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Dominada Pela Máfia
Dominada Pela Máfia
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Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte & Um
Em breve
Travis Lozartan é o mais novo Capo da máfia da Costa Leste dos
Estados Unidos, herdando o cargo de seu pai. Com a fama de “O Cruel”.
Mau, impiedoso, frio e calculista, não mede esforços para derramar sangue de
seus inimigos e defender a Lawless. Desde muito novo sabia que seria o
próximo a liderar Nevada e os negócios; e, quando seu pai morreu, ele
ganhou poderes e inimigos. Porém, não esperava ter que honrar um acordo de
anos atrás, que salvou a todos.
Madeleine Beluzzo também foi nascida nesse mundo cruel e insano,
mas quando seu pai, um policial “duvidoso”, decide fazer um acordo com a
máfia rival, é introduzida no lado ainda mais obscuro e perigoso, tornando
sua vida um terror; quando ela começou a atrapalhar os negócios com suas
opiniões, foi mandada para longe. Agora está de volta e terá que se
aprofundar nesse caos e na vida do homem que a dominará muito além do
que era o acordo.
Alessa Ablle já sabia o que queria desde criança: deixar um pedacinho
dela no mundo. Sempre sonhadora pensou até em ser astronauta (risos), mas
aprofundou-se na dramaturgia e suas infinitas possibilidades. O teatro foi sua
primeira paixão e logo depois vieram os livros, que se tornaram seu escape da
realidade após conseguir superar sua depressão. Escrever não é apenas sua
terapia favorita como também a sua melhor forma de superar sua dislexia,
dando exemplo para muitas pessoas de que não será uma deficiência que irá
pará-la. É uma legítima geminiana, carioca, que vive ainda na Cidade
Maravilhosa com sua família e seus amados 16 cachorros. Falante, animada,
adora fazer LIVEs em suas redes sociais. Aberta ao público e humorada.
Conhecida por sua sinceridade e palhaçadas.
Para conhecer mais dessa autora regada a humor, siga-a em suas redes
sociais.
Não foi a primeira vez que ganhei uma surra daquelas, contudo, todas
as vezes eu me sentia mais um lixo do que um menino. Sozinho.
Abandonado. Eu não podia contar com ninguém e reclamar, só faria com que
eu apanhasse de novo; e, como aprendi, virei o “escolhido” para sempre
ganhar a ira da minha mãe.
Essa era a dor que eu sentia, que fazia meus sentimentos se exporem.
Ela ser minha mãe. A pessoa que deveria me proteger. No entanto, ela me
espancava por todos os motivos. Porque meu pai batia nela, brigava com ela
ou porque tinha pego ele com uma de suas amantes. Eu sempre apanhava sem
ela se importar de descontar o motivo em mim, sem ter culpa alguma.
Ódio não era o sentimento que aprendi com isso. Mas foi quando meu
irmão mais velho nasceu, que ela me escolhera para apanhar e cada vez mais
meu pai gritava com ela. Por oito anos tive uma infância até tranquila, mas
bastou Colen nascer e depois Dario, para tudo piorar. Ainda bem que
Marinne nasceu quando eu já era um homem feito e, por sua vez, não podia e
não queria mais aceitar ninguém levantar a mão para mim. Porém, por anos,
minha mãe batia em Dario e Colen, mas era em mim que descontava sua
maior fúria.
Fui fraco. Não conseguia odiá-la e coloquei na cabeça de que, talvez,
vim no mundo para servir para isso: ser a válvula de escape para ela.
Quando fui à casa dos meus pais, onde vivi recebendo a ira que ela
sentia pelo meu pai, vi as pessoas (funcionários e guardas do meu pai, seus
soldados e aliados, pois não temos amigos) andando pela casa e se
lamentando.
Realmente foi lamentável, mais ainda o que passou na minha cabeça
quando recebi a notícia.
Ele morreu assim como ela.
Eu tinha sentido tanto alívio quando ela se foi. Minha mãe, a mulher
que me colocou no mundo, que, em vez de ensinar coisas boas, me ensinou a
virar uma fera, havia partido e agora meu pai também.
E hoje não sou mais o menininho bobo que apanha.
Hoje quem bate sou eu.
Quem faz sofrer sou eu.
Meus inimigos recebem toda a minha dor de quando criança. Virei
aquilo que sentia. Virei meu próprio medo. Foram anos com as costas sempre
fervendo, queimando de dor. Pele machucada. Com Rosália (a mulher que
realmente cuidou de mim e de meus irmãos) passando arnica nas feridas para
aliviar a ardência.
Mas ontem, quando olhei o corpo do meu pai falecido, não senti nada.
Nem mesmo alívio. Ele não merece. Até meus quatorze anos senti o couro do
cinto em minha pele. Mas, pensando bem, isso me transformou e me ensinou
a esconder meus sentimentos. Talvez eu nem tenha mais. Engoli tanto choro,
tanta dor, que não sei mais como se faz. Agora não sinto nada por ele estar
morto e nem por ninguém.
E foi tudo que me limitei a fazer. Não tinha nada o que falar. Eles
estavam mortos para mim desde quando fui morar na casa dos meus avós, a
vinte milhas de distância, onde vivi por anos e eles me acolheram para eu
poder estudar, pois uma das melhores escolas ficava próxima à mansão deles.
Eu queria me formar. Sempre gostei de estudar, e mesmo que meu
destino fosse fazer parte da Famiglia; ser um matador sem alma e piedade.
Eu não quis ser um ignorante e boçal como meu pai e seus homens. Meu avô
é o líder maior de todos nós, nosso Boss, e, quando Capo, foi muito
inteligente. Queria ser como ele foi um dia. Ter a crueldade, frieza e
artimanha para ser o melhor.
Tudo realmente está no meu sangue.
Sou leal a isso e agora serei o líder. Minha família vem em gerações
sendo líderes e comandando Nevada. Faço tudo pela Famiglia, meus homens
e minha linhagem.
O dia do meu juramento está com os dias contados, já que meu pai está
morto. E mostrarei que meus estudos irão nos guiar melhor. É irônico querer
ser inteligente para cortar a garganta de alguém, mas que se foda! Será assim.
Tornar-me-ei o chefe dos chefes, tomando o lugar dele.
Sentimento é uma mera idiotice, filha da puta, que pega as pessoas
mais fracas. Meus pais me ensinaram a ser frio, violento e a dor me fortaleceu
apenas. Quando chega a hora, eu luto, dou meu suor, minha fúria, meu
sangue por aquilo que tem valor. Nasci neste mundo insano e me moldei
nessa loucura que arrancou meu coração do peito e enterrou no deserto
escaldante de Nevada.
ABRIL DE 2011.
Meus olhos estão por todos os lados da boate. Não consigo tirar a
tensão que está comigo desde a hora que acordei. Merda! Não sei qual o
problema comigo hoje.
— Está tudo bem, senhor? — pergunta Luca, meu cinistro.
Desde antes de eu tomar a posse que fora do meu pai, morto há seis
meses, ele está do meu lado. Achei lógico ele manter o posto, mesmo que eu
não confie nem mesmo em minha própria sombra e, no fundo, não confie
muito nele. No entanto, enquanto não acho meu próprio braço direito, fico
com ele, odiando a ideia de estar à sombra do meu pai em tudo ainda.
— Mais ou menos — respondo seco.
Nunca estou de bom humor, acho que nem tenho, e estou no grau de
matar um gato com um pisão. Isso está se arrastando desde o funeral do meu
pai e me deixando muito puto comigo mesmo. Eu não achei que ficaria
assim. Nem era para estar. Sua morte fatídica com seus capangas me trouxe a
“coroa”, vamos dizer assim. Há cento e oitenta e um dias, eu sou o rei de
Nevada, embora me sinta mais o rei de Las Vegas. Sempre terei a imagem de
meu avô como rei dessa merda toda, mas sei que uma hora também tomarei
seu lugar, principalmente levando em conta seu estado de saúde há um mês.
Luca faz um aceno com a cabeça e me deixa em paz, indo para a porta
do meu escritório. Ótimo. Aprecio muito mesmo quando meus homens
entendem do que eu preciso.
Como sempre, fico enfurnado no meu escritório resolvendo os
problemas do dia e os que vão surgindo durante a noite. É incrível como uma
boate precisa ser controlada. Fora que, mesmo aqui, tenho total controle dos
meus cassinos e do cabaré. Quem fica de olho nos hotéis são meu consigliere
e eu, quando preciso, apenas.
Mas hoje não estou com muita vontade de trabalhar. Quero ao menos
beber um pouco e relaxar. Chegar em casa e me jogar na cama, amanhã
resolvo tudo.
Irrita-me como as pessoas acham que ser um líder é fácil.
Sinceramente preferia ter meu pai vivo apenas para eu poder voltar a curtir
minhas horas como eu gosto: bebidas, mulheres e cassino. Eu gosto muito de
jogar.
Virando-me, vou até a minha mesa e pego meu copo de uísque.
Entorno toda a bebida, deixando o copo vazio de lado. Pego meu paletó e
saio do escritório.
A música alta e eletrônica me atinge de forma ensurdecedora. Estou
acostumado e consigo quase fazê-la sumir, tornando-a um zumbido no fundo
da minha mente.
Com poucos passos, estou no corredor dos camarotes que leva ao meu.
Vejo meu irmão mais velho, sorrindo para mim, no meio de várias mulheres.
O costumeiro de Colen. Faço um aceno de cabeça, caindo para o lado
esquerdo e ele assente entendendo que estou indicando que vou para o
camarote da família. Onde eu me permito ser apenas um homem querendo
me distrair.
— Boa noite, senhor — diz Antonela Braz, minha assistente pessoal.
Podemos dizer que ela trata dos meus interesses internos e externos.
Afinal, é quem consegue as mulheres para mim, pelo menos as que eu não
pego no fogo da paixão. O que acontece é que Antonela pesquisa e puxa
informações da minha amante, ou pretendente de uma noite só, sem ter o
risco de se tornarem uma pedra no meu caminho depois e acabar terminando
em banho de sangue.
Sou prevenido e não gosto de me meter em problemas sem motivos,
diferente dos meus irmãos e do meu pai. Aquele lunático era tão sem
compromisso com nada, que chegou a comer a mulher do seu primeiro
consigliere, que, no fim, o cara foi morto na cama com a própria esposa, que,
segundo informações, pediu para se manter como amante do meu pai.
— Boa noite — devolvo e passo por ela calmamente.
— O senhor não disse que viria hoje. — Ela vem atrás de mim e
permito.
Antonela é como se fosse meu braço direito na boate. Gosto do fato de
ela ser fofoqueira e me contar tudo, absolutamente tudo, que se passa por
aqui.
Depois que entro no camarote falso, o qual os estranhos podem entrar,
abro a porta secreta e realmente entro no camarote da família, que mandei
fazer para eu curtir a boate e ficar de olho em tudo.
— Eu sempre venho de surpresa, Antonela, não estou entendendo
você.
Escuto-a resmungar, mas ignoro.
Subo os três degraus e me sento no grande sofá preso à parede e com
uma mesa oval no centro, em frente a ele. O fato de ficar um patamar acima
do chão me permite ver a boate toda. Além disso, o camarote se localiza no
canto esquerdo, próximo ao palco e do DJ. Mandei fazê-lo todo de vidro,
chão e as paredes para a boate, totalmente camuflado. Ninguém desconfia
que ele está aqui e, como disse, poucos o conhecem.
A porta para entrar é falsa, uma parede que se abre puxando uma
garrafa de uísque de mentira do lado de dentro do outro camarote, mas não é
tão simples assim. A garrafa tem detector de digitais, que só funciona comigo
e meus irmãos. Aqui só entra quem nós confiamos de verdade e em nossa
companhia. Com toda certeza posso falar que é o lugar mais seguro da boate,
até mais do que o escritório.
Por precauções de possíveis divergências com inimigos e outros,
preparei-o para proteger meus irmãos e quem eu achar que precisa ficar aqui
dentro até eu resolver que pode ser liberado. Como quando escondi uma
garota do namorado violento. Ainda bem que não tive que matar ninguém
naquela noite. Foi por pouco.
Desabotoando meu paletó, vejo Antonela mexendo no seu tablet
impacientemente, e depois colocar entre o braço e me direcionar um olhar
fixo.
— Eu não quero nada hoje. Vim para me distrair e me contento em
ficar em silêncio. — Espero que pegue a dica.
Meneia a cabeça, concordando.
— Mas um Bourbon seria muito bom.
— Sim, senhor. Vou providenciar, mas qualquer coisa dou meu jeito.
— Pisca o olho e dá seu sorrisinho safado.
É claro que ela dá seu jeito.
Já perdi as contas de quantas vezes trepei com ela pela boate. No
escritório, na sala de reunião e até no salão, inclusive no sofá onde estou
sentado com as pernas separadas e os braços abertos sobre o encosto. Sei
muito bem o efeito que essa posição causa.
— Claro — afirmo.
Dando-me outro sorriso, agora mais aberto e determinado, Antonela
vai atrás da minha bebida.
Ela é uma ótima distração quando estou com a cabeça cheia. Mas
tirando-a, tenho outras formas de tirar meu foco dos deveres que adquiri
sendo Capo.
Eu não penso em matar o tempo todo. Não fico planejando dominar
outros territórios enquanto jogo pôquer com meu irmão. Sou um homem
normal, com um trabalho normal, porém peculiar. Defendo meu domínio nos
estados que faz parte da Lawless. Digamos assim.
Por exemplo, sinto-me cansado hoje e essa música está me irritando.
Fecho os olhos e deixo minha cabeça cair no encosto do sofá,
massageando minha testa com o polegar e o indicador. Acho que a última
missão não foi tão proveitosa assim. Ainda estou meio surdo por causa do
barulho do disparo da arma de Luca. O imbecil simplesmente atirou tão perto
do meu ouvido, que por pouco não arrancou minha orelha. Aquele idiota!
Quando eu penso que iria relaxar hoje, me vem uma dor de cabeça
iminente prestes a explodir nas minhas mãos. Tudo por conta de uma filha
mimada de um policial, que, francamente, era para ser a ordem, não um ser
tão desprezível.
Levanto-me decidido e dou um olhar de comando aos meus homens.
Que se foda meu descanso! A minha lei e a minha ordem, eu faço.
— Tirem ela daqui agora!
— Por que, Travis? — pergunta Luca Bracy.
Há vinte minutos, estou atento olhando para o terceiro camarote do
canto oeste da boate. Paolo, meu consigliere e amigo de infância, já me deu
as informações de quem o alugou: um grupo de universitárias animadas e
dispostas a curtir a madrugada. No entanto, um dos nomes é familiar e não
gosto de saber disso. Se ela causar merda aqui dentro, eu mesmo vou me
encarregar de fechar o caixão.
O vinco da minha testa fica mais apertado encarando meu cinistro bem
sério. Tombo a cabeça para o lado e cerra a mandíbula.
— Quem é o chefe mesmo? — Minha voz soa amedrontadora.
— O senhor.
— E quem dá as ordens?
— O chefe.
— E o chefe quem é?
— O senhor.
— Ótimo, estamos esclarecidos. Então, não preciso da sua opinião. Vai
até lá e manda ela sair ou a tire à força se não obedecer.
Luca assente e se vira saindo do camarote falso; e, no mesmo instante,
Colen aparece com o copo cheio e seu sorriso constante.
— Parece que Travis arrumou um novo brinquedo.
Reviro os olhos e volto para o camarote da família, e claro que ele vem
atrás, tagarelando como sempre. Eu amo meu irmão, mas ele poderia levar as
coisas mais a sério.
— Por que você cismou com essa menina?
— E por que você não leva as coisas a sério?
Ele sorri e balança a cabeça, apoiando-se na parede de vidro, e de
propósito tapando minha visão dela.
— Eu levo e por isso acho que você está fazendo uma tempestade em
copo d’água.
— Não é. — Pego o copo e beberico meu uísque. — Falando nisso,
você poderia parar com a infantilidade e ir buscá-la para mim.
— Eu não vou buscar ninguém. Ela não está fazendo porra nenhuma,
man.
— Ela está infringindo a lei número um do código de sigilo. Você sabe
muito bem que o pai dela tinha um acordo com o nosso e onde eles faziam
negócios, mas a Famiglia nunca poderia chegar até a esposa ou a filha dele.
A não ser que...
— Ela estivesse dentro do nosso território — Colen completa, agora
sério.
— Justamente — findo o assunto. — E você sabe que tem gente aqui
dentro que estou vigiando há muito tempo. Eu posso ter vindo com o
propósito de relaxar e curtir uma noite de sexta-feira, mas, no fundo, estou
trabalhando. Se o imbecil do Yuri Avilov pisar fora da grama, ele morre
hoje.
Lembro-me como se fosse ontem quando aprendi as regras de
território, e como era – e é – fundamental cada um não invadir o espaço do
outro ou sair do seu. É uma das regras principais que aprendemos quando
viramos um Madman.
É muito fácil criar um conflito entre as Famiglie, seja grande ou
pequeno, simples ou um banho de sangue, e em apenas pisarmos na grama do
outro. Nos territórios ou de locais que estão banidos. Um conflito é um
conflito.
Meu irmão concorda com um aceno de cabeça e finalmente sai da
minha frente, e me surpreendendo também fica de olho nela.
A filha de Beluzzo é uma dor de cabeça para o pai e a Lawless há anos.
Pelo que eu soube, ela não gosta do que fazemos. Acha que todos nós
deveríamos apodrecer na cadeia pelas mortes e delitos diários cometidos. Ela
é a moralista de uma família torta. A fruta boa no cesto estragado. O pai, um
policial vendido e vigarista, um dos associados do meu pai, que passara para
mim. A mãe, filha de um soldado – da época do meu avô – sanguinário, que
casou a filha com um policial, porque todos os meios têm um fim em nosso
mundo. Luma Beluzzo é uma viciada em cassino, que, graças à lábia do
marido, não morreu seis anos atrás porque ele fez um acordo com meu pai
(mais um acordo). Desde então virou um associado ao meu pai, não apenas
para a Famiglia.
— Eu não vou me meter — Colen diz pensativo, ainda de olho na
garota. — Ela não é mais criança e acho que sabe o que faz. Já é uma mulher
crescida. Não é mais uma criança precisando de babá.
Concordo mentalmente e movo o pescoço, forçando-o até estalar.
Estou dormindo mal há dias. Talvez eu precise dos serviços de Antonela.
Para falar a verdade, não sei muita coisa a respeito da herdeira de Edgar
Beluzzo, apenas que é uma menina e nada mais que isso, além do seu caráter
solidário e honesto. Não sei quantos anos tem e a única vez que a vi, ela era
uma pirralha. Não me lembro dela. E tenho receio dela virar uma pedra no
meu sapato como o pai fora para o meu.
— Você não quer saber, mas parece saber informações que eu não sei.
Colen ri e vira apenas o rosto para mim e diz:
— Acho que é óbvio que ela é uma mulher crescida. Acabou de
terminar a faculdade e está bebendo sozinha com as amigas em uma boate às
três da manhã.
— Já pegamos várias adolescentes com identidade falsa, seu imbecil!
— Mas ela se formou — fala impaciente, desencostando-se da parede e
vem se sentar nos degraus perto da mesinha, onde deixa seu copo. — Às
vezes, você é muito chato, Travis. Vai arrumar uma mulher, pelo amor de
Deus!
Ergo a sobrancelha, fitando suas costas e me levanto do sofá, ficando
perto da parede de vidro. Procuro-a no camarote e não encontro. Então foco
na boate, no bar e a encontro.
— O que ela está fazendo agora? — solto em um resmungo
impaciente.
— O quê? — Colen aparece ao meu lado.
A garota, mulher, não me importo, está correndo pela boate como se
estivesse fugindo de alguém. Ela olha para trás, parecendo com medo e acabo
olhando também procurando alguém tão desesperado quanto ela. Merda!
Yuri Avilov.
Ele está atrás dela, passando pela multidão, empurrando as pessoas e
uma de suas mãos está dentro seu casaco de couro. Ele é filho de um magnata
russo, aliado à Bratva (que é nossa rival desde que o mundo do crime é
mundo): Ivon Avilov. Entretanto, a lei do meu pai era não misturar lazer com
negócios. Assim todos os cassinos, bordéis, boates e danceterias da Famiglia
sempre estariam abertas para eles, e todos de Nevada e visitantes.
Bene, ma nel mio regno nessuno lo farà.[1]
— Vai na frente, que eu te sigo — digo virando-me e pegando meu
celular no bolso de dentro do paletó. — Vou ligar para o Paolo.
Sem dizer uma palavra, Colen sai às pressas atrás dela.
Faço uma ligação ao meu consigliere, que atende rapidamente.
— Travis?
— Você ainda está perto do bar?
— Sim.
— Então intercepta Yuri Avilov agora. Ele está atrás de uma garota e,
se ele derramar um pingo de sangue aqui dentro, eu derramo o dele no café
da manhã do pai dele antes do galo cantar. — Desligo.
Dando uma última olhada, encontro-a escondida atrás da pilastra perto
do banheiro. Ela olha para todos os cantos; quando vê Paolo indo até Yuri e o
parando, aproveita e entra no banheiro. Garota esperta!
Saio do camarote, trancando-o. No corredor vejo Antonela falando
com alguém.
— Qual o problema, Travis? — pergunta me seguindo, pois não parei
para ela. — Você parece preocupado. Me fala, que resolvo.
— Não. Fique aqui — digo já descendo os primeiros degraus da
escada.
Queria entender qual é o problema de eu querer resolver tudo? Meu pai
sempre foi de mandar resolverem as crises, mas eu não. Por que diabos eu
não posso fazer?! Que inferno!
Pego meu celular e aperto a rediscagem. Paolo atende prontamente de
novo.
— Não fala meu nome.
— Okay.
— Eu quero que você chame Luca e o mande me encontrar na porta
dos fundos. Mas não diga isso assim. Fale em códigos. Quero saber o que
Yuri quer com a filha de Beluzzo.
— Sim — ele afirma.
