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A Natureza do Entusiasmo

John Wesley

'Fazendo ele deste modo a sua defesa, disse Festo em alta voz: Estás louco, Paulo; as
muitas letras te fazem delirar'. (Atos 26:24)

[O sermão, A Natureza do Entusiasmo, foi publicado, primeiro, no III Vol. dos


Sermões, em 1759, e, pelo menos, em três edições diferentes, durante a vida de Wesley.
Todo o capítulo foi assunto de uma série de exposições na Foundery, em Dezembro de
1740, e em Bristol (ou Kingswood?), anterior a Maio. Este verso está registrado, como
tema, na Capela (West Street), no Natal de 1752, e em Londres (presumivelmente na
Foundery), no dia seguinte. Nesta presente forma, ele foi provavelmente um daqueles
preparados para publicação em Novembro e Dezembro de 1749. Ele se propõe a responder
à responsabilidade de 'Entusiasmo', que fora feita contra Wesley e os Metodistas, desde
1739. Em 14 de Outubro de 1739, o Rev. Charles Wheatley, pregando na Catedral de St.
Paul, descreveu os Metodistas, como 'entusiastas arrebatadores, pregando sensações
incontáveis, emoções violentas, e mudanças súbitas; orgulhando-se das inspirações
imediatas, e fazendo reivindicações profanas de milagres maiores do que os que, alguma
vez, fora realizado, até mesmo pelo próprio Cristo'.]

[No mesmo ano, Dr. Joseph Trapp pregou quatro sermões, em diferentes igrejas de
Londres, contra 'as doutrinas e práticas de uns certos entusiastas modernos', e os publicou.
O Rev. Josiah Tucker acusou Whitefield de 'noções profanas e entusiastas'; e o Bispo
Gibsom, em sua Responsabilidade Pastoral de Augusto I, acusa os Metodistas de
entusiastas em nove acusações, perante o Juízo: quanto às suas reivindicações às
comunicações extraordinárias de Deus; à missão especial; à inspiração divina; ao poder
divino em suas pregações; ao dom do Espírito Santo; à profecia; de serem iguais aos
Apóstolos, e até mesmo a Cristo; de serem pregadores de um novo evangelho; e de usarem
métodos extraordinários de ensino. Panfleto seguido de panfleto, alguns mais indecentes e
abusivos do que outros, mas todos concomitantes na responsabilidade do Entusiasmo. O
Scots Magazine e o Weekly Miscellany foram proeminentes em atacar os 'entusiastas
'
endoidecidos ].

[Atravessando a quantidade de criticas menores, nós chegamos em 1744, às


Anotações da Igreja, do Rev. Thomas, sobre o recente Dário de Wesley, uma apreciação
desfavorável tranqüila e razoável; ele era, como o próprio Wesley disse em 1777, 'um
cavalheiro, um estudioso e um cristão; e como tal, ele talava e escrevia'; e o responde no
mesmo espírito].

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1. E assim diz o mundo todo, os homens que não conhecem a Deus, de todos
aqueles que são da religião de Paulo: de todos aqueles que são, então, seguidores dele,
como ele foi de Cristo. É verdade, existe uma espécie de religião; mais do que isto, ela é
chamada de Cristianismo também, que pode ser praticada sem qualquer culpa, o que é
geralmente consistente com o bom-senso, -- ou seja, a religião da forma, uma série de
deveres exteriores, executados de uma maneira decente e regular. Você pode acrescentar
ortodoxia nisto, um sistema de opiniões corretas; sim, e alguma quantidade de moralidade
pagã; e, ainda assim, não muitos irão afirmar que 'muita religião os tornou loucos'. Mas, se
você almeja a religião do coração, se você fala da 'retidão, e paz, e alegria no Espírito
Santo', então, não demorará muito antes que sua afirmação termine, 'Tu estás fora de ti'.

2. E não é um elogio que os homens do mundo fazem a você aqui. Eles, pelo menos
uma vez dizem o que eles querem dizer. Ele não apenas afirmam, mas cordialmente
acreditam que está louco aquele que diz que 'o amor de Deus está espalhado em todo' seu
'coração pelo Espírito Santo dado a ele'; e que Deus o tem capacitado a regozijar-se em
Cristo 'com alegria inexprimível e cheio de glória'. Se um homem está, de fato, vivo para
Deus, e morto para todas as coisas aqui embaixo; se ele continuamente vê a Ele que é
invisível, e assim, caminha pela fé, e não pela vista; então, eles consideram que este é um
caso claro: além de qualquer discussão, 'muita religião o deixou louco'.

