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DIREITO CONSTITUCIONAL E METODOLOGIA JURÍDICA

GRAAL DA PROVA ORAL DO 29º CPR – 10/2018


Organizado por Valdir Monteiro Oliveria Júnior

Sumário
1. TEORIA GERAL DO ESTADO......................................................................................................5
6B. Federalismo. Concepções e características. Classificações. Sistemas de repartição de
competência. Direito comparado.............................................................................................5
3A. Divisão de poderes. Conceito e objetivos. História. Independência e harmonia entre
poderes. Mecanismos de freio e contrapesos..........................................................................8
14A. Democracia. Conceito. História. Fundamentos. Democracia representativa e
participativa. Teorias deliberativa e agregativa da democracia. Instrumentos de democracia
direta na Constituição de 1988..............................................................................................11
2. FILOSOFIA POLÍTICA...............................................................................................................13
11A. Liberalismo igualitário, comunitarismo, procedimentalismo e republicanismo. Suas
projeções no domínio constitucional.....................................................................................13
25A. Pluralismo jurídico. As fontes normativas não estatais..................................................16
3. CONSTITUCIONALISMO..........................................................................................................18
1A. Constitucionalismo: trajetória histórica. Constitucionalismo liberal e social.
Constitucionalismo britânico, francês e norte-americano......................................................18
14C. A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituições de 1824, 1891, 1934, 1937,
1946, 1967, 1969. A ditadura militar e os atos institucionais. A assembleia constituinte de
1987/88..................................................................................................................................27
24A. Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito e judicialização da política.....32
4. PODER CONSTITUINTE............................................................................................................36
5A. Poder Constituinte originário. Titularidade e características...........................................36
6A. Poder constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. Cláusulas pétreas
expressas e implícitas. As mutações constitucionais..............................................................38
8A. Poder constituinte estadual: autonomia e limitações......................................................40
13A. Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da recepção. Disposições constitucionais
transitórias.............................................................................................................................41
5. NORMAS CONSTITUCIONAIS..................................................................................................43
9B. Norma jurídica e enunciado normativo. Características da norma jurídica......................43
4B. Normas constitucionais. Definição. Estrutura. Classificações. Princípios e regras.
Preâmbulo. Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988.......................................47
6. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL.......................................................................................49
2C. Hermenêutica e Teorias da argumentação jurídica..........................................................49
21B. Interpretação jurídica. Métodos e critérios de interpretação........................................51
12B. Critérios clássicos de resolução de antinomias jurídicas................................................54

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17B. A metodologia jurídica no tempo. A Escola da Exegese. Jurisprudência dos conceitos,
jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores. O realismo jurídico.
Neoformalismo. O pós-positivismo jurídico...........................................................................56
22A. O papel das pré-compreensões no Direito. Interpretação, moralidade positiva e
moralidade crítica...................................................................................................................61
4C. Lacunas e Integração do Direito: analogia, costumes e equidade....................................63
7C. Os Princípios gerais de direito..........................................................................................65
10A. Interpretação constitucional. Métodos e princípios de hermenêutica constitucional.. .66
2A. Constituição e Cosmopolitismo. O papel do direito comparado e das normas e
jurisprudência internacionais na interpretação da Constituição............................................69
11C. Colisão entre normas constitucionais. Ponderação e juízo de adequação. Princípios da
Proporcionalidade e da Razoabilidade...................................................................................71
7. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.................................................................................75
12A. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. Direito
comparado. Legitimidade democrática..................................................................................75
16C.  Controle concreto de constitucionalidade. O Recurso Extraordinário...........................78
18C. Controle abstrato de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.......................................................82
22B. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Técnicas decisórias na jurisdição
constitucional.........................................................................................................................95
25B. Inconstitucionalidade por omissão. Ação Direta e Mandado de Injunção.....................98
8. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.............................................................................101
6C. Direitos fundamentais. Concepções. Características. Dimensões Objetiva e Subjetiva.
Eficácia vertical e horizontal.................................................................................................102
20C. Limites dos direitos fundamentais. Teorias interna e externa. Núcleo essencial e
proporcionalidade. Os "limites dos limites".........................................................................107
16B. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade..............................109
22C. Direito fundamental à moradia e à alimentação..........................................................111
23A. Direitos fundamentais culturais. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à
diferença e ao reconhecimento...........................................................................................114
19A. Liberdade de expressão, religiosa e de associação. O princípio da laicidade estatal. Os
direitos civis na Constituição de 1988..................................................................................117
17C. Direitos sexuais e reprodutivos....................................................................................122
13C. Princípio da isonomia. Ações afirmativas. Igualdade e diferença. Teoria do impacto
desproporcional. Direito à adaptação razoável....................................................................124
23C. Direitos fundamentais processuais: acesso à justiça, devido processo legal,
contraditório, ampla defesa, vedação de uso de provas ilícitas, juiz natural e duração
razoável do processo............................................................................................................126
15A. Controle jurisdicional e social das políticas públicas. Serviços de relevância pública. O
papel do Ministério Público..................................................................................................130

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9. DIREITOS SOCIAIS.................................................................................................................132
12C. Princípios Constitucionais do Trabalho. Os Direitos Fundamentais do Trabalhador....132
4A. Direitos sociais: enunciação, garantias e efetividade. Princípio da proibição do
retrocesso. Mínimo existencial e reserva do possível..........................................................134
10.NACIONALIDADE.................................................................................................................137
10B. Nacionalidade brasileira. Condição jurídica do estrangeiro.........................................137
11.DIREITOS POLÍTICOS............................................................................................................140
15B. Direitos Políticos. O papel da cidadania na concretização da Constituição..................140
12.FEDERAÇÃO BRASILEIRA......................................................................................................141
7B. União Federal: competência e bens...............................................................................141
3C. Estado-membro. Competência. Autonomia. Bens.........................................................143
5C. Município: criação, competência, autonomia. Regiões metropolitanas.........................147
10C. Intervenção federal nos Estados e intervenção estadual nos Municípios....................152
13.ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA..................................................................................................153
11B. Princípios constitucionais sobre a Administração Pública............................................153
14.PODER LEGISLATIVO............................................................................................................156
1B. Poder Legislativo. Organização. Atribuições do Congresso Nacional. Competências do
Senado e da Câmara. Legislativo e soberania popular. A crise da representação política.. .156
15C. Regime constitucional dos parlamentares. Imunidades e incompatibilidades.............160
24B. Estatuto constitucional dos agentes políticos. Limites constitucionais da investigação
parlamentar. Crimes de responsabilidade. Controle social, político e jurisdicional do
exercício do poder. O princípio republicano........................................................................164
7A. Processo legislativo. Emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei
delegada, medida provisória, decreto legislativo e resolução. O processo de incorporação
dos tratados internacionais. Devido processo legislativo.....................................................168
15.PODER EXECUTIVO..............................................................................................................172
2B. Poder Executivo. Histórico. Presidencialismo e Parlamentarismo. Presidencialismo de
coalizão. Presidente da República: estatuto. Competências. Poder normativo autônomo,
delegado e regulamentar. Ministros de Estado....................................................................172
16.PODER JUDICIÁRIO..............................................................................................................176
3B. Poder Judiciário: organização e competência. Normas constitucionais respeitantes à
magistratura. O ativismo judicial e seus limites no Estado Democrático de Direito.............176
5B. Supremo Tribunal Federal: organização e competência. Jurisdição constitucional........185
23B. Súmula vinculante. Legitimidade e críticas. Mecanismos de distinção........................188
25C. Conselho Nacional de Justiça. História, composição, competência e funcionamento. 189
17.FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA.........................................................................................192
1C. Ministério Público: História e princípios constitucionais. Organização. As funções
constitucionais do Ministério Público..................................................................................192

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21A. Conselho Nacional do Ministério Público. História, composição, competência e
funcionamento.....................................................................................................................195
24C. As funções essenciais à Justiça: Advocacia privada e pública. Representação judicial e
consultoria jurídica da União, dos Estados e do Distrito Federal. A Defensoria Pública.......198
18.DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS................................................200
8C. Defesa do Estado e das instituições democráticas. Estado de defesa. Estado de sítio.
Papel constitucional das Forças Armadas.............................................................................200
9C. Segurança Pública na Constituição. O papel das instituições policiais...........................202
19. FINANÇAS PÚBLICAS...........................................................................................................206
20A. Finanças Públicas na Constituição. Normas Orçamentárias na Constituição...............206
18A. Orçamento público: controle social, político e jurisdicional.........................................209
20. ORDEM ECONÔMICA..........................................................................................................212
21C. Ordem constitucional econômica. Princípios constitucionais da ordem econômica.
Intervenção estatal direta e indireta na economia. Regime constitucional dos serviços
públicos. Monopólios federais e seu regime constitucional.................................................213
13B. Regime constitucional da propriedade. Função socioambiental da propriedade.
Desapropriação e requisição................................................................................................216
8B. Política Agrária na Constituição. Desapropriação para Reforma Agrária........................218
21.ORDEM SOCIAL...................................................................................................................221
14B. Previdência social e assistência social..........................................................................221
19C. Direito à Saúde. Sistema Único de Saúde na Constituição. Controle Social. O Direito de
Acesso às Prestações Sanitárias...........................................................................................223
16A. Direito fundamental à educação. A educação na Constituição Federal.......................227
9A. Comunicação social. A imprensa na Constituição. Liberdades públicas, acesso à
informação e pluralismo......................................................................................................231
17A. Proteção constitucional à família, à criança, ao adolescente e ao idoso......................235
18B. Direitos das pessoas portadoras de deficiência. A Convenção da ONU sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo....................................................238
22.ÍNDIOS, QUILOMBOLAS E MINORIAS..................................................................................243
20B. Índios na Constituição. Competência. Ocupação Tradicional. Procedimento para
Reconhecimento e Demarcação dos Territórios Indígenas. Usufruto..................................243
19B. Direitos das comunidades remanescentes dos quilombos e de comunidades
tradicionais...........................................................................................................................248

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1. TEORIA GERAL DO ESTADO
1.1 Federalismo. Concepções e caracterı ́sticas. Classificações. Sistemas de repartição de
competência. Direito Comparado. (6.b)
1.2 Divisão de poderes. Conceito e objetivos. História. Independência e harmonia entre
poderes. Mecanismos de freios e contrapesos. (3.a)
1.3 Democracia. Conceito. História. Fundamentos. Democracia representativa e participativa.
Teorias deliberativa e agregativa da democracia. Instrumentos de democracia direta na
Constituição de 1988. (14.a)

6B. Federalismo. Concepções e características. Classificações. Sistemas de repartição de


competência. Direito comparado.

Atualizado por Igor Lima Goettenauer de Oliveira

I. Noções Gerais

No Brasil, a federação surge provisoriamente através do Decreto n. 1, de 15.11.1889,


juntamente com a forma republicana de governo, tomando assento constitucional na Carta de
1891. As Constituições posteriores mantiveram a forma federativa de Estado, embora o
federalismo nas Constituições de 1937 e de 1967, bem como durante a vigência da Emenda n.
1/69, tenha sido apenas nominal (“federalismo de fachada”).

No Federalismo clássico, ou dual, a repartição do poder é rigidamente dividida entre a


União (Poder Central) e os Estados (Poder Regional). O federalismo brasileiro atual é
tricotômico, pois engloba a União (Poder Central), os Estados (Poder Regional), o Distrito
Federal e os Municípios (Poder local). Os territórios não são entidades federais, mas meras
autarquias territoriais integrantes da União.

Segundo José Afonso da Silva, para que haja autonomia federativa, são necessários os
seguintes elementos: 1. órgãos próprios de cada entidade (união, estados e municípios); e 2.
posse de competências exclusivas de cada entidade.

União. A União, pessoa jurídica de direito público, possui uma visão interna, relativa aos
demais estados federados, e uma visão externa, em face dos demais Estados estrangeiros.
Internamente, age a União em pé de igualdade com os outros entes da Federação, sendo
detentora de deveres e obrigações. No âmbito externo, ela representa todo o Estado Federado
na figura da República Federativa do Brasil, como se fosse ele unitário, já que o direito
internacional não reconhece a personalidade jurídica dos estados-membros e municípios,
naquele âmbito. Neste sentido, vide art. 29 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.

Estados federados. São coletividades regionais autônomas, sem soberania, porém autonomia.
Entre os Estados e a União não há hierarquia, convivendo todos num mesmo nível jurídico. A
autonomia define-se como condição “de gerir os negócios próprios dentro dos limites fixados
por poder superior”, caracterizando-se pela capacidade de autogoverno, auto-organização,
autolegislação, autoadministração e autonomias tributária, financeira e orçamentária.

Municípios. A CF/88, inovadoramente, considerou os municípios como componentes da


estrutura federativa, e o fez em dois momentos (arts. 1º e 18). Anteriormente eram
componentes dos Estados, que decidiam a sua organização. Saliente-se que José Afonso da
Silva defende que os municípios não passaram a ser entidades federativas. Apenas teriam
ganhado autonomia político-constitucional (entre outros argumentos, porque não há
intervenção federal nos municípios, tampouco Poder Judiciário p´ropiro). Paulo Branco
enumera quatro motivos para os municípios não integrarem o Estado Federal: a) não

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participam da vontade federal, visto que não têm representantes no Senado; b) não mantêm
um Poder Judiciário, como ocorre com os estados –membros e União; c) a intervenção nos
municípios situados em estado-membro está a cargo deste; d) a competência originária do STF
para resolver conflitos entre entes federativos não abrange os casos em que os municípios
estão em um dos polos da lide. Grande parte da doutrina, acompanhada da jurisprudência, no
entanto, sustenta os municípios são entes feederativos (federalismo de 3º grau). Possuem os
municípios, autonomia política, administrativa e financeira, sendo detentores das capacidades
acima delineadas para os Estados, guardadas as peculiaridades.

Distrito Federal. Antes considerado uma autarquia territorial, foi erigido pela CF/88 à condição
de pessoa política, integrante da federação. Sua autonomia está consagrada no art. 32 da CF,
que lhe confere as capacidades de auto-organização, autogoverno, autolegislação e
autoadministração, embora sofram limitações em questões essenciais, como as dos incisos XIII
e XIV do art. 21 (ex. compete a União organizar e manter o TJ/DFT, MP/DFT e DP/DFT). A
competência legislativa do DF compreende as que são atribuídas aos Estados e Municípios, o
Poder Legislativo é exercido pela Câmara Legislativa (no regime anterior o era pelo Senado
Federal), o Poder Executivo pelo Governador e o Poder Judiciário na verdade não é dele, mas
da União.

Territórios. São pessoas jurídicas de direito público interno com capacidade administrativa e de
nível constitucional, ligadas à União e tendo nela a fonte de seu regime jurídico
infraconstitucional. Não são pessoas políticas (não legislam), possuindo mera capacidade
administrativa (natureza jurídica de meras autarquias ou descentralizações administrativo-
territoriais). Não integram a federação. Compete ao Congresso Nacional disciplinar sua
atividade e organização administrativa e judicial, e é o governador escolhido pelo Presidente da
República. Conforme Novelino, “a criação de territórios, disciplinada pela LC n. 20/74 e
recepcionada parcialmente pela CF/88, poderá ocorrer em duas hipóteses. A primeira pelo
desmembramento de parte de Estado-membro já existente, no interesse da segurança
nacional. A segunda quando a União nela executar plano de desenvolvimento econômico ou
social, com recursos superiores, pelo menos, a um terço do orçamento de capital do Estado
atingido pela medida. A criação de território federal a partir do desmembramento de um
Estado necessita de aprovação da população interessada, mediante a realização de plebiscito
(CF, art. 18, §3⁰). A CF/88 transformou os territórios existentes em Estados, à exceção de
Fernando de Noronha, que foi reincorporado a Pernambuco (ADCT, artigos 14 e 15)”.

II. Concepções e características

O Estado Federal expressa um modo de ser do Estado (daí se dizer que é uma forma de
Estado) em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto
politicamente, erigida sobre uma repartição de competências entre o governo central e os
locais, consagrada na Constituição Federal, em que os Estados federados participam das
deliberações da União, sem dispor do direito de secessão. No Estado Federal, de regra, há uma
Suprema Corte, com jurisdição nacional (lembrete: STF e STJ são órgãos de superposição) e é
previsto um mecanismo de intervenção federal, como procedimento assecuratório da unidade
física e da identidade jurídica da Federação.

A soberania é atributo do Estado Federal como um todo representado pela República


Federativa do Brasil. Os Estados-membros dispõem de autonomia, que importa,
necessariamente, a descentralização administrativa e política. Eles não apenas podem, por suas
próprias autoridades, executar leis, como também lhes é reconhecido elaborá-las. Disso resulta
na percepção de que no Estado Federal clássico há uma dúplice esfera de poder normativo – a
da União e a do Estado-membro - sobre um mesmo território e sobre as pessoas que nele se
encontram. No Brasil, temos uma tríplice esfera normativa, já que os municípios também

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podem legislar sobre assuntos de interesse local (ex.: competência dos municípios para legislar,
fundamentadamente, sobre direito ambiental, conforme decidido pelo STF no ARE 748206
AgR/SC, DJ 14.03.17 – Info 857). A autonomia política dos Estados membros abrange também a
capacidade de dotar-se de uma Constituição própria (lembrete: Poder Constituinte Derivado
Decorrente), sujeita embora a certas diretrizes impostas pela Constituição Federal.

O federalismo é uma sociedade de Estados autônomos com aspectos unitários porque


é, enquanto Estado Federal, uma unidade territorial, unidade de representação e unidade
nacional. Outra característica do federalismo é a de que os Estados-membros tenham voz ativa
na formação da vontade da União – vontade que se expressa sobretudo por meio das leis. Para
esse fim, historicamente foi concebido o Senado Federal, com representação paritária, em
homenagem ao princípio da igualdade jurídica dos Estados-membros. Esses Estados participam
da formação da vontade federal, na mesma linha, quando são admitidos a apresentar emendas
à Constituição Federal. Na medida em que os Estados- membros não são soberanos, é comum
impedir que se desliguem da União, no que o Estado federal se distingue da confederação, em
que se preserva o direito a secessão. Como regra inexiste, portanto, no federalismo, o direito
de secessão. Os conflitos que venham a existir entre os Estados-membros ou entre qualquer
deles com a União, assumindo feição judiciária, são levados ao deslinde de uma corte nacional.
Falhando a solução judiciária ou não sendo o conflito de ordem jurídica meramente, o Estado
dispõe do instituto da intervenção federal, para se autopreservar da desagregação, bem como
para proteger a autoridade da Constituição Federal.

III. Classificações e sistemas de repartições de competência.

A distribuição (ou repartição) constitucional de poderes (ou de competências) é um dos


pontos mais importantes no estudo do Estado Federal. Consoante José Afonso da Silva, o
princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades federativas é o da
predominância de interesses, pelo qual cabe à União as matérias e questões de predominante
interesse geral, nacional; aos Estados- membros cabem as matérias e assuntos de
predominante interesse regional; e aos municípios concernem os assuntos de interesse local.
Só que atualmente essa distinção não é fácil de ser feita. A regra principal da federação,
consoante Celso Ribeiro Bastos, é a seguinte: nada será exercido por um poder mais amplo
quando puder ser decidido pelo poder local, pois os cidadãos moram nos municípios, e não na
União.

Dada a existência de ordens central e parcial, a repartição de competência (e de


rendas) entre essas esferas, realizada pela Constituição Federal, favorece a eficácia da ação
estatal. O modo de repartição indica que tipo de federalismo é adotado. A concentração de
competências no ente central aponta para um modelo centralizador (centrípeto); uma opção
pela distribuição mais ampla de poderes em favor dos Estados-membros configura um modelo
descentralizador (centrífugo). Havendo uma dosagem contrabalançada de competências, fala-
se em federalismo de equilíbrio.

Outra classificação dos modelos de repartição cogita das modalidades de repartição


horizontal e repartição vertical. Na primeira não se admite concorrência de competência entre
os entes federados. Esse modelo apresenta três soluções possíveis para o desafio de
distribuição de poderes entre as órbitas do Estado Federal. Uma delas efetua a enumeração
exaustiva da competência de cada esfera da Federação; outra discrimina a competência da
União deixando aos Estados- membros os poderes reservados (ou não enumerados); a última
discrimina os poderes dos Estados-membros, deixando o que restar para a União. No Brasil, a
União e os municípios possuem competências enumeradas, enquanto os Estados-membros
possuem competências residuais.

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Na repartição vertical de competências, realiza-se a distribuição da mesma matéria
entre a União, os Estados- membros e, eventualmente, os municípios. Essa técnica, no que
tange às competências legislativas, deixa para a União os temas gerais, os princípios de certos
institutos, permitindo aos Estados-membros afeiçoar a legislação às suas peculiaridades, além
de autorizar os municípios a legislar sobre assuntos de interesse local. A técnica da legislação
concorrente estabelece um verdadeiro condomínio legislativo e é adotada no art. 24 da CRFB.

Quanto aos critérios de distribuição de competência, tem-se que o Brasil adota um


sistema complexo, que busca realizar o equilíbrio federativo por meio de uma distribuição que
se fundamenta na técnica de enumeração dos poderes da União (21 e 22), com poderes
remanescentes para os Estados (25, §1º) e poderes definidos indicativamente para os
Municípios (30), mas combina com essa reserva de campos específicos (nem sempre
exclusivos, mas às vezes apenas privativos) possibilidades de delegação (22, parágrafo único),
áreas comuns em que se preveem atuações paralelas da União, Estados, DF e Municípios (23),
e setores concorrentes entre a União e Estados, em que a competência para estabelecer
políticas, diretrizes e normas gerais cabe à União, enquanto que se defere aos Estados e até os
Municípios a competência suplementar.

III. Direito comparado

No direito comparado, as formulações constitucionais em torno da repartição de


competências podem ser associadas a dois modelos básicos – o clássico, vindo da Constituição
norte-americana de 1787, e o modelo moderno, que se seguiu à Primeira Guerra Mundial. O
modelo clássico conferiu à União poderes enumerados e reservou aos Estados-membros os
poderes não especificados. Para mitigar os rigores dessa fixação taxativa, nos EUA elaborou-se
a doutrina dos “poderes implícitos”. O modelo moderno responde às contingências da
crescente complexidade da vida social, exigindo ação dirigente e unificada do Estado, em
especial para enfrentar crises sociais e guerras. Isso favoreceu uma dilatação dos poderes da
União com nova técnica de repartição de competências, em que se discriminam competências
legislativas exclusivas do poder central e também competência comum ou concorrente, mista,
a ser explorada tanto pela União como pelos Estados-membros.

Prova oral – 26º CPR: Em termos de direito comparado, nosso sistema se aproximaria mais de
que sistema jurídico internacional? Direito norte-americano, alemão? Você já ouviu a
expressão “federalismo dual”? O dual se coloca muito mais, na atualidade, em contraposição
ao cooperativo. O dual significa uma distribuição rígida de competências... Em termos de
federalismo cooperativo, o artigo 24 da Constituição, ele encerra uma modalidade exatamente
de cooperação no âmbito legislativo. Você poderia me dizer como é que funciona esse
sistema? E os municípios, tem essa competência? Você conhece o entendimento do Supremo a
respeito da possibilidade ou não de os Estados legislarem, no âmbito dessa competência
legislativa concorrente normas mais protetivas, de meio ambiente, saúde, do que as normas
gerais editadas pela União?

Prova oral – 27º CPR: Falar sobre federalismo e pluralismo.

3A. Divisão de poderes. Conceito e objetivos. História. Independência e harmonia entre


poderes. Mecanismos de freio e contrapesos.

Oswaldo Costa

I. Noções Gerais

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O tema da divisão dos poderes está relacionado com a Teoria Geral do Estado e com o
Direito Constitucional, já que cabe à Constituição estabelecer as normas estruturais de um
Estado.
Dispõe o artigo 2º da Constituição Federal que “São Poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Nesse contexto, a Constituição
detalha, com especial menção ao Título IV, a organização dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, sem prejuízo de outras regras constitucionais que tratam do tema ao longo do corpo
normativo constitucional.

É oportuno lembrar que a divisão dos poderes possui íntima relação com o
constitucionalismo moderno e com os direitos fundamentais, pois o artigo 16 da Declaração
de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 já dizia que “A sociedade em que não esteja
assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem
Constituição”.

II. Conceito

Para ser real o respeito da Constituição e dos direitos individuais por parte do Estado,
“(...) é necessário dividir o exercício do poder político entre órgãos distintos, que se controlam
mutuamente. A cada um desses órgãos damos o nome de Poder: Poder Legislativo, Poder
Executivo e o Poder Judiciário. A separação dos Poderes estatais é elemento lógico essencial
do Estado de Direito”. (SUNDFELD, p. 42, 2003).

III. Objetivos

Analisando a Constituição Portuguesa, afirma José Joaquim Gomes Canotilho que “(....)
é legítimo afirmar-se que o modelo de separação constitucionalmente consagrado visa, em
princípio, identificar o órgão de decisão ajustado, estabelecer um procedimento de decisão
justo e exigir um fundamento materialmente legítimo para as tomadas de decisão” (p. 708,
1993).

IV. História

A divisão funcional de poderes remonta a Aristóteles, em “Política”, que identificou


três funções básicas exercidas pelo poder político: assembleia-geral, corpo de magistrados e
corpo judiciário; hoje equivalentes às funções legislativa, administrativa e jurisdicional.
Respectivamente, (a) inovar a ordem jurídica por meio de normas gerais, impessoais e
abstratas; (b) atuar concreta e individualizadamente, excetuada a função jurisdicional, por
meio das funções de governo e de administração; e (c) resolver conflitos intersubjetivos
imparcial e desinteressadamente, com potencial de definitividade.

A distinção de funções, que remonta à Antiguidade, prosseguiu durante a Idade Média


e a modernidade. Aqui já com Grotius e Puffendorf, Bodin e Locke, antes de Montesquieu. No
absolutismo, a especialização funcional não correspondia a independência de órgãos
especializados. A par da experiência parlamentarista inglesa, que não correspondia
exatamente à uma separação de poderes, foi a obra de Montesquieu, de 1746, que
sistematizou a separação orgânica do poder como técnica de salvaguarda da liberdade “dos
modernos” (concepção burguesa-liberal). Todo homem que detém o poder tende a dele
abusar, e o abuso vai até onde se lhe deparam limites; e apenas o poder contém o poder.
Então, a separação orgânica do poder consiste em se atribuir cada uma das funções estatais
básicas a um órgão (corpo funcional) distinto, separado e independente dos demais. Combina-
se a especialização funcional com a independência orgânica.

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No liberalismo, a separação de funções entre os órgãos independentes deveria ser
bastante rígida, mas mesmo Montesquieu já previa que o constante movimento dos órgãos
os compele a atuar em concerto, harmônicos, e as faculdades de estatuir (p.ex., aprovar um
projeto de lei) e de impedir (veto presidencial) são prenúncios dos mecanismos de freios e
contrapesos desenvolvidos posteriormente. A rígida separação de poderes do liberalismo foi
inicialmente inserida nas constituições das ex-colônias inglesas na América, que seguiam a
Declaração de Direitos de Virginia, de 1776. Após, constituição dos EUA, art. 16 da Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão e constituições francesas seguintes,
espalhando-se pelo “ocidente”.

Benjamin Constant teorizou um quarto poder neutro, que faça com os demais o que o
poder judiciário faz com os indivíduos, que seria exercido pelo rei. A 1ª constituição do Brasil
criou o “poder moderador” do Imperador; porém, distorceu a teoria ao atribuí-lo também ao
executivo (para Constant, o poder neutro não poderia jamais coincidir com um dos demais).

5. Independência e harmonia entre poderes. Mecanismos de freios e contrapesos

Hoje, existe uma tendência de se considerar que a teoria da separação dos poderes
construiu um mito. Este mito consistiria em um modelo teórico redutível à teoria dos três
poderes rigorosamente separados: o executivo (o rei e os seus ministros), o legislativo (l.a
câmara e 2.a câmara, câmara baixa e câmara alta) e o judicial (corpo de magistrados). Cada
poder recobriria uma função própria sem qualquer interferência dos outros. Foi demonstrado
por ElSENMANN que esta teoria nunca existiu em Montesquieu, como já mencionado acima. A
interdependência é, porém, uma interdependência dinâmica necessariamente atenta aos
aspectos político-funcionais do sistema.

Consolida-se a ideia de balanceamento entre poderes, na medida em que há uma


divisão de funções do poder, de forma não exclusiva (não-incomunicável), entre órgãos
relativamente independentes entre si, que devem atuar em cooperação, harmonia e
equilíbrio.

A independência dos poderes significa que:

a) a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos não dependem da confiança
nem da vontade dos outros;
b) no exercício das atribuições que lhe sejam próprias, não precisam os titulares consultar os
outros nem necessitam de sua autorização;
c) na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições
constitucionais e legais.

Por outro lado, a harmonia entre os poderes primeiramente se verifica pelas normas
de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente
todos têm direito. Ainda, nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua
independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um
sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da
coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do
outro e especialmente dos governados (SILVA, p. 110, 2005).

A divisão de poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos:

(a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma
função; assim, às assembléias (congresso, câmaras, parlamento) se atribui a função legislativa;
ao executivo, a função executiva; ao judiciário, a função jurisdicional;

10
(b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário
que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios
de subordinação.

14A. Democracia. Conceito. História. Fundamentos. Democracia representativa e participativa.


Teorias deliberativa e agregativa da democracia. Instrumentos de democracia direta na
Constituição de 1988.

Gabriel Dalla 10/09/18

I. Democracia. Conceito. História.


A democracia é a busca da legitimação do exercício do poder pelo
consentimento dos governados, consoante D. Sarmento.

A expressão democracia vem do grego “governo do povo”, sendo um conceito


surgido no período axial da Grécia antiga (começa do século 6 A.C.). Na Grécia, ideia essencial
da democracia era de atribuição de igual capacidade para que todos os cidadãos participassem
das deliberações tomadas em praça pública (ágora). Com o advento do império romano, esta
ideia ficou esquecida e veio a ser retomada com o iluminismo por alguns filósofos, em especial
Rousseau (O Contrato Social – defendia o modelo grego), o qual não concebe a legitimidade da
sociedade política através de representação delegada, pois o termo democracia é por ele
empregado como um governo no qual todas as leis são feitas por todo o povo reunido em
assembleias gerais. Norberto Bobbio leciona que o modo de exercer a democracia foi alterado
na passagem da democracia dos antigos para a democracia moderna. Os autores (John Jay;
Alexander Hamilton e James Madison) do livro “Federalista” e os constituintes franceses
reconheciam a democracia representativa como o único governo popular possível num grande
Estado. O abade Emmanuel Joseph Siéyes estabelece a ideia de representação nacional e sua
influência balizará as fases inicial e final da Revolução Francesa e seu livro “Qu’est-cequele
Tiers État?” (O que é o terceiro estado?), para ele o princípio de toda soberania reside
essencialmente na nação.

II. Fundamentos.
A questão tocante aos fundamentos da democracia é absolutamente complexa e não
admite resposta única. Depende, em verdade, da teoria que se adote, razão pela qual apenas
se esboça uma proposta sobre o tema.

Kelsen funda a Bobbio sustenta que a democracia Para Habermas, os


democracia em dois caracteriza-se pela composição destinatários das normas
postulados racionais: pactuada de um conjunto de regras são concomitantemente
a liberdade e a fundamentais que estabelecem autores de seus direitos na
igualdade; sendo a quem está autorizado a tomar medida em que tomam
liberdade congênita decisões coletivas e com quais parte da regulamentação
de cada membro do procedimentos. Tais regras são de suas próprias condutas.
grupo social, o que se denominadas por Bobbio como Nesse foco, o princípio do
apresenta mais lógico “regras universais processuais”. discurso habermasiano
é que os homens Enquanto a liberdade é um valor deve ser interpretado
devam ser para os indivíduos compreendidos como princípio da
comandados por eles isoladamente, a igualdade é um democracia. Por meio da
próprios e formem valor para os indivíduos teoria do discurso,
por meio do processo compreendidos na relação social. Habermas afirma que o

11
democrático a Assevera que a regra da maioria direito somente tem
vontade do Estado. permite que cada cidadão possua legitimidade quando surge
Assevera que, direito de voto proporcional à sua da formação comunicativa
efetivamente, na posição no jogo democrático, o que da opinião e do
democracia o que implica, em certos casos, a assentimento dos cidadãos
vigora para a tomada desigualdade de votos quando que, em uma relação de
de decisões é o aplicada a regra da maioria para igualdade, possuem os
princípio majoritário. decisões coletivas mesmos direitos

III. Democracia representativa e participativa. Teorias deliberativa e agregativa da


democracia.
A democracia representativa é a expressão que significa genericamente que as
deliberações coletivas não são tomadas diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas
por pessoas eleitas para esta finalidade. Segundo Daniel Sarmento esta democracia está em
crise porque há uma distância enorme entre o representado e o representante. A democracia
participativa é um modelo de exercício de poder em que a população participa ativa e
diretamente na tomada das principais decisões políticas.

A teoria da democracia agregativa dá-se quando a decisão acerca de uma matéria


constitucional resulta de uma prévia concepção da solução adotada por cada qual dos
legitimados. O processo de decisão é meramente quantitativo, de maneira que são colhidas as
opiniões existentes e escolhida a “correta” em razão dos números de votos. Ou seja, na
democracia agregativa, os atores possuem uma concepção prévia, a qual é impassível de
alteração por debate, mas meramente computada para fins de decisão final. A teoria da
democracia deliberativa surge como crítica à agregativa. No processo de tomada de decisão,
as decisões pessoais são apenas pontos de partida; a decisão é verdadeiro processo de
discussão, com exposição e defesa das teses contrárias, em que os participantes pretendem e
se permitem convencer e serem convencidos. O consenso é o ideal utópico, porém a
deliberativa se satisfaz com a profunda discussão da temática e a obtenção – pelo voto, por
exemplo – de decisão quando do atingimento de um desacordo moral razoável. A concepção
democrática deliberativa está muito ligada à concepção procedimental de Jugen Habermas.

IV. Instrumentos de democracia direta na Constituição de 1988.


Plebiscito: consulta que visa à Referendo: Iniciativa popular: apresentação de
aprovação popular de consulta direta à projeto de lei por parte da população.
políticas públicas e população acerca É regulada no artigo 14, III, no 27, §
institucionais previamente e é da aprovação ou 4°, no 29, XIII e no 61, § 2°.
regulamentado no artigo 14, I, não de um Observação: malgrado seja sempre
no 18, §§ 3° e 4°, e no 49, XV, projeto legislativo pontuado que houve 4 projetos de Lei
da Constituição Federal. Em ou administrativo de iniciativa popular (8.930/94, 9.840,
1993, a população decidiu já elaborado. É 11.124 e LC 135/2010), é importante
sobre duas matérias precípuas regulado pelos frisar que, formalmente, a sua
à organização do Estado artigos 14, II e 49, tramitação não se deu
brasileiro e sua forma de XV. procedimentalmente como tal. Os
governo, optando à época referidos projetos de lei foram
pela República e o “adotados” por parlamentares,
Presidencialismo. porque a Câmara dos Deputados
sustentava a ausência de estrutura
para checar as assinaturas.

12
2. FILOSOFIA POLÍTICA
2.1 Liberalismo igualitário, comunitarismo, procedimentalismo e republicanismo. Suas
projeções no domı ́nio constitucional. (11.a)
2.2 Pluralismo jurı ́dico. As fontes normativas não estatais. (25.a)

11A. Liberalismo igualitário, comunitarismo, procedimentalismo e republicanismo. Suas


projeções no domínio constitucional.

Daniel Medeiros Santos

I) Teoria da Constituição e filosofia constitucional:

A teoria da Constituição traz um viés descritivo: descreve realidades constitucionais. A


filosofia constitucional tem pretensões prescritivas: busca justificar racionalmente o modelo
mais adequado de Constituição, isto é, não se volta precipuamente ao exame dos papéis
desempenhados pelas constituições, mas busca propor os modelos considerados mais justos
para a organização do Estado e da sociedade.

Todavia, não há como separá-las de forma estanque: propostas de teoria da


Constituição também podem possuir viés prescritivo, e filosofias constitucionais podem ser
efetivamente praticadas em determinados contextos. Para Sarmento, deve haver combinação
entre descrição e prescrição, o que envolve a ideia de “reconstrução”: se reflete sobre os
elementos constitucionais existentes, para aproximar o sistema constitucional do ideário do
constitucionalismo democrático e igualitário.

II) Liberalismo igualitário (John Rawls):

Podemos falar em liberalismo na esfera política, atinente às liberdades existenciais, e


em liberalismo na esfera econômica, atinente à rejeição da intervenção estatal no mercado e
defesa da livre-iniciativa. O liberalismo sob o viés político pode estar ou não atrelado ao
econômico.

No liberalismo igualitário (Rawls e Dworkin), propugna-se a defesa das liberdades


públicas, mas, ao mesmo tempo, são endossadas enérgicas intervenções no campo
econômico, voltadas à promoção da igualdade substancial. São justificadas, portanto, medidas
redistributivas, favorecendo os mais pobres.

Rawls (em “Uma Teoria da Justiça”) propõe dois princípios: i) o das liberdades públicas;
e ii) o da igualdade substancial. O primeiro teria prioridade sobre o segundo, mas nele não
estão inseridas as liberdades econômicas, o que possibilita a adoção de medidas
redistributivas. Para o autor, o primeiro princípio de justiça deveria ser inserido na
Constituição, ao passo que o segundo deveria ser realizado no plano legislativo.

Na visão do liberalismo igualitário, os juízes podem e devem atuar na defesa de


princípios substantivos, de forte conteúdo moral, limitando a deliberação das maiorias sociais.
Mas a atuação dos juízes deve se limitar ao campo dos direitos individuais, não podendo
decidir sobre a conveniência de políticas públicas.

→ Uma possível projeção do liberalismo igualitário nas discussões constitucionais


brasileiras é a da desconstrução da ideia da supremacia do interesse público sobre interesses
particulares, por ser esta uma visão utilitarista.

13
Outra projeção é a que discute a extensão e intensidade da exigência de separação
entre Estado e religião, à luz da laicidade (Sarmento). A visão liberal igualitária enfatiza a
exigência de absoluta neutralidade estatal no campo religioso, em nome da garantia do igual
respeito às pessoas de todas as crenças, ateus e agnósticos, enquanto visões mais
comunitaristas, ao valorizarem as tradições na interpretação constitucional, podem ser mais
lenientes em relação às medidas dos poderes públicos que favoreçam religiões hegemônicas
ou majoritárias, notadamente o catolicismo.

III Comunitarismo:

Os “comunitaristas” opõem críticas ao liberalismo, que veria no indivíduo um ser


desenraizado (unencumbered self), desprezando o fato de que as pessoas nascem em
comunidades com cosmovisões compartilhadas, o que forja as suas identidades. Essas
cosmovisões não estão à disposição das pessoas – a ênfase no indivíduo, dada pelo
liberalismo, é substituída no comunitarismo pela valorização da comunidade.

O Estado deve abandonar a postura de neutralidade e reforçar esses aspectos


socioculturais existentes na comunidade. São aceitas restrições às liberdades individuais em
prol de valores socialmente compartilhados.

Vale ressaltar que o comunitarismo não rejeita o pluralismo: há, aqui, somente uma
mudança de perspectiva, pois enquanto o liberalismo valoriza o pluralismo a partir das
várias visões individuais, o comunitarismo o faz a partir das várias concepções culturais de
cada comunidade.

O comunitarismo pode favorecer posições conservadoras, pela ênfase dada às


tradições e valores compartilhados, mas não se pode alcunhá-lo terminantemente de
conservador – há pensadores comunitaristas também no campo progressista, que propõem
uma sociedade mais inclusiva, à luz do multiculturalismo e do direito ao reconhecimento
(Charles Taylor). Um grande exemplo de situação em que o comunitarismo justifica a
preservação de práticas culturais adotadas por grupos minoritários ocorreu em Quebec,
Canadá, através de legislação que proibiu famílias francófonas de colocarem os seus filhos
em escolas de língua inglesa.

No Brasil, para proteger o frevo, houve proibição do Axé Music no carnaval de


Olinda. Sob a ótica liberal, essa medida seria inconstitucional; sob a ótica comunitarista,
estaria justificada, para proteger manifestações culturais particulares.

→ Para Sarmento, por mais que a CRFB/88 possua aberturas para o comunitarismo
(i.e., proteção da cultura e consagração dos direitos transindividuais), a ênfase dada à
proteção das liberdades públicas não autoriza que se diga ter ela aderido à filosofia
comunitarista.

IV) Procedimentalismo:

A distinção entre procedimentalismo e substancialismo repercute em dois grandes


contextos: o papel da Constituição na sociedade e o espaço adequado da jurisdição
constitucional.

No 1º caso, os procedimentalistas entendem que o papel da Constituição é o de


definir as regras do jogo democrático, o que inclui a defesa de direitos indispensáveis para o
funcionamento da democracia (liberdade de expressão, i.e.). Decisões substantivas, que
incluam forte carga moral, não devem estar incluídas nas Constituições. Já os substancialistas

14
sustentam a legitimidade dessas decisões substantivas enfeixadas nas Constituições, em
especial quanto aos direitos fundamentais.

No 2º caso, os procedimentalistas defendem um papel autocontido da jurisdição


constitucional, salvo quando estiver em jogo a defesa dos pressupostos da democracia
(Habermas). Já os substancialistas entendem que a jurisdição constitucional pode adotar um
papel mais ativo mesmo em matérias que envolvam forte carga substancial (i.e., aborto, como
ocorreu nos casos “Roe v. Wade” – EUA – e “R v. Morgentaler” – Canadá).

Para Habermas, a legitimidade do Direito não se funda em concepções materiais, mas


no processo democrático de produção normativa, que deve ocorrer em condições equânimes
de deliberação pública (democracia deliberativa). Critica a visão da Constituição como uma
ordem de valores, adotada pelo BVerfge.

Uma das grandes premissas do pensamento habermasiano é a de que a legitimidade


do Direito, nas sociedades plurais contemporâneas, não tem como se fundar em nenhuma
concepção material. Para Habermas, o contexto do pluralismo faz com que a fonte de toda a
legitimidade só possa repousar no processo democrático de produção normativa, o qual deve
garantir condições equânimes de inclusão na deliberação pública para todos os cidadãos. O
Direito legítimo é aquele em que os cidadãos sejam não apenas os destinatários das normas
jurídicas, mas possam enxergar-se também como os seus coautores.

Sarmento opõe objeções ao procedimentalismo: i) ele não se mostra suficiente para


assegurar direitos igualmente importantes, como, i.e., a privacidade e o direito à saúde; ii)
havendo várias concepções diferentes de democracia, a escolha de uma e não de outra traria,
em si, carga substancialista; e iii) a CRFB/88, goste-se ou não, é substancialista.

V) Republicanismo:

No republicanismo, o cidadão não tem apenas direitos, mas também deveres em


relação à comunidade política. Dá-se ênfase às virtudes republicanas, com estímulo à
participação ativa do cidadão na vida da comunidade. Há certa aproximação do
republicanismo com o comunitarismo, à medida que em ambos há a crítica à visão atomizada
própria ao liberalismo. Se distinguem, contudo, no fato de que o foco do comunitarismo é o
respeito às tradições e valores da comunidade, ao passo que o do republicanismo é a
participação do cidadão na coisa pública.

O republicanismo contemporâneo dá grande ênfase à igualdade. Perante à res


publica, todos devem ser tratados com igual respeito. Entende-se que o surgimento de uma
vontade geral na sociedade depende de certo nível de igualdade econômica. Por essa razão, os
republicanos de hoje costumam defender os direitos sociais e o Estado do Bem-Estar Social.
Ademais, sob este viés a liberdade não é mais vista como ausência de constrangimento à ação,
mas como não-dominação, que protege o indivíduo contra arbitrariedades (leis não são
essencialmente impedimentos à liberdade, antes a constituem).

No Brasil, o republicanismo tem sido associado, i.e., à defesa da moralidade na vida


pública, ao combate à confusão entre o público e o privado e à luta contra a impunidade dos
poderosos. A CRFB/88 traz vários elementos que convergem com o ideário republicano: i) voto
não só como direito, mas como dever cívico; ii) participação direta através de plebiscito,
referendo e iniciativa popular; iii) direito de petição e ação popular.

Para Sarmento, certas vertentes do republicanismo podem assumir um viés


autoritário, quando impõem virtudes cívicas. Em seu nome, não deve haver a asfixia do direito

15
de cada pessoa de eleger os seus próprios planos de vida e de viver de acordo com eles, desde
que não ofenda direitos alheios.

25A. Pluralismo jurídico. As fontes normativas não estatais.

Valdir Monteiro Oliveira Júnior


Fonte: Graal 28º CPR. O Direito sob o Marco da Plurietnicidade / Multiculturalidade, Deborah Duprat.
O Estado Pluriétnico, Deborah Duprat. Interculturalidad Crítica y Pluralismo Jurídico, Catherine Walsh.
Legislação: art. 8º e 9º, Convenção 169 da OIT; art. 215, 216 e 231, CRFB 88.

I. Conceito de pluralismo jurídico

Plurarismo jurídico é o reconhecimento de outros lugares de produção jurídica além


do direito estatal. Portanto, com o pluralismo jurídico supera-se o monismo legal, o qual reduz
o direito ao direito estatal, totalizando as ideias-concepções de direito e justiça (Catherine
Walsh). Em outras palavras, pluralismo jurídico é o reconhecimento de fontes normativas não
estatais, compondo várias esferas de direito, por exemplo, justiça indígena, afro-descendente,
etc; são as diversas visões de justiça em um mesmo território, a partir das novas configurações
constitucionais e da internalização dos tratados internacionais de direitos humanos.

A interculturalidade funcional se limita a incluir determinadas demandas dos grupos


historicamente discriminados na sociedade; já a interculturalidade crítica é a construção de
relações entre grupos com o objetivo de transformar as relações de poder. Ambas são
prescritivas, o que as diferencia do pluralismo jurídico, que é descritivo (Catherine Walsh, em
Seminário de 2010 da ESMPU, com Deborah Duprat presidindo a sessão).

II. Evolução histórica do pluralismo jurídico

Com o Iluminismo e Kant destaca-se a filosofia da razão, que busca subsumir o real a
certas categorias e, portanto, persegue a unidade, as grandes sínteses homogeneizadoras.
Esse racionalismo idealista fundamenta a noção de Estado-nação nos termos definidos pela
Revolução Francesa: uma identidade cultural e integradora, em determinado espaço e em
comunidade linguística (“O que é o Terceiro Estado?”; Sieyès). Neste contexto, o direito era
uma ferramenta para que a identidade do povo parecesse natural e originária.

Nietszche e Heidegger começam a questionar esse racionalismo idealista, pois ele


esquematizava o conhecimento, buscando a totalização, o que invisibilizava as diferenças.
Hobsbawm, nesta mesma linha, desconstrói a ideia de nação como entidade social originária,
afirmando que o nacionalismo na verdade era uma invenção, e muitas vezes obliterava
culturas preexistentes.

Essa crítica chegou ao Direito: várias classificações binárias como homem/mulher,


adulto/criança, branco/outras etnias, proprietário/despossuído na verdade representavam
juízo de valor e não meras classificações neutras. A incapacidade relativa da mulher ou a tutela
dos índios eram exemplos dessa valoração.

Assim, o sujeito de direito abstrato e universal era uma falácia na busca pela
totalização. O plano jurídico era pautado, na realidade, pelo sujeito de direito branco,
masculino, adulto, proprietário, etc. Os vários movimentos reivindicatórios, como o
feminismo, começaram a expor e a alterar essa face hegemônica do Direito, que acabou sendo
superada pela ideia de que toda elaboração e aplicação jurídica devem levar em conta que o
Estado é pluriétnico e multicultural.

III. Fundamentos do pluralismo jurídico no Brasil

16
A Constituição Federal de 1988 representa grande clivagem em relação ao paradigma
anterior, pois protege expressamente os diversos modos de criar, fazer e viver dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira (art. 216, caput e inc. II, CF). Essa proteção abrange,
inclusive, a posse/propriedade da terra tradicionalmente ocupada (art. 231, índios, art. 68
ADCT, quilombolas, CF).

Deborah Duprat destaca a identidade entre essa nova conformação constitucional e a


teoria de Wittgenstein1, defensor da ideia de que o significado de uma palavra decorre do uso
de que dela se faz e os jogos de linguagem e as formas de vida são extremamente variados.
Daí por que a linguagem é convencional e diferente nas distintas culturas. Ou seja, o
pluralismo reconhecido na Constituição também o é na teoria de Wittgenstein, ao tratar da
linguagem. A conclusão é que a compreensão de mundo depende da linguagem de cada
grupo.

Nesse contexto, é possível fundamentar o pluralismo jurídico (i.e. o reconhecimento


de fontes normativas não estatais) nos seguintes dispositivos da Constituição:

a) o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e


das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (art. 215, §1º, CF),
estabelecendo Plano Nacional de Cultura que valorize a diversidade étnica e regional ( art. 215,
§3º, V, CF). Tal proteção e valorização, necessariamente, abrange o reconhecimento da
normatividade própria de tais grupos.
b) são reconhecidos aos índios sua organização social e costumes (art. 231, caput, CF)

O pluralismo jurídico também tem fundamento na Convenção 169 da OIT:

a) na área cível, ao se aplicar a legislação nacional deverão ser levados em consideração os


costumes dos índios e povos tribais, desde que compatíveis com direitos fundamentais e
direitos humanos (art. 8º, 1 e 2, OIT 169). Isso, no entanto, não deve impedir que os membros
desses povos exerçam direitos e assumam obrigações reconhecidos para todos os cidadãos
(art. 8º, 3, OIT 169).
b) na área penal, deverão ser respeitados os métodos de que os índios e povos tribais se
valem para reprimir os delitos praticados por seus membros, desde que compatíveis com o
sistema jurídico nacional e os direitos humanos (art. 9º, 1, OIT 169). Quando a reprimenda não
for aplicada nestes termos, ainda assim os tribunais deverão levar em conta os costumes
desses povos ao se pronunciarem sobre questões penais que os envolvam (art. 9º, II, OIT 169).

IV. Efeitos práticos do pluralismo jurídico

Por conta do reconhecimento do pluralismo jurídico podem-se vislumbrar ao menos


três consequências práticas:

a) Quanto à concretização de direitos: toda a legislação, e não apenas as especificamente


destinadas a comunidades tradicionais, deve ser mobilizada para assegurar o exercício efetivo
de direitos étnicos e culturais;
b) Quanto à hermenêutica: a aplicação do direito nacional requer leitura que leve em conta as
diferenças entre os diversos grupos formadores do Estado. O operador do direito somente
conseguirá decidir adequadamente se compreender previamente o sentido da norma revelado
pela própria comunidade tradicional, que decorre do contexto de seu uso por esses agentes. A

1
Esta observação pode parecer um pouco fora de contexto, mas como se trata de autor de predileção da examinadora, citada por
ela em diversas palestras, achei interessante incluir esse trecho.

17
atuação do Estado deve ser antecedida por uma “tradução”, feita pela mediação
antropológica, que torne o outro “inteligível”.
c) Quanto à solução de controvérsias: devem ser utilizadas as formas de resolução de
conflitos tradicionais dos grupos minoritários, assim como seu ordenamento jurídico, sempre
que possível

Exemplos:

a) em ações possessórias contra índios deve ser levada em conta a diferença na definição de
“posse” entre as partes contrapostas; há comunidades que creem que a mera permanência no
território seria “posse”, motivo pelo qual mesmo desalojados procuram permanecer na área,
inclusive trabalhando nas roças do homem branco.
b) os yanomami acreditam que a “vida” se inicia apenas depois que a mãe, sozinha na floresta,
pega em seus braços a criança recém-nascida. Desta forma, não seria infanticídio se essa mãe
a abandonasse na floresta e não retornasse com ela à aldeia.
c) já houve Tribunal do Júri que não aplicou pena a indígena que matara outro indígena, pelo
fato de que ele já fora julgado e condenado segundo os costumes da comunidade.
d) os índios Kaingang punem certas condutas com a pena de transferência (espécie de
banimento), que incide não apenas no indivíduo, mas também na sua família. Tal medida deve
ser respeitada, na medida em que for compatível com o sistema jurídico nacional e com os
direitos humanos (Questão 93 de Direito Penal do 26º CPR, elaborada por Ela Wiecko).

3. CONSTITUCIONALISMO
3.1 Constitucionalismo: trajetória histórica. (1.a)
3.2 Constitucionalismo liberal e social. Constitucionalismo Britânico, francês e norte-
americano. (1.a)
3.3 A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituições de 1824, 1891, 1937, 1946,
1967, 1969. A ditadura militar e os atos institucionais. A assembléia constituinte de 1987/1988.
(14.c)
3.4 Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito e judicialização da polı ́tica. (24.a)

1A. Constitucionalismo: trajetória histórica. Constitucionalismo liberal e social.


Constitucionalismo britânico, francês e norte-americano.

Renan Lima

CONCEITO: De acordo com SARMENTO, o constitucionalismo “é o movimento político que


propugna pelo estabelecimento de uma Constituição que limite e organize o exercício do
poder político”. Na mesma linha, CANOTILHO sustenta que o constitucionalismo “é a teoria
(ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos
em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade”. Esse conceito
de constitucionalismo transporta, na visão de CANOTILHO, um claro juízo de valor, pois é, no
fundo, “uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do
liberalismo”. Assim, conclui CANOTILHO que o constitucionalismo moderno representa “uma
técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos”.

CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS: i) limitação do poder estatal (sobretudo pela ideia de


separação dos poderes); e ii) instituição de direitos e garantias fundamentais. Neste sentido,
eis o art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “A
sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação
dos poderes não tem Constituição”. Para Charles Howard McIlwain, a característica mais
autêntica do constitucionalismo é “a limitação do governo pelo direito”.

18
TRAJETÓRIA HISTÓRICA: Embora o surgimento das Constituições seja considerado um
fenômeno relativamente recente, pois as primeiras manifestações formais têm origem no final
do século XVIII com as “Revoluções Liberais”, não se pode afirmar que a ideia de um conjunto
de normas que discipline a atuação do Estado seja exclusiva da modernidade. De fato, tal
como afirmou Ferdinand Lassale, todo ente estatal possuiu ao longo de sua trajetória uma
Constituição real e verdadeira, sendo que o privilégio atribuído aos períodos mais recentes é o
do nascimento de Constituições escritas em folhas de papel.
A propósito, deve-se destacar que na antiguidade já existiam leis que organizavam, ainda que
de maneira incipiente, o próprio poder. Tais leis foram evoluindo e formaram a base para o
desenvolvimento do constitucionalismo.
Segundo BARROSO, o termo constitucionalismo data de pouco mais de 200 anos, sendo
associado aos processos revolucionários norte-americano e francês, em oposição ao
Absolutismo. Todavia, as ideias centrais do constitucionalismo remontam à antiguidade
clássica, no ambiente da polis grega, por volta do século V a.C.
Para SARMENTO: “A ideia de Constituição, tal como a conhecemos hoje, é produto da
Modernidade, sendo tributária do Iluminismo e das revoluções burguesas dos séculos XVII e
XVIII, ocorridas na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França. Ela está profundamente
associada ao constitucionalismo moderno, que preconiza a limitação jurídica do poder
político, em favor dos direitos dos governados”.
SARMENTO divide, didaticamente, a evolução história do constitucionalismo da seguinte
forma: 1) Constitucionalismo antigo e medieval; 2) Constitucionalismo Moderno; 3)
Constitucionalismo pós-moderno. Por sua vez, o Constitucionalismo Moderno foi construído
sob três versões (inglesa; francesa; norte-americana). Ademais, no Constitucionalismo
Moderno, além do estudo das 3 versões, destacam-se 2 fases (fase do Estado liberal-burguês
e fase do Estado Social). Na contextualização temporal, é preciso ter em mente que as três
versões acima mencionadas (inglesa; francesa e norte-americana) instauraram-se no seio do
Estado Liberal-burguês e desenvolveram-se com a transição para a fase do Estado Social, de
modo que é possível distinguir duas fases: constitucionalismo moderno do Estado Liberal-
burguês e constitucionalismo moderno do Estado Social. Por fim, um novo modelo de
constitucionalismo tem despontado: o constitucionalismo pós-moderno. Vejamos cada um
deles:
1) CONSTITUCIONALISMO ANTIGO OU MEDIEVAL: remonta ao período da antiguidade clássica
até final do século XVIII, quando surgem as primeiras constituições escritas, com
predominância do jusnaturalismo. As experiências mais importantes na antiguidade são: a)
Hebreus: era Teocrático, influenciado pela religião, os dogmas religiosos atuavam como limites
ao poder do soberano. b) Grécia: vivenciou a democracia direta, com o início da racionalização
do poder. Havia um regime político que se preocupava com a limitação do poder das
autoridades e com a contenção do arbítrio. Contudo, esta limitação visava antes a busca do
bem comum do que a garantia de liberdades individuais. A liberdade, no pensamento grego,
cingia-se ao direito de tomar parte nas deliberações públicas da cidade-Estado, não
envolvendo qualquer pretensão a não interferência estatal na esfera pessoal. Não se cogitava
na proteção de direitos individuais contra os governantes, pois se partia da premissa de que as
pessoas deveriam servir à comunidade política, não lhe podendo antepor direitos de qualquer
natureza. Tal concepção se fundava numa visão organicista da comunidade política: o cidadão
não era considerado em sua dignidade individual, mas apenas como parte integrante do corpo
social. O cidadão virtuoso era o que melhor se adequava aos padrões sociais, não o que se
distinguia como indivíduo. A liberdade individual não era objeto da especial valoração inerente
ao constitucionalismo moderno. c) Roma: Para Ihering, “Nenhum outro Estado foi capaz de
conceber a ideia de liberdade de uma forma tão digna e justa quanto o direito romano”. Em
Roma já despontava a valorização da esfera individual e da propriedade, concomitante à
sofisticação do direito privado romano e ao reconhecimento de direitos civis ao cidadão de
Roma (direito ao casamento, à celebração de negócios jurídicos, à elaboração de testamento e
à postulação em juízo). Ademais, algumas instituições do período republicano romano já

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prenunciavam a concepção moderna de separação dos poderes, notadamente a sua repartição
por instituições como o Consulado, o Senado e a Assembleia, representativas de estamentos
diferentes da sociedade, de forma a propiciar o equilíbrio entre eles. Apesar disso, não se
cogitava de um constitucionalismo em sentido moderno (como fórmula de limitação do poder
político em favor da liberdade dos governados); d) Idade Média, iniciada com a queda do
Império Romano, correspondeu a um período caracterizado pelo amplo pluralismo político.
Não havia qualquer instituição que detivesse o monopólio do uso legítimo da força, da
produção de normas ou da prestação jurisdicional. O poder político fragmentara-se por
múltiplas instituições, como a Igreja, os reis, os senhores feudais, as cidades, as corporações de
ofício e o Imperador.
É importante destacar que, durante a idade média, foram celebrados alguns pactos
instituidores de direitos e limitadores do poder, que influenciaram decisivamente o posterior
surgimento do constitucionalismo moderno. Os exemplos mais citados são: Magna Charta
Libertatum (1215) e o Petition of Rights (1628). Além destes, também são citados: o Habeas
Corpus Act (1679), o Bill of Rights (1689) e o Act of Settlement (1701).

2) CONSTITUCIONALISMO MODERNO:  surgiu no final do século XVIII, como forma de


superação do Estado Absolutista, sustentando a limitação jurídica do poder do Estado em
favor da liberdade individual. Características históricas foram essenciais para o surgimento do
constitucionalismo moderno, como a ascensão da burguesia como classe hegemônica; o fim da
unidade religiosa na Europa, com a Reforma Protestante; e a cristalização de concepções de
mundo racionalistas e antropocêntricas, legadas pelo Iluminismo. Sob as vozes do Iluminismo,
a sociedade deixa o caráter organicista e passa a centrar-se na figura do indivíduo, concebido
como um ser racional, titular de direitos, cuja dignidade independia do lugar que ocupasse no
corpo coletivo. Evolui-se para o reconhecimento de direitos universais, pertencentes a todos.
A sociedade não mais era concebida como um organismo social, formado por órgãos que
exerciam funções determinadas (clero, nobres, vassalos). Ela passa a ser concebida como um
conjunto de indivíduos, uma sociedade “atomizada” formada por unidades iguais entre si. Em
harmonia com essa visão, desenvolveram-se as teorias de contrato social, que passaram a
justificar a existência do Estado em nome dos interesses dos indivíduos. John Locke sustentava
a ideia de que, ao celebrar o contrato social, as pessoas alienam para o Estado apenas uma
parcela da liberdade irrestrita de que desfrutavam no Estado da Natureza, preservando
determinados direitos naturais, que todos os governantes devem ser obrigados a
respeitar. Esse jusnaturalismo difere daquele que predominara na Antiguidade e na Idade
Média por não se basear na vontade divina, nem em imposições extraídas da natureza, mas
em princípios acessíveis à razão humana, e por conferir primazia aos direitos individuais. O
constitucionalismo moderno assenta-se em 3 pilares: a contenção do poder dos
governantes, por meio da separação de poderes; a garantia de direitos individuais,
concebidos como direitos negativos oponíveis ao Estado; e a necessidade de legitimação do
governo pelo consentimento dos governados, pela via da democracia representativa. O
constitucionalismo moderno conheceu três versões mais influentes: a inglesa, a francesa e a
norte-americana.

2.1. O modelo inglês de constitucionalismo: Como na Inglaterra não chegou a haver


propriamente absolutismo, a história do constitucionalismo adquire um perfil próprio. Desde o
final da Idade Média, o poder real encontrava-se limitado por determinados costumes e pactos
estamentais, como a Magna Carta de 1215, mas o constitucionalismo inglês só tem início a
partir da Revolução Gloriosa de 1668, quando foi deposta a dinastia Stuart e foi assentado o
princípio da supremacia política do Parlamento inglês, em um regime pautado pelo respeito
aos direitos individuais. No curso do século XVII, foram editados três documentos
constitucionais de grande importância: a Petition of Rights, de 1628; o Habeas Corpus Act, de
1679; e o Bill of Rights, de 1689, que garantiam importantes liberdades para os súditos
ingleses, impondo limites à Coroa e transferindo poder ao Parlamento. A ideia central do

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constitucionalismo inglês é a de respeito às tradições constitucionais, não havendo um texto
constitucional único que os consolide e organize. Inexiste, portanto, uma Constituição escrita
na Grã-Bretanha. Ademais, entende-se que as normas constitucionais não decorrem apenas
dos referidos textos esparsos, mas também de convenções constitucionais e de princípios da
common law, desenvolvidos pelos tribunais. 
A ideia do exercício do poder constituinte, por meio de ruptura com o passado, com a
refundação do Estado e da ordem jurídica, é estranha ao modelo constitucional inglês, que se
assenta no respeito às tradições imemoriais. Nesse sentido, o constitucionalismo britânico é
historicista, já que baseia a Constituição e os direitos fundamentais nas tradições do povo
inglês. Em outras palavras, a evolução do constitucionalismo inglês é gradual e histórica, não
abrupta ou revolucionária. Desenvolveu-se na Inglaterra o princípio constitucional de
soberania do Parlamento, segundo o qual o Poder Legislativo pode editar norma com
qualquer conteúdo. Não há a possibilidade de invalidação das suas decisões por outro
órgão. Contudo, há na Inglaterra contemporânea uma tendência à alteração deste modelo de
soberania irrestrita do Parlamento, pelo menos em matéria de direitos fundamentais. A mais
importante expressão desta inflexão foi a aprovação, em 1998, do Humans Rights Act, que
possibilitou ao Judiciário britânico a declaração de incompatibilidade de leis editadas pelo
Legislativo com os direitos previstos naquele estatuto. Tal declaração não acarreta a
invalidação da lei, mas cria um relevante fato político, gerando forte pressão para a revogação
da norma violadora de direitos humanos.

2.2. O modelo francês de constitucionalismo: Tem como marco inicial a Revolução Francesa,
iniciada em 1789, sendo a constituição escrita consagrada em 1791. Sob a perspectiva da
teoria constitucional, a vontade de ruptura com o passado se expressou na teoria do poder
constituinte, elaborada originariamente pelo Abade Emanuel Joseph Sieyès, em sua célebre
obra Qu’est-ce que le Tier État?. Por essa teoria, o poder constituinte exprimiria a soberania
da Nação, estando completamente desvencilhado de quaisquer limites impostos pelas
instituições e pelo ordenamento do passado. Ele fundaria nova ordem jurídica, criando novos
órgãos e poderes — os poderes constituídos — que a ele estariam vinculados. OBS.: destaca-
se que o fundamento utilizado foi a “soberania da Nação”, que difere da “soberania do povo”.
Para Sieyés, a detentora do poder era a nação, e não o conjunto dos nacionais. Sendo a Nação
a detentora do poder e sendo essa uma concepção etérea/ideal, a resposta para a aparente
incoerência entre a “igualdade” defendida e a exclusão dos iguais pelo voto censitário e
masculino era justificada pelo argumento de que só podem exercer direitos políticos, na
perspectiva liberal, aqueles que compõem o melhor da Nação (homens mais instruídos, de
melhor condição social, reuniriam as condições que lhes permitiriam expressar, por meio do
seu voto, a vontade da Nação).
A Constituição deveria corresponder a uma “lei” escrita, não se confundindo com um
repositório de tradições imemoriais, ao contrário da fórmula inglesa. Ela pode romper com o
passado e dirigir o futuro da Nação, inspirando-se em valores universais centrados no
indivíduo. O protagonista do processo constitucional no modelo constitucional francês é o
Poder Legislativo, que teoricamente encarna a soberania e é visto como um garantidor mais
confiável dos direitos do que o Poder Judiciário. Isto levou, na prática, a que a Constituição
acabasse desempenhando o papel de proclamação política, que deveria inspirar a atuação
legislativa, mas não de autêntica norma jurídica, que pudesse ser invocada pelos litigantes nos
tribunais. Tal pensamento vem sendo superado. Foi aprovada em 2008 (regulamentada em
2010), na França, a chamada “Questão Prioritária de Constitucionalidade”, permitindo que as
partes aleguem incidentalmente a inconstitucionalidade de lei, por ofensa a direitos e
liberdades fundamentais garantidos pela Constituição francesa, no âmbito de processos
judiciais e administrativos. A questão deve ser encaminhada à Corte de Cassação ou ao
Conselho de Estado que, por sua vez, podem provocar o Conselho Constitucional.

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2.3. O modelo constitucional norte-americano: O fato de a colonização dos Estados Unidos ter
sido realizada em boa parte por imigrantes que escapavam da perseguição religiosa na Europa
contribuiu decisivamente para que se enraizassem na cultura política norte-americana ideias
como a necessidade de limitação do poder dos governantes e de proteção das minorias diante
do arbítrio das maiorias. A Constituição dos Estados Unidos foi aprovada pela Convenção da
Filadélfia, em 1787, e depois ratificada pelo povo dos estados norte-americanos, vigorando
desde então. Inovou ao instituir o presidencialismo e o sistema de freios e contrapesos,
associado à separação de poderes. A plasticidade das cláusulas constitucionais mais
importantes abriu a possibilidade de atualização daquela Constituição pela via interpretativa,
para adaptá-la às novas demandas e valores que emergiam. O modelo constitucional dos
Estados Unidos representa a tentativa de conciliação entre dois vetores. De um lado, o vetor
democrático, de autogoverno do povo, captado pelas palavras que abrem o preâmbulo da
Carta americana (We, the People of the United States...). Do outro, o vetor liberal, preocupado
com a contenção do poder das maiorias para defesa de direitos das minorias. Uma ideia
essencial do constitucionalismo estadunidense, derivada da sua matriz liberal, é a concepção
de que a Constituição é norma jurídica que, como tal, pode e deve ser invocada pelo Poder
Judiciário na resolução de conflitos, mesmo quando isto implique em restrição ao poder das
maiorias no Legislativo ou no Executivo. Desenvolveu-se no direito norte-americano a noção
de que os juízes, ao decidirem conflitos, podem reconhecer a invalidade de leis que contrariem
a Constituição, deixando de aplicá-las ao caso concreto. Esta posição, sustentada por Hamilton
no Federalista nº 78, foi formulada na jurisprudência da Suprema Corte pelo Juiz John
Marshall, no célebre julgamento do caso Marbury v. Madison, em 1803. Em suma, no modelo
constitucional dos Estados Unidos, a supremacia da Constituição não é apenas uma
proclamação política, como na tradição constitucional francesa, mas um princípio jurídico
judicialmente tutelado. O modelo não é livre de críticas. O controle judicial de
constitucionalidade das leis (judicial review) sofre até hoje contestações nos Estados Unidos,
sendo frequentemente apontado como um instituto antidemocrático, por transferir aos juízes,
que não são eleitos, o poder de derrubar decisões tomadas pelos representantes do povo, com
base nas suas interpretações pessoais sobre cláusulas constitucionais muitas vezes vagas, que
se sujeitam a diversas leituras. Contudo, a jurisdição constitucional não apenas criou profundas
raízes no Direito Constitucional daquele país, como também acabou se disseminando por todo
o mundo, sobretudo a partir da segunda metade do século XX.

Fases do Constitucionalismo Moderno:


2.1) Constitucionalismo liberal-burguês: baseou-se na ideia de que a proteção dos direitos
fundamentais dependia, basicamente, da limitação dos poderes do Estado. Naquele modelo,
os direitos fundamentais eram concebidos como direitos negativos, que impunham apenas
abstenções aos poderes políticos. O Estado era visto como o principal adversário dos direitos,
o que justificava a sua estrita limitação, em prol da liberdade individual. Tal limitação era
perseguida também por meio da técnica da separação dos poderes, que visava a evitar o
arbítrio e favorecer a moderação na ação estatal. Na Economia Política era defendido o Estado
mínimo, que confiava na “mão invisível do mercado” para promover o bem comum. O Estado
deveria limitar-se a velar pela segurança das pessoas e proteger a propriedade, não lhe
competindo intervir nas relações travadas no âmbito social, nas quais se supunha que
indivíduos formalmente iguais perseguiriam os seus interesses privados, celebrando negócios
jurídicos. Ele combateu os privilégios estamentais do Antigo Regime e a concepção organicista
de sociedade. Porém, ignorava a opressão que se manifestava no âmbito das relações sociais e
econômicas, existindo uma nítida contradição entre o discurso e a prática do
constitucionalismo liberal-burguês no que tange à igualdade. A ideia de liberdade alentada
pelo constitucionalismo liberal-burguês era muito mais identificada à autonomia privada do
indivíduo, compreendida como ação livre de interferências estatais, do que à autonomia
pública do cidadão, associada à soberania popular e à democracia. Além disso, a liberdade era
concebida em termos estritamente formais, como ausência de constrangimentos externos,

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impostos pelo Estado à ação dos indivíduos. Ademais, o foco centrava-se mais sobre as
liberdades econômicas do que sobre as liberdades existenciais.

2.2) Constitucionalismo Social: No final do século XIX e início do século XX, a extrema
exploração da classe trabalhadora tornou-se insustentável. Na Europa Ocidental, a
industrialização acentuara dramaticamente o quadro de exploração humana, que o Estado
absenteísta não tinha como equacionar. A pressão social dos trabalhadores e de outros grupos
excluídos, aliada ao temor da burguesia diante dos riscos e ameaças de rupturas
revolucionárias inspiradas no ideário da esquerda, levaram a uma progressiva mudança nos
papéis do Estado, que ensejou a cristalização de um novo modelo de constitucionalismo. Fica
evidente que a suavização do capitalismo foi uma clara posição estratégica para evitar uma
revolução da classe operária. Sobre o contexto, Lênin afirmou que preferia o capitalismo
selvagem ao estado do bem estar social, pois este tirava a energia necessária para a eclosão de
uma revolução. No plano das ideias, despontavam o pensamento marxismo, o socialismo
utópico e a doutrina social da Igreja Católica. A progressiva extensão do direito de voto a
parcelas da população até então excluídas do sufrágio também contribuiu para a mudança de
cenário. A democratização política, ao romper a hegemonia absoluta da burguesia no
Parlamento, abrira espaço também para a democratização social. De mero garantidor das
regras que deveriam disciplinar as disputas travadas no mercado, o Estado foi se convertendo
num ator significativamente mais importante dentro da arena econômica, exercendo
diretamente muitas atividades de produção de bens e serviços, como a realização de grandes
obras públicas. No plano teórico, a sua atuação passa a ser justificada também pela
necessidade de promoção da igualdade material, por meio de políticas públicas redistributivas
e do fornecimento de prestações materiais para as camadas mais pobres da sociedade, em
áreas como saúde, educação e previdência social. A proteção da propriedade privada é
flexibilizada, passando a estar condicionada ao cumprimento da sua função social. É
relativizada a garantia da autonomia negocial, diante da necessidade de intervenção estatal
em favor das partes mais débeis das relações sociais. Há uma mudança, ainda, na leitura dos
direitos, sendo desenvolvida a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Emergem os direitos de segunda geração, prestacionais, para efetivação da igualdade material.
Sobre o discurso da igualdade formal, Anatole Frances escreve: “A majestosa igualdade das
leis, que proíbe tanto o rico como o pobre de dormir sob as pontes, de mendigar nas ruas e de
roubar pão.” A mudança no perfil do Estado refletiu-se também na sua engenharia
institucional: a separação de poderes foi flexibilizada. A separação dos poderes estática,
vigente no constitucionalismo liberal-burguês dá espaço à separação de poderes dinâmica,
que se atenta para além da liberdade, para a efetividade, possibilitando uma atuação mais
forte dos poderes públicos na seara social e econômica. O arranjo federalista também muda:
as complexas tarefas assumidas pelo Estado não são exequíveis por um federalismo formal. É
necessário o desenvolvimento de um federalismo cooperativo, com a participação de todos os
entes federados. É preciso, aqui, diferenciar o Estado Social do Constitucionalismo Social: A
necessidade de construção de um Estado mais forte, para atender às crescentes demandas
sociais, foi utilizada como pretexto para aniquilação dos direitos individuais e das franquias
democráticas. Este fenômeno foi intenso nas décadas de 1930 e 1940, com a instauração de
regimes totalitários (Alemanha e Itália), ou autoritários (Brasil, no Estado Novo). Nestas
situações, pode-se falar em Estado Social, mas não em constitucionalismo social. O
constitucionalismo social não renega os elementos positivos do liberalismo (preocupação com
os direitos individuais e com a limitação do poder), mas pugna por conciliá-los com a busca da
justiça social e do bem-estar coletivo.
Houve 2 fórmulas diferentes de recepção do Estado Social no âmbito do constitucionalismo
democrático: 1ª) Exemplificada pela evolução do Direito Constitucional norte-americano a
partir dos anos 30, os valores de justiça social e de igualdade material não foram formalmente
incorporados à Constituição. Essa, no entanto, deixou de ser interpretada como um bloqueio à
introdução de políticas estatais de intervenção na economia e de proteção dos grupos sociais

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mais vulneráveis. 2ª) Ilustrada pelas constituições mexicana, de 1917, e a alemã, de Weimar,
de 1919. Elas não se limitam a tratar da estrutura do Estado e da definição de direitos
negativos, pois se imiscuem na disciplina de temas como a economia, as relações de trabalho e
a família; moradia, saúde e previdência social. A maior parte das constituições elaboradas a
partir da segunda metade do século passado seguiu, com maior ou menor sucesso, dita
fórmula.
É inegável que o constitucionalismo social enfrenta crise desde as décadas finais do século
passado, relacionada aos retrocessos que ocorreram no Welfare State (Estado de Bem-estar).
A globalização econômica reduziu a capacidade dos Estados de formular e implementar
políticas públicas para atender aos seus problemas sociais e econômicos, sob a influência do
pensamento neoliberal, que preconiza a redução do tamanho do Estado, a desregulação
econômica e a restrição dos gastos sociais. A população envelheceu e cresceu, demandando
maiores gastos com previdência social, saúde e educação. A partir da década de 80, começam
a se tornar hegemônicas propostas de retorno ao modelo de Estado que praticamente não
intervinha na esfera econômica. Sob o estímulo da globalização da economia, se inicia um
processo de reforma do Estado que alcança escala mundial. Reduzem-se as barreiras
alfandegárias e não alfandegárias ao comércio internacional e ao fluxo de capitais. Os Estados
diminuem ou eliminam a proteção que reservavam à empresa nacional. “Desterritorializa-se” o
processo produtivo. A nova dinâmica da produção global estimula os Estados a flexibilizarem
suas relações de trabalho, com o intuito de atrair investimento produtivo e de alcançar maior
competitividade no mercado global. Ameaçados pela inflação, que leva à necessidade de
redução dos gastos públicos, os Estados privatizam suas empresas e extinguem monopólios
públicos. A atuação direta do Estado na economia é significativamente reduzida.
No que toca aos direitos sociais, o fim do constitucionalismo social seria moralmente
inaceitável em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, caracterizados por grande
injustiça social e desigualdade material.
Sobre a transição do constitucionalismo liberal para o social, Carlos Ayres Britto sustenta, na
ADI 4246, que: “Naquela assentada, ainda deixei explícito ser a Defensoria Pública uma
instituição especificamente voltada para a implementação de políticas públicas de assistência
jurídica, assim no campo administrativo como no judicial. Pelo que, sob este último prisma, se
revela como instrumento de democratização do acesso às instâncias judiciárias, de modo a
efetivar o valor constitucional da universalização da justiça (inciso XXXV do art. 5º da CF/88).
Fazendo de tal acesso um direito que se desfruta às expensas do estado, de sorte a se
postarem (as defensorias) como um luminoso ponto de interseção do constitucionalismo
liberal com o social. Vale dizer, a Defensoria Pública faz com que um clássico direito individual
de acesso à Justiça se mescle com um moderno direito social; isto é, os mais pobres a
compensar a sua inferioridade econômica com a superioridade jurídica de um gratuito bater
às portas do Poder Judiciário ou da própria Administração Pública. O que já se traduz na
concreta possibilidade de gozo do fundamental direito de ser parte processual, ora no âmbito
dos processos administrativos, ora nos processos de natureza judicial. [...] Numa frase,
aparelhar as defensorias públicas é servir, sim, ao desígnio constitucional de universalizar e
aperfeiçoar a própria jurisdição como atividade básica do Estado e função específica do Poder
Judiciário.”

3. Constitucionalismo pós-moderno: Até meados do século XX, no modelo hegemônico na


Europa continental e em outros países filiados ao sistema jurídico romano-germânico, a
regulação da vida social gravitava em torno das leis editadas pelos parlamentos, com destaque
para os códigos, sob a premissa de que o Legislativo, que encarnava a vontade da Nação, tinha
legitimidade para criar o Direito, mas não o Poder Judiciário, ao qual cabia tão somente aplicar
aos casos concretos as normas anteriormente ditadas pelos parlamentos. Até então, a imensa
maioria dos países não contava com mecanismos de controle judicial de constitucionalidade
das leis, que eram vistos como institutos antidemocráticos, por permitirem um “governo de
juízes”. Mesmo em alguns países em que existia a jurisdição constitucional — como o Brasil,

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em que ela foi implantada em 1890 e incorporada à Constituição de 1891 — o controle de
constitucionalidade não desempenhava um papel relevante na cena política ou no dia a dia
dos tribunais. Tal quadro começou a se alterar ao final da II Guerra Mundial na Europa,
mediante as gravíssimas violações de direitos humanos perpetradas pelo nazismo, que
demonstraram a importância de criação de mecanismos de garantia de direitos que fossem
subtraídos pelas maiorias de ocasião. Na Alemanha, a Lei Fundamental de 1949, instituiu
diversos mecanismos de controle de constitucionalidade e criou um Tribunal Constitucional
Federal, que se instalou em 1951 e passou a exercer um papel cada vez mais importante na
vida alemã. Na Itália, a Constituição de 1947 instituiu uma Corte Constitucional, que começou
a funcionar em 1956. Na própria França, berço de um modelo de constitucionalismo avesso à
jurisdição constitucional, o cenário se modificou substancialmente sob a égide da atual
Constituição de 1958, que instituiu um modelo de controle de constitucionalidade
originalmente apenas preventivo, confiado ao Conselho Constitucional, e hoje envolve
também o controle repressivo. Na década de 70, Portugal e Espanha se redemocratizaram,
libertando-se de governos autoritários, e adotaram constituições de caráter mais normativo,
garantidas por meio da jurisdição constitucional.
Nesse contexto, “Uma das características marcantes do constitucionalismo contemporâneo
reside na judicialização da política, verdadeira consequência do modelo constitucional adotado
em diversos países ocidentais, e que deflui diretamente do constitucionalismo democrático
construído, principalmente, a partir da segunda metade do século XX: Na ponta oposta, a
emergência do constitucionalismo democrático no segundo pós-guerra, reforçada pela
redemocratização, nos anos 70, do mundo ibérico europeu e americano, trazendo consigo a
universalização do judicial review e afirmação das leis fundamentais que impõem limites à
regra da maioria, é percebida como uma ampliação do conceito de soberania, abrindo para os
cidadãos novos lugares de representação de sua vontade, a exemplo do que ocorre quando
provocam o Judiciário para exercer o controle das leis. (VIANNA, Luiz Werneck. BURGOS,
Marcelo. Revolução processual do direito e democracia progressiva. – extraído do Manual
prático de Direitos Humanos Internacionais).
O que se observa atualmente é uma tendência global à adoção do modelo de
constitucionalismo em que as constituições são vistas como normas jurídicas autênticas, que
podem ser invocadas perante o Poder Judiciário e ocasionar a invalidação de leis ou outros
atos normativos. E, muitas destas novas constituições que contemplam a jurisdição
constitucional são inspiradas pelo ideário do Estado Social. A conjugação do constitucionalismo
social com o reconhecimento do caráter normativo e judicialmente sindicável dos preceitos
constitucionais gerou efeitos significativos do ponto de vista da importância da Constituição no
sistema jurídico — ela assumiu uma centralidade outrora inexistente —, bem como da partilha
de poder no âmbito do aparelho estatal, com grande fortalecimento do Poder Judiciário, e,
sobretudo, das cortes constitucionais e supremas cortes, muitas vezes em detrimento das
instâncias políticas majoritárias. Sobre o tema, ver item 24.a (Neoconstitucionalismo).
Para finalizar, além da história do constitucionalismo, é preciso pontuar para onde ele
caminha. O constitucionalismo moderno foi erigido a partir de um pressuposto fático, que hoje
já não se verifica plenamente o Estado nacional soberano, detentor do monopólio da
produção de normas, da jurisdição e do uso legítimo da força no âmbito do seu território, que
não reconhece qualquer poder superior ao seu. O Estado continua sendo o principal ator
político no mundo contemporâneo. Porém, com a globalização, atualmente, o Estado nacional
perdeu em parte a capacidade que tinha para controlar os fatores econômicos, políticos,
sociais e culturais que atuam no interior das suas fronteiras, pois esses são cada vez mais
influenciados por elementos externos, sobre os quais os poderes públicos não exercem quase
nenhuma influência. No mundo contemporâneo, os Estados nacionais, sozinhos, não
conseguem enfrentar alguns dos principais problemas com que se deparam em áreas como a
economia, o meio ambiente e a criminalidade. Em paralelo, surgem novas entidades
internacionais ou supranacionais, no plano global ou regional, que exercem um poder cada vez
maior e tensionam a soberania estatal e a supremacia constitucional. Ao lado disso, se

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desenvolve na sociedade global, desde o final da II Guerra Mundial, um “ cosmopolitismo
ético”, que cobra dos Estados mais respeito aos direitos humanos, não aceitando a invocação
da soberania ou de particularismos culturais como escusa para as mais graves violações à
dignidade humana.
Nesse cenário, surgem fontes normativas e instâncias de resolução de conflitos alheias ao
Estado, que não se subordinam ao Direito estatal, inclusive ao emanado da Constituição. O
constitucionalismo em rede ou multinível toma o lugar da tradicional pirâmide Kelseniana; a
emergência do Direito Comunitário, sobretudo no contexto europeu; o fortalecimento do
Direito Internacional dos Direitos Humanos; e a difusão global de uma lex mercatoria,
composta por práticas aceitas pelos agentes do comércio internacional, que se situam às
margens dos ordenamentos estatais; o conflito entre o universalismo dos direitos
fundamentais e o respeito às diferenças culturais, são exemplos de questões colocadas à
frente do constitucionalismo. Para que o constitucionalismo estatal não se torne autista,
Marcelo Neves sustenta o transconstitucionalismo para manutenção do diálogo constitucional
entre diferentes esferas, permitindo que as respectivas imperfeições e incompletudes sejam
percebidas e eventualmente corrigidas. Esses são alguns dos desafios a serem enfrentados
pelo constitucionalismo pós-moderno.

Ponto extra: O problema da legitimidade intergeracional


Problema tormentoso surge da questão da legitimidade intergeracional, ou seja, do fato de
uma geração adotar decisões vinculativas para as outras que a sucederão, principalmente no
que pertine às cláusulas pétreas, cuja superação, como é cediço, só é possível através de uma
ruptura da ordem jurídica. No entanto, o constitucionalismo democrático, além de valorar
positivamente o fato de a Constituição ser dotada de supremacia, procura atribuir a
importância devida às deliberações populares e às decisões da maioria dos representantes do
povo. Contudo, registre-se que cada geração tem o direito de viver de acordo com seus
valores, de forma que, cabe ao poder constituinte difuso, ou seja, a mutação constitucional
deve ser a ferramenta para interpretar de forma a combinar com a realidade vigente.

Questões Objetivas
MPF\26 – Para o neoconstitucionalismo, todas as disposições constitucionais são normas
jurídicas e a Constituição, além de estar em posição formalmente superior sobre o restante
da ordem jurídica, determina a compreensão e interpretação de todos os ramos do direito –
assertiva correta.

MPF\26 – A Constituição brasileira de 1988 enquadra-se na categoria das constituições


dirigentes, porque, além de estabelecer a estrutura básica do Estado e de garantir direitos
fundamentais, impõe ao Estado diretrizes e objetivos principalmente tendentes a promover
a justiça social, a igualdade substantiva e a liberdade real - assertiva correta.

MPF\27 - O pós-positivismo contesta a separação entre Direito, Moral e Política, negando a


especificidade do objeto de cada um desses domínios – assertiva incorreta.

Questões de prova oral:

(27º CPR) Deborah Duprat - Queria que você, rapidamente, me falasse sobre as principais
características do constitucionalismo britânico, norte-americano e francês.

(27º CPR) Deborah Duprat - O que aproxima e o que distingue, na atualidade, o


constitucionalismo brasileiro contemporâneo do constitucionalismo norte-americano?

(28º CPR) Deborah Duprat - Você diria, então, que nossa Constituição - você me disse que as
razões religiosas não podem entrar no debate público, mesmo elas tendo essa filtragem que as

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transformam em razões públicas – essa é uma posição marcadamente liberal. A questão
religiosa é uma questão de foro íntimo, uma questão reservada ao espaço doméstico, ao
espaço privado, não tem lugar no espaço público. Você acha que a Constituição de 88 é uma
constituição marcadamente liberal?

(28º CPR) Deborah Duprat: Deixa eu te fazer uma pergunta, sempre problematizando. Para
uma determinada comunidade amazônica, na sua cosmologia, todos os seres da natureza são
humanos. Eles estão, temporariamente, encarnados em plantas, bichos, mas, a qualquer
momento, eles podem se transformar em humanos. Então, a noção de família passa por esses
seres também – as árvores, os peixes, enfim, tem uma família extensa que não abrange
somente as pessoas que estão agora encarnadas, mas naquelas que podem vir a ser
encarnadas... Você acha que uma pretensão desse tipo, de reconhecimento de uma família
que não é apenas antropocêntrica, você acha que isso pode ser trazido para o debate público,
ou essa é uma visão que se aproxima de uma visão religiosa?

14C. A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituições de 1824, 1891, 1934, 1937,


1946, 1967, 1969. A ditadura militar e os atos institucionais. A assembleia constituinte de
1987/88.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Direito Constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento.

Conceito de constitucionalismo: Daniel Sarmento ensina que o constitucionalismo moderno


“preconiza a limitação jurídica do poder político, em favor dos direitos dos governados”.

Constituição de 1824: Corresponde a uma fórmula de compromisso entre o liberalismo


conservador e o semiabsolutismo. Os traços liberais da Carta de 1824 se revelam sobretudo na
garantia de um amplo elenco de direitos individuais: legalidade, liberdade de expressão e de
imprensa, liberdade de religião, profissional, irretroatividade da lei, vedação da tortura, juiz
natural e outros. O elitismo conservador se observa na adoção de um modelo censitário de
direitos políticos (não possuía dimensão democrática). O lado semiabsolutista se deve à adoção
do poder moderador, decorrente de uma leitura enviesada da teoria de Benjamin Constant.
Originalmente concebido para resolver conflitos entre os três outros Poderes, foi incluído na
Constituição como forma do monarca intervir nas decisões daqueles.

A Constituição de 1824 antecipava institutos típicos do constitucionalismo do século seguinte,


o que revela uma sensibilidade para o social ao prever o direito aos “socorros públicos” e à
instrução primária gratuita. Consagrava como forma de governo a monarquia hereditária, a
pessoa do Imperador era considerada sagrada e inviolável, e o monarca não estava sujeito a
qualquer mecanismo de responsabilização. Mantinha-se como religião oficial a católica,
embora se permitisse o culto doméstico e particular de outras crenças.

Não havia controle judicial de constitucionalidade, mas há quem identifique o poder


moderador como instituto antecedente. A única referência expressa ao controle de
constitucionalidade é para o poder legislativo promover a “guarda da constituição”.

As eleições eram indiretas: os votantes escolhiam os eleitores (eleição de primeiro grau), que,
por sua vez, elegiam os titulares dos cargos disputados (eleição de segundo grau). A forma de
Estado adotada foi a unitária e o território dividido em províncias.

Era analítica e semirrígida. As normas consideradas substancialmente constitucionais eram as


relacionadas aos limites e atribuições dos Poderes Políticos e aos direitos políticos e
individuais, as quais demandavam um complexo procedimento para alteração em que primeiro

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era editada uma “lei autorizadora” para na legislatura seguinte aprovar (ou não) a reforma
pretendida. Não havia qualquer limite material ao poder de reforma.

Sob o verniz da Constituição, mantinha-se e se alimentava o patrimonialismo, o desprezo pelos


direitos fundamentais e a escravidão, apesar de prever o princípio da igualdade. As paulatinas
limitações à escravidão e a sua posterior abolição foram as mais importantes mudanças do 2º
reinado.

Constituição de 1891: A Constituição de 1891 era a encarnação, em texto legal, do liberalismo


republicano e moderado que havia se desenvolvido nos EUA, embora a sociedade brasileira
nada tivesse de liberal. Adotou-se o federalismo, cujo modelo era o dual, de pronunciada
separação entre as esferas federal e estadual, com reduzido espaço para a cooperação entre
elas. O sistema de governo era o presidencialista. O Poder Legislativo era bicameral.

O Poder Judiciário também foi organizado pela Constituição em bases federativas, com uma
Justiça Federal e outra Estadual. O STF fora criado um ano antes, pelo Decreto nº 510, foi
constitucionalizado. Detinham direitos políticos os cidadãos brasileiros maiores de 21 anos,
excluindo-se os analfabetos, os mendigos, os praças militares e os integrantes de ordens
religiosas que impusessem renúncia à liberdade individual. Manteve-se a abolição do voto
censitário (Decreto nº 200-A). Não houve qualquer referência restritiva expressa às mulheres
no texto constitucional, mas a discriminação de gênero era tão enraizada que sequer se
discutia se elas podiam ou não votar ou se candidatar.

No plano dos direitos individuais revelou sua inspiração liberal, com vasto elenco de liberdades
públicas e diversas garantias penais e processuais. Foi constitucionalizado o habeas corpus, o
qual não se circunscrevia a tutela da liberdade de locomoção, o que abriu espaço para o
desenvolvimento no STF da doutrina brasileira do habeas corpus, ampliando essa garantia para
outras situações de arbitrariedade estatal, fora o direito de ir e vir.

O elenco de direitos fundamentais endossava importantes bandeiras republicanas: aboliu


privilégios de nascimento, foros de nobreza e ordens honoríficas. Previu a separação entre
estado e igreja e a laicidade do ensino público. Diferente da carta anterior não demonstrou
nenhuma sensibilidade para o social, estatuindo apenas direitos individuais defensivos. Era
rígida. Havia limites ao poder de reforma: vedação à abolição da forma republicana federativa
e à igualdade de representação dos Estados no Senado.

Tratava-se de uma Constituição perfeitamente liberal, bastante comprometida, no seu texto,


com o Estado de Direito. Na prática, porém, a vida constitucional na República Velha esteve
muito distante do liberalismo, marcada pelo coronelismo, pela fraude eleitoral e pelo arbítrio
dos governos.

Constituição de 1934: A Constituição de 1934 inaugurou o constitucionalismo social no Brasil.


Rompendo com o modelo liberal anterior, ela incorporou uma série de temas que não eram
objeto de atenção nas constituições pretéritas, voltando-se à disciplina da ordem econômica,
das relações de trabalho, da família, da educação e da cultura. Do ponto de vista institucional,
ela manteve o federalismo, a separação de poderes e o regime presidencialista. Era uma
constituição rígida.

Foi criada a justiça do trabalho, que foi inserida no âmbito do executivo. O federalismo passou
a adotar o modelo cooperativo, inspirado na Constituição de Weimer. A Justiça Eleitoral ganhou
assento constitucional. Uma novidade foi a previsão de direitos sociais, em especial os direitos
trabalhistas. Trouxe pela primeira vez o mandado de segurança e a ação popular. Inaugura a

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disciplina constitucional da economia, com possibilidade de intervenção do Estado na seara
econômica. O nacionalismo era um traço marcante no regime então estabelecido.

Constituição de 1937 (Estado Novo): A filosofia geral da Carta de 1937 baseava-se numa
rejeição às técnicas da democracia liberal: (i) o sufrágio direto foi desprezado; (ii) a separação
de poderes também foi relegada a segundo plano, pois se considerava que o desenvolvimento
e a modernização nacionais deveriam ser perseguidos por um governo forte, capitaneado por
um Presidente em contato direto com as massas, sem os entraves da política parlamentar e
partidária. Apesar disso, ela impunha limites significativos ao exercício do poder.

O que teve lugar durante o período foi, porém, a manifestação do poder sem a observância de
limites jurídicos. Até 1945, o país viveu sob estado de emergência, com o Congresso fechado,
numa genuína ditadura. Foi decretado estado de emergência por tempo indeterminado no
país, com a suspensão de inúmeras garantias constitucionais. Os atos praticados pelo governo
durante o estado de emergência eram imunes ao controle jurisdicional (art.170).

Enquanto não fosse eleito o novo Parlamento, caberia ao Presidente da República expedir
decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União. O Presidente tinha
ainda o poder de confirmar ou não o mandato dos governadores dos Estados, nomeando
interventores nos casos de não confirmação. O MS perdeu seu status de garantia
constitucional, passando a ser disciplinado apenas pela legislação ordinária, e a Constituição
vedou ao Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas.

O poder judiciário tinha estrutura muito simplificada. A constituição não aludia à justiça
eleitoral e a justiça federal de 1º e 2º graus foram suprimidas. A justiça do trabalho continuava
no âmbito do executivo. Manteve o controle difuso de constitucionalidade, mas o presidente
poderia submeter a norma ao parlamento, que se a confirmasse por 2/3 dos membros de cada
uma das casas, ficaria sem efeito a declaração de inconstitucionalidade. A constituição podia
ser alterada por iniciativa do presidente ou do parlamento e não havia em nenhuma das
hipóteses qualquer limite material expresso ao poder de reforma. Como o Parlamento não
funcionou durante o Estado Novo, o Presidente da República arvorou-se à condição de
constituinte derivado, modificando unilateralmente a Carta de 1937, por meio da edição de
“leis constitucionais”. Portanto, na prática, a Carta de 1937 funcionou como uma Constituição
flexível.

Admitia a pena de morte em diversas situações que tangenciavam o crime político, previa a
censura prévia da imprensa. Consagrou as liberdades públicas tradicionais, mas não
contemplou a proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
Também cuidou da família, educação e cultura. Quanto à ordem econômica, seguiu a linha
intervencionista e nacionalista da constituição de 1934.

Constituição de 1946: Houve, sob a sua égide, momentos de democracia e estabilidade


institucional, bem como outros extremamente conturbados, em que a Constituição teve pouca
importância. O primeiro momento se estende de 1946 até setembro de 1961, quando, no
contexto de séria crise política, foi aprovada a Emenda nº 4, que instituiu o parlamentarismo
após a eleição de João Goulart. O segundo momento vai de 1961 até o golpe militar de 1964 e
passa pela volta ao presidencialismo, com a edição da Emenda nº 6, em janeiro de 1963, após a
manifestação da vontade popular por plebiscito. O terceiro momento corresponde ao período
em que a Constituição conviveu com o arbítrio militar, com a edição dos atos institucionais AI –
1, AI-2, AI-3 e AI-4, estendendo-se de abril de 1964 até a sua revogação, em janeiro de 1967.
Na primeira fase, o Brasil experimentou, pela primeira vez na sua história, uma vida política
razoavelmente democrática, com eleições livres e regulares e relativo respeito às liberdades
públicas, apesar das diversas turbulências políticas por que passou.

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Constituição de 1967: A sua elaboração refletiu o propósito do grupo moderado das Forças
Armadas — hegemônico durante o governo de Castelo Branco, que era um dos seus maiores
líderes — de reconstitucionalizar o país. Um dos traços característicos da Constituição de 1967
foi a concentração do poder, tanto no sentido vertical — centralização no pacto federativo —,
como no horizontal — hipertrofia do Executivo. Houve preocupação com a preservação de uma
fachada liberal, que se verifica, por exemplo, no extenso capítulo de direitos e garantias
individuais. Manteve-se o federalismo bidimensional. As eleições presidenciais eram indiretas,
por maioria absoluta, realizadas por colégio eleitoral formado pelo Congresso Nacional e por
delegados das Assembleias Legislativas, sem possibilidade de reeleição para o mandadto
consecutivo. O Poder Legislativo seguia o modelo bicameral, composto pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado. Quanto ao Poder Judiciário, não houve mudanças significativas em
relação à Constituição de 1946, com as alterações impostas pelo AI-2. As garantias da
magistratura foram preservadas, mas foram conservadas as cláusulas que excluíam da
apreciação judicial os atos praticados pelo “Comando Supremo da Revolução”, dentre os quais
os expedidos por força dos atos institucionais. A sistemática de controle de
constitucionalidade, com as mudanças introduzidas pela Emenda nº 16/65, foi mantida.

Constituição de 1969: Fruto do trabalho da “linha dura” das Forças Armadas. A Constituição de
1969 foi outorgada pela Junta Militar que governava o Brasil, sob a forma de emenda
constitucional: era a Emenda Constitucional nº 1. Invocou-se, como fundamento jurídico da
outorga, o AI-5 e o AI-16. O primeiro estabelecia, no seu art. 2º, §1º, que, enquanto o
Congresso estivesse em recesso, o Presidente poderia legislar sobre todas as matérias; e o
segundo dispunha, no seu art. 3º, que, até a posse do novo Presidente da República, a Chefia
do Executivo seria exercida pelos Ministros militares. Para justificar a medida, afirmou-se, nos
consideranda da Carta outorgada, que, tendo em vista os referidos atos institucionais, “a
elaboração de emendas à Constituição, compreendida no processo legislativo (art. 49, I), está
na atribuição do Poder Executivo Federal”. O sistema e as principais instituições da Carta de
1969 coincidem, no geral, com as da Constituição de 1967, com algumas alterações, tais como:
a) o Vice-Presidente deixou de cumular sua função com a de Presidente do Congresso, como
ocorria na Constituição de 1967; b) o Congresso seria presidido pelo Presidente do Senado
Federal; c) restrição à imunidade parlamentar material; d) introdução de hipótese de perda de
mandato por infidelidade partidária; e) retrocessos no campo dos direito fundamentais; f)
retirada da iniciativa das Assembleias Legislativas. Manteve-se expressamente o AI-5, bem
como seus atos complementares (art. 182). Daniel Sarmento entende que não se tratou de
simples emenda, mas de Constituição — se é que merece esse nome uma norma editada de
forma tão ilegítima. Isto não apenas pela extensão das mudanças promovidas, como também
pelo seu fundamento de validade. É que as emendas, como emanação de um poder
constituinte derivado, têm o seu fundamento na própria Constituição que modificam. Porém, a
assim chamada Emenda nº 1 não foi outorgada com fundamento na Constituição de 1967, mas
sim com base no suposto poder constituinte originário da “Revolução vitoriosa”, que se
corporificava, mas não se exauria, nos atos institucionais editados pelos militares.

A ditadura militar e os atos institucionais. A formalização do golpe deu-se por meio do Ato
Institucional nº 1 (AI- 1), editado em 9 de abril de 1964, e assinado pelos comandantes das
Forças Armadas. Com base nos poderes excepcionais concedidos pelo AI-1, o governo passa a
perseguir os adversários do regime, realizando tortura e prisões arbitrárias. No Congresso,
cinquenta parlamentares tiveram o seu mandato cassado. Com a edição do AI-5, desfez-se a
expectativa de que a Constituição pudesse institucionalizar o regime. Tornara-se claro que o
governo militar só seguiria a Constituição se e quando isso lhe conviesse. Com base no AI-5,
abriu-se um amplo ciclo de cassações de mandatos e expurgos no funcionalismo, que atingiu
em cheio as universidades. Três Ministros do STF foram cassados.

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A censura aos meios de comunicação se institucionalizou, atingindo também a atividade
artística. Nada mais podia ser publicado ou veiculado que pudesse desagradar ao governo, ou
que ameaçasse a moral tradicional e conservadora (de que os militares se faziam porta-vozes).
Embora não houvesse no AI-5 nenhuma autorização legal para tortura, desaparecimento
forçado de pessoas ou assassinatos, tais práticas tornaram-se os métodos corriqueiros de
trabalho das forças de repressão. Foram editados outros doze atos institucionais até a outorga
da Constituição de 1969 — do AI-6 ao AI-17 —, impondo medidas diversas, como a mudança
do número de Ministros do STF de 11 para 16 (AI-6) e a suspensão de eleições (AI- 7).

Em agosto de 1969, o Presidente Costa e Silva sofre um derrame que o deixa paralisado. Era
necessário substituí-lo, mas os ministros militares não cogitavam em seguir as regras do jogo,
que indicavam a sua sucessão pelo Vice-Presidente Pedro Aleixo - que, além de civil, deixara de
ser confiável, ao votar contra a decretação do AI-5. A solução veio por meio da decretação do
AI-12, que investiu os Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica na Chefia do
Executivo, “enquanto durar o impedimento temporário do Presidente da República” (art. 1º).
Desfechava-se um verdadeiro golpe dentro do golpe. Dias depois, a Junta Militar decretou
outros dois truculentos atos institucionais: o AI-13, possibilitando o banimento de brasileiro
que se tornasse “inconveniente, nocivo ou perigoso à Segurança Nacional”, e o AI-14,
estendendo a possibilidade de aplicação da pena de morte à guerra “psicológica adversa”,
“revolucionária ou subversiva”.

Em 14 de outubro de 1969, é editado o AI-16, declarando a vacância dos cargos de Presidente


e Vice-Presidente da República e marcando eleições indiretas para escolha dos sucessores para
o dia 25 do mesmo mês. Até lá, a Junta Militar continuou à frente do governo.

O Congresso, que estava de recesso desde a decretação do AI-5, foi convocado às pressas para
referendar o nome do General Emílio Garrastazu Médici — mais um da “linha dura” — que os
militares já haviam escolhido.

Ato Institucional-5 (editado em 13 de dezembro de 1968): Um dos principais editados pelo


regime militar. a) suspende a garantia do habeas corpus para determinados crimes; b) dispõe
sobre os poderes do Presidente da República de decretar estado de sítio, nos casos previstos
na Constituição Federal de 1967; c) intervenção federal, sem os limites constitucionais; d)
suspensão de direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez anos e restrição ao
exercício de qualquer direito público ou privado; e) cassação de mandatos eletivos; f) recesso
do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores; g) exclusão
da apreciação judicial atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares
decorrentes.

A assembleia constituinte de 1987/88. De acordo com a Emenda Constitucional nº 26/85, os


membros do Congresso reunir-se-iam “unicameralmente, em Assembleia Nacional
Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional”
(art. 1º). Seria instalada pelo Presidente do STF, que presidiria a eleição do seu Presidente (art.
2º). A nova Constituição seria promulgada “depois da aprovação de seu texto, em dois turnos
de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembleia Nacional
Constituinte” (art. 3º). Foi elaborado um regimento interno para elaboração da Constituição, o
qual previu a possibilidade de a Constituinte sobrestar qualquer medida que pudesse ameaçar
os seus trabalhos e a sua soberania. Previu-se a criação de 24 subcomissões temáticas, que
elaborariam textos sobre os temas de sua competência. Uma das consequências decorrentes
da fórmula adotada foi o caráter analítico da Constituição, já que, ao se criar uma subcomissão
dedicada a tratar de determinado assunto, esse, naturalmente, se tornava objeto de disciplina
constitucional. As Subcomissões eram regimentalmente obrigadas a realizar entre 5 e 8
audiências públicas, tendo algumas organizado caravanas para outros Estados, visando a

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facilitar o contato com as respectivas populações. Finalmente, em 22 de setembro de 1988,
ocorreu a derradeira votação da Assembleia Nacional Constituinte, que apreciou o texto final
da Constituição de 1988, depois das mudanças ocorridas no âmbito da Comissão de Redação. A
nova Constituição foi aprovada por 474 votos contra 15, contando-se 6 abstenções. Em 5 de
outubro de 1988, em clima de comoção, a Constituição de 1988 foi finalmente promulgada.

Do ponto de vista histórico, a Constituição de 1988 representa o coroamento do processo de


transição do regime autoritário em direção à democracia. Apesar da forte presença de forças
que deram sustentação ao regime militar na arena constituinte, foi possível promulgar um
texto que tem como marcas distintivas o profundo compromisso com os direitos fundamentais
e com a democracia, bem como a preocupação com a mudança das relações políticas, sociais e
econômicas, no sentido da construção de uma sociedade mais inclusiva, fundada na dignidade
da pessoa humana.

24A. Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito e judicialização da política.