Encerro a ligação, guardo o aparelho no bolso e com passos firmes
atravesso o mar de pessoas, mexendo-se o tempo todo, dançando a música
eletrônica. Em uma noite normal, eu acabaria aqui também. Hoje não. Desde
que começou o dia, eu estava agitado. Devo ter alguma ligação com o inferno
para saber das merdas que acontecerão a seguir no submundo que seria a
superfície, a face do crime.
O que os russos querem com Edgar Beluzzo?!
Enquanto vou me aproximando do banheiro, um estalo acontece na
minha cabeça e lembro o nome dela: Madeleine. Eu a encontrei um ano atrás,
na última festa que meu pai fez. Lembro-me de como ela me olhou. Jurava
que ia vomitar a qualquer momento em meus pés. Realmente deve odiar o
que fazemos e, com certeza, a ligação que seu pai tem. Bene, ela era para
odiar mais o próprio pai.
Edgar não é apenas um policial corrupto à procura do seu bem-estar
sem medir os danos. Acredito que nunca pesou seus atos. É inescrupuloso e
não tem limites, nem mesmo para com sua família.
Quando começou a mexer com o jogo de poder da máfia, muitos anos
atrás, deparou-se com Vitorio Malvez, Boss da Blood Hands, que por
diversas vezes tentou (e tenta) dominar Nevada e derrubar meu avô e meu
pai, até que conseguiu matar meu pai há poucos meses, mas Nevada ainda é
nossa. Agora está sob meu domínio.
Há uns dez anos, Vitorio estava fazendo um acordo com Edgar, para
ele ajudá-lo a passar pelos nossos homens que ficam espalhados por Las
Vegas, onde residimos, e chegar até o nosso maior cassino e tomá-lo. Uma
verdadeira guerra em seu plano de domínio. Nisso haveria banho de sangue e
muitas vidas inocentes perdidas. Vitorio não tem limites, e Edgar também
não.
Porém, eles não contavam com uma ajudinha, que meu pai chamou de
divina. Embora a ironia, ele chegou a fazer o sinal da cruz quando soubemos
que Madeleine Beluzzo dedurou o próprio pai para a Lawless, nossa
Famiglia. Ela nos odeia, mas não queria morrer. Sua visão de mundo é certa.
Vitorio não cumpriria o acordo e não teria a mesma compaixão com os
Beluzzo.
O fim dessa história foi Edgar pedindo desculpas ao meu pai, tentando
barganhá-lo de todas as formas que um Capo pode precisar de um homem
dentro da lei. E tivemos Malvez e seus homens recuando com um aviso de
retorno.
Meu pai não aceitou de bom grado o perdão de Edgar, mas jurou que
sua filha sempre estaria protegida por nós, como um agradecimento pelo que
ela fez. Só que nós não poderíamos protegê-la do próprio pai. No mês
seguinte, soubemos que ela foi mandada para bem longe de Nevada. Desde
então não soubemos mais nada sobre a garota.
Até esta noite. E talvez só estou prestes a entrar em um banheiro
feminino por honrar as palavras do meu pai. Não posso passar por cima das
palavras dele simplesmente porque morreu. Ele foi meu Capo e, mesmo
odiando-o como pai, respeitava como meu líder. Preciso honrar sua palavra,
sua ordem.
Estou a meros passos de chegar ao banheiro quando sinto meu braço
sendo puxado e apertado. Viro-me e encontro meu irmão.
— Não entre aí.
— Ela está lá dentro.
— Eu sei, Travis.
Dou-lhe um olhar interrogativo.
— Deixa que eu me entendo com ela.
— Mas por quê? Você não queria se meter e agora quer bancar o
herói? — Puxo meu braço. — Você acha que isso vai levá-la pra sua cama?!
— Não fode! — Colen esbraveja. — Só não quero problemas. Eu sei
como você é. Que merda, Travis! É por isso que eu vou embora e fazer minha
faculdade longe. Vou ficar longe de você e dessa merda de mundo. Não sei o
que estou fazendo aqui mais.
— Colen, não é hora pra ter crise de meia-idade.
— Não é isso, porra! Eu quis ficar com você, passar minhas férias com
minha família antes de voltar para Boston, mas não estou te aguentando
depois que o pai morreu. Você está se esquecendo do seu juramento de irmão
e virando realmente um Capo como o nosso pai. — Ele fecha a cara e cerra a
mandíbula. — Não se transforme nele.
Engulo em seco, sentindo a garganta queimar pela ira.
— Só estou fazendo o meu dever.
— Não. Você está louco, irmão. Tomar conta de tudo o tempo todo é
loucura. Nem o pai foi assim.
— Por isso o mataram.
— Ele morreu porque todos nós um dia somos pegos. Não se engane.
Não é se, é quando, Travis.
Fecho meus punhos. Se ele não fosse meu irmão e eu não desse meu
sangue por ele, já teria o acertado no meio da cara.
— Não importa. — Puxo o ar e solto arfando.
— Fica aqui que eu vou ver a garota, que não fez nada.
— Eu sei muito bem quem é o pai dela e vê-la correndo por aqui,
fugindo de alguém, não é algo que posso ignorar. Você está enganado se acha
que vou machucá-la. Eu quero salvá-la.
Colen toma uma postura diferente e pisca rápido.
— Não foi isso que você deu a entender lá em cima.
— Isso foi antes de eu descobrir quem ela é. De lembrar dela.
Ele franze a testa.
— Como assim?
Faço um resumo da história de como Madeleine se transformou na
queridinha do nosso pai e até minha, pois confesso que fiquei admirado na
época que soube da sua audácia. Ela é corajosa.
— Então agora você vai cuidar dela?
— É pela lei. Quando um Capo diz algo, devemos honrar. E mesmo
que ele já tenha morrido, eu vou protegê-la.
— Está fazendo isso por você então?
— Não. Estou fazendo pela honra.
Colen abre um sorriso de entendimento e assente.
— Então agora Madeleine está sob seu domínio?
Dou um simples aceno de cabeça como resposta.
Ela estará sob meu radar, só enquanto o pai dela continuar a,
possivelmente, atrapalhar meus passos. Tem algo que não cheira bem nas
ações de Edgar Beluzzo.
Eu poderia estar dentro de casa quietinha hoje. Por que fui na onda da
Bárbara? Merda mil vezes! Às vezes, considero-me uma mulher tão esperta,
tão adulta e decidida, mas então eu me esqueço de que o mundo não é um
filme e existem perigos por toda parte, inclusive quando tenho um pai filho
da puta.
Por que ele foi se meter justamente com a Bratva?
Já faz anos que descobri seu envolvimento com os russos e que o
dedurei para o Manda-Chuva de Las Vegas, para não acontecer uma
atrocidade por aqui e tirar eu e minha mãe (mesmo que ela seja uma lunática
e só pense nela e nos seus vícios) do perigo iminente. Eu posso ter sido
enviada para longe por ter a boca grande, porém não mudei minhas
convicções. Acho que, durante esses oito anos longe, peguei mais raiva dele e
desse mundo imundo de impunidade e crimes.
Com dificuldade, limpo minha boca com o papel higiênico e saio da
cabine do banheiro empurrando a porta com o cotovelo. Na pia, encaro uma
garota pálida, que a única cor que sobressai é o vestido vermelho (colado
demais no corpo que a amiga escolheu com segundas intenções para o
término dessa noite) e os cabelos que eram castanhos há dois meses e agora
são loiros quase brancos (que todo dia parece ser uma novidade) e os olhos
azuis que a maquiagem extremamente exagerada, que eu não queria, faz
sobressair.
Respirando fundo, apoio minhas mãos na pia e deixo a forte pressão
que sinto na cabeça tomar conta de mim. Sinto-me sem forças e tento me
acalmar agora que meu coração bate normal após eu jogar tudo que comi o
dia inteiro para fora no vaso sanitário mais sujo que já vi na vida.
Merda! Desde que voltei para Nevada, minha vida anda muito
complicada; mesmo sabendo disso e estando ciente da situação, não sei o que
aconteceu lá fora. Porque, de repente, apareceram homens estranhos atrás de
mim no meio de um ninho de cães e gatos. E eu sou a ratinha sendo
perseguida.
Isso me deixa afoita novamente. Minha respiração está tão acelerada,
que preciso puxar e soltá-la para não ter um infarto. Quando abro os olhos e
enxergo melhor onde estou pondo minhas mãos, faço um som de nojo e corro
para lavá-las. Credo, por que mulher tem que fazer isso em banheiro
público?! Sempre procuro acreditar que nas casas delas, elas são limpas, ou
pelo menos conservam a limpeza que alguém faz.
Sacudindo as mãos, caminho até o secador e, assim que posiciono
minhas mãos embaixo do eletro, o barulho da música eletrônica do lado de
fora cessa e só me restam ruídos e o som de um vento forte saindo, atingindo
minhas mãos.
Por alguns minutos me esqueço de que estou sendo seguida e o frio na
minha barriga desaparece, e então ouço:
— O que você está fazendo?
Franzo a testa para a voz grossa e rouca. Virando-me rápido para a
saída, vejo um homem de terno de risca de giz, cinza, e uma gravata azul-
escura.
— Quem é você? O que está fazendo aqui?
— Você sabe quem eu sou. Então faça o favor de responder à minha
pergunta.
— Mas primeiro você tem que me dizer quem é.
Dando dois passos, ficando mais perto de mim, ele solta as mãos ao
lado do corpo e as pernas se afastam em uma postura que, com certeza, deve
usar muito para impor respeito e medo.
— Esqueceu o que você fez dez anos atrás? Porque eu não. Mesmo
com tantas coisas na minha cabeça, não consegui esquecê-la e o que fez para
os homens que tanto odeia.
— De certo modo, não fiz por você e nem pelos seus homens. Odeio a
máfia e tudo o que fiz foi porque eu queria viver mais um dia.
— Ora, ora, parece que você se lembrou de quem eu sou, e o que fez.
Seria bom lembrar também o que está fazendo aqui agora e por que esses
homens estão atrás de você? Será que se meteu no assunto que não lhe diz
respeito de novo, Madeleine?
A voz dele está um pouco alta demais e sua paciência já não está lá tão
certa. Enfiando as mãos nos bolsos da calça, arfa com força. Acho que gosto
do fato de ele ficar irritadinho perto de mim.
— Eu não sei, e a única coisa que quero agora é ir para a minha casa.
Ele dá uma risada meio macabra, tipo aquelas de filme de terror, e
balança a cabeça negando.
— Isso você pode apostar que não vai acontecer agora.
— Como é que é? Você não pode me impedir de sair — digo
entredentes querendo mostrar a minha convicção de que não pode me dar
ordens, ninguém pode. Eu sou maior de idade. Lamento extremamente esse
pensamento adolescente e rebelde. Ah, que se dane!
Ele dá mais um passo e sua mão vai parar dentro do paletó.
Ai, merda! É agora que vou morrer!
Se vou morrer hoje, que seja com dignidade. Aprumo minha postura e
pisco algumas vezes para limpar minhas vistas, que ficaram embaçadas.
Vou em sua direção, querendo me desviar e seguir para a porta e sair.
— Vai aonde? — pergunta segurando-me pelo braço.
Desço meus olhos e fito sua mão rodear em cheio meu braço, como se
eu fosse uma mera criança. Franzo a sobrancelha, na verdade fecho a minha
cara na careta mais zangada possível, e levanto meu rosto para encará-lo.
— Aonde eu quiser.
Suas sobrancelhas erguem-se sutilmente. E me soltando, projeta o
corpo a ficar na minha frente e, definitivamente, não irei sair daqui a não ser
que deixe.
— Não é assim, signorina.
Respiro fundo e fito seus olhos azuis. Sua beleza confunde como a luz
para um pernilongo. Nos enfeitiça até nós levar à morte.
Embora eu saiba disso, não deixo de admirar o quão belo é. Seu rosto
parece ter sido esculpido por um artista, os traços bem delineados e firmes.
Os lábios carnudos e claros, as maçãs do rosto acentuadas e levemente
cobertas por uma barba rala, sobrancelhas na distância certa e grossas. O
nariz me chama atenção por ser tão certinho e a ponta quase quadrada, assim
como seu queixo, que fica mais firme o contorno quando cerra o maxilar. No
entanto, o que me deixa mais hipnotizada, são suas irises azuis. Um azul-
escuro e denso.
Eu deveria fugir... mas ops, ele é o muro de um metro e noventa, que
me impede de fazer o certo. Ficar o mais longe.
— Algum problema?
Enfurecida, levanto minha voz e digo bem furiosa para ele.
— Você colocou seus homens atrás de mim. Eu não sou como vocês.
Não sou uma criminosa e assassina.
— Eu não...
— Quem você pensa que é? — Atropelo sua fala.
— Cale a boca e me deixa falar!
— Quem você pensa que é?! — repito me sentindo ofendida.
— Cale a boca! — grita mais alto e dá um passo intimidador.
Levanto a cabeça para conseguir manter o contato visual.
— Eu não coloquei ninguém atrás de você. Na verdade, eles vieram
depois que você começou a correr.
— Eu não acredito em você. — Dou um passo ficando muito perto e
aumento minha voz. — Eu não confio em você. Eu. Não. Conheço. Você!
— Mas sou a única pessoa que pode ajudar você a sair daqui viva. —
Cerra os olhos, bem intimidador. — Então terá que se contentar com isso, se
não quiser morrer esta noite.
A raiva me corrói, porém o tipo de reação que o olhar mau dele
provoca me deixa meio sem ar e, mentalmente, estou me abanando. Porque
não sou cega para negar como é lindo. Até o seu nariz meio tortinho e o canto
direito da sua face, que tem uma leve falha que, ao dar seu sorriso perverso,
enruga a sua boca. Não é muito grossa, nem muito fina e ele é tão musculoso,
que algumas veias do seu pescoço são saltadas. E consigo perceber, mesmo
com o terno, os pelos do seu peito. Oh, meu Deus do céu! Ele me causa
calafrios, um medo terrível e um tesão alucinante. Eu deveria pensar em outra
coisa que não seja sua beleza.
— Você vai me acompanhar por bem ou por mal?
— Acha mesmo que vou confiar em você.
— Essa é a alternativa — fala entredentes. — Ou morrerá aqui pela
Bratva. Você que sabe.
— Mas eu não te conheço.
— Olha, Madeleine, vamos deixar as coisas bem esclarecidas. — A
voz dele está baixa e ouço com total clareza. O que é estranho. — Você sabe
quem eu sou e isso já basta. E tenho certeza de que se recorda de que eu não
gosto muito de brincadeiras.
Reprimo a vontade de rir e ponho minhas mãos na cintura, sendo
ousada. Claro que me lembro dele. Nunca conseguiria esquecer seus olhos
azuis penetrantes olhando para mim com certo nojo e desconfiança. Ele foi
um babaca, porque não acreditava que eu estava lá ajudando o pai dele. Se
não fosse eu, tenho certeza de que não estaria vivo e não teria a permissão de
me tratar como está fazendo agora, mas talvez eu tenha que confiar nele
agora e dar o braço a torcer, mesmo que eu odeie essa situação.
— Como é que é o seu nome mesmo?
— Travis e você sabe disso. Mesmo que se esforce para esquecer, acho
que nunca vai conseguir apagar da sua memória aquela tarde onde foi
procurar o meu pai para falar do seu.
— O seu mal é que você é convencido demais — digo com vontade de
dar uma resposta malcriada, mas sou interrompida quando a porta do
banheiro abre abruptamente e outro homem, tão parecido com Travis, surge.
— Vocês vão demorar muito? Porque parece que a Bratva não está
com muita paciência.
— Podemos ir.
— Para onde você vai me levar?
Travis vira-se para mim e responde olhando em meus olhos,
fixamente:
— Primeiramente pra fora da boate, depois eu decido.
— Eu posso ir pra casa e aí você não precisa tomar essa
responsabilidade, que não está nem um pouco a fim de fazer.
— Se eu não quisesse estar aqui, não estaria. — Toca meu queixo. —
Para sua informação, não sou eu o encarregado de lidar com crises como a
que você está causando na minha boate.
— Então, agora eu sou uma crise?!
— Com certeza, e está me deixando extremamente irritado. E você...
— ele fica mais próximo, no seu limite, fazendo seu perfume almiscarado
penetrar a minha alma, assim como seu olhar cruel — não quer me ver
irritado — termina a frase.
— Vocês podem discutir dentro do carro ou de algum lugar mais
seguro porque estou falando sério. Eles estão loucos para pegá-la.
O frio na minha barriga fica mais intenso e, respirando profundamente,
aceno mostrando confiança e determinação. Embora seja tudo fingimento. O
que eu queria mesmo era estar na minha casa.
Travis não diz mais nada, pega o celular, dá as costas para mim e,
dizendo algo para o outro homem, passa por ele e sai.
— Você deveria se sentir lisonjeada dele querer resolver isso com as
próprias mãos.
Oras, não vou nem dormir.
— Agora vamos. — Dá-me as costas também e diz: — Me siga e
quietinha.
Desconfiada, como já era esperado, entro no carro, um gigante e
preto Escalade, e logo em seguida Travis entra falando com o outro homem
que invadiu o banheiro.
— Ele se mandou?
— Na verdade foi pra garagem.
Travis balança a cabeça.
Uma batida forte soa pela frente do carro junto com uma voz:
— Já podemos ir?
— Claro — o outro homem responde e pega o celular no bolso de
dentro do paletó, tão parecido com o... Na verdade, ele lembra muito o
Travis. Mesma cor dos olhos, mesmo queixo e porte físico. Até a altura
parece quase igual.
— Vocês são parentes? — pergunto, porque definitivamente não sei
calar a minha boca.
O que parece ser o mais novo, que entrou depois no banheiro e tem os
cabelos mais claros, olha para mim e abre um sorriso presunçoso de lado.
— Somos irmãos — responde com uma voz rouca e consegue abrir
mais o sorriso.
Mm... Agora está explicado o olhar gélido. Tão cruéis e silenciosos.
— Hum... — Travis solta um resmungo, sem olhar para mim, enquanto
mexo no celular.
Por que ele tem que ser tão rabugento? Que cara chato!
Acho que esse é o jeito dele de sempre. Forçando minha mente,
consigo lembrar a primeira vez que o vi. Ele estava todo de preto, calça de
linho e um suéter cinza. Mais jovem, até tinha o rosto um pouco doce e
amigável, mas os olhos compenetrados e atentos são os mesmos. Lembro-me
de que, enquanto o pai me ouvia falar sobre o meu, Travis ficou ao lado,
distante, observando e desconfiado. Eu o peguei me fitando mais de uma vez
naquela tarde, que perdurou até a noite, já que fiquei umas quatro horas na
casa dos Lozartan. Eles quiseram me deixar lá por algum tempo, protegendo-
me. Temiam o que aconteceria comigo após ter feito aquilo. Meu pai é um
babaca e sempre teve suas alianças erradas, mas não acredito que me faria
mal de propósito. Pensando bem, fico indignada em como meu pai consegue
continuar fazendo merda.
Nunca gostei dessas Organizações. Acho que todos eles são lunáticos e
gostam de botar pavor nos que não tem nada a ver com as maracutaias deles,
porém não posso omitir e ser leviana em questão de como são protetores com
suas famílias e com seus homens.
Aquela tarde foi marcada para mim como um divisor de águas, onde
consegui enxergar quem são os Lozartan e como atuam de forma clara e
certa. Como uma frase muito comum, para eles é tudo Preto no Branco. E,
pelo que eu vi hoje, Travis não deixa isso passar despercebido. Mesmo que
você não tenha nada a ver com a organização de Las Vegas, se ele estiver
disposto a te salvar ou tiver algum interesse envolvido com a sua vida ou seus
negócios, ele irá até o fim.
Ironicamente me sinto lisonjeada, a contragosto, mas não irei dizer isso
em voz alta nem sob tortura. Continuo odiando a máfia com o mesmo fervor,
assim como odeio todas as decisões do meu pai. Travis tem razão. Eu tenho
uma mãe viciada que não liga para ninguém. Ela não era para ser um terço da
mulher que é hoje, pela criação que teve. Vovô foi chefe dos soldados na Era
do Boss de Nevada quando Vincenzo, o avô de Travis, era Capo.
Meu pai é totalmente maquiavélico, interesseiro e tenho uma forte
impressão de que os homens que estavam me procurando na boate têm a ver
com alguma merda que ele fez mais uma vez.
Meus pensamentos são interrompidos quando meu celular toca dentro
da bolsa. Pegando, atendo a ligação da minha amiga que estava na boate
comigo.
— Meu Deus do céu, Madeleine, ainda bem que você atendeu! — diz
desesperada, sem fôlego. — Onde você está?
— Bárbara, não fique em pânico. Eu estou bem — murmuro para não
chamar atenção.
— Aonde você está? Já saiu da boate?
— Sim, eu já saí e acho que estou segura. — Quando digo isso, os
olhos de Travis levantam cerrados para mim, como uma flecha que atinge o
meio do peito.
Não sei qual é o tipo de sensação que acabo de presenciar, mas é algo
entre o pânico e, sendo sincera, não sei qual o nome que posso dar. Em seus
olhos azuis há uma certa desconfiança, incredulidade e até ironia. Acho que
ele não esperava eu falar que me sinto segura perto dele quando deixo tão
claro que o odeio. Okay, eu não o odeio particularmente, mas o que
representa.
— Ainda bem que você está bem. Quando chegar em casa você me
liga, por favor.
Assinto antes de dizer:
— Tudo bem, Bárbara. Quando eu chegar ao meu destino ligo pra
você. Pode ter certeza disso!
Essa frase foi duplamente intencionada para Travis, afinal de contas,
estou prometendo para uma pessoa que irei ligar quando estiver segura dentro
de algum lugar, seja na minha casa ou aonde ele quer me colocar.
Então, ele tem agora o compromisso de, pelo menos, deixar eu ligar,
até mesmo se me sequestrar. Sei muito bem que eles fazem isso para
conseguir informações “amistosas”, para não dizer ao contrário.
— Eu vou esperar. Não deixe de me ligar. Aqueles homens me
assustaram.
“A mim também, amiga”, penso fitando o rosto de Travis abaixado,
atento ao celular.
— Está bem, Bárbara. Eu não vou deixar de ligar para você e deixa de
ser chata.
