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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E PRIVADO

GRAAL DA PROVA ORAL DO 29º CPR – 10/2018


Organizado por Valdir Monteiro Oliveira Júnior

Sumário
1. TEORIA GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO........................................................................................6
1A. Desenvolvimento histórico do Direito Internacional Público. Terminologia. A sociedade internacional e
suas características. A expansão qualitativa e quantitativa do Direito Internacional. Princípios que regem as
relações internacionais do Brasil..........................................................................................................................6
11B. Relação do Direito Internacional e o Direito Interno. Correntes doutrinárias. Como o Direito Interno vê o
Direito Internacional. Como o Direito Internacional vê o Direito Interno. Princípios regentes da relação do
Direito Interno com o Direito Internacional. A Constituição brasileira e o Direito Internacional.........................8
2. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO.................................................................................................11
3A. Fontes do Direito Internacional Público. Costume Internacional. Princípios Gerais. Jurisprudência e
Doutrina. Atos Unilaterais. Deliberações de Organizações Internacionais. Analogia e Equidade no Direito
Internacional. Normas imperativas. Jus Cogens. Obrigações erga omnes. Soft Law..........................................11
3. DIREITO DOS TRATADOS....................................................................................................................................14
9A. Tratados internacionais. Evolução histórica. Classificação. Terminologia. Gênese. Negociação e
competência negocial. Formas de expressão do consentimento. Conflito entre tratados e com as demais
fontes.................................................................................................................................................................14
5B. Tratados Internacionais. Condições de validade. Reservas. Entrada em vigor. Registro e Publicidade.
Modificação. Exigibilidade e efetividade. Efeitos sobre Terceiros. Tratados sucessivos. Nulidades. Suspensão
de aplicação do tratado. Modalidades de Extinção............................................................................................17
7A. Interpretação dos tratados no âmbito internacional e no âmbito nacional. Controle de convencionalidade
de matriz internacional e de matriz nacional. Diálogo entre os órgãos judiciais nacionais e internacionais.
Conflito entre decisão nacional e internacional.................................................................................................22
12C. Fases de formação e incorporação do tratado ao direito brasileiro. Acordo Executivo e o Direito
Brasileiro. Modo de formação e incorporação das fontes internacionais extraconvencionais ao Direito
Brasileiro............................................................................................................................................................28
4. PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL: ESTADO......................................................................................30
2B. Estado. Elementos constitutivos. Autodeterminação dos Povos. Soberania e suas espécies.
Reconhecimento de Estado e Governo. Direitos e Deveres do Estado. Restrições aos direitos dos Estados.....30
16A. Personalidade internacional. Sujeitos especiais no Direito Internacional. Indivíduo no Direito
Internacional. Santa Sé. Beligerantes. Insurretos. Movimentos de libertação nacional. Organizações não
governamentais. Estados federados e entes federados perante o Direito Internacional..................................34
17A. A proteção internacional da democracia. A atuação da Organização dos Estados Americanos na defesa
da democracia. A Carta Democrática Interamericana e demais diplomas normativos internacionais. A cláusula
democrática do Mercado Comum do Sul e seus procedimentos.......................................................................36
8B. Extinção de Estados. Regime jurídico dos novos Estados independentes. Sucessão de Estados em relação a
bens, arquivos, dívidas, organizações internacionais e tratados........................................................................37
5A. Território: aquisição e perda. Domínio Terrestre. Faixa de Fronteira. Domínio Fluvial. Domínio Aéreo......39
6C. Jurisdição Internacional do Estado e das Organizações Internacionais: espécies, alcance e limites.
Imunidades do Estado e das Organizações Internacionais.................................................................................41
20B. Proteção diplomática. Evolução histórica. Elementos. Esgotamento prévio dos recursos internos..........43

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21A. Órgãos das relações entre Estados. Relações diplomáticas e consulares. Missões diplomáticas e
consulares. Regime jurídico dos agentes diplomáticos e consulares. Imunidades de agentes públicos no Direito
Internacional: conteúdo, alcance e limites. Regime de tropas estacionadas por força de tratado....................46
5. PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL: ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.............................................48
16C. Organização Internacional. Personalidade Jurídica. Elementos constitutivos. Evolução. Espécies e
finalidades. Funcionamento. Poder normativo das organizações internacionais: alcance e limites. Acordo de
sede....................................................................................................................................................................48
10C. Organização das Nações Unidas: evolução histórica, finalidades, atuação, órgãos internos, tipos de
deliberações, modos de solução de controvérsias e sanções. As agências da Organização das Nações Unidas.
...........................................................................................................................................................................52
1C. Prerrogativas e imunidades das organizações internacionais. Incorporação ao direito brasileiro das
deliberações de organizações internacionais. Extinção e sucessão das organizações internacionais.
Responsabilidade internacional das Organizações internacionais e a proteção funcional.................................60
6B. Organização dos Estados Americanos: evolução histórica, finalidade, atuação, órgãos internos, tipos de
deliberações, modos de solução de controvérsias e sanções. Outras organizações internacionais regionais das
Américas............................................................................................................................................................66
20C. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Natureza Jurídica. Acordo de Sede e Imunidades. Finalidades,
Funções, Atividades e Proteção de Acordo com o Direito Internacional Humanitário.......................................68
6. OS INDIVÍDUOS E O DIREITO INTERNACIONAL...................................................................................................71
8A. Povo. Nacionalidade no Direito Internacional. Formas de aquisição da nacionalidade originária e derivada.
Perda e reaquisição da nacionalidade. Direitos e deveres dos nacionais. Interação e conflito entre normas
nacionais e internacionais sobre nacionalidade.................................................................................................72
6A. Estrangeiros. Entrada, permanência e saída regular. Tratamento jurídico da saída compulsória dos
estrangeiros e direitos dos envolvidos: repatriamento, deportação, expulsão.................................................75
13A. Extradição. Evolução histórica. Princípios e características da extradição. Vedações e limites à extradição.
Trâmite e fases da extradição. Execução da extradição. Incidência de direitos fundamentais na extradição....77
9B. Tratamento internacional e nacional do asilo. Disposições convencionais, legais e administrativas
referentes ao asilo. O papel dos órgãos internos. A proteção ao brasileiro no exterior....................................84
19B. Migrações. Tratados, declarações e organizações internacionais sobre os direitos dos migrantes.
Precedentes internacionais sobre os direitos dos migrantes.............................................................................87
19C. Regime Jurídico Internacional da Apatridia e da Polipatria. Nacionalidade e o Regime Jurídico Especial
Dado aos Portugueses. Regime Jurídico do Tratamento de Nacionais de Países do Mercado Comum do Sul
(Mercosul)..........................................................................................................................................................90
19C. Regime Jurídico Internacional da Apatridia e da Polipatria. Nacionalidade e o Regime Jurídico Especial
Dado aos Portugueses. Regime Jurídico do Tratamento de Nacionais de Países do Mercado Comum do Sul
(Mercosul)..........................................................................................................................................................93
20A. Direito Internacional dos Refugiados. Evolução histórica: origem e fases. O Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados. Os dispositivos convencionais, legais e administrativos referentes ao refúgio. Tipos
de perseguição. O papel dos órgãos internos e o controle judicial....................................................................95
7. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL................................................................................................................99
10A. Responsabilidade internacional do Estado. Obrigações Primárias e Secundárias. Garantia da ordem
pública internacional. Elementos da responsabilidade internacional. Fato internacionalmente ilícito.
Excludentes da ilicitude. Imputação e espécies de atos imputados. Resultado lesivo. Nexo causal..................99

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11C. Regime jurídico da reparação no Direito Internacional. Responsabilidade internacional individual e sua
relação com a responsabilidade internacional do Estado................................................................................102
21C. Direito de autotutela: sanções, sanções "inteligentes", contra-medidas, retorsão e represálias. O
tratamento jurídico internacional da intervenção humanitária unilateral e coletiva.......................................106
8. DIREITO INTERNACIONAL PENAL E DIREITO PENAL INTERNACIONAL..............................................................108
18B. Regime Jurídico dos Crimes Internacionais. Os Crimes de Jus Cogens. Crime de Agressão. Crime de
Genocídio. Crimes de Guerra. Crimes contra a Humanidade. Elementos dos Crimes Internacionais. Dever de
Cooperar na Investigação e Persecução de Crimes Internacionais..................................................................109
18C. Regime Jurídico internacional do controle de armas. Não proliferação nuclear e sua fiscalização..........112
12A. Tribunais internacionais penais. Aspectos gerais. Princípios e características dos tribunais criados pelo
Conselho de Segurança. Tribunais Internacionais Penais híbridos...................................................................114
11A. Direito Internacional Penal e Direito Penal Internacional: divergências e convergências. Implementação
direta e indireta do Direito Internacional Penal. Jurisdição universal e suas espécies.....................................117
13B. Tribunal Penal Internacional. Origem. Composição e órgãos. Jurisdição do Tribunal Internacional Penal e
seus limites. Princípios regentes. Processamento de casos. Cooperação do Estado com o Tribunal Penal
Internacional. Entrega. Penas. A Constituição e o Estatuto do Tribunal Penal Internacional...........................119
10B. Transferência de sentenciados. Requisitos, trâmite e características. Tratados celebrados pelo Brasil
sobre transferência de sentenciados. Incidência de direitos fundamentais na transferência de sentenciados.
.........................................................................................................................................................................123
14C. Terrorismo e o Direito Internacional. Tratados internacionais e deliberações de organizações
internacionais sobre a repressão ao terrorismo..............................................................................................129
9. DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL E PATRIMÔNIO COMUM DA HUMANIDADE..........................................131
3B. Espaços globais Comuns. Tipologia. Princípios. Patrimônio Comum da Humanidade. Regime jurídico da
Antártida. Espaço sideral..................................................................................................................................131
4B. Espaços globais comuns. Alto mar. Ártico. Fundos marinhos. A atuação da União Internacional de
Telecomunicações............................................................................................................................................133
15B. Domínio marítimo. Jurisdição sobre embarcações no alto mar. Uso da força no alto mar. Ilhas costeiras e
oceânicas. Navios e aeronaves no Direito Internacional. Jurisdição do Estado costeiro: alcance e limites.
Solução de controvérsias do Direito do Mar....................................................................................................134
17B. Domínio marítimo. Regime jurídico do Mar Territorial, Zona Contígua, Plataforma Continental e Zona
Econômica Exclusiva. Delimitação de fronteiras marítimas. Estreitos e canais. Ilhas e arquipélagos. Direito de
passagem inocente..........................................................................................................................................137
10. CONFLITOS INTERNACIONAIS.........................................................................................................................140
2C. Solução pacífica de controvérsias. Conceito. Evolução histórica. Instrumentos não jurisdicionais.
Negociação. Bons ofícios. Mediação. Investigação ou inquérito. Conciliação..................................................140
9C. Solução pacífica de controvérsias. Arbitragem internacional pública. Corte Internacional de
Justiça: legitimidade, competências, jurisdição consultiva e contenciosa. Outros tribunais internacionais... .142
11. DIREITO DE GUERRA E NEUTRALIDADE..........................................................................................................143
7C. Regime jurídico do uso da força no direito internacional: uso lícito e ilícito. Segurança coletiva: global e
regional. A proteção da paz e da segurança internacionais por organizações internacionais: o papel da
Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos...................................................143
12. DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL...........................................................................................................145

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14A. Direito Internacional do Meio Ambiente. Evolução histórica. Tratados ratificados pelo Brasil. Impacto no
Direito brasileiro. Princípios. Regime jurídico do combate aos efeitos nocivos da mudança climática. Regime
jurídico da proteção atmosférica e combate à poluição do ar.........................................................................145
15C. Regime jurídico da proteção dos oceanos e recursos hídricos. Regulamentação internacional da pesca.
Tratamento internacional dos resíduos e substâncias perigosas.....................................................................147
13. DIREITO COMUNITÁRIO.................................................................................................................................151
21B. Direito da Integração Regional. Tipologia. Organização Internacional Supranacional. Mercado Comum do
Sul. Evolução. Características. Estrutura, atividades e funções de seus órgãos. Principais atos institutivos.
Poder normativo e deliberações. Relação com o Direito brasileiro.................................................................151
4C. Direito internacional tributário. O fenômeno da bitributação. Acordos de bitributação. Combate
internacional à sonegação. Tratados internacionais de cooperação e informação tributária..........................153
14. DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO......................................................................................................157
19A. Direito Internacional Humanitário. Classificação de suas normas. Os princípios do Direito Internacional
Humanitário. A Cláusula Martens e o costume internacional no Direito Internacional Humanitário. Os tratados
de Direito Internacional Humanitário celebrados pelo Brasil...........................................................................157
1. O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO NO MUNDO.........................................................................................160
2A. Desenvolvimento Histórico e Fases do Direito Internacional Privado. Fontes do Direito Internacional
Privado. Pluralidade de objeto do direito internacional privado. Fato transnacional e suas características....160
1B. Princípios do Direito Internacional Privado. Igualdade e tolerância no Direito Internacional Privado.......162
8C. Métodos do Direito Internacional Privado. Qualificação no Direito Internacional Privado. Direito
Internacional Privado e obrigações. Autonomia da vontade no Direito Internacional Privado........................163
2. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO NO BRASIL...............................................................................................167
4A. DIPr de matriz legal. LINDB. Hierarquia e diálogo das fontes nacionais e internacionais do DIPr..............167
3C. Ordem pública e suas espécies. Fraude à lei no Direito Internacional Privado. Normas de aplicação
imediata no Direito Internacional Privado.......................................................................................................169
1B. Interpretação e aplicação do direito estrangeiro. Prova do direito estrangeiro. Reenvio..........................174
5C. Estatuto pessoal no Direito Internacional Privado e sua evolução no Brasil. Pessoa Jurídica no Direito
Internacional Privado. Bens no Direito Internacional Privado..........................................................................177
7B. Organizações e órgãos internacionais dedicados ao Direito Internacional Privado. Convenções sociais de
Direito Internacional Privado...........................................................................................................................180
3. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL........................................................................................................183
17C. Cooperação jurídica internacional. Evolução e fundamentos. Via diplomática. Via da autoridade
central. Via do contato direto entre autoridades. Cooperação policial. A Constituição e os tratados celebrados
pelo Brasil sobre cooperação jurídica internacional........................................................................................183
14B. Assistência jurídica internacional. Auxílio direto. Requisitos, trâmite e características. Tratados
internacionais celebrados pelo Brasil sobre o auxílio direto cível e criminal. Incidência dos direitos
fundamentais no auxílio direto........................................................................................................................183
16B. Assistência jurídica internacional. Carta rogatória. Requisitos, trâmite e características. O exequatur.
Tratados internacionais celebrados pelo Brasil sobre carta rogatória. Incidência dos direitos fundamentais na
carta rogatória.................................................................................................................................................184
13C. Reconhecimento e execução de sentença estrangeira. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
e a homologação de sentença estrangeira. Requisitos, trâmite e características da homologação de sentença
estrangeira. Incidência de direitos fundamentais na homologação de sentença estrangeira..........................191

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4. DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES NO DIPR....................................................................................................194
12B. Direito Internacional Privado das Famílias. Alimentos, Casamento e uniões civis no Direito Internacional
Privado. Direito Internacional Privado das Sucessões......................................................................................194
18A. Prestação de alimentos no exterior. Tratados internacionais sobre prestação de alimentos no exterior
celebrados pelo Brasil. Convenção de Nova York de 1956. Atribuições do Ministério Público Federal como
autoridade central na cooperação ativa e passiva. Competência da Justiça Federal. A ação de auxílio direto
proposta pelo Ministério Público Federal........................................................................................................206
15A. A Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e seu Regime Jurídico.
Competência da Justiça Federal. Atribuições do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União.
Autoridade Administrativa Central. O Trâmite Administrativo e Processual do Pedido de Devolução............208

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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

1. TEORIA GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO


1.1 Desenvolvimento histórico do Direito Internacional Público. Terminologia. A sociedade internacional e suas
características. A expansão qualitativa e quantitativa do Direito Internacional. Princípios que regem as relações
internacionais do Brasil. (1.a)
1.2 Relação do Direito Internacional e o Direito Interno. Correntes doutrinárias. Como o Direito Interno vê o
Direito Internacional. Como o Direito Internacional vê o Direito Interno. Princípios regentes da relação do Direito
Interno com o Direito Internacional. A Constituição brasileira e o Direito Internacional. (11.B)

1A. Desenvolvimento histórico do Direito Internacional Público. Terminologia. A sociedade internacional e suas
características. A expansão qualitativa e quantitativa do Direito Internacional. Princípios que regem as relações
internacionais do Brasil.

Sérgio Corrêa de Carvalho 02/09/2018


Fonte: Direito Internacional Público e Privado, Paulo Henrique Gonçalves Portela; Direito Internacional Público e Privado, Maria Beatriz Ribeiro Gonçalves;
Pluralidade das Ordens Jurídicas: uma nova perspectiva na relação entre o direito internacional e o direito constitucional, André de Carvalho Ramos; A
Constitucionalização do Direito Internacional e a incorporação de Tratados Internacionais pelos Estados Membros do Mercosul, Fernanda Brusa Molino.

I. Desenvolvimento histórico do Direito Internacional Público

Sendo uma tentativa de reger as relações entre nações, não há marco exato para o nascimento do
Direito Internacional. Hoje a necessidade de relações entre países é premente, mas o intercâmbio entre as
nações sempre existiu.
Há registros de regras sobre relações internacionais desde a Antiguidade, entre os Hititas, em 1272 a.C.
Aponta-se que o Direito Internacional tornou-se ramo autônomo do Direito Público no século XVII, com o
tratado de Westfalia (1648) que contou com a participação ativa do holandês Hugo Grotius, que então ficou
conhecido como o “pai do Direito Internacional”.
Pode-se distinguir duas fases no Direito Internacional Público: a fase clássica (até a II Guerra Mundial),
centrada nas relações entre os Estados soberanos, na qual o DIP se ocupava principalmente do Direito à Guerra
e das questões relacionadas à colonização; e a fase moderna ou contemporânea (após a II Guerra Mundial),
focada na proteção dos direitos humanos e construção de uma sociedade mundial mais justa, em que surgem
questões como limitação ao poder soberano dos Estados, regulação do uso da força, Direito Humanitário e o
surgimento de Organizações Internacionais temáticas e/ou regionais de criação e aplicação de normas
internacionais.

II. Terminologia

O termo “Direito Internacional” foi empregado pela primeira vez em 1780, pelo inglês Jeremy Bentham,
em sua obra An Introduction to the of Moral and Legislation, com o intuito de diferenciar o Direito que cuida das
relações entre os Estados, também designados em inglês como nations, do Direito nacional (National Law) e do
Direito municipal (Municipal Law).
Posteriormente, por influência francesa, foi incluído o termo “público”, aludindo ao interesse geral da
matéria regulada pelo Direito Internacional, bem como para distingui-lo do Direito Internacional Privado, ramo
do Direito cujo objeto principal é definir qual a ordem jurídica, nacional ou estrangeira, aplicável aos conflitos de
leis no espaço em relações privadas com conexão internacional.
A expressão é criticada por parte da doutrina, visto que palavra nation também significa “nação”, noção
que não se confunde com a de “Estado”. Entretanto, a denominação “Direito Internacional” é de uso corrente
na atualidade. Em todo caso, ainda há autores que se referem ao Direito Internacional como “Direito das
Gentes”, tradução literal do jus gentium do Direito Romano e que predominava até o século XVIII, ou jus inter
gentes, expressão cunhada no século XV por Francisco de Vitória, que significaria “Direito entre Estados”.
É comum a referência ao Direito Internacional Público (e também ao próprio Direito Internacional
Privado) simplesmente como “Direito Internacional”, embora haja diferenças importantes no ao objeto das duas
disciplinas.

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III. A sociedade internacional e suas características

A doutrina aponta o uso incorreto das expressões “comunidade internacional” e “sociedade


internacional” como sinônimas.
A comunidade fundamenta-se em vínculos espontâneos e de caráter subjetivo, envolvendo identidade e
laços culturais, emocionais, históricos, sociais, religiosos e familiares comuns. Caracteriza-se pela ausência de
dominação, pela cumplicidade e pela identificação entre seus membros, cuja convivência é naturalmente
harmônica.
Já a sociedade apoia-se na vontade de seus integrantes, que decidiram se associar para atingir certos
objetivos que compartilham. É marcada, portanto, pelo papel decisivo da vontade, como elemento que
promove a aproximação entre seus membros, e pela existência de fins, que o grupo pretende alcançar.
Considerando estes aspectos, a doutrina considera não haver uma “comunidade internacional”, mas tão
somente uma “sociedade internacional”, que seria um conjunto de vínculos entre diversas pessoas e entidades
interdependentes entre si, que coexistem por diversos motivos e que estabelecem relações que reclamam a
devida disciplina.
Algumas características da sociedade internacional são apontadas. Vejamos:
1. A sociedade internacional é universal, ou seja, abrange o mundo inteiro, ainda que o nível de
integração de alguns de seus membros às suas dinâmicas não seja tão profundo. Deste modo,
ainda que um certo Estado adote uma política externa isolacionista deverá, no mínimo, se
relacionar com o Estado com o qual tem fronteira.
2. A sociedade internacional é heterogênea, havendo a integração de atores que podem
apresentar significativas diferenças entre si, de cunho econômico, cultural etc. A maior ou
menor heterogeneidade influenciará decisivamente o processo de negociação e de aplicação
das normas internacionais, que poderá ser mais ou menos complexo.
3. Parte da doutrina defende que a sociedade internacional é interestatal, ou seja, composta
meramente por Estados. Todavia, este entendimento se tornou ultrapassado desde que as
organizações internacionais se firmaram como sujeitos de Direito Internacional. Outrossim,
atualmente há participação de empresas, ONGs e até mesmo de indivíduos nas relações
internacionais.
4. A sociedade internacional é descentralizada, não havendo um poder central internacional ou um
governo mundial, mas vários centros de poder, como os próprios Estados e as organizações
internacionais, não subordinados a qualquer autoridade maior. Logo, a sociedade internacional
é caracterizada não pela subordinação, mas sim pela coordenação de interesses entre seus
membros.

IV. A expansão qualitativa e quantitativa do Direito Internacional

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o resultado das atividades oriundas do Nazismo, houve uma
preocupação da comunidade internacional em criar mecanismos para reprimir tal repetição de fatos e violações
de direitos. Consequentemente, entre os mecanismos criados são elencados a Organização das Nações Unidas e
a elaboração de tratados internacionais para tal fim. Por conseguinte, houve uma expansão quantitativa e
qualitativa de normas internacionais.
Neste contexto, a expansão quantitativa seria o aparentemente inesgotável manancial de produção de
normas internacionais sobre os mais diversos campos da conduta social. Esse furor normativo criou obrigações
invasivas, aptas a reger a conduta das sociedades internas (e não somente a conduta dos estados no campo
diplomático, interestatal), como é o caso das obrigações de Direitos Humanos, de comércio internacional, de
regime de benefícios tributários etc.
Já́ a expansão qualitativa consiste no fortalecimento de procedimentos internacionais de interpretação
e cumprimento das normas, superando, em vários sub-ramos do Direito Internacional, a tradicional
descentralização e fragilidade na execução das normas internacionais.
É importante observar que a expansão quantitativa do Direito internacional – com a elaboração de
diversos tratados – preparou uma expansão qualitativa, com a criação de inúmeros tribunais internacionais e
órgãos quase-judiciais que fornecem uma interpretação imparcial e concretizam o dever de cumprimento das

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normas internacionais. Há, na atualidade, uma proliferação dos próprios mecanismos de solução de
controvérsia, gerando a constitucionalização do Direito internacional.
Deste modo, tem-se a constitucionalização do Direito Internacional, que consiste em um fenômeno pelo
qual o Direito internacional adapta institutos outrora reservados ao Direito Constitucional, como, por exemplo,
criação de tribunais, proteção de direitos fundamentais, rule of law, acesso direto de indivíduos, julgamento de
indivíduos no campo penal (até com pena de caráter perpétuo), entre outros.

V. Princípios que regem as relações internacionais do Brasil

A própria Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 4º, faz menção às relações
internacionais desta nação e enumera os princípios que devem informá-la:

I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.

Outrossim, o parágrafo único do citado artigo, afirma-se que a “República Federativa do Brasil buscará a
integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma
comunidade latino-americana de nações”.

11B. Relação do Direito Internacional e o Direito Interno. Correntes doutrinárias. Como o Direito Interno vê o
Direito Internacional. Como o Direito Internacional vê o Direito Interno. Princípios regentes da relação do Direito
Interno com o Direito Internacional. A Constituição brasileira e o Direito Internacional.

José Moreira Falcão Neto. 18/09/2018

Relação do Direito Internacional e o Direito Interno. Essa relação entre o Direito Internacional e o
Direito Interno deve ser analisada sob os dois prismas.
Como o Direito Interno vê o Direito Internacional. Correntes: Monismo (nacionalista e
internacionalista) e Dualismo. Monismo: D Interno e Internacional integram uma mesma ordem jurídica, sendo
apenas ramos distintos. Para monismo nacionalista, am caso de conflito prevalece o D interno. No
internacionalista (Kelsen), há o primado do DIP, ao qual se ajustam as ordens internas. Este é o adotado pelo
art. 27 da CVDT/1969. Subdivide-se em radical – onde o DIP tem total supremacia – e moderado – onde tanto
DIP como Direito interno podem ser aplicados dentro do que determina o ordenamento. Para ACR não há
monismo nacionalista, que seria um “outro de tolo”. Por exemplo: se um tratado se choca com a Constituição, é
invalidado no plano interno, mas a denúncia continua necessária para se ter eficácia externa, o que retrata
situação dualista. Dualismo (Triepel): Dois ordenamentos distintos. Um para regular relação entre Estados e
outro para regular relações entre indivíduos ou entre estes e o Estado. Necessária a transformação do direito
internacional pelo direito interno, por meio de incorporação, transformação ou recepção, para que haja
aplicação no plano interno e obrigação a indivíduos. No dualismo, não há falar em conflito entre normas
internas e internacionais, dado o distinto âmbito de aplicação. Para o dualismo radical, é necessária a edição de
lei distinta para incorporação do tratado. No dualismo moderado, prescinde-se de lei, embora haja um
procedimento de incorporação complexo, com aprovação congressional e promulgação presidencial.
Cabe verificar na Constituição de cada Estado a visão interna da norma internacional. No Brasil, a
incorporação de tratados se dá por meio de decreto presidencial, cf. STF (costume constitucional, pois CF é
omissa), motivo pelo qual Nádia de Araújo aponta que a opção do STF é dualista. A hierarquia dos tratados se

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equipara à lei, à exceção dos tratados de direitos humanos (status supralegal ou de emenda constitucional, este
dependendo do rito das PECs).
Como o Direito Internacional vê o Direito Interno: a prática reiterada dos Estados e das Cortes
Internacionais é de considerar a norma interna um “mero fato”, que expressa a vontade do Estado (caso Polônia
vs. Alemanha, “Fábrica de Chorzów”, CPJI). Atos normativos internos são expressões da vontade de um Estado,
que devem ser compatíveis com seus engajamentos internacionais anteriores, sob pena de ser o Estado
responsabilizado no plano internacional. Norma interna, incluindo a Constituição (e.g. caso Última Tentação de
Cristo), não pode ser alegada para justificar descumprimento de tratado (artigo 26 da Convenção de Viena).
Direito Internacional possui suas próprias fontes normativas. Estado é considerado “uno” perante a comunidade
internacional, não podendo ser alegada autonomia de entes federados. D. Interno só será utilizado se a norma
internacional a ele fizer remissão, como no caso da violação de norma essencial sobre competência para
celebrar tratados (art. 46 CVDT/1969). Para DIP, não importa se o Estado se considera monista ou dualista. Há
de cumprir as normas internacionais, sob pena de responsabilização.
Princípios regentes da relação do Direito Interno com o Direito Internacional 1.
Os Estados possuem receio diante da expansão do direito internacional. Muitas vezes há opções
internas pelo enfraquecimento do status dos tratados internacionais. Guido Soares classifica como opções
constitucionais: 1) tratados alterem a própria Constituição; 2) Constituições que dotam tratados de status
supralegal; 3) mesma hierarquia de lei ordinária; 4) Constituições omissas, remetendo visão do Direito Interno
sobre DIP à jurisprudência.
Diante das oportunidades perdidas no Brasil para emenda constitucional clara para valorização do DIP,
que prepare o Brasil para cumprir seus compromissos, é necessário reavaliar instrumentos já disponíveis. Nesse
contexto, surgem princípios como opções de argumentação jurídica para amenizar ambiguidade e consolidar a
cooperação entre o Direito Brasileiro e o Direito Internacional
Há diversas alternativas hermenêuticas de conciliação entre as normas internas e os tratados
internacionais. O eixo maior da visão hermenêutica adotada por ACR é o princípio da cooperação leal e
conforme aos tratados (decorre dos dispositivos que estabelecem estado democrático de direito, dos que
mencionam cooperação para progresso da humanidade e dos que fazem referência a tratados). A vontade do
constituinte, portanto, foi buscar a conciliação.
Os demais princípios a serem considerados pelos operadores do Direito no Brasil para concretizar
cooperação e lealdade entre o D Interno e o DIP são os seguintes: interpretação interna amiga do DIP; espaço
constitucional de conformação aos tratados internacionais; presunção de aplicação dos tratados preexistentes e
os tratados não autoaplicáveis.
Princípio da interpretação interna amiga do Direito Internacional, que reclama a utilização da
interpretação oriunda da argumentação jurídica usada pelo próprio DIP. O principal princípio decorrente da
cooperação leal entre o Direito Interno e o Direito Internacional é o princípio da interpretação internacionalista
(conformidade com interpretação dos órgãos internacionais).
Princípio do espaço constitucional de conformação aos tratados internacionais, que consiste em
interpretar os dispositivos da Constituição de modo a permitir, conciliatoriamente, um espaço de conformação
aos comandos impostos pelos tratados. Ex: proibição de “extradição” de brasileiro nato não impede “entrega”
ao TPI
Princípio da presunção de aplicação dos tratados preexistentes em face das leis posteriores: o
Legislador, conhecedor dos tratados vigentes, ao editar uma nova lei, presumidamente elaborou seus
dispositivos de modo a não violar os encargos internacionais assumidos.
“Constituição brasileira e o D. Internacional”:
1) CF/88 não contesta a expansão e institucionalização do DIP. Dispositivos constitucionais fazem referência
genérica a temas abarcados pelo DIP (proteção do meio ambiente, direitos humanos etc). Cláusulas
constitucionais abertas que permitem a compatibilidade do Direito Constitucional face ao DIP. Diversas normas
internacionais produzidas, então, são justificadas como “densificação normativa” de sentimentos constitucionais
amplos (RAMOS, 2004, pág. 314). Essa abertura constitucional ao direito internacional se dá, em larga escala,

1
OBS: Partiu-se do pressuposto que este tópico difere daquele inserido no ponto 1.a (princípios que regem o Brasil nas relações internacionais), não só
pela diferente redação como pela existência de artigo em que ACR se refere a “opções de argumentação jurídica para o caso brasileiro de modo a
amenizar ambiguidade e consolidar a cooperação entre o Direito Brasileiro e o Direito Internacional”. O artigo trata de cooperação jurídica internacional,
tema em que há pluralidade de fontes nacionais e internacionais. Disponível em:
http://www.producao.usp.br/bitstream/handle/BDPI/43730/O%20novo%20direito%20internacional%20privado.pdf?sequence=1&isAllowed=y

9
com proeminência das influências do DIP, havendo, no caso do Brasil, expressa previsão constitucional. Sobre o
assunto, as palavras de Celso Mello: “Parece-nos ser esta a melhor posição para ver uma Constituição, vez que
estamos vivendo em uma época histórica de grandes transformações, que ocorrem simultaneamente de modo
contraditório impedindo que se possa discernir o seu rumo. Acrescenta-se ainda que a ‘Constituição Aberta’
mostra estar o estado inserido em uma sociedade internacional. Na verdade, a própria palavra ‘Estado’ só tem
sentido em uma sociedade internacional.”
2) A Constituição Federal tem algumas passagens sobre o Direito internacional convencional, como é o caso da
competência do Presidente para celebrar tratados, da competência exclusiva do CN para resolver
definitivamente (por decreto legislativo) sobre tratados ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional (teoria da junção de vontades) e, ainda, o status diferenciado
dos tratados de direitos humanos (art. 5º, §§ 2 e 3).
3) reconhecimento da jurisdição do TPI no art. 5º §4º.
4) os princípios que regem a República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais, inclusive com o
Direito de Integração Regional na América Latina.
5) ADCT: Art. 7º. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos. (Corte
IDH, p ex)
A constituição nada fala sobre as normas consuetudinárias internacionais. A doutrina entende que a
internalização dos costumes se dá pelo processo de “impregnação”, sendo aplicável independente de um
mecanismo formal como o dos tratados.

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2. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
2.1 Fontes do Direito Internacional Público. Costume Internacional. Princípios Gerais. Jurisprudência e Doutrina.
Atos Unilaterais. Deliberações de Organizações Internacionais. Analogia e Equidade no Direito Internacional.
Normas imperativas. Jus Cogens. Obrigações erga omnes. Soft Law. (3.a)

3A. Fontes do Direito Internacional Público. Costume Internacional. Princípios Gerais. Jurisprudência e Doutrina.
Atos Unilaterais. Deliberações de Organizações Internacionais. Analogia e Equidade no Direito Internacional.
Normas imperativas. Jus Cogens. Obrigações erga omnes. Soft Law.

Sérgio Corrêa de Carvalho 02/09/2018


Fonte: Direito Internacional Público e Privado, Paulo Henrique Gonçalves Portela;
Direito Internacional Público e Privado, Maria Beatriz Ribeiro Gonçalves.

I. Introdução

O Direito Internacional Público emana de várias fontes, que podem ser materiais ou formais. As fontes
materiais são as circunstâncias, ideias, fatos e necessidades da sociedade global que culminam na elaboração da
norma internacional. As fontes formais são os meios através dos quais se expressam as regras internacionais.
No âmbito da regulamentação internacional, o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça traz
o rol principal das fontes formais de Direito Internacional Público, o qual é não exaustivo:

Artigo 38
A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem
submetidas, aplicará:
a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente
reconhecidas pelos Estados litigantes;
b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;
c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;
d. sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais
qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.
A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se
as partes com isto concordarem.

Há ainda aquelas fontes não previstas no Estatuto da Corte, podendo-se citar as “soft law”, as decisões e
atos das organizações internacionais e os atos jurídicos unilaterais.

II. Classificações

As fontes formais podem ser classificadas da seguinte forma:

Em relação à aplicação do direito:


1. Fontes primárias ou principais: determinam qual norma será aplicada no caso concreto em apreço;
2. Fontes secundárias, acessórias ou auxiliares: são os meios auxiliares para a determinação das regras
de direito.

Em relação à existência de acordo de vontades entre os sujeitos de DIP:


1. Fontes convencionais: existe acordo de vontade entre os sujeitos (ex.: tratados internacionais);
2. Fontes extraconvencionais: independem de acordo de vontade entre os sujeitos (ex.: costume
internacional).

Em relação à previsão no art. 38 do Estatuto da CIJ:


1. Fontes estatutárias ou catalogadas: aquelas previstas no art. 38 do Estatuto da CIJ;
2. Fontes extraestatutárias ou não catalogadas: não previstas no art. 38 do Estatuto da CIJ.

11
III. Tratados

De acordo com o art. 2 da Convenção de Viena de 1969, “tratado significa um acordo internacional
concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único,
quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.
Apesar de não haver menção no citado artigo da Convenção de Viena, as Organizações Internacionais
também possuem capacidade para celebrar tratados internacionais.

IV. Costume Internacional

De acordo com o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, costume internacional seria uma
“prática geral aceita como direito”.
O costume possui dois elementos: um objetivo, que é a prática reiterada, uniforme e geral de
determinados atos em situações semelhantes; e um subjetivo, que é a convicção da justiça e obrigatoriedade
daquela prática geral (opinio juris, ou juris sive necessitatis).
É importante ressaltar a existência da “teoria do objetor persistente” (persistente objector), segundo a
qual, se um Estado persistentemente se opõe à aplicação de determinado costume em relação a si, estaria
desonerado de cumprir tal norma costumeira diante das relações internacionais.

V. Princípios Gerais do Direito

Os princípios gerais de direito seriam aquelas normais gerais positivadas na maior parte das nações
civilizadas que transmitem os valores mais elevados dos sistemas jurídicos. Como exemplo, pode-se citar o
pacta sunt servanda, o princípio da boa-fé e o primado da dignidade da pessoa humana, entre outros.

VI. Jurisprudência e Doutrina

São fontes acessórias, já que são meios auxiliares para a determinação das regras de direito.
Na doutrina, Mazzuoli afirma que a jurisprudência não é fonte do Direito porque “não cria o direito, mas
sim o interpreta mediante a reiteração de decisões no mesmo sentido. Sendo ela uma sequência de julgamentos
no mesmo sentido, nada mais é do que a afirmação de um direito preexistente, ou seja, sua expressão. Além do
mais, as decisões de tribunais não criam normas propriamente jurídicas, o que demanda abstração e
generalidade, requisitos sem os quais não se pode falar na existência de uma regra de direito stricto sensu”.
Em qualquer caso, as decisões judiciais também criam direito, ainda que apenas entre as partes em
litígio. Nesse sentido, o artigo 59 do Estatuto da CIJ determina que “A decisão da Corte só será obrigatória para
as partes litigantes e a respeito do caso em questão”. Outrossim, com o aumento das atividades das cortes e
tribunais internacionais, vem ficando cada vez mais claro que os julgados anteriores servem como referência
para julgamentos posteriores.

VII. Atos Unilaterais

Apesar de não estarem previstos como fonte de Direito Internacional no Estatuto da Corte Internacional
de Justiça, são considerados pela doutrina internacional mais moderna como fontes de Direito Internacional
Público, já que geram efeitos jurídicos no cenário da sociedade internacional e, no mínimo, criam obrigações
para os entes que os editam.
Por serem unilateralmente pelos entes estatais, não precisam da aceitação ou manifestação de vontade
de qualquer outro sujeito de Direito Internacional para que tenham eficácia.

VIII. Deliberações de Organizações Internacionais

Também não constam como fonte de Direito Internacional no Estatuto da Corte Internacional de Justiça,
pois, à época da edição do referido Estatuto, na década de 1920, as organizações internacionais ainda eram
incipientes. Este fato só veio a mudar a partir de 1945, a partir da criação das Nações Unidas.

12
Todavia, hoje não se pode negar a eficácia jurídica normativa dos atos emanados das organizações
internacionais, sendo que tais atos são modernamente considerados fontes de Direito Internacional pela
doutrina majoritária.

IX. Analogia e Equidade no Direito Internacional

Mazzuoli definiu a analogia como “a aplicação a determinada situação de fato de uma norma jurídica
feita para ser aplicada a caso parecido ou semelhante”, apontando-a como resposta à falta ou inutilidade de
preceito existente para regular caso concreto.24 A analogia refere-se, portanto, à forma de regular relações
sociais que não sejam objeto de norma jurídica expressa por meio do emprego de regras aplicáveis a casos
semelhantes.
Parte da doutrina entende que a analogia é fonte de Direito Internacional. Entretanto, para parte da
doutrina de Direito em geral, a analogia é apenas meio de integração do ordenamento jurídico.
Já a equidade é a aplicação de considerações de justiça a uma relação jurídica, quando não exista norma
que a regule ou quando o preceito cabível não é eficaz para solucionar, coerentemente e de maneira equânime,
um conflito. É, como afirma Mazzuoli, “a aplicação dos princípios de justiça a um caso concreto sub judice’

X. Normas Imperativas. Jus Cogens. Obrigações Erga Omnes.

A noção de jus cogens é definida pelo artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,
que estabelece que “É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa
de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito
Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um
todo como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só́ pode ser modificada por norma ulterior de
Direito Internacional geral da mesma natureza”.
A norma de jus cogens é, portanto, uma norma de Direito Internacional à qual a sociedade internacional
atribui importância maior e que, por isso, adquire primazia dentro da ordem jurídica internacional, conferindo
maior proteção a certos valores entendidos como essenciais para a convivência coletiva.
As normas de jus cogens são também conhecidas como “normas imperativas de Direito Internacional”
ou “normas peremptórias de Direito Internacional”, e devem valer em todo o âmbito da sociedade
internacional.
A principal característica do jus cogens é a imperatividade de seus preceitos, ou seja, a impossibilidade
de que suas normas sejam confrontadas ou derrogadas por qualquer outra norma internacional, inclusive
aquelas que tenham emergido de acordos de vontades entre sujeitos de Direito das Gentes, exceto quando
substituídas por outras normas imperativas de Direito Internacional. O jus cogens configura, portanto, restrição
direta da soberania em nome da defesa de certos valores vitais.
Outra característica importante do jus cogens é a aplicabilidade de suas normas para todos os Estados,
ainda que estes não tenham expressamente manifestado sua anuência a respeito, o que se deve a sua
importância maior para o desenvolvimento da vida da comunidade internacional.
As normas de jus cogens podem aparecer em diversas fontes de Direito Internacional, sendo que o rol
destas normas não é expressamente definido por nenhum tratado. É nesse sentido que as normas imperativas
de Direito Internacional devem ser identificadas nas mais diversas fontes de Direito Internacional, por onde
estão espalhadas, como os tratados e o costume.
As normas de jus cogens podem ser modificadas, mas apenas por outras normas da mesma natureza,
conferindo certa estabilidade à ordem internacional ao redor de certos valores, mas impedindo o
“engessamento” do desenvolvimento do Direito Internacional, dando a este condições de responder à dinâmica
da sociedade internacional.

XI. Soft Law

O “soft law” (direito flexível) consiste no conjunto de normas que não ostentam caráter jurídico
vinculante, mas orientam condutas no plano do Direito Internacional. Traduz uma intenção ou compromisso da
parte; porém, caso descumprido, esse compromisso não pode ser exigido da parte declarante, posto que
desprovido de caráter vinculante.

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As normas de soft law se aproximam de um “programa de ação” e são elaboradas nos mais variados
âmbitos do Direito Internacional, como fóruns internacionais e organizações internacionais.

3. DIREITO DOS TRATADOS


3.1 Tratados internacionais. Evolução histórica. Classificação. Terminologia. Gênese. Negociação e competência
negocial. Formas de expressão do consentimento. Conflito entre tratados e com as demais fontes. (9.a)
3.2 Tratados internacionais. Condições de Validade. Reservas. Entrada em vigor. Registro e publicidade.
Modificação. Exigibilidade e efetividade. Efeitos sobre terceiros. Tratados sucessivos. Nulidades. Suspensão da
aplicação do tratado. Modalidades de extinção. (5.b)
3.3 Interpretação dos tratados no âmbito internacional e no âmbito nacional. Controle de convencionalidade de
matriz internacional e de matriz nacional. Diálogo entre os órgãos judiciais nacionais e internacionais. Conflito
entre decisão nacional e internacional. (7.a)
3.4 Fases de formação e incorporação do tratado ao direito brasileiro. Acordo executivo e o Direito brasileiro.
Modo de formação e incorporação de fontes internacionais extraconvencionais ao Direito brasileiro. (12.c)

9A. Tratados internacionais. Evolução histórica. Classificação. Terminologia. Gênese. Negociação e competência
negocial. Formas de expressão do consentimento. Conflito entre tratados e com as demais fontes.

Paulo Henrique Cardozo, setembro de 2018.


Fontes: Graal alternativo 28º CPR;
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves Portela. Direito Internacional Público e Privado. 7ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017.

Tratados internacionais. Os tratados consistem em fonte estatutária do Direito Internacional (art. 38 do Estatuto
da CIJ). Segundo Portela, consistem em acordos escritos, firmados por Estados e organizações internacionais
dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Direito Internacional Público, com o objetivo de produzir efeitos
jurídicos no tocante a temas de interesse comum. De acordo com o art. 2.1, “a”, da Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados (CVDT), “’tratado’ significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e
regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos
conexos, qualquer que seja sua denominação específica. De acordo com a Convenção de Viena sobre Direitos
dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 1986 (ainda
pendente de ratificação para o Brasil), também são tratados os acordos escritos celebrados entre um ou mais
Estados e uma ou mais organizações internacionais, ou entre organizações internacionais. Ainda que se aceite a
personalidade internacional de entes como o indivíduo, os tratados só podem ser celebrados por Estados,
organizações internacionais e outros entes de direito público externo, como a Santa Sé e os blocos regionais e,
quando autorizados, os beligerantes e os insurgentes. Os tratados não são meras declarações de caráter
político, pois visam a gerar efeitos jurídicos, ensejando a possibilidade de sanções por seu descumprimento;
revestem-se, pois, de caráter obrigatório.
Evolução histórica. Há registros de que os tratados vêm regulando situações específicas da convivência
internacional desde a Antiguidade, havendo evidências de seu uso por povos como os egípcios e os gregos.
Historicamente, predominavam os tratados bilaterais. Entretanto, a partir do século XIX, a maior percepção da
existência de interesses comuns a vários Estados e as exigências de praticidade levaram ao aparecimento dos
tratados multilaterais, cujo marco inicial foi o Congresso de Viena, em 1815. No passado, era comum que os
tratados se tornassem obrigatórios apenas com um ato dos soberanos ou de seus enviados; entretanto, a
necessidade de maior controle ou de reduzir os riscos criou o instituto da ratificação, pelo qual a validade de um
tratado ficava sujeita à confirmação posterior daquele que encarnasse a figura do atual chefe de Estado.
Também no século XIX, boa parte dos Estados abandonava concepções absolutistas e adotava regimes dentro
dos quais o poder era mais limitado. Com isso, tornava-se comum a exigência do envolvimento de “órgãos
estatais de representação popular” (expressão de Rezek), o que deu origem às etapas internas do processo de
elaboração de tratados. Até o século XX, as normas internacionais eram predominantemente costumeiras; após,
intensificou-se o uso dos tratados. Em 1969 e 1986, foram celebradas as Convenções de Viena já mencionadas.
Classificação. 1) Quanto ao número de partes: os tratados podem ser bilaterais ou multilaterais. 2) Quanto ao
procedimento de conclusão: os tratados podem empregar a forma solene (há várias etapas de verificação da
vontade do Estado, tais como negociação, assinatura, ratificação, promulgação) ou simplificada (requer menos
etapas, como os acordos executivos). O Brasil adota predominantemente a forma solene, admitindo a

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simplificada quando o ato não trouxer compromissos gravosos ao Estado brasileiro (art. 49, I, CRFB/88). 3)
Quanto à execução: os tratados são transitórios (criam situações que perduram no tempo, mas cuja realização é
imediata, a exemplo dos acordos de fronteiras) ou permanentes (cuja execução se consuma durante o período
em que estão em vigor, como tratados de direitos humanos). 4) Quanto à natureza das normas: podem ser
tratados-contrato (criam obrigações e benefícios recíprocos, visando a conciliar interesses divergentes) ou
tratados-lei (estabelecem normas gerais de Direito Internacional, a partir da vontade convergente dos
signatários). 5) Quanto aos efeitos: podem ser restritos às partes signatárias ou gerar consequências a entes
que não participaram do processo de conclusão (ex.: Carta da ONU). 6) Quanto à possibilidade de adesão:
podem ser abertos (permitem adesão posterior, limitada – como no Mercosul – ou ilimitadamente – como na
ONU) ou ainda fechados, não permitindo adesão posterior.
Terminologia. São várias as terminologias adotadas. No entanto, a denominação não interfere no caráter
jurídico do instrumento. a) “ato internacional” – expressão sinônima de tratado, adotada pelo Ministério das
Relações Exteriores; b) “tratado” – para alguns, além de gênero, é espécie aplicável a compromissos de caráter
mais solene e de maior importância política; c) “acordo” – concebida para atos internacionais com reduzido
número de participantes e menor importância política. Por outro lado, é expressão de amplo uso na prática
internacional; por vezes é utilizada para tratados de cunho econômico, financeiro, comercial e cultural; d)
“acordo por troca de notas” – em regra empregado para assuntos de natureza administrativa e para alterar ou
interpretar cláusulas de tratados já concluídos. No Brasil, dispensa aprovação congressual, se não acarretar
compromissos gravosos; e) “ajuste complementar” ou “acordo complementar” – visa a detalhar ou a executar
outro tratado de escopo mais amplo; f) “ato” ou “ata” – refere-se a uma forma de tratado que estabelece
regras de Direito. No entanto, pode haver também atos que têm mera força política e moral; g) “carta” –
tratado que cria organizações internacionais, estabelecendo seus objetivos, órgãos e modo de funcionamento.
Pode também se chamar “constituição”. O termo “carta” também é empregado para designar documentos que
fixam direitos e deveres dos indivíduos. Para tratados que criam tribunais internacionais, prefere-se o termo
“estatuto”; h) “compromisso” – modalidade de tratado que determina a submissão de um litígio a um foro
arbitral; i) “concordata” – um dos poucos tipos de tratado de emprego criterioso, aplicando-se apenas aos
compromissos firmados pela Santa Sé em assuntos de interesse religioso; j) “convenção” – normalmente
empregado para acordos multilaterais que visam a estabelecer normas gerais de Direito Internacional em temas
de grande interesse mundial. Frequentemente usado como sinônimo de tratado; k) “convénio” – destina-se a
regular a cooperação bilateral ou multilateral de natureza econômica, comercial, cultural, jurídica, científica e
técnica, normalmente em campos mais específicos; l) “declaração” – usada para consagrar princípios ou afirmar
a posição comum de alguns Estados acerca de certos fatos. Pode não vincular juridicamente, quando for
percebida como mera enunciação de preceitos gerais, o que a excluiria da lista de tipos de tratados; m)
“memorando de entendimento” – modalidade de ato internacional voltada a registrar princípios gerais que
orientarão as relações entre os signatários; n) “modus vivendi” – forma de tratado destinada a instrumentos de
menor importância e de vigência temporária, normalmente servindo para definir a situação das partes enquanto
estas não avançam em outros entendimentos; o) “pacto” – refere-se a tratados que se revestem de importância
política, mas que sejam mais específicos no tratamento da matéria que regulam; p) “pacto de contraendo” –
segundo Celso de Albuquerque Mello, tipo de acordo concluído pelo Estado com o compromisso de concluir um
acordo final sobre determinada matéria, funcionando como verdadeiro “tratado preliminar”; q) “pactum de
negotiando” – ainda segundo Celso de Albuquerque Mello, gera a obrigação das partes de iniciar negociações
de boa-fé com a finalidade de concluir um tratado; r) “protocolo” – modalidade de ato internacional que,
normalmente, é complementar ou interpretativa de tratados anteriores. Não se confunde com o “protocolo de
intenções”, documento que tem o caráter de um pré-compromisso e sinaliza a possibilidade de avançar em
entendimentos relativos a um acerto posterior.
O acordo de cavalheiros (gentlemen's agreement) consiste em modalidade de avença celebrada não pelos
Estados, mas por autoridades de alto nível, em nome pessoal, e que é regulada por normas morais. Visam
normalmente a estabelecer “programas de ação política” e não são juridicamente vinculantes. Já o acordo
executivo designa o acordo internacional que não precisa ser submetido ao Congresso Nacional. No Brasil, Rezek
entende que só é admissível em 3 hipóteses: interpretar tratado em vigor; decorrer de tratado em vigor, como
seu complemento; e modus vivendi.
Gênese. Negociação e competência negocial. O tratado é elaborado por meio de um processo cuja observância
condiciona sua validade. Há etapas internacionais e internas; enquanto compete a cada Estado definir o
procedimento de incorporação do tratado à ordem interna, as etapas internacionais foram determinadas no

15
âmbito do Direito Internacional. Em regra, a entrada em vigor ocorre em momentos diferentes nos planos
internacional e interno. A exceção é pela aplicação dos princípios do efeito direto (normas podem ser invocadas
desde logo pelos particulares) e da aplicabilidade imediata (possibilidade de as normas internacionais serem
aplicadas sem incorporação adicional), típicos do Direito Comunitário e não adotados pelo País.
A negociação é a fase inicial do processo de elaboração do tratado, dentro da qual as partes discutem e
estabelecem os termos do ato internacional; pode ter longa duração e desenvolver-se nas chamadas “rodadas”.
A competência para a condução das negociações é das autoridades competentes para concluir os tratados (em
geral estão no Poder Executivo). Para concluir um tratado, é preciso que o agente encarregado a representar a
parte detenha o treaty making power (poder de celebrar tratados). Segundo a CVDT, possuem poderem amplos
para negociar, em virtude de suas funções: a) os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das
Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado; b) os Chefes de
missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual
estão acreditados; c) os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização
internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou
órgão. É comum que a negociação seja conduzida por outras pessoas (plenipotenciários), especialmente diante
de temas com elevada carga técnica; no entanto, para isso precisam de carta de plenos poderes para
representar o Estado. No Brasil, a competência para a negociação repousa, do ponto de vista orgânico, na
União (art. 21, I, da CRFB/88). Ao final da negociação, quando as partes chegam a um acordo, ocorre a adoção,
que é o ato pelo qual os negociadores finalizam o texto, concordando com seu teor.
A assinatura é o ato pelo qual os negociadores formalizam o encerramento das negociações e sua concordância
com o teor do ato internacional e autenticam seu texto. Em regra, contudo, o tratado ainda não está apto à
produção de efeitos jurídicos. Por outro lado, há tratados que obrigam suas partes apenas com a assinatura,
como os acordos executivos (acordos em forma simplificada) e atos internacionais que não implicam novos
compromissos externos, bem como tratados que sejam objeto de deliberação dos signatários nesse sentido. De
qualquer modo, a assinatura obriga os signatários a não atuar de modo a frustrar o objeto do tratado. Ademais,
a assinatura impede que o texto do acordo seja alterado unilateralmente. O tratado pode entrar em vigor
provisoriamente antes da ratificação, nos termos do que decidam as partes, por meio do próprio texto do ato ou
por outra forma. Vale registrar que o Brasil fez reserva ao art. 25 da CVDT, que admite a aplicação provisória dos
tratados.
A ratificação é o ato pelo qual o Estado, após reexaminar um tratado assinado, confirma seu interesse em
concluí-lo e estabelece, no âmbito internacional, o seu consentimento em obrigar-se por suas normas. É a
aceitação definitiva do acordo. Cabe aos ordenamentos nacionais regular como os Estados praticarão esse ato,
definindo as autoridades competentes para levá-lo a efeito e o procedimento a ser seguido. Em geral, a maior
parte dos entes estatais confere o poder de ratificar tratados ao respectivo Chefe de Estado, condicionado à
autorização parlamentar. No Brasil, a ratificação é ato privativo do Presidente da República, após autorização do
Congresso Nacional. A ratificação é ato discricionário, podendo ocorrer apenas no momento mais oportuno ou
conveniente aos interesses nacionais. Entretanto, é possível que os tratados estabeleçam um lapso temporal
dentro do qual os Estados devem ratificá-los. Obs.: a entrada em vigor no âmbito internacional é analisada no
ponto “5.b” e as fases de formação e incorporação do tratado ao direito brasileiro estão no ponto “12.c”.
Formas de expressão do consentimento. O consentimento do Estado pode ser feito pela assinatura, que põe fim
na negociação, fixa e autentica o texto do compromisso e, ainda, exterioriza o aceite definitivo, obrigando os
Estados (diferente da assinatura como mero aceite provisório, dependente de ratificação). Também pode
expressar o consentimento estatal a troca de instrumentos – intercâmbio instrumental, representantes de cada
Estado assinam um instrumento e o transmitem ao outro, simultânea ou sucessivamente. Outra forma de
consentir é a ratificação, que é o ato internacional pelo qual o Estado manifesta o consentimento perante outras
pessoas jurídicas de DIP sobre aquilo que, após a fase negocial, ficara pendente de aceite definitivo. No Brasil,
exige-se autorização prévia do Congresso para a ratificação. Segundo o art. 11 da CVDT, o consentimento de um
Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, troca dos instrumentos constitutivos
do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim acordado.
Conflito entre tratados e com as demais fontes. De acordo com o entendimento majoritário, não há hierarquia
entre as fontes do DIP, sendo o conflito entre tratados e outras fontes solucionado pelos critérios de
especialidade e cronológico, exceto se o conflito for com uma norma imperativa de direito internacional (jus
cogens), caso em que o tratado será considerado nulo. Na hipótese de conflito entre tratados, devem-se
distinguir as situações de identidade e de diversidade de fontes de produção normativa. No caso de identidade,

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quando as partes são as mesmas, não há conflito, prevalecendo o posterior ou o especial. Já quando as partes
não coincidem, haverá um conflito real, sem solução jurídica.

5B. Tratados Internacionais. Condições de validade. Reservas. Entrada em vigor. Registro e Publicidade.
Modificação. Exigibilidade e efetividade. Efeitos sobre Terceiros. Tratados sucessivos. Nulidades. Suspensão de
aplicação do tratado. Modalidades de Extinção.

Marília Siqueira
Legislação básica: CV sobre Direitos dos Tratados (CVDT) de 1969 (Decreto 7030/09),
CV sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre OI’s de 1986
(Brasil assinou em 1986, mas ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional).

1. Tratados internacionais. CVDT estabelece tratado como acordo internacional concluído por escrito
entre Estados e regido pelo DI, quer conste de instrumento único, quer de dois ou mais conexos, qualquer que
seja a sua denominação específica. Somente com a CV de 1986 conferiu-se, explicitamente, às OI’s o poder de
concluir tratados (que já era feito na prática). Características principais: a) tratados não podem violar as normas
jus cogens; b) termo “tratado” é gênero, que incorpora várias espécies (convenção, acordo, pacto, protocolo); c)
possuem caráter obrigatório.

2. Condições de validade: A) capacidade de celebrar tratados; B) objeto lícito e possível; C)


consentimento regular.

A) Capacidade de celebrar tratados. A.1) Entes autorizados a celebrar tratados: (i) sujeitos tradicionais
de DIP, que são Estados e OI; e (ii) entes sui generis/despersonalizados que, a despeito de não serem sujeitos de
DIP, podem celebrar tratados: Santa Sé, Governos no exílio, Movimentos de Libertação Nacional (ex: a OLP,
Organização de Libertação da Palestina), beligerantes/insurretos; ente federado, desde que autorizado pelo
Estado (um Estado da federação brasileira não pode celebrar tratados, cabendo à União a conclusão de
tratados, porém, podem celebrar contratos com entidades internacionais, como o Banco Mundial e o BIRD), os
blocos regionais e o Comitê da Cruz Vermelha. As Oi’s podem celebrar tratados relativos a seus objetos, sua
capacidade de concluir tratados é derivada, enquanto que a capacidade dos Estados é primária ou originária. Os
indivíduo, empresas e ONGs não podem celebrar tratados, mas apenas contratos internacionais. A.2)
Habilitação dos Agentes ou Treaty Making Power . Não basta que a parte seja capaz, mas também que o agente
encarregado de representa-la tenha o chamado treaty making power, ou seja, o poder de celebrar tratados. Rol
de agentes capazes de celebrar independente de comprovação dos poderes : Chefe do Estado, Chefe de Governo
e Ministro das Relações Exteriores: todos os atos; Chefes de Missão Diplomática: para adoção do texto de um
tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão acreditados; Chefes de Missões Permanente:
junto a organismos internacionais para a adoção do texto de um tratado entre o Estado que representa e essa
organização; Representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional:
a um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou órgão. Carta de
Plenos Poderes: Outros agentes podem celebrar tratados, desde que investidos de plenos poderes. No Brasil, é
feita pela carta de plenos poderes, documento pelo qual são designadas uma ou várias pessoas para representar
o ente estatal na negociação, adoção ou autenticação do texto. A.3) Rito de incorporação interna. O terceiro
significado de “poder de celebrar tratados” abarca a incorporação interna dos tratados.

B) Objeto lícito e possível, não colidente com normas imperativas de dir. internacional (jus cogens).

C) Consentimento regular. C.1) Vícios de consentimento. O consentimento livre e sem vícios é


pressuposto da formação dos tratados. Os vícios de consentimento podem ser decorrentes de: a) erro: há falta
de informação sobre o objeto do tratado ou quando esse objeto não condiz com a verdade, gerando divergência
entre a vontade e sua manifestação, uma vez que o Estado supõe uma situação que não existe. O erro é de fato,
não de direito. Para que torne o tratado inválido, o erro deve atingir a essência do ato e não pode ser
inescusável, ou seja, tem de ser desculpável. O erro não se configura se o Estado contribuiu para o fato com a
sua conduta e se, pelas circunstâncias, o Estado tivesse possibilidade de perceber o erro; b) dolo é a informação
distorcida intencionalmente por meio ardil, manobra ou artifício; c) coação, que pode ser contra representante,

17
quando sofre ameaças, ou contra o Estado, no caso específico de emprego de força armada; d) corrupção do
representante de um estado: ação direta ou indireta do outro Estado negociador. C.2 Ratificações Imperfeitas.
Segundo PORTELA, para que haja verdadeiro vício de consentimento, essa violação deve ser manifesta e
relacionada com preceito de importância fundamental. Nos termos da Convenção de Viena de 1969, violação
manifesta é aquela “objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, de conformidade
com a prática norma e de boa-fé” (art. 46). E no caso de o agente do Estado ter recebido poderes limitados e
desrespeitá-los? Nessa situação, o desrespeito aos limites não pode ser invocado para invalidar a expressão de
vontade, a não ser que tais restrições tenham sido notificadas aos outros Estados negociadores antes da
manifestação do consentimento.
3. Reservas (ou salvaguardas): trata-se de uma declaração unilateral feita por um Estado ao assinar,
ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas
disposições do tratado em relação ao Estado. Características: I. é aplicável especialmente em tratados
multilaterais (alguns autores como Mazzuoli, não aceitam as reservas em tratados bilaterais; outros, como
Portela, aceitam; embora a não aceitação da reserva acarrete a não conclusão do tratado); II. reservas podem
ser formuladas em qualquer momento durante a elaboração do tratado, embora possam sofrer restrições (art.
19 da CVDT – a reserva não poderá ser feita se proibida pelo tratado ou incompatível com sua finalidade); III.
reserva não modifica as disposições do tratado quanto às demais partes do compromisso; IV. a reserva, sua
aceitação expressa ou objeção devem ser formuladas por escrito (assim como as retiradas de uma reserva ou de
uma objeção à reserva); V. uma reserva formulada quando da assinatura do tratado, condicionada à futura
ratificação ou aceitação, deve ser formalmente confirmada pelo Estado quando manifestar seu consentimento
definitivo (diferentemente, a aceitação ou objeção feita a uma reserva antes do consentimento definitivo do
Estado que a formulou não requer posterior confirmação do Estado que aceitou ou objetou); VI. as reservas
podem ser exclusivas (excluem os efeitos de certas cláusulas) ou interpretativas (o Estado declara a forma como
dadas cláusulas devem ser aplicadas a ele). A CIJ, em 1951, num caso consultivo sobre as reservas à Convenção
contra o Genocídio, definiu que quando um Estado faz reservas não contrárias ao objeto do tratado, ao que
alguns se opõem e outros concordam, o Estado que fez a reserva será parte em relação aos que concordarem, e
não aos que negaram, gerando duplicidade de regimes jurídicos. Regra: reserva é unilateral. Exceções (reserva
depende de anuência das outras partes): a) quando se infere do número limitado de Estados ou do objeto do
tratado que a aplicação do acordo na íntegra entre todas as partes é condição essencial para cada uma das
partes obrigarem-se pelo acordo; b) quando o tratado é ato constitutivo de uma OI, caso em que a reserva
deverá ser aceita pelo órgão competente.

4. Entrada em vigor. Tratado entra em vigor na forma e data prevista nele ou conforme acordado pelos
Estados negociadores (art. 24, §1 e 2 da CVDT). Tratados Bilaterais: ambas as partes precisam ratificar as trocas
de informações entre si, através dos procedimentos de notificação de ratificação e troca dos instrumentos de
ratificação. A entrada em vigor poderá ser no dia em que for feita a última notificação de ratificação, no dia em
que houve a troca dos instrumentos, ou, ainda, em data posterior, se o acordo assim estabelecer. Tratados
Multilaterais: desenvolveram-se procedimentos diferenciados em relação aos bilaterais, entre eles: I. o
estabelecimento de um depositário, o qual será um Estado ou uma OI que receberá os instrumentos de
ratificação e informará as partes que assinam o tratado a respeito - o depositário não precisa ser parte no
tratado; II. a exigência de um número mínimo de ratificações, de modo que o tratado somente entra em vigor
na data do recebimento da última ratificação exigida; III. após certo prazo estabelecido no acordo. No Brasil,
após o tratado ser ratificado pelo CN, deverá ser promulgado por meio de decreto do PR; publicam-se apenas,
no DOU, os que hajam prescindido do assentimento parlamentar e da intervenção confirmatória do chefe de
Estado (quando cabíveis). Vigência (início da aplicabilidade do tratado no universo jurídico): a) Vigência
contemporânea, o ato entra em vigor tão logo seja manifestado o consentimento definitivo das duas partes -
tratado bilateral - ou de um mínimo de signatários - tratado multilateral. b) Vigência diferida, o texto do tratado
estipula um prazo para sua entrada em vigor após expressão final da vontade dos signatários; c) tratado pode
entrar em vigor de maneira escalonada, em momentos diferentes para alguns signatários.

5. Registro e publicidade. Carta da ONU (art. 102) determina que todo tratado concluído por qualquer
um de seus Estados Membros deverá ser registrado e publicado pelo Secretariado Geral da ONU, para que
possa ser invocado perante o órgão das Nações Unidas. Assim, parte da doutrina entende que o registro do

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acordo na ONU e sua respectiva publicação é condição para que o ato entre em vigor. Na prática, entretanto, os
atos internacionais entram no universo jurídico do direito internacional independentemente de registro, tendo
em vista que, a própria Carta da ONU, no dispositivo anteriormente referido, afirma que o registro é mera
condição para que uma norma seja invocada nos órgãos das Nações Unidas (no mesmo sentido, o art. 80 da
CVDT). Portanto, pode-se dizer que a vigência do acordo independe do registro na ONU. Por fim: os tratados
não necessitam de aprovação das Nações Unidas para entrarem em vigor.
6. Modificação. Emenda. A emenda é o meio pelo qual o teor dos atos internacionais é revisto, levando
ao acréscimo, à alteração ou à supressão do conteúdo normativo. Ela é geralmente regulada no próprio texto do
tratado e deve ser objeto de acordo entre as partes (ou um número mínimo de signatários, num compromisso
multilateral). No âmbito interno, a emenda envolve a assinatura de um instrumento e sua eventual ratificação,
mobilizando os órgãos e agentes competentes para concluir tratados. Emendas x Revisões. Há quem distinga as
emendas das revisões, como o faz YEPES PEREIRA: EMENDAS: Seriam mudanças que não tocariam em matéria
essencial. REVISÕES: Seriam modificações expressivas, envolvendo matéria central do tratado. Duplicidade de
Regimes Jurídicos. Em geral, as emendas não têm o condão de obrigar todas as partes do tratado, mas apenas
aquelas que concordaram com as mudanças que foram feitas. Todavia, os entes que aprovaram a emenda e os
que não a aprovaram continuam vinculados entre si pelo tratado original; haverá uma “duplicidade de regimes
jurídicos”. A Convenção de Viena determina ainda que as partes que venham a aderir a um tratado emendado,
salvo manifestação em contrário, obrigam-se à observância das normas do compromisso alterado em relação
aos signatários que aceitaram a emenda e à obediência das normas do ato original no tocante às partes que não
a aprovaram. Atenção: nada impede que um tratado defina que uma emenda valha para todos os seus Estados-
partes, independentemente de seu consentimento em aprová-las ou não, desde que determinado número
mínimo de votos seja atingido.

7. Exigibilidade e Efetividade. Entrada em vigor marca início da exigibilidade. A entrada em vigor do


tratado marca o início de sua exigibilidade para as partes. Durante sua vigência, os Estados devem respeitar o
pactuado, fazendo também valer o princípio da boa-fé entre as partes. A jurisprudência é abundante sobre a
necessidade de cumprir os tratados, obedecendo ao princípio da boa-fé. Exigíveis apenas pelos Estados. Os
tratados são exigíveis apenas pelos Estados. Ainda que o tratado preveja um direito para particulares, e os
Estados envolvidos desobedeçam ao previsto no tratado, não garantindo tais direitos, os particulares,
destinatários finais do tratado, não podem diretamente acionar os Estados em tribunais internacionais, porque
não são sujeitos de direito internacional. Eles devem provocar seu próprio Estado e este, caso julgue
conveniente, irá exercer a proteção diplomática de seus particulares, negociando com as demais partes o
tratado ou recorrendo a tribunais internacionais para fazer valer o tratado celebrado. Defesa política. Há um
filtro dos interesses dos particulares, exercido pelos Estados-partes. Politicamente, esse filtro possibilita que o
Estado não atenda a interesses que não julgue convenientes. Limites e formas de cumprimento dos tratados:
(i) Exigibilidade quanto às partes: o tratado se aplica, em princípio, apenas para as partes que o ratificaram.
Exceções: a) prejuízo indireto a terceiros; b) benefício indireto a terceiros; c) previsão no próprio tratado. Ex.:
cláusula de nação mais favorecida (OMC). (ii) Exigibilidade quanto ao território: o tratado é aplicável sobre todo
o território do Estado, não importa se unitário, federativo ou confederativo, salvo se o próprio tratado dispuser
de outra forma, aplicando a apenas parte do território. No Brasil, é dispensável a cláusula federal – serve para
não excluir a responsabilidade do Estado contratante por ato perpetrado por qualquer dos entes federativos
que façam parte dele –, porque a Constituição Federal determina aplicação do direito internacional assumido
pela União em todo o território nacional. (iii) Exigibilidade quanto à ordem jurídica interna: os tribunais e a
Administração Pública dos Estados devem aplicar os tratados como parte do direito nacional após sua
incorporação ao direito interno. (iv) Exigibilidade quanto ao tempo: os tratados geram, em regra, efeitos ex
nunc, não retroagindo, salvo disposição em contrário. É com base em tal ideia que o STF (ADPF 153), alegou que
a Convenção contra a Tortura de 1984, por ter entrado em vigor no Brasil apenas em 1989, não poderia ser
aplicada aos agentes estatais acusados da prática de tortura durante o período de exceção (a partir de 1964),
não afetando, portanto, a Lei de Anistia.
Controle da efetividade dos tratados. 1. Relatórios: o relatório é um documento produzido pelo Estado
ou Organização Internacional que descreve a implementação do tratado em seu território ou no tema sob seu
domínio. 2. Inspeções: são verificações, por representantes externos, das atividades realizadas por um Estado
para cumprimento de um tratado. Só podem ser realizadas com anuência do Estado. 3. Organizações

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Internacionais de Controle. 4. Medidas unilaterais positivas e negativas: medidas unilaterais positivas são
estímulos de Organizações Internacionais ou de Estados em face de resultados favoráveis ao cumprimento de
determinado tratado. As medidas negativas são punições por seu não cumprimento.

8. Efeitos sobre terceiros. Princípio do pacta sunt servanda e da boa fé: art. 26 da CVDT prevê os
referidos princípios ao afirmar que “todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-
fé”. Como visto, os tratados se aplicam, em princípio, somente às partes que o celebraram. A possibilidade de os
atos internacionais repercutirem sobre partes não contratantes depende, em geral, do consentimento destas.
Entretanto, um tratado pode impor obrigações ou criar direitos para um terceiro ente. Duas situações: (1)
Tratado que impõe deveres a Estado não parte: no caso de o tratado impor obrigações à terceiro, é necessário
que este as aceite expressamente e por escrito (art. 34 da CVDT); tais obrigações só poderão ser modificadas e
revogadas com a concordância das partes do tratado e do ente que não seja seu signatário, salvo disposição em
contrário; (2) Tratado que cria direitos para Estado não parte: tais direitos só não prevalecerão se o beneficiário
não consentir a respeito e, a menos que o ato internacional determine diversamente, a anuência do favorecido
é presumida até indicação em contrário (art. 36 da CVDT); os tratados abertos são, por definição, tratados que
conferem direitos a terceiros - o direito de aderir ou de se tornar parte supervenientemente. Regras tornadas
obrigatórias a terceiros por costume: é possível que a regra de um tratado se torne obrigatória a terceiros
como regra consuetudinária superveniente. Há que se ressaltar a possibilidade de um tratado gerar efeitos para
terceiros independentemente do consentimento destes, como, por exemplo, um acordo de fixação de
fronteiras. Há, ainda, a questão da oponibilidade erga omnes (eficácia externa) dos tratados: todos os Estados
devem respeitar os tratados concluídos por outros Estados e não interferir na sua execução.
9. Tratados sucessivos (Art. 30 da CVDT de 1969 2). No caso de tratados bilaterais, a rigor não se pode
falar em conflito mesmo quando os seus dispositivos parecem ser incompatíveis; trata-se de questão de
interpretação em que a boa-fé deve prevalecer. A dificuldade aumenta se um tratado bilateral entra em conflito
com outro multilateral, ou no caso de conflito entre dois tratados multilaterais. Várias soluções têm sido
apresentadas, mas sem resposta pacífica. Quanto aos membro da ONU, a sua Carta é clara: “No caso de conflito
entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude da presente Carta e as obrigações resultantes
de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta”
(art. 103). A Convenção de 1969, ao reconhecer no artigo 53 as normas jus cogens, diz ser nulo o tratado que
conflite com norma imperativa de direito internacional geral. Assim, o jus cogens e a Carta das Nações Unidas
são hierarquicamente superiores aos demais tratados, mas por motivos diferentes. É errado considerar todos os
artigos da Carta como sendo de jus cogens, pois alguns podem ser modificados pela vontade das partes. Seja
como for, ocorrendo incompatibilidade entre os textos de dois tratados, a solução não consiste em considerar
um deles como nulo, visto que por meio de interpretação judiciosa e de boa-fé é possível na maioria dos
casos demonstrar que os dois textos podem ser mantidos.

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Artigo 30 – Aplicação de Tratados sucessivos sobre a mesma matéria: 1 – Sem prejuízo do disposto no art. 103 da Carta das Nações
Unidas, os direitos e obrigações dos Estados Partes em tratados sucessivos sobre a mesma matéria são determinados de acordo com os
números seguintes. 2 – Quando um tratado estabelece que está subordinado a um tratado anterior ou posterior ou que não deve ser
considerado incompatível com esse outro, prevalecem as disposições deste último. (se o segundo tratado dispõe que ele se subordina ao
primeiro tratado OU dispõe que ele, segundo, não pode conflitar com o primeiro, então o primeiro prevalece sempre) 3 – Quando todas as
Partes no tratado anterior são também Partes no tratado posterior, sem que o tratado anterior tenha cessado de vigorar ou sem que a
sua aplicação tenha sido suspensa nos termos do artigo 59, o tratado anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam
compatíveis com as do tratado posterior. (quando houver conflito entre tratados e as partes do primeiro são as mesmas partes do
segundo, então se aplica a regra “o posterior revoga o anterior onde houver incompatibilidade”) 4 – Quando as partes no tratado anterior
não são todas as Partes no tratado posterior: a) Nas relações entre Estados Partes nos dois tratados é aplicável a norma anunciada no nº
3; (quando houver conflito entre tratados e as partes do primeiro NÃO são exatamente as mesmas partes do segundo tratado, então se
aplica a regra “o posterior revoga o anterior” apenas para aquelas partes que façam parte dos dois tratados); b) Nas relações entre um
Estado Parte em ambos os tratados e um Estado Parte apenas num deles, o tratado no qual os dois tratados são Partes rege os seus
direitos e obrigações recíprocos. (Quando houver dois tratados e as partes do primeiro tratado NÃO são exatamente as mesmas partes
do segundo tratado, então cada tratado se aplica às partes que o assinaram. Aí está o grande problema não resolvido pela Convenção: E
se eles forem incompatíveis? Se eu tiver que cumprir um tratado com um país, mas, com isso, inviabilizar o tratado com o outro país, qual
prevalece? A melhor doutrina propõe que se cumpra o mais antigo, pois o segundo foi gerado ilicitamente).

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10. Nulidades. Conceito. Apesar de alguns autores afirmarem que os vícios de consentimento geram a
anulabilidade do tratado, outros autores elencam causas de anulabilidade (efeitos ex nunc) e, simultaneamente,
causas de nulidade do tratado (efeitos ex tunc). Conceito de nulidade por Accioly. A nulidade ocorre em virtude
de erro, dolo, corrupção do representante do estado, coerção exercida sobre o referido representante e
coerção decorrente de ameaça ou emprego de força, além da adoção de tratado com desconhecimento do jus
cogens. Segundo ACR, a convenção de Viena sobre direitos dos tratados estabelece a nulidade por vicio de
competência e por vicio de consentimento (visto acima) e que há, ainda, o vício sobre a licitude do objeto
(violação a norma jus cogens); estas 3 modalidades de vícios são chamadas por ele de “patologias” e possuem
efeitos ex tunc. Em relação a nulidade por vicio de competência, o art. 46, item II da CVDT estabelece que um
tratado é nulo quando violar dispositivo interno fundamental sobre competência para celebrar tratado. Assim, a
normativa interna de um Estado pode influenciar a validade de um Tratado Internacional.

11. Suspensão da Aplicação do Tratado. Previsão no Tratado. A suspensão do tratado ocorre quando o
ato internacional deixa de gerar efeitos jurídicos em caráter temporário, de forma parcial ou total. A
possibilidade de suspensão do tratado deve estar prevista nele ou ser objeto de acordo entre as partes (que
pode ser posterior). É possível que apenas algumas das partes de um tratado multilateral pretendam suspender
entre si a eficácia das disposições, desde que (i) haja previsão no tratado, (ii) não haja proibição pelo tratado
nem seja incompatível com seu objeto e finalidade; (iii) não prejudique os demais Estados-parte; (iv) salvo se o
tratado dispuser em contrário, haja notificação aos demais Estados-parte da intenção de concluir o acordo e
suas disposições que serão suspensas. O rompimento das relações diplomáticas não gera suspensão. Efeitos da
suspensão: liberação das partes durante o período da suspensão.

Suspensão devido a violação substancial do tratado. Violação substancial autoriza a


suspensão/extinção do tratado, que significa: (a) rejeição do tratado não sancionada pela CVDT; ou (b) violação
de disposição essencial para o objeto ou finalidade do tratado. Não é possível suspender/extinguir disposições
sobre a proteção da pessoa humana contidas em tratados de caráter humanitário. Tratado bilateral: a violação
por uma das partes autoriza a outra a invocar tal transgressão como causa de extinção ou de suspensão da
execução do tratado. Tratados multilaterais: diante de violação substancial, há três possibilidades: (a) As outras
partes, por consentimento unânime, suspendem/extinguem o tratado nas relações (i) entre elas e o Estado
faltoso ou (ii) entre todos, no todo ou em parte; (b) O Estado especialmente prejudicado suspende o tratado
entre ele e o Estado faltoso (c) Qualquer Estado suspende o tratado, no que lhe diga respeito, apenas se houver
mudança radical da situação de cada uma das partes quanto ao cumprimento posterior de suas obrigações. Os
arts. 57 a 60 da CVDT não prejudicam qualquer disposição do tratado aplicável em caso de violação.

12. Modalidades de extinção. É a eliminação da validade do tratado no Direito internacional. Tratado


pode ser extinto pela: a) execução integral; b) vontade comum das partes (ab-rogação), a qual pode ser prévia
(pré-determinação ab-rogatória, quando o tratado traz cláusula prevendo o seu lapso temporal de vigência) ou
posterior (decisão ab-rogatória superveniente), esta pode ser expressa ou tácita; c) impossibilidade de execução
(não pode ser alegada por quem deu causa à impossibilidade); d) mudança imprevisível de circunstâncias
fundamentais (cláusula rebus sic stantibus): (d.1) mudança em relação às circunstâncias do momento da
conclusão do tratado: (i) Regra geral: mudança fundamental de circunstância não prevista pelas partes quando
da conclusão do tratado não autoriza a extinção/suspensão do tratado. (ii) Exceção: (a) circunstância era
condição essencial do consentimento; e (b) a mudança alterou radicalmente o alcance das obrigações a serem
cumpridas. (d.2) mudança em relação a outras circunstâncias: (i) Regra geral: mudança fundamental de
circunstância (não relacionada ao momento de conclusão do tratado) autoriza extinção/suspensão do tratado.
(ii) Exceções: (a) se o tratado estabelecer limites; ou (b) se a mudança decorrer de violação pela parte que a
invoca; e) superveniência de jus cogens que o torne nulo (se o jus cogens é violado já na formação, o tratado é
nulo, se é superveniente, extingue); f) cumprimento de dada condição resolutiva; g) ato unilateral, que é a
denúncia, a qual só será permitida nos tratados que preveem essa possibilidade, salvo se puder extrair da
natureza do tratado ou as partes acordem nesse sentido. No caso da denúncia permitida, há a cláusula de pré-

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aviso: a parte deverá notificar, com pelo menos doze meses de antecedência, a sua intenção de denunciar ou de
se retirar de um tratado. O presidente precisa consultar o congresso para fazer a denúncia de um tratado.

No que diz respeito aos tratados multilaterais, estes somente serão extintos na hipótese de um número
de partes ser inferior a um determinado número mínimo, se tal circunstância estiver prevista em suas normas
(Portela, 2014, p. 125). Situações que não geram a extinção dos tratados: a) a impossibilidade temporária
(enseja apenas a suspensão); e b) o rompimento de relações diplomáticas e consulares, salvo se tais relações
forem indispensáveis à aplicação do ato.
Os efeitos da extinção são ex nunc, ou seja, da data da extinção em diante.

7A. Interpretação dos tratados no âmbito internacional e no âmbito nacional. Controle de convencionalidade de
matriz internacional e de matriz nacional. Diálogo entre os órgãos judiciais nacionais e internacionais. Conflito
entre decisão nacional e internacional.

Igor Lima Goettenauer de Oliveira


Obras consultadas: em especial, RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. 6ª ed. 2018.

1 INTERPRETAÇÃO DOS TRATADOS NO ÂMBITO INTERNACIONAL E NO ÂMBITO NACIONAL

1.1 Noções gerais

As regras gerais de interpretação dos tratados são aquelas dispostas, em especial, entre os arts. 31 a 33
da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT/1966). Como regra geral, os tratados deverão ser
interpretados de acordo com a boa-fé, o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à
luz de seu objetivo e finalidade (ACR chama de “interpretação em boa-fé”). Métodos: interpretação poderá ser
autêntica, governamental, jurisdicional e doutrinária, podendo levar em consideração os costumes e acordos
posteriores (relativos à interpretação do tratado e suas aplicações). Além desses meios, podem ser empregados
métodos suplementares, dentre eles: as circunstâncias de conclusão do acordo, os trabalhos preparatórios, o
preâmbulo do acordo e seus anexos. Para dirimir os conflitos advindos das diferentes traduções feitas do
tratado, a CVDT estabelece que todas as versões autênticas do ato, ainda que em língua diversa da dos Estados
envolvidos, têm fé e são iguais entre si. Entretanto, uma das versões poderá prevalecer para fins de
interpretação caso as partes assim decidam no texto do acordo ou no caso concreto. Também é possível que um
tratado possua regras próprias de interpretação, como a Convenção de Haia (art. 16).

1.2 Interpretação dos tratados internacionais de direitos humanos

A partir dos princípios da Convenção de Viena, a jurisprudência internacional construiu os princípios


vetores da interpretação dos tratados sobre direitos humanos. São os seguintes:

a) Princípio da interpretação pro homine: origina-se dos regime objetivo dos tratados internacionais de direitos
humanos. Pode ser sintetizado em três diretrizes (ACR): 1. Impõe uma interpretação sistemática do conjunto de
normas de direitos humanos, de modo a reconhecer direitos inerentes, ainda que implícitos; 2. A interpretação
de eventuais limitações de direitos contidas nos tratados internacionais deve ser restritiva; 3. Este princípio deve
ser levado em consideração na análise de omissões e lacunas das normas de direitos humanos
b) Princípio a máxima efetividade: consiste em assegurar às disposições convencionais seus efeitos próprios,
evitando-se que sejam consideradas meramente programáticas, devendo a interpretação contribuir para o
aumento da proteção dada ao ser humano e para a plena aplicabilidade dos dispositivos convencionais.
c) Princípio da interpretação autônoma: os conceitos e termos inseridos nos tratados de direitos humanos
podem possuir sentidos próprios, distintos dos sentidos a eles atribuídos pelo direito interno, para dotar de
maior efetividades os textos internacionais de direitos humanos.
d) Princípio da interpretação evolutiva dos tratados de direitos humanos: o instrumento internacional de
direitos humanos deve ser interpretado de acordo com o sistema jurídico do momento de sua aplicação, sendo,
portanto, um instrumento vivo (living instrument).

22
e) Princípio da primazia da norma mais favorável ao indivíduo: nenhuma norma de direitos humanos pode ser
invocada para limitar, de qualquer modo, o exercício de qualquer direito ou liberdade já reconhecida por outra
norma internacional ou nacional. Tal princípio contribui para solucionar o conflito entre diplomas normativos
internos e internacionais.

1.3 A teoria da margem de apreciação

Adotada principalmente pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Está expressamente prevista no
preâmbulo do Protocolo n. 15 de alteração da Convenção Europeia de Direitos Humanos. A tese é baseada na
subsidiariedade da jurisdição internacional e prega que determinadas questões polêmicas relacionadas com as
restrições estatais a direitos protegidos devem ser discutidas e dirimidas pelas comunidades nacionais, não
podendo o juiz internacional apreciá-las. Exemplos de aplicação: Caso Handyside, Caso James, Caso Cossey. Esta
teoria é bastante criticada pela doutrina. ACR aduz que sua aplicação pode levar a “tratados internacionais
nacionais”, ou seja, quando os tratados internacionais passam a ser interpretados com os mesmos conceitos,
institutos etc. do direito interno, tornando o tratado inócuo. A aplicação da teoria ainda pode resultar em
relativismo dos direitos humanos.

2 CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DE MATRIZ INTERNACIONAL E DE MATRIZ NACIONAL

2.1 Contextualização do tema

a) O aparente conflito entre a decisão da Corte Interamericana no caso Gomes Lund e a decisão do STF na ADPF
1533, inconvencionalidade do desacato e discussão sobre possibilidade de candidaturas avulsas: para evitar
decisões aparentemente conflitantes, fruto do atual pluralismo normativo, André Ramos sugere, como
instrumento preventivo, o “Diálogo das Cortes” e a fertilização cruzada4 entre os tribunais. Mas, se o diálogo
inexistir ou for insuficiente, ele propõe adotar a teoria do duplo controle ou crivo de direitos humanos, que
reconhece a atuação em separado do controle de constitucionalidade e do controle de convencionalidade, o que
torna nítido a inexistência de conflito entre as citadas decisões, uma vez que cada tribunal age em esferas
distintas e com fundamentos diversos 5. Desse modo, os direitos humanos, no Brasil, possuem uma dupla
garantia6: o controle de constitucionalidade do STF e o controle de convencionalidade da Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH). Todo ato interno, não importa sua natureza ou origem, deve obediência aos dois crivos.
E caso não supere um deles, deve o Estado envidar todos os esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os
danos causados. Portanto, não cabe alegar coisa julgada ou efeito vinculante da ADPF 153 para obstar inquéritos
policiais ou ação penal que buscam aplicar a sentença interamericana. Atente-se, então, que a teoria do duplo
controle7 permite a convivência entre ordens normativas justapostas na defesa de direitos humanos. Outro ponto

3
Sobre o tema, ver documento da 2ª CCR/MPF indicado por ACR em suas aulas do curso Alcance: “2ª CCR - Workshop Internacional sobre Justiça de
Transição” - Documento nº 2/2011 da 2ª CCR, elaborado por: André de Carvalho Ramos, André Raupp e Andrey Borges Mendonça. Disponível em:
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/coordenacao/comissoes-e-grupos-de-trabalho/justica-transicao
4
Quando há influência de um tribunal sobre outro, o processo pode ser chamado de “fertilização cruzada”, termo que possui outras denominações,
algumas com pequenas variações de significado: intertextualidade, influência cruzada, interpretação comparativa, reenvio jurisprudencial, diálogo de
juízes, cosmopolitismo normativo, método comparado, etc. A ideia subjacente é a existência de um diálogo entre os juízes, que passam a se interessar,
estudar e utilizar as interpretações jurídicas desenvolvidas em outros tribunais, estrangeiros ou internacionais. Ver: Marcelo Dias Varella.
Internacionalização do direito: Direito internacional, globalização e complexidade, 2013, p. 176 e ss.
http://marcelodvarella.org/marcelodvarella.org/Teoria_do_Direito_Internacional_files/Internacionalizacao_do_direito_PDF_final%20%281%29_2.pdf

5
De um lado, o STF, no exercício do controle de constitucionalidade, na ADPF 153 (controle abstrato), por maioria dos votos, decidiu que a anistia aos
agentes da ditadura militar é a interpretação adequada da Lei da Anistia, e que esse formato amplo de anistia foi recepcionado pela ordem constitucional
de 1988. De outro lado, a Corte de San José, que é guardiã da Convenção Americana de Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos conexos, no
exercício do controle de convencionalidade, decidiu que a Lei da Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da ditadura. Mais: sequer as
alegações de prescrição, bis in idem e irretroatividade da lei penal gravior merecem acolhida. A partir dessa separação, é possível dirimir o conflito
aparente entre uma decisão do STF e da Corte Interamericana de Direito Humanos. (RAMOS. Processo Internacional de DH’s, 2016, p. 377)
6
O duplo controle/dupla garantia decorre da consagração da teoria do duplo estatuto dos tratados de DH’s no Brasil.
7
Em 2014, a teoria do duplo controle foi expressamente invocada em parecer do PGR na ADPF nº 320. ACR adverte que “podemos usar a teoria do duplo
controle não somente para os casos de Direitos Humanos, mas para todos os casos de aplicação de normas internacionais sujeitas a órgãos internacionais
de interpretação, como, p.ex., as normas da OMC, submetidas ao sistema de solução de controvérsias da organização, as normas mercosulinas,
submetidas às arbitragens ad hoc e ao Tribunal Permanente de Revisão, etc. Cf. RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade das ordens jurídicas: uma nova
perspectiva na relação entre o Direito Internacional e o Direito Constitucional. In: Revista da Faculdade de Direito da USP. V. 106/107 – jan-dez.
2011/2012, p. 25.

23
sensível de conflito entre a legislação nacional e as normas de direito internacional está relacionado à
inconvencionalidade do crime de desacato, por ferir a liberdade de expressão, conforme defende o MPF.
Contudo, o STF, rejeitou a tese (HC 143968 AgR/RJ, DJ 29.06.2018), em que pese o STJ ter, inicialmente, declarado
a inconvencionalidade do crime (vide REsp 1640084/SP, DJ 15.12.2016).

b) A interpretação nacional e o “truque de ilusionista” 8: o Estado brasileiro tem sido incoerente, porque, por um
lado, há plena adesão à internacionalização dos direitos humanos, porém, por outro, mantém uma interpretação
nacional quando da aplicação dessas normas internacionais no plano interno. A dicotomia apresentada -
universalismo na ratificação versus localismo na aplicação – é que representa o velho “truque de ilusionista” do
plano internacional, isto é, os Estados ratificam tratados, os descumprem cabalmente, contudo alegam que os
estão cumprindo, de acordo com a ótica nacional. Contribuía para isso o judex in causa sua, típico do Direito
internacional, pelo qual o Estado é o produtor, destinatário e intérprete de suas normas. Mas, a existência de
tantos órgãos internacionais, com jurisdição reconhecida pelos Estados, é de extrema valia para a eliminação
desse truque de ilusionista 9. Destarte, o esquema tradicional de aplicação do DIDH não é mais adequado,
porquanto não basta consagrar, formalmente, tais direitos no plano interno, com registro de seu estatuto
normativo de cunho constitucional ou supralegal, e, contraditoriamente, interpretá-los ao arbítrio nacional. É
necessário avançar na aceitação da interpretação internacionalista dos direitos humanos 10.

2.2 Controle de Convencionalidade:

a) Conceito: “consiste na análise da compatibilidade dos atos internos (comissivos ou omissivos) em face das
normas internacionais (tratados, costumes internacionais, princípios gerais de direito, atos unilaterais, resoluções
vinculantes de organizações internacionais).” 11

b) Efeitos: o controle de convencionalidade pode ter efeito negativo ou positivo 12


i) Controle destrutivo ou saneador de convencionalidade – representa o efeito negativo, que consiste na
invalidação das normas e decisões nacionais contrárias às normas internacionais.
ii) Controle construtivo de convencionalidade – é o efeito positivo, que consiste na interpretação
adequada das normas nacionais para que estas sejam conformes às normas internacionais, o que gera a
“interpretação conforme a convenção”.

c) Subcategorias do controle de convencionalidade: (i) de matriz internacional/autêntico ou definitivo; e (ii) de


matriz nacional/provisório ou preliminar.
i) Controle de convencionalidade de matriz internacional (autêntico ou definitivo): é o controle
atribuído a órgãos internacionais compostos por julgadores independentes, criados por tratados internacionais,
para evitar que os próprios Estados sejam, ao mesmo tempo, fiscais e fiscalizados, criando a indesejável figura do
judex in causa sua. Quanto aos direitos humanos, exercitam o controle de convencionalidade internacional os
tribunais internacionais de direitos humanos, os comitês onusianos, entre outros. O controle de
convencionalidade internacional é fruto da ação do intérprete autêntico – os órgãos internacionais. Por isso, ACR
prefere utilizar o termo “controle de convencionalidade” para referir ao controle de matriz internacional.
ii) Controle de convencionalidade de matriz nacional (provisório ou preliminar): – representa o exame
de compatibilidade do ordenamento interno diante das normas internacionais incorporadas, realizado pelos
próprios juízes internos. Esse controle nacional foi consagrado na França em 1975, quando o Conselho
Constitucional decidiu que não lhe cabia a análise da compatibilidade de lei com tratado internacional, em vista
8
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de DH’s, 2016, p. 32 e 33.
9
ACR destaca no curso Alcance a importância dos precedentes e dos pareceres consultivos das Cortes Internacionais, pois atestam o real alcance e sentido
da norma internacional, fornecendo o marco da interpretação internacionalista, e combatendo o truque de ilusionista da interpretação nacional. Os
pareceres interpretativos de normas americanas de DH’s compõem o controle de interpretação das citadas normas, demonstrando a orientação em
abstrato da Corte para os operadores internos do Direito. Já os pareceres sobre a compatibilidade de leis ou projetos de leis internos com a Convenção
formam o controle de convencionalidade internacional em abstrato estipulado pelo Pacto de San José. Ambos os controles prescindem de litígio ou de
vítimas, porém, os pareceres são considerados não vinculantes.
10
Sobre interpretação dos tratados de direitos humanos e a releitura do princípio da primazia da norma mais favorável ao indivíduo, ver: Teoria Geral dos
DH’s na Ordem Internacional, 2016, p. 55. Assunto tb retratado no artigo do ACR: “STF e o Controle de Convencionalidade”, 2009.
11
RAMOS, André de Carvalho. Curso de DH’s, 2016, p. 494-495.
12
Sarmento também trabalha com os conceitos de controle destrutivo e construtivo de constitucionalidade, a partir da distinção feita por Néstor Pedro
Sagüés. Ver: Daniel Sarmento. Direito Constitucional, Teoria, História e Métodos de Trabalho. 2ª ed. 2014, p. 53.

24
do art. 55 da Constituição francesa sobre o estatuto supralegal dos tratados. Assim, essa missão caberia aos juízos
ordinários, sob o controle da Corte de Cassação e do Conselho de Estado 13. No Brasil, o controle de
convencionalidade nacional na seara dos direitos humanos consiste na análise da compatibilidade entre as leis (e
atos normativos) e os tratados internacionais de direitos humanos, realizada pelos juízes e tribunais brasileiros,
no julgamento de casos concretos, nos quais se deixam de aplicar os atos normativos que violem o referido
tratado14.
 OBSERVAÇÃO (ACR): O chamado controle de convencionalidade de matriz nacional é, na realidade,
um controle nacional de legalidade, supralegalidade ou constitucionalidade, a depender do estatuto
dado aos tratados incorporados. O autêntico controle de convencionalidade de tratado internacional é
aquele realizado no plano internacional. Cabe o lembrete que, mesmo se o juiz nacional realizar o
controle de convencionalidade dito nacional, este não vincula o juiz internacional. Dessa forma, nem
sempre os resultados do controle de convencionalidade internacional coincidirão com os do controle
nacional15. Exemplo disso é a apreciação pelo STF da compatibilidade da Lei da Anistia brasileira (Lei n.
6.683/79) com a Convenção Americana de Direitos Humanos, que não vincula a Corte Interamericana de
Direitos Humanos. A Corte de San José, por sua vez, faz o controle de convencionalidade autêntico, que
pode coincidir ou não com a posição nacional. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, quando do
julgamento do caso Almonacid Arellano y otros v. Chile, passou a exigir que o Poder Judiciário de cada
Estado Parte do Pacto de São José da Costa Rica exerça o controle de convencionalidade das normas
jurídicas internas que aplica aos casos concretos.

d) Diferenças entre controle de convencionalidade internacional e o controle de convencionalidade nacional: i)


quanto ao parâmetro de confronto e objeto do controle; ii) quanto à hierarquia do tratado-parâmetro; iii) quanto
à interpretação.

i) Quanto ao parâmetro de confronto e objeto do controle:


- Controle de convencionalidade internacional - parâmetro de confronto: é a norma internacional, em geral um
determinado tratado e o objeto desse controle é toda norma interna, não importando a sua hierarquia nacional.
Os tribunais internacionais podem, p.ex., analisar a compatibilidade de uma norma oriunda do Poder Constituinte
Originário com as normas previstas em um tratado internacional de DH’s.
- Controle de convencionalidade nacional - o parâmetro de confronto é o mesmo: a norma internacional, porém ,
os juízes e os tribunais internos não ousam submeter uma norma do Poder Constituinte Originário à análise da
compatibilidade com um determinado tratado de direitos humanos. Assim, há limite de objeto do controle de
convencionalidade nacional, o que o restringe. O STF, em precedente antigo, já sustentou que “não tem jurisdição
para fiscalizar a validade das normas aprovadas pelo poder constituinte originário” (ADI 815, Rel. Min. Moreira
Alves, julgamento em 28-3-1996, Plenário, DJ de 10-5-1996).

ii) Quanto à hierarquia do tratado-parâmetro:


- Controle de convencionalidade nacional - a hierarquia do tratado-parâmetro depende do próprio Direito
Nacional, que estabelece o estatuto dos tratados internacionais. No caso brasileiro, há tratados de direitos
humanos de estatura supralegal e constitucional, na visão atual do STF (RE 466.343).
- Controle de convencionalidade internacional - o tratado de DH’s é sempre a norma paramétrica superior. Todo o
ordenamento nacional lhe deve obediência, inclusive as normas constitucionais originárias.

iii) Quanto à interpretação:

13
O uso da expressão "controle de convencionalidade", na França, em 1975, para se referir ao controle doméstico de supralegalidade dos tratados,
explica-se pela fraqueza do controle de convencionalidade internacional na época, pois o sistema europeu não havia atingido a grandeza de hoje. Sobre o
tema, ver: Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional, 2016, p. 112-113. Sobre o primeiro caso contencioso da Corte Europeia de DH’s -
caso Lawless, em que já se discutia a margem de apreciação, ver p. 86 do citado livro. Sobre a teoria da margem de apreciação, ver: Teoria Geral dos
DH’s, p. 56.
14
“Mas, este controle de convencionalidade não pode se limitar a meramente citar o texto da convenção ou tratado de Direitos humanos: urge que o
Brasil, por meio do seu tribunal maior – o Supremo tribunal Federal, exercite um controle de convencionalidade aplicado, ou seja, que utilize a
interpretação realizada pelos intérpretes finais destas normas de tratados de Direitos Humanos que são os órgãos internacionais de Direitos humanos
instituídos por estes citados tratado”. Cf. André C. Ramos. STF e o Controle de Convencionalidade: levando a sério os tratados de direitos humanos .
2009, p. 5.
15
Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional, 2016, p. 112-113.

25
- Controle de convencionalidade nacional - há tribunais internos que se socorrem de normas previstas em tratados
sem sequer mencionar qual é a interpretação dada a tais dispositivos pelos órgãos internacionais, levando a
conclusões divergentes (interpretação nacionalista). Isso desvaloriza a própria ideia de primazia dos tratados de
DH’s, implícita na afirmação da existência de um controle de convencionalidade.
- Controle de convencionalidade internacional - expressa o verdadeiro controle de convencionalidade, cuja
interpretação dos tratados de DH’s deve ser feita, em última análise, pelos tribunais internacionais, por isso
denominado de controle de convencionalidade autêntico ou definitivo (interpretação internacionalista).

É claro que o controle nacional é importante, ainda mais se a hierarquia interna dos tratados for
equivalente à norma constitucional ou quiçá supraconstitucional. Porém, esse controle nacional deverá obedecer
a interpretação ofertada pelo controle de convencionalidade internacional. ACR defende que os controles
nacionais e o controle de convencionalidade internacional interajam, permitindo o diálogo e a fertilização cruzada
entre o Direito Interno e o Direito Internacional, em especial quanto às interpretações fornecidas pelos órgãos
internacionais, cuja jurisdição o Brasil reconheceu 16.

e) Abertura da constituição brasileira ao controle de convencionalidade 17

Afirma Walter Rothenburg que a “Constituição brasileira não veda (e tal vedação não teria validade no
âmbito internacional) que se realize o controle de convencionalidade por corte internacional, ainda que o mesmo
ato tenha sido objeto de controle de constitucionalidade em âmbito interno”. É possível afirmar que nossa
Constituição admite e até estimula essa abertura, uma vez que:
Estabelece como princípios das relações internacionais a “prevalência dos direitos humanos” (art. 4º, II) e a
“solução pacífica dos conflitos” (art. 4º, VII);
- Não exclui outros “direitos e garantias” fundamentais decorrentes dos tratados internacionais (art. 5º,
§2º) e atribui a estes a possibilidade de serem aprovados com equivalência às EC (art. 5º, § 3º);
- Acata a “jurisdição de Tribunal Penal Internacional” (art. 5º, §4º) e pugna “pela formação de um tribunal
internacional dos direitos humanos” (art. 7º do ADCT);
- Autoriza o deslocamento de competência para a investigação e julgamento de graves violações de
direitos humanos, “com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados
internacionais de direitos humanos” (art. 109, §5º).

3 DIÁLOGO ENTRE OS ÓRGÃOS JUDICIAIS NACIONAIS E INTERNACIONAIS

3.1 Conceito

ACR trata do “Diálogo das Cortes” como a necessária permeabilidade nas decisões nacionais da
interpretação internacionalista dos direitos humanos, a partir do reconhecimento pelo Brasil dos mecanismos
de controle (os treaty-bodies) e da jurisdição contenciosa dos Tribunais Internacionais. Tal “Diálogo de Cortes”
expressa a compatibilidade que deve haver entre o controle de convencionalidade nacional e o controle de
convencionalidade internacional. Entretanto, tece uma crítica à ausência deste diálogo nas decisões do Supremo
Tribunal Federal, pois o tribunal, apesar de em muitos casos fazer menção expressa a determinados tratados
internacionais, não adota um parâmetro transparente a partir da interpretação da Cortes Internacionais, o que
em alguns casos gera a “interpretação nacional dos tratados internacionais de direitos humanos”. André de
Carvalho Ramos cita como exemplos, casos envolvendo o duplo grau de jurisdição, o depositário infiel, direito
de presença, direito de audiência, devido processo legal, entre outros, nos quais o STF faz referência à
Convenção Americana de Direitos Humanos, sem contudo, apreciar qualquer dos precedentes da Corte
Interamericana acerca dessas normas.

3.2 Mecanismos de supervisão e controle dos direitos humanos já ratificados pelo Brasil

16
Sarmento destaca que “a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem firme jurisprudência no sentido de que o exercício do controle de
convencionalidade, que tem por parâmetro não só o texto da Convenção Interamericana, mas a sua interpretação por aquele tribunal, é um dever dos
juízes e tribunais nacionais, decorrente da sua vinculação ao Pacto Interamericano”. Nesse sentido foi expresso pela CIDH no Caso Almonacid Arellano y
otros v. Chile (2006). Ver: Daniel. Direito Constitucional, Teoria, História e Métodos de Trabalho – 2ª ed. 2014, p. 52 (nota de rodapé 106).
17
Cf. ROTHENBURG, Walter Claudius. Constitucionalidade e convencionalidade da Lei de Anistia brasileira. Revista Direito GV – jul-dez. 2013, p. 3.

26
Em 1998, o Estado brasileiro reconheceu a jurisdição obrigatória e vinculante da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, órgão da Convenção Americana de Direitos Humanos; em 2002, o Brasil aderiu ao
Protocolo Facultativo à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher,
conferindo, então, poder ao seu Comitê para receber petições de vítimas de violações de direitos protegidos
nesta Convenção; em 2002, o Brasil também reconheceu a competência do Comitê para a Eliminação de Toda a
Forma de Discriminação Racial para receber e analisar denúncias de vítimas de violação de direitos protegidos
pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, por ato internacional
depositado junto ao Secretariado Geral da ONU; em 2006, o Brasil reconheceu a competência do Comitê contra
a Tortura para receber e analisar petições de vítimas contra o Brasil. Em 2007, o Brasil adotou o Protocolo
Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes,
que estabelece a competência, para fins preventivos, do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes do Comitê contra a Tortura; o Brasil reconheceu a
competência do Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência para receber petições de vítimas de violações
desses direitos; em 2009, o Brasil deu um passo adiante, após o Congresso ter aprovado a adesão brasileira ao
Primeiro Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; houve sua ratificação em 25
de setembro de 2009, permitindo a propositura de petições de vítimas de violações de direitos protegidos no
citado Pacto ao Comitê de Direitos Humanos.
3.3 Parâmetros do diálogo entre cortes
Conforme ACR, podem servir como parâmetro: a menção aos dispositivos vinculantes, tanto
convencionais como extraconvencionais de direitos humanos; menção a existência de caso internacional contra
o Brasil que seja objeto da mesma análise e as consequências que isso poderia gerar ao país; menção a
existência de precedentes aptos a vincular o Brasil; o peso dado aos dispositivos de direitos humanos e à
jurisprudência internacional.
3.4 Casos em que o STF realizou o “Diálogo de Cortes”
No RE 511.961, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, em que este analisou a Opinião Consultiva
número 5 da CIDH, para deliberar sobre a exigência ou não do diploma de jornalista, acolhendo a última
hipótese, em prol da liberdade de expressão e de acordo com o precedente internacional. Mais recentemente o
voto (vencido) do Ministro Relator Edson Fachin, na Ext. 1362 faz um diálogo com precedentes internacionais e
adota a interpretação internacionalista para a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, em
consequência de ser norma do costume internacional, conforme já adotado em outros precedentes.

4 CONFLITO ENTRE DECISÃO NACIONAL E INTERNACIONAL

4.1 Conceito e contexto

Dá-se tal conflito quando há um choque entre decisões judiciais nacionais e decisões da jurisdição
internacional. Exemplo: Constitucionalidade da Lei de Anistia (ADPF 153) x Caso Gomes Lund (Corte IDH). Em
um primeiro momento, a decisão desconsiderou a construção jurídica internacional acerca dos direitos
humanos como “normas jus cogens” desde a Convenção de Viena de 1969, característica que coloca para os
Estados o dever de respeitar os tratados e Convenções que versem sobre a proteção da humanidade, ainda que
não venham a assinar ou ratificar tais instrumentos. Em um segundo momento, a decisão da ADPF 153 afastou
as problematizações feitas pelo DIP, o diálogo jurisprudencial entre as Cortes e outros instrumentos jurídicos
que cuidam do controle sobre as normas convencionadas. Aliás, era obrigação da Suprema Corte realizar o
controle de convencionalidade acerca do Pacto de San José da Costa Rica, pois desde setembro de 2006, com o
Caso Almonacid Arellano x Chile, a Corte Interamericana havia estipulado expressamente que o controle de
convencionalidade caberia preferencialmente a ela, porém, não obstaria os judiciários internos, devido ao fato
de que as normativas de direitos humanos integram o “bloco de constitucionalidade” dos países membros.
Neste aspecto, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do Ministério Público Federal redigiu um
parecer em 2011, no qual elencou as possibilidades diante da condenação da CIDH e da decisão da ADPF 153,
com a assertiva de ser impossível o não cumprimento da Sentença Gomes Lund. Segundo ACR:

No caso da ADPF 153, houve o controle de constitucionalidade. No caso Gomes Lund,


houve o controle de convencionalidade. A anistia aos agentes da ditadura, para

27
subsistir, deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles, mas só passou (com votos
contrários, diga-se) por um, o controle de constitucionalidade. Foi destroçada no
controle de convencionalidade. Cabe, agora, aos órgãos internos (Ministério Público,
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) cumprirem a sentença internacional. A
partir da teoria do duplo controle, agora deveremos exigir que todo ato interno se
conforme não só ao teor da jurisprudência do STF, mas também ao teor da
jurisprudência interamericana, cujo conteúdo deve ser estudado já nas Faculdades de
Direito. Só assim será possível evitar o antagonismo entre o Supremo Tribunal Federal
e os órgãos internacionais de direitos humanos, evitando a ruptura e estimulando a
convergência em prol dos direitos humanos. (p.503).

4.2 A regra da proibição de agir como “quarta instância” e o efeito da cláusula temporal no reconhecimento
da jurisdição da Corte IDH

Após o julgamento da APDF 153, o Brasil peticionou perante a Corte IDH arguindo mais uma exceção
preliminar: a existência de uma decisão da mais Alta Corte brasileira levaria à Corte IDH a um papel proibido, de
ser uma “quarta instância” judicial, reformando o julgamento local. Entretanto, a jurisdição interamericana de
direitos humanos aprecia a conduta do Estado brasileiro em face da Convenção Americana de Direitos
Humanos. Não há, então, nenhuma pretensão de rescindir julgados nacionais, mas sim em obrigar o Estado a
respeitar os direitos humanos.

4.3 A visão negacionista e a inconstitucionalidade da denúncia da Convenção Americanade Direitos Humanos

Conforme ACR, o reconhecimento da jurisdição da Corte foi considerado “cláusula pétrea” do sistema
interamericano. Assim, a Corte considerou inadmissível a pretendida denúncia peruana, que não gerou qualquer
efeito, continuando a apreciar os chamados casos do Tribunal Constitucional e IvcherBronstein, ambos contra o
Peru. Assim, o efeito cliquet ou proibição do retrocesso impediria que a denúncia brasileira (consequência
natural da postura negacionista) pudesse ser feita sem que fosse gerado verdadeiro trauma na coerência da
interpretação dos direitos humanos no Brasil.

4.4 A teoria do duplo controle: o controle de constitucionalidade e o controle de Convencionalidade

A teoria do duplo controle busca superar o “truque de ilusionista”, bem como o fenômeno dos “tratados
internacionais nacionais” (também chamada por ACR de “internacionalização ambígua ou imperfeita dos
direitos humanos). A aplicação da teoria do duplo controle será necessária no caso de inexistência ou
insuficiência do diálogo das Cortes ou de uma “fertilização cruzada”, em prol dos direitos humanos. Tal teoria
assevera que há um controle interno, o controle de constitucionalidade (realizado pelos juízes locais e pelo STF),
mas também há o controle de convencionalidade (autêntico), realizado a partir dos tratados ou fontes
extraconvencionais pelos tribunais internacionais. Sendo assim, sem uma possível violação aos direitos humanos
passar na análise interna, pelo controle de constitucionalidade, terá ainda de passar pelo segundo controle, o de
convencionalidade.
Para André de Carvalho Ramos não há conflito insolúvel entre as decisões do STF e da Corte de San José,
uma vez que ambos os tribunais têm incumbência de proteger os direitos humanos. Os direitos humanos
possuem assim uma dupla garantia: o controle de convencionalidade e o controle de constitucionalidade.
Eventuais conflitos são apenas conflitos aparentes, fruto do pluralismo normativo da atualidade, aptos a serem
solucionados pela via hermenêutica. Em 2014, a teoria do duplo controle foi expressamente invocada em
parecer pelo PGR na ADPF n. 320.

