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F. H. CARDOSO - Capitalismo e Escravidão No Brasil Meridional
F. H. CARDOSO - Capitalismo e Escravidão No Brasil Meridional
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO
NO BRASIL MERIDIONAL
o NEGRO NA SOCIEDADE ESCRAVOCRATA
DO RIO GRANDE DO SUL
Fernando Henrique Cardoso nasceu no
Rio de Janeiro em 1931. Foi Presidente
do Brasil por dois mandatos consecuti-
vos, de 1995 a 2003, vencendo ambos os
pleitos por maioria absoluta de votos.
Sociólogo graduado na Universidade de
São Paulo, afirmou-se desde o final dos
anos sessenta como um dos mais influen-
tes intelectuais latino-americanos na
análise de temas como os processos de
mudança social, o desenvolvimento e a
dependência, a democracia e a reforma
do Estado. A partir de sua carreira aca-
dêmica e intelectual, teve importante
papel na luta pela redemocratização do
Brasil. Senador por São Paulo, participou
da fundação do Partido da Social Demo-
cracia Brasileira (PSDB) em 1988 e lide-
rou sua bancada no Senado até outubro
de 1992. Foi ministro das Relações Exte-
riores e da Fazenda no governo Itamar
Franco.
Ex-professor catedrático de Ciência
Política e atual professor emérito da
Universidade de São Paulo, foi diretor
associado de Estudos na École des Hau-
tes Études en Sciences Sociales, em Paris,
e professor visitante no College de Fran-
ce e na Universidade de Paris-Nanterre.
Ocupou a cátedra Simón Bolivar na Uni-
versidade de Cambridge e ensinou nas
universidades de Stanford e de Berkeley.
Entre suas funções atuais, Fernando
Henrique Cardoso é Presidente do Clube
de Madri, co-Presidente do Inter-Ame-
rican Dialogue, Presidente do Painel de
Personalidades Ilustres das Nações Uni-
das sobre a relação entre essa organiza-
ção e a sociedade civil, e Coordenador
do grupo de trabalho responsável pela
revísão do sistema de Cúpulas Ibero-
Americanas. Foi ainda nomeado Mem-
bro dos Conselhos Consultivos do Insti-
tute for Advanced Study, Princeton, e da
Fundação Rockefeller, Nova York.
Entre seus livros publicados no Brasil,
os principais títulos são: Capitalismo e
escravidão no Brasil meridional (1962),
Empresário industrial e desenvolvimen-
to econômico no Brasil (1964), Mudan-
ças sociais na América Latina (1969), Po-
lítíca e desenvolvímento em sociedades
dependentes (1971), O modelo político
brasileiro (1972), Autorítarísmo e demo-
cratização (1975), Democracia para mu-
dar (1978), As idéias e seu lugar (1980),
Perspectivas: idéias e atuação política
(1983), A democracia necessária (1985),
A construção da democracia (1993), Ne-
gros em Florianópolis: relações sociais e
econômicas (2000).
É também co-autor de: Dependência
e desenvolvimento na América Latina
(com Enzo Faletto, 1969), Os partidos e
as eleições no Brasil (com B. Lamouníer,
1975), São Paulo 1975: crescimento e po-
breza (et alii, 1975), Amazônia: expan-
são do capitalismo (com G. Muller, 1977),
O Presidente segundo o sociólogo. En-
trevista a Roberto Pompeu de Toledo
(1998), O mundo em português. Um diá-
logo (com Mário Soares, 1998).
Capitalismo e escravidão
no Brasil meridional
Fernando Henrique Cardoso
Capitalismo e escravidão
no Brasil meridional
o negro na sociedade escravocrata
do Rio Grande do Sul
5ª edição revista
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
Rio de Janelfo
2003
COPYRIG HT © Fernando Henrique Cardoso, 2003
CAPA
Rl'gina Fl'rraz
PROJETO GRÁFICO
El'e/)'n Grumach e João de Souza Ll'itl'
IMAGEM DE CAPA
Foto de Victor Frond
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONfE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Inclui bibliografia
ISBN 85 -200-0635-3
CDD - 326.098165
03-0227 CDU - 326(816.5)
Impresso no Brasil
2003
Para
FLORESTAN FERNANDES
pela influência construtiva que exerce no
desenvolvimento da sociologia no Brasil
INTRODUÇÃO 27
CApíTULO I
O escravo na formação do Rio Grande do Sul 55
CAP[TUlO 11
A Sociedade Escravista (realidade e mito) 105
CApíTULO 111
Senhores e escravos 159
CApíTULO IV
Estrutura econômica e política da sociedade escravocrata 197
CApíTULO V
A desintegração da ordem escravocrata 239
CApiTULO VI
O negro na sociedade de classes em formação 305
CONCLUSÕES 345
BIBLIOGRAFIA 355
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Prefácio à sa Edição
Não costumo reler o que escrevi. Tampouco é certo que haja alguma vez
repudiado em bloco o que publiquei. Nunca disse, nem penso assim, que é
melhor "esquecer tudo que escrevi". Essa insinuação maldosa (até porque
exagerada, com o "tudo" correu mundo mas não é verdadeira.
Pois bem, curiosamente, um dos primeiros livros que publiquei, alids o
segundo, este Capitalismo e escravidão no Brasil meridional, foi relido por
mim em 1977, quinze anos depois da primeira edição, e novamente agora,
quarenta anos depois. A primeira releitura foi feita porque eu me incomo-
dava com a Introdução, que me parecia abstrata e de difícil compreensão.
Tentei explicd-la no novo Prefdcio.
Agora reli porque a editora acredita que um texto novo de um sociólo-
go (e ex-presidente) jâna fase mais que madura da vida pode atrair leito-
res. Não o fiz, portanto, por amor egocêntrico à obra produzida.
Confesso, entretanto, que o livro surpreendeu-me. Ele foi talvez o
fruto final da juventude: a pesquisa foi feita quando eu tinha vinte e
cinco anos, até completar a redação aos trinta anos. A volúpia com que
lia os documentos, com que devorava a bibliografia e com que entre-
vistava a comunidade negra gaúcha requer uma energia da qual sinto
saudades.
Mas o livro ressente-se também desta juventude: demasiadas citações,
uma certa insegurança quanto à força das andlises e das interpretações que
leva à repetição, a falta de coragem para cortar e simplificar.
Ainda assim, como tese de doutoramento que foi, parece-me que o li-
vro "pdra em pé".
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Isto não quer dizer que ele, se fosse escrito hoje, seria igual. Se o fosse,
eu não teria aprendido com a vida nem com quarenta anos de estudos e
reflexões.
Mas desiludam-se os caçadores de incongruências e de contradições,
pois o método de análise não mudaria fundamentalmente, nem a visão
apaixonada da questão do negro como ser humano perderia força na aná-
lise da escravidão.
Aliás, creio que um dos pontos fortes do livro foi a revisão da questão
do negro no Brasil, com a análise da produção do preconceito como forma
de manter o negro como um ser "naturalmente" inferior e não apenas so-
cialmente.
Somente Florestan Fernandes (e peço perdão aos autores que desco-
nheço que eventualmente também contribuíram para a renovação da aná-
lise da questão do negro) havia colocado com força a mesma perspectiva,
analisando a situação dos negros paulistas.
Por trás desta revisão estava o horror da "escola paulista de sociolo-
gia" à mistificação sociológica que abrandava os efeitos negativos do
patriarcalismo escravista e insistia na existência, entre nós, de uma "de_
mocracia racial". Talvez a leitura dos capítulos finais deste livro ofereça
argumentos para uma melhor compreensão do "racismo anti-racista" dos
negros, tema em voga nos tempos em que Sartre e Senghor reivindicavam
a "negritude".
Não quero deixar a impressão, entretanto, de que reproduziria hoje,
cem por cento, as interpretações do livro. Sobretudo a parte relativa às
idéias lukacsianas de "consciência adequada", de "falsa consciência da si-
tuação de classe", que me pareceram, na releitura, um tanto metafísicas e
beirando a analogia com a caracterização do proletariado.
Hoje, eu seria mais cuidadoso na transposição da visão marxista-
lukacsiana sobre a impossibilidade do escravo compreender o modo de
funcionamento da sociedade escravocrata (a "totalidade social") a partir
de sua "perspectiva de casta".
Por trás desta afirmação está a idéia de que só o proletariado pode
entender criticamente o funcionamento da sociedade capitalista, lançan-
do mão dos conceitos que a desvendem e demistifiquem. Isso porque, ao
entendê-la a partir da consciência de sua posição de classe (compreendendo
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Isto, que pode parecer "ecletismo" aos marxistas teológicos, era usual
entre os que foram alunos e trabalharam com Florestan Fernandes. A pai-
xão pelo conhecimento, a pachorra da análise, os tormentos da síntese não
respeitavam as "escolas" político-filosóficas. Podíamos até tê-las, mas éra-
mos, como sou em quase tudo hoje, heréticos e antifundamentalistas.
Em um tempo como o nosso, no qual o fundamentalismo (religioso
ou secular, político ou científico, pouco importa) está levando o mundo a
guerras de conseqüências incalculáveis, acredito que, mais do que nunca, é
preciso ser mais tolerante e ter menos a pretensão à pedra filosofaI, tanto
no método de análise como na vida. Mais valem o pluralismo eclético e o
diálogo democrático de pontos de vista (ainda que na mesma pessoa) do
que as certezas e as crenças absolutas que não levam ao conhecimento mais
amplo e freqüentemente levam, sim, à negação da Razão.
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Prefácio 2a Edição
Quinze anos depois da publicação deste livro, sai nova edição sem qualquer
mudança no texto. Uma releitura cuidadosa permitiria fazer modificações em
algumas das interpretações propostas e, especialmente, aconselharia aliviar o
livro das muitas notas de pé de página e de algumas complicações desnecessá-
rias. Achei, contudo, que seria melhor deixar os defeitos (e eventuais qualida-
des) da edição original. Um livro, se possui estrutura mais ou menos sólida,
ressente modificações parciais. Elas freqüentemente o tornam capenga. Não
participo do ponto de vista dos que preferem dar injeções de óleo canforado
em textos antigos para ver se eles caminham melhor: ou bem se escreve outro
trabalho, ou não se autoriza a reedição. Alterações menores são sempre possí-
veis e podem ser úteis. Em regra, entretanto, prefiro deixar que os enganos de
interpretação posteriormente descobertos continuem nas reedições para mos-
trar que na vida intelectual o percurso é tão importante quanto o resultado.
Além disto, eu ainda gosto deste livro. Escrevê-lo custou-me enorme tra-
balho e eu o fiz quando vivia totalmente dedicado às atividades da Universi-
dade de São Paulo. Não havia saído do país e meu horizonte intelectual
limitava-se à antiga Rua Maria Antônia de nossa Faculdade de Filosofia, Ciên-
cias e Letras. Nela, o debate intenso, especialmente o de um pequeno grupo -
hoje em grande parte distante da Universidade por imposições de força -,
tentava acompanhar o debate cultural contemporâneo a duras penas. A gera-
ção anterior à minha, de Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Gioconda
Mussolini, Mário Wagner Vieira da Cunha, Lourival Gomes Machado e tan-
tos outros, havia renovado a vida universitária, sob influência direta dos pro-
fessores estrangeiros e de homens como Fernando de Azevedo. A busca contínua
de um «padrão de trabalho científico", a disciplina da pesquisa histórica e de
campo, os muitos anos de contato com professores como Roger Bastide,
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Eu sei, hoje, que tudo isto é problemático. Imagino que os filósofos conti-
nuem esgrimindo-se por causa da incompatibilidade entre a interpretação
lukacsiana de Marx e o materialismo histórico. Sei também que a noção de
"projeto" de Sartre introduz a temática da consciência pela porta dos fundos
na discussão dialética. Poderia até dizer que epistemologicamente Sartre está
mais próximo de Descartes do que de Marx.
Apesar disto, foi com aquelas ferramentas teóricas - ou melhor, com
aquela inspiração - que tentei utilizar a dialética marxista para reconstituir
a sociedade escravocrata do Sul sem apenas repetir o bê-á-bá e sem conten-
tar-me com formulações que, sob a aparência de síntese, escondem do leitor
a ignorância da história. Tentei usar a dialética de modo heurístico e não
dogmático, e não escrevi como se nunca tivesse lido Weber, Parson e os de-
mais sociólogos. E tinha bem próximo a mim o modelo e o esforço de
Florestan Fernandes que sempre insistiu na relação entre ciência e história,
pesquisa e reflexão.
Alguns intelectuais das gerações posteriores leram Marx pela mão de
Althusser. Sem resquícios, talvez, de uma problemática do sujeito e do
historicismo. Estritamente científicos e materialistas. Talvez mais materialis-
tas do que dialetas. Apesar disto - ou quem sabe até por isto - não creio que
a leitura althusseriana de Marx leve alguém a analisar de verdade um processo
histórico. Vai ser preciso que da sombra de Gramsci ou de algum outro mar-
xista não seminarista renasça um momento de liberdade para permitir, como
Sartre e Lukacs permitiram, apesar ou talvez até por causa de seus pecados,
que o marxismo deixe de ser um catecismo e volte a ser forma inspirada, e
mesmo apaixonada, de conhecimento da vida. Por sorte, pelo menos no Bra-
sil, muitos continuaram lendo Marx buscando inspirar-se para entender a rea-
lidade contemporânea e não apenas para repetir o já sabido com um jargão de
versículo de bíblia, conforme a moda. O esforço da pesquisa nas ciências so-
ciais cresceu e o número de teses criadoras feitas pelas novas gerações é consi-
derável. A persistência do esforço de pesquisa ao lado do intenso debate
metodológico, apesar dos anos de repressão que a Universidade enfrentou no
Brasil, é prova da vitalidade das novas gerações, que lutam contra o ranço
burocrático conformista.
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que fazer? A ciência social (histórica) não dá paz aos espíritos que precisam
crer em verdades incontestáveis para sobreviver.
Algumas outras questões foram abordadas na Introdução. Não creio que
seja oportuno repeti-las ou esclarecê-las. Com boa vontade e paciência o lei-
tor poderá traduzir os sinais hieroglíficos com que as expus a uma linguagem
mais simples, referida a problemas menos abstratos. Cometi também algu-
mas injustiças, especialmente no caso de Lévi-Strauss quando me referi ao modo
como os estruturalistas fazem as análises de sentido (de conteúdo). Diga-se, a
título de desculpa, que quando escrevi o Prefácio só estavam publicados a
Anthopologie Structurale, Les Structures Élémentaires de la Parenté eLes
Tristes Tropiques. E dei a impressão, quando me referi a Mannheim e a Freyer,
de que faziam análises dialéticas não ideológicas, o que não é o caso. Pecados
veniais, espero, para quem partia com tanta ambição, compartida por vários
colegas, para mostrar que justificava-se intelectualmente utilizar a dialética
para algo mais do que a mera racionalização ideológica. Continuo, por certo,
pensando assim.
NOTAS
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Prefácio à 1a Edição
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Introdução
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"Aqui, no Livro 111, não se trata de formular reflexões gerais sobre esta
unidade (a unidade do processo de produção e do processo de circula-
ção), mas, pelo contrário, de descobrir e expor as formas concretas que
surgem do processo de movimento do capital considerado como um todo.
Em seu movimento real os capitais se enfrentam sob estas formas con-
cretas, nas quais tanto o perfil do capital no processo direto de produção
como seu perfil no processo de circulação não são mais do que dois
momentos específicos e determinados. As manifestações do capital, tal
como se desenvolvem neste livro, vão-se aproximando, pois, gradualmen-
te, da forma sob a qual se apresentam na própria superfície da socieda-
de, através da ação mútua dos diversos capitais, através da concorrência,
e tal como se refletem na consciência habitual dos agentes da produção."5
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II
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totalidade como concreto. Por isso, neste e nos dois capítulos subseqüen-
tes, a análise passa do nível da discussão das condições funcionais e estru-
turais de manutenção do sistema escravocrata para a análise da atividade
social concreta, vista, a um tempo, como resultado social e como proce-
dimento de invenção da história.
Com efeito, a partir do quarto capítulo e, principalmente, no quinto
("A desintegração da ordem escravocrata") e no sexto ("O negro na soci-
edade de classes em formação"), o andamento da exposição se altera: a
história é vista "en se faisant". A problemática se enriquece graças à dis-
cussão das questões relativas à "consciência da situação", que se torna
indispensável para explicar, já agora sem o risco de ser mera análise
mistificadora, as condições particulare,s pelas quais a situação social se
apresenta historicamente aos agentes sociais e para determinar as linhas
de alternativas possíveis que se abriam para a ação, entendida como práxis.
No quinto capítulo analisam-se tanto os requisitos de funcionamento
do sistema servil como o processo de desagregação da ordem escravocrata
(em termos dos interesses sociais em jogo e da consciência da situação).
Retoma-se a discussão sobre o sistema escravocrata porque só na desa-
gregação do sistema revelam-se de forma nítida as condições, fatores,
processos e mecanismos que interferem no seu funcionamento: a violên-
cia como vínculo básico da relação escravista aparece claramente na
antiviolência, também violenta, do escravo que se rebela; e, por outro lado,
a consciência das condições de funcionamento do sistema evidencia-se,
para os coevos, nos momentos de sua desagregação: a impraticabilidade
de o capitalismo expandir-se além de certos limites através da escravidão
demonstra-se no esforço ingente de criação de formas de retribuição
pecuniária aos escravos no período de dissolução do regime. A discussão
sobre a desagregação do sistema foi feita através da análise dos dois pro-
cessos que diretamente abalaram a escravidão no sul: a imigração e a abo-
lição.
No quinto capítulo e no capítulo final a exposição se desenvolve de
forma a lidar com os vários níveis da totalidade concreta: analisam-se,
simultaneamente, nas condições da ação (estruturais e organizatórias), a
consciência real e possível da situação social e a ação como práxis. Vêem-
se, a um tempo, os efeitos sobre o comportamento do negro livre exercidos
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Devo advertir, ainda, que não se tentou explicar a relação entre fins
desejados, condições de realização das ações e resultados obtidos, como
uma sucessão de fatores externos uns aos outros, ou opostos pela própria
natureza (como condições subjetivas individuais, por um lado, e fatores
independentes da ação humana particular, por outro). Desses equívocos
procurei guardar-me nas interpretações, graças à utilização do conceito
de práxis, que nada mais é, com efeito, senão:
NOTAS
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2. Sobre o grau de generalização que se obtém neste tipo de investigação, ver Florestan
Fernandes, "A reconstrução da Realidade nas Ciências Sociais", Fundamentos
Empíricos da Explicação Sociológica, op. cit., págs. 33-34.
3. Estas explanações fundam-se nos seguintes trabalhos de Marx:
a) El Capital, crítica de la economía política, trad. de Wenceslao Roces, Fondo de
Cultura Económica, México, 1946, 3 tomos.
b) Contribuição à Crítica da Economia Política, trad. de Florestan Fernandes,
Editora Flama, S. Paulo, 1946.
c) Misere de la Philosophie, Éditions Sociales, Paris, 1947.
4. Marx, El Capital, op. cit., tomo m, voI. I, pág. 79. Os capítulos I e 11 deste volume
são essenciais para a compreensão do problema metodológico aqui indicado. En-
quanto "realidade" (com aparência) a mais-valia não é; enquanto conceito ela nega
a aparência que assume como realidade mistificada: "Partindo de uma taxa de mais-
valia dada e de uma magnitude desta taxa, a taxa de mais-valia não expressa senão
o que em realidade é; uma medida distinta da mais-valia na qual se toma como
base o valor do capital em seu conjunto e não simplesmente o valor da parte do
capital de que nasce diretamente (o capital variável- F.H.) mediante a troca com
o trabalho. Mas na realidade (quer dizer, no mundo dos fenômenos) as coisas ocor-
rem inversamente (...)", pág. 78.
5. Marx, El Capital, tomo m, voI. I, pág. 57.
6. A própria noção de valor, se, no sistema capitalista desenvolvido, parece um con-
ceito que desempenha, logicamente, uma função básica, é a expressão consciente
de um processo histórico que, como tal, aparece historicamente antes do pleno
desenvolvimento do sistema capitalista (na economia de trocas diretas).
7. Marx, El Capital, op. cit., tomo I, voI. I, pág. 39.
8. Giannotti, J. Arthur, "Notas para uma análise metodológica de O Capital", Revis-
ta Brasiliense, nO 29, São Paulo, maio-junho de 1960, pág. 65. Ver também, sobre
o mesmo problema, pág. 69.
9. "A própria ciência histórica burguesa visa, é verdade, estudos concretos; ela acusa
mesmo o materialismo histórico de violar a unicidade concreta dos acontecimen-
tos históricos. Seu erro está em pretender encontrar esse concreto no indivíduo
histórico empírico (trate-se de um homem, de uma classe ou de um povo) e na
consciência que é dada empiricamente (quer dizer, dada pela psicologia individual
ou pela psicologia das massas). Porém, quando ela crê ter encontrado o que há de
mais concreto, está o mais longe possível desse concreto: a sociedade como totali-
dade concreta, a organização da produção num nível determinado do desenvolvi-
mento social e a divisão em classes que ela opera na sociedade". Lukacs, G., Histoire
et Conscience de Classe, Les Éditions de Minuit, Paris, 1960. O trabalho de Lukacs
aqui referido, especialmente o artigo sobre consciência de classe, do mesmo livro,
é fundamental para a análise de conceito de totalidade na dialética.
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CApíTULO I O escravo na formação do
Rio Grande do Sul
A importância relativamente pequena do escravo na organização do tra-
balho do Brasil Meridional tem sido acentuada por todos os autores que
se preocuparam com o problema. A existência generalizada de escravos
também tem sido ressaltada, por outro lado, por quase todos. Cumpre,
entretanto, distinguir áreas e momentos históricos da região que se desig-
na comumente como o Brasil Meridional (Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul) para que estas afirmações ganhem sentido.
Já salientei noutro trabalho l que a compreensão do processo de de-
senvolvimento da economia sulina depende da análise das funções eco-
nômicas que ela desempenhou, graças à maneira peculiar pela qual se
articulou com o que se poderia designar como a economia propriamente
colonial do Brasil, isto é, com o setor exportador da economia. Esta aná-
lise mostra que houve áreas do Brasil Meridional cuja produção, em de-
terminados momentos históricos, articulou-se com a economia colonial
como uma economia subsidiária, mas de vital importância para seu de-
senvolvimento. Outras áreas, entretanto, povoaram-se e mantiveram-se
organizadas em torno de padrões de "economia de subsistência", ligan-
do-se apenas ocasionalmente às áreas da economia exportadora do país,
mantendo-se, em regra, fechadas sobre si próprias.
O escravo foi utilizado de forma variável no Brasil Meridional con-
forme a área considerada se inserisse, num dado momento histórico, no
plano da economia mercantil organizada para atender os estímulos das
áreas mais desenvolvidas do país ou da região do Prata (isto é, para aten-
der o mercado que se formava graças à atividade da economia de expor-
tação), ou se organizasse nos moldes da economia de subsistência. No
primeiro caso havia a utilização regular do braço escravo, no segundo caso
a utilização do escravo tendia a ser insignificante.
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Aurélio Pôrto calcula que em 1787 havia 526 brancos, 285 negros e
189 índios para cada mil habitantes. Os livros de registro de batismo de
Jesus-Maria-José mostram que, em 1738, houve o batismo de 2 negros
e 2 índios para 4 brancos. Dos 350 batizados que Aurélio Pôrto compu-
tou entre 1747 e 1758,21 foram de negros, 21 de índios e 303 de bran-
cos12• É conhecida a inconsistência das informações sobre as populações
coloniais, principalmente sobre a composição dessas populações segun-
do a cor ou a condição. Mesmo assim, a proporção entre brancos e ne-
gros em muitas freguesias do Rio Grande parece não deixar margem a
dúvidas sobre a importância do coeficiente de negros no conjunto da
população. Além disso, o recenseamento de 1814, transcrito do Apenso
ao quadro estatístico de 1868 organizado por Antonio Eleutherio de
Camargo, confirma as indicações do levantamento de 178 O, ampliando
as informações desse mapa pela determinação da condição da popula-
ção negra:
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N.B.: Santo Amaro, hoje é General Câmara; N. S. dos Anjos é Gravataí; e São Luiz de Mostardas,
São José do Norte.
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lá, diz o Almanak. E acrescenta: "Não ha duvida que esta capitania póde
pelo tempo adiante ter gados para toda a América, e ainda para expor-
tar muitas carnes salgadas para fóra, mas é preciso que o governo, mu-
nido de ordens superiores, obrigue todos os fazendeiros a fazerem nas
suas fazendas os precisos rodeios nos seus gados, e apezar de grandes
despezas que se precisam fazer, os façam amansar e chegar todas as se-
manas aos curraes, porque ha muitas fazendas, todas alçadas, e a maior
parte dos fazendeiros, ainda os mais ricos, apenas têm a quarta parte do
gado manso, e ainda vem aos curraes e rodeios, que se costumam fazer;
todo o mais é tão bravo como os touros de Portugal que vêm aos
curros"33.
Em 1820 já não deveria ser tão generalizada a ausência de rodeios,
pois mesmo nos campos de Ibicuí, nas fronteiras do Rio Uruguai, havia
rodeios regularmente, segundo o testemunho de Saint-Hilaire: "aqui, dis-
se-me meu hospedeiro, pode-se marcar anualmente, um quarto do reba-
nho existente. Quando um estancieiro possui 4.000 bovinos pode marcar
anualmente 1.000 novos, donde saem 100 para os dizimeiros. Dos 900
restantes as vacas (cêrca de 450) ocuparão os lugares das que são abatidas
ou morrem. Dos 450 machos são deduzidos 50 que morrem de moléstias
naturais, ou por acidente de castração"34. Ainda assim, a atividade pasto-
ril desenvolvia-se mais como uma mercê da natureza que como fruto do
trabalho humano: "Os homens ricos desta Capitania são os possuidores
de rebanhos, aos quais não dão cuidado algum e que se multiplicam facil-
mente", registrou o naturalista judiciosamentés. Persistia na década de
1820, portanto, a situação de uma economia que mais se apropriava dos
dons da natureza do que criava, com o trabalho humano, a riqueza. Em
suas Memórias, Gonçalves Chaves relata a freqüência com que se roubava
ou abatia gado alheio de forma generalizada no Rio Grande do Sul: "Cada
homem mata as rezes de seu vizinho para gasto da sua casa, sem procurar
paga-la, ainda que sempre se cobre com o pretexto de pagar com outra.
Quasi geral ha muito pouco escrupulo em matar rezes para comer, an-
dando em viagem, e tomar cavalios sem consentimento de seu dono"36.
Este costume indica que, até então, a economia criatória do sul são se
moldava como uma empresa organizada para obter lucros e tão-somente
para isso.
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Profissões Escravos
Homens Mulheres Total
artistas 38 26 64
marítimos 39 - 39
pescadores 14 - 14
costureiros - 3.342 3.342
canteiros, calafates, mineiros
e cavouqueiros 11 - 11
operários em metais 23 - 23
operários em madeiras 205 . 205
operários em tecidos - 27 27
operários de edificações 14 - 14
operários de vestuários 13 . 13
operários de chapéus 8 - 8
operários de calçados 42 - 42
lavradores 29.363 19.373 48.736
criados e jornaleiros 563 403 966
serviço doméstico 242 1.178 1.410
sem profissão 5.121 7.756 12.877
Total 35.686 32.705 67.791
3. CONCLUSÕES
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NOTAS
1. Cor e mobilidade social em Florianópolis, aspectos das relações entre negros e brancos
numa comunidade do Brasil Meridional, em colaboração com Octávio lanni, Com-
panhia Editora Nacional, Coleção Brasiliana, vol. 307, São Paulo, 1960, capo I.
2. Vale reproduzir aqui a acurada observação de Antônio José Gonçalves Chaves nas
"Memorias Economo-Politicas", reeditadas por J. B. Hafkmeyer S. J., na Revista
do Instituto Histórico e Geographico do Rio Grande do Sul, 11 e III trimestres, ano
11, Porto Alegre, 1922. Este autor, charqueador e comerciante, homem lúcido e
muito bem informado, dizia em 1833, embora referindo-se à utilização da carne-
seca e não a outros gêneros da alimentação: "Os proprietários de Escravos e gente
livre não dependem da carne-seca em parte nenhuma do Brasil para sua manuten-
ção, se não nos lugares aonde os grandes preços do algodão, açúcar, tabaco, café e
outros artigos conhecidos comumente por gêneros Coloniais, e que constituem o
máximo das exportações do Brasil, desvia os homens de demandar à terra respec-
tiva os comestíveis, de que carecem" (pág. 139).
3. Sobre o conceito de excedente econômico, ver Baran, Paul A., A Economia Política
do Desenvolvimento Econômico, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1960 (tradução
de S. Ferreira da Cunha), capítulo segundo.
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASil MERIDIONAL
Utilizarei na parte inicial deste capítulo a noção de capital em sentido lato, con-
forme é corrente na economia moderna.