3. É fácil observar que a coisa determinante que o mundo considera loucura é este
extremo desprezo por todas as coisas temporais, e a firme busca pelas coisas eternas; esta
convicção divina das coisas que não são vistas; este se regozijar no favor de Deus, neste
feliz e santo amor de Deus; e este testemunho do Seu Espírito em nosso espírito de que
somos os filhos de Deus, -- ou seja, na verdade, todo o espírito, vida e poder da religião de
Jesus Cristo.

4. Eles irão, contudo, permitir, em outros aspectos, que este homem aja ou fale,
como alguém em seu juízo perfeito. Em outras coisas, ele é um homem razoável, é apenas
nestas instâncias que sua cabeça é afetada. Reconhece-se, portanto, que a loucura, sob a
qual ele lida, é de um tipo específico; e, assim, eles estão acostumados a distingui-la por um
nome particular, 'entusiasmo'.

5. Um termo, que é freqüentemente usado, e que raramente está fora da boca dos
homens; e, ainda assim, é dificilmente entendido, mesmo por aqueles que o usam com mais
freqüência. Ele pode ser, entretanto, não aceitável aos homens sérios, a todos que desejam
entender o que eles falam ou ouvem, se eu me esforçar para explicar o significado deste
termo – mostrar de que se trata o entusiasmo. Pode ser um encorajamento para aqueles que
são injustamente responsabilizados por ele; e pode possivelmente ser de utilidade para
alguns que são merecidamente responsabilizados por ele; pelo menos, aos que seriam
assim, não fossem tão cuidadosos contra ele.

6. Uma vez que geralmente admite-se que a própria palavra seja extraída do Grego.
Mas, de onde a palavra grega, "enthousiasmos" é derivada, ninguém ainda foi capaz de
mostrar; alguns têm se esforçado para derivá-la da palavra grega (theOi) que significa – em
Deus; porque todo entusiasmo se refere a Ele. Mas isto é completamente forçado; existe
pequena semelhança entre a palavra derivada, e a que eles se empenham para derivar.
Outros a derivariam (en thysiai), -- em sacrifício; porque muitos entusiastas do passado
eram afetados, da maneira mais violenta durante o momento de sacrifício. Talvez, seja uma
palavra fictícia, inventada do barulho que alguns dos que eram assim afetados faziam.
7. Não é improvável que um motivo porque esta palavra desconhecida tenha sido
preservada em tantas Línguas, seja porque os homens estavam mais preocupados com
respeito ao seu significado do que com respeito à sua derivação. Eles, portanto, adotaram a
palavra grega, porque eles não a entenderam: eles não a traduziram em suas próprias
línguas, porque eles não sabiam como; ela tem sido sempre uma palavra com um sentido
vago e incerto, para o qual nenhum significado foi afixado.

8. Não é, portanto, surpresa, afinal, que ela seja usada de maneira tão diversa;
pessoas diferentes a entendem, de diferentes maneiras, completamente inconsistentes umas
com as outras. Alguns a tomam em um bom sentido, devido a um impulso divino ou
impressão, superiores a todas as faculdades naturais, e suspendem, por um tempo, quer
parte quer todo os seus sentidos exteriores. Neste significado da palavra, tantos os Profetas
da Antiguidade, quanto os Apóstolos eram necessariamente entusiastas; estando, em seus
diversos tempos, tão preenchidos com o Espírito Santo, e de tal forma, influenciados por
Ele, que habita nos corações, que o exercício da razão, de seus sentidos, e de suas
habilidades naturais, estando suspensos, eles foram completamente tomados pelo poder de
Deus, que 'falavam' apenas 'quando eles eram movidos pelo Espírito Santo'.

9. Outros tomam a palavra em um sentido indiferente; nem moralmente bom, nem


mal: assim, eles falam do entusiasmo dos poetas; de Homero de Virgílio, em específico. E
nisto, um recente escritor eminente foi mais longe ao afirmar que não existe homem
excelente em sua profissão, qualquer que ela seja, que não tenha em seu temperamento um
forte traço de entusiasmo. Por entusiasmo, esses parecem entender, todo o vigor incomum
do pensamento; um fervor peculiar de espírito, uma vivacidade e força não encontradas nos
homens comuns; elevando a alma para coisas maiores e mais sublimes do que a pura razão
poderia ter conseguido.