12C. Fases de formação e incorporação do tratado ao direito brasileiro. Acordo Executivo e o Direito Brasileiro.
Modo de formação e incorporação das fontes internacionais extraconvencionais ao Direito Brasileiro

Isadora Carvalho

28
I. Fases de formação e incorporação dos tratados ao Direito Brasileiro: A formaçao e incorpotação dos
trabados do Direito Brasileiro passa por quatro fases: Fase de Assinatura / Fase Executiva: a primeira fase do
processo de formação e incorporação dos tratados ocorre no plano internacional, são as negociações
preliminares e a assinatura. Durante as negociações, há uma fase intermediária de votação entre os
negociantes, para aprovação do texto, o que se dá pela maioria de 2/3 dos membros (art. 9o (2) da Convenção
de Viena sobre Direitos dos Tratados - CVDT). A assinatura, em virtude do princípio da boa fé (princípio geral de
direito internacional) implica em que os signatários não podem atuar de modo a comprometer o objeto do
tratado, ainda que não vincule à ratificação. Fase Congressual / Fase do Decreto Legislativo: a segunda fase é
interna, consiste no referendo congressual (art. 49, I, CF), de competência exclusiva do congresso nacional (a
votação é separada, ocorre primeiro na Câmara e depois no Senado), o que se faz por meio de decreto
legislativo, o qual é aprovado por 3/5 em dois turnos, se seguir o rito do art. 5o, §3o, nos tratados de direitos
humanos, ou por maioria simples nos demais tipos de tratados. O referendo congressual autoriza o Presidente
da República a ratificar o tratado no plano internacional. Fase de Ratificação: a terceira fase é a ratificação,
ocorre no plano internacional, sendo o ato administrativo discricionário, pelo qual o Presidente da República
confirma a assinatura anteriormente aposta, declarando a vontade do Estado em definitivamente fazer parte do
tratado. Esta é a fase do consentimento, que dá eficácia ao tratado no plano internacional. Pode se dar por:
troca de notas (tratados bilaterias) ou depósito do instrumento de ratificaçaõ (tratados multilaterais). Fase de
Promulgação / Fase do Decreto de Promulgação: a quarta fase consiste na promulgação e publicação do
Tratado no Diário Oficial, por meio de Decreto do Presidente da República, ato que dá eficácia interna ao
tratado. Não há previsão do decreto de promulgação na CF. Trata-se de costume constitucional e de requisito
para o controle de constitucionalidade do tratado internacional. ACR entende ser desnecessário o decreto
executivo para qualquer tratado, defendendo a teoria da junção de vontades restrita (a publicidade da
ratificação e a entrada em vigor internacional deve ser só atestada no DOU por meio de “aviso de ratificação e
entrada em vigor”, efeito declaratório. Sintonia entre a validade internacional e a interna), pois, exigir o decreto
executivo sem que a CF preveja pode expor o Brasil à responsabilização internacional em caso de delonga na sua
edição.

II. Acordo executivo e Direito Brasileiro: os acordos executivos (executive agreements) ou tratados de forma
simplificada são tratados celebrados pela mera assinatura. Trata-se de acordo que requer menos etapas de
expressão do consentimento e normalmente requerem somente a participação do Poder Executivo em seu
processo de conclusão, prescindindo de ratificação. Tal forma é mais adequada a tratados que simplesmente
dão execução a outro tratado de escopo mais amplo, como ocorre com o ajuste complementar, ou que não
acarretem assunção de novos compromissos. No Brasil, verifica-se a existência de acordos executivos, a saber:
tratados que interpretam outro tratado ou que decorrem de ato internacional anterior, a exemplo dos acordos
complementares e acordos de modus vivendi que meramente estabelecem as bases para entendimentos
futuros que visam a manutenção do status quo, bem como os atos referentes à rotina da atividade diplomática,
como os pactos de “no contrahendo”, precedentes às negociações internacionais. Ressalte-se que a
possibilidade de acordo executivo depende da previsão de recursos orçamentários e da reversibilidade.

III. Modo de formação e incorporação das fontes extraconvencionais ao Direito Brasileiro: No direito
internacional, as fontes extraconvencionais são: costumes internacionais, princípios gerais de direito comum aos
Estados e do Direito Internacional, resoluções vinculantes de organização internacionais e atos unilaterais.
III.I. No caso do DIPr, ACR entende que: i) na jurisdição internacional, há costume internacional claro na
determinação dos limites da jurisdição de cada Estado"; ii) na cooperação jurídica internacional, o costume
internacional tem alcance limitado ao reconhecimento do dever genérico de cooperar, que, contudo, não
elimina a possibilidade de o Estado negar-se a cooperar alegando desrespeito à sua ordem pública; iii) no
concurso ou concorrência de leis, não há prática uniforme dos Estados no tocante aos métodos ou ainda no que
tange à aplicação da lei estrangeira sem exceção aos fatos transnacionais da vida privada. Mesmo os Estados
que habitualmente reconhecem e aplicam leis estrangeiras mantêm a cláusula de respeito à ordem pública
como fator de exclusão da norma estrangeira.
III.II. Já os princípios consistem em enunciados gerais que auxiliam a interpretação ante lacunas das normas
expressas no ordenamento, bem como balizam a interpretaçao das demais normas. No Direito Internacional,
são de duas espécies: princípios gerais de Direito comuns aos Estados e princípios gerais extraídos do próprio
direito internacional. Assim, funcionam como instrumentos de ordenação sistemáatica formal e material do

29
ordenamento e como mecanismo de atualização normativa. No DIPr, extrai-se alguns princípios da ordem
internacional, sejam eles: o princípio da proteção e respeito à dignidade humana, o princípio da igualdade de
tratamento e vedação da discriminação, o princípio da autonomia da vontade e da proteção da parte vulnerável,
o princípio da proteçao da diversidade cultural, o princípio da cooperação internacional leal, o princípio do
respeito ao acesso à justiça e ao devido processo legal, e o princípio da segurança jurídica ou da uniformidade
de tratamento (tratados no ponto 1B)
III.III. A Constituição da República foi omissa ao tratar das fontes extraconvencionais, limitando-se a falar dos
tratados internacionais. Todavia, os costumes e princípios gerais são fontes principais do Direito Internacional,
considerando-se fontes, também, os atos unilaterias e as resoluções vinculantes. Mesmo com esta omissão, o
STF aplica o costume internacional aos processos internos. ACR denomina esta aplicação direta de
“FENÔMENO DE IMPREGNAÇÃO”, pelo qual tais normas são aplicadas ao Direito Brasileiro sem Decreto
Legislativo, tampouco promulgação por Decreto Executivo. Exemplifica-se tal fenômeno com o litígio entre
Síria e Egito referente à propriedade de imóvel no Rio de Janeiro que antes da transferência da capital para
Brasília sediava a embaixada comum, decidindo o STF que o costume internacional da imunidade absoluta de
jurisdição deveria ser aplicado mesmo contrariando prceiros da LINDB e do CPC que estabeleciam ser o juízo
brasileiro o único competente para conhecer de ações reais sobre imóveis localizados no Brasil. Em 1989 o STF
decidiu pela supremacia do novo costume internacional da imunidade de jurisdição relativa e permitiu o trâmite
de ação trabalhista contra a República Democrática Alemã.O art. 114 da CF, determinou que a Justiça do
Trabalho é competente para conhecer causas contra "entes de direito público externo", mas, como pontuou o
Min. Rezek na época em seu voto, esse dispositivo apenas assegura a competência em casos nos quais o Brasil
possui jurisdição. Se o Direito Internacional negar jurisdição ao Brasil, o art. 114 queda inócuo. Mas, no caso
concreto, foi considerado o novo costume internacional da imunidade de jurisdição relativa, que possibilitava o
processamento de ações trabalhistas contra Estados estrangeiros. Todavia, apesar destas interpretações ainda
não há ainda um caminho seguro para o intérprete quanto ao processo de impregnação, vez que os costumes
vem sendo aproveitados de forma errática no STF, mais como um reforço às normas abertas da Constituição
(como a promoção da dignidade humana), sem maior previsibilidade.
Também não há uma praxe de se analisar a vontade do Estado brasileiro na aceitação do costume internacional.
Em várias passagens de votos, o STF dá a impressão de considerar o costume internacional uma realidade que se
impõe ao Estado brasileiro, não levando em consideração a necessidade de prova da aquiescência do Brasil,
como ente soberano que é.

4. PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL: ESTADO


4.1 Estado. Elementos constitutivos. Autodeterminação dos Povos. Soberania e suas espécies. Reconhecimento
de Estado e Governo. Direitos e Deveres do Estado. Restrições aos direitos dos Estados. (2.b)
4.2 Personalidade internacional. Sujeitos especiais do Direito Internacional. Indivíduo no Direito Internacional.
Santa Sé. Beligerantes. Insurretos. Movimentos de libertação nacional. Organizações não governamentais.
Estados federados e entes federados perante o Direito Internacional. (16.a)
4.3 A proteção internacional da democracia. A atuação da Organização dos Estados Americanos na defesa da
democracia. A Carta Democrática Interamericana e demais diplomas normativos interamericanos. A cláusula
democrática do Mercado Comum do Sul e seus procedimentos. (17.a)
4.4 Extinção de Estados. Regime jurídico dos novos Estados independentes. Sucessão de Estados em relação a
bens, arquivos, dívidas, organizações internacionais e tratados. (8.b)
4.5 Território: aquisição e perda. Domínio Terrestre. Faixa de Fronteira. Domínio Fluvial. Domínio Aéreo. (5.a)
4.6 Jurisdição internacional do Estado e das organizações internacionais: espécies, alcance e limites. Imunidades
do Estado e das organizações internacionais. (6.c)
4.7 Proteção diplomática. Evolução histórica. Elementos. Esgotamento prévio dos recursos internos. (20.b)
4.8 Órgãos das relações entre Estados. Relações diplomáticas e consulares. Missões diplomáticas e consulares.
Regime jurídico dos agentes diplomáticos e consulares. Imunidades de agentes públicos no Direito
Internacional: conteúdo, alcance e limites. Regime de tropas estacionadas por força de tratado. (21.a)
4.9 Personalidade internacional. Sujeitos especiais do Direito Internacional. Indivíduo no Direito Internacional.
Santa Sé. Beligerantes. Insurretos. Movimentos de libertação nacional. Organizações não governamentais.
Estados federados e entes federados perante o Direito Internacional. (16.a)

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2B. Estado. Elementos constitutivos. Autodeterminação dos Povos. Soberania e suas espécies. Reconhecimento
de Estado e Governo. Direitos e Deveres do Estado. Restrições aos direitos dos Estados.

Responsável: Adriano Lanna


Obras consultadas: Curso de Direito Internacional Público (Valério Mazzuoli); Direito Internacional (Malcolm Shaw); Jurisprudência Internacional dos
Direitos Humanos (Caio Paiva e Thimotie Heemann); Manual de Direito Internacional Público (Accioly); Graal do 28º CPR.

Estado. Elementos constitutivos


Na formação da sociedade internacional, o Estado foi o primeiro a adquirir a condição de sujeito de
direito, sendo tido como o único sujeito absoluto do direito das gentes até o final da Primeira Guerra Mundial.
Ele pode ser definido, modernamente, como um ente jurídico dotado de personalidade internacional, formado
pela reunião de indivíduos estabelecidos de maneira permanente em um território determinado, sob a
autoridade de um governo independente e com a finalidade de zelar pelo bem comum daqueles que o habitem.
Vejamos tais elementos:
a) Comunidade de indivíduos (elemento humano): ainda que em circunstâncias excepcionais falte
algum dos outros elementos do Estado (como o governo nos períodos de anarquia ou o próprio território
quando dele não se tem total disponibilidade), o elemento humano é o único que permanece imune a quaisquer
fatos que possam vir a ocorrer dentro do Estado. Dentro do Estado existe o povo (conjunto de nacionais, natos e
naturalizados) e a população (formada pelo povo mais estrangeiros e apátridas radicados no território nacional),
exercendo o Estado sua competência sobre ambos.
Para a formação deste elemento, importa apenas que a massa de pessoas que o integra habite
permanentemente a sua porção de terra com ânimo definitivo, independentemente da eventual união por laços
comuns. Não se adota, assim, o princípio das nacionalidades, segundo o qual toda massa humana com
características semelhantes de raça, língua, religião, etc., tem direito à criação de um Estado próprio, o que
justificou a anexação nazista da Áustria e da Tchecoslováquia.
b) Território fixo e determinado (elemento material): é a fração delimitada do planeta em que o Estado
se assenta com sua população e com seus demais elementos. É sobre este território que o Estado irá exercer a
sua soberania. Não importa ao Direito Internacional quão maior ou menor é o território do Estado, de forma
que a qualidade de membro das Nações Unidas também não está condicionada pelo tamanho geográfico do
Estado.
Embora parte da doutrina mencione que as embaixadas seriam extensão dos respectivos Estados, tais
afirmações estão inteiramente equivocadas, tendo o Direito Internacional abandonado a ficção da
extraterritorialidade. O que as embaixadas têm é mera inviolabilidade.
c) Governo autônomo e independente (elemento político): não há Estado sem um poder governante
capaz de organizar e manter a ordem política interna e de participar das relações internacionais com total
independência. Tal exercício deve ser efetivo e legítimo, requisitos sem os quais não se pode falar em
verdadeira autonomia e independência. Apesar disso, nem todos os elementos citados se fazem presentes
quando da formação de um Estado (ex.: Ruanda foi admitida como membro da ONU mesmo sem ter seu
governo totalmente organizado). O conceito de governo autônomo e independente induz à ideia de Estado
soberano, que é aquele que, em última análise, não reconhece nenhum poder superior capaz de ordenar o
exercício de suas competências internas.
d) Finalidade (elemento social): o fim perseguido pelo Estado é o bem comum de cada um dos
indivíduos que o compõem.
Autodeterminação dos Povos
A Carta da ONU faz referência à autodeterminação dos povos em dois momentos, em seu art. 1º.2. e em
seu art. 55, tendo sido tratada igualmente por sua Resolução 1514, segundo a qual todos os povos podem
livremente determinar seu status político e livremente buscar seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
De acordo com Shaw, a interpretação dada a tais dispositivos foi bastante restritiva, no sentido de que o sujeito
da autodeterminação deve estar dentro da estrutura territorial consolidada do sistema colonial. Assim, o
exercício de tal direito de autodeterminação só poderia ocorrer quando determinado “povo” quisesse se livrar
do jugo colonial. Isso, pois conferir a tais dispositivos uma interpretação mais ampla, incluindo como titulares de
tais direitos aqueles “povos” que se encontram submetidas à jurisdição de um Estado independente poderia
levar à secessão territorial, lesando o princípio da integridade territorial.

31
Apesar disso, Shaw aponta que o princípio da autodeterminação dos povos, como um direito humano,
pode ser utilizado fora do contexto colonial, desde que não sirva como instrumento jurídico para o
desmembramento de Estados soberanos, conforme análise do Comitê de Direitos Humanos ao interpretar o art.
1º do PDCP. Trata-se, aqui, de um princípio crucial dos direitos humanos coletivos que envolve o
reconhecimento de que os povos (ex.: indígenas e quilombolas) podem se auto organizar e determinar como
manterão suas relações sociais, culturais e econômicas. Nesse sentido, observar os casos Povo Saramaka vs.
Suriname e Povo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Equador, no qual se reconheceu o dever de consulta prévia às
comunidades indígenas, bem como o dever de obter consentimento de tais comunidades em determinados
casos específicos. É importante ressaltar que a Corte IDH reconhece a tais povos ius standi, podendo eles, por
tal motivo, atuar perante a Corte.
Soberania e suas espécies
Segundo Rezek, a soberania estatal é um atributo fundamental do Estado, consistente na capacidade do
ente estatal de cuidar de seu próprio desenvolvimento e bem-estar sem se colocar sob jugo de outros Estados,
desde que não viole os direitos legítimos destes últimos. O conceito clássico de soberania, de poder absoluto e
perpétuo do Estado (ilimitado, acima do direito interno e livre para acolher ou não o direito internacional) não
mais subsiste. Na atualidade, prevalece a premissa básica do Estado de Direito pela qual o ente estatal atua
dentro de certos limites, estabelecidos internamente pela ordem jurídica nacional e, externamente, pelo Direito
Internacional.
A soberania interna representa o poder do Estado em relação às pessoas e coisas dentro dos limites da
sua jurisdição. É também chamada autonomia. A soberania interna compreende os direitos: a) de organização
política, ou seja, o de escolher a forma de governo, adotar uma constituição política, estabelecer, enfim, a
organização política própria e modificá-la à vontade, contanto que não sejam ofendidos os direitos de outros
Estados; b) de legislação, ou seja, o de formular as próprias leis e aplicá-las a nacionais e estrangeiros, dentro,
naturalmente, de certos limites; c) de jurisdição, ou seja, o de submeter à ação dos próprios tribunais as
pessoas e coisas que se achem no seu território, bem como o de estabelecer a sua organização judiciária; d) de
domínio, em virtude do qual o Estado possui uma espécie de domínio eminente sobre o seu próprio território.
A soberania externa é uma competência conferida aos Estados pelo direito internacional e se manifesta
na afirmação da liberdade do Estado em suas relações com os demais membros da comunidade internacional.
Confunde-se, pois, com a independência. A soberania externa compreende vários direitos, entre os quais: o de
ajustar tratados ou convenções, o de legação ou de representação, o de fazer a guerra e a paz, o de igualdade e
o de respeito mútuo.
Reconhecimento de Estado e Governo
Surgindo o Estado, pleno em sua soberania, o exercício dos direitos e prerrogativas inerentes aos
sujeitos do Direito Internacional está condicionado à sua admissão na sociedade internacional, ao que se chama
de reconhecimento de Estado. Apesar de o reconhecimento ser considerado um ato livre dos sujeitos de Direito
Internacional, parte da doutrina tem apontado ser direito do Estado – e, consequentemente, dever dos outros
Estados – ser reconhecido quando apresentar seus quatro elementos constitutivos. Tem-se defendido só ser
possível impedir que os Estados reconheçam a personalidade jurídica do novo Estado quando este tiver nascido
por meio de flagrante violação das normas do direito convencional vigente (ato ilícito – Doutrina Stimson).
Para a teoria constitutiva (teoria do efeito atributivo), a personalidade jurídica internacional do Estado
lhe é atribuída pelo ato político do reconhecimento; já para a teoria declaratória (majoritária e adotada na
Carta da OEA), se um novo Estado já apresentar seus quatro elementos constitutivos, ele não deixa de ser
considerado como tal pelo simples fato de não ter sido reconhecido, ou seja, o reconhecimento é mero ato
declaratório com efeito retroativo.
Por outro lado, quando o Estado já existe como tal, mas sobrevém uma mudança em seu governo em
desacordo com as normas constitucionais em vigor, passa a ter existência o problema do reconhecimento do
governo de facto. O problema de tal reconhecimento vem à toa com as grandes rupturas políticas e sociais,
hipótese em que os demais Estados podem se recusar a reconhecer a nova situação jurídica se não houver uma
mínima estabilidade institucional e de garantia de cumprimento das obrigações internacionais do Estado em
causa. De qualquer forma, o reconhecimento de governo não importa no reconhecimento de sua legitimidade,
significando apenas que ele tem condições de comandar o país e representa-lo nas suas relações internacionais.
Sobre o tema, duas grandes doutrinas emergiram na América Latina: a) Doutrina Tobar: sustentava que
a América deveria se negar a reconhecer governos que alcançaram o poder por meio de golpes de Estado. O
reconhecimento do governo, em tais casos, estaria sujeito à aprovação popular; b) Doutrina Estrada: baseado

32
no princípio da não intervenção em assuntos internos estatais, Estrada defendeu que o não-reconhecimento
de governos constitui ingerência indevida em assuntos particulares dos Estados, motivo pelo qual devem
subsistir as obrigações internacionais anteriormente contraídas, mesmo que haja a substituição de um governo
por outro. Segundo Mazzuoli, ambas as doutrinas podem ser harmonizadas, reconhecendo-se a legitimidade de
governos a partir do momento em que o povo escolhe nas urnas seus legítimos representantes, sem que se
emita juízo de valores sobre tal governo. No entanto, nas últimas décadas, o reconhecimento de governo tem-
se baseado no critério da efetividade do regime instaurado à revelia dos moldes constitucionais: se o novo
governo mantém controle sobre o território e honra os tratados e demais normas de Direito Internacional, ele é
efetivo e deve ser reconhecido (Rezek).
Por fim, Accioly aponta alguns atos que podem proceder ao reconhecimento do Estado como tal: a)
reconhecimento de beligerância: ocorre quando parte da população se subleva para criar novo Estado ou para
modificar a forma de governo existente e os demais Estados, por reconhecer que este levante é suficientemente
forte, organizado e por se mostrar disposto a respeitar o direito internacional, decidem tratar ambas as partes
como beligerantes no conflito. O maior efeito de tal reconhecimento é conferir, no tocante à guerra, direitos e
deveres de Estado a tal grupo; b) insurgência: ocorre quando há uma insurreição com fins puramente políticos
que assume as proporções de uma guerra civil, sem que se configure, ainda, o status de beligerância. A esse
estado de fato se chama insurgência, que produz alguns efeitos, como a impossibilidade de se tratar os
insurgentes como terroristas; a necessidade de que a mãe-pátria deve trata-los como prisioneiros de guerra; e,
mais importante, seus atos não podem ser atribuídos ao Estado de origem, não se podendo falar em
responsabilidade internacional do Estado.
Direitos e Deveres do Estado
São direitos básicos dos Estados: a) direito à existência: consiste no direito primordial que tem o Estado
de existir e continuar existindo como ente soberano. Desse direito decorrem todos os demais; b) direito de
conservação e defesa: o direito de defesa deve ser exercido dentro de limites razoáveis, utilizando-se
moderadamente os meios indispensáveis para fazer cessar eventual agressão injusta, atual ou iminente. O
Direito Internacional Público admite não apenas o exercício da legítima defesa individual, como também a
legítima defesa coletiva, podendo ambas serem exercidas até que o Conselho de Segurança tenha tomado as
medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais; c) direito à liberdade e à
soberania: como apontado acima, não existe soberania absoluta, já que todos os Estados são juridicamente
iguais e porque a vida da sociedade internacional é regida por normas jurídicas que devem ser respeitadas; d)
direito à igualdade: do direito à liberdade e à soberania decorre o princípio segundo o qual é vedado aos
Estados submeter outro à sua exclusiva autoridade, verdadeira consagração do direito à igualdade entre
Estados; e) direito ao comércio internacional.
Por outro lado, os Estados têm deveres morais (dever de socorro e colaboração por ocasião de
desastres naturais, a assistência e cooperação em matéria judiciária, o estabelecimento de medidas sanitárias e
providências para a proteção da saúde, etc.) e deveres jurídicos, dos quais se destaca o dever de não
intervenção.
De acordo com o dever de não intervenção, é obrigação de todo e qualquer Estado não se ingerir
indevidamente em assuntos particulares (internos ou externos) de outros. Entende-se que a intervenção,
quando indevida, afronta os direitos humanos e a soberania dos Estados. Tal dever não é absoluto,
comportando algumas exceções, como: a) intervenção estabelecida em nome do direito de defesa e
conservação do Estado; b) aquela que tem por finalidade salvaguardar a segurança coletiva; c) realizada em prol
da proteção e promoção dos direitos humanos. Deve-se tratar, aqui, de duas importantes doutrinas: a) Doutrina
Monroe: segundo tal doutrina, não se aceita qualquer tipo de ingerência por parte dos países europeus no
continente americano. Os Estados Unidos acabaram se utilizando de tal doutrina para praticar diversas
intervenções em países latino-americanos a pretexto de evitar ingerências indevidas de países europeus no
continente americano (Roosevelt corollary to the Monroe doctrine); b) Doutrina Drago: inspirado na Doutrina
Calvo, segundo a qual aqueles que vivem em um país estrangeiro devem realizar suas demandas diretamente
nos Tribunais locais, sem se utilizar de pressões diplomáticas ou intervenções armadas para atingir os fins
visados, Luís Maria Drago defendeu que, embora países devedores continuassem na obrigação de pagar suas
dívidas, não se justificava o ingresso da força armada de países europeus em solo das nações americanas com a
finalidade de cobrar coercitivamente tais dívidas.
Obs.: já foi cobrada em prova oral a relação entre a Doutrina Drago e a Doutrina Calvo.
Restrições aos direitos dos Estados.

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Embora o art. 12 da Carta da OEA afirme que “os direitos fundamentais dos Estados não podem ser
restringidos de maneira alguma”, tanto costumes quanto tratados internacionais podem impor certas restrições
às prerrogativas básicas dos Estados, como: a) capitulações: acordo por meio do qual os estrangeiros
domiciliados no território do Estado continuavam subordinados à sua lei penal e à jurisdição dos cônsules de seu
país; b) garantias internacionais: têm como principal finalidade garantir a fiel execução dos tratados
internacionais; c) servidões internacionais: são restrições que determinado Estado tem em relação ao livre
exercício de sua soberania territorial, estabelecidas pela vontade expressa ou tácita daqueles que a sofrem,
geralmente por meio convencional; d) concessões: faculdade que um Estado tem de renunciar a certos direitos
relativos ao seu território em favor de outro Estado; e) arrendamento de território: as áreas arrendadas
continuam a integrar o território nacional, mas o direito de jurisdição sobre tais áreas passa a ser do Estado
arrendatário; f) condomínio: só pode ser instituído por tratado ou ajuste entre as partes; g) neutralidade: por
tal restrição, o Estado dispõe desejar ficar alheio ao conflito entre dois ou mais Estados (neutralidade ordinária)
ou se compromete, de maneira permanente, a não empreender a nenhum outro qualquer conflito bélico, a não
ser em caso de agressão territorial (neutralidade permanente) – ex.: Suíça e Cidade do Vaticano; h)
neutralização de territórios: ocorre quando se suspende o domínio de um Estado sobre uma zona que está
sendo contestada por outro. Ela é sempre estabelecida em tratados e importa para os Estados contratantes na
proibição de exercer atos de beligerância na zona neutralizada.

16A. Personalidade internacional. Sujeitos especiais no Direito Internacional. Indivíduo no Direito Internacional.
Santa Sé. Beligerantes. Insurretos. Movimentos de libertação nacional. Organizações não governamentais.
Estados federados e entes federados perante o Direito Internacional.

Nathalia Di Santo

Personalidade refere-se à aptidão para a titularidade de direitos e de obrigações. Associa-se à capacidade,


que é a possibilidade efetiva de que uma pessoa, natural ou jurídica, exerça direitos e cumpra obrigações.
Segundo ACCIOLY, “sujeito do direito internacional é entidade jurídica que goza de direitos e deveres no plano
internacional, com capacidade para exercê-los”. Em relação ao tema, opõem-se dois entendimentos: o
primeiro mantém a concepção do Direito Internacional clássico, pela qual seriam sujeitos de DI apenas os
Estados soberanos, as organizações internacionais, os blocos regionais, a Santa Sé, o Comitê Internacional da
Cruz Vermelha, os beligerantes, os insurgentes e algumas nações em luta pela soberania. O segundo
entendimento baseia-se na evolução recente das relações internacionais, admitindo outros entes, que vêm
exercendo papel mais ativo na sociedade internacional e que passaram a ter direitos e obrigações estabelecidos
diretamente pelas normas internacionais. Além daqueles já indicados pelo entendimento tradicional,
acrescentam-se o indivíduo, as empresas e as organizações não governamentais (ONGs). 18 (PORTELA).
Indivíduo no Direito Internacional (subjetividade jurídica controvertida e evolução rumo à aceitação de
sua personalidade jurídica internacional). Durante muito tempo, a doutrina não conferia ao indivíduo o caráter
de sujeito de Direito Internacional. Partia-se da premissa de que a sociedade internacional era meramente
interestatal. A pessoa natural era mero objeto das normas internacionais e da ação estatal no cenário externo.
Assim, no Direito Internacional Clássico, a preocupação com o indivíduo se dava apenas por meio do costume
internacional de proteção diplomática, de modo estatocêntrico (violar o direito do estrangeiro significava violar
direito do próprio Estado, por isso, tratava-se de responsabilidade indireta). Com o tempo, a proteção ao
indivíduo foi se desenvolvendo na esfera internacional, podendo-se apontar a luta contra a escravidão, a criação
da OIT (1919) e dos direitos trabalhistas, a criação da Liga das Nações e o sistema de petições em prol das
minorias. Após a 2ª Guerra Mundial, firmou-se a progressiva aceitação da capacidade processual do indivíduo,
inicialmente, quando expressamente conferida pelos Estados (foi o que decidiu a CPJI no caso da Jurisdição dos
Tribunais de Dantzig – “os tratados podem outorgar direitos a indivíduos diretamente, direitos estes exigíveis
perante tribunais internos”) e, atualmente, com maiores possibilidades de intervenção direta do indivíduo na
esfera internacional. Segundo ACR, “as pessoas ganham o direito de se dirigir a organismos internacionais quase
judiciais, pautando suas ações, ou ainda o direito de se dirigir diretamente às Cortes internacionais”, porém, o
18
“O quadro institucional e normativo internacional, existente há séculos, tornou-se consideravelmente mais extenso (pelo aumento do número de
participantes tradicionais do sistema) e mais complexo (pela multiplicação da presença e da influência de todo o conjunto de atores e agentes não
estatais, no sistema internacional, cuja existência e efeitos da ação não mais se podem negar). Estes são dados da pós-modernidade em direito
internacional, como apontam L. BOISSON DE CHAZOURNES e Rostane MEHDI (2003) ou Habib GHERARI e Sandra SZUREK (2005), que chegam a falar em
“privatização do direito internacional”. ACCIOLY. Manual de Direito Internacional. p. 240. Grifo nosso.

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reconhecimento da personalidade jurídica internacional do indivíduo não é um dado uniforme, sendo, ainda,
limitado e precário. Limitado, pois, com exceção da Corte Europeia de DH´s e, para alguns Estados somente, da
Corte Africana de DH´s e dos Povos, os indivíduos não têm acesso direto às Cortes e precário, vez que a
capacidade de agir dos indivíduos é considerada, de regra, um item de adesão facultativa nos diversos tratados
internacionais de direitos humanos. Contudo, essas restrições tendem a ser superadas. (“Processo Internacional
de Direitos Humanos”. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 335-339)
Ainda segundo ACR, o exercício do direito do indivíduo de ser ouvido e obter reparação no plano
internacional em face de violações de direitos humanos se divide em três modalidades: (i) direito de
comunicação (DUDH, art. 24), o qual pode ser observado nos procedimentos extraconvencionais da ONU (ex.
Resolução 1.503) e que tem como consequência uma resposta, mas não redunda necessariamente na abertura
de um procedimento de apuração de violação de direitos humanos individual; (ii) direito de petição, o qual
enseja um procedimento e permite ao lesado exigir uma ação de organismos internacionais contra o Estado
ofensor; e (iii) direito de ação perante Cortes Internacionais (Protocolo n. 11, da Convenção Europeia de Direitos
Humanos e Protocolo de 1998 à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, que criou a Corte Africana).
Responsabilidade individual penal derivada no DI. O DI impõe deveres aos indivíduos de duas maneiras:
(i) mandados expressos de criminalização (ordens expressas em tratados internacionais) e (ii) mandados
implícitos de criminalização (consistem na imposição dos deveres de investigar, julgar e punir os violadores de
direitos humanos). Tem origem no final da 1ª Guerra Mundial, com a tentativa de responsabilização do Kaiser
Guilherme, por meio do Tratado de Versalhes (seria o primeiro agente público a ser responsabilizado
internacionalmente, mas a Holanda não o extraditou). Desenvolve-se com o julgamento de Nuremberg
(“Princípios de Nuremberg” – Resolução 50, da Assembleia Geral da ONU): dever de os Estados imporem
sanções penais aos que cometam crimes de jus cogens e confirma-se com o Estatuto de Roma. DI Penal –
Responsabilidade DIRETA: tribunais penais internacionais / Reponsabilidade INDIRETA: juízos nacionais.
Santa Sé. Ressalte-se, incialmente, que a Santa Sé e o Vaticano são dois entes distintos. O Vaticano é um
Estado e, portanto, tem personalidade jurídica de Direito Internacional. Já a Santa Sé é um sujeito de Direito
Internacional, porém não é Estado. É a entidade que comanda a Igreja Católica Apostólica Romana, chefiada
pelo Papa e composta pela Cúria Romana, sediada no Estado da Cidade do Vaticano e seu poder não é limitado
por nenhum outro Estado. Pode celebrar tratados, participar de organizações internacionais e exercer o direito
de legação (direito de enviar e receber agentes diplomáticos), abrindo missões diplomáticas (chamadas de
“nunciaturas apostólicas”), chefiadas por “Núncios Apostólicos” e compostas por funcionários de nível
diplomático, beneficiários de privilégios e imunidades diplomáticas. É comum que os tratados celebrados pela
Santa Sé se chamem "concordatas" quando visem a regular assuntos de interesse da Igreja Católica e de seus
fiéis. O Papa goza de status e prerrogativas de Chefe de Estado. As relações entre o Brasil e a Santa Sé são
reguladas especificamente pelo Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo
ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado em 2008 e que entrou em vigor em dezembro de 2009
(Decreto 7.107, de 11/02/2010). (PORTELA).
Beligerantes, insurgentes e nações em luta pela soberania. Os beligerantes são movimentos contrários
ao governo de um Estado, que visam a conquistar o poder ou a criar um novo ente estatal e cujo estado de
beligerância é reconhecido por outros membros da sociedade internacional. O reconhecimento de beligerância
é normalmente feito por uma declaração de neutralidade e é ato discricionário. As principais consequências
do reconhecimento de beligerância incluem a obrigação dos beligerantes de observarem as normas aplicáveis
aos conflitos armados e a possibilidade de que firmem tratados com Estados neutros. O ente estatal onde atue o
beligerante fica isento de eventual responsabilização internacional pelos atos deste e terceiros Estados ficam
obrigados a observar os deveres inerentes à neutralidade. Os insurgentes também são grupos que se revoltam
contra governos, mas cujas ações não assumem a proporção da beligerância, como no caso de ações localizadas
e de revoltas de guarnições militares e cujo status de insurgência é reconhecido por outros Estados. Exemplo de
movimento insurgente foi a Revolta da Armada (1893). O reconhecimento de insurgência é ato discricionário,
dentro do qual são estabelecidos seus efeitos, que normalmente não estão pré-definidos no Direito
Internacional e que, portanto, dependem do ente estatal que a reconhece. Há uma clara semelhança entre a
beligerância e a insurgência. Entretanto, aquela se reveste de maior amplitude do que esta. Em suma,
segundo Alfred Verdross, os insurgentes são “beligerantes com direitos limitados”. 19 As nações em luta pela
soberania são movimentos de independência nacional, que acabam adquirindo notoriedade tamanha que fica

19
VERDROSS, Alfred. Derecho internacional público, p. 151. Apud DELL' OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional público, p. 62.

35
impossível ignorá-los nas relações internacionais. É o caso, por exemplo, da antiga Organização para a
Libertação da Palestina (OLP), atual Autoridade Palestina, que, sem contar com a soberania estatal, exercia e
ainda exerce certas prerrogativas típicas dos Estados, como a de celebrar tratados e o direito de legação (direito
de enviar e receber representantes diplomáticos). Podem ter origem na beligerância ou na insurgência, e sua
personalidade de DI, com a plenitude das prerrogativas, dependerá do reconhecimento de outros integrantes
da comunidade internacional. (PORTELA).
Organizações não governamentais (ONGs). São entidades privadas sem fins lucrativos que atuam em
áreas de interesse público, inclusive em típicas funções estatais. Adquiriram maior notoriedade, inclusive na
sociedade internacional, apenas a partir da década de 90 do século XX. Cumprem o papel de defender a
aplicação de normas internacionais em vários campos, como os direitos humanos e o meio ambiente. Algumas
ONGs participam, ainda, de organizações internacionais como observadoras. Entretanto, sua principal
prerrogativa à luz do Direito Internacional é a de recorrer a determinados foros internacionais em defesa de
direitos ou interesses vinculados a suas respectivas áreas de atuação. É o que pode ocorrer, por exemplo, no
âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que recebe denúncias de violação de determinados
tratados tanto de indivíduos como de entidades não governamentais. Em todo caso, as ONGs não podem
celebrar tratados nem gozam de imunidade de jurisdição. Exemplos de ONGs notórias na sociedade
internacional são a Anistia Internacional, o Comitê Olímpico Internacional (COI), o Greenpeace, a Human Rights
Watch e os Médicos sem Fronteiras (MSF).
Estados federados e entes federados perante o Direito Internacional. “Estado é a sociedade política e
organizada na qual o governo exerce poder soberano sobre determinado povo e território” (ACR) ou, ainda, um
“agrupamento humano, estabelecido permanentemente num território determinado e sob um governo
independente” (ACCIOLY). Os Estados são chamados, no DI, de sujeitos primários, pois dotados de soberania.
Não se deve confundir, entretanto, o Estado soberano com os Estados membros de uma federação, que não
reúnem os elementos constitutivos do ente estatal soberano nem possuem competências no âmbito
internacional, exceto quando permitido pelos Estados de que fazem parte. Em todo caso, por mais que
apresente divisões internas, o Estado é juridicamente “encarado como totalidade” nas relações internacionais.
Os atos de órgãos do Estado, bem como os praticados por entes federativos (Estados da federação, Distrito
Federal e Municípios, no caso brasileiro) contrários ao direito internacional, implicam responsabilidade
internacional, mesmo se tais atos forem baseados no seu direito interno. A regra foi codificada pela Convenção
sobre o Direito dos Tratados de 1969 (art. 27).

17A. A proteção internacional da democracia. A atuação da Organização dos Estados Americanos na defesa da
democracia. A Carta Democrática Interamericana e demais diplomas normativos internacionais. A cláusula
democrática do Mercado Comum do Sul e seus procedimentos.

Leonardo Trevizani Caberlon


Bibliografia: André de Carvalho Ramos, Curso de Direitos Humanos, 2017; André de Carvalho Ramos, Processo Internacional de Direitos
Humanos, 2013; https://www.unric.org/pt/a-democracia-e-a-onu/29049-a-democracia-e-as-nacoes-unidas. Acesso em 29 de agosto de 2018.

I - A proteção internacional da democracia: embora a Carta da ONU não tenha previsão expressa, a
referência a “povos”, “vontade do povo”, etc. sinaliza a preocupação do documento. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos afirma “A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos”,
contribuindo para o fortalecimento da democracia. O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
prevê os seguintes direitos, todos ligados à democracia: a) a liberdade de expressão (Artigo 19º); b) o direito de
reunião pacífica (Artigo 21º); c) o direito de se associar livremente com outros (Artigo 22º); d) o direito de tomar
parte na direcção dos negócios políticos, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos
(Artigo 25º); e) o direito de votar e ser eleito, em eleições periódicas, honestas, por sufrágio universal e igual e
por escrutínio secreto, assegurando a livre expressão da vontade dos eleitores (Artigo 25º). A Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres estipula condições de igualdade com os
homens, o direito de votar em todas as eleições e de se apresentarem como candidatas bem como o de
participar na vida pública e na tomada de decisões (Artigo 7º). Além disso, segundo a ONU, todos os anos, desde
1988, a AG da ONU edita pelo menos uma resolução a respeito da democracia. II - A atuação da Organização
dos Estados Americanos na defesa da democracia: um dos objetivos da OEA é a promoção da democracia
representativa, mencionando que a comunidade americana terá um quadro de instituições democráticas. Em

36
1992, com o Protocolo de Washington (art. 9º), introduziu-se a cláusula democrática na OEA, pela qual um
membro pode ser suspenso como sanção à ruptura do regime democrático. III - A Carta Democrática
Interamericana - CDI e demais diplomas normativos internacionais: a CDC, segundo ACR, representa um
acréscimo ao mecanismo coletivo político de proteção aos direitos humanos da OEA. 1 – Histórico: inicia em
1991, com a adoção do Compromisso de Santiago, no qual se editou uma Resolução sobre Democracia
Representativa, conhecida como Resolução 1080 da OEA. A CDI foi aprovada em 11/9/2001, na Cúpula das
Américas de Quebec. 2 – Natureza jurídica da Carta: soft law (direito em formação), não sendo vinculante,
contudo serve como vetor para interpretar o art. 2º, “b”, da Carta da OEA. 3 – Ineditismo: objetivo de exigir o
respeito à democracia formal (alternância no poder e eleições periódicas) e substancial (justiça social),
estabelecendo um direito à democracia. 4 – Elementos da democracia (art. 3º): a) respeito dos direitos humanos
e liberdades fundamentais, b) realização de eleições periódicas, livres e justas, c) sufrágio universal e secreto
como expressão da soberania do povo, d) pluralismo de partidos políticos e e) separação dos poderes públicos.
5 – Componentes fundamentais ao exercício da democracia (art. 4º): transparência, probidade,
responsabilidade na gestão pública e respeito aos direitos sociais e à liberdade de imprensa. 6 – Violação ao
direito à democracia: pode gerar a responsabilização do Estado no sistema interamericano. 7 – Melhores
condições de trabalho e qualidade de vida: fortalecem a democracia. 8 – Preocupação com a preservação
ambiental: a democracia contribui. 9 – risco de ruptura da democracia: caso demonstrado, o Secretário-geral ou
o Conselho Permanente podem, com o consentimento prévio do governo afetado, realizar visitas e elaborar
relatórios para instrução (artigos 17 e 18). Os estados-membros podem provocar a atuação do Conselho
Permanente (art. 20). 10 – Ruptura da ordem democrática ou alteração constitucional que a afete: constitui,
enquanto durar, obstáculo à participação de membro na Assembleia Geral da OEA, ficando o Estado
automaticamente suspenso caso haja votação de 2/3 dos membros. Frise-se que essa suspensão não exime o
Estado suspenso de respeitar os direitos humanos (artigos 19 e 21). 11 – Cultura democrática: abrange o
desenvolvimento de programas que considerem a democracia como sistema de vida com liberdade e
desenvolvimento econômico, social e cultural (art. 26). 12 – Lei da Ficha Limpa: para ACR, a CDI é instrumento
de interpretação da Lei da Ficha Limpa. IV - A cláusula democrática do Mercado Comum do Sul e seus
procedimentos: inicialmente, ACR destaca a inexistência do tema Direitos Humanos no Tratado de Assunção,
uma vez que havia uma “concepção minimalista do Mercosul”. Cláusula democrática: ela reconhece “que a
vigência das instituições democráticas é condição necessária para o gozo dos direitos de Estado membro ou
associado od processo de integraçao do Cone Sul” (ACR, 2017, p. 344). Procedimentos: a) Protocolo de Ushuaia –
o rompimento com a democracia é um obstáculo intransponível para o ingresso ou continuidade do país no
processo de integração. Nele, os estados inicial consultando uns aos outros e depois definirão as medidas, que
devem ser por consenso. As sanções vão desde a suspensão do direito de participar dos órgãos até a suspensão
dos direitos e obrigações resultantes desses processos; e b) Protocolo de Montevidéo sobre compromisso com a
democracia: atualmente, está em trâmite no Congresso Nacional o Protocolo de Montevidéo ou Protocolo de
Ushuaia II, que supre a lacuna do Protocolo de Ushuaia I e prevê medidas específicas para estimular o retorno à
democracia.

8B. Extinção de Estados. Regime jurídico dos novos Estados independentes. Sucessão de Estados em relação a
bens, arquivos, dívidas, organizações internacionais e tratados.

Leonardo Trevizani Caberlon


Bibliografia: aulas ACR, Curso Alcance 2014. Hildebrando Accioly, Manual de Direito Internacional Público, 2014. Marcelo Varella, Direito Internacional
Público, 2014.

I - Extinção de Estados: segundo Accioly, o Direito Internacional não possui norma objetiva
conceituando a extinção de Estados. Sendo assim, parece lógico supor que o Estado se extingue quando um de
seus elementos constitutivos (população, governo e território) desaparece. O autor indica que o tema passou a
ser problemático com o desmembramento da URSS, Iugoslávia e da República Tchecoslovaca.
Modos de extinção dos Estados: segundo Accioly, podem ser:
(i) por absorção completa, sendo o caso da Áustria incorporada pela Alemanha durante a
Sgunda Guerra Mundial. Aqui se discute o caso das colônias, algumas que se tornaram “protetoradas”, caso da
Argélia pela França. As colônias passaram a ser semissoberanas, mas não teriam desaparecido enquanto sujeitos
de Direito Internacional. A CPJI, no parecer Decretos de Nacionalidade da Tunísia e do Marrocos (1923) decidiu

37
que se trata de questão essencialmente relativa, dependendo do desenvolvimento das relações internacionais.
Também relativa a questão no sentido de variar de estado para estado, conforme existam ou não tratados sobre
a matéria. Atualmente, isso é proibido pela Carta da ONU, constituindo ilícito internacional.
(ii) desmembramento: ocorre quando um Estado é anexado por outros dois ou mais Estados.
(iii) fusão: pode resultar da união de dois estados soberanos, com a consequente perda de
personalidade internacional em favor da nova entidade.

II – Regime jurídico dos novos Estados independentes: eles não são automaticamente partes
nos tratados ratificados ou aderidos pelos predecessores, exceto em relação à proteção dos direitos humanos e
outras normas de jus cogens.
Varella indica que há a seguinte lógica: a) o sucessor pode aderir, assinar ou ratificar um tratado
do antecessor, b) os demais Estados podem aceitar ou não sua participação quando se tratar de um assunto cuja
participação do sucessor seja politicamente sensível e c) a data considerada do vínculo jurídico ao tratado é a
data da sucessão ou a data da entrada em vigor do tratado, se esta for posterior.

III – Sucessão de Estados em relação a bens, arquivos, dívidas, organizações internacionais e


tratados:
A sucessão de Estados é definida como sendo a substituição da titularidade e da
responsabilidade de um território de um Estado a outro (ACR). De acordo com o art. 2º da Convenção de 1978,
sucessão de Estados é a substituição de um Estado por outro na responsabilidade das relações internacionais de
um determinado território.
De acordo com Varella, são três espécies de sucessão: a) aquisição de um território cujo domínio
a ninguém pertencia anteriormente (res nullius), b) transferência ou fusão de território para um novo Estado
que nasce, c) perda de uma parte de território para um novo Estado que nasce e d) dissolução de um Estado e a
respectiva formação de dois ou mais novos Estados.
Quais direitos e obrigações são transferidas? Em geral, aplica-se o princípio da continuidade:
sucessor se sub-roga nos direitos e deveres do estado sucedido. A ideia deriva do direito privado,
assemelhando-se com a sucessão de pessoas. Contudo, há tendência de rejeitar a ideia de sucessão com a
Teoria da Tábula Rasa, cujo fundamento está na soberania dos novos Estados, que não podem permanecer
ligados ao Estado anterior (isso violaria a soberania dos novos Estados). Como exceção à teoria da tábula rasa,
temos os tratados de fronteiras, o reconhecimento de direitos adquiridos e a equidade.

Quem regula a sucessão de estados é o costume e duas convenções: uma de 1978 e outra de
1983 (sucessão de Estados diante de propriedades, arquivos, bens e dívidas). A Convenção de 1978 foi adotada,
sendo que suas regras foram incorporadas, ao passo que a Convenção de 1983 contou com a adesão de apenas
7 Estados, quando eram necessários 15 Estados (Accioly).

Convenção de 1978: fala de tratados e consagra o princípio da relatividade dos tratados


(vinculam apenas o Estado sucedido, não sucessor).
Há algumas diferenças (exemplo: fronteiras, as quais se mantém). Há também os tratados que
estabelecem situações perenes relativas à própria vida do Estado: fronteiras, nos quais haja a criação de
entidades em comum (exemplo: tratado que criou a Itaipu Binacional).
Para Accioly, no caso de desmembramento ou separação de Estado, admite-se que os
sucessores possam não estar ligados aos tratados dos quais fazia parte o sucedido, de modo que eles não
podem ser invocados pelo sucessor. Na fusão, mos tratados multilaterais devem continuar se aplicando, ao
passo que os tratados bilaterais devem ser negociados.

Em relação aos tratados de organização internacional: a Organização Internacional deve aceitar


o Estado sucessor, assim como o Estado sucessor deve aceitar a organização internacional.
Exemplo: sucessão da URSS pela Rússia (ela assumiu a vontade), que não sofre nenhuma
contestação por parte de outros Estados como Ucrânia, por exemplo. A ONU imediatamente aceita que a Rússia
ocupe o lugar da URSS, embora a Carta da ONU não tenha sido alterada, ou seja, ainda consta a URSS na Carta
da ONU.
Outro exemplo é a Sérvia, que pediu para ser sucessora da Iugoslávia, o que foi negado

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posteriormente pela ONU, até que a Sérvia pedisse a admissão (o que não foi feito), mas a Sérvia aceitou um
plano de paz na região.

Em relação aos bens: acompanham o território (regra), salvo acordo em sentido contrário.
Lembrar-se da Crimeia e da marinha ucraniana.

Em relação às dívidas: de acordo com o benefício auferido. Teoria da tábula rasa: o


reconhecimento que estados recém-independentes não podem se submeter a normas estabelecidas pelo
colonizador. O estado descolonizado não precisa assumir dívidas, eis que a colonização é sempre predatória
(presunção absoluta). Quando não há descolonização, a dívida acompanha o bônus, não se aplicando a lição
anterior da colonização (caderno ACR).
Accioly destaca que a matéria é difícil, encontrando previsão nos artigos 32 a 41 da Convenção
de 1983 (a qual não está em vigor). Assim, cabe considerar os critérios de equidade e de proporcionalidade
adotados na Resolução de Vancouver de 2001. Accioly pontua que, após 1925 (julgamento da dívida pública
otomana de 1925), a tendência foi a aplicação da teoria da tábula rasa, exceto se as dívidas beneficiam o
sucessor, tais como estradas, barragens ou portos.

Em relação aos arquivos: eles acompanham o local onde se encontram.

Tabela formulada por Marcelo Varella:

Bens Arquivos Dívidas Nacionalidade


Nova
Fusão de Somam os nacionalidade
Somam os bens Somam as dívidas
Estados arquivos atribuída a
todos
Cada Estado fica
Imóveis: ficam
com os Cidadãos
onde estão;
documentos Repartidas escolhem: local
Móveis: dividem-se
Dissolução originais proporcionalmente do nascimento
os adquiridos em
referentes a si e . ou onde
comum
os comuns são residem.
proporcionalidade.
copiados.
Imóveis: ficam
Cada Estado fica
onde estão;
com os Cidadãos
Móveis: dividem-se
documentos escolhem: local
Novos Estados os adquiridos em Não transferem as
originais do nascimento
Independentes comum dívidas.
referentes a si e ou onde
proporcionalmente;
os comuns são residem.
Retirados devem
copiados.
ser devolvidos.

5A. Território: aquisição e perda. Domínio Terrestre. Faixa de Fronteira. Domínio Fluvial. Domínio Aéreo.

Renan Lima

TERRITÓRIO:
É o espaço físico dentro do qual o Estado exerce seu poder soberano.
De acordo com Hildebrando Accioly, o território é elemento constitutivo do estado, representado pela porção
da superfície do globo terrestre sobre a qual este exerce sua dominação exclusiva.
Em outras palavras, é o espaço dentro do qual o Estado exerce o conjunto de direitos inerentes à soberania e no
qual se encontra instalada e vive a sua população.
Anteriormente, predominava a concepção de territorialidade como estatalmente delimitada e exercitada.
Atualmente, porém, a doutrina tem evoluído para incluir também a visão de interdependência do gênero

39
humano sobre o planeta (geograficamente limitado) e os recursos deste, uma vez que são passíveis de
esgotamento, em razão da utilização predatória e inconsciente.
A soberania do estado em relação ao seu território compreende o imperium e o dominium: o primeiro,
constituído por espécie de soberania abstrata, sobre as pessoas que nele se encontram; o segundo, constituído
pelo direito exclusivo de reger o território e nele dispor segundo a sua própria vontade, para as necessidades
legítimas da coletividade nacional.
O dominium do estado sobre o território não se confunde, absolutamente, com o direito de propriedade
privada, que o estado, a mesma forma que os indivíduos ou qualquer outra pessoa jurídica, também pode
possuir. É, antes, espécie de domínio eminente, perfeitamente compatível com a propriedade particular das
terras, à qual como que se superpõe, ao mesmo tempo que lhe assegura a proteção do estado.
Composição: solo, águas interiores e fronteiriças (até o limite com o ente estatal vizinho). O Estado exerce
jurisdição: sobre o subsolo abaixo da área que ocupa, o espaço aéreo acima de suas fronteiras, mar territorial,
plataforma continental e Zona Econômica Exclusiva (ZEE).
Atenção: não fazem parte do território: embaixadas e consulados no exterior, embarcações e aeronaves
militares (em qualquer lugar) e embarcações e aeronaves civis em águas internacionais.
Obs: o elemento que integra o conceito de Estado é território e não território estável. Logo, a qualidade de ente
estatal não é afetada quando parte de seu território não está sobre o controle do governo (guerras civis, invasão
estrangeira e disputa de fronteiras).

Formas de aquisição e perda do território:


Nos modos originais, a aquisição do domínio se verifica em relação a bens que não pertenciam anteriormente a
outro estado. Nesse sentido, são hipóteses de aquisição originária a ocupação e a acessão, no caso de aluvião ou
formação de ilhas fluviais ou oceânicas.
Por sua vez, modos derivados de aquisição, ocorre a transmissão de estado a outro, como no caso de acessão
(avulsão ou deslocamento de rio), cessão ou prescrição.
Quanto aos modos de perda do domínio, correspondem aos modos de aquisição e mais a secessão, que se
refere ao caso em que um território adquire a sua independência e a separação de outro estado.

FAIXA DE FRONTEIRA:
A zona de fronteira é constitucionalmente definida como a faixa de até 150 (cento e cinqüenta) km de largura,
"ao longo das fronteiras terrestres, considerada fundamental para defesa do território nacional" (CRFB/88, art.
20, § 2º). Conceito: Trata-se o limite físico do território e do exercício de poder do Estado. São normalmente
estabelecidas por tratados (embora possa ser provenientes de arbitragem ou mediação).
Podem ser naturais (resultantes de acidentes geográficos, como rios e cordilheiras) ou artificiais (criadas pelos
Estados, normalmente, aproveitando-se de paralelos e meridianos).
Doutrinas:
a) Doutrina uti possidetis (principio da intangibilidade das fronteiras coloniais): divisões administrativas que
foram determinantes para a constituição dos limites entre os Estados colonizados, devem permanecer servindo
de limites dos Estados sucessores (recém independentes) (SHAW, pág, 525). Trata-se de um princípio de direito
internacional segundo o qual os que de fato ocupam um território possuem direito sobre este.
b) Doutrina das efetividades: Nem sempre o princípio do uti possidetis é apto à fixação de fronteiras (Casos
Burkina Faso-Mali e El Salvador-Honduras). Nesses casos, deve-se ater à noção de prova do efetivo exercício de
jurisdição territorial em período colonial, em período imediatamente pós-colonial e em período mais recente
(SHAW, pág. 529).
Súmula 477 do STF: As concessões de terras devolutas feitas nas faixas de fronteiras, feitas pelos Estados,
autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante,
em relação aos possuidores.

DOMÍNIO FLUVIAL:
O domínio fluvial é constituído pelos rios e demais cursos d’água que, dentro dos limites do estado, cortam o
seu território. Os rios são nacionais, quando correm inteiramente dentro dos limites do estado, ou
internacionais, quando atravessam ou separam os territórios de dois ou mais estados.

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Rios nacionais: Localizados inteiramente dentro do território de um estado, os rios nacionais se acham
submetidos à sua soberania, a exemplo do que ocorre com o próprio território. Em consequência, a
regulamentação dos rios nacionais deveria escapar às normas estabelecidas pelo direito internacional.
Esta tem sido a posição da maioria dos autores, mas aos poucos se sente que, mesmo no tocante aos rios
nacionais, os estados têm obrigações e podem ser internacionalmente responsabilizados, em matéria de
navegação, uso de suas águas, pesca e defesa do meio ambiente, por danos transfronteiriços. Nesse sentido A.
DERGINT (2006): “Muitos problemas ambientais têm hoje natureza que vai além das fronteiras nacionais. A
utilização do meio ambiente dentro do espaço de soberania e de controle de determinado estado tem,
frequentemente, efeitos danosos sobre o meio ambiente em outros estados, ou mesmo espaços fora das
jurisdições nacionais”.
Rios internacionais: Os rios internacionais ou são contíguos, quando correm entre os territórios de dois estados;
ou são sucessivos, quando atravessam os territórios de dois ou mais estados.
No primeiro caso, a soberania de cada estado estende-se, no rio, até a linha divisória. No segundo caso, cada
estado atravessado pelo rio exerce soberania sobre a parte do curso compreendida dentro do seu território.
A matéria, contudo, ainda está para ser consolidada no direito internacional positivo. Como em outros campos
do direito internacional, a matéria não pode ser contemplada somente em relação aos seus aspectos “técnicos”,
mas deve ser vista como um todo integrado, no qual convergem também os interesses de ordem “política” e
“estratégica”.
Ainda não há um tratado geral sobre o tema, de modo que a matéria termina sendo regulamentada pelos
Estados que compartilham os cursos d´água, sendo um direito casuístico (REZEK, Direito Internacional Público,
pág. 322).

DOMÍNIO AÉREO:
Espaço Aéreo: compreende o espaço acima da área terrestre, do mar territorial de áreas sob a soberania,
jurisdição, proteção ou mandato do Estado.
Algumas Regras: I. O Estado exerce sua soberania sobre o espaço aéreo de maneira absoluta e exclusiva; II. Não
há um direito de passagem inocente no espaço aéreo, devendo todo o sobrevoo sobre o território de outro
Estado ser precedido de devida autorização (REZEK, pág. 326). Entretanto, a Convenção sobre Aviação Civil de
Chicago permite que aeronaves de seus Estados-partes, desde que em voos não regulares, sobrevoem outros
Estados-partes sem fazer escalas, ou fazendo escalas apenas para fins não comerciais, sem necessidade de obter
licença prévia; III. Todo Estado deve se abster quanto ao uso de armas contra aeronaves civis em voo, sendo
que, em caso de interceptação, não podem por em perigo a vida dos ocupantes da aeronave e a segurança dos
equipamentos (Protocolo à Convenção de Chicago de 1984-Decreto 3032/99).
Convenção de Chicago: A Convenção de Chicago só é aplicável a aeronaves civis. Mas esclarece que nenhuma
aeronave pública ou aeronave pertencente a estado (como tal denominadas state aircraft), isto é, aeronave
militar ou empregada em serviço de alfândega ou de política, poderá sobrevoar o território de outro estado
contratante, sem prévia autorização deste.
Nacionalidade das Aeronaves: Toda aeronave deve ter uma nacionalidade, definida a partir de sua matrícula ou
de seu registro no Estado. Cada Aeronave terá apenas uma nacionalidade e uma matrícula, ainda que pertença a
uma companhia multinacional. é proibido o registro em mais de um Estado.
Tráfego Aéreo: Regime das “cinco liberdades”, sendo duas de caráter técnico, e três de natureza comercial
Liberdades Técnicas: I. Liberdade de Sobrevôo, sem escalas. O Estado Sobrevoado apenas pode proibir o vôo
sobre áreas determinadas ou pré-determinar rotas. II. Liberdade de escala técnica, sem fins comerciais ou em
casos de emergência.
Liberdades Comerciais: I. Desembarcar passageiros e mercadorias provenientes do Estado de origem da
aeronave; II. Embarcar passageiros e mercadorias com destino ao Estado de origem da aeronave; III. Embarcar
ou desembarcar passageiros ou mercadorias procedentes de, ou com destino a, terceiros países.

6C. Jurisdição Internacional do Estado e das Organizações Internacionais: espécies, alcance e limites. Imunidades
do Estado e das Organizações Internacionais.

Lucas Costa Almeida Dias 09/09/2018

I. Jurisdição Internacional

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A jurisdição internacional não tem o mesmo conceito do direito interno: é o poder de regência sobre bens,
pessoas e condutas em geral localizadas/praticadas no território de determinado Estado. A regra é a
territorialidade da jurisdição e a extraterritorialidade é a exceção. Isso não permite afirmar que há primazia da
jurisdição territorial sobre a extraterritorial, mas apenas que ela é mais frequente.

II. Jurisdição internacional do Estado e das Organizações Internacionais


No Brasil, o acesso à justiça é direito fundamental (art. 5º, XXXV, CF). Cada país delimita a competência
conforme a lei interna. Há hipóteses de competência exclusiva (art. 23, CPC) e concorrente (arts. 21 e 22, CPC).

É importante identificar a jurisdição internacional porque (a) em razão de fato transnacional, é possível que se
defina a justiça de um ou mais Estados para julgar o caso, o que pode causar a litispendência (inadmissível no
Brasil – art. 24, CPC); (b) define a eficácia no território nacional de decisões estrangeiras e laudos arbitrais, além
de medidas judiciárias rogadas por tribunais estrangeiros.

Ela ocorre em duas etapas: primeiro, verificam-se os limites espaciais da jurisdição do Estado; depois, define-se
a competência interna.

Espécies:

a) Concorrente: o Estado brasileiro se julga apto a julgar a lide, mas admite que a justiça de outro Estado
também o faça. O autor poderá escolher entre a tutela jurisdicional brasileira ou estrangeira; optando pela
estrangeira, será homologável a sentença daí advinda.

O STJ já declarou que não obsta a concessão do exequatur em carta rogatória citatória a competência
meramente concorrente ou relativa da autoridade judiciária brasileira. Se a ação no exterior se iniciar
simultaneamente àquela proposta do território nacional, a justiça brasileira dar-se-á por competente,
independentemente do que venha a ocorrer na justiça estrangeira. A decisão estrangeira não poderá ser
homologada depois de resolvida a questão no foro brasileiro, porque a proposição da ação perante juízo
estrangeiro não tem o condão de transferir a competência para o exterior, nem previne a competência do juiz
nacional. Assim, não há litispendência no plano internacional.

O art. 24 do NCPC fez questão de esclarecer a questão da coincidência entre duas ações, uma aqui e outra no
exterior, dispondo que somente depois da homologação da sentença estrangeira, a ação aqui proposta e que
ainda não teve o trânsito em julgado terá seu prosseguimento interrompido.

O NCPC acrescentou as hipóteses de competência concorrente para as matérias relativas a alimentos e ao


direito do consumidor: competência decorrente do domicílio do autor, nas relações de consumo e de alimentos,
e a competência decorrente de eleição de foro estrangeiro pelas partes. No caso do consumidor, a intenção é de
protegê-lo, por ser vulnerável, elimina as barreiras de acesso à justiça e ainda permite que o consumidor se
beneficie das regras protetivas brasileiras de inversão do ônus da prova, já que o CDC é norma de aplicação
imediata.

b) Exclusiva: O art. 23 do CPC prevê (i) ações relativas a bens imóveis situados no Brasil, (ii) sucessão hereditária
e (iii) ações relativas a divórcio, separação judicial ou dissolução da união estável (partilha de bens situados no
país).

Não é possível homologar sentença estrangeira ou reconhecer efeitos à cláusula que elege foro estrangeiro para
esses casos. É uma tendência que os Estados soberanos tenham competência exclusiva para causas relativas a
imóveis situados em seu território, por configurarem questão de ordem pública em sentido amplo e de
segurança jurídica.

Mudança de posição no STJ, no que diz respeito à partilha de bens adquiridos na constância do casamento, mas
que estejam localizados no exterior: embora reconheça que não pode dispor dos bens que não estão no
território nacional, o STJ traz novo entendimento sobre a definição dos direitos e obrigações relativos ao

42
desfazimento da união, asseverando que a partilha deve ser igualitária, para evitar violação às regras de direito
de família vigentes no Brasil. Houve compensação de valores.

Eleição de foro: prática necessária, dada a inexistência de regras internacionais uniformes e universalmente
aceitas sobre jurisdição internacional

As partes analisam as vantagens das regras relativas aos aspectos processuais da questão, da lei aplicável, dos
custos para a contratação de advogados, entre outras. Essa busca é denominada forum shopping. A incerteza
gerada pelas múltiplas possibilidades abertas com o forum shopping pode diretamente afetar o custo da
contratação, seus termos e mesmo sua existência, desencorajando certos negócios somente em razão da
análise das condições dos tribunais com possibilidades de julgarem a questão.

Com a inclusão de permissão expressa à cláusula de eleição de foro no novo CPC, os contratos internacionais
com tal cláusula gozarão da mesma segurança jurídica desfrutada pelos contratos que optaram pela arbitragem
internacional, na qual essa escolha já era plenamente aceita. A possibilidade de escolher o foro através da
inclusão de uma cláusula contratual integra o conceito de autonomia da vontade.

No NCPC: Para que a cláusula seja válida, é necessário que o acordo seja expresso e ainda explicite que se trata
de uma cláusula exclusiva. Se houver cláusula expressa de eleição de foro estrangeiro, mas a parte ré não
demandar sua aplicação na contestação, dar-se-á a aceitação tácita do foro brasileiro, e não será mais possível
trazer à baila essa discussão.

III. Imunidades do Estado e das Organizações Internacionais.

A) Estado
Costume internacional: “par in parem non habet imperium” (imunidade absoluta). O STF não julgou litígio Síria x
Egito, porque não haveria jurisdição brasileira do Estado para julgar. OS EUA romperam com esse costume, a
partir do Foreign Sovereignt Immunities Acts (lei sobre soberania estrangeira), que diferencia atos de império
(incide soberania/imunidade) x atos de gestão (atua como particular e não há imunidade).

Brasil: o STF rompeu com esse costume ao reformar decisão do TST e reconhecer que a Alemanha praticara ato
de gestão e não haveria imunidade (imunidade relativa) para o processo de conhecimento.

Atos de guerra e violações de direitos humanos: CIJ e STJ reconhecem que há imunidade do Estado. Contudo,
ACR entende que os institutos jurídicos tradicionais devem ser lidos à luz das normas de ius cogens e da
proteção internacional de direitos humanos. Em caso de violação de DH (vida, igualdade e integridade física), há
denegação de justiça ao se reconhecer a imunidade absoluta.

B) Organização internacional
Diferentemente da imunidade dos Estados, a imunidade da organização internacional segue o teor do tratado. O
Brasil celebrou tratado com a ONU que lhe garante imunidade plena. Não há imunidade absoluta x relativa
(Estados), mas apenas o teor do tratado.

- Imunidade pessoal (funcionários – diplomatas e cônsules) x imunidade real (sede, bens).

20B. Proteção diplomática. Evolução histórica. Elementos. Esgotamento prévio dos recursos internos.

Thales Cavalcanti Coelho 10/09/18


Fontes: ACCIOLY, Hildebrando et al. Manual de Direito Internacional Público. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.012. P. 767 e ss.
RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2.004. P. 44 e ss.
MAZUOLLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.015. P. 560 e ss.

I. Proteção diplomática
A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1.961 estipula em seu artigo 3º que, entre as
funções da missão diplomática, figura a de “proteger no Estado acreditado os interesses do Estado acreditante

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e de seus nacionais, dentro dos limites permitidos pelo direito internacional”. Dispositivo semelhante é
encontrado na Convenção sobre Relações Consulares de 1.963. Ambas consagram regra tradicional do direito
internacional.
Referida proteção dos nacionais tem dois aspectos: a proteção propriamente dita, quando o nacional
sofre dano, ocasionado ou não pelas autoridades locais; e a simples assistência geral, que consiste em facilitar a
estada dos concidadãos que se encontram no país da missão diplomática ou da repartição consular.
No âmbito da proteção dos nacionais, insere-se a proteção diplomática, instituto de Direito
Internacional pelo qual o Estado, cujo nacional sofreu danos por conduta imputada a outro Estado, considera
tal dano como dano próprio e pleiteia reparação ao Estado responsável pelo ato lesivo. Em outras palavras, a
suposta lesão a direito de estrangeiro é transformada, pelo endosso dado pelo Estado de sua nacionalidade, em
um litígio internacional entre o suposto Estado violador e o Estado da nacionalidade do estrangeiro.
Ressalte-se que o endosso é o instrumento que outorga a proteção diplomática de um Estado ao
particular. Em outras palavras, o Estado, quando endossa a queixa do particular, "toma suas dores", passando a
tratar com o outro Estado de igual para igual, a fim de ressarcir o particular do dano sofrido. O Estado, portanto,
se substitui ao particular, incorporando a função de dominus litis e assumindo os encargos daí resultantes, o que
se justifica tendo em vista que a responsabilidade internacional opera de Estado para Estado - mesmo que o ato
ilícito tenha sido praticado por um indivíduo ou ainda quando a vítima seja um particular.

I.i. Evolução histórica


A proteção diplomática tem origem remota no sistema de cartas de represálias, pelo qual o soberano
era instado a autorizar a reação privada (as represálias) em face do tratamento dado aos seus mercadores no
estrangeiro. Nesse sistema, o indivíduo que sofreu algum dano em território estrangeiro apela para o Estado de
sua nacionalidade, para que esse exija reparação do Estado estrangeiro responsável pelo dano.
Como evolução do sistema de cartas de represálias, a proteção diplomática, enquanto instituto
costumeiro, consolidou-se no século XIX, a partir do aumento dos investimentos dos países europeus e dos
Estados Unidos no exterior, o que levou a conflitos entre nacionais daqueles Estados e os novos países
emergentes, em especial os da América Latina. Nesse contexto, a proteção diplomática se justificaria diante da
ausência, em citados países emergentes, de instituições sólidas, aptas a prestar Justiça.
Fundamentou-se a proteção diplomática, então, no suposto dever internacional de todos os Estados de
fornecer um tratamento considerado internacionalmente adequado aos estrangeiros em seu território, sendo
tal tratamento adequado correspondente a um standard internacional de Justiça - não obstante auferido em
face de parâmetros das nações europeias.
Referido standard pode ser definido como sendo uma pauta comum de conduta a todos os Estados,
composta por critérios de razoabilidade e aceitabilidade pela sociedade internacional no momento em que
determinado fato deva ser apreciado. O desvio de tal tratamento consiste na violação, então, de norma
internacional, devendo o Estado infrator ser responsabilizado internacionalmente por isso.
Para a doutrina da proteção diplomática, o dano ao estrangeiro é um dano indireto ao Estado de sua
nacionalidade. Desse modo, o Estado, ao conceder a proteção diplomática ao seu nacional, está exercendo
direito próprio de buscar a reparação a um dano indireto causado pelo outro Estado. Nesse sentido, entendia a
Corte Permanente de Justiça Internacional que o Estado, ao conceder a proteção diplomática ao seu nacional,
estaria, na verdade, afirmando seu direito de ver respeitadas as regras do Direito Internacional.
Contudo, para diversos doutrinadores, a proteção diplomática se revelou uma clara ofensa ao princípio
da não intervenção em assuntos domésticos de cada Estado. Como reação a doutrina da proteção diplomática,
surgiu a denominada doutrina CALVO20, oriunda de estudos do professor argentino CARLOS CALVO, que por sua

20
Também fundada no princípio da não-intervenção está a denominada doutrina DRAGO, formulada pelo então Ministro das Relações
Exteriores da Argentina, Luís Maria Drago, no início do século XX. Referida doutrina originou-se como reação ao bloqueio e ao
bombardeio de portos venezuelanos por embarcações alemãs, inglesas e italianas, em ação militar que tinha o intuito de forçar a
Venezuela a pagar as dívidas que tinha com esses três países. Pugna a doutrina DRAGO, basicamente, contra o emprego de força
armada, por um ou mais Estados, voltado a obrigar outros entes estatais a pagarem dívidas por si assumidas, sob o fundamento de que
um ato daquele tipo violaria a soberania e a igualdade entre os Estados. Cabe destacar que a doutrina DRAGO não visa a negar a
obrigação de o ente estatal devedor arcar com as dívidas que contraiu, mas tão somente sustenta que o cumprimento de tal obrigação
deve ser obtido por meios de resolução pacífica de controvérsias. O pensamento de Drago, marcado pela defesa da América Latina
contra a intervenção estrangeira, difundiu-se amplamente pelo mundo e terminou acolhido pelos Estados participantes da Conferência
de Paz de Haia (1.907) e consagrado, em grande medida, em um dos tratados celebrados na ocasião, que ficou conhecido como
"Convenção Porter".

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vez deu origem à assim chamada cláusula Calvo. Consiste a cláusula Calvo em uma estipulação contratual pela
qual o estrangeiro compromete-se a não se socorrer de seu governo e do instituto da proteção diplomática,
buscando resolver as controvérsias eventualmente existentes pelo recurso aos tribunais competentes.
A cláusula Calvo teve sua validade negada - ou sua nulidade declarada - por diversas decisões
internacionais, que a refutaram com base no argumento da impossibilidade de o particular renunciar a direito
que não lhe pertence. Com efeito, a proteção diplomática transforma um litígio interno entre o Estado e um
estrangeiro em conflito internacional, passível de ser resolvido pelos meios internacionais de solução de
controvérsia, correspondendo, portanto, a um direito do Estado.
Não obstante, a proteção diplomática restou enfraquecida com o tempo, notadamente em face de
outra crítica que lhe era dirigida, qual seja, a de sua faceta discriminatória, que contradiria o seu próprio
fundamento - vale dizer, a exigência de um standard mínimo de Justiça. Ora, como exigir tal standard, se esse só
seria aplicável aos estrangeiros, não sendo levado em consideração, pela sociedade internacional, o tratamento
dado por um Estado aos seus próprios nacionais?
Atualmente, a proteção diplomática encontra reduzida utilidade prática. Nessa linha, tem-se que os
investimentos em outros Estado realizados por estrangeiros têm tomado a forma da criação de empresas locais,
as quais, para todos os efeitos, não são empresas estrangeiras, o que impossibilita a proteção diplomática. Além
disso, a criação de mercados globais elevou consideravelmente os fluxos econômicos internacionais e a
interdependência das economias, dificultando a identificação da nacionalidade do investimento. Assim, um
instituto como a proteção diplomática, marcado pela bilateralidade e pela clara distinção de nacionalidade,
perdeu importância, reduzindo seu alcance em um mundo globalizado.
De todo modo, a proteção diplomática tem relevância como antecedente histórico da proteção
internacional dos direitos da pessoa humana, em razão do foco na proteção do indivíduo. Contudo, no âmbito
da proteção internacional dos direitos humanos, a responsabilidade do Estado não se caracteriza pela
ocorrência de uma lesão indireta a outro Estado, senão como lesão direta ao indivíduo, sem equiparações ou
mediações, independendo, ainda, da nacionalidade daquele.

I.ii. Elementos
Para que o Estado conceda o endosso, outorgando proteção diplomática a um particular, é
imprescindível a presença de três elementos (ou requisitos):
(a) nacionalidade do Estado reclamante: a vítima (pessoa física ou jurídica) deve ser nacional do Estado
reclamante ou pessoa sob sua proteção diplomática;
Obs.: a nacionalidade precisa ser efetiva e genuína, e não um subterfúgio a ser utilizado por
conveniência, sem que guarde quaisquer vínculos sociais, culturais, econômicos ou políticos com o
Estado nacional (cf. Corte Internacional de Justiça, Caso Nottebohm - Liechtenstein x Guatemala, de
1.955).
Obs. 2: a doutrina majoritária defende que o apátrida não pode ter proteção diplomática (FRANCISCO
REZEK). Por outro lado, doutrina minoritária defende que o Estado de domicílio do apátrida pode
conceder proteção diplomática (VALÉRIO MAZZUOLI). De acordo com o art. 12 do Decreto 4.246/2.002,
que promulgou a "Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas", o estatuto pessoal do apátrida será
regido pela lei do domicílio ou, na sua falta, a da residência do apátrida, e não por qualquer Estado que
se dispuser a conferi-la.
Obs. 3: em caso de indivíduo polipátrida, apesar de ser possível o recebimento de proteção diplomática
por qualquer um de seus Estados nacionais, não se admite que seja invocada a proteção diplomática
contra suposto Estado violador do qual o indivíduo também seja nacional (cf. Corte Permanente de
Arbitragem, Caso Canevaro - Itália x Peru, de 1.912).
(b) correção da conduta do particular: a vítima deve ter agido corretamente e sem culpa, isto é, não deve
ter contribuído, com seu próprio comportamento, à criação do dano;
Obs.: a teoria “clean hands” ("mãos limpas"), que fundamenta tal requisito, foi elaborada com a
finalidade de obstar o intento do estrangeiro de se beneficiar de um comportamento malicioso por ele
provocado, buscando evitar que a proteção diplomática seja concedida a quem não a merece, por ter
sido o próprio causador do conflito com o Estado de acolhida.
(c) esgotamento dos recursos internos: a vítima deve ter esgotado os recursos internos (administrativos ou
judiciais) disponíveis para a salvaguarda de seus direitos violados, desde que o direito de acesso à
Justiça lhe seja efetivamente assegurado.

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II. Esgotamento prévio dos recursos internos
A regra do esgotamento prévio dos recursos internos, atualmente amplamente difundida em sede de
responsabilidade internacional do Estado, se desenvolveu no âmbito da doutrina da proteção diplomática.
Referida regra se consubstancia, em síntese, na exigência do indispensável manuseio de recursos
internos do Estado de acolhida pelo estrangeiro a fim de que o dano seja reparado, antes de buscar a proteção
diplomática no âmbito internacional.
Entende-se que, se no âmbito interno não for possibilitado o acesso a recursos efetivos, ou mesmo se
houver demora injustificada no processo de decisão acerca do pedido reparatório, restará satisfeito esse
requisito de admissibilidade para ser solicitada a proteção diplomática.
Essa regra obteve grande aceitação no Direito Internacional graças ao seu papel de redutor de tensões
entre os Estados, assegurando o respeito à soberania estatal ao se enfatizar o caráter subsidiário da jurisdição
internacional.
Quanto à natureza jurídica da regra em questão, há divergência doutrinária, de sorte que se destacam
duas principais correntes: (a) natureza substantiva, segundo a qual a responsabilidade internacional do Estado
somente surge após o esgotamento dos recursos internos, o qual constituiria um de seus elementos (ACCIOLY);
e (b) natureza processual, segundo a qual a responsabilidade internacional do Estado nasce com a violação do
Direito Internacional, sendo a regra do esgotamento requisito meramente processual para que o Estado infrator
seja acionado perante o Direito Internacional (ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS e CANÇADO TRINDADE).
É de ressaltar que a regra do esgotamento dos recursos internos reforçou o caráter subsidiário da
jurisdição internacional, colaborando para a consolidação da responsabilidade primária dos Estados na proteção
dos direitos humanos, o que exigiu o aparelhamento dos Estados com recursos internos adequados à prevenção
e à reparação dos danos causados aos indivíduos.
ANDRÉ CARVALHO RAMOS alerta que a regra do esgotamento dos recursos internos traz uma
consequência inesperada, ao aguçar o conflito entre o Poder Judiciário nacional e a jurisdição internacional,
tendo em vista que, com o esgotamento de recursos internos, obtém-se, não raras vezes, uma decisão de
âmbito nacional em flagrante violação aos direitos a serem protegidos (em razão da aplicação inadequada de
uma norma, da morosidade da Justiça, da não observância de precedentes internacionais acerca do tema
analisado etc.).

Perguntas de prova oral:


O que significa responsabilidade internacional indireta do Estado?
 Resposta encontrada: “No âmbito da responsabilidade internacional, em muitos casos, os interesses
protegidos não são atinentes ao Estado diretamente, mas a danos causados a seus nacionais. Fala-se então
em proteção diplomática. A outorga de proteção dada pelo Estado a um nacional que se encontra vitimado por
ato ilícito cometido por outro Estado denomina-se endosso. Este ato é discricionário, de forma tal que não são
em todas as ocasiões em que o endosso é requerido que o mesmo é deferido. Assevere-se ainda que é possível
a sua outorga sem prévia requisição. Segundo ACR, a proteção diplomática é, no fundo, uma responsabilidade
do Estado por danos causados a estrangeiros. Ressalte-se que os Estados não tem o dever de acolher
estrangeiros, salvo no caso de refúgio, mas se aceitar, tem que oferecer um parâmetro mínimo de direitos a
este estrangeiro, senão pode o Estado patrial processar o Estado estrangeiro, perante o direito internacional”.
Explique brevemente as condições para outorga de endosso.
 Resposta encontrada: “Se concedido o endosso, a questão doméstica passa a ser de direito
internacional. Requer: (a) esgotamento dos recursos internos, que consiste na provocação anterior, do próprio
Estado de acolhida, para que o dano seja reparado, sendo que, segundo ACR, este requisito pode ser dispensado
caso haja delonga; e (b) o indivíduo deve ser nacional do Estado.”.

21A. Órgãos das relações entre Estados. Relações diplomáticas e consulares. Missões diplomáticas e consulares.
Regime jurídico dos agentes diplomáticos e consulares. Imunidades de agentes públicos no Direito
Internacional: conteúdo, alcance e limites. Regime de tropas estacionadas por força de tratado.

Pedro Soares

I. Órgãos das relações entre Estados.

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Os órgãos do Estado nas relações internacionais são os indivíduos encarregados de representar os Estados.
Tradicionalmente, a representação internacional do Estado tem sido incumbência do: i. Chefe de Estado; ii.
Chefe de Governo; iii. Ministro das Relações Exteriores; iv. Agentes Diplomáticos; v. e dos agentes consulares.
Os regimes jurídicos dos Chefes da Estado e de Governo, bem como dos Ministros das Relações Exteriores (CIJ,
caso Yerodia), enquanto incumbidos da representação internacional do Estado, é similar ao dos agentes
diplomáticos (v. itens II e III, infra).
Todavia, as relações internacionais na atualidade são marcadas pelo crescente dinamismo e pela maior
complexidade dos temas tratados, com envolvimento de pessoal da Administração Pública especializado em
áreas específicas.

27 Oral: Fale sobre o caso Yerodia.


Caso Yerodia (Bélgica vs. Congo): em 1999, a Bélgica emitiu um mandado de prisão contra o Ministro das
Relações Exteriores da República democrática do Congo, por crimes contra os direitos humanos,
fundamentando seu ato no princípio da jurisdição universal. A CIJ entendeu que, embora não seja chefe de
estado, o Ministro das Relações Exteriores goza da mesma imunidade àquele conferida, na medida em que se
trata de um canal de condução das relações diplomáticas, decidindo, então, que a jurisdição universal não
poderia ser ilimitada

II. Relações diplomáticas e consulares. Missões diplomáticas e consulares. Regime jurídico dos agentes
diplomáticos e consulares.
A atividade dos diplomatas é regulada pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961; e a dos
cônsules, pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963.
O estabelecimento de relações diplomáticas implica, salvo indicação contrária, aquele de relações consulares.
Contudo, o rompimento das relações diplomáticas não implica o rompimento das relações consulares.

Agente diplomático. Seria o representante de um Estado em outro. Sua missão principal é defender os
interesses do Estado que representa.
Para que os agentes diplomáticos possam atuar em outro Estado, é necessário que os entes estatais tenham o
chamado direito de legação, que consiste na prerrogativa de enviar e receber os agentes diplomáticos. Também
têm esse direito as organizações internacionais. O direito de legação decorre do estabelecimento de relações
diplomáticas e requer acordo entre as partes envolvidas. Ele fica suspenso com a guerra, o rompimento de
relações diplomáticas ou o não reconhecimento do governo. Além disso, o direito de legação confere ao Estado
a mera faculdade de abrir missão diplomática no exterior, não obrigando a respeito.
Distinguem-se as expressões Estado acreditante (que envia o agente diplomático) e Estado acreditado (que
recebe). Os agentes exercem suas funções nas missões diplomáticas (embaixadas = órgãos de representação do
Estado acreditante junto aos governos de outro) e nas delegações e missões junto a organismos internacionais.
A nomeação do agente diplomático é processo que requer, no DIP, o pedido e a concessão de agrément,
concessão que consiste em ato discricionário pelo qual o Estado acreditado aceita a indicação de embaixador
estrangeiro para que nele atue. Não é ato de ofício, sendo necessário pedido do acreditante. Além disso, o
processo de concessão é secreto e não precisa ser motivado.
O chefe da missão não necessariamente é um diplomata de carreira. Cada país organiza à sua maneira.

Agente consular. Sua função primordial é oferecer aos nacionais a proteção e a assistência no exterior. Realiza
atividades diversas, envolvendo emissão de passaporte, vistos, atividade notarial.
Há dois tipos de cônsules: i. CÔNSULES DE CARREIRA (OU MISSI): recrutados entre os nacionais do Estado que os
envia; ii. CÔNSULES HONORÁRIOS (OU ELECTI): podem ter QUALQUER NACIONALIDADE, inclusive a do próprio
Estado onde atuarão.
Para facilitar o exercício de suas funções, os agentes consulares beneficiam‐se do instituto da notificação
consular. Por esse instituto, os cônsules têm direito a comunicar‐se com os nacionais de seu Estado e de visitá-
los, ainda que presos. É reconhecido como direito fundamental, sendo que a ausência redunda em violação do
devido processo legal (CorteIDH, OC n. 16/99).
A nomeação ocorre através de um documento chamado carta-patente, emitido pelo Estado que indica o agente
consular e dirigido ao Estado que recebe o cônsul. Para que o Chefe da repartição consular seja admitido no
exercício de suas funções, é necessária autorização do Estado que o recebe, denominada exequatur, cuja

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formalização não requer qualquer formato pré-estabelecido. Cuida-se de ato discricionário de exercício da
soberania.

III. Imunidades de agentes públicos no Direito Internacional: conteúdo, alcance e limites.


O fundamento da imunidade está na proteção das pessoas naturais e jurídicas que atuam nas relações
internacionais, que precisam contar com a prerrogativa de exercer suas funções sem constrangimentos de
qualquer espécie. Trata-se de limitação direta da soberania. A imunidade pode ser pessoal (diplomatas e
cônsules) e real (local das embaixadas e objetos).

Imunidade diplomática e imunidade consular: a) A imunidade diplomática abrange a jurisdição penal, cível,
administrativa e trabalhista, embora a Convenção de Viena reconheça exceções, tais como causas envolvendo
imóveis particulares que não o residencial, feitos sucessórios a título estritamente pessoal e ação referente a
qualquer profissão liberal ou atividade comercial exercida pelo agente, também não abrangendo eventuais
reconvenções que enfrentem caso tenha acionado o judiciário local. b) A imunidade consular é semelhante à
diplomática, mas restrita às funções consulares. c) Tanto a imunidade diplomática quanto a consular estendem-
se aos familiares.
Diferenças: (1) a primeira assegura plena indenidade de jurisdição penal, ressalvado o previsto no art. 32 da
CV61 [Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961], e mais ampla imunidade civil e administrativa
(cf. art. 31 da CV61 e 43 da CV63 [Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963]), já a segunda é
plena apenas quanto ao art. 43.1 da CV63 (atos no exercício das funções consulares), sendo possível a prisão
nos termos do art. 41 da CV63; (2) a primeira consagra mais ampla inviolabilidade de locais, abrangendo locais
da missão diplomática sem as restrições do art. 31 da CV63, bem como a residência do agente diplomático (art.
22 e 30 da CV61); (3) a primeira, diversamente da outra, estende-se, quanto aos art. 29 a 36 da CV61, aos
familiares de diplomatas e, na forma do art. 37.2, do pessoal da missão.
Apesar de imune, um diplomata que viole de maneira grave ou persistente as leis locais pode ser declarado
persona non grata, inclusive imotivadamente, por ato unilateral e discricionário, devendo sair do estrangeiro.
Caso o Estado acreditante não o retire, pode não reconhecer o funcionário como membro da missão, o que
implica o não reconhecimento de privilégios e imunidades e, portanto, a possibilidade de que o agente
estrangeiro seja processado e julgado localmente.
O Estado acreditante pode renunciar a imunidade. Essa renúncia não implica automaticamente a renúncia
quanto às medidas de execução. Além disso, não é possível que o próprio agente renuncie às imunidades de que
goza.

Imunidades de ex-Chefes de Estado: O atual entendimento prevalecente é o de que não persistem diante de
atos contrários aos princípios e objetivos das Nações Unidas, mormente as violações dos direitos humanos, os
crimes de guerra e os crimes contra a paz, chamados genericamente de ‘crimes contra a humanidade’. Com isso,
seria possível o julgamento de um ex-Chefe de Estado por cortes internas de Estados estrangeiros ou por
tribunais internacionais por conta de atos cometidos por essa autoridade durante o período em que exerceu o
poder, o que antes não seria viável (caso Pinochet).

III. Regime de tropas estacionadas por força de tratado.


a) Quanto ao “regime de tropas estacionadas por força de tratado”, recentes acordos de cooperação estão a
implicar o exercício extraterritorial da competência de um Estado em matéria de defesa e segurança, abrindo
uma polêmica relativa a potenciais atos de agressão contra terceiros. b) Em princípio tais acordos são lícitos e já
existiam no estudo do direito internacional. Todavia, se tropas militares de um determinado Estado, servirem-se
da convenção para um ato de agressão contra um terceiro Estado, deve ser avaliada de forma cuidadosa a
responsabilização das partes envolvidas. c) Exemplos: pode tal situação verificar-se nos acordos de cooperação
entre a Colombia/EUA e Aruba/EUA, também assim no conhecido caso Cuba/EUA, que se serviu de antigo
tratado entre tais países para instalar base militar na época da Guerra Fria, mantendo-se até o presente
momento para manutenção das base de Guantanamo. d) Também, o Brasil tem acordos neste sentido firmado
com Peru, Espanha e Inglaterra. e) No caso de tropas estacionadas, por força de tratado, de um Estado em
outro, tem-se que a imputação de responsabilidade recai sobre o Estado de origem (Estado que remeteu as
tropas estacionadas em outro Estado), salvo se os atos do Estado de acolhida (Estado que recebe as tropas
estacionadas do Estado de origem) forem tais sobre as tropas estacionadas/acolhidas a ponto de serem

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imputados de forma independente e autônoma ao Estado de acolhida, ou ainda no caso deste assumir tais atos
como próprios.
STATUS OF FORCES AGREEMENT (SOFA): Acordos celebrados entre Estado que envia e Estado que recebe tropas
militares estrangeiras, visando regular o estatuto jurídico dessas forças, estabelecendo os direitos e deveres dos
integrantes dessas unidades militares, os termos das operações e o alcance da jurisdição do Estado local sobre
as forças estrangeiras e seus bens, normalmente como parte de um arranjo mais amplo entre as partes no
campo da segurança.

5. PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL: ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS


5.1 Organização Internacional. Personalidade Jurídica. Elementos constitutivos. Evolução. Espécies e finalidades.
Funcionamento. Poder normativo das organizações internacionais: alcance e limites. Acordo de sede. (16.c)
5.2 Organização das Nações Unidas: evolução histórica, finalidades, atuação, órgãos internos, tipos de
deliberações, modos de solução de controvérsias e sanções. As agências da Organização das Nações Unidas.
(10.c)
5.3 Prerrogativas e imunidades das organizações internacionais. Incorporação ao direito brasileiro das
deliberações de organizações internacionais. Extinção e sucessão das organizações internacionais.
Responsabilidade internacional das Organizações internacionais e a proteção funcional. (1.c)
5.4 Organização dos Estados Americanos: evolução histórica, finalidade, atuação, órgãos internos, tipos de
deliberações, modos de solução de controvérsias e sanções. Outras organizações internacionais regionais das
Américas. (6.b)
5.5 Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Natureza jurídica. Acordo de sede e imunidades. Finalidades,
funções, atividades e proteção de acordo com o Direito Internacional Humanitário. (20.c)

16C. Organização Internacional. Personalidade Jurídica. Elementos constitutivos. Evolução. Espécies e


finalidades. Funcionamento. Poder normativo das organizações internacionais: alcance e limites. Acordo de
sede.

Paulo Henrique Cardozo 12/09/18


Fonte: PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves Portela. Direito Internacional Público e Privado. 7ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017.
GONÇALVES, Maria Beatriz Ribeiro. Direito Internacional Público e Privado. Coleção Resumos para Concursos. 5ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador:
Juspodivm, 2015. Atualização Graal 29º CPR de Tuany Peixoto.

I. Organização Internacional.

As organizações internacionais (OIs) consistem em entidades criadas por Estados por meio de tratado,
com estrutura institucional permanente e personalidade jurídica própria, constituídas com o objetivo de
administrar a cooperação internacional em temas de interesse comum. São importantes sujeitos da sociedade
internacional. Os entes estatais colaboram para a manutenção e o funcionamento das organizações
internacionais com recursos financeiros e humanos, sendo sua vontade fruto, ao menos em parte, das
deliberações dos Estados dentro dos próprios órgãos das organizações.

As OIs são criadas por tratado concluído entre os Estados que conceberam sua existência, funcionando
como “ato constitutivo” da entidade. Tal tratado estabelece a estrutura, os objetivos, a forma de
funcionamento, os órgãos, os processos decisórios e outros pontos de interesse. Os organismos são dotados de
aparelho institucional permanente, ou seja, de um arcabouço e de órgãos e agentes dedicados às atividades da
entidade por prazo indeterminado.

II. Personalidade Jurídica.

As organizações internacionais têm personalidade jurídica própria, podendo ser sujeito de direitos e
obrigações na ordem internacional, independentemente de seus Estados membros. Podem, de maneira
autônoma, celebrar tratados (poder de convenção), contratar e demitir funcionários, adquirir e alienar bens,
bem como praticar todos os atos necessários a seu efetivo funcionamento, inclusive tomando decisões
contrárias a seus membros. São responsáveis pelos atos que praticam e pelas obrigações que devem cumprir e
têm capacidade de auto-organização. Podem recorrer aos tribunais internacionais que o permitam, bem como

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exercer o direito de legação. Além disso, gozam de imunidade de jurisdição, normalmente regulada por seus
atos constitutivos ou tratados específicos.

No passado, a personalidade jurídica internacional das OIs não era reconhecida. Entretanto, isso mudou
a partir do parecer da Corte Internacional de Justiça (CIJ) no caso Folke Bernadotte, em que reconheceu o
direito da ONU à reparação pela morte de seu mediador para o Oriente Médio, em Jerusalém, em 1948.

Tal personalidade jurídica pode ser fixada em tratados ou decorrer do caráter de organização
internacional e dos direitos e prerrogativas reconhecidos como próprios dessas entidades. A personalidade
jurídica da ONU, por exemplo, amplamente reconhecida, não está em seu tratado constitutivo. A aquisição da
personalidade jurídica ocorre no momento em que o organismo efetivamente começa a funcionar e independe
do reconhecimento dos Estados. A doutrina defende que os organismos internacionais, por serem criados por
Estados, possuem personalidade jurídica derivada. Ademais, é possível que uma organização internacional faça
parte de outra.

III. Elementos constitutivos. Espécies e finalidades.

Os elementos constitutivos das organizações internacionais são, em síntese, 1) os Estados que as


compõem, 2) os respectivos atos constitutivos, 3) seus órgãos permanentes, 4) sua personalidade jurídica e 5) os
objetivos voltados à cooperação em temas de interesse comum.

Uma das características marcantes das OIs é a multilateralidade, ou seja, devem ter ao menos três
membros. Além disso, os organismos são marcados pela permanência, funcionando por prazo indeterminado,
bem como com um órgão que, de maneira duradoura e estável, administre a organização. Saliente-se, contudo,
que podem deixar de existir, por decisão de seus membros, a partir de sua dissolução ou da sucessão por outra
organização. Não há organização internacional sem órgãos próprios e agentes responsáveis pelas atividades da
entidade.

Quanto à abrangência ou ao alcance, os organismos internacionais podem ser regionais ou universais.


Os regionais abarcam espaço delimitado e normalmente são compostos por Estados contíguos geograficamente
(Ex.: Mercosul) ou unidos por afinidades históricas, culturais, etc. (ex.: CPLP). Já as OIs universais aceitam
membros de qualquer lugar do mundo.

Quanto ao fim ou ao domínio temático, podem ser gerais ou específicas. As organizações gerais reúnem
ampla gama de competências, como a ONU. Já as especiais cuidam de temas específicos, como o FMI
(economia) e a UNESCO (educação, ciência e cultura). Rezek divide as OIs entre as que têm vocação política,
voltadas a ampla fama de temas, e as de vocação específica, dirigidas a fim de caráter técnico ou especializado.

No tocante à natureza dos poderes exercidos, os organismos podem ser intergovernamentais ou


supranacionais. A atuação dos primeiros baseia-se na coordenação entre seus membros. Os supranacionais
reúnem poderes de subordinar os Estados que deles fazem parte, sendo formados por órgãos cujos titulares
atuam em nome próprio, e não como representantes estatais. Suas decisões são imediatamente executáveis no
interior dos Estados. A maioria dos organismos são intergovernamentais, sendo a União Europeia supranacional.

Quanto aos poderes recebidos ou às estruturas institucionais, as organizações podem ser de cooperação
ou de integração. As de cooperação procuram coordenar as atividades dos membros com o objetivo de alcançar
interesses comuns, enquanto as de integração têm capacidade de impor suas decisões.

As organizações abertas ilimitadamente não fixam nenhum critério para fins de ingresso de um Estado
em seus quadros. Já as abertas limitadas fixam algum requisito de admissibilidade. Por fim, as organizações
fechadas não admitem o ingresso de outros membros, sendo compostas apenas por aqueles que as fundaram.

A finalidade das organizações internacionais é promover a cooperação internacional em temas de


interesse comum, que exigem a concertação entre os Estados. Para isso, os Estados poderão negociar, dentro

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das organizações e com o acompanhamento dessas entidades, tratados que regulem temas de interesse do
organismo.

Os objetivos específicos das decisões das organizações internacionais podem passar, por exemplo, pelo
acompanhamento da execução dos tratados celebrados dentro da entidade e pela tomada de providências
voltadas a responder às eventuais violações dos compromissos assumidos em seu âmbito. Suas decisões podem
adotar vários formados, a exemplo das resoluções que podem ou não ter caráter vinculante; outro exemplo são
as recomendações e os instrumentos de soft law. Outros importantes exemplos de funções das OIs são
influencias as decisões dos Estados e estabelecer mecanismos de solução de controvérsias internacionais. Cabe
lembrar que os organismos também podem atuar na sociedade internacional por meio de atos unilaterais, que
criam direitos e obrigações na cena internacional.

IV. Evolução.

Explica André de Carvalho Ramos que as origens das organizações internacionais datam do século XIX e
são as chamadas organizações técnicas. Muda-se do bilateralismo para o multilateralismo.

As organizações internacionais são um fenômeno da modernidade. Tais como conhecemos atualmente,


são produto da lenta evolução das relações (bilaterais ou multilaterais) entre Estados, tendo seus contornos
contemporâneos sido definidos a partir do início do século XIX. Seu aparecimento no cenário internacional tem
por fundamento a impossibilidade que Estados têm de conseguir realizar, sozinhos, alguns de seus objetivos
comuns.

O intuito último da sociedade internacional é procurar fortalecer a existência de mecanismos e


instituições internacionais capazes de conciliar os atritos e divergências entre os Estados, indo assim ao
encontro da sonhada paz nas relações internacionais. Para atender parte desses anseios, cria-se, finda a
Primeira Guerra Mundial, a Sociedade – ou Liga – das Nações. A experiência, ainda que falha e bastante
defeituosa, deu margem à criação da ONU, a partir do final da Segunda Guerra. No continente americano, muito
antes da criação dessas organizações de caráter global, já havia um órgão internacional continental, de
cooperação interestatal, em pleno funcionamento: a União Pan-Americana, que começou a ser esboçada em
1889 (ganhando esse título em 1910), tendo sido a primeira do gênero a ser constituída.

V. Funcionamento. Poder normativo das organizações internacionais: alcance e limites. Acordo de sede.

É comum que as organizações internacionais possuam pelo menos três órgãos: um plenário, no qual se
reúnem todos os seus membros e dentro do qual são traçadas as grandes linhas do trabalho da entidade e
negociados os tratados; um órgão executivo, normalmente denominado “conselho”, competente para executas
as principais políticas da entidade, no qual apenas alguns Estados estão representados; e um secretariado, que
cuida dos assuntos administrativos. Há, também, um funcionário que será o representante máximo da
organização.

As OIs funcionam, em regra, de acordo com o princípio majoritário; no entanto, há organismos em que
as deliberações são tomadas por unanimidade ou consenso, como no Mercosul.

Os organismos internacionais têm poder regulamentar, podendo pautar o tratamento de temas em sua
área de competência. Dentro desse poder regulamentar, as organizações são caracterizadas por terem um
ordenamento jurídico interno, ou seja, pela capacidade de regularem as relações que desenvolvem em seu
âmbito. A competência normativa das organizações internacionais é interna e externa. Internamente, regulam
suas próprias atividades. No âmbito externo, estabelecem normas dirigidas aos demais sujeitos de Direito
Internacional, envolvendo a conclusão de tratados, o poder de convocar uma reunião internacional e de emitir
resoluções.

A competência normativa externa manifesta-se, por exemplo, pelas convenções, que são tratados
firmados pelos Estados, membros ou não, ou com outras organizações internacionais; por meio de um papel

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convocatório com vistas à realização de uma conferência diplomática sob seus auspícios. Nas organizações
internacionais que possuem papel de coordenação, em questões técnicas do convívio internacional, encontra-se
uma segunda forma de exercício da competência normativa: edição de regulamentos, os quais são endereçados
aos Estados-Membros e objetivam uniformizar condutas. Em terceiro lugar, as organizações internacionais
podem editar recomendações, cuja condição normativa é discutível.

Possuem, ainda, competência operacional, que se refere à capacidade de organizar, formular e executas
operações, políticas e projetos para atingir seus objetivos; competência de controle, para supervisionar a
aplicação dos tratados negociados no âmbito da entidade ou das normas que tenha competência para elaborar
(esse controle pode ser acionado por mecanismos de acompanhamento da própria organização, por iniciativa
de pessoas ou grupos, e pode ser político, técnico ou jurisdicional); e competência impositiva, que compreende
a capacidade de impor suas decisões, conforme estabeleça seu ato constitutivo

Cada OI, por meio de seu ato constitutivo, pode regular a admissão de novos membros, podendo
inadmiti-la. A saída pode ocorrer voluntariamente (mediante denúncia) ou pela expulsão (em caso de violação
das normas que governam a entidade). Nenhuma das modalidades de saída afeta os compromissos assumidos
pelo Estado enquanto ainda era membro.

Por não contarem, em regra, com uma base territorial, as organizações internacionais requerem um
local para instalar seus órgãos e onde seus agentes possam exercer suas funções. A sede em regra é
estabelecida no território de um dos Estados membros, embora possa também um Estado não membro acolher
a estrutura da organização (a Suíça sediou a ONU sem fazer parte dela inicialmente). É possível haver mais de
uma sede. A instalação requer a conclusão de um acordo de sede com o Estado que a receberá, a fim de regular
as relações entre a entidade e o ente estatal que o acolhe, envolvendo temas como prerrogativas dos
funcionários da organização, proteção dos representantes dos Estados membros, etc. O status dos órgãos e dos
respectivos funcionários é definido pelos tratados celebrados entre o Estado e o organismo, sendo em geral
semelhante ao das missões diplomáticas e dos diplomatas no exterior.

Cada organização deve definir a forma pela qual financiará suas atividades. O modo mais comum é o
aporte dos Estados membros (“cotização”), mas pode ser adotada outra forma, como a captação de recursos no
mercado financeiro e a venda de produtos e serviços. Os funcionários das organizações são recrutados de
acordo com os critérios estabelecidos por cada organização e representam os interesses desta, não podendo
receber instruções dos Estados de origem. Tais funcionários gozam, na sede, de prerrogativas definidas pelo
acordo de sede e, em suas representações nos Estados, de determinados privilégios e imunidades semelhantes
às dos diplomatas, também definidas em tratados. Os representantes dos Estados junto às organizações
internacionais e as respectivas sedes de suas missões ou delegações também gozam de privilégios e imunidades
diplomáticas.

Por fim, as OIs podem exercer, em relação a seus membros, a chamada proteção funcional, de acordo
com a qual a entidade pode proteger seu funcionário diante de atos ilícitos praticados por algum Estado. Trata-
se de variante da proteção diplomática, instituto que permite que o Estado proteja um nacional seu, vítima de
ato ilícito praticado por outro Estado, endossando sua reclamação.
10C. Organização das Nações Unidas: evolução histórica, finalidades, atuação, órgãos internos, tipos de
deliberações, modos de solução de controvérsias e sanções. As agências da Organização das Nações Unidas.

Mariana Barreto
Obras consultadas: RAMOS, André de Carvalho. Aulas de DIP e DIPr. 2014.
Legislação: Decreto 19.841 (Carta da ONU).

EVOLUÇÃO HISTÓRICA:
A ONU é sucessora de uma organização fracassada, que é a Liga das Nações, que foi criada pelo Tratado
de Versalhes, com sede em Genebra. O principal objetivo da Liga era a promoção da paz, contudo, houve certo
desdobramento desse objetivo. Um dos desdobramentos foi a proteção das minorias. Minoria é um
agrupamento minoritário, ou seja, numericamente inferior ao agrupamento majoritário, com características

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culturais distintivas. Tendo em vista determinadas lutas do século passado em nome das minorias, a Liga das
Nações interpretou que a proteção da paz exigiria a proteção das minorias. O principal direito de uma minoria
no Direito internacional, é a preservação da sua identidade cultural. Isso passa pela liberdade do uso do idioma
e da religião. Então, a busca da paz vai gerar um subproduto na Liga das nações, que é uma robusta proteção de
minorias, com base em um alto comissariado para minorias na própria Liga das Nações e com base em
pareceres consultivos da Corte permanente de justiça internacional.
Outro objetivo importante da Liga das Nações é a busca da ausência de guerra. E por isso eles
consagraram o mecanismo de segurança coletiva. É a mesma lógica do Conselho de segurança da ONU: uma
agressão a um país deve ser interpretada como uma agressão a toda a Liga das Nações, como forma de
desestímulo. Mas isso acabou não gerando os frutos pretendidos, por que os próprios países vencedores da
primeira guerra mundial, tais como a Itália e o Japão, eram muito agressivos. A conjuntura internacional fez com
que isso não fosse possível. Especialmente a maior potencia militar da época não ingressou na Liga das Nações.
Os EUA, apesar das promessas do presidente Wilson, não entrou na Liga das Nações. O Brasil teve um curto
período na Liga das nações. O Brasil declarou guerra à Alemanha imperial, participou do tratado de Versalhes,
mas o Brasil pediu para ser membro do conselho e não teve o seu pedido acatado. Com isso o Brasil denuncia o
tratado. A participação brasileira restringe-se a 1919 a 1926.
Outro problema da Liga das Nações é que ela não conseguiu enfrentar os impérios coloniais, que era uma
ameaça a paz por que impunha a opressão a grandes parcelas da humanidade. O que a Liga das Nações fez foi o
regime de mandato. As ex-colônias turcas e alemãs foram transferidas, não sob a forma de colônias, mas sob a
forma de mandato. O mandato seria um sistema de Direito internacional que mimetiza o mandato do Direito
privado, ou seja, agir em nome e em beneficio do mandante. Aqui tivemos as potencias mandatárias, que foram
a Inglaterra e a França (no caso da Namíbia, que era conhecida como sudoeste africano, foi repassado o
mandato para a África do sul, o que foi terrível, por que foi implantado o apartheid na Namíbia) e que teriam o
dever de contribuir para o bem estar das populações que eram ex-colônias. A Liga das Nações não tinha forças
para fiscalizar e o mandato não estabelecia formas de verificação. Depois isso foi substituído pela ONU, pelo
chamado regime de tutela, que hoje não existe mais, por que todos os territórios sob tutela se emanciparam e
viraram países. Depois da criação da ONU tivemos guerras de libertação nacional sangrentas, tais como a
expulsão dos franceses da Indochina, da Argélia, a expulsão dos portugueses da África.
A última tentativa da Liga das Nações para estimular a paz foi a Corte permanente de justiça
internacional, um tribunal que foi criado sobre os auspícios da Liga das Nações e que tinha sede em Haya. Foi
formalmente extinto em 1946.
Portanto, a Liga das Nações atuou no entre guerras (primeira e segunda guerra mundial), tinha como
visão a preservação da paz e foi um grande fracasso, por que cerca de 20 anos depois da primeira guerra
mundial, tivemos uma segunda guerra mundial, bombas atômicas, milhões foram para campo de concentração,
etc. Nesse sentido a Liga então foi um desastre e em 1939 explodiu a segunda guerra mundial.
A criação da ONU se deu em 1945, trazendo uma nova ordem internacional. Isso está dentro da
hegemonia dos EUA, único país até então nuclear e dentro de um contexto que seria um tripé. Do ponto de vista
financeiro, tínhamos o FMI e o Banco mundial (gêmeos de Breton Woods), 1944. Do ponto de vista político,
tínhamos a ONU, 1945. E do ponto de vista do comercio internacional, tínhamos a Organização mundial do
comercio de 1948, que fracassou (a Carta de Havana nunca entrou em vigor).
Com isso tivemos a busca de uma nova organização internacional que saiu um pouco diferente da Liga das
Nações. Primeiro por que tivemos o ingresso dos EUA. Não é uma organização eurocêntrica, mas global, com a
punjanca dos EUA. A Liga das Nações já foi criada com a decadência dos estados europeus. A Alemanha estava
no chão, a França estava no chão e o Reino Unido estava quase no chão. E já em 1945 os EUA era o único país
protagonista na guerra, que tinha seu território quase que intacto (tirando o bombardeio de Pearl Harbor). Os
EUA não sofreram ataques no seu território. Já a União Soviética, por exemplo, perdeu 20 milhões de homens.
Então, os EUA entram nessa nova ordem internacional com uma punjanca econômica que lhe assegura décadas
de domínio. Enquanto todos os outros tiveram que reconstruir tudo, os EUA estavam intactos, produzindo
aceleradamente.
A sede principal da ONU está em Nova Iorque, mas também em Genebra há uma sede principal, tendo
esta os órgãos de direitos humanos, especialmente o alto comissariado para os direitos humanos da ONU.
Saliente-se que o Brasil é membro fundador da ONU, juntamente com mais 50 estados. O presidente brasileiro é
sempre chamado no discurso inicial da assembleia geral por um motivo histórico: o Brasil foi o primeiro país a

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discursar na abertura dos trabalhos da assembleia geral na fundação da ONU. Essa tradição foi mantida e até
hoje os presidentes do Brasil abrem as assembleias da ONU.
A admissão de um membro da ONU é regulada pelo art. 4º, que estabelece um procedimento dúplice
para a admissão de um Estado: tem que receber recomendação do conselho de segurança e tem que ser
aprovado pela assembleia geral. Há uma dupla avaliação.
A Carta da ONU estabelece nesse artigo 4º quais são os critérios que um Estado precisa atender para ser
membro da ONU: Primeiramente, ele tem que ser amante da paz, ou seja, tem que ser um Estado não
considerado agressivo pelo conselho de segurança e pela assembleia geral. Em segundo lugar, tem que ser um
Estado que se disponha a cumprir as obrigações da ONU, isto é, a ONU tem uma obrigação que há muitos anos
afastava a Suíça, que é a obrigação de envidar esforços para garantir a paz. A Suíça entendia que isso feria o seu
estatuto de neutralidade. Somente em 2002, depois de um plebiscito, a Suíça aceitou ingressar na ONU. Em
terceiro lugar, o Estado tem que estar preparado para fazer valer essas obrigações, ou seja, eventualmente tem
que auxiliar o conselho de segurança e os demais membros da ONU a fazer valer, militarmente, a paz.

FINALIDADES:
A ONU é uma organização global que foi criada com objetivos amplos, inclusive com a introdução da luta
pela observância aos direitos humanos, o que denota que a ONU é uma organização muito superior a antiga Liga
das Nações. Essa inclusão da luta pelos direitos humanos como sendo uma das finalidades da ONU foi realizada
na conferência Dumbarton Oaks (Dumbarton Oaks é uma mansão perto de Washington, que hoje é um museu).
A Dumbarton Oaks introduziu os direitos humanos. As conferências são um ponto importante relativamente à
ONU. Então, pode-se afirmar que as finalidades dessa organização são: paz e segurança internacional, manter
relações amistosas de cooperação entre os estados, proteção dos direitos humanos, desenvolvimento,
solução pacifica de controvérsias, etc. Então, a ONU tem objetivos ambiciosos.
A autodeterminação dos povos também é um objetivo, mas o órgão principal – conselho de tutela – não
existe mais. A tutela era um substituto do mandato. Diferentemente do mandato, a tutela tinha um conselho de
tutela que fiscalizava o cumprimento da tutela. A tutela então era uma tutela da ONU, que era operacionalizada
por alguns estados membros. Era diferente do mandato, que tinha um mandante, que era a Liga das Nações e o
mandatário, que era a França, a Inglaterra (na Palestina), a África do sul (na Namíbia).

ATUAÇÃO:
As organizações internacionais possuem hoje uma ampla atuação e isso faz com que elas possam ser
classificadas sob os mais diversos ângulos. Por exemplo, podem ser classificadas de acordo com a sua vocação
de atuação. Algumas têm uma atuação universal e outras têm uma atuação mais regional, é o caso da OEA,
também o Conselho da Europa, a União Africana (antiga organização da unidade africana).
Há também a classificação que se dá de acordo com a finalidade. Pode ser uma finalidade/temática
específica ou geral. A ONU tem uma temática geral, por que qualquer tema interessa à ONU. Há outras que são
focadas em algum tema, em um único objeto. Por exemplo, a OMS (organização mundial da saúde).
Também podemos diferenciar as organizações internacionais de acordo com a sua relação com os
membros, em organizações supranacionais (expressão doutrinaria que atesta a existência de um
relacionamento mais incisivo e invasivo de uma organização internacional em relação aos seus membros) ou
intergovernamentais (formada por Estados que não renunciam às suas soberanias em favor da organização
internacional).
E finalmente, podemos classificar de acordo com a possibilidade de ingresso de novos membros, como
organização fechada ou aberta. A organização aberta é aquela em que apenas é necessário que se cumpram as
regras formais para que se passe a ser membro (sempre há regras de admissão), não há uma restrição
geográfica ou voltada a um determinado tema. Já uma organização fechada é aquela que tem restrição
geográfica ou acerca de um determinado tema para o ingresso, por exemplo, para ser parte da OEA tem que ser
Estado da America; o Conselho da Europa, em que ao menos parte do território do Estado tem que estar na
Europa. Ocorre que a ONU tem regras para a admissão, sendo tida como aberta, por que são regras opostas a
qualquer um, não há um elemento de diferenciação que só alguns estados podem ter. Mas tem que cumprir os
parâmetros que a ONU estabelece para que um Estado possa ser admitido, os quais, qualquer Estado, em teoria,
pode cumprir.
Portanto, a ONU é: uma organização universal ou global, com temática geral, sendo uma organização
supranacional e de âmbito territorial aberto.