4. Cf. F. H. Cardoso e O. Ianni, loco cit., Borges Fortes ressalta a mesma coincidência
de interesses econômicos e políticos na conquista do Brasil Meridional: "Reuni-
ram-se, assim, todas as conveniências. As do governo, do Rei da Capitania, na afir-
mação da soberania do território, na colheita de impostos, na manutenção da linha
de comunicações com a Colônia: as dos pioneiros do Rio Grande com a facilidade
de virem buscar gados e os cavalos nas campanhas ermas do Sul criando-se a for-
tuna própria e a prosperidade da incipiente vila da Laguna", Rio Grande de São
Pedro (Povoamento e Conquista). Biblioteca Militar, vol. XXXVII, Rio de Janei-
ro, 1941, pág. 19.
Também Jaime Cortesão, "O território da Colônia do Sacramento e a Forma-
ção dos Estados Platinos", Revista de História, ano V, nO 17, janeiro-março de 1954.
São Paulo, págs. 135-165, chama a atenção para a importância do comércio por-
tuguês nas Vacarias do Mar. Antes da exploração regular das tropas e muito antes
da indústria da salga, a exportação de couros constituiu base da atividade econô-
mica e do povoamento da vasta região que ia de Laguna à Colônia, e do litoral às
Missões. Refere Cortesão à página 141 de seu artigo: "Tamanho foi o desenvolvi-
mento tomado por este negócio que, em 1702, a Fazenda Real resolveu arrematar,
pela quantia, enorme para a época, de 70.000 cruzados anuais, a caçada dos cou-
ros nas campanhas da Colônia. É então que pela primeira vez aparece no cenário
do território da Colônia, donde volvido alguns anos ia destacar-se a Província de
São Pedro, o grande desbravador dessas regiões, o português Cristóvão Pereira de
Abreu, que arrematou esse contrato."
5. A importância militar das estâncias fica patente quando se sabe que as sedes eram
construídas em pontos elevados, como no geral também o eram as cidades da cam-
panha oriundas de antigas estâncias, para permitir melhor defesa.
6. As atas, no período relativo ao século XVIII, foram publicadas pelo Boletim Muni-
cipal da Prefeitura de Porto Alegre, que vem indicado na Bibliografia Geral deste
trabalho. Sobre o teor dessas informações os exemplos que transcrevo a seguir ilus-
tram seu significado: "Registro de carta que os oficiais da Câmara escreveram a S.
Magestade pedindo para os moradores do Rio Grande uma ração de carne por
esmola: (...) Muitos destes moradores vivião de commercio e na mesma invazão
(castelhana, na época de d. Pedro de Ceballos) perderão as fazendas que conservavão
nas suas lojas e devião a maior parte d'ellas aos commerciantes da cidade do Rio
de Janeiro e devendo estes compadecer-se da consternação a que se achão reduzi-
dos só cuidam em os mandar executar para que lhes satisfação o que lhes devem
com o fim de lhe tirar alguns escravos que poderão escapar com os quaes trabalhão
em lavouras para o fim de se poderem sustentar e as suas famílias, impossibilitan-
do-os de todos os meios de subsistirem (...)", Boletim Municipal, Prefeitura Muni-
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cipal de Porto Alegre, ano UI, nO 9, 1941, págs. 474-475. No mesmo Boletim, à
página 477, há nova referência aos prejuízos ocasionados pela invasão castelhana
à cidade do Rio Grande, quando os habitantes "não puderam salvar mais que al-
guma roupa e parte dos seus escravos".
7. Felix de Azara, Memoria sobre el Estado Rural dei Rio de la Plata y otros informes,
Editorial Bajel, Buenos Aires, 1943, defende, na Memoria de 1801, a não restitui-
ção dos negros fugidos dos portugueses. Com o peso de sua experiência das coisas
platinas assegura a importância para os espanhóis do contrabando de escravos, cf.
págs. 20-21. Manoel Antônio de Magalhães, em 1808, dizia: "Jamais se deverão
consentir à exportação do domínio de toda a América portuguesa escravo algum,
pois não só é enfraquecer as nossas colonias, por engrossar quatro homens que
n'ellas commerciam, mas dar forças ao inimigo, ao mesmo tempo que todas as
nossas capitanias se acham na maior necessidade d'elles, como é constante, e o
alto galarim a que elles tem chegado com a exportação, que há mais de vinte annos
se faz para Montevideo, faz com que no curso d'este tempo, por uma boa conM,
passem de sessenta mil, que para ali se têm transportado, e não so faz que a pobre-
za jamais possa comprar um escravo, mas porque todos estes tem passado por
contrabando, sem pagarem os competentes direitos a S.A.R.", in "Almanack da
villa de Porto Alegre, com reflexões sobre o estado da Capitania do Rio Grande
do Sul", Revista Trimensal do Instituto Histórico e Etnographico do Brasil, Rio de
Janeiro, tomo XXX, la parte, 1867, pág. 47.
8. Arsene Isabelle, Viagem ao Rio Grande do Sul (1833-1834), tradução e notas de
Dante de Laytano, seção do Arquivo Histórico do Museu Júlio de Castilhos, Se-
cretaria da Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
1946, págs. 20 e 33.
9. "Pelas onze horas, surge um escravo, munido de água e toalha, para o rosto e as
mãos, seguindo-se-lhe de perto um outro, que traz a água quente e fria, para lavar
os pés (...). John Luccock, Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do
Brasil. Tradução de Milton da Silva Rodrigues, Livraria Martins Editora, São Pau-
lo, 2 a edição, 1951, pág. 145.
10. Studem, Elena F. S., La Trata de Negros en el Río de la Plata durante el sigla XVIII,
Departamento Editorial de la Universidad de Buenos Ayres, Buenos Aires, 1958,
pág. 262, nota 1.
11. Cf. Transcrição de Dante de Laytano, "O negro no Rio Grande do Sul", Primeiro
Seminário de Estudos Gaúchos, Universidade Católica do R.G.S., Porto Alegre,
1957, págs. 34-35. Sobre a presença de negros na formação do Rio Grande, ver
também Ericksen, Nestor, O Negro no Rio Grande do Sul, Livraria do Globo, Por-
to Alegre, 1940.
12. Cf. Aurélio Pôrto, "O Elemento Africano na Formação Étnica do Rio Grande do
Sul", A Manhã, Rio, 15-11-1942.
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
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propriedade rural gaúcha no') fins do século XVIII: "Os primeiros chefes de casal
prosperando com o produto das colheitas de trigo adquiriam escravos a fim de
incrementar as lavouras, requerendo maiores datas de terra logo que dispunham
de cabedais bastantes para sua demarcação e cultura.
Certa suficiência econômica parece ter sido condição exigida pelos governa-
dores para conceder as sesmarias. Ao lado, porém, desses lavradores, constituídos
de açorianos e sua prole, robustecendo-se lentamente, pelo trabalho da terra e pelo
comércio, surgiam, paralelamente, outros domínios, concedidos a negociantes enri-
quecidos no tráfico e, principalmente, à gente de qualidade, que vinha a serviço
das tropas".
20. O inventário de Jeronymo de Ornellas Menezes e Vasconcellos, um dos mais anti-
gos povoadores do Viamão, indica que deixou apenas 8 escravos na sua herança.
Cf. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, nO 80, ano
XX, Porto Alegre, dezembro de 1940, pág. 360.
21. Sobre a produção ou a exportação de trigo ver, principalmente, A. J. Gonçalvez
Chaves, Memorias economo-politicas, op. cit., págs. 92-93; Alfredo Varela, Rio
Grande do Sul, descripção phisica, historica e economica, voI. 1°, Echenique &
Irmãos Editora, Porto Alegre, 1897, pág. 439; Olinto Sam Martim, ''Aspectos Eco-
nômicos da Villa Porto Alegre", in Revista do Instituto Historico e Geographico do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1943, nO 89, ano XXIII, pág. 126; Aurélio Pôrto,
Dicionário enciclopédico do Rio Grande do Sul, Editora Universo Ltda., Porto Ale-
gre, 1936-1937, verbete "açoreana", fascículo I, pág. 64 e segs.
22. A explicação de Gonçalves Chaves sobre a decadência da cultura do trigo baseia-
se na inexistência de amparo governamental à agricultura, somada à moléstia vul-
garmente chamada ferrugem, que atacou os trigais gaúchos. Achava este autor que
só com a importação de novas sementes o mal seria sanado. Dreys, Nicolao, No-
ticia Descriptiva da Provincia do Rio Grande de São Pedro do Sul, J. Villeneuve e
Comp., Rio de Janeiro, 1838, concorda com esta explicação e atribui a ferrugem
à qualidade do solo, arenoso, em que se plantavam os trigais. Muitos autores en-
dossaram estas explicações, acrescentando um ou outro fator novo que teria
coadjuvado a ferrugem na faina de exterminar os trigais sulinos. Assim, há os que
lembram, não sem razão, os efeitos negativos para a agricultura da política militar
de recrutamento de homens do campo e de "embargos" de mantimentos para o
munício das tropas. Entretanto, a explicação da decadência da agricultura gaúcha
parece ser outra, como sugere o Desembargador Florêncio de Abreu, no trabalho
O Gado bovino e sua influência na antropogeografia do Rio Grande do Sul, Rio,
1942. Parece que a economia do gado passou a ser tão lucrativa que houve o aban-
dono da agricultura de vários cereais no Rio Grande do Sul e não apenas do trigo.
A importação de novas sementes seria possível, se houvesse incentivo econômico
real para propiciá-Ia. Os estragos da política militar sobre a agricultura haviam
9 O
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
sido tão ou mais intensos no século XVIII do que no século XIX e o trigo continuara
a ser plantado. Entretanto, com a desorganização da economia criatória do Prata,
a estância impôs-se de forma avassaladora. Acresce que a criação exige muito menos
braços do que os trigais, virtude que não podia ser desprezada no Sul. A opinião
de Florêncio de Abreu é compartilhada também por Assis Brasil.
23. Cf. Verbete açoreana no dicionário já referido de Aurélio Pôrto, pág. 64.
24. Cf. Cor e Mobilidade Social em Florian6polis, já indicado.
25. Há muitas referências aos transtornos que a política de recrutamento e de em-
bargos causou à agricultura. Indicarei aqui apenas duas fontes clássicas. Primei-
ro, Manoel Antônio de Magalhães, op. cit., pág. 54: "parece acertado que no
tempo de paz todos os soldados filhos de agricultor se devem licenciar no tempo
das plantações e colheitas, não só para ajudar seus pais e parentes, mas para ga-
nharem com que se possam melhor tratar, e o serviço de trezentos ou quatrocen-
tos homens licenciados n'aquelle tempo, por força deve adiantar muito a
agricultura da capitania (...}". Esta proposta mostra também o que afirmo neste
trabalho: que o cultivo dependia do braço do agricultor e de seus familiares, não
obstante a utilização de escravos. O segundo depoimento é de Sebastião Francis-
co Bettamio, escrito em 1780. Bettamio propõe a criação de armazéns reais (es-
pécie de silos): "Tudo isto será de grande utilidade, mas para se executar é preciso
que os lavradores lha achem, especialmente na verdade e promptidão com que
se lhes devem fazer as entregas dos productos dos seus fructos, não se lhes to-
mando para a Fazenda Real sem se lhes pagarem; porque se suppozerem que é
forma de lhes fazerem para este effeito ajuntar os seus fructos, ficarão desconfi-
ados, e os esconderão, ficando frustrado todo o trabalho, o qual deve ser só em
os animar, e mostrar-lhes as utilidades que se lhes seguem, e que elles com effeito
as percebão para se lhes desvanecer a desconfiança em que vivem por causa das
dividas que com elles se tem contrahido pela Fazenda Real, procedidas de fructos
que se lhes tem tomado, e estão por pagar", in "Noticia Particular do Continen-
te do Rio Grande do Sul", Revista do Instituto Historico e Geographico Brasilei-
ro, tomo XXI, 3° trimestre de 1858, Typographia Brasiliense de Maximiano
Gomes Ribeiro, Rio de Janeiro, 1858, pág. 258.
26. Aurélio Pôrto, op. cit., nota 20 da pág. 64. Os moinhos de trigo foram erguidos só
depois de 1773, data em que, segundo se pode ler em Borges Fortes, op. cit., pág.
88, chegaram pelo navio "Campelo" oito pedras para a construção de moinhos.
Azeredo Coutinho aponta que em 1793 teria havido proibição da entrada de trigo
gaúcho em Portugal para evitar a concorrência com os agricultores metropolita-
nos. A proibição, segundo a mesma fonte, teria provocado desinteresse pelas plan-
tações do cereal no Rio Grande e, mais tarde, dificuldades de suprimento para a
população e os exércitos portugueses. Os dados e as indicações acima contradi-
zem a segunda parte das informações de Azeredo Coutinho: apesar de ter a "polí-
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
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disparates pelos índios, não se enriquecendo nunca. Vários fogem para não se sub-
meterem ao serviço do rei, o qual é aqui muito mais penoso que na Capitania de
São Paulo: outros vêm na esperança de fazer fortunas e se empobrecem mais. A
maior parte não tem, aliás, o projeto de permanecer nesta Capitania; uns come-
tem maus negócios e envergonham-se de regressar; outros finalmente metem-se
em diversos negócios complicados e envelhecem fazendo cada ano a intenção de
atravessar o deserto, em retôrno, no ano seguinte"(235-236).
40. Lallemant, op. cit., pág. 324.
41. Mawe, John, Viagens ao interior do Brasil, Zélio Valverde, Rio de Janeiro, 1944,
trad. de Solena Benevides Viana, pág. 300.
42. Dreys, op. cit., pág. 142. Manoelito de Ornellas, no livro Gaúchos e Beduínos, José
Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1956, 2 a edição, pág. 26, também sublinha a
existência de negros campeadores no Rio Grande do Sul. Da mesma forma, Nestor
Ericksen, op. cit., pág. 18, ressalta que havia peões negros.
43. Dreys,op. cit., pág. 203.
44. Sobre a economia extrativa pude comprovar apenas o emprego de escravos nas lavras
de ouro: "Uma infinidade de riachos e terrenos são auríferos nesta Província, mas os
métodos de lavagem são muito ruins e o pó que se obtém não dá grande resultado ao
proprietário de negros empregados neste serviço", Isabelle, op. cit., pág. 36.
Arsene Isabelle, em trabalho posterior, Emigração e Colonização, Gráfica Edi-
tora Souza, Rio, 1951, confirma a utilização de negros nas lavras de Caçapava, di-
zendo que "os pretos escravos utilizados nesse trabalho o fazem com indolência e
sem a menor atenção" (pág. 58). Ainda sobre a utilização da mão-de-obra escrava
nas lavras, convém realçar que quantitativamente sua importância foi pequena. O
presidente Angelo Muniz da Silva Ferraz diz que em "1857 extrahião-se (no destrito
de Santo Antônio de Serra) apenas 4.600 oitavos, empregando-se na mineração 29
pessoas livres e escravos, inclusive alguns faiscadores" in Relatorio do Presidente de
São Pedro do Rio Grande do Sul, Angelo Muniz da Silva Ferraz, apresentado à Assem-
bléia Legislativa Provincial na la Sessão da ga Legislatura, Typographia do Correio
do Sul, Porto Alegre, 1858, pág. 37. Na freguesia de São Sepé, segundo a mesma
fonte, pág. 38, "trabalhavão 46 pessoas, entre livres e escravos", na mineração.
Nem com relação ao carvão (onde parece ter sido empregado o trabalhador
livre), nem com relação ao mate, de tão grande importância, encontrei dados com-
pletos. A exploração do mate foi contínua no Rio Grande. Entretanto, tratava-se
de atividade puramente extrativa, baseada em tecnologia muito rudimentar. Dreys
assim se refere a essa produção: "(...) a herva-matte, que ainda se está preparando
pelo methodo imperfeito da selvagem industria dos Indios das antigas Missões,
industria estacionaria que, em perto de 3 seculos, não fez quase progressos alguns,
e que a guerra tem necessariamente tornado morosa e, para assim dizer, nulla, (...)",
op. cit., pág. 162. Também Gonçalves Chaves, op. cit., págs. 165-169, dá conta do
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
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das estâncias. Infelizmente esta documentação jaz inédita nos arquivos. Parece que
por volta dos meados do século a estância próspera do sul contava com escravaria
numerosa, tanto para o serviço doméstico como para a produção. O inventário de
Bento Gonçalves, que era estancieiro da fronteira (onde a utilização de negros nunca
foi grande), acusa 33 escravos, em 1857, Cf. "Inventário dos bens deixados pelo
Cel. Bento Gonçalves da Silva", Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 1947, ano XXVII, nO 105 a 108, pág. 40.
50. Ver o regulamento, registrado a mão, "Instrução para o Snr. João Francisco da Silva,
Capataz da Estância da Música" redigido por João Francisco Vieira Braga, datado·
de 28-7-1832, na estância de São João. No arquivo Vieira Braga existe a correspon-
dência sobre a administração da estância, entre o proprietário e o capataz.
51. Nas vizinhanças das cidades a utilização dos escravos nas lides campestres já devia
ser norma. Em 1827, por exemplo, anunciava-se no jornal Diário de Pôrto Alegre,
nO 75 de 5-9-1827, a venda de uma fazenda nos seguintes termos: "Vende-se a Fa-
zenda Morretes (...) distante desta cidade, trez leguas, tem boas Cazas de vivenda,
Pomar, Olaria, Engenhos de cana e farinha, vinte e cinco Escravos, Oleiros, Campeiros
e Roceiros, Boiada e mais gado manço de criar, Animaes cavallares, ovelhas, Embar-
cações, e mais utensilios da mesma Fazenda (...)" in Rita Gomes Soares, "Coleção de
Anúncios do Diário de Pôrto Alegre de 1827", Comunicações e Contribuições do
Serviço de Arquivo Histórico do Estado, saparata dos Anais do III Congresso Sul-Rio-
grandense de História e Geografia, Porto Alegre, 1940, pág. 91.
52. Em 1846 parece que a utilização do indígena já era bem menos intensa. Caxias, então
Conde e Presidente da Província, lamentava que com tanto índio disponível houvesse
a importação de escravos. Cf. "Relatório com que abrio aIa sessão ordinária da 2 a
Legislatura da Assembléia Legislativa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul
no 1° de Março de 1846, o Exmo. Snr. Conde de Caxias, Presidente de nossa Provín-
cia", manuscrito incluído no volume Fallas e Relatórios (1829-1847) da Biblioteca da
Assembléia Legislativa do Estado, folhas 45-46, transcrito no capítulo V.
53. Muito antes desta data havia a fabricação de charque no Sul. Parece que foram os
jesuítas que a introduziram, cf. Antônio Carlos Machado, ''A Charqueada", Pro-
víncia de São Pedro, 8 de março de 1947, págs. 121 e segs. A partir de 1779, entre-
tanto, é que houve a intensificação da criação de estabelecimentos saladeiros,
primeiro no rio São Gonçalo e depois no Jacuí.
54. Abreu e Silva, Florêncio de, "Retrospecto Econômico e Financeiro do Rio Grande
do Sul (1882-1922)", Revista do Archivo Publico do Rio Grande do Sul, nO 8, de-
zembro de 1922, pág. 239. Saint-Hilaire menciona que na paróquia de São Fran-
cisco de Paula (Pelotas) havia 18 charqueadas em vez de 22 (Viagem, pág. 96).
55. Spalding, G. Walter, "Comércio, Indústria e Agricultura do Estado do Rio Grande
do Sul", Anais do Primeiro Congresso de História e Geografia Sul-Rio-grandense,
comemorativo do centenário da Revolução Farroupilha, vol. m, 1936, pág. 221.
96
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Rio Grande do Sul, nO 91-92, ano XXII, Porto Alegre, 1943) garante, com segu-
rança, que entre 1785 e 1835 a exportação do charque foi a maior da Província
(pág. 136). Assegura ainda que a taxa de importação do sal foi um dos fatores
responsáveis pela queda posterior do produto. Acrescenta, também, que a revolu-
ção Farroupilha (35-45) desorganizou profundamente a economia pastoril gaú-
cha. Pude coligir os seguintes dados sobre a exportação do charque:
EXPORTAÇÕES DO CHARQUE
FONTES
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CAPITALISMO E ESCRAVIDAo NO BRASIL MERIDIONAL
63. Além das atividades econômicas que mencionei, houve outra que absorveu a mão-
de-obra escrava com regularidade: a plantação do linho-cânhamo. Nas Missões já
se tentara desde o século XVIII o plantio de Linum usitatissimum, mas os esforços
foram baldados. O insucesso parece que se deveu à incapacidade dos indígenas de
ajustarem-se aos requisitos técnicos da obtenção do fio. Em 1783, por determina-
ção estatal e sob controle estatal, fundou-se a Real Feitoria do Linho Cânhamo na
Ilha do Canguçu, Lagoa dos Patos, em área hoje pertencente ao município de
Pelotas. Desde o início da exploração a mão-de-obra foi escrava. O negócio, por
razões diversas (desde a má administração até os erros técnicos e as condições eco-
nômicas adversas), não prosperou. Em 1803, sob a designação de Real Feitoria do
Linho Cânhamo, as instalações e a escravaria foram transferidas para o Fachinal
do Courita, às margens do rio dos Sinos, hoje município de São Leopoldo. As co-
lheitas, contudo, não aumentaram (nunca houve produção de mais de 300 arrou-
bas), salvo num período em que o inspetor do estabelecimento foi substituído pelo
Padre Antônio Gonçalves da Cruz. Esse, entretanto, foi assassinado por um escra-
vo em 1815 porque era "dado a infligir maus-tratos aos escravos, que eram, mui-
tas vêzes, bàrbaramente castigados", cf. Leopoldo Petry, "O Município de São
Leopoldo", Anais do Primeiro Congresso de História e Geografia de São Leopoldo,
Livraria do Globo, 1947, pág. 146.
O linho cultivado nestas Feitorias não foi o Linum usitatissimum, mas o Canabis
sativa, cujo fio servia para a cordoalha náutica, de que tanto precisava a Coroa,
conforme se pode ver in Luiz G. Gomes de Freitas, "Estâncias antigas - veículos
de carga-cânhamo e linho", op. cit., págs. 73-75. Todo o esforço de plantação do
cânhamo repousou no braço escravo. Quando em 1824 foi extinta a feitoria, lá
existiam 321 escravos, cf. "Inventário de Extinta Feitoria, Hoje-Colônia de São
Leopoldo", in Revista do Archivo Publico do Rio Grande do Sul, nOS 15 e 16, 1924.
Não creio que em outra época o número de escravos tenha suplantado esse total,
pois a produção sempre foi pequena, como se pode verificar pelos dados sobre
seu valor contidos no "Quadro Estatístico e Geográfico da Província de São Pedro
do Rio Grande do Sul" organizado por ordem do Dr. Homem de Mello em 1868,
já citado, página 34. No mesmo relatório há dados que mostram que a despesa
foi, em regra, superior à receita. O empreendimento não poderia, pois, vingar.
Por outro lado, os lavradores independentes recusavam-se a plantar linho-cânha-
mo, fervendo as sementes que recebiam, antes de semeá-las. Esta prática se com-
preende porque, não servindo a fibra do cânhamo para a feitura de tecidos de uso
caseiro, sua produção encontrava comprador apenas no Governo, que era mau
pagador contumaz. O regime dos embargos espantava o cultivador açorita. En-
contra-se um resumo relativamente completo da história do cânhamo no sul em
Aurélio Pôrto, O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul, Estabelecimento Gráfico
Santa Terezinha, Porto Alegre, 1934, capítulos 11, m, IV e V, da Primeira Parte
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Em 1859
Livres 931
Escravos 569
Como remadores:
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76. Luccock,op. cit., pág. 135. Não há dúvida que em toda a região de povoamento
antigo houve a utilização de escravos nos "ofícios". Rubens de Barcellos, op. cit.,
descrevendo a sociedade colonial gaúcha afirma: "Ao lado desses agricultores ri-
beirinhos aglomerados em povos viviam comerciantes e mesterias, gente de pe-
quenos ofícios, ferreiros, carpinteiros, calafates etc., classe não mui numerosa, que
a importação crescente do africano não deixou desenvolver-se" (pág. 15).
77. Os anúncios de compra e venda de escravos do jornal A Ordem de Porto Alegre,
entre abril de 1861 e março de 1862, apresentaram escravos com as seguintes
especificações de profissão:
Trabalhadores de roça 14
Domésticos 27
Artesãos 17
Sem especificação 3
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
tirada dos rios eram conduzidos pelos "pretos à cabeça" para venderem pelas ca-
sas. Relatório apresentado ao vice-presidente da Província de São Pedro do Sul pelo
comendador Patrício Corrêa da Câmara à 2a sessão da 9a legislatura da Assembléia
Provincial, Porto Alegre, 1861, pág. 40.
79. Os principais dados sobre a composição da população do Rio Grande do Sul se-
gundo a condição são os seguintes:
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CApíTULO 11 A Sociedade Escravista
(realidade e mito)
o objetivo deste capítulo é a análise da formação da sociedade senhorial
gaúcha. Seu escopo básico é a caracterização do tipo de dominação que se
desenvolveu no Rio Grande do Sul e a definição dos princípios estrutu-
rais que regulavam o comportamento dos agentes sociais na área conside-
rada. A significação que a forma de autoridade legítima e os padrões
estruturais de ação possuem para a investigação do sistema de relações
entre senhores e escravos é óbvia. A partir do conhecimento das normas
estruturais vigentes na sociedade global gaúcha é possível compreender
de forma mais rica os padrões e mecanismos sociais que controlavam a
interação entre senhores e escravos.
Entretanto, a análise e as interpretações aqui desenvolv:idas acabaram
por possuir um interesse mais geral que o da simples introdução ao estu-
do das relações entre senhores e escravos. Por paradoxal que pareça, diante
do conhecimento que se possui da sociedade tradicional brasileira, a
historiografia rio-grandense admite, em geral, que a sociedade gaúcha se
formou a partir de princípios democráticos e igualitários de orientação
do comportamento social. Essa interpretação, a ser verdadeira, tornaria o
estudo das relações entre senhores e escravos e entre negros e brancos no
Rio Grande de importância decisiva para a verificação dos efeitos exerci-
dos pelas condições estruturais sobre as formas de regulamentação do
comportamento de camadas raciais diversas em interação. Isto porque as
análises existentes sobre estes problemas no Brasil baseiam-se em situa-
ções sociais, nas quais a assimetria das posições dos grupos raciais em
contacto era rigidamente assegurada por padrões estruturais e a análise
comparativa com situações diversas permitiria maior compreensão do
problema. Por todos estes motivos, impunha-se a verificação dos funda-
mentos das interpretações correntes sobre o sentido da sociedade tradicio-
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
nal gaúcha quanto ao tipo de ordenação das relações sociais que ela per-
mitia e quanto ao padrão por ela suposto de distribuição, exercício e acei-
tação da autoridade.
O resultado a que cheguei foi, contudo, o oposto do que à luz da
bibliografia histórica comum seria de esperar. Na verdade a sociedade
rio-grandense não só se organizou nos moldes de urna estrutura patri-
monialista, corno às posições assimétricas na estrutura social corres-
pondiam formas de comportamento reguladas por rígidas expectativas
de dominação e subordinação. Freqüentemente a compatibilidade en-
tre as expectativas era assegurada pelo exercício violento e arbitrário
da autoridade inerente às posições hierarquicamente superiores do sis-
tema social.
Tendo em vista os resultados das análises e interpretações da primeira
parte do capítulo ("A camada senhorial"), pareceu de bom alvitre subme-
ter a bibliografia que afiançava a tese da democracia rural gaúcha a urna
crítica cuidadosa. É o que se faz na segunda parte do capítulo ("A demo-
cracia gaúcha"), onde os textos são tornados não mais corno fontes, po-
rém como objeto de estudo. Essas interpretações partem de urna distorção
ideológica que implica a reconstrução idílica do passado. Apesar disso, é
importante discutir os resultados alcançados pelos autores que defendem
a tese da democracia da estância, em face da análise sistemática do mate-
rial empírico disponível, para assim obter maior rigor e objetividade na
reconstrução histórica e na interpretação sociológica da formação da so-
ciedade senhorial gaúcha e da posição que o negro assumiu nela.
1. A CAMADA SENHORIAL
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emquto. amim, não foy nem será nunca, q'hum espirito de ambição,
escreyo q'todas as vezes, q'se repartir com elles, com mão muito larga,
doq'elles aprehenderem, q'este será o unico modo, de os ter sempre con-
tentes, ese conseguir delles algum bom serviço"24.
Não há dúvida que os "arreadores" gaúchos a serviço das tropas por-
tuguesas souberam impor sua honra nesse sentido. Aurélio Pôrto mostrou,
em trabalho publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Sul, como os principais troncos genealógicos dos estanciei-
ros da fronteira estavam ligados aos oficiais e subalternos dos Dragões do
Rio Pardo. Este é um ponto não só muito analisado pela historiografia
gaúcha como fartamente documentado: a outorga inicial das sesmarias
era concedida àqueles que se destacavam nas lutas contra os castelhanos
ou aos que possuíam cabedais. Trouxeram cabedais os lagunistas, forma-
ram-no os traficantes de gados vacuns ou muares, os comerciantes e fun-
cionários reais e os açorianos que prosperaram; asseguraram-se do direito
a sesmarias por atos de bravura e banditismo contra o inimigo os oficiais
e subalternos das tropas (regulares, de dragões ou de milícias) que luta-
ram no sul: "Distribuiram-se as sesmarias (propriedades destinadas á es-
tancieiros) - aos homens que haviam prestado serviços de certa relevância,
como ficou dito - merecedores de recompensas como os militares, ou
àquelles que dispuzessem de recursos pecuniarios sufficientes para se
installarem como estancieiros e manterem o seu estabelecimento"2S.