10. Mas nenhum desses é no sentido em que a palavra 'entusiasmo' é mais


usualmente entendida. A generalidade dos homens, se não concordam até ai, pelo menos
concordam, no concernente a ela, de que se trata de alguma coisa má: e este é plenamente o
sentimento de todos aqueles que chamam a religião do coração de 'entusiasmo'. Assim
sendo, eu devo considerá-la nas páginas seguintes, como um mal, um infortúnio, se não um
engano.

11. Como a natureza do entusiasmo é, indubitavelmente, uma desordem da mente; e


como essa tal desordem esconde grandemente o exercício da razão. Mais do que isto, como
ela, algumas vezes, a coloca totalmente aparte: ela não apenas obscurece, mas fecha os
olhos do entendimento. Ela pode, portanto, ser considerada uma espécie de loucura; de
loucura, preferivelmente à insensatez: vendo-se que um tolo é propriamente alguém que tira
conclusões erradas de premissas corretas. E assim. O entusiasta supõe que suas premissas
sejam verdadeiras, e suas conclusões necessariamente a seguem. Mas aqui se coloca seu
erro: suas premissas são falsas. Ele imagina ser o que ele não é: e, portanto, colocando de
maneira errada, quanto mais além ele vai, mais se desvia do caminho.

12. Todo entusiasta, então, propriamente é um louco. Ainda assim, ele não é um
louco comum, mas um louco religioso. Por 'religioso', eu não quero dizer que se trate de
alguma parte da religião: completamente o contraio. Religião é o espírito de uma mente sã;
e, conseqüentemente, se coloca em oposição direta à loucura de todo tipo. Mas eu quero
dizer, a loucura tem a religião como seu objeto; ela está ligada à religião. E assim, os
entusiastas estão geralmente falando de religião, de Deus, ou das coisas de Deus, mas
falando de uma maneira que todo cristão consciente pode discernir que se trata de uma
desordem da mente. Entusiasmo, em geral, pode, então, ser descrito de uma maneira como
esta? Uma loucura religiosa surgindo de alguma influência ou inspiração de Deus,
falsamente imaginada: pelo menos, do imputar alguma coisa a Deus, que não deva ser
imputado a Ele; ou esperar alguma coisa de Deus, que não deva se esperar Dele.

13. Existem inumeráveis formas de entusiasmo. Esses que são mais comuns, e por
esta razão, mais perigosos, eu devo me esforçar para reduzir a alguns poucos tópicos gerais,
para que sejam mais facilmente entendidos e evitados.

O primeiro tipo de entusiasta que eu devo mencionar são aqueles que imaginam que
têm a graça que eles não têm. Assim, alguns imaginam que têm a redenção de Cristo,
'mesmo o perdão dos pecados', e não é bem assim. Esses usualmente são como se 'não
tivessem raízes em si mesmos'; nem profundo arrependimento, ou completa convicção.
'Embora recebam a palavra com alegria', E 'porque eles não estão fincados na terra', não
existe obra profunda em seus corações, portanto, a semente 'brota imediatamente'. Existe
imediatamente uma mudança superficial que, junto com a alegria sutil, interrompendo com
o orgulho de seus corações quebrantados, e com seu amor próprio excessivo, facilmente
persuade a eles que eles já 'provaram a boa palavra de Deus, e os poderes do mundo
vindouro'.

14. Este é necessariamente um exemplo do primeiro tipo de entusiasmo: uma


espécie de loucura, surgindo da imaginação de que eles têm aquela graça que, na verdade,
eles não têm: de modo que eles apenas enganam suas próprias almas. Isto pode ser
chamado corretamente de loucura: porque o raciocínio desses pobres homens está correto;
suas premissas são boas; mas como esses são meras criaturas da própria imaginação, então,
tudo que está construído neles cai por terra. O alicerce de seus devaneios é este: eles
imaginam que têm a fé em Cristo. Se eles tivessem, eles seriam os 'reis e sacerdotes de
Deus': possuiriam 'o reino que não pode ser movido': mas eles não têm; conseqüentemente,
todo o comportamento seguinte deles está tão longe da verdade e sobriedade, quanto o de
um louco comum, que se imaginando um rei terreno, fala e age desta forma.