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ÓRGÃOS INTERNOS:
Os órgãos da ONU estão associados aos seus objetivos, prevendo o art. 7.1 que seus órgãos principais são:
uma Assembleia Geral, um Conselho de Segurança, um Conselho Econômico e Social, um conselho de Tutela,
uma Corte Internacional de Justiça e um Secretariado.
I) Assembleia geral: é um órgão especial da ONU, pois é nele que está reproduzida a igualdade soberana, que é
um princípio que vem da Paz de Westfália, um marco do Direito internacional clássico. Apesar do novo Direito
internacional que surge, alguns princípios do Direito internacional clássico existem até hoje. Por exemplo, o
pacta sunt servanda – os acordos devem ser cumpridos - é a base voluntarista do Direito internacional. E
também a igualdade soberana é outro princípio remanescente. Se todos os estados são soberanos, todos são
iguais (igualdade formal ou soberana entre os estados). Na assembleia geral todos os estados têm direito a voz e
a um voto igual. Há os chamados observadores, por ex., o Estado do Vaticano ou Santa Sé tem apenas o
estatuto de observador da ONU, por que para ter direito a voto tem que ser membro da ONU.
A assembleia geral pode se pronunciar sobre qualquer tema relacionado aos objetivos da Carta da ONU, só não
pode se pronunciar sobre um tema de paz e segurança internacional já adjudicado ao Conselho de segurança.
Cuidado: A assembléia geral pode se dedicar a temas de paz e segurança internacional, SALVO se o conselho de
segurança já estiver regulando a matéria. Logo, caso o conselho de segurança entenda pelo veto, a assembléia
geral pode se pronunciar sobre o mesmo tema, mas o faz por meio de uma resolução extremamente vaga,
justamente para evitar que essa disposição da Carta da ONU seja ofendida. Ela é um grande palco de discussões,
decidindo por intermédio de resoluções, as quais, via de regra, não são vinculantes. Mas algumas de suas
deliberações são vinculantes: por ex. decisões de admissão de membros, expulsão de membros, orçamento,
votação de juízes para a corte internacional de justiça, escolha do secretario geral da ONU, etc. São
pouquíssimas as deliberações vinculantes. Admissão, expulsão e orçamento são questões que são
extremamente importantes, mas que não são do cotidiano e nem de temática essencial para o futuro da
humanidade. Há varias outras atribuições da assembleia geral como, por ex., na questão dos direitos humanos,
conselho de direitos humanos, que um dos órgãos subsidiários da assembleia geral, tem um papel muito
importante na matéria. Assim, a assembleia geral pode atuar em qualquer tema, mas ela sempre busca
cooperação dos Estados membros. Atenção: Uma resolução não vinculante da assembleia geral tem algum
impacto, pois vale lembrar da Soft Law e que uma decisão não vinculante pode ser no futuro um espelho de um
costume internacional sobre a matéria.

II) Conselho de Segurança: O conselho de segurança tem uma composição e uma finalidade totalmente
diferente, sendo ele o herdeiro do conselho da antiga Liga das nações, herdando o espírito do chamado
mecanismo de segurança coletiva. A segurança coletiva é um mecanismo para assegurar a paz, usado para
desestimular os agressores, com a certeza ao agressor de que ele terá um adversário que será apoiado pelas
maiores forças militares do planeta. Esse mecanismo de segurança coletivo tem como mecanismo a dissuasão e
a certeza da vitória, pois aquele que afrontar o mecanismo de segurança da ONU sabe que perderá, haja vista
que o conselho de segurança é composto, de modo permanente, pelas maiores potencias militares mundiais.
Dessa vez o espírito da liga das Nações foi efetivamente cumprido. Na época, na liga das Nações, falhou esse
modelo pela não adesão dos EUA. Depois de 1945 os EUA se prepararam para dominar o mundo e levaram
muito mais a sério essa organização multilateral, na qual os EUA tem assento permanente no conselho de
segurança. O conselho de segurança tem como principais objetivos a preservação da paz e da segurança
internacional.
Os membros do conselho de segurança, originalmente eram 10 membros. Em 1963 houve uma alteração. E hoje
temos 15 membros, sendo que 05 são membros permanentes e 10 são escolhidos pela assembleia geral para
ocupar a cadeira temporária pelo período de 02 anos, não se permitindo a recondução sucessiva. Quanto aos 05
membros permanentes são os herdeiros da segunda guerra mundial, os chamados ganhadores da 2ªGM. Então,
mesmo potências que hoje são muito importantes, como é o caso do Japão e da Alemanha, não são membros
permanente, por que eles foram derrotados na 2ªGM. Então, primeiro é uma questão geopolítica – vencedores
da primeira guerra mundial – União Soviética, que hoje é a Rússia, Reino Unido e os Estados Unidos – são os três
grandes vencedores. E além deles, temos os aliados, que são a Franca (apesar de ter sido ocupada e derrotada,
ela é um aliado histórico dos vencedores) e a China (pois era de interesse dos EUA valorizar a China nacionalista,
até pelo tamanho da Ásia, a ideia era isolar a União Soviética). Esses são os 05 membros que têm poder de veto.

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Adendo: No caso da China deu tudo errado para as potências mundiais, pois ela se transformou em um bastião
comunista e agora com poder de veto. Mas nem tudo que se planeja dá certo no Direito internacional.

III) Conselho Econômico e Social: Esse órgão é voltado para a implementação de direitos humanos e medidas de
desenvolvimento. Tem a sua importância, por que é o órgão que celebra os acordos especiais entre a ONU e as
chamadas agências especializadas. A abordagem deste Conselho consta em tópico específico do edital.

IV) Conselho de Tutela: como já afirmado acima, foi extinto.

V) Corte Internacional de Justiça: visa à solução pacifica de controvérsias. NÃO precisa ser membro da ONU
para submeter um litígio a corte internacional de justiça A abordagem desta Corte consta em tópico específico
do edital.

VI – Secretariado: é o secretario geral da ONU. É um órgão administrativo, que não tinha importância no inicio,
sequer havia a previsão do mandato. A ideia era de que o secretario geral seria só um chefe administrativo. Mas
ao longo do tempo ele ganhou importância, porque ele é um órgão unipessoal e órgão unipessoal tem uma
margem de atuação maior do que os órgãos colegiados, vocalizando a atuação de toda a instituição. Logo, o
secretario geral da ONU enfecha as atuações da organização, representando a ONU. E por isso ele tem um papel
muito maior do que a carta inicialmente havia previsto. Em 1946, a resolução 11 da assembléia geral
estabeleceu o seu mandato, que é de 05 anos, sujeito a uma recondução (em geral é sempre 05 mais 05). A
recomendação é feita pelo conselho de segurança e a aprovação é feita pela assembléia geral.

TIPOS DE DELIBERAÇÕES:
1) Assembleia Geral: suas deliberações são, em regra, por meio de Resoluções não vinculantes. O quórum para
essas resoluções: A carta da ONU prevê que para decisões importantes, o quórum é de 2/3; e para questões não
tão importantes seria maioria simples dos membros.
2) Conselho de Segurança: As deliberações podem ser: recomendações, ou seja, o próprio conselho de
segurança recomenda; ou decisões vinculantes, isto é, ele pode adotar decisões que vinculem, inclusive, os
divergentes. A característica da supranacionalidade da ONU é que permite não depender de consenso para
adotar uma decisão por maioria que vincula o divergente. Logo, os tipos de deliberações do Conselho de
Segurança, quanto à força vinculante, depende do que for decidido pelo próprio conselho em cada caso.
Quórum para decisões: As decisões de conselho de segurança são tomadas de modo complexo. Dos 15
membros, 09 devem votar favoravelmente e não pode ter nenhum veto, nenhum voto em sentido contrario ao
dos membros permanentes. A abstenção não é veto. Veto é apenas o voto em sentido contrario.
3) Conselho Econômico e Social: tratado em tópico específico do edital.
4) Conselho de Tutela: extinto.
5) Corte Internacional de Justiça: tratada em tópico especifico do edital.
6) Secretariado: é um órgão administrativo, sendo o representante da ONU.

MODOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS:


Há dois capítulos da Carta da ONU que merecem destaque:
- Capítulo VI: fala da solução pacifica de controvérsias;
- Capítulo VII: fala das questões de alta gravidade, que são controvérsias que impactam a paz, de acordo
com a avaliação do conselho de segurança, que é discricionário para averiguar qualquer evento no mundo e
determinar se trata-se de uma ameaça ou violação a paz. Ele é capaz então de agir de acordo com os seus
poderes do capitulo VII, podendo adotar como medidas sancionatórias desde recomendações e negociações até
a intervenção armada, passando por uma serie de medidas, inclusive, embargos aéreos, econômicos, etc. A
carta da ONU conferiu um poder muito grande ao conselho de segurança, especialmente no capitulo VII.
Importante citar que o conselho de segurança criou tribunais internacionais penais, o que foi
considerado um mecanismo de segurança, como por ex.: o tribunal penal para a ex-Iugoslávia e o tribunal
penal para o genocídio de Ruanda.
Atenção: O uso da força com autorização do conselho de segurança é uma das três únicas hipóteses de
uso legitimo da força no Direito internacional (legitima defesa, autorização do conselho de segurança e o
direito à autodeterminação, ou seja, combater o ocupante, a intervenção estrangeira e o colonialismo).

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SANÇÕES:
As controvérsias no âmbito da ONU podem ser solucionadas de forma pacífica, quando não serão
impostas sanções. Mas caso não seja possível esta forma de solução, poderem ser impostas sanções, abarcando
sanções de graus variados, a depender do caso. Para alcançar os objetivos do conselho de segurança, ele pode
adotar qualquer conduta. O art. 24 da carta da ONU, porém, afirma que o limite do conselho de segurança é o
próprio direito internacional. Esse é um alerta. O vigilante não pode ultrapassar os limites do Direito
internacional. Mas, em tese, o conselho de segurança pode adotar medidas que vão desde o chamamento à
negociação (que normalmente é uma medida quase que inócua em situações de ameaça à paz), em que ele
solicita que os eventuais adversários entrem em negociação e resolvam pacificamente a controvérsia, até a
intervenção militar, o uso da força. E entre uma coisa e outra há uma série de medidas que o conselho de
segurança pode adotar, como por ex., embargos aéreos, econômicos, etc.
A carta da ONU, no seu capitulo 7º, lista medidas que podem ser tomadas pelo conselho de segurança,
como por ex: a) incitar as partes a negociarem; b) solicitar um parecer consultivo à corte internacional de
justiça, diante de eventual dúvida acerca da interpretação jurídica de uma questão entre adversários, que não
conseguem entrar em acordo; c) medidas que não tenham um componente armado, como é o caso de
embargos econômicos, embargos aéreos, banimentos de viagens ao exterior de determinados membros (seria a
lista suja de pessoas, com estabelecimento de restrições a essas pessoas). Frise-se que a Carta da ONU contém
um rol exemplificativo de medidas sancionatórias que podem ser tomadas pelo Conselho de Segurança.
Sanção inteligente: na teoria da responsabilidade internacional, visa evitar que o inocente pague pelo
culpado, que é o que mais é discutido hoje na ONU. As sanções econômicas, via de regra, não afetam a elite
dominante de um país. No caso da Líbia, as sanções econômicas nunca afetaram a ditadura do Kadaff, mas
afetaram o bem estar da população. Então, é uma grande preocupação e motivo de discussão hoje, saber se é
possível as sanções não focarem as populações inocentes.
Importante tratar ainda das formas de retirada de um membro da ONU, pois 2 delas podem consistir em
aplicação de sanção. Assim, três são as formas de retirada de um membro da organização, sendo as 2 ultimas
sancionatórias: a) Denúncia: ele pode se retirar denunciando o tratado; b) Suspensão: ele pode ser suspenso da
sua pertença à organização. Isso pode ser feito quando o conselho de segurança assim o determinar na busca da
paz; c) Expulsão: é possível que o Estado seja expulso por recomendação do conselho de segurança e por
aprovação da assembleia geral. Ele pode ser expulso caso venha a violar seriamente a Carta da ONU.

AS AGÊNCIAS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS:


A ONU possui também órgãos subsidiários, que são: Agências especializadas, Fundos, Programas,
Comissões, Departamentos e Escritórios. Logo, as Agências do sistema onusiano foram criadas a partir do
comando do art. 7.2 da Carta da ONU.
Agência especializada da ONU: é uma organização internacional, um sujeito de Direito internacional, que
tem objetivos similares ao da ONU e que tem com a ONU um acordo especial de cooperação técnica e
financeira. Essas agências têm personalidade jurídica própria, algumas delas são anteriores a ONU, mas tem
duas características importantíssimas. As duas características mais importantes é que têm objetivos similares
aos da ONU e têm um acordo especial com a ONU. Quem elabora e gere esse acordo é o conselho econômico e
social. E depois, o secretario geral da ONU tem um comitê no qual sedia reuniões com todos os diretores e
presidentes das agências especializadas.
São também denominadas parte da família das Nações Unidas. A lógica é obter sinergia. Com essa
cooperação financeira e técnica, a ONU deseja manter um vínculo administrativo e funcional, evitando que
essas duas organizações sigam direções opostas. Então, as principais agências especializadas são União postal
universal, União internacional de telecomunicações, FMI, etc. Aqui no Brasil alguns falam que a OMC é agência
especializada, mas não é.
Cuidado: A agência especializada não é um departamento da ONU. A agência especializada é um sujeito
de Direito internacional. Por isso é possível que a Palestina seja membro da UNESCO e não seja membro da
ONU, por que as regras de admissão são totalmente diferentes. A Palestina foi aceita, não tem veto. Os EUA
votaram contra. Da mesma forma, é possível que a Santa Sé seja membro de uma agência especializada e não
seja membro da ONU, como não é, justamente por não ser Estado.
Há várias agências ou órgãos que compõem o sistema onusiano, sendo algumas das mais importantes:
• FIDA –Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola;

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• FAO – Organização para Alimentação e Agricultura;
• OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual;
• BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento;
• UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância;
• ACNUDH – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos;
• ACNUR (perguntado em minha prova oral): Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados;
• CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e Caribe;
• PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento;
• UNFPA – Fundo de População das Nações Unidas.
Existem outras, apenas para conhecimento: ACNUDH, ACNUR, Banco Mundial, CEPAL, FAO, FIDA, FMI,
OIM, OIT, OMPI, ONU Meio Ambiente, ONU Mulheres, ONU-HABITAT, OPAS/OMS, PMA, PNUD, UIT, UNAIDS,
UNESCO, UNFPA, UNIC Rio, UNICEF, UNIDO, UNISDR, UNODC, UNOPS.
Atenção: A Corte Permanente de Arbitragem não se insere no sistema onusiano, pois é um órgão
internacional autônomo e independente. Já houve muita confusão, mas a própria Corte e a ONU já
estabelecerem que ela não faz parte, não é agência da ONU. (CEI MPF 2ª ed. 5ª rodada. 2017).

TOPJURIS. 8ª rodada. 18/12/2016. 10. Assinale a alternativa INCORRETA.


a) Qualquer membro das Nações Unidas que não for membro do Conselho de Segurança, ou qualquer Estado
que não for membro das Nações Unidas será convidado, desde que seja parte em uma controvérsia submetida
ao Conselho de Segurança, a participar, sem voto, na discussão dessa controvérsia.
VERDADEIRO. São as disposições do art. 32 da Carta da ONU.
b) Qualquer membro das Nações Unidas, que não for membro do Conselho de Segurança, poderá participar,
sem direito a voto, na discussão de qualquer questão submetida ao Conselho de Segurança, sempre que este
considere que os interesses do referido membro estão especialmente em jogo.
VERDADEIRO. São as disposições do art. 31 da Carta da ONU.
c) Qualquer membro das Nações Unidas que não for membro do Conselho de Segurança, mas desde que seja
membro das Nações Unidas será convidado, uma vez que seja parte em uma controvérsia submetida ao
Conselho de Segurança, a participar, sem voto, na discussão dessa controvérsia.
FALSO. Qualquer Estado que não for membro do Conselho de Segurança, seja membro das Nações Unidas ou
não, será convidado, uma vez que seja parte em uma controvérsia submetida ao Conselho de Segurança, a
participar, sem voto, na discussão dessa controvérsia.
De acordo com as disposições do art. 32 da Carta da ONU, qualquer Estado, seja membro da ONU ou não, que
seja parte de controvérsia submetida ao CS, será convidado a participar, sem voto.
d) O Conselho de Segurança poderá reunir-se em outros lugares, fora da sede da Organização, e que, a seu juízo,
possam facilitar o seu trabalho.
VERDADEIRO. São as disposições do art. 28, item 3 da Carta da ONU.

CEI 2016. 9ª rodada. 24/11/2016. QUESTÃO 15. (...)


b) As resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas, embora não tenham força vinculante, tanto podem ser
adotadas com base no quórum de 2/3 dos membros presentes e votantes quanto no da maioria absoluta.
VERDADEIRO. A Assembleia Geral é o órgão da ONU em que prevalece a representação paritária, tendo em
vista que todos os Estados membros da organização participam, cada um deles com direito a um voto. Nas
chamadas “decisões importantes”, elencadas no art. 18(2) 21, da Carta, as resoluções serão adotadas com base
no quórum de 2/3 dos membros presentes e votantes. Por outro lado, questões que não se inserem na
classificação de importantes podem ser decididas pela maioria dos membros presentes e votantes.
Importante destacar, ainda, que as resoluções da Assembleia Geral não têm força vinculante. No entanto, tal
como restou assentado pela Corte Internacional de Justiça ao apreciar o caso das Atividades Militares e
Paramilitares na e contra a Nicarágua (Estados Unidos v. Nicarágua), isso não significa que não tenham efeito
algum, pois, além de serem classificadas como soft law em alguns casos, podem, ainda, servir para demonstrar a
existência do elemento subjetivo (opinio juris) de um costume internacional: “O efeito da anuência ao texto de
tais resoluções não pode ser entendido meramente como uma ‘reiteração ou elucidação’ do compromisso

21
Por exemplo, recomendações relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, à eleição dos membros não permanentes do Conselho de
Segurança e à admissão de novos membros.

58
assumido na Carta. Ao contrário, deve ser entendida como a aceitação da validade da regra ou conjunto de
regras previstos na resolução por si mesmos. (...) Parece, portanto, evidente que a atitude referida expressa
uma opinio juris no que se toca a essa regra (...).” 22

Emagis MPF 2016 9ª rodada 11-11-16 QUESTÃO 17 (...)


(c) O Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU tem por competência realizar estudos e propor normas à
Assembleia Geral e é composto por 54 Estados, com mandato de nove anos, renovando-se 18 Estados por vez, a
cada três anos.
VERDADEIRO. Assim prevê o artigo 61 da Carta da ONU. O Conselho toma suas decisões por maioria dos votos.
Coordena as atividades de diferentes agências especializadas, como a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO); a Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO); a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre outras. O
conhecimento dos órgãos internos da ONU é exigido pela nova redação do ponto 10.c do programa de DIP do
29º concurso.

CEI 2016. 6ª rodada. 24/10/2016. QUESTÃO 14.


a) Em questões que não envolvem matéria processual, as decisões do Conselho de Segurança da ONU são
tomadas pelo voto afirmativo de nove de seus membros, incluindo, entre estes, todos os cinco permanentes. No
entanto, na hipótese de um dos membros permanentes exercer o seu direito de veto, não há como superá-lo.
FALSO. Em questões que não envolvem matéria processual, as decisões do Conselho de Segurança da ONU são
tomadas pelo voto afirmativo de nove de seus membros, incluindo, entre estes, todos os cinco permanentes. No
entanto, na hipótese de um dos membros permanentes exercer o seu direito de veto, não há como superá-lo em
regra, embora haja um precedente (“Plano Acheson” ou “Unindo pela Paz”) que indicou possibilidade de
superação no caso concreto.
Como sabemos, o Conselho de Segurança da ONU é composto por quinze membros, sendo cinco deles
permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia), que têm o chamado “poder de veto”. Como
lembra Hildebrando Accioly, em seu livro “Manual de Direitos Internacional Público” (2016, p. 434), as “decisões
do Conselho são tomadas pelo voto afirmativo de nove dos seus membros, quando se trata de questões
processuais, e pelo voto afirmativo de nove membros, com a inclusão, entre estes, de todos os membros
permanentes em todos os outros assuntos”.
Assim, qualquer voto em sentido contrário destes cinco membros permanentes pode inviabilizar a adoção de
resoluções pelo Conselho. Nesse sentido, destaca o autor acima referido, na mesma página, que o “uso abusivo
do direito de veto paralisou durante longos anos o Conselho e acabou por enfraquecê-lo com o consequente
fortalecimento da Assembleia Geral, que passou a opinar naqueles assuntos em que o Conselho de Segurança
não conseguia alcançar uma solução”.
Em algumas situações mais sensíveis, portanto, isso pode acabar fazendo com que esse órgão falhe na sua
missão precípua de garantir a manutenção da paz e da segurança internacionais, prevista no art. 24 da Carta da
ONU.
Visando a contornar esse óbice, os Estados Unidos da América propuseram, em 1950, a Res. AGNU 377 (V),
também conhecida como “Plano Acheson” ou “Unindo pela Paz”. Seu objetivo foi o de contornar, no caso
concreto, o veto dos membros do Conselho de Segurança da ONU e, assim, permitir à Assembleia Geral, em
atuação incomum, a expedição de recomendações aos membros da ONU no sentido de adotar ações coletivas.
Assim, vale destacar que, embora, em regra, o direito de veto dos membros permanentes do Conselho de
Segurança seja incontornável, de fato há um precedente que indica a possibilidade de superá-lo no caso
concreto. Assim, está incorreta a assertiva.
Obs: A embaixadora dos EUA, Claire Underwood, fez referência expressa à Resolução “Unindo pela Paz”. Na
ocasião, buscava encontrar um meio de contornar o veto da Rússia em relação à proposta americana de enviar
uma força de manutenção da paz ao Vale do Jordão, no Oriente Médio.

22
Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/files/70/6503.pdf.>. Acesso em 22/11/2016.

59
TOPJURIS. 6ª rodada. 01/10/2016. 36. Sobre o Conselho Econômico e Social da ONU: tem por atribuições
realizar estudos e propor normas à Assembleia Geral da ONU. É composto por 54 Estados, com mandato de 09
anos, renovando-se 18 Estados por vez, a cada 03 anos.
Observação: O candidato deve se habituar a uma ou duas dessas questões, tanto na prova de DIP quanto na de
PIDH. No 28º CPR a examinadora cobrou questão somente sobre a composição do Conselho de Direitos
Humanos da ONU, misturando a quantidade de membros e a nomenclatura do órgão, que substituiu a Comissão
de Direitos Humanos.

TOPJURIS. 6ª rodada. 01/10/2016. 35. Sobre o Conselho de Segurança da ONU, julgue os itens que seguem:
I – É composto por 15 membros, sendo 5 permanentes: Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e Japão.
FALSO. É composto por 15 membros, sendo 5 permanentes: Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e
China.
O Japão não faz parte dos membros permanentes, assim como nenhum Estado perdedor da II Guerra Mundial.
No lugar deve constar a China, que efetivamente faz parte dos membros permanentes do CS.
II – Os membros não permanentes são eleitos para um mandato de 2 anos.
VERDADEIRO. Essa composição é renovada a cada vez pela metade.
III – Os membros não permanentes serão: 05 da África e Ásia, 02 da Europa Central, 01 da Europa Oriental e 02
da América Latina.
VERDADEIRO. É essa a composição dos 10 membros não permanentes.
IV – O quórum de decisão é o voto favorável de todos os membros permanentes.
FALSO. O quórum de decisão é o voto favorável de 9 membros, sem veto de nenhum dos 5 membros
permanentes.
O quórum de decisão é duplamente qualificado: é necessário o voto de 09, dos 15 membros, sendo que não
pode haver veto de qualquer dos 05 membros permanentes. Logo, não basta a concordância dos 05 membros
permanentes, é necessário, ainda, a concordância de mais 04 dos membros não permanentes. A abstenção não
é considerada veto, logo o quórum pode ser alcançado com mais votos dos membros não permanentes e menos
dos membros permanentes, na forma de abstenção.

TOPJURIS. 6ª rodada. 01/10/2016. 34. Assinale a alternativa CORRETA:


a) A Assembleia Geral da ONU não pode tomar iniciativa sobre problemas que já estejam sendo analisados pelo
Conselho de Segurança.
VERDADEIRO. Art. 12 da Carta da ONU.
b) O quórum para tomada de decisões da Assembleia Geral da ONU é de dois terços dos membros.
FALSO. O quórum para tomada de decisões da Assembleia Geral da ONU é de dois terços dos membros para
matérias mais relevantes. Para as demais, é de maioria dos presentes.
Não existe quórum universal para a Assembleia da ONU. Para matérias mais relevantes, constantes no art. 18
item 2 da Carta da ONU, o quórum é de dois terços. Nos demais casos, o quórum é de maioria dos presentes.
c) O quórum para tomada de decisões da Assembleia Geral da ONU é de maioria dos presentes.
FALSO. O quórum para tomada de decisões da Assembleia Geral da ONU é de dois terços dos membros para
matérias mais relevantes. Para as demais, é de maioria dos presentes.
Não existe quórum universal para a Assembleia da ONU. Para matérias mais relevantes, constantes no art. 18
item 2 da Carta da ONU, o quórum é de dois terços. Nos demais casos, o quórum é de maioria dos presentes.

TOPJURIS. 4ª rodada. 11/09/2016. QUESTÃO 35 (...)


IV – A abstenção de voto dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU é equivalente ao veto.
FALSO. A abstenção de voto dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU não é equivalente ao
veto, que deve ser expresso.

TOPJURIS. 4ª rodada. 11/09/2016. 34. Assinale a alternativa INCORRETA (...)


b) O art. 4º da Carta da ONU estabelece o procedimento para admissão de um novo Estado: indicação do
Conselho de Segurança e aprovação pela Assembleia Geral.
VERDADEIRO. São as disposições do art. 4º da Carta da ONU.
c) A Santa Sé, por não ser um Estado propriamente dito, não tem direito a voz na Assembleia Geral da ONU.

60
FALSO. A Santa Sé, a despeito de não ser um Estado propriamente dito, tem direito a voz na Assembleia Geral da
ONU.
A Santa Sé se apresenta na Assembleia Geral como “Estado Observador” e, portanto, detém voz, apesar de não
deter poder de voto.
d) No âmbito da Assembleia Geral da ONU prevalece o princípio da igualdade soberana, decorrente da Paz de
Westfália.
VERDADEIRO. Na Assembleia Geral da ONU todos os Estados detêm um voto, de igual peso da tomada das
decisões, consagrando o princípio da igualdade soberana. Tal princípio foi inspirado na Paz de Westfália, marco
histórico do Direito Internacional clássico.

1C. Prerrogativas e imunidades das organizações internacionais. Incorporação ao direito brasileiro das
deliberações de organizações internacionais. Extinção e sucessão das organizações internacionais.
Responsabilidade internacional das Organizações internacionais e a proteção funcional.

Marília Siqueira

A) PRERROGATIVAS E IMUNIDADES DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.


- Para garantir o respeito de sua personalidade jurídica e as exigências de funcionamento em face de
eventuais pressões por parte de Estados, criaram-se, para as organizações internacionais, certos mecanismos
de proteção, genericamente denominados privilégios e imunidades, que são estabelecidos levando em conta o
princípio da especialidade, considerando as competências de cada organização. A base das
imunidades/prerrogativas é convencional, pois estabelecidas nos atos constitutivos das organizações ou em
tratados específicos, assim, não há um regime jurídico único ou regras generalizadas.
- As imunidades têm fundamento tanto convencional quanto em legislações internas, a exemplo da
Convenção Geral sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, Convenção de Viena sobre Representação
dos Estados em suas Relações com Organizações Internacionais de Caráter Universal, de 1975, a Convenção de
Viena sobre Relações Diplomáticas, concluída em 18.04.1961, e a Convenção de Viena sobre Relações
Consulares, concluída em 24.04.1963.
- Princípios fundamentais: (i) às organizações internacionais deve ser conferida situação jurídica que as
coloque ao abrigo de controles e interferências por parte de qualquer governo, no desempenho de suas
funções; (ii) nenhum Estado deve ser permitido obter vantagens financeiras por meio da cobrança de tributos
de organizações internacionais ou de fundos internacionais comuns; (iii) a todas as organizações internacionais
devem ser destinadas instalações adequadas para a realização de suas funções oficiais, da mesma forma que os
Estados o fazem entre si.
- As imunidades de jurisdição e execução das organizações internacionais são absolutas, desde que
não haja renúncia expressa, em relação a determinada situação. Exceção: organizações de caráter financeiro,
como o BIRD e bancos regionais de desenvolvimento, que permanecem sujeitos ao direito comum local quando
emitem valores mobiliários em determinado país e não gozam de imunidades em relação a seus credores
privados. A renúncia compete à autoridade máxima da organização, como o Secretário-Geral ou o Diretor-Geral
(cabe delegação), cujo ato é discricionário. A relativização da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros é
baseada na igualdade soberana e reciprocidade, distinguindo-se atos de império/gestão com base em norma
costumeira internacional e não se aplica às organizações internacionais porque não têm as mesmas
características daqueles.
- As imunidades de jurisdição e de execução podem ser invocadas pelas organizações internacionais
perante as autoridades nacionais, tanto no nome próprio quanto em favor de seus funcionários.
- Exemplo de casos: (i) caso Mazilu (nome do perito), que versava sobre privilégios e imunidades de
peritos em missões da Organização das Nações Unidas, pois o Sr. Mazilu, de nacionalidade romena, encontrava
obstáculos ao desenvolvimento de sua atividade na Romênia. Em parecer consultivo, a CIJ entendeu que a
Convenção Geral sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas aplicava-se plenamente ao Sr. Mazilu, pois a
referida Convenção incluía não apenas funcionários regulares da ONU, mas também outras pessoas a quem a
organização confiava missões de duração determinada; (ii) o caso Cumaraswamy, cidadão malaio que atuava
como Relator Especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU, em missão para avaliar a independência de
juízes e advogados da Malásia. No parecer de 1999, a CIJ estatuiu que aos relatores especiais estão protegidos
pela Convenção das Nações Unidas sobre Privilégios e Imunidades, que “asseguram o exercício independente de

61
suas funções”. Assim, o relator especial não poderia ser submetido ao Poder Judiciário da Malásia acerca de
questões relativas ao exercício de suas funções.
Privilégios e imunidades aplicáveis aos funcionários das organizações e àqueles que participam de
suas atividades. Aos funcionários das organizações são concedidos privilégios e imunidades exclusivamente em
virtude do fato de que as organizações às quais pertencem também gozam de privilégios e imunidades, para
lhes garantir independência. Essa independência deverá ser respeitada por todos os Estados, incluindo o Estado
de nacionalidade e de residência do funcionário e do especialista a serviço (caso Mazilu). Isso os difere dos
representantes dos Estados-membros na organização que não gozarão de imunidades em relação ao Estado que
representam.
Imunidades asseguradas aos dirigentes da ONU: (i) os dirigentes, seus cônjuges e dependentes têm
imunidade em relação a restrições à imigração e registro de estrangeiros; (ii) a ONU rejeita o direito de o Estado
expulsar dirigentes de uma organização que estejam em seu território, com base na consideração de que são
persona non grata; (iii) tributária, sendo estes isentos quanto às imposições fiscais sobre os salários e
emolumentos pagos pela Organização; (iv) imunidade perante a jurisdição do Estado onde desempenham suas
funções, relativamente a seus atos oficiais.
Casos como aceitação de propina, espionagem no Estado onde exerce a função e a prática de atos
fraudulentos na comarca onde está situado o escritório central têm sido sistematicamente considerados,
pelas organizações, como não oficiais, sendo, portanto, não passíveis de proteção relativamente aos
funcionários acusados de praticá-los.
- O prazo de duração da imunidade é indeterminado, estendendo-se por toda a vida do funcionário,
interpretação adotada pela ONU e constante do Artigo 39.2 da Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas, de 1961.
No Brasil, o STF, no julgamento dos recursos extraordinários (REs 578543 e 597368), reconheceu a
imunidade de jurisdição e de execução da Organização das Nações Unidas e do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (ONU/PNUD) com relação a demandas decorrentes de relações de trabalho. A União e
a ONU sustentavam a incompetência da Justiça do Trabalho e afirmavam que a ONU/PNUD possui regras
escritas, devidamente incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, que garantem a imunidade de jurisdição
e de execução – a Convenção sobre Privilégios e Imunidades (Decreto 27.784/1950) e o Acordo de Assistência
Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas (Decreto 59.308/1976).
E o que é a imunidade pessoal e real? A imunidade pessoal diz respeito as pessoas. E a imunidade real
diz respeito aos bens de determinada organização. Então, é preciso estudar o tratado celebrado pelo Brasil com
a organização internacional para saber se os funcionários da organização têm imunidade pessoal plena e se os
bens da organização têm imunidade real plena. E ainda, é preciso analisar se a própria organização tem
imunidade de jurisdição.
Imunidade de organizações internacionais comparada com as imunidades dos Estados: enquanto as
regras referentes às imunidades dos estados são costumeiras, as regras relativas às imunidades das
organizações internacionais são convencionais. Prevalece hoje a imunidade absoluta das organizações
internacionais, diversamente do que ocorre para os Estados, que possuem imunidade de jurisdição relativa
(somente para atos de império), no processo de conhecimento e absoluta apenas no processo de execução.
B) INCORPORAÇÃO AO DIREITO BRASILEIRO DAS DELIBERAÇÕES DE ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.
Os atos emanados das OIs têm impacto crescente sobre as políticas públicas e o ordenamento jurídico
dos Estados; mesmo nos casos em que não se lhes reconhece, a priori, caráter obrigatório, costumam ter força
persuasiva considerável. Assim, o seu real alcance só pode ser avaliado à luz dos ordenamentos jurídicos dos
respectivos membros.
Mesmo nos casos em que o Tratado constitutivo das OIs contenha dispositivos específicos em matéria
de aplicação interna dos atos emanados dos seus, na prática, compete ao ordenamento jurídico dos Estados-
membros precisar os efeitos internos que os atos das OIs produzem. No entanto, são raros os ordenamentos
jurídicos que ostentam regras claras sobre a interação dos atos adotados no âmbito institucional com o direito
interno. No caso brasileiro, a situação não é muito diferente. A CF é praticamente silente sobre a participação
brasileira em OI e não contém nenhuma disposição específica sobre a integração dos atos emanados desses
organismos no ordenamento jurídico brasileiro.
A análise da jurisprudência e da doutrina na matéria tampouco permite identificar uma prática
consistente. Uma das poucas exceções refere-se à questão da incorporação das normas do MERCOSUL, que tem
despertado grande interesse. Com base no artigo 4º, parágrafo único, da CF, muitos autores têm defendido que

62
o Brasil contaria com autorização constitucional para comportar avanços na institucionalidade do MERCOSUL,
incluindo a aplicação direta dos atos emanados dos órgãos decisórios do Bloco. Para grande parte da doutrina,
no entanto, o parágrafo único do artigo 4º teria caráter programático e seria desprovido de efeitos práticos para
fins de internalização dos atos emanados do MERCOSUL 23. Mais recentemente, a doutrina passou a interessar-
se, igualmente, pela questão da internalização dos atos e decisões emanadas do sistema de proteção dos
direitos humanos, com base no art. 5º, §2º, CF.
Porém, até o momento, não foi possível sistematizar de forma adequada o procedimento de recepção
dos atos emanados das OIs que permitisse identificar a priori sua natureza jurídica e efeitos no ordenamento
jurídico brasileiro.
No plano teórico, três correntes doutrinárias principais costumam ser invocadas para dar embasamento
jurídico à incorporação dos atos emanados das OIs: (i) tese da autorização legislativa implícita: a
implementação dos atos emanados das OIs dar-se-ia com base no ato interno que promulgou o respectivo
Tratado constitutivo prevendo a adoção dos atos em questão; (ii) Assimilação das normas emanadas das OIs a
“acordos em forma simplificada”: uma variante da tese da autorização implícita consiste em assimilar, para
efeito de sua aplicação interna no Brasil, os atos emanados das OIs aos chamados “acordos em forma
simplificada” isto, é atos internacionais, como memorandos de entendimentos, acordos por troca de notas
verbais, entre outros, cuja vigência interna no Brasil prescindiria, segundo parte da doutrina, da apreciação do
Congresso; (iii) Assimilação das normas a Tratados Internacionais: propõe associar sistematicamente os atos
emanados das OIs a Tratados para efeitos de sua aplicação interna. Nesse caso, independentemente da matéria
regulada ou do alcance do ato, sua aplicação interna estaria condicionada, na linha do previsto na CF, à
aprovação prévia do Legislativo pátrio. Nenhuma das três hipóteses doutrinárias está isenta de dificuldades. A
verdade é que não há como identificar a priori, de maneira categórica, qual a base jurídica da aplicação dos atos
emanados das OIs no Brasil.
Atos emanados das OIs aplicados como atos internacionais: os dois principais exemplos, nesse grupo,
são as Resoluções do CSNU e os Protocolos negociados no âmbito da ALADI, que têm sido internalizados por
decreto da Presidência da República, promulgado com fundamento no artigo 84, inciso IV e VII, da CF como ato
de execução, respectivamente, da Carta das Nações Unidas e do Tratado de Montevidéu de 1980 (TM-80) sobre
a criação da ALADI, aprovado pelo Decreto-Legislativo nº 66. O STJ confirmou a validade do instrumento de
incorporação utilizado.
Atos incorporados como Tratados internacionais: a adoção de Tratados e Convenções é uma das
formas mais comuns de ação normativa das OIs. No caso do Brasil, a vigência interna das Convenções e
Recomendações emanadas da OIT está condicionada à sua aprovação pelo Congresso e promulgação pelo
Presidente da República.
Atos incorporados como normas de direito interno: utilizada para internalização de boa parte dos atos
unilaterais negociados no âmbito das OIs, incluindo as normas do MERCOSUL e das decisões emanadas de
Tribunais internacionais, e comporta uma infinidade de procedimentos específicos, normalmente, por atos
infralegais. Para todos os efeitos jurídicos internos, no entanto, trata-se de ato próprio do Executivo.
Decisões de Tribunais Internacionais: as sentenças emanadas desses Tribunais têm a natureza jurídica
de atos emanados de OI. Não há no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma previsão específica sobre a
aplicação interna desses atos. Exceção: decisões do TPI, cuja aplicação interna está sendo objeto de
regulamentação específica via lei.
a) Corte Interamericana de Direitos Humanos: de acordo com jurisprudência pacífica da Corte, o artigo 68.1 da
Convenção Americana impõe a obrigação jurídica para os Estados de assegurar a implementação, em nível
interno, do disposto pela Corte em suas decisões. Na prática, embora o caráter vinculante das decisões da Corte
seja inquestionável, o amplo leque de medidas exigido do Brasil para dar cumprimento à sentença levou o
governo a optar pela adoção de decreto específico, com base no artigo 84, inciso IV da Constituição - casos
Damião Ximenes Lopes, Escher e Garibaldi. b) Tribunal Penal Internacional: Ainda não houve decisão do TPI
emitida contra cidadão brasileiro, logo não houve procedimento de incorporação ao direito interno de suas
decisões.
23
Trecho da aula de ACR, no material Alcance de 2014: temos o art. 4º, inciso IX, trazendo o progresso da humanidade e temos o parágrafo único do
mesmo artigo, falando da comunidade latino-americana de nações. Eu vejo esses dois princípios, não como uma carga programática tão somente, mas em
especial eu vejo esses dois dispositivos como um guia ao interprete para que tenhamos alguma consequência em relação aos tratados mercosulinos.
Façam então um asterisco no artigo com a observação de que é possível que esses tratados tenham algum tipo de vantagem adicional. Não é possível
interpretarmos a constituição dizendo que um tratado qualquer com um país fora da zona do MERCOSUL sejam a mesma coisa. Não acho adequado isso,
mas reconheço que isso é polêmico. Alguns autores afirmam que esses princípios são apenas normas programáticas.

63
Atos emanados de OIs especializadas: muitos organismos especializados foram dotados da capacidade
de adotar regulamentos técnicos, com o objetivo de facilitar a harmonização de regras em um domínio técnico
específico. Quando não são adotados mediante Convenções ou Emendas formais aos Tratados constitutivos da
OI, em geral, a incorporação desses regulamentos, inclusive pela natureza técnica, tende a ser feita no Brasil de
forma difusa pelos órgãos internos competentes. Ex: Organização da Aviação Civil Internacional, Organização
Mundial da Saúde Regras do CODEX Alimentarius (FAO/OMS), Organização Marítima Internacional (IMO).
Deliberações de órgãos internacionais que constatam violações de direitos humanos: André Carvalho
Ramos subdivide essas deliberações em 3 tipos, considerando sua obrigatoriedade: a) recomendações: são
opiniões não vinculantes de órgão internacional de direitos humanos, fruto da existência de obrigação
internacional de monitoramento e supervisão dos direitos protegidos; b) decisões quase judiciais: decorrem dos
mecanismos previstos na fase de controle da observância dos direitos humanos, na qual se analisam petições
individuais e interestatais que se insurgem contra violações de direitos humanos e pleiteiam reparação. Análise
é feita por instância internacional não judicial, a exemplo do Comitê de Direitos Humanos. Há divergência
quanto ao caráter vinculante dessas deliberações, dada a ausência de disposição expressa nos tratados nesse
sentido; ACR posiciona-se pela vinculação, uma vez que a interpretação deve ser feita em prol do aumento da
carga protetiva dos direitos humanos; c) decisões judiciais: são decisões emanadas de Cortes Internacionais,
havendo previsão expressa na Convenção Americana e Convenção Europeia acerca da competência dos
Tribunais e a força vinculante de suas decisões (cautelares e definitivas). Deve-se destacar que estes Tribunais
não atuam como quarta instância, pois não são capazes de rescindir ou revisar sentença judicial interna, uma
vez que é o Estado nacional que escolhe os meios de cumprimento das sentenças internacionais. Nesse
contexto, há o problema da executoriedade das decisões internacionais, pois não há possibilidade de execução
forçada pela substituição do Estado por um terceiro; o descumprimento enseja nova responsabilidade de
internacional do Estado, por violação da obrigação de cumprimento de boa-fé das decisões internacionais.
C) EXTINÇÃO E SUCESSÃO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.
A extinção da Organização Internacional ocorre com a desconstituição da personalidade jurídica pelos
membros. No entanto, raramente uma organização é completamente liquidada, retornando seus ativos aos
Estados-membros; em regra, quando dissolvida, seu patrimônio e suas funções são, em essência, assumidas por
uma nova organização, dotada de objeto e composição similares. Assim, sucessão de uma organização
internacional é a substituição de uma organização em funcionamento (a organização predecessora) por uma
nova (a organização sucessora) no exercício de certas funções e/ou competências e na posse e/ou utilização de
determinado patrimônio.
No caso das organizações internacionais, a sucessão não é uma necessidade: não se lhes aplica qualquer
princípio análogo ao da continuidade do Estado.
A sucessão pode ocorrer por: a) substituição imediata; b) absorção; c) fusão; d) secessão de parte da
organização; ou e) simples transferência de certas funções de uma organização para outra.
Fundamentos (forma): a) Tratados intergovernamentais de transferência, pelos quais pode ser prevista
a sucessão imediata ou de forma dissociada; o acordo de sucessão pode ser autônomo e exclusivo, único ou
múltiplo, ou, ainda, constar de dispositivos esparsos do ato constitutivo da organização internacional sucessora;
b) atos de transferência concluídos entre as organizações interessadas: nesse caso, se se tratar de ato unilateral,
resolução de um órgão plenário, terá o valor, em princípio, de uma recomendação e dificilmente terá o condão
de extinguir um tratado constitutivo para transferir, no todo ou em parte, as competências de uma organização
para outra. Em caso de unanimidade entre as partes contratantes da organização internacional que deverá ser
sucedida, o ato constitutivo será ab-rogado.
Quanto aos objetos da sucessão, devemos separar a análise dos diversos componentes das
organizações internacionais: funções, normas, agentes e patrimônio. Funções: a transferência de funções e de
bens de uma organização para sua sucessora pode ser feita de diversas maneiras, pode ser prevista
explicitamente em um dos atos de sucessão, os quais podem fazer distinção entre funções de natureza técnica,
que podem ser imediatamente transferidas, e funções de natureza política, cuja transferência é mais complexa,
e precisa ser examinada caso a caso. Normas: o princípio fundamental é o de que um novo consentimento deva
ser manifestado. No entanto, é necessário distinguir os atos cuja transferência não seja possível sem acordo
expresso da nova organização internacional e as normas que fazem parte dos atos que podem ser praticados e
incorporados pelos Estados-membros da organização sucessora ou por seus órgãos, contidas no tratado
constitutivo ou em textos do direito derivado. Agentes: há uma tendência a não incorporá-los, ao menos em sua
maioria, aos quadros da organização sucessora, concedendo liberdade de escolha à nova organização quanto ao

64
tipo de recrutamento de pessoal e regime jurídico de contratação. Essa é a regra geral, mas há exceções.
Patrimônio: consiste no conjunto de bens móveis e imóveis, além das dívidas e dos créditos, e é objeto
frequente de acordos nos casos de sucessão, embora a transferência de ativos nem sempre seja acompanhada
da dos passivos. A sucessão quanto às dívidas da organização predecessora não é matéria pacífica. Os ajustes
são feitos por meio de acordos entre os Estados-membros ou entre as organizações internacionais envolvidas
no processo.
D) A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E A PROTEÇÃO FUNCIONAL.
A responsabilidade pressupõe a existência de dois ou mais sujeitos reconhecidos por um sistema
jurídico, em face dos quais uma obrigação juridicamente vinculada encontra-se violada. Assim, a
responsabilidade das organizações internacionais pressupõe o reconhecimento de sua personalidade jurídica
internacional, separada e distinta da de seus membros. Uma organização internacional possui personalidade
jurídica internacional se o ato constitutivo da entidade confere a seus órgãos competência para o exercício de
certas funções em relação aos respectivos membros e o poder de firmar compromissos internacionais que
estabeleçam obrigações e direitos perante a Comunidade.
Diante de sua personalidade jurídica internacional e de sua capacidade de agir, a organização
internacional pode concretizar vulneração a suas obrigações internacionalmente reconhecidas, devendo
responder em função disso.
A Comissão de Direito Internacional apresentou o Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade dos
Estados por Atos Internacionalmente Ilícitos, no qual foi incluído o tema da responsabilidade das organizações
internacionais em seu programa de trabalho a longo prazo (CDI, 2003, p. 13). De acordo com o projeto,
entende- se por “organização internacional” a entidade instituída por um tratado ou outro instrumento regido
pelo direito internacional e dotada de personalidade jurídica internacional própria. Não se inclui nessa categoria
as organizações não-governamentais puras e organismos criados por intermédio de instrumentos regidos pelo
direito estatal interno, salvo na hipótese em que, posteriormente, seja adotado um ato constitutivo regido pelo
direito internacional.
No art. 3.1 do PAROIAII, estabeleceu-se a pedra angular da responsabilidade das organizações
internacionais ao considerar que “todo ato internacionalmente ilícito de uma organização gera sua
responsabilidade internacional”.
Verifica-se a ocorrência de um ato internacionalmente lícito, fundamento suficiente para a geração de
responsabilidade, a partir do momento em que presentes seus elementos constitutivos essenciais, ou seja,
quando (PAROIAII, art. 3.2): 1) o comportamento consistente em uma ação ou omissão é atribuível à
organização internacional, em consonância com o direito internacional; 2) essa conduta constitui violação de
uma obrigação internacional do organismo. Fala-se no ato ilícito como “fundamento suficiente”, pois a maioria
da doutrina adota a teoria objetiva da responsabilidade, dispensando o elemento culpa (lato sensu) e, da
mesma forma, entende que o dano não é elemento necessário do fato gerador da responsabilidade
internacional. Apesar da divergência, é este o entendimento que prevalece.
Assim como os Estados, as organizações internacionais agem no campo institucional mediante seus
órgãos e agentes, que não são necessariamente pessoas naturais, visto que podem ser pessoas jurídicas ou
outras entidades por intermédio das quais o organismo realiza suas atividades (CDI, 2004, p. 118). A
responsabilidade da organização, pelo exposto, poderá decorrer de atos de seus órgãos executivos, judiciários
ou “legislativos”, visto que, como no caso dos Estados, o direito internacional adota o princípio da unidade da
organização (KLEIN, 1998, p. 383).
Atos ultra vires. No âmbito da responsabilidade dos Estados, é muito comum a alegação de que a
prática do ilícito pelos órgãos ou agentes estatais, no exercício de atribuições próprias do poder público, tenha
derivado da extrapolação das competências delimitadas no ordenamento jurídico interno, motivo por que não
se trataria propriamente de um “ato de Estado” (BROWNLIE, 1997, p. 474). Com vistas a combater referida
escusa, foi progressivamente acatada pela jurisprudência a denominada “teoria da aparência” (BROWNLIE,
1997, p. 474-475), segundo a qual a antijuridicidade da conduta ultra vires dos agentes estatais funda-se na
exteriorização de sua capacidade oficial para assim agirem, ainda que, formalmente, não possuam tais
prerrogativas.
O Estado afigura-se internacionalmente responsável pela conduta de seus órgãos, ainda quando a
respectiva atuação houver sido concretizada contra suas diretrizes ou ordem superior direta (VERDROSS, 1982,
p. 359). Paralelamente, os atos ultra vires dos órgãos ou agentes da organização internacional também são

65
susceptíveis de engendrar a responsabilidade da entidade (KLEIN, 1998, p. 390). A regra positivada no art. 6o do
Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade das Organizações Internacionais.
Responsabilidade da organização internacional em decorrência do ato de um Estado ou de outra
organização internacional.
a) O critério da efetividade do Controle. De acordo com o art. 5o do PAROIAII: “O comportamento de
um órgão de um Estado ou de um órgão ou agente de uma organização internacional que esteja à disposição de
outro organismo será considerado ato desta última organização, segundo o direito internacional, se esta exerce
um controle efetivo sobre a conduta.. O critério do efetivo controle exercido pela organização. O critério do
efetivo controle exercido pela organização internacional sobre as atividades do órgão ou agente revela-se
juridicamente predominante para fins de se precisar a quem é atribuída a prática do ato ilícito (KLEIN, 1998, p.
378). Se a conduta exigida pelo mandamento exarado pela organização internacional implicar, necessariamente,
a comissão de uma ilicitude, estará em jogo também a responsabilidade da entidade prolatora da decisão (GAJA,
2005, p. 14).
b) Reconhecimento e adoção de um comportamento alheio como próprio. Em conformidade com o
disposto no art. 11 do PAREAII, condutas originariamente não enquadráveis no conceito de “ato de Estado”
podem vir a ser reconhecidas e adotadas como próprias pela entidade estatal. Os organismos internacionais, em
conjunto, podem reconhecer e adotar como próprio um comportamento que não lhe seja por si só atribuível.
Nesse ponto, necessário precisar se o órgão ou agente que efetiva o reconhecimento e a adoção do ato possui
específica competência para tanto, com base nas “regras da organização” (CDI, 2004, p. 136).
A organização internacional na condição de administradora de territórios. Especialmente quando a
organização internacional figura na condição de administradora temporária de territórios, atribuições de cunho
originariamente estatal como a manutenção da ordem e a segurança pública passam a ser encargo do
organismo (VELASCO VALLEJO, 1993, p. 671). Em virtude disso, sua atuação deverá pautar-se pela assunção de
obrigações concernentes à proteção eficaz dos direitos humanos básicos (ILA, 2004, p. 23).
Por intermédio da Resolução no 1244, de 10 de junho de 1999, o Conselho de Segurança das Nações
Unidas autorizou expressamente o Secretário Geral, com a assistência das organizações internacionais
pertinentes, a estabelecer uma presença civil internacional em Kosovo (ex-Yugoslávia) a fim de estruturar uma
administração provisional para aquele território (CDI, 2004, p. 114). Em hipóteses como esta, a organização
internacional atua com as competências territoriais parciais de um ente de natureza potestativa, ou seja, age
provisoriamente com poderes implícitos de um Estado (CARREAU, 1994, p. 374). Conclui- se, nesse sentido, que
eventual atuação qualificada como internacionalmente ilícita passará a ser regida pelos princípios e normas
referentes à responsabilidade própria dos Estados no que não for em manifesto incompatível com o regime
especial das organizações internacionais.
Proteção funcional. Em breve síntese, a proteção funcional se caracteriza nos casos em que as
organizações internacionais podem tomar para si os litígios referentes a danos sofridos por seus agentes,
quando em exercício. Valendo-se dessa prerrogativa, as organizações internacionais também podem outorgar
endosso, seguindo requisitos análogos aos da proteção diplomática. É ato discricionário da organização
internacional envolvida.
Sobre o tema, destaca-se o caso da Reparação de danos sofridos por agente das Nações Unidas ("Caso
Folke Bernadotte"), apreciado pela CIJ em 11 de abril de 1949, em face de parecer solicitado pela Assembleia
Geral da ONU. (Objeto de questão oral “Fale sobre o caso Folke Bernadotte”).
Em 1948 foi assassinado o Conde sueco Folke Bernadotte. Ele havia sido nomeado pela ONU mediador
de paz entre os Estados árabes e o recém-criado Estado de Israel. Seu assassinato ocorreu no contexto das
primeiras negociações Israel-Palestina, pelo grupo israelense de extrema direita conhecido como LEHI
(Lutadores pela Liberdade de Israel), comprometidos com uma campanha de terror a fim de forçar a saída de
não israelenses da Palestina. Após o assassinato, e frente à inação do governo israelense, a ONU decidiu levar o
debate à Corte Internacional de Justiça (CIJ).
Em 3 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral adotou a resolução que submeteu à Corte duas
questões jurídicas, pedindo uma opinião consultiva. Indagou-se se, em primeiro lugar, (i) a ONU, na qualidade
de uma organização internacional (OI), teria a capacidade de fazer uma reivindicação internacional contra um
Estado em vistas de obter reparações por danos causados à organização ou aos seus agentes; e, (2) se sim, com
relação aos agentes, como tal ação pela ONU poderia ser conciliada com iguais direitos de proteção dotados
pelo Estado de nacionalidade do indivíduo em questão. O parecer respondeu afirmativamente à primeira
questão, conferindo à organização o direito de formular reclamações contra o governo israelense e criando

66
jurisprudência concernente ao tema ao estabelecer o status de personalidade jurídica à ONU. Da mesma forma,
passou-se também a se admitir a responsabilidade das próprias organizações internacionais pelos atos lesivos
que vierem a causar na ordem internacional. Esta decisão marcou o fim do monopólio da personalidade jurídica
internacional dos Estados.
Com relação à segunda questão apresentada pela Assembleia Geral à CIJ, a opinião consultiva estatuiu a
primazia da proteção funcional sobre a proteção diplomática, no contexto das OIs. Logo, após este parecer, os
funcionários de organizações internacionais como a ONU passaram a receber proteção não apenas de seus
respectivos Estados patriais, através do instituto da proteção diplomática, mas também das organizações de que
fazem parte, pelo instituto da proteção funcional.

6B. Organização dos Estados Americanos: evolução histórica, finalidade, atuação, órgãos internos, tipos de
deliberações, modos de solução de controvérsias e sanções. Outras organizações internacionais regionais das
Américas.

Gabriel Dalla 12/09/18

I. Organização dos Estados Americanos: evolução histórica, finalidade, atuação, órgãos internos, tipos de
deliberações, modos de solução de controvérsias e sanções.
A origem da OEA remonta à Primeira Conferência Internacional Americana, realizada em Washington,
de outubro de 1889 a abril de 1890. Esta reunião resultou na criação da União Internacional das Repúblicas
Americanas e começou a se tecer uma rede de disposições e instituições, dando início ao que ficará conhecido
como “Sistema Interamericano”, o mais antigo sistema institucional internacional.
Consoante a posição de André de Carvalho Ramos (Processo Internacional de DH, p. 206),
historicamente, a aproximação entre Estados dá-se inicialmente como consequência da pretensão atribuída a
Simon Bolívar de mimetizar a experiência federativa norte-americana. Após o fracasso da pretensão, surge o
pan-americanismo – movimento incentivado pelos EUA no final do sec. XIX e que visava à cooperação entre os
Estados americanos, na linha da Doutrina Monroe. Para conformar esta cooperação, houve nove conferências
pan-americanas até a criação da OEA.
A OEA foi fundada propriamente em 1948 com a assinatura, em Bogotá, da Carta da OEA que entrou
em vigor em dezembro de 1951. A Organização tem por finalidade, como estipula o Artigo 1º da Carta, alcançar
“uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua
soberania, sua integridade territorial e sua independência”. A OEA congrega os 35 Estados independentes das
Américas e constitui o principal fórum governamental político, jurídico e social do Hemisfério. Além disso, a
Organização concedeu o estatuto de observador permanente a 69 Estados e à União Europeia (EU).
A OEA destaca-se na promoção da democracia, um de seus propósitos essenciais, tendo em vista que a
Carta da OEA contém inclusive referências à democracia representativa, que é qualificada como condição
indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento na região. Neste contexto, é de se observar
inclusive a Carta Democrática Interamericana, que prevê a possibilidade inclusive de suspensão de Estados - a
pedido de Estado ou Secretário-Geral da OEA - em hipóteses de crise institucional que ameace a democracia.
A OEA utiliza uma estratégia de atuação quádrupla para implementar eficazmente a sua finalidade. Os
quatro pilares da Organização (democracia, direitos humanos, segurança e desenvolvimento) se apoiam
mutuamente e estão transversalmente interligados por meio de uma estrutura que inclui diálogo político,
inclusividade, cooperação, instrumentos jurídicos e mecanismos de acompanhamento, que fornecem à OEA as
ferramentas para realizar eficazmente seu trabalho no hemisfério e maximizar os resultados.
Os órgãos internos são os seguintes:
A Assembleia Geral é o órgão supremo da Organização dos Estados Americanos. É constituída pelas
delegações de todos os Estados membros, que têm direito a nela se fazer representar e a emitir um voto cada
um. A definição dos mecanismos, políticas, ações e mandatos da Organização tem origem na Assembleia Geral.
Suas atribuições acham-se definidas no Capítulo IX da Carta, que, no artigo 57.
A Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores realiza-se com a finalidade de considerar
problemas de caráter urgente e de interesse comum para os Estados americanos e para servir de Órgão de
Consulta.
O Conselho Permanente depende diretamente da Assembleia Geral e tem a competência que lhe é atribuída

67
pela Carta e por outros instrumentos interamericanos, bem como as funções de que for encarregado pela
Assembleia Geral e pela Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores.
O Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral (CIDI), órgão diretamente subordinado à Assembleia
Geral, com capacidade decisória em matéria de cooperação solidária para o desenvolvimento integral, foi
criado com a entrada em vigor do Protocolo de Manágua, em 29 de janeiro de 1996 (Capítulo XIII). É
constituído pelos seguintes órgãos que a ele se submetem: a Agência Interamericana de Cooperação e
Desenvolvimento (AICD), as Comissões Especializadas Não-Permanentes (CENPES), as Comissões
Interamericanas e as Comissões Permanentes do CIDI.
A Comissão Jurídica Interamericana é um dos órgãos mediante os quais a OEA realiza seus fins (artigo 53 da
Carta). O Capítulo XIV da Carta define sua composição, atribuições e funções da seguinte maneira: serve de
corpo consultivo da Organização em assuntos jurídicos; promove o desenvolvimento progressivo e a
codificação do Direito Internacional; e analisa os problemas jurídicos referentes à integração dos países com
vistas ao desenvolvimento do Hemisfério.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foi criada por resolução da Quinta Reunião de
Consulta dos Ministros das Relações Exteriores em Santiago, Chile, em 1959. A Comissão Interamericana de
Direitos Humanos é um dos órgãos do Sistema Interamericano responsáveis pela promoção e pela proteção
dos direitos humanos. É constituída por sete membros, eleitos pela Assembleia Geral, que exercem suas
funções em caráter individual por um período de quatro anos, podendo ser reeleitos uma só vez.
A Secretaria Geral é o órgão central e permanente da Organização dos Estados Americanos. Exerce as funções
que são atribuídas pela Carta, outros tratados e acordos interamericanos e a Assembleia Geral, bem como
cumprirá os encargos de que for incumbida pela Assembleia Geral, pela Reunião de Consulta dos Ministros das
Relações Exteriores e pelos Conselhos.
As Conferências Especializadas são reuniões intergovernamentais destinadas a tratar de assuntos técnicos
especiais ou a desenvolver aspectos específicos da cooperação interamericana e são realizadas quando o
determine a Assembleia Geral ou a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, por iniciativa
própria ou a pedido de algum dos Conselhos ou Organismos Especializados.
O Capítulo XVIII da Carta da OEA define os organismos especializados como organismos intergovernamentais
estabelecidos por acordos multilaterais, que tenham determinadas funções em matérias técnicas de interesse
comum para os Estados americanos. Gozam de ampla autonomia técnica no âmbito das recomendações da
Assembleia Geral e dos Conselhos, a exemplo da Organização Pan-Americana da Saúde e Comissão
Interamericana de Mulheres.
Quanto aos tipos de deliberações, a matéria não é propriamente clara e, salvo melhor juízo, não há
desenvolvimento doutrinário derredor do tema. As atribuições da Comissão IDH são objeto de ponto diverso do
edital. O único provimento objeto de análise diz respeito à resolução de suspensão de Estado por violação de
cláusula democrática (trabalhada abaixo). No quadro jurídico da Organização dos Estados Americanos, a
solução pacífica de controvérsias24 é abordada na Carta da Organização, no Pacto de Bogotá e no Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR):
Pode-se afirmar que o sistema de solução Apesar das opiniões favoráveis de especialistas O TIAR,
pacífica de controvérsias estabelecido pela qualificados, o Pacto de Bogotá não tem tido a concebido
Carta da Organização representa, depois da aplicação almejada quando de sua elaboração, como um
reforma efetuada pelo Protocolo de em vista das importantes ressalvas feitas por mecanismo
Cartagena, um avanço no que tange ao alguns dos Estados Partes por causa do de segurança
mecanismo estabelecido antes de 1985. mecanismo automático de arbitragem coletiva para
Esse avanço consiste na faculdade conferida obrigatória e do recurso à Corte Internacional enfrentar atos
ao Conselho Permanente de tomar de Justiça. Outros Estados acreditam que um de agressão,
providências para a solução pacífica das elemento que tem entravado a estabelece as
controvérsias mediante solicitação de uma operacionalidade do Pacto é o fato de que ele bases
das partes. Acredita-se, também, que as impede que eles próprios julguem os fatos que jurídicas para
comissões ad hoc conferem maior são de sua jurisdição interna. Outro elemento a aplicação de
flexibilidade à eventual ação do Conselho é a interpretação diferente, por parte de procedimento
Permanente e, no âmbito geral, o regime alguns Estados, quanto à possibilidade de se s de solução
24
Análise crítica disponível em: http://www.oas.org/csh/portuguese/novosdocsolcpacf.asp

68
esclarece a situação jurídica relativa à submeterem aos mecanismos previstos no pacífica de
aplicação dos artigos 34 e 35 da Carta das Pacto questões que já existiam antes de sua controvérsias,
Nações Unidas. E acresce uma dose de adoção. Ademais, tampouco tem havido uma vez
flexibilidade à faculdade conferida ao acordo quanto à possibilidade de se elaborar colocado em
Secretário-Geral pelo sistema atual da Carta. um novo tratado e à forma de resolver a prática.
Dispositivos convencionais: capítulo V da situação jurídica que decorreria de uma tal
Carta da OEA – arts. 24 usque 27. iniciativa.
No que toca às sanções, o regime no âmbito da OEA é frágil, porque, a rigor, apenas possui um
documento sancionatório consistente na Carta Democrática Interamericana (arts. 20 e 21) na qual, havendo
ruptura democrática e fracassada a gestão diplomática, é possível a suspensão do Estado dos seus direitos de
parte pelo voto afirmativo de 2/3 dos Estados membros. A Assembleia Geral da OEA aprovou, em junho,
Resolução com o fim de suspender a Venezuela, porque foram consideradas ilegítimas as últimas eleições
presidenciais. Sobre o tema – tratando de violações de DH -, André de Carvalho Ramos: “Até os dias de hoje,
contudo a única sanção clara à disposição da OEA é a suspensão da participação do Estado pela ruptura do
regime democrático. Para as demais violações, a Assembleia usualmente apenas registra o envio do relatório da
Comissão, insta os Estados a bem cumprir as deliberações da Comissão e o arquiva.” (Processo Internacional de
DH, p. 241).

II. Outras organizações internacionais regionais das Américas.


Há um sem número de organizações internacionais nas Américas, as quais não são esquematizadas
pela doutrina. Neste sentido, recomenda-se a leitura do Guia de Organizações Internacionais das Américas, que
trata das seguintes: Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa Américas, Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA), Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, Área de Livre Comércio da América do Sul
(ALCSA), Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), Associação Latino-Americana de Integração
(ALADI), Comunidade Andina de Nações (CAN), Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos,
Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), Cúpula de Chefes de Estado E de Governo da América Latina e
Caribe Sobre Integração e Desenvolvimento (CALC), Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata
(FONPLATA), Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), Instituto
Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), Instituto para a Integração Da América Latina e do
Caribe, Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), Organização Latino-Americana de Energia (OLADE), Organização
do Tratado De Cooperação Amazônica Rede Latinoamericana de Políticas Públicas para o Desenvolvimento
Regional (REDE), Rede de Recuperação de Ativos do Gafilat (RRAG), Sistema Econômico Latino-Americano
(SELA), Sistema de Integração Centroamericana (SICA), Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) e
União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).

20C. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Natureza Jurídica. Acordo de Sede e Imunidades. Finalidades,
Funções, Atividades e Proteção de Acordo com o Direito Internacional Humanitário

Anderson Rocha Paiva

NOÇÕES GERAIS. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha nasce da batalha de Solferino como sociedade
de socorro aos feridos no campo de batalha. Henri Dunant foi o seu idealizador. O Direito Internacional
Humanitário tem como sua fonte este movimento. Este status que a comunidade internacional empresta ao
comitê permite-lhe organizar conferências internacionais com o escopo de mobilizar os estados para aceitarem
obrigações no tocante à proteção de pessoas vulneráveis em conflitos armados: feridos nos campos de batalha,
prisioneiros em campos de guerra, náufragos em batalhas navais, população civil. Todos esses têm proteção do
comitê. Por isso nas convenções sobre esses temas foram lhe conferidas tarefas especiais.
Após a II Guerra Mundial em razão da clara necessidade de proteção à população civil em tempo de
guerra, o Comitê Internacional de Cruz Vermelha apresentou em agosto de 1948 quatro projetos de convenção,
na XVII Conferência Internacional de Cruz Vermelha em Estocolmo: a) Convenção n° 1, tratando dos feridos em
campo de batalha; b) Convenção n° 2: proteção aos náufragos; c) Convenção n° 3: prisioneiros de guerra; e
Convenção n° 4: proteção à população civil. Mais tarde, foram apresentados dois protocolos adicionais que
reforçavam ou complementavam proteções e previsões constantes das referidas convenções: Protocolo n° 1:
aprofunda regime de proteção nos conflitos internacionais; e Protocolo n° 2: aprofunda regime de proteção nos

69
conflitos não internacionais. Ou seja, as Convenções e o Protocolo Adicional I se aplicam e reforça a observância
ao Direito Humanitário nos conflitos armados internacionais, enquanto o Protocolo Adicional II se aplica à
proteção das vítimas dos conflitos armados internos. (Questão – oral: Fale sobre as Convenções de Genebra de
1949 e dos Protocolos de 1977).

NATUREZA JURÍDICA. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha tem natureza jurídica de entidade
privada constituída sob as leis suíças. Parte da doutrina, entretanto, a colocam como sujeito de direito
internacional público, com capacidade limitada de celebrar tratados. ACR atenta para o fato de o direito de
Genebra (convenções e protocolos) lhe fazer expressa remissão, sobressaindo, desta feita, sua natureza jurídica
híbrida de instituição neutra e protetora entre os combatentes: “é uma associação civil sem fins lucrativos de
direito privado suíço, só que a sua participação no direito humanitário que deu essa característica híbrida.
Inclusive, o Brasil tem um acordo internacional com o comitê internacional da Cruz Vermelha dando as mesmas
prerrogativas de uma organização internacional. O papel desse comitê é tão importante que é considerado
crime de guerra atentar contra as pessoas que trabalham para a Cruz Vermelha ou usar falsamente seus
símbolos”. A doutrina, ratificando esse entendimento, salienta que, em 1994, a própria Suíça celebrou com o
Comitê Internacional da Cruz Vermelha, lá sediado, um acordo que reconhece imunidade de jurisdição ao
Comitê Internacional da Cruz Vermelha. A natureza jurídica desse acordo é, obviamente, de um tratado. SHAW
(958) a denomina de “associação internacional não governamental”. Nas Convenções de Genebra é classificada
como “organismo humanitário imparcial” (art. 9º ou 10).

ACORDO DE SEDE E IMUNIDADES. Em 19 de março de 1993 a Suíça e o CICV assinaram um acordo de


sede. O acordo reconhece a personalidade internacional do CICV e garante a inviolabilidade dos imóveis
utilizados pelo CICV e de seus arquivos. Também é garantido ao CICV imunidade de jurisdição (com algumas
exceções, notadamente questões trabalhistas, previdenciárias e acidentes com veículos- art. 5º) e impede
constrição ou execução de seus bens. Percebe-se que a CICV aproxima-se, e muito, de uma verdadeira
organização internacional. Independente da nacionalidade, o Presidente, membros do comitê e pessoal técnico
tem imunidade total, mesmo após deixar o cargo, com relação a declarações e atos praticados no exercício de
suas funções e inviolabilidade de todos os seus documentos e papéis (art. 11). O pessoal não suíço possui
facilidades na entrada no país (art. 12). O pessoal suíço pode ser dispensado do serviço militar (art. 14). A Suíça
não possui responsabilidade por qualquer ato do CICV ou seus membros (art. 20). Atenção: O CICV possui
tratado de sede com vários países (inclusive com o Brasil, de 1991). O tratado com a Suíça é particularmente
importante por esta reconhecer personalidade internacional e imunidades a uma entidade privada interna.

FINALIDADES, FUNÇÕES, ATIVIDADE E PROTEÇÃO DE ACORDO COM O DIREITO INTERNACIONAL


HUMANITÁRIO.

As quatro Convenções de Genebra e o Protocolo Adicional I conferem ao CICV um mandato específico


para agir no caso de um conflito armado internacional. Em particular, o CICV tem o direito de visitar prisioneiros
de guerra e internados civis. As Convenções também outorgam ao CICV um amplo direito de iniciativa. Em
conflitos armados não internacionais, o CICV goza de um direito de iniciativa, reconhecido pela comunidade
internacional e consagrado no Artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra, bem como no Protocolo II às
Convenções de Genebra.

A missão da CICV é proteger e apoiar vítimas dos conflitos armados e outras situações de violência, sem
importar quem elas sejam. Esta missão foi outorgada pela comunidade internacional e possui duas fontes: a) as
Convenções de Genebra de 1949, que incumbem o Comitê de visitar prisioneiros, organizar operações de
socorro, reunir familiares separados e realizar atividades humanitárias semelhantes durante conflitos armados;
b) os Estatutos do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, que encorajam a
organização a empreender um trabalho semelhante em países que não vivem uma guerra internacional, mas

70
possuem situações de violência interna, embora não considerado conflito armado não internacional, às quais, as
Convenções de Genebra não se aplicam.

Suas principais atividades são: a) visitar prisioneiros de guerra e civis detidos; b) procurar pessoas
desaparecidas; c) intermediar mensagens entre membros de uma família separada por um conflito; d) reunir
famílias dispersas; e) em caso de necessidade, fornecer alimentos, água e assistência médica a civis; f) difundir o
Direito Internacional Humanitário (DIH); g) zelar pela aplicação do DIH; h) chamar a atenção para violações do
DIH e contribuir para a evolução deste conjunto de normas. Além disso, o CICV procura agir de forma preventiva
e atua em parceria com as Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho em cada país, a
exemplo da Cruz Vermelha Brasileira (CVB) no Brasil, e com a Federação Internacional das Sociedades da Cruz
Vermelha e do Crescente Vermelho. No caso de distúrbios e tensões internos, e em qualquer outra situação que
justifique a ação humanitária, o CICV também goza de um direito de iniciativa, que é reconhecido nos Estatutos
do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Desta maneira, ainda que seja possível
que num caso específico o DIH não se aplique, por não se constituírem os eventos conflito internacional ou
mesmo não internacional, na concepção estrita deste no Direito Internacional Humanitário, o CICV pode
oferecer os seus serviços aos governos sem que esta oferta constitua uma interferência nos assuntos internos
do Estado envolvido. Os Estados envolvidos no conflito têm obrigação de proteção a tais pessoas, porém
aqueles que não tiverem condições de cumprir suas obrigações de proteção podem solicitar ao CICV que realize
tais funções humanitárias. O CICV também oferece “bons ofícios” para ajudar os Estados em conflito a
negociarem desentendimentos sobre aplicação das Convenções e Protocolos e a estabelecerem “zonas
sanitárias” (áreas para os feridos e doentes). Possui função de fiscalização, em especial com relação aos
prisioneiros de guerra e populações civis. Atua, ainda, como substituto de potência protetora, pois no início das
hostilidades, há ruptura das relações diplomáticas, então há indicações de potencias protetoras. Tem ainda bons
contatos entre as partes adversárias. Visita e entrevista sem testemunhas os prisioneiros e civis. Nesse aspecto
particular, lembra ACR que o grande problema de Guantânamo foi que só muito depois a cruz vermelha foi
autorizada a visitar prisioneiros e havia sempre a presença de testemunhas. Isso é ilegítimo, porque ninguém vai
falar livremente. Todo não combatente tem direito à vida, a ter contato com os familiares, tem direito ao
silêncio. Os feridos têm que ser recolhidos. A cruz vermelha oferece assistência médica e o pessoal da cruz
vermelha tem imunidade também. Quando ele é combatente ele não tem direito à vida.

O trabalho do Comitê Internacional da Cruz Vermelha está baseado em sete princípios fundamentais: a)
Humanidade - socorre, sem discriminação, os feridos no campo de batalha e procura evitar e aliviar os
sofrimentos dos homens, em todas as circunstâncias; b) Imparcialidade - não faz nenhuma distinção de
nacionalidade, raça, religião, condição social e filiação política; c) Neutralidade - para obter e manter a confiança
de todos, abstém-se de participar das hostilidades e nunca intervém nas controvérsias de ordem política, racial,
religiosa e ideológica; d) Independência - as Sociedades Nacionais devem conservar sua autonomia, para poder
agir sempre conforme os princípios do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho; e)
Voluntariado - instituição de socorro voluntário e desinteressado; f) Unidade - só pode haver uma única
Sociedade Nacional em um país; g) Universalidade - instituição universal, no seio da qual todas as Sociedades
Nacionais têm direitos iguais e o dever de ajudar umas às outras.

Convenções de Genebra de 1949


1 Convenção: Convenção para a melhoria da sorte dos mortos e feridos em conflitos em terra;
2 Convenção: Convenção para a melhoria da sorte dos náufragos, mortos e feridos nos conflitos no mar;
3 Convenção: Convenção relativa ao tratamento de prisioneiros de guerra;
4 Convenção: Convenção relativa ao tratamento da população civil nos conflitos armados internacionais

Protocolos às Convenção de Genebra


1 Protocolo relativo a conflitos armados internacionais (1977);

71
2 Protocolo relativo a conflitos armados não internacionais (1977);
3 Protocolo relativo à adoção do emblema do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) chamado crescente
vermelho (2005)

Artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra


Em caso de conflito armado de caráter não internacional que ocorra em território de uma das Altas Partes
Contratantes, cada uma das Partes em conflito deverá aplicar, pelo menos, as seguintes disposições:

1. As pessoas que não participarem diretamente do conflito, incluindo membros das forças armadas que
tenham deposto as armas e pessoas que tenham sido postas fora de combate por enfermidade, ferimento,
detenção ou qualquer outra razão, devem em todas as circunstâncias ser tratadas com humanidade, sem
qualquer discriminação desfavorável baseada em raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou
qualquer outro critério análogo.

Para esse efeito, são e permanecem proibidos, sempre e em toda parte, em relação às pessoas acima
mencionadas:
a) os atentados à vida e à integridade física, em particular o homicídio sob todas as formas, as mutilações, os
tratamentos cruéis, torturas e suplícios;
b) as tomadas de reféns;
c) as ofensas à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos humilhantes e degradantes;
d) as condenações proferidas e as execuções efetuadas sem julgamento prévio por um tribunal regularmente
constituído, que ofereça todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis pelos povos civilizados.

2. Os feridos e enfermos serão recolhidos e tratados.


Um organismo humanitário imparcial, tal como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, poderá oferecer seus
serviços às Partes em conflito.
As Partes em conflito deverão esforçar-se, por outro lado, em colocar em vigor por meio de acordos especiais,
totalmente ou em parte, as demais disposições da presente Convenção.
A aplicação das disposições anteriores não afeta o estatuto jurídico das Partes em conflito.

6. OS INDIVÍDUOS E O DIREITO INTERNACIONAL


6.1 Povo. Nacionalidade no Direito Internacional. Formas de aquisição da nacionalidade originária e derivada.
Perda e reaquisição da nacionalidade. Direitos e deveres dos nacionais. Interação e conflito entre normas
nacionais e internacionais sobre nacionalidade. (8.a)
6.2 Nacionalidade. Originária. Derivada. Apatridia. Polipatria. Perda da nacionalidade. Estatuto da igualdade:
portugueses. Nacionais de países do Mercado Comum do Sul (Mercosul).
6.3 Estrangeiros. Entrada, permanência e saída regular. Tratamento jurídico da saída compulsória dos
estrangeiros e direitos dos envolvidos: repatriamento, deportação, expulsão. (6.a)
6.4 Extradição. Evolução histórica. Princípios e características da extradição. Vedações e limites à extradição.
Trâmite e fases da extradição. Execução da extradição. Incidência de direitos fundamentais na extradição. (13.a)
6.5 Tratamento internacional e nacional do asilo. Disposições convencionais, legais e administrativas referentes
ao asilo. O papel dos órgãos internos. A proteção ao brasileiro no exterior. (9.b)
6.6 Migrações. Tratados, declarações e organizações internacionais sobre os direitos dos migrantes. Precedentes
internacionais sobre os direitos dos migrantes. (19.b)
6.7 Regime jurídico internacional da apatridia e da polipatria. Nacionalidade e o regime jurídico especial dado
aos portugueses. Regime jurídico do tratamento de nacionais de países do Mercado Comum do Sul (Mercosul).
(19.c)
6.8 Direito Internacional dos Refugiados. Evolução histórica: origem e fases. O Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados. Os dispositivos convencionais, legais e administrativos referentes ao refúgio. Tipos
de perseguição. O papel dos órgãos internos e o controle judicial. (20.a)

72
8A. Povo. Nacionalidade no Direito Internacional. Formas de aquisição da nacionalidade originária e derivada.
Perda e reaquisição da nacionalidade. Direitos e deveres dos nacionais. Interação e conflito entre normas
nacionais e internacionais sobre nacionalidade.

Nilton Santos 11/09/18

1. Povo
O povo é o elemento humano do Estado. É formado por um conjunto de pessoas naturais, vinculadas
juridicamente a um ente estatal por meio da nacionalidade, inseridas diretamente no processo de formação e
manutenção do Estado, incluindo tanto indivíduos residentes no próprio país como no exterior.
A noção de povo não se identifica com a de população, posto que todas as pessoas presentes no
território do Estado, num determinado momento, inclusive estrangeiros e apátridas, fazem parte da população
(conceito puramente demográfico e estatístico, que independe de qualquer laço jurídico de sujeição ao poder
estatal).

2. Nacionalidade no DI
A nacionalidade é, primariamente, objeto de regulamentação pelo Direito interno, consistindo em ato
soberano, cabendo exclusivamente a cada ente estatal definir as normas que pautarão a atribuição da
respectiva nacionalidade e, em alguns casos, decidir discricionariamente acerca de sua obtenção pelos
indivíduos, não cabendo a nenhum outro Estado interferir a respeito 25. O caráter estritamente soberano da
concessão da nacionalidade fundamenta-se no fato de que os nacionais constituem o elemento humano do
ente estatal.
Entretanto, o Direito Internacional estabelece regras gerais a respeito da matéria, que não prejudicam
a prerrogativa soberana de o Estado determinar quem são seus nacionais, mas apenas a limita, em vista da
proteção da dignidade humana e da estabilidade da sociedade internacional.
Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 15, 1) determina que a nacionalidade é um
direito humano, seguindo no mesmo sentido o Pacto dos Direitos Civis e Políticos (art. 24, § 1º) e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (art. 20, § 2º). Em suma, toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado
em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra.
O Direito Internacional adota o princípio de que todo indivíduo deveria ter apenas uma nacionalidade a
fim de evitar os conflitos (“polipatridia”), não vedando, contudo, a polipatridia, e possibilitando, ademais, que o
indivíduo possa mudar de nacionalidade, com o intuito de permitir a vinculação a um Estado que melhor
resguarde os direitos da pessoa.
Importa anotar, ainda, que a nacionalidade deve ser efetiva26, ou seja, fundamentada em laços sociais
consistentes entre o indivíduo e o Estado cujo caráter de nacional se detém ou é pretendido, a exemplo de
tempo de residência em seu território, domínio do idioma oficial, laços familiares, investimentos no Estado etc.
Lado outro, a DUDH (art. XV, § 2º) determina que “ninguém será arbitrariamente privado de sua
nacionalidade”, consagrando a ideia de que a pessoa pode perder sua nacionalidade, desde que a partir de
regras previamente estabelecidas e compatíveis com as normas internacionais de direitos humanos e com o
Estado de Direito. Repugna ao Direito Internacional a retirada da nacionalidade por motivos políticos, raciais ou
religiosos ou a partir de considerações de caráter meramente discricionário.
Ainda, o nacional tem direito a encontrar acolhida no território do Estado que lhe conferiu a
nacionalidade, sendo, pois, regra generalizada a proibição do banimento.

3. Formas de aquisição da nacionalidade originária e derivada


• Nacionalidade originária ou primária. É aquela atribuída em decorrência do nascimento, tendo pouca
ou nenhuma relevância a vontade humana. A nacionalidade de origem é de importância basilar e constitui uma
verdadeira lei social, praticada, hoje, universalmente: a de que ‘todo o indivíduo tem e deve ter uma
nacionalidade de origem’, da mesma forma que possui um domicílio de nascimento.
Vincula-se a dois critérios predominantes: a) Jus soli(s) – o indivíduo tem a nacionalidade do Estado em
cujo território nasceu – critério territorial (em regra, adotado pelos países de tradição imigratória); b) Jus
25
Conforme Convenção da Haia Concernente a Certas Questões Relativas aos Conflitos de Leis sobre Nacionalidade, de 1930.
26
Caso Nottebohm - no caso de dupla nacionalidade, a nacionalidade preponderante deveria ter correspondência com os fatos, ou seja, somente se
justificava por meio de laços fáticos entre a pessoa envolvida e um desses Estados.

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sanguinis - a nacionalidade se transmite por laços familiares de ascendência – critério familiar – fixado por laços
sanguíneos. O indivíduo tem a nacionalidade de seus pais, pouco importando o local em que tenha nascido (em
regra, adotado pelos países de tradição emigratória); c) Sistema misto – combina os dois critérios – será
nacional tanto aquele que nascer no território do Estado quanto o que tem laços familiares com um nacional do
Estado. O Brasil adota sistema que se aproxima do misto, sendo, em verdade, justaposto com prevalência do jus
soli.
São brasileiros os nascidos no Brasil (jus soli), ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não
estejam a serviço de seu país (art. 12, I, a). Essa é a regra. Abre-se exceção ao jus sanguinis quando nascido no
estrangeiro, de pai ou mãe brasileiros, quando qualquer deles esteja a serviço do Brasil. São, ainda, brasileiros
natos os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileira, desde sejam registrados em repartição brasileira
competente ou venham a residir no Brasil e optem, a qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira, após
atingida a maioridade.
• Nacionalidade derivada ou adquirida. É aquela solicitada por vontade própria do indivíduo
(expectativa de direito), conjugada e dependente da manifestação do Estado em conceder sua nacionalidade
(ato discricionário deste). É a nacionalidade que o indivíduo adquire posteriormente ao seu nascimento. O
critério de aquisição da nacionalidade secundária por excelência é a naturalização. Outras hipóteses de
aquisição da nacionalidade derivada: a) Naturalização coletiva; b) Casamento; c) Legitimação ou adoção; d)
Residência definitiva; e) Jus labori; f) Prática de serviço militar em outro Estado.
A naturalização (que somente produz efeitos após a publicação no DOU) pode ser: a) Ordinária –
estrangeiros que, sendo civilmente capazes, tenham residência no Brasil há pelo menos 4 anos, com capacidade
de comunicar-se em língua portuguesa e não possuir condenação penal ou estar reabilitado (o prazo de 4 anos
pode ser reduzido para, no mínimo, 1 ano, se o estrangeiro tem cônjuge/companheiro ou filho brasileiro ou
houver prestado/puder prestar serviço relevante ao Brasil ou capacidade profissional, científica ou artística
considerada necessária para o país); b) Extraordinária ou quinzenária – estrangeiros que estejam fixados no
Brasil há pelo menos 15 anos ininterruptos e não têm condenação penal (não exige que o estrangeiro saiba ler e
escrever em língua portuguesa), mediante requerimento do estrangeiro, sendo ato vinculado, não permitindo a
discricionariedade do Poder Público; c) Provisória – migrante criança ou adolescente que fixaram residência no
Brasil antes de completarem 10 anos de idade. Depende de requerimento do representante legal; d) Definitiva
– aquela solicitada pelo detentor da naturalização provisória até dois anos após a maioridade; e) Especial –
destina-se ao cônjuge/companheiro, há mais de 5 anos, de integrante do Serviço Exterior Brasileiro em
atividade ou de pessoa a serviço do Estado brasileiro no exterior. Também é chamada de especial a
naturalização do estrangeiro que tenha sido empregado em missão diplomática ou em repartição consular do
Brasil por mais de 10 (dez) anos ininterruptos. Requisitos: capacidade civil, capacidade de comunicar-se em
língua portuguesa e não possuir condenação penal ou estar reabilitado; f) Específica para os originários de
países de língua portuguesa – procedimento facilitado, exigindo-se como requisitos apenas a residência no país,
por 1 ano, com título regular e idoneidade moral.

4. Perda e Reaquisição
O Brasil não proíbe a mudança de nacionalidade do brasileiro, bem como admite a polipatridia.
Ademais, não se admite a renúncia à nacionalidade brasileira. Contudo, poderá ocorrer a perda da
nacionalidade do brasileiro que: I — tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de
atividade nociva ao interesse nacional e que II - adquirir outra nacionalidade por ato de vontade própria,
excetuando-se, assim: a) reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) imposição de
naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para
permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.
A sentença que decreta a perda da nacionalidade do brasileiro naturalizado pelo exercício de atividade
nociva ao interesse nacional gera efeitos a partir do momento em que transita em julgado (efeitos são ex nunc).
Tal sentença ostenta natureza sancionatória. Será levado em consideração, contudo, o risco de geração de
situação de apatridia antes da efetivação da perda da nacionalidade.
Uma vez perdida a nacionalidade por brasileiro, em razão da aquisição de outra por vontade própria
(ato materializado por Decreto Presidencial ou do Ministro da Justiça), cessada a causa (perda/renúncia da
nacionalidade estrangeira adquirida voluntariamente), poderá readquiri-la ou ter o ato que declarou a perda
revogado, na forma definida pelo órgão competente do Poder Executivo.

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O interessado na reaquisição da nacionalidade deverá, além de estar regulamente domiciliado no país,
dirigir o respectivo pedido ao Presidente da República e entregá-lo no órgão do Ministério da Justiça de seu
domicílio. A eventual reaquisição da nacionalidade será objeto de novo decreto presidencial ou do Ministro da
Justiça, mas não será concedida se for apurado que o interessado, ao adquirir outra nacionalidade, o fez para se
eximir de deveres a cujo cumprimento estaria obrigado se mantivesse a nacionalidade brasileira.
Existe também o instituto da revogação da perda da nacionalidade, que beneficia àqueles que queiram
retornar à condição de brasileiros, mas não possuem domicílio no Brasil. Para isso, deverão procurar a
repartição consular com jurisdição sobre a região onde vivem e solicitar a revogação do ato que declarou a
perda da nacionalidade.

5. Tratado de Amizade e Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e o Brasil .


Estatuto da Igualdade entre brasileiros e portugueses de 1971 foi substituído pelo Tratado de Amizade
e Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e o Brasil, de 22∕04∕2000. Tratado de ampla
cooperação nos campos político, cultural, científico, econômico e financeiro. Altera a clássica noção da
nacionalidade como pressuposto necessário da cidadania. Não se trata de hipótese de aquisição de
nacionalidade. É norma que permite o exercício de direitos inerentes ao brasileiro nato, com exceção dos casos
previstos na CF. Dependem de requisição para que sejam concedidos os direitos aqui tratados, desde que,
brasileiros e portugueses que o requeiram, sejam civilmente capazes e com residência habitual no país em que
são pleiteados. No Brasil, a decisão fica a cargo do Ministério da Justiça, em Portugal, do Ministério da
Administração Interna.
Os portugueses podem requerer direitos iguais aos dos brasileiros naturalizados (não aos dos brasileiros
natos), sem se tornar nacionais do Brasil e sem perder sua nacionalidade de origem – situação chamada de
“quase-nacionalidade”. Dois procedimentos: a) quase-nacionalidade restrita – Simples igualdade de direitos e
obrigações civis – basta a prova da sua nacionalidade, da sua capacidade civil e de sua admissão no Brasil em
caráter permanente, sem necessidade de prazo mínimo de residência no país; b) quase-nacionalidade ampla –
Para aquisição de direitos políticos – deve estar em gozo de seus direitos políticos em Portugal e residir no Brasil
há pelo menos 3 anos. Enquanto estiver exercendo seus direitos políticos no Brasil, ficarão suspensos seus
direitos políticos em Portugal.
Por esse Estatuto, brasileiros e portugueses ainda: a) ficam submetidos à lei penal do Estado de
residência, nas mesmas condições dos respectivos nacionais; b) não estão sujeitos à extradição, salvo se
requerida pelo Governo do Estado da Nacionalidade; c) gozo de iguais direitos e deveres; d) caso necessitem de
proteção diplomática, será o país de origem que irá protegê-lo; e) extinção do benefício estatutário – pela
expulsão do território nacional ou pela perda da nacionalidade originária. A suspensão dos direitos políticos no
país de origem acarretará também a extinção dos mesmos direitos no outro país.

6. Nacionais do MERCOSUL
Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Parte do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai)
e Acordo sobre Residência para Nacionais do Mercosul Bolívia e Chile (Estados Associados) – promulgados no
Brasil pelos Decretos n. 6.964∕2009 e 6.975∕2009, respectivamente. O estrangeiro beneficiado com os Acordos
de Residência possui igualdade de direitos civis no Brasil. Deveres e responsabilidades trabalhistas e
previdenciárias são também resguardadas, além do direito de transferir recursos. Interessante que os
estrangeiros poderão requerer residência em quaisquer dos Estados signatários, independentemente de
estarem em situação migratória regular ou irregular. Os que estiverem em situação irregular ficam isentos de
multas ou outras sanções administrativas relativas à sua situação migratória. É concedida a residência
temporária por dois anos; 90 dias antes de terminar esse prazo, o estrangeiro pode requerer a transformação
em residência permanente.

7. Interação e conflito entre normas nacionais e internacionais


Do exercício da competência estatal no emprego de critérios distintos de atribuição do status de
nacional, pode haver conflitos de nacionalidade: um positivo (polipatridia) e um negativo (apatridia).

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A polipatridia, também conhecida como “polipatria”, é o fenômeno pelo qual um indivíduo tem duas ou
mais nacionalidades. É decorrência da coincidência de critérios de atribuição de nacionalidade diferentes sobre
uma mesma pessoa.
Insta anotar que a Convenção de Haia determina que um Estado não pode exercer a sua proteção
diplomática em proveito de um seu nacional contra outro Estado de que o mesmo seja também nacional.
Dispõe também que, em um terceiro Estado, o indivíduo que possua várias nacionalidades deverá ser tratado
como se não tivesse senão uma, podendo esse terceiro Estado reconhecer, dentre as alternativas existentes,
apenas a nacionalidade do país no qual ele tenha sua residência habitual e principal ou a do país ao qual,
segundo as circunstâncias, o estrangeiro pareça mais ligado, ou seja, a nacionalidade mais efetiva.
Já a apatridia, também chamada “apatria”, pode ocorrer ou pela perda arbitrária da nacionalidade,
normalmente por motivos políticos, ou pela não incidência de nenhum critério de atribuição de nacionalidade
sobre uma pessoa. A apatridia fere o direito humano à nacionalidade, mas ainda ocorre.
Há vários diplomas internacionais 27 que objetivam combater a apatridia. Além disso, as normas
internacionais de direitos humanos, que conferem uma série de direitos a qualquer pessoa sem distinção de
qualquer espécie, garantem aos apátridas a mesma proteção devida a qualquer ser humano.
O ordenamento jurídico brasileiro não comporta nenhuma possibilidade expressa de admissão da
apatridia, embora contemple hipóteses de perda da nacionalidade brasileira, que podem levar o indivíduo a se
tornar apátrida caso não tenha outra nacionalidade.

6A. Estrangeiros. Entrada, permanência e saída regular. Tratamento jurídico da saída compulsória dos
estrangeiros e direitos dos envolvidos: repatriamento, deportação, expulsão.

Letícia Gonçalves

Fonte: Lei n. 13.445/2017 (Lei de Migração), que revogou o Estatuto do Estrangeiro (art. 124, II),

Decreto 9.199/17 e artigo de André de Carvalho Ramos:

https://www.conjur.com.br/2017-mai-26/andre-ramos-direitos-humanos-sao-eixo-central-lei-migracao

INTRODUÇÃO: O eixo central da nova lei de migração é a proteção de direitos humanos na temática das
migrações. Aplica-se ao migrante que vive no Brasil e, inclusive, ao brasileiro que vive no exterior. Reconhece a
universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos como princípio de regência da política
migratória brasileira (art. 3º, I), como decorrência da proteção da dignidade humana. A lei não utiliza a
expressão “estrangeiro”, mas sim migrante, imigrante, emigrante, residente fronteiriço, visitante e apátrida (art.
1º).

ESTRANGEIROS: A aquisição da condição de estrangeiro se dá com o ingresso na jurisdição de Estado diverso do
de origem. Nota-se na atualidade uma aproximação de direitos dos estrangeiros e dos nacionais, ante a
universalização dos direitos humanos, do fluxo internacional de pessoas e da formação de espaços
internacionais comuns.

ENTRADA, PERMANÊNCIA E SAÍDA REGULAR: I. A aceitação de estrangeiros em território nacional é um ato


discricionário do Estado, sendo válido que os Estados estabeleçam condições para entrada e residência de
estrangeiros (art. 1°, Convenção de Havana/1928). O Estado tem o direito de decidir quem ingressa em seu
território (Ag. 1.118.724/RS/STJ). II. As funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteira serão
realizadas pela Polícia Federal nos pontos de entrada e de saída do território nacional (art. 38, L. 13.445) III. A
entrada no país poderá ser permitida ao imigrante identificado por documento de viagem válido que não se
enquadre em nenhuma das hipóteses de impedimento de ingresso e que seja: a. Titular de visto válido, b.
Titular de autorização de residência, ou b. Titular de nacionalidade beneficiária de tratado ou comunicação

27
Protocolo relativo às Obrigações Militares, em Certos Casos de Dupla Nacionalidade, em 1930 (Decreto 21.798, de 06/09/1932), e a Convenção sobre o
Estatuto dos Apátridas, de 1954 (Decreto 4.246, de 22/05/2002).

76
diplomática que enseje a dispensa de visto (art. 164, D. 9199/17). O art. 45 da Lei traz rol de casos em que é
possível o impedimento de ingresso, após entrevista individual e mediante ato fundamentado (vedado
impedimento por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política). IV.
Documentos de viagem (art. 5º, Lei 13.445/17) a) passaporte: normalmente emitido pelo Estado de
nacionalidade, sendo de propriedade deste, muito embora na posse do indivíduo; b) laissez-passer: emitido pelo
Estado receptor em circunstâncias excepcionais, como estado de origem não reconhecido ou não válido para o
Brasil; c) autorização de retorno; d) salvo-conduto; e) carteira de identidade de marítimo; f) carteira de
matrícula consular; g) documento de identidade civil ou documento estrangeiro equivalente, quando admitidos
em tratado (é o caso de países do MERCOSUL e do Chile, viajando dentro do bloco a turismo); h) certificado de
membro de tripulação de transporte aéreo; e i) outros que vierem a ser reconhecidos pelo Estado brasileiro em
regulamento. V. Visto é documento que dá a seu titular expectativa de ingresso em território nacional. Sua
concessão é ato discricionário cujas bases estão no interesse público, (art. 6º, Lei). A lei prevê os seguintes tipos
de visto, com suas subespécies (arts. 12 a 18): a) de visita, concedido ao visitante que venha ao Brasil para
estada de curta duração, sem intenção de estabelecer residência, nos seguintes casos: i. Turismo, ii. Negócios,
iii. Trânsito, iv. Atividades artísticas ou desportivas, v. Outras hipóteses em regulamento; b) temporário, para
residência por tempo determinado em alguma das seguintes hipóteses: i. Finalidades: acadêmica, saúde,
acolhida humanitária, estudo, trabalho, férias-trabalho, atividade religiosa ou serviço voluntário, investimento
ou atividade com relevância econômica, social, científica, tecnológica ou cultural, reunião familiar, atividades
artísticas ou desportivas com contrato por prazo determinado; ii. Imigrante seja beneficiário de tratado em
matéria de vistos; iii. Outras hipóteses em regulamento; c) diplomático; d) oficial; e) de cortesia, que poderá ser
concedido a personalidades e autoridades estrangeiras em viagem não oficial, seus companheiros, dependentes
e familiares, empregados particulares de beneficiário de visto diplomático, oficial ou de cortesia, trabalhadores
domésticos de missão estrangeira sediada no País, artistas e desportistas sem percepção de honorários e em
outros casos excepcionais a critério do Ministério das Relações Exteriores. Estes três últimos serão concedidos,
prorrogados ou dispensados em ato do Ministro de Estado das Relações Exteriores. O diplomático e oficial
poderão ser transformados em autorização de residência, e serão concedidos a autoridades e funcionários
estrangeiros que viajem ao País em missão oficial de caráter transitório ou permanente e representem Estado
estrangeiro ou organismo internacional reconhecido. VI. Não se concederá visto: i. A quem não preencher os
requisitos para o tipo de visto pleitado; ii. A quem comprovadamente ocultar condição impeditiva de concessão
de visto ou de ingresso no País; iii. A menor de 18 anos desacompanhado ou sem autorização de viagem por
escrito dos responsáveis legais ou de autoridade competente. O visto também pode ser negado em casos de
impedimento de ingresso no país (art. 45, incisos I, II, III, IV e IX da Lei). VII. Ao residente fronteiriço pode ser
concedida autorização para a realização de atos da vida civil, mediante requerimento, a fim de facilitar sua livre
circulação (art. 23, Lei), que indicará o Município fronteiriço no qual está autorizado a exercer os direitos da lei.
VIII. Poderá haver autorização de residência mediante registro, ao imigrante, ao residente fronteiriço ou ao
visitante que se enquadre nas hipóteses elencadas no art. 30 da Lei, dentre as quais se destacam: atividades
acadêmicas, tratamento de saúde, acolhida humanitária, estudo, trabalho, reunião familiar, beneficiário de
refúgio, asilo ou proteção ao apátrida e vítima de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de violação de
direito agravada por sua condição migratória.

DIREITOS DO ESTRANGEIRO: I. o Estado não é obrigado a admitir o estrangeiro em seu território, mas o fazendo
deve conceder tratamento protetivo mínimo, motivo pelo qual a CR prevê isonomia entre nacionais e
estrangeiros residentes, o que é estendido pela jurisprudência para os estrangeiros não residentes, mesmo
quem em condição irregular. II. Neste sentido, de acordo com a jurisprudência do STF: é possível a substituição
de PPL por PRD para os estrangeiros; não podem ser vedados benefícios da execução penal ao reeducando pelo
simples fato deste ser estrangeiro; STF entendeu possível a progressão de regime mesmo que exista extradição
já deferida (Info 748); na Ext. 1.021/Fra; o STF indeferiu pedido de interceptação telefônica para achar o cabra,
salientando que não há previsão legal para tanto na CR, aplicando-se tais garantias inclusive aos estrangeiros,
inclusive irregulares; em repercussão geral, o STF decidiu que estrangeiros residentes no País são beneficiários
da assistência social prevista no art. 203, V, da CR, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais (Info
861). III. É vedado aos estrangeiros, pela Constituição: a) em regra, não são assegurados direitos políticos,
exceto casos muito excepcionais, como o é dos Portugueses abarcados pelo Estatuto da Igualdade; b) sucessão
de bens estrangeiros situados no Brasil será regulamentada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou filhos
brasileiros, sempre que mais favorável do que a lei pessoal do de cujus; c) participação em concursos públicos

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depende de norma reguladora (não criada); d) podem ser admitidos como professores, técnicos e cientistas em
universidades e instituições de pesquisa; e) é vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais
estrangeiros na assistência à saúde, salvo casos previstos em lei; f) a propriedade de empresa jornalística e de
radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos ou
de PJ constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no país, em qualquer caso pelo menos 70% do
capital votante deverá ser de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos, cabendo a estes a gestão
das atividades, conteúdo e responsabilidade editorial. IV. Direitos previstos na Lei de Migração: a) no artigo 3º
a Lei traz rol (22 incisos) dos princípios e diretrizes da política migratória brasileira, dentre os quais se destacam:
acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação,
assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social (XI); b) o artigo 4º
garante ao migrante no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, além de outros direitos ali elencados (16
incisos), com destaque para: direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos, liberdade de circulação
em território nacional, reunião familiar, acesso à justiça e à assistência jurídica educação pública, abertura de
conta bancária, direito de sair, permanecer e reingressar no território nacional mesmo quando pendente pedido
de autorização de residência, de prorrogação de estada ou de transformação de visto em autorização de
residência.

TRATAMENTO JURÍDICO DA SAÍDA COMPULSÓRIA DOS ESTRANGEIROS E DIREITOS DOS ENVOLVIDOS:


REPATRIAMENTO, DEPORTAÇÃO E EXPULSÃO. A Lei prevê como “medidas de retirada compulsória”: 1.
Repatriação (49), 2. Deportação (50) e 3. Expulsão (54). I. Repatriação: medida administrativa de devolução da
pessoa em situação de impedimento ao país de procedência ou de nacionalidade. Situação de impedimento
(art. 45): pessoa expulsa quando vigoram efeitos da expulsão, condenado ou processado por crimes previstos no
E.TPI ou crime doloso passível de extradição, constante de lista de restrições por ordem judicial ou compromisso
perante organismo internacional, sem documento de viagem ou com documento vencido, inválido, com rasura
ou indício de falsificação, fraude ou informação falsa na solicitação do visto ou que tenha praticado ato
contrário aos princípios e objetivos da CR. É necessário imediata comunicação à empresa transportadora e
autoridade consular do país de procedência ou nacionalidade e notificação da DPU. Não será aplicada a
medida: a refugiado, apátrida, menor de 18 anos desacompanhado (salvo se favorável), a quem necessite de
acolhimento humanitário ou, em qualquer caso, quando apresentar risco a vida, integridade pessoal ou
liberdade; II. Deportação: retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em
território nacional. Precedida de notificação pessoal e prazo de regularização não inferior a 60 dias,
prorrogáveis por igual período, que pode ser reduzido no caso de prática de ato contrário aos princípios e
objetivos da CR. Notificação não impede livre circulação em território nacional, devendo o deportando informar
seu domicílio e atividades. Deportação não exclui eventuais direitos adquiridos em relações contratuais ou
decorrentes da lei brasileira. É possível a saída voluntária do notificado, que equivale ao cumprimento da
notificação. Procedimentos devem respeitar contraditório, ampla defesa e a garantia de recurso com efeito
suspensivo. Notificação da DPU. No caso de apátrida, deportação depende de prévia autorização da autoridade
competente. Não será realizada se configurar extradição não admitida pela lei. III. Expulsão: retirada
compulsória de migrante ou visitante do território nacional conjugada com impedimento de reingresso por
prazo determinado, em razão de condenação com sentença transitada em julgado por prática de crimes do E.
TPI ou crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as
possibilidades de ressocialização em território nacional. Processamento em caso de crime comum não prejudica
benefícios da execução penal concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro. Prazo do
impedimento de reingresso: proporcional ao total da pena aplicada e nunca superior ao dobro de seu tempo.
Não se procederá à expulsão: a. Se configurar extradição inadmitida, b. Se o expulsando tiver filho brasileiro sob
sua guarda, dependência econômica ou socioafetiva ou pessoa brasileira sob tutela, cônjuge ou companheiro
residente sem discriminação alguma, tiver entrado no Brasil até os 12 anos de idade e residido desde então ou
for pessoa com mais de 70 anos que resida no país há mais de 10, considerados gravidade e fundamento. STF
reconheceu repercussão geral à controvérsia sobre a possibilidade de expulsão de estrangeiro cujo filho
brasileiro nasceu posteriormente ao fato motivador do ato expulsório (Tema 373: Expulsão de estrangeiro cuja
prole brasileira foi concebida posteriormente ao fato motivador do ato expulsório) (RE 608.898) (STJ concedeu
HC para vedar a expulsão neste caso, invocando proteção da família na CR e ECA). Garantidos no processo o
contraditório e ampla defesa, com notificação da DPU e pedido de reconsideração da decisão de expulsão no

78
prazo de 10 dias da notificação. Condição migratória do expulsando é regular enquanto não decidido o processo
de expulsão, cuja existência não impede a saída voluntária do país. IV. Vedações: Não se procederá a
repatriação, deportação ou expulsão coletivas (que não individualizem a situação migratória irregular de cada
pessoa), e tampouco se houver razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a
integridade pessoal. CADH, art. 22, §9º veda extradição coletiva.

13A. Extradição. Evolução histórica. Princípios e características da extradição. Vedações e limites à extradição.
Trâmite e fases da extradição. Execução da extradição. Incidência de direitos fundamentais na extradição.

Carime Medrado Ribeiro

I. Histórico, aspectos gerais e características da extradição


Até a década de 1930, a extradição no Brasil se dava com base na soberania/reciprocidade, sem participação
do Legislativo, gerando insegurança/instabilidade nas relações cooperacionais. A CRFB/1934 inaugurou o
paradigma da coexistência interessada: relações extradicionais com base em marco jurídico regulatório e
controle do Judiciário. Com o paradigma da aplicação indireta dos direitos fundamentais, há o juízo de
delibação (análise superficial da existência dos requisitos para concessão) do Judiciário ao apreciar pedidos de
extradição passiva. Atualmente, a Lei 13445/17 (Lei de Migração) é o principal marco normativo da extradição
no Brasil, que, até 2017, era regulada pelo revogado Estatuto do Estrangeiro, o qual, equivocadamente,
classificava a medida como modalidade de retirada compulsória. O art. 81 define a extradição: medida de
cooperação internacional entre o Estado brasileiro e outro Estado pela qual se concede (extradição passiva) ou
solicita (extradição ativa) a entrega de pessoa sobre quem recaia condenação criminal definitiva (extradição
executória) ou para fins de instrução de processo penal em curso (extradição instrutória). Tem, portanto,
natureza jurídica de medida de cooperação jurídica internacional em matéria penal e pressupõe que exista, no
país requerente, sentença penal transitada em julgado ou prisão decretada. Tem como base jurídica tratado
de extradição ou promessa de reciprocidade. Para realizar promessa de reciprocidade, é necessário que o
Poder Executivo do outro país tenha competência constitucional para tanto (foi o que impediu a extradição de
Ronald Biggs para o Reino Unido).

II. Princípios (dupla tipicidade, especialidade, contenciosidade limitada e preponderância), vedações e limites
à extradição
As VEDAÇÕES À CONCESSÃO DA EXTRADIÇÃO estão no art. 82 (poucas diferenças em relação ao regime
anterior): I - indivíduo cuja extradição é solicitada ao brasil for brasileiro nato; sobre o brasileiro nato,
enquanto ele conservar essa condição, a extradição é absolutamente vedada, mesmo que tenha dupla
nacionalidade. Há casos, entretanto, que o brasileiro nato perde a nacionalidade, hipótese em que é possível a
extradição. Caso Claudia Hoerig (brasileira cometeu homicídio nos EUA e retornou ao Brasil; foi extraditada pois
havia deixado de ser brasileira para naturalizar-se americana). O §3º do art. 82 traz novidade: Para
determinação da incidência do disposto no inciso I, será observada, nos casos de aquisição de outra
nacionalidade por naturalização, a anterioridade do fato gerador da extradição. Assim, se uma pessoa deixou de
ser brasileira nata, deve-se observar se o fato foi praticado antes ou depois da naturalização, pois, tendo o fato
ocorrido antes da naturalização, não haverá extradição. O brasileiro naturalizado será extraditado quando o ato
for praticado antes da naturalização ou em caso de envolvimento com tráfico de entorpecentes. Envolvimento
com tráfico: pedido deve ser instruído com provas do envolvimento, as quais serão apreciadas pelo STF,
havendo uma relativização do sistema delibatório (sistema belga ou PRINCÍPIO DA CONTENCIOSIDADE
LIMITADA, segundo o qual cabe ao STF apenas examinar os requisitos legais, não adentrando no mérito). Em
caso de opção da nacionalidade, suspende-se a extradição até a conclusão do processo, pois, se reconhecida, a
nacionalidade será nata. Em caso de pedido de naturalização, somente passa a ser considerado brasileiro
naturalizado, para fins de extradição, após a entrega solene pela justiça federal do certificado de naturalização,
salvo nos casos de naturalização extraordinária, pois seus efeitos retroagem à data da solicitação. II - fato que
motivar o pedido não for considerado crime no brasil ou no estado requerente; deve ser observado o
PRINCÍPIO DA DUPLA TIPICIDADE (dupla incriminação ou identidade), não havendo necessidade de coincidência
na denominação do crime. Obs. Se o estrangeiro é réu em ação penal por crime tributário no exterior, ele
poderá ser extraditado ainda que não tenha havido a constituição do crédito tributário no país requerente.
Exige-se que o fato seja típico em ambos os países, não é necessário que o Estado requerente siga as mesmas

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regras do Brasil [STF, 2ª Turma, 2013]. III - Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime
imputado ao extraditando; STF relativiza tal vedação (precedente baseado no estatuto do estrangeiro, que
tinha igual disposição), afirmando que, ainda que o crime seja de competência da justiça brasileira, se o
processo no Brasil não tiver iniciado, pode extraditar (EXT 634). IV - lei brasileira impuser ao crime pena de
prisão inferior a 2 anos; Apenas ilícito penal com relativa gravidade é capaz de autorizar extradição. V -
extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no brasil pelo mesmo
fato em que se fundar o pedido; Não se admite o bis in idem VI - a punibilidade estiver extinta pela prescrição,
segundo a lei brasileira ou a do estado requerente; Além da dupla tipicidade, exige-se a dupla punibilidade.
Nos crimes permanentes, o início da prescrição se dá quando cessada a permanência. Nos casos de
desaparecimento forçado (crime permanente), o STF tem deferido a extradição (Ext 1270/DF, julgamento em
12.12.2017). Precedente polêmico relacionado a crimes contra a humanidade (Ext 1362): divergindo do
posicionamento da CorteIDH (crimes contra a humanidade são imprescritíveis), o STF decidiu que, em caso de
crime contra a humanidade, estando ele prescrito e não sendo permanente, deverá ser negada a extradição. VII
- fato constituir crime político ou de opinião; crime político é aquele praticado como contestação a uma política
em vigor e pode ser puro (sem elemento de crime comum) ou impuro (acompanhado de crime comum). Sendo
puro, efeito da liberdade de expressão, será negada a extradição. Mas, sendo ele impuro, o caso deve ser
resolvido com base no PRINCÍPIO DA PREPONDERÂNCIA, ou seja, haverá extradição quando o fato constituir,
principalmente, infração à lei penal comum ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o
fato principal. Nesse sentido, § 1º A previsão constante do inciso VII do caput não impedirá a extradição quando
o fato constituir, principalmente, infração à lei penal comum ou quando o crime comum, conexo ao delito
político, constituir o fato principal. (Critério da preponderância nos crimes políticos impróprios) § 2º Caberá à
autoridade judiciária competente a apreciação do caráter da infração. § 4º O Supremo Tribunal Federal poderá
deixar de considerar crime político o atentado contra chefe de Estado ou quaisquer autoridades, bem como
crime contra a humanidade, crime de guerra, crime de genocídio e terrorismo (art. 82). Sobre terrorismo, STF
sempre entendeu que não pode ser considerado crime político, havendo agora previsão expressa na norma.
VIII - extraditando tiver de responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção; IX -
extraditando for beneficiário de refúgio ou de asilo territorial. Se a pessoa solicitou refúgio, o processo
extradicional é suspenso. Sendo deferido o refúgio, é extinto o processo de extradição. O mesmo acontece no
caso de asilo político. Aplica-se aqui o non refoulement. NÃO são hipóteses de vedação à extradição: ser casado
com brasileiro ou ter filho brasileiro (Súmula 421 do STF: Não impede a extradição a circunstância de ser o
extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro). Tal situação é, contudo, caso de vedação à expulsão.
Também não são óbices à extradição o fato de ter domicílio no Brasil e não criar embaraço à justiça do Estado
requerente.

