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Kirsten Adamzik
Patrizia Violi
Brian Paltridge
Jean-Michel Adam
Vijay Bhatia
John Swales
lnger Askehave

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EDITORA UNIVERSIDADE
DE PERNAMBUCO
Dados Internacionais de Catalogação na Publ icação - CIP
Universidade de Pernambuco - Recife

G369 Gêneros e sequências textuais / Benedito Gomes Bezerra; Bernardete


Biase-Rodrigues; Mônico Magalhães Covalcante, Organizadores .
- Recife: Edupe, 2009 .

248p .

ISBN : 978-85-7856-009-6

1. Metodologia Científica Texto. 2. Textualidade . 3.


Gêneros . Textuais . 1. Título . li. Bezerra, Benedito Gomes . Ili. Biase-
Rodrigues, Bernadete . IV Cavalcante, Mônico Magalhães .

CDU :001 .8(075)


Sumário

Apresentação, 9

1. Oque é a pesquisa dos gêneros textuais orientada pela


Pragmática?, 15
Kirsten Adamzik (Universidade de Genebra)

2. Odiálogo eletrônico entre aoralidade e a escrita: uma


abordagem semiótica, 45
Patrizia Violi (Universidade de Bolonha)

3. Análise de gêneros e a identificação de fronteiras textuais, 61


Brian Paltridge (Universidade de Sydney)

4. Textualidade e seqüencialidade: oexemplo da descrição, 79


Jean-Michel Adam (Universidade de Lausanne)

S. Quadro teórico de uma tipologia seqüencial, 115


Jean-Michel Adam (Universidade de Lausanne)

6. Uma abordagem textual da argumentação: "esquema", seqüência


e frase periódica, 133
Jean-Michel Adam (Universidade de Lausanne)

7. Aanálise de gêneros hoje, 159


Viiay K. Bhatia (Universidade da Cidade de Hong Kong)
8. Repensando gêneros: uma nova abordagem ao conceito de
comunidade discursiva, 197
John M. Swales (Universidade de Michigan)

9. Identificação de gênero e propósito comunicativo: um problema e


uma possível solução, 221
lnger Askehave (Universidade de Aarhus)
John M. Swafes (Universidade de Michigan)
Organizadores

Benedito Gomes Bezerra


Graduado em Letras pela Universidade Estadual do Ceará e doutor em
Lingüística pela Universidade Federal de Pernambuco, é professor da
Universidade de Pernambuco (UPE), Coordenador Setorial de Pós-Gra-
duação e Pesqui sa da Faculdade de Ciências, Educa ção e Tecnologia
de Garanhuns (FACETEG), coordenador do grupo de pesquisa Práticas
Discursivas, Interação Social e Ensino (UPE) e pesquisador dos grupos
PROTEXTO e HIPERGED (UFC) . Desenvolve pesquisas em Lingüística de
Texto (Análise de Gêneros), investigando especialmente gêneros acadê-
micos e digitais. E-mail: benedito .bezerra @ upe.br

Bernardete Biasi-Rodrigues
Doutora em Lingüística pela Univers idade Federal de Santa Catarina
(UFSC), com estágio pós-doutoral na Eberhard Karls Universiti:it, Tübin-
gen - Alemanha; professora da Universidade Federal do Ceará (UFC);
pesquisadora vincu lada ao Programa de Pós-Gradua ção em Lingüísti-
ca/UFC; coordenadora do Grupo de Pesquisa TRADICE. Desenvolve
pesquisas em Lingüística de Texto, particularmente na área de Análise
de Gêneros, nas perspectivas sincrônica e diacrônica. E-mail: bernar-
dete.biasi @ gmail.com

Mônica Magalhães Cavalcante


Doutora em Lingüística pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), com pós-doutorado pela Univers idade Estadual de Campinas
(Unicamp), é coordenadora do grupo interinstitucional de pesquisa
PROTEXTO e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). De-
senvolve pesquisas em Lingüística de Texto, particularmente em Refe-
renciação, estabelecendo diálogos com as análises do discurso, com
o sócio-cognitivismo interacionalmente situado e com a psicanálise
freudo-lacaniana. E-mail : monicamc02@gmail.com
Apresentação

Todas as formas de discurso, em especial as usados


em contextos institucionalizados, são construídas e ne-
gociadas socialmente (V K. Bhatia, 2004 - Worlds of
written discourse).

O grupo de estudos PROTEXTO (U FC), em parceria com o grupo


Práticas Discursivas, Interação Socia l e Ensino (UPE), traz à comunidade
acadêmica mais uma coletânea de textos científicos da área de Lingüística,
produzidos por autores e autoras de renome internaciona l, em tradução
para o português . Uma vez que cada pro jeto do PROTEXTO sempre tomou
como prioridade as pesqu isas atinentes aos processos de referenc iaçõo e
aos gêneros do discurso, organizamos um primei ro vo lume de traduções,
intitu lado Referenciaçõo (Editora Contexto, 2003) com traba lhos versando
sobre mecan ismos anafóricos e dê iticos, e dedicamos, agora, este segun-
do volume a nove estudos que se ocupam da aná lise de gêneros e da
organização composicional de seqüências textuais.

As pesquisas sobre gêneros textuais têm se desenvolvido sobrema-


neira no Bras il desde o início da década de 90 . Num período de pouco
mais de década e meia, um grande número de estudiosos ingressou nesse
campo, o que se pode comprovar pe la simp les observa ção dos cadernos
de resumos dos congressos mais recentes das áreas de Lingüística e Lin -
güística Ap licada . Uma evidência do rápido desenvolvimento e prestígio
desse campo de estudos é o fato de que, já na primeira metade dos anos
90 , as refle xões sobre gêneros tiveram lugar privi legiado nas discussões e,
posteriormente, foram contemp ladas nos Parâmetros Curriculares Nacio -
na is de Língua Portuguesa .

Em âmbito interna ciona l, o tema tem igua lmente a lcan çado grande
pre stígio, com importantes pontos de debate e o surgimento de inúme -
ros abordagens teórico-metodológicos, dentre os quais vale destacar o
sócio-retórico, a interacionista sociodiscursivo, o sistêmico funciona l e o
bakhtiniono . Se no início (no segundo metade dos anos 80) o foco eram os
gêneros vistos indi vidua lmente (como o artigo de pesquiso), no atualidade,
o ênfase tem sido dado à inter-relação entre gêneros e ao modo como
eles constituem conjuntos de práticos em ambientes sociais específicos . Em
relação ao contexto acadêmico, por exemplo, o literatura tem mostrado
não só como alguns dos principais gêneros se constituem (o exemplo do
artigo, do tese, do resenho), mos também a formo como são implementa-
dos, considerando tanto as práticos sociais e discursivos envolvidos quanto
ao papel dos gêneros ve lados (occ/uded genres , nos pa lavras de John
Swales), * como são exemp los as cortas de aceitação, os solicitações de
financiamento e os pareceres .

Poro o presente obro , foram selecionados nove textos fundamentais


poro o compreensão do formação dos gêneros do discurso e dos seqüên -
cias textuais, por apresentarem uma discussão aprofundado de questões
teóricas e metodológicos importantes nesse campo . Além disso, estes nove
trabalhos estão sendo pub licados pe la primeiro vez em português, foto
que merece destaque, pois há uma grande carência de literatura traduzido
nessa área.

Pelo menos três campos disciplinares estão contemplados nesta cole -


tâneo: o lingüístico textua l de orientação discursivo ou pragmático, o semi -
ótica e, sobretudo, a sócio-retórico, para a qua l convergem os principa is
constatações que embasam os pressupostos das pesquisas que se desen-
volvem hoje na Análise de Gêneros. De modo gera l, os capítu los deste
V, livro abordam problemas re lativos aos conceitos e aos procedimentos de
"ii:i
::::,
........ pesquisa que entram em cena numa aná lise de gêneros e numa descrição
X
cu
....... de seqüências textuais narrativos, descritivas, exp licativos, argumentativos
V,


n::,
e dialogais.
e::
«::u
: :::::;i
c::r O primeiro capítu lo, de Kirsten Adomzik, sob o título O que é o pes -
(JJ
V,
quiso de gêneros textuais orientada pela Pragmática?, aporto reflexões crí-
cu
V,
e
cu
e:: • Termo usado em seu últi mo livro Reseorch genres: explorotion ond opplicotions, pub licado pelo
,cu
~ Cambridge Unive rsi ty Press em 2004 .
ticas sobre o modo como certas abordagens de uma lingüística textual
fundada na Teoria dos Atos de Fala têm praticado a análise de gêneros,
ao tomarem como ponto de partida o ato ilocucionário e o falante, além
de outras dimensões contextuais . Reconhecendo as limitações de diversos
trabalhos que adotam essa perspectiva, as considerações da autora culmi-
nam com a constatação de que a pesquisa de gêneros deve ser ampliada
de modo a contemplar " estruturas comunicativas mais abrangentes e seu
mútuo entrelaçamento" .

O segundo capítulo, que traz um artigo de Patrizia Violi, chamado O


diálogo eletrônico entre a oralidade e a escrita - uma abordagem semiótica,
aproxima-se desse tipo de análise de natureza pragmática . Violi empenha-
se em caracterizar o e-mail como um gênero que congrega peculiaridades
do diálogo escrito e da conversação face-a-face, simultaneamente . Além
disso, a autora tece comentários importantes sobre a classe de gêneros
epistolares, que tem a carta como representante mais típico .

No terceiro capítulo, que se intitula A análise de gêneros e a identifi-


cação de fronteiras textuais, da autoria de Brian Paltridge, encontra-se uma
crítica contundente à tentativa de precisar divisões estruturais de um gênero
com base principalmente em critérios lingüisticamente definidos . O autor
sugere que a busca por fronteiras entre gêneros deveria privilegiar aspectos
co gnitivos em termos de convenção, adequação e conteúdo, de vez que as
motivações para subdividir os gêneros são muito mais não-lingüísticos do
que lingüísticos . Assim, para não incorrer no equívoco de uma "hipergra-
maticalização", é necessário contemplar também fatores sócio-culturais,
além de aspectos cognitivos, a fim de compreender que estratégias cog-
nitivas são postas em prática pelos membros de uma dada comunidade
discursiva para atingir certos propósitos comunicativos .

O mesmo comentário pode aplicar-se aos estudos de Jean-Michel


Adam sobre as seqüências te xtuais, que se definem por um critério estrita-
mente composicional. Embora o autor derive seu estudo de uma perspec-
o
tiva discursiva, admitindo, como se perceberá pela leitura dos capítulos ....,.
ltt:l

.....,
ro
quatro, cinco e seis, um pressuposto da Análise do Discurso de orienta- e:
a,
V,

ção francesa de que os gêneros se originam de formações discursivas, ....


a,
a.
<C
perpassadas por uma interdiscursividade constitutiva, Adam defende que
a Lingüística de Texto pode ser abordada em duas d imensões diferentes,
ainda que entrelaçadas : uma configuracional e outra composicional. Des-
te modo, a descrição das chamadas seqüenciais textuais, proposta pelo
autor, conquanto se enquadre numa visão discursiva ampla dos fenômenos
lingüísticos, termina por limitar-se a um subsetor, como que paralelo à di-
mensão configuracional, na qual seriam analisados os planos de enuncia-
ção, a referência e as modalidades, bem como a argumentação do ponto
de vista pragmático. No modelo do autor, compete ao lingüista examinar
uma posterior passagem da base composicional das seqüências à base
configuracional (pragmática) como um todo .

No quarto capítulo deste livro, o artigo Textualidade e seqüencia/i-


dade: o exemplo da descrição, Adam, procurando redefinir o campo da
lingüística textual, expõe as bases do conceito de seqüência textual, ilus-
trando com a discussão de uma seqüência específica, a descritiva .

No quinto capítulo, nuni artigo curto, denominado Quadro teórico de


urna tipologia seqüencial, encontram-se esboçadas as reflexões de Adam
sobre a própria noção de seqüências textuais . A relevância desse trabalho
reside nas explicações e justificativas apresentadas pelo autor para alterar
o número de estruturas seqüenciais de base, que, em estudos anteriores,
ele próprio descrevera como sendo sete, pois incluía a seqüência injuntiva
e a poética .

Para dar ao leitor uma dimensão clara das idéias de Adam, acres-
centamos, no sexto capítulo, um artigo mais recente do autor, intitulado
Uma abordagem textual da argumentação : "esquema", seqüência e frase
periódica, em que ele discute a sua teoria da seqüência argumentativa em
comparação ao modelo de esquema argumentativo de Toulmin e respon-
de a uma série de questionamos que lhe foram feitos por autores diversos
em relação a seu modelo de análise .

Desta parte em diante, a presente obra abre espaço para abordagens


de orientação sócio-retórica, em que se destacam rediscussões de aspec-
tos conceituais e metodológicos da Análise de Gêneros que se pratica nos
dias de hoje . O leitor que se debruçar sobre esses te xtos vai poder obter
informações que o ajudem a entender a evolução dos estudos de gêneros

1 .,
textuais, além de se defrontar com questões fascinantes que estão longe
de ser respondidas .

No sétimo capítulo, Vijay Bhatia, no artigo A análise de gêneros hoje,


faz um apanhado geral dos estudos de gênero realizados na década de
noventa . Arrola inúmeros temas que estão no cerne das pesquisas atuais,
tais como a função do propósito comunicativo na análise, a versatilidade,
a inovação e a imbricação dos gêneros e a hegemonia do inglês no mun-
do da pesquisa.

No capítulo oito, John Swales, no artigo Repensando gêneros : uma


novo abordagem ao conceito de comunidade discursivo, redefine o con-
ceito de comunidade discursiva, muito caro à proposta do autor e de seus
seguidores. Swales reflete sobre como muitos dos pressupostos que assume
convergem poro as noções de linguagem, sociedade e discurso defendidas
por Bakhtin . Uma comunidade discursiva, consoante Swales, partilha um
conjunto de objetivos e apresenta mecanismos de intercomunicação entre
seus membros, por meio dos quais eles buscam atingir uma série de pro-
pósitos comunicativos .

Por fim, no capítulo nove, Swales, em parceria com lnger Askeha-


ve, procuro rever, no artigo intitulado Identificação de gênero e propósi-
to comunicativo: um problema e uma possível solução, a centralidade do
conceito de propósito comunicativo nos procedimentos empregados para
reconhecer e definir um gênero textual.

Assim, entregamos ao meio acadêmico mais uma obra valiosa, prin-


cipalmente paro os pesquisadores de gêneros que estejam se iniciando
nesse campo de estudos e paro alunos de pós-graduação . Dado a impor-
tância dos temas aqui repensados, este livro também se revela interessante
a professores universitários e de educação básica, bem como a profissio-
nais de áreas afins.

Adair Bonini (UNISUL)


Benedito Gomes Bezerro (UPE)
Mônico Magalhães Covo/cante (UFC)
(Organizadores)
Benedito Gomes Bezerra
Bernardete Biasi-Rodrigues
Mônica Magalhães Cavalcante

Gêneros e seqüências textuais

EDUPE, 2009
Universidade de Pernambuco - UPE 2009
Copyright @ by Benedito Gomes Bezerra, Bernardete Biasi-Rodrigues e
Mônico Magalhães Cavalcante
Este livro não pode ser reproduzido por qualquer meio sem
autorização do Editor.

Universidade de Pernambuco - UPE


Reitor
Prof. Carlos Fernando de Aroú;o Calado
Vice-Re itor
Prof. Regina/do lno;osa Carneiro Campello

Editora Universidade de Pernambuco - EDUPE


Presidente
Prof. Dr. Othon Bastos
Coordenadora
Delba A. Pi~to
Projeto Gráfico
Diêgo Rogério Silva de Lira

Tradutores
Benedito Gomes Bezerra
Bernardete Biasi-Rodrigues
Hans Peter Wieser
Lívia de Lima Mesquita
Maria Erotildes Moreira e Silva
Maria Helenice Aroú;o Costa
Mônico Magalhães Cava/cante

Revisão Técnica da Tradução


A/ena Ciulla e Silva

Revisão Geral
Benedito Gomes Bezerro

Impresso no Brasil - Tiragem 500 exemplares

EDUPE
Av. Agamenon Magalhães, s/ n - Santo Amaro-Recife/ PE -
CEP. 50103-010 - Fone : (81) 3183 3724 - Fax : (81) 3183 3718

Filiada à

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DAS EDITORAS UNIVERSITÁRIAS
l""'"'I
Oque é a pesquisa dos gêneros textuais -o
orientada pela Pragmática r-~
Kirsten Adamzik

1.1. Pano de fundo da discussão


É possível retirar, de qua lquer visão geral do desenvolvimento da Lin-
güística Textual, a informação de que houve uma reviravolta no rumo da
disciplina . Depois de uma primeira fase, caracterizada como "transfrásti-
ca", na qua l os textos foram estudados pe lo ponto de vista de que repre-
sentam uma seqüência coesiva de orações, a pesquisa foi norteada para
uma perspectiva comunicativo -pragmática. Nessa segunda fase, os textos
são compreendidos como totalidades (internamente estruturadas) às quais
podemos atribuir " uma função comunicativa reconhecível" (Brinker, 1997,
p. l 7). Essa mudan ça de ponto de vista fomentou também, de modo deci-
sivo, a análise de gêneros textuais, pois, com a categoria da função comu-
nicativa, descobriu-se um critério que se mostrou adequado especialmente
para a tipificação. Além da função comunicativa, foram consideradas -
também pelo ponto de vista pragmático no sentido amplo - as condições
da situação comunicativa e do domínio de comunicação e, igualmente,
os aspectos conteudístico-temáticos 1; ainda assim é possível ver a função
comunicativa (e a tipificação textual conforme esse critério) como a abor-
dagem mais proeminente. Nessas circunstâncias, surgiu a questão - que,
por vezes, foi até discutida - de os diferentes critérios poderem ser usados
para elaborar abordagens de tipificação alternativas, ou seja, concorren-
tes. Esse problema pode ser visto como resolvido, já que preva lece, cada

• Tradução de Hans Pete_r Wiese r


l . Cf. Hei nema nn (2 0 00: ca pítu lo 2) e de Kra use (2000 : capítul o 2 .2).

15
vez mais, a idéia da "classificação em vários níveis" 2 . Os critérios diferentes
focalizam, cada um , aspectos diferentes, mas igualmente essenciais, deste
complexo fenômeno chamado texto . Nisso é preciso levar em considera -
ção, além das características "externas ao texto", ou seja, pragmáticas,
também a organização lingüística . Não é necessário colocar esses crité-
rios - conforme sua importân cia ou aspectos semelhantes - numa ordem
hierárquica fi xa, pois eles representam dimensões descritivas que se com-
pletam 3.

Sendo assim, a discussão pode focalizar dois outros complexos de


perguntas :

1. Quais são as dimensões ou os níveis de descri ção que têm que


ser considerados pelos pontos de vista pragmáti cos? Mais con creta-
mente, será qu e basta examinar, além do compon ente fun cional ou
"a cional"4, os componentes situacional e conteud ístico-temático?

2 . Quai s são os critérios de diferencia ção que devem se r distinguidos


em cada dimensão? É melhor contar com um conjunto fi xo de ca-
tego rias? Será que os textos individuais ou as partes de textos são
asso ciados a essas categorias de modo monotípico ?

1.2. Problemas da abordagem orientada pela Teoria dos Atos de Fala


Sabe- se que a investiga ção dos gêneros textua is, vistos como padrões
funcionalmente cara cterizados do uso lingü ístico, está relacionada intima-
mente com o fenômeno mais geral da "reviravolta comunicativo-pragmá-
tica" (Helbig, 1986) da lingü ística dos anos 70 . Esse interesse (renovado)
na língua, enquanto fenôm eno social , corresponde a uma supera ção da
pesquisa ori entada exclus ivamente para o sistema lingü ístico, e foi con -
sid erado, a mplamente, como liberta ção de uma lingü ística " estéril" que
excluiu os fatos sociais . Al ém di sso, essa m udan ça realizou-se, tonto no
Alemanha quanto em outros países, num contexto cie ntífico-político mais
a mplo . Nesse ambiente, a Pragmática fo i co mpreendida como um hiperô -

2 . Cf. He inem a nn & Vi e hweg er ( 199 l : 14 3 ss.) e He ineman n (2 0 00).


3 . Sobre esse a specto, cf. Adomzik (1995 a: 31 ss .).
4 . Cf. Krouse (2000: cap ítulo 2 . 1.4 .).

16
nimo abrangente que incluiu uma multiplicidade colorida de abordagens
que surgiram, entre muitas outras áreas, no âmbito da sociolingüística, das
ciências de comunicação e de mídias, da crítica ideológica e da crítica
à norma (l ingüística). 5 Certamente, essa abertura foi extraordinariamente
fértil para novas questões ou para perguntas longamente negligenciadas,
e para objetos que exigiam novas pesquisas empíricas, mas ela também
colocou a pesquisa diante de uma dificuldade : as categorias tradicionais
de descrição foram pouco adequadas ou até inadequadas à compreen-
são das novas questões. Foi preciso, então, desenvolver novos modelos
teóricos e novos métodos analíticos. Contudo, a discussão abstrata so-
bre teorias, de um lado, e o árduo trabalho empírico, de outro, absorveu
uma parte tão grande de energia dos pesquisadores que, apesar de tudo,
recorreram , muitas vezes, às grades analíticas tradicionais para fazer as
análises concretas . Convém mencionar, como exemplos para isso, os tra-
balhos sobre os códigos "restrito" e "elaborado" na tradição de Bernstein,
as análises das linguagens publicitária, jornalística e política ou o modelo
desenvolvido na Universidade de Freiburg, que aspira a uma tipologia das
constelações conversacionais . Numa boa parte desses estudos, os autores
tentaram combinar novas categorias teóricas com o arsenal trad icional
das teorias com o qual se abordavam fenômenos sintáticos, morfológi-
cos e lexicais . Talvez tenha sido, crucialmente, por causa do crescimento
quantitativo da nova geração acadêmica e da pressão subseqüente da
concorrência que, entre as abordagens de origem pragmática no sentido
amplo que inovaram a teoria e a metodologia, apenas algumas consegui-
ram se estabelecer permanentemente no campo da pesquisa . De fato, é
preciso afirmar que, no fundo, apenas uma escola conseguiu prevalecer
amplamente, considerando -se que sua abordagem analítica, hoje em dia,
aparece com direitos iguais ao lado dos modelos descritivos tradicionais e
é transmitida como conhecimento básico em introduções gerais etc. Assim,
ao lado das categorias tradicionais da análise relacionada ao sistema da
língua, também as "categorias padronizadas" desta escola são aplicadas
nos trabalhos empíricos que analisam os diferentes gêneros textuais e que
se ocupam (entre outras coisas) com a dimensão pragmática . É claro que

5 . Essa situação do pesqu iso é documentado, por exemplo, nos introduções à pragmático de
Sc hlieben-Longe (1975) e Brounroth et oi. (1975).

17
se trata, nessa abordagem , da Teoria dos Atos de Fala . Nesse contexto,
uma avaliação no dicionário de Bussmann (1990, p . 606 ss .) é particular-
mente elucidativa :

Depois de uma fase no início dos anos 70 na qual a Pragmática


foi identificada quase que exclusivamente com a teoria dos atos
de fala, a P. se ocupa , nos tempos mais recentes, antes de tudo,
com as anál ises empíricas no âmbito da aná lise da con versação,
com as máximas da conversação introduzidas po r G rice (l 968) ,
e com ce rtos problemas da interface entre a P. e a Semântica
(como a dêixis , a pressuposição, etc.).

Sendo assim, já no início de sua carreira , o componente que examina


a língua e a atividade lingüística no contexto social ficou suprimido da vi-
são abrangente da Pragmática . Do ponto de vista global - pressupondo-se
que seja possível atribuí-los a um campo razoavelmente homogêneo de
investigação - esses modos de ver a língua, atualmente, são associados
prefe rencialmente à Sociolingü ística .

Claro que, no fundo, não é muito importante determ inar a qual sub -
discipl ina ob jetos, questões e estudos particulares são atribu ídos . Em nosso
conte xto , o olhar breve à compreensão da Pragmática no passado tem
importância, apenas, na medida em que a lingüística dos gêneros textuais,
que se compreende como comunicativa , comunicativo-funcional ou prag-
mática , recorre, antes de qualquer coisa , às categorias da Teoria dos Atos
de Fala e, desse modo, delimita estreitamente a questão da funcionalidade
V,
·ro
:::::,
dos textos .6 Isso é surpreendente, antes de tudo , porque, com a Teoria
~ dos Atos de Fala , foi escolhida uma abordagem que, se for adequada de
..'=l
V,
rc alguma maneira, de certo será pouco adequada para tornar descritível
·a
e::
<C:U
esta qualidade dos gêneros textuais sobre a qual há uma unanimidade
: ::::)
0-
c:u
V,

c:u
V,
6 . Hei nemann & Vie hweger (1 9 91 : cap . 1.2 .5.) definem a d omínio da "orientação pragm ático"
e
QJ
um pouco mai s a mpla mente, porque incluem abo rdagens re lacionadas a uma concepção da
e: ação que foi proposta pe lo psico logia lingüística do União Soviética ; no enta nto, nessa obro tam -
<QJ
l..::J bém, não é possíve l recon hecer modelos mois elabo rados e mais abrangentes .

18
quase perfeita, isto é, seu condicionamento histórico-social. 7 Em seguida,
os problemas causados por uma análise dos gêneros textuais fe ita (exclu-
sivamente) no âmbito da teoria dos atos de fala será discutida sob quatro
aspectos .

1.2.1. Centralização na ilocução


O enorme sucesso que a Teoria dos Atos de Fala obteve na Lingüística
Textual orientada para a comunicação deve-se, certamente, ao fato de que
aqui foi desenvolvido um conceito abrangente e elaborado, ou seja, uma
verdadeira "teoria", a qual contém componentes variados e, como se sabe,
divide um enunciado em diversos atos parciais. Ela modela também a li-
gação entre os aspectos lingüísticos no sentido estrito (os atos locucionário
e proposicional) e as categorias da teoria da ação (os atos ilocucionário
e perlocucionário). Apesar de essa concepção, à primeira vista, parecer
abrangente, não se pode negar que a categoria " ilocução" ocupa o cen-
tro da teoria. O ato perlocucionário, ou seja, o efeito, quando muito, foi
tratado com indiferença, e a ligação concreta entre os atos ilocucionário e
locucionário, cuja relação complicada tentou-se compreender pela teoria
bastante problemática dos atos indiretos de fala, até essa ligação refere-se,
no máximo, a certos aspectos parciais da forma lingüística e do conteúdo
de um enunciado . A teoria não compreende, de nenhuma maneira, o fato
de que, em alguns casos, podemos realizar e, em outros casos, temos que
realizar, por meio dos enunciados lingüísticos, ainda outros atos parciais -
por exemplo, "atos conversacionais" (fazer uma contribuição na conversa-
ção} ; "atos temáticos" (por exemplo, introduzir um tema, tornar a falar num
assunto); " atos relacionais" (por exemplo, exprimi r sua apreciação); "atos
para a representação de si próprio"; etc.8 Todavia, mais importante ainda
que saber se os aspectos relevantes de um enunciado são apreendidos
inteiramente pelo inventário das categorias da teoria dos atos de fala ésa-
ber o valor teórico que se atribui à categoria central, a ilocução . Trata-se,
tanto na categoria quanto nas suas realizações (os cinco tipos clássicos dos
atos de fala) , de classes supostamente universais que têm sua origem numa

7 . Cf. parti cularmente Kro use (2 000 : cop, 2 . 1.1 .)


8 . Sobre esse ponto, d. Adamzi k (1984 , p. 110-27) e Ado mzik (20000 : cop . 4) .

19
análise de validade geral , que se baseia na teoria da ação. Concebidas
como intenções, essas categorias são atribuídas a um falante abstrato e
"ideal" . Nesse procedimento, o falante aparece como um ser que age ra-
cionalmente; e mais ainda , com vistas à formação da teoria, é reduzido a
essa qualidade. Ele é modelado, então, como uma pessoa racional e não
como uma pessoa social, ou seja, como um membro de uma determinada
sociedade . Sem dúvida, o ser humano é, entre outras coisas, também um
ser racional , e, com certeza, suas intenções podem ser representadas , tam-
bém, pelas categorias universais da teoria da ação, mas não é bem esse
aspecto que poderia ser adequado para analisar oportunamente sua ação
como um ser histórico-social - e para ter em conta, também, um estudo
pragmático dos gêneros te xtuais no sentido mais amplo .9

1.2.2. Centralização no falante


A escolha da ilocu ção como categoria central produz, simultanea-
mente, o efeito de que a dimensão pragmática, que con cerne, conforme
a teoria semiótica de Morris, à relação entre o signo e seu usuário, seja
reduzida às intenções de um falante abstrato que funciona como portador
dessas intenções . Desse modo, são excluídos dois aspectos importantes,
a saber: em primeiro lugar, o aspecto de que, em rela ção aos produtores
de textos, trata-se de uma ou, às vezes, várias pessoas que agem em pa-
péis sociais diferentes; em segundo lugar, o aspecto de que, em rela ção
ao usuário receptivo do signo, trata-se de indivíduos ou grupos agindo
socialmente e fazendo uso dos textos oferecidos . Conformando-se com
uma espécie de mito de uma "harmonia preestabelecida", é de se pressu-
V, por, no entanto, que a tarefa do receptor consiste apenas em reconstruir
"rõ
::::l
....... as intenções do falante abstrato . Para esse trabalho de reconstrução, é
X
w
...... conveniente imaginar, como situação exemplar de interação, o contato
V,
ro imediato (face a face) . Outrossim, essa situação básica da comunica ção é,
·o
e::
<W
: :::,
também, a única que pode ser pressuposta como um fenômeno universal.
c:r
(l)
V,
Contudo, trata-se, também , daquela situação cujo grau de formal ização e
QJ
V,
estruturação socialmente preestabelecido é mínimo . Isso significa , simulta-
E:
QJ
e:: 9 . Q uanto a o ca rá te r a-histó rico e a ssociai do teoria dos a tos de fa la , d. Ada mzi k (l 995 6) ; d.
<W
...:::, ta mbé m o crítico e m Bro un roth e t ai. (l 975) .