15. Existem muitos outros entusiastas deste tipo. Tal, por exemplo, é o ardoroso
zelote da religião; ou mais, propriamente, devido às opiniões e modos de adoração que ele
dignifica com este nome. Este homem, também, fortemente se imagina um crente em Jesus;
sim, imagina que ele é um campeão, por causa da fé que uma vez foi entregue aos santos.
Assim sendo, toda sua conduta é formada encima desta vã imaginação. E admitindo-se que
esta suposição seja justa, ele terá algumas justificativas toleráveis para seu comportamento;
considerando que agora este é evidentemente o resultado de um cérebro desequilibrado, e
de um coração perturbado.

16. Mas o mais comum de todos os tipos de entusiastas são aqueles que se
imaginam cristãos, e não o são. Esses abundam, não apenas em todas as partes de nossa
nação, mas na maioria dos lugares habitados da terra. Que eles não são cristãos, isto é claro
e inegável; se nós cremos nos oráculos de Deus. Porque os cristãos são santos; esses são
iníquos: os cristãos amam a Deus, esses amam o mundo: Os cristãos são humildes; esses
são orgulhosos: os cristãos são gentis; esses são passionais; os cristãos têm a mente que
estava em Cristo; esses estão a uma distância extrema disto. Conseqüentemente, eles não
são mais cristãos do que são arcanjos. Ainda assim, eles se imaginam serem; e podem dar
diversas razoes para isto: porque eles foram batizados muitos anos atrás; porque abraçaram
as opiniões cristãs, vulgarmente denominadas de fé cristã ou católica; eles usam os modos
cristãos de adoração, como seus antepassados fizeram antes deles; eles vivem o que é
chamado de uma boa vida cristã, como o restante de seus vizinhos faz. E quem ousaria
pensar ou dizer que esses homens não são cristãos? – não obstante, sem um grão da fé
verdadeira em Cristo, ou da verdadeira santidade interior; sem alguma vez terem testado o
amor de Deus, ou 'sido feitos parceiros do Espírito Santo'!'.

17. Ah! Pobres enganadores de si mesmos! Vocês não são cristãos. Mas entusiastas,
e do grau mais alto. Médicos, curem a si mesmos! Mas, primeiro, conheçam sua doença:
toda a vida de vocês é entusiasmo: toda adequada à imaginação de que vocês receberam a
graça de Deus, sem a terem recebido. Em conseqüência deste grande equívoco, vocês falam
irrefletidamente, dia após dia, falando e agindo, sob um caráter que, de maneira alguma,
pertence a vocês. Disto, surge aquela inconsistência palpável, latente, que corre através de
todo o comportamento de vocês; uma impraticável mistura de Ateísmo real e Cristianismo
imaginário. Ainda assim, como vocês têm tão vasta maioria do lado de vocês, vocês irão
sempre levar isto, meramente por meio da força de números, 'de que vocês são os únicos
homens em seus sentidos, e todos que não são como vocês, são lunáticos'. Mas isto não
altera a natureza das coisas. À vista de Deus e de Seus santos anjos, sim, e de todos os
filhos de Deus, sobre a terra, vocês são meros loucos, meros entusiastas, todos! Vocês não
são? Vocês não estão 'caminhando em sombra vã; uma sombra da religião; uma sombra da
felicidade?'. Vocês não estão se desinquietando em vão, com infortúnios tão imaginários
quanto sua felicidade na religião? Vocês não se imaginam grandes e bons – com muito
conhecimento e muito sábios? Por quanto tempo? Talvez, até que a morte os traga de volta
aos sentidos, para lamentarem sua tolice para todo sempre!'.

18. Uma segunda espécie de entusiastas são aqueles que imaginam que eles têm os
dons de Deus. Assim, alguns se imaginam dotados com o poder de realizar milagres, de
curar o doente, através de uma palavra e toque; de restaurar a vista do cego: sim, até
mesmo, de ressuscitar o morto – um exemplo notório do que é ainda recente em nossa
própria história. Outros profetizam; predizem coisas, e isto com uma certeza e exatidão
extrema. Mas um pouco de tempo usualmente convence estes entusiastas. Quando os fatos
vão ao encontro de suas previsões, a experiência executa o que a razão não pode, e eles
caem em si.