O processo de apropriação parece ter-se intensificado posteriormente
à paz assegurada pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777), que durou cer-
ca de 23 anos, até a campanha das Missões, de 1801. Neste período os
antigos batalhadores receberam muitas concessões de sesmarias, princi-
palmente quando o Brigadeiro José Marcelino de Figueiredo exerceu a
governança militar do Rio Grande do SUF6. Walter Spalding assegura que
bem poucos "foram os dragões que não receberam dessas úberes terras
rio-grandenses, para nelas construírem os seus lares e organizarem suas
estâncias, pequenas ou grandes". Neles se acham os troncos das famílias
de gaúchos e estancieiros: "os Castro Morais, os Queiroz e Vasconcelos,
os Martins, os Nunes de Miranda, os Albuquerque, os Gomes Porto,
Magalhães, Rodrigues, Cruz, Escobar, Coutinho, Araujo, Fontoura, Borba,
Antunes, Siqueira, Carvalho, Santos, Cardoso, Santos Robalo"27.
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que possuem o devem ao mesmo Sr.; mas estou certo que nenhum delles
o faria", acrescenta44 .
Duas atitudes bem distintas estão evidenciadas no texto acima: a do
súdito, funcionário real, fiel ao soberano - por mais que se beneficie da
fazenda real o funcionário patrimonial é um servidor do rei num cargo
que lhe foi conferido patrimonialmente - e a dos que, recebendo cargos
do rei, tratavam de servir-se deles em benefício da própria casa, em vez de
servir ao rei ou ao Estado Patrimonial. De fato, acrescenta ainda Maga-
lhães, um coronel "na sua praça passa com a decencia precisa com menos
de oito centos mil reis; e um vigário d'estes com semelhante renda cuida
em levar vida regalada, enriquecer os seus parentes, enthesourar o que
pode, e muitas vezes esquecendo-se das suas obrigações, sem se lembrar
da pobreza da sua freguesia, e do seu grato e augusto soberano de quem
imana tudo o que possue"45.
Em face da tendência para o desenvolvimento do poder das famílias e
para o fortalecimento das fortunas particulares - da qual não escaparam
os açorianos, como logo indicarei -, os representantes diretos do rei (go-
vernadores militares e capitães-generais) muitas vezes reagiram, e no rea-
gir extremaram mais ainda o aspecto de poder despótico de que se revestia
a autoridade dos que, dispondo da força e não limitados pela tradição,
tentavam organizar e defender o Rio Grande para a Coroa. Disso é exem-
plo a famosa disputa do governador José Marcelino com Rafael Pinto
Bandeira, que resultou na prisão desse último, Bandeira, poderoso chefe
de bandos locais, dividiu o butim das invasões contra os espanhóis sem se
ater às normas emanadas do vice-rei. Este protestou; o governador
Marcelino, que fora pessoalmente responsabilizado pelo Marquês do
Lavradio, não hesitou: prendeu Rafael Bandeira por malversaçã046. O
mesmo governador notabilizou-se pelos processos adotados no tratamento
dos vereadores da recém-criada vila de Porto Alegre (1773): os vereado-
res, ligados aos interesses dos moradores de Viamão, negavam-se a morar
na nova capital criada por Marcelino. O governador tratava-os com ener-
gia e total desprezo pelas funções de que se haviam investido: "...parece
querem se divertir, e multiplicar vans correspondencias, digo só que
ou Vmcês governarão bem a Republica, ou interrompo a sua governança.
Vmcês o estão vendo, e o Continente todo presenciando, o eu nem sei
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2. A "DEMOCRACIA GAÚCHA"
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não criava interesses opostos aos do patrão, identifica-se com ele, torna-
se seu amigo e por assim dizer seu igual"72.
Na vida militar o espírito igualitário, criado nas lides pastoris da cam-
panha, se apresenta num ângulo complementar: "o regime militar do povo
gaúcho apresenta o sistema de cooperação voluntária de maneira a irma-
nar os combatentes nos campos de batalha e a tirar todo rigorismo da
hierarquia militar" (pág. 48).
Nessa "sociedade utópica" o escravo era tratado com benevolência:
"Julgamos que o nosso espírito democrático já se formara antes da grande
introdução do elemento negro. Esse ponto de vista explica o fato de
serem, como relatam os historiadores, os escravos mais bem tratados aqui
do que nas demais províncias do Brasil. O espírito de fraternidade que o
tempo depositou na alma da nossa gente foi tão grande que numa das
poucas lendas criadas pela alma gaúcha (a do Negrinho do Pastoreio)
estigmatiza a execranda memória de um senhor perverso" (pág. 55). Por
isso, a escravidão no Sul "contrasta com os rigores da do Norte" (pági-
na 56)73.
Salis Goulart, historiador bem informado, não podia deixar de reco-
nhecer a existência de restrições aos negros, de desigualdade de condi-
ções materiais de existência e assim por diante. Entretanto, como ideólogo
da "democracia rural", não percebe as contradições que perfilha e postula,
ora mostrando a existência de trabalhadores pobres que sequer possuíam
vida familiar organizada, ora indicando a existência de barreiras aos ne-
gros74 • Em contradição significativa, Goulart revela outro aspecto da "ideo-
logia gaúcha": alguns de seus defensores justificam o racismo, tomando-o
como resultado da explicação científica e elevando-o à categoria de hipó-
tese científica de explicação da realidade.
Ao contrário do que se poderia depreender à primeira análise, as fun-
ções da ideologia da "democracia rural" não deixam de ser contraditó-
rias. Por um lado, é inegável que a aceitação da existência de uma sociedade
democrática, embora inverídica historicamente, vale como demonstração
do vigor do padrão brasileiro de convivência inter-racial. Doutra parte,
nessa ideologia75 estão implícitos elementos que permitem a compreen-
são de outras funções sociais da crença na igualdade pretérita entre bran-
cos e negros, senhores e escravos. Ela assume uma importância considerável
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NOTAS
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Rio Grande, com o concurso de oficiais que se destacaram nas lutas da Colônia.
André Ribeiro Coutinho, mestre de campo que substituiu Silva Pais, declarou a Gomes
Freire que "com as levas que V. Excia. ao mesmo tempo mandou das Minas, do Rio
de Janeiro, de São Paulo e Santos, com algumas pessoas da Bahia, e com um desta-
camento da Colônia e todos os que se achavam das Praças do Brasil, naquele Domí-
nio, formei o casco do Regimento dos Dragões", in "Memórias dos serviços prestados
pelo Mestre de Campo André Ribeiro Coutinho no Governo do Rio Grande de São
Pedro, dirigida a Gomes Freire de Andrade em 1940", Revista do Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Sul, 2° trimestre de 1936, págs. 237·249. O recruta-
mento posterior dos Dragões foi feito entre gente do Rio Grande, como se verifica
pela correspondência de Lavradio com o General Bõhm.
Os historiadores se têm preocupado muito com a procedência dos primeiros
povoadores do Sul, e, como os "dragões" contam entre estes, muita discussão foi
travada para estabelecer donde procederam. Este debate, na forma como tem sido
conduzido, não traz qualquer esclarecimento sobre as normas de comportamento
e o tipo de liderança que se estabeleceram no Sul. Por isso, omito referências ex-
plícitas às "origens" dos dragões e demais povoadores do Sul. Convém, entretan-
to, transcrever o que diz José Honório Rodrigues, O Continente do Rio Grande.
Edição São José, Rio, 1954, refutando outros historiadores sobre o povoamento
do Rio Grande do Sul: "O povoamento do Rio Grande não pode, deste modo,
limitar-se, como se tem feito, ao coeficiente lagunista, de origem paulista, e aos
açoritas. A corrente que parte de Laguna a caminho do Viamão é realmente
lagunista, de origem paulista, mas a que forma a do núcleo do Rio Grande não é
só de açorianos. É carioca, baiana, açoriana, com predomínio da gente do Rio e,
mais tarde, dos casais da Ilha Terceira. O povo da Colônia do Sacramento que se
transfere para o Rio Grande era, em grande parte, do Rio; os dragões que vão ao
Presídio são também em boa parte de cariocas, especialmente recrutas mensalmente
apreendidos nas ruas do Rio; as mulheres livres e desimpedidas, as "marsuelas" e
as moças são também colhidas no Rio de Janeiro. Esta a origem inicial dos
povoadores do Rio Grande" (págs. 35-36). À página 45, reafirma Honório
Rodrigues: "O povoamento do Rio Grande se fez no período colonial com
mazombos de vária origem e açorianos. Dominam o açoriano e o lagunista, de
origem paulista, mas influi também o carioca de origem minhota. Em proporções,
equivalentes menos significativas, indígenas e negros". Apesar da imprecisão de
linguagem e da ausência de prova documental sólida, estas afirmações indicam que
houve povoadores provenientes de várias áreas no Rio Grande, e não apenas
lagunistas e açorianos.
O Regimento dos Dragões, com esta denominação e como formação regio-
nal, existiu até 1824, quando se transformou no 5° Regimento de Cavalaria do
exército de la linha.
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op. cit., pág. 242. Porém havia dúvidas, e muitas, sobre esse tipo de posse: ''Aliás,
não é o cunhado de meu hospedeiro o único que se acha nesse embaraço. O mes-
mo terreno é dado a várias pessoas. Mais freqüentemente ainda sucede que um
pobre agricultor, inteiramente estranho às demandas, estabelece-se em um terre-
no, com permissão do comandante, e quando tem construída sua choupana e lo-
calizado seu gado, homens ricos de Porto Alegre e de outros lugares obtêm títulos
de sesmaria desse mesmo terreno e pretendem expulsar quem já labutou, substitu-
indo-o por um administrador a fim de apurar rendimento, sem constrangimento",
Saint-Hilaire, já citado, pág. 242.
35. Este Bando, transcrito às págs. 333-339 do livro de Gonçalves Chaves, é im-
portantíssimo para a análise da formação da propriedade rural no Rio Grande
do Sul.
36. Gonçalves Chaves, op. cit., pág. 156.
37. Idem, ibidem, pág. 157. Um dos poucos autores que analisaram adequadamente o
processo de formação das estâncias foi Carlos Dante de Moraes, "O povo rio-
grandense nas vésperas de 35", Fundamentos da Cultura Rio-grandense, Faculda-
de de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul, 1954, págs. 33-60.
38. O conceito de estrutura patrimonialista é inequívoco. Utilizo-o conforme sua for-
mulação clássica: ''A este caso especial da estrutura patrimonial de dominação, ao
poder doméstico descentralizado mediante a distribuição de terras e às vezes de
pecúlios aos filhos ou a outras pessoas dependentes do círculo familiar, damos aqui
o nome de dominação patrimonial", Max Weber, Economía y Sociedad, Fondo de
Cultura Econámica, México, 1944, vol. IV, pág. 137. Por estrutura patriarcal de
dominação se entende, ainda conforme Weber, pág. 131, o seguinte: "Em sua es-
sência não se baseia (a estrutura patriarcal) em dever servir a uma 'finalidade' im-
pessoal e objetiva e na obediência de normas abstratas, mas exatamente no
contrário: na submissão em virtude de uma devoção rigorosamente pessoal. Seu
germe está radicado na autoridade de um dominus (senhor) dentro de uma comu-
nidade doméstica. Sua posição autoritária pessoal tem de comum com a domina-
ção burocrática posta a serviço de fins objetivos a continuidade de sua subsistência,
o 'caráter quotidiano'. Além disso, ambos encontram apoio, em última instância,
na obediência a 'normas' por parte dos que estão submetidos ao poder. Mas estas
normas são racionalmente criadas na dominação burocrática, apelam para o sen-
tido da legalidade abstrata e se baseiam em um exercício técnico, enquanto que na
dominação patriarcal baseiam-se na 'tradição', na crença no caráter inquebrantá-
vel do que sempre aconteceu de uma maneira determinada. "
Vê-se, pois, que a dominação patriarcal é um tipo de dominação tradicional.
Weber acentua que a dominação tradicional pode ser exercida: 1) através de um
quadro administrativo e 2) sem ele. O recrutamento do quadro administrativo pode
ser feito tanto através do "recrutamento patrimonial" quando os laços de "senti-
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modo geral, com a máxima intensidade dentro da cúria papal, na França e, com
menor intensidade - por causa do escasso número de cargos - na Inglaterra.
Tratava-se sobretudo de benefícios, sinecura, que foram concedidos aos favore-
cidos ou familiares, com a autorização de encarregar um representante mais ou
menos proletário a realizar o trabalho efetivo, ou que foram adjudicados a
solicitantes mediante arrendamento ou entrega de quantias fixas. Com isso se
converteram as prebendas em uma possessão patrimonial do arrendatário e do
comprador, existindo os mais diversos usos, até chegar à venda e à cessão here-
ditária" (vol. rv, pág. 163).
A prebenda dada com usufruto vitalício, diz Weber, aproxima-se muito do
feudo (vol. IV, pág. 62). O feudalismo é, para Weber, um "caso limite" da estrutu-
ra patrimonial: "Em oposição à ampla esfera da arbitrariedade e da correspon-
dente falta de estabilidade das posições do poder dentro do patrimonialismo,
encontra-se a estrutura das relações feudais. O feudalismo é um "caso limite" da
estrutura patrimonial no sentido da estereotipação e fixação das relações entre os
senhores e os vassalos" (voI. IV, pág. 204). As "relações feudais" existem "I} sem-
pre entre membros de uma camada que, do ponto de vista social, se acha hierar-
quicamente articulada, mas que, situada acima da massa de cidadãos livres, constitui
diante deles uma unidade. Trata-se de pessoas que, em virtude da relação feudal2}
estão relacionadas entre si de um modo contratual e não mediante uma relação de
tipo patrimonial" (voI. IV, pág. 206). É óbvio que não cabe, nesse sentido, qualifi-
car de feudal a estrutura da sociedade gaúcha: inicialmente não houve a "estabili-
dade de posições" requeridas pelas estruturas feudais, nem sequer a definição
contratual das relações entre senhores e vassalos. A estabilidade que a sociedade
rural gaúcha veio a adquirir no século XIX fundamentava-se já na "propriedade"
territorial e na exploração econômica direta da propriedade, e não na manuten-
ção tradicional de um conjunto rentável de direitos, que constituem o fundamen-
to sobre o qual repousa qualquer estrutura feudal para permitir o desenvolvimento
de um estilo de vida senhorial nobre, baseado na utilização cavalheiresca do ócio,
e não, como no sul, no negócio.
39. Sobre a importância do "Real Erário" na vida colonial brasileira, ver, especialmen-
te, Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo (Colônia), Editora
Brasiliense, Sâo Paulo, 1945, 2 a ed., último capítulo, principalmente págs. 362-
363.
40. Manoel Antônio de Magalhães, op. cit., págs. 62-63.
41. Manoel Antônio de Magalhães, op. cit., pág. 61.
42. Idem, ibidem, págs. 61-62.
43. Saint-Hilaire, op. cit., pág. 245.
44. Magalhães, op. cit., pág. 51.
45. Magalhães, op. cit., pág. 51. O rendimento dos vigários era muito alto. O cronista
diz, às págs. 50-51, que em Porto Alegre as rendas do vigário alcançavam de seis a
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sete mil cruzados; em Bom Jesus de um conto a três mil cruzados; no Rio Pardo de
cinco a seis mil; e em Rio Grande de dez para onze mil cruzados anuais.
Saint-Hilaire anotou em vários trechos de seu diário os desregramentos dos
padres, e Luccock não deixou de registrá-los: "Sempre se encontra no interior da
casa do Vigário (de Rio Grande) o confôrto necessário para nos fazer esquecer do
seu desconfôrto externo. Era homem de algum zêlo e de maior bondade de cora-
ção, considerado como o pai da comunidade, mas não reverenciado feito santo.
Sob seu teto havia diàriamente lugar para o repouso vespertino tanto de católicos
como de heréticos, cuja conversação animada era por vêzes variada por jogos de
cartas e danças. Alguns dos clérigos subalternos que ali encontrávamos pareciam
ser pessoas dignas de respeito; mas se seus serviços tivessem que ser reforçados
pelo exemplo, dificilmente conseguiriam evitar uma grande frouxidão dos costu-
mes". (Luccock, op. cit., pág. 125). Sobre a transformação das prerrogativas ecle-
siásticas em sinecuras para obtenção de recursos pecuniários, Saint-Hilaire relata
o caso de um cura que autorizara o capelão de Santa Maria a praticar a confissão,
sob a condição de que o pagamento realizado pelos fiéis para a obtenção do sacra-
mento se destinasse a ele, cura, e não ao capelão. Para o cura, escreveu Saint-Hilaire,
"esta parte da paróquia é uma espécie de sinecura, em que usufrue seus encargos
(...) creio ser impossível levar mais longe o comércio das cousas sagradas", op. cit.,
pág.247.
46. A historiografia gaúcha discute freqüentemente o papel de Marcelino de Figueiredo
na administração do Rio Grande, tendo sido suas arbitrariedades e violências muito
criticadas pelos contemporâneos e pelos historiadores. O desembargador Florêncio
de Abreu colocou a questão nos devidos termos: a arbitrariedade era geral na épo-
ca (cf. Florêncio de Abreu, "José Marcelino de Figueiredo no governo de São Pedro,
1769 a 1780", Anais do II Congresso de História e Geografia do Rio Grande do
Sul, op. cit., tomo m, págs. 177-207). Marcelino, cujo verdadeiro nome era Ma-
nuel Jorge Gomes de Sepúlveda, nobre português que fora obrigado a mudar de
nome e embarcar para a América porque se envolveu em complicações políticas,
simbolizou a atitude do militar doublé de funcionário administrativo real. Não foi
sem razão, por isso mesmo, quem nem sempre contentou os grandes proprietários.
Preferia manter um tipo de distribuição de terra que, se podia ser útil à Coroa,
prejudicava os interesses e as ambições dos chefes locais: a pequena propriedade
açoriana.
47. Tratava-se do açougue da Aldeia de N. S. dos Anjos, conforme se pode ler na ata
da reunião de 26-1-1778, Boletim Municipal nO 15, pág. 383. A Câmara apelou
para o vice-rei, Marquês do Lavradio, que, entretanto, confirmou a decisão de
Marcelino, cf. "Atas da Câmara Municipal de Porto Alegre (julho de 1778 a de-
zembro de 1780)", Boletim Municipal, vol. VII, 16, Prefeitura Municipal de Porto
Alegre, 1944, pág. 39. Lavradio não gostava de José Marcelino, como se pode
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54. "Atas da Câmara de Pôrto Alegre", Boletim Municipal, nO 16, pág. 58.
55. '1ls 'Vereanças' das Câmaras de Viamão e Pôrto Alegre", Boletim Municipal, Pre-
feitura Municipal de Porto Alegre, Ano m, nO 8, Porto Alegre, 1941, pág. 279.
56. Rubens de Barcelos, "Esbôço da Formação Social do Rio Grande", Província de
São Pedro, nO 3, dezembro de 1954, pág. 16. Os "fatos" a que o autor se refere no
início da frase eram as ordens rigorosas das Câmaras. Transcrevi algumas atas que
confirmam esta assertiva. Barcelos lembra que até a falta às solenidades públicas,
procissões e ofícios religiosos respondia-se com pena de prisão, por ordem da Câ-
mara. Convém ressaltar que, no período colonial, a população organizava-se em
milícias de ordenanças em todo o Brasil e que os agricultores pobres foram coagi-
dos à militarização parcial. Nas áreas próximas das fronteiras disputadas, contu-
do, esse processo assumiu aspectos de maior rigor.
57. Manoel Antônio de Magalhães, op. cit., págs. 53-54.
58. Saint-Hilaire,op. cit., pág. 95.
59. John Luccock, op. cit., págs. 121-122.
60. Saint-Hilaire, que percorreu a Província quase no momento final do período de
transição entre o domínio despótico dos chefes de tropa e capitães-generais e o
domíno dos estancieiros, charqueadores e exportadores, pôde registrar os efeitos
e as condições dos dois tipos de dominação: "Cada capitania ficou sendo uma es-
pécie de "pachalick" onde o capitão-general continuava a gozar de um poder ab-
soluto e onde podia, a seu talante, reunir em si todos os podêres", escreve à página
289, referindo-se ao período da vinda da família real para o Brasil. Adiante, con-
tudo, mostra os limites da dominação autocrática dos chefes militares no Rio Gran-
de do Sul, por volta de 1820: "Tive, já, ocasião de expor alguns inconvenientes
desse sistema militar; para esta capitania, eles existem e muito graves. Como os
corpos dela dependentes são quase inteiramente compostos de homens da região,
tendo a guerra necessidade de grandes verbas e dando lugar a grandes fortunas,
formou-se, aqui, uma espécie de aristocracia de família, embaraçosa para os capi-
tães-generais e perigosa para a paz dos cidadãos" (págs. 289-290).
Sobre os desmandos dos militares, além das indicações e textos já transcritos,
existem ainda muitos outros depoimentos. Luccock, por exemplo, que percorreu
a capitania em 1810 - pleno período de formação da sociedade senhorial, mas
não ainda época do domínio político dos estancieiros e charqueadores - descre-
veu da seguinte maneira um episódio no qual ele desejava apossar-se de um cavalo
para substituir sua montaria, já cansada: "Neste instante, um homem, que depois
soubemos ser o proprietário, surgiu galopando em nossa direção, cheio de cólera
e proferindo ameaças veementes. Se o tivéssemos visto antes, teríamos natural-
mente pedido sua permissão para a troca, apesar de que, se o nosso guia fosse
soldado, semelhante civilidade seria tida por ociosa; ao contrário, o raivoso cava-
leiro teria, talvez, sido obrigado a apear e entregar ao meu uso o próprio cavalo
1 5 1
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
que montava", op. cit., página 183. Também em Saint-Hilaire existem informa-
ções sobre os abusos do poder militar com relação aos cultivadores e criadores.
EntretaÍlto, nessa época já reinava certo inconformismo sintomático com relação
a esse estado de coisas: "Queixou-se muito (o hospedeiro, na região das Missões)
dos abusos de que são vítimas os cultivadores desta Capitania, meu informante em
particular, e espera providência da Côrte. Acontece sempre serem seus animais
levados por oficiais, os quais prometem devolvê-los da estância vizinha e nunca
cumprem o prometido. (...) Tomam ao cultivador os animais que lhe são necessá-
rios, ou mesmo, arrebanham os que se acham nos campos e assim, todo o ônus
recai sobre aquêles residentes à margem das estradas.
"Já disse a respeito dos animais tomados dos estancieiros para nutrição das
tropas, nunca pagos. Atualmente a cousa é pior. Há algum tempo, levaram muitos
bois dêste distrito, para Belém e Capela de Alegrete, e acharam um excelente meio
para evitar reclamações dos proprietários: não lhes dar recibos", op. cit., pág. 258.
As reclamações dos criadores e agricultores indicam o início do novo período
da história do Rio Grande do Sul. Os abusos eram ainda cometidos, mas é preciso
não esquecer que Saint-Hilaire se refere à zona das Missões, recém-incorporada
ao domínio luso. Nas áreas mais antigas do Rio Grande a estância e a charqueada
começavam a impor-se como empresas essenciais para a economia da região, sen-
do seus proprietários, e não qualquer soldado ou chefete militar, os verdadeiros
esteios da "ordem constituída".
61. Utilizo nesse trabalho a expressão "camada senhorial" em sentido diverso da-
quele com que os historiadores costumam empregá-la, como, por exemplo, Marc
Bloch, La Société Féodale: les classes et le gouvernement des hommes. Éditions
Albin Michel, Paris, 1949, esp. livro III: "La féodalité comme type social et son
action". É óbvio que, como boa parte da análise desenvolvida neste capítulo pro-
cura demonstrar, a "camada senhorial" do Rio Grande não se firmou à base de
direitos de senhorio, e, muito menos, como uma camada feudal. Ao contrário, e
isso constituirá o tema do capo Iv, os senhores no Rio Grande, como no Brasil,
eram empreendedores econômicos. Entretanto, o uso do conceito está consa-
grado para definir o tipo social de chefe de família e proprietário de escravos
que exerceu influência decisiva na sociedade brasileira. Seria, porém, falacioso
pensar que a expressão se legitima apenas com referência a um tipo definido de
posse de escravos. Existe algo mais na acepção pela qual se usa o conceito de
senhor na sociedade patrimonialista brasileira: é que esta, como se viu neste ca-
pítulo, formou-se pelo fortalecimento do poder político e econômico dos chefes
de parentela (dominus) que conseguiram exercer influência ou dispor de posi-
ções na ordem estatal.
62. Saint-Hilaire,op. cit., pág. 55.
63. Dreys, op. cit., pág. 203.
1 52
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
64. Walter Spalding, Gênese do Brasil-Sul, Edição da Livraria Sulina, Porto Alegre, 1953,
pág.35.
65. Idem, ibidem. Spalding, estendendo o alcance da "democracia gaúcha", explica em
nota que esse caráter marcara também o convívio entre senhores, agregados e ar-
rendatários açorianos, pois a lhaneza também era qualidade dessa gente. As guer-
ras teriam, portanto apenas catalisado uma "virtude potencial" dos açorianos.
66. Walter Spalding, Gênese do Brasil-Sul, pág. 36.
67. Idem, ibidem, pág. 36. Curioso que em 1798, que, a crer-se na hipótese de Spalding,
seria o ano primeiro do suplício dos cativos, a Câmara já definia normas rigorosas
para os escravos "apanhados em quilombos". Estes deveriam ser marcados a ferro
quente com um E. Cf. Fortunato Pimentel, "A Escravatura em Pôrto Alegre", in
Aspectos Gerais de Pôrto Alegre, 10 vol., Porto Alegre, 1945, pág. 18. Está claro,
pois, que a hipótese não procede. Esta ata foi transcrita, no trecho referido acima,
pelo próprio Walter Spalding, num trabalho denominado "O govêrno do municí-
pio de Pôrto Alegre", in Boletim Municipal, nO 1, vol. 1, ano I, Porto Alegre, 1939.
Isto reafirma o caráter "ideológico" da representação da democracia gaúcha por
seus intérpretes. Não só evidencia o desconhecimento da realidade, como demons-
tra a distorção com que se "reconstrói" a sociedade senhorial gaúcha.
68. Idem, ibidem, pág. 37. Note-se que Spalding se refere, quanto à documentação, ao
século XVIII, mas não limita a validade de suas conclusões. Por isso, com mais
forte razão os resultados a que chega podem ser cotejados com a afirmação de
Saint-Hilaire.
69. Spalding chega a falar num "feudo democrático": "As estâncias, portanto, como
mais adiante veremos, semelhavam pequenos feudos medievais - feudos demo-
cráticos - e os proprietários, senhores absolutos, soldados e generais" (pág. 34).
70. Jorge Salis Goulart, A Formação do Rio Grande do Sul, edição da Livraria do Glo-
bo, Porto Alegre, 1933. Não discutirei aqui a explicação que o autor pretende dar
à formação histórico-social do Rio Grande, porque não cabe na problemática des-
te livro. Possui, contudo, interesse científico muito escasso.
71. Para exemplificar a lealdade que decorria dessas ligações o Autor afirma: "Quantas
vezes dois peões travaram luta tremenda, entrecruzando os facões afiados, pelo
fato de ter um deles desrespeitado a marca do cavalo da estância rival." O "exem-
plo", que é uma afirmação, serve realmente para mostrar até que ponto o senti-
mento de lealdade para com o senhor orientava o comportamento dos sequazes
deste.
72. Salis Goulart, op. cit., págs. 45-46.
73. Deixo de indicar no texto algo que possui muita significação para que se compre-
enda, ao mesmo tempo, até que ponto o autor não tinha consciência das contradi-
ções (formais) do que afirmava e para a análise do processo de criação da "ideologia
gaúcha" como um aspecto da inconsistência cultural básica da atitude brasileira
153
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
com relação ao problema racial: o mesmo homem que louva a igualdade racial e
social no passado, quando avalia a situação do presente, afirma coisas desse jaez:
"Os elementos inferiores que existem no seio do nosso povo, disciplinados pelos
fatores de escol, não poderão entravar a 'marcha' ascendente dos nossos grandes
destinos (...) Os elementos euro-africanos de que nos fala Sergi, que existem no
Rio Grande do Sul mais aptos para a civilização, têm assumido sempre a direção
dos demais (índios, negros), fazendo-os progredir sob uma forte e constante ori-
entação.(...)
Os batalhões de índios que tivemos, as forças de negros e mulatos que toma·
ram parte em diversas páginas difíceis da terra rio-grandense, comandadas por ofi-
ciais de raça branca, são a prova mais cabal de que os elementos inferiores aqui
foram conduzidos para objetivos perfeitamente sociais" (pág. 239). No parágrafo
seguinte o autor assegura a diminuição das "raças inferiores" em face das imigra-
ções constantes dos "elementos eugênicos".
74. Assim, afirma, por exemplo, a existência, óbvia, de "preconceito social" contra os
negros, para negar, equivocadamente, o mesmo fenômeno, quanto aos índios: ''A
união do grande Rafael Pinto Bandeira com uma índia autêntica é um exemplo de
que o preconceito social não impedia essas ligações como acontecia em relação
aos negros". In ''Aspectos da Formação Rio-grandense", Anais do 2° Congresso etc.,
voI. m, pág. 88.