20
neamente, que ela representa a situação menos adequada para compre-
ender os padrões de interação que foram desenvolvidos e influenciados
social e historicamente . A especificidade e a di vergência das economias
comunicativas de sociedades diferentes mostram-se tão mais reveladoras
quanto mais há formas de interação que se afastam da "situa ção comuni-
cativa arquetípica " e quanto mais intensamente ocorrem a divisão de tra -
balho e os outros processos da dife rencia ção soc ial. Como se sabe, uma
diferenciação social desse tipo costuma ser acompanhada de um enorme
crescimento de gêneros textuais específicos . Nesse processo evolucionário,
sobressaem -se, especialmente, os textos transmitidos pelas mídias de mas -
sa, de um lado, e os textos que, de uma maneira ou outra, são ligados às
instituições, de outro lado .

Ilustraremos o que foi dito através de textos publicitários, que, quando


mencionados, são apresentados, de preferência, como representantes pro-
totípicos de textos apelativos (correspondendo ao tipo de ilocução "direti-
va") . A finalidade ilocucionária da propaganda de mercadorias é fazer um
convite à compra . Essa constela ção pode ser representada perfeitamente
pela " situa ção comunicativa arquetípica" . O produtor ou distribuidor da
mercadoria toma a iniciativa , dirige-se a um freguês potencial e tenta dar-
lhe motivo, por meio de seus enunciados lingüísticos, para adqui_rir esse
bem . Todavia, no que diz re speito à área do comércio de mercadorias,
tal situa ção tem pouquíssima importância numa sociedade como a nossa.
O tipo de comércio que mais corresponde a essa situação é a venda por
telefone (telemarketing), que é cada vez mais freqüente, mas, mesmo as-
sim , tem um papel muito pequeno . Certamente, o que é interessante nesse
padrão comunicati vo é que a intenção comunicativa é ocultada muitas
vezes, e o verdadeiro objetivo da liga ção é disfarçar-se, por exemplo, por
meio de uma pesquisa de mercado . É necessário, freqüentemente , trocar
alguns turnos antes de o cliente potencial reconhecer o verdadeiro tipo
de situa ção, o que, em muitos casos, leva o freguês a cortar a intera ção.
Há, ainda, outro padrão bastante freqüente de se fazer um convite para a
compra na qual o vendedor toma a iniciativa. Trata-se da venda na porta
de casa, que é usada, preferencialmente, para vender assinaturas de pro-
dutos da imprensa . Aqui também, o convite para a compra é encaixado

21
tipicamente em outro enquadre de interação, a saber, a doação caritativa .
O " vendedor" apresenta-se como uma pessoa necessitada que pede aju-
da ao cliente potencial. O que se assemelha a esse padrão, nesse aspecto,
são as vendas domiciliares que são realizadas diretamente por ordem de
organizações caritativas.

Abstraindo-se desse tipo de situa ções excepcionais, o comércio de


me rcado rias em nossa sociedade realiza -se de modo completamente
d iferente e, entre outros aspectos, de uma manei ra bastante indi reta . O
padrão te xtual prototípico que melhor se encai xa nesse conte xto com-
plexo é a publicidade. Também é a propaganda que tem o maior inte -
resse para a Lingüística Textual. Todavia, é evidente que ela tem uma
forma completamente diferente da forma das intera ções que se fazem
pelo convite direto para a compra . De fato , é preciso pressupor-se que,
na publicidade, há, no mínimo, três níveis para a posi ção do "falante" .
Para começar, há o produtor ou o d istribuido r da mercadoria que não
escreve um te xto publicitá rio, mas um ped ido para a reda ção dele e
q·ue , nesse intuito, produz uma série de te xtos de outros tipos . Seu ob-
jetivo econômico (e não comunicativo propriamente dito) é a venda da
mercadoria . O produtor do te xto no sentido estrito é uma agência de
publicidade (geralmente uma equipe que trabalha para ela) . Seu obje-
ti vo primári o nã o é a venda da mercadoria, mas a venda de um te xto
publi c itário , que , aliás, representa apenas o produto final de múltiplas
intera ções de comunica ção e que também é uma mercadoria . Muitas
particularidades que a publ icidade mostra na sociedade de luxo em
que vivemos explicam-se pelo valor comunicativo que essa mercadoria
secundária representa para o re ceptor. No terceiro nível, encontra-se o
distribuidor da p ropaganda, ou seja, aquelas empresas que colocam
o espa ço para a propaganda à disposi ção dos agentes do primeiro e
segundo nível, e que vendem esse espa ço como mercadoria (também
re correndo, nisso, a muitos outros gêneros te xtuais) . Quando se trata
de propaganda nas m ídias da imprensa ou nas mídias áudio-visuais,
o objeti vo desses produtores é o finan ciamento de outros te xtos, mais
concretamente, da parte redacional da mídia. Embora os distribu idores
não pre cisem ter; ne cessariamente , um intere sse econ ô mi co ou comu-

22
nicativo na venda do produto ou na venda dos textos publicitários, é
preciso que as mercadorias oferecidas, assim como o conteúdo e a
forma do texto publicitário sejam harmonizados, de uma maneira ou
de outra, com a mídia (e vice-versa). Isso explica os tipos diferentes de
publicidade e esclarece a interdependência entre os gêneros textuais da
parte redacional e os da parte publicitária.

Como, então, os receptores fazem uso dos textos publicitários? Sem


dúvida, eles reconstroem, num ce rto nível, os interesses (econômicos) do
comitente, mas excluem, em parte, os outros níveis de falante, igualmente
como as análises lingüísti cos o fazem freqüentemente . 10 Mesmo assim, é
possível concluir, não apenas com base nos comentários espontâneos so-
bre a publicidade, que o " entendimento comunicativo" entre o comitente/
produtor, de um lad o, e o cliente, do outro, nunca se realize sem atritos.
Uma forma de lidar com a publicidade é rejeitar sua recepção. Essa atitude
é um problema, não por último, para os distribuidores da propaganda . Por
isso, como medida preventiva, uma parte das publicidades é encaixada
em outros enquadres de intera ção, por exemplo, em sorteios . Para poder
co nsegui r um lu cro material, o receptor tem que prestar atenção à pro-
paganda (por exemplo, ele tem que encontrar informações nela contidas
ou tem que observar, pelo menos o monitor, por exemplo, para perceber
números que são inseridos nos comerciais) . Já os jogos de sorte perten-
cem a, pelo menos, um outro enquadre interacional, que, geralmente, é o
mais importante enquadre usurpado pela publicidade, isto é, o entreteni -
mento . Aqui se gera uma situa ção em que o próprio produto publicidade
(e não a mercadoria anunciada) ocupa o foco do interesse comunicativo
do receptor, de tal modo que o efeito perlocucionário tencionado (isto é,
motivar o receptor para a compra) pode importar menos que outros efeitos
perlocucionários . As particularidades que a função comunicativa de um
gênero textual pode adquirir e as mudanças que essa função pode sofrer
mostram-se, como num rastro de luz, na maneira como as pessoas lidam
com a publicidade . Por exemplo, rejeitar a sua recepção era uma atitude tí-
pica do espírito de uma época crítica ao consumo, como a do fim dos anos
60 e a da década de 70 . Essa rejeição, porém, foi substituída pelo uso da

l O. Sobre esse ponto, cf. Techtme ier (2000 : cap . 3.2 .).

23
publicidade como um artigo de consumo, o qual foz parte do espírito da
época que caracteriza a "sociedade do prazer" .

1.2.3. Escassez de categorias


As classificações dos gêneros textuais que se orientam pela Teoria dos
Atos de Fala, na maioria das vezes, trabalham com cinco categorias bás i-
cas - Heinemann (2000 : cap . 2 .d) acredita que isso va lha até para "todas
as abordagens orientadas pela Teoria dos Atos de Fala" e inclui, desse
modo, apenas as propostas que se norteiam rigidamente pela taxonomia
de Searle . Todavia, por mais ampla ou ma is estreita que "a orientação pela
Teoria dos Atos de Fala" seja concebida, sempre vale dizer que, nos mode-
los que compreendem as funções com unicativas como um critério decisivo
de classificação, não se usa mais que uma dúzia, ou seja, uma quantidade
pequena , de categorias de diferenciação, tanto que um conjunto delim ita-
do, finito de categorias é considerado, ao menos desde lsenbe rg ( 1978, p.
5-67), como uma vantagem peculiar ou, até mesmo, como uma qua lida -
de necessária de uma tipologia científica. Também na pesquisa francesa,
justifica-se a defesa da investigação dos tipos de textos (determinados pela
estrutura ling üística), em vez dos gêneros textua is, com o argumento de
que os últimos sejam incontáveis. 11 Desse modo, a multiplicidade dos
gêneros textu ais, que, no fundo, representa a motivação para o estabele-
cimento da área correspondente de pesquisa, é vista como um problema .
Ora, é possível, evidentemente, lim itar-se à pesquisa de qualidades textuais
específicas com o objetivo de construi r uma tipologia abrangente que se
baseie apenas em poucas categorias . Em todo caso, é preciso formar tais
V, grades de categorias para qualquer descrição sistemática de textos e de
"rõ
::::,
........ gêneros textuais. No entanto, trata-se apenas da elaboração de categorias
X
cu
........ analíticas, 12 das quais é preciso adotar uma boa quantidade para poder
V,
ro descrever, ma is ou menos distintivamente, os dive rs os gêneros textuais, e
·;:::;
e::
,cu para poder delimitá-los mutuamente. 13 Ora, catalogar o universo textual
: :::::,
c:r
..,,
(J) inteiro de uma sociedade conforme cinco grupos, evidentemente, não tem
cu
V,
e
cu
1 1. Sob re esse po nto , cf. Gro be & Filliettoz (2000 : ca p. 2 . 1).
e:: 12. Sobre os delolhes desse ponto, cf. Adomzik (1995 º, p. 32- 7).
<CU
<..::::l 13. lsenbe rg chego à mes mo conclusã o, olé no revisã o do se u artigo de 19 78 (lsenb e rg , 19 83).

24
um potencial descritivo muito maior do que a classificação de uma popu-
lação conforme cinco grupos de idade ou classes sociais. Nesse sentido, é
muito surpreendente que a delimitação das categorias aproximativas que
compreendem, cada uma, uma única qualidade do texto seja considerada
muito satisfatória do ponto de vista teórico-metodológico, e, na qualidade
de um modelo que possa ser aplicado continuamente, é tomada como
base das análises . Seria muito mais urgente investigar intensivamente as
seguintes questões : quais são as subcategorias distintivas de padrões bási-
cos funcionais que devem ser consideradas? Quais são os fatores pragmá-
ticos adicionais que podem ser compreendidos com base em outros crité-
rios tipológicos? E em que sentido pode se pressupor que as subcategorias
e os critérios supostos são válidos e significativos para todas as classes de
texto delimitadas pelo tema, pela área específica de comunicação ou por
qualquer outro princípio de distinção e, desse modo, também para todos
os corpora empiricamente analisáveis?

A freqüente concentração na questão de quantas e quais categorias


ilocucionárias básicas devem ser consideradas é surpreendente, também,
porque a falta de capacidade diferenciadora das cinco classes é óbvia de-
mais para não ser percebida também na Teoria clássica dos Atos de Fala .
Queremos aqui lembrar que o próprio Searle, na sua taxonomia dos atos
ilocucionários, menciona "doze dimensões importantes, nas quais os atos
ilocucionários podem se distinguir mutuamente" (Searle, l 982, p. 18) e
atenua a precisão dessa afirmação ainda ao relacionar esse número com a
locução adverbial " no mínimo". A intenção, ou seja, o objetivo ilocucioná-
rio (illocutionary point) representa apenas uma dimensão . Rolf (l 993), que
se propõe fazer uma classificação exaustiva e disjuntiva de 2000 termos
alemães, ou mais, de gêneros textuais, acredita que dois critérios, além da
finalidade da ação, são suficientes. Todavia, entre esses critérios, as condi-
ções preparatórias (preparatory conditions) são formuladas, em parte, de
uryi a maneira tão específica que somos confrontados, em última análise,
com qualidades formuladas de maneira tão heterogênea e de propósito ad
hoc que caracterizam, também, as classificações "intuitivas" ou indutivas.
Seja como for, certamente precisa-se de várias dimensões ou níveis para
delimitar os gêneros textuais, distinguindo-os uns dos outros. Desse modo,

25
mesmo que a restrição das categorias básicas da teoria dos atos de fala
cumpra exigências teóricas, é certo também que essa delimitação repre-
senta, apenas à primeira vista, um louro sobre o qual é possível deitar.

1.2.4. Exigência de monotipia


Desde que lsenberg deu sua contribuição à discussão, a monotipia,
entre outras coisas, é considerada, ao lado da delimitação das categorias,
como uma exigência imprescindível de uma tipologia que, cientificamente,
pode ser levada a sério . Monotipia, nesse contexto, significa que cada ele-
mento a classificar pode, necessariamente, ser associado a, exatamente,
uma das categorias que são estabelecidas conforme um determinado cri-
tério de distinção . No que diz respeito à associação aos tipos de ilocução,
sabe-se que esta se referiu, originariamente, a enunciados particulares,
a atos de fala isolados e, quando muito, a seqüências mínimas . Face à
complexidade da unidade texto, foi impossível omitir durante muito tempo
que não é viável estabelecer, também, um tipo de ilocução apenas para
cada exemplar dessa unidade. Antes de tudo, tentou-se, então, reso lver o
problema da complexidade interna e da multiplicidade ilocucionária po-
tencial dos constituintes do texto por meio do conceito das hierarquias
ilocucionárias. Aqui não se associa mais uma única ilocução a um texto
com todos os seus componentes; a idéia principal é tentar descobrir a
estrutura acional desse texto na qual é preciso contar, entre outras coisas,
com ilocuções subordinadas ou subsidiárias . Ainda assim, uma versão fra-
ca da exigência de monotipia continuou em vigor, fazendo pressupor que é
preciso associar a cada texto exatamente uma ilocução dominante . Surge,
então, a questão de saber de que maneira faz sentido levantar tal exigência
atenuada de monotipia.

Já expliquei em outro lugar (Adamzik, 1995a, p.40) que , a meu


ver, é preciso rejeitar, por razões teórico-metodológicas, a exigência da
classificação monotípica dos textos, que é o objetivo expresso de lsen-
berg. Ora, tal tipificação significaria - por exemplo, quando os textos
são distinguidos conforme os tipos específicos de ilocução - que será
'preciso associar cada texto a uma das classes disponíveis, ou seja, ou
à classe representativa ou à classe diretiva, etc. Todavia, desse modo,

26
formula-se uma exigência ao objeto de descrição e não uma exigên-
cia à sua compreensão científica: nesse ponto de vista, não deveriam
existir, no mundo empírico, objetos que se encontrassem tanto em uma
quanto na outra ou até entre as categorias . Essa exigência, porém,
não pode ser levantada convenientemente para os objetos das ciências
empíricas e, evidentemente, ela também não é proposta nas ciências
naturais que, nesse contexto, são consultadas freqüentemente como
ideais. Isso significaria, por exemplo, que entre os seres humanos, na
categoria gênero natural, haveria apenas seres masculinos e femininos,
mas nenhum híbrido ou que, na fauna, seria preciso estabelecer a priori
uma categoria própria para cada um dos cruzamentos teoricamente
possíveis entre as espécies, mesmo que esse cruzamento, na realidade,
(quase) nunca ocorra. Todavia, as categorias precisam ser monotípicas
apenas na qualidade de grandezas intelectuais - apenas nesse sentido
trata-se de entidades científicas às quais é possível fazer exigências me-
todológicas .

Também o fato de que uma importância tão grande é atribuída 14 rnn-


da à exigência de monotipia formulada por lsenberg e de que ela continua
a ser lembrada pelo menos como uma virtude teórica (que infelizmente
não pode ser realizada na prática) tem que surpreender, não por último,
em face da influência que a teoria dos protótipos ganhou nas últimas duas
décadas também em áreas diferentes da lingüística. Hoje, tomamos por
base que o esquema aristotélico de classificação conforme as condições
necessárias e suficientes fracassa não apenas em face dos fenômenos hí-
bridos que não são previstos num mundo "puro", mas também porque as
categorias cognitivas têm, por princípio, uma estrutura prototípico, isto é,
elas estabelecem classes que incluem fenômenos de graus diferentes de re-
presentatividade. Para voltar ao mundo animal: abstraindo-se o fato de que
existam mulas, há, no mundo cognitivo, ainda representantes melhores ou
piores de cavalos, jumentos e mulas. A opinião, então, de que os gêneros
textuais sejam memorizados como categorias prototípicas, ou seja, - para
incluir a distinção terminológica proposta por Heinemann (2000) - que os
padrões textuais representem protótipos cognitivos subdeterminados pre-

14 . Sobre esse ponto, d. Kl ein (2000 : cop . l ).

27
valece há muito tempo . 15 Além disso, nas categorias lingüísticos dos níveis
clássicos de descrição, também, não há nada mais comum que contar
com categorias híbridas no nível sistemático, de um lado (por exemplo, os
afixóides) , e contaminações, ambigüidades, etc. (intencionais ou involun-
tárias) no nível da parole, de outro lado. Em todos esses casos, é comum
considerar como uma vantagem da análise quando ela consegue tornar
explícitas diferentes leituras através de descrições estruturais alternativas ou
mutuamente complementares .

1.2.4. Conclusão
Partindo do fato de que é preciso considerar o recurso às categorias
da Teoria dos Atos de Fala nas anál ises de gêneros textuais que são orien-
tadas pela pragmática como a abordagem atualmente mais proeminente
para a compreensão da funcionalidade dos textos , mostrou-se através de
aspectos centrais a problemática de tal orienta ção. Em resumo , há duas
conclusões : em primeiro lugar, certos pressupostos básicos da Teoria dos
Atos de Fala são pouco adequados para uma análise de gêneros te xtuais
caracterizados como padrões histórico -sociais do comportamento comu-
nicativo ; trata-se, especialmente, da modela ção de um falante ideal como
um se r ra cional, cuja s a ções são orientadas para a finalidade , um ser cujo
enca ixamento concreto no sistema social é abstraído . Em segundo lugar, o
poten cial de uma distinção diferenciada de tipos ilocucionários já faz parte
da teoria clássica dos atos de fala e foi desenvolvido inicialmente por ela .
Esse potencial - que tem que incluir, ao lado do objetivo ilocu cionário (illo-
cutionary point), uma série de outras dimensões - fo i pouco aproveitado e
VI está longe de ser absorvido .
·ro
::::1
.......
X
w
.......
VI
ro
· .::::;
1.3. Elementos da análise de gêneros textuais orientada pela Pragmática
e:::
,w
:::::::, A maneira como foi realizada, no item 2, a ex posi ção das coroe-
c:r
OJ
VI
w 15 . Cf., também, Krouse (2000 : cop. 2 . 1.3 .), que reo iço os divergências nos opin iões sobre o
V,
o rea lidade cogn itivo dos gêneros textuais, mos que, desse modo , to rno mais cloro ainda que o
cü desa cordo nesse ponto nõo se refe re ma is ao "se", mos ao "como" do questão. - Cf. , também ,
e::
<OJ
...::::,
Tech tmeier (2000: co p. l) .

28
terísticas de uma análise de gêneros textuais orientada pela Pragmática
restringiu a discussão quase completamente à situação do debate sobre a
teoria e a metodologia . Nisso, é preciso notar que foi possível chegar a um
consenso apenas no sentido de que o componente ilocucionário/ acional
dos textos deve ser suposto como o critério decisivo . Todavia, discute-se
ainda sobre o número e a lotação das categorias que devem ser consi-
deradas nessa dimensão . Seguindo Heinemann (2000) , quero pressupor,
também , que há um acordo quase unânime a fa vor da abordagem da
classificação em vários níveis, que parte da idéia de que, numa descrição
diferenciadora, é preciso incluir várias dimensões, uma ao lado da outra,
e não ordenadas de modo hierárquico . Acredito igualmente que há pouca
discordância sobre o fato de que é conveniente, com respeito a essas di-
mensões ou níveis te xtuais., considerar fatores conteudístico-temáticos , for-
mais e situacionais também. Todavia, não está bem resolvido, ainda, quais
são os aspectos que a dimensão situacional deve incluir, ou seio , quais
são os outros critérios funcional-pragmáticos que devem ser considerados,
isto é, não existe atualmente uma grade mais ou menos obrigatória para
esses componentes. Nesse sentido, gostaria de concordar com a opinião
de Antas & Tietz (l 997 : VIII) , que afirmam que a discussão teórica , durante
muito tempo , não avançou .

Contudo, é preciso fazer imediatamente um acréscimo a essa avalia-


ção : o resultado insatisfatório do debate sobre os fundamentos teóricos da
pesquisa dos gêneros te xtuais não impediu que, com base nas exigências
de uma descri ção empiricamente adequada, outros aspectos essenciais
fossem incluídos, de uma maneira mais ou menos sistemática, na mul-
tiplicidade das pesquisas empíricas sobre gêneros individuais de texto e
diversas áreas de comunica ção, particularmente nos estudos da comuni-
ca ção nas mídias, na políti ca e nas instituições - ou seio, com respeito a
domínios nos qua is é quase impossível abstrair as condições sociais con-
creta s. O que é preciso agora é que o resultado dessas categorias obtidas
de modo indutivo deva beneficiar a revisão ou a amplia ção dos postulados
teóricos básicos da pesquisa sobre os gêneros textuais . O princípio disso,
com efeito, iá existe . Por exemplo, entre as contribui ções na coletânea de
Adamzik (2000), convém mencionar, particula rmente, o trabalho de Josef

29
Klein (2000) que, com base em estudos específicos, sobretudo de gêneros
textuais da política e das mídias, defende exp ressamente uma ampliação
do inventário das categorias da pesquisa dos gêneros textuais .

Todavia, o presente trabalho não pode encarregar-se da tarefa de


oferecer um inventário ampliado e fechado, uma vez que tal objetivo, na
melhor das hipóteses, pode impor-se apenas como resultado de um lon-
go processo de negociação na comun idade científica . Por isso, apenas
escolherei aspectos que me pareçam centrais e proporei discutir algumas
possibilidades de soluções .

De um ponto de vista geral, é possível delimitar a área dos aspectos


essenciais da pesquisa dos gêneros textuais orientada pela pragmática
recorrendo a conhecidas fórmulas de perguntas : quem produz e quem
recebe certos tipos de gêneros textuais? Quando, quantas vezes, por que,
com qual finalidade e com qual resultado eles fazem isso? Enquanto,
nessas perguntas, os gêneros textuais ainda são focalizados, nota-se que
eles se tornam um fenômeno secundário, quando se toma como base
a caracterização costumeira de que se trata de recursos convenc iona is
(e, em parte, utilizados de mane ira rotineira) para a solução de tarefas
co municativas periodicamente ocorrendo: qua is tarefas comunicativas se
impõem a quem, quando, quantas vezes, sob quais co ndi çõ es e quais
são os recursos convenc iona is que a sociedade coloca à disposi çã o para
a solução dessas tarefas? Isso deve ser comp lem entado ainda pela se-
guinte questão: quem é co nfrontado, quando, etc., co m quais ofertas
com unicativas? Quando as questões são formuladas dessa maneira, o
co nceito da "economia comunicativa" (de uma sociedade, mas também
de grupos sociais ou indivíduos) entra no centro das obs ervações, e jus-
tamente isso deve ser o ponto de partida mais adequado para uma abor-
dagem pragmaticamente orientada .

1.3.1. Atribuições múltiplas de sentido


Como um problema essencial das abordagens que são intima mente
orientadas pela Teoria dos Atos de Fala , foi mencionado acima o conceito
do falante abstrato. No exemplo dos textos publicitários, tentou-se mos-

30
trar que, num caso concreto, a posição abstrata do falante tem que ser
decomposta, às vezes, em vários níveis, nos quais os falantes agem como
portadores de diferentes papéis sociais . Evidentemente, o problema do fa-
lante abstrato está ligado ao do receptor abstrato, que não é levado em
consideração ou ao qual cabe a tarefa de "decifrar" a intenção do falante
corretamente, mas, naturalmente, os receptores também aparecem com
papéis sociais diferentes - e lidam, em parte, de modo diferente com um
texto (cf. mais detalhes sobre esse ponto também em Hartung, 1997) .

O conceito de um ouvinte abstrato que é encarregado apenas da


reconstrução conduziu a uma situação em que um teorema sobre o qual
há, na verdade, um consenso geral nas ciências textuais, passou comple-
tamente para o segundo plano: trata-se da suposição de que o processa-
mento de um texto não é reconstrutor, mas (re-)criativo, isto é, que a com-
preensão de um texto representa um trabalho · genuinamente criativo, que
não é orientado apenas pelo texto dado (e pela intenção que o produtor
a _ele associou), mas, essencialmente, pelas condições sociais e individuais
que influenciam a compreensão do receptor. 16

É que, quando compreendemos o produtor e o receptor como por-


tadores de papéis sociais, chegamos logo um passo mais perto da "prag-
matização" dos comunicadores . Claro qu~ agora o falante e o ouvinte
também não devem ser reduzidos a seus papéis sociais . Pelo contrário, é
decisivo levar a sério a idéia de que a interpretação do texto é uma atri-
buição de sentido que pode ocorrer por diferentes perspectivas . Um ser
humano é também um portador de papéis sociais, mas ele sente muitas
vezes a necessidade de deixar esse papel para trás e de enfrentar as outras
pessoas, por exemp lo, "ape nas como um ser humano". Isso pode ser uma
mera tática ou até fazer parte de um papel, mas não necessariamente . E
o receptor, por sua vez, pode ou não pode atribu ir a esse comportamen-
to (exatamente) o sentido de uma "tática". Seja como for, a atribuição

16. Schw ito llo (1994 , p. 19) vê uma dos diferenças entre os modalidades ora l e escrito do língua
no foto de que, no segundo coso, "o significado do texto[ .. .] num certo sentido [é) ' pronto'; ele
tem que ser reproduzido e desco berto pelo leitor" (d., também, o apresen ta ção dessa compara-
ção em Hess-Lüttich, 2000). Não ve jo, no entonto, o necessidade de fazer o suposição de que os
receptores possam lidar (ape nas) dessa maneira com os textos escritos (ou que eles possam fazer
isso somente com textos dessa modalidade) .

31
escolhida de sentido determinará o comportamento futuro e influenciará
- quem sabe - apenas com um grande atraso o conceito cognitivo do pa-
drão comunicativo para o qual essa troca de papéis pode até ser típica; o
que demonstra o papel dos investigadores da polícia ou do se rviço secreto .
Um exemplo da história atual pode ilustrar isso :

Conta-se das experiências de Karl-Heinz Hartmann numa pri-


são da Stasi :* "Depois de uma semana [ ... ] começaram, muitas
vezes na noite, os interrogatórios. Finalmente ele encontrou um
ser humano : o investigador que foi escolhido para ele e que se
ocupou durante semanas da questão de quais contatos ele e
seus partidários mantiveram com o Ocidente .

Sem querer, Hartmann começou a nele confiar. O investigado r


era fã do Jazz - como ele tam bém. Tardes inteiras , eles discuti-
ram sobre a música . Com uma perfídia especial esse sargento
tratou sua vítima paternalmente , quase como um ser humano .
Umo vez ele estendeu a mão para Hartmann - este se sentiu tão
comovido por esse gesto que começou a chorar". Hoje em dia,
Hartman n faz um tratamento com o psicólogo Stefan Trobisch:
"Trobisch é alemão ocidenta l, como todos os se us colegas, e,
desse modo, ele está acima de todos os suspeitos : muitas vítimas
da Stasi enfrentam terapeutas e médicos com uma desconfian-
ça especial. [.. .] Hartmann [ .. .] vem uma vez por semana para
o cons ultório do psicólogo Trobisch [ ...] ' Somente agora', diz
Hartmann,' começo a entender o que ocorreu"' (Revista Der Spie-
gel, 25 : 200 ss. , 1999) .

VI
ºi'õ
:::,
......,
X Seria possível acrescentar a isso : somente agora muitos compreendem
~
VI
ro com que padrões comunicativos eram confrontados; então , na retrospec-
·;::;
e::
<C:U
ção, eles fazem, também , uma reinterpretação dos padrões . Isso demonstra:
: :::,
0-
0.I
as diferentes atribuições de sentido podem ser o resultado não apenas dos
VI
ClJ diversos papéis sociais e comunicativos, das experiências repetidas de gru-
VI
eClJ
pos determinados - que, como foi mencionado no exemplo, podem causar
e::
<OJ uma profunda desconfiança diante dos portadores de certos papéis sociais
l..!:I

32
- e, naturalmente, de experiências individuais também. Pelo contrário, é con-
veniente esperar que, em tempos diferentes, sentidos diferentes sejam atribuí-
dos a acontecimentos -éomunicativos individuais e que as particularidades de
certos padrões comunicativos sejam reconstruídas, de maneira distinta, nos
diversos momentos da história inteira da interação.