19. A essa mesma categoria, pertencem aqueles que pregam ou oram, imaginando-
se influenciados pelo Espírito de Deus, o que, de fato, não estão. Eu estou consciente que,
sem Ele, nós não podemos fazer coisa alguma, mais especialmente, em nosso ministério
público; de que toda a nossa pregação é completamente em vão, a menos que seja atendida
com o poder de Deus; e assim toda a nossa oração, a menos que Seu Espírito, nela, nos
ajude em nossas enfermidades. Eu sei que, se nós não pregamos e oramos através do
Espírito, tudo não passará de trabalho perdido; uma vez que a ajuda que é feita na terra, Ele,
que opera tudo em todos, a faz por Si mesmo. Mas isto não afeta o caso diante de nós.
Embora exista uma influência real do Espírito de Deus, existe também uma imaginária: e
muitos existem que confundem uma com a outra. Muitos supõem que estão sob aquela
influência, quando não estão, quando ela está muito longe deles. E muitos outros supõem
que eles estão mais sob aquela influência do que realmente estão. Deste número, eu temo,
são todos aqueles que imaginam que Deus dita as próprias palavras que eles falam; e que,
conseqüentemente, é impossível que eles possam falar alguma coisa inoportuna, quer no
assunto ou na maneira de falá-la. Sabe-se bem, que muitos entusiastas deste tipo têm
aparecido também durante o presente século; alguns dos quais falam de uma maneira mais
autoritária do que Pedro ou quaisquer dos Apóstolos.

20. A mesma espécie de entusiasmo, embora em um grau menor, é freqüentemente


encontrada em homens de um caráter privado. Eles podem igualmente imaginar que
estejam influenciados ou dirigidos pelo Espírito, quando eles não estão. Eu admito que 'se
algum homem não tem o Espírito de Cristo, ele não é Dele'; e que, se alguma vez, nós
pensamos, falamos, ou agimos certo, foi através da assistência deste abençoado Espírito.
Mas quantos imputam coisas a Ele, ou esperam coisas Dele, sem qualquer alicerce bíblico
ou racional! Tais são aqueles que imaginam que eles fazem ou devem receber direções
específicas de Deus, não apenas nos pontos relevantes, mas em coisas sem importância; na
maioria das circunstâncias frívolas da vida. Considerando que, nestes casos, Deus nos deu
nossa própria razão como guia; embora nunca exclua a assistência secreta de Seu Espírito.

21. Aqueles que evidenciam serem dirigidos por Deus, se nas coisas espirituais, ou
na vida comum, naquilo que é merecidamente chamada de uma maneira extraordinária: ou
seja, através de visões ou sonhos; através de fortes impressões ou impulsos repentinos da
mente, são aqueles que peculiarmente estão expostos a este tipo de entusiasmo. E não nego
que, nos tempos antigos, Deus tenha manifestado Sua vontade desta maneira; ou, que Ele
pode fazer desta forma agora: mais do que isto, eu acredito que Ele faz, em algumas muito
raras estâncias. Mas quão freqüentemente os homens erram nisto! Como eles são
enganados pelo orgulho, e por uma imaginação inflamada, ao atribuírem tais impulsos ou
impressões; sonhos ou visões, a Deus, uma vez que estes são totalmente indignos Dele!
Agora isto é puro entusiasmo; tudo tão longe da religião, quanto é da verdade e sobriedade.

22. Talvez, alguns possam perguntar: 'Eu não devo, então, inquirir qual a vontade
de Deus em todas as coisas? E a vontade Dele não deve ser a regra de nossa prática?'.
Inquestionavelmente, você deve. Mas como um cristão desapaixonado deve fazer esta
pergunta? Para saber qual a vontade de Deus? Não, esperando por sonhos sobrenaturais;
nem esperando Deus revelar-lhe em visões; não, procurando por algumas impressões
específicas e impulsos repentinos de sua mente: não; mas, consultando os oráculos de Deus.
'A lei e o testemunho!'. Este é o método geral de saber qual 'a santa e aceitável vontade de
Deus'.

23. 'Mas como eu sei qual a vontade de Deus, neste ou naquele caso particular? A
coisa proposta é, em si mesma, de uma natureza indiferente; e, assim ficou indeterminada
nas Escrituras'. Eu respondo: As Escrituras, em si mesmas, dão a você uma regra geral, e
aplicável a todos os casos específicos: 'A vontade de Deus é nossa santificação'. É através
da Sua vontade que podemos ser interior e exteriormente santos; que podemos ser bons, e
fazer o bem, de todo o tipo, e no mais alto grau que formos capazes. Deste modo, nós
pisamos em chão firme. Isto é tão claro quando a luz do sol. Com o objetivo, portanto, de
saber qual a vontade de Deus, em um caso específico, nós temos apenas que aplicar a regra
geral.