75. No plano do romantismo histórico talvez o autor mais representativo da ideologia
gaúcha seja Fernando Ozorio. Entre outros trabalhos são ilustrativos: Sangue eA/ma
do Rio-Grande, Livraria do Globo, Porto Alegre, 1937 (em parte publicado tam-
bém, sob a forma de comunicação, nos Anais do Segundo Congresso de História e
Geografia Su/-Rio-grandense, voI. 11, Livraria do Globo, 1937, sob o título "O
Rincão de Pelotas").
Neste Autor a bravura e a camaradagem originada das condições de vida dos
gaúchos são salientadas como o "nivelamento social produzido pela democracia
campesina". Assim, por exemplo, afirma nos trabalhos indicados (págs. 85 na edi-
ção do livro e 55-56 na edição dos Anais): "Depois de conquistado o território ao
sul da Jacuhy - foram as terras da campanha repartidas entre os que mais se
distinguiram nas lutas contra os espanhóis. E os Dragões e os seus descendentes,
portanto, foram o chefe das fazendas - dominadores da nossa história, da nossa
mentalidade brasileira e não platina -ligando o território de formação pampeana,
ao destino da Pátria. Nem ambiciosos, nem façanhudos ou cruéis. Elles foram a
imagem viva do espírito livre, incapaz de servilismo que surgiu nas populações do
interior, em meio da sociedade rural reflectindo, logicamente, a direção autonomica
que tornavam os proprietários nativos da terra, irmanados aos gaúchos humildes,
nivelados aos patrões, valorizados no culto da lealdade, da coragem e da abnega-
ção. Elles constituiram como um symbolo da grandeza da raça e do sentimento da
154
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
terra, - aquella grande officina que Le Play julgava tão apta a garantir a paz soci-
al, numa cooperação voluntária dos Dragões e os seus descendentes, formadores
das classes rurais - os pastores e os agricultores, - que, no solar das estancias,
fundaram o patriarchado rio-grandense". A vida rural criou "o destemor de
affrontar o perigo em comum, a camaragem, a fraternidade entre humildes e po-
tentados, ricos e pobres. (...) Todos revelaram os mesmos habitos, costumes e as-
pirações (...)" (pág. 84 da edição em livro).
A "democracia rural" quando descrita pelos epígonos assume conotações de
puro verbalismo sem a menor preocupação documental: "O senhor batalhava de
par com o escravo ou peão, suportando, galhardamente, as ardentias do verão ou
os rigores da invernia. E o contacto provocado pelo trabalho em comum, tornava-
o humano, fazendo-o compreender que o escravo, embora lhe fôsse inferior, ti-
nha o direito de ser tratado como gente e não como bêsta de carga, da qual se
exige trabalho e fôrça e a recompensa é descansá-Ia", Margarida Pardelhas, "O
povo rio-grandense", Anais do 2 0 Congresso, vol. I1I, págs. 117-118. E, mais adi-
ante: "Estancieiro, filhos, escravos e peões, viviam irmanados em o mesmo traba-
lho e preocupações, sob regime que bem se pode classificar de patriarcal". Nessa
linha, reconstrói-se a partir de um arquivo imaginário a "sociedade democrática
gaúcha".
76. Dante de Laytano, firmando-se no testemunho de Dreys, fala do "justo castigo"
nas charqueadas, nos seguintes termos: "os negros das xarqueadas, do Rio Gran-
de do Sul são bem tratados pelos seus senhores, que só lhe aplicavam os castigos
merecidos", "O negro no Rio Grande do Sul", op. cit., pág. 76.
77. Vale a pena documentar mais amplamente os meandros intelectuais por onde se
perde a análise desses autores sobre a branquidade básica do gaúcho. Salis Goulart,
por exemplo, assim se exprime: "O que superiormente distingue o tipo étnico que
se está formando em nosso Estado, é este notável contingente de raça branca, fun-
dida com menor coeficiente de sangue indígena e africano. Naturalmente o ele-
mento aborígine é entre nós inferior ao do extremo Norte, ao mesmo tempo que
atualmente se calcula em 85% da população total o coeficiente ariano" (pág. 89).
Insistindo sobre a importância da "contribuição ariana" para a formação da popu-
lação do Rio Grande, apesar da verificação de que "até agora não temos ainda
definido um tipo rio-grandense" (pág. 91), Goulart mostra que os açorianos eram
germânicos: "Na formação étnica do açoriano entrou realmente forte dosagem de
sangue germânico, visto que os Açôres foram povoados por indivíduos da raça
flamenga" (pág. 90).
Mais curiosa ainda é a posição equívoca do autor em face das teorias racistas
(Ammon, Lapouge, Chamberlain). Nega-as. Não porque inexistam diferenças ra-
ciais, mas porque as diferenças apontadas por esses autores deixam os brasileiros
em maus lençóis: temos poucos "dólicos-Iouros" em nossa população e nem por
155
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
isso somos, em conjunto, inferiores. Até Garibaldi era branquicéfalo etc. O argu-
mento decisivo contra os dólicos é o seguinte: "Se a dolicocefalia é um índice de
superioridade, como compreender o fato de serem as raças negras fortemente
dolicocéfalas?" (pág. 93)(...)
78. Salis Goulart, ''Aspectos da formação do Rio Grande do Sul", op. cit., pág. 90.
Noutros autores encontram-se variantes dessa reconstrução idílica do passado gaú-
cho: ''A tendência para a clarificação da família rio-grandense é notável" (...) "O
clima também foi hostil à raça negra", diz à pág. 211 Rúbio Brasiliano, em "Terra
do Gaúcho", Anais do 2° Congresso, vol. I. Este autor também poderia ter sido
tomado para exemplificar a ideologia da democracia rural gaúcha. Quanto à
contrapartida dessa, a democracia racial, em Rúbio Brasiliano, como em todos os
outros, o "problema negro" é resolvido mostrando-se a pequena participação do
negro na população rio-grandense. Também nestes textos há afirmações inteira-
mente contraditórias; nas conclusões do trabalho em que afirma a tendência para
a clarificação, R. Brasiliano diz: ''A mestiçagem com o negro foi nula, como já es-
crevemos em capítulo anterior. O contingente negro na população rio-grandense
foi diminuto. Cronistas primitivos que aqui aportaram, escrevem com admiração
sobre a forma humana por que eram tratados os escravos. Além disso, a democra-
cia sempre imperou entre a gente das nossas estâncias, a necessidade de defesa
comum, tudo levou o colonizador a contar mais com o esforço coletivo, do que
com a lealdade duvidosa do negro, evitando assim a sua grande introdução no
interior" (página 219).
Convém lembrar que a esperança na "branquidade fundamental" do gaúcho já
se encontrava expressa em Apolinário Pôrto Alegre, na sua "Viagem a Laguna-1866",
transcrito em Província de São Pedro, nO 8, 1947 págs. 105 e segs. Falando dos aço-
rianos diz: "É o elemento que veio constituir o foco donde derivou tôda a primitiva
camada da população, no sul do Brasil, o único que frutificou e caracterizou a raça
atual que ainda não está fixa, mas em brilhante via de formação (...). Qual será êsse
tipo? O elemento etíope, que já rareia, desaparecerá de todo" (pág. 106).
79. Laytano, Dante, "O negro no Rio Grande do Sul", op. cit., pág. 76.
80. Pelo menos com relação ao tratamento do escravo nas charqueadas, os cronistas
forneceram dados abundantes e seguros que mostram as rudes condições da vida
de senzala. Diante dessas evidências Laytano fez comentários como esse: "O pro-
letariado das casas de salgar carne foi o mais sacrificado da democracia campesina.
Início do período industrial, a coletividade trabalhista oferecia um aspecto de
volume, grandeza, que apenas poderia ser dominado pela energia, então sinôni-
mo de chicote, hoje com as devidas proporções, lei social", op. cit., pág. 76. Não
é à toa que, secundando Dreys - para quem uma charqueada bem organizada
deveria viver sob regime penitenciário - considerava merecidos os castigos apli-
cados pelos senhores nos escravos.
156
1·-------------------------......
!
81. Laytano, "O negro no Rio Grande do Sul", op. cit., pág. 84. Aliás na "Biografia e
Viagens de Arsene Isabelle", contida em sua tradução, Dante de Laytano não dei-
xou de registrar que "Isabelle não foi honesto conosco" seus conceitos são
impiedosos e quase nunca correspondem à verdade", in Arsene Isabelle, Viagem
ao Rio Grande do Sul, op. cit., pág 105. É verdade que Isabelle era um inimigo
declarado dos jesuítas e que Dante de Laytano acha que "a América Portuguesa
reconheceu e reconhece ainda que deve, aos Discípulos de Loyola, realizações dig-
nas da mais adiantada civilização" (idem, pág. 102). Questão de pontos de vista.
Mas isso não impede, segundo penso, que os fatos relatados por Isabelle possam
ser tomados, não diria como verdadeiros, mas como objeto para exame e crítica.
Ou então de nada valeria traduzir esse autor. Além disso, participo antes da opi-
nião de Augusto Meyer, expendida no Prefácio à tradução do livro de Isabelle
(Emigração e Colonização, Gráfica Editora Souza, Rio, 1950), do que da idéia de
Dante de Laytano e outros sobre a "má vontade" de Isabelle com o Rio Grande.
Augusto Meyer assim se expressa: "Não vejo, portanto, fundamento algum que
justifique a tão repisada aversão de Isabelle ao Rio Grande do Sul; da leitura deste
livro, e de sua própria ordem de composição, ressalta pelo contrário a simpatia
mais viva, pela terra dos Farrapos, então já em plena convalescença da áspera luta
intestina" (pág. 8).
82. Idem, ibidem, pág. 86.
83. Oliveira Vianna, Populações Meridionais do Brasil, história, organização, psicolo-
gia, 2° volume, póstumo, O Campeador Rio-Grandense, Livraria José Olympio Edi-
tora, Rio de Janeiro, 1952. Não me preocuparei com documentar a afirmação de
que a ideologia da democracia rural era defendida por Oliveira Vianna porque
esta análise interessa menos diretamente ao tema do presente trabalho. A razão é
simples: não se trata, como os outros autores que indiquei, de um autor local. Con-
tudo, no livro de Oliveira Vianna está presente a idéia do "arianismo" gaúcho. Da
mesma maneira, o autor acredita no igualitarismo criado na campanha, por força
das condições naturais de vida nos pampas. Eis alguns textos significativos: "Na
formação da população gaúcha, com efeito, os contingentes étnicos que para ali
convergiram são muito particulares e distinguem-se acentuadamente dos contin-
gentes que entraram na formação de grupos nacionais. OH. Afer., por exemplo,
contribuiu ali com menor coeficiente do que para outro qualquer grupo regional
do nosso povo. Os elementos principais da formação da população gaúcha são o
H. americanus, representado pelos bravios e robustíssimos 'minuanos', 'tapes',
'charruas' e o homem branco, representado pelos continentes peninsulares que
para ali afluíram (...). Os elementos brancos tiveram a preponderância: - e os
elementos arianos, especialmente nas classes superiores que contribuíram para a
sua formação, eram mais puros do que em qualquer outro núcleo nacional e, mes-
mo, do que entre os espanhóis fronteirinhos" (págs. 330-331).
1 57
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
"Entre os pastôres rio-grandenses há, por exemplo, uma tradição, cuja gênese
só é possível no pampa e que de modo algum poderia surgir entre os grupos de
base agrícola do centro-sul, ou entre os grupos de base pastoril dos sertões do norte.
E essa tradição de igualdade e familiariadade entre patrões e servidores (grifo no
texto) essa interpenetração das duas classes rurais - a alta e a baixa, a senhorial e
a servil; fenômeno êste que constitui na sua substancialidade, o espírito da demo-
cracia rio-grandense" (págs. 289-290). Em abono dessa tese cita Alfredo Vareia,
outro ideólogo da democracia rural, e textos de Saint-Hilaire: aquele transcrito
no início do presente tópico, e outro em que, na edição original citada por Olivei-
ra Vianna, o naturalista diz: "Les maitres travaillent ainsi que les esclaves; se tiennent
moins éloignés et leur témoignent moins de mépris", em confronto com os fazen-
deiros do centro-sul.
1 58
CApíTULO 111 Senhores e escravos
Do ponto de vista jurídico é óbvio que, no sul como no resto do país, o
escravo era uma coisa, sujeita ao poder e à propriedade de outrem, e, como
tal, "havido por morto, privado de todos os direitos" e sem representação
alguma 1. A condição jurídica de coisa, entretanto, corresponde à própria
condição social do escravo.
A reificação do escravo produzia-se objetiva e subjetivamente. Por um
lado, tornava-se uma peça cuja necessidade social era criada e regulada
pelo mecanismo econômico de produção. Por outro lado, o escravo auto-
representava-se e era representado pelos homens livres como um ser in-
capaz de ação autonômica. Noutras palavras, o escravo se apresentava,
enquanto ser humano tornado coisa, como alguém que, embora fosse capaz
de empreender ações com "sentido", pois eram ações humanas, exprimia,
na própria consciência e nos atos que praticava, orientações e significa-
ções sociais impostas pelos senhores. Os homens livres, ao contrário, sen-
do pessoas, podiam exprimir socialmente a condição de ser humano
organizando e orientando a ação através de valores e normas criados por
eles próprios. Nesse sentido, a consciência do escravo apenas registrava e
espelhava, passivamente, os significados sociais que lhe eram impostos.
A condição de senhor, por sua vez, definia-se de forma complexa e
contraditória. As contradições decorriam fundamentalmente de que se o
escravo era socialmente uma coisa, pois sua consciência era a consciência
passiva de uma situação social dada e criada pela ação dos outros, os se-
nhores, por outro lado, objetivavam a existência e a vontade através da
vida e do trabalho do escravo, e, nesta medida, alienavam-se.
O jogo complexo de contradições que deriva das relações entre se-
nhores e escravos fornece o travejamento básico para a compreensão do
processo de formação e desenvolvimento dos sistemas de interação en-
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E não pensem que essas brasileiras do campo não possuam certa espécie
de dignidade natural; ao contrário, apesar de nunca terem saído de suas
estâncias, chácaras e fazendas, e em tempo algum abandonado suas va-
cas, plantações de algodão ou de feijão, senão apenas para irem à pe-
quena cidade vizinha, e embora na mais crassa ignorância, não deixaram
de cultivar, no mais alto grau, suas vaidades, susceptibilidades e ares de
grandeza" 13.
Da mesma forma, a análise sobre a extrapolação para o negro em ge-
ral de toda sorte de estereótipos e atitudes cujo sentido primeiro fora o de
justificar a dominação senhorial em face do escravo 14 tem plena significa-
ção para as situações particulares da sociedade escravista gaúcha. O teste-
munho de Luccock é elucidativo: "parece por toda parte bastante que uma
pessoa tenha a tez de um preto para que se designe como objeto sobre o
qual a tirania se pode exercer. Tendo certa vez ocasião de tomar pelos tre-
medais que circundam a Baía da Mangueira, recorremos a um expedien-
te, muito comum aqui, mas que só mesmo a necessidade pode justificar.
Na barca, encontramos com dois pretos aos quais obrigamos, mostrando-
lhes nossos braços e convencendo-os de que seria inútil resistir, a que nos
servissem de guias, levando-nos através dos atoleiros. Felizmente os ho-
mens se mostraram cordatos, não dando motivos para medidas mais du-
ras. Uma vez a salvo, em terreno firme, despedimo-los com generosa paga
e uma exortação para que fossem sempre polidos para com nossos
patrícios. Se tivessem sido encontrados e ocupados por brasileiros, teri-
am-nos mandado embora com as mãos vazias. Tal é o quinhão da escra-
vatura, e quando um déspota necessita dos seus serviços, não se dá ao
trabalho de indagar se um preto é escravo ou forro"ls. A própria legislação
sancionou o costume: basta ser "preto" para ser considerado escravo. As-
sim, a lei de regulamentação do ensino primário da Província proibia de
freqüentar as escolas públicas "os escravos, e pretos ainda que sejão livres
e libertos"16.
A hipótese sobre a brutalidade corrente nas relações entre senhores e
escravos encontra confirmação em inúmeros testemunhos e registros. Além
disso, numa sociedade onde o regime patrimonialista de mando era per-
vertido por causa de condições históricas peculiares, a coerção necessária
à manutenção do regime escravocrata teria de exercer-se dentro de pa-
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vés da fuga, poderia encontrar a liberdade. Ainda assim, era uma liberda-
de mais nominal que real, como anotou Dreys: "O vago desejo da li-
berdade, de huma liberdade nominal, pois, que, sahindo do cativeiro dos
brancos, cahe no cativeiro mais duro da miseria e dos vicios, atormenta o
negro em todas as situações: escravo sem repugnancia na sua terra, eIle
quer ser livre em todas as mais partes do mundo"2S.
O "vago desejo de liberdade" e a impossibilidade de sua concretização
na sociedade escravista definem, na verdade, a forma assumida pelas rela-
ções entre escravos e charqueadores e, ainda mais, a condição do homem
escravo. Nas charqueadas só era possível manter a disciplina no trabalho
e o respeito aos senhores e à ordem escravocrata através do controle es-
trito da vida do escravo e da violência institucionalizada que o capataz
exercia em nome dos senhores. Essa violência encontrava limites apenas
no Código Negro que, regulando os castigos merecidos, exprimia os inte-
resses e os valores de uma sociedade fundada em relações de violência.
De fato, existe documentação suficiente para comprovar o rigor existente
no regime disciplinar das charqueadas. Além das informações dos viajan-
tes, há registros nos jornais da época sobre o excessivo rigor dos contro-
les a que eram submetidos os escravos26•
Os excessos iam a ponto de permitir assassínios de crianças escravas27•
Contudo, a resignação do escravo à situação era aparente. A transgressão
das normas, o desacato aos senhores, o assassínio de braços, o roubo e a
fuga exprimem, de forma brutal, o inconformismo do escravo, definindo
assim, paradoxalmente, pela negação do respeito à pessoa humana do
senhor e dos brancos a condição humana fundamental do escravo, o "vago
desejo de liberdade". Resulta, pois, que o negro amarrado ao tronco para
ser flagelado exprimia exatamente o que de mais autenticamente humano
havia no escravo. Nessa situação extrema desvenda-se todo o mecanismo
de manutenção da sociedade escravocrata, tão bem compreendido por
Dreys:
"Os negros do Rio-Grande, seja qual for sua apparente resignação,
justificada aliás pela suavidade de sua condição não estão isentos do con-
tagio: varias tentativas fizerão eIles, em tempos differentes, para impri-
mir à toda a população negra hum movimento insurreicional: mas todos
os projectos falharão e não podião deixar de falhar, à vista da immensa
174
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sono, e, quando não há ninguém na sala, cai de joelhos para poder dor-
mir. Não é esta casa a única que usa êsse impiedoso sistema: êle é fre-
quente em outras"34.
É óbvio que o escravo adulto que tivesse passado a infância dessa for-
ma, por maior ânsia de liberdade que pudesse ter, dada a impossibilidade
de realizá-la, não poderia deixar de ser, no geral, submisso a toda sorte de
caprichos senhoriais, tanto mais que a coerção aberta, pelo flagelo, aviva-
lhe a qualquer momento a condição de escravo. Assim, no geral, era pos-
sível obter a "coisificação" subjetiva do escravo: sua autoconcepção como
a negação da própria vontade de libertação; sua auto-representação como
não homem: "He opinião constante entre os viajantes, que o tigre obser-
va uma certa graduação no ímpeto de seus appetites crueis; dizem que
achando facilidade relativa, o tigre atirar-se-há primeiro ao bruto, depois
ao negro, e por ultimo ao branco; se há muitas experiências, em que se
fundamente semelhante distribuição, não o sabemos; mas, o que pode-
mos affirmar he, que em nossas repetidas viagens ao travez daquelles cam-
pos, era custoso determinar hum negro a ir só cortar lenha no capão
visinho, allegando sempre aquella funesta preferencia para ser acompa-
nhado"3s.
Do ponto de vista da percepção social do senhor a reificação do es-
cravo era total. A descrição das relações entre a criança escrava e o filho
do senhor indica que as técnicas socializadoras do sistema escravocrata
permitiam que os senhores mantivessem atitudes e orientassem as ações a
partir de normas que implicavam a despersonalização do escravo. A vio-
lência e a falta de respeito à pessoa do escravo reveladas pelo comporta-
mento senhorial (que eram requisitos para o funcionamento do sistema
de produção escravista) podiam efetivar-se e justificar-se diante dos mo-
res senhoriais graças à reificação prévia do escravo: desde criança o se-
nhor regulava suas expectativas considerando o escravo como um ser
incapaz de vontade, objeto de toda sorte de caprichos e perversidades.
Saint-Hilaire registrou outros aspectos do processo socializador pelo qual
as mulheres brancas eram treinadas para comportar-se senhorialmente,
comportamento que o viajante qualificou como de "orgulho e baixeza":
"Em todas as partes do Brasil por mim percorridas até aqui, não existem
escolas nem colégios para as meninas, criadas no meio de escravos e tendo
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
sob seus olhos, desde a mais tenra idade, o exemplo de todos os vícios
dêles, adquirindo ao mesmo tempo o hábito do orgulho e da baixeza"36.
No Rio Grande do Sul, em particular, havia uma dimensão que, se não
era nova, exteriorizava-se mais abertamente no comportamento senhorial.
A rusticidade e a violência da atividade prática do gaúcho tornaram o se-
nhor ainda mais rude: "Os brasileiros são em geral prestimosos e genero-
sos, mas o hábito de castigar os escravos embota-lhes a sensibilidade. Nesta
Capitania acresce uma outra modalidade de dureza de coração - o modo
impiedoso com que tratam os animais, aqui. Vivem, por assim dizer, no
meio de matadouros, o sangue dos animais corre sem cessar ao redor de-
les, e desde a infância se acostumam ao espetáculo da morte e dos sofri-
mentos. Não é pois de estranhar sejam mais insensíveis que o resto dos
seus compatriotas"37.
O próprio Gonçalves Chaves, em cuja charquada Saint-Hilaire obser-
vou o tratamento rude dispensado às crianças escravas, assim se refere aos
efeitos dessas práticas sobre a personalidade do jovem senhor: "Hum
menino he desde seus primeiros dias acostumado aos horrorosos castigos
feitos aos Escravos (com que se encaminha à ferocidade) e palavras pou-
co edificantes das suas familias para com seus domesticos; estas são as
impressões, que para sempre se lhes arraigão n'Alma, e he não só rara,
mas quasi impossivel a boa educação"38. Quando adultos, por melhores
que fossem seus sentimentos e por mais que julgassem a escravidão como
um mal desnecessári039, não poderiam deixar de isolar perfeitamente as
idéias e os sentimentos, no plano abstrato, do comportamento efetivo:
"Nas charqueadas os negros são tratados com rudeza. O Sr. Chaves, tido
como um dos charqueadores mais humanos, só fala aos seus escravos com
exagerada severidade, no que é imitado por sua mulher; os escravos pare-
cem tremer deante de seus donos"4o.
A rudeza de tratamento, como percebeu Saint-Hilaire, era condição
necessária para o desempenho e a manutenção da posição do senhor na
charqueada, onde, em comparação com o comportamento do estancieiro
que possuía escravos, a "cousa muda de figura", pois são muitos negros,
"trazidos da Capital", com vícios, a demandar "energia". Por que tudo
isso? A resposta está contida nas explanações anteriores: o "vago desejo
de liberdade" numa aglomeração grande de negros, submetidos a condi-
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NOTAS
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educação; como não receberam nenhuma instrução de moral e honra, agem sem-
pre de má fé nos seus negócios" (op. cit., pág. 88). Creio que só no período que
denominei de "aurora da dominação senhorial" (a partir da Guerra dos Farrapos)
poder-se-ia encontrar como contrapartida da riqueza o refinamento das maneiras
e do espírito.
12. Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni, Côr e mobilidade social em Flo-
rianópolis, capo lI, esp. págs. 146-152.
13. Isabelle, op. cit., pág. 63.
14. F. Henrique Cardoso e Octávio Ianni, op. cit., loco cito
15. Luceock,op. cit., pág. 135. Isabelle, na linguagem candente com que criticou a
escravidão, dá outro testemunho da transferência para o negro das representações
formadas sobre o escravo: "aqui, como em tôdas as antigas possessões espanholas
e portuguêsas, os negros e mulatos são operários, quer dizer homens laboriosos,
trabalhadores, aquêles que têm necessidade de exercitar mais a sua inteligência,
mas têm a desgraça de ser escravos e, sobretudo, negros. Estes são necessariamente
brutos, os usurpadores do nome de homens. No entanto, esses brutos asseguram a
subsistência e tôdas as alegrias da vida de seus preguiçosos senhores". Arsene
Isabelle, op. cit., pág. 66.
16. Cf. Col1eção das Leis Provinciais de São Pedro do Rio Grande do Sul, Tip. do
Commercio, Porto Alegre, 1846, lei sobre a instrução primária, 1837, art. 3°, pa-
rágrafo 2°. Em 1846 a lei mencionava apenas os escravos.
17. Arsene Isabelle, op. cit., pág. 67. Isabelle, defendendo-se por antecipação dos crí-
ticos que o achariam injusto e exagerado, escreveu, depois de dizer que em Porto
Alegre os negros carregavam fardos pesados ("porque a raça africana desempenha
no Brasil a profissão de cavalos e mulas"): "Viajantes que foram testemunhas da
barbaria impiedosa dos colonos franceses e inglêses puderam achar o jugo dos es-
cravos mais suportável, no Brasil; mas eu que vi negros livres, trabalhadores, fa-
zendo viver os brancos, na categoria de homens, na República Argentina e Banda
Oriental, peço me seja permitido achar sua sorte deplorável no Brasil e revelar a
infâmia dos europeus que não têm vergonha de levar a imoralidade a ponto de
fazer ainda clandestinamente o comércio de carne humana!" (pág. 59). Além dis-
so, no texto transcrito acima Isabelle não critica ou comenta, mas, apenas, registra
o que viu.
18. Dreys, op. cit., pág. 203. No geral Dreys participa da convicção da suavidade do
tratamento dispensado aos negros, como logo veremos.
19. Luccock, op. cit., pág. 134. A crença sobre a remessa dos piores escravos de outras
partes do Brasil para o Rio Grande encontra-se registrada em Mawe. Foi re-
produzida mais tarde por vários outros autores.
20. A distinção entre o comportamento do charqueador e do estancieiro é válida ape-
nas analiticamente e em termos típicos. Realmente a situação era mais complexa,
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
pois muitos estancieiros eram charqueadores e seria difícil supô-los senhores mag-
nânimos numa situação e algozes noutra. Isso mostra, ainda uma vez, o processo
deformador de interpretação da realidade utilizado pelos ideólogos da democra-
cia rural: generalizam uma condição particular que pode ter alguma significação
para a caracterização tipológica de formas de comportamento e, a partir disso,
"deduzem" formas concretas e históricas de comportamento.
Sobre a dupla qualidade de estancieiro e charqueador: "O bosquejo que apresen-
tamos das estancias nos Ip.va a fallar das charqueadas que se alimentam dos produetos
d'aquellas, e às vezes reunem-se na mesma mão para comporem a fortuna de hum
só homem; pois há muitos charqueadores que são, ao mesmo tempo, proprietarios
de estancia" (Dreys, op. cit., págs. 145-146).
21. Dreys, op. cit., pág. 205.
22. Herbert H. Smith, Do Rio de Janeiro a Cuyabá, Companhia Melhoramentos, São
Paulo, 1922, pág. 140. A viagem a Pelotas realizou-se em 1882.
23. Lallemant,op. cit., págs. 388-389.
24. Saint-Hilaire, op. cit., pág. 96. Dreys nega, contradizendo-se, o aspecto repugnan-
te da atividade nas charqueadas: "huma pessoa a quem faltasse a experiencia
propria, considerando que a matança do gado he uma das industrias capitais do
paiz, e reflectindo nas necessarias consequencias, deve se figurar Rio-Grande como
huma terra desfeita em lama de sangue, coberta de fetidos detrimentos, e por isso
envolvida n'huma atmosphera de concepção tão contraria ao commodo como à
conservação da vida. Pois nada disso acontece (...)" (pág. 146). Não acontecia
porque havia estabelecimentos "de natureza tão nojosa", fazendo lançar ao rio os
detritos. Dessa forma, o viajante "passageiro a bordo das embarcações que nave-
gam n'esses rios, esbarra-se às vezes com ilhas movediças formadas da aggregação,
fortuita de huma porção d'aquelles molles detrimentos que vem surgir à superficie
das águas quando a fermentação entra a desenvolver os gazes que contém" (pág.
147). À guisa de balanço das impressões que o ambiente das charqueadas poderia
causar, pondera Dreys: "O certo é que, fóra da estação da matança e n'esta mesma
estação, fóra das horas do trabalho, huma charqueada não tem nada que repugne
à vista, e sempre diremos, em abono da verdade, que, em tempo nenhum, n'hum
estabelecimento d'esses bem administrado, nada se acha que offenda o olfato, não
dizemos de hum sybarita, mas de qualquer homen não previnido nem affeminado.