Em outro lugar (Adamzik, 2000a e 20006), tentei compreender a


diversidade das atribuições de sentido ao introduzir a categoria "rendimen-
to comunicativo" . Esse termo refere-se ao sentido que, sob diversas pers-
pectivas, é atribuído aos acontecimentos comunicativos; 17 potencialmente
trata-se, então, de vários rendimentos . A heterogeneidade (possível) das
perspectivas é compreendida pelas subcategorias pessoal (do ponto de vis-
ta dos diferentes participantes da comunicação) e temporal (em momentos
diferentes) . A função comunicativa no sentido de intenção é incluída na
categoria rendimento ao defini-lo como rendimento desejado .

Josef Klein (2000 : seção 1) inclui os fenômenos mencionados acima


na categoria "padrão de ação textual" (Texthandlungsmuster), que deve
facilitar "a representação da complexidade da estrutura acional dos gêne-
ros textuais" . O autor explica essa categoria, num primeiro passo (op . cit. :
seção 4), lançando mão do sistema das relações da Lógica das Atividades
de Goldmann e Heringer, rigorosamente falando, recorrendo ao operador
indem 18 (uma relação lógica expressa por uma seta) . 19 Como esse opera-

17 . Isso rep resenta, ta m bé m, a categoria ce ntra l de Hartung (1997).


18 . N .T. A con junção alemã indem estabelece umo re lação semântico-pragmática modal ou
instrumental. N esse sentido , não tem tra dução literal para o po rtu guês. O o perador lóg ico indem
pode aparecer, na superfície lin güística, na forma de um gerúndio o u de uma fra se infinitiva que
funcion am re lativamente à subordinante, co mo circunstantes adve rbiai s; por ex. : "Recla mando do
ca lo r na sala de aula , o professor pediu a brir as janelas." o u "Ao me ncio na r os momentos difíceis,
o orado r elo giou o de sempenho da equi pe" .
19 . No cálculo pro posicio nal , as variáveis propos icio nais sã o represe ntada s, tradi cionalmente,
por letras la tinas min úscula s p, q, r, s, .. . que indica m as proposições (fórm ula s atômicas) .
As propos ições co m postas (molecu lares) envo lvem a relaçã o lóg ica d e " implicação" : A im plicação
é fa lsa se, e somente se, o anteceden te é verda deiro e o co nseqüente é fals o . Veja a seguinte
tabela da verdade : _a:
.N
p q P• q E
ro
.::,
V V V <(
e::
V F F cu
.......
,_
1.1'1
F V V ~

33
dor representa uma relação assimétrica (nomeadamente, "se p ao fazer q,
não segue: q ao fazer p"), ele não é muito adequado paro compreender
intenções ou rendimentos encontrados simultaneamente em gêneros tex-
tuais que se destacam, do ponto de vista pragmático, por particularidades
estranhas e dificilmente compreensíveis.

Seria conveniente acrescentar à representação de Klein que o próprio


Heringer (l 97 4, p. 51 ss.) projetou também uma relação (chamada " a
relação do banquinho") conforme a qual uma ação "pode seguir vários
padrões simultaneamente sem haver, necessariamente, uma relação de
seta entre esses padrões" . Como exemplo, ele descreve a seguinte situa-
ção: é possível, ao beber uma cerveja, tornar-se sonolento e, ao mesmo
tempo, sentir prazer, mas não sentir prazer em tornar-se sonolento (ou vice-
versa) . A mesma coisa vale para os exemplos discutidos por Klein (2000) .
É possível divertir-se com um programa de entretenimento e informar- se,
simultaneamente, sobre celebridades, mas, igualmente, é possível fazer
Lima coisa sem fazer a outro.

Sou cética com respeito à questão de saber se o termo empregado


por Klein, "padrão de ação textual" (Texthandlungsmuster), seja adequado
paro a compreensão dos fenômenos mencionados, pois os componentes
da expressão não contêm nenhuma referência à "polifuncionalidade" e/
ou à possibilidade de "destinatários múltiplos", que tanto importam paro
Klein nesse contexto . A futura discussão demonstrará qual será o termo que
prevalecerá e quais serão as especificidades que deverão ser supostas na
categoria mencionada . De qualquer modo, os diversos níveis potenciais
das funções, das intenções, dos rendimentos, das atribuições de sentido,
etc. devem ser considerados na caracterização dos textos e dos gêneros
textuais .

VI
ro
·w
e::
<QJ
1.3.2. Modo de validade
: ::::,
c::r Ao contrário do termo "padrão de ação te xtual" , a expressão "modo
Q.l
V'I
QJ de validade" de Klein (2000 : seção 3) parece bem adequado paro com-
V'I
e
(l)
preender como "as pretensões, as obrigações e os direitos de emisso res
e::
<(l) e receptores são "associados à produção de textos, especificamente nas
\.:::>

34
instituições e nos gêneros textuais ." "Trata-se da força compromissivo dos
exemplares de um gênero textual" (id . ibid .) e, o que poderia ser acres-
centado, da força compromissivo de certos gêneros textuais também . Isso
se assemelha à quarta dimensão do ato ilocucionário definida por Searle
(1982, p.22) : "diferenças na força ou intensidade pela qual a finalidade
ilocucionária é proferida" (por exemplo, propor alguma coisa versus insistir
em alguma coisa) . Contudo, no trabalho de Searle, trata-se outra vez de
uma determinação que é formulada exclusivamente do ponto de vista do
falante . Nesse caso, ela se refere à questão de quanto o falante quer se
comprometer com alguma coisa . Todavia, o que é muito relevante, do
ponto de vista pragmático, é, antes de tudo, a observação de que o grau
tencionado de validade de um enunciado ou de um gênero textual não
precisa coincidir, necessariamente, com o grau de validade reconstruído
pelo receptor. Klein (2000, p. 37) realça justamente esse ponto quando dá,
como um exemplo para o modo de validade, os textos de uma campanha
eleitoral. Neles, o modo de validade é influenciado

pela diferença entre o gesto do emissor que exprime a preten-


são categórica de ser dono da verdade e da certeza e o ceticis-
mo diante desse gesto que se dissemina entre os receptores . As
proclamações costumam se r interpretadas como " promessas da
campanha eleitoral" , ou seja, como enunciados que comprome-
tem o emissor, mas que devem ser avaliados, ao mesmo tempo,
como incertos com respei to à sua força de compromisso .

Provavelmente, é de se pressupor, mutatis mutandis, que há um ceti-


cismo semelhante diante do modo pretenso de validade dos textos publi-
citários em geral (se é possível admitir por hipótese que os textos publici-
tários com suas recomendações e seus elogios de produtos pretendem, de
modo geral, ser verdadeiros). Aliás, isso restringe também a eficácia das
afirmações e a validade das análises críticas à ideologia nestes textos, que
pressupõem que os receptores levam a sério as asserções publicitárias ou
sua pretensão da verdade .

35
Aqui aparece, também, uma oportunidade de fazer uma ligação entre
alguns pontos já discutidos na seção anterior: a questão de como a valida-
de de certos textos ou gêneros textuais se apresenta ao rece ptor depende,
decisivamente, da maneira como ele vê o falante e da relação que há
entre os dois .20 De que maneira isso pode ter efeito nos textos publicitários
mostra muito bem um texto de Androutsopoulos (2000) . O gênero textual
flyer - como uma forma particular de propaganda - se caracteriza por
um modo de validade completamente diferente do modo de validade de
outros textos publicitários, entre outras razões, porque são produzidos por
membros de subculturas . Os papéis do comitente, do desenhista da propa-
ganda (designer) e do divulgador coincidem totalmente (home made flyer)
ou são ocupados por pessoas cuja distância social é muito pequena, visto
que pertencem à mesma rede, como Androutsopoulos diz.

O modo de validade no sentido de Klein (2000) faz parte, também,


dos fatores do co nhecimento cotidiano sobre gêneros textuais . Essa afir-
ma ção é demonstrada pelas respostas que Techtmeier (2000: cap . 3 .2 .)
colecionou sob a categoria "ava lia ções de gêneros textuais", pois aqui se
mostra, por exemp lo, que há pouca confiança na veracidade do conteúdo
proposicional de um boletim meteorológico e que os receptores caracteri-
zam os anúncios classificados à procura de casamento com a avaliação " é
raramen te bem sucedido" .

Finalmente, convém chamar a atenção para a importância que a


categoria modo de validade tem para a comparação interlingual de gê-
neros textuais .21 Basta mencionar apenas dois exemplos de duas áreas
comp letamente diferentes . Ehnert (1998) colocou suas considerações so-
bre uma "gramática contrastiva de culturas" sob o título geral Komm doch
mal vorbei ("Passa aqui") - um convite que no alemão, provavelmente, não
é levado muito a sério. Enun ciados e gêneros textuais relevantes para a
manutenção da relação ou da polidez, de uma maneira geral, têm em cul-
turas diferentes, muitas vezes, um grau de compromisso bastante diferente .
20 . Sobre esse pon to , d. , também , o quinto dimensão de Seo rl e (1982, p. 22) : "diferenças no
relação entre o fo lante e o ouvinte , no medido em que têm efeito sobre o popel ilocucionório do
enunc iado" . Noturolmente, o acrésc imo formulado no ora ção subordinado é supérfluo em nosso
obordogem .
21 . Sobre esse ponto, cf. Krouse (2000) e Adomzik (2 00 l : cop . l ).

36
Também pertence a esse assunto a questão de quando e quantas vezes eles
têm que se r proferidos . Será que a sauda ção entre um cai xa e um cliente
(que não são familiarizados um com o outro) num supermercado faz par-
te desse pad rão interacional? É possível , é um dever ou uma obrigação
fazer (ou não fazer ou fazer demasiadamente) elogios sem compromisso?
E como se deve reagir? É preciso rejeitá-los ou aceitá-los? 22 Será que é
perm itido fazer "elogios negativos" - como é possível o bservar freqüente -
mente entre os alemães que se distinguem " por uma rela ção fanática para
com a máxima da verdade" (Weinrich , 1986, p . l l )? Quanto é sé rio um
dissenso (exibido com ostenta ção)? 23 É preciso agradecer um convite (por
escrito)? Etc., etc.?

Convém mencionar, ao lado desses exemplos da área cotidiana, o


domínio da comun ica ção científica . As pesquisas sobre as diferenças entre
o francês e o alemão 24 chegaram ao resultado de que há desigualdades
essenciais quanto ao valo r de certos gêneros textuais . Esse valor exprime-
se, entre outra s coisas , pela freqüência de certos gêneros textuais, mas
ele diz respeito , também, aos rendimentos possíveis e, naturalmente, às
diversas pretensões que são associadas a esses gêneros . Por exemplo, há
em ambas as comunidades uma ampla concordância quanto à forma dos
trabalhos científicos e há, também , um gênero textual no qual essas exi-
gências são formuladas explicitamente, a saber, os manuais para a reda-
ção de trabalhos científicos . Todavia , qual é o grau de comprom isso dessas
regras e qual é o valor desses textos inst'rutivos? Quanto são levados a
sério? Quem tem uma obra dessas na sua estante de livros e costuma
consultá -la, com efeito? Corresponde ao clichê (obviamente não tão er-
rado) do alemão pedante que o grau de compromisso das regras é maior
no alemão, que sua conservação é reclamada com uma freqüência maior
(e que há mais queixas sobre sua viola ção), o que explica, sem dificulda-
des, que os exemplares desse gênero textual são muito mais freqüentes no
alemão e que seu uso (por exemplo, em referências bibliográficas) é acon-

22. Q uanto oos elogios sem compro misso, d. Manes & Wo lfso n (198 1); qua nto à literatu ra sobre
prob lemas que surgem na com unicação intercu ltura l, cf. a bibli ografia de H innenkamp (1994 ).
23. Sobre esse ponto, d ., po r exem plo, Kotthoff (1989) .
24. Sobre esse ponto, cf. Adamz ik (200 1).

37
selhado freqüentemente. 25 Claro que isso não impede certos grupos de
receptores - por exemplo, certamente o grupo alvo principal, os estudantes
- de atribuir a esses textos apenas uma validade bastante delimitada e a
comportar-se conforme essa sua avaliação .

Para mencionar outro exemplo, no francês, um grau de compromisso


explicitamente formulado - mas delimitado a certos grupos de receptores
- é associado também ao gênero textual "bibliografia", cujo uso siste-
mático é aconselhado, particularmente, aos estudantes adiantados. 26 Por
outro lado, no francês costuma-se atribuir, às recomendações concretas
dos ma7tres (mestres), um valor muito maior que no alemão . Levado ao
extremo, é possível notar, como uma das diferenças tendenciais entre a
comunicação científica em alemão e em francês, que as tarefas comuni-
cativas (e, entre elas, a instrução e o apoio no estudo e na pesquisa) são
cumpridas preferencialmente, no primeiro caso, através de textos escritos,
publicados ou, pelo menos, fotocopiados, e, no segundo caso, através de
interações face a face .

· 1.3.3. Enquadre discursivo e formação de redes de gêneros textuais


A meu ver, a categoria mais essencial de descrição pela qual a pes-
quisa dos gêneros textuais deve ser ampliada urgentemente diz respeito ao
critério do encaixamento de gêneros textuais em estruturas comunicativas
mais abrangentes e seu mútuo entrelaçamento. Ora, como os elementos
de outros níveis lingüísticos também, as estruturas textuais formam subsis-
temas estruturados e pertencem a certos enquadres de interação ou de
discurso. Para levar uma tarefa comunicativa a cabo, é possível fazer uso
de diversos gêneros textuais (por conseguinte, esses se encontram numa
relação paradigmática; por exemplo, um anúncio publicitário, um póster
publicitário ou uma carta publicitária) ; freqüentemente , é preciso produzir
sucessivamente (ou, falando aproximadamente, "ao mesmo tempo") um
conjunto de gêneros textuais para realizar uma tarefa comunicativa com-
plexa . Quem quer comprar um carro, provavelmente, dará mais aten ção a

25. Sobre esse ponto, cf. os pormenores em Pieth & Adomzik (1997).
26. Cf. Adomzik (200 l : co p. Ili) .

38
anúncios publicitários para automóveis que as outras pessoas; consultará,
certamente, catálogos dos produtores; terá conversas com vendedores de
automóveis e, eventualmente, com outros donos de automóveis também ;
lerá , ocasionalmente, revistas especializadas e os resultados de testes pu-
blicados; prova velmente, terá que produzir textos para conseguir um crédi -
to ; além disso, será obrigado a assinar um contrato de compra, fazer um
seguro , ler uma parte do manual, etc .

Até onde sei, a proposta mais antiga que leva sistematicamente essas
relações em consideração foi apresentada por Klein (l 99 l ), que, entre
outras coisas, descreveu a complexidade impressionante da rede de gê -
neros textuais em que se baseia o procedimento legislativo . Infelizmente,
essa proposta não foi ainda aproveitada suficientemente . Por isso , o au-
tor ensaiou outra investida (Kl ein, 2000) e ilustra sua abordagem, entre
outras coisas, lançando mão de um gênero te xtual das mídias, a saber,
as telenovelas (soap opera) . Nesse trabalho, ele chama aq uela relação
de " intertextualidade dos gêneros textuais" (Textsorten-lntertextualitéit). É
até possível que o fato de reco rrer ao con ce ito atualmente tão popula r
da intertextualidade possa promover a divulga ção da sua idéia básica,
mas me parece lamentá vel nesse contexto que, desse modo, as relações
paradigmáticas passem para o segundo plano . As teleno velas represen-
tam apenas uma forma de entretenimento na televisão; logo, é preciso
pesqu isar sua particularidade certamente ao considerar também os outros
recursos pelos quais se tenta satisfazer essa necessidade comunicativa . E,
para aproximar-se mais do objetivo mais amplo de fazer uma descri ção da
economia comunicativa de uma sociedade, é preciso considerar, também,
o valor quantitativo e qualitativo que esses gêneros textuais mantêm (para
certos grupos sociais) : quem consome esses gêneros textuais, com qual
freqüência, e como os receptores lidam com esse gênero, isto é, qual é o
papel que esses programas têm para as outras atividades comunicativas
dessas pessoas e qual é o rendimento que deles tiram ? Qual é o enquadre
discursivo a que os receptores associam esses programas? Do seu pon-
to de vista, trata - se de entretenimento, de informa ção, de um meio para
vencer as dificuldades cotidianas , etc.? Aqui se abre, também, um vasto
campo para a pesquisa interdisciplinar.
Todavia, nem é preciso in1c1ar projetos tão abrangentes para des-
cobrir que há novos pontos de partida para uma pesquisa dos gêneros
te xtuais que se orienta pela Pragmática . O que me parece ser essencial
para tal abordagem é libertar-se da fixação em produtos textuais, quer
dizer, da análise de corpora como é geralmente realizada hoje e comple-
mentar esse tipo de pesquisa por investigações sistemáticas com respeito
ao convívio com os gêneros textuais . Nisso, é mister colocar os comuni-
cadores, ou seja, os usuários dos gêneros te xtuais , no centro . Até agora,
isso se fez principalmente com a finalidade de reconstruir conceitos de gê-
neros textuais, o que vale, por exemplo, também para Techtmeier (2000) .
Aprovo explicitamente a opinião dessa autora que afirma ser necessário
recorrer mais freqüentemente a entrevistas e questionários diretos. Ora,
quero ampliar a sua concepção ainda mais, pois, abstraindo-se do fato
de que é útil, certamente , perguntar aos falantes quais sejam as idéias que
associam a certos gêneros te xtuais, parece -me ser aconselhável perguntar-
lhes diretamente quais são os gêneros textuais que usam , quantas vezes e
de que modo os usam, ou seja, desenvolver métodos adequados para a
observação e a análise disso. 27 Aqui também, o aspecto da avalia ção (ou ,
também , a problemática) dos gêneros textuais, isto é, o modo de validade
deve pôr-se em evidência, uma vez que ganhou importância, por assim
dizer, contra a vontade de Techtmeier, já na tentativa de analisar somente
o conhecimento dos padrões .

Ao lado das entrevistas ou de outros métodos bastante custosos, os


dados aqui mencionados podem ser levantados, também, por métodos
mais simples e costumeiros . No caso de todos os gêneros textuais publica-
dos é relati vamente simples conseguir informações sobre sua divulgação
e, na análise de textos de jornais e revistas, é comum incluir informações
sobre a tiragem, o público, etc. 28 Em comparação a isso, é surpreendente
- pelo menos até onde eu sei - que isso não vale para um outro domínio,
mesmo que seus gêneros textuais representem um objeto de pesquisa bas-
tante popular. Refiro -me, mais uma vez, ao domínio da ciência . Pensando
em catálogos de bibliotecas, bibliografias, etc., não há dúvidas de que,

27 . Ta mbé m a trabal ha de And ra utsapa ulas (2 000 : cap . 2 e 3) ba sei a-se e m da das desse tipa .
28. Aqu i tam bém, cf. a método de An d ro utsopou los (2000) .

40
aqui, há recursos tradicionais suficientes que poderiam ser usados para
pesquisas desse tipo. Apesar disso, os pesquisadores são, pelo menos na
sua própria disciplina, especialistas (insider) e, sendo assim, podem apro-
veitar sua competência em gêneros textuais dessa área . Finalmente, con-
vém chamar a atenção, ma is uma vez, para o fa to de que tal abordagem
é recomendável particularmente para estudos que comparam diferentes
línguas ou culturas . Essa abordagem já é aplicada pelo projeto já mencio-
nado que compara as ciências alemãs e francesas de língua e literatura
(cf. Adamzik, 200 l) e em cujo âmbito já foram apresentados resultados
concretos. Lá, como acima foi exigido teoricamente , escolhe-se uma tarefa
complexa de comunicação como ponto de partida para a investigação de
gêneros textuais relevantes e do seu valor nas culturas supracitadas; trata-
se, nomeadamente, da tarefa de introduzir estudantes iniciantes na ciência .
Um resultado geral dessa pesquisa pode ser formulado assim: no que diz
respeito à língua e à literatura, vistas como objetos específicos de um ramo
do conhecim~-nto que são relevantes, também, para os leigos, observa-se
que os enquadres discursivos, ciência e público, são engrenados, nestas
culturas, em graus diferentes - um resultado que não surpreende muito,
face aos diferentes contextos sócio-históricos . Contudo, a problemática
escolhida tem um alcance maior, na medida em que é possível mostrar
concretamente como se manifesta esse contexto (a inda hoje) por diferen-
ças no valor, na construção e na forma lingüística dos gêneros textuais
científicos .

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44
N
Odiálogo eletrônico entre a oralidade e a -o
escrita: uma abordagem semiótica'~
Patrizia Violi

Às vezes, acontece que um avanço na tecno logia traz de volta à vida


fo rmas de comun ica ção já obsoletas . Na última década , com o cresci-
mento da acessibili dade ao meio eletrô nico via internet, temos visto o re-
nascimento de um gênero escrito que parecia próximo à extinção : a carta .
Entreta nto, em muitos aspectos, a versão ' moderna' dessa velha forma de
com unica ção parece totalmente diferente da forma do documento tradi-
ciona l, e ce rtame nte tem em nossas vid as um impacto difere nte e, possi-
velmente, mais forte .

O objetivo prin cipa l deste traba lho é investigar os aspectos que ca-
racterizam o e -mail como um gêne ro textual específico, que o tornam uma
form a única de diá logo escrito .

O e-ma il pode ser cons iderado como um subgê nero do gênero tex-
tua l mais gera l da troca episto lar; ce rtamente a prese nta aspectos comuns
com o esquema gera l q ue caracteriza o gên ero , mas também apresenta
diferenças importantes e únicas. Para ilustrar tanto as seme lhanças como
as diferenças, temos q ue prim eiro co nsi derar a form a geral de uma tro -
ca epistolar qua lq uer e então ana lisa r os elementos específicos q ue di s-
tinguem as formas d ife rentes de diálogo escrito, em particu lar, em nosso
caso , a correspondência eletrônica da correspondência reg ul ar.

Qua lquer tipo de troca episto lar, desde as cartas tradicionais em pa -


pe l até a versão moderna do e-mai l, pode ser cons id erado como diálogo

' Tradução de M aria Helenice Araújo Costa .

45
escrito . Mas quais são as d iferenças entre os diálogos orais e escritos, além
do uso de um meio diferente? Elas podem ser reduzidas à oposição escrito
vs oral?

A hipótese básica que está sub jacente ao meu trabalho é a de que as


formas de comunicação oral e escrita são dois sistemas semióticos inde-
pendentes e semi-autônomos, dotados de funções específicas e não neces-
sariamente intercambiáveis.

Em particular, a esc rita não é um simples sistema de transcrição do


discurso falado, mas uma tecnologia em si mesma . Uma tecnologia que
não deveria ser vista apenas como um 'ob jeto' técnico , um artefato, mas
como um recurso que afeta e transforma nossas dimensões básicas de
experiência, principalmente a construção de nossa própria experiência e
suas relações com os outros: em outras palavras, a subjetividade e a inter-
subjetividade.

A subjetividade e a intersubjetividade estão envolvidas em formas


comp lexas com os sistemas de tecnologias que usamos para nos expressar
e nos comunicar com o outro; a partir do trabalho dos antropólogos e et-
nógrafos, sabemos o quanto a substitu ição da forma oral pela escrita afeta
a cultura geral de uma dada comunidade .

Voltando à análise dos diálogos orais e suas possíveis contrapartes


escritas, por exemp lo, as trocas epistolares (cartas), podemos facilmente
ver como a tecnologia da escrita induz a importantes transforma ções na
estrutura do sistema comunicativo ao introduzir uma distância básica e
constitutiva entre os participantes no ato comunicativo.

.'!:! Tomemos como forma prototípico do diálogo oral a situação de in-


ro
.......,
::::J
teração face-a-face, que é caracterizada pela presença de dois principais
X
......,
OJ
aspectos:
VI
ro
· .:::;
e: l . o meio oral, a voz e o cana l de comunicação ;
<c.J
: :::i
0-
,()..J
V,
2 . o partilhamento, pelos participantes na interação comunicativa, da
OJ mesma situação de elocução, que imp lica a co-presença dos partici-
V,

e
OJ pantes, sua acessibilidade mútua (o lhar, gestos, movimentos do corpo
e:::
( OJ
\,.;:) e assim por diante) e sua localiza ção no mesmo lugar e tempo.

46
Quando nos voltamos para os diálogos escritos, tais como as cartas,
vemos que realmente a diferença crucial não é tanto o uso de um meio es -
crito em vez de um falado, mas a situação de elocução alterada . A escrita
separa drasticamente a situação de produ ção da de recepção e introduz
um vácuo entre o emissor e o receptor, entre o tempo e o espaço da escri-
ta, e o tempo e o espaço da leitura .

Os dois aspectos anteriores (fola vs escrita e presença vs ausência


na situa ção de elocução) não têm a mesma relevância do ponto de vista
da estruturação do sistema de comunicação; o último é mais crucial que
o primeiro .

Podemos, de fato, facilmente imaginar uma situação em que o meio


não é um sistema auditivo, mas em que a estrutura da interação não é al-
terada, por exemplo, em um diálogo face-a-face entre pessoas que usam
a linguagem de sinais . A situação oposta seria uma troca de fitas cassete,
em que, apesar de o meio ser vocal, a situação geral é mudada estrutural-
mente, por causa da falta da co-presença dos participantes. Neste caso,
a distância dos interlocutores pode gerar uma série de estratégias textuais
que simulam dentro do texto a situação de interação (por exemplo, o uso
de formas que descrevem ações que acontecem durante a interação face-
a-face, tais como 'Eu abraço você', que naturalmente nunca é dito, mas
somente realizado, em situações reais de interação) .

É possível, portanto, imaginar um eixo caracterizado pela presença


o u ausência de uma situação partilhada de elocução, em torno do qual
tanto as cartas como outras formas de trocas de diálogo possam ser situa-
das . A oposição fala vs escrita se moverá de vários modos ao longo desse
eixo, ind ividualizando diferentes formas de interação .

As cartas em geral podem então ser definidas como formas de co-


municação dialógica que acontecem na ausência dos interlocutores e são
baseadas na distância espacial e temporal.

No nível do discurso, isso tem efeitos importantes para as estratégias


de escrita, e afeta o sistema geral da dêi xis nas cartas, como eu já venho
o
>rc
mostrando em outros trabalhos. " ;::_j
.....rc
· ;:=

Primeiro de tudo, nas cartas, o emissor, juntamente com sua localiza- o..

47
ção espacia l e temporal, é inscrito textualmente . É impossível eliminar sua
presença, uma vez que cada carta é escrita por alguém cuja emergência
no texto é inevitável e marcada pela assinatura . A referência à localização
espaço -tempo do emissor, marcada pela dato e localidade em cada corta ,
representa a ancoragem para o desenvolvimento subseqüente do sistema
dêitico de referência.

O destinatário, por outro lado, ausente da situação comunicativa


onde as cartas estão situadas, é inscrito no texto como uma figura textua l,
por exemplo, na abertura ('Querido X') ou na estrutura pronomina l ('Estou
escrevendo para falar-l he') . A lém disso, e ta lvez principa lmente por isso,
as loca lizações tanto espacial como temporal do destinatário podem ser
inscritas textualmente . O eixo comunicativo remetente/destinatário não é
meramente uma estrutura potencial na carta, como em um texto narrativo,
e a distância temporal não é meramente a distância implícito em um ato
de escrita, mos se refere a uma dimensão extratextua l precisa (o tempo que
a carta levará para chegar ao seu destino) . Desta forma, esse interva lo
de tempo torna-se um elemento que pode ser referido especificamente, e
um dos critérios da estratégia textual que predomina a lém da organização
textua l (uma informação é considerada obsoleta se ela se refere ao tempo
da leitura).

As cartas são, assim, caracterizadas por um duplo sistema de referên-


cias espa ço -temporais que não coincidem : o aqui e o agora do remetente e
seu ato de escrito e o aqui e o agora do destinatário e seu ato de leitura .

Vamos agora voltar ao e-mail e ana lisar suas características especí-


ficas .

Se o escrito é em si mesmo uma tecno logia, o escrito através de um


computador é, por assim dizer, uma duplo tecnologia , porque ela acres-
V'\
ro centa ao ato de escrever o singularidade do meio computador.
· ;:::;
e:::
<OJ
: ::::i Obviamente, o característico mais notável desse segundo nível de tec-
O"
OJ
V'\ nologia, quando ap licada ao moil, é o forte redu ção do espa ço de tempo
GJ
V'\ entre o envio de uma mensagem e suo re cepção . Se os cortas regu lares
~
(lJ
e::
são caracterizados por um maior ou menor atraso no tempo entre o envio
<GJ
j,.!:) e a recepção, no e-mail esse atraso é virtualmente quase inexistente .

48
Contudo, seria um erro pensar no e -mail simp lesmente como uma
carta que " leva menos tempo" para chegar. Conforme se afirmou antes,
uma mudança na tecnologia da comunicação implica uma diferente estru-
turação do sistema de comunicação em si mesmo, que, por sua vez, afeta
a estrutura textual e as estratégias de escrita . As transformações técnicas
nunca são apenas técnicas, elas mudam tanto as formas de nossa escrita
como as de nossa interação .