III. Condições para concessão da extradição


As CONDIÇÕES PARA CONCESSÃO DA EXTRADIÇÃO estão no art. 83: I - ter sido o crime cometido no território
do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado; Múltiplos pedidos de
extradição: Tem preferência o Estado em cujo território a infração houver sido cometida. Se os crimes forem
diversos, terão preferência, sucessivamente: Estado requerente em cujo território haja sido cometido o crime
mais grave, segundo a lei brasileira; O que em primeiro lugar houver pedido a entrega do extraditando; O
Estado de origem, ou, na sua falta, o domiciliar do extraditando. II - estar o extraditando respondendo a
processo investigatório ou a processo penal ou ter sido condenado pelas autoridades judiciárias do Estado
requerente a pena privativa de liberdade; Ou seja, deve haver um inquérito ou um processo/sentença.

IV. Prisão cautelar


Em caso de urgência, o Estado interessado na extradição poderá, previamente ou conjuntamente com a
formalização do pedido extradicional, requerer, por via diplomática ou por meio de autoridade central do Poder
Executivo, prisão cautelar com o objetivo de assegurar a executoriedade da medida de extradição que, após
exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, deverá
representar à autoridade judicial competente, ouvido previamente o Ministério Público Federal (art. 84).
Segundo o texto legal, o Estado requerente poderá solicitar a prisão cautelar em caso de urgência. Na prática,
porém, aplica-se o art. 208 do RISTF (“não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja
preso e colocado à disposição do Tribunal”), ou seja, o STF não inicia o julgamento do pedido de extradição se o
indivíduo não estiver preso. Trata-se de uma espécie de condição de procedibilidade para o prosseguimento da

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extradição, sendo desnecessária a presença dos requisitos da prisão preventiva (STF julgou constitucional na EXT
1196). Novidade do art. 86: O Supremo Tribunal Federal, ouvido o Ministério Público, poderá autorizar prisão
albergue ou domiciliar ou determinar que o extraditando responda ao processo de extradição em liberdade,
com retenção do documento de viagem ou outras medidas cautelares necessárias, até o julgamento da
extradição ou a entrega do extraditando, se pertinente, considerando a situação administrativa migratória, os
antecedentes do extraditando e as circunstâncias do caso. Antes, STF entendia que a prisão domiciliar somente
cabia em casos excepcionalíssimos. Outra novidade (art. 87): O extraditando poderá entregar-se
voluntariamente ao Estado requerente, desde que o declare expressamente, esteja assistido por advogado e seja
advertido de que tem direito ao processo judicial de extradição e à proteção que tal direito encerra, caso em que
o pedido será decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Até então, STF entendia que o procedimento
extradicional era uma garantia para o extraditando, assim, mesmo abrindo mão, deveria passar pelo
procedimento.

V. Trâmite, fases e execução da extradição


Na extradição ativa, o pedido deverá ser encaminhado ao órgão competente do Executivo (autoridade central)
diretamente pelo órgão do Judiciário responsável pela decisão ou pelo processo penal que o fundamenta. Ao
órgão do Executivo compete a orientação, informação e avaliação dos elementos formais de admissibilidade dos
processos preparatórios para encaminhamento do pedido ao Estado requerido, competindo ao órgão da justiça
penal vinculado ao processo penal gerador de pedido de extradição a apresentação de todos os documentos,
manifestações e demais elementos necessários para o processamento do pedido, inclusive suas traduções
oficiais. Deverá instruir o pedido: cópia da sentença condenatória ou da decisão penal proferida, indicações
precisas sobre o local, a data, a natureza e as circunstâncias do fato criminoso e a identidade do extraditando,
cópia dos textos legais sobre o crime, a competência, a pena e a prescrição (art. 88). Obs. Importante destacar
que o texto legal faz referência a “órgão do Poder Executivo” (na prática, o MJ), mas a autoridade central pode
vir ser outra (MPF, por exemplo), desde que indicada em tratado sobre extradição. Merece destaque também o
papel que a SCI/PGR vem desempenhando nos casos de extradição envolvendo o Brasil (ativa e passiva), seja
no acompanhamento dos pedidos (tradução, auxílio na instrução dos pedidos ativos, contato com autoridades
estrangeiras de Estados requerentes), seja em manifestações de casos em curso no STF (extradição passiva).

A extradição passiva é trifásica (fase administrativa + fase judicial + fase administrativa). A 1ª fase
(administrativa) começa com o pedido, que pode ser pela via diplomática (Itamaraty, que recebe o pedido e
envia para o MJ) ou, quando previsto em tratado, via autoridade central (em regra, MJ). Ausentes os
pressupostos formais, o pedido pode ser arquivado pelo MJ. Presentes os pressupostos, o MJ encaminha ao STF.
A 2ª fase (judicial) é iniciada com a chegada do pedido no STF (art. 102, I, g, CR/88); o Relator designa data para
interrogatório, abrindo prazo de 10 dias para defesa quanto à identidade da pessoa reclamada, defeito de
forma de documento apresentado ou ilegalidade da extradição (aspectos formais). Negada a extradição na fase
judicial, não pode ser feito novo pedido baseado no mesmo fato. Se o STF deferir a extradição, inicia-se a 3ª fase
(administrativa), que é a execução. O Judiciário julga procedente a extradição, mas quem autoriza (ou não) a
entrega do indivíduo é o Executivo (decisão política, de caráter discricionário). A decisão que defere a
extradição não vincula o Executivo (caso do Cesare Battisti, Rcl 11243). Por outro lado, quando o STF nega a
extradição, há vinculação do Executivo, pois se está dizendo que tal extradição é ilegal ou viola a ordem pública
nacional. Decidindo o Presidente da República pela entrega, ela deverá ser feita dentro do prazo de 60 dias.

No caso de pessoas que estejam sendo processadas ou foram condenadas no Brasil, art. 95: Quando o
extraditando estiver sendo processado ou tiver sido condenado, no Brasil, por crime punível com pena privativa
de liberdade, a extradição será executada somente depois da conclusão do processo ou do cumprimento da
pena, ressalvadas as hipóteses de liberação antecipada pelo Poder Judiciário e de determinação da transferência
da pessoa condenada. A regra é que somente se opere a extradição após o término da pena ou conclusão do
processo. Ainda sobre o assunto: §1º A entrega do extraditando será igualmente adiada se a efetivação da
medida puser em risco sua vida em virtude de enfermidade grave comprovada por laudo médico oficial. §2º
Quando o extraditando estiver sendo processado ou tiver sido condenado, no Brasil, por infração de menor
potencial ofensivo, a entrega poderá ser imediatamente efetivada.

VI. Compromissos condicionantes da entrega

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Para que a entrega seja efetivada, o Estado requerente deve assumir alguns compromissos (art. 96): I - não
submeter o extraditando a prisão ou processo por fato anterior ao pedido de extradição; Deve ser observado o
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE, segundo o qual não será concedida extradição, senão para que o extraditado
seja processado pelos fatos constantes do pleito extraditório. Tal vedação não impede que o Estado requerente
de extradição já concedida solicite sua extensão para abranger delito diverso, anteriormente cometido, mas só
apurado em data ulterior pela justiça estrangeira. Obs. A extradição pode ser deferida parcialmente, ou seja,
para que o individuo responda apenas por alguns dos atos indicados no pedido. II - computar o tempo da prisão
que, no Brasil, foi imposta por força da extradição; O Estado solicitante deve se comprometer a realizar a
detração das penas, ou seja, abater aquele tempo em que ficou preso por força do pedido de extradição. III -
comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade, respeitado o limite máximo
de cumprimento de 30 (trinta) anos; Caso haja no país pena de morte ou de natureza perpétua, Estado
requerente deve se comprometer a comutá-la em privativa de liberdade com limite máximo de 30 anos . IV -
não entregar o extraditando, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; Não se aceita que o
país requerente extradite o indivíduo a outro país após recebê-lo do Brasil, ou seja, a reextradição. STF, 2014: O
fato de o STF ter deferido a extradição a um Estado estrangeiro não prejudica o novo pedido de extradição
feito por outro Estado, com base em fatos diversos. O que vai acontecer é que o primeiro Estado requerente
terá preferência na entrega do extraditando. Cumprida a pena no primeiro Estado, depois será reextraditado
para o outro; V - não considerar qualquer motivo político para agravar a pena; VI - não submeter o
extraditando a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Pela Convenção
da ONU de 1984, a tortura é sempre crime extraditável entre os signatários, que não extraditarão para país
onde haja tal risco.

VII. Incidência de direitos fundamentais na extradição


A Teoria do non-inquiry integral (teoria da não indagação integral): desenvolvida nos EUA no início do Século
XX, nega qualquer incidência de direitos fundamentais nos temas cooperacionais, ficando o pedido
de cooperação restrito às relações diplomáticas entre Estados. O primeiro passo na flexibilização da regra do
non-inquiry nos EUA foi o caso Gallina v. Fraser em 1960: extradição poderia ser denegada caso a conduta do
Estado requerente fosse antipathetic to a federal court’s sense of decency; juízes americanos passaram a exigir
que o pedido cooperacional não gerasse um choque de consciência (shock of conscience) Formou-se, então, a
“excludente Gallina” à doutrina do non-inquiry. Com fundamento na Constituição (constitutional authority), a
cooperação penal não poderia ser feita em clara violação a direitos fundamentais. Entendeu-se que seria
inconstitucional permitir uma extradição quando o indivíduo pudesse ser submetido a tratamentos ou punições
desumanas no Estado solicitante. Teoria do Non-Inquiry Mitigada ou Moderada. Segundo tal teoria, é
reconhecida a incidência dos direitos fundamentais no pleito cooperacional, desde que previstos em tratado
ou em lei geral de cooperação. Assim, a incidência dos direitos fundamentais nos processos cooperacionais, de
acordo com a “não indagação mitigada”, é realizada de modo mediato ou indireto, por intermédio da aplicação
dos limites impostos pelos próprios tratados ou leis gerais de cooperação. Caso não sejam observadas as
condições específicas de tratados cooperacionais e das leis gerais de cooperação, cooperação pleiteada não terá
sucesso. No Brasil, a incidência do non-inquiry mitigado é defendida por parte significativa da doutrina, na
medida em que, nos pleitos cooperacionais, cabe tão somente o exame dos pressupostos e condições
necessárias ao atendimento da demanda do Estado estrangeiro, previstos em tratados específicos ou em lei
brasileira. A consagração da teoria do “non-inquiry mitigado” no Brasil é espelhada na adoção do juízo de
delibação de apreciação de pleitos cooperacionais.

A proteção indireta (indirect protection) ou por ricochete (par ricochet) consiste na exigência de que direitos
previstos na Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH) sejam observados pelos Estados terceiros ao
receber pessoas que estavam sob a jurisdição de algum Estado europeu contratante da Convenção. Nesse
sentido, não há vedação às decisões discricionárias do Estado em uma extradição – pois não há direito a não ser
extraditado – mas a decisão estatal não pode gerar a violação a outros direitos garantidos pela CEDH (ex: direito
de não sofrer tratamento desumano). Caso Soering v. UK: a Corte Europeia de Direitos Humanos (CorteEDH)
exigiu que o Reino Unido não extraditasse Jens Söering (alemão, acusado de duplo homicídio) aos Estados
Unidos por existir fundado receio de que pudesse ser condenado à pena capital e, com isso, ser submetido ao
tratamento cruel de espera, por anos, no chamado “corredor da morte” (death row), o que contrariaria o artigo
3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos (proibição de maus-tratos e tortura). Caso haja fundadas razões

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para se considerar que um extraditando possa ser submetido a tratamento desumano ou cruel, é dever do
Estado-parte na CEDH não extraditar ou obter garantias de que tais violações não ocorrerão. Para a CortEDH, a
proibição de submeter alguém a tortura ou tratamento desumano gera uma obrigação em ricochete, ou seja,
não pode o Estado expulsar ou extraditar um indivíduo sob sua jurisdição para outro Estado, no qual haja o
risco fundado de que sofra tais tratamentos. A proteção por ricochete pode ser considerada uma espécie da
aplicação imediata dos direitos fundamentais às relações cooperacionais, de matriz internacional. Basta que o
Estado tenha se comprometido a cumprir a ConvençãoEDH que esta incidirá imediatamente sobre os pleitos
cooperacionais – no caso a extradição –, exigindo-se que o Estado requerente – mesmo que não seja um Estado
contratante – não viole os direitos previstos na Convenção. O Estado requerido – este sim Estado contratante –
não poderá alegar, como escusa, o cumprimento de outro tratado ou de lei geral de cooperação interna que
acarretem o cumprimento do pleito cooperacional e a violação de direitos do indivíduo sujeito da cooperação.
Em síntese, os Estados contratantes da ConvençãoEDH não podem mais evitar a incidência de direitos
fundamentais na cooperação, pois um Estado não pode evitar sua responsabilização perante a Convenção,
alegando tão simplesmente que cumpre um pleito cooperacional de Estado terceiro, este sim violador de
direitos fundamentais. Não há, ainda, uma posição clara sobre qual modelo de incidência de direitos
fundamentais na extradição é adotado no Brasil. A imprecisão se dá justamente nos contornos desta aplicação:
serão todos os direitos previstos na Constituição ou somente o núcleo essencial desses direitos. A ausência de
um marco teórico impede que o intérprete possa prever qual será a posição do STF nos próximos pleitos
extradicionais. Até mesmo o caso Hong, marco da incidência imediata do devido processo legal, é de alcance
duvidoso, pois a ementa do acórdão não sintetiza o conteúdo de todos os votos dos Ministros do STF. Por isso, a
invocação dos direitos fundamentais na extradição é feita de forma assistemática/casuística.

APLICAÇÃO IMEDIATA
Caso Gustavo Adolfo Stroessner Mora (1990). Reflexão sobre a aplicação do dispositivo do “devido processo
legal” da Constituição a um processo extradicional. Extradição requerida pelo Paraguai imputando ao
extraditando delitos de corrupção e enriquecimento ilícito. STF estabeleceu que a vedação ao juízo de exceção
abarca tanto aquele constituído posteriormente à ocorrência do fato a ser julgado (ex post facto, tribunal de
exceção propriamente dito), quanto aquele já existente, mas cujo funcionamento desobedece ao devido
processo legal e às garantias processuais fundamentais (art. 5º, LIV, da CRFB/88).
Caso Qian Hong (1996). Representa um marco, pois consolida a incidência imediata de direitos previstos na
Constituição e, ao menos, inicia a discussão sobre o dever do Brasil de aplicar ao extraditando o rol
brasileiro de direitos que impeça violações que ele venha a sofrer no território do Estado requerente.
Extraditando apontou em sua defesa, além de vícios formais, a violação dos seguintes direitos individuais a
que seria submetido caso fosse entregue à China: 1) incapacidade de o governo chinês assegurar, ao
extraditando, julgamento justo e independente, com todas as garantias do postulado do devido processo
legal, como a ampla defesa e contraditório; 2) possibilidade de ser aplicada a pena de morte, pela falta de
confiabilidade na promessa de comutação; 3) tribunal de exceção; 4) a existência de perseguição política; 5) a
insuficiência na descrição típica contida no preceito incriminador; e 6) falta de provas que evidenciassem a
própria materialidade do delito imputado. STF: Brasil não pode e nem deve revelar indiferença diante de
transgressões ao regime das garantias processuais fundamentais. Estado brasileiro – que deve obediência
irrestrita à própria Constituição que lhe rege a vida institucional – assumiu, nos termos desse mesmo estatuto
político, o gravíssimo dever de sempre conferir prevalência aos direitos humanos (art. 4º, II). Conclusão: em
nome da condição de sujeito de direitos fundamentais, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado
a quem foi dirigido o pedido de extradição, não cabe autorizá-la se existir a violação, no juízo penal do Estado
requerente, das garantias processuais penais tais como definidas no Brasil.
Caso Norambuena (2004). Extradição requerida pelo Chile, objetivando a entrega de um nacional seu
condenado por homicídio, formação de quadrilha armada e extorsão mediante sequestro a duas penas de
prisão perpétua. Para o Relator, não seria possível, no ordenamento brasileiro baseado na supremacia da
Constituição, “dar precedência a prescrições de ordem meramente convencional (tratados internacionais) ou
de natureza simplesmente legal sobre regras inscritas na Constituição, que vedam, dentre outras sanções
penais, a cominação e a imposição de quaisquer penas de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, b).

VIII. Jurisprudência STF (2017/2018)

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Em regra, o simples fato de o extraditando estar de acordo com o pedido extradicional e de declarar que
deseja retornar ao Estado requerente a fim de se submeter ao processo criminal naquele País não exonera
(não exime) o STF do dever de efetuar o controle da legalidade sobre a postulação formulada pelo Estado
requerente. No entanto, é possível que ocorra uma peculiaridade. É possível que o tratado que rege a
extradição entre o Brasil e o Estado estrangeiro preveja um procedimento simplificado no caso de o
extraditando concordar com o pedido. É o caso, por exemplo, da “Convenção de Extradição entre os Estados
Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”. Este tratado internacional estabeleceu regime
simplificado de extradição, que autoriza a entrega imediata do extraditando às autoridades competentes do
Estado requerente, sempre que o súdito estrangeiro manifestar, de forma livre e de modo voluntário e
inequívoco, o seu desejo de ser extraditado. Nesta hipótese, a tarefa do STF será a de homologar (ou não) a
declaração do extraditando de que concorda com a extradição. STF. 2ª Turma. Ext 1476/DF, rel. Min. Celso de
Mello, julgado em 9/5/2017 (Info 864)  Atenção para o art. 87 da Lei de Migração que prevê a possibilidade
de entrega voluntária do extraditando.

Neste julgado o STF reafirmou a sua súmula 421 e extraditou um cidadão português mesmo ele possuindo dois
filhos brasileiros com uma companheira, também brasileira. Súmula 421 do STF: Não impede a extradição a
circunstância de ser o extraditado casado com brasileira ou ter filho brasileiro. STF. 2ª Turma. Ext 1497/DF, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 15/8/2017 (Info 873).

Mesmo que o Estado requerente não junte cópia dos textos legais dos crimes que teriam sido praticados pelo
indivíduo, ainda assim é possível conceder a extradição caso a defesa não impugne o descumprimento dessa
formalidade e o extraditando manifeste concordância em ser prontamente extraditado. STF. 2ª Turma. Ext
1512/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 24/10/2017 (Info 883)

Em caso de reingresso de extraditando foragido, não é necessária nova decisão jurisdicional acerca da entrega.
No entanto, é indispensável que seja emitida uma ordem judicial determinando novamente a entrega. Ex: O
Governo da Espanha pediu a extradição de seu nacional Miguel, que vivia no Brasil. O STF deferiu a extradição
em 2014. Ocorre que, em 2016, Miguel fugiu da Espanha e voltou para o Brasil, tendo sido localizado e preso em
2017, em São Paulo. Quando soube da prisão, o Governo da Espanha requereu nova entrega do indivíduo
extraditado. Não será necessário novo processo de extradição, bastando uma ordem do Ministro do STF
determinando novamente a entrega. STF. 2ª Turma. Ext 1225/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
21/11/2017 (Info 885).

O crime de sequestro, por ser permanente, não prescreve enquanto não for encontrada a pessoa ou o corpo.
Assim, se o Estado requerer a extradição de determinado indivíduo pelo crime de sequestro, se a vítima ou o
corpo nunca foi encontrado, não terá começado a correr o prazo prescricional. STF. 1ª Turma. Ext 1270/DF,
Rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 12/12/2017 (Info 888).

Item extra: “Estudos sobre extradição” e outros conteúdos interessantes/atuais do Blog do Vlad.

1) Institutos correlatos - não se confundem os conceitos de extradição, deportação, expulsão e entrega.


Extradição é um procedimento de cooperação internacional em matéria penal, relacionada a uma investigação
criminal ou a um processo penal em andamento ou já concluído. A extradição tem cunho jurisdicional e
somente o STF pode autorizar a extradição de pessoa que esteja em território brasileiro (art. 102, CR/88). A
a deportação e a expulsão são medidas compulsórias de natureza migratória, aplicáveis apenas a estrangeiros,
e jamais a brasileiros, ainda que naturalizados. São providências de cunho administrativo, que dependem de
decisão do Ministério da Justiça. Por sua vez, a entrega (surrender of persons do the Court, ou  remisse
de  certamens personnes à la cour) é uma medida de cooperação internacional em matéria penal entre um
Estado Parte do Estatuto de Roma e o TPI. Há também a entrega em decorrência do cumprimento do mandado
europeu de captura ou Mandado de Detenção Europeu (MDE), procedimento de transferência simplificada de
foragidos no espaço jurídico da UE, em vigor desde 2004.

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2) Nacionalidade brasileira e extradição - A CR/88 proíbe a extradição de nacionais, mesmo que tenham
cometido crimes fora do País (art. 5º, LI), e não tolera a pena criminal de banimento para brasileiros que
tenham praticado crimes aqui (art. 5º, XLVII, d). Trata-se da inextraditabilidade absoluta de cidadãos natos, a
chamada exceção de nacionalidade. Embora muitos Estados da tradição civil law não extraditem seus próprios
nacionais, outras tantas soberanias têm revisto o tema e passado a extraditar seus cidadãos (natos). A regra
da inextraditabilidade de nacionais não é absoluta. Países desenvolvidos e em desenvolvimento passaram a
excepcioná-la, permitindo a entrega de seus nacionais quando exista um tratado, ou ainda em função da
simplificação de esquemas regionais de extradição, mediante a adoção dos mandados supranacionais de
captura, ou para rendição ao Tribunal Penal Internacional, nos termos do Estatuto de Roma de 1998.

3) A dúvida favorece o extraditando – Pessoa que alegue nacionalidade brasileira não será extraditada se
houver dúvida sobre sua condição de nacional. Cabe ao governo estrangeiro ou à PGR desconstituir a exceção
de nacionalidade, provando que os documentos brasileiros são irregulares ou falsos, ou que não houve
naturalização nem opção pela nacionalidade brasileira, ou que a renúncia à cidadania brasileira foi inválida (“ O
caso Hoerig“).

4) Perda da nacionalidade brasileira - Somente mediante o devido processo legal, perante o Ministério da


Justiça (que agirá de ofício ou por representação) ou o Poder Judiciário (neste caso por provocação do
Ministério Público Federal), um brasileiro pode perder sua cidadania, expondo-se assim a um processo de
extradição.

5) Abduções no Brasil (“extradições por empurrão”) - extrações clandestinas que têm acontecido nas regiões
de fronteira do Brasil, realizadas indevidamente por policiais dos países vizinhos, inclusive por brasileiros, a fim
de evitar as delongas do processo de extradição.

6) Extradição temporária (extradição condicional) - é aquela concedida com a condição de, após o


julgamento, devolver-se o indivíduo extraditado para cumprimento da pena no país de sua nacionalidade. Tal
alternativa está prevista, por exemplo, no artigo 44, §12, da Convenção de Mérida e no artigo 16, §11,
da Convenção de Palermo. É possível compatibilizar inteiramente a extradição condicional (temporária) de
brasileiros com o artigo 5º, inciso LI, da Constituição, uma vez que sua finalidade é exatamente lidar com a regra
da inextraditabilidade de nacionais.

7) Crimes no exterior são da Justiça Federal - É da Justiça Federal a competência para julgar crime praticado
por brasileiro inteiramente no exterior (crime extraterritorial). Esta hipótese não se confunde com a do inciso V
do art. 109 da CF, que diz respeito aos crimes a distância (transnacionais), quando previstos em tratados. O
julgamento no Brasil de um crime cometido fora do País ocorre quando a persecução penal é transferida pelo
Estado estrangeiro a nossa jurisdição, mediante pedido de cooperação internacional passiva, especialmente
quando se trata de brasileiro inextraditável. A este tipo de pedido se dá o nome de  transferência de
procedimento criminal ou transferência de jurisdição. A razão de ser da assunção de jurisdição sobre fato
praticado no estrangeiro está na extraterritorialidade da lei penal brasileira nesta e noutras hipóteses previstas
no art. 7º do Código Penal e em tratados de que o Brasil é parte. Até o julgamento do CC 154.656/MG, julgado
em abril de 2018, vinha prevalecendo no STJ a tese da competência da Justiça Estadual.

8) Caso Pizzolato e repercussões - Sempre que um foragido brasileiro é preso em países europeus as condições
carcerárias do Brasil são apontadas pela defesa, no exterior, como óbices à transferência de custódia. A
discussão se estabelece em função da obrigação que têm os Estados do Velho Continente de respeitar a CEDH,
sob pena de se sujeitarem a sanções da CorteEDH. Na história recente da cooperação extradicional, houve
alegações de risco de violação dos direitos à vida e à integridade física como obstáculo ao deferimento de
extradições nos casos Bauer (Dinamarca), Pizzolato (Itália), Van Coolwijk (Itália), Pereira dos Santos (Reino
Unido) e Alisson Soares Pimenta (Reino Unido). Sobre o tema, o caso Pizzolato foi o “turning point”, quando a

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PGR adotou a rotina de inspeção prévia de unidades prisionais, seleção das instalações adequadas,
apresentação de relatórios de situação à jurisdição estrangeira, juntada de compromisso oficial do Estado
brasileiro de respeito aos direitos individuais do extraditando e promessa de acompanhamento periódico da
vida prisional do fugitivo que viesse a ser entregue. Atualmente, para cada extradição, o Brasil deve comprovar
o cumprimento de garantias internacionais, o que resulta em um procedimento bastante oneroso pelos
aspectos técnicos envolvidos, como a necessidade de tradução de documentos. Além disso, o processo exige a
atuação célere e articulada de vários órgãos (MPF, Ministério da Justiça e Ministério das Relações Exteriores),
devido aos prazos concedidos pelos Estados. Notícia do site da PGR do dia 4/9/18: Atendendo a um pedido do
MPF, o Depen garantiu que vai criar uma ala com 50 vagas, exclusiva para extraditados, que funcionará na 5ª
Penitenciária Federal, com previsão de ser inaugurada até o final de dezembro, em Brasília. “Com a inauguração
dessa ala, tranquilamente poderemos demonstrar que o sistema prisional brasileiro tem condições de receber
apenados”, assegurou a secretária adjunta. 

9B. Tratamento internacional e nacional do asilo. Disposições convencionais, legais e administrativas referentes
ao asilo. O papel dos órgãos internos. A proteção ao brasileiro no exterior.

Carime Medrado Ribeiro

I. Tratamento internacional e nacional do asilo

O art. 14 da DUDH garante à pessoa o direito de buscar a devida proteção fora do Estado onde se
encontra: “Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros
países”, salvo no caso de “perseguição legitimamente motivada”. Tal previsão também está na CADH. O asilo
pode ser definido como a proteção dada por um Estado a um indivíduo cuja vida, liberdade ou dignidade
estejam ameaçadas pelas autoridades de outro Estado, normalmente por perseguições políticas (fundamento
do asilo).

O ato de concessão do asilo é discricionário e intuitu personae. De acordo com a Resolução 3.212 da
AGONU, são diretrizes básicas do asilo: a) Os Estados têm o DIREITO e não o dever de conceder asilo, ou seja, o
asilo é ATO DISCRICIONÁRIO (Há críticas à discricionariedade, tendo em vista o imperativo maior de proteção à
pessoa humana); b) O asilo deve ser outorgado a pessoas que sofrem perseguição; c) Sua concessão deve ser
respeitada pelos demais Estados, sem reclamação; d) A qualificação do delito que justifica a perseguição
compete ao Estado onde o asilo é solicitado; e) O Estado pode negar o asilo por motivo de segurança; f) As
pessoas que fazem jus ao asilo não devem ter sua entrada proibida pelo Estado asilante, nem ser enviadas para
Estado onde podem estar sujeitas à perseguição.

O asilo pode ser territorial ou diplomático. Por meio do asilo territorial (externo ou internacional), o
beneficiado é acolhido no território do Estado asilante. Já o asilo diplomático é a utilização das imunidades
diplomáticas (inviolabilidade dos locais da missão, navios de guerra, aeronaves e acampamentos militares) para
abrigar uma pessoa que o Estado asilante entenda ser merecedora do asilo. Trata-se de etapa anterior ao asilo
definitivo, por isso, se destina a acautelar a intangibilidade do asilado para permitir que ele vá ao território do
Estado asilante e ali possa receber o asilo territorial propriamente dito. Não há asilo diplomático em
consulados. Enquanto o asilo político-territorial é um costume internacional geral, o asilo diplomático é um
costume regional latino americano. Assim, para que o asilo diplomático tenha um resultado útil, é fundamental
que o Estado acreditado seja parte de um Tratado que reconhece o asilo diplomático ou tenha reconhecido o
regime regional Latino Americano. Ainda sobre o asilo diplomático, importante destacar o instrumento do
SALVO CONDUTO, por meio do qual o Estado permite a passagem do asilado diplomático pelo seu território
para fins de convolação do asilo diplomático em territorial. Vários Estados resistem para expedir o salvo
conduto sob o argumento de que que não podem preterir o exercício da sua jurisdição penal.

Casos envolvendo a polêmica do asilo diplomático: a) Caso HAYA DE LA TORRE (CIJ). Controvérsia
envolvendo Peru e Colômbia na década de 1950. Haya de La Torre, peruano e um dos líderes da rebelião militar
ocorrida no Peru em 1948, teve sua prisão decretada pelo Governo do Peru, fato que o levou a pedir asilo na
embaixada colombiana em Lima. Foi concedido asilo diplomático (fundamento no art. 2º, § 2º da Convenção de

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Havana sobre Asilo de 1928) e requerido salvo conduto para que De La Torre deixasse o Peru, na condição de
refugiado político. O Peru não concordou e levou o caso à CIJ, alegando que a Colômbia não tinha o direito,
segundo os tratados usados como argumento para conceder o asilo, de qualificar unilateralmente e
definitivamente a condição de asilado diplomático de De La Torre, impondo essa decisão ao Peru; que não havia
prova da existência de um costume regional que permitisse a qualificação unilateral como um direito do Estado
de asilo e uma obrigação do Estado territorial. Os fatos apresentados à Corte revelavam muitas contradições e
flutuações que não permitiam concluir que a qualificação unilateral era de uso peculiar na América Latina capaz
de ter força de lei. Assim, a CIJ concluiu que a concessão do asilo não estava de acordo com a Convenção de
Havana. A Colômbia, por sua vez, não entregou Haya de La Torre ao Peru, o que fez com que este submetesse
uma nova questão à Corte, pedindo que dissesse qual a forma de por fim ao asilo e que condenasse a Colômbia
a entregar o refugiado. A Colômbia, por sua vez, requereu declaração de que não estava obrigada a entregar. A
CIJ, por fim, concluiu que não fazia parte de suas funções escolher entre os diversos modos de por fim ao asilo e
que a Colômbia não estava obrigada a entregar o refugiado, até porque o Perú não havia provado que o
refugiado cometera crime comum. Haya de La Torre passou cinco anos na embaixada da Colômbia até que o
Peru concedeu seu salvo-conduto. Depois desse caso, foram celebradas duas convenções que trouxeram
avanços para a matéria. b) Caso SENADOR ROGER PINTO MOLINA. Controvérsia envolvendo Brasil e Bolívia. O
Senador, um dos principais opositores do Presidente Evo Morales, pediu asilo à missão brasileira, o Brasil
concedeu o asilo diplomático, mas a Bolívia se recusava a dar o salvo-conduto, sob o argumento de que Molina
não era perseguido político, mas procurado pela prática de corrupção, entre outros crimes comuns. A Bolívia
agiu de maneira ilícita, pois, a despeito de não ser parte da Convenção de Caracas, não era objetora persistente
(nunca se manifestou contra o costume regional do asilo diplomático). Ademais, quem analisa se há ou não
perseguição política é o Estado Asilante (art. 4º da Convenção de Caracas sobre asilo diplomático: compete ao
Estado asilante a classificação da natureza do delito ou dos motivos da perseguição). Não houve consenso e o
Senador veio para o Brasil (escondido) de carro, autorizado pela embaixada brasileira. Ele morreu em 2017.

II. Convenção de Caracas sobre Asilo Diplomático (Decreto 42.628/1957).

Segundo a Convenção: a) Pode haver asilo diplomático em Legações, navios de guerra, acampamentos
ou aeronaves militares (navios de guerra e aeronaves militares em estaleiros, arsenais ou oficinas para serem
reparados não constituem recinto de asilo); b) Todo Estado tem o direito de conceder asilo, mas não se acha
obrigado a concedê-lo, nem a declarar por que o nega (discricionariedade); c) Não cabe asilo para delito
comum, ou seja, não é lícito conceder asilo a pessoas que tenham sido acusadas de delitos comuns, processadas
ou condenadas por esse motivo pelos tribunais ordinários competentes, tampouco é possível a concessão a
desertores das forças de terra, mar e ar, salvo quando os fatos que motivarem o pedido de asilo, seja qual for
o caso, apresentem claramente caráter político; d) Cabe ao Estado asilante classificar a natureza do delito ou
dos motivos da perseguição; e) O asilo diplomático só poderá ser concedido em casos de urgência (entende-se
por casos de urgência, entre outros, aqueles em que o indivíduo é perseguido por pessoas ou multidões que não
possam ser contidas pelas autoridades, ou pelas próprias autoridades, bem como quando se encontre em perigo
de ser privado de sua vida ou de sua liberdade por motivos de perseguição política e não possa, sem risco, pôr-
se de outro modo em segurança) e pelo tempo estritamente indispensável para que o asilado deixe o país com
as garantias concedidas pelo governo do Estado territorial (proteção da vida, liberdade ou integridade pessoal,
para que o asilado seja posto em segurança); f) O agente diplomático, comandante de navio de guerra,
acampamento ou aeronave militar, depois de concedido o asilo, deve comunicar, com a maior brevidade
possível, ao Ministro das Relações Exteriores do Estado territorial ou à autoridade administrativa do lugar, se o
fato houver ocorrido fora da Capital; g) O governo do Estado territorial pode, em qualquer momento, exigir que
o asilado seja retirado do país, para tanto, deverá conceder salvo-conduto e as garantias estipuladas no Artigo
V. Concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado para território estrangeiro, sendo o Estado
territorial obrigado a conceder imediatamente, salvo caso de força maior, as garantias necessárias (Artigo V) e o
correspondente salvo-conduto; h) Ao Estado asilante cabe o direito de conduzir o asilado para fora do país. O
Estado territorial pode escolher o itinerário para a saída do asilado, sem que isso implique determinar o país
de destino. Se o asilado estiver a bordo de navio de guerra ou aeronave militar, eles podem servir como meio de
transporte, devendo ser obtido o salvo-conduto previamente; i) Quando, durante a transferência do asilado, for
necessário atravessar o território de um terceiro Estado (parte na Convenção), o trânsito será autorizado por
este sem outro requisito além da apresentação, por via diplomática, do respectivo salvo-conduto visado e com a

87
declaração, por parte da missão diplomática asilante, da qualidade de asilado. Durante o trânsito, o asilado
ficará sob a proteção do Estado que concede o asilo; j) O asilo diplomático não estará sujeito à reciprocidade.

III. Asilo no direito brasileiro.

No Brasil, a concessão de asilo político é um dos princípios das relações internacionais (art. 4º, X, CR/88),
assim, a ação do Estado brasileiro no âmbito externo deve estar orientada para proteger pessoas que, por algum
motivo, corram risco por conta de problemas políticos. A competência para a concessão de asilo é do Poder
Executivo (PRESIDENTE DA REPÚBLICA). Uma vez concedido, cabe ao Ministro da Justiça lavrar o termo (a
forma é escrita) e fixar prazo e deveres do asilado. Não há propriamente um processo de asilo.

A Lei de Migração (Lei 13445/17) regula o instituto nos artigos 27 a 29: Art. 27.  O asilo político, que
constitui ato discricionário do Estado, poderá ser diplomático ou territorial e será outorgado como instrumento
de proteção à pessoa. Parágrafo único. Regulamento disporá sobre as condições para a concessão e a
manutenção de asilo; Art. 28.  Não se concederá asilo a quem tenha cometido crime de genocídio, crime contra
a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão, nos termos do Estatuto de Roma (...); Art. 29.  A saída do
asilado do País sem prévia comunicação implica renúncia ao asilo.

Quanto ao procedimento, o Decreto 9199/17 (regulamenta a Lei 13445/17) traz, entre outras, as
seguintes disposições: ART. 108.  O asilo político (...) será concedido como instrumento de proteção à pessoa
que se encontre perseguida em um Estado por suas crenças, opiniões e filiação política ou por atos que possam
ser considerados delitos políticos. (...) ART. 109.  O asilo político poderá ser: I - diplomático, quando solicitado no
exterior em legações, navios de guerra e acampamentos ou aeronaves militares brasileiros; ou II - territorial,
quando solicitado em qualquer ponto do território nacional, perante unidade da Polícia Federal ou
representação regional do Ministério das Relações Exteriores. § 1o  Considera-se legação a sede de toda missão
diplomática ordinária e, quando o número de solicitantes de asilo exceder a capacidade normal dos edifícios, a
residência dos chefes de missão e os locais por eles destinados para esse fim. § 2 o  O pedido de asilo territorial
recebido pelas unidades da Polícia Federal será encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores. § 3o  O
ingresso irregular no território nacional não constituirá impedimento para a solicitação de asilo e para a
aplicação dos mecanismos de proteção, hipótese em que não incidirá o disposto no art. 307, desde que, ao final
do procedimento, a condição de asilado seja reconhecida. ART. 110.  O asilo diplomático consiste na proteção
ofertada pelo Estado brasileiro e na condução do asilado estritamente até o território nacional, em
consonância com o disposto na Convenção Internacional sobre Asilo Diplomático (...). § 1 o  Compete à
autoridade máxima presente no local de solicitação de asilo diplomático zelar pela integridade do solicitante de
asilo e estabelecer, em conjunto com a Secretaria de Estado das Relações Exteriores, as condições e as regras
para a sua permanência no local de solicitação e os canais de comunicação com o Estado territorial, a fim de
solicitar salvo-conduto que permita ao solicitante de asilo acessar o território nacional. (...) § 3 o  A saída não
autorizada do local designado pela autoridade de que trata o  caput  implicará a renúncia ao asilo diplomático.
§ 4o  Após a chegada ao território nacional, o beneficiário de asilo diplomático será imediatamente informado
sobre a necessidade de registro da sua condição. (...) ART. 112.  Compete ao Presidente da República decidir
sobre o pedido de asilo político e sobre a revogação de sua concessão, consultado o Ministro de Estado das
Relações Exteriores. ART. 113.  Em nenhuma hipótese, a retirada compulsória decorrente de decisão
denegatória de solicitação de asilo político ou revogatória da sua concessão será executada para território
onde a vida e a integridade do imigrante possam ser ameaçadas. ART. 114.  O ato de concessão do asilo
político disporá sobre as condições e os deveres a serem observados pelo asilado. ART. 115.   O asilado deverá se
apresentar à Polícia Federal para fins de registro de sua condição migratória no prazo de trinta dias, contado da
data da publicação do ato de concessão do asilo político. ART. 116.  O solicitante de asilo político fará jus à
autorização provisória de residência, demonstrada por meio de protocolo, até a obtenção de resposta do seu
pedido. Parágrafo único.  O protocolo previsto no  caput  permitirá o gozo de direitos no País, dentre os quais: I -
a expedição de carteira de trabalho provisória; II - a inclusão no Cadastro de Pessoa Física; e III - a abertura de
conta bancária em instituição financeira supervisionada pelo Banco Central do Brasil. ART. 117.  O direito de
reunião familiar será reconhecido a partir da concessão do asilo político. Parágrafo único.  A autorização
provisória de residência concedida ao solicitante de asilo político será estendida aos familiares a que se refere o
art. 153, desde que se encontrem no território nacional. ART. 118.  A saída do País sem prévia comunicação ao

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Ministério das Relações Exteriores implicará renúncia ao asilo político. Parágrafo único.   O solicitante de asilo
político deverá solicitar autorização prévia ao Ministro das Relações Exteriores para saída do País, sob pena de
arquivamento de sua solicitação.

IV. Diferenças entre refúgio e asilo.

Ambos os institutos envolvem deslocamento de pessoas e perseguição. Há autores que fazem uma lista
com 20 diferenças. Aqui serão destacadas as 5 principais: 1) O refúgio é regido por tratados universais
(Convenção de 1951, Protocolo de 1967), enquanto o asilo é objeto de costume internacional e de tratados
regionais na América Latina (o asilo é uma coisa mais da América Latina); 2) O refúgio vale para vários tipos de
perseguição (qualquer ameaça à vida ou à liberdade da pessoa), enquanto o asilo busca acolher o perseguido
por motivo político (o pressuposto do asilo é somente a perseguição política); 3) O refúgio pode ser concedido
no caso de fundado temor de perseguição, enquanto o asilo exige a atualidade da perseguição (a perseguição
deve estar efetivamente ocorrendo); 4) No refúgio, o solicitante possui direito público subjetivo de ingresso no
território nacional (é o único estrangeiro que possui tal direito), o que não ocorre com o solicitante de asilo (De
acordo com a Lei 9.474/97, que regula o refúgio, o solicitante tem o direito de ingressar no território até que
seu pedido seja examinado, por outro lado, o asilado só pode ingressar no território após o deferimento do
asilo); 5) A decisão que concede o refúgio tem natureza declaratória e é vinculada à presença dos requisitos
convencionais e legais, enquanto que a decisão que concede o asilo é constitutiva (cria uma situação jurídica) e
discricionária. A concessão de asilo é um ato político e de soberania. O Estado deve examinar a conveniência e a
oportunidade de conceder o asilo político, até porque não será raro que a condição de asilo ocasione incidentes
nas relações internacionais.

V. A proteção ao brasileiro no exterior.

Tema muito novo. Dois pontos para a reflexão, propostos pelo Prof. André de Carvalho Ramos: 1) A rede
consular brasileira seria o palco ideal para a proteção dos interesses dos brasileiros no exterior; 2) A
Constituição prevê o direito a assistência jurídica integral. Em face disso, não seria desarrazoado pensar que a
Defensoria Pública da União também pode obter recursos para defender os brasileiros que estejam
respondendo a processo no exterior. De acordo com o art. 3º da Lei 13445/17, a política migratória brasileira
rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:  (...) XIX - proteção ao brasileiro no exterior; (...)

19B. Migrações. Tratados, declarações e organizações internacionais sobre os direitos dos migrantes.
Precedentes internacionais sobre os direitos dos migrantes.

Luciano Peixoto Metaxa Kladis 21/09/18

I. Migrações. Tratados, declarações e organizações internacionais sobre os direitos dos migrantes.

I.1 Migrações.

No âmbito internacional, não existe uma definição universalmente aceita de migração. Nada obstante, pode-se
trabalhar com o seguinte conceito lato sensu: movimento de uma pessoa ou um grupo de pessoas, seja através
de uma fronteira internacional, ou dentro de um Estado, independentemente da sua duração, composição e
causas, que inclui a migração de refugiados 28, os migrantes econômicos, as populações nômades, as migrações
sazonais, as migrações de apátridas e qualquer outra forma de acolhimento de pessoas.
Segundo a Lei 13445/2017 (Lei da Migração), imigrante é a pessoa nacional de outro país ou apátrida que
trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil e visitante é pessoa nacional de
outro país ou apátrida que vem ao Brasil para estadas de curta duração, sem pretensão de se estabelecer
temporária ou definitivamente no território nacional.

28
Apesar do refúgio e da apatridia, de acordo com a referida definição lato, serem, em última análise, modalidades migratórias, possuem regramento
próprio.

89
I.2. Tratados, declarações e organizações internacionais sobre os direitos dos migrantes.

O deslocamento humano é assunto de diversos diplomas de Direito Internacional, tanto específicos como a
Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros
das suas Famílias, quanto a diplomas internacionais gerais, que preveem direitos humanos passíveis de serem
invocados tanto pelos nacionais quanto pelos migrantes.
Assim, em âmbito Global os Diplomas específicos que se destacam, dentre outros, são:
A Convenção sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias visa a
harmonização das condutas dos Estados através da aceitação de princípios fundamentais relativos ao
tratamento dos trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, considerando a situação de
vulnerabilidade em que frequentemente se encontram. O Brasil ainda não ratificou.
As Convenções 97 e 143 da OIT também tratam especificamente do trabalhador migrante. A primeira versa
sobre o direito à informação do trabalhador migrante e das imigrações efetuadas em condições abusivas, e a
segunda aborda a promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento aos trabalhadores migrantes.
A Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas assegura a livre circulação e emissão de documentos de
identidade e de viagem para os indivíduos sem nacionalidade.
A Carta Constitutiva da Organização Internacional para as Migrações distingue os conceitos migrantes e aos
refugiados. Contudo, afirma que as normas de admissão de migrantes e o quantitativo a ser aceito são assuntos
de jurisdição interna.
Por fim, há a Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, reconhecida como Convenção de
Genebra ou de 1951, e o Protocolo de 1967 considerados os principais diplomas acerca dos refugiados.
Assegura-se a obrigatoriedade em conceder o refúgio e a não devolução para quem adquire o status de
refugiado.
Por outro lado, em âmbito Global os Diplomas gerais que se destacam são: A Declaração Universal dos Direitos
do Homem assegura que toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras
de cada Estado, e a deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos incorpora um rol de direitos mais extenso do que o trazido
pela DUDH, pois impõe que os Estados-partes assegurem a imediata aplicação dos direitos nele elencados a
todos os indivíduos sob sua jurisdição, ou seja, inclusive aos estrangeiros, sem qualquer discriminação, tomando
todas as medidas necessárias a esse fim. Dessa forma, constitui relevante instrumento de defesa dos direitos
humanos para os imigrantes.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais garante ao estrangeiro, independentemente
da sua nacionalidade ou situação jurídica no país, o direito ao trabalho, assim como a uma vida digna.
Por fim, no âmbito interamericano, menciona-se:
A Declaração de Santiago (5ª Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da OEA) de 1959
reconhece o direito à migração.
A Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância dispõe que a discriminação
pode estar baseada em motivos de nacionalidade, condição migratória, de refugiado, repatriado, apátrida ou
migrante doméstico.
A Declaração de Cartagena, que trata da proteção dos refugiados.
A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos preconiza que: i) o estrangeiro que se encontre legalmente
no território de um Estado parte só poderá dele ser expulso em decorrência de decisão adotada em
conformidade com a lei; ii) toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em
caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos; iii) em nenhum caso o
estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em
risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas; e
iv) é proibida a expulsão coletiva de estrangeiros.
Apesar de não se tratar, a rigor, de Tratado ou Declaração, merece menção o Acordo de Livre Trânsito e
Residência, no âmbito do Mercosul, que normatizou o direito a migração incluindo o livre exercício do trabalho
e o envio de remessas, bastando a apresentação dos documentos definidos no acordo. Há, ainda, o Plano de
Ação do Estatuto da Cidadania do Mercosul, que estabelece ações para sua implementação progressiva até
2021, dentre as quais, a instituição de direitos políticos para os estrangeiros originários de países membros.

90
À vista desse panorama internacional, André de Carvalho Ramos entende que “ na atualidade, o Direito
Internacional da Mobilidade Humana não assegura, em geral, o direito de ingresso em qualquer país do mundo,
somente o (i) direito de sair e (ii) o direito de buscar asilo. A exceção a essa regra encontra-se no Direito
Internacional dos Refugiados”. Apesar dos tratados de direitos humanos não garantirem o direito de ingresso,
determinam que o Estado deva promover o direito à igualdade aos migrantes, bem como assegurar outros
direitos como o acesso à justiça e o devido processual.
I.3. Organizações internacionais sobre os direitos dos migrantes.
O principal organismo internacional sobre os direitos dos migrantes é a Organização Internacional para as
Migrações (OIM), criada em 1951. A OIM assenta-se na premissa de que uma migração ordenada e humana
beneficia os migrantes e a sociedade. Além dela, merecem registro também o Comitê para a Proteção dos
Trabalhadores Migrantes (CPTM) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
O CPTM dedica-se ao monitoramento e pela proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e de
suas famílias. Assim, todos os Estados signatários da Convenção sobre a Proteção dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes e suas Famílias são obrigados a enviar relatórios para que o Comitê monitore a
implementação desses direitos pelo Estado.
O ACNUR tem como objetivo a proteção de homens, mulheres e crianças refugiadas e a busca de soluções
duradouras para que possam reconstruir suas vidas em um ambiente normal.

II. Precedentes internacionais sobre os direitos dos migrantes.


André de Carvalho Ramos exemplifica a interpretação de diplomas gerais para abarcar as situações de
mobilidade internacional de pessoas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Vélez Loor vs.
Panamá) e na Corte Europeia de Direitos Humanos (Caso Amuur vs. França) em julgamentos envolvendo,
respectivamente, a Convenção Americana de Direitos Humanos e Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos possui vários precedentes, na sua jurisdição
contenciosa e consultiva, que tratam de diversas facetas da mobilidade internacional, como os direitos dos
trabalhadores migrantes indocumentados (Opinião consultiva relativa aos direitos dos migrantes
indocumentados - OC-18/03), direito ao devido processo legal (Caso Vélez Loor vs. Panamá), direito à
nacionalidade (Caso Meninas Yean e Bosico vs. República Dominicana), direito à assistência consular (Opinião
Consultiva sobre o direito à informação sobre a assistência consular em relação às garantias do devido processo
legal -OC -16/99), direito à igualdade e combate à discriminação contra migrantes (Caso Nadege Dorzema vs.
República Dominicana), direitos dos solicitantes de refúgios(Opinião consultiva relativa aos direitos dos
migrantes indocumentados - OC-18/03), inclusive crianças (Opinião consultiva relativa às crianças migrantes -
OC-21/014).

Na Opinião Consultiva n. 18, a Corte IDH determinou que os Estados membros da Organização dos Estados
Americanos têm o dever de respeitar e garantir os direitos dos trabalhadores migrantes indocumentados,
independentemente de sua nacionalidade, em nome do direito à igualdade e não discriminação com os
trabalhadores nacionais. Para a Corte IDH, o direito à igualdade pertence ao jus cogens, o que não depende da
ratificação de tratados específicos.
Caso Vélez Loor vs. Panamá: A Corte IDH concluiu que a detenção de migrantes irregulares não deve ter por fim
aplicar sanções, confirmando a proibição em criminalizar o fenômeno. Destacou a necessidade de manter os
migrantes em estabelecimentos distintos de pessoas condenadas por delitos penais, inclusive mantendo
albergues apropriados ao alojamento ou detenção das pessoas deslocadas. Ademais, frisou a necessidade de
tratamento igualitário entre nacionais e estrangeiros, colocando especificamente o dever de garantir o acesso
efetivo e igualitário à justiça de populações vulneráveis, como migrantes irregulares e pessoas privadas da
liberdade.
Caso Meninas Yean e Bosico vs. República Dominicana: As meninas não tiveram deferidos os pedidos de
registro de nascimento, apesar de terem nascido em território dominicano e o país adotar o critério ius soli,
manteve-as como apátridas, sob a justificativa de que filhos de pais haitianos em trânsito não faziam jus à
condição de nacional. A Corte IDH estabeleceu parâmetros sobre o direito à nacionalidade relativamente à
atuação estatal arbitrária de privação das vítimas desse direito, de forma discriminatória, e em particular
tomando em consideração a sua menoridade e a situação de vulnerabilidade à qual foram expostas.
Opinião consultiva nº 16: o direito à informação sobre assistência consular como garantia ao devido processo
legal Em 1997, o México formulou perguntas acerca do direito do migrante à assistência consular no processo

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judicial, especialmente em condenações à pena de morte. Em síntese, o México alegou que alguns nacionais
seus não haviam sido oportunamente informados sobre o direito de comunicar-se com as autoridades
consulares e haviam sido sentenciados à pena de morte nos Estados Unidos da América. A Corte IDH entendeu
que embora na Convenção de Viena o direito de notificação e comunicação seja estatal, e não individual, tal
outorga pode gerar direito fundamental. Ademais, assentou que o direito de comunicação com as autoridades
consulares é norma do direito penal internacional. Portanto, o Estado receptor deve informar ao preso
estrangeiro os seus direitos e esse dever de informação independente da gravidade da conduta ou se poderá
acarretar a aplicação da pena de morte. A não observância pelo Estado receptor do direito à comunicação
consular acarreta violação ao devido processo legal.
Opinião consultiva nº 21: A Corte IDH estabeleceu que, no que toca às crianças em contexto de migração,
quatro princípios reitores da Convenção sobre os Direitos da Criança devem inspirar e serem implementados em
todo o sistema de proteção integral: o princípio da não discriminação, o princípio do interesse superior da
criança, princípio do respeito ao direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento e o princípio de respeito à
opinião da criança em todo o procedimento que a afete, de modo que se garanta sua participação no processo
migratório.
Caso Khlaifia e outros v. Itália: O caso refere-se a três nacionais tunisinos que foram interceptados pela guarda
costeira italiana, quando tentavam atravessar o Mar Mediterrâneo por barco, e levados para Lampedusa em
setembro de 2011, onde permaneceram detidos. As autoridades italianas aplicaram um procedimento
acelerado e deportaram os nacionais tunisinos para a Tunísia. Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que a
detenção de migrantes irregulares pela Itália foi ilegal, mas a expulsão dos mesmos foi lícita.

19C. Regime Jurídico Internacional da Apatridia e da Polipatria. Nacionalidade e o Regime Jurídico Especial Dado
aos Portugueses. Regime Jurídico do Tratamento de Nacionais de Países do Mercado Comum do Sul (Mercosul)

Renata Souza

Materiais consultados: PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2018; MAZZUOLI,
Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015; RAMOS, André de Carvalho. Curso de
Direitos Humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

I. Regime Jurídico Internacional da Apatridia e da Polipatria

A polipatridia (ou polipatria) e a apatridia (ou apatria) são conflitos de nacionalidade, respectivamente, positivo
e negativo.

1. Polipatria

A polipatria é o fenômeno pelo qual um indivíduo tem duas ou mais nacionalidades. Decorre da coincidência de
critérios diversos de atribuição de nacionalidade sobre um mesmo sujeito. Como exemplo, pode-se citar a
situação de um filho de cidadão italiano que nasce no Brasil; ele será brasileiro (nacionalidade, em regra,
atribuída às pessoas que nascem no Brasil) e também italiano (uma vez que a lei italiana atribui tal
nacionalidade aos filhos de italianos).

“A Convenção Concernente a Certas Questões Relativas aos Conflitos de Leis sobre a Nacionalidade, de 1930
(Convenção da Haia – Decreto 21.798, de 06/09/1932), consagra o princípio de que a pessoa só deve ter uma
nacionalidade. Entretanto, continua a existir polipátridas, tema regulado por esse mesmo tratado e por
instrumentos como o Protocolo relativo às Obrigações Militares, em Certos Casos de Dupla Nacionalidade, do
mesmo ano (Decreto 21.798, de 06/09/1932). (...) Em todo caso, a Convenção da Haia determina que um Estado
não pode exercer a sua proteção diplomática em proveito de um seu nacional contra outro Estado de que o
mesmo seja também nacional. Dispõe também que, em um terceiro Estado, o indivíduo que possua várias
nacionalidades deverá ser tratado como se não tivesse senão uma, podendo esse terceiro Estado reconhecer,
dentre as alternativas existentes, apenas a nacionalidade do país no qual ele tenha residência habitual e
principal ou a do país ao qual, segundo as circunstâncias, o estrangeiro pareça mais ligado, ou seja, a
nacionalidade mais efetiva.” – PORTELA, 2018, p. 304/305.

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O Brasil admite a polipatria, mas não expressamente.

2. Apatridia

A apatridia pode acontecer pela perda arbitrária da nacionalidade (em regra por motivos políticos), ou pela não
incidência de critério algum de atribuição de nacionalidade sobre um sujeito.

Não há nenhuma possibilidade expressa de admissão da apatridia no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo,
este contempla hipóteses de perda da nacionalidade brasileira, que podem levar o sujeito à situação de
apatridia, caso não possua outra nacionalidade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos expressa o direito à nacionalidade como um direito fundamental
da pessoa humana. No art. 15, está consignado que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade, e que
ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece, em seu art. 20, que toda pessoa tem direito à
nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra.

A Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, foi ratificada pelo Brasil em 1966 e promulgada
internamente pelo Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002. O seu propósito foi assegurar aos apátridas amplo
acesso aos direitos e garantias fundamentais, no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial. A convenção
conceitua apátrida como “toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado, conforme sua
legislação”. “A naturalização do apátrida deve ser estimulada, com desburocratização do procedimento e
redução de taxas e despesas. Por outro lado, a expulsão dos apátridas somente pode ocorrer por motivos de
segurança nacional ou ordem pública, decorrente de decisão proferida em processo com contraditório,
devendo, em caso de expulsão ser concedido ao apátrida prazo razoável para obtenção de admissão regular em
outro Estado.” – RAMOS, 2018, p. 190.

A Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia, de 1961, foi ratificada pelo Brasil em 2007 e promulgada
internamente pelo Decreto nº 8.501, de 18 de agosto de 2015. A essência da convenção é evitar a apatridia em
suas mais diversas formas e assegurar a nacionalidade para aquelas pessoas que já se encontram nessa situação.
Traz a imposição de deveres aos Estados para prevenir e combater a apatridia. Além disso, a convenção prevê a
criação, dentro da estrutura da ONU, de um organismo internacional para reivindicação e assistência em
situações de apatridia, função que ficou a cargo do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
(ACNUR).

II. Nacionalidade e o Regime Jurídico Especial Dado aos Portugueses

A Constituição Federal, em seu art. 12, II, a, facilita a naturalização dos cidadãos portugueses. Neste sentido:

Art. 12. São brasileiros:


II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua
portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

Tal circunstância, contudo, não pode ser confundida com a norma que permite aos cidadãos portugueses, sem
aquisição de nacionalidade brasileira, a atribuição dos direitos inerentes ao brasileiro. É a previsão do art. 12, §
1º, da CF/88, concretizado pelo Estatuto da Igualdade Brasil-Portugal.

Art. 12. § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de
brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.

93
O Estatuto da Igualdade Brasil-Portugal consta, atualmente, do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta
entre Brasil e Portugal, especificamente entre os arts. 12 e 22.

“Fundamentalmente, o Estatuto da Igualdade determina que os brasileiros em Portugal e os portugueses no


Brasil gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados, nos
termos e condições estabelecidos nas normas desse Estatuto, exceto os direitos expressamente reservados pela
Constituição de cada uma das partes aos seus nacionais. Cabe destacar que os benefícios do Estatuto da
Igualdade não são automáticos. Nesse sentido, só serão atribuídos aos brasileiros e portugueses que o
requeiram, que sejam civilmente capazes e com residência habitual no país em que são pleiteados, por decisão
do Ministério da Justiça, no Brasil, e do Ministério da Administração Interna, em Portugal. Ao final, a aquisição
do benefício deve ser comunicada ao Estado de nacionalidade do beneficiário. O Estatuto da Igualdade prevê a
possibilidade do exercício de direitos políticos, que serão reconhecidos aos que tiverem três anos de residência
habitual e a partir de requerimento à autoridade competente. A igualdade quanto aos direitos políticos não
abrange as pessoas que, no Estado da nacionalidade, tiverem sido privadas de direitos equivalentes, e o gozo de
direitos políticos no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da
nacionalidade.” – PORTELA, 2018, p. 410/411.

Os portugueses e brasileiros beneficiários do Estatuto de Igualdade submetem-se à lei penal do Estado de


residência nas mesmas condições que os respectivos nacionais e não estão sujeitos à extradição, salvo se
requerida pelo governo do Estado da nacionalidade.

III. Regime Jurídico do Tratamento de Nacionais de Países do Mercado Comum do Sul (Mercosul)

Foi firmado, em 2002, o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, com o
objetivo de facilitar a circulação de pessoas dentro do bloco, proporcionando facilidades para que os nacionais
dos Estados que integram o Mercosul vivam em outros países do bloco. Tal benefício é condicionado apenas à
nacionalidade e à posse de passaporte válido, certidão de nascimento e certidão negativa de antecedentes
penais. Com referidos documentos, os cidadãos poderão requerer a concessão de visto de residência
temporária de até dois anos em outro país do bloco e poderão requerer sua transformação em residência
permanente, antes de expirar o prazo da residência temporária.

O Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados do MERCOSUL, Bolívia e Chile, em termos semelhantes
aos do Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, estende essa possibilidade
aos nacionais bolivianos e chilenos.

“Em todo caso, Diego Machado Pereira e Florisbal Dell'Olmo destacam que o MERCOSUL ainda não desenvolveu
um conceito de 'cidadania sul-americana', nos moldes do instituto da cidadania europeia, existente dentro da
União Europeia, cujos cidadãos contam com uma cidadania complementar à cidadania nacional, que inclui o
direito de livre circulação e direitos políticos em todo o espaço comunitário. Para fundamentar essa ideia, com a
qual coincidimos, os autores citam Lafayette Pozzoli, que afirma que 'os tratados assinados entre os países
latino-americanos parecem atribuir bem poucos direitos aos cidadãos enquanto o aspecto econômico ainda é o
mais privilegiado'". – PORTELA, 2018, p. 1173.

19C. Regime Jurídico Internacional da Apatridia e da Polipatria. Nacionalidade e o Regime Jurídico Especial Dado
aos Portugueses. Regime Jurídico do Tratamento de Nacionais de Países do Mercado Comum do Sul (Mercosul)

Renata Souza

* Materiais consultados: PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2018; MAZZUOLI,
Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015; RAMOS, André de Carvalho. Curso de
Direitos Humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

I. Regime Jurídico Internacional da Apatridia e da Polipatria

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A polipatridia (ou polipatria) e a apatridia (ou apatria) são conflitos de nacionalidade, respectivamente, positivo
e negativo.

1. Polipatria

A polipatria é o fenômeno pelo qual um indivíduo tem duas ou mais nacionalidades. Decorre da coincidência de
critérios diversos de atribuição de nacionalidade sobre um mesmo sujeito. Como exemplo, pode-se citar a
situação de um filho de cidadão italiano que nasce no Brasil; ele será brasileiro (nacionalidade, em regra,
atribuída às pessoas que nascem no Brasil) e também italiano (uma vez que a lei italiana atribui tal
nacionalidade aos filhos de italianos).

“A Convenção Concernente a Certas Questões Relativas aos Conflitos de Leis sobre a Nacionalidade, de 1930
(Convenção da Haia – Decreto 21.798, de 06/09/1932), consagra o princípio de que a pessoa só deve ter uma
nacionalidade. Entretanto, continua a existir polipátridas, tema regulado por esse mesmo tratado e por
instrumentos como o Protocolo relativo às Obrigações Militares, em Certos Casos de Dupla Nacionalidade, do
mesmo ano (Decreto 21.798, de 06/09/1932). (...) Em todo caso, a Convenção da Haia determina que um Estado
não pode exercer a sua proteção diplomática em proveito de um seu nacional contra outro Estado de que o
mesmo seja também nacional. Dispõe também que, em um terceiro Estado, o indivíduo que possua várias
nacionalidades deverá ser tratado como se não tivesse senão uma, podendo esse terceiro Estado reconhecer,
dentre as alternativas existentes, apenas a nacionalidade do país no qual ele tenha residência habitual e
principal ou a do país ao qual, segundo as circunstâncias, o estrangeiro pareça mais ligado, ou seja, a
nacionalidade mais efetiva.” – PORTELA, 2018, p. 304/305.

O Brasil admite a polipatria, mas não expressamente.

2. Apatridia

A apatridia pode acontecer pela perda arbitrária da nacionalidade (em regra por motivos políticos), ou pela não
incidência de critério algum de atribuição de nacionalidade sobre um sujeito.

Não há nenhuma possibilidade expressa de admissão da apatridia no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo,
este contempla hipóteses de perda da nacionalidade brasileira, que podem levar o sujeito à situação de
apatridia, caso não possua outra nacionalidade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos expressa o direito à nacionalidade como um direito fundamental
da pessoa humana. No art. 15, está consignado que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade, e que
ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece, em seu art. 20, que toda pessoa tem direito à
nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra.

A Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, foi ratificada pelo Brasil em 1966 e promulgada
internamente pelo Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002. O seu propósito foi assegurar aos apátridas amplo
acesso aos direitos e garantias fundamentais, no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial. A convenção
conceitua apátrida como “toda pessoa que não seja considerada seu nacional por nenhum Estado, conforme sua
legislação”. “A naturalização do apátrida deve ser estimulada, com desburocratização do procedimento e
redução de taxas e despesas. Por outro lado, a expulsão dos apátridas somente pode ocorrer por motivos de
segurança nacional ou ordem pública, decorrente de decisão proferida em processo com contraditório,
devendo, em caso de expulsão ser concedido ao apátrida prazo razoável para obtenção de admissão regular em
outro Estado.” – RAMOS, 2018, p. 190.

A Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia, de 1961, foi ratificada pelo Brasil em 2007 e promulgada
internamente pelo Decreto nº 8.501, de 18 de agosto de 2015. A essência da convenção é evitar a apatridia em

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suas mais diversas formas e assegurar a nacionalidade para aquelas pessoas que já se encontram nessa situação.
Traz a imposição de deveres aos Estados para prevenir e combater a apatridia. Além disso, a convenção prevê a
criação, dentro da estrutura da ONU, de um organismo internacional para reivindicação e assistência em
situações de apatridia, função que ficou a cargo do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
(ACNUR).

- Jurisprudência da Corte IDH: Caso de las Niñas Yean y Bosico vs. República Dominicana (sentença de 08 de
julho de 2005) – neste caso, as meninas Dilcia Yean e Violeta Bosico, filhas de mães dominicanas e pais
haitianos, foram privadas do direito à nacionalidade e permaneceram em situação de apatridia por mais de
quatro anos em razão de sucessivas exigências de documentação feitas pela República Dominicana para a
realização do registro tardio de nascimento de Yean e Bosico. A Corte, no caso, em consonância com o que havia
sido exposto na Opinião Consultiva nº 18, reafirmou que a não discriminação é um direito que independe de
status migratório. A Corte IDH considerou que a República Dominicana, em matéria de nacionalidade,
apresentava práticas administrativas e medidas legislativas discriminatórias, que terminaram por agravar a
situação de vulnerabilidade das meninas e afetaram o gozo de outros direitos previstos na Convenção
Americana, a exemplo do direito ao nome.

- Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017): para a Lei de Migração, considera-se apátrida a pessoa que não seja
considerada como nacional por nenhum Estado, segundo a sua legislação, nos termos da Convenção sobre o
Estatuto dos Apátridas, de 1954, promulgada pelo Decreto nº 4.246, de 22 de maio de 2002, ou assim
reconhecida pelo Estado brasileiro. Tal lei estabelece o processo de reconhecimento da condição de apátrida,
que tem o objetivo de determinar se o interessado é considerado nacional pela legislação de algum Estado. O
solicitante de refúgio, de asilo ou de proteção ao apátrida fará jus a autorização provisória de residência até a
obtenção de resposta ao seu pedido. O apátrida reconhecido terá o direito de adquirir a nacionalidade derivada
brasileira (naturalização) ou, caso não queria se naturalizar, terá autorização de residência em definitivo.
Importante destacar que cabe recurso administrativo contra a decisão que não reconhecer a condição de
apatridia. Ademais, o sujeito que não for reconhecido como apátrida não poderá ser devolvido para país onde
sua vida, integridade pessoal ou liberdade estejam em risco. O apátrida perderá a proteção conferida pela Lei nº
13.445/2017 nos seguintes casos: I - renúncia; II - prova da falsidade dos fundamentos invocados para o
reconhecimento da condição de apátrida; ou III - existência de fatos que, se fossem conhecidos por ocasião do
reconhecimento, teriam ensejado decisão negativa. Por fim, cumpre salientar que, ao tratar da perda de
nacionalidade, a Lei de Migração expressamente prevê que o risco de geração de situação de apatridia será
levado em consideração antes da efetivação da perda da nacionalidade.

II. Nacionalidade e o Regime Jurídico Especial Dado aos Portugueses

A Constituição Federal, em seu art. 12, II, a, facilita a naturalização dos cidadãos portugueses. Neste sentido:

Art. 12. São brasileiros:


II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua
portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

Tal circunstância, contudo, não pode ser confundida com a norma que permite aos cidadãos portugueses, sem
aquisição de nacionalidade brasileira, a atribuição dos direitos inerentes ao brasileiro. É a previsão do art. 12, §
1º, da CF/88, concretizado pelo Estatuto da Igualdade Brasil-Portugal.

Art. 12. § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de
brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.

O Estatuto da Igualdade Brasil-Portugal consta, atualmente, do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta


entre Brasil e Portugal, especificamente entre os arts. 12 e 22.

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“Fundamentalmente, o Estatuto da Igualdade determina que os brasileiros em Portugal e os portugueses no
Brasil gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados, nos
termos e condições estabelecidos nas normas desse Estatuto, exceto os direitos expressamente reservados pela
Constituição de cada uma das partes aos seus nacionais. Cabe destacar que os benefícios do Estatuto da
Igualdade não são automáticos. Nesse sentido, só serão atribuídos aos brasileiros e portugueses que o
requeiram, que sejam civilmente capazes e com residência habitual no país em que são pleiteados, por decisão
do Ministério da Justiça, no Brasil, e do Ministério da Administração Interna, em Portugal. Ao final, a aquisição
do benefício deve ser comunicada ao Estado de nacionalidade do beneficiário. O Estatuto da Igualdade prevê a
possibilidade do exercício de direitos políticos, que serão reconhecidos aos que tiverem três anos de residência
habitual e a partir de requerimento à autoridade competente. A igualdade quanto aos direitos políticos não
abrange as pessoas que, no Estado da nacionalidade, tiverem sido privadas de direitos equivalentes, e o gozo de
direitos políticos no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da
nacionalidade.” – PORTELA, 2018, p. 410/411.

Os portugueses e brasileiros beneficiários do Estatuto de Igualdade submetem-se à lei penal do Estado de


residência nas mesmas condições que os respectivos nacionais e não estão sujeitos à extradição, salvo se
requerida pelo governo do Estado da nacionalidade.

III. Regime Jurídico do Tratamento de Nacionais de Países do Mercado Comum do Sul (Mercosul)

Foi firmado, em 2002, o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, com o
objetivo de facilitar a circulação de pessoas dentro do bloco, proporcionando facilidades para que os nacionais
dos Estados que integram o Mercosul vivam em outros países do bloco. Tal benefício é condicionado apenas à
nacionalidade e à posse de passaporte válido, certidão de nascimento e certidão negativa de antecedentes
penais. Com referidos documentos, os cidadãos poderão requerer a concessão de visto de residência
temporária de até dois anos em outro país do bloco e poderão requerer sua transformação em residência
permanente, antes de expirar o prazo da residência temporária.

O Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados do MERCOSUL, Bolívia e Chile, em termos semelhantes
aos do Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, estende essa possibilidade
aos nacionais bolivianos e chilenos.

“Em todo caso, Diego Machado Pereira e Florisbal Dell'Olmo destacam que o MERCOSUL ainda não desenvolveu
um conceito de 'cidadania sul-americana', nos moldes do instituto da cidadania europeia, existente dentro da
União Europeia, cujos cidadãos contam com uma cidadania complementar à cidadania nacional, que inclui o
direito de livre circulação e direitos políticos em todo o espaço comunitário. Para fundamentar essa ideia, com a
qual coincidimos, os autores citam Lafayette Pozzoli, que afirma que 'os tratados assinados entre os países
latino-americanos parecem atribuir bem poucos direitos aos cidadãos enquanto o aspecto econômico ainda é o
mais privilegiado'". – PORTELA, 2018, p. 1173.

20A. Direito Internacional dos Refugiados. Evolução histórica: origem e fases. O Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados. Os dispositivos convencionais, legais e administrativos referentes ao refúgio. Tipos
de perseguição. O papel dos órgãos internos e o controle judicial.

Pedro Soares

I. Aspectos introdutórios

* Internacionalização dos DH, histórico e antecedentes: PIDH, ponto 7.a.


* Proteção diplomática: DIP, ponto 20.b.
* Migrações: DIP, 19.b

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O Direito Internacional dos Refugiados (DIR) visa à proteção daquele (refugiado) que, em virtude de uma
perseguição odiosa ou violação maciça de DH, não pode retornar ao Estado de sua nacionalidade ou residência
habitual. Tem como objeto o direito ao acolhimento.
Refúgio é, assim, um instrumento jurídico internacional de caráter humanitário e ampla utilização
global, destinado a amparar pessoas que se veem forçadas a se deslocar através das fronteiras, migrando de seu
país natal, fugindo de conflitos armados, perseguição ou fundados temores de perseguição por motivos de raça,
religião, nacionalidade, grupo social específico, orientação sexual ou opinião política.

II. Evolução histórica: origem e fases

Fase exclusivamente nacional: até o século XX, o Direito Internacional não possuía instituições ou regras
voltadas especificamente aos que, após fugir de seu Estado de origem ou residência, buscavam abrigo em outro
país. O tratamento dado a esses indivíduos dependia, então, da generosidade das leis nacionais em especial
aquelas relativas à concessão de asilo.
Primeira fase da internacionalização do DIR: somente após o estabelecimento da Sociedade das Nações,
em 1919, é que houve uma intensa discussão sobre o papel da comunidade internacional no adequado
tratamento a ser dado aos refugiados.
Assim, em 1921, o Conselho da Sociedade das Nações autorizou a criação de um Alto Comissariado para
Refugiados. Foi escolhido o norueguês Fridtjof Nansen, que o presidiu até sua morte em 1930. Em 1931, foi
criado o Escritório Internacional Nansen para Refugiados, atuando sob os auspícios da Sociedade das Nações e
com a missão de dar apoio humanitário aos refugiados.
Essa primeira fase é caracterizada (i) pela abordagem coletiva e geral dos refugiados, bem como pela (ii)
ênfase no repatriamento ou ainda inserção coletiva em um Estado de acolhida.
A abordagem coletiva consistia em qualificar o refugiado em função de sua pertença a determinado
grupo que, por definição, seria composto por refugiados. A busca de refúgio, na época, era gerada por eventos
objetivos (Revolução Russa, fragmentação territorial dos derrotados da 1ª Grande Guerra), sem relação com a
conduta de um determinado indivíduo.
Segunda fase da internacionalização: a partir de 1938, às vésperas da 2ª Guerra Mundial, foram dados
os primeiros passos para essa nova fase, com a qualificação individual pautando a declaração do estatuto de
refugiado de determinada pessoa.
A estrutura institucional era precária. Em um curto período (1938-1945), existiram três órgãos
internacionais que se sucederam na temática.
A fase da qualificação individual dos refugiados recebeu seu grande impulso com a Declaração Universal
de Direitos Humanos, que estabeleceu, em seu artigo 14, que "cada pessoa tem o direito a buscar e gozar de
asilo em outros países sem sofrer perseguição". Logo, todos os indivíduos possuem o direito ao acolhimento,
devendo ser verificada sua situação específica.

III. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

Em 1950, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que hoje é órgão
subsidiário permanente da Assembleia Geral das Nações Unidas e possui sede em Genebra.
De acordo com o seu Estatuto, é de competência do ACNUR promover instrumentos internacionais para
a proteção dos refugiados e supervisionar sua aplicação.
O ACNUR não é uma organização supranacional, é um braço da ONU e, portanto, não pode substituir a
proteção dos países. Seu papel principal é garantir que os países estejam conscientes das suas obrigações e
atuem em conformidade com elas, que é dar proteção aos refugiados e a todas as pessoas que buscam refúgio.
O ACNUR faz parte do CONARE, tem direito a voz, mas não a voto.
28 Oral – órgão que examina internacionalmente o tema do refúgio.

IV. Os dispositivos convencionais, legais e administrativos referentes ao refúgio. [...] O papel dos órgãos
internos e o controle judicial.

98
Dispositivos convencionais. Evolução. Em 1951, foi aprovada a “Carta Magna” dos refugiados, que é a
Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados. A importância desse tratado é imensa: é o primeiro
tratado internacional que trata da condição genérica do refugiado, seus direitos e deveres.
Inicialmente, a Convenção possuía limitação temporal (para acontecimentos ocorridos antes de 1º de
janeiro de 1951) e geográfica da definição de refugiado (somente para os eventos ocorridos na Europa).
Em 1967, foi adotado o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, que eliminou tais limitações. Esse
protocolo foi firmado com a finalidade de se aplicar a proteção da Convenção a outras pessoas que não apenas
aquelas que se tornaram refugiadas em resultado de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951.
Já em 1969, foi aprovada a Convenção da Organização da Unidade Africana (hoje União Africana) sobre
refugiados. Tal Convenção, que entrou em vigor em 1974, estabeleceu, pela primeira vez, a chamada "definição
ampla de refugiado", que consiste em considerar refugiado aquele que, em virtude de um cenário de graves
violações de direitos humanos, foi obrigado a deixar sua residência habitual para buscar refúgio em outro
Estado.
Em 1984, a definição ampliada de refugiado foi acolhida pela Declaração de Cartagena, em seu item
terceiro.
No Brasil, a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo
Decreto Legislativo n. 11/1960, com exclusão do direito de associação (art. 15) e exercício de atividade
profissional assalariada (art. 17).
O Protocolo de 1967 foi promulgado internamente com o Decreto n. 70.946/1972, tendo sido superada
a limitação temporal. Quanto à barreira geográfica, esta foi derrubada somente em 1989, por meio do Decreto
n. 98.602. Pelo Decreto n. 99.757/1990, o Governo Brasileiro retirou as reservas aos arts. 15 e 17 da Convenção.
Aspectos da Convenção de 1951. Esta não é aplicável a pessoas que cometeram um crime contra a paz,
um crime de guerra ou um crime contra a humanidade (conforme determinem instrumentos internacionais),
que cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidas como
refugiados e que se tornaram culpadas de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.
Verifica-se a consagração da alma mater, da essência, do espírito da Convenção de Genebra: o princípio
do non-refoulement, consistente na proibição do rechaço. Todo solicitante da declaração de refúgio tem o justo
temor de perseguição e não pode ser rechaçado para o território de um Estado que possa pôr em risco a sua
vida, integridade física e demais direitos.
A nacionalidade seria a última barreira do universalismo, pois as Cortes Internacionais ainda possuem
interpretação tímida sobre a mobilidade humana e reconhecem que não há direito absoluto de ingresso no
território de um Estado por parte do estrangeiro. Portanto, o estrangeiro somente entra no território se o
Estado quiser. A exceção é o direito do solicitante de refúgio de não ser rechaçado e aguardar até que sua
situação seja analisada.
Tratamento da matéria no ordenamento interno. Em 1997, foi editada a Lei n. 9.474, disciplinando o
estatuto do refugiado no Brasil. Tal diploma incorpora as definições da Convenção de Genebra de 1951 e da
Declaração de Cartagena de 1984 (ampliada).
A lei em questão preencheu o vazio administrativo existente no trato dos refugiados ao criar o Comitê
Nacional para os Refugiados – CONARE (art. 11). Este representou a plena assunção, pelo Estado brasileiro, de
todo o procedimento de análise da solicitação de refúgio, bem como da política de proteção e apoio aos que
forem considerados refugiados. Assim, o papel do ACNUR no Brasil, essencial na fase pré-Lei n. 9.474/97,
diminuiu sensivelmente.
Procedimento. Fruto do non-refoulement, qualquer indivíduo estrangeiro que chegue ao Brasil (refúgio
é, pois, territorial) e solicite o refúgio tem o direito público subjetivo de ingressar no território. Único caso em
que isto ocorre. Basta que declare sua condição de refugiado para desencadear a cadeia protetiva, ainda que
porte documentos falsos ou mesmo não possua documentos. Difere do visto, na medida em que tal significa
apenas uma predisposição do Brasil em admitir o estrangeiro em seu território.
Utiliza-se a expressão “solicitante da declaração de refúgio” para ressaltar o caráter declaratório do ato
(e não constitutivo), o que possui, inclusive, importantes efeitos práticos, p. ex. com relação à atuação do MPF,
ajuizando ação para demonstrar que o Brasil, por meio do CONARE, errou na apreciação da situação fática
(consideração adequada dos elementos probatórios do processo administrativo), ação que se mostraria mais
dificultosa no caso de se considerar discricionária a atuação.
Cabe à Polícia Federal dar início ao processo administrativo, tomando por termo a declaração, após o
que nasce o direito subjetivo de o solicitante ser acolhido provisoriamente no território nacional. Há uma rede

99
social capitaneada por ONGs, sob os auspícios do MJ. Com o mero protocolo, pode obter carteira de trabalho;
tal direito já lhe é assegurado.
O processo administrativo vai para o Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, órgão colegiado
despersonalizado, componente da Administração Pública Direta, do MJ. Clara composição governamental: sete
membros, dos quais apenas um é representante de ONG. Demais, representantes do MJ, MRE, MTE e da PF. O
representante do ACNUR, no CONARE, não tem direito a voto, mas apenas a voz.
Instrução probatória. Há uma junção de conhecimento: de um lado, todo o acervo, os bancos de dados,
que o ACNUR disponibiliza aos Estados, para que haja alguma informação a respeito da situação da localidade
da qual o solicitante afirma que teve que partir. Considerando que muitas vezes não há documentação, é
necessário algum tipo de confronto, para aferir se o solicitante realmente é da localidade, a conhece, sendo
feita uma entrevista para tanto, com base nas informações daqueles bancos. Fecha-se um dossiê, o qual será
analisado pelo CONARE.
As saídas possíveis, então, são pela declaração da condição de refugiado, ou pelo indeferimento. Apenas
neste caso, em favor do solicitante, há a previsão de recurso administrativo, endereçado ao Ministro da Justiça.
Como refugiado, então, o indivíduo terá sua inserção na comunidade brasileira. Todos os processos
administrativos e criminais que envolvam os fatos relativos à sua entrada no território nacional serão
considerados extintos por determinação legal, até mesmo a extradição baseada nos mesmos fatos (hipótese de
denegação).
Caso a perseguição original se encerre ou a violação dramática de direitos humanos tenha sido
eliminada na localidade de onde veio o refugiado, origina-se a possibilidade do retorno. Trata-se de uma das
hipóteses de cessação do refúgio.
Há também causas de exclusão, que podem dar-se por atos que o próprio solicitante/refugiado tenha
praticado, p. ex. crimes de jus cogens. Não é, pois, qualquer indivíduo que terá a seu favor o reconhecimento da
condição de refugiado. Porém, permanece a vedação do rechaço nessas hipóteses (proteção complementar ao
solicitante do refúgio).
Controle judicial. É possível a revisão judicial (judicial review) do reconhecimento do estatuto do refúgio,
fundado no princípio da universalidade da jurisdição, bem como na possibilidade de revisão das decisões
administrativas pelo Poder Judiciário - mesmo aquelas com impacto nas relações internacionais (judicialização
da política externa) - e ainda em ser a extradição um instituto de cooperação jurídica internacional que leva em
consideração os direitos do extraditando e também o direito das vítimas (diante do art. 33 da lei, que obsta
pedido de extradição baseado nos mesmos fatos que fundaram o reconhecimento da condição de refugiado).
Contudo, a revisão deve ser absolutamente regrada e estrita, no tocante a eventual falta de pressuposto
para o reconhecimento da condição de refugiado, em respeito ao princípio do non-refoulement. Eventual dúvida
milita a favor da concessão do refúgio (princípio do in dubio pro fugitivo) e ainda só pode ser questionada a
decisão do CONARE se houver evidente prova de abuso ou desvio de finalidade, como reza a doutrina do
controle judicial dos atos administrativos.
Na jurisprudência do STF, destaca-se o Caso Battisti (Extradição 1085), no qual a Corte avaliou a
concessão de refúgio pelo Ministro da Justiça (que reformou a decisão de refúgio negada pelo CONARE), e
considerou que o refúgio fora concedido de maneira deturpada, pois não havia perseguição alguma ao Battisti
pela Itália.
28 Objetiva – 57 - De acordo com a lei brasileira sobre refúgio, os efeitos da condição de refugiado serão
extensivos a todos os membros do grupo familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que
se encontrem em território nacional. CERTA. Lei n. 9.474/97, art. 2º.
28 Oral – Natureza do ato de concessão de refúgio e possibilidade de ser judicialmente questionado.
29 Objetiva – 60, II – II - O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade
de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, não
podendo ser deportado para Estado em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça,
religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política, mesmo que apresente documentação de ingresso falsa
ou irregular. Certa. Lei n. 9.474/97, art. 7º, §§.

V. Tipos de perseguição.

Perseguição é toda conduta, ato de discriminação injustificada que gera consequências negativas para o
desenvolvimento de uma vida digna. É a perseguição odiosa.

100
A perseguição em virtude de raça ocorre quando há um falso discurso racial que inferiorize pessoas,
violando o direito à igualdade, à dignidade da pessoa humana. Advirta-se sobre a existência do mandado
constitucional de criminalização combatendo o racismo, bem como a Convenção Internacional da ONU sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial que também estabelece mandado internacional de
criminalização da conduta.
“Pertença a grupo social” é uma cláusula de salvaguarda, que confere maior amplitude possível de
interpretação. O Brasil já concedeu refúgio a pessoas que sofriam discriminação em razão da sua orientação
sexual.
Pertença a Estado Democrático não impede a concessão de refúgio. A lógica é que, mesmo em Estados
Democráticos, podem ocorrer situações conjecturais de perseguição odiosa, até mesmo perpetrada por agentes
privados com omissão do Poder Público por falência do sistema criminal.

7. RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
7.1 Responsabilidade internacional do Estado. Obrigações Primárias e Secundárias. Garantia da ordem pública
internacional. Elementos da responsabilidade internacional. Fato internacionalmente ilícito. Excludentes da
ilicitude. Imputação e espécies de atos imputados. Resultado lesivo. Nexo causal. (10.a)
7.2 Regime jurídico da reparação no Direito Internacional. Responsabilidade internacional individual e sua
relação com a responsabilidade internacional do Estado. (11.c)
7.3 Direito de autotutela: sanções, sanções "inteligentes", contra-medidas, retorsão e represálias. O tratamento
jurídico internacional da intervenção humanitária unilateral e coletiva. (21.c)

10A. Responsabilidade internacional do Estado. Obrigações Primárias e Secundárias. Garantia da ordem pública
internacional. Elementos da responsabilidade internacional. Fato internacionalmente ilícito. Excludentes da
ilicitude. Imputação e espécies de atos imputados. Resultado lesivo. Nexo causal.

Nilton Santos 11/09/18

1. Responsabilidade Internacional do Estado


A responsabilidade internacional do Estado é um conceito que já foi qualificado por diversos autores
como sendo uma obrigação jurídica, situação jurídica e uma instituição pela qual o Direito Internacional
estabelece as consequências da violação de suas normas.
Instituto que visa a responsabilizar determinado Estado, ou organização internacional, pela prática de
um ato atentatório ao Direito Internacional (ilícito) perpetrado contra outro sujeito de Direito Internacional,
prevendo certa reparação (patrimonial e/ou moral) a este último pelos prejuízos e gravames que injustamente
sofreu.
Conforme jurisprudência internacional29, a responsabilidade internacional do Estado encerra um
princípio geral do Direito Internacional.
As características essenciais da responsabilidade dependem de alguns fatores básicos: primeiro, a
existência de uma obrigação jurídica internacional em vigor entre dois Estados determinados; segundo, que
tenha ocorrido um ato ou omissão que viole essa obrigação e seja imputado ao Estado responsável (fato
ilícito); e, por fim, que tenha resultado perda ou dano desse ato ou omissão ilegal.
A responsabilidade internacional visa superar o conflito existente entre condutas contraditórias de um
Estado (a aceitação de determinada obrigação e depois o seu descumprimento), engendrando o nascimento,
por seu turno, de novas relações jurídicas.
Muito embora, ainda hoje, a maior parte das regras relativas à responsabilidade internacional ainda seja
costumeira, há um projeto de normas escritas de Direito Internacional acerca do tema, elaborado pela
Comissão de Direito Internacional da ONU - Draft Articles on the Responsibility of States for Internationally
Wrongful Acts - e adotado pela Resolução 56/83, da Assembleia Geral das Nações Unidas. Tal projeto de
normas encerra soft law, não possuindo caráter vinculante.
A responsabilização do Estado/organização pode ser reclamada por intermédio de mecanismos de
solução de controvérsias existentes no cenário internacional, que incluem desde meios diplomáticos a órgãos
jurisdicionais. Os judiciários nacionais podem agir, respeitadas as imunidades existentes.

29
A Corte Permanente de Justiça Internacional consagrou esse princípio na análise dos fatos envolvendo a Fábrica de Chorzów.

101
Nos mecanismos existentes na União Européia e na Organização dos Estados Americanos (OEA),
permite-se que indivíduos pleiteiem as devidas reparações e, da mesma forma, a pessoa humana também pode
ser responsabilizada, não só penal, mas também civilmente.

2. Obrigações Primárias e Secundárias


As normas/obrigações primárias representam as regras de conduta, que se violadas, fazem nascer as
obrigações secundárias (reparação/sanção). O sentido final da obrigação secundária é o de substituir a
obrigação primária, o que pode ser feito, alternativamente, com o retorno ao status quo ante, com a reparação
de todos os danos causados e/ou, ainda, com a aplicação de pena de desestímulo ao Estado infrator.
Assim, basta que exista uma norma primária violada e todo o arcabouço do Direito internacional se
movimenta. Ou seja, a Responsabilidade Internacional aplica-se quando do descumprimento de qualquer norma
primária, acarretando a aplicação das normas secundárias.

3. Garantia da ordem pública internacional


A responsabilidade pode ser dividida em duas grandes espécies: penal e civil. É o conteúdo das
obrigações secundárias que define a natureza cível ou penal da responsabilidade do infrator.
 responsabilidade cível: as obrigações secundárias têm conteúdo reparatório de cunho patrimonial,
em regra;
 responsabilidade penal: as obrigações secundárias almejam impor sanções punitivas ao indivíduo,
como retribuição ao mal causado e prevenção à ocorrência de condutas semelhantes no futuro.
Conforme entendimento dominante, a responsabilidade em tela não se confunde com a
responsabilidade penal internacional. O instituto aqui tratado visa a reparar prejuízo (natureza civil), não a
punir o Estado/organização.
Ademais, o procedimento penal de responsabilidade internacional do Estado não está definido na seara
internacional, havendo mesmo falta de consenso na valoração dos interesses aptos a serem considerados ilícitos
penais.
OBS: ACR repudia o entendimento de que a responsabilidade internacional do Estado por violação de
obrigação internacional seja uma forma de responsabilidade civil de caráter não penal, na medida em que há
um elemento importante da responsabilização penal que pode ser apropriado no instituto, em especial no
tocante à violação de direitos humanos. É o efeito da prevenção ou desestímulo trazido pela pena criminal.

4. Elementos da Responsabilidade Internacional


Como elementos da Responsabilidade Internacional têm-se o fato internacionalmente ilícito (existência
de conduta omissiva ou comissiva que viole uma norma primária); a imputação (vinculação da conduta omissiva
ou comissiva a um Estado); o dano (moral e/ou material); o nexo causal (relação do dano com determinado fato
ilícito praticado pelo Estado).

5. Imputação e Espécies de atos


A responsabilidade internacional pode ser:
 DIRETA, decorrendo de atos do Poder Executivo do Estado30, de seus órgãos ou de seus funcionários,
do Poder Legislativo (i - a aprovação de leis que contrariem tratados; ii - a desobediência a normas
internacionais que obriguem a elaborar leis internas concernentes a determinada matéria), do Poder Judiciário
(i - Aplicação de uma lei interna em detrimento da regra de um tratado; ii - Denegação de justiça; iii -
Tratamento processual discriminatório a estrangeiros; iv - Desrespeito aos padrões mínimos de acesso ao
Judiciário etc.), de ente federado, ou, ainda, de particulares que exercem atividades em nome do Estado ou
quando o Estado tinha a obrigação de impedir e foi omisso no contexto da realização do ato por particular
(deveres elementares de “prevenção e de repressão”).
 INDIRETA, quando derivar de ações ou omissões de pessoas naturais ou jurídicas protegidas por um
Estado ou por ele representadas na ordem internacional (Ex: Municípios).

30
O ato ultra vires de determinado órgão estatal deve ser atribuído ao Estado pela sua própria conduta em escolher determinado agente, que
ultrapassou as competências oficiais do órgão. Os funcionários exercem o poder somente porque estão a serviço do Estado, que deve, então, responder
pela escolha dos mesmos.

102
6. Modos de Apuração da Responsabilidade
 Modo unilateral: autotutela. O próprio Estado lesado detecta a violação, pede a reparação, e se o
Estado infrator não atender ele mesmo sanciona.
 Modo coletivo ou institucional: são os processos internacionais de direitos humanos, feitos a partir de
um procedimento no qual há uma avaliação feita com a influência de terceiros

7. Excludentes de Ilicitude
Aceita-se no Direito Internacional excludentes de ilicitude no âmbito da responsabilidade internacional
do Estado. Essa aceitação, costumeira, foi introduzida no projeto da Comissão de Direito Internacional, que
elencou eventos, os quais, se confirmados, retiram o caráter ilícito do descumprimento de determinada
obrigação:
 legítima defesa: Consiste uma reação (proporcional) a um ataque armado, real ou iminente. Não se
trata de ato ilícito, por ser expressamente permitido pela própria Carta da ONU (art. 51). Tem função protetora,
punitiva e reparadora.
 represália: É a retaliação a um ato ilícito de outro Estado. Normalmente, não é permitida pelo DIP,
mas é admissível quando é uma resposta à violação de normas internacionais por parte de outro ente estatal.
Para que seja autorizada, requer a existência de um dano e a proporcionalidade ao gravame sofrido;
 prescrição: É a perda do direito de o Estado ou de a organização internacional reclamar a reparação de
um dano decorrente de ato ilícito de outrem;
 estado de necessidade: Refere-se à lesão a bem jurídico de outrem para salvaguardar bem jurídico
próprio. Há de ser a única maneira de proteção possível.
 contribuição do estado vítima para a ocorrência do dano ou seu consentimento à conduta do Estado
potencialmente responsável;
 força maior, caso fortuito e o perigo externo/estado de perigo (distress);
 quando o estado tomar as medidas cabíveis para evitar um dano: Sua responsabilidade pode ser
excluída ou mitigada. Ex.: ente estatal alerta a estrangeiros que não reúne condições de manter a ordem. A
mera incompatibilidade com o direito interno não exclui a responsabilidade do ente.
OBS: A invocação de uma excludente de ilicitude não prejudica o dever de indenização de danos causados e
também não prejudica a existência da própria obrigação, após o término da situação de exclusão de ilicitude. As
excludentes eliminam a ilicitude da conduta, mas o Estado lesado tem o direito de exigir reparação aos danos
causados como uma espécie de responsabilidade internacional do estado por ato lícito.

8. Reparação
Compreende o conjunto de medidas apto a eliminar todas as consequências da violação prévia de uma
norma internacional.
O princípio fundamental referente à reparação, ou remediação da violação de uma obrigação
internacional pela qual determinado Estado é responsável, foi exposto no caso da Fábrica de Chorzów, julgado
pelo Tribunal Permanente de Justiça Internacional.
A teoria geral da responsabilidade internacional do Estado estabelece que são os Estados os titulares do
direito de exigir reparação em face de violação de norma internacional.
São espécies de reparação:
 restituição (restitutio in integrum): a melhor forma de reparação31. A vítima tem direito de exigir do
autor do fato internacionalmente ilícito o retorno ao status quo ante (esse “retorno” é a essência da reparação,
mas não exclui outras fórmulas de reparação do dano causado).
 indenização: na impossibilidade do retorno ao status quo ante deve o Estado indenizar
pecuniariamente o ofendido pelos danos causados.
 satisfação: busca-se compensar o dano ao patrimônio imaterial do ofendido. Na hipótese de dano
moral, as alternativas incluem pedidos formais de desculpas, a punição dos responsáveis, ato de desagravo etc.
Referência: Caso do Estreito de Corfu, CIJ em 1949.

31
Caso do Petróleo Líbio: o árbitro Dupuy estabeleceu que a restitutio in integrum é a fórmula ideal de reparação, que
só pode ser afastada em caso de impossibilidade absoluta.

103
 obrigação de interrupção de ato ilícito continuado: o violador de obrigação internacional deve
interromper imediatamente sua conduta ilícita, sem prejuízo de outras formas de reparação. Caso Loayza
Tamayo julgado pela CIDH.
 obrigação de não-repetição de ato ilícito: obtenção de salvaguardas contra a reiteração da conduta
violadora de obrigação internacional. Caso Velásquez Rodrigues, CIDH;
 obrigação de perseguir ilícitos penais internacionais: evitar a impunidade e prevenir a ocorrência de
novas violações. Encerra o dever de investigar, processar e punir. Caso Villagrán Morales y Otros, da CIDH. O
princípio aut dedere aut judicare (extraditar ou julgar) remonta Grocius e tem como objetivo assegurar punição
aos infratores de normas internacionais, onde quer que eles estejam.

9. Ato Lícito
Cabe ressaltar que, em matéria de responsabilidade, há de se considerar não só os danos causados por
atos ilícitos, mas também por certos atos lícitos (atos não proibidos pelo Direito Internacional), que reúnem o
potencial de causar dano a outros atores internacionais. Sob essa ótica, não se fala em sanção ou consequência
jurídica pela prática de ilícito. É tipo de responsabilidade internacional objetiva!
Trata-se de atividades que importam em riscos para a vida e a integridade de pessoas e bens, a exemplo
do emprego da energia nuclear para fins pacíficos, do uso do petróleo e derivados, da exploração espacial e aos
danos ao meio ambiente em geral.
A responsabilidade internacional por ato lícito requer que se observem os seguintes requisitos: a
definição clara do dano; a concessão expressa da faculdade de a vítima exigir reparação; a “imputação” da
responsabilidade; a obrigatoriedade da constituição de seguros e/ou de garantias suplementares para as
atividades de risco reguladas; a fixação explícita de causas de limitação ou exclusão da responsabilidade; e a
indicação dos foros internos dos Estados onde as eventuais vítimas podem buscar a reparação cabível.

11C. Regime jurídico da reparação no Direito Internacional. Responsabilidade internacional individual e sua
relação com a responsabilidade internacional do Estado

Carime Ribeiro

I. Regime jurídico da Reparação no Direito Internacional

De acordo com a teoria geral da responsabilidade internacional, os Estados são os titulares do direito de exigir
reparação em face de violação de norma internacional. À luz do direito internacional dos direitos humanos,
porém, a vítima deve ser aceita como titular do direito de obter a reparação. Nesse sentido, diante de uma
violação a direitos humanos, a indenização é devida não a um Estado vítima, mas sim ao indivíduo titular do
direito protegido, que foi violado por conduta imputável ao Estado autor. O indivíduo deve ser o titular de todas
as quantias porventura fixadas, a fim de garantir a sua máxima proteção, que é o objeto das normais
internacionais de DH. Segundo a doutrina, se não fosse o indivíduo o beneficiado com tais valores, haveria
enriquecimento sem causa do Estado. Ao reparar o dano causado, o Estado cumpre sua obrigação internacional
secundária, nascida da violação de norma primária de Direito Internacional. Normas primárias x Normas
secundárias: as primárias estabelecem o conteúdo das obrigações internacionais cujo descumprimento enseja
a responsabilidade internacional do Estado. Representam as regras de conduta cuja violação faz nascer as
obrigações secundárias. São consideradas como obrigações secundárias as regras relativas à determinação,
implementação e execução da responsabilidade internacional do Estado. O sentido final da obrigação
secundária é o de substituir a obrigação primária, o que pode ser feito com o retorno ao status quo ante, com a
reparação de todos os danos causados e ainda com a aplicação de pena de desestímulo ao Estado infrator.

Reparação é o gênero do qual fazem parte as seguintes espécies: restitutio in integrum (restituição na íntegra);
indenização, satisfação; garantias de não-repetição, sem excluir outras formas possíveis. Nesse sentido, é o
posicionamento da Corte IDH. Trata-se da consequência maior do descumprimento de uma obrigação
internacional primária e pode ser conceituada como toda e qualquer conduta do Estado infrator para eliminar
as consequências do fato internacionalmente ilícito, o que compreende uma série de atos, inclusive as
garantias de não-repetição.

104
Atualmente, discute-se uma nova concepção de lucros cessantes (perda de ingressos econômicos futuros, o que
é possível quantificar a partir de certos indicadores objetivos) e danos emergentes (não corresponde à lesão
patrimonial derivada imediata e diretamente dos fatos), que seria mais adequada à dimensão da proteção
internacional dos DH. Essa nova concepção é denominada de “projeto de vida” e vem a ser o conjunto de
opções que pode ter o indivíduo para conduzir sua vida e alcançar o destino a que se propõe. O projeto de vida
diz respeito a toda realização de um indivíduo, considerando-se, além dos futuros ingressos econômicos, todas
as variáveis subjetivas, como vocação, aptidão, potencialidades e aspirações diversas, que permitem
razoavelmente determinar as expectativas de alcançar o projeto em si. Assim, seriam as violações de DH que
interrompem o previsível desenvolvimento do indivíduo, mudando drasticamente o curso de sua vida, impondo
muitas vezes circunstâncias adversas que impedem a concretização de planos que alguém formula e almeja
realizar.

Inicialmente, a vítima tem o direito de exigir do autor do ato internacionalmente ilícito a RESTITUIÇÃO NA
ÍNTEGRA. Essa forma de reparação, que corresponde ao retorno ao status quo ante, é considerada pela
doutrina e jurisprudência internacional a melhor fórmula na defesa das normas internacionais, já que permite a
completa eliminação da conduta violadora e de seus efeitos (o valor fundamental da dignidade humana tem
difícil preservação pelo uso de fórmulas de equivalência pecuniária). A CIJ, no caso Fábrica de Chorzów,
consignou a prioridade por tal forma de reparação, aceita como a melhor fórmula na defesa das normas
primárias, pois permite a completa eliminação da conduta violadora e seus efeitos. Somente na impossibilidade
da restituição na íntegra é que outras formas de reparação devem ser prestadas pelo Estado violador. A
primazia por essa forma de reparação justifica-se no fato de que, dado o conteúdo dos direitos fundamentais, é
difícil a preservação desses valores pelo uso de fórmulas de equivalência pecuniária. A eliminação de todos os
efeitos da violação é uma tarefa hercúlea, que leva à reparação do dano emergente e dos lucros cessantes.

Não sendo possível o retorno ao status quo ante, deve o Estado indenizar pecuniariamente o ofendido pelos
danos causados. (Casos da Corte0IDH em que se aplicou a indenização: Suaréz Rosero, Velasquez Rodrigues). A
INDENIZAÇÃO também pode ser utilizada como forma complementar à restituição na íntegra, se esta última for
insuficiente para reparar os danos constatados. No Caso Suárez Rosero, a CorteIDH decidiu ser impossível o
retorno ao estado anterior (impossibilidade material), visto ser a demanda relativa ao direito à liberdade e a um
processo de duração razoável. Logo, a violação de tais direitos foi reparada, no entender da Corte, pelo
pagamento de uma justa indenização. A impossibilidade material existe também quanto à reparação por danos
morais (caso Lusitânia: o fato de os danos morais serem difíceis de mesurar em termos monetários não os
tornam menos reais e nem proporcionam uma razão pela qual a vítima ou seus familiares não possam ser
compensados, ao menos financeiramente).

Outra espécie de reparação é CESSAÇÃO DO ILÍCITO: Estado violador de obrigação internacional deve
interromper imediatamente sua conduta ilícita, sem prejuízo de outras formas de reparação. A cessação da
conduta violadora do Direito Internacional é considerada exigência básica para a completa eliminação das
consequências do fato ilícito internacional, podendo servir como preservação do comando da norma primária
mediante a utilização das normas secundárias da responsabilidade internacional do Estado (Em termos teóricos,
a cessação da conduta ilícita está na encruzilhada entre as normas primárias e as normas secundárias de
responsabilidade internacional do Estado).

A SATISFAÇÃO é considerada como um conjunto de medidas, aferidas historicamente, capazes de fornecer


fórmulas extremamente flexíveis de reparação a serem escolhidas, em face dos casos concretos, pelo juiz
internacional. A satisfação foi mencionada no art. 37 do projeto de convenção sobre a responsabilidade
internacional do Estado da Comissão de Direito Internacional de 2001 como sendo uma forma de reparação
consistente no reconhecimento da violação, ou ainda na expressão de pesar, no pedido de desculpas formais
ou ainda outra modalidade semelhante, não abrangida pela restituição na íntegra nem pela indenização. São
modalidades de satisafação: a) Declaração da infração cometida e possível demonstração de pesar pelo fato,
como pedido formal de desculpas pelo ocorrido; b) Fixação de somas nominais e indenização punitiva, os
chamados “punitivedamages”, nos casos de sérias violações de obrigação internacional. O valor a ser pago é
proporcional à gravidade da ofensa. No caso das violações de DH, toda quantia apurada deve ser revertida à
vítima. O Estado infrator paga uma quantia que reflita a gravidade de sua conduta ilícita. Possui natureza

105
essencialmente preventiva e visa evitar novas violações – teoria do desestímulo, no caso de sérias violações de
obrigação internacional. O projeto definitivo da Comissão de Direito Internacional de 2001 eliminou a menção
aos punitives damages como modalidade de satisfação. c) Atos que visem a persecução dos agentes
responsáveis pelos atos imputados ao Estado violador. d) Obrigações de fazer não abrangidas nas categorias
acima mencionadas, que permitem um amplo leque de escolha ao juiz internacional. * Reabilitação: o apoio
médico e psicológico necessário às vítimas, pode ser feita mediante reinserção da vítima no meio social, através
do retorno a seu trabalho, com a anulação de todos os registros desabonadores oriundos da violação constatada
de seus direitos (caso LoayzaTamayo: vítima solicitou que a CorteDH ordenasse sua reincorporação a todas as
atividades docentes de caráter público que exercia antes de sua detenção ilegal);* Estabelecimento de datas
comemorativas em homenagem às vítimas; * Obrigações de não fazer: no Caso Hilaire, a CorteIDH condenou
Trinidad e Tobago a não aplicar determinada lei e suspender execuções baseadas na aplicação daquele diploma
normativo nacional.

GARANTIAS DE NÃO REPETIÇÃO consistem na obtenção de salvaguardas contra a reiteração da conduta


violadora de obrigação internacional, ou seja, somente quando existe a possibilidade da repetição da conduta.
Tal espécie de reparação possui caráter autônomo, pois tem natureza exclusivamente preventiva de novos
comportamentos ilícitos. A prevenção da ocorrência de novas violações contempla o chamado “dever de
investigar, processar e punir” como forma de garantia de não repetição, de modo a evitar a impunidade e
prevenir a ocorrência de novas violações. Contudo, há aqueles que inserem tal dever de persecução e punição
como forma de “satisfação”.

II. Responsabilidade Internacional individual e sua relação com a responsabilidade internacional do Estado.

Nos Sistemas onusiano, europeu, interamericano e africano, só os Estados podem ser réus perante os órgãos
judiciais ou quase judiciais de apuração de violação de direitos humanos. Não são, portanto, tribunais criminais
que julgam indivíduos autores das violações de DH. Julga-se o Estado, por sua conduta omissiva ou comissiva,
que teria proporcionado a violação de direitos protegidos.

O Direito Internacional dos DH possui faceta punitiva, a qual ordena que os Estados tipifiquem e punam
criminalmente os autores de violações de direitos humanos. Assim, o Estado pode responder
internacionalmente por sua omissão em responsabilizar penalmente o indivíduo. Nesse sentido, vários
tratados internacionais de DH possuem dispositivos que exigem dos Estados a criminalização de
determinadas condutas ofensivas aos direitos neles mencionados. Além disso, as instâncias judiciais e quase
judiciais de defesa de DH extraem, pela via hermenêutica, dos textos internacionais um dever de investigar e
punir criminalmente aqueles que violaram os DH. Este dever exige também que o Estado tipifique penalmente
a conduta impugnada para que possa investigar e punir (decorrência lógica). Nasce um novo paradigma da
relação entre o direito penal e a proteção dos DH, de ênfase na proteção da vítima e na punição dos algozes.

Com isso, o Direito Internacional dos DH exige dos Estados demandados a plena e vigorosa punição criminal
dos indivíduos autores dos delitos, o que serviria de garantia de não repetição de tais condutas. Nasce uma
responsabilidade internacional do indivíduo derivada do Direito Internacional, cujas origens remontam ao
final da 1ª Guerra Mundial, quando ficou consagrada uma nova relação entre a proteção de DH e o direito
penal, com foco, em especial, no revigorado desejo de direito internacional pela repressão penal aos violadores
de DH.

Histórico da responsabilidade internacional do indivíduo:


1) Paz de Vestfália (1648). No Direito Internacional clássico, a consolidação do Estado como epicentro das
relações internacionais após a Paz de Vestfália (1648) teve, como consequência, a restrição da responsabilidade
internacional à figura do próprio Estado. Assim, as condutas dos indivíduos (mesmo que fossem agentes
públicos) geravam apenas a responsabilidade do Estado.
2) Pós 1ª Guerra Mundial. Esse panorama começou a mudar, após a 1ª Guerra Mundial, com a fracassada
tentativa dos vencedores de julgar o Kaiser Guilherme II por crimes cometidos enquanto Chefe de Estado. A
Holanda jamais extraditou o Kaiser, que lá obtivera asilo após a Guerra, frustrando o disposto no artigo 227 do
Tratado de Versailles, que previa a criação de um “tribunal especial” para julgar as ofensas à moralidade

106
internacional e à inviolabilidade dos tratados. Ficou clara a influência da “Cláusula Martens”, que estabelecia a
proibição geral – mesmo que não expressa – de condutas na guerra que ofendessem os “princípios do direito
internacional, usos e costumes das nações civilizadas, leis da humanidade e as exigências da consciência
pública”. A pena seria determinada pelo próprio Tribunal. Até então o julgamento dos indivíduos era de
atribuição exclusiva dos Estados. A responsabilidade internacional do indivíduo despontava.
3) Período entre guerras. Houve mais uma tentativa de investigar, processar e punir indivíduos em tribunais
internacionais. A Sociedade das Nações patrocinou um projeto de convenção sobre a prevenção e repressão do
terrorismo, que contemplava a criação de um Tribunal Penal Internacional, que nunca entrou em vigor.
4) 2ª Guerra Mundial e Direito de Nuremberg. Com os episódios dos regimes totalitários na 2ª Guerra Mundial
houve mobilização dos membros da recém-criada ONU, em torno dos ideais de proteção dos DH. Tais episódios
motivaram também a criação do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, que reforçou o desejo de
combater a impunidade dos autores de tais condutas odiosas e gerou o chamado “Direito de Nuremberg”, que
consiste em um conjunto de resoluções da AGONU e de tratados internacionais voltados para a punição dos
autores de crimes contra a humanidade. Entre tais resoluções devem ser citadas as Resoluções 3 e 95 da
AGONU de 1946, que reconheceram como princípios de direito internacional aqueles afirmados durante o
processo de Nuremberg. Os Estados reconheceram expressamente a possibilidade de afastar a tradicional
imunidade dos agentes públicos para puni-los pelos crimes odiosos cometidos.
5) Resolução 3074 AGONU/73. Tal Resolução estabeleceu regras internacionais de cooperação para detenção,
extradição e punição de acusados de crimes de guerra e contra a humanidade, determinando a persecução
criminal no país da detenção do acusado ou sua extradição para países cujas leis permitam a punição (aut
dedere aut judiciare). O direito internacional passou a proibir a concessão de asilo a acusados de praticar crimes
contra a humanidade, bem como a caracterização desses crimes como crimes políticos para fins de concessão
da extradição.
6) Convenção sobre imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade (1973). Estipulou a inaplicabilidade
das “regras técnicas de extinção de punibilidade”, as chamadas “statutory limitations”, o que acarreta a
imprescritibilidade destes crimes, no que foi acompanhada pelo Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal
Internacional.
7) Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Viena (1993). Implantou, em definitivo, o dever
dos Estados de punir criminalmente os autores de graves violações de DH para que seja consolidado o Estado de
Direito, tendo sido estabelecido que os “Estados devem ab-rogar leis conducentes à impunidade de pessoas
responsáveis por graves violações de direitos humanos, como a tortura, e punir criminalmente essas violações,
proporcionando, assim, uma base sólida para o Estado de Direito”.