Certamente as emanações produzidas por tantos animais de natureza e prepara-
ções diversas não deixam de produzir estranha impressão a primeira vez, porem
nunca incommodão, e ainda menos são lethaes; e aquelles que nas charqueadas se
demorão alguns dias, não tardão em ver chegar o momento que a combinação de
todos esses eff!uvios heterogeneos determina huma sorte de sensação agradavel
(...)" (151-152). Não creio que seja necessário insistir sobre a qualidade de ideólogo
da sociedade pastoril gaúcha que caracteriza Dreys. Até os odores da putrefação
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que la fuga era un medio lícito de conseguir la liber, fundado en eI derecho natu-
ral, contra quien no podía ninguna humana convención. Sin embargo, no se ejecutó
tan justa y utilísima disposición, y algunos representaron repetidas veces contra
ella, haciéndose activos agentes de nuestros naturales enemigos, hasta que han
logrado este ano, por la vía dei ministerio e Estado, y sin noticia dei consejo, revocar
aquella sabia disposición de este, y restabelecer la inhumana restitución. No se
reflexionó la conducta portuguesa en estas partes, ni sobre eI derecho natural que
queda violado, ni eI grande bien dei estado que se desprecía. Se alegó que estas
haciendas se sostenian com esclavos, y que se perdería eI país por su deserción.
Pero se equivocaron mucho porque tenemos muy raros esclavos en eI campo,
haciéndose todo por manos libres. De manera que íbamos a perder muy poco, y
aun nada, porque tratamos tan bien a nuestros esclavos, que no hay ejemplar de
haver estos procurado libertad, pudiéndola conseguir yéndose a unir com los indios
infieles, que ne todas partes nos cercan. Los portugueses aI contrario, los tratan
como a asnos de carga; y teniendo cien esclavos por uno nosotros, su deserción
sería forzosamente más de céntupla de la nuestra, lo que ocasionaría un incremen-
to increíble aI bien público, sin mas perjuicio que alguno muy corto a uno u outro
particular" (págs. 20-21).
Apesar disso, a prática de dar guarida aos negros fugidos continuou a exercer-se,
senão legalmente, de fato. Uma das causas invocadas para as hostilidades contra
Artigas era justamente a proteção que ele dispensava aos negros, com cumplicidade
da tropa de linha. Saint-Hilaire, que percorreu as fronteiras depois das hostilida-
des, registrou testemunhos nesse sentido: "O tratamento dado a esse oficial (um
enviado português) e a proteção que Artigas dava aos negros fugidos da Capita-
nia, foram as razões alegadas para o rompimento da guerra" (op. cit., pág. 43); e,
mais adiante, relatando os impulsos belicosos de um oficial português diante das
agressões castelhanas: "que seu comandante (dos espanhóis) dava guarida aos es-
cravos fugidos do Rio Grande do Sul, entregando-os a Artigas, e que um dia, esgo-
tada tôda a paciência, resolveu agir pela fôrça, sendo punido com prisão" (idem,
página 77). Os negros fugidos lutavam nas tropas de Artigas contra os portugue-
ses, e nisso se empenhavam, pois era a luta pela própria liberdade: "É voz geral
que os mais valentes soldados de Artigas são os negros fugidos, o que é natural
porque êles se batem por sua liberdade" (Saint-Hilaire, op. cit., pág. 32).
Quanto às manumissões, elas intensificaram-se (antes da derrocada do regime
servil) durante a Guerra dos Farrapos. Não existem estudos específicos sobre a
posição dos farroupilhas quanto ao problema negro. Sabe-se que os revoltosos con-
taram com o apoio de contingentes consideráveis de ex-escravos e que todo escra-
vo que servisse às tropas republicanas era considerado forro e, ato contínuo,
cidadão. É certo também que essas manumissões implicavam o pagamento pelo
Governo Republicano do valor dos escravos a seus proprietários, o que equivale
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
41. "Apenas vimos uma casa, na qual pernoitamos. Antes de aí chegarmos, o patrão
mandou seus camaradas içar o corpo de um de seus negros, que se afogara quando
estava em Rio Pardo. Quando avistámos o cadaver dêsse infeliz, o patrão gritou:
'~h, meu dinheiro! Que me custa tanto ganhar!" Sua Mulher foi, em uma piroga,
presidir o enterramento do corpo; sôbre a sepultura foi fincada uma cruz de bam-
bu. Quando a mulher regressou ao barco, estava banhada em lágrimas, mas a ru-
deza com a qual trata os escravos fêz-me crer que ela não chorava outra cousa
senão seu dinheiro". Saint-Hilaire, op. cit., pág. 280.
42. Dreys, op. cit., págs. 147-151 e Louis Couty, op. cit., págs. 133-134.
43. Dreys percebeu bem que os escravos, apesar do desejo vago de liberdade a que
alude, e de serem bons guerreiros, eram incapazes de comportarem-se de forma a
pôr em risco o regime escravocrata: "Hum amigo nosso, official superior da
Republica Argentina, chamava os negros - Suissos da America - em referencia a
suas disposições guerreiras; porem, precisão de chefes instruidos e firmes, como
tambem de disciplina severa, e a difficuldade de encontrarem entre si seus
indispensaveis elementos de sucesso, esse mesmo ardor irreflectido que repelle a
ordem e tende incessantemente a sahir da orbita da subordinação, são outros tan-
tos obstaculos, felizmente invenciveis para os negros abandonados a seu próprio
impulso, por isso que tem sido e sempre serão baldados, tanto no Rio Grande como
em qualquer parte do continente americano, seus esforços para conquistar, em
presença da população branca, uma liberdade que são sabem usar, e que, conside-
rada friamente, fóra das especiosas abstrações de uma philantropia especuladora,
he para elles, na sua existencia local, e para a sociedade, muito menos util que
prejudicial" (op. cit., pág. 206).
44. Excetuam-se desse quadro os momentos em que, por causa das inconsistências
surgidas na própria ordem senhorial, como na revolta dos Farrapos, os negros pu-
deram reagir, mas ao lado de facções de senhores, contra algo para eles inteira-
mente abstrato (como a Coroa) e, subsidiariamente, contra a escravidão. É certo
que houve tentativas de revoltas exclusivamente negras. Os relatórios dos presi-
dentes da Província registram essas "sedições". Assim, por exemplo, o Relatório
Fernando Leão de 1859 dá conta de tentativas de rebelião em Capivaí e Piratini.
Contudo, as revoltas eram logo sufocadas: '~Iguns escravos comprometidos no
plano de insurreição forão convenientemente corrigidos; tôdas as combinações se
desfizerão, e a confiança voltou de novo ao animo dos habitantes de Piratiny" (pág.
4). Nos relatórios do decênio 60-70 há várias referências a tentativas de revolta de
escravos, logo conjuradas. Anteriormente a esse período há registros de tentativas
semelhantes. Assim, no relatório Miranda Castro de 1848 noticia-se uma insur-
reição de escravos que fora tentada em Pelotas: "um plano entre os negros de Nação
Mina existentes nesta ultima cidade e nas charqueadas e Olarias que lhe são pró-
ximas, para uma insurreição" (...) "mais de 30 dos referidos negros estão presos"
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
(pág. 7). Durante a Guerra dos Farrapos, como já disse, as tentativas de rebelião
aumentaram. Em ofício à Câmara de Porto Alegre o chefe de Polícia dizia, cf. as
atas de 13-10-1838: "que a tentativa de uma insurreição de escravos acaba de ser
descoberta nessa cidade, sendo pois preciso, que a Câmara mande por na mais
restrita excecução as suas posturas relativas a ajuntamentos de escravos e pretos
forros nas tabernas, algazarras e cantarolas pelas ruas da cidade, e outros fatos que
lhe são prohibidos".
45. Está claro que me refiro aqui apenas a algumas categorias de escravos urbanos: os
artesãos e segmentos da escravaria doméstica. Não interessa, para fins da análise
aqui proposta, descrever minuciosamente o que acontecia em geral, num dado mo-
mento, em cada cidade do Rio Grande. Os dados disponíveis, entretanto, mos-
tram que também em Porto Alegre, em Pelotas e no Rio Grande as condições de
vida material e moral dos escravos eram subumanas. Trechos de Isabelle, já trans-
critos, e mesmo de Luccock, indicam isso. A título de ilustração reproduzo uma
informação contida em Alfredo Ferreira Rodriguez, Almanak Literário e Estatísti-
co da Provincia do Rio Grande do Sul para 1889, Carlos Pinto & Com. Editoras,
2a edição, relativa às ocorrências do dia 9 de janeiro de 1888, isto é, poucos meses
antes do 13 de maio e quando, formalmente, há quatro anos Porto Alegre havia
emancipado os escravos: "Na secretaria de policia de Pôrto Alegre, os Drs. Emilio
Ferreira Gomes e Marcelino de Souza Junior procederam ao auto de corpo de
delicto numa escrava que viera a pé de Santo Antônio da Patrulha, fugindo ao seu
barbaro algoz Joaquim Corrêa. O corpo da infeliz estava horrivelmente seviciado:
braço, dorso, nadegas apresentavam um aspecto repugnante" (pág. 241). Durante
a vigência plena do regime escravocrata também nas cidades havia a violência aberta
contra os escravos. É verdade que, nas cidades, a crítica da "opinião pública" nas-
cente podia fazer-se sentir. Há registros de protestos contra abusos da polícia nos
seguintes termos: "Por fallar em policia; o Espoleta chama a attenção do Sr. dele-
gado, para o abuso escandaloso, deshumano, e improprio de nossas civilização,
que commetem os soldados de policia, no acto de prenderem os escravos que se
encontram fóra de horas, embriagados ou em desordem. Para cumprir a ordem da
autoridade, não ha necessidade de dar pancadas, mormente em pobres pretos ve-
lhos que não resistem".
Nas Posturas municipais havia sempre dispositivos específicos sobre os es-
cravos que limitavam legalmente limites tolerados de violência conta os escra-
vos nas áreas urbanas. Transcrevo a seguir as Posturas referentes a escravos da
Câmara Municipal de Porto Alegre, aprovadas pelo Conselho Geral da Provincia
em 1847. Em nada diferem das mencionadas pela mesma Câmara em 1931 e, no
geral, assemelham-se às da Câmara de Rio Pardo (cf. Dante de Laytano, "Vida
Administrativa do Rio Pardo ao tempo da Monarquia" já citada) e de Pelotas.
Ei-las: "POSTURAS POLIClAES DA CAMARA MUNICIPAL DA CIDADE DE
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASil MERIDIONAL
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
sável aos Vereadores, pág. V, citado por Dante de LaytanlJ, "Vida Administrativa
do Rio Pardo ao tempo da Monarquia", op. cit., pág. 482.
47. A posição do escravo artífice parece ter sido superior à do escravo campeiro tam-
bém nas estâncias. Luiz G. Gomes de Freitas no já citado trabalho sobre os "Estan-
cieiros Antigos", diz sobre os escravos da fazenda: "Para serviços de rotina ou de
emergência, contava com pedreiro, carpinteiro, ferreiro, funileiro, quasqueiro, e
até alfaiate, o mulato Militão, que tinha instrução bastante para desapertar os fi-
lhos do estancieiro na solução de contas simples de aritmética, passando a "conta"
por um discreto buraquinho na parede de pau a pique que separava a escola de sua
oficina" (pág. 47). Mais adiante, pág. 48, afirma que os escravos artífices valiam
mais dinheiro do que os outros. Nesta memória o autor declara que na estância
onde passou a meninice os "escravos eram tratados com humanidade. Nunca ou-
vimos falar na existência de troncos ou de outros instrumentos de martírio" (pág.
47). Contudo, exemplifica logo adiante a "triste condição do escravo" referindo-
se ao caso de um velho negro da fazenda que depois de servir 40 anos ao senhor,
por morte deste foi vendido para outro dono, que não lhe devia nenhuma estima
especial.
48. No capo V existe comprovação documental para essa afirmação. Convém ponde-
rar que a "benevolência" senhorial manifestou-se mais no período de desagrega-
ção da ordem escravocrata, e mesmo assim foi muito relativa, como se vê nas notas
anteriores, nO 26 e 27.
1 96
CApíTULO IV Estrutura econômica e política da
sociedade escravocrata
Neste capítulo serão analisadas, em primeiro lugar, as relações entre a
economia escravocrata gaúcha e o sistema de poder, tanto no nível local,
como no nível nacional. Veremos, então, as conseqüências negativas so-
bre a economia do charque ocasionadas pelo desenvolvimento incomple-
to da dominação senhorial dos criadores, curtidores e exportadores
rio-grandenses. De fato, por um lado a economia do gado exercia uma
função subsidiária diante da economia propriamente colonial, do açúcar
e do café. Por isso, por mais poderosos que fossem os chefes locais no
plano regional, eles, como camada social, não foram capazes de exercer,
no plano nacional, a influência necessária para contrapor às adversidades
eventuais do mercado uma política econômica suficientemente vigorosa
para permitir a acumulação contínua de riqueza no plano local, ainda que
à custa dos demais consumidores e produtores nacionais. Por outro lado,
as peculiaridades já apontadas da situação do Rio Grande como Província
de fronteira intensificavam o interesse e a influência do Poder Central na
vida político-econômica da região, diminuindo, ainda mais, as possibili-
dades de a camada dominante local impor de forma autônoma seus inte-
resses.
Em segundo lugar, serão discutidas neste capítulo as condições da pro-
dução escravocrata e os limites impostos à expansão econômica capitalis-
ta pela escravidão. A situação específica da economia do charque no
mercado internacional permite a discussão das possibilidades de desen-
volvimento capitalista da sociedade escravista, mostrando como a escra-
vidão foi, num primeiro momento, o recurso possível para a exploração
mercantil numa região de terras abundantes e escassez de mão-de-obra, e,
no momento seguinte, se transformou num obstáculo à generalização do
sistema mercantil de produção capitalista. Através da análise serão postas
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1. ECONOMIA E pOLíTICA
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charque, e dos couros, tem sido este mal augmentado pela prohibição que
por muito tempo existe, de passarem gados do Estado Oriental para este
lado"l. Alguns anos depois, Sinimbu reafirmava a crise da economia do
gado em termos não menos peremptórios: "Há factos sociais que só por
outros podem ser destruidos. Em quanto o excesso dessa população, que
ficando desempregada pela diminuição do gado, não procurar em nova
industria util emprego ao tempo que hoje consome em vagamundear, em
quanto os fazendeiros não forem mais previdentes e cautellosos, dispen-
sando os favores da hospitalidade e proteção somente com pessoas co-
nhecidas, morigeradas, e dadas ao trabalho, em quanto os benefícios da
paz não se dilatarem por anos para que, corregindo os instinctos guerrei-
ros, imprimão novos habitos e tornem mais amenos os costumes de clas-
ses pouco ilustradas, não poderemos attingir aquelle estado que outras
sociedades melhormente organizadas e já avançadas na senda da civiliza-
ção ainda não poderão conseguir"2.
É fácil compreender que não possuía bases sólidas uma sociedade ru-
ral cuja economia dependia da impossibilidade de concorrentes seus de
países estrangeiros lançarem-se e competirem no mercado. Ademais, as
guerras a que a fronteira esteve exposta durante o século XIX, bem como
as revoluções, não deixaram de afetar a organização econômica da pro-
dução e, conseqüentemente, a posição econômica e o sistema de lideran-
ça dos chefes de parentela. Por essa mesma razão, o caudilho gaúcho não
poderia ser prudente e cauteloso a ponto de restringir sua hospitalidade e
proteção às pessoas morigeradas e trabalhadoras. Ao contrário, ao núcleo
da família poderosa do sul somava-se, ao lado dos escravos e peões, toda
uma gama de pessoas da "classe pouco illustrada" que vagamundeava pelos
campos. Essa era a forma definida de existir socialmente dos agentes sociais
que escapavam às posições polares do sistema escravocrata: não eram se-
nhores nem escravos, constituíam-se como uma espécie de exército de
reserva, pronto para servir os interesses senhoriais. Por isso, as famílias
pobres que andavam errantes (cf. Soares de Andrea) não constituíram
propriamente uma excrescência do sistema social, mas nele se inscreviam
regularmente.
Por outro lado, as flutuações a que estava sujeita a economia gaúcha
não deveriam afetar diretamente o nível de vida da imensa maioria da
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e mui justas são as considerações que faz acerca dos desastrosos resulta-
dos que pode produzir a continuação de escandaloso contrabando que
existe actualmente. Admira, porém, que O Pelotense, que com tanta saga-
cidade determinou todos os effeitos que para bem da provincia se podem
seguir da diminuição do imposto que pagam todos os generos do consu-
mo, se esquecesse de que pouco antes mostrara as vantagens do augmento
do imposto sobre um producto especial. A modicidade dos direitos, pro-
duzindo a barateza dos produetos, augmenta consideravelmente o consu-
mo: é O Pelotense que o diz, e é isso incontestavel; sendo assim como não
vê que o consumo do xarque (estrangeiro e nacional como já mostramos),
tomaria grande desenvolvimento no paiz em beneficio de todos, se o con-
sumidor pudesse ter esse producto por menor prêço do que tem hoje?"9
Transparece na argumentação a diversidade da situação de interesses.
Em nome do "consumidor nacional", isto é, do plantador de cana ou de
café que precisava alimentar a escravaria, o jornal do Rio mostra a incon-
sistência lógica e do desacerto em termos dos "interesses nacionais" da
posição tomada pelo jornal gaúcho. Este, não obstante, como ressalta uma
vez mais na tréplica lO, traduzia, com toda a inconseqüência da argumen-
tação, um ponto de vista que refletia, de fato, a situação e as possibilida-
des de melhora do mercado gaúcho ll • Contudo, para a análise em curso,
a argumentação que melhor desvenda as condições reais da produção
gaúcha encontra-se na resposta do Correio do Brasil. A solução das difi-
culdades vividas pela economia do charque talvez pudesse ser tentada,
como desejavam os charqueadores e exportadores, através de manipula-
ções tributárias. Para isso, seria necessário apenas que estes segmentos da
população gaúcha pudessem enfrentar os interesses de outros grupos eco-
nômicos do país e tivessem acesso aos círculos de poder que controlavam
a política tributária. Entretanto, a causa do desequilíbrio da economia do
charque estava realmente, como apontou o Correio, na diversidade das
condições de produção entre o Rio Grande do Sul e os países platinos: "o
illustrado autor do artigo (de O Pelotense) confessa que (em virtude de
circunstâncias que não cabe aqui examinar) os gastos de produção do
xarque estrangeiro são menores que os do xarque riograndense, tanto assim
que, para equilibrar as condições de venda dos productos, pede eIle um
augmento de imposto sobre o xarque estrangeiro e a diferença é tal, que
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2. A PRODUÇÃO ESCRAVA
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nomia pastoril do Rio Grande, para lançar luz na compreensão das possi-
bilidades de constituição e expansão do capitalismo moderno nas socie-
dades que têm como fundamento o regime escravocrata27•
A economia escravista, por um lado, é uma economia de desperdício
pela sua própria natureza e, por outro lado, funda-se em requisitos soci-
ais de produção que a tornam obrigatoriamente pouco flexível diante das
necessidades de inovação na técnica de produção. Noutros termos e sin-
tetizando, a economia escravocrata, por motivos que se inscrevem na pró-
pria forma de organização social do trabalho, impõe limites ao processo
de racionalização da produção e à calculabilidade econômica. Isto signifi-
ca que, a partir de um certo limite, a economia escravocrata se apresenta
como um obstáculo fundamental para a formação do capitalismo.
Essas características da produção escrava tornam-se patentes quando
se cotejam as condições de produção dos charqueadores com os "saladeros"
do Prata. O charqueador gaúcho, comprando escravos, comprava força
de trabalho que excedia às necessidades da produção. Por isso, a capaci-
dade ociosa de produção de seus estabelecimentos era uma constante. De
fato, em setembro, outubro e novembro, fora da época da safra e da pre-
paração dos derivados do gado, enquanto os produtores platinos para-
vam, os charqueadores continuavam trabalhando, porque era preciso ocupar
os escravos, tanto por motivos extra-econômicos (para mantê-los ativos e
disciplinados) como para aproveitar a força de trabalho em alguma for-
ma de produção que, se não dava grandes lucros, permitia ao charqueador
a "ilusão do trabalho". Essa função latente do regime de trabalho cons-
tante ocultava à consciência dos senhores as desvantagens do regime de
produção sobre o qual erigiam seu prestígio e sua situação de domínio. O
ato de compra, como vimos, dissimulava ao senhor as reais condições
econômicas da produção escrava: mesmo fora da época das safras, o es-
cravo precisava ser alimentado, vestido e alojado. Custava, portanto, uma
certa retribuição diariamente renovada. Essa retribuição, contudo, quan-
do o trabalho escravo aplicava-se às tarefas acessórias, constituía-se, pra-
ticamente, num desperdício de capital, pois o produto realizado pelo
escravo nessas condições só existia como uma excrescência do mecanis-
mo da produção, como algo que se criava com o fim exclusivo de manter
ocupado o escravo28 •
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Está claro que isso não quer dizer que o escravo se dedicasse, nesse
período, a trabalhos diferentes da atividade principal da charqueada (a
salga, a preparação dos couros, das graxas e dos demais subprodutos do
gado). Entretanto, ocupava-se com tarefas que poderiam ter sido realiza-
das na ocasião das safras, se houvesse incentivos para melhor organizar e
controlar o próprio processo de produção. Entretanto, no sistema escravista,
o interesse imediato está na organização e no controle da mão-de-obra
como um verdadeiro (aux (rais da produção, isto é, não no sentido de
aumentar a produtividade, mas no intuito e com o resultado de manter a
autoridade no trabalho.
Por outro lado, a continuidade no trabalho é obtida através da vio-
lência e da disciplina militar, porque não há nenhum incentivo pessoal e
externo ao próprio ato de trabalhar (como o afã de melhor retribuição
no caso do trabalhador livre) sobre o qual se possa assentar o trabalh0 29•
Assim, o trabalho escravo compartilha com o trabalho do operário livre
da condição fundamental de trabalho alienado e alienador: não pode
tornar-se fonte de satisfação e realização humana. Mas, no regime capi-
talista, o trabalho livre permite a seleção de uma forma de incentivo à
produção, como o salário, que, com tudo o que possui de mistificador,
dá a ilusão do trabalho retribuído. Em certas circunstâncias pode mes-
mo induzir o trabalhador a dedicar-se à sua tarefa para, com mais traba-
lho, obter maiores salários e, conseqüentemente, maiores possibilidades
de adquirir os meios indispensáveis para sua satisfação na vida extrafabril.
O trabalho escravo, ao contrário, não permite nenhuma forma seme-
lhante de ajustamento do produtor às condições de produção. Torna-se
uma condenação irremissível que só se pode manter graças à coação direta
e contínua30 • Ora, essa necessidade de coação direta e contínua reflete-
se tanto nas preocupações como nos interesses materiais dos senhores,
distorcendo o sentido da produção. Por isso, a organização do trabalho
escravo é uma organização contra o trabalho, isto é, contra as possibili-
dades de intensificar a produção. A energia e os recursos despendidos
no regime escravo com a pura manutenção e funcionamento da escravi-
dão pela escravidão impedem o aproveitamento racional das condições
de trabalho e tornam o regime escravista um regime de desperdíci031 •
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
(ao contrário dos trabalhadores livres do Prata que eram remunerados por
tarefas e pela produção obtida), não sentiam nenhum estímulo para pro-
duzir mais: "O escravo não tem, com efeito, nenhum interesse para tra-
balhar bastante e para ultrapassar a taxa média que lhe é imposta"3s.
Como contrapartida desse processo, também a redução da quantida-
de de produtos não se podia fazer conforme as previsões e as necessida-
des do mercado. Diminuindo a procura, a produção não podia diminuir
no mesmo ritmo, pois a mão-de-obra escrava não é passível de contração
imediata. O saladeirista não só, nos meses da entressafra, dispensava a força
de trabalho que não utilizava e que era propriedade do trabalhador, como
comprava a quantidade de força de trabalho que havia realmente utiliza-
do para a produção das mercadorias requeridas pela demanda. O char-
queador, ao contrário, comprava o escravo e, além disso, retribuía sob a
forma de mínimos vitais a força de trabalho disponível do escravo, utili-
zasse-a ou não. Portanto, também num segundo sentid0 36, o aproveita-
mento da mão-de-obra no regime escravocrata possuía um componente
irracional: a produção marcava-se por um ritmo independente, até certo
ponto, das solicitações do mercad037. À característica fundamental da
produção capitalista de "produção pela produção", imposta pela dinâmi-
ca da acumulação do capital, substituiu-se no regime escravocrata a "pro-
dução pela escravidão", ou a "produção da escravidão" como uma norma
duplamente irracional. A escravidão constituía-se como um sistema de
produção que se pretendia uma forma de exploração absoluta em benefí-
cio dos senhores. Mas, nos momentos de crise, revelava sua face contra-
ditória de "produção pela escravidão". Num e noutro caso, mantinha-se
como um sistema de trabalho contra o trabalho, no sentido que expliquei
aCIma.
Entretanto, a escravidão se tornou um obstáculo insuperável para o
desenvolvimento do capitalismo e um sistema de produção destinado ao
insucesso diante da concorrência capitalista, por uma outra razão mais
diretamente vinculada à própria forma de organização do trabalho escra-
vo: o sistema escravocrata impedia, no Sul, a intensificação do processo
de divisão técnica do trabalho e a especialização profissional. Também por
esse motivo o trabalho escravo apresentava índices menores de produtivi-
dade que o trabalho livre.
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NOTAS
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"Opina o habil escriptor do Correio, que não será o único resultado da eleva-
ção dos direitos, porque só affectando elles o preço da venda, seria o consumidor
nacional obrigado a comprar por mais o que pode obter por menos.
"Semelhante objecção, assás procedente, quando o imposto recai sobre a mer-
cadoria em geral qualquer que seja o productor, perde toda a força na hypothese
que nos occupa, de affectar o produeto estrangeiro em beneficio do nacional que
não póde competir com elle, por que o accrescimo do imposto n'este caso apenas
diminúi o lucro que até então tinha o estrangeiro, vendendo o seu genero pelo
mesmo preço ou pouco menor que o do nacional, não obstante a differença dos
gastos de produção." O Pelotense, 24-5-1855, pág. 1.
12. O Pelotense, 21-5-1855, pág. 2. A seguir o Correio do Brasil afirma que o grande
prejudicado com isso seria o "consumidor nacional", obrigado a obter por maior
preço o que poderia comprar com menor dispêndio. Esta parte da argumentação
é que foi refutada na tréplica transcrita na nota acima. Ainda na tréplica, O Pelotense
argumenta com o que aconteceu nos períodos excepcionais de guerra, quando o
preço do charque não subiu excessivamente: "Para corroborar a nossa opinião fir-
mada em principios que julgamos incontroversos, memoramos o facto de não ter
havido alteração no preço d'este genero durante os bloqueios de Montevideo e
Buenos Ayres, quadras em que, affluindo d'ahi os gados, foi somente importado
por esta provincia nos portos consumidores. Accrescentamos que·, se a elevação
do imposto custasse algum pequeno sacrificio às tres provincias importadoras,
teriam ellas sobeja compensação no maior consumo dos seus productos em virtu-
de do desenvolvimento da população e riqueza do Rio Grande", O Pelotense, 24-
5-1855, pág. 2.
13. O Pelotense, 21-5-1855, págs. 2-3.
14. "A Actualidade e o Futuro do Rio Grande do Sul", O Pelotense, 5-3-1855, pág. 1.
15. O Pelotense, 21-5-1855, pág. 1.
16. Réplica do Correio do Brasil, já citada, pág. 3. Compreende-se que a Guerra dos
Farrapos não tenha cessado com a aprovação da lei: o processo revolucionário
embora instigado pelas condições econômicas desfavoráveis não se resumia nelas.
17. Cf. Manuscritos da Biblioteca da Assembléia Legislativa, Livro de Registro de Leis,
Decretos e Representações (1846), fls. 29.
18. Aparentemente há uma contradição nos termos na expressão "burocracia políti-
ca". Contudo, a expressão serve para caracterizar a camada de onde, no Império,
recrutavam-se os altos funcionários e os que, sem serem propriamente funcionários,
passavam a existência exercendo funções públicas, como muitos presidentes de
Província "profissionais". Eram políticos, em geral ligados às atividades produto-
ras dominantes, porém nem sempre eles próprios plantadores ou exportadores,
cujas possibilidades de êxito na vida, de prestígio e de obtenção de recursos mate-
riais ligavam-se diretamente à sua escolha para os Gabinetes pelo Imperador, ou
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para O exercício de altos cargos pelos Gabinetes. O papel da alta burocracia im-
perial, como camada, ainda não foi bem estudado. No sul a influência "civi-
lizadora" dessa burocracia foi enorme. O papel dos juízes e desembargadores,
por exemplo (em geral nordestinos), foi muito grande na difusão de hábitos novos
na Província.
