Você está na página 1de 5

A força da entrega e da gratidão realmente muda as coisas ao redor: de David

Godman, tradutor de Ramana Maharshi

Publicado em 17 de dezembro de 2013 por Nando Pereira

Uma história compartilhada por David Godman, um dos principais tradutores dos
ensinamentos do sábio indiano Sri Ramana Maharshi (1879-1950), trata da entrega
do ser humano a uma força superior ou mais ampla e dominante (do que si mesmo),
que tanto ele quando Ramana se referiam como “Deus”. A maioria de nós, ou todos
nós, como diz Godman, não queremos saber disso até que o próximo grande
problema ou tragédia assole nossa vida, aí paramos e pedimos (ou imploramos) para
sabe-se-lá-o-que, uma força maior, algo assim, pois ninguém sabe direito que coisa
pode ser, se é que há tal coisa. Mas, na necessidade, apelamos ao “último recurso“.
Talvez seja necessário, no entanto, um raciocínio simples e anterior: se há realmente
algo maior, dominante, na qual estamos inseridos e somos parte, isso não poderia ser
tratado como último recurso para nossas próprias ações.

O texto abaixo é a resposta de Godman para a seguinte pergunta: “A entrega a Deus


ou a um guru é rara nos dias de hoje. Mas você mencionou que em sua vida
frequentemente você simplesmente tinha que se entregar. Você poderia contar
algumas incidentes da sua vida para ilustrar esse sentimento de entrega ao destino?”.
O texto está compartilhado em seu site oficial.

Segue a resposta:

“Todos pensamos que estamos no controle de nossas vidas, que somos responsáveis
por nosso bem-estar e pelo bem-estar de quem depende de nós. Podemos reconhecer
num nível teórico que Deus está no comando do mundo, que Deus faz tudo, mas isso
não nos faz parar de planejar e esquematizar e fazer. Algumas vezes, quando
encontramos algo que não podemos controlar – uma criança pode estar morrendo de
leucemia apesar de receber o melhor tratamento médico – então nos viramos para
Deus e pedimos intervenção divina. Isso não é entrega, é apenas mais ação. É buscar
uma fonte extra quando todas as tradicionais falharam. A entrega é diferente. É
reconhecer que Deus sustenta o mundo cada minuto de cada dia, que Ele não é
somente um recurso extra, um deus ex machina, que procuramos quando precisamos.
A entrega não é pedir que as coisas sejam diferentes; é a aceitação e a gratidão pelas
coisas como são. Não é um estoicismo falso ou forçado, é a experiência de alegria na
ação de Deus, qualquer que seja ela.

Cerca de 20 anos atrás eu li um livro cristão chamado “Obrigado, Deus”. A tese básica
dele era que deveríamos agradecer a Deus continuamente pela jeito que as coisas
estão agora, e não pedir-Lhe que sejam diferentes. Isso significa agradecê-Lo por
todas as coisas terríveis que estão acontecendo em nossa vida, não apenas
agradecê-Lo pelas coisas boas que estão em nosso caminho. E isso não deveria ser
apenas no nível verbal. Precisamos nos manter dizendo “Obrigado Deus” para nós
mesmos até que realmente sintamos uma aura de gratidão. Quando isso acontecer,
há consequências marcantes e inesperadas.

Deixe-me dar um exemplo. Havia uma mulher neste livro cujo marido era um
alcóolatra. Ela tinha organizado reuniões de oração na igrela local em que todos
rezavam a Deus, pedindo-Lhe que este homem parasse de beber. Nada aconteceu.
Então essa mulher ouviu falar sobre o “Obrigado Deus”. Ela pensou, “Bem, nada mais
funcionou. Vou tentar isso”. Ela começou a dizer, “Obrigado Deus por fazer meu
marido um alcóolatra”, e continuou dizendo isso até que ela realmente começou a

1
sentir gratidão internamente. Pouco tempo depois, o marido dela parou de beber por
conta própria e nunca mais tocou no álcool de novo. Isso é entrega. Não é dizer,
“Desculpe-me Deus, mas eu sei que melhor que Você, então você por favor poderia
fazer isso acontecer”, é reconhecer, “O mundo é do jeito que Você quer que seja, e eu
agradeço-Lhe por isso”. Quando isso acontecer na sua vida, algumas coisas
miraculosas começam a acontecer ao seu redor. A força da própria entrega, da sua
própria gratidão, realmente muda as coisas ao seu redor.

