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Considerando as palavras de Simon Wiesenthal, segundo o qual “a esperança vive quando as pessoas lembram”, e com o amplo apoio e
cooperação do Centro Simon Wiesenthal, a Universidade Soka teve o orgulho de organizar a exposição “A Coragem de Relembrar —
Anne Frank e o Holocausto” em vários locais do Japão desde maio de 1994.
É uma honra sem paralelo ter esta oportunidade de falar sobre a vida de Tsunesaburo Makiguchi, mestre do meu mestre e primeiro
presidente da Soka Gakkai, aqui no Centro Simon Wiesenthal — uma fortaleza dedicada à nobre missão de proteger a paz e os direitos
humanos. Gostaria de compartilhar com os senhores as convicções pelas quais Makiguchi deu a sua vida, concentrando-me em dois
temas: “ira justificada” e “tolerância ativa”.
As seguintes citações de Makiguchi1 bastarão para indicar o grau de oposição do seu pensamento ao do militarismo japonês — o
ambiente predominante em sua época.
“Se não puder ser um corajoso inimigo da maldade, não poderá ser amigo do bem.”
“Não se deve ficar satisfeito com a benevolência passiva; é preciso ser uma pessoa de coragem e vigor que possa lutar ativamente pelo
bem.”
É Ó Ã
QUAL É O PROPÓSITO DA EDUCAÇÃO?
Foi durante a época em que Makiguchi era um jovem professor que o Japão iniciou uma política nacional expressa pelo slogan “riqueza
nacional e força militar” (fukoku kyohei, em jap.) — o caminho da expansão imperial. No campo da educação, a prioridade máxima era
também conciliada com os objetivos nacionais, e todos os esforços eram realizados para instilarem um patriotismo cego e
inquestionável.
Em contraste, Makiguchi expressou a seguinte opinião: “Qual é então o propósito da educação nacional? Em vez de planejar
complexas interpretações teóricas, é melhor começar observando a graciosa criança que senta em seu colo e perguntar a si próprio: O
que eu posso fazer para assegurar que essa criança viva da forma mais feliz possível?2
O interesse principal de Makiguchi nunca foi o Estado, mas sempre as pessoas, os seres humanos. Isso reflete a sua forte consciência
dos direitos humanos, que inspirou-o a declarar, em uma época em que as prioridades da soberania do Estado estavam sendo
vigorosamente enfatizadas, que “a liberdade e os direitos do indivíduo são sagrados e invioláveis”.3
As realizações de Makiguchi fazem recordar o grande amor pela humanidade demonstrado por seu contemporâneo, o notável
educador judeu e polonês Janusz Korczak, que lutou até o fim para proteger as vidas de seus alunos, morrendo junto com eles no
Holocausto.
Em 1928, Makiguchi encontrou o budismo [aos 57 anos]. O budismo pode ser considerado uma filosofia de educação popular, uma vez
que reconhece e busca desenvolver a sabedoria inerente em todos os seres humanos. Makiguchi sentiu que tinha encontrado no
budismo os meios pelos quais poderia concretizar os ideais que havia buscado durante toda a sua vida — um movimento pela reforma
Dois anos depois, em 18 de novembro de 1930, junto com seu discípulo e também professor Josei Toda, Makiguchi publicou o primeiro
volume de Sistema Pedagógico de Criação de Valor, e estabelecemos essa data como a fundação de nossa organização.
“Soka”, em japonês, significa “criação de valor”. Do ponto de vista de Makiguchi, o valor mais fundamental é o da própria vida. Levando
em consideração o pragmatismo de Dewey, ele declarou que “o único valor no verdadeiro sentido é o da própria vida. Todos os outros
valores surgem unicamente no contexto da interação com a vida.”4 O critério fundamental do valor, na visão de Makiguchi, é se algo
acrescenta ou deprecia, ou se desenvolve ou se retarda a condição humana.
Em 1939, foi realizada a primeira convenção da Soka Kyoiku Gakkai (Sociedade Educacional para a Criação de Valor). Desnecessário
dizer que esse foi o mesmo ano em que começou a Segunda Guerra Mundial com a invasão da Polônia pelos nazistas. As tropas do
Japão também avançavam, cometendo horríveis barbaridades na China e na Coréia.
Makiguchi disparou críticas frontais contra o fascismo militar. Nessa época, muitas religiões e organizações religiosas do Japão deram
seu apoio ao Estado xintoísta, que proporcionava o sustento filosófico e espiritual para o prosseguimento da guerra. No entanto,
Makiguchi opôs-se à supressão das liberdades de consciência e de crença, recusando-se a permitir que suas convicções religiosas se
desviassem de sua orientação para a paz.