O tempo, em geral, é um aspecto re levante nas formas escritas de


diálogo (diferentemente de qualquer outro texto escrito), daí a distância
extratextua l entre a escrita e a leitura torna-se um elemento inscrito dentro
do texto, afetando a estrutura global da interação . Como mostrarei no
desenrolar deste trabalho, uma forte redução do espaço de tempo, como
no caso do e-mail, modifica tanto o estilo como a estrutura do discurso e
a forma de interação entre os participantes, no sentido de que constitui um
dos parâmetros que define, entre outras coisas, o sistema de turnos. Desse
ponto de vista, no caso do e-mail, a quase contemporaneidade da troca
dialógica dá origem a uma forma de comun ica ção que é intermediária
entre a comunicação oral e a escrita, partilhando algumas características
com ambas as formas . Essa natureza ' ambígua' e 'dúbia' do e-mail pode
gerar diferentes efeitos, de acordo com os aspectos que se tornam mais en-
fáticos . Se pudéssemos distribuir todas as formas de comunicação em um
eixo continuum idea lizado, constitu ído por vários parâmetros diferentes, o
e-mail poderia ser considerado não apenas uma forma intermediária entre
a ora lidade e a escrita, mas também uma forma de comunicação que se
move ao longo do continuum de acordo com as diferentes possibilidades
de seu uso e as diferentes situações em que ele é usado.

Mas vamos agora considerar mais atentamente os diferentes aspectos


que caracterizam o e-mail como um sistema de comunicação.

Anteriormente, indiquei dois principais parâmetros para uma classi-


ficação das formas comunicativas: o tipo de meio usado e a co-presença
dos participantes na situação de elocu ção . No caso do e- mail , o meio é
obviam ente escrito. Mais comp lexa, entretanto, é a análise da situação
de elocução . Os dois parti ci pantes estão de fato separados fisicamente ,
não estão perceptualmente acessíveis um ao outro e, além disso, não têm

49
acesso recíproco aos seus sistemas comp lexos de fenomenologia corpo -
ral , uma situação que é compartilhada com as cartas, mas também, pelo
menos em parte, com algumas formas de comunicação oral, tais como
co nve rsações ao telefone , em que somente a voz dos falantes é acessível ,
estando ausentes todas as demais dimensões corporais .

Do ponto de vista da distância temporal, um ponto crucial para a


aná lis e do e -mail é que o tempo de produção e o tempo de recepção não
co incidem e permanecem separados . Contudo, a distância temporal pode
ser, e em certos casos é, quase inexistente . O que é importante aqui não é
tanto o tempo real que uma mensagem leva para alcançar seu recebedor,
mas a forma como percebemos essa distância temporal e a forma como
reagimos a ela, isto é, a forma como nós a simbolizamos. Em outras pa-
lavras, o ponto importante é entender como o hiato temporal constitutivo
de uma interação dialógica (mesmo interações face-a-face acontecem em
seqüência temporal) transforma a distância dialógica em proximidade dia-
lógica . No e-mail, essas duas dimensões desempenham um papel; é pre-
cisamente essa flutuação entre proximidade e distância que torna o e-mail,
às vezes, mais próximo a uma corta, às vezes mais próximo ao diálogo
face-a-face, apesar de minha impressão ser a de que o último padrão ten-
de hoje a se tornar norma . Em minha experiência como usuário desse meio
de co municação, cheguei à conclusão de que há dois tipos de e-mail: o
primeiro, que eu chamaria de 'tradicional', geralmente típ ico de usuários
inexperientes, que usam o e-mail mais como uma carta; o segundo, o
'i novador', que está mais próximo a uma quase interação oral (apontarei
em um outro momento as características desse uso inovador) . Do ponto de
vista técnico, o e-mail permite ambos os usos, mas me concentrarei mais
no segundo, visto ser certamente o caso mais interessante . Focalizando
esse uso mais peculiar do e -mail, podemos fazer algumas comparações
interessantes com as cartas regulares .

Se as cartas regu lares são geralmente caracterizadas por uma dupla


d istância, tanto em tempo como em espaço, no apenas o distância es-
pacial é preservada, enquanto a distância temporal é reduzida a virtua l-
mente tempo zero. Apesar de este não ser sempre o caso, e as mensagens
poderem obviamente tornar-se mais longas, o troca de duas mensagens

50
no ambiente do corre io eletrôn ico pode ser quase imediata , e esse é fre-
qüentemente o caso, quando duas pessoas estão usando o sistema ao
mesmo tempo . Mais uma vez, o que é re leva nte não é saber se esse é
sempre o caso, e determinar qua l o espaço de tempo rea l, mas o fato de
que o e -mail parece induzir à idéia de uma possíve l contem poraneidade .
A lém disso, do ponto de vista tempora l, uma mensagem e sua resposta
fazem parte da mesma ' unidade tempora l' . Isso é verdadeiro mesmo que,
em tempo rea l, ocorra um hiato entre a primeira mensagem e a segunda.
Na verdade, o que eu chamo de uma 'unidade tempora l' não é definido
por uma dimensão de tempo extratextual, mas pe la maneira como o tempo
está inscrito no texto . Desse ponto de vista, o 'agora' do remetente é assu-
m ido como sendo o mesmo 'agora' do destinatário; em outros termos, os
dois tempos de elocução são tomados como coincidentes . Uma situação
como essa está muito mais próxima da conversação ora l que das cartas
escritas . A co -presença em tempo é constitutiva do diá logo ora l, enquanto
sua ausência não apenas é constitutiva das cartas, mas também textua l-
mente inscrita ne las como uma estratégia de escrita . (Em latim, existia um
sistema de tempo verba l, usado somente nas cartas, que mudava o ponto
de referência para o tempo futuro, quando o destinatário estaria lendo a
carta . Este é um exemp lo extremo, mas, mesmo em nossa língua, podemos
en contrar um exemp lo interessante da distância temporal sendo inscrita
nas cartas, embora nem sempre de uma forma tão a ltamente codificada) .

Uma conseqüência interessante do fato de o e -mail ser constituído


por uma unidade tempora l é que a unidade de aná lise não pode ser uma
única mensagem iso lada da seqüência, nem todas as mensagens escritas
pelo remetente, mas deve ser uma troca de pe lo menos uma mensagem e
a resposta dada pelo destinatário . Esse não é o caso das cartas regulares,
em que você pode, pe lo menos de uma certa forma, considerar somente
a seqüên cia de cartas de uma pessoa : a ep isto laridade de Kafka a Mi lena,
ou a Feii ce, é a cole ção das cartas escritas por Kafka a suas noivas . Não é
de admirar muito que as cartas que Mi lena e Feiice escreviam em resposta
foram cance ladas pe la cena contemporânea . Embora esse can celamento
fa ça uma importante diferença no significado g loba l da troca, ele mostra
co mo é sempre possíve l separar uma das duas vozes do diá logo epistolar,
se m que se perca completamente o sentido.

51
Agora a mesma situação seria impossível no e-mail, não porque o
correio eletrônico seja um meio menos sexista, mas porque a seqüência de
textos de um único participante seria provavelmente quase incompreensí-
vel. De fato , um aspecto que caracteriza fortemente as trocas de e -mail é a
a lta freqüência de referências anafóricas entre as mensagens de diferentes
participantes, como por exemplo, uma resposta que somen te diz: "Sim ,
concordo plenamente" . Obviamente uma mensagem assim não pode ser
entendida sem referência a uma mensagem anterior, como é freqüente-
mente o caso em um turno único na conversação . A analogia com o diálo-
go ora l é ainda mais forte no caso, que ocorre com muita freqüência hoje,
da reprodução da mensagem de outra pessoa dentro de sua própria res-
posta. A razão para uma reprodução dessas é obviamente a necessidade
de tornar disponíveis o background conversaciona l e seu tópico . De forma
ba stante interessante , essa reprodução é feita, muitas vezes, pe la simples
cita ção de linhas ou parágrafos da outra mensagem , e a escrita de umas
poucas linha s depois em re sposta ao citado. Nesta forma, a mensagem de
correio eletrônico torna-se uma simulação muito próxima, através de um
meio escrito, de uma interação ora l, com seus turnos conversacionais. Esse
é um exemplo interessante de co mo uma possibi lidade tecnológica pro-
porcio nada pelo meio produz uma nova estrutura textua l e, em algumas
formas, um novo discurso . As características técnicas do sistema permitem
e, ao mesmo tempo , forçam o e -mail a se aproximar de um diá lo go oral.

Isso provave lmente acontece porque o correio eletrô nico apresenta ,


em rela ção ao correio regular, uma necessidade mais forte de uma respos-
ta rápida . A etiqueta do uso do e-mail de fato requer um intervalo curto,
que, pela minha experiência como uma usuária italiana, é de aproximada-
mente um dia, mais ou menos o mesmo intervalo de tempo que esperamos
por um retorno da chamada tel efônica quando deixamos uma mensagem
em uma secretária eletrônica. É interessante analisar os tipos de im pli-
ca tura que surgem , quando esse intervalo não é respei tad o, porque eles
mostram importantes diferença s em re la ção à co nversação e às cartas . Na
verdade, quando na conversação fa ce-a -fa ce nós não recebemos uma res-
posta e seg ue-se um si lêncio ao nosso turno, os efe itos são devastadores
e as im pli ca turas mu ito fortes ('Ele não deseja falar com igo '). No e-mail ,

52
isso não acontece, porque nós podemos ter dúvidas sempre sobre o grau
de intencional idade da ausência de resposta e, portanto, a implicatura
não é necessariamente que existe por parte do outro uma clara recusa a
se comunicar. No e -mail, de fato, há sempre a possibilidade de uma falho
técnica, como havia nos 'velh os tempos' do serviço postal, e essa é, em
parte, o razão de nós esperarmos uma pronta resposta: uma vez que uma
troca de e -mail é considerada parte de uma mesmo unidade temporal, se
tal não acontece, então a inferência plausível é a de que o mensagem foi
perdida . Por isso, algumas vezes, a fim de respeitar a etiqueta do e-mail,
as pessoas mandam de vo lta uma mensagem meramente ' vazio' como
resposta, para dar ciência de seu recebimento ('Recebi sua mensagem,
escreverei de volto assim que for possível'). A função dessas mensagens é
principalmente impedir o imp licatura do silêncio como uma recuso à par-
ticipação na interação.

Quando não recebemos uma resposta, as implicaturas da recusa à


comunicação são mais fracas que na conversação (porque há sempre a
possibilidade de uma falha técnica), mas, ainda assim, é mais forte que em
uma carta, especia lmente nos dias atuais, quando alguns sistemas permi-
tem o remetente saber se a mensagem enviada foi recebida ou não .

Poderíamos dizer que a diferença quanto aos intervalos de tempo es-


perados para as cartas regulares e o e -mail, respectivamente, afeta o 'ritmo
dialógico' da interação : nas cartas regulares, o ritmo da troca é lento e
menos interativo, enquanto que, no e-mail, é rápido e muito mais interati -
vo, e de algum modo mais próximo à conversação . Como conseqüência
disso, a força ilocucionária do e-mail é .maior do que a da carta. 'Força
ilocucionária' de uma determinada troca epistolar, entenda-se, aqui, não é
o tipo ou os tipos de ato ilocucionário que cada carta pode produzir, mas
o fato de que toda carta, em geral, ao lado de seu conteúdo específico,
expressa sua própria função comunicativa . Se esse é um aspecto geral de
qualquer texto epistolar, no e-mail ele adquire uma força peculiar devida
ao seu partilhamento seme lhante ao da interação oral. Uma mensagem
de correio eletrônico, como uma abertura na seqüência conversaciona l,
parece exigir uma resposta de maneira ainda mais forte do que as cartas,
como mostra a etiqueta, e, tecnicamente, o e-mail permite que isso seja

53
feito, oferecendo uma tecla especial de 'resposta', que a maioria dos sis -
temas tem .

Também a seqüência de fechamento de uma troca de e-mail é geral-


mente mu ito semelhante à da conversação, em que a última mensag em
não apresenta outro conteúdo a não ser aquele que assinala o fim da
intera ção (' Obrigada , isso é tudo' ou similar) , um final mais comum nas
co nversações orais, como nas conversações por telefone, do que em cartas
escritas .

Em resumo, vimos como a suposição da contemporaneidade entre


o remetente e o destinatário faz o e-mail ocupar um status intermediário
entre as formas oral e escrita de comunica ção . A posição do e-mail nesse
continuum de formas comunicativas, na verdade, não é fixa e pode se al-
ternar, ora na direção da comunicação oral o ra na da escrita, dependendo
obviamente também de para quem estamos escrevendo.

Esse status intermediário também se reflete na estrutura textual do


e-mail e em suas formas de escrita, tanto em termos de estilo como em
distribuição de informações_

O estilo do e -mail é geralmente muito próximo ao da linguagem fa-


lada e pode ser caracterizado como altamente informal : abreviaturas e
formas elípticas são muito comuns, assim como as sentenças curtas, que
são geralmente evitadas nas cartas regulares. As formas paratáticas pre-
dominam sobre as hipotáticas, e as cláusulas subordinadas complexas são
raras . (Minhas observações são baseadas em um corpus italiano. Embora
acredite que elas possam ser estendidas também ao inglês, deve-se ob-
servar que o estilo informal, quase falado do e -mail em italiano torna-se
particularmente digno de nota porque as cartas regulares normalmente
são escritas numa linguagem altamente formal).
V'!
ro O movimento rumo a um estilo de comunicação orientado para a

e:::
<C.,
! :::) ora lidad e pode ser visto também nos chamados ' smilies', signos diagra-
O"
O,)
V'\ máticos que imitam expressões faciais , um tipo de cód igo cinético escrito,
(l,I
V'\ que geralmente desempenha um papel parcial no framing - no sentido
e
(l,I goffmaniano da palavra - o conteúdo, suge rindo a forma correta de inter-
e::
< (l,I
\.!:) pretar uma dada seqüência .

54
Finalmente, a escrita de e-mail é geralmente caracterizada por um
certo 'desleixo ' quanto à ortografia e à pre cisão da digitação, que se com-
bina, pelo lado do leitor, com um grau de tolerância muito alto para a
grafia e os erros d~ d igita ção . O que pode ria ser ina ceitável na carta d igi-
tada não requer correção no fo rmato do e -mail, o que aumenta a natureza
informal de seu estilo . Essa é uma característica interessante, que mostra
muito bem como as restrições técnicas podem afetar a forma da escrita,
induzindo a um novo padrão estilístico. De fato , pelo menos na época do
começo do e -mail, as interfaces entre os usuários não eram totalmente
amigáveis e era difícil e complicado corrigir porções do texto já escrito .
Além disso, antes de os sistemas de edição de e -mail oH-line se tornarem
dispon íve is, a escrita de e-mail era possível apenas enquanto se estava co-
nectado diretamente ao sistema através de um modem . Isso forçava uma
forte redução no tempo de escrita em detrimento do refinamento formal da
men sagem. Agora, essas restrições técnicas são menos relevantes, uma vez
que é possível escrever mensagens como textos regulares e só então entrar
no sistema e enviá-las; apesar disso, o estilo informal com sua alta tole-
rância à imprecisão parece .ter-se tornado uma característica do padrão na
comunicação por e-mail .

Uma certa aproximação da comunica ção por e-mail com a oralidade


também pode ser vista na estrutura da distribuição da informação. Visto
que os dois turnos mínimos de uma troca dialógica ocorrem numa mesma
un idade temporal virtual (ou melho r, supõe -se que isso acontece) , há muito
pouca ne cessidade de repetição da informação de background, o que é
semelhante ao que acontece em uma conversação real. Grande parte da
informação é dada como suposta, uma vez que podemos esperar que a
informa ção ainda esteja disponível na memória de curto prazo do receptor.
Quando esse não é o caso , e a distância temporal se estende além de um
ce rto espa ço de tempo , est ratégias particulares são usadas: tanto a citação
da mensagem do outro dentro da mensagem, como eu já apontei ante-
riormente, como uma referên cia explícita à informação (" Talvez você não
lembre, o que havia me perguntado, era .. ."). Quando o ritmo dialógico
ráp ido usual é mantido, nós geralmente temos um alto nível de conteúdo
de background implícito sendo tomado como suposto e a comunicação

55
geralmente segue o que pode ser definido como um 'código' restrito, no
sentido dado por Bernstein .

Os aspectos que descrevi brevemente até aqui contribuem para criar


o efeito do imediato que caracteriza fortemente a troca dialógica através
do e -mail . Esse efeito enfatiza, novamente, as similaridades desse me io
com a conversa ção, e ilum ina sua estrutura de funcionamento parcialmen-
te o ral.

Contudo, importantes diferen ças em rela ção à intera ção real persis-
tem e não devem ser descartadas . Consideremos, por exemplo, a tomada
de turno. No e-mail, estamos livres para tomar nosso turno sempre que
quisermos . Certamente, há expectativas mais ou menos padrões quanto
ao tempo de resposta, como eu já afirmei antes, mesmo assim, dentro
desse intervalo de tempo, não temos obriga ç_ão prescri tivo de respeitar o
turno, como é o caso na interação face-a-fa ce, em que a tomada de turno
é fortemente regulada . Isso permite considerável liberdade, especialmente
quando estão acontecendo conversa ções entre multi-usuários. Nesse caso,
a diferença em relação às intera ções orais torna-se mais acentuada, visto
que todas as pessoas podem entrar na conversação sem terem de nego-
ci ar seus turnos e, de ce rto mo do, independentemente das interven ções
dos outros parti cipantes. Isso significa que as normas usuais que regulam
co nve rsa ções entre muitos falantes já não são operativas, ou pelo meno s
não da mesma forma que elas o são nas conversa ções , uma vez que nem
sempre fi ca claro quais deveriam ser essas novas no rmas . Uma situa ção
assim pode algumas vezes produzi r rupturas no quadro geral da co muni -
cação, como poderemos ver em um minuto .

Em geral, poderíamos dizer que a distância existente no e-mail entre


os participantes e a não acessibilidade à percepção da fenomenologia cor-
poral um do outro marcam uma forte e profunda diferen ça em relação às
situações de con versação ~rol face-a-face . Em particular, permite aos par-
ti cipantes tomarem a palavra independentemente um do outro, sem verem
ou serem vistos . Dessa forma , o e-mail pode nos libertar da interação direta ,
o que, às vezes, o torna uma forma muito conveniente de comunicação (da
mesma forma em que, algumas vezes, é preferível deixar uma mensagem em
uma secretária eletrônica a encontrar o outro pessoalmente) .

56
Justamente por causa das características que mencionei , o e -mail
também pode produzir um efeito muito interessante, oposto ao efeito de
imediato da oralidade, que nós poderíamos chamar um 'efeito de dis-
tanciamento ' . Curiosamente, isso gera lmente acontece quando o e -mail
é usado num ambiente em que não apenas não existe o hiato temporal,
mas também não há a distância espacial, estando os usuários no mesmo
espaço fís ico ou geográfico . Estou pensando no caso mais ou menos fre-
qüente do uso do e -mail por pesquisadores ou funcionários que trabalham
no mesmo espaço físico , geralmente em escritórios, não mais distantes que
un s poucos metros um do outro . Qual é a função do meio nesses casos? E
por que o uso do meio eletrônico em vez da interação face-a-face , quando
isso poderia ser não apenas possível, mas até mais simples? A resposta
não pode ser simplesmente para ganhar tempo ou evitar o deslocamento
físico para outro escritório .

Recentemente tive a oportunidade de ler uma reportagem muito inte-


ressante sobre uma certa conversa ção entre vários usuários em um centro
de pesquisas, em que todas os men sagens por correio eletrônico eram
transcritas após um certo período de tempo . Infelizmente o material é con-
fiden cial e não pode ser transcrito aqui, mas o principal tópico era uma
so licita ção de uma gentileza da parte de um dos pesquisadores ao admi-
nistrador, e a demora de tempo no recebimento de uma resposta. Em um
espa ço de tempo muito curto, outros pesquisadores se envolveram na inte-
ração, assim como a hierarquia toda da administra ção. A explosão de mal
entendidos e comunicações cruzadas entre 'todos os participantes foi tão
terrível que, a um certo ponto, o administrador-chefe teve de formalmente
solicitar a todos que parassem de usar o e-mail para discutir o assunto .

A que tipo de conclusão pod emos chegar a partir de uma história


assim? Certamente o uso do meio tornou possível, e a até certo ponto
induziu, um sistema de rela ções interpessoa is que eram altamente frag-
mentadas . É razoável admitir que um único encontro fa ce-a-fa ce ajudaria
no solu ção do problema de maneira muito mais eficiente do que a circu-
la ção da comunicação eletrônica . Mesmo que as mensagens por correio
eletrônico possam ser enviadas a d:- --~os usuários ao mesmo tempo, elas
não deixam de ser um sistema de comL .. cação altamente ' individualista',

57
o q ue nã o faci lita a comunicação de grupo, mas, ao contrário , induz à
fragmentação do diálogo no tipo de trocas um-a-um o u um-a-todos, mais
centrado no remetente do que na interação.

A lém do mai s, os efeitos qua se expl osivos dessa comunica ção ' insa -
na' são, em último caso, fun ções dos aspectos técnicos do meio . Sendo as-
sim próximo da instantaneidade da comunicação oral, o e-mail geralmente
nos induz a escrever "como nós fa lamos" em maior grau do que o faríamos
numa carta regular, mas, então, tudo fica gravado e nós temos acesso a
todas as mensagens anteriores, uma possibi lidade comp letamente fora de
alcance num diá logo oral rea l.

Apesar de o e-mail poder parti lhar a lgumas características com o


diá logo ora l, ele difere drasticamente deste, em re lação à memoriza ção .
A oralidade permite o esquecimento, enquanto o e-mail pode funcionar
quase como uma supermemória humana . Isso torna possível um processo
interminável de re leitura e reinterpreta ção, o que muitas vezes se transfor-
ma numa confusão, como no caso a que me referi antes .

Esse é apenas um exemp lo das maneiras pe las quais a transformação


tecno lógica pode afetar a forma de comunica ção interpessoa l e a inter-
subjeti vidade . Mas considere -se um outro aspecto da subjetividade , mais
precisamente a forma como nós representamos a nós mesmos dentro de
um te xto .

Eu disse, no in ício, que o e-mail marcou uma redescoberta da comu-


nicação através da escrita, que já estava prestes a desaparecer no formato
trad iciona l de cartas . Contudo, o processo de escrita do e-mail é muito
pecu li ar no sentido de que ele é comp letamente desmateria lizado: mesmo
a assinatura, a marca fina l de um escritor específico e único, desaparece,
substituída pe la imateria li dade de um endereço de e -mail , incluído por
VI
ro de fault em qualquer mensagem . Todos os tra ços corporais são anu lados,
·;:::;
e::: a subjetividade pode ser inferida a parti r de qua lquer fenomeno logia cor-
<CJ
! :;:J
0-
(l)
poral , ass im como o acesso à fenomeno logia de o utra pessoa pode ser
V'I
(l) impedido .
V'I
o
cü Os smilies representam um exemp lo interessante desse ponto de vista .
e::::
<O.J
l..!:I Eles tentam reintroduzir no mundo a ltamente abstrato e imateria l do meio

58
eletrônico uma semiótica não verbal , idealmente ligada a formas mais
diretas e icôn icas de significado. Além disso, eles são necessariamente
inscritos na ordem linear da escrita, diferindo profundamente, portanto, da
comunicação não verba l na conversação regular, em que os sinais corpo-
rais acontecem simultaneamente com a fala . Assim, apesar de os smilies
poderem ter algum tipo de função meta-comunicativa, tal função é muito
diferente da forma como o sistema complexo da semiótica não verbal (que
inclui olhar, expressões faciais, movimentos do corpo, gestos etc.) afeta e
modifica o significado das palavras em diversos contextos .

O ocultamento de qualquer um dos traços da presença física permite


um jog o de identidade sexual muito comum na comunicação eletrônica
entre pessoas desconhecidas . Podemos dizer que o diálogo do e-mail per-
mite uma cisão entre a fenomenologia corporal e sua própria representa-
ção, que é altamente peculiar do meio .

Com base nessas observações, tentamos tecer alguns comentários


sobre as transforma ções induzidas pela tecnologia do e-mail, os maneiras
como ela afeta nossas formas de comu nica ção.

Em se falando de tecnologias, penso que poderíamos sempre re-


lembrar que nenhum desenvolvimento tecnológico é gratuito . Em outras
pa lavras, a tecnologia não é um recurso neutro, mas, como afirmei no
in ício deste trabalho, sempre afeta e transforma nossa experiência com
o mundo, com as outras pessoas e com nós mesmos . Assim, ao lad o das
vantagens que uma determinada tecnologia nos oferece, como a redu-
ção do tempo necessário para a comun icação, por exemplo, precisamos
considerar também 'os custos' que temos de paga r por ela . No caso do
e-mai l, o 'preço ' pode ser identificado nas formas particulares como essa
forma de comu nica ção modela nossas interações: a fragmentação de nos-
sos diálogos, a distância entre os participantes, a desmaterialização de
nossa escrita , ao lado da construção de um efeito de contemporaneidade
na troca . Independentemente de qualquer ju lgamento de valor, podemos
assinalar esses fatores (que poderiam ser totalmente dife re ntes de acordo
com os parâmetros que se le cio namos para nossa avaliação); é conven ien-
te lembrar que eles estão diretamente relacionados com a tecnologia em si
mesma e não podem ser separados dela . É a tecnologia em si que implica

59
e produz transformações na comunicação, independentemente dos usos
que fazemos dela. Já foi comum o argumento de que a tecnologia era,
em si mesma, neutra , e somente seu uso poderia ser bom ou mau . Discor-
do fortemente de tal argumento : a tecnologia não é jamais neutra , e ela
sempre molda em formas complexas nossa experiência de mundo, nossas
relações, ou nossa própria subjeti vidade, como tentei mostrar no caso mais
restrito e localizado do e -mail .

De qualquer forma, e para concluir, seria um erro pensar que o meio


em si mesmo é a causa de tais efeitos . A tecnologia não pode jamais ser
considerada como uma causa determinista de mudança cultural ; ela sim-
plesmente representa um potencial para a mudança, que, para se efetivar,
precisa ter encontrado as condi ções " ideais" para sua explora ção.

VI
ro
·w
e:::
<OJ
: ::::,
c:::r
O.J
V,
O.J
V,
o
.._
O.J
.e:::
<O.J
1..!:I

60
rt"\

Análise de gêneros e a identificação de -o


fronteiras textuais-~
Brian Paltridge

3.1. Introdução
O interesse atual pela noção de gênero, na pedagogia lingüística,
tem produzido alguns movimentos importantes no ensino e aprendizagem
de língua . Uma importante linh a de influência, nessa área, decorre da
obra de lingüistas e professores de língua que pretenderam aplicar idéias
derivadas da lingüística sistêmico-funciona l à pedagog ia de língua (ver,
por exemplo, Drury e Goll in, 1986; Hammond , 1987; Ca ll aghan e Ro-
thery, 1988; Christie, 1989a, 19896; Jones, Gollin, Drury e Economou,
1989; Macken, Ka lantzis, Kress, Ma rtin, Cope e Rothery, 1989; Martin,
1989; Derewianka, 1990; Drury e Webb, 199 1; Cope e Ka lantzis, 1993) .

Outra importante área de influência, particu larmente no campo do


ensino e aprendizagem de segunda língu~ e de língua estrangeira (in-
cluindo o que gera lmente se descreve como Ing lês para Fins Específicos/
Especificáveis), é decorrente da obra de Jo hn Swa les e de outros que têm
investigado o uso do ing lês em contextos acadêmicos e profissiona is (por
exemplo, Swa les, 198 l , 1984, 1987, 1990; Crookes, 1985, 1986; Dud-
ley- Evans, 1986, 1989; Hopkins e Dudley-Evans, 1988; Bh atia, 1993).

Conquanto ambas as abordagens da a ná lise· de gêneros apresentem


importantes perspectivas sobre a noção de gê nero, nenhuma delas, até o

* Tra du çã o de Benedito G o mes Beze rra .

61
momento, examinou criticamente as bases da identificação de estágios tex-
tuais no desenvolvimento de noções como estrutura esquemático (Martin,
1989), potencial genérico estrutural (Hasan, 1984, 19890) ou movimentos
e passos (Swa les, 1981, 1990). Este trabalho examina alguns exemplos
de análise de gêneros, com o objeti~o de detectar os critérios utilizados na
identificação de fronteiras textuais nos referidos estudos .

3.2. Fronteiras dos elementos estruturais nos textos


A questão de como as fronteiras dos elementos estrutura is presentes
nos textos podem ser determinadas não tem sido amplamente abordada
pela literatura sobre análise de gêneros . Ventola, por exemplo, afirma que
"as fronteiras e estruturas discursivas têm recebido muito pouca atenção
nos estudos do discurso" (1987, p. 181 ), enquanto Martin ressalta que "o
estudo dos padrões de interação entre discurso e estruturas gramaticais
está apenas começando" (1986, p . 99) . Bhatia, em recente obra sobre
análise de gêneros, co nclu i que "os critérios definitivos para à atribuição
de valores discursivos aos vários movimentos são mais funcionais do que
formais" (l 993, p . 87), mas apresenta poucos detalhes sobre como o ana-
lista de gêneros pode trabalhar esses critérios .