24. Suponha, por exemplo, que fosse proposto a um homem razoável casar-se, ou
entrar em um novo negócio: Com o objetivo de saber, se esta é a vontade de Deus, estando
assegurado de que 'a vontade de Deus, concernente a mim, é que eu possa ser tão santo, e
fazer tanto bem quanto eu possa', ele terá apenas que inquirir, 'em qual desses estados eu
posso ser mais santo e fazer o bem o mais que eu puder?'. E isto deve ser determinado,
parcialmente pela razão; parcialmente, pela experiência. A experiência diz a ele quais as
vantagens que ele tem em seu estado atual, quer por ser santo, ou fazer o bem; e a razão irá
mostrar o que ele certamente ou provavelmente terá no estado proposto. Comparando esses,
ele julgará qual dos dois pode contribuir mais para ser santo e fazer o bem; e quanto mais
ele se certifica disto, mais certo ele está de qual é a vontade de Deus.

25. Entretanto, supõe-se a assistência do Espírito de Deus, durante todo o processo


de questionamento. Na verdade, não é fácil dizer, em quantas maneiras esta assistência é
feita. Ele pode trazer muitas circunstâncias à nossa lembrança; Ele pode colocar outras, em
uma luz mais forte e mais clara; pode conscientemente abrir nossas mentes para receberem
a convicção e fixarem esta convicção em nossos corações. E para a concomitância de
muitas circunstâncias deste tipo, em favor do que é aceitável aos olhos Dele, Ele pode
adicionar tal paz inalterada de mente, e tão incomum medida de Seu amor, que não nos
deixará possibilidade de dúvida; ou seja, mesmo isto, é a vontade Dele concernente a nós.

26. Este é o caminho claro, bíblico e racional de saber qual a vontade de Deus, em
um caso específico. Mas, considerando, quão raramente este caminho é tomado, e a
inundação de entusiasmo que precisa ser interrompida nestes que se esforçam para
conhecer a vontade de Deus, através de caminhos irracionais e não bíblicos; seria de se
esperar que a própria expressão fosse mais frugalmente usada. O uso dela, como alguns
fazem, nas ocasiões mais triviais, é uma violação clara do terceiro mandamento. É um
caminho grosseiro de tomar o nome de Deus em vão, e mostrar grande irreverência em
direção a Ele. Não seria muito melhor, então, usar outras expressões, que não estejam
propensas a tais objeções? Por exemplo: em vez de dizer, em alguma ocasião particular, 'Eu
quero conhecer qual a vontade de Deus'; não seria melhor dizer, 'Eu quero saber qual
vontade é melhor para meu progresso pessoal; e qual me tornará mais útil?'. Esta maneira
de falar é clara e inquestionável: É colocar o assunto em uma discussão clara e bíblica, e
isto, sem qualquer perigo de entusiasmo.

27. Uma terceira espécie comum de entusiasmo (se não coincide com o anterior), é
esta daqueles que pensam atingir a finalidade, sem usar dos meios, através do poder
imediato de Deus. Se, de fato, esses meios fossem providencialmente retidos, eles não
cairiam nesta responsabilidade. Deus pode, e algumas vezes o faz, em casos desta natureza,
manifestar Seu próprio poder imediato. Mas aqueles que esperam isto, quando eles têm
esses meios, e não os usam, são propriamente entusiastas. Assim são aqueles que esperam
entender as Escrituras santas, sem lê-las, e meditar sobre elas; sim, sem usar de tais ajudas,
quando está em seu poder, as quais podem provavelmente, conduzir àquela finalidade. Tais
são aqueles que falam designadamente na assembléia pública, sem qualquer premeditação.
Eu digo ''designadamente', porque podem existir tais circunstâncias que algumas vezes,
torna isto inevitável. Mas quem quer que menospreze aqueles grandes meios de falar
proveitosamente é deste feita um entusiasta.