Ana Carolina Castro Tinelli, 1/10/2018

I - Neoconstitucionalismo. A partir do pós 2ª guerra mundial a doutrina passou a


desenvolver um novo paradigma em relação ao fenômeno constitucional, denominado
neoconstitucionalismo, também chamado de constitucionalismo pós-moderno ou pós-
positivismo. Para além da ideia liberal burguesa de limitação do poder político, busca-se, acima
de tudo, a eficácia da Constituição, de modo que o texto deixa de ter caráter meramente
retórico e passa a ser mais efetivo, em especial no que toca à concretização de direitos
fundamentais.
As principais características do neoconstitucionalismo são, em síntese: atribuição de
força normativa à Constituição, que deixa de ser mero documento político; novo tratamento
hermenêutico conferido às regras e aos princípios, ante a insuficiência das regras
interpretativas clássicas; alteração da forma de resolução de conflitos, com a inclusão de
técnicas de ponderação e teorias da argumentação; mudança na teoria da norma, com
distinção entre norma e enunciado normativo; reconhecimento de normatividade aos
princípios; constitucionalização do Direito; releitura do Direito sob influência dos postulados
da Ética e da Moral, sob influência do imperativo kantiano do “homem como fim em si
mesmo”; forte crescimento da judicialização da política e das relações sociais, com submissão
de temas sensíveis ao Judiciário; e, por fim, expansão da jurisdição constitucional.
Gilmar Mendes salienta que o instante atual é marcado pela superioridade da
Constituição, a que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por
mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade. A Constituição se caracteriza
pela absorção de valores morais e políticos (materialização da CF), sobretudo em um sistema
de direitos fundamentais, sem prejuízo de se continuar a afirmar a ideia de que o poder deriva
do povo, que se manifesta ordinariamente por seus representantes.
Para Sarmento, o neoconstitucionalismo está associado a fenômenos diferentes, mas
reciprocamente implicados, que podem ser assim sintetizados: (a) reconhecimento da força
normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação
do Direito; (b) rejeição ao formalismo e recurso mais frequente a métodos ou “estilos” mais
abertos de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação etc.3; (c)
constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais,
sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento;
(d) reaproximação entre o Direito e a Moral; (e) judicialização da politica e das relações sociais,
com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o
Poder Judiciário.
Segundo Barroso, o neoconstitucionalismo identifica um conjunto amplo de
transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional. Tem como marco histórico a

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formação do Estado Constitucional/Democrático de Direito, cuja consolidação se deu ao
longo das décadas finais do século XX. O Estado Moderno Liberal - institucionalizado com a
Revolução Francesa -, em que se buscou limitar o poder estatal e privilegiar as liberdades
negativas, revelou-se insuficiente diante da proteção da igualdade meramente formal. As
desigualdades sociais do Estado Mínimo ensejaram a decadência do liberalismo clássico e
adesão ao Estado do Bem Estar Social (welfare state), em que o Estado passa de mero
respeitador de direitos individuais (posição omissiva), para assumir o papel de condutor do
desenvolvimento e efetivador de direitos (posição ativa), daí se falar em direitos de cunho
prestacional, a fim de corrigir as diferenças entre os indivíduos (igualdade material - caráter
distributivista). No entanto, o Estado Social e sua intensa interferência no locus privado serviu
de palco também para o fortalecimento de Estados totalitários, como a Alemanha nazista e a
Itália fascista. A legalidade herdada do Estado Liberal continuou sendo pregada, mas seu
conteúdo restou afastado de considerações morais, de forma que as atrocidades do início do
século XX estavam amparadas pelo ordenamento jurídico vigente nos Estados Sociais. Assim,
no pós guerra cresceu a defesa da criação ou fortalecimento da jurisdição constitucional, de
forma que os direitos fundamentais fossem protegidos até mesmo ante o legislador. No Brasil,
o neoconstitucionalismo começa a ser desenhado a partir da CF88, fruto do processo de
redemocratização, em substituição ao regime político ditatorial.
Como marco filosófico, tem-se o pós-positivismo, ante a superação do legalismo
estrito do positivismo jurídico, com a reaproximação do Direito aos postulados da Ética e da
Moral, marcantes no jusnaturalismo, mas sem o abandono do direito positivo. O Iluminismo
ocasionou a mudança do paradigma do direito natural para o positivismo jurídico (do
teleológico para o racional), de modo que houve a supervalorização da razão humana. Auguste
Comte defendia que o único conhecimento válido era aquele que carregasse o status
científico. Assim, o objeto da ciência jurídica passou a ser a norma positiva, distanciada de
considerações morais, cujo fundamento de validade era a mera observância de seu
procedimento formal de criação (teoria pura do direito – Kelsen), independentemente do
conteúdo. Todavia, isso possibilitou as barbáries da 2ª guerra mundial e verificou-se que a
validade da norma deve ser aferida a partir de valores fundamentais.
E, por fim, como marco teórico, cita-se o reconhecimento da força normativa da
Constituição (Konrad Hesse), a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de
uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou
um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito (Constituição invasora), eis
que todos os ramos jurídicos passam por um processo de filtragem constitucional.
Abandonou-se a concepção da Constituição como documento meramente político, repositório
de promessas dependentes da atuação do legislador, para ser vista como verdadeira norma
jurídica e locus para a consagração de direitos fundamentais, o que acarretou, por
conseguinte, a expansão da jurisdição constitucional e uma nova hermenêutica, pois, em que
pese ser norma jurídica, a densidade axiológica da CF exige métodos específicos de
interpretação (abandono do formalismo interpretativo).
A partir da maior aproximação do Direito com a Moral, o homem ganhou assento
como centro de preocupação das normas. Como defendido a partir do imperativo categórico
kantiano, o homem não pode ser considerado instrumento para consecução de objetivos
outros, mas como fim em si mesmo. Não mais se admite que o Direito se resuma a questões
de validade formal. Os operadores do Direito devem observar se o resultado de sua operação
é compatível com a tutela de direitos fundamentais. O mínimo existencial surge como instituto
a ser observado pelo intérprete, pois encerra o rol mínimo de prestações necessárias à
manutenção digna do homem (necessidades físicas, biológicas, espirituais e intelectuais) e
abrange a livre participação do indivíduo na construção democrática do Estado e a capacidade
de se desenvolver conforme seu próprio entendimento. Não obstante, a dignidade da pessoa
humana, como epicentro axiológico da CF, impõe a ideia de respeito ao homem como fim
último do direito e do estado.

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O neoconstitucionalismo pode ser visto pelos seguintes prismas/vertentes: a) como
modelo constitucional: conjunto de mecanismos normativos e institucionais; e b) como teoria,
ideologia e método
do direito. b.1) como teoria, limita-se a descrever os resultados da constitucionalização.
Caracterizado por uma constituição ‘invasora’, catálogo de direitos fundamentais, onipresença
de princípios e regras, peculiaridades na interpretação/aplicação das suas normas. Afasta a
estatalidade, o legicentrismo (a constituição passa a ser norma jurídica vinculante) e o
formalismo interpretativo. Mantém o método positivista com objeto parcialmente modificado
ou propõe uma mudança radical de método (pós-positivismo); b.2) como ideologia, põe em 1º
plano a garantia dos direitos fundamentais, em detrimento do objetivo da limitação do poder
estatal (traço do constitucionalismo ‘clássico’), porque o poder estatal passa a ser aliado e
necessário à implementação dos direitos fundamentais. Não se limita ao juízo descritivo (como
o direito é), pois há sobreposição com o juízo prescritivo, na medida em que se valora
positivamente o direito e defende sua ampliação (como deveria ser); b.3) como metodologia,
especialmente em Alexy e Dworkin com a ponderação, traz a conexão necessária entre direito
e moral (leitura moral da constituição), entronização de valores na interpretação jurídica com
o reconhecimento da normatividade dos princípios, reabilitação da razão prática e da
argumentação jurídica.
Daniel Sarmento argumenta que o cenário atual abre espaço tanto para visões
comunitaristas, que buscam na moralidade positiva e nas pré compreensões socialmente
vigentes o norte para a hermenêutica constitucional, endossando na seara interpretativa os
valores e cosmovisões hegemônicos na sociedade, como para teorias mais próximas ao
construtivismo ético, que se orientam para uma moralidade crítica, cujo conteúdo seja
definido através de um debate racional de ideias, fundado em certos pressupostos normativos,
como os de igualdade e liberdade de todos os seus participantes.
II - Constitucionalização do Direito. A ideia de constitucionalização do Direito está
associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e
axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores e fins
públicos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade
e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como explica Sarmento, tal
fenômeno não se esgota no tratamento constitucional de temas anteriormente disciplinados
pela legislação ordinária, pois envolve a filtragem constitucional, ou seja, a interpretação de
todas as normas à luz da CF, buscando a exegese que mais promova seus objetivos.
A constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes. Repercute,
também, nas relações entre particulares. Relativamente ao Legislativo, a constitucionalização
(i) limita sua discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração das leis em geral e
(ii) impõe-lhe determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas
constitucionais. No tocante à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a
discricionariedade e (ii) impor a ela deveres de atuação, ainda (iii) fornece fundamento de
validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição,
independentemente da interposição do legislador ordinário. Quanto ao Poder Judiciário, (i)
serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele desempenhado (incidental
e por ação direta), bem como (ii) condiciona a interpretação de todas as normas do sistema.
Por fim, para os particulares, estabelece limitações à sua autonomia da vontade, em domínios
como a liberdade de contratar ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a valores
constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais.
III - Judicialização da política. Sarmento ensina que, como boa parcela das normas
mais relevantes da CF caracteriza-se pela abertura e indeterminação semânticas, a sua
aplicação pelo Poder Judiciário resultou em uma nova hermenêutica jurídica, ante a
necessidade de resolver tensões entre princípios constitucionais colidentes, o que deu espaço
para a técnica da ponderação e tornou frequente o recurso ao princípio da proporcionalidade
na esfera judicial. Assim, houve o desenvolvimento de diversas teorias da argumentação
jurídica, que buscam a melhor resposta para os casos difíceis. Neste contexto, cresceu a

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procura e importância do Poder Judiciário, pois com frequência cada vez maior questões
polêmicas e relevantes para a sociedade passaram a ser decididas por juízes e sobretudo pela
Corte Constitucional (ex. aborto de feto anencéfalo, fixação do rito de impeachment,
suspensão da indicação de Ministro de Estado, uniões homoafetivas, alteração de nome sem a
necessidade de cirurgia de mudança de sexo, concessão de LOAS a estrangeiros residentes,
custeio de medicamentos de alto custo pelo SUS, etc), muitas vezes em razão de ações
propostas pelo grupo político ou social perdedor em âmbito legislativo. A expansão da
jurisdição constitucional contribuiu para esse fenômeno e o Judiciário deixou de ser mera boca
que pronuncia a palavra da lei.
Barroso assevera que a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e
tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de
participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas, como o reconhecimento da
importância de um Judiciário forte e independente, como elemento essencial para as
democracias modernas. Outra causa envolve certa desilusão com a política majoritária, em
razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral. Há,
ainda, o fato de que atores políticos, muitas vezes, preferem que o Judiciário seja a instância
decisória de certas questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral razoável
da sociedade. Com isso, evitam o próprio desgaste na deliberação de temas divisivos, como
uniões homoafetivas, interrupção de gestação ou demarcação de terras indígenas.
Ademais, Barroso salienta que a “judicialização e o ativismo judicial são primos”, mas
não têm as mesmas origens. A judicialização “decorre do modelo de Constituição analítica e
do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem
que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais.
Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte”, e o
“ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e
expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas.
Assim, a emergência do constitucionalismo democrático no segundo pós-guerra é
percebida como uma ampliação do conceito de soberania, abrindo para os cidadãos novos
lugares de representação de sua vontade, a exemplo do que ocorre quando provocam o
Judiciário para exercer o controle das leis. O que se observa é uma tendência global à adoção
do modelo de constitucionalismo em que as constituições são vistas como normas jurídicas
autênticas, que podem ser invocadas perante o Poder Judiciário e ocasionar a invalidação de
leis ou outros atos normativos. A conjugação do constitucionalismo social com o
reconhecimento do caráter normativo e judicialmente sindicável dos preceitos constitucionais
gerou efeitos significativos do ponto de vista da importância da Constituição no sistema
jurídico — ela assumiu uma centralidade outrora inexistente —, bem como da partilha de
poder no âmbito do aparelho estatal, com grande fortalecimento do Poder Judiciário, e,
sobretudo, das cortes constitucionais e supremas cortes, muitas vezes em detrimento das
instâncias políticas majoritárias.
Logo, a judicialização é fenômeno que apresenta dois componentes: (1) um novo
"ativismo judicial", com a expansão das questões sobre as quais devem ser formados juízos
jurisprudenciais (muitas até recentemente reservadas ao tratamento dado pelo Legislativo ou
pelo Executivo); e (2) o interesse de políticos e autoridades administrativas em adotar (a)
procedimentos semelhantes ao processo judicial e (b) parâmetros jurisprudenciais em suas
deliberações.
Tal "expansão" do poder das cortes judiciais seria o resultado de diversas
características do desenvolvimento histórico de instituições nacionais e internacionais e de
renovação conceitual em disciplinas acadêmicas. Assim, por exemplo, a reação democrática
em favor da proteção de direitos e contra as práticas populistas e totalitárias da II Guerra
Mundial na Europa; a influência da atuação da Suprema Corte americana; a tradição europeia
(kelseniana) de controle da constitucionalidade das leis; os esforços de organizações
internacionais de proteção de direitos humanos, sobretudo a partir da Declaração Universal
dos Direitos Humanos da ONU, de 1948.

35
Do ponto de vista do processo político como um todo, a judicialização da política
contribui para o surgimento de um padrão de interação entre os Poderes (sintetizado no
conflito entre tribunais constitucionais e o Legislativo ou Executivo) que não é
necessariamente deletério da democracia. A ideia é, ao contrário, que democracia constitui
um "requisito" da expansão do poder judicial. Nesse sentido, a transformação da jurisdição
constitucional em parte integrante do processo de formulação de políticas públicas deve ser
vista como um desdobramento das democracias contemporâneas.
A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar
onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou
insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre uma certa aproximação entre Direito e Política e, em
vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um "direito" e um "interesse político", sendo
possível se caracterizar o desenvolvimento de uma "política de direitos". Essa condição
institucional de introdução da jurisdição (sobretudo a das cortes constitucionais) no processo
de formulação de políticas públicas é em parte auxiliada pelas regras orgânicas dos tribunais
ou do Poder Judiciário como um todo. Assim, regras referentes ao recrutamento, composição,
competências e procedimentos dos diversos órgãos e poderes, e especialmente do tribunal
constitucional, são importantes para a judicialização da política. Na França, por exemplo, o fato
de que os nove membros da Corte Constitucional sejam nomeados, em partes iguais, pelo
Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia Nacional e pelo Presidente do Senado,
auxiliou na politização da justiça.
Daniel Sarmento destaca que, diante da vagueza e abertura de boa parte das normas
constitucionais, quem as interpreta também participa do seu processo de criação. Daí a crítica
de que o viés judicialista subjacente ao neoconstitucionalismo acaba por conferir aos juízes
uma espécie de poder constituinte permanente, pois lhes permite moldar a CF de acordo com
as suas preferências políticas e valorativas, em detrimento daquelas do legislador eleito. Além
disso, Sarmento afirma que uma ênfase exagerada no espaço judicial pode levar ao
esquecimento de outros terrenos importantes para a concretização da CF e realização de
Direitos, gerando um resfriamento da mobilização cívica do cidadão. A judicialização se
justifica a partir de uma visão muito crítica do processo político majoritário, mas que ignora as
inúmeras mazelas que também afligem o Poder Judiciário, Aa partir de visões românticas e
idealizadas do juiz. Aponta-se, ainda, a ausência de mandato popular conferido ao STF, mas,
por outro lado, é importante sua atuação contramajoritária. Sarmento não nega o fenômeno
da judicialização da política, mas prefere outra linha teórica, que, apesar de reconhecer o
papel importante do Judiciário na defesa dos direitos fundamentais e proteção da democracia,
afirma a centralidade dos movimentos sociais e da sociedade civil na arena constitucional. Não
se trata de apenas afirmar que tais atores podem participar da jurisdição constitucional ( amici
curiae ou audiências públicas), mas de reconhecer que há muito Direito Constitucional fora dos
tribunais. Destaca-se a decisão do caso Raposa Serra do Sol, na parte em que impôs
condicionantes às futuras demarcações de terras indígenas: o STF careceria de legitimidade,
pois praticamente atuou como legislador e impôs graves restrições a direitos básicos de uma
minoria étnica vulnerável, que estão em total desacordo com o texto constitucional e com a
normativa internacional sobre direitos humanos.

4. PODER CONSTITUINTE
4.1 Poder Constituinte originário. Titularidade e caracterı ́sticas. (5.a)
4.2 Poder Constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. (6.a)
4.3 Poder constituinte estadual: autonomia e limitações. (8.a)
4.4 As mutações constitucionais. (6.a)
4.5 Cláusulas pétreas expressas e implı ́citas. (6.a)
4.6 Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da Recepção. Disposições constitucionais
transitórias. (13.a)

36
5A. Poder Constituinte originário. Titularidade e características.

Oswaldo Costa
 
I. Conceito e Titularidade

Poder constituinte originário é a força política consciente de si que resolve disciplinar os


fundamentos do modo de convivência na prática política. É o poder de instaurar uma nova
ordem jurídica rompendo com a ordem jurídica precedente. (Sarmento: só é propriamente
constituinte o poder originário).
Titularidade: Povo (conjunto de indivíduos) ou nação (unidade orgânica permanente)? Povo!

II. Características

Origem: O conceito de poder constituinte originário é derivado dos estudos do abade de


Sieyès (“O que é o terceiro estado?”). Sieyès enfatiza que a constituição é produto do poder
constituinte originário, que gere e organiza os poderes do estado (poderes constituídos),
sendo, até por isso, superior a eles. Sieyès se propunha a superar o modo de legitimação do
poder que vigia, baseado na tradição, pelo poder político de uma decisão originária, não
vinculada ao direito preexistente, mas à nação, como força que cria a ordem primeira da
sociedade. Para ele, o povo é soberano para ordenar seu próprio destino e o da sua sociedade,
expressando-se por meio da constituição.

Classificação: o poder constituinte originário pode ser dividido em histórico (seria o verdadeiro
poder constituinte originário, estruturando, pela primeira vez, o estado) e revolucionário
(seriam todos os posteriores ao histórico, rompendo por completo com a antiga ordem e
instaurando um novo estado).

Características: é inicial, autônomo, ilimitado juridicamente, incondicionado, soberano na


tomada de suas decisões, um poder de fato e político, permanente: 
a) inicial – está na origem do ordenamento; é o ponto de partida; assim, o poder constituinte
originário não pertence à ordem jurídica, não está regido por ela; 
b) autônomo – a estrutura da nova constituição será determinada autonomamente, por quem
exerce o poder constituinte originário; 
c) ilimitado juridicamente – não tem de observar os limites postos pela ordem anterior; o
caráter ilimitado, porém, deve ser entendido em termos; diz respeito à liberdade do poder
constituinte originário com relação a imposições da ordem jurídica que existia anteriormente,
mas haverá limitações políticas inerentes ao exercício do poder constituinte (se o poder
constituinte é a expressão da vontade política da nação, não pode ser entendido sem a
referência a valores éticos, religiosos, culturais, que informam essa mesma nação e que
motivam as suas ações; assim, um grupo que se arrogue a condição de representante do poder
constituinte originário e redija uma constituição que hostilize esses valores dominantes não
haverá de obter o acolhimento de suas regras pela população e não terá êxito no
empreendimento revolucionário, não sendo reconhecido como poder constituinte originário);
além disso, pode-se falar em limitações intrínsecas do poder constituinte originário sob outro
ângulo – não há espaço para decisões caprichosas ou totalitárias do poder constituinte
originário, já que ele existe para ordenar juridicamente o poder o estado, devendo, assim,
sempre instituir um estado com poderes limitados; 
d) incondicionado e soberano na tomada de decisões – não se submete a qualquer forma pré-
fixada de manifestação; 
e) poder de fato e poder político – pode ser caracterizado como uma energia ou força social,
tendo natureza pré-jurídica, sendo que, por essas características, a nova ordem jurídica
começa com a sua manifestação, e não antes dela; 

37
f) permanente – o poder constituinte originário não se esgota com a edição da nova
constituição, sobrevivendo a ela e fora dela como forma de expressão da liberdade humana,
em verdadeira ideia de subsistência (Sarmento relativiza todas essas características. P. ex.:
inicial? Normalmente não se manifesta em um cenário de completa ruptura. Incondicionado?
Podem ser estabelecidas regras prévias sobre o seu funcionamento – sobre a elaboração da
própria constituição).

Formas de expressão: o poder constituinte originário pode ser expressar através da outorga
(imposição – quando não há um “verdadeiro momento constitucional”, segundo Sarmento) ou
da promulgação (forma democrática) da nova constituição. Para que seja reconhecido como
legítimo, o poder constituinte deve se manifestar democraticamente e instituir um regime
político comprometido com o respeito aos direitos humanos (Sarmento).
 
Prova oral – 27º CPR: Características do poder constituinte originário.

6A. Poder constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. Cláusulas pétreas


expressas e implícitas. As mutações constitucionais.

Caio Kusaba

I. Poder constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. Cláusulas pétreas


expressas e implícitas

O Poder Constituinte Derivado pode se manifestar sobre a forma do Poder


Constituinte Derivado Reformador (PCDR) e do Poder Constituinte Derivado Decorrente
(PCDD), tratado no ponto 8.a. O PCDR trata-se da alteração formal da Constituição, ou seja,
alteração do texto constitucional. Na CF/88, a alteração formal pode ser feita por dois
mecanismos:

1. Emenda à Constituição (Art. 60 da CF). O PCDR, diferente do PCO, não é juridicamente


ilimitado. Desse modo, existem limites às emendas, os quais podem ser de vários tipos:

1. Limites procedimentais ou formais:


A. Iniciativa restrita (art. 60, I a III, da CF): só podem apresentar a PEC alguns
legitimados específicos: (a) um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal; (b) Presidente da República; e (c) mais da
metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
Sobre a possibilidade de uma PEC de iniciativa popular, existem dois
posicionamentos:
a. Desfavorável: de acordo com o texto constitucional, não há previsão para a
iniciativa popular de PEC;
b. Favorável: em termos teóricos, JOSÉ AFONSO DA SILVA defende que, se o
povo é titular do poder (art. 1º, p.ú., da CF), é possível uma interpretação
ampliativa para entender que a iniciativa popular não abrange só leis, mas
também a PEC;
B. Quórum de aprovação (art. 60, § 2º, da CF): necessita-se de 3/5 dos votos;
C. Trâmite (art. 60, § 2º, da CF): dois turnos de votação em cada Casa;
D. Promulgação (art. 60, § 3º, da CF): uma vez aprovada a PEC, esta é promulgada
pelas Mesas das Casas. Não é a Mesa do Congresso Nacional, e sim das duas
Casas. Não há sanção presidencial;

38
E. Princípio da irrepetibilidade (art. 60, § 5º, da CF): matéria constante de
proposta de emenda rejeitada ou prejudicada não pode ser objeto de nova PEC
na mesma sessão legislativa – 02 de fevereiro a 22 de dezembro (art. 57 da CF).
Obs.: alguns autores classificam esse limite como temporal;
2. Limites temporais: não há em relação às emendas;
3. Limites circunstanciais (art. 60, § 1º, da CF): não pode haver emenda em (a) estado
de defesa; (b) estado de sítio; e (c) intervenção federal.
4. Limites materiais ou cláusulas pétreas: podem ser:
A. Explícitos (art. 60, § 4º, da CF): não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir: (a) a forma federativa de Estado; (b) o voto direto,
secreto, universal e periódico; (c) a separação dos Poderes; e (d) os direitos e
garantias individuais.
A expressão “tendente a abolir” significa, por óbvio, que uma emenda à
Constituição não pode abolir uma cláusula pétrea. Porém, uma emenda à
Constituição pode restringir um instituto protegido como cláusula pétrea,
desde que não seja violado o seu núcleo essencial.
Núcleo essencial, apesar de difícil definição, pode ser conceituado como o
conjunto das características sem as quais um instituto deixaria de existir.
Como se nota do inc. IV do § 4º, os direitos e garantias individuais são
cláusulas pétreas, não havendo menção aos direitos sociais. Dessa feita, há
divergência sobre a imutabilidade dos direitos sociais:
a. 1ª corrente: entende que as normas disciplinadoras de direitos sociais não
são cláusulas pétreas, por dois motivos: (a) não estão previstos
expressamente no rol de cláusulas pétreas e (b) por serem direitos a
prestação, estão na dependência de condições variadas no tempo dos
recursos disponíveis, não podendo ser afirmados como imodificáveis;
b. 2ª corrente: defende que as normas estabelecedoras de direitos sociais
também são cláusulas pétreas, uma vez que são instrumentos para a
implementação da dignidade da pessoa humana e dos demais
fundamentos da República. Desse modo, os direitos fundamentais sociais
da essência da concepção de Estado acolhida pela CF, devendo ser
considerados cláusulas pétreas.
Uma emenda constitucional NÃO pode ampliar o rol de cláusulas pétreas,
uma vez que o Poder Reformador recebe a sua autoridade do constituinte
originário. Logo, o Poder Reformador só pode ser limitado pelo constituinte
originário, de maneira que o Poder Reformador de hoje não pode inserir novos
limites ao Poder Reformador de amanhã.
Por outro lado, o Poder Reformador pode inserir novo instituto que é
abrangido por uma das hipóteses de cláusula pétrea existente. Ex.: Poder
Reformador inserir no texto constitucional novo direito individual.
Quanto à questão sobre esse novo direito individual, inserido por emenda à
Constituição, ser protegido como cláusula pétrea, existem duas posições:
a. Favorável: o novo direito vira cláusula pétrea, em razão de dois motivos:
i. Quando o constituinte originário colocou no rol de cláusulas pétreas os
direitos e garantias individuais, ele não diferenciou se esses direitos
seriam somente os originários, ou se também poderiam ser direitos
inseridos por emenda;
ii. Princípio da vedação do retrocesso (evolução reacionária ou efeito
cliquet), segundo o qual, se direitos fundamentais alcançaram um
determinado nível de conquistas, não se poderia abolir tais conquistas
porque isso implicaria um retorno a uma situação pior;

39
b. Desfavorável: o novo direito não vira cláusula pétrea, uma vez que isso
seria a imposição de novos limites ao Poder Reformador os quais não
foram previstos pelo constituinte originário;
B. Implícitos:
a. Titularidade do poder: a titularidade do poder pelo povo não pode ser
alterada;
b. Vedação à dupla reforma ou dupla revisão : dupla reforma é a alteração de
um limite ao Poder Reformador para permitir posterior modificação
daquilo que outrora era vedado.
Dessa forma, pode-se dizer que os limites explícitos ao poder de reforma –
limites procedimentais, circunstanciais e materiais explícitos – são, eles
próprios, limites implícitos ao Poder Reformador, porque eles próprios não
podem ser abolidos;
c. República: a matéria é controvertida, mas existem dois argumentos
favoráveis a tese de que a República é uma cláusula pétrea implícita:
i. A República é fruto de uma escolha popular direta, logo, não poderiam
os representantes do povo modificar a forma de governo. Contudo, é
possível que o próprio povo decida pelo fim da República em um novo
plebiscito;
ii. O art. 60, § 4º, II, da CF traz que é cláusula pétrea o voto periódico, e a
periodicidade do exercício do poder é um elemento essencial da
República, afinal o monarca não exerce mandado eletivo.

2. Revisão Constitucional (Art. 3º do ADCT). Diferentemente da emenda à Constituição, a qual


deve ser utilizada quando se pretende operar mudanças específicas, pontuais; a revisão
constitucional se presta a alterações de caráter mais geral na Constituição. Os limites da
revisão constitucional são diferentes dos das emendas à Constituição:

1. Limites procedimentais ou formais:


A. Quórum de aprovação: necessita-se de maioria absoluta;
B. Trâmite: sessão unicameral;
2. Limites temporais: só pode ser feita após 5 anos da promulgação da CF.
Obs.1 do STF: somente cabe uma única revisão constitucional, sendo aquela realizada 5
anos após a promulgação da CF.
Obs.2 do STF: a revisão constitucional também está sujeita às cláusulas pétreas.

II. As Mutações Constitucionais

Poder Constituinte Difuso é o poder para promover a mutação constitucional, isto é,


um processo informal da alteração da Constituição. Na mutação constitucional há alteração do
sentido do texto, mas não do texto. Ou seja, o texto escrito permanece hígido; o sentido dado
ao texto não. Diferentemente do PCDR, o PCD não é exercido com exclusividade por um órgão.
Essa mutação constitucional decorre das próprias transformações sociais e da própria evolução
do direito. A mutação constitucional pode se manifestar das seguintes formas:

1. Grupos de pressão: grupos sociais que pressionam o poder público e a sociedade


para admitir determinado valor ou mudar determinada concepção;
2. Práticas consolidadas: conduta reiterada ao longo de um grande lapso de tempo;
3. Construção doutrinária: ex.: doutrina brasileira do habeas corpus (1891 a 1934), a
qual sustentava que o habeas corpus poderia ser usado para a proteção de qualquer
liberdade, e não somente á liberdade de locomoção. Com a criação do mandado de
segurança, essa doutrina se tornou superada.

40
Existe a figura da mutação constitucional inconstitucional, a qual consiste em atribuir a
uma norma constitucional uma nova interpretação que seja contrária aos valores consagrados
pela Constituição. Para evitar que a mutação constitucional seja inconstitucional, a mutação
constitucional tem limites:

1. Próprio texto: não se pode atribuir ao texto um sentido que seja contrário às suas
possibilidades semânticas;
2. Sistema de valores constitucionais: a interpretação não pode levar a um resultado
contrário aos valores defendidos pela Constituição. Exemplos próprios de violações são
as práticas políticas consolidadas e as omissões do poder público em efetivar a
Constituição (o que gera uma interpretação de inefetividade da Constituição).

8A. Poder constituinte estadual: autonomia e limitações.

Caio Kusaba

O Poder Constituinte Derivado Decorrente (PCDD) é o poder que os Estados têm para a
elaboração da própria Constituição. Esse poder não é inicial nem incondicionado nem
ilimitado. O PCDD se subdivide em:

1. Poder Constituinte Decorrente Institucionalizador: é o poder de criação da


Constituição Estadual. A rigor, trata-se de um poder derivado, subordinado e
condicionado, devendo obedecer às normas fixadas (limites) na CF/88, quais
sejam:
A. Princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII, da CF/88): forma republicana;
sistema representativo; regime democrático; direitos da pessoa humana;
autonomia municipal; prestação de contas da administração pública, direta e
indireta; e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos
estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
Seu descumprimento autoriza a intervenção federal;
B. Princípios federais extensíveis: são normas centrais comuns à União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, de observância obrigatória e que percorrem toda
a Constituição. Ex.: arts. 1º, 4º e 5º, da CF/88;
C. Princípios constitucionais estabelecidos : são normas espalhadas pelo texto
constitucional responsáveis por organizar a Federação. Ex.: normas de
competência e normas de reprodução obrigatória.

2. Poder Constituinte Decorrente Reformador: é o poder de reforma da Constituição


Estadual. Aplica-se, mutatis mutandi, o mesmo que foi dito sobre o Poder
Constituinte Derivado Reformador (ponto 6.a).

A doutrina majoritária entende que, nos Municípios, não há PCDD, pois eles possuem
Lei Orgânica, a qual não possui natureza constitucional. Existe corrente minoritária que
defende que a Lei Orgânica tem natureza constitucional, havendo a seguinte divisão do Poder
Constituinte:
1. Poder Constituinte de 1º Grau: Constituição Federal;
2. Poder Constituinte de 2º Grau: Constituição Estadual, o qual deve observância à
CF;
3. Poder Constituinte de 3º Grau: Lei Orgânica, a qual deve observância à CF e à CE.

Em relação ao Distrito Federal, este também se organiza mediante Lei Orgânica.


Todavia, trata-se de Lei Orgânica peculiar, uma vez que abrange tanto matéria de Constituição

41
Estadual como de Lei Orgânica municipal. No ponto referente a matérias de Constituição
Estadual, a Lei Orgânica do Distrito Federal tem natureza constitucional.

13A. Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da recepção. Disposições constitucionais


transitórias.

Caio Kusaba

I. Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da recepção

O Direito Constitucional Intertemporal trata da relação da Constituição nova com a


Constituição e a legislação infraconstitucional anteriores.

Na relação com a Constituição anterior podem ser citados três institutos:

i) Revogação: a Constituição nova revoga a Constituição anterior. Essa é a regra, podendo ser a
revogação expressa ou tácita;

ii) Desconstitucionalização: as normas da Constituição anterior serão analisadas perante a


Constituição nova e, se elas forem materialmente compatíveis com a nova Constituição, elas
podem ser mantidas assumindo status infraconstitucional. Esse fenômeno só ocorre se for
expressamente previsto, não havendo previsão na CF/88 da desconstitucionalização;

ii) Vacatio Constitutionis: segue a mesma lógica da vacatio legis. Trata-se de um período no
qual a Constituição nova ainda não entrou em vigor, sendo mantida a vigência da Constituição
anterior. Esse fenômeno também só ocorre se for expresso. A vacatio constitutionis pode ser
parcial, com apenas alguns dispositivos não entrando em vigor imediatamente. Isso ocorreu na
CF/88, conforme o artigo 34 do ADCT (Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a
partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido,
até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas
posteriores). Esse fenômeno da vacatio constitutionis, sobretudo quando parcial, também é
chamado de recepção material da Constituição anterior.

Já na relação com a legislação infraconstitucional anterior (direito pré-constitucional),


quando uma Constituição nova é promulgada, isso não quer dizer que toda a legislação
infraconstitucional anterior é revogada, pois, caso contrário, seria necessário refazer toda a
legislação infraconstitucional. Desse modo, pelo princípio da continuidade do ordenamento
jurídico, as normas tendem a permanecer após a promulgação da nova Constituição. Porém,
para isso, faz-se necessário uma análise de compatibilidade entre o direito pré-constitucional e
a Constituição nova. A análise da compatibilidade pode ser feita sob duas perspectivas:

1. Compatibilidade material: verifica-se se o conteúdo da norma anterior é


compatível com a nova Constituição. Desta análise, pode-se chegar a duas
conclusões:
A. Norma materialmente compatível: ocorre o fenômeno da recepção, a qual gera
duas consequências importantes:
a. A norma recepcionada assume um novo fundamento de validade, o qual é
a nova Constituição que recepcionou a norma. Assim, a norma
recepcionada deve ser interpretada de acordo com a nova Constituição;
b. A norma recepcionada assume o status normativo exigido pela nova
Constituição. Ex.: CTN foi editado como lei ordinária, pois a CF, à época,
exigia apenas lei ordinária. A CF/88 exige lei complementar para tratar da

42
matéria, fazendo com que o CTN fosse recepcionado com status de lei
complementar;
B. Norma materialmente incompatível: ela não é recepcionada pela nova
Constituição. Prevalece no âmbito do STF que a norma anterior é revogada
pela nova Constituição.
Por outro lado, pode ocorrer de a norma infraconstitucional anterior não ser
compatível com a Constituição anterior, sendo, portanto, inconstitucional. Essa
mesma norma pode não ter sido declarada inconstitucional naquela época, porém,
com a edição de uma nova ordem constitucional, percebe-se que ela é compatível
com a Constituição nova. Nessa situação, a norma não pode ser declarada
constitucional com base na nova Constituição, pois ela nasceu inconstitucional.
Assim, NÃO há o fenômeno da constitucionalidade superveniente;

2. Compatibilidade formal: examina-se dois pontos:

A. Aspecto procedimental: tem relação com o processo legislativo. As questões


referentes a esse aspecto podem ser reproduzidas na seguinte tabela:

Constituição Anterior Constituição Nova


Norma Recepção?
(Exigência) (Exigência)
Lei ordinária Lei ordinária Lei ordinária SIM
Lei ordinária Lei ordinária Lei complementar SIM
Lei complementar Lei ordinária Lei ordinária NÃO

No último caso, mesmo que haja a compatibilidade com a nova Constituição,


não há a recepção porque a norma nasceu inconstitucional;

B. Aspecto orgânico: refere-se à repartição de competências entre os entes da


Federação. As questões referentes a esse aspecto podem ser reproduzidas na
seguinte tabela:

Constituição Anterior Constituição Nova


Recepção?
(Exigência) (Exigência)

Lei federal Lei estadual SIM


Lei estadual Lei federal NÃO

Como já afirmado, com a recepção da norma esta assume um novo status


normativo compatível com a nova Constituição. Por essa razão, não pode haver
a recepção no segundo caso, pois, caso contrário, as diversas normas
existentes em cada um dos Estados assumiriam status de norma federal,
gerando um caos na ordem jurídica. Na primeira situação, conforme cada
Estado vai editando sua própria lei sobre a matéria, a antiga lei federal vai
perdendo sua eficácia.

II. Disposições Constitucionais Transitórias

43
As disposições constitucionais transitórias são previstas no Anexo de Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT) e tratam da aplicabilidade de outras normas. Ou seja,
normas que visam a situações temporárias, provisórias.

Cumpre ter presente que, por vezes, o dispositivo do ADCT é estatuído pelo
constituinte originário para excepcionar hipóteses concretas da incidência de uma norma
geral, integrante do corpo principal da Constituição, ou então, volta-se especificamente para
atribuir um regime mais vantajoso a um grupo concreto de destinatários (ex.: art. 19 do ADCT).
Apesar desses objetivos e de os artigos do ADCT seguirem uma numeração própria, as
normas constitucionais transitórias possuem natureza constitucional, servindo de parâmetro
normativo para o controle de constitucionalidade.

5. NORMAS CONSTITUCIONAIS
5.1 Norma jurı ́dica e enunciado normativo. Caracterı ́sticas da norma jurı ́dica. (9.b)
5.2 Normas constitucionais. Definição. Estrutura. Classificações. Princı ́pios e regras. Preâmbulo.
Efeitos das normas da Constituição de 1988. (4.b)

9B. Norma jurídica e enunciado normativo. Características da norma jurídica.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR. Direito Constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento.

Norma jurídica e enunciado normativo “Enunciado normativo corresponde a uma proposição


jurídica no papel, a uma expressão linguística, a um discurso prescritivo que se extrai de um ou
mais dispositivos. Enunciado normativo é o texto ainda por interpretar. Já a norma é o produto
da incidência do enunciado normativo sobre os fatos da causa, fruto da interação entre texto e
realidade. Da aplicação do enunciado normativo à situação da vida objeto de apreciação é que
surge a norma” (Roberto Barroso: 2009, p. 194).

O Edital utilizou o termo “enunciado normativo” como equivalente a “texto legal”, dito isto,
“norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo.
Trata-se de algo que se produz em nossa mente [...] Por analogia aos símbolos linguísticos
quaisquer podemos dizer que o texto escrito está para a norma jurídica tal qual o vocábulo
está para sua significação. Nas duas situações, encontraremos o suporte físico que se refere
algum objeto do mundo (significado) do qual extratamos um conceito ou juízo (significação)
[...] a norma é um juízo hipotético-condicional (se ocorrer o fato X, então deve ser a prestação
Y)” (Barros Carvalho:2007, 8-9). Segundo a concepção clássica, “a norma funciona como
esquema de interpretação [...].

Sarmento afirma que apesar da sua importância, o texto nunca se confunde com a norma
jurídica. O texto é o significante, e a norma o seu significado. A norma jurídica é o que resulta
da interpretação de um texto, sendo o texto o invólucro da norma, a sua aparência exterior. É
certo, contudo, que nem toda norma jurídica está consagrada em um texto específico, pois
existem normas implícitas. Por outro lado, há hipóteses em que a norma jurídica só é obtida
pela conjugação de vários textos (dispositivos) diferentes.

O texto não pode ser dissociado do contexto. Na aplicação e interpretação, tudo se dá no


mesmo âmbito, em que se conhece e interpreta, conforme o neoconstitucionalismo – norma
jurídica é enunciado interpretado, tendo em vista que todo processo de contextualização, já
vai ter sido interpretado.

É frequente a afirmação de que o texto é o ponto de partida da interpretação. Sarmento diz


que essa assertiva não é exata, pois o intérprete, em geral, já se aproxima do problema jurídico

44
que lhe é apresentado com uma pré-compreensão, que já envolve uma antecipação provisória
da resposta, que poderá ser ou não confirmada ao final do processo hermenêutico.

A teoria da norma, para o positivismo jurídico, se baseia na Teoria Coativa do Direito, em que o
direito é um conjunto de normas coativas; na Teoria da Lei como Fonte do Direito, que tem a
lei como fonte hierarquicamente superior às demais, recebendo a qualificação jurídica; e, por
fim, a Teoria Imperativa da Norma Jurídica, em que a norma jurídica tem a estrutura de um
comando, proveniente de alguém investido de autoridade e destinado a impor-se de modo
subordinante, sob pena de sanção. A Teoria do Ordenamento Jurídico defende a coerência e
completude das normas jurídicas, visando conferir unidade, com uma unidade formal, e em
caso de conflitos deve uniformizar por meio dos critérios de hierarquia, cronologia e
especialidade (regras).

Enunciado ou proposição normativa é um enunciado descritivo que se refere a uma ou várias


normas jurídicas. Enquanto as normas são expressões de uma linguagem (prescritiva),
qualificando-se de justas ou de injustas, eficazes ou ineficazes, as proposições normativas são
meras descrições; uma metalinguagem, qualificando-se de verdadeiras ou falsas.

Kelsen também distinguia proposições ou enunciados de normas jurídicas. Nas proposições ou


enunciados, a ciência jurídica descreve as relações constituídas através das normas jurídicas
entre os fatos por ela determinados. As proposições jurídicas são juízos hipotéticos, que
enunciam ou traduzem que devem intervir certas consequências fixadas pelo ordenamento. As
normas jurídicas não são juízos, porque não são enunciados sobre um objeto dado ao
conhecimento. São mandamentos. Só mandamentos, e, como tais, são comandos, são
imperativas. Mas não são apenas comandos, não são apenas imperativos. Elas também
traduzem permissões, atribuições de poder e/ou competência. As normas jurídicas, para
Kelsen, são produzidas por órgãos jurídicos, a fim de por eles serem aplicadas e serem
observadas pelos destinatários do direito. Essa produção de normas jurídicas não é apenas
monopólio do Legislador. O juiz produz norma de decisão.

Qual a importância dessa distinção? Qual a sua razão? Ela vai realçar papéis da ciência jurídica
e dos órgãos jurídicos (ordem jurídica). A ciência jurídica tem por missão conhecer de fora o
direito e descrevê-lo com base no seu conhecimento. Os órgãos jurídicos têm autoridade
jurídica e, em razão desta, eles têm por missão produzir o direito. Ciência jurídica visa
conhecer o direito, ao passo que os órgãos jurídicos têm por missão produzir o direito para
que ele possa ser conhecido e discutido pela ciência jurídica. Então, Kelsen identifica o dever-
ser da norma jurídica como sentido prescritivo e o dever-ser das proposições jurídicas como
sentido descritivo.

A normas jurídicas traduzem comando e as proposições jurídicas têm a função de conhecer o


direito de fora e, por isso, tem sentido descritivo. Segundo a concepção clássica, “a norma
funciona como esquema de interpretação [...] Com o termo ‘norma’ se quer significar que algo
deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada
maneira [...]” (Kelsen:2000, p. 4-6).

Herbert Hart considera a visão de Kelsen como limitada àqueles enunciados que preveem
sanção, contemplando o direito exclusivamente do ponto de vista de descumprimento da lei,
esquecendo que o normal é que estas sejam cumpridas espontaneamente. Ademais, no
ordenamento jurídico existe um importante número de normas que não preveem sanção.
Nem todos os enunciados que compõem o direito tem esta mesma estrutura, existindo outros
que conferem autorizações ou ordens. Existem dois tipos de regra: (i) o tipo básico ou primário
que prescreve que os seres humanos façam ou omitam certas ações, impondo deveres. As
regras do outro tipo (ii) são as secundárias, que estabelecem que os seres humanos podem

45
extinguir ou modificar regras anteriores, ou determinar de diversas maneiras o efeito delas, ou
controlar sua atuação. Conferem faculdades, públicas ou privadas. Dentre as regras
secundárias, para Hart, destacam-se as regras de conhecimento, as regras de alteração e as
regras de julgamento.

A regra de conhecimento criaria um critério formal (critério da fonte) para decidir quando uma
regra é válida e obrigatória ou não. A regra de alteração definiria o procedimento e as pessoas
competentes para criar novas regras e revogar as antigas. Por fim, a regra de julgamento ou
aplicação definiria as pessoas dotadas de autoridade e responsáveis por julgar controvérsias
entre membros da comunidade, bem como do poder de imporem suas decisões, se necessário,
mediante o uso de uma coerção organizada, limitada e regulada. Para Hart, as regras
secundárias (conhecimento, alteração e julgamento) resolveriam os três problemas (incerteza,
caráter estático e ineficácia das regras) das comunidades que se tornaram grandes e
complexas demais para serem reguladas apenas por regras primárias. (COELHO, 2011).

Realidade dúplice das normas: Hodiernamente, a norma é vista sob uma realidade dúplice:
“Alexy afirma que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, ao passo que as regras
são normas que podem ser cumpridas ou não, uma vez que, se uma regra é valida, há de ser
feito exatamente o que ela exige [...] Os princípios apresentam razões que podem ser
superadas por razões opostas. A realização dos princípios depende das possibilidades jurídicas
e fáticas, que são condicionadas pelos princípios opostos, e assim exigem consideração dos
pesos dos princípios em colisão segundo as circunstâncias do caso concreto” (Marinoni: 2010,
p. 49-50); “em suma, os princípios são mandados de otimização que se caracterizam pelo fato
de poderem ser cumpridos proporcionalmente às condições reais e jurídicas existentes”
(Edilsom Farias:2004, p. 48).

Ronald Dworkin considera que o direito não é composto unicamente por normas, mas também
e, fundamentalmente, por princípios. Rafael Simioni observa que, para Dworkin, “Os princípios
abrangem tanto os princípios morais quanto os objetivos políticos do governo. Assim, dentro
do gênero princípios, Dworkin (1978) observa inicialmente que existem duas espécies muito
importantes na prática das decisões judiciais e que são bastante recorrentes nas decisões
sobre casos difíceis: o uso de argumentos baseados em princípios morais e o uso de
argumentos baseados na conformidade da decisão com os objetivos das políticas públicas do
governo – que Dworkin (1978, p. 22) chama de policies.” (p. 208). Portanto, “Ao contrário de
Castanheira Neves, Alexy (1993) e outros, os princípios, em Dworkin, não são espécies do
gênero norma. Os princípios são questões de fundamento e não precisam estar
necessariamente positivados em leis – ou em precedentes, para o caso do common law.” (p.
206).
As normas jurídicas possuem as seguintes características:
Bilateralidade: essa característica tem relação com a própria estrutura da norma, pois,
normalmente, a norma é dirigida a duas partes, sendo que uma parte tem o dever jurídico, ou
seja, deverá exercer determinada conduta em favor de outra, enquanto que, essa outra, tem o
direito subjetivo, ou seja, a norma concede a possibilidade de agir diante da outra parte. Uma
parte, então, teria um direito fixado pela norma e a outra uma obrigação, decorrente do
direito que foi concedido.
Generalidade: é a característica relacionada ao fato da norma valer para qualquer um, sem
distinção de qualquer natureza. Ela obriga a todos que se achem em igual situação jurídica.
Essa característica consagra um dos princípios basilares do Direito: igualdade de todos perante
a lei.
Abstratividade: a norma não foi criada para regular uma situação concreta, mas para regular
de forma abstrata, abrangendo o maior número possível de casos semelhantes. A norma vai

46
tão somente formular os modelos de situação, com as características fundamentais, sem
mencionar as particularidades de cada caso.
Imperatividade: a norma, para ser cumprida e observada por todos, deverá ser imperativa, ou
seja, impor aos destinatários a obrigação de obedecer. É obrigatória. Não depende da vontade
dos indivíduos. Norma não é conselho, mas ordem a ser seguida. a) são cogentes as normas
que excluem “qualquer arbítrio individual. São aplicadas ainda que pessoas eventualmente
beneficiadas não desejasse delas valer-se” (Venosa:2010, p. 13), não podendo ser derrogadas
pela vontade das partes; (b) as normas dispositivas podem ser permissivas, quando delegam
aos beneficiados o regramento integral da questão por convenção particular; ou supletivas em
relação a eventual omissão das partes, caso em que estas normas assumirão caráter de
obrigatoriedade, como que reproduzindo uma vontade presumida em razão da omissão. Obs.:
(1) a distinção por vezes depende da objetividade jurídica; (2) uma das características do
fenômeno da publicização do direito civil refere-se à imperatividade.

Coercibilidade: possibilidade do uso da força para garantir o cumprimento da norma. Essa


força pode se dar mediante coação, que atua na esfera psicológica, desestimulando o
indivíduo a descumprir a norma, ou por sanção (penalidade), que é o resultado do efetivo
descumprimento. Pode-se dizer que a Ordem Jurídica também estimula o cumprimento da
norma pelas sanções premiais. Essas sanções seriam a concessão de um benefício ao indivíduo
que respeitou determinada norma.

Classificação quanto à sanção ou autorizamento: (a) são perfeitas as normas que importam
em sanção de nulidade ou de anulação do ato jurídico; (b) são mais que perfeitas quando
estabelecem tanto a nulidade absoluta ou relativa (que possibilitam o retorno ao “status quo
ante”), como importam em aplicação de pena ao infrator, como é o caso dos ilícitos civis que
constituem infração penal; (c) menos que perfeitas “são as que autorizam, na sua violação, a
aplicação de uma sanção ao violador, mas não a nulidade do ato” (Gagliano e Pamplona:2004,
p. 15); (d) as leis imperfeitas “prescrevem uma conduta sem impor sanção. Não existe nulidade
para o ato, nem qualquer punição [...] exemplo é o das dívidas prescritas e de jogo (obrigações
naturais). Essas dívidas devem ser pagas, porém o ordenamento não concede meio jurídico de
obrigar o pagamento” (Venosa:2010, p. 15). Obs.: O art. 166, VII, do CC, estabelece hipótese de
nulidade virtual quando a lei “proibir-lhe a prática, sem cominar sanção”.

4B. Normas constitucionais. Definição. Estrutura. Classificações. Princípios e regras.


Preâmbulo. Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988.

Oswaldo Costa
 
I. Normas constitucionais. Definição. Estrutura

Normas materialmente constitucionais, segundo a doutrina majoritária, são as que


regulam os seguintes temas: forma de governo, forma de Estado, separação de
poderes, obtenção e exercício do poder  e direitos fundamentais; normas formalmente
constitucionais são aquelas que, sem regular os aspectos acima mencionados, são
consideradas constitucionais pelo simples fato de terem sido consignadas no texto da
Constituição pelo legislador, adquirindo assim status constitucional. Ex.: Art. 242, § 2º - “ O
Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”.

II. Normas constitucionais. Classificações

Normas definidoras de direito e normas de organização: “(...) refletindo a clássica


dicotomia Estado/indivíduo, as disposições constitucionais podem ser classificadas em normas
de organização, de estrutura ou de competência, e normas definidoras de direitos, sendo as

47
primeiras aquela que dispõe sobre a ordenação dos poderes do Estado, sua estrutura,
competência, articulação recíproca e o estatuto dos seus titulares; as outras, as que definem
os direitos fundamentais  dos jurisdicionados.” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008: 30).

Normas autoaplicáveis (autoexecutáveis, segundo MENDES, COELHO e BRANCO): “(...)


consideram-se autoexecutáveis  as disposições constitucionais bastantes em si, completas e
suficientemente precisas na sua hipótese de incidência e na sua disposição, aquelas que
ministram os meios pelos quais se possa exercer ou proteger o direito que conferem, ou
cumprir o dever e desempenhar o encargo que elas impõe; normas não-aplicáveis, ao
contrário, são as disposições constitucionais incompletas ou insuficientes, para cuja execução
se faz indispensável a mediação do legislador, editando normas infraconstitucionais
regulamentadoras.”

José Afonso da Silva.


i) Eficácia Plena – São de aplicação direta e imediata e independem de uma lei que venha
mediar os seus efeitos. As normas de eficácia plena também não admitem que uma lei
posterior venha a restringir o seu alcance.
ii) Eficácia Contida – Assim como a plena é de aplicação direta e imediata não precisando de
lei para mediar os seus efeitos, porém, poderá ver o seu alcance limitado pela superveniência
de uma lei infraconstitucional, por outras normas da própria constituição estabelece ou ainda
por meio de preceitos ético-jurídicos como a moral e os bons costumes.
iii) Eficácia Limitada – São de aplicação indireta ou mediata, pois há a necessidade da
existência de uma lei para “mediar” a sua aplicação. Caso não haja regulamentação por meio
de lei, não são capazes de gerar os efeitos finalísticos (apenas os efeitos jurídicos que toda
norma constitucional possui). Podem ser:
a) Normas de princípio programático (normas-fim) - Direcionam a atuação do Estado
instituindo programas de governo.
b) Normas de princípio institutivo - Ordenam ao legislador a organização ou instituição de
órgãos, ou instituições.

Bandeira de Mello: Todas as disposições concernentes à Justiça Social, inclusive as


programáticas, são comandos jurídicos, gerando inconstitucionalidade (até por omissão)
quando o Estado age em descompasso. Embora com teores eficaciais distintos, todas são
direitos subjetivos. Espécies:
a) concessivas de poderes jurídicos, podendo ser exercitadas de imediato;
b) atributivas de direito a fruir, mediante prestação alheia, que pode ser exigida judicialmente;
c) que apontam finalidades, sem indicar a conduta do Poder Público, que permitem aos
administrados se oporem judicialmente a atos conflitantes com o preceito.

III. Princípios, regras e postulados

Diversas teorias e concepções buscam estabelecer distinção entre princípios e regras.


As mais comumente aceitas afirmam as normas constitucionais distinguem-se em princípios e
regras e que “aquilo que caracteriza particularmente o princípio – e isto constitui sua diferença
com a regra de direito (...) – é, de um lado, a falta de precisão e, de outro, a generalização e
abstração lógica.” (STARI, apud MENDES, COELHO e BRANCO: 31). Some-se a isto o fato de que
os princípios são aplicados segundo juízo de ponderação, ao passo que as regras segundo
critério do “tudo ou nada”. Ao lado das normas (gênero que divide-se em princípios e regras),
há também os postulados10, os quais, segundo ÁVILA (2003: 80), distingue-se dos princípios
pois estes “estabelecem fins a serem buscados”. Para Ávila, os postulados não seriam normas,
mas sim metanormas, “situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura de aplicação
de outras normas, princípios e regras”, ou seja, os postulados “(...) não impõe a promoção de
um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim”, além disso

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“(...) não prescrevem comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação
relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos.” (Idem). Para Ávila,
são exemplos de postulados a ponderação, a concordância prática e a proibição de excesso,
bem como a igualdade, razoabilidade e proporcionalidade.

IV. Preâmbulo

Preâmbulo: “Na expressão de Peter Häberle, os preâmbulos são ‘pontes do tempo’,


exteriorizando as origens, os sentimentos, os desejos e esperanças que palmilharam o ato
constituinte originário” (BULOS, 2008: 283). Portanto, o preâmbulo não possui força
normativa, não servindo, portanto, como parâmetro para o exercício do controle de
constitucionalidade. Esta tese já foi sedimentada pelo STF: ADI 2.076.

V. Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988 

O estudo da dinâmica constitucional diz respeito aos efeitos das normas


constitucionais no tempo (passado – presente - futuro). Certo é que o surgimento de uma nova
Constituição traz uma série de consequências para o ordenamento jurídico do Estado. Sem
dúvida, a teoria da Constituição desenvolveu uma gama de institutos para lidar com essas
consequências. Assim, diante dessas premissas, são seus possíveis efeitos em relação a normas
pré-existentes:

(a)  Recepção: as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas
por ausência de recepção. A contrario sensu, a norma infraconstitucional que não contrariar a
nova ordem será recepcionada, podendo, inclusive, adquirir uma nova “roupagem”. Pode
ocorrer de forma expressa ou tácita
(b)  Revogação: nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes da nova
Constituição, incompatíveis com as novas regras, não se observará qualquer situação de
inconstitucionalidade, mas, apenas de revogação da lei anterior pela nova constituição, por
falta de recepção.
(c)   Represtinação: normas infraconstitucionais elaboradas (e em vigor) sob a base de um
ordenamento constitucional não são recepcionadas por um novo ordenamento constitucional
(ocorrendo a revogação o normativa) e, posteriormente, em virtude de uma nova Constituição,
essas normas voltariam a vigorar. Os requisitos para essa possibilidade seriam: (i) não
contrariedade à nova Constituição; (ii) disposição expressa do poder constituinte, já que, a
represtinação não poderia ocorrer de forma automática (defesa da segurança jurídica).

Recepção material das normas constitucionais: consiste na possibilidade de normas


de uma constituição anterior serem recepcionadas pelo novo ordenamento constitucional
(pela nova constituição) “ainda” como normas constitucionais (com o status de normas
constitucionais). Nessecaso, os requisitos seriam: (i) não contrariedade com as normas da nova
constituição; (ii) disposição expressa do Poder Constituinte Originário; (iii) prazo determinado
(prazo certo) de tal prática devido ao seu caráter precário, sobretudo em razão de que as
normas da constituição anterior vão permanecer no novo ordenamento constitucional ainda
como normas de cunho constitucional, o que, obviamente, só poderia se dar de forma
temporária e excepcional. Como exemplo desse fenômeno, temos o art. 34 do ADCT da CF/88. 

Graus de retroatividade da norma constitucional: máximo, médio ou mínimo. O STF


entende que as normas constitucionais, fruto da manifestação do poder constituinte
originário, têm, por regra geral, retroatividade mínima, ou seja, aplicam-se a fatos que venham
a ocorrer após a sua promulgação, referentes a negócios passados.

49
6. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
6.1 Hermenêutica e Teorias da argumentação jurı ́dica. (2.c)
6.2 Interpretação jurı ́dica. Métodos e critérios interpretação. (21.b)
6.3 Critérios clássicos de resolução de antinomias jurı ́dicas. (12.b)
6.4 A metodologia jurı ́dica no tempo. A Escola da Exegese. Jurisprudência dos conceitos,
jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores. (17.b)
6.5 O realismo jurı ́dico. Neoformalismo. O pós-positivismo jurı ́dico. (17.b)
6.6 O papel das pré-compreensões no Direito. Interpretação, moralidade positiva e moralidade
crı ́tica. (22.a)
6.7 Lacunas e integração do Direito: analogia, costumes e equidade. (4.c) Os princı ́pios gerais
do direito.(7.c)
6.8 Interpretação constitucional. Métodos e princı ́pios de hermenêutica constitucional. (10.a)
6.9 Constituição e cosmopolitismo. O papel do direito comparado e das normas e
jurisprudência internacionais na interpretação da Constituição. (2.a)
6.10 Colisão entre normas constitucionais. Ponderação e juı ́zo de adequação. Princı ́pios da
Proporcionalidade e da Razoabilidade. (11.c)

2C. Hermenêutica e Teorias da argumentação jurídica.

Oswaldo Costa

O que normalmente se entende hoje por teoria da argumentação jurídica tem sua
origem numa série de obras dos anos 50 (século XX), origem esta que estava conectada com o
problema das relações entre o direito e a sociedade. As três concepções mais relevantes como
precursoras das atuais teorias da argumentação jurídica são: a tópica de Viehweg; a nova
retórica de Perelman e a lógica informal de Toulmin. Estas, embora diferindo entre si em
diversos aspectos, têm em comum a rejeição do modelo da lógica dedutiva. No entanto, as
três concepções deixam a desejar quanto ao seu desenvolvimento. Mas, seu papel
fundamental consistiu em ter aberto um relativamente novo campo de investigação e, ter
servido como precursoras das atuais teorias da argumentação jurídica elaboradas por
MacCormick e Robert Alexy, os quais representam o que se denomina de “teoria padrão da
argumentação jurídica”.

Das atuais teorias da argumentação jurídica, as teorias desenvolvidas por MacCormick


e Robert Alexy foram as que nos últimos anos foram mais discutidas e alcançaram maior
difusão. Essas duas concepções desenvolvidas por MacCormick e Alexy constituem o que se
poderia chamar de Teoria Padrão da Argumentação Jurídica, na qual a perspectiva de análise
das argumentações jurídicas se situa num conceito de justificação dos argumentos. Haveria
aqui uma justificação formal dos argumentos (argumentos formalmente corretos) e uma
justificação material (que se refere a aceitabilidade do argumento).

A) MACCORMICK

MacCormick trata de construir uma teoria que dê conta tanto dos aspectos dedutivos
da argumentação jurídica quanto dos não-dedutivos, dos aspectos formais e dos materiais,
que se situe a meio caminho entre uma teoria ultra-racionalista do Direito (existência de uma
única resposta correta para o caso) e uma irracionalista (decisões jurídicas são produtos da
vontade e não da razão). Para ele não se trata unicamente de mostrar em que condições uma
decisão jurídica pode ser considerada justa; ele pretende, além disso, que as decisões
jurídicas, de fato, se justifiquem precisamente de acordo com esse modelo.

50
MacCormick parte da consideração de que, pelo menos em alguns casos as
justificações que os juízes articulam são de caráter estritamente dedutivo (raciocínio lógico
dedutivo). Mas, a justificação dedutiva obedece a pressupostos e limites.

O primeiro pressuposto é que o juiz tem o dever de aplicar as regras do direito válido.
O segundo pressuposto é que o juiz pode identificar quais são as regras válidas.

A teoria de MacCormick foi objeto de algumas críticas, dentre outras podemos citar:

1) crítica em relação ao caráter dedutivo do raciocínio jurídico quando se refere: a


possibilidade de se chegar a conclusões contraditórias quando se parte de premissas
diferentes; a existência de conceitos indeterminados; ao âmbito em que opera a dedução, pois
o próprio MacCormick  admite a ampla zona de imprecisão entre os casos claros e os difíceis;
2) crítica ao caráter ideologicamente conservador, quando: concentra-se nas decisões dos
Tribunais Superiores; sugere que decisões inovadoras (contra legem) nunca poderiam ser
justificadas; afirma que é sempre possível fazer justiça de acordo com o direito (o que não
parece tão óbvio).

B) ROBERT ALEXY

A teoria da argumentação jurídica formulada por Alexy coincide substancialmente com


a de MacCormck. Ambos percorrem o mesmo caminho, mas em sentidos opostos.
MacCormick parte das argumentações ou justificações das decisões tal e como de fato elas
ocorrem nas instâncias judiciais e, a partir daí elabora uma teoria da argumentação jurídica
que ele acaba por considerar como fazendo parte de uma teoria geral da argumentação
prática.

Alexy, pelo contrário, parte de uma teoria da argumentação prática geral que ele
projeta, depois para o campo do Direito. O resultado a que ele chega consiste em considerar o
discurso jurídico, a argumentação jurídica, como um caso especial do discurso prático geral.
Isto é, do discurso moral. Essa abordagem diferente faz com que a concepção de Alexy esteja,
de certo modo, mais distante da prática geral da argumentação jurídica que a de MacCormick.
Mas, em troca, trata-se de uma teoria mais articulada e sistemática.

Alexy distingue dois aspectos na justificação das decisões jurídicas: a justificação


interna e a justificação externa. A justificação interna se refere à aplicação de normas ou
estabelecimento de passos de desenvolvimento, de maneira que a aplicação da norma ao caso
não seja discutível. A justificação externa se refere à justificação das premissas.

Alexy entende que uma teoria da argumentação jurídica teria de ser capaz de unir
dois modelos diferentes do sistema jurídico: o sistema jurídico como sistema de
procedimento e o jurídico como sistema de normas (regras e princípios).

A característica da aplicação de regras é a subsunção; mas, a característica da


aplicação dos princípios é a ponderação, pois podem ser cumpridos em diversos graus. Os
princípios são mais do que simples tópicos, levam a formas de fundamentação das decisões
jurídicas que não poderiam existir sem eles.

Os princípios, diferentemente das regras, são comandos que admitem relativização.


Segundo Alexy, a fórmula da ponderação resumir-se-ia no seguinte: “Quanto mais intensa se
revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os
fundamentos justificadores dessa intervenção”. Portanto, é nos fundamentos justificadores da

51
violação a determinado direito (ou princípio), em favor de outro que venha com ele colidir,
que encontramos o ponto nodal do postulado da proporcionalidade.

Alexy sob à égide da razão prática, procurou desenvolver uma análise mais apurada
sobre a incidência dos princípios na resolução dos conflitos.

Teoria prescritiva da argumentação: Robert Alexy apresentou uma vasta teoria prescritiva da
argumentação. Ele distingue entre regras de justificação interna de uma sentença e regras de
justificação externa.  Na justificação interna, trata-se de saber se a sentença é o resultado
lógico das premissas mencionadas na fundamentação da sentença. Na justificação externa,
devem ser formuladas as regras que devem garantir a correção das premissas (interpretação
semântica, histórica e teleológica).

Teoria interpretativa da argumentação: As teorias interpretativas da argumentação tentam


esclarecer o que é “sentido” e “função” na argumentação jurídica. O máximo que se exige do
conteúdo de verdade da argumentação é que a fundamentação jurídica tenha a função de
garantir a correção de uma decisão em especial, a expressão normativa da sentença. O mínimo
que se exige da argumentação jurídica é que ela garanta simplesmente a aceitação da decisão.
No primeiro caso, a teoria da argumentação jurídica tem de receber elementos da filosofia
prática, especialmente da teoria do discurso, e estabelecer critérios acerca da correção da
argumentação jurídica. No último caso, uma teoria da argumentação tem de elaborar os
critérios que nos digam em que casos são aceitas as fundamentações de sentenças.

21B. Interpretação jurídica. Métodos e critérios de interpretação.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR. Direito Constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento.

Noções gerais: os critérios de interpretação são métodos clássicos da hermenêutica jurídica,


surgidos a partir do embate entre as teorias da voluntas legislatoris (teoria subjetiva ) e
voluntas legis (teoria objetiva) (DINIZ, p. 418-419 e FERNANDES, p. 151-154), “que, ao longo do
tempo, foram sendo aperfeiçoados pelos cientistas do direito.” (FERNANDES, p. 154). Os
demais itens transitam em torno desse tema.

“Na interpretação do Direito Positivo o técnico recorre a vários elementos necessários à


compreensão da norma jurídica, entre eles o gramatical, também chamado literal ou filológico,
o lógico, o sistemático, o histórico e o teleológico.” (NADER, p. 275) “Os elementos históricos,
genéticos, sistemáticos e teleológicos da concretização não podem ser isolados uns dos outros
e do procedimento da interpretação gramatical como este não pode ser isolado daqueles.”
(MÜLLER, p. 75-76).

Gramatical / Literal / Filológico: revela o conteúdo semântico das palavras. É o momento


inicial do processo interpretativo. O intérprete deve partir da premissa de que todas as
palavras têm sentido e função próprios, não havendo palavras supérfluas; o produto dessa
forma de interpretação pode ser restritivo (limita o sentido de uma norma, ainda que a sua
estrutura literal seja ampla), extensivo (amplia o sentido da norma para além do contido em
sua estrutura literal) ou abrogante (quando, associado a uma interpretação sistemática, o
intérprete percebe que o sentido da norma vai de encontro ao de outra norma que lhe é
hierarquicamente superior).

Lógico: parte-se do pressuposto de que a conexão de uma expressão normativa com as demais
do contexto é importante para a obtenção do significado correto.

52
Sistemático: é fruto da ideia de unidade do ordenamento jurídico. A CF deve ser interpretada
como um todo harmônico, em que nenhum dispositivo deve ser considerado isoladamente.

Histórico: busca o sentido da lei por meio de precedentes legislativos, de trabalhos


preparatórios e da occasio legis (circunstância histórica que gerou o nascimento da lei).

Teleológico: procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo
ordenamento com a edição de dado preceito. “A ideia do fim não é imutável. O fim não é
aquele pensado pelo legislador, é o fim que está implícito na mensagem da lei. Como esta deve
acompanhar as necessidades sociais, cumpre ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem
por missão garantir.” (NADER, fl. 280). De acordo com Müller, “a interpretação histórica e a
interpretação genética são subcasos da interpretação sistemática.” Ademais, “tanto a
interpretação sistemática quanto a interpretação teleológica têm por escopo a combinação de
vários, quando não todos os elementos de concretização sob a designação 'sistemáticos' ou
'teleológicos'.” (MÜLLER, p. 78) Por fim, não há hierarquia predeterminada entre os diferentes
critérios.

Tipos de interpretação ou interpretação quanto ao Resultado: Declarativa: chamada de


especificadora. A letra da lei está em harmonia com o “espírito da lei”. Há a coincidência da
norma com o sentido exato do preceito. Restritiva: procura-se limitar o alcance da norma, não
obstante a amplitude de sua expressão literal. Extensiva: o intérprete amplia o sentido da
norma para além de seu texto.

Limites da interpretação, em especial o sentido literal possível: como a interpretação da


norma jurídica pode gerar várias soluções distintas, mostra-se necessário o estabelecimento
de limites. Nesse contexto, Larenz ensina: “Diz acertadamente MEIER-HAYOZ que o 'teor literal
tem, por isso, uma dupla missão: é ponto de partida para a indagação judicial do sentido e
traça, ao mesmo tempo, os limites da sua actividade interpretativa'. Uma interpretação que se
não situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de
sentido.” (LARENZ, p. 453-454) E conclui o referido autor: “Por conseguinte, o sentido literal a
extrair do uso linguístico geral ou, sempre que ele exista, do uso linguístico especial da lei ou do
uso linguístico jurídico geral, serve à interpretação, antes de mais, como uma primeira
orientação, assinalando, por outro lado, enquanto sentido literal possível – quer seja segundo
o uso linguístico de outrora, quer seja segundo o actual –, o limite da interpretação
propriamente dita. Delimita, de certo modo, o campo em que se leva a cabo a ulterior
actividade do intérprete.” (LARENZ, p. 457).

Na mesma linha, leciona Müller: “Por razões ligadas ao Estado de Direito, o possível sentido
literal circunscreve, não em último lugar no Direito Constitucional, o espaço de ação de uma
concretização normativamente orientada que respeita a correlação jusconstitucional das
funções. O teor literal demarca as fronteiras extremas das possíveis variantes de sentido, i.e,
funcionalmente defensáveis e constitucionalmente admissíveis. Outro somente vale onde o
teor literal for comprovadamente viciado.” (MÜLLER, p. 74).

Conflitos aparentes de normas e os critérios para sua solução: o conflito aparente de normas
resolve-se pela aplicação dos critérios da hierarquia, temporalidade e especialidade. Esses
critérios decorrem da interpretação sistemática, que compreende o ordenamento jurídico
como um todo dotado de unidade, evitando contradições internas. Critério hierárquico: norma
superior prevalece sobre a inferior. Critério cronológico: norma mais recente revoga a norma
mais antiga. Critério especialidade: norma especial não revoga a norma geral, mas cria uma
situação de coexistência, sendo aplicada no que for específica.

53
Antinomias de segundo grau (conflitos entre os critérios): a) entre o hierárquico e o
cronológico, prevalece o primeiro; b) entre o da especialidade e o cronológico, prevalece o
primeiro; c) entre o hierárquico e o da especialidade, não há uma prevalência a priori, porém,
“segundo Bobbio, dever-se- á optar, teoricamente, pelo hierárquico, uma lei constitucional
geral deverá prevalecer sobre uma lei ordinária especial, pois se se admitisse o princípio de que
uma lei ordinária especial pudesse derrogar normas constitucionais, os princípios
fundamentais do ordenamento jurídico estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu
conteúdo. Mas, na prática, a exigência de se aplicarem as normas gerais de uma Constituição
a situações novas levaria, às vezes, à aplicação de uma lei especial, ainda que ordinária, sobre
a Constituição. A supremacia do critério da especialidade só se justificaria, nessa hipótese, a
partir do mais alto princípio da justiça: 'suum cuique tribuere', baseado na interpretação de
que 'o que é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente, de maneira diferente'.”
(DINIZ, p. 475-476).

Notas históricas, do formalismo legalista ao pós-positivismo (Sarmento): O método mais


tradicional de interpretação do direito é conhecido como método da subsunção. A atividade
do juiz consiste em verificar se os fatos levados à sua apreciação se identificam com a hipótese
de incidência (facti species). Para o formalismo mais estrito, toda a atividade do intérprete
deveria se restringir a essa operação lógico-formal: premissa maior - norma, premissa menor-
fato e a consequência jurídica é a síntese do silogismo. Predominou até início do século XX e
foi desenvolvida pela Escola da Exegese (França). Não se concebia que a interpretação
operasse construtivamente. Fundamentos: teoria rígida da separação de poderes e ênfase no
príncípio da legalidade. Entra em crise no começo do século XX, com o reconhecimento da
impossibilidade de conceber o intérprete como uma máquina de fazer subsunções, o que
levou a uma tendência de superação do formalismo com a adoção de novas perspectivas.

Jurisprudência dos conceitos: até início do sec XX, buscava construir um ordenamento
sistemático e unitário, sem deixar espaço para a criação judicial do Direito. Porém, a criação do
sistema não caberia ao legislador, mas à ciência do direito, por meio da formulação de
conceitos jurídicos altamente abstratos. Ênfase no direito privado.

Jurisprudência dos interesses: após início do sec XX, sustentava a necessidade de proteção dos
interesses materiais subjacentes às normas, mas sem se afastar do positivismo, abria mais
espaço para o desenvolvimento do direito diante das necessidades sociais. Ênfase no direito
privado.

Jurisprudência dos valores: após a 2ª GM foi desenvolvida a concepção de que a Constituição


não é axiologicamente neutra, mas sim uma ordem de valores, que tem em seu centro a
dignidade da pessoa humana, que deve ser respeitada, garantida e promovida pelos poderes
públicos.

O debate contemporâneo sobre a interpretação jurídica é extremamente rico e plural e tem


como pano de fundo 2 mudanças importante no campo filosófico, a virada kantiana e o giro
linguístico.

Virada Kantiana: foi o retorno da ética normativa ao campo das reflexões dos pensadores. A
primeira metade do século XX foi marcada pelo relativismo ético. Com o crescente pluralismo
da sociedade passaram a coexistir diferentes concepções sobre justiça. O relativismo passou a
ser questionado após a 2ª guerra, assim, a preocupação com a justiça nas relações políticas e
sociais se dissemina, sobretudo com a consagração de direitos humanos e formulação de
princípios abstratos de justiça, sem apelo ao discurso religioso ou metafísico.

54
Giro linguistico: provocou uma mudança profunda na maneira como se concebe o
conhecimento, envolvendo uma ruptura com o modelo cartesiano, que se baseava numa
rígida separação entre sujeito e objeto. O foco, antes centrado na consciência do sujeito, se
desloca para a comunicação intersubjetiva, mediada pela linguagem.

No cenário atual, são diversas as correntes que buscam fornecer métodos ou critérios para a
busca da melhor resposta em cada caso jurídico controvertido. Esta é uma característica do
pós-positivismo, expressão genérica que congrega uma série de concepções jurídicas
diferentes, que tem em comum a rejeição, tanto ao formalismo, como ao reconhecimento da
plena discricionariedade do intérprete nos casos difíceis.

No novo marco, a interpretação jurídica se abre para a influências de outros domínios, como a
filosofia, política, sociologia e economia. Ela se torna mais complexa incorporando novos
instrumentos, como as teorias da argumentação (procedimentos baseados na comunicação
intersubjetiva para busca de melhores soluções), a ponderação de interesses e a reabilitação
da razão prática (razão voltada para a ação).

Já há, porém, uma reação do formalismo a essas concepções diante da hegemonia dessas
posições pós-positivistas na interpretação jurídica. Trata-se, no entanto, de um formalismo
mais sofisticado, que entende que intérpretes mais disciplinados, que não se enveredem nas
complexas operações intelectuais preconizadas pelas teorias do pós-positivismo, podem gerar,
no cômputo geral, soluções melhores e por isso, o formalismo deve ser adotado, pelo menos
em determinados contextos.

12B. Critérios clássicos de resolução de antinomias jurídicas.

Gabriel Dalla 10/09/18

As antinomias são classificadas pela doutrina clássica, quanto a sua solução,


como antinomias aparentes e antinomias reais, estas últimas também chamadas de lacunas de
conflito. Antinomias aparentes são os conflitos de normas ocorridos durante o processo de
interpretação que podem ser solucionados através da aplicação dos critérios clássicos de
solução de conflitos, quais sejam, os critérios hierárquico, cronológico e da especialidade. O
critério cronológico (lex posterior derrogat priori) é aquele que postula que entre duas normas
incompatíveis, deve permanecer a posterior. O critério hierárquico (lex superior derrogat
inferiori), por sua vez, determina que no confronto entre regras jurídicas inconciliáveis, deve
ser aplicada a de estatura superior. O critério da especialidade (lex especialis derogat legi
generali) impõe que na colisão entre duas regras prevaleça a mais especial em detrimento da
mais geral.
Já as antinomias reais são definidas por Tércio Ferraz como “a oposição que ocorre
entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades
competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição
insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos
quadros de ordenamento dado”. Assim, as antinomias reais são conflitos entre normas que
não são resolvidos com a utilização dos critérios mencionados e há quem as denomine de
antinomias de segundo grau.

Contextualizando os critérios clássicos no Direito Constitucional, temos o que se


segue. A Carta Magna é um conjunto ou sistema de ideias políticas, sociais, econômicas,
religiosas etc. distintas, muitas vezes com direcionamentos opostos sobre determinado
assunto, o que, invariavelmente causará conflitos. Ocorre que os critérios clássicos
mencionados não são hábeis a solucionar os conflitos surgidos entre princípios radicados no

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corpo normativo da CR/88. O conflito entre princípios constitucionais não pode ser reputado
uma singela antinomia jurídica. É que a teoria das antinomias jurídicas foi desenvolvida com
base na interpretação jurídica tradicional, que tem como principal instrumento de trabalho a
figura normativa da regra. Com efeito, os critérios clássicos de resolução das antinomias
jurídicas foram desenvolvidos para solucionar o problema do conflito entre regras jurídicas, e
não entre princípios jurídicos.

A própria natureza da norma constitucional - que se caracteriza pela sua


ductibilidade, caráter político, superioridade hierárquica, abertura semântica etc. –
perfectibiliza sério óbice à utilização dos denominados critérios clássicos.

Com relação ao critério cronológico, é óbvio não se prestar à solução das tensões
constitucionais, uma vez que as normas da CR são editadas em um único momento, com a
promulgação da Lei Maior. A única exceção possível é representada pelas emendas
constitucionais, que são editadas após o advento da Constituição. É possível que uma emenda
introduza um novo princípio constitucional, que se afigure total ou parcialmente incompatível
com outro princípio albergado no texto originário da Lei Maior. Nesse caso, o novo princípio
poderá revogar, no todo ou em parte, o cânone anterior com ele inconciliável, desde que este
não consubstancie cláusula pétrea. Caso, porém, trate-se de cláusula pétrea, prevalecerá,
para a solução do caso, o critério hierárquico, o que desencadeará a rejeição, por
inconstitucionalidade, do princípio instituído pela emenda constitucional.

O critério da especialidade também é de reduzida valia no confronto entre princípios


constitucionais, já que ele só pode ser utilizado quando se evidenciar entre as normas em
antagonismo uma relação do tipo geral-especial. Observe-se, a propósito, que as antinomias
podem ter três classificações: total-total, nas quais as normas em contradição possuem
exatamente o mesmo âmbito de validade, de modo que qualquer aplicação dada a uma delas
contraria necessariamente a outra; parcial-parcial, onde cada norma tem uma aplicação
conflituosa com a outra e um campo sem a ocorrência de conflitos; e total-parcial, que ocorre
quando o âmbito de validade de uma das normas está compreendida no âmbito de validade da
outra. Ocorre que somente nas antinomias do tipo total-parcial pode-se utilizar o método de
especialidade, visto que existe uma relação do tipo geral-especial. Esta antinomia, no entanto,
não é muito comum no campo constitucional.

O critério hierárquico tampouco pode ser utilizado, pois todas as normas


constitucionais desfrutam formalmente da mesma estatura, afigurando-se arbitrário atribuir a
qualquer uma delas primazia absoluta em relação às demais. Entretanto não há a pretensão de
se negar que algumas normas são mais importantes do que outra, destacando-se na
sociedade. Porém, daí não decorre que, sem autorização expressa da Constituição, possa-se
escalonar, em diferentes graus hierárquicos, as normas editadas pelo Poder Constituinte
originário. A inexistência de hierarquia absoluta entre as normas radicadas na CR configura
corolário inafastável do princípio da unidade da Constituição. Existem, basicamente, duas
concepções de hierarquização das normas constitucionais: estática e dinâmica. A hierarquia
estática prega que quando há o conflito entre duas normas constitucionais, a de estatura
inferior deve ser eliminada do sistema (ex: tese das normas constitucionais inconstitucionais,
de Otto Bachof). A estatura da norma, no caso, seria definida com relação à sua origem: “as
que resultam de uma ordem de valores transcendental e preexistente seriam superiores
àquelas que têm a sua origem no ato volitivo do legislador constituinte”. O STF não admite
essa tese (Ver ADIn 815-DF). Já a hierarquia dinâmica não aceita a possibilidade de existirem
normas constitucionais inconstitucionais, preconizando a subsistência, no ordenamento, de

56
todas as regras e princípios que albergados na norma fundamental, ainda que potencialmente
conflituosos entre si.

Por fim, a solução de uma antinomia real é feita pelo intérprete autêntico, com a
utilização da analogia, dos costumes, dos princípios gerais de Direito e da doutrina, nos termos
do art. 4 da Lei de Introdução ao Código Civil. Defende-se, ainda, no caso de princípios
constitucionais, a utilização da técnica de ponderação de interesses.

17B. A metodologia jurídica no tempo. A Escola da Exegese. Jurisprudência dos conceitos,


jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores. O realismo jurídico. Neoformalismo.
O pós-positivismo jurídico.

Atualizado por Sarah Cavalcanti

I. A Metodologia Jurídica no Tempo

Metodologia jurídica compreende a construção racional da decisão, o itinerário lógico


entre a apresentação do problema e a formulação da solução, caminhos para chegar a um fim
(Barroso). As principais teorias são agrupadas em 4 grupos: a) formalismo; b) reação
antiformalista; c) positivismo; d) volta aos valores (neopositivismo).

a) FORMALISMO JURÍDICO (século XIX): marcado pela concepção mecanicista do Direito, pela
qual a interpretação jurídica seria uma atividade acrítica de subsunção. Pregava o apego à
literalidade do texto legal e à intenção do legislador, e via com desconfiança o Judiciário, ao
qual não reconhecia a possibilidade de qualquer atividade criativa. Exemplos do formalismo
jurídico foram a ESCOLA DA EXEGESE (França) e a JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS
(Alemanha).

b) REAÇÃO ANTIFORMALISTA: capitaneada por Rudolph von Ihering, para quem a verdade
subjacente aos conceitos jurídicos era relativa. Dentre os movimentos desenvolvidos sob esse
estandarte podem ser citados: o Movimento para o Direito Livre, na Alemanha, e o REALISMO
JURÍDICO, nos EUA e na Escandinávia. Essas Escolas de pensamento tinham como
características comuns: a) reação à crença de que o Direito poderia ser encontrado
integralmente no texto legal e nos precedentes judiciais; b) rejeição da tese de que a função
jurisdicional seria meramente declaratória, reconhecendo que em diversas situações o juiz
desempenha um papel criativo; c) reconhecimento da importância dos fatos sociais, das
ciências sociais e da necessidade de interpretar o Direito de acordo com a evolução da
sociedade e visando à realização de suas finalidades.

Sarmento aponta as seguintes críticas em face das concepções radicalmente anti-


formalistas: a) sob o prisma descritivo, acabam negando qualquer diferença entre as esferas
política e jurídica; b) do ponto de vista prescritivo, o anti- formalismo peca por não dar o
devido peso à segurança jurídica e à necessidade de legitimação democrática da atividade
jurisdicional. Por outro lado, a reação anti-formalista serviu como contraponto importante ao
formalismo, atuando como antítese, em um processo dialético que gerou o avanço em direção
a teorias hermenêuticas mais equilibradas.

c) POSITIVISMO JURÍDICO: aparece na virada do século XIX para o XX. Com a pretensão de
criar uma ciência do Direito objetiva e neutra, o positivismo compartilhou muitas das
premissas teóricas do formalismo, caracterizando-se pela separação entre o Direito e a Moral,
entre a lei humana e o direito natural. Nada obstante, nas formulações mais sofisticadas
desenvolvidas ao longo do século XIX, como a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, e O
conceito de Direito, de Herbert Hart, afastou-se da perspectiva estritamente mecanicista.

57
Assim, mostra-se como um ponto intermediário entre o formalismo jurídico e o anti-
formalismo.

d) VOLTA AOS VALORES: é a marca do pensamento jurídico que se desenvolve a partir da


segunda metade do século XX. No pós-guerra, em âmbito internacional, foi aprovada a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). No âmbito interno, diferentes países
reconheceram a centralidade da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais.
Marcam a nova época a normatividade dos princípios, a argumentação jurídica e a
racionalidade prática. Trata-se do debate contemporâneo sobre a interpretação jurídica,
denominada “virada kantiana”.

II. A Escola da Exegese

A ESCOLA DA EXEGESE: também conhecida como Escola filológica, é uma corrente de


pensamento jurídico que floresceu no início do século XIX, a partir do código de Napoleão
(1804). A escola da exegese afirmava que a interpretação deveria ser mecânica, de acordo com
a intenção do legislador. Sustentava que o Código de Napoleão resolveria qualquer problema
concretamente deduzido. A Escola da Exegese também pregava o Estado como a única fonte
do Direito, pois todo o ordenamento jurídico seria originado da lei e, esta, por ser proveniente
do legislador, teria como origem o Estado, ou seja, somente a lei era admitida como fonte do
Direito. Quanto à aplicação do Direito, a Escola da Exegese pregava a concepção silogística. Tal
entendimento, influenciado pelas ideias de Montesquieu, via o direito como possuidor de três
elementos básicos: o fato, a norma e a sentença.

Nas palavras de Daniel Sarmento, “Segundo essa Escola, todo o Direito estaria
compreendido no sistema composto pelas normas ditadas pelo legislador, e o papel do
intérprete se resumiria a fazer com que a vontade legislativa, gravada nos textos legais,
incidisse nos casos concretos. Não se concebia, portanto, que a interpretação operasse
construtivamente”.

III. A Jurisprudência dos Conceitos

Formulada por Puchta, para quem a norma escrita deve refletir conceitos, quando de
sua interpretação. Derivada do formalismo jurídico, foi a precursora da ideia de que o direito
provém de fonte dogmática, imposição do homem sobre o homem e não consequência
natural de outras ciências ou da fé metafísica. Entre as principais características da
jurisprudência dos conceitos estão: o formalismo, com a busca do direito na lei escrita; a
sistematização; o Direito deveria, prevalentemente, ter base no processo legislativo. Sarmento
explica que “A Jurisprudência dos Conceitos também buscava construir um ordenamento
sistemático e unitário, sem deixar espaço para a criação judicial do Direito. Porém, a
construção do sistema não caberia ao legislador, mas à Ciência do Direito, por meio da
formulação de conceitos jurídicos altamente abstratos.

IV. A Jurisprudência dos Interesses

Para essa Escola, a norma escrita deve refletir interesses, quando de sua interpretação.
Seu principal representante foi Philipp Heck. Na jurisprudência dos interesses, interpreta-se a
norma, basicamente, tendo em vista as finalidades às quais esta se destina. É uma teoria de
interpretação do direito que, sem superar o positivismo (Questão nº 4, prova objetiva do 29º
CPR), busca a proteção dos interesses materiais subjacentes à norma. “Neste quadro, a
tendência na hermenêutica jurídica foi de superação do formalismo, com a adoção de novas
perspectivas, como a “jurisprudência dos interesses” (Interessenjurisprudenz), de Philipp Heck,

58
que sustentava a necessidade de proteção dos interesses materiais subjacentes às normas,
com maior atenção para o mundo real, dedicando atenção a temas como as lacunas do
ordenamento e a sua integração. Assim, sem se afastar do positivismo, a jurisprudência dos
interesses abria mais espaço para o desenvolvimento do Direito diante das necessidades
sociais. Outras correntes do pensamento jurídico iam ainda mais longe, rompendo
radicalmente com o formalismo e adotando posições diametralmente opostas às suas."
SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional. Teoria, história e
métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 394. (Pág 324 Livro em PDF)

V. Jurisprudência dos Valores

Esta escola representa, no processo da evolução do direito, um passo na superação das


contradições do positivismo jurídico e, por tal razão, é considerada por alguns como
semelhante à escola do pós-positivismo. Esta forma de pensar o direito tem várias
características e reflexos em vários campos da vida jurídica das sociedades, estando entre
eles uma significativa evolução concernente ao respeito e cumprimento de princípios
constitucionais. A jurisprudência dos valores caracteriza uma forma de se entenderem os
conceitos de incidência e interpretação da norma jurídica, bem como sua divisão em regras
e princípios, além de conceitos como igualdade, liberdade e justiça. Esta corrente é
amplamente citada em inúmeras fontes, de diversas origens. Assim como outras correntes,
sustenta a aproximação entre a interpretaçao constitucional e a argumentaçao moral, de modo
que os direitos fundamentais passariam a gozar de uma efficácia irradiante, que os transforma
em vetores na interpretação do ordenamento infraconstitucional (Questão da prova objetiva
do 29º CPR).

A chamada de Jurisprudência dos Valores vem sofrendo críticas ácidas, especialmente


pelo grande risco de que o Tribunal revista suas próprias decisões valorativas com o manto de
um procedimento racionalmente orientado, o que aumenta a capacidade de persuasão das
decisões sem aumentar o seu grau de racionalidade. Habermas critica a jurisprudência dos
valores porque considera que essa redução dos princípios a valores conduz a uma
argumentação jurídica inconsistente. Na medida em que os princípios têm um caráter
deontológico e os valores um caráter teleológico, os argumentos fundados em princípios não
têm a mesma função e a mesma estrutura dos argumentos fundados em valores.

Por esses motivos, Habermas conclui que: "A transformação conceitual de direitos
fundamentais em bens fundamentais significa que direitos foram mascarados pela teleologia,
escondendo o fato de que em um contexto de justificação, normas e valores têm diferentes
papéis na lógica da argumentação. Porque normas e princípios, em virtude do seu caráter
deontológico, podem pretender ser universalmente obrigatórios e não apenas especialmente
preferíveis, eles possuem uma maior força de justificação que os valores. Valores devem ser
postos em uma ordem transitiva com outros valores, caso a caso. Como não há padrões
racionais para isso, esse sopesamento acontece arbitrariamente ou sem maior reflexão, de
acordo com os padrões e hierarquias costumeiras. A partir do momento em que uma corte
constitucional adota a doutrina de uma ordem objetiva de valores e fundamenta seu processo
de decisão em uma forma de realismo ou convencionalismo moral, o perigo de decisões
irracionais cresce, porque os argumentos funcionais ganham precedência sobre os normativos.
Certamente, há vários princípios ou bens coletivos que representam perspectivas cujos
argumentos podem ser introduzidos em um discurso jurídico em casos de colisão de normas
[...]. Mas argumentos baseados em tais bens e valores coletivos apenas contam na mesma
medida que as normas e princípios pelas quais esses objetivos podem, a seu turno, ser
justificados. Em última instância, apenas direitos podem ser invocados em um jogo
argumentativo. [...] Um julgamento orientado por princípios precisa decidir qual pretensão e
qual ação em um dado conflito é correta - e não como ponderar interesses ou relacionar

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valores. [...] A validade jurídica do julgamento tem o caráter deontológico de um comando, e
não o caráter teleológico de um bem desejável que nós podemos alcançar até um certo nível."

VI. Realismo Jurídico

Surge, inicialmente, nos EUA, na década de 20 e, posteriormente, na Escandinávia,


como um desdobramento da jurisprudência sociológica de Ihering. Integra a corrente não-
formalista, e traz três críticas ao formalismo: a) crítica lógica (conceitos gerais não resolvem
casos concretos, e menos ainda produz decisões unívocas, permitindo ao juiz a escolha do
resultado); b) crítica psicológica (a decisão judicial, frequentemente, ocultava sua motivação
real, funcionando como uma racionalização a posteriori da decisão tomada por outras razões);
c) crítica sociológica (fatos sociais por trás da decisão judicial é que forneciam sua verdadeira
motivação). O realismo volta-se contra o formalismo, sustentando que o Direito não é o que
está nas leis ou nos precedentes, nem se baseia na lógica e na razão abstrata. Ele consiste
naquilo que os juízes dizem. Tenta demonstrar que, apesar de frequentemente negarem que o
façam, os juízes decidem os casos que lhe são apresentados com base em uma série de fatores
psicológicos e sociológicos, consistentes ou não, que têm pouco ou nenhuma relação com as
fontes normativas reconhecidas em um dado sistema. Para o realismo, a interpretação do
direito é sempre um ato de criação judicial, impregnado de conteúdo político.

VII. Neoformalismo

Sarmento ensina que a reação neoformalista “alerta a comunidade jurídica para os


riscos envolvidos na adoção de teorias excessivamente otimistas em relação à capacidade dos
intérpretes de produzirem sempre as melhores decisões, quando se lhes concede maior
amplitude para valorações. Se a redução do intérprete a um servo da lei não se justifica, a sua
idealização, como semideus sábio e virtuoso, pode também não ser a melhor solução, na
perspectiva da otimização dos objetivos do constitucionalismo democrático”.

VIII. Pós-positivismo Jurídico

É o retorno da Ética normativa ao campo das reflexões dos pensadores. Segundo


Sarmento: Até a II Guerra Mundial, prevalecia no velho continente uma cultura jurídica
essencialmente legicêntrica, que tratava a lei editada pelo parlamento como a fonte principal
do Direito, e não atribuía força normativa às constituições. Estas eram vistas basicamente
como programas políticos que deveriam inspirar a atuação do legislador, mas que não podiam
ser invocados perante o Judiciário, na defesa de direitos. Os direitos fundamentais valiam
apenas na medida em que fossem protegidos pelas leis, e não envolviam, em geral, garantias
contra o arbítrio ou descaso das maiorias políticas instaladas nos parlamentos.

No pós-guerra, na Alemanha e na Itália, e algumas décadas mais tarde, na Espanha e


em Portugal, assistiu-se a uma mudança significativa deste quadro. A percepção de que as
maiorias políticas podem perpetrar ou acumpliciar-se com a barbárie, como ocorrera no
nazismo alemão, levou as novas constituições a criarem ou fortalecerem a jurisdição
constitucional, instituindo mecanismos potentes de proteção dos direitos fundamentais
mesmo em face do legislador.

Sob esta perspectiva, a concepção de Constituição na Europa aproximou-se daquela


existente nos EUA, onde, desde os primórdios do constitucionalismo, entende-se que a
Constituição é autêntica norma jurídica, que limita o exercício do Legislativo e pode justificar a
invalidação de leis. Mas com uma diferença: enquanto a Constituição norte-americana é
sintética e se limita a definir os traços básicos de organização do Estado e a prever alguns
poucos direitos individuais, as cartas europeias foram, em geral, muito além disso: formam

60
documentos repletos de normas impregnadas de elevado teor axiológico, que contêm
importantes decisões substantivas e se debruçam sobre uma ampla variedade de temas que
outrora não eram tratados pelas constituições, como a economia, as relações de trabalho e a
Família.

A interpretação extensiva e abrangente das normas constitucionais pelo Judiciário deu


origem ao fenômeno de constitucionalização da ordem jurídica, que ampliou a influência das
constituições sobre todo o ordenamento, levando à adoção de novas leituras de normas e
institutos nos mais variados ramos do Direito. Como boa parcela das normas mais relevantes
destas constituições caracteriza-se pela abertura e indeterminação semânticas – são, em
grande parte, princípios e não regras - a sua aplicação direta pelo Poder Judiciário importou na
adoção de novas técnicas e estilos hermenêuticos, ao lado da tradicional subsunção. A
necessidade de resolver tensões entre princípios constitucionais colidentes deu espaço ao
desenvolvimento da técnica da ponderação, e tornou frequente o recurso ao princípio da
proporcionalidade na esfera judicial.

Neste contexto, cresceu muito a importância política do Poder Judiciário. De poder


quase “nulo”, mera “boca que pronuncia as palavras da lei” (Montesquieu), o Judiciário se viu
alçado a uma posição muito mais importante no desenho institucional do Estado
contemporâneo.

As teorias neoconstitucionalistas buscam construir novas grades teóricas que se


compatibilizem com os fenômenos acima referidos, em substituição àquelas do positivismo
tradicional, consideradas incompatíveis com a nova realidade. Ao invés da insistência na
subsunção e no silogismo do positivismo formalista, ou no mero reconhecimento da
discricionariedade política do intérprete nos casos difíceis, na linha do positivismo moderno de
Kelsen e Hart, o neoconstitucionalismo se dedica à discussão de métodos ou de teorias da
argumentação que permitam a procura racional e intersubjetivamente controlável da melhor
resposta para os “casos difíceis” do Direito.

Para o neoconstitucionalismo, não é racional apenas aquilo que possa ser comprovado
de forma experimental. A ideia de racionalidade jurídica aproxima-se da ideia do razoável, e
deixa de se identificar à lógica formal das ciências exatas. A leitura clássica do princípio da
separação de poderes, que impunha limites rígidos à atuação do Judiciário, cede espaço a
outras visões mais favoráveis ao ativismo judicial em defesa dos valores Constitucionais. No
lugar de concepções estritamente majoritárias do princípio democrático, são endossadas
teorias de democracia mais substantivas, que legitimam amplas restrições aos poderes do
legislador em nome dos direitos fundamentais e da proteção das minorias, e possibilitem a sua
fiscalização por juízes não eleitos.

Ao invés de uma teoria das fontes do Direito focada no código e na lei formal, enfatiza-
se a centralidade da Constituição no ordenamento, a ubiquidade da sua influência na ordem
jurídica, e o papel criativo da jurisprudência. Ao reconhecer a força normativa de princípios
revestidos de elevada carga axiológica, como dignidade da pessoa humana, a igualdade e
solidariedade social, o neoconstitucionalismo abre as portas do Direito para o debate moral. É
aqui que reside uma das maiores divergências internas no neoconstitucionalismo.

22A. O papel das pré-compreensões no Direito. Interpretação, moralidade positiva e


moralidade crítica.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Direito constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento.

61
Daniel Sarmento argumenta em artigo (“O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e
possibilidades”) que o Direito brasileiro vem sofrendo mudanças profundas nos últimos
tempos, relacionadas à emergência de um novo paradigma tanto na teoria jurídica quanto na
prática dos tribunais, que tem sido designado como "neoconstitucionalismo", e sintetiza como
um dos fenômenos a reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez
maior da Filosofia nos debates jurídicos.
Diz o mesmo autor: “Neste cenário, há espaço tanto para visões comunitaristas, que buscam
na moralidade positiva e nas pré-compreensões socialmente vigentes o norte para a
hermenêutica constitucional, endossando na seara interpretativa os valores e cosmovisões
hegemônicos na sociedade, como para teorias mais próximas ao construtivismo ético, que se
orientam para uma moralidade crítica, cujo conteúdo seja definido através de um debate
racional de idéias, fundado em certos pressupostos normativos, como os de igualdade e
liberdade de todos os seus participantes.”
Pré-compreensões: Envolve não apenas a concepção particular de mundo do intérprete, mas,
sobretudo, os valores, tradições e preconceitos da comunidade em que ele está inserido. É o
ponto de partida para o ingresso no circulo hermenêutico, em que o intérprete antecipa uma
solução. Sarmento critica corrente que defende a fidelidade à pré-compreensão como
caminho para busca da melhor resposta, recusando qualquer recurso ao método, por 3 razões:
1) mundo contemporâneo é plural, com diferentes concepções de mundo conflitantes, 2) as
tradições e práticas sociais estão impregnadas de opressão e assimetria, 3) o método é
indispensável para controle do arbítrio do intérprete. Assim, reconhece a pré-compreensão
como integrante de qualquer atividade interpretativa, mas os intérpretes devem exercer
permanente crítica às tradições e autocrítica em relação as respectivas cosmovisões.

Tradicionalmente a hermenêutica jurídica pode ser conceituada como um conjunto de


métodos de interpretação das normas. Em sua concepção antiga era tida como um conjunto
de métodos e técnicas destinado a interpretar a essência da norma, buscando o seu significado
exato – preconizada por Shleiermacher.

Hans-Georg Gadamer, importante filósofo alemão (em sua obra Verdade e Método, publicada
pela primeira vez em 1960, na qual o autor desenvolve uma hermenêutica filosófica – em
contraposição à Shleiermacher), apresentou uma nova visão da hermenêutica, a denominada
hermenêutica contemporânea, que não se subjuga a regras metódicas das ciências humanas, e
tece uma perspectiva crítica da metafísica (aquilo que se encontra além daquilo que é físico,
palpável, acima do sensível). De acordo com Gadamer, a hermenêutica é um campo da
filosofia, que além de possuir um foco epistemológico, também estuda o fenômeno da
compreensão por si mesmo...”.

Em sua obra, Gadamer afirma que: “E mesmo aquele que ‘compreende’ um texto (ou mesmo
uma lei) não somente projetou-se a si mesmo a um sentido, compreendendo – no esforço do
compreender – mas que a compreensão alcançada representa o estado de uma nova liberdade
espiritual”. Para o autor, ao interpretar um texto, o intérprete investiga a sua pré-
compreensão tanto quanto o texto em si, ou seja, insere-se pré-conceitos erigidos da atual
sociedade, afastando-se apenas duma interpretação textual. O processo de interpretação
envolve não somente as pré-compreensões do intérprete, exigindo também que este interaja
com o que está sendo interpretado, em suas palavras: “O intérprete, pois, deve permitir que o
texto lhe diga algo por si, sem lhe impor a sua pré-compreensão”.

Nessa linha, a interpretação pressupõe uma "pré-compreensão" historicamente determinada,


considerando os horizontes do passado e do presente, e está sempre sujeita a revisão no
futuro. Os preconceitos representam juízos prévios não definitivos, que durante o Iluminismo
foram indevidamente considerados como obstáculos à busca do conhecimento e da verdade.

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De acordo com a teoria de Gadamer, as pré-compreensões – preconceitos – são condições
para a compreensão e devem ser analisadas em sua dimensão positiva. Não se pode dissociar
a ciência e a tradição histórica, não havendo possibilidade de existir ciência desprovida de
preconceitos. Refere o autor que: “Toda vivência implica os horizontes do anterior e do
posterior e se funde, em última análise, com o continuum das vivências presentes no anterior e
posterior na unidade da corrente vivencial”. Com a compreensão atingida com a análise das
pré-compreensões, possibilita-se a quebra de paradigmas e a efetivação da permanente
renovação do saber. O Supremo Tribunal Federal tem superado algumas pré-concepções
permitindo o aborto de fetos anencéfalos - sendo que no voto vencedor afirma-se que não se
trata de aborto propriamente dito -, a união homoafetiva, e a utilização de células tronco em
pesquisas e etc.

De acordo com Sarmento, quando se fala da argumentação moral em sede constitucional,


pode-se discutir de que "moral" se está cogitando: trata-se da "moralidade positiva",
correspondente aos valores dominantes numa dada sociedade, ao seu "ethos"; ou da
moralidade crítica, que se propõe a problematizar esses mesmos valores, para aferir se são ou
não justos.

Moral positiva: para Hart, é aquela moralidade compartilhada pela maior parte dos indivíduos
que formam uma sociedade determinada. Em linhas gerais, essa moral possuiria diferentes
formas de aplicação, como (a) formas de se vestir, dormir, etc, que são habituais; (b)
atividades como o jogar e o se divertir, que são aleatórias no tempo. Algumas normas morais
positivas, quando transgredidas, podem dar lugar a uma advertência, a uma censura, à
exclusão ou ao desapreço coletivo.
Outro conceito é a nomenclatura sugeria por John Austin em 1832, para o qual "moralidade
positiva" é o conjunto de ideias, valores, e práticas morais de uma determinada sociedade, em
uma época de terminada. A moralidade positiva se distingue da lei positiva, na medida em que
ela não é estabelecida por uma autoridade política. Ela diz respeito, antes, ao sentimento de
aprovação ou desaprovação de uma determinada comunidade com relação a certos tipos de
comportamento.
Por outro lado, a moralidade positiva se distingue também da lei divina (ou lei natural), na
medida em que ela diz respeito a um conjunto de regras efetivamente adotadas por uma
comunidade, independentemente do fato de essas regras estarem ou não de acordo com a lei
divina. Segundo Austin as leis da moralidade positiva são denominadas de “leis” no sentido
“impróprio” deste termo. Trata-se de um sentido impróprio, pois falta às leis da moralidade
positiva uma instância superior com o poder de impor algum tipo de penalidade no caso da
violação deste tipo de lei.
A moralidade positiva é um corpo de doutrinas, a que um conjunto de indivíduos adere
geralmente, que dizem respeito ao que é correto e incorreto, bom e mau, com respeito ao
caráter e à conduta. Os indivíduos podem ser os membros de uma comunidade (por exemplo,
a ética dos índios Hopi), de uma profissão (certos códigos de honra) ou qualquer outro tipo de
grupo social.

Moral crítica (ou ideal): para Hart, se refere aos princípios obtidos racional ou reflexivamente
para criticar às próprias ações ou as ações coletivas (a moral positiva). Diferente da moral
positiva, a mor al crítica corresponde ao raciocínio moral da pessoa, de modo que não é guiada
por reações sociais. Muitos usam a distinção entre “moralidade positiva” e “moralidade
crítica” para marcar a diferença fundamental entre o que a maioria entende como moralmente
correto e aquilo que uma versão crítica e reflexiva da moralidade existente poderia defender.
Identificar e descrever uma certa moralidade não implica em aceitá-la acriticamente. Um
exemplo eloquente é a vedação constitucional da pena de morte no Brasil. Não seria absurdo
supor que a maioria da população brasileira apoiaria uma lei propondo a pena capital. Mas o
poder do legislador (e da soberania popular) está limitado pela cláusula constitucional. Mesmo

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se houvesse comprovação empírica dos benefícios de tal pena extrema (coisa que não existe),
o princípio constitucional prevaleceria sobre o poder legislativo.

A moralidade positiva, evidentemente, pode estar ela própria subordinada à crítica moral, pois
frequentemente endossamos, reconsideramos, ou mesmo abandonamos inteiramente as
ideias, valores, e práticas morais de épocas passadas. Hart diz que o legislador, ao ditar a lei,
deve valorar racionalmente quais são os fundamentos da moral positiva vigente, e em seu caso
atuar contra o majoritariamente desejado. Se não for assim, deduz Hart, se confundiria a
democracia como forma de governo com um populismo moral, segundo o qual a maioria da
população teria direito a estabelecer como devem viver os demais.

Sarmento afirma que o discurso constitucional não pode se divorciar completamente dos
valores comunitários, sob pena de perda de legitimidade da Constituição, porém, numa
sociedade ainda hierárquica, racista e homofóbica como a nossa, prescrever para o intérprete
a obediência cega aos valores comunitários significaria chancelar o status quo, contra o qual o
constitucionalismo democrático deve se insurgir. Por isso, propõe que o intérprete não ignore
as tradições e a moralidade positiva, mas busque os elementos mais emancipatórios dessas
fontes (aporte reconstrutivo), para que sejam lidas sob a sua "melhor luz". Reconhece que a
maior permeabilidade da interpretação constitucional a juízos morais envolve riscos, sendo o
maior deles, que os juízes imponham os seus próprios valores aos poderes eleitos e ao povo.
Destaca 2 maneiras de minimizar esse risco: 1) recusar a ideia de monopólio interpretativo
judicial ao Supremo; 2) cobrança de maior rigor metodológico na interpretação constitucional.

4C. Lacunas e Integração do Direito: analogia, costumes e equidade.

Oswaldo Costa

I. Lacunas e Integração do Direito

A teoria jurídica tradicional afirma que o ordenamento jurídico é dotado de


completude. Isto porque dele seria possível extrair a resposta para qualquer problema jurídico
que viesse a surgir. Porém, mesmo de acordo com esta concepção, as leis, diferentemente do
ordenamento, podem conter lacunas, quando não indicarem soluções para questões
juridicamente relevantes. Diante de uma lacuna, o Poder Judiciário, que tem a obrigação
institucional de resolver os conflitos de interesse submetidos à sua apreciação, não pode
recusar-se a julgar, proferindo um non liquet.

A Constituição é uma norma fragmentaria, que não trata de todos os temas, mas tão
somente daqueles escolhidos pelo poder constituinte, pela sua singular importância, ou por
outras razões atinentes à conveniência de seu entrincheiramento. Mesmo nestes temas, a
Constituição, no mais das vezes, não exaure a respectiva disciplina, mas apenas fixa as suas
principais coordenadas normativas, deixando a complementação para o legislador.

A jurisprudência do STF reconhece a existência de lacunas constitucionais. Um caso


recente foi discutido no julgamento relativo às exigências profissionais para a nomeação de
advogados para o exercício da função de juiz de Tribunal Regional Eleitoral (RMS 24.334/PB).
As principais formas de integração de lacunas são a analogia, os costumes e a
equidade. O art. 4o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro não alude à equidade,
mas menciona os princípios gerais de Direito, os quais são arrolados também pela doutrina
mais convencional como meios de colmatação de lacunas.

II. Analogia

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A analogia consiste em técnica para colmatação de lacunas por meio da qual se aplica à
hipótese não regulada uma norma jurídica que trata de questão similar. A norma em questão
não seria inicialmente aplicável ao caso, que não está compreendido na sua hipótese de
incidência. Mas, diante da lacuna, ela incide, para resolvê-lo. O principal fundamento da
analogia é a igualdade, pois se parte da premissa de que hipóteses simulares devem receber o
mesmo tratamento do ordenamento.

III. Costumes

O costume também é uma fonte do Direito, que não se esgota nas normas jurídicas
produzidas pelo Estado. O costume contribui para a abertura do sistema jurídico,
intensificando a sua conexão com a realidade social subjacente. A doutrina, em geral,
caracteriza o costume jurídico pela confluência de dois elementos: o elemento objetivo, que é
a repetição habitual de um determinado comportamento; e o elemento subjetivo, que é a
consciência social da obrigatoriedade desse comportamento. A doutrina aponta como exemplo
de costume constitucional no Brasil a aprovação de algumas leis, de caráter mais consensual,
por meio do chamado “voto de liderança”.

É certo, porém, que a rigidez e a força normativa da Constituição não se


compatibilizam com os costume contra legem  (que também pode ser chamado decontra
constitutionem).Portanto, o costume, por mais enraizado que seja, jamais pode ser invocado
como escusa para a violação da Constituição, nem enseja a revogação de preceitos
constitucionais. Isto confere ao costume constitucional uma posição singular no sistema das
fontes do Direito, já que ele se situa acima das normas infraconstitucionais, mas, mesmo
quando superveniente, não tem o condão de alterar o texto da Constituição.

IV. Equidade 

A equidade é o instituto jurídico que autoriza o intérprete a adaptar o direito vigente a


particularidades que não foram previstas pelo legislador, buscando retificar injustiças ou
inadequações mais graves. Pode ser empregada para auxiliar na interpretação das normas
legais e para corrigir a lei, quando a aplicação dessa se revelar profundamente injusta ou
inadequada às singularidades do caso concreto. Neste último sentido, ela é associada à
suavização dos comandos legais, de forma benéfica aos seus destinatários. Mas a equidade
também pode ser utilizada para preencher as lacunas da lei, integrando o ordenamento. Esta
distinção entre equidade secundum legem, contra legem e praeter legem, clara na teoria, não é
tão nítida na prática, pois as lacunas a que a equidade é convocada a colmatar são quase
sempre lacunas ocultas. Ou seja, são aquelas lacunas que não decorrem propriamente da
ausência da norma legal disciplinando a hipótese, mas da percepção pelo intérprete de que a
norma incidente deixou de contemplar um aspecto essencial do caso, cuja consideração pelo
legislador teria conduzido a tratamento jurídico distinto.