Ele também sentiu-se ultrajado com a tentativa de impor aos povos da Ásia a crença japonesa no xintoísmo, escrevendo “A Arrogância
do Povo Japonês não tem limites”.5 A sua atitude rígida e inflexível em relação a isso originava-se de um profundo espírito de
tolerância pela herança cultural e religiosa de outros povos.
Em dezembro de 1941, as forças japonesas fizeram um ataque surpresa a Pearl Harbor, iniciando assim a guerra no Pacífico. Cinco
meses depois, o periódico da Soka Gakkai, Kati Sozo (Criação de Valor), foi forçado pelas autoridades de segurança nacional a
A postura de Makiguchi de enfrentar diretamente todas as formas de maldade e de injustiça fez de seus conceitos uma potente
ameaça ao poder vigente. Ele era considerado um “criminoso ideológico” e suas atividades eram submetidas a constante fiscalização
da “polícia secreta”.
Contudo, Makiguchi continuava a organizar pequenas reuniões de palestra nas quais expressava abertamente suas convicções morais
e religiosas. De acordo com sua acusação escrita, no período de dois anos de guerra ele participou de mais de 140 reuniões desse tipo.
Mesmo quando a polícia estava presente nessas reuniões, ele continuava a criticar o fascismo militar.
Em julho de 1943, Makiguchi e Toda foram presos acusados de terem violado a notória “Lei de Preservação da Paz”6 e de lesa-
majestade, ou seja, desrespeito ao imperador. Makiguchi já estava com setenta e dois anos e passou o ano seguinte e mais quatro
Dizem que ele costumava gritar de sua solitária, perguntando aos outros prisioneiros se eles estavam entediados, oferecendo-se para
engajá-los em debates sobre questões tais como se havia ou não diferença em não fazer o bem e realizar o mal.7 Ele era um incansável
mestre da educação humanística que sempre buscava o diálogo igualitário e incondicional com os outros. Ele ainda explicava, com
Há uma famosa máxima budista que diz que quando se acende uma lâmpada para outra pessoa, o seu próprio caminho também é
iluminado.8 De fato, Makiguchi foi até o fim um exemplo de uma vida de contribuição positiva, levando a brilhante luz da esperança
para ele e para os outros.
O inferno de quatro paredes de sua sufocante solitária, o frio e o calor abalaram o já idoso Makiguchi. A idade avançada e a
desnutrição levaram a um inevitável enfraquecimento físico, e Makiguchi por fim concordou em ser transferido para a enfermaria.
Vestindo roupas formais, ele arrumou o cabelo e caminhou até lá sem ajuda, com passos frágeis porém determinados.
No dia seguinte, 18 de novembro de 1944, aniversário de fundação da Soka Gakkai, Tsunesaburo Makiguchi faleceu tranquilamente.
Para os seres humanos, talvez nada seja mais universalmente apavorante do que a perspectiva da própria morte. Poderíamos até
mesmo dizer que o medo da morte é a base da agressão instintiva. Mas o budismo fala da unidade indivisível da vida e da morte,
Makiguchi provou a verdade de que vivendo com total dedicação aos ideais nobres e humanos, é possível encontrar a morte sem
Fonte:
Brasil Seikyo, ed. 1.384, 28 set. 1996, p. 4
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Notas:
1. Obras Completas de Tsunessaburo Makiguti (em japonês). Tóquio, Daisan Bummeisha, 1988, 1983, vol. IX, pág. 97; vol. VI,
págs. 71 e 180.
3. Tsunessaburo Makiguti, Geografia da Vida Humana (em japonês). Tóquio, Seikyo Shimbunsha, 1980, vol. V, pág. 16.
6. A Lei de Preservação da Paz de 1925 foi um dos principais instrumentos legais usados para suprimir todas as formas de
dissidência. O Estatuto das Organizações Religiosas de 1940 consolidou sob a liderança xintoísta todas as organizações
7. Obras Completas de Jossei Toda (em japonês). Tóquio, Seikyo Shimbunsha, 1988, vol. VIII, pág. 463.
8. “The Three Virtues of Food”, Obras Completas de Nitiren Daishonin (em japonês). Nitiko Hori, ed. Tóquio, Soka Gakkai, 1952,
pág. 1598.
Obras consultadas:
Janusz Korczak, King Matt the First. Richard Lourie, trad. Nova York, The Noonday Press, 1988. A introdução, de Bruno
Bettelheim, traça um perfil dos empreendimentos de toda a vida de Korczak em nome das crianças. A história do Rei Matt faz um
Dayle M. Bethel, ed. Education for Creative Living: Ideas and Proposals of Tsunesaburo Makiguchi. Alfred Birnbaum, trad. Ames,
Cheryl Marie Allam, “The Path to Surrender: Nichiren Buddhism and Roman Catholicism Confront Japanese Nationalism, 1912–
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