19. Diz Soares de Andrea, à pág. 11 do relatório já citado: "Embora se diga, que essas
grandes Fazendas tem de ser divididas pelos futuros herdeiros dos actuaes possui-
dores; este caso dá-se algumas vezes, mas também se dá o de haver um herdeiro
que toma a si as partilhas dos outros a dinheiro, e ainda argumenta os seus campos
com outras compras, e assim o remédio pelas sucessões será tardio" (...) "Não
proporei que se offenda esse direito de propriedade, quando possuida a legitimo
Titulo; mas alguns modos ha de ir destruindo este mal, e mais depressa talvez do
que se pode esperar. Eu conheço os seguintes: (...)". Em seguida alinha algumas
medidas que permitiriam o desdobramento das propriedades, sendo as principais
as seguintes:
(a) obrigar medição das terras à custa dos fazendeiros;
(b) comprar com dez a vinte contos por ano terras para serem loteadas e depois
vendidas ou aforadas;
(c) tornar a Fazenda Provincial, quando tivesse que receber "sello de Heranças e
Legados", co-herdeira na distribuição dos campos, que seriam, por sua vez,
vendidos e aforados.
20. Antônio Manoel Corrêa da Câmara, Ensaios Statisticos da Provincia de São Pedro
do Rio Grande do Sul, Typ. do Mercantil, Porto Alegre, 1851, pág. 61.
21. Relatório Souza Ferraz, 1858, pág. 39. Cabe indicar que a situação parecera pior
dez anos antes, segundo o mesmo relatório, a tal ponto que experimentados ob-
servadores previam o fim dos curtumes, "logo que a paz e a tranquilidade reinas-
sem por 6 annos no Estado vizinho" (pág. 40). Entretanto, nada disso aconteceu
pois houve a guerra civil, donde abundância e barateza no preço dos gados, con-
comitantemente com ausência de concorrentes para o charque. Cessada a guerra
civil no Prata (1848-51), a economia charqueadora gaúcha voltou a apresentar
perspectivas sombrias: o volume do charque produzido não decresceu, mas as
possibilidades de lucro não eram grandes. O contraste entre um consumo em ex-
pansão e lucros em retração vinha já desde antes, como anotou o mesmo Souza
Ferraz: "N'essa epocha, não obstante as circunstancias anormaes do paiz vizinho,
ou se avaliava em quase nada o lucro dos charqueadores, ou se acreditava nos seus
prejuizos, que se estimavão em 2$203 rs. por rez" (pág. 40). Isto, provavelmente,
por causa do nível internacional dos preços, que afetava fortemente as exporta-
ções de couro. O processo de desvalorização desses produtos vinha, aliás, de longa
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acto e das consequencias da matança" (op. cit., pág. 148). Por isso a técnica usada
para a matança passou a ser a seguinte: "O gado fechado no curral he impellido na
direção de dous corredores separados hum do outro por huma especie de esplanada
levantada a 7 ou 8 palmos do solo; hum peão, de pé em cima d'ella, lança no boi
que apparece n'esses corredores hum laço cuja extremidade está atada, fóra do
recinto, n'um cabrestante posto em movimento por huma roda de ferralho
(trinqueta) manejada por dous negros: quando o boi, puxado pelo laço, chega a
encontrar-se com a cerca contra a qual a cabeça se acha comprimida, huma pessoa
(ordinariamente hum capataz) que o espera exteriormente, introduz-lhe a ponta
da faca nas primeiras c1aviculas cerebraes, d'onde resulta ficar o boi espontanea-
mente privado de movimento; n'esse estado, hum guindaste, rodando sobre seu
eixo, eleva o animal asphyxiado para fóra do curral por cima do cercado, e o trans-
porta para debaixo de hum telheiro, sobre hum lagedo disposto em segmento de
esphera aonde se sangra, sem que, graças à diposição bem entendida no lugar, a
operação deixe depois quasi vestigios nenhuns", Dreys, op. cit., págs. 148-9. Essa
técnica continuava sendo usada em 1882, quando Smith visitou as charqueadas.
No livro desse viajante, já citado, há uma descrição, às págs. 138-40, do processo
de preparação do charque e demais subprodutos do boi tal como era feita em
Pelotas.
43. "Importancia do Trabalho Livre", A Discussão, 13-9-1884, pág. 1.
44. Couty, op. cit., pág. 142.
45. Couty, op. cit., pág. 142.
46. A possibilidade de generalizar a análise de Couty foi vista por Smith: "Ultimamen-
te, e apezar das tarifas protectoras, tem havido no Brasil importação de carne secca
dos saladeros do Rio da Prata, que são agora concorrentes perigosos de Pelotas. O
Dr. Couty mostrou, do modo mais conclusivo, que a gravidade real da concorrencia
resulta da qualidade differente do trabalho empregado, - escravos em Pelotas, e
trabalhadores livres nos estados platinas. Falha-me o espaço para reproduzir inte-
gralmente o raciocinio d'este distincto escritor: é um dos mais poderosos argu-
mentos que tenho visto a favor da emancipação, tanto mais poderosos por tratar
da questão debaixo do ponto de vista commercial, sem o minimo vislumbre de
sentimentalismo, e apparentemente, sem saber que era um argumento applicavel
a outras industrias" (pág. 141).
47. A esse respeito, o artigo "Importancia do Trabalho Livre", publicado emA Discus-
são, Pelotas, 17-9-1884, pág. 1, mostra como foi possível alcançar, na época, algu-
ma consciência dos efeitos negativos do trabalho escravo para a concorrência com
o trabalho assalariado.
48. '~produção de mais-valia absoluta se consegue prolongando a jornada de traba-
lho acima do ponto no qual o trabalho limita-se a produzir um equivalente do
valor de sua força de trabalho e fazendo com que o capital se aproprie deste mais-
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mia escravista. Marx, depois de mostrar que a proporção entre capital fixo e capi-
tal circulante na composição orgânica do capital não afeta a taxa de lucro, ressalva
dois casos, o segundo dos quais ocorre quando "a diferente proporção entre os
elementos fixos e circulantes determina uma diferença quanto ao tempo de rota-
ção durante o qual se realiza um certo lucro", El Capital, op. cit., tomo IH, voI. I,
pág.197.
51 Karl Marx, op. cit., tomo I, voI. I, pág. 560. Grifos do texto.
52. As conclusões deste capítulo mostram, além dos resultados que interessam imedia-
tamente à compreensão das bases sociais da produção escravista ressaltadas na parte
conclusiva, que há dois problemas que devem ser mais bem esclarecidos. Em pri-
meiro lugar, é preciso salientar que, se no plano teórico-sistemático há uma in-
compatibilidade entre expansão do capitalismo e manutenção da escravidão,
historicamente esta contradição nem sempre manifestou-se plenamente e, menos
ainda, pôde cair no nível de consciência dos agentes sociais. De qualquer forma,
isto não justifica generalizações apressadas: é preciso evitar relações simplistas entre
escravidão e capitalismo. Assim, as explicações sobre o término do tráfico negrei-
ro fundadas no interesse de a Inglaterra evitar a concorrência entre os produtos
de suas colônias e os produtos das economias escravistas de outras áreas precisam
inserir-se em quadros explicativos mais amplos para que o sentido da história não
se inverta. O trabalho de Eric Willians, Capitalism & Slavery, The University of
North Caroline Press, Richmond, 1944, distingue, com razão, a existência de in-
teresses monopolistas na Inglaterra, que lutavam pela manutenção do sistema co-
lonial-escravista, dos interesses industrialistas, que lutavam pela extinção do tráfico
e abolição da escravatura. Por isso, os documentos, afirmações e medidas políticas
inglesas sobre o tráfico e a abolição refletem ora uns ora outros interesses, não
sendo legítimo concluir, em face de preocupações inglesas como a concorrência
da produção escravista brasileira, que, de fato, a economia escrava produz só por
ser escrava lucros maiores que a economia à base da mão-de-obra livre; nem,
tampouco, que a manutenção da escravidão era possível ou essencial para a pros-
peridade industrial da Inglaterra, mesmo quando a acumulação de capitais já per-
mitia a produção em massa. Com efeito, nem sempre a política oficial inglesa ou
as afirmações de políticos e homens de negócio ingleses, o "ponto de vista da In-
glaterra", significou o ponto de vista dos interesses industrialistas ingleses. Ao
contrário, muitas vezes coincidiu com os interesses dos produtores coloniais, preo-
cupados efetivamente com a produção brasileira e com a desorganização da pro-
dução colonial inglesa. E, muitas vezes, à necessidade de expansão do mercado
sentida pelos interesses industrialistas sobrepôs-se a vontade de manutenção da
posição de domínio dos grupos ligados aos interesses colonialistas, para os quais a
manutenção do tráfico e da escravidão nas áreas competidoras constituía sério
problema. Dessa conjuntura não cabe inferir que a economia escrava produz altos
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CApíTULO V A desintegração da ordem
escravocrata
Neste capítulo analisa-se um conjunto complexo de questões que, direta
ou indiretamente, são essenciais para a compreensão da sociedade es-
cravocrata gaúcha e para a avaliação dos efeitos de sua desagregação tan-
to sobre o destino do homem negro como sobre as possibilidades, abertas
pela Abolição, de redefinição das representações que os brancos manti-
nham sobre os negros e das formas de consciência e de comportamento
dos escravos. O capítulo foi dividido em dois tópicos nos quais são anali-
sados os processos básicos que aceleraram o fim do "antigo regime" no
Rio Grande do Sul, a saber, a imigração e a abolição. Os resultados alcan-
çados com a discussão das condições e efeitos desses processos permitem
completar o conhecimento da sociedade escravocrata. Isto porque alguns
aspectos das regularidades funcionais e das condições estruturais que ga-
rantiam a exeqüibilidade do sistema escravocrata revelam-se melhor atra-
vés da análise dos momentos de dissolução do sistema: neles aguçaram-se
as contradições sobre as quais se assentava a escravidão.
Paralelamente, procurou-se mostrar, na discussão da Imigração e da
Abolição, como a análise científica dos processos sociais só alcança
inteligibilidade plena quando são consideradas, simultaneamente, as con-
dições estruturais e funcionais subjacentes à práxis humana, o sentido
emprestado socialmente à ação e o grau de consciência do processo social
que historicamente é possível atingir. A partir dessa perspectiva suponho
ter determinado a dialética que existia entre as exigências da situação so-
cial, os objetivos e projetos que orientavam a ação e a consciência da situ-
ação que podia ser socialmente alcançada no período de desagregação da
ordem escravocrata gaúcha. As contradições entre esses níveis do real, o
desencontro entre os objetivos visados e os resultados finais atingidos, a
inexeqüibilidade, em termos das condições objetivas, de muitas das solu-
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1. A IMIGRAÇÃO E A ESCRAVIDÃO
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do Império: a vastidão das terras desertas, que não quereis sem dúvida
povoar com negros e que não é possível igualmente povoar pelo lento e
gradual crescimento da população (... )"8.
O que se desejava, por volta dos meados do século, era, mais do que
povoar, ou dispor de mão-de-obra, renovar os processos e as relações de
trabalh0 9• Com efeito, não passa despercebido aos que conhecem os pro-
blemas da época que nessa fase os anseios pela "renovação" das ativida-
des econômicas do sul começaram a impor-seIo. A partir de então, os
relatórios dos presidentes da Província referem-se amiúde à Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional, à qual, não raro, pertenciam. Em al-
guns relatórios, entre as preocupações centrais com a produção, incluí-
am-se os problemas relativos à técnica agrária ou industrialII. Assim, por
exemplo, o Relatório Moniz Ferraz de 1858 insiste em mais de uma pas-
sagem sobre a precariedade dos meios técnicos utilizados na agricultura e
sobre a necessidade da difusão de conhecimentos básicos das ciências agro-
nômicas: "Força é n'este passo chamar a vossa attenção sobre a necessi-
dade de implantar-se entre nós o ensino de sciencias indispensaveis ao
melhoramento de nossa agricultura, e igualmente da criação d'aquelles
estabelecimentos, que tendem a aperfeiçoal-a"l2. No ano seguinte, o Pre-
sidente Fernandes Leão retomou o tema, relacionando-o com a escassez
de escravos. Preconizava "a introdução de processos agrarios mais aper-
feiçoados, e machinarias, e instrumentos que facilitem o trabalho do bra-
ço humano. Em uma provincia como esta, em que ha falta de braços
escravos, todos os dias se sente a urgencia do emprego de instrumentos
agricolas, que facilitando o trabalho, desenvolvão as forças productivas
da terra com a multiplicada vantagem, que se nãopode esperar da força
bruta" 13.
Os problemas que a economia gaúcha enfrentava não eram, por cer-
to, derivados fundamentalmente da utilização de tecnologia inadequada,
nem as soluções desse tipo, muitas vezes propostas, chegaram a exercer
qualquer influência ponderável sobre o comportamento dos agricultores
e criadores. Tanto assim que, dez anos depois do Relatório Moniz Ferraz,
o presidente Barros Pimentel voltava a insistir nos mesmos problemas, sem
indicar progresso algum 14. Tratava-se de um falso equacionamento da situa-
ção econômica. A mesma perspectiva parcial e inadequada serviu para
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ma de contrato que garantisse aquilo que, afinal, contava porque era real,
a necessidade de levar adiante a empresa, pudesse interessar-lhe. Em vez
disso, os utopistas apegados à idéia de liberdade no trabalho ofereciam
projetos de bem-estar coletivo futuro: "Quando mesmo fosse possível
asseverar-se isso (que a imigração pode beneficiar as cidades, porém não
a lavoura, cujo trabalho rude só pode ser mantido através da importação
de braços com prévios contratos de trabalho), teríamos que somente ga-
nharia a lavoura, porquanto o assentamento dos imigrantes nos focos ci-
vilizados importaria concurrência inevitavel aos ociosos e nacionais que
ahi permanecessem, os quais vexados por aquelles competidores, retirar-
se-hiam para o interior, a cata de empregos na profissão rural"22.
Os que defendiam a imigração nesses termos diante da objeção dos
proprietários de escravos não queriam, pois, implicitamente, e não podi-
am, mesmo, resolver o problema concreto de tal ou qual senhor de escra-
vos. Apegavam-se e defendiam a "implantação de novas indústrias", a
"nova mentalidade", o "princípio da liberdade no trabalho e de trabalho"
e assim por diante. Respondiam sempre aos proprietários de escravos, que
desejavam resolver o problema da sua empresa, com argumentos em prol
da "civilização", do "progresso" do país: "precisamos de circulação, de
capitais, de novas industrias que tragam novos habitos, que não se alcan-
çam senão pela assimilação"23.
Finalmente, o problema da mão-de-obra, tal como era percebido e como
efetivamente se colocava para o proprietário e para a empresa escravocrata,
de forma alguma poderia ser resolvido através da "imigração", nos moldes
preconizados pelos que se interessavam pela "libertação do trabalho"24. Com
efeito, estes viam na entrada de imigrantes uma condição para a radicação
da liberdade no país, jungida a seu esteio fundamental em termos da con-
cepção liberal do mundo, a propriedade individual: "A Sociedade Central
de Imigração, além de quanto já tem dito nesse sentido pronunciando-se,
de modo conhecido, contra todo e qualquer contrato de locação de serviços
com o emigrante na Europa, assim como contra todo e qualquer systema
que não consagre a posse, no presente ou no futuro, do lote de terra pelo
colono, e contra todo e qualquer systema de adiantamento de capitais que
não lhe permitta a mais plena liberdade de acção e de locomoção ou mu-
dança, se reserva ainda para a discussão plena desse assumpto (... )"25.
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
uma vida local mais importante. Assim, pois, o governo provincial pre-
tende instalar em Pelotas uma extensa colônia, notadamente de alemães"30.
A mística do progresso encarnara nos braços livres dos colonos-pro-
prietários, fazendo a imigração surgir como a grande alavanca que impul-
sionava a região para o futuro. Por volta da década de 70, e principalmente
em 80, a imigração constituía um êxito estrondoso diante do marasmo da
economia escravocrata. Em 1866 Homem de Mello, cotejando a produ-
ção da zona colonial com a economia criatória, assim se expressava: "Os
habitantes da campanha guardão ainda uma instinctiva repugnancia aos
trabalhos agricolas, que felizmente n'esta provincia, progridem obedecendo
ao impulso vigoroso e energico do trabalho livre da laboriosa população
estrangeira que colonisa as ferteis regiões banhadas pelos rios Jacuhy,
Taquary, Sinos, Cahy, e que já se extende pelas serras centrais"31.
Com o êxito da economia das áreas de imigração a escravidão e a so-
ciedade senhorial que lhe era correlata ficaram postas em xeque dupla-
mente: porque não eram capazes de competir com o dinamismo da área
colonial e por constituírem-se em obstáculos à intensificação desejada da
imigração. Resultou que o movimento pela imigração, se não constituiu
uma crítica direta à escravidão, implicou a sua condenação prática. As-
sim, antes de constituírem-se no sul as comissões de libertação dos escra-
vos, organizaram-se comissões de proteção aos imigrantes. Os presidentes
da Província eram peremptórios a respeito dessas questões: "é a coloniza-
ção o problema de cuja solução depende essencialmente a grandeza, ri-
queza e poder de nossa patria (...). É uma dessas necessidades sociais que
se não pode acudir de prompto: depende de modificações profundas nas
condições da sociedade brasileira (...). Elles (os imigrantes) lutam com a
nossa ignorancia, com os nosso escravos, com os nossos costumes, com as
nossas molestias, com as necessidades, com as nossas instituições"32.
Para aliviar as dificuldades encontradas pelos colonos, reclamava o
Poder Provincial a colaboração das populações: "no intuito de auxiliar a
administração nos esforços que empenha para attrahir a immigração, esse
elemento de prosperidade e riqueza de que tanto necessitamos, proporci-
onando aos immigrantes os principais recursos para o seu estabelecimen-
to nas colonias, officiei em 24 de março ultimo à câmaras municipais de
São Sebastião do Cahi, Rio Pardo e Cachoeira, invocando o seu patriotis-
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Por que, então, a "onda abolicionista" cresceu de forma avassaladora
em 1884? A resposta a esta indagação não é simples e permite caracterizar
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NOTAS
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das Colonias já existentes, ou das que para o futuro se derem, e que todo o Colo-
no que dentro de trez dias, depois de avisado não puzer fóra da Colonia quantos
escravos tiver, seja elle com tudo quanto lhe pertence posto fóra da Colonia; e
esta dada a outro". (Relatório Soares Andrea, 1849, pág. 33.)
10. O mesmo é verdadeiro para Santa Catarina, como se pode comprovar no trabalho
que escrevi sobre a história econômica dessa área no capo I do livro Cor e Mobili-
dade Social em Florianópolis e, segundo suponho, para toda a região de Minas
Gerais, Estado do Rio, São Paulo e Paraná.
11. Contrastando com essa atitude, na primeira metade do século quase se poderia dizer
que havia um conformismo oficial diante das precária condições técnicas da produ-
ção gaúcha, raramente superado, como, por exemplo, o foi através de uma Repre-
sentação enviada pelo Conselho Geral da Província ao Imperador, pedindo modelos
de instrumentos agrícolas e homens que ensinassem os agricultores a utilizar esses
instrumentos, já que a agricultura "nesta Província está atrazada, pois que não se
conhecem outros instrumentos alem do simples arado, e a enxada, tendo por isso,
os Lavradores a necessidade de manterem mais braços, que lhe serião poupados por
instrumentos proprios, mas que não tem conhecimento (...)", in Livro de Propostas
do Conselho Geral da Província do Rio Grande do Sul, manuscrito da Biblioteca da
Assembléia Legislativa pág. 18, sessão de 9-1-1829. Op. cit., pág. 36.
12. No mesmo relatório reclama o presidente contra o fato de não haver a Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional remetido sementes de trigo que lhe haviam sido
encomendadas, demonstrando assim os esforços que "efetivamente se fazião para
melhorar tecnicamente as culturas". Já o relatório do ano anterior, de Patrício
Corrêa da Câmara, mostrara preocupação com a importação das sementes de tri-
go (op. cit., pág. 64).
13. Relatório Antão Fernandes Leão, 1859, pág. 75.
14. O presidente enumerava entre as razões que impediam o maior progresso das cul·
turas as seguintes: "1°, os processos até aqui usados no amanho das terras, na co·
Iheita e preparação dos productos da lavoura; 2°, a falta do emprêgo de machinarias
e outros instrumentos aratorios que supprindo e multiplicando o trabalho do ho-
mem, e utilizando as forças da natureza, concorrão para augmentar a produção
com economia de tempo e capitais (...); 3°, a falta de instrução profissional". Op.
cit., pág. 50. Da mesma forma, Moniz Ferraz insiste, à pág. 54, sobre a exploração
predatória das hervaes.
15. Barros Pimentel, op. cit., pág. 63.
16. Discutirei essas questões adiante.
17. "Supremacia da immigração sôbre a colonização", A Discussão, Pelotas, 29-8-1884,
pág.I.
18. Idem, ibidem. "Colonização", "colono" e "colonato" referem-se neste contexto às
práticas de engajamento de mão-de-obra livre empregada nas fazendas de café.
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57. Trecho reproduzido in Alfred Marc, Le Brésil, excursion atravers ses 20 Provinces,
Paris, 1890, volume lI, págs. 480-481.
58. Gonçalves Chaves, op. cit., páginas 45,46 e 47.
59. Relatório já citado, da Câmara do Rio Grande, in Alfred Marc, op. cit., pág. 482.
No Relatório de 1888 do Barão de Santa Thecla registrava-se o agravamento da
crise do charque. À concorrência platina somava-se a concorrência dos Estados
Unidos, Austrália e Nova Zelândia:
"Nossa principal industria, a pastoril, já actualmente em período de grave crise,
que infelizmente pode ser muito prolongada e quiça perdurar por muitos annos
indefinidamente. Assim penso porque tem-se desenvolvido com intensidade de-
masiada a industria pastoril nos Estados Unidos, Australia, Nova Zelandia e em
outros paizes.
"A abundancia da producção traz o abaixamento dos preços, e tais são já as
condicções de producção, que a carne dos gados da Nova Zelandia vai ao merca-
do do Rio de Janeiro competir em qualidade e em preço com a dos gados da
provincia de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Goyaz, e chega até aos mercados
europeus, onde alcança ainda preços remmuneradores. Não é por conseguinte para
acreditar que desta vez os produetos bovinos voltem a alcançar dentro de poucos
annos, ou mesmo de muitos, preços animadores e proporcionados capitaes em-
pregados na industria da criaçâo (...)" (pág. 18).
A economia pastoril no Prata, ao contrário, continuava a aperfeiçoar-se tecni-
camente, tanto no que diz respeito às pastagens e à melhoria das raças quanto no
que se refere à técnica de preparação da carne. Enviava-se no fim do século car-
neiros congelados para a Inglaterra (cf. Alfred Marc, op. cit., vol. lI, pág. 482),
sem mencionar que tanto pela técnica (até químicos utilizavam-se) como pelo vul-
to do negócio (onde havia capitais ingleses e alemães) os saladeiros platinos cons-
tituíam realmente uma empresa capitalista (cf. Cte. Eugene de Robiano, Dix-Huit
Mois dans l'Amérique du Sud, E. Plon & Cie, Paris, 1878, capo XVI, esp. págs.
184-192).
60. A análise efetuada neste capítulo permite que se compreendam também algumas
características do desenvolvimento econômico do Rio Grande no século XX. Com
efeito, a forma pela qual se realizou a integração do imigrante na sociedade gaú-
cha (como proprietários) foi responsável tanto pelo surto rápido de progresso in-
dustrial no fim do século XIX e início do século XX como pelas proporções
relativamente modestas que a indústria gaúcha alcançou nos meados do século XX.
Atividade familiar, semi-artesanal no início, permitiu, mais tarde, oficinas e atelliers
de ótima qualidade técnica, mas erigiu-se como um obstáculo para a construção
da "grande indústria". Isto tanto porque persistiu o "problema da mão-de-obra"
(a escassez de trabalhadores não proprietários dos meios de produção), como
porque a formação de mentalidade de "grande empresário" foi dificultada graças
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petindo a mesma idéia, ver "Liberdade", poesia de Caldas Júnior, in A Lente, Por-
to Alegre, 7-9-1884, pág. 1; e ainda, o "Hynno Abolicionista" de Achylles Porto
Alegre, transcrito em vários jornais, inclusive em O Século, Porto Alegre, 7-9-84.
Em O Século como em O Cabrion e em A Ventarola apareceram várias gravuras
críticas cujo conteúdo era o mesmo dos textos acima indicados. Significativa tam-
bém é a posição de A Voz do Escravo. No segundo número do jornal a nota da
redação assim se manifesta: "Compra e venda do escravo, fuga de escravos, barba-
ridades commetidas contra os escravos, eis os artigos ou annuncios que occupam
quase sempre um lugar em nosso jornalismo! Entretanto é pelo jornalismo que se
conhece do adiantamento moral de um povo. Ora imaginemos esses jornais per-
correndo os paizes da America e da Europa. Que idéia deverão fazer de nós os
demais povos? a resposta é fácil- que idéia fazemos nós da Russia e da Turquia?"
"A Voz do Escravo", in A Voz do Escravo, Pelotas, 30-6-1881, nO 2, pág. 1.
63. "Honra ao Rio Grande", A Federação, 3-9-1884, pág. 1.
64. "O abolicionismo", Tribuna Litteraria, Pelotas, 15-1-1882, pág. 1. Sobre a genero-
sidade do povo há também muitas referências, como por exemplo, in ''A Abolição
no Rio Grande", A Federação de 4-8-84, pág. 1.
65. Editorial sobre ''A questão do elemento servil", in O Conservador, Porto Alegre,
11-8-1884, pág. 1. Adiante, no mesmo editorial: "a questão servil está com-
plectamente prêsa à das finanças", por isso, o jornal critica os que entre "o patrio-
tismo e a liberdade sacrificam aquelle sentimento, unico que deve dominar o espírito
de todo o cidadão das difficuldades da patria, para aceitar de preferencia a liber-
dade do escravo, que trará a morte da nação se por ventura vingarem as idéias do
abolicionismo".
Noutro editorial, de 20-8-84, dizia o jornal: "Mas convença-se o Sr. José Jú-
lio (presidente da Província, do Partido Liberal), que apezar da extraordinária
agitação que os abolicionistas estão fazendo, e com a qual suppõem emancipar em
dois mezes a provincia do Rio Grande do Sul, não conseguirão modificar a opi-
nião da nação, já manifestada em favor daquelles, que querem a liberdade do es-
cravo de harmonia com a lei de 28 de Setembro de 1871 e os grandes interesses
do paiz, porque esses é que são os verdadeiros patriotas, e os que defendem o sa-
grado direito de propriedade, consignado na Constituição do Imperio".
66. ''A Opinião do Paiz", O Conservador, 6-8-1884.
67. Isto se evidencia tanto nas preocupações com a desorganização do serviço domés-
tico em conseqüência da abolição, expressas na imprensa e nos Relatórios, como
a partir da análise das informações sobre o número de escravos (com predomínio
deles nas cidades) e sobre a quantidade de escravos alforriados por cada senhor.
Os 1.810 escravos cujas a!forrias foram obtidas até o 22 de agosto de 1884,
em Porto Alegre, segundo dados compilados em A Reforma desse período, perten-
ciam a 125 senhores. Em Porto Alegre a maioria dos proprietários possuía poucos
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escravos, o que mostra o peso dos escravos de serviço doméstico nessa área. Dis-
tribuíam-se assim:
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mostram bem. De resto, parece que os republicanos em São Paulo tiveram o cui-
dado de evitar a discussão do problema da abolição, cf. José Maria dos Santos, Os
Republicanos Paulistas e a Abolição, Livraria Martins, São Paulo, 1942.
Quanto ao positivismo, veja-se o trabalho de Roque Spencer Maciel de Bar-
ros, A ilustração brasileira e a idéia de universidade, Faculdade de Filosofia Ciên-
cias e Letras, Boletim nO 241, págs. 178-9: "Para o cientificismo a escravatura deve
desaparecer não por um decreto, motivado por considerações éticas, mas pelo de-
senvolvimento do trabalho livre, que há de tornar antiquado e antieconômico o
trabalho escravo". Por isso, apelavam para a imigração, considerando a escravi-
dão um mal maior para os brancos do que para os negros, para os quais até pode-
ria ser benéfica. Não é de estranhar, pois, que o positivismo tenha influenciado no
Rio Grande tanto a ideologia imigracionista como a atitude dos partidários do
trabalho livre para com a escravidão. Essa sempre foi mais de prudência que de
grandes entusiasmos pela abolição imediata.
97. "Já que um governo pusilanime, sem coragem para arrostar o esclavismo, tem de-
morado pela sua incapacidade a resolução do grande problema social (...) pro-
curemo nos proprios recursos da provincia os meios de livrar-nos quanto antes
desse cancro (...}". F. M. de Azevedo, "A Redenção dos cativos", in A FederaçãO,
setembro de 1884.
98. "A liberdade victoriosa", A Federação, 16-8-84, pág. 1. No mesmo editorial: "Mas
o que vem dar maior lustre à exemplarissima agitação de que é hoje theatro Porto
Alegre, o que fal-a realçar ainda mais, é que a abolição aqui se vai operando sobre
este moralissimo principio: abolição sem indennização pecunniaria".
Cito estes trechos apenas como exemplo, dentre muitos outros editoriais nos
quais aparecia a exigência de medidas mais radicais. Cf. ainda: "Os emancipadores",
A Federação, 7-8-84; e "Ainda os emancipadores", aparecido dias depois. Noutros
editoriais transparece a compreensão adequada que os republicanos do sul pude-
ram desenvolver quanto aos interesses dos partidos e os da nação, na questão ser-
vil, como, por exemplo, in "A opinião do Conservador", A Federação, 19-8-1884,
pág. 1.