Quando li isso pela primeira vez, pensei, “Isso é esquisito, mas pode funcionar. Deixe
me tentar”. Naquela época na minha vida, eu estava tendo problemas com quatro de
cada cinco pessoas com que eu tentava fazer alguma coisa. Apesar dos lembretes
diários, elas não estão fazendo as coisas que tinha prometido fazer. Sentei e comecei
a dizer, “Obrigado por Mr X não fazer seu trabalho. Obrigado por Mr Y por tentar me
trapacear naquele negócio que fizemos”, e assim por diante. Fiz isso por algumas
horas até que finalmente comecei a sentir uma sensação forte de gratidão em direção
a essas pessoas. Quando a imagem delas apareceu na minha mente, não lembrava
de todas as frustrações que tinha vivindo ao lidar com elas. Tinha apenas uma
imagem delas em minha mente que sentia gratidão e aceitação. Na manhã seguinte.
quando fui trabalhar, todas as pessoas estava esperando por mim. Geralmente, eu ia
atrás delas e ouvia qual era a mais nova desculpa que tinham. Todas elas estava
sorrindo, e todas elas tinha feito os trabalhos que eu estava importunando durante dias
para fazerem. Foi um testemunho inacreditável da força da aceitação amorosa. Como
qualquer um, ainda estou preso no mundo do fazer-fazer-fazer, mas quando todos os
meus fazeres equivocados produzem uma confusão irascível, tento largar minha
crença que “Eu” tenho que fazer algo para resolver esse problema, e começo a
agradecer a Deus pela bagunça que fiz por mim mesmo. Alguns minutos disso
geralmente é suficiente para resolver o mais espinhoso dos problemas.

Quando eu tinha 16 anos, fiz um curso de vôo. A primeira vez que me deram os
controles, o planador se balançou todo porque eu estava reagindo, ou eu deveria dizer
exagerando minha reação, a cada pequena flutuação da máquina. Por fim, o instrutor
pegou os controles de mim e disse “Observe isso”. Ele colocou o planador no nível
vôo, colocou os controles na posição central e então soltou. O planador voou sozinho,
sem qualquer balanço, sem que ninguém estivesse com as mãos nos controles. Todas
as minhas ações estavam na verdade interferindo com a habilidade natural do
planador de voar sozinho. Assim é a vida para todos nós. Continuamos a pensar que
temos que ‘fazer’ coisas, mas todas as nossas ações meramente causam problemas.
Não estou dizendo que aprendi e tirar minhas mãos do controle da vida e deixo Deus
pilotar minha vida para mim, mas lembro de tudo isso, com uma alegria irônica,
quando os problemas (auto-infligidos, claro) aparecem do nada. Algumas semanas
atrás, por exemplo, me encontrei no meio de uma drama editorial que parece ser
essencialmente insolúvel. Era uma confusão tal que eu nem tentava conversar com as
pessoas envolvidas. Fui para o samadhi de Sri Ramana, colocou o manuscrito na
frente dele, e expliquei o que tinha acontecido. Agradeci-lhe pelo drama e disse, “Isso
é responsabilidade sua, não minha”. Meus olhos se fecharam quando eu disse isso.
Quando os abri, um velho amigo estava lá, me oferecendo biscoitos de chocolate, algo
que nunca tinha acontecido antes. Aceite-os como oferenda a Ramana. Naquele dia
mais tarde o problema foi resolvido em cinco minutos. Todos os protagonistas (que
eram duros antagonistas até um dia atrás) se uniram e o trabalho foi finalizada
amigavelmente em tempo recorde.”

~ David Godman, na entrevista “Living the Inspiration of Sri Ramana Maharshi”

2
Continuação em Inglês:

Maalok: I think on hearing some of your above examples (all of which led
to desirable final outcomes) we can perhaps wrongly deduce that if we
want to get things done our way we should adopt this trick of leaving
things up to God. I don't think that's what you meant. In the state you were
describing, one truly doesn't have a preference for things to work out one
way or the other. Is that true?