Fundamentos da Punição Penal para proteger os direitos humanos. Efeito dissuasório e trato igualitário.
A vontade de punir do direito internacional dos direitos humanos é reflexo de um novo paradigma dos
objetivos e dos limites do direito penal em um Estado de Direito. Esse novo paradigma envolve uma profunda
discussão sobre quais são os deveres de proteção do Estado e quais bens jurídicos devem ser protegidos pelo
direito penal. O principal marco teórico para esse paradigma é a teoria da dupla dimensão dos direitos
humanos, que afirma que os direitos protegidos possuem uma dimensão subjetiva e uma dimensão objetiva. A
dimensão subjetiva consiste na dotação de direitos subjetivos aos beneficiários da proteção; já a dimensão
objetiva é aquela que impõe deveres de proteção ao Estado. Esse dever de proteção dos DH exige que o
Estado os protejam de forma ativa contra lesões perpetradas quer por agentes do Poder Público, quer por
particulares. Assim, a dimensão objetiva dos DH acarreta a constatação de que eles não devem ser entendidos
apenas como um conjunto de posições jurídicas conferidas a seus titulares, mas também como um conjunto de
regras impositivas de comportamentos voltadas à proteção e satisfação daqueles direitos subjetivos conferidos
aos indivíduos. A dimensão objetiva faz com que direitos humanos sejam regras de imposição de deveres, em
geral ao Estado, de implementação e desenvolvimento dos direitos individuais. Esses deveres geram a criação
de procedimentos e de entes ou organizações capazes de assegurar, na prática, os DH. À dimensão subjetiva dos
direitos humanos, adicionou-se essa dimensão objetiva, que recebeu tal denominação pela sua característica
organizacional e procedimental, desvinculada das pretensões individuais.

Por que a proteção jurídico-penal dos direitos fundamentais é essencial e não pode ser substituída por outra
qualquer? Esta pergunta deve ser feita em dois momentos de invocação do direito penal pelo direito
internacional dos DH. O primeiro momento é aquele no qual se pugna pela criminalização de determinada

107
conduta violadora de DH. O segundo momento é justamente o da aplicação da lei penal já existente: por que
os movimentos de DH apoiam e incentivam o Ministério Público contra o investigado ou acusado, exigindo
punição? Quanto ao primeiro momento (o da criminalização), observa-se que a tipificação penal é tida como
essencial para que se realize o efeito dissuasório ou preventivo contra a conduta atacada. Essa é a visão dos
utilitaristas, que acreditam que o medo de uma punição penal faz com que se evite a repetição por parte do
autor da conduta (prevenção específica) e ainda se evite sua multiplicação por parte dos demais membros da
coletividade (prevenção geral). Para Cançado Trindade, “o dever dos Estados de investigação e punição dos
responsáveis por violações de direitos humanos encontra-se relacionado com o dever de prover reparações
devidas às vítimas de tais violações. É ademais, dotado de caráter preventivo, combatendo a impunidade para
evitar a repetição dos atos violatórios dos direitos humanos”. Em sentido contrário, há aqueles que criticam o
“castigar em nome dos direitos humanos”, sob o argumento de que “a opção de responder à violência
sistematicamente exercida contra os direitos humanos com a violência inerente às sanções penais é totalmente
equivocada”. Em relação ao segundo momento (o da aplicação da lei penal) há aqueles que afirmam que o
combate à impunidade dos violadores de DH relaciona-se com a eficiência do Estado e o respeito à
universalidade da aplicação da lei. A universalidade e a objetividade do ordenamento jurídico exigem que o
Estado aplique a lei para todos, impedindo que alguns escapem da punição. Por isso a defesa do fim da
impunidade dos autores de violações de DH, como nos casos emblemáticos do Carandiru, Eldorado dos Carajás,
Febem de São Paulo, transcende o desejo de se impedir repetições da conduta violadora e vincula-se à exigência
de tratamento isonômico e respeito ao Estado de Direito. Nessa linha, fica patente a existência de uma
característica democrática da tutela penal, fraturada pela impunidade seletiva dos autores de violações de DH.
Nesse sentido, sustenta LIMA LOPES que “quando os movimentos de defesa dos direitos humanos insistem na
punição dos violadores de direitos fundamentais da pessoa humana estão reafirmando o poder do Estado em
fazer valer universalmente a lei. Isto quer dizer garantir direitos e não privilégios, pois a rigor a lei beneficia a
todos”.

21C. Direito de autotutela: sanções, sanções "inteligentes", contra-medidas, retorsão e represálias. O


tratamento jurídico internacional da intervenção humanitária unilateral e coletiva.

Lilian Farias de Queiroz Pierre

I. Direito de autotutela: sanções, sanções "inteligentes", contra-medidas, retorsão e represálias

1. Direito de autotutela. O recurso às sanções unilaterais (judex in causa sua) caracteriza o atual estágio da
sociedade internacional, no qual não existe o monopólio de exercício de sanções por violações de obrigação
internacional. A possibilidade de um Estado pretensamente ofendido sancionar um Estado pretensamente
infrator surge do fato de ser a sociedade internacional uma sociedade paritária e descentralizada, na qual cada
Estado aplica os comandos normativos internacionais. Logo, como consequência, cada Estado analisa o pretenso
fato internacionalmente ilícito cometido e requer reparação ao Estado ofensor, podendo, se não atendido,
sancionar unilateralmente esse Estado. O mecanismo unilateral fatalmente acaba gerando uma situação de
impasse na qual cada Estado aplica sanções unilaterais ao outro. A solução para esse impasse é a aceitação de
mecanismos coletivos de solução de controvérsia, que asseguram uma avaliação neutra e imparcial das
condutas supostamente ilícitas (RAMOS, 2012, p. 39). Porém, a via unilateral é ainda utilizada, sendo aquela
pela qual os Estados-terceiros apelam para a autotutela (self help) e impõem ao Estado violador medidas de
retorsão e represálias, com especial ênfase para com as medidas de cunho econômico. (RAMOS, p. 328). Os
meios coercitivos de solução de controvérsias visam, em tese, a solucionar conflitos internacionais quando
fracassaram meios diplomáticos, políticos e jurisdicionais.

2. Sanções (ou meios coercitivos). Fracassados os meios pacíficos de solução de controvérsias, ou caso não
tenham sido aplicadas as medidas judiciais cabíveis para a solução do conflito entre as partes, estas poderão se
utilizar de certos “meios coercitivos” para pôr fim ao litígio, antes do início de uma luta armada (guerra) contra o
outro Estado envolvido na controvérsia. Sanção em sentido amplo é toda medida tomada como reação ao
descumprimento anterior de obrigação internacional (RAMOS, 2004, pg. 313).

108
3. Sanções “Inteligentes”. Escolha de alvos não-comerciais que afetem diretamente as elites responsáveis pelas
violações das normas internacionais. O fator-chave na decisão de empregar sanções inteligentes é a de
minimizar consequências indesejadas. A sanção inteligente é aquela que é direcionada aos agentes que
violaram o Direito internacional. Por isso, os EUA cada vez mais estão usando a sanção inteligente. Por
exemplo, ele proíbe viagem, faz listas de banimento, congelamento de bens.

4. Contramedidas. A expressão “contramedida” tende a substituir outras expressões, nem sempre precisas de
autodefesa, sanções, medidas de reação, retorsão e represália. Contramedida pode ser entendida como sanção
unilateral ou represália. As contramedidas constituem-se em atos ilícitos em si mesmo, mas que se justificam
como único meio de se combater outros atos igualmente ilícitos praticados por outro Estado, e que, por esta
particularidade, afastam a responsabilidade internacional do Estado. As contramedidas têm função protetora
(visam impedir ataques injustificados a um Estado), função punitiva (tendo em vista a reprovação do ato ilícito
internacional) e função reparadora (uma vez que obriga o outro Estado a reparar os danos causados).
(MAZZUOLI, 2011, p. 577).

5. Represálias. Representam o contra-ataque de um Estado em relação a outro, em virtude de eventual injustiça


que este tenha cometido contra aquele ou contra os seus nacionais. Distinguem-se dos atos de retorsão que
considerados em si mesmos são atos legais. O caso clássico de represália foi o caso Nautilaa, entre Portugal e
Alemanha, em 1928. Ele envolveu uma incursão militar alemã que destruiu bens na colônia de Angola, em
retaliação pela execução errônea de três alemães que estavam legalmente no território português. O tribunal,
ao discutir o pedido de indenização feito por Portugal, sublinhou que as represálias deveriam ser
suficientemente justificadas por um ato anterior contrário ao direito internacional. Atualmente essa regra deve
ser interpretada à luz da proibição do uso da força disposta no Art. 2º, 4, da Carta da ONU. As represálias que
não cheguem ao uso da força podem ainda ser praticadas legitimamente, ao passo que as que envolvem força
armada serão legais se empreendidas em conformidade com o direito de legítima defesa. Os bloqueios pacíficos
podem ser instituídos pelo Conselho de Segurança da ONU, mas já não podem ser adotados pelos Estados
depois da entrada em vigor da Carta das Nações Unidas (SHAW, 2010, pg. 843-844).

6.Retorsão: Consiste na adoção, por um Estado, de um ato hostil ou danoso , que é, entretanto, legal, como
método de retaliação contra atividades legais prejudiciais de outro Estado. Entre os exemplos incluem-se o
rompimento de relações diplomáticas e a expulsão ou o controle restritivo de estrangeiros. É uma forma
legítima de mostrar desagrado e prejudicar o outro Estado, respeitando-se, entretanto, os limites legais. (SHAW,
2010)

II. O tratamento jurídico internacional da intervenção humanitária unilateral e coletiva.

Princípio da não intervenção: A Carta da ONU é compromissória, albergando valores contrastantes. Então,
apesar de seu universalismo, o art. 2º, §7º estabelece que nada na Carta da ONU pode ser invocado para
justificar interferência no domínio reservado dos Estados. “7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará
as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou
obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio,
porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII”.

Interpretação deste dispositivo no caso de proteção aos direitos humanos: há relativização do conceito de
domínio reservado ou jurisdição interna do Estado, sob argumento de que os Estados, ao aceitarem a
internacionalização de determinados assuntos (por exemplo, assinando tratados de Direitos Humanos) não
podem reclamar “invasão da reserva de jurisdição interna”. Assim, os direitos humanos, depois de longa
aquiescência pelos Estados, não seriam “domínio reservado do Estado” nem assunto de “jurisdição interna”.

Por que os Estados aceitaram a internacionalização dos Direitos Humanos? [1] como repúdio às barbáries,
especialmente as nazistas; [2] como busca por uma legitimação interna, ou seja, os Estados querem provar para
as suas populações que não comungam, ao menos na retórica, com violação de direitos humanos. [3] como
busca por uma legitimação internacional, já que a proteção dos direitos humanos seria um elemento mínimo de

109
diálogo em um mundo de tantas polaridades; [4] como mobilização da vergonha, na qual alguns Estados
realmente buscam atender a reclamos da opinião pública interna.

Conclusão (Direitos humanos e art. 2º, §7º da Carta da ONU): se em algum momento admitiu-se que a
proteção de direitos humanos seria matéria de domínio reservado dos Estados, a própria internacionalização de
tais Direitos, muitos deles já aquiescidos pelas Nações ao longo dos anos, é suficiente para afastar a pretensão
de se impedir eventual intervenção da ONU com base no art. 2º, §7º da Carta da ONU.

R2P (Responsibility to Protect – Responsabilidade de Proteger ), uma doutrina que limita o art. 2º, §7º da
Carta da ONU (Princípio da não intervenção): A intervenção armada da OTAN para combater a limpeza étnica
no Kosovo levou os países europeus a tentarem, como justificativa, criar mais uma hipótese de uso legítimo da
força, que seria a violação maciça de Direitos Humanos, o que não vingou: admite-se ainda apenas as três
hipóteses da Carta das Nações Unidas: legítima defesa, autorização do Conselho de Segurança e
autodeterminação dos povos. Essa situação levou a debates na ONU quanto ao direito de ingerência e
redundaram na doutrina do R2P: os países continuam com seu dever primário de proteger suas próprias
populações, porém Estados terceiros tem legitimidade (obrigação erga omnes) para adotar medidas não
coercitivas a fim de proteger os direitos humanos naqueles países que falhem nesse sentido. No tocante ao uso
da força, a doutrina da R2P mantém o entendimento de que o Conselho de Segurança continua sendo o único
legítimo para autorizar o uso da força. Em outras palavras, os demais Estados da comunidade internacional, com
base na obrigação erga omnes de Direitos Humanos, podem proteger indivíduos contra violações de direitos
perpetradas pelos seus próprios Estados, mas com medidas que não envolvam o uso da força (logo, não seria
apenas processar Estados, mas também aplicar sanções econômicas, por exemplo), já que a responsabilidade de
proteger com o uso da força armada só é possível com autorização do Conselho de Segurança.

Margem de apreciação nacional, um instituto criticado da Corte Europeia de Direitos Humanos que aplica o
art. 2º, § 7º da Carta da ONU (Princípio da não intervenção): a margem de apreciação nacional é um mau
exemplo, exclusivo do sistema europeu, que consiste na abstenção de análise, pela Corte EDH, de casos
polêmicos de direitos humanos, permitindo que cada Estado do Conselho da Europa possa exercer uma
‘margem de apreciação’ sobre os contornos dos direitos protegidos. (...) a confiança nesses países possibilitava
que a Corte EDH deixasse de apreciar determinados casos, porque democracias não deixariam de proteger os
direitos humanos. (...), porém, para as minorias vulneráveis, o universalismo será mais uma palavra ao vento
caso não seja possível o acesso às instâncias internacionais, para que possam inclusive questionar as
interpretações nacionais majoritárias dos Tribunais domésticos que tenham violado direitos humanos. Por isso,
a Corte Interamericana de Direitos Humanos não aceita a teoria da margem de apreciação nacional.

RwP (Responsibility while Protecting – Responsabilidade ao Proteger), uma doutrina proposta pelo Brasil que
aplica o art. 2º, § 7º da Carta da ONU (Princípio da não intervenção): no caso da Líbia percebeu-se que a R2P
poderia estar gerando um intervencionismo muito grande, de forma que o Brasil trouxe a ideia de RwP, segundo
a qual a responsabilidade de proteger não pode servir para mascarar interesses geopolíticos, outros propósitos
que não a proteção de direitos humanos, como a mudança de regime. Assim, seria necessário, no exercício da
responsabilidade de proteger, a responsabilidade enquanto protegendo. Detalhando o caso Líbio: o Conselho de
Segurança da ONU determinou uma zona de exclusão impedindo o bombardeio dos rebeldes pelas tropas leais a
Muamar Kadaff, porém com base nessa autorização de exclusão aérea as tropas da França, Itália e Inglaterra
ajudaram na derrubada do regime.

Exceção ao RwP – implantação da democracia: a busca da democracia é atualmente uma obrigação erga
omnes, o que deslegitima a doutrina do RwP no caso da implantação de regimes democráticos.

8. DIREITO INTERNACIONAL PENAL E DIREITO PENAL INTERNACIONAL


8.1 Regime jurídico dos crimes internacionais. Os crimes de jus cogens. Crime de Agressão. Crime de Genocídio.
Crimes de guerra. Crimes contra a humanidade. Elementos dos crimes internacionais. Dever de cooperar na
investigação e persecução de crimes internacionais. (18.b)
8.2 Regime jurídico internacional do controle de armas. Não proliferação nuclear e sua fiscalização. (18.c)

110
8.3 Tribunais internacionais penais. Aspectos gerais. Princípios e características dos tribunais criados pelo
Conselho de Segurança. Tribunais Internacionais Penais híbridos. (12.a)
8.4 Direito Internacional Penal e Direito Penal Internacional: divergências e convergências. Implementação
direta e indireta do Direito Internacional Penal. Jurisdição universal e suas espécies. (11.a)
8.5 Tribunal Penal Internacional. Origem. Composição e órgãos. Jurisdição do Tribunal Internacional Penal e seus
limites. Princípios regentes. Processamento de casos. Cooperação do Estado com o Tribunal Penal Internacional.
Entrega. Penas. A Constituição e o Estatuto do Tribunal Penal Internacional. (13.b)
8.6 Transferência de sentenciados. Requisitos, trâmite e características. Tratados celebrados pelo Brasil sobre
transferência de sentenciados. Incidência de direitos fundamentais na transferência de sentenciados. (10.b)
8.8 Terrorismo e o Direito Internacional. Tratados internacionais e deliberações de organizações internacionais
sobre a repressão ao terrorismo. (14.c)

18B. Regime Jurídico dos Crimes Internacionais. Os Crimes de Jus Cogens. Crime de Agressão. Crime de
Genocídio. Crimes de Guerra. Crimes contra a Humanidade. Elementos dos Crimes Internacionais. Dever de
Cooperar na Investigação e Persecução de Crimes Internacionais.

Mariana Barreto

Legislação básica. Estatuto do TPI.

REGIME JURÍDICO DOS CRIMES INTERNACIONAIS:

Obra consultada: RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 5ª ed: 2016.

Os crimes internacionais surgiram no contexto da sociedade mundial pós 1ª Guerra, quando se denota a
formação de sua base existencial. Isto ocorreu por meio da tentativa de se julgar Chefes de Estado por crimes
cometidos durante a 1ª GM, conforme cláusula do Tratado de Versailles de 1919, o que não chegou a ocorrer.
De toda forma, despontavam as bases da responsabilidade internacional do indivíduo (somando-se à instância
de julgamento dos indivíduos pelos Estados) por influência da “Cláusula Martens” que consistia na previsão do
Preâmbulo da II Convenção de Haia de 1899 sobre as leis e os costumes em guerras terrestre, proibindo
condutas na guerra que ofendessem os “princípios do direito internacional, usos e costumes das nações
civilizadas, leis da humanidade e as exigências da consciência pública”.

A responsabilidade internacional individual foi concretizada no pós 2ª GM, por meio do Tribunal Militar
Internacional de Nuremberg, o qual criou o chamado “Direito de Nuremberg”, que passou a despontar como
sendo Princípios do direito internacional, tendo sido alcançada a punição dos autores de crimes contra a
humanidade. Assim, os Estados passaram a reconhecer expressamente a possibilidade de afastar a imunidade
dos agentes públicos.

A Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Viena de 1993 implantou, definitivamente,


o dever dos Estados de punir criminalmente os autores de graves violações de direitos humanos, com vistas a
concretizar o Estado de Direito. E, no caso de ausência de vontade ou impossibilidade de julgamento pelo
Estado, a competência para o julgamento da responsabilidade individual internacional pode ser exercida por
tribunais internacionais.

Consagrou-se, assim, uma nova forma de interação entre os DH e o direito penal, por meio de um DIDH
que visa a repressão penal dos violadores de direitos humanos, como forma de proteção destes DH.

OS CRIMES DE JUS COGENS – CRIMES DE AGRESSÃO, CRIME DE GENOCÍDIO, CRIMES DE GUERRA, CRIMES
CONTRA A HUMANIDADE:

Obra consultada: RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 5ª ed: 2016.

111
A responsabilidade internacional individual pode ser de duas espécies: por meio do Direito Penal
Internacional e do Direito Internacional Penal. Aquele regula condutas transfronteiriças nocivas, por meio de
normas internacionais e da cooperação jurídica internacional em matéria penal. Já este regula condutas que
afetam valores essenciais (jus cogens) da comunidade internacional, mesmo que não tenha impacto
transfronteiriço, por meio de normas internacionais que preveem os chamados crimes internacionais em
sentido estrito ou crimes de “jus cogens”. São crimes internacionais em sentido estrito: o crime de genocídio, os
crimes de guerra, os crimes contra a humanidade e o crime de agressão. Os crimes internacionais em sentido
estrito, por violarem normas de jus cogens, exigem do Estado o dever de julgar ou extraditar e, acaso não o faça,
com base no Princípio da Complementaridade, o julgamento perante um tribunal internacional.
Estes crimes de jus cogens passaram a ser da competência do Tribunal Penal Internacional, estabelecido
pelo Estatuto de Roma em 1998, o qual inaugurou uma justiça internacional penal permanente. Inicialmente,
apenas podiam ser julgados pelo TPI os crimes de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade,
posto que o Estatuto de Roma tinha previsto que a persecução do crime de agressão estaria suspensa, até
ulterior deliberação dos Estados-partes. Este crime já foi normativamente definido, estando ativo no Estatuto
desde 2017, todavia, o TPI só poderá julgar casos de crime de agressão ocorridos um ano após a ratificação
desta emenda por trinta Estados-partes, quantitativo que foi alcançado em 26.06.16, quando a Palestina foi o
30º Estado a ratificar esta emenda32.
A partir de 17.07.18, o TPI passou a julgar os crimes de agressão. Todavia, não podem ter que entregar
cidadãos para o julgamento por este crime os Estados que não ratificaram o Estatuto de Roma, assim como
também não se sujeitam a competência do TPI nos demais crimes, por falta de adesão. Apenas cidadãos de 35
países podem ser julgados pelo TPI por crime de agressão, em razão de terem ratificado a emenda ao crime de
agressão, também chamada de emenda de Kampala, cidade onde acordada esta emenda. O Brasil não ratificou
a emenda de Kampala em 2010, quando foi normatizada a definição do crime de agressão 33.

ELEMENTOS DOS CRIMES INTERNACIONAIS:

Obra consultada. NETO, José Cretella. Curso de Direito Internacional Penal.

A Encyclopedia of Public International Law determina que, para ser considerado crime internacional, de
acordo com o Direito Internacional costumeiro, três elementos devem estar presentes:
a) a norma que a conduta criminosa viola deve provir de tratados ou dos costumes internacionais,
inculpando o indivíduo de forma independente de lei nacional.
b) a norma que tipifica o crime deve ter sido elaborada para que o acusado seja julgado perante um
tribunal internacional, ou com base no princípio da jurisdição universal, caso julgado por um tribunal nacional;
c) a convenção internacional que determinou a responsabilidade individual pela conduta criminosa com
base no Direito Internacional costumeiro deve ter sido ratificada pela expressiva maioria dos Estados.
Pode-se identificar a internacionalidade de uma conduta na medida em que provoca consequências
internacionais, no sentido de que afeta as obrigações e/ou direitos, ou ainda, os interesses, de mais de um
Estado.
Para Stefan Glasser, o crime internacional apresenta os seguintes elementos:
a) elemento material: consistente na prática de um ato, manifestação da vontade que se projeta no
mundo exterior, provocando determinado resultado.
b) elemento legal: que consiste na tipificação da conduta, de acordo com o brocardo nullum crimen
nulla poena sine lege. Conquanto efetivamente não exista “sistema legislativo” centralizado, não é mais correto
afirmar que as normas jurídicas predominantes acerca dos crimes internacionais são costumeiras: a realidade
atual é que estas estão firmemente estabelecidas em tratados internacionais, a grande maioria dos quais
impõem aos Estados signatários a obrigação de criminalizar as condutas consideradas delituosas pelas
convenções em seus respectivos ordenamentos jurídicos internos.
c) elemento do injusto: que se refere aos ilícitos perante o direito internacional. A legítima defesa, o
estado de necessidade e as represálias afastam a ilicitude do ato.
Observação. Legítima defesa v.s represálias:

32
http://centrodireitointernacional.com.br/palestina-e-o-30o-estado-a-ratificar-as-emendas-de-kampala-ao-estatuto-de-roma-do-tpi/. Acesso: 04.09.18.
33
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2018/07/17/tribunal-penal-internacional-passara-a-julgar-crimes-de-agressao.htm. Acesso: 04.09.18.

112
Pontos em comum: ambos são atos que violam o direito; são praticados em resposta a um ato ilícito e não
geram responsabilidade dos Estados.
Diferenças: a legítima defesa se aplica no contexto de uso ilícito da força enquanto a represália pode estar
presente em qualquer outro ato ilícito; a legítima defesa somente é empregada para evitar danos provocados
pela violação do direito enquanto a represália busca punir o autor do ilícito e buscar reparação e a represália só
será lícita após decurso de prazo para atendimento de reparação pedida.
d) o elemento moral: pelo qual a culpa passa a ser subjetiva. Isso significa que a infração é um ato
culposo, e a responsabilidade passa a ser do indivíduo. A responsabilidade objetiva, em Direito Internacional
Penal, aquela que leva em conta os efeitos produzidos, foi substituída pela responsabilidade com culpa. Assim,
atualmente, o princípio válido é o da “penalidade só com culpabilidade”, sendo a culpabilidade elemento moral,
ético, psicológico, típico do indivíduo, não aplicável, por tanto, aos Estados.
e) o elemento penal: que corresponde à punição pelo sistema jurídico. Escrevia Celso de Albuquerque
Mello, em 1978: “No Direito Internacional Penal, as sanções aplicadas aos indivíduos o são pelos Estados, vez
que ainda não surgiu uma justiça internacional penal, nem existe um sistema internacional penitenciário”.
Essa situação passou a ser alterada com a criação de tribunais ad hoc para a ex-Iuguslávia e Ruanda,
como também, mais atualmente, com o surgimento do TPI, consolidando uma justiça internacional penal de
caráter permanente, ainda que funcione com base no princípio da complementaridade. Já a criação de um
“sistema internacional penitenciário”, também pode-se considerar em progresso, pois os condenados pelos
Tribunais Penais para ex-Iugoslávia e Ruanda cumprem pena em diversas penitenciárias no mundo.

DEVER DE COOPERAR NA INVESTIGAÇÃO E PERSECUÇÃO DE CRIMES INTERNACIONAIS:

Obra consultada: RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 5ª ed: 2016.

O direito internacional passou a prever, por meio da Resolução 3074 de 1973, da Assembleia Geral da
ONU, regras internacionais de cooperação na detenção, extradição e punição dos acusados de crimes de guerra
e crimes contra a humanidade, com a consequente obrigação de persecução criminal no país da detenção do
acusado ou sua extradição para países com leis que permitiam a punição, consagrando o brocardo “aut dedere
aut judiciare”. Foi estabelecido ainda a proibição de concessão de asilo a acusados de crimes contra a
humanidade, além da impossibilidade de caracterização destes crimes como sendo crimes políticos para fins de
concessão da extradição.
No mesmo ano de 1973, foi assinada a Convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes contra a
humanidade, estabelecendo a inaplicabilidade das “statory limitations”, que são as “regras técnicas de extinção
de punibilidade”, nestes crimes, previsão reproduzida no Estatuto de Roma do TPI.

QUESTÕES DE PROVA ORAL DO MPF:

27CPR - Oral - Examinadora: Denise Neves Abade 24/03/2014


 Denise Abade: Caso seja aprovado um quadro de ataque sistemático a uma população civil por meio de
tortura, o MPF pode invocar a imprescritibilidade criminal?
Resposta: Creio que sim, uma vez que o ataque sistemático contra a população civil é um dos elementos do tipo
digamos assim, não é bem o tipo, porque é uma formação mais voltada para o common law, não tem essa
noção de tipicidade estrita, da noção de crime contra a humanidade no TPI. Haveria de ser perquirir nesse caso
a existência do elemento político, que é um segundo requisito do crime contra a humanidade, se houve algum
tipo de maquinação estatal ou paraestatal que tornou possível esse ataque sistemático. A experiência mostra
que um ataque sistemático à população civil, quase que, digamos assim, em todos os casos vai ter por trás um
aparato da musculatura do Estado. Não poderia um particular, por mais meios que tivesse, promover isso, então
me parece que a resposta é positiva.

 Denise Abade: Então existem dois regimes de prescrição para o crime de tortura no direito internacional?
Estamos falando do direito internacional.
Resposta: No direito internacional? Sim, na medida em que a tortura pode ser um meio não para a execução do
crime de tortura em si, mas como um meio de execução dos crimes contra a humanidade.

113
 Quando há um impacto transfronteiriço ou transnacional nas condutas desses crimes, isso é uma exigência
para caracterização do crime internacional ou não?
Resposta: o caráter transfronteiriço é uma exigência para caracterização daqueles delitos internacionais, na
classificação do professor Bassiouni, que são aqueles crimes que tem um reflexo internacional e que a gente
pode aplicar alguns institutos de cooperação jurídica internacional. Mas para os crimes internacionais em si, eles
são crimes de jus cogens, que não exigem o caráter transfronteiriço para a sua configuração, até porque a
coletividade internacional vai estar sendo violada ainda que não tenha toda essa extensão.

18C. Regime Jurídico internacional do controle de armas. Não proliferação nuclear e sua fiscalização.

Pedro Soares

I. Considerações gerais

O desarmamento é uma das grandes causas de que têm se ocupado diversos atores internacionais, sendo
relacionado por muitos, de forma direta, com o próprio ideal de manutenção da paz.
O Direito Internacional Humanitário aplicado aos conflitos armados, o controle de armamentos e o
desarmamento seriam, nesse aspecto, importantes passos para a eliminação da guerra como mecanismo de
solução de controvérsias entre Estados. As duas Conferências da Haia (1899 e 1907) são vistas como marcos
importantes nesse sentido.
O marco principal, porém, seria a Carta de São Francisco. Além do grande destaque dado à manutenção da paz e
evitação da guerra, atribui ainda à Assembleia Geral o debate dos princípios norteadores do desarmamento e da
regulamentação dos armamentos e a formulação de recomendações a respeito.
Apesar de não haver na Carta menção ao desarmamento nuclear (por questão cronológica, já que a corrida
nuclear se iniciou pouco após), tem-se que desde o início do funcionamento das Nações Unidas a humanidade
vem procurando de forma cada vez mais intensa maneiras de abolir as armas de destruição em massa e
regulamentar os demais tipos de armamento.
Três categorias de armas são consideradas “de destruição em massa”: as armas químicas, as armas
bacteriológicas (biológicas) e as armas nucleares. Suas características tornam-nas capazes de produzir a morte
ou a incapacitação total ou parcial de grande número de pessoas, de maneira indiscriminada e dificilmente
controlável, mediante o uso de quantidades relativamente pequenas de agentes químicos, biológicos ou
explosivos nucleares, causando ao mesmo tempo graves danos materiais e/ou contaminação de vastas áreas,
além de outros efeitos nocivos correlatos.
Quanto às armas convencionais, podem ser assim definidas todas aquelas que não se prestam à destruição em
massa, embora o número de pessoas mortas por tais armas, tanto em conflitos armados internos ou
internacionais, quanto em crimes comuns e perturbações da ordem, seja muito maior do que o número
daquelas que pereceram em razão de ataques com armas de destruição em massa. A diferença, naturalmente, é
que estas últimas matam instantaneamente, ou quase instantaneamente, um grande número de pessoas,
enquanto as armas convencionais matam um número muito mais elevado de seres humanos ao longo de
períodos de tempo mais extensos.
Pode-se dizer que as armas convencionais são engenhos capazes de provocar a morte ou a incapacitação física
por meio de explosivos não nucleares (pólvora, dinamite, TNT), energia cinética (projéteis) ou substâncias
incendiárias.
A comunidade internacional tem procurado regulamentar diversos aspectos relacionados com a produção e o
uso das armas convencionais.

II. Tratado sobre o Comércio de Armas no âmbito da ONU (TCA) ou Arms Trade Treaty (ATT)

O tratado foi aprovado em abril de 2013 pela Assembleia Geral da ONU, e entrou em vigor internacional em
setembro de 2014, 90 dias após a ratificação pelo 50º signatário.
O Brasil assinou o aludido tratado em junho de 2013, tendo sido aprovado pelo Congresso Nacional em
fevereiro de 2018 e ratificado pelo Presidente da República em junho desse mesmo ano. Ainda não havia sido
promulgado internamente até o mês de agosto.

114
Panorama. O TCA regula todas as armas convencionais dentro das seguintes categorias: tanques de batalha,
veículos blindados de combate, sistemas de artilharia de grande calibre, aviões de combate, helicópteros de
ataque, navios de guerra, mísseis e lançadores de mísseis, armas pequenas e armamento leve.
Estabelece uma série de padrões e normas nas transferências (importações, exportações e doações)
internacionais de armas, o que inclui a adoção de mecanismos de análise prévia à realização dessas operações,
que pode, no limite, barrar transações comerciais de armas com países que notadamente violam direitos
humanos.
A iniciativa representa um passo importante e oportuno na luta global contra as transferências de armas ilícitas,
e significa que a questão sobre o controle das transferências de armas subiu para o topo da agenda da ONU. O
texto estabelece uma relação com a presença de armas em todo o mundo, especialmente em áreas de conflito,
com o desafio do desenvolvimento sustentável e da salvaguarda dos direitos humanos.

III. Não proliferação nuclear e sua fiscalização

As armas nucleares são aquelas cujo controle e eventual eliminação tem se revelado mais controvertido e
complexo. No curso dos esforços em busca de certa disciplina internacional sobre os materiais nucleares de uso
duplo, isto é, que pudessem ter aplicações tanto pacíficas quanto bélicas, foi proposta nas Nações Unidas, em
1953, pelo presidente norte-americano Dwight D. Eisenhower, a criação de uma organização internacional com
o objetivo de regulamentar e promover os usos pacíficos da energia nuclear. Após negociações, a Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) foi fundada, como organismo autônomo, em 1957, com sede em
Viena. Embora não seja formalmente um órgão das Nações Unidas, a AIEA apresenta anualmente à Assembleia
Geral da ONU um relatório de suas atividades e reporta também ao Conselho de Segurança quando necessário.
Tratado sobre Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Resultou da adoção de projeto pela XXV Assembleia
Geral da ONU, tendo entrado em vigor em 1970. No Brasil, o Decreto n. 2.864/1998, que promulgou o referido
instrumento internacional, entrou em vigor em 08/12/1998.
O texto do TNP é bastante simples e direto. É constituído por um Preâmbulo e onze artigos. O Preâmbulo
contém expressões gerais de intenção, mencionando inter alia os perigos da proliferação nuclear, a necessidade
de apoio ao sistema de salvaguardas da AIEA, os benefícios da exploração pacífica da energia atômica e a
intenção de conseguir em breve prazo a cessação da corrida armamentista nuclear e de dar passos eficazes no
sentido do desarmamento nuclear.
Essencialmente, o TNP não proíbe que os Estados nuclearmente armados à época de sua celebração possuam
armas nucleares, mas veda a transferência, para outros entes estatais não nuclearmente armados, de
armamento nuclear e da tecnologia que permite sua fabricação. Logo, visa evitar que novos Estados passem a
contar com arsenais nucleares, sendo obrigação destes não receber a transferência de armamentos nucleares,
não os fabricar, não obter assistência para sua fabricação.
Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina e no Caribe ( Tratado de Tlatelolco): A
preocupação com os efeitos dos testes e das armas nucleares sobre o meio ambiente e o homem levaram à
criação, em 1967, da primeira Área Livre de Armas Nucleares, abrangendo a América Latina, por meio do
tratado em foco, que veda totalmente a existência de armamento nuclear na América latina, ressalvado o uso
pacífico da energia nuclear.
O aludido Tratado proíbe o uso, fabricação, produção, aquisição de arma nuclear, dentre outras vedações, e
entrou em vigor internacional em 25/04/1969, sendo que, no Brasil, o Decreto nº 1.246/1994, que promulgou o
referido instrumento internacional, entrou em vigor em 19/09/1994.
A iniciativa foi seguida em outras regiões do mundo, como a Ásia (Tratado sobre a Zona Livre de Armas
Nucleares do Sudeste Asiático), o Pacífico Sul (Tratado da Zona Livre de Armas Nucleares do Pacífico Sul) e a
África (Tratado de Pelindaba).
Parecer consultivo da CIJ a respeito da licitude da ameaça e do uso da força e de armas nucleares . A questão
nuclear recebeu grande destaque no direito internacional no parecer em questão (a pedido da ONU e da OMS),
prolatado em 8 de julho de 1996, no qual, em suma, se admitiu a utilização soberana da ameaça ou mesmo do
uso de armas nucleares, em determinadas condições, observada a devida proporcionalidade, embora seja a não
proliferação nuclear objetivo fundamental do direito internacional.
Resolução nº 1.373/2001 do Conselho de Segurança da ONU. Versa que todos os Estados devem abster-se de
prover qualquer forma de apoio, ativo ou passivo, a entidades ou pessoas envolvidas em atos terroristas,
inclusive suprimindo o recrutamento de membros de grupos terroristas e eliminando o fornecimento de armas

115
aos terroristas, bem como exorta a todos a encontrar meios de intensificar e acelerar o intercâmbio de
informações operacionais, especialmente com relação ao tráfico de armas, explosivos ou materiais sensíveis, e
com relação à ameaça causada pela posse de armas de destruição em massa por grupos terroristas, dentre
outras determinações.

IV. Outros Tratados Internacionais relativos ao controle de armas

Arma Tratado
Projéteis explosivos que pesam
Declaração de São Petersburgo (1868)
menos que 400 gramas
Balas que se expandem ou se
Declaração da Haia (1899/07)
achatam no corpo humano
Protocolo de Genebra (1925)
Armas químicas
Convenção sobre a proibição de armas químicas (1993)
Protocolo de Genebra (1925)
Armas biológicas Convenção sobre a proibição de armas biológicas
(1972)
Armas que ferem por fragmentos que
Protocolo I (1980) à Convenção sobre Certas Armas
não são detectáveis por raios-X no
Convencionais
corpo humanos
Protocolo III (1980) à Convenção sobre Certas Armas
Armas incendiárias
Convencionais
Protocolo IV (1995) à Convenção sobre Certas Armas
Armas cegantes a laser
Convencionais
Minas, armadilhas e “outros Protocolo II, emendado (1996), à Convenção sobre
artefatos” Certas Armas Convencionais
Convenção sobre a Proibição de Minas Antipessoal
Minas antipessoal
(1997)
Protocolo V (2003) à Convenção sobre Certas Armas
Resíduos Explosivos de Guerra
Convencionais
Munições Cluster Convenção sobre Munições Cluster (2008)

Quadro disponível em: <https://www.icrc.org/por/war-and-law/weapons/overview-weapons.htm>. Acesso em


6 de setembro de 2018.

V. Demais Tratados Internacionais incorporados ao Direito brasileiro relativos ao controle de armas:

- Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, e Estocagem de Armas Bacteriológicas


(Biológicas) e à Base de Toxinas e sua Destruição de 1972 (Decreto nº 77.374, de 01/04/1976);
- Convenção sobre a Proibição do Uso Militar ou Hostil de Técnicas de Modificação Ambiental de 1976 (Decreto
nº 225, de 07/10/1991);
- Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e uso de Armas Químicas e sobre a
Destruição das Armas Químicas Existentes no Mundo de 1993 (CPAQ – Decreto nº 2.977, de 01/03/1999);
- Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Antipessoal e sobre
sua Destruição de 1997 (Decreto nº 3.128, de 05/08/1999).

12A. Tribunais internacionais penais. Aspectos gerais. Princípios e características dos tribunais criados pelo
Conselho de Segurança. Tribunais Internacionais Penais híbridos.

Carime Medrado Ribeiro

I. Gerações de Tribunais Penais Internacionais

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De acordo com o momento histórico e características comuns, os tribunais internacionais penais são
classificados em 4 gerações. Primeira geração: tribunais de Nuremberg e de Tóquio; Segunda geração: tribunais
ad hoc para Ruanda e Iugoslávia (criados pela ONU); Terceira geração: Tribunal Penal Internacional
(permanente e ex ante); Quarta geração: tribunais híbridos de Serra Leoa, Líbano e Cambodja (criados a partir
de um acordo entre Estado e ONU).

II. Tribunais internacionais penais. Histórico e aspectos gerais


A implementação direta do Direito Internacional Penal por tribunais internacionais remonta ao final da 1ª GM
(Tratado de Versailles), quando as potências vencedoras criaram um tribunal especial para julgar o Kaiser
Guilherme da Alemanha. Tal julgamento nunca ocorreu. Porém, foi rompido um paradigma: despontava a
responsabilidade internacional penal do indivíduo. Até então, o julgamento penal dos indivíduos era de
atribuição exclusiva dos Estados.

Ao final da 2ª GM em 1945, com o Acordo de Londres, foi criado o Tribunal Internacional Militar (TIM),
conhecido como Tribunal de Nuremberg, tendo como partes originais Reino Unido, Estados Unidos, União
Soviética e França, além de 19 Estados aderentes. O TIM, com sede em Berlim e julgamentos realizados em
Nuremberg, era composto por juízes indicados pelos Estados partes, não sendo possível a arguição de
impedimento/suspeição dos magistrados. Cada Estado parte também indicou acusador e defesa. No seu
principal julgamento, o TIM julgou 24 agentes do regime nazista e organizações como a Gestapo e Partido
Nazista (único tribunal internacional que julgou pessoas jurídicas). Quatro crimes foram objeto de julgamento:
crimes de conspiração praticados pelos nazistas no Holocausto (conspiracy); crimes contra a paz; crimes de
guerra e crimes contra a humanidade, desde conexos com os demais (war nexum). O fundamento da jurisdição
do Tribunal de Nuremberg, apesar das controvérsias, é o direito internacional consuetudinário de punição
àqueles que cometeram crimes contra os valores da comunidade internacional. Critica-se a falta de tipificação
clara de determinadas condutas, a natureza ex post facto do tribunal e o fato de ter sido um tribunal de
vencedores contra vencidos. A fim de consolidar o avanço do Direito Internacional Penal, a Comissão de Direito
Internacional da ONU foi chamada a codificar os princípios utilizados em Nuremberg e, em 1950, aprovou os
sete “princípios de Nuremberg”: 1) Todo aquele que comete ato que consiste em crime internacional é passível
de punição; 2) lei nacional que não considera o ato crime é irrelevante; 3) imunidades locais são irrelevantes; 4)
obediência às ordens superiores não são eximentes; 5) todos os acusados têm direito ao devido processo legal;
6) são crimes internacionais os julgados em Nuremberg; 7) conluio para cometer tais atos é crime.

Em 1946, por ato unilateral dos Estados Unidos, potência ocupante, foi criado o Tribunal Militar Internacional
de Tóquio (ou Tribunal para o Extremo Oriente). Os EUA editaram a Carta e regras de funcionamento do
Tribunal, nomearam 11 juízes, nacionais dos Aliados e os componentes da Promotoria, determinaram a lista de
acusados e a imunidade do Imperador Hiroíto e família (seletividade). Julgou-se componentes do núcleo militar
e civil do governo japonês por crimes contra a paz, de guerra e contra a humanidade, sendo exigido war nexun.

A polarização vivida durante a Guerra Fria impediu que novos tribunais internacionais fossem estabelecidos,
além dos tribunais de 1ª geração acima mencionados. A Convenção pela Prevenção e Repressão ao Crime de
Genocídio (1948) previu a instalação de um tribunal internacional, mas não houve continuidade. No âmbito da
ONU, o projeto de um código de crimes internacionais e de um tribunal internacional não conseguia o consenso
dos Estados. Só com o fim da Guerra Fria e o desmantelamento do comunismo soviético foi possível o
desenvolvimento do aspecto processual do Direito Internacional Penal, acompanhando o desenvolvimento da
parte material desse novo ramo do Direito Internacional.

III. Tribunais criados pelo Conselho de Segurança da ONU (CSONU)


O marco dessa nova etapa foi a criação de dois tribunais internacionais penais ad hoc pelo CSONU: Tribunal
Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII) e Tribunal Penal Internacional de Ruanda (TPIR). Criado pela Res.
827/1993 do CS, o TPII teve por objetivo o julgamento dos responsáveis pelas violações ao direito internacional
humanitário cometidas no território da antiga Iugoslávia. Seu Estatuto fixou a competência para julgar quatro
categorias de crimes: graves violações às Convenções de Genebra de 1949; violações às leis e costumes da
guerra; crimes contra a humanidade e genocídio. Por meio da Res. 955/1994, o CS determinou a criação do TPIR
com o objetivo de julgar as graves violações de direitos humanos, em especial o genocídio, ocorridas em Ruanda

117
e países vizinhos. Os dois tribunais têm estruturas vinculadas, pois o Procurador do TPII também atua como
órgão acusatório no TPIR; os juízes que compõem a Câmara de Apelação do TPII são também do órgão de
apelação do TPIR.

Com o TPII e o TPIR, tribunais de 2ª geração, houve a codificação dos elementos de crimes internacionais
(genocídio, crime contra a humanidade e crimes de guerra), associados ao devido processo legal e direitos de
defesa. Outro aspecto importante é o princípio da primazia da jurisdição internacional em relação à jurisdição
nacional, considerando o momento de desconfiança em relação às instituições locais e tendo em vista que os
dois tribunais foram instituídos por resoluções do CSONU (caráter vinculante). Assim, ficou determinado que
cada um desses tribunais teria primazia sobre as jurisdições nacionais, podendo, em qualquer fase do processo,
exigir oficialmente às jurisdições nacionais que abdicassem de exercer jurisdição em favor da Corte
internacional. Contudo, para evitar sobrecarga de processos nos tribunais internacionais, também foram
previstas mitigações ao princípio da primazia da jurisdição penal internacional, como no caso do art. 11 do
Regulamento Processual ou Regras de Procedimento e Prova do TPIR, que permite ao tribunal internacional
entregar o caso para julgamento por outra corte do Estado (i) em cujo território o crime foi cometido; ou (ii) no
qual o acusado foi preso; ou (iii) que tenha jurisdição e esteja disposto e adequadamente preparado para aceitar
tal caso. Na prática, então, o TPIR passou a funcionar, em certa medida, de maneira complementar aos tribunais
nacionais. Por terem sido criados por resoluções do CS da ONU (medidas vinculantes que obrigam os membros
da ONU), todos os membros da ONU estavam obrigados a cooperar com o TPII e o TPIR.

Caso Dusko Tadic. Em 1992, a Sérvia realizou diversos ataques na Bósnia Herzegovina, com o objetivo de fazer
uma limpeza étnica no território bósnio, isto é, expulsar da região ou mesmo eliminar qualquer indivíduo que
não fosse sérvio. Dusko Tadic, agente de polícia, foi um dos principais responsáveis por essa operação. Além de
coordenar um massacre de indivíduos não sérvios (em sua maioria muçulmanos), Tadic e seus pares, motivados
por xenofobia, ordenaram a transferência de alguns indivíduos para campos de concentração remanescentes da
2ª GM. Nesses campos, as vítimas foram submetidas a todos os tipos de tratamento desumano e degradante. O
TPII julgou e condenou Tadic a vinte anos de detenção pela prática de crimes contra a humanidade, graves
violações às Convenções de Genebra e violações dos costumes de guerra. O TPII reconheceu que Tadic violentou
e matou muçulmanos, croatas e outros indivíduos não sérvios na região nordeste da Bósnia. Foi reconhecida a
possibilidade de crimes de guerra sem o war nexus, superando o entendimento do Tribunal de Nuremberg.
Outros casos julgados pelo TPII: Kristic, Vasiljevíc, Kupresic et al, Blaskic, Kumarac, entre outros.

Por ter sido um dos primeiros casos analisados pelo TPII, estabeleceu bases jurisprudenciais que se mantêm até
hoje. Questões como a legitimidade do Tribunal e sua jurisdição foram definidas. Também foi uma grande
vitória dos direitos humanos, que foram entendidos – e aplicados – como costume jurídico (transcende a ideia
de soberania dos Estados e antecede a própria criação do Tribunal). Durante o julgamento, para afastar o
argumento de Tadic, que sustentava que não poderia ser punido porque não estaria assente no âmbito
internacional o conceito de crime contra a humanidade, o TPII fez uma evolução histórica do costume
internacional penal de combate aos crimes internacionais em sentido estrito e demonstrou que esse costume já
estava consolidado quando da criação do estatuto do TPII. Trata-se de caso importante para o MPF, pois
corrobora a tese de que é prescindível o war nexus para configuração de crimes contra a humanidade e o
argumento da natureza de costume internacional do crime contra a humanidade (costume internacional não é
incorporado ao direito brasileiro, ele incide diretamente no ordenamento jurídico brasileiro).

IV. Tribunais Internacionais Penais híbridos (ou mistos)


Surgiram como alternativa ao modelo dos tribunais internacionais ad hoc, criticados pela ausência de
participação da população local e falta de legitimidade das decisões no plano interno, sendo uma evolução em
relação ao conceito de primazia da jurisdição internacional. Os tribunais mistos, chamados de 4ª geração, são
criados para julgar atrocidades cometidas em um país mediante acordo entre o CSONU e o Estado – no caso do
Kosovo e do Timor Leste, a criação se deu por iniciativa exclusiva da ONU –, advindo seu caráter híbrido da
composição por juízes nacionais e internacionais (em menor número) e da localização da sua sede no próprio
país em que ocorreram os crimes. Em razão de não serem instituídos por Resolução do CSONU, os demais
membros da ONU não estão obrigados a cooperar com os tribunais híbridos. É possível, todavia, a negociação
de acordos bilaterais. Atualmente, estão em funcionamento os Tribunais para Serra Leoa, Líbano e Camboja.

118
Criado pela Res. 1315/2000, a pedido do governo local, o Tribunal Especial para Serra Leoa (TESL) foi instalado
em 2002 (sede em Freetown, capital de Serra Leoa). Tem o apoio logístico do TPI e é composto por juízes
nacionais e internacionais, sendo os acusados julgados pela prática de crimes de jus cogens (crimes contra a
humanidade e crimes de guerra) e por crimes comuns, de acordo com o direito local.

Caso Charles Taylor. Principal caso julgado pelo TESL foi o do ex-ditador da Libéria Charles Taylor, condenado -
mesmo sem nunca ter pisado em Serra Leoa - por atos praticados durante a guerra civil leonesa. A promotoria
fez onze acusações contra Taylor (entre outros, crimes contra a humanidade e de guerra perpetrados durante o
conflito em Serra Leoa). O processo foi longo, tendo sido o acusado preso em 2006. Entre 2008 e 2009, 94
testemunhas foram ouvidas e provas foram produzidas pela acusação. Entre 2009 e 2010, a defesa apresentou
provas e ouviu testemunhas. A defesa de Taylor apresentou os seguintes argumentos: compra de testemunhas
pela acusação, provas eram meramente circunstanciais, extemporâneas e produzidas fora do limite geográfico,
julgamento seletivo e eivado de interesses políticos. Em 2012, Taylor foi condenado a 50 anos de prisão pela
prática dos crimes a ele imputados. Defesa e acusação apelaram da decisão e a Câmara de Apelação manteve a
sentença condenatória. O julgamento aconteceu na Holanda por motivos de segurança, pois Taylor tinha grande
influência no continente africano (desaforamento Internacional). Temia-se que, caso o TESL fosse instalado na
região, a imparcialidade do julgamento fosse comprometida. O condenado está cumprindo pena na Grã-
Bretanha, pois a Holanda não aceitou Taylor em seu território como prisioneiro.

As Câmaras Extraordinárias do Tribunal do Camboja, com sede em Phnom Penh (Camboja), são órgãos judiciais
híbridos (juízes nacionais e internacionais), que têm jurisdição para julgar os líderes graduados da República
Democrática do Campuchea, pelos crimes de jus cogens (usando a normativa internacional sobre genocídio,
crimes de guerra e crimes contra a humanidade) cometidos pela Ditadura do Khmer Rouge de Pol Pot (1975-
1979). Após negociações entre o Camboja e a ONU, as Câmaras foram instaladas com financiamento
internacional (Resolução nº 57/228B da AG da ONU). Em 2014, Nuon Chea e Khieu Samphan foram condenados
por crimes contra a humanidade.

O tribunal híbrido para o Timor Leste (2000-2006), criado pela Administração da ONU para o Timor Leste,
julgou casos de crimes graves ocorridos no Timor em 1999. Foi composto por juízes internacionais, inclusive do
Brasil.

O Tribunal Especial para o Líbano foi criado a partir do pedido de ajuda feito pelo governo do Líbano à ONU em
2015. Foi estabelecido um tribunal com natureza internacional para julgar os responsáveis pelo assassinato do
Primeiro Ministro Rafiq Hariri, entre outros. As Resoluções do CSONU 1664/2006 e 1757/2007 estabeleceram o
Estatuto do Tribunal, sediado em Haia. O Tribunal é híbrido, composto por juízes nacionais e internacionais, mas
aplica o direito criminal libanês. Em 2015, o processo contra os acusados do assassinato do Ministro Hariri ainda
não havia terminado.

A Câmara Especial para Crimes de Guerra em Bósnia-Herzegovina foi instalada pela ONU (Gabinete do Alto
Comissariado) com o objetivo de restaurar a paz na região. A Câmara Especial foi vinculada ao Tribunal Superior
nacional e recebeu os casos remanescentes do TPII. No Kosovo, a Missão de Paz da ONU criou os Painéis
Especiais, formados por juízes internacionais, que podem ser acionados pelas partes em qualquer fase do
processo.

O Tribunal Especial para julgar o ex-líder do Chad, Hissène Habré, foi instituído a partir de um acordo firmado
entre a União Africana e o Senegal (onde se encontra Habré). O acordo se deu após a manifestação da CIJ sobre
o caso Bélgica vs. Senegal, quando se decidiu que o Senegal deveria julgar/extraditar o ex-ditador do Chad. As
acusações dizem respeito a fatos ocorridos entre 1982 e 1990, período em que Habré tomou o poder no Chad
por meio de um golpe e iniciou o massacre de oponentes. Em 2016, Habré, considerado o “Pinochet da África”,
foi condenado pela prática de crimes contra a humanidade e sentenciado à prisão perpétua.

119
11A. Direito Internacional Penal e Direito Penal Internacional: divergências e convergências. Implementação
direta e indireta do Direito Internacional Penal. Jurisdição universal e suas espécies.

Lucas Costa Almeida Dias 09/09/2018

I. Direito Internacional Penal


Tem uma relação com o DIDH. Restringe a atuação do Estado e, inclusive, do TPI. Impõe limites e garantias
penais e processuais penais, como o devido processo legal, contraditório, ampla defesa.

Mandados de criminalização: Obrigam os Estados a tipificar condutas. (i) explícitos: condutas previstas em
tratados internacionais; (ii) implícitos: a partir de casos concretos julgados pelos Tribunais Internacionais,
determina-se que o Estado atue de forma a prevenir, reprimir e julgar (caso Gomes Lund; a Corte IDH
determinou que o Estado, além de punir no caso concreto com os tipos penais existentes, também tipifique a
conduta do desaparecimento forçado).

Crimes de jus cogens: O Direito Internacional Penal regula penalmente condutas que afetam valores essenciais
para a comunidade internacional, mesmo sem nenhum impacto transfronteiriço (genocídio em uma região
interna ao Estado, por exemplo); tortura, ainda que o Estado no caso concreto não adira a nenhum tratado
internacional criminalizando a tortura, ela é entendida como crime.

II. Implementação direta e indireta do DIP


Implementação direta: O combate ao crime internacional deve ser feito, primeiramente, pelos Estados
competentes para reprimi-los.

Implementação indireta: Todavia, a partir do esgotamento dos recursos internos estatais voltados a punir essas
condutas, podem agir contra os crimes internacionais os organismos intergovernamentais, como o TPI ou
eventualmente pelo exercício de jurisdição extraterritorial: entrega para outro Estado punir. A implementação
indireta é feita pela jurisdição universal.

III. Direito Penal Internacional.


Trata-se do conjunto de normas internacionais (em geral, tratados) que regula penalmente condutas nocivas de
impacto transfronteiriço, apelando para a cooperação jurídica internacional em matéria penal. Assim, o DPI
atesta a internacionalização da produção de normas penais, com a regulação de diversos crimes transnacionais
ou transfronteiriços, como a comercialização de escravos e tráfico de seres humanos.

O tratamento normativo não é uniforme no Direito Penal Internacional: há tratados que tipificam o crime, com
as elementares; há outros que estabelecem o dever dos Estados em tipificar; ou ainda o dever de exercer
jurisdição ou extraditar, e finalmente aqueles que pressupõem a tipificação e estabelecem mecanismo de
cooperação jurídica internacional.

IV. Convergências e divergências


Ambos são ramos do Direito Internacional Público que protegem a dignidade da pessoa humana (autores e
vítimas), estabelecem a subsidiariedade da jurisdição internacional e evitam paraísos de impunidade.

O Direito Internacional Penal é o ramo do DIP que visa a reprimir atos que ofendam valores basilares na
convivência internacional. Tem como objeto preciso o combate aos chamados “crimes internacionais”, com o
intuito de promover a defesa da sociedade internacional, dos Estados e da dignidade humana contra ações que
possam provocar danos a bens jurídicos cuja proteção permite que a convivência se desenvolva dentro de um
quadro de segurança e de estabilidade, como a manutenção da paz, a proteção dos direitos humanos, a
preservação ambiental, etc.

Por outro lado, o Direito Penal Internacional é o ramo do DIP que regula a cooperação internacional no combate
à criminalidade. Visa a combater crimes ocorridos dentro dos Estados e cujo enfrentamento pode exigir o apoio
de outros entes estatais, como os ilícitos transnacionais ou atos que demandem investigações no exterior.

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Crimes que apresentam impacto transfonteiriço, segundo ACR. Implementação (in)direta do Direito
Internacional Penal o Implementação Indireta.

V. Jurisdição universal e suas espécies


Pela regra internacional da jurisdição universal, o Estado é autorizado a regular e sancionar condutas realizadas
fora de seu território, para cumprir seu dever de cooperação internacional e combate à impunidade ou ainda
para proteger valores essenciais da comunidade internacional como um todo.

Assim sendo, há dois tipos distintos de aplicação extraterritorial da lei nacional com base na regra da jurisdição
universal: (i) a jurisdição universal comum e a (ii) jurisdição universal especial.

(i) jurisdição universal ordinária, comum ou grociana: possibilidade de um Estado prescrever e julgar condutas e
indivíduos que violem valores essenciais à comunidade internacional como um todo (“aut dedere aut judicare”).
Os Estados, por economia, substituem-se uns aos outros, pois a pirataria (exemplo de Grócio) era crime para os
Estados da época. Abarca crimes que são realizados, em geral, por particulares e são amplamente reprimidos no
mundo.

(ii) jurisdição universal especial, extraordinária ou kantiana: contra os crimes de jus cogens: crimes contra a
humanidade, de guerra, de genocídio e de agressão.

A perseguição se dá, em geral, contra agentes públicos que não agem em nome próprio, mas em nome do
Estado e, muitas vezes, alegam estar cumprindo as leis locais. Assim, há um salto qualitativo: não se aplica o
brocardo “aut dedere aut judicare” justificado por razões de economia; evita-se a formação de paraísos de
impunidade. Possui duas subespécies:

ii.a) jurisdição universal especial condicionada ou imperfeita: Convenção contra a tortura, Convenções de
Genebra e exige a presença física do acusado no território.
ii.b) jurisdição universal especial incondicionada ou absoluta: é aquela que não tem nenhuma condição e pode
ser, inclusive, “in absentia”. Haveria alcance extraterritorial de leis/poderes de julgar internos e abrangeriam
autores de crimes de jus cogens em qualquer lugar do mundo.

Caso Habré: Bélgica x Senegal. Envolve a omissão do Senegal em julgar um ex-ditador do Chad (Hissène Habré)
que lá se asilou. A Bélgica alegou que o Senegal estaria violando a Convenção contra tortura (“aut dedere aut
judicare”). A CIJ condenou o Senegal (a) a criar um Tribunal especial para julgar o ditador (o que foi feito) (b) ou,
não fazendo, que o extraditasse para a Bélgica. Para a CIJ, se não houver um tratado que preveja a jurisdição
incondicionada, não se aceita norma consuetudinária em seu lugar.

13B. Tribunal Penal Internacional. Origem. Composição e órgãos. Jurisdição do Tribunal Internacional Penal e
seus limites. Princípios regentes. Processamento de casos. Cooperação do Estado com o Tribunal Penal
Internacional. Entrega. Penas. A Constituição e o Estatuto do Tribunal Penal Internacional.

Carime Medrado Ribeiro

I. Origem e aspectos gerais do Tribunal Penal Internacional (TPI)


Os tribunais internacionais penais que antecederam o TPI acabaram com a impunidade de graves crimes contra
direitos humanos e consolidaram a responsabilidade internacional do indivíduo, relativizando a centralidade do
Estado, mas, foram tribunais criados ex post facto por vencedores para julgar vencidos (parcialidade). Críticas
levaram à discussão sobre a necessidade de um tribunal permanente, para julgar fatos ocorridos após sua
criação. Assim, em 1998, foi celebrado o Estatuto de Roma, tratado internacional que criou o TPI.
Questionava-se se ele entraria em vigor, pois não cabia reservas (o Estatuto fez concessões ao permitir a
suspensão da punição aos crimes de guerra por 7 anos) e foi exigido o mínimo de 60 ratificações. Em 2002, o
número foi atingido e, hoje, são 124 Estados partes. Não são parte China, EUA, Israel, Irã e Rússia. No Brasil, foi
promulgado pelo Decreto 4.388/02. O TPI tem personalidade jurídica internacional e capacidade jurídica para o
desempenho de suas funções. É independente da ONU, mas com ela coopera (relatos anuais à AG e observa as

121
ordens do CS sobre início/suspensão de um caso). Com o TPI, a persecução dos crimes de jus cogens não
depende mais da seletividade dos Estados. A regra é que todos os Estados partes cooperem com o TPI. Mas, é
permitida a não cooperação para entrega de um estrangeiro, caso seja firmado acordo de imunidade (art. 98).
Os EUA procuram ratificar acordos para proteger seus nacionais de acusações de crimes de jus cogens, mas o
Brasil se recusa, mostrando respeito ao papel do TPI. O CSONU pode obstar o início ou continuidade de
investigação/processo em curso no TPI. Para tanto, deve aprovar resolução. Assim, por vontade política,
investigações e processos sobre crimes de jus cogens podem ser suspensos por 12 meses, renovados
indefinidamente. O TPI é um tribunal de direitos humanos? Os crimes de jus cogens protegem bens jurídicos
considerados direitos humanos por textos internacionais e o TPI destaca a proteção às vítimas de graves
atrocidades, além de reconhecer o dever dos Estados no combate à impunidade. Não se pode reduzir o Estatuto
a um conjunto de regras instituidoras de uma Corte internacional permanente, devendo reconhecer que ele
integra o conjunto de tratados internacionais protetivos de direitos humanos.

II. Princípios e competência (ratione materiae, loci, personae e temporis) do TPI


São princípios do TPI: a) complementaridade (art. 1º) – a jurisdição do TPI é excepcional e complementar,
sendo exercida em caso de manifesta incapacidade/falta de disposição do sistema judiciário nacional para
exercer a jurisdição primária. Estados terão primazia para processar os crimes previstos no Estatuto do TPI; b)
responsabilidade criminal individual e subjetiva – TPI julga apenas pessoas físicas, sendo a nacionalidade
irrelevante. Excluem a responsabilidade as circunstâncias do art. 31 do Estatuto (enfermidade, deficiência
mental ou intoxicação, desde que privem a pessoa da sua capacidade de avaliar a ilicitude ou a natureza da
conduta ou de controlá-la; legítima defesa de si ou de outrem; coação decorrente de uma ameaça iminente de
morte ou de ofensas corporais graves para si ou para outrem; erro de fato, se eliminar o dolo), o ERRO DE
DIREITO poderá ser considerado fundamento de exclusão de responsabilidade criminal se eliminar o dolo
requerido pelo crime ou se decorrer de decisão emanada do superior hierárquico (art. 32) e a OBEDIÊNCIA A
ORDENS SUPERIORES não exclui a responsabilidade, salvo em determinadas condições (quando a pessoa
esteja obrigada por lei a obedecer as decisões superiores; quando a pessoa não tenha conhecimento da
ilegalidade; quando a decisão não for manifestamente ilegal); c) ne bis in idem – ninguém poderá ser julgado
pelo TPI por atos pelos quais já tenha sido condenado/absolvido. Além disso, ninguém poderá ser julgado por
outro tribunal pelos crimes de competência do TPI, se já tiver sido julgado por este (exceção: o TPI pode julgar
um indivíduo que já tenha sido julgado por outra corte, se isso aconteceu com o objetivo de subtrair o acusado à
sua responsabilidade por crimes de competência do TPI ou não tenha sido conduzido de forma
independente/imparcial e em conformidade com as garantias processuais reconhecidas pelo Direito
Internacional, ou, ainda, quando o feito tenha tramitado de maneira incompatível com a intenção de submeter
a pessoa à ação da Justiça); d) irrelevância da qualidade oficial – aplica-se o Estatuto de Roma “de forma igual a
todas as pessoas, sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de
Chefe de Estado ou de Governo, membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de
funcionário público em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal, nem constituirá de
per se motivo para a redução da pena” (art. 27); e) princípio da punibilidade da tentativa.

O TPI é competente para examinar 4 TIPOS DE CRIMES, desde que sejam de maior gravidade e afetem a
comunidade internacional em seu conjunto: crimes de guerra, contra a humanidade, de agressão e genocídio.
No âmbito espacial, a jurisdição do TPI pode ser exercida quando o crime for cometido no território de
QUALQUER ESTADO PARTE, por um nacional do Estado-parte, ou ainda por meio de declaração específica do
Estado não contratante (acordo especial). O TPI também pode exercer sua jurisdição sobre atos que tenham
sido praticados em navio/aeronave matriculados em Estado-membro ou que a este se submete. Exceção: pode
o CSONU adotar resolução vinculante adjudicando o caso ao TPI (Casos Darfur e Kadafi). A competência do TPI
abrange “as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional” (art. 1º) e que, à
data da prática do ilícito, tenham 18 anos (art. 26). A competência do TPI abrange apenas atos cometidos após a
entrada em vigor do Estatuto (2002), ou, para os Estados que o aderirem posteriormente, depois da entrada em
vigor do Estatuto para esses países, salvo se tenham aceitado anteriormente a competência do TPI para apreciar
determinado ato.

III. Composição (18 juízes, mandato de 9 anos, sem recondução) e órgãos do TPI (Presidência, Divisão Judicial,
Procuradoria, Secretariado)

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Composição do TPI: 18 juízes, eleitos pelos Estados Partes para um mandato de 9 anos (não podem ser
reeleitos). Devem ser escolhidas pessoas de elevada idoneidade moral, imparcialidade e integridade, que
reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus países. No caso do Brasil, são
exigidos os requisitos para o cargo de Ministro do STF. Os juízes devem ser eleitos para preencher,
isonomicamente, duas categorias: “lista A”, que é composta por pessoas com experiência em Direito Penal e
Processo Penal; “lista B”, que é composta por pessoas com competência em matérias relevantes de Direito
Internacional (humanitário e humanos). Na seleção dos juízes, deve-se buscar uma composição representativa
dos principais sistemas jurídicos do mundo, uma representação geográfica equitativa e uma representação
justa de juízes dos sexos feminino e masculino. Em 2002, o Brasil indicou Sylvia Steiner, ex-MPF, eleita para a
primeira composição do TPI. Em 2014, foi indicado o Professor de DIP Leonardo Nemer Caldeira Brandt que,
contudo, não foi escolhido pela Assembleia dos Estados Partes. São órgãos do TPI: a) Presidência; b) Divisão
Judicial - os juízes são divididos em três seções (Juízo de Instrução, Juízo de Julgamento em 1ª Instância e Juízo
de Apelação); c) Procuradoria - o Ministério Público do TPI é chefiado pelo Procurador, que tem independência
funcional e é órgão autônomo do Tribunal. Cabe ao Procurador receber comunicações sobre crimes da
competência do TPI, promovendo investigação, desde que autorizado pelo juízo de instrução, e ação penal. É
eleito pela Assembleia dos Estados Partes para mandato de nove anos, não renovável. Desde 2012, a gambiana
Fatu Bensouda é a Procuradora do TPI; d) Secretariado - subordinado à Presidência, administra o TPI em
assuntos administrativos e é responsável pela criação/administração de uma unidade de apoio às vítimas e
testemunhas.

IV. Processamento de casos e cooperação dos Estados com o TPI


O início da investigação pode ser: a) por iniciativa do Procurador (motu proprio); b) por remessa de um Estado
Parte ou por declaração específica de Estado não Parte (Procuradoria não está vinculada); c) por decisão do
CSONU (abrange crimes ocorridos em Estados não contratantes e obriga o Procurador a investigar). Caso a
Procuradoria concorde com a notícia do Estado e nos casos de investigação ex officio, o Procurador notificará os
Estados Partes e os Estados que, em tese, teriam jurisdição sobre os fatos. Tal notificação pode ser confidencial
e, se for necessário para proteger pessoas, impedir destruição de provas ou fuga, poderá ser limitada. Estados
terão 1 mês para informar o Tribunal acerca de eventual investigação em curso sobre os mesmos fatos. A
Procuradoria poderá transferir o inquérito para o Estado que já esteja investigando os fatos ou poderá requerer
ao Juízo de Instrução autorização para inquérito no TPI. A transferência do inquérito poderá ser reexaminada
pelo Procurador em 6 meses ou, a todo o momento, quando ocorra alteração significativa de circunstâncias, por
falta de vontade ou incapacidade efetiva do Estado de conduzir o inquérito. Contra decisão do Juízo de
Instrução, Estados e Procuradoria podem recorrer para o Juízo de Recursos. Quanto ao processamento do feito
criminal, o Estatuto do TPI dispõe sobre juiz natural, direitos do acusado, incluindo a presunção de inocência, e
sobre a coleta de provas. Em relação à atividade pré-processual, o Estatuto estipula regras relativas à prisão
provisória. A sentença do TPI é obrigatória e será proferida por unanimidade ou por maioria de votos dos juízes
do Juízo de Julgamento em 1ª Instância. As DELIBERAÇÕES SERÃO SECRETAS, mas a sentença será proferida em
AUDIÊNCIA PÚBLICA, sempre que possível, na presença do acusado. A sentença é recorrível, fundada em vício
processual, erro de fato/direito, ou qualquer outro motivo que possa afetar a equidade/regularidade do
processo (só em benefício do condenado). O Procurador ou o condenado poderão interpor recurso invocando a
desproporcionalidade da pena. A Corte pode determinar que os valores e obens recebidos a título de multa
sejam transferidos ao Fundo de Reparação em benefício das vítimas (art.79). A pena imposta poderá ser de até
30 anos, pena de prisão perpétua (se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o
justificarem) e multa (perda de produtos, bens e haveres provenientes, direta ou indiretamente, do crime, sem
prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boa-fé). As penas podem passar por revisão a favor do
sentenciado após 2/3 do seu cumprimento e, a perpétua, poderá ser revista após 25 anos de cumprimento.

Quanto à cooperação jurídica internacional, os Estados partes deverão cooperar com o TPI (art. 86), por meio
de atos de instrução (obtenção de documentos, oitiva de testemunhas, comparecimento de peritos e
testemunhas, perícia, proteção de testemunhas, preservação provas, arresto de bens e produtos frutos do
crime), de captura e entrega de indivíduos e de execução da pena fixada pelo Tribunal, medidas adotadas com
base no direito interno do Estado requerido. Além disso, o TPI poderá convidar Estado não parte a prestar
auxílio com base em convênio ad hoc. Não há imunidade que possa ser oposta pelos Estados, salvo quando
Estados-partes tiverem acordo específico de imunidade com terceiro Estado quanto a determinada pessoa.

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Caso o acusado pelo TPI esteja sendo processado ou tenha sido condenado pela jurisdição de um Estado, cessa
a competência do TPI, salvo quando o julgamento local tiver sido feito para obter a impunidade do autor ou
quando a investigação/processo demorar muito para ser concluído. Nesse caso, há conflito positivo entre as
jurisdições do TPI e a local, a ser julgado pelo TPI, ouvidos o Estado interessado e a Procuradoria, não podendo
a coisa julgada local ser oposta ao TPI, pois ao Direito Internacional interessa a efetividade da punição. Não há
ofensa ao non bis in idem quando a coisa julgada local foi obtida em típico caso de simulação, com fraude à lei.
O vício insanável torna inoperante o efeito de imutabilidade e permite o processo internacional. Não há
identidade dos elementos da ação entre as causas nacional internacional. O pedido e a causa de pedir, no plano
internacional, são amparados em normas internacionais, o que não ocorre com a causa doméstica.

V. A Constituição brasileira e o TPI


Algumas “supostas” incompatibilidades entre o Estatuto de Roma e a CRFB/88: a) entrega ao TPI X vedação da
extradição do brasileiro nato –extradição é diferente do ato de entrega. Extradição é termo reservado ao ato de
cooperação jurídica internacional penal entre Estados soberanos. Já a entrega (surrender) consiste no
cumprimento de ordem de organização internacional de proteção de direitos humanos (TPI). O brasileiro não
estaria sendo remetido a outro Estado, mas a uma organização internacional da qual o Brasil faz parte. Logo,
não há óbice constitucional ao cumprimento de ordem de detenção e entrega de acusado brasileiro nato ao TPI;
b) Imprescritibilidade dos crimes do Estatuto de Roma X racismo e ação de grupos armados como únicos
crimes imprescritíveis na CRFB/88 - é necessário diferenciar extradição e entrega. Para a extradição o crime
pode ser considerado prescrito, mas, para a entrega, não. Essa diferenciação está nos Princípios de Nuremberg,
norma consuetudinária que vincula o Brasil: “o fato de a lei interna não estipular pena para um ato consistente
em crime de Direito Internacional não exime o criminoso de sua responsabilidade perante o Direito
Internacional”; c) pena de caráter perpétuo X necessidade de comutação em pena privativa de liberdade não
superior a 30 anos - no caso da entrega, essa exigência não poderia ser imposta por dois motivos: há hipótese
de revisão da pena após 25 anos de cumprimento e, em segundo lugar, a vedação da extradição nesses casos foi
uma construção do STF para impedir a cooperação fora de determinados padrões de respeito a direitos
humanos (no caso, pena excessiva). O TPI é justamente um tribunal para proteção dos direitos humanos por
meio da punição daqueles que violaram valores essenciais da comunidade internacional; d) non bis in idem X
complementaridade – TPI pode decidir pela prevalência da jurisdição do Tribunal, mesmo que já exista coisa
julgada absolutória nacional, caso entenda que essa absolvição foi forjada ou inapropriada, podendo julgar o
indivíduo de novo. Faz parte da complementaridade e não viola o princípio do non bis in idem (art. 5º, XXXVI); e)
Imunidades da CRFB/88 X TPI não reconhece qualquer imunidade (art. 27) – a Constituição não pode ser
interpretada em tiras. Deve-se conciliar a existência das imunidades com a aceitação da jurisdição internacional
penal, o que pode ser feito pela separação: imunidades constitucionais são aplicadas nacionalmente e não pelo
TPI.

VI. O STF e o TPI


Importante precedente é o pedido de entrega do Ditador do Sudão, Al-Bashir (Pet 4625). Trata-se de caso de
cooperação TPI/Brasil (cooperação internacional vertical). O Poder Executivo utilizou, por analogia, a previsão
de competência do STF para apreciar e deferir os pedidos de extradição passiva. Em 2013, o PGR manifestou-se
pela incompetência do STF para processar e julgar o pedido de cooperação do TPI, ante a enumeração taxativa
do art. 102, I, da CR. No mérito, o PGR opinou pela procedência do pedido, haja vista a constitucionalidade do
Estatuto de Roma e sua plena recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo citado, entre outros
dispositivos, o art. 7º do ADCT (que trata do apoio à criação de um tribunal de direitos humanos). Para o MPF
(para ACR também), a competência para processar pedido de cooperação do TPI é da Justiça Federal .
Compete aos juízes federais processar e julgar as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado
estrangeiro ou organismo internacional. Assim, quando o pedido do TPI exigir a intervenção do Judiciário
(como ocorre no caso da ordem de prisão para entrega), será competente o juiz federal de 1ª grau. Caberá ao
MPF a provocação para que seja implementada a ordem internacional, sem que seja apreciado o mérito da
causa. Essa atribuição do parquet está em sintonia com o art. 127 e seguintes da CR.

VII. Casos julgados pelo TPI


De acordo com dados de 2016, tramitam perante o TPI 23 casos, com 29 pessoas indiciadas, todas de países
africanos (surgindo a crítica do foco excessivamente em situações na África pelo Tribunal). Atualmente, o

124
Gabinete da Procuradoria conduz investigações preliminares de crimes ocorridos nos seguintes territórios:
Afeganistão, Colômbia, Geórgia, Guiné, Nigéria, Ucrânia, Iraque e Palestina. Ela busca evitar a estigmatização
de, até agora, só ter acionado o Tribunal em casos ocorridos no continente africano. Em setembro de 2016, o
Gabinete da Procuradora do TPI divulgou sua política de “seleção e priorização” dos casos a serem
eventualmente investigados e processados. Chamou a atenção, na linha do julgamento “Mahdi”, a inclusão,
como critério de gravidade, o impacto da conduta criminosa sobre o meio ambiente.

1) Caso Thomas Lubanga Dyilo. O primeiro julgamento ocorreu em 2012, com a condenação de Dyilo por crime
de guerra (alistamento forçado de crianças – child soldier), a 14 anos de prisão. Lubanga Dyilo é um ex-líder de
um dos maiores movimentos revolucionários da República Democrática do Congo. Após diversas denúncias da
comunidade internacional de que Lubanga estaria realizando o aliciamento e recrutamento de crianças menores
de quinze anos para compor os quadros de seu grupo revolucionário — e após infrutíferas tentativas de resolver
o problema na jurisdição doméstica, o presidente congolês, Joseph Kabíla, remeteu o caso ao procurador do TPI
em 2004. Diversos foram os aspectos considerados na condenação, entre eles a vulnerabilidade das crianças
recrutadas para guerra e os danos causados às vítimas e às suas famílias. Atualmente, Lubanga Dyilo cumpre
pena no centro de detenção em Haia. Como já estava detido desde 2006, este período será descontado da pena
estipulada pelo TPI. 2) Caso Mathieu Ngudjolo Chui. Fatos relacionados ao "Massacre do Bogoro", no qual a
Força de Resistência Patriótica em Ituri atacou a aldeia de Bogoro, na República Democrática do Congo. A
Procuradoria acusou Chui e outras pessoas (entre elas, Germain Katanga), de cometer crimes de guerra e contra
a humanidade durante o massacre. Em 2012, a 2ª Câmara de Julgamento do TPI absolveu Mathieu Ngudjolo
Chui de todas as acusações, por considerar que a promotoria não conseguiu reunir provas suficientes contra
Chui. Em 2015, a Câmara de Apelação do TPI manteve a absolvição. O TPI se comprometeu a continuar
protegendo testemunhas em risco em razão de seus depoimentos no caso. 3) Caso Germain Katanga. Em 2014,
houve a segunda condenação, de Germain Katanga, por cumplicidade em crimes contra a humanidade no
chamado “massagre de Bogoro” (Congo), no qual cerca de 200 pessoas foram assassinadas, com estupros de
mulheres e submissão de crianças a alistamento forçado. Katanga foi condenado a 12 anos de prisão, tendo sido
absolvido da prática dos estupros e alistamento forçado de crianças. Como forma de se eximir da acusação por
crimes contra a humanidade, a defesa de Katanga alegou que o ataque contra a aldeia de Bogoro havia sido
motivado por razões militares, fato que foi prontamente rejeitado pelos juízes do TPI. No mérito, os juízes do
Tribunal Penal Internacional, por maioria de votos, condenaram Katanga a uma pena de doze anos pela prática
de crime contra a humanidade e de outros quatro crimes de guerra; assassinato, ataque contra a população
civil, destruição de bens e pilhagem. Do quantum de doze anos estabelecido pelo TPI, Símba já havia cumprido
quase sete anos à época da sentença. Na fixação do quantum da pena, os juízes do tribunal consideraram como
atenuantes significativos o fato de Katanga ser pai de 6 filhos e a sua contribuição com os procedimentos do TPI.
O recurso de apelação ainda não foi julgado. 4) Caso Jean Pierre Bemba. Em 2016, houve a terceira
condenação, de Jean-Pierre Bemba Gombo, condenado por dois crimes contra a humanidade (homicídio e
estupro) e três crimes de guerra (homicídio, estupro e pilhagem) no contexto do conflito armado não
internacional da República Centro-Africana entre 2002 e 2003, quando estava no comando do Movimento de
Libertação do Congo (MLC). Bemba foi condenado a 18 anos de prisão. Trata-se do dirigente político de mais
alto nível a ser condenado pelo TPI. As atrocidades imputadas a ele foram feitas pelo seu exército privado, o
MLC, enviado para a vizinha RCA no final de 2002 para acabar com um golpe contra o Presidente Patassé, onde
desencadearam uma campanha de terror que durou cinco meses, destinada a esmagar qualquer resistência
àquele governo. Segundo o TPI, Bemba não só tolerou crimes como comandante, mas agiu deliberadamente
para encorajar ataques dirigidos contra a população civil. Aplicou-se a teoria do domínio da posição e também
da irrelevância da qualidade oficial. 5) Caso Ahmad Al Faqi Al Mahdi. Em 2016, o TPI condenou um extremista
do Mali pela destruição de monumentos históricos e religiosos na cidade de Timbuktu em 2012. O membro
vinculado à Al-Qaeda foi condenado a 9 anos de prisão por ter cometido um crime de guerra (destruição dolosa
de nove mausoléus e a porta secreta da mesquita de Sidi Yahia, localizada em um sítio considerado patrimônio
cultural da UNESCO). Foram levadas em consideração circunstâncias atenuantes, em especial a confissão,
cooperação do acusado com a Procuradoria, reconhecido remorso e sua relutância inicial em cometer os crimes.
Foi a primeira vez que o TPI condenou indivíduo por crime de guerra na espécie “ataque a bens protegidos”. 6)
Caso Omar Al Bashir (Caso Darfur). O precedente versa sobre o conflito instaurado na região de Darfur/Sudão,
em 2003, quando grupos de oposição ao governo central realizaram um ataque no aeroporto da localidade de El
Fasher, como forma de exprimir suas insatisfações políticas, econômicas e sociais. Em resposta, um mês após o

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ataque, o governo sudanês, liderado por Omar Al Bashir, com apoio da milícia janjaweed, bombardeou e atacou
vilarejos, matando civis, estuprando mulheres e roubando bens e terras. O caso chegou ao TPI após denúncia
formulada pelo CSONU e ainda está pendente de julgamento. O Brasil recebeu do TPI um mandado de captura
e detenção (Pet. 4625 - pedido de cooperação internacional vertical. Enquanto o STF entende que é da sua
competência decidir sobre tal medida, a PGR entende que se trata de competência da justiça federal de
primeiro grau (posição de ACR).

10B. Transferência de sentenciados. Requisitos, trâmite e características. Tratados celebrados pelo Brasil sobre
transferência de sentenciados. Incidência de direitos fundamentais na transferência de sentenciados.

Mariana Barreto
Obras Consultadas. RAMOS, André de Carvalho. Caderno de 2014. Página do Ministério da Justiça (http://justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-
internacional/transferencia-de-pessoas-condenadas), acesso em 05.09.18. ABADE. Denise Neves. Direitos Fundamentais na Cooperação Jurídica
Internacional. 2013.
Legislação básica. Lei 13.445/2017 (Lei de Migração), arts. 103 a 105.

TRANSFERÊNCIA DE SENTENCIADOS:
Consiste em espécie de cooperação jurídica internacional na qual um determinado Estado executa, em
seu território, sentença penal oriunda de outro Estado. Principais fundamentos: impedir que questões relativas
à nacionalidade ou cidadania gerem impunidade, tendo em vista determinadas condicionantes estabelecidas
quanto à extradição, e questões humanitárias. Segundo a Lei da Migração (Lei 13.445/2017), que revogou o
Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980) e a Lei da Nacionalidade (Lei 818/1949), o pedido de transferência de
sentenciado deve se fundamentar em tratado ou promessa de reciprocidade, sendo esta com base no art. 26,
§1º do CPC.
Essa é uma modalidade de cooperação jurídica internacional do século XX, teve início nos anos 50 na
Europa e depois se espalhou pelo mundo. A lógica é uma lógica humanitária. Então, diferentemente das demais
formas de Cooperação Jurídica internacional, exige uma tríplice anuência: Estado requerente, Estado requerido
e indivíduo sentenciado. Hoje temos uma convenção interamericana de transferência de presos. Cada vez mais
o Brasil celebra esses tratados com os países. O controle da execução é feito pelo Estado receptor e não pelo
Estado que envia. Este último fica apenas com a certeza de que a sentença não vai ser rescindida, não vai
ocorrer a anistia, não vai ocorrer a graça. Mas a execução é feita pela legislação do Estado receptor. E isso gera,
claro, alguns murmúrios de correntes que entendem que, por exemplo, se transfere para o Canadá ele pode
colocar em regime aberto.
O primeiro tratado acerca do reconhecimento e execução de sentenças penais condenatórias
estrangeiras data de 1948, firmado entre Dinamarca, Noruega e Suécia. Basicamente regulava a execução
referente às multas, confisco de bens e pagamento de custas. Em 1963 tal acordo serviu de base a outro, agora
firmado entre Finlândia, Islândia, Noruega, Suécia e Dinamarca, que permitiu a execução de penas privativas de
liberdade. O Conselho da Europa estimulou a formulação de tratados sobre este tema, citando-se como
exemplos: 1964. Convenção Europeia sobre Supervisão de Sentenças de Livramento Condicional; 1970.
Convenção Europeia sobre a Validade Internacional dos Julgamentos Criminais.
Na década de 70, ainda no âmbito das discussões acerca da execução de sentenças penais estrangeiras,
desenvolveu-se a temática da transferência de presos. Este tema passou a efetivamente fazer parta da pauta de
interesse da ONU a qual, por meio da Declaração de Caracas (Res. AGONU 35/171) tratou de vários tópicos
sobre prevenção e punição de crimes, vindo também a abordar a transferência de presos.
O instituto de Transferência de Pessoas Condenadas (TPC) para cumprimento de pena em
estabelecimentos prisionais em seus países de origem tem cunho essencialmente humanitário, pois visa à
proximidade da família e de seu ambiente social e cultural, importante apoio psicológico e emocional facilitando
sua reabilitação após o cumprimento da pena. A ONU tem insistido quanto à imprescindibilidade de tal
cooperação, dirigindo esforços para difundir a TPC como método moderno de reeducação para fortalecer a
reconstrução pessoal do preso diante da perspectiva de futura vida livre no convívio social.
A transferência de condenados difere da extradição executória pelo fato daquela ser voluntária.
Classificação. A transferência de presos pode ser analisada sob dois enfoques:
a) Ativa: um brasileiro preso em outro país, cumprindo pena, imposta por sentença estrangeira, já transitada
em julgado, solicita ser transferido para estabelecimento carcerário do Brasil, próximo de seus familiares e
ambiente social.

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b) Passiva: um estrangeiro preso no Brasil requer o translado para seu país de origem, a fim de cumprir o
restante da pena a ele imposta, por sentença firme, pela justiça brasileira.
Requisitos. Os requisitos são previstos na Lei de Migração (L. 13.445/17):
I - o condenado no território de uma das partes for nacional ou tiver residência habitual ou vínculo
pessoal no território da outra parte que justifique a transferência;
II - a sentença tiver transitado em julgado;
III - a duração da condenação a cumprir ou que restar para cumprir for de, pelo menos, 1 (um) ano, na
data de apresentação do pedido ao Estado da condenação;
IV - o fato que originou a condenação constituir infração penal perante a lei de ambos os Estados;
V - houver manifestação de vontade do condenado ou, quando for o caso, de seu representante; e
VI - houver concordância de ambos os Estados.
Outros requisitos podem ser previstos nos respectivos tratados de TPC.
Quanto ao consentimento do condenado e dos Estados envolvidos: É possível o sentenciado fazer o
pedido de transferência e não ter tal pedido deferido, o qual exige a concordância do Estado que proferiu a
condenação, sob o argumento de preservação de sua soberania. Este possível imbróglio envolvendo questões
de soberania foi retratado no Brasil no Caso Lamont, onde Christine Lamont e David Spencer, cidadãos
canadenses, foram aqui condenados por sequestro de empresário em São Paulo, em 1989. Após esta
condenação Brasil e Canadá iniciaram as tratativas para formulação de tratado de transferência de
sentenciados, o que se efetivou em 1998. A mídia afirmou que houve influência do Canadá em retirar os seus
nacionais das prisões brasileiras, em afronta a soberania deste último. No entanto, mesmo após esse tratado, o
Brasil figurou em diversos outros, sempre acrescentando cláusula sobre a facultatividade e não obrigatoriedade
da transferência.
Atenção para a dupla tipicidade (art. 104, IV, Lei 13.445/17), geralmente também prevista nesses
tratados, a qual é alvo de críticas por Denise Abade, pois considerando os objetivos do instituto em questão
(melhor ressocialização do sentenciado e demais questões humanitárias), não seria importante o fato de o
Estado recebedor não ter tipificado a conduta.
Trâmite dos Processos. O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional
(DRCI) é o órgão do Ministério da Justiça responsável pelos trâmites de todos os processos administrativos para
fins de transferência de pessoas condenadas e é ele quem realiza a análise de admissibilidade do pedido. O
procedimento vem regulado na Portaria 89/2018 MJ.
Sob a vigência do Estatuto do Estrangeiro, revogado pela referida Lei de Migração, o procedimento de
transferência de sentenciado era da competência exclusiva do Poder Executivo, em que pese envolver
cumprimento de pena imposta pelo Poder Judiciário. A despeito de não haver muita doutrina acerca do tema,
entende-se que o entendimento será mantido com esta nova lei, por ser compatível com a normatização do
instituto. Esta é a posição do STJ, em adoção ao Parecer do MPF no HC 117.483:
HABEAS CORPUS – TRANSFERÊNCIA DE PRESO PARA A REPÚBLICA PORTUGUESA:
QUESTÃO DE NATUREZA EXECUTIVA – TRATADO INTERNACIONAL PROMULGADO PELO
DECRETO Nº 5.767/06. 1) HC impetrado contra decisão de Tribunal de Justiça, que não
conheceu da impetração de mandado de segurança, em que se pretendia ordem
determinando ao Secretário de Administração Penitenciária do estado que processasse
o pedido de transferência do sentenciado para seu país de origem, Portugal. Pedido de
HC ao STJ para "a transferência imediata do paciente para a República Portuguesa". 2)
A decisão de transferência de preso de um país para outro é de natureza executiva, e
não jurisdicional, ainda que a autoridade do Executivo condicione a efetivação da
transferência à liberação do preso pelo Judiciário. 3) O Tratado celebrado entre a
República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, promulgado no Brasil pelo
Decreto nº 5.767/06, estabelece como autoridades centrais, "para efeitos de recepção
e de transmissão dos pedidos de transferência", o Ministério da Justiça, no Brasil, e a
Procuradoria-Geral da República, em Portugal (art. 5º do Tratado). Parecer no sentido
de não se conhecer da impetração e que sejam encaminhados os autos, como pedido,
ao Ministério da Justiça, dando-se baixa do habeas corpus nos registros do STJ.
Instrução dos processos de transferência de pessoas condenadas. Os documentos necessários para
formalizar um pedido de transferência podem variar de acordo com o Tratado. Importante ressaltar que o país
recebedor poderá requerer qualquer outro documento que julgue necessário para a análise do pleito.

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Da aceitação ou não do pedido de transferência. O pedido de transferência deve ser aprovado pelos
dois países envolvidos, conforme determinado pela Lei de Migração e pelos tratados celebrados pelo Brasil. Em
caso de negativa, deverá o Estado fundamentar a decisão. 
Despesas. As despesas com a transferência correm por conta do Estado que irá receber o seu nacional
que foi condenado no exterior.
Execução da pena após a transferência. O Estado remetente – aquele que condenou o preso – mantém
a competência exclusiva para as sentenças proferidas pelos seus tribunais, as condenações por ele impostas, e
quaisquer processos destinados a rever, modificar ou revogar essas sentenças. Por outro lado, os benefícios
decorrentes da execução da pena tais como a progressão de regime e o livramento condicional deverão ser
apreciados pelo Estado recebedor, mas a pena não pode sofrer comutação, indulto ou anistia. Extinguindo-se a
pena a que o preso foi condenado, o país recebedor deverá informar o país sentenciador. Denise Abade
classifica esse sistema de híbrido ou sistema da conversão.
Frise-se que a execução penal de brasileiro condenado no exterior que pede transferência para cumprir
sua pena no Brasil será de competência da Justiça Federal.
Dispensabilidade de homologação da sentença penal estrangeira. Admite-se, por meio da
transferência de pessoas condenadas, que a sentença estrangeira tenha a força de manter encarcerado no Brasil
o brasileiro apenado no exterior sem que tenha havido manifestação da autoridade judiciária brasileira quanto
ao mérito da sanção penal ou, pelo menos, quanto à adequação à ordem pública e à soberania nacionais, tal
como faria o Superior Tribunal de Justiça se aplicável à hipótese a competência que lhe atribui a Constituição
Federal (art. 105, I, “i”).
Denise Abade entende que pode o juiz da execução recusar atender o pleito de TPC, caso entenda faltar
a homologação. Mas ela afirma que se deve diferenciar a TPC da homologação de sentença estrangeira penal.
Assevera que o caráter humanitário da TPC impõe-se, permitindo uma saída célere, restando, a soberania
brasileira intocada.
Este era o entendimento sob a vigência do Estatuto do Estrangeiro, o qual foi revogado pela referida Lei
de Migração. A despeito de não haver muita doutrina acerca do tema, entende-se que o entendimento será
mantido com esta nova lei, por ser compatível com sua normatização legal.
O STJ já se manifestou pela dispensabilidade da homologação de sentenças estrangeiras, “havendo
procedimento específico previsto em tratado ou convenção internacional”, na SE 5.269-PT, do Min. Ari
Pargendler, em 2011:
“A teor do disposto nos artigos 105, I, letra i, da Constituição Federal, e 483, caput, do
CPC, c/c o artigo 4º, caput, da Resolução 9/2005, do Superior Tribunal de Justiça, as
sentenças proferidas por tribunais estrangeiros somente terão eficácia no Brasil após
homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, havendo procedimento
específico previsto em tratado ou convenção internacional, o processo de
homologação torna-se dispensável. No caso dos autos, com efeito, em razão do
Tratado de Transferência de Pessoas Condenadas firmada entre o Brasil e Portugal
(Decreto 5.767/2006), foi autorizada a transferência do reeducando para o país, onde
já se encontra cumprindo pena desde 29/10/2009 (fls. 39-40). Ademais, nos termos do
mencionado tratado, a homologação da sentença condenatória não constitui requisito
para a concessão de benefícios legais (art. 9º, n. 3)”.

Fischer, Douglas. Aras, Vladimir. A Transferência da Execução de Sentenças como Alternativa à Extradição. In:
Temas Atuais do MPF/organizador Edilson Vitorelli – 4 ed. Salvador: Juspodium, 2016. p. 1184: Ressaltam os
autores que, atualmente, de modo contrário ao que dispõe o artigo 105, inciso l, alínea 'í', da Constituição, não
se tem exigido prévia homologação da sentença estrangeira perante o Superior Tribunal de justiça, o que viola a
competência daquela corte e acaba por ampliar o escopo do artigo 9 do Código Penal, que só permite a
homologação de sentenças penais estrangeiras para fins civis e para cumprimento de medida de segurança.
A nova Lei Migratória, Vladimir Aras, blog, 2017: Ademais, pela primeira vez, uma lei disciplina a transferência
de condenados, que passa a ser de competência federal, quando passiva. No regulamento infralegal baixado
pelo Ministério da Justiça (Portaria n. 572, de 11 de maio de 2016), a transferência para o Brasil de sentenciados
que estejam cumprindo pena no exterior vinha sendo tratada erroneamente como tema de competência

128
estadual, exclusivamente entre o MJ, por meio do DRCI, e as varas de execuções penais estaduais. Aplicava-se
acriticamente a Súmula 192 do STJ, ignorando-se o art. 109, inciso X, da Constituição Federal, assim como a
necessidade de homologação da sentença estrangeira pelo STJ (art. 105, inciso I, letra ‘i’, CF), providência que
foi vetada (§3º do art. 105 da LM) pelo presidente Michel Temer, por sugestão do MJ, mas que se impõe pela
força mesma da Constituição. Ainda que a transferência seja instrumento em favor do condenado, como
realmente é, não se pode ignorar o fato de que a vinda do preso ao território brasileiro se faz para cumprir uma
decisão penal estrangeira, que precisa ser reconhecida pelo órgão competente do Poder Judiciário local para ter
eficácia.

TRATADOS CELEBRADOS PELO BRASIL SOBRE TRANSFERÊNCIA DE SENTENCIADOS:


O Brasil possui 16 tratados bilaterais e 3 multilaterais:
Bilaterais
a) Angola: Decreto nº 8.316, de 24.09.2014,
b) Argentina:  Decreto nº 3.875, de 23.07.2001,
c) Bolívia: Decreto nº 6.128, de 20.06.2007,
d) Canadá:  Decreto nº 2.547, de 14.04.1998,
e) Chile: Decreto nº 3.002, de 26.03.1999,
f) Espanha: Decreto nº 2.576, de 30.04.1998.
g) Japão:  Decreto nº 8.718, de 25.04.2016.
h) Panamá:  Decreto nº 8.050, de 11.07.2013;
i) Paraguai:  Decreto nº 4.443, de 28.10.2002;
j)  Peru: Decreto nº 5.931, de 13.10.2006.
l) Portugal: Decreto nº 5.767, de 02.05.2006;
m) Reino dos Países Baixos:  Decreto nº 7.906 de 04.02.2013;
n) Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte:  Decreto nº 4.107, de 28.01.2002;
o) Suriname:  Decreto nº 8.813, de 18 de julho de 2016.
p) Ucrânia: Decreto 9.153, de 6 de setembro de 2017,
q) Bélgica: Decreto nº 9.239, de 15.12.2017.

Multilaterais específicos:
a) Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior - Decreto nº 6.128, de
20.06.2007. Países signatários: Arábia Saudita, Argentina, Belize, Brasil, Canadá, Cazaquistão, Chile, Costa Rica,
El salvador, Equador, Eslováquia, Estados Unidos da América,  Guatemala, Índia, México, Nicarágua, Panamá,
Paraguai, República Tcheca, Uruguai e Venezuela.
Obs: Conforme esta Convenção (28 CPR – Q56): “O Estado sentenciador conservará sua plena jurisdição para a
revisão das sentenças proferidas por seus tribunais. Além disso, conservará a faculdade de conceder indulto,
anistia ou perdão à pessoa sentenciada. O Estado receptor, ao receber notificação de qualquer decisão a
respeito, deverá adotar imediatamente as medidas pertinentes”.
b) Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP):  Decreto nº 8.049, de 11.07.2013.
Países signatários: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor
Leste.
c) MERCOSUL:  Acordo sobre Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Partes do
Mercosul.  Decreto nº 8.315, de 24.09.2014. Países signatários: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Multilaterais subsidiários:
a) Convenção de Viena contra o tráfico ilícito de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas:
Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991;
b) Convenção de Palermo: Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004;
c) Convenção de Mérida: Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006.

129
INCIDÊNCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NA TRANSFERÊNCIA DE SENTENCIADOS:
Este tema é tratado na obra Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional, de Denise
Abade, base deste tópico, no qual será feita uma breve introdução acerca da homologação de sentença penais
estrangeiras para em seguida ser abordado o tema específico deste ponto.
Nem o Código Penal do império de 1832 nem o Código Penal da República de 1890 trataram acerca da
eficácia, no Brasil, das sentenças penais condenatórias proferidas no estrangeiro. Este tema somente veio a
lume com o Código Penal de 1940, o que o fez de maneira parcial, pois somente alguns efeitos podem ser
produzidos por tais sentenças aqui no Brasil. A matéria resta positivada no atual art. 9º do CP. No entanto, no
final do século passado o Brasil aderiu a determinados tratados internacionais que inauguraram novo veículo de
cooperação internacional, qual seja, a transferência de condenados. Desta forma, passou-se a existir a
possibilidade de aplicação dos efeitos principais da condenação que é a aplicação de pena privativa de
liberdade, oriunda de sentença estrangeira.
A origem dos tratados internacionais de transferência de sentenciados. Os condenados estrangeiros
sofrem uma dupla carga punitiva em decorrência da condenação que cumprem. A primeira, o estigma da pena e
da condição de condenado; o segundo, decorrente de sua nacionalidade, gerando o sentimento de que o
estrangeiro veio descumprir as regras de convivência de país diverso. Além disso, o estrangeiro fica sob a mira
do procedimento de expulsão, a qual possivelmente será efetuada após o cumprimento da pena imposta. Logo,
esses fatores levam à conclusão de que, no caso de condenados estrangeiros cumprindo pena no Brasil, a prisão
imposta não possui nenhum propósito ressocializante, uma vez que não é possível a reintegração do estrangeiro
na sociedade. Junte-se a isso os eventuais obstáculos que o estrangeiro terá para obter os benefícios da
execução, como progressão de regime e livramento condicional, pois algumas exigências não seriam cumpridas
pelo pleiteante diante de sua condição de estrangeiro (ex. comprovação de trabalho lícito).
Essas incongruências motivaram o Brasil a celebrar acordos pelos quais os infratores estrangeiros
podem pleitear a transferência da execução da pena privativa de liberdade para o Estado de sua nacionalidade
ou residência habitual. De fato, após a transferência e perto de seu círculo de familiares e amigos, há maior
probabilidade de ressocialização e prevenção de novos crimes.
O primeiro tratado sobre transferência de sentenciados foi firmado em 1951, entre Líbano e Síria. Foi
seguido pelo tratado firmado entra Finlândia, Islândia, Dinamarca, Noruega e Suécia em 1963, pelo tratado
firmado entre EUA e México e EUA e Canadá, ambos em 1977 e pela Convenção Europeia sobre Transferência
de Pessoas Condenadas, em 1983. No Brasil o primeiro tratado assinado foi com o Canadá, incorporado
internamente em 1998, seguindo da Convenção Interamericana sobre Cumprimento de Sentença Estrangeira no
Exterior (Convenção de Manágua), incorporada em 2006.
Nesse sentido, o instituto da transferência de presos adquire dimensão diferente das demais espécies
de cooperação, sendo antes um instituto de promoção de direitos humanos, de inegável cunho humanitário, e
somente em última análise, um instituto de cooperação jurídica internacional em matéria penal. Assim, a
promoção dos direitos fundamentais na cooperação atingiu seu ápice, até o momento, nesta espécie de
cooperação: o foco está na promoção da reintegração social do sentenciado. Os interesses dos Estados são
secundários, voltado à eficiência da execução da pena, e acompanham o objetivo primordial, pois com a
eficiência da reintegração social cumpre-se objetivo da política criminal pública.
É comum a todos os tratados a impossibilidade de agravamento da execução da pena, pois o condenado
transferido não pode ser privado de nenhum direito em virtude da legislação do Estado recebedor, salvo
quando suscitado pela própria execução da pena.
Quanto à incidência dos direitos fundamentais nessa espécie de cooperação em matéria penal, vê-se
que o modelo adotado nos tratados ratificados pelo Brasil (modelo híbrido) é o modelo de incidência mediata
(depende de tratado), mas de imensa amplitude, pois a pena será executada de acordo com a Constituição e a
lei brasileira. Logo, chega-se ao ponto de ser quase uma aplicação dos direitos fundamentais previstos na
Constituição, com a única exceção no que diz respeito ao fato de ser a pena imposta com base em ordenamento
estrangeiro.

QUESTÕES DE PROVA ORAL DO MPF:


ABADE, Denise Neves. Direitos Fundamentais na cooperação jurídica internacional: extradição,
assistência jurídica, execução de sentença estrangeira e transferência de presos. (P. 358-365)
TRANSFERÊNCIA DE PRESOS

130
Natureza jurídica: ato bilateral internacional por meio do qual se transporta a fase de cumprimento de
sentença. Novo instituto de cooperação judiciária internacional em matéria penal (Jose Manoel Cruz
Bucho e Luis Silva Pereira).
Finalidade: (a) efetivar as disposições da sentença condenatória e (b) favorecer a reinserção.
Conteúdo: (a) pena de prisão, em regra, mas também pode abranger (b) medida de segurança,
medidas socioeducativas para adolescentes, livramento condicional, restritiva de direitos etc.
Incompatibilidade: penas de morte e perpétua estão excluídas do instituto, pois são incompatíveis com
o caráter humanitário.
Livramento condicional: todos os tratados firmados pelo Brasil, salvo com Portugal, preveem que possa
ser estendida ao livramento condicional
Tratados ratificados pelo Brasil:
(a) Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior; (b)
Tratados bilaterais (Ex: Portugal, Canadá, Chile)
Requisitos para transferência de presos (em regra):
• Nacionalidade
• Trânsito em julgado da sentença (homenagem ao princípio da presunção de inocência).
• Lapso razoável de pena pendente de cumprimento (1 ano), pois diminuto tempo inviabilizaria fins
ressocializadores da pena.
• Manifestação de vontade do sentenciado.
• Dupla incriminação.

14C. Terrorismo e o Direito Internacional. Tratados internacionais e deliberações de organizações internacionais


sobre a repressão ao terrorismo.

Pedro Soares

I. Terrorismo e o Direito Internacional.

O uso do terror como meio de alcançar objetivos políticos não é fenômeno recente, mas atingiu nos
últimos tempos um novo patamar de intensidade.
Entre os diversos problemas que se apresentam do ponto de vista do direito internacional, é possível
destacar os seguintes: (a) definição; (b) abrangência da definição dos delitos; e (c) em que medida devem ser
levados em consideração os motivos e intenções dos perpetradores.
Assim, o conceito preciso de terrorismo desafia a doutrina internacional, até mesmo porque o que é
terrorismo para uns, pode constituir ato heroico para outros.
Para Bassiouni (apud CRETELLA), terrorismo é “uma estratégia de violência destinada a incutir pavor em
um segmento da sociedade, com a finalidade de conseguir uma reação dos poderes, ou dar publicidade a uma
causa, ou ainda, infligir dano com base em propósitos de vingança política”.
Some-se a imprecisão doutrinária o fato de que tampouco a grande maioria dos instrumentos
convencionais define terrorismo.
* Direito brasileiro: Penal, ponto 6.b.

II. Tratados internacionais e deliberações de organizações internacionais sobre a repressão ao terrorismo.

Apesar das dificuldades políticas, tem havido crescente progresso nos níveis internacional e regional na
criação de normas de direito internacional relativas ao terrorismo. Adotou-se uma dupla abordagem, que
abrange tanto (1) as manifestações específicas da atividade terrorista quanto (2) uma condenação global do
fenômeno terrorista.
Quanto à primeira, a ONU já adotou até o presente dezenove acordos internacionais que tratam do
terrorismo, envolvendo temas como sequestro, tomada de reféns e atentados terroristas a bomba (listagem
completa em <http://www.un.org/es/counterterrorism/legal-instruments.shtml>). Muitos desses acordos
seguem um modelo comum, que estabelece uma base de jurisdição praticamente universal, com uma rede
entrelaçada de obrigações internacionais. O modelo engloba uma definição do crime em questão e a
incorporação automática desses delitos a todos os acordos de extradição entre Estados-partes, conjugadas a

131
disposições que obrigam esses Estados a tipificar o terrorismo como crime em seu direito interno, a atribuir-se
jurisdição sobre ele e, caso o suposto agressor esteja presente no território, a submetê-lo a julgamento ou
extraditá-lo para outro Estado que o faça.
Além disso, a ONU tem procurado resolver a questão do terrorismo de modo abrangente. Em dezembro
de 1972, a Assembleia Geral criou um comitê ad hoc sobre o terrorismo, e em 1994 adotou-se uma Declaração
de Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional. A Assembleia, ademais, adotou diversas resoluções
conclamando à ratificação dos vários acordos e ao aperfeiçoamento da cooperação entre os Estados nessa área.
Em 1996, criou-se um Comitê Ad Hoc destinado a elaborar pactos internacionais sobre o terrorismo, do
qual resultaram as Convenções para a Supressão de Atentados Terroristas com Bombas, de 1997, sobre o
Financiamento do Terrorismo, de 1999, e a para a Supressão de Atos de Terrorismo Nuclear, de 2005.
O Conselho de Segurança vem também abordando ativamente a ameaça do terrorismo, caracterizando
especificamente o terrorismo internacional como uma ameaça à paz e à segurança mundiais. Essa interpretação
tem evoluído. Tal processo foi levado a um nível mais avançado, contudo, pelos ataques de 11 de setembro de
2001 ao World Trade Center. Estes foram uma clara demonstração do desafio do terrorismo internacional,
enquanto eventos posteriores aumentaram a preocupação com a proliferação de armas nucleares e os perigos
de outras armas não convencionais.
As organizações do Sistema das Nações Unidas mobilizaram-se rapidamente em suas respectivas esferas
para intensificar a luta contra o terrorismo. Em 28 de setembro o Conselho de Segurança adotou a Resolução
1373, nos termos de aplicação da Carta da ONU, para impedir o financiamento do terrorismo, criminalizar a
coleta de fundos para este fim e congelar imediatamente os bens financeiros dos terroristas. Ele também
estabeleceu um Comitê de Contraterrorismo para supervisionar a implementação da resolução, o qual monitora
a implementação das resoluções 1373 (2001) e 1624 (2005) do Conselho, que colocaram determinadas
obrigações aos Estados-membros.
Os acontecimentos em foco de setembro também revelaram o perigo potencial das armas de destruição
em massa nas mãos de agentes não estatais. Refletindo estas preocupações, a Assembleia Geral adotou, em
2002, a Resolução 57/83, primeiro texto contendo medidas para impedir terroristas de conseguirem tais armas
e seus meios de lançamento.
Em 2004, o Conselho de Segurança tomou sua primeira decisão formal sobre o perigo da proliferação de
armas de destruição em massa, especialmente para os atores não estatais.
Agindo de acordo com as disposições da Carta, o Conselho adotou por unanimidade a Resolução 1540,
obrigando os Estados a interromperem qualquer apoio a agente não-estatais para o desenvolvimento,
aquisição, produção, posse, transporte, transferência ou uso de armas nucleares, biológicas e químicas e seus
meios de entrega, e estabelecendo um Comitê próprio para supervisão.
Além da atuação da ONU, foram adotados diversos instrumentos regionais condenando o terrorismo,
entre os quais é possível destacar a Convenção Europeia sobre a Eliminação do Terrorismo de 1977, A
Convenção para a Prevenção do Terrorismo do Conselho da Europa de 2005, e a Convenção Interamericana
contra o Terrorismo da OEA, de 2002.

À medida que aumenta a atividade internacional para a repressão do terrorismo global, tem-se
manifestado a preocupação de que essa meta seja alcançada em conformidade com os princípios da legislação
relativa aos direitos humanos e ao direito humanitário.
A eventual colisão entre as resoluções vinculantes do CS sobre a temática do terrorismo e as normas
internacionais de direitos humanos ficou evidente com a criação do Comitê do Conselho de Segurança para
Sanções pela Resolução n. 1267 de 1999 (referente a sanções ao governo talibã no Afeganistão, também
chamado de “Comitê de Sanções” ou “Comitê 1267”).
Há dois alvos de sanções determinadas pelo CS: o primeiro é Estado ou região e atinge
indiscriminadamente todos naquela situação, e o segundo é uma pessoa ou ente específico. Essas sanções a
indivíduos consistem, em geral, em congelamento de haveres, apropriação e destinação de bens particulares
para outrem.
Porém, o indivíduo ou empresa alvo sequer podem solicitar a exclusão ou ainda participar da sessão de
deliberação do Comitê ou questionar a decisão indeferitória, em grau de recurso, a algum órgão de apelação. Os
motivos para inclusão ou indeferimento da exclusão podem ser mantidos em sigilo, inclusive para os indivíduos
alvos. Não há, também, qualquer órgão independente envolvido no processo de exclusão: pode o Estado que
incluiu – se for membro do Comitê – indevidamente bloquear a exclusão, sem qualquer motivação maior.

132
Em 2009, o Conselho de Segurança criou o Escritório do Ouvidor (Office of the Ombudsperson) para
receber os reclamos individuais, mas ainda sem poder de decisão. Cabe ao Ouvidor obter as informações sobre
o pedido de exclusão da lista e elaborar um relatório ao Comitê de Sanções, contendo sua recomendação (a
favor ou contra). Caso o Ouvidor recomende a exclusão, o Comitê só pode manter a inclusão por consenso. Caso
não haja consenso, o Estado dissidente pode remeter o caso ao Conselho de Segurança, que, então, decidirá.

27 Oral – O conteúdo do Decreto nº 7.606/2011, que dispõe sobre a execução no território nacional da
Resolução 1989 (2013), do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que trata de sanções contra indivíduos,
grupos, empreendimentos e entidades da Al-Qaeda e a ela associados foi questionado pela examinadora de
direito internacional público do 27º CPR, por ocasião da prova oral. Indagou-se, em suma, se o candidato tinha
conhecimento da existência de uma lista de indivíduos e organizações sob o regime de sanções internacionais
contra o terrorismo mantida pelas Nações Unidas e qual o procedimento para processar os pedidos de exclusão
dessa relação.
A lista em questão foi estabelecida pelo Conselho de Segurança, por meio das Resoluções 1267 (1999) e
1333 (2000). Já o procedimento para a exclusão de nomes da lista encontra-se descrito no Anexo II da Resolução
1989 (2013), anexada ao mencionado Decreto, cujo art. 1º obriga as autoridades brasileiras a adotar, dentre
outras providências, as seguintes: congelar fundos, ativos financeiros ou outros recursos econômicos desses
indivíduos, grupos, empreendimentos e entidades, impedir a entrada no Território Nacional ou o trânsito
através dele de tais indivíduos, e a impedir o fornecimento, venda ou transferência a tais indivíduos, grupos,
empreendimentos e entidades, de armas e materiais correlatos de todos os tipos.