28. Poder-se-ia esperar que eu fosse mencionar o que alguns consideram seja o
quarto tipo de entusiasmo, ou seja, os que imaginam que estas coisas sejam devidas à
providência de Deus, quando não são devidas a ela. Mas eu duvido: Eu não sei quais coisas
eles têm que não sejam devidas à providência de Deus; na disposição, ou, pelo menos, no
governo das quais, ela não diga respeito, quer direta ou remotamente. Eu excetuo nada, a
não ser o pecado; e mesmo nos pecados de outros, eu vejo a providência de Deus a mim.
Eu não digo Sua providência geral; porque isto eu considero uma palavra sonante, que
significa exatamente nada. E se existe alguma providência específica, ela deve se estender a
todas as pessoas e a todas as coisas. Assim, nosso Senhor entende isto, ou Ele nunca teria
dito: 'Até mesmo os cabelos de sua cabeça estão numerados'; e, 'Nem um pardal cai ao
chão, sem' que seja da vontade 'do Pai' que está nos céus. Mas se for assim, se Deus
preside 'sobre todo o universo, como se para cada pessoa em particular, e sobre cada
pessoa, como se para todo o Universo'; o que podemos afirmar (exceto apenas com relação
aos nossos próprios pecados) que não seja da providência de Deus? De modo que eu não
posso compreender que exista algum espaço aqui para a responsabilidade de entusiasmo.

29. Se for dito, a responsabilidade está colocada aqui: 'Quando você imputa isto á
Providência, você se imagina o favorito peculiar dos céus': Eu respondo que você se
esqueceu de algumas das últimas palavras que eu falei: 'Sua providência está sobre todos
os homens no universo, tanto quanto sobre cada pessoa em especial'. Você não vê que
aquele que acredita nisto, que imputa alguma coisa que lhe ocorra, como sendo da
Providência, nisto ele não se torna mais favorito dos céus, do que ele supõe todo homem
debaixo dos céus seja? Portanto, você não tem pretexto, neste alicerce, para responsabilizá-
lo com o entusiasmo.

30. Contra toda esta sorte de coisas, convém que tenhamos a máxima diligência;
considerando os efeitos danosos que têm sido freqüentemente produzidos, e que, de fato,
naturalmente resultam disto. Seu fruto imediato é o orgulho; ele cresce continuamente nesta
fonte de onde ele flui; e por meio disto, ele nos aliena mais e mais do favor e da vida de
Deus. Ele seca as próprias fontes de fé e amor; de retidão e santidade verdadeira; uma vez
que todos esses fluem da graça: mas 'Deus repele o orgulho, e dá a graça', apenas 'para o
humilde'.

31. Junto com o orgulho, naturalmente irá surge um espírito inoportuno e não
convincente. De modo que, em qualquer erro ou falta que os entusiastas caiam, existe uma
pequena esperança de sua recuperação. Já que a razão tem peso pequeno (como tem sido
freqüentemente e justamente observado), para aqueles que imaginam que são conduzidos
por um guia maior – pela sabedoria imediata de Deus. E quanto mais ele cresce no orgulho,
tanto mais ele deve crescer na inconveniência e na obstinação também. Ele será menos
capaz de ser convencido; menos suscetível de persuasão; mais e mais atado ao seu próprio
julgamento e à sua própria vontade, até que ele esteja completamente preso e imóvel.
32. Estando assim fortalecido pela graça de Deus, e contra todos os conselhos e
ajuda do homem, ele está completamente livre da direção de seu próprio coração, e do rei
dos filhos do orgulho. Não é de se admirar, então, que ele esteja diariamente mais enraizado
e enterrado no desprezo de toda a humanidade; na ira furiosa; em todo tipo de disposição
indelicada; em todo tipo de temperamento terreno e pecaminoso. Nem nós podemos nos
surpreender com os terríveis efeitos exteriores que têm fluido de tais disposições em todas
as épocas; até mesmo, todas as maneiras de maldade. Todas as obras das trevas, cometidas
por aqueles que chamam a si mesmos de cristãos, enquanto eles trabalham essas coisas com
ganância, como dificilmente foi mencionado, até mesmo em meio aos ateus.

Tal é a natureza; tais são os efeitos danosos daquele monstro de muitas cabeças, o
Entusiasmo! De cujas considerações, nós podemos agora traçar algumas inferências claras,
com respeito à nossa própria prática.