A equidade não está prevista no art. 4o da Lei de Introdução às Normas do Direito


Brasileiro como meio de integração de lacunas. No ordenamento infraconstitucional brasileiro,
a principal alusão à equidade se encontra no art. 140, § único, do Novo CPC, segundo o qual “o
juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei” (e no art. 108 do CTN: Art. 108. Na
ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária
utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia; II - os princípios gerais de direito
tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a eqüidade. § 1º O emprego da
analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. § 2º O emprego da
eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.)

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Esta reticência do nosso legislador infraconstitucional em relação à equidade se explica
diante do predomínio, até não muito tempo atrás, de uma concepção jurídica formalista.
Contudo, ao longo do século passado, floresceram, em diferentes contextos históricos e com
impostações político-filosóficas heterogêneas, várias correntes que valorizaram ao extremo a
liberdade decisória do juiz na busca da solução mais justa ou adequada para casa caso, como a
Escola do Direito Livre na França, o realismo jurídico norte-americano, a tópica jurídica alemã,
e, no Brasil, algumas versões do movimento conhecido como “Direito Alternativo”. Tais
correntes, contudo, incorreram em excessos, por não atribuírem a importância devida à
exigência de previsibilidade e segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, nem tampouco
à necessidade de legitimação democrática do processo de criação do Direito.

A equidade pode ser usada para suprir lacunas da Constituição ou temperar, em


circunstâncias excepcionais, o rigor das suas regras (p.ex. ADI 1289 e MS 26.690).

7C. Os Princípios gerais de direito

Atualizado por Igor Lima Goettenauer de Oliveira

I. Introdução

Nas palavras de Chaves e Rosenvald, “toda vez que o intérprete não localizar no
sistema jurídico norma aplicável ao caso concreto, verifica-se uma lacuna que necessita de
preenchimento, colmatação. É que tem guarida entre nós a vedação ao non liquet. A própria
lei (LINDB, art.4⁰), partindo da real possibilidade de omissão normativa, indica os meios pelos
quais serão supridas as lacunas”. Note-se que, “a integração das normas serve para colmatar
as lacunas do sistema, mas não tem caráter normativo (obrigatório), não vinculando outras
decisões em casos análogos”.

II. Métodos de integração

“Os métodos de integração estão contemplados na LINDB (Lei de Introdução às


Normas do Direito Brasileiro –DL 4.657/42), art. 4⁰, que estabelece uma ordem preferencial e
taxativa. Assim, são mecanismos de integração:
a) a analogia (consiste em aplicar a alguma hipótese, não prevista especialmente em lei,
disposição relativa a caso semelhante);
b) os costumes (norma criada e afirmada pelo uso social, de maneira espontânea, sem
intervenção legislativa);
c) os princípios gerais de direito (postulados extraídos da cultura jurídica, fundando o próprio
sistema da ciência jurídica)” (Chaves e Rosenvald).

III. Princípios gerais de direito

Os princípios gerais de direito, classificados como princípios monovalentes segundo


Miguel Reale em seu livro Lições preliminares de Direito “são enunciações normativas de valor
genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico em sua
aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas”. Ou, nas palavras de
Francisco Amaral, “são as formulações gerais do ordenamento jurídico, alinhavando
pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica, que como diretrizes gerais e básicas,
fundamentam e dão unidade a um sistema ou a uma instituição”.

Chaves e Rosenvald afirmam ainda que, “apesar de seu caráter abstrato,


indeterminado, é de se notar que os princípios realizam importante função positiva, influindo
na formulação de determinadas decisões, além da induvidosa função negativa, impedindo

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decisões contrárias a seus postulados fundamentais”.

“Dos velhos princípios gerais do Direito Romano (suun cuique tribuere, honeste vivere
e neminem laedere, isto é, dar a cada um o que é seu, viver honestamente e não lesar
ninguém) extrai-se um substrato mínimo do que o ordenamento reputa fundamental em
termos axiológicos, independentemente de expressa previsão legal. São os chamados
princípios informativos que inspiram todo o sistema jurídico sem prender-se ao texto
normativo”.
Finalmente, “a previsão para a aplicação dos princípios gerais de direito, na omissão da lei,
vem encartada em diversos ordenamentos jurídicos, como no Direito português (CC, art. 1⁰),
no Direito espanhol (CC, art. 1⁰) e no Direito argentino (CC, art. 16)”.

10A. Interpretação constitucional. Métodos e princípios de hermenêutica constitucional.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Direito Constitucional (teoria, história e métodos de trabalho), Daniel Sarmento.

As regras hermenêuticas tradicionais (Savigny) aplicar-se-iam nos “casos fáceis”, em que a


resposta pode ser encontrada por meio de ato cognitivo pela subsunção, utilizando-se dos
cânones gramatical, sistemático, histórico, genético e teleológico. A doutrina dominante, com
a qual Sarmento afirma concordar, nega a existência de qualquer hierarquia entre os referidos
elementos, que devem ser combinados, reforçando-se ou controlando-se mutuamente.

Meio gramatical: o primeiro ao qual se recorre. Leva em conta o sentido das palavras (via de
regra, seu sentido ordinário; em alguns casos, seu sentido técnico/científico), ex: "imposto",
"licitação", "direito adquirido".
Meio sistemático: leva em conta o ordenamento jurídico como um todo, partindo da premissa
de que ele é harmônico e lógico. Ex.: “quem pode mais, pode menos”. O "sistema" é uma
construção hermenêutica, apoiada nos princípios constitucionais fundamentais que lhe
proveem bases moralmente sustentáveis. Dá origem, no campo constitucional, aos postulados
da unidade da constituição e da concordância prática (Sarmento).
Meio histórico: intenção do legislador ao elaborar a lei. Sarmento informa que a importância
do elemento histórico é inversamente proporcional ao tempo decorrido desde a edição da
norma constitucional.
Meio teleológico: Busca a finalidade subjacente ao preceito a ser interpretado.

Já os “casos difíceis” envolvem normas de conteúdo “aberto” ou princípios antagônicos, de


modo que pode haver respostas diferentes para o mesmo caso. Assim, além das regras
tradicionais, aplicar-se-iam também critérios específicos da interpretação constitucional, não
aplicáveis à interpretação jurídica em geral.

Hermenêutica Constitucional ou Nova Hermenêutica: É uma nova forma de entender e prever


a interpretação do direito para além da hermenêutica clássica, criada na época da primazia do
Código Civil e quando a sociedade era mais homogênea. A nova hermenêutica é consequência
da jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão e um dos precursores da nova
hermenêutica constitucional foi Konrad Hesse. No Brasil, Canotilho, Paulo Bonavides, Barroso.
A “nova hermenêutica” propõe também outros critérios específicos:

Conceitos jurídicos indeterminados – expressões abertas com início de significação a ser


complementado pelo intérprete;
Normatividade dos princípios – normas que consagram valores ou fins públicos, ou que
indicam estados ideais realizáveis por meio de variáveis condutas. São mandados de

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otimização, devendo ser aplicados na maior intensidade possível. Podem ter (a) eficácia direta
– positiva, simétrica, quando se aplica sobre os fatos à semelhança de uma regra;
(b) eficácia interpretativa – para fixar a correta interpretação das normas em geral; (c) eficácia
negativa – invalidade da interpretação contrária;
Colisões entre normas constitucionais – o intérprete cria a norma jurídica para a resolução do
caso a partir dos dados fáticos e das balizas normativas por meio de ponderação, em que fará
concessões recíprocas – concordância prática – procurando preservar ao máximo o conteúdo
dos interesses em conflito; ou, no limite, escolherá qual prevalecerá no caso, à luz da
razoabilidade (que normalmente é um “instrumento para a medida”, a par de às vezes
fornecer um critério material). Esquema da ponderação: (a) Selecionar as normas relevantes e
identificar eventuais conflitos; (b) examinar os fatos e sua interação com os elementos
normativos; (c) ponderar os pesos a serem atribuídos aos elementos normativos e fáticos
envolvidos para decidir qual grupo de normas deve prevalecer no caso e, se for possível,
graduar a intensidade da solução escolhida. A ponderação é vista como integrante da
proporcionalidade ou como princípio autônomo;
Argumentação jurídica – quando é feita ponderação, aumenta-se a exigência de rigor na
argumentação (justificação), segundo uma “razão prática”, ou seja, a argumentação deve ser
racional levando-se em conta o caso concreto a ser resolvido. Para tanto, deve o intérprete: (a)
fundamentar-se em norma jurídica; (b) manter a integridade do sistema (poder generalizar a
norma criada para casos equiparáveis); (c) considerar as consequências práticas no mundo
fenomênico (Barroso, 2010).

Neste contexto, os métodos de interpretação constitucional são:

Método jurídico ou hermenêutico-clássico: preconiza que a Constituição seja interpretada


com os mesmo recursos interpretativos das demais leis (regras hermenêuticas tradicionais):
interpretação sistemática, histórica, lógica e gramatical. O método hermenêutico-clássico tem
aplicabilidade às normas constitucionais de alto grau de densidade normativa, com estrutura
normativa assemelhada às leis, já que ele não foi concebido para os dispositivos
constitucionais com alto grau de abstração que estipulam parâmetros e procedimentos para a
ação política;

Método da tópica ou tópico-problemático: toma a Constituição como um conjunto aberto de


regras e princípios, dos quais o aplicador deve escolher aquele mais adequado para a
promoção de uma solução justa ao problema concreto que se analisa. Parte-se de um
problema concreto para a norma, atribuindo-se à interpretação um caráter prático na busca da
solução dos problemas concretizados;

Método hermenêutico-concretizador: diferentemente do método tópico-problemático, que


parte do caso concreto para a norma, o método hermenêutico-concretizador parte da
Constituição para o problema. Na atividade interpretativa, o intérprete vale-se de suas pré-
compreensões, situadas numa dada situação histórica e realidade social, para obter o sentido
da norma, além de atuar como mediador (tendo como pano de fundo essa situação histórica e
a realidade social) entre o texto e a situação em que ele se aplica (contexto). Essa constante
relação entre o texto e o contexto com a mediação criadora do intérprete transforma a
interpretação em um movimento de ir e vir (círculo hermenêutico);

Método científico-espiritual: a Constituição é um sistema cultural e de valores de um povo,


cabendo à interpretação aproximar-se desses valores subjacentes à Constituição. Tais valores,
entretanto, estão sujeitos a flutuações, tornando a interpretação da Constituição
fundamentalmente elástica e flexível, fazendo com que a força de decisões fundamentais
submeta-se às vicissitudes da realidade cambiante;

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Método jurídico-estruturante: a norma não se confunde com o seu texto, mas tem a sua
estrutura composta também pelo trecho da realidade social em que incide, sendo esse
elemento indispensável para a extração do significado da norma. Não é o teor literal da norma
(seu texto) que efetivamente regulamenta um caso concreto, mas sim o órgão legislativo, o
órgão governamental, o funcionário da administração pública, os juízes e todos aqueles que
elaboram, decidem e fundamentam a decisão reguladora do caso concreto.

Há também os princípios de interpretação constitucional:

Unidade e concordância prática: O sistema pressupõe coerência e unidade, sob pena de se


tornar inaplicável (Bobbio). Assim, deve haver concordância prática entre as normas, a ser
buscada pelo intérprete. A interpretação a ser adotada deve ser a que dá mais unidade à
constituição. Para Sarmento, a concordância prática está inserida no âmbito da unidade da
constituição. Tem como corolário a inexistência de hierarquia formal entre a normas, o que
não impede o reconhecimento de uma hierarquia material, a qual, para o STF, legitima a
utilização do parâmetro da interpretação restritiva das exceções: a norma constitucional
originária que excepciona princípio constitucional provido de hierarquia material superior,
deve ser interpretada restritivamente.

Força normativa da constituição ou máxima efetividade: o cumprimento das normas


constitucionais é exigível, inclusive perante os Tribunais, devendo-se dar efetividade ao texto
constitucional. Este princípio prescreve que seja preferida a interpretação que confira maior
efetividade à constituição.

Princípio da correção funcional/da conformidade: Decorre da separação de poderes. Existem


matérias que são exclusivas da atuação de cada Poder (reserva administrativa, reserva
legislativa e reserva judiciária). Deve-se verificar qual é o espaço institucional próprio de cada
poder. Para Sarmento, em atenção a este princípio o judiciário não deve exercer, a não ser em
situações excepcionais a atividade de criação de normas jurídicas, falta-lhe legitimidade
democrática e capacidade institucional, mas lembra que a atividade interpretativa tem
também uma dimensão criativa. Nesse contexto, uma distinção radical entre a função de
legislador negativo e positivo deixa de fazer sentido.

Razões públicas: a ideia de razões públicas, desenvolvida por John Raws, tem origem na
filosofia kantiana. Informa que na esfera pública só são admissíveis argumentos independentes
de doutrinas religiosas ou metafísicas controvertidas, que possam ser racionalmente aceitos
pelos demais. O argumento (ex religioso), para adentrar o debate deve primeiro ser traduzido
para "razões públicas".

Cosmopolitismo: ideias constitucionais migram entre os países, devendo ser levadas em conta
na interpretação (embora não sejam vinculantes). Sarmento afirma que tal princípio impõe
que se atribua o devido peso argumentativo a fontes transnacionais na interpretação da
constituição.

Interpretação conforme a constituição: De acordo com este princípio, cabe ao intérprete,


quando se depara com dispositivo legal aberto, ambíguo ou plurissignificativo, lhe atribuir
exegese que o torne compatível com o texto constitucional. Deriva da unidade do sistema e da
supremacia constitucional.

Presunção graduada de constitucionalidade: a lei passa por diversos filtros antes de ser
aprovada, de modo que há a presunção relativa de sua constitucionalidade.

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Além da interpretação constitucional, há a lacuna constitucional, que deve ser preenchida
(processo de integração, e não de interpretação). Isso ocorre quando há reserva de
constituição, ou seja, um determinado assunto pode ser tratado apenas pela Constituição.
Ante o non liquet, cabe ao juiz preenchê-la, pelos seguintes meios:

Analogia: aplica-se à situação não regulada norma jurídica que trata de questão similar.
Costume constitucional: Há a prática e a crença de que esta é vinculante. Ex.: voto de liderança
(o líder vota pela bancada inteira) para a aprovação de leis. Isso não está previsto na CF. É
judicialmente exigível e pode fundamentar o controle de constitucionalidade.
Convenção constitucional: existem práticas que são consideradas obrigatórias, mas estas não
são judicialmente exigíveis. As consequências pelo descumprimento são políticas.
Equidade: não pode gerar a anulação de certas normas. A equidade é uma dimensão da
razoabilidade, por meio da qual se adapta o direito vigente, buscando retificar injustiças ou
inadequações mais graves. Pode ser usada para colmatar lacunas ou temperar,
excepcionalmente, o rigor das regras constitucionais.

Por fim, ressalte-se que os métodos de interpretação e integração constitucional não podem
ser hierarquizados e não se excluem. Pelo contrário, devem ser utilizados de forma adequada a
cada situação, para se buscar a melhor solução ao caso concreto

2A. Constituição e Cosmopolitismo. O papel do direito comparado e das normas e


jurisprudência internacionais na interpretação da Constituição.

Oswaldo Costa

I. Cosmopolitismo

O cosmopolitismo pressupõe o pensamento de que a humanidade segue as leis do


Universo (cosmos) — isto é, considera os homens como formadores de uma única nação, não
vendo diferenças entre as mesmas, avaliando o mundo como uma pátria. É o direito natural!
A aceleração da globalização após o fim da Segunda Guerra Mundial, e, principalmente, o fim
da bipolaridade que caracterizou a política global durante grande parte do século XX, ampliou
o espaço conceitual para se pensar o projeto cosmopolita. Tendo em vista que parte do
ressurgimento do pensamento cosmopolita, nos dias de hoje, se deve a transformações sociais
por que passou a humanidade.  Esse pensamento é atrelado na ideia de que os Direitos
Humanos são universais, e que a constituição não pode retroagir direitos humanos, tal como
se vê no principio da vedação do retrocesso.

II. Cosmopolitismo x Comunitarismo nas Relações Internacionais

Para os liberais, ou cosmopolitas, o indivíduo possui uma essência ou valor anterior à


sociedade. Há uma precedência ontológica do indivíduo em relação ao meio social. Para isto,
compreende-se o indivíduo como uma abstração, algo desgarrado do contexto histórico-social,
dotado de uma significação própria, independentemente da sociedade em que vive. O
jusnaturalismo dos pensadores modernos está recuperado para fazer do indivíduo um Ser
dotado de uma natureza universal. Ao contrário, os comunitaristas (MORRICE, 2000) apontam
a precedência ontológica da sociedade em relação ao indivíduo. Para os comunitaristas, o
homem é um ser social, dotado de características sociais como história, cultura, valores e
princípios comuns, constituído em uma determinada relação espaço-temporal. Advém disso o
relativismo cultural, a compreensão de diferenças e a exclusão de interferências outras que
não as da respectiva sociedade.

III. Peter Häberle e a “sociedade aberta” de intérpretes

70
Häberle sustenta a canonização da comparação constitucional como um quinto
método de interpretação constitucional, além dos quatro desenvolvidos por Savigny
(gramatical, lógico, histórico e sistemático). Para ele, a interpretação dos institutos se
implementa mediante comparação nos vários ordenamentos jurídicos. Assim, o Estado
constitucional cooperativo deve substituir o Estado constitucional nacional. Para isso, o
recurso ao direito comparado e às normas e jurisprudência internacionais deve ser empregado
como método de interpretação, de modo a promover a abertura da sociedade para fora. Eis o
que requer a interpretação pluralista da Constituição, para moldar uma cidadania que combina
a igualdade de oportunidades com respeito à diferença, superando a cidadania
homogeneizante e negadora das diferenças: abertura para dentro, isto é, o reconhecimento da
sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – todos os que vivem a norma, e não só os
juízes constitucionais, acabam por interpretá-la ou pelo menos co-interpretá-la – abertura ao
mundo (ou cooperação), isto é, a interpretação do texto constitucional como aberto,
cooperante e integrante de uma rede de outros textos constitucionais e internacionais com o
mesmo propósito (especialmente no âmbito dos direitos fundamentais).

IV. O Direito comparado e a Constituição brasileira

A importância do direito comparado e das normas e jurisprudência internacionais na


interpretação da Constituição decorre da constatação de que, hoje, o direito constitucional
não começa onde termina o direito internacional, e o contrário também é válido. Lembre-se,
a propósito, o §3º do art. 5º da CRFB. Como diz Häberle (2007, p. 61): “A ideologia do
monopólio estatal das fontes jurídicas torna-se estranha ao Estado constitucional quando ele
muda para o Estado constitucional cooperativo. Ele não mais exige monopólio na legislação
e interpretação: ele se abre – de forma escalonada – a procedimentos internacionais ou de
Direito Internacional de legislação, e a processos de interpretação.”

A CRFB abre-se ao mundo e ao Estado constitucional cooperativo em diversos


dispositivos: (1) no art. 4º, inc. IX, que erige a "cooperação entre os povos para o progresso
da humanidade" em princípio reitor das relações internacionais do País e, no parágrafo único,
diz: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e
cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-
americana de nações."; (2) nos §§ 2º, 3º e 4º do art. 5º, segundo os quais: "Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes [...] dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte", "Os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais"; "O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal
Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão."

V. Interconstitucionalismo

Diante desta tendência mundial de globalização do direito constitucional, Marcelo


Neves alude à provável superação do constitucionalismo provinciano ou paroquial pelo
TRANSCONSTITUCIONALISMO, mais adequado para as soluções dos problemas de direitos
fundamentais e humanos. Neste sentido, Canotilho chega a sugerir a formulação da
denominada TEORIA DA INTERCONSTITUCIONALIDADE, na busca de estudar as relações
interconstitucionais, ou seja, a concorrência, a convergência, justaposição e conflito de várias
constituições e de vários poderes constituintes no mesmo espaço político.

Existe uma tendência crescente e positiva de invocação do Direito Internacional dos


Direitos Humanos e do Direito Comparado na interpretação constitucional. Hoje, as ideias

71
constitucionais “migram”. Há uma positiva troca de experiências, conceitos e ideias entre
cortes nacionais e internacionais, com a possibilidade de aprendizado recíproco entre as
instâncias envolvidas nesse diálogo – fertilização cruzada.

Há Estados cujas constituições expressamente recomendam a adoção desta ótica


cosmopolita na interpretação constitucional, como a Constituição sul-africana e a de Portugal.
Na Europa, as cortes nacionais têm de levar em consideração nos seus julgamentos não só as
normas ditadas pela União Europeia e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União
Europeia, como também a Convenção Europeia de Direitos Humanos e a sua interpretação
realizada pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Até mesmo nos Estados Unidos, onde
sempre houve uma provinciana resistência ao uso do Direito Internacional e Comparado em
matéria constitucional, a interpretação cosmopolita tem avançado (casos Lawrence v. Texas, e
Roper vs. Simmons).

Questões prova oral: Me fale sobre multiculturalismo e interculturalidade. Em que medida as


ações afirmativas - as cotas por exemplo - vêm em socorro ao multiculturalismo?

11C. Colisão entre normas constitucionais. Ponderação e juízo de adequação. Princípios da


Proporcionalidade e da Razoabilidade.

Nilton Santos 02/09/18

1. Colisão entre Normas Constitucionais

O fenômeno da colisão entre normas constitucionais não é incomum, sobretudo no quadro de


constituições extensas, de natureza compromissória, e compostas por muitos preceitos
positivados em linguagem aberta, caso da Carta Política de 1988. Ademais, tem-se que a
Constituição é um documento dialético, que tutela valores e interesses potencialmente
conflitantes, e que princípios nela consagrados entram, com frequência, em rota de colisão.

Nas sociedades modernas, caracterizadas pelo pluralismo social e cultural, as questões


envolvidas na colisão entre normas constitucionais são, com grande frequência, extremamente
polêmicas, tornando praticamente impossível que se chegue a soluções baseadas em um
senso comum compartilhado pela comunidade.

De ser percebido, ainda, que as colisões podem envolver tipos de normas constitucionais
diferentes: há colisões entre princípios, entre regras, e entre princípio e regra, apresentando,
cada uma dessas hipóteses, singularidades próprias.

No tocante às regras, verificada a colisão casuística, o problema se resolverá em termos de


validade. As duas normas não podem conviver simultaneamente no ordenamento jurídico.
Assim, prevalente no cenário nacional o entendimento de que, em geral, as regras
constitucionais não se abrem a ponderações, aplicando-se de acordo com a lógica do tudo ou
nada – sendo a hipótese de incidência de uma regra preenchida, ou é a regra válida e a
consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida.

No que diz respeito aos princípios, são determinações para que específico bem jurídico seja
satisfeito e protegido na maior medida que as circunstâncias permitirem. São mandados de
otimização, já que impõem que sejam realizados na máxima extensão possível. A
normatividade dos princípios é, nesse sentido, provisória, potencial, com virtualidades de se
adaptar à situação fática, na busca de uma solução ótima. Por tal razão, tem-se por factível
que um princípio seja aplicado em graus diferenciados, conforme o caso que o atrai, sendo
perfeitamente possível a coexistência, ainda que aparentemente conflitantes.

72
2. Tipos de Colisão

Parcela da doutrina cogita acerca da existência de espécies de colisões de direitos (normas)


dividindo-as em sentido estrito ou em sentido amplo. As colisões em sentido estrito referem-
se apenas àqueles conflitos entre direitos fundamentais. Podem referir-se a:

 Direitos fundamentais idênticos, que envolvem o exercício de direitos fundamentais


objetivamente simétricos (direitos idênticos), porém subjetivamente diversos (titulares
diversos). Podem ser identificados quatro tipos básicos: a) Colisão de direito fundamental
enquanto direito liberal de defesa 2; b) Colisão de direito de defesa de caráter liberal e o
direito de proteção3; c) Colisão do caráter negativo de um direito com o caráter positivo desse
mesmo direito. É o que se verifica com a liberdade religiosa, que tanto pressupõe a prática de
uma religião como o direito de não desenvolver ou participar de qualquer prática religiosa. d)
Colisão entre o aspecto jurídico de um direito fundamental e o seu aspecto fático 4.

 Direitos fundamentais diversos, relativos ao exercício de direitos fundamentais com


diversidade de objeto e de sujeitos ativos5.

As colisões em sentido amplo envolvem os direitos fundamentais e outros princípios ou


valores que tenham por escopo a proteção de interesses em favor da comunidade.

3. A ponderação.

Conceito: técnica destinada a resolver conflitos entre normas válidas e incidentes sobre um
caso, que busca promover, na medida do possível, uma realização otimizada dos bens jurídicos
em confronto. Consiste em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis (hard
cases), em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, sobretudo quando uma
situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções
diferenciadas. Assim, a técnica em questão envolve a identificação, comparação e eventual
restrição de interesses contrapostos envolvidos numa dada hipótese fática, com a finalidade
de encontrar uma solução juridicamente adequada.

Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento sustentam que os parâmetros utilizados para
fins da aplicação da ponderação devem ser inferidos do sistema constitucionais e não da mera
discricionariedade do intérprete, a partir do que destacam os seguintes:

 As regras constitucionais têm preferência prima facie sobre os princípios, isso porque,


usualmente, as regras tratam das exceções à aplicação dos princípios;

 Há uma preferência prima facie das normas que instituem direitos fundamentais quando


colidentes com outras que assegurem interesses e bens jurídicos distintos;

 Dentre os direitos fundamentais, há uma preferência prima facie dos direitos e liberdades


existenciais, dos ligados à garantia dos pressupostos da democracia e das condições essenciais
de vida sobre aqueles de conteúdo meramente patrimonial ou econômico.

2 Ex: decisão de dois grupos adversos de realizar uma demonstração na mesma praça pública.

3 Ex: decisão de atirar no sequestrador para proteger a vida do refém ou da vítima.

4 Ex: concessão de auxílio aos hipossuficientes, indaga-se sobre a dimensão fática ou jurídica do princípio da igualdade.

5 Ex: Colisão entre a liberdade de informação jornalística e o direito à intimidade de um preso que não queira ser identificado pelo repórter policial.

73
Quem efetiva a Ponderação: contrariamente ao senso comum, que não é apenas o Poder
Judiciário que realiza ponderações entre interesses constitucionais contrapostos. O Legislativo
e a Administração Pública também o fazem, e até mesmo particulares, quando têm de
resolver, no âmbito das suas atividades, colisões entre normas constitucionais. De fato, numa
democracia, quem tem a primazia na ponderação é o legislador que, ao regulamentar as mais
diferentes matérias, deve levar em consideração as exigências decorrentes de normas e
valores constitucionais por vezes conflitantes e que, dentro da margem que possui, a decisão
do legislador não deve ser invalidada pelo Judiciário.

No que diz respeito à ponderação em âmbito judicial, pode ocorrer em três contextos
diferentes. No primeiro, o Poder Judiciário é provocado para analisar a validade de uma
ponderação já realizada por terceiros – em geral, pelo legislador – o que pode ocorrer tanto
em sede de controle abstrato de normas quanto na análise de caso concreto. No segundo,
existe um conflito entre normas constitucionais, mas não há nenhuma ponderação prévia
realizada por terceiros. Na terceira hipótese, o próprio legislador infraconstitucional remete ao
Judiciário a tarefa de avaliar, em cada caso concreto, a solução correta para o conflito entre
interesses constitucionais colidentes, seguindo determinadas diretrizes, pressupostos e
procedimentos que ele fixou.

A técnica da ponderação: Na denominada técnica da ponderação, de alguma forma, cada um


dos elementos conflitantes deverá ser considerado na medida de sua importância e
pertinência para o caso concreto, de modo que, na solução final, tal qual em um quadro bem
pintado, as diferentes cores possam ser percebidas, embora alguma(s) dela(s) venha(m) a se
destacar sobre as demais.

 Primeiro passo - verificação da existência de efetivo conflito entre normas constitucionais,


com a delimitação do espaço de atuação de cada princípio – análise de seus limites imanentes,
que não podem ser restringidos – verificando a sobreposição de alcance dos direitos
conflitantes.

 Segundo passo - exame dos fatos, das circunstâncias concretas do caso e sua interação com
os elementos normativos.

 Terceiro passo - diante da certeza da existência de normas em tensão no caso, ganha azo a
fase da ponderação propriamente dita, cujo fio condutor a ser empregado para a sua
realização é o princípio da proporcionalidade com os seus três subprincípios. 

4. O Princípio da Proporcionalidade

A sua principal finalidade é a contenção do arbítrio estatal, provendo critérios para o controle


de medidas restritivas de direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente
protegidos. Partindo-se do pressuposto de que todo direito é passível de limitação ou
restrição, tratando-se dos direitos fundamentais faz-se imperioso limitar tais restrições.

A teoria do limite dos limites (Schranken-Schranken) que se traduz na baliza à atuação do


legislador quando restringe direitos individuais, posto que há a necessidade premente de
proteção de um núcleo essencial do direito fundamental quanto à clareza, determinação,
generalidade e proporcionalidade das restrições impostas.

De se ver que não existe previsão expressa do princípio da proporcionalidade na Constituição.


O STF tem fundamentado o princípio – tratado pela Corte como idêntico ao princípio da
razoabilidade – na cláusula do devido processo legal, na sua dimensão substantiva (art. 5º,
XXXIV, CF), posição que goza de amplo respaldo da doutrina constitucional pátria.

74
O princípio da proporcionalidade não é útil apenas para verificar a validade material de atos do
Poder Legislativo ou do Poder Executivo que limitem direitos fundamentais, mas também para,
reflexivamente, verificar a própria legitimidade da decisão judicial, servindo, nesse ponto,
como verdadeiro limite da atividade jurisdicional. O juiz, ao concretizar um direito
fundamental, também deve estar ciente de que sua ordem deve ser adequada, necessária (não
excessiva e suficiente) e proporcional em sentido estrito.

 O Subprincípio da Adequação (pertinência ou idoneidade) - Adequado é o ato que se


constitui em meio hábil para resolver o caso ao qual aplicado, ou atingir os objetivos
perquiridos (interesse público). Este subprincípio impõe duas exigências, que devem ser
satisfeitas simultaneamente por qualquer ato estatal: (a) os fins perseguidos pelo Estado
devem ser legítimos; e (b) os meios adotados devem ser aptos para, pelo menos, contribuir
para o atingimento dos referidos fins.

 O Subprincípio da Necessidade - Necessário é o ato que resolve o caso da maneira menos


gravosa possível. Em outros termos, o meio (ato) não será necessário se o objetivo almejado
puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele, ao mesmo tempo, adequada e
menos nociva a outros valores constitucionalizados 6.

 O Subprincípio da Proporcionalidade em Sentido Estrito – Traduz a ponderação entre o


ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos
direitos do cidadão. Assim, demanda que a restrição ao direito ou ao bem jurídico imposta
pela medida estatal seja compensada pela promoção do interesse contraposto.

4.1. A Proporcionalidade como Proibição de Proteção Deficiente

O princípio da proporcionalidade é concebido tradicionalmente como um instrumento para


controle de excessos no exercício do poder estatal, visando a conter o arbítrio dos
governantes. Porém, no cenário contemporâneo, sabe-se que os poderes públicos têm
funções positivas importantes para a proteção, a promoção dos direitos e a garantia do bem-
estar coletivo.

Hodiernamente, compreende-se que é papel do Estado atuar positivamente na proteção e


promoção dos direitos e objetivos comunitários, tendo-se por ofendida a ordem jurídica e a
Constituição não apenas pela prática de excessos, intervindo de maneira exagerada ou
indevida nas relações sociais, mas também nos casos de omissão, quando deixa de agir em
prol dos direitos fundamentais ou de outros bens jurídicos relevantes, ou o faz de modo
insuficiente.

A ideia de proporcionalidade como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot)


desenvolveu-se no direito constitucional germânico a partir da concepção de que os direitos
fundamentais não são meros direitos subjetivos negativos, mas possuem também uma
dimensão objetiva, na medida em que tutelam certos bens jurídicos e valores que devem ser
promovidos e protegidos diante de riscos e ameaças originários de terceiros. Encerra,
portanto, um dever de proteção estatal dos direitos fundamentais (imperativo de tutela), que
se estende ao Legislativo, à Administração Pública e ao Poder Judiciário.

6
O Supremo Tribunal Federal utilizou o critério da necessidade para limitar a utilização de algemas pelas autoridades policiais,
editando a Súmula Vinculante nº 11 com esse propósito, tendo entendido que o uso de algemas seria “excepcional, somente
restando justificado ante a periculosidade do agente ou o risco concreto de fuga”.

75
Assim, quando o Estado se abstiver, total ou parcialmente, de adotar alguma medida que
favoreceria a promoção ou a proteção de um determinado direito fundamental ou objetivo de
envergadura constitucional, caberá a verificação da observância dos subprincípios acima
abordados.

Questões Prova Objetiva 29 CPR:

Questão 6 – a) O princípio da proporcionalidade possui uma dupla face, atuando


simultaneamente como critério para o controle da legitimidade constitucional de medidas
restritivas do âmbito de proteção dos direitos fundamentais, bem como para o controle da
omissão ou atuação insuficiente do Estado no cumprimento dos seus deveres de proteção.
VERDADEIRO. “Originalmente, a proporcionalidade foi utilizada para combater os excessos das
restrições a direitos, impostos por leis e atos administrativos. Por isso, era o instrumento de
fiscalização da ação excessivamente limitadora dos atos estatais em face dos diretos
fundamentais, sendo considerado o “limite dos limites” e também denominado “proibição do
excesso”. Atualmente, a proporcionalidade não se reduz somente a essa atividade de
fiscalização e proibição do excesso dos atos limitadores do Estado: há ainda duas facetas
adicionais. Há a faceta de promoção de direitos, pela qual o uso da proporcionalidade fiscaliza
os atos estatais excessivamente insuficientes para promover um direito (por exemplo, os
direitos sociais), gerando uma “proibição da proteção insuficiente”. Finalmente, há a faceta de
ponderação em um conflito de direitos, pela qual a proporcionalidade é utilizada pelo
intérprete para fazer prevalecer um direito, restringindo outro” ACR, Curso de Direitos
Fundamentais.

7. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
7.1 Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. Direito
comparado. Legitimidade democrática. (12.a)
7.2 Controle Concreto de Constitucionalidade. O Recurso Extraordinário. (16.c)
7.3 Controle abstrato de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Ação
Direta de Inconstitucionalidade por omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. (18.c)
7.4 Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Técnicas decisórias na jurisdição
constitucional. (22.b)
7.5 Inconstitucionalidade por omissão. Ação Direta e Mandado de Injunção. (25.b)

12A. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. Direito


comparado. Legitimidade democrática.

Gabriel Dalla 10/09/18

I. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro.

O controle de constitucionalidade é – sucintamente - a verificação da compatibilidade


vertical entre a norma ou ato e a Constituição. A lei nasce com presunção de
constitucionalidade com fundamento basicamente em dois princípios: o democrático e o da
separação de poderes. Isto, naturalmente, não implica dizer que a lei não pode ser reputada
inconstitucional, o que se dá justamente no âmbito do controle de constitucionalidade, que
pode ser abstrato (inconstitucionalidade como pedido) ou concreto (inconstitucionalidade
como causa de pedir) e concentrado ou difuso (a depender do critério de fixação da
competência do órgão julgador: se a competência surge em razão da alegada
inconstitucionalidade, trata-se de controle concentrado). Há três pressupostos imprescindíveis

76
para o exercício de controle: 1. Supremacia da Constituição; 2. Rigidez da Constituição; 3.
Órgão competente para exercer o controle.

No controle, há dois elementos: o parâmetro e o objeto, porque algo (objeto) só é


(in)constitucional em relação a algo diverso (parâmetro). Parâmetro é a norma/princípio/valor
com relação ao qual outra norma ou ato é questionado. Neste contexto, é oportuno observar a
noção de bloco de constitucionalidade, que – malgrado oriundo do direito francês – Canotilho
observou que teve seu desenvolvimento muito assemelhado à ideia de parâmetro
constitucional. Assim, o bloco de constitucionalidade possui duas acepções: restrita [o texto
constitucional] e ampla [texto + normas materialmente constitucionais fora do texto].

O parâmetro no Brasil é intermediário: texto constitucional [ADCT, emendas e o


próprio corpo da Constituição], princípios implícitos e tratados de direitos humanos aprovados
na forma art. 3º, § 5º. O preâmbulo da CF está excluído, porquanto possui mero valor
axiológico/político; estão inadmitidas também as normas infraconstitucionais, por mais
relevante e materialmente constitucional que sejam.

No Brasil:

Não havia controle. Supremacia do parlamento e do poder moderador. Cabia ao


1824 Imperador o zelo da Constituição e ao juiz não era dado interpretar as leis, mas
meramente aplicá-las.

Modelo americano (difuso e concreto) sob forte influência de Rui Barbosa. Dizia
1891 Rui Barbosa: “a judicial review é matéria de hermenêutica e não de legislação”
como forma de afastar o controle abstrato, que conferiria ao juiz um papel de
legislador.

Ainda no plano de um controle difuso e concreto, trouxe relevantes novidades:


➢ Resolução suspensiva do Senado [art. 52, X], a qual foi recentemente
objeto de mutação constitucional segundo o STF no bojo das ADI’s 3.406/RJ e
1934 3.470/RJ; ➢ Reserva de Plenário ou “Full Bench”, art. 97; ➢
Representação Interventiva ou declaração de inconstitucionalidade para
evitar intervenção federal [art. 36, III] que, na verdade, era ação cuja titularidade
cabia ao PGR em que o STF se manifestava sobre a constitucionalidade da Lei de
Intervenção; ➢ Mandado de Segurança.

Constituição de caráter ditatorial [Estado Novo – CF Polaca]: ocorrida decisão


judicial com declaração de inconstitucionalidade, o Presidente poderia por
questões de “soberania nacional” submeter a matéria ao Congresso Nacional,
que, por 2/3, poderia restabelecer a validade da lei. Ademais, se o Congresso não
1937 estivesse reunido por qualquer motivo, as atribuições passavam ao Presidente da
República, que atuava nesses casos via Decreto-Lei: isto significa que ele poderia
tornar a decisão judicial sem efeito por Decreto-Lei isoladamente. No contexto
em que Getúlio Vargas controlava amplamente o Congresso – inclusive com o seu
fechamento -, este modelo representou ampla ascendência do Poder Executivo.

Restaura o modelo da CF de 1934 e reformula a “representação interventiva”


com a inclusão da possibilidade de declaração de inconstitucionalidade. A grande
novidade dá-se, porém, com a EC 16/65 que cria a representação de
inconstitucionalidade [a atual ADI], exclusiva do PGR e, assim, institui o controle
1946 concentrado abstrato. A criação do modelo de controle abstrato brasileiro não
possui qualquer finalidade democrática ou republicana, porque se deu um ano

77
após o golpe de 64, no que o PGR realizava, além da função de MP, a função da
AGU de hoje e era exonerável ad nutum: sendo assim, ele só proporia as
representações de inconstitucionalidade no interesse da União.

A novidade surge com a EC 07/77: cria a possibilidade de cautelar na


1967/69 representação de inconstitucionalidade, o controle da lei municipal em face da
CE e a criação da representação interpretativa, cuja legitimidade era do PGR.

A CF 88 é marcada por um claro redimensionamento do controle de


constitucionalidade. Primeiro, há a ampliação do rol de legitimados da ADI. Isto
gerou uma mudança radical no controle de constitucionalidade: o STF passa a
exercer de forma muito mais intensa o controle concentrado abstrato após 1988,
o que se soma ao processo de reconhecimento da existência de processos de
massa e com o aumento destas questões de massa torna-se necessária a criação
de mecanismos que resolvam tais problemas de forma molecular, o que revela
uma maior importância do problema concentrado abstrato em face do difuso
concreto. Até a EC 16/65, vigia apenas o controle difuso e concreto; após surge o
concentrado abstrato, mas se mantém com uma menor relevância do que
aquele; em 88, as coisas se investem: a primazia é do concentrado abstrato. O
que provoca o fenômeno, por sua vez, da incorporação pelo controle concreto de
1988 características do abstrato: “abstrativização” ou “objetivação” do controle de
constitucionalidade, tais como a modulação dos efeitos temporais, ampliação das
possibilidades do amicus curiae, S.V., repercussão geral no caso do RE.
Na CF 88, houve ainda:
➢ Criação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental –
ADPF, o STF entendia que esta norma era de eficácia limitada e só poderia ser
exercido quando regulamentado e o foi pela Lei nº 9.882/99. ➢ Controle
das omissões, que se dá por dois instrumentos criados pela CF exclusivamente
para isto: ADO e mandado de injunção. ➢ Ampliação dos remédios [MI, HD,
MS coletivo] e manutenção dos demais que já existiam [MS, HC], bem como a
ampliação de outras existentes [Ação Popular, ACP]. ➢ Ação Declaratória de
Constitucionalidade criada pela EC 3/93; ➢ Instrumentos criados pela EC
45/04: ▪ Súmula Vinculante; ▪ Repercussão Geral no RE; ▪
Alterações no RE [103, III, d]; ▪ Alterações na Representação Interventiva
[36, III].
➢ Constitucionalização da Reclamação Constitucional que visa a garantir a
competência do STF ou a autoridade das suas decisões [102, I, ‘l’; ➢ Ação
Direta de Inconstitucionalidade estadual.

II. Direito comparado.

Em tema de controle de constitucionalidade, é necessário observar três modelos de


direito alienígena: o americano, austríaco e o francês.

Americano Estritamente a respeito do controle, a Constituição americana surge com a


cláusula de supremacia, mas ainda sem resposta para o que deveria ocorrer
em casos de sua violação. Os federalistas – Alexander Hamilton, em especial –
“unconstitucional law is not law at all”, a qual posteriormente é ratificada no
rumoroso caso Marbury vs. Madison. Nesse julgamento, fixou-se o “princípio
da nulidade”, assim como se instaurou o controle judicial, difuso e incidental
- judicial review. As três perguntas fundamentais do judicial review são

78
respondidas: a lei contrária é nula, o exame dever ser feito no caso concreto e
cabe ao judiciário resolvê-lo.
Austríaco Hans Kelsen sustentava que o controle de constitucionalidade significa o
exercício do papel de “legislador negativo” – controle político -, o que não
poderia ser realizada por qualquer juiz, mas por um órgão específico: o
Tribunal Constitucional. Tratava-se de controle concentrado e abstrato. Neste
sistema, vigia o “princípio da anulabilidade”, porque, para Kelsen, o sistema
não possui contradições, razão pela qual a decisão era constitutiva.
Francês Inicialmente, não havia controle: se uma lei é fruto do parlamento, é fruto dos
representantes do povo, é fruto da vontade majoritária do povo e é, por
natureza, democraticamente legítima, não cabendo ao juiz, que não é eleito,
invalidá-la. Posteriormente, foi instituído o controle político preventivo
através do Conselho Constitucional, que se dá sobre o Projeto de Lei – ainda
hoje realizado.
Muito recentemente, entre 2008 e 2010, surgiu a denominada “questão
prioritária de constitucionalidade”, que nada mais é do que a remessa de
questão para controle pelo Conselho Constitucional, uma vez admitida na
Corte de Cassação [Direito Privado] ou Conselho de Estado [Direito Público]. É
hipótese de controle político, incidental e repressivo.

III. Legitimidade democrática.

Constitucionalismo significa governo limitado, governo das leis. Democracia não


necessariamente respeita limites ao poder, mas sim à origem do poder. Democracia significa
que o governo será legítimo se respeitar a vontade popular. Mas o foco não está na limitação
do poder e, sim, na sua legitimação, na sua origem. Essa questão é a mais fecunda do
constitucionalismo, a sua tensão com a democracia. E isso se coloca de forma muito intensa
quando o Judiciário declara uma lei inconstitucional. Ex: STF declara lei inconstitucional por
violar a moralidade administrativa ou a proporcionalidade. Nesse caso, há o risco de uma
decisão ilegítima sob o aspecto democrático, pois a lei foi aprovada pelos representantes
eleitos do povo, e declarada inconstitucional por juízes. Se eles anulam uma lei aprovada por
representantes do povo com base em um princípio muito aberto, o risco é de estarem
substituindo aqueles que foram eleitos pelo povo. Essa é a chamada "dificuldade
contramajoritária do poder judiciário" ou "problema da legitimidade do controle
jurisdicional".

Quando os juízes invalidam uma lei, há uma tensão na relação constitucionalismo e


democracia. Há um risco de se produzir um governo de juízes, que é a antítese da democracia.
Mas isso não pode ser levado ao extremo, pois não seria possível o controle de
constitucionalidade pelo Judiciário. Durante todo o séc. XIX, entendeu-se na Europa que o
controle de constitucionalidade pelo Judiciário era ilegítimo. Hoje a discussão não é se o
controle de constitucionalidade é legítimo, mas, sim, em que casos ele é legítimo e em que
casos é ilegítimo. Ou seja, qual é o limite de legitimidade da jurisdição constitucional.

Neste contexto, há profícua elaboração doutrinária e jurisprudencial – a qual não


pode ser elaborada neste extrato -, a exemplo das teorias da interpretação constitucional
(interpretativismo, não-interpretativismo etc.), a teoria do papel a ser desempenhado pela
constituição (modelo substancialista ou procedimentalista), limites da atuação jurisdicional (as
discussões a respeito do denominado ativismo judicial) et cetera.

79
16C.  Controle concreto de constitucionalidade. O Recurso Extraordinário.

André Batista e Silva


 
I. Controle concreto de constitucionalidade

Origem: também denominado de controle difuso ou incidental, tem origem datada de 1803,
nos Estados Unidos, a partir do
prcedente “Marbury  vs.  Madison”,julgadopelo magistrado Marshal, no qual se compreendeu
que o judicial review compete a qualquer magistrado, diante de um caso concreto, com
decisão de efeitos ex tunc (retroativos). Em contraponto, o controle concetrado-abstrato, a
partir da formulação de Hans Kelsen, concebeu uma Corte Constitucional especializada para
exercer a função, invalidando a norma impugnada com efeitos apenas prospectivos (ex nunc). 
No Brasil foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto n° 848/1890,
que criou a Justiça Federal, sendo, em seguida, consagrado na Constituição da República de
1891 e mantido em todas as constituições seguintes. Trata-se da incorporação do modelo
norte-americano em solo pátrio, a partir dos ensinamentos de Ruy Barbosa. Era, até a
Constituição da República de 1988, o controle predominante no sistema brasileiro.
Conceito: o controle difuso, repressivo ou posterior, é também chamado de controle pela via
de exceção ou incidental ou de defesa, sendo realizado por qualquer juízo ou tribunal do poder
judiciário. Verifica-se em um caso concreto, e a declaração de inconstitucionalidade dá-se de
forma incidental (incider tantum), prejudicialmente ao exame do mérito (a alegação de
inconstitucionalidade será a causa de pedir processual). A inconstitucionalidade pode ser
questionada em qualquer ação, desde que seja a causa de pedir e não o pedido da demanda.
Após algum dissenso, tal entendimento foi confirmado inclusive no que toca à Ação Civil
Pública, sendo reafirmado em diversos julgados das cortes superiores (ex. STJ, Resp
1.487.032/2015 -  “É firme o entendimento do STJ no sentido de que a inconstitucionalidade
de determinada lei pode ser alegada em ação civil pública, desde que a título de causa de pedir
- e não de pedido –, como no caso em análise, pois, nessa hipótese, o controle de
constitucionalidade terá caráter incidental”). A questão da constitucionalidade deve ser
suscitada pelas partes ou pelo ministério público, podendo, ainda, vir a ser reconhecida de
ofício pelo juiz ou pelo tribunal.
Cláusula de reserva de plenário: originada na Constituição de 1934, impõe que, perante o
tribunal, a declaração de inconstitucionalidade somente poderá ser pronunciada pelo voto da
maioria absoluta de seus membros ou dos membros do órgão especial (art. 97, CF/88). É
também denominada de cisão funcional horizontal da competência, ou seja, o plenário apenas
aprecia a questão envolvendo a inconstitucionalidade e devolve o processo para o órgão
fracionário julgaro mérito; a decisãodo plenário é irrecorrível e vincula o órgão fracionário no
caso concreto, incorporando-se ao julgamento do recurso ou da causa como premissa
inafastável. Daniel Sarmento aduz que uma das justificativas para a referida cláusula é o
Princípio da presunção graduada de constitucionalidade dos atos normativos.
Súmula Vinculante 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão
fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte"; O mesmo
procedimento deve ser adotado no caso de interpretação conforme e de declaração parcial de
nulidade sem redução de texto. Entretanto, dispensa-se a remessa ao órgão especial ou pleno
do Tribunal correspondente se já houver pronunciamento destes ou do STF (art. 481, PU, CPC).
E, no caso do STF, há precedente no sentido de que a ele não se aplica o art. 97: “O STF exerce,
por excelência, o controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do recurso
extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência regimental para fazê-lo sem
ofensa ao art. 97 da CF.” (RE 361.829-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJE de 19-3-
2010).

80
Participação do amicus  curiae: o CPC, no art. 482, admite a manifestação, no incidente de inc
onstitucionalidade, do Ministério Público, das pessoas jurídicas responsáveis pela edição do
ato e dos titulares do direito de propositura de ADI. Faculta-se ao relator a possibilidade de
admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades. A mesma
norma é reproduzida ainda em dispositivo legal que disciplina especificamente o controle
difuso de constitucionalidade, como é o caso do RExt – o CPC estabelece que o relator poderá
admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador
habilitado (art. 543-A, §6º).
Parâmetro de controle: o controle concreto de constitucionalidade pode se exercido em
relação a normas emanadas dos três níveis de poder, de qualquer hierarquia, inclusive as
anteriores à Constituição. (RE 148.754 e RE 269700)
Efeitos: A declaração de inconstitucionalidade no controle difuso produz efeitos, em regra, ex
tunc e inter partes. A inconstitucionalidade declarada como questão prejudicial não transita
em julgado (limite objetivo da coisa julgada), nem afeta terceiros estranhos ao processo (limite
subjetivo). A doutrina majoritária no Brasil situa a inconstitucionalidade no campo da nulidade,
em razão da supremacia da constituição. A decisão que a reconhece tem natureza
declaratória, e retroage até o nascimentodo ato viciado.Entretanto, o STF tem admitido, em
casos excepcionais, mitigação da retroação de efeitos, mediante ponderação de princípios e
aplicação analógica do art.27 da Lei 9868/99 (modulação temporal). Ex. Caso Mira Estrela. RE
197.917.
Abstrativização do controle difuso (objetivação, abstração, dessubjetivação das formas
processuais): o procedimento designado abstrativização do controle concreto, expressão
cunhada pelo doutrinador Fredie Didier Júnior, por ocasião da análise das transformações
ocorridas no Recurso Extraordinário, consiste na possibilidade de conferir efeitos erga omnes
adecisões proferidas em sede de controle difuso/concreto de constitucionalidade. Essa
possibilidade encontra amparo, inclusive, na própria Constituição:
(a) artigo 52, X, CRFB/88: compete privativamente ao Senado, por resolução, suspender a
execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do
Supremo Tribunal Federal; tem prevalecido o entendimento no sentido de que a resolução
tem eficácia ex nunc, embora Barroso sustente que deveria ser ex tunc, porque a norma é
inconstitucional desdeo início.
(b) ECn° 45/04 – art. 103-A,CRFB/88: após reiteradas decisões acerca da validade,
interpretação ou eficácia de uma norma sobre a qual paire controvérsia atual, judicial ou
administrativa, o STF pode editar súmula vinculante pelo voto de 2/3 dos seus membros, que
vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública. OBS: o STF não fica
vinculado à súmula, podendo, inclusive deofício,revisá-la ou cancelá-la. 
(c) o STF importouprincípio de controleconhecido como transcendência dos motivos
determinantes (os motivos que fundamentam a declaração de inconstitucionalidade
extrapolam os limites da demanda para alcançar situações idênticas ou semelhantes). OBS. O
STF não adota essa Teoria, apesar de o Ministro Gilmar Mendes ser um de seus expoentes. 
(d) repercussão geral (art. 102, §3°, CR): com a EC 45/04 (Reforma do Judiciário) mudou
radicalmente o modelo decontrole incidental, uma vez que os recursosextraordinários terão
de passar pelo crivo da admissibilidade referente à repercussão geral. Assim, com a adoção
desse novo instituto haverá uma maximização da feição objetiva do recurso extraordinário,
que passou a ser um instrumento de molecularização de julgamento em massa.
Art. 52, X, da CF/88 e mutação constitucional (Recl. 4335): Após uma sucessão de votos-vista
e quase sete anos, o STF concluiu em março de 2014 o julgamento em que se propôs a
rediscutir o papel do Senado Federal no domínio do controle incidental de constitucionalidade.
Confrontado com a decisão de um juiz que se recusava a seguir a orientação do STF em tema
relevante, mas fixada em habeas corpus, o relator, ministro Gilmar Mendes, propôs uma
releitura da matéria: o artigo 52, X teria passado por uma mutação constitucional, de modo
que todas as decisões tomadas pelo Plenário do STF no exercício da jurisdição constitucional
teriam, por si mesmas, eficácia geral e vinculante; a atribuição do Senado deixaria de ser a

81
ampliação da eficácia e passaria a ser, tão somente, uma forma de conferir publicidade ao que
restou decidido. Tal orientação foi acompanhada pelo ministro Eros Grau, mas foi rejeitada
pelos ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, que endossavam a compreensão
tradicional. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Ricardo
Lewandowski, cujo voto posterior juntou-se à divergência e foi seguido por novo pedido de
vista, agora do ministro Teori Zavascki. Na retomada do julgamento, o ministro Teori procurou
construir um meio-termo. De início, destacou a importância dos precedentes, sobretudo do
STF, e a necessidade de que sejam observados pelas instâncias inferiores, sob pena de a corte
deixar de cumprir a sua função institucional de guardiã da Constituição. Por outro lado,
considerou impossível abrir a via da reclamação para a garantia de todas as decisões do STF, o
que acabaria transformando-o em um tribunal executivo, encarregado da implementação
capilarizada das suas decisões. Linha semelhante foi adotada pelo ministro Luís Roberto
Barroso, que ressaltou a importância de se criar, no Brasil, uma cultura de respeito aos
precedentes e destacou o mérito teórico da interpretação proposta pelo ministro Gilmar
Mendes, mas considerou que ela seria incompatível com os limites semânticos do artigo 52, X.
Com ligeiras variações, tal orientação foi reiterada nos votos subsequentes. Ao fim e ao cabo,
portanto, manteve-se o convencimento convencional, pontuado pela mensagem institucional
de que o respeito à jurisprudência dos tribunais, e do Supremo em particular, é pressuposto
para a efetividade e racionalidade do acesso à Justiça. 
ATENÇÃO: Se uma lei ou ato normativo é declarado inconstitucional pelo STF,
incidentalmente, essa decisão, assim como acontece no controle abstrato, também produz
eficácia erga omnes e efeitos vinculantes. Assim, se o Plenário do STF decidir a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ainda que em
controle incidental, essa decisão terá os mesmos efeitos do controle concentrado, ou seja,
eficácia erga omnes e vinculante. Houve mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88. A
nova interpretação deve ser a seguinte: quando o STF declara uma lei inconstitucional,
mesmo em sede de controle difuso, a decisão já tem efeito vinculante e erga omnes e o STF
apenas comunica ao Senado com o objetivo de que a referida Casa Legislativa dê publicidade
daquilo que foi decidido (STF. Plenário. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, Rel. Min. Rosa Weber,
julgados em 29/11/2017 (Info 886)). Indagação de João Paulo Lordelo, em seu site: O STF
acaba de adotar a teoria da transcendência dos motivos determinantes ou a abstrativização do
controle difuso? O caso foi de evidente atribuição de eficácia vinculante sobre a
fundamentação de decisão em controle concentrado. Houve, portanto, transcendência dos
motivos determinantes, pois foi conferido efeito vinculante a uma declaração incidental, que
se encontrava na fundamentação do acórdão em duas ADIs. Não houve exercício de controle
difuso. A abstrativização do controle difuso é algo diverso. Transcendência dos motivos
determinantes: imprime efeito vinculante à ratio  decidendi,  ou seja, à parte
da fundamentação necessária e suficiente à conclusão do julgamento. Teoricamente, pode
ocorrer em controle difuso ou concentrado, mas o STF não vem adotando a técnica,
aparentemente por uma questão política: o incômodo que seria julgar um volume grande de
reclamações ajuizadas diretamente lá; Abstrativização do controle difuso: consiste em dar ao
controle difuso o tratamento do controle concentrado, conferindo eficácia vinculante e erga
omnes ao dispositivo, para além das partes (o que pode ocorrer em Recurso Extraordinário e
HC, por exemplo). O STF já fez isso em alguns casos, sendo essa técnica mais aceita que a
transcendência. Veja: essa técnica consiste apenas na aproximação dos dois meios de controle,
mas isso não gera necessariamente a vinculação da inconstitucionalidade reconhecida de
forma incidental,  pois o STF não reconhece tradicionalmente a vinculação da fundamentação
no controle concentrado. O que o Plenário do STF fez foi conferir efeito vinculante a uma
declaração de inconstitucionalidade incidental em controle concentrado, reconhecendo uma
mutação do papel do Senado quanto ao art. 52, X, da CRFB/88. A Corte não deixou claro se isso
se aplicaria também ao controle difuso - embora o Min. Gilmar Mendes tenha transparecido
isso de forma indireta, citando o art. 535, §5º, do CPC -, cabendo lembrar que o difuso pode
ser realizado por suas turmas. Imagine que uma das turmas do STF, por uma maioria de

82
apenas três ministros, reconheça, de forma incidental, a inconstitucionalidade de uma lei em
sede de recurso extraordinário, reconhecendo o direito subjetivo do recorrente. Essa
declaração incidental vincula todas as demais pessoas já de forma automática?  Não ficou claro
no julgado e não há essa previsão no rol de precedentes obrigatórios do NCPC. Tampouco
ficou claro se o STF adotará a transcendência dos motivos determinantes para os casos
futuros, embora isso tenha ocorrido no julgamento. Basta lembrar que, poucos dias antes do
julgamento em questão, a Segunda Turma decidiu que não cabe o uso de reclamação com
base na transcendência dos motivos determinantes (Rcl 22012/RS, rel. Min. Dias Toffoli, red.
p/ ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 12.9.2017, precedente anterior, mas só
divulgado no informativo n. 887). Levando em consideração a completa falta de instabilidade e
coerência na aplicação dos precedentes no Brasil, é bem provável que a jurisprudência
continue na mesma linha. 
 
II. Recurso Extraordinário

Recurso Extraordinário: delineado pelo artigo 102, III, da CR, o recurso extraordinário, cujo


julgamento compete exclusivamente ao STF, é cabível nas causas decididas em única ou
última instância, quando a decisão recorrida (a) contrariar dispositivo da Constituição; (b)
declarar a constitucionalidade de tratado ou lei federal;(c) julgar válida lei ou ato de governo
local contestado em face da Constituição; (d) julgar válida lei local contestada em face de lei
federal. A interposição do RE requer o esgotamento das vias ordinárias, o prequestionamento
da questão constitucional e a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais
discutidas no caso, somente podendo ser recusado pela manifestação de 2/3 de seus
membros, cuja análise é feita através do chamado plenário virtual. Ressalva-se que se existir
na Turma (a quem compete à apreciação do recurso extraordinário) no mínimo quatro votos
pela presença da repercussão geral, o recurso será admitido, dispensando-se a remessa do
caso ao Plenário. A decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF tem
presunção absoluta de repercussão geral. A repercussão geral de questões econômicas,
políticas, sociais e jurídicas é um conceito aberto e serve como filtro recursal para reforçar a
força vinculativa das decisões do STF, resultando numa objetivação do controle difuso, sendo
admitida a participação de amicus curiae na discussão sobre a existência da repercussão geral.
No tribunal de origem é feita uma análise por amostragem, encaminhando-se ao STF os
recursos extraordinários escolhidos e sobrestando-se os demais. Com a decisão sobre o RE
paradigmático há um efeito regressivo, pois, o Tribunal de origem pode retratar-se da decisão
contrária ao STF ou, então, encaminhar o RE. Neste último caso, o STF pode reformar
liminarmente o acórdão contrário à decisão paradigmática. A repercussão geral somente
passou a ser aplicada após a alteração do RISTF, em maio de 2007. No início os tribunais
deixavam de exercer o Juízo de retratação e encaminhavam os recursos sobrestados sem
qualquer decisão. O STF não aceita mais isso. O Tribunal deve fundamentar o motivo de não
haver exercido o juízo de retratação.

18C. Controle abstrato de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação


Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Aline Morais

CONTROLE CONCENTRADO: É controle repressivo realizado, via de ação – ADI, ADO, ADC e
ADPF – intentada por legitimados específicos enumerados em rol taxativo. Funda-se na
supremacia e rigidez da Constituição. O processo é objetivo e tem como características:
generalidade, impessoalidade e abstração. A finalidade é proteger a supremacia da
constituição. O objetivo principal é a declaração da (in)constitucionalidade que é reconhecida

83
e declarada no dispositivo da sentença, pelo STF (parâmetro CRFB e objeto lei/ato normativo
federal ou estadual) ou pelo TJ (parâmetro CE, objeto lei/ato normativo estadual ou municipal)
Não há prazo em dobro para recorrer ou contestar; não incide prescrição ou decadência; não
se admite intervenção de terceiros e assistência – exceto “amicus curiae”; a desistência é
vedada; a decisão irrecorrível (salvo ED, indeferimento da petição inicial pelo relator que
admite agravo regimental), não admite rescisória e não há vinculação à tese jurídica (causa de
pedir aberta).
NÃO PODEM SER OBJETO DE CONTROLE CONCENTRADO: a) Súmulas: por não possuírem grau
de normatividade qualificada pela generalidade e abstração, mesmo no caso de súmula
vinculante. No caso de SV, há procedimento de revisão. b) Regulamentos ou decretos
regulamentares expedidos pelo Executivo e demais atos normativos secundários : por não
estarem revestidos de autonomia jurídica. Trata-se, no caso, de questão de legalidade, por
inobservância do dever jurídico de subordinação normativa à lei. Decreto que não
regulamente lei alguma: poderá haver ADI para discutir observância do princípio da reserva
legal. c) Normas constitucionais originárias: presunção absoluta de constitucionalidade. No
caso de conflito entre si, deve haver harmonização, segundo caso concreto (princípio da
unidade, concordância prática). d) Atos estatais de efeitos concretos: por não possuírem
densidade jurídico-material (densidade normativa) –) Respostas emitidas nas consultas ao TSE:
por se tratar de ato de caráter meramente administrativo, não possuindo eficácia vinculativa
aos demais órgãos do Poder Judiciário; e) Atos normativos já revogados ou de eficácia
exaurida: porque a sua eventual declaração teria valor meramente histórico. OBS: Se a
revogação ou a perda de vigência da lei ou ato normativo ocorrer já no curso da ação de
inconstitucionalidade: STF entende pela perda do objeto, com a prejudicialidade da ação,
devendo os efeitos residuais concretos que possam ter sido gerados pela aplicação da lei ou
ato normativo não mais existente ser questionados na via ordinária, por intermédio do
controle difuso de constitucionalidade. Exceções: fraude processual; repetição em outra
norma de igual conteúdo; não ter sido o STF informado antes do julgamento. Gilmar Mendes
tem posição diferente sobre a regra: princípios da máxima efetividade e da força normativa da
CRFB; ATENÇÃO: e) Normas anteriores à Constituição: se incompatíveis são revogadas (não-
recepcionadas), não se podendo falar em inconstitucionalidade superveniente. (Conflito de leis
no tempo, e não hierárquico). Pode caber ADPF para, de forma definitiva e com eficácia geral,
solver controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito ordinário pré-constitucional em
face da nova Constituição.
ROL DE LEGITIMADOS (CONTROLE PELO STF) – mesmo para todas: art 103CRFB
ESTATAL - SEM advogado NÃO ESTATAL - necessita de
já possui capacidade postulatória advogado com poderes específicos
Presidente da República
Conselho Federal da OAB
Procurador-Geral da República
LEG ATIVA UNIVERSAL
Mesa da Câmara dos Deputados Partido Político com representação no CN
(TODA A COLETIVIDADE)
(momento da propositura:mín 1 em CD ou SF
Mesa do Senado Federal
Representado Diretório Nacional ou Executiva
Confederação Sindical (min 3 Federações)
Governador do Estado/DF
LEG ATIVA ESPECIAL Admite associação de associação
(PARCELACOLETIVIDADE Entidade de classe de âmbito nacional:
Mesa da Assembleia Legislativa/
) "PERTINÊNCIA a) representante de uma categoria;
Câmara Distrital
TEMÁTICA": b) presente em pelo menos 9 UF (1/3)
Mês do CN não pode
exceto se restrita a uma área menor (ex: Sal)
PGR - no controle de constitucionalidade, atua na condição de custus constituitionis, ou seja,
como fiscal da supremacia da Constituição (art. 103, § 1º, da CR). Segundo o STF deve emitir
parecer, inclusive quando autor e pode opinar pela improcedência do pedido feito por ele
mesmo.
ROL DE LEGITIMADOS (CONTROLE PELO TJ) – definidos em Constituição Estadual, sendo
vedado pela CRFB que seja atribuída legitimação a apenas uma pessoa. (art 125 §2ª CRFB)
EFEITOS DA DECISÃO: vinculante (para o Poder Judiciário e para a Administração Pública) ,
“erga omnes” (oponível a todos) e via de regra, “ex tunc”.

84
1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. (Leí nº 9.868/99 e art102, I, “a”, primeira
parte CRFB e 169 a 178 RISTF ) CONCEITO: Tem por objeto principal a própria declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese – federal ou estadual. OBJETO: a) Leis
(art. 59 da CRFB): emendas constitucionais (por emanarem do poder constituinte derivado
reformador), leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias (por
terem força de lei, mas desde que em plena vigência, ou seja, não convertidas ainda em lei ou
não tendo perdido a sua eficácia por decurso de prazo), decretos legislativos e resoluções
(esses dois últimos somente se estiverem revestidos de generalidade e abstração). b) Atos
normativos: qualquer ato revestido de indiscutível caráter normativo, como as resoluções
administrativas dos Tribunais, os regimentos internos dos Tribunais, as deliberações
administrativas dos órgãos judiciários, as deliberações dos Tribunais Regionais do Trabalho
(salvo as convenções coletivas de trabalho) etc. c) Tratados internacionais: sejam com status
de EC, Supralegal ou lei ordinária; d) Políticas públicas: desde que configurada hipótese de
evidente e arbitrária abusividade governamental, em violação à concretização dos direitos
mínimos existenciais do ser humano (direitos sociais, econômicos e culturais), devendo ainda
se verificar, no caso concreto, a razoabilidade da pretensão, bem como a disponibilidade
financeira do Estado para a implementação da referida política pública.
OBS: Lei – utilizada em conceito amplo: a) todo ato normativo primário (art. 59, CRFB/88); b)
EC - desde que: (i) viole uma das limitações; (ii) apenas as que versem sobre cláusulas pétreas;
(iii) poderes implícitos; c) lei orçamentária (tem admitido com freqüência – a controvérsia tem
que ser suscitada em abstrato.(ADI 5930); d) decreto presidencial, desde que autônomo - art.
84, VI, CRFB/88; e) tratado internacional - ADI 1480. Ato normativo (todo aquele que vincula
ou obriga um determinado grupo): a) ADI 1694 - TCU – consulta; b) parecer AGU aprovado
pelo Presidente da República; c) resolução do CNJ que interprete diretamente a Constituição -
ADC 12 - ADI - férias coletivas - ADI 3367; d) Resolução do TSE; LEGITIMIDADE (art. 103, CR).
COMPETÊNCIA: STF: Lei ou ato normativo federal ou estadual (incluindo distrital no exercício
de competência estadual) em face da CR; TJ local: Lei ou ato normativo estadual ou municipal
em face da CE (inclui Lei Orgânica do DF); tramitação simultânea de ações (lei estadual
perante a CR no STF e perante a CE no TJ local - norma da CR repetida na CE: suspender a ação
no TJ local até o julgamento da ADI no STF. Caso haja repetição de norma da CRFB na CE:
possível controle perante o TJ local, confrontando lei municipal em face da CE que repetiu
norma da CRFB. Não cabe ADI no STF em face de lei municipal. O acesso direto só é possível via
ADPF. Na análise de compatibilidade de lei municipal com a Lei Orgânica do Município, o
controle é de legalidade. PROCEDIMENTO: art. 103, §1º e 3°, art. 103, CRFB; arts. 169 a 178,
RISTF; Lei n° 9.868/99 - Quando imprescindível advogado, procuração com poderes especiais,
indicando objetivamente lei ou ato normativo atacados pela ADI; Pode haver indeferimento
liminar pelo relator, atacável por agravo, caso a petição sofra de vício insanável. São casos de
inépcia: (i) não indicar dispositivo da lei ou ato normativo impugnado, (ii) não for
fundamentada ou (iii) manifestamente improcedente. Não havendo indeferimento liminar,
relator pede informações aos órgãos ou entidades das quais emanou a lei ou ato normativo
impugnado, que devem ser prestadas em 30 dias do recebimento do pedido. Após
informações, ouvidos, sucessivamente, o AGU e o PGR, que devem se manifestar, cada qual,
em 15 dias. PAPEL DO AGU – art. 103, §3º, CRFB diz que AGU será citado para defender o ato
impugnado (Guardião da Presunção de Constitucionalidade das Leis), mas hoje se diz que há
direito de manifestação, sem obrigatoriedade de defesa do ato impugnado. Não precisa
defender quando: a) já houver caso análogo em que o STF tenha entendido que a norma era
inconstitucional - ADI 1616; b) subscrever a ADI; c) norma impugnada ferir interesses da
União; ADI 3916 e 4309. Ademais, a CRFB não prevê sanção para o caso de o AGU não
defender o ato impugnado (ADI 3916). Gilmar Mendes: AGU não deve ser entendido como
parte, mas sim como instituição chamada para se manifestar, podendo dizer o que entende
(um parecer concorrente ao do PGR). Relator pode solicitar informações aos Tribunais

85
Superiores, aos Tribunais Federais e Tribunais Estaduais acerca da aplicação da norma
impugnada no âmbito de sua jurisdição.
Caso haja necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato; ou de notória
insuficiência das informações existentes nos autos: pode relator requisitar informações
adicionais, designar perito ou comissão de peritos ou fixar data para ouvir depoimentos em
audiência pública (art. 20, §1º a 3º, Lei 9.868/99). Possível excepcionalmente, manifestação de
outros órgãos ou entidades, se relator considerar relevante a matéria e a representatividade
dos postulantes para pluralizar o debate e promover legitimação social. Ocorre por meio da
admissão de Amicus curiae (ingresso até a entrada do processo na pauta) que tem direito de
apresentar sustentação oral, nos termos do RISTF, mas não pode recorrer. QUÓRUM PARA
JULGAMENTO E DECISÃO – voto da maioria absoluta dos membros do STF (mínimo de 6),
observado quorum para a instalação da sessão de julgamento (mínimo de 8). Arts. 22 e 23, Lei
9.868/99. CAUSA DE PEDIR ABERTA: não fica o STF condicionado à causa petendi apresentada
pelo postulante, mas apenas ao seu pedido, motivo pelo qual ele poderá declarar a
inconstitucionalidade da norma impugnada por teses jurídicas diversas. MEDIDA CAUTELAR
NA ADI: será concedida, salvo no período de recesso, por decisão da maioria absoluta dos
membros do STF, observado o quorum mínimo para a sua instalação, após audiência (exceto
nos casos de excepcional urgência) dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato
normativo impugnado, que se pronunciarão no prazo de 5 dias. Ouvidos AGU e PGR, no prazo
de 3 dias cada, se relator julgar indispensável (Art. 10, caput e §§, Lei 9.868/99). Facultada
sustentação oral aos representantes judiciais da parte requerente e dos órgãos ou autoridades
responsáveis pela expedição do ato, na forma do RISTF. EFEITOS DA MEDIDA CAUTELAR:
eficácia contra todos (erga omnes) e efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva
conceder-lhe eficácia retroativa (ex tunc). Ademais, a concessão da medida cautelar torna
aplicável a legislação anterior acaso existente ( efeito repristinatório tácito), salvo expressa
manifestação em sentido contrário (Artigo 11, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.868/99). PROCEDIMENTO
“SUMÁRIO” (art. 12): em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a
ordem social e a segurança jurídica: poderá o relator, após a prestação das informações, no
prazo de 10 dias, e a manifestação do AGU e do PGR, sucessivamente, no prazo de 5 dias,
submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a
ação. Art. 12 da Lei nº 9.868/99. EFEITOS DA DECISÃO: Ação de caráter dúplice/ambivalente,
nos termos do artigo 24 da Lei nº 9.868/99 “Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á
improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a
inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação
declaratória. Regra geral, possui os seguintes efeitos: (a) erga omnes (b) ex tunc (c) efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e à Administração. – MODULAÇÃO
DOS EFEITOS, por motivos de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
STF, por manifestação qualificada de 2/3 de seus membros (8 Ministros), declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo sem a pronúncia de sua nulidade, restringindo os
efeitos da referida declaração ou decidindo que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito
em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, ou seja, atribuindo-lhe efeito ex
nunc, nos termos do artigo 27 da Lei nº 9.868/99, que só terão início a partir do trânsito em
julgado da decisão (e não a partir da publicação da ata de julgamento no DJU). Possível:
Interpretação conforme a Constituição; Declaração de nulidade parcial sem redução de texto
(v. tópico 12.a). RECLAMAÇÃO: finalidade de garantir a autoridade da decisão proferida em
sede de ADI pelo Supremo Tribunal Federal. (serve também para reafirmar a competência da
Corte e exigir observância de súmulas vinculantes). Não cabe reclamação contra ato judicial
que tenha transitado em julgado. Recl 1880: ampliou legitimados para a propositura de
reclamação, não mais se restringindo ao rol constante no artigo 103 da CRFB e no artigo 2º da
Lei nº 9.868/99, para considerar todos aqueles que forem atingidos por decisões dos órgãos do
Poder Judiciário ou por atos da Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual, municipal e distrital contrários ao entendimento firmado pela Suprema Corte em ADI
(Art. 28, §ú, Lei 9.868/99; art. 102, § 2º, CRFB). Natureza jurídica da reclamação: Há

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controvérsia na doutrina (ação; sucedâneo de recurso; remédio incomum; incidente
processual; medida de Direito Processual Constitucional; medida processual de caráter
excepcional). STF: como instrumento de caráter constitucional, com dupla finalidade:
preservar a competência e garantir a autoridade das decisões; Ada Pelegrini: simples direito de
petição (5º, XXXIV). STF adotou esse entendimento ao permitir a reclamação no âmbito
estadual (TJ). Reclamação no âmbito estadual: é possível, desde que haja previsão da CE, pois
se trata de direito de petição.
PROCEDIMENTOS
MÉRITO CAUTELAR SUMÁRIO
Petição Inicial Petição Inicial Petição Inicial
Informações
Informações (30d) Informações (5d)
(10d)
Amicus AGU (15d) AGU/PGR(3d): ouvidos apenas se Relator AGU (5d)
Curiae PGR (15d) considerar necessário; PGR (5d)
Perícias,Audiências
Públicas,Informações - -
adicionais - ADI 855
Julgamento
Julgamento: Constitucional
Julgamento Constitucional a) Deferida: ef vinculante; requisitos – Incons
Inconstitucional 1) norma aparentemente inconstitucional; titucional
Efeitos: vinculantes, “erga omnes” e 2) aplicação geraria insegurança. Efeitos:
“ex tunc” b) Indeferida - sem efeito vinculante, vinculantes,
não quer dizer que a norma seja inconstitucional. “erga omnes” e
“ex tunc”

2. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. (art 103, §2º e art 12-A a 12-H
Lei 9868/99) CONCEITO: a ação pertinente para tornar efetiva norma constitucional em razão
de omissão de qualquer dos Poderes ou de órgão administrativo. OMISSÃO
INCONSTITUCIONAL: ausência de norma ou ato infraconstitucional que impeça a ampla
aplicação da norma constitucional de eficácia limitada. Viola princípios da proibição do
retrocesso; garantia do mínimo existencial e dignidade da pessoa humana. FINALIDADE: tornar
efetiva norma constitucional de eficácia limitada, não regulamentada por omissão do Poder
Público ou órgão administrativo. TIPOS DE OMISSÃO: pode ser a) total (não há cumprimento
do dever constitucional de legislar; Ex.: Art. 37, inciso VII, da CRFB); ou b) parcial (há lei
infraconstitucional integrativa, porém insuficiente). b1) Omissão parcial propriamente dita: lei
existe, mas regula de forma deficiente (Ex.: Art. 7º, inciso IV, da CRFB); b2) Omissão parcial
relativa (ou “exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade”):lei existe,
outorgando determinado benefício a uma certa categoria, deixando de conceder a outra que
também deveria ter sido contemplada (Ex.: Súmula 339 do STF). MI x ADI por omissão: a) MI é
restrito, pois trata apenas de direitos que envolvam cidadania, direitos fundamentais, etc.; b)
qualquer pessoa pode propor MI; e c) os efeitos do MI são inter partes. Não há fungibilidade
entre ADI por Omissão e Mandado de Injunção: diversidade de pedidos. OBJETO: amplo – a)
inércia do Legislativo em editar atos normativos primários; b) inércia do Executivo em editar
atos normativos secundários, como regulamentos e instruções; c)inércia do Judiciário em
editar os seus próprios atos. STF: perda de objeto da ADI por omissão pendente de
julgamento se: norma que não tinha sido regulamentada é revogada; é encaminhado projeto
de lei ao Congresso Nacional sobre a referida matéria (desencadeado o processo legislativo,
não há que se cogitar de omissão inconstitucional do legislador). Contudo, a inercia
deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ADI por omissão : STF reconhece a mora
do legislador em deliberar, declarando a inconstitucionalidade por omissão. COMPETÊNCIA:
(Art. 103, § 2º, CRFB, c.c., analogicamente, art. 102, I, “a”, CRFB) - STF. Gilmar Mendes:
Inconstitucionalidade por omissão de órgãos legislativos estaduais em face da CRFB/88 - STF.
LEGITIMIDADE: São os mesmos legitimados para a propositura da ação direta de
inconstitucionalidade (Art. 103 da CRFB), inclusive, com as observações sobre a pertinência

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temática para alguns deles. PROCEDIMENTO: Lei 9868/99: praticamente idêntico ao da ADI,
com peculiaridades: a) relator poderá solicitar a manifestação do AGU, a ser encaminhada em
15 dias (art. 12-E, §2º), após a manifestação das autoridades responsáveis pela omissão.
Citação do AGU não é obrigatória. MEDIDA CAUTELAR:excepcional urgência e relevância da
matéria podem ensejar tal concessão, após audiência das autoridades responsáveis pela
omissão inconstitucional, que deverão se pronunciar em 5 dias. Poderá consistir em:
suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial;
suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos; outra providência a
ser fixada pelo Tribunal. Em caso de omissão de órgão administrativo: providências deverão
ser adotadas no prazo de 30 dias, ou em prazo razoável estipulado excepcionalmente pelo
Tribunal. Em caso de omissão do Poder Legislativo: a) Teoria não concretista: o Poder
Judiciário não pode regular a matéria pois, se o fizesse, estaria invadindo a competência do
Poder Legislativo - MI 712; b) Teorias Concretistas: b1) direta: de plano Judiciário regula a
matéria; b2) intermediária: primeiro constitui em mora o legislador para, após, regular a
matéria, dividindo-se em: b2.1) geral: a regulação feita pelo Judiciário vale para todos -
adotada pelo STF; e b2.2) individual: regulação feita pelo Judiciário vale para o indivíduo ou
grupo. Admite-se ainda a figura do amicus curiae na ADC (mesmo tendo sido vetado art. 18, §
2º, Lei 9.868/99) em aplicação analógica do art. 7º, § 2º, Lei 9.868/99, considerando que ADI e
ADC são ações dúplices (ou ambivalentes). EFEITOS DA DECISÃO: tradicionalmente, STF
entendia que ADI por omissão serve para comunicar ao Congresso o dever de legislar; isso vem
mudando: ex. caso da criação dos Municípios, em que se fixou um prazo. Caso da criação dos
Municípios (art. 18, § 4º): Congresso não editou LC necessária para criação de Municípios.
Muitos foram criados de forma inconstitucional. Houve várias ADIs contra leis que criaram
Municípios, e ADI por omissão em relação ao art. 18, §4º, CRFB. STF declarou omissão
inconstitucional e inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, das leis municipais (com
modulação de efeitos). Fixou prazo de 18 meses para a LC, e 24 meses para a subsistência das
leis municipais. Raciocínio: criada a LC, as leis municipais poderiam ser criadas no prazo.
Congresso não criou a LC, mas fez EC para ratificar a criação dos Municípios. FUNGIBILIDADE
(Gilmar Mendes):há certa fungibilidade entre ADI por omissão parcial e ADI. Diferença são as
técnicas de decisão: na primeira, será determinada complementação; na segunda, declarada a
nulidade.

3. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. (EC 03/93 - que alterou Art. 102 e 103
CRFB - e Lei 9868/1999) CONCEITO: Ação que tem por finalidade confirmar a
constitucionalidade de uma lei federal, impedindo que a lei não seja questionada por outras
ações., FINALIDADE: declarar constitucionalidade de lei ou ato normativo (apenas federal),
transformando presunção relativa (iuris tantum) em absoluta (iure et iure), afastando quadro
de incerteza sobre a validade ou aplicação da aludida lei. COMPETÊNCIA: originária do STF
(art. 102, I, a, CRFB). LEGITIMIDADE: mesmos para a ADI. PROCEDIMENTO: praticamente
mesmo da ADI, com observações: petição inicial deve indicar: a) dispositivo da lei ou ato
normativo questionado e fundamentos jurídicos do pedido; b) pedido, com especificações; c)
existência de controvérsia judicial relevante sobre aplicação da disposição objeto da ADC
(ADC 1: controvérsia judicial relevante: a) STF: controvérsia dentro do Poder Judiciário
(jurisprudencial); b) Gilmar Mendes: controvérsia jurídica. Como a lei possui presunção de
constitucionalidade, se alguns juízes a tem declarado inconstitucional, já está caracterizada a
controvérsia; c) relevância: possibilidade de ocasionar insegurança jurídica em boa parte do
território nacional). Deve conter cópias do ato normativo questionado e dos documentos
necessários para comprovar procedência do pedido de declaração de constitucionalidade (art.
14, da Lei nº 9.868/99). Petição inicial será liminarmente indeferida pelo relator se for: inepta,
não fundamentada, ou manifestamente improcedente. Contra essa decisão cabe agravo. O
AGU não será citado, pois não há ato ou texto a ser defendido. Vista dos autos ao PGR, para se
pronunciar em 15 dias (art. 19, Lei nº 9.868/99). Havendo pedido cautelar, decisão sobre a
liminar pode ser antes da manifestação do PGR. Caso haja necessidade de esclarecimento de

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matéria ou circunstância de fato; ou de notória insuficiência das informações existentes nos
autos: pode relator requisitar informações adicionais, inclusive, a Tribunais Superiores,
Tribunais federais e estaduais acerca da aplicação da norma questionada no âmbito de sua
jurisdição, designar perito ou comissão de peritos ou fixar data para ouvir depoimentos em
audiência pública (art. 20, §1º a 3º, Lei 9.868/99). QUÓRUM - Decisão será dada pela maioria
absoluta dos membros do STF (6), presente o número mínimo de 2/3 dos ministros (8).
MEDIDA CAUTELAR – suspensão do julgamento de ações que envolvam aplicação da lei objeto
da ação até o seu julgamento definitivo (art. 21, Lei 9.868/99). Suspensão perdurará apenas
por 180 dias, contados da publicação da parte dispositiva de decisão no DOU, sendo esse
prazo definido pela lei para que STF julgue ADC. Gilmar Mendes: a despeito da lei não prever
prorrogação do prazo da cautelar, se a questão não tiver sido decidida no prazo prefixado,
poderá o STF autorizar a prorrogação do prazo. Decisão de deferimento da medida cautelar
será dada pela maioria absoluta dos membros do STF (6) e terá efeito vinculante e erga omnes
(entendimento majoritário), em vista do poder geral de cautela inerente ao poder jurisdicional,
cabendo reclamação. EFEITOS DA DECISÃO: Regra geral, decisão proferida em ADC será: (a)
erga omnes(contra todos); (b) ex tunc; (c) vinculante em relação aos demais órgãos do Poder
Judiciário e à Administração Pública, direta ou indireta, federal, estadual, municipal e distrital.
Lei pode ser ABSTRATAMENTE CONSTITUCIONAL, mas no caso concreto ser tida como
INCONSTITUCIONAL, assim o julgamento abstrato de constitucionalidade não impede que
em determinado caso concreto haja reconhecimento da inconstitucionalidade (ADI 223 -
plano Collor). Gilmar Mendes: tese da DUPLA REVISÃO JUDICIAL OU DUPLO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE: mesmo após o controle concentrado de constitucionalidade, ainda
persiste espaço para controle difuso de constitucionalidade pelas instâncias judiciárias
inferiores. Ex. ADC/04: reconheceu constitucionalidade da lei que proíbe antecipação de tutela
contra fazenda pública, mas tribunais vêm entendendo que em determinados casos concretos
pode existir inconstitucionalidade pela proibição de antecipação de tutela contra a fazenda.
PROCEDIMENTO ADC
MÉRITO CAUTELAR
AMICUS Petição Inicial Petição Inicial
CURIAE: PGR (15d) PGR (3d) - se o relator considerar necessário
ingresso s/
previsão Perícias, audiências públicas. -
legal
Julgamento: caráter dúplice: declara constitucional
Julgamento: tanto concessão quanto denegação
ou não
tem efeito vinculante
Efeitos Vinculantes, “erga omnes” e “ex tunc”.

4. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. (art. 102, §1º CRFB, com


redação dada pela EC 03/93 e Lei nº 9.882/99) CONCEITO: Ação – subsidiária ou residual -
destinada a evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder
Público (arguição autônoma), bem como existência de controvérsia (divergência
jurisprudencial) constitucional, com fundamento relevante, sobre lei ou ato normativo
federal, estadual, municipal e distrital, incluídos os anteriores à Constituição de 1988,
violadores de preceito fundamental (argüição por equivalência ou equiparação). Antes da
regulamentação, pelo fato de entender ser o art. 102, §1º, da CRFB norma constitucional de
eficácia limitada, o STF não apreciava ADPF. A previsão se deu por lei – competência originária
do STF – há quem diga que seria inconstitucional. (Para GM, decorre da jurisdição
constitucional). Convém advertir ainda que, por ora, não cabe ADPF incidental (cisão funcional
vertical), em relação a controvérsias constitucionais concretamente já postas em juízo, salvo se
vier a ser editada emenda constitucional com previsão expressa a esse respeito. GM defende
isso na ACP. Hoje, porém, se admite a impugnação de decisões judiciais por meio da ADPF,
antes mesmo de estarem maduras para um RE. Leva-se uma questão constitucional presente
no debate de 1ª instância para abreviá-lo. Nesse ponto, há uma certa semelhança com o
incidente de inconstitucionalidade do controle concreto europeu. Ex: importação de pneus

89
usados. Admite-se também o controle de leis revogadas. HIPÓTESES DE CABIMENTO:
arguição autônoma (art. 1º, caput, da Lei nº 9.882/99) preventiva ou repressiva e arguição por
equivalência ou equiparação (1º, p.u. Lei nº 9.882/99). ADPF autônoma: para lei ou ato
normativo (subsidiariedade) - não há necessidade de se demonstrar controvérsia judicial
relevante. ADPF incidental: caso concreto - necessidade de se demonstrar controvérsia judicial
relevante; pode ser ato não normativo. Art. 102, §1º, CRFB/88:
PRECEITO FUNDAMENTAL: Constituição e lei regulamentadora deixaram de conceituar.
Englobam os direitos e garantias fundamentais da Constituição, bem como os fundamentos e
objetivos fundamentais da República, de forma a consagrar maior efetividade às previsões
constitucionais. Segundo a doutrina: preceitos que informam sistema constitucional,
estabelecendo comandos basilares e imprescindíveis à defesa dos pilares da Constituição
originária, veiculando princípios e servindo de vetores de interpretação das demais normas
constitucionais. Como exemplo: princípios fundamentais dos artigos 1º a 4º; cláusulas
pétreas do artigo 60, §4º; princípios constitucionais sensíveis do artigo 34, inciso VII; direitos
e garantias individuais dos artigos 5º a 17. STF analisa casuisticamente. Não pode atacar ato
político, como o veto. COMPETÊNCIA: STF (Art. 102, §1º, CRFB). LEGITIMIDADE: mesmos
legitimados para a propositura da ADI. E ainda qualquer interessado - pessoa lesada ou
ameaçada por ato do poder público (inciso II vetado do art. 2º da Lei nº 9.882/99), mediante
representação, solicitando a propositura da ação ao Procurador-Geral da República, que,
examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá acerca do cabimento de seu
ingresso em juízo (a legitimada, na realidade, é a PGR). PETIÇÃO INICIAL: além dos requisitos
do art. 319 do CPC, deve conter: a) indicação do preceito fundamental que se considera
violado; b) indicação do ato questionado; c) prova da violação do preceito fundamental; d)
pedido e suas especificações; e) se for o caso, comprovação da existência de controvérsia
judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado; f)
instrumento de mandato de advogado, nos casos nos quais sua presença é obrigatória. Petição
inicial será indeferida liminarmente pelo relator, quando não for o caso de ADPF, quando
faltar algum de seus requisitos, ou quando ela for inepta, sendo cabível contra essa decisão a
interposição de agravo, no prazo de 5 dias. Art. 4º, caput e §2º, Lei 9.882/99. CARÁTER
SUBSIDIÁRIO: Para caber ADPF, não pode haver outro meio de controle em processo objetivo.
Se couber MS, RE, pode caber a ADPF, pois ela gera eficácia geral, ao passo que os outros têm,
em princípio, eficácia inter partes. Ex: ADPF 33 – piso salarial de servidores – lei pré-
constitucional revogada – decidiu-se que o princípio da subsidiariedade legitimava a
apreciação da ADPF, pois a existência de pendências judiciais não é bastante para resolver o
caso na amplitude da ADPF. ADPF CONHECIDA COMO ADI - se o pedido principal for de
declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por ofensa a dispositivos
constitucionais. PROCEDIMENTO - Após apreciação da medida liminar, o relator solicita
informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado , no prazo de 10 dias.
– cabível amicus curiae, perícia etc. - O Ministério Público, na condição de custos constitutionis,
tem vista do processo, por 5 dias, após o decurso do prazo para as informações (Art. 7º,
§único, Lei 9.882/99). QUÓRUM E VOTAÇÃO - A decisão deve ser tomada pelo voto da maioria
absoluta dos membros do STF (no mínimo 6), presentes2/3 dos ministros (no mínimo 8).
Tratam-se, respectivamente, do quorum de julgamento (art. 97 da CRFB), e de instalação da
referida sessão (art. 8º da Lei nº 9.882/99). Cabe reclamação contra o descumprimento de
decisão proferida, em sede de ADPF. MEDIDA LIMINAR – pedido será deferido por decisão da
maioria absoluta de seus membros (6 ministros). Caso de extrema urgência ou perigo de lesão
grave ou, ainda, em período de recesso (que é distinto de férias), poderá a liminar ser deferida
apenas pelo relator, ad referendum do pleno (Art. 5º, caput e §1º, Lei 9.882/99). Relator
poderá ouvir, ainda em sede de liminar, os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato
questionado, bem como o AGU ou o PGR, no prazo comum de 5 dias (Art. 5º, § 2º, Lei
9.882/99). Liminar poderá determinar que juízes e tribunais suspendam o andamento de
processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente
relação com a matéria objeto de arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo

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se decorrentes da coisa julgada. EFEITOS DA DECISÃO: decisão na ADPF é imediatamente
auto-aplicável (art. 10, §1º, Lei 9.882/99). Possui eficácia contra todos (erga omnes) e efeito
vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público (art. 10, §3º, Lei 9.882/99). Em
regra tem efeitos retroativos (ex tunc). Exceção: MODULAÇÃO DOS EFEITOS nos casos em
que, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o STF decida, por
maioria qualificada de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos da declaração ou decidir que
ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ( ex nunc) ou de outro momento que
venha a ser fixado (Art. 11, Lei 9.882/99). Pet 1365: ADPF pode servir a casos que não
chegariam ao STF, apesar de violar preceitos fundamentais. Ex: leis revogadas, leis anteriores à
CRFB/88, leis municipais;

PROCEDIMENTO ADPF
MÉRITO CAUTELAR
Petição Inicial Petição Inicial
Informações (10d)
AMICUS AGU, na autônoma (5d), na incidental (5d), a Informações/AGU/PGR (5d) prazo
CURIAE critério do relator comum
PGR (5d), se não tiver proposto a ADPF
Perícia, audiência pública, informações adicionais -
Julgamento – efeitos erga omnes, vinculante, ex tunc Julgamento

SÚMULAS
Súmula 642, STF: Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Dederal
derivada da sua competência legislativa municipal.

JURISPRUDÊNCIA
907/STF – A alteração do parâmetro constitucional, quando o processo ainda está em curso,
não prejudica o conhecimento da ADI. Isso para evitar situações em que uma lei que nasceu
claramente inconstitucional volte a produzir, em tese, seus efeitos. STF. Plenário. ADI 145/CE,
Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2018.

905/STF - Procuração com poderes específicos para o ajuizamento de ADI. O advogado que
assina a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade precisa de procuração com
poderes específicos. A procuração deve mencionar a lei ou ato normativo que será
impugnado na ação. Caso esse requisito não seja cumprido, a ADI não será conhecida. Vale
ressaltar, contudo, que essa exigência constitui vício sanável e que é possível a sua
regularização antes que seja reconhecida a carência da ação. STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel.
Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018

900/STF - Cabimento de ADI contra Resolução do TSE. É cabível ADI contra Resolução do TSE
que tenha, em seu conteúdo material, “norma de decisão” de caráter abstrato, geral e
autônomo STF. Plenário. ADI 5122, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 3/5/2018.

899/STF - Cabe ADI contra Resolução do CNMP. A Resolução do CNMP consiste em ato
normativo de caráter geral e abstrato, editado pelo Conselho no exercício de sua competência
constitucional, razão pela qual constitui ato normativo primário. STF. Plenário. ADI 4263/DF,
Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 25/4/2018.
O Estado-membro não possui legitimidade para recorrer contra decisões proferidas em sede
de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a ADI tenha sido ajuizada pelo
respectivo Governador. A legitimidade é do próprio governador. Os Estados-membros não se
incluem no rol dos legitimados. STF. Plenário. ADI 4420 ED-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso,
julgado em 05/04/2018.

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892/STF - É possível celebrar acordo em ADPF. SIM. desde que fique demonstrado que há no
feito um conflito intersubjetivo subjacente (implícito), que comporta solução por meio de
autocomposição. Vale ressaltar que, na homologação deste acordo, o STF não irá chancelar ou
legitimar nenhuma das teses jurídicas defendidas pelas partes no processo. O STF irá apenas
homologar as disposições patrimoniais que forem combinadas e que estiverem dentro do
âmbito da disponibilidade das partes. A homologação estará apenas resolvendo um incidente
processual, com vistas a conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. STF. Plenário.
ADPF 165/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 1º/3/2018.

890/STF - Alteração da Lei impugnada antes do julgamento da ADI. O autor da ADI deverá
aditar a petição inicial demonstrando que a nova redação do dispositivo impugnado apresenta
o mesmo vício de inconstitucionalidade que existia na redação original. Se o autor não fizer
isso, o STF não irá conhecer da ADI, julgando prejudicado o pedido pela perda superveniente
do objeto. STF. Plenário. ADI 1931/DF, Rel Marco Aurélio, julgado 7/2/2018.

O que acontece caso o ato normativo que estava sendo impugnado na ADI seja revogado
antes do julgamento da ação? Regra: haverá perda superveniente do objeto e a ADI não
deverá ser conhecida (STF ADI 1203). Exceção 1: "fraude processual", (STF ADI 3306). Exceção
2: conteúdo do ato impugnado foi repetido, em sua essência, em outro diploma normativo.
(STF ADI 2418/DF). Exceção 3: caso o STF tenha julgado o mérito da ação sem ter sido
comunicado previamente que houve a revogação da norma atacada. (STF. ADI 951 ED/SC).

Conversão da MP em lei antes que a ADI proposta seja julgada, esta ADI não perde o objeto e
poderá ser conhecida e julgada. Como o texto da MP foi mantido, não cabe falar em
prejudicialidade do pedido. Isso porque não há a convalidação ("correção") de eventuais vícios
existentes na norma, razão pela qual permanece a possibilidade de o STF realizar o juízo de
constitucionalidade. Neste caso, ocorre a continuidade normativa entre o ato legislativo
provisório (MP) e a lei que resulta de sua conversão. ADI 1055/DF

Nova ADI por inconstitucionalidade material contra ato reconhecido formalmente


constitucional. O fato de o STF ter declarado a validade formal de uma norma não interfere
nem impede que ele reconheça posteriormente que ela é materialmente inconstitucional.
(STF. ADI 5081/DF)

Superação legislativa da jurisprudência (reação legislativa) As decisões definitivas de mérito


proferidas pelo STF no julgamento de ADI, ADC ou ADPF possuem eficácia contra todos (erga
omnes) e efeito vinculante (§ 2º do art. 102 da CRFB/88). O Poder Legislativo, em sua função
típica de legislar, não fica vinculado. Assim, o STF não proíbe que o Poder Legislativo edite leis
ou emendas constitucionais em sentido contrário ao que a Corte já decidiu. Não existe uma
vedação prévia a tais atos normativos. O legislador pode, por emenda constitucional ou lei
ordinária, superar a jurisprudência. Trata-se de uma reação legislativa à decisão da Corte
Constitucional com o objetivo de reversão jurisprudencial. No caso de reversão jurisprudencial
(reação legislativa) proposta por meio de emenda constitucional, a invalidação somente
ocorrerá nas restritas hipóteses de violação aos limites previstos no art. 60, e seus §§, da
CRFB/88. No caso de reversão jurisprudencial proposta por lei ordinária, a lei que frontalmente
colidir com a jurisprudência do STF nasce com presunção relativa de inconstitucionalidade, de
forma que caberá ao legislador o ônus de demonstrar, argumentativamente, que a correção
do precedente se afigura legítima.. O Poder Legislativo promoverá verdadeira hipótese de
mutação constitucional pela via legislativa. STF. Plenário. ADI 5105/DF.

ADC e controvérsia judicial relevante A Lei 9.868/99, ao tratar sobre o procedimento da ADC,
prevê, em seu art. 14, os requisitos da petição inicial. Um desses requisitos exigidos é que se
demonstre que existe controvérsia judicial relevante sobre a lei objeto da ação. Mesmo a lei

92
ou ato normativo possuindo pouco tempo de vigência, já é possível preencher o requisito da
controvérsia judicial relevante se houver decisões julgando essa lei ou ato normativo
inconstitucional. O STF decidiu que o requisito relativo à existência de controvérsia judicial
relevante é qualitativo e não quantitativo. (ADI 5316 MC/DF).

852/STF - TJs podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais


utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de
reprodução obrigatória pelos estados. STF. Plenário. RE 650898/RS, rel. orig. Min. Marco
Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/2/2017 (repercussão geral).

QUESTÕES
Concursos anteriores - Obj 29CPR 3 - ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA:
a) Lei distrital editada no exercício de competência municipal não é passível de controle
abstrato de constitucionalidade no âmbito do STF. FALSO.
É passível caso se trate de ato normativo municipal que reproduza norma da Constituição
Federal de observância obrigatória pelo Estados, pois nesta hipótese cabe Recurso
Extraordinário ao STF Além disso, cabe ADPF, que é controle concentrado, contra atos
normativos municipais. Provavelmente motivou a questão: recentíssima repercussão geral
julgada um mês antes da prova, com a seguinte tese: “Tribunais de Justiça podem exercer
controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas
da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos
estados”. STF, RE650.898-RS, julgado em 01/02/17.
b) É possível, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, a invalidade de uma norma
que se extrai, a contrario sensu, de um texto legal, mas que não está contida em qualquer
fragmento linguístico. VERDADEIRO.
“O controle de constitucionalidade, afinal, recai sobre a norma jurídica, e não sobre o texto
legal, como comprova a possibilidade de declaração parcial de inconstitucionalidade sem
redução de texto (CRFB. art. 28, Parágrafo único, da Lei 9.869/99). “
c) Nas chamadas “sentenças aditivas de princípio” ou “sentenças delegação”, a Suprema Corte,
em decisões no controle abstrato de constitucionalidade, exorta o legislador a agir, delineando
as diretrizes que deve seguir. VERDADEIRO.
“As decisões no controle de constitucionalidade em que o Tribunal exorta o legislador a
agir,mas delineia diretrizes que deve seguir, são chamadas de “sentenças aditivas de princípio”
ou “sentenças-delegação”, afigurando-se frequentes, em especial, na Corte Constitucional
Italiana”.
d) A coisa julgada, em controle abstrato de constitucionalidade, significa que a decisão
permanecerá eficaz sobre hipóteses idênticas, salvo se o STF adotar nova compreensão sobre
o tema ou o Legislativo vier a editar lei em sentido contrário ao entendimento adotado
naquela decisão. VERDADEIRO.
Trata-se do ativismo congressual ou reação legislativa, abordados por Daniel Sarmento em
“Direito Constitucional - Teoria, História e Métodos de Trabalho”, Ed. Fórum, 1a ed., 2012: as
decisões do STF em matéria constitucional são insuscetíveis de invalidação pelas instâncias
políticas. Isso, porém, não impede, no nosso entendimento, que seja editada uma nova lei,
com conteúdo similar àquela que foi declarada inconstitucional. Essa posição pode ser
derivada do próprio texto constitucional, que não estendeu ao Poder Legislativo os efeitos
vinculantes das decisões proferidas pelo STF no controle de constitucionalidade (art. 102, §2o,
e 103-A, da Constituição). Se o fato ocorrer, é muito provável que a nova lei seja também
declarada inconstitucional. Mas o resultado pode ser diferente. O STF pode e deve refletir
sobre os argumentos adicionais fornecidos pelo Parlamento ou debatidos pela opinião pública
para dar suporte ao novo ato normativo, e não ignorá-los, tomando a nova medida legislativa
como afronta à sua autoridade. Nesse ínterim, além da possibilidade de alteração de
posicionamento de alguns ministros, pode haver também mudança na composição da Corte,
com reflexos no resultado do julgamento”.

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PROVA ORAL: 1) Antigamente, as ações de controle concentrado eram verdadeiros “processos
sem rosto”, genuinamente objetivos. Hoje já não é mais assim. Por quê? 2) Diferença entre
ADPF e ADI/ADC. Espécies de ADPF. Legitimados para a ADPF. Cabe ADPF em caso de ofensa
reflexa à CRFB? 3) ADPF. Origem, objeto, legitimados, modalidades, conceito de controvérsia
constitucional. Diferenciar ADPF autônoma de ADPF incidental. 4) Diferenças entre ADI por
omissão e mandado de injunção. A finalidade da ADO, totalmente diversa da do Mandado de
Injunção, é assegurar a supremacia da CR e a efetividade das normas constitucionais (note que
o art. 103, § 2º, fala em “tornar efetiva norma constitucional”). O Mandado de injunção, por
sua vez, tem por finalidade precípua proteger o exercício de direitos constitucionalmente
consagrados. A própria localização na CR, dentre os direitos individuais (art. 5º, LXXI) reafirma
esse entendimento. O Mandado de Injunção pressupõe um direito que necessita de norma
regulamentadora (de eficácia limitada, precipuamente), sem a qual ele não poderá ser
exercido. Por essa razão, trata-se de um instrumento de controle concreto de
constitucionalidade (utilizado incidentalmente no caso concreto). A CR não diz quais são os
efeitos do Mandado de Injunção, mas, de certa forma, delimita o parâmetro: “direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania”. Na ADO, a CR fala dos efeitos da decisão, mas não delimita seu parâmetro.

QUESTÕES – BANCO OUSE

742- No que consistem os modelos introverso e extroverso de legitimidade para fins de ADI
estadual? a) um modelo introverso, em que se dá legitimidade apenas a órgãos públicos; b) ou
então um denominado modelo extroverso, em que se dá legitimidade também a entidades de
caráter privado, como as entidades de classe, o que ocorre na Carta Magna.

480-È possível no julgamento de cautelar de ação de controle concentrado de


constitucionalidade haver a conversão direta em julgamento de mérito? O tema foi
apreciado pelo STF na ADPF 378 que apreciou o procedimento de impeachment. Nesse caso, o
Ministro Fachin, alegando a necessidade de garantir a segurança jurídica, propôs que o
julgamento da cautelar já fosse convertido NO PRÓPRIO JULGAMENTO DE MÉRITO. Por
unanimidade, foi acatada a proposta. O decano, Min. Celso de Mello, ainda alertou sobre a
existência de precedentes. Por fim, o Min. Fachin chamou atenção para duas situações que
configuram verdadeiras condições para tal conversão: a) a existência do quórum para o
julgamento de mérito; b) existir todos os elementos de instrução do processo.

460-Pode-se discutir a modulação de efeitos de decisão em controle de constitucionalidade


após proclamado o resultado final? Consoante entendimento do STF, na ADI 2949, quando o
Supremo Tribunal Federal proclama o resultado de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade,
não pode reabrir o julgamento para aceitar o voto de um ministro que estava ausente na
sessão, a fim de obter o quórum necessário para a modulação dos efeitos. Foi o que entendeu
o Plenário nesta quarta-feira (8/4) ao colocar fim numa pendência que existia desde 2007.
Segundo o Ministro Luis Roberto Barroso, a análise de ADIs é bifásica, sendo a primeira fase a
de declaração da inconstitucionalidade e a segunda, sobre a modulação. No caso avaliado,
entretanto, Barroso disse que a votação sobre modular os efeitos já estava concluída, sem se
atingir o quórum.

459-Podem as normas remissivas serem parâmetro de controle de constitucionalidade


estadual? Segundo o entendimento atual do STF, não há qualquer tipo de restrição no que se
refere a natureza do dispositivo invocado, devendo ser admitida como parâmetro tanto as
normas de observância obrigatória, quanto normas de mera repetição e até mesmo as normas
remissivas. “com a técnica de remissão normativa, o Estado-membro confere parametricidade
às normas, que, embora constantes da Constituição Federal, passam a compor, formalmente,

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em razão da expressa referência a elas feita, o ‘corpus’ constitucional dessa unidade política da
Federação, o que torna possível erigir-se, como parâmetro de confronto, para os fins a que se
refere o art. 125, § 2.o, da Constituição da República, a própria norma constitucional estadual
de conteúdo remissivo” (Rcl 10.500, j. 18.10.2010, CRFB. Inf. 606/STF).

427- O que é inconstitucionalidade por arrastamento? Horizontal e vertical?


Inconstitucionalidade por arrastamento horizontal são as hipóteses de inconstitucionalidade
parcial geradoras da inconstitucionalidade total, isto é, quando dentro do mesmo sistema
normativo existe relação de dependência entre elas, seja lógica ou teleológica. b)
Inconstitucionalidade por arrastamento vertical é verificada quando a declaração de
inconstitucionalidade incide, por consequência, em norma ligada hierarquicamente à norma
objeto do pedido inicial. Explicando melhor: imagine que o Supremo Tribunal Federal declarou
a inconstitucionalidade de determinada lei. Agora, imagine que esta lei é regulamentada por
um decreto regulamentador. Se a lei é declarada inconstitucional, o que deverá acontecer com
o decreto que a regulamenta? Obviamente ser declarado, por consequência, inconstitucional!
Esta seria uma hipótese de inconstitucionalidade consequencial vertical.

384-Cabe liminar em ADI interventiva? Muitos não sabem, mas existe um diploma legislativo
que trata especificamente da ADI Interventiva: é a Lei no 12.562/11. O art. 5o dessa lei prevê
expressamente que o Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus
membros, poderá deferir pedido de medida liminar na representação interventiva. Tal liminar
poderá consistir na determinação de que se suspenda o andamento de processo ou os efeitos
de decisões judiciais ou administrativas ou de qualquer outra medida que apresente relação
com a matéria objeto da representação interventiva.

354-Constituição Estadual pode trazer artigo que assevera que no controle concentrado
estadual deve-se remeter para o parlamento suspender a execução da lei? É inconstitucional!
No controle concentrado, não se pode ter tal previsão, apenas no controle difuso. O art. 52, X,
da CRFB trata do tema.