9. DOMÍNIO PÚBLICO INTERNACIONAL E PATRIMÔNIO COMUM DA HUMANIDADE


9.1 Espaços globais Comuns. Tipologia. Princípios. Patrimônio Comum da Humanidade. Regime jurídico da
Antártida. Espaço sideral. (3.b)
9.2 Espaços globais comuns. Alto mar. Ártico. Fundos marinhos. A atuação da União Internacional de
Telecomunicações. (4.b)
9.3 Domínio marítimo. Jurisdição sobre embarcações no alto mar. Uso da força no alto mar. Ilhas costeiras e
oceânicas. Navios e aeronaves no Direito Internacional. Jurisdição do Estado costeiro: alcance e limites. Solução
de controvérsias do Direito do Mar. (15.b)
9.4 Domínio marítimo. Regime jurídico do Mar Territorial, Zona Contígua, Plataforma Continental e Zona
Econômica Exclusiva. Delimitação de fronteiras marítimas. Estreitos e canais. Ilhas e arquipélagos. Direito de
passagem inocente. (17.b)

3B. Espaços globais Comuns. Tipologia. Princípios. Patrimônio Comum da Humanidade. Regime jurídico da
Antártida. Espaço sideral.

José Moreira Falcão Neto. 04/09/2018

ESPAÇOS GLOBAIS COMUNS: Espaços internacionalizados. consiste no reconhecimento de que


determinados domínios na terra não podem ser sujeitos a apropriação por nenhum Estado. Exemplos: alto-mar,
fundos marinhos, o espaço extra-atmosférico (Accioly). OBS.: Existem áreas que, embora pareçam de grande
importância para a humanidade, não são consideradas domínio público internacional. São elas a Amazônia, o
Saara e a Sibéria.

Perceba como este conceito se opõe à clássica Visão Vestfaliana de Direito Internacional que
buscava criar fronteiras, enquanto o Direito Internacional Contemporâneo busca eliminá-las. Se aproxima,
inclusive, de uma visão transnacional do Direito. Perceba a evolução das ideias de Hugo Grócio.

“O direito internacional passou a se preocupar com a regulamentação dos espaços internacionais,


também denominados extraterritoriais ou internacionalizados. A rigor, o problema não é novo, desde a
aceitação dos ensinamentos de Grócio sobre a liberdade dos mares. A adoção, por unanimidade, pela AG-ONU,
em 1963, da Declaração dos princípios jurídicos que regulamentam as atividades dos estados em matéria de
Exploração e Utilização do Espaço Extra-Atmosférico e a adoção dos artigos da Convenção sobre o Direito do
Mar sobre os fundos marinhos veio mostrar que havia outros espaços não submetidos à soberania dos estados.

133
Com a adoção de normas em nível internacional sobre o domínio aéreo, o direito internacional passou a ser
tridimensional, sendo que agora novas dimensões se acrescentaram” (Accioly)

O espaço global comum se divide em dois tipos (ACR Alcance):


RES COMMUNIS: direito de todos. Isso gera um regramento da convivência dos Estados que estão em
interação nesse espaço global comum, por exemplo o alto-mar (V. Convenção Direito do Mar). Nada impede que
res communis se torne patrimônio comum da humanidade
PATRIMÔNIO COMUM DA HUMANIDADE: o leito e subsolo do fundo marinho são patrimônio comum da
humanidade.
Para Celso D. de A. MELLO (2004), o conteúdo jurídico internacional do conceito de patrimônio comum
da humanidade: (a) utilização não privativa, (b) uso pacífico e (c) repartição justa e específica “tem uma função
igualitária e a autoridade é apenas para gerenciar, vez que o domínio eminente é da humanidade”

Princípios: impossibilidade de apropriação individual; uso sustentável. Cooperação e


interdependência; (ACR Alcance). Graal passado mencionava: liberdade de acesso pesquisa e exploração; não-
militarização.

ANTÁRTIDA: Junto com o Ártico, é uma das duas zonas polares do mundo. Trata-se de um
continente coberto de gelo, que foi regulado pelo Tratado da Antártica (1959) fulcrado em 4 pontos nodais:
suspensão de reivindicações territoriais, não-militarização, preservação ambiental e liberdade de pesquisa
científica.

Possui regime jurídico diferenciado, de congelamento. Foi um continente de colonização custosa e


tardia por conta de suas peculiaridades locais. Foi assinado o Tratado Antártico de 1959, que será o regulador
das relações internacionais de acordo com a técnica do “ice box”. Esta técnica traz o regime de congelamento
das pretensões soberanas: nenhum Estado abre mão de sua soberania, porém, até que seja resolvida a situação
a Antártida deve ser preservada pela Comunidade Internacional – regime provisório condominial. Hoje é
proibida a exploração econômica da Antártida, ressalvado a possibilidade de pesquisa.

Existem Estados que ao tempo da celebração do Tratado já haviam reivindicado o domínio (ARG,
AUSTRALIA, NOVA ZELÂNDIA, NORUEGA E FRANÇA). A ratificação do tratado não implicou renúncia sobre a
pretensão de soberania, cf. o art. 4. Accioly menciona tendência decorrente da prática internacional de se tratar
como espaço internacionalizado, embora alguns países ainda mantenham de pé as reivindicações.

Princípios: uso da Antártida somente para fins pacíficos; facilitação de pesquisas científicas;
facilitação de cooperação internacional; facilitação do exercício do direito de inspeção; questões
relativas ao exercício de jurisdição na Antártida; preservação e conservação de recursos vivos na
Antártida;

Para preservar a Antártida, o Tratado da Antártida PROÍBE: • Manobras militares e experiências com
armas, inclusive nucleares, naquela área (art. 1o); • O uso daquele território como depósito de lixo radioativo
(art. 5o).

Por outro lado, o Tratado não impedirá a utilização de pessoal ou equipamento militar para pesquisa
científica na Antártida e de colaboração para este fim (art. 1o, 2).

O Art. 3o prevê que a fim de promover a cooperação internacional para a pesquisa científica na
Antártida, as partes contratantes concordam, sempre que possível e praticável, que: a) A informação relativa a

134
planos para programas científicos, na Antártida, será permutada a fim de permitir a máxima economia e
eficiência das operações; b) O pessoal científico na Antártida, será permutado entre expedições e estações; c) As
observações e resultados científicos obtidos na Antártida serão permutados e tornados livremente utilizáveis.

Também tratam de matérias relevantes para a preservação da Antártida a Convenção para a


Conservação das Focas Antárticas, de 1972; a Convenção para a Preservação dos Recursos Vivos Marinhos
Antárticos, de 1980; e o Protocolo ao Tratado da Antártida sobre Proteção ao Meio Ambiente, de 1991 (Tratado
de Madrid). Este último “congelou”, por 50 anos, a partir de sua entrada em vigor (1998), a Antártida como
reserva natural, consagrada à Paz e à ciência. Proíbe-se, portanto, a exploração econômica dos recursos
minerais e controla as atividades humanas no local.

ESPAÇO SIDERAL

Logo após o sucesso da missão soviética Sputnik, foram acordadas diversas resoluções por parte da
Assembleia Geral. Embora contendo regras meramente indicativas aos estados-membros, foram bem recebidas
pela comunidade internacional, e assumiram, rapidamente, status de normas costumeira. Noção que ganhou
espaço após a corrida espacial, informada pelos princípios da cooperação e do pacifismo relativo (a Lua só pode
ser usada para fins pacíficos; no entanto, sua órbita comporta o uso de material militar, vedado, entretanto, o
uso de armas nucleares e quaisquer artefatos de destruição em massa).

“O dado mais relevante (de resolução do Instituto de Direito Internacional em 1963) foi o
reconhecimento de ser o espaço ultraterrestre res communis e não res nullius, tese esta transformada no
conceito mais atualizado de patrimônio comum da humanidade, portanto não passível de apropriação ou
pretensão em tal sentido, por parte de qualquer estado”. (Accioly)

Tem regulação no Tratado de 1967 de Regulação das Atividades dos Estados no Uso do Espaço Cósmico.
Deve ser desmilitarizado. Há responsabilidade plena (absoluta) do Estado lançador por todos os danos causados.
Parte da doutrina considera o Astronauta/Cosmonauta como um emissário da humanidade, assim sendo, ele
deve ser protegido de forma diferenciada se pousar em qualquer lugar do planeta.

OBS.: Brasil não ratificou o Tratado que regula as Atividades de Estados na Lua e outros Corpos Celestes
de 1969, isto porque neste tratado há a previsão de que a Lua é Patrimônio Comum da Humanidade e os
Estados em geral não gostam disso.

4B. Espaços globais comuns. Alto mar. Ártico. Fundos marinhos. A atuação da União Internacional de
Telecomunicações.

Natália Lievore
Obras consultadas: ACCIOLY, Hildebrando e outros. Manual de Direito Internacional. 20. Ed, 2012. GOTSCHALG, Ronaldo Viana. União Internacional das
Telecomunicações – um desafio na gestão da internet. Publicado em: Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 5, 2009, pp. 447-
498(indicação no Edital Sistematizado do Eduardo Goncalves). Caderno das aulas de Direito Internacional de André de Carvalho Ramos.
Legislação básica: Decreto nº 56.826, de 2 de setembro de 1965; Convenção de Montego Bay

ESPAÇOS GLOBAIS COMUNS. ALTO MAR. ÁRTICO. FUNDOS MARINHOS.

Espaços globais comuns ou Domínio Público Internacional consistem no reconhecimento de que


determinados domínios na terra não podem ser sujeitos a apropriação por nenhum Estado. Os principais
princípios que norteiam tais espaços são a não-apropriação individual, o uso sustentável e a cooperação e
interdependência.
O alto-mar é definido por exclusão. Consiste em toda a porção do domínio marítimo que não seja o mar
territorial, nem zona econômica exclusiva e nem constitua águas interiores de um Estado.
O alto-mar é regido pelo princípio da liberdade, não existindo restrições à liberdade de navegação e
sobrevoo. A Convenção de Montego Bay traz relativizações a esse princípio como no caso da pirataria e no
tráfico de entorpecentes, bem como estabelece o direito dos Estados sem litoral de acessar ao alto-mar.

135
Apesar da exploração de recursos naturais no alto-mar também ser livre, a Convenção também
restringe tal atividade de modo a evitar o esgotamento dos recursos vivos.
O ártico possui o mesmo tratamento do alto-mar, pois constituiu um oceano congelado. Apesar de sua
relativa habitabilidade, nunca atraiu grande interesse da comunidade internacional, razão pela qual nunca atraiu
interesse da comunidade internacional para regulamentação de sua utilização e exploração.
Diferentemente da Antártida, que é um continente coberto de gelo e possui um Tratado que
regulamenta sua exploração: Tratado da Antártida de 1959. Este tatado possui dois princípios fundamentais: a)
Utilização da região exclusivamente para fins pacíficos para sempre; b) Pesquisas e exploração do continente
devem ser sempre voltadas para o progresso da humanidade.
Os Fundos Marinhos são águas subaquáticas, os leitos e o subsolo das águas internacionais e que não
pertencem a nenhum. Estado. Estes, todavia, foram intitulados como patrimônio comum da humanidade e sua
exploração deve ser feita em benefício dos povos do mundo em geral.

A ATUAÇÃO DA UNIÃO INTERNACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES

A União Internacional de Telecomunicações (UIT) é a agência das ONU dedicada a temas relacionados
às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), com a finalidade básica de disseminar essas tecnologias
para todos os habitantes do mundo. O trabalho realizado pela UIT abarca três setores: o Setor de Normalização
das Telecomunicações, dedicado principalmente à elaboração de normas sobre novas tecnologias; o Setor de
Radiocomunicações, cujas principais tarefas incluem a elaboração de normas sobre sistemas de
radiocomunicações que garantam a utilização eficaz do espectro de radiofrequências e a realização de estudos
relativos ao desenvolvimento de sistemas de radiocomunicações; e o Setor de Desenvolvimento das
Telecomunicações, cuja missão principal é garantir a todos os habitantes do planeta o direito à comunicação por
meio do acesso à infraestrutura e aos serviços de informação e comunicação.
Em 17 de maio de 1865, após dois meses e meio de negociação entre 20 Estados, foi assinada em Paris a
primeira Convenção Internacional do Telégrafo e foi criada a União Internacional do Telégrafo para facilitar
eventuais alterações futuras ao acordo inicial. Anos depois, a organização passou a se chamar União
Internacional de Telecomunicações e hoje, 145 anos após sua criação, a organização é formada por 192 Países-
membros e mais de 700 Membros de Setor e Associados (setor público e privado incluindo universidades e
centros de pesquisas).
Em matéria de telecomunicações, os princípios correntes de direito internacional são análogos aos
que vigoram em matéria de navegação aérea.
A União Internacional de Telecomunicações (UIT) considera patrimônio comum da humanidade o
espectro de frequências e a órbita geoestacionária dos satélites. O interesse de todos e a necessidade de uso
ordenado impõem limites ao que possa pretender, em sentido diverso, qualquer estado.
Nesse aspecto, cabe destacar que o espectro de transmissões de rádios elétricas é também um espaço
global que não pode ser submetido à apropriação, sendo organizado pela UIT.

A UIT desempenhou no Brasil um papel essencial quando da privatização e modernização das


telecomunicações brasileiras, processo acompanhado da criação do atual órgão regulador, a Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel).

Vale ressaltar que o MPF, no âmbito da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão (Consumidor e Ordem
Econômica) possui instalado um Grupo de Trabalho relacionado a Telecomunicações, com os temas prioritários:
autonomia financeira e orçamentária da ANATEL; combate as informações inverídicas fornecidas das
prestadoras; qualidade da telefonia móvel; rescisão contratual pela internet e universalização da banda larga.

15B. Domínio marítimo. Jurisdição sobre embarcações no alto mar. Uso da força no alto mar. Ilhas costeiras e
oceânicas. Navios e aeronaves no Direito Internacional. Jurisdição do Estado costeiro: alcance e limites. Solução
de controvérsias do Direito do Mar.

Pedro Soares

* 29 Objetiva - Q53

136
I. Domínio Marítimo. [...] Jurisdição do Estado costeiro: alcance e limites.
Historicamente, o mar desempenha duas funções importantes: (1) meio de comunicação e (2) reservatório de
recursos.
Atualmente, o grande tratado sobre Direito do Mar é a Convenção de Montego Bay, de 1982.
Além do alto mar, das zonas a ele relacionadas e do mar territorial, existem as águas internas, que são
pertencentes ao território terrestre dos Estados (estão aquém da linha de base).
O estudo do domínio marítimo se faz sob duas perspectivas: (1) a das águas propriamente ditas (mar territorial,
zona contígua e zona econômica exclusiva); e (2) a das porções de terras cobertas por águas (plataforma
continental e fundos marinhos).

Mar Territorial: a contar da linha de base até 12 milhas (tratando-se de Estados adjacentes ou opostos, adota-se
o critério da equidistância). Regime jurídico: soberania plena, limitada apenas pelo direito de passagem inocente
em tempos de paz.
Direito de Passagem Inocente: navegação pelo mar territorial com a finalidade de atravessá-lo, sem adentrar
águas internas, ou de prosseguir para esse mar ou dele vir, sem adentrar águas internas, ou de prosseguir desse
mar, ou dele vir, para adentrar águas internas.
Limites: (a) paradas são permitidas, (i) desde que temporárias e (ii) de natureza corriqueira ou por motivo de
perigo; (b) o Estado litorâneo pode suspender o direito de passagem inocente por motivos de segurança, desde
que isso (i) seja temporário, (ii) seja plenamente anunciado e (iii) não obstaculize, de modo algum, o tráfego por
estreitos internacionais.
Submarinos precisam subir à superfície quando em mar territorial para caracterizar passagem inocente (art. 21).
Obrigações do Estado Litorâneo: não impedir nem dificultar a passagem e dar publicidade de qualquer perigo à
navegação no mar territorial de que tiver ciência.
Jurisdição em caso de passagem inocente: jurisdição penal, art. 27; jurisdição civil, art. 28.

Zona Contígua: a partir da linha de base até 24 milhas. Antigamente, pela Convenção de Direito do Mar de 1958,
entendia-se como parte do alto mar em que os Estados litorâneos poderiam exercer alguns direitos;
atualmente, na Convenção de Montego Bay, compreende-se dentro do complexo da Zona Econômica Exclusiva.
Regime Jurídico: jurisdição restrita a assuntos alfandegários, sanitários e de imigração. Funcionando, pois, como
zonas intermediárias de fiscalização.

Zona Econômica Exclusiva: começa no limite externo do mar territorial, mas não pode se estender para além de
200 milhas contadas da linha de base (portanto, se o Estado reclamar um mar territorial de 12 milhas, a zona
econômica exclusiva medirá 188 milhas contadas da linha de base). Regime jurídico: o Estado litorâneo tem (i)
direito de soberania para fins de exploração e aproveitamento de recursos naturais vivos e não vivos (mas
precisa declarar expressamente sua vontade neste sentido) e (ii) jurisdição relativa para construção e uso de
ilhas artificiais, instalações e estruturas (em relação às ilhas, instalações e estruturas, o Estado tem direito a
aplicar suas leis e regulamentos alfandegários; nas demais partes da ZEE, o Estado litorâneo não pode aplicar
suas leis), investigação científica marinha e proteção ambiental; os demais Estados possuem direito de liberdade
de navegação, sobrevoo, instalação de cabos e oleodutos (liberdades típicas do alto mar).

Plataforma Continental: leito e subsolo oceânico que se estende até o bordo exterior da margem continental,
como prolongamento natural da massa continental, e, se o bordo for menor, leito e subsolo oceânico até uma
distância de 200 milhas contadas da linha de base; sua importância diz respeito à plenitude de recursos naturais,
especialmente minerais. Regime jurídico: direitos soberanos (exclusivos, portanto) para a exploração de
recursos naturais, sendo desnecessária declaração neste sentido. Segundo a Convenção, os direitos do Estado
litorâneo sobre a plataforma continental não afetam o eventual status de alto mar das águas sobrejacentes e
nem do espaço aéreo acima delas.

II. Jurisdição sobre embarcações no alto mar. Uso da força no alto mar.
Alto mar. Trata-se das porções do mar que não estejam incluídas na ZEE, no mar territorial, nem nas águas
internas de um Estado, nem nas águas arquipelágicas de um Estado arquipelágico.
O art. 87 da Convenção dispõe que o alto mar é aberto a todos os Estados, e a liberdade do alto mar é exercida
segundo as condições apresentadas na Convenção e em outras normas de direito internacional.

137
Jurisdição sobre embarcações. O fundamento da preservação da ordem no alto mar repousa no conceito da
nacionalidade do navio e na consequente jurisdição do país de registro sobre a embarcação. Basicamente, o
Estado a que pertence a bandeira de navegação é que aplicará as normas e os regulamentos não apenas de seu
direito interno, mas também do direito internacional (v. item IV, infra). Um navio sem bandeira será privado de
muitos dos benefícios e direitos garantidos pelo regime jurídico do alto mar.

Uso da força. A Convenção (art. 111) regula o “Direito de Perseguição”, que consiste no direito de as
autoridades do Estado costeiro empreenderem a perseguição e captura de um navio estrangeiro que possa ter
infringido suas leis e regulamentos. A perseguição deve iniciar-se enquanto a embarcação estrangeira ainda
estiver em águas que estejam sob alguma forma de jurisdição do Estado e só pode continuar fora dessa área se
não tiver sido interrompida. Este direito só pode ser exercido por navio ou aeronave militar ou a serviço do
Governo e cessa no momento em que o navio perseguido entre no mar territorial de seu próprio Estado ou de
um terceiro Estado, sendo o emprego de força possível.

“Área” (seabed area): trata-se do leito oceânico internacional ou, na definição do referido tratado internacional,
o “leito do mar, os fundos marinhos e seu subsolo, além dos limites da jurisdição nacional” (art. 1º, parágrafo 2).
Segundo SHAW, a área, considerando a definição convencional, tem início no bordo externo da margem
continental ou, pelo menos, a uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base.
Em outras palavras, é o leito oceânico que se projeta para além da plataforma continental (art. 57) ou, nos casos
em que a plataforma continental de um Estado costeiro excede as 200 milhas marítimas contadas das linhas de
base (faixa da zona econômica exclusiva), a partir da margem externa da margem continental.
Tratando-se do leito oceânico internacional, a Convenção estabelece, textualmente, a sua natureza de
patrimônio comum da humanidade (art. 136), não sendo facultado a nenhum Estado sobre eles exercer direito
sobre os seus recursos.
Isto não significa, contudo, que eles não possam ser apropriados economicamente. Como preleciona Shaw, “as
atividades na Área devem realizar-se para o benefício da humanidade em geral pela Autoridade Internacional
dos Fundos Marinhos (International Seabed Authority ou simplemente Authority), estabelecida segundo a
Convenção, ou em nome dela. A Autoridade deve tomar medidas para distribuição equitativa desses
benefícios”.

III. Ilhas Costeiras e Oceânicas.


As ilhas têm direito ao mar territorial, zona contígua, ZEE e plataforma continental se forem naturais; as
artificiais não conferem este direito. Ilhas separadas por distância menor do que 24 milhas geram faixa contínua
de mar territorial (contado pelos bordos extremos do agrupamento).
Se se tratar de meros rochedos que não permitem o desenvolvimento da vida humana, não dão ensejo a
contagem de mar territorial, zona contígua, ZEE e plataforma continental.

IV. Navios e aeronaves no Direito Internacional.


Os navios devem possuir uma nacionalidade, devendo existir um vínculo substancial entre o Estado e o navio
(impedindo-se, deste modo, a chamada “Bandeira de Conveniência”).
Os navios devem navegar sob a bandeira de um só Estado e, salvo em casos excepcionais, devem submeter-se
no alto mar à jurisdição exclusiva deste Estado.
Neste sentido, o Código Penal determina que se aplica a lei brasileira ao crime praticado a bordo de
embarcações de natureza pública ou a serviço do Brasil onde quer que se encontrem, bem como às
embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada no alto mar. Ficam também sujeitos à lei
brasileira os crimes praticados em embarcações brasileiras privadas no exterior que ali não sejam julgados.

Ao contrário do que ocorre no mar territorial, não há no espaço aéreo um direito de passagem inocente, que
seja fruto de um direito costumeiro. Assim, o Estado exerce sua soberania sobre o espaço aéreo de maneira
exclusiva e absoluta, somente o liberando para outros com permissão ou mediante a celebração de tratados.
Todavia, no espaço aéreo, vigora o sistema das cinco liberdades para o tráfego aéreo definidas pela Convenção
de Chicago, sendo 2 técnicas e 3 comerciais.

138
As liberdades técnicas são: 1) liberdade de sobrevoo sem escalas, de um este estatal, sendo possível proibi-lo
em determinadas áreas de segurança; 2) liberdade de escala técnica, sem fins comerciais ou em situações de
emergência.
As liberdades comerciais são: 1) desembarcar passageiros; 2) embarcar passageiros; 3) cada país permite que as
aeronaves do outro embarquem e desembarquem, em seu território, passageiros e mercadorias com destino a
– ou provenientes – de outros países membros da OACI (Rezek, p. 329).
As liberdades técnicas são abertas a todos os Estados, dispensando nova autorização especial do Estado
sobrevoado. As liberdades comerciais dependem de acordos adicionais entre os Estados. Diga-se, por fim, que
foram firmados alguns tratados visando a garantir a segurança das aeronaves em âmbito internacional (v.g.
Convenções de Chicago, 1944 e Protocolo de Montreal, 1984).

V. Solução de controvérsias do Direito do Mar.


A Convenção contém disposições minuciosas e complexas no que tange à resolução de conflitos de Direito do
Mar.
A Parte XV, Seção 1, apresenta as disposições gerais. O art. 279 expressa a obrigação fundamental de resolver
conflitos de forma pacífica, de acordo com o art. 2(3) da Carta da ONU e utilizando os meios indicados no art. 33
desta. Mas as partes podem escolher métodos diferentes dos especificados na Convenção (art. 280). O art. 283
dispõe que, quando surgir uma disputa, as partes devem proceder “com presteza para troca de opiniões
relativas à resolução da disputa por negociação ou outro meio pacífico”, e o art. 284 afirma que as partes
podem recorrer, se quiserem, a procedimentos de conciliação, caso em que se criará uma comissão de
conciliação, cujo relatório não será vinculante.
Quando não se chegar a nenhum acordo pelos meios escolhidos livremente pelas partes, os procedimentos
compulsórios expostos na Parte XV, seção 2, passarão a funcionar. No momento da assinatura ou ratificação da
Convenção, ou da adesão a ela, ou em qualquer momento depois disso, qualquer Estado pode escolher um dos
seguintes meios de solução de conflitos: o Tribunal Internacional de Direito do Mar, a Corte Internacional de
Justiça, um tribunal de arbitragem segundo o disposto no Anexo VII ou um tribunal de arbitragem especial de
acordo com o Anexo VIII, para conflitos específicos.
A Convenção também institui uma Câmara de Disputas sobre o Leito Oceânico no Tribunal Internacional de
Direito do Mar.
Fora do sistema da Convenção, os Estados podem adotar os diversos meios de solução pacífica de controvérsias.

17B. Domínio marítimo. Regime jurídico do Mar Territorial, Zona Contígua, Plataforma Continental e Zona
Econômica Exclusiva. Delimitação de fronteiras marítimas. Estreitos e canais. Ilhas e arquipélagos. Direito de
passagem inocente.

Sérgio Corrêa de Carvalho 04/09/2018


Fonte: Direito Internacional Público e Privado, Paulo Henrique Gonçalves Portela;
Direito Internacional Público e Privado, Maria Beatriz Ribeiro Gonçalves;
Os canais, os estreitos, a soberania, o direito internacional e o mundo globalizado, René Dellagnezze.

I. Domínio marítimo

Durante muito tempo não existiram normas escritas regulamentando o desenvolvimento das relações
entre as diversas nações no meio marítimo, prevalecendo o princípio da liberdade dos mares, baseado na obra
Mare liberum, de 1609, do holandês Hugo Grotius, segundo a qual os oceanos seriam res communis,
insuscetíveis de ocupação e onde a navegação e pesca seriam livres a todos os povos.
Todavia, a evolução tecnológica, política, comercial e econômica vivenciada pela humanidade e o
consequente aumento do nível de complexidade das relações entre os países, bem como o antagonismo
crescente entre os interesses dos diversos povos envolvidos no desenvolvimento de atividades direta ou
indiretamente ligadas ao meio oceânico acabaram por requisitar o estabelecimento de um arcabouço normativo
capaz de fixar os limites do exercício da soberania de cada país no campo marítimo, além de firmar direitos
comuns a todas as nações independentes que se valem dos mares como via de comunicação.
As primeiras convenções internacionais versando sobre o alto-mar, a plataforma continental, o mar
territorial e a zona contígua foram firmadas na Conferência de Genebra, em 1958.

139
Contudo, foi apenas a partir da Conferência de Nova torque que se estabeleceu um regime jurídico
para o mar através da Convenção das Nações Unidas sobre o Direto do Mar de 1982 (Convenção de Montego
Bay). Esta Convenção também definiu de forma precisa os espaços marítimos, tanto que, nos dias atuais,
mesmo os países não signatários da Convenção adotam e respeitam os conceitos relacionados com as
definições dos espaços marítimos e ao meio ambiente.

II. Regime jurídico do Mar Territorial, Zona Contígua, Plataforma Continental e Zona Econômica Exclusiva.

Mar Territorial: é a zona, marítima adjacente ao território do Estado, sobre o qual este exerce a sua soberania
plena, mitigada pelo respeito a certos direitos desfrutados pelos outros Estados naquilo que se refere à
liberdade de navegação e comércio. É definida pela Convenção de Montego Bay (art. 3º) como a faixa de largura
de até 12 mil milhas marítimas medidas a partir da linha de base (linha litorânea de maré baixa) e alcança não
apenas as águas, mas também o leito do mar, o respectivo subsolo e o espaço aéreo subjacente. Apesar da
soberania nacional plena com todas as consequências daí advindas, tais como exclusividade na exploração
econômica da área, proteção ao meio ambiente e desempenho de atividades de segurança, os navios de
qualquer Estado gozarão do “direito de passagem inocente" (direito costumeiro positivado pela Convenção).
Cabe ao Estado tutelar a passagem inocente de modo que não seja prejudicial à paz, aos bens ou à segurança do
Estado costeiro, devendo a passagem ser contínua e rápida, sendo ilícito qualquer ato que não se relacione com
a simples travessia. Ressalte-se que
o Código Penal determina a aplicação da lei brasileira ao crime praticado a bordo de embarcações estrangeiras
de propriedade privada que se encontrem em território nacional, porto ou mar territorial brasileiro (art. 5º,
§2º).

Zona Contígua: é a área adjacente ao mar territorial, estendendo-se de 12 a 24 milhas marítimas, contadas a
partir da linha de base do mar territorial – ou seja, corresponde às 12 milhas marítimas posteriores ao mar
territorial. A Zona Contígua se submete ao regime de não apropriação (o Estado não exerce sobre ela sua
soberania), mas existem alguns direitos exclusivos reservados. Nessa região, o Estado costeiro pode exercer seu
poder de polícia para garantir a segurança nacional, prevenindo a entrada de clandestinos, fiscalizando o
cumprimento de normas de imigração, alfandegárias, fiscais, sanitárias e ambientais, dentre outras.

Zona Econômica Exclusiva: faixa de terra e coluna d'água adjacente ao mar territorial que, abrangendo a zona
contígua, se estende das 12 às 200 milhas marítimas. Nesta área de 188 milhas marítimas, os Estados costeiros
detêm os direitos soberanos de exploração, conservação e gestão de todos os recursos e do fundo marinho.
Também têm soberania nos campos da preservação e proteção do meio ambiente; da investigação científica;
e da construção, instalação e operação de ilhas artificiais. Na zona econômica exclusiva, todos os Estados
desfrutam de liberdade de navegação e sobrevoo, além da possibilidade da colocação de cabos e dutos
submarinos.

Plataforma Continental: compreende o leito e subsolo das áreas submarinas que se estendem além do mar
territorial do Estado, sendo a extensão natural do seu território terrestre, até o bordo exterior da margem
continental ou até uma distância máxima de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede
a largura do mar territorial (art. 76 da Convenção de Montego Bay).
O Estado exerce direito exclusivo de exploração dos recursos naturais sobre o leito do mar até onde se estende
a plataforma continental. Estados estrangeiros só podem atuar nessa área com autorização do ente estatal
costeiro. Importante pontuar, todavia, que todos os Estados têm direito à utilização da plataforma continental
do Estado costeiro para fins de instalação de cabos e dutos submarinos. O desempenho desta atividade,
entretanto, deve obedecer às regras fixadas pelo Estado em cuja plataforma se desenvolve a instalação.

Alto Mar: é a parte do mar sobre a qual não há soberania de qualquer Estado. Nele, vigora o princípio da
liberdade e do uso pacífico. A liberdade, para todos os Estados (costeiros ou não), é ampla: inclui navegação,
sobrevoo, pesca, pesquisa científica, instalação de cabos e dutos submarinos e construção de ilhas artificiais,
sempre com fins pacíficos e respeitado o uso sustentável dos recursos marinhos.
Importante lembrar, contudo, que a liberdade de navegação não é irrestrita, pois o art. 110 da Convenção de
Montego Bay prevê o chamado “direito de visita”': que permite a inspeção de navios em alto mar quando existir

140
motivos razoáveis para suspeitar que estes se dediquem à pirataria, ao tráfico de pessoas e às transmissões
clandestinas. Também é permitido aos navios de Estado a adoção das medidas necessárias para o combate ao
tráfico de drogas

Fundos Marinhos: também conhecidos como “Área”, compreendem as regiões subaquáticas, o leito e o subsolo
das águas internacionais, que não se submetem à soberania de nenhum Estado. Os fundos marinhos não se
submetem à soberania de nenhum Estado. Os fundos marinhos são considerados patrimônio comum da
humanidade, e por isso sua exploração deve ser feita em benefício de todos os povos, e sempre com fins
pacíficos (art. 136 da Convenção de Montego Bay).

III. Delimitação de fronteiras marítimas.

Quando as costas de dois Estados são adjacentes ou se encontram situadas frente a frente, nenhum
desses Estados tem o direito, salvo acordo de ambos em contrário, de estender o seu mar territorial além da
linha mediana cujos pontos são eqüidistantes dos pontos mais próximos das linhas de base, a partir das quais se
mede a largura do mar territorial de cada um desses Estados.
Todavia, esta regra não será aplicável quando, por motivo da existência de títulos históricos ou de
outras circunstâncias especiais, for necessário delimitar o mar territorial dos dois Estados de forma diferente.

IV. Estreitos e Canais

Os Canais e os Estreitos são vias aquáticas que tornam possível a comunicação entre dois Mares livres,
sendo que o Estreito é natural e o Canal é artificial. A Convenção de Montego Bay, nos seus artigos 34 a 45,
definiu que navios e aeronaves têm direito de passagem em trânsito. No caso dos Canais, cada um tem estatuto
próprio, baseados no princípio da igualdade de tratamento de todos os navios, livre acesso ao Canal e proibição
de dificultar o livre acesso.
A passagem em trânsito é o exercício da liberdade de navegação exclusivamente para fins de trânsito
contínuo e rápido pelo Estreito entre uma parte do Alto Mar ou de uma Zona Econômica Exclusiva e uma outra
parte do Alto Mar ou uma Zona Econômica Exclusiva. Contudo, a exigência de trânsito contínuo e rápido não
impede a passagem pelo Estreito para entrar no território do Estado ribeirinho ou dele sair ou a ele regressar
sujeito às condições que regem a entrada no território desse Estado. Qualquer atividade que não constitua um
exercício do direito de passagem em trânsito por um Estreito, fica sujeita às demais disposições aplicáveis da
Convenção de Montego Bay.
Em relação aos Estreitos, todos os navios e aeronaves gozam do direito de passagem em trânsito que
não será impedido a não ser que o Estreito seja formado por uma ilha de um Estado ribeirinho deste Estreito e o
seu território continental e do outro lado da ilha exista uma rota de Alto Mar ou uma rota que passe por uma
Zona Econômica Exclusiva, igualmente conveniente pelas suas características hidrográficas e de navegação.
Ao exercerem o direito de passagem em trânsito, os navios e aeronaves devem:
(a) Atravessar o Estreito sem demora;
(b) Abster-se de qualquer ameaça ou uso de força contra a soberania, a integridade territorial ou a
independência política dos Estados ribeirinhos do Estreito ou de qualquer outra ação contrária aos
princípios de Direito Internacional enunciados na Carta das Nações Unidas;
(c) Abster-se de qualquer atividade que não esteja relacionada com as modalidades normais de trânsito
contínuo e rápido, salvo em caso de força maior ou de dificuldade grave;
(d) Cumprir as demais disposições pertinentes da presente parte.
(e) Cumprir os regulamentos, procedimentos e práticas internacionais de segurança no mar geralmente
aceites, inclusive as Regras Internacionais para a Prevenção de Abalroamentos no Mar;
(f) Cumprir os regulamentos, procedimentos e práticas internacionais geralmente aceites para a
prevenção, a redução e a controle da poluição proveniente de navios.
Os Canais estão sujeitos à soberania do Estado ou Estados por eles atravessados e formam as “Servidões
Internacionais”. Daí porque, na prática, estarem sujeitos a regimes internacionais.

V. Ilhas e Arquipélagos

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Segundo o artigo 121 da Convenção de Montego Bay, uma ilha é “uma formação natural de terra,
rodeada de água, que fica a descoberto na preia-mar”.
Neste sentido, o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental
de uma ilha serão determinados de conformidade com as disposições gerais da Convenção aplicáveis a outras
formações terrestres.
Todavia, não haverá zona econômica exclusiva nem plataforma continental no caso dos rochedos que,
por si próprios, não se prestam à habitação humana ou a vida econômica.
A Convenção de Montego Bay também define o conceito de arquipélago, em seu artigo 46,
considerando “um grupo de ilhas, incluindo partes de ilhas, as águas circunjacentes e outros elementos naturais,
que estejam tão estreitamente relacionados entre si que essas ilhas, águas e outros elementos naturais formem
intrinsecamente uma entidade geográfica, econômica e política ou que historicamente tenham sido
considerados como tal”.
Neste contexto, um Estado arquipélago seria um “Estado constituído totalmente por um ou vários
arquipélagos, podendo incluir outras ilhas”.
O Estado arquipélago pode traçar linhas de base arquipelágicas retas que unam os pontos extremos das
ilhas mais exteriores e dos recifes emergentes do arquipélago, com a condição de que dentro dessas linhas de
base estejam compreendidas as principais ilhas e uma zona em que a razão entre a superfície marítima e a
superfície terrestre, incluindo os atóis, se situe entre um para um e nove para um.
Todavia, o comprimento destas linhas de base não deve exceder 100 milhas marítimas, admitindo-se, no
entanto, que até 3% do número total das linhas de base que encerram qualquer arquipélago possam exceder
esse comprimento, até um máximo de 125 milhas marítimas.
Outrossim, o traçado destas linhas de base não pode desviar consideravelmente da configuração geral
do arquipélago.

VI. Direito de Passagem Inocente

A Convenção de Montego Bay fixa limites à soberania estatal dentro do mar territorial, fixando normas
como aquelas que determinam que os navios de qualquer Estado, costeiro ou sem litoral, gozarão do direito de
“passagem inocente” pelo mar territorial (artigos 17 a 26).
A passagem inocente é a navegação pelo mar territorial com o fim de atravessá-Io sem penetrar nas
águas interiores, sem fazer escala num ancoradouro ou instalação portuária situada dentro ou fora das águas
interiores ou sem dirigir-se para as águas interiores ou delas sair. A passagem deve ser contínua e rápida, e as
paradas só são permitidas nas hipóteses do artigo 18, par. 2º, da Convenção de Montego Bay, que incluem parar
e fundear para prestar socorro ou por motivo de força maior.
A passagem também será inocente quando não for prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do
Estado costeiro, entendendo-se como prejudiciais atos como ações militares, espionagem, poluição, pesca ou o
embarque ou desembarque de qualquer produto, moeda ou pessoa com violação das leis e regulamentos
aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários do Estado costeiro.
Nos termos da Convenção de Montego Bay (arts. 21 e 22), o Estado pode regulamentar a passagem
inocente em matérias como segurança da navegação e tráfego marítimo, conservação dos recursos vivos do
mar, pesca, preservação do meio ambiente, pesquisa cientifica e prevenção das infrações às respectivas leis e
regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração e sanitários.
O Estado costeiro não deve impor dificuldades à passagem inocente de navios estrangeiros pelo mar
territorial, a não ser em conformidade com a Convenção de Montego Bay (arts. 24-26), devendo, em especial, se
abster de atos de discriminação contra navios de determinado Estado ou que transportem cargas provenientes
de determinado Estado ou a ele destinadas ou, ainda, por conta de determinado Estado. Nesse sentido, não há,
portanto, necessidade de autorização da passagem por parte do Estado costeiro.
O Brasil reconhece o direito de passagem inocente em seu mar territorial aos navios de todas as
nacionalidades, que ficam sujeitos as normas brasileiras pertinentes.

10. CONFLITOS INTERNACIONAIS


10.1 Solução pacífica de controvérsias. Conceito. Evolução histórica. Instrumentos não jurisdicionais.
Negociação. Bons ofícios. Mediação. Investigação ou inquérito. Conciliação. (2.c)

142
10.2 Solução pacífica de controvérsias. Arbitragem internacional pública. Corte Internacional de Justiça:
legitimidade, competências, jurisdição consultiva e contenciosa. Outros tribunais internacionais. (9.c)

2C. Solução pacífica de controvérsias. Conceito. Evolução histórica. Instrumentos não jurisdicionais. Negociação.
Bons ofícios. Mediação. Investigação ou inquérito. Conciliação.

Leonardo Trevizani Caberlon

I. Conceito: consiste em instrumentos de solução de controvérsias não militares e, portanto, exclui


as atividades de direito de ingerência da ONU ou de organizações de caráter militar.

II. Evolução histórica: tradicionalmente, os Estados mantêm formas de solução de controvérsias


sem o uso da força. Os primeiros tratados multilaterais já previam isso. Os primeiros instrumentos, utilizados há
séculos, eram preponderantemente diplomáticos, isto é, políticos. Atualmente, citam-se a arbitragem e a
conciliação, todavia, com a criação e ampliação das competências dos órgãos jurisdicionais de solução de
controvérsias e com o aumento da densidade jurídica do processo e das decisões internacionais, passa-se por
uma transformação. Isso porque, com o processo de internacionalização das normas jurídicas, a possibilidade de
se levar uma discussão a um tribunal internacional aumentou exponencialmente. I

II. Instrumentos não jurisdicionais: previsão no art. 33, item 1, da Carta da ONU. Estes
instrumentos têm por objetivo principal criar um cenário favorável às partes para que cheguem a um acordo no
litígio e não proclamar uma decisão para o caso concreto. Segundo Marcelo Varela, os principais mecanismos
não jurisdicionais são: negociação diplomática, investigação, bons ofícios, mediação e conciliação.

IV. Negociação: consiste em iniciativa dos próprios Estados, independentemente de uma estrutura.
Ao contrário das demais formas, não exige a participação de um terceiro (OBS: convenções podem estabelecer a
participação de organizações internacionais em negociações, como a Convenção de Viena sobre a
Representação dos Estados em suas relações com Organizações Internacionais de Caráter Universal, de 1975,
em seu art. 84). Durante as negociações, as partes devem se comportar de boa-fé, sendo vedado o uso do seu
tempo para se armarem ou reforçar a sua posição durante as negociações. Segundo a CIJ, no Caso Contencioso
Dinamarca, Holanda e Alemanha sobre a Plataforma Continental do Mar do Norte, “As partes têm a obrigação
de se comportar de tal modo que a negociação tenha um sentido, o que não é o caso quando uma parte insiste
em sua própria posição sem procurar nenhuma modificação”. A negociação também pode auxiliar na resolução
do caso por meio de um instrumento jurisdicional (CIJ, Contencioso entre Portugal e Índia sobre o direito de
passagem pelo território indiano, exceções preliminares). Na maioria dos casos, a solução da controvérsia por
meio da negociação resultará em troca de notas, sendo possível também: (i) desistência – ocorre quando há a
renúncia de um dos governos ao direito que pretendia; (ii) aquiescência – reconhecimento por um Estado da
pretensão de outro; e (iii) transação – quando ocorrem concessões recíprocas.

V. Bons ofícios: consiste na tentativa amistosa de terceira potência, ou de várias potências, no


sentido de levar estados litigantes a se porem de acordo. Ela pode ser solicitada pelos litigantes ou oferecida
pelo (s) terceiro (s). A intervenção busca apenas por em contato os litigantes ou colocá-los em terreno neutro,
onde possam discutir livremente. O Brasil já foi litigante em bons ofícios (Portugal ofereceu os bons ofícios)
contra a Inglaterra (Caso Ilha da Trindade), assim como já foi terceiro, em 1909, no Caso Chile e EUA,
relativamente a uma reclamação da firma Alsop & Cia, e em 1934, no Caso Letícia, envolvendo Peru e Colômbia.
No sistema interamericano, há um organismo, criado pela 2ª Reunião de Consulta, em Havana (1940), que é a
Comissão Interamericana da Paz, que serve como bons ofícios. Essa Comissão já atuou em alguns casos,
inclusive com sucesso. Há também o Tratado Interamericano sobre bons ofícios e mediação, de 23/12/1936, por
iniciativa da delegação brasileira, na Conferência Interamericana de Consolidação da Paz. Como inovação desse
tratado interamericano, criou-se uma lista de pessoas que podem exercer o papel de bons ofícios. No âmbito
mundial, o Secretário-geral da ONU e o Diretor Geral da OMC tem como atribuição exercer bons ofícios.

143
VI. Mediação: tradicional em várias culturas jurídicas, consiste na interposição amistosa de um ou
mais estados entre outros estados para a solução pacífica de um litígio. Na prática, nem sempre é possível
distingui-la dos bons ofícios, contudo é possível indicar uma diferenças, qual seja, na mediação há participação
direta nas negociações. Na história, podemos citar a Inglaterra no conflito entre Brasil e Portugal em razão da
Independência do Brasil e entre Brasil e Argentina na Guerra da Cisplatina, reconhecendo-se a Independência do
Uruguai. Ainda, deve-se registrar que a Carta da ONU pode exercer funções mediadoras. O CS da ONU pode
recomendar, a pedido das partes, os métodos ou condições que lhe parecem apropriados para a solução do
litígio (art. 38) e também poderá agir por iniciativa própria (art. 36).

VII. Investigação ou inquérito: sua criação remonta à Primeira Conferência da Paz, na Haia, por
iniciativa da delegação russa e por iniciativa do internacionalista F. F. De Martens. Tem por objetivo apurar os
fatos e o direito relativos a um conflito, tratando-se de mecanismo complementar, que contribui para a solução
do conflito. Nela, os Estados envolvidos acordam a formação de uma comissão internacional, bem como as
bases, os objetivos e os prazos para a conclusão dos trabalhos. Ex: investigação realizada pela CIDH. Ex 2: no
direito internacional ambiental, a Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna
Selvagens em Perigo de Extinção – CITES permite ao secretariado fazer uma investigação no interior das
fronteiras de um Estado para verificar se uma espécie é ameaçada de extinção por causa do comércio.

VIII. Conciliação: consiste em procedimento facultativo de negociação, conduzido por uma


comissão de conciliadores, que irão indicar o direito aplicável ao caso e os fatos apurados na investigação.
Também são estruturadas em comissões, que possuem a função específica de investigar os fatos sobre os quais
versa o litígio e apresentar conselhos ou sugestões que permitam a conciliação dos pontos de vista divergentes.
Seu papel é puramente consultivo, seu método é simplesmente o da persuasão. Portanto, os conciliadores não
possuem poder de decisão. Para Marcelo Varella, a conciliação reúne bases das outras formas de solução não
jurisdicional de controvérsias, pois aproximam as partes e, com o acordo delas, fixa as bases jurídicas e a forma
de condução das negociações.

Bibliografia: Marcelo Varella, Direito Internacional Público, 2014. Hildebrando Accioly, Manual de
Direito Internacional Público, 2014.

9C. Solução pacífica de controvérsias. Arbitragem internacional pública. Corte Internacional de


Justiça: legitimidade, competências, jurisdição consultiva e contenciosa. Outros tribunais internacionais.

Oswaldo Poll Costa


 
Pelo termo controvérsia internacional, conforme destaca Portela, pode-se entender “o litígio que envolve
Estados e organizações internacionais, que pode se revestir de qualquer natureza (econômica, política,
meramente jurídica etc.) e de qualquer grau de gravidade”. A necessidade de criação de meios que solucionem
as controvérsias internacionais deve-se às peculiaridades da sociedade internacional, marcada por relações de
coordenação e não de subordinação (difere-se, portanto, da solução apresentada pelo Estado soberano quando
diante de um conflito de direito interno). A Carta da ONU de 1945 traz enumerado como o primeiro dos
propósitos da organização “manter a paz e a segurança internacionais” e “chegar, por meios pacíficos e de
conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias
ou situações que possam levar a uma perturbação da paz”.
Os meios para solução das controvérsias devem ser pacíficos, pois passa a não ser mais tolerado o uso da força
nas relações internacionais. Não há mais o “direito à guerra”, salvo no caso de legítima defesa ou no interesse
da comunidade internacional para manter ou restaurar a paz (artigo 51 da Carta da ONU). Percebe-se, assim,
que tais mecanismos de solução pacífica das controvérsias surgem no contexto do pós-guerra. O rol mais
importante de mecanismos de solução de controvérsias é trazido pelo artigo 33 da Carta da ONU, o qual prevê a
negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial e recurso a entidades ou acordos

144
regionais, referindo-se ainda à possibilidade de qualquer outro meio pacífico a ser escolhido pelas partes. Os
meios de solução de controvérsias devem, sempre que possível, ter natureza preventiva e não possuem um rol
exaustivo de hipóteses. Podem ser meios jurídicos (semijudiciais e judiciais) ou diplomáticos e políticos.
Meios diplomáticos e políticos: são os denominados “meios não jurisdicionais”. Os meios diplomáticos tem por
característica a manutenção de um diálogo entre as partes divergentes. Diferem-se dos meios políticos, pois
nestes as tratativas entre as partes desenvolvem-se no bojo de organizações internacionais e de seus
respectivos órgãos.
De acordo com a classificação adotada por Portela, destacam-se entre os meios diplomáticos e políticos para
solução pacífica das controvérsias: a) negociação: entendimento direto entre os Estados, de forma bilateral ou
multilateral, dentro ou fora de organizações internacionais; b) inquérito: é um meio preliminar para esclarecer
fatos conflituosos, também conhecido como “investigação” ou “fact finding”. Preparam o terreno para a solução
de uma controvérsia; c) consultas: mecanismos por meio dos quais os Estados buscam identificar e estabelecer
os temas objetos de controvérsia. Assim como o inquérito, não é propriamente um meio de solução de
controvérsia, mas ajuda a esclarecer quais são as divergências entre as partes; d) bons ofícios: trata-se da ajuda
de terceiro, denominado “mediador”, o qual colabora na solução das controvérsias. O terceiro pode ser um
Estado, organismo internacional ou uma autoridade. Busca aproximar os litigantes, mas sem interferir nas
tratativas. Não pode apresentar posicionamentos a respeito do tema ou proposta de solução do conflito; e)
mediação: na mediação, assim como nos bons ofícios há o envolvimento de um terceiro, o qual, contudo, não
apenas aproxima as partes, mas propõe uma solução pacífica para o conflito. Pode ser facultativa ou obrigatória,
caso prevista em tratado; f) conciliação: semelhante à mediação, mas caracterizando-se pela existência de um
órgão de mediação, geralmente denominado “comissão de conciliação”, a qual examina o litígio e propõe um
parecer ou relatório, contudo, sem força vinculante.
A Assembleia-Geral da ONU pode discutir solução de controvérsias e tem criado comissões de bons ofícios e
indicado mediadores em vários casos a ela submetidos. Contudo, cumpre observar que quando para a solução
da controvérsia for necessária uma ação, antes ou depois da discussão, a questão será submetida ao Conselho
de Segurança.
Arbitragem internacional pública: é aquela aplicada nas relações jurídicas em que há a presença de sujeitos de
direito público. A arbitragem é entendida por alguns autores, dentre os quais Portela, como um meio semi-
judicial de solução de controvérsias, pois não é emitida por um órgão jurisdicional permanente. Produzem uma
solução ad hoc, emanada de órgãos não permanentes, contudo, a decisão proferida é obrigatória e
fundamentada em norma jurídica. Alguns autores como Gustavo Bregalda entendem que a arbitragem é um
meio jurisdicional. A cláusula compromissória exprime a vontade dos Estados em submeterem-se à arbitragem e
tem previsão em vários tratados. Funciona por meio de um órgão, conhecido como Corte ou Tribunal arbitral,
composto por árbitros de um ou mais Estados, escolhidos pelos litigantes e com notória especialidade na
matéria. Frise-se que os Estados não estão obrigados a se submeterem ao procedimento arbitral. Contudo, ao
optar por tal método de solução das controvérsias, a decisão dos árbitros torna-se obrigatória para as partes e
deve ser devidamente cumprida. O descumprimento do laudo arbitral configura ilícito internacional.
Meios Judiciais: são aqueles que funcionam por meio de órgãos jurisdicionais com regras pré-existentes e
permanentes. Normalmente são órgãos criados por tratados.
O principal órgão jurisdicional da ONU é a Corte Internacional de Justiça, formada por juízes eleitos pela
Assembleia-Geral e pelo Conselho de Segurança. Possui competência contenciosa e consultiva. Cabe à própria
Corte decidir sobre sua competência (isso foi frisado no julgamento Qatar/ Bahrein). Julga litígio entre os
Estados, sendo que somente estes podem ser parte, de acordo com o artigo 34, §1º, do Estatuto da Corte.
Atenção: mesmo Estados não signatários do Estatuto da Corte e até mesmo não integrantes da ONU, podem vir
a ser parte, dentro de alguns parâmetros estabelecido pelo Conselho de Segurança. Cabe à Corte Internacional
de Justiça realizar controle de legalidade das decisões do Conselho de Segurança da ONU (Caso Lockerbie). O
Brasil ainda não aceita a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória da CIJ. A sentença é definitiva, inapelável
(só há recurso de interpretação) e obrigatória e seu descumprimento importa em responsabilidade
internacional do violador, podendo ensejar ação do Conselho de Segurança para garantir sua execução. Há
previsão de pedido de revisão de uma sentença, o qual só poderá ser feito em razão do descobrimento de
algum fato novo suscetível de exercer influência decisiva na decisão, a critério da Corte, desde que o pedido seja

145
feito no prazo máximo de 6 meses a partir do descobrimento do fato novo pelo Estado requerente, desde que
não transcorridos 10 anos da data da sentença. São possíveis medidas cautelares ou medidas provisórias, as
quais são vinculantes. Consistem em medidas que podem ser indicadas pela Corte visando a preservar os
respectivos direitos de cada parte. Jurisdição consultiva: é importante no Direito Internacional porque esclarece
o seu alcance. Não é vinculante (mas geram má-fé de quem contrariar). Quem pode solicitar uma opinião
consultiva da Corte: Assembléia Geral, Conselho de Segurança (qualquer pergunta), agência especializada que
tenha sido autorizada pela Assembléia Geral (pertinência temática).
Outros tribunais internacionais. Tema melhor abordado em outros pontos. São exemplos a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Europeia de Direitos Humanos e o Tribunal Penal Internacional.

11. DIREITO DE GUERRA E NEUTRALIDADE


11.1 Regime jurídico do uso da força no direito internacional: uso lícito e ilícito. Segurança coletiva: global e
regional. A proteção da paz e da segurança internacionais por organizações internacionais: o papel da
Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos. (7.c)

7C. Regime jurídico do uso da força no direito internacional: uso lícito e ilícito. Segurança coletiva: global e
regional. A proteção da paz e da segurança internacionais por organizações internacionais: o papel da
Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos.

Pedro Soares

I. Regime jurídico do uso da força no direito internacional: uso lícito e ilícito.

De um panorama de aceitação do uso da força como meio lícito de solução de controvérsias (Direito
Internacional clássico), evoluiu-se para o atual estágio de seu banimento, a partir da consolidação histórica do
conceito de jus cogens.
* Jus cogens: DIP, ponto 3.a.
Contemporaneamente, tal proscrição foi ensaiada na 2ª Conferência de Paz da Haia (1907), e também
restou mencionada no Pacto de Proibição da de Agressão (Briand-Kellogg, 1928). Em que pese o uso da força em
várias situações logo a seguir, ao menos ficou estabelecido uma reprovação inicial ao uso da força para legitimar
uma violação da norma internacional.
A evolução do Direito Internacional no século XX na busca da proibição do uso da força nas relações
internacionais, porém, culmina com o artigo 2º, parágrafo 4º da Carta da ONU, que proíbe a ameaça ou o uso da
força contra a integridade territorial e a independência política por parte de qualquer Estado (atualmente
considerado princípio geral do Direito Internacional). Indiretamente, busca-se a promoção de direitos humanos
pela manutenção de um cenário de paz nas relações internacionais.
A CIJ consagrou tal entendimento no caso do Estreito de Corfu e, posteriormente, no caso Nicarágua vs.
EUA, reconheceu a existência em sede costumeira de obrigação internacional nesse sentido. No mais, o dever
legal dos Estados de não utilizar a força para solucionar suas controvérsias é visto em diversos diplomas
normativos internacionais no pós-45.
Dessa forma, existem atualmente três hipóteses de uso lícito da força no DIP:
(1) legítima defesa (art. 51 da Carta da ONU): resposta armada a uma agressão prévia também armada.
A reação deve ser proporcional ao ataque real ou potencial e dirigida ao Estado agressor, e deve ser
imediatamente comunicada ao Conselho de Segurança (CS) da ONU.
Pode haver reação de um ou mais Estados, em defesa do que sofreu ou está na iminência de sofrer
ataque, pressupondo a concordância desse.
Não se admitem alegações de legítima defesa ideológica e se entende, inclusive, que não é possível
alegar a chamada legítima defesa antecipada ou agressiva.
O conceito é estrito e de cautelosa aplicação, não se confundindo com o conceito mais amplo de
contramedida (* DIP, ponto 21.c);
(2) mediante autorização do CS; e
(3) autodeterminação dos povos (DIP, ponto 2.b): aquele submetido a dominação estrangeira pode
pegar em armas para buscar a emancipação.

146
* Intervenção humanitária: DIP, ponto 21.c.

II. Segurança coletiva global. O papel da ONU na proteção da paz e segurança internacionais.

* ONU: DIP, ponto 10.c.


Segurança coletiva é o nome que se dá à ação da comunidade internacional contra um Estado ou um
grupo deles, considerados pela maioria como culpados por violar a paz internacional, sendo modalidade de
defesa prevista no artigo 51 da Carta da ONU.
Está previsto em três situações: ameaça à paz internacional, ruptura da paz internacional e diante de
atos de agressão. Atualmente, defende-se o direito de intervenção humanitária, em face de graves violações de
direitos humanos. A partir da resolução 1723/2001, o CS passou a considerar o terrorismo como ameaça à paz
internacional.
O CS é o responsável pela manutenção da paz e da segurança internacionais, possuindo, nessa função,
duas ordens de atribuições: dirigir recomendações aos Estados em litígio, para a solução pacífica dos conflitos
ou casos de ameaça à paz, ruptura da paz ou de ato de agressão; e pode ainda formular recomendações ou
tomar decisões que podem acarretar o uso das forças armadas que irão intervir nos países que estão em
disputa.
As resoluções do CS nessa matéria são obrigatórias para todos os Estados, que deverão dar suporte às
ações daquele. A ONU não tem tropas próprias, usando as tropas de membros, que atuam em nome dela.
O CS realiza três modalidades de operações: (1) manutenção da paz – para evitar a eclosão de conflito;
(2) restauração da paz – quando o conflito já existe; e (3) reconstrução da paz após intervenção da ONU, para
reconstruir o estado e suas instituições.

III. Segurança coletiva regional. O papel da OEA.

* OEA: DIP, ponto 6.b.


De acordo com a Carta de 1948, a Organização dos Estados Americanos (OEA) é uma organização
intergovernamental, aberta a todos os Estados americanos, que acabaram – todos – ingressando na organização
ao longo dos anos. Seus objetivos são amplos, compreendendo, inclusive, a garantia da paz e segurança
internacionais.
Um ano antes da criação da OEA, na Conferência Pan-americana do Rio de Janeiro em 1947, foi
aprovado o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR ou Pacto do Rio), que criou um sistema
regional de segurança coletiva (a agressão a um dos membros seria considerada uma agressão a todos) sob
forte estímulo dos Estados Unidos, ansiosos por assegurar uma defesa hemisférica comum sob sua supervisão.
O TIAR prevê sua aplicação em três situações: a) Um ataque armado, por parte de qualquer Estado,
contra um Estado Americano, será considerado como um ataque contra todos os Estados Americanos; b) No
caso de a inviolabilidade ou integridade do território ou a soberania ou independência política de qualquer
Estado Americano ser atingida por uma agressão que não seja um ataque armado, ou por um conflito
extracontinental; c) Na eventualidade de qualquer outro fato ou situação que possa pôr em perigo a paz na
América.

12. DIREITO INTERNACIONAL AMBIENTAL


12.1 Direito Internacional do Meio Ambiente. Evolução histórica. Tratados ratificados pelo Brasil. Impacto no
Direito brasileiro. Princípios. Regime jurídico do combate aos efeitos nocivos da mudança climática. Regime
jurídico da proteção atmosférica e combate à poluição do ar. (14.a)
12.2 Direito Internacional do Meio Ambiente. Regime jurídico da proteção dos oceanos e recursos hídricos.
Regulamentação internacional da pesca. Biodiversidade, fauna e flora. Tratamento internacional dos resíduos e
substâncias perigosas. (15.c)

14A. Direito Internacional do Meio Ambiente. Evolução histórica. Tratados ratificados pelo Brasil. Impacto no
Direito brasileiro. Princípios. Regime jurídico do combate aos efeitos nocivos da mudança climática. Regime
jurídico da proteção atmosférica e combate à poluição do ar. 

Luciano Peixoto Metaxa Kladis 21/09/18

147
I. Direito Internacional do Meio Ambiente. Evolução histórica

A questão ambiental deixou de ser um assunto de natureza meramente doméstica em função das repercussões
transfronteiriças, em virtude do esgotamento dos recursos naturais, do esgarçamento da camada de ozônio, da
mortandade da fauna e da flora, da escassez da água, do aquecimento global, do destino dos resíduos sólidos,
das tragédias ambientais, etc.
No que toca à evolução histórica do DIMA, ressalta-se:
A Conferência de Estocolmo de 1972 objetivou a inserção dos Estados no âmbito de um debate global sobre o
meio ambiente, estabelecendo a premissa de que as pessoas tem direito a um ambiente saudável que permita o
desenvolvimento da geração presente e das futuras. Assim, surgiu a noção de “desenvolvimento sustentável”.
Firmou-se a Declaração Sobre Meio Ambiente e foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
-PNUMA, agência do Sistema das Nações Unidas (ONU) responsável por promover a conservação do meio
ambiente e o uso eficiente de recursos no contexto do desenvolvimento sustentável.
A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (ECO 92) girou em torno da
ideia de incentivar o desenvolvimento econômico-social em harmonia com a preservação do meio ambiente.
Consagrou-se a noção de “desenvolvimento sustentável”, e a responsabilidade ambiental entre os Estados é
comum, mas diferenciada, cabendo aos países desenvolvidos maior responsabilidade na busca internacional do
desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões que suas sociedades exercem no meio ambiente.
Firmou-se a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Convenção sobre Mudanças do Clima (que originou o
Protocolo de Kyoto, cinco anos mais tarde), a Declaração de Princípios sobre o uso das Florestas, além da
Declaração do Rio e da Agenda 21.
O Protocolo de Kyoto (1997) representou um avanço, na medida em que os países industrializados se
comprometeram a reduzir significativamente as e missões globais de seis gases responsáveis pelo efeito estufa.
Para tanto, prevê importantes mecanismos, como a redução gradual ou a eliminação de imperfeições de
mercado, de incentivos fiscais, de isenções tributárias e tarifárias e de subsídios para os setores emissores de
gases de efeito estufa.
A Cúpula Mundial Sobre Desenvolvimento Sustentável (Joanesburgo 2002) reforçou o compromisso de
aceleração do cumprimento das metas socioeconômicas e ambientais elaboradas nos encontros anteriores .
Ademais, gerou dois documentos importantes: a Declaração de Joanesburgo em Desenvolvimento Sustentável e
o Plano de Implementação. O primeiro assume diversos desafios inter-relacionados e associados ao
desenvolvimento sustentável, reafirmando os princípios e acordos adotados na Conferência de Estocolmo e na
Rio 92. O segundo instrumento identifica várias metas como a erradicação da pobreza, a alteração de padrões
de consumo e de produção e a proteção dos recursos naturais.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável de 2012 (Rio +20) reafirmou o
compromisso internacional em busca da implementação do desenvolvimento sustentável. Além disso,
reconheceu a erradicação da pobreza e a necessidade de promoção de modalidades sustentáveis de produção e
consumo como condições indispensáveis para o desenvolvimento sustentável e um dos maiores desafios da
atualidade. Chegou-se ao consenso de que somente é possível implementar o desenvolvimento sustentável
estabelecendo-se uma ampla aliança entre pessoas, governos, a sociedade civl e o setor privado para que,
agindo de maneira conjunta, possam promover um futuro socioambientalmente equilibrado para as gerações
presentes e futuras.

II. Tratados ratificados pelo Brasil

O Brasil é signatário de diversos tratados, tais como: Convenção para a Proteção da Flora, da Fauna e das
Belezas Cênicas Naturais dos Países da América de 1949; Convenção para o Comércio Internacional das Espécies
da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção de 1973; Convenção sobre a Diversidade Biológica de 1992;
Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países afetados por Seca Grave/Desertificação;
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982; Convenção de Viena sobre Responsabilidade
Civil por Danos Nucleares; Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por
Poluição por Óleo de 1969; A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima; Protocolo da
Cartagena sobre Biossegurança da Convenção sobre Diversidade Biológica de 2000

148
III. Impacto no Direito brasileiro

A Conferência de Estocolmo de 1972 influenciou a criação da a Secretaria Especial do Meio Ambiente (por meio
do Decreto 73.030/73) e a previsão da proteção do meio ambiente na CRFB
(em capítulo especialmente dedicado a esse propósito).
Os Tratados posteriormente ratificados pelo Brasil influenciaram o legislador na elaboração de leis ambientais,
como a lei 6.938/81 que criou a Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA.
O princípio 11 da Declaração do Rio (que fomenta a adoção de legislações protetivas do meio ambiente)
influenciou a formação de leis em diversos Estados. No Brasil, pode-se citar a Lei de Crimes Ambientais.

IV. Princípios

O princípio da cooperação internacional aponta para necessidade de colaboração entre os Estados para que se
preserve efetivamente o meio ambiente, pois inexiste fronteira para o dano ambiental
O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, afirma que as Partes devem proteger o
sistema climático em benefício das gerações presentes e futuras com base na equidade e em conformidade com
suas respectivas capacidades. Em decorrência disso, os países desenvolvidos que participam da Convenção
devem tomar a iniciativa no combate à mudança do clima e seus efeitos, devendo considerar as necessidades
específicas dos países em desenvolvimento, em especial os particularmente vulneráveis aos efeitos negativos da
mudança do clima.
O princípio da precaução que estabelece requisitos quanto à avaliação prévia do dano ambiental. Preconiza que
a ausência de certeza científica absoluta não autoriza que medidas de prevenção de danos ambientais que
sejam economicamente viáveis tenham sua implantação adiada. Assim, a incerteza científica deve sempre
militar em favor do meio ambiente, incumbindo ao interessado o ônus de provar que as intervenções
pretendidas não são perigosas e/ou poluentes.

V. Regime jurídico do combate aos efeitos nocivos da mudança climática

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas visa estabilizar as concentrações de gases
de efeito estufa na atmosfera resultantes das ações humanas.
O tratado foi aprovado em junho de 1992 e inicialmente não fixou limites para as emissões dos gases de efeito
estufa (GEE) ou continha disposições obrigatórias para os membros. Em vez disso, ele incluiu provisões para
atualizações (chamadas de "Protocolos"), estas sim capazes de definir os limites obrigatórios de emissões.
Diante da necessidade de posterior regulamentação foi instituído um Órgão Supremo da Convenção, a
Conferência das Partes, com poderes inclusive de emendar a Convenção e referendar as decisões dos dois
Órgãos Subsidiários. Desde a entrada em vigor da UNFCCC, anualmente ocorre a Conferência das Partes,
quando se avaliam o progresso dos membros em lidar com as mudanças climáticas e se estabelecem as
obrigações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

VI. Regime jurídico da proteção atmosférica e combate à poluição do ar

Os principais acordos internacionais são: Convenção de Genebra sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a
Longa Distância (1979), a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985); o Protocolo de
Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio (1987), e a Convenção-Quadro sobre Mudança
do Clima (1992)

Convenção de Genebra sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância: Malcolm Shaw
entende que, apesar da amplitude dada a definição de poluição, as obrigações assumidas pelas partes foram
tímidas e a questão da responsabilidade civil dos Estados pelos danos causados pela poluição não é tratada no
documento.

Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio é um marco no Direito Internacional ambiental,
uma vez desenhou um cenário de cooperação internacional jamais visto na área ambiental, especialmente no
que se respeita à investigação científica, à vigilância da produção de substâncias destruidoras de ozônio e à

149
troca de informações. Este tratado passou a ser vigente no Brasil por força do Decreto nº 99.280 de 06 de junho
de 1990, sob o aspecto de umbrella treaty (que pode ser complementado por outro tratado). Frisa-se que o
tratado primou pela cooperação na área das pesquisas relativas à substâncias e processos que modificam a
camada de ozônio, na formulação e na implentação de medidas para controlar atividades que causam efeitos
adversos, bem na troca de informações de caráter científico, técnico, socioeconômico, comercial e jurídico.

O Protocolo de Montreal sobre substâncias que empobrecem a camada de ozônio: os países signatários se
comprometem a substituir as substâncias que se demonstrou estarem reagindo com o ozônio na parte superior
da estratosfera (ozonosfera). O tratado entrou em vigor em 1989 e foi revisado em 1990, 1992, 1995, 1997 e
1999. Kofi Annan se referiu à grande adesão do protocolo: "Talvez seja o mais bem sucedido acordo
internacional de todos os tempos”.

A Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima foi abordada no tópico acima.

15C. Regime jurídico da proteção dos oceanos e recursos hídricos. Regulamentação internacional da pesca.
Tratamento internacional dos resíduos e substâncias perigosas.

Fábio Milhas Santos (30/09/2018)

1. Regime jurídico da proteção dos oceanos e recursos hídricos e regulamentação internacional da pesca:
1.1. Convenção de Montego Bay:
O principal tratado referente ao mar é a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM
ou UNCLOS em inglês), também conhecida como Convenção de Montego Bay, assinada na Jamaica em 1982,
que entrou em vigor internacional em 16/11/1994, promulgada pelo Brasil através do Decreto nº 1.530, de
22/06/1995, que regula diversos temas, inclusive a navegação por estreitos, a pesca e a pesquisa científica.
Criou também o TRIBUNAL INTERNACIONAL DO DIREITO DO MAR, com sede em Hamburgo (Alemanha),
competente para examinar todas as controvérsias e pedidos relativos às normas do tratado em apreço ou de
qualquer outro ato internacional que se refira ao Direito do Mar.
Dentre os princípios do Direito do Mar, destacam-se a contribuição de suas normas para a manutenção da
paz e para a promoção da justiça e do progresso de todos os povos do mundo; a importância da cooperação
internacional; o respeito à soberania nacional; a facilitação das comunicações internacionais; e o uso pacífico
dos espaços marinhos.

Ademais, o combate à poluição do mar é um dos temas regulados na aludida Convenção, sendo certo
que, os Estados têm a obrigação de proteger e preservar o meio marinho e o direito de soberania para
aproveitar os seus recursos naturais de acordo com a sua política em matéria de meio ambiente.

No tocante à pesca, a referida Convenção aborda o tema nos artigos 87, 1, “e”, e 116/120. Dispõe a
Convenção sobre a pesca em alto-mar, sendo este a parte do mar sobre a qual não há soberania de qualquer
Estado, que corresponde a todas as partes do mar não incluídas na ZEE, no mar territorial ou nas águas
interiores de um Estado, nem nas águas arquipelágicas de um Estado arquipélago (artigo 86.º da Convenção). O
alto mar está aberto a todos os Estados, costeiros ou não, sedo que tal abertura implica as seguintes liberdades,
a serem sempre exercidas com fins pacíficos: navegação, sobrevoo, colocação de cabos e dutos submarinos,
instalação de ilhas artificiais e outras estruturas permitidas pelo Direito Internacional, pesca (cujo exercício deve
obedecer a certas condições, como preservação dos recursos vivos do alto mar e cooperação na conservação e
gestão desses recursos, conforme artigos 116/120) e pesquisa científica. Progressivamente, contudo, tem-se
admitido que essa liberdade da pesca em alto-mar não é um direito ilimitado, havendo precedente da CIJ (UK x
Islândia – competência em matéria pesqueira) declarando a necessária composição entre os interesses dos
países mais dependentes da pesca e o dever de conservação da fauna marinha para o benefício comum

No que diz respeito à Convenção de Montego Bay, a disciplina dos recursos marinhos vivos é insuficiente,
resumindo-se ao estabelecimento de normas de cooperação e uso comum, mas sem estabelecer propriamente
uma proteção aos recursos marinhos vivos.

150
No que tange aos chamados FUNDOS MARINHOS, que compreendem as áreas subaquáticas, o leito e o
subsolo das águas internacionais, que não pertecem, portanto, a nenhum Estado, tem-se que são patrimônio
comum da humanidade e sua exploração deve ser feita em benefício dos povos em geral, independentemente
de sua localização. Na Convenção de Montego Bay, são chamados de “Área” e têm sua proteção regulada pelos
artigos 133/155. Para administrar a Área, a Convenção criou a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos e
um órgão de solução de controvérsias, a Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos do Tribunal.

1.2. Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, de 1973 (MARPOL), que foi
revista pelo Protocolo de 1978:
Foi assinada originalmente em 1973, mas não entrou em vigor, o que somente veio a ocorrer
quando das alterações promovidas pelo Protocolo de 1978, atingindo-se o número necessário de
ratificações, passando a viger a partir de 1983. O Brasil, por sua vez, a promulgou através do Decreto
nº 2.508/1998. A mencionada convenção visa a reduzir a poluição do mar e tutelar o transporte
marítimo em geral. A MARPOL substituiu, para a maior parte dos estados, a Convenção Internacional para
Prevenção da Poluição do Mar por Óleo (OILPOL), de 1954, que, apesar das diversas modificações, não era
eficientemente aplicada. Entretanto, alguns estados continuam vinculados apenas à Convenção de 1954.
Salienta-se que a MARPOL pretendeu dar tratamento mais amplo, abrangendo outros poluentes do mar além
do óleo. Os Anexos da aludida Conveção tratam da poluição pelo óleo, o controle de poluição por cargas líquidas
nocivas, prevenção de poluição por substâncias perigosas em containers, prevenção de poluição por esgoto de
navios, poluição por descarte de resíduos por navios etc.

1.3. Convenção Interamericana para a Proteção e Conservação das Tartarugas Marinhas :

No que tange à regulamentação da pesca, tem-se, ainda, alguns tratados específicos. Efetivamente, a
Convenção Interamericana para a Proteção e Conservação das Tartarugas Marinhas, celebrada em Caracas em
1996, entrou em vigor internacional em 02/05/2001, sendo certo que o Brasil a promulgou pelo Decreto nº
3.842, de 13/06/2001, entrando em vigor para este em 15/06/2001, tendo comoobjetivo principal promover a
proteção, a conservação e a recuperação das populações de tartarugas marinhas e de seus habitats naturais,
gerando abrigação de estabelecer um programa de manejo que inclua limites no nível de captura intencional
(art.4º,1).

1.4. Convenção para a Conservação das Focas Antárticas:

Prosseguindo, há também a Convenção para a Conservação das Focas Antárticas, concluída em Londres
em 01/06/1972, tendo o Brasil a promulgado em 18/03/1991 pelo Decreto nº 66, estabelecendo uma série de
medidas para conservação dessa espécie marítima, evitando-se a pesca predatória, dentre outras proibições,
tais como espécies proibidas, períodos de tempo em que a pesca torna-se vedada etc.

1.5. Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos:

Adotado pelo Brasil pelo Decreto nº 93.935, de 15/01/1987, há a Convenção sobre a Conservação dos
Recursos Vivos Marinhos Antárticos de 1980, cujo artigo IX, “h”, estabelece como dever da Comissão para
Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos a regulamentação dos meios e métodos de captura
incluindo equipamento de pesca, a fim de evitar uma concentração indevida de captura em qualquer região ou
sub-região da Antártida, servindo como mais um instrumento de proteção relativo à pesca internacional.

1.6. Convenção Internacional para a Regulamentação da Pesca da Baleia:

Oportuno informar a existência da Convenção Internacional para a Regulamentação da Pesca da


Baleia, firmada em Washington em 1946 e em vigor internacional desde 1948, conta com 67 partes, sendo certo
que o Brasil a promulgou pelo Decreto nº 73.497/1974, que se ocupa de aspectos mais procedimentais do que
substantivos, destacando-se a criação de uma Comissão Internacional de Pesca da Baleia, com atribuição para
encorajar e conduzir estudos sobre baleias e sua pesca, os efeitos desta, meios de manter e aumentar a
população das baleias, dentre outras.

151
1.7. Convenção de Bonn sobre espécies Migratórias:

Já a proteção de cetáceos é regulada pela Convenção de Bonn sobre espécies Migratórias, adotada em
1979 e em vigor internacional desde 1983, tendo 99 partes, sendo certo que o Brasil não figura entre eles.

1.8. Acordo das Nações Unidas sobre Espécies de Peixes Altamente Migratórias:

Por fim, tem-se o Acordo das Nações Unidas sobre Espécies de Peixes Altamente Migratórias, de 1995.
Originalmente denominado Acordo para a Implementação das Provisões da Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar de 10 de dezembro de 1982 sobre a Conservação e Ordenamento de Populações de
Peixes Tranzonais e de Populações de Peixes Altamente Migratórios, o Acordo regulamenta e especifica
obrigações em complemento às normas da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Encontra-se
em vigor, inclusive no Brasil (Decreto nº 4.361/2002). O objetivo do Acordo é assegurar a conservação de longo
prazo e uso sustentável de espécies de peixes migratórias pela implementação da Convenção sobre Direito do
Mar em áreas fora da jurisdição nacional (artigos. 2º e 3º).

2.Tratamento internacional dos resíduos e substâncias perigosas:


A poluição marinha pode ser gerada por várias fontes, entre elas a operação de navios, o despejo de
resíduos no mar, atividades no leito oceânico e atividades em terra e cujos resíduos se introduzam nos mares.
Há um número grande de tratados bilaterais, multilaterais e regionais se ocupando da matéria, podendo ser
citados os seguintes:
2.1 Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios, de 1973 (MARPOL):
Visa a reduzir a poluição do mar, inclusive por derramamento de óleo (acidentes com os navios Torrey
Canyon, Amoco Cadiz e Exxon Valdez), e a tutelar o transporte marítimo em geral, bem como abrange a questão
da água de lastro dos tanques das embarcações, contendo quantidades significativas de poluentes, sendo certo
que o Brasil é signatário da mesma.

2.2. Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (Montego Bay – 1982):
A mencionada convenção registra, em seu art. 192, a obrigação geral dos Estados em proteger e
preservar o meio ambiente marinho.

2.3. Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias, de 1972
(Convenção de Londres sobre alijamento):
Concluída em Londres em 29/12/1972, entrou em vigor no Brasil em 17/09/1982 com a publicação do
Decreto nº 87.566/1982. Segundo a Convenção, as partes promoverão, individual e coletivamente, o controle
efetivo de todas as fontes de contaminação do meio marinho e se comprometem a adotar todas as medidas
possíveis para impedir a contaminação do mar pelo alijamento de resíduos e outras substâncias que possam
gerar perigos para a saúde humana, prejudicar os recursos biológicos e a vida marinha, bem como danificar as
condições ou interferir em outras aplicações legítimas do mar (art. I).
As partes adotarão ainda, segundo suas possibilidades científicas, técnicas e econômicas, medidas
eficazes, individuais e coletivamente, para impedir a contaminação do mar causada pelo alijamento, e
harmonizarão suas políticas a respeito (art. II).

2.4. Convenção de Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu
Depósito, de 1989:
Foi assinada em 1989, entrou em vigor internacional em 1992 e foi emendada em 1995, contando com a
adesão do Brasil, sendo certo que a promulgou pelo Decreto nº 875/1993. Procura tratar do manejo
ambientalmente correto de produtos que são transportados pela água, mas que podem poluir não só os mares,
mas também outros cursos ou reservatórios de água, regiões costeiras, solo, atmosfera etc.
De forma a evitar que países desenvolvidos exportassem seus resíduos perigosos para países em
desenvolvimento – prática corriqueira até hoje, apesar da proibição legal –, os países estipularam restrições e
proibições de movimento internacional de resíduos.

152
A Convenção regula também a forma de gestão e depósito dos resíduos, que devem, em princípio, ser
tratados e armazenados em lugar o mais próximo possível de onde foram gerado, bem como visa a reduzir,
progressivamente, a produção de tais resíduos.

2.5. Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, de
1969:
Concluída em Bruxelas em 29/11/1969 e celebrada sob a égide da Organização Marítima Internacional
(OMI), foi promulgada pelo Brasil através do Decreto nº 79.437, de 28/03/1977, tem como objeto o problema
da poluição por petróleo e seus derivados.

2.6. Convenção Internacional sobre Preparo, Resposta e Cooperação em Caso de Poluição por Óleo, de 1990:
Assinada em Londres em 30/11/1990, entrou em vigor internacional em 13/05/1995, sendo certo que o
Brasil a promulgou através do Decreto nº 2.870, de 10/12/1998. Por meio dela, as partes se comprometeram,
conjunta ou individualmente, a tomar todas as medidas adequadas, em conformidade com as disposições da
referida Convenção e de seu Anexo, para o preparo e a resposta em caso de incidente de poluição por óleo,
estabelecendo os procedimentos necessários para tanto;

2.7. Convenção Internacional relativa à Intervenção em Alto-Mar em casos de Acidentes com Poluição por
Óleo (Convenção de Bruxelas, de 29/11/1969) e o Protocolo Relativo à Intervenção em Alto-Mar em Casos de
Poluição por Substâncias Outras que não Óleo (Assinado em Londres, em 02/11/1973):
Ambos foram promulgados pelo Brasil através do Decreto nº 6.478, de 09/06/2008. Segundo a
Convenção, as partes podem tomar, em alto mar, as medidas necessárias para prevenir, atenuar ou eliminar os
perigos graves e iminentes de poluição ou ameaça de poluição das águas do mar por óleo, para suas costas ou
interesses conexos, resultante de um acidente marítimo ou das ações relacionadas a tal acidente, suscetíveis,
segundo tudo indique, de ter graves conseqüências prejudiciais.
Ato contínuo, a Convenção enumera os procedimentos que podem ser adotados, sendo certo que as
partes podem optar por mecanismos amigáveis de solução de conflitos, tais como a Conciliação e a Arbitragem.
Por sua vez, o Protocolo estabelece que as partes poderão tomar em alto-mar as medidas que possam
ser necessárias para prevenir, atenuar ou eliminar um perigo grave e iminente às suas costas ou aos seus
interesses com elas relacionados, decorrente de poluição ou de ameaça de poluição, causada por substâncias
outras que não óleo, em caso de um acidente marítimo ou de atos relacionados com aquele acidente que, de
maneira razoável, possa-se esperar que resultem em conseqüências prejudiciais de vulto.

13. DIREITO COMUNITÁRIO


13.1 Direito da Integração Regional. Tipologia. Organização Internacional Supranacional. Mercado Comum do
Sul. Evolução. Características. Estrutura, atividades e funções de seus órgãos. Principais atos institutivos. Poder
normativo e deliberações. Relação com o Direito brasileiro. (21.b)
13.2 Direito internacional tributário. O fenômeno da bitributação. Acordos de bitributação. Combate
internacional à sonegação. Tratados internacionais de cooperação e informação tributária. (4.c)

21B. Direito da Integração Regional. Tipologia. Organização Internacional Supranacional. Mercado Comum do
Sul. Evolução. Características. Estrutura, atividades e funções de seus órgãos. Principais atos institutivos. Poder
normativo e deliberações. Relação com o Direito brasileiro.

Leticia Gonçalves

Principais obras consultadas: Graal 27º e 28º; Paulo Henrique Gonçalves Portela, Direito Internacional Público e Privado, 5a Edição. Jus Podivm.
http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/euro/jorge_integracao_mercosul_ue.pdf http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/17051-decisao-
sobre-a-suspensao-da-republica-bolivariana-da-venezuela-do-mercosul-em-aplicacao-do-protocolo-de-ushuaia-sobre-compromisso-democratico

153
I. Direito da Integração Regional: A integração regional é uma das modalidades de cooperação que os Estados
vêm desenvolvendo no decorrer da história. Consolidou-se com o surgimento dos blocos econômicos,
mecanismos criados e formados por Estados soberanos que conferem, uns aos outros, certas vantagens no
âmbito das relações que mantêm entre si, especialmente no campo econômico. Geralmente estes países estão
próximos por suas posições geográficas, afinidades econômicas, históricas e culturais (forma de cooperação
entre Estados se caracteriza por mecanismos de vantagens recíprocas). É ramo do DIP, com características
deste: necessidade de incorporação de suas normas às ordens internas. Não se confunde com Direito
Comunitário (integrações aprofundadas), que sempre se sobrepõe aos Direitos nacionais e é diretamente
aplicável nos Estados, sem necessidade de incorporação e tendo a supranacionalidade como marca.

II. Tipologia: Um processo de integração regional pode percorrer até cinco etapas distintas: zona de livre
comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica e, por fim, união política. 1- Zona de livre
comércio: Liberação da circulação de bens dentro do bloco regional - primeira etapa da integração em que são
estabelecidas facilidades para circulação de bens dentro do bloco regional com redução progressiva ou total de
barreiras alfandegarias e não alfandegárias, como gravames aduaneiros, alíquotas cotas, etc. 2- União
aduaneira: trata-se do estabelecimento de regras comuns para importações oriundas de fora do bloco, como o
estabelecimento de uma tarifa externa comum (TEC), a fim de evitar que produtos e serviços vindos de terceiros
países promovam vantagens na concorrência contra produtos do próprio bloco. É neste estágio que se encontra
o MERCOSUL. 3- Mercado comum: há livre circulação dos fatores de produção (bens, serviços, capital, mão-de-
obra e liberdade de concorrência). 4- União econômica e monetária: os membros do bloco regional
estabelecem a coordenação de suas políticas macroeconômicas, partindo, na maioria das vezes, para políticas
econômicas e cambiais unificadas, metas comuns de indicadores macroeconômicos, uma só ́ moeda e um banco
central único. Estagio atual da União Europeia. 5- União política: os membros do bloco avançam no sentido de
estabelecer uma coordenação de ações no campo político. Teoricamente, a união política pode levar à
formação de uma confederação ou mesmo à unificação dos membros do mecanismo integracionista. Na prática,
porém, observa-se que os blocos regionais já vêm apenas aplicando alguns elementos de união política, como a
coordenação de políticas externas, de defesa e de segurança, independentemente da etapa em que se
encontrem.

III. Organização Internacional Supranacional: Relaciona-se com o Direito Comunitário, ramo do Direito que
regula mecanismos de integração regional que atingiram um estágio de desenvolvimento mais aprofundado e
que é criado não só pelos Estados, mas também pelos órgãos do bloco regional, sendo marcado pela
aplicabilidade imediata dentro dos entes estatais e pela superioridade hierárquica em relação ao Direito interno
dos Estados. Fundada no princípio da limitação da soberania em nome de interesses comuns (membros
transferem parcela para a organização). Funciona como um Estado acima dos Estados e cujas instituições
operam de modo semelhante a um organismo internacional. O Direito Comunitário caracteriza-se por estar
associado à supranacionalidade, ou seja, à existência de entidades que se encontram em posição de primazia
frente aos Estados soberanos, pelo menos em certos aspectos. Ex.: União Europeia.

IV. Mercado Comum do Sul: Pessoa jurídica de direito internacional público, com órgãos permanentes, sede e
capacidade para celebrar tratados, assemelhada a uma organização internacional, cujo objetivo é contribuir
para o desenvolvimento da região por meio da criação de um espaço econômico comum, que permita a
ampliação dos mercados nacionais, a elevação do grau de competitividade das economias dos Estados-
membros, o fortalecimento das posições dos países do bloco nos foros internacionais, a obtenção de vantagens
comerciais com outros parceiros, a modernização econômica e, em suma, a melhor inserção internacional de
seus integrantes. (PORTELA). (Rezek afirma ser organização internacional). Membros: Brasil, Argentina,
Paraguai, Uruguai e Venezuela. Contudo, em dezembro de 2016 a Venezuela foi suspensa do bloco por

154
descumprimento de regras de adesão, como a não-aplicação de acordos econômicos do país. Em agosto de
2017, o país sofreu nova suspensão, desta vez em razão de ruptura da ordem democrática, com base no
protocolo de Ushuaia, com duração até o restabelecimento da ordem democrática. A Bolívia é estado-parte em
processo de adesão (fonte: www.mercosul.gov.br). Associados: Chile, Colômbia, Equador, Peru, Guiana e
Suriname (fonte:www.mercosul.gov.br). Celebraram acordos de livre comércio com o bloco - vantagens nas
relações econômico-comerciais. Aberto à adesão de membros da ALADI que adotem democracia. (art. 4º,
parágrafo único, CF).

V. Evolução: O marco inicial no esforço de integração da América Latina foi a criação da ALALC (1960)
(Associação Latino-Americana de Livre Comércio), que tinha como objetivo criar uma zona de livre comércio na
região no prazo de 12 anos. A ALAC não atingiu suas metas e, em 1980, foi sucedida pela ALADI (1980)
(Associação Latino-Americana de Integração), que ainda existe com sede em Montevidéu e regulação pelo
Tratado de Montevidéu de 1980. O principal propósito da ALADI é promover o livre comércio na América Latina,
mas sem estabelecer um prazo para a criação de uma zona de livre comércio. ALALC e ALADI compõem o que a
doutrina chama de “fase romântica” da integração, marcado por dificuldades concretas de realizar a integração
num contexto histórico em que a maioria dos Estados latino-americanos seguia políticas nacionalistas e, no
contexto da política externa, priorizavam relações com parceiros como os EUA e a Europa. A partir dos anos 80,
após a redemocratização, Brasil e Argentina começaram a negociar medidas de promoção do comércio bilateral,
firmando alguns instrumentos dentre os quais se destaca a Ata de Buenos Aires (1990), por meio da qual
decidiram criar um mercado comum entre ambos, que deveria estar instalado até dezembro de 1994. Após,
Paraguai e Uruguai aderiram e se decidiu criar um bloco regional chamado Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL), Que foi feito por meio do Tratado de Assunção de 1991.

VI. Características: Embora o objetivo do MERCOSUL seja estabelecer um mercado comum entre seus membros,
que abrangeria (art. 1º, Tratado de Assunção) a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os
países, até o momento, trata-se apenas de uma união aduaneira, considerada, porém, incompleta, em vista da
grande quantidade de produtos nas listas de exceções à Tarifa Externa Comum do bloco. Apesar de estar
evidentemente voltado para o campo econômico, atualmente o MERCOSUL envolve também aspectos políticos
e sociais, abrangendo, por exemplo, áreas como trabalho, seguridade social, saúde, educação e migração. É um
esquema Intergovernamental, não há órgãos supranacionais e a validade das determinações dos órgãos do
bloco nos Estados e dos Tratados concluídos em seu âmbito depende de incorporação aos ordenamentos
internos. Marcado por um pequeno grau de institucionalização: há poucos órgãos permanentes no bloco. Desde
o Protocolo de Ouro Preto, o MERCOSUL tem personalidade jurídica de Direito Internacional própria.

VII. Estrutura, atividades e funções de seus órgãos: 1. Conselho do Mercado Comum (CMC): órgão superior,
criado pelo Tratado de Assunção, competente para a condução política da integração e a tomada de decisões
para assegurar cumprimento dos objetivos. Exerce a personalidade jurídica do bloco; celebra tratados
(delegável ao GMC); adota decisões em matéria financeira ou orçamentaria (obrigatórias; por consenso).
Integrado pelos ministros do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Economia dos Estados-
membros do bloco. Presidido por Estado-membro com alternância a cada seis meses, configurando a chamada
Presidência pro tempore. Suas manifestações são chamadas de “Decisões” e serão tomadas por consenso e
obrigatórias, não havendo voto ponderado e exigindo-se, nas deliberações, a participação de todos os Estados-
membros. 2. Grupo do Mercado Comum (GMC): principal órgão executivo, subordinado ao CMC. Também
criado pelo Tratado de Assunção. Delibera por meio de “Resoluções” em matéria financeira ou orçamentária
(são obrigatórias; por consenso). Integrada por quatro membros titulares e quatro alternos por Estado. 3.
Comissão de Comércio do Mercosul (CCM): cuida da aplicação dos instrumentos de política comercial. Cria
Comitês Técnicos para apoio e assessoria a suas atividades. Composição similar ao GMC. Realiza reuniões

155
mensais e se manifesta por meio de “Diretrizes” (obrigatórias aos Estados) e “Propostas” (meras
recomendações). Não tem competência para decidir reclamações de particulares e Estados. 4. Secretaria
Administrativa do Mercosul (SAM): órgão de apoio operacional (arquivo, publicação e divulgação de decisões,
organização de reuniões). Tem sede em Montevidéu; Diretor eleito pelo GMC e designado pelo CMC. 5.
Parlamento do Mercosul (Protocolo/2005): órgão intergovernamental e unicameral de representação de
interesses dos cidadãos dos Estados-partes visando contribuir com o fortalecimento do processo integracionista,
com sede em Montevidéu. Também visa cooperação interparlamentar (harmonização de legislações nacionais e
incorporação de normas do bloco). Desde 2010: membros eleitos por voto direto, universal e secreto dos
cidadãos dos Estados (eleição que ainda não ocorreu no Brasil). 6. Foro Consultivo Econômico-Social: órgão de
representação dos setores econômicos e sociais, com função consultiva, podendo apresentar recomendações ao
GMC.

VIII. Principais atos institutivos: 1. Tratado de Assunção (1991) (acordo-quadro): cria Mercosul e estabelece
linhas gerais (liberalização do comércio com redução progressiva de barreiras tarifarias e não-tarifárias, listas de
exceções, regime geral de origem, tarifa externa comum/TEC, coordenação de políticas macroeconômicas). 2.
Protocolo de Brasília (1991): regia solução de controvérsias, derrogado pelo Protocolo de Olivos (2002), porém
continua regendo conflitos com exame iniciado antes. 3. Protocolo de Las Leñas (1992): Cooperação e
assistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa. 4. Protocolo de Ouro Preto
(1994): marco na estruturação institucional do bloco; conferiu-lhe personalidade jurídica de Direito
Internacional Público. 5. Protocolo de Ushuaia (1998) (bloco + Bolívia e Chile): estabeleceu a “cláusula
democrática” do MERCOSUL: democracia como condição para participação no Mercosul e gozo de todos os
direitos inerentes aos participantes do mecanismo. 6. Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias
(2002): derrogou o Protocolo de Brasília. Prevê três etapas: negociações diplomáticas, arbitragem e Tribunal
Permanente de Revisão (sede em Assunção, tem competência recursal sobre os laudos arbitrais e também pode
ser instância direta por opção das partes).

IX. Poder normativo e deliberações: PORTELA classifica as fontes do Direito do MERCOSUL em três tipos:
originárias (criação e fixação dos fundamentos básicos do bloco), complementares (celebradas “no âmbito do
Tratado de Assunção e seus protocolos”, dependentes das primeiras) e derivadas (emergem unilateralmente
das instituições mercosulinas no exercício de suas funções). As fontes derivadas são: as Decisões do CMC, as
Resoluções do GMC e as Diretrizes da CCM (art. 41, Protocolo de Ouro Preto), sendo que todas elas têm caráter
obrigatório. No entanto, não têm efeito imediato, devendo ser incorporadas aos ordenamentos internos dos
Estados pelos procedimentos cabíveis.

X. Relação com o Direito brasileiro: a validade das determinações de órgãos do bloco e dos tratados dependem
de incorporação à ordem interna (caráter obrigatório, mas sem efeito imediato) – STF – CR-AgR 8.279/AT,
10.08.2008).

4C. Direito internacional tributário. O fenômeno da bitributação. Acordos de bitributação. Combate


internacional à sonegação. Tratados internacionais de cooperação e informação tributária.

José Moreira Falcão Neto. 05/09/2018

Conceito de Direito Tributário Internacional e generalidades. normas editadas em nome do Direito


Internacional Tributário são aquelas produzidas mediante acordos de vontades de distintos Estados soberanos,
através de órgãos e procedimentos por eles em conjunto estipulados para tanto. Poderíamos dizer, com
segurança, que as principais normas que integram tal ramo didaticamente autônomo do direito são os tratados

156
internacionais em matéria tributária. Por outro lado, as normas do Direito Tributário Internacional seria ramo do
Direito Internacional Privado, destinado a resolver conflitos de leis em matéria tributária, de modo a evitar a
dupla (não)incidência do tributo. Objeto de interesse do Direito Internacional Tributário consiste na dupla
tributação internacional e na dupla “não tributação” (elisão e evasão tributária internacional)

Tratados internacionais em matéria tributária são de procedimento longo: requerem ratificação pelo
Chefe do Estado. O consentimento não se dá pela mera troca de notas por meio da via diplomática.
Normalmente, os negociadores são técnicos das Administrações tributárias dos Estados e tb costuma haver 2
rodadas de negociações. Consentimento em nível técnico é chamado de “rubrica”, mas as autoridades políticas
superiores devem assinar para a existência do projeto do tratado.
Peculiaridade de celebração de tratados internacionais tributários é que costuma ser feito com base em
modelos de organizações internacionais (ex: OCDE), o que auxilia nas negociações entre os Estados e induz uma
harmonização entre as legislações internas, o que pode criar condições para tratados multilarerais. Estes seriam
mais adequados para lidar com fenômeno das empresas multinacionais com diversas sedes. Excetuada tal
peculiaridade, que também tem existido em outros âmbitos, segue o que consta na C. Viena.
O fenômeno da bitributação. Consiste na dupla imposição de tributos sobre as transações comerciais,
decorrente da intensificação e da dinâmica do comércio exterior. Nas palavras de Heleno Torres, a bitributação
internacional significa o “fenômeno por meio do qual um único fato implica obrigações semelhantes impostas
por mais de um Estado soberano, imputando, ao mesmo contribuinte, impostos análogos”. A bitributação
internacional cria obstáculos às transações comerciais internacionais, prejudicando a competitividade do
Estado. Em razão disso, é importante que o Brasil implemente uma política fiscal no sentido de limitar o
exercício de sua competência tributária.

Vale a pena trazer à baila o entendimento do doutrinador Eduardo Sabagg, quando aborda a relação
entre o direito tributário e o direito internacional público, nos seguintes termos: “há forte laço comunicante
entre as searas jurídicas em destaque, uma vez imprescindível o devido tratamento a ser dado aos tratados e
convenções internacionais, com o fito de inibir a bitributação internacional, ao lado da inafastável necessidade
de sistematização dos impostos aduaneiros, perante suas implicações no plano econômico interno.”(SABAGG,
2012, p. 54).
Acordos de bitributação. Os acordos de bitributação são os instrumentos de que se valem os Estados
para evitar ou mitigar os efeitos da bitributação por meio de concessões mútuas. No Brasil, há inúmeras
Convenções para evitar a bitributação da renda e evitar a evasão, em que é acordado critério uniforme para que
a tributação se dê apenas em um dos países, ou seja, só no de residência ou só no de percepção da renda. Para
tanto é que foi firmada a Convenção Brasil-Chile para evitar a dupla tributação, promulgada pelo Decreto
4.852/03 e a Convenção Brasil-África do Sul, promulgada através do Decreto 5.922/06, dentre muitas outras.
Observação: Segundo Leandro Palsen, o Brasil não é membro da Organização para a Cooperação Econômica e
Desenvolvimento (OCDE), mas adota, ao menos parcialmente, muitos dos seus Modelos de Convênio, inclusive
relativos à dupla tributação da renda.
Problema sério: Brasil não dispõe de tratados com alguns países com que mantém relações comerciais de
maior escala (ex: EUA). Isso porque os países não abrem mão de algumas exigências para firmar tratados de
bitributação. Mas Brasil e EUA possuem ao menos tratado de troca de informações (meio de combate à
sonegação). Brasil possui cerca de 32 tratados sobre bitributação em vigor.
Estado da fonte (exs - de capital: juros, royalities, dividendos, renda) e Estado da residência. Como
geralmente se resolvem: estabelece que um tribute os rendimentos e que o outro renuncie. Qd não há acordo
sobre as modalidades de rendimentos, o Estado da fonte pode tributar com alíquota menor para que o outro
complemente, este se comprometendo a adotar método da imputação ou “tax credit” (isenção ou creditamento
do imposto pago na fonte).
Combate internacional à sonegação (aula Saber o Direito – Antônio de Moura Borges - 2015)

157
Pode-se dizer sem chance de erro que a sonegação se dá na evasão fiscal, quando o fato gerador
efetivamente ocorre, mas os Estados têm combatido também a elisão não aceitável, chamada de
planejamento-tributário agressivo. A elisão aceitável seria o planejamento tributário defensivo, de modo legal,
a evitar a incidência do imposto. Parte da doutrina diferencia desta última a economia do tributo, que seria a
redução ou mesmo evitação do tributo por mecanismos previstos nas normas.
Meios gerais de solução da evasão tributária
Tradicionalmente, o direito da common law trabalha com o business purpose test, que pode ser definido
como o teste que verifica, por meio do critério jurídico de abuso de direito ou de formas, se o negócio ou ato
praticado possuía finalidade única de afastar, reduzir ou retardar a incidência de tributo.
Outro instituto é a prevalência da substancia sobre a forma, já também trazida para o CTN.
Nos países de civil law, é mais comum trabalhar com os institutos da fraude à lei, abuso do direito e
simulação
Um dos meios de combate eficazes é a conscientização fiscal (meio mediato). Para tanto, deve haver
transparência nos recursos e despesas do Estado, para que se demonstre à população os grandes gastos
necessários para a consecução dos objetivos do Estado. Contudo, corrupção e mal uso em geral do dinheiro
público retiram credibilidade necessária para tal conscientização, além de ser menos efetiva nos casos de capital
anônimo das multinacionais, por exemplo.
Mecanismos unilaterais pelo Estado são insuficientes para evitar a sonegação, dada as limitações
territoriais de sua soberania. Por isso, ressalta-se a importância da Cooperação Tributária internacional, que
constitui prática com o objetivo de combater a evasão fiscal e a transparência e a troca de informações entre
autoridades tributárias de diferentes países.
Meios internacionais mais eficazes são Troca de informações entre os Estados Assistência na Cobrança
de tributos
Os Acordos para troca de informações tributárias (Tax Information Exchange Agreements ou TIEAs, na
sigla em inglês) são negociados bilateralmente e visam a estabelecer o arcabouço jurídico necessário para
permitir trocas de informações entre autoridades tributárias de dois países ou jurisdições. A troca de
informações pode dar-se a pedido ou de forma automática. Tradicionalmente, tratados de que Brasil só previam
a pedido. Convenção multilateral abaixo mudou o panorama.
Cláusula de troca de informações entre Administrações tributárias é contida em todos os tratados
firmados pelo Brasil sobre bitributação. Evolução na redação dessas previsões, com base nos modelos da OCDE
e da ONU
Assistência à cobrança de tributos: cooperação estreita, de difícil implementação. Destaque no âmbito da
União Europeia, onde há maior proximidade política e uma maior harmonização tributária na legislação dos
diversos Estados. Ocorre quando um Estado pretende executar contribuinte situado em outro Estado e este o
faz, transmitindo a receita ao primeiro.
Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações Tributárias (Fórum Global):
O Fórum Global, criado no âmbito da OCDE e do G-20, é a principal instituição internacional que busca
implementar padrões internacionais de transparência e troca de informações na área tributária, evitando que
normas referentes a tributos, como impostos, contribuições, taxas etc., sejam descumpridas ou que pessoas e
empresas se beneficiem de “brechas” de regimes fiscais em outros países para cometer atos ilícitos ou pagar
menos impostos que o devido. Todos os países do G20 aderiram. Possui 130 membros.
Tratados internacionais de cooperação e informação tributária.
Brasil e EUA. Troca automática de informações.O Decreto 8.506/15 internalizou o Acordo
Intergovernamental entre o Brasil e EUA para Melhoria da Observância Tributária Internacional e

158
Implementação do “Foreign Account Tax Compliance Act” - FACTA (“Lei de Conformidade Fiscal de Contas
Estrangeiras”). Possibilita trocas automáticas de informações financeiras, para fins tributários, mediante
reciprocidade. Brasil e EUA trocam automaticamente, a cada ano, informações sobre titulares de contas (que
instituições financeiras de cada país fornecem a suas autoridades tributárias, cf. legislação). As trocas iniciaram-
se em 2015 e as informações recebidas estão sujeitas às mesmas regras de confidencialidade aplicáveis aos
contribuintes de cada país.
Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Assuntos Fiscais da OCDE
O Governo brasileiro depositou, em 01/06/2016, junto à OCDE, em Paris, o instrumento de ratificação da
Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Matéria Fiscal ("Convenção Multilateral"). O
Brasil firmou o instrumento em 2011, aprovado pelo CN em abril de 2016 e promulgado, por meio do Decreto
nº 8.842, agosto de 2016.
Com a entrada em vigor da Convenção no Brasil, a partir de 1º de outubro de 2016, completaram-se os
passos necessários, do ponto de vista legal, para a implementação de diversas formas de assistência
administrativa em matéria tributária entre os signatários: o intercâmbio de informações para fins tributários,
nas modalidades a pedido, espontâneo automático, as fiscalizações simultâneas e, quando couber, a assistência
na cobrança dos tributos
Além de triplicar a rede de acordos do Brasil para intercâmbio de informações tributárias a pedido, a
entrada em vigor da Convenção insere o país no ambiente global de intercâmbio automático dessas
informações, conforme os novos padrões internacionais aprovados e endossados pelo G20
Passo importante para coibir sonegação, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
O intercâmbio automático é a forma mais efetiva de prevenção e combate à evasão fiscal, ocultação de
ativos, lavagem de dinheiro e planejamento tributário agressivo. Sua implementação poderá ser realizada por
meio de diversos formatos:
- padrão para intercâmbio automático de informações financeiras para fins tributários com dados sobre
ativos financeiros e seus rendimentos;
- intercâmbio automático dos relatórios de operações de grupos multinacionais, em relatório por país
(“country-by-country reporting – CbC”); e
- intercâmbio sobre decisões administrativas que concedem tratamento tributário especial a
determinados contribuintes (“Exchange on tax rulings - ETR”). ]
Nos últimos anos, assinou tb Acordos para Troca de Informações Tributárias com: Bermudas, Cayman,
EUA, Guernsey, Jamaica, Jersey, Reino Unido, Suíça e Uruguai. Além disso, todos os Acordos para Evitar Dupla
Tributação assinados pelo Brasil (32 em vigor) incluem mecanismos de troca de informações tributárias (a
pedido).
Também destaca-se assinatura em 2018 de Convenção entre Brasil e Suiça para evitar dupla tributação
e Evasão/Elisão, a ser aprovada pelo CN. incorpora os padrões mínimos do Projeto sobre a Erosão da Base
Tributária e Transferência de Lucros (Projeto BEPS) da OCDE.
Enfrentamento de paraísos fiscais. Frear a evasão e a sonegação fiscal, assim como os fluxos ilícitos, é um
requisito central para potencializar a mobilização dos recursos financeiros necessários para avançar nos
objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, disse a secretária-executiva da Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Alicia Bárcena, Nesse contexto, o desafio de enfrentar os
paraísos fiscais é urgente internacionalmente, assim como foi demandado pelo Plano de Ação da Terceira
Conferência Internacional sobre Financiamento ao Desenvolvimento, de Addis Abeba, na Etiópia, em 2015. Os
países se comprometeram a redobrar os esforços para reduzir substancialmente os fluxos financeiros ilícitos até
2030, mirando sua possível eliminação, particularmente lutando contra a evasão de impostos e a corrupção
mediante o fortalecimento da regulação nacional e o aumento da cooperação internacional

159
Contextualização interessante para eventual pergunta sobre o planejamento agressivo
Levantamento do pesquisador Gabriel Zucman, autor do livro A Riqueza Escondida das Nações, estima
que 8% da renda mundial - ou US$ 7,6 trilhões - esteja depositada em jurisdições popularmente conhecidas
como paraísos fiscais. Neles encontram-se ativos de pessoas físicas e jurídicas que buscam não pagar - ou pagar
menos - impostos em seus países de origem, impostos evadidos que são estimados entre US$ 21 trilhões e US$
32 trilhões por James Henry (The Price of Offshore Revisited: New Estimates for Missing Global Private Wealth,
Income, Inequality and Lost Taxes).
necessário coibir o uso de mecanismos artificiais que permitem evitar o pagamento dos tributos devidos.
Um desses mecanismos é o chamado "planejamento tributário agressivo", que explora brechas entre as
diversas legislações fiscais nacionais e adota manobras jurídico-contábeis de transferência de lucros/ativos
para jurisdições de tributação favorecida e pouca transparência fiscal.
A alta dos fluxos comerciais e finaiceiros decorrentes da globalização e a desregulamentação financeira,
incremento do investimento estrangeiro e consolidação das multinacionais, junto aos avanços tecnológicos,
permitiram que as grandes corporações, nacionais ou transnacionais, assim como as pessoas detentoras de
grandes fortunas, utilizassem métodos agressivos de planejamento tributário, que incluem paraísos fiscais para
aproveitar a falta de regulação, as lacunas jurídicas e as poucas informações existentes nas administrações
fiscais nacionais.

14. DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO


14.1 Direito Internacional Humanitário. Classificação de suas normas. Os princípios do Direito Internacional
Humanitário. A Cláusula Martens e o costume internacional no Direito Internacional Humanitário. Os tratados
de
Direito Internacional Humanitário celebrados pelo Brasil. (19.a)

19A. Direito Internacional Humanitário. Classificação de suas normas. Os princípios do Direito Internacional
Humanitário. A Cláusula Martens e o costume internacional no Direito Internacional Humanitário. Os tratados
de Direito Internacional Humanitário celebrados pelo Brasil.

Sarah Cavalcanti

I. Direito Internacional Humanitário


Consiste no ramo do Direito Internacional dos Direitos Humanos que visa reduzir a violência inerente aos
conflitos armados, por meio da proteção de um mínimo de direitos inerentes à pessoa humana e pela
regulamentação da assistência às vítimas das guerras, externas ou internas. Pode ser de origem
consuetudinária ou costumeira. É também chamado de jus in bello.

Recentemente, o DIH passou a se preocupar também com a punição dos autores de violação de suas regras,
constituindo o juis post bello. O jus ad bellum, por sua vez, consiste no direito de travar a guerra. Somente é
reconhecido em caso de (1) legítima defesa; (2) autorização do CS/ONU; (3) guerra de libertação nacional.

Convergências e divergências entre o jus in bello e o jus ad bellum: convergem quanto à tentativa de regular a
guerra e suas consequências nefastas, ambas buscando uma progressiva humanização dos conflitos armados.
Divergem quanto ao foco: enquanto o jus in bello objetiva regular a conduta dos beligerantes, jus ad bellum visa
evitar (ou justificar) o uso da força.

No caso Dusko Tadic, se estabeleceu que o DIH se aplica desde o início desses conflitos armados e se estende
além da cessação das hostilidades, até o estabelecimento de uma paz abrangente, ou, nos conflitos internos.

Conceito de conflito armado: por “conflito armado” devem ser compreendidas todas as situações em que se
verifica o recurso à força armada (1) entre Estados; (2) entre Estados e grupos armados organizados; e (3) entre
tais grupos no interior de um Estado. Não importa se o conflito é lícito ou ilícito, interno ou internacional, se há
ou não declaração formal de guerra: sempre incidirá do DIH.

160
Atenção! Para a caracterização de um conflito armado não internacional, é preciso que haja um mínimo de
organização e comando, mas com objetivos políticos, de domínio do poder. O tráfico de drogas, no contexto de
“guerra às drogas”, até pode ter esse comando e essa hierarquia, mas o objetivo é o lucro, e não político. Assim,
não caracteriza conflito armado.

Interseções entre o DIH e o PIDH: o DIH lex especialis em relação ao PIDH, havendo uma relação de
complementaridade. Assim, a situação de conflito armado, em si, não suspende a vigência dos tratados de
direitos humanos. É o que ocorre, por exemplo, no âmbito da disciplina do estado de emergência, em que
incidem as regras de direitos mínimos inderrogáveis, como o art. 27 da CADH e o art. 4º do Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos, que coincidem em parte com as garantias mínimas do art. 3º comum às Convenções.
Nesse mesmo sentido, a CIJ, em parecer consultivo, já reconheceu que o PIDCP não cessa durante o tempo de
guerra. Porém, as violações à vida e à integridade física durante um conflito armado devem ser interpretadas à
luz do DIH. Como se sabe, o DIH concede aos combatentes o direito (limitado) de matar outros combatentes,
enquanto, em tempo de paz, matar uma outra pessoa é proibido. Portanto, o direito à vida tem outro conteúdo
durante conflitos armados.

Interseções entre o DIH e o Direito dos Refugiados: o Direito dos Refugiados pretende a proteção das pessoas
que abandonam o local onde vivem em razão de conflitos armados, desastres naturais ou perseguições políticas,
ideológicas ou religiosas. Também aqui há uma relação de complementaridade com o DIH, sempre que os
refugiados se encontrarem em zona onde se desenvolva um conflito armado.

Art. 3º das Convenções de Genebra: é comum às Convenções de Genebra, sendo chamados de “mini
convenções”. Trata especificamente dos conflitos armados não internacionais, representado, nesse ponto, uma
inovação. Exige em cada uma dessas convenções um tratamento mínimo adequado aos não combatentes.

Protocolo II: é aplicável a todos os conflitos armados não internacionais que ocorram no território de um
Estado-parte entre suas forças armadas e forças armadas dissidentes, desde que se verifique que haja comando
responsável e exercício de controle sobre parte de seu território que as habilite a empreender operações
militares continuadas e coordenadas. Este conceito de conflito armado não internacional é diferente daquele
acolhido no art. 3º das Convenções de Genebra, uma vez que (1) ele introduz o requisito de controle territorial,
ao dispor que as partes não governamentais devem exercer este controle “tal que lhes permite realizar
operações militares contínuas e concertadas”; (2) é aplicável somente aos conflitos entre as forças armadas do
Estado e as forças armadas dissidentes ou outros grupos armados organizados, de modo que, ao contrário ao
art. 3º das Convenções, não incide sobre os conflitos armados que ocorram somente entre grupos armados
não estatais.

Apesar de o conceito ser mais restrito, o Protocolo II não reduz o âmbito de aplicabilidade do art. 3º. Sua
definição restritiva é relevante somente para fins de aplicação do Protocolo Adicional.

Além dele, existem ainda o Protocolo I, que considera conflito armado não internacional aqueles decorrentes de
dominação colonial, ocupação estrangeira ou regimes racistas; e o Protocolo III, que autoriza o uso de um novo
emblema distintivo das Convenções de Genebra – o cristal vermelho.