33. Em Primeiro Lugar, se o entusiasmo for um termo, embora tão freqüentemente


usado, ainda assim, tão raramente entendido, cuide para que você não fale o que você não
conhece; não use a palavra, até que você a entenda. Como em todos os outros pontos, então,
igualmente neste, aprenda a refletir antes de falar. Primeiro, conheça o significado desta
palavra difícil; e, então, a use, se for necessário.

34. Em Segundo, Lugar, se tão poucos, até mesmo entre os homens cultos, quanto
mais entre os de tipo comum, entendem esta palavra obscura e ambígua, ou têm alguma
noção fixa quanto ao que ela significa, então, cuide de não julgar ou chamar qualquer
homem de entusiasta, sobre um relato comum. Este não é, de modo algum, um fundamento
suficiente para dar algum nome de reprovação a qualquer homem; menos do que tudo, é um
fundamento suficiente para dar um termo tão obscuro de reprovação como este. Quanto
mais mal ele contém, mais precaução você deverá ter em como aplicar isto a alguém; levar
tão pesada acusação, sem prova completa, sendo tanto consistente com a justiça, quanto
com a misericórdia.

35. Mas, se o entusiasmo for um mal tão grande, cuide para que você não se
emaranhe nele. Vigie e ore, para que você não caia em tentação. É fácil atacar aqueles que
temem ou amam a Deus. Ó, cuide para que você não pense sobre si mesmo, mais do que
deveria pensar. Não imagine que você conseguiu a graça, que você não obteve, de Deus.
Você pode ter muita alegria; você pode ter uma medida de amor; e, ainda assim, não ter a fé
viva. Clame por Deus, para que Ele não permita que você, cego como está, saia do
caminho; que você engane a si mesmo, de que é um crente em Cristo, até que Cristo seja
revelado em você, e até que Espírito Dele testemunhe com seu espírito que você é um filho
de Deus.

36. Cuide para que você não seja um colérico, perseguindo entusiastas. Não imagine
que Deus o chamou para destruir (justamente o contrário do espírito Daquele que você
chama de seu Mestre) as vidas dos homens, e não para salvá-las. Nunca sonhe em forçar os
homens para os caminhos de Deus. Pense por si mesmo, e deixe que pensem. Não use de
constrangimento nos assuntos de religião. Mesmo com respeito a estes que estão bem fora
do caminho, nunca os obrigue a entrar, seja por um, ou quaisquer outros meios do que a
razão, verdade, e amor.
37. Cuide de não fazer como o bando de entusiastas, imaginando que você é um
cristão, quando você não é. Não ouse assumir este nome honrado, a menos que você tenha
um título claro e bíblico nisto; a menos que você tenha a mente que estava em Cristo, e
caminhe como Ele também caminhou.

38. Cuide para que você não caia na segunda espécie de entusiasmo — imaginando
que você tem aqueles dons de Deus, que você não tem. Não confie nas visões ou sonhos;
em impressões súbitas, ou impulsos fortes de qualquer tipo. Lembre-se que não será por
meio destes que você saberá qual é a vontade de Deus, em qualquer ocasião específica, mas
aplicando a regra clara das Escrituras, com a ajuda da experiência e razão, e com a
assistência extraordinária do Espírito de Deus. Não tome levianamente o nome de Deus em
sua boca; não fale da vontade de Deus em toda a ocasião leviana: que suas palavras, assim
como suas ações, sejam todas temperadas com reverência e temor divino.

39. Por fim, cuide para não imaginar que você obteve a finalidade, sem usar os
meios que conduzem a ela. Deus pode dar os fins, sem quaisquer meios, afinal; mas você
não tem motivos para pensar que Ele irá. Portanto, constantemente, e cuidadosamente, use
de todos esses meios que Ele tem designado como canais extraordinários de Sua graça. Use
todos os meios que tanto a razão quanto as Escrituras recomendam, como condutivos
(através do livre amor de Deus em Cristo), tanto para obter, quanto para aumentar alguns
dos dons de Deus. Assim, espere crescer diariamente naquela religião pura e santa, que o
mundo sempre chamou e sempre irá chamar de 'entusiasmo'; mas que, a todos que são
salvos do real entusiasmo; do Cristianismo meramente nominal, trata-se 'da sabedoria de
Deus, e do poder de Deus'; da gloriosa imagem do Altíssimo; 'da retidão e paz'; a 'fonte de
água viva, brotando para a vida eterna!'.

[Editado anonimamente na Memorial University of Newfoundland com correções de


George Lyons para a Wesley Center for Applied Theology.]

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