Hasan , em trabalho anterior à área de análise de gêneros, afirmou


quE! as fronteiras textuais norma lmente podem ser dete rmi nadas com base
em padrões de coesão (1978, p . 242), isto é, através do exame das "re la -
ções gramaticais e/ou lexicais entre os diferentes elementos de um texto"
(Richards, Platt e Platt, 1992, p . 62). Entretanto, poucas pesquisas têm
sido realizadas de forma a apoiar a posição de Hasan. Ventola (l 987),
por exemplo, numa tentativa de estabelecer relação entre a conjunção e a
marcação de fronteiras em uma série de textos de " encontros comerciais",
descobriu que a con jun ção raramente indica relações coesivas em termos
de marcação de fronteiras . Um breve exame de outras análises apresen-
tadas por Ventola (l 987), em seu estu do de padrões de coesão lexica l,
referência e estruturas genéricas de textos, revela não ha ver qualquer re -
la ção entre esses traços coesivos e as fronteiras de estágios genéricos em
seus textos . Uma investigação dos padrões de coesão lexica l e referência

62
em uma série de textos de "encontros comerciais" apresentados por Ha-
san (1989a) confirmou , posteriormente, essa posição . Esse fato é ilustrado
pela análise apresentada na Figura l . Como pode ser visto nessa análise,
a cadeia lexical presente no Texto l ultrapassa as fronteiras dos elementos
estruturais identificados por Hasan . A cadeia referencial no Texto 2 também
oferece um exemplo de itens que vão além das fronteiras dos elemen-
tos estruturais nos textos . O exame dos padrões de coesão lexica l em um
exemplo de aná lise de gêneros apresentado por Bhatia (l 993) igualmente
ilustra esse ponto (ver a Figura 2). Também nessa análise, cada uma das
cadeias lexicais apresentadas estende-se para além das f~onteiras dos ele-
mentos estruturais identificados no texto. Essas análises, por mais simp le s
que sejam, mostram claramente que, ao contrário do que afirma Hasan
(l 978), nem sempre é possível determinar as fronteiras dos elementos es-
truturais presentes nos textos por meio de padrões de coesão, tais como a
coesão lexica l ou a referência.

Contudo, a julgar pelos trabalhos mais recentes de Hasan, parece


que ela tomou consciência disso e, por essa razão, passou a afirmar que
"os critérios de realização de um elemento podem ser mais claramente es-
tabelecidos em termos de alguma propriedade semântica" (Hasan, 1989a,
p. 68, itálicos meus); ou seja, com referência ao conteúdo (ou, no dizer de
Hasan, atributos semânticos) dos ele mentos estruturais do texto .

63
Figura 1: Padrões de coesão e elementos estruturais: encontros comerciais
(conforme HASAN, 1989a)

Texto l (Coe são Lexica l)

Elemento es trutura l Texto Cadeia lexica l


se C: Por favor, dê-me dez laranias
e um qu ilo de banana .
AS V: Pois não. Mais a lguma coisa?
C: Não, obrigada.
N V: Isso ficará em um dólar e dólar
quarenta centavos .
1
A C: Dois dó lares . dólares
FC V: Sessenta, oitenta, dois dólares .
1
Obrigado . dólare s

Texto 2 (Referência)
Elemento es trutura l Te xto Cadeia referen cia l
se C: Por favor, dê-me meia dúzia de
maçãs ve rdes . maçãs ve rdes

1
QC C: Elas são regionai s? elas
Elas parecem muito boa s. ela s
V: Sim, ela s são de Blue Mountains. elas
AS V: Só isso mesmo? isso
C: Só . Obrigada .

-~ Abrevia turas:
ro
:::::i
-+--'
X
SC: so licitação de compro I AS: atendimento da so licita ção I N : negocia ção I A : aquisição do
2 produto I FC: fechamento da com pro/ ve nda I C: cliente I V: ven dedor I QC: questionamento
V"I
ro do cliente.
· ,::;
e::
<Q.J
: ::::,
o-
cu
V'I
OJ
V'I
.....
C)

OJ
e::
<OJ
\..:::1

64
Figura 2: Coesão lexical e elementos estruturais: resumo de artigo de pesquisa
(baseado em FRENCH, 1989; BHATIA, 1993)
Elementoestrutural I Texto Cadeias lexicais

Introduzindo o I Este traba lha examina dais resultados resu ltados


propósito de pesquisa relatados pe la literatura :
primeiro,, que na fase de produção fase
de pa lavras isoladas, a fa la de uma
criança apresenta grande variação pa lavras 1
da criança foneti camente
fonética ; segundo, que essa fase é
qualita tivamente distinta da desen - produçõe1 de pa lavras fase
vo lvimento fonológ ica su bseqüente . a lavras fan~ lógico

Descrevendo a Um conjunto de formas verba is pro-


metodo logia duzidas por uma criança , em estó - formas verba is
gios mensais, foi co letado e ana lisa-
do de forma secionada (mês a mês) co letada
e longitudi nal (buscando a lterações analisado
na decorrer do tempo) . estágios criança

Sumariando Como resu ltada , os dados mostra-


as resul tadas ram muito pouca variab ilidade; o resultada
desenvolvimento fonológ ico no pe -
ríodo estudado foi qua litativamente
dados
contínuo em re lação ao desenvolvi -
desenvolvimento
mento posterior.
fono lóg ico
Apresentando Sugere-se que o desenvo lvi mento
conclusões fono lógico das prime iros pa lavras
dessa criança re laciona-se com os desenvolvi menta

inícios de sua fa la . fonolog icamente


da criança
fala

~ Brian Paltridge
3.3. Atributos semânticos e unidades estruturais em textos
Hoson fa la de dois tipos principais de atributos semânticos que podem
ser identificad os através da descrição dos "atributos esse nciais da s 'uni da-
des estruturais importantes' em qua lquer tipo de texto" (Hoson, 1984, p.
83) . Tro ta-se de atributos semânticos nucleares e eloborotivos (ou, como a
autora d iz, de propriedades semânticas). A diferenço entre esses dois atri-
butos é que "é essencia l haver pe lo menos a lgum tipo de se leção dentre as
propriedades nucleares poro o movimento [de um texto], mos [o texto] pode
progredir sem nenhuma se leção das propriedades elaborotivos" (Hosan,
1984, p. 88). A lém d isso, os atri butos nucleares podem ser d ivid idos em
duas categorias: atribu tos cruciais e associados. A diferenço entre atributos
cruciais e associados é que os primeiros precisam estar presentes no ele-
mento estrutura l, enqua nto os últimos "não devem obrigatoriamente estar
presentes, mos freqüentemente estão" (Hosan, 1984, p. 85) . Deste modo,
os atribu tos semânticos nu cl eares sempre ocorrem em uma seção determ i-
nado do texto , os atributos associados não precisam, mos freqüentemente
ocorrem, e os atributos elaborotivos de modo a lgum precisam ocorrer. A
diferença entre todos esses tipos de atributos está sumariado no Figuro 3 .

Figura 3: Tipos de atributos semânticos (conforme HASAN, 1984)

Atribu tos semânticos

N ucleores Eloborotivos
(de modo a lgum precisom ocorrer)

Cruciois Assoc iados


V'\
ra (devem o co rrer) (não devem , mas freqüentemente o correm)
· ;:::;
e:::
<c.J
: ::::>
c:::r
<lJ
V'\
(l)
Poucos a na listas, traba lh ando com uma teoria lingüística sistêm ico -
V'\
e
<lJ
funciona l, tentaram identificar os atributos semânticos dos elementos estru-
e::
<(l)
l..!:l
turais presentes nos textos . Entreta nto, o aná lise dos encontros comercia is

66
feita por Hasan (1989a) oferece uma descri ção gera l dos atributos semân-
tico s nu cleares presentes nos elementos " solicita ção de compra " e " ques-
tionamento do cliente " . Essa análise está resum ida na Figura 4 .

Figura 4: Atributos semânticos nucleares dos elementos estruturais "solicitação de compra" e


"questionamento do cliente" emencontroscomerciais (conforme HASAN, 1989a)

Elem e ntos A trib utos semânticos


Exemplos
estruturais nucle ares

So licita ção d e Demanda " Po r favor, dê -me d ez la ra njas e


compra Referência a o p rod uto um q uilo de ba na na ."
Q uantidad e do prod uto

Questi o na men to Refe rência a o do m ínio " Eu q ueria também uns mo -


do clie nte co m um em que os porfiei- ro ngo s, mos eles não parecem
ponte s estã o operand o muito bons ."

O s atributos semânticos elabo rativos não são discutidos no tratamen-


to qu e Hasan dá aos textos de encontros comerciais . N o entanto , o exa me
desses te xtos re vela o motivo : todos os exemplos de " soli cita ção de co m-
pra " citados por ela contêm apenas aqueles atributos semânticos (nucl ea-
res) previamente identificados pela autora. Mesmo assim, é ve rdade qu e o
elemento "soli cita ção de compra" difere do elemento "questionamento do
cliente ". Nesse elemento, oco rrem diferentes atributos semânticos em dife-
rentes exe mplares de textos . Hasan define esses atri butos semânti cos co m o
elaborativos (ou seja , opcionais), uma vez qu e eles não o corre m em todos
os textos, m a s a penas em alguns. A Figu ra 5 mostra esse fato .

67
Figura 5: Atributos semânticos elaborativos do elemento estrutural "questionamento do
cliente" em encontros comerciais (baseado em HASAN, 1989a)

Elemen to Atribu tos semân ticos Exemplos


Estruturo/ eloboro tivos

Ques tionam ento do Refe rência à quo lidode do "E les não parecem
C liente prod uto muito mad uros."

Referência à o rigem do " De o nde são essas


pro duto ma çãs?"

Uma aná lise mais deta lhada dos atributos semânticos de elementos
estruturais em textos pode ser encontrada na descri ção que Hasan faz do
elemento " lo ca liza ção" (por exemp lo, " era uma vez ... ") em histórias infan -
ti s (Hasan , 1984) . Aqu i, Hasan examina tanto os atributos nucleares como
o s elaborat ivos desse elemento estrutura l em pa rticu lar, incluindo sentidos
cru cia is e associ ados, bem com o ana li sando em deta lhe suas codificações
léxico-gramaticais .

Como afirma Hasa n, para que possa ser identificado com o um


"recorte de linguagem capaz de rea lizar um determ inado elemento da es-
trutura te xtual , [ele] deve 'ter' a propriedade semântica disso ou daqu ilo"
(Hasan, 1984 , p . 83) . De fato, a aná lise aprese ntada acima deixa claro
que Hasan só pode ter definido suas fronteira s estruturais somente em ter-
mos de propriedades semânticas, ou conteúdo , dada a fa lta de indica ções
de fronteiras em termos de padrões lingüísticos.

Também Martin, em sua obra mais recente , parece demonstrar


uma con sciência dos prob lemas inerentes à tentativa de defini ção de fron-
V'I teiras em termos de padrões lingü ísticos . Martin escreve, em 1986, que os
ro
· ;:::; estágios em textos escritos
e:
<CJ
: ::::,
c:r
CJ
V'I
OJ
V'I [... ] tende m a ser si na lizad o s mais abertam ente por meio de dis -
e
OJ posi tivos tais co mo índi ces, títulos , subtítu lo s, ca beça lhos, pa -
e:::
<OJ
\,!:) rágrafos introdutó ri os, pará grafos res um idores, se ntenças-tópi co

68
em parágrafos[ .. .] referências metatextuais a seções , ra ciocínios,
argumentos e coisas do tipo. (Martin, 1986 , p. 104)

Esse posicionamento é ainda mais reforçado por Martin (1992),


quando, numa discussão sobre a re lação entre tema e método de desen-
vo lvimento de textos (Fries, 1983), o autor assevera que , uma vez que os
textos alcançam certo níve l de comp lexidade interna , nessa área "títu-
los, subtítulos, cabeçalhos e subcabeça l hos são comumente emp regados
para manter a lin ha da estrutura composiciona l [dos textos]" (Martin,
1992, p. 443).

A Tabe la 1 apresenta um sumário dos atributos semânticos do ele-


mento estrutural "informação de base" em uma aná lise da seção "introdu-
ção " de um corpus de artigos de pesquisa na área de estudos ambientais
(ver Pa ltridge, 1993) . Uma aná li se de atributos semânticos fo i uti lizada na
divisão dos textos em elementos estruturais . Os atributos semânticos foram
identificados por meio de uma análise do conteúdo semântico de cada
elemento estrutura l, como na identificação que Hasan fez das proprieda-
des semânticas dos elementos estruturais " loca lização" em histórias infantis
(Hasan, 1984) e "questionamento do cliente" e " so licita ção de compra"
em encontros comerciais (Hasan, 1989a) . Assim, foram estabe lecidas ca -
tegorias que identificaram a referência a noções como "quantidade", "as-
sunto", "agente", "tempo" e "lugar" . Os atributos semânticos foram ana-
lisados até o ponto em que cada componente do conteúdo dos textos sob
aná lise pôde ser expl icado. A quantidade de ocorrências de cada um dos
atributos semânticos através dos textos ana lisados é representada na Ta-
bela 1 pe los números entre parênteses. Como mostra a tabe la, o atributo
semântico mais comum nesse elemento estrutura l em particu lar foi aquele
descrito como "quantidade" .

69
Tabela 1: Atributos semânticos: informação de base
(introdução de artigos de pesquisa)

Elemento estrutural Atributos semâ~ticos


Se ntidos nucleares Sentidos elaborativos
Informação de base Quantidade (46) Statu s (5)
Agente (7) e/ou Ocorrência (4)
Assunto (22) Valor (3)
Tempo (25) Efeito (2)
Lugar (21) Referência ao presente
estudo (2)
Fonte de informação ( 15) Relação com programa
de pesquisa mais amplo ( l)
Atribuição (6) e/o u Referência a autores ( l)
Identificação (6) Comparação (l)
Observação (l)
Demonstração ( l)
Esti motiva { l )
Padrão (l)

Em seguida , aparece a referência ao "agente" principal e ao "assun-


to" rea l dos diversos textos . Outras propriedades semânticas essenciais, ou
nucleares, foram "tempo", " lugar" , "fonte de informação" e algum tipo
de qualidade ou característica do "agente" ou do "assunto" ("atribuição")
ou alguma indicação do que o "agente" ou "assunto" representam (" iden-
tificação"). Os atributos elaborativos do elemento "informação de base"
foram muito menos evidentes nos textos . Além disso, a lgun s desses atribu-
VI tos ocorreram apenas uma vez nos textos . Não houve nenhum exemp lo de
ro
· ;::;
e:: atributo semântico que pudesse ser descrito como " associado", ou seio,
<CJ
:=i
cr atributos que não precisam ocorrer, mas freqüentemente ocorrem .
(l)
V'1
CJ
Na obra de Swa les, a divisão das fronteiras textuais ta mbém se ba-
V'1
o
ã:i seia no conteúdo, embora, como observa Crookes (1985), Swales nem
e:::
< (l)
\.!:} sempre defina claramente os elementos estruturais, fundamentando suas

70
divisões no uso de termos de conteúdo bem amplo, tais como "estabe-
lecendo o campo" e "indicando lacunas". Em estudos de validação de
algumas das análises de Swales, Crookes (l 985, 1986) prefere trabalhar
com definições mais detalhadas dos vários estágios textua is, os quais são
avaliados e então referidos na análise . Contudo, essas definições também
são baseadas no conteúdo e diferem da abordagem de Swales apenas na
quantidade de detalhes fornecidos.

Para o estabelecimento das fronteiras textuais, portanto, Hasan, Bha-


tia, Swales e Crookes lançam mão de categorias essencialmente baseadas
no conteúdo, e não no modo como o conteúdo é expresso lingüisticamen-
te . Essas divisões, além disso, geralmente são intuitivas : de modo algum os
títulos e outros indicadores te xtu ais estão sempre presentes .

Mesmo quando estão presentes, as divisões estruturai s podem ter,


como observa Hunston (l 989), limites imprecisos. A autora nota que "a l-
gumas fronteiras entre as unidades permanecem indeterminados, ou em
função de deficiência na escrita ou porque o escritor deliberadam ente os
obscurece, com o objetivo de tornar o texto mais " fluente" (Hunston, 1989,
p. 333) .

Assim, à parte os indicadores físicos, tais como as la cunas nas pági-


nas e as divisões de parágrafos e capítulos, os indicadores de fronteiras
são vistos de formo mais clara em termos de conteúdo, ou seja , o que guio
nossa percepção das divisões textuais é um senti do ma is cognitivo do que
lingüístico. Essa posição é defendida por Bhotio, que assinalo que o análise
de gêneros muitas vezes tem subestimado os fatores psicológi cos ao tentar
dar conto da descrição dos estágios textuais. Para Bhotio, é exatamente
essa perspectiva que "revela as estruturas cognitivas típicas de determina-
das á reas de investigação" (Bhatia, 1993, p. 19).

No visão de Leech, qualquer tentativa de tratar essa questão em ter-


mos lingüísticos configuraria um exemplo de hipergromaticalização. Para
Leech , o que muitos analistas de gêneros têm feito, de fato, é tentar esten-
der seus modelos de análise além dos limites em que podem ser aplicados,
ao pretenderem encontrar uma explicação gramatical para aspectos textu-
ais da linguagem que pertencem, mais apropriadamente, ao dom ínio da

71
pragmática (Leech, 1980, 1983) .

A conclusão a que chegamos, então, é que a busca das divisões es-


truturais do texto deveria ser uma busca por fronteiras cognitivas em termos
de convenção, adequa ção e conteúdo, e não uma busca por fronteiras
lingüisticamente definidas . Ou seja , os motivos para as subdivi sões em um
gênero textual são mais não-lingüísticos do que lingüísticos .

Essa conclusão também é apoiada por Widdowson (1978, p . 29),


que fornece o bem conhecido exemplo a seguir:

A: O telefone!
B: Estou no banho!

A: Certo!

Ao discutirem esse exemplo, Brown e Yule (1983, p . 228) deixam cla-


ro que "somente através d.o reconhecimento do ato realizado por cada um
desses enunciados é que podemos estabelecer a coerência e a estrutura
da interação" .

Ao mesmo tempo, contu do, Halliday (1985, p. xvii) assevera em An


introduction to Functional Grammar que "uma análise do discurso que não
se baseia na gramática não é análise de modo algum". Isso pode parecer
contraditório, até que se perceba que os únicos aspectos do uso da lin-
guagem, no nível do discurso, a que se refere aquela obra são as rela ções
coesivas, as quais, como ressalta Hasan, referem-se à textualidade, e não
à estruturo textual (Hasan, 19890) .

Finalmente, devemos tratar da questão da validade e replicabilida-


VI
ro de de tais análises. O posicionamento de Hasan é simplesmente que "se
·;::;
e::
<OJ
: :::, você replicar minha análise, você estará apto a verificar sua validade"
0-
. Q,)
VI
(Hasan, 19896, p. 66) . Entretanto, Hasan claramente se refere às partes
OJ
VI
lingüisticamente fundamentadas e, portanto, lingüisticamente replicáveis,
2
OJ de qualquer análise.
e::
<OJ
l.:)

72
Tentativas de aplicação de critérios lingüísticos para a validação de
perspectivas psicológicas, contudo, não são uma condição necessária para
sustentar abordagens funcionais à descrição da língua e não deveriam ser
vistas como uma ameaça aos postulados ce ntrais dos expoentes de tais
abordagens. Nos termos de Fadar:

Se a lingüística é uma ciência empírica, as teses lingü ísticos de-


veriam poder ser testadas contra dados empíri cos ... a atribuição
de uma interpreta ção psicológica a uma teoria lingüística au-
menta a abrangência dos fatos empíricos sobre os quais as teses
podem ser construídas e, dessa forma, dá substância à questão
da legitimidade ou não legitimidade da teoria. (Fodor, 1980, p.
103-104)

Assim, com respeito a certos aspectos da linguagem , tais como a


aná li se de grupos e estruturas de orações, busca-se a rep li cabi lidade por
meio de uma descri ção restrita no que se refere à linguagem . Entretan-
to, na área de gêneros, adentra-se no domínio da realidade psicológica ,
que é condicionada pelo modo co mo pensamos as co isas no mundo, e a
questão da replicabilidade deve ser vista em termos co mpletamente dife-
rentes. A questão das fronteiras , então, não está lingüisticamente limitada
nem pode, portanto, operar no domínio de. regras e convenções dessa
espécie .

3.4. Conclusão
Os analistas de gênero, portanto, pretendendo apresentar explicações
lingü ísticos para as divisões textuais, às vezes são forçados a estabelecer
relação entre o que é e o que não é linguagem, indo além dos limites em
que tal visão seria sustentá vel. Como nota Fadar (l 980), existe um nível
em que é possível a descri ção dos fatos da linguag em (em termos gramati-
cais); além desse nível , torna-se necessário entrar em outras preocupações
teóricas . O que parece claro é que o analista de gêneros precisa se afastar
dos aspectos físicos da linguagem e de como eles reflete m a rea lidade ,

73
passando a ocupar-se da maneira como o texto, tomado g lobalmente, é
condicionado por razões externas . Nas palavras de Todoro v:

A noção de texto não se situo no mesmo plano do noção de


sentença .. . mos constitui um sistema que não deve se r identifica-
do com o sistema lingüístico, e sim posto em re lação com ele :
uma re loção de contigüidade e de seme lh ança . (Todorov opud
Borthes, 198 1, p. 34).

De fato, co mo Fodor (l 987) ressalta, em Psychosemantics: The Pro-


b lem of Meaning in the Philosophy of Mind:

Um aspecto difícil de entender sobre o mundo é que os genera-


liza ções etio lógicos mais poderosos apóiam-se em cousas não
observáveis. Esses fotos dão formo o nosso ciência . (Melhor ain-
da!) Um teste da profundidade de uma teoria é exatamente o
foto de que muitos de suas generalizações subsumem interações
entre co isos inobserváveis . (Fodor, 1987, p. 7)

Os problemas surgem, portanto, quando se tenta re la cionar catego-


rias de percepção, tais como a percepção de fronteiras textuais, com com-
ponentes textuais, isto é, com a li nguagem rea l dos textos. Te ntativas de
gramaticalizar essa re lação devem ser encaradas como a concretização de
categorias inte lectuais, um processo que tanto os estrutura listas literários
-~
ro como os formalistas russos da primeira metade deste século conc luíram ser
:::i
........
X impossíve l (Erlich, 1965; Bennett, 1979).
.....,
CJ

VI
ro Todavia , isso não significa que a aná lise de gêneros não seja, ou
·w
e:::
<C.l não deva ser, um emp reendimento lingüístico, ou que não esteja dentro
: ::::>
0-
Q.) do domínio da lingüística. Isso depende, antes, do modo como se define
VI
Q.)
o domínio da li ngüística. Caso se abrace a posi ção de que a lin güística
VI
o
ai diz respeito ao estudo do processamento e uso da linguagem pe los seres
e:::
<(l)
l.!:l humanos, então certamente a análise de gêneros perten ce à lin güística .

74
Contudo, isso não implica necessariamente que tudo que diz respeito ao
uso da linguagem tem a ver com fenômenos textuais observáveis.

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78
v
Textualidade e seqüencialidade: -o
oexemplo da descrição'~
Jean-Michel Adam

Como bem destaca M .-J. Borel (1981 ), logo que se busca caracteri-
zar a narração, a descrição ou a argumentação, surgem, imediatamente,
uma heterogeneidade e uma complex idade que parecem constitutivas do
discurso em língua natura l. A partir do momento em que se procura a uni-
dade, efeitos irruptivos se mu ltip licam a po nto de fazer d issipar-se a be la
ordenação teórica. Diante dessa constatação, podemos ou renunciar, logo
à primeira vista, a toda tentativa tipo lógica, 1 ou delimitar cuidadosamente
um quadro de pesquisa .

A reflexão que conduzo atua lmente 2 sobre a descri ção (depois da


narração e do texto poético) me impele a 'considerar que uma abordagem
tipo lógica permanece úti l sob certa s condições e que ela só tem sentido se,
paralelamente a essa tentativa de sistematização , determinarmos que cada
sistema de base (narração, exp li cação, descrição etc.) não é mais que um
momento de uma complexida de a ser explicada teoricamente . Mostrarei
que a lingüística textua l tem como ob jetivo teorizar sobre formas textua l-

• Tradução de Mônico Maga lhães Covolconte.


l. O que sugere D. Moingeneou declarando categoricamente que os tipologias são "tonto inevi-
táveis quanto irrisó rios" , que elos "voam em estilhaços, deixando aparecer um imenso entrela ça-
mento de textos", é que "nos encontra mos dian te de algo sem sentido, coso se pretendo cheg ar o
um pouco de genera lidade " (1984, p . 16)
2. Pesqu iso financiad o pe lo Fundo No ciona l suíço do Pesqu iso científico, requerimentos nº
1139 .0 .85 com J. -B. Grize e M .- J. Bore l e nº 1310.0 .86 . Agradeço particu larmente o M .- J. Bo rel ,
F. Réconoti e J.-P. Broncko rt por suas críti cos, observações e sugestões . Uma porte deste artigo fez
porte de uma comu nica ção no co ló quio " Les textes et leurs tra itement". Po itiers , 1986 .

79
seqüenciais da discursividade . Em outros termos, trata -se de examinar o
modo como se constitui, a partir de uma seqüência de enunciados - para
um intérprete leitor ou ouvinte -, um efeito de seqüência. Os trabalhos
atuais de psicologia cogniti va , no domín io da compreensão/ produção de
textos confirmam que as operações que orientam a seqüência (ou o tex-
to como uma série de seqüências) são determinadas por esquemas de
reconhecimento mais ou menos codificados e por regras (a precisar) de
encadeamentos de séries (ou seqüências) de enunciados. Resta ao lingüista
dizer se existem ou não tipos de (micro) proposições e de seqüências de
microproposi ções e/ou de macroproposições . O presente artigo versará,
sobretudo, sobre exemplos descritivos .

30
ESQUEMA 1

PRÁTICAS DISCURSIVAS

FORMAÇÕES DISCURSIVAS (FD) INTERDISCURSO (ID)

1
Instituições
& DISCURSO (D)
Formações Imaginários

Gêneros do
Discurso (GD)
INTERAÇÃO (1)

~-------- - ----- -- - --- -- -- --- -- ----- - - --- -------- r--- -- ---- - --- ------- - ----- - ------ - -•
' ' '
' TEXTO (T) ' :

-
DIMENSAO CONF IGURACIONAL (DC)
~ ~ -
DIMENSAO SEQUENCIAL (OS)
..

/\
PRAGMÁTI CA
LINGÜÍSTICA
SEMÂNTICA (S)
Global
~Loco/
1

Estruturo Seqüencio!

A
Super- • Planos Progressão
A Pontuação
Es1ruturo do texto e Repetição Anóforos
(SS) (P de T) conectores

Globo/ Loco/
Mocro- Léxico e lsotopias
Estruturo Rep resenta ções
Discursivos
Universo de Crenças

ARGUMENTATIVO ENUNCIATIVO

~Loco/
Globo/ Globo/
~ Loco/ E
ro
~
Mocrooto Microoto Ancoragem Pio nos cü
de discurso Tro ços de enunciativo de enunciação -=
'-'
(A) arg umen tos (AE) (História/Di scursos) ~1
e::
(conectores) (Dêixis/ Anóforo) Moda lidades ro
QJ
--,
,- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ,
, CAMPO TE Ó RICO DA LINGÜÍSTICA TEXTUAL '
~--- -------- -- --- -- ---- ------------ ------- ------- --------- -- -- ----- ----------- ------ · 81
4.1. Bases de tipologização: as tipologias discursivas
l .O O esquema l permite-nos loca lizar, de um lado, o objeto Texto
no campo teórico da lingüística textual , e, de outro lado, d iferentes bases
de tipo logização . Distingo seis demarca ções tipológicas com suas respec-
tivas bases de tipo logização :

a) Aná lise do discurso : formação discursiva (FD) + ancoragem en un-


ciativa (AE) ..1- discurso (D)

b) "O funcionamento do discurso": interação (1) + ancoragem enu n-


ciativa (AE) + planos de texto (P de T)

c) C lassificação retórica do discurso : gêneros do discurso (GD) + inte -


ra ção (1) + planos de texto (P de T)

d) Tipologias enunciativas: ancoragem enunciativa (AE)

e) Tipos de textos : te xto (T) (dimensão configuraciona l & dimensão se-


qüencia l (DC & DS))

f) Tipos de seqüencialidade : dimensão seqüencia l (DS) (superestrutura


& plano de texto (SS & P de T))

Não cabe a mim desenvo lver os fundamentos teóricos e metodológi-


cos da s tipolog ias a, b, cedem re lação às quais me posi cionarei , mesmo
que rapidamente . Insistirei, ao contrário , naquelas que são internas aos
campos e e f. Com o esquema l, que ro, sobretudo, assinalar que a lin-
güística textual se define como um campo de pesquisa voluntariamente
limitado, como um sub-setor de um domínio de investiga ção bem mais
vasto , domínio delimitado por D. Maingueneau, seguindo Foucau lt (a), em
G ê nese do discurso e, numa outra perspectiva, por J. -P Bronckart (b) em
O funcionamento dos discursos (1985) .
VI
ro
·.::::;
l . l (a) Com o primeiro, q ue chamamos de aná lise do discurso, a
e::
<OJ ba se de tipo logiza ção inscreve-se, sobretudo, nas forma çõ es discursivas,
: ::::,
O"
(l) nos gêneros do discurso e, sob um ponto de vista mai s textual , na enun-
V'I
<:l)
cia ção (AE) e no léxico (S). Se Maingueneau e Foucau lt fa lam bem do in-
VI
e
<:l)
terdi scu rso como um espaço de regu laridades, um "espa ço de troca entre
e::
l <:l)
i.;;:, vários discurso s" , eles neg ligenciam uma distinção teórica lingüisticamente
útil entre Discurso e Texto (esboçada por D. Slakta e que o presente artigo
especificará em parte) . É necessário insistir no fato de que o interdiscurso
privilegio o Texto e o Discurso, o qual coloco simplesmente como D publi-
citário, D político , D jornalístico, D li terário, D científico , D religioso , etc.
(quer dizer, como objeto concreto) . Além disso, proponho unir o Discurso
(D) aos gêneros do discurso. Assim, o poema, o teatro ou o romance são
gêneros do discurso literário; o sermão, a parábola, a hagiografia, etc .,
são gêneros do discurso religioso; o editorial, os fait divers, o reportagem,
etc., são gêneros do discurso ;ornalístico; poderíamos também falar de
gêneros do discurso político, etc.