Questão nº 60, 28º CPR: O Direito Internacional Humanitário é aplicável aos conflitos armados nos quais os
povos lutam contra dominação colonial, a ocupação estrangeira e contra regimes racistas. Verdadeiro. É o que
consta no Protocolo I, às Convenções de Genebra, art. 1.4.

II. Classificação de suas normas


a) Direito de Haia: congrega os principais tratados e os costumes referentes à limitação dos meios e dos
métodos de guerra. Regula, portanto, os meios e a condução das hostilidades. Sua principal base de
codificação foi o Estatuto de Lieber;
b) Direito de Genebra: diz respeito à proteção daqueles que nunca participaram do conflito e dos que
dele não participam mais. Sua principal fonte são as chamadas “quatro Convenções de 1949” e seus

161
Protocolos;
c) Direito de Nova York: relacionado aos direitos humanos em situações de conflitos armados e, ainda, ao
desarmamento e à limitação de proliferação de certas armas;
d) Direito de Roma: consiste no conjunto de regras de implementação da responsabilidade internacional
penal do indivíduo pelas violações graves do direito humanitário. Foi marcado pela criação do TPI.

III. Os princípios do Direito Internacional Humanitário


a) Princípio da humanidade: consiste no dever de tratar com humanidade e respeito os
direitos básicos dos indivíduos protegidos
b) Princípio da distinção: deve-se distinguir combatentes (militares) de não combatentes
(pessoas e bens civis), assim como os bens de caráter civil e os objetivos militares, de modo que as
operações devem se restringir a alvos militares (art. 48 do Prot. I). Esta proteção é irrenunciável e se
aplica a todos os conflitos armados, ainda que não haja o reconhecimento formal do estado de guerra.
Cumpre ressaltar também que, em um contexto fático em que não seja possível operar essa distinção, o
combatente preservará sua situação jurídica sempre que portar armas abertamente, ficando albergado
pela dimensão protetiva do Direito de Genebra;
c) Princípio da proteção: todos os feridos, enfermos e náufragos, qualquer que seja a
Parte a que pertençam, serão respeitados e protegidos (art. 10, 1, do PI). O art. 51 e seguintes também
estabelecem a proteção à população civil e a determinados bens, como aos lugares de culto;
d) Princípio da necessidade: para atingir o objetivo de derrotar o inimigo, a parte em conflito pode
impor danos a bens e direitos de civis, na estrita medida da necessidade militar, desde que não caracterize
tratamento desumano ou alguma outra atividade proibida por normas de DIP (art. 57, 3, do PI). Cumpre
lembrar, entretanto, que a CIJ, em controvertido Parecer Consultivo sobre a legalidade do uso de armas
nucleares, afirmou que nada, no atual DIH, impede o uso de armas nucleares pelos Estados em ultima ratio e
se sua própria sobrevivência estiver ameaçada;
e) Princípio da proporcionalidade: significa que 1) entre os vários alvos militares aptos a produzir a mesma
vantagem, deve-se escolher aquele que leve a dano e perigo menores para a população civil; 2) a intensidade do uso da força e
suas consequências sejam ponderadas com os ganhos objetivados. Está previsto no art. 57, III, do Protocolo I.
f) Inviolabilidade, não discriminação e segurança das pessoas afetadas pelas hostilidades: os
direitos dos não combatentes podem ser resumidos no tripé: inviolabilidade, enquanto respeito à vida e à
integridade pessoal; não discriminação; e segurança jurídica, de modo que um indivíduo não pode ser punido
sem o devido processo legal e a observância de garantias básicas.
g) Não afetação do estatuto do conflito: o uso do DIH não tem qualquer impacto sobre o estatuto
do conflito. Com este princípio, busca-se superar preocupações dos Estados de que, se assumissem
publicamente estarem usando o DIH, estariam reconhecendo uma situação de conflito armado.

IV. A Cláusula Martens e o costume internacional no Direito Internacional Humanitário


Consiste na exigência de observância, nos conflitos armados, dos “princípios da humanidade”. Consta no
Preâmbulo da II Convenção relativa às Leis e Costumes da Guerra Terrestre. Assim, “até que surja um código
mais completo das leis da guerra, as Altas Partes Contratantes julgam oportuno reconhecer que, nos casos não
previstos pelas disposições regulamentárias, adotadas, as populações e os beligerantes permanecerão sob a
salvaguarda e alçada dos princípios do direito das gentes, oriundos dos usos estabelecidos entre as nações
civilizadas, das leis da humanidade e das necessidades da consciência pública”.

A Cláusula Martens cria uma regra de supressão de lacunas no DIH, ao considerar que todo tipo de conduta dos
Estados combatentes deve respeitar os “princípios de humanidade”. Assim, acaba impedindo que os Estados,
usando novas técnicas e métodos de guerra, contornem o DIH sob a alegação de que a nova conduta não estava
expressamente proibida. Trata-se, portanto, de uma norma prevista em tratados que espelha o costume
internacional humanitário, mantendo o indivíduo sob a proteção dos princípios gerais caso não exista norma
específica que proteja seus direitos. Constitui ainda norma de jus cogens.

Atenção! Os crimes de guerra consistem em graves violações ao DIH, podendo estar previstos tanto nas
Convenções quanto no costume internacional. Isso significar que a violação à Cláusula Martens, que é costume
internacional, pode constituir crime de guerra. Tendo isso em vista, é possível que o terrorismo seja

162
reconhecido como crime de guerra, uma vez que constitui ato violador “dos usos e costumes das nações
civilizadas, das leis da humanidade e das exigências da consciência pública”.

V. Os tratados de Direito Internacional Humanitário celebrados pelo Brasil


O Estado Brasileiro possui significativa predisposição em acatar as normas do Direito Internacional. O País
ratificou ou aderiu a aproximadamente cinquenta tratados multilaterais relacionados à proteção de pessoas e
bens e à proibição de armas de destruição em massa. Isso significa que o Estado se compromete a respeitar e
fazer respeitar as regras de guerra e que deve divulgar o conteúdo das disposições legais ratificadas, para
conhecimento da população em geral e, em especial, dos integrantes das Forças Armadas. Além disso, lhe
cumpre fazer vigorar a legislação que for necessária para produzir sanções relativas às violações do Direito
Internacional dos Conflitos Armados.

Dentre os vários tratados assinados pelo Brasil, destacam-se: 1) Convenções de Genebra e seus Protocolos
Adicionais; 2) Convenção sobre Proibição de Armas Biológicas; 3) Convenção para Proibição de Armas Químicas;
4) Convenção de Haia sobre Restrições do Direito de Captura; 5) Estatuto de Roma
https://ihl-databases.icrc.org/applic/ihl/ihl.nsf/vwTreatiesByCountrySelected.xsp?xp_countrySelected=BR

Questões de prova oral/MPF:


1) A violação da Cláusula Martens pode ser considerada crime de guerra?
2) Quais as diferenças entre o conflito armado não internacional que está no art. 3º das Convenções de Genebra
de 1949 e o conflito armado não internacional que está no Protocolo II de 1977?
3) A guerra contra o tráfico no Rio de Janeiro pode ser considerada um conflito armado não internacional?
4) O que vem a ser um conflito armado não internacional?
5) É possível a ajuda humanitária de um país que não está em guerra? Citando explicitamente a situação das
favelas no Rio de Janeiro, pergunto se é possível a prestação de ajuda humanitária a elas?

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

1. O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO NO MUNDO


1.1 Desenvolvimento histórico e fases do Direito Internacional Privado. Fontes do Direito Internacional Privado.
Pluralidade de objeto do Direito Internacional Privado. Fato transnacional e suas características. (2.a)
1.2 Princípios do Direito Internacional Privado. Igualdade e tolerância no Direito Internacional Privado. (1.b)
1.3 Métodos do Direito Internacional Privado. Qualificação no Direito Internacional Privado. Direito
Internacional Privado e obrigações. Autonomia da vontade no Direito Internacional Privado. (8.c)

2A. Desenvolvimento Histórico e Fases do Direito Internacional Privado. Fontes do Direito Internacional Privado.
Pluralidade de objeto do direito internacional privado. Fato transnacional e suas características.

Lucas Costa Almeida Dias 09/09/2018

I. Desenvolvimento histórico:
O DIPr surge com a crise da Idade Média e o renascimento de relações comerciais entre cidades que eliminaram
o modo de produção feudal. Nasce o capitalismo comercial e industrial, que impulsionam a necessidade de
reger fatos transnacionais.

II. Fases do DIPr:


A) Fase precursora: fluxos de pessoas, bens e condutas pelas fronteiras dos Estados. Os Estados, apesar da
soberania e do territorialismo inicial, aceitam, ao longo do tempo, aplicar o direito estrangeiro e executar
decisões estrangeiras no seu território.

Glosadores – juristas financiados pelos burgueses para adaptar o texto romano codificado por Justiniano.
Glosa de Acúrsio (séc. XII): qual é a lei que devo aplicar, em Modena, a um comerciante de Bolonha? Havia a
dúvida sobre a escolha da lei (a lei de Modena ou de Bolonha?) diante de um fato transfronteiriço.

163
Pós-glosadores: Já passam a ter uma função quase que criativa, criando novas regras com substrato mínimo do
direito romano.

B) Fase iniciadora
Escolas estatutárias
a) Escola italiana: As regras podem ser reais (regulam as coisas) e pessoais (capacidade, personalidade e estado
das pessoas). As pessoais têm alcance extraterritorial e acompanham o indivíduo onde quer que estejam.
b) Escola francesa: Estabelece que, em geral, as regras são reais/territoriais e excepcionalmente
pessoais/extraterritoriais.
c) Escola holandesa: Ápice do territorialismo, de modo que os estatutos pessoais/extraterritoriais apenas seriam
aplicados de forma excepcional, caso o soberano assim permitisse por cortesia internacional. A importância
desta escola é a vinculação do DIPr com o DIP, pois cortesia internacional é instituto típico de DIP.
d) Escola alemã: oscilou entre a cortesia internacional (escola holandesa) e a invocação do direito natural.

C) Fase clássica
Savigny não analisa a regra (ao contrário das escolas estatutárias), mas a relação jurídica, que possui uma sede
um centro. Pretende-se estabelecer regras universalistas para serem aplicadas em todos os Estados.
Nasce o método conflitual, que (a) analisa a relação jurídica, (b) categoriza essa relação, e (c) em razão dessa
categoria, determina a lei aplicável (ex: se disser respeito à categoria 'personalidade', a regra será a 'lei do
domicílio').

D) Guinada nacionalista
Código Civil prussiano é o primeiro esforço de codificação nacional do DIPr. A ele se seguem inúmeros outros
Códigos que levam a um DIPr com forte influência das leis nacionais e que, por isso, pode ser denominado de
DIPr unilateral (particularista, nacionalista ou individualista).

E) Evolução: busca por um direito internacional privado uniforme, universalista, que seja interpretado conforme
os direitos humanos e assegure a pluralidade, diversidade e tolerância.
III. Fontes de Direito Internacional Privado
A) Fontes internacionais
- Tratados celebrados (a) sob auspícios da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado; (b) Código
Bustamante (Interamericana); OEA e cisma sul-americano (nacionalidade x domicílio); Mercosul; Cooperação
jurídica internacional (Abade – a maior parte ocorreu com a redemocratização, em que o Brasil se abriu à
sociedade internacional).

b) DIPr de matriz legal x DIPr multilateral


Há inclinação internacional (multilateral) em detrimento da fonte nacional (matriz legal), pelo aumento intenso
do número de tratados celebrados nos últimos anos. Ambos convivem, mas só o internacional garante o
universalismo.
Pluralidade das fontes de matriz legal: a dispersão é evidente, porque não há um único diploma normativo de
cunho legal que abranja toda a tríade contemporânea do DIPr (concurso de leis, jurisdição e cooperação jurídica
internacional). É hora para um novo projeto de lei que busque (i) sistematizar o DIPr como um todo e (ii) possuir
normas de coordenação e diálogo com os inúmeros tratados de DIPr celebrados pelo Brasil nessas décadas.

c) DIPr supera a visão de “direito privado” e contempla questões de direito público (trabalho, concorrência,
consumidor), sob pena de gerar desigualdade de tratamento e negar o acesso à justiça.

Diálogo das fontes: Diálogo das fontes e busca da sistematização do DIPr – a complexidade do regramento
conta com regras domésticas, internacionais em sentido estrito e transnacionais. É preciso utilizar os critérios de
superação das antinomias (cronológico, hierárquico e especialidade) e o diálogo das fontes (Cláudia Lima
Marques) para fazer nascer o novo DIPr.

IV. Fato transnacional e suas características

164
São fatos sociais que se relacionam com mais de uma comunidade humana, e que, portanto, (a) são
multiconectados ou plurilocalizados, (b) apresentam elementos de estraneidade, e (c) podem ser regidos por
mais de um ordenamento jurídico. São consequências da “sociedade que se move” e não obedece às fronteiras
políticas de um Estado. O DIPr contemporâneo é caracterizado pela pluralidade de objetos, que orbitam em
torno da gestão da diversidade de ordenamentos jurídicos diante de um fato transnacional. Entre os objetos da
disciplina, há (i) a escolha da lei; (ii) a determinação da jurisdição e (iii) o reconhecimento e execução de
decisões estrangeiras (também conhecido como cooperação jurídica internacional).

1B. Princípios do Direito Internacional Privado. Igualdade e tolerância no Direito Internacional Privado.

Isadora Carvalho

Princípios gerais de DIPr: caracterizam-se pela abertura e servem para (i) integrar as lacunas do Direito
Internacional e ainda para (ii) balizar a interpretação das demais normas. São contextuais, variando conforme a
época. A extração de princípios no plano internacional tem a vantagem de contar com a aceitação dos Estados,
já que se originam de normas internacionais. Assim, o Dipr contemporâneo caracteriza-se pela gestão da
diversidade normativa e jurisdicional da vida privada do indivíduo, em um contexto marcado pelo respeito à
diversidade e direitos humanos. Por isso, os princípios gerais (reconhecidos em precedentes internacionais) que
impactam essa gestão da diversidade são, ao mesmo tempo, fontes do DIPr.
São eles: 1) P. da proteção e respeito à dignidade humana: dignidade enquanto valor central no Dipr
contemporâneo. Reconhecimento de que cada indivíduo - nacional ou estrangeiro - envolvido nos fatos
transnacionais tem o direito de ser respeitado pelos demais e também deve reciprocamente respeitá-los. A
dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra todo
tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínimas de
sobrevivência. Tal princípio advém de diversos tratados (ex. DUDH; Pactos de 1966; CADH; Carta de direitos
fundamentais da EU); 2) P. da igualdade de tratamento e vedação da discriminação : exigência de um tratamento
sem discriminação odiosa a todos os envolvidos nosfatos transnacionais. Tem fundamento na universalização
dos direitos humanos, uma vez que todos os seres humanos – nacionais ou estrangeiros - são iguais em direitos.
Além das 2 facetas complementares da igualdade (a formal e a material), o Dipr também se importa com a
igualdade de reconhecimento de identidades próprias, distintas dos agrupamentos hegemônicos. Ficam
consagradas, então, as lutas pelo reconhecimento da igualdade orientada pelos critérios de origem, gênero,
orientação sexual, idade, raça, etnia, entre outros; 3) P. da autonomia da vontade e da proteção da parte
vulnerável: poder que as partes de um negócio jurídico têm de regular o conteúdo das relações nele inseridas.
Autorregulamentação de interesses particulares, limitada pelas normas jurídicas. Tal princípio é ponderado pela
proteção da parte vulnerável, uma vez que o respeito à liberdade de agir no fato transnacional pressupõe o
equilíbrio entre os envolvidos. Do contrário, não existirá liberdade, mas imposição da posição do mais forte, a
ensejar a intervenção do Estado, impondo limites à autonomia da vontade e restaurando sua premissa original,
que é a liberdade de agir sem coerção; 4) P. da proteção da diversidade cultural: respeito às formas originais e
plurais de identidades dos mais diversos indivíduos envolvidos nos fatos transnacionais, evitando a hegemonia
da visão de mundo do Estado do foro. Os direitos culturais são reconhecidos como parte da gramática dos
direitos humanos (DUDH). As formas plurais e originais de expressões culturais não são estanques e interagem
(intercâmbios inesperados, nascendo a "interculturalidade": existência e e interação equitativa de diversas
culturas, assim como a possibilidade de geração de expressões culturais compartilhadas por meio do diálogo e
respeito mútuo). A diversidade cultural é patrimônio comum da humanidade e fortalece democracia, tolerância,
justiça social e mútuo respeito; 5) P. da cooperação internacional leal: a interdependência entre os Estados e a
expansão quantitativa e qualitativa do Dipr impede eventual isolacionismo no tratamento dos fatos
transnacionais. Desde a Carta da ONU os Estados assumiram o dever de cooperar, com base na boa-fé; 6) P. do
respeito ao acesso à justiça e ao devido processo legal: proteção judicial adequada para a regência do fato
transnacional. Tal princípio é fundamental na determinação da jurisdição e no reconhecimento e execução de
deliberações estrangeiras, evitando a denegação de justiça e eventual prestação jurisdicional arbitrária e
xenófoba. Tem faceta formal (acesso ao Judiciário) e material (efetivação do direito por meio do devido
processo legal em prazo razoável); 7) P. da segurança jurídica ou da uniformidade de tratamento: exigência da
mesma solução para os fatos transnacionais, não importando o país no qual tenha sido prolatada a decisão ou
emanada a interpretação das normas de regência. Está em linha com o p. da igualdade. A segurança jurídica no

165
Dipr tem faceta objetiva (imunização de atos jurídicos transnacionais de alterações posteriores. Irretroatividade
da lei) e subjetiva (p. da confiança).
Igualdade e tolerância no Direito Internacional Privado. A centralidade do DIPr na nova globalização
está na tolerância e respeito às diferenças, no reconhecimento do outro e na promoção de direitos de todos os
envolvidos os fatos transnacionais. Gestão da diversidade normativa e jurisdicional à luz dos direitos humanos
evitando amesquinhamento de direitos e situações de intolerância, xenofobia e chauvinismo jurídico,
concretizando, no plano da gestão dos fatos plurilocalizados, o ideal de uma sociedade inclusiva. O valor de
tolerância à diversidade representa a essência do DIPr, uma vez que a possibilidade de uso de direito
estrangeiro e implementação de decisões judiciais de outro Estado caracterizam a disciplina. Caso simplesmente
o direito local repelisse o direito estrangeiro (xenofobia jurídica), não existiria o DIPr.

8C. Métodos do Direito Internacional Privado. Qualificação no Direito Internacional Privado. Direito
Internacional Privado e obrigações. Autonomia da vontade no Direito Internacional Privado.

Responsável: Adriano Augusto Lanna de Oliveira


Material consultado: Curso de Direito Internacional Privado (André de Carvalho Ramos)

I. MÉTODOS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Os métodos do direito internacional privado (DIPri) se relacionam à forma de escolha da lei e da


jurisdição que incidem nos fatos transnacionais. Vejamos cada um deles:

MÉTODO INDIRETO, INDICATIVO OU REMISSIVO: consiste na indicação de norma nacional ou


estrangeira para regular determinado fato transnacional (escolha da lei) ou para determinar a jurisdição que
deve conhecer de eventual litígio (escolha da jurisdição) sobre esse mesmo fato. Como se trata de método que
apenas indica o direito ou a jurisdição aplicáveis, a doutrina vê no DIPri, quando exercido por meio do método
indireto, a característica de uma matéria de sobredireito. Durante boa parte da história do DIPri prevaleceu o
método indireto, a ponto de ser confundido com o próprio DIPri.

a) MÉTODO INDIRETO UNILATERAL: tal método tem por foco uma única norma e determina o âmbito
espacial de sua aplicação: territorial, extraterritorial ou misto. Esse método foi muito utilizado no período
estatutário do DIPri (ver subponto 2.a).

b) MÉTODO INDIRETO MULTILATERAL OU BILATERAL: trata-se do método tradicionalmente estudado


no DIPri. Por meio dele, qualifica-se determinado ato transnacional e se escolhe um elemento de conexão que o
vincula a determinado ordenamento ou jurisdição. É chamado de multilateral, pois, a princípio, a solução seria a
mesma onde quer que o método fosse utilizado.

b.1) Método indireto multilateral rígido ou método conflitual: através de tal método, o fato
transnacional deve ser enquadrado em determinada categoria normativa, como obrigações, bens imóveis, etc.,
consistindo isso na relação jurídica; após tal enquadramento, determina-se a sede da relação jurídica, como
domicílio, nacionalidade, etc.; por fim, é feita a localização da sede da relação jurídica, que nada mais é do que
a aplicação da norma de conexão da sede ao fato transnacional, estabelecendo-se, assim, a norma jurídica e a
jurisdição aplicáveis no caso concreto. Tal método é chamado de rígido, pois indica o direito aplicável sem se
preocupar com o resultado de tal aplicação, ressalvando apenas os casos de violação da ordem pública e de
fraude à lei. Critica-se tal método, pois ele não leva em consideração questões como justiça ou proteção dos
direitos humanos. Trata-se do método adotado, regra geral, pela LINDB.

b.2) Método indireto multilateral flexível: o objetivo desse método é superar as críticas acerca da
assepsia do método indireto multilateral rígido, prevendo vetores de preferência, pelos quais se indica o
resultado material que deve ser valorizado, ou dando-se liberdade ao julgador para escolher a norma que
produz o melhor resultado possível.

 Método indireto flexível fechado (os critérios alternativos, cumulativos e subsidiários): por
meio desse critério, adiciona-se mais critérios de conexão na análise da escolha da lei ou da jurisdição

166
diante dos fatos transnacionais, devendo o julgador escolher, dentro das possibilidades oferecidas pela
norma, aquele que melhor protege o bem jurídico apontado. Tais critérios podem ser alternativos,
cumulativos ou subsidiários.
 Método indireto flexível fechado (o princípio da proximidade): esse método consiste na
determinação da norma material ou jurisdicional mais adequada para a regência do fato transnacional a
partir da detecção de vínculos mais próximos ou estreitos com a situação analisada.
 Método indireto multilateral flexível aberto: de origem norte-americana, este método visa
buscar a melhor lei dentre as várias possíveis, que é aquela que melhor protege o interesse implícito em
determinado caso. A crítica a tal método é a discricionariedade que o juiz tem na busca para o melhor
resultado, o que causa grande insegurança jurídica dos sujeitos envolvidos no fato transnacional. Além
disso, há dúvida do que é melhor e para quem tal resultado é melhor, pois sempre há valores passíveis de
proteção que se chocam.

MÉTODO DIRETO: trata-se do método pelo qual a norma de DIPri regula diretamente o fato
transnacional, independentemente dos ordenamentos jurídicos nacionais que estão em contato. Essa regulação
direta pode advir de normas internacionais (de origem convencional, consuetudinária, etc.) ou de normas
nacionais. Tal método rompe com o papel tradicional do DIPri de ser um instrumento de mera indicação das
normas materiais (sobredireito) e dá um passo na substancialização da disciplina.

a) MÉTODO DIRETO DE MATRIZ INTERNACIONAL: consiste no uso de regras internacionais materiais


para reger os fatos transnacionais, não se estendendo, obviamente, ao âmbito meramente interno, motivo pelo
qual convivem as regras que regulam os fatos internos e aquelas que regulam os fatos transnacionais
(fenômeno da dualidade). Além de dar maior precisão no atingimento de determinado resultado material, o
método direto de matriz internacional protege a segurança jurídica e a boa-fé, pois a norma contará com uma
interpretação internacional, extensível a todos.

b) MÉTODO DIRETO DE MATRIZ NACIONAL (MÉTODO DIRETO UNILATERAL): o André de Carvalho


Ramos não aponta diretamente esse método, pois ele parece se confundir ao longo de suas classificações, mas o
cita indiretamente ao dizer que o “método unilateral” pode buscar regular diretamente fatos transnacionais
(método direto unilateral), adotando-se a supremacia da lex fori. Ao longo de sua classificação originária (que é
feita em método indireto vs. método direto), ele cita bem passageiramente uma nova classificação (método
unilateral), que ele subdivide em modo indireto unilateral (citado acima) e em método direto unilateral, que
parece se encaixar com mais facilidade neste ponto de sua classificação original.

c) MÉTODO DO RECONHECIMENTO E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS ADQUIRIDOS: consiste na aceitação


de situações jurídicas consolidadas de acordo com a lei do Estado estrangeiro, sem que sejam utilizadas as
regras de conflito do Estado do foro. Para sua aplicação, a situação deve ser consolidada, de acordo com a lei
estrangeira; não pode ofender a ordem pública do Estado do foro; e ser hipótese que permite o uso do método
do reconhecimento.

II. QUALIFICAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

A qualificação é classificação jurídica dos fatos transnacionais, pela qual tais fatos são alocados em
categoriais jurídicas (objeto de conexão), para, depois, ser possível identificar o elemento de conexão aplicável.

 Exemplo: se o bem for qualificado como bem imóvel (objeto de conexão), utiliza-se, de acordo
com a LINDB, o elemento de conexão “lei da situação da coisa”.

A dúvida na escolha da regra para qualificar o fato impacta a fixação do elemento de conexão a ser
utilizado: se determinado fato transnacional for classificado na categoria “bens”, o elemento de conexão é um;
se for inserido na categoria “obrigações”, é outro. Daí nasce o chamado problema da qualificação. Existem ao
menos quatro soluções possíveis para o conflito de qualificação:

167
a) Corrente lex fori: o intérprete deve utilizar o próprio direito material para classificar os fatos
transnacionais em categorias jurídicas do foro, pois o contrário implicaria indicar lei estrangeira sem que a
qualificação sequer tenha sido feita. Além disso, de acordo com tal corrente, qualificar o fato transnacional pela
lei estrangeira implicaria um verdadeiro círculo vicioso no processo da qualificação, pois se a lei estrangeira foi
indicada, isso significa que a qualificação já ocorreu, o que imporia a prevalência, de qualquer forma, da lex fori.

b) Corrente lex causae: a qualificação deve ser feita pela lei estrangeira aplicável, pois não seria lógico
utilizar a lex fori para qualificar relações jurídicas aos quais se aplica a lei estrangeira. Essa corrente é defendida
por demonstrar ela a aderência à tolerância ao pluralismo e à igualdade entre a lei nacional e a lei estrangeira,
e por permitir uma maior flexibilidade no entendimento de instituições jurídicas desconhecidas no foro.

c) Corrente dos institutos autônomos e universais: o DIPri exigiria que a qualificação fosse feita por
intermédio de um método comparativo entre os diversos ordenamentos para que se construam institutos
autônomos e universais.

d) Corrente da dupla qualificação: primeiro, efetua-se a qualificação primária, que exige a subsunção
dos fatos às categorias normativas gerais pela lei do foro; depois, caso fosse indicada a lei estrangeira, deve-se
proceder a uma qualificação secundária, que usa a lei estrangeira para delimitar em definitivo a categoria
normativa envolvida.

A LINDB adota, como regra geral, a corrente lex fori para qualificar os fatos transnacionais. No entanto,
há duas exceções: nos fatos transnacionais que envolvem bens (Art. 8º Para qualificar os bens e regular as
relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados) e obrigações (Art. 9º Para
qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.), aplica-se a corrente lex
causae, ou seja, qualifica-se pela lei estrangeira.

Tendo em vista que nos casos envolvendo bens e obrigações a LINDB adota a lei estrangeira, é
necessário retornar à já apontada crítica do círculo vicioso (ver esta crítica na seção dedicada a corrente lex
fori): Valladão afirma ser possível uma qualificação provisória ou aproximativa pela lex fori, que indica
temporariamente a lei estrangeira. Após, a qualificação definitiva é feita de acordo com tal lei estrangeira, que,
inclusive, pode corrigir a qualificação provisória anterior (embora o André de Carvalho Ramos não o diga, tal
resposta à crítica do círculo vicioso parece se aproximar do que é defendido pela corrente da dupla
qualificação).

Como prepondera no direito brasileiro a corrente lex fori na qualificação, deve-se analisar o problema
da qualificação de instituição estrangeira desconhecida no foro: Batalha sugere que tais fatos devem ser
qualificados em uma categoria jurídica análoga prevista no ordenamento do foro.

III. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E OBRIGAÇÕES

A LINDB trata da regulação das obrigações no art. 9º, segundo o qual tanto a qualificação quanto a
regência das relações obrigacionais são feitas pela lei do país em que tais relações se constituírem (lex loci
celebrationis).

O § 1º do art. 9º traz uma exceção a essa regra, prevendo uma hipótese de dépeçage, ou seja, uma
hipótese em que o ato deve obedecer, simultaneamente, a duas leis: quando a obrigação transnacional for
executada no Brasil, sua forma essencial, que é aquela necessária à validade do contrato (requisitos
intrínsecos) deve obedecer ao direito brasileiro, enquanto seus requisitos extrínsecos, situados fora do negócio
jurídico, como lugar e tempo, devem atender às peculiaridades da lei estrangeira.

Conforme dito, as obrigações contratuais se regem pelo lugar do consentimento. Tratando-se, por outro
lado, de contratos celebrados entre ausentes, determina o § 2º do art. 9º da LINDB que tais obrigações são
regidas pela lei do lugar em que residir o proponente. André de Carvalho Ramos critica tal dispositivo,

168
apontando que ele é pobre ao não prever a possibilidade de escolha da lei mais adequada por outro critério,
como o princípio da proximidade.

As obrigações extracontratuais, como as decorrentes de ato ilícito, regem-se pela lei do lugar da
realização do evento danoso.

IV. AUTONOMIA DA VONTADE NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

A regência das obrigações no DIPri envolve a discussão sobre um maior dirigismo estatal e a valorização
da autonomia da vontade dos particulares. No âmbito do DIPri, a autonomia da vontade se relaciona à
possibilidade de escolha da lei aplicável às obrigações feitas pelos próprios envolvidos no negócio jurídico, bem
como à possibilidade de limitação ou de ampliação da jurisdição internacional. André de Carvalho Ramos
aponta quatro fases no desenvolvimento histórico da autonomia da vontade no DIPri:

a) A fase da agitação inicial (o surgimento da autonomia da vontade no DIPri): nessa época, vigia o
entendimento de que as obrigações eram regidas pela lei do local em que se encontrava o intérprete da norma.
Apesar disso, alguns autores começaram a defender que, nos negócios internacionais, deveria prevalecer a lei
do local da contratação, sustentando, para isso, que a autonomia da vontade se aplicaria de forma indireta ou
presumida, de maneira que, ao contratar em determinado local, as partes teriam escolhido as regras deste lugar
para regerem o negócio jurídico celebrado.

b) A fase da euforia (a aplicação ilimitada da autonomia da vontade): no século XIX, com o


desenvolvimento da teoria individualista clássica na doutrina civilista, a autonomia da vontade ganhou grande
extensão. Defendia-se, aqui, que a autonomia da vontade deveria ser aplicada não só de forma indireta, como
se defendia na fase anterior), como também quando houvesse declaração expressa das partes, ainda que o
exercício desta autonomia afastasse leis imperativas.

c) A fase da depressão (a resistência antiautonomista): durante essa fase, surgiu aqueles que
defendiam a limitação do campo de atuação da autonomia da vontade, sujeitando-a aos limites legais, à ordem
pública e às leis imperativas; bem como aqueles que defendiam sua total expurgação do DIPri.

d) A fase do renascimento (o conceito contemporâneo de autonomia da vontade): com a


internacionalização do comércio, a autonomia da vontade se consagrou como importante elemento de conexão
no DIPri contratual, sendo tratada em diversos diplomas internacionais.

e) A fase da consolidação (a extensão e os limites à autonomia da vontade no DIPri: consolidou-se o


entendimento de ser possível o uso da autonomia da vontade para a escolha da jurisdição e da lei aplicável,
desde que se esteja diante de relações entre iguais (levando à análise acerca de situações inerentes aos
contratantes, como idade ou deficiência, bem como à sua posição econômica, o que é relevante em contratos
de adesão no direito do consumidor), que não haja desrespeito às leis imperativas e às leis de ordem pública.

Com a promulgação da LINDB, o art. 9º previu, conforme dito, que as obrigações são regidas pela lei do
país em que se constituírem, não mais fazendo a ressalva da possibilidade de estipulação em contrário, como
havia na LICC/1916. Por esse motivo, instaurou-se divergência doutrinária acerca da possibilidade da utilização
da autonomia da vontade em contratos transnacionais para se escolher a lei aplicável ou a jurisdição a quem
cabe analisa-los. Segundo André de Carvalho Ramos, a doutrina dominante no Brasil indica que o art. 9º da
LINDB é norma imperativa, não podendo ser derrogada pela vontade dos particulares. No entanto, o autor traz
julgados do STJ que defendem a possibilidade de as partes livremente optarem pela aplicação da legislação de
outro Estado, argumentando que aquele que contrata livremente nesse sentido e requer não seja aplicada a
autonomia da vontade viola a boa-fé objetiva (venire contra factum proprium).

Atualmente, a autonomia da vontade tem crescido tanto a ponto de ultrapassar o tradicional campo
contratual, podendo-se falar em seu uso em outras áreas, como na estabilização do estatuto pessoal, nas
relações familiares e nas relações patrimoniais, desde que haja respeito aos objetos de tutela dessas áreas do
direito, bem como aos direitos humanos.

169
2. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO NO BRASIL
2.1 Direito Internacional Privado de matriz legal. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Hierarquia
e diálogo das fontes nacionais e internacionais do Direito Internacional Privado. (4.a)
2.2 Ordem Pública e suas espécies. Fraude à lei no Direito Internacional Privado. Normas de aplicação imediata
no Direito Internacional Privado. (3.c)
2.3 Interpretação e aplicação do direito estrangeiro. Prova do direito estrangeiro. Reenvio. (1.b)
2.4 Estatuto pessoal no Direito Internacional Privado e sua evolução no Brasil. Pessoa Jurídica no Direito
Internacional Privado. Bens no Direito Internacional Privado. (5.c)
2.5 Organizações e órgãos internacionais dedicados ao Direito Internacional Privado. Convenções sociais de
Direito Internacional Privado. (7.b)

4A. DIPr de matriz legal. LINDB. Hierarquia e diálogo das fontes nacionais e internacionais do DIPr.

Robert Lucht
Fonte: Curso de Direito Internacional Privado, André de Carvalho Ramos, 2018

DIPr de matriz legal. As principais normas legais de DIPr são (entre outras):
- CF/88:
(i) Relações internacionais pelo princípio da cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade;
(ii) Integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de
uma comunidade latino-americana de nações;
(iii) Dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro;
(iv) Regras sobre cooperação jurídica internacional, ao regular a carta rogatória e a homologação de
sentença estrangeira, bem como a extradição; e
(v) Lei pessoal do de cujus (art. 5º, XXXI) para o fim de beneficiar o cônjuge ou os filhos brasileiros nos
casos de sucessão de bens de estrangeiros situados no País (prélèvement).
- LINDB: arts. 7° a 19.
- CPC/2015: temas de jurisdição e cooperação jurídica internacional.
- CPP: temas de jurisdição e cooperação jurídica internacional.
- Lei 9.307/96: escolha da lei e jurisdição.
- Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86 – arts. 1º a 10).

LINDB: a maioria das normas (não todas) do DIPr brasileiro encontra-se na LINDB. É nela que se encontra o
núcleo básico do sistema brasileiro de aplicação das leis estrangeiras (arts. 7º a 19). Tal excepciona a regra de
que apenas as leis nacionais devem ser aplicadas no Brasil, pois poderá uma norma estrangeira ser aqui
igualmente aplicada e surtir todos os seus efeitos, salvo se violar a soberania nacional, a ordem pública ou os
bons costumes.
Crítica à LINDB: não resolve todos os problemas de DIPr que os tempos atuais propõem, por ser generalista e
incompleta, o que requer uso de fontes convencionais, costumeiras e jurisprudenciais (as quais também
integram, por assim dizer, o DIPr brasileiro).

Hierarquia das fontes nacionais e internacionais do DIPr: as fontes do DIPr podem ser internas (nacionais,
brasileiras) ou internacionais. Essa pluralidade de fontes demonstra que o DIPr contemporâneo é um direito
plúrimo (ou plurifontes) em termos de fundamentação.

Como o Direito Internacional vê o direito brasileiro


Direito Interno é mero fato, que expressa a vontade do Estado. O direito interno só será utilizado se a norma
internacional lhe fizer remissão (primazia internacionalista). Não é possível que Brasil justifique-se invocando
decisões nacionais ou mesmo normas locais em sentido contrário (do DIPr de matriz legal).

Como o direito brasileiro vê as normas internacionais do DIPr

170
As regras estão na CF/88. Esta só menciona os tratados internacionais, deixando de falar sobre as fontes
extraconvencionais (ex.: costumes). STF deu tratamento distinto:
a) tratados de DIPr são incorporados com a participação do Executivo e Legislativo (como qq outro tratado); e
b) quanto aos costumes, o STF já aplicou diretamente nos processos internos. André de Carvalho Ramos (ACR)
chama essa aplicação direta de normas internacionais extraconvencionais de "fenômeno da impregnação", sem
qualquer medição do Congresso Nacional (ausência de Decreto Legislativo), e sem qualquer promulgação por
Decreto Executivo. Ex.: caso Síria x Egito, acerca de propriedade de imóvel no Rio de Janeiro; STF aplicou o
costume internacional da imunidade absoluta de jurisdição.

Observações:
1) ACR sugere ADI por omissão em face do Presidente da República que assina tratado e não o remete ao
Congresso para aprovação nem se manifeste internacionalmente que não pretende ratificá-lo.
2) ACR defende a existência de uma teoria da junção de vontades restrita, que se encerra com a manifestação
final de celebração do tratado (via de regra, pela ratificação), ao contrário do adotado na jurisprudência do STF
(que adota a teoria da junção de vontades ampla, vide abaixo). Ou seja, ele defende que TODOS os tratados
dispensam o decreto de promulgação.

Hierarquia dos tratados na visão do STF:


a) Tratados comuns: status de lei ordinária federal
b) Tratados de DH aprovados sem o rito do art. 5°, § 3°: status supralegal
c) Tratados de DH aprovados pelo rito do art. 5°, § 3°: status de Emenda Constitucional

ACR sustenta que:


a) tratados de DH sempre têm status constitucional;
b) adoção do rito do art. 5º, § 3º, CF, faz com que a revogação de tais tratados deva seguir o mesmo rito; e
c) tratados de DH podem ser revogados, desde que se observe a vedação do retrocesso. Seria possível a
revogação se o tratado estivesse sendo utilizado com finalidade diversa da proposta e fosse utilizado de forma
meramente política pelos órgãos internacionais.

Hierarquia dos tratados de DIPr na visão de ACR:


Há três categorias de convenções e tratados de DIPr, conforme seu conteúdo:
(i) convenções sociais (ou convenções sociais de proteção de direitos): tratados de DIPr que protegem DH –
status supralegal (não há exemplo de convenção social com status de Emenda Constitucional)
(ii) convenções de procedimento: status de lei ordinária federal.
(iii) convenções sobre lei aplicável: status de lei ordinária federal.

Diálogo das fontes nacionais e internacionais do DIPr:


Panorama atual: processo de descodificação em razão da edição de diversas normas nacionais e internacionais
sobre o mesmo tema, sem maior anseio de unificação geral. Há duas soluções: resolução do conflito e o diálogo
entre as fontes.

Resolução do conflito entre as fontes


Consiste no uso de critérios para resolver as antinomias entre as regras internacionais e nacionais, de forma
cronológica, hierárquica e de especialidade. Ocorre que nem sempre é clara a opção dos Estados pela superação
das normas anteriores pela edição de uma regra nova. Por isso, Erik Jayme defendeu a coordenação flexível
entre as fontes do DIPr, por intermédio do diálogo entre elas, obtendo-se harmonia e não exclusão entre as
fontes.

Diálogo entre as fontes


Consiste na aplicação simultânea, coerente e coordenada entre regras internas e internacionais, que possuem
campos convergentes, mas não coincidentes ou iguais, gerando a convivência e unidade sistêmica do DIPr.
Permite a adoção de solução normativa mais adequada ao caso concreto.

Formas de diálogo das fontes (classificação de Cláudia Lima Marques e citada por ACR)

171
De aplicação direta De aplicação indireta
(regras nacionais ou de tratados incidem sobre Estados-Partes comuns, exigindo (diálogo de inspiração
coordenação) ou diálogo narrativo)
Diálogo de Diálogo sistemático de Diálogo de coordenação Invocação de normas
complementariedade e coerência e adaptação sistemática internacionais ou
subsidiariedade nacionais não
Uso suplementar de Busca coordenar a Reconhecimento de vinculantes que a
regras previstas em leis aplicação de regras outros diplomas interpretação de
ou outros tratados, nacionais e tratados de normativos referentes ao outras normas.
suprindo eventuais DIPr, podendo uma regra tema, que podem
lacunas e tendo como ser utilizada como base inclusive levar à
finalidade o cumprimento conceitual de outra, priorização de uma regra.
de determinado valor do respeitando-se os valores
DIPr. da disciplina.
Ex.: uso da LINDB em Ex.: Conv. Interamericana Ex.: Conv. Interamericana Ex.: STF fez uma
conjunto com dispositivos sobre Normas Gerais de sobre Obrigação aplicação narrativa do
convencionais. DIPr, que prevê que as Alimentar: permite o uso "Código Bustamante",
diversas leis que podem prioritário das ao transpor as regras
ser competentes para Convenções da Haia, deste tratado a fato
regular os diferentes sobre reconhecimento e transnacional oriundo
aspectos de uma mesma eficácia de sentenças de Estado não parte.
relação jurídica sejam relacionadas com
aplicadas de maneira obrigação alimentar para
harmônica, procurando- menores e sobre a lei
se realizar os objetivos de aplicável à obrigação
cada uma das legislações. alimentar.
As dificuldades da
aplicação simultânea
serão resolvidas levando-
se em conta as exigências
impostas pela equidade
no caso concreto.

Conclusão: é complexo o regramento dos fatos transfronteiriços. Intérprete deve manejar regras de conflito
(critérios cronológico, hierárquico e da especialidade) e o "diálogo das fontes”.

3C. Ordem pública e suas espécies. Fraude à lei no Direito Internacional Privado. Normas de aplicação imediata
no Direito Internacional Privado.

Mariana Barreto
Principais obras consultadas: Resumos do 25º, 26º, 27º e 28º CPR; RAMOS, André de Carvalho,
Comentários à Lei de introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, Saraiva, 2016;
Aulas do ACR, Curso Alcance 2014;
RAMOS, André de Carvalho. Caderno da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. 2014.
Legislação básica: LINDB; Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DIPR.
RAMOS, André de Carvalho. Direito Internacional Privado e seus Aspectos Processuais: A Cooperação Jurídica Internacional. In: Direito internacional
privado e a nova cooperação jurídica internacional/André de Carvalho Ramos e Wagner Menezes [organizadores]. - Belo Horizonte: Arraes Editores, 2015.

ORDEM PÚBLICA E SUAS ESPÉCIES:


1. Ordem Pública e exceções à aplicação do direito estrangeiro.
O direito estrangeiro, quando aplicado, equipara-se à legislação ordinária. Assim, as normas estrangeiras podem
ser objeto de controle de constitucionalidade (até porque a violação a dispositivos da Constituição Federal
configura uma forma de afronta à ordem pública). Neste ponto, há autores que salientam que somente é
possível o controle incidental da norma estrangeira (RECHSTEINER, págs. 235-236 apud Resumos do 25º, do 26º
e 27º CPR).

172
Nem sempre a norma estrangeira será aplicada. No Brasil, as normas de outro Estado não terão eficácia quando
ofenderem a ordem pública, a soberania nacional e os bons costumes (art. 17 da LICC). Também não haverá
aplicação da norma estrangeira quando houver fraude à lei, instituição desconhecida e lei imperfeita. Por fraude
à lei, entende-se a ação deliberada no sentido de evitar a aplicação da norma no caso concreto. Já a instituição
desconhecida surge quando determinada matéria, regulada em ordenamento estrangeiro, não é objeto de
previsão na ordem jurídica do Estado onde se pretende aplicar norma de outro ente estatal. Tal situação pode
ser resolvida pela adaptação (emprego de uma norma que regule instituto semelhante). Por fim, a lei imperfeita
pode ser entendida como a que prevê ou a aplicação do direito interno ou a do direito estrangeiro, a exemplo
da norma inserida no art. 10, §1 da LICC (Paulo Henrique Gonçalves Portela, pág. 585 apud Resumos do 25º, do
26º e 27º CPR).
Assim, segundo ACR (aulas do Alcance-2014), a ordem pública não é a única exceção à aplicação do direito
estrangeiro, existindo também a fraude à lei, e a instituição desconhecida:
(i) Instituição desconhecida: é aquela que não está prevista no ordenamento jurídico do Estado no qual
a disposição será aplicada, ou seja, não está prevista na lexfori. Segundo ACR, é possível a adaptação e aplicação
da instituição desconhecida na lexfori, desde que não ofenda a ordem pública.
(ii) Fraude à lei: consiste na utilização de meios lícitos, não para cumprir a sua finalidade, mas apenas
para contornar as regras de conexão. Assim, a fraude à lei utiliza meios aparentemente lícitos, apenas para
conseguir a finalidade não pretendida pelas regras de conexão. A fraude à lei gera a ineficácia do ato.
Especificamente quanto à ordem pública, segundo ACR, nos termos do art. 17 da LINDB, a ordem pública é uma
exceção à aplicação do dto estrangeiro: “Esse é o grande problema, porque muitas vezes chegamos no Direito
Estrangeiro, mas o juiz alega que a norma estrangeira viola a ordem pública. No DIPriv atual, a ordem pública
consiste no conjunto de valores essenciais de determinada comunidade. Portanto, a ordem pública não envolve
apenas aspectos jurídicos, mas tb sociais, econômicos, culturais, etc.”
Assim, segundo ACR, a “ordem pública consiste no conjunto de valores essenciais defendidos por um Estado,
que impede (i) a aplicação de lei estrangeira eventualmente indicada pelos critérios de conexão; (ii) a
prorrogação ou derrogação da jurisdição; e, por fim, (iii) a cooperação jurídica internacional pretendida. Assim,
na ótica do Direito Internacional Privado, a ordem pública é um instituto que restringe a própria atuação do DIPr
para preservar os valores defendidos pelo Estado do foro.”
Ainda segundo ACR, a ordem pública pode ser classificada de acordo com a sua função em dois tipos:
(i) ordem pública interna, que serve como limitação à autonomia da vontade dos particulares (que não
podem derrogar, por seus acordos, normas de ordem pública);

(ii) ordem pública de Direito Internacional Privado (também chamada de "ordem pública
internacional"), que serve como limitação ao uso do direito estrangeiro (inclusive direitos adquiridos),
determinação da jurisdição e realização da cooperação jurídica internacional.

É possível classificar a ordem pública também em razão da origem dos valores defendidos pelo Estado da
seguinte maneira:
(i) ordem pública nacional: é aquela que contém valores essenciais produzidos no próprio Estado do
foro
(ii) ordem pública regional: contempla valores imperativos contidos em normas produzidas por
organizações regionais, como a União Europeia;
(iii) ordem pública internacional (ou universal): é aquela que contém valores essenciais da comunidade
internacional como um todo.
Segundo ACR, “as classificações propostas interagem: a ordem pública de direito internacional privado
(classificação pela função) é aquela defendida pelo Estado do foro, mas pode ter seus valores originados de
normas nacionais, internacionais regionais, ou internacionais estrito senso. Assim, no DIPr, a defesa da ordem
pública é do Estado do foro, mas não necessariamente os valores nela contidos têm origem nacional.”
Por fim, é importante atentar que “o alcance da ordem pública prevista na LINDB é amplo no domínio do Direito
Internacional Privado, abordando seus três segmentos: (i) aplicação de leis estrangeiras; (íi) execução de atos e
sentenças estrangeiras; e (iii) utilização de declarações de vontades estrangeiras. Assim, no Brasil, não é
afetada a validade da norma estrangeira, mas sua eficácia.”
 Indagação de ACR: qual o conteúdo da ordem pública de Direito internacional privado?

173
Inicialmente, a leitura de seu conceito demonstra que “a ordem pública é caracterizada pela indeterminação e,
consequentemente, é instável, podendo variar ao sabor da mudança dos valores essenciais defendidos pelo
Estado”. Assim, interessa atentar aos seguintes aspectos segundo ACR:
(i) “A primeira orientação para a determinação do conteúdo da ordem pública para o DIPr é não confundi-
lo com o conteúdo da ordem pública interna. A qualidade de norma de ordem pública no foro (norma cogente,
aquela que não pode ser derrogada pela vontade das partes) não implica, necessariamente, que essa norma
impedirá a aplicação do direito estrangeiro. Só impedirá a aplicação do direito estrangeiro se este se chocar, de
modo grave, com os valores essenciais defendidos pelo Estado brasileiro. Caso contrário, o Direito
Internacional Privado deixa de ser o direito do respeito à tolerância e da diversidade e, desnaturado
totalmente, passa a ser um simples direito narcísico que só aceita aplicar lei estrangeira que for idêntica a lei do
foro. ”Para Jacob Dolinger (apud ACR): "Não é toda lei local, cogente, das que não podem ser derrogadas pela
vontade das partes no plano interno, que não poderá ser substituída por lei estrangeira diversa, no plano do
Direito Internacional Privado. (...) A norma estrangeira, indicada pelo DIP, deverá chocar a nossa ordem pública
de forma mais grave para que tal aplicação seja rejeitada".

(ii) Em segundo lugar, “cada vez mais a doutrina inclina-se para aceitar a impregnação jusfundamentalista
do conceito de ordem pública”. Como salienta Abade, “a proteção de direitos humanos está entre os valores
essenciais defendidos pelo Estado do foro ao invocar a cláusula de ordem pública” .

De todo modo, segundo ACR, “descartado o uso do direito estrangeiro, a prática brasileira inclina-se pelo uso da
lei brasileira (lexfori) sem maior preocupação com eventual norma alternativa”.
Assim, segundo ACR (aulas Alcance 2014), hoje há uma aproximação entre o DIPriv, ordem pública e os DH.
Hoje, a ordem pública é justamente focada na proteção de valores essenciais de um ordenamento. Mas afinal, o
que é ordem pública? Segundo a doutrina, é mesmo um conceito impreciso, que depende do contexto.
O grande exemplo é a dívida de jogo: tempos atrás, o STF entendeu em homologação de sentença estrangeira,
que ofendia os valores essenciais do ordenamento brasileiro tentar executar no Brasil uma dívida de jogo de
outro país. A Denise Abade critica muito essa visão xenófoba no DI: “narciso acha feio o que não é seu espelho”
(Caetano Veloso).
O STF passou a entender, após a dec de 90, que o indivíduo maior de idade que vai a Las Vegas, joga e perde o
dinheiro, mas não paga e foge para o Brasil, não há nada ofensivo à ordem pública brasileira, porque ele sabia o
que fazia, era maior de idade e envolve direitos disponíveis, de modo que ele deveria sim pagar. ( ACR concorda
com Abade).

FRAUDE À LEI NO DIPR:

Obras consultadas: RAMOS, André de Carvalho. Caderno do Alcance. 2014; RAMOS, André de Carvalho.
Caderno da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. 2014.
Legislação básica: Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DIPR.

RAMOS, André de Carvalho. Caderno da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. 2014:
1. Conceito. A fraude à lei é a manipulação simulada de elementos de conexão, visando finalidade proibida pela
norma da lex fori.
2. Semelhança com ordem pública. Há um ponto em comum entre ordem pública e fraude à lei: ambos são
institutos que protegem a lex fori.
3. Exemplo. Caso da Princesa de Beaufremont: princesa belga, naturalizada francesa, que se casou na França.
Seu enlace eventualmente fracassou e, como a França do século XIX não admitia o divórcio, ela decidiu ir a um
ducado da Saxônia e lá se naturalizar. Sua nacionalidade francesa foi então cancelada, possibilitando a aplicação
da lei de sua nova nacionalidade, que permitia o divórcio. O príncipe foi à justiça francesa, alegando que a nova
naturalização da princesa era fraudulenta, pois ela a havia realizado com o único intuito de dissolver o
casamento. A Corte de Cassação francesa não se manifestou quanto à obtenção da nacionalidade estrangeira,
mas considerou o cancelamento da nacionalidade francesa como fraudulento, pois a princesa trocara de
nacionalidade movida pelo mero desejo de se divorciar, e não de se vincular a outro ordenamento. Ela
continuou, portanto, casada, e não obteve a partilha de bens.

174
4. Ausência do instituto na LINDB. A LINDB não faz menção à fraude à lei, sendo ela princípio implícito ao nosso
ordenamento, como era a ordem pública no início do século passado.
5. Presença do instituto na Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DIPr. Entretanto, o artigo 6º da
Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de DIPr a explicita: “Artigo 6º. Não se aplicará como direito
estrangeiro o direito de um Estado Parte quando artificiosamente se tenham burlado os princípios fundamentais
da lei de outro Estado Parte. Ficará a juízo das autoridades competentes do Estado receptor determinar a
intenção fraudulenta das partes interessadas”.
Essa determinação resolve o problema apenas em parte, porque é aplicável apenas quando o outro Estado
envolvido houver ratificado a Convenção.
6. Fraude à lei e autonomia da vontade. Se utilizada de forma abusiva, a fraude à lei colide com a autonomia da
vontade. Qual seria, então, o critério para distinguir entre o lícito e o ilícito? Para André de Carvalho Ramos,
seria a existência ou não de simulação.
Exemplo: um contrato celebrado entre duas empresas brasileiras em Michigan, porque entendem que o direito
material de lá é mais adequado à natureza do negócio, não seria fraude à lei, porque nada nos tratados ou na
LINDB impede a celebração de um contrato em território estrangeiro.

NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA NO DIPR:

Obras consultadas: RAMOS, André de Carvalho. Caderno de Aulas de DIPr do Largo São Francisco. 2014.

1. Método Direto. Método que busca diretamente a solução material para os fatos transnacionais, incidindo
diretamente sobre o caso concreto. Rompe, portanto, o caráter remissivo clássico do método conflitual. É o que
a doutrina denomina “materialização do DIPr”. Pode ser de duas espécies: unificação e leis de aplicação
imediata.
1.1. Unificação. Adota-se a mesma norma para os dois Estados. Portanto, depende de uma norma internacional,
como as convenções ONU, a Unidroit, a OEA, as Conferências da Haia, etc.
Ex: o fenômeno da Europeização 34 do DIPr abordado pelo prof. Augusto Jaeger Júnior; a Convenção de Viena
sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias, que já determina diretamente o conteúdo do contrato.
1.2. Leis de aplicação imediata: são diplomas normativos locais que regem diretamente fatos transnacionais.
São exemplos de fontes particularistas do Direito Internacional Privado, em oposição às fontes universalistas do
método unificador.
Ex: a questão do consumidor no MERCOSUL, onde cada país tem seu próprio Código de Defesa do Consumidor e
irá aplicá-lo aos fatos transnacionais.
1.3. Crítica às leis de aplicação imediata: possibilidade de retorno a um territorialismo pré-estatutário, pois as
leis de aplicação imediata podem dificultar a unificação. No caso do direito do consumidor, por exemplo, pode
haver prejuízo da integração visto que o direito consumerista é uma barreira não tarifária à livre circulação.
“[o] novo Direito Internacional Privado, (...) deve resgatar a universalidade dos direitos como paradigma de
interpretação, superando a visão voltada aos particularismos da prevalência da lex fori e do (mal) uso das leis de

34
“Em 1993, entrou em vigor o Tratado de Maastricht, que foi o marco da unificação política da Comunidade Europeia, dando origem à
União Europeia. Em 1997, assinou-se o Tratado de Amsterdão, o qual foi instrumento fundamental de estímulo a uma europeização do
Direito Internacional Privado. Como consequência desse tratado, a União Europeia passou a ter uma competência direcionada à unificação
do Direito Internacional Privado e do Direito Processual Civil Internacional. A atividade normativa da União Europeia foi tão
impulsionada, que desse momento em diante sucedeu-se a necessidade urgente de um sistema de Direito Internacional Privado
Europeizado, com fonte supranacional, tendendo a se sobrepor aos sistemas jurídicos autônomos internos dos Estados que fazem parte da
União Europeia. Dessa forma, o respectivo trabalho retrata o Tratado de Amsterdão que deu o primeiro passo para uma tangível
harmonização do Direito Internacional Privado na União Europeia. Essa harmonização é um processo que aos poucos vem ocorrendo com
o Direito Internacional Privado na União Europeia, em que seu desfecho é a não aplicação das legislações autônomas internas dos Estados-
membros em certas matérias e perante determinados Estados, o que significa que extensas áreas do Direito Internacional Privado dos
Estados-membros estão sendo alteradas ou mesmo eliminadas somente pela vinculação deles ao processo de integração supranacional.”
Fonte: http://hdl.handle.net/10183/91372, acesso em 18/10/16.
Quanto ao Tratado de Amsterdão: “A cooperação intergovernamental nos domínios da cooperação policial e judiciária em matéria penal foi
reforçada com a definição de objetivos e tarefas específicas e com a criação de um novo instrumento jurídico análogo a uma diretiva. [...]
Pela primeira vez, os Tratados continham disposições gerais que possibilitavam, em determinadas condições, que um certo número de
Estados-Membros recorresse às instituições comuns para organizar uma cooperação reforçada entre si.” Fonte:
http://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/3/os-tratados-de-maastricht-e-de-amesterdao, acesso em 02.09.18.

175
aplicação imediata e da cláusula de ordem pública, que podem fragmentar a interpretação do Direito
Internacional Privado, levando à desconsideração de direitos constituídos em outros ordenamentos 35.”

QUESTÕES DE PROVA ORAL DO MPF:


28 – Oral - Examinadora: Denise Neves Abade 05/10/2015
 Denise Abade: Eu vou dar um exemplo e o senhor vai dizer como vai agir atuando como Procurador da
República. Vamos pegar um caso concreto. O caso é de uma autoridade administrativa de uma Universidade
Federal que invocou o conceito de ordem pública para negar assistência de saúde prevista no regulamento da
Universidade para todas as demais mulheres de um pesquisador que é estrangeiro, mas que foi regularmente
contratado, e cujo casamento poligâmico foi feito de acordo com a lei estrangeira. Acionado o setor de tutela
coletiva do Ministério Público Federal, como deve ser interpretado pelo senhor, atuando nessa área, o conceito
de ordem pública? Como o senhor se posicionaria com relação a esse caso?
É, vigora no Brasil a proteção no direito de família de relações bigâmicas: concubinato, nossa jurisprudência tem
evoluído até para reconhecer direitos patrimoniais referentes ao concubinato, mas não toda a proteção que
nosso ordenamento jurídico concede à família. Vejo aí que a questão da ordem pública seria referente a isso:
afetaria a ordem pública essa relação de poligamia...
Analisando as normas internacionais, a aplicação a esses limites e tudo o mais, e principalmente o fato de que o
mundo é multicultural, existe uma moralidade positiva em cada Estado, as pessoas estabelecem juízos de
valores e compartilham desses juízos e tudo o mais, mas são juízos de valores relativos, não é absoluto, eu não
acho que a ordem pública deva ser absoluta em relação a esses juízos de valor formados dentro de um Estado.
 Denise Abade: Então, agiu corretamente essa autoridade?
Não agiu. Eu tentaria buscar, levando-se em consideração isso que acabei de falar, esse mundo que é
multifacetado, tentaria buscar uma proteção, se também ele for um estrangeiro de um Estado em que isso faz
parte da...
 Denise Abade: Sim.
... faz parte da cultura deles e do juízo de valor que eles formam lá.
 Denise Abade: Sim. Foi um casamento legalmente autorizado no seu país de origem.
Ah, então eu tentaria de alguma maneira defender esse direito.

 Ainda falando sobre ordem pública, o Brasil pode cumprir uma carta rogatória de busca e apreensão de bens,
cuja decisão estrangeira foi exarada de acordo com o ordenamento de um país estrangeiro por um Promotor de
Justiça?
Resposta: [ABADE, Denise Neves. Direitos fundamentais na cooperação jurídica internacional: extradição,
assistência jurídica, execução de sentença estrangeira e transferência de presos. São Paulo: Saraiva, 2013. 4.13.
As indefinições sobre a incidência imediata dos direitos fundamentais e a incidência mediata: o caso da
“autoridade competente” e o “devido processo legal”]
Outra frequente impugnação de Carta Rogatória Passiva diz respeito à eventual incompetência do órgão
estrangeiro solicitante da medida em face do Direito Brasileiro. A lógica seria “se o Direito Brasileiro não
reconhece o poder de determinada autoridade do sistema de justiça de ordenar diligência, não se poderia
atender a Carta rogatória passiva, mesmo que a autoridade estrangeira fosse competente de acordo com suas
próprias regras.” O Judiciário brasileiro, contudo, não apresenta uma resposta homogênea: há decisões
contraditórias.
Na verdade, é preciso evitar uma exigência quase que letal para a cooperação internacional em matéria
criminal: a de que a integralidade do modelo brasileiro de persecução criminal deva ser obedecida por todos os
países com os quais o Brasil coopera. Essa exigência fulmina a cooperação em matéria penal, porque é óbvio
que nenhum país possui perfeitamente o mesmo modelo de persecução criminal de outro, sem contar que
dificilmente seria possível adaptar o seu modelo aos parâmetros exigidos pelo STF.
A consequência seria que, em nome da reciprocidade, os demais países também deixassem de cooperar em
matéria criminal com o Brasil.
Esse risco foi percebido há muito pelo próprio STF ao analisar a extradição, espécie tradicional de cooperação
penal, vista acima. Nas extradições passivas oriundas de países europeus, é comum que a ordem de prisão do
extraditando tenha sido expedida por membros do Ministério Público local. De fato, em vários países europeus,

35

176
como Suíça e Itália, o sistema acusatório permite que o Ministério Público possua poderes de decretar prisão,
quebra do sigilo bancário e o bloqueio de bens. Em face da extradição requerida pela Suíça, no caso Fratola, há
mais de trinta anos, o STF considerou legítima a ordem de prisão decretada pelo Procurador suíço, o que não
seria permitido no Brasil (a ordem de prisão no Brasil depende de autoridade judicial, salvo prisão em flagrante).
Esse princípio da equivalência reconhece, assim, a diversidade dos institutos e foi seguido por vários tribunais,
inclusive pelo STF em outros casos. (...) Recentemente, em 2008, foi promulgado internamente a Convenção
Interamericana sobre Assistência Mútua em Matéria Penal, que estabelece, em seu artigo 4º, o princípio do lex
loci regit actum, ou seja, aceita-se que o ordenamento do Estado requerente regule a competência das
autoridades que podem – ou não – adotar medidas e requerer a cooperação.

 Denise Abade: O senhor pode explicar se é e como é aplicada no Brasil uma instituição desconhecida, fruto
das regras de conexão aplicadas a um fato interjurisdicional? É possível?
Resposta: [ABADE, Denise Neves. Direitos Fundamentais na Cooperação Jurídica Internacional. Parte Primeira. 9.
A incidência indireta ou mediata dos direitos fundamentais. 9.3. A ordem pública e sua aplicação na cooperação
jurídica em matéria penal]
Quanto às possíveis ofensas à ordem pública oriundas dos pleitos cooperacionais, vê-se que, na cooperação
jurídica internacional, a vulneração tradicional da ordem pública de um Estado pode ocorrer em três situações.
A primeira situação consiste em pedido cooperacional fundado em procedimento ou instituição desconhecida.
Na segunda situação, trata-se de pedido de realização de ato proibido ou com conteúdo proibido no Estado
requerido. Em uma terceira situação, há o pedido do Estado Requerente em formato não admitido no Estado
Requerido. (...). No que tange à primeira situação, há vários pedidos que se amparam em procedimentos
desconhecidos, como, por exemplo, a citação por affidavit (declaração juramentada de que o réu tomou
conhecimento da ação, comum em países da Common law).
[RAMOS, André de Carvalho. Caderno de DIPr das Aulas na USP (São Francisco), 2014]
Eventualmente, o direito estrangeiro escolhido pela regra de conexão não é conhecido pela lex fori. Em face de
uma situação como essa, temos duas soluções.
A primeira solução é a não aplicação. Entretanto, quando isso ocorre, a jurisprudência brasileira geralmente
insere o caso concreto na temática da ordem pública. Exemplo é o repúdio islâmico, instituição relativamente
próxima do divórcio, mas é facultado somente aos homens. Não pode, portanto, ser aplicado no Brasil, uma vez
que fere a igualdade [e, portanto, a ordem pública]
Se o reconhecimento e a aplicação da instituição desconhecida não ofenderem a ordem pública, é possível
partir para uma segunda solução, que é a adaptação da instituição ao nosso ordenamento, que consiste na
utilização de um instituto interno similar ao estrangeiro. Exemplo disso é o trust, instituto americano que
envolve a transferência da propriedade para aquele que recebe a confiança, e que seria próximo ao contrato de
fidúcia regrado por nosso ordenamento.
Essas soluções são aplicáveis sucessivamente: não havendo ofensa à ordem pública, é possível adaptar a
instituição.

1B. Interpretação e aplicação do direito estrangeiro. Prova do direito estrangeiro. Reenvio.

Isadora Carvalho

Aplicação do direito estrangeiro. Fontes do direito estrangeiro: As fontes formais do direito


estrangeiro obedecem seu próprio sistema, podendo inclusive abranger fontes não aceitas como vinculantes
pelo Estado do foro, como o costume ou doutrina. Há um critério para delimitar o direito estrangeiro: o seu uso
pelo juiz local. Assim, é todo o direito vigente privado ou público utilizado pelos próprios juízes estrangeiros. No
tópico ACR fala sobre a “natureza das normas estrangeiras” (as normas de direito privado ou não), que é
questão indiferente ao DIpr (já que mesmo normas de direito público estrangeiro podem ser indicadas), e
também sobre “as controvérsias de Dipr” sobre a aplicação das normas estrangeiras pelo Estado do foro” (ex.
norma produzida por meio de ofensa a normas internacionais, como no caso lei estrangeira sobre determinado
território sob ocupação estrangeira ilícita: a lei do ocupante, nessa hipótese, não deve ser usada pelo DIPr).
Sobre esse último ponto: Exige-se que a interpretação do direito estrangeiro esteja alinhada com a integridade
das normas internacionais. O DIPr não pode isolar-se e pretender que a aplicação de suas normas se dê em
descompasso com as normas internacionais, sob a justificativa de que o objeto do DIPr envolve somente

177
interesses privados. Por outro lado, as divergências entre o Estado do foro e o Estado estrangeiro devem ser
relevadas, caso não haja nenhuma norma internacional violada.
Natureza do direito estrangeiro a ser aplicado: 1) corrente da equiparação fática: É negacionista:
Defende a equiparação fática, pela qual o direito estrangeiro é assimilado a um fato que deve ser provado e
apreciado segundo as regras processuais do Estado do foro. Negação do direito estrangeiro, pois este não seria
aplicável além do território de um Estado e a lex fori só reconhece situações consolidadas no exterior. Gera o
inconveniente de descaracterizar a obrigatoriedade do uso do direito estrangeiro estabelecido pela própria
regra de conexão do foro, que ficaria ao sabor da vontade do interessado em invocar o direito estrangeiro.; 2)
corrente do reconhecimento jurídico: o direito estrangeiro é considerado como norma jurídica, mas há
divergências no seu seio a respeito de que "tipo de direito" seria (se tem natureza própria; se é incorporado em
norma nacional - teoria da recepção material; ou se o direito estrangeiro é incorporado no foro como como
direito, mas preserva o alcance e sentido impostos pela ordem estrangeira - teoria da recepção/remissão
formal). A diferença entre as duas correntes impacta na aplicação do direito estrangeiro: se for considerado
fato, cabe a parte interessada alegar e provar; se for considerado direito, é possível exigir que o julgador aplique
o direito de ofício, mas nasce o problema do modo de interpretação (se de acordo com a lei do foro ou
conforme a interpretação estrangeira). No Brasil, adota-se a corrente do reconhecimento jurídico: É dever do
juiz aplicar o direito estrangeiro de ofício (o que está de acordo com o art. 480 do Cód. de Bustamante). Caso o
juiz não conheça o direito estrangeiro, pode determinar a "quem o invoca" (LINDB) ou "a parte que alegar"
(CPC/2015), o que não impede que (i) a parte espontaneamente produza tal prova ou ainda que (ii) o juiz
diligencie nesse sentido. Caso o juiz não exija tal colaboração da parte, é seu dever conhecer do teor, vigência e
interpretação do direito estrangeiro, gerando impactos na interpretação da norma. Logo, o juiz nacional, assim,
ao se deparar com a necessidade de aplicação do direito estrangeiro deve seguir as seguintes regras: (i) aplicar a
norma estrangeira de ofício, como consequência direta do DIPr e do acesso à tutela justa; (ii) caso não conheça
a norma estrangeira e, mesmo dispondo da possibilidade de determinar à parte que produza a prova do direito
estrangeiro, deve diligenciar e buscar o texto faltante", em face do seu dever de aplicar a lei cabível de ofício e
decidir a lide (a chamada proibição do non liquet- art. 140 do CPC'); (iii) caso, mesmo após sua diligência, não
conheça o teor e a vigência, deve exigir da parte que o alegou a prova do direito alegado; e (iv) as partes
(mesmo aquela que nada alegou) podem espontaneamente apresentar o direito invocado.
Meios de Prova: A prova do direito estrangeiro pode ser obtida por todos os meios admitidos no
ordenamento do Estado do foro, ex: (i) prova documental pela apresentação do texto; (ii) prova pericial (parecer
de advogados ou professores); (iii) informação do próprio Estado estrangeiro sobre a vigência, sentido e alcance
legal do direito; e (iv) prova testemunhal. O Código Bustamante prevê no art. 409 que o texto legal estrangeiro,
sua vigência e sentido, podem ser demonstrados mediante certidão, devidamente legalizada, de dois advogados
em exercício no Estado estrangeiro, e o art. 410 possibilita ao juiz solicitar, de ofício, pela via diplomática, antes
de decidir, ao Estado de cuja legislação se trate, que este forneça um relatório sobre (i) o texto, (ii) a vigência e
(iii) o sentido do direito aplicável. Esse relatório pode ser fornecido pelo mais alto tribunal, pela Procuradoria-
Geral, pela Secretaria ou pelo Ministério da Justiça (art. 411). A Convenção Interamericana sobre Prova e
Informação acerca do Direito Estrangeiro, adotada em Montevidéu (1979), prevê a consulta para prova e
informação sobre o direito estrangeiro, por meio de autoridade central. O Protocolo de Cooperação e
Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa (Protocolo de Las Lenas")
também prevê o pedido de informação de direito por intermédio da Autoridade Central (no Brasil, também o
Ministério da Justiça). Isso facilita o trabalho do juiz ao sentenciar, pois pode se valer da via célere da autoridade
central para receber informação atual do direito estrangeiro.
Interpretação do direito estrangeiro: a corrente do reconhecimento jurídico subdividiu-se, para
justificar a aplicação do direito estrangeiro como norma jurídica pelo juiz nacional, em três: (i) a teoria da
remissão ou recepção material, (li) a teoria da remissão ou recepção formal e (iii) a teoria da aceitação. As
teorias da recepção (pelas quais só teria validade se fosse incorporada ou recepcionada pelo direito nacional) já
estão ultrapassadas, pois incompatíveis com a pluralidade de fontes do DIpr. Vige, hoje, a teoria da aceitação,
pois esta em linha com o objetivo de gestão da diversidade normativa e jurisdicional do DIpr à luz dos DH,
baseado na tolerância e na diversidade: aceitar o direito estrangeiro como tal não ofende a soberania nacional,
uma vez que a realização de justiça e respeito ao outro é também objetivo dos Estados na atualidade. A
pluralidade de fontes do DlPr (nacional e internacional) não exige mais que seja debatida a aplicabilidade do
direito estrangeiro por meio das teorias da recepção. Pelo contrário, há um dever internacional que considera
que a norma estrangeira é a norma reguladora daquele fato transnacional. A norma internacional de DIPr, p. ex.,

178
obriga todo o Estado a fazê-la valer internamente, sob pena de responsabilização internacional e
descumprimento - no caso brasileiro - da própria Constituição, que assegura o respeito aos tratados celebrados.
A consequência da teoria da aceitação é a exigência de que a interpretação da lei estrangeira seja feita
conforme a hermêutica do Estado de origem, uma vez que não se trata de "direito nacional" ou "direito
estrangeiro incorporado", mas simplesmente direito estrangeiro, ou seja, o juiz brasileiro deve aplicar a norma
estrangeira como se juiz estrangeiro fosse. “Caso dos empréstimos franco-brasileiros”: A CPJI decidiu que, após
ter sido indicada a lei estrangeira, esta deve ser aplicada como o seria no próprio Estado estrangeiro. A
Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado, Montividéu 1979, diz que "os
juízes e as autoridades dos Estados-Partes ficarão obrigados a aplicar o direito estrangeiro tal como o fariam os
juízes do Estado cujo direito seja aplicável, sem prejuízo de que as partes possam alegar e provar a existência e o
conteúdo da lei estrangeira invocada" (art. 2°). Logo, para cumprir a indicação da regra de DIPr, é necessário o
uso da interpretação fixada pelo Estado de origem da norma. Para assegurar isso, é necessário que cada Estado
possua recursos cabíveis contra interpretações errôneas do direito estrangeiro ou negativa de sua aplicação.
Nesse sentido, o Cód. de Bustamante prevê o “recurso de cassação ou instituição correspondente” para os casos
de violação, interpretação errônea ou aplicação indevida da lei estrangeira (art. 412). No Brasil, o STF admitiu
recurso contra decisão que aplicou o direito estrangeiro diversamente do que constava da interpretação
dominante no Estado estrangeiro de origem. Na atualidade, caso determinado TJ interprete o direito
estrangeiro de modo diverso do feito no Estado estrangeiro, é cabível recurso especial ao STJ, justamente para
uniformizar a aplicação da norma estrangeira no Brasil.
Falha na prova do direito estrangeiro: 1) Uso da lex fori (posição STJ); 2) Imposição do ônus da prova
(na falta de previsão legal de aplicação da lex fori, deve-se julgar não provada a pretensão baseada no
dispositivo da lei estrangeira. A crítica a esse entendimento consiste na indevida equiparação do direito
estrangeiro a um fato que, se não provado, prejudica quem o alegou em proveito próprio); 3) Converter o
julgamento em diligência (crítica a essa corrente é que sua aplicação pode prolongar excessivamente os litígios,
ofendendo o direito ao devido processo legal em prazo razoável. Além disso, essa opção é, em abstrato,
incompleta, pois não explica o que o juízo deve fazer caso a diligência fracasse; 4) Julgar de acordo com o direito
provável existente (A crítica a tal posicionamento é o aumento exponencial de arbítrio judicial no julgamento do
litígio); 5) Uso de analogia e princípios gerais de direitos (para essa corrente a ausência de prova do direito
estrangeiro é equivalente a uma lacuna que deve ser preenchida, art. 4º LINDB); 6) Uso de regra de conexão
subsidiária (EX. caso o direito estrangeiro indicado pela lei do domicílio não seja provado, utiliza-se a lei da
residência, tal qual consta do DlPr brasileiro. Crítica: essa corrente também é incompleta, pois nada obsta que
não haja prova também do direito estrangeiro indicado pela regra de conexão subsidiária.
Problemas na aplicação do direito estrangeiro:
1) questão prévia/preliminar/incidente: quando em uma mesma situação com elemento de
estraneidade há uma questão prejudicial e uma questão principal, havendo dúvida sobre quais regras de
conexão usar para indicar o direito aplicável a cada uma dessas questões, há 2 posições: corrente da conexão
subordinada (impõe à questão prévia a mesma regra de conflito que foi utilizada para determinar o direito
material da questão principal) e corrente do desmembramento ou dépeçage (utilização de uma regra de
conexão específica para cada categoria jurídica envolvida na situação transnacional, sendo, assim, corrente da
conexão autônoma). A LINDB foi omissa, o que aponta para o uso da corrente da conexão autônoma, uma vez
que nada autoriza o desprezo da regra de conexão específica da questão prévia em favor do consequente uso
da regra de conexão da questão principal.
2) adaptação/aproximação: ajuste pelo julgador das normas estrangeiras (matéria ou regras de
conflito) com os institutos da lei do foro a fim de evitar resultados injustos. A adaptação pode ocorrer, p.ex.,
quando se está diante de instituto desconhecido no foro.
3) conflito móvel: é a modificação das situações fáticas que incidem sobre os elementos de conexão
(ex. mudança fática do lugar do domicílio, do lugar de origem da nacionalidade, do lugar da residência habitual
ou da situação de um bem móvel), gerando, consequentemente, novo direito indicado. Retrata conflito de leis
no espaço (não no tempo), mobilidade da situação jurídica pelos diferentes Estados: A regra de conexão é a
mesma, mas, em virtude da alteração fática de componente do elemento de conexão, altera-se o direito
indicado para reger a situação transnacional, atraindo uma “conexão móvel” e havendo a competência
sucessiva de distintas leis materiais para reger o fato transnacional. A dúvida é saber, em todos os casos de
elemento de conexão, qual é o momento temporal que deve ser levado em consideração para a indicação final
do direito material de regência. A solução é verificar a existência de regras internacionais ou nacionais. Na

179
ausência, ACR aponta 2 correntes: (i) a corrente da regra intertemporal, para a qual cabe aplicar, ao conflito
móvel, o mesmo critério de solução dado à temática do direito intertemporal do Estado do foro. Ex. indivíduo
que já atingiu o limite etário para ser considerado capaz (por exemplo, 14 anos) e, com a alteração de domicílio
para o Brasil, perde tal capacidade por lhe faltar ainda alguns anos (novo limite sendo 18 anos). Não há direito
adquirido a um regime jurídico (capacidade plena) para os novos contratos que venha a celebrar.; (ii) corrente
da solução internacional, que defende a predominância de uma solução especificamente internacional,
adaptada às funções e objetivos da regra de DIPr analisada. Critica a corrente da regra intertemporal por querer
resolver o conflito de leis materiais no espaço usando regras de solução de conflitos no tempo. Ex: Tribunal
israelense que não declara nulo matrimônio celebrado no estrangeiro em desacordo com a lei do local da
celebração por entender que a mudança de domicílio para Israel conferiu eficácia a um casamento nulo na
origem, em uma validade retroativa. A preservação da validade do casamento impediu a aplicação da regra
intertemporal.
4) uso da lei mais favorável: (i) dispositivos nacionalistas (afastamento de determinado direito
material para favorecer o sujeito ou o interesse nacional. Ex. art. 5º, XXXI, CF: “a sucessão de bens de
estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros,
sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do "de cujus") e (ii) dispositivos de proteção de valores
(regras que permitem a escolha, pelo intérprete, do direito material que melhor protege determinado interesse
mencionado na regra de conexão. Relaciona-se com o método indireto flexível, regras de conexão alternativas.
Ex. lei mais favorável à validade do matrimônio e do testamento à indenização da vítima do dano).
Reenvio/retorno/devolução: estudo das regras de Dipr do ordenamento estrangeiro a partir de
regras de conflito do foro, para que seja (i) confirmada a indicação original, aplicando-se então o direito material
estrangeiro ou (ii) seja recusada a indicação, sendo apontado outro ordenamento para reger o fato
transnacional. A origem do instituto está nas diferentes escolhas dos Estados no que diz respeito às regras de
conexão, tanto objeto de conexão (categorias jurídicas nas quais a situação transnacional é inserida) quanto no
elemento de conexão (os vínculos a um determinado ordenamento). No reenvio a divergência encontra-se entre
os elementos de conexão. Há um conflito negativo de sistemas, pois o DIPr do Estado do foro indica um
determinado ordenamento estrangeiro, mas este ordenamento estrangeiro (por meio do seu próprio DIPr) não
quer regular o fato transnacional, devolvendo a temática ao Estado do foro ou reenviando ao ordenamento de
um Estado terceiro''.
Tipos de reenvio: a) reenvio de primeiro grau/indireto/retorno de competência: caso clássico de
reenvio é o da divergência entre a lei da nacionalidade e da lei do domicílio para reger a capacidade jurídica de
determinada pessoa. Determinado Estado X, adotante da lei do domicílio, analisa a capacidade de seu nacional
domiciliado no Estado Y, que adota a lei da nacionalidade. Pelo instituto do reenvio, o Estado X deve consultar,
primeiro, o Direito Internacional Privado de Y, que, por adotar a lei da nacionalidade, ordenaria que fosse
aplicado o direito material de X(lei da nacionalidade, pois o indivíduo é apenas domiciliado em Y, tendo a
nacionalidade de X); b) reenvio de segundo grau/transmissão de competência: quando há uma segunda
remissão, ou seja, se o DIpr de X remeter ao Dipr de Y e esse indicar o direito de um terceiro Estado W. Pode
haver reenvio de 3º, 4º graus, etc.
Com a aceitação do reenvio por diversos Estados, houve a adoção de variantes em vários países: a)
teoria da referência global ao direito estrangeiro (fortalece o reenvio ao sustentar que não há como separar a
aplicação do direito estrangeiro em (i) normas materiais e (ii) normas de conflito, devendo aquele ser aplicado
como um todo); b) duplo reenvio (atividade de replicar no Estado do foro a solução que seria dada pelos
tribunais do país cujo direito a lex fori indicou ser aplicável à relação); c) reenvio de primeiro grau simples (caso
seja feita referência à lei de outro país e suas normas de conflito remeterem de volta à lei do foro, esta última
será aplicada); d) reenvio oculto (surgiu a partir da inexistência, em alguns países, de regras próprias de conflito
de leis. É a simulação do reenvio, caso não haja regra de DlPr no Estado estrangeiro); e) reenvio de ordem
pública (aceitação do reenvio desde que a lei material ao final indicada não viole a ordem pública do Estado
estrangeiro cuja lei material, sem o reenvio, regularia hipoteticamente a situação)
A defesa do reenvio e variações do seu uso: o fundamento do reenvio aponta que não se deve
utilizar o direito material de um Estado que não o aplicaria, caso o mesmo fato transnacional hipoteticamente
tivesse que ser lá julgado. Com o reenvio, o juiz do foro age na escolha da lei como se juiz estrangeiro fosse,
aplicando, de início, o Direito Internacional Privado estrangeiro e, depois, o direito material indicado. P/ quem
defende o reenvio, há o argumento de respeito à soberania do Estado estrangeiro e aos direitos adquiridos;
harmonia nas decisões sobre o mesmo fato transnacional; forma de coordenação entre os sistemas que evita

180
insegurança e ofensa à igualdade. OBS: No plano convencional, os tratados de DPr em geral não aceitam o
reenvio, fazendo menção somente à lei material para regular os fatos transnacionais, uma vez que, por
definição na redação dos tratados, entende-se que aquela regra de conexão é a mais apropriada para todos os
Estados contratantes e deve ser uniformemente utilizada, concretizando o universalismo do DIPr.
O reenvio não é admitido no Brasil: a introdução ao CC/1916 era omissa (Beviláquia e Valladão
admitiam o reenvio implícito na época, e a jurisprudência também). A LICC (atual LINDB) proibiu o reenvio no
art. 16.

5C. Estatuto pessoal no Direito Internacional Privado e sua evolução no Brasil. Pessoa Jurídica no Direito
Internacional Privado. Bens no Direito Internacional Privado.

José Moreira Falcão Neto. 04/09/2018

Estatuto pessoal no Direito Internacional Privado


Engloba a regulamentação sobre estado da pessoa, capacidade, filiação, nome, pátrio poder, temas de
direito de família, entre outros. Entre as relações de direito de família incluem-se as regras sobre casamento,
regime de bens, paternidade e filiação, maternidade de substituição, guarda e adoção, alimentos e devolução de
menores retirados ilicitamente de um Estado para outro.
Destaca-se uma das maiores controvérsias do DIPr da época. Um chamado “cisma” entre defensores da
lei da nacionalidade ou da lei do domicílio como elemento de conexão para indicação do direito aplicável.
Evolução no Brasil: lei da nacionalidade no BR imperial; lei da nacionalidade mantida na República, no Código
Civil de 1916; adoção da lei do domicílio no Estado novo getulista, com a LICC de 1942, fortemente influenciado
pelos grandes movimentos migratórios na época da 2ª GM.
Novas dimensões do DIPr do século XXI buscam superar o antigo cisma entre a "lei da nacionalidade" e a
"lei do domicílio" (disputa clássica) com alternativas no possível uso do critério de conexão da residência
habitual ou ainda do princípio da proximidade (critérios mais flexíveis de invocação da lei estrangeira). Para
Valladão, necessário optar por um princípio solucionador do conflito justo e equitativo a cada relação jurídica.
Encaixo aqui rápida menção a projetos pós 1942 para alterar o estatuto pessoal, mas não aprovados (Ex: opção
pelo better law approach em relação ao melhor interesse da criança/adolescente).

Estado pessoal no ordenamento vigente (LINDB 1942 e demais normas)


Convenção Interamericana sobre Domicílio das Pessoas Físicas DIPr (Montevidéu, 1979 - ainda não
ratificada pelo Brasil) atualizou a discussão sobre a noção de domicílio. art. 2: o conteúdo da definição de
"domicílio" será determinado pelas seguintes circunstâncias alternativas: 1) lugar da residência habitual; 2) lugar
do centro principal dos seus negócios; 3) na ausência dessas circunstâncias, o lugar da simples residência; 4) em
sua falta, o lugar onde se encontrar. Nota-se a vontade de se eliminar as dúvidas sobre a conceituação de
"domicílio". A regra de conexão principal considera domicílio o "lugar da residência habitual", evitando a
indagação quanto ao ânimo definitivo do agente, constante da definição brasileira (art. 70 do CC)
No entanto, no Brasil, a definição do que vem a ser domicílio é feita pela lex fori (portanto, v. detalhes
domicílio no ponto 15.a Civil), na ausência de convenção específica sobre o tema, uma vez que tal definição
recai na esfera da qualificação, e o art. 7 da LINDB não faz a remissão à lex causae, como há nos arts. 8 e 9°.
A Convenção de Montevidéu, de 1979, age como espelho de princípios gerais do DIPr, suprindo as
lacunas da LINDE quanto a três casos especiais: 1) Incapazes. O domicílio das pessoas incapazes será o dos seus
representantes legais, salvo no caso de abandono pelos referidos representantes, situação em que continuará
vigendo o domicílio anterior; 2) Pessoas casadas. O domicílio dos cônjuges será aquele em que vivam de comum
acordo, sem prejuízo do direito de cada cônjuge de fixar seu domicílio de acordo com a regra de conexão
sucessiva; 3) Diplomatas e Cônsules. O domicílio dos agentes diplomáticos e consulares será o último que
tiverem tido no território do Estado acreditante.
Para fins cio DIPr, há apenas um domicílio, o que gera o problema da determinação do domicílio em
duas situações; (i) ausência de domicílio e (ii) existência demais de um domicílio
Quanto à ausência de domicílio, o § 8- do art. 7° da LINDB prevê explicitamente a solução pelo uso de
regra de conexão sucessiva: em primeiro lugar, usa-se a lei da residência habitual (ausência do elemento
subjetivo de ânimo definitivo). Caso ela não seja identificada, aplica-se a lei do lugar onde a pessoa se encontre
(crítica: esta pode ocasionar manipulação da lei aplicável pelo indivíduo).

181
No que tange à pluralidade de domicílios (aceita no Brasil, como visto), a solução implícita que se extrai
da LINDB é o uso da lei de cada domicílio para os atos e relações jurídicas lá realizadas (locus regit actum) Caso
as relações transnacionais tenham ocorrido fora dos Estados onde o indivíduo possui seus domicílios, deve-se
utilizar, analogicamente, a regra de conexão sucessiva estabelecida na LINDB para o caso de ausência de
domicílio: escolhe-se, entre dois domicílios situados em países diferentes, o da residência habitual (nesse
sentido, a CPJI considera que o verdadeiro domicílio da pessoa é definido pelo lugar de sua residência).
Pessoa Jurídica(PJ) no DIPr: Conceito de PJ (Civil 12.a); mencionar caso barcelona traction (qd vínculo de
nacionalidade foi aferido por analogia com a da pessoa física): local de constituição da sede → objetivo de
atestar vínculo genuíno com Estado patrial de modo a evitar abuso do uso de proteção diplomática
Uso da “lei da nacionalidade” como critério é criticado por ser inseguro, porque existem diversas formas
de identificação de “nacionalidade” de uma PJ (exs além do local da constituição: local da administração; local
da sede social; autonomia da vontade; critérios mistos)
Para a LINDB, a lei brasileira é aplicada às PJs constituídas de acordo com a lei brasileira. Lei não fez
referência a PJ, porque Comissão do PL sustentou que o pilar das sociedades é o “bem social”, que serve para a
consecução da finalidade social após sua constituição. Sob tal influência, optou-se pelo local da constituição da
PJ.
Reforçando a opção da LINDB, a Convenção Interamericana sobre Personalidade e Capacidade de
Pessoas Jurídicas no Direito Internacional Privado, de 1984,
tratado específico (lex specialis) define PJ como toda entidade que tenha existência e responsabilidade próprias
e que seja qualificada como PJ segundo a lei do lugar de sua
constituição. entende por "lei do lugar de sua constituição" a do Estado em que forem cumpridos os requisitos
de forma e fundo necessários à criação das PJs.
Bens no Direito Internacional Privado.
IMPORTÂNCIA DO ESTUDO: regime jurídico dos bens trata de questões indispensáveis à vida cotidiana.
O segundo fator de estudo é a necessidade de diferenciação do regime jurídico dos bens de outros regramentos
(ex: contratos ou testamentos que podem conter disposições
sobre posse ou propriedade de bens).
A regra geral: a lei do local da localização dos bens e o regime unitarista
Na fase iniciadora do DIPr, deu-se importância ao local em que situada a coisa para os bens imóveis,
com base na importância da terra e nas lições do Direito Romano. No DIPr clássico (fase da estabilização
conflitual), ampliou-se a regra geral pela lei territorial, suprimindo diferenças entre imóveis e móveis (LICC
1916). LINDB mantém essa teoria unitarista.
A LICC/42 (hoje LINDB) inovou ao mencionar que a qualificação deve ser feita pela lei do lugar da
situação da coisa (qualificação pela lei estrangeira, assim como acontece nas obrigações). reproduziu o disposto
no Código Bustamante, que, em seu art. 112, optou pelo uso da lei territorial para classificar e qualificar os bens,
bem como distinguir os bens imóveis dos móveis.
Essa distinção é importante, pois a lei do local da situação da coisa (lex rei sitaé), prevista no caput do
art. 8, aplica-se somente aos bens imóveis e móveis de localização permanente, uma vez que os de uso pessoal
do viajante e os em trânsito são tratados no art. 8, § 1, e têm regra especial (lei do domicílio do proprietário).
Esse tratamento único a bens imóveis e móveis (de localização permanente) confirma a adoção da teoria
unitarista
No caso dos bens imóveis e móveis de localização permanente, a lei do local da situação da coisa regula,
especialmente: (i) a propriedade e posse; (ii) a criação, modificação e extinção de direitos(d.) reais sobre as
coisas; (iii) os modos e prazos de aquisição de d. reais, inclusive por usucapião, invenção, especificação etc.; (iv)
a proteção dos d. reais, bem como distinção dos d. pessoais; (v) servidões prediais; (vi) usufruto, uso e
habitação; e (vii) d. reais de garantia
Os bens móveis do viajante e os bens in transitu: lei do domicílio do possuidor
Lembrar-se que a qualificação como bem móvel segue a regra geral do caput do art. 8: lei do local da
situação da coisa. Contudo, a lei que regulará o bem é a lei do domicílio do proprietário. Não confundir com
coisas móveis destinadas a permanecer em um local, cuja eventual modificação é acidental ou episódica.
Os casos especiais: navios e aeronaves. usa-se a lei do local de abandeiramento ou matrícula.
Convenção da ONU sobre o Direito do Mar (DIP 17.b) prevê que o navio deve realizar o registro em
Estado com o qual tiver vínculo substancial (genuine link) (art. 91), proibindo as chamadas bandeiras de
conveniência. Com isso, para a Convenção, o Estado deve estabelecer os requisitos necessários para a

182
atribuição da sua nacionalidade a navios, para o registro de navios no seu território e para o direito de arvorar a
sua bandeira.
A Lei n. 9.432/97 estabelece uma série de critérios para a atribuição da nacionalidade brasileira a
embarcações, exigindo, em especial, que seja de propriedade de pessoa física residente e domiciliada no País ou
de empresa brasileira, bem como que sejam brasileiros o comandante, o chefe de máquinas e dois terços da
tripulação.
há seção específica no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA, Lei n. 7.565/86) sobre direito
internacional privado, que atua como lei especial em relação à LINDB (a ser utilizada como norma geral p/
interpretação e integração). Estabelece que é da nacionalidade do Estado em que matriculada. Compete à ANAC
administrar registros de matrícula
Aplicação da lei do domicílio do possuidor direto da coisa empenhada (LINDB, seguindo Código
Bustamante). Obs: Qualificação segue a regra (lei da situação da coisa).
É uma exceção ao modelo unitário territorial de bens. Valladão achou exceção um absurdo: paixão pela
lei domiciliar, em detrimento do vínculo entre o penhor e país.
A posse da coisa dependerá da espécie de penhor: ao credor (pignoratício) ou ao devedor (ex: penhor
rural, agrícola, pecuário).
Ponto importante para o regime jurídico do penhor é a proibição ao credor de se apropriar da coisa
empenhada (cc 1428 - considerado por Tenório de qualidade de ordem pública, o que impediria a aplicação da
lei estrangeira que possibilitasse tal apropriação).
As diferenciações
a capacidade ou legitimação de adquirir ou alienar é regida pelo estado pessoal, pq são facetas da
capacidade geral.
obrigações cujo conteúdo pode gerar o dever de transmissão de imóvel, mas que são
regidas pela lei do local de constituição da obrigação. Há também disposições de última vontade com o mesmo
teor (determinação de transmissão de propriedade de bem imóvel), que serão regidas pela lei do domicílio do
de cujus. são distintos das condições de constituição do direito real, que segue lei do local da situação da coisa.
Contrato pode se referir a direito das coisas, mas tópicos do direito contratual serão analisados de
acordo com a lei do local da celebração. Já o conteúdo, referente aos bens, de acordo com a lei do local de
situação da coisa (se imóvel/móvel de localização permanente)

7B. Organizações e órgãos internacionais dedicados ao Direito Internacional Privado. Convenções sociais de
Direito Internacional Privado.

Leonardo Gomes Lins Pastl

Os primeiros tratados de Direito Internacional Privado, como o Tratado de Lima de 1978 e os


Tratados de Montevideo de 1889, passaram a ser elaborados com o fim de reagir à fragmentação nacionalista
do Direito Internacional ocorrida na fase clássica.

1. Conferência da Haia de Direito Internacional Privado


Em 1873 foi criado o Instituto de Direito Internacional (Institut de Droit International),
organização não governamental de cunho científico e acadêmico voltada ao Direito Internacional, em todos os
seus aspectos. O Instituto logo adotou uma moção pela qual reconheceu a necessidade da adoção de tratados
por parte dos “Estados civilizados”, contendo regulamentações obrigatórias e uniformes de DIPriv, notadamente
sobre questões relacionadas às pessoas, sucessões, bens, atos, procedimentos e execução de julgamentos
estrangeiros. Assim, teve início a primeira fase da Conferência da Haia (1893 a 1951), “fase precursora”,
marcada por seis reuniões de natureza diplomática, de resultado foi precário: somente cinco convenções foram
adotadas, todas substituídas a partir de 1951, quando teve início a fase institucional da Conferência da Haia. Os
delegados da primeira fase se opuseram à codificação geral do DIPriv, optando pela negociação de convenções
separadamente, por temas. A opção foi pragmática, pois possibilita a obtenção de resultados mais rápidos, com
a escolha de temas nos quais não há polêmica insuperável.

A fase institucional teve início com a adoção de um estatuto, que entrou em vigor em 1955,
pelo qual a Conferência da Haia ganhou o formato de uma organização internacional, com um corpo

183
administrativo próprio que conferisse perenidade e continuasse os esforços de codificação sem interrupções. O
art. 1º do estatuto da Conferência indica que seu objetivo é trabalhar para a unificação progressiva das regras
de DIPriv. São caracterísiticas da fase institucional: continuidade da opção pela “codificação por temas”;
composição heterogênea das delegações, com a presença de diplomatas, professores e práticos do Direito;
tendência de foco em aspectos processuais do DIPriv (cooperação jurídica internacional).

O Brasil foi membro de 1971 a 1977, quando se retirou no período da ditadura militar, época
de forte protecionismo econômico; retornou em 2001, tendo ratificado as seguintes convenções: 1) Convenção
da Haia Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (1993), referida
no art. 51 do ECA; 2) Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (1980); 3)
Convenção sobre o Acesso Internacional à Justiça (1980); 4) Convenção da Haia sobre a Obtenção de Provas no
Estrangeiro em matéria Civil ou Comercial (1972); 5) Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização
de Documentos Públicos Estrangeiros (1961), conhecida como “Convenção da Apostila”; 6) Convenção da Haia
sobre Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família (2007), internalizada
pelo Brasil em 2017, e que passa a substituir, para os Estados convenentes, a Convenção de Nova York sobre a
Prestação de Alimentos no Estrangeiro (1956) - ver tópico 18.a.

2. A Codificação Pan-Americana e a Conferência Interamericana de Direito Internacional


Privado
A influência dos internacionalistas do Instituto de Direito Internacional repercutiu na América
do Sul, com a realização da Conferência de Juristas sul-americanos (1877) e do Congresso de Direito
Internacional Privado de Montevideo (1888). Os capítulos seguintes aconteceram nas Conferências Pan-
Americanas, que eram reuniões periódicas sob o patrocínio dos Estados Unidos, tendo originado a União Pan-
Americana (1910), com secretariado em Washington, e que deu suporte às reuniões periódicas, até que fosse
sucedida pela OEA, em 1948.

Em 1928 foi aprovado na VI Conferência Pan-Americana de Havana um projeto de


codificação, tendo sido editada a Convenção Pan-Americana de Direito Internacional Privado (também
chamada “Código de Bustamante”, sobrenome do autor do projeto). Buscou-se, para reger a capacidade e a
personalidade, uma fórmula de conciliação entre a lei da nacionalidade e a lei do domicílio, o que viabilizou a
ratificação pelo Brasil, que defendia isoladamente o uso da lei da nacionalidade. Para o Estado brasileiro, o
princípio da nacionalidade seria um atrativo ao estrangeiro para aceitar a imigração à América do Sul. Assim, o
projeto autorizava que cada país pudesse usar o seu próprio critério, ambiguidade que vai de encontro à própria
essência do esforço de codificação internacional, que é a obtenção de uma solução uniforme para os conflitos
de lei. O Código ampliou o objeto do DIPriv para além dos fatos transnacionais de direito privado, pois há
menção aos fatos transfronteiriços penais e à cooperação jurídica internacional em matéria penal . Na década de
1930, o esforço de codificação parcial de determinados temas do DIPriv continuou no seio das Conferência Pan-
Americanas, o que mostrou a insatisfação de alguns estados com o Código de Bustamante. Além disso, o “cisma
sul-americano” entre a lei da nacionalidade e a lei do domicílio foi superado, com a adoção da lei do domicílio
pelo Brasil, instituída na LICC em 1942 (atual LINDB).

A discussão do DIPriv nas Américas ganhou novo espaço institucional com a criação da
Organização dos Estados Americanos em 1948. Nas décadas de 1950/60, o foro dos debates era o Conselho
Interamericano de Juristas (atual Comissão Jurídica Interamericana, órgão da OEA, com sede no Rio de Janeiro).
A partir de 1970, iniciou-se uma segunda fase na produção de normais internacionais de DIPriv nas Américas,
por meio da realização das Conferências Especializadas Interamericanas sobre Direito Internacional Privado
(CIDIPs), também no âmbito da OEA. De 1975 até o presente, foram realizadas seis conferências, que
resultaram na adoção de 22 tratados setoriais, abrangendo normas gerais de concurso de leis, regras de
jurisdição e cooperação jurídicas internacional. Também houve a adoção de normas diretas, de que é exemplo a
Convenção sobre Contratos de Transporte Internacional Rodoviário (CIDIP-IV). A opção de produzir tratados
segmentados é mantida até hoje, em contraposição aos trabalhos anteriores da União Pan-Americana. Essa
abordagem pragmática e gradual decorre não só de inspiração nos trabalhos da Conferência da Haia, mas
também do fracasso do Código de Bustamante, até hoje com baixo número de ratificações.

184
3. Comissão das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (CNUDC) ou United
Nations Comission on International Trade Law (UNCITRAL)
O abismo entre os Estados desenvolvidos, detentores de alto conhecimento técnico, e os
Estados subdesenvolvidos (muitos deles ex-colônias), exportadores de matéria-prima de baixo valor agregado,
levou à busca de uma nova ordem econômica mundial, baseada na obtenção de um sistema de comércio
internacional favorável aos países menos desenvolvidos.
Essa orientação também atingiu a codificação do DIPriv, com foco no comércio internacional.
Em 1966, a Assembleia-Geral (AG) da ONU criou a Comissão das Nações Unidas sobre o Direito do Comércio
Internacional (CNUDCI ou UNCITRAL), cujo objetivo básico é a harmonização progressiva e unificação do Direito
do Comércio Internacional, a partir da premissa de que a regência dessa temática, por leis locais, ameaça o seu
desenvolvimento. A UNCITRAL é composta de 60 membros, eleitos pela AG, representando diversas regiões do
globo, tendo sede em Viena. Os grupos de trabalho possuem foco em: 1) regras sobre micro, pequenas e médias
empresas; 2) arbitragem internacional e conciliação; 3) comércio eletrônico; 4) direito falimentar; e 5) questões
securitárias.

Instrumentos para a harmonização das regras do comércio internacional consistem


especialmente na 1) adoção de tratados e de 2) leis-modelo. Tratados adotados pela ONU sob o estímulo da
UNCITRAL: Convenção da ONU sobre Contratos Internacionais de Compra e Venda de Mercadorias (Viena,
1980); Convenção da ONU sobre Garantias Independentes e Cartas de Crédito Stand-By (Nova York, 1995); e a
Convenção da ONU sobre Comunicações Eletrônicas no Comércio Internacional (Nova York, 2005). A UNCITRAL
ainda estimula o uso da Convenção da ONU sobre Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais
Estrangeiras (Nova York, 1958). A Convenção da ONU sobre Contratos Internacionais de Compra e Venda de
Mercadorias reconhece a importância da interpretação internacionalista ao prever que os Estados, ao
interpretarem seus dispositivos, devem levar em consideração o seu caráter internacional e a necessidade de
promover a uniformidade. A UNCITRAL disponibiliza a CLOUT (Case Law on UNCITRAL Texts), que consiste numa
coletânea de decisões nacionais e de arbitragem internacional sobre os textos produzidos sob o seu patrocínio.
Já as leis-modelo buscam ofertar aos Estados o conteúdo de futuros diplomas normativos para inspirar
legislador local, sem o custo do convencimento do Estado em aprovar e depois ratificar um tratado. Exemplos:
Lei-Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional (1985), Lei-Modelo sobre Contratação Pública (2011) e a
Lei-Modelo sobre Comércio Eletrônico (1996).

4. Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT)


A UNIDROIT é uma organização internacional, de natureza intergovernamental, criada a
partir de proposta italiana, em 1926, para ser um órgão auxiliar da então existente Sociedade das Nações
(antecessora da ONU), visando à unificação do direito privado dos Estados envolvidos.

Criada em 1928, com sede em Roma, inicialmente não vingou em virtude da instabilidade
política na Europa: houve apenas dois projetos de lei uniforme e a Itália se retirou em 1937. Em 1940 foi
adotado novo acordo internacional, denominado Estatuto da UNIDROIT. O Brasil aderiu no mesmo ano e se
desligou em 1969, voltando somente em 1993, após a redemocratização e abertura da economia. Tem estrutura
enxuta, formada por três órgãos: Assembleia Geral, com função deliberativa máxima; Conselho de Direção,
presidido pelo representante da Itália, que tem por fim o cumprimento das diretrizes da AG; e Secretariado,
órgão executivo. Atualmente tem 63 membros, majoritariamente Estados europeus.

A UNIDROIT objetiva precipuamente a edição de regras jurídicas uniformes de direito


privado substantivo (e eventualmente do DIPriv, especialmente em seus aspectos processuais), não se
restringindo a um campo (como a UNCITRAL e o comércio internacional) ou às regras de Direito Internacional
Privado (como a Conferência da Haia). Exemplo de tratado celebrado sob os auspícios da organização:
Convenção UNIDROIT sobre Bens Culturais Furtados ou Ilicitamente Exportados (1995). Quanto aos princípios
gerais, destacam-se os Princípios relativos aos Contratos de Comércio Internacional (atualmente na versão
2010).

5. MERCOSUL e o Direito Internacional Privado

185
Criado pelo Tratado de Assunção em 1991, por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o
MERCOSUL é visto pela doutrina como um marco no lento processo de integração entre as economias do Cone
Sul americano ao estabelecer, como objetivo final, a constituição de um mercado comum entre os quatro
fundadores e, a partir de 2013, a Venezuela. Almeja-se a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capital (as
chamadas “quatro liberdades”), bem como a adoção de uma política comercial em face de terceiros Estados. Em
virtude desse objetivo de criação de mercado comum, o Mercosul se preocupou em harmonizar as legislações
por meio da edição de Tratados sobre DIPriv, no que imita os passos da integração regional europeia.
Principais tratados: Protocolo de Cooperação Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial,
Trabalhista e Administrativa de 1991 (Protocolo de Las Leñas); Protocolo sobre Jurisdição Internacional em
Matéria Contratual de 1994 (Protocolo de Buenos Aires); Protocolo de Medidas Cautelares de 1994 (Protocolo
de Ouro Preto); Protocolo de São Luiz sobre Matéria de Responsabilidade Civil Emergente de Acidentes de
Trânsito entre os Estados-Parte do Mercosul de 1996; Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos
Penais de 1996; Protocolo de Santa Maria sobre Jurisdição Internacional em Matéria de Relações de Consumo
de 1996; Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul de 1998; Acordo de Extradição entre os
Estados-parte do Mercosul de 1998; Acordo sobre o Benefício da Justiça Gratuita e Assistência Jurídica Gratuita
entre os Estados-Partes do Mercosul de 2000 (Acordo de Florianópolis); Acordo sobre Transferência de Pessoas
Condenadas entre os Estados-partes do Mercosul de 2004; Acordo sobre Facilitação de Atividades Empresariais
no Mercosul de 2004.

6. Convenções Sociais de Direito Internacional Privado


Os tratados de DIPriv podem ser classificados em três categorias: 1) convenções sociais
sobre proteção de direitos; 2) convenções de procedimento; e 3) convenções sobre lei aplicável. As convenções
sociais consistem em convenções que possuem, além do objetivo de regular um dos segmentos do objeto da
disciplina (concurso de normas; jurisdição internacional e cooperação jurídica internacional), o objetivo de
proteger os direitos humanos dos envolvidos. Têm plena consonância, portanto, com o DIPriv contemporâneo,
que busca evitar situações de intolerância e xenofobia, concretizando, no plano da gestão dos fatos
plurilocalizados, o ideal de uma sociedade inclusiva, pautada pela defesa dos direitos humanos.

Convenções sociais da Conferência da Haia ratificados pelo Brasil: Convenção sobre os


Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (1980); Convenção sobre Cooperação Internacional e
Proteção de Crianças e Adolescentes em Matéria de Adoção Internacional (1993); Convenção sobre a Cobrança
Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família (2007), esta última internalizada em
2017. Convenções sociais celebrados sob os auspícios da OEA e ratificados pelo Brasil: Convenção
Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matérias de Adoção de Menores de 1984; Convenção Interamericana
sobre Restituição Internacional de Menores de 1989; Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar de
1989; Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores de 1994. Ademais, cumpre reiterar
que na fase anterior à OEA, quando então existente a União Pan-Americana, o Brasil celebrou o Código de
Bustamante, que por se tratar de tratado global e não setorial, enquadra-se nas três categoriais de tratados de
DIPriv. Convenções sociais celebradas no âmbito da ONU e da UNIDROIT, ratificadas pelo Brasil: Convenção da
ONU sobre Prestação de Alimentos no Exterior de 1956 e Convenção UNIDROIT sobre bens culturais furtados ou
ilicitamente exportados (1995). No âmbito do MERCOSUL, o Brasil não celebrou convenções sociais, somente de
procedimento e sobre lei aplicável.

3. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL


3.1 Cooperação Jurídica internacional. Evolução e fundamentos. Via diplomática. Via da autoridade central. Via
do contato direto entre autoridades. Cooperação Policial. A Constituição e os tratados celebrados pelo Brasil
sobre cooperação jurídica internacional. (17.c)
3.2 Assistência Jurídica internacional. Auxílio Direto. Requisitos, trâmite e características. Tratados
internacionais celebrados pelo Brasil sobre o auxílio direto cível e criminal. Incidência dos direitos fundamentais
no auxílio direto.
(14.b)
3.3 Assistência Jurídica Internacional. Carta Rogatória. Requisitos, trâmite e características. O exequatur.
Tratados internacionais celebrados pelo Brasil sobre carta rogatória. Incidência de direitos fundamentais na
carta rogatória.

186
(16.b)
3.4 Reconhecimento e execução de sentença estrangeira. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a
homologação de sentença estrangeira. Requisitos, trâmite e características da homologação de sentença
estrangeira. Incidência de direitos fundamentais na homologação de sentença estrangeira. (13.c)

17C. Cooperação jurídica internacional. Evolução e fundamentos. Via diplomática. Via da autoridade central.
Via do contato direto entre autoridades. Cooperação policial. A Constituição e os tratados celebrados pelo Brasil
sobre cooperação jurídica internacional.

Daniel Medeiros Santos.


Em conjunto 17C 14B 16B.

14B. Assistência jurídica internacional. Auxílio direto. Requisitos, trâmite e características. Tratados
internacionais celebrados pelo Brasil sobre o auxílio direto cível e criminal. Incidência dos direitos fundamentais
no auxílio direto.

Daniel Medeiros Santos.


Em conjunto 17C 14B 16B.

16B. Assistência jurídica internacional. Carta rogatória. Requisitos, trâmite e características. O exequatur.
Tratados internacionais celebrados pelo Brasil sobre carta rogatória. Incidência dos direitos fundamentais na
carta rogatória.

Daniel Medeiros Santos.


Em conjunto 17C 14B 16B.

I) Cooperação jurídica internacional. Evolução e fundamentos

Para ACR, a cooperação jurídica internacional (CJI) consiste no “conjunto de regras internacionais e
nacionais que rege atos de colaboração entre Estados, ou mesmo entre Estados e ORGs, com o objetivo de
facilitar e concretizar o acesso à justiça”.
Trata-se de conceito que abarca as multifacetadas formas de CJI, como, e.g., a extradição, a carta
rogatória, a transferência de pessoas condenadas, a transferência de processos, o auxílio direto, a homologação
de sentença estrangeira etc. Vale ressaltar que a extradição, sob acepção ampla, pode ser considerada a espécie
cooperacional mais antiga, com antecedentes remotos na Antiguidade Oriental (hititas e o Antigo Egito). A
extradição com a roupagem que hoje conhecemos, todavia, somente veio a surgir no séc. XVIII, na Europa, com
a celebração de tratado entre França e Espanha.

A evolução da CJI num mundo repleto de soberanias estatais mostra que, de início, sua realização era
fundada na cortesia entre Estados, não sendo uma obrigação internacional. Essa fase preservava fortemente a
soberania estatal, prevalecendo a normatividade interna da cooperação (modelo soberanista).
Posteriormente, a CJI passa a contar com modelo intergovernamental oriundo de convenções
internacionais celebradas pelos Estados, os quais uniformizam o tratamento dado aos pedidos de colaboração.
Este é um modelo típico de Direito Internacional, no qual a reciprocidade e a necessidade de cooperação
amenizam a desconfiança em relação às diferenças entre os sistemas internos de direito material.
Na segunda metade do séc. XX, surge o modelo da integração, supranacional, no qual as regras do bloco
integracionista eliminam também barreiras à circulação dos pedidos cooperacionais, com base no princípio do
reconhecimento mútuo.
→ O Brasil se encontra inserida no segundo modelo, já tendo celebrado diversos tratados
cooperacionais, além da possibilidade de celebração de CJI mesmo sem tratado, caso haja promessa de
reciprocidade (art. 26, §1º, do CPC). A inserção do Brasil no terceiro modelo é ainda incipiente, embora o país
faça parte do Mercosul, uma vez que os tratados nele celebrados pouco diferem dos demais. Isso porque (i) não
aprofundam a confiança e (ii) não consagram o reconhecimento mútuo, como ocorre, i.e., na União Europeia.