298-Eventual decisão em ADPF pode atingir a coisa julgada? não, consoante entendimento do
STF, por ser o meio cabível previsto legalmente para tanto a ação rescisória(que possui prazos
específicos e hipóteses também específicas).

292-Existe controle de constitucionalidade concentrado concreto? a) ADI interventiva; b)


ADPF Incidental; c) Mandado de Segurança do Parlamentar. Esses casos são exceções, pois são
formas de controle concentrado no STF, mas que partem de um caso concreto.

277-Considerações sobre o objeto e parâmetro em controle concentrado de


constitucionalidade. Segundo Marcelo Novelino, em relação ao objeto, deve ser observada
regra da congruência (ou da correlação ou da adstrição). O STF deve se limitar, como regra
geral, à análise dos dispositivos impugnados na petição inicial. A exceção fica por conta dos
casos de inconstitucionalidade por consequência (ou por arrastamento ou por atração),
hipótese em que o STF pode estender a declaração de inconstitucionalidade a dispositivos não
impugnados na petição inicial, desde que possuam uma relação de interdependência com os
dispositivos questionados. Neste caso, portanto, cria-se uma exceção à regra da adstrição ao
pedido, admitindo-se a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo não impugnado
expressamente na inicial. Com o parâmetro invocado, a situação é diversa, pois apesar da
necessidade de serem indicados os fundamentos jurídicos do pedido na petição inicial, o STF
não está adstrito a eles. Isso ocorre porque na ADI, assim como em todas as ações de controle
abstrato, a causa de pedir é aberta, abrangendo todas as normas integrantes da Constituição,
independentemente dos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente. Por essa

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razão, no processo constitucional objetivo a conexão entre as ações ocorrerá apenas quando
houver identidade quanto ao objeto impugnado.

33- É possível cautelar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão(ado)? Em sendo


possível, pode o STF determinar o prazo ao Legislativo ou ao Executivo nessa cautelar de
ADO? sim, em razão da Lei no. 12.063/09, que modificou a Lei n°. 9.868/99, passando a prever
a cautelar em ADO. Ao disciplinar o procedimento específico da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, a Lei n°. 12.063/09, no art. 12-F, § 1o, modificou a Lei
9.868/99, possibilitando o deferimento de cautelar em ADO, que poderá consistir em: i)
suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial; ii)
suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos; ou ainda iii) qualquer
outra providência a ser fixada pelo Tribunal. Segundo o Ministro Gilmar Mendes, em obra
doutrinária: como determinar prazo para providências pelo Legislativo ou pelo Executivo.

28- O que é inconstitucionalidade desvairada? Consoante o magistério de Pedro Lenza,


fazendo alusão a decisões do min. Sepúlveda Pertence, inconstitucionalidade chapada,
desvaraida ou enlouquecida é aquela mais do que evidente, flagrante, manifesta, não restando
quaisquer dúvida sobre o vício, seja ele material ou formal.

18- O que é inconstitucionalidade circunstancial? Inconstitucionalidade circunstancial é a


declaração de inconstitucionalidade de uma norma produzida com relação a incidência em um
caso específico. É possível, assim, que se vislumbre situações nas quais um enunciado
normativo, válido em tese e na maior parte das suas incidências, ao ser confrontado com
determinadas situações concretas, produza uma norma inconstitucional. Um exemplo seria a
vedação de liminares contra a Fazenda Pública previstas na lei 9.494/97, no caso em que o
pedido fosse relativo a concessão de tutela antecipada para que o Estado custeasse cirurgia de
vida ou morte.

22B. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Técnicas decisórias na jurisdição


constitucional

Igor Lima Goettenauer de Oliveira


Material consultado: GONÇALVES, Bernardo G. Curso de Direito Constitucional. 2018. Informativos do STF.

O assunto está localizado no âmbito dos mecanismos de proteção a supremacia da


constituição e da jurisdição constitucional, em especial com a possibilidade de que com a Lei
9.868/99 o legislador criou fórmulas alternativas em face da simples nulidade total do texto
constitucional.

I. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade

a) Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso

De maneira geral, a declaração de inconstitucionalidade no controle difuso produz


efeitos ex tunc e inter partes. Em regra, a inconstitucionalidade declarada como questão
prejudicial não transita em julgado (limite objetivo da coisa julgada) nem afeta terceiros
estranhos ao processo (limite subjetivo). A doutrina majoritária no Brasil situa a
inconstitucionalidade no campo da nulidade, em razão da supremacia da constituição. Decisão
que a reconhece tem natureza declaratória, e retroage até o nascimento do ato viciado. O STF
tem admitido a mitigação da retroação de efeitos, mediante ponderação de princípios e
aplicação analógica do art. 27 da Lei 9868/99 (o que a doutrina chama de modulação dos
efeitos temporais da sentença).

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Segundo o art. 52, X, CR/88, cabe ao Senado suspender a lei declarada inconstitucional
pelo STF em controle difuso, no todo ou em parte, conferindo eficácia erga omnes à decisão.
Pela doutrina majoritária, o Senado não está vinculado à decisão do STF, existindo um campo
de discricionariedade para decidir pela suspensão ou não da norma e sua extensão. O Senado
tem competência para suspender norma federal, estadual e municipal.

Contudo, nas ADIs 3406/RJ e 3470/RJ (Amianto), julgadas em 29.11.17, o STF passou a
acolher a tese da mutação constitucional do art. 52, X, da CRFB/88, segundo a qual a mera
declaração de inconstitucionalidade realizada pelo STF, ainda que em controle difuso de
constitucionalidade, produziria, por si só, efeitos vinculantes erga omnes, cabendo ao Senado
Federal tão só o papel de dar publicidade ao que foi decidido (Informativo 886/STF).

b) Abstrativização do controle difuso (objetivação, abstração, dessubjetivação das formas


processuais

O fenômeno designado abstrativização do controle concreto, expressão cunhada pelo


doutrinador Fredie Didier Júnior, por ocasião da análise das transformações ocorridas no
Recurso Extraordinário, consiste na possibilidade de conferir efeitos erga omnes a decisões
proferidas em sede de controle difuso/concreto de constitucionalidade. Essa possibilidade
encontra amparo na própria Constituição e em decisões jurisprudenciais:

(a) artigo 52, X, CRFB/88: depois de reiteradas decisões do STF em controle difuso o Senado
pode, após ser comunicado, suspender no todo ou em parte a eficácia da lei através de uma
Resolução (passa a valer para todos). Tem prevalecido o entendimento no sentido de que a
Resolução tem eficácia ex nunc, embora Barroso sustente que deveria ser ex tunc, porque a
norma é inconstitucional desde o início. Atualmente, contudo, parece estar superada a
necessidade de atuação do Senado para que as decisões em controle difuso produzam efeitos
erga omnes e vinculantes (vide abaixo);

(b) EC n° 45/04 – art. 103-A, CRFB/88: após reiteradas decisões acerca da validade,
interpretação ou eficácia de uma norma sobre a qual paire controvérsia atual, judicial ou
administrativa, o STF pode editar súmula vinculante pelo voto de 2/3 dos seus membros, que
vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública. OBS: o STF não fica
vinculado à súmula, podendo, inclusive de ofício, revisá-la ou cancelá-la (hipótese de
overruling– superação da jurisprudência).

(c) o STF importou a teoria conhecida como transcendência dos motivos determinantes (os
motivos que fundamentam a declaração de inconstitucionalidade extrapolam os limites da
demanda para alcançar situações idênticas ou semelhantes). OBS. Atualmente, o STF não
adota essa teoria;

(d) repercussão geral (art. 102, §3°, CR): com a EC 45/04 (Reforma do Judiciário) mudou
radicalmente o modelo de controle incidental, uma vez que os recursos extraordinários terão
de passar pelo crivo da admissibilidade referente à repercussão geral. Assim, com a adoção
desse novo instituto haverá uma maximização da feição objetiva do recurso extraordinário,
que passou a ser um instrumento de molecularização de julgamento em massa;

(e) Nas ADIs 3406 e 3470(Amianto), julgadas em 29.11.17, o STF julgou, incidentalmente, que
o art. 2º da Lei nº 9.055/95 é inconstitucional. Contudo, afirmou que, mesmo sendo incidental,
tal decisão teria efeitos vinculantes e erga omnes, independentemente de resolução do
Senado Federal. Acolheu, assim, a tese da abstrativização do controle difuso, afirmando a
mutação constitucional do art. 52, X, CRFB/88 (Informativo 886);

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(f) Nos REs 567.985/MT e 580963/PR, o STF realizou, expressamente, a reinterpretação de sua
própria decisão na ADI 1.232/DF (Amparo Social – LOAS). Dessa forma, a decisão dada nos REs,
por ter alterado decisão anterior proferida em sede de controle concentrado, teria também
eficácia erga omnes e vinculante, independentemente de manifestação do Senado Federal.

c) Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado

Como regra, possui efeitos erga omnes, isto é, eficácia contra todos e efeitos ex tunc,
decorrente do princípio da nulidade, salvo exceções. Aqui há também a situação do efeito
repristinatório da decisão. Não se trata de repristinação, pois, diante da inconstitucionalidade
da lei L2 revogadora, a L1 revogada sempre esteve em vigor, não tendo sido revogada em
momento algum. O STF pode, contudo, mediante requerimento, evitar que a lei L1 volte a
vigorar e evitar, assim, a represtinação indesejada.

No campo dos efeitos, pode ocorrer a chamada modulação dos efeitos da decisão (art.
27 da Lei nº 9.868/99). Os Ministros podem, diante de um caso concreto em que haja razões
de segurança jurídica ou que acarrete excepcional interesse social, modular os efeitos da
decisão do Supremo, de forma a que ela tenha efeitos ex nunc. Esta técnica flexibiliza o
princípio da nulidade, aproximando-o da teoria da anulabilidade. O quorum para decidir pelo
efeito ex nunc é 2/3 ou 8 dos Ministros.

d) Efeito vinculante

As decisões proferidas no modelo concentrado de constitucionalidade são de


observância obrigatória para aos demais órgãos do Poder Judiciário e para a Administração
Pública (102, §2º). O efeito vinculante surge com a EC nº 03/93, para a ADC.

Além disso, pela teoria extensiva do efeito vinculante, a coisa julgada além da parte
dispositiva, abrangendo os fundamentos determinantes da decisão (também chamada de
teoria da transcendência dos motivos determinantes). Em geral, os autores entendem que o
fundamento determinante é aquele que não pode ser modificado sem alteração da parte
dispositiva. É a ratio decidendi (razões de decidir) – elemento básico da decisão. Distingue-se
do obter dictum (questões paralelas). A lógica que inspira o efeito vinculante é a de reforço da
posição da corte constitucional. Assim, a corte formula uma regra geral (contida nos
fundamentos determinantes) que não pode ser descumprida. Assim, fixa-se um modelo, cujo
descumprimento enseja a reclamação. Atualmente, contudo, não se tem admitido a utilização
de tal teoria, nem a reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do
acórdão com efeito vinculante. (STF, Rcl 22012/RS, DJ 12.09.2017).

A medida cautelar suspende o ato impugnado, com efeito vinculante, podendo até
restabelecer o direito anterior. Tem eficácia ex nunc, salvo disposição em sentido contrário. Em
caso de rejeição de liminar, não há efeito vinculante, em regra.

II. Técnicas decisórias na jurisdição constitucional

Em virtude das regras decorrentes do controle de constitucionalidade, a doutrina e


jurisprudência, depois consolidadas pela edição da lei 9.868/99, criaram técnicas decisórias
que permitem diminuir os efeitos da nulidade do ato inconstitucional e maior interação entre
os órgãos estatais decorrente da força e supremacia normativa da constituição, na qual todas
as normas do ordenamento jurídico devem estar material e formalmente de acordo, por meio
da ação da jurisdição constitucional. Várias dessas relativizam o tradicional binômio
“constitucionalidade/inconstitucionalidade”. O controle de constitucionalidade através da ADI
e ADC comporta múltiplas técnicas decisórias. Especial relevo deve ser conferido

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particularmente a ADI, na qual a decisão pode adquirir maior complexidade. A declaração de
nulidade arrima-se na premissa de que o ato inconstitucional reveste-se de nulidade ipso iure.
Mas a decisão poderá dar pela procedência da demanda de inconstitucionalidade sem declarar
nula a norma.

a) Sentenças interpretativas ou normativas

Nos casos de polissemia da norma, teremos a fixação de uma determinada interpretação


como sendo constitucional, ou mesmo a exclusão de uma determinada interpretação, por ser
inconstitucional, sem, contudo, retirar a própria norma do ordenamento. A doutrina enumera
as seguintes sentenças interpretativas:

i) Interpretação conforme a Constituição, ou "verfassungskonforme Auslegung": consiste na


técnica decisória segundo a qual o Tribunal afirma a constitucionalidade da lei desde que
observada determinada interpretação, ou, ao revés, a inconstitucionalidade, se interpretada de
forma diversa.

ii) Declaração de nulidade ou inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, ou


"teilnichtigerklärung ohne normtextreduzierung": marca-se pela declaração de que
determinadas interpretações são inconstitucionais.

Embora pareçam a rigor a mesma coisa, há diferenças entre as soluções, o que é


realçado por Gilmar Ferreira Mendes, in verbis: "Ainda que não se possa negar a semelhança
dessas categorias e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto
na interpretação conforme à Constituição, se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma
lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na
declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade,
de determinadas hipóteses de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que
se produza alteração expressa do texto legal. Assim, se se pretende realçar que determinada
aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de
inconstitucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada
para estas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e segurança jurídica
expressa na parte dispositiva da decisão (a lei x é inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a
lei y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado exercício
financeiro.)

iii) Técnica da decisão manipulativa de efeitos aditivos, a qual para Gilmar Mendes,
possibilitou definitivamente a superação do dogma kelseniano do legislador negativo, na
medida em que o tribunal atua como legislador positivo, acrescentando novos efeitos jurídicos
na sua decisão, como no caso da ADPF 54, quando o STF criou nova hipótese de excludente de
punibilidade ao crime de aborto, no caso do feto padecer de anencefalia.

b) Sentenças transitivas ou transacionais

Nessas sentenças, por uma série de fatores (políticos, econômicos, jurídicos), há uma
relativa transação ou relativização do princípio da supremacia da constituição, fixando-se um
parâmetro transitório de controle, em razão do contexto social. A doutrina (José Adércio Leite
Sampaio, Bernardo Gonçalves Fernandes) enumera as seguintes espécies de sentenças
transitivas:

i) Sentença de inconstitucionalidade sem efeito ablativo: reconhece a constitucionalidade de


uma norma, porém não a retira do ordenamento jurídico, com a justificativa de que sua
ausência geraria mais danos do que a própria norma. Também chamada de declaração de

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inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Essa espécie é geralmente aplicada nos
casos que envolvam “exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade”, ou
seja, quando diante da inconstitucionalidade por omissão parcial relativa.
ii) Sentença de inconstitucionalidade com ablação diferida: dá-se nas hipóteses de modulação
dos efeitos temporais da sentença (art. 27, Lei n. 9.868/99), quando se decide que a declaração
de inconstitucionalidade não produzirá efeitos ex tunc.

iii) Sentença de apelo ou apelativas (declaração de constitucionalidade de norma “ainda”


constitucional ou declaração de constitucionalidade provisória ou inconstitucionalidade
progressiva): órgão julgador reconhece a constitucionalidade da norma, contudo, adverte o
legislador de que serão necessárias mudanças normativas para que, no futuro, a norma não se
torne inconstitucional.

iv) Sentenças de aviso: sinalizam uma mudança na jurisprudência da Corte no futuro, mas tal
mudança não surtirá efeito para o caso sub judice. Temos o que a doutrina intitula de
prospective overruling, ou seja, uma mudança jurisprudencial futura.

25B. Inconstitucionalidade por omissão. Ação Direta e Mandado de Injunção.

Valdir Monteiro Oliveira Júnior


Fonte: Graal 28º CPR; Leis Especiais para Concursos Vol. 50, 2018, Juspodivm

I. Inconstitucionalidade por omissão

A inobservância do dever de legislar pode acarretar inconstitucionalidade por omissão,


cujo controle foi uma novidade inaugurada pela CF88. Essa omissão pode ser:
a) total: nenhuma norma foi editada; ou
b) parcial: existe norma, mas ela regula de forma deficiente o texto constitucional; e.g. lei do
salário mínimo, que estabelece um valor insuficiente às necessidades vitais básicas e, portanto,
não atende ao art. 7º, IV, CF.

Para sanar a omissão existem as seguintes teorias:

a) Teoria não concretista: Judiciário apenas informa Legislativo quanto à sua mora
b) Teoria concretista: Judiciário estabelece as condições para exercício do direito, até que
sobrevenha a norma do Legislativo. Pode ser (i) concretista intermediária (é dado prazo ao
Legislativo para agir) ou (ii) concretista direta.

II. Ação Direta

1. Objeto (doutrina tradicional). A omissão é de cunho normativo (legislativo ou


administrativo), englobando não só atos do Poder Legislativo, mas também do Executivo e
Judiciário quando exercendo função normativa. A ação é extinta por perda do objeto se
revogada a norma que necessite de regulamentação (omissão parcial) ou se expedida a
norma que venha a regular o direito (omissão total). Em regra, não há omissão se o processo
legislativo já se iniciou (ADI 2495), no entanto pode haver inconstitucionalidade caso haja
mora excessiva neste processo (ADI 3682, procedimentos para criação de novos Municípios).

2. Objeto (Daniel Sarmento). A doutrina tradicional é criticável, pois afirma que somente é
cabível ADIO na ausência ou insuficiência de regulação de normas constitucionais de eficácia
limitada. Ocorre que a CF e a Lei 9.868/99 não fazem essa restrição (art. 103, §2º, CF “medida
para tornar efetiva norma constitucional”; art. 12-B, I, Lei 9.868/99 “dever constitucional de
legislar ou adoção de providência de índole administrativa”). Assim, para Daniel Sarmento,

100
seria possível ADIO mesmo no caso de normas de eficácia plena (e.g. direito à moradia; seria
possível ADIO para apontar a insuficiência de providências administrativas necessárias à
efetivação desse direito).

3. Competência. Por se tratar de controle concentrado, a competência é exclusiva do STF


(art.102, I, “a”).

4. Legitimidade. Mesmos legitimados da ADI (art. 103, CF c/c Art.12-A da Lei 9.868/99).

5. Procedimento. Aplica-se subsidiariamente o procedimento da ADI (art.12-E, Lei 9.868/99).


Necessária a presença de 8 Ministros (art. 22, Lei 9.868/99) e o voto de 6 (art. 23, Lei
9.868/99).

6. Medida Cautelar. Pode ser suspensão da aplicação da lei ou ato normativo questionado
(omissão parcial), bem como suspensão de processos judiciais/procedimentos administrativos
(omissão total), ou ainda outra providência a ser fixada pelo Tribunal (art.12-F, Lei 9.868/99).

7. Efeitos da decisão.
No caso de omissão total:
(a) se a omissão for de um Poder, haverá ciência para adoção de providências (art. 12-H, §1º,
Lei 9.868/99); a lei não estabelece prazo, mas houve casos em que o STF já estabeleceu (ADI
3682, procedimentos para criação de novos Municípios)
(b) se a omissão for de órgão administrativo, o prazo será de 30 dias (regra) ou superior
(exceção conforme as circunstâncias do caso) (art. 12-H, §1º, Lei 9.868/99).
No caso de omissão parcial: órgãos estatais não podem praticar qualquer ato fundado na lei
inconstitucional. É caso de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade,
que suspende a aplicação da norma defeituosa ou incompleta.

8. Fungibilidade. O STF já admitiu a fungibilidade entre ADI e ADIO (ADI 875, não
estabelecimento dos critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados).

III. Mandado de Injunção

1. Objeto. Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma


regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI, CF). Essa norma pode ser
legislativa ou administrativa (e.g. decreto, resolução administrativa), mas deve regulamentar
o texto constitucional; se o direito reclamado estiver previsto apenas em norma
infraconstitucional, não será cabível o MI (e.g. norma regulamentadora de parcelamento de
débitos tributários previsto em lei tributária; AgRg no MI, STJ, Corte Especial, 2017).
2. Regulamentação. Até a edição da Lei 13.300/16 aplicava-se a disciplina do Mandado de
Segurança ao Mandado de Injunção. Atualmente, as regras do MS e o CPC são aplicados de
forma subsidiária (e.g. de aplicação do CPC é a ausência de honorários nesse tipo de
demanda).

3. Legitimidade passiva. Poder, órgão ou autoridade com atribuição para editar a norma
regulamentadora (art. 3º, Lei 13.300/16).

4. Competência originária. Varia conforme a autoridade competente para editar a norma


regulamentadora.

PR, Congresso, Câmara, Senado, STF, Tribunais Superiores, TCU (art. 102, I, q, CF);
STF
CNJ, CNMP (Jurisprudência)

101
Órgão/entidade/autoridade federal, excetuados casos do STF, da Justiça especializada e da Justiça
STJ Federal (art. 105, I, h, CF).
Essa competência residual do STJ acaba restringindo-se, na prática, apenas aos Ministros de Estado.
Demais órgãos/entidades/autoridades federais.
Justiça Federal
E.g. autarquias e agências reguladoras, como CADE, BACEN, IBAMA, ANATEL, CONTRAN.
Justiça Estadual Competência será definida nos termos da Constituição Estadual (art. 125, §1º, CF)

5. Competência recursal. Cabe recurso ordinário ao STF de decisão denegatória de MI em


instância única nos Tribunais Superiores (art. 102, II, 1, a, CF). Deve-se atentar que essa
mesma competência não está prevista para o STJ.

STF
(102, II, 1, a,
Julgar em
recurso HC MS HD
M decididos em única instância
pelos Tribunais
superiores, se
CF) ordinário
I denegatória a decisão

STJ Decididos em única ou


Julgar em HC
(105, II, a, CF) última instância Pelos TRF ou TJ, se
recurso
denegatória a decisão
ordinário MS Decididos em única instância
(105, II, b, CF)

6. Eficácia objetiva da decisão em MI.


a) Inicialmente, o STF apenas declarava a mora do Legislativo, sem estabelecer prazo para
edição da norma regulamentadora (Teoria não concretista).
b) Isso mudou no julgamento do Mandado de Injunção sobre o direito de greve dos servidores
públicos. Nessa ocasião, o STF decidiu que seria aplicada a lei de greve dos trabalhadores da
iniciativa privada até que o Legislativo editasse a lei própria dos servidores públicos (Teoria
concretista).
c) Com a edição da Lei 13.300/16, ficou estabelecido que (art. 8º):
1º Determina-se prazo razoável para edição da lei; caso impetrado já tenha descumprido MI
anterior, dispensa-se esta etapa e passa-se automaticamente à seguinte
2º Superado o prazo, determinam-se as condições para exercício do direito ou para promoção
da ação própria visando a exercê-lo

7. Eficácia subjetiva da decisão em MI.


O indeferimento por falta de provas não impede nova impetração fundada em outros
elementos (art. 9º, §3º, Lei 13.300/16).
Em regra a decisão limita-se às partes, mas pode ser erga omnes se isso for inerente ao
exercício do direito (art. 9º, §1º, Lei 13.300/16).
Transitado em julgado, os efeitos da decisão podem ser estendidos a casos análogos por
decisão monocrática do relator (art. 9º, §2º, Lei 13.300/16).

8. Ação de revisão. Havendo modificações fáticas ou de direito, qualquer interessado poderá


propor ação de revisão (art. 10), não se tratando de recurso nem de ação rescisória.
9. Superveniência de norma regulamentadora.
a) antes da decisão: haverá perda do objeto e o processo será extinto sem resolução do
mérito (art. 11, p. único, Lei 13.300/16). Entretanto, há precedente anterior à lei em que o STF
prosseguiu com o julgamento (MI do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço).
b) após a decisão: a nova norma terá efeito ex nunc, salvo se for mais benéfica.

10. Mandado de injunção coletivo. O MI coletivo não induz litispendência em relação ao


individual, mas somente beneficiará quem desistir da demanda individual em até 30 dias após
cientificado (art. 13, p. único, Lei 13.300/16). Nota-se a diferença para a Ação Civil Pública, que
exige apenas a suspensão, e não a desistência (art. 104, CDC).

IV. ADI por omissão x Mandado de Injunção

102
ADIO MI
Controle Concentrado ou Abstrato. Logo: Controle Difuso ou Concreto. Logo:
Efeitos são erga omnes Efeitos, em regra, são inter partes
Processo é objetivo (não há partes) Processo é subjetivo (há partes)
Não se admite desistência nem intervenção de
Admite-se desistência e intervenção de terceiros
NATUREZA JURÍDICA terceiros (exceto amicus curiae)
E CONSEQUÊNCIAS Podem ser considerados argumentos não trazidos Análise deve restringir-se aos argumentos
pelos proponentes (causa de pedir aberta) trazidos pelas partes
Não se aplicam regras de impedimento e suspeição Aplicam-se regras de impedimento e suspeição
Pode ser declarada inconstitucionalidade por Decisão deve restringir-se às normas
arrastamento de normas não impugnadas impugnadas
LEGITIMADOS ATIVOS Presidente da República, Governador
Mesa do Senado, da Câmara ou da Assembleia
ADIO: art. 103, CF Legislativa
PGR Ministério Público
MI individual: pessoas Partido com representação no Congresso Partido com representação no Congresso
naturais ou jurídicas Confederação sindical ou entidade de classe
Organização sindical ou entidade de classe
titulares do direito nacional
(art. 3º, Lei 13.300/16) Conselho Federal da OAB
Defensoria
MI Coletivo: art. 12, Associação constituída há 1 ano, dispensada
Lei 13.300/16 autorização especial de seus membros
MEDIDA CAUTELAR Cabe (art. 12-F, Lei 9.868/99) Não cabe

8. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS


8.1 Direitos fundamentais. Concepções. Classificações. Dimensões objetiva e subjetiva. Eficácia
vertical e horizontal. (6.c)
8.2 Limites dos direitos fundamentais. Teorias interna e externa. Núcleo essencial e
proporcionalidade. Os “limites dos limites”. (20.c)
8.3 Os princı ́pios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. (16.b)
8.4 Direito fundamental à moradia e à alimentação adequada. (22.c)
8.5 Direitos fundamentais culturais. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à diferença
e ao reconhecimento. (23.a)
8.6 Liberdade de expressão, religiosa e de associação. O princı ́pio da laicidade estatal. Os
direitos civis na Constituição de 1988. (19.a)
8.7 Igualdade de gênero. Direitos sexuais e reprodutivos. (17.c)
8.8 Princı ́pio da isonomia. Ações afirmativas. Igualdade e diferença. Teoria do impacto
desproporcional. Direito à adaptação razoável. (13.c)
8.9 Direitos fundamentais processuais: acesso à justiça, devido processo legal, contraditório,
ampla defesa, vedação de uso de provas ilı ́citas, juiz naturale duração razoável do processo.
(23.c)
8.10 Controle jurisdicional e social das polı ́ticas públicas. Serviços de relevância pública. O
papel do Ministério Público. (15.a)

6C. Direitos fundamentais. Concepções. Características. Dimensões Objetiva e Subjetiva.


Eficácia vertical e horizontal.

Nilton Santos 02/09/18

1. Fundamentos dos Direitos Fundamentais

Como esteio lógico à ideia de direitos fundamentais, podem ser apontados, basicamente, dois
princípios: o Estado de Direito e a dignidade humana.

2. Direitos e garantias fundamentais: conceito, noções gerais e concepções

103
Direitos fundamentais são direitos ou posições jurídicas que investem os seres humanos,
individual ou institucionalmente considerados, de um conjunto de prerrogativas, faculdades e
instituições imprescindíveis a assegurar uma existência digna, livre, igual e fraterna a todas as
pessoas. Compõem um núcleo intangível de direitos dos seres humanos submetidos a uma
determinada ordem jurídica. São cláusulas pétreas e estão previstos no art. 5º da CF/88, sendo
que, segundo o STF, estão espalhados em diversos artigos da Carta Magna.

Para os jusnaturalistas, os direitos do homem são imperativos do direito natural, anteriores e


superiores à vontade do Estado. Já para os positivistas, os direitos do homem são faculdades
outorgadas pela lei e reguladas por ela. Para os idealistas, os direitos humanos são ideias,
princípios abstratos que a realidade vai acolhendo ao longo do tempo, ao passo que, para os
realistas, seriam o resultado direto de lutas sociais e políticas.

É usual que se diga serem os direitos fundamentais universais. Porém, tal afirmação deve ser
encarada com ressalvas, uma vez que alguns direitos fundamentais são voltados a
destinatários específicos (veja-se, por exemplo, o direito à nacionalidade).

Digno de nota o fato de que a Corte Suprema tem um entendimento bastante ampliativo dos
direitos fundamentais. Considera-se que tal espécie de direitos é aplicável até mesmo a
estrangeiros fora do país, caso sejam atingidos pela Lei brasileira (Caso “Boris Berezowski”).

No concernente às pessoas jurídicas (inclusive as de Direito Público) e aos entes


despersonalizados, os direitos fundamentais também se lhes aplicam, desde que haja
compatibilidade no sentido ontológico.

As garantias fundamentais são também direitos, chamados “direitos-garantia”, pois são


destinados à proteção de outros direitos.   Não existem por si mesmas, mas para amparar,
tutelar e efetivar direitos.

Questões Prova Objetiva 29CPR:


Questão 9 – a) A despeito de a Constituição de 1988 ter limitado ao “estrangeiro residente” a
titularidade de direitos fundamentais, a doutrina é pacífica quanto à impossibilidade de
privação de tais direitos pelo exclusivo critério da “não-residência”.
VERDADEIRO. Curso de Direitos Humanos, André de Carvalho Ramos, 2018. OBS.: não havia
este trecho na edição de 2017, então a examinadora cobrou a atualização do manual do ACR
para 2018, especificamente o capítulo 48 Direito dos Migrantes da Parte IV Os Direitos e
Garantias em Espécie. 48.2.5. A CF/88 e a fase da igualdade e garantia. A CF/88, em linha com
seu fundamento de proteção à dignidade da pessoa humana, garantiu expressamente, ao
brasileiro e ao estrangeiro residente, a “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º, caput). De início, a CF/88 limitou ao
“estrangeiro residente” a titularidade de direitos fundamentais. Ocorre que tal restrição
ofende aos princípios basilares de um Estado Democrático de Direito (art. 1º), pois permitiria,
ad terrorem, a privação do direito à vida ou integridade física do turista, por exemplo. Como
visto, é pacífica na doutrina a extensão da titularidade de direitos fundamentais a todos os
estrangeiros. Tal extensão justifica-se de diversos modos: (i) o Estado Democrático de Direito,
previsto no art. 1º da CF/88,não admite a privação de direitos com base no critério da “não
residência”, que não possui qualquer pertinência com o exercício de tais direitos básicos; (ii)
tratar os estrangeiros não residentes como desprovidos de direitos ofende um dos
fundamentos da República, que é promoção da dignidade humana (art. 1º, inciso III); (iii) o
reconhecimento pela CF/88 dos direitos decorrentes dos tratados internacionais de direitos
humanos (art. 5º, §2º) já ratificados pelo Brasil permite deduzir que tais tratados, como o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ou a Convenção Americana de Direitos

104
Humanos, estendem a todos, estrangeiros residentes ou não, a titularidade dos direitos
humanos.

3. Características dos direitos fundamentais

• Historicidade e universalidade - Os direitos fundamentais são uma construção histórica.


Nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

• Relatividade ou limitabilidade - Nenhum direito fundamental é absoluto. Primeiramente,


porque podem entrar em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode estabelecer a priori
qual direito vai prevalecer no conflito, pois essa questão só pode ser analisada diante de um
caso concreto. E, em segundo lugar, nenhum direito fundamental pode ser usado para a
prática de ilícitos. Contudo, a restrição aos direitos fundamentais só é admitida quando
compatível com os ditames constitucionais e quando respeitados os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade.

OBS: No tocante à limitabilidade dos direitos fundamentais há duas teorias a explicá-la:


Teoria interna7: para esta teoria, os direitos humanos são limitados implicitamente,
independentemente da existência de outro direito. Seriam limites imanentes do próprio
direito em análise. Exemplo: ingressar em um cinema e gritar “fogo”, sabendo que não há. A
liberdade de expressão não pode servir para expor outras pessoas a riscos ou a ameaças de
violação da sua integridade. Então, nesse caso há um limite imanente, por que a liberdade de
expressão não abarca essa postura.
Teoria externa: defende que os direitos humanos são limitáveis em duas etapas. Na primeira é
preciso ler o direito prima facie (à primeira vista) para verificar se ao menos inicialmente
determinada conduta se encaixa; em um segundo momento, é preciso verificar se há outro
direito em conflito e, em caso positivo, fazer a ponderação. Exemplo: gritar “fogo” falsamente
é liberdade de expressão, não tem restrição até aqui. Mas no próximo passo percebe-se que
tal conduta expõe a perigo terceiros.

• Imprescritibilidade – Dizer que os direitos fundamentais são imprescritíveis quer significar


que não podem (em regra) ser perdidos pela passagem do tempo. Contudo, trata-se de regra
que comporta exceções, posto que há alguns direitos fundamentais que são prescritíveis,
como no caso da propriedade x usucapião.

• Inalienabilidade - Em regra, são intransferíveis e inegociáveis, pois são desprovidos de


conteúdo econômico-financeiro e seus titulares não podem deles se despojar. Há exceções,
haja vista a propriedade que pode, obviamente, ser alienada.

• Irrenunciabilidade ou indisponibilidade - Geralmente, são irrenunciáveis, pois não são


disponíveis, mas seus titulares podem deixar de exercê-los. Não podem ser dispostos da forma
como convier ao indivíduo, ao menos em regra. Doutrina contemporânea, de visão mais
arejada, prega que somente pode-se alegar indisponibilidade quando não existir uma renúncia
válida, ou seja, quando o indivíduo por um motivo qualquer (por exemplo, avançada idade)
não puder exercer seu arbítrio sem imperativos externos.

7
Vide assertiva verdadeira (adaptada) do concurso para Auditor de Controle Interno – Planejamento e Orçamento
do SEAP-DF de 2014, banca FUNIVERSA: Para os defensores da teoria interna dos direitos fundamentais, toda
limitação ao âmbito de proteção do direito fundamental importa automaticamente na sua violação, porque toda
limitação de um direito é, ao mesmo tempo, interferência na parte integrante da determinação do seu conteúdo
definitivo.
Vide também questão do 28º, assertiva verdadeira: Pela teoria interna, o conflito entre direitos fundamentais e
meramente aparente, na medida em que é superado pela determinação do verdadeiro conteúdo dos direitos
envolvidos.

105
• Indivisibilidade - Os direitos fundamentais são um conjunto, não podem ser analisados de
maneira separada, isolada (o desrespeito a um deles é, na verdade, o desrespeito a todos).

• Proibição de retrocesso - impede a revogação de normas garantidoras de direitos


fundamentais e a implementação de políticas públicas de enfraquecimento de direitos
fundamentais (efeito cliquet).

• Concorrência - Podem ser exercidos cumulativamente por um mesmo titular.

• Aplicabilidade imediata - Conforme se lê no § 1º do art. 5º da Carta Política brasileira, “as


normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. O texto se
refere aos direitos fundamentais em geral, não se restringindo apenas aos direitos individuais.
Os direitos fundamentais não são meramente normas matrizes de outras normas, mas são
também, e sobretudo, normas diretamente reguladoras de relações jurídicas. Assim, a própria
CRFB autoriza que os operadores do direito, mesmo à falta de comando legislativo, venham a
concretizar os direitos fundamentais pela via interpretativa. Há, contudo, normas
constitucionais, relativas a direitos fundamentais, que, evidentemente, não são autoaplicáveis.
Carecem da interposição do legislador para que produzam todos os seus efeitos. Em razão
disso, a doutrina entrevê no art. 5º, § 1º, da Constituição Federal uma normaprincípio,
estabelecendo uma ordem de otimização, uma determinação para que se confira a maior
eficácia possível aos direitos fundamentais.

OBS1: A Teoria das Gerações/Dimensões de Direitos: doutrina concebida por Karel Vasak,
jurista francês, para classificar os direitos fundamentais conforme os temas da Revolução
Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade). Muito embora haja divergência na doutrina,
prefere-se o uso da expressão “dimensões” dos direitos fundamentais, ante a ideia de
complementaridade entre elas e não substituição. Ademais, divergem os juristas, também, em
relação a quantas seriam tais dimensões.

1ª dimensão, direitos voltados à tutela das liberdades públicas, demandam prestações


negativas do Estado: direitos liberais, como vida, propriedade, liberdade.

2ª dimensão, direitos de igualdade (material), demandam prestações positivas do Estado para


a realização da justiça social, do bem estar social e das liberdades sociais: direitos sociais,
como moradia, saúde, educação, alimentação, direitos trabalhistas.

3ª dimensão, direitos de fraternidade (proteção do homem em coletividade social): direitos de


solidariedade, de titularidade da coletividade ou difusa, como paz, desenvolvimento. São
também conhecidos como direitos metaindividuais (está além do indivíduo) ou
supraindividuais (estão acima do indivíduo individualmente considerado).

4ª Dimensão, direitos de globalização e universalização: são direitos embasadores de uma


possível globalização política rumo a uma sociedade universal aberta ao futuro. Alguns deles
são: direito à democracia direta, direito ao pluralismo, direito à informação e os direitos
relacionados à biotecnologia.

OBS2: Em relação às características funcionais dos direitos fundamentais, anote-se a “teoria


dos quatro status” de Jellinek:

1) status passivo (subjectionis): o indivíduo está subordinado aos poderes estatais – ordens e
proibições;

106
2) status negativo (negativus ou libertatis): ao indivíduo é reconhecida uma esfera individual
de liberdade imune à intervenção estatal;

3) status positivo (positivus ou civitatis): ao indivíduo é possível exigir do Estado determinadas


prestações positivas;

4) status ativo (activus): possibilita ao indivíduo participar ativamente da formação da vontade


política estatal.

4. Dimensões Objetiva e Subjetiva

Dimensão subjetiva: Diz respeito à característica de servirem os direitos fundamentais como


fontes de direitos subjetivos a seus respectivos titulares. Sintetiza a faculdade que tem o seu
titular - o indivíduo ou a coletividade a quem é atribuído - de fazer valer judicialmente os
poderes, as liberdades, o direito à ação ou mesmo as ações negativas ou positivas que lhe
foram outorgadas pela norma consagradora de direito fundamental em questão. Trata-se de
exigir respeito, especialmente por parte do Estado, aos direitos individuais, donde se tem a
percepção de tratar-se de dimensão negativa8!

Dimensão objetiva: os direitos fundamentais operam como elementos objetivos fundamentais


que sintetizam os valores básicos da sociedade e os expandem para toda a ordem jurídica
(eficácia irradiante), que os identifica como diretrizes ou vetores para a interpretação e
aplicação das normas infraconstitucionais. Assim, tais direitos não apenas estabelecem
faculdades aos indivíduos (dimensão subjetiva), mas estabelecem também deveres, explícitos
ou implícitos, de proteção pelo Estado. Tal dever de proteção exige uma conduta ativa do
Estado no combate à chamada proteção deficiente (dimensão positiva). Assim, exige-se do
Estado a necessária proteção contra ameaça dos atos estatais (verticalidade), como ainda de
possível ameaça de lesão proveniente de terceiros, em especial de (e entre) atos de
particulares (horizontalidade), considerando que poderes não estatais podem vulnerar bens
jurídicos tutelados constitucionalmente.

OBS: A decisão proferida em 1958 pela Corte Federal Constitucional da Alemanha no caso Lüth
é citada como o marco histórico a partir do qual se desenvolveu a teoria da dimensão objetiva
dos direitos fundamentais. Nesta decisão, ficou consignado que os direitos fundamentais
também “constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com
eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos,
judiciários e executivos”.

5. Eficácia vertical, horizontal e diagonal

• Eficácia vertical - A História aponta o Poder Público como o destinatário precípuo das
obrigações decorrentes dos direitos fundamentais. A finalidade para a qual os direitos
fundamentais foram inicialmente concebidos consistia, exatamente, em estabelecer um
espaço de imunidade do indivíduo em face dos poderes estatais. Tal proteção, expressada nas
relações entre os cidadãos (posição de inferioridade) e os poderes públicos (posição de
superioridade), tem sido denominada de eficácia vertical dos direitos fundamentais.

• Eficácia horizontal - Com a evolução dos direitos fundamentais, fica óbvio que os
particulares também precisam respeitá-los, o que leva à eficácia horizontal: o reconhecimento
de que os direitos humanos também incidem nas relações entre particulares (também

8
Status negativo, nas palavras de Jellinek.

107
chamada de eficácia privada ou externa ou drittwirkung - Direito alemão). Contudo, quanto à
aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas, há duas teorias:

1) eficácia indireta ou mediata: Há necessidade da intermediação do legislador para a efetiva


aplicação dos direitos fundamentais. A Constituição não investe os particulares em direitos
subjetivos privados, mas ela contém normas objetivas, cujos efeitos de irradiação levam à
impregnação das leis civis por valores constitucionais. Com efeito, os direitos fundamentais
são protegidos no campo privado não por normas constitucionais, mas por meio de
mecanismos típicos do próprio Direito Privado.

2) eficácia direta ou imediata: Alguns direitos fundamentais podem ser aplicados às relações
privadas sem que haja a necessidade de intermediação legislativa para a sua concretização,
posto que seriam oponíveis erga omnes. Resultaria na aplicação direta dos preceitos
constitucionais. Essa foi a tese que prevaleceu no Brasil, na doutrina e, inclusive, no STF 9 e no
STJ.

• Eficácia Diagonal - Surgida mais recentemente, fala-se atualmente em eficácia diagonal dos
direitos fundamentais, que constituiria um tertium genus cunhado pelo jurista chileno Sergio
Gamonal Contreras, pelo qual, ao lado das garantias constitucionais do cidadão frente ao
Estado (eficácia vertical) e frente aos próprios particulares (eficácia horizontal), surge a
necessidade de proteção nas relações entre particulares, notadamente caracterizadas pelo
desequilíbrio ou desproporcionalidade (assimetria substancial).    No ordenamento positivo, a
eficácia diagonal se expressa nas relações onde estão pressupostas a vulnerabilidade, inerente
a todo consumidor (art. 4º, I, CDC), e nas relações trabalhistas, com o intuito de atenuar a
hipossuficiência pressupostamente havida pelo empregado na relação de trabalho que
estabelece com o seu empregador.

20C. Limites dos direitos fundamentais. Teorias interna e externa. Núcleo essencial e
proporcionalidade. Os "limites dos limites".

André Batista e Silva

I. Limites dos direitos fundamentais

Quando se estuda direitos fundamentais, deve-se identificar o âmbito de proteção de


cada direito, isto é, o bem jurídico tutelado. Este não se confunde com a proteção efetiva e
definitiva, o que possibilita a aferição da legitimidade de certa situação em face de dado
parâmetro constitucional. A amplitude do âmbito de proteção é diretamente proporcional à
possibilidade de um ato estatal restringir o direito em questão. Há normas constitucionais que
estabelecem direitos fundamentais, submetendo-os à reserva de lei restritiva (expressões “nos
termos da lei: art. 5º, VI e XV). Essas normas contêm: (a) uma norma de garantia, e (b) uma
norma de autorização de restrições. Entretanto, quando o âmbito de proteção é puramente
normativo, é o legislador que, ao editar a norma, vai definir o conteúdo do direito. Nesses
casos fala-se em regulação ou conformação, e não em restrição (ex: art. 5º XXVI a XXVIII, LXXVI
e LXXVII). Nesses casos, existiria o dever de legislar e o dever de preservar as garantias ao
legislar. Os direitos fundamentais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente
podem ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante

RE 201.819, julgado em 11 -10 -2005, Rel. para o acórdão Min. Gilmar Mendes (DJ de 27/10/2006); RE 161.243,
Relator Ministro Carlos Velloso, DJ de 19/12/1997; RE 158.215-4, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 07/06/1996.

108
lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição (restrição
mediata). (Gilmar Mendes, fl. 229)

II. Teorias interna e externa

De acordo com André de Carvalho Ramos, a teoria interna defende a existência de


limites internos a todo direito, que estejam traçados expressamente no texto da norma, quer
sejam imanentes ou inerentes a determinado direito, que faz com que não seja possível
colisão entre direitos (o conflito é meramente aparente). Em suma, a teoria interna prega que
as restrições aos direitos devem estar expressamente autorizadas pela Constituição e pelos
tratados de direitos humanos, ou, ainda, devem ser extraídas dos limites imanentes de cada
direito. Segundo o supracitado autor, na decisão do “Caso Ellwanger” consta passagem na qual
se identifica a aplicação dessa teoria.

A teoria interna prega que um direito fundamental existe, desde sempre, com seu
conteúdo determinado e, por isso, o direito fundamental já nasce com seus limites. Assim,
“eventual dúvida sobre o limite do direito não se confunde com a dúvida sobre a amplitude das
restrições que lhe devem ser impostas, mas diz respeito ao próprio conteúdo do direito”.
(Gilmar Mendes, fl. 226). Do ponto de vista lógico, a restrição seria desnecessária e até
impossível, já que o alcance do direito fundamental, pela teoria interna, já seria determinado
de antemão. Não há, dessa forma, separação entre o âmbito de proteção do direito e seus
limites, o que permite a inclusão de considerações sobre outros bens dignos de proteção,
aumentando o risco de restrições arbitrárias de liberdade.

Com relação à teoria externa, André de Carvalho Ramos entende que esta adota a
separação entre o conteúdo do direito e limites que lhe são impostos do exterior, oriundos de
outros direitos. Devem ser observados dois momentos: 1º) Deve ser delimitado o direito
prima facie envolvido; 2º) Investigar se há limites justificáveis impostos por outros direitos, de
modo a impedir que o direito prima facie seja considerado um direito definitivo. A chave
mestra para a teoria externa seria o uso do critério da proporcionalidade. É a teoria adotada
preferencialmente pela doutrina e pela jurisprudência.

Aproxima-se dessa teoria a posição de Hesse, para quem os conflitos entre direitos
fundamentais podem ser resolvidos pela concordância prática (os direitos de estatura
constitucional podem ser equilibrados entre si, gerando uma compatibilidade na sua aplicação,
mesmo que no caso concreto seja minimizada a aplicação de um dos direitos envolvidos.

Contudo, essa restrição deve ser limitada. É o chamado “limites dos limites”. A
concepção dos limites dos limites decorre da teoria absoluta, do núcleo essencial, segundo a
qual o núcleo essencial dos direitos fundamentais estaria protegido de qualquer intervenção
do Estado, independentemente da situação concreta. Assim, haveria uma parte do conteúdo
do direito fundamental suscetível a limitações pelo legislador e outra parte seria insuscetível a
limitações, representando um verdadeiro “limite do limite” para a própria ação legislativa. Essa
ideia se contrapõe àquela defendida pelos adeptos da teoria relativa, segundo a qual o núcleo
essencial seria aferido caso a caso, mediante processo de ponderação entre meios e fins, com
base no princípio da proporcionalidade. O núcleo essencial seria aquele insuscetível de
restrição com base nesse processo. Ambas as teorias buscam assegurar maior proteção dos
direitos fundamentais contra ação legislativa desarrazoada. Críticas: teoria absoluta traz
dificuldade em identificar abstratamente a existência desse mínimo essencial do direito
fundamental, podendo-se sacrificar aquilo que se busca proteger. Teoria relativa pode conferir
excessiva flexibilidade aos direitos fundamentais. Os limites são os seguintes:

109
a) O ato normativo que pode restringir um direito fundamental é a lei em sentido formal (ou
emenda constitucional);

b) A norma deve ser geral e abstrata. Conforme André de Carvalho Ramos, a restrição pode ser
feita através de uma reserva legal simples (autorização dada pela Constituição a edição
posterior de lei que adote determinada restrição a direito fundamental, não fixando
previamente os requisitos, condições ou parâmetros. Ex: Art. 5º, VI –é inviolável a liberdade de
consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida,
na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias) ou de uma reserva legal
qualificada (a Constituição, além de estabelecer a reserva de lei, ainda estipula os requisitos e
condições que a lei deve observar. Ex: Art. 5º, XIII –é livre o exercício de qualquer trabalho,
ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
Conceitos extras:
Reserva legal subsidiária situação em que direitos são previstos na Constituição sem
qualquer menção à lei restritiva, mas podem ser regulados pelo legislador em face dos demais
valores constitucionais;
Reserva geral de ponderação todos os direitos fundamentais estão a ela submetidos, uma
vez que estão sujeitos à ponderação com outros valores previstos na Constituição,
relacionados a outros direitos fundamentais em colisão.

c) Proporcionalidade.

III. Núcleo essencial e proporcionalidade

Núcleo essencial seria a parcela do conteúdo do direito sem a qual ele perde sua
mínima eficácia. Forma de evitar ou contornar o esvaziamento do conteúdo dos direitos
fundamentais pelo legislador. Apesar de vedar expressamente qualquer proposta de emenda
tendente a abolir direitos fundamentais (art. 60, §4º), CRFB/88 não traz de forma expressa a
garantia do núcleo essencial, ao contrário da Lei Fundamental alemã e das Constituições
portuguesa e espanhola. Ainda assim, o princípio de um núcleo essencial decorre do modelo
garantístico da CRFB/88. STF tem usado o princípio em vários julgados (HC 82.959, Rel Min.
Marco Aurélio, DJ 1º.09.2006, Voto Ministro Peluzo no caso de vedação à progressão de
regime em cumprimento de pena de crime hediondo: atinge o núcleo do princípio da
individualização da pena).

Proporcionalidade. O legislativo, ao editar normas para conformar ou restringir


direitos fundamentais, corre o risco de agir com excesso de poder. Para que isso não ocorra,
deve observar o princípio da proporcionalidade. Para parte da doutrina o fundamento do
princípio da proporcionalidade se encontra nos direitos fundamentais, para outra parte, no
Estado de Direito. O STF parecia colocar seu fundamento nos direitos fundamentais, mas com
a CRFB/88 (ADI 855) o entende como “postulado constitucional autônomo" (Gilmar Mendes,
pg. 256), com sede material no devido processo legal (art. 5º, LIV).

Proporcionalidade é composta pelos subprincípios adequação (medida é apta a


alcançar o objetivo pretendido); necessidade (não existe meio menos gravoso e igualmente
eficaz a ser utilizado para atingir o objetivo pretendido. Teria maior peso na análise);
proporcionalidade em sentido estrito (ponderação e possível equilíbrio entre o significado da
intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador) “controle de sintonia
fina” para verificar a justeza da medida adotada.

Proibição da Proteção insuficiente: a medida pode, em uma análise metodológica, ser


também considerada desproporcional por não se revelar suficiente para uma proteção

110
adequada e eficaz). O STF utiliza princípio da proporcionalidade como instrumento para
solução de colisão entre direitos fundamentais (HC 76.060, Rel. Min Sepúlveda Pertence).
Duplo controle de proporcionalidade e controle de proporcionalidade in concreto:
qualquer medida administrativa ou judicial com base na lei aprovada pelo parlamento que
afete direitos fundamentais também se submete ao controle de proporcionalidade.

16B. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.

Oswaldo Costa
 
I. Princípio da dignidade da pessoa humana.

Conceito: a dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser


humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem
como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência. Consiste em atributo que todo
indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição
referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo, etc. (ACR, Curso de
direitos humanos, p. 74)

Evolução histórica: dentro de um caminho histórico marcado por avanços e retrocessos,


podemos mencionar quatro momentos fundamentais: (a) Cristianismo: ideia do homem
criado à imagem e semelhança de Deus, a doutrina cristã e do amor incondicional ao próximo
e o reconhecimento da igualdade entre os povos perante Deus; (b) Iluminismo- humanista:
desalojou a religiosidade do centro do sistema do pensamento, substituindo-a pelo próprio
homem – preocupação com os direitos individuais do homem e o exercício democrático do
poder; (c) a obra de Immanuel Kant: a filosofia kantiana mostra que o homem, como ser
racional, existe como fim em si, e não simplesmente como meio, enquanto os seres,
desprovidos de razão, têm um valor relativo e condicionado, o de meios, eis porque se lhes
chamam coisas. A concepção de Kant continua a valer como axioma no mundo ocidental,
embora com acréscimos decorrentes da evolução; (d) os reflexos dos horrores da Segunda
Guerra Mundial: consagração da dignidade da pessoa humana no plano internacional e
interno como valor máximo dos ordenamentos jurídicos e princípio orientador da atuação
estatal e dos organismos internacionais.

Previsão constitucional: a CF/88 estabelece que um dos fundamentos do Estado


Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Além disso, a CF/88
afirma que toda a ação econômica tem como finalidade assegurar a todos uma existência
digna (art. 170). Por sua vez, no art. 226, §7, ficou determinado que o planejamento familiar
é livre decisão do casal fundado no princípio da dignidade da pessoa humana. Já o art. 227
determina que cabe à família, à sociedade e ao estado assegurar a dignidade à criança, ao
adolescente e ao jovem. No art. 230, a CF/88 prevê que a família, a sociedade e o estado têm
o dever de amparar as pessoas idosas, defendendo sua dignidade e bem estar.

Documentos internacionais que fazem referência ao princípio:


(a) Carta das Nações Unidas de 1945. (b) Declaração Universal dos Direitos do Homem de
1948; (c) Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966. (d) Estatuto da Unesco,
de 1945.

Natureza jurídica: tanto nos diplomas internacionais quanto nacionais, a dignidade humana é
inscrita como princípio geral ou fundamental, mas não como direito autônomo. De fato, a
diginidade humana é uma categoria jurídica que, por estar na origem de todos os direitos
humanos, confere-lhes conteúdo ético (ACR, Curso de direitos humanos, 2014, p. 74).

111
Positivado na Constituição, o princípio da dignidade da pessoa humana costura e unifica
todo o sistema pátrio de direitos fundamentais e “representa o epicentro axiológico da
ordem constitucional, irradiando seus efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e
balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas
que se desenvolvem no seio da sociedade civil e no mercado”  (SARMENTO).
Considerações: a dignidade da pessoa humana constitui um valor que atrai a realização dos
direitos fundamentais do homem, em todas as suas dimensões. É um valor fundamental que
se viu convertido em princípio jurídico de estatura constitucional, seja por sua positivação em
norma expressa seja por sua aceitação como mandamento jurídico extraído do sistema.
Serve, assim, tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para os
direitos fundamentais. O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser classificado, de
acordo com a modalidade de eficácia, em três categorias: direta (incide à semelhança de
uma regra), interpretativa (os valores e fins nele abrigados condicionam o sentido e o alcance
das normas jurídicas em geral) e negativa (implica na paralisação de qualquer norma ou ato
jurídico que com ele seja incompatível).

Conteúdo essencial da dignidade: (a) valor extrínseco da pessoa humana – elemento


ontológico da dignidade, traço distintivo da condição humana, do qual decorre que todas as
pessoas são um fim em si mesmas, e não meios para a realização de metas coletivas ou
propósito de terceiros;(b) autonomia da vontade – elemento ético da dignidade da pessoa
humana, associado à capacidade de autodeterminação do indivíduo, ao seu direito de fazer
escolhas existenciais básicas; e (c) valor social da pessoa humana (valor comunitário) ou
dignidade como heteronomia – elemento social da dignidade humana, identificando a
relação entre o indivíduo e o grupo.

OBSERVAÇÃO: SARLET entende que a dignidade é uma construção histórico-cultural. Neste


aspecto a dignidade da pessoa humana é concebida como uma construção que vem sendo
feita durante os vários períodos históricos, também fruto de uma cultura de cada país.
Referida construção tem sido levada a cabo por cada indivíduo particularmente, sendo que
aos direitos fundamentais não lhes são cometidos assegurar a dignidade, mas sim dar
condições para que esta se materialize. Por conseguinte, a dignidade apresenta dupla
dimensão: positiva e negativa. A positiva seria a do ser humano se autodeterminar, fazer
suas escolhas. A segunda (negativa) seria uma dimensão protetiva, aquela em que, não
havendo a primeira, deveria o Estado e os outros indivíduos lhe assegurar o reconhecimento
dessa dignidade. E, através destas dimensões que é possível afirmar que: "É justamente neste
sentido que assume particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa
humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da
comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta
para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade. Como limite, a
dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto
da ação própria e de terceiros, mas também o fato de a dignidade gerar direitos
fundamentais (negativos) contra atos que a violem ou a exponham a graves ameaças.  Como
tarefa, da previsão constitucional (explícita ou implícita) da dignidade da pessoa humana,
dela decorrem deveres concretos de tutela por parte dos órgãos estatais, no sentido de
proteger a dignidade de todos, assegurando-lhe também por meio de medidas positivas
(prestações) o devido respeito e promoção" (SARLET, p. 32)

II. Princípio da solidariedade

A solidariedade, num conceito mínimo, é a ação concreta em favor do bem do outro. Na


verdade, a solidariedade implica o reconhecimento de que, embora cada um de nós
componha uma individualidade, irredutível ao todo, estamos também todos juntos, de
alguma forma irmanados por um destino comum. Ela significa que a sociedade não deve ser o

112
locus da concorrência entre indivíduos isolados, perseguindo projetos pessoais antagônicos,
mas sim um espaço de diálogo, cooperação e colaboração entre pessoas livres e iguais, que
se reconheçam como tais.
Realidade brasileira: em nosso ordenamento, a Constituição da República quando estabelece
como um de seus objetivos fundamentais a construção de “uma sociedade justa, livre e
solidária”, expressa um princípio jurídico que, apesar da abertura e indeterminação
semântica, é dotado de algum grau de eficácia imediata e que pode atuar, no mínimo, como
vetor interpretativo da ordem jurídica como um todo, e não em mero e vago programa
político ou algum tipo de retoricismo.

Algumas funções específicas do princípio da solidariedade: (a) Na doutrina, a partir da


contribuição de Karel Vasak, a solidariedade vem sendo utilizada para fundamentar os
direitos transindividuais, conhecidos como direitos de 3ª dimensão, como o direito ao meio
ambiente. (b) Justificação de políticas intervencionistas do Estado, baseadas na concepção de
justiça distributiva. (c) Reconhecimento de uma eficácia horizontal dos direitos sociais e
econômicos, ao sedimentar a ideia de que cada um de nós é também, de certa forma,
responsável pelo bem-estar dos demais. Jurisprudência: AI 764.794-AgR/SP – COFINS –
pessoa jurídica sem empregados – conceito de referibilidade mitigado pelo princípio da
solidariedade social. RE 450.855-AgR: O sistema público de previdência social é
fundamentado no princípio da solidariedade, art. 3°, I, da CRFB/88, contribuindo os ativos
para financiar os benefícios pagos aos inativos.

22C. Direito fundamental à moradia e à alimentação.

Gabriel Dalla 12/09/18

I. Direito fundamental à moradia.


Sabidamente, o direito à moradia é classificado como de segunda dimensão e com
previsão no art. 6º da Constituição Federal – incluído pela EC 26/2000 -, bem como em
diversos diplomas internacionais, a exemplo do art. 11 do PIDESC. Ingo Sarlet chama atenção
para o fato de que se trata de direito de natureza prestacional, no que é condicionado à
intervenção pública. Sergio Iglesias Nunes de Souza define: “A moradia consiste em bem
irrenunciável da pessoa natural, indissociável de sua vontade e indisponível, que permite a
fixação em lugar determinado, não só físico, como também a fixação dos seus interesses
naturais da vida cotidiana, exercendo-se de forma definitiva pelo individuo, e,
secundariamente, recai o seu exercício em qualquer pouso ou local, mas sendo objeto de
direito e protegido juridicamente.”
O direito à moradia é consequência da funcionalização social do direito de
propriedade e, assim, aproxima-se umbilicalmente da própria noção de dignidade. Neste
contexto, é de grande valia a contextualização do tema com suporte em Deborah Duprat
(Nota Técnica de suporte ao parecer da PGR na ADI 5.623), em que cita Ingo Sarlet:
“Por outro lado, útil lembrar que a intensidade da vinculação entre a
dignidade da pessoa humana e os direitos sociais é diretamente
proporcional em relação à importância destes para a efetiva fruição de uma
vida com dignidade, o que, por sua vez, não afasta a constatação elementar
de que as condições de vida e os requisitos para uma vida com dignidade
constituam dados variáveis de acordo com cada sociedade e em cada
época. Nesta perspectiva, talvez seja ao direito à moradia – bem mais do
que ao direito de propriedade – que melhor se ajusta a conhecida frase de
Hegel, ao sustentar – numa tradução livre – que a propriedade constitui
(também) o espaço de liberdade da pessoa (Sphäre ihrer Freiheit). De fato,
sem um lugar adequado para proteger a si próprio e a sua família contra as
intempéries, sem um local para gozar de sua intimidade e privacidade,

113
enfim, de um espaço essencial para viver com um mínimo de saúde e bem
estar, certamente a pessoa não terá assegurada a sua dignidade, aliás, a
depender das circunstâncias, por vezes não terá sequer assegurado o
direito à própria existência física, e, portanto, o seu direito à vida. Aliás, não
é por outra razão que o direito à moradia, tem sido incluído até mesmo no
elenco dos assim designados direitos de subsistência, como expressão
mínima do próprio direito à vida e, nesta perspectiva (bem como e função
de sua vinculação com a dignidade da pessoa humana) é sustentada a sua
inclusão no rol dos direitos de personalidade”.
Quanto aos desafios, o Relator especial da ONU para moradia adequada, Miloon
Kothari, em seu informe apresentado em 13 de fevereiro de 2008, considerou como um dos
principais obstáculos à realização desse direito, por inúmeros segmentos das sociedades
nacionais, o fato de se considerar a morada, a terra e a propriedade como produtos
comercializáveis, e não direitos humanos. Esta compreensão é igualmente reafirmada por
Deborah Duprat na NT nº 4/2017-PFDC.
Daniel Sarmento relembra que, diferentemente do que acontece com saúde e
educação, a Constituição Federal não dedica um título específico para a moradia, mas são
encontrados diversos institutos no texto da Constituição a ela ligados, tal como o usucapião
especial rural e urbano, regras sobre função social da propriedade - tanto no art. 5º quanto no
art. 170 -, regra sobre desapropriação, etc. E é muito importante ressaltar que o direito de
moradia não é o direito a casa própria; exige-se, sim, segurança jurídica, mas isto não implica
propriedade. A moradia é um direito de feição positiva e negativa: a faceta negativa da
moradia vem à baila nas situações em que a pessoa em geral tem uma moradia, mas há
alguma ação do Estado ou do particular para privá-la ou restringi-la. Aqui temos uma questão
de cultura jurídica superimportante. A positiva é justamente a perspectiva prestacional.
Importante: o site da PFDC contém uma aba específica para o tema moradia adequada, na
qual são discriminadas, dentre outras informações, a atuação do MPF (ofício requerendo
informações sobre o andamento de processo licitatório para a construção de moradias
populares e TAC celebrado com município para realocação de moradores desalojados, por
exemplo), decisões judiciais (ACP no caso Pinheirinho) e notícias diversas quanto ao tema.

II. Direito fundamental à alimentação (adequada).


O direito humano à alimentação adequada está contemplado no artigo 25 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Sua definição foi ampliada em outros
dispositivos do Direito Internacional, como o artigo 11 do Pacto de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais e o Comentário Geral nº 12 da ONU. No Brasil, resultante de amplo processo
de mobilização social, em 2010 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 64, que inclui a
alimentação no artigo 6º da Constituição Federal.
O direito humano à alimentação adequada consiste no acesso físico e econômico de
todas as pessoas aos alimentos e aos recursos, como emprego ou terra, para garantir esse
acesso de modo contínuo. Esse direito inclui a água e as diversas formas de acesso à água na
sua compreensão e realização. Ao afirmar que a alimentação deve ser adequada entende-se
que ela seja adequada ao contexto e às condições culturais, sociais, econômicas, climáticas e
ecológicas de cada pessoa, etnia, cultura ou grupo social. Para garantir a realização do direito
humano à alimentação adequada o Estado brasileiro tem as obrigações de respeitar, proteger,
promover e prover a alimentação da população. Por sua vez, a população tem o direito de
exigir que eles sejam cumpridos, por meio de mecanismos de exigibilidade.
Durante várias décadas, por influência dos países centrais, o Brasil e outros países em
desenvolvimento procuraram responder ao problema da fome com a introdução da chamada
revolução verde, que foi uma espécie de campanha de modernização da agricultura mediante
a introdução de um pacote tecnológico baseado no uso intensivo de máquinas, fertilizantes
químicos e agrotóxicos para aumentar a produção e, consequentemente, a humanidade
acabaria com a fome. Introduziu-se, assim, um modelo agroexportador centrado nas

114
monoculturas, que favoreceu a concentração das empresas e do capital, cada vez mais
internacionalizados.
Muitos países, regiões e municípios, também dentro do Estado brasileiro, vivem sem
soberania alimentar e outros tantos vivem com sua soberania alimentar ameaçada pelos
fatores supramencionados. Nesse contexto, a soberania alimentar significa o direito dos países
definirem suas próprias políticas e estratégias de produção, distribuição e consumo de
alimentos que garantam a alimentação para a população, respeitando as múltiplas
características culturais dos povos em suas regiões. 10
No Comentário Geral n° 12, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada – interpretando o art. 11 do PIDESC – fixou
que o conteúdo essencial do direito à alimentação adequada consiste: a) A disponibilidade do
alimento, em quantidade e qualidade suficiente para satisfazer as necessidades dietéticas
das pessoas, livre de substâncias adversas e aceitável para uma dada cultura; b) A
acessibilidade ao alimento de forma sustentável e que não interfira com a fruição de outros
direitos humanos.
No Brasil, a alimentação e nutrição estão presentes na legislação recente, com
destaque para a Lei 8080/1990, que entende a alimentação como um fator condicionante e
determinante da saúde e que as ações de alimentação e nutrição devem ser desempenhadas
de forma transversal às ações de saúde, em caráter complementar e com formulação,
execução e avaliação dentro das atividades e responsabilidades do sistema de saúde.
Houve, ainda, a incorporação da alimentação como um direito social pela Emenda
Constitucional n° 64. Nesse sentido, o Estado Brasileiro, pretendendo concretizar o dispositivo,
publicou a Lei 11.346/2006 – Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional e o Decreto
7272/2010 - Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Consoante o Manual de Atuação da ESMPU (mencionado no quadro abaixo): o
direito humano à alimentação está também presente em várias normas infraconstitucionais
nacionais, a exemplo da complexa legislação sobre a água, o aleitamento materno, o controle
de qualidade dos alimentos, da produção e do consumo, a importância da alimentação para a
saúde do ser humano etc.
Importante 1: a PFDC possui uma aba em seu site sobre alimentação adequada, bem como
possui um grupo de trabalho sobre o tema desde 2004. Malgrado a aba não possua
conteúdo relevante, quanto ao grupo de trabalho é possível colacionar as suas linhas de
atuação: Resgatar, divulgar e multiplicar iniciativas institucionais pelo direito à alimentação
adequada;
Ampliar o conhecimento e acompanhar a implantação de políticas públicas relacionadas ao
direito à alimentação adequada; Realizar, com a PFDC, atividades extrajudiciais de
acompanhamento e fiscalização do Programa Bolsa Família (PBF) e do Programa Nacional da
Alimentação Escolar (PNAE), na perspectiva da superação de barreiras ao acesso, com
atenção à populações vulneráveis; Estudar e propor formas de atuação pelo acesso à água,
priorizando as populações vulneráveis e pela redução do excesso de sódio nos alimentos
industrializados; Acompanhar e debater Projetos de Lei relacionados ao tema; Acompanhar
a regulamentação e implantação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(SISAN), previsto na Lei Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – a LOSAN; Interagir
com órgãos públicos, conselhos, organismos internacionais e com a sociedade civil
organizada; Acompanhar o funcionamento do SISVAN – Sistema Nacional de Vigilância
Alimentar e Nutricional; Apoiar a participação dos representantes do MPF em Comissões e
Conselhos.
Importante 2: a ESMPU possui um Manual de Atuação sobre o Direito à Alimentação

10
Análise crítica disponível em: http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/artigos/2014/direito-
humano-a-alimentacao-adequada-e-soberania-alimentar e
http://www4.planalto.gov.br/consea/comunicacao/artigos/2014/direito-humano-a-alimentacao-
adequada-e-soberania-alimentar

115
Adequada, que trata de aspectos gerais do direito, bem como dos vieses específicos
(crianças, gênero, populações tradicionais, migrantes e diversos outros) e contém no Anexo
I peças processuais de atuação na temática, as quais são as mais variadas possíveis – desde
Recomendação para a concessão de bolsa alimentação a ação civil pública para obrigar a
aposição de determinadas informações em alimentos industrializados.

23A. Direitos fundamentais culturais. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à


diferença e ao reconhecimento.

Daniel Medeiros Santos

I) Direito fundamentais culturais

Com a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Assembleia Geral da ONU chamou


a atenção para os direitos culturais, um novo núcleo de direitos, assim considerados por
estarem relacionados aos muitos significados da palavra “cultura”. Pelo menos dois artigos
fazem referência aos direitos culturais – arts. 22 e 27 –, sendo que em um prevalece a
abordagem generalista, ao passo que em outro a mais restrita.
A cultura, em si, pode ser definida como o conjunto dos traços distintivos, materiais e
imateriais, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abarca os modos de
vida, as artes, os sistemas de valores, as tradições e as crenças de uma comunidade.
Os direitos culturais, dessa forma, pressupõem a especificação, se não de um rol, ao
menos de categorias de direitos relacionados com a cultura, compreendida a partir de núcleos
concretos formadores de sua substância, como, i.e., as artes, a memória coletiva e o fluxo dos
saberes.
Vale lembrar que os direitos culturais, porque indissociáveis do princípio da dignidade
da pessoa humana, têm o status de direitos fundamentais. São, portanto, de aplicação
imediata.

A Constituição brasileira é abundante no tratamento da cultura. Poderia, por isso, ser


chamada de “constituição cultural”. Possui seção específica para o tema, em cujo artigo
inaugural – 215 – se lê que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais
e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais”.
Para a doutrina especializada, o Estado, ao garantir o exercício dos direitos culturais,
exerce múltiplos papéis, ajustáveis conforme o direito a que se refere. Em gênero, podem
consistir em abstenções e atuações; estas podem ser divididas em prestações e estímulos que,
por seu turno, são positivos ou negativos, conforme se queira incrementar ou inibir certas
práticas. Quando se trata de garantir as liberdades culturais, a abstenção é recomendada; se o
foco é assegurar possibilidades equânimes de criação e difusão, atuações e prestações são
necessárias.

Oportuno salientar que, para José Adércio, é possível identificar uma dimensão
cultural do constitucionalismo democrático. Isso porque o constitucionalismo democrático
exige a retomada da fraternidade como força de ligação entre a liberdade e a igualdade. Ela
demanda uma reconsideração de identidades que se formam em ambiente de alteridade e
respeito. As “identidades nacionais” devem ser consideradas não como fator de exclusão das
diferenças, ou como resultado da tensão entre amigos e inimigos, mas como expressões
culturais que têm a humanidade por substrato e fim.
O constitucionalismo democrático abre-se, assim, para dentro, positivando normas de
promoção da cultura, e para fora, com o reconhecimento da continuidade constitutiva das
diversas manifestações culturais que acabam por revelar a convergência da atitude humana de
dar sentido às coisas e a si. Essa exteriorização pode se dar pela celebração de tratados de

116
direitos culturais e de proteção do patrimônio cultural, bem como pela declaração expressa
dos próprios textos constitucionais, autorizando-se falar em um “constitucionalismo da
cultura”.

Grande exemplo de tratado internacional extremamente relevante para os direitos


culturais é a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais, que consagra o dever dos Estados de proteger a diversidade cultural e respeitar a
cultura.

Dessa forma, no âmbito da cultura a interpretação das normas deve levar em conta o
pluralismo, a possibilidade de convivência e o menor sacrifício possível, tendo em vista as
exigências de um regime democrático, preocupado com a proteção das minorias.
Devem ser respeitados e oferecidos espaços às diversas concepções culturais, inclusive
a “cultura popular”, caracterizada por manifestações culturais das classes não hegemônicas,
que estão fora das instituições oficiais e que existem independentemente delas.

II) Multiculturalismo e interculturalidade

O multiculturalismo é uma corrente teórica voltada à defesa do direito à diferença


cultural, e preocupada com a preservação das culturas e modos de vida tradicionais cultivados
por grupos minoritários que vivem no interior das sociedades modernas – como os povos
indígenas na sociedade brasileira (Sarmento).
O foco, neste caso, é a preservação das várias identidades culturais existentes na
sociedade, que devem coexistir, afastadas quaisquer pretensões homogeneizantes.

Não há dúvidas de que vivemos em um Estado pluriétnico e multicultural, o que é


reforçado por vários documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a
Convenção 169 da OIT, a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais e, mais recentemente, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas. Dessa forma, a defesa da diversidade cultural passa a ser, para os
Estados nacionais, um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade da pessoa
humana.

A referida diversidade cultural revela-se pelas formas originais e plurais de identidades


dos mais diversos grupos que integram a espécie humana. Ademais, essas formas plurais e
originais de expressões culturais não são estanques, elas interagem e geram intercâmbios
inesperados e inovações criativas.

Nasce a chamada interculturalidade, que consiste no fenômeno da existência e


interação equitativa das diversas culturas, assim como na possibilidade de geração de
expressões culturais compartilhadas por meio do diálogo e respeito mútuo. Desse contato,
portanto, podem advir novas práticas culturais.

Questão relevante que possui relação com o tema é a do constitucionalismo latino-


americano ou plurinacional, que possui como ideia central a quebra da forma dos Estados
modernos, tendo em vista que foram idealizados a partir da lógica da homogeneização e
uniformização, ou seja, foram criados com o ideal de negar a diversidade. Com isso, ocorre a
preponderância dos valores europeus e de um processo civilizatório eurocêntrico que
determina a homogeneização de um “modelo de vida”, de “Estado”, de “constituição” e de
“direitos humanos de matriz europeia”.
O novo constitucionalismo plurinacional traz como destaque a diversidade cultural no
âmbito da cultura, da ciência, da economia, entre outros, bem como a constitucionalização
dessa diversidade.

117
Os marcos do constitucionalismo latino-americano são as constituições do Equador
(2008) e da Bolívia (2009). Há algumas características basilares deste constitucionalismo: a) a
ampla participação popular na elaboração e alteração da constituição; b) o respeito às
tradições indígenas; c) a existência de Estados plurinacionais; d) o rompimento com o
colonialismo constitucional europeu e norte-americano; e e) a igualdade material/fraternal.
Para viabilizar as premissas da igualdade material e multiculturalismo, o Estado poderá
se valer de vários instrumentos, como, i.e., a composição das cortes constitucionais e do
parlamento com a presença obrigatória de indígenas, além da observância da igualdade de
gênero; e a consulta prévia prevista na Convenção 169 da OIT.
Trata-se, portanto, de relevante quebra de paradigma no tocante ao
constitucionalismo, costumeiramente estudado a partir da história da Europa e dos Estados
Unidos. Esta ainda é uma realidade bastante presente nos países que outrora foram
colonizados. O novo constitucionalismo latino-americano é, portanto, uma grande evolução no
resgate da identidade dos seus povos originários.

III) Direito à diferença e ao reconhecimento

A ideia de igualdade no Direito vem com o Iluminismo, com as primeiras constituições,


sob a acepção de uma igualdade puramente formal, que se insurgiu contra privilégios de
nascença, contra diferenças estamentais e contra discriminações jurídicas injustificadas.

Com o surgimento do Welfare state, com as críticas do socialismo, do marxismo, da


doutrina social da igreja e com os movimentos sociais reivindicatórios, o perfil do Estado foi
alterado, e a compreensão da igualdade também. Ao lado da igualdade formal, se incorporou a
ideia de igualdade substancial/material – através dela, o Estado teria que agir para reduzir as
desigualdades, diminuir as assimetrias. Desta forma, por vezes se mostra necessário que o
Estado atue positivamente, discriminando indivíduos, para favorecê-los e fazer com que as
diferenças estigmatizantes deixem de existir.

Segundo a socióloga Nancy Fraser, as situações de desigualdade e injustiça resultam,


basicamente, de dois fronts, a distribuição e o reconhecimento. Os problemas de
reconhecimento estariam atrelados a questões precipuamente culturais, uma vez que
retratam o modo como determinadas minorias são enxergadas no contexto social. Já os
problemas de distribuição dizem respeito à seara econômica, uma vez que decorrem de uma
partilha não equitativa das riquezas e recursos na sociedade. Recentemente, Nancy Fraser
introduziu mais um front determinante para se aferir uma situação de igualdade, qual seja, a
representação, uma vez que, na ampla maioria dos casos, as minorias estigmatizadas não
possuem representantes nos órgãos políticos. No caso dos negros no Brasil, por exemplo,
podemos dizer que há uma carência nos três mencionados fronts, que se inter-relacionam e se
reforçam mutuamente.

No tocante ao reconhecimento, podemos dizer que o processo de formação da


identidade tem como pressuposto o reconhecimento recíproco entre sujeitos, de modo que
somente quando um indivíduo vê confirmada sua autonomia pelos demais é que pode chegar
a uma compreensão completa de si mesmo como sujeito social (Hegel).
A ideia original de Hegel foi retomada por autores contemporâneos, como Axel
Honneth, Charles Taylor, Judith Butler e Nancy Fraser. Além disso, o conceito constitui a base
argumentativa do discurso de uma ampla gama de movimentos sociais, que buscam
demonstrar como os padrões dominantes de representação, interpretação e comunicação
importam em dominação cultural (estar sujeito a padrões de interpretação e comunicação
associados a cultura estranha ou hostil), não-reconhecimento (ser considerado invisível pelas
práticas representacionais, comunicativas e interpretativas de uma cultura) e desrespeito (ser

118
difamado habitualmente em interações cotidianas ou representações públicas estereotipadas).
É sob esta ótica que deve ser enxergado o direito à diferença e ao reconhecimento.
O pano de fundo dos debates sobre reconhecimento é a existência de sociedades
globalizadas e complexas, nas quais a convivência instável de múltiplas visões de mundo
colocou em xeque as hierarquias sociais tradicionais. Ademais, a crise do Estado-nação e das
formas clássicas de democracia representativa reforçou a geração de poderosas identidades
coletivas voltadas ora à transformação (ecologistas, hip-hop, vegetarianos, transexuais), ora à
conservação da ordem tradicional (organizações que pregam o “orgulho branco”, a
interpretação literal da bíblia ou o “retorno aos valores da família”, por exemplo).

O que se espera é que o aprofundamento dos debates sobre o tema contribua


decisivamente para que o reconhecimento se torne um conceito operativo importante na
solução de casos concretos de injustiça contra grupos vulneráveis.

19A. Liberdade de expressão, religiosa e de associação. O princípio da laicidade estatal. Os


direitos civis na Constituição de 1988.

Nilton Santos 02/09/18

1. Liberdade de Expressão

Baseia-se no objetivo do livre desenvolvimento da personalidade humana, calcada na visão


antropocêntrica fundamental e sintetizadora da dignidade da pessoa humana. É intrínseco ao
direito de ser o direito de expressar o ser, já que nossa existência é necessariamente uma
existência expressiva, e negar o direito de expressão (geral e abrangente, ainda que não
absoluto) consiste em negar o direito de ser humano.

A garantia da liberdade de expressão tutela, ao menos enquanto não houver colisão com
outros direitos fundamentais e com outros valores constitucionalmente estabelecidos, toda
opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre
qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público, ou não, de importância e de valor, ou
não, sendo certo que, num Estado baseado na concepção de democracia livre e pluralista, não
se diferencia entre opiniões relevantes ou sem maior importância.

Há basicamente duas dimensões do direito à liberdade de expressão: a substantiva (em que se


considera tal liberdade como um valor em si mesmo, uma garantia relacionada à própria
dignidade da pessoa humana – art. 5º, IV e IX da CRFB) e a instrumental ou formal (em que se
considera a liberdade de meios de expressão da manifestação do conteúdo pensado, um
instrumento para a promoção de outros valores constitucionalmente consagrados, como a
democracia, a opinião pública independente e o pluralismo político – art. 220 e seguintes da
CRFB).

Além de possuir o caráter de direito individual, a liberdade de expressão reveste igualmente


natureza de direito coletivo imprescindível ao efetivo funcionamento do regime democrático.

Trata-se de típico direito de abstenção do Estado, e como tal, será exercida, em regra, contra o
Poder Público, não ensejando, ordinariamente, uma pretensão a ser exercida em face de
terceiros.

Entende a doutrina ser possível fracionar o conteúdo da liberdade de expressão em:


• liberdade de expressão em sentido estrito, que engloba o direito individual de manifestação
do pensamento, sentimentos, externar ideias, opiniões, juízos de valor etc.;

119
• liberdade de informação (liberdade de expressão em sentido amplo), que engloba o direito
individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso da cidadania de ser deles
adequadamente informado (assuntos de interesse geral - comunicação de fatos noticiáveis,
cuja caracterização vai repousar, sobretudo, no critério da sua veracidade);
• liberdade de imprensa, que engloba o direito-dever de os meios de comunicação social
divulgarem fatos e opiniões, envolvendo tanto a liberdade de informação como a de expressão
(dimensão eminentemente coletiva do direito).

Assim, tem-se que as liberdades de informação e expressão, em regra, encerram caráter

Tanto em sua manifestação individual, como na coletiva, em especial, entende-se que as


liberdades de informação e de expressão servem de fundamento para o exercício de outras
liberdades, o que justifica uma posição de preferência (preferred position) em relação aos
direitos fundamentais individualmente considerados.

Para além do tratado, importa salientar que a liberdade de expressão, enquanto gênero, é de
suma importância em qualquer regime que se pretenda democrático. É a sua garantia que
possibilita que a vontade coletiva seja formada através do confronto livre de ideias, em que
todos os grupos e cidadãos tenham a possibilidade de participar, seja para exprimir seus
pontos de vista, seja para ouvir os expostos por seus pares. E é a sua projeção institucional – a
liberdade de imprensa – que confere maior transparência ao funcionamento do Estado,
permitindo o controle dos governantes pelos governados.

OBS: Tendo em vista assuntos cobrados no concurso 28CPR, de ser destacada a visão de
Gustavo Binenbojm, que assevera que alguns direitos individuais relacionados no art. 5º da
CRFB/88 mitigam a dimensão puramente negativa da liberdade de imprensa (art. 220, § 1º).
Dentre eles, merecem destaque especial o direito de resposta (art. 5º inciso V) e o direito de
acesso à informação (art. 5º XIV).

Assim, além de um conteúdo tipicamente defensivo da honra e da imagem das pessoas, ao


direito de resposta cumpre também uma missão informativa e democrática, na medida em
que permite o esclarecimento do público sobre os fatos e questões do interesse de toda a
sociedade. Por tal razão, não deve estar necessariamente limitado à prática de algum ilícito
penal ou civil pela empresa de comunicação, mas deve ser elastecido para abarcar uma gama
mais ampla de situações que envolvam fatos de interesse público, devendo ser visto como um
instrumento de mídia colaborativa (collaborative media) em que o público é convidado a
colaborar com suas próprias versões de fatos e a apresentar seus próprios pontos de vista.

Na visão do autor, uma leitura sistemática dos diversos dispositivos constitucionais antes
aludidos, à luz de uma noção de democracia deliberativa inerente ao moderno Estado
democrático de direito, permite concluir não apenas pela constitucionalidade de uma versão
nacional da fairness doctrine, como pela existência de um mandamento constitucional no
sentido da sua implantação.

2. Limitações ao direito de expressão

120
A liberdade de expressão encontra limites previstos diretamente pelo constituinte 11, como
também descobertos pela colisão desse direito com outros de mesmo status, lembrando que
em que caso de ponderação, os direitos ora abordados ocupam preferred position (prioridade
prima facie).

A liberdade de expressão lastreia-se no binômio liberdade-responsabilidade, a exigir daquele


que manifesta seu pensamento e/ou sentimento o respeito aos direitos fundamentais que
coexistem no ordenamento normativo, em especial, a proteção da intimidade e da vida
privada, da honra e da imagem das pessoas, igualmente direitos fundamentais da
personalidade.

A restrição mais radical, sempre excepcional e não prevista explicitamente pelo constituinte
em nenhum ponto do texto de 1988, é a proibição prévia da publicação ou divulgação do fato
ou da opinião. Essa é uma modalidade de restrição que elimina a liberdade de informação
e/ou de expressão, reservando-se tal aos raros casos em que não seja possível a composição
posterior do dano que eventualmente seja causado aos direitos da personalidade.

Questões Prova Objetiva 29CPR:


Questão 10 -d) As biografias literárias ou audiovisuais não necessitam de autorização da
pessoa biografada, ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes, porque,
dentre outros fundamentos, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais veda aos
particulares a censura prévia.
VERDADEIRO. ADIN 4.815, 2015. “Ação direta julgada procedente para dar interpretação
conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em
consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de
criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada
relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária
autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de
pessoas falecidas ou ausentes)”. Trecho do voto da Relatora, Carmen Lúcia: “Celebrado como
um dos mais decisivos processos julgados pelo Tribunal Constitucional da Alemanha, em 1958,
o caso Lüth, como é conhecido, alterou a jurisprudência sobre direitos fundamentais (...).
Marca o movimento em direção à aceitação da teoria da eficácia horizontal das normas
constitucionais”.

3. Liberdade Religiosa

Na liberdade religiosa incluem-se a liberdade de crença, de aderir a alguma religião, e a


liberdade do exercício do culto respectivo. As liturgias e os locais de culto são protegidos nos
termos da lei. Está inserta na liberdade de religião a liberdade de organização religiosa.

A proteção constitucional à liberdade religiosa não se refere à tutela a uma corrente de ideias
ou pensamentos, mas à compreensão de um direito mais amplo de liberdade de consciência,
que assegura a autodeterminação existencial e ética dos indivíduos, que se desdobra em
diversos campos, como o filosófico, o ideológico e o religioso.

O Estado brasileiro não é confessional, mas tampouco é ateu! Por isso, são permitidos, por
exemplo, o ensino religioso em escolas públicas de ensino fundamental, para os alunos

11
Art. 220, §§ 1º, 3º, II e 4º da CRFB e, ainda, previstos no art. 5º da CRFB: vedação ao anonimato (final
do art. 5º, IV); direito de resposta (inc. V); direito à indenização por dano material ou moral à intimidade,
à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inc. X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inc. XIII); direito ao resguardo do
sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inc. XIV).

121
interessados, bem como, admite-se que o casamento religioso produza efeitos civis, na forma
do disposto em lei.

A invocação da liberdade religiosa não pode servir, contudo, de pretexto para a prática de atos
que se caracterizam como ilícitos penais. Nessa linha, o STF decidiu que o curandeirismo não
se inclui no âmbito da liberdade religiosa.

4. O princípio da laicidade do Estado

O Estado brasileiro é laico! Contudo, tal laicidade do Estado não significa inimizade com a fé.
Não impede a colaboração com confissões religiosas, para o interesse público.

Assim, ainda que indigitado princípio imponha a neutralidade estatal em matéria religiosa, tal
premissa não é incompatível com a colaboração entre o Poder Público e representantes das
igrejas e cultos religiosos que vise à promoção do interesse público.

A laicidade estatal revela-se princípio que atua de modo dúplice: a um só tempo, salvaguarda
as diversas confissões religiosas do risco de intervenção abusiva estatal nas respectivas
questões internas e protege o Estado de influências indevidas provenientes de dogmas, de
modo a afastar a prejudicial confusão entre o poder secular e democrático e qualquer doutrina
de fé, inclusive majoritária.

Segundo Daniel Sarmento, laicidade não se confunde com laicismo, já que este representa
verdadeira animosidade do Estado para com a religiosidade, enquanto aquela configura
apenas relação de neutralidade e imparcialidade estatal para com todas as manifestações
religiosas, de maneira a assegurar o exercício igualitário da liberdade religiosa, em um
ambiente de pluralismo religioso e mundividencial. Por isso mesmo, deve o Estado, em alguns
casos, adotar comportamentos positivos, com a finalidade de afastar barreiras e sobrecargas
que possam impedir ou dificultar determinadas opções em matéria de fé.

Cumpre ressaltar que, quanto à adoção de feriados religiosos pelo Estado brasileiro, justifica-
se tal atitude sob o ponto de vista cultural.

Questões Prova Objetiva 29CPR:

Questão 1 – I - O princípio da laicidade, além de impor ao Estado uma postura de


distanciamento quanto à religião, impede que ele endosse concepções morais religiosas.
VERDADEIRO. “Além de impor postura de distanciamento quanto à religião, impedem que o
Estado endosse concepções morais religiosas, vindo a coagir, ainda que indiretamente, os
cidadãos a observá-las.” STF. Plenário. ADPF 54/DF. Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. 12/4/2012,
maioria. DJ, 30 abr. 2013.

Questão 1 – II - As religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros direitos


fundamentais, tais como o direito à autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o
direito à privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação
sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução.
VERDADEIRO. “Significam que as religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a
outros direitos fundamentais, tais como o direito à autodeterminação, o direito à saúde física e
mental, o direito à privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade de
orientação sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução. STF”. Plenário. ADPF 54/DF.
Rel.: Min. MARCO AURÉLIO. 12/4/2012, maioria. DJ, 30 abr. 2013.

122
Questão 1 – III - O ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, é também uma posição
religiosa que não pode ser privilegiada pelo Estado.
VERDADEIRO. “Na verdade, o ateísmo, na sua negativa da existência de Deus, é também uma
posição religiosa10, que não pode ser privilegiada pelo Estado em detrimento de qualquer
outra cosmovisão”. Inicial da ADI 4439 (ensino religioso).

Questão 1 – IV - O princípio da laicidade impede, no espaço público, manifestações


ostensivas das convicções religiosas de cada qual.
FALSO. O princípio da laicidade não impede, no espaço público, manifestações ostensivas das
convicções religiosas de cada qual. Do contrário seria laicismo, e não laicidade. “Por isso, seria
constitucionalmente inadmissível a aplicação no Brasil de medidas laicistas, incorretamente
adotadas em nome da laicidade, por países como a França e a Turquia, que restringiram certas
manifestações religiosas dos seus cidadãos em espaços públicos, com destaque para a
proibição do uso do véu islâmico por jovens muçulmanas em escolas públicas”. Inicial da ADI
4439 (ensino religioso).

5. Liberdade de Associação

A liberdade associativa presta-se a satisfazer necessidades várias dos indivíduos, aparecendo,


ao constitucionalismo atual, como básica para o Estado Democrático de Direito. Quando não
podem obter os bens da vida que desejam, por si mesmo, os homens somam esforços, e a
associação é a fórmula para tanto. A personalidade jurídica não é elemento indispensável para
que se reconheça num grupamento de pessoas uma associação protegida
constitucionalmente.

O direito de associação está vinculado ao preceito de proteção da dignidade da pessoa, aos


princípios de livre iniciativa, da autonomia da vontade e da garantia da liberdade de expressão.

Sob a expressão, estão abarcadas distintas faculdades, tais como (a) a de constituir associações
(e cooperativas), que não dependam de autorização, (b) a de ingressar nelas, (c) a de
abandoná-las e de não se associar, e, finalmente, (d) a de os sócios se auto-organizarem e
desenvolverem as suas atividades associativas. Merece destaque, ainda, o direito negativo que
surge das previsões constitucionais, consistente na impossibilidade de o Estado limitar a
existência da associação ou pretender interferir em sua vida interna, não podendo, inclusive,
dissolvê-la em definitivo, sob qualquer pretexto, sem que, para tanto disponha de decisão
judicial transitada em julgado.

Quanto à representatividade prevista no art. 5º, XXI, da CRFB, entendeu o STF que a atuação
da associação se dá por intermédio de representação, exigindo, pois, autorização expressa dos
representados, por autorizações individuais específicas ou por ata de assembleia, desde que
os estatutos da associação prevejam, como uma das finalidades da entidade, a representação
em juízo dos associados.

A legitimidade para representar em juízo os interesses dos associados restringe-se ao âmbito


cível.

Para o STF, a associação não dispõe de legitimidade para promover interpelação judicial em
defesa da honra de seus filiados, já que o bem juridicamente tutelado, na hipótese, é
personalíssimo.

17C. Direitos sexuais e reprodutivos.

Graal Oral 28º CPR

123
IGUALDADE DE GÊNERO: A igualdade de gênero está formalmente expressa na
Constituição, erigida a direito fundamental, sendo o primeiro direito fundamental expresso no
rol do art. 5° da CR/88 (inc. I: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição”). De outro lado, a legislação está repleta de leis específicas
que buscam dar a esta igualdade de gênero formalmente reconhecida na Carta, um
conteúdo material, tornando-a efetiva. Por ex., a legislação que regula as relações de trabalho
(CLT), que tenta tornar efetiva a igualdade de gênero. Nos arts. 372 e ss da CLT há dispositivos
especialmente protetivos à mulher trabalhadora, buscando extirpar as diferenças
injustificáveis existentes entre homens e mulheres nas relações de trabalho. Corroborando
essa proteção que busca a igualdade material, a Lei 9.029/95 que proíbe a exigência de
atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos
admissionais ou de permanência nas relações de trabalho. Igualmente, no âmbito
internacional, o Brasil é signatário da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra a mulher, promulgada pelo Decreto 4.377/02. Também é válido
mencionar a Lei Maria da Penha, como mais um instrumento de dignidade da mulher, que
busca dar concretude material ao comando constitucional mencionado. FORO ESPECIAL
PARA A MULHER: “O inc. I do art. 100 do CPC, com redação dada pela Lei 6.515/1977, foi
recepcionado pela CF/88. O foro especial para a mulher nas ações de separação judicial e de
conversão da separação judicial em divórcio não ofende o princípio da isonomia entre homens
e mulheres ou da igualdade entre os cônjuges, RE 227114, Min. Joaquim Barbosa DIREITOS
SEXUAIS - BARSTED, 2010: “O controle da sexualidade sempre esteve presente no
ordenamento jurídico brasileiro como garantidor da constituição da família heterossexual e da
procriação legítima (..). Tal controle levou à criminalização de um conjunto de
comportamentos considerados ‘atentatórios’ à família (adultério), à saúde (contágio de
doença venérea) e liberdade sexual, assim como acarretou a criminalização da prática do
aborto, exceto quando resulta de violência sexual [...] O direito brasileiro, em linhas gerais,
apresenta duas possibilidades no que refere ao exercício da sexualidade: um exercício
estimulado para procriação e constrangido ao âmbito familiar, e um exercício proibido e,
por consequência, criminalizado.” Essa realidade sofreu, e sofre, questionamentos por
parte de movimentos feministas e LGBTs, passando o Estado, paulatinamente, a incorporar
nas políticas públicas cuidados com temas como a prevenção e promoção da saúde, contra o
contágio de DSTs; a aprovação de lei de planejamento familiar (Lei 9.263/96) e ao
acolhimento, pelo Ministério da Saúde e pelo SUS, da cirurgia de mudança de sexo, fruto de
ACP movida pelo MPF, que resultou na edição da Portaria do Ministério da Saúde nº
1.707/08, fixando que a cirurgia para mudança de sexo (transgenitalização) faria parte da
lista de procedimentos do SUS. “Em relação especificamente às mulheres, a Constituição
Federal de 1988 as discriminações na vida familiar e, em 2003, o novo Código Civil suprimiu as
referências ‘as expressões ‘comportamento desonesto da filha’ e ‘ virgindade da mulher’,
inseridas no Código Civil de 1916. [...] No campo da proteção contra violação de direitos, a
ratificação de diversas convenções internacionais, como a Convenção de Belém do Pará para
prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (...). A partir de 2003, novas demandas
por proteção foram introduzidas na legislação penal, que implicaram o reconhecimento da
ilicitude do assédio sexual, do tráfico de pessoas, da tipificação explícita do estupro marital e
de maior severidade para os crimes sexuais.” (Idem). “Em 2005, a Lei 11.106 alterou diversos
artigos do CP, na maioria claramente discriminatórios. Assim, por ex., o art. 5º dessa lei declara
revogados os incisos VII e VIII do art. 107, que considerava extinta a punibilidade do
estuprador que se casasse com a vítima. [...] No terreno da descriminalização, os avanços
foram poucos. Assim, a legislação penal restringiu-se apenas à descriminalização do adultério,
deixando de fora a demanda pela descriminalização do aborto
voluntário
Segundo PIOVESAN, quatro princípios devem orientar direitos sexuais e reprodutivos:
(a) universalidade (b) indivisibilidade (c) diversidade e (d) democrático.

124
DIREITOS REPRODUTIVOS: SIEGEL afirma que “(...) a abordagem baseada na igualdade
de gênero para direitos reprodutivos considera o controle sobre quando ser mãe como crucial
para o status e bem-estar das mulheres”. Nos termos do art. 226, § 7.º, fundado nos princípios
da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é de
livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para
o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais
ou privadas. De acordo com o art. 2.º da Lei n. 9.263/96 (regula o § 7.º do art. 226 da CF/88),
entende-se por planejamento familiar “... o conjunto de ações de regulação da fecundidade
que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo
homem ou pelo casal”. Nesse sentido, destacamos duas ações do Estado: a) distribuição de
preservativos: não só no carnaval, mas durante todo o ano, o que materializa o comando do
art. 226, § 7.º; b) distribuição da “pílula do dia seguinte”: A pílula anticoncepcional de
emergência é um recurso anticoncepcional para evitar uma gravidez indesejada. Não é
abortiva, pois não interrompe uma gravidez estabelecida e seu uso deve se dar antes da
gravidez. Os estudos disponíveis atestam que ela atua impedindo o encontro do
espermatozoide com o óvulo, seja inibindo a ovulação, seja espessando o muco cervical ou
alterando a capacitação dos espermatozoides. Portanto, o seu mecanismo de ação é
basicamente o mesmo de outros métodos anticoncepcionais hormonais (pílulas e injetáveis).
(Nota Técnica do Ministério da Saúde).
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E REPROPOSITURA DA AÇÃO: STF reconheceu
repercussão geral na possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade,
quando anterior demanda idêntica entre as mesmas partes foi julgada improcedente por falta
de provas em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o
exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. Há relativização da coisa
julgada estabelecida nesses casos. Não devem ser impostos óbices de natureza processual à
busca da identidade genética (direito fundamental), que emana do direito de personalidade, e
envolve a efetividade do direito à igualdade entre os filhos, do princípio da paternidade
responsável. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em
confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com
relação a pessoa identificada. (RE 363889, Dias Toffoli, 2.6.11, Plenário)
ADPF 54: Inf. STF 661: “inescapável o confronto entre, de um lado, os interesses
legítimos da mulher em ver respeitada a sua dignidade e de outro, os de parte da sociedade
que desejasse proteger todos os que a integrariam, independente da condição física ou
viabilidade de sobrevivência. [...]o tema envolveria a dignidade humana, o usufruto da vida, a
liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais,
especificamente os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”. Ao final, o STF julgou
procedente a ADPF para dar aos dispositivos do CP que proíbem o aborto, interpretação
conforme, impendido qualquer leitura dos aludidos dispositivos da lei penal, que pudessem
entender como criminosa a conduta da mulher que promove a interrupção terapêutica do
parto em face da anencefalia do feto devidamente diagnosticada. É importante frisar ainda
que a questão conta com parecer de DEBORAH DUPRAT pela procedência da demanda.
Quanto à questão da autonomia reprodutiva da mulher, consignou a examinadora que “a
questão em debate nestes autos envolve a autonomia reprodutiva da mulher, que tem como
fundamento constitucional nos direitos à dignidade, à liberdade e à privacidade. É evidente
que essa autonomia não é de natureza absoluta. Entendo que a ordem constitucional também
proporciona proteção à vida potencial do feto – embora não tão intensa quanto à tutela da
vida após o nascimento -, que deve ser ponderada com os direitos humanos das gestantes para
o correto equacionamento das questões complexas que envolvem o aborto”.

13C. Princípio da isonomia. Ações afirmativas. Igualdade e diferença. Teoria do impacto


desproporcional. Direito à adaptação razoável.

Atualizado por Sarah Cavalcanti

125
I. Princípio da isonomia. Igualdade e diferença.

1ª fase: igualdade formal - prevaleceu no constitucionalismo liberal. Igualdade perante a lei. É a


ideia de lei igual para todos – não existem mais distinções em razão de privilégios de berço.
Deu-se primeiro no plano das ideias, depois no plano prático.

2ª fase: igualdade material - prevaleceu no constitucionalismo social. Igualdade na lei (no seu
conteúdo). Exemplo clássico de luta em torno da igualdade: direitos do trabalhador. É a ideia
de desigualar, de forma a equiparar os econômica ou culturalmente mais fracos aos mais
privilegiados. Há mudança profunda acerca do conceito de pessoa. Tratam-se desigualmente
os desiguais, observado o princípio da proporcionalidade.

3ª fase: igualdade como reconhecimento - segundo essa visão, há direito a ser igual quando a
desigualdade inferioriza. Fala-se em um direito à equiparação. Por outro lado, há o direito a ser
diferente quando a igualdade descaracteriza. Aqui está, por exemplo, o fundamento da
proteção dos índios: tratá-los como iguais descaracteriza sua cultura.

II. Ações afirmativas.

O Min. Ricardo Lewandowski, no julgamento da ADPF 186/DF, elucidou o conceito de


ações afirmativas, afirmando “que seriam medidas especiais e concretas para assegurar o
desenvolvimento ou a proteção de certos grupos, com o fito de garantir-lhes, em condições de
igualdade, o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais”.

Deborah Duprat: A CR/88 insere-se no modelo do constitucionalismo social, no qual


não basta, para observância da igualdade, que o Estado se abstenha de instituir privilégios ou
discriminações arbitrárias. Pelo contrário, “parte-se da premissa de que a igualdade é um
objetivo a ser perseguido através de ações ou políticas públicas, que, portanto, demanda
iniciativas concretas em proveito dos grupos desfavorecidos” (Sarmento).

Muitos dos preceitos relacionados com a igualdade foram redigidos de forma a denotar
a necessidade de ação. A própria Constituição, aliás, consagrou expressamente políticas de
ação afirmativa em favor de segmentos sociais em situação de maior vulnerabilidade. Para
citar os dois exemplos mais evidentes, o art. 7º, XX, da Carta (incentivo para inserção da
mulher), bem como o seu art. 37, VIII (reserva de vagas a pessoas com deficiência).

Direito antidiscriminação: (i) perspectiva antidiferenciação - combater a discriminação


com tratamento neutro – sem ações afirmativas. (ii) perspectiva antisubordinação - combater a
discriminação com atuação apta a superá-la, com ações afirmativas. Esta é mais harmônica
com o sistema de valores em que se assenta a Constituição e com a nossa realidade.

Cotas para negros nas universidades: há 2 teses: (i) as cotas promovem a isonomia
porque são uma reparação por injustiças históricas. Além disso, há necessidade de promoção
de igualdade de oportunidades; (ii) as cotas estimulam o ódio racial; o critério meritocrático é
o que envolve o acesso à universidade pública; como definir quem é negro?

O fato de haver uma única raça não significa que o racismo não existe. Isso porque ele
remanesce a partir de concepções sociais, culturais e políticas. Promoção do pluralismo:
vivemos em um país que tem como uma das suas maiores riquezas a diversidade étnica e
cultural. Porém, para que todos se beneficiem dessa valiosa riqueza, é preciso que haja um
contato real e paritário entre pessoas de diferentes etnias. É necessário romper com o modelo
informal de segregação, que exclui o negro da universidade, confinando-o a posições

126
subalternas na sociedade, especialmente no ensino. As políticas de ação afirmativa baseadas
em critérios raciais no ensino superior também são positivas na medida em que quebram
estereótipos negativos.

Ativismo judicial: quando o Judiciário se depara com normas e medidas que visam a
favorecer grupos minoritários e hipossuficientes, a sua postura deve ser diferente. Não deve o
Poder Judiciário frear as iniciativas inclusivas, convertendo-se no guardião de um status quo de
assimetria e opressão, a não ser quando haja patente afronta à Constituição.

Portanto, as políticas de cotas não ofendem a nenhum dos subprincípios em que se


desdobra o princípio da proporcionalidade. Quanto à adequação, é evidente que, se o objetivo
é promover a inclusão dos negros no ensino superior, a medida encetada é idônea, porque se
propõe exatamente a tal fim. No que tange à necessidade, não se vislumbra, a priori, qualquer
outra medida que promova, com a mesma intensidade, a finalidade perseguida. Quanto à
proporcionalidade em sentido estrito, cumpre atentar para o valor que tem o acesso ao ensino
superior na emancipação real dos afrodescendentes no Brasil. Em um quadro social de brutal
exclusão do negro, e no marco de uma Constituição que tem como meta a conquista do
pluralismo e da igualdade material e o combate ao preconceito e ao racismo, deve-se
reconhecer a extraordinária importância da promoção dos interesses subjacentes à medida em
discussão, na escala dos valores constitucionais.

Em 2014, foi editada a Lei nº 12.990, estabelecendo a reserva de vagas para pessoas
negras nos concursos da Administração Pública Federal. Em 2016, foi proposta ADC pela OAB,
julgada procedente pelo STF. Na ocasião, a Corte enfrentou a questão das cotas raciais nos três
planos do direito à igualdade, tal como compreendido na contemporaneidade: a) formal; b)
material; e c) como reconhecimento (ADC 41/DF, Info 868, STF). Decidiu, ainda, que a lei
aplica-se aos concursos do MPU e da DPU, mas não incide nos concursos realizados pelos
Estados, DF e Municípios. Obs.: Foi o tema da dissertação de direito administrativo e ambiental
do 29ºCPR.

III. Teoria do impacto desproporcional

Essa teoria (“disparate impact doctrine”) é muito utilizada por Daniel Sarmento e
Deborah Duprat em ações ajuizadas pelo MPF. A teoria atua no plano da aplicação do Direito, e
não no plano propriamente do conteúdo das normas. As violações à igualdade não são tão
flagrantes, por isso precisamos aguçar nossa percepção para perceber se uma norma tem
conteúdo genérico e abstrato, mas sua aplicação desfavorece sistematicamente uma minoria
estigmatizada. Em outras palavras, a teoria do impacto desproporcional prega a necessidade
de se analisar os efeitos concretos de certos atos que, em princípio, seriam neutros, mas que
revelam, indiretamente, discriminação contra minorias.

Na ADIN 1946, o STF, embora sem citar diretamente a teoria, entendeu que o teto da
Previdência em relação a benefícios previdenciários, embora fosse, a princípio, neutro,
prejudicaria as mulheres ao ser aplicado à licença- maternidade. Isso desestimularia a sua
contratação, pois os empregadores teriam que arcar com a diferença salarial enquanto a
empregada usufrui do benefício.

IV. Direito à adaptação razoável

Amplamente ligado às ações afirmativas, o direito à adaptação razoável encontra


previsão expressa no bloco de constitucionalidade brasileiro, eis que previsto no art. 2º da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU. Segundo a Conveção,
“adaptação razoável “significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não

127
acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de
assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais”.

O direito à adaptação razoável, de origem estadunidense, se faz presente naquelas


situações em que a normativa geral de entes públicos ou particulares é excepcionada para
superar obstáculos advindos da condição física ou mental de determinados sujeitos. Um
exemplo prático ocorre na necessidade de os empregadores provarem que apenas não
contratarão pessoas com deficiência se não tiverem condições de recebê-los e acomodá-los de
forma razoável, sem ônus desproporcional ou indevido, nos ambientes de trabalho. Em
contraposição ao direito de adaptação ou acomodação razoável, surge o ônus imposto pelo
Estado à autonomia privada, que é tema de debates calorosos na jurisprudência internacional.
Todavia, no Brasil, como a adaptação razoável tem sede constitucional, sua concretização se
faz a partir da hermenêutica inclusiva que permeia todos os debates constitucionais, não
havendo que se falar na imposição de limites ou condicionamentos que esvaziem o próprio
direito. Assim, a discussão sobre o ônus indevido, principalmente na democracia substancial
que vige no Brasil, deve ser reduzida, para que se fortaleça o direito à adaptação razoável de
minorias nos espaços públicos e privados, abandonando-se a cultura assimilacionista.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n° 13.146/2015) também trouxe previsão


expressa a respeito do direito à adaptação razoável (art, 3º, inc. VI). Seus arts. 28, § 1º, e 30
determinam que as escolas privadas ofereçam atendimento educacional adequado e inclusivo
às pessoas com deficiência sem que possam cobrar valores adicionais de qualquer natureza em
suas mensalidades, anuidades e matrículas para o cumprimento dessa orbrigação, tendo sido
considerado constitucional pelo STF (ADI 5357, Info 829, STF).

23C. Direitos fundamentais processuais: acesso à justiça, devido processo legal, contraditório,
ampla defesa, vedação de uso de provas ilícitas, juiz natural e duração razoável do processo.