99. "Libertação de Porto Alegre", A Federação, 7-9-1884, página 1.
100. O Conservador, 20-8-84, pág. 1. A Reforma protestou contra a afirmação de O Conser-
vador, porque havia sido citado trecho de um editorial seu como exemplo de ameaça
e porque a crítica visava atingir a situação liberal.
101. Cf., por exemplo, "Reivindicação de liberdade", A Voz do Escravo, 10-7-1881, pág.
3, onde se descrevem as ações propostas pela escrava Simeana visando libertar uma
filha menor. As petições e a orientação da escrava a cargo do advogado Bezerra
Cavalcanti.
102. O Conservador de 18-84 noticia um convite de A Federação para que os tipógrafos
se reúnam para discutir o problema escravo.
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alastrava-se por toda a parte vencedora até que conseguiu vencer o cordão do
escravismo estendido entre ella e as fazendas e penetrou nas senzalas. Então toda
a resistencia cessou; tinham fallado ao negro em liberade; fugiam alguns, outros o
souberam, fugiam também (...). As cousas tinham chegado a um ponto tal que o
escravo libertava-se, se o não libertassem", in "A lei libertadora", A Federação, 15-
5-1888, "Liberais e Conservadores", 12-5-88.
Não me ocupo mais detidamente neste capítulo com as idéias de 1888 no Rio
Grande porque a repercussão que a discussão da lei áurea teve na imprensa local
foi relativamente pequena e muito presa à questão no plano nacional, isto é, quando
aos efeitos da luta abolicionista nas Províncias "do Norte". O sul considerava-se já
sem escravos, pelo menos esse era o ponto de vista da "grande imprensa".
108. A rigor, se quisermos partir da motivação do comportamento dos "abolicionistas"
a questão é bastante mais complicada. Havia os "emancipadores" que nada mais
desejavam senão manter a escravidão na forma pela qual ainda era possível. Estes,
quando o movimento de 84 atingiu o auge foram os que mais rapidamente passa-
ram a conceder cartas de alforria com a cláusula de prestação de serviços. Havia
os que, não possuindo escravos, transigiam com os escravistas "emancipadores"
porque só se interessavam pela imigração, e aceitavam qualquer forma de transi-
ção para o trabalho livre. E havia ainda os que, por serem filiados à situação libe-
ral, aceitavam o movimento emancipador de 84 mais por razões político-partidárias
do que por motivos econômicos. Se eu tivesse interessado neste trabalho no
"desmascaramento" desse tipo de abolicionismo, teria que discutir mais por-
menorizadamente as diversas posições "abolicionistas", para mostrar como elas
decorriam de formas diversas de participação na realidade, ou, o que em última
análise dá no mesmo, como a práxis se diversificava. Porém, para os fins que te-
nho em mira, tanto faz partir de qualquer um desses motivos ou de englobá-los
num só tipo: em nenhum deles o problema central é o homem negro e a crítica da
sociedade escravocrata.
109. Cf. Relatório J. J. de Albuquerque Barros, 19-9-1885, editado em 1886, pág. 166.
O lema na verdade significava: suprimir a condição legal de escravo, conservando
sua condição real.
110. Os jornais abolicionistas não se cansaram de criticar os abolicionistas de última
hora e os escravistas transvestidos em abolicionistas. Entre os primeiros, em 84,
havia muitos que eram filiados ao partido liberal e, por isso, viam-se na contin-
gência de declararem-se abolicionistas, nos limites do projeto Souza Dantas; mas
havia outros que, por mero oportunismo, aderiram ao movimento: para obter a
concessão de favores imperiais etc. Em 1881 A Voz do Escravo (de 1° de maio)
alertava sobre aos escravagistas que queriam passar a abolicionistas: "Mas... a
ambição dos homens, a falta de humanidade e a ignorancia, de mãos dadas com
repugnantes anachronismos, têm levado alguns individuos a uzarem de um rotulo
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imprensa (pois para a consciência dos brancos livres, o Rio Grande já fizera a abo-
lição) e, por outro lado, nada acrescentou à motivação do comportamento
abolicionista ou escravocrata nem às respectivas ideologias. A título de exemplo
da atitude abolicionista de 88: depois das considerações que transcrevi acima so-
bre a similitude da questão servil em São Paulo e no Rio Grande, diz o articulista:
"Os abolicionistas serão os primeiros a auxiliar a execução da lei do trabalho; elles
não querem o desmembramento social, não desejam que se deem as grandes
commoções que abalam os meios interceptam o progresso: entendem que todos
os povos devem seguir a marcha de evolução".
119. As descrições e os comentários feitos pela imprensa sobre a festa de Porto Alegre
e a de Pelotas fundamentam amplamente essa análise. Dispenso-me de citar tre-
chos desses jornais porque seria fastidioso para o leitor. Contudo, basta tomar
qualquer dos jornais - e especialmente O Século, que muito contribuiu para a
organização da "quermesse" final da libertação em Porto Alegre - no período
imediatamente anterior e posterior a 7 de setembro e 16 de outubro - para veri-
ficar a veracidade das afirmações que fiz.
120. Não indicarei aqui mais dados sobre esta prática. Basta dizer que durante quase
todos os dias, nos vários jornais que compulsei, havia registro dos nomes dos se-
nhores magnâmimos. Mesmo em O Conservador ocorria isso, mormente quando
se tratava da alforria - com cláusula de prestação de serviços - concedida por
um membro do Partido Conservador. Assim, por exemplo, no dia 20-8-84 noticia
que um cavalheiro conservador libertou todos os escravos, menos os fugidos; e
comenta: "Esse acto muito honra aquelle cavalheiro, que o praticou na maior
expontaneidade, sem se intimidar das ameaças com as quais andam por ahi certos
tabus a impressionar os tolos".
121. O Conservador, ''A Questão Social IX", 26-8-1884, página 1.
122. Já mostrei que não se pode considerar o movimento abolicionista de 84 simples-
mente como uma peça no jogo dos interesses dos escravocratas. Ele foi, ao mesmo
tempo, contrário disso. Daí poder-se falar da pressão abolicionista sobre os se-
nhores: "Era realmente um prazer ver nos casos em que encontravamos as cartas
de libertação sobre a meza; não tinhamos, portanto, o menor trabalho", disse um
chefe liberal num discurso (cit. in O Conservador, "A Questão Servil XI", 28-8-
84). Para chegar a esse ponto, contudo, foi preciso muita pressão, como escreveu
O Conservador, de 28-8-84, comentando as técnicas usadas para libertar os escra-
vos: "Nenhum resultado, por consequencia colheram os abolicionistas em favor
da sua causa, porque a cidade de Porto Alegre emancipa-se devido apenas à reso-
lução que a este respeito tomaram os proprietários de escravos, impellidos pelas
grandes ameaças e imposições de que eram vítimas todos os dias!"
123. Francisco da Silva Tavares, "Eu e o abolicionismo", O Conservador, 29-4-84. Tra-
ta-se de um deputado à Assembléia Provincial que propôs um projeto de lei para
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rias (100$000 no máximo), libertaram seus escravos (um, cada qual), através do
fundo de emancipação, à razão de 800$ por cabeça. No mesmo exemplar, O Con-
servador critica o sr. Fontoura Palmerio por ter imposto a cláusula de prestação de
serviços durante 6 anos a uma sexagenária, liberta, portanto, pela lei de 1831, que
proibira, desde essa época, a entrada de escravos no país.
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CApíTULO VI O negro na sociedade de
classes em formação
Viu-se, no capítulo anterior, que o abolicionismo e o movimento pela
imigração não levaram os brancos a redefinir socialmente as representa-
ções sobre os negros. Esses movimentos foram controlados pelas cama-
das dominantes que, assim, conseguiram orientar, na direção de seus
interesses, a reintegração da ordem existente. Por isso, as representações
tradicionais sobre os negros puderam, até certo ponto, manter-se. Ape-
nas, com a desagregação do antigo regime, acentuaram-se as inconsistên-
cias culturais dos padrões vigentes de relações raciais e tornou-se mais
evidente o caráter ambíguo das expectativas que rotineiramente caracte-
rizavam as relações entre senhores e escravos.
De fato, a linearidade suposta nos capítulos III e V deste trabalho só
parcialmente é verdadeira: o escravo foi socialmente representado não
apenas como coisa, mas também como homem-tomado-coisa. Sociologi-
camente essa ambigüidade não pode ser interpretada como se derivasse
do caráter do senhor (o bom e o mau senhor), ou da consciência que o
senhor era capaz de desenvolver da situação de escravo. Ela derivava da
própria situação de senhor e de escravo na sociedade escravista. Os escra-
vos, como vimos no capítulo I1I, foram reduzidos à condição de coisa,
isto é, de alguém que possuía apenas "consciência passiva" da situação
em que se encontrava, e cuja ação refletia os desígnios dos senhores. A
"socialização parcial" e o controle estrito de seu comportamento, que se
impunham como requisitos para a persistência das relações de domina-
ção-subordinação na ordem escravocrata, destruíam nos escravos os atribu-
tos de pessoa humana. Os senhores representavam-nos como instrumentos
de trabalho e eles se comportavam, efetivamente, como seres incapazes
de ação autonômica. Obtinha-se, dessa forma, a reificação quase comple-
ta dos escravos. Porém, desde quando a camada senhorial precisou aper-
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Essa análise mostra que a idéia corrente entre muitos psicólogos so-
ciais e sociólogos de que o preconceito, enquanto estereótipo, apresen-
ta-se como urna deformação, consciente ou inconsciente, com base parcial
na realidade, das qualidades dos outros avaliadas a partir de critérios
etnocêntricos, deve ser ampliada. Com efeito, a avaliação preconceituosa
pode ser inteiramente "objetiva", isto é, apoiada em dados de fato, e nem
por isso deixa de ser preconceituosa. Só quando há a compreensão das
ações e representações sociais em termos do significado que possuem
no processo de constituição e de manutenção de uma totalidade deter-
minada é que o observador pode decidir sobre a atribuição da qualidade
de preconceito ou estereótipo às ações e representações particulares. Isto
fica evidente quando se sabe que as manifestações preconceituosas con-
tra o negro, depois da Abolição, eram, muitas vezes, a mera concep-
tualização da experiência vivida. Por isso os primeiros movimentos dos
negros porto-alegrenses contra o preconceito concentraram os esforços
na re-socialização do negro para a vida em liberdade e na alteração das
condições morais e materiais da comunidade negra. Era preciso modifi-
car, mais do que uma atitude, uma situação social na qual o preconceito
se cristalizara como uma forma de comportamento que, se ao consti-
tuir-se fora imposta pelos brancos, aparecia, depois, como um compo-
nente real, objetivo, do mundo negro.
O Exemplo, jornal dos negros de Porto Alegre que começou a circular
em dezembro de 189217, evidencia a procedência dessa análise. Critican-
do a desordem, a mão armada, provocada por um negro, operário civil,
numa reunião do "Club Recreativo Operário", também de negros, escre-
ve: "Lamentamos, repetimos, a pratica de tão feia acção, que só serve para
nos deprimir aos olhos daquelles que se julgam superiores a nós e que vão
por ahi affirmando não haver baile de negro sem rollo". E, na verdade,
como não hão de dar curso a tal expressão desairosa, quando os nossos
são os primeiros a abraçar a ingrata tarefa de nos desmoralizar, de aniqui-
lar-nos?"18.
O mecanismo de atribuição de qualidades negativas aos negros fica
evidente. Os brancos isolavam certos aspectos do comportamento dos
negros das condições que os produziram, passando a encará-los como
atributos invariáveis da "natureza humana" dos negros. As funções laten-
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criou nos negros, por assim dizer, a insatisfação necessária para definição
de novos níveis de aspiração, mas a sociedade, marcada pelo patri-
monialismo, fazia com que a realização desses ideais de ascensão impli-
casse nova alienação. O negro subia como negro e como "protegido"so.
Não raro, o primeiro cuidado do "cavaleiro da fortuna", assim alçado às
posições sancionadas pela ordem burguesa, consistia em evitar o contacto
com os outros "negros". A própria expressão negro continha agora, para
aquele que havia alcançado o ideal de "branqueamento social", um res-
quício de desprezo, surgia a "vergonha da negritude".
Nesse contexto, o mulato apareceu como um negro ao mesmo tem-
po privilegiado e estigmatizado pela dupla condição de trânsfuga da raça
e parvenu. Com efeito, toda a ambigüidade da situação de negro como
se revelara no matiz mais claro da pele dos mestiços. Enquanto a ordem
estamental vigeu plenamente, as regras de exclusão social definiam a po-
sição do mulato em termos bastante taxativos no Rio Grande do Sul:
"escapou do branco, é negro". Como resultado de relações entre bran-
cos e negros, os mestiços nunca deixaram, é certo, de simbolizar e de ser
focos potenciais de tensão na ordem escravocrata. Demonstravam, em
si próprios, a inexistência do sentido de repugnância mútua entre as
camadas sociais que constituíam a sociedade servil. Nesse sentido, de-
nunciavam a existência de uma inconsistência cultural na sociedade de
castas brasileiras1 . Porém, só com a desagregação da ordem escravocrata
o problema do mulato transpareceu integramente, pois a mencionada
inconsistência pôde revelar-se em termos concretos. O mulato é um negro
e, portanto, um inferior, mas, ao mesmo tempo, é um negro privilegia-
do. Admitida a ideologia do branqueamento, o mulato já representa um
passo no sentido da "redenção" da raça pelo seu aniquilamento. Social-
mente, também, as oportunidades de êxito do mulato na aventura da
ascensão eram maiores porque, como se sabe, o pai branco ajudou mui-
tas vezes a carreira do filho mestiço. Por essas razões os mulatos, mais
que os negros, podiam tentar "escapar" com maiores chances da condi-
ção de negros. Foram, possivelmente os primeiros "negros envergonha-
dos" de sua pele.
A reação contra a possibilidade de ascensão do mulato e contra sua
falta de "autenticidade" foi, por isso, imediata. Para o branco, o mulato
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NOTAS
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4. Num poema, ''A mucama" d'a Século de 21-1-1883, há alguns versos significati-
vos sobre isso, embora referentes ao êxito de uma mucama com os namorados da
"nham-nham" e não da senhora:
"A nham-nham tudo observa,
Mas tudo faz que não vê
Fica ralada de inveja
Ralada não sei por que,
E por tu já não me trata
- Me trata por vosmecê."
5. Não insistirei na comprovação dessas afirmações, porque são quase evidentes. Em
todo caso, basta olhar as coleções do Parthenon Litterario, especialmente a série
de epístolas sobre ''A Escravatura", publicadas no segundo semestre de 1872, ou
então "Pai Felipe", narrativa publicada em 1874. Ver também os poemas da Tribu-
na Litteraria de Pelotas, sobre a escravidão, esp. ''A Escravidão", no nO de 22-1-
1882; poemas e crônicas do Cabrion e de a Século. Essas fontes mostram, ao mesmo
tempo, em que termos era feita na época a crítica do sistema escravocrata.
6. A documentação desse processo já apareceu no capítulo anterior.
7. Relatório Azambuja Villanova, 1887, págs. 71-72.
8. Relatório Azambuja Villanova, 1887, pág. 71.
9. Existem outros documentos que mostram a mesma reação dos negros. Ver, por
exemplo, as charges de A Ventarola, Pelotas, do início de julho de 1888.
10. Ver, além do que está dito nas páginas imediatamente anteriores a essa, capítulo Iv,
''A produção escrava".
11. Relatório Azambuja Villanova, 1887, pág. 72. (grifos meus.)
12. Roger Bastide e Florestan Fernandes, op cit., pág. 114.
13. Roger Bastide e Florestan Fernandes, op. cit., pág. 114. Não discuti mais ampla-
mente essas questões porque o presente trabalho não tem como objeto a análise
do preconceito ou da discriminação. Não obstante, os dados apresentados no ca-
pítulo III confirmam os resultados da análise de Bastide e Fernandes.
14. Fica evidente, pois, que não partilho da mesma convicção dos sociólogos e psicó-
logos sociais que definem o preconceito como "um conceito valorativo". A crítica
de Allport (in G. A//port, The Nature of Prejudice, Addison Wesley Publishing
Company, Boston, 1954, esp. págs. 9-12) é correta. Entretanto, em termos de suas
funções sociais o preconceito nas sociedades de classe e nas sociedades de casta
apresenta-se de forma variável. Da mesma maneira, a consciência do preconceito
e as reações a ele possuem potencialidades e graus diferentes nestas duas formas
de estrutura social.
15. Ver, sobre a noção de preconceito racial, Roger Bastide e Florestan Fernandes, "O
preconceito racial em São Paulo", in Negros e Brancos em São Paulo, já citado,
esp. págs. 325-329.
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16. Aqui cabe uma explicação: se alguém fizer um corte num dado momento do pro-
cesso histórico social, os brancos que "produzem" os negros, tal qual os descrevo
aqui, também foram "produzidos", isto é, encontraram-se diante de condições e
alternativas criadas por outros. Nesse sentido, tanto negros como brancos são o
resultado de "condições dadas". Para explicar o COf'lportamento de uns e outros,
seria preciso fazer uma análise da produção capitalista na fase de desagregação da
sociedade escravista equivalente à que se fez no capítulo IV sobre a produção es-
cravocrata. Por razões óbvias, não cabe neste trabalho tal tipo de análise. Entre-
tanto, como as condições sociais e materiais concretas da sociedade escravocrata e
a escravidão dos negros foram engendradas pela exploração capitalista organiza-
da pelos brancos e, mais ainda, como os brancos em geral (proprietários dos mei-
os de produção ou não) foram os beneficiários da escravidão negra, acredito que
se justifique falar na responsabilidade dos brancos pela situação dos negros, como
fiz nesse trabalho, apesar do esquematismo inerente a um juízo desse tipo.
17. A coleção de O Exemplo que utilizei para essa análise (quase completa do nO 1 ao
nO 54, isto é, de dezembro de 1892 a dezembro de 1894, com a quebra de mais ou
menos cinco números, e bastante desfalcada do nO 81 ao número 148) foi-me gen-
tilmente cedida pelo Prof. Dr. Dario Bittencourt, da Universidade do Rio Grande
do Sul. De 1895 a 1920, parece que foi suspensa a publicação de O Exemplo. De
1920 a 1930, graças principalmente aos snrs. Clemente de Oliveira e Dario
Bittencourt, o jornal voltou a aparecer regularmente.
18. "Desagradavel", O Exemplo, Ano lI, nO 20, 30-4-1892, págs. 1 e 2.
19. Sobre o papel do negro na formação do exército proletário da reserva, ver "Con-
dições Sociais da Industrialização de São Paulo", Revista Brasiliense, nO 28, São
Paulo.
20. ''A quem toca", O Exemplo, ano I, nO 5,8-1-1893, pág. 1. Noutro testemunho,
este do maior lutador negro dos fins do século passado e início deste em Porto
Alegre, Esperidião Calisto, barbeiro profissional, num artigo intitulado "Pelo De-
ver", n'O Exemplo, ano lI, nO 32, pág. 1 e 2, afirma-se: "Quem escreve estas li-
nhas frequentou a aula primaria do 1° districto desta Capital, dirigida pelo então
professor publico Raphael Antonio de Oliveira; e o que fazia esse funcionario? ..
Separava-nos para um quarto contiguo à sala, onde estavam os brancos; e lá
recebiamos a instrucção correspondente à obumbrada luz diurna que exiguamen-
te nos iluminava. Eis ahi estabelecido o preconceito escolar, tendo por base a côr,
nos afugentando das aulas publicas!"
21. "Em nosso posto", O Exemplo, ano lI, nO 27, pág. 1.
22. "Escandalo", O Exemplo, Ano lI, nO 13, 12-3-1893, pág. 1. A mesma reclamação
repete-se no número de 17-9-1893. Nesta época, muitas anedotas transcritas n'O
Exemplo giraram em torno da necessidade de os negros recolherem-se cedo às re-
sidências para não serem presos como vagabundos e obrigados a alistarem-se.
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASil MERIDIONAL
23. Esperidião Calisto, "Por um vexame", O Exemplo, ano 11, nO 13, 12-3-1893, pág.
1. O Exemplo de 19-11-93, pág. 4, narra caso semelhante sob a epígrafe "Muito
Bem", referindo-se a um incidente no Jóquei Club quando um branco agrediu o
pagador de "pules" porque se recusara a atendê-lo antes que a um menino preto
que estava na fila havia mais tempo. O agressor justificou seu comportamento
"porque negro não é gente". Depois disso, houve reação popular contra o agressor,
daí o título do artigo.
24. Esperidião Calisto, "Por um vexame", O Exemplo, ano 11, nO 13, 12-3-1893, pág.
2. Se isso ocorria com uma pessoa como Calisto, homem ilustrado, imagine-se o
que ocorria com os negros realmente ociosos. Aliás, nem precisava ser ocioso.
Bastava ser negro e a violência da polícia assumia aspectos inauditos. Ver, por
exemplo, a descrição em O Exemplo, ano I, nO 5, de 8-1-1893, pág. 4, das violên-
cias a que foi submetido um preto velho por suspeitas de roubo de gado; ou a
agressão de que foi vítima um caixeiro, n'O Exemplo de 22-1-1893, pág. 7, sob o
título "Brutalidade"; e ainda "Prisão e ferimento", O Exemplo, 24-12-1893, pág.
1, e assim por diante.
25. Esperidião Calisto, "Por um vexame", já citado. Às vezes os salões de baile, como
o do "Floresta Aurora", o mais tradicional dos clubes de negro em Porto Alegre
(que existe até hoje), eram invadidos por rapazes brancos, com a passividade cúm-
plice da ronda. Reagindo a um desses casos O Exemplo, de 1-1-1893, Ano I, nO 4,
pág. 1, publicou uma nota, "Mais um vexame", que descreveu a cena de banditismo
e protestou nos seguintes termos: "Um consôlo nos resta todavia... Nunca um grupo
de homens de côr invadiu um salão, fomentou desordens e insultou familias que
pacificamente entregavam-se a modestos folguedos. (...) Censurando esse proce-
der indebito, sentimos apenas a desconsideração da parte das autoridades que não
veem nosso direito de equidade, negando-nos aquillo que, como cidadãos temos
direito - a igualdade perante a lei e o respeito inquebrantavel a nossos direitos
civis". Noutro tópico, "Muito bem", de O Exemplo de 30-7-1893, pág. 1, repete-
se a informação de que outro baile fora invadido por soldados e paisanos, sendo,
posteriormente, repelidos à força.
26. Esperidião Calisto, "Pelo Dever", O Exemplo, ano 11, nO 32, 23 de julho de 1893,
pág.I.
27. Miguel Cardoso, "Actualidade", O Exemplo, 25 de junho de 1893, ano 11, nO 28,
pág.l.
28. "Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fa-
zem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado", Karl Marx, O 18 Brumdrio de
Luis Bonaparte, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1956, pág. 17.
29. Discutirei esse problema num próximo trabalho, sobre A ascensão social do negro
em Porto Alegre.
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
30. Talvez a música e a religião tenham sido os únicos setores da cultura nos quais
pôde manter-se a "alma negra". A compreensão das formas religiosas negras do
Rio Grande tem, por isso mesmo, uma importância muito grande. Através da re-
ligião, os negros puderam não apenas exprimir-se como negros, mas manter for-
mas de sociabilidade muito importantes no processo de reorganização da vida do
negro livre. Sobre as religiões negras no Rio Grande, além dos trabalhos de Bastide
e Herskowits, existem estudos de Dante Laytano e Carlos Galvão Krebs. Este úl-
timo escreveu um trabalho sobre as religiões negras no sul, ainda inédito, que de-
verá esclarecer muitos problemas importantes sobre o tema.
31. Sobre o conceito de "projeto", ver Sartre, "Question de Méthode", Critique de la
raison dialectique, tomo I, Librairie Gallimard, Paris, 1960, págs. 63-64 e 66-67.
32. Também essa questão só será discutida noutro trabalho. Adianto, entretanto, que
a "ideologia do branqueamento" apresentou-se, também no sul, como uma pers-
pectiva pela qual se definiam todos os ideais de comportamento dos negros com
vistas à assimilação completa no grupo branco. Em termos da "raça negra" essa
perspectiva levaria ao desaparecimento do negro, pela miscigenação, aspiração
constante dos negros gaúchos.
33. Esta pelas razões tantas vezes explicadas neste trabalho, era objetivamente im-
possível.
34. Casaca.
35. Décio Vital, "Alfinetadas", O Exemplo, ano 11, nO 16,2-4-1893, pág.2.
36. As descrições dos bailes das sociedades recreativas dos negros, feitas por informantes
velhos do grupo negro de Pelotas e Porto Alegre, mostram que - isto já no século
XX - os negros tentaram reproduzir os padrões de galanteio e refinamento da
mais aristocrática sociedade branca. Ainda hoje, entre as famílias negras cujos an-
cestrais puderam situar-se melhor na vida pela obtenção de uma profissão urbana,
mantém-se a tradição de uma complicada etiqueta entre a dama e o cavalheiro nos
salões de dança. O convite para bailar precisava ser feito aos pais da moça, a pos-
tura na dança é extremamente convencional, e o fim da partida obriga a um pe-
queno desfile pelo salão, no qual a dama apóia-se, levemente e à distância, no braço
esquerdo do cavalheiro, que a acompanha até a mesa ou cadeira de seus pais ou
acompanhantes.
37. O Exemplo, ano 11, nO 17,9-4-1893, pág. 4. Os convites de casamento, morte e
solenidades em geral eram todos escritos em estilo rebuscado. Dispenso-me de re-
produzi-los para não cansar o leitor.
38. Décio Vital, ''Alfinetadas", já citado.
39. Herculano Silva, "13 de Maio", O Exemplo, ano 11, nO 22, 13 de maio de 1893,
pág. 1. Na mesma página há um artigo assinado por A. Gama no seguinte tom:
"Todavia, posto que tarde, a Patria Brasileira sentiu que, para collocar-se com ga-
lhardia entre os paizes cultos cumpria-lhe despedaçar as algemas que grilhoavam
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASil MERIDIONAL
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
da humildade do isolado proletário que não encontra uma voz auctorizada que
proteste contra as violencias que são infringidas, que reclame por seus direitos de
cidadãos brazileiros, estatuidos na Constituição da Republica" (pág. 2).
42. Miguel Cardoso, ''Actualidade (11)", O Exemplo, ano 11, nO 29, 2-7-1893, pág. 1.
43. Nos editoriais e nos artigos de O Exemplo, era freqüente a referência aos "nos-
sos", ou à "nossa classe", como uma forma de dizer os negros.
44. ''Ainda mesmo sendo operario é imprecindivel a instrucção; pois urge acabar com
a concorrencia que nos faz o estrangeiro dentro de nosso paiz, fazendo soffrer
mais à nossa classe que constitui o verdadeiro proletariado: essa concorrencia é
feita no commercio, como na industria e mesmo na agricultura", dizia Miguel
Cardoso, defensor da idéia de que o preconceito era fruto das condições em que o
negro se encontrava, n'O Exemplo de 2-7-93, pág. 2. No editorial "Trabalhemos",
d'O Exemplo de 9-4-1893, Ano 11, nO 17, pág. 1, repete-se a idéia: "Todos devem
conhecer a leitura e a escriptura, elementos indispensaveis à marcha regular da
vida e dos negocios, quaisquer que sejam".
45. ''A questão do ensino", editorial de O Exemplo, 3-11-1895, ano III, nO 147, pág.
1.
46. "Ferroadas", O Exemplo, 4-6-1893, ano 11, nO 25, pág. 2. Esse artigo ilustra o es-
forço de difusão de valores que implicam formas regulares de associação entre os
negros. Ele discute os problemas resultantes da modificação das formas de com-
portamento amoroso dos negros ("a mocidade ressente-se da necessidade de ca-
sar") e procura aproveitar as conseqüências desse processo do ponto de vista da
redefinição de expectativas e padrões de comportamento do par amoroso, tendo
em vista o futuro.
Quanto à insistência sobre a necessidade dos negros obterem instrução há vários
artigos, críticas e editoriais d'O Exemplo. A título de ilustração transcrevo um tre-
cho do editorial ''Aconselhando'', de O Exemplo, 2-4-1893, ano 11, nO 16, pág. 1:
"Os homens de cor preta e parda na sua maioria constituem hoje uma grande co-
munhão que, para ser solida e saliente, necessita apenas de instrução (...) cum-
pram um dever que lhes é imposto pela condição paterna, mandando os filhos
para a escola, afim de receberem ahi a luz e o conhecimento da verdade".
47. Descreverei em próximo trabalho esse processo de forma pormenorizada. Posso
adiantar, entretanto, que houve possibilidades em Porto Alegre para a formação
de uma "pequena burguesia" negra e que boa parte dos seus componentes, direta
ou indiretamente, descende das famílias dos mesmos indivíduos que desde o sécu-
lo XIX reuniram-se n'O Exemplo e depois noutros jornais e sociedades recreati-
vas e beneficientes, para a "luta contra o preconceito".
48. "Em nosso posto", editorial de O Exemplo, de 18-7-1893, ano II, nO 27, pág. 1.