187
Para Kai Ambos, não há nenhuma norma internacional geral que obrigue os Estados a cooperar – a
cooperação, assim, dependeria da decisão soberana de cada Estado. É uma perspectiva voluntarista, pela qual o
fundamento da CJI seria a vontade soberana.
Há uma segunda corrente representada por aqueles que reconhecem um dever de cooperar (este seria
o fundamento, portanto) pautado pela existência de princípios gerais de Direito Internacional, ou de um
costume internacional espelhado em Resolução da AG da ONU e ainda pelo respeito às regras genéricas de CJI
da Carta da ONU. Para aqueles que assim entendem, entre os princípios gerais que regem a ONU está o
princípio de estímulo à cooperação internacional para resolver os multifacetados problemas hodiernos, nos
quais se inclui a CJI.
O Brasil adota a corrente voluntarista, uma vez que os tribunais superiores brasileiros não aceitam a
realização da cooperação que não esteja amparada em acordo prévio ou ainda em promessa de reciprocidade.
Sob essa ideia, o mencionado dever genérico de cooperação não é suficiente.
De toda maneira, Carvalho Ramos aponta que o CRFB/88 adota um modelo de Estado Constitucional
Cooperativo, o que é realçado por normas genéricas (art. 4º, IX; art. 4º, pu; e art. 1º, III) e específicas (art. 105, I,
i; art 5º LI e LII, e art. 102, I, g; e art. 109, III). Isso reforça a ideia de que a CRFB/88 valorizou a CJI. Restaria ao
legislador a elaboração de uma Lei Geral de Cooperação Jurídica Internacional para orientar o aplicador (na
ausência de tratados) ou o negociador dos futuros tratados de CJI.

II.1) Classificação da CJI:

- Pela matéria. Podem ser cíveis, criminais ou mistas.

- Pela posição do Brasil na relação cooperacional. Podem ser cooperações ativas (Brasil requer) ou passivas
(Brasil é o requerido). Nos casos de CJI passiva, a competência será federal e a atribuição será do MPF (art. 109,
II, III e X, da CRFB/88), com exceção da extradição, que é de competência do STF. No caso da entrega/surrender
(TPI), o STF já entendeu ser de sua competência (Caso Bashir); ACR discorda, entendendo ser a competência da
Justiça Federal de 1º grau, por se tratar de CJI vertical, ontologicamente diversa da extradição.

- Pelo conteúdo. CJI de informação, que contempla atos relativos à informação do Direito; CJI de natureza
pessoal, que abarca pleitos que incidem sobre pessoas (desde a extradição até medidas probatórias); e CJI de
natureza real, que engloba os pedidos que incidem sobre bens (i.e., busca e apreensão, confisco etc.).

- Pelos entes envolvidos (Estados e ORGs). CJI horizontal, que é a realizada entre Estados; e CJI vertical, que é a
realizada entre Estados e ORGs (i.e., o pedido de entrega de um acusado localizado em determinado Estado ao
TPI para persecução e julgamento.

- Pelo grau de interferência da medida solicitada nos direitos dos sujeitos da cooperação. Cooperação jurídica
básica (ou de primeiro grau), composta de medidas de assistência simples (mero trâmite e medidas
instrutórias); cooperação jurídica intermediária (ou de segundo grau), composta de medidas de assistência
suscetíveis de causar gravame aos bens de pessoas (registros, embargos, sequestros); e cooperação jurídica
avançada (ou de terceiro grau), que abarca as medidas extremas, suscetíveis de causar gravame irreparável aos
direitos e liberdades, como o processo de extradição.

II) Via diplomática. Via da autoridade central. Via do contato direto entre autoridades

A CJI exige vias de comunicação entre os Estados Requerente e Requerido. Essa via utilizada (meios de
comunicação) não se confunde com os veículos que lá trafegam (espécies cooperacionais) e com os passageiros
(conteúdo, tipo de colaboração prestada) que são transportados.

- Via diplomática e os canais consulares. A via diplomática consiste no uso dos canais diplomáticos e consulares
preexistentes para também realizar o trâmite dos pleitos cooperacionais. Não há especialização: são usados os
mesmos canais de comunicação de todos os temas entre os Estados envolvidos. Tem como desvantagem a
lentidão, pelo longo trâmite burocrático, e, como vantagem, a sua economicidade, não exigindo novos
investimentos, por já estar disponível.

188
- Via da autoridade central. Neste caso, temos um órgão de comunicação estatal previsto em tratados
internacionais, possuindo três funções básicas: (i) gerenciar e agilizar pleitos cooperacionais, sem a necessidade
da via diplomática; (ii) zelar pela adequação das solicitações e (iii) capacitar as autoridades envolvidas, de modo
a aperfeiçoar os pedidos emitidos. Excepcionalmente, a depender do tratado, pode exercer (iv) funções de
execução dos deveres impostos ao Estado-parte. A lógica, aqui, é a busca da especialização e agilidade.

Cada Estado é livre para designar o órgão que entende adequado para servir como autoridade central,
podendo já estar designado no próprio tratado ou ainda ser indicado posteriormente. No Brasil, esta função é
exercida na maior parte dos pleitos pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Departamento
de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). No caso das Convenções da Haia sobre
Sequestro Internacional de Crianças e sobre Adoção Internacional, esta função é exercida pela Autoridade
Administrativa Federal (ACAF), vinculada à Secretaria Especial de Direitos Humanos. A outra autoridade
central é a Procuradoria-Geral da República, que atua como autoridade central criminal (i) nas relações do
Brasil com Canadá e Portugal, (ii) nas relações subjacentes à CJI penal na Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, para pedidos ativos oriundos do MPU e dos MP dos Estados e para recebimento dos pedidos
oriundos de autoridades congêneres estrangeiras (CJI passiva) e (iii) nas relações oriundas da Convenção de NY
sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro.

Quanto aos limites da função da autoridade central, ACR entende que o papel da autoridade central
não pode ser restrito a servir de via de comunicação sem crivo. Deve sugerir correções e modificações dos
pleitos cooperacionais, desde que de modo dialógico e com respeito às decisões das autoridades. Nessa
abertura dialética, caso haja insistência das autoridades, o autor diz que a autoridade central deve encaminhar o
pleito cooperacional, sob pena de transformar-se em juiz da forma de produção dos atos de CJI.
Quanto à localização da autoridade central, ACR diz que o costume de fixá-la no Poder Executivo traz a
desvantagem decorrente da ausência de independência funcional de seus membros, o que pode ser crítico em
casos sensíveis de CJI. A alternativa seria a fixação da autoridade central em órgão dotado de autonomia
financeira e independência funcional. No Brasil, esse papel é exercido pela PGR em alguns tratados.

- Via do contato direto. Consiste na comunicação direta entre os próprios órgãos da atividade-fim que
necessitam de auxílio, sem intermediários (diplomatas ou da autoridade central). Traz a vantagem de
incremento da celeridade e de aproximação entre autoridades que possuem os mesmos objetivos. Tem como
pressuposto um ambiente de confiança entre os Estados, mimetizando a prática judicial interna de um Estado,
pela qual as autoridades judiciárias trocam demandas entre si, sem qualquer intermediação. Ex: art. 53 da
Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.

Situação que muitas vezes ocorre em cidades fronteiriças é a chamada “extradição por empurrão” ou
“extradição de fato”, uma forma ilegal de transposição de um sujeito. Ocorre quando o procurado é posto na
linha de fronteira e empurrado para o outro lado, onde policiais nacionais estariam à sua espera. É uma forma
simplificada e ilegal de extradição (Aras).
A hipótese de autoridade brasileira adentrar no território estrangeiro (chamada de persecución em
caliente no direito espanhol) somente será permitida se houver autorização por meio de tratado ou autorização
específica (como no art. 41 do Convênio de Schengen, na Europa). Do contrário, a autoridade não terá
atribuição para praticar a prisão em flagrante no estrangeiro.

III) Cooperação policial. A Constituição e os tratados celebrados pelo Brasil sobre cooperação jurídica
internacional

A Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) foi criada em 1932. Com a globalização do
crime e a fácil movimentação das pessoas, não há como um país combater de forma eficiente a delinquência
internacional sem possuir uma ferramenta mundial de intercâmbio de informação policial – eis a importância da
Interpol.
Um dos instrumentos utilizados pela Interpol é a difusão vermelha: trata-se de registro utilizado para
divulgar, entre os Estados-membros da ORG, a existência de mandados de prisão em aberto, expedidos pelas

189
autoridades nacionais ou por tribunais penais internacionais, no curso de procedimentos criminais. Há várias
espécies de difusão, para fins específicos, como, i.e., a busca de pessoas desaparecidas (difusão amarela),
localização de bens culturais (difusão branca) e a identificação de ativos oriundos de atividades ilícitas (boletim
FOPAC). Quando a difusão vermelha (red notice) é expedida, as organizações policiais podem dar execução
imediata aos mandados de captura internacional.
Em alguns países, a difusão vermelha viabiliza a execução imediata da prisão. Em outros, como o Brasil,
as red notices não são consideradas suficientes para a prisão de um foragido internacional, por suposta ofensa
ao art. 5º, LXI, da CRFB/88 e à competência do STF sobre extradição. De toda sorte, a difusão vermelha não
basta em si mesma. Assim que um foragido é capturado em outro país, deve se iniciar o procedimento de
extradição.

- Cooperação policial transfronteiriça. Não há no Brasil normas internas que permitam expressamente a
cooperação policial nas fronteiras, que se consuma mediante ações bilaterais ou regionais de inteligência,
perseguição (hot pursuit) e vigilância transfronteiriças. Mas alguns acordos bilaterais ou regionais de
cooperação policial preveem algumas medidas. É o caso do Acordo de Bogotá, entre Brasil e Colômbia, que
permite ações coordenadas contra organizações criminosas que pratiquem alguns crimes. Outro desses arranjos
é o que há entre Brasil e França, com vistas à criação de um Centro de Cooperação Policial na fronteira entre o
Amapá e a Guiana Francesa. No âmbito do Mercosul, vale mencionar o Acordo Quadro sobre Cooperação em
Matéria de Segurança Regional, que permite o intercâmbio de dados de inteligência e a realização de operações
para manutenção da ordem e investigações criminais.

IV) Incidência dos direitos fundamentais nos pleitos cooperacionais

Com as diferenças entre os ordenamentos dos Estados em cooperação, surge a discussão sobre
violações de direitos fundamentais (DF) nos pleitos cooperacionais. As respostas possíveis são três: (i) negar
simplesmente que os DF possam ter algum papel na CJI; (ii) negar a possibilidade de o Estado requerido avaliar o
pleito fora das regras dos tratados ou das leis internas (ou seja, só há incidência de DF na forma e intensidade
previstas em tratados ou leis internas); e (iii) aplicar a concepção interna de DF aos pleitos cooperacionais no
todo ou em parte, exigindo-se que o Estado requerente se adapte sob pena de indeferimento do pleito.

IV.1) Incidência indireta ou mediata dos direitos fundamentais

- Teoria do non-inquiry integral. Desenvolvida nos EUA no início do séc. XX, nega a incidência dos DF na CJI. O
Estado requerido deve se abster de aferir a proteção dos DF na CJI, bastando que sejam cumpridas as normas
previstas nos tratados ou a promessa de reciprocidade. Se lastreia em dois fundamentos: a separação das
funções e o respeito ao princípio democrático.

- Teoria do non-inquiry mitigada. Desde a segunda metade do séc. XX, a doutrina do non-inquiry integral vem
sendo questionada em sua própria origem (EUA). No leading case “Gallina v. Fraser”, a Suprema Corte dos EUA
decidiu que a extradição poderia ser negada caso a conduta do Estado requerente fosse contrária ao “senso de
decência” do Judiciário americano. Formou-se a “excludente Gallina” (“Gallina exception”) à doutrina do non-
inquiry. O fundamento dessa variante é a Constituição dos EUA, que serviria de óbice às violações de DF. Outra
flexibilização da doutrina do non-inquiry integral realizada pelos EUA ocorre na ratificação de tratados que
contemplam alguma regra de proteção dos DF.

- Ordem pública e sua aplicação na CJI. Permite que o Estado justifique a denegação do pleito por este ofender
a sua ordem pública (conceito jurídico indeterminado). Basicamente, corresponde ao “conjunto normas que
expressam os valores fundantes do ordenamento do ponto de vista social, econômico, moral e que, por isso, não
podem ser violadas no pedido de CJI” (Abade). Os DF impregnam também o conceito de ordem pública.

IV.2) Incidência imediata ou direta dos direitos fundamentais

Consiste no reconhecimento de que os DF vinculam todos os atos do Estado em seu território, inclusive
aqueles que são realizados a pedido de outro Estado. Dispensa, assim, a mediação concretizadora de tratados ou

190
leis internas. É fruto do reconhecimento da chamada “lesão indireta de direitos fundamentais”, que ocorre
quando os poderes nacionais reconhecem validade a uma conduta de autoridade estrangeira lesiva a DF – caso
assim se proceda, os órgãos internos tornam-se também coautores dessa violação.
Ponto central da teoria da lesão indireta – que faz nascer a eficácia imediata dos DF na CJI – consiste na
escolha do parâmetro pelo qual se aferirá a citada lesão. São 02 as correntes: a) aplicação imediata de matriz
constitucional (também chamada de garantia do conteúdo absoluto de matriz constitucional); e b) aplicação
imediata de matriz internacional (também chamada de garantia de conteúdo mínimo de matriz internacional).
Para os defensores da aplicação imediata à luz da garantia do conteúdo absoluto de matriz
constitucional, o parâmetro deve ser o núcleo essencial dos DF protegidos pela Constituição do Estado
requerido. Essa aferição do núcleo essencial é feita pelas conhecidas teorias absolutas e relativa, a depender da
concepção adotada.
Para os defensores da aplicação imediata à luz da garantia do conteúdo mínimo de matriz
internacional, direitos previstos em tratados internacionais de direitos humanos (TIDH) devem ser respeitados
pelos Estados em cooperação. Dessa forma, pode se exigir que o Estado requerente respeite determinados
direitos previstos em TIDH ao receber pessoas que estavam sob a jurisdição de algum Estado contratante
daquele tratado. É o que se convencionou chamar de teoria da proteção indireta ou por ricochete dos direitos
humanos. O leading case dessa teoria foi o caso Söering v. Reino Unido (CorteEDH), em que se obstaculizou a
extradição do Sr. Söering para os EUA (que não é parte da Convenção Europeia de Direitos Humanos) por existir
fundado receio de que pudesse ser submetido à pena de morte e, consequentemente, ao corredor da morte. No
caso Wong Ho Wing, a CorteIDH exigiu que os Estados americanos não cooperassem caso o extraditando
pudesse ser submetido a qualquer tratamento desumano ou degradante, pena de morte, tortura ou risco aos
DH previstos na CADH, desde que a alegação não fosse genérica. Vale ressaltar que o ex-fugitivo e condenado na
AP 470, Henrique Pizzolato, sustentou na CorteEDH a teoria da proteção por ricochete dos DH, sob o argumento
de que a precariedade dos presídios brasileiros atentaria contra os seus direitos. A CorteEDH não acatou a tese.

IV.3) Modelo de aplicação imediata articulada dos direitos fundamentais

Abade aponta que há insuficiências nos dois modelos (de incidência mediata e imediata). O modelo de
aplicação mediata esvazia o conceito de DF. Ademais, a aplicação mediata pela cláusula da ordem pública gera
insegurança e baixa controlabilidade. Por sua vez, a aplicação imediata dos DF de matriz constitucional tem
dificuldade de definir o que é efetivamente conteúdo absoluto; já a aplicação imediata de direitos de matriz
internacional não satisfaz, em virtude da efetividade claudicante dos sistemas internacionais no que tange ao
acesso do indivíduo e aplicabilidade de suas decisões internamente.
Propõe, então, uma alternativa: a aplicação imediata articulada dos direitos fundamentais à CJI . Para
tanto, é necessário que essa aplicação seja realizada de maneira articulada e dialética entre os tribunais, quer
sejam nacionais ou internacionais, havendo uso recíproco de argumentos e fundamentações. Deve haver uma
verdadeira fertilização cruzada constitucional, caso em que os DF têm aplicação imediata, mas de forma
marcada pela pluralidade de fontes normativas e de órgãos de tomada de decisão. É possível que haja decisões
conflitantes, mas elas não devem necessariamente ser vistas como algo ruim, pois podem gerar, em um
segundo momento, o salto para uma nova interpretação.

V) Assistência jurídica internacional

A análise estruturalista da CJI permite que cada instituto seja estudado de acordo com o seu papel e
função, além de oferecer ao estudioso uma sistematização e uma teoria geral da cooperação. Nessa linha, a
assistência jurídica internacional (AJI) consiste em pleitos de colaboração para realização de atos pré-
processuais e processuais, sendo, assim, a espécie cooperacional mais ampla, abarcando os atos-meio e os atos-
informação.
Chama-se ato-meio aquele cujo cumprimento não acarreta o fim da prestação judicial, podendo ser
ordinatórios (citação, i.e.) e instrutórios (coleta de provas, i.e.). Ato-informação é aquele que visa a informação
oficial de direito estrangeiro, relevante para o caso de aplicação da lei estrangeira pelo juiz nacional. Abrange
também atos de certificação, como o reconhecimento de validade de documentos oficiais estrangeiros, como se
fossem expedidos por autoridades nacionais.

191
Para Abade, o conceito de assistência jurídica internacional em matéria penal se faz por exclusão:
compreende os instrumentos que devem se valer os Estados, em suas relações, na persecução de uma infração
penal, não abrangendo a extradição, nem execução de sentença penal estrangeira, nem transferência de presos
ou de processos.
No Brasil, há dois instrumentos básicos que veiculam a assistência jurídica internacional: carta rogatória
e o recente auxílio direto. A primeira consiste em instrumento de assistência jurídica pelo qual se solicita a
atuação de outra jurisdição para dar, em geral, cumprimento a ato referente ao bom desenvolvimento de um
processo cível ou criminal, através do necessário exequatur. No auxílio direto, o pedido é recebido pela
autoridade central e, após, encaminhado ao órgão incumbido, internamente, dos poderes para a realização da
diligência. Caso haja, de acordo com o ordenamento brasileiro, a necessidade de autorização judicial para o
cumprimento da diligência (i.e., quebra de sigilo bancário), a autoridade central encaminhará o pleito ao MPF,
que proporá uma ação judicial solicitando o atendimento do pedido.

VI Carta rogatória. Requisitos, trâmite e características. O exequatur

Consiste em veículo que transporta pedidos de AJI de um Estado a outro, dando cumprimento a ato
vinculado à instauração e desenvolvimento de processo cível ou penal (ACR). No Brasil, as cartas rogatórias
ativas são emitidas pelos juízos, mas há países que aceitam que outras autoridades (i.e., MP) as emitam.

O exequatur, que, grosso modo, consiste em um juízo de admissibilidade do pedido estrangeiro, em sua
gênese era fundado na cortesia internacional ínsita à CJI daquele período (não havia, portanto, maiores
parâmetros ou condições) e exercido pelo Executivo. Com relação às cartas rogatórias ativas, não havia a
necessidade de exequatur, sendo encaminhadas diretamente pelo Judiciário por meio da via diplomática.
Os regramentos da época ainda sedimentaram outra característica do instrumento: veicular tão
somente pedidos de AJI de cunho não executório, com fundamento no repúdio, por parte da soberania
brasileira, a executar deliberações estrangeiras que envolvessem gravame final a bens e pessoas. A alternativa
proposta – decisão estrangeira transitada em julgado e homologação da mesma no Brasil, para veicular tais atos
executórios –, de acordo com Abade, era insuficiente, uma vez que há pedidos rogatórios em investigações ou
mesmo de cunho cautelar, com contraditório diferido. Exigir sentença estrangeira, com citação do interessado,
significaria possibilitar, em geral, a adoção por parte do investigado de uma série de medidas para tornar inócuo
o provimento judicial (por exemplo, esvaziar suas contas correntes no Brasil).
Em 1934, na edição da nova Constituição, a competência para o exequatur foi transferida para o
Judiciário, e assim é mantida até os dias de hoje. A restrição à carta rogatória passiva executória, contudo foi
mantida por décadas, como se o exequatur ainda fosse da alçada do Executivo. Após isso, a única alteração
significativa foi a transferência da competência para a apreciação do exequatur do STF para o STJ. Quanto às
cartas rogatórias passivas executórias, o cenário começou a mudar através de gradativa evolução normativa e
jurisprudencial. Marco dessa evolução foi o Protocolo de Las Leñas, que trata de CJI não penal no Mercosul, e
possibilita aos países componentes a homologação e execução de sentenças proferidas pelos órgãos judiciários
do bloco.
A origem do exequatur está no desejo de centralizar o cumprimento de solicitações de Estados
estrangeiros na cúpula dos Poderes em um Estado continental como o brasileiro. Mesmo com a crescente
informatização e com a necessidade de dar celeridade aos ritos processuais, não há expectativa alguma de
alteração desse modelo centralizado. Não foi surpresa que esse tratamento formal da carta rogatória estimulou
o crescimento de outro veículo apto a transportar o pedido de AJI: o auxílio direto.

O trâmite das rogatórias ativas e passivas difere. A CR ativa deve ser encaminhada pelo juiz brasileiro à
autoridade central para posterior envio ao Estado requerido estrangeiro. O pedido oriundo de autoridade
brasileira e os documentos que o instruem serão encaminhados à autoridade central, acompanhados de
tradução para a língua oficial do Estado requerido. Já a CR passiva deve ser encaminhada, pelo Estado
estrangeiro, pela via da autoridade central ou pela via diplomática ao STJ, para que este dê ou não o exequatur.
O regimento interno do STJ detalha o processamento das cartas rogatórias passivas, cuja concessão de
exequatur cabe inicialmente ao Presidente da Corte. De suas decisões, em geral, cabe agravo. Após o
encaminhamento por via diplomática ou pela autoridade central, a parte requerida será intimada para, em 15
dias, impugnar o pedido de concessão de exequatur. Essa defesa deve se limitar aos requisitos para que o

192
pronunciamento estrangeiro produza efeitos no Brasil – trata-se de um “juízo de delibação”, sendo proibida a
análise do acerto ou desacerto do pronunciamento estrangeiro. Caso não seja localizado, cabe a nomeação da
DPU como curadora especial. De toda maneira, é possível que haja o contraditório postergado, no caso de a sua
intimação prévia gerar risco de ineficácia da medida. O MPF terá vista dos autos.
Se houver impugnação da concessão de exequatur pelo MPF ou pelo interessado, caberá à Corte
Especial o julgamento. Após a concessão do exequatur, a rogatória será remetida ao juízo federal do local da
realização da diligência para cumprimento. As decisões proferidas pelo juiz federal competente neste caso
podem ser objeto de embargos (só podem versar sobre ato referente ao cumprimento da rogatória), opostos
pelo interessado ou pelo MPF no prazo de 10 dias, julgados pelo Presidente do STJ. Cumprida a rogatória, o
juízo federal a devolverá ao Presidente do STJ, para remessa pela via da autoridade central ou diplomática.
Em que pese o juízo de delibação inerente às cartas rogatórias, o seu mérito será confrontado com a
ordem pública (ACR). Neste sentido, o art. 216-P do RISTJ.

Há diversos tratados sobre rogatórias, que devem prevalecer, em face do princípio da especialidade (art.
25 do CPC), restando o uso das fontes internas somente para o caso de inexistência de tratados ou para o
preenchimento de lacunas (ACR).
Há uma divisão de atuação entre as legislações dos Estados: a legislação do Estado rogante será usada
quanto ao objeto (matéria) de fundo das diligências solicitadas; a legislação do Estado rogado será usada quanto
ao processo e suas formalidades (lex loci regit actum).

VII) Tratados internacionais celebrados pelo Brasil sobre carta rogatória. Incidência dos direitos fundamentais
na carta rogatória

No geral, as normas referentes às rogatórias nos tratados não diferem em muito daquelas encontradas
no Direito brasileiro. Inicialmente, há a Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias, de 1975, e seu
Protocolo Adicional, de 1979. Referem-se a CJI através de rogatórias em matéria civil e comercial. A autoridade
central brasileira é o DRCI do Ministério da Justiça. No caso de rogatórias entre os membros do Mercosul, aplica-
se o Protocolo de Las Leñas, de 1996. Visa a facilitar o trâmite de rogatórias em matéria civil, comercial,
trabalhista ou administrativa que tenham por objeto diligências de simples trâmite. Neste caso, permite-se a
homologação de sentença estrangeira por meio do veículo carta rogatória (Abade). A autoridade central nesse
caso também será o Ministério da Justiça.

No tocante à incidência dos direitos fundamentais na carta rogatória, Abade aponta que, em virtude do
já mencionado juízo de delibação, fica aberta a via de entrada da aplicação mediata dos direitos fundamentais
pela teoria da ordem pública. De toda sorte, Abade argumenta que deve se adotar tal teoria com parcimônia,
sob pena de verdadeira vulgarização do conceito de ordem pública, lhe retirando sua característica básica, que é
servir de proteção tão somente para os valores máximos do nosso ordenamento.
Oportuno analisar a observação de ACR. O autor aponta que uma consequência formal da exigência do
respeito à dignidade humana como requisito da concessão de exequatur (e da homologação de sentença
estrangeira) é a futura crise do tradicional juízo de delibação. Pela análise da dignidade humana, abre-se a
oportunidade para a análise densa do mérito da carta rogatória, contrariando a promessa de análise dos
requisitos meramente formais. Ocorreu verdadeiro adensamento da juridicidade na análise do mérito na
concessão de exequatur, pois agora exige-se do intérprete que use o robusto acervo de decisões sobre
dignidade humana e direitos humanos já existente. Tal análise pode ser feita: (i) pela lex fori (concepção do
tema do Estado do foro); (ii) pela lex causae (concepção do Estado do qual a rogatória emana); e (iii) pelo
modelo universalista (aferição de acordo com os parâmetros internacionais). O autor defende o último modelo.

VIII) Auxílio direto. Requisitos, trâmite e características

Consiste em veículo cooperacional que também transporta – tal qual a carta rogatória – pedidos de AJI.
No auxílio direto, o Estado requerente encaminha pedido de AJI em cumprimento de determinada obrigação
prevista em tratado – ou, na ausência de tratado, promete reciprocidade – para que o Estado requerido, com
liberdade, adote as medidas interna mais adequadas para fazer cumprir o pedido. Originou-se de tratados
celebrados para agilizar a CJI em face da explosão de fatos transnacionais após a 2ª Guerra Mundial.

193
Abade aponta cinco características básicas do auxílio direto que o tornam distinto da carta rogatória:
1) Trata-se de demanda de Estado, mesmo que, na origem, haja pedido de juízo estrangeiro, que fica na alçada
de cumprimento do Executivo. Na rogatória, há um pedido de juízo estrangeiro ou autoridade equivalente que é
encaminhado para juízo de delibação perante o STJ.
2) Como se trata de demanda internacional, o Brasil deve verificar quais as providências cabíveis e,
eventualmente, propor medidas judiciais internas. Já na rogatória, o STJ realiza o juízo de delibação, no qual são
analisados os requisitos formais (documentos que instruem a carta e inteligência do pedido) e,
excepcionalmente, o mérito da decisão a ser delibada em face da ordem pública.
3) O auxílio direto permite que o pleito do Estado estrangeiro seja verificado quanto ao mérito. Já na rogatória,
o juízo de delibação do STJ impede a revisão do mérito, salvo para verificar violação à ordem pública. A grande
diferença entre os dois veículos de AJI está no fato de a carta rogatória buscar dar eficácia a uma decisão
judicial estrangeira; no auxílio direto, é produzida uma decisão brasileira a partir de um processo nacional,
criado para cumprir uma demanda internacional.
4) No auxílio direto, cabe à autoridade central distribuir o pedido cooperacional para os órgãos internos com
atribuição para atender a demanda do Estado estrangeiro. Caso não seja necessária prestação jurisdicional, a
autoridade central adotará as providências para seu cumprimento – art 32 do CPC; caso seja necessária medida
judicial cível, dispõe o art. 33 do CPC que o pedido deve ser encaminhado à AGU, e, caso seja necessária medida
judicial criminal, o pedido deve ser encaminhado ao MPF.
5) O auxílio direto que seja tratado em tratado de AJI entre o Brasil e um Estado estrangeiro deve ser entendido
como lex specialis, devendo preponderar diante do veículo tradicional da carta rogatória.

Logo, o auxílio direto é um procedimento nacional, que é iniciado por solicitação de Estado estrangeiro
para que um juiz nacional conheça de seu pedido e seja iniciada uma demanda interna, pelo órgão competente.

IX) Tratados internacionais celebrados pelo Brasil sobre o auxílio direto cível e criminal. Incidência dos direitos
fundamentais no auxílio direto

A partir da já mencionada incidência dos DF na CJI, observa-se que, no auxílio direto, o Estado
estrangeiro submete o seu pedido ao Brasil, que, então, aplicará o seu modelo de direitos fundamentais, para
fazer cumprir esse pedido. Seria o caso de adoção do modelo de aplicação imediata dos direitos fundamentais
sem maiores questionamentos, pois o Estado requerente, por definição, dá liberdade ao Estado requerido, no
caso o Brasil, para escolher os modos de implementação do pleito cooperacional.
Porém, em que pese a agilidade e celeridade do auxílio direto, vários juízes federais acabaram
reenviando os pedidos ao STJ, alegando usurpação de competência originária daquele Tribunal, pois, de acordo
com esse entendimento, o auxílio direto é uma maneira inconstitucional de se evitar o exequatur que as cartas
rogatórias possuem. Após alguma oscilação jurisprudencial de nossos Tribunais Superiores, veio a se
consolidar o entendimento acerca da constitucionalidade do auxílio direto, o que, posteriormente, foi
corroborado pela inserção do instituto de forma expressa no CPC 2015.
Abade aponta que a ressurreição do auxílio direto – quando pensávamos que o instituto havia sido
extinto pelas cortes nacionais – fez renascer uma via pela qual os direitos fundamentais previstos no Brasil
incidirão diretamente ao pleito cooperacional, uma vez que o pedido estrangeiro é, neste caso, mero
fundamento de ações internas promovidas pelas autoridades brasileiras competentes, submetidas, é claro,
aos direitos fundamentais estatuídos na Constituição e tratados internacionais.

13C. Reconhecimento e execução de sentença estrangeira. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e a
homologação de sentença estrangeira. Requisitos, trâmite e características da homologação de sentença
estrangeira. Incidência de direitos fundamentais na homologação de sentença estrangeira.

Leonardo Gomes Lins Pastl


Fonte principal: RAMOS, André de Carvalho. Curso de direito internacional privado. São Paulo: Saraiva, 2018.

O reconhecimento da sentença estrangeira é a sua aceitação, sem execução, sendo típicos os


casos de uso de sentença estrangeira para finalidades declaratórias ou probatórias. Ex.: sentença estrangeira de

194
adoção utilizada para comprovação de filiação. Por outro lado, a execução consiste na possibilidade de
satisfação coativa da pretensão contida na sentença estrangeira. Por último, a homologação é um
procedimento específico para que determinada sentença estrangeira possa produzir efeitos em um Estado.

O reconhecimento e a execução de sentença estrangeira concretizam a aplicação indireta do


direito estrangeiro, fora dos limites da jurisdição de quem prolatou a decisão. Trata-se, pois, de uma
colaboração, verdadeiro término da prestação jurisdicional realizado por meio do processo de homologação. O
fundamento do reconhecimento da decisão estrangeira é o acesso à justiça, norma constante de diversos
tratados internacionais de direitos humanos, e que não se concretiza se determinado Estado recusar de modo
injustificado a aplicação da decisão estrangeira em seu território. O reconhecimento/execução das sentenças
estrangeiras pode seguir três modelos:

1) Modelo da recusa ou do exclusivismo: a decisão estrangeira serve apenas como matéria


fática; seu uso interno não é possível, já que a jurisdição doméstica é única e exclusiva. Cuida-se de modelo
incompatível com o acesso à justiça, e que tende a isolar o Estado que o adota, em virtude da falta de
reciprocidade.

2) Modelo da aplicabilidade direta ou automática: aplicação direta, como se decisão


nacional fosse, sem recusa ou necessidade de dotação de eficácia por ato nacional. Modelo que gera
automatismo e celeridade, mas pressupõe a existência de forte confiança e valores comuns entre Estados (a
União Europeia se encaminha para a adoção desse modelo, já o utilizando quanto a certas temáticas).

3) Modelo da autorização: a sentença estrangeira é um ato jurídico cuja eficácia está


subordinada a uma condição, que é a prolação posterior de ato nacional que lhe confere eficácia (sentença de
homologação, por exemplo). É o modelo adotado pela maioria dos Estados. Os modos de realização da
autorização podem ser classificados em: a) revisão absoluta de mérito, pelo qual se reexamina todo o mérito da
decisão estrangeira, substituindo-a pela decisão nacional; b) revisão relativa de mérito, pelo qual o Estado revê
o mérito, mas tão somente para admitir ou rejeitar a sentença estrangeira; c) controle limitado (ou juízo de
delibação), pelo qual são aferidos apenas certos aspectos da decisão estrangeira, excluindo, em geral, a análise
do mérito da decisão. Há autores que ainda acrescentam o modo da reciprocidade de fato (baseado na aferição,
caso a caso, da oferta de reciprocidade pelo outro Estado) e o modo da reciprocidade diplomática (fundada em
tratado). O modo de realização da autorização também pode ser classificado tendo por critério o órgão interno
responsável pela análise: administrativo ou judicial, sendo este dividido em controle judicial difuso e
concentrado.

O Brasil adotou o modelo de autorização por controle limitado, judicial e concentrado em


órgão de cúpula do Judiciário, sem exigência de reciprocidade, o que, em conjunto com a limitada jurisdicional
internacional absoluta, fez com que o Brasil de abrisse ao “mercado de produtos judiciais”. Em sentido
antagônico, porém, as demais espécies cooperacionais exigem reciprocidade.

A interpretação conjunta dos dispositivos do CPC/2015, da LINDB e do Regimento Interno do


STJ permite identificar que o juízo de delibação brasileiro possui cinco requisitos: 1) observância de
pressupostos formais, como autenticidade, legalização documental e tradução, caso necessário; 2) jurisdição
internacional do juízo estrangeiro e ausência de violação da jurisdição internacional absoluta do juízo
brasileiro; 3) citação válida, para que seja ofertada a oportunidade de defesa e contraditório, verificando se a
revelia foi corretamente aplicada; 4) executoriedade da decisão estrangeira no Estado prolator, bem como
ausência de coisa julgada de eventual sentença brasileira sobre o litígio no caso de jurisdição cível concorrente;
e 5) ausência de ofensa à ordem pública e proteção à dignidade da pessoa humana (esta introduzida pelo art.
261-P do RISTJ). Nos casos relativos a sentença estrangeira de execução fiscal, há um sexto requisito: a
reciprocidade, prevista em tratado ou em promessa ad hoc.

A ação de homologação, dirigida ao Presidente do STJ, deve ser instruída com cópia da
decisão estrangeira. Apresentada a contestação (que deve se limitar à alegações de ausência de alguns dos
requisitos acima elencados), haverá réplica e tréplica. O MPF terá vista dos autos pelo prazo de 10 dias,

195
podendo impugnar o pedido. O cumprimento de decisão estrangeira será feito perante o juízo federal
competente, a requerimento da parte, conforme as normas estabelecidas para o cumprimento de decisão
nacional. O pedido de execução deverá ser instruído com cópia autenticada da decisão homologatória do STJ.

Cumpre referir que a LINDB ainda exige o trânsito em julgado da sentença homologanda, o
que não deve ser visto como requisito absoluto, sob pena de inviabilizar-se a concessão de tutela de urgência no
âmbito homologatório. Nessa acepção, diversos tratados elencam como requisito somente a executoriedade da
decisão (ex.: Protocolo de Las Leñas e Convenção Interamericana sobre Obrigação Alimentar). Igualmente, o
CPC/2015 reclama apenas a eficácia da sentença estrangeira no Estado em que proferida. Quando dispensada a
homologação, a eficácia da decisão concessiva de medida de urgência dependerá do reconhecimento de sua
validade pelo juiz competente para dar-lhe cumprimento.

A ação de homologação de sentença estrangeira tem natureza constitutiva, com exame de


contenciosidade limitada. A exigência de homologação, porém, comporta exceções, como nas hipóteses de
disposição especial em contrário prevista em tratado. Nesse sentido, o Protocolo de Las Leñas prevê a
homologação da sentença oriunda dos países do MERCOSUL por meio de carta rogatória, sem a ação de
homologação. Também não é necessária a homologação de sentença internacional, cujo regime jurídico é
distinto e depende do próprio tratado instituidor do órgão julgador. Em geral, as sentenças internacionais têm
aplicabilidade imediata, devendo o Estado escolher os meios para a implementação de seus comandos.

O Brasil adotou o modelo do paralelismo ou equivalente hipotético, que considera passível


de homologação as decisões judiciais ou não judiciais estrangeiras que, pela lei brasileira, teriam natureza
jurisdicional, podendo existir a homologação parcial. Por outro lado, a decisão estrangeira que no Brasil não
requer provimento jurisdicional não necessita de homologação – nesse sentido, de forma coerente com o
tratamento nacional do divórcio consensual (que não mais exige decisão judicial), o CPC/2015 determinou que a
sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo
Superior Tribunal de Justiça.

Nesse ponto, impende sinalar a controvérsia existente quanto à necessidade de


homologação de sentença declaratória do estado das pessoas, em especial depois da revogação do art. 15, §
único, da LINDB ("Não dependem de homologação as sentenças meramente declaratórias do estado das
pessoas"). André de Carvalho Ramos (ACR) entende pela desnecessidade da homologação, com fundamento na
dignidade das pessoas, que devem ter os seus direitos da personalidade (nome, filiação, nacionalidade, etc.)
declarados por todos os Estados da comunidade internacional. A CADH, por exemplo, prevê o direito ao
reconhecimento da personalidade jurídica. Assim, somente precisariam do processo homologatório as
sentenças que tivessem por objetivo a produção de outros efeitos que não aqueles decorrentes da mera
declaração de estado (efeitos patrimoniais ou de registro, por exemplo). ACR também ressalta que a menção à
homologação de sentença estrangeira no rol de competências do STF deveria ser entendida somente como
norma de distribuição de competências, caso fosse necessária a homologação. Portanto, seria constitucional a
previsão em tratado da dispensa de homologação de sentenças, assegurando a circulação internacional das
decisões dos Estados convenentes.

Oportuno ressaltar a inexistência de um juízo de delibação puro, isto é, que não analise ao
menos uma parte do mérito da demanda. A justificativa reside no requisito de observância da “ordem pública”
e, mais recentemente, da dignidade da pessoa humana (introduzida em 2014 no RISTJ), cláusulas que viabilizam
a efetiva incidência dos direitos fundamentais no processo homologatório. A introdução formal da exigência
de respeito à dignidade da pessoa humana certamente gerará a crise do juízo de delibação, pois viabiliza uma
análise exauriente do mérito da carta rogatória ou da sentença estrangeira, contrariando a promessa de uma
análise formal dos requisitos. Evidentemente que o conceito de “ordem pública” já permitia essa análise;
contudo, a menção específica à “dignidade humana” gerou um adensamento de juridicidade na análise do
mérito, exigindo do intérprete que faça uso do amplo leque de decisões existentes sobre o tema, tanto na
esfera nacional como na internacional.

196
De acordo com a jurisprudência do STF, é possível identificar quatro usos da dignidade
humana, que podem servir de orientação para esse óbice à concessão do exequatur a carta rogatória ou da
homologação da sentença estrangeira: a) fundamentação da criação jurisprudencial; b) interpretação adequada
de um determinado direito; c) limitação da ação do Estado; d) fundamentar juízo de ponderação de direitos
fundamentais. A aferição da dignidade pode seguir três modelos:

1) Modelo da lex fori consiste em aferir a dignidade humana de acordo com a visão de
direitos humanos do Estado do foro. É o mais acessível ao intérprete e tem ainda a seu favor o uso tradicional
do conteúdo da cláusula de "ordem pública". Porém, traz o risco de xenofobia e chauvinismo jurídico,
ameaçando a tolerância e a diversidade que o DIPriv intenta alcançar.

2) Modelo da lex causae consiste na aceitação da formatação da dignidade humana e dos de


acordo com a concepção do Estado do qual a carta rogatória ou sentença estrangeira emanam. Há, de um lado,
grande confiança no ordenamento estrangeiro e, consequentemente, um incremento da cooperação jurídica
internacional. Essa "cegueira deliberada" do Estado do foro pode prejudicar, em um caso concreto, determinada
faceta da dignidade humana.

3) Modelo universalista ou modelo da interpretação internacionalista (preferido de ACR),


que busca aferir a dignidade humana de acordo com parâmetros internacionais, em especial das decisões de
órgãos internacionais de direitos humanos. Aproxima-se do ideal de tolerância e diversidade almejado pelo
DIPriv. Em 2010, o STF fez uso da interpretação internacionalista ao referir, em caso de homologação de
sentença estrangeira, que o provimento jurisdicional estrangeiro já havia sido considerado válido pela Corte
Europeia de Direitos Humanos (CEDH).

Por derradeiro, cumpre registrar as três teorias que, na lição de Denise N. Abade (Direitos
Fundamentais na Cooperação Jurídica Internacional. São Paulo: Saraiva, 2013), explicam a forma de incidência
dos direitos fundamentais nos pleitos cooperacionais:
1) Teoria do non-inquiry integral (ou não indagação integral): de origem norte-americana,
nega a incidência de direitos fundamentais nos temas cooperacionais; o pleito cooperacional fica restrito às
relações diplomáticas, não podendo o Judiciário imiscuir-se em conteúdo político.
2) Teoria do non-inquiry mitigado: flexibilização da teoria anterior, teve origem no Caso
Gallina vs. Fraser (1960), ocasião em que se consignou que um pedido de cooperação poderia ser negado se
gerasse um choque de consciência, violando direitos fundamentais constitucionalmente previstos (“excludente
Gallina”). A título de exemplo, a Convenção da ONU contra a Tortura reforçou a flexibilização da regra do  non-
inquiry ao prever a vedação de extradição para países em que o indivíduo possa vir a sofrer tortura. No mesmo
sentido, a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), no caso Söering v. Reino Unido (1989), decidiu que um
pedido de extradição formulado pelos EUA não deveria ser efetivado em virtude do risco de o extraditando ser
submetido a tratamento desumano e degradante por ser mantido em “corredor da morte” (“death row”).

3) Teoria da incidência direta e imediata: as normas de direitos fundamentais vinculam


todos os atos do Estado em seu território, inclusive aqueles que são realizados a pedido de outro Estado.
Existem duas correntes no que concerne aos parâmetros observados para a aplicação dos direitos
fundamentais: a) aplicação imediata de matriz constitucional (ou garantia do conteúdo absoluto de matriz
constitucional), equivalente ao “modelo da lex fori” na classificação anterior; e b) aplicação imediata de matriz
internacional (ou garantia de conteúdo mínimo de matriz internacional), equivalente ao “modelo universalista”
na classificação acima exposta.

4. DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES NO DIPR


4.1 Direito Internacional Privado das Famílias. Alimentos, Casamento e uniões civis no Direito Internacional
Privado. Direito Internacional Privado das Sucessões. (12.B)
4.2 Prestação de alimentos no exterior. Tratados internacionais sobre prestação de alimentos no exterior
celebrados pelo Brasil. Convenção de Nova York de 1956. Atribuições do Ministério Público Federal como
autoridade central na cooperação ativa e passiva. Competência da Justiça Federal. A ação de auxílio direto
proposta pelo Ministério Público Federal. (18.a)

197
4.3 A Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e seu regime jurídico.
Competência da Justiça Federal. Atribuições do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União.
Autoridade Administrativa Central. O trâmite administrativo e processual do pedido de devolução. (15.a)

12B. Direito Internacional Privado das Famílias. Alimentos, Casamento e uniões civis no Direito Internacional
Privado. Direito Internacional Privado das Sucessões.

Renan Lima

1. ALIMENTOS:
Os tratados internacionais relativos à alimentos têm por objetivo facilitar a cooperação jurídica entre os Estados
no tocante à cobrança de alimentos, garantindo a dignidade dos credores.
PORTELA observa que a matéria de Direito de Família se localiza no âmbito da competência interna dos estados,
e nesse sentido, a principal referência é o ordenamento interno. Assim, as Convenções internacionais possuem
caráter complementar e subsidiário. Com isso, o exame das questões envolvendo alimentos continua partindo
do direito interno.

CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE DE 1956: Tem por objetivo facilitar a obtenção de alimentos providos por
pessoa que resida em outro país, desde que partes do acordo. A Convenção é guiada pelos seguintes princípios:
i. Princípio da COMPLEMENTARIDADE: Os instrumentos jurídicos previstos apenas complementarão, sem
substituir, outros meios existentes no Direito Internacional ou no Direito interno;
ii. Princípio da RECIPROCIDADE: Um Estado só poderá invocar as disposições desse tratado contra outro na
medida em que este também seja parte na Convenção.

ATENÇÃO!
Entraram em vigor no último dia 19 de outubro de 2017 a CONVENÇÃO DA HAIA, de 23 de novembro de 2007
sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família, bem como o
Protocolo sobre a Lei Aplicável às Obrigações de Prestar Alimentos, promulgados pelo Decreto n.º 9.176/2017.
O Protocolo complementa a Convenção com regras internacionais uniformes para a determinação da lei
aplicável a pedidos de alimentos. A efetiva prestação internacional de alimentos é garantida pelo acordo por
meio de um sistema eficiente de cooperação entre os países e da possibilidade de envio de pedidos de obtenção
e modificação de decisões de alimentos, bem como do seu reconhecimento e execução, além de medidas de
acesso à justiça.
A Convenção da Haia sobre Alimentos substitui a Convenção de Nova York de 1956 (CNY) para os Estados
convenentes e traz mudanças importantes para o trâmite dos casos de cobrança internacional de alimentos no
Brasil.
A principal delas refere-se à Autoridade Central encarregada da tramitação dos pedidos. Diferentemente do que
ocorreu na Convenção de Nova York, o Brasil designou como Autoridade Central para a Convenção da Haia o
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI), parte da Secretaria Nacional de
Justiça do Ministério da Justiça.
Assim, os pedidos formalizados com base na nova Convenção deverão ser apresentados pela parte ou seu
representante diretamente ao DRCI, sem participação das unidades do MPF. Mas isso não significa que todos os
casos de cobrança internacional de alimentos passarão a seguir a nova Convenção.
Os pedidos que já tramitavam em 19 de outubro continuarão sob o regramento da Convenção de Nova York.
Além disso, nem todos os Estados signatários da CNY aderiram à Convenção da Haia. Desse modo, caso o pedido
refira-se a um Estado não signatário da Haia, deverá ser formalizado com base na CNY, com a PGR como
Autoridade Central.
Há também Estados que opuseram ressalvas à aplicação da Convenção da Haia para a cobrança de alimentos
entre ex-cônjuges. Os pedidos endereçados por ex-cônjuges a devedores residentes nesses países (Bósnia e
Herzegovina, Cazaquistão, Montenegro e Ucrânia) continuarão seguindo a CNY.
A Convenção da Haia de 2007 deverá ser aplicada aos casos formalizados a partir de 19 de outubro em que -
figure Estado signatário, observados os casos de pedidos entre ex-cônjuges. Os casos que já estavam tramitando
nessa data, ou que se refiram a países não signatários, permanecem regidos pela Convenção de Nova York.

198
Os pedidos regidos pela Convenção da Haia devem ser formalizados pela parte diretamente ao DRCI (autoridade
central).
A Convenção da Haia é aplicada: i) às obrigações de prestar alimentos derivadas de uma relação de filiação, em
favor de uma pessoa menor de 21 anos; b) a reconhecimento e execução ou a execução de decisão relativa a
obrigações de prestar alimentos decorrentes de relação conjugal; e c) às obrigações de prestar alimentos
decorrentes de relação conjugal
(INFORMATIVO Nº 1 – Secretaria de Cooperação Internacional do MPF).

Portela sustenta que cabe à JUSTIÇA FEDERAL da capital do Estado brasileiro em que RESIDIR O DEVEDOR o
exame dos pedidos de alimentos oriundos do exterior, exceto às relativas à homologação de sentenças
estrangeiras que vinculem pensão alimentícia, de competência do STJ (art.105, I, “i”, CF).
Além disso, aponta que não é necessário o contato via recursos diplomáticos, ou seja, as Autoridades e
Instituições poderão entrar em contato entre si. O pedido do alimentando (demandante) com a intenção de
obter alimentos de alimentante que se encontra no exterior (demandado) deverá ser dirigido à AUTORIDADE
REMETENTE do Estado onde o credor dos alimentos se encontra, que se encarregará de encaminhá-lo à
INSTITUIÇÃO INTERMEDIÁRIA do Estado onde o devedor da obrigação alimentar está.

Procedimento:
1- O pedido do alimentando (demandante) é dirigido à Autoridade Remetente do Estado onde o credor se
encontra, a qual se encarregará de encaminhá-lo obrigatoriamente à Instituição Intermediária do Estado do
devedor (demandado), salvo se formulado de má-fé (todos aqueles que recorram aos procedimentos da
Convenção ficam isentos de custos, inclusive os demandantes estrangeiros ou não residentes). Caso o Estado
onde se encontre o demandado não seja parte da Convenção, deverá ser proposta ação de alimentos perante a
Justiça Estadual, com o encaminhamento de carta rogatória citatória para o devedor no exterior, cujo pedido
será dirigido ao Ministério da Justiça, com vistas ao Ministério das Relações Exteriores, a fim de serem
remetidas, via diplomática, aos juízos rogados.
2- O pedido é analisado de acordo com a lei do Estado da Instituição Intermediária, exceto as questões formais
relacionadas ao pedido que devem observar a lei do Estado da Autoridade Remetente.
3- A Instituição Intermediária tomará, em nome do demandante, medidas para assegurar a prestação de
alimentos, podendo transigir, iniciar uma ação de alimentos e, inclusive, executá-la.
4- Poderá o Estado demandado obter provas por meio de cartas rogatórias, que deverão ser cumpridas no prazo
máximo de quatro meses após seu recebimento e executadas sem custas.
A Convenção prevê a possibilidade de execução provisória dos alimentos, ou seja, antes do trânsito em julgado,
e dispõe sobre a previsão da análise do binômio necessidade versus possibilidade na fixação dos alimentos.
Por fim, é imperioso destacar que qualquer divergência quanto à interpretação ou aplicação da Convenção
entre os Estados-partes, a solução da controvérsia será apreciada pela Corte Internacional de Justiça.
O pedido deverá conter qualificação das partes, exposição de motivos (devidamente comprovados) nos quais se
baseia o pleito, e quaisquer outros motivos relevantes. Poderá, ainda, incluir procuração do demandante que
autorize a Instituição Intermediária a agir em seu nome ou a designar pessoa habilitada.

IMPORTANTE: O pedido será avaliado à luz da lei do Estado da Instituição Intermediária, ressalvadas as normas
da Convenção, embora os documentos do pedido devam estar, quanto à forma, de acordo com a lei do Estado
da Autoridade Remetente
A AUTORIDADE REMETENTE é OBRIGADA a transmitir o pedido, a menos que não tenha sido formulado de boa-
fé. Poderá ainda manifestar sua opinião à Autoridade Intermediária sobre o mérito do pedido e recomendar que
seja prestada assistência judiciária gratuita.
A Instituição Intermediária, dentro dos limites concedidos pelo demandante, tomará, em nome deste, medidas
para assegurar a prestação de alimentos, podendo transigir, e se necessário, iniciar e prosseguir ação de
alimentos e fazer executar as sentenças e decisões judiciais. Além disso, a Instituição Intermediária manterá a
Autoridade Remetente informada a respeito de suas ações e, caso não possa atuar, a notificará dos motivos
para tal e devolverá a documentação.

199
A LEI QUE REGERÁ AS AÇÕES E QUALQUER QUESTÃO CONEXA É A DO ESTADO DO DEMANDADO, INCLUSIVE EM
QUESTÃO DE DIPRI. A LEI DO ESTADO DO DEMANDANTE SERVE PARA VERIFICAÇÃO DA FORMA DOS
DOCUMENTOS

OBSERVAÇÃO: Nos casos regidos pela Convenção de Nova York, isto é, casos antigos em andamento ou de
países não signatários da Convenção da Haia, a PGR funciona como autoridade central. A Procuradoria Geral da
República funciona como Autoridade Remetente quando encaminha documentos para cobrança de alimentos
no exterior e atua como Instituição Intermediária quando recebe os documentos do exterior para fazer a
cobrança no Brasil. O Regimento Interno do Ministério Público Federal – RIMPF, em seu art. 15, inciso I, prevê
que as atribuições referentes aos atos de cooperação internacional são de competência da ASCJI – Assessoria de
Cooperação Jurídica Internacional, órgão que compõe o Gabinete do Procurador-Geral da República (art. 3º,
inciso VI) e assessora o Procurador-Geral da República nos assuntos pertinentes à cooperação jurídica
internacional com autoridades estrangeiras e organismos internacionais, além de atuar no relacionamento com
os órgãos nacionais voltados às atividades próprias da cooperação internacional. O art. 1º, inciso VI, do referido
ato administrativo, define como atribuição da ASCJI atuar em apoio ao PGR, como autoridade central, para
envio e recebimento de pedidos que digam respeito à Convenção de Nova York. A competência interna para
julgamento das ações judiciais amparadas pela Convenção é da JUSTIÇA FEDERAL. Mas é importante salientar
que o credor pode ajuizar uma ação de alimentos diretamente no Brasil, hipótese em que a competência se
desloca para a Justiça Estadual. Segundo jurisprudência majoritária, a competência será da JUSTIÇA FEDERAL
apenas quando a Procuradoria Geral da República estiver atuando como Instituição Intermediária.
Os pedidos de cobrança de alimentos com fundamento na Convenção de Nova York oriundos do exterior são
encaminhados diretamente à PGR, através da Autoridade Remetente do país de origem da parte demandante,
ou via diplomática, através do Ministério das Relações Exteriores (MRE). A ASCJI analisará os documentos a fim
de certificar que estão na conformidade da Convenção, bem como adequados à legislação brasileira, após o que
serão remetidos à respectiva Procuradoria da República com atribuição para atuar no feito, observando-se o
local de domicílio do devedor. É importante salientar que tais pedidos possuem prioridade em seu
processamento, tendo em vista seu caráter alimentar. A PGR recomenda que, antes da propositura da ação, seja
realizada uma tentativa de acordo extrajudicial, como disposto no art. 585, inciso II, do Código de Processo Civil
e art. 57, parágrafo único, da Lei 9.099/95 (Juizados Especiais). O Procurador da República, como instituição
intermediária, representa o demandante na ação, tendo inclusive poderes para transigir, mas a Autoridade
Remetente deve ser sempre informada.
OBS: CASO O ESTADO DO DEVEDOR NÃO SEJA SIGNATÁRIO DA CONVENÇÃO DE NOVA YORK, O PEDIDO DEVERÁ
SER FEITO POR CARTA ROGATÓRIA.

CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR (CONVENÇÃO DE MONTEVIDEU):


Firmada em 1989, tem por objetivo determinar o direito aplicável à obrigação alimentar, bem como à
competência e cooperação jurídica quando credor e devedor tiverem domicilio em Estados diferentes. Aplica-se
às obrigações alimentares aos menores de 18 anos, ou que após essa idade continuem recebendo alimentos e
as derivadas de relações matrimoniais.
A obrigação alimentar e as qualidades de credor e devedor são reguladas pela ordem jurídica que for mais
favorável ao credor, de acordo com a autoridade jurídica competente e a fixação dos alimentos deverá
considerar o binômio possibilidade X necessidade.
Tem competência na esfera internacional para conhecer das reclamações de alimentos a critério do credor:
• O juiz ou autoridade administrativa do Estado ou de domicílio ou residência habitual do credor ou do
devedor
• O do Estado com o qual o devedor mantiver vínculos pessoais (posse de bens, renda, obtenção de
benefícios econômicos...)
• Ou de terceiros Estados desde que o demandado não tenha objetado a competência
• Serão consideradas igualmente competentes as autoridades judiciárias e administrativas de outros
Estados desde que o demandado tenha comparecido sem objetar a competência
OBS: Para conhecer da ação de cessação ou redução da pensão alimentícia são competentes apenas as
autoridades que tiverem conhecido de sua fixação
A Convenção cria algumas facilidades, tais como:
• Reconhecimento da gratuidade judiciaria;

200
• Não exigência de caução;
• Facilitação da transferência de fundos;
• Auxílio provisório a menores estrangeiros abandonados.
De acordo com a Convenção, são menores os indivíduos com MENOS DE 18 ANOS OU QUE, APÓS ESSA IDADE,
CONTINUEM RECEBENDO ALIMENTOS.

CUIDADO: As sentenças estrangeiras sobre obrigação alimentar terão eficácia extraterritorial nos Estados-
partes dentro dos requisitos dos artigos 11 e 12 da Convenção, que incluem:
• Competência internacional da autoridade judiciária;
• Tradução e legalização da decisão e dos documentos;
• Autenticidade;
• Citação das partes;
• Observância do devido processo legal.
OBS: A JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA NÃO DISPENSA A HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS RELATIVAS À
PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS

JULGADOS SOBRE O TEMA:


PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. ALIMENTOS. CONVENÇÃO DE
NOVA YORK E LEI DE ALIMENTOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INSTITUIÇÃO
INTERMEDIÁRIA. CURADOR ESPECIAL. ART. 9º§ 3º., DA RESOLUÇÃO STJ 9/2005. PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 5o. DA RESOLUÇÃO STJ 9/2005. SENTENÇA HOMOLOGADA PARCIALMENTE
PARA POSSIBILITAR A DISCUSSÃO SOBRE ALIMENTOS SOB A JURISDIÇÃO BRASILEIRA.
1. O art. 9º, § 3º, da Resolução STJ 9/2005 determina a nomeação de Curador Especial nas hipóteses de
revelia, não fazendo qualquer distinção acerca da disponibilidade do direito a ser tutelado. 2. Ainda que se
trate de uma sentença de regulação de responsabilidade parentais, o pleito tem por objeto a homologação
parcial, apenas do capítulo relativo às "prestações alimentares devidas ", nos termos do art. 4o., § 2o., da
Resolução STJ 9/05.
3. A pretensão foi articulada pela Procuradoria-Geral da República, na qualidade de Instituição Intermediária,
nos termos do art. 2o. da Convenção de Nova York Sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro promulgada
pelo Decreto 56.826/1965, bem como da Lei 5.478/1965, que dispõe sobre a ação de alimentos no Brasil. 4.
Constam dos autos os documentos necessários ao deferimento do pedido: (i) requerimento do representante
legal dos requerentes Sr. Carlos Tadeu da Silva Santamarinha, encaminhado pelo Ministério da Justiça de
Portugal para que a Procuradoria Geral da República do Brasil atue como interveniente (fls. 23-26); (ii)
autoridade competente; (iii) sentença estrangeira de Regulação do Exercício do Poder Parental a ela anexado,
sendo despiciendo estarem acompanhados
de tradução oficial, uma vez que o idioma oficial praticado é o português, consoante já decidido nos autos
da SEC. 5.590/PT, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Corte Especial, DJe 28.06.2011. Também é dispensada
chancela consular brasileira, uma vez que trata de situação jurídica aludida na Convenção para a Cobrança
de Alimentos no Estrangeiro concluída em Nova York, em 20 de junho de 1956". (iv) comprovação do trânsito
em julgado da decisão (fl. 30). 5. As questões relativas à prescrição da pretensão de cobrança dos alimentos ou
à revisão dos valores fixados desbordam do mero juízo de delibação, relacionando-se ao cumprimento da
sentença, não cabendo ao Superior Tribunal de Justiça o exame de matéria pertinente ao mérito, salvo
para, dentro de estreitos limites, verificar eventual ofensa à ordem pública e à soberania nacional, o que não é
o caso. 6. Sentença estrangeira parcialmente homologada.
(STJ. Corte Especial. SEC 11430 / EXSentença Estrangeira Contestada2014/0248705-0. Rel. Min. Napoleão Nunes
Maia Filho, julgado em 17/12/2014)

Ementa:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO REVISIONAL DE ALIMENTOS. ALIMENTANDO RESIDENTE NO
EXTERIOR. CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE. ATUAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA COMO
INSTITUIÇÃO INTERMEDIÁRIA. INOCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A tramitação do feito
perante a Justiça Federal somente se justifica nos casos em que, aplicado o mecanismo previsto na Convenção
de Nova Iorque, a Procuradoria-Geral da República atua como instituição intermediária. Precedentes. 2. No caso

201
dos autos, é o devedor de alimentos que promove ação em face do alimentando, buscando reduzir o valor da
pensão alimentícia, o que demonstra a não incidência da Convenção sobre a Prestação de
Alimentos no Estrangeiro. 3. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito
da Vara de Pilar do Sul - SP.
STJ. 2ª Seção. CC 103390 / SP - Conflito de Competência2009/0032608-2. Rel. Min. Fernando Gonçalves,
julgado em 23/09/2009.

CASAMENTO E UNIÕES CIVIS NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO: O casamento também é objeto de análise
do Direito Internacional Privado, uma vez que esses vínculos matrimoniais muitas vezes decorrem de relações
entre indivíduos de diferentes nacionalidades, ou quando contraem matrimônio em determinado país e se
estabelecem em outro.
De acordo com Portela a doutrina concebeu dois sistemas para a regulação dos conflitos de lei no espaço
referentes ao casamento:
a) Sintético ou unitário: um só critério governa todas as relações de família, como domicílio ou nacionalidade
b) Analítico ou plural: princípios diferentes orientam a solução das diferentes questões do casamento. É a
corrente adotada pelo Brasil.

Ponto importante traz André de Carvalho Ramos a respeito do DiPri, qual seja, que esse deve considerar a
jusfundamentalização do direito das famílias, abarcando-o em suas diversas formas, antes não previstas, tais
como a união estável, união homoafetiva, família monoparental, promovendo ainda a dignidade humana e
igualdade entre os indivíduos.
É preciso que a interpretação contemporânea a favor dos direitos humanos atualize a LINDB, já que o texto não
sofreu grandes alterações desde sua edição em 1942. Assim, para André de Carvalho Ramos temas como: a lei
aplicável à celebração e aos impedimentos; a determinação do domicílio conjugal; a lei aplicável à invalidade do
casamento, lei aplicável ao regime de bens; a lei que rege a mudança do regime de bens, a lei que regula
casamento de estrangeiros; e o divórcio devem ser analisados à luz dos direitos humanos.

A lei brasileira aplicável ao casamento: celebração e impedimentos.


De acordo com o art.7º, caput da LINDB aplica-se a lei do domicílio para reger a capacidade dos nubentes em
celebrar o casamento e demais formas de união entre pessoas para fins de vida em comum (união civil).
O §1º do art.7º, por sua vez estabelece regra especial ao dispor que o casamento será regido pela lei do local de
celebração quanto à:

a) Formalidade da celebração
b) Impedimentos matrimoniais

A regra locus regit actum foi adotada pela LINDB no que tange às formalidades de celebração do matrimônio. Se
celebrado o matrimônio no Brasil, deverão ser cumpridos os artigos 1525 a 1542, ainda que os nubentes não
sejam brasileiros. Esses artigos tratam dos seguintes temas:
a) Do processo de habilitação para o casamento
b) Cerimônia, local de realização, forma de celebração e assento no livro de registro
c) Causas de suspensão da cerimônia
d) Do caso de moléstia grave de nubente e dos requisitos do casamento nuncupativo
e) Do casamento por procuração

Os impedimentos também são regidos pela lei do local de celebração e consiste em incapacidade que restringe
o direito de contrair matrimônio ou união civil, o que excepciona a regra da lei do domicílio para reger a
capacidade dos nubentes.
Se o casamento for realizado no Brasil, ainda que um dos nubentes seja domiciliado no exterior, a lei brasileira
será aplicável (lex loci actum) no que tange aos impedimentos dirimentes absolutos (torna o casamento nulo),
quanto aos impedimentos relativos ou privados (torna o casamento anulável).
Apesar da regra do art.7, §1º só fazer menção à lei brasileira, entende-se que há bilateralização, ou seja, os
casamentos celebrados no exterior devem obedecer as formalidades e os impedimentos da lei local ( lex loci
celebrationis) mesmo que não previstos em nosso ordenamento pátrio.

202
Domicílio dos cônjuges e a interpretação conforme os direitos humanos da LINDB. Dispositivo que contraria os
direitos humanos é o art.7º, §8º da LINDB que trata do conceito de dependência do chefe de família. Assim diz:
“salvo caso de abandono, domicílio do chefe de família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não
emancipados, e do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda”.
Esse parágrafo contém o domicílio por dependência, que é fixado por uma pessoa, em geral o marido, e que se
estende a outras pessoas, consideradas dependentes, conforme se depreende da leitura do art.223, III do
código civil de 1916 e do Estatuto da Mulher Casada. Ora, com a CF de 88 os direitos e deveres referentes à
sociedade conjugal são igualmente exercidos pelo homem e pela mulher. Nesse sentido, dispõe o atual código
civil ao afirmar que a direção da sociedade conjugal será exercida em colaboração pelo marido e pela mulher e
que no que tange ao domicílio esse será escolhido por ambos os cônjuges, faltando à LINDB a devida atualização
de acordo com os direitos humanos.
Importante salientar que na existência de pluralidade domiciliar da entidade familiar deve ser utilizada a lei do
domicílio respectivo para o fato transnacional que lhe corresponda.

Lei aplicável aos casos de invalidade do casamento:


O art. 7º, §3º da LINDB afirma que a lei para reger a invalidade do casamento é a lei do domicílio dos nubentes,
ou, se distintos os domicílios, a lei do primeiro domicílio conjugal.
Há críticas no sentido de que não se considerou o óbvio: a validade ou invalidade deve ser regida pela lei do
local da celebração, porque há risco de se considerar inválido um casamento pelo uso de lei que estabeleça
requisitos que não eram indispensáveis pela lei do local da celebração, gerando insegurança jurídica. Valladão
afirma ser absurdo a validade de um ato como o casamento depender de outra lei escolhida livremente pelos
nubentes e não pela lei do local que presidiu o ato.

Lei aplicável ao regime de bens:


O art.7º, §4º dispõe que o regime de bens legal ou convencional obedece à lei do país em que os nubentes
tiverem domicílio, e se esse for diverso, a do primeiro domicílio conjugal (autonomia da vontade dos
interessados).

Caso Mardini: Casal de brasileiros casou-se no Uruguai cujo regime é o de separação total de bens (caso os
nubentes não se manifestem a respeito), alegaram ser domiciliados no Uruguai. Após 30 dias foram viver no Rio
Grande do Sul, e no litígio que se seguiu a separação, os debates foram intensos a respeito da fixação ou não do
domicílio no Uruguai. O Supremo Tribunal Federal entendeu que além da declaração de ambos, houve aquisição
de bem e de permanência no país, não configurando uma breve passagem para fins de casamento. Como o
Brasil também apresenta o regime de separação total de bens evitou-se o debate sobre fraude à lei e à ordem
pública. O princípio da proibição do venire contra factum proprium pesou contra o marido, que contestou a
aplicação da lei uruguaia referente à separação total de bens, posto que ele havia declarado seu domicílio no
Uruguai.
OBSERVE:
a) O regime de casamento foi fixado pela lei do domicílio dos nubentes (era o mesmo), pouco importando
o domicílio anterior (Brasil) ou posterior (novamente o Brasil); b) Mesmo que fosse admitida a pluralidade
domiciliar, a lei do domicílio no Uruguai rege o ato, no caso o casamento; c) A lex fori (lei do foro no qual se
analisa o fato transnacional) é a lei que define o que é domicílio. No caso em tela, era a lei brasileira, sendo
importante a aferição do ânimo definitivo dos nubentes na fixação de residência (exigência da lei brasileira para
que se caracterize o domicílio) fato verificado pela declaração de ambos e também pela aquisição de bem.

Caso Ruthofer: Discussão sobre partilha de herança no qual o autor (de cujus) havia contraído matrimônio na
Áustria (domicílio comum dos nubentes) em 1951, cujo regime de bens fora o da separação legal de bens. Após
3 anos o casal veio residir no Brasil adquirindo diversos bens, cada um em nome próprio. Na partilha dos bens
da herança a filha do primeiro casamento do de cujus exigiu que houvesse a comunicação dos aquestos (bens
adquiridos durante o casamento) à herança, tendo em vista a inexistência de pacto antenupcial que vedasse a
comunhão e aplicando a lei brasileira, bem como o enunciado 377 do Supremo Tribunal Federal.
O STJ Justiça reconheceu como correta a invocação do art.7º, §4º da LINDB que, em tese, favorecia a segunda
esposa do falecido, em razão de diversos bens adquiridos após o casamento estarem em seu nome. O STJ

203
ponderou a respeito da regra da LINDB com a vedação do uso de direito estrangeiro que ofenda a ordem
pública brasileira.
A CF em seu art. 226 preza pela defesa da unidade familiar e, na visão do STJ, o patrimônio amealhado na
constância do casamento e oriundo do esforço comum deveria ser comunicado também ao outro cônjuge.
Ademais, o STJ considerou que a ordem pública seria violada caso fosse aceita no Brasil a separação radical
prevista nos moldes da legislação austríaca.
A jurisprudência brasileira utiliza o art. 7º, §4º (caso Mardini), mantendo a aplicação da lei estrangeira sobre o
regime de bens sob o crivo da ordem pública (caso Ruthofer).

Mudança de regime de bens:


A LINDB permite ao estrangeiro casado que se naturalizar brasileiro com a expressa anuência do cônjuge
requerer ao juiz, no ato de entrega da naturalização, que o regime de bens do seu casamento seja o de
comunhão parcial de bens, desde que respeitado o direito de terceiros e feita anotação no registro competente
(art.7º, §5º), esse dispositivo trata da mudança do regime de bens.
Requisitos para a mudança do regime de bens:
a) Prova de casamento válido
b) Momento adequado (solicitação no ato de entrega por juiz federal da portaria de naturalização)
c) Anuência expressa do outro cônjuge (instrumento público ou particular)
d) Forma (apostila na portaria de naturalização, que formaliza a modificação do regime)
e) Preservação dos direitos de terceiro (ineficácia da mudança caso haja prejuízo de terceiros)
f) Registro para efeito em relação a terceiro

Casamento de estrangeiros.
Os estrangeiros podem se casar perante a autoridade diplomática ou consular do estado patrial, ou seja, é
aplicada a lei estrangeira para reger a celebração e os impedimentos de casamento celebrado no Brasil. Essa
exceção está prevista no art.7º, §2º “o casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades
diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes”. Nesse caso, resta claro a interação entre o direito
internacional público e o privado já que o poder dado às autoridades diplomáticas ou consulares se originou em
costume internacional ou tratados sobre os poderes dados a essas autoridades.
Essa regra também é aplicada aos brasileiros no exterior que podem se casar perante a autoridade consular
brasileira, que observará as regras brasileiras sobre a celebração e impedimentos.
A celebração do casamento de brasileiros pela autoridade consular brasileira no exterior está regulada pelo
Decreto 24.113/34 na parte “Regulamento para o Serviço Consular Brasileiro”, que dispõe que os consulados só
poderão celebrar casamento quando ambos os nubentes forem brasileiros e a legislação local reconhecer os
efeitos civis aos casamentos assim celebrados (art.13, §único).
Há exigência de que pelo menos um dos nubentes resida no local sob jurisdição administrativa do Consulado
(jurisdição consular) como premissa para atuação dos serviços consulares. O reconhecimento do ordenamento
estrangeiro e residência não constam na LINDB, e de acordo com André de Carvalho Ramos torna questionável a
aplicação, em face do princípio da legalidade previsto na Constituição e em tratados internacionais.
O casamento de brasileiros celebrado no estrangeiro deverá ser registrado em 180 dias a contar da volta de um
ou ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou na sua falta, no 1º ofício da Capital do
Estado em que passarem a residir, de acordo com o art. 1544 do código civil. Na falta de domicílio conhecido, o
casamento deverá ser registrado no 1º Ofício do Distrito Federal. O registro tem por objetivo dar publicidade ao
ato, é declaratório, sendo válido o casamento e por óbvio proibindo novo casamento no Brasil até que seja
dissolvido o primeiro matrimônio.

ATENÇÃO: A necessidade de registro aplica-se aos casamentos realizados no exterior, em que apenas um, ou
ambos os cônjuges sejam brasileiros, e que sejam celebrados perante autoridades estrangeiras ou por
autoridades diplomáticas e consulares brasileiras, e quando o brasileiro vier a fixar sua residência no Brasil.
O casamento de estrangeiros celebrado no exterior não necessita registro no Brasil e pode ser provado por
certidão de casamento estrangeira, devidamente traduzida e legalizada pela autoridade consular brasileira no
exterior.

Divórcio e a evolução do direito internacional privado brasileiro.

204
Somente no ano de 1977 é que o divórcio foi aprovado, alterando a redação do art. 175, §1º da CF, dispondo
que “o casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação
judicial por mais de três anos”, essa separação judicial é o chamado desquite do código civil de 1916.
A Lei do Divórcio modificou a redação do art.7º, §6º da LICC, e passou a dispor que o divórcio realizado no
estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges fossem brasileiros, seria reconhecido no Brasil, somente depois de
três anos da data da sentença, salvo se antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a
homologação produziria efeito imediato, desde que obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das
sentenças estrangeiras no Brasil.
Essa nova redação obedecia ao sistema misto: a lei da nacionalidade usada no divórcio, ao invés da regra geral
da lei do domicílio. A lei brasileira foi modificada (permitindo o divórcio, mas com lapsos temporais) e a LICC
seguiu no mesmo sentido, só que usou os lapsos temporais para postergar a homologação da sentença
estrangeira, evitando que brasileiros procurassem se divorciar no exterior.
A Constituição de 1988 manteve a dissolubilidade do casamento, prevendo que esse poderia ser dissolvido pelo
divórcio após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada
separação de fato por mais de dois anos. A Lei 12.036/09 estabeleceu que o divórcio realizado no estrangeiro,
se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só seria reconhecido no Brasil depois de um ano da data da
sentença, salvo se houvesse sido antecedida por separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação
produziria efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no
país. Frisa-se que essa redação ainda está em vigor.
Novamente imperou a lei da nacionalidade brasileira para reger o divórcio no âmbito do direito internacional
privado. A CF de 88 criou a figura do divórcio direto depois de dois anos de separação de fato ou divórcio depois
de um ano de separação judicial, assim o legislador entendeu que esses prazos poderiam ser adaptados ao
direito internacional privado, evitando que o divórcio no exterior fosse mais rápido que o doméstico.
Em 2010 a Emenda Constitucional 66 suprimiu o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou
de comprovada separação de fato por mais de dois anos, dispondo que o casamento civil pode ser dissolvido
por divórcio (art.226, §6º). O Superior Tribunal de Justiça já possui precedentes a respeito de que o art.226, §6º
da CF prevalece sobre o disposto no art.7º, §6º da LINDB.
Nesse sentido, André de Carvalho Ramos aponta que a LINDB deve ter atualizada a sua interpretação, para
permitir o reconhecimento do divórcio realizado no exterior sem qualquer exigência temporal para se alinhar ao
regime jurídico brasileiro no que se refere ao tema do divórcio.
Lei aplicável ao divórcio: Caso ambos os cônjuges sejam domiciliados no mesmo Estado, utiliza-se essa lei, que é
a do domicílio conjugal. Caso o domicílio seja em Estados diferentes a LINDB é omissa. Não há possibilidade do
uso extensivo do domicílio de um cônjuge, como chefe de família conforme consta no art.7º, §7º da LINDB, isso
porque como já visto, é inconstitucional, pois o domicílio por dependência ofende a igualdade entre os cônjuges
prevista na CF e nos tratados de direitos humanos. A solução é a aplicação analógica do art.7º, §8º, que
estabelece alternativas para o caso de inexistência do domicílio (residência ou onde quer que a pessoa se
encontre), caso inexista domicílio conjugal, a lei que regerá o divórcio será a lei da última residência habitual
comum durante o casamento, ou a utilização da lex fori, ou seja, a lei brasileira.

PRECEDENTES:
“PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. DIVÓRCIO CONSENSUAL.
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NOS ARTS. 216-A A 216-N DO REGIMENTO INTERNO DESTA
CORTE. REGULARIDADE DA CITAÇÃO EDITALÍCIA ANTE A PRESUNÇÃO DE AUSÊNCIA DE CONTATO DADO O
RAZOÁVEL LAPSO TEMPORAL DECORRIDO. PRECEDENTES: SEC 6.345/EX, REL. MIN. ARI PARGENDLER, DJE
28.2.2013 E SEC 4.686/EX, REL. MIN. GILSON DIPP, DJE 2.2.2012. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA
NA AÇÃO ORIGINÁRIA. ACEITAÇÃO PELA JUSTIÇA ESTRANGEIRA DE DOCUMENTO ASSINADO PELO REQUERIDO
ONDE AFIRMAVA NÃO QUERER APRESENTAR DEFESA NA AÇÃO DE DIVÓRCIO. MATÉRIA DE DIREITO
PROCESSUAL VINCULADA À JURISDIÇÃO E SOBERANIA DE CADA PAÍS QUE REFOGE AO MERO JUÍZO
HOMOLOGATÓRIO. PRECEDENTES: SEC 7.171/EX, REL. MIN. NANCY ANDRIGHI, DJE 2.12.2013; SEC 7.758/EX,
REL. MIN. FELIX FISCHER, DJE 2.2.2015; SEC 9.570/EX, REL. MIN. BENEDITO GONÇALVES, DJE 17.11.2014; SEC
10.228/EX, REL. MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJE 3.11.2014. SENTENÇA DE DIVÓRCIO HOMOLOGADA.
1. O pedido está em conformidade com os arts. 216-A a 216-N do RISTJ e art. 15 da Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro, pois a sentença de dissolução de casamento foi proferida por autoridade competente, as
partes eram, naquela época, domiciliadas no estrangeiro, houve regular citação e comparecimento

205
espontâneo aos atos processuais. 2. Decorrido lapso temporal razoável da cessação da convivência
matrimonial, é de se reconhecer a alegada ausência de conhecimento do paradeiro do ex-cônjuge, razão
pela qual é regular a citação editalícia. 3. A alegação de ausência de comprovação de citação válida e revelia no
processo estrangeiro deve ser examinada cum grano salis, pois, por se tratar de instituto de Direito
Processual, encontra-se inserida no âmbito da jurisdição e da soberania de cada país, circunstância que
impõe a observância da legislação interna, não sendo possível impor as regras da legislação brasileira para
ato praticado fora do país, ainda mais no presente caso onde a Justiça Estrangeira aceitou declaração firmada
pelo Requerido de que não apresentaria defesa na ação de divórcio. 4. A Defensoria Pública, atuando como
Curador Especial do Requerido, reputou presentes os requisitos meritórios para a homologação do decisum
estrangeiro. 5. Sentença estrangeira homologada”.
(STJ. Corte Especial. SEC13552 /2015/0077973-4 EXSENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, julgado em 01/06/2016).

“PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. DIVÓRCIO CONSENSUAL.


PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NOS ARTS. 216-A A 216-N DO REGIMENTO INTERNO DESTA
CORTE. REGULARIDADE DA CITAÇÃO EDITALÍCIA. PRESUNÇÃO DE OCORRÊNCIA DO TRÂNSITO EM JULGADO
DECORRIDO GRANDE LAPSO TEMPORAL DA SENTENÇA, NO CASO 25 ANOS. PRECEDENTES: SEC 6.345/EX, REL.
MIN. ARI PARGENDLER, CE, DJE 28.2.2013 E AGRG NA SE 3.731/FR, CE, Rel. MIN. CESAR ASFOR ROCHA, DJE DE
1o.3.2010. SENTENÇA DE DIVÓRCIO CONSENSUAL HOMOLOGADA.
1. O pedido está em conformidade com os arts. 216-A a 216-N do RISTJ e art. 15 da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro, pois a sentença de dissolução de casamento foi proferida por autoridade
competente, as partes eram, naquela época, domiciliadas no estrangeiro, houve regular citação e
comparecimento espontâneo aos atos processuais.2.Decorrido grande lapso temporal da cessação da
convivência matrimonial, no caso 25 anos, é de se reconhecer a alegada ausência de conhecimento do
paradeiro do ex-cônjuge, razão pela qual é regular a citação editalícia. Precedentes. 3. A dúvida sobre a
ocorrência do trânsito em julgado, a ocorrência desse fenômeno pode ser presumida dada a natureza
consensual da separação. Precedentes. Nesse caso, ainda, é de ser somado o grande lapso temporal decorrido.
4. Sentença estrangeira homologada”.
(STJ. Corte Especial. SEC 12255/ EXSENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA 2014/0168688-2 Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, julgado em 21/10/2015).

DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO DAS SUCESSOES:


De acordo com ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS, os principais temas referentes ao direito internacional das
sucessões são: o cisma entre unidade e pluralidade sucessória no D. I. Privado e a escolha brasileira; o alcance
da lei do domicílio do de cujus para reger a sucessão no Direito Internacional Privado Brasileiro; o tratamento
preferencial aos sucessores brasileiros; a polêmica questão da “capacidade para suceder” prevista em nosso
ordenamento; a ameaça à unidade sucessória e a conciliação possível entre “a escolha da lei”; e a
“determinação da jurisdição”.

Unidade e pluralidade sucessória no direito internacional privado e a escolha brasileira:


No que concerne à sucessão que possa envolver mais de um ordenamento, há correntes legislativas que
merecem atenção:
Corrente pessoal ou subjetiva: valoriza o estatuto pessoal como critério regulatório para a lei da sucessão. A lei
da nacionalidade ou do domicílio do de cujus regula a ordem de sucessão, os limites de testar e de dispor dos
bens. Uma única lei regerá o fenômeno sucessório, dando-lhe unidade, não importando se os bens estiverem
espalhados em diversos Estados.
Corrente material ou objetiva: valoriza a situação do patrimônio e os tipos de bens a serem transferidos
(móveis ou imóveis) para determinar a lei a ser aplicada à sucessão. A lei do lugar da situação do bem imóvel
regula a sucessão, exceto dos bens móveis que são regidos pela lei do domicílio do de cujus. Leis distintas regem
a sucessão, caso o patrimônio do falecido esteja espalhado em diversos Estados. Fragmenta-se a sucessão,
restando dificultoso conseguir a igualdade entre os herdeiros, diante da incidência de regras diversas sobre o
espólio.
OBS: a escolha da corrente subjetiva ou objetiva influencia na questão da unidade ou pluralidade da sucessão.

206
ATENÇÃO: O Brasil adotou, como regra, a corrente pessoal ou subjetiva! Conforme o art. 10 da LINDB, apenas
uma lei regerá a sucessão, qual seja, a lei do DOMICÍLIO do de cujus, não importando a natureza ou localização
dos bens. O art. 10 da LINDB abrange todos os institutos da sucessão testamentária e não testamentária,
importando tão somente a determinação do domicílio do de cujus ou ausente. Portanto, em regra, se o falecido
era domiciliado no Brasil: aplica-se a lei brasileira. Se domiciliado no exterior, a lei estrangeira. A lei do domicílio
do falecido em vigor na data do óbito (abertura da herança) deve reger a sucessão e a ordem de vocação
hereditária ou sucessória, o direito dos herdeiros e demais disposições sucessórias. A propósito, o alcance da lei
do domicílio do falecido para reger a sucessão é amplo, regulando os seguintes aspectos:

a) Definição da condição de herdeiro e a ordem de vocação hereditária, incluindo a substituição de pessoa


sucessível;
b) Os direitos dos herdeiros e legatários;
c) A validade intrínseca das disposições do testamento (a substância das disposições testamentárias e seus
efeitos) e os limites à liberdade de testar;
d) A identificação e o limite da cota de cada herdeiro necessário;
e) As hipóteses de deserdação e indignidade;
f) Hipóteses de colação dos bens;
g) Modo de partilha dos bens e dívidas.

OBS: LIBERDADE DE TESTAR é instituto relativo ao ESTATUTO PESSOAL, pois se refere a direitos da
personalidade. Logo, no caso brasileiro, obedece à lei do domicílio do testador, no momento da elaboração do
testamento, de acordo com o art. 7º, LINDB. A eventual mudança de domicílio não leva a utilização de lei nova
(lei do domicílio novo) para avaliar a (in)validade do testamento anterior. Para Strenger “a lei domiciliar
contemporânea ao ato é, ao que parece, a que deve ser consagrada”.

No que tange à VALIDADE EXTRÍNSECA DO TESTAMENTO (verificação de nulidade ou falsidade), a lei de regência
é a LEI DO LOCAL DA REALIZAÇÃO DO ATO (art.9º, LINDB). Já ao que concerne à VALIDADE INSTRÍNSECA
(substância do ato), utiliza-se a lei do domicílio do de cujus.

***ATENÇÃO para o testamento conjuntivo ou mão comum: O testamento conjuntivo é aquele em que duas ou
mais pessoas estabelecem deixas testamentárias recíprocas mediante uma única cédula instrumentária. Nos
termos do art. 1863 do CC, o testamento conjuntivo é VEDADO no Brasil. Para nosso ordenamento, o
testamento representa a LIBERDADE INDIVIDUAL de testar, por isso o domiciliado no Brasil não pode realizar
testamento conjuntivo no exterior, já que a capacidade de testar é regida pela lei do domicílio do testador (no
caso, a lei brasileira). Isso representaria uma fraude à lei.
Por sua vez, nada impede que eventual cláusula testamentária válida de acordo com a lei do domicílio do de
cujus seja considerada inválida no Brasil, por ofensa à ordem pública (art. 17 da LINDB), como, por exemplo,
eventual discriminação odiosa ao filho, ofensiva à igualdade prevista no art. 227, § 6º e no art. 5º, caput da
CF/88.

Tratamento preferencial aos sucessores brasileiros:


Há importante exceção a respeito da “lei do domicílio do de cujus”: o tratamento preferencial aos sucessores
brasileiros (cônjuge e filhos), dado na hipótese de falecimento de estrangeiro com bens situados no Brasil.
Dispõe o art. 5º, inciso XXXI: “a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei
brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei
pessoal do "de cujus"
Essa regra unilateral de direito privado só pode ser aplicada para beneficiar brasileiros. A nacionalidade como
fator de diferenciação foi mantida mesmo com a regência da regra do domicílio, deixando sem maior proteção
os estrangeiros domiciliados no Brasil. Quanto aos brasileiros domiciliados no exterior, o STF se manifestou no
sentido da aplicação analógica, ou seja, tratamento preferencial a brasileiros para incidir também na sucessão
de brasileiro domiciliado no exterior (e não sucessão de estrangeiro).
Para a configuração do tratamento preferencial exige-se:
a) Sucessão de estrangeiro;
b) Bens situados no Brasil (não atinge os bens situados no exterior);

207
c) Existência de cônjuge ou filhos brasileiros;
d) Lei mais favorável aos sucessores brasileiros.

Assim, no caso de sucessão de bens de estrangeiros, mesmo que o falecido seja domiciliado em outro país, a lei
brasileira será aplicada aos bens aqui situados, desde que beneficie o cônjuge e filhos brasileiros.

Capacidade para suceder:


De acordo com o caput do art. 10 da LINDB, a sucessão obedece à lei do domicílio do de cujus, mas o §2º prevê
que a lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a “capacidade para suceder”.
“A capacidade para suceder não se confunde com a ordem de vocação hereditária, sendo-lhe posterior. Aberta
a herança, pelo falecimento do de cujus verifica-se a distribuição das pessoas sucessíveis nas classes para a
obtenção da herança, de acordo com a lei do domicílio do de cujus. Constatada a qualidade de herdeiro pelo
uso da lei do domicílio do de cujus, utiliza-se a lei do domicílio do citado herdeiro para que se verifique como
este pode exercer o direito de herdar. Não se usa a lei do domicílio do herdeiro para se aferir o direito de
herdar, pois isso já foi definido anteriormente pela lei do domicílio do de cujus”. (RAMOS, 2016. O direito
internacional privado das sucessões no Brasil.p.316)
No Brasil a capacidade para suceder restringe-se a sua capacidade jurídica (nascimento com vida), com a
expressa proteção dos direitos do nascituro e a capacidade de manifestar de fato sua vontade, bem como a
vontade de receber a herança ou a ela renunciar.

Ameaça à unidade sucessória: a pluralidade das jurisdições.


O monopólio jurisdicional nacional sobre a sucessão de bens localizados no território pátrio é fruto da
soberania, trata-se da desconfiança de um Estado sobre as demais jurisdições, fato que poderia ser resolvido
através de tratados no bojo da cooperação jurídica internacional.
A opção brasileira implica que o interessado instaure inventário no Brasil, mesmo que maior parte dos bens se
localize no exterior. Para André de Carvalho Ramos, não deveria existir qualquer impacto na aplicação da lei
sobre a sucessão: o juízo sucessório será brasileiro, mas o critério de determinação da lei pode gerar o uso da lei
estrangeira, caso o de cujus tenha sido domiciliado no exterior.
Resta a dúvida sobre o juízo da ação de inventário no Brasil ter jurisdição para decidir também a respeito dos
bens situados no exterior, ou a levar em consideração a partilha desses bens para assegurar a igualdade entre os
herdeiros, fixada pela lei reguladora da sucessão.
O alcance da jurisdição brasileira sobre a totalidade dos bens do falecido (e não somente dos bens situados no
Brasil) foi reconhecido em vários precedentes judiciais, que a regra de fixação da jurisdição internacional cível
absoluta brasileira, a contrario sensu, não permite que o juízo brasileiro venha a proceder sobre inventário cujos
bens do falecido estejam no exterior.
O STF, para fazer valer a igualdade dos quinhões herdados, fixados na lei sucessória, deu outra interpretação ao
monopólio jurisdicional brasileiro (que não trata da lei aplicável), dispondo que não podem ser computados na
cota hereditária a ser partilhada, os bens existentes no exterior. Mesmo que a lei exija igualdade de quinhões,
tal igualdade só será exigida no tocante aos bens situados no Brasil, rompendo-se a “unidade sucessória” que o
art.10 da LINDB estabelece.
Leading case: O leading case sobre o tema foi o Caso Albernoz Serralta, no qual o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul decidiu que, a despeito da pluralidade jurisdicional (um inventário no Brasil e outro no Uruguai),
era indispensável manter a unidade (ou universalidade) sucessória, exigindo que fossem computados, no
quinhão do inventário brasileiro, os bens no Uruguai, mantendo-se a igualdade entre os herdeiros prevista na lei
material. Contudo, para o STF, ao assim proceder, o TJ/RS extendeu equivocadamente a jurisdição internacional
cível brasileira para abarcar bens situados fora do país (no Uruguai) e, ainda, estabeleceu uma universalidade
sucessória difícil de ser implementada, caso não houvesse a sua aceitação pela autoridade uruguaia.

O STJ também tem adotado a pluralidade sucessória, de modo que os bens situados no exterior não são trazidos
à colação no inventário em processamento no Brasil. Assim, a compensação na partilha não é possível, violando
a igualdade entre os herdeiros.
Caso Susemihl: Herdeiros prejudicados ingressaram com ação de sonegados, requerendo que imóvel na
Alemanha fosse avaliado e seu valor descontado da cota-parte de outro herdeiro que lá havia obtido o bem na
sua integralidade.

208
Esse precedente é de suma importância em razão de comprovar a relatividade do art. 10, caput, LINDB (“lei do
domicílio do de cujus” para regular a sucessão), que não teria caráter absoluto (bem situado no exterior afeta
indiretamente a lei de regência da sucessão). Para o STJ o art. 10, caput, LINDB deve ser analisado e
interpretado sistematicamente com as demais normas que regulamentam o tema.

ATENÇÃO: O Brasil adota a unidade sucessória na existência de bens somente no país, de modo que, quando
existem bens a inventariar em outro país, o sistema adota a pluralidade sucessória. De acordo com a posição
majoritária no Poder Judiciário, a fixação da jurisdição internacional cível impacta indiretamente sobre “escolha
da lei”, e redunda na restrição da aplicação da regra “da lei do domicílio do de cujus” somente aos bens
existentes no território brasileiro.
Assim, de acordo com a posição majoritária dos tribunais superiores brasileiros, a opção da LINDB pela
universalidade sucessória restou descaracterizada: a lei do domicílio do de cujus só regeria a sucessão de bens
situados no território da lex fori. Os bens localizados no estrangeiro seguirão a lei do Estado de sua situação (lex
rei sitae), fragmentando a sucessão e ofendendo assim a igualdade entre os herdeiros (bens no exterior como
fator de diferenciação). A desigualdade é decorrente do pluralismo sucessório e não da vontade do falecido,
mas é possível equalizar os quinhões (caso seja o comando da lei) contabilizando os valores distribuídos em
outra jurisdição.
Caso Kassouf: O STJ optou pela unidade sucessória, na sucessão de pessoa falecida com bens no Brasil e no
Líbano, foi permitido o sobrestamento do inventário no Brasil até que terminasse o testamento aberto no
Líbano, para autorizar que o juízo brasileiro pudesse fazer a equalização da herança (levando em conta os bens
situados no Líbano), ocorrendo a manutenção da igualdade entre os herdeiros, respeitando a lei do domicílio do
de cujus (no caso a lei brasileira). Logo, é possível conciliar a regra de fixação da jurisdição cível brasileira do
novo CPC com a escolha do direito material determinada pela LINDB (que em muitos casos impõe a igualdade
entre os herdeiros). O Direito internacional privado brasileiro não é esvaziado no caso de existir bens no
exterior se aplicada a técnica da compensação, isto é, os bens situados no exterior são valorados e incluídos no
rateio do patrimônio perante o juízo do inventário no Brasil, em desfavor do herdeiro que detém tais bens no
exterior.

JULGADOS SOBRE O TEMA:


Aplica-se a lei brasileira para reger a sucessão de bem imóvel situado no exterior? A Justiça brasileira é
competente para julgar inventário e partilha de bem imóvel localizado em outro país?
NÃO. Ainda que o domicílio do autor da herança seja o Brasil, aplica-se a lei estrangeira da situação da coisa
(e não a lei brasileira) na sucessão de bem imóvel situado no exterior. O art. 10 da LINDB afirma que a lei do
domicílio do autor da herança regulará a sucessão por morte. Ocorre que essa regra não é absoluta e deverá ser
interpretada sistematicamente, ou seja, em conjunto com os demais dispositivos que regulam o tema, em
especial o art. 8º, caput, e § 1º do art. 12, ambos da LINDB e o art. 89 do CPC 1973 (art. 23 do CPC 2015). Desse
modo, esses dispositivos revelam que a lei brasileira só se aplica para os bens situados no Brasil e autoridade
judiciária brasileira somente poderá fazer o inventário dos bens imóveis aqui localizados. Mas no caso em que
há um bem imóvel no Brasil e outro no exterior, como fazer? Deverão ser abertos dois inventários: um aqui
no Brasil para reger o bem situado em nosso território e outro no exterior para partilhar o imóvel de lá. STJ. 3ª
Turma. REsp 1.362.400-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 28/4/2015 (Info 563).

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. AÇÃO DE SONEGADOS PROMOVIDA PELOS NETOS DA
AUTORA DA HERANÇA (E ALEGADAMENTE HERDEIROS POR REPRESENTAÇÃO DE SEU PAI, PRÉ-MORTO) EM FACE
DA FILHA SOBREVIVENTE DA DE CUJUS, REPUTADA HERDEIRA ÚNICA POR TESTAMENTO CERRADO E
CONJUNTIVO FEITO EM 1943, EM MEIO A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, NA ALEMANHA, DESTINADA A
SOBREPARTILHAR BEM IMÓVEL SITUADO NAQUELE PAÍS (OU O PRODUTO DE SUA VENDA).
1. LEI DO DOMICÍLIO DO AUTOR DA HERANÇA PARA REGULAR A CORRELATA SUCESSÃO. REGRA QUE
COMPORTA EXCEÇÃO. EXISTÊNCIA DE BENS EM ESTADOS DIFERENTES. 2. JURISDIÇÃO BRASILEIRA. NÃO
INSTAURAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE DELIBERAR SOBRE BEM SITUADO NO EXTERIOR. ADOÇÃO DO PRINCÍPIO
DA PLURALIDADE DOS JUÍZOS SUCESSÓRIOS. 3. EXISTÊNCIA DE IMÓVEL SITUADO NA ALEMANHA, BEM COMO
REALIZAÇÃO DE TESTAMENTO NESSE PAÍS. CIRCUNSTÂNCIAS PREVALENTES A DEFINIR A LEX REI SITAE COMO A
REGENTE DA SUCESSÃO RELATIVA AO ALUDIDO BEM. APLICAÇÃO. 4. PRETENSÃO DE SOBREPARTILHAR O
IMÓVEL SITO NA ALEMANHA OU O PRODUTO DE SUA VENDA. INADMISSIBILIDADE. RECONHECIMENTO, PELA

209
LEI E PELO PODER JUDICIÁRIO ALEMÃO, DA CONDIÇÃO DE HERDEIRA ÚNICA DO BEM. INCORPORAÇÃO AO SEU
PATRIMÔNIO JURÍDICO POR DIREITO PRÓPRIO. LEI DO DOMICILIO DO DE CUJUS. INAPLICABILIDADE ANTES E
DEPOIS DO ENCERRAMENTO DA SUCESSÃO RELACIONADA AO IMÓVEL SITUADO NO EXTERIOR. 5. IMPUTAÇÃO
DE MÁ-FÉ DA INVENTARIANTE. INSUBSISTÊNCIA. 6. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
STJ. 3ª Turma.REsp.1.410.958 -RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 22/04/2014.

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. AÇÃO DE DIVÓRCIO.
PARTILHA DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO E, APÓS, O CASAMENTO. BENS LOCALIZADOS NO
EXTERIOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA PARA A DEFINIÇÃO DOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES RELATIVOS
AO DESFAZIMENTO DA INSTITUIÇÃO DA UNIÃO E DO CASAMENTO. OBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO PÁTRIA
QUANTO À PARTILHA IGUALITÁRIA DE BENS SOB PENA DE DIVISÃO INJUSTA E CONTRÁRIA ÀS REGRAS DE
DIREITO DE FAMÍLIA DO BRASIL. RECONHECIMENTO DA POSSIBILIDADE DE EQUALIZAÇÃO DOS BENS” (REsp
1.410.958).

Questões:
26º CPR - A SUCESSÃO DE BENS DE ESTRANGEIRO SITUADOS NO BRASIL
a) É regulada pela lei do último domicilio em benefício do cônjuge e filhos brasileiros, ou de quem os represente,
sempre que não lhes seja mais favorável a lei brasileira;
b) É regulada pela lei pessoal do de cujus;
c) É regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge e filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre
que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus;
d) É regulada pela lei do último domicílio em benefício do cônjuge e filhos brasileiros, ou de quem os
represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus

Alternativa correta: letra C. Comentário: É o que se depreende do art. 5º, XXXI, CF, bem como do art.10, §1º,
LINDB.
Art.5º, XXXI, CF: “a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em
benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de
cujus";
Art.10, §1º, LINDB: “A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em
benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais
favorável a lei pessoal do de cujus”.

18A. Prestação de alimentos no exterior. Tratados internacionais sobre prestação de alimentos no exterior
celebrados pelo Brasil. Convenção de Nova York de 1956. Atribuições do Ministério Público Federal como
autoridade central na cooperação ativa e passiva. Competência da Justiça Federal. A ação de auxílio direto
proposta pelo Ministério Público Federal.

Leonardo Gomes Lins Pastl

A prestação transnacional de alimentos pertence ao ramo do Direito Internacional Privado,


vinculado ao Direito de Família. Tratados internacionais foram celebrados para facilitar a cobrança e o
adimplemento das prestações alimentares entre alimentantes e alimentados que residem em diferentes
Estados, tendo como objeto precípuo a cooperação jurídica.

A Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro – CNY (1956),


internalizada pelo Decreto nº 56.826/65, dispõe que as autoridades são denominadas Autoridades Remetentes
(cooperação ativa) e Instituições Intermediárias (cooperação passiva). A Convenção incide sobre as obrigações
entre cônjuges, assim como sobre aquelas relativas a crianças e adolescentes, ressalvado o direito dos Estados
de restringirem o seu âmbito de aplicação somente aos menores. Pode ter por objeto a homologação de
sentença estrangeira, sua execução, e também a abertura de processo judicial para o pagamento de pensão
alimentícia, sendo regida por dois princípios: a) complementaridade, relativo ao fato de ser instrumento jurídico
que complementa os instrumentos internos de cobrança de alimentos, sem substituí-los; e b) reciprocidade,

210
que diz com a exigência de que o outro Estado também seja convenente do diploma. A PGR foi designada
autoridade central no Brasil (art. 26 da Lei 5.478/68, Lei de Alimentos).

Os pedidos de cooperação ativa podem ocorrer de três formas: 1) encaminhamento do


pedido ao exterior pela PGR, a fim de que haja proposição de ação de alimentos no Estado estrangeiro; 2)
propositura de ação de alimentos no Brasil, na Justiça Estadual, com tentativa de citação do demandado no
exterior, com tramitação das cartas rogatórias ao exterior pela PGR; e 3) encaminhamento ao exterior, pela
PGR, de sentença de alimentos prolatada no Brasil, para homologação no Estado estrangeiro.

O procedimento concernente aos pedidos oriundos de cooperação passiva, isto é com


alimentante residente no Brasil, dependem da existência ou não de sentença estrangeira. Em não havendo
sentença prolatada no exterior, a PGR encaminha o pedido à Procuradoria da República mais próxima do
domicílio do demandado para propositura de ação de alimentos junto à Justiça Federal ( ação de auxílio direto).
Nessa hipótese, o MPF age como substituto processual do alimentando.

Por outro lado, se houver sentença estrangeira, o pedido será igualmente remetido à
Procuradoria da República mais próxima da residência do demandado que, convocado, pode pagar de forma
espontânea os alimentos ou propor a celebração de um acordo extrajudicial . O MPF apresenta a proposta de
acordo ao demandante por intermédio da Autoridade Remetente e, havendo concordância, o compromisso é
convolado num título executivo extrajudicial. Se não houver nem pagamento nem acordo, a PGR deverá propor
ação de homologação de sentença estrangeira perante o STJ, a fim de viabilizar a execução da decisão judicial
alienígena. A homologação da sentença estrangeira faz-se possível mesmo que haja ação com mesmo objeto
pendente de análise na Justiça brasileira, exceto se já houver decisão nacional sobre a questão, provisória ou
definitiva.

A jurisprudência dominante compreende que somente há competência federal quando o


MPF integra a lide na condição de autoridade central da Convenção, como, por exemplo, ao propor a ação de
auxílio direto na cooperação passiva. De outro turno, se o credor opta por ajuizar a ação diretamente no
Judiciário brasileiro, sem a intermediação da autoridade central (PGR), a competência será da Justiça Estadual,
já que nesses casos se terá uma ação comum de revisional de alimentos.

Em 2017 entrou em vigor no Brasil a Convenção da Haia sobre Cobrança Internacional de


Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família (2007), cuja autoridade central não é a PGR, mas o
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça. A
Convenção da Haia substitui a Convenção de Nova York para os Estados convenentes e traz mudanças
importantes para o trâmite dos casos de cobrança internacional de alimentos no Brasil. Todavia, ainda se aplica
a Convenção de Nova York nos seguintes casos: a) pedidos que já estavam em trâmite; b) pedidos para Estados
não signatários da Convenção da Haia; c) pedidos para Estados que, embora signatários, tenham oposto
ressalvas quanto à aplicação para ex-cônjuges.

Por fim, cumpre referir a existência da Convenção Interamericana sobre Obrigação


Alimentar (1989), concluída no âmbito da Conferência Interamericana de Direito Internacional Privado (CIDIP), e
ratificada pelo Brasil. Assim como a Convenção de Nova York, seu objeto é a determinação do direito aplicável à
obrigação alimentar, assim como a competência e a cooperação processual. Também se aplica a menores e a
relações matrimoniais, permitindo a restrição do âmbito de aplicação apenas àqueles. Possui um sistema de
cooperação deficiente, na medida em que não prevê a existência de autoridades centrais, exigindo uma
complementação por protocolos genéricos de cooperação, como o Protocolo de Las Leñas (1992), adotado no
âmbito mercosulino.

15A. A Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e seu Regime Jurídico.
Competência da Justiça Federal. Atribuições do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União.
Autoridade Administrativa Central. O Trâmite Administrativo e Processual do Pedido de Devolução.

Anderson Rocha Paiva

211
Santo Graal 28º;
Paulo Henrique Gonçalves Portela. Direito Internacional Público e Privado, 5ª Edição. Jus Podivm.
Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro de Crianças – Cartilha AGU (disponível em www.agu.gov.br/page/download/index/id/4359727)

Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças ou Convenção de(da) Haia: A
Convenção da Haia – nome que decorre do ciclo de discussões travado na Conferência de Haia de Direito
Internacional Privado em 1980, em Haia, Holanda, cujo tema central foi os Aspectos Civis do Sequestro
Internacional de Crianças – fundamenta-se na necessidade de defender os interesses superiores da criança e de
protegê-la dos nefastos efeitos provenientes de alteração de domicílio ou de retenções, normalmente levadas a
efeito por um dos genitores, com necessária condução indevida do infante a outro país. Assim, prevê medidas
administrativas ou judiciais, voltadas a promover o retorno de menores ilicitamente transferidos do país de
residência a outro Estado Contratante e a evitar que as dificuldades impostas pelas fronteiras estatais
consolidassem a situação de ilicitude na qual foi envolvida a criança. Tem por referencial o reconhecimento da
comunidade internacional na necessidade de preservação de uma situação preexistente de guarda, sem
descurar-se dos superiores interesses das crianças e a proteção de sua dignidade humana.

Objetivos centrais da Convenção (art. 1º): a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente
transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente; e b) fazer respeitar de maneira
efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante. Ou
seja: a Convenção foi assinada para facilitar a devolução de crianças que tenham sido levadas ilicitamente de um
país para outro ou que tenham sido levadas licitamente, mas que não tenham retornado no período certo.

Aplicação: “A Convenção aplica-se a qualquer criança que tenha residência habitual num Estado
Contratante, imediatamente antes da violação do direito de guarda ou de visita. A aplicação da Convenção cessa
quando a criança atingir a idade de dezesseis anos” (art. 4º). A incidência dos termos da convenção ao um caso
concreto pressupõe que façam parte do tratado tanto o Estado de que foi tirado o menor quanto o Estado para
onde ele foi levado. É irrelevante a nacionalidade da criança. Importante: a Convenção de Haia pressupõe
ilicitude (revelada inclusive no termo “sequestro”). Assim, se um menor é licitamente trazido ao Brasil, por sua
mãe, por exemplo, e seu genitor, ainda que estrangeiro, ajuíze uma ação no país, a fim de discutir com sua ex-
esposa a guarda do filho comum, tal questão escapa do alcance da convenção (e, diga-se de passagem, atrai
inclusive a competência da Justiça Estadual) (cf. PORTELA 2013. p. 794).

Considera-se transferência ou a retenção ilícita de uma criança quando (art. 3º):


a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro
organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência
habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e
b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou conjuntamente, no momento
da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem
ocorrido.

Trâmite Administrativo e Processual do Pedido de Devolução. A autoridade central, no Brasil, para atuar
em questões que envolvam o seqüestro internacional de crianças, em seus aspectos civis, é a Secretaria de
Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República – art. 1º do Decreto n. 3.951/01. É tal órgão que recebe o
pedido e documentos que o acompanham e dá seguimento à questão, no âmbito administrativo, limitados seus
esforços no escopo de alcançar uma entrega voluntária da criança.
Há previsão expressa dentre as competências das Autoridades Centrais de dar início ou favorecer a
abertura de processo judicial (art. 7º, “f ”). Não obstante, especificamente ao que respeita as peculiaridades do
Brasil, como a Secretaria de Direitos Humanos, como órgão integrante da estrutura da Administração Pública
Federal Direta, não dispõe de personalidade jurídica, compete à União figurar em juízo, no caso. Ademais, a
União, na condição de pessoa jurídica de direito público interno, é a face interna do Estado brasileiro, pessoa
jurídica de direito público externo, e possui não só a obrigação de cumprir, mas também a de fazer cumprir os
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em tratados e convenções internacionais. Percebe-se, então,
que a União tem legitimidade e interesse jurídico para propor a presente ação, em atendimento a pedido de
cooperação jurídica internacional. A Advocacia-Geral da União, nos moldes dos artigos 131 da Constituição

212
Federal e 1.º da Lei Complementar n.º 73, de 10 de fevereiro de 1993, detém o “jus postulandi” relativamente à
União — pessoa jurídica que abarca todos os órgãos federais, desprovidos de personalidade jurídica — categoria
em que se insere a Secretaria de Direitos Humanos (Autoridade Central brasileira). Na condução das ações
judiciais fundamentadas na Convenção da Haia de 1980, a AGU permanecerá em constante contato com a
Autoridade Central brasileira, mantendo-lhe informada de todos os andamentos processuais. Vale lembrar que
a União atua como legitimada ordinária, defendendo interesse próprio, de natureza pública, qual seja, o
cumprimento de obrigações assumidas pela República Federativa do Brasil estabelecidas em convenção
internacional. A atuação da AGU não decorre de interesse privado de um dos pais da criança.
Assim, o interessado (pessoa, instituição ou organismo) deverá procurar a Autoridade Central do Estado
de residência da criança ou qualquer outra Autoridade Central (que também faça parte da Convenção) para
assistência no que tange ao retorno do menor. Caso não haja o retorno amigável, a Autoridade Central brasileira
encaminhará o caso à AGU, para a promoção da devida ação judicial, cuja competência para processamento e
julgamento cabe à JUSTIÇA FEDERAL, eis que a ação de restituição visa a permitir que o Brasil cumpra o
compromisso internacional estatuído na Convenção da Haia.
Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida, nos termos do Artigo 3, e tenha
decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do
início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se
encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança. Por outro lado, a autoridade
judicial ou administrativa respectiva, mesmo após expirado o período de 1 ano, deverá ordenar o retorno da
criança, salvo quando for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo meio.
A decisão acerca da devolução não é ato discricionário. Quando a autoridade judicial ou administrativa do
Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada para outro Estado, poderá suspender o
processo ou rejeitar o pedido para o retorno da criança.
O simples fato de que uma decisão relativa à guarda tenha sido tomada, ou seja, passível de
reconhecimento no Estado requerido não poderá servir de base para justificar a recusa de fazer retornar a
criança nos termos desta Convenção, mas as autoridades judiciais ou administrativas do Estado requerido
poderão levar em consideração os motivos dessa decisão na aplicação da presente Convenção. Entretanto,
ressalte-se que no caso do menor ser trazido licitamente por genitor brasileiro ao Brasil, é possível que este
peça a guarda do infante na Justiça brasileira, a qual é competente para processar e julgar ação de guarda
quando uma criança está na companhia de sua mãe ou de seu pai e reside em território brasileiro, segundo
entendimento do STJ (RESP 1.164.547), já que a transferência lícita da criança para território brasileiro não
configura o sequestro internacional do menor.
É imperioso salientar que aos Juízes Federais cabe apenas examinar as normas da Convenção, limitando-
se a examinar os aspectos da possível ilegalidade da transferência das crianças de seu país de origem e
residência habitual, evitando deliberar acerca do mérito da guarda. O escopo da convenção é desfazer a
transferência ilícita, e o conceito de ilicitude sobre o qual se assentam as disposições do tratado encontra
elucidação na instituição de um direito anterior de guarda, deferido segundo as regras do Direito e das leis do
país onde estava a criança, os quais não cabe à autoridade brasileira questionar. Há intervenção obrigatória do
MPF no processo, com amparo no art. 82 do CPC, sob pena de nulidade do feito. Cumpridos os requisitos
explícitos na Convenção que caracterizam a transferência ilícita, deverá a criança retornar ao Estado de onde foi
levada, independente do mérito da decisão que, no Estado de origem, conferiu guarda ou regulou as vistas.
O retorno da criança poderá ser recusado quando incompatível como os princípios fundamentais do
Estado requerido com relação à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, quando ficar
provados que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a criança não exercia efetivamente o
direito de guarda na época da transferência ou retenção, ou que havia consentido ou concordado
posteriormente com esta transferência ou retenção ou no caso de grave risco de a criança, no seu retorno, ficar
sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, ficar numa situação intolerável. Segundo o
art. 3º do Decreto n. 3.951/01, “fica criado o Conselho da Autoridade Central Administrativa Federal contra o
Sequestro Internacional de Crianças”, do qual pode fazer parte um membro da Procuradoria-Geral da República
(parágrafo único, inc. I). São atribuições da autoridade central as prevista nos arts. 7º da Convenção e 2º do
Decreto. 3.951/01 (este é mais detalhado do que o primeiro dispositivo).

Quadro panorama:

213
i. Assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas
para outro Estado Contratante ou nele retiradas indevidamente;
A) OBJETIVOS
ii. Fazer respeitar, nos outros Estados, os direitos de guarda e de
visita existentes num Estado Contratante.

Aplica-se a qualquer criança que tenha residência habitual num Estado


Contratante imediatamente antes da violação do direito de guarda ou
de visita;
B) ABRANGÊNCIA
Não se aplica a maiores de 16 anos;
Não importa a nacionalidade;
Não se aplica a transferências antes da sua entrada em vigor.

Localizar crianças;
C) AÇÕES QUE OS ESTADOS
Providenciar o retorno imediato € Recorrendo a métodos amigáveis e a
DEVERÃO TOMAR PARA FAZER
processo judicial.
VALER A CONVENÇÃO
Prevenir danos.
Riscos para os direitos fundamentais da criança;
Não-exercício efetivo da guarda na época da transferência ou
D) CONDIÇÕES QUE PODEM retenção;
EVITAR O RETORNO DA CRIANÇA Concordância com a transferência ou retenção;
Oposição da criança ao retorno, quando esta for capaz de emitir
opiniões que possam ser consideradas.

214

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