Os (tipos de) textos são, ao contrário, componentes do discurso (D)


e dos gêneros do discurso (GD) : a narração, por exemplo, é encontrada
tanto nos romances como nas parábolas, nos fait divers ou no discurso
eleitoral; a descrição ou a e xplicação atravessam, assim como a argumen-
tação, todos os discursos (D) e gêneros do discurso (GD) . Essas distinções
ordinárias não me parece que possam ser negligenciadas; elas devem ser
totalmente teorizadas num nível de pertinência que ainda está por ser pre -
cisado .

Quanto às formaçõe s discursivas, destaco que se trata de um sistema


de restri ções de boa formação (sócio-discursivas), sistema no interior do
qual os enunciados dados se definem como discurso (D) : os dis cu rsos (D)
se formam de maneira regrada no interdiscurso (ID) ligado a uma forma-
ção d iscursiva (FD) dada . Com o projeto da .análise do discurso, que con-
siste em articular o textual (redefinido como (inter)discurso) e as formações
discursivas (FD), saímos da lingüística para entrar na "rede institucional"
de um grupo que "a enunciação discursiva ao mesmo tempo pressupõe e
torna possível" (Maingueneau, 1984, p.13 .).

Nessa perspectiva, direi que introduzir o ILOCUTÓRIO (força e valor)


é abrir o campo - quer queiramos, quer não - em direção ao complexo
E
rc
domínio das práticas discursivos . Tomando emprestado este termo a Fou- .::::,
<(
cault, a análise do discurso se refere a um "sistema de relações" que, por OJ
..e::
u
um discurso (D) dado, regra os lugares, os papéis, as posições que pode :E
ocupar o sujeito da enunciação . Nesse sentido, eu proponho que VALOR e::
rc
OJ
e FORÇA ILOCUCIONÁRIA chegam ao discurso via interação, dentro das --.

83
formações discursivas (FD) que regram o que pode/ deve se r dito e como
dizê-lo; eles não são, então, lingüísticos e nem podem constituir o objeto
de uma pragmática - eventualmente textual - que tenha a condição de
redefinir o próprio campo (ou o próprio conceito) .

l .2 (b) A base de tipolog ização do Funcionamento dos discursos pode


ser localizada em três outros pontos do esquema l: ela é orientada para
o interdiscurso (1) (no sentido de interacionismo social), para a ancoragem
enunciativa (AE) (como ancoragem enunciativa do discurso) , para os pla-
nos de texto (P de T), enfim . Assim como para a análise do discurso, aqui
os critérios são certamente lingüísticos (morfossintáticos), mas, em última
instância, os critérios externos prevalecem: a atenção se coloca fora do
campo propriamente lingüístico, em direção às condições de produ ção do
discurso (situação material e situação social de produção) . Quando vemos
os discursos polares (Narração, Discurso Teórico e Discurso em Situação,
aos quais veio se juntar a Narrati va Conversacional) se romperem numa
" constelação" ou numa "galáxia" de tipos intermediários, confrontamo-
nos com aquilo que H . lsenberg chama de "paradoxo das tipologias" .
Como, com efeito, restringir e, ao mesmo tempo, contemplar a multiplici-
dade? A resposta dada por J.-P. Bronckart tem a vantagem de ser, antes de
tudo, metodológica : a tipologiza ção não deve ser compreendida como um
resultado, mas como, primeiramente, um momento da teoriza ção .

l .3 (c) Sobre a classificação retórica dos discursos herdada de uma tradi-


ção de vários séculos, direi somente que ela está centrada nos gêneros do dis-
curso e é inseparável da orienta ção interativa (1). Ela diz respe ito ao lingüístico
apenas nos planos de texto, sobre os quais falarei mais adiante .

.!!! l .4 (d) Das tentativas de tipologização enunciativa (Simonin-Grum-


ro
.......,
::::l
bach, 1975), destaco somente que elas constituem um ato de violência
X
.......
(lJ

teórica, na medida em que Benveniste não fala nunca de tipos de discurso,


V,
ro
· .::; mas de " planos de enun ciação". Além do mais, Benveniste destaca que
i:=
<(lJ
: ::::i
c:r "é próprio da linguagem permitir (as) transferências instantâneas" (1966,
(lJ
. V,
p .242) de um plano a outro " . "Na prática, nós passamos de um a outro
(lJ
V,
o instantaneamente" (ib id.).
ã:i
e:::
<(lJ A heterogene idade enunciativa é, assim, a característica distinti va da
\.:::>

84
discursivização e é inseparável da progressão da sequencia lingüística.
Distinguindo uma enunciação enunciativa global (a ancoragem enunciati-
va) e outra local (os "planos de enunciação"), quero ressaltar os riscos de
um tratamento quantitativo que só atenderia à ancoragem enunciativa (AE)
e nivelaria, assim, um aspecto essencial da textualidade .

1.5 A lingüística textual se impõe como objetivo observar regulari-


dades para as quais ela não tem meios (teóricos) de relacionar com os
parâmetros do ato material de enunciação-produção do discurso e da
interação social. Uma vez estabelecido que, quando toca esses domí-
nios, ela cai na pragmática e tende a recobrir o campo da análise do
discurso ou do que T. A. van Diik chamava, há alguns anos, de "socio-
logia crítica do discurso" (l 980), é necessário que eu volte ao domínio
puramente lingüístico e às bases de tipologização (e) e (f) consideradas
mais acima .

4.2. Textualidade e seqüencialidade


2 .0 O esquema l define o efeito de texto como o produto do reconhe-
cimento de uma dupla determinação . A textualização está na dependência
de duas representações complementares: umas relativas ao que chamo de
dimensão configuracional, e outras re lativas à dimensão seqüencial .

Com a dimensão configuracional, quero sublinhar que é necessário,


tanto no plano local como no global, ter em conta, por um lado, a refe-
rência (plano semântico S) e, por outro, .o emprego enunciativo (planos
de enunciação e modalidades) e a argumentação; em outros termos, a
construção de representações discursivas e a existência de relações ar-
gumentativas. Eu defino - e é fundamental para compreender a base de
tipologização (e) - o efeito do texto como resultante da passagem da se-
qüência à configuração, quer dizer, da linearidade do enunciado à figura
E
(definição de P. Ricoeur), da seqüência textual como seqüência linear de rc
"O
<(
unidades lingüísticos (conectividade) à reconstrução desta seqüência como w
..e:
um todo significante (coeso e coerente) . u
:E
'
e:
ro
ClJ
---,

85
4.2.1 Limites de tipologias textuais (e)
Para uma tipologia de tipo (e), existem grandes TI POS DE TEXTO.
Citare i, sem justificar aqu i o limitação da enumeração : a NARRAÇÃO,
a DESCRIÇÃO, o ARGUMENTAÇÃO, a EXPOS IÇÃO (com os seus subti-
pos exp licativos e relatos de experiência), a INJUNÇÃO-INSTRUÇÃO, a
CONVERSAÇÃO e o "POEMA'' (ou tipo autotélico -poético) . Nesse nível de
genera li dade - que adotei em meus trabalhos anteriores -, eu me ocuparei
de uma tipolog ia muito g loba l que não leva muito em conta a heteroge-
neidade dos próprios textos.

Como ressalta o esquema l, o interferência da seqüencialidade (di -


mensão seqüencia l - OS) e da configuração (dimensão configuraciona l
- DC) é responsáve l pe lo efeito do texto. Portanto, o modo como o configu-
raciona l, em suas dimensões argumentativa , enunciativa e semântica, atra-
vessa e traba lha o seqüenc ial resulta em subtipos ou GÊNEROS TEXTUAIS.
Assim, para a NARRAÇÃO, é conveniente distinguir narração escrita e nar-
ração oral, histórias engraçadas e contos maravilhosos, narração policial
e narração fantástica, etc. As categorias gera is NARRAÇÃO, DESCRIÇÃO,
ARGUMENTAÇÃO, etc., por causa da interferência do configuracional e
do seqüencial , aparecem como várias estruturas heterogêneas e comple-
xas o serem divididas em subtipos ou gêneros que vão do entrevista escrita
ou oral ao diálogo de teatro ou romance, passando pe lo debate televisivo
ou pela conversação de salão que eu chamo de CONVERSAÇÃO; do slo-
gan pub licitário ou po lítico aos ditados (provérbios), à canção e a outros
poemas do tipo AUTOTÉLI CO-POÉTICO, etc.

4.2.2 Tipologias seqüenciais (f)


Proponho, então, tomar o prob lema menos alto no esquema l e pre-
conizo, o títu lo de hipótese de trabalho lingüístico, passar a uma base de
tipologização mínima, de tipo f. Cons iderando o texto (T) como o produto
de uma construção-interpretação (de um efeito do texto), eu me interesso
prioritariamente pelos tipos de seqüencia lidade micro- e macroproposicio-
nais . Defino, por enquanto, os seguintes tipos de seqüencialidade:

1. Seqüencia /idade narrativa;

86
2. Seqüencio/idade descritivo;

3. Seqüencio/idade argumentativo;
4. Seqüencio/idade expositivo -explicativo;

5. Seqüencio/idade in;untivo-instrucionol;

6 . Seqüencio/idade conversocionol;

7. Seqüencio/idade poético-outotélico.
Parece-me que podemos, assim, deslocar o "paradoxo de tipologias"
operando, certamente, um movimento de restrição em direção a um pe-
queno número de seqüencialidades, mas tendo em conta, sobretudo, a
heterogeneidade e o diversidade de possibilidades de textualizoção .

Sob um ponto de visto lingü ístico, e seguindo o idéia de "escalo as -


cendente de liberdade" (Jakobson) , quer dizer que postulo, antes do li-
berdade potencial de textualizoção (T) e de discursivizoção (D) - limitados
apesar de tudo pelo interdiscurso - tipos restritivos de empacotamento (ma -
croproposições) de tipos de proposições (m icroproposições).

Defino, então, o texto (T) como uma estruturo seqüencio /:

<
Elípticas
T - estrutura seqüencial • n Seq

Completas

A lingüística textual tem por tarefa formular hipóteses sobre a maneiro


como se produz-constrói um efeito de seqüência.

4.2.3 Superestruturas e planos do texto


As operações que levam um leitor/ ouvinte (interpretante) a identificar E
ro
"O
uma estrutura seqüencia l como comp leto (T = l seq) ou uma seqüên cia <(
êii
numa estrutura mais vasta são os esquemas de reconhecimento de es- ...e:::
u
~
truturas mais ou menos convenc ionais com suas regras próprias de en- e:::
n:,
cadeamento . Por regras próprias de encadeamento, quero dizer regras QJ
--,

87
de continuidade e progressão, distinguindo uma continuidade-progressão
local (Tema-Remo) e uma continuidade-progressão global (seqüencial) . A
primeira dinâmica é teorizável em termos de gramática de texto (quer dizer,
de maneira geral), fora de toda questão de tipologia , enquanto que a se-
gunda não pode escapar a uma tipologização mínima (D .

O reconhecimento de uma estrutura seqüencial simples ou complexo


repousa, por um lodo, sobre o reconhecimento de uma completude confi-
gurocional (macroestrutura semântica, ancoragem enunciativa e macroato
de discurso dado ou derivável) e, por outro lado, sobre o reconhecimento
de reagrupamentos (mais ou menos típicos) de proposições . Para definir
esta estrutura seqüencial global, distingo as superestruturas (SS) narrativa
(SSn), argumentativa (SSarg), descritiva (SSd), etc. dos simples planos de
texto (P de T) . Embora os distinga, nos dois casos, a estrutura hierárquica
é a mesmo :

P de T
> n. seqüência(s) > n. macroproposição(ões) > n.
microproposição(ões)
ss

Lê-se : um plano de texto, ou uma superestrutura, engloba n. seqüên-


cias de n. macroproposições compreendendo elas mesmas n. micropropo-
sições . Cada tipo de SS e cada P de T definem um número (n) limitado e
dado, a cada vez, de macroproposições (mais ou menos facultativas, como
veremos); os capacidades de tratamento do aparelho cognitivo humano
(memorização e compreensão) limitam o número (n) de microproposições
o empacotar.

Compreender uma estrutura seqüencial é decidir se se trata ou não


de um texto (ou de uma parte de um texto) .

A. Reconhecer uma estruturo seqüencial :

Al . É ou adquirir culturalmente por impregnação : nesse coso, de fami-


liaridade do ouvinte/ leitor com uma estrutura seqüencial, falo de
superestrutura (SS descritivo, SS narrativa, etc.);

A2. Ou ainda, é reconhecer conforme o ocasião : nesse caso, de não-


familiaridade, falo de plano de texto (P de T) .

88
Esses dois aspectos da seqüencialidade não se distinguem tanto por
seu grau de convencionalidade (como escrevi em outro trabalho, afirman-
do que as SS seriam mais convencionais que os P de T) . Um P de T pode
ser completamente convencional ; a diferença ma ior res ide na caracterís-
tica adquirida por uma práxis e memorizada (por isso " profunda") das SS
e na característica dada (por isso mais "superficial" e sujeita a variação
no tempo) dos P de T. É necessário acrescentar que um P de T (mais ou
menos convencional, então) pode muito bem vir a se sobrepor a uma SS
por razões instrucionais-comunicacionais . Numa narração, os planos (da-
dos) só realizam na superfície, a maior parte do tempo, a SSn (canônica e
adquirida de maneira estável desde a idade de 12 anos) . Ao contrário , na
descrição, diferentes tipos de planos, mais ou menos convencionais, levam
em conta a linearização de uma SSd não-linear (tabular como mostrará o
esquema 4).

B. Ou também é hierarquizar, sobre esta base instrucional (A l / A2), a


informação para reter ou apagar certas proposições, em função da
tarefa . De um ponto de vista textual, é necessário não esquecer-se
de distinguir três tipos de resumos ligados a três maneiras de com-
preensão . Podemos, com efeito, resumir o texto (T) :

B l. estabelecendo uma macroestrutura semântica (reconhecimento de


uma base temática de qualquer tipo);

B2 . identificando ou derivando um macroato de discurso;

B3 . seguindo a estrutura seqüencial (~l ou A2) .

O exemplo tratado mais adiante (em 3.2) permitirá examinar a com-


binação B l, B2 e B3 . Por enquanto, vou especificar alguns aspectos de
planos de textos tomando o exemplo da descrição e alguns aspectos de SS,
tomando o exemplo da SS narrativa .

Philippe Hamon (l 98 l : 152) salientou a existência de quadros descri- E


n::J
tivos adicionais que regem a ordem e a distribuição das unidades . Esses
~
"quadros" constituem o mesmo P de T agindo como operadores de em- cij
..e:
u
pacotamento da informação em função de listas de saturação previsível :E
(e, nesse sentido, estereotipadas) do gênero : as 4 esta ções ou os 4 pontos '
e:
ro
.....
QJ

89
cardinais, os 5 sentidos ou os 5 continentes, etc., mas também a ordem
alfabética e a ordem numérica (o primeiro, o segundo, etc.) . Esses quadros
podem utilizar conectores enumerativos do tipo : inicialmente - em segui-
da - enfim - de uma parle - de outra parte - uns e outros (- outros ainda),
etc.; conectores adversativos : enormes - mínimos - por um lado - por outro
lado, etc. Os planos de textos descritivos mais correntes correspondem a
quatro dimensões :

• a primeira dimensão (perspectiva vertical) corresponde à distribui-


ção vertical clássica, alto vs . baixo, abaixo vs. acima, explorada, por
exemplo, na descrição erótica;

• a segundo dimensão (perspectiva latera l) corresponde a uma distri-


buição horizontal: à esquerda vs. à direito;

• o terceira dimensão (perspectiva de aproximação vs . recuo) corres -


ponde à oposição perto vs. longe, na frénte vs . atrás; ela pode tam-
bém traduzir profundidade através de dentro vs . fora;

• a quarto dimensão, enfim, corresponde à utilização do tempo, tem-


po do cosmos (estações, horas, dias, etc.) ou tempo do logos (da
escrita e de sua linearidade) .

Em todos os casos, trata-se de tornar legível um conjunto hierárquico


nem cronológico nem causal, cuja organização ficaria muito complexa
sem a associação de um plano de texto. O exemplo (9), estudado mais
adiante, confirmará esse ponto teórico importante.

Da mesma maneira que uma simples enumeração ou uma lista não


constitui uma descrição, mas um verdadeiro grau zero da seqüencialidade
-~
rtl descritiva, uma seqüência cronológica não pode ser considerada como
::::,
........
X uma narração. Na verdade, a seqüencialidade narrativa corresponde a
......,
o.J

VI uma estrutura hierárquica global (esquemas 2 e 3) que confere aos dife-


ro
· ;:::;
e: rentes acontecimentos (mesmo se sua ordem cronológica é desconstruída
<o.J
:::::1
=- na superfície) um certo valor diferencial.
cu
V,
o.J
V,
2
cu
e:
<o.J
l.!:l

90
Esquema 2
Superestrutura narrativa (SSn)

.------ -- ------ ------- -- ---- -------- 1--- -- -- ----- -- ------- -------------


~
Resumo
1
O ri entação
1
Com pl icação Ação
1
Reso lução
1
Mora l Desfecho
(Pn0) (Pn l ) (Pn 2) ou (Pn4) ou (Cada ou
Avaliação Estado Fina l Mora l)
(Pn3) (PnS)

Com a li nha pontilhada, marco as macroproposi ções responsávei s


pela inserção da seqü ência num texto . As 5 macroproposições narrativas
(Pn) são numeradas em sua ordem linear cronológica própria. Seria ne-
cessário adicionar o caráter facultativo de Pn3, ora de Pn4 e ora de PnS
(uma sendo dedutível a parti r da o utra). A linearidade aparente desta SSn
d issimula, na verdade , uma ordem hierárquica mais "profunda" que o es-
quema 3 tenta simular:

Esquema 3

SSn

~
Nível l : História Moral ou Esta do final

~
(PnS)

Nível 2: O ri enta ção Desenvo lvi mento -Epi sódio


(Pn l )

Nível 3 :
~Acontecimen tos Açã o ou Aval iação

~
(Pn3)

Níve l 4: Complicação Resolução E


rc
(Pn 2) (Pn4) -o
<(
"ãj
..e:
u
:.E
Sem desenvolvê-la aqu i, lembro some nte que esta estru tura seq üen- e:rc
cia l co nve ncional está em conformidade com uma observa ção muito sim- w
--.

91
pies de C. Simon em seu Discurso de Estocolmo:

Segundo o dicionário, a primeira acepção da palavra "fábula"


é a seguinte: "Pequena narrativa de onde se tira uma moral".
No mesmo instante uma objeção vem ao espírito: é que, com
efeito, o verdadeiro processo de fabricação da fábula se desen-
vo lve exatamente na ordem inversa desse esquema e que, ao
contrário, é a narrativa que é tirado do moral. Para o fabulista,
existe primeiro uma moral (... ) e somente em seguida a história
que ele imagina a título de demonstração figurado, para ilustrar
o máximo, o preceito ou a tese com que o autor busca, através
desse meio, tornar mais surpreendente (l 986, p. 16).

Minha hipótese textual é a seguinte: uma seqüência de atos orien-


tados (receita de cozinha ou simples crono logia de acontecimentos, por
exemplo) não constitui uma narrativa (uma "fábula"); falta a dimensão
configuracional da qual já falei anteriormente . O sentido configuracional
do esquema 1 corresponde à "mora l" dos esquemas 2 e 3 e resulta da
passagem da seqüencialidade narrativa crono lógica dos acontecimentos
ao TODO (a figura para Ricoeur que segue Louis O. Mink) em suas dimen-
sões argumentativas e semânticas . Retenhamos que a própria ordem da
seqüencialidade narrativa favorece a passagem da sucessão cronológica à
configuração; a seqüência narrativa (SSn) é inseparável, então, da ordem
confi guraciona l ausente na simples cronologia dos atos-acontecimentos

4.2.4 Heterogeneidade e inserção de seqüências


2.4.1 . Uma tipologia textual de tipo (e) só pode inscreve r-se com
pertinência em casos simples de estruturas seqüenciais homogêneas . Neste
caso de figura, T comporta apenas uma seqüência (por exemplo, narrati-
va : é o caso da narrativa mínima) ou n. seqüências do mesmo tipo (todas
narrativas no exemp lo canônico do conto maravilhoso) encadeadas, inter-
ca ladas ou alternadas (ver Adam, 1985, capítulo 4) .

92
Confrontada com corpora mais naturalmente complexos, 3 a descri-
ção tipológica seqüencial (f) é levada a introduzir a no ção de estrutura
seqüencial heterogênea com dois novos casos de figura : o inserção de
seqüên cias heterogêneas e o dominância seqüencial da qual falarei mai s
tarde (2 .5 .). No prime iro caso , então, as seqüênc ias de tipos d iferentes se
alternam; ou seja, uma relação de INSERÇÃ0 4 entre seqüência inseridora
e seqüência inserida . O que chamo de exemplo narrativo corresponde à
estrutura (seq . argumentativa (seq. narrativa)) . A presen ça de uma des-
crição num romance corresponde a uma estrutura de tipo (seqüêncio(s)
narrativa(s) (seq . descritiva)). A presença de um diálogo em uma narrativo
obedecerá ao seguinte modelo : (seq. narrativa (seq . conversacional)) e a
presen ça de uma narrativa em uma conversação obedecerá ao caso inver-
so : (seq . conversacional (seq. narrativa)) .

2.4.2 Em cada um desses casos de figura, é necessário sublinhar


a importância dos sinais demarcadores. Desenvolvi em outro trabalho
(Adam, 1984, p . l 09 - 115 e 1985, p. 156- 162) os sina is de inserção de
uma narrativa em uma conversa ção. Lembro somente a importância das
ma croproposi ções Resumo e Remate-cada de Labov & Waletzky. Proposi-
ções confirmadas por Jefferson (1978), para quem a narra ção compre-
ende muito mais que o próprio corpo da narrativa (a seqüên cia narrativa
propriamente dita : SSn); e ele fala da Introdu ção ("abertura-prefácio ") e do
Encerramento (moral ou remate-cada nos esquemas 2 e 3) . Sacks (1972)
insiste também claramente no Desencadeador-ponto de partida do turno
de fala (= resumo ou entrado-prefácio), que ele distingue bem do início
da narrativa (Orientação-Pn l) e insiste ainda no final da narrativa (Estado
final - PnS), que ele distingue doEencerramento do turno de fala . Seja
qual for a terminologia utilizada, isso marca a passagem das fronteiras de
seqüências :

3. Eu ente ndo "n oturo lmente" no se ntid o de língua natural e consi d ero o heterogeneidade E
rc
como a manifestação mais comum do textualidade . Isso levo certos li ngü istas o pensar um -o
<(
pouco apresso domen te que o texto não com porto macro-reg ularidades.

_e:
4 . Prefiro aqui "inse rção" o "e nq uo drome nto" que utilizei anteriormen te, mas que me porece u
lingüisticome nte ma is a mbíguo e proponho manter, se jo po ro designar um fenôme no sin tático ::]E
loco l, se ja poro d istingu ir os fenôme nos de ho mogenei dad e: seqüências de mesmo tipo enco- e:::
rc
aJ
deados ou "enquad rados" ou construídos em para lelo . --.
Fro ntei ra Fro nteira

SEQÜ ÊNCIA Resumo SEQÜ ÊN C IA Remate-ceda SEQÜ ÊNCIA


CONVERSAC IONAL entrado- NARRATIVA moral CONVERSACI ONAL
prefácio (SSn) encerra mento
Turno de fa lo

(... ) abertura fecha mento (... )

narrati vo

2.4 .3 No caso da descrição inserida em uma narrati va, lembro que


Ph . Hamon ( 198 l) sub linhou a importân cia de sintagmas introdutores de
seqüências descritivas em uma narrativa realista -legível ("réaliste -lisible")
literário e falou com precisão também de "cláusu las" (l 975) . Seguindo
seu trabalho, podemos dizer que existem três grandes tipos de descri ções
introduzidas por três sintagmas marcadores de fronteiras :

a) Descrição do tipo VER :

Personagem Pausa Verbo de Meio Objeto do


Suporte -1- + -li- + Percepção - 111 - + tra nspa rente -IV- + descrição -V-

A ordem de importância dessas unidades é a seguinte (as duas úl-


timas são facultativos) : V + Ili + 1+ (li-IV) . Será suficiente um exemplo,
extraído de Premier de cordée, de R. Frison-Roche:

( 1) Ravanat et Servettaz ( = I) firent halte un bon quort d'heur avant


d'entreprendre la grimpée de l'arête (= li) . /Is soufflerent longuement (= li),
adm irant (= Ili) le paysage (= V) - fa milier pour le vieux, tout nouveau pour
le ;e une (= I) - des Alpes Grées (= V) . La ;ournée était magnifique et on
pouvait disce rn er à l'infini (= IV) ve rs le Sud les Alpes (=V) se succédant en
plans étagés (. .. ).

(l) Ravanot et Servettoz (= I) pararam uns bons quinze minutos antes

94
de começar a escalar a aresta (= 11). Eles respiraram longamente (= li),
admiraram (= Ili) a paisagem, (= V) - familiar para o velho, bastante nova
para o jovem (= I), - os Alpes Grées (= V). O dia estava magnífico e se
podia distinguir até o infinito (= IV) em direção ao sul os Alpes (= V) se
sucedendo em andares planos( ... ).

b) Descrições do tipo FAZER:

Perso nogem Pers . Verbo de Objeto do


olivo -1- + especto dor - li + ação - Ili + descrição - IV

É a esse tipo de descrição que se refere Lessing no Laocoon :


Si par exemple Homere veut nous montrer /e char de Junon, il faut
qu'Hébé /e construise piece par piece sous nos yeux. Nous voyons les rou-
es, l'essieu, /e siege, /e timon, les courroies e les cordes, non pas assem-
blées mais s'assemblant sous les mains d'Hébé (Hermann : 112)
Se Homero, por exemplo, quer nos mostrar o carro de Juno, é neces-
sário que Hebe o _construa peça por peça diante dos nossos olhos. Nós
vemos as rodas, o eixo, o assento, o timão, as correias e as cordas, não
unidos, mas reunindo-se sob as mãos de Hebe" (Herman : 112).
É também a esses dois primeiros grandes tipos de descrição que
Nathalie Sarraute faz alusão espontaneamente quando declara, sobre a
cé lebre peça montada de Madame Bovary, que não tenho espaço para
analisar aqui (1972 , p .33) :

J'y vais une piece-montée que ie peux regarder d'abord par la base
(type VOIR) ou en voyant (=li) /e ma'itre queux (= I) qui a commencé à /ui
(=IV) faire (= Ili) une base, puis la bâtit comme ça .. . (type FAIRE) .
Eu veio um bolo armado que posso obseNar primeiro pela base (tipo E
rc
-i:::,
VER), ou, ao ver (=li) o mestre-cuca (=/) que começou a fazer( = /11)-lhe <
ÕJ
(= IV) uma base, depois a constrói assim ... (tipo FAZER) . ..e:
u
~
e:::
rc
QJ
--,

95
c) Descrição do tipo DIZER:

Person. não-inlorm . Personag em informada Verbo de Objeto da


ou subinlormada + e tagarela + fala + descrição
-1- -li- -Ili - -IV-

Gosto de citar a seguinte versão publicitária desse tipo de descrição :

(2) Les hommes (= li) disent (= Ili) : allumage électronique intégral


(= IV) . Mo i ;e (= li) dis (=Ili): elle démarre tou;ours au quart de tour (=IV).
Demandez à une femme de vous parler de la LNA. .. Tout devient simple .
Quand les hommes vous en parlent, ils disent: Km départ arrêté en 41" 1.
Moi ;edis, c'est chouette d'arriver tou;ours à l'heure! (. . . )

(2) Os homens (=li) dizem (=Ili): ignição eletrónico integral (=IV). Eu,
por mim, (=li) digo (= Ili) : ele começa a andar sempre num quarto de volta
(= IV). Peça a uma mulher para lhe falar de LNA. . .Tudo se torna simples.
Quando os homens lhes falam disso, eles dizem: Km partida terminada em
41 "1 . Eu digo: é elegante chegar sempre na hora (. .. ).

Aos sintagmas nominais que introduzem tipos, correspondem as ora-


ções: deixar de ver (não Ilia) e sua variante fim da pausa (não lia), parar de
fazer/trabalhar (não 1116) e se calor (não lllc) .