David: Yes. The state of being grateful for the way things are is the goal. It's not
a trick to get what you want. If things turn out well, that's just a side effect. It's
not the main purpose of surrender. Surrender is an aim and a goal in itself. 
     Let me read you a couple of answers that Sri Ramana gave to a devotee
who was asking about surrender. They were recorded in the 1940s by Devaraja
Mudaliar in Day by Day with Bhagavan: 
 
Question: Does not total or complete surrender require that one should not
have left even the desire for liberation or God? 
Answer: Complete surrender does require that you have no desire of your own.
You must be satisfied with whatever God gives you and that means having no
desires of one's own. 
Question: Now that I am satisfied on that point, I want to know what the steps
are by which I could achieve surrender. 
Answer: There are two ways. One is looking into the source of 'I' and merging
into that source. The other is the feeling 'I am helpless by myself; God alone is
all powerful and except by throwing myself completely on him, there is no other
means of safety for me.' By this method one gradually develops the conviction
that God alone exists and that the ego does not count. Both methods lead to the
same goal. Complete surrender is another name for jnana or liberation. 
 
     In the first reply Sri Ramana gives the answer that true surrender is being
satisfied with whatever God gives you, without having any desire for your life to
be any different. In the second answer he explains that one can approach this
goal in a gradual way. I think that Sri Ramana knew that no one could
immediately give up all thoughts, ideas, desires and responsibilities, so he
encouraged devotees to do it in a gradual way. One can start on the path of
surrender by handing over to God some of the petty responsibilities of life that
we believe are ours to solve. When we feel that God has done a good job with
managing them, we have more faith in Him and we are encouraged to hand
over more and more of our life to Him. The stories that I narrated earlier belong
to this phase of surrender. 

3
     Sri Ramana occasionally encouraged his devotees to give him all their
problems. That is to say, to tell him about them, and then forget about them.
One of his persistent images or metaphors was of a passenger on a train who
insists on carrying his luggage on his own head instead of putting it on the floor
and relaxing. The idea behind this is that God is running the world and looking
after all its activities and problems. If we take some of these problems on our
own heads, we just inflict unnecessary suffering on ourselves. Sri Ramana is
telling us that God is driving the train that constitutes our life on this earth. We
can sit down and relax with the knowledge that he is taking us to our
destination, and not interfere, or we can imagine that we are responsible for it
all. We can pace up and down the aisles of the train with 100lbs on our head if
we want to. It's our choice. 
     When devotees surrendered their problems to Sri Ramana, it was the same
as surrendering them to God. They were submitting to the same divine
authority, surrendering to a living manifestation of that same power. Here are
some statements that Sri Ramana made on this subject. I have taken them from
a book I am currently working on. Each sentence was originally recorded by
Muruganar in Tamil verse: 
 
1. My devotees have the qualifications to rejoice abundantly, like children of
an emperor. 
2. Abandon the drama [of the world] and seek the Self within. Remaining
within, I will protect you, [ensuring] that no harm befalls you. 
3. If you inquire and know me, the indweller, in that state there will be no
reason for you to worry about the world. 
4. For the cruel disease of burning samsara to end, the correct regimen is
to entrust all your burdens on me. 
5. In order that your needless anxieties cease, make sure that all your
burdens are placed on me through the brave act of depending totally on
grace. 
6. If you completely surrender all your responsibilities to me, I will accept
them as mine and manage them.
7. When bearing the entire burden remains my responsibility, why do you
have any worries? 
8. Long ago you offered your body, possessions and soul to me, making
them mine, so why do you still regard these things as 'I' and 'mine' and
associate yourself with them? 
9. Seek my grace within the Heart. I will drive away your darkness and
show you the light. This is my responsibility. 
 

4
     These verses come from a sub-section I have entitled 'Bhagavan's
Promises'. When people surrendered completely to him, he was more than
happy to manage their lives for them. Just about everyone discovered that
when she surrendered the burden of responsibility for her life to Sri Ramana,
problems diminished or went away completely. 
     The Guru is primarily there to teach the truth, to bestow grace on his
disciples and to bring about the liberation of the mature souls who come to him.
But he also has this very nice sideline of being able to manage the affairs of his
devotees much better than they can.

Você também pode gostar