— Beijo, amiga.
— Beijo — replico e logo encerro a ligação colocando o aparelho de
volta na bolsa.
Travis ainda está olhando para o celular, mas assim que fecho minha
bolsa, cujo zíper faz um som alto, ele olha para mim. Agora seus olhos estão
cerrados e ele endireita o corpo, aprumando. Está atento e, quando coloca
suas mãos sobre os joelhos, que estão afastados numa posição nada sedutora
para um homem extremamente lindo, abre um sorriso de lado.
Espero-o dizer algo, e nada vem após alguns segundos. Portanto, tomo
a iniciativa. Que coisa! Ele fica me olhando assim com esse olhar frio e
calculista. Esse sorriso maquiavélico. Ao mesmo tempo que meu coração
acelera, certas partes do meu corpo ficam arrepiadas, sensíveis. Como se eu
precisasse das suas mãos em mim. ODEIO isso. Ele é o pecado com todas as
palavras.
— Você vai me dizer agora para onde está me levando?
— Quando chegar, você vai ver e pode ter certeza de que vai ligar para
a sua amiguinha. — Fica sério e baixa o tom da voz, deixando-a rouca. — Eu
não pretendo fazer nada de diferente e nada do que está passando por sua
cabeça.
— Ainda bem que está me dizendo isso. — Dou um sorriso de lado. —
E não tem nada passando por minha cabeça. — Cruzo os braços, dando-lhe
um sorriso cínico.
Ele mexe as sobrancelhas, zombeteiro, e pega o celular de novo, que
eu não ouvi e nem ninguém. É provável que o aparelho nem tenha som
nunca, estrategicamente, para manter o silêncio. Por que correr o risco de ser
pega em uma emboscada desnecessariamente? É uma droga eu saber tanto
sobre eles e tudo por culpa do idiota interesseiro do meu pai.
— Sim? — indaga Travis, simples e calmo: O dono do mundo. —
Pode ser. Fique na porta. Estamos chegando.
Curiosa, olho para a janela e tento enxergar para onde estamos indo. Só
vejo luzes e ouro. Pilastras altíssimas e flores. Os cassinos de Las Vegas são
tão mágicos e hipnotizantes como a beleza de Travis. Quando o comparei
com as lâmpadas para os insetos, bem, os cassinos têm o mesmo efeito. Nos
puxam, nos sugam, até nos matar ou deixar sem nada. Vale muito a sorte.
O carro pega a Av. Harmon 32 passando – sem se preocupar com o
sinal no amarelo – pelo hotel Paris Las Vegas e logo entra no retorno, porém
me surpreende quando segue em frente, entrando pelo caminho principal do
Bellagio. Abro a boca e espero o carro parar. O irmão de Travis sai primeiro
e segue com dois homens de ternos pretos que estavam no carro que nos
seguia. O motorista e o outro, que estava no banco do carona, sai e espera
Travis, que me deixa ainda mais surpresa quando estende a mão para mim ao
sair.
— Algum problema para você não ter saído ainda do carro?
— Tem certeza de que vai me deixar aqui?
Seu rosto sempre indiferente e frio, cria um vinco na testa, mostrando
confusão.
— Sim. Por quê? — Oferece a mão e balança como se dissesse para eu
aceitar de uma vez.
E eu faço seguido de uma pergunta:
— Para quê?
Olho para ele, que está ainda mais fechado. Sua máscara poderosa e
cruel está em total sincronia com seus passos marcantes. As pessoas o olham
com respeito e, talvez, medo.
— Não precisava ser tão luxuoso.
Ele não me olha, mesmo eu falando com ele. Porra! Minha cabeça está
virada, o pescoço erguido e quase caio quando tropeço.
— Presta atenção — diz agarrando meu braço, impedindo-me de cair.
— Então me responde!
— Senhor Travis, boa noite.
Viro-me e vejo uma mulher linda, loira, alta, peituda e sorridente
demais.
Sem dizer uma palavra, ele estende a mão e pega uma daquelas chaves
de cartão e volta a caminhar, entrando na parte do hotel.
Espera aí... Sem check-in?!
— Você conhece alguém daqui?
— Ele é o dono — responde uma voz nova.
Virando-me, dou de cara com um homem tão tenebroso, que recuo um
passo, afastando-me.
Ele é muito alto, até mais do que Travis, tem os cabelos castanho-
escuros com vários pontos brancos, marcando sua idade ou, como alguns
homens, o grisalho chega mais cedo, afinal seu rosto não aparenta que tem
muitos anos. Só o que vejo em seu rosto, marcado por uma máscara nítida de
frieza e maldade, são os olhos negros e a sombra de um sorriso que não sai
como se fosse o ponto alto da sua intimidação para os outros. Travis tem os
olhos azuis impactantes, esse homem tem o sorriso. Meu Deus! Ele me causa
um misto de repulsa e pavor, mais do que Travis.
— Buona notte, signorina.
Meneio a cabeça aceitando o cumprimento, e desfocando sua atenção
de mim, Travis o chama pelo nome. Paolo.
Espera aí... Paolo?! Esse nome não é estranho.
Já ouvi Edgar falar seu nome várias vezes lá em casa, no entanto,
nunca o vi por lá. E meu pai adora levar “trabalho” para casa, à mesa de
jantar como se fosse a coisa mais normal do mundo os “negócios” que ele
trata com seus amiguinhos. Argh! Che stronzo .
[2]
Resolvo dormir logo. Não há nada nessa casa que me desperte interesse,
principalmente com a raiva que passa por meu corpo. Subo as escadas
depressa e entro no quarto, tranco a porta e me encosto. Inspiro e expiro com
força. O que acaba de acontecer não deve mais se repetir.
Corro para o banheiro e me encaro no espelho.
— Você precisa fechar essa boca, Madeleine.
Deixo a onda de medo e raiva passar, e jogo uma água no rosto. Depois
que escovo os dentes, penteio os cabelos, tiro o vestido, jogando-o no
recamier, que fica nos pés da cama, e me jogo na cama.
— UAU! — murmuro quase como um orgasmo sentindo o colchão. —
Odeio que tudo nessa casa é bom — penso em voz alta e completo
mentalmente: menos o dono.
Apago a luz do abajur e fecho os olhos torcendo para que o dia
seguinte seja melhor ou que eu dê a sorte de não ver Travis. Ele ficando puto
ou não, vou comer dentro do quarto. O mais longe dele.
Não sou o típico cara que fica pensando em coisas fúteis, principalmente
quando está no trabalho, quando estou em uma tocaia, mas não consigo
esquecer a voz daquela abusada me chamando de Meu Capo.
Puta que pariu! Ela escapou de ser agarrada por mim por um fio. Se
estivéssemos na sala de estar, eu a agarraria e a jogaria no sofá; com certeza
calaria sua boca. Precisei de todas as minhas forças para não a beijar e rasgar
aquele maldito vestido vermelho decotado tão apertado no seu corpo
delicioso. Caralho! Estou ficando duro de novo e isso não é bom. Não é bom
querer foder violentamente a mulher que está sendo uma pedra no meu
sapato. Não é bom criar relações com uma protegida. Isso não pode dar certo.
Eu nunca misturo negócios com prazer. Ela é apenas um negócio.
— Senhor? — Escuto Luca pelo ponto no meu ouvido.
Estou escondido no telhado do prédio, que fica em frente ao balcão
onde Yuri Avilov está, e Luca no carro, na esquina, esperando o momento
certo para interceptar aquele filho da puta. Eu poderia estar no cassino ou em
casa, tenho homens para fazer a função que estou exercendo hoje. Porém,
meus problemas com Ivon Avilov e a Bratva vão além do limite e da minha
paciência. Eles estão me provocando e por isso têm minha presença exclusiva
esta noite.
— Sim?
— Vi um dos homens dele sair do balcão. Acho que estão se
preparando para sair.
— Às vezes, não. Talvez só esteja conferindo o perímetro. Enzo ainda
está onde eu o mandei ficar?
— Sim e disse que consegue ver tudo.
Como disse, tenho homens o suficiente para interceptar meus inimigos,
ou alguns “amigos” e clientes que passam do limite, mas eu não sou meu pai.
Eu gosto de pôr a mão na massa e, de vez em quando, apertar o gatilho, se for
preciso. Eu mandei Enzo se esconder em um dos apartamentos onde estou no
telhado (precisamente no foco, sem a hipótese de me virem e o plano dar
errado), com a arma de longo alcance apontada e preparada. Vigio tudo pela
mira do fuzil.
— Ótimo, agora mantém o foco e, assim que perceber algum
movimento, me avise.
— Sim, senhor.
Deixo a transmissão no mudo para mim, mantendo o áudio deles. Eles
podem me ouvir o tempo que for, mas eu não sou obrigado a aguentar os
papos idiotas que sempre acontece, e eles fazem justamente porque deixo no
mudo. Luca é um péssimo piadista.
Quando meu pai era Capo, eu nunca o vi fazer o trabalho “braçal”. Ele
era mais de mandar e esperar o momento certo para colocar suas mãos no
trabalho, mas eu não. Gosto de sentir o pânico dos meus inimigos e confesso
que não apenas sinto prazer, como preciso estar presente quando um traidor é
pego.
Solto a respiração, caminho com passos largos pelo corredor do hotel
onde escolhemos interrogar Raul Patrício, um dos meus soldados, e posso
adiantar, que será ex em alguns minutos.
Deixo Paolo e Luca passarem na frente, entrarem (fazerem o que
fazem de melhor) e assim que recebo o sinal, entro no quarto deixando Enzo
e mais um soldado na porta; nem precisava disso, e não gosto de chamar
atenção em local que cuidamos para não ter tanto envolvimento conosco.
— Travis, eu juro que não...
— Calado! — Luca dá um soco com toda força na cara dele e.
chegando para trás, agarra os cabelos compridos do homem e puxa para o
alto até ele estar olhando para mim com apenas um olho, pois o outro já está
roxo e sangrando.
Meu cinistro nunca me espera.
— Não fale se não falarem com você.
Paolo se aproxima de Luca e coloca a mão no seu ombro, apertando
para pará-lo do excesso. Luca é meu cão brabo e muitas vezes precisa ser
colocado na coleira, como todo cachorro louco, no entanto, ele é um bom
homem para a Famiglia.
Enchendo os pulmões de ar, pego uma das cadeiras de madeira da
mesa do quarto, e virando-a, ao contrário, para mim me sento e encaro Raul.
— Você me conhece...
— Sim, eu conheço e...
— Não me interrompa — peço com a voz baixa e cerro a mandíbula.
Ele abre a boca, mas desiste e acho bom.
— Eu quero saber onde está a minha encomenda.
Ele balança a cabeça histericamente e arregala os olhos.
— Não sei do que você está falando, Travis.
Meneio a cabeça para a direita, cerro o maxilar e, fechando os olhos,
arfo com força. Fazendo um sinal com os dois dedos para Luca, ele pega
Raul pelo pescoço e o faz ficar mais perto de mim. Olho dentro dos seus
olhos e digo:
— Vou repetir só mais essa vez. Onde está a minha encomenda?
— Que encomenda? Eu não sei de nada. Juro que... — Paolo não o
deixa terminar quando pega sua arma e encosta no meio da sua testa.
— Responde o que ele mandou.
— Mas eu...
— Bastardo! — solto com raiva e me levanto jogando a cadeira para
longe. Pego-o pela gola do casaco de couro que está usando e arrasto seu
corpo até a parede, enforcando-o lentamente. — Você vai morrer de qualquer
jeito, mas seria bom morrer com o que resta da sua dignidade. Você me traiu.
Traiu a família.
Ele engole em seco.
— E você sabe o que acontece com traidores — concluo. Puxando o ar
de novo, forço minha mão no seu pescoço e digo com minha voz baixa e
rouca: — A questão é... vai continuar relutando em não falar aonde está a
minha encomenda?
— Mas... Travis, eu juro que... — tenta respirar — não sei.
— Como é que você não sabe? Acabei de pegá-lo na “Toca da gazela”
e tenho informações de que você vem traindo a Lawless há muito tempo por
dinheiro, seu drogado de merda! Eu não sou meu pai! — Cerro o maxilar. —
Eu não vou te dar um tiro no meio da cabeça e pronto, e acabou. Vou fazer
você sofrer. Vou arrancar os seus dedos começando pelas unhas. Vou cortar
lentamente cada pedacinho, depois vou arrancar sua mão, se não me falar a
verdade agora.
— Travis — interrompe-me e eu espremo meu antebraço em seu peito.
— E se você se importa com seus pais, seria bom abrir a boca.
Raul treme e seu olho bom pisca rápido. Acho que agora toquei no
ponto certo. Sinto que o fato de ele estar ficando sem ar também não faz as
minhas palavras serem levianas. E todo mundo sabe que eu não faço
promessas em vão.
— Você vai abrir a boca agora?
— Travis... não faça nada com meus pais... po-por favor. — Tenta
engolir.
— Eu não vou fazer, porque não quero. — Deixo bem claro isso para
ele. — Eles não têm culpa de terem um filho traidor.
Desfaço um pouco a pressão na sua garganta para ele respirar. Preciso
dele vivo nos próximos três minutos.
— Você era um bom soldado. — Acerto um soco com toda força no
seu estômago e o deixo cair no chão. — Agora, fala onde está?
Raul tosse um pouco, cuspindo sangue e se recupera depois de tomar
algumas respirações.
— Agora... só vai ter seu dinheiro. — Sua voz sai fraca.
Franzo a testa e me agacho, sentando-me em meus calcanhares e apoio
os cotovelos nos joelhos para conseguir olhá-lo nos olhos.
— Como é que é?!
— Já usaram.
Olho para o lado para não estourar os miolos dele agora.
— Usaram meio quilo de cocaína em uma noite?
Ele cochicha algo, que não entendo.
— Não ouvi!
Engole com muito esforço e levanta um pouco a cabeça para mim.
— Ele vendeu.
Figlio di una cagna!
Limpo a garganta e me levanto.
Viro-me para Paolo e, sem dizer mais nenhuma palavra, saio do quarto
e os dois soldados entram para fazer companhia a Luca. Paolo vem comigo.
Eles fecham a porta, mas antes ouço o primeiro de muitos gritos que Raul
dará pela próxima hora. Não gosto que percam tanto tempo torturando
quando já tenho as informações. No corredor, dou um olhar para Enzo, que
prontamente se coloca em movimento do meu outro lado.
— Ele falou onde está?
— Produto já em uso. Nada a fazer, apenas ficar de olho no dono do
“Toca da gazela”.
— Sim, senhor.
— Travis — Paolo chama minha atenção quando fala o meu nome
preocupado e me direciona um olhar nervoso.
— O que foi? — indago entrando no elevador e abrindo meu paletó.
— O que você quer que faça com o que resta?
Meneio a cabeça cerrando os olhos e fixo minha atenção nos números
que passam no visor do elevador.
— Eu deveria mandar um recado para os pais dele, mas... — faço uma
pausa e encaro Paolo. — Apenas se desfaça dele e dá a notícia. O pai dele era
um dos melhores soldados e, portanto, não terá retaliação por algo que não
fez.
Meu consigliere assente, embora não aprovando.
— Agora vou para casa. Enzo, venha comigo.
Com um aceno, eles acatam minhas ordens. Saímos do hotel, Paolo
entra em um carro, eu no meu veículo com Enrico dirigindo e Enzo ao lado.
Pego meu celular e vejo como estão meus irmãos. Colen anda me
preocupando e mandei Pietro ficar com ele, mesmo não sendo sua função
como general dos soldados. Mas eles são amigos e, antes que eu me
arrependa, prefiro essa escolha. Me preocupo que os rompantes de Colen
sobre a Famiglia possa levá-lo a cometer erros que ponha ele e a todos nós
em risco, principalmente agora com o problema do desgraçado do Beluzzo
com a Bratva e não vai demorar para eles descobrirem que a filha dele está
sob minha vigília. Apenas espero que demore. Não quero me arrepender disto
também.
São duas da manhã e a única coisa que quero é a porra da minha cama.
Deitar-me, fechar os olhos e desligar a mente, embora teria adorado uma
mulher em minha companhia. Mas hoje não deu, depois que resolvemos o
probleminha com Raul fui para o Bellagio ver os balanços e aproveitei para
jogar. Fui para que, de alguma forma, salvasse a noite estressante demais.
Não gosto de lidar com traição. Façam tudo que podem contra a mim, menos
trair.
Assim que o carro passa pelos portões, noto algo diferente nas luzes da
casa. Provavelmente, Marinne deve estar dando trabalho com a paranoia do
medo de escuro. Esfrego minha face com a mão aberta e mal espero o carro
parar em frente às portas duplas, e saio subindo apressadamente as escadas.
Geralmente, quando chego em casa a esta hora, estão todos dormindo.
Todos que moram aqui, a governanta, que não foi minha opção, ela fica
porque não tem lugar para ficar – viúva e sem filhos – e sempre que possível
está na cozinha fazendo receitas incríveis. Rosália já me fez ganhar uns
quilos por estar frustrada e analisando a luz acesa da cozinha, acho que tem
problemas no ar. E tirando ela, tem Marie Rose, que é, para todos os fatores,
a babá de Marinne. Minha irmã me dá muita dor de cabeça porque é uma
criança. Dario e Colen moram em outra casa e agora também mora – na
verdade é mais uma hóspede – Madeleine.
Tiro e jogo o paletó no sofá maior da sala e caminho até a cozinha para
tomar um pouco de água e ver quem está por lá. Franzo as sobrancelhas
vendo uma cena interessante. Comendo, não sei o quê, assisto Madeleine
apoiada na ilha do balcão da cozinha com seu lindo traseiro para o alto e os
pés mexendo ritmados. Não resta dúvida de que tem uma música em sua
mente.
Ela parece que sente a minha presença e logo se vira para mim
aprumando a postura. Engole seja o que está mastigando com pressa e
arregala os olhos.
— Boa noite — cumprimento cerrando os olhos para ela. — Dormir
não parece uma opção.
Ela mexe os olhos e quase sorri.
Não está com medo hoje, mas curiosa e ansiosa. Acho que não deve
estar acostumada a ver um homem com a camisa suja de sangue, o coldre no
peito com duas armas. Embora o pai dela tenha sido policial, duvido muito
que chegava em casa armado até as meias – duas no coldre, uma atrás no
cinto e duas facas nas panturrilhas – e todo sujo. Sem contar que aquele filho
da puta não era alguém que eu possa comparar a mim. Sei que sou um
assassino, mas tenho honra em todos os meus atos. Edgar era um viciado em
prostituta, dinheiro e um poder alucinado. Ele poderia ter sido um grande
aliado a Lawless.
— Não consegue dormir? — pergunto indo até a geladeira para pegar
uma garrafa de água.
— Mais ou menos isso.
Viro-me para ela tomando um grande gole d’água e deixo a garrafa no
balcão para apoiar minhas duas mãos ao lado.
— Aconteceu alguma coisa enquanto eu estive fora?
— Por que acha isso? — Eleva o queixo e vejo de relance os olhos
cerrarem.
— Você não está muito feliz por estar aqui, então — deixo a frase em
aberto.
— Não aconteceu nada. — Respira fundo e, comendo um pedaço de
maçã, pergunta após engolir: — Já conseguiu alguma informação sobre a
minha mãe?
— Ainda não.
Sinceramente, eu não quero falar para ela que as últimas ordens foram
para parar um pouco com as procuras de Luma. Pelo menos por dois dias.
Temos outros assuntos mais importantes que o fato de ter quase certeza de
que ela já está morta.
— Então... está bem. — Pega o prato, o copo e lava bem rápido.
Fico olhando sem parar seu corpo e a frase dela de mais cedo quase me
deixa de pau duro de novo.
— Cazzo — murmuro.
— O que disse? — pergunta quando está colocando a louça para secar.
Apenas balanço a cabeça e vou jogar a garrafa no lixo, o que me faz
ficar muito perto dela. Madeleine engole em seco e levanta bem o rosto. Nos
encaramos e sou o primeiro a desviar o olhar para a sua boca. Seus olhos me
deixam desconfortável e isso não é comum para mim. Nada me deixa dessa
forma.
— Hum-hum... — limpa a garganta e recua se afastando. — Eu já
vou... Vou me deitar de novo. Boa noite.
— Boa noite — devolvo e deixo ela e seu corpo delicioso passar por
mim.
Cazzo! Cazzo! Cazzo! Ela não deveria ficar andando com essa
camisola, sem roupão, pela casa. Estou ficando louco para trepar com ela e
ficar andando assim, só deixa as coisas mais difíceis de controlar meus
instintos.
Apagando a luz da cozinha, dou passos largos e logo estou do seu lado.
Encontro-a na escada e Madeleine me olha pelo canto de olho, de cabeça
baixa e os cabelos loiros quase brancos disfarçam o jeito que está me
olhando. Posso admitir só para mim que o meu irmão tem razão. Ela me
desperta interesse de todas as formas, principalmente o sexual. É de dar água
na boca e acho que o fato de odiar as regras da Famiglia, não acho que a mais
séria ela quer fazer. Casar virgem não parece ser algo que ela se preocupe e
nem com um bom pretendente para alianças, como tem que ser a minha
futura esposa, que Paolo vive enchendo minha cabeça sobre o assunto.
Merda! Um assunto entrou em outro sem eu nem saber o porquê. Vou acabar
entrando em colapso com meu consigliere.
Chegando ao corredor do segundo andar, continuamos a andar lado a
lado e, quando chega na porta do seu quarto, escuto-a suspirar alto antes de
entrar.
Desligando o despertador do meu celular, jogo-o para longe pelas
cobertas da cama e fecho os olhos. Não quero sair daqui. Estou irritada,
entediada e puta da vida. Sinto falta de fazer as minhas coisas: sair, ver
minhas amigas e ter minhas coisas. Travis me trancou na sua fortaleza de
marfim e não se deu o trabalho de perguntar se preciso de algo. Ele pode
achar que está fazendo um favor para mim, mas no fundo está me sufocando.
Também tem o fato dele despertar um desejo louco dentro de mim.
Ontem fechei a porta quase batendo na sua cara e, por pouco, não corri pelo
corredor, fugindo do seu calor.