49. Esperidião Calisto, "Duras Palavras", O Exemplo, de 13-5-1893, ano II, nO 22,
pág.3.
340
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
50. Calisto sonhava com o oposto desta situação: "Porém, no dia em que um homem
pardo ou preto, independente e de merecimento quer moral, quer intelectual, ti-
ver a hombridade, a altivez de caracter para repelir uma posição que não passa de
detritos de politicagem, com os quais lhe tentam engodar a consciencia, fazendo
sentir aos correligionarios da facção partidaria a que estiver filiado o menosprezo,
a falta de equidade, perante as leis, que soffrer um seu igual, digno de acatamento
e de garantias, pela sua conducta inatacavel, nesse dia, eu tenho certeza, seremos
mais tolerados na comunhão social brasileira", "Pelo Dever", já citado.
51. "Quando nós declaramos que o espírito de casta impera numa sociedade, sabemos
que os diferentes grupos que compõem esta sociedade se repelem em vez de atraí-
rem-se, que cada um deles se concentra sobre si próprio, isola-se, esforça-se para
impedir que seus membros contraiam casamento ou mesmo entrem em relações
com os membros dos grupos vizinhos. Um homem recusa sistematicamente a ar-
ranjar mulher fora de seu círculo tradicional; ainda mais, recusa todo alimento
preparado por outros que não sejam seus congêneres; o simples contacto com
'estrangeiros', parece-lhe alguma coisa impura e degradante", C. Bouglé, Essais
sur /e régime des castes, Félix Alcan, Paris, 1935, pág. 4. Para Bouglé o espírito de
casta supõe, além da repulsão recíproca, a tendência à hierarquização rígida e à
especialização hereditária. Mesmo os autores que não são tão explícitos quanto
Bouglé na formulação do princípio de repulsão como um requisito para a existên-
cia de situações de casta, insistem na necessidade de um mínimo de distância recí-
proca e de endogamia entre as castas; ver, por exemplo, Bryse Ryan, Caste in Modem
Cey/on, the shina/ise system in transition, Rutgers University Press, New Brunswick,
1953, esp. pág. 89. Isso não quer dizer que a sociedade escravocrata brasileira não
fosse regida por princípios de casta. Ao contrário, não só era como é possível
mostrar que, mesmo no presente, há vestígios deste sistema. Numa pesquisa clás-
sica sobre o problema negro nos Estados Unidos, dirigido por \v. L10yd Warner e
escrita por Allison Davis, Burleigh B. Gardner e Mary R. Gardner, Deep South, a
social anthropological study ofcaste and c/ass, University of Chicago Press, Chica-
go, 1946 (3 a ed.), os autores defendem o ponto de vista de que a estrutura social
americana rege-se por princípios de classe e de casta (esp. págs. 9-14) exatamente
porque as relações entre brancos e negros organizam-se através de regras de ex-
clusão recíproca que foram definidas como de casta. Entretanto, também neste
caso o "princípio de repulsão" entre as camadas que formam as castas é relativo:
existem relações sexuais entre brancos e negros, mas não são socialmente aprova-
das: "Casta, como é usada aqui, descreve um arranjo teórico da população de um
dado grupo numa ordem na qual privilégios, deveres, obrigações, oportunidades
etc., são distribuídas desigualmente entre os grupos que são considerados superi-
ores e inferiores. Existem sanções sociais que tendem a menter esta distribuição
desigual. Parte desta definição descreve também as 'classes'. Uma organização de
341
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
castas, contudo, deve ser definida, além disso, como uma organização na qual o
casamento entre os dois grupos não é sancionado e onde não há oportunidades
para os membros do grupo inferior subirem para o grupo superior, nem para os
membros deste caírem naquele" (pág. 9). O ponto central da questão estaria, por-
tanto, na definição da posição social da prole gerada pelas relações entre mem-
bros de diferentes castas: "O segundo capítulo deste livro descreve o sistema de
castas pomenorizadamente e sublinha sua organização em torno do controle do
sexo, pela atribuição de posições na casta inferior aos descendentes de relações
sexuais entre membros de castas diversas, e pela manutenção dos descendentes de
relações sexuais intercasta na casta em que nasceram" (pág. 6). Neste caso, não se
toma a repugnância recíproca, característica do sistema de castas hindu, como a
questão fundamental. Mesmo que as relações entre indivíduos de castas diversas
sejam tão íntimas quanto as relações sexuais, mantém-se uma espécie de "repug-
nância social" pela progênie. Weber também se refere à situação de contacto entre
negros e brancos nos Estados Unidos como se fosse definida por princípios de casta,
embora para ele as "regras de endogamia (...) formam sempre as bases essenciais
de uma casta", Religion of India, The Sociology of Hinduism and Buddhism, The
Free Press, Glencoe, 1958, pág. 32. A essa base Weber acrescenta a existência de
regras complexas de classificação social (social rank) e a impossibilidade de
fraternização entre as castas. Contudo, Weber se permite empregar o conceito de
castas para definir as relações entre negros e brancos exatamente porque "na
América estas barreiras implicam em que o casamento é absoluta e legalmente inad-
missível, deixando de lado que este intercasamento resultaria em boicote social"
(pág. 40). Sobre a utilização dos conceitos de classe e castas para descrever e
explicar as relações entre negros e brancos nos EE.DU., ver ainda Myrdall Gunnar,
An American Dilemma, Harper and Brothers, Nova York, 1944, esp. págs. 31-32;
Johnson, Charles S., Patterns ofNegro Segregation, Harper and Brothers, Nova
York, 1943, mostra os limites de validade da utilização do conceito de castas
nos EUA.
No Brasil, não só a "repugnância recíproca" não se manteve rotineiramente,
como a "repugnância social" da prole foi incompleta: o paternalismo patriarcal
"tolerou" e "protegeu" o fruto das uniões ilícitas entre os negros e brancos, a par-
tir do período de desagregação da ordem servil. Porém, também esse processo foi
contraditório e "impuro". Em determinadas situações sociais havia a rejeição com-
pleta não apenas do bastardo como dos pais (quando, por exemplo, tratava-se, em
raríssimos casos, de mãe branca). E no período escravocrata típico (até a primeira
metade do século XIX), os efeitos suasórios do paternalismo não se faziam sentir.
Justifica-se portanto, mesmo a partir da conceituação de Warner, falar em socie-
dade escravocrata de castas, e com mais forte razão, o emprego do conceito está
justificado quando se pensa em todos os outros princípios que definem as situa-
342
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
53. Esses problemas, bem como a significação do mulato, serão discutidos no próxi-
mo trabalho sobre a ascensão social dos negros de Porto Alegre, onde a problemá-
tica se impõe. Adianto, contudo, que, por volta de 1915, formaram-se clubes só
de mulatos em Porto Alegre. Estas descriminações provocaram reações violentas
nos antigos batalhadores contra o preconceito dos brancos, como Esperidião
Calisto. Existe um jornal crítico na década de 20, A Thezoura, com abundante
material sobre esses problemas.
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
54. Ver Octávio lanni, "A Ideologia Racial do Negro e do Mulato", in Fernando
Henrique Cardoso e Octávio lanni, Cor e Mobilidade Social em Florianópolis, já
citado, págs. 211-226, esp. págs. 224-226.
55. Houve até a formulação vaga de reivindicação da qualidade de africanos pelos ne-
gros de Porto Alegre e a identificação lírica com a África: "A Africa, patria de herois
como Menelike, dará ainda muito que fazer ao orgulho dos brancos recalcitran-
tes!", "Cuba", O Exemplo, 3-11-1895, ano m, nO 147, pág. 2.
56. Foi neste sentido que escrevi que o escravo artesão significava potencialmente o
negro crítico, o antiescravo, o homem negro.
57. Note-se que não se pode falar em pequena burguesia negra nessa época. Eram operá-
rios, alguns funcionários subalternos de repartições públicas, ou trabalhadores
especializados: barbeiros, alfaiates, lavadeiras, tipógrafos, pintores, guardas de alfân-
dega, condutores de carro, operários de fábricas ou da construção civil etc. Um levan-
tamento que fiz na coleção de O Exemplo da década de 20 mostrou que, nessa ocasião,
já havia maior quantidade de negros exercendo profissões definidas e que alguns co-
meçavam a dedicar-se a ocupações pequeno-burguesas. Entretanto, a diversificação
profissional deve ter-se limitado ao mesmo grupo de negros que, desde os fins do sé-
culo, já possuía maiores possibilidades de integração à vida urbana, sem-alcançar ca-
madas mais amplas da população negra. Através de entrevistas com os membros mais
idosos do grupo negro, pude verificar que, de fato, as famílias negras melhor situadas
no presente, não considerando casos individuais de ascensão, são famílias negras anti-
gas. Isto é, são descendentes dos negros que desde o século XIX e início do século XX
puderam manter vida familiar organizada, o que importa em terem obtido empregos
urbanos capazes de garantir a subistência da família. Precariamente embora, consegui
dados nessas entrevistas para mostrar que os negros artesãos (principalmente alfaiates
e pintores), tanto em Porto Alegre como em Pelotas, foram os primeiros a conseguir
manter uma parentela organizada a ponto de ainda hoje haver a memória dos ances-
trais. Entretanto, apesar de que, efetivamente, o processo existe uma "pequena bur-
guesia" de cor. Esta pequena burguesia relaciona-se com a sociedade global através de
padrões que possuem alguns pontos de contaeto significativos com a pequena burgue-
sia negra nos EUA, cf. Fraiser, Franklin, Bourgeoisie Noire, Librarie Plon, 1955.
58. Quero chamar a atenção, finalmente, para dois problemas. Primeiro, a ascensão
do negro não constituiu um puro processo de alienação: ela ao mesmo tempo, e
contraditoriamente, levou a nova possibilidade de desmistificação. Segundo, a aná-
lise desenvolvida neste trabalho mostra que o ponto de partida histórico do negro
livre no Brasil situou-se em condições diversas da história do homem negro mo-
derno africano: lá ele está, como escreveu Sartre, encurralado na "autenticidade",
aqui o negro começa sua história já alienado enquanto negro. Cf. Jean-Paul Satre,
"Orfeu Negro", Reflexões Sobre o Racismo, Difusão Européia do Livro, São Paulo,
1960, págs. 105-149.
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Conclusões
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Rio Grande do Sul, sua condição básica definiu-se pela alienação social das
qualidades de pessoa humana. A definição do escravo como um objeto e a
incapacidade do escravo realizar socialmente desígnios seus, ou de sequer
concebê-los, marcam a situação social do escravo. Por outro lado, a forma
violenta pela qual os dominadores impunham seus interesses e sua vontade
aos escravos, obtendo, dessa maneira, a transformação do negro em instru-
mento, exprime a forma específica que a dominação senhorial assume na
sociedade escravocrata. A escravidão é um sistema de dominação no qual
transparece de forma pura a relação que existe obscurecida em qualquer ou-
tro sistema social baseado na superposição de camadas portadoras de inte-
resses antagônicos: a integração do sistema mantém-se pelo exercício da
violência. A imagem do escravo como objeto e a heteronomia na ação que os
dominadores impõem aos dominados no regime escravocrata são obtidas pela
coação aberta e contínua e pela socialização do escravo para suportar o exer-
cício da violência no desempenho das funções que deles esperam os senho-
res. Nas situações em que o regime escravocrata desenvolve-se plenamente
os escravos, além disso, são socializados apenas para as tarefas da produção
escravista. Dessa forma o sistema resguarda-se contra possíveis reações dos
cativos, destruindo as possibilidades de ação coordenada contra o sistema
servil: o escravo torna-se um ser parcial, capaz apenas de executar as formas
mais rudes de trabalho. Por isso, a socialização parcial, inadequada para o
desenvolvimento de personalidade humana, e a violência constante constitu-
em os mecanismos básicos de sustentação da ordem escravocrata.
Nas situações em que os principais requisitos gerais da ordem escra-
vocrata puderam desenvolver-se no Rio Grande do Sul, a alienação do es-
cravo tendeu a ser completa. Os senhores representavam os escravos como
instrumentos de produção e os escravos auto-representavam-se como seres
incapazes de comportar-se como homens livres. Para a obtenção desse re-
sultado a socialização parcial e a violência institucionalizada operaram
amplamente. Porém, a alienação do escravo no plano das representações
apenas espelhava a situação real do negro na sociedade mercantil escra-
vocrata. Se em qualquer sistema escravista a relação senhor-escravo repou-
sa na assimetria social e na heteronomia desse último assegurada pela
violência (processos que levam à reificação), na sociedade servil organizada
como um recurso para a produção capitalista mercantil o escravo torna-se
de fato uma mercadoria. Por isso, se nas estâncias a reificação do escravo
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Bibliografia*
Trabalhos Teóricos sobre Metodologia e sobre a
Caracterização de Sistemas Sociais Globais
*Estão relacionados apenas os trabalhos que foram citados no texto ou aqueles cuja consulta
contribuiu, direta ou indiretamente, para a análise ou a interpretação dos problemas nele dis-
cutidos.
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do Commercio, Porto Alegre, 1879.
ANDRÉA, Francisco José de Souza Soares, Additamento feito ao relataria, que perante a
Assembléa Provincial do Rio Grande de São Pedro do Sul dirigia o Exmo. Vice-Presi-
dente da Provincia em sessão de 4 de março de 1848 pelo I/mo. E Exmo. Snr. Presi-
dente da Provincia e comandante do Exercito em guarnição Francisco José de Souza
de Andréa, para ser presente à mesma Assembléa, Typographia do Jornal do Com-
mercio, Porto Alegre, 1848.
ANDRÉA, Francisco José de Souza Soares de, Relatório ao Presidente da Provincia de
São Pedro do Rio Grande do Sul, o tenente-general Francisco José de Souza Soares de
365
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CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
FLORES, Carlos Thompson, Relatório com que o Exmo. Snr. Dr. Carlos Thompson Flo-
res passou a administração da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul ao 3° vice-
presidente o Exmo. Snr. Dr. Antônio Corrêa de Oliveira a 15 de abril de 1880; este
ao Exmo. Snr. Dr. Henrique d'Avila a 19 do mesmo mês e Falta com que o último
abrio a 2a Sessão da 18a Legislatura d'Assembléa Provincial no dia 1° de Maio de
1880, Typ. A Reforma, Porto Alegre, 1880.
FLORES, Carlos Thompson, Relatório com que o Exmo. Snr. Dr. Carlos Thompson Flores
passou a administração da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul ao 3° vice-pre-
sidente, o Exmo. Snr. Antônio Corrêa de Oliveira, Typ. A Reforma, Porto Alegre, 1880.
FONSECA, M. Deodoro da, Relatório apresentado a S. Excia. O Snr. Dr. Miguel Calmon
du Pin Almeida, presidente da Provincia do Rio Grande do Sul, pelo Exmo. Snr. Ma-
rechal de campo Manoel Deodoro da Fonseca, 1° vice-presidente, ao passar-lhe este a
presidencia aos 9 dias do mez de novembro de 1886, OH. Typ. do Consevador, Porto
Alegre, 1886.
FONTES, Meandro Rodrigues, Relatório com que S. Excia. O Snr. Dr. Meandro Rodrigues
Fontes, 1° vice-presidente passou a administração da Provincia de S. Pedro do Rio
Grande do Sul em 16 de julho de 1883 ao Exmo. Snr. Conselheiro Dr. José Julio de
Albuquerque Barros, Typ. do Jornal do Commercio, Porto Alegre, 1884.
GALVÃO, Manoel Antonio, Relatório do Presidente da Provincia de S. Pedro do Rio Grande
do Sul, o senador conselheiro Manoel Antonio Galvão na abertura da Assembléia
Legislativa Provincial em 5 de outubro de 1847, Typographia do Argos, Porto Ale-
gre, 1847.
GONZAGA, João Marcelino de Souza, Relatório com que o bacharel João Marcelino de
Souza Gonzaga entregou a administração da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do
Sul ao Illmo. E Exmo. Snr. Visconde da Boa Vista, Typ. do Rio Grandense, Porto
Alegre, 1865.
LEÃO, Joaquim Antão Fernandes, Relatório apresentado à Assembléa Provincial de S.
Pedro do Rio Grande do Sul na 2a sessão da 8a legislatura pelo conselheiro Joaquim
Antão Fernandes Leão, Typographia do Correio do Sul, Porto Alegre, 1859.
LEÃO, Joaquim Antão Fernandes, Relatório apresentado a Assembléa Provincial de S.
Pedro do Rio Grande do Sul na la sessão da 9a legislatura, pelo conselheiro Joaquim
Antão Fernandes Leão, Typ. do Correio do Sul, Porto Alegre, 1860.
LEÃO, Joaquim Antão Fernandes, Relatório que o conselheiro Joaquim Fernandes Leão,
presidente da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, apresentou à Assembléa
Legislativa da mesma Provincia na sessão extraordinaria de 1861. Typ. do Correio
do Sul, Porto Alegre, 1861.
LEMOS, Francisco de Faria, Relatório com que o Exmo. Snr. Desembargador Francisco
de Faria Lemos passou a administração da Provincia ao Exmo. Snr. Dr. João Chaves
Campelto, 2° vice-presidente, no dia 10 de fevereiro de 1878, Typographia do Jornal
do Commercio, Porto Alegre, 1878.
369
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
LIMA, Francisco Xavier Pinto, Relatório com que o Excellentissimo senhor conselheiro
Francisco Xavier Pinto Lima abria a la sessão da 14 a legislatura da Assembléa
Legislativa Provincial em 14 de Março de 1871, Typ. do Rio-Grandense, Porto Ale-
gre, 1871.
LIMA, Francisco Xavier Pinto, Relatório com que o Exmo. Snr. Conselheiro Francisco
Xavier Pinto Lima passou a administração desta Provincia ao Exmo. Snr. Coronel
João Simões Lopes, 10 vice-presidente, no dia 24 de maio do ano de 1871, Typ. do
"Rio Grandense", Porto Alegre, 1871.
LIMA, José Antônio de Souza, Falla dirigida à Assembléa Legislativa pelo presidente
Conselheiro José António de Souza Lima na la sessão da 21 a Legislatura, Typ. do
Jornal do Commercio, Porto Alegre, 1883.
LIMA, José Antonio de Souza, Relatório com que S. Excia. o Snr. Conselheiro José Anto-
nio de Souza Lima passou a administração da Provincia do Rio Grande do Sul em 10
de junho de 1883 ao Exmo. Snr. Dr. Meandro Rodrigues Fontes 1° Vice-presidente,
Typ. do ''Jornal do Commercio", Porto Alegre, 1883.
USBOA, Bento Luiz de Oliveira, Relatório apresentado ao Il/mo. e Exmo. Snr. Dr. Rodrigo de
Azambuja Vil/a Nova, vice-presidente da Provincia do Rio Grande do Sul, pelo conselhei-
ro Bento Luiz de Oliveira Lisboa, por occasião de passar-lhe a administração da mesma
Provincia em 25 de abril de 1887, Off. Typ. do Conservador, Porto Alegre, 1887.
LOPES, João Simões, Relatório com que o Exmo. Snr. 1° vice-presidente da Provincia
Coronel João Simões Lopes, passou a administração da mesma ao 20 , Exmo. Snr. Dr.
João Dias de Castro, no dia 12 de setembro de 1871, Typographia do Rio-Grandense,
Porto Alegre, 1871.
LUCENA, Henrique Pereira de, Falla apresentada à Assembléa Legislativa Provincial do
Rio Grande do Sul pelo Presidente da Província o Exmo. Snr. Desembargador Henrique
Pereira de Lucena ao instalar-se a 2a sessão da 21 a legislatura em 7 de março de 1886,
Of. Typ. "O Conservador", Porto Alegre, 1887.
LUCENA, Henrique Pereira de, Relatório apresentado pelo Exmo. Snr. Desembargador
Henrique Pereira de Lucena, presidente da Provincia do Rio Grande do Sul a S. Excia.
o Snr. Marechal de Campo Manoel Deodoro da Fonseca, la vice-presidente ao pas-
sar-lhe a administração da mesma Provincia em 8 de maio de 1886, OH. Typ. do
Conservador, Porto Alegre, 1887.
MACIEL, Leopoldo Antunes, Relatório apresentado por S. Excia. o Snr. Dr. Leopoldo
Antunes Maciel, 10 vice-presidente, ao entregar a administração da provincia de São
Pedro do Rio Grande do Sul ao Exmo. Snr. Conselheiro José Antonio de Souza Lima,
no dia 28 de outubro de 1882, Typ. do Jornal do Commercio, Porto Alegre, 1883.
MELLO, Francisco Ignacio Marcondes Homem de, Falla dirigida à Assembléa Legislativa
da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul pelo presidente Dr. Francisco Ignacio
Marcondes Homem de Mello, em a segunda sessão da 12a legislatura, Typ. do Rio
Grandense, Porto Alegre, 1867.
370
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
MELLO, Francisco Ignacio Marcondes Homem de, Relatório com que o Exmo. Snr. Dr.
Francisco 1. Marcondes Homem de Mello passou a administração d'esta provincia ao
excellentissimo senhor doutor Joaquim Vieira da Cunha, 1° vice-presidente, no dia
13 de abril do ano de 1862, Typ. do Jornal do Commercio, Porto Alegre, 1868.
MELLO, Jeronimo Martiniano Figueira de, Falla dirigida à Assembléa Legislativa da
Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul pelo presidente Conselheiro Jeronimo
Martiniano Figueira de Mello em a segunda sessão da 14a legislatura, Typ. do Rio-
Grandense, Porto Alegre, 1872.
MELLO, Jeronimo Martiniano Figueira de, Relatório com que o Exmo. Snr. Conselheiro
Jeronimo Martiniano Figueira de Mello presidente desta provincia passou a adminis-
tração da mesma ao Exmo. Snr. Dr. José Fernandes da Costa Pereira Junior, no dia 11
de julho de 1872, Typ. da Constitucional, Porto Alegre, 1872.
MENDONÇA, Joaquim Jacintho de, Relatório com que o Exmo. Snr. Dr. Joaquim Jacintho
de Mendonça, 3° vice-presidente, passou a administração da provincia do Rio Gran-
de do Sul ao Exmo. Snr. Dr. Rodrigo de Azambuja Villanova em 27 de janeiro de
1888. Officinas Typographicas do Conservador, Porto Alegre, 1888.
MORAES, João Pedro Carvalho de, Falla com que o Exmo. Snr. Dr. João Pedro Carvalho
de Moraes Presidente da Provincia abroa a sessão da 15a Legislatura da Assembléa
Legislativa Provincial no dia 1° de março de 1873, Typ. do "Constitucional", Porto
Alegre, 1873.
MORAES, João Pedro Carvalho de, Falla dirigida à Assembléa Legislativa da Provincia
de S. Pedro do Rio Grande do Sul pelo presidente Dr. João Pedro Carvalho de Moraes
em a segunda sessão da 12a legislatura, Typ. do Rio Grandense, Porto Alegre, 1874.
MORAES, João Pedro Carvalho de, Falla dirigida à Assembléa Legislativa da Provincia
de S. Pedro do Rio Grande do Sul pelo presidente Dr. João Pedro Carvalho de Moraes
em a primeira sessão da 16a legislatura, Typ. do "Rio Grandense", Porto Alegre,
1875.
MURITIBA, barão de, Relatório com que o conselheiro barão de Muritiba entregou a
presidencia da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul ao Exmo. Snr. Presidente
e commandante das armas, conselheiro, e general Jeronymo Francisco Coelho, no
dia 28 de abril de 1856, Typ. do Mercantil, Porto Alegre, 1856.
OLIVEIRA, Antonio Corrêa de, Relatório com que o Exmo. Snr. Dr. Antonio Corrêa de
Oliveira presidente desta Provincia passou a administração da mesma, ao Exmo. Snr.
DT. Henrique d'Avila a 19-4-1880, Typ. de A Reforma, Porto Alegre, 1880.
PEREIRA JUNIOR, José Fernandes da Costa, Relatório com que o Exmo. Snr. Dr. José
Fernandes da Costa Pereira Junior presidente desta Provincia passou a administração
da mesma, ao Exmo. Snr. Dr. João Pedro Carvalho de Moraes, no dia 1 de Dezembro
de 1872, Typ. do Constitucional, Porto Alegre, 1873.
PIMENTEL, Esperidião Eloy de Barros, Relatório apresentado pelo presidente da
Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, Dr. Esperidião Eloy de Barros Pimentel,
37 1
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
372
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
SINIMBU, João Lins Vieira Cansansão de, Relatório do Presidente da Provincia de S. Pedro
do Rio Grande do Sul João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, na abertura da
Assembléa Legislativa Provincial em 2 de outubro de 1854, Typ. do Mercantil, Porto
Alegre, 1854.
SINIMBU, João Lins Vieira Cansansão de, Relatório com que o Dr. João Lins Vieira
Cansansão de Sinimbu entregou a presidencia da Provincia de S. Pedro do Rio Gran-
de do Sul ao vice-presidente Dr. Luiz Alves Leite de Oliveira Bello, no dia 30 de ju-
nho de 1855, Porto Alegre, 1855.
SOARES, Joaquim Pedro, Falla com que o Exmo. Snr. Dr. Joaquim Pedro Soares, 2° vice-
presidente da Provincia, abrio a la sessão da 19a legislatura da Assembléa Legislativa
Provincial no dia 7 de março de 1881, Typ. da Reforma, Porto Alegre, 1881.
SOARES, Joaquim Pedro, Relatório com que o Exmo. Snr. Dr. Joaquim Pedro Soares pas-
sou a administração da Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul ao Exmo. Snr. Dr.
José Leandro de Godoy e Vasconcellos, a 27 de fevereiro de 1882, Typ. do "Conser-
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po Guilherme Xavier de Souza passou a administração desta Provincia ao Exmo. Snr.
Dr. Israel Rodrigues Barcellos, 1° vice-presidente da mesma, no dia 1° de agosto de
1868, Typ. do Rio Grandense, Porto Alegre, 1868.
VASCONCELLOS, José Leandro de Godoy e, Relatório apresentado por S. Excia. o Snr.
Presidente Dr. José Leandro de Godoy e Vasconcellos ao passar a administração desta
Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, em 9 de setembro de 1882 ao Exmo. Snr.
Dr. Leopoldo Antunes Maciel, 1° vice-presidente, Typ. do Mercantil, Porto Alegre,
1881.
VILLANOVA, Rodrigo de Azambuja, Relatório apresentado ao Illmo. e Exmo. Snr. Dr.
Joaquim Jacintho de Mendonça, 3° vice-presidente, por S. Excia. o Snr. Dr. Rodrigo
de A Villanova, ao passar-lhe a administração da Provincia de São Pedro do Rio Grande
do Sul, em 27 de outubro de 1887, OH. Typ. do Conservador, Porto Alegre, 1888.
THECLA, barão de Santa, Falla que à Assembléa Legislativa Provincial de São Pedro do
Rio Grande do Sul dirigio o Exmo. Snr. Barão de Santa Thecla, vice-presidente da
Provincia ao installar-sea 2a sessão da 22 a legislatura em 27 de janeiro de 1888, Typ.
do Jornal do Commercio, Porto Alegre, 1889.
THECLA, barão de Santa, Falla que à Assembléa Legislativa Provincial de São Pedro do
Rio Grande do Sul dirigio o Exmo. Snr. Barão de Santa Thecla, vice-presidente da
Provincia, e Relatório com que o Exmo. Snr. Barão de Santa Thecla 1° vice-presiden-
te passou a presidencia da Provincia de São Pedro do Rio Grande do Sul ao Exmo.
Snr. Dr. Joaquim Galdino Pimentel, Presidente da Provincia em 8 de dezembro de
1888, Typ. do Jornal do Commercio, Porto Alegre, 1889.
373
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
JORNAIS E REVISTAS
374
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO NO BRASIL MERIDIONAL
"Rebuscos", recortes de jornais, Biblioteca Rio Grandense, Rio Grande, vaI. 5.488, es-
tante 2.
Revista do Archivo Publico do Rio Grande do Sul, nO 1, ano I, 1921 a nO 18, 1925; Revis-
ta do Museu e Archivo Publico, nO 19, 1927 a nO 24, 1930.
Revista do Instituto Historico e Geographico do Rio Grande do Sul (coleção completa).
Revista do Museu Júlio de Castilhos e Arquivos Históricos do Rio Grande do Sul, Secreta-
ria de Educação e Cultura, Porto Alegre, nOs 1 a 4.
Revista da Sociedade Parthenon Litterario, Porto Alegre, janeiro de 1872 a dezembro de
1875; 1877 e 1879.
Tribuna Litteraria, Pelotas, 1-1-1882,23-4-1882.
Tribuna Rio Grandense, Porto Alegre, nOs esparsos de 1855.
Tribuna Rio Grandense, Rio Grande, nOs esparsos de 1853, 1854 e 1855.
Zé Povinho, Pelotas, 7-1-1883 a 1-7-1883.
375
o texto deste livro foi composto em Sabon,
desenho tipográfico de Jan Tschichold de
1964, baseado nos estudos de Claude
Garamond e Jacques Sabon no século XVI,
em corpo 10/13,5. Para títulos e destaques,
foi utilizada a tipografia Frutiger, desenhada
por Adrian Frutiger, em 1975.
situação social que o negro nela assumia. Neste livro, que foi sua
rais que constituíam esse tipo de sociedade, bem como sua dinâ-
ISBN 85-200-0635-3
9 788520006351