4.2.S Heterogeneidade e dominância


O segundo tipo de estrutura seqüencial heterogênea não correspon-
de à inserção (mais ou menos) marcada de uma seqüência (mais ou me-
nos) completa, mas à mistura, desta vez, de seqüências de tipos diferentes .
VI
-rê A relação pode, então, ser dita DOMINANTE, segundo uma fórmula (seq .
::::,
........
X dominante (seq. dominada)), que pode dar lugar a poemas narrativos ou
......
O,)

VI descritivos, por exemplo. Mostrei, em outros trabalhos, que as descrições


ro
-.::::;
e::: de FAZER (tipo 6) podem tranqüilamente dar lugar a estruturas como (des-
<0.1
:::::,
O" crição dominante (narrativização dominada)); quanto às descrições de DI-
. ~
O,)
ZER (tipo c), elas correspondem à estrutura (descrição dominante (conver-
V'I
e sação dom inada)) . Tomarei dois exemplos dessa heterogeneidade :
O,)
e::::
<O,)
l..!:::l (3) Lucile, la quatrieme des mes soeurs, avait deux ans de plus que

96
moi . Cadette délaissée , sa parture ne composait que de la dépouil le de ses
soeurs. Qu'on se figure une petite filie maigre, trop grand pour son ôge,
bras dégingandés, air timide, parlant avec difficulté et ne pouvant rien ap -
prendre; qu' on lui mette une robe empruntée à une autre taille que la sien -
ne; renfermez sa poitrine dons un corps piqué dont les pointes lui faisaient
des plaies aux côtés; soutenez son cou par un collier de fer garn i de velour
brun; retroussez ses cheveux sur le haut de sa tête; rattachez-les avec une
toque d ' étoffe noire; et vous verrez la misérab le créature qui me frappa em
rentrant sous le toit paternel. Personne n' aurait soupçonée dons la chétive
Lucile, les talents et la beauté qui devaient un jour briller en elle (Chateau-
briand, Mémoires d' outre -tombe l 3, cité par P. Hamon 198 l , p. l 02) .

(3) Lucila, a quarta de minhas irmãs, tinha dois anos a mais que eu .
Caçu la abandonada, seus enfeites eram apenas o despojo de suas irmãs .
Que se nos figurava como uma menina magra, muito grande para sua
idade, braços desengonçados, ar tímido, fa lando com dificu ldade e não
podendo aprender nada; que se ponha ne la um vestido emprestado de um
tamanho diferente do seu; que se contenha seu peito num corpo corroído
cujas pontas lhe façam feridas dos lados; que se sustente seu pescoço com
uma coleira de ferro forrada de veludo marrom; que se levantem seus ca-
belos no alto da cabeça prendendo-os com uma touca de tecido escuro; e
se verá a miserável criatura com que me deparei entrando sob o teto pater-
no . Ninguém teria suspeitado na mesquinha Lucila, os talentos e a beleza
que deviam um dia bri lhar nela . (Chateaubriand, Mémoire s d 'outre -tombe
13, citado por P. Hamon 198 l, p. 102) .

(4) lmaginez plusieurs milliers de mini-ordinateurs, à fonctions multi-


pies, reliés les uns aux autres par des millions de lignes, choque ensemb le
pouvant être comprimé dons l'espace de l mm .3 Ajoutez à ce la un élégant
systeme de conduits, apportant des matieres premieres et emportant des
dé chets, une patrouille mobile de sécurité et une énorme industrie chimi-
que capable de synthétiser ou de détruire des milliers de substances en une E
ro
seconde . Assemb lez cette mosse d' environ 1400 grammes dons la moitié ~
cij
supérieure du crône humain . Cette description est, en fait, um modele bien ..e:
u
~
pôle et terriblement simplifié du cerveau (L'lllustré, cité par D. Apothéloz, '
e:
ro
1983, p .32) QJ
--,

97
(4) Imagine vários milhares de microcomputadores, com funções múl -
tiplas, ligados uns aos outros por milhões de linhas, cada conjunto poden-
do ser comprimido num espaço de 1mm3 . Junte a isso um elegante siste-
ma de condutos trazendo matérias primas e levando dejetos, uma patrulha
móvel de segurança e uma enorme indústria química capaz de sintetizar
ou de destruir milhares de substâncias num segundo . Junte esta massa de
quase 1400 gramas na metade superior do crânio humano . Esta descrição
é, na verdade, um modelo bem pálido e terrivelmente simplificado do cé-
rebro . (Llllustré, citado por Apothéloz, 1983, p. 32) .

Enquanto (3) e (4) correspondem ao esquema hierárquico (seq . des -


critiva dominante (seq . instrucional dominada)), o que os pesquisadores
classificam geralmente na categoria das "descrições de itinerário" corres-
ponde a uma rela ção inversa (seq . instrucional dominante (seq . descritiva
dominada)) :

(5) * Passer chemin de fer, descend re tout droit

* En bas croisement et monument continuer dons un petit chemin pié-


tonnier toujours tout droit.

* À un moment tourner à droite .


Puis tourner à gauche .

* En bas on voit un pont. Continuer jusqu ' au pont.

* Tra verser le pont, puis la route. Continuer tout droit jusqu' à un deu-
xieme pont. Apres le pont suivre le chemin tout droit et traverser la route
que l'on rencontre .

*Apres transverser la route qu'on a longée depuis le premier pont


et on se retrou ve sur un trottoir. Marcher tout droit, quand il y a un grand
parking à droite .

* On peut continuer toujours tout dro it sur le chemin en dalles grises .


Le Bâtiment 333 est à droite .

(5) * Passar o caminho de ferro, descer sempre reto .

* Embaixo do cruzamento e do monumento continuar num pequeno


caminho de pedestres, sempre reto .

98
• Em um momento, virar à direita .

Depois, virar à esquerda .

• Embaixo se vê uma ponte . Continuar até a ponte .

* Atravessar a ponte, depois a estrada . Continuar sempre reto até


uma segunda ponte . Depois da ponte, seguir o caminho sempre reto e
atravessar a estrada que se encontra aí .

• Depois atravessar a estrada que foi seguida desde a primeira ponte


e se estará em uma calçada . Andar sempre reto, até um grande estacio-
namento à direita.

* Pode-se co ntinuar sempre reto sobre o caminho em ladrilho cinza .


O Prédio 333 é à direita .

O que prevalece nesse caso é um objetivo pragmático declarado


(fazer-fazer injuntivo-instrucional) e uma seqüência ordenada de atos. A
seqüencialidade instrucional, com seus infinitivos e definidos, conduz am-
plamente à descrição, ao passo que em (3) e (4) ela determina somente o
plano de texto do seqüência .

O efeito de dominância explica muito bem as lacuna s de tipologias


textuais (e) aplicadas unicamente ao efeito global. É muito mais importante
discernir a presença de proposições heterogêneas e, sobretudo, teorizar
a diferença entre a simples presença de microproposições e a seqüência
completa . Assim, no seguinte texto de apresentação de um artigo :

(6) li s'éloigne dons la nuit.

Un coup de feu éclate.

Gary Hemming

s'est suicidé .

(6) Ele se afasta na noite. E


rc
-o
<(
Um tiro estrondo. cü
..e::
u
Gary Hemming ~
'
e:
ro
se suicidou. QJ
--,

99
podemos dizer que essas três microproposições narrativas correspon -
dem a uma macroproposição narrativa exemplar, da qual já falei acima: o
Resumo (PnO). Cada frase se decompõe da seguinte maneira:

Pl = pn l : corresponde a um primeiro acontecimento (e l ), especifi-


cando, por uma catáfora ("ele"), um agente, um processo e um tempo .

P2 = pn2 : um segundo acontecimento (e2) sem agente do processo


corresponde a uma verdadeira elipse narrativa .

P3 = pn3 : esta última microproposição corresponde ao estado final


(consumado) de um relato; no mais puro estilo do título de um jornal, ela
restitui o agente ausente de pn l e de pn2 .

Nós temos aí um bom exemplo do que eu quero dizer com empacotar


microproposições que constituem uma macroproposição. Duvidamos que
o artigo que segue vá restituir a seqüência comp leta co rre spondente a tal
Resumo-PnO .

É absolutamente necessário distinguir a coesão-coerência da seqüên-


cia pnl +pn2+pn3 de uma simples enumeração de eventos cronológicos .
Num Resumo, assim como numa seqüência narrativa completa, a seqüên-
cia de proposições é orientada para o fim . É pelo menos para esta finalida-
de argumentativa (e não prática) que eu defini a seqüência narrativa e que
a distingui das descrições de ações (emprego do tempo , etc.) .

Dois casos de heterogeneidade corrente devem ser levados em conta


rapidamente :

- Proposições descritivas podem-se introduzir simplesmente em uma


série narrativa . Assim :

(6') li s'éloigne dons la nuit étoilée .


Un coup de feu sourd éclate.

L'alpiniste américain Gary Hemmin s'est suicidé.

(6 ') Ele se afasta na noite estrelada.

Um tiro surdo estrondo .

O alpinista americano Gary Hemming se suicidou.

100
- Microproposições ava liativas podem vir a saturar a seqüência na r-
rativa a ponto de fazê-la osci lar do simp les resumo-relato à narrativa con -
versacional, como bem estudou Uta Quasthoff (1985) .

(7) X - Que s'est-il passé?

Y - / mm/ (étiré en longueur) le-euh-Gary Hemming s'est suicidé .

X - Simplement, comme ça?


(7) X - O que aconteceu?

Y - / mm/ (estirado no comprimento) o -oh-Gary Hemming se suicidou .

X - Simp les assim?

O turno de fa la de Y corresponde ao re lato, unidade de discurso


sem discurso direto, evitando as marcas ava liativo-expressivas e o presente
de narração (portanto pn3 de (6) diferentemente de pn l e de pn2L en-
quanto que a narrativa conversacional utiliza mais sistematicamente o dis-
curso direto, as formas verbais expressivas e ava liativas e mu ltip lica, além
d isso, os deta lhes secundários (ações ou descrições) que vêm literalmente
a atomizar a seqüência do acontecimento .

4.3. Abordagem da seqüência descritiva


Mostrei anteriormente (1986) o pape l das operações de ancoragem,
de aspectualização, de tematização na esquematização descritiva de um
objeto do discurso . Tenho somente a apresentar aqui a hipótese de uma
superestrutura descritiva (SSdL mode lo hierárquico muito diferente, mas
tão estruturador e estruturado quanto a superestrutura narrativa . Quero
também mostrar em que esse modelo geral determina a estrutura da me -
nor microproposição descritiva . Exporei, então, muito rapidamente e sem
entrar no detalhe do mode lo da estrutura seqüenc ia l descritiva (SSdL para
insistir, em seguida, em dois exemp los : E
ro
"'C
<(
w
..e
u
~
'
e:
n::J
Q,J
--,

101
Esquema 4

SUPERESTRUTURA
DESCRITIVA

Tema -títu lo
OPERAÇÃO
DE ANCORAGEM

OPERAÇÃO DE
AS PECTUALIZAÇÃO
------------- -~~~~;ÇÃO DE
ESTABE LECIMENTO DE UMA RELAÇÃO

Pd . PROPR Pd . PART
~
Pd.S IT Pd . ASS
(qua lidades) (sinédoques)

c~:P
for~
tamanh o etc.

M
Parte 1 Parte2
OPERAÇÃO DE TEMATIZAÇÃO
etc.

Sit.Meto. Sit. Loc. Sit.T ps


~et: ·Ref
OP TEMATIZAÇÃO
etc.

~ -
OP. AS PECTUALIZAÇÃO OP. ESTABELECIMENTO

A
pd PROP pd . PART
DE UMA RELAÇÃO

···...............
metqiímia s
proposições
na rralivas (pn)

etc. etc.
p~0--:<\SS
etc. ele .
Outros objetos suscetíveis
de ser tematizados

OP DE TEMATIZAÇÃO

O P. AS PECTUALIZAÇÃO
~ O P. ESTAB ELECIMENTO DE
etc. UMA RELAÇÃO
ele.

102
4.3.1 Asuperestrutura descritiva
Poro comentar o esquema 4, destaco primeiramente o caráter aberto
(infinito teoricamente, mas lim itado pra(gma)ticamente) de sua expansão :
os ETC anotados várias vezes fazem parte aqui da estrutura. Acrescento em
seguida que, assim como em uma seqüência narrativa, (micro)proposições
avaliativas podem sempre aparecer em todos os pontos da seqüência (mo-
dalizações, marcas de uma operação de consideração). Observo, enfim,
que, pelos hífens, é destacado o caráter facultativo e, além disso, cumula-
tivo com as outras proposições de SIT e de ASS .

Uma macroproposição descritiva (Pd) corresponde a uma relação di-


reta com o Tema-título tomado como argumento-individuado da (macro)
proposição. A propriedade do argumento-individuado escolhido, sua ex-
pansão predicativa pode veicular, digamos:

- Propriedades-qualidades (Pd .PROP),

- Partes (relação completamente de sinédoque : Pd. PART),

- Uma proprieda<:1e de situalização (Pd . SIT),

- Uma propriedade de assimilação (Pd . ASS).

A situalização (Pd . SIT) pode ser do tipo meton ímica (Sit. Meto), ou do
tipo espacial (Sit. Loc) , ou do tipo temporal (Sit. T ps). Por situa lização do
tipo metonímica (Sit. Meto), diferentemente da relação de sinédoque (Pd.
PART), entendo os desenvolvimentos contíguos que versam, por exemplo,
sobre as vestimentas de um personagem e não sobre as partes de seu
corpo em si . A situalização do tipo temporal (Sit. Tps) é o lugar corrente de
um desenvolvimento de microproposições narrativas (a ser diferenciado,
como foi visto anteriormente, da inserção de uma seqüência narrativa) . A
assimilação (Pd .ASS) pode ser de tipo comparativo (Comp .), de tipo meta-
fórico (Meta .), ou do tipo por reformulação (Ref; veremos alguns exemplos
mais adiante). E
rc
As microproposições descritivas (pd) correspondem, por sua vez, a ~
c:u
níveis hierárquicos de "profundidade" 2, 3, 4, etc. O argumento-individu- ..e::
u
~
ado foi previamente tematizado , quer dizer, tomado como subtema para e::
rc
uma expansão predicativa do tipo propriedades-qualidades (pd .PROP) e/ c:u
----,

103
ou partes (pd .PART) e/ou situaliza ção (pd .SIT) e/ou assimilação (pd .ASS) .
O estudo de dois exemplos ilustra~á todos esses casos de figura .

4.3.2. Seqüencialidade e configuração: uma descrição elementar


O pequeno texto abaixo (Alpi-Rando, nº 90, 1986, p . l 16) :

(8) Cadre verdoyant

rocher franc et massif

le Pas-de-l'Ours

a tout pour pla ire

(8) Quadro verdejante

rochedo franco e maciço

o Pa s-d e-l'Ours

tem tudo para agradar

pode ser formalizado a partir da parte enquadrada do esquema l e so-


bretudo do esquema de base 4. Antes de fixar numa esquematização es-
sas quatro linhas de um texto completo (acompanhando uma foto e uma
reportagem sobre a falésia do Pas-de-l'Ours, entre Evian e Thonon) , é
preferível insistir primeiramente sobre o dinamismo da construção progres-
siva do sentido e sobre a tensão constitutiva entre linearidade seqüencial e
(super)estrutura hierarquizada .

-~ Com esse exemplo, assim como com (9), estudados mais adiante,
ro
::::J
.......
X
podemos sublinhar a dinâmica da construção de uma representação dis-
....,
<l.l
cursiva descritiva (Rd). Muito simplesmente, a ordem das operações de
VI
ro
· .:::; interpretação-construção do sentido é a seguinte :
e::
<<l.l
: ::::,
cr a) A primeira linha do texto correspo nde a uma primeira proposição
<l.l
VI
(JJ
descritiva que, em razão da ausência do determinante, está à espera
VI
2 de uma referência . Seja então uma primeira microproposição des-
(JJ
e:: critiva com argumento (A) e pred icado qualificativo (PRq) :
<O.J
\,!:)

104
pd(a) : (det0) A1 + PRq (PROPR)

quadro verdejante

b) A segunda proposição tem a mesma forma, com somente a coorde-


nação-adição de duas propriedades :

pd(a): (det0) A2 + PRq (conectivo) PRq' (PROPR)

rochedo franco (e) maciço

Entre essas duas microproposições, uma ligação semântica de tipo


metonímico permite estabelecer co(n)textualmente uma primeira represen-
tação descritiva Rd 1 que religa A 1 e A2 como lugares (Loc) DENTRO dos
quais (A 1) e SOBRE os quais (A2) se pode praticar a escalada .

c) Com a terceira linha, aparece uma referência (nome próprio e deter-


minação definida) a um lugar-dito . Suponhamos um novo argumen-
to (A3) à espera de um predicado que a quarta linha traz:

pd(c) : det def. A3 + PRq (PROPR)

o Pas-de-l'Ours tem tudo para agradar

Resta articular essa nova (micro)proposição descritiva com a coerên-


cia da primeira representação descritiva . A3 é colocada em relação com
A 1 e A2 sobre a base de uma informação fornecida por "TUDO". Uma
relação de sinédoque pode ser postulada para estabelecer Rd2 especifi-
cando um valor de TODO para A3 e de PARTES para A 1 e A2. O nome
próprio aparece, então, como um Tema-título, com as duas primeiras mi-
croproposições se reagrupando numa macro proposição Pd(l )PART.

A natureza de sinédoque da relação semântica A3 (A 1 + A2) é con- E


rc
firmada pelo fato de que a escolha, por exemplo, de "A falésia do Urso" ~
QJ
como Tema-título modificaria a relação das proposições: A3 e A 1 estariam ..e::
u
~
numa relação de contigüidade metonímica, seja uma macroproposição 1
e:
rc
Pd.SIT.Loc; A3 e A2 numa relação de sinédoque; seja uma macroproposi- QJ
---,

105
ção Pd .PART que viria a se acrescentar a pd(c): Pd .PROPR .

Nesse estado de estabelecimento de Rd2, pd(c) muda, de fato, de


nível de importância para constituir a segunda macroproposição descritiva.
Suponha-se uma estrutura seqüencial descritiva completa :

Esquema 5

T-título
O Pas-de-l'Ours

Pd(l )PART Pd(l)PROPR

~
quadro rochedo

Pd(2)PROPR pd(2)PROPR

1 1
verde jante franco (e) maciço tudo para agradar

Essa estrutura seqüencial coesiva tira sua coerência de sua integra-


ção na dimensão configuracional. O estabelecimento da macroestrutura
semântica da seqüência é explicitamente favorecido por Pd(l )PROPR, e
sobretudo o fim da proposição ("para agradar") também é favorecido . Se
essa proposição pode ser declarada, é porque o Tema-título "tudo" (A3)

.!!! possui duas partes A l e A2 para as propriedades positivas (apelo aos valo-
ro
::::,
........ res eufóricos) que entram numa relação de isotopia com o verbo agradar.
X
~ A propriedade "ter tudo para agradar" (espécie de sintagma estereotipado)
VI
ro garante o estabelecimento de uma macroestrutura conforme o mecanismo
· .::.;
c:::
<(lJ
:::::, publicitário mais clássico: escolha de um objeto do discurso (Tema-título-
0-
.
(lJ
V, argumento-individuado), depois adjunção de uma propriedade conotada
(l)

VI
(ou antes "esclarecida") positivamente . Aqui, a propriedade escolhida é um
e
(l) tipo de hipérbole que ultrapassa as duas únicas partes do todo considera-
e:::
< (l)
\.!:I do (Al e A2) .

106
A abordagem da dimensão configuracional desta seqüência passa
também pelos dois componentes da dimensão que eu chamei mais acima
(esquema 1) de pragma-lingüística . Do ponto de vista enunciativo, falta o
paciente do verbo transitivo indireto : agradar é sempre agradar a, se r uma
fonte de prazer para alguém . Segundo uma retórica publicitária , mais uma
vez, este lugar vazio se destina ao leitor: "(A3) ... tem tudo para SEU pra-
zer" . Tem-se um caso de enunciação submisso à própria leitura do enun-
ciado . A leitura parece mesmo ser uma atividade enunciativa semelhante à
tomada de fala, 5 e o enunciado está lá para ser considerado por aquele
que o lê . A ausência de designação de um paciente do verbo agradar (...
tudo para agradá-LOS, .. . para agradar a X ou a Y) só leva à designação,
vazia, daquele que lê o enunciado .

Na ausência de um conectivo (do tipo .. . tem PORTANTO tudo para


agradar a você), o esclarecimento dos substantivos (A 1, A2 como A3) das
proposições descritivas conduzem o interpretante a calcular as razões pre-
sumidas da enunciação . Suponha-se a derivação de um macroato de dis-
curso de tipo /recomendação/. Se me dizem isso do Pas de l'Ours, se me
descrevem assim este lugar, é para me incitar a me render a isso. Além das
asserções constativas que asseguram a formação de Rd 1 depois de Rd2,
aparecem a dimensão argumentativa do discurso e a coerência global da
seqüência :

E
n::,
--e,
<(

5 . Como mostrei anteriormente (19856, p. 173-184) em relação a uma p ichação; poderíomos ci:i
..e:
u
temor oqui tombém os coses de injunção de tipo " Proibido fumor/ entror", "dane-se quem ler",
~1
que não se dirigem a nenhuma pessoa especifi camente, e sim a todos que, um após o outro , os e::
n::,
lêem. QJ
--,

107
Esquema 6

TEXTO

SEQÜÊNCIA CONFIGU RAÇÃO

Seq . descritiva
Semântica Pragmáti ca
(esquema 5)

Macro-
~
enu nciativa argu mentativa
estrutura
1
Macrooto de
discurso
(Pd( l )PRO PR)
1
1 implícito o
tem tudo para agradar tem tudo para agradar
derivar
VOCÊ

/recomendaçâo/

4.3.3 Descrição e argumentação


A dinâmica interna de uma descrição pode ser argumentativamente
marcada. Assim, nesta passagem descritiva de um romance de Lucien Bo-
dard :

(9) ... Le boy chinois : quand j'y repense! Quelle n' avait pas été notre
surprise à Anne-Marie et moi lorsque nous avions été le chercher à la gare!
Tout guindé en gentleman, jaune dons les attifements du blanc, avec son
VI
·ro costume bleu rayé, son noeud papillon et ses chaussures en daim , on aurait
:::1
........
X dit défileur de carnaval. Pourtant, grand et mince, visage sculpté dons le
..,__.
(lJ

VI
ro bois dur des jungles, des yeux de tigre et de hautes pommettes, c'était um
·e:;
e::
<<lJ
véritable Seigneur de la guerre ...
, ::::,
0-
(lJ
VI
(9) O boy chinês: quando relembro dele! Qual não foi nossa surpre-
. (l)

VI
sa, para Ana Maria e para mim, quando fomos buscá-lo na estação! Todo
~
(l) afetado de cavalheiro, amarelo nos adornamentos do branco, com seu
e::
< (l)
\.!:l traje azul listrado, sua gravata borboleta e sapatos de pelica, ter-se-ia dito

108
"desfilador" (que desfilava no) de carnaval. Todavia , grande e fino , cara
esculpida na madeira dura das florestas, olhos de tigre e de altas maçãs
do rosto, era um verdadeiro Senhor da guerra ...

As duas frases descritivas marcadas pela pontua ção e pelo conectivo


argumentativo TODAVIA correspondem ao seguinte plano de texto :

Tema-título (O boy chinês)

P3 todavia P4

e podem estar assim representadas:

Esquema 7

(P3)
Tema-título
O boy chinês

ESTABELECIMENTO DE RELAÇÃO
ATr lZAÇÀO

Pd(l)PROPR
~
Pd( 1)SIT(Meto) Pd (l )ASS .Ref

~
Todo afetada amarelo
tra;e
~ gravata sapatos
1
um desfilante
1 borbole ta 1
de carnaval
1 1
pd(2)ASS pd(2)SIT
pd(2)PROPR pd (2)PROPR

1
de cavalheiro
1
nos
adornamentos
do branco
A
azul listrado
1
de pelica
E
ro
-o
<(

..e::
u
:E
'
e::
n::J
(lJ
--,

109
Esquema 8

(P 4)
Temo-título
O boy ch inês

1
TO DAVIA

ASPECTUALIZAÇÃO ESTABE LECIM ENTO DE RELAÇÃO

~
Pd(l)PROPR Pd(l)PART
1
Pd(l)ASS. Ref

A
Grande (e) fin o
1
ca ra um (verdadeiro)

~
Senhor do guerra

pd(2)PROPR + ASS pd(2)PART

1
escu lpido
~
olhos (e) maçãs do rosto ,

1 1 1
pd(3)SIT pd(3)ASS pd(3)PROPR

1 1 1
no madeiro de tigre altos
1
pd(4)PROPR

~
duro dos florestas

Eu não integrei aos esquemas 7 e 8 as marcas avaliativas que in-


VI
ro troduzem as reformulações (Pd(l )ASS .Ref) : "ter-se-ia dito" e "Era um ver-
·.::::;
e:::
<W
:::::, dadeiro ". Elas destacam a estrutura muito clássico do retrato aqui arti-
0-
Cl)
VI
cu lada em para lelo em torno do conectivo argumentativo TODAVIA, ao
OJ
VI
passo que a posição (em fim de frase) das macroproposições descritivas de
2 ASS-reformula ção guia claramente o estabelecimento das macroestruturas
OJ
e:::
<OJ
l..!:I semânticas sucessivas. Associadas ao conectivo de refutação, as marcas

110
avaliativas dão instrução de derivar da primeira frase (esquema 7) uma
macroestrutura semântica que corresponde a uma macroproposição argu-
mentativa de conteúdo p, e da segunda frase (esquema 8), uma macroes-
trutura semântica que corresponde a uma macroproposição argumentati -
va de conteúdo q . Se especificarmos ainda as instruções próprias para o
todavia refutatório, é necessário acrescentar que esse sinal de argumento
introduz dois universos de crença (U e U') e que a proposição q tem valor
de verdade em num universo de crença do locutor (U), enquanto que p te m
valor de verdade em um universo de crença U' onde o fato F descrito em
pé visto como causa de não-G (entendendo por G o fato descrito em q).
O movimento da refutação pelo todavia ressalta que o fato F, descrito em
p, não impede o fato G descrito em q. Veja o esquema :

/ U/

l P(F) TODAVIA q(G)


. .,,,.
1
(causa)
/ U'/ (co ntraditórias)
i
nõa-q (nõo -G)
~ --·

Como J.-C. Anscombre mostrou, o todavia refutatório porta ainda a


marca do todavia simétrico: "mesmo inserido em uma estratégia conces-
siva, todavia marca sempre um certo espanto, o de ver coexisti r F e G"
(1983) . Isto é de tal modo evidente em (9) que as duas primeiras frases são
inteiramente consagradas a ressaltar o espanto de ver coexistirem as duas
descrições do mesmo objeto do discurso-personagem . Todavia aqui não é
simétrico, e o movimento argumentativo é bem destacado pela seqüência
do texto de Bodard : "Vendo -o, eu ficava todo excitado, o coração como
um tambor: ter um desses homens assustadores como servo ao mesmo E
rc
-e
<(
tempo me atraía e me atemorizava ." Essa conclusão só é possível na medi-
w
.e:.
da em que a primeira descrição (fato F descrito em p) não impede de ma- u
~
neira alguma a segunda e o fato G destacado pela última reformulação. e:::
rc
ClJ
A anáfora "um desses homens terríveis" se torna possível e interpretável --,

111
pelo movimento argumentativo geral e pelo fato G introduzido na memória
textual.

Para concluir esta breve análise, vemos quais são as re la ções entre
estrutura seqüencial (aqui descritiva), estabelecimento de uma macroes-
trutura semântica e orientação argumentativa do texto . É, pelo menos, o
essencial de tudo o que este artigo gostaria de evidenciar.

4.4. Observações de conclusão


Não levei em conta o contrato (pacto de leitura) para a base da per-
tinência de (8) em relação a (9), quer dizer, a ficcionalidade e seus graus.
Sobre esse ponto, o estatuto de "ter-se-ia dito" (9) é muito interessante .

As análises desenvolvidas acima destacaram que o efeito de seqüên-


cia resulta de uma dupla determinação : seqüencia l e configuraciona/. Elas
sublinharam tanto o caráter dinâmico da textualidade (marcado por cada
plano de texto) quanto a transformação progressiva das representações
descritivas .

A especificidade do descritivo parece provar que uma atenção tipo-


lógica tem alguma pertinência. Falta agora precisar se existem marcas de
superfície específicas (como o imperfeito, estruturas sintáticas, conectivos,
indícios pessoais, etc.) e falta contrastar as marcas peculiares aos diferen-
tes tipos de seqüencialidade. Esta pesquisa está atualmente em curso .

4.5. Referências
VI
·ro ADAM, J.-M .. Le Récit, Que sais-je? . Paris, PUF, nº 2149, 1984 .
......
::::1
X
2 _ _ _ . Le texte narratif. Paris : Nathan-Université, 1985 .
VI
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u
et ai. (ed .). Longues, discours, société . Paris : Seuil, 1975 . ~
e:::
ro
QJ
--,

113
Quadro teórico de uma tipologia
seqüenciai~·,
Jean -Michel Adam

5.1. Uma tipologia de inspiração bakhtiniana: pensando a heterogeneidade


textual
Em "o problema do texto", Bakhtin enun cia uma posi ção fundamental
para a teoria do texto :

A prend er a fa lar é aprender a estruturar enun ci ado s (po rq ue nós


fal a mos po r enunciados e não po r pro pos ições iso ladas e, me-
nos a inda , bem entendido , por pa lav ra s iso ladas) . Os gêne ros
do di scurso o rga nizam nossa fa la do mesmo modo q ue organi -
zam as fo rmas gramatica is (s intáticas) (1984 , p. 285) .