Nilton Santos 19/09/18

1. Introdução - Direitos fundamentais processuais:


Tendo em vista que hodiernamente vivemos sob o modelo de Estado fundado na
Constituição (Estado Constitucional), o processo tem que ser construído para bem tutelar os
direitos fundamentais (relação entre processo e a acepção subjetiva dos direitos
fundamentais) e tem de ser estruturado de acordo com as normas de direitos fundamentais
(relação entre processo e a acepção objetiva dos direitos fundamentais). É nesse cenário, que
se apresentam os Direitos fundamentais processuais.
1.1. Acesso à justiça
Constitui direito fundamental reconhecido em diversos documentos internacionais e
também incorporado aos ordenamentos constitucionais de diversos países que adotaram
como regime político a Democracia. Na CRFB/88, o acesso à Justiça foi alçado à garantia de
direito fundamental individual (art. 5º, XXXV), voltada a proteger o cidadão contra lesão ou
ameaça (tutela de prevenção ou inibitória) proveniente do Poder Público ou de particulares.
Mauro Cappelletti e Bryant Garth dividem o estudo do “acesso à Justiça” em três
momentos bastante definidos, a que denominam “ondas de acesso à justiça”. • A 1ª onda
voltou-se essencialmente para garantir o acesso de pessoas economicamente desfavorecidas
ao Judiciário, o que foi feito através de mecanismos de assistência judiciária gratuita e
eliminação/redução dos custos de acesso ao sistema judicial (no Brasil, a edição da Lei nº
1.060/50) e criação de órgãos estatais incumbidos de assistir a população (v.g. Defensoria
Pública). • A 2ª onda é marcada pela preocupação de ofertar mecanismos de proteção aos
direitos supraindividuais, vocacionados à tutela da defesa do meio-ambiente, dos
consumidores, do patrimônio cultural, histórico e artístico, moralidade administrativa. • A 3ª

128
onda de acesso caracterizou-se pelo fomento às medidas de efetivação de direitos por meio de
mecanismos alheios à estrutura judicial do Estado, resgatando os meios extrajudiciais de
composição dos conflitos (arbitragem, juízos de conciliação, mediação).
Como medidas concretas para a garantia de acesso à Justiça merecem assento: a)
assistência técnica jurídica, inclusive por meio de gratuidade; b) simplificação dos
procedimentos; c) padronização de formulários para proposituras de determinadas ações; d)
rápida colheita de provas; e) medidas de gestão de processos (ex: prioridade de tramitação); f)
fomento à adoção de formas alternativas de resolução de conflitos; g) difusão de informação e
conhecimento, notadamente em relação às vítimas de atos criminosos; h) estímulo às formas
próprias de justiça na resolução de conflitos surgidos no âmbito da comunidade indígena; i)
utilização de termos e estruturas gramaticais simples e compreensíveis nas
intimações/notificações; j) garantia de assistência por pessoal especializado (profissionais em
Psicologia, Trabalho Social, intérpretes, tradutores) e segurança pessoal; l) proteção à
intimidade (imagem e dados) das pessoas em situação de vulnerabilidade; m) colaboração
entre os atores intervenientes no processo judicial; n) adoção de medidas de cooperação
internacional, inclusive com Organizações Internacionais e Agências de Cooperação; o)
utilização de manuais de boas práticas setoriais/ p) uso de novas tecnologias (ex: processos
eletrônicos).
1.2. Devido processo legal
Possui origem na previsão contida na Magna Carta de João Sem Terra, de 1215, que
utilizava a expressão “law of the land”, tendo surgida a expressão “due process of law” para
designar o devido processo legal somente em lei inglesa do ano de 1354. Foi na CRFB/88 que o
termo “devido processo legal” foi cunhado, constitucionalmente, pela primeira vez no Brasil.
O devido processo legal encerra a ideia de um processo em conformidade com o
direito como um todo, com a lei em sentido amplo, abrangendo a CF. É uma cláusula geral,
estando previsto no artigo 5º, LIV, da CF.
Trata-se de supraprincípio/princípiobase/protoprincípio, norteador de todos os
demais que devem ser observados no processo, além se aplicar atualmente como fator
limitador do poder de legislar da Administração Pública, bem como para garantir o respeito
aos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas.
É percebido sob duas óticas: devido processo substancial (“substantive due process”)
e devido processo legal formal (“procedural due process”).
No sentido substancial, diz respeito ao campo de elaboração e interpretação das
normas jurídicas, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável e ditando uma
interpretação razoável quando da aplicação concreta das normas jurídicas. No sentido formal,
encontra-se a tradicional definição constitucional do princípio, dirigido ao processo em si,
obrigando-se o juiz no caso concreto a observar os princípios processuais na condução do
instrumento estatal oferecido aos jurisdicionados para a tutela de seus direitos materiais.
Contemporaneamente, o devido processo legal vem associado à ideia de um processo justo,
que permite a ampla participação das partes e a efetiva proteção de seus direitos.
Processo para ser devido deve ser: adequado, leal, efetivo, público, paritário,
tempestivo.
Como um dos corolários do direito em tela, tem-se o contraditório, entendido em dua
dupla dimensão (formal e substancial). A dimensão formal do princípio do contraditório é a
que garante as partes o direito de participar do processo; é o direito de ser ouvido (de
participar). Em uma acepção material, substancial, o contraditório é o poder de influência, a
qual garante às partes o direito de intervir/influenciar no conteúdo da decisão, não basta mera
participação.
Assim, o contraditório se revela como a necessidade de se dar conhecimento da
existência da ação e dos atos do processo ou procedimento às partes ou interessados, bem
como a possibilidade de ofertarem reação aos atos que lhe sejam desfavoráveis, de maneira
que tenham a possibilidade de influenciar a decisão do magistrado.

129
No tocante à ampla defesa, que corresponde ao aspecto substancial do contraditório,
tem-se como o conjunto de meios adequados ao exercício deste. Expressa-se pela defesa
técnica (efetuada por profissional) e pela autodefesa (realizada pelo próprio imputado e
consiste em direito de audiência, ou seja, ser ouvido, e direito de presença aos atos. No
processo Penal ela é mais veemente) – que se complementam, uma não suprindo a outra.
Ademais, integra a ampla defesa: - o direito de conhecer a argumentação da parte
contrária; o direito de contra-argumentar; - o direito de provar a contra-argumentação; - o
direito de recorrer, no caso de não acolhimento da contra- argumentação.
1.3. Vedação de uso de provas ilícitas
A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual
se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios
ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que
tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas
projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo.
No direito brasileiro o uso de prova ilícita é vedado, tanto em sede constitucional (art.
5°,LVI), quanto legal (art. 157 do CPP), visando, sobretudo a segurança jurídica ao processo,
além de proteger as garantias fundamentais do indivíduo, tendo, inclusive, delimitado quais
tipos de provas poderiam ser aceitas no processo.
Embora não haja positivação a respeito, a doutrina costuma traçar a seguinte
diferenciação: provas ilícitas são aquelas que violam disposições de direito material ou
princípios constitucionais. Por outro lado, provas ilegítimas são as que violam normas
processuais e princípios constitucionais da mesma espécie.
Assim, a regra é a inadmissibilidade da prova ilícita em forma de garantia
constitucional. Contudo, não se pode sustentar que a garantia constitucional à prova ilícita seja
ilimitada e absoluta, na medida em que existem hipóteses extremas e excepcionais onde, com
a aplicação da ponderação, e a consequente proporcionalidade, poderá ser suprimida, como
nos casos de Legítima Defesa e Estado de Necessidade.
Para reforçar a ideia da admissibilidade excepcional da prova ilícita, o Estado deve
exaltar o princípio de valor máximo da ordem jurídica brasileira, que é o da dignidade da
pessoa humana, bem como dos direitos fundamentais, que podem variar diante do caso
concreto.
Ademais, tem-se que o princípio da liberdade probatória não é absoluto. A Carta
Magna, no seu art. 5º, inciso LVI, traz o principal obstáculo, consagrando a inadmissibilidade,
no processo, das provas obtidas por meios ilícitos. A prova é taxada como proibida ou vedada
toda vez que sua produção implique violação da lei ou de princípios de direito material ou
processual.
Teorias sobre o tema provas ilícitas: 1. Teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits
of the poisonous tree): O meio probatório que, não obstante produzido validamente em
momento posterior, encontra-se afetado pelo vício da ilicitude originária, que a ele se
transmite contaminando-o por efeito de repercussão causal. 2. Teoria da fonte independente
(independent source doctrine): se o órgão da persecução penal demonstrar que obteve
legitimamente novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que
não guarde qualquer relação de dependência, nem decorra da prova originariamente ilícita,
com esta não mantendo vínculo causal, tais dados probatórios são admissíveis, pois não
contaminados pelo vício da ilicitude originária. Essa teoria é aplicada pelo STF (HC 83.921) e
pelo STJ (RHC 90.376). 3. Teoria da descoberta inevitável: aplicável caso se demonstre,
concretamente, que a prova derivada da ilícita seria produzida de qualquer maneira,
independentemente da prova ilícita originária. Sustenta-se que sua previsão legal estaria no
art. 157, § 2º, CPP. 4. Teoria do nexo causal atenuado: opera-se quando um ato posterior,
totalmente independente, retira a ilicitude originária. 5. Teoria do encontro fortuito de provas
(serendipidade): aplica-se quando a autoridade policial, cumprindo uma diligência,
casualmente encontra provas que não estão na linha de desdobramento normal da

130
investigação. Se esse encontro for casual, a prova será lícita; se houver desvio de finalidade, a
prova será ilícita (veja-se, no STF, o HC 83.515).
Segundo o STF são consideradas ilícitas as provas produzidas a partir da quebra dos
sigilos fiscal, bancário e telefônico, sem a devida fundamentação.
1.4. Juiz natural
É extraído do devido processo legal e dos incisos XXXVII e LIII, do art. 5º, da CF.
O processo, para ser devido, deve ser conduzido por um juiz natural, que é aquele
independente, imparcial e competente, de acordo com critérios objetivos e abstratos
previamente estabelecidos em lei.
Pode ser analisado sob duas dimensões: formal e material.
 dimensão formal – juiz natural é aquele pré-constituído e individualizado e com
competência previamente estabelecida em lei, com base em critérios objetivos e abstratos.
Implica em duas vedações: i) poder de comissão (art. 5º, XXXVII, CRFB) – criação de juízos ou
tribunais excepcionais e extraordinários para o julgamento de determinado caso; ii) poder de
avocação ou evocação (art. 5º, LIII, CF) – alteração/derrogação de regras pré-determinadas de
competência.
OBS: Não é vedado o poder de atribuição, sendo legítima e corriqueira a criação de justiças e
juízos especializados para julgamento de matérias ou atos determinados, visto serem
previamente instituídos e com competência pré-definida.
 dimensão material – juiz natural é aquele imparcial e independente, que atua livre
de quaisquer pressões ou influências, sujeitando-se apenas ao ordenamento jurídico.
Admais, conforme decidido pela jurisprudência, não viola o princípio do juiz natural,
se instituído em lei e conforme a Constituição:
i) definição de competência por prerrogativa de função;
ii) instituição de câmaras de férias nos tribunais;
iii) convocação de juiz de primeira instância para atuar em tribunal e os conseqüentes
julgamentos, ainda que a maioria do Colegiado reste integrado por magistrados de primeiro
grau convocados.
1.5. Duração razoável do processo
Trata-se de conceito aberto e indeterminado.
A Corte Europeia dos Direitos do Homem que erigiu os critérios que devem nortear a
determinação do que seria um lapso de tempo razoável para a duração do processo a ser
aplicada em cada casuísmo concreto, quais sejam: a) complexidade do assunto; b) o
comportamento dos litigantes e de seus procuradores ou da acusação e da defesa no
processo; c) a atuação do órgão jurisdicional. Tal doutrina é denominada de doutrina do não
prazo.
Há defensores da doutrina do prazo, a partir da qual haveria a fixação legal de prazos ,
razoáveis e proporcionais, para a prática de atos processuais.
A partir da EC nº 45/04, erigiu o princípio em tela a direito fundamental explícito na
CRFB, estendendo, inclusive, aos processos administrativos a sua incidência.
De fato, o processo não precisa necessariamente ser célere, mas deve demorar o
tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional.
Assim, o processo, para ser devido, precisa de tempo para realizar-se – tempo
adequado e necessário para que se assegurem as garantias mais basilares de nosso Estado
Democrático de Direito - , ou seja, para que as partes se defendam, produzam provas, valham-
se dos recursos de lei, obtenham decisões fundamentadas etc., mas sem excessos e
desproporcionalidade.
Com efeito, a proporcionalidade é que balanceia os valores do tempo necessário x
aceleração necessária perseguindo os resultados justos e efetivos, cuja ponderação resulta no
que se espera ser o tempo razoável de duração do processo!

131
15A. Controle jurisdicional e social das políticas públicas. Serviços de relevância pública. O
papel do Ministério Público. 

Oswaldo Costa 

INTRODUÇÃO: A Política pública é instituto multidisciplinar, geralmente estudado entre os


cientistas políticos. BUCCI oferece um conceito operacional para o campo do direito: “Política
pública é o  programa de ação governamental  que resulta de um  processo ou conjunto de
processos juridicamente regulados  – processo eleitoral, processo de planejamento, processo
de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo
judicial – visando  coordenar os meio dispostos à disposição do Estado e as atividades
privadas, para a realização de  objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos
definidos, expressando a  seleção de prioridades, a  reserva de meios necessários  à sua
consecução e o  intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados.” (BUCCI,
2006, p. 39) Em resumo: i) conjunto organizado e planejado de ações; ii) visando a
consecução de objetivos coletivos relevantes.

CONCEITO: Por políticas públicas entende-se o conjunto de atividades do Estado tendentes a


seus fins, de acordo com metas a serem cumpridas, ou seja, trata-se de um conjunto de
normas (Poder Legislativo), atos (Poder Executivo) e decisões (Poder Judiciário) que visam à
realização dos fins primordiais do Estado. Como toda atividade política (políticas públicas)
exercida pelo Legislativo e pelo Executivo deve compatibilizar-se com a Constituição, mesmo
os chamados “atos de governo” ou “questões políticas” estão sujeitos ao controle do Poder
Judiciário, sob o prisma do atendimento aos fins do Estado. (art. 3°, CRFB). As 'políticas
públicas' configuram um conjunto de decisões administrativas dirigidas a satisfazer as
necessidades sociais e individuais, com menor esforço, diante de um quadro de carência de
meios, exteriorizadas por meio de atos ou omissões administrativas". Nessa linha de
raciocínio, as políticas públicas devem buscar a justiça distributiva.

CICLO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: Em ciência política, as fases de desenvolvimento das políticas


públicas são: I) formulação (definição de necessidades e projetos);II) execução ;
III) fiscalização (que pode ser prévia, concomitante e posterior).

INSTRUMENTOS: Do ponto de vista jurídico as políticas públicas são um conjunto


heterogêneo de medidas, podendo se expressar em distintos suportes, v.g, disposições
constitucionais, leis, em normas infralegais (decretos, portarias) e até mesmo em
instrumentos jurídicos de outra natureza como contratos de concessão.

CONTROLE JURISDICIONAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: o STF, inicialmente, não se mostrou


favorável ao controle de políticas públicas, sob vários argumentos: normas
programáticas (STF, RE 264.269 - corroborando entendimento do STJ (ROMS 6.564/RS),
entendeu que o direito à saúde é norma programática de eficácia limitada, não gerando
direito subjetivo), violação à separação dos poderes, teoria das questões
políticas e discricionariedade administrativa (STF, ADI 4/DF - considerou não auto-aplicável a
antiga norma do art. 192, § 3º, que limitava a taxa de juros reais em 12% a.a.),inutilizando o
mandado de injunção (STF, MI 107 - o único efeito possível da decisão seria a conferição de
ciência ao órgão legislativo responsável). Desde a ADPF 45 a corte firmou o entendimento
pela possibilidade de controle das políticas públicas, o que chegou ao paroxismo no caso da
saúde. Exatamente nesse campo verifica-se hoje em dia uma tentativa de maior diálogo com
a administração e o estabelecimento de standards  capazes de não permitir uma
judicialização excessiva. (cf. tópico 19 c)

132
STF, ADPF n. 45-9, Min. Celso de Mello, - “não se inclui, ordinariamente, no âmbito das
funções institucionais do  P. Judiciário  e nas desta Suprema Corte, em especial – a  atribuição
de formular e de implementar políticas públicas  (José Carlos Vieira de Andrade, ‘Os Direitos
Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 207, item n.05, 1987, Almeida,
Coimbra), pois nesse domínio, o  encargo reside, primeiramente, nos Poderes Legislativo e
Executivo. Tal incumbência [...] poderá atribuir-se ao Poder Judiciário,  se e quando os órgãos
estatais competentes, por descumprirem os encargos políticos-jurídicos que sobre eles
incidem,  vierem a comprometer, com tal comportamento, a  eficácia e a  integridade de
direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que
derivados de  cláusulas  revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse
contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte – que o caráter programático das
regras inscritas no texto da Carta Política ‘não pode converter-se em promessa  constitucional
inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas
pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável
dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria
Lei do Estado”.  O Poder Judiciário poderá interferir em políticas públicas, quando
provocado, mas a intervenção requer, como um imperativo ético-jurídico, a presença dos
seguintes requisitos: (a) o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão;
(b) razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público; (c) a
existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas
dele reclamadas.

Gustavo Binenbojm: Fala que o controle judicial da administração pública deve ter em vista
os “graus de vinculação à juridicidade”: regras – alto grau de vinculação à juridicidade;
conceitos jurídicos indeterminados – vinculação média; princípios – baixa vinculação
(controle deve ser exercido em razão do atingimento ou não dos das finalidades expressas
pelo princípio). Nessa lógica se incluem as políticas públicas. Além, disso, o controle deve
observar também a complexidade técnica da questão: “Com efeito, naqueles campos em
que, por sua alta complexidade técnica e dinâmica específica, falecem parâmetros objetivos
para uma atuação segura do Poder Judiciário, a intensidade do controle deverá ser
tendencialmente menor”.

CONTROLE SOCIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: Tem bases na teoria de Rousseau que atribuiu


ao povo o poder de controlar as ações do Executivo. Entende-se por controle social das
políticas públicas o compartilhamento do poder de decisão entre Estado e sociedade sobre as
políticas, um instrumento e uma expressão da democracia e da cidadania, ou seja, é a
possibilidade de a sociedade intervir nas políticas públicas. O direito à participação popular
na formulação de políticas públicas e no controle das ações do Estado está consagrado na
Carta Constitucional e em leis específicas. Exemplos de normas com previsão de instâncias de
consulta e deliberação cidadãs: (a) Artigos 29, XII, 194, VII, 198, III, 204, II, da CR; (b) ECA; (c)
Estatuto da Cidade; (d) LOAS; (e) Política da Saúde (Lei n. 8.080/90); (f) LRF – art. 48
(Orçamento Participativo); (g) Conselhos gestores de políticas públicas (Leis n. 8.142/90,
9.424/96, etc.). Há, também, outras formas de participação não institucionalizada na gestão,
como os Fóruns  e as Audiências Públicas. Junto ao controle social encontramos o que a
doutrina denomina de accountability, que é um atributo inerente ao Estado e fundamental
para qualquer sistema político democrático, onde a sociedade ou o indivíduo possui o direito
e o dever de conhecer os passos dados em seu nome pelo Poder Público, devendo funcionar
como um mecanismo hábil no combate ao desvio de conduta da gestão pública.
Será horizontal quando realizada por órgãos do próprio Estado; vertical, quando realizada
pela própria sociedade.

SERVIÇOS DE RELEVÂNCIA PÚBLICA: segundo o art. 129 (inc. II) da CF, são funções
institucionais do MP: “II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de

133
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia”. A expressão em tela qualifica os serviços que, embora não
prestados diretamente pelo Estado (ou, pelo menos, não necessariamente pelo Estado), são
marcados pela importância, necessidade e essencialidade para o Poder Público e para a
sociedade. Ex: saúde, educação, etc. (ainda que haja divergência doutrinária a respeito).

MINISTÉRIO PÚBLICO, JUDICIÁRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS: Sendo as políticas públicas


instrumento por excelência para a promoção dos direitos fundamentais e incumbindo ao MP
a proteção dos direitos sociais e individuais indisponíveis, assim como zelar pelo efetivo
respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art. 127 e 129, II CF),
afigura-se clara a importante missão do MP na fiscalização, controle e promoção das políticas
públicas estatais. No campo  não judicial  destacam-se os instrumentos de
negociação/preventivos do MP, tais quais: a) instauração inquéritos civis e de procedimento
administrativos correlatos (art. 129, inc. III CF, art. 7o, inc. I da LC 75/93, art. 9o da Lei
7.347/85 e Res. 23 CNMP); b) expedição de notificação a autoridades (art. 8º, I, LC 75/93), c)
requisição de instauração de providências investigatórias e procedimentos administrativos
(art. 7º, II e III LC 75/93) e de informações e documentos de entidades pública e privadas (Art.
8, II e IV da LC 75/93), d) expedição de recomendações (6º, inc. XX da LC 75/93 e art. 80 da Lei
8.625/93),e) celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) (art. 5o, § 6o da Lei
7.347/85 LACP), f) realização de audiências públicas e participação em grupos
interinstitucionais, além do diálogo e interlocução direta com parlamentares, representantes
da sociedade civil e demais setores interessados. No campo judicial,  vide o exposto acima
em Controle jurisdicional das políticas públicas.

OBSERVAÇÃO: a fim de não violar o princípio democrático, não cabe ao Ministério


Público formular políticas públicas, mas sim fiscalizar e controlar sua execução, pautando-se
na "reserva da consistência" (a política pública deve ter cuidadosa fundamentação jurídica e
fática). Nessa esteira, basta que a política pública desenvolvida ou omitida seja ilegítima,
ilícita ou inconstitucional para ser controlada.
Se a finalidade da política pública for eleita pela Administração Pública, estaremos tratando
de controle de gestão. Acaso a finalidade perseguida pela política pública seja imposta pela
Constituição e pelas leis, tratar-se-á de controle de legalidade. A atuação do Ministério
Público no controle de legalidade não possui maiores novidades. O Ministério Público fiscaliza
se a política pública cumpre o determinado constitucionalmente/legalmente. Noutro passo,
quando do controle de gestão, deve-se perquirir se a política pública implementada vem
alcançando o objetivo ao qual se prontificou, cabendo ao MP expurga-la do sistema quando
ineficiente.

9. DIREITOS SOCIAIS
9.1 Princı ́pios Constitucionais do Trabalho. Os direitos fundamentais do trabalhador. (12.c)
9.2 Direitos sociais: enunciação, garantias e efetividade. Princı ́pio do não-retrocesso. Mı ́nimo
existencial e reserva do possıv́el. (4.a)

12C. Princípios Constitucionais do Trabalho. Os Direitos Fundamentais do Trabalhador.

Priscila Ianzer Jardim Lucas


Legislação básica: arts. 6º a 11 da CF.

Princípios constitucionais do trabalho: A CF elegeu o valor social do trabalho como um dos


fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso IV) e um dos pilares da ordem
econômica (art. 170, caput), reconhecendo o trabalho como um direito social do ser humano
(art. 6º, caput). Atualmente, não resta mais dúvida de que os direitos sociais previstos no

134
Capítulo II, do Título II, da Constituição compõem o denominado catálogo de direitos
fundamentais previstos na Carta Magna. O direito a um trabalho digno caracteriza-se como um
direito fundamental de segunda dimensão, exigindo, para a sua implementação, uma atuação
positiva por parte do Estado (caráter prestacional). E foi justamente com essa finalidade, qual
seja, a de assegurar o direito a um trabalho digno, que a Constituição estabeleceu uma série de
princípios aplicáveis à relação de trabalho. De acordo o Ministro do TST Maurício Godinho
Delgado, os princípios constitucionais do trabalho podem ser classificados em três grandes
grupos: O primeiro rol diz respeito a efetivos princípios constitucionais do trabalho. Trata-se de
diretrizes afirmativas do labor humano na ordem jurídico cultural brasileira: a da valorização do
trabalho, em especial do emprego; a da justiça social; a da submissão da propriedade à sua
função socioambiental; a diretriz da dignidade da pessoa humana. O segundo rol diz respeito a
princípios constitucionais de amplo espectro, não exatamente originados em função da ideia e
realidade do trabalho, mas que hoje também atuam, de modo importante, no plano
justrabalhista. Não se construíram e se desenvolveram, é certo, em função do temário
juslaborativo, elaborando-se, originalmente, em torno de matérias distintas daquelas
específicas ao ramo especializado do Direito do Trabalho. Contudo, por diferentes razões,
passaram a ter influência no campo trabalhista contemporâneo, afetando, muitas vezes com
significativa força, sua realidade normativa. Trata-se, em especial, das diretrizes da
proporcionalidade, da não discriminação e da inviolabilidade do direito à vida. O terceiro rol
abrange, finalmente, os princípios clássicos do Direito do Trabalho, preexistentes à Carta de
1988, mas que foram por ela absorvidos. Na medida dessa absorção, tais diretrizes adquiriram
status constitucional, fortalecendo seu poder de projeção na ordem jurídica do País. Esse grupo
de princípios diz respeito não somente à dimensão coletiva, como também à individual
trabalhista. Trata-se dos princípios da liberdade e autonomia associativas e sindicais e da
interveniência sindical na negociação coletiva, no plano do Direito Coletivo do Trabalho. No
plano do Direito Individual do Trabalho, os princípios da norma mais favorável, da continuidade
da relação de emprego e da irredutibilidade salarial. Verifica-se, portanto, que a Constituição,
ao estabelecer uma série de princípios informadores da relação de trabalho, procura proteger a
parte hipossuficiente na relação empregatícia (o empregado), visando atenuar, no plano
jurídico, o desequilíbrio existente no plano fático.

Direitos fundamentais do trabalhador: Os direitos fundamentais do trabalhador podem ser


diferenciados dos princípios. Estes são ideias que definem padrões a serem adotados pelo
Direito do Trabalho, tanto na legislação, quanto na atividade interpretativa e integradora. Os
direitos fundamentais, por sua vez, dirigem-se ao trabalhador em sua relação de emprego. Os
direitos fundamentais do trabalho, no plano da atual CF, confundem-se com o Direito do
Trabalho, principalmente em seu plano regulatório do contrato bilateral entre empregador e
empregado. É que esse plano normativo de regulação do contrato de emprego assegura o mais
elevado padrão de afirmação do valor-trabalho e da dignidade do ser humano em contextos de
contratação laborativa pela mais ampla maioria dos trabalhadores na sociedade capitalista. Em
primeiro plano, os direitos fundamentais do trabalhador estão consagrados em regras e
princípios trabalhistas inseridos na Constituição da República. Ilustrativamente, em seu
“Preâmbulo”, em seus “Princípios Fundamentais” – arts. 1º a 4º –, em algumas dimensões
normativas de seu art. 5º; nos arts. 6º e 7º, especificadores de inúmeros direitos sociais
fundamentais. Também está presente em certos dispositivos de Direito Coletivo, regulatórios
de direitos fundamentais, constantes dos arts. 8º até 11 (embora aqui não se possa dizer,
evidentemente, que todo o modelo coletivo constitucional, inclusive na parte de clara
inspiração e dinâmica não necessariamente democráticas, corresponda a direito fundamental
do trabalho). Também estão presentes, sem dúvida, na Constituição, por meio dos princípios,
valores e fundamentos das ordens econômica e social, que sejam afirmativos da dignidade da
pessoa humana e da valorização do trabalho. É o que se passa, por exemplo, com o art. 170
(“Princípios Gerais da Atividade Econômica”), com o art. 193 (“Disposição Geral” relativa à
“Ordem Social”), com os arts. 196 e 197, além do art. 200, II e VIII (todos tratando da saúde),

135
também com o art. 205 (tratando da educação), além dos arts. 225 e 227, que tratam das
garantias a crianças e adolescentes no País (em acréscimo à regra protetora já lançada no art.
7º, XXXIII, da mesma Constituição). Os direitos fundamentais do trabalho estão dados também
pelos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil, “[...] naquilo que não
reduzam o patamar de garantias asseguradas internamente no próprio pais” (art. 5º, § 2º,
CF/88). Tais direitos fundamentais do trabalho também constam, evidentemente, da legislação
heterônoma estatal, a qual completa o padrão mínimo de civilidade nas relações de poder e de
riqueza inerentes à grande maioria do mercado laborativo próprio ao capitalismo (caput do art.
7º, CF/88).

Eficácia diagonal dos direitos fundamentais: as relações privadas nem sempre se apresentam
de forma igualitária, sendo bastante comum encontrar situações em que os particulares estão
em posições bastante desiguais. Os maiores exemplos estão nas relações de trabalho e de
consumo onde o poder econômico das pessoas jurídicas pode ocasionar violações aos direitos
fundamentais dos trabalhadores/consumidores, estes que são a parte fraca da relação. A partir
destas relações, o autor Sergio Gamonal desenvolveu a teoria da eficácia diagonal dos direitos
fundamentais que consiste na necessária incidência e observância dos direitos fundamentais
em relações privadas (particular-particular) que são marcadas por uma flagrante desigualdade
de forças, em razão tanto da hipossuficiência quanto da vulnerabilidade de uma das partes da
relação. Trata-se de uma eficácia diagonal  por que, em tese, as partes estão em situações
equivalentes (particular-particular), mas, na prática, há um império do poder econômico, razão
por que se defende a observância dos direitos fundamentais nestas relações. A este respeito, o
TST já tem aplicado a eficácia diagonal dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas para
combater atos discriminatórios.

4A. Direitos sociais: enunciação, garantias e efetividade. Princípio da proibição do retrocesso.


Mínimo existencial e reserva do possível.

André Batista e Silva

I. Direitos sociais: enunciação

Historicamente os direitos sociais se inserem entre aqueles de segunda dimensão


(direitos de igualdade), cujo marco histórico é a constituição mexicana de 1917 e a de Weimar
de 1919. A construção mostra-se bastante artificial e merece críticas. (o melhor argumento
nesse sentido foi o surgimento de tratados e instituições internacionais de proteção dos
direitos sociais dos trabalhadores – OIT – antes de qualquer preocupação internacional com a
enunciação de direitos básicos de liberdade).

Em nosso histórico constitucional apenas a Constituição de 1891 não declarou nenhum


direito social. A Constituição de 1834 inaugurou entre nós o constitucionalismo social,
associando-o ao autoritarismo e ao populismo da Era Vargas. A CF foi pródiga na declaração de
direitos sociais5, elencando-os formalmente dentre as 5 espécies de direitos e garantias
fundamentais do Título II da CF (Capítulo I – Direitos e deveres individuais e coletivos; Capítulo
II – Direitos sociais; Capítulo III – Direitos de nacionalidade; Capítulo IV – Direitos políticos e
Capítulo V – Partidos políticos). Também tratou heterotopicamente de alguns direitos sociais
específicos no Titulo VIII, que cuida da ordem social, destacando-se o trato da seguridade e da
educação.

Há 3 posições sobre a fundamentalidade dos direito sociais:

a) todos os direitos sociais são formal e materialmente fundamentais: por isso a sua mera
enunciação na CF seria suficiente lhes atribuir um regime diferenciado de aplicabilidade

136
imediata (art. 5º, § 1º) e de limite material para a reforma da constituição (art. 60, § 4º, IV);
b) todos os direitos sociais são apenas formalmente fundamentais, e, por isso, são normas
programáticas que não geram direitos subjetivos e não limitam o constituinte derivado;
c) direitos sociais são apenas formalmente fundamentais, sendo materialmente fundamentais
apenas no que tange ao seu núcleo essencial (mínimo existencial): posição amplamente aceita
pela maior parte da doutrina e jurisprudência.

II. Direitos sociais: garantias

Conforme clássica classificação de Barroso (BARROSO, 2006, p. 119), há 3 espécies de


garantias para a efetivação dos direitos sociais: a) sociais: relacionam-se com a participação do
indivíduo no controle do processo político e no exercício do direito de petição (art. 5º, XXIV); b)
políticas: destaca-se principalmente o controle externo da administração pelo Congresso, com
auxílio do Tribunal de Contas (art. 70 CF); e c) jurídicas: são aqueles buscados principalmente
pela via jurisdicional, destacando-se o mandado de segurança (art. 5o, LXIX e LXX); a ação
popular (Art. 5o, LXXIII); o dissídio coletivo (art. 114, § 2º); o mandado de injunção (art. 5o,
LXXI); o habeas data (art. 5o, LXXII); a ação civil pública (art. 129, inc. III) as ações diretas de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade (art. 102, I, a), a ADPF (art. 102, § 1º), a ação
de declaratória de inconstitucionalidade de por omissão (art. 103, § 2º).

III. Direitos sociais: efetividade

Observa-se um fenômeno tratado por alguns autores como de “judicialização dos


direitos”, que nada mais é do que a busca por respostas imediatas para fazer cessar uma
situação de inaplicabilidade dos valores fundamentais do Estado. Quanto à judicialização de
direitos sociais, para Sarmento, cabe inicializar uma fase de racionalização, a qual passa por
dois pontos principais:

(a) a superação de uma certa “euforia judicialista”, com o reconhecimento de que o Poder
Judiciário, apesar da relevância da sua função, não é, nem tem como ser, por suas limitações
institucionais, o grande protagonista no cenário de afirmação dos direitos sociais, que
dependem muito mais das políticas públicas formuladas e implementadas pelo Legislativo e
Executivo e da mobilização da sociedade civil; e

(b) o traçado de parâmetros ético-jurídicos para as intervenções judiciais nesta seara. Afinal,
deve-se refletir sobre o potencial de universalização do que foi pedido sempre que estivessem
em jogo pretensões sobre recursos escassos, considerando- se a reserva do possível e as
limitações orçamentárias, com uma análise de “macrojustiça”, que envolve a legitimidade do
atendimento de determinados pleitos num quadro de escassez de recursos. Ademais, não se
devem ignorar as deficiências da capacidade institucional do Judiciário para tutelar os direitos
sociais, motivo pelo qual se deve adotar um parâmetro adicional para o exercício da proteção
judicial: quanto mais a questão discutida envolver aspectos técnicos de políticas públicas, mais
cautelosa e reverente em relação às decisões dos demais poderes deve ser a atuação do
Judiciário. Este parâmetro deve ser conjugado com outros, como a razoabilidade da
universalização da pretensão do titular do direito, e a essencialidade da prestação social
demandada no caso específico.

Em suma, delimitação de aplicação:

(a) fático: razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os recursos


existentes;
(b) jurídico: dois aspectos:
1. Admissão que os poderes públicos precisam fazer escolhas de prioridades.

137
2. Que os direitos sociais fiquem absolutamente vinculados às escolhas exercidas.

Assim, o autor é pela possibilidade excepcional da atuação do Judiciário para a


concretização de direitos sociais (essenciais) previstos constitucionalmente, nos moldes e
parâmetros acima.

ADPF 45(controle judicial das politicas publicas) e RE 410.715/SP – Análise do STF sob o
mínimo existencial. Na decisão monocrática do Min. Celso de Mello, este entendeu
inicialmente pela possibilidade de controle judicial das políticas públicas, como medida
necessária para a garantia da efetividade dos direitos sociais, em razão da omissão dos demais
Poderes Constituídos.

Inf. 780 do STF: “Os ideais da democracia e do constitucionalismo – não obstante caminhem
lado a lado – vez por outra revelam uma tensão latente entre si. É que, de um lado, a
democracia, apostando na autonomia coletiva dos cidadãos, preconiza a soberania popular,
que tem na regra majoritária sua forma mais autêntica de expressão. De outro lado, o
constitucionalismo propugna pela limitação do poder através de sua sujeição ao direito, o que
impõe obstáculos às deliberações do povo. (...) O problema consiste em saber até que ponto é
que a excessiva constitucionalização não se traduz em prejuízo do princípio democrático”
(MOREIRA, Vital. “Constituição e Democracia”. In: MAUÉS, Antonio G. Moreira (Org.)
Constituição e Democracia. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 272). Essa aparente contradição
entre os valores albergados pelo Estado Democrático de Direito impõe um dever de cautela
redobrado no exercício da jurisdição constitucional. Com efeito, é certo que os tribunais não
podem asfixiar a autonomia pública dos cidadãos, substituindo as escolhas políticas de seus
representantes por preferências pessoais de magistrados não eleitos pelo povo (...) a
Constituição não pode ser vista como repositório de todas as decisões coletivas, senão apenas
dos lineamentos básicos e objetivos fundamentais da República. Deve-se, portanto, rechaçar
qualquer leitura maximalista das cláusulas constitucionais que acabe por amesquinhar o papel
da política ordinária na vida social. (...) Na lição irretocável de Daniel Sarmento e Cláudio
Pereira de Souza Neto, “de um lado, deve-se reconhecer o importante papel do Judiciário na
garantia da Constituição, especialmente dos direitos fundamentais e dos pressupostos da
democracia. Mas, de outro, cumpre também valorizar o constitucionalismo que se expressa
fora das cortes judiciais, em fóruns como os parlamentos e nas reivindicações da sociedade
civil que vêm à tona no espaço público informal” (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio
Pereira de. Direito Constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte:
Fórum, 2012, 240)”.

IV. Princípio da proibição do retrocesso

A discussão sobre a vedação de retrocesso está diretamente relacionada com os


direitos sociais, mas não apenas com eles. Segundo André de Carvalho Ramos, consiste na
vedação da eliminação da concretização já alcançada na proteção de algum direito, admitindo-
se somente apriomaramentos e acréscimos. Em essência traz mais uma limitação à liberdade
de conformação do legislador, de modo que o núcleo essencial dos direitos sociais, efetivados
por medidas legislativas, não mais poderia ser violado, sem o oferecimento de medidas
compensatórias. Decorre do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana,
da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, da proteção da confiança e segurança
jurídica e de cláusula pétrea prevista no art. 60, parágrafo 4º, IV da Cf/88.

Não representa, contudo, uma vedação abosulta a qualquer medida de alteração da


proteção de um direito específico. Segundo André de Carvalho Ramos, eventual diminuição
na proteção normativa ou fática de um direito pode ser permitida desde que preencha três
condições: i) que haja justificativa também de estatura jusfundamental; ii) que tal diminuição

138
supere o crivo da proporcionalidade; iii) que seja preservado o núcleo essencial do direito
envolvido.

V. Mínimo Existencial

Mínimo existencial seria o conjunto de bens e utilidades indispensáveis a uma vida


humana digna.para que se possa usufruir dos direitos de liberdade (direitos individuais), antes
se faz necessário a implementação e garantia de um piso mínimo de direitos.
SARMENTO: (a) dimensão negativa: opera num limite, impedindo a prática de atos pelo
estado ou por particulares que subtraiam do individuo as condições materiais indispensáveis a
uma vida digna; (b) dimensão positiva: conjunto essencial (mínimo) de direito prestacionais a
serem implementados e concretizados que possibilitam ao individuo uma vida digna. De
acordo com Daniel Sarmento, se de um lado estiver os direitos sociais e do outro o princípio
democrático/separação dos poderes/direito de terceiros, quando o mínimo existencial estiver
nessa ponderação ele exigirá do Estado um ônus argumentativo ainda maior para o caso de
não cumprir o direito.

Na visão de Ingo Sarlet, o mínimo existencial não se submete a reserva do possível,


tendo sido esta a posição adotada pelo Min. Celso de Melo no RE 482.611/SC.

VI. Reserva do Possível

Reserva do possível compreende a possibilidade material (financeira) para prestação


dos direitos sociais por parte do Estado, uma vez que tais prestações positivas são
dependentes de recursos presentes nos cofres públicos. No estudo da reserva do possível, fica
claro que o uso do argumento de racionalidade econômica (escassez) desvia o curso e
obscurece os argumentos jurídicos por que ainda se pautam numa concepção de liberdade
(conveniência) do Administrador Público de aplicação dos recursos financeiros públicos. A
ausência de um espaço capaz de institucionalizar procedimentos de formação da vontade
coletiva – à luz de um princípio democrático – acaba por legitimar posturas paternalistas e
autoritárias por parte do Judiciário brasileiro, que assume o papel taumaturgo de decisão – a
semelhança de um Poder Moderador ou de um Poder Constituinte Permanente -, confundindo
fiscalização com usurpação do espaço e espectro de decisões dos demais Poderes Constituídos
(FERNANDES, p. 583 e ss).

Segundo Ingo Sarlet, a reserva do possível tem três dimensões: possibilidade fática
(disponibilidade de recursos necessários para satisfazer uma prestação relacionadas aos
direitos sociais), possibilidade jurídica (existência de autorização orçamentária para cobrir as
despesas e análise das competências federativas) e razoabilidade da exigência e
proporcionalidade da prestação.

STF: É lícito ao Poder Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer,


consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em
estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana
e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que
preceitua o art. 5º, XLIX, da CF, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do
possível nem o princípio da separação dos poderes (RE 592581/RS).

Prova oral: explicar o princípio do não retrocesso, surgimento, aplicabilidade nos direitos
sociais e nas liberdades públicas.

10.NACIONALIDADE
10.1 Nacionalidade brasileira. (10.b)

139
10.2 Condição jurı ́dica do estrangeiro. (10.b)

10B. Nacionalidade brasileira. Condição jurídica do estrangeiro.

Nilton Santos 19/09/18

1. Nacionalidade brasileira
A nacionalidade é um vínculo jurídico-político entre o Estado e o indivíduo. O direito à
nacionalidade, consagrado como direito humano na DUDH (art. 15) e no Pacto de São José da
Costa Rica (art. 20), é matéria constitucional no plano doméstico.
No plano internacional, importa anotar, a nacionalidade deve ser efetiva12, ou seja,
fundamentada em laços sociais consistentes entre o indivíduo e o Estado cujo caráter de
nacional se detém ou é pretendido, a exemplo de tempo de residência em seu território,
domínio do idioma oficial, laços familiares, investimentos no Estado etc.
O Brasil adota com relação a critério de nacionalidade, um critério justaposto, com
incidência mais ampla do jus soli . Assim, são brasileiros natos os nascidos no Brasil (jus soli13),
ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país (o serviço
deve ser público e afeto ao país da nacionalidade dos pais). Essa é a regra.
A CRFB adotou, ainda, como exceção, o critério jus sanguinis14, prevendo como
brasileiro nato aquele nascido no estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros, quando qualquer
deles esteja a serviço do Brasil (compreende todo encargo derivado dos poderes da União,
Estados e Municípios, suas autarquias, e o serviço de organização internacional de que a
República faça parte). São, ainda, brasileiros natos os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe
brasileira, desde sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir
no Brasil e optem, a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira, após atingida a
maioridade.
São brasileiros naturalizados (nacionalidade derivada) aqueles que venham a adquirir
a nacionalidade brasileira, possuindo todos os direitos do brasileiro nato, salvo o acesso a
cargos públicos eminentes (CF, art. 12, §3º) e a garantia de não ser extraditado (CF, art. 5º, LI).
Para a naturalização (que somente produz efeitos após a publicação no DOU), exigem-
se: a) Ordinária – estrangeiros que, sendo civilmente capazes, tenham residência no Brasil há
pelo menos 4 anos ininterruptos, com capacidade de comunicar-se em língua portuguesa e
não possuir condenação penal ou estiver reabilitado (o prazo de 4 anos pode ser reduzido
para, no mínimo, 1 ano, se o estrangeiro tem cônjuge/companheiro ou filho brasileiro ou
houver prestado/puder prestar serviço relevante ao Brasil ou capacidade profissional,
científica ou artística considerada necessária para o país); b) Extraordinária ou quinzenária –
estrangeiros que estejam fixados no Brasil há pelo menos 15 anos ininterruptos e não têm
condenação penal (não exige que o estrangeiro saiba ler e escrever em língua portuguesa),
mediante requerimento do estrangeiro, sendo ato vinculado, não permitindo a
discricionariedade do Poder Público; c) Provisória – migrante criança ou adolescente que
fixaram residência no Brasil antes de completarem 10 anos de idade. Depende de
requerimento do representante legal; d) Definitiva – aquela solicitada pelo detentor da
naturalização provisória até dois anos após a maioridade; e) Especial – destina-se ao
cônjuge/companheiro, há mais de 5 anos, de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em
atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior. Também é chamada de
especial a naturalização do estrangeiro que tenha sido empregado em missão diplomática ou
em repartição consular do Brasil por mais de 10 (dez) anos ininterruptos; Requisitos:
12
Caso Nottebohm - no caso de dupla nacionalidade, a nacionalidade preponderante deveria ter correspondência com os fatos,
ou seja, somente se justificava por meio de laços fáticos entre a pessoa envolvida e um desses Estados.
13
O indivíduo tem a nacionalidade do Estado em cujo território nasceu – critério territorial (em regra, adotado pelos países de
tradição imigratória).
14
A nacionalidade se transmite por laços familiares de ascendência – critério familiar – fixado por laços sanguíneos. O indivíduo
tem a nacionalidade de seus pais, pouco importando o local em que tenha nascido (em regra, adotado pelos países de tradição
emigratória).

140
capacidade civil, capacidade de comunicar-se em língua portuguesa e não possuir condenação
penal ou estiver reabilitado; f) Específica para os originários de países de língua portuguesa –
procedimento facilitado, exigindo-se como requisitos apenas a residência no país, por 1 ano,
com título regular e idoneidade moral.
A perda da nacionalidade, que pode atingir brasileiro nato e naturalizado, ocorre com
a aquisição voluntária de outra nacionalidade, ressalvado, assim, o caso de imposição de
naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente no exterior como condição de
permanência em seu território ou para exercício de direitos civis. O naturalizado pode perder
sua nacionalidade em razão de exercício de atividade contrária ao interesse nacional,
mediante decisão judicial transitada em julgado15.
Uma vez perdida a nacionalidade por brasileiro, em razão da aquisição de outra por
vontade própria (ato materializado por Decreto Presidencial ou do Ministro da Justiça),
cessada a causa (perda/renúncia da nacionalidade estrangeira adquirida voluntariamente),
poderá readquiri-la ou ter o ato que declarou a perda revogado, na forma definida pelo órgão
competente do Poder Executivo.
O interessado na reaquisição da nacionalidade deverá, além de estar regulamente domiciliado
no país, dirigir o respectivo pedido ao Presidente da República e entregá-lo no órgão do
Ministério da Justiça de seu domicílio. A eventual reaquisição da nacionalidade será objeto de
novo decreto presidencial ou do Ministro da Justiça, mas não será concedida se for apurado
que o interessado, ao adquirir outra nacionalidade, o fez para se eximir de deveres a cujo
cumprimento estaria obrigado se mantivesse a nacionalidade brasileira.
Existe também o instituto da revogação da perda da nacionalidade, que beneficia
àqueles que queiram retornar à condição de brasileiros, mas não possuem domicílio no Brasil.
Para isso, deverão procurar a repartição consular com jurisdição sobre a região onde vivem e
solicitar a revogação do ato que declarou a perda da nacionalidade.

2. Tratado de Amizade e Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e o Brasil .


Estatuto da Igualdade entre brasileiros e portugueses de 1971 foi substituído pelo
Tratado de Amizade e Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e o Brasil, de
22∕04∕2000. Tratado de ampla cooperação nos campos político, cultural, científico, econômico
e financeiro. Altera a clássica noção da nacionalidade como pressuposto necessário da
cidadania. Não se trata de hipótese de aquisição de nacionalidade. É norma que permite o
exercício de direitos inerentes ao brasileiro nato, com exceção dos casos previstos na CF.
Dependem de requisição para que sejam concedidos os direitos aqui tratados, desde que,
brasileiros e portugueses que o requeiram, sejam civilmente capazes e com residência habitual
no país em que são pleiteados. No Brasil, a decisão fica a cargo do Ministério da Justiça, em
Portugal, do Ministério da Administração Interna.
Os portugueses podem requerer direitos iguais aos dos brasileiros naturalizados (não
aos dos brasileiros natos), sem se tornar nacionais do Brasil e sem perder sua nacionalidade de
origem – situação chamada de “quase-nacionalidade”. Dois procedimentos: a) quase-
nacionalidade restrita – Simples igualdade de direitos e obrigações civis – basta a prova da sua
nacionalidade, da sua capacidade civil e de sua admissão no Brasil em caráter permanente,
sem necessidade de prazo mínimo de residência no país; b) quase-nacionalidade ampla – Para
aquisição de direitos políticos – deve estar em gozo de seus direitos políticos em Portugal e
residir no Brasil há pelo menos 3 anos. Enquanto estiver exercendo seus direitos políticos no
Brasil, ficarão suspensos seus direitos políticos em Portugal.
Por esse Estatuto, brasileiros e portugueses ainda: a) ficam submetidos à lei penal do
Estado de residência, nas mesmas condições dos respectivos nacionais; b) não estão sujeitos à
extradição, salvo se requerida pelo Governo do Estado da Nacionalidade; c) gozo de iguais
direitos e deveres; d) caso necessitem de proteção diplomática, será o país de origem que irá
protegê-lo; e) extinção do benefício estatutário – pela expulsão do território nacional ou pela
15
A sentença que decreta a perda da nacionalidade do brasileiro naturalizado pelo exercício de atividade nociva ao interesse
nacional gera efeitos a partir do momento em que transita em julgado (efeitos são ex nunc).

141
perda da nacionalidade originária. A suspensão dos direitos políticos no país de origem
acarretará também a extinção dos mesmos direitos no outro país.
O estatuto de igualdade se extinguirá com a perda, pelo beneficiário, de sua
nacionalidade, ou com a cessação da autorização de permanência.

3. Nacionais do MERCOSUL
Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Parte do Mercosul (Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai) e Acordo sobre Residência para Nacionais do Mercosul Bolívia
e Chile (Estados Associados) – promulgados no Brasil pelos Decretos n. 6.964∕2009 e
6.975∕2009, respectivamente. O estrangeiro beneficiado com os Acordos de Residência possui
igualdade de direitos civis no Brasil. Deveres e responsabilidades trabalhistas e
previdenciárias são também resguardadas, além do direito de transferir recursos. Interessante
que os estrangeiros poderão requerer residência em quaisquer dos Estados signatários,
independentemente de estarem em situação migratória regular ou irregular. Os que estiverem
em situação irregular ficam isentos de multas ou outras sanções administrativas relativas à sua
situação migratória. É concedida a residência temporária por dois anos; 90 dias antes de
terminar esse prazo, o estrangeiro pode requerer a transformação em residência permanente.

4. Condição jurídica do estrangeiro

Além dos direitos e garantias fundamentais, reconhece-se ao estrangeiro o gozo dos


direitos civis, com exceção do direito a trabalho remunerado (restrito aos estrangeiros
residentes), e dos direitos políticos.
A EC 19/98 permitiu a admissão de estrangeiros no serviço público nos termos da lei,
especialmente nas instituições universitárias de ensino e pesquisa (CF, art. 37, I, e 207, §1º).
A aquisição de imóvel por estrangeiro, embora condicionada, é assegurada até mesmo
na faixa de fronteira (CF, art. 190).
Restringem-se, contudo, aos nacionais, o direito de pesquisa e lavra de recursos
minerais e aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica, que é exclusivo de brasileiro
ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no país
(CF, art. 176, §1º).
Da mesma forma, a propriedade de empresa de radiodifusão sonora de sons e imagens
restringe-se a brasileiro nato ou naturalizado há mais de 10 anos (CF, art. 222) ou a pessoa
jurídica constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede no país.

11.DIREITOS POLÍTICOS
11.1 Direitos polı ́ticos. O papel da cidadania na concretização da Constituição. (15.b)

15B. Direitos Políticos. O papel da cidadania na concretização da Constituição 

Oswaldo Costa
 
DIREITOS POLÍTICOS: os direitos políticos formam a base do regime democrático, sendo que
a expressão ampla se refere ao direito de participação no processo político como um todo, ao
direito ao sufrágio universal e ao voto periódico, livre, direto e igual, à autonomia de
organização do sistema partidário, à igualdade de oportunidade dos partidos. Nos termos da
Constituição, a soberania popular se exerce pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e a iniciativa popular (art. 14,
CR). Podem ser positivos, aqueles que permitem a participação do indivíduo na vida política
do Estado: (a) sufrágio; (b) alistabilidade; (c) elegibilidade; ou negativos, que são
circunstâncias que restringem a elegibilidade: (a) inelegibilidade; (b) perda/suspensão dos
direitos políticos.

142
O PAPEL DA CIDADANIA NA CONCRETIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO: após a CR/88 se encontra
superada  a doutrina segundo a qual cidadania significa a prerrogativa de votar e ser votado,
ou seja, de quem tem direitos políticos. A concepção contemporânea de cidadania,
incorporada no Texto Constitucional, foi introduzida pela Declaração Universal de 1948 e
reiterada pela Conferência de Viena de 1993. De acordo com José Afonso da Silva, citado por
Mazzuoli, a cidadania, atualmente, “consiste na  consciência  de pertinência à sociedade
estatal como  titular dos direitos fundamentais, da dignidade da pessoa humana, da
integração participativa no processo do poder, com a igual consciência de que essa situação
subjetiva envolve também  deveres de respeito à dignidade do outro  e de  contribuir para
o  aperfeiçoamento de todos”.  OBS.: alguns doutrinadores ainda se referem à cidadania
apenas como o direito de votar e ser votado (cidadania ativa  e passiva), mas a atual
Constituição, ao elencar a cidadania como fundamento do Estado Democrático de Direito,
demonstra uma maior elasticidade  de seu conteúdo, como consignado por José Afonso da
Silva. Sobre o tema, esclareça-se que o STF referendou a abertura do conceito de cidadania
no julgamento do RE 436.966/2005 (INF 407), no qual assegurou para as crianças de zero a
cinco anos o direito à educação, considerando ser um “direito fundamental à cidadania”.

Sobre o tema, por ocasião do término dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte que
elaborou o texto constitucional de 1988, Ulisses Guimarães já exortava o papel fortemente
participativo que se imaginava proporcionar ao cidadão com a nova Constituição: “Pela
Constituição, os cidadãos são poderosos e vigilantes agentes de fiscalização através do
mandado de segurança coletivo; do direito de receber informações dos órgãos públicos, da
prerrogativa de petição aos poderes públicos, em defesa de direitos contra a ilegalidade ou
abuso do poder, da obtenção de certidões para defesa dos direitos; da ação popular, que
pode ser proposta por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao patrimônio público, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico, isento de custas judiciais; da fiscalização das contas
dos municípios por parte do contribuinte; podem peticionar, reclamar, representar ou
apresentar queixas junto às comissões das Casas do Congresso Nacional; qualquer cidadão,
partido político, associação ou sindicado são partes legítimas e poderão denunciar
irregularidades perante o Tribunal de Contas da União, do estado ou do município. A
gratuidade facilita a efetividade dessa fiscalização. A exposição panorâmica da lei
fundamental que hoje passa a reger a Nação permite conceitua-la, sinteticamente, como a
Constituição coragem, a Constituição cidadã, a Constituição federativa, a Constituição
representativa e participativa, a Constituição síntese Executivo-Legislativo, a Constituição
fiscalizadora”. (Ata da Assembleia Nacional Constituinte. Diário da Assembleia Nacional
Constituinte ano II, n. 308, 05.10.1988).
A respeito dos instrumentos postos na constituição em prol da cidadania cita-se, ainda, o
mandado de injunção, que, segundo Häberle, é uma prova da correção de sua tese da
sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, porque, nesse caso, o cidadão torna-se
legislador indiretamente mediante sua reclamação ao STF. O citado autor ainda esclarece que
o paradigma da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição significa que cada cidadão e
cada partido político que vive na Constituição são co-intérpetes desta Constituição,
mormente porque o Poder Judiciário possui legitimação democrática apenas indireta, sendo
que primeiro poder da República é o Parlamento. O legislador parlamentar tem legitimidade
direta, pois é eleito pelo povo e, por isso, é importante que a sociedade também tenha
espaço para participar da interpretação da Constituição.

Assim, além do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, a participação do cidadão é uma


peça fundamental na concretização e na efetivação dos direitos.

12.FEDERAÇÃO BRASILEIRA
12.1 União Federal: competência e bens. (7.b)
12.2 Estado-membro. Competência. Autonomia. Bens. (3.c)

143
12.3 Municı ́pio: criação, competência, autonomia. Regiões metropolitanas. (5.c)
12.4 Intervenção federal nos Estados e intervenção estadual nos Municı ́pios. (10.c)

7B. União Federal: competência e bens.

Atualizado por Igor Lima Goettenauer de Oliveira

I. Introdução

Segundo Novelino, “fruto de uma aliança entre Estados, a União é uma pessoa jurídica
dotada de capacidade política existente apenas em Estados federais. Possui competência para
atuar em nome próprio e em nome da federação. A União, pessoa jurídica de direito público
interno, não se confunde com a República Federativa do Brasil, que é uma pessoa jurídica de
direito público internacional formada pela união dos Estados, DF e Municípios. Por fim, a
União, assim como os demais entes que compõem a federação brasileira, possui apenas
autonomia, apesar de exercer as atribuições decorrentes da soberania do Estado brasileiro”.

II. Competência

“A competência consiste na capacidade jurídica de agir atribuída aos entes estatais,


seja para editar normas primárias capazes de inovar o ordenamento jurídico (competências
legislativas), seja para executar atividades de conteúdo individual e concreto, previstas na lei,
voltadas à satisfação do interesse público (competências administrativas)”. Vejamo-las:

a) Competência administrativa (competência não legislativa ou competência material) “A


sistemática de repartição de competências administrativas seguiu fielmente o modelo dualista
norte-americano, adotando como base o princípio da execução direta pela pessoa competente
para legislar sobre o tema. Dentre as competências enumeradas, a União possui duas espécies
de competências administrativas:
i) comum (cumulativa, concorrente, administrativa ou paralela) -exercida pela União,
Estados, DF e Municípios (CF, art. 23);
ii) exclusiva – exercitável somente pela União, abrange temas que envolvem o exercício
soberano, ou que, por motivo de segurança ou eficiência devem ser objeto de atenção do
governo central (CF, art.21)”.

b) Competência legislativa : competência para elaboração de leis. Subdivide-se em:


i) Privativa: Prevista no art. 22 da CF, pode ser objeto de delegação. “Inspirada no modelo
germânico, a Constituição permitiu que a União, por LC, autorize os Estados a legislar sobre
questões específicas das matérias de sua competência privativa”, conforme parágrafo único de
citado artigo;
ii) concorrente: prevista no art. 24, CRFB. Estabelece um “condomínio legislativo” enrte a
União e os Estados-membros, cabendo àquela legislar sobre normas gerais e a esses legislarem
sobre normas específicas, suplementando as normas gerais. Em caso de inércia da União e
ausência de normas gerais, os Estados-membros poderão exercer competência plena,
legislando sobre normas gerais e específicas. Se a União elaborar as normas gerais, as normas
estaduais que forem contrárias às normas gerais ficarão suspensas;
iii) competência tributária expressa: art. 153, CRFB;
iv) competência tributária residual: art. 154, I, CRFB;
v) competência tributária extraordinária: art. 154, II, CRFB.

III. Bens da União

Aduz Novelino que, “os bens públicos pertencentes à União podem ser agrupados em

144
três categorias:
i) bens de uso comum–permitem o livre acesso e a utilização de todos;
ii) bens de uso especial–destinam- se à utilização da AP e ao funcionamento do governo
federal;
iii) bens dominicais–são aqueles passíveis de alienação, porquanto têm natureza jurídica
semelhante à dos bens privados, já que não afetos a nenhum interesse público. Tais bens
estão relacionados no art. 20 da CF, tais como, os recursos naturais da plataforma continental
e da ZEE; o mar territorial; as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-
históricos; as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”. Quanto às terras
tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, decidiu o STF que a destruição de acessões
nelas feitas pode configurar crime de dano qualificado (art. 163, pár. único, III, CP)( STF. 2ª
Turma. Inq 3670/RR)

IV. Jurisprudência e súmulas de relevo

-> Lei estadual que disponha sobre bloqueadores de sinal de celular em presídio invade a
competência da União para legislar sobre telecomunicações. STF. Plenário. ADI 3835/MS;
-> É INCONSTITUCIONAL lei estadual que prevê prazos máximos para que as empresas de
planos de saúde autorizem exames médicos aos usuários. Isso porque se trata de lei que
dispõe sobre direito civil, direito comercial e política de seguros, matérias que são de
competência da União (art. 22, I e VII, da CF/88). STF. Plenário. ADI 4701/PE;
-> É INCONSTITUCIONAL norma da Constituição Estadual que disponha as atribuições para a
defesa dos direitos e interesses das populações indígenas. Isso porque somente a União pode
legislar sobre a matéria, conforme determina o art. 22, XIV, da CF/88. STF. 1ª Turma. ADI
1499/PA;
-> É inconstitucional lei estadual que exija Certidão negativa de Violação aos Direitos do
Consumidor dos interessados em participar de licitações e em celebrar contratos com órgãos e
entidades estaduais. Esta lei é inconstitucional porque compete privativamente à União
legislar sobre normas gerais de licitação e contratos (art. 22, XXVII, da CF/88). STF. Plenário.
ADI 3.735/MS;
-> A lei estadual que trata sobre revalidação de títulos obtidos em instituições de ensino
superior dos países membros do MERCOSUL afronta o pacto federativo (art. 60, §4º, I, da
CF/88) na medida em que usurpa a competência da União para dispor sobre diretrizes e bases
da educação nacional (art. 22, XXIV). STF. Plenário. ADI 5341 MC;
-> A União não tem legitimidade passiva em ação de indenização por danos decorrentes de
erro médico ocorrido em hospital da rede privada durante atendimento custeado pelo Sistema
Único de Saúde (SUS). De acordo com a Lei 8.080/90, a responsabilidade pela fiscalização dos
hospitais credenciados ao SUS é do Município, a quem compete responder em tais casos. STJ.
1ª Seção. EREsp 1.388.822-RN;
-> A EC 46/2005 não interferiu na propriedade da União, nos moldes do art. 20, VII, da
Constituição Federal, sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos situados em ilhas
costeiras sede de Municípios. STF. Plenário. RE 636199/ES

SV 2: É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistema
de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loteriais.
SV 38: É competente o município para fixar horário de funcionamento de estabelecimento
comercial;
SV 39: Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das polícias
civil e militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal;
SV 46: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas
de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União.
SV 49: ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de
estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.

145
3C. Estado-membro. Competência. Autonomia. Bens.

Responsável: Adriano Augusto Lanna de Oliveira


Obras consultadas: 28º Graal; Curso de Direito Constitucional (Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco); Curso de
Direito Constitucional Uadi Lammêgo Bulos); Direito Constitucional Esquematizado (Pedro Lenza); Diereito Constitucional – Teoria,
história e métodos de trabalho (Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento); Representações da PFDC.

I. Estado-membro

Natureza jurídica dos Estados-membros: os Estados-membros são ordenações


jurídicas parciais, que atuam como núcleos autônomos de poder, com legislação, governo e
jurisdição próprios, exercendo as competências que lhes são deferidas pela Constituição
Federal. Os Estados-membros não possuem soberania – só o Estado Federal (República) é
dotado de soberania –, mas mera autonomia. Entre Estados e União não há hierarquia,
convivendo todos em um mesmo nível jurídico.

Formação dos Estados: a divisão político-administrativa interna do país poderá ser


alterada com a constituição de novos Estados-membros, pois a estrutura territorial interna não
é perpétua. A Constituição prevê essa possibilidade no art. 18, §3º. Temos as seguintes
hipóteses:

 Fusão: dois ou mais Estados se unem com outro nome, perdendo sua
personalidade jurídica;
 Cisão: um Estado divide-se em vários novos Estados-membros, desaparecendo
o Estado originário;
 Desmembramento: há a separação de uma ou mais partes do Estado-membro,
sem que ocorra a perda da identidade do Estado-ente primitivo. Há duas
possibilidades de desmembramento:
o Desmembramento anexação: a parte desmembrada anexa-se a outro
Estado-membro.
o Desmembramento formação: a parte desmembrada constitui um
novo Estado-membro.

A formação de Estados exige, além dos requisitos do art. 18, § 3º, CR, a observância
dos requisitos previstos no art. 48, VI, CR: a) realização de plebiscito: trata-se de requisito de
procedibilidade do processo legislativo da lei complementar; b) audiência das Assembleias
Legislativas; c) aprovação pelo Congresso Nacional: exige-se quórum de maioria absoluta,
exigido para a edição da lei complementar; d) lei complementar.

Observação: os Estados podem, mediante lei complementar, instituir regiões


metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamento de
Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções
públicas de interesse comum.

II. Competência

A competência dos Estados-membros se divide em:

a) Competência material (administrativa): trata-se da competência não-legislativa


atribuída aos Estados. Ela se divide sem:

146
 Competência material comum: são as competências materiais atribuídas a
todos os entes federativos, prevista no art. 23 da CR.
 Competência material residual: trata-se da competência material que não é
vedada ao Estado-membro e que lhe sobra, após a enumeração das
competências não-legislativas dos outros entes federativos (art. 25, § 1º, CR).

b) Competência legislativa: trata-se da competência para elaborar leis. Divide-se em:

 Expressa: prevista no art. 25 da CR, é essencial para o exercício da auto-


organização por parte do Estado-membro.
 Residual (remanescente ou reservada): toda competência que não for vedada
e não for atribuída exclusivamente aos outros entes federativos cabe
residualmente aos Estados (art. 25, § 1º, CR).
 Delegada pela União: a União pode, por meio de lei complementar, delegar
aos Estados a competência para legislar sobre questões específicas das
matérias de sua competência privativa.
 Concorrente: o art. 24 da CR traz as matérias que podem ser legisladas
concorrentemente pela União (normas gerais) e pelos Estados (normas
específicas).
 Suplementar: ocorre quando o Estado-membro suplementa a competência
legislativa concorrente da União. Divide-se em:
o Competência suplementar complementar: neste caso, a União
exerceu sua competência legislativa concorrente, editando norma
geral sobre determinado assunto e o estado complementa tal
legislação, editando norma específica sobre a questão.
o Competência suplementar supletiva: configura-se quando há inércia
legislativa por parte da União, que não edita norma geral sobre
determinado assunto. Nesse caso, o Estado exerce, temporariamente,
competência plena sobre a matéria, legislando não só sobre questões
específicas e de interesse regional, como também editando a própria
norma geral. Na superveniência de lei federal, editando a União norma
geral sobre o assunto legislado pelo Estado-membro, a norma editada
pelo ente federal no exercício da competência suplementar supletiva
será suspensa.
 Competência tributária expressa: ver art. 155 da CR.

Observação: segundo o STF, a competência legislativa do Estado-membro para dispor


sobre educação e ensino (art. 24, IX, CR – competência concorrente) autoriza a fixação, por lei
local, do número máximo de alunos em sala de aula, no afã de viabilizar o adequado
aproveitamento dos estudantes. Por outro lado, nas representações feitas pela PFDC sobre a
edição de normas estaduais disciplinando a Escola sem partido, um dos argumentos
apontados para sua inconstitucionalidade é justamente a invasão de competência da União
para editar normas gerais, o que viola o pacto federativo: tendo em vista que a União editou a
Lei 9.394/96 (Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional), os Estados-membros e o
Distrito Federal não podem suplementar a legislação nacional em sentido diverso do previsto
na referida lei, que, em seu art. 3º, III, garante o “pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas”.

147
Observação: Pedro Lenza afirma que os serviços de gás canalizado serão explorados
diretamente pelos Estados ou mediante concessão, na forma da lei, vedando-se a
regulamentação da referida matéria por medida provisória.

III. Autonomia

A autonomia dos Estados federados se consubstancia na sua capacidade de auto-


organização, autogoverno, autolegislação e auto-administração. Conforme já apontado, a
autonomia, própria de todos os Entes-federados (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios) não se confunde com soberania, que é própria do Estado Federal (República) e
pode ser exercida tanto interna quanto externamente, embora tal exercício seja, como
reconhecido pela doutrina moderna, limitado (ver Direito Internacional, ponto 2.b.).

a) Auto-organização: é a capacidade de o Estado federado estabelecer Constituição


própria. A auto-organização deve observar os seguintes princípios:

 Princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII, da CR): a inobservância dos


princípios sensíveis pode acarretar sanção política, como a intervenção
federal.
 Princípios federais extensíveis: são normas centrais comuns à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Tais princípios praticamente não
existem na CR.
 Princípios constitucionais estabelecidos: são normas que, além de
organizarem a própria federação, estabelecem preceitos centrais de
observância obrigatória aos Estados-membros em sua auto-organização.

b) Autolegislação: é a capacidade de o Estado federado estatuir legislação peculiar,


num âmbito territorial delimitado.

c) Autoadministração: é a capacidade de gerir negócios próprios, pela ação


administrativa do governador, com base nas competências administrativas, legislativas e
tributárias. Destaque-se, aqui, a competência tributária, pois a capacidade financeira do
Estado é essencial para o exercício da autoadministração.

d) Autogoverno: é a capacidade de o Estado-membro organizar o seu governo,


mediante a eleição de representantes. Envolve a eleição do Poder Executivo estadual, o
processo legislativo estadual, a organização das Justiças Estaduais, etc.

Observação: o STF vem aplicando o princípio da simetria, que funcionaria como limite
ao poder constituinte decorrente, de forma que detalhes no arranjo institucional previstos na
Constituição da República deveriam ser reproduzidos no âmbito do Estado-membro. Daniel
Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto criticam tal princípio, alegando que ele não se
compatibiliza com o federalismo, que é um sistema que visa a promover o pluralismo nas
formas de organização política. Segundo tais autores, essa orientação impede que os Estados-
membros exerçam experiências institucionais inovadoras nos governos locais (laboratórios da
democracia), inibindo uma das mais interessantes funções do federalismo, que é permitir a
inovação dos arranjos institucionais e, assim, a própria evolução da organização estatal.

O pluralismo político, nesta mesma toada, reclama o abandono de qualquer leitura


excessivamente inflacionada das competências normativas da União, o que reforça o
princípio federativo brasileiro.

IV. Bens

148
Nos termos do artigo 26 da Constituição Federal, incluem-se entre os bens dos
Estados-membros: a) as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em
depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; b) as
áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob
domínio da União, Municípios ou terceiros; c) as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à
União; d) as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

Cumpre fazer rápidos comentários sobre as terras devolutas, dado que a PFDC
apresentou representação à PGR em 2017 para oferecer argumentos para a elaboração de
parecer na ADI nº 5.623: com a Constituição da República de 1891, as terras devolutas foram
transferidas para os Estados, mantendo-se na propriedade da União aquelas situadas na faixa
de fronteira, modelo em que se baseou a Constituição da República de 1988 (v. art. 20, II e §
2º, CR). Tendo em vista a mutabilidade legal acerca dos requisitos legais para a venda de tais
bens, diversos Estados acabaram vendendo terras devolutas que se encontram na faixa de
fronteira e que, consequentemente, eram de domínio da União. Para evitar que a União
simplesmente retomasse o domínio de tais terras, tendo em vista que tal venda foi feita por
meio de títulos de domínio nulos, foram editadas leis prevendo a possibilidade de o particular
requerer a ratificação do registro do respectivo móvel perante o órgão competente, desde
que houvesse cumprimento dos objetivos previstos no art. 188 e no Estatuto da Terra, qual
seja, a promoção de reforma agrária, o cumprimento à função social da propriedade e a
ocupação da terra para cultura efetiva e moradia habitual. Tendo em vista que vários
registros imobiliários não foram submetidos à ratificação, sobreveio a Lei 13.178/15, objeto da
supracitada ADI, que prevê praticamente a ratificação automática e ex officio dos registros
imobiliários quando a área for inferior a quinze módulos fiscais, sem exigir, nos outros casos, o
cumprimento dos pressupostos constitucionais acima apontados (art. 188 da CR). Por tudo
isso, defende a PFDC que a norma questionada é inconstitucional.

5C. Município: criação, competência, autonomia. Regiões metropolitanas.

Renan Lima

BREVE HISTÓRICO: De acordo com HELY LOPES MEIRELLES, o município, enquanto unidade
político-administrativa, “surgiu com a República Romana, interessada em manter a dominação
pacífica das cidades conquistadas pelas forças de seus exércitos. Os vencidos ficavam sujeitos,
desde a derrota, às imposições do Senado, mas, em troca de sua sujeição e fiel obediência às
leis romanas, a República lhes concedida certas prerrogativas que variavam desde simples
direitos privados até o privilégio de eleger seus governantes e dirigir a própria cidade”.
No que se refere ao histórico dos municípios no Brasil, HELY LOPES leciona que, no período da
Constituição Imperial de 1824, “as Municipalidades não passaram de uma divisão territorial,
sem influência política e sem autonomia na gestão de seus interesses”, em razão da previsão
em lei regulamentar que “as Câmaras eram corporações meramente administrativas”. Com o
passar os tempos os municípios foram adquirindo paulatinamente mais funções e mais
autonomia. No entanto, somente com a Constituição de 1988 que o município foi consagrado
como ente federativo autônomo, integrante da República Federativa do Brasil, com
capacidades e competências próprias.

NATUREZA JURÍDICA: Pessoa jurídica de direito público interno. Trata-se de ente federado,
dotado de autonomia política, conforme previsão expressa dos artigos 1º e 18 da CRFB/88.

CRIAÇÃO DE MUNICÍPIO: O art. 18, §4º, da CF prevê os requisitos para criação, incorporação,
fusão e o desmembramento de Municípios, quais sejam: i) edição de Lei Complementar

149
Federal estabelecendo o período dentro do qual poderá ocorrer a criação, a incorporação, a
fusão ou o desmembramento de município (obs: a EC 57/2008 convalidou os municípios cuja
criação, incorporação, fusão ou desmembramento ocorreu até 31/12/2006 sem a observância
deste requisito, desde que observadas as regras estabelecidas na legislação do respectivo
Estado); ii) divulgação dos estudos de viabilidade, nos termos previstos em lei ordinária
federal; iii) consulta prévia às populações dos municípios envolvidos; e iv) edição de lei
ordinária estadual, criando o novo município, desde que dentro do período previsto na Lei
Complementar Federal.

Precedentes sobre o tema:


STF: “Lei Estadual que cria o Município pode ser objeto de ADI. Ainda que não seja em si
mesma uma norma jurídica, mas ato com forma de lei, que outorga status municipal a uma
comunidade territorial, a criação de Município, pela generalidade dos efeitos que irradia, é um
dado inovador, com força prospectiva, do complexo normativo em que se insere a nova
entidade política: por isso, a validade da lei criadora, em face da Lei Fundamental, pode ser
questionada por ação direta de inconstitucionalidade” (MC na ADI 2.381-RS, rel. Min.
Sepulveda Pertence, j. 20/06/2001).
STF: “Seja qual for a modalidade de desmembramento proposta, a validade da lei que o efetive
estará subordinada, por força da Constituição, ao plebiscito, vale dizer, à consulta prévia das
"populações diretamente interessadas" – conforme a dicção original do art. 18, § 4º – ou "às
populações dos Municípios envolvidos" – segundo o teor vigente do dispositivo” (ADI 2.967,
rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 12-2-2004, P, DJ de 19-3-2004).
STF: “Uma vez cumprido o processo de desmembramento de área de certo Município, criando-
se nova unidade federativa, descabe, mediante lei estadual, mera revogação do ato normativo
que o formalizou. A fusão há de observar novo processo e, portanto, prévia consulta
plebiscitária às populações dos entes políticos diretamente envolvidos, por força do art. 18, §
4º, da CF” (ADI 1.881, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 10-5-2007).
STF: “Lei que altera limites geográficos do município também tem que se submeter ao
plebiscito” (ADI 1262).

AUTONOMIA MUNICIPAL: Autonomia é a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios,


dentro de um círculo prefixado por entidade superior. Não se confunde, portanto, com
soberania.
Há entendimento minoritário (José Afonso da Silva) sustentando que o município seria ente
meramente administrativo, e não federativo, pelos seguintes motivos: (i) a Federação não é de
Municípios, mas sim de Estados; ii) os Municípios não participam da formação da vontade
federal, mas apenas os Estados, por meio de seus representantes no Senado Federal; (iii) a
intervenção nos municípios fica a cargo do respectivo Estado e não da União; (iv) a criação,
incorporação, fusão ou desmembramento de Municípios se dá por lei estadual; v) os
Municípios não mantém Poder Judiciário e dependem de órgãos jurisdicionais estaduais ou
federais para aplicação do Direito com força definitiva. Trata-se, no entanto, de
posicionamento minoritário, em oposição ao consagrado pelo STF.
Com efeito, o entendimento amplamente majoritário é de que os municípios são entidades
que integram a federação e possuem autonomia, pois detém capacidade de auto-organização,
autogoverno, autolegislação e autoadministração:
i) AUTO-ORGANIZAÇÃO (art. 29, caput, da CF): Os Municípios se organizam por Lei Orgânica,
votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, aprovada por no mínimo dois
terços dos membros da Câmara Municipal (obs: prevalece que a Lei Orgânica não configura
manifestação do Poder Constituinte Derivado Decorrente);
ii) AUTOLEGISLAÇÃO (art. 30 da CF): Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de
interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
iii) AUTOGOVERNO (art. 29, incisos I, II, III e IV, da CF): Os Municípios são governados/dirigidos
por representantes próprios (Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores), eleitos pelos cidadãos;

150
iv) AUTOADMINISTRAÇÃO (art. 30, incisos III a IX, da CF): Os Municípios possuem
competências administrativas expressas e implícitas, além daquelas decorrentes da sua
competência para legislar sobre assuntos de interesse local.

Além disso, os Municípios também podem instituir tributos (art. 156 da CF), o que demonstra
que, além da autonomia política, normativa e administrativa, a CF ainda atribuiu autonomia
financeira a tais entes. Diante desse quadro, MARCELO NOVELINO afirma que “não há no
direito comparado grau de autonomia equivalente ao conferido pela Constituição de 1988 aos
municípios brasileiros”. E conclui que: “No Brasil, os Municípios possuem âmbitos exclusivos
de competências políticas (legislativas e de governo), razão pela qual não há como negar-lhes a
condição de verdadeiros entes federativos”. Na mesma linha, HELY LOPES MEIRELLES leciona
que: “Em face dessas atribuições, já não se pode sustentar – como sustentavam alguns
publicistas – ser o Município entidade meramente administrativa. Diante de atribuições tão
eminentemente políticas e de um largo poder de autogoverno, sua posição atual no seio da
Federação é de entidade político-administrativa de terceiro grau”.

STF: “A CF conferiu ênfase à autonomia municipal ao mencionar os Municípios como


integrantes do sistema federativo (art. 1º da CF/1988) e ao fixá-la junto com os Estados e o
Distrito Federal (art. 18 da CF/1988). A essência da autonomia municipal contém
primordialmente (i) autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos
interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina
a eleição do chefe do Poder Executivo e dos representantes no Legislativo. O interesse comum
e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia
municipal. O mencionado interesse comum não é comum apenas aos Municípios envolvidos,
mas ao Estado e aos Municípios do agrupamento urbano” (ADI 1.842, rel. min. Gilmar Mendes,
j. 6-3-2013, P, DJE de 16-9-2013).
STF: “A autonomia municipal erige-se à condição de princípio estruturante da organização
institucional do Estado brasileiro, qualificando-se como prerrogativa política, que, outorgada
ao Município pela própria Constituição da República, somente por esta pode ser validamente
limitada” (RE 702.848, rel. min. Celso de Mello, dec. Monocrática).
STF: “O poder constituinte dos Estados-membros está limitado pelos princípios da Constituição
da República, que lhes assegura autonomia com condicionantes, entre as quais se tem o
respeito à organização autônoma dos Municípios, também assegurada constitucionalmente.
O art. 30, I, da Constituição da República outorga aos Municípios a atribuição de legislar sobre
assuntos de interesse local. A vocação sucessória dos cargos de prefeito e vice-prefeito põe-se
no âmbito da autonomia política local, em caso de dupla vacância. Ao disciplinar matéria, cuja
competência é exclusiva dos Municípios, o art. 75, § 2º, da Constituição de Goiás fere a
autonomia desses entes, mitigando-lhes a capacidade de auto-organização e de autogoverno e
limitando a sua autonomia política assegurada pela Constituição brasileira” (ADI 3.549, rel.
min. Cármen Lúcia, j. 17-9-2007, P, DJ de 31-10-2007).
STF: “Viola a autonomia dos Municípios (art. 29, IV, da CF/1988) lei estadual que fixa número
de vereadores ou a forma como essa fixação deve ser feita” (ADI 692, rel. min. Joaquim
Barbosa, j. 2-8-2004, P, DJ de 1º-10-2004).

Vale ressaltar, ademais, que a autonomia municipal configura princípio constitucional


sensível, nos termos do art. 34, inciso VII, alínea “c”, da CF. Assim, caso não seja observada a
autonomia municipal pelo Estado, caberá intervenção federal.

COMPETÊNCIA: O Município dispõe de duas hipóteses de competência legislativa: i) o art. 30,


inciso I, da CF, prevê que compete ao município legislar sobre assuntos de interesse local; ii) o
art. 30, inciso, da CF estabelece que compete ao Município “suplementar a legislação federal
e a estadual no que couber”.

151
Além disso, a competência administrativa (“material”) dos Municípios divide-se em: i)
competência comum, cujas hipóteses estão previstas no art. 23 da CF; e ii) competência
exclusiva, cujas hipóteses estão previstas no art. 30, incisos III a IX, da CF.

STF: Súmula Vinculante 49 – “Ofende o princípio da livre concorrência lei municipal que
impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”.
STF: Súmula Vinculante 38 – “É competente o Município para fixar o horário de funcionamento
de estabelecimento comercial”.
STF: Súmula 419 – “Os municípios têm competência para regular o horário do comércio local,
desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas”.
STF: Repercussão Geral – “O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com
União e Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e harmônico
com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da CRFB)”
[RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P Tema 145].
STF: Repercussão Geral – “É inconstitucional norma municipal que impõe sanção mais gravosa
que a prevista no CTB, por extrapolar a competência legislativa suplementar do Município
expressa no art. 30, II, da CF”. Neste sentido: ARE 638.574/ MG, rel. min. Gilmar Mendes, DJE
de 14-4-2011. Esta Corte possui ainda jurisprudência firmada no sentido de que compete
privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte, impossibilitados os Estados-
membros e Municípios a legislar sobre a matéria enquanto não autorizados por lei
complementar [ARE 639.496 RG, voto do rel. min. Cezar Peluso, j. 16-6-2011, P, DJE de 31-8-
2011, Tema 430].
STF: Repercussão Geral – “Definição do tempo máximo de espera de clientes em filas de
instituições bancárias. Competência do Município para legislar. Assunto de interesse local.
Ratificação da jurisprudência firmada por esta Suprema Corte” [RE 610.221 RG, rel. min. Ellen
Gracie, j. 29-4-2010, P, DJE de 20-8-2010, Tema 272].
STF: “Os Municípios podem legislar sobre direito ambiental, desde que o façam
fundamentadamente. (...) A Turma afirmou que os Municípios podem adotar legislação
ambiental mais restritiva em relação aos Estados-membros e à União. No entanto, é
necessário que a norma tenha a devida motivação” (ARE 748.206 AgR, rel. min. Celso de Mello,
j. 14-3-2017, 2ª T, Informativo 857).
STF: O município tem competência para editar normas suplementares relativas à segurança
dos estabelecimentos bancários, como a instalação de sistema de monitoração e gravação
eletrônica de imagens nos terminais de autoatendimento, nos termos dos artigos 30, I e II, e
182 da CF (ARE 784.981 AgR, rel. min. Rosa Weber, j. 17-3-2015, 1ª T, DJE de 7-4-2015).
STF: “O Município pode editar legislação própria, com fundamento na autonomia
constitucional que lhe é inerente (CF, art. 30, I), com o objetivo de determinar, às instituições
financeiras, que instalem, em suas agências, em favor dos usuários dos serviços bancários
(clientes ou não), equipamentos destinados a proporcionar-lhes segurança (tais como portas
eletrônicas e câmaras filmadoras) ou a propiciar-lhes conforto, mediante oferecimento de
instalações sanitárias, ou fornecimento de cadeiras de espera, ou, ainda, colocação de
bebedouros” (AI 347.717 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 31-5-2005, 2ª T, DJ de 5-8-2005).
STF: “Os Municípios são competentes para legislar sobre questões que respeitem a edificações
ou construções realizadas no seu território, assim como sobre assuntos relacionados à
exigência de equipamentos de segurança, em imóveis destinados a atendimento ao público”
(AI 491.420 AgR, rel. min. Cezar Peluso, j. 21-2-2006, 1ª T, DJ de 24-3-2006).
STF: “A imposição legal de um limite ao tempo de espera em fila dos usuários dos serviços
prestados pelos cartórios não constitui matéria relativa à disciplina dos registros públicos, mas
assunto de interesse local, cuja competência legislativa a Constituição atribui aos Municípios”
(RE 397.094, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 29-8-2006, 1ª T, DJ de 27-10-2006).

152
INICIATIVA POPULAR DE LEIS EM ÂMBITO MUNICIPAL: Nos termos do art. 29, inciso XIII, da
CF, a iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de
bairros, depende da manifestação de, pelo menos, 5% (cinco por cento) do eleitorado.

REGIÕES METROPOLITANAS: As regiões metropolitanas são zonas com forte urbanização


constituídas por um conjunto de cidades que, com o passar do tempo e a expansão de seus
territórios, foram aproximando seus limites geográficos, num processo denominado de
conurbação, que faz com que se forme uma imensa aglomeração na qual as cidades vão
perdendo seus limites físicos entre si.
A Lei nº 13.089/2015 (Estatuto da Metrópole) prevê, em seu art. 2º, inciso VII, o seguinte
conceito de região metropolitana: unidade regional instituída pelos Estados, mediante lei
complementar, constituída por agrupamento de Municípios limítrofes para integrar a
organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.
Até a promulgação da CF/1988, a competência para instituir regiões metropolitanas era
exclusiva da União, mediante da edição de Lei Complementar Federal (LCF). Com fundamento
nessa competência, a União editou a LC Federal n.º 14/1973, instituindo as regiões
metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e
Fortaleza. Todavia, a partir promulgação da Constituição de 1988, a instituição de regiões
metropolitanas passou a depender de Lei Complementar Estadual (LCE), nos termos do art.
25, §3º, da CRFB/88 e, recentemente, do art. 3º do Estatuto da Metrópole.
As regiões metropolitanas não constituem novo ente federativo, sendo apenas um
instrumento de integração para organização, planejamento e execução de funções e serviços
de interesse comum.
A criação de uma região metropolitana, de aglomeração urbana ou de microrregião deve ser
precedida de estudos técnicos e audiências públicas que envolvam todos os Municípios
pertencentes à unidade territorial (art. 3º, §2º, do Estatuto da Metrópole). Além disso, a
instituição de região metropolitana ou de aglomeração urbana que envolva Municípios
pertencentes a mais de um Estado será formalizada mediante a aprovação de leis
complementares pelas assembleias legislativas de cada um dos Estados envolvidos (art. 3º,
§4º, do Estatuto da Metrópole).
O Estado e os Municípios inclusos em região metropolitana ou em aglomeração urbana
formalizada e delimitada na forma do art. 3º do Estatuto da Metrópole deverão promover a
governança interfederativa, que consiste no compartilhamento de responsabilidades e ações
entre entes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de funções
públicas de interesse comum.
Ademais, a CF/1988, a par das regiões metropolitanas, previu a possibilidade de criação de
aglomerações urbanas e de microrregiões, acrescendo o requisito de os municípios serem
limítrofes.
Deve-se atentar para outros conceitos previstos na Lei nº 13.089/2015, de modo a não
confundi-los: i) Metrópole - espaço urbano com continuidade territorial que, em razão de sua
população e relevância política e socioeconômica, tem influência nacional ou sobre uma região
que configure, no mínimo, a área de influência de uma capital regional, conforme os critérios
adotados pelo IBGE; e ii) área metropolitana: representação da expansão contínua da malha
urbana da metrópole, conurbada pela integração dos sistemas viários, abrangendo,
especialmente, áreas habitacionais, de serviços e industriais com a presença de deslocamentos
pendulares no território.

OBS.: As regiões metropolitanas, criadas por LCE, não se confundem com as regiões
administrativas previstas no art. 43 da CF/1988, criadas por LCF, a exemplo da SUDAM,
SUDENE, SUDECO e SUFRAMA, cujo escopo é o fomento ao desenvolvimento dessas regiões e
a redução das desigualdades regionais, compreendendo, cada uma, um mesmo complexo
geográfico e social.

153
STF: ADI 2809/RS. A LCE não é de iniciativa exclusiva do Governador do Estado (art. 61, §1º, II
“e” da CF/1988), sendo constitucional a LCE cuja iniciativa foi deflagrada pela Assembleia
Legislativa.
STF: ADI 1841/RJ. Objeto: Art. 357, parágrafo único da CE/RJ: “a participação de qualquer
município em uma região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião dependerá de
prévia aprovação pela respectiva Câmara Municipal”. CONCLUSÃO DO STF: É inconstitucional a
previsão em CE de requisito não previsto na CF/1988 (LCE e Municípios limítrofes) para a
instituição de região metropolitana, tal como a necessidade de prévia aprovação pela Câmara
Municipal interessada .
STF: ADI 796/ES. É inconstitucional a previsão em CE de requisito não previsto na CF/1988 para
a instituição de região metropolitana, tal como a necessidade de prévia consulta plebiscitária
às populações interessadas.

Questões Objetivas
MPF\27 - Viola o princípio da livre concorrência a lei municipal que estabelece o horário de
funcionamento de farmácias. Assertiva incorreta.

10C. Intervenção federal nos Estados e intervenção estadual nos Municípios.

Graal Oral 28º CPR

Intervenção Federal nos Estados e no DF: hipóteses previstas taxativamente no art. 34


da CF, que devem ser interpretadas restritivamente, por se tratarem de situação excepcional.
Espécies:
- espontânea – Presidente da República age de ofício (art. 34, I, II, III e V);
- provocada por solicitação (arts. 34, IV e 36, I, primeira parte) – depende de solicitação
do Poder Legislativo ou Executivo.
- provocada por requisição (arts. 34, IV, VI, segunda parte, e 36, I, segunda parte) –
depende de requisição do STF, STJ ou TSE. (i) Decisão judicial não precisa ter transitado em
julgado (STF, IF 94). (ii) Se for decisão da Justiça do Trabalho, é competente o STF (IF 230, 231,
232), assim como se for decisão da Justiça Militar da União. (iii) Se a decisão não tiver sido
apreciada em instância extraordinária, deve ser requerida ao Presidente do TJ, que, se
entender pertinente, remete a questão ao STF (IF 105-QO). (iv) O STF será competente para
apreciar o pedido de intervenção se a causa em que a decisão ou ordem judicial desrespeitada
fundamentar-se em normas constitucionais; caso a decisão tenha se fundado em normas
infraconstitucionais, a competência será do STJ, tribunal para o qual convergem a Justiça
Comum estadual e federal.
- ADI Interventiva (arts. 34, VII, e 36, III, primeira parte) - tutela os chamados princípios
sensíveis. STF entende que o princípio da dignidade da pessoa humana pode servir de base,
mas o desrespeito não pode se cuidar de fato isolado (IF 114/MT).
Diferenças com as demais ações de controle de constitucionalidade: Legitimidade
apenas do PGR - Gilmar Mendes entende que atua como representante judicial da União
(MENDES, 2008, p. 1.226). Não se trata de processo de controle abstrato de normas. Não é
processo objetivo, há uma relação processual contraditória entre União e Estado-membro.
Provimento de representação do PGR perante o STF no caso dos arts. 34, VI, 1ª parte e
36, III, 2ª parte: a intervenção para execução de lei federal se refere àquela recusa à aplicação
da lei que gera prejuízo generalizado e em que não cabe solução judiciária para o problema.
Não é qualquer descumprimento que enseja a intervenção.
Competência para decretação: privativa do Presidente da República (art. 84, X, da CF),
com previsão de oitiva (sem vinculação), a intervenção espontânea, dos Conselhos de
República (art. 90, I, da CF) e Defesa Nacional (art.91,
§1º, II, da CF). No caso de provimento de representação do PGR perante o STF, este deverá
encaminhar a decisão ao Presidente, que, em até 15 dias, expeça decreto de intervenção e

154
nomeie, nesse mesmo decreto, o interventor, se couber (Lei 12.562/2011, art. 11).
Controle político: exercido em 24 horas pelo Congresso Nacional, que, se rejeitar a
intervenção, vincula o Presidente, sob pena de prática de crime de responsabilidade por este.
O controle é dispensado nas hipóteses do art. 36,
§3º, da CF. Nestas hipóteses, o decreto limita-se a suspender o ato impugnado, se esta medida
for suficiente. Caso não seja, decreta-se a intervenção federal e, neste caso, incide o controle.
Nas hipóteses de intervenção por solicitação e espontânea, o Presidente exerce juízo
discricionário. Nas demais, encontra-se vinculado.

Intervenção estadual nos Municípios: as hipóteses estão previstas nos incisos do art. 35
da CF. Em regra, o procedimento é o mesmo da intervenção federal (aplicado o princípio da
simetria – p. ex.: competência privativa do Governador).
Súmula 637 do STF: não cabe recurso extraordinário contra acórdão de TJ que defere
pedido de intervenção estadual em município.
ADI Interventiva Estadual: competência do TJ local. Legitimidade ativa do PGJ. Controle
político realizado pela Assembleia Legislativa, sendo dispensado na hipótese de provimento à
representação interventiva.
*Intervenção da União nos Municípios sediados em Territórios Federais: embora
caracterize intervenção federal, as suas hipóteses de incidência são as mesmas da intervenção
estadual (art. 35, I a IV da CF/1988, ressaltando a inaplicabilidade da 1ª parte do inciso IV, já
que o Território não possui CE que indiquem os aludidos princípios a serem observados).

13.ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
13.1Princı ́pios constitucionais sobre a Administração Pública. (11.b)

11B. Princípios constitucionais sobre a Administração Pública

Renata Souza
Materiais consultados: Graal do 28º CPR; PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 14. ed.
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 28. ed.
rev., ampl. e atual. até 31-12-2014. São Paulo: Atlas, 2015; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 6.
ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.
30. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

I. Introdução

O art. 37, caput, da Constituição Federal, enumera cinco princípios administrativos: legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:    (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)

II. Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade nasceu com o Estado de Direito e consiste em uma das principais
garantias de respeito aos direitos individuais.

Trata-se da diretriz básica da conduta dos agentes da Administração, significando que toda e
qualquer a atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Caso não seja autorizada por
lei, a atividade é ilícita.

155
O princípio da legalidade administrativa difere da legalidade geral aplicável aos particulares.
Enquanto, no direito privado, o que não está proibido está permitido (art. 5°, inciso II, CF/88),
no Direito Administrativo, o administrador só pode fazer o que a lei permite.

Assim, a Administração Pública, além de não poder agir contra a lei ou além da lei, somente
pode atuar segundo a lei. O ato eventualmente praticado com inobservância a tais parâmetros
é inválido e pode ser reconhecido como tal pela própria Administração que o praticou (em
virtude do princípio da autotutela) ou pelo Judiciário.

“Observe-se, ainda, que, em sua atuação, a Administração está obrigada à observância não
apenas do disposto nas leis, mas também dos princípios jurídicos ('atuação conforme a lei e o
Direito', na feliz redação do inciso I do parágrafo único do art. 2º da Lei 9.784/1999). Ademais,
a Administração está sujeita a seus próprios atos normativos, expedidos para assegurar o fiel
cumprimento das leis, nos termos do art. 84, inciso IV, da Constituição. Assim, na prática de
um ato individual, o agente público está obrigado a observar não só a lei e os princípios
jurídicos, mas também os decretos, as portarias, as instruções normativas, os pareceres
normativos, em suma, os atos administrativos gerais que sejam pertinentes àquela situação
concreta com que ele se depara.” – PAULO; ALEXANDRINO, 2015, p. 375.

- Evolução e tendência atual: na Constituição de 1891, a Administração Pública podia fazer


tudo que a lei não proibia (vinculação negativa). Foi a partir da Constituição de 1934 que o
princípio da legalidade passou a significar que a Administração Pública só pode fazer o que a lei
permite (vinculação positiva). Na Constituição de 1988, observou-se uma opção pelos
princípios próprios do Estado Democrático de Direito, ao qual duas ideias são inerentes: uma
concepção mais ampla do princípio da legalidade e a ideia de participação do cidadão na
gestão e no controle da Administração Pública. Quanto à concepção mais ampla do princípio
da legalidade, a intenção é de submissão do Estado não apenas à lei em sentido puramente
formal, mas ao Direito, abarcando todos os valores inseridos de forma expressa ou implícita na
Constituição.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro é clara: o princípio da legalidade, hoje, possui uma abrangência
muito maior porque exige submissão ao Direito. A ideia atual é de alargamento do princípio da
legalidade, com maior limitação à discricionariedade administrativa (em decorrência da
submissão da Administração Pública a princípios e valores) e ampliação do controle judicial.

III. Princípio da Impessoalidade

O princípio da impessoalidade apresenta dupla acepção: finalidade da atuação administrativa e


vedação à promoção pessoal do administrador público.

Em sua acepção de finalidade da atuação administrativa, o referido princípio significa que toda
atuação da Administração Pública deve visar à satisfação do interesse público.
Consequentemente, é nulo por desvio de finalidade o ato praticado com objetivo diverso da
satisfação do interesse público, decorrente explícita ou implicitamente da lei.

Em tal acepção, “impede o princípio da impessoalidade, portanto, que o ato administrativo


seja praticado a fim de atender a interesses do agente público ou de terceiros, devendo visar,
tão somente, à 'vontade' da lei, comando geral e abstrato, logo, impessoal. Dessarte, são
obstadas perseguições ou favorecimentos e quaisquer discriminações, benéficas ou
prejudiciais, aos administrados ou mesmo aos agentes públicos.” – PAULO; ALEXANDRINO,
2015, p. 376.

156
Em sua acepção de vedação à promoção pessoal do administrador público, o princípio da
impessoalidade refere-se à noção de proibição de pessoalização das realizações da
Administração Público ou de proibição de promoção pessoal do agente público às custas das
realizações da Administração Pública. O art. 37, § 1º, da CF/88, dispõe:

Art. 37, § 1º: A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos
públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo
constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou
servidores públicos.

A infringência à citada vedação ocasiona a responsabilização do agente público, até mesmo


por ato de improbidade administrativa (art. 11 da Lei nº 8.429/1992).

IV. Princípio da Moralidade

A moral administrativa relaciona-se às ideias de probidade e boa-fé. Não está vinculada às


convicções íntimas do agente público, que são de ordem subjetiva, mas à concepção de
atuação adequada e ética existente no grupo social, extraível do conjunto de normas
existentes no ordenamento jurídico sobre conduta dos agentes públicos em geral.

O controle de moralidade não se afigura como controle de mérito administrativo. Ou seja, um


ato contrário à moral administrativa não está submetido à análise de oportunidade e
conveniência, mas à análise de legitimidade. Consequentemente, o ato contrário à moral
administrativa não deve ser revogado, mas declarado nulo, seja pela própria Administração
Pública, seja pelo Poder Judiciário.
Existem diversos instrumentos, previstos pelo ordenamento jurídico, de controle da
moralidade administrativa. Podem ser citados como exemplos: ação de improbidade
administrativa, ação popular, ação civil pública, hipóteses de inelegibilidade previstas no art.
1º, da LC 64/90 e sanções administrativas e judiciais previstas na Lei nº 12.846/2013.

V. Princípio da Publicidade

O princípio da publicidade “indica que os atos da Administração devem merecer a mais ampla
divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio
propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes
administrativos. Só com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a
legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem. É para observar esse
princípio que os atos administrativos são publicados em órgãos de imprensa ou afixados em
determinado local das repartições administrativas, ou, ainda, mais modernamente, divulgados
por outros mecanismos integrantes da tecnologia da informação, como é o caso da Internet.”
– CARVALHO FILHO, 2015, p. 26.

“Sem embargo da circunstância de que a publicidade dos atos constitui a regra, o sistema
jurídico – repita-se – institui algumas exceções, tendo em vista a excepcionalidade da situação
e os riscos que eventual divulgação poderia acarretar. O próprio art. 5º, XXXIII, da CF,
resguarda o sigilo de informações quando se revela indispensável à segurança da sociedade e
do Estado. O mesmo ocorre na esfera judicial: nos termos do art. 93, IX, da CF, com a redação
dada pela EC nº 45/2004, apesar de serem públicos os julgamentos, poderá a lei limitar que,
em certos atos, só estejam presentes as partes e seus advogados, ou, conforme a hipótese,
apenas estes últimos. A Constituição pretendeu proteger o direito à intimidade do interessado
diante de certos casos, considerando-o prevalente sobre o princípio do interesse público à
informação.” – CARVALHO FILHO, 2015, p. 29.

157
“Situação que merece comentário diz respeito aos efeitos decorrentes da falta de publicidade
(mais comumente de publicação) de atos administrativos. Cuida-se de saber se tal ausência se
situa no plano da validade ou da eficácia. Anteriormente, a doutrina era mais inflexível,
considerando como inválido o ato sem publicidade; ou seja, a publicidade seria requisito de
validade. Modernamente, tem-se entendido que cada hipótese precisa ser analisada
separadamente, inclusive a lei que disponha sobre ela. Em várias situações, a falta de
publicidade não retira a validade do ato, funcionando como fator de eficácia: o ato é válido,
mas inidôneo para produzir efeitos jurídicos. Se o for, a irregularidade comporta saneamento.”
– CARVALHO FILHO, 2015, p. 29/30.

VI. Princípio da Eficiência

O princípio da eficiência não constava da redação originária do art. 37, caput, da CF/88. Foi
introduzido em tal dispositivo através da EC 19/98, com o propósito de substituir a
Administração Pública burocrática pela Administração Pública gerencial.

O princípio da eficiência consubstancia a exigência de que os gestores da coisa pública não


economizem esforços no desempenho dos seus encargos, de modo a otimizar o emprego dos
recursos que a sociedade destina para a satisfação das suas múltiplas necessidades; numa
palavra, que pratiquem a "boa administração” de que falam os publicistas italianos.

Para José dos Santos Carvalho Filho, “o núcleo do princípio é a procura de produtividade e
economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro
público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento
funcional. Há vários aspectos a serem considerados dentro do princípio, como a produtividade
e economicidade, qualidade, celeridade e presteza e desburocratização e flexibilização (...).” –
CARVALHO FILHO, 2015, p. 31.

“A eficiência não se confunde com a eficácia nem com a efetividade. A eficiência transmite
sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa;
a ideia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Por outro lado, eficácia tem relação com
os meios e instrumentos empregados pelos agentes no exercício de seus misteres na
administração; o sentido aqui é tipicamente instrumental. Finalmente, a efetividade é voltada
para os resultados obtidos com as ações administrativas; sobreleva nesse aspecto a
positividade dos objetivos.” – CARVALHO FILHO, 2015, p. 33.

Pode-se desmembrar o princípio da eficiência em duas facetas:

a) quanto à qualidade da atuação do agente público: objetiva-se a obtenção um padrão de


excelência no desempenho de suas atribuições e em sua produtividade;

b) quanto ao modo de organizar e estruturar os órgãos e entidades integrantes da


administração pública e disciplinar o seu funcionamento: exige-se a maior racionalidade
possível, com o propósito de se alcançar ótimos resultados na prestação dos serviços públicos.

VII. Outros Princípios

Ao lado dos princípios gerais expostos, a doutrina reconhece outros princípios, como os da
livre concorrência aos cargos públicos; da motivação; da razoabilidade e proporcionalidade;
da segurança jurídica e proteção da confiança; da continuidade das atividades da
administração; da licitação/concorrência para a realização de obras e serviços públicos; da
responsabilidade civil do Estado; do contraditório, da ampla defesa e da celeridade nos
processos administrativos; e da probidade.

158
14.PODER LEGISLATIVO
14.1 Poder Legislativo. Organização. Atribuições do Congresso Nacional. Competências do
Senado e da Câmara. (1.b)
14.2 Legislativo e soberania popular. A crise da representação polı ́tica. (2.b)
14.3 Regime constitucional dos parlamentares. Imunidades e incompatibilidades. (15.c)
14.4 Estatuto constitucional dos agentes polı ́ticos. Limites constitucionais da investigação
parlamentar. Crimes de responsabilidade. Controle social, polı ́tico e jurisdicional do exercı ́cio
do poder. O princı ́pio republicano. (24.b)
14.5 Processo legislativo. Emenda Constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada,
medida provisória, decreto legislativo e resolução. O processo de incorporação dos tratados
internacionais. Devido processo legislativo. (7.a)

1B. Poder Legislativo. Organização. Atribuições do Congresso Nacional. Competências do


Senado e da Câmara. Legislativo e soberania popular. A crise da representação política.

André Batista e Silva

Estrutura do Poder Legislativo.

Poder legislativo federal: no âmbito federal, vigora o bicameralismo: a câmara dos


deputados, composta por representantes do povo, e o senado federal, composta por
representantes dos estados membros.
Poder legislativo estadual: é unicameral, sendo composto pela assembleia legislativa,
composta por deputados estaduais. De acordo com o art. 27, caput, da CF/88, o número de
deputados da assembleia legislativa corresponderá ao triplo da representação do estado na
câmara dos deputados e, atingindo o número de 36, será acrescido de tantos quantos forem
os deputados federais acima de doze. Por expressa determinação constitucional (art. 27, §1º),
as regras da CF/88 sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às forças armadas serão aplicadas aos
parlamentares estaduais.
Poder legislativo municipal: é unicameral, sendo constituído pela câmara dos
vereadores, composta por vereadores municipais. De acordo com o art. 29 da CF/88, o
número de vereadores do município será fixado proporcionalmente à população, nos limites
previstos no mesmo artigo (mínimo de 09, nos municípios com até 15 mil habitantes, e
máximo de 55, nos municípios com mais de 8 milhões de habitantes. Por expressa
determinação constitucional (art. 29, VIII), os vereadores são invioláveis por suas opiniões,
palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município.
Poder legislativo distrital: é unicameral, constituído pela câmara legislativa (art. 32,
caput, da CF/88), composta por deputados distritais. De acordo com o art. 32, §3º, da CF/88,
aos deputados distritais e à câmara legislativa aplica-se o disposto no art. 27, ou seja, todas
as regras estabelecidas para os estados valem para o distrito federal.

Poder legislativo dos territórios federais: de acordo com o art. 33, §3º, da CF/88, a lei
disporá sobre as eleições para a câmara territorial e sua competência deliberativa. Como não
existem territórios federais, ainda não foi regulamentado tal dispositivo constitucional. Deve-
se observar, contudo, que, quando criados, de acordo com o art. 45,
§2º, da CF/88, cada território elegerá o número fixo de 4 deputados federais, para
compor a câmara dos deputados do congresso nacional.

Atribuições do congresso nacional.

159
Reservas legais: o art. 48 trata das atribuições conferidas ao congresso nacional para as
quais se exige sanção presidencial (são reservas legais, ou seja, atribuições materializadas por
lei).
Competências exclusivas: já o art. 49 trata das matérias de competência exclusiva do
congresso nacional, sendo dispensada a manifestação do presidente da república através de
sanção ou veto (são atribuições materializadas por decreto legislativo).

Câmara dos deputados.


Composição: a câmara dos deputados é composta por representantes do povo.
Eleição: os deputados federais são eleitos pelo povo segundo o princípio proporcional,
de acordo com o art. 45, §1º, da CF/88.Se os territórios federais vierem a ser criados, elegerão
o número fixo de 04 deputados cada. Atualmente, o número total de deputados federais é
fixado pela LC78/93 em 513. OBS.: REDIMENSIONAMENTO DO NÚMERO DE DEPUTADOS
POR RESOLUÇÃO DO TSE E INCONSTITUCIONALIDADE – Por maioria de votos, o

Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucionais a Resolução TSE


23.389/2013, que definiu o tamanho das bancadas dos estados e do Distrito Federal na
Câmara dos Deputados para as eleições de 2014, e a Lei Complementar (LC) 78/1993, que
autorizou a corte eleitoral a definir os quantitativos. Para a ministra Rosa Weber, a resolução
do TSE invadiu a competência do Congresso Nacional. Para a ministra, a Lei Complementar
78/1993 não fixou critérios de cálculo, nem delegou sua fixação ao TSE, que usou critérios
próprios para determinar o quantitativo dessas representações, introduzindo inovações
legislativas para as quais não tem competência. “Ao TSE não compete legislar, e sim promover
a normatização da legislação eleitoral”, afirmou. Segundo a ministra, o Código Eleitoral confere
expressamente ao TSE poder para expedir instruções e tomar outras providências que julgar
convenientes para execução da legislação eleitoral. Entretanto, “da LC 78 não é possível inferir
delegação a legitimar, nos moldes da Constituição Federal e do Código Eleitoral, a edição da
Resolução 23.389/2013”. Para o ministro Teori Zavascki, caso se entenda indispensável a
intervenção do Poder Judiciário para a regulamentação provisória do comando constitucional
que determina a proporcionalidade das bancadas, quem deverá promovê-la é o STF, e não o
TSE. E, caso o Legislativo permaneça omisso em relação à matéria, cabe a impetração de
mandado de injunção.
Mandato: 04 anos, sendo permitida a reeleição.
Requisitos para a candidatura dos deputados: a) ser brasileiro nato ou naturalizado (art.
14, §3º, I, CF/88); a exigência de ser brasileiro nato é apenas para ocupar a presidência da
câmara (art. 12, §3º, II, CF/88); b) ser maior de 21 anos (art. 14, §3º, VI, c, CF/88); c) estar em
pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, §3º, II, CF/88); d) estar alistado eleitoralmente
(art. 14, §3º, III, CF/88); e) domicílio eleitoral na circunscrição (art. 14, §3º, IV, CF/88); f) filiação
partidária (art. 14, §3º, VI, CF/88).
Competências privativas da câmara: as matérias de competência privativa da câmara
dos deputados estão previstas no art. 51 da CF/88 e não dependem de sanção ou veto
presidencial (são materializadas por meio de resoluções). Obs.: a câmara tem apenas a
iniciativa de projeto de lei que vise à fixação da remuneração dos cargos, empregos e funções
de seus serviços, devendo, necessariamente, depois de aprovada nas duas casas, a matéria ir à
sanção do presidente da república (trata-se de mudança realizada pela EC19/98, que retirou
da câmara a competência privativa para a fixação da referida remuneração, atribuindo-lhe tão
somente a iniciativa da lei).

Senado federal.

Composição: o senado é composto por representantes dos estados e do DF. Se criados,

160
os territórios não terão representação no senado, na medida em que não têm autonomia
federativa.
Eleição: os senadores são eleitos pelo povo segundo o princípio majoritário, de acordo
com o art. 46 da CF/88. Cada estado e o DF elegerão o número fixo de 3 senadores, sendo
que cada senador é eleito com 02 suplentes. Mandato: é de 08 anos (duas legislaturas),
permitindo-se a reeleição. A renovação dos senadores eleitos dar-
se-á a cada 04 anos, na proporção de 1/3 e 2/3.
Requisitos para a candidatura dos senadores: a) ser brasileiro nato ou naturalizado (art.
14, §3º, I, CF/88); a exigência de ser brasileiro nato é apenas para ocupar a presidência do
senado (art. 12, §3º, III, CF/88); b) ser maior de 35 anos (art. 14, §3º, VI, a, CF/88); c) estar em
pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, §3º, II, CF/88); d) estar alistado eleitoralmente
(art. 14, §3º, III, CF/88); e) domicílio eleitoral na circunscrição (art. 14, §3º, IV, CF/88); f) filiação
partidária (art. 14, §3º, VI, CF/88).
Competências privativas do senado: as matérias de competência privativa do senado
estão previstas no art. 52 da CF/88 e não dependerão de sanção presidencial (são
materializadas através de resolução). Obs.: o senado tem apenas a iniciativa de projeto de lei
que vise à fixação da remuneração dos cargos, empregos e funções de seus serviços, devendo,
necessariamente, depois de aprovada nas duas casas, a matéria ir à sanção do presidente da
república (trata-se de mudança realizada pela EC19/98, que retirou do senado a competência
privativa para a fixação da referida remuneração, atribuindo-lhe tão somente a iniciativa da
lei).
Ativismo Congressual: manifesta-se em casos nos quais o Congresso Nacional, via
emenda constitucional ou por meio de leis ou resoluções, busca reverter situações
consideradas de “autoritarismo judicial” ou de “comportamento antidialógico” do Judiciário.
Note-se que o trânsito em julgado de decisão proferida pelo STF em processo objetivo garante
a plena eficácia de sua decisão em relação ao ato normativo impugnado. Contudo, a atividade
legislativa futura não estará vinculada ao que restou decidido. Ex: “Emenda da Vaquejada”.
STF: As decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF no julgamento de ADI, ADC
ou ADPF possuem eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante (§ 2º do art. 102 da
CF/88). O Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado. Assim, o STF
não proíbe que o Poder Legislativo edite leis ou emendas constitucionais em sentido contrário
ao que a Corte já decidiu. Não existe uma vedação prévia a tais atos normativos. O legislador
pode, por emenda constitucional ou lei ordinária, superar a jurisprudência. Trata-se de uma
reação legislativa à decisão da Corte Constitucional com o objetivo de reversão jurisprudencial.
No caso de reversão jurisprudencial (reação legislativa) proposta por meio de emenda
constitucional, a invalidação somente ocorrerá nas restritas hipóteses de violação aos limites
previstos no art. 60, e seus §§, da CF/88. Em suma, se o Congresso editar uma emenda
constitucional buscando alterar a interpretação dada pelo STF para determinado tema, essa
emenda somente poderá ser declarada inconstitucional se ofender uma cláusula pétrea ou o
processo legislativo para edição de emendas. No caso de reversão jurisprudencial proposta por
lei ordinária, a lei que frontalmente colidir com a jurisprudência do STF nasce com presunção
relativa de inconstitucionalidade (leis in your face), de forma que caberá ao legislador o ônus
de demonstrar, argumentativamente, que a correção do precedente se afigura legítima. Assim,
para ser considerada válida, o Congresso Nacional deverá comprovar que as premissas fáticas
e jurídicas sobre as quais se fundou a decisão do STF no passado não mais subsistem. O Poder
Legislativo promoverá verdadeira hipótese de mutação constitucional pela via legislativa. STF.
Plenário. ADI 5105/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 1º/10/2015 (Info 801).

161
Efeito backlash: consiste em uma reação conservadora de parcela da sociedade ou das
forças políticas (em geral, do parlamento) diante de uma decisão liberal do Judiciário em um
tema polêmico.

Legislativo e Soberania Popular: Para José Afonso da Silva (2010, p. 131), a democracia
repousa sobre dois princípios fundamentais: (a) soberania popular (o povo é a única fonte de
poder) e (b) participação, direta ou indireta, do povo no poder (para que este seja a efetiva
expressão da vontade popular). A forma pela qual o povo participa no poder dá origem a três
tipos de democracia: direta, indireta (ou representativa) e semidireta. O Brasil adota o tipo
semidireto, ou seja, democracia representativa, com alguns institutos de participação direta.
Portanto, o Poder Legislativo, por meio dos representantes legitimamente eleitos pelo povo, é
o veículo primordial para o exercício da soberania popular. “Todo o poder emana do povo, que
o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”
(CF, art. 1º, parágrafo único).

A Crise da Representação Política: Nas democracias ocidentais, é possível identificar as


assembleias parlamentares, periodicamente eleitas, como expressão concreta da
Representação política. Esta é um fenômeno complexo, cujo núcleo consiste num processo de
escolha dos governantes e de controle sobre sua ação através de eleições competitivas. É um
conceito multidimensional que abarca o fenômeno da seleção de lideranças, de delegação de
soberania popular, de controle, de participação indireta e de questionamento político.
Atualmente, a democracia representativa encontra-se na penumbra, diante da quebra global
da confiança, marcada pela corrupção, descrédito quanto à capacidade das instituições e dos
agentes políticos de agir de modo funcionalmente adequado. A crise da representação política
no Brasil se insere no interior de um quadro mais amplo e que reflete, de forma quase
planetarizada, os mesmos problemas da (1) diminuição da participação eleitoral, (2) declínio
da relação de identificação entre representantes e representados e (3) o aumento das taxas
de alienação eleitoral conjugado com o crescimento do processo de exclusão social; para
alguns autores ainda há as questões relativas à crise da democracia e o declínio da
importância dos partidos políticos nas democracias contemporâneas. Concomitantemente, é
verificada uma crescente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito
do Legislativo, alimentando o Judiciário na direção do ativismo judicial, em nome da
Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem
jurídica, com caráter normativo geral. (BARROSO, Luís Roberto). Sobre o déficit democrático
das instituições representativas, SARMENTO afirma: “Em que pese a universalização do direito
de voto alcançada ao longo do século XX, hoje uma série de fatores - que vão da influência do
poder econômico nas eleições, até a apatia e distanciamento do cidadão em relação à res
publica - tende a segregar os representantes dos representados, minando a crença de que os
primeiros vocalizariam na esfera política a vontade dos segundos. O problema é universal,
mas, no Brasil, há componentes que o agravam de forma exponencial, abalando
profundamente a credibilidade das instituições de representação popular. [...]. Neste quadro
preocupante, a objeção democrática contra o ativismo judicial se arrefece, sobretudo quando
o Judiciário passa a agir em favor de causas “simpáticas” aos anseios populares, como a
proteção dos direitos sociais.”

15C. Regime constitucional dos parlamentares. Imunidades e incompatibilidades.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Direito Constitucional Esquematizado, Pedro Lenza, Ed. 2018.

162
O Estatuto dos congressistas representa o regime jurídico dos membros do Congresso
Nacional, em que a Constituição estabelece um conjunto de normas instituidoras de direitos e
prerrogativas e também deveres e incompatibilidades.

As imunidades ocupam posição relevante, uma vez que os membros do Legislativo devem
atuar com ampla independência no desempenho de suas atribuições constitucionais, bem
como para preservar a independência dos poderes.

As imunidades apresentam dupla figuração: i) imunidade material (substancial ou de


conteúdo) ou denominada de inviolabilidade: garante a liberdade de opinião, palavras e votos
dos parlamentares. Elas podem tornar o parlamentar insuscetível de ser punido por certos
fatos; ii) imunidade formal (processual, instrumental ou de rito): evita prisões, oriunda de
processos.

Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, o fundamento das imunidades não consiste na
proteção do parlamentar nas relações privadas, porque não são privilégios pessoais, muito
menos abrigo para práticas ilícitas, mas sim pela função exercida no Poder Legislativo. (STF, RE
299109 AgR – a prerrogativa indisponível da imunidade material [...] constitui garantia
inerente ao desempenho da função parlamentar, não traduzindo, por isso mesmo, qualquer
privilégio de ordem pessoal).

Características:

Imunidade material

Histórico: desde da Constituição do Império, de 1824. A Imunidade civil tornou-se expressa


com EC 35/2001, embora já fosse admitida pelo STF (RE 210.917, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence).

Objeto: de inviolabilidade quanto ao cometimento de crimes e contravenções.

Objetivo: proteger a função parlamentar, em nome da representatividade do povo (art. CR/88,


art. 1º, parágrafo único).

Natureza jurídica: a doutrina diverge, considera como causa excludente do delito (Pontes de
Miranda e Nelson Hungria); causa pessoa ou funcional de isenção de penal (Aníbal Bruno);
causa pessoal de exclusão de pena (Heleno Cláudio Fragoso); causa de irresponsabilidade
penal por motivos políticos (José Frederico Marques) e causa de exclusão da tipicidade
(Zaffaroni e Pierangeli, Fernando Capez).

Funcionamento: exclui a responsabilidade penal, civil, disciplinar e política do congressista, ou


ex- congressista, por suas opiniões palavras e votos.

Nexo de causalidade: deve-se comprovar o liame entre as manifestações políticas e o exercício


do mandato.

Extensão: abrange opiniões, palavras e votos (responsabilidade criminal (não constitui crime
seus atos), civil (não pode ser responsabilizado por perdas e danos a responsabilidade
administrativa (não sofrerá sanções disciplinares) e política ( não poderá ser destituído pelos
eleitores ou pelo partido que o elegeu).
Âmbito espacial: recinto parlamentar (tribuna); externa corporis, é necessário vínculo com a
atividade política; na CPI, na divulgação pela imprensa de fatos protegidos pela inviolabilidade;

163
STF – caso do Deputado Jair Bolsonaro: “A imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88)
protege os Deputados Federais e Senadores, qualquer que seja o âmbito espacial (local) em
que exerçam a liberdade de opinião. No entanto, para isso é necessário que as suas
declarações tenham conexão (relação) com o desempenho da função legislativa ou tenham
sido proferidas em razão dela. Para que as afirmações feitas pelo parlamentar possam ser
consideradas como "relacionadas ao exercício do mandato", elas devem ter, ainda de forma
mínima, um teor político. Exemplos de afirmações relacionadas com o mandato: declarações
sobre fatos que estejam sendo debatidos pela sociedade; discursos sobre fatos que estão
sendo investigados por CPI ou pelos órgãos de persecução penal (Polícia, MP); opiniões sobre
temas que sejam de interesse de setores da sociedade, do eleitorado, de organizações ou
grupos representados no parlamento etc. Palavras e opiniões meramente pessoais, sem
relação com o debate democrático de fatos ou ideias não possuem vínculo com o exercício das
funções de um parlamentar e, portanto, não estão protegidos pela imunidade material. No
caso concreto, as palavras do Deputado Federal dizendo que a parlamentar não merecia ser
estuprada porque seria muito feia não são declarações que possuem relação com o exercício
do mandato e, por essa razão, não estão amparadas pela imunidade material”. STF. 1ª Turma.
Inq 3932/DF e Pet 5243/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 21/6/2016 (Info 831).

Irrenunciável: por ser garantia institucional deferida ao Poder Legislativo e, portanto, por
decorrer da função que os seus membros exercem, a imunidade é irrenunciável. Seu início
ocorre com a diplomação, perdurando até o término do mandato.

Efeitos temporais: se prolonga no tempo, o que significa que o deputado/senador não poderá
sofrer sanção.

Abuso da prerrogativa: sujeitar-se-á o parlamentar as regras disciplinares da Casa a que


pertencer (CF, art. 55, p; 1º).

Imunidade processual:

Histórico: desde da Carta de 11824 (art.27).

Objetivo: garante ao parlamentar não ser ou permanecer preso, bem como a possibilidade de
sustar o processo penal em curso contra ele.

Termo inicial: data da diplomação.

Conteúdo: os parlamentares, assim que forem diplomados, podem ser processados sem prévia
licença da Casa a que pertence. Após o recebimento da denúncia, por crime ocorrido após a
diplomação o STF dará ciência à casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela
representado e pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, poderá até a decisão final
sustar o andamento do processo. Eles podem ser presos em flagrante por crime inafiançável.
Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de24 horas à Casa respectiva, para que a maioria
absoluta dos parlamentares, delibere sobre a prisão.

Prisão preventiva de parlamentar: A 2ª turma do STF referendou decisão proferida pelo Min.
Teori Zavascki na AC 4.039, para admitir a prisão cautelar de Senador, tendo em vista a
presença de requisitos de prisão preventiva. A situação concreta não envolvia crime
inafiançável (organização criminosa) contudo, o STF entendeu que a inafiançabilidade
decorreria de situação concreta e nos termos da Lei, pois, de acordo com o art. 324, IV, do
CPP, não será concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação de
prisão preventiva (art.312, CPP). Assim, se não será concedida fiança, estaria configurada a
situação de inafiançabilidade. (Notícias STF, 25.11.2015). Por sua vez, a 2ª turma do STF na AC

164
4.327 (26.09.2017) apreciou pedido de prisão preventiva de parlamentar federal, contudo,
sinalizou dúvida razoável, na hipótese acerca dos requisitos do art. 53, § 2º da CF, para fins de
decretação da prisão preventiva.

Outras medidas cautelares diversas da prisão: O STF em 11.10.2017 estabeleceu 2 teses: 1)


O poder judiciário dispõe de competência para impor, por autoridade própria, as medidas
cautelares a que se refere o art. 319 do CPP; 2) necessidade de controle político, por aplicação
analógica do art. 53, § 2º, CF (remessa para a casa respectiva em 24h).

Abrangência: impede a prisão penal e a civil, o que significa que o parlamentar não poderá
sofrer constrição privativa de liberdade, salvo em crime inafiançável. No entanto, nada impede
a execução dessa pena, se definitivamente imposta. (INQ 510/DF, Min. Celso De Mello - a
garantia jurídico-institucional da imunidade parlamentar formal não obsta, observado o "due
process of law", a execução de penas privativas da liberdade definitivamente impostas ao
membro do Congresso Nacional).

Desnecessidades de licença: embora não necessite de autorização da Casa para o processo,


por crime cometido após a diplomação, essa pode determinar a sustação dele, depois de
acolhida a denúncia ou queixa pelo Tribunal (enquanto o processo estiver suspenso a
prescrição penal não corre, voltando o seu curso no dia que o mandato encerra. Nos casos em
que o processo estava suspenso antes da EC 35, o prazo prescricional torna a correr da data da
promulgação da emenda).

Aspecto temporal: ao contrário da material, ela é limitada, porque protege o congressista


somente no período do exercício do mandato.

Prerrogativa de foro por infrações penais comuns: desde a expedição do diploma, os


parlamentares serão submetidos ao julgamento pelo STF. “Regra da Atualidade” (Alexandre de
Moraes) - Cessado o mandato, termina também a missão da Corte. No caso de extinção do
mandato por Renúncia: é legítima a renúncia, que, de acordo com recente decisão do STF em
questão de ordem na AP 937 (03.05.2018), na qual os Ministros fixaram a seguinte tese: “após
o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação
de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada
em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar de ocupar o cargo que
ocupava, qualquer que seja o motivo”.

Isenção de testemunho: os deputados/senadores não são obrigados a testemunhar sobre


informações recebidas ou prestadas em razão do mandado, nem sobre as pessoas que lhes
confiaram ou delas receberam informações (CF, art. 53, p. 6º); x) durante o Estado de sítio: as
imunidades material e formal podem ser suspensas por meio do voto de 2/3 dos membros da
Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do Congresso, que sejam incompatíveis com
a execução da medida (CF, art. 53, p. 8º).

Deputados estaduais e distritais: seguem a mesma sistemática de imunidades (art.27, p.1º).


Vereadores: somente possuem imunidade material (art.29, VIII), porém é limitada
territorialmente à circunscrição do Município.

Incompatibilidades (CF, art. 54): são impedimentos ou restrições relacionados a atividade


política, que impedem o parlamentar de exercer certas funções ou praticar atos sucessivos
com o mandato. A finalidade é evitar que o parlamentar se comprometa com interesses
distintos daquele que o elegeu, ou que ele obtenha favorecimentos especiais em razão desse
mandato.

165
Classificação das incompatibilidades: i) contratuais ou negociais (art. 54, I, a): não poderão,
desde a expedição do diploma, firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito
público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária
de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; ii) funcionais (art.
54, I, b e II b): não poderão, desde a expedição do diploma, aceitar ou exercer cargo, função ou
emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades
constantes no item anterior. Também não poderão ocupar cargo ou função de que sejam
demissíveis ad nutum, nas entidades referidas no item “i”; iii) profissionais (art. 54, II, a e II c):
não poderão, desde a posse, ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que
goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer
função remunerada. Do igual modo, não poderão patrocinar causa em que seja interessada
qualquer das entidades citadas no item “i”; iv) políticas (art.54, II, d); não poderão, desde a
posse, ser titulares de mais de um cargo ou mandato eletivo.

Direito comparado e origem imunidades parlamentares

Originada na Inglaterra, no século XVII, as imunidades possibilitaram aos políticos discursarem


sem o arbítrio sob a monarquia. A partir de então o instituto se disseminou em todas as
nações democráticas do mundo, como decorrência de dois corolários do direito constitucional
inglês: o freedom of speech (liberdade de palavra) e o freedom from arrest (liberdade à prisão
arbitrária). Ambos incluídos no Bill of Rights de 1688, transmitiam a mensagem de que a
liberdade de expressão e o debate de opiniões no Parlamento são invioláveis.

Depois, mais tarde, as imunidades parlamentares foram inscritas na Constituição dos Estados
Unidos da América de 1787 (art. 1º seção 6). Nesse país, se um congressista cometesse crime
fora do exercício da atividade, recebia o mesmo tratamento de qualquer cidadão comum,
sendo investigado, indiciado, processado e julgado, porque a inviolabilidade só alcança os
estritos limites do cargo. Fora da função parlamentar todos são iguais.

Nos países latinos, o instituto sofre distorções, sendo desfigurado. Enquanto na Inglaterra, nos
EUA, no Canadá e na Alemanha a imunidade parlamentar se restringe ao âmbito de atuações
políticas, no Brasil, na Itália, na Espanha, na Argentina, ela figura como abrigo de criminosos,
protegendo os parlamentares nos delitos comuns.

24B. Estatuto constitucional dos agentes políticos. Limites constitucionais da investigação


parlamentar. Crimes de responsabilidade. Controle social, político e jurisdicional do exercício
do poder. O princípio republicano.

Gilberto Batista Naves Filho 30/09/18

Estatuto constitucional dos agentes políticos. Agentes políticos são os titulares dos
cargos estruturais da organização política do País, ou seja, ocupantes dos cargos que integram
o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se
constituem nos formadores da vontade superior do Estado.
O Estatuto do Congresso Nacional vem previsto a partir do art. 53 da CRFB. É o
conjunto de regras diversas do direito comum previstas na Constituição que dão aos
parlamentares direitos, prerrogativas, deveres e incompatibilidades. Quanto às prerrogativas,
ressalta-se: a) imunidade material (são invioláveis civil e penalmente por opiniões, palavras e
votos); b) imunidades formais: b.1) prerrogativa de foro; b.2) não ser preso ou não
permanecer preso; b.3) possibilidade de sustar o processo penal em curso contra ele – art. 53,
§ 3º, CF; b.4) limitação quanto ao dever de testemunhar; b.5) isenção de serviço militar. Tais
prerrogativas são irrenunciáveis (Ruy Barbosa, citado por BULOS, p. 776).

166
Objetivo: assegurar independência no exercício das atribuições do Legislativo (fiscalizar
e inovar na ordem jurídica). Por simetria, aplicam-se as mesmas prerrogativas aos deputados
estaduais e distritais (art. 27, § 1º, CF). Atenção às hipóteses de perda e cassação do mandato
parlamentar (art. 55, CF). Limites constitucionais da investigação parlamentar.
Jurisprudência: Relativização da imunidade material no Caso Bolsonaro (recebimento
de denúncia pela prática dos crimes previstos nos arts. 286 e 140 do Código Penal)
relativamente a entrevista concedida pelo parlamentar em seu gabinete, no momento em que
reafirmou as declarações. O STF entendeu que o fato de a entrevista ter sido concedida dentro
do gabinete do Deputado foi um fato meramente acidental, de menor importância. Isso
porque não foi ali (no gabinete) que as ofensas se tornaram públicas. Elas se tornaram públicas
por meio da imprensa e da internet, quando a entrevista foi veiculada.
Dessa forma, tratando-se de declarações prestadas em entrevista concedida a veículo
de grande circulação não incide o entendimento de que a imunidade material seria absoluta.
É necessário avaliar, portanto, se as palavras proferidas estavam ou não relacionadas
com a função parlamentar. E, como, no caso concreto não estavam, ele não estará protegido
pela imunidade material do art. 53 da CF/88.
STF: A previsão constitucional do art. 86, § 4º (§ 4º O Presidente da República, na
vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de
suas funções), da Constituição da República se destina expressamente ao chefe do Poder
Executivo da União, não autorizando, por sua natureza restritiva, qualquer interpretação que
amplie sua incidência a outras autoridades, nomeadamente do Poder Legislativo.
(Inq 3.983, rel. min. Teori Zavascki, j. 3-3-2016, P, DJE de 12-5-2016.)
“5. Os autos da prisão em flagrante delito por crime inafiançável ou a decisão judicial
de imposição de medidas cautelares que impossibilitem, direta ou indiretamente, o pleno e
regular exercício do mandato parlamentar e de suas funções legislativas, serão remetidos
dentro de vinte e quatro horas a Casa respectiva, nos termos do §2º do artigo 53 da
Constituição Federal, para que, pelo voto nominal e aberto da maioria de seus membros,
resolva sobre a prisão ou a medida cautelar. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada
parcialmente procedente.”
(ADI 5526, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE
DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/2017)

CPI. A CPI atua como longa manus do Poder Legislativo. Por isso, sujeita-se ao controle
jurisdicional originário do STF. Alguns atos a CPI pode determinar diretamente, sem integração
do Judiciário, em razão de seus poderes instrutórios. São eles (art. 2°, Lei 1.579/52):
1) Notificação de testemunhas, investigados e convidados ― o cidadão comparece perante a
CPI ostentando uma destas qualidades. O investigado também é tratado como indiciado.
2) Condução coercitiva de testemunha ― a testemunha virá depor debaixo de vara.
3) Realização de exames, vistorias e perícias.
4) Afastar o sigilo bancário, fiscal e de registros telefônicos do cidadão ― a CRFB permite a
quebra do sigilo sem a necessidade de autorização judicial. Este ato só pode ser determinado
pelas CPIs do Congresso, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e da Assembleia
Legislativa. As CPIs de Câmaras Municipais não têm autoridade para afastar sigilo bancário e
fiscal diretamente, segundo o STF. Entendendo pela necessidade da quebra de sigilo, a CPI
municipal deverá se socorrer do Poder Judiciário. A decisão da CPI em quebrar os sigilos deve
sempre ser fundamentada (art. 93, IX – se o juiz deve fundamentar sua decisão, a CPI também
deve, pois está de posse de poderes de autoridade judicial).
A CPI pode afastar o sigilo, mas deve obediência ao princípio da colegialidade: quem
determina a quebra é toda a CPI, e não o seu presidente.
A quebra do sigilo telefônico refere-se somente aos dados de chamadas telefônicas, e não ao
teor das conversas. Em outras palavras, é permitido que a CPI quebra o sigilo de dados
telefônicos, mas NÃO que autorize a INTERCEPTAÇÃO DAS CONVERSAS TELEFÔNICAS E
TELEMÁTICAS (MATÉRIA SUBMETIDA À RESERVA DE JURISDIÇÃO)

167
A CPI não pode, por não deter autoridade para tanto (é necessária autorização judicial –
reserva constitucional de jurisdição):
5) Expedir mandado de prisão; 6) Expedir mandado de busca e apreensão; 7) Expedir mandado
de interceptação telefônica ― de acordo como art. 5º, XII, da CRFB, somente o juiz pode
determinar a interceptação telefônica. A CPI pode, no entanto, oficiar diretamente à
companhia telefônica solicitando dados telefônicos.
Segundo Uadi Lammêgo Bulos, são limites constitucionais formais das CPI: (i) impossibilidade
de investigar fato indeterminado; (ii) impossibilidade de renegar o quorum constitucional (um
terço dos membros da Casa para sua criação); (iii) impossibilidade de exceder prazo certo, que
pode ser prorrogado - o STF já entendeu, em votação não unânime, que podem existir
prorrogações sucessivas dentro da mesma legislatura, conforme prevê a Lei n. 1.579/52; (iv)
impossibilidade de desvirtuamento do âmbito funcional: os poderes são apenas
investigatórios. Não podem acusar, devendo enviar suas conclusões ao MP.
São limites constitucionais materiais: (i) separação de poderes; (ii) Estado democrático de
direito; (iii) reserva constitucional de jurisdição; (iv) direitos e garantias fundamentais; (v)
princípio republicano; (vi) não poderá também invadir área de competência de Estados e
Municípios (MENDES et alli, p. 903); (vii) segundo o STF, cabe à CPI apurar apenas fatos
relacionados à Administração (BULOS, p. 801).
Crimes de responsabilidade. Crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas
definidas nalegislação federal, cometidas no desempenho da função, que atentam contra a
existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do país, a
probidade na Administração, a lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais e o cumprimento das leis e das decisões judiciais. O rol do art. 85 da Constituição é
meramente exemplificativo. As sanções estão previstas no art. 52, parágrafo único: perda do
cargo e inabilitação, por oito anos, para o exercício de qualquer função pública (inclusive
cargos de natureza política: STF, RE 234.223).
Para apuração dos crimes de responsabilidade do Presidente da República, o processo divide-
se em duas partes: juízo de admissibilidade, na Câmara dos Deputados, e processo e
julgamento, no Senado Federal. Arts. 13 a 38, Lei n° 1.079/50. Art. 51, I; art. 52, I e II; e art. 86,
todos da CF. A Lei n. 1.079/50 prevê os tipos criminais de responsabilidade e o procedimento
para o julgamento, que deve ser analisado à luz da CF/88.
O Poder Judiciário não pode alterar a decisão política do Congresso Nacional. O mérito da
decisão é inatacável. O Judiciário pode anular o julgamento por ofensa a princípios
constitucionais, mas não pode modificar o mérito da decisão.
Também são julgados pelo Senado Federal em caso de crime de responsabilidade: Ministros
do STF, membros do CNJ e do CNMP, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da
União. Ministros de Estado e os comandantes das Forças Armadas são julgados pelo Senado
nos crimes de responsabilidade quando estes forem conexos aos praticados pelo Presidente.
Caso contrário, serão julgados pelo STF.
Súmula Vinculante nº 46: A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das
respectivas normas de processo e julgamento são de competência legislativa privativa da
União.
Rito do Impeachment (fonte: https://www.dizerodireito.com.br/2015/12/analise-juridica-da-
decisao-do-stf-que.html)
CÂMARA DOS DEPUTADOS (FASE DE JUÍZO DE ADMISSIBILDADE)
• O Presidente da Câmara admite ou não o prosseguimento da denúncia.
• Não há direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo Presidente da
Câmara, ou seja, não é necessário ouvir antes o Presidente da República que estiver sendo
denunciado.
• Do despacho do Presidente que indeferir o recebimento da denúncia, caberá recurso ao
Plenário (art. 218, § 3º, do RICD).
• Caso seja admitido o prosseguimento da denúncia, deverá ser constituída comissão especial
formada por Deputados Federais para análise do pedido e elaboração de parecer.

168
• A eleição dos membros da comissão deverá ser aberta e não pode haver candidatura
alternativa (avulsa). A comissão é escolhida a partir de uma chapa única com nomes indicados
pelos líderes partidários. A votação aberta será apenas para que o Plenário da Casa aprove ou
não a chapa única que foi apresentada.
• O Presidente denunciado deverá ter direito à defesa no rito da Câmara dos Deputados.
Assim, depois que houver o recebimento da denúncia, o Presidente da República será
notificado para manifestar-se, querendo, no prazo de dez sessões.
• Vale ressaltar, no entanto, que não deve haver grande dilação probatória na Câmara dos
Deputados (o rito é abreviado). A comissão até pode pedir a realização de diligências, mas
estas devem ser unicamente para esclarecer alguns pontos da denúncia, não podendo ser
feitas para provar a procedência ou improcedência da acusação. Isso porque o papel da
Câmara não é reunir provas sobre o mérito da acusação, mas apenas o de autorizar ou não o
prosseguimento. Quem irá realizar ampla dilação probatória é o Senado.
• O Plenário da Câmara deverá decidir se autoriza a abertura do processo de impeachment por
2/3 dos votos.
• O processo é, então, remetido ao Senado.
SENADO FEDERAL
• Chegando o processo no Senado, deverá ser instaurada uma comissão especial de Senadores
para analisar o pedido de impeachment e preparar um parecer (arts. 44 a 46 da Lei nº
1.079/50, aplicados por analogia).
• Esse parecer será votado pelo Plenário do Senado, que irá decidir se deve receber ou não a
denúncia que foi autorizada pela Câmara.
• Assim, o Senado, independentemente da decisão da Câmara, não é obrigado a instaurar o
processo de impeachment, ou seja, pode rejeitar a denúncia.
• Se rejeitar a denúncia, haverá o arquivamento do processo.
• Se receber, iniciará a fase de processamento, com a produção de provas e, ao final, o Senado
votará pela absolvição ou condenação do Presidente.
• A decisão do Senado que decide se instaura ou não o processo se dá pelo voto da maioria
simples, presente a maioria absoluta de seus membros. Aplica-se aqui, por analogia, o art. 47
da Lei nº 1.079/50. Assim, devem estar presentes no mínimo 42 Senadores no dia da sessão
(maioria absoluta de 81) e, destes, bastaria o voto de 22 Senadores.
• Se o Senado aceitar a denúncia, inicia-se a instrução probatória e o Presidente da República
deverá ser afastado do cargo temporariamente (art. 86, § 1º, II, da CF/88). Se, após 180 dias do
afastamento do Presidente, o julgamento ainda não tiver sido concluído, cessará o seu
afastamento e ele reassumirá, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
• A defesa tem direito de se manifestar após a acusação: no curso do procedimento de
impeachment, o Presidente terá a prerrogativa de se manifestar, de um modo geral, após a
acusação.
• O interrogatório deve ser o ato final da instrução probatória: o interrogatório do Presidente,
instrumento de autodefesa que materializa as garantias do contraditório e da ampla defesa,
deve ser o último ato de instrução do processo de impeachment.
• Ao final do processo, os Senadores deverão votar se o Presidente deve ser condenado ou
absolvido. Para que seja condenado, é necessário o voto de 2/3 dos Senadores.
• Se for condenada, a Presidente receberá duas sanções: a) perda do cargo; b) inabilitação
para o exercício de funções públicas por 8 anos. Além disso, poderá ser eventualmente
denunciado criminalmente pelo Ministério Público.
• Caso seja condenado, quem assume é o Vice-Presidente, que irá completar o mandato (não é
necessária a convocação de novas eleições).
Controle social, político e jurisdicional do exercício do poder. O controle social é a
participação da sociedade no acompanhamento e verificação das ações de execução das
políticas públicas, avaliando os objetivos, processos e resultados. O controle é fiscalização,
sindicalização, investigação, acompanhamento da execução daquilo que foi decidido e
constituído por quem tem o poder político ou a competência jurídica de tomar decisões de

169
interesse público. O controle social é direito público subjetivo dos integrantes da sociedade e
decorre tanto do princípio republicano (art. 1º, CRFB), como do direito fundamental de
participação política, reconhecido na própria CF (ex.: art. 37, § 3º) e nos documentos
internacionais de Direitos Humanos. Dentre as formas de controle social, destacam-se a
possibilidade de representação e petição aos Poderes Públicos e os orçamentos e
planejamentos participativos.
O controle político em sentido amplo (lato sensu) pode ser interpretado como o controle
exercido pelas instituições políticas sobre os atos dos administradores das coisas públicas. Em
uma análise mais restritiva (stricto sensu), pode ser classificado como o controle exercido
pelos representantes eleitos do povo sobre os atos dos administradores públicos, eleitos ou
não.
O controle exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos da Administração tem suas origens na
tripartição dos Poderes, prevista por Montesquieu no século XVIII e adotada por todas as
constituições liberais a partir do século XIX. A ideia de pesos e contrapesos na regulação e
limitação dos Poderes coloca o Poder Judiciário como peça central neste sistema.
O princípio republicano. O princípio republicano é responsável por fixar a forma de governo
do Estado, estabelecendo a relação entre governantes e governados. A res publica (ou a coisa
do povo) se caracteriza pelo fato do povo, em todo ou em parte, possuir o poder soberano, ao
passo que, na monarquia, tem-se apenas um governante.
Tal forma de governo tem por base a defesa da igualdade formal entre as pessoas, de modo
que o poder político será exercido por mandato representativo e temporário. Destaca-se,
ainda, uma característica importante na forma republicana, que é a responsabilidade: os
governantes são responsabilizáveis por seus atos, seja com sanções políticas (impeachment),
seja com sanções penais e civis.
Ao se falar de República, destacamos os seguintes elementos: (1) forma de governo que se
opõe ao modelo monárquico, pois o povo é o titular do poder político, exercendo este de
forma direta ou indiretamente por meio de representante; (2) igualdade formal entre as
pessoas, pois não há tratamento estamental na sociedade e a legislação não permite
discriminações, devendo todos receber o mesmo tratamento; (3) eleição dos detentores do
poder político – tais eleições marcam o caráter temporário de permanência como detentor do
poder; (4) responsabilidade política do Chefe de Governo e/ou do Estado, cabendo a prestação
de contas de suas condutas (accountability).
Por fim, Canotilho destaca que o princípio republicano traz internamente mecanismos de
criação e manutenção de instituições políticas vinculadas à decisão e à participação da
sociedade (cidadãos) – o que os norte-americanos chamam de self-government. Isso implica a
afirmação de autodeterminação e autogoverno, impondo a observância das seguintes normas:
(1) representação territorial; (2) procedimento justo de seleção de representantes; e (3)
deliberação majoritária.

7A. Processo legislativo. Emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada,
medida provisória, decreto legislativo e resolução. O processo de incorporação dos tratados
internacionais. Devido processo legislativo.

Karine Hoffstaeter
Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Aulas do Curso Estratégia (2018)

A função de legislar é uma das funções típicas do Poder Legislativo, cujo objetivo é produzir os
atos normativos primários, chamados assim porque têm seu fundamento de validade
diretamente da Constituição. Os atos normativos primários (emendas à constituição, leis
complementares, medidas provisórias, leis delegadas, decretos legislativos e resoluções) são
elaborados a partir de uma sistemática própria, prevista na Constituição e nos Regimentos
Internos de cada uma das Casas Legislativas, cuja sistemática recebe o nome de processo
legislativo.

170
O processo legislativo é o núcleo central do regime constitucional de um Estado democrático
de direito que permite a construção do Direito, que é um elemento essencial de integração da
sociedade pluralista em que vivemos. Consoante o Ministro Alexandre de Moraes, o processo
legislativo pode ser compreendido em duplo sentido: a) jurídico, que é o conjunto de
disposições que regula o procedimento a ser observado pelos órgãos responsáveis pela
produção das espécies normativas primárias; b) sociológico, que são os fatores reais de poder
que impulsionam a atividade legiferante.

Contudo, há espécies normativas que, apesar de serem primárias, estão fora do escopo do
processo legislativo, como os decretos autônomos e os regimentos dos tribunais, que são atos
normativos primários, mas que não são objeto do processo legislativo, bem como existem
ainda os atos normativos secundários, como os decretos regulamentares, que também não são
objeto do processo legislativo.

O desrespeito às regras do processo legislativo constitucional resulta em inconstitucionalidade


formal (ou nomodinâmica) da norma e havendo vício de iniciativa, por exemplo, tem-se, nesse
caso, uma inconstitucionalidade formal, cujo vício será insanável, que poderá levar à
declaração de inconstitucionalidade da norma pelo STF, em razão do princípio da não
convalidação das nulidades. Outro importante princípio do processo legislativo constitucional é
o princípio da simetria, que impõe que as regras básicas do processo legislativo estabelecidas
pela CF/88 são de observância obrigatória nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios.

O processo legislativo divide-se em duas espécies: a) comum, que se destina à elaboração das
leis ordinárias; e b) especial, que é aquele utilizado para a elaboração de emendas à
Constituição, leis complementares, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos,
resoluções e leis financeiras (lei de plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias, leis
orçamentárias anuais e abertura de créditos adicionais).

Poderá haver o controle judicial preventivo de constitucionalidade do processo legislativo,


quando a norma ainda não estiver em vigor, que poderá ser feito pelo Poder Legislativo
(quando, por exemplo, as Comissões da Câmara e do Senado apreciam a constitucionalidade
dos projetos de lei), pelo Poder Executivo (quando o Presidente veta um projeto de lei por
considerá-lo inconstitucional) ou mesmo pelo Poder Judiciário. Esse controle preventivo, no
âmbito do Judiciário, será viabilizado mediante a impetração de mandado de segurança por
congressista no STF, já que se trata de um direito líquido e certo sendo violado, que é o de ter o
devido processo legislativo respeitado. Registre-se que não se admite o controle judicial do
processo legislativo mediante ação direta de inconstitucionalidade (controle abstrato), pois o
ajuizamento desta pressupõe uma norma pronta e acabada, já publicada e inserida no
ordenamento jurídico, já que controle é exercido por meio do mandado de segurança, que
viabilizará o controle incidental pelo Poder Judiciário, cuja legitimidade é do congressista da
Casa Legislativa em que estiver tramitando a proposta, sendo que o encerramento do processo
legislativo (aprovação e entrada em vigor da norma) retira do congressista a legitimidade para
continuar no feito, restando prejudicado o mandado de segurança.

O processo legislativo é o mecanismo por meio do qual são elaboradas as normas jurídicas do
art. 59, CF/88, contudo, o procedimento legislativo é a sucessão de atos necessários para a
elaboração das normas do art. 59, CF/88. Este procedimento legislativo pode ser classificado
em comum (destinado à elaboração da lei ordinária) e especial (destinado às outras espécies
normativas primárias). O Comum subdivide-se em: a) ordinário, que consiste no procedimento
mais completo, em que não há prazos definidos para o encerramento das fases de discussão
(deliberação) e votação, permitindo estudo mais aprofundado sobre as matérias objeto do
projeto de lei; b) sumário, que possui as mesmas fases do procedimento legislativo ordinário,

171
mas há imposição de prazo para o encerramento da fase de discussão (deliberação) e votação;
c) Procedimento legislativo abreviado: que é o procedimento que se aplica a projetos de lei
que, na forma dos regimentos internos das Casas Legislativa, dispensam a discussão e votação
em Plenário, podendo ser aprovados diretamente pelas Comissões, sem necessidade de irem a
Plenário.

O procedimento legislativo ordinário apresenta três fases: a) fase introdutória, que


compreende a iniciativa de lei, ou seja, a apresentação do projeto de lei ao Congresso
Nacional, deflagrando o processo legislativo; b) A fase constitutiva, que abrange a deliberação
e votação sobre o projeto de lei no âmbito das duas casas legislativas, em virtude do
bicameralismo no Poder Legislativo federal, com a manifestação do Chefe do Executivo (sanção
ou veto). Se for o caso, haverá, ainda, a apreciação do veto presidencial pelo Poder Legislativo.
Por fim, c) a fase complementar, que compreende a promulgação (ato solene que atesta a
existência da lei) e a publicação (ato de divulgação oficial da lei).

O Presidente da República tem a iniciativa privativa de projeto de lei que trata da organização
do Ministério Público e da Defensoria Pública da União e de projeto de lei que versa sobre
normas gerais de organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do
Distrito Federal e dos Territórios. Ressalte-se que, por força do art. 128, § 5º, CF/88, a lei de
organização do Ministério Público da União é da iniciativa concorrente do Presidente da
República e do Procurador-Geral da República. Por simetria, as leis de organização dos
Ministérios Públicos Estaduais são de iniciativa concorrente do Governador e do Procurador-
Geral de Justiça.

Conforme já decidiu o STF, “a Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na


instauração do processo legislativo em tema de direito tributário”, diferentemente da iniciativa
das leis orçamentárias, que é privativa e vinculante do Presidente da República, já que é
obrigado a apresentar o projeto de lei, na forma e nos prazos previstos na Constituição. À
exceção das hipóteses de iniciativa vinculada (leis orçamentárias), compete ao Chefe do Poder
Executivo determinar a conveniência e a oportunidade de exercer a iniciativa privativa de lei,
não podendo os outros Poderes obrigá-lo a exercer tal competência, sob pena de ofensa ao
princípio da separação de poderes.

Dos procedimentos legislativos especiais (emendas Constitucionais, leis complementares, leis


delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções).

Nas Emendas Constitucionais, que cuidam da reforma à Constituição, elas apresentam quatro
tipos de limitações: a) temporais, que ocorrem quando o Poder Constituinte Originário
estabelece um prazo durante o qual não pode haver modificações ao texto da Constituição,
sendo imutável, algo que não aconteceu com CF/88; b) circunstanciais, que se verificam
quando a Constituição estabelece que em certos momentos de instabilidade política do Estado
seu texto não poderá ser modificado, tais como estado de sítio, estado de defesa e intervenção
federal (CF, art. 60, § 1º), podendo apenas ser apresentadas, discutidas e votadas, sem
possibilidade de promulgação; c) formais, i) quanto à iniciativa restrita (1/3, no mínimo, dos
membros da câmara ou do senado; Presidente da República; mais da metade das assembleias
legislativas, manifestando-se, cada uma, pela maioria relativa de seus membros); ii) votação e
discussão em 2 turnos em cada casa legislativa e aprovação por 3/5 dos membros de cada uma
delas; iii) promulgação pelas mesas da câmara e do senado, com o respectivo número de
ordem, e iv) vedação à reapresentação, na mesma sessão legislativa, de proposta de emenda
nela rejeitada ou tida por prejudicada (irrepetibilidade absoluta); d) materiais, quando a
Constituição estabelece que determinadas matérias não poderão ser abolidas por meio de
emendas, conhecidas como explícitas ou expressas, quando previstas expressamente do texto
constitucional e, em oposição, implícitas ou tácitas, quando não estão expressas Constituição.

172
Os dois tipos de limitações materiais estão presentes na CF/88. As expressas estão previstas no
§ 4º do art. 60, segundo o qual não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir: 1) a forma federativa de Estado; 2) o voto direto, secreto, universal e
periódico; 3) a separação dos Poderes e 4) os direitos e garantias individuais. Já as limitações
implícitas ao poder de reforma são limites tácitos, não podendo ser modificados, tais como: a
titularidade do Poder Constituinte Originário e Derivado e os procedimentos de reforma e
revisão constitucional.

Das leis complementares, nestas espécies normativas primárias há processo legislativo


próprio, mais dificultoso do que o das leis ordinárias, porém mais fácil que o de reforma à
Constituição, pois o constituinte entendeu que certas matérias, embora de extrema relevância,
não deviam ser regulamentadas pela própria Constituição Federal, mas também não poderiam
se sujeitar à possibilidade de constantes alterações pelo processo legislativo ordinário.

As leis complementares se diferenciam das ordinárias em dois aspectos: o material, que


consiste no fato de que os assuntos tratados por ela estão expressamente previstos na
Constituição, o que não acontece com as leis ordinárias; o formal, que diz respeito ao processo
legislativo, que exige quórum qualificado (maioria absoluta – art. 69, CF), diferentemente da lei
ordinária, cuja aprovação é de maioria simples (art. 47). As demais fases do procedimento de
elaboração da lei complementar seguem o processo ordinário.

Das medidas provisórias: Nestas espécies normativas, o Presidente da República (PR) poderá
adotá-las, com força de lei, em caso de relevância e urgência, devendo submetê-las de
imediato ao Congresso Nacional.

Os requisitos de relevância e urgência, necessários para a edição da medida provisória, são


conceitos jurídicos indeterminados e, por isso, estão inseridos na esfera da discricionariedade
administrativa, de competência do PR. Registre-se que o STF entende que é possível o controle
jurisdicional dos requisitos de urgência e relevância, mas apenas em casos excepcionais, nos
quais for evidente a ausência desses pressupostos (ADI 4029, Rel. Min. Luiz Fux, Julgado em
08.03.2012), sem que isso configure qualquer violação ao princípio da separação de poderes.

Registre-se que as medidas provisórias não podem tratar sobre qualquer matéria, tendo em
visa a existência de limitações constitucionais à sua edição, tais como: I – relativa a: a)
nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito
penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério
Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes
orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art.
167, § 3º (abertura de créditos extraordinários); II – que vise a detenção ou sequestro de bens,
de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III – reservada a lei complementar; IV
– já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou
veto do Presidente da República.

Uma vez editada pelo Presidente, a medida provisória deverá ser submetida, de imediato, ao
Congresso Nacional, onde terá o prazo de 60 dias (prorrogáveis por mais 60) para ser
apreciada, não correndo durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. Será
apreciada por uma Comissão Mista, que emitirá parecer, para posterior apreciação pelo
Plenário das Casas Legislativas, iniciada obrigatoriamente na Câmara dos Deputados. Caso seja
integralmente convertida em lei, o Presidente do Senado a promulgará, não se falando em
sanção ou veto. Caso rejeitada integralmente, o CN deverá disciplinar, por meio de decreto
legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, no prazo de 60 dias. No caso de modificações
do texto original, será transformada em projeto de lei de conversão, o qual será enviado para
sanção ou veto pelo Presidente da República.

173
Das Leis Delegadas: estas são as elaboradas pelo Presidente da República, no exercício da
função atípica legislativa, por delegação do Congresso Nacional, após sua solicitação (do PR). É
um ato discricionário do Congresso, podendo ser revogado a qualquer tempo. Na delegação
típica, não há qualquer intervenção do Legislativo, enquanto na atípica, o Congresso apreciará
antes de ser convertido em lei. A delegação não vincula o Presidente da República, que,
mesmo diante dela, poderá não editar a lei delegada, como não retira do Legislativo o poder de
regular a matéria. Elas não podem tratar de qualquer matéria, bem como o Congresso poderá
sustar atos do Executivo que exorbitem dos limites da delegação legislativa, com efeitos não
retroativos (ex nunc), chamado de “veto legislativo”.

Dos decretos legislativos e Das resoluções: ambos são espécies normativas primárias, com
hierarquia de lei ordinária, não sujeitos à sanção ou veto do Presidente da República. Os
decretos legislativos são atos editados pelo Congresso Nacional para o tratamento de matérias
de sua competência exclusiva (art. 49 da CF), dispensada a sanção presidencial. Segundo o Prof.
José Afonso da Silva, os decretos legislativos são atos com efeitos externos ao Congresso
Nacional. As resoluções são espécies normativas editadas pelo Congresso Nacional, pelo
Senado Federal ou pela Câmara dos Deputados, sendo utilizadas para dispor sobre assuntos de
sua competência que não estão sujeitos à reserva de lei (arts. 51 e 52 da CF), que apontam as
competências privativas da Câmara e do Senado, respectivamente. A Constituição exige a
edição de resoluções, também, em outros dispositivos constitucionais, dentre os quais: a)
delegação legislativa para a edição de lei delegada (resolução do Congresso Nacional); b)
definição das alíquotas máximas do imposto da competência dos Estados e do DF, sobre
“causas mortis” e doações, de quaisquer bens ou direitos (resoluções do Senado). Ademais,
promulgação da resolução se dá pelo Presidente da respectiva Casa legislativa.

Processo de incorporação dos tratados internacionais. Segundo Portela, “o direito


internacional não vincula apenas no âmbito internacional, regulando somente as relações
entre Estados e organizações internacionais, mas também obriga no âmbito interno dos entes
estatais. A execução das normas internacionais é facilitada a partir de sua incorporação ao
Direito interno, também conhecida como “internalização”, que é o processo pelo qual os
tratados passam a também fazer parte do ordenamento jurídico nacional dos entes estatais”.

“A jurisprudência reconhece que o procedimento de internalização do tratado no Brasil é


complexo, como evidencia a seguinte ementa: “o exame da vigente Constituição Federal
permite constatar que a execução dos tratados internacionais e sua incorporação à ordem
jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente
complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do CN, que resolve,
definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais
(CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito
internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é da
competência para promulgá-los mediante decreto” (ADI-MC 1480/DF, rel. Min. Celso de Mello,
18.05.01)”.

Assim, “o primeiro passo após a assinatura do tratado é a preparação de uma Exposição de


Motivos, dirigida ao PR pelo MRE (Ministro das Relações Exteriores), dando ciência da
assinatura do ato internacional e pedindo o encaminhamento do acordo ao CN, para fins de
providenciar sua eventual ratificação. No CN, o tratado será examinado na CD e, em seguida,
no SF. A discussão da matéria envolverá as comissões competentes das duas Casas e votação
no plenário de cada uma delas, em turno único, devendo sua aprovação seguir os termos do
art. 47 da CF”. Ou, ainda, ser aprovado por 3/5, em dois turnos, se seguir o rito do art. 5⁰, §3⁰,
da CF, nos tratados de direitos humanos.

174
“Aprovado o acordo, o Presidente do Senado emitirá um Decreto Legislativo, que aqui consiste
em mero instrumento de encaminhamento do tratado ao PR, a quem cabe decidir sobre a
ratificação. Nesta hipótese (aprovação), o DL não tem o efeito de ordenar (ao PR) o
cumprimento do tratado. Caso o CN não aprove o ato internacional, o PR fica impossibilitado
de ratificá-lo, sob pena de violação ao livre exercício do Poder Legislativo (CF, art. 85, II). Por
fim, quando o tratado entrar em vigor no âmbito internacional, o PR pode concluir o processo
de incorporação por meio da promulgação, ato pelo qual ordena a publicação do acordo e sua
execução em território nacional. A promulgação é feita por meio de Decreto, publicado no
DOU”.

Por último, “quanto à hierarquia, os tratados de direitos humanos internalizados antes da


vigência da EC 45/04, sem o quórum qualificado do CN de 3/5, em dois turnos de votação,
consoante entendimento do STF (RE 466.343), têm status supralegal, estando abaixo da égide
Constitucional e acima da lei infraconstitucional. Os tratados de direitos humanos
internalizados após a EC 45/04 e sob o rito qualificado do art. 5⁰, §3⁰, da CF, têm equivalência à
norma constitucional em sentido formal e material”. Por sua vez, tratando-se de acordo
internacional cuja matéria seja diversa do tema “direitos humanos”, sua hierarquia, após
internalização ao ordenamento pátrio, terá status de lei ordinária. Já que “o Excelso Pretório
tem adotado o sistema paritário ou monismo moderado, segundo o qual tratados e
convenções internacionais têm status de lei ordinária (STF –ADI 1.480-3/DF e ADI 1.347/DF,
ambas relatadas pelo Min. Celso de Mello)” (Koehler).

15.PODER EXECUTIVO
15.1 Poder Executivo. Histórico. Presidencialismo e Parlamentarismo. Presidencialismo de
coalização. (2.b)
15.2 Presidente da República: estatuto. Competências. Poder normativo autônomo, delegado
e regulamentar. Ministros de Estado. (2.b)

2B. Poder Executivo. Histórico. Presidencialismo e Parlamentarismo. Presidencialismo de


coalizão. Presidente da República: estatuto. Competências. Poder normativo autônomo,
delegado e regulamentar. Ministros de Estado.

Graal Oral 28º CPR

1. Histórico. O presidencialismo remete ao sistema implantado em 1787 nos EUA, com


a criação de um Executivo independente do Legislativo, e, ao mesmo tempo, sujeito ao sistema
de pesos e contrapesos de Montesquieu. O parlamentarismo surgiu na Inglaterra, a partir dos
séculos XII e XIII, como resposta contra os privilégios monárquicos.
Origem do Presidencialismo => Convenção de Filadélfia nos Estados Unidos da América,
influência da monarquia limitada, ou constitucional, da revolução de 1688 na Grã-Bretanha,
mas construído sobre o sistema Republicano.
Origem do Parlamentarismo => Construção lenta e histórica inglesa no século XVIII.
Também possui como marco a revolução de 1688 e a consequente separação de poderes. Em
razão da quebra sucessória dos Stuarts (ramo católico), o trono inglês foi assumido pela casa
de Hanôver (Jorge I e II), de origem germânica sem identificação com a nação inglesa. Assim, a
figura do primeiro-ministro ganhou destaque como o verdadeiro governante (o primeiro foio
Sr. Walpole). Surgiu a figura do impeachment (procedimento penal) e da responsabilidade
política (seguir a linha política do parlamento, sob pena de renúncia forçada).
2. Sistema de governo é o modo como se dá a relação entre os Poderes dentro de um
Estado; sobretudo entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Diferencia-se da forma de
governo, que é definida como o modo em que se dá a relação entre governantes e
governados. As principais espécies de sistema de governo são: presidencialismo e
parlamentarismo. Quadro comparativo apresentado por Bernardo Gonçalves Fernandes:

175
Presidencialismo Parlamentarismo
Identidade entre chefia de estado e chefia de governo
(são a mesma pessoa). Há uma não identidade entre chefia de estado e
Chefe de estado exerce função simbólica de chefia de governo. O chefe de estado pode ser um
representar internacionalmente o país e de rei (um monarca) ou um presidente, ao passo que o
corporificar a sua unidade interna. chefe de governo é o 1º ministro, que exerce o
Chefe de governo executa as políticas públicas. governo conjuntamente com o seu gabinete
Ou seja, é quem efetivamente governa e também (conselho de Ministros).
exerce a liderança da política nacional.

Estabilidade democrática, construída pelo povo nos


processos democráticos. Pode até existir a figura do
mandato mínimo e do mandato máximo, todavia ele
não é fixo. Nesse sentido, tem por fundamento a
Estabilidade de governo. Há a figura dos mandatos existência dos institutos:
fixos para o cargo de presidente. I) possibilidade de queda do gabinete pelo
parlamento (através da “moção de censura” ou
“voto de desconfiança”) e
II) possibilidade cotidiana de dissolução do
parlamento pelo gabinete.

3. Poder Executivo. Poder Executivo é o órgão constitucional em que se concentram as


funções de cunho executivo nos moldes explicitados no art. 2º da Constituição de 1988, que
delimita os poderes da União, cuja função está atrelada ao exercício da atividade executiva na
República Federativa do Brasil.
Função típica: chefia de Estado. Atípica: legislar por medida provisória (art. 62 CF) e
julgar no “contencioso administrativo” no caso da defesa de multa de trânsito, do IPEM, da
SEMAB, do CADE, TIT, etc. *Crítica: A função jurisdicional é marcada pelo caráter definitivo da
decisão, inexistente no contencioso administrativo. Basicamente, suas funções estão
estabelecidas no art. 84 da Constituição. O Poder Executivo, nos termos do art. 76 da
Constituição, é exercido pelo Presidente da República com o auxílio dos Ministros de Estado
(cargos de livre nomeação e exoneração do Presidente da República).
As condições de elegibilidade estão no art. 14, § 5º, e é eleito mediante sufrágio
universal, a partir do princípio da maioria absoluta. A reeleição é possível parar um único
período subseqüente, a partir da EC n. 16/97. A eleição é pelo critério majoritário absoluto,
que, se não for alcançado no primeiro turno, exige, só então, a realização de novo escrutínio. A
linha sucessória do Presidente da República será: Vice-Presidente, Presidente da Câmara,
Presidente do Senado e Presidente do STF (arts. 78 e ss. da CF). Na hipótese de a vacância
do cargo operar-se nos dois primeiros anos do mandato, far-se-á uma eleição 90 dias depois
de aberta a última vaga (eleição direta); ocorrendo nos últimos dois anos do período
presidencial, haverá a eleição indireta promovida, em 30 dias, pelo Congresso Nacional. A
perda do
mandato ocorrerá nas seguintes hipóteses:
1. Cassação (decorrente de decisão do Senado nos processos por crime de
responsabilidade, ou de decisão do STF em caso de crime comum);
2. Declaração de vacância do cargo pelo Congresso Nacional;
3. Extinção (renúncia, morte, suspensão dos direitos políticos);
4. Ausência do país, sem licença do Congresso, por mais de 15 dias.
Desde 1994, em sede de análise de Medida Cautelar na ADI n. 1057, o STF tem
reiteradamente entendido que o artigo 81, §1º, da Constituição Federal (regramento da
sucessão presidencial no caso de dupla vacância) não é uma norma de reprodução obrigatória
pelos Estados e Municípios em suas respectivas Constituições/Leis Orgânicas. Segundo o
Supremo, compete aos entes federados, como decorrência do princípio federativo, o exercício
da autonomia política administrativa para estabelecerem as regras da sucessão na hipótese da

176
dupla vacância na chefia do Poder Executivo.
Competência. José Afonso da Silva classifica as atribuições do Presidente da República em três
funções básicas:
a) Chefia do Estado: art. 84, VII, VIII, XVIII, segunda parte, XV, XVI, primeira parte, XIX, XX, XXI e
XXII. b) Chefia do Governo: art. 84, I, III, IV, V, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XVII, XVIII, primeira parte,
XXIII, XXIV e XXVII. c) Chefia da Administração Federal: art. 84, II, VI, XVI, segunda parte, XXIV e
XXV.
Atribuições delegáveis → Apenas três são delegáveis aos Ministros de Estado, ao
Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União: a) Inciso VI (decretos
autônomos); b) Inciso XII (conceder indulto e comutar penas); c) Inciso XXV, primeira parte –
prover (por lógica, abrange o desprover -exonerar)os cargos públicos na forma da lei.
Estatuto: imunidades e prerrogativas. Imunidade formal: só poderá ser processado por
crime comum ou de responsabilidade após o juízo de admissibilidade da Câmara dos
Deputados. E enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, não se
sujeita à prisão. Prerrogativa de foro: só poderá ser processado e julgado pelo STF no caso de
crimes comuns, e pelo Senado nos crimes de responsabilidade. Por fim, cabe referir a previsão
constante do § 4º do art. 86, o qual estabelece a irresponsabilidade pelas infrações que não se
relacionam com o exercício de suas funções. NÃO possui imunidades materiais, apenas
imunidades processuais! Imunidade processual temporária (por atos estranhos ao cargo,
somente após o mandato –art. 86 §4 → consequências: prescrição fica suspensa, após o
mandato não haverá controle de admissibilidade pela CD).
Constituição, art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República
que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos
Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos,
individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a
lei orçamentária; VII -o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Esses crimes serão
definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento, atualmente
disciplinados na Lei n. 1079/50.

Crime Comum Crime de Responsabilidade


Natureza
Infração Penal (crime) Infração Político-administrativa
Penas Possíveis
Perda do mandato (impeachment) e inabilitação
Reclusão, detenção, Perda de bens, etc.
para o exercício da função
Provocação
PGR por meio de denúncia Qualquer cidadão
Juízo prévio de admissibilidade
Câmara dos Deputados (2/3) Câmara dos Deputados (2/3)
Juízo definitivo de admissibilidade
STF (decisão de recebimento da
Não há
denúncia ou queixa)
Competência
STF Senado Federal
Afastamento das funções
A partir da decisão de admissibilidade do STF A partir da instauração do processo pelo Senado

Poder Normativo Autônomo: a EC n. 32/2001 positivou a figura dos decretos


autônomos, estabelecendo que compete ao Presidente da República dispor, mediante decreto,
sobre: a) a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar
aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou
cargos públicos, quando vagos (art. 84, inciso VI, da Constituição). A doutrina (veja-se Celso

177
Antônio Bandeira de Mello) criticou duramente essa inovação, mas o STF a respaldou" (ADI
2.564). Poder Regulamentar: previsto no art. 84, IV, da Constituição. O regulamento de
execução explicita a lei sem inovar a ordem jurídica, sem criar direitos e obrigações, em face
do princípio constitucional da legalidade. Segundo a doutrina, fixa as regras destinadas a
colocar em execução os princípios institucionais delimitados e estabelecidos na lei. Poder
delegado: a delegação legislativa ao Presidente da República tem seus limites e contornos
previstos no art. 68 da Constituição. Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a delegação
pode ser retirada pelo Congresso Nacional a qualquer momento.

Decreto Regulamentar (Art. 84, Decreto Autônomo (Art. 84,


IV) VI)
Natureza
Secundário Primário
Inova no ordenamento
Não Sim
Hierarquia
Infralegal Legal
Matéria
Em tese, qualquer lei Taxativa (art. 84, VI CF)
Criação
CF/1988 EC 32/2001

5. Presidencialismo de Coalizão. O termo foi formulado pelo cientista político Sergio


Abranches. A ideia se assenta em dois pilares principais: o papel do presidente e a existência
de coalizões partidárias que sustentam o governo.
Ao colocar a fórmula em movimento, os partidos da coalizão participam do governo quase
que de forma semiparlamentarista e, ao mesmo tempo, oferecendo a maioria de que
dispõem no Congresso para apoiar a agenda do presidente. O termo, “coalizão” refere-se a
acordos entre partidos (normalmente com vistas a ocupar cargos no governo) e alianças entre
forças políticas (dificilmente em torno de ideias ou programas) para alcançar determinados
objetivos.
Em sistemas multipartidários, nos quais há mais do que dois partidos relevantes
disputando eleições e ocupando cadeiras no Congresso, dificilmente o partido do presidente
possuirá ampla maioria no Parlamento para aprovar seus projetos e implementar suas
políticas. Na maioria das vezes a coalizão é feita para sustentar um governo, dando-lhe suporte
político no Legislativo (em primeiro lugar) e influenciando na formulação das políticas
(secundariamente). Assim, partidos, dependendo da conjuntura política, se juntam para
formar um consórcio de apoio ao chefe de governo. Essa prática é muito comum no sistema
parlamentarista, no qual uma coalizão interpartidária disputa as eleições para o Legislativo
visando obter a maioria das cadeiras e com isso indicar (“eleger”) o primeiro-ministro.
6. Ministros de Estado => Auxiliares do Presidente na direção superior da Administração
Federal.
Requisitos→ nato ou naturalizado (salvo o Ministro de Estado da Defesa, nato,
conforme o inciso VII do § 3 do art. 12 da CF); maior de 21 anos e estar no exercício dos
direitos políticos.
Atribuições→ exercer a orientação, coordenação e supervisão de sua área de
competência; referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente (Michel Temer defende
que os atos não referendados são nulos; já para o José Afonso da Silva, os atos não
referendados são plenamente válidos, a única possível consequência é a demissão do
Ministro); expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos (Instruções
Normativas); apresentar relatório anual de gestão e praticar os atos delegados pelo
Presidente. Após a EC 32/2001, o art. 88 da CF determina que lei disporá somente sobre a

178
criação e extinção de Ministério, não mais exigindo lei em sentido estrito para a determinação
de estruturação e atribuições.
Crimes de responsabilidade sem conexão com o Presidente e nos crimes comuns são
julgados pelo STF, nos crimes de responsabilidade com conexão com o Presidente a
competência é do Senado Federal.

16.PODER JUDICIÁRIO
16.1 Poder Judiciário: organização e competência. Normas constitucionais respeitantes à
magistratura. O ativismo judicial e seus limites no Estado Democrático de Direito. (3.b)
16.2 Supremo Tribunal Federal: organização e competência. Jurisdição constitucional. ( 5.b)
16.3 Súmula vinculante. Legitimidade e crı ́ticas. Mecanismos de distinção. (23.b)
16.5 Conselho Nacional de Justiça. História, composição, competência e funcionamento. (25.c)

3B. Poder Judiciário: organização e competência. Normas constitucionais respeitantes à


magistratura. O ativismo judicial e seus limites no Estado Democrático de Direito.

Aline Morais

FUNDAMENTOS JURÍDICOS: Arts 92 e ss CRFB e LC 35/79


Conceito – O Poder Judiciário exerce parcela do poder estatal para manter o equilíbrio e evitar
arbitrariedades (sistema de freios e contrapesos). Tem caráter nacional, é uno e indivisível.
Composto por juízes de direito, desembargadores, ministros, juízes leigos, juntas eleitorais e
juízes de paz. Ingresso na carreira de juiz de direito exige aprovação em concurso de provas e
títulos e comprovação de 3 anos de prática/atividade jurídica privativa de bacharel em Direito,
após a colação de grau. (art. 93, I, CRFB e Res n. 75/2009 do CNJ).
FUNÇÃO TÍPICA – exercício da jurisdição com aplicação do direito ao caso concreto e solução
de conflitos;
FUNÇÕES ATÍPICAS – legislativa: elaborar seus regimentos internos (art 96 I, CRFB) e
administrativa: autogestão, auto-organização (art. 96, I, b, c e d, CRFB)

ÓRGÃOS – STF, CNJ (apenas funções administrativas), STJ, TST, TRFs e Juízes Federais,
Tribunais e Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares,
Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
Órgãos de convergência:STF, STJ, STM, TSE e TST (todas as matérias convergem para eles)
Órgãos de superposição: STJ (decisões se sobrepõem às justiças comuns) e STF (suas decisões
se sobrepõem a todas as demais justiças).
Classificação: MATERIAL: comum (Estadual e Federal) e especializada (eleitoral, militar e
trabalhista); NÚMERO DE JULGADORES: singular (juízes 1º grau) e colegiada (turmas e
tribunais);

STF: Guardião CRFB. Órgão de cúpula do Poder Judiciário. Obs. abordado no ponto 5.b.

CNJ: órgão de controle interno do Poder Judiciário, criado pela EC n. 45/04 (Reforma do
Judiciário), sendo órgão de natureza exclusivamente administrativa (ADI 3.367).Obs.será
abordado no Ponto 25.c.

STJ: Guardião da Legislação Federal, criado pela CRFB para desafogar o STF, ficando
responsável por uniformizar a interpretação da lei federal e garantir sua observância e
aplicação. Possui competência originária (art. 105, I), recursal (105, II) e especial (105, III). Tem
sede na Capital Federal, jurisdição em todo território nacional. Julga o incidente de
deslocamento de competência para a Justiça Federal, nos termos do artigo 109, §5º, CRFB.
Composição. Mínimo 33 (trinta e três) Ministros (alterável por lei), brasileiros (natos ou
naturalizados) com idade superior a 35 e inferior a 65 anos, com notável saber jurídico e

179
reputação ilibada. Investidura. - nomeados pelo Presidente da República, após sabatina e
aprovação por maioria absoluta do Senado Federal. Composição dos Ministros: 1/3 de juízes
dos Tribunais Regionais Federais; 1/3 de desembargadores dos Tribunais de Justiça; 1/3 de
advogados e de membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e
Territórios, alternadamente. Procedimento: No caso dos juízes dos Tribunais Regionais
Federais e dos desembargadores dos Tribunais de Justiça, o STJ elabora lista tr íplice, enviando-
a ao Presidente da República, que indicará um e o nomeará após aprovação do Senado
Federal. No caso dos advogados e membros do MP, serão eles indicados na forma das regras
para o quinto constitucional do art. 94 CRFB. Funcionam junto ao STJ - Escola Nacional de
Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (regulamenta cursos oficiais para o ingresso e
promoção na carreira) e Conselho de Justiça Federal (supervisão administrativa e
orçamentária da Justiça Federal com poderes correicionais e decisões).
Novas competências (EC45/2004)- homologação de sentenças estrangeiras e a concessão do
exequatur, e a preservação da competência para o julgamento de recurso especial quando a
decisão recorrida julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal (análise
da legalidade).

TST: Tribunal Superior do Trabalho, órgão superior da Justiça do Trabalho. Composição: 27


ministros brasileiros (natos ou naturalizados) com idade superior a 35 e inferior a 65 anos, com
notável saber jurídico e reputação ilibada. Investidura. - nomeados pelo Presidente da
República, após sabatina e aprovação por maioria absoluta do Senado Federal. Composição
dos Ministros: 4/5 de juízes do TRT escolhidos pelo próprio tribubal e 1/5 de advogados e de
membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, com mais
de 10 anos de efetivo exercício, alternadamente.Funcionam junto ao TST - Escola Nacional de
Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (regulamenta cursos oficiais para o
ingresso e promoção na carreira) e Conselho Superior da Justiça do Trabalho (supervisão
administrativa e orçamentária da Justiça Federal com poderes correicionais e decisões). Lei
disporá sobre sua competência.

TRIBUNAIS E JUÍZES FEDERAIS: (art 108 e 109 CRFB) – Órgãos que compõem a Justiça Federal,
possuidores de competência originária e recursal: Juízes (1º grau) e TRFs (2º grau). Reinstituída
em 1965, pelo AI-2, teve as competências ampliadas. Composição TRF: mínimo 7 juízes
brasileiros (natos ou naturalizados), recrutados, se possível, na respectiva região,com idade
superior a 35 e inferior a 65 anos, nomeados pelo Presidente da República. Composição: 4/5
de juízes federais com mais de 5 anos de exercício, por antiguidade e merecimento,
alternadamente e 1/5 de advogados e de membros do Ministério Público Federal, com mais de
10 anos de efetivo exercício, alternadamente. Seções Judiciárias: Nos Estados e no Distrito
Federal, sede na Capital e subseções no interior. Pode constituir Câmaras Regionais. – cabe à
Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença da
União, suas autarquias e empresas públicas (Sum 150 STJ). Competência 1º grau: para as
causas que tenham com partes a União, suas autarquias e empresas públicas federais. Em
linhas gerais, compete-lhe julgar: (a) as causas em que a União, entidade autárquica ou
empresa pública forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes,
exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do
Trabalho; (b) as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou
pessoa domiciliada ou residente no País; (c) as causas fundadas em tratado ou contrato da
União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; (d) a execução de carta rogatória,
após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação; as causas referentes à
nacionalidade, inclusive a respectiva opção e à naturalização; (e) as causas relativas a direitos
humanos deslocadas da Justiça estadual para a Justiça Federal (IDC); (f) os crimes políticos e as
infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas
entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a
competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; (g) os crimes: 1) previstos em tratado ou

180
convenção, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente; 2) contra a organização do trabalho e, nos casos
determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; 3)
cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; 4) de
ingresso ou permanência irregular de estrangeiros; (h) os habeas corpus, em matéria criminal
de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não
estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição, os mandados de segurança e os habeas datas
contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
(i) a disputa sobre direitos indígenas
JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS: julgar as causas cíveis de menor complexidade (até 60 salários
mínimos) e as infrações penais de menor potencial ofensivo.
TRFs - recursos nas causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício
de competência federal, na área de sua jurisdição e originariamente julgar: (a) o processo e
julgamento de juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da
Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério
Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; (b) as revisões criminais e as
ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região; (c) os mandados de
segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal; (d) os habeas
corpus, quando a autoridade coatora for juiz federal; (e) os conflitos de competência entre
juízes federais vinculados ao Tribunal; (f), autoridades estaduais e municipais, que gozam de
prerrogativa de foro junto ao Tribunal de Justiça estadual. Configuram também competências
não expressas dos TRFs o processo e julgamento das ações rescisórias movidas por ente
federal contra acórdão de Tribunais de Justiça ou sentença de juiz de direito e os mandados de
segurança impetrados por ente federal contra ato de juiz estadual.

JUSTIÇA DO TRABALHO: (art. 111 a 116 CRFB) - Justiça especializada em razão da matéria, com
competência taxativamente prevista na Constituição. Órgãos: 1) TST; 2) TRT's; 3) Juízes do
Trabalho. As Varas do Trabalho são criadas por lei, podendo ser atribuída jurisdição aos Juízes
de Direito nas comarcas não abrangidas por elas, mas o recurso será para o TRT respectivo.
Competência da Justiça do Trabalho: processo e julgamento: de ações decorrentes de relação
de trabalho entendida esta como toda aquela submetida ao regime jurídico celetista.
Excluem-se causas que sejam instauradas entre o Estado e seus servidores, a ele vinculados
por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo (interpretação
conforme na ADI 3395 STF) e contratos de prestação de serviço regidos pelo CDC ou CC; EC
45/04: a) ações que versem sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e
trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; MS, HC e HD na relação de trabalho;
indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho; ações relativas
às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das
relações de trabalho; direito de greve; executar, de ofício, das contribuições sociais previstas
no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir (EC
20/98); conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista.

JUSTIÇA ELEITORAL. (art 118 a 121 CRFB) - Justiça especializada em razão da materia,
composta pelos seguintes órgãos: o Tribunal Superior Eleitoral; os Tribunais Regionais
Eleitorais; os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais. Lei complementar disporá sobre a
organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.
TSE – Composição: mínimo 7 membros: 3 STF, 2 STJ, 2 advogados escolhidos pelo Presidente
da República, em lista sextupla formada pelo STF. Presidente e Vice são do STF e corregedor-
geral do STJ. Suas decisões são irrecorríveis, exceto quando contrariarem a Constituição e as
denegatórias de habeas-corpus ou mandado de segurança. TRE - .Um na Capital de cada
Estado e no Distrito Federal. Composição 7 juízes: cinco eleitos por voto secreto: 2
desembargadores de TJ, 2 juízes estaduais, 1 Juiz de TRF; 2 advogados escolhidos pelo
Presidente da República, em lista sextupla formada pelo TJ. O presidente e o vice são eleitos

181
entre os desembargadores. A atuação é por dois anos, no mínimo, e nunca por mais de dois
biênios consecutivos, sendo os substitutos escolhidos na mesma ocasião e pelo mesmo
processo, em numero igual para cada categoria. Recursos das decisões: a) contra disposição
expressa da CRFB; b) divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais
eleitorais; c) inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais; d)
anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais ou e)
denegarem HC MS HD MI. Obs.: O MP não participa da composição dos tribunais eleitorais.

JUSTIÇA MILITAR. (arts 122 a 124) – Justiça Especializada em razão da materia. C


Orgãos: STM, Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei, que disporá sobre a organização,
o funcionamento e a competência.STM Composição: 15 ministros – 3 oficiais-generais da
Marinha, 4 oficiais-generais do Exercito, 4 oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do
posto mais elevado da carreira, e 5 civis, escolhidos pelo Presidente da Republica dentre
brasileiros maiores de 35 anos, sendo 3 dentre advogados de notório saber jurídico e conduta
ilibada, com mais de 10 anos de efetiva atividade profissional e 2, por escolha paritária, dentre
juízes auditores e membros do Ministério Publico da Justiça Militar. A Justiça Militar compete
processar e julgar os crimes militares definidos em lei. AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA MILITAR (LEI 13491/2017) – ADI 5901 – inconstitucionalidade por retirar competência
do Júri para a JMU. Parecer da PGR é pela parcial procedência porque a jurisdição penal
militar deve ter “competência restrita ao julgamento de crimes envolvendo violação à
hierarquia, disciplina militar ou outros valores tipicamente castrenses. O direito ao devido
processo legal e a um julgamento justo por juiz competente, independente e imparcial,
previstos na Constituição brasileira (art.5º, LIV), no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos (art. 14) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º), aliado ao princípio
da proibição do retrocesso, exigem que seja mantida a competência atual do Tribunal do Júri
para julgar militares (dos Estados membros ou das Forças Armadas) que cometerem crimes
dolosos contra a vida de civis, mantendo-se a igualdade e o juiz natural para todos”.
http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=314696692&ext=.pdf

JUSTIÇA ESTADUAL. (artigos 125 e 126 CRFB) – Justiça comum, de competência residual, ou
seja, o que não for da Justiça Federal, do Trabalho, ou Eleitoral. Composta por juízes e
desembargadores. No primeiro grau, organiza-se em Varas e Comarcas e em segundo no
Tribunal de Justiça com suas turmas e órgão especial.
JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL (art 125 §3º a 5º CRFB) – Criada por lei estadual de iniciativa do
TJ. Composição: 1º grau – juízes de direito e Conselhos de Justiça; 2º grau – TJ ou TJM quando
o efetivo supera 20 mil. Competências: processar e julgar crimes e atos disciplinares,
preservada a competência do júri quando a vítima for civil.
JUIZADOS ESPECIAIS – (art 98, I CRFB) Criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios,
e pelos Estados em seus territórios para conciliação, julgamento e execução de causas cíveis
de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo. Formados por juízes
togados e leigos, atuam mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de
primeiro grau.
JUSTIÇA DE PAZ REMUNERADA– (art 98, II CRFB) composta por cidadãos eleitos pelo voto
direto, universal e secreto, com mandato de 4 anos. Exercem competência não-jurisdicional,
como celebrar casamentos, verificar, de oficio ou em face de impugnação apresentada, o
processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de
outras previstas na legislação. A Justiça Estadual pode lhe atribuir outras. Em Minas Gerais é
responsável pela arrecadação de bens vagos, por exemplo.

QUINTO CONSTITUCIONAL: A CRFB reserva 1/5 dos lugares dos TRF's, TJ's, TST e TRT's aos
membros do MP com mais de 10 anos de carreira e aos advogados, indicados em lista
sêxtupla, com notório saber jurídico, reputação ilibada e mais de 10 anos de efetiva atividade

182
profissional. São requisitos exaustivos, vedada a estipulação de outros por Constituições
Estaduais (ver artigos 94, 111-A,I, e 115, I, todos da CRFB).STF entende que se o número total
não for divisível por cinco, arredonda-se para o número inteiro seguinte e admite a recusa pelo
tribunal de nomes da lista que deverá ser refeita .No STJ, 1/3 da composição deve caber, em
partes iguais, aos advogados e membros do MP (art. 104, parágrafo único, CRFB).

ÓRGÃO ESPECIAL: pode ser criado nos Tribunais com mais de 25 julgadores para exercer
atribuições administrativa e jurisdicionais delegadas da competência do pleno (art. 93, XI,
CRFB). Não podem ser delegadas atribuições políticas, como eleições de dirigente, e
legislativas, como elaboração de regimento interno (art. 96, I, “a”, CRFB). Essa composição
poderá variar entre 11 e 25 membros, sendo metade das vagas providas por antiguidade e a
outra por eleição do Tribunal pleno.

GARANTIAS DO PODER JUDICIÁRIO. – para assegurar a independência e o exercício imparcial


e desembaraçado das funções jurisdicionais, a CRFB enumerou uma série de garantias:
Institucionais (da magistratura) autonomia orgânico-administrativa (art. 96) - auto-
organização; e autonomia financeira e orçamentária (art. 99, §§ 1º a 5º) – autogestão, é o
poder que decide como aplicar os recursos. Funcionais (do magistrado): art. 95 – 1
vitaliciedade: 1º grau – 2 anos, após esse período só perde o cargo por meio de sentença
judicial transitada em julgado, Tribunais: após a posse (art 22 Loman). 2 inamovibilidade: salvo
por interesse público e com aprovação de maioria absoluta do tribunal. Garantida aos titulares
e aos substitutos, segundo o CNJ. 3 irredutibilidade de subsídios: preservação do valor
nominal, respeito ao teto constitucional.

VEDAÇÕES: 1 - Impossibilidade do exercício, ainda que em disponibilidade, de outro cargo ou


função, salvo uma de magistério, exigindo-se compatibilidade de horários (inclusive de
natureza privada, Resolução n. 10/2005, CNJ); 2 - receber, a qualquer título ou pretexto, custas
ou participação em processo; 3 - exercício de atividade político-partidária (deve se aposentar
ou pedir exoneração e se filiar a partido político até seis meses). A EC 45/04 acrescentou: 4
impossibilidade de receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei (segundo a
Loman – bolsas de mestrado e doutorado); 5 – exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual
se afastou, antes de decorridos 3 anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou
exoneração (Quarentena).

ESTATUTO DA MAGISTRATURA. É a lei da carreira: LC 35/79, a Loman. Editada ainda no


regime militar, foi recepcionada, em sua maioria pela CRFB que estabeleceu várias regras para
a magistratura. Também determinou a elaboração de uma nova lei nacional, de iniciativa do
STF, que ainda não foi editada. Dirley da Cunha Júnior leciona que “O Estatuto da Magistratura
consiste num conjunto de normas constitucionais e legais, destinadas à disciplina da carreira
da magistratura, forma e requisitos de acesso, critérios de promoção, aposentadoria, subsídio,
vantagens, direitos, deveres, responsabilidades, impedimentos e outros aspectos relacionados
à atividade do magistrado” (CUNHA JÚNIOR/2011, p. 1073).

ATIVISMO JUDICIAL. Conceitos. Para Luís Roberto BARROSO, a “idéia de ativismo judicial está
associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos
valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois
Poderes. [...] (i) aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas
em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) declaração de
inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios
menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de
condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas
públicas”.Para Daniel SARMENTO, o conceito de ativismo é objeto de controvérsia, “atuação

183
mais enérgica e proativa da Corte, que pode ser ou não legítima, dependendo do caso e de
uma série de variáveis”. Ex: vedação ao nepotismo no Legislativo e no Executivo, aborto de
feto anencefálico, reconhecimento da união homoafetiva, pesquisa com célula-tronco. De
acordo com Barroso, o “oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o
Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes
e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu
âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii)
utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e
atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas”. Ex: Caso
Eduardo Cunha.
Contextualização. O ativismo judicial está diretamente ligado ao neoconstitucionalismo, Para
Sarmento, as “mudanças, que se desenvolvem sob a égide da Constituição de 88, envolvem
vários fenômenos diferentes (a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e
valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; (b) rejeição ao formalismo
e recurso mais frequente a métodos ou “estilos” mais abertos de raciocínio jurídico:
ponderação, tópica, teorias da argumentação etc.; (c) constitucionalização do Direito, com a
irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos
fundamentais, para todos os ramos do ordenamento; (d) reaproximação entre o Direito e a
Moral, com a penetração cada vez maior da Filosofia”. O magistrado como defensor dos
direitos e garantias fundamentais atua no concretizar da Constituição, na efetividade das
normas constitucionais.
Críticas. A principal é a falta de legitimidade democrática dos magistrados – que não são
eleitos pelo povo – para criar regras e aplicá-las aos casos concretos, vinculando outros
poderes. Também se questionam limites e parâmetros de atuação que se desrespeitados
podem levar a uma ditadura do Judiciário. BERMAN indaga se diante da indeterminação das
disposições constitucionais, deva o Judiciário atribuir o que ele pensar ser o correto.
SARMENTO também apresenta críticas ao ativismo, pois esse modelo “tem dado ensejo ao
excessivo arbítrio judicial, através do que chamo de ‘carnavalização dos princípios
constitucionais’”. Ele não nega o fenômeno da judicialização da política,reconhece o papel
importante do Judiciário na defesa dos direitos fundamentais e proteção da democracia, mas
defende a centralidade dos movimentos sociais e da sociedade civil na arena constitucional.
Não se trata de apenas afirmar que tais atores podem participar da jurisdição constitucional –
como amici curiae  ou expositores em audiências públicas – mas de reconhecer que há muito
Direito Constitucional fora dos tribunais. Nesta questão, o seu pensamento se aproxima de
uma corrente que é conhecida nos Estados Unidos como constitucionalismo democrático
–  que não se confunde com o constitucionalismo popular, de autores como Mark Tushnet,
Larry Kramer e Jeremy Waldron, refratários controle jurisdicional de constitucionalidade.
Ademais, considera que a postura mais ativista do STF foi correta em alguns casos, e
equivocada em outros. A decisão sobre a união homoafetiva, por exemplo, seria ativista, pois
o STF se baseou em princípios constitucionais abstratos, de elevado teor moral, para resolver
uma questão altamente controvertida na sociedade, não dando tanto peso aos elementos
literal e histórico da interpretação constitucional. Já a decisão de Raposa Serra do Sol, na parte
em que impôs condicionantes às futuras demarcações de terras indígenas, também foi ativista,
mas ele entende que há ilegitimidade: o STF praticamente atuou como legislador e impôs
graves restrições a direitos básicos de uma minoria étnica vulnerável, que estão em total
desacordo com o texto constitucional e com a normativa internacional sobre direitos
humanos. Ao julgar ED opostos contra tal decisão, o lado negativo das condicionantes foi em
certa medida suavizado, já que o Supremo esclareceu que elas não são vinculantes para outros
casos, mas não foi eliminado, uma vez que tais restrições aos direitos indígenas foram
confirmadas, tendendo a pautar a atuação do Judiciário brasileiro em outros processos.
HABERMAS aponta outros aspectos que lhe faz rechaçar o ativismo judicial, dentre os quais se
destaca os seguintes: a) interesse público na coerência interna do direito; b) relativo
distanciamento do direito em relação à política; e c) direcionamento ao autoritarismo quando

184
o judiciário é conduzido preliminarmente pelos valores constitucionais. Também chama
atenção para a passividade do indivíduo e da sociedade que não luta por transformações. Fica
passivo esperando que o Poder Judiciário resolva. O Poder Judiciário também poderia se
posicionar de forma crítica analisando se outro poder ou órgão não seriam mais qualificados
para resolver a questão posta em juízo.
Riscos: conflito de atribuições entre Judiciário e Legislativo, com possível perda do efeito da
norma parlamentar e extinção da harmonia entre os poderes, necessidade de estabilidade
jurídica, e necessidade de segurança jurídica, politização da Justiça. Riscos para a legitimidade
democrática e dificuldade contramajoritária.
Judicialização da política. Para Luiz Roberto BARROSO, “a judicialização envolve uma
transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na
argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas”,
tais como a redemocratização, a constitucionalização abrangente, o sistema de controle de
constitucionalidade. Ademais, a “judicialização e o ativismo judicial são primos”, mas não têm
as mesmas origens. A judicialização “decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema
de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que
discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale
dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte”, e o
“ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e
expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas,
para ir além do legislador ordinário”.

SÚMULAS
SÚMULA VINCULANTE N. 22: “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as
ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho
propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam
sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da EC N. 45/04”.
SÚMULA VINCULANTE N. 23: A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação
possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da
iniciativa privada.
SÚMULA VINCULANTE 37: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa,
aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.
SÚMULA VINCULANTE 53: A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da
Constituição Federal alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas
ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela
homologados.
STF 649 - É inconstitucional a criação, por Constituição Estadual, de órgão de controle
administrativo do Poder Judiciário do qual participem representantes de outros poderes ou
entidades.

185
STF 628 – integrante de lista de candidatos a determinada vaga da composição de tribunal é
parte legitima para impugnar a validade da nomeação de concorrente.
STF 339 - Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos
de servidores públicos sob fundamento de isonomia.
STJ 428 -compete ao tribunal regional federal decidir os conflitos de competência entre
juizado especial federal e juízo federal da mesma seção judiciária.

JURISPRUDÊNCIA
838/STF - O ex-Deputado Federal Eduardo Cunha impetrou mandado de segurança no STF
pedindo a suspensão do processo de cassação que tramitava contra ele na Câmara dos
Deputados por quebra de decoro parlamentar. O pedido do impetrante foi negado. O STF só
pode interferir em procedimentos legislativos (ex: processo de cassação) em uma das
seguintes hipóteses: a) para assegurar o cumprimento da Constituição Federal; b) para
proteger direitos fundamentais; ou c) para resguardar os pressupostos de funcionamento da
democracia e das instituições republicanas. Exemplo típico na jurisprudência é a preservação
dos direitos das minorias, onde o Supremo poderá intervir. No caso concreto, o STF entendeu
que nenhuma dessas situações estava presente. Em se tratando de processos de cunho
acentuadamente político, como é o caso da cassação de mandato parlamentar, o STF deve se
pautar pela deferência (respeito) às decisões do Legislativo e pela autocontenção, somente
intervindo em casos excepcionalíssimos. Dessa forma, neste caso, o STF optou pela técnica da
autocontenção (judicial self-restraint), que é o oposto do chamado ativismo judicial. Na
autocontenção, o Poder Judiciário deixa de atuar (interferir) em questões consideradas
estritamente políticas. STF. Plenário. MS 34.327/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 8/9/16
851/STF - É inconstitucional norma do Tribunal de Justiça que permite a reeleição de
desembargadores para cargos de direção após o intervalo de dois mandatos. está reservada a
lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal. Além disso, esta norma afronta o
tratamento que foi dado à matéria pelo art. 102 da LOMAN (LC 35/79). STF. Plenário. ADI
5310/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 14/12/2016
832/STF - Inexistência de inconstitucionalidade no corte do orçamento do Poder Judiciário
durante a tramitação da Lei Orçamentária Anual. Salvo em situações graves e excepcionais,
não cabe ao Poder Judiciário, sob pena de violação ao princípio da separação de Poderes,
interferir na função do Poder Legislativo de definir receitas e despesas da Administração
Pública, emendando projetos de leis orçamentárias, quando atendidas as condições previstas
no art. 166, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 5468/DF, Rel. Min. Luiz Fux,
julgado em 29 e 30/6/2016
825/STF - Lei estadual que concede ressarcimento de despesas de saúde a magistrados não
viola a CF/88 nem a LOMAN que não proíbe que as leis estaduais prevejam o pagamento de
verbas de natureza indenizatória aos magistrados estaduais.STF. 1ª Turma. MS 27463/MT, Rel.
Min. Marco Aurélio, julgado em 10/5/2016
821/STF - Momento de comprovação dos três anos de atividade jurídica: inscrição definitiva
no concurso público. STF. Plenário. RE 655265/DF, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão
Min. Edson Fachin, julgado em 13/4/2016 (repercussão geral)
855/STF - O STF é incompetente para apreciar feito (art. 102, I, n) em que um único
magistrado pretende o reconhecimento de direito à fruição de licença-prêmio por tempo de
serviço, pois a questão interessa também a outros agentes políticos e servidores públicos.
Afinal, o benefício pode estar previsto em estatuto jurídico do agente ou do servidor., AO
2126/PR, Segunda Turma).
866/STF - O Supremo Tribunal Federal entendeu que a justiça comum é competente para
julgar causa relacionada ao direito de greve de servidor público, pouco importando se se trata
de celetista ou estatutário.
794/STF - Judiciário pode determinar a realização de obras emergenciais em estabelecimento
prisional. STF. Plenário. RE 592581/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 13/8/2015
(repercussão geral)

186
721/STF - CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS A CRFB\88 e a Convenção
Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência asseguram o direito dos portadores
de necessidades especiais ao acesso a prédios públicos STF. 1ª Turma. RE 440028\SP, rel. Min.
Marco Aurélio, julgado em 29.10.2013,
741/STF É inconstitucional norma da Constituição estadual que preveja que a iniciativa da Lei
de organização judiciária é do Governador do Estado. É inconstitucional norma da Constituição
estadual que institua a criação de órgão de controle administrativo do Poder Judiciário do qual
participem representantes de outros Poderes ou entidades. STF. Plenário. ADI 197/SE, rel. Min.
Gilmar Mendes, julgado em 3/4/2014
752/STJ - Judiciário pode obrigar administração pública a manter quantidade mínima de
medicamento em estoque O que se está fazendo é controlar os atos e serviços da
Administração Pública que, neste caso, se mostraram ilegais ou abusivos STJ. 1ª Turma. RE
429903/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25/6/2014
592/STJ - O Poder Judiciário pode condenar universidade pública a adequar seus prédios às
normas de acessibilidade a fim de permitir a sua utilização por pessoas com deficiência. Se um
direito é qualificado pelo legislador como absoluta prioridade, deixa de integrar o universo de
incidência da reserva do possível, já que a sua possibilidade é obrigatoriamente, fixada pela
Constituição ou pela lei. STJ. 2ª Turma. REsp 1.607.472-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado
em 15/9/2016 (Info 592).
543/STJ - Judiciário pode determinar reforma de cadeia ou construção de nova unidade
prisional. Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública, a alegação de ausência
de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil pública
mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira
da pessoa estatal. STJ. 2ª Turma. REsp 1.389.952-MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em
3/6/2014

QUESTÕES OBJETIVAS
MPF\27º - Somente a vedação de nepotismo na esfera do Judiciário independe de lei formal,
haja vista a autonomia administrativa desse Poder. Assertiva incorreta.
MPF\27º - De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a fixação de tetos
remuneratórios diferenciados para membros da magistratura federal e estadual contraria o
caráter nacional e unitário do Poder Judiciário, não se aplicando aos juízes estaduais o limite
remuneratório de 90,25% (noventa vírgula vinte e cinco por cento) dos subsídios dos ministros
do STF, previsto no art. 37, XI, da Constituição da República e em Resoluções do Conselho
Nacional de Justiça. Assertiva correta
MPF\27º - A vitaliciedade é atributo exclusivo dos cargos das carreiras do Ministério Público e
do Poder Judiciário, significando que a desinvestidura, após o transcurso do estágio
probatório, depende de decisão judicial transitada em julgado. Assertiva incorreta.

QUESTÕES – BANCO OUSE


728- Viola o princípio do juiz natural o julgamento em Tribunal por turma formada
majoritariamente por juízes convocados? R: O STJ, de início, entendia que sim, mas o
entendimento foi superado. Para STF e STJ não há nulidade no julgamento de recurso por
turmas formadas majoritariamente (nem sequer exclusivamente) por juízes convocados,
DESDE QUE A CONVOCAÇÃO TENHA OBEDECIDO A LEGISLAÇÃO ESTADUAL OU FEDERAL, a
depender do tribunal, se Federal ou Estadual. Neste sentido, veja-se o RE 597133, julgado em
regime de repercussão geral: “(...) Não viola o postulado constitucional do juiz natural o
julgamento de apelação por órgão composto majoritariamente por juízes convocados,
autorizado no âmbito da Justiça Federal pela Lei 9.788/1999. II – Colegiado constituídos por
magistrados togados, integrantes da Justiça Federal, e a quem a distribuição de processos é
feita leatoriamente. III – Julgamentos realizados com estrita observância do princípio da
publicidade, bem como do direito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.
IV – Recurso extraordinário desprovido. ” O STJ atualmente também adota o mesmo

187
posicionamento. Veja-se, a título de exemplo, os seguintes precedentes: HC 139724 / SP, REsp
1091710 / PR e HC 141790 / ES.
597-O que é a criação judicial do Direito? Há o velho bocardo "onde há Sociedade, há Direito".
OJudiciário também pode, excepcionalmente, criar o Direito. Tal aspecto vem sendo ainda
mais aprofundado com o Neoconstitucionalismo e o Ativismo Judicial, que vêm ampliando os
poderes do Judiciário na conformação do Direito, pode-se citar as sentenças aditivas no
controle concentrado de constitucionalidade que estabelecem verdadeiros regramentos da
aplicação de determinados institutos, p. ex, as regras para demarcação de terras indígenas no
caso Raposa Serra do Sol. O processo de criação do Direito pode ser legitimado pela
participação de agentes sociais através, p. ex., do Amicus Curiae ou das audiências públicas!
529-O que é significa a expressão “Supremocracia”? Termo criado para fazer críticas às
funções que vêm sendo desempenhadas pelo STF nos últimos tempos - argumentando que ele
não apenas mais está exercendo uma função de "proteção de regras" constitucionais, como
também vem exercendo, em muitos casos, o pale de órgão "criador dessas regras" - assim,
estaria acumulando exercício de autoridade com exercício de poder. Alguns alegam que isso
ocorreu na ADPF 132, a respeito da união estável homoafetiva. Em um artigo sobre o tema,
Oscar Vilhena Vieira define: Em um primeiro sentido, o termo supremocracia refere-se à
autoridade do Supremo recentemente adquirida pelo Supremo de governar jurisdicionalmente
(rule) o Poder Judiciário no Brasil. Em um segundo sentido, o termo supremocracia refere-se à
expansão da autoridade do Supremo em detrimento dos demais poderes.

5B. Supremo Tribunal Federal: organização e competência. Jurisdição constitucional.

André Batista e Silva

I. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. é órgão de cúpula do poder judiciário brasileiro, exercendo


primordialmente a função de guardião da constituição, com atribuição de julgar questões de
jurisdição concentrada-abstrata de índole constitucional, a fim de que prevaleça a
supremacia Constitucional em todo o Brasil. Entretanto, a corte não possui atribuições
exclusivamente relacionadas a jurisdição constitucional, pois outras matérias também lhes
foram atribuídas pela Carta Magna, nos termos do art. 102, CF.
I.I. COMPOSIÇÃO E INVESTIDURA. Composição: 11 Ministros. Investidura: o Presidente da
República escolhe e indica o nome para compor o STF, devendo ser aprovado pelo Senado
Federal, pela maioria absoluta (sabatina no Senado Federal). Aprovado, passa-se à nomeação,
momento em que o Ministro é vitaliciado. Requisitos para ocupar o cargo de Ministro do STF:
(a) Ser brasileiro nato (art. 12, § 3º, IV da CF); (b) Ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade
(art. 101 CF); (c) Ser Cidadão (art. 101, estando em pleno gozo dos direitos políticos); (d) Ter
notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101)
I.II. ORGANIZAÇÃO. Segundo o Regimento interno do STF, este organiza-se através do
plenário, turmas e do presidente. Cada turma tem 5 ministros, sendo que o mais antigo,
integrante da turma, preside a mesma. Ressalte-se que o Presidente e o Vice são eleitos pelo
próprio Tribunal. Daniel Sarmento destaca a existência, sob à égide da Carta de 1988, de
salutar convenção constitucional no que diz respeito à referida eleição, vez que a própria
constituição não possui qualquer disposição a respeito. A observância dessa conveção não é
meramente facultativa, impondo consequências políticas no caso de descumprimento (não há
controle jurídico como ocorre no caso de costume constitucional)
II. COMPETÊNCIA – ART. 102 CF. Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 3, de 1993) b) nas infrações penais comuns, o Presidente da

188
República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o
Procurador-Geral da República; c) nas infrações penais comuns e nos crimes de
responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do
Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter
permanente; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999) d) o habeas corpus,
sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de
segurança e o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da
República e do próprio Supremo Tribunal Federal; e) o litígio entre Estado estrangeiro ou
organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território; f) as causas e os
conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros,
inclusive as respectivas entidades da administração indireta; g) a extradição solicitada por
Estado estrangeiro; h) (Revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) i) o habeas
corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for
autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo
Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única
instância; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 22, de 1999) j) a revisão criminal e a
ação rescisória de seus julgados; l) a reclamação para a preservação de sua competência e
garantia da autoridade de suas decisões; m) a execução de sentença nas causas de sua
competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos
processuais; n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou
indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de
origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados; o) os conflitos de
competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais
Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal; p) o pedido de medida cautelar das ações
diretas de inconstitucionalidade; q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma
regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do
Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal
Federal; r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do
Ministério Público; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) II - julgar, em recurso
ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de
injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão; b)
o crime político; III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou
última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b)
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo
local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei
federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) Em resumo, as competências do
STF podem ser divididas, em: “a) originária (art. 102, I, “a” até “r”); b) recursal ordinária (art.
102, II) e c) recursal extraordinária (art. 102, III)”. Em relação as competências, destacam-se as
modificações introduzidas pela EC nº 45/2004: 1) A transferência de competência do STF para
o STJ no tocante à homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às
cartas rogatórias (art. 102, I, “h”, revogada; 105, I, “i” e art. 9º da EC 45/2004); 2) A criação do
requisito da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso para o
conhecimento do recurso extraordinário

III. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL. Quando se examina a jurisdição constiticuional, destaca-se,


primordialemnte, o controle de constitucionalidade. Referido controle se divide basicamente em: a)

189
difuso-concreto, de origem norte-americana, com base no precedente Marbury v. Madison de
1803, no qual o judicial review compete a qualquer magistrado, diante de um caso concreto,
com decisão de efeitos ex tunc (retroativos); b) concetrado-abstrato, a partir da formulação de
Hans Kelsen, que concebeu uma Corte Constitucional especializada para exercer a função,
invalidando a norma impugnada com efeitos apenas prospectivos (ex nunc). Há ainda o
sistema misto, como ocorre no Brasil a partir da Emenda Constitucional 16/65, que incorporou
o controle concetrado-abstrato ao já existente controle difuso vindo desde Ruy Barbosa, na
Constituição de 1891. Também é imprescidível examinar as posições procedimentalistas e
substancialistas no contexto da jurisdição constitucional. Os procedimentalistas defendem um
papel mai modesto para a jurisdição constitucional, sustentando que ela deve adotar uma
postura de autocontenção a não ser quando estiver em jogo a defesa dos pressupostos de
funcionamento da própria democracia (são defensores da posição John Hart Ely e Jürgen
Habermas). Já os substancialistas advogam um papel mais ativo para a jurisdição constitucional
mesmo em casos que não envolvam os pressupostos da democracia. O neoconstitucionalismo
e a teoria da constituição dirigente se situam claramente no campo do substancialismo, por
conceberem papéis bastantes ambiciosos para as constituiões, que vão muito além da garantia
dos pressupostos do funcionamento da democracia. A Constituição de 88 é profundamente
substantiva, eis que pródiga na consagração de valores materiais, o que acentua a “dificuldade
contramajoritária” quando da atuação do STF, podendo ocorrer reações sociais às decisões
judiciais (o denominado efeito backlash), a exemplo do dissenso havido em relação à
“vaquejada” (ADI 4.983 v. EC 96/17).
III.I. ÓRGÃOS DE CONVERGÊNCIA E SUPERPOSIÇÃO. O Supremo Tribunal Federal (STF) e os
Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM) são órgãos de convergência, têm sede na Capital
Federal e exercem jurisdição sobre todo o território nacional, nos termos do art. 92 § 2º da
CRFB/88. Denominam-se órgãos ou centros de convergência na medida em que, conforme
ensina Dinamarco, “cada uma das Justiças Especiais da União (Trabalhista, Eleitoral e Militar),
tem por cúpula seu próprio Tribunal Superior, que é o responsável pela última decisão nas
causas de competência dessa Justiça, ressalvado o controle de constitucionalidade, que
sempre cabe ao Supremo Tribunal Federal. Quanto às causas processadas na Justiça Federal ou
nas locais, em matéria infraconstitucional a convergência conduz ao Superior Tribunal de
Justiça, que é um dos Tribunais Superiores da União embora não integre Justiça alguma; em
matéria constitucional, convergem diretamente ao STF. Todos Tribunais Superiores convergem
unicamente ao STF, como órgão máximo da Justiça brasileira e responsável final pelo controle
de constitucionalidade de leis, atos normativos e decisões judiciárias. O STJ e o STF são
também denominados de órgãos de superposição, na medida que não pertencem a qualquer
Justiça. Isso porque, embora não pertençam a qualquer Justiça, as suas decisões se sobrepõem
às decisões proferidas pelos órgãos inferiores das Justiças comum e especial. As decisões do
STJ se sobrepõem àquelas da Justiça Federal comum, da Estadual e daquela do Distrito Federal
e Territórios (o único que existia acabou, pois anexou-se a Pernambuco), ao passo que as
decisões do STJ se sobrepõem a todas as Justiças e Tribunais. Como adendo, cabe destacar o
suposto conflito existente também entre o direito interno, consubstanciado pelas decisões do
STF, e o direito internacional dos direitos humanos, formado e interpretado nas Cortes de
Direitos Humanos (especialmente a Corte IDH). O caso paradigmático diz respeito a ADPF 153
e o Caso “Gomes Lund”. Para solucionar a celeuma, impõe-se a adoção de um diálogo
internacional na interpretação constitucional, permitindo uma evolução hermenêutica que não
seja autista (Sarmento aduz ao princípio do cosmopolitismo; Carvalho Ramos à “fertilização
cruzada”, “diálogo das cortes” e ao “duplo crivo de direitos humanos”)

Prova oral – 27º CPR: Fale sobre jurisdição constitucional.

190
23B. Súmula vinculante. Legitimidade e críticas. Mecanismos de distinção.

Atualizado e complementado por Valmor Cella Piazza

Chama-se súmula um verbete que registra a interpretação pacífica ou majoritária


adotada por um Tribunal a respeito de um tema específico, a partir do julgamento de diversos
casos análogos, com a dupla finalidade de tornar pública a jurisprudência para a sociedade e
de promover a uniformidade das decisões. Ela será vinculante porque o entendimento nela
veiculado será obrigatório a todos os outros tribunais e juízes, bem como à Administração
Pública Direta e Indireta. Na prática, adquire força de lei, criando um vínculo jurídico e
possuindo efeito erga omnes. A súmula vinculante foi criada pela EC 45/2004, que adicionou o
artigo 103-A à CRFB.
Observe-se que referida espécie de súmula não vincula o Poder Legislativo, sob pena
de se criar uma indesejável petrificação legislativa (governo dos vivos pelos mortos), nem o
próprio STF (plenário), que pode alterar o seu entendimento esposado em súmula vinculante
através de votação que obedeça ao mesmo quórum necessário à sua aprovação inicial (2/3).
Ademais deve ocorrer (a) superação da jurisprudência da Corte referente à matéria; (b),
alteração legislativa quanto ao tema; ou (c) modificação substantiva do contexto político-
econômico-social do País (PSV 13 e 54, j. 24.09.2005). Destaque-se a semelhança com as
hipóteses de mutação constitucional: (a) mudança da percepção do direito; (b) modificação da
realidade fática; ou (c) consequência prática negativa da manutenção da linha de
entendimento.
Common law: tradição da vinculação dos precedentes. Com a previsão do controle
abstrato de constitucionalidade no direito brasileiro, criou-se a possibilidade de o próprio STF
conferir efeitos erga omnes à sua decisão. No entanto, o controle difuso, como regra,
continuava apenas com vinculação inter partes. Por isso, surge a súmula vinculante. Obs. Em
dez/2017, o STF declarou a ocorrência de mutação constitucional a permitir abstrativizar o
controle difuso de seus julgados - todavia, até o momento (set/2018), não se tem nenhuma
reclamação julgada em desrespeito a julgado de controle difuso.
Requisitos para aprovação da súmula vinculante: I — Quórum de 2/3 dos membros do
STF; II — Reiteradas decisões sobre matéria constitucional (a súmula vinculante só deve ser
editada quando o debate estiver maduro); III — A não pacificação da controvérsia deve gerar
prejuízo à segurança jurídica.
Legitimidade para propor a criação: os da ADI, mais o Defensor Público Geral da União,
os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais
Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares, observada a
pertinência temática. O Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em
que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o
que não autoriza a suspensão do processo (Lei n° 11.417/2006).
Processo administrativo: Se o recorrente alegar que a decisão administrativa contraria
enunciado da súmula vinculante, caberá à autoridade prolatora da decisão impugnada, se não
a reconsiderar, explicitar, antes de encaminhar o recurso à autoridade superior, as razões da
aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.
Vantagens: I — Ajuda a combater a morosidade da justiça (celeridade); II — Impede a
divergência jurisprudencial (uniformização); III — A possibilidade de os legitimados
requererem também o cancelamento ou a revisão da súmula, o que combateu muitos dos
críticos que diziam que haveria uma cristalização do direito constitucional; a própria amplitude
da legitimação foi salutar. Críticas: I — Ataca a independência dos juízes; II — Engessamento
da jurisprudência. O efeito vinculante seria incompatível com o princípio da livre convicção do
juiz e do juiz natural, tornando as demais instâncias judiciais meras "carimbadoras" da decisão
do Supremo. III - Atribui função Legislativa ao Judiciário, contrariando o princípio da separação
dos poderes; IV - Concentra poder nos Tribunais Superiores; e V - Restringe o direito
constitucional de ação.

191
Distinção entre a súmula vinculante e a súmula comum do STF (Uadi Lãmmego Bulos)
Súmula Comum Súmula Vinculante

Não vincula os órgãos do Judiciário, nem do Vincula os órgãos do Judiciário e da Administração Pública
Executivo (direta e indireta)

Precedentes que podem ou não ser adotados Padroniza a exegese de uma norma jurídica

Eficácia entre as partes - quando acatada Eficácia irrestrita - erga omnes

Todavia, Gilmar Mendes observa que a súmula não vinculante já possui um perfil
indiretamente obrigatório, uma vez que, por conta dos recursos, constitui instrumento de
autodisciplina do STF, que somente deverá afastar-se da orientação nela preconizada de forma
expressa e fundamentada.

Distinção entre a súmula vinculante e a súmula comum no CPC/2015:


A súmula comum foi prestigiada pelo CPC/2015, os principais efeitos são: (a)
possibilidade de fundamentar a improcedência liminar do pedido (art. 332, I); (b) impede o
reexame necessário (art. 496, §4º, I); (c) impedir o seguimento de recursos monocraticamente
pelo relator (art. 932, IV e V). A súmula vinculante, além destes efeitos, também possibilita (a)
tutela da evidência; e (b) Reclamação diretamente no STF.
A súmula vinculante engloba não só o sentido interpretativo e imperativo da súmula,
mas também os fundamentos invocados para se chegar a ela. Todavia, ainda que o magistrado
venha a decidir em igual sentido ao que consta da súmula vinculante (o que não pode deixar
de fazer, sob pena de o interessado ajuizar reclamação), mesmo assim deverá fundamentar
esta decisão, não só para atender o art. 93, IX, CRFB, mas, principalmente, para demonstrar
que o caso que se encontra sendo examinado coincide exatamente com os fundamentos das
decisões que autorizaram a criação do verbete sumular.
Destaque-se que não houve mais edição de súmulas comuns pelo STF após a
possibildiade de edição de súmulas vinculantes; sobretudo frente a possibilidade de formação
de teses em sede de RE com repercução geral (recuros repetitivos). Outrossim, várias súmulas
comuns foram convertidas em súmulas vinculantes, com a finalidade de aprimorar sua eficácia.
Técnicas de distinção: overruling, distinguishing e signaling:
Overruling: consiste na própria superação da jurisprudência da Corte, as hipóteses de
inciência devem ser restritas, sobretudo frente à imposição do CPC/2015 de os Tribunais
manterem sua jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 926).
Distinguishing: nesta técnica não se aplica a jurisprudência consolidada (precedente)
em razão das especificidades do caso concreto, a permitir distinguí-lo dos demais. Constitui um
método de comparação entre o caso e o precedente.
Signaling: é uma espécie de sinal que os Tribunais emitem em suas razões de decidir, a
fim de apontar possíveis alterações futuras de jurisprudência (overruling).

25C. Conselho Nacional de Justiça. História, composição, competência e funcionamento

Valdir Monteiro Oliveira Júnior


Atualização do Graal do 28º com jurisprudência

I. Conselho Nacional de Justiça. História

Em 2004 foi aprovada a EC nº 45, “Reforma do Judiciário”, disciplinando em seu artigo


103-B o Conselho Nacional de Justiça. O CNJ é órgão administrativo-constitucional do Poder
Judiciário, com status semi-autônomo ou de autonomia relativa. Pertence à estrutura do Poder
Judiciário, conforme previsto no art. 92, I-A (“São órgãos do Poder Judiciário: I - o Supremo
Tribunal Federal; I-A o Conselho Nacional de Justiça”), logo é órgão de controle interno, e não
externo, apesar de ter integrantes de fora da magistratura.

192
A natureza administrativa é conferida pelo rol de atribuições previstas no art. 103-B, §
4º, CF/88, pois tais atribuições não são jurisdicionais, eis que se submetem a controle judicial.
Não é órgão da União, mas instituição federal de âmbito nacional, cujo caráter federativo já
foi afirmado pelo STF. Por essas razões, o STF já decidiu que a criação do CNJ não ofendeu o
princípio federativo e nem o da separação de poderes.

II. Composição

O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros, com mandato de dois


anos, admitida uma recondução, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada
a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 103-B, CF). A formação híbrida - dos
15 (quinze) Conselheiros, 9 (nove) são oriundos da magistratura e os outros 6 (seis) não, sendo
dois membros do Ministério Público, dois advogados e dois cidadãos – demonstra a
inspiração democrática e o pluralismo de representações e indicações. Dentre os magistrados,
há diversidade de instâncias e de ramos do Judiciário. O princípio federativo é reafirmado em
virtude da dualidade das entidades federativas na representação das justiças federal e
estadual, bem como da indicação dos membros do Ministério Público (um do MPU e outro do
MP Estadual).

A EC nº 61/2009 esclareceu que o CNJ é composto, dentre os seus quinze membros,


não por um Ministro do STF (como dizia a redação original da EC 45/2004), mas pelo Ministro
Presidente do STF. Transformou, assim, o Presidente do STF em membro nato do CNJ, não
tendo que ser sabatinado pelo Senado Federal (o art. 103-B, §2º disciplina que apenas os
demais membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República, depois de
aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal).

Outra alteração advinda com a EC 61/2009 foi a retirada da restrição de idade, que, na
redação original, trazida pela EC 45/2004, estabelecia idade mínima de 35 anos e máxima de
66 anos. Dessa forma, atualmente, não há limite de idade para os membros do CNJ. Tal
alteração teve o nítido objetivo de adequar a composição da Presidência do CNJ sempre ao
Ministro Presidente do STF, pois é possível que esse ocupe a presidência com mais de 66 anos.

Ademais, a EC 61/2009 ainda estabeleceu que o Presidente do CNJ (que será o


Presidente do STF) será substituído, nas suas ausências, impedimento e afastamentos, pelo
vice-presidente do STF, e não por outro membro do CNJ (art. 103-B, par. 1º, CF), preservando
o caráter institucional da direção do CNJ (Lenza, pág. 634).

III. Competência

Compete ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário,


dos deveres funcionais dos juízes e de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo
Estatuto da Magistratura (art. 103-B, § 4º, I a VII, da CF/88).

Exemplo de atuação administrativa regular do CNJ foi a imposição a todos os juízes que
se cadastrassem no BACEN-JUD para possibilitar eventuais penhoras on line. O CNJ não
poderia impor que os juízes se valessem do BACEN-JUD para execução de suas decisões, mas a
obrigatoriedade de cadastro está dentro do poder normativo do CNJ (STF, MS 27.621, 2011).

O CNJ pode iniciar investigação contra magistrados independentemente da atuação


da corregedoria do tribunal, sem necessidade de fundamentar a decisão (ADI 4.638, 2012,
impetrada pela AMB contra a Resolução CNJ 135).

193
O CNJ tem competência para expedir atos normativos que retirem seu fundamento
diretamente da Constituição Federal para a concretização de princípios constitucionais. Esse
tema foi discutido por conta da Resolução 07/05 do CNJ, que vedou o nepotismo no Judiciário
(ADC, 2.009, ajuizada pela AMB). O caso acabou redundando na Súmula Vinculante 13, que
estendeu a vedação ao Legislativo e ao Executivo.

O CNJ não tem nenhuma competência sobre o STF e seus ministros, sendo esse o
órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito (ADI 3.367/DF). Além
disso, não pode se manifestar quando a matéria já está submetida à apreciação do Poder
Judiciário (STF, MS 27.650/DF, 2014).

IV. Não aplicação de normas inconstitucionais no exercício do controle administrativo

O CNJ não pode fazer controle de constitucionalidade, mas pode, no exercício do


controle administrativo, deixar de aplicar lei inconstitucional (Pet 4.656/PB, Plenário, 2016).
No caso concreto, foi aprovada lei estadual criando cargos comissionados para o TJ/PB, o qual
nomeou pessoas para esses cargos sem concurso. Esse ato de nomeação foi submetido à
apreciação do CNJ, que o anulou, por entender que os cargos criados não eram para chefia e
assessoramento, e sim para atividades administrativas genéricas e, portanto, deveriam ser
providos mediante concurso público.

Dessa forma, não houve declaração de inconstitucionalidade da lei discutida, com


exclusão de sua eficácia, mas sim nulidade dos atos praticados pelo TJ/PB (nomeação) por ser
considerada inaplicável, administrativamente, lei estadual com vício de inconstitucionalidade.
A vinculação da decisão se deu apenas em face da atuação de órgão judicial (TJ/PB) cujos atos
administrativos foram submetidos ao controle do CNJ. Assim, o Conselho não usurpou
competência do STF em não fez controle de constitucionalidade.

V. Funcionamento

São órgãos do Conselho: O Plenário, a Presidência, a Corregedoria Nacional de Justiça,


as Comissões e a Secretaria-Geral. O Conselho será presidido pelo Ministro do Supremo
Tribunal Federal, que votará em caso de empate, ficando excluído da distribuição de
processos naquele tribunal.

As comissões são permanentes ou temporárias, com participação proporcional entre


os conselheiros, preservando, sempre que possível, a representação das diversas categorias
funcionais, integradas sempre por pelo menos um conselheiro não-magistrado. Dedicam-se ao
estudo de temas e de atividades de interesse do Conselho ou relacionadas às suas
competências.

Ao Plenário competem as atribuições de controle administrativo e financeiro do


Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados. As sessões do
Plenário podem ser ordinárias (quinzenalmente) ou extraordinárias (convocadas pelo
Presidente ou 1/3 dos Conselheiros). Nas sessões plenárias somente poderão ser discutidos
assuntos não pautados se houver aprovação de 2/3 dos presentes.

O quórum mínimo do Plenário é de dez conselheiros, e as decisões serão tomadas por


maioria simples, em regra. O conselheiro não pode abster-se da votação nos temas
relacionados a controle de atos administrativos e procedimentos disciplinares, mas pode se
declarar impedido ou suspeito. O presidente poderá dar a palavra ao interessado para
sustentação oral por até 15 minutos, mesmo prazo do Procurador-geral da República e do
presidente do Conselho Federal da OAB. As decisões do Conselho são irrecorríveis e, em caso

194
de obscuridade, contradição ou omissão, pode o interessado requerer sejam prestados
esclarecimentos, no prazo de cinco dias.

À Corregedoria Nacional de Justiça, exercida pelo Ministro do STJ no CNJ, compete


processar reclamações de qualquer interessado relativas aos magistrados e aos serviços
judiciários auxiliares, serventias, órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que
atuem por delegação do poder público ou oficializados, bem como exercer funções executivas
do Conselho, de inspeções e de correições.

17.FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA


17.1 Ministério Público: História e princı ́pios constitucionais. Organização. As funções
constitucionais do Ministério Público. (1.c)
17.2 Conselho Nacional do Ministério Público. História, composição, competência e
funcionamento. (21.a)
17.3 As funções essenciais à Justiça: Advocacia privada e pública. Representação judicial e
consultoria jurı ́dica da União, dos Estados e do Distrito Federal. A Defensoria Pública. (24.c)

1C. Ministério Público: História e princípios constitucionais. Organização. As funções


constitucionais do Ministério Público.

André Batista e Silva

História. Há controvérsia sobre a origem do Ministério Público. Várias categorias de


agentes com funções de determinar o cumprimento da lei são apontados como “precursores”
do que hoje é o Ministério Público. Tais agentes existiriam desde a Idade Antiga (funcionários
do Faraó do Egito, Tesmoteti, na Grécia; Praefectus urbi, em Roma). Mas foi na França, em
1302, que foi institucionalizado o MP, por meio da ordonnance do Rei Felipe, constituindo os
procureurs du roi. Em 1690, os membros do Parquet passaram a ter vitaliciedade. Há autores
que, com razão, consideram que o MP só passou a ter um perfil mais parecido com o atual a
partir da Revolução Francesa. No Brasil, não tendo sido mencionado na Constituição de 1824,
o MP surgiu no Código de Processo Criminal de 1832, e seus membros eram livremente
escolhidos e demitidos. Em 1890, o MP é considerado instituição necessária (Decreto nº
1.030). A CF 1891 limita-se a dizer que o Presidente da República designará, dentre os
Ministros do STF, o PGR. A CF 1934 institucionalizou o MP como órgão de cooperação nas
atividades governamentais, na União, no DF, nos Territórios e nos Estados. O PGR é escolhido
livremente pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, entre cidadãos que
preencham os requisitos para ser Ministros do STF, e é demissível ad nutum. Seus membros
são estáveis e escolhidos por concurso público. A CF 1937 só se refere ao MP a respeito da
designação do PGR e do quinto constitucional. A CF 1946 volta a organizar o MP, e, agora, em
título especial, fora da estrutura dos demais Poderes. Ao MPF compete também a
representação judicial da União. Seus membros têm estabilidade, inamovibilidade e são
escolhidos por concurso público. A CF 1967 recolocou o MP dentro da estrutura do Poder
Judiciário, mantendo as demais regras. A CF 1969 voltou a posicionar o MP no Poder Executivo.
A CF 1988 representa uma forte ascensão do MP, que passa a estar situado fora da estrutura
dos demais Poderes.
Definição: de acordo com o art. 127, caput, da CF/88, o ministério público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Regulamentando a CF/88, foram editadas a Lei nº. 8.635 (Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público – LONMP, dispondo sobre normas gerais para a organização do MP dos estados) e a Lei
Complementar nº. 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU, dispondo
sobre a organização, atribuição e estatuto do MPU).
Organização: o art. 128, I, tratou do MP da união (MPU), enquanto o art. 128, II, tratou

195
do MP dos estados (MPE). Conforme se extrai da CF/88, há um ministério público que atua na
justiça comum – tanto federal (MPF) quanto estadual (MPE) – e outros que atuam perante os
ramos especializados da justiça federal – justiça do trabalho (MPT), justiça militar (MPM) e
justiça eleitoral. Cabe observar, porém, que apesar de no âmbito federal existir uma carreira
própria do MP com atuação perante a justiça militar (MPM), no âmbito estadual, tanto no
primeiro quanto no segundo grau, a atuação dar-se- á por um membro do MPE, não havendo
uma carreira própria e específica de ministério público militar estadual. Do mesmo modo, o
MP eleitoral não tem estrutura própria e a sua formação é mista, sendo composto de membros
do MPF e do MPE. Apesar disso, a função eleitoral desempenhada pelo Ministério Público tem
natureza federal, de modo que, quando atuam como órgãos eleitorais, os promotores de
justiça os fazem como MPF, estando sujeitos à legislação que regre o ministério público
federal. Assim, nos termos da LC75/93 (que rege o MPU), as funções eleitorais do MPF perante
os juízes e juntas eleitorais serão exercidas pelo promotor eleitoral, que é membro de MPE; já
as funções eleitorais nas causas de competência dos tribunais eleitorais serão exercidas pelo
MPF.
Princípios constitucionais: o art. 127, §1º, da CF/88, prevê como princípios
institucionais do MP a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. I)Unidade: sob a
égide de um só chefe, o MP deve ser visto como uma instituição única, sendo a divisão
existente meramente funcional; II) Indivisibilidade: é possível que um membro do MP
substitua outro, dentro da mesma função, sem que, com isso, exista qualquer implicação
prática; quem exerce os atos, em essência, é a instituição, e não a pessoa do promotor ou
procurador; III) Independência funcional: trata-se de autonomia de convicção, na medida em
que os membros do MP não se submetem a qualquer poder hierárquico no exercício de seu
mister, podendo agir, no processo, da maneira que melhor entenderem; a hierarquia existente
restringe- se às questões de caráter administrativo, materializada pelo chefe da instituição,
mas nunca de caráter funcional.
Princípio do promotor natural: além de ser julgado por órgão independente e pré-
constituído, o acusado também tem o direito e a garantia constitucional de somente ser
processado por um órgão independente do estado, vedando-se, por consequência, a
designação arbitrária, inclusive, de promotores ad hoc ou por encomenda. Depois de muito
debate, o STF aceitou a tese do promotor natural no HC 67.759. No referido julgamento, o Min.
Celso de Mello estabeleceu que
o postulado do promotor natural repele, a partir da vedação de designações casuísticas
efetuadas pela chefia da instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra
uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do MP, na medida em
que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria
coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o
promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados,
estabelecidos em lei.
Garantias do Ministério Público: I – Garantias institucionais: a) autonomia funcional –
é inerente à instituição como um todo e abrange todos os órgãos do MP, estando prevista no
art. 127, §2º, da CF/88, no sentido de que, ao cumprir seus deveres institucionais, o membro
do MP não se submeterá a nenhum outro poder, órgão, autoridade pública, etc., devendo
observar apenas a constituição, a lei e a própria consciência; b) autonomia administrativa –
prevista no art. 127, §2º, a autonomia administrativa consiste na capacidade de direção de si
próprio, autogestão, autoadministração, um governo de si; assim, o MP poderá, observado o
disposto no art. 169 da CF/88, propor ao poder legislativo a criação e extinção de seus cargos e
serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a
política remuneratória e os planos de carreira; c) autonomia financeira –prevista no art. 127,
§3º, ao MP assegurou-se a capacidade de elaborar sua proposta orçamentária dentro dos
limites estabelecidos na LDO, podendo, autonomamente, administrar os recursos que lhe
forem destinados; a EC45/04 regulamentou o procedimento de encaminhamento da proposta
orçamentária do MP e a solução em caso de inércia; proibiu, outrossim, a realização de

196
despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites fixados na LDO, exceto se
previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. II –
Garantias dos membros: a) vitaliciedade –adquire-se a vitaliciedade após a transcorrência do
período probatório, ou seja, 02 anos de efetivo exercício do cargo, tendo sido admitido na
carreira, mediante aprovação em concurso de provas e títulos; a garantia da vitaliciedade
assegura ao membro do MP a perda do cargo somente por sentença judicial transitada em
julgado; b) inamovibilidade –o membro do MP não poderá ser removido ou promovido,
unilateralmente, sem a sua autorização ou solicitação; excepcionalmente, contudo, por motivo
de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do MP (no caso, o
CNMP), por voto da maioria absoluta de seus membros, desde que lhe seja assegurada a ampla
defesa, poderá vir a ser removido do cargo ou função; c) irredutibilidade de subsídios – é
assegurada ao membro do MP a garantia da irredutibilidade de subsídio (a garantia é contra a
irredutibilidade nominal, e não contra a corrosão inflacionária). Impedimentos: de acordo com
os arts. 128, §5º, II, §6º, e 129, IX, os membros do MP não poderão: a) receber, a qualquer
título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; b) exercer
advocacia; c) exercer representação judicial e consultoria jurídica de entidades públicas; d)
participar de sociedade comercial, na forma da lei; e) exercer, ainda que em disponibilidade,
qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; f) exercer atividade político-partidária,
sem qualquer exceção, nos termos da restrição trazida pela EC45/04 – a res. TSE 22.095/2005
previu ser imediata e sem ressalvas a aplicação da EC45/04, abrangendo aqueles que
adentraram nos quadros do MP tanto antes quanto depois da referida EC; em igual sentido, o
art. 13 da res. TSE 11.156/2006 estabeleceu que os magistrados, membros dos tribunais de
contas e membros do MP devem filiar-se a partido político e afastar-se definitivamente de suas
funções até 06 meses antes das eleições; em sentido contrário, porém, há julgado monocrático
do TSE que entendeu pela não aplicação da regra da EC45/04, que veda o exercício de
atividade político-partidária por membro do MP, por força do art. 29, §3º, do ADCT, àqueles
que ingressaram na carreira antes da promulgação da CF/88; destaca-se, ainda, o
entendimento adotado pelo STF no RE 59.794, que assegurou a membro do MP que já exercia
cargo eletivo o direito a concorrer à reeleição; g) receber, a qualquer título ou pretexto,
auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as
exceções previstas em lei; h) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes
de decorridos 03 anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.
Funções institucionais: as funções institucionais do MP estão previstas no art. 129 da
CF/88 em rol exemplificativo, uma vez que o inciso IX estabelece que compete, ainda, ao
MP exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua
finalidade
A tarefa de custos constitutionis: legitimidade e limitações. Em um sentido
amplíssimo, pode-se considerar que o MP funciona como fiscal da Constituição por meio de
todas as suas atitudes, judiciais ou extrajudiciais, na medida em que todas caminham no
sentido de proteção direta ou ao menos indireta das normas da Constituição Federal. Num
sentido mais específico, fala-se em custos constitutionis como atividade do MP no âmbito
do controle de constitucionalidade. E em sentido restritíssimo – em simetria à designação
de custos legis como sendo apenas a tarefa de intervenção no processo, sem ter sido o
autor da ação –, custos constitutionis é a tarefa de opinar nos processos de controle de
constitucionalidade em que não seja parte. O PGR detém legitimidade para ajuizar ADI, ADC
e ADPF perante o STF, tendo como parâmetro a CF, sendo sua legitimidade “universal”,
abrangendo qualquer matéria passível de ser objeto de tais ações, independentemente de
pertinência temática. O PGR será previamente ouvido em todos os processos de
competência do STF, inclusive nas ações diretas de controle de constitucionalidade e
naquelas em que a questão constitucional chega ao STF pela via recursal, destacando-se o
Recurso Extraordinário, devendo o PGR opinar livremente, atuando com independência
para defender a Constituição. Além disso, o MP pode manifestar-se em qualquer incidente
de inconstitucionalidade (observados os prazos e condições fixados no Regimento do

197
Tribunal, CPC, art. 482, §1º), o que faz com igual independência.

OBS.: PODER INVESTIGATÓRIO DO MP: O Supremo Tribunal Federal decidiu que o


Ministério Público pode investigar. A decisão da Suprema Corte foi proferida no Recurso
Extraordinário 593.727/MG (com repercussão geral) e resulta de uma adequada
interpretação da Constituição e da lógica de qualquer sistema acusatório. O Ministério
Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo
razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias
que assistem a qualquer indiciado e qualquer pessoa sob investigação do Estado,
observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição
e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso país, os
advogados (lei 8906/94, artigo 7º, incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da
possibilidade – sempre presente no Estado Democrático de Direito – do permanente
controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (súmula vinculante 14),
praticados pelos membros dessa instituição.

21A. Conselho Nacional do Ministério Público. História, composição, competência e


funcionamento.

Responsável: Adriano Lanna


Obras consultadas: Graal do 28º CPR; Manual do Procurador da República:
Teoria e Prática; Investigação criminal pelo Ministério Público: Comentários à Resolução 181 do CNMP.

I. História

O CNMP foi inserido no sistema constitucional brasileiro através da EC n º 45/04, com


a reforma do Judiciário. Trata-se de órgão constitucional autônomo (não vinculado a nenhum
dos Poderes) de controle externo do Ministério Público. Observa-se doutrina, no entanto,
sustentando que o CNJ é órgão interno do Judiciário, rechaçando a ideia de controle externo
(José Afonso da Silva e Gilmar Ferreira Mendes), pensamento que pode ser aplicado por
analogia ao CNMP. Mas não é este o posicionamento exposto no Manual do Procurador da
República, no qual se defende a ideia de que o CNMP exerce verdadeiro controle externo do
Ministério Público. Tal controle é limitado à atuação administrativa e financeira da instituição
e ao cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, restando preservadas a
autonomia e a independência funcionais.

Observação: quando se diz que o controle do CNMP se limita aos atos administrativos
e financeiros da instituição, é necessário fazer uma distinção. Os atos extraprocessuais (ou
extrajudiciais) praticados no exercício das atribuições funcionais do Ministério Público, como
sua atuação como ombudsman (art. 129, II, CR) ou como legitimado coletivo (art. 129, III, CR),
não são atos administrativos, mas sim funcionais, motivo pelo qual eles não se submetem ao
controle do CNMP, mas sim a controle judicial e a controle institucional (no caso do MPF,
através das CCRs e da PFDC).

II. Composição

O CNMP é composto de 14 membros, sendo 8 oriundos do Ministério Público (o PGR,


que o preside, 1 de cada um dos 4 ramos do MPU e 3 dos MPEs), 2 juízes indicados, um pelo
STF e outro pelo STJ, 2 advogados indicados pelo Conselho Federal da OAB e 2 cidadãos de
notório saber jurídico e reputação ilibada, um indicado pelo Senado Federal e outro pela
Câmara dos Deputados.

198
Note-se que a maioria é advinda do próprio Ministério Público. A existência de
membros vindos de outras carreiras pode ser vista como a conjugação da legitimidade
burocrático-corporativa (SAMPAIO, p. 252) de duas categorias de imediata interação com o
MP, com a legitimidade democrática, de dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação
ilibada. Além disso, essa composição híbrida, as razões que justificaram sua criação e as suas
competências permitem caracterizar o CNMP, conforme já dito, como um órgão constitucional
autônomo de controle externo do Ministério Público.

Compete ao Senado Federal o processamento e o julgamento dos membros do CNMP


nos crimes de responsabilidade (art. 52, II, CR) e ao Supremo Tribunal Federal as ações
ajuizadas contra o próprio CNMP (art. 102, I, r, CR – na interpretação restritiva do Tribunal,
apenas se tais ações forem remédios constitucionais).

III. Competência

Merece destaque a classificação adotada por José Adércio (SAMPAIO, p. 274 e segs.)
ao tratar das atribuições do CNJ, a qual pode ser aplicada ao CNMP:

a) atribuições políticas: zelar pela autonomia do Ministério Público e pelo cumprimento da lei
orgânica, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou
recomendar providências;
a.1) atribuição de planejamento: zela pela autonomia de adotar o papel de gestor
estratégico dos recursos administrativos, humanos, logísticos e financeiros do
Ministério Público;
a.2) atribuição de defesa da soberania (no original fala-se de soberania judiciária):
deve adotar todas as medidas necessárias contra as ameaças e as violações advindas
dos outros Poderes e, com certas cautelas, de setores da sociedade, em defesa da
“soberania” do MP. “Não se trata de atitude corporativa, mas institucional, pois o
Conselho não é sindicato de classe e sim órgão de poder” (p. 276);
a.3) atribuição de poder regulamentar: todavia, sem poder inovar na ordem jurídica.
“Não pode, por conseguinte, permitir o que a lei proíbe ou ordenar o que a lei não
obriga; nem alterar, restringir ou ampliar direitos, deveres, ações ou exceções;
tampouco é dado exemplificar o que o legislador definiu por taxativo, ou suspender ou
adiar a execução da lei, instituir tribunais ou criar autoridades públicas, nem tampouco
estabelecer formar de exteriorização de um ato, diferentes daquelas determinadas por
lei”;
a.4) atribuições mandamentais: recomendar providências, no sentido de ordem para
integrantes e servidores do MP, acompanhada das sanções cabíveis a todo
descumprimento de mandado de autoridade competente. Para autoridades públicas
externas, tem a natureza de representação, que, se não vincula aos resultados, obriga,
ao menos, a diligências e respostas; sanção, todavia, política e difusa (“pressão por
persuasão”);
a.5) atribuições de economia interna: elaborar seu regimento, prover os cargos
necessários à sua administração; fixar critérios para promoção de seus servidores,
conceder licenças etc.;

b) atribuições de controle administrativo: zelar pela observância do art. 37 da Constituição


Federal e apreciar a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do
Ministério Público da União e dos Estados;

c) atribuições de ouvidoria: receber reclamações contra membros ou órgãos do Ministério


Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da
competência disciplinar e correcional da instituição.

199
d) atribuições correcionais e disciplinares: a atribuição disciplinar pode ser originária ou
derivada. A originária ocorre quando se instaura a sindicância, a reclamação ou o processo
disciplinar em decorrência de representação feita ao Conselho. Já a derivada pode ser a
avocatória, quando já existe um processo em trâmite e o CNMP avoca; ou revisional, feita de
ofício ou mediante provocação, em relação aos processos disciplinares de membros do
Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;

e) atribuição sancionatória: consequência da atribuição disciplinar. Pode determinar a


remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao
tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

f) atribuição informativa e propositiva: elaborar relatório anual, propondo as providências


que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do
Conselho. Não se resume, todavia, a elaboração de relatório. Entende-se que pode, por
exemplo, elaborar notas técnicas, seja por iniciativa própria, seja a requerimento de outros
Poderes, sobre anteprojetos de leis ou projetos de lei que tramitam no Congresso, desde que
caracterizado o interesse do MP.

Ficar atento: o poder regulamentar do CNMP tem sido muito discutido, principalmente
em razão da edição de atos com forte caráter normativo, como a Resolução nº 181 do CNMP,
que tratou, por exemplo, do acordo de não-persecução penal. De acordo com Mauro Fonseca
Andrade (Investigação criminal pelo Ministério Público: Comentários à Resolução 181 do
CNMP, p. 217), o texto expedido pelo CNMP é uma resolução e, como tal, deveria se limitar a
tutelar interesse ou assunto interno, não podendo se afastar da lei processual nem se
sobrepor a ela. Apesar disso, o STF tem reconhecido atos regulamentares editados pelo CNJ,
como a resolução que tratou da audiência de custódia e a resolução editada pelo CNMP que
tratou de questões afetas à interceptação telefônica, desde que eles encontrem fundamento
legal, o que acontece no caso da Resolução nº 181 do CNMP, de acordo com Vladimir Aras,
para quem “os acordos de não-persecução penal, de cunho bilateral, fundam-se no art. 129,
inciso I, da Constituição, no art. 28 do CPP,  no art. 3º do CPP (c/c o art. 3º do CPP) e noutros
dispositivos legais e convencionais que lhes dão seus fundamentos de constitucionalidade e
legalidade”. Tais acordos satisfazem diversos princípios penais, como da fragmentariedade e
da subsidiariedade, além de se coadunar com a justiça restaurativa e com a tendência de
acentuação do sistema penal negocial, fundados em correntes criminológicas como o
minimalismo penal, o labelling approach e as teorias críticas. Existem duas ADIs pendentes de
julgamento questionando a constitucionalidade da Resolução nº 181 do CNMP, nas quais a
PGR ainda não se manifestou (setembro de 2018).
Por fim, deve-se apontar que a criação do CNMP e a previsão de suas competências
excepcionou a inamovibilidade dos membros da instituição, pois, dentre as sanções aplicáveis
pelo órgão, consta expressamente a remoção compulsória (art. 130-A, § 2º, III, CR).

IV. Funcionamento

O CNMP será presidido pelo PGR, não havendo maior regulamentação legal sobre o
tema. O Corregedor Nacional é eleito dentre os membros do Ministério Público que integram
o CNMP para um mandato coincidente com o seu mandato de conselheiro, na forma do art. 30
do Regimento Interno do CNMP. A recondução ao cargo é proibida pela Constituição Federal
(130-A, §3º). É interessante observar que, no CNMP, o Corregedor é eleito, ao passo que, no
CNJ, a função de Corregedor necessariamente é exercida pelo Ministro advindo do STJ
(art.103-B, §5º,CF).

Legitimidade e críticas ao CNMP:

200
a) o CNMP somente pode aplicar as sanções disciplinares decorrentes da prática de
condutas previamente definidas em lei;

b) com a criação do CNMP, foi olvidada a necessidade de ser estabelecido, quanto aos
membros dos Conselhos, um lapso temporal de vedação ao exercício de outra função
pública, que não exija a prévia aprovação em concurso público, terminando por permitir e
estimular que benesses futuras sejam colhidas em troca de posicionamentos atuais;

c) dos quatorze membros do Conselho, cinco integram o Ministério Público da União já


em relação aos vinte e seis Ministérios Públicos Estaduais, apenas três serão seus
representantes, sendo nítido o desequilíbrio entre as unidades federadas.

24C. As funções essenciais à Justiça: Advocacia privada e pública. Representação judicial e


consultoria jurídica da União, dos Estados e do Distrito Federal. A Defensoria Pública

Valdir Monteiro Oliveira Júnior


Fonte: Graal 28º CPR. Daniel Sarmento Aulas Master Juris 2012. Site Dizer o Direito.
Legislação: art. 131 a 135, CRFB 88.

I. As funções essenciais à Justiça

Um dos mecanismos para o efetivo funcionamento do sistema de freios e contrapesos


é a atuação do Poder Judiciário para fazer com que os demais Poderes sejam limitados pelas
normas constitucionais. Por sua vez, uma forma de controle do Poder Judiciário é a vedação
de que ele haja por iniciativa própria. Assim, a provocação da jurisdição depende de uma
atuação do Ministério Público, da Advocacia Pública ou privada e da Defensoria Pública. Tais
entes, por conta disso, exercem funções essenciais à Justiça e são mencionados em capítulo
próprio da Constituição Federal distinto do capítulo dedicado ao Poder Judiciário.

II. Advocacia Pública. Representação judicial e consultoria jurídica da União, dos Estados e do
Distrito Federal

No tocante à União, sua representação judicial e extrajudicial bem como a consultoria


jurídica é promovida pela Advocacia Geral da União (art. 131, caput, CF) e, no que tange às
questões tributárias, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (art. 131, §3º, CF). Tais
órgãos integram o Poder Executivo e não gozam de independência funcional, porém seus
integrantes devem ser concursados (art. 131, §2º, CF), a exceção do Advogado-Geral da União,
que é de livre nomeação pelo Presidente da República (art. 131, §1º, CF).

As mesmas regras são previstas para os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal
(art. 132, CF). Procuradores municipais não são mencionados na Constituição.

Uma das principais diferenças entre a Advocacia Pública e o Ministério Público é a


representação judicial e consultoria jurídica de entidades públicas, que são vedadas ao MP
(art. 129, IX, parte final, CF). Não obstante, pode haver certa confusão, pois o Parquet pode
atuar na defesa do patrimônio público, o que o aproximaria da atuação típica da Advocacia
Pública. A distinção, entretanto, é que o MP tutela o interesse público primário, enquanto a
Advocacia Pública persegue o secundário. Desta forma, em um caso de sobre preço em
licitação, por exemplo, o Ministério Público limitar-se-ia a anular o certame e punir os
culpados, enquanto a execução da dívida em favor do ente público ficaria a cargo da Advocacia
Pública.

201
III. Advocacia privada

O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos


e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (art. 133, CF). Entretanto, há
exceções à essa indispensabilidade, como no caso de habeas corpus, Justiça do Trabalho e
juizados especiais, casos nos quais a parte pode dirigir-se diretamente ao Judiciário. Além
disso, a inviolabilidade do advogado não é absoluta, mas limitada pela lei, como no caso de
punições aplicadas pela OAB com fundamento em seu Estatuto.

No tocante à OAB, frise-se que o exame de suficiência para ingresso na Ordem foi
considerado constitucional pelo STF (RE, 2011), pois é proporcional (com ele evita-se o grande
prejuízo que seria causado a terceiros por profissionais desqualificados) e não alcança o núcleo
essencial da liberdade de ofício.

IV. A Defensoria Pública

À Defensoria Pública cabe a promoção dos direitos humanos e a defesa, judicial e


extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, entendidos como aqueles
desprovidos de recursos suficientes (art. 134 c/c art. 5º, LXXIV, CF).

Diversas Emendas Constitucionais (19/98, 45/04, 74/13 e 80/14) garantiram à


Defensoria Pública da União e dos Estados e Distrito Federal independência funcional,
administrativa e iniciativa de proposta orçamentária. Seus membros, providos mediante
concurso público, tem garantida a inamovibilidade, porém não podem exercer a advocacia
(art. 134, §1º, CF). Além disso, o número de defensores públicos deverá ser proporcional à
efetiva demanda da população e, no prazo de 8 anos a contar de 2014, todas as unidades da
federação deveriam ter implantado suas Defensorias (art. 98, caput e §1º, ADCT, incluído pela
EC 80/14, a PEC “Defensoria para Todos”).

A despeito de tal implantação ter ocorrido formalmente, o número de Defensores


ainda é reduzido em várias unidades da federação. Por conta disso, permanecem hígidas as
decisões do STF que reconheceram a constitucionalidade atual, mas apontaram uma tendência
de inconstitucionalidade progressiva, de regras que permitem ao MP a propositura de ação
de reparação de dano ex delicto em favor de vítima pobre ou que reconhecem à Defensoria
prazos processuais mais amplos.

Ainda no tocante às Defensorias nos Estados, três situações foram enfrentadas em


diversas ocasiões pelo STF: sua subordinação ao Executivo, e.g., via Secretaria de Justiça, a
obrigação de celebração de Convênio com a OAB com a adoção massiva de advogados dativos
em vez de Defensores concursados, e a atribuição da defesa de servidor que viesse a ser
processado em razão do regular exercício do cargo. Todas as situações foram reputadas
inconstitucionais, por violação à independência funcional do órgão ou confusão com o papel
da Advocacia Pública.

Por fim, é digna de nota a discussão quanto à legitimidade da Defensoria para a tutela
coletiva. A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) ajuizou ADIN
contra alteração da Lei da Ação Civil Pública que previu tal legitimidade, sob argumento de
que haveria afetação direta das atribuições do MP e afronta à função constitucional da
Defensoria, uma vez que nesse tipo de ação não seria possível garantir o benefício apenas de
pessoas carentes. Pediu, então, que a alteração fosse declarada inconstitucional ou que fosse
aplicada interpretação conforme para limitar a atuação da Defensoria aos casos de direitos
individuais homogêneos em que fosse possível identificar a presença de pessoas
economicamente hipossuficientes.

202
O STF entendeu que não havia inconstitucionalidade, sendo a lei compatível com o
texto originário da Constituição e tendo isso ficado ainda mais claro com a EC 80/14, que
alterou o art. 134 da CF para incluir expressamente a defesa dos direitos coletivos entre as
atribuições da Defensoria. Assim sendo, a Defensoria pode manejar ação civil pública para a
defesa de interesses difusos e coletivos em sentido estrito, não sendo necessário que a
totalidade dos beneficiados seja hipossuficiente, até mesmo por conta da indivisibilidade desse
tipo de direito (e.g. tutela do meio ambiente). No caso de direitos individuais homogêneos, a
eficácia da decisão seria um pouco mais restrita, porquanto somente poderia ser executada
por aqueles que comprovassem a necessidade econômica.

Ampliando ainda mais esse entendimento do STF, o STJ, alterando decisão exarada um
ano e meio antes, julgou que a Defensoria teria legitimidade para propor ação civil pública em
defesa de consumidores idosos (logo, direito individual homogêneo) que tiveram plano de
saúde reajustado em razão da mudança de faixa etária (EREsp, Corte Especial, Min. Laurita
Vaz, 2015). A ampliação mencionada decorreu do entendimento alargado da expressão
“necessitados” do art. 134, caput, da Constituição, para incluir ao lado dos carentes de
recursos financeiros os hipervulneráveis, ou seja, os necessitados jurídicos, que demandam
proteção estatal mesmo que disponham de recursos econômicos, como os socialmente
estigmatizados, as crianças, os idosos, as gerações futuras, etc.

18.DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS


18.1 Defesa do Estado e das instituições democráticas. Estado de defesa. Estado de sı ́tio. Papel
constitucional das Forças Armadas. (8.c)
18.2 Segurança Pública na Constituição. O papel das instituições policiais. (9.c)

8C. Defesa do Estado e das instituições democráticas. Estado de defesa. Estado de sítio. Papel
constitucional das Forças Armadas.

André Bica

I. Defesa do Estado e das instituições democráticas

A Constituição de 1988 trouxe dois grupos: um voltado para fornecer instrumentos


(medidas excepcionais) para manutenção ou restabelecimento da ordem em momentos de
anormalidade, e, com isso, configurou o sistema constitucional de crises, composto tanto pelo
estado de defesa quanto pelo estado de sítio; assim como se preocupou em institucionalizar a
defesa do país por meio das forças armadas e da segurança pública. Em monografia
especializada, Aricê Moacyr Amaral Santos identificou que o sistema constitucional de crise é
amparado por um conjunto de princípios, com destaque para a excepcionalidade, a
necessidade, a temporalidade, a obediência estrita à Constituição e o controle
político/judicial. A Constituição não pode ser emendada na vigência de estado de sítio, de
estado de defesa ou de intervenção federal (CRFB/88, art. 60, §1º).

II. Estado de defesa

O estado de defesa é uma medida excepcional menos gravosa que o estado de sítio,
decretada pelo Presidente da República com posterior aprovação do Congresso Nacional,
para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem
pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou
atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

203
Procedimento. A determinação do estado de defesa tem seu ato de instauração por
iniciativa e titularidade do Presidente da República, que determina que sejam ouvidos o
Conselho da República e o Conselho de Defesa (manifestações meramente opinativas).

Se o decretar, o ato deverá ser submetido ao Congresso em 24 hs (em caso de recesso,


deverá ser convocado em 5 dias para se reunir). Na sequência, o Parlamento terá 10 dias para
votar a medida, cuja aprovação requer maioria absoluta de seus membros. Se não aprovada, a
medida tem de ser cessada imediatamente, sob pena de o Presidente ser responsabilizado
(crime de responsabilidade). O estado de defesa terá duração de no máximo 30 dias, que
podem ser prorrogados uma vez por igual período. A prorrogação deverá ser submetida ao
Congresso. Não resolvida a situação, é possível a utilização do remédio mais gravoso (estado de
sítio).

O estado de defesa não tem abrangência nacional, e, sim, restrita a logradouros


especificados pelo decreto presidencial. Poderá haver medidas restritivas de direito de (a)
reunião; (b) sigilo de correspondência; (c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.
Poderá haver, ainda, ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de
calamidade, bem como prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da
medida e que será por este comunicada imediatamente ao juiz, vedada a incomunicabilidade.

III. Estado de sítio

O estado de sítio é medida mais gravosa, cabível em situações (i) que acarretam grave
comoção nacional ou quando as medidas assumidas no estado de defesa se mostraram
insuficientes ou inadequadas; (ii) declaração de estado de guerra ou resposta a agressão
armada estrangeira, ou mesmo quando for detectado. O Presidente dependerá de autorização
prévia do Congresso.

Procedimento. Após ouvir os Conselhos da República e de Defesa Nacional, o


Presidente enviará solicitação fundamentada ao Congresso, para manifestar-se pela maioria
absoluta de seus membros. O decreto presidencial deverá trazer a duração do estado de sítio
(máximo de 30 dias prorrogáveis por no máximo 30 dias nos casos do item I, na hipótese de
guerra o estado de sítio pode ser decretado durante todo o período da guerra ou agressão), as
medidas necessárias à sua execução e as garantias constitucionais que deverão estar
suspensas. Após a publicação do decreto, o Presidente da República irá designar o executor
das medidas e as áreas abrangidas (é possível abrangência nacional). Toda prorrogação
depende de autorização do Congresso.

Certos direitos e garantias podem sofrer restrições, v.g., (a) obrigação de permanência
em localidade determinada; (b) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados
por crimes comuns; (c) restrições relativas à inviolabilidade de correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão,
na forma da lei; (d) suspensão de liberdade de reunião; (e) busca e apreensão em domicílio; (f)
intervenção nas empresas de serviços públicos; (g) requisição de bens. Apenas no estado de
sítio as imunidades parlamentares podem ser relativamente suspensas, observados os
requisitos constitucionais. (art. 53,§8o da CRFB/88).16

IV. Papel constitucional das Forças Armadas

16
Art. 53, § 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas
mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso
Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.

204
I. Nota pública PFDC 2017 – Duprat (contexto de declaração de General sobre possível
intervenção militar):

“As Forças Armadas brasileiras – constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica – são instituições integrantes do arcabouço constitucional de promoção e
proteção do Estado Democrático de Direito. Subordinadas à autoridade suprema do
Presidente da República, receberam da Constituição Federal a função de defesa da Pátria,
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Além dessas três funções constitucionais, as Forças Armadas receberam da Lei


Complementar nº 97, de 1999, a atribuição de missões subsidiárias, compatíveis com a sua
missão constitucional e respectivas capacidades técnicas, tais como participação em operações
de paz, cooperação com o desenvolvimento nacional e a defesa civil, reforço à polícia de
fronteira, promoção da segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em
missões oficiais, ordenação da segurança marítima e do espaço aéreo, dentre outras.

As Forças Armadas, em qualquer caso, são integral e plenamente subordinadas ao


Poder Civil, e seu emprego na defesa internacional da Pátria ou em operações de paz, assim
como em atuações internas de garantia dos poderes constituídos ou da lei e da ordem,
depende sempre de decisão do Presidente da República, que a adota por iniciativa própria ou
em atendimento a pedido dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou
da Câmara dos Deputados (Lei Complementar nº 97/1999, art. 15, caput e § 1º).

Não há no ordenamento jurídico brasileiro hipótese de intervenção autônoma das


Forças Armadas, em situação externa ou interna, independentemente de sua gravidade. Nem
mesmo em situações de exceção constitucional, como o Estado de Sítio ou o Estado de Defesa,
as Forças Armadas podem assumir um papel fora de seus limites constitucionais. A postulação
de existência de um poder de intervenção militar por iniciativa própria, em qualquer
circunstância, arrostaria a Constituição, que definiu essa iniciativa como crime inafiançável e
imprescritível contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (artigo 5º, XLIV).

A conformação das Forças Armadas nos termos do artigo 142 da Constituição é uma
conquista democrática e expurga do cenário brasileiro o risco de golpes institucionais. O
papel desempenhado nas últimas décadas pelas Forças Armadas tem notoriamente reforçado
a consolidação do Estado Democrático de Direito e é incompatível com a valorização do
período passado no qual o País enveredou pelo regime ditatorial e a violação de direitos
humanos”.

A organização militar tem por base a hierarquia e a disciplina, sob autoridade e


comando supremo do Presidente da República, que tem a atribuição constitucional de nomear
seus comandantes, além de promover os oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes
são privativos. As punições disciplinares não estão sujeitas a habeas corpus no que concerne
aos aspectos materiais (de mérito), restringindo-se o cabimento do writ aos questionamentos
de natureza formal.

9C. Segurança Pública na Constituição. O papel das instituições policiais.

Graal Oral 28º CPR

Segurança pública é a manutenção da ordem pública interna do Estado. A ordem pública


interna é o inverso da desordem, do caos, desarmonia social. Ao contrário das Cartas

205
anteriores17, a Constituição de 1988 lhe destinou capítulo específico (art. 144), em que a
consta como “dever do Estado” e como “direito e responsabilidade de todos”, com finalidade
na “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.
Por essa razão, as políticas públicas de segurança pública deve se harmonizar com o
princípio republicano e democrático, com os direitos fundamentais e com a dignidade da
pessoa humana. O art. 5º, caput, da CRFB eleva a segurança à condição de direito
fundamental, que, como os demais listados, devem ser universal, 18 igual, não seletivo e não
sujeitos ao retrocesso social; e passível de atuação jurisdicional nas políticas públicas de
segurança. É implementada por meio da polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia
ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpo de bombeiros.
Desde o contratualismo dos séculos XVII e XVIII, preservar a “ordem pública” e a
“incolumidade das pessoas e do patrimônio” é a função primordial que justifica a própria
instituição do poder estatal. Na Era Moderna, a segurança era o elemento mais básico de
legitimação do Estado, o mínimo que se esperava da política. Na retórica novecentista do
laissez faire, a segurança chegava a ser concebida como a única função do Estado “guarda-
noturno” (Estado “Gendarme”). O Estado Social não só mantém a preocupação central com a
segurança pública, como amplia o seu escopo, concebendo-a como “segurança social” contra
os infortúnios da própria economia de mercado.
Atividades policiais: O texto constitucional de 1988 faz referência a seis modalidades,
nas respectivas funções:
a) a polícia ostensiva: prevenir e de reprimir de forma imediata a prática de delitos 19; b) a
polícia de investigação: realiza investigação criminal20; c) polícia judiciária: executar as
diligências solicitadas pelos órgãos judiciais; d) polícia de fronteiras, marítima, aeroportuária:
controle do fluxo de pessoas e de bens.21
Órgãos: plano federal: a) a Polícia Federal22, b) a Polícia Rodoviária Federal e c) a Polícia
Ferroviária Federal23; Estadual: Polícia Civil, Polícia Militar e Corpos de bombeiros militares
(incêndios e defesa civil).
Rol de órgãos policiais: o rol do art. 144 é taxativo. Aos Estados é vedado atribuir função
policial, por exemplo, ao departamento policial ou criar polícia penitenciária.24 As polícias
militares e o corpos de bombeiros militares são forças auxiliares e reserva do Exército, sendo
subordinados, juntamente com a polícias civis, aos Governadores dos Estados, do DF e dos
Territórios, aos quais compete a direção administrativa, financeira e funcional da polícia.
17
Constituições de 1891 e 1824 eram omissas. As Constituições de 1934, no seu art. 159 e a de 1937, no seu Art. 162,
especificavam o seguinte: "Todas as questões relativas à Segurança Nacional serão estudadas e coordenadas pelo Conselho
Superior de Segurança Nacional e pelos órgãos especiais criados para atender às necessidades da mobilização.. A Constituição de
1946, no seu Art. 179 especificava que: "Os problemas relativos à defesa do país serão estudados pelo Conselho de Segurança
Nacional pelos órgãos especiais das Forças Armadas incumbidos de prepará-las para a mobilização e as operações militares.". A
Constituição de 1967, Art. 89 e a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, Art. 86 dizia que: "Toda pessoa natural ou jurídica é
responsável pela Segurança Nacional, nos limites definidos em lei”.
18
Por ser um serviço universal, inespecífico e indivisível, seu financiamento deve ser por impostos, não por taxas (ADI nº 2.424-
STF).
19
A atividade de polícia ostensiva é desempenhada, em geral, pelas polícias militares estaduais (CF, art. 144, §5º)Mas o
patrulhamento ostensivo das rodovias e ferrovias federais deve ser realizado, respectivamente, pela Polícia Rodoviária Federal
(art. 144, §2º) e pela Polícia Ferroviária Federal (art. 144, §3º).
20
A função é confiada às polícias civis estaduais e à Polícia Federal, no que se refere aos crimes comuns (art. 144, §1º, I, e §4º). 20
Todas exercidas pela Polícia Federal.
21
Todas exercidas pela Polícia Federal.
22
“Art. 144 § 1º: A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em
carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses
da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas
respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com
exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.”(Para ELA WIECKO a polícia estadual não pode investigar crime federal,
mas o contrário é possível – vide questão 113 da prova objetiva do 24CPR)
23
Patrulhamento ostensivo de rodovias e ferrovias federais, respectivamente.
24
STF: ADI nº 1.182, Rel. Min. Eros Grau, DJ 10 03. 2006; ADI nº 236, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 01.06 2001. No entanto, isso
não impede os Estados de instituírem órgão de coordenação de políticas de segurança.

206
Limitação das Forças Armadas: A Constituição não prevê sua participação. Segundo
Alexandre de Moraes, a multiplicidade dos órgãos de defesa da segurança pública, pela nova
Constituição, teve dupla finalidade: atendimento aos reclamos sociais e a redução da
possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança interna. Pela interpretação
sistemática dos arts. 142 e 144 e outros dispositivos, conclui-se que a atuação das Forças
Armadas nas políticas de segurança está limitada às seguintes circunstâncias excepcionais: a)
estado de defesa (art. 136); b) estado de sítio (art. 137); c) intervenção federal(art. 34, III); d)
realização de investigações criminais no âmbito de inquérito policial militar (artigos 7º e 8º, b,
do Código de Processo Penal Militar (CPPM); e) operações de policiamento ostensivo no
interesse nacional, em casos de visitas de chefes de estados estrangeiros(no art. 5º do Decreto
nº 3.897/2001)25; f) ações de policiamento ostensivo por solicitação do Governador de Estado,
quando os meios no Estado se mostrarem indisponíveis, inexistentes ou insuficientes (LC nº
97/1999, art. 15, §2)º 26. Destinação constitucional principal: a defesa da soberania territorial, e
de forma subsidiária, a defesa da lei e da ordem.
Guardas municipais:. Não são órgãos policiais. Possuem a função de guarda patrimonial,
destinam-se à proteção dos bens, serviços e instalações dos Municípios sem a possibilidade de
exercício das funções de polícia ostensiva ou judiciária. Além dessa prerrogativa, os municípios
podem atuar na segurança pública por meio de restrições administrativas: horário de
fechamento de bares e restaurantes ou espaços de venda de bebidas alcoólicas, por exemplo.
Segurança viária: A EC 82/2014 incluiu o §10 no artigo 144, dispondo que: “§ 10. A
segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do seu patrimônio nas vias públicas: I - compreende a educação, engenharia e fiscalização de
trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à
mobilidade urbana eficiente; e II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito,
estruturados em Carreira, na forma da lei.” A expressão “segurança viária” refere-se ao
conjunto de ações destinadas a proteger a integridade física e patrimonial das pessoas que
utilizam as vias públicas.
Participação popular: por ser “direito e responsabilidade de todos”, a sociedade pode
participar na formulação e no controle da gestão das políticas de segurança. É o que acontece,
por exemplo, nos conselhos de segurança pública.
O tema no Supremo: “O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível,
garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de
criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. É possível ao Poder

25
“Art. 5º- O emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, que deverá ser episódico, em área previamente definida
e ter a menor duração possível, abrange, ademais da hipótese objeto dos arts. 3º e 4º, outras em que se presuma ser possível a
perturbação da ordem, tais como as relativas a eventos oficiais ou públicos, particularmente os que contem com a participação de
Chefe de Estado, ou de Governo, estrangeiro, e à realização de pleitos eleitorais, nesse caso quando solicitado. Parágrafo único.
Nas situações de que trata este artigo, as Forças Armadas atuarão em articulação com as autoridades locais, adotando-se,
inclusive, o procedimento previsto no art. 4º.”
26
“§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais,
ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.”
Essa hipótese tem sua constitucionalidade questionada por alguns juristas. Segundo Barroso (2007) a atuação das Forças
Armadas nas ações de segurança deve ser interpretada de forma restritiva. A LC 97/1999, art. 15, não prevê o controle pelo
Poder Legislativa, tal como para os casos os casos de estado de defesa, estado de sítio e intervenção federal. Por essa razão,
significa permitir medidas excepcionais sem observâncias de restrições constitucionais definidas e sem adoção de veículos
formais adequados.( BARROSO, Luís Roberto. Forças Armadas e ações de segurança pública: possibilidades e limites à luz da
Constituição, Revista de Direito do Estado, v.2 n. 7, 2007). O Ministro Lewandowski (2004,pag.4), quando então desembargador do
TJ/SP, em entrevista, disse que o emprego das Forças Armadas deve se limitar às hipóteses de decretação de estado de defesa,
estado de sítio e intervenção federal: “A utilização das Forças Armadas para combater a violência urbana, em caráter permanente,
é, portanto, inconstitucional, embora seja lícito o seu emprego temporário e limitado, em situações de emergência, claramente
caracterizadas. A decisão, entretanto, subordina-se ao prudente arbítrio do Presidente da República, que deverá buscar o
respaldo do Legislativo, assim que possível, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade. (...) Não se pode esquecer que a
função primordial da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, segundo o texto constitucional, é assegurar a defesa da Pátria. A
rigor, só quando os órgãos constitucionalmente responsáveis pela preservação da lei e da ordem entrarem em colapso é que as
Forças Armadas poderão incumbir-se da tarefa”. (Forças Armadas no combate à violência, RT Informa, n. 31, maio-jun., 2004,
p.4).

207
Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas
públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o
poder discricionário do Poder Executivo.” (RE 559.646-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento
em 7-6-2011, Segunda Turma, DJE de 24-6-2011);
“Lei 18.721/2010 do Estado de Minas Gerais, que dispõe sobre o fornecimento de
informações por concessionária de telefonia fixa e móvel para fins de segurança pública.
Competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações. Violação ao art. 22, IV,
da Constituição. Precedentes." (ADI 4.401-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23-6-
2010, Plenário, DJE de 1º-10-2010). Vide: ADI 4.369-MC-REF, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 23-6-2010,Plenário, DJE de 4-5-2011.
Órgão Policial do Senado brasileiro: com as a seguintes atribuições: a segurança do
Presidente do Senado Federal, em qualquer localidade do território nacional e no exterior; a
segurança dos Senadores e autoridades brasileiras e estrangeiras, nas dependências sob a
responsabilidade do Senado Federal; a segurança dos Senadores e de servidores em qualquer
localidade do território nacional e no exterior, quando determinado pelo Presidente do
Senado Federal; o policiamento nas dependências do Senado Federal; o apoio à Corregedoria
do Senado Federal; as de revista, busca e apreensão; as de inteligência; as de registro e de
administração inerentes à Polícia; as de investigação e de inquérito.
Órgão da Câmara dos Deputados: responsável por exercer as funções de polícia
judiciária e apuração de infrações penais, com exclusão das que mantiverem relação de
subsidiariedade, conexão ou continência com outra cometida fora das dependências da
Câmara dos Deputados, além das atividades de polícia ostensiva e preservação da ordem e do
patrimônio, nos edifícios da Câmara dos Deputados e em suas dependências externas; efetuar
a segurança do Presidente da Câmara dos Deputados em qualquer localidade do território
nacional e no exterior; efetuar a segurança dos Deputados Federais, servidores e quaisquer
pessoas que eventualmente estiverem a serviço da Câmara dos Deputados, em qualquer
localidade do território nacional e no exterior, quando assim determinado pelo Presidente da
Câmara dos Deputados; atuar como órgão de apoio à Corregedoria da Câmara dos Deputados,
sempre que solicitado; planejar, coordenar e executar planos de segurança física dos
Deputados Federais e demais autoridades que estiverem nas dependências da Câmara dos
Deputados.
Força Nacional de Segurança Pública (FNSP): criada em 2004 e localizada no entorno do
Distrito Federal, no município de Luziânia, é um programa de cooperação de Segurança Pública
brasileiro, coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Ministério
da Justiça (MJ). É um órgão que foi criado durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, idealizado pelo Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.
Polícia das Forças Armadas: Polícia do Exército (Brasil), Polícia da Aeronáutica e
Companhia de Polícia do Batalhão Naval. Polícia do Exército (PE) - constituída de unidades de
infantaria às quais compete assegurar o respeito à Lei e ordem, bem como o cumprimento dos
regulamentos militares. Polícia da Aeronáutica (PA) - integra os Batalhões de Infantaria da
Aeronáutica Especiais (BINFAE) e possui as mesmas atribuições da Polícia do Exército no
âmbito da Força Aérea Brasileira. Companhia de Polícia do Batalhão Naval - Exerce as mesmas
atribuições das organizações policiais do Exército e da Força Aérea no âmbito da Marinha de
Guerra.
Lei n.° 13.060/2014: disciplina o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo
pelos agentes de segurança pública. Âmbito federal: tema já era tratado, de forma mais
detalhada, pela Portaria Interministerial 4226/2010, que vinculava o Departamento de Polícia
Federal, o Departamento de Polícia Rodoviária Federal, o Departamento Penitenciário
Nacional e a Força Nacional de Segurança Pública. Algumas das regras da portaria passaram ao
status de lei, valendo para todos os órgãos de segurança pública do país, incluindo polícias
civis e militares dos Estados-membros.
O uso subsidiário e moderado da força por órgãos de segurança pública é também
tratado nos seguintes documentos internacionais: I) Código de Conduta para os Funcionários

208
Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua
Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979; II) Princípios orientadores para a Aplicação
Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei,
adotados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas na sua resolução 1989/61, de
24 de maio de 1989; III) Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações
Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, realizado em Havana,
Cuba, de 27 de Agosto a 7 de setembro de 1999; IV) Convenção Contra a Tortura e outros
Tratamentos ou penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas, em sua XL Sessão, realizada em Nova York em 10 de dezembro de 1984 e
promulgada pelo Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991.
Principal regra da Lei 13.060/2014: uso prioritário de instrumentos de menor potencial
ofensivo (IMPO). Art. 2o.
Vedação do uso de arma de fogo: Não é legítimo o uso de arma de fogo: I - contra
pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de
lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; e II - contra veículo que desrespeite
bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos
agentes de segurança pública ou a terceiros (art. 2 o, p.u.).

19. FINANÇAS PÚBLICAS


19.1 Finanças públicas na Constituição. Normas orçamentárias na Constituição. (20.a)
19.2 Orçamento público: controle social, polı ́tico e jurisdicional. (18.a)

20A. Finanças Públicas na Constituição. Normas Orçamentárias na Constituição.


FONTES: Material do grupo MPF LEVADO À SÉRIO; Santo Graal 28CPR. LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro (6 ed, 2017).
FURTADO, J. R. Caldas. Elementos de Direito Financeiro (2009).
Atualizado por Felipe Fróes, em 06/09/2018

A disciplina jurídica das finanças públicas traz regras sobre toda a atividade financeira do
Estado, que abrange captação de recursos públicos, gestão das contas públicas e realização
dos gastos. Tudo isso com vistas à concretização de direitos fundamentais, tomados em sua
dimensão individual e transindividual. LEITE diz que “a atividade financeira do Estado é um
instrumento para a realização do próprio fim estatal” (atendimento das necessidades
públicas). Na CRFB/88, o assunto é tratado de forma expressa no Título VI (Da Tributação e do
Orçamento), Capítulo II (Das Finanças Públicas). A Constituição determina que os seguintes
temas sejam reservados à lei complementar: finanças públicas (LC 101/00); dívida pública
externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo
Poder Público (L 8.383/91); concessão de garantias pelas entidades públicas; emissão e resgate
de títulos da dívida pública (art. 34, § 2º, I, ADCT); fiscalização das instituições financeiras (L.
4595/64); fiscalização financeira da administração pública direta e indireta (L. 4595/64);
operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios (L 4131/62, DL 9205/46 e DL 9602/46); compatibilização das funções
das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas as características e condições
operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional (LC 101/00 e L. 4595/64).
Determina também que a emissão de moedas é competência da União, exclusivamente pelo
Banco Central (art. 164, CRFB). Ao Banco Central, por sua vez, é vedado conceder, direta ou
indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não
seja instituição financeira. Por outro lado, há a possibilidade de comprar e vender títulos de
emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros;
o Banco Central é depositário das disponibilidades de caixa da União (§§ 1º, 2º, e 3º, do art.
164, da CRFB).

209
Segundo o STF, nem os Estados nem o Poder Judiciário possuem legitimidade para
apresentar projeto de lei que trate da destinação dos rendimentos oriundos das contas de
depósitos judiciais. Trata-se de matéria de competência exclusiva da União (direito
processual).
Orçamento é, basicamente, o instrumento de planejamento da gestão patrimonial e da
alocação de recursos públicos (Gilmar Mendes, pg. 1511). São três leis que compõem o
orçamento, mas a ideia de orçamento é UNA: I) PPA (4 anos); II) LDO (1 ano); III) LOA (1 ano).
Elaborar o orçamento significa planejar. Essas três leis são ordinárias e temporárias e deveriam
ser elaboradas de acordo com LC geral que iria auxiliar todos os entes federativos (art. 165,
§9°, CR/88). São elaboradas de forma harmônica, regidos pelo princípio da unidade,
integrando-se finalisticamente. Os prazos para envio estão no art. 35, §2°, ADCT: PPA (agosto
do primeiro exercício financeiro), LDO (abril de cada ano) e LOA (agosto de cada ano). Os
prazos para Estados e Municípios podem ser definidos nas Constituições Estaduais ou Leis
Orgânicas, respectivamente. O processo legislativo das leis orçamentárias é tratado no art. 166
da CRFB/88. A iniciativa das leis é do chefe do executivo. Os projetos serão examinados pelas
duas Casas do Congresso Nacional, sendo cada projeto examinado por Comissão mista
permanente de Deputados e Senadores (art. 166, § 1º). As emendas aos projetos serão
apresentadas na Comissão Mista (art. 166, § 2º), que emitirá parecer, cabendo sua apreciação
ao plenário das duas Casas do Congresso Nacional. As emendas à LOA devem ser compatíveis
com o projeto do PPA e LDO. Devem também indicar os recursos necessários à sua
implementação. Esses recursos não podem ser provenientes da anulação de dotações com
pessoal, serviços da dívida e transferências tributárias constitucionais para os demais entes da
Federação. O Presidente da República poderá enviar mensagem ao Congresso propondo
modificações nos projetos enquanto não iniciada a votação na Comissão mista, da parte que se
pretende alterar.

PPA (Plano Plurianual) LDO (Lei de Diretrizes LOA (Lei Orçamentária


Orçamentárias) Anual)

Estabelece as grandes metas É um pouco mais concreta, Estabelece a programação


e prioridades/objetivos da pois irá estabelecer as metas de receitas e despesas, ou
administração pelos e objetivos pelo prazo de um seja, quanto de dinheiro o
próximos quatro anos. É ano. Ou seja, dirá como ente poderá ou não ter para
uma lei bastante abstrata. realizará as metas do PPA realizar as metas e
naquele ano (pelo período prioridades, pelo período de
de um ano). um ano.

A LDO terá dois anexos, chamados de anexo de metas fiscais, onde irá estabelecer metas
relativas à receitas, despesas e resultado, outras sobre endividamento (como está a situação
da dívida pública) e anexo de riscos fiscais, que é reserva de contingência apta a suportar
gastos oriundos de imprevisibilidades (esse anexo pode ser considerado uma exceção ao
princípio da especificação, pois o orçamento, aqui reservado, não terá finalidade específica,
até ser necessário). A LOA, por sua vez é dividida em: a) orçamento fiscal: gasto
governamental; b) orçamento de investimento das empresas estatais: aporte de capitais
(aumento de participação acionária); e c) orçamento da seguridade social: RPPS (Regime
Próprio de Previdência Social) e INSS, neste caso, apenas relacionado ao déficit.
Quanto ao aspecto jurídico, LEITE ressalta que orçamento é lei e traça o plano de trabalho
para determinado exercício financeiro. Ainda sobre a natureza jurídica, o autor aponta três
posicionamentos na doutrina. Para León Diguit, o orçamento seria um mero ato administrativo
em relação às despesas e uma lei em sentido formal em relação às receitas. Para Gaston Jèze,
o orçamento não passa de um ato-condição para realização do gasto e ingresso da receita
(receitas e despesas possuem outras normas prevendo sua criação). Para a terceira corrente

210
(majoritária no Brasil e no STF), o orçamento é lei formal que autoriza a receita e prevê o
gasto, mas não é dotada de generalidade e abstração (é meramente autorizativa e não
impositiva). Há, ainda, uma corrente minoritária (FURTADO), para a qual o orçamento teria
natureza jurídica material, pois é expressão da vontade democrática popular (o Ministro
Marco Aurélio manifestou entendimento nesse sentido na ADI 4663). Ademais, o STF admite o
controle concentrado de constitucionalidade sobre leis orçamentárias (ADI 4048 e 4049),
independentemente da natureza geral ou abstrata dessas normas (o caso enfrentado dizia
respeito a medidas provisórias que não atenderam às hipóteses previstas para a abertura de
créditos extraordinários).
A EC 86/2015 alterou parcialmente esse cenário, pois tornou obrigatória (impositiva) a
execução do orçamento referente às emendas individuais ao projeto de lei orçamentária no
limite de 1,2% da receita corrente líquida prevista no projeto, desde que metade do
percentual corresponda a ações e serviços públicos de saúde. Somente não haverá
obrigatoriedade por impedimento de ordem técnica. Sobre o assunto, ressalte-se, ainda, a EC
95/2016 (“PEC do teto de gastos públicos”), que desvinculou o montante destinado às
emendas impositivas da receita corrente líquida, passando a ter como critério desde 2018 o
montante destinado ao exercício anterior corrigido pela inflação (IPCA).
VEDAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ORÇAMENTÁRIOS PREVISTOS
NA CR/88:
a) Exclusividade em matéria orçamentária (art. 165, §8°, CRFB/88): orçamento não pode
conter dispositivo estranho à fixação de despesa e previsão de receita e não pode comportar
caudas orçamentárias (dispositivo de lei material) - "orçamento rabilongo" -, exceções ao
princípio da exclusividade: autorização dirigida ao chefe do executivo para que ele possa abrir
por decreto, crédito suplementar, e autorização para contratação de operações de crédito.
b) Especialidade/Especialização: orçamentos devem especificar e discriminar os créditos, os
órgãos a que se destinam e o tempo em que deve realizar as despesas. Espécies: I) quantitativa
(art. 167, VII, CRFB/88): determina a fixação do montante de gastos, proibindo a concessão e a
utilização de créditos ilimitados. II) qualitativa (art. 5, c/c art. 15, §1° c/c art. 20, parágrafo
único, Lei 4320/64): esta recomenda a vinculação dos créditos aos órgãos públicos, as rubricas
orçamentárias devem ser especificadas de acordo com sua natureza. III) temporal (art. 167,
§2°, CRFB/88): limita a vigência dos créditos especiais e extraordinários ao exercício financeiro
a que forem autorizados, salvo se o ato de autorização tiver sido promulgado nos quatro
últimos meses do ano. OBS: veda crédito com finalidade imprecisa ou com dotação ilimitada.
Exceção: Anexo de Riscos Fiscais da LDO
c) Legalidade. Espécies (subprincípios) I) super-legalidade: tem a ver com a supremacia da
constituição, as leis orçamentárias devem se coadunar com as normas constitucionais; II)
reserva de lei: o orçamento deve ser aprovado por meio de lei formal; III) primado da lei: o
poder regulamentar da administração pública só se pode manifestar nos espaços deixados
pelo legislador quando aprova os orçamentos.
d) Não vinculação de imposto a fundo, órgão ou despesa (art. 167, IV, CR/88): em regra, a
receita dos impostos é destinada a custear os serviços uti universi. Exceções: reparticição
constitucional da receita dos impostos; vinculação de recursos para ensino, fundo de combate
a erradicação da pobreza, para realização de atividades da administração tributária, para a
prestação de garantias às operações de crédito em antecipação de receitas e financiamento de
precatórios (EC 94/2016). É possível vincular receitas de taxas e contribuições de melhoria.
OBS: Lembrar da DRU - Desvinculação de Recursos da União - art. 76, ADCT (prorrogada até
31/12/2023 pela EC 93/2016).
e) Universalidade (art. 165, §5°, CR/88): todas as receitas e todas as despesas devem estar
previstas na lei orçamentária. Exceção: os tributos que podem ser cobrados de um ano para
outro, sem que estejam previstos na lei orçamentária, pois para eles vigoram a anterioridade
(vide súmula 66, STF).
f) Anualidade: para cada ano deve haver um orçamento, permite o controle. Não se confunde
com a anualidade tributária, não mais presente no sistema brasileiro.

211
g) Unidade (art. 165, §5°, CR/88): a peça orçamentária deve ser única e uma só, contendo
todos os gastos e receitas, cuida-se de princípio formal, isto é, o documento é único.
h) Superioridade e Indisponibilidade do Interesse Público na Atividade Arrecadatória de
Tributos. Significa que esta superioridade prevalece sempre, a não ser que exista um interesse
individual que se oponha a este interesse.
i) Transparência. Decorrência direta da publicidade e, portanto, relaciona-se também com a
fiscalização — se as receitas estão sendo bem aplicadas.
j) Proibição de estorno. A ações governamentais não podem ser reorganizadas mediante
transposição, remanejamento e transferência de recursos sem prévia autorização legislativa.
DISPONIBILIDADE DE RECURSOS A ÓRGÃOS DOTADOS DE AUTONOMIA (art. 168, CR/88): serão
entregues no dia 20 de cada mês por duodécimos. LIMITES COM DESPESA DE PESSOAL (art.
169, CR/88 com alteração pela EC/19 – reforma administrativa- e art. 19, LC 101/00): a soma
dos gastos de pessoal de cada ente federativo deve ser ater aos limites estabelecidos em LC
(LC101/00), art. 19 e 20. art. 20 LRF = estabelece a repartição dos limites globais, através de
percentuais que deverão ser repartidos entre os Poderes Públicos e seus órgãos. ADI 4426, ADI
4356: Lei ordinária de iniciativa exclusiva do Poder Executivo não pode fixar limites de
execução orçamentária ao Poder Judiciário e ao Ministério Público sem nenhuma participação
destes, por implicar indevida interferência sobre a gestão orçamentária desses órgãos
autônomos (CF, arts. 2º, 99, §1º e 127, §§2º e 3º).
A cobrança de multa imposta por Tribunal de Contas estadual à autoridade municipal deve ser
feita pelo Estado membro que mantém a corte, por meio de seus representantes judiciais.
Diferentemente, se há condenação de ressarcimento ao erário a titularidade do crédito será
do próprio ente público prejudicado (STJ, AgInt no REsp 1618830/MG). Prevalece que o
Ministério Público não possui legitimidade (AgInt no AREsp 917201 / MA).

18A. Orçamento público: controle social, político e jurisdicional.

Graal Oral 28º CPR

LEGISLAÇÃO BÁSICA: CF: Art. 5º, 7º, 165/167, 203, 227 Lei n. 8.142/90; LRF; Lei
7.853/89; Decreto 3.298/99; Lei 8.112/90; Lei 8.213/91; Loas; Lei 10.098/00; Lei 10.216/01;
Lei 8.899/94; Lei 9.868/99.
NOÇÕES GERAIS: Em uma democracia, a ideia essencial é que as decisões políticas mais
importantes sejam tomadas pelo próprio povo ou seus representantes. Tais decisões envolvem
o dilema entre necessidades infinitas e recursos escassos. Em especial, a implementação de
políticas sociais demandam custos, razão pela qual é preciso contextualizar o tema da
efetividade destes direitos à luz dos problemas orçamentários. A escassez moderada de
recursos é um fato da vida que não pode ser ignorado, motivo pelo qual é possível o
argumento da reserva do possível, conquanto seja patente a possibilidade do judiciário
controlar excessos (ex: invertendo o ônus da prova - REsp 764.085). Temos aqui uma questão
de dosagem, uma vez que ao princípio majoritário se impõem limites (ex: proteção às
minorias, garantia de direitos básicos), mas o exagero na intervenção externa ao Legislativo
pode revelar-se antidemocrático, por cercear além da razoabilidade o poder do povo de se
autogovernar.
ORÇAMENTO: O orçamento é instrumento de planejamento (intervenção
indireta/função planejadora determinante para o setor público e indicativa para o setor
privado), e é o local por excelência para a realização de escolhas trágicas, tanto no que toca às
fontes de financiamento dos direitos sociais, quanto no que se refere às prioridades de
gastos. . Orçamento prevê receitas e autoriza gastos, sendo meramente autorizativo no Brasil.
O orçamento é instrumento de intervenção do Estado na economia, por meio do qual o Estado
exerce função planejadora (art. 174 da CF), determinante para o setor público e indicativa para
o setor privado. Além disso, o orçamento é instrumento poderoso para a realização das
atividades redistributivas do Estado, concretizando princípios tributários de equidade como a

212
progressividade fiscal e as imunidades, na medida em que destina as verbas arrecadadas aos
mais pobres. Na sistemática orçamentária constitucional (PPA, LDO e LOA), destaca-se o
orçamento da seguridade social, que integra finalisticamente a LOA (princípio da unidade
orçamentária, art. 165, § 5º).
FINANCIAMENTO: As principais fontes de financiamento dos direitos sociais são os
tributos, receitas derivadas e correntes. O financiamento pode se dar de forma direta, por
meio da receita dos impostos que vão para o caixa único de cada ente federativo, ou de forma
direita, por meio das contribuições sociais, de competência da União (art. 149 CF).
DESPESAS, VINCULAÇÃO E DESVINCULAÇÃO: Para garantir a destinação dos recursos
arrecadados para a efetivação dos direitos sociais utiliza-se a técnica da afetação, o que
representa exceção constitucionalmente autorizada (art. 167, IV CF). Sobre os percentuais para
saúde e educação cf. tópicos 19.c e 16.a. Sob o argumento de que a maior parte do orçamento
é engessado pelas vinculações constitucionais e pelas despesas correntes de caráter
obrigatório, o que impede o Governo de executar seus programas, criou-se a DRU
(desvinculações de receitas da União), por meio da qual se desvinculam recursos de impostos e
contribuições sociais e de intervenção afetados, no percentual de 20% (art. 76 ADCT). O STF já
se manifestou pela sua constitucionalidade (RE 537.310). A prorrogação da DRU até dezembro
de 2015, foi aprovada em 7 de dezembro de 2011.
CRIAÇÃO DE CRÉDITOS EXTRAORDINÁRIOS POR MEDIDA PROVISÓRIA: Ainda é
majoritário o entendimento de que as leis orçamentárias ainda possuem natureza jurídica de
lei formal, de lei temporária, porque a) não tem densidade normativa; e b) exteriorizam plano
de governo (orçamento programa - planejamento que é determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado e, portanto, não caberia Ação Direta de Inconstitucionalidade
em face destas. Entretanto, ante a evolução doutrinária e os excessos de nossos
representantes, podemos exemplificar com a ADI 4048 MC (Informativo 502 - STF), em que o
STF entendeu que não restavam preenchidos os requisitos da urgência e relevância que
autorizariam a criação de créditos extraordinários, por Medida Provisória.

CONTROLE SOCIAL: A participação popular pode ocorrer através de mecanismos


próprios institucionais ou não.
Indiretamente e institucionalmente, o controle social do orçamento se dá por meio da
comissão mista, composta de deputados e senadores (art. 166, § 1º CF: II - examinar e emitir
parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta
Constituição e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da
atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com
o art. 58.), a quem cabe exercer o acompanhamento e fiscalização orçamentária.
De forma direta podemos mencionar todos os mecanismos de participação política,
como a presença em audiências públicas, o voto, o direito de petição e de ajuizar ação popular.
Para um exemplo mais específico, podemos citar a participação e controle social institucional
nos Conselhos e Conferências de Saúde, nos termos dos §1º e 2º do art. 1º, Lei n. 8.142/90, ou
mesmo não institucional nas Plenárias Nacionais de Saúde . A LRF foi alterada em 2009 com o
intuito de incentivar a transparência e fomentar a participação popular na gestão fiscal. Há
obrigação estatal de divulgação (inclusive na internet) de diversos documentos fiscais (art. 48
LRF); a faculdade de participação popular em audiências públicas (art. 48, I); o amplo direito de
petição de informações (art. 48-A).
LRF: Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada
ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e
leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o
Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões
simplificadas desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante (Redação dada pela Lei
Complementar nº 131, de 2009):

213
I - incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos
de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; (Incluído
pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
II - liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de
informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios
eletrônicos de acesso público; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
III - adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão
mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.
(Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os
entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a
informações referentes a: (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
I - quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da
execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos
dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço
prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao
procedimento licitatório realizado; (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de 2009).
II - quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras,
inclusive referente a recursos extraordinários. (Incluído pela Lei Complementar nº 131, de
2009).

CONTROLE POLÍTICO: O controle político é exercido pelo Poder Legislativo em dois


momentos: na aprovação do orçamento anual e, posteriormente, na análise e aprovação ou
não das contas apresentadas pelo Poder Executivo. Representa verdadeira imposição de
limites sobre a autoridade que tem a incumbência de arrecadar e de gastar os recursos
arrecadados da sociedade.
Nesse aspecto, o controle político tem sua origem no sistema orçamentário da Grã-
Bretanha, instituído, inicialmente, com a preocupação de controlar o poder de arrecadação do
rei. Nesse sentido, o art. 12 da Magna Carta: “Nenhum tributo ou auxílio será instituído no
Reino, senão pelo seu conselho comum, exceto com o fim de resgatar a pessoa do Rei, fazer
seu primogênito cavaleiro e casar sua filha mais velha uma vez, e os auxílios para esse fim
serão razoáveis em seu montante”.
Hodiernamente, e tendo por fundamento o sistema de freios e contrapesos (check and
balance system) o orçamento constitui instrumento utilizado pelo Poder Legislativo (com o
auxílio dos tribunais de contas) para controle político de quanto e em que o Executivo gastará
os recursos públicos.

CONTROLE JURISDICIONAL: A intervenção do Judiciário em questões orçamentárias é


alvo de enorme cizânia doutrinária e jurisprudencial.
Por muitos anos, o Orçamento foi visto como lei de meios, ou como ato administrativo
ligado à atividade discricionária do poder público, sem qualquer força vinculativa quanto à
fixação de despesas e a efetivação dos interesses sociais.
Com a mudança de paradigma do Estado Liberal para o Estado Social, e, principalmente,
a partir das perspectivas do direito constitucional contemporâneo, que estabelece a
necessidade de constitucionalização do direito e máxima efetivação dos direitos fundamentais,
o cenário da lei orçamentária sofre drástica metamorfose: de mera peça de ficção jurídica, o
orçamento passa a ser instrumento fundamental ao exercício democrático da cidadania e à
garantia da dignidade da pessoa humana. Assim, a natureza da lei orçamentária deve ser
considerada tanto no aspecto formal, quanto no material.
Por certo, cabem ao Legislativo e ao Executivo, prioritariamente, a deliberação sobre o
destino dos recursos orçamentários. Todavia, há limites constitucionais formais e materiais à
liberdade de conformação destes poderes, que vinculam determinadas fixações de despesas. A
margem de discricionariedade da Administração, no momento da escolha orçamentária,

214
precisa estar adstrita aos valores e objetivos constitucionais, sob pena de flagrante
inconstitucionalidade.
Quer se dizer com isso que, em caso de inobservância dos preceitos da Constituição,
bem como de omissão total ou parcial do legislador, o Poder Judiciário estará legitimado a
intervir para preservar a supremacia constitucional.
A intervenção do Judiciário manifesta-se como uma salvaguarda institucional, a fim de
garantir a existência de um modo de vida capaz de respaldar os direitos fundamentais dos
cidadãos.
Nesse sentido, os seguintes acórdãos:
EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA
PROVISÓRIA N° 405, DE 18.12.2007. ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. LIMITES
CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL DO PODER EXECUTIVO NA
EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. I. MEDIDA
PROVISÓRIA E SUA CONVERSÃO EM LEI. Conversão da medida provisória na Lei n°
11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de
obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os
vícios existentes na medida provisória. Precedentes. II. CONTROLE ABSTRATO DE
CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O
Supremo Tribunal
Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e
dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada
em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu
objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de
constitucionalidade. III. LIMITES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE LEGISLATIVA EXCEPCIONAL
DO PODER EXECUTIVO NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO
EXTRAORDINÁRIO. Interpretação do art. 167, § 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da
Constituição. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a Constituição exige que a
abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e
urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art.
62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da
República, os requisitos de imprevisibilidade e urgência (art. 167, § 3º) recebem densificação
normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões "guerra", "comoção
interna" e "calamidade pública" constituem vetores para a interpretação/aplicação do art. 167,
§ 3º c/c o art. 62, § 1º, inciso I, alínea "d", da Constituição. "Guerra", "comoção interna" e
"calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de
extrema gravidade e de consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que
dessa forma requerem, com a devida urgência, a adoção de medidas singulares e
extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos
da MP n° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas
correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP
n° 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que
permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários. IV.
MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA (ADI 4048 MC, Relator: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno,
julgado em 14/05/2008);
ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS
– POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE
EQUIPAMENTOS A HOSPITAL UNIVERSITÁRIO – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO
ESTADO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO-
OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO
EXISTENCIAL. (…) 3. A partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função estatal
foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em pró das
liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social.
Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar

215
políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como
também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e
velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais. 4. Seria uma distorção pensar que o
princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos
direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos
sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio,
em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do
judiciário quando a administração pública atua dentro dos limites concedidos pela lei. Em
casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe
fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado
se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada.
(Segunda Turma do STJ, Recurso Especial n. 1041197 – MS)

20. ORDEM ECONÔMICA


20.1 Ordem constitucional econômica. Princı ́pios constitucionais da ordem econômica. (21.c)
20.2 Intervenção estatal direta e indireta na economia. (21.c)
20.3 Regime Constitucional dos serviços públicos. (21.c)
20.4 Monopólios federais e seu regime constitucional. (21.c)
21.4 Regime constitucional da propriedade. Função socioambiental da propriedade.
Desapropriação e requisição. (13.b)
20.5 Polı ́tica agrária na Constituição. Desapropriação para reforma agrária. (8.b)

21C. Ordem constitucional econômica. Princípios constitucionais da ordem econômica.


Intervenção estatal direta e indireta na economia. Regime constitucional dos serviços públicos.
Monopólios federais e seu regime constitucional.

Atualizado por Sarah Cavalcanti

I. Ordem constitucional econômica

Artigos 170 a 192 da CF. O Título VII da CF (Da Ordem Econômica e Financeira) é
exemplo de elemento sócio-ideológico, revelando “caráter de compromisso das constituições
modernas entre o Estado individualista e o Estado Social, intervencionista”.

CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA: normas constitucionais sobre o conteúdo e os limites dos


direitos econômicos, decorrentes da necessidade de compatibilizar liberalismo econômico com
a justiça social exigida pelo Estado Social de Direito, para assegurar condições de vida digna
aos trabalhadores, reprimir o abuso do poder econômico tendente à dominação dos mercados
e ao aumento arbitrário dos lucros, fazendo da livre iniciativa um postulado condicionado e
subordinado à realização da justiça social. Conceito de constituição econômica engloba
liberdade econômica, intervenção do Estado nesse domínio, e também o regime de minas,
jazidas e demais riquezas naturais, normas relativas ao trabalho, nacionalização, planejamento
e empresa. Eros Grau: conjunto de preceitos que institui determinada ordem econômica
(mundo do ser) ou conjunto de princípios e regras essenciais ordenadoras da economia; divide
em (a) constituição econômica formal: normas podem estar agrupadas no texto constitucional
ou dispersas no seu corpo e (b) constituição econômica material: normas infraconstitucionais.

ORDEM ECONÔMICA: Dirley da Cunha Jr: ordem econômica é “conjunto de elementos


compatíveis entre si, ordenadores da vida econômica de um Estado, direcionados a um fim.”
Tem por finalidade “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os princípios indicados no art. 170”, os quais “consubstanciam uma ordem
capitalista” (José Afonso).

216
ATIVIDADE ECONÔMICA EM GERAL: atividade econômica latu sensu (matérias que podem ser
imediata ou potencialmente objeto de exploração lucrativa) é gênero dividido em (a) serviço
público – prestado preferencialmente pelo setor público, incidindo a figura do privilégio – e (b)
atividade econômica stricto sensu – prestado preferencialmente pelo setor privado (Eros Grau,
ADPF 46).

FUNDAMENTOS. Valorização do trabalho humano: proteção do trabalho diante dos titulares


do capital em busca de uma composição conciliadora (“mais trabalho” e “melhor trabalho”) e
a íntima relação com o princípio da dignidade humana. Livre iniciativa: liberdade de comércio,
de produção individual e coletiva, de qualquer negócio e exercício de qualquer profissão,
liberdade privada (de explorar qualquer atividade econômica) e pública (não restrição a
normas estatais senão em virtude de lei); inclui liberdade de empresa e de trabalho; engloba
não apenas a liberdade de iniciativa econômica, mas política, ética e cultural, e envolve a
liberdade de concorrência; reiterada no parágrafo único do art 170, CF.

OBJETIVOS: art. 170, CF, i.e., “assegurar a todos existência digna” (mínimo necessário à
satisfação das necessidades humanas) “conforme os ditames da justiça social” (ideal da
igualdade de bens materiais, visando à diminuição de diferenças que impedem importantes
propósitos positivados na CF, como a dignidade humana; tem cunho ético e cultural). Esses
dois objetivos consagram expressamente o princípio da inclusão social e econômica, tratados
por Canotilho como princípio da democracia econômico-social (art. 3, I, II e III, CF).

II. Princípios constitucionais da ordem econômica

Soberania nacional: evitar influência descontrolada de outros países na economia nacional;


ideia de autonomia decisória.
Propriedade privada; função social da propriedade: relativização do caráter absoluto da
propriedade no que tange ao direito de usar, gozar e dispor de um bem sem qualquer
preocupação social; arts 5º, XXIII, 182, § 2º, e 186, CF;
Livre concorrência: possibilidade de os agentes econômicos atuarem sem embaraços
juridicamente injustificáveis, em determinado mercado, visando à produção, circulação e
consumo de bens; garante o livre jogo das forças/competição em disputa por clientela e
mercado. Tudo balizado pelos ditames da justiça social e dignidade). Súmula 646, STF: “Ofende
o princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos
comerciais do mesmo ramo em determinada área”;
Defesa do consumidor: conferir tratamento diferenciado ao consumidor, reconhecendo sua
vulnerabilidade;
Defesa do meio ambiente: desenvolvimento sustentável; art. 225: meio ambiente
ecologicamente sustentável é direito de todos; art. 170, VI modificado pela EC 42, prevendo
possibilidade de tratamento diferenciado conforme impacto ambiental de produtos e
serviços);
Redução das desigualdades regionais e sociais: objetivo fundamental da república (art. 3º, III;
art. 151, I); fundo de erradicação da pobreza, com prazo prorrogado por tempo indeterminado
pela EC 67;
Busca do pleno emprego: significa o desenvolvimento e aproveitamento das potencialidades
do Estado; pode ser considerado ainda como elemento essencial da economia capitalista, uma
vez que é a partir da remuneração que se dá o consumo e a circulação de riquezas na
economia de um país;
Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras, com sede e administração no país: o art. 179 reforça a ideia, falando em
simplificação de obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias. Obs.: não
é princípio da ordem econômica a não intervenção do Estado na economia (Questão nº 61,
prova objetiva do 29ºCPR).

217
DIREITO DE INICIATIVA: direito que todos possuem de se lançarem no mercado de trabalho
por sua conta e risco, sem encontrar restrições injustificadas do Estado. Ligada à concepção
liberal do homem, evidenciando sua individualidade. Conduz necessariamente à livre escolha
do trabalho que, por sua vez, constitui uma das expressões fundamentais da liberdade
humana. Consubstancia alicerce e fundamento da ordem econômica, e é também direito
fundamental.

CASUÍSTICA: 1) Constitucionalidade formal e material do conjunto de normas (ambientais e de


comércio exterior) que proíbem a importação de pneumáticos usados (STA 171, ADPF 101). 2)
Passe livre às pessoas portadoras de deficiência não viola os princípios da ordem econômica,
da isonomia, da livre iniciativa e do direito de propriedade, nem o da ausência de indicação de
fonte de custeio (ADI 2649). 3) Constitucionalidade da lei que confere meia entrada aos
estudantes (ADI 1950). 4) Constitucionalidade da gratuidade do transporte público a idosos
(ADI 3768).

III. Intervenção estatal direta e indireta na economia

Direta. Ocorre nas estritas hipóteses do art. 173 (relevante interesse coletivo ou
quando necessária aos imperativos nacional) e do art. 177 (regime de monopólio). A CF/88
adotou o princípio da subsidiariedade para nortear as atividades do Estado no domínio
econômico, de modo que a atuação estatal é excepcional (STF, AgRg no RE 369.252/PR).

Indireta. O Estado atua como agente normativo e regulador, na forma do art. 174.
Aqui, não há o desempenho de atividade econômica por parte do ente estatal. Ex.: poder
regulatório exerecido pela CVM ou poder de fomento exercido pelo BNDES.

CLASSIFICAÇÃO DE EROS GRAU:


1) Exploração de atividade econômica pelo Estado: quando o ente público atua paralelamente
aos agentes privados com intuito de lucro na esfera de titularidade da iniciativa privada.
2) Intervenção sobre o domínio econômico: atividade estatal que regula, normatiza a
atividade econômica em sentido estrito. Regulação e fiscalização se aplicam à atividade
econômica em sentido amplo, envolvendo tanto a atividade econômica em sentido estrito,
como a prestação de serviços públicos.
Regulação: exercício de competência administrativa normativa a qual sujeita atividades a
regras de interesse público, como corolário da função de controle.
Fiscalização: atividade que tem por escopo assegurar a efetividade e eficácia do que foi
normativamente definido.
Planejamento: forma de ação racional, caracterizada pela previsão de comportamentos
econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios
de ação, apenas qualificando a forma de intervenção estatal na atividade econômica em
sentido amplo, sendo obrigatório para a atuação do ente público e indicativo para o ente
privado.

IV. Regime constitucional dos serviços públicos

O art. 175 estabelece que os serviços públicos serão prestados diretamente pelo
Estado ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação.

Concessão: está prevista na Lei nº 8.987/95 e consiste no contrato administrativo pelo qual a
Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou consórcio de empresas a execução de
certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos
usuários.

218
Permissão: há divergência quanto à respectiva natureza jurídica. Para Celso Bandeira de Mello
e Di Pietro, não obstante a evidente desnaturação do instituto (como verificado no art. 40 da
Lei nº 8.987/95), a permissão de serviço público é ato unilateral e precário, 'intuitu personae',
através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua
alçada, proporcionando (como no caso da concessão) a possibilidade de cobrança de tarifas
dos usuários. Para Carvalho Filho, a permissão de serviço público é contrato administrativo
através do qual o Poder Público (permitente) transfere a um particular (permissionário) a
execução de certo serviço público nas condições estabelecidas em normas de direito público,
inclusive quanto à fixação do valor das tarifas. De qualquer forma, aplicam-se na escolha do
concessionário ou permissionário as regras gerais previstas na Lei nº 8.666/93, com as
modificações decorrentes da Lei nº 8.987/95 e da Lei nº 9.074/95.
V. Monopólios federais e seu regime constitucional

Monopólio é forma de intervenção do ente público em atividade que, em princípio,


deveria ser de titularidade da iniciativa privada – atividade econômica em sentido estrito –,
passando a ficar sujeita à exploração exclusiva pelo Estado. O monopólio privado é vedado
pela Constituição, porque permite a dominação do mercado e a eliminação da concorrência. Já
o monopólio estatal é permitido pela Constituição para algumas atividades expressamente
elencadas no art. 177. Diversamente do monopólio privado, que busca o aumento arbitrário
dos lucros, o monopólio estatal visa à proteção do interesse público.

ATIVIDADES MONOPOLIZADAS: estão relacionadas no art. 177 da CF em rol taxativo, segundo


Celso Antonio Bandeira de Mello. Contudo, há doutrina que entende também se tratarem de
hipótese de monopólio estatal as atividades descritas nos incisos VII, X, XI, XII e XXIII do art. 21,
muito embora, para outros, se tratem de autênticos serviços públicos.

REGIME JURÍDICO DO MONOPÓLIO: o monopólio tem a natureza de intervenção direta do


Estado, com caráter exclusivo, em determinado setor da ordem econômica. Houve, contudo,
flexibilização do seu regime constitucional. Antes da Emenda nº 9/95 era vedado à União ceder
qualquer tipo de participação na exploração de jazidas de petróleo. Agora, o § 1º do art. 177
permite, nos termos de lei, que a União contrate empresas estatais ou privadas para a
realização das atividades ligadas ao petróleo, isto é, a atividade continua monopolizada,
embora seja possível a sua concessão. Ainda sobre o monopólio na exploração do petróleo, é
permitido a participação (royalties), por parte de Estados, DF, Municípios e até de órgãos da
administração direta da União (art. 20, § 1º) no produto de sua exploração. Para quem entede
que as hipóteses do art. 21 constituem espécies de monopólio, houve flexibilização também
do regime das telecomunicações, na medida em que a EC 8/95 passou a permitir a delegação
dos serviços de telecomunicações à iniciativa privada, sob regime de concessão ou permissão.

JULGADOS IMPORTANTES: 1) Compatibilidade do regime de privilégio da ECT com a ordem


constitucional vigente. Além disso, o voto vencedor do Min. Eros Grau considerou que o
serviço postal constitui serviço público, e não proprieamente uma atividade econômica em
sentido estrito (ADPF 46); 2) A ELETRONORTE atua em regime de concorrência (RE 599628); 3)
Os bens da ECT são impenhoráveis (RE 220906); 4) É inconstitucional norma estadual que
dispõe sobre atividades relacionadas ao setor nuclear no âmbito regional, por violação da
competência da União para legislar sobre atividades nucleares (ADI 1575); 5) A INFRAERO é
empresa pública, que executa como atividade fim, em regime de monopólio, serviços de
infraestrutura aeroportuária constitucionalmente outorgados à União Federal, qualificando-se
como entidade delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, XII, c, da CF (STF,
AgRg no RE 363.412/BA).

219
13B. Regime constitucional da propriedade. Função socioambiental da propriedade.
Desapropriação e requisição.

Graal Oral 28º CPR

Regime constitucional da propriedade. A propriedade é um direito fundamental


previsto no art. 5º, caput, XXII e XXIII, da CF. Como se denota destes dispositivos, o direito de
propriedade está intimamente relacionado à sua função social, de modo a se racionalizar o
aproveitamento econômico dos bens, maximizando-se o atendimento às necessidades
humanas. Como se não bastasse, a propriedade privada e a função social da propriedade são
princípios da ordem econômica (art. 170, II e III, da CF).
A Constituição Federal busca concretizar o exercício do direito de propriedade de acordo
com sua função social, dentre outros instrumentos, por meio dos tributos. Ex.: art. 153, par.
4º, inc. I, que estabelece que o ITR “será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a
desestimular a manutenção de propriedades improdutivas”. Outrossim, o texto constitucional
prevê a função social da propriedade de bens imateriais (ex.: art. 5º, XXIX).
A propriedade é direito fundamental de âmbito marcadamente normativo, com
necessidade de conformação legal. A função social da propriedade assume relevo no
estabelecimento, na conformação ou limitação desse direito. Apresenta-se como garantia
institucional e como direito subjetivo.
Âmbito de proteção: a base da subsistência e do poder de autodeterminação do homem
moderno não é mais a propriedade em sentido tradicional, mas o próprio trabalho e o sistema
previdenciário e assistencial instituído e gerido pelo Estado (Hesse). Proteção que vai além da
propriedade privada em sentido estrito, abrangendo também relações patrimoniais de uma
maneira geral.
Definição e limitação: disposições legais têm caráter constitutivo (conformação). O
poder de conformação não é absoluto por parte do legislador, que deve observar o núcleo
essencial desse direito (limites dos limites – proporcionalidade). Núcleo essencial: utilidade
privada e poder de disposição.

Função socioambiental da propriedade. Pode ser extraída da CF e do Código Civil (art.


1.228, § 1º). Propõe que o exercício da propriedade não pode gerar prejuízos a terceiros e,
muito menos, ao meio ambiente, permitindo-se a estipulação de limitações administrativas.
Segundo o art. 186, II, da CR/88, por exemplo, a função social da propriedade rural é cumprida
quando ela atende à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e à preservação do
meio ambiente.
STF: A própria Constituição da República, ao impor ao poder público o dever de fazer
respeitar a integridade do patrimônio ambiental, não inibe a promoção da desapropriação de
imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos instrumentos de
realização da função social da propriedade consiste na submissão do domínio à necessidade de
o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o
equilíbrio do meio ambiente (CF, art. 186, II). Em descumprindo esses encargos, o titular
poderá expor-se à desapropriação-sanção a que se refere o art. 184 da Lei Fundamental. (MS
22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-95, DJ de 17-11-95)

Desapropriação. Desapropriação administrativa é o procedimento administrativo não


executório (precisa do auxílio do Judiciário) por meio do qual o Poder Público, fundado em
necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém
de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante
indenização prévia, justa e pagável em dinheiro. Nos casos de certos imóveis urbanos ou
rurais, por estarem os referidos imóveis em desacordo com a função social legalmente
caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em
parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real (Celso Antônio Bandeira de Mello, p.

220
872 e 873).
Espécies: a) Comum (art. 5º, XXIV, CF e Lei 4.132/1962): por necessidade ou utilidade
pública ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro. Para a
maioria da doutrina, a necessidade relaciona-se com a urgência, e a utilidade, com o juízo de
conveniência. CABM não faz tal distinção. b) Urbanística ou por descumprimento da função
social urbana (art. 182, § 4º, III, CF e Lei 10.257/2001): adotada a titulo de penalização ao
proprietário do solo urbano que não atender à exigência de promoção do adequado
aproveitamento de sua propriedade, nos termos do plano diretor (o expropriante é
exclusivamente o Município) e da prévia legislação municipal regulando o assunto (a
desapropriação é a última das medidas possíveis a serem tomadas previamente pelo
município). Pode ser realizada a qualquer tempo, desde que decorridos 5 anos de infrutífera
aplicação da tributação progressiva (art. 8º do Estatuto da Cidade). A indenização é paga com
títulos da dívida pública aprovados previamente pelo Senado Federal e com prazo de resgate
de até 10 anos. c) Rural (art. 184, CF): incide sobre imóveis rurais para fins de reforma agrária.
Trata-se de modalidade específica da desapropriação por interesse social que objetiva a perda
da propriedade quando esta não estiver cumprindo sua função social (art. 186, CF). São
desapropriáveis: os latifúndios improdutivos e as propriedades improdutivas, mesmo que não
configurem latifúndios, quando seu proprietário possuir mais de uma. A expropriante é
exclusivamente a União e a indenização é paga em títulos da dívida agrária resgatáveis no
prazo de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão. As benfeitorias úteis e
necessárias serão pagas em dinheiro. Efetuada a desapropriação, a União terá três anos, a
partir do registro do titulo translativo de domínio, para destinar a área aos beneficiários da
reforma agrária (art. 16, Lei 8.629/93). Estados-membros e Municípios podem promover
desapropriação de imóvel rural, desde que por interesse social. Não podem promovê-la para
reforma agrária, a qual é privativa da União (RDA 152/122 e RT 595/266). d) Confiscatória ou
expropriatória (art. 243, CF): a perda da propriedade tem como pressuposto o fato de que
nela estão localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (JSCF, p. 752 a 754). A área será
destinada ao assentamento de colonos para o cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos. CABM entende que a indenização é um dos requisitos de qualquer
expropriação, razão pela qual entende que o art. 243 trata de confisco, e não de
desapropriação. STF (RE 543.974/MG): toda a propriedade será suprimida, e não apenas o
local da plantação.

8B. Política Agrária na Constituição. Desapropriação para Reforma Agrária.

Priscila Ianzer Jardim Lucas


Bibliografia: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/temas-de-atuacao/reforma-agraria/questao-fundiaria/atuacao-do-mpf/representacao-ao-
pgr-adi-lei-13465-2017
Legislação: CF, arts. 184-191; Lei nº 4.504/64

Política agrária e agrícola na Constituição: A política agrária engloba a política agrícola. Nesta,
há maior predominância de interesses econômicos. Aquela possui uma perspectiva mais social,
tratando de questões trabalhistas e previdenciárias no campo. Segundo o art. 1º, §2º, da Lei nº
4.504/64 (Estatuto da Terra) “entende-se por política agrícola o conjunto de providências de
amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as
atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de
harmonizá-las com o processo de industrialização do país”. A CF/88 alargou o conceito de
política agrícola, aduzindo que, no planejamento agrícola, incluem-se as atividades
agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais (art. 187, §1º). A CF optou pela
expressão agrícola, evidenciando o eixo econômico da relação do homem no campo. A
doutrina critica esta denominação, tendo em vista que o direito que regula estas relações
possui fortes contornos sociais. A reforma agrária é o principal instrumento da política agrícola,
pois atua sob um eixo econômico, bem como sob um eixo social. A reforma agrária é “o
conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição de terra, mediante

221
modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e
ao aumento de produtividade” (art. 1º, §1º, do Estatuto da Terra).

Instrumentos da Política Agrária: Além da reforma agrária, que configura o principal


instrumento da política agrícola, compõe instrumentos da política agrária: os instrumentos
creditícios e fiscais; os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de
comercialização; o incentivo à pesquisa e à tecnologia; a assistência técnica e extensão rural; o
seguro agrícola; o cooperativismo; a eletrificação rural e irrigação; a habitação para o
trabalhador rural. Cumpre salientar que esses instrumentos constitucionais previstos no art.
187 não são taxativos, apenas garantem a implementação mínima do projeto constitucional de
política agrícola.

Princípios da Política Agrária: Princípio da função social da propriedade: a função social é o


centro gravitacional do estudo da propriedade no direito moderno. A CF trata da função social
em seu art. 186 e para estar caracterizada deve preencher todos os requisitos constantes
naquele dispositivo: I) aproveitamento racional e adequado da terra: para ser atingido, devem
ser atendidos níveis fixados pelo órgão responsável quanto à eficiência na exploração e o grau
de utilização da terra. (obs: não são consideradas áreas aproveitáveis no cálculo do grau de
utilização da terra as áreas de efetiva preservação permanente e demais áreas protegidas por
legislação ambiental); II) adequada utilização dos recursos naturais e da preservação do meio
ambiente: tem por finalidade o respeito à vocação natural da terra, através da manutenção do
seu potencial produtivo; III) observância às normas relativas às relações de trabalho: possuem
abrangência elástica, pois permitem a inclusão de relações de emprego e de contratos agrários
(parceria e arrendamento): IV) bem estar dos proprietários (ou possuidores) e dos
trabalhadores: está ligado à dignidade da pessoa humana. É cumprido pelo atendimento das
necessidades básicas dos que trabalham na terra, pela observância das normas de segurança
do trabalho e por não provocar conflitos e tensões sociais no imóvel. Assim, a função social na
CF tem uma perspectiva econômica, social e ecológica. Eros Grau destaca que o princípio da
função social da propriedade “passa a integrar o conceito jurídico-positivo da propriedade”. No
mesmo sentido, Kildare Gonçalves Carvalho, para quem “a propriedade, sem deixar de ser
privada, se socializou, com isso significando que deve oferecer à coletividade uma maior
utilidade, dentro da concepção de que o social orienta o individual.” A ressignificação do
instituto altera, por sua vez, a relação proprietário/propriedade. É ainda de Eros Grau a
seguinte lição: “O que mais releva enfatizar, entretanto, é o fato de que o princípio da função
social da propriedade impõe ao proprietário o dever de exercê-lo em benefício de outrem e
não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem. Isso significa que a função social da
propriedade atua como fonte da imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer,
portanto, e não meramente, de não fazer - ao detentor do poder que deflui da propriedade.”
Seguindo também essa compreensão, e mais forte na perspectiva ambiental, Álvaro Luiz Valery
Mirra destaca que “a função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de
direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao
proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio
ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se
imponham aos proprietários comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a
sua propriedade concretamente se adeque à preservação do meio ambiente”. Princípio da
justiça social: é a justiça distributiva. A política agrária visa à alteração da estrutura fundiária
vigente. Princípio da prevalência do interesse coletivo sobre o individual: A política agrária é
composta por normas cogentes de forte interferência no domínio privado. Princípio da
reformulação da estrutura fundiária: É base da política agrícola, permitindo ao Estado uma
série de programas para alteração do homem no campo. Há órgãos específicos para cuidar
desta reformulação. Ex: INCRA e Ministério da Reforma Agrária. Princípio do progresso
econômico e social: visa ao aumento da produtividade da propriedade rural, garantindo uma

222
melhoria das condições de vida do proprietário/possuidor e um aumento na produção primária
do país.

Regularização fundiária rural: A Constituição de 1988 é explícita quanto à necessidade da


alteração da estrutura fundiária do país, marcada por acentuada concentração da terra. De
acordo com o texto constitucional, a reforma agrária deve ser feita mediante a desapropriação
de imóveis rurais que descumpram a função social da propriedade (art. 184) ou pela
destinação de terras públicas ou devolutas (art. 188). O investimento constitucional na reforma
agrária tem um claro propósito: a estreita ligação entre reforma
agrária/moradia/dignidade/justiça social e igualdade. De resto, a Constituição brasileira
também relaciona diretamente política agrícola e direito à moradia em seu art. 187, VIII. Um
dos principais obstáculos à realização desse direito é o fato de se considerar a moradia, a terra
e a propriedade como produtos comercializáveis, e não direitos humanos. A exemplo do que
ocorre com os demais direitos fundamentais, há, na reforma agrária, uma dimensão subjetiva e
outra objetiva. No primeiro caso, ela concretiza o direito à moradia e, em consequência,
densifica o princípio da dignidade da pessoa humana. No segundo, ela realiza os objetivos que
a Constituição coloca para o Estado brasileiro, de construir uma sociedade livre, justa e
solidária, de erradicar a pobreza e a marginalização e de reduzir as desigualdades sociais. Por
essa razão, o art. 188 da CF estabelece que “a destinação de terras públicas e devolutas será
compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária”. Tal
dispositivo busca assegurar que: (i) a destinação de terras públicas e devolutas não se faça em
prejuízo da população do campo que aguarda a implementação do direito à moradia; (ii) haja
democratização do acesso à terra, desconcentrando a estrutura fundiária brasileira; e (iii) a
produção agrícola se diversifique, como garantia de alimentação adequada a todos os
brasileiros e brasileiras.

Desapropriação para reforma agrária: Nos moldes do definido no art. 184 da CF, compete à
União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não
esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida
agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. As benfeitorias
úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. O decreto que declarar o imóvel como de
interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de
desapropriação. A desapropriação, judicial ou extrajudicialmente, é executada pelo INCRA,
autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Determina o art. 184,
§5º, da CF que são isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de
transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. Segundo o STF, a isenção
deve ser entendida como imunidade e tem por fim não onerar o procedimento expropriatório
ou dificultar a realização da reforma agrária. Ademais, os títulos da dívida agrária constituem
moeda de pagamento da justa indenização devida e, dado seu caráter indenizatório, não
podem ser tributados. Todavia, terceiro adquirente de títulos da dívida agrária não goza da
referida imunidade, uma vez que o benefício alcança tão somente o expropriado (RE 168.110).
Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de
domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de 10 anos. O título de domínio e a
concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente
do estado civil, nos termos e condições previstos em lei (art. 189 da CF). São insuscetíveis de
desapropriação para fins de reforma agrária: a propriedade produtiva e a pequena (de 1 a 4
módulos fiscais) e média (de 4 a 15 módulos fiscais) propriedade rural (ainda que improdutiva),
assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra. A Lei nº 8.629/93 dispõe
sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, o conceito
de pequena e média propriedade rural e de propriedade produtiva. Não se confunde latifúndio
e minifúndio com pequena e média propriedade, pois estas são fixadas em módulos fiscais e
aquelas em módulos rurais. Para ser latifúndio, basta ter no mínimo 1 MR e ser improdutiva. É

223
preciso que o proprietário da pequena ou média propriedade não possua outro imóvel RURAL.
Se o sujeito tiver 40 imóveis urbanos e 1 média propriedade, ela não poderá ser
desapropriada, pois a lei veda este benefício àquele que possuir outro imóvel rural e não
urbano. (Na usucapião especial rural, não pode o indivíduo ter qualquer outro imóvel). A Lei
Complementar nº 76/93 estabelece procedimento contraditório especial, de rito sumário, para
o processo de desapropriação de imóvel rural por interesse social, em conformidade com o
mandamento constitucional do art. 184, §3º. As ações concernentes à desapropriação de
imóvel rural, para fins de reforma agrária, têm caráter preferencial e prejudicial em relação a
outras ações referentes ao imóvel expropriando (art. 18 da LC). Qualquer ação que tenha por
objeto o bem expropriado será distribuída, por dependência, à Vara Federal onde tiver curso a
ação de desapropriação, determinando-se a pronta intervenção da União (§1º). Ainda, o MPF
intervirá, obrigatoriamente, após a manifestação das partes, antes de cada decisão
manifestada no processo, em qualquer instância (§2º).

Casuística: STF. Desapropriação para fins de reforma agrária. Cálculo da extensão da


propriedade rural. Áreas insuscetíveis de aproveitamento econômico. Impossibilidade de sua
desconsideração. (...) A propriedade rural no que concerne à sua dimensão territorial, com o
objetivo de viabilizar a desapropriação para fins de reforma agrária, reclama devam ser
computadas as áreas insuscetíveis de aproveitamento econômico. O dimensionamento do
imóvel para os fins da lei nº 8.629/93 deve considerar a sua área global. Precedente do STF
(MS nº 24.924, Rel. Min. Eros Grau). STJ. Em desapropriação de imóvel por interesse social
para fins de reforma agrária, o Incra discute, no REsp, se a área não aproveitável integra o
cálculo (módulo fiscal) em que se define a classificação da propriedade rural como pequena,
média ou grande. Isso porque essa classificação irá determinar a possibilidade ou não
da desapropriação do imóvel rural do recorrido, em razão de o art.  185 da CF/1988 rechaçar
a expropriação da pequena e média propriedade rural na hipótese de o proprietário não
possuir outro imóvel. A priori, esclareceu o Min. Relator que, apesar de o Estatuto da Terra (Lei
n. 4.504/1964) ter conceituado módulo rural como unidade de medida familiar,
posteriormente a Lei n. 6.746/1979 alterou disposições desse estatuto, criando um novo
conceito: o módulo fiscal que estabeleceu um critério técnico destinado a aferir a área do
imóvel rural para cálculo de imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR). Expõe que o
problema surgiu com a Lei n. 8.629/1993, a qual, ao regulamentar o art. 185 da CF/1988,
optou pelo uso do módulo fiscal, mais afeiçoado ao direito tributário que ao agrário, para
estabelecer a classificação de pequeno, médio e grande pela extensão da área do imóvel rural,
mas deixou de explicar a forma de sua aferição. Explica o Min. Relator ser correta a decisão do
acórdão recorrido que, diante do silêncio da Lei n. 8.629/1993, quanto à forma de aferição do
módulo fiscal, solucionou a questão, buscando o cálculo no § 3º do art. 50 do Estatuto da
Terra, com a redação dada pela Lei n. 6.746/1979, que leva em conta a área aproveitável em
vez do tamanho do imóvel. Assim, concluiu que a classificação da propriedade rural como
pequena, média ou grande deve ser aferida pelo número de módulos fiscais obtidos, dividindo-
se a área aproveitável do imóvel rural pelo módulo fiscal do município. Ademais, consignou ser
imprópria a idéia de tripartir o cálculo do tamanho da propriedade, diferenciando-o de acordo
com o fim almejado, seja para efeito de indivisibilidade seja para efeito
de desapropriação para reforma agrária ou, ainda, para cálculo do ITR. Diante do exposto, a
Turma negou provimento ao recurso do Incra. REsp 1.161.624-GO, Rel. Min. Humberto
Martins, julgado em 15/6/2010.

21.ORDEM SOCIAL
21.1 Previdência social e assistência social na Constituição. (14.b)
21.2 Direito à saúde. Sistema único de Saúde na Constituição. Controle Social. O direito de
acesso às prestações sanitárias. (19.c)
21.3 Direito fundamental à educação. A educação na Constituição Federal. (16.a)

224
21.4 Comunicação social. A imprensa na Constituição. Liberdades públicas, acesso à
informação e pluralismo. (9.a)
21.5 Proteção constitucional à famı ́lia, à criança, ao adolescente e ao idoso. (17.a)
21.6 Direitos das pessoas portadoras de deficiência. A convenção da ONU sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. (18.b)

14B. Previdência social e assistência social.

Nilton Santos 20/09/18

1. Previdência social e assistência social


A Seguridade Social abrange além da previdência social (seguro social) atividades nas
áreas de saúde e assistência social (os sub-sistemas, elencados como direitos sociais no art. 6º
da CF/88). Assim, a Seguridade Social é gênero do qual são espécies a Previdência, a Saúde e a
Assistência Social.
No que diz respeito ao tema em tela, sumariamente, tem-se as seguintes
conformações:  a Previdência Social vai abranger a cobertura de contingências decorrentes
de doença, invalidez, velhice, desemprego, morte e proteção à maternidade, mediante
contribuição, concedendo aposentadorias, pensões etc. É o seguro social;  a Assistência
Social irá tratar de atender os hipossuficientes, destinando pequenos benefícios a pessoas que
nunca contribuíram para o sistema.

 Previdência Social
Previdente é aquele que consegue antever acontecimentos futuros e prováveis e em
relação aos quais se faz precavido. Desta feita, a previdência social pode ser entendida como a
previsão, antecipação ou antevisão, de determinadas contingências sociais previstas no art.
201 da Constituição Federal, para as quais providencia uma reserva atual (Custeio – Lei nº
8.212/91) para pagamento futuro (Benefício – Lei nº 8.213/91).
A previdência social, em um conceito simples, é uma espécie de seguro social, assim
denominado em razão de atender à sociedade contra os riscos sociais, que são os infortúnios
que qualquer pessoa está sujeita ao longo de sua vida, como doenças, acidentes, invalidez,
velhice etc., que a impeça de obter seu sustento.
No Brasil, a previdência social será organizada sob a forma de regime geral (Regime
Geral de Previdência Social (RGPS)), de caráter contributivo e de filiação obrigatória. Assim,
todo aquele que desempenha atividade remunerada é compulsoriamente vinculado ao RGPS
inclusive mediante contribuições.
Ademais, deverão ser observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atendendidas, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez,
morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção
ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão
para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado,
homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes
A CF/88 estabeleceu as seguintes diretrizes para a previdência social: a) proibição de
adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria no Regime
Geral da Previdência Social - RGPS (exceção para atividades exercidas sob condições especiais,
art. 201, §1º); b) renda mensal nunca inferior ao salário mínimo; c) correção de todos os
salários de contribuição utilizados para o cálculo da renda mensal do benefício; d) preservação
do valor real dos benefícios (STF, AgRg no RE 322348/SC – impõe somente irredutibilidade
nominal); e) vedação de filiação ao RGPS, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa
filiada a regime próprio de previdência; f) gratificação natalina para aposentados e
pensionistas; g) aposentadoria por tempo de contribuição e idade (EC20/98 excluiu a
aposentadoria proporcional); h) contagem recíproca do tempo de serviço/tempo de
contribuição para fins de aposentadoria; i) cobertura do risco de acidente do trabalho; j)

225
incorporação dos ganhos habituais do empregado; k) sistema de inclusão previdenciária para
trabalhadores de baixa renda (EC 47/05).
Insta anotar no tocante à Previdência Social, ainda, a presença marcante do princípio
da responsabilidade, cujo núcleo essencial impõe a todos agir de modo que as consequências
das nossas decisões presentes sejam compatíveis com uma futura existência humanamente
digna. Como corolário, ressai o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial que aponta para
uma necessária correlação entre os benefícios e serviços da previdência social, como sistema
de seguro, e as respectivas fontes de custeio, em ordem a lhe garantir continuidade e certeza
de longo alcance.
No âmbito da previdência social e dos direitos sociais de caráter prestacional (v.g.,
saúde, educação), o princípio da reserva do financeiramente possível impõe ao Poder Público
“escolhas trágicas” e prioritárias na alocação dos recursos públicos com vistas à satisfação do
mínimo existencial. Sarmento leciona que a reserva do possível desdobra-se em dois
componentes: fático (efetiva disponibilidade de recursos) e jurídico (previsão orçamentária
para o custeio). Segundo o autor, em razão do princípio da igualdade, a reserva do possível
fática deve ser concebida com razoabilidade da universalização da prestação exigida,
considerando os recursos efetivamente existentes, não podendo o juiz condenar o Estado a
prestar um direito social que não possa ser estendido às outras pessoas que estejam em
situação equivalente.
O artigo 195, §5º da CF/88 estabelece que “nenhum benefício ou serviço da
seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de
custeio total”. A Lei Complementar nº. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) no seu art. 24
repete o artigo supracitado da Constituição e previu no seu art. 17 as medidas de
compensação, ou seja, as condições sobre as despesas obrigatórias de caráter continuado. O
§1º do art. 24 da LRF dispõe os casos em que não serão exigidas as medida de compensação
do art. 17: a) concessão de benefício para pessoas que satisfaçam as condições previstas na
legislação correspondente; b) expansão quantitativa do atendimento dos serviços prestados; c)
reajustamento do valor do benefício ou serviço, a fim de preservar seu valor real.
Por fim, impende registrar que na previdência básica – RGPS, tanto os valores das
contribuições dos segurados como os das prestações (benefícios) têm limite máximo a ser
observado. A justificativa para tais limites decorre da natureza eminentemente alimentar do
benefício previdenciário básico. Qualquer complementação fica a cargo do próprio
beneficiário, podendo recorrer à previdência complementar, não assumindo o Estado
responsabilidade pela manutenção do padrão remuneratório do qual gozava o mesmo
enquanto em atividade laboral.
A referida previdência complementar, prevista no art. 202 da CRFB, apresenta as
seguintes características:  caráter complementar;  autonomia em relação ao RGPS; 
facultatividade de adesão;  operado por Entidades de Previdência Complementar;  baseado
na constituição de reservas que garantam os planos oferecidos.

 Assistência Social
A assistência social é prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social (art. 203 da CF/88), não consistindo, assim, em seguro social.
Visa a proteger a família, maternidade, adolescência e velhice; amparar as crianças e
adolescentes carentes; promover a integração ao mercado de trabalho; a habilitação e a
reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e promover sua integração à vida
comunitária; garantir um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso
que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família.
Ademais, a assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais,
visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de
condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais.

226
Conforme prevê a CF, as ações governamentais na área da assistência social serão
realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, além de outras fontes, e
organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa,
cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos
respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e
de assistência social; II - participação da população, por meio de organizações representativas,
na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis, o que representa mais
uma oportunidade tópica de participação popular na administração pública prevista no bojo
constitucional.
Dentre as diversas ações da assistência social, uma se destaca com maior importância:
o benefício de prestação continuada – BPC, que é pago ao idoso ou pessoa com deficiência
que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção, desde que a renda
familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo.
Por fim, é facultado aos estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à
inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida,
vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos
sociais; II - serviço da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente
aos investimentos ou ações apoiados.

19C. Direito à Saúde. Sistema Único de Saúde na Constituição. Controle Social. O Direito de
Acesso às Prestações Sanitárias

Priscila Ianzer Jardim Lucas

Direito à saúde. A constitucionalização do direito sanitário na atual Carta Magna possui duas
características principais: o reconhecimento do direito à saúde como direito fundamental e a
definição dos princípios que regem a política pública da saúde. A caracterização da saúde
como direito fundamental ocorre pela primeira vez na história constitucional brasileira,
acarretando uma série de consequências: a) abre-se o caminho para que todos os cidadãos
brasileiros possam dela usufruir tendo em vista que a saúde passa a constituir um direito
público subjetivo que é garantido pela existência do SUS; b) direito à saúde como cláusula
pétrea da Constituição: o direito à saúde, além de fundamental, é condicionante da dignidade
da pessoa humana; c) direito à saúde como valor: os direitos fundamentais reconhecidos pela
Constituição possuem não apenas uma dimensão subjetiva, atribuindo direitos aos cidadãos,
mas também uma dimensão objetiva, na qual se estabelecem os valores ou bens jurídicos
principais que devem ser objeto de proteção pelo Estado e pela sociedade. O direito à saúde
possui faceta individual e difusa, pois há o direito difuso de todos de viver em um ambiente
sadio, sem risco de epidemias ou outros malefícios à saúde. Por isso, determina a Constituição
de 1988 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros gravames e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Sistema Único de Saúde – SUS. Logo após a entrada em vigor da CF, foi aprovada a Lei
Orgânica do SUS (Lei nº 8.080/90), que estabelece a estrutura e o modelo operacional do SUS,
propondo a sua forma de organização e de funcionamento. O SUS é concebido como o
conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais,
estaduais e municipais, da Administração direta e indireta. A iniciativa privada poderá
participar do SUS em caráter complementar. É um Sistema Único, porque segue a mesma
doutrina e os mesmos princípios organizativos em todo o território nacional, sob a
responsabilidade das três esferas autônomas de governo. O SUS não é um serviço ou uma
instituição, mas um Sistema, que significa um conjunto de unidades, de serviços e ações que
interagem para um fim comum. O art. 7º da mesma Lei preconiza os princípios e as diretrizes
do SUS. São princípios doutrinários do SUS: A UNIVERSALIDADE consiste na garantia de acesso

227
de toda e qualquer pessoa a todo e qualquer serviço de saúde, seja ele público ou contratado
pelo Poder Público. A EQÜIDADE é a garantia de acesso de qualquer pessoa, em igualdade de
condições, aos diferentes níveis de complexidade do Sistema, de acordo com a necessidade
que o caso requeira. A INTEGRALIDADE refere-se tanto ao homem quanto ao Sistema de
Saúde, reconhecendo que cada qual se constitui numa totalidade. Segundo os princípios da
REGIONALIZAÇÃO e da HIERARQUIZAÇÃO, as ações e os serviços de saúde devem ser
organizados em níveis de complexidade tecnológica crescente dispostos numa área geográfica
delimitada e com definição da população a ser atendida. A RESOLUTIVIDADE é a exigência de
que, quando um indivíduo busca o atendimento ou quando surge um problema de impacto
coletivo sobre a saúde, o serviço correspondente esteja capacitado para enfrentá-lo e resolvê-
lo até o nível de sua competência. A DESCENTRALIZAÇÃO é entendida como a redistribuição do
poder decisório, dos recursos e das competências quanto às ações e aos serviços de saúde
entre os vários níveis de governo. A PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS é a garantia constitucional
de que a população, através de suas entidades representativas, participará do processo de
formulação das políticas de saúde e do controle de sua execução, em todos os níveis, desde o
federal até o local. Essa participação deve se dar nos Conselhos de Saúde e nas Conferências
de Saúde. Segundo o princípio da COMPLEMENTARIDADE DO SETOR PRIVADO, a Constituição
definiu que, quando, por insuficiência do setor público, for necessária a contratação de
serviços privados, esta deve dar-se sob três condições: a) o contrato deverá ser celebrado
conforme as normas de direito público; b) a instituição privada deverá estar de acordo com os
princípios básicos e com as normas técnicas do SUS; c) a integração dos serviços privados
deverá se dar na mesma lógica do SUS, em termos de posição definida na rede regionalizada e
hierarquizada dos serviços. Entre os serviços privados, devem ter preferência os serviços não
lucrativos, conforme determina a Constituição.

Controle social. É garantido à sociedade interagir com o poder público, participar do


estabelecimento das políticas de saúde, discutir suas prioridades e fiscalizar a execução dessas
políticas e a utilização dos recursos. O controle social é a fiscalização que nasce de fora para
dentro do Estado, exercida por particulares ou por instituições da sociedade civil. “Controle
social” é, segundo CARLOS AYRES DE BRITO, direito subjetivo da cidadania e não expressão do
poder político (como é o caso da participação popular, que é uma forma de exercício do poder
político, vale dizer, uma forma de influir diretamente na formação da vontade do Estado). O
controle social é um minus em relação à participação, estando àquele mais ligado à ideia de
fiscalização e esta de deliberação. A Lei 8.142/90 (o controle social do SUS). Tendo em vista os
vetos recebidos pela Lei 8.080/90, foi necessário outro diploma legislativo para regular o
princípio constitucional da participação da comunidade na gestão do SUS. Assim, a Lei
8.142/90 buscou concretizar nesse âmbito a democracia participativa, que consiste em uma
série de mecanismos que permitem aos cidadãos participar diretamente, ou por meio de
associações representativas, no processo de tomada de decisões políticas. Esse princípio foi
especialmente desenvolvido no âmbito da Ordem Social, o que inclui as políticas de saúde.
Desenvolvendo a Constituição, a lei criou dois mecanismos de participação da comunidade na
gestão do sistema: a) Conferência de Saúde: representada por vários segmentos sociais, para
avaliar a situação da saúde e propor diretrizes para a formulação da política de saúde; b)
Conselho de Saúde: de caráter permanente e deliberativo, é o órgão colegiado composto por
representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atuando
na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância
correspondente. A principal inovação desses mecanismos consiste em seu caráter deliberativo
e não apenas consultivo, o que significa que as decisões sobre as políticas de saúde terão que
ser compartilhadas pelos representantes do poder público e da sociedade. Ao Ministério
Público também cabe um papel relevante na promoção desses mecanismos de participação,
por meio, por exemplo, do incentivo à organização dos Conselhos, do acompanhamento de
suas atividades e da utilização de procedimentos judiciais e extrajudiciais para o cumprimento
de suas decisões pelos gestores do sistema.

228
O direito de acesso às prestações sanitárias. É dever do Estado garantir a saúde (Art. 196 e
ss. da CF/88). A saúde é um bem de interesse social vinculado aos interesses primários da
sociedade. A sua prestação tem como sujeito ativo todos os cidadãos brasileiros e como sujeito
passivo o Poder Público. Além disto, é de interesse público secundário a sua administração. A
escassez de recursos financeiros e a reserva do possível. A doutrina da reserva do possível
condiciona o reconhecimento (em verdade, efetivação) dos direitos subjetivos a prestações à
disponibilidade dos recursos públicos. Logo, faz-se o possível dentro dos limites orçamentários.
O posicionamento do Ministério Público restou firmado no Simpósio sobre Política Nacional de
Saúde: “O MP não admite qualquer postura do gestor que busque flexibilizar direitos previstos
na Constituição Federal. Quando todos os entes públicos, das três esferas da federação
estiverem cumprindo a EC-29 (determina a aplicação de recursos mínimos em saúde), o MP
poderá estar aberto à discussão da ideia de equidade”. Para BARROSO, nos últimos anos, a
Constituição conquistou, verdadeiramente, força normativa e efetividade. A jurisprudência
acerca do direito à saúde e ao fornecimento de medicamentos é um exemplo emblemático
disso. Para o autor, o Judiciário não pode ser menos do que deve ser, deixando de tutelar
direitos fundamentais. De outra parte, não deve querer ser mais do que pode ser, presumindo
demais de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar grave
lesão a direitos da mesma natureza de tantos outros. A atividade judicial deve guardar
parcimônia e, sobretudo, procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas
formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes. Em suma: onde não
haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo
lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais
igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição
e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da
autocontenção. O autor traça parâmetros para racionalizar e uniformizar a atuação judicial no
fornecimento de medicamentos: i) no âmbito das ações individuais, a atuação jurisdicional
deve ater-se a efetivar a dispensação dos medicamentos constantes das listas elaboradas pelos
entes federativos; ii) a alteração da lista pode ser objeto de discussão no âmbito de ações
coletivas ou mesmo por meio de ações abstratas de controle de constitucionalidade, nas quais
se venha a discutir a validade de alocações orçamentárias e exigirá um exame do contexto
geral das políticas públicas discutidas, produzindo efeitos erga omnes. Nesses casos, o
Judiciário ii.a) só pode determinar a inclusão, em lista, de medicamentos de eficácia
comprovada, excluindo-se os experimentais e os alternativos; ii.b) deverá optar por
substâncias disponíveis no Brasil, dando preferências aqueles conveniados ao SUS; ii.c) deverá
optar pelo medicamento genérico, de menor custo; ii.d) deverá considerar se o medicamento
é indispensável para a manutenção da vida; iii) em relação à legitimidade passiva, o ente
federativo que deve figurar no polo passivo de ação judicial é aquele responsável pela lista da
qual consta o medicamento requerido.

Casuística: Legitimidade passiva da União em demandas que envolvem o SUS. A União - e


não só Estados, Distrito Federal e Municípios - tem legitimidade passiva em ação de
indenização por erro médico ocorrido em hospital da rede privada durante atendimento
custeado pelo SUS. REsp 1.388.822-RN, 16/6/2014. Chamamento ao processo em ação de
fornecimento de medicamento movida contra ente federativo. Não é adequado o
chamamento ao processo da União em demanda que verse sobre fornecimento de
medicamento proposta contra outro ente federativo. Com efeito, o instituto do chamamento
ao processo é típico das obrigações solidárias de pagar quantia. Entretanto, a situação aqui
controvertida representa obrigação solidária entre os Municípios, os Estados, o Distrito Federal
e a União, concernente à prestação específica de fornecimento de medicamento. Neste
contexto, por se tratar de hipótese excepcional de formação de litisconsórcio passivo
facultativo, não se admite interpretação extensiva do referido instituto jurídico para alcançar
prestação de entrega de coisa certa. Além do mais, a jurisprudência do STJ e do STF assentou o

229
entendimento de que o chamamento ao processo não é adequado às ações que tratam de
fornecimento de medicamentos, por ser obstáculo inútil ao cidadão que busca garantir seu
direito fundamental à saúde. REsp 1.203.244-SC, 9/4/2014. Estrangeiros e beneficiários de
assistência social. Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social
prevista no art. 203, V, da CF, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais. O caso
envolve os preceitos relativos à dignidade humana, à solidariedade social, à erradicação da
pobreza e à assistência aos desamparados. O substrato do conceito de dignidade humana
pode ser decomposto em três elementos: a) valor intrínseco, b) autonomia e c) valor
comunitário. O estrangeiro residente no País, inserido na comunidade, participa do esforço
mútuo, na construção de um propósito comum. Esse laço de irmandade faz-nos, de algum
modo, responsáveis pelo bem de todos, até mesmo daqueles que adotaram o Brasil como
novo lar e fundaram seus alicerces pessoais e sociais nesta terra. Ao lado dos povos indígenas,
o País foi formado por imigrantes, os quais fomentaram o desenvolvimento da nação e
contribuíram para a criação e a consolidação da cultura brasileira. Desde a criação da nação
brasileira, a presença do estrangeiro no País foi incentivada e tolerada. Não seria coerente
com a história estabelecer diferenciação tão somente pela nacionalidade, especialmente
quando a dignidade está em xeque em momento de fragilidade do ser humano — idade
avançada ou algum tipo de deficiência. A óptica veiculada na regra infralegal (Lei 8.742/1993),
ao silenciar quanto aos estrangeiros residentes no País, não se sobrepõe à revelada na CF.
Descabido o argumento de pertinência do princípio da reciprocidade, ou seja, arguir que o
benefício somente poderia ser concedido a estrangeiro originário de país com o qual o Brasil
tenha firmado acordo internacional e que preveja a cobertura da assistência social a brasileiro
que esteja em seu território. O SUS é regido pelo princípio da universalidade. Assim, ao
ingressar no território brasileiro, o estrangeiro tem direito a atendimento médico
pelo SUS, caso precise de assistência de urgência, sem necessidade de reciprocidade para
garantir tal suporte. Em suma, somente o estrangeiro com residência fixa no País pode ser
auxiliado com o benefício assistencial, pois, inserido na sociedade, contribui para a construção
de melhor situação social e econômica da coletividade. Somente o estrangeiro em situação
regular no País, residente, idoso ou portador de necessidades especiais, hipossuficiente em si
mesmo e presente a família pode se dizer beneficiário da assistência em exame. Nessa linha,
os estrangeiros em situação diversa não alcançam a assistência, haja vista o não
atendimento às leis brasileiras, fato que, por si só, demonstra a ausência de noção de
coletividade e de solidariedade a justificar a tutela do Estado. RE 587970/SP, rel. Min. Marco
Aurélio, 20.4.2017. Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento. Recurso
extraordinário em que se discute o dever de o Estado fornecer medicamento de alto
custo a portador de doença grave sem condições financeiras para comprá-lo. Marco Aurélio
(relator) propôs a seguinte tese: o reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo
Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em política nacional de medicamentos ou
em programa de medicamentos de dispensação em caráter excepcional, constante de rol dos
aprovados, depende da demonstração da imprescindibilidade (adequação e necessidade), da
impossibilidade de substituição, da incapacidade financeira do enfermo e da falta de
espontaneidade dos membros da família solidária em custeá-lo, respeitadas as disposições
sobre alimentos dos artigos 1.649 a 1.710 do Código Civil e assegurado o direito de regresso.
Roberto Barroso afirmou que, no caso de demanda judicial, o Estado estaria
obrigado a fornecer medicamento incorporado pelo SUS. Em tais circunstâncias, caberia ao
Judiciário apenas efetivar as políticas públicas já formuladas no âmbito do sistema
de saúde. Nessa hipótese, deve-se exigir apenas que o requerente comprove: a necessidade do
fármaco; e a prévia tentativa de sua obtenção pela via administrativa. Já no caso de demanda
judicial por medicamento não incorporado pelo SUS, inclusive de alto custo, o Estado não pode
ser, como regra geral, obrigado a fornecê-lo. Não há sistema de saúde que resista a um
modelo em que todos os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiro,
devam ser oferecidos pelo Estado a todas as pessoas. É preciso racionalizar a judicialização
da saúde, bem como prestigiar as decisões dos órgãos técnicos, conferindo caráter

230
excepcional à dispensação de medicamentos não incluídos na política pública. Para o
deferimento, pelo Poder Judiciário, de determinada prestação de saúde, cinco requisitos
cumulativos devem ser observados: a) a incapacidade financeira de arcar com o custo;
b) a demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão
expressa dos órgãos competentes; c) a inexistência de substituto terapêutico incorporado
pelo SUS; d) a comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada
em evidências; e e) a propositura da demanda necessariamente em face da União, já que a ela
cabe a decisão final sobre a incorporação ou não de medicamentos ao SUS. Propôs,
ainda, a observância de um parâmetro procedimental: a realização de diálogo
interinstitucional entre o Poder Judiciário e os entes ou pessoas com expertise técnica na área
da saúde. Para o ministro Edson Fachin, as tutelas condenatórias visando à dispensa de
medicamento ou tratamento ainda não incorporado à rede pública devem ser,
preferencialmente, pleiteadas em ações coletivas ou coletivizáveis, de forma a conferir-se
máxima eficácia ao comando de universalidade que rege o direito à saúde. A tutela de
prestação individual não coletivizável deve ser excepcional. Julgamento suspenso em virtude
do pedido de vista do ministro Teori Zavascki. RE 566471/RN, rel. min. Marco Aurélio,
julgamento em 28-9-2016.

16A. Direito fundamental à educação. A educação na Constituição Federal.

Sarah Cavalcanti

I. Direito fundamental à educação


Consiste direito fundamental decorrente dos direitos sociais, previsto no art. 6º e nos
arts. 205 e seguintes, da CF/88. No plano infraconstitucional, é regulado pela Lei nº 9.394/96
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e pela Lei nº 10.172/01 (Plano Nacional de Educação),
este último em atenção ao art. 214 da CF/88.
Sua fundamentalidade é frequentemente justificada a partir de uma perspectiva
instrumental: a educação constituiria uma pré-condição para a autonomia pública (Habermas)
ou pré-condição para a autonomia privada (Rawls). Pode-se dizer que o art. 205 da CF/88
adota essa perspectiva instrumental ao afirmar que a educação visa o pleno desenvolvimento
da pessoa, de modo a prepará-la para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. Além disso, para SARMENTO, ao atribuir o dever de educação não apenas ao Estado,
mas também à família, a CF/88 consagra a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

II. Deveres do Estado


a) garantir a educação básica obrigatória e gratuita dos 04 (quatro) aos 17 (dezessete)
anos de idade, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para quem não teve acesso na
idade própria. O acesso à educação básica é direito público subjetivo (art. 208, § 1º) e o seu
não oferecimento importa responsabilidade da autoridade responsável (art. 208, § 2º).
Importante: Até a EC 59/09, apenas era direito público subjetivo o acesso ao ensino
fundamental. Após a emenda, ampliou-se a obrigatoriedade e a gratuidade para toda
educação básica, de modo que é possível afirmar que o mínimo existencial em matéria de
educação estendeu-se para englobar todo o ensino básico.
Quanto ao direito à educação superior, é assegurado o acesso segundo a capacidade de
cada um, não sendo considerando direito subjetivo. Entretanto, em sintonia com o dever de
progressiva realização dos direitos sociais, econômicos e culturais, é possível sustentar,
além do direito subjetivo de igual acesso às vagas já disponibilizadas, um dever constitucional
de progressiva criação de cursos e vagas ou da criação de outros meios de acesso efetivo
ao ensino superior, com o o PROUNI. Às universidades, a CF/88 garante a autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão patrimonial, das universidades, e a
possibilidade de admitirem, em seus quadros, técnicos e cientistas estrangeiros (art. 207).
b) garantir a progressiva universalização do ensino médio gratuito;

231
c) atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino. Aqui, é ínsita a ideia de inclusão social;
d) educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade.
Na jurisprudência do STF e STJ predomina o entendimento no sentido da obrigatoriedade de
os municípios oferecerem o ensino infantil, configurando hipótese legítima de controle de
políticas públicas a ingerência do Judiciário nas demandas que pleiteiam a construção de
creches. (RE 410.715-5);
e) garantir o acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um;
f) garantir a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
g) garantir atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por
meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde.

III. Princípios constitucionais orientadores do ensino


a) Igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola: assim, para a
jurisprudência, as instituições de ensino, mesmo privadas, têm de manter sistemas de isenção
para a inscrição em vestibular para aqueles que não possuem condições de arcar com o
pagamento.
b) Liberdade do ensino: constitui a dimensão negativa do direito à educação. A
liberdade de ensinar relaciona-se com a dimensão existencial do professor expressar suas
ideias, mas também com necessidade de manutenção do pluralismo (art. 206, III).
Homeschooling (ensino doméstico): no RE nº 888.815, com repercussão geral
reconhecida, o STF decidiu que não constitui meio lícito de provimento, pela família, do dever
de prover a educação dos filhos. Na ocasião, prevaleceu o entendimento segundo o qual,
embora a CF/88 não tenha vedado essa possibilidade, seria necessária regulamentação legal
para que a modalidade fosse implantada no Brasil. A PGR, contudo, manifestou-se pela
inconstitucionalidade do ensino doméstico, tendo em vista que a Constituição Federal só
permite o ensino formal nos estabelecimentos formais, públicos ou privados. Além disso, seria
importante para o desenvolvimento da criança a socialização e a diversidade que o ambiente
escolar possibilita.
c) Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas: assegura 1) a diversidade de
ideias e concepções pedagógicas; e 2) a coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino. Assim, é possível a exploração privada e onerosa do ensino, não sendo necessário
qualquer tipo de outorga pelo poder público, nos moldes do que ocorre no campo da
saúde (art. 209). Entretanto, submete-se à autorização e avaliação de qualidade pelo
Poder Público.
Escola sem partido: o pluralismo de ideias é profundamente comprometido por
iniciativas como a da “escola sem partido”, tendo em vista impedir que a escola seja um
espaço de livre circulação de ideias. Por conseguinte, há grave prejuízo para o “pleno
desenvolvimento da pessoa” e para o “preparo para o exercício da cidadania”, que são
propósitos constitucionalmente instituídos para o ensino formal (art. 205, CF/88). Além
disso, haveria violação à liberdade de cátedra e da possibilidade de ampla aprendizagem
(art. 206, II).
d) Gratuidade do ensino público em es tabelecimentos ofi cias: a cobrança
de matrícula nas universidades públicas constitui violação a este princípio (Súmula Vinculante
nº 12, STF). Esta garantia se limita ao ensino, de modo que nada impede que a universidade
cobre mensalidade em cursos de especialização, que se qualificam como pesquisa (STF, RE
597.854/GO). Por fim, a gratuidade t a m b é m não se aplica às instituições educacionais
oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação da
Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos
(art. 242, CRFB/88).
e) Valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei,

232
planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e
títulos, aos das redes públicas: o reconhecimento econômico deve refletir a relevância da
missão desempenhada. Assim, cabe ao Estado criar um Plano de Carreira e Remuneração do
Magistério para os profissionais do ensino fundamental público, em que se assegure
remuneração condigna e melhoria da qualidade de ensino (Lei nº 9.424/96).
f) Gestão democrática do ensino: busca a concretização da democracia participativa
(art. 1º, pu, CF/88) e do pluralismo.
Ocupações nas escolas: o ato político de ocupação é compatível com o preparo do
indivíduo para o exercício da cidadania (art. 205). Além disso, a interação humana e a
convivência nos movimentos sociais integram os processos formativos que se inserem na
educação. Entretanto, a gestão democrática do ensino impõe que sejam consideradas a
oposição de alunos que desejam o reestabelecimento das aulas. O papel do MP, portanto, é
intervir para a facilitação do diálogo.
g) Garantia do padrão de qualidade;
h) Piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública:
foi criado pela Lei nº 11.738/2008.

IV. Composição dos níveis de ensino

Infantil Até 5 anos de idade, sendo oferecida por meio de


creches (até 3 anos) e pré-escolas (até 5 anos), nos
termos do art. 30 da LDB.
Fundamental Tem duração de 9 anos e seu objetivo é assegurar a
EDUCAÇÃO formação básica do cidadão (art. 32, LDB).
BÁSICA Ensino médio Duração mínima de 3 anos e pretende o
aprofundamento do conhecimento e a preparação
básica para o trabalho (art. 35, LDB).

SUPERIOR

No ensino fundamental, serão fixados conteúdos mínimos, de forma a assegurar


formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
Deve também ser garantido 1) o ensino religioso, de matrícula facultativa; e 2) a adoção
da língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem (art. 210 c/c 231). Atente-se, ainda,
para o disposto no artigo 242, §1º, CR, segundo o qual o ensino da História do Brasil levará
em conta as contribuições culturais e etnias par a formação do povo brasileiro.
Ensino confessional nas escolas públicas: a PGR ajuizou ADI pedindo a interpretação
conforme ao art. 33, §§ 1º e 2º, da LBD e ao art. 11, § 1º do acordo de Brasil-Santa Sé, para
garantir que o ensino religioso fosse oferecido de maneira não confessional, compatível com a
laicidade do Estado (art. 19, I, CF/88). O STF julgou improcedente a ADI, estabelecendo a
possibilidade de ensino religioso confessional em escolas públicas, como decorrência da
liberdade religiosa (art. 5º, VI), desde que seja facultativo (art. 210, § 1º) e desde que se
garanta oportunidade a todas doutrinas religiosas.

V. Repartição de competências constitucionais


A competência é comum para propiciar meios de acesso à educação (art. 23) e
concorrente legislar sobre educação e ensino (art. 24, IX). Vigora o princípio do federalismo
cooperativo entre os entes federados (art. 211 caput e § 4º CF). Municípios atuam
prioritariamente no ensino fundamental e infantil. Estados atuam prioritariamente no ensino
médio e fundamental. A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios,

233
financiará as instituições de ensino público Federal e exercerá, em matéria educacional,
função redistributiva e supletiva. (art. 211, §§ 1º, 2º e 3º CF).

VI. Financiamento da educação


O financiamento se faz de forma direta pelas receitas orçamentárias dos entes
federados, havendo sistemática de vinculação que excepciona o princípio da não afetação. O
descumprimento de aplicação mínima dos recursos pode ensejar intervenção, por violação aos
princípios constitucionais (interv. federal - art. 34, VII, e; interv. estadual - art. 35, III, CRFB).

UNIÃO ESTADOS MUNICÍPIOS


No mínimo, 18% da receita No mínimo, 25% de No mínimo 25% de
de impostos. impostos, compreendida impostos, compreendida
as transferências. as transferências

A educação básica tem como fonte adicional a contribuição social do salário educação,
de competência da União, cujas cotas são distribuídas proporcionalmente ao número de
alunos matriculados nas redes públicas de ensino. (art. 212, §§ 5º e 6º)

Aplicação dos recursos públicos: embora os recursos públicos sejam destinados às


escolas públicas, podem, também, ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou
filantrópicas, definidas em lei, que (a) comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus
excedentes financeiros em educação; (b) assegurem a destinação de seu patrimônio a
outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de
encerramento de suas atividades. Tais recursos poderão, ainda, ser destinados a bolsas de
estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem
insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na
localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir
prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. Também poderão receber apoio
financeiro do Poder Público as atividades universitárias de pesquisa e extensão. Art. 213,
CR.

VII. Casuística
a) cotas raciais: em ADIN que discutia a constitucionalidade das cotas
raciais, STF confirmou a constitucionalidade destas porque permitem que a igualdade
material seja alcançada através de técnica de “justiça distributiva”, onde há a intervenção
do Estado para realocação de bens e oportunidades em benefício de todos (INF 663/STF).
b) cotas nas universidades: o S T J manteve a vaga, na universidade, de uma aluna
negra que fez parte do ensino médio em escola privada devido a bolsa de estudos integral
(quando somente alunos de escola pública teriam acesso às cotas), por se tratar de
situação peculiar que atrairia a proteção do Estado na garantia do direito à educação (STJ,
REsp 1.254.118).

9A. Comunicação social. A imprensa na Constituição. Liberdades públicas, acesso à informação


e pluralismo.

Ana Carolina Castro Tinelli, 29.09.2018

I. Comunicação Social. Tendo em vista a importância do assunto, o legislador


constituinte consagrou um capítulo específico para a comunicação social (capítulo V), em que
corroborou a garantia da liberdade da manifestação do pensamento, da criação, da expressão
e da informação, proibiu a edição de leis contendo embaraço à liberdade de informação
jornalística e vedou qualquer censura política, ideológica e artística. A disciplina constitucional
dos meios de comunicação no Brasil não se volta apenas à proteção (liberdade negativa) dos

234
emissores das manifestações, priorizando, também, os direitos dos receptores ao amplo
acesso a pontos de vista diversificados. Neste passo, os meios de comunicação social não
podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
A regulação da imprensa deve preencher as falhas naturais do mercado no ramo da
comunicação social, de modo que o Estado deve fomentar a melhoria da qualidade do debate
público e a inclusão do maior número possível de grupos sociais e pontos de vida distintos no
mercado de ideias (democratização do espaço comunicativo). Sarmento enfatiza que há o risco
de que intervenções estatais resultem não em pluralização do debate público, mas em censura
disfarçada ou favorecimento aos pontos de vista dos governantes. Mas esse risco não autoriza
a adoção de um modelo de absenteísmo estatal, pois devem ser adotados meios de diminuir
abusos. Destaca-se a “fairness doctrine”, que tem origem nos EUA e sustenta que se o Estado
não intervém no mercado livre da imprensa e do fluxo de ideias, muitas vozes nunca terão o
direito de se expressar.
II. A imprensa na Constituição. A liberdade de imprensa garante o bom
funcionamento do regime democrático, pois contribui para a formação da opinião pública
independente e tomada de decisões, na medida em que veicula informações acerca da coisa
pública em todos os seus aspectos, necessárias para o exercício responsável dos direitos de
cidadania, especialmente o voto, bem como possibilita o controle social do poder.
A liberdade de expressão depende da garantia de liberdade de empresa jornalística e
de radiodifusão, porém, a própria CF limita esta liberdade ao dispor que a propriedade de
empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros
natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sede no país, sendo que pelo menos 70% do capital total e do capital
votante deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há
mais de dez anos, os quais exercerão, obrigatoriamente, a gestão das atividades e
estabelecerão o conteúdo da programação. Lei disciplinará a participação de capital
estrangeiro nas referidas empresas e as alterações de controle societário serão comunicadas
ao Congresso Nacional. Ainda, em qualquer meio de comunicação social a responsabilidade
editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de
brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos.
Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização
para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens. A não renovação da concessão ou
permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em
votação nominal. O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo,
depende de decisão judicial. O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as
emissoras de rádio e de quinze para as de televisão. O Congresso Nacional instituirá, como
seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.
Distingue-se censura de controle. A censura consiste em exame prévio de conteúdo e
configura instrumento odioso utilizado pelos regimes ditatoriais, não compatível com o regime
democrático, razão pela qual o Constituinte assegurou a liberdade de expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de licença, vedada toda
e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Por outro lado, são admitidos
certos tipos de controle dos meios de comunicação: a) controle administrativo, no sentido de
competir à União exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de
programas de rádio e televisão, bem como a outorga de concessão, permissão e autorização
para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens; o controle judicial (inafastabilidade
da jurisdição); c) controle realizado pelas próprias emissoras ou autorregulação; d) o controle
social.
A CF88 relativizou a autonomia editorial das rádios e televisões, ao estabelecer
princípios que devem observar em sua programação: “preferência a finalidades educativas,
artísticas, culturais e informativas”, “promoção da cultura nacional e regional e estímulo à
produção independente que objetive sua divulgação”, “regionalização da produção cultural,
artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”, e “respeito aos valores

235
éticos e sociais da família” (art. 221, CF). Tais princípios concretizam a função social da
comunicação e consubstancia direito difuso que pode ser objeto de ACP.
A publicação em veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade.
Mas os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagem deverão ser explorados
diretamente pela União ou mediante autorização, concessão ou permissão observado a
complementaridade dos sistemas privado, público e estatal (art. 223, caput). O sistema
público de comunicação é importante para concretizar a liberdade de manifestação do
pensamento de forma dissociada dos programas estatais e da dominação por parte de
interesses privados afetos ao mercado. Assim, o sistema público de comunicação possibilita a
divulgação livre de posições contramajoritárias, em ordem a robustecer o pluralismo e a
diversidade. Neste sentido, a PFDC, por meio da Nota Técnica 7/2016 e de Representação à
PGR para ajuizamento de ADI, considera inconstitucional a Medida Provisória (posteriormente
convertida em Lei) que promoveu alterações na estrutura da Empresa Brasil de Comunicação.
Inconstitucionalidade formal, por ausência de relevância e urgência (art. 62), pois houve
alteração dos contornos de participação social, o que demandaria prévio e amplo debate com
a sociedade civil. Neste aspecto, menciona-se a zona de certeza positiva (presença de
relevância e urgência), a zona cinzenta (dúvida), e a zona de certeza negativa (ausência
patente de relevância e urgência), que foi o caso da MP em questão. Ressaltou-se que a atual
jurisprudência do STF é no sentido de que os vícios formais da MP não são superados com a
sanção e a conversão em lei. Também foi alegada a quebra do princípio da separação dos
poderes, ante a utilização abusiva da função legislativa pelo Poder Executivo, pois a MP é via
inadequada para o caso. No aspecto material, houve violação à liberdade de manifestação de
pensamento e plena liberdade de informação jornalística: “As inúmeras modificações na
estrutura da EBC, notadamente a extinção do Conselho Curador e do mandato do diretor-
presidente, bem demonstram a intenção de enfraquecer a autonomia na formulação da linha
editorial e da programação da emissora, buscando, assim, torná-la mais vulnerável em face do
mercado e, em especial, do Poder Executivo. A existência de um sistema de comunicação
pública, não governamental, no seio do Estado tem por objetivo central assegurar a efetiva
realização da liberdade de manifestação do pensamento, notadamente pela possibilidade de
serem ouvidas outras vozes, além daquelas emitidas pelo Poder e pelo mercado. Retira-se a
possibilidade material de serem veiculadas informações jornalísticas que possam contrariar os
interesses dos governantes, já que não se conta mais com a presença institucionalizada do
Conselho Curador, bem como não há a possibilidade de resistir aos comandos governamentais,
pois os dirigentes são todos demissíveis pela simples vontade dos governantes.”. Também
configurou ofensa ao princípio da complementariedade: art. 223 c/c art. 5o, inciso XIV, da CF:
“A Constituição Federal, para assegurar o pluralismo democrático (artigo 1o), além de
estabelecer diversos princípios e mecanismos institucionais, no capítulo reservado à
Comunicação Social, previu, de forma expressa, a proibição da concentração (artigo 220, § 5o)
e, também, a complementariedade entre os sistemas existentes (privado, estatal e público ).”
Por fim, houve afronta à proibição do retrocesso e lesão ao direito a igualdade com a extinção
do conselho curador e, portanto, de participação da sociedade civil no controle de produção
da informação e na garantia plena da liberdade de expressão sob o viés do direito da
informação.
III. Liberdades públicas, acesso à informação e pluralismo. As principais classificações
do direito de expressão são: (i) Direito de informar, se informar, e ser informado: o direito de
informar tem relação com o direito de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber, bem como com o direito de antena, em que há possibilidade de repartir, partilhar e
trocar informações. O direito de se informar é garantido a todos, resguardado o sigilo da fonte,
quando necessário ao exercício profissional. O direito de ser informado se refere ao dever do
Estado de dar publicidade aos seus atos e ao dever-poder de informação que recai sobre os
veículos de comunicação em atenção à sua função social; (ii) Direito de crônica, crítica, de
expressão de ideias, de expressão artística. A crônica consiste na narrativa de fatos, enquanto
na liberdade de crítica predomina a contextualização das informações e valoração dos dados,

236
sendo assegurada ainda que desfavorável e em tom contundente. A liberdade de expressão de
ideias consiste em conteúdos mais abstratos e concepções gerais, como teorias, doutrinas,
opiniões. O direito de expressão artística é voltado ao lazer e criação artística, não sendo dado
ao Estado definir o que é arte. Sobre isto, a PFDC, na Nota Técnica 11/2017, concluiu que nas
manifestações artísticas deve ser tomada como parâmetro a figura do “expectador reflexivo”
(e não de uma pessoa que desconhece as formas como a arte se manifesta ou com educação
abrangente). Toda criança ou adolescente terá acesso a diversões e espetáculos públicos e os
responsáveis pelos eventos têm a obrigação de informar ao público, prévia e adequadamente,
sobre a respectiva natureza e faixas etárias a que não se recomende, de forma a permitir a
escolha livre e consciente por parte de pais e responsáveis.
Os limites à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicações estabelecidos na Constituição são os seguintes: a) a vedação do anonimato
(para assegurar eventual responsabilização posterior; b) a ofensa à honra e à imagem de
terceiros acarretará a possibilidade de direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização; c) o direito de crianças e adolescentes a diversões e espetáculos públicos
adequados à sua faixa etária, mediante indicação da natureza do conteúdo; d) o direito das
pessoas e das famílias de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão
que contrariem os princípios constitucionais, bem como da publicidade de produtos, práticas e
serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente; e) manifestações de caráter
racista ou dirigidas à propagação do ódio, mas muitas vezes é difícil distinguir o discurso de
ódio de uma manifestação que apenas desagrada. Restrições diversas ao direito somente
podem decorrer da ponderação com outros princípios constitucionais fundamentais, mas a
liberdade de expressão ocupa uma “posição de preferência”/“prioridade prima facie”, de
modo que há maior carga argumentativa para afastá-la. Ainda, são suspeitas todas as medidas
que limitem a liberdade de expressão, bem como, dada a proibição da censura, tem-se a
primazia das responsabilidades posteriores pelo exercício eventualmente abusivo (Nota
Técnica 11/2017 PFDC). A liberdade de expressão é essencial para a concretização de outros
direitos fundamentais (metadireito) e há de ser entendida como gênero (direito-mãe), pois
abrange todas as liberdades comunicativas correlatas (de imprensa, manifestação do
pensamento, informação).
Esfera pública e discursividade: O chamado right to communicate (“r2c”) possui duas
facetas: o direito do comunicante e o do recipiente. Ingo Sarlet destaca que as liberdades
comunicativas concretizam a dignidade, na vertente da autonomia e desenvolvimento da
personalidade, bem como, numa dimensão social e política, asseguram a democracia e o
pluralismo político. A propagação e debate de ideias no espaço público confere maior
densidade ao princípio da igualdade, protegendo minorias e concretizando o direito à
diferença. Não há liberdade sem acesso LIVRE à informação: um mundo de homens livres é um
mundo de homens informados que fazem suas opções com consciência. Habermas defende a
democracia deliberativa, privilegiando o debate de ideias em espaço público.
Daí a consagração do direito de resposta, o qual consubstancia, de um lado, tutela
específica dos direitos individuais, oriunda da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas
relações entre particulares (que exige contraditório e ampla defesa), e de outro, tutela do
direito difuso de acesso à verdade (de ser informado). É instrumento de MÍDIA COLABORATIVA
(Gustavo Binenbojm), pois o público é convidado a colaborar com versões e pontos de vista.
Não está limitado à prática de algum ilícito penal/civil pela empresa de comunicação, pois
abrange quaisquer fatos de interesse público. Sarmento faz interpretação sistemática da CF e
adota concepção mais ampla do instituto, que permite o exercício coletivo do direito de
resposta, como um instrumento de pluralização dos meios de comunicação social.
Ainda, Sarmento diz que o Estado deve atuar para promover tanto o pluralismo
externo e interno no âmbito da comunicação social. Pluralismo externo: trata-se não só de
combater a formação de monopólios e oligopólios no âmbito da comunicação de massas (art.
220, §5º, CF), como também de desenvolver uma mídia pública, e ainda fomentar o
surgimento de veículos alternativos, destinados a setores que não têm acesso aos canais

237
tradicionais da comunicação social, abrindo espaço para novas vozes (ex. rádios comunitárias).
Pluralismo interno: Estado deve assegurar que os meios de comunicação de massa se
dediquem ao tratamento de temas de interesse público e que proporcionem cobertura
adequada dos diversos pontos de vista existentes, tal como exigido pela fairness doctrine. A
intervenção do Estado, no que tange à promoção do pluralismo interno, deve ser a posteriori
e submetida a controle social e jurisdicional. Os agentes estatais de fiscalização do
pluralismo da mídia devem gozar de plena independência e o modelo mais apropriado, para
Sarmento, seria de agência reguladora, com representantes de variados setores da
sociedade e atuação limitada por regras claras, que impeçam qualquer tipo de censura e
favorecimento de pontos de vista preferidos pelo governo ou interesses privados (prevenção
de abusos).
O pluralismo político é fundamento constitucional, não se restringe à acepção político-
partidária e alcança todas as concepções e ideias, de sorte que a regulação dos meios de
comunicação de massa, à vista do poder de influência, deve pautar-se pela amplitude do
discurso público. Gustavo Binenbojm entende que o Estado tem o dever de reconhecimento e
promoção de fenômenos como as “rádios comunitárias”, que dão voz a grupos alijados do
debate. É contraditório que o Estado, além de não prover acesso adequado das comunidades
carentes à grande mídia, vede o uso do instrumental por elas mesmas desenvolvido. Destaca a
necessidade de acabar com sua ilegalidade (inconstitucionalidade por omissão).
Jurisprudência do STF: (1) ADPF 130-7/DF: não recepção “in totum” da Lei de
Imprensa, por incompatibilidade material insuperável, sob pena de sufocar todo o pensamento
crítico do país; (2) RE 511961: dispensa de diploma para o exercício profissional do jornalismo,
aplicado o princípio da proporcionalidade; (3) RE 414426: a profissão de músico não está
condicionada ao prévio registro ou licença de entidade de classe, em razão do direito de
expressão artística; (4) ADI 4274 e ADPF 187: liberdade de reunir e expressar-se pela abolição
penal sem que configure alusão criminosa (marcha da maconha); (5) caso Ellwanger: liberdade
de expressão não abrange o discurso de ódio (hate speech, fighting words). Trata-se de hard
case envolvendo publicações antissemitas, cujo conteúdo violou os princípios da dignidade e
igualdade, além de configurar racismo; (6) caso Gerald Thomas (HC 83996): diretor de teatro
foi vaiado e reagiu com ato obsceno. Ordem concedida em HC, pois o ato foi abarcado pela
liberdade de expressão; (7) Caso Jonas Abib (RHC 134682): liberdade religiosa abrange
proselitismo e crítica a outras religiões; (8) RHC 146303: a incitação ao ódio público contra
quaisquer denominações religiosas e seus seguidores não está protegida pela liberdade de
expressão; (9) ADI 485 (biografias): não necessitam de autorização prévia em especial porque a
eficácia horizontal dos direitos fundamentais (caso Luth) veda aos particulares a censura; (10)
ADI 4451 (humor): o rádio e a televisão, por constituírem serviços públicos dependentes de
outorga do Estado, têm o dever de imparcialidade, mas isso não os impede de difundir opinião
contrária. Permitida a trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo que degrade,
ridicularize candidato, partido ou coligação. (11) ADI 2404: classificação indicativa é
meramente informativa, de modo que é inconstitucional a expressão “em horário diverso do
autorizado”, contida no art. 254 do ECA, que tipifica como infração administrativa a
transmissão, via rádio ou televisão, de programação em horário diverso do autorizado. É
legítima a exigência de que as emissoras submetam os programas à análise e classificação pelo
Ministério da Justiça, mas o Poder Público pode apenas recomendar os horários adequados, e
não proibir a exibição. Permanece o dever das emissoras de exibir o aviso de classificação
etária, e não estão livres de responsabilização em caso de abusos; (12) Cabe reclamação contra
decisão judicial que determina retirada de matéria jornalística de blog ou site, por afronta ao
decidido na ADPF 130 (não recepção da lei de imprensa); (13) não cabe reclamação contra
sentença que julgou improcedente pedido de direito de resposta sob o fundamento de que
não houve ofensa, pois necessário o reexame de matéria fática; (14) ADI 2566: é
inconstitucional o dispositivo da Lei nº 9.612/98 que proíbe, nas emissoras de radiodifusão
comunitária, a prática de proselitismo. A liberdade de pensamento inclui o discurso persuasivo
e não apenas a divulgação de informações.

238
Em evento na ESMPU, Deborah Duprat consignou que mesmo as informações tidas
como “falsas” estão abrangidas pela liberdade de expressão. Entende que a expressão “fake
news” é equivocada, pois pensamentos, opiniões e fatos se colocam sempre na perspectiva de
indivíduos ou grupos situados historica e culturalmente, com inúmeras variáveis. Não há certo
e errado. Não deve prosperar a noção de que fatos devem ser verdadeiros e opiniões não
precisariam refletir a verdade, pois tudo está no âmbito da liberdade de expressão. Precisamos
concordar que somos seres discordantes. É contra todos os projetos de lei que existem para
estabelecer limites, punições e regras ao que é dito na internet, ante o efeito
inibidor/silenciador. A internet é espaço para ampliação de ideias e discussões. Teme as
soluções que colocam nas mãos das plataformas privadas a possibilidade de retirar conteúdos
tidos como falsos e odiosos, pois os particulares estão sujeitos a pressões políticas/econômicas
e têm preferências e concepções a respeito do que é ou não falso/odioso. A censura estaria
sendo colocada nas mãos de ente privado. É contra a supressão de qualquer conteúdo da
internet, salvo decisão judicial. É necessário pensar em soluções propositivas e não
repressivas, trabalhar na base da contrainformação, com estímulo a espaços independentes
que façam levantamento de informações. Destacou a lei de acesso à informação, cujo
cumprimento deve ser vigiado pelo MP. Entende que a censura atinge principalmente os
grupos historicamente silenciados, por isso é necessário que a internet seja cada vez mais livre
e de acesso igual.

17A. Proteção constitucional à família, à criança, ao adolescente e ao idoso.

Atualizado e complementado por Valmor Cella Piazza

TUTELA CONSTITUCIONAL DA FAMÍLIA: A família foi reconhecida como base da


sociedade a receber proteção do Estado (art. 226 e ss CRFB). GUSTAVO TEPEDINO: na CR/88,
"a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos
valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente
funcionalizada à dignidade de seus membros. em particular no que concerne ao
desenvolvimento da personalidade dos filhos". A Constituição estabelece deveres entre seus
membros, tais quais o dos pais de criar , educar e assistir os filhos menores, e o dos filhos de
ajudá-los e ampará-los na velhice , carência ou enfermidade (art. 229 CF). Trata-se da
expressão eloquente da adocão do princípio da solidariedade e solidariedade em nosso
ordenamento, havendo regulamentação infraconstitucional do dispositivo, como na
criminalização de condutas que atentem contra a família (Título VII do CP) e na
regulamentação da obrigação alimentar entre familiares (art. 1.696 e 1.697 CC).
A CR/88 abandona a concepção tradicional de família, antes formada apenas pelo
casamento, e passa a conferir protecão a arranjos monoparentais (art. 226 , § 4º). Também
reconheceu a protecão à união estável (art. 226 , § 3º). Tudo assentado à luz dos seguintes
princípios: 1) Princípio do pluralismo familiar ou da liberdade de constituição de uma
comunhão de vida familiar: valorização das relações de afeto sobre a solenidade do
casamento, em especial com o reconhecimento da União Estável e de novas formas de família.
Consiste em verdadeira vedação a tentativas de o Estado restringir os arranjos familiares a
determinados conceitos ou solenidades. A sociedade evolui, as relações interpessoais se
alteram e o direito deve dar guarida aos novos arranjos familiares. 2) Princípio da igualdade
jurídica dos cônjuges e companheiros: os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal
são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher; 3) Princípio da igualdade jurídica de
todos os filhos: decorre dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana - iguala a
condição dos filhos havidos ou não no casamento, ou por adoção, não mais admitindo-se
qualquer diferenciação; e 4) Princípio da parentalidade responsável e planejamento familiar:
o planejamento familiar é livre decisão do casal, fundado nos princípios da dignidade da
pessoa humana e da parentalidae responsável. Evolui para o conceito de família democrática,
pela qual o planejamento familiar passa também pela opinião dos filhos.

239
EXPULSÃO DO ESTRANGEIRO CASADO OU EM UNIÃO ESTÁVEL: (a) O óbice à
expulsão, previsto no art. 55, II, ‘b’, L13.445/2017 ("Não se procederá à expulsão quando: lI - o
expulsando: b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma,
reconhecido judicial ou legalmente"), pressupõe verdadeira comunhão de vida, e não simples
relacionamento eventual; (b) "O fato de o expulsando ter sido visitado pela amásia na prisão,
durante certo período, enquanto esteve cumprindo pena, não configura a hipótese [...] a
obstar a expulsão." (HC 80.322 , Min. Sydney Sanches)
UNIÃO HOMOAFETIVA: ADI 4277 e ADPF 132. A despeito de a redação do art. 226,
§6º, tratar de união estável entre homem e mulher, bem como de se conhecer a pretensão do
constituinte de não estender aos pares homoafetivos a proteção conferida à união estável, o
STF reconheceu que pessoas do mesmo sexo podem constituir união estável e, por
conseguinte, fazerem jus aos mesmos direitos conferidos às famílias heterossexuais. Os
principais argumentos foram: a) igualdade entre homo e heterossexuais e liberdade de
manifestar a sexualidade (art. 5º CRFB); b) a família é núcleo de afetividade, que não se
diferencia entre pessoas de diferentes sexualidades; c) o art. 226, §3º, traz norma de inclusão,
que não pode restringir a proteção das famílias homoafetivas. Com base nessa decisão o STJ,
ao decidir o REsp 1183378/RS avançou no tema e entendeu possível o casamento civil entre
pessoas do mesmo sexo, vez que inexiste no ordenamento pátrio qualquer vedação à
habilitação para o casamento de pessoas do mesmo sexo, bem como o mandamento
constitucional de facilitação da União Estável em casamento.
"Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial
significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída,
ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988,
ao utilizar-se da expressão 'família', não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a
formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada
que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade
civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de
concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por 'intimidade e vida
privada' (art. 5º, X). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente
ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma
autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é
conteúdo. Imperiosidade da interpretação não reducionista do conceito de família como
instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da CF de 1988
no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-
cultural. Competência do STF para manter o Texto Magno na posse do seu fundamental
atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual
das pessoas." (ADI 4.277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, 5-5-2011)
DIVÓRCIO: a partir da EC 66/10, o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio,
de forma direta, prescindindo de lapso temporal como requisito.
TRANSFERÊNCIA DE PRESÍDIO: o simples fato de o paciente estar condenado a delitos
tipificados como de gravidade elevada não obstaria, por si só, a possibilidade de ser
transferido para um presídio não distante de sua família, considerada a base da sociedade e
dotada de especial proteção por parte do Estado (CF, art. 226). HC 101540, Rei. Min. Ayres
Britto (lnf . 605).
TUTELA CONSTITUCIONAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE : Sobressai da ordem
social preconizada na CR/88, Capítulo VII, Título VIII, a explícita priorização na proteção da
criança e do adolescente, com a previsão de uma ordem de proteção máxima e especial que
lhes fora atribuída, conforme se constata do caput do art. 226 , "A Família, base da sociedade ,
tem especial proteção do Estado" combinado com o art. 227, §3º: "É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação , à educação , ao laser, à profissionalização , à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação , exploração, violência, crueldade e

240
opressão". Tal função garantista da CF deve ser compreendida com a convocação do
metaprincípio da dignidade da pessoa humana, em face da condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento em que se encontram as crianças e adolescentes. Criança é aquela com idade
de até 12 anos incompleta; adolescentes são aqueles com idade de 12 anos completos aos 18.
Excepcionalmente, o ECA aplica-se àqueles que já completaram 18 anos, como na aplicação de
medidas socioeducativas e de proteção, antes do advento dos 21 anos (art. 122, § 5º e STJ HC
27.363) . Dentre os princípios:
Doutrina da protecão integral: Impõe ao Estado, à família e à sociedade, com absoluta
prioridade, assegurar ao jovem, à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade, à convivência comunitária, à proteção contra a negligência, à discriminação, à
exploração, à violência, à crueldade e à opressão;
Princípio do melhor interesse da criança: Impõe o dever de busca da solução que
proporcione maiores benefícios para a criança, adolescente ou jovem. Este princípio foi
argumento decisivo na decisão do STJ sobre a possibilidade de adoção por casal homoafetivo
(REsp 889.852), porquanto atenderia ao melhor interesse da criança. No âmbito da
cooperação jurídica internacional em matéria civil destaca-se a convenção de Haia de 1980
sobre o aspecto civil do seqüestro internacional de crianças, que toma como objetivo
concretizador do melhor interesse da criança o retorno imediato da criança ilicitamente
transferida para qualquer estado contratante (art. 1º). Autoridade central brasileira para o
tema é a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência.
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO COM FILHO BRASILEIRO: "Habeas corpus. Medida
liminar. Expulsão de estrangeiro . Paternidade sobre filho menor impúbere brasileiro nascido
após a prática do delito ensejador do ato de expulsão. O status quaestionis na jurisprudência
do STF. Condições de inexpulsabilidade: dependência econômica ou vínculo socioafetivo .
Considerações em torno do afeto como valor constitucional irradiador de efeitos jurídicos. A
valorização desse novo paradigma como núcleo conformador do conceito de família. A relação
socioafetiva como causa obstativa do poder expulsório do Estado. Dever constitucional do
Estado de proteger a unidade e de preservar a integridade das entidades familiares fundadas
em relações hetero ou homoafetivas. Necessidade de proteção integral e efetiva à criança
e/ou ao adolescente nascidos no Brasil. Plausibilidade jurídica da pretensão cautelar .
Configuração do periculum in mora. Medida cautelar deferida." (HC 114.901-MC, rel. min.
Celso de Mello, decisão monocrática, 26- 11-2012)
ALIENAÇÃO PARENTAL: A Lei 12.318/2010 dispôs sobre a alienação parental.
“Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou
do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham
a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor
ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
ADOÇÃO INTERNACIONAL: regulada pelo ECA e pela Convenção Relativa à Proteção e
Cooperação Internacional em Matéria de Adoção Internacional (Dec. n. 3.087/99). Caracteriza-
se como o único modo de colocação em família substituta estrangeira. De acordo com o art.
31 do ECA, trata-se de medida excepcional, sendo preferível a adoção por brasileiro ou
estrangeiro residente no País àquela para fora do Brasil (internacional). Obs. A adoção por
brasileiros residentes no exterior é considerada internacional. No âmbito da cooperação
jurídica internacional, destaca-se a convenção de Haia de 1980, sobre o aspecto civil do
sequestro internacional de crianças, que toma como objetivo concretizador do melhor
interesse da criança, o retorno imediato da criança ilicitamente transferida para qualquer
estado contratante. (art. 1º). A autoridade central brasileira para o tema é a Secretaria Especial
de Direitos Humanos da Presidência.
INIMPUTABILIDADE: Por disposição constitucional os menores de 18 anos são
inimputáveis (art. 228), aplicando-se às crianças que praticam atos equiparados a crimes
medidas de proteção e aos adolescentes medidas de proteção e medidas sócioeducativas.

241
Muito se discute na doutrina se o art. 228 é cláusula pétrea que impediria a redução da
maioridade penal.

TUTELA CONSTITUCIONAL DO IDOSO: No Capítulo destinado à família, o art. 229 da


CRFB reconheceu o princípio da solidariedade nas relações familiares, incumbindo os pais o
dever de ampararem os filhos menores e a estes ampararem aqueles na velhice , carência ou
enfermidade. Desdobramento natural do princípio da solidariedade, a família, a sociedade e o
Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na
comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida (art.
230, CF).
Ao idoso, considerado para fins legais o maior de 60 anos, foi conferida especial
proteção pela constituição, tema regulamentado pela Política Nacional do Idoso (L8.842/94) e
Estatuto do Idoso (L10.741/03), a destacar o direito fundamental ao envelhecimento saudável.
Tais diplomas trouxeram princípios e garantias assecuratórios da dignidade humana na terceira
idade (ex.: a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os
direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade , defendendo sua dignidade
, bem estar e o direito à vida.) Dentre os direitos garantidos, alguns se restringem aos maiores
de 65 anos, destaca-se:
a) Benefício de Prestação Continuada (LOAS), quando não possuir meios para prover,
por si ou por sua família, sua manutenção (art. 34); b) Gratuidade nos transportes coletivos
urbanos (art. 39 c/c 230, §2º, CF), cuja constitucionalidade já foi afirmada pelo STF (ADI 3.768);
c) direito, nos termos da legislação local, a certas vantagens nos transportes coletivos
interestaduais (art. 40).
CELERIDADE PROCESSUAL EM CRIMES PRATICADOS CONTRA IDOSOS: art. 94 do
Estatuto do Idoso - aos crimes previstos na referida Lei, cuja pena máxima privativa de
liberdade não ultrapasse 4 anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei 9.099 /95 e,
subsidiariamente, no que couber, as disposições do CP e do CPP. Esse dispositivo foi
questionado em ADI pela PGR, pois seria mais benéfico ao infrator praticar crime contra o
idoso do que crime comum. Entendeu o STF pela aplicação somente do procedimento
sumaríssimo da L9.099/95, com afastamento das medidads despenalizadoras, bem como
impedindo qualquer interpretação benéfica ao autor do crime (ADI 3096, R. Min. Cármen
Lúcia).

18B. Direitos das pessoas portadoras de deficiência. A Convenção da ONU sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.

Ana Carolina Castro Tinelli, 2.10.2018

A origem dos direitos das pessoas com deficiência compreende quatro fases: a fase da
exclusão, marcada pela intolerância e privação de acesso ao mercado de trabalho, à educação
e ao convívio social (a pessoa com deficiência era vista como um perigo a ser afastado); a fase
da segregação, em que as pessoas com deficiência tinham acesso ao mercado de trabalho, à
educação e à serviços diversos, mas apenas em instituições próprias, em uma espécie de
apartheid; a fase de integração, de cunho assistencialista, marcada pela perspectiva médica e
biológica de que a deficiência era uma “doença a ser curada”, com a inserção social, inclusive
no ensino e mercado de trabalho regular, mas com a adoção de medidas de atendimento
somente em salas exclusivas e atividades específicas; e, por fim, a fase de inclusão, orientada
pelo paradigma dos direitos humanos, em que emerge o direito à participação igualitária em
todos os aspectos, com a adoção de medidas para eliminar obstáculos e barreiras culturais,
físicas e sociais. Desse modo, tendo em vista a virada paradigmática, não se fala mais em
pessoa portadora de deficiência, mas em pessoa com deficiência, pois o termo “portador”
remete a ideia de enfermidade.

242
No âmbito constitucional, vale citar o dispositivo que proíbe qualquer discriminação
no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência (CF, art. 7º, XXXI),
bem como a previsão de que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para
as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão (art. 37, VIII).
Ainda, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
cuidar da garantia das pessoas portadoras de deficiência. Por fim, compete à União, aos
Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção e integração social das
pessoas portadoras de deficiência.
Ainda, é possível a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de
aposentadoria às pessoas com deficiência, seja pelo regime geral (RGPS) ou próprio (RPPS) de
previdência social, nos termos definidos em leis complementares. O art. 100, § 2º, estabelece
preferência no pagamento de precatórios de natureza alimentar cujos titulares sejam pessoas
com deficiência.
Ademais, a assistência social tem como objetivos, entre outros, a habilitação e
reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida
comunitária, bem como a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou
de tê-la provida por sua família (LOAS).
No tocante à educação, o constituinte consignou o dever do Estado de garantir
atendimento educacional especializado às pessoas deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino, bem como a criação de programas de prevenção e atendimento
especializado, a integração social mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a
facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos
arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. A CF também incumbiu o legislador
infraconstitucional da elaboração de normas deconstrução e adaptação dos logradouros e dos
edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso
adequado.
No âmbito infraconstitucional, vale destacar: a Lei 7.853/89, que criou a
Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência – CORDE; o Decreto
3.298/99 que regulamentou a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência; a
Lei 8.112/90, que reservou 20% das vagas de concurso público às pessoas com deficiência,
desde que as atribuições do cargo postulado sejam compatíveis; a Lei 8.213/91 trouxe a
obrigatoriedade de empresas a partir de 100 empregados preencherem percentuais de seus
cargos com beneficiários reabilitados e pessoas com deficiência habilitadas; a Lei 8.749/93
regulamenta o benefício assistencial de prestação continuada ao deficiente e ao idoso (LOAS);
a Lei 8.899/94 dispõe sobre a concessão de passe livre às pessoas com deficiência no
transporte coletivo interestadual e é regulamentada pelo Decreto 3.691/00; a Lei 9.394/96, ao
regulamentar a educação especial, atentou para currículos, métodos, técnicas e recursos
educativos específicos, bem como professores especializados e capacitados para a integração
dos educandos com deficiências nas classes comuns; a Lei 10.098/00 trouxe critérios básicos
para a promoção da acessibilidade, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias
e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma dos edifícios e nos meios de
transporte e de comunicação; a Lei 10.216/01 regulamenta a proteção e os direitos das
pessoas com transtornos mentais, redimensionando o modelo de assistência à saúde mental
no Brasil; a Lei 12.764/2012 instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos de Pessoa
com Transtorno do Espectro Autista. O uso da expressão “espectro autista” busca eliminar o
termo pejorativo “autista” e autoriza abranger outras síndromes; a Lei 13.146/2015, conhecida
como Lei Brasileira de Inclusão (inspirada pela Convenção da ONU); e a Lei nº 13.409/2016,
que alterou a lei de cotas no ensino técnico e superior, para prever reserva de vagas às
pessoas com deficiência.
A Organização das Nações Unidas adotou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência (2007), internalizada pelo Decreto 6949/2009, reconhecendo que todas as
pessoas devem ter a oportunidade de alcançar de forma plena o seu potencial, ante a

243
superação do modelo médico pelo paradigma de direitos humanos. A Convenção e seu
Protocolo Facultativo foram os primeiros tratados internacionais de direitos humanos
aprovados nos termos do art. 5º, §3º, da CR/88 (rito das emendas constitucionais) de modo
que integram o bloco de constitucionalidade.
O texto da Convenção dispõe que pessoas com deficiência são aquelas que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdades de condições com as demais pessoas. Trouxe o conceito de “discriminação por
motivo de deficiência”, que significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada
em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o
desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural,
civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de
“adaptação razoável” (right to accommodation), a qual diz respeito às modificações e os
ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido,
quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam
gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais. A adaptação razoável deve ser produto de um processo
de diálogo entre os envolvidos e nunca ser imposta de forma unilateral. O ônus será indevido,
em síntese, quando a adaptação amesquinhar desproporcionalmente o objetivo da medida,
ensejando riscos à segurança, saúde, bem estar, etc., e/ou for muito custosa, mas a análise de
custos e benefícios não se restringe aos aspectos financeiros e não se esgota nos sujeitos ativo
e passivo especificamente implicados. Ainda, a convenção traz o conceito de “desenho
universal”, que significa a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem
usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou
projeto específico, mas não excluirá as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com
deficiência, quando necessárias.
A Convenção contempla a vertente repressiva (proibição de discriminação) e a
vertente promocional (promoção de igualdade), elencando oito princípios gerais: 1) o respeito
pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias
escolhas, e a independência das pessoas; 2) A não-discriminação; 3) A plena e efetiva
participação e inclusão na sociedade; 4) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas
com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; 5) A igualdade de
oportunidades; 6) A acessibilidade; 7) A igualdade entre o homem e a mulher; e 8) O respeito
pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças
com deficiência de preservar sua identidade. O texto convencional traz uma série de “direitos
básicos”, tais como: reconhecimento igual perante a lei; acesso à justiça; liberdade e segurança
da pessoa; prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis; prevenção contra a
exploração, a violência e o abuso; proteção da integridade da pessoa; liberdade de
movimentação e nacionalidade; vida independente e inclusão na comunidade; mobilidade
pessoal; liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação; respeito à privacidade;
respeito pelo lar e pela família; direito à educação; direito à saúde; direito à habilitação e
reabilitação; direito ao trabalho e emprego; direito a um padrão de vida e proteção social
adequados; direito à participação na vida política e pública e o direito à participação na vida
cultural e em recreação, lazer e esporte.
Importante destacar que os Estados Partes reconheceram expressamente que as
mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação
(interseccionalidade dos direitos humanos), e, portanto, tomarão medidas apropriadas para
assegurar-lhes o pleno e igual exercício de todos os direitos e liberdades fundamentais, bem
como estimular o avanço e o empoderamento. Houve, portanto, preocupação extra com as
minorias que também se encaixam no conceito de deficiência e se tornam ainda mais
potenciais alvos de discriminação.

244
Também é prevista a instituição de um órgão fiscalizador do cumprimento, pelos
Estados, dos deveres acordados. Trata-se do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (treaty body), ao qual os Estados Partes deverão apresentar relatórios periódicos. A
cada dois anos, o Comitê submeterá à Assembléia Geral e ao Conselho Econômico e Social um
relatório de suas atividades e poderá fazer sugestões e recomendações gerais baseadas no
exame dos relatórios e nas informações recebidas dos Estados Partes. O Protocolo Facultativo
à Convenção tem por escopo principal a disciplina das questões referentes ao Comitê. Há
menção à competência para receber comunicações de pessoas ou grupos de pessoas, ou em
nome deles, alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção por um Estado
Parte. O Comitê não receberá comunicação referente a qualquer Estado Parte que não seja
signatário do Protocolo. As hipóteses em que o Comitê considerará inadmissível a
comunicação são: a) comunicação for anônima; b) abuso do direito de submeter tais
comunicações ou for incompatível com as disposições da Convenção; c) A mesma matéria já
tenha sido examinada pelo Comitê ou tenha sido ou estiver sendo examinada sob outro
procedimento de investigação ou resolução internacional; d) Não esgotamento dos recursos
internos, salvo demora injustificada ou impossibilidade de solução efetiva; e) A comunicação
estiver precariamente fundamentada ou não suficientemente substanciada; ou f) fatos
ocorridos antes da entrada em vigor do Protocolo para o Estado Parte, salvo se continuaram
ocorrendo após aquela data. O Comitê poderá enviar um pedido para que o Estado Parte tome
as medidas de natureza cautelar que forem necessárias para evitar possíveis danos
irreparáveis à vítima ou às vítimas da violação alegada.
Tendo em vista que o conceito de pessoa com deficiência trazido pela Convenção tem
contornos amplos e genéricos, caracterizando-se como qualquer obstáculo que impeça a igual
vivência em sociedade, a PGR ajuizou ADPF (182), para que fosse reconhecida a não recepção
do retrógrado conceito trazido pelo art. 20, §2º, da Lei 8.742/93 (LOAS), que considerava
pessoa com deficiência aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. O
legislador, posteriormente, alterou o dispositivo e reproduziu o conceito trazido pela
Convenção da ONU. Ante a incorporação do aspecto social para fins de deficiência, no âmbito
da concessão do benefício assistencial de prestação continuada a avaliação deve ser
MODULADA, para abranger não apenas a incapacidade para o trabalho, mas também a
impossibilidade de desfrutar da vida em sociedade de forma livre e igual.
Vale mencionar outrossim, que o Tratado de Marraqueche, com vigor iniciado em
2016, também foi incorporado pelo rito das emendas constitucionais e prevê a facilitação ao
acesso e uso de obras por pessoas com deficiência visual ou com outras dificuldades para ter
acesso ao texto impresso, mediante a disponibilização de obras em formatos acessíveis. Há
que se destacar, também, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Decreto 3.956), em que o
termo “deficiência” significa restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou
transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida
diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.
A deficiência é considerada um conceito social (e não simplesmente médico) em
evolução, resultante da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras do ambiente em
que vivem. Na medida em que as sociedades removam essas barreiras culturais, tecnológicas,
físicas e de atitudes, as pessoas com impedimento devem ter asseguradas a sua cidadania. A
Lei 13.146 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) também passou a observar a questão sob o
ponto de vista social, e não mais puramente médico. A grande inovação trazida da lei é a
concessão de plena capacidade civil às pessoas com deficiência. Além disso, o Estatuto da
Pessoa com Deficiência consagrou o princípio do superior interesse da pessoa com deficiência,
modificou o instituto da curatela, além de instituir a tomada de decisão apoiada.
O STF entende pela constitucionalidade e convencionalidade das políticas públicas de
inserção dos portadores de necessidades especiais na sociedade, sendo inoponível a reserva
do possível, por exemplo, para o caso relacionado à inserção de deficientes auditivos que
necessitam de professores especializados em libras (ARE 860.979). Ainda, o STF julgou

245
improcedente a ADI 5.357, que impugnava os art. 28, §1º, e 30, da Lei brasileira de inclusão,
que estabelecem a obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção de pessoas
com deficiência no ensino regular e promoverem as medidas de adaptação necessária sem que
ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas.
Jurisprudência do STJ:
- as instituições financeiras devem dispensar atendimento prioritário aos deficientes,
mas não há direito à instalação de terminal de autoatendimento para melhor atender às
condições pessoais do autor, se aquele já existente se encontra em conformidade com os
parâmetros legalmente fixados;
- as instituições financeiras devem utilizar o sistema braille nas contratações bancárias
estabelecidas com a pessoa com deficiência visual, a fim de atender ao direito de informação
do consumidor;
- As pessoas com deficiência têm direito a um mínimo das vagas ofertadas em
concurso público; caso a aplicação do referido percentual resulte em número fracionado, este
deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subsequente, desde que respeitado o limite
máximo do percentual legal;
- As reservas de vagas em concursos públicos destinadas às pessoas com deficiência
não pode se restringir àquelas oferecidas por localidade, devendo ser computadas pela
totalidade de vagas oferecidas no certame.
- de acordo com as disposições do Decreto 3298/99, a avaliação da compatibilidade
entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato deve ser feita por equipe
multiprofissional durante o estágio probatório e não no decorrer do concurso público.
- O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às
vagas reservadas aos deficientes (súmula 377). O portador de surdez unilateral não se qualifica
como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos
públicos (súmula 552).
- é direito do devedor fiduciante a retirada dos aparelhos de adaptação de veículo
automotor (pertenças) para direção por deficiente físico, se anexados ao bem principal em
momento posterior à celebração do contrato fiduciário, quando houver o descumprimento do
pacto e a consequente busca e apreensão do bem;
- é possível o reconhecimento do direito a nova isenção legal de IPI à pessoa com
deficiência, quando comprovado o roubo do veículo anteriormente adquirido.
- o rol de moléstias que defere isenção de IR é taxativo, de modo que não abrange a
surdez por interpretação analógica aos casos de cegueira.
- É cabível ACP que objetiva obrigação de fazer a fim de garantir acessibilidade nos
prédios púbicos ou privados às pessoas com deficiência.
O primeiro precedente da Corte IDH sobre violação de direitos humanos de pessoa
com deficiência mental foi o Caso Ximenes Lopes vs. Brasil, em que se determinou a
elaboração de uma política antimanicomial. Foi a primeira condenação do Brasil na Corte. A
responsabilização derivou de atos cometidos por particulares (clínica privada de saúde que
praticou maus tratos). A Corte entendeu que a “sujeição”, ou seja, qualquer ação que interfira
na capacidade de um paciente tomar decisões ou que restrinja sua liberdade de movimento, é
uma das medidas mais agressivas a que se pode submeter um paciente em tratamento
psiquiátrico, diante do que só pode ser empregada como último recurso e unicamente para
proteger o paciente, o médico ou terceiros. No caso Furlan e familiares vs. Argentina, a Corte
IDH assentou o dever dos Estados de incluir a pessoa com deficiência na sociedade, pois
qualquer pessoa que se encontra em uma situação de vulnerabilidade é titular de uma
proteção especial.
A PFDC editou a Nota Técnica 7/2017, sobre a rede de atenção psicossocial a pessoas
com transtornos mentais. A Lei nº 10.216/2001, que instituiu a Reforma Psiquiátrica, adotou o
paradigma da desinstitucionalização, com incentivo aos tratamentos extrahospitalares. Tal
cenário, aliado à promulgação da Convenção da ONU e da Lei brasileira de inclusão, albergam
um modelo que visa a reinserção psicossocial. Todavia, a realidade demonstra que muitas

246
“comunidades terapêuticas” promovem segregação e praticam “laborterapia”, a qual resulta,
em muitos casos, em tratamento cruel, desumano, degradante e submissão à condição
análoga à escravidão. As pessoas com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras
drogas devem ser igualmente beneficiadas com a reforma psiquiátrica, afastando-se a
internação e priorizado o convício, a autonomia e abordagem multidisciplinar, sem medidas
asilares. A proposta de manutenção, financiamento e ampliação de hospitais psiquiátricos e de
custódia segue rumo contrário ao ordenamento constitucional brasileiro.

22.ÍNDIOS, QUILOMBOLAS E MINORIAS


22.1 Índios na Constituição. Competência. Ocupação tradicional. Procedimento para
reconhecimento e demarcação dos territórios indı ́genas. Usufruto. (20.b)
22.2 Direitos das comunidades remanescentes de quilombos e de comunidades tradicionais.
(19.b)

20B. Índios na Constituição. Competência. Ocupação Tradicional. Procedimento para


Reconhecimento e Demarcação dos Territórios Indígenas. Usufruto.

Anderson Rocha Paiva

ÍNDIOS NA CONSTITUIÇÃO (arts. 22, XIV, 49, XVI, 129, V, 210, §2º, 231 e 232 da CR/88;
art. 67 do ADCT): Todas as Constituições de nossa era republicana, ressalvada a omissão da
Constituição de 1891, reconheceram aos índios direitos sobre os territórios por eles habitados.
A Constituição de 88 trata dos índios especialmente nos artigos 231 e 232.
Remoção de grupos indígenas: O art. 231, §5º veda a possibilidade de remoção dos
grupos indígenas, salvo ad referendum do CN, nos casos de catástrofe, epidemia que ponha
em risco a população indígena e interesse da soberania do País. STF: No HC 80.240, julgado em
20.06.2001, com base no art. 231, §5º, decidiu que, se uma CPI tenciona ouvir um índio, deve
fazê-lo na própria área indígena, em hora e dia combinados previamente, na presença de
representantes da FUNAI e de antropólogo especializado. (Gilmar Mendes, fl. 924).
Defesa judicial dos direitos dos índios: Art. 232 define que são legitimados ativamente
os índios, suas comunidades e organizações. Em relação especificamente ao MP, a
Constituição determina ser uma de suas funções institucionais “defender judicialmente os
direitos e interesses das populações indígenas”(CRFB/88, art. 129, V). Além disso, o MP deve
intervir nas ações ajuizadas pelos índios, suas comunidades e organizações em defesa de seus
direitos e interesses (art. 232). Destaca-se que o MP poderá ser Estadual ou Federal, a
depender da matéria tratada e da respectiva competência da Justiça Estadual ou Federal.
Educação: art. 210, §2º, estipula que o ensino fundamental regular será ministrado em
língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem. Para Pedro Lenza (obra citada, item 19.10.9),
ambas as línguas (portuguesa e materna) devem ser ensinadas. Lei de Diretrizes e Bases da
Educação fala em educação bilíngue para índios (art. 78 da Lei 9.364/96). No mesmo sentido, o
Plano Nacional de Educação (aprovado pela Lei 10.172/2001).
INOVAÇÕES CONCEITUAIS DA CR/88: em relação às Constituições anteriores e ao
Estatuto do Índio:
1 - abandono de perspectiva assimilacionista/integracionista, que entendia os índios
como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento. Rompendo uma tradição
secular, ela reconheceu ao índios direitos à diferença. Eles já não teriam que ser incorporados
à comunhão nacional, ou serem forçados a assimilar nossa cultura. Suas organizações sociais,
tradições e os seus direitos originários às terras que ocupam, passaram a ser
permanentemente reconhecidos.
2 - superação da figura da tutela através do reconhecimento de sua autodeterminação
e a plena capacidade civil, esvaziando a concepção do Código Civil de 1916 e da Lei específica
de 1973 - Estatuto do Índio, que destinavam a "incapacidade relativa" aos índios. O art. 232 da

247
CF/88 permitiu aos índios, suas comunidades e organizações, a legitimidade para ingressar em
juízo em defesa de seus direitos e interesses.
3 - direitos dos índios sobre suas terras são definidos enquanto direitos originários, isto
é, anterior à criação do próprio Estado; isto decorre do reconhecimento do fato histórico de
que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil.

COMPETÊNCIA: Competência legislativa: compete privativamente à União legislar sobre


populações indígenas (art. 22, XIV, CRFB/88). Ao CN compete autorizar, mediante Decreto
Legislativo, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de
riquezas minerais. (arts. 49, XVI e 231, §3º CRFB/88 – ver abaixo). Competência para o
julgamento de ações: a Constituição de 1988 determinou que cabe à Justiça Federal o
julgamento de ações que digam respeito à disputa sobre direitos indígenas (art. 109, XI).
Pedro Lenza destaca que o STF entende ser competência da Justiça Federal processar e julgar
feitos relativos à cultura indígena; aos direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios; a interesses constitucionalmente atribuíveis à União, como as infrações praticadas em
detrimento de bens e interesse da União ou de suas autarquias e empresas públicas. Segundo
Gilmar Mendes, há de envolver necessariamente questões vinculadas a direitos ou interesses
indígenas típicos e específicos (e não interesse ou direitos de toda a comunidade). Assim, os
crimes ocorridos em reserva indígena, ou crimes comuns praticados por índios ou contra índios,
sem qualquer elo ou vínculo com a etnicidade, o grupo e a comunidade indígena, são da
competência da Justiça comum”

OCUPAÇÃO TRADICIONAL: 1) “os territórios indígenas, no tratamento que lhes foi dado
pelo novo texto constitucional, são concebidos como espaços indispensáveis ao exercício de
direitos identitários desses grupos étnicos. As noções de etnia/cultura/território são, em larga
medida, indissociáveis”. 2) Constituições dos países capitalistas inscreveram como direito
fundamental o direito de todos serem proprietários (caráter universal e indisponível), o que
diverge do direito de propriedade em si (direito patrimonial). A inversão desses valores tem
sido comum atualmente sendo que, aos índios, “se recusa a ocupação de seus espaços
definitórios, subtraindo-lhes a possibilidade de exercício amplo de seus direitos identitários,
em nome do suposto direito de propriedade”. 3) “Não bastasse a disputa que se estabelece
entre direitos indígenas e direitos de propriedade, há forte incompreensão no que diz respeito
ao que sejam terras tradicionalmente ocupadas”. Vez por outra o conceito resvala para a
imemoriabilidade, e o juiz exige a produção de um laudo arqueológico que evidencie que a
presença indígena no local remonta a tempos pré-colombianos”. “o requisito da
imemorabilidade, no entanto, de há muito foi abandonado. A uma, por sua impossibilidade
lógica. O processo dito colonizador avançou sobre esses territórios, descaracterizando-os. A
duas, porque esse mesmo processo promoveu deslocamentos constantes, e a territorialização
desses povos teve que ser constantemente redefinida. E, a três, porque estamos a tratar de
populações que existem no presente, com perspectivas de vida atuais e futuras, e que não
podem ser condenadas a um imobilismo do passado”
Em resumo: A ocupação tradicional não é caracterizada (a) pela imemorialidade; (b) nem
pela ocupação pré- colombiana; não há laudo arqueológico porque a territorialidade dos povos
indígenas é constantemente redefinida por múltiplos aspectos; desde (a) a ação
(expropriatória) do colonizador (“não há como recuperar Copacabana para os índios”); até (b)
a própria ação dos povos indígenas, com perspectivas de vida atuais e futuras.
O conceito de terras tradicionalmente ocupadas exige uma compreensão narrativa das
vidas dos povos indígenas, que não é mera repetição do passado que as originou, mas
participação num sentido presente da experiência história de sua reafirmação e
transformação. Exige-se laudo antropológico, que permite a compreensão e a tradução
linguístico-cultural das maneiras como o grupo se vê ao longo de sua trajetória existencial,
como vê o mundo e nele se organiza. Esse laudo não é “neutro” ou “objetivo” e deve conferir
“força normativa” ao grupo (Duprat, 2011) Não descaracteriza o animus possidendi dos índios

248
terem sido forçados a se retirar de suas terras (STF, ACO 323/93).
O INDIGENATO é um instituto que, desde 1680, com o Alvará de 01.04, “reservado o
direito dos índios, primários e naturais senhores dela [terra]”; na Lei de Terras – Lei 601/1850,
"Quer da letra, quer do espírito da Lei de 1850, se verifica que essa Lei nem mesmo considera
devolutas as terras possuídas por hordas selvagens estáveis: essas terras são tão particulares
como as possuídas por ocupação legitimável, isto é, originariamente reservadas de devolução,
nos termos do Alvará de 1º de abril de 1680, que as reserva até na concessão das sesmarias;
não há (neste caso) posse a legitimar, há domínio a reconhecer [...]", constitucionalizado em
1934, na CF/67, bens da União, em 88, direitos “originários”. Os territórios indígenas são
propriedade da União e de posse (permanente) privada, mas coletiva, cabendo exclusivamente
aos índios o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos.

PROCEDIMENTO PARA RECONHECIMENTO E DEMARCAÇÃO DOS TERRITÓRIOS


INDÍGENAS:
Demarcação de terras indígenas – é declaratório; a proteção jurídica deve existir mesmo
antes da demarcação (não é assim na renitente jurisprudência retrógada-civilista-liberal), já
que baseada na mera ocupação tradicional, isto é, na posse (relação fática) conforme a visão
(direito consuetudinário) do próprio povo indígena (assim determina o art. 231, §1º, da CF).
Roteiro – Dec. 1.775/96: 1. Iniciativa – Funai; 2. Identificação e delimitação – Funai; 3. Ato de
declaração dos limites da terra indígena de “ocupação tradicional” e determinando a
demarcação – MJ; 4. Demarcação física – Funai; 5. Confirmação dos limites demarcados –
decreto do Presidente da República; 6. Registro no RGI e na SPU - Funai; pós- demarcação:
análise da boa-fé das benfeitorias dos não-índios: Funai. A comunidade é envolvida
diretamente em todas as fases do procedimento. Antropólogo faz estudo antropológico de
identificação e coordena grupo técnico que realiza estudos complementares de natureza etno-
histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e levantamento fundiário; com trabalhos
de campo, em centros de documentação, órgãos fundiários, registros de imóveis, etc.; após
aprovado o relatório pelo Presidente da Funai, seu resumo é publicado no DOU e no DOE.
Estatuto do Índio: Executivo deve demarcar as terras em até 5 anos (até 19.12.1978); o art. 67
do atual ADCT: até 05.10.1993. Não houve cumprimento. Prazos não aplicáveis para áreas não
conhecidas. Cabe ação declaratória para exigir a demarcação. Contra a demarcação
processada não cabe interdito possessório, facultado aos interessados a via petitória ou
demarcatória. RMS 26212 (STF): prazo de 5 anos para conclusão de demarcação de terras
indígenas não é decadencial; art. 67 ADCT é norma programática que indica prazo razoável
para demarcação. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios incluem as áreas de
perambulação e as que remotamente foram aldeamento indígena. A manifestação do
Conselho de Defesa Nacional não é requisito de validade da demarcação de terras indígenas
em região de fronteira.

USUFRUTO: Usufruto exclusivo quer dizer que não é transferível para qualquer
apropriação individual e que os resultados de qualquer uso ou trabalho será sempre coletivo.
Logo, é possível o uso indireto, como o trabalho alheio ou o contrato que explore riqueza do
território. É vedado o exercício do direito de propriedade (brasileiro) nas terras indígenas,
onde é cogente o direito consuetudinário indígena, que pode permitir apropriação individual
segundo seus costumes (Marés, 1998). “Salvaguardas institucionais” – STF no Caso Raposa
Serra do Sol: o usufruto exclusivo: (a) pode ser relativizado por relevante interesse público da
União em LC; (b) não abrange (b.1) o aproveitamento dos recursos hídricos e potenciais
energéticos (autorização do CN); (b.2) pesquisa e lavra de riquezas minerais (índios têm
participação nos resultados, e idem); (b.3) garimpagem nem faiscação (exige permissão); (c)
Política de Defesa Nacional, cujas ações são implementadas independentemente de consulta
às comunidades e à Funai; idem para as ações das Forças Armadas e a Polícia Federal; (d) não
impede a instalação pela União de equipamentos públicos; (e) em unidade de conservação fica
sob responsabilidade do ICMBio, que administra a UC e deve ouvir as comunidades; nas UC

249
admite-se visitantes e pesquisadores não-índios; no restante da área, idem mas administrado
pela Funai; sempre sem cobrança; (f) terras indígenas não podem ser objeto de arrendamento
ou qualquer ato ou negócio que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela
comunidade; (g) são vedadas aos não-índios a caça, pesca, coleta ou agropecuária extrativa.
Terra, usufruto e rendas gozam de imunidade tributária plena. É vedada a ampliação de terra
já demarcada (certamente contra posição do MPF). Direitos às terras são imprescritíveis,
inalienáveis e indisponíveis. É assegurada a participação das UF em todas as etapas do
processo de demarcação.
OBS: Quanto ao aproveitamento dos recursos hídricos e lavra de riquezas minerais (b 1
e 2 do parágrafo acima), o §3º do art. 231 fala “só podem ser efetivados com autorização do
CN, ouvidas as comunidades afetadas”. PGR apresentou parecer na Reclamação nº 14.404
(construção da UHE Belo Monte) com o entendimento de que o CN não pode delegar essa
oitiva das comunidades afetadas. Por isso posicionou-se no sentido de que o Decreto
Legislativo 788/2005 violou o art. 231, §3º da CRFB/88

JURISPRUDÊNCIA: ACO 312 (STF): deferido pedido da FUNAI para declarar a nulidade de
todos os títulos de propriedade rural expedidos pelo Governo do Estado da Bahia para glebas
localizadas dentro da área da Reserva Indígena Caramuru- Catarina-Paraguaçu. Não é
necessária a prova de que as terras foram de fato transferidas pelo Estado da Bahia à União ou
aos índios, pois no Brasil é juridicamente impossível haver disputa por terra indígena, entre
quem quer que seja e os índios. Tão pouco é necessária a demarcação prévia da área para que
o STF decida se é ou não área indígena. Na CF/67, o direito estaria ligado à posse indígena
sobre a terra, fundada no indigenato, teria relação com o ius possessionis e com o ius
possidendi, a abranger a relação material do sujeito com a coisa e o direito de seus titulares a
possuírem-na como seu habitat. O reconhecimento da posse era possível mesmo tendo os
índios saído do local por conta de conflitos com os produtores rurais, pois foi mantido o laço
familiar entre aqueles que saíram e aqueles que ficaram. Entretanto, o Min. Celso de Mello
destacou não estar em jogo conceito de posse ou de domínio no seu sentido civilístico, pois
tratar-se-ia de proteção a um habitat de um povo — em suas acepções física e cultural —, cujo
parâmetro seria constitucional. Apontou não caber indenização ao ocupante de modo
indevido, ainda que com título registrado em cartório, de terra indígena. Seria apenas devido
ressarcimento por benfeitorias, desde que comprovada a boa-fé.
REsp 1.133.648 (STJ): conceito de terras tradicionalmente ocupadas por índios a serem
demarcadas pela União e de imprescritibilidade dos direitos sobre elas surgiu na CR/88 (art.
231,caput e § 4º, da CF/1988). Assim, o Estado qu na década de 1960 promoveu
estabelecimento de colonos em área depois demarcada como terra indígena não é obrigado a
indenizar os colonos.
PET 3388 ED (STF - Raposa Serra do Sol): TEORIA DO FATO INDÍGENA como marco para
caracterizar a titularidade do direito sobre a terra indígena: presença constante e persistente
dos índios na terra pleiteada em 5º de outubro de 1988. Esse critério traria maior segurança
jurídica do que a análise de ocupação imemorial. Entretanto, não protege os índios que
tenham sido expulsos de sua terra por violência ou ilicitude na legitimação de títulos por parte
do Estado. As condições estabelecidas pelo STF fizeram coisa julgada material e não podem ser
questionadas em outros processos relativos à Raposa Serra do Sol, pois estabeleceram as
diretrizes em que o usufruto dos indígenas se compatibiliza com outros direitos
constitucionais. Tais condições não são vinculantes a outros casos. Entretanto, possuem força
argumentativa, pois são o entendimento do STF sobre a interpretação do sistema
constitucional. Exige-se LC para atuação da União em terras demarcadas (art. 231, §6º, CRFB),
mas não para o patrulhamento de fronteiras, a defesa nacional e a conservação ambiental nas
áreas demarcadas. Consulta prévia deve ser respeitada (Convenção 169, OIT), mas aceitação
dos indígenas não é requisito de validade das decisões do Poder Público. Administração de
área de preservação ambiental deve levar em conta interesse dos indígenas, mas também as
exigências da tutela do meio ambiente. Planejamento de operações militares não exige

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consulta prévia. Impossibilidade de ampliação por revisão administrativa: o procedimento da
demarcação do art. 231 não pode ser usado para ampliar terra indígena, mas esta pode ter sua
área ampliada por outros meios (ex. aquisição de imóveis pela União ou pelos indígenas).
Vedação à autotutela no caso, não podendo a União rever o ato por conveniência ou
discricionariedade, e nem declará-lo nulo por vício, uma vez que sua regularidade formal e
material foi reconhecida pelo STF (OBS: MS 14.987/DF (STJ): possibilidade de revisão de limites
de terras indígenas demarcadas antes da Constituição Federal de 1988). Permitida a
garimpagem e faiscação pelos indígenas, desde que esta fosse caracterizada como forma
tradicional de extrativismo praticada imemorialmente, forma de expressão de sua cultura. A
exploração mineral como atividade econômica, mesmo pelos índios, depende de autorização
da União (CF, arts 176, § 1º, e 231, § 3º). A execução do julgamento não ficou a cargo o STF,
mas sim da Justiça Federal local.

STF. ARE-803462. (Informativo 771, 2ª Turma)


Renitente esbulho e terra tradicionalmente ocupada por índios
O renitente esbulho se caracteriza pelo efetivo conflito possessório, iniciado no passado
e persistente até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição de
1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada.
Com base nessa orientação e por reputar não configurado o referido esbulho, a 2ª Turma
proveu recurso extraordinário para desconsiderar a natureza indígena de área não ocupada
por índios em 5.10.1988, onde localizada determinada fazenda. No caso, o acórdão recorrido
teria reconhecido que a última ocupação indígena na área objeto da presente demanda
deixara de existir desde o ano de 1953, data em que os últimos índios teriam sido expulsos da
região. Entretanto, reputara que, ainda que os índios tivessem perdido a posse por longos
anos, teriam indiscutível direito de postular sua restituição, desde que ela decorresse de
tradicional, antiga e imemorial ocupação. A Turma afirmou que esse entendimento, todavia,
não se mostraria compatível com a pacífica jurisprudência do STF, segundo a qual o conceito
de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” não abrangeria aquelas que fossem
ocupadas pelos nativos no passado, mas apenas aquelas ocupadas em 5.10.1988. Nesse
sentido seria o Enunciado 650 da Súmula do STF (“Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição
Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em
passado remoto”). Salientou que o renitente esbulho não poderia ser confundido com
ocupação passada ou com desocupação forçada, ocorrida no passado. Também não poderia
servir como comprovação de esbulho renitente a sustentação desenvolvida no acórdão
recorrido de que os índios teriam pleiteado junto a órgãos públicos, desde o começo do século
XX, a demarcação das terras de determinada região, nas quais se incluiria a referida fazenda.
Sublinhou que manifestações esparsas poderiam representar anseio de uma futura
demarcação ou de ocupação da área, mas não a existência de uma efetiva situação de esbulho
possessório atual. ARE 803462 AgR/MS, rel. Min. Teori Zavascki, 9.12.2014. (ARE-803462)
(Informativo 771, 2ª Turma) [ATENÇÃO: O CONHECIMENTO ACERCA DE CONCEITOS E
HIPÓTESES CONSTANTES DESSE JULGADO FOI COBRADO NA PEÇA DO G1 DO 29CPR –
AGO/2018]

QUESTÕES - ORAL
1. Pode um índio ser professor em escola pública? Precisaria ele de concurso público para
isso?
2. Aponte as diferenças entre o regime de terras indígenas da Constituição da República de
1988 em relação às Constituições de 1934, 1946 e 1967.
3. Comente sobre a decisão do STF no caso Raposa Serra do Sol.
4. Fale sobre as formas de tutela jurídica das terras indígenas previstas no direito
brasileiro.
5. A impossibilidade de revisão de demarcação de terras indígenas é absoluta?
6. Como se dá a exploração econômica em terras indígenas e em terras de comunidades

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tradicionais?
7. Como se insere a questão indígena na Constituição Federal de 1988? Apenas na questão
territorial?
8. Fora dos arts. 231 e 232 da CF há algum dispositivo constitucional dos índios? Qual
dispositivo de políticas públicas fora desses artigos?
9. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à diferença e reconhecimento. Discorra.
O que são aculturados, noque tange aos índigenas? É correto o uso dessa terminologia?

19B. Direitos das comunidades remanescentes dos quilombos e de comunidades tradicionais.

Daniel Medeiros Santos

I. Conceito de comunidades tradicionais

Comunidades tradicionais são grupos culturalmente diferenciados e que se


reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social e que ocupam e
usam seus territórios e recursos naturais como condição para a sua reprodução em todas as
suas facetas existenciais.

Têm na Convenção 169 da OIT sua fonte internacional principal (no BR, supralegal – RE
466343), mas já há outros documentos internacionais mais avançados, em especial no tocante
às questões indígenas, como a Declaração da ONU e a Declaração Americana (soft law).

O fato de tais documentos tratarem principalmente dos povos indígenas não exclui a
sua aplicação aos outros grupos, havendo uma abertura a todos os grupos culturalmente
diferenciados (art. 1.a da Conv. 169 da OIT e CorteIDH, nos Casos Comunidade Moiwana e
Pueblo Saramaka). Assim, estão abarcados por este conceito os índios, quilombolas, ciganos,
faxinais, ribeirinhos etc.

A CRFB/88, ao romper com qualquer pretensão homogeneizante no Estado brasileiro,


se abriu ao diferente, firmando verdadeiro Estado pluriétnico e multicultural. Dessa forma, a
defesa da diversidade cultural passa a ser um imperativo ético, inseparável do respeito à
dignidade da pessoa humana. Os direitos étnicos e culturais passam a ter o status de direitos
fundamentais. São, portanto, de aplicação imediata.

O ponto central das comunidades tradicionais, a partir de então, passa a ser o direito
ao reconhecimento, ao respeito e à diferença.

II. Conceito de comunidades remanescentes dos quilombos

São os grupos étnico-raciais (1), segundo critérios de autoatribuição (2), com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas (3), com presunção de
ancestralidade negra relacionada à opressão histórica sofrida (4).

No conhecido “caso da ilha da Marambaia”, o STJ afastou deste conceito a ideia de


que somente os “escravos fugidos” pudessem formar comunidades quilombolas. Assim, se
entendeu que a CRFB/88 estabeleceu que quilombos não são unicamente locais de negros
fugitivos, mas todo grupo negro que tenha se instalado em determinadas terras por
qualquer razão histórica, e nelas tenha vivido até os dias atuais, compartilhando um
território e uma identidade, e que assim se autorreconheça.

O cerne da questão é a transição da condição de escravo para camponês livre. O modo


como essa transição ocorreu não importa (i.e., fuga, negociação com os senhores, herança,

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dentre outras). Dessa forma, o elemento de fuga é mais um entre outros a serem
considerados. Ademais, embora usualmente se faça referência ao caráter rural da
comunidade quilombola, a falta desse elemento, pura e simplesmente, não é suficiente para
descaracterizá-la.

III. Direitos das comunidades remanescentes dos quilombos

O art. 68 do ADCT traz o fundamento constitucional dos direitos destas comunidades.


Tal artigo tem aplicabilidade imediata e direta, consagrando diversos direitos, como o direito
à moradia e à cultura (Sarmento e Rothenburg).

O Dec. 4887/03 minudenciou o constitucionalmente previsto, e, ao fazê-lo, nada mais


fez do que especificar direitos já aplicáveis diretamente à luz do referido art. 68. Como reforço
de legalidade, temos a Lei 7668/88 (lei da Fundação Cultural Palmares), a Convenção 169 da
OIT e, mais recentemente, o Estatuto da Igualdade Racial. Todavia, sempre houve vozes
dissonantes quanto a esse tema.

Recentemente, em 2018, o STF veio a solucionar a questão. Na ADI 3239/DF, o STF


estipulou as balizas atinentes ao Dec. 4887/03 e aos direitos dos quilombolas: a) o Decreto não
invadiu esfera reservada à lei, somente minudenciado o autoaplicável art. 68 do ADCT; b) o
critério da autoatribuição é constitucionalmente adequado; c) na identificação e demarcação
das terras quilombolas, devem ser levados em consideração critérios de territorialidade
indicados pelos quilombolas; d) em havendo particulares nos locais, o INCRA deve efetuar
desapropriação, pois o art. 68 não invalida os títulos eventualmente existentes (como ocorre,
i.e., no caso das terras indígenas); e e) não há uma “teoria do fato quilombola”, ou seja,
mesmo que, na data da prom. da CRFB/88, a terra não estivesse mais sendo ocupada pela
comunidade, é possível o reconhecimento do direito previsto no art. 68 do ADCT.

Os dois grandes pilares da Convenção 169 são aplicáveis às comunidades quilombolas:


a autoatribuição, a ser instrumentalizada por certidão expedida pela Fundação Cultural
Palmares; e a consulta livre, prévia e informada no tocante às questões que possam repercutir
na vida da comunidade.
→ Para o STF, tal consulta não tem caráter vinculante. Para a CorteIDH, todavia, nos casos que
possam acarretar perda do território ou comprometimento significativo da relação da
comunidade com a sua terra, deve ser obtido o consentimento da comunidade (caso Pueblo
Saramaka).

As terras quilombolas são tituladas coletivamente, com título indiviso, em nome da


comunidade. Por ter regime jurídico diferenciado, que não se confunde com a propriedade
erigida sob a ótica individual capitalista, a terra quilombola é inalienável, imprescritível e
impenhorável, estando vinculada, de modo perene, à comunidade enquanto tal.

Quanto à tributação das terras quilombolas, há isenção do ITR legalmente instituída.


No que tange ao IPTU, há a alegação da impossibilidade de lei federal instituir isenção
heterônoma. Só que, para Rothenburg: “a ausência de valor econômico implica uma
imunidade tributária implícita. Ademais, atribuir valor econômico à propriedade das terras dos
remanescentes de comunidades de quilombos produz consequências desproporcionais e muito
graves para eles, que atribuem à terra um valor essencial à sobrevivência da comunidade;
então, a tributação representa uma violação ‘direta e frontal’ ao princípio da dignidade
humana”. Estende, basicamente, os mesmos argumentos da intributabilidade do ITR para o
IPTU.

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Há PEC tramitando para instituir imunidade tributária das terras quilombolas quanto
ao ITR e ao IPTU.

Para a 6ª CCR, a proteção dos direitos das comunidades quilombolas independe da


regularização formal de suas terras. Tal ideia se aplica à implementação de qualquer política
pública (Enunciado 24).

Os direitos das comunidades quilombolas têm estatura constitucional, gozando da


mesma hierarquia dos direitos dos povos indígenas. Em havendo conflito, é necessário buscar
a harmonização.

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