Detesto me sentir atraída por Travis Lozartan. Ele é um assassino, um
criminoso e não meu herói. Estou aqui apenas por causa de um acordo de
anos atrás e, embora eu tenha pedido ajuda, não quis ser sua prisioneira. A
“obrigação” de honra dele era cuidar, não virar meu novo pai.
Argh! Como eu posso achar atraente a camisa suja de sangue dele e
suas armas. Ele deveria ter a decência de trocar a camisa antes de aparecer
assim. Ou não. Acho que o objetivo é impor o seu poder e o medo também
sobre todos.
— Acho que preciso colocar meus direitos na mesa.
Levanto-me jogando as cobertas para o lado e, decidida, vou até o
banheiro tomar um banho refrescante. Preciso de muita força de vontade para
falar com Travis. Aquele homem parece sugar toda a energia do ambiente e
de quem está em sua volta.
Logo que saio pelos portões da casa de Travis, sinto uma sensação
estranha. Pensei que ele não iria ceder, mas agora já faz duas horas que não
estou mais sob seu domínio. Encarando minhas roupas penduradas no meu
guarda-roupa, com as mãos na cintura, puxo o ar com força.
Sei que estou bancando uma idiota, porém eu pensei que ele fosse lutar
mais por mim. Como estive enganada. É, ninguém nunca realmente se dá o
trabalho por mim ou pelo que eu quero. Céus! Nem meu pai fez, que dirá o
Capo, que tem apenas um dever “significativo” comigo e o simples dever de
honrar a promessa do pai. Travis não liga para mim de verdade.
Minha cabeça está um turbilhão de pensamentos. Eu só queria voltar
para o que eu era antes de voltar para Las Vegas.
Embora tenha ficado muito triste de ter sido mandado embora,
sentindo-me rejeitada e renegada pelos meus pais, agora a única coisa que eu
queria era ir embora. Talvez eu faça isso. Vou para Cecília, para a casa dos
meus avós. Lá é seguro e vou ter pelo menos um pouco de amor.
— Ei, Made. Qual o problema? — Bárbara entra no meu quarto e
jogando-se na minha cama.
— Não tem problema nenhum — respondo de costas para ela,
mexendo nos vestidos de noite.
Não sei o que tem na minha cabeça. Me sinto fora de mim.
— Claro que tem. — A voz dela me desperta.
Viro-me e a encaro de longe.
— Até agora você não me explicou o que estava fazendo na casa do
Capo.
Odeio que ela também faça parte da Cosa Nostra. Seria mais fácil se
fosse uma amiga qualquer, mas as limitações da Famiglia não permitem se
envolver tanto com o mundo externo, principalmente quando seus pais são de
dentro. Eu tenho amigos de “fora” e se Bárbara fosse um deles, eu podia
mentir para ela dizendo que Travis é qualquer coisa e não o chefe da
organização criminosa. Ele poderia ser apenas um magnata ricaço e poderoso
de Las Vegas.
Mas não, ela sabe quem ele é muito bem e tem o mesmo tipo de
respeito que todos têm, que eu nunca tive e por isso talvez ele não ligue para
mim. Ele sabe que eu não gosto do que representa. Embora eu tenha o
conhecido um pouquinho melhor nesses últimos dias, ainda não consigo parar
de julgá-lo. No entanto, reconheço que Travis tem um bom coração com as
pessoas que ele (pelo menos) tem consideração. Acho que não gosta de
ninguém no fundo e só mataria metade de Las Vegas se acontecesse algo com
um dos seus irmãos. Fora isso, ele não liga para ninguém.
— Eu só... estava lá porque... Sabe aquela noite na boate?
— Claro que sei. Fiquei nervosa pra caralho.
Reviro os olhos com o jeito dela de falar.
— Então, não sei o que houve e depois meu pai morreu e... O que eu
fiz, anos atrás quando meu pai quase acabou com todos nós. Sabe o que é?!
— É claro que eu sei! — diz com nojo. — Por isso que eu odeio seu
pai e não sinto nada pela morte dele. Foi mau. — Engole em seco e tenta se
desculpar. — Mas ele era horrível. Um filho da... — Pausa e se corrige. —
Um homem extremamente ganancioso.
— Não precisa usar palavras bonitas perto de mim, Bárbara. Eu sei que
meu pai era um filho da puta e mereceu a morte, que provavelmente deve ter
sido uma tortura.
— U-hum — Bárbara resmunga e morde os lábios, cerrando os olhos
para mim. —Agora você vai me explicar a verdade? Eu não acho que você
foi até o Capo apenas por isso.
— Mas foi! Não tenho nada a ver com Travis e os Lozartan. Fui lá para
pedir ajuda.
Levanta-se rápido e pega minhas mãos.
— Você está com medo de que eles vão pegar você também?
— Eles pegaram a minha mãe e quase... — Solto a respiração. — Eu
fiquei sim com muito medo deles me matarem.
— E é só isso que você vai me falar? Eu sou sua melhor amiga e você
deveria contar tudo para mim.
— Você me conta tudo?
— Absolutamente tudo. Não tenho nenhum segredo com você. — Ela
foi tão honesta agora que me senti mal.
— Sério, nunca? — Tento ser engraçada. — Nem quando eu fui para
longe?
— Para com isso, Made. — Se afasta de mim, dá um giro no lugar,
agitada como sempre e se vira para mim olhando-me séria. — A gente se
ligava todos os dias e eu sempre contei tudo sobre mim e você também
contava. Então, por que está relutante com me dizer tudo? Mesmo longe de
mim, sempre tentei te ajudar.
Sentindo derrotada pelos seus argumentos, vou me sentar na minha
cama. Bárbara se senta ao meu lado e eu desabafo. Conto o que houve
quando levaram minha mãe, o que Travis fez para mim na boate e na sua
casa. Como ele era com o pessoal da sua casa.
— O QUÊ? — Ela se levanta quando escuta tudo e ignoro.
— Eu pensei que, pelo que eu fiz naquela época, o Travis pudesse...
Sei lá. Ter um tipo de...
— Sentimento por você?
Levanto o rosto e fito seus olhos verdes.
— Não! Eu acho que... Eu não sei. Talvez ele poderia ter tido um
pouco mais de consideração. Paciência comigo. Eu só queria te ver e pegar
minhas coisas.
— Mas o que exatamente você disse para ele?
Fito o tapete de frufru em frente ao meu guarda-roupa e sou obrigada a
contar com todos os detalhes a última conversa com Travis.
— Porra, Madeleine! — Ela parece furiosa colocando as mãos na
cintura e me encarando brava. — Você disse para ele que “talvez ia voltar”?
Qual o seu problema? Metade da Cosa Nostra queria ser protegido pelo
Travis e ele faz isso por você, abrindo uma exceção e você falar isso para
ele?! Sinceramente, eu também iria ignorar você e foda-se se a Bratva te
matasse. Dio mio, Madeleine!
Sentindo-me derrotada, deixo meus ombros caírem e escondo meu
rosto entre as mãos.
— Você sabe que eu nunca gostei da máfia.
— Eu também não gosto.
Olho para ela quando diz isso com tanta ênfase.
— Não gosto do fato da gente ser tão imposta às regras dos homens e
colocadas de lado. Não temos direito de nada a não ser servir, casar e dar
filhos, ficando calada sempre, mas... eu não posso mudar quem sou e de onde
eu nasci, posso apenas querer o melhor que essa vida consegue me dar. Me
adaptar e viver bem. — Dá de ombros. — E o meu pai é um soldado do
Travis e nunca reclamou dele nesse pouco tempo que ele está no comando.
Assinto, ouvindo-a.
— Papai falou que ele sempre foi o melhor dos filhos e que seria um
Capo excelente. E eu sei que a excelência de um Capo é ele ser mau e
violento. Os seus inimigos o temerem, então consequentemente ele tem que
ser um assassino, o que nós duas não concordamos, mas Madeleine — se
aproxima e senta-se ao meu lado de novo — eu queria ser protegida por ele,
por seus mil soldados em minha volta, para nada me acontecer, do que morrer
e ter medo. Eu sei que não é vida. É perder a liberdade, só que... pelo menos
eu estaria viva. Faria tudo o que eu quisesse na medida do possível sem ficar
com medo de olhar para o lado e seria por enquanto.
— Não sei — murmuro.
— É claro que sim. Você acha que Travis não está investigando o que
o seu pai fez de tão ruim para a Bratva decidir matá-lo e, ainda por cima, ir
atrás do Travis? Não acha que é mais válido estar com ele do que ficar aqui
correndo risco de morte. Você não acha que poderia ceder só um pouquinho?
Engulo a vontade de gritar e aperto o casaco que estou vestindo em
minha volta.
— Eu não consigo te entender, Made. Você está triste porque ele não
veio atrás de você? Está zangada porque ele não liga para você? Eu também
não ligaria.
Franzo a testa e a fito.
— Quê?
— Made, ele abriu mão da casa dele, que é seu santuário. Abriu mão
do sigilo e da segurança dos seus irmãos, e de tanta coisa para honrar o
crápula do pai dele e você diz que quer sair e que talvez vai voltar. Me
desculpa, amiga, eu amo você como se fosse minha irmã, mas é imperdoável
o que você fez.
— Eu...
— Madeleine, você sabe que todos nós fomos criados com honra. Eu
sei que é um mundo sem fim e feio, mas nós temos um pouco de liberdade.
Mas imagina Travis e os irmãos dele que tudo que fazem é por aliança. Todo
movimento tem que ser na medida do possível para a Cosa Nostra não perder
nenhum território. Pensa um pouquinho, Made.
— Odeio que você seja a voz da razão e sempre foi. — Sorrio para ela
e aceito seu abraço quando se aproxima.
— Por favor, aceita a ajuda dele. Fica lá um pouquinho e... — Se
afasta para me encarar. — Eu tenho certeza de que ele não vai te impedir de
ligar para mim e eu posso pedir ao meu pai para implorar para eu poder te ver
de vez em quando. Mas eu quero você viva, amiga. Esse sacrifício no
momento é válido, então faça, Madeleine.
— Eu sei, mas hoje eu só quero curtir o dia com você. Amanhã eu
volto.
— Está bom — diz sorrindo e dá um nó nos seus cabelos e se levanta
indo até meu banheiro. — Vou tomar um banho e aí a gente pode ir almoçar
no restaurante que tem lá no Bellagio. Lá é incrível.
— Por que você quer ir logo no Bellagio? Você sabe que o Travis é
dono de lá?
— Claro que eu sei. Meu pai é um dos soldados dele, dã!
Ela aparece na porta apenas de calcinha, sutiã e a touca de banho nos
cabelos. Acho que ela os escovou ontem. As mechas ruivas vivas vão até sua
bunda, estão lisos ao invés de cacheados.
— Sei muitas coisas e não porque meu pai fala. Acho que Travis
arrancaria a cabeça dele. Enfim, sei porque sou bisbilhoteira e fico, às vezes,
atrás da porta quando meu pai está falando com alguém importante no
escritório.
— Isso é muito feio. Você não deveria sentir orgulho disso.
Ela solta uma gargalhada.
— Ah, para com isso. Você fez a mesma coisa, mocinha! — ela grita
do banheiro. — Ou se esqueceu como descobriu que seu pai ia fazer aquela
merda? Que eu me lembre foi porque você estava atrás da porta ouvindo a
conversa.
Essa memória me faz rir e, ao mesmo tempo, me dá um aperto no
coração. Se eu simplesmente aceitasse onde eu nasci, que Travis não tem
tanta culpa assim de quem ele é, seria mais fácil para todos. Fomos fadados a
esse mundo quando nascemos de quem nascemos. A vida parece ter
imprevistos, mas no fundo nada é por acaso. Doa a quem doer.
Bárbara tem razão em tudo e, principalmente, na excelência dele. Eu
não tenho medo de Travis e nem das suas ações, pelo menos comigo, mas
morro de medo de algo realmente sair do controle e ele não ter escolha. Não
quero culpa na minha consciência de nenhuma forma e, Dio mio, eu não
posso negar que me sinto atraída por ele de uma forma estranha. Se eu voltar,
vou ter que controlar a língua e todas as minhas vontades perto dele.
Sei que a minha vida não era para ser fácil. Eu sei disso desde que sou
criança. Porra, eu nunca pude fazer nada que realmente queria. Sempre fiz
tudo sob medida e premeditado. E depois de virar Capo, a tendência foi
piorar, aumentando as regras e cuidado com meus passos. Já acordo com
bombas sendo jogadas sobre mim e a melhor parte dos meus dias é quando
vou dormir.
Não estou reclamando do que faço ou do que sou, eu gosto desse poder
e de tudo que essa vida me dá, no entanto, os meus sonos eu prezo demais. E
fora, que eu não penso em morte e vingança vinte e quatro horas. Não quando
eu não quero. Vingar-me é honrar a minha palavra e os meus negócios. Gosto
de me vingar porque odeio com todas as minhas forças traidores,
aproveitadores e oportunistas. Eu realmente não gosto de pessoas que não
precisam de mim.
E agora o que meu mais prezo como minha “paz” está sendo
bagunçado. Estou com pensamentos confusos e dispersos, no meu momento
de descanso, deitado na cama sem pode fugir daquela maledetta. Oh,
mulherzinha! Mesmo que eu force minha mente para parar, com toda a força,
aquela praga de italiana não some dos meus pensamentos. Que inferno!
Desisto de dormir e me levanto. Prontifico-me imediatamente de entrar
debaixo do chuveiro sem ao menos esperar a água esquentar. De alguma
forma, eu preciso esquecê-la. Madeleine fez sua escolha quando foi embora.
Com a toalha enrolada na cintura, vou até meu closet e me visto para ir
até a academia, que fica do outro lado da quadra e a piscina. Calço o tênis e
logo estou saindo e descendo as escadas. Não tem ninguém acordado pela
casa, pois são quase duas da manhã.
Estou saindo pelas portas dos fundos da cozinha, tentando ao máximo
ser discreto, quando sinto meu celular tocar e o pego com raiva. Não estou
com a mínima paciência para resolver problemas e esse número só toca para
isso.
— Fala logo o que é porque eu não estou nem um pouco paciente.
— Estão atrás dela.
Solto a respiração com força e fecho os olhos com a fala de Lucca.
— Explica melhor isso, porra!
— Paolo disse que Madeleine está no MGM e que tem uma confusão
acontecendo. Acha que estão atrás dela.
— Cazzo. Eu vou acabar mesmo trancando ela numa jaula. —
Arrependo-me assim que me dou conta de que falei em voz alta. — Tente
intervi-la, que eu já estou chegando — digo já em movimento para o meu
quarto para trocar de roupa.
— Intervir?
Às vezes me pergunto qual nível de escolaridade meus soldados têm
para não entender uma palavra tão simples. Que merda!
— Fica de olho nela, porra. Não permita que ela saia dai ou melhor, se
conseguir, leve para um dos quartos ou para a sala de interrogatório.
— Acho muito difícil — ele resmunga e eu solto a respiração pensando
que ele tem muita sorte de eu estar a quilômetros de distância, senão ele iria
levar um soco na boca do estômago. Lucca é um soldado legal, mas sua boca
poderia ser mais controlada. Puta que pariu!
Desligo a ligação assim que entro no quarto e jogo o aparelho na cama.
Troco de roupa tão rápido, deixando a roupa de correr sobre a calça e a
camisa social. Coloco meu coldre, um casaco grosso e pego meu celular
descendo, indicando-me para o carro, que Pietro já estava me esperando
dentro.
— Vá o mais rápido que você puder — peço com a voz sintética.
Assim que a bala explode do meu revólver e mato meu soldado, sinto
um arrepio na espinha percorrer meu corpo todo, e em seguida um grito surge
atrás de mim. Virando-me, vejo uma Madeleine com as mãos na boca,
petrificada, olhando para mim.
— Ah, que merda — resmungo baixo.
Não tenho tempo de fazer nada a não ser assistir ela correndo para
dentro de casa às pressas e eu vou atrás pedindo para ela parar.
— Espera, Madeleine, por favor. Espera.
Mas não adianta, ela sobe as escadas e, quando estou perto de alcançá-
la, ela entra no quarto fechando a porta com uma batida forte. Puta que pariu,
isso era tudo que eu não precisava.
— Por favor, abre a porta.
— Não! — Sua voz está seca, firme. Um paradoxo total da postura que
ela me mostrou e dos meus sentidos agora.
Meu corpo todo está tremendo. Olho para os meus dedos, para as
minhas mãos que tremem e o único arrependimento que tenho é dela ter
assistido aquilo e eu não ter prestado atenção. Não deveria ter feito isso
dentro de casa. Todos os cuidados que eu sempre tive com Marinne e agora
com ela foram por terra minutos atrás.
Vacilante, seguro a maçaneta e preciso de todo meu autocontrole para
não ser um bruto nesse momento e me dou mal quando percebo que ela
trancou o quarto. Se trancou lá dentro, protegendo-se de mim.
— Abre a porta, por favor. Eu preciso falar com você.
— Não precisa nada.
— Você vai mesmo falar isso para mim? Você acabou de ver eu
matando um homem.
— Mas esse é o seu trabalho.
— Eu sei, cazzo. Mas não era para você... — Respiro profundamente.
— Você ter visto. Não quero que você me veja...
— Como um monstro?
Nunca em toda minha vida, de todas as atrocidades que já fiz por
vingança, por prazer ou por ter que fazer, nunca fiquei ferido por nada.
Sempre soube quem eu sou, porque eu vim ao mundo, mas nunca pensei
ouvir isto tão abertamente. E odiar saber que sentem nojo de mim. Fecho os
olhos, que queimam e me vejo no quarto da minha mãe enquanto ela me batia
com a fivela nas costas. O moleque indefeso que não podia fazer nada, a não
ser apanhar calado, sem demonstrar nenhum tipo de sentimento. Porque eu
nunca fui fraco e eu não sei sentir nada.
— Deixa eu falar com você. Te explicar.
— Você não tem nada o que me explicar, Travis. Eu que não tinha que
ter visto nada. Está tudo bem. Desculpa se eu...
— Não precisa pedir desculpas. Sou eu que tenho. Não era para ter
feito isso aqui. Eu nunca fiz. — Como se importasse. Ela já me odiava e
agora nunca mais vai sair desse quarto. — Me dá um voto de confiança e
converse comigo.
— Não precisa — ela diz e parece que está chorando, e eu não sei o
porquê.
— Prometo que eu não vou machucar você — falo rápido e sem
pensar. — Eu dou minha palavra que nunca vou machucar você. Acredita em
mim?
Ela fica um tempo em silêncio, que acho que não vai me responder.
— Acredito.
O alívio toma conta de mim de uma forma estranha, como se tivesse
tirado uma pedra de cima do meu coração.
— Então abre a porta e me deixa explicar pra você o que aconteceu.
— Você não tem que me explicar nada, Travis.
— Mas eu... acho... que preciso.
Depois de mais um novo longo silêncio, a porta se abre e o que vejo
me causa repulsa. Os olhos dela estão marejados, vermelhos e distantes.
— Está tudo bem — digo tentando trazer segurança para ela. — Está
tudo bem agora e me desculpa pelo que você viu. Eu nunca faço essas coisas
aqui.
Ela assente com o rosto para baixo e eu peço com a voz baixa para
olhar para mim e demora um pouco para ela me encarar.
— Aquele homem estava fazendo parte do tráfico de meninas e sou
veementemente contra esse tipo de acordo, por isso que o puni com a morte.
Estávamos atrás dele um bom tempo, precisávamos saber quem de nós estava
se metendo nesse meio, mas isso não justifica eu fazer... — Encontro as
palavras na minha mente perturbada. — Eu fazer o meu trabalho em casa.
— Tá tudo bem. Eu também não deveria estar lá fora.
— Não, de forma alguma. Você mora aqui agora e pode ir a qualquer
canto da casa. O erro foi meu.
Ela faz um som afirmativo com a garganta, embora não pareça
confiante.
— Não tenha medo de mim. Eu nunca iria machucar você — digo mais
uma vez o que eu preciso que ela acredite e confie em mim. — Você
acredita?
— Uhum — murmura.
— Então pega na minha mão. — Estico meu braço com a mão aberta.
—Segura na minha mão.
Ela olha do meu rosto para a minha mão algumas vezes antes de
encarar em definitivo minha mão.
— Você confia em mim?
Ela tira as mãos de trás do corpo e noto como os seus dedos se movem
nervosos. Em câmera lenta, ergue sua mão e põe sobre a minha, que logo eu
aperto, fazendo-a levantar o rosto e nos encararmos.
— Eu não vou te machucar. Está tudo bem.
Ela assente, movendo a cabeça devagar.
— Desculpa chamar você de monstro.
— Não que eu não seja... às vezes.
Madeleine desvia o olhar rapidamente e engole em seco. E quando ela
mexe os pés desconfortável, preciso soltar sua mão e me afastar.
— Te vejo na hora do jantar?
Ela concorda com um aceno de cabeça e, antes que eu fale mais
alguma coisa que me arrependa no futuro, viro-me para ir embora.
Assim que desço as escadas, encontro Paolo, que logo está na minha
frente com uma cara preocupada e alarmante. Não entendo o motivo.
— Algum problema com a garota?
— Não. Me deixa em paz um pouco. Vou para o meu escritório agora.
Qualquer coisa, você resolve ou fala comigo por telefone.
— Travis, nós precisamos falar sobre o Roberto.
Só de ouvir a menção do soldado desgraçado, que me causou a dor de
cabeça do contrabando de crianças e mulheres e mais esse problema agora,
minha vontade é de matá-lo de novo.
— Depois nós conversamos — dou o meu ultimato e entro no
escritório fechando e trancando a porta.
Tem muitas coisas que pode transformar um homem. Algumas podem
ser dolorosas, que marcam suas vidas para sempre com uma cicatriz que cura
um dia, mas você sempre vai enxergá-la te encarar profundamente. Outros
são delicados como um sofrimento momentâneo.
Eu sempre fui contido quando era abalado com a realidade brutal dos
meus 12 anos. Minha avó decidiu me ensinar a tocar piano na época e eu
tinha achado uma besteira, cheguei a recusar, mas conforme o tempo passou
percebi que o meu mundo era tão obscuro e, um dia, eu teria que viver tudo
que o meu pai viveu. Isso nunca foi tão verdadeiro quanto os últimos meses e
o arrependimento, nos últimos segundos.
Sirvo-me generosamente de uma porção de Bourbon e pretendo beber
até esquecer. Minha morte deve ser dolorosa. Sou um monstro. Sei disso, mas
Madeleine falar isso para mim me incomodou. Talvez eu seja um monstro
porque mesmo sabendo da crueldade que estou fazendo, permaneço ali e
continuo. Eu vou até o fim da bainha da minha faca. Nunca recuo e nunca
repenso, só faço. Eu não posso lamentar quem sou eu. Ter que lidar com esse
fato e com ela, vai ser difícil, no entanto, terei que encontrar um caminho.
Chegando no topo da escada, deixo ela passar à frente. Ficamos até tarde
lá embaixo, eu tocando para ela. Descobri que ela adora os clássicos e até me
diverti quando saí do piano e ela tentou tocar. Foi terrível.
Paramos em frente à porta do quarto dela. Madeleine suspira e vira-se
para mim.
— Obrigada por... tocar para mim — diz entre sua respiração e sorri.
— Foi um prazer e nunca mais tente tocar. Você vai fazer todos os
cachorros uivarem.
Ela solta uma gargalhada e rio também. Quando paramos de rir, nos
encaramos, sérios. Ela engole em seco e levanta as sobrancelhas. Minhas
mãos coçam para tocá-la.
Que caralho é isso?
— Boa noite — falo apressado e vou para o meu quarto sem pensar
uma segunda vez.
— Pra você também, Travis. — Escuto-a antes de bater a porta do
quarto.
Meu coração está acelerado. Sinto algo indescritível. Não sei o que é.
Ela me deixa... Ela me faz sentir um monstro enjaulado. Um animal tentando
ter algo que não pode. Não quero. Não preciso.
Minhas mãos estão suando, a garganta seca e meu coração bate tão forte
que estou preocupada de sofrer um ataque.
— Sério, eu preciso me controlar — penso em voz alta encarando-me
no vidro da janela enorme que tem na sala.
O problema é que eu não sei se consigo me controlar.
Esse vestido está me sufocando e muito apertado nos meus peitos.
Droga! Eu não sou muito chegada a vermelho e a merda desse pano que me
cobre até os pés – mas deixando meus peitos parecendo duas bolas
inflamadas e imprensadas – é vermelho sangue. Nada apropriado para a
ocasião, para não dizer ao contrário.
Hoje é a festa do Cassino do gângster, do mafioso, o Capo que eu
infelizmente tenho uma queda tão forte quanto as Cataratas do Niágara.
Estamos no final do agosto e completo três meses dentro dos aposentos
do chefão da Lawless, e para o infortúnio da minha vida, sem sinal da minha
mãe e ainda sobre a mira da Bratva.
Sendo bem franca, nada mudou nesses últimos meses, no entanto junho
e julho algumas coisas melhoraram, nada de mais, só que Travis começou a
afrouxar um pouco minha segurança – nisso quero dizer que saio com três
seguranças sendo um deles o melhor soldado: Enzo. O que aquele homem
tem de lindo e elegante (minha melhor amiga está apaixonada por ele e o
chama secretamente de Diamante Negro. Se ele souber...), ele tem de astuto e
intenso.
Embora ainda preocupado demais com tudo, Travis me deu liberdade
para sair, ficar com a minha amiga na casa dela e eu sei que é porque o pai da
Bárbara é o general dos soldados dele. Saio para cortar cabelo, fazer compras
com Marinne – só aconteceu duas vezes, mas entra na lista –, fazer as unhas,
ir à livraria comprar livro e depois sapatos e tudo o que eu quero. Ah,
também estou liberada para gastar um pouco de dinheiro nos cassinos dele,
que, pensando bem, não gasto nada, já que o dinheiro é dele. Eu só vou jogar
um pouquinho e me divertir no SPA do Bellagio.
Mas Travis ainda não confia em mim – no sentido de eu não me meter
em encrenca, ele vive falando isso para mim – ao ponto de ter arrumado um
trabalho ou algo de útil para eu fazer da minha vida. Mas acredito que uma
hora ele vai confiar. Eu não tenho dado mais dor de cabeça para ele. Não
tentei fugir, não joguei na cara dele o fato de todo dinheiro que gasto ser dele
ou brigado para ir embora. Não brigamos mais, não o vi matar mais ninguém
e passamos junho, julho e os vinte e poucos dias de agosto em harmonia. Está
tudo bem, mesmo que não tenhamos novidades sobre o paradeiro da minha
mãe.
Sei lá, às vezes acho que ele tem informações, só não me passa. Enfim,
nada de novidade por aqui... a não ser que... nas noites em que eu vou assisti-
lo tocar piano o meu coração fica acelerado de uma forma esquisita.
A cada noite que nos encontramos, conversamos e ele até tentou me
ensinar a tocar piano; depois de dizer para eu nunca mais tentar, algo mudou
e, quando nos despedimos, as coisas ficam mais estranhas ainda. Sério,
acontece algo e... ou eu fujo dele, ou ele foge de mim.
Confesso que adoro a companhia dele, embora fiquemos juntos
somente só nessas horas. Eu o vejo apenas no café da manhã e depois das
sete, quando chega para o jantar e nas madrugas. Fora isso, não o vejo por
canto nenhum dessa casa monstruosamente grande.
Em casa, Travis vive entocado no escritório ou na casa adjacente, que
eu aposto que é onde ele “trabalha” com seus soldados. E mesmo adorando
tudo isso ainda me critico, 24 horas por dia, por gostar dele. Por gostar do
homem que ele é, mesmo sendo comigo outro homem. Contudo, isso não
banaliza de forma alguma as atrocidades que faz e seus crimes. O sangue que
tem em suas mãos dos seus inimigos ou de quem ele precisa fazer seus
acordos com outras organizações criminosas que fazem coisas bárbaras.
Embora ele não goste, ele tem aliança com essas pessoas.
Mas aprendi que não é porque você faz aliança com gente errada que
você é ruim de algum jeito. A lógica de você ter que ficar perto dos seus
amigos e muito mais dos seus inimigos para saber quais são seus passos, na
Lawless faz todo o sentido. Se você não levar a vida como um jogo de xadrez
fica difícil sobreviver. Aprender como os peões têm que se mover e os reis e
as rainhas sobreviverem às torres, precisa de muita tática, paciência e, de vez
em quando ceder, um quadradinho.
Estou falando em enigma por causa que Travis está me ajudando a
jogar xadrez. É, nós fazemos tantas coisas juntos... bem, além de ele tocar
piano e eu assistir. Às vezes, jogamos xadrez, baralho e dama. Ninguém
acreditaria quão legal ele é. Nem parece o mesmo homem que todo mundo
teme e eu... odiava. Porque a verdade é que eu não o odeio mais. Não consigo
mais odiá-lo. Podem me acusar de tudo, mas a verdade é que, se não fosse
ele, eu não estaria mais viva.
De alguma forma ele me salvou, mesmo que não seja um cavaleiro
sobre um cavalo branco e de bom coração. Travis Lozartan é o meu cavaleiro
das trevas, que veio em um cavalo negro de olhos vermelhos, sangue nas
mãos e um vigor ferrenho de acabar com os homens que querem me pegar.
Ele é o meu cavaleiro. O meu herói selvagem.
Mas a questão aqui é que eu não queria ir nessa festa que vai acontecer
no cassino. Ter que ver Travis com um monte de mulher em volta e os outros
homens maquiavélicos e tudo que ele precisa ser fora de casa, faz eu sentir
um misto de ódio e amor. O Travis Capo é frio, calculista e mau.
Existem dois Travis nitidamente. Dentro de casa é legal, paciente e um
homem generoso e de família. O Travis chefe, o Boss, o Capo, é um trapo
nojento e eu o odeio ainda. Apesar de que, quando está literalmente vestido
para matar, fica ainda mais bonito.
— Você está tão bonita. — Escuto a voz de Marinne atrás de mim e
me viro.
Linda está ela. Uma menina linda e fofa com um vestido de gola alta,
bem estiloso, azul-escuro com a saia no estilo de princesa – o irmão faz todas
as vontades dela – os cabelos castanhos que vão até a cintura escovados e
lisos, a franjinha que quase esconde seus olhos azuis tão parecidos com os do
irmão mais velho – por isso pensei que era filha dele – e seus lábios tem um
batom rosinha em seu sorriso doce. Essa menina tem algo de encantador e
acho que por isso Travis é outra pessoa perto dela.
— Você está tão bonita, de verdade — ela repete parando na minha
frente.
— Você é que está linda. Eu não estou nada de mais.
— Não vai ser isso que vão pensar — diz cheia de sugestão e cerro os
olhos como advertência. Travis não gosta dela falando ou pensando como
adulto, e eu concordo. Ela precisa ser criança. Ainda é novinha demais para
falar frases com duplo sentido.
— Está bem. Se você está dizendo — falo ajeitando a luva branca ¾. A
festa é de gala. Cassino Royal.
Ela dá um sorrisinho e mexe os olhos antes de dizer:
— Acho que Travis vai ficar de boca aberta com você hoje.
Meu coração acelera bem rápido com seu comentário e balanço a
cabeça.
— Não seja boba.
— Por quê? — Ela se afasta, rindo de mim. — Por que você fica
negando que gosta do meu irmão?
— Mas isso não existe. Para de falar essas coisas, Marinne.
Ela franze a testa, nitidamente não acreditando em mim. A mesma
careta que Travis faz quando está desconfiado.
— Da próxima vez, eu tiro uma foto.
— Do que você está falando, menina?
— Daquele dia que eu mostrei as fotos do Travis quando era mais
novo. Você tinha que ver os seus olhos e o sorriso. — Dá uma risadinha. —
Você chegou a suspirar. — Fica mais perto e cochicha: — Eu sei que ele é
maravilhoso, mas também cruel e, se eu fosse você, faria que nem eu. Separe
o homem da fera e, então, você verá o quão surpreendente Travis é e assim
você se apaixona.
— Eu não tenho motivo para me apaixonar por seu irmão.
— Por que não? Vocês são muito parecidos. É só observar.
Quando penso em responder, escuto passos e nós duas paramos no
lobby da casa, um pouco depois das escadas e viramos para assistir Travis e
Colen na companhia de quatro soldados, que não estão à altura e elegância
dos irmãos Lozartan e seus smokings.
Falando da parte técnica sobre o smoking de Travis, é de um azul-
marinho quase preto, mas no reflexo da luz percebo que é azul. As lapelas
são grossas de outro tipo de tecido e elas sim são pretas da cor da gravata
borboleta e do cinto alto da cor do paletó, que é um pouco maior do que seu
corpo, pois ele nunca está desarmado. Agora, falando da parte da perfeição
que Deus fez esse homem, que eu não consigo nem piscar os olhos, temos o
seu maxilar rígido e quadrado, perfeitamente desenhado, sobre uma barba de
dois dias, as sobrancelhas grossas que estão neutras em um olhar fixo para a
frente, os cabelos castanho-escuros um pouco maiores que agora fazem ondas
mostrando leves cachos e ondas. Ele parece rebelde, sedutor e mais novo com
esse cabelo.
Estou meio abobalhada olhando para ele e, quando percebo que ele
nota meu momento de devaneio e admiração descabida – um pouco obcecada
–, preciso olhar para o chão para não ficar encarando demais Travis.
Mordo meus lábios, mania de quando estou nervosa, sentindo meu
coração, que não sabe bem o que fazer. Se bate ou não. Meu Deus! Ele está
tão lindo que posso estar louca e sofrendo alucinação porque me sinto sendo
espionada. Acho, só acho, que enquanto eu estava o admirando, ele estava me
olhando também.
— Podemos ir, moças? — Colen pergunta com seu jeito zombeteiro e
sempre humorado, aproximando-se de Marinne. — Me dá a honra, senhorita?
— ele diz oferecendo seu braço para ela.
— É claro que sim, “senhorito”.
— Você nunca perde uma piada — ele crítica de brincadeira.
Sorrio vendo-os sair falando e rindo. Colen faz bem a ela também,
porém de um lado mais tranquilo. Travis é mais o irmão zeloso e, às vezes,
duro demais; e, pelo que ela me disse, ele sempre foi a figura paterna dela.
Bem cedo, perdeu a mãe e o pai nunca fez questão dela. Marinne disse que
chorou no enterro dele, não por ele morrer, mas por nunca ter sido seu pai.
No entanto, ela diz ter sorte por Travis ser o pai que a vida lhe deu. É uma
graça ela falando dele.
Eu levanto o rosto para ver Travis, que tem os olhos em mim. Engulo
em seco quando ele se aproxima.
— Você está pronta também? — Sua voz está num tom bem grave,
quase rouca.
— Aham — respondo piscando muito rápido e nervosa.
Sem esperar, ele para ao meu lado e oferece seu braço.
— Colen roubou minha dama de companhia, então... — meneia a
cabeça como um sinal de desculpas — se topar ser a minha. — Indica o braço
mexendo-o em minha direção.
Deixo escapar um suspiro e mordo a boca para não abrir um sorriso.
— Sem problema. Eu não tenho também.
Ele fica parado em silêncio olhando-me nos olhos e por fim diz:
— Perfeito. — Encaixando nossos braços, ele me leva para fora de
casa.
No pátio gigantesco, com enormes palmeiras pela estrada que leva aos
portões de ferro preto e muros de uns seis metros com cerca elétrica, vejo
quatro carros, sendo que o segundo em direção à saída, tem a porta aberta e
Sandro parado, provavelmente esperando.
Travis nos guia até o automóvel e espera eu entrar para depois fazer o
mesmo. Fico surpresa quando não vejo Marinne e Colen.
— Eles vão no outro carro — Travis responde minha questão
silenciosa.
Assinto. Deve ser para não amarrotar a roupa – penso isso mesmo
sabendo, e percebendo, que este carro é bem grande. Dio mio. Tem até o
barzinho que Travis sempre tira uma garrafa de dentro do compartimento
portátil e se serve de uísque. Ele bebe olhando para mim e, dessa vez, não
oferece. Sabe que vou recusar mesmo.
— Está nervosa — comenta apoiando o copo no joelho e erguendo o
queixo daquele jeito dominador.
Balanço a cabeça negando e desvio o olhar para minhas unhas pintadas
à francesinha.
— Por que você insiste em mentir para mim?
— Eu não estou mentindo, Travis. Eu não estou nervosa.
— E por que que você está brincando com essas unhas, não está me
olhando nos olhos e mexe o pé direito sem parar? Sem contar que morde a
boca a cada dez minutos.
Levanto a cabeça franzindo a testa e arregalando os olhos depois.
— Você parece que esquece que eu sei ler as pessoas muito bem.
— Mm... — resmungo meneando a cabeça e suspiro. — É o vestido.
— O que tem ele? — Parece está interessado de verdade.
— É... — Seguro a respiração e fecho os olhos ao falar para não ser tão
patética. Sério, como vou falar para um homem – absolutamente hétero – que
estou incomodada com meus peitos sendo apertados no vestido. — É... Ele
está — mexo as mãos na frente dos meus peitos — apertando aqui.
Travis abre um sorriso rápido e se mexe no banco do carro. Pera lá.
Ele está sentado com as pernas abertas, o paletó desabotoado e o copo com
um dedo de uísque apoiado no joelho. E ao se mexer, ficou... digamos, com
as pernas mais abertas. A sedução em forma de homem.
— Eu gostei do vestido. — Cerra os olhos, enquanto passa pelo meu
decote e vai descendo. — Gosto de mulher com muita roupa, porque quando
ela tira é como se revelasse um segredo.
Mas eu não vou tirar a roupa para ele. Oi?!
— Você pensa demais, Madeleine.
— Eu não penso demais. — Coloco força na voz. — Você que fala
demais.
Balançando a cabeça, solta a respiração forte pelo nariz e
descaradamente decide me ignorar mexendo no celular e depois olhando para
a frente sem nunca virar o rosto para mim, até chegar em nosso destino.
E, quando chegamos, meu estômago começa a revirar de novo.
— Mm... — Deixo escapar um resmungo quando estou saindo do
carro, o que faz Travis finalmente me encarar e apertar minha mão me
ajudando.
— Está se sentindo mal?
— Não — respondo rápido e aprumo a postura.
Ele cerra os olhos e tomba a cabeça para o lado.
— Ainda não sei identificar o seu problema, mas lhe darei três
minutos, enquanto entramos no cassino, para tentar explicar.
— Não lhe devo satisfação.
— Madeleine — diz com um tom de advertência e suaviza mantendo-a
baixa. — Não começa com rebeldia. Estou tentando te ajudar. Qual o
problema?
Ele ainda está segurando minha mão e aperta de leve meus dedos
quando eu quase tropeço entrando no Bellagio.
— Presta atenção! Por favor. — Esse por favor foi naquele tom que
odeio quando ele fala comigo.
— Desculpa — murmuro e endireito a postura.
— Não peça desculpa, olha para o chão.
Ele para na recepção, me pondo para a frente segurando minha cintura
– me arrepiando toda – e fala com algumas pessoas. Passamos pelo lobby de
entrada, seguimos para o salão do cassino maior e ele nos posiciona para tirar
fotos, isso sem me soltar em nenhum momento. Vejo ao longe Colen,
Marinne e Dario conversando com alguns convidados.
— Agora, por favor, fala o que que houve.
— A gente está tirando foto.
Ele para de dar atenção aos fotógrafos e vira o rosto para mim,
impassível e impenetrável. Frio e distante.
— Não tem nada de mais, Travis — digo olhando em seus olhos. —
Eu só...
— Está com medo porque tem algum receio de acontecer algo com
você? Porque nada vai acontecer. — Essa afirmação tem tanta certeza que
sinto meu corpo ficar febril.
— Não é bem isso que estou sentindo, Travis. É só porque estou muito
exposta.
— Está falando de novo do vestido? Do seu decote? Sinceramente —
ele olha descaradamente para os meus peitos e depois para o meu rosto —
está lindo, aproveita. Você tem um corpo maravilhoso e muitas mulheres
adorariam ter o seu corpo para vestir esse vestido. Enquanto isso, você está
reclamando e enchendo meu saco, quase tropeça e dá de cara com o chão.
Seja uma boa menina e curta a festa, só um pouquinho. — O braço que ele
me envolve e a mão que segura minha cintura, puxa-me um pouco mais ao
encontro do seu corpo alto, musculoso e muito cheiroso. — Se esse é o único
problema para você estar tropeçando hoje, já resolvi.
— E se não for só isso?
Esse rosto selvagem e perfeito com a mandíbula cerrada, fitando meus
olhos desse jeito, sinceramente acabei de esquecer o que eu ia reclamar com
ele.
— Depois eu resolvo. Agora eu quero que você sorria, entre e se
divirta. Faça o que você quiser, na medida do possível, é claro, e depois a
gente se encontra para jantar.
— Quer dizer que a gente vai ficar separados?
— O quê?
— Eu... Eu pensei que era sua dama de companhia e iria ficar... —
Paro de falar porque estou sendo patética. — Nada, esquece.
— Você quer ficar ao meu lado a noite toda? — Ele abre um sorriso
quase que imperceptível e eu poderia apostar todas as fichas que gostou dessa
ideia.
— Não. Não era... Não era isso que eu quis dizer.
— Você se sente mais segura ficando comigo? Se for esse o problema,
não tem motivo para ficar com vergonha.
— Eu não disse isso.
— Não fica na defensiva — diz com sua voz de barítono, encarando-
me fixamente. — Vai ficar tudo bem. — Assim que fala isso, voltamos a dar
atenção aos fotógrafos e logo entramos de vez na festa.
Acho que essa noite vai ser longa.
— Me fala que você está com os olhos fixamente para a frente. Que
você não está olhando para nada em específico.
Franzo a testa e desvio minha atenção para a minha melhor amiga. Ela
está linda com um vestido branco pérola, tomara que caia, com uma flor
pintada de rosa e azul. É um Gucci e parece um vestido de criança, mas sexy
e no seu corpo alto e cheio de curvas, ficou lindo.
— O quê? — pergunto olhando para Bárbara, que deve ter algo
passando em sua mente fértil.
— Você está olhando para o Travis sem piscar já deve ter... o quê? Uns
trinta, quarenta minutos e eu estou tentando presumir o motivo.
— Não estou nada. — Fecho a cara e me sento de novo, cruzando os
braços.
— Já te falaram que você é horrível mentindo? — A voz dela é calma,
sem emoção, mas sei que está debochando de mim.
— Me falaram sim — resmungo e tomo um gole grande do meu
champanhe esvaziando minha taça.
— Você dormiu com ele?
— Mas o quê? — Viro-me para ela fazendo careta.
— Parece tão ofendida? Mm... sei.
— Estou ofendida.
— Me poupe, Madeleine. Qualquer mulher na face da Terra adoraria ir
para a cama com esse homem e vamos esquecer o fato dele ser um criminoso
assassino, que você parece nunca esquecer.
— Quem falou alguma coisa sobre isso?
— Ah, andare a merda. — Ela tira a taça da minha mão porque estava
brincando com a borda, passando a ponta do dedo, e bota em cima da mesa
quase quebrando. — Presta atenção no que estou falando. Você está olhando
para ele quase sem piscar e eu perguntar se você foi para a cama com ele, não
é nada.
— Não, não fui.
— Mas você quer! — Quase grita em meio a um sorriso.
— Como você disse... — falo entredentes — qualquer mulher da face
da Terra adoraria ir para a cama com Travis. E por que eu seria diferente?
Bárbara dá uma risada mais alta, bem na hora que um garçom passa, e
ela pega duas taças com champanhe.
— Vamos brindar porque dessa vez, minha amiga, eu acho que a sua
virgindade tem horas contadas.
— Não fala merda.
— Não estou falando. Afinal, ele também fica olhando para você. —
Abre mais o sorriso. — E seria épico perder a sua virgindade com Travis
Lozartan.
Sinto involuntariamente meus olhos arregalarem-se e, porra, meu
coração precisa parar de fazer isso. Sinto até dor com as batidas.
— Agora vamos dançar.
Bárbara se levanta puxando-me pela mão para o salão de dança, que
para minha alegria tenho Travis dançando com uma loira alta, muito bonita,
em seu vestido preto coladíssimo no corpo.
— Viu? — cochicho para a minha amiga e olho na direção deles para
ela entender o que quis dizer.
— Aquilo não é nada de mais, ragazza.
— Sério? Bárbara, como não é nada de mais o homem que você disse
que ficou olhando para mim e eu para ele, que talvez a gente vá para a cama,
estar dançando com outra mulher muito mais bonita do que eu, não tem nada
de mais?
— Dio mio! Você está com ciúme, Madeleine. Então... — Ela faz uma
pausa dramática abrindo a boca, os olhos e coloca as mãos na cintura e, de
repente, fica séria. — Eu pensei que você sentisse atração por ele, não que...
— Não que o quê?
— Não que estivesse apaixonada por ele.
— Você escuta o que fala, Bárbara?
— É claro que eu escuto o que falo e sei muito bem o que estou vendo
nos seus olhos. Madeleine, o que você sente não é só atração. Você gosta
dele.
— Por que que você fala isso como se eu estivesse cometendo um
crime? Se isso for verdade, é claro.
— Isso é verdade e o problema de você se apaixonar por ele... — Ela
levanta o rosto fazendo um sinal negativo com a cabeça e nitidamente em
lamento, por seja lá o que for.
— Será que você pode me falar o que está passando na sua cabeça? Eu
não sei ler mentes.
— Não é nada de mais, amiga. Mas proteja o seu coração e eu não
estou falando isso só porque ele é um criminoso, como você gosta de ficar
lembrando, mas porque...
— Made, vem dançar comigo! — Marinne chega entre nós e pega
minha mão, levando-me para o meio da pista literalmente.
Sei que todos que não estão frequentemente dentro da Lawless, pensa
que somos uma espécie de homens frios e perversos. E na verdade, somos
criados para isso mesmo. Madman não são criados para serem carinhosos
com quem quer que seja, isso apenas mostra fraqueza e um alvo certeiro para
quando for necessário. Mas a minha irmã era uma menina doce e eu gostaria
que ela fosse criada da melhor maneira possível, pelo menos enquanto
criança. Assim que Marinne se tornar adulta sei que ela saberá o seu lugar na
Lawless. Depois da reunião com Paolo, agora sei mais do que nunca, que um
dia ela será uma moeda de troca para uma paz eminente, ou uma guerra. Esse
momento está chegando mais cedo do que previ.
Subo para o seu quarto com passos firmes. São sete da noite e a casa
está silenciosa e vazia. Quando chego na porta do seu quarto, a vejo aberta e
bato devagar para chamar sua atenção e digo:
— Oi, baixinha.
Assim que ela me vê, levanta-se sorrindo e vem correndo direto para
os meus braços, deixando o desenho que passava na tela do computador sobre
sua escrivaninha para trás.
— Você voltou finalmente.
— Voltei só por causa de você — falo colocando seu cabelo atrás da
orelha. — É verdade que você não está indo para a escola?
— Eu queria ver você — responde e seus olhos ficam cheio d'água.
O ódio me domina. Ela é a única pessoa que consegue quebrar o muro
que ergui para sentimentos e fraqueza.
— Ninguém me falava aonde você estava. Você não foi me buscar na
escola na sexta, então eu pensei que tinha acontecido alguma coisa grave.
Ninguém queria me dizer. Ninguém, Travis! Por isso voltei e falei que não ia
para a escola. Então, me tranquei no meu quarto.
— Mas a porta estava aberta agora — digo limpando as lágrimas
embaixo dos seus olhos.
— A Madeleine acabou de sair daqui.
Eu assinto ouvindo e de novo ela me abraça.
— Ainda bem que ela estava aqui. — Dá de ombros. — Eu sei que o
Colen tenta ser você para mim, mas no dia que... que eu não tiver mais você...
não sei o que eu vou fazer.
Vai ter outro homem. O pensamento não me agrada. Abraço-a forte e
beijo o topo da sua cabeça.
— Estou aqui agora e prometo que não vou mais me afastar. Só estava
resolvendo as coisas.
— Está bem. — Ela se afasta, limpa os olhos e dá um sorriso forçado.
— Você vai jantar com a gente?
— Com a gente?
— É! A Madeleine foi fazer comida para mim com as cozinheiras.
— É mesmo? Por quê? — Estou confuso, afinal temos cozinheira.
— Eu pedi uma coisa que as meninas não sabem fazer e, por
coincidência, ela sabe. Eu... — Faz uma pausa.
— Fala.
— Eu nunca tive carinho de mãe e ela... — Marinne dá ombros com
um rosto tão feliz. — É legal ter ela aqui. Estamos nos fazendo companhia.
— Isso é bom. — Mantenho-me distante emocionalmente.
— É sim e esses dias ela estava chorando...
— Ela estava chorando por quê? — interrompo-a.
Marinne faz a carinha de quem deixou escapar um segredo, mas
responde:
— Ela falou que é saudade da mãe dela e disse que, em breve, vai
embora. — Sua feição doce fica entristecida. — É verdade?
— Creio que sim.
— Por quê? Por que ela não pode ficar aqui com a gente?
— Porque não, Marinne.
— Porque não, não é resposta. — Fecha a cara. — Você sempre fala
isso para mim.
Tento manter a paciência e me lembrar de que ela é uma criança.
— A Madeleine só está aqui provisoriamente. Você mesmo disse isso
para mim, porque ela disse isso para você. Você sabe que ela vai ter que ir
embora e viver com os avós dela na Sicília, que é o lugar mais seguro para
ela.
— Eu não acredito que nenhum outro lugar no mundo é mais seguro
do que ficar com você.
— Eu não sou invencível, Marinne.
— Mas você é o Capo. Todo mundo te respeita e não é louco de mexer
com sua família. Ou com um dos seus. Acho que se você quisesse que ela
ficasse, deixaria. — Marinne fecha ainda mais a expressão. — Mas eu acho
que você não quer nem mesmo pensar no assunto.
— O que você quer? Que ela vire a sua babá, por acaso?
— Eu não me oporia.
Escuto atrás de mim e me viro, dando de cara com Madeleine com uma
bandeja nas mãos. Ficamos um tempo nos encarando sem dizer nada, e
quando ela vence o duelo silencioso, passa por mim entrando no quarto da
minha irmã.
Ela coloca a bandeja na mesa, deixa o prato e o copo com suco de
laranja arrumados para Marinne, que senta com um sorriso aberto.
— Espero que a senhorita goste da comida — diz com carinho. — Não
sou cozinheira, mas fiz com todo carinho.
— Eu sei que vou gostar. Cadê o seu prato?
— Ah... Eu não estou com fome — Madeleine responde parecendo
cansada.
— Mas eu faço questão de você comer comigo. Pensei que, quando
ofereceu para fazer comida, sentaria aqui e comeria comigo como das outras
vezes.
— Eu sei, querida, mas eu preciso... — Faz uma pausa e sei muito bem
que ela está nervosa. — Eu tenho uma coisa para fazer lá na cozinha ainda.
Marinne não fica satisfeita, mesmo assim é gentil ao dizer:
— Está tudo bem, mas faço questão da gente ver filme hoje até tarde.
Madeleine abre um sorriso e toca no nariz da minha irmã.
— Você prometeu para mim que, quando seu irmão chegasse, voltaria
para a escola.
A interação delas duas é parecida com a minha e Marinne. Acho que
encontrei alguém que pode me substituir.
— Eu sei e irei na semana que vem — Marinne responde olhando para
mim. — Só vou se ele continuar em casa. Ele pode estar me enganando.
Apareceu aqui apenas para querer me levar.
Entro mais em seu quarto enquanto respondo:
— Não é bem isso, mas tudo bem. Segunda-feira você volta pra escola.
Madeleine assente com um sorriso, nem um pouco feliz para mim, mas
quando vira o rosto para Marinne é sincero. Não entendo o porquê. Ela
coloca as mãos na cintura e pede:
— Agora coma a comida, senão não vamos ter filme hoje.
— Está bem! — minha irmã rebate focando no prato e dando uma
garfada no macarrão.
Satisfeita, Madeleine faz um aceno com a cabeça e se vira. Sai do
quarto passando por mim sem dizer nada. Com calma fecho a porta e consigo
encontrar Madeleine no topo da escada.
— Obrigado por cuidar dela. — Minha voz a faz parar e empertigar o
corpo quando se arrepia.
— Não fiz por você! — retruca virando-se para mim. — Fiz porque eu
gosto dela e ela estava triste.
— Você também parece.
— Pareço o quê?
— Cansada.
Um pouco indecisa, ela faz que não com a cabeça.
— Impressão sua. Eu estou ótima. Só estava indo ajudar as meninas a
limpar para poder ir dormir.
— Você não vai comer mesmo? Pensei que apenas não queria ficar lá
com ela. Sei que Marinne fica distraída quando tem alguém por perto e acaba
não comendo. Fala o tempo todo.
Por algum motivo isso a faz rir, contudo é bem rápido, logo levanta o
rosto e me vê ficando séria de novo.
— Eu sei disso, mas eu não estou com fome. Só isso.
Resolvo aceitar o que ela fala e assinto.
— A gente já acabou? — As palavras saem depressa da sua boca.
Franzo a testa sem entender.
— Como assim?
— Essa conversa, a gente já acabou? Posso... me retirar?
— Por que está falando assim comigo? — Dou alguns passos,
descendo as escadas, terminando com nosso afastamento. — O que que
aconteceu?
Os olhos dela brilham, quase iguais aos da minha irmã quando me viu
chegar, mas a emoção é diferente.
— Nada — responde vacilante, de novo.
Ficamos nos encarando e, quanto mais olho em seus olhos, menos sei.
— Boa noite, Travis. — Vira-se terminando de descer as escadas
basicamente correndo.
Um calafrio percorre meu corpo e fecho os punhos com raiva.
— Antes de você descarregar sua raiva sobre o que ocorreu essa noite,
preciso lhe falar algo urgente.
— Mais urgente do que ter um traidor entre meus soldados?
— Se você considera seu irmão mais novo mais importante que isso.
Franzo a testa cerrando os dentes e vou até o bar me servir de uísque.
Até a merda do lanche que pedi para Enzo buscar no restaurante, preciso
molhar a garganta.
— O que Dario fez agora?
Paolo abre o paletó e senta-se na poltrona grande.
— Sandro o pegou na saída de Corn Creek, naquela espelunca que
chamam de Hotel Fazenda. Estava com uns meninos, que ele disse que são da
escola dele, fumando e cheirando. Se fosse apenas fumando, eu não teria
pegado ele e enfiado dentro do carro e colocado sob vigia em casa.
— Você deixou aquele viciado em casa apenas? — Sento-me no sofá
perto dele. — Era para tê-lo colocado nesse escritório até eu chegar pra poder
cuidar da irresponsabilidade dele. Não aguento mais vê-lo fazer isso. —
Deixo o copo na mesa de centro. — Esse menino precisa tomar jeito.
Quando Paolo vai falar com sua cara fechada, a porta se abre e deixo o
assunto sobre Dario para quando chegar em casa. Amo meu irmão e preciso
cuidar dele, mas o assunto de Enrico e a Hechos é mais importante.
— Deixa na minha mesa, vou trocar de roupa — comunico.
Entro no banheiro pegando uma camisa limpa e uma calça social preta.
. Dentro do carro, ainda me sinto sujo e logo me troco.
E foi por isso que nas próximas horas fui me deitar, mas não dormi
direito. Queria saber como ele estava e se chegaria em casa. Tive dois
pesadelos horríveis e, na terceira vez que levantei para tomar um copo de
água, encontrei Travis no corredor dos quartos, terminando as escadas.
E por isso deixei-o me dominar.
Por isso me entreguei loucamente a ele.
Estava preocupada e fiquei preocupada por estar pensando nele. No
seu bem-estar. Tudo está de ponta cabeça com Las Vegas e se o irmão voltou
a usar drogas, ele deve estar uma pilha de nervos.
Saber por Colen quem é o irmão dele... Mesmo sendo cômico um
contraventor de drogas como Travis, não usar e não querer que seus irmãos
usem também, é surpreendente. Realmente é engraçado como o homem que
divido a cama, às vezes, se contradiz sobre seu caráter. Ele é imprevisível
para mim e uma surpresa boa.
Estou almoçando quando sinto a presença dele. Sorrio de cabeça
baixa e o espero dizer alguma coisa, ele sempre tem algo a dizer. Mas depois
de um longo silêncio, levanto a cabeça e o encaro. Engulo em seco, pois não
parece bem.
— O que foi, Travis? — pergunto me pondo de pé. — Que cara é essa?
Dio mio! Perdi o juízo falando assim com ele.
— Sua mãe está morta.
— O quê? — grito chegando até ele e dando um soco com as mãos
viradas de lado em seu peito. — Repete o que disse.
Sem esforço, ele segura meus punhos detendo mais um golpe e me
encara fixamente.
— Me escute porque não sou de repetir — diz com a voz rouca e
grave, repleta de ira. — Não matei sua mãe. A encontrei como prometi a você
e, infelizmente, morta.
— Quem foi? Eu vou acabar com eles.
— Mia cara, você não tem esse poder.
— Você tem.
Travis prende o ar na garganta e seus olhos ficam azuis tão escuros que
parecem negros.
— Não tomarei essa guerra com a Bratva por sua mãe ou seu pai, é
pela Famiglia e a minha família. — Faz uma pausa. — E por você. Pelo seu
bem, não porque me importo com os seus pais e sua dor em perdê-los.
— Insensível.
— Acho que precisa rever sua vida e ver que os insensíveis foram eles
— diz entredentes. — Faço mais por você do que seus pais um dia tentaram.
Eles tiveram da Bratva o que procuraram. Eu odeio aqueles russos, mas não
acho que seus pais tiveram nada do que não mereciam.
Suas palavras fincaram em meu peito, em meu coração como uma
lâmina afiada. A verdade machuca e, quando se trata dos meus pais, a
verdade é feia. É terrível e esse homem, que mata seus inimigos sem titubear,
realmente me trata melhor do que minha mãe já fez um dia. Ela não se
importava comigo, apenas em manter as aparências e ter dinheiro para
sustentar seus vícios.
Contudo, é inevitável meus olhos ficarem marejados. Tento segurar o
soluço e falho ridiculamente.
— Eu não deveria me sentir assim — falo com a voz embargada.
Travis nega com um balanço de cabeça raso. Sem dizer nada, ele passa
um dos braços por meus ombros e me leva para o seu escritório.
Entro e fico parada no meio. Ouço a porta se fechar devagar e meus
olhos se fecham quando sinto suas mãos em meus ombros, deslizando
lentamente. Beija minha bochecha e murmura no meu ouvido em seguida:
— Pode chorar. Não se reprima.
O bolo na minha garganta se aperta.
— Você chorou?
Afinal ele também perdeu seus pais. Sei que não tinha o pai em alta
estima, mas talvez pela mãe chorou. Talvez lamentou.
— Eu não choro.
— É... eu sei. — Assinto dizendo.
Em um movimento gentil, vira-me de frente pra ele.
— E jamais choraria por eles. Não mereceram nem meus pensamentos,
nem mesmo minha raiva. Os seus não foram tão monstros como os meus,
Madeleine, por isso você chorar é normal. Não reprima, angele.
Ai... meu Deus. Como uma comporta se abrindo, derramo meu pranto
em seus braços. Despejo a tristeza de não ter tido a chance de falar com
minha mãe uma última vez. De ela ter sido mais minha amiga e pelo fato
irrefutável de ter sofrido antes de ter seu fim. Esse mundo é tão sangrento.
Desde pequeno via as transações que meu pai fazia com outros grupos
e seus Underboss para se fortalecer ainda mais. Meu avô também me deu
grandes ensinamentos para ser um bom líder, mas, embora eu saiba de como
funciona, não quero esse acordo com a Darkness.
Eu pretendia futuramente criar um laço com uma das organizações ou
os Underboss. Era inevitável. Todo Capo já fez acordos de sangue, como
chamamos, em algum momento do seu mandato. É ruim porque ambos os
lados têm a perder ou um segredo. Alguma sujeira demais nas mãos de quem
não gostaríamos.
No meu caso, eu tenho a Bratva, a Hechos e a Diabolos querendo
invadir meu território e nitidamente pareço mais fraco com outra traição.
Depois que o filho da puta do Edgar Beluzzo fez o que fez, tudo se
transformou num caos e eu sabia que uma hora o caldo ia entornar.
— Cazzo — resmungo sentado no banco de trás do carro.
Estou indo para o Bellagio. Tenho que ver umas coisas no cassino e
dar uma olhada na boate de lá, que Antonela passará a cuidar no mês que
vem. Ela é muito boa em lidar com as crises e preciso que resolva coisas que,
se eu pedir a Paolo, terei que enviar uma carta para os pais do gerente com
pêsames.
— Algum problema? — Antolena pergunta sentada ao meu lado no
Hummer.
Depois das ameaças e a morte de Luma Beluzzo, que pareceu que fiz
pouco caso, mas a verdade é que fiquei puto e preocupado com a situação.
Ando para cima e para baixo na cidade em um tanque.
Minha raiva é tamanha e a morte de Luma... Cazzo.
Eu pedi para Paolo e Luca conseguirem capturar a mãe de Madeleine
viva, mas Ivon Avilov não quis conversa e mandou um vídeo da hora que
Luma morreu no cativeiro e, por cortesia, o corpo dela foi entregue para nós
enterrarmos.
As coisas andam enfurecidas por aqui e Paolo tem razão. Eu preciso
falar com Giovanni D’Ângelo.
— Nada. Preciso fazer uma ligação.
— Se quiser, eu finjo que não estou aqui.
Dou um olhar de impaciência para ela e pego meu telefone dizendo:
— Não seja engraçada. Você sempre é discreta.
Antonela assente e se vira para a janela colocando os fones de ouvido.
E como o carro foi preparado para me dar privacidade, o vidro que separa
Enzo – que está substituindo meu motorista, pois é mil vezes melhor que ele
– e Luca, que está ainda mais na minha cola. Parece que Paolo está
extremamente preocupado comigo e meus irmãos. Todos nós estamos com
escolta redobrada. Estou pensando em deixar Marinne em casa com aulas
particulares. Ela ir para o internato está me tirando a paz.
Pego meu celular e faço a ligação para o Capo da Darkness. Em Nova
York está bem tarde, mas ele que se contente. Tive um dia cheio.
— Alô.
— É Travis Lozartan.
— Sabia que você iria me ligar em algum momento — Giovanni
D’Ângelo diz sem muito entusiasmo.
— É, você está certo, mas não é o que está pensando. Precisamos de
uma reunião.
— Posso ir aí no final do mês.
Ótimo. Terei um mês para convencer Paolo que meu plano é ainda
melhor.
— Por mim tudo bem, mas antes quero que você prometa não fazer
nada que possa se arrepender depois.
— E nem você, Travis.
— Combinado.
Estou com a cabeça cheia e isso não é novidade para ninguém. Desde
cedo não parei. Se fiquei em algum dos lugares que fui hoje mais do que uma
hora, foi por pura necessidade.
Deveria ir para casa quando acabasse tudo que tinha que pôr em ordem
hoje, mas não estou. Minha última parada foi no Bellagio de novo e resolvi
ficar por aqui depois que pedi a Enzo para passar na minha casa e ver como
estava tudo com seus próprios olhos. Não sei se vou ficar para dormir, mas
com certeza quero uma distração hoje.
Há algum tempo não tento me divertir pelas minhas boates e hoje tive
que visitar três além de meus cassinos. Minha cabeça está explodindo de
problemas e, procurando distração, parei na boate do Bellagio, a mais cotada
do hotel. Hoje tem um show de uma banda local que está tentando chamar
atenção, e Antonela achou uma boa ideia convidá-los. Ela sempre ajudava o
gerente daqui, então tomar o lugar dele não é nada de mais. A incompetência
fez isso com Gerard.
Pego minha bebida em cima da mesa de centro, que fica em frente ao
sofá preso na parede e tomo um gole até finalizar. Meus olhos não se
desgrudam da multidão que dança, bebe e se esfrega pela boate.
O camarote da família, é igual o da boate que Antonela comanda, a
Pandora, que fica em Las Vegas. Essa é a The Bellagio Nightclub, a mais
famosa e procurada de Las Vegas – que se tornou o nome local para tudo,
embora todos saibam que os grandes cassinos, inclusive os meus e onde estou
fica em Paradise.
Estou esperando uma mensagem de Luca, informando sobre Enrico
apareceu. Esse desgracado vai me pagar pelas informações que vazou. Não
tem desculpas pelo que fez. Ele traiu a Famiglia.
De repente, alguém entra pela porta falsa e perco o ar com o que vejo.
Olho-a dos pés à cabeça sem pressa, apreciando sua presença. Seu corpo
curvilíneo com um vestido preto colado ao corpo tomara que caia e uma
gargantilha tão brilhante que parece sair luzes de dentro. As sandálias de salto
alto também brilham tanto quanto a gargantilha, e os lábios estão pintados de
vermelho sangue.
Ela está linda, sexy e gostosa demais. Irresistível.
É inevitável ficar excitado vendo Madeleine parada na minha frente, e
seu sorriso mal contido me dá vontade de pegá-la.
Quero jogar seu corpo nesse sofá e foder como um animal. Sei que
nenhum filho da puta invadiria esse camarote se eu desse a ordem de não
fazer. Quando peço para ter privacidade, eles sabem muito bem o que eu
quero aqui dentro. Só que dessa vez não é Antonela que me deixa louco ao
ponto de transar no camarote com meus soldados cientes disso.
— O que você está fazendo aqui?
— Procurando me divertir — responde chegando mais perto.
— E como é que eu não estava sabendo disso?
— Eu pedi para Enzo não falar e ele é muito bom em guardar segredos.
Ela caminha para mim vagarosamente, movendo as pernas com
lentidão e sei que está me seduzindo. Cerro os punhos com a vontade de
agarrá-la. Ela para na minha frente, entre minhas pernas abertas e coloca a
mão nos meus ombros. Como sou grande, alto, e o sofá também, e Madeleine
é baixinha, é a altura perfeita para as minhas mãos agarrarem seus quadris.
— Eu disse pra ele que queria te surpreender e fazer um agrado.
Sinto meus lábios curvarem-se de lado, sem mostrar os dentes.
— Nem mesmo quando sou eu que quero algo assim, eles deixam de
me informar. — Agarro-a fazendo-a se sentar no meu colo e coloco a mão no
seu queixo, segurando seu rosto em minha direção. — Talvez eu realmente a
subestime demais e você tenha uma forte persuasão com meus soldados e até
meus irmãos.
Ela dá um sorrisinho sem mostrar os dentes e balança a cabeça, quando
o solta da minha mão.
Suas mãos vão para o meu peito, os dedos enfiam-se entre o meu
colete e o coldre com as armas, que ela nem parece mais ter resistência.
— Eu acho... — cochicha — que a convivência nos transforma e —
pisca os olhos para mim com doçura —, se eu sou tão confiante assim agora,
é por sua causa.
Meu ego silencioso adora saber disso.
Cazzo!
— Foi só sua confiança que mudou?
Madeleine fica pensativa por um momento e, por fim, responde:
— Muitas coisas mudaram, Travis. Uma delas é a força que eu tenho
dentro de mim agora. — Sua voz é tão profunda, confiante. É sexy vê-la tão
forte. — Eu realmente... não sou a mesma mulher que você resgatou naquela
boate.
Minha reação ao ouvir essa declaração é a segurar com força. Faço-a
se levantar e depois se sentar no meu colo com as pernas abertas, uma de
cada lado das minhas pernas. Deslizo minhas mãos em suas coxas e depois
em sua bunda e subo para as costas, até que eu a faço encostar o seu peito no
meu.
Ela não recua e suas mãos fazem a mesma coisa, explorando meu
corpo onde alcança.
Suas mãos passam em meu peitoral, seus dedos resvalam em minhas
armas, que ela não demonstra mais nenhuma repulsa. Abre três botões da
minha camisa e toca minha pele. Arrepio-me e solto uma lufada de ar pelo
nariz. Fecho os olhos e sinto seus dedos tamborilando meu pescoço até
subirem para as maçãs do meu rosto.
Encaramo-nos fixamente antes de nos beijar. Eu a beijo com violência,
com sede dela, sentindo seu sabor e tomando seus gemidos.
Cazzo!
Talvez, para alguns, um beijo é um simples beijo, mas com ela chega a
suprir a necessidade de uma forte excitação. Com essa mulher, os beijos são
tão bons quanto se eu estivesse dentro dela. Tão bons quanto se estivesse
fazendo o que pensei quando a vi na porta. Madeleine tira meu juízo e é meu
afrodisíaco. Morro de tesão por ela e é fácil demais ficar de pau duro por ela.
Antes eu lutava um pouco para ter metade do que sinto com ela, por um
simples beijo.
Odeio possibilidade de ela querer ir embora e é por isso que, em meio
a luxúria, sinto a ira. Beijo-a com aptidão e raiva, como se estivesse tentando
colocar na cabeça dela que seu lugar é comigo. Que ela é minha.
Aqui ela vai estar segura, em todos os sentidos. Protegida de todo o
perigo que a rondar, pois eu protejo quem é importante para mim. Já se
passou muito tempo desde que a vi a primeira vez, que a quis a primeira vez.
Hoje, quero-a na minha casa não pelo acordo que meu pai fez com ela há
muito tempo. Quero porque ela me pertence, porra!
Contrariado, afasto-me dela e seguro seu rosto quando digo:
— Por mais que fosse uma delícia te foder nesse sofá, prefiro ir para o
quarto. Lá podemos ter a noite toda.
Madeleine cerra os olhos, cheios de malícia e assente mordendo o lábio
inferior.
Tem uma hora que me levantei, sozinha no quarto, mas pela hora nem
posso culpar Travis por me deixar lá. Ele disse que tinha muitas coisas para
fazer no hotel, que passamos a noite.
Não deveria ficar tão emocionada com isso, mas dormir, no caso
passar a noite e pegar no sono, ao lado dele foi perfeito. Maravilhoso. Amei
dormir sentindo sua respiração, seu calor perto de mim e seus braços, que me
puxaram durante a noite para dormirmos juntinhos.
Dio mio. Não sei o que estamos fazendo. Essa aproximação me dá um
medo tremendo. Nossas noites de sexo que ficam cada vez mais intensas.
Agora, depois de tomar café e uma banho refrescante, me arrumei e
desci para o salão do hotel. Vejo um dos soldados perto de uma porta dupla e
me aproximo.
— Sabe onde fica o escritório do Travis?
— Quem é você?
— Ah... eu sou... — Faço uma pausa constrangedora e vendo Enzo
saindo pelas portas, sorrio. — Enzo, pode deixar eu entrar?
— Travis está muito ocupado.
— Mas eu... Eu preciso falar com ele também.
Dando um sorriso sem muita vontade para Enzo, ele assente e faz um
sinal para eu o seguir. E confesso, sem vergonha, que fiz uma cara de nojinho
para o soldado que não quis deixar eu entrar. Só faltou dar a língua. Sim, eu
sou infantil as vezes.
Andamos quase até o final do corredor. Enzo vira-se para mim quando
chegamos a uma porta dourada e muito imponente, é claro.
— Espere aqui. Vou falar com ele.
Franzo a testa e assinto.
Ele entra no escritório e enquanto isso fico desconfortável com os
olhares dos outros homens. Olho minhas unhas e conto até dez.
— Ele disse que tudo bem — Enzo fala de repente saindo.
Assinto e dando um sorriso sem vontade, entro no escritório de Travis.
Encontro-o sentado falando ao telefone e preciso parar, segurar a
respiração e contar até dez para controlar a minha enorme vontade de
suspirar. Claro que isso o deixará satisfeito em saber como o desejo.
Ontem à noite foi... alucinante.
Ele deixa de me encarar e concentra-se na ligação, que não parece estar
sendo muito amistosa. Assim, à sua mesa, falando de negócios, dá para
acreditar que ele é apenas um magnata cuidando do seu cassino, mas não é
apenas isso que faz.
Entediada, vou até o bar e faço um Martini para mim e, por educação,
encho um copo de uísque e levo até ele. Aproveito para pegar o copo vazio
na sua mesa.
Ele parece surpreso e pegando a bebida da minha mão, segura meu
pulso e seus olhos, cerrados e firmes, prendem os meus por alguns segundos
antes de deixar eu me afastar.
Com os batimentos acelerados, caminho com as pernas bambas até o
bar e deixo o copo sujo na pequena pia e tomo muitas respirações. Estou
sendo uma boba. Não me entendo, afinal não há motivos para eu me sentir
neurótica na presença dele mais.
— Algum problema aí? — indaga com sua voz rouca e baixa.
Viro-me, pisco rápido e o vejo de pé, parado em frente à sua mesa.
Está na sua postura poderosa e magnética. As mãos nos bolsos, o maxilar
cerrado e os olhos compenetrados.
— Não — respondo e balanço a cabeça.
O canto da sua boca curva-se de leve. Encarando-me, olho no olho,
vem até a mim com passos calmos e seguros. O dono do mundo. Para na
minha frente e preciso erguer a cabeça para continuar mantendo contato entre
nossos olhos. O frio na minha barriga piora quando sua mão chega até meu
rosto e desliza por minha bochecha devagar, em um afago, que chego a
fechar os olhos e finalmente solto o tão inevitável suspiro.
— Gostei do vestido.
Sorrio por dentro porque não é do seu feitio fazer elogios. Nunca! E
meu vestido é simples. De verão simples, branco com flores rosas. Bem
menininha, que encontrei em uma das sacolas que estavam no sofá do quarto
onde passamos a noite.
— Obrigada — falo abrindo os olhos. — Gostei da gravata.
Travis meneia a cabeça com desdém e seu sorriso vem acompanhado
dos olhos ficando ainda mais cerrados. E me pegando de surpresa, agarra-me
por trás da cabeça, segurando um bom tufo dos meus cabelos (sem colocar
força para machucar) e sua boca está na minha dando um beijo feroz, que eu
não só permito como peço mais ao agarrar-me a ele jogando os braços sobre
seus ombros e colando nossos corpos. Sem o mínimo esforço, me segura
como não pesasse nada e arrasta até conseguir imprensar meu corpo na
parede.
Gemo sentindo suas mãos deslizarem por minhas curvas e sua língua
na minha. Seus lábios passam nos meus molhados e sedentos. Ele chupa
minha língua, mordisca minha boca e quase grito quando suas mãos puxam
meu vestido (que já é curto) para cima com brutalidade.
— Travis — tento falar, mas ele não deixa.
Continua me beijando, na verdade, devorando minha boca e sem fazer
muita cerimônia, rasga minha calcinha e agarra minha coxa direita e coloca
em cima do seu quadril.
— Ei... espera! — Espalmo minhas mãos no seu peito e falo arfando:
— A porta.
— Ninguém vai entrar aqui — diz e abocanha meu pescoço, dando um
chupão, que óbvio que vai ficar a marca.
— Co-como você sabe?
— Cazzo, angele. — Finalmente ele se afasta um pouco, mas suas
mãos apertam minha cintura. — Acha que eu deixaria alguém ver você
assim? Ver eu de calça arriada?
Solto um riso. Não deu para controlar. E em seus olhos vejo o riso
também.
— Agora, cale a boca e me deixa fazer você se sentir bem.
— Mm... — Mordo a boca e sou eu a agarrá-lo pela gravata e unir
nossas bocas.
Ele literalmente rosna enquanto nos devoramos e aprofundo o beijo.
Levanto mais a cabeça para dar mais acesso a minha boca. Travis respira
fundo pelo nariz e imprensa meu corpo na parede, fazendo eu enroscar a
perna nele e, quando se afasta, desce a mão até meu sexo. Respiro fundo, mas
logo solto um gemido alto quando seus dedos entram em mim empurrando a
calcinha para o lado. Eu não percebi como estava tão molhada, entretanto
noto nitidamente como estou. Fecho os olhos jogando a cabeça para trás e
chamo seu nome como uma louca.
— Oh... Dio mio. Sei meraviglioso — murmuro e o escuto trincar os
dentes e logo em seguida lamber meu pescoço até encontrar minha boca.
Dio mio... Este homem é viciante. Ele é realmente maravilhoso. Todo
maravilhoso. Mãos, boca, olhos, voz, corpo e, claro, seu pau fantástico que
me deixa enlouquecida.
— Shhh... — pede porque estou fazendo barulho demais, mas fica
difícil me controlar quando ele gira os dedos dentro de mim, fazendo tudo se
contorcer.
Travis acelera os movimentos dos seus dedos. Dois massageiam meu
interior e o polegar a ponta do meu clitóris. Não demoro para gozar perdida
na ânsia de tê-lo por completo.
Sou solta, os pés sentindo o chão de novo e o observo abrir a calça,
abaixar só o suficiente e me pegar de cheio, prendendo meu corpo na parede
de novo. Dessa vez, ele não precisa pedir, envolvo minhas pernas em volta
dos seus quadris e ele segura-me pelo meu traseiro. Acha a posição perfeita e
me penetra de uma vez só.
— Oh... — Arregalo os olhos e abro a boca.
Ele parece inabalável e apenas força para dentro mim, dando estocadas
fortes, profundas e indo num ponto mágico do meu âmago. Travis não para.
Inabalável, sedento e violento. Me fode contra a parede, deixando-me muito
molhada, enlouquecida e me beija dando mordidas em meus lábios.
— Travis — sussurro rouca abraçando seu pescoço.
Sua mão baixa para o meu decote, e sua boca está no meu seio direito.
Lambendo e chupando. Depois vai para o outro seio, provocando todos os
tipos de sensação de prazer. Eu só desejo mais. Mais forte, mais fundo, mais
tempo. Porém, não acho que vou aguentar mais. Cravo minhas unhas em seu
ombro e peço mais forte. Ele atende e chega a jogar meu corpo para cima
enquanto estoca profundo dentro de mim.
— Maledire! — ele xinga no meu ouvido.
Sempre pensei que não sentiria remorso pelo que escolhi ser – ou
foi imposto-me como chefa da máfia – contudo, agora me vejo subir as
escadas quase que correndo, indo atrás de Madeleine. Meu coração está
disparado e não sei o que fazer com uma crise iminente.
Não pode ser coincidência mais um homem invadir minha casa na
mesma noite. Que caralho. Onde estão meus homens?
— Madeleine — chamo-a empurrando a porta do seu quarto que está
aberta.
O cômodo em um breu de abandono me deixa em alerta. A primeira
reação é colocar a mão na minha arma sobre meu coldre, e dobrar minha
atenção. Eu sei que não tem chance de ela me atacar ou coisa parecida. Não
há riscos nesse quarto, mas esse é o instinto de um animal sempre em defesa
e selvagem.
Há uma iluminação amarelada e fraca, aproximando-me vejo que vem
do banheiro e entrando vejo que a luz do espelho está acesa. Vejo o tapete
branco manchado de sangue, uma pegada de um pé descalço e a toalha de
rosto também tem vestígios de sangue. A marca de uma mão que a segurou
com força.
Quando não penso que nada mais nesse cenário poderia me
surpreender escuto um soluço, um miado e viro-me. Cerro meus olhos
encarando a imagem de Madeleine sentada no chão do box do banheiro toda
molhada, de roupa. Analiso a cena e sinto-me em catarse vendo uma arma
jogada do seu lado. A mulher chora de cabeça baixa e tremendo, e não é da
água. A fumaça da água aquecida da ducha deixa o ambiente muito mais
carregado.
— Madeleine? — chamo seu nome como se ela fosse um animal
acuado, ferido. E não sei se está, física ou mentalmente.
Ela não responde, mas minha presença não passa despercebida. Um
tremor passa por seu corpo e ela se encolhe, abraçando as pernas com mais
força.
— O que houve?
Merda! Que pergunta foi essa?! Eu sei o que houve. Meus homens me
contaram e, se eu não tivesse que ver como ela está, com certeza estaria eu
mesmo fazendo seu primo – aquele bastardo egoísta e traidor – pagar o que
fez essa noite com minhas próprias mãos. Por ora, meus homens cuidam
apenas do corpo dele, mas não ficará assim. Vou descobrir os outros que
estão por trás desses ataques.
Notando que ela não vai se mexer, entro na casa de banho e me
aproximo. Madeleine levanta a cabeça e, quando nossos olhos se encontram,
meu instinto protetor grita. Aquela sensação que apenas sinto com meus
irmãos e por ela. Mas minhas sombras ainda estão expostas. Tenho que tomar
cuidado.
Ajoelho-me e pego suas mãos frias e trêmulas.
— Made?
Ela solta um som horripilante e se agitado, tremendo por medo.
— Eu matei Lorenzo, Travis — diz com dificuldade, como se sentisse
dor. E repete uma, duas, três vezes, tremendo cada vez mais. — Eu matei
aquele homem. Eu matei ele. Matei meu próprio primo.
— Eu sei, Madeleine.
O líquido que escorre por seu rosto não é da água do chuveiro. Meu
peito queima ao ver isso. Não sei como proceder. O que fazer.
— Eu matei ele... — murmura e encara seus dedos, eu também e vejo o
sangue seco, as marcas da prova de suas palavras. — Tem sangue nas minhas
mãos agora. Sou uma assassina.
Sem pensar, pego suas mãos e seguro firme, dando uma leve sacodida
para ela me encarar.
— Isso não é verdade.
— É-é... — soluça — sim.
— Não. Você não é — falo e reafirmo com a cabeça que não.
Colocando-me para o lado, deixo meu corpo cair ao seu lado, sento no
chão também e a trago para os meus braços e aperto. Entrelaçando meus
dedos com os seus, levo-os até minha boca e beijo cada um antes de lamber o
sangue, tirando-o todo.
— Eu matei... ele — Madeleine volta a repetir o que parece ser seu
inferno na Terra, e deve ser mesmo. Ela odeia tudo que tem a ver com a
máfia, e matar tem tudo a ver em ser um homem como eu, mas ela não é uma
assassina.
— Foi preciso.
— Tenho sangue nas minhas mãos... — murmura mais uma vez. —
Sou uma assassina.
— Você apenas se defendeu. Não é como eu.
Nossos olhos estão grudados um no outro. Sinto algo estalar dentro de
mim. Algo que estava morto desde muito antes de eu me tornar um monstro.
O filho do Capo. Algo que eu lutei os últimos dez dias para esquecer.
Suas mãos se soltam de mim e agarra minha camisa com desespero.
— Shhh... — tento consolá-la.
Merda! Eu nunca tive que fazer isso. Não sei fazer isso.
— Sou como você agora. Sou um monstro!
Eu nunca me importei muito de como as pessoas me viam, porém toda
vez que eu escuto ela me chamar de monstro, me desperta uma raiva tão
grande que sinto até minhas mãos tremerem. Sendo verdade ou não, é foda
ouvir isso. É porque sou quem sou que devemos parar. Que ela não aceitou
casar comigo. Porque sou um monstro.
Dou um beijo nos seus cabelos e fecho os olhos com o pensamento de
como eu senti falta de sentir ela assim. Essa merda de fraqueza. O que foi que
ela fez comigo. Cazzo. Preciso ser forte. Tenho que fugir disso.
Sinto falta de Travis terrivelmente. Não durmo ou como direito, e
depois do que aconteceu, preciso dele na minha cama me abraçando para eu
não ter pesadelos.
Mas no dia seguinte de eu ter matada meu primo, não vejo Travis em
casa e no outro também, e não durante mais uma semana. Eu fiz ele se afastar
de mim e a saudade que sinto chega a doer em meu corpo. Eu sou uma idiota
Estou vagando pelo jardim quando escuto passos atrás de mim e me
viro. É Colen brincando com os cachorros, os Dobermann gigantescos, um de
cada cor. Branco, caramelo, bege e preto. São lindos. Ele para assim que me
vê, aprumando a postura, enfia as mãos nos bolsos e se aproxima de mim.
— Está tudo bem com você?
— Estou.
Ele meneia a cabeça e a desconfiança em seus olhos é gritante.
— Você não mente muito bem.
— Eu estou bem, Colen.
Novamente ele não parece acreditar em mim e se aproxima me
encarando cem quase piscar. Ele é um mad men e assim como o irmão sabe
ler as pessoas. Eu espero que ele não consiga descobrir todos os meus
segredos.
— Eu não sei por que você está fazendo isso.
— Fazendo o quê? — A confusão cruza meus pensamentos.
Ele dá mais dois passos e se eu esticar um pouco minha mão, posso
tocá-lo. Mas não faço, apenas escuto sua voz baixa e firme.
— Eu não sei de tudo, mas conheço o Travis muito bem e você fez
alguma coisa com ele.
— Eu não fiz nada com ele.
— Calma não precisa ficar nervosa. — Ele sorri de lado fazendo a
cicatriz que ele tem deformar o seu rosto. — Não deveria te dar mais
munição, mas eu queria que você entendesse que o homem que você divide
esta casa aqui, o homem que provavelmente você abomina e acha que é um
monstro. Uma fera horrenda. Ele é muito mais do que isso. Nós sabemos
quem somos, Madeleine. Por muitas vezes não respeitamos limites e quem
dirá a lei, mas tem coisas que não estão em nossos poderes e eu acho que
você chegou nesse lugar com meu irmão. Então só vou te pedir uma coisa, se
for para não corresponder, se você não consegue aceitar quem é ele, é melhor
ir embora. Eu posso fazer você ir embora amanhã e nunca mais voltar. Eu te
dou todas as informações que quiser e o que você precisar. Mas eu não quero
ver meu irmão matar meio mundo para tentar aplacar a raiva que ele sente.
Sei muito bem o que ouvi, contudo, a única coisa que eu escuto é a
última frase.
— Ele está ferido?
Colen respira pelo nariz e seus olhos me olham incrédulos.
— Acho que não da forma como você está pensando. Eu não sei se ele
já te contou, mas ele nunca deixou nenhum dos irmãos apanhar. Sempre
levou todas as surras da minha mãe enquanto pôde. Não deixou nem eu e
nem Dário apanhar de papai, isso só foi possivel no momento que a gente
começou a ser treinado para ser um mad men. Todos nós somos torturados
para possíveis torturas, e como aprendemos a lidar com o futuro próximo.
Mas ele sempre foi um homem íntegro e de palavra. Não queira que ele te dê
a última palavra, pois ele não vai voltar nunca mais à trás.
Eu concordo com a cabeça em silêncio.
— Boa noite.
— Boa noite — devolvo e o assisto me dá as costas e sair do jardim.
Fico um tempo assimilando suas palavras e sentindo uma dor terrível
no meu peito. Ele não disse com todas as letras o que eu acho que ele disse,
porém sei o que tentou dizer.
Travis quer ficar comigo e eu estou dizendo não o tempo todo. Ele
deve se sentir rejeitado e está com raiva. Eu subestimei quem ele é. Ele não é
só o matador. É um homem também, um irmão e que ser mais do que um
amante nas horas vagas comigo. Não sei porque estou lutando tanto para
dizer que quero o mesmo.
Se eu for pela orientação do Colen, eu digo sim. Mil vezes sim. Mas se
eu for para lá orientação do Paolo e pensar sobre o que Travis disse; como o
meu pai arrumou problemas para ele com a Bratva e a Hechos, vou dizer não.
Eu nunca gostei de criar problemas e esses podem ser fatais.
Puxando o fôlego, corro para dentro de casa e procuro Colen para falar
mais um pouco com ele, talvez ele me ajude.
Quando estou passando pela sala de piano, indo para sala principal,
meus pés estacam vendo Travis entrar em casa. Ele está todo sujo de lama e a
camisa com sangue, o coldre só tem uma arma de um lado e o seu colete está
aberto, rasgada. Os olhos selvagens se levantam para mim e me avaliam.
Engulo em seco com a intensidade que ele me olha e quase morro do
coração quando ele cai de joelhos no chão ao tentar dar um passo.
Eu grito seu nome e corro até ele, abraçando-o. Tentando ajudar e
passando a mão no seu rosto.
— Traz Vitor para mim?
— O que é isso? — Indago sentindo meu coração sangrar como suas
feridas.
Ele murmura algo e esticando a mão, passa os dedos suavemente na
minha maçã do rosto.
— Está com pena de mim hoje? Não precisa! Eu sou bem grandinho.
— Por mil diabos — escuto Colen atrás de mim.
— Me ajude a levantar. — Imploro olhando para ele.
— Calma, ele é pesado. Luca! Enzo! — Franzo a testa e Colen explica:
— Eles estão em casa.
— Não precisa — digo. — Eu te ajudo
— Eu não quero sua ajuda. — Travis balbucia.
Perco a fala e as lágrimas se solta rapidamente. Eu não consigo soltar
ele. Não consigo.
— Vai! — Ele grita e tenta me empurrar para hoje. — Me deixa.
— Travis, eu...
— Me deixa! — Ele insiste e consegue se soltar de mim, mas cai no
chão, e eu seguro como forças que nem sabia que tinha.
— Que merda é essa? — Lucas sai correndo até nós chamando Enzo e
logo estão ajudando Travis. — Vamos levá-la para o quarto dos fundos e
chamar o doutor. — Luca coordena e Enzo já saca o celular fazendo o que
pediu.
Enquanto isso eu ainda estou ajoelhada no chão, chorando e vendo ele
ser elevado.
Não sei quanto tempo fico assim e meus pensamentos vão para
Marinne, ainda bem que não está em casa.
— O que você está fazendo?
Levanto a cabeça e encaro Paolo.
— Sai dessa porra de chão. — Ele ruge e vem até a mim e me coloca
de pé sem nunca botar força.
Eu pensava que ele era mau, mas ele não é. Eu pensei tanta coisa.
— Qual o seu problema? Está machucada?
Nego com a cabeça que não e cambaleio para trás, me afastando dele.
— O que aconteceu com Travis?
Paolo leva um tempo me encarando antes de franzir a testa.
— Eu não deveria te dar satisfação, mas o Travis anda ainda mais
impossível e estressado. Alguns mexicanos estão dando trabalho e mataram o
Underboss da Califórnia. Ele é imbecil e em vez do Travis trabalhar
conscientemente, simplesmente resolveu fazer uma carnificina em Pasadena.
Eu nunca o vi sem controle assim e quer saber — Paolo dá um passo que nem
Colen no jardim e olha dentro dos meus olhos fixamente, — você acha que
eu não gosto de você, mas a verdade é que eu respeito e prezo o meu capo, e
desde que você chegou, arrumou problemas. Mas essas lágrimas que você
está derramando, demonstra que você é fraca e nem para tomar uma decisão é
capaz. De algum jeito você está infernizando a cabeça daquele homem.
Então, vou te pedir uma última vez. Ou você vai embora e esquece que já
teve contato com todos nós. Ou fica e assume qual é o seu lugar. Já têm
muitas merdas para resolvermos para você ser mais uma, que no caso implica
diretamente a mim. Porque você está afetando o capo, e eu sou seu
conselheiro. Nesse caso, se algo é um risco para o chefe, o seu consigliere
pode tomar a atitude que quiser.
Engoli em seco, assentindo.
— Agora, eu recomendo muito que você vá para o seu quarto.
— Mas ele...
— Garota, aquele homem é difícil de matar. Ele já vai ficar bom. O
que você pode fazer e ir para o seu quarto e ficar quieta.
Meu peito dói. Ele tem razão de tudo. Preciso saber qual meu lugar, o
que eu quero, e a eu sei a verdade. Sei porque parece que vou morrer se algo
acontecer a Travis. Mas... eu não nunca amei ninguém.
Respiro fundo, me viro e subo para o meu quarto até poder vê-lo.
Foi muito difícil seguir as ordens de Paolo por tanto tempo. Foram
mais de um dia esperando algum sinal de que Travis já tinha acordado e
pudesse falar. A verdade, é que ele chegou a ficar acordado, mas como sentia
muita dor, ficou no efeito da morfina.
Agora são três da manhã e sabendo que Travis está um pouco melhor,
desço as escadas na ponta dos pés e saindo da casa, atravesso o jardim indo
para a casinha que eu nunca fui. Na porta tem dois soldados e reunindo toda a
coragem que tenho, digo:
— Eles disseram que eu já podia vir para ver o capo.
Eles se entreolham e depois assentem.
Sentindo-me tão nervosa quando a primeira vez que entrei no território
dos Lozartan, atravesso um corredor com três portas e vou até um que a luz
está acesa. Às vezes eu escuto meus instintos e eles falam que a porta é essa.
Engulo em seco, preparo meu coração para o impacto e abro a porta.
Adoro o fato de não estar errada, mas meus olhos enchem d’água quando
vejo Travis todo enfaixado de gases e seminu deitado numa cama grande de
casal. Tem várias coisas de hospital aqui e o cheiro é muito forte de antecipo,
álcool e morfina. Tenho minhas suspeitas que aqui seria o hospital particular
deles.
Fecho a porta com todo cuidado possível para não o acordar e me
aproximo lentamente de sua cama.
Meu coração dispara vendo seu rosto tão sereno e tranquilo enquanto
dorme, tão diferente da expressão de mágoa que me deu a última vez. Pensar
que o magoei, me machuca. Nunca foi minha intenção.
Me aproximo mais e afago seu rosto com as costas da mão bem
devagar. Ele não se mexe e confiante de que está dormindo profundo, sento
na beira da cama e faço carinho nele.
— Me perdoa, por favor.
— Por favor, me desculpa. — Ele repete.
Eu queria muito abri os olhos e falar com ela, mas eu não vou. Prometi
para mim que ia acabar com isso e foda-se ela. Eu não vou deixá-la ficar
brincando de casinha comigo uma hora, querer ir para cama e na outra hora
não quer me ver, depois me chama de monstro. Estou de saco cheio desses
joguinhos.
— Eu não sei o que faço. Se for embora vou me arrepender. Se eu ficar
vou também, mas eu nunca vou saber se... Me perdoa.
Ela beija as minhas feridas, pega meus dedos de leve e apesar da raiva
que ela me dá, eu queria poder abraçá-la.
— Travis... me perdoa.
Chorando baixinho, ela se afasta e segurando minha mão se move
voltando a sentar na beira da cama.
— Por favor, acorda. — Ela respira fundo com força.
Não me surpreende quando ajeita meus pés e abre meus braços para ela
mesma se deitar. Encolhida ela não me toca, mas sinto o seu calor, as perna
nas minhas.
Eu deixo passar muito tempo e quando não consigo ouvir sua
respiração por estar tão serena, abro os olhos e inclino-me um pouco meu
corpo pra frente e poder vê-la.
Eu não a via há dez dias, e ela parece mais magra, triste e cansada, sei
lá. Às vezes eu fico pensando que ela vai ver ser minha ruína e talvez é
mesmo, tem algo nela que é magnético. Me odeio por não conseguir parar de
pensar nela e desejá-la. No entanto ela é um risco. Meu risco.
Quando acordo de novo, vejo Colen pairando sobre minha cama e em vez
de está olhando para mim, olha para os meus pés, melhor olha para
Madeleine.
— Então quer dizer que você vai para cama com ela? — ele pergunta
olhando para mim. — Você sabe que ela está apaixonada, não sabe?
Rio com essa afirmação dele e me arrependo porque tudo dói.
— Claro que está. Você está falando, hun.
— Travis — fala friamente. — Ela pode não saber, mas está
apaixonada por você.
— E daí?
— E daí que você também está.
— Eu não estou. Não sei fazer isso, Colen. Eu não me apaixono.
— Talvez nunca tenha acontecido porque você nunca teve alguém
como ela.
— Alguém como ela?
Meu irmão respira devagar como contasse até mim e diz:
— Ela não é só uma mulher que você vai para cama. Vocês dividem
um monte de coisa...
— Só a casa.
— Quando que dividir a casa, o cuidado de Marinne, jantam e tomam
café da manhã na mesma mesa. E eu sei que você toca piano pra ela porque
eu já vi vocês dois lá.
— Está me espionando?
— Não mas às vezes eu venho para cá de madrugada e já vi mais uma
vez, você tocando piano para ela, jogando dama e carta. E mesmo, assistindo
televisão. — Faz uma pausa franzindo a testa e como não quer chamar a
atenção de Madeleine, fala como fosse gritar em um murmúrio. — Você
nunca fez isso.
— E daí, Colen? Vai se foder e para de me amolar, porra.
— Travis! — quase grita de novo. — Eu sei o que você quer.
— É mesmo?
— Sim. — Ele faz uma cara de irritação e chega mais perto de mim. —
Você tem que se casar, Travis. Construir a sua família, multiplicar nossa
linhagem tem. Ter um herdeiro menino para manter nossa liderança.
— Vai dar um de Paolo agora?
— Não. O que estou querendo dizer é que podia ser ela.
Prendo a vontade de rir e resumo as últimas vezes que eu falei de
casamento perto dela.
— Ah, porra. Você tem que entender ela também se sente um lixo.
Sabe que ela não tem ninguém e não tem nada para trocar com você. Ela sabe
como é que funciona o casamento muitas vezes entre um capo, mas ela gosta
de você.
Nego balançando a cabeça.
— Você não viu como ela ficou essas semanas que vocês parecem que
não estão se falando.
— Como você sabe disso?
— Eu já disse que não sou idiota e você resolveu bater em todo
mundo. Dá tiro, cortar dedos e mãos. Arrumar problemas e ela não comeu, só
ficou dentro do quarto, às vezes vinha ficar com a Marinne e constantemente
a peguei chorando sentada no piano, na sala e dentro do seu escritório.
Eu só a deixei sofrer e foi bom. Foi bom! Talvez botou juízo na cabeça
dela. Cazzo. Nem sei o que estou pensando.
— E se ela está aqui dormindo nos seus pés, é porque deve ter alguma
coisa para te falar
— Ela não tem nada para falar para mim — digo isso e pouco me
lixando pelo que ouvi enquanto ela achava que eu estava dormindo.
— Eu sei que é complicado. Gostar de alguém é complicado e
casamento com sentimento, quase não existe no nosso mundo e é um risco,
mas eu sou seu irmão e cuido de você. Eu quero você bem e se ela faz isso
por você, se não voltarem, eu luto para que fiquem juntos.
— Você está vendo muito filme, Colen.
— Não. Eu sou observador e posso saber dos seus segredos, pois eu
morreria por você e ela não tem um pingo de medo de nenhum de nós, o que
é bom e ruim. E só para você saber, o Paulo sabe que ela gosta de você e que
você gosta dela.
Fecho os olhos já irritado em saber disso.
— Se você não fizer alguma coisa, ele vai fazer ou eu vou fazer.
— Acho que você entendeu quando disse que já tentei. Merda! Você
fala como se eu não tivesse nunca tentado.
— Pede de outro jeito, Travis. Fala de outro jeito com ela.
— Quer que eu me declare? Que eu diga que a amo se isso não é
verdade. — Tomo uma respiração profunda.
Colen assente concordando e franze a testa, anda até a porta do quarto.
— Só pense nisso e eu não vou deixar ninguém vir para cá, pelo menos
pelas vinte e quatro horas.
— E o meu remédio?
— Pede para ela te dar. — Colen dá tchau e fecha a porta com força.
O corpo de Madeleine pula na cama, assustada. Murmura um
resmungo, esfregando os olhos e se levanta ficando sentada na cama. Fecho
os olhos e fico quieto para ver o que que ela vai fazer. Eu não quero falar
com ela depois da conversa com Colen. Talvez eu apenas não queira admitir
que ele tem razão.
Sinto a cama perder o peso do seu corpo, então um toque suave passa
no meu rosto.
— Oi. Acho que eu tive um pesadelo — ela confessa falando baixinho.
— Por que você não acordou ainda, hein? Está tirando um cochilo muito
longo.
Eu não preciso abrir os olhos para saber que ela está nervosa e
emotiva. Mulheres.
— Eu acho que eu vou lá na casa, tomar um banho e depois eu volto.
— Ela deixa de fazer carinho no meu rosto.
Escolho esse momento para acordar, melhor abrir os olhos, e soltar um
som como se tivesse acabado de despertar.
— Madeleine?
Ela arregaloa os olhos, se afasta um pouco de mim e quase sorrir. Ela é
tão linda. Senti falta disso.
— Oi — diz nervosa.
— Oi. Está tudo bem? — pergunto.
— Sim, está tudo bem.
— O que você está fazendo aqui?
Seus olhos se arregalaram, assustados. Vejo seus lábios tremerem. Ela
fica com os olhos molhados até que uma lágrima escorre.
— Eu... eu já vou embora.
— Não. — Seguro sua mão. — Não foi isso que eu quis dizer, porra.
A menção dela ir embora me desamar. Ela me encara e tenta controlar
sua respiração.
— Se quiser, eu vou embora. Não tem problema.
Abro a boca, mas não sei o que falar enquanto vejo a dor nos seus
olhos. Ela está tremendo e isso faz eu soltar sua minha mão.
— Pode ajeitar os travesseiros para mim? — Peço com a voz baixa.
Ela assente, abre um sorriso e se aproxima. Ajeita os travesseiros até
meu corpo ficar mais em cima e assim que termina, olha para o meu peito,
para as minhas mãos e para o meu braço, tudo com curativo.
— Ah.... Você está muito machucado.
— É que eu queria morrer. — O pensamento vem baixinho e me
apavora.
— Pensei era um homem que não preferia a morte por circunstância
alguma. Que queria viver para ser quem é.
— Eu sei, mas agora estou melhorando.
Ela enruga a testa e segura a respiração.
— Por que queria... morrer?
— Porque eu quero. — Com um movimento rápido, pego sua mão, a
puxo e dou um beijo.
Me surpreendendo, se afasta colocando as mãos na boca.
— Está com medo de mim? — pergunto.
— Não, claro que não.
— Então vem cá. Ou você está com nojo?
Pisca rápido, engolindo em seco.
— Vem. Prova toda essa coragem para mim.
Seu rosto fica eufórico, os olhos brilham. Aprumando a postura, vai até
a porta do quarto, trancada e volta até a mim. Tira sua camisa e logo o sutiã.
Fico perdido vendo essa cena e a ajudo quando está subindo na cama,
colocando as pernas ao lado do meu corpo, e me abraça sem colocar força.
Ela beija o meu pescoço, o maxilar e meu morde de leve minha orelha.
— Quero essa noite com você. — Se afasta para me encarar. — Eu
quero sentir o seu corpo. Suas feridas. Tocá-lo com o meu.
— Eu quero mais. — A abraço bem forte e fecho os olhos.
Sinto aquela coisa estranha que surge sempre que estamos perto.
— Eu senti sua falta — ela sussurra no meu ouvido. — Eu senti muito
a sua falta. Você me desculpa?
— Pelo quê? — Dou um beijo nos seus cabelos.
Madeleine suspira, retribui o beijo no meu ombro e volta a me olhar.
— Pelo que eu disse naquela noite.
A raiva me consome e tentei todos esses dias esquecer.
— Eu nunca mais vou falar sobre aquilo com você. Eu sei que você
não quer. Eu aceito. Quero o que você quiser me dar.
O corpo dela fica quente, quase febril e ela não me escuta. Beija meu
pescoço, meu rosto e para em meu rosto. Seus olhos azuis, incríveis, estão
nos meus quando fala:
— Eu quero tudo que você quiser me dar eu... Eu sou sua.
— Minha?
— Eu sou sua e não porque a gente transamos tantas vezes, que eu já
perdi as contas, mas porque...
Meu coração acelera esperando as palavras que eu nunca achei que iria
ouvir
— Porque eu te amo.
— Você não sabe.
Ela ri de nervosa e segura meu rosto em suas pequenas mãos.
— Eu não sei? Não sei se eu te amo? É isso que você acha?
— Você tem certeza?
Ela respira fundo e dá de ombros de leve antes de dizer:
— Olha, eu não ligo para o que você é. O que você faz. O que você
acredita ou não, eu só me importo... se você está vivo. Se chega em casa para
mim. Se me abraça e me protege. Isso é tudo que eu quero de você, Travis.
Nada além disso. — Funga, chorando e continua: — Eu sei que... acabei
magoando você dizendo todos aqueles não, mas... é que eu estava com medo.
Eu ainda estou com medo.
— Medo de ficar comigo?
Balança a cabeça negando veementemente.
— Medo do que eu posso arrumar pra você. Os problemas e guerras
que trago junto comigo. Tenho medo que me tirem você — me abraça
novamente — e eu te amo tanto.
Ela chora, me abraça forte e suplica baixinho no meu ouvido.
— Por favor, me abraça. Por favor! Me aceita de volta.
Porra! Ela nem precisa pedir mais de uma vez. Eu a agarro bem forte.
Maldito seja. Talvez... eu a ame também. Não sei. Só sei que eu a quero para
mim. Toda para mim, mas já conversamos tantas vezes, porém agora ela
parece estar resolvida, e eu tenho que aproveitar.
— A gente vai se casar esse final de semana, está bem.
Madeleine suspira, dessa vez mais alto, e me encara.
— Sim, a gente se casa. Eu não vou mudar de ideia.
— Sei que já pedi mais de uma vez, mas eu não vou me repetir.
— Não vai precisar, Travis. Eu preciso de você.
— E meu mundo?
— Eu faço parte dele e se for permitido, serei uma de seus homens e
matarei e morrerei para defender o que é nosso. O que é seu e a sua vida.
— Não vai ser para tanto e que vai proteger você, sou eu.
Ela assente e me abraça de novo, e tão logo se puxo para trás e encosta
minha boca na sua lentamente, e vamos nos devorando em um beijo excitado
e repleto de sentimentos contidos.
Outra pessoa que tivesse ficado como eu, todo quebrado e machucado,
teria precisado de mais repouso. Um pouco mais do que dez dias. Contudo,
no meu caso, não aconteceu e estou sentado em frente a Giovanni D’Ângelo,
na nossa reunião imediata. Agora mais do que nunca, pois não volto atrás
sobre Madeleine.
— Sendo bem sincero com você, para ver se eu entendi perfeitamente.
O fato de você não querer fazer uma aliança com a Darkness como o
planejado, é favorável para nós dois. — Giovanni bufa com sarcasmo. —
Você tem que entender que o seu pai tinha prometido essa aliança há muito
tempo.
— Eu sei, mas a gente pode fazer de outra forma.
— Existe uma outra forma, sim.
— E qual seria?
Ele se afasta da mesa e coloca as mãos nos braços da cadeira, a barriga
saliente de muito macarrão ainda mais protuberante.
— Eu tenho um filho, meu primogênito que está com dezenove anos
agora e lógico que um dia ele irá suceder ao meu cargo, sendo o capo da
Darkness.
— Sim?
— E você tem uma irmã.
— E?
— Travis, você é um homem inteligente. — Ele deixa aquele jeito
arrogante que eu tenho vontade de quebrar os dente dele, ser o terceiro
membro da conversa. — Meu filho precisa se casar, a sua irmã também,
obviamente, e nós precisamos de um acordo.
— Você quer casar minha irmã com o seu filho? — Tento ser calma,
mas sei que estou quase quebrando o copo na minha mão.
Se não fosse essa mesa entre nós.
— Eu acho que seria uma ótima aliança. Como você disse, mito
favorável para ambos. Melhor do que isso, apenas você não se casar com
Valentina, como sempre foi o acordo.
— Cazzo. — Bato na mesa. — A minha irmã tem quatorze anos. Eu
não vou casar minha irmã enquanto ela ainda é uma criança.
— Eu não estou dizendo que eles precisam se casar agora. Podemos
fazer esse acordo e esperar ela completar dezoito anos. Meu filho até lá vai
ter vinte e três anos. Não é tanta distância assim de idade.
Esse era aquele momento que eu nunca quis viver. Eu sabia que
acordos assim viviam acontecendo o tempo todo, mas não pensei que
chegaria tão rápido para mim.
— Vamos, Travis. Eu estou te dando uma oferta de paz e uma aliança
que melhor do que isso, não tem. Ou isso ou você terá que cumprir o acordo.
Eu estou sendo até legal. Poderia simplesmente virar as costas e declarar
guerra a Lawless, mas não quero.
— E não pode.
— Se eu quiser eu caso meu filho agora mesmo com a filha de
Anthony Basso, Boss do território da Diabolos. Acha mesmo que eu não
tenho poderes agora, Travis?
A minha frieza precisa estar bem marcada e não demonstrar a minha
ira, e fica bem difícil. Sei que ele consegue perceber. Marinne não vai me
perdoar tão cedo, mas eu preciso dessa aliança. Paolo está certo e de vez em
quando a gente precisa derrubar um pião no jogo para lá na frente poder dar
um novo passo em direção do xeque-mate.
— Tudo bem. — Aceito erguendo o queixo. — Mas o acordo é o que
você disse, minha irmã só casará quando completar dezoito anos e ela precisa
conhecer um pouco o seu filho, aos poucos. O casamento será quando ela
terminar os estudos, no caso quando completar mesmo seus dezoito anos,
daqui a quatro anos. Se não for isso, eu não aceito.
— Eu não acho mais do que justo. Ninguém quer uma esposa burra e
inútil. A Darkness também preza muito a inteligência de uma mulher, não só
sua beleza.
Faço um aceno de apreciação.
— Sei que nem todas as organizações prezam por isso, mas fico feliz
que nisso nós estamos em sintonia. — Ele se levanta, este estende a mão para
mim. — É um prazer fazer essa aliança com a Lawless. É até melhor do que
você se casar com uma simples filha do meu conselho.
Ele só está falando isso porque nós estamos em quatro paredes bem longe de
Mário Ferrari. Aquele homem é tão filho da puta. É capaz de mandar matar o
próprio capo. Quero ele muito perto de mim. Os inimigos precisam estar
perto e ele odeia profundamente Ivon Avilov. E o inimigo do meu inimigo, é
meu amigo.
[1] Bem, mas no meu reino ninguém vai fazer isso não.
[2]
Que babaca.
[3]
Você tem a audácia e a teimosia italiana da sua mãe. Que porra!