Considerando os "gêneros do discurso" como "tipos relativamente


está veis de enunciados " (1984, p . 266), diferentes do que ele chama em
outro estudo de " sintaxe" dos "grandes conjuntos verbais: long os enun-
ciados da vida cotidiana, diálogos, discursos, tratados , rom an ces" (1978,
p . 59), Ba khtin não encerra a refl exão lingü ística nos lim ites da frase (ou
da proposi ção) . Ele insiste, às vezes, além di sso, no caráter norm ativo de
certas formas elementares e na sua mobili dade, na sua diversi dade:

• Tradução de Mônico Maga lhães Covo lconte

115
Os gêneros do discurso, compara dos às formas da língua, são
muito mais mutáveis, flexívei s, mas, paro o indivíduo falante,
eles não deixam de ter também um valor normativo : eles lhe
são dados, não é ele que os cria . É porque o enunciado, em
sua singularidade, a despeito de sua individualidade e de sua
criatividade, não pode ser considerado como uma combinação
absolutamente livre da s formas da líng ua . (l 984, p.287) .

Para o lingüista soviético, "gêneros do discurso" e "tipos relativamente


estáveis de enunciados" são "primários", presentes tanto nos gêneros lite-
rários (gêneros "secundários" por excelência) quanto nos enunciados da
vida cotidiana . Assim, podemos dizer que a narrativa se encontra na base
da epopéia, da fábula, da maior parte dos romances , das narrações tea-
tra is clássi cas de exposição ou de desfecho, mas se encontra igualmente
na reportagem e no fait-divers jornalístico, na narração oral ou na anedota
cotidiana (forma textual igualmente literária , a anedota é um tipo de nar-
rativa exemplarmente intermediária entre gêneros "primários" e "secundá-
rios") . A hipótese bakhtiniana dos "gêneros do discurso", anteriores - como
a própria língua - à literatura, que eles ultrapassam por sua generalidade,
tem o mérito de explicar a comp lexidade das formas mais elaboradas e
de fundar esta complexidade numa tipologia das formas elementares. Os
"tipos re lativam ente estáveis de enunciado" de que fala Bakhtin estão, na
verdade, disponíveis para uma infinidade de combinações e transforma-
ções (l 984, p. 267) dentro dos gêneros "secundários" .

É a estas "unidades mínimas de genericidade", formas fundamen-


tais da linguagem comum, que, seguindo lingüisticamente a análise de
Bakhtin, eu tenho consagrado um certo número de artigos (Adam, 19850 1
19856, 1987a, 19876) . Uma outra hipótese forte de Bakhtin me parece
digna de aten çã o : a da relação das unidades com "o todo do enunciado
finito":

Quando esco lhemos um dado tipo de propos ição, não esco lhe-
mos somente uma proposição dada, em função do que quere-

116
mos ex pri mir com a ajuda desta proposição; nós selecio namos
um tipo de proposi ção em fun ção do todo do enunciado fin ito
que se apresenta à nossa imaginação ve rbal e que determina
nossa opi nião . A idéia que temos da forma de nosso en unci ado,
quer dizer, de um gênero preciso do discurso, nos guia em nosso
processo discurs ivo (1984, p.288).

Em dive rsos ensa ios (Adam , 1986, 1989 e, sobretudo, 1990a), tente i
teorizar sobre a relativa autonomia do sistema da língua e sobre sua sobre-
determinação parcial das formas elementares ("primárias") da " colocação
em texto", que eu designo sob o conceito de seqüência . Propus também
(1987a e 1990a, p . 19-25) distinguir texto e discurso . Quero relembrar
somente que podemos considerar as práticas discursivas como formas ela-
boradas - "secundárias" , se preferirmos, e como objetos pluridisciplinares
por excelência - e, certamente , falar de discurso literário, mas também de
discurso religioso, jornalístico, político, militar etc., e de gêneros do discur-
so religioso, como a prece, o sermão, a hagiografia, a parábola etc.; de
gêneros do discurso jornalístico, político, científico , didático, publi citário
etc. Quer dizer que, além do sistema lingüístico único e das formas ele-
mentares de coloca ção em texto, "outras codifica ções sociais, o gênero
notadamente, operam em toda comunica ção verbal " (Rastier, 1989, p.37).
Ou seja, também as hipóteses tipológicas podem se r formuladas a parti r
de perspectivas muito diversas .

Em rela ção às abordagens discursivas possíveis, o quadro e os limi-


tes de uma abordagem lingüística e te xtu a l devem ser bem precisamente
situados . Por isso, desde meu artigo da Langue Fran çoise , n. 74 (19876),
tenho insistido no fato de que me parece presunçoso falar de " tipologia de
te xtos" . É, a meu ver, a tomada de consciência desta impossibilidade que
desanima geralmente os céti cos . Cada texto é, com efeito , uma real idade
heterog ênea dema is para que seja possível circunscrevê-la aos limites de E
rc
uma defini ção estrita . As fo rma s narrativas são, no mínim o , tão variadas ~
O.J
quanto a s formas argumentativas, e eu compreendo o que J.-B . Grize escre- ..e:
u
:E:
ve: " Se consideramos os textos que o senso comum se dispõ e inteiramente '
e::
rc
a reconhecer como argumentativos, constatamos formas muito diferentes O.J
--,

117
umas das outras, e mesmo [ ... ] uma argumentação não oferece nenhuma
ho moge neidade" (l 974, p. l 86). Quanto à descrição, ela raramente ex iste
em seu estado pu ro e autônomo; ela só constitui gera lmente um momento
de um texto narrativo ou exp licativo . Uma narrativa pode ser, do mesmo
modo, apenas um momento de uma argumentação, de uma exp licação ou
de uma conversação, e não existe narrativa sem descrição mínima .

Apostando no caráter todavia observáve l desta diversidade e desta


heterogeneidade, quero dizer que é necessário e possível definir lingüisti-
camente alguns aspectos de ta l complexi dade . Para isso, em meu Éléments
de linguistique textuelle (1990a), eu fa lo, de um lado, de diferentes planos
de organização textua l e defino, de o utro lado, o texto como uma estrutura
seqüencial heterogênea.

5.2. Aseqüência: um plano de organização da textualidade


Em vez de me limitar aos quatro planos de organização textua l va-
gamente adiantados por M . Charolles (l 988) - "cadeia", "amplitude",
"seqüência" e "período" - ou mesmo aos seis planos que eu consi derei em
outro estudo (l 9900) , proponho o descri ção de um conjunto que situo o
tipologia de seqüências em um conjunto mais amp lo dos planos de orga-
nização do textualidade .

Um texto [T] é, por um lodo, pragmaticamente (ou configuracional -


mente) organizado [A] e, por outro lodo, é uma seqüên cia de proposições
[B] . A organização pragmática comporta três dimensões : uma argumen-
tativa [A l], outra enunciativa [A2], e a última, semântico-referencia l [A3] .
As seqüências de propos ições são duplamente organizadas: organização
gera l para a gramática da frase e para a gramática do texto [B l], de um
lado, e organização específica para a seqüencia l idade (os tipos de seqüên-
cia) [B2], de outro . Cada um destes cinco componentes define os diversos
planos comp lementares de organização da textualidade seguintes :

A l . A orienta ção argumentativa global [A l. l] permite definir todo texto


como visando a um ob jetivo (exp lícito ou não): agir sobre represen-
tações, crenças e/ ou compo rtame ntos. Todo texto se submete a um
tratamento de leitura- compreensão que consiste em identifica r uma

118
intenção (do texto , senão de seu autor) : "A coerência do discurso -
tal qual é construída em comum pelos enunciadores - [...] é a de
um ato que visa, através de uma série de transforma ções regradas,
a atender a um objetivo" (Caron, 1983, p. 117). Compreender um
texto é entender a intenção que se exprime sob a forma de um ma -
croata explícito ou a derivar do conjunto do texto (Adam, 1986,
p.7-8 e 19900, p . 103) .

- Localmente [A 1 .2], a organ ização argumentativa pode ser indica-


da (análise ilocutória clássica) pelos microatos de fala, pela orienta-
ção argumentativa das proposições hierarquicamente ligadas pelos
conectores (Adam, 19900, p .80-83 e 227-253), por um léxico axio-
logicamente marcado .

A2 . Uma ancoragem enunciativa global [A.2 .2] pode ser certamente


considerada , porque ela confere ao texto uma tonalidade enuncia-
tiva de conjunto : discurso oral, discurso escrito, discurso não-real
("história"), discurso científico, discurso poético .

- A consideração das proposições [A.2 .2] constitui um elemento es-


sencial da análise pragmática e textual (Adam, 19900, p .38-41 e
61-68) . Ela deve ser considerada em relação à construção dos espa-
ços semânticos [A.3.2] (próximo dos " universos de crença" , de Mar-
tin, 1987, e dos " espaços mentais", de Fauconnier, 1984), quadro
econômico para o estudo da polifonia e das mudan ças de planos
enunciativos esboçados pelas hipóteses de Benveniste, H. We inrich
(1973) ou J. Simonin-Grumbach (1975).

A3 . A dimensão semântica global [A.3 . 1] é representada pelo que cha -


mamos de macroestrutura semântica , ou, às vezes, de tema global E
ro
ou tópico do d iscurso (ADAM, 1986, p .9-11 e 19900, p .99-100) . -e
<(

O caráter globalmente ficcional ou não do texto é, neste nível tam- cü


..e:
u
bém, de todo modo essencial. ~
e::
ro
- Ao nível local, a dimensão semântico-referencial [A.3 .2] é anali- ClJ
--,

119
sável em termos de isotopia(s) e de coesão com o mundo represen -
tado.

B l. Ao nível mais local, cada proposição (frase) é morlossintaticamente


organizada [B . l .O]
- As cadeias ou, mais amplamente, os fenômenos loca is de liga-
ção entre proposições (B l . l .] devem ser considerados em sua dupla
dimensão textual : assegurar a retomada-repetição (a continuidade
textual) garantindo a progressão . Os trabalhos lingüísticos agora
clássicos sobre a pronominalização, a definitivização, a referencia-
ção dêitica cotextual, a nominalização, a substituição lexical e a re-
formulação, as recuperações pressuposicionais e outras retomadas
por inferência permitem teorizar sobre este plano de organização
ligado ao plano A.3 .2 .

- A noção clássica de período deve ser prontamente estendida além


dos limites da frase comp lexa e examinada em um dup lo quadro
da dimensão rítmica dos enunciados, por um lado, e dos fenôme-
nos parentéticos marcados argumentativamente ou não, por outro
[B . l .2] . Com os parênteses, trata-se de estudar os coniuntos de pro -
posições ligadas e hierarquizadas por conectores ou organizadores .
Este último plano de organização é inseparável dos planos A. l .2,
A.2 .2 e A.3 .2, evidentemente .

- A segmentação [B. l .3] visível-legível - fenômenos de demarca ção


gráfica local e marcação global do plano do texto - é um aspecto
. !!! da espacialização, da cadeia verbal, um primeiro lugar de instrução
rc
:::>
.......
X
para o empacotamento, e daí para o tratamento, das unidades lin-
.....,
(J.l
güísticos . Eu ponho, neste plano particular de organização textual,
VI
ro não somente as indicações de mudança de cap ítu lo e de parágrafo,
·.:::;
,=
<<J..l
: :::> mas os títulos e subtítulos, a disposição em versos e estrofes em po-
0-
(J.l
V'I ema, a disposição em página em geral, a escolha dos caracteres ti-
(J.l

V'I pográficos, a pontuação . J. Peytard propôs falar, sobre esse assunto,


e
(J.l de " encaixes" e, depois de ter citado Giraud que, em 1732, escrevia
e::
< (J.l
\.!:I que a pontua ção alivia e conduz o leitor", ele acrescenta :

120
Pô r algo em " palavras gráficas" , com aplica ção de sin ais de
pontuação, tem por fun ção con duzir a uma leitu ra visua l, com
todas as conseqüên ci as para os dife rentes níve is, lexicais , sintá-
ti cos, semânti cos . O "dar a ver" aqu i coma nda a produção da
significação (1982, p. l 7- 18).

B.2 A organização seqüencial da textualidade [B.2] é o único plano de


orga nização que eu consi dero como uma base de tipologia . Fun-
dada sob a hipótese de um número reduzido de reagrupamento de
proposições elementares, a descrição deste plano de organiza çã o
tem por objetivo teorizar, de modo unificado, sobre os "tipos relati-
vamente estáveis de enunciado " ou "gêneros primários do discurso",
de Bakhtin . Tanto em compreensão quanto em produção, parece
que os esquemas seqüenciais prototípicos são, no curso de seu de-
senvolvimento, progressivamente elaborados pelos sujeitos . Uma
narrativa específica , ou uma descrição dada diferem uma da outra
e também das outras narrativas e das outras des cri ções . Mesmo se
elas são todas , à sua maneira , "originais", cada uma das seqüên ci as
reconhecidas como descritivas , por exemplo, partilha entre elas um
certo núme ro de características do co njunto, uma familiaridade que
incita o leitor interpretante a reconhecê-las como seqüênci as descri-
tivas mais ou menos típicas , mais ou menos ca nôni ca s. O mesmo
vale para uma seqüência narràtiva, explicativa ou argumentativa.
Os sujeitos ini ci antes ou não-experts (em leitura e mais ainda em
produção escrita) não parecem deficientes, portanto, apenas quanto
à autonomização dos procedimentos locais (ortográficos, morfossin-
táticos, semânticos), mas também quanto ao plano da estruturação
seqüencial dos textos. Em outros termos, a não-disponibilidade de
esquemas prototípicos de composição de seqüências de base e de
organização das seqüências em textos mais ou menos complexos E
ro
-e
(Ehrli ch, 1985, Bereiter e Scardamalia, 1982, Fayol , 1987) explica- <C
ria uma boa parte das difi culdades que eles têm . w
....e::
u
~
'
e::
rc
ClJ
--,

121
5.3. Por uma abordagem unificada da estrutura seqüencial dos textos
A "sintaxe das grandes massas verbais", bem cara a Bakhtin, pode
ser abordada, às vezes, pelos modos locais de textualização que repre-
sentam as cadeias, os períodos e os parênteses e pelos empacotamentos
que advêm dos tipos de estruturas seqüenciais e que constituem modos
específicos de estruturação textual.

A unidade textua l que eu designo pe la noção de SEQÜÊNCIA pode


ser definida como uma ESTRU TURA, quer dizer, como :

- uma rede relacional hierárquica: grandeza decomponível em partes


ligadas entre si e ligadas ao todo que elas constituem .

- uma entidade relativamente autônoma, dotada de uma organização


interna que lhe é própria e, portanto, em re lação de dependência/
independência com o conjunto mais a mpl o de q ue ela faz parte .

Enquanto estrutura seqüenc ial, um texto (T) comporta um número n


de seqüências comp letas ou elípticas (n sendo compreendido entre 1 e um
número teoricamente il imitado) . As mil e uma noites, o Conto do Graal,
um poema, uma conversa breve ou um discurso po lítico têm todos , sob o
mesmo títu lo, estruturas seqüenciais. É o que Bakhtin chama de heteroge-
neidade composiciona l dos enunciados:

Uma das razões que fazem com que a lingüística ignore as for-
mas de enunciado tem a ver com a extrema heterogeneidade de
sua estrutura compos icional e co m as partic ularidades de seu vo-
lume (extensão do d iscurso) - que vai da rép lica mono lexemática
ao romance de vários tomos . A forte variabi lidade do volume é
válida também para os gêneros discursivos orais (1984, p.288) .
V,
ro
-.:::.;
e::
<C.I
: ::::,
0- Definir o texto como uma estrutura seqü encia l permite abordar a
w
. V\
QJ
heterogeneidade composiciona l em termos hierárquicos muito gerais .
V\
A SEQÜÊNC IA, un idade constitu inte do texto, é composta de blocos de
e
QJ
e::::
<QJ
proposições (as macroproposições), elas mesmas formadas de n (m icro)
~

122
propos ições . Esta definição está de acordo com um princípio estrutural de
base : "Ao mesmo tempo que elas se encadeiam, as unidades elementa-
res se encaixam em unidades mais amplas" (Ricoeur, 1986, p. 150). Ou
seja, trata-se de uma estrutura hierárqu ica elementar que vale para todos
os textos e que permite ultrapassar a definição mais empírica de Harold
Weinrich : "Um texto[ ... ] pode ser defin ido como uma seqüência significan -
te de signos entre duas interrupções manifestas da comunica ção" (1973,
p . 198) . Eu noto aqui como/#/ a delimitação das fronteiras do (para)texto
para marcas de começo e fim de comunicação :

[ # T# [seqüência(s) [macroproposição(ões) [proposição(ões)]]]]

Isto significa que as (micro)proposições são os componentes de uma


unidade superior, a macroproposição, sendo ela mesma uma unidade
constituinte da seqüência, que, por sua vez, é uma unidade constituinte do
texto . Poder, assim, definir cada unidade como constituinte de uma unida-
de de extensão hierárquica superior e constituída de unidades de extensão
inferior me parece ser a condição primeira de uma abordagem unificada
da seqüencialidade textual.

Minha hipótese de trabalho é a seguinte: os "tipos relativamente está-


veis de enunciados" e as regu laridades composicionais de que fala Bakhtin
estão na base, realmente , das regularidades seqüenciais . As seqüências
elementares parecem se reduzir a alguns tipos de base de articulação das
proposições . No estado atual de minh9 reflexão, parece-me cada vez mais
possível reter apenas as cinco seqüências prototípicas seguintes : narrativa,
descritiva, argumentativa, explicativa, às quais é absolutamente necessário
acrescentar um tipo dialogal-conversacional .

Se os enunciados realizados diferem tanto uns dos outros, se então a


criatividade e a heterogeneidade podem aparecer antes das regularidades,
E
rc
é antes de tudo porque ao nível textual a combina ção das seqüências é "C
<(
geralmente complexa . A homogeneidade é, tanto quanto o texto elementar ai
..e:
u
de uma única seqüência, um caso relativamente excepcional. ~
e::
rc
Se o texto se apresenta como uma estrutura seqüencial (quase)homo- ClJ
--,

123
gênea, duas possibilidades se apresentam :

Ou o texto só comporta uma seqüência : no caso de uma narrativa


mínima, proposições descritivas e avaliativas viriam certamente se
acrescentar às proposições narrativas; se uma descrição pode ser
mais freqüentemente pura, não é raro encontrar proposições avalia -
tivas e até um plano de texto argumentativo; etc.

Ou o texto comporta n seqüências do mesmo tipo (todas narrativas,


por exemplo). Neste caso, duas novas possibilidades se apresentam :
estas seqüências podem se seguir linearmente e ser coordenadas
entre si (é o caso do conto maravilhoso); estas seqüências podem
também ser inseridas umas nas outras em um ponto qualquer da
seqüência principal. As tipologias textuais globais, que eu disse que
me pareciam muito ambiciosas, só podem atender a estes casos
simples de estruturas seqüenciais (quase)homogêneas .

Confrontada com corpora mais naturalmente complexos, a aborda-


gem seqüencial permite considerar o caso de estruturas seqüenciais hete-
rogêneas . Dois novos casos de figura se apresentam então : a inserção de
seqüências heterogêneas e a dominante seqüencial. Quando se alternam
seqüências de tipos diferentes, aparece uma relação entre seqüência in-
serinte e seqüência inserida . Assim, o que chamamos de exemplo narra-
tivo corresponde à estrutura : (seq argumentativa [seq narrativa] seq argu-
mentativa]; a presença de uma descrição em um romance pode ser assim
também descrita : [seq narrativa [seq descritiva] seq narrativa] . A inserção
de um diálogo em uma narrativa pode corresponder à estrutura : [seq nar-
rativa [seq conversacional] seq narrativa], e a de uma narrativa em um
VI
· n:5 diálogo, pode corresponder ao esquema inverso : [seq conversaciona l [seq
::::,
........ narrativa] seq conversacional] . A heterogeneidade é um fenômeno de tal
X
2:l modo evidente para os escritores que, quando a inserção de uma seqüên-
VI
ro
· .::::; cia heterogênea acontece, ela segue geralmente procedimentos de demar-
e:::
<QJ
: :::,
O"
cação muito estritos . A marcação de zonas fronteiriças, lugares de início
QJ
. VI
e fim de inserção, é codificada tanto na narrativa oral (entrada-prefácio e
Q.I
V, resumo de abertura, coda ou moral-avaliação que reconduz o ouvinte ao
e
Q.I
e::: contexto da interação em curso até o fechamento), quanto na dramaturgia
<Q.I
l.!:I
da época clássica. No que diz respeito à inserção de seqüências descri-

124
tivas nas narrativas romanescas, sintagmas introdutores típ icos e orações
bastante estereotipadas são freqüentemente utilizados (ver Hamon, 1981
e Adam e Petitjean , 1989 para uma análise detalhada) . Do mesmo modo,
a presença de porções narrativas em uma peça de teatro, por essência
d ialogal , foi objeto de numerosas reflexões na época cláss ica : tratava -se
explicitamente de se perguntar como gerenciar tal heterogeneidade (Adam
e Adam-Le Clerc, 1988) .

O outro tipo de estrutura seqüencial heterogênea não corresponde


à inserção (mais ou menos marcada) de uma seqüência (mais ou menos)
completa, mas de uma mistura, desta vez, de seqüências diferentes . A rela-
ção pode então ser dita dominante, segundo uma fórmula [seq dominante
> seq dominada] que dará lugar, por exemplo, ao destaque de macro-
proposições de uma seqüência narrativa pelos conectores argumentativos
(parênteses marcados) : [seq narrativa > seq argumentativa].

5.4. Quais os tipos de base?


Embora a teoria geral de estruturas seqüenciais esteja apenas no
início , é possível ter apoio nas diversas teorias parciais da narração, da
descrição, da argumentação, da explicação e da conversação . Enumero
aqui - a título de hipótese de trabalho - os tipos seguintes de estruturas
seqüencia is de base (para uma exposição detalhada, ver Adam, Chiss e
Petitjean , 1991) :

5.4. 1 Narrativo : concentrado em desenvolvimentos cronológicos fi-


nalizados, este tipo é provavelmente aquele que foi o mais e o melhor
estudado pela tradição retórica, poética e semiótica . As pesquisas sobre
narração oral permitiram ultrapassar os lim ites das descrições estruturais .
Para que haja narração, os seis componentes seguintes são indispensáveis, E
n::J
para mim: "O
<(
QJ
a) pelo menos um ator antropomórfi co (A) constante, individual ou co- ..e::
'-'
letivo; ~1
e::
n::J
QJ
--,

12
b) predicados X e X' definindo A (predicados qualificati vos ou funcio-
nais) respectivamente antes e depois do início e do fim de um pro-
cesso;

c) uma sucessão temporal mínima : antes (tn) > depois (tn + l );

d) uma transformação de pred icados X e X' por um processo, e no


desenvolvimento dele (começo , meio, fim);

e) uma lóg ica singular em que o que vem depois aparece como tendo
sido causado por (é o post hoc, ergo propter hoc, clássico);

f) um fim-finalidade sob a forma de avaliação final ("moral ") explícita


ou a derivar.

Por trás da noção geral de narrativa, é necessano, evidentemente,


considerar as múltiplas formas de realiza ção, ou gêneros narrativos, que
vão da parábola à história engraçada, passando pelo fait divers, pela
narrativa teatral, pela fábula etc . (para uma síntese recente, ver Adam,
19906) .

5.4 .2 Descritivo : apresenta arranjos não mais segundo uma o rdem


linea r causal, mas essencialmente tabular, hierárquica, regrada pela es-
trutura de um léxico disponível. Além da herança escolar que reduziu a
descrição a trechos descritivos destinados ao exercício da redação, parece
evidente que as estruturas seqüenciais do tipo descritivo são produzidas no
quadro de múltiplas ati vi dades discursivas comuns (imprensa, publi cidade,
etc.) . (para uma síntese recente, ver Adam, 1990c e Adam-Petitjean) .

VI
"rê
:::J
.......
X 5 .4.3 Argumentativo: não se deve confundir o fato de que todos os
.....
QJ

VI
ro textos comportam uma orientação argumentativa com o fato de que existe
· ..::;
e::
<QJ
este tipo de coloca ção em seqüên ci a cujo grau zero é certamente repre-
: ::::1
0-
Cl.l
sentado pelo silogismo e pelo entim ema . O. Ducrot me parece dar uma
V,
Cl) excelente definição do que eu entendo po r seqüên ci a argumentativa : " [ ... ]
V,

e
Cl)
Seu objeto é ou para demonstrar, ou para refutar uma tese . Para fazer
e::: isso, partem de premissas, nem sempre expl ícitas anteriormente, reputadas
<Cl)
~

126
como incontestáveis, e eles tentam mostrar que não saberíamos admitires-
sas premissas sem admitir também esta ou aquela concl usão - a conclusão
sendo ou a tese a demonstrar, ou a negação da tese de seus adversários.
E, para passar das premissas às conclusões, eles utilizam diversos passos
argumentativos que ele s imaginam que nenhum homem sensato pode se
recusara realizar" (1980, p .8 1).

5.4.4 Explicativo: associado geralmente à análise e à síntese de repre-


sentações co nceituais, esse tipo visa a mostrar que as relações de causa
ligam os fatos entre si (relação de re da exp lica ção propriamente dita) ou
mesmo as falas (relação de dieta da justificação). Encontro uma confirma-
çã o de minhas hipóteses de trabalho sobre a seqüência explicativa numa
obra recente de J.-B. Grize : Logique et langage (1990) . Eu o sigo total-
mente quando ele considera o operador POR QUE como um critério da
explicação . Só me pergunto se o COMO não exerce também, às vezes, o
mesmo papel. Quando J.-B. Grize escreve : "O problema é agora marcar
as seqüências textuais que são explicativas" (1990, p. l 05), ele adota mui-
to explicitamente um ponto de vista seqüencial, limitando sua investiga ção
à aná lise de seqüências exp li cativas sem falar de "textos exp li cativos" . So-
bre as relações, em um nível textual, entre narração e explica çã o, remeto a
Anne Leclaire-Halté (1990) . Sua noção de "e lo explicativo" como discurso
segundo corresponde ao que eu chamo de seqüência inserida em uma
seqüência inserinte de um outro tipo (aqui narrativo) .

5.4.5 Conversacional-dialogal: os trabalhos recentes acentuam bas-


tante o fato de que uma conversação se apresenta como uma sucessão de
trocas, uma cadeia hierarquizada ou coordenada de seqüências chama-
das "trocas" (Remi-Giraud, 1987, Roulet, 1981, Adam, 19870, p.73-77) .
Co loco neste tipo a conversação telefônica, a interação cotidiana oral, o E
ro
-o
debate e a entrevista , o diálogo romanesco e teatral, a carta etc. É mu ito <(

interessante con statar que Atkinson e Héritage definem sua unidade de


w
..e::
'-'
aná lise de um modo muito próximo do que eu proponho : "Para uma aná- ~1
e:
ro
lise da co nversação, são as seqüências e os turnos de fala dentro de uma QJ
--,

127
seqüência, mais que as frases e os enunciados isolados, que se tornam a
unidade de aná lise" (1984, p .5) . Podemos, então, chegar a um acordo
sobre a definição seguinte : um texto conversaciona l é uma seqüência hie-
rarquizada de seqüências chamadas de trocas .

A seqüência-troca é a unidade constituinte do texto conversacional do


mesmo modo que as seqüências de um conto são as unidades constituintes
deste gênero narrativo particu lar. A meu ver, pou co importa que esta fo rma
de textualizar seja po ligerada (intervenções de vários sujeitos) : as interven -
ções sucessivas estão, quer queiram quer não, engajadas na construção
de um texto único .

Os outros tipos que retive, a títu lo de hipótese, em meus traba lhos


anteriores, podem certamente ser abandonados . Eles se reduzem, rea l-
mente, ou às simples descrições de ações (assim para a maior parte dos
textos ditos "instrucionais" e dos textos "expositivos" com o COMO), ou
aos atos de fala, e eles advêm , então, do plano argumentativo (A l) de or-
ganização textua l e não da seqüencia lidade propriamente dita (assim para
a própria natureza da ordem na base do "injuntivo", para o "predicativo"
e para o " optativo" 1 que se deixam caracterizar como descrições do que
deve ser ou do que se supõe que deva ser) . Eles são mais freqüentemente
ana lisáveis em termos de segmentação num plano de texto mais ou menos
convencional (é este, evidentemente, o caso do relato de experiência fre-
qüer-tternec:ite citõdo e tttJJ-lt> de exemplo expositi-vo-) .
Enfim, parece-me hoje impossível cons iderar o tipo "poéti co " co mo
um tipo de seqüencialidade comparável às outras, na medida em que ele
não é prioritariamente regrado pela estrutura hierárquica que acabei de
definir. Sua especificidade reside provavelmente no fato de que ele está
organizado na " superfície" por um processo de composi ção que tem o
VI
princípio de equivalência por lei. Às relações habituais, fundadas na con-
ro
·.::::; tigüidade, o poema acrescenta rela ções fundadas na equivalência (Jako -
e::
<QJ
! :::J
cr bