que esta sobreposição de competências em nada colide com nosso sistema
jurídico-positivo; a Jurisdição é entendida como o poder-dever do Estado aplicar o
7
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. vol. 2.
8
Enrico Tullio Liebman desenvolveu o conceito de ação, hoje aceita pela ampla maioria da doutrina, na
aula inaugural do curso de processo civil na Universidade de Turim, em 1949. Scritti in onore di
Francesco Carnelutti. Pádua, 1950, p. 425) apud TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituições de processo
penal, p. 302-303.
9
direito aos casos concretos que lhe sejam apresentados, compondo conflitos de
interesses; sendo manifestação da soberania estatal, é una e indivisível, de forma a ser
atribuída in totum aos agentes encarregados da função jurisdicional. A distribuição da
jurisdição pela lei em parcelas é a competência jurisdicional. Esta distribuição pode
cumular matérias dispositivas e indisponíveis na figura do mesmo magistrado sem que
haja incompatibilidade constitucional.
Qualquer juiz togado pode conhecer e julgar lides nas mais diversas searas jurídicas,
desde que estabelecido por lei. Esta é a competência, que busca delimitar o exercício da
função jurisdicional, determinando com fins metodológicos as hipóteses de atuação dos
órgãos judiciários. Na recente reforma entendeu-se por bem permitir ao juízo penal
estipular valores indenizatórios decorrentes de infrações penais, atribuindo-lhe
competência para tanto.
Frise-se, também, não ser esta a única atribuição cível do juízo criminal. A este também
compete o conhecimento de matérias, nada obstante o caráter primordialmente cível,
com estreita conexão às questões penais, tais como o seqüestro de bens adquiridos com
os proventos da infração, a hipoteca legal sobre os imóveis do acusado, bem como a
restituição de objetos apreendidos – sendo certo que este último instituto já possibilita
em alguns casos, ainda que de forma indireta, a reparação do prejuízo material sofrido
pela vítima. Confira-se a hipótese de furto, em que o autor do fato é detido com a
integralidade da res furtiva, sendo esta restituída ao proprietário, não mais se falando
em dano patrimonial.
Diferentemente do que ocorria antes do advento da Lei 11.719/2008, regendo-se o
processo penal única e exclusivamente pelas normas processuais penais, passa agora a
integrar o processo criminal, em virtude do caráter civil do valor a ser fixado na
sentença penal condenatória, alguns elementos do processo civil. Nesse sentido, o
procedimento penal deve se fundamentar por duas lógicas processuais: pela penal,
naquelas matérias eminentemente criminais; pela civil, no que se refere à fixação do
valor mínimo a ser ressarcido pelo autor da infração penal. Há, portanto, um
sincretismo, que bem demonstra a distinção ontológica – senão conceitual – entre os
processos civil e penal e que, aliás, não é exemplo inédito em nosso ordenamento.
Como exemplos desse sincretismo em nosso sistema, qual seja, de concorrência e
coexistência das competências civil e penal na figura do mesmo juízo, pode-se citar as
recém criadas Varas da Violência contra a Mulher (art. 14 da Lei 11.340/2006), as
quais, em estrita obediência à idéia de que a jurisdição é una, encerram competência
10
civil e penal, elencando, em seu art. 22, medidas de caráter eminentemente penal, como
a proibição de freqüentar determinados lugares, e outras de cunho estritamente civil,
como a prestação de alimentos provisórios.
Na mesma linha, temos a Lei 9.099/1995 que confere ao magistrado a condução das
tentativas de composição dos danos civis, inclusive, quando for o caso, com a presença
do responsável civil, sendo certo que, uma vez homologado o acordo pelo juízo, este
terá eficácia de título executivo judicial. Ainda citando exemplos, merece menção o
disposto no art. 99, VII, da Lei 11.101/2005, autorizando ao juiz da falência ordenar a
prisão preventiva do falido ou de seus administradores.
Por fim, pode-se mencionar a multa reparatória, prescrita pelo art. 297 da Lei
9.503/19979 (Código de Trânsito Brasileiro) que, para grande parte da doutrina e
jurisprudência, confere competência cível ao juízo penal.10
9
Cabe observar que frente às idéias trazidas no presente estudo, merece dito instituto prescrito pelo CTB
ser relido, haja vista a forma desarrazoada e automática com que vem sendo aplicado. Assim, propugna
aqui pela sua adequação não só aos pressupostos adotados neste artigo e expostos na introdução, e.g.,
separação entre os processos civil e penal, com a conseqüente aplicação dos princípios civis ao
procedimento em que se fixará a multa reparatória, como a sua constitucionalidade, com a indispensável
conformação da regra posta às diretrizes traçadas pelos princípios constitucionais.
10
Nesse sentido NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, e COSTA JR.,
em Comentários aos crimes do novo Código de Trânsito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
Diferentemente, a defender a natureza penal do instituto, encontramos JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano
Diniz, em Legislação penal especial, 3.ed. São Paulo: Premier, 2005. vol. 1, p. 366. Seguimos a primeira
posição pelos seguintes motivos: (a) a multa reparatória tem o mesmo objeto e escopo da indenização
civil; argumentariam os opositores que o mesmo ocorre com a prestação pecuniária, rebateríamos a
sustentar que esta é substitutiva de pena privativa de liberdade, e se descumprida converte-se novamente
naquela, enquanto que a multa reparatória é autônoma, e se descumprida caberá tão-somente a execução
dos valores, tal qual a indenização civil; (b) ainda em comparação com a prestação pecuniária, para que
esta seja fixada não se faz necessário tenha sido comprovado a existência de qualquer prejuízo, já para
que se estipule multa reparatória exige-se a comprovação do dano material, além de não poder ser
superior a este, como não poderia deixar de ser na reparação civil; (c) também o fato de não poder ser
fixada isoladamente, mas apenas cumulativamente com outra sanção, nos faz refletir quanto à sua
natureza penal; (d) para sua aplicação é necessário que o juiz já tenha cominado uma pena compatível
com o fato sub judice, ora, ao estabelecer esta pena considerou o magistrado todo o desvalor de conduta e
de resultado do fato, de forma que cominar uma nova sanção em razão do dano causado seria analisar
mero desvalor de resultado, o que é inadmissível no sistema penal moderno sob pena de retomarmos a
responsabilidade penal objetiva e a máxima medieval versari in re illicita operam danti rei illicitae,
imputatur omnia quae sequuntur ex delicto; (e) aqui deixamos uma indagação: haveria afronta ao
princípio da legalidade? Sobre o princípio expõe Luiz Regis Prado, “exige-se que o legislador descreva da
forma mais exata possível o fato punível. Diz respeito, em especial, à técnica de elaboração da lei penal,
que deve ser suficientemente clara e precisa na formulação do conteúdo do tipo de injusto e no
estabelecimento da sanção para que exista segurança jurídica” (Curso de direito penal brasileiro. São
Paulo: Ed. RT, 2008, p. 132-133); encontramos no art. 297 do CTB, porém, a disposição vaga de
abrangência a qualquer ilícito de que resulte dano patrimonial, sendo também indeterminadas as margens
da pena, que variará de acordo com o resultado, a ferir os princípios nulla poena sine lege stricta e nulla
poena sine lege certa; isto porque o cidadão, ao dirigir sua ação aceita um resultado provável, e por este
deve responder, no entanto, havendo circunstâncias que fogem ao seu conhecimento – não pode prever
todo o prejuízo material que resultará de sua ação –, não podendo ser por isso penalizado, mas apenas
responsabilizado civilmente. Nesse sentido também se direciona o entendimento do STJ, a possibilitar a
fixação cumulativa da multa reparatória com a prestação pecuniária substitutiva de pena privativa de
11
2. PROCEDIMENTO
2.1 Da necessidade de pedido específico
A novel legislação veio, conforme esperado pela melhor doutrina, simplificar os meios
pelos quais se busca ressarcir a vítima quanto ao dano causado pelo autor do delito.
Nada obstante a nobre intenção do legislador, este deixou de tratar – voluntária ou
involuntariamente?12 – de pontos que entendemos de suma importância para a perfeita
aplicação da lei.
liberdade, posto que de naturezas diversas (REsp 772.721, rel. Paulo Medina, e REsp 736.784, rel. Felix
Fischer).
11
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. cit.
12
Questão interessante a ser posta e que grande influência pode acarretar no processo hermenêutico diz
com relação à voluntariedade ou involuntariedade do legislador em editar lei que prescinde de integração.
Observa-se que não se está aqui a ressuscitar a já ultrapassada técnica interpretativa de busca da mens
legislatoris, mas sim, se está a propor pressupostos de análise, quais sejam: (a) voluntariedade do
legislador em produzir norma lacunosa, pois, prevendo o legislador a complexidade e a dificuldade
inerentes à instituição de uma legislação deste jaez, preferiu deixar aos intérpretes e aplicadores sua
conformação, de forma tal a promover uma maior aceitação da novel legislação; ou, (b) involuntariedade
do legislador ao produzir norma que necessite de integração, pois imprudente, já esqueceu-se o legislador
das regras e contingências jurídicas, aprovando lei fadada ao fracasso, cabendo, assim, aos intérpretes e
aos aplicadores do direito esforçarem-se no sentido de conformar as alterações legais à Constituição.
Como norte para quem se disponha a investigar a voluntariedade ou involuntariedade do legislador, traz-
se aqui, exemplificativamente, excerto do relatório apresentado à Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara dos Deputados, de Relatoria do Deputado Régis de Oliveira, referente ao PL 4.207/2001, mais
especificamente quanto aos comentários às Emendas ao art. 63 do CPP, à p. 10: “Proposta de Emenda: ‘§
8.º. Aplicam-se subsidiariamente, no que couber, as disposições da lei processual civil’. (NR)
12
Esta omissão legislativa força o intérprete do direito a realizar uma manobra intelectual
a fim de possibilitar a interpretação da norma sem que haja qualquer afronta ao sistema
constitucional vigente. Três omissões, assim, nos parecem mais relevantes: (a) a
primeira quanto aos elementos a serem utilizados na formação da convicção do
magistrado penal em relação ao valor a ser fixado; (b) a segunda quanto à inclusão, ou
não, dos danos morais no montante estabelecido a título de indenização (a ser tratada no
tópico 2.4.1); e (c) a omissão normativa quanto ao procedimento.
Nesta primeira questão ingressamos na contramão do que vêm entendendo diversos
autores, tais como José Paulo Baltazar Jr.,13 Leandro Galluzzi dos Santos14 e Andrey
Borges de Mendonça,15 os quais têm se manifestado quanto à desnecessidade de haver,
por parte do pólo ativo da demanda penal, qualquer pedido de fixação de danos,
devendo o julgador, sempre que possível, aferir o valor a ser indenizado à vítima. Esta,
porém, não nos parece a melhor solução; isto porque não consentânea com os princípios
constitucionais do processo civil, como adiante se explicitará.
Conforme já exposto acima, a nova redação do art. 387 do CPP, conferiu ao magistrado
responsável por feitos criminais nova parcela de competência cível. Esta novel
atribuição, ainda que relacionada com o injusto, em muito se difere da competência
penal, de modo que os atos a ela referentes devem pautar-se pelos princípios próprios ao
direito processual civil. Afinal, cuidando-se de bens jurídicos diversos – patrimônio e
liberdade –, ainda que em um mesmo procedimento, deve-se, a cada uma das
pretensões, empregar os preceitos a elas inerentes e respectivos.
Notemos, portanto, no direito processual civil, a existência do princípio dispositivo,
cabendo às partes deduzirem suas pretensões em juízo, sem o que estará o magistrado
impedido de apreciar e decidir determinada questão; caso contrário, ver-se-ia violado o
princípio da inércia. É o que ocorre com a reparação civil no processo penal. Embora
Comentário: A presente emenda não deve prosperar, pois acabaria por transformar o juízo penal em um
juízo de liquidação. Tarefa certamente não aplicável aos magistrados da seara criminal. Ademais, a
modificação do art. 387, IV, já permite ao magistrado, quando fácil a constatação dos danos materiais
sofridos pela vítima, determine valor mínimo de indenização. Ir além disso, certamente, não trará ganhos,
pois ao se determinar a fase de liquidação de sentença no juízo penal, acabará por alongar em demasia o
prazo para obtenção do trânsito em julgado da sentença condenatória e, enquanto não transitada em
julgado a sentença, não se aplica a pena, mas o lapso prescricional não está suspenso, logo, a modificação
pretendida, em que pese a sua excepcional boa intenção, acabaria por favorecer aqueles que postergam
indefinidamente o processo, levando a muitas extinções de punibilidade pelo advento do prazo
prescricional.”
13
José Paulo Baltazar Junior. A sentença penal de acordo com as leis de reforma apud Reformas do
processo penal, Verbo Jurídico, 2008.
14
Leandro Galluzzi dos Santos. Procedimentos, Lei 11.719/2008 apud As reformas no processo penal.
São Paulo: Ed. RT, 2008.
15
Andrey Borges de Mendonça. Nova reforma do Código de Processo Penal. Método, 2008, p. 240.
13
conste do rol do art. 387 do CPP, o item relativo à indenização, a apontar requisito da
sentença, em verdade deverá o julgador estabelecer o quantum debeatur tão-somente se
em decorrência da infração existirem reflexos patrimonial e moral passíveis de
indenização e se houver expresso pedido da vítima; em caso negativo, deverá declarar a
impossibilidade jurídica de fazê-lo. Assim, tratando-se de requisito da sentença,
obrigatória é a manifestação do juiz criminal em relação à indenização, pois ainda que
não fixe valor, deverá justificar as razões pelas quais deixou de fazê-lo. Ao contrário, a
fixação ex officio do valor mínimo a ser indenizado traria outras incongruências para o
sistema processual, como o maltrato aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Note-se que, caso não incumba à vítima deduzir sua pretensão e demonstrar seu
prejuízo, e, na via oposta, não haja a possibilidade do réu de se manifestar e resistir à
aspiração alheia, chegar-se-ia ao absurdo de se constituir título executivo judicial em
favor de quem não era parte na demanda e contra quem não foi aberta a oportunidade de
defesa, vez que não havia qualquer pretensão contra a qual resistir e instrumento
probatório contra o qual se opor.
Ao ser citado em uma ação penal, o réu toma ciência e se defende tão-somente dos fatos
típicos a ele imputados; não tem conhecimento da pretensão indenizatória da vítima,
não sendo razoável que dele se exija resposta quanto ao que dos autos não consta. É
flagrante, pois, a violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla
defesa quando houver a condenação do réu à restituição dos danos eventualmente
sofridos pela vítima, sem que este seja instado a manifestar-se a respeito da reparação.
Temos, então, que a melhor solução seria, em se tratando de ação penal pública, a
vítima ingressar como assistente de acusação, requerendo a fixação do montante a ser
ressarcido, bem como levando aos autos as provas pertinentes a fim de demonstrar o
real prejuízo sofrido, sob pena de inviabilizar a fixação do valor mínimo pelo juiz em
eventual sentença penal condenatória. Por outro lado, o réu, ciente da intenção e
argumentos do ofendido, poderá investir contra a pretensão deste, não podendo alegar
afronta aos princípios constitucionais.
Haverá, portanto, deduzidos em um mesmo procedimento, dois pedidos – um de caráter
penal, representado pelo Ministério Público, e outro de cunho civil, titularizado pelo
ofendido. Para cada qual deverão ser aplicadas as normas gerais que regem a espécie.
Note-se que não se trata de trazer ao procedimento criminal todas as peculiaridades do
processo civil – como, por exemplo, garantir a reconvenção ou o prazo para se
manifestar sobre novas alegações – mas tão-somente o necessário a garantir o devido
14
processo legal formal e substantivo, que não se pode concretizar sem o contraditório e a
ampla defesa.
Não pode o aplicador do direito, valendo-se da interpretação, legislar. Desta forma, a
fixação de valor mínimo pelo próprio juiz criminal só será viável se, e somente se, for
possível utilizar as regras e o procedimento já existentes no processo penal, previamente
definidos na lei.
Destarte, tudo quanto interesse à delimitação das perdas da vítima deverá ser requerido
e produzido em um procedimento essencialmente penal, nos moldes do art. 394 e ss., do
CPP, vez ser o rogo do assistente meramente acessório ao pedido de condenação.
Necessário que assim seja, pois ao introduzir-se no âmbito penal a completude de um
procedimento cível, a prestação jurisdicional acabaria por retardar-se, invertendo a
lógica do legislador e o princípio constitucional da razoável duração do processo, tendo-
se em vista a celeridade na outorga do bem idealizado.
16
ROXIN, Claus. Derecho penal – Parte general, t. I, passim.
17
SILVA, Ivan Luís Marques da. O direito penal como garantia fundamental – O novo enfoque decorrente
da globalização, p. 164.
18
Roberto Lyra assim se manifesta sobre as normas de ordem pública: “As normas de ordem pública não
são objeto de renúncia ou transigência, suprimindo ou alterando contra o próprio interesse (...) prazos
peremptórios e, portanto, improrrogáveis, mas, também, irredutíveis”. Comentários ao Código de
Processo Penal, p. 476.
16
19
SILVA, Ivan Luís Marques da. Reforma processual penal de 2008. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 43, 49 e
93.
17
provar o montante do valor que deverá ser fixado pelo juiz criminal na sentença
condenatória.
Esta oportunidade de participação da vítima, como assistente de acusação na ação penal,
para provar valor a ser ressarcido, não carece de modificações legislativas nem
ginásticas interpretativas, uma vez que já está regulamentada com as novidades trazidas
pela Lei 11.690/2008, como se verá no item 4.1, viabilizando-se a habilitação da vítima
ao dar-se a esta ciência da ação penal.
A mudança do título do “Capítulo V – Das perguntas ao ofendido”, para “Do ofendido”
já exterioriza uma mudança da ótica legislativa a respeito da participação do ofendido
na ação penal. Deixa de ser apenas uma fonte de informações a respeito do caso
concreto para figurar como sujeito processual.
O art. 201 do CPP prescreve: “Sempre que possível, o ofendido será qualificado e
perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as
provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações”. Este artigo não
associa a intimação e a participação do ofendido com a necessidade de sua presença, e
sim com a possibilidade de sua presença (sempre que possível). Essa abertura normativa
e o exercício jurisdicional em busca da verdade possível do processo viabilizam o
ingresso e a intimação do ofendido para manifestar sua intenção de ingressar no
processo como assistente de acusação e instruir o seu pedido cível em busca da fixação
do valor mínimo pelo próprio juiz criminal.
A habilitação tardia do assistente não torna imperiosa a renovação dos atos de instrução,
pelo contrário, ele receberá a causa no estado em que se achar, antes do trânsito em
julgado (art. 269 do CPP).
Importante ressaltar ser a habilitação do ofendido facultativa (art. 268 do CPP), assim
como o pedido de condenação a um valor mínimo fixado pelo juiz criminal, por ser
matéria civil e, portanto, dispositiva.
transcrito, não restando outra alternativa ao ofendido senão habilitar-se como assistente
de acusação – figura genérica –, oferecendo ao julgador meios para formação de sua
convicção.
“1. O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a
pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou
não possa constituir-se assistente.
2. A intervenção processual do lesado restringe-se à sustentação e à prova do pedido de
indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere
aos assistentes.
3. Os demandados e os intervenientes têm posição processual idêntica à do argüido
quanto à sustentação e à prova das questões cíveis julgadas no processo, sendo
independente cada uma das defesas.”
Dispõe o art. 271 do CPP brasileiro que “Ao assistente será permitido propor meios de
prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do
debate oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele
próprio, nos casos dos arts. 584, § 1.º, e 598”. Deixa, contudo, de ditar as espécies de
provas que poderão ser requeridas, de onde se conclui estar o assistente autorizado a
requerer a produção de qualquer modalidade destas, desde que lícitas e pleiteadas em
momento adequado, a fim de se evitar a procrastinação indevida da demanda criminal.
Não poderá, v.g., requerer a oitiva de testemunhas após a realização da audiência una,
ressalvada a hipótese do art. 402 do CPP.
Em relação à prova testemunhal devemos observar o disposto no art. 406, § 2.º, do CPP,
determinando sejam as testemunhas da acusação arroladas na denúncia ou queixa.
Tratando-se, pois, de queixa-crime ou ação privada subsidiária da pública poderá o
ofendido – confundindo-se com a acusação – indicar testemunhas que possam
esclarecer questões de relevo para a fixação da indenização. Cuidando-se, porém, de
ação penal pública, não caberá à vítima, ainda que habilitada, arrolar qualquer
testemunha.20 Isto porque, neste caso, o oferecimento da inicial acusatória é ato
privativo do Ministério Público e, por conseguinte, também o é o arrolamento de
20
Nesse sentido, GRECO FILHO, Vicente, em Manual de processo penal. Saraiva, 1993. Em sentido
contrário encontramos MIRABETE, Julio Fabbrini, em Código de Processo Penal interpretado. Atlas,
1999.
19
testemunhas, não podendo o assistente imiscuir-se em prerrogativa que não lhe foi
conferida.21
Da mesma forma, não poderá nem mesmo o assistente arrolar o número de testemunhas
que falte para completar o máximo legal de oito, uma vez que, sendo o oferecimento da
denúncia a oportunidade adequada para fazê-lo, em qualquer momento posterior haverá
preclusão consumativa.
Óbice não há, porém, que o assistente requeira seja determinada a oitiva de alguém
como testemunha do juízo, nos termos do art. 209 do CPP. O magistrado fará a análise
da possibilidade da oitiva e decidirá de plano, sem descuidar da duração razoável do
processo.
Ainda quanto à prova testemunhal, entendemos que, nada obstante a existência de dois
pedidos distintos, não há falar-se em rol específico para a comprovação do que interesse
à reparação civil, já que não deixa de ser o assistente de acusação mero interveniente no
processo penal, mesmo que deduzindo pedido cível de seu interesse. Impossível,
portanto, a interpretação analógica do art. 407, parágrafo único, do CPC, a fim de
assegurar ao ofendido o número mínino de três testemunhas. Isto porque haveria
evidente desequilíbrio entre os meios de prova da defesa e da acusação; a menos que se
autorizasse ao réu indicar igual número de testemunhas, o que, de certo, causaria ainda
maiores delongas à solução da lide, sendo certo que não deve um pedido disponível, de
interesse exclusivo da vítima, prejudicar a persecução penal e a duração razoável do
processo.
No entanto, assim como nas provas periciais, ficará a cargo do magistrado examinar a
pertinência e relevância da produção probatória requerida pelo ofendido, nos termos da
nova redação do art. 400, § 1.º, do CPP, a fim de garantir a unidade da audiência e a
razoável duração do procedimento. A perícia técnica requerida com o propósito de
demonstrar prejuízo por parte do ofendido deve ser tratada com algumas peculiaridades.
Haverá casos em que o tempo necessário à realização da perícia extrapolará o limite do
razoável para a persecução penal (prazo de 60 dias para a audiência de instrução e
julgamento no rito ordinário). Nesta hipótese, deverá o juiz indeferir a prova pericial,
cabendo à vítima a procura pela esfera cível se não lhe for atribuída indenização
21
Em sentido contrário, Guilherme de Souza Nucci defende a possibilidade de o assistente de acusação,
devidamente habilitado, arrolar o número de testemunhas caso o Ministério Público não tenha esgotado o
número máximo de testemunhas em seu rol. Código de Processo Penal comentado, p. 569.
20
compatível com seu prejuízo. Solução semelhante adota a legislação lusitana em seu
Código de Processo Penal, art. 82, item 3:
“O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais
civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem
uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem
intoleravelmente o processo penal.”
Ao que concerne à prova documental, reza o art. 231 do CPP: “Salvo os casos expressos
em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo”. A
flexibilidade dispensada à apresentação de documentos é conseqüência prática de sua
própria forma de produção, qual seja, ser independente de qualquer diligência por parte
do órgão judiciário ou de terceiro, sendo desde logo apto e conclusivo.
2.4 Da sentença
2.4.1 Da fixação do valor mínimo e dos danos morais
Questão ainda muito controvertida é a atinente à possibilidade de o julgador, ao fixar o
valor a ser indenizado, considerar para tanto os danos morais a que se sujeitou a vítima.
Além dos já mencionados Leandro Galluzzi dos Santos e José Paulo Baltazar Jr.,
também Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto22
entendem que não caberá ao magistrado criminal cuidar da questão. Novamente aqui a
divergência surge como porto seguro.
A questão quanto à possibilidade de fixação de valor a título de danos morais deve ser
vislumbrada sob quatro perspectivas, uma principiológica, duas jurídico-sistemáticas e
outra jurídico-teleológica, que, no entanto, por se complementarem, levam à mesma
conclusão, qual seja, a de que não só é possível, como necessária, a fixação, pelo juiz
penal, de montante indenizatório a título de danos morais.
Os atos praticados pelos agentes públicos, e entre estes encontra-se o magistrado, devem
obediência não apenas à lei (arts. 63 e 387 do CPP) mas também aos princípios
constitucionais, que são regras vigentes e cogentes, de aplicação obrigatória e imediata
e, entre eles, estão os princípios da eficiência, da duração razoável do processo e da
economia processual. Assim, se a lei não veda, e o sopesamento de princípios está a
resultar na direção da exigência, não há porque não fazê-lo.
22
Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto. Comentários às reformas do
Código de Processo Penal e da lei de trânsito. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 314.
21
23
Nesse sentido, há aresto do STJ que impede que se deduza o valor pago a título de multa reparatória de
eventual indenização civil correspondente tão-somente a danos morais (REsp 1.039.015, 3.ª T., rel. Nancy
Andrighi).
22
24
Considerações sobre a indenização civil fixada no processo criminal. Jornal Carta forense. Publicado
em 01.12.2008.
23
não haver valor complementar a ser estipulado, por ter o juiz penal enfrentado a questão
inteiramente.25 Ou seja, cabe ao juiz civil a última palavra quanto à completude da
indenização fixada.26
A fixação do, sempre que possível, valor máximo, deve abarcar os danos morais. Isto
porque, caso não o faça, forçoso será à vítima, que busca a justa recomposição dos
danos, proceder à liquidação da sentença, pretendendo a fixação de valor relativo aos
danos morais – desvirtuando a vontade da lei de facilitar a reparação civil.
Apesar da possível completude dos elementos probatórios postos à comprovação dos
danos sofridos, deve-se ter presente a imensurabilidade prima facie dos danos morais
sofridos pela vítima, fato que, per si, leva a conclusão de que o valor fixado pelo juízo
penal pode ser o máximo, tendo em vista o grau de subjetivismo presente na fixação dos
danos morais.
25
Em sentido diverso do aqui defendido há a posição de NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de
processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, São Paulo, 2008, p. 235-236, que pautado por
uma interpretação privilegiadora dos princípios da razoável duração do processo, da economicidade
processual e do efetivo acesso à uma prestação jurisdicional justa, assim argumenta de forma provocativa:
“Outro ponto que reputamos tíbio é a previsão de fixação de valor mínimo para a reparação dos danos,
permitindo que o interessado possa ingressar na esfera cível a fim de apurar o prejuízo efetivamente
sofrido. O correto seria o estabelecimento de um valor real, debatido no processo criminal, a fim de não
sobrecarregar a esfera cível com nova discussão a respeito do mesmo tema. Ademais, se o ofendido
conseguir um valor mínimo qualquer, sem atingir o efetivamente devido, poderá sentir-se duplamente
enganado. O Judiciário fixa-lhe um valor pífio, que não o deixa satisfeito, embora se sinta desmotivado
para, novamente, demandar no cível outros valores. Não se deve implementar uma modificação pela
metade. O ideal é que a reparação civil possa ser apurada no processo criminal de maneira ampla, sem
abertura para, depois, renovar-se o debate cível. Pensamos deverem os juízes criminais, se instados pela
vítima a promover a discussão da indenização civil, buscar atingir o valor real – e não somente o mínimo
– deixando consignado, em suas sentenças, tal situação. Com isto, pode-se argumentar ter-se formado
coisa julgada material, vedando-se o acesso à órbita civil, evitando-se a sobrecarga inútil de serviço”.
26
Por fim, de forma analógica, expõe-se julgados do STJ que, dentre os fatores analisados, discorrem
sobre a possibilidade de modificações do valor fixado a título de danos morais, assentando, ademais, que
este só é passível de alteração, em sede de recurso especial, caso manifestamente irrisório ou exagerado.
Assim, nota-se baliza jurisprudencial à análise pelo juiz cível do valor fixado pelo juiz penal no que se
refere aos danos morais, que mesmo encerrando um aspecto subjetivo, lastreia-se e fundamenta-se em
parâmetros de razoabilidade:
1. “Civil. Indenização. Trânsito. Acidente. Morte. Danos materiais e morais. Pressupostos fáticos. Súmula
7 do STJ. Omissão. Inexistência. Quantum indenizatório. Razoabilidade. Pensão mensal. Redução.
Admite o STJ a redução do quantum indenizatório, quando se mostrar desarrazoado, o que não sucede na
espécie, em que houve morte decorrente de acidente de trânsito, dado que as 4.ª e 3.ª Turmas desta Corte
têm fixado a indenização por danos morais no valor equivalente a 500 salários mínimos, conforme vários
julgados” (STJ, REsp 713764/RS, 4.ª T., rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 10.03.2008).
2. “Recurso especial. Civil. Dano moral atropelamento. Morte de filho menor. Quantum irrisório.
Majoração. Possibilidade. Recurso provido. A jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que o
quantum definido pela Corte de origem somente pode ser alterado, em sede de recurso especial, quando
manifestamente excessivo ou irrisório, o que, se verifica no caso dos autos; na espécie, o valor da
indenização pela perda do filho menor dos recorrentes, deve ser elevado ao montante de R$ 190.000,00
(cento e noventa mil reais)” (STJ, REsp. 936792/SE, 4.ª T., rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ
22.10.2007).
25
Sobre o assunto diverge Leandro Galluzzi dos Santos: “A nós parece impossível esta
situação, pois o que pretendeu o legislador foi facilitar a reparação da vítima quando o
tamanho do prejuízo fosse evidente, como nos crimes de apropriação indébita ou furto,
por exemplo. Porém, quantificar o tamanho da dor da vítima, para conseguir determinar
o valor da indenização por dano moral, certamente extrapola a intenção legal. Para
verificar a abrangência deste dano, não é o juiz penal a melhor pessoa, mas sim o juiz
cível, mais familiarizado com essas questões”.27
Não será evidente o dano psicológico sobre a jovem violada em sua liberdade sexual, ou
em relação à mulher submetida à prática abortiva sem o seu consentimento? E quanto ao
pai que é obrigado a ver a execução de suas filhas por um latrocida sádico? Nestes
casos, como em outros delitos, há a predominância de dano moral em detrimento ao
dano patrimonial. Não nos parece, no entanto, ter a lei diferenciado qualquer espécie de
delito, até mesmo porque não poderia tratar desigualmente as vítimas, tornando mais
célere a reparação de um ao do outro.
Assim, se por um lado, hipoteticamente, pode-se provar de forma completa e objetiva os
danos materiais, por outro, difícil será provar, completamente, os danos morais sofridos,
razão pela qual, apesar de se entender, em casos vários, pela prescindibilidade de
comprovação dos danos morais, sua medida poderá, se entender pertinente a vítima, ser
colocada em discussão no juízo cível. Esta possibilidade, cabe enfatizar, em nada
prejudica a celeridade intentada pela inovação legislativa, uma vez que o valor fixado na
ação penal poderá, independentemente de eventual procedimento de liquidação
discutindo o real prejuízo experimentado, ser objeto de execução definitiva em relação à
sua parte líquida. Como já exposto, o chamado valor mínimo não pode ser reduzido na
esfera cível, mas apenas em grau recursal; transitando em julgado, portanto, será certo,
líquido e exigível, razão pela qual poderá a vítima executá-lo, sem prejuízo de que,
concomitantemente, pleiteie sua majoração, buscando os prejuízos não abarcados pela
sentença criminal, tais como os danos indiretos.
Nesse ponto, estamos de acordo com Andrey Borges de Mendonça, cuja lição vale
transcrever: “É importante ressaltar que a questão da indenização civil deve ser objeto
de capítulo próprio da sentença penal condenatória. Esta constatação trará
conseqüências práticas. Caso o condenado ou a vítima entendam indevido o valor
fixado para a indenização, poderão recorrer deste capítulo da sentença. Entretanto, isto
27
SANTOS, Leandro Galluzzi dos Santos. As reformas no processo penal. In: MOURA, Maria Thereza
Rocha de Assis (coord.). São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 300-301.
26
28
Andrey Borges de Mendonça. Op. cit., p. 243.
27
Desta feita, mesmo em circunstâncias nas quais não haveria aplicação de pena, mas que
seria possível a indenização civil, como em algumas hipóteses de excludentes de
culpabilidade, o magistrado encontra-se impedido de estabelecer montante indenizável,
posto o art. 386, VI, do CPP, determinar seja nesta hipótese proferia sentença
absolutória. Aliás, nesse cenário, surgem as medidas de segurança, cuja finalidade é a
cura e a reabilitação do paciente.
Não obstante a discussão existente quanto à natureza de tais medidas, se jurídico-penais
ou se meramente administrativas, como expressão do poder de polícia, é assente na
doutrina o seu caráter penal, sendo, portanto, espécie do gênero sanção penal. Não se
trata, pois, de pena, a qual se funda na culpabilidade do agente, mas de medida própria
àqueles que não têm plena consciência de suas ações, fundando-se na periculosidade
destes.
Embora se assemelhe ao instituto da pena na proporção da diminuição ou restrição de
um bem jurídico, a liberdade, a aplicação de medida de segurança não se caracteriza
como condenação, mas como remédio necessário ao convívio social. Dessa forma,
estabelece o inc. III do parágrafo único do art. 386 do CPP, que as medidas de
segurança serão aplicadas em sentenças absolutórias; por conseguinte, impede-se a
fixação, pelo juiz da causa, de valor líquido a ser ressarcido à vítima.
Essa impossibilidade de se fixar valor a ser indenizado em sentença absolutória tem
justificativa lógica, pois o estabelecimento de indenização pelo juiz criminal só é
possível nas hipóteses evidentes de existência de um crime. De acordo com a teoria do
delito, este só se consubstanciará depois de constatadas a tipicidade, a ilicitude e a
culpabilidade da conduta. Ausente qualquer um dos elementos constitutivos do crime,
não existe infração penal e o requisito básico da ação civil ex delicto – sentença penal
condenatória transitada em julgado – desaparece, levando consigo a possibilidade da
fixação de valor a ser indenizado.
Não obstante a absolvição do réu, ao intentar demanda ressarcitória, poderá o ofendido
valer-se das provas produzidas no procedimento penal, requerendo ao juízo cível a
utilização de prova emprestada, a qual se funda nos princípios da economia e celeridade
processual, vindo a comprovar a unidade da jurisdição.
Em síntese, vale mencionar a lição de José Frederico Marques:29 “Se a sentença penal
reconhece que o fato típico não é ilícito em virtude da ocorrência de uma das
justificativas do art. 23 do CP, ilicitude também não há no Direito Civil, e isto em face
do próprio artigo do Código Civil, que exclui a antijuridicidade do ato danoso quando
há legítima defesa, exercício regular de um direito e o estado de necessidade”.
29
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas; Bookseller, 1997. vol. 3,
p. 109.
30
Idem. Os arts. 17, 18, 19, 22 e 24, citados na lição do autor, referem-se à Parte Geral do CP antes da
Reforma Penal de 1984.
30
31
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – teoria geral das obrigações. São Paulo:
Saraiva, 2004.
31
Por fim, a decisão que não fixar o valor mínimo, havendo prévia habilitação, provas e
pedido nesse sentido, será anulável, por ausência de requisito essencial (art. 564, IV, c/c
art. 563 do CPP).
4. PROBLEMATIZAÇÃO
4.1 Da necessidade de notificação da vítima
Conforme analisado neste estudo, o ofendido passou a titularizar relevante participação
no procedimento criminal, sendo ônus seu o pleito e a prova do dano experimentado.
Em nosso país, os cidadãos possuidores de acesso a informações de ordem jurídica são
poucos e o acompanhamento da atividade policial é custoso e trabalhoso, além de
requerer conhecimentos específicos do linguajar técnico.
Temos, então, como realidade nacional, um considerável número de procedimentos
administrativos e judiciais desenvolvidos e finalizados sem a participação efetiva da
vítima, ou mesmo sem qualquer ciência desta, que se limita a dar a notitia criminis e
prestar declarações quando intimada para tal.
Desta feita, a uma análise perfunctória, pode parecer desvinculada da realidade a
esperança de que o ofendido se habilite como assistente de acusação a fim de se ver
ressarcido.
Sob tal entendimento, o TJSP32 editou ato normativo determinando fosse a vítima
informada do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, para que, dessa
forma, pudesse esta ingressar com procedimento de liquidação e execução na seara
civil.
Observa-se, então, a redação dada pela Lei 11.690/2008 ao § 2.º do art. 201 do CPP, o
qual dispõe que o lesado deverá ser intimado de atos processuais referentes ao “ingresso
e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e
respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem”.
Assim, ainda que o ofendido não seja cientificado quanto à propositura da ação penal
pública, dela tomará conhecimento quando de sua intimação para a audiência de
32
Normas da Corregedoria Geral de Justiça – Normas de Serviços dos Ofícios Judiciais – Capítulo V –
Dos ofícios de justiça criminal, do júri, das execuções criminais e da Corregedoria dos presídios e da
polícia judiciária: “26. Das sentenças condenatórias proferidas em processos criminais e daquelas
prolatadas em procedimento relativo à prática de ato infracional que imponha a adolescente medida sócio-
educativa prevista na Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), com trânsito em julgado,
deverão ser extraídas cópias para encaminhamento às vítimas, ou sendo o caso, aos familiares”. (Provs.
CSM 770/2002, CGJ 2/2001 e 5/2002). Disponível em: [www.tj.sp.gov.br].
33
33
“O ofendido não precisa ser arrolado; deve ser ouvido sempre que possível, independentemente da
iniciativa das partes. O art. 201 do CPP cria para o juiz o dever jurídico de ouvir o ofendido” (Hélio
Tornaghi. Compêndio de processo Penal. Rio de Janeiro: José Konfino, 1967, t. III, p. 853).
“Obrigatoriedade da sua inquirição: em que pese não ser testemunha, pensamos ser obrigatória a oitiva da
vítima, não só porque o art. 201, expressamente, menciona que ele será ouvida sempre que possível, mas
também porque, no processo penal, como se sabe, vige o princípio da verdade real, isto é, deve o juiz
buscar todos os meios lícitos e plausíveis para atingir o estado de certeza que lhe permitirá formar o seu
veredicto. Assim, caso as partes não arrolem a parte ofendida, deve o magistrado determinar, de ofício, a
sua inquirição, sob pena de se enfraquecer a colheita de prova” (Guilherme de Souza Nucci. Código de
Processo Penal comentado. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 401).
34
condenado criminalmente, responde pela dívida dentro dos limites objetivos da força da
herança.
Toda essa construção doutrinária tem por base a lei penal e a lei civil e, principalmente,
a função da responsabilidade civil e penal: “a responsabilidade civil tem uma função
essencialmente indenizatória, ressarcitiva ou reparadora, só acessória ou
secundariamente assumindo caráter punitivo, ao invés do que sucede com a
responsabilidade criminal, cuja função primordial é de caráter punitivo e preventivo”.34
A migração do pedido de natureza civil para o âmbito da ação penal contraria a
Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, de 1941, quando Sá Pereira
afirmou: “A meu ver, o que há de verdade nessas alegações não atinge os dois pontos
seguintes: 1) que a reparação do dano é matéria de direito civil, e 2) que a repressão
sofreria, se, no crime, a pleiteássemos. Se há lesão patrimonial, a reparação há de ser
pedida a um outro patrimônio, e se me afigura impossível deslocar esta relação entre
dois patrimônios do campo do direito privado para o do direito público, como querem
os positivistas. Abrir no processo-crime a necessária margem à ação reparadora seria ou
fazer marcharem simultaneamente as duas ações no mesmo processo, o que tornaria
tumultuário, ou paralisar o processo-crime para que o cível o alcançasse no momento
final do pronunciamento da sentença que aplicasse a pena e fixasse a indenização. Não
creio que a repressão ganhasse com isto alguma coisa; ao contrário, perderia muito de
sua prontidão e rapidez”.
A mesma linha de preocupação sondou as linhas doutrinárias de Helio Tornaghi, ao
tecer comentários sobre o Código de Processo Penal, quando denominou a duplicidade
de pedidos civil e penal, no mesmo processo, de esquema da confusão, no qual há uma
única ação com duas obrigações.35
De qualquer forma, a positivação do pedido de indenização no decurso da ação penal já
é uma realidade e está vigente. Não ofende a Constituição e, respeitadas as
características díspares existentes entre a responsabilidade penal e a civil, deve o valor
mínimo a título de indenização ser fixado pelo juiz criminal em busca de eficácia e
celeridade na prestação jurisdicional.
Por derradeiro, pretendendo o ofendido ser ressarcido pelo responsável civil, não
poderá, de qualquer forma, valer-se da sentença penal condenatória a fim de liquidá-la
34
Antunes Varela. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 228, apud MOREIRA,
Rômulo de Andrade. Ação civil ex delicto. Jus Navigandi 281, ano 8. Teresina, 14.04.2004. Disponível
em: [http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5068] Acesso em: 12.04.2009.
35
TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Penal, p. 107.
35
ou executá-la no cível; isto porque não sendo o terceiro parte na demanda criminal, não
se pode contra ele constituir título judicial de qualquer natureza. Assim, caberá à vítima
intentar ação de conhecimento para que se reconheça judicialmente a responsabilidade
do terceiro, sem, contudo, discutir-se a existência do fato criminoso, conforme art. 935
do CC/2002.36
36
“(...) Se o juiz penal pudesse decidir acerca da responsabilidade penal e também da civil, logo poderia
ser chamado o patrão a integrar a ação penal, querendo, tornando-se possível a condenação a quem
efetivamente possa indenizar o dano causado. (...) Cite-se, também, a posição de Rogério Marrone de
Castro Sampaio, no sentido de que ‘tem prevalecido, tanto na jurisprudência quanto na doutrina, que o
título executivo formado com a sentença penal condenatória confere legitimidade passiva para a ação
executiva apenas ao ofensor, ou seja, aquele que foi parte na ação penal. Quanto à apuração da
responsabilidade civil indireta (patrão por ato do empregado, a título de exemplo), necessário nova ação
civil de conhecimento’. Entretanto, ressalva o autor que, a despeito do ensinamento de Tourinho Filho,
tem triunfado na jurisprudência o entendimento de que, proposta a ação civil contra o terceiro
responsável, tem ele direito de rediscutir todos os pontos de forma abrangente, sem qualquer vínculo, uma
vez que a coisa julgado no crime não o atingiu (Responsabilidade civil, p. 75). Em igual prisma: Mirabete
(Código Penal interpretado, p. 131).” NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução
penal, cit., p. 239-240.
36
“Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1.º e 2.º), a
execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a
seu requerimento, pelo Ministério Público.”
Mencionada determinação legal foi posta em nosso ordenamento quando encerrava o
Parquet função distinta da que lhe é reservada pelo art. 127 da CF/1988. Desse modo,
interpretar o art. 68 do CPP é, antes de qualquer coisa, julgar a recepção, ou não, do
dispositivo processual pela ordem constitucional vigente. Havendo, portanto, flagrante
contraposição entre a outrora atribuição ao Ministério Público de poderes para a defesa
de direitos disponíveis, como é a reparação civil de danos decorrentes da prática de
infração penal, e a defesa de direitos indisponíveis hoje encerrada como dever
constitucional precípuo desta instituição, bem como a transferência de dita função à
Defensoria Pública, infere-se, dogmaticamente, pela não-recepção de referido artigo de
lei.
No entanto, sem exclusão da solução dogmática apresentada, vem interpretando
reiteradamente o STF de forma diversa, isto é, acrescenta o Pretório Excelso elemento
acima não considerado, qual seja, os efeitos práticos de uma declaração de não
recepção. Nas palavras do Min. Sepúlveda Pertence:
“O caso mostra, com efeito, a inflexível estreiteza da alternativa da jurisdição
constitucional ortodoxa, com a qual ainda jogamos no Brasil: consideramo-nos presos
ao dilema entre a constitucionalidade plena e definitiva da lei ou a declaração de sua
inconstitucionalidade com fulminante eficácia ex tunc; ou ainda, na hipótese de lei
ordinária pré-constitucional, entre o reconhecimento da recepção incondicional e a da
perda de vigência desde a data da Constituição.
Essas alternativas radicais – além dos notórios inconvenientes que gera – faz abstração
da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitucional não é um fato
instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade da realização da norma da
Constituição – ainda quando teoricamente não se cuide de um preceito de eficácia
limitada –, subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fáctica que a
inviabilizam.
(...)
Estou em que, no contexto da Constituição de 1988, essa atribuição deva efetivamente
reputar-se transferida do Ministério Público para a Defensoria Pública: essa, porém,
para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de
fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela
37
37
No mesmo sentido, corre o julgado RE 135.328/SP, do STF.
38
eventual liquidação. Qual será a solução, no entanto, quando a ambos os juízos forem
dados apreciar a mesma matéria?
Dispõe o art. 64 do CPP:
“Art. 64. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano
poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o
responsável civil.
Parágrafo único. Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso
desta, até o julgamento definitivo daquela.”
Infere-se da leitura do artigo supra que, independentemente da fase em que se encontre
o procedimento criminal, poderá a vítima ingressar com ação de conhecimento civil a
fim de se ressarcir, seja contra o autor do delito, seja contra o responsável civil. Tal
dispositivo encontrava-se perfeitamente ajustado à redação do art. 63 anterior à reforma
– antes da inserção de seu parágrafo único.
Ocorre, porém, ter o processo criminal passado a conter traços civis, evidentemente em
relação à indenização da vítima. Sustentamos neste mesmo estudo caber ao ofendido
optar por deduzir seu pedido ao juízo criminal – possibilitando-lhe eventual liquidação
posterior –, ou pleitear a recomposição dos danos diretamente na seara civil. Ora, se o
magistrado criminal detém agora competência civil para apreciar o an e o quatum
debeatur, por certo, se o ofendido requerer o mesmo ao juízo civil haverá litispendência,
ensejando a extinção do segundo pedido, pois não pode o direito processual tolerar uma
mesma lide objeto de mais de um processo simultaneamente.38
Temos aqui mais uma razão pela qual se entende depender a fixação de valor pelo juiz
penal de expresso pedido do interessado (item 2.1). Fosse a fixação de montante
indenizatório requisito da sentença penal, e se o ofendido ingressasse com ação de
conhecimento (como permite o art. 64 do CPP) que passasse em julgado antes da
sentença penal, o lesado obteria dois títulos executivos referentes à mesma obrigação,
formalizando evidente enriquecimento indevido.
Sendo, porém, necessária a manifestação do ofendido a fim de que se apure o seu
prejuízo, caso deduza o mesmo pedido na esfera civil, poderá ser responsabilizado por
litigância de má-fé. O mesmo se dará se, já havendo ação de conhecimento autônoma,
requerer indenização no procedimento penal.
38
THEODORO JÚNIOR., Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 1994. vol. 1,
p. 310.
40
É também da letra da lei que se infere poder a ação ser movida contra o responsável
civil. Nessa hipótese, porém, não se poderá falar em litispendência, pois as partes serão
distintas. Isto porque, não sendo o responsável civil parte no processo penal, não poderá
sofrer qualquer conseqüência que dele se extrai, sob pena de afronta ao devido processo
legal.
Desta forma, a fim de evitar-se o enriquecimento sem causa, deverá o magistrado
utilizar-se do parágrafo único do art. 64 do CPP, aguardando o estabelecimento de valor
pelo juiz penal (que poderá ser o mínimo ou o máximo), para que, então, proceda ao
julgamento da lide, descontando-se o montante fixado na outra demanda ou não fazendo
nenhum acréscimo patrimonial se entender que a fixação do valor indenizatório
estipulada pela esfera criminal é justa, equânime, suficiente e proporcional.
39
Posicionamentos no sentido de caracterizar a regra do art. 387, IV, do CPP, como de natureza
substantiva foram verificados no TJRS. A título exemplificativo, transcreve-se excerto no qual se expõe
estas posições:
“Conquanto deva ser observado o princípio tempus regit actum, com a imediata aplicação da lei
processual que venha a vigorar, a norma em questão possui evidente natureza substantiva, importando em
verdadeira sanção a ser imediatamente executada pela vítima, quando do trânsito em julgado. A carga
penal do preceito em tela, impede sua incidência imediata, sob pena de se fazer retroagir lei prejudicial ao
réu, o que é vedado” (TJRS, ApCrim 70027798511, 8.ª Câm. Crim., rel Des. Fabianne Breton Baisch, f.
10-11); e, “Entendo a legislação processual penal em vigor preveja, a partir de 23.08.2008 (início da
vigência da Lei 11.719, de 20.06.2008, que, no ponto ora sob análise, deu nova redação ao inc. IV do art.
387 do CPP), a possibilidade do réu ser condenado a indenizar a vítima pelos danos e/ou prejuízos
decorrentes dos fatos libelados, a natureza jurídica da extensão da regra positiva que a criou é de direito
material extrapenal, pois estabelece nova modalidade de sanção que, não obstante, não integre o preceito
secundário das normas materiais penais em geral (crimes e contravenções: nulla poena, nullun crimen,
sine previa legem poenale), em conseqüência do que, ainda que se considere procedimentalizável e
aplicável no âmbito do processo penal, ela jamais poderá ser aplicada ex officio pelo juiz, porque a sua
incidência repudia a unilateralidade e requisita observância, antes de tudo e sobretudo, aos princípios
norteadores dos direitos e garantias fundamentais individuais (constitucionais e infraconstitucionais),
41
40
BITENCOURT, Cezar Roberto. Alguns aspectos penais controvertidos do Código de Trânsito. RT
754/480.
44
Para fazê-lo, portanto, deve o juiz presidente observar, no que couber, o disposto nos
arts. 948 a 950 do CC/2002, que trata, especificamente, da indenização civil por
homicídio e lesão corporal. Dizemos “no que couber”, pois, como já explanado
anteriormente, não deverá o magistrado penal cuidar dos danos indiretos.
Assim, o juiz criminal fixará valor correspondente ao tratamento da vítima, mas não se
aterá à prestação de alimentos (art. 948, II, CC/2002), uma vez que carece que análise
pormenorizada a fim de se estimar a “duração provável da vida da vítima”, como quer a
lei. Da mesma forma, não deve apreciar o cabimento de eventual pensão civil ex delicto
ou a existência de lucros cessantes, pois tais questões merecem um contraditório mais
amplo do que o possível dentro de um procedimento criminal.
5. CONCLUSÃO
Concluímos-se, assim, afirmando a constitucionalidade do novo instituto, salientando
seus méritos no que se refere à promoção dos valores constitucionais da razoável
duração do processo e do acesso à prestação jurisdicional justa (art. 5.º, LXXVIII e
XXXV, CF/1988), ao mesmo tempo em que promove, nas lacunas procedimentais
deixadas pelo legislador, a possibilidade de respeito à ampla defesa, ao contraditório e
ao devido processo legal formal e substantivo (art. 5.º, LIV e LV, CF/1988).
Temos, ainda, que a nova sistemática evidencia importante evolução legislativa,
consagrando não apenas os princípios constitucionais acima expostos, mas também o
anseio de ver apagados todos os reflexos de um injusto penal, promovendo a
valorização do ser humano, ao mesmo tempo em que insere traços garantistas e
restaurativos ao processo penal. Atinge a novel reforma, seja diretamente, através de
suas regras postas, ou indiretamente, por meio da hermenêutica constitucional, os
valores e sistemas desenhados pela Constituição de 1988.
Portanto, sob os pressupostos como o da inexistência de uma teoria geral do processo e
o da presunção de constitucionalidade das leis aprovadas pelo Poder Legislativo,
conclui-se este trabalho afirmando, de um lado, ser necessário, para a real aplicação da
nova sistemática da ação civil ex delicto, uma mudança de comportamento na prática
forense diuturna e, de outro lado, com a pretensão de que se tenha contribuído para
novas discussões sobre o tema, não se furtando às indispensáveis críticas e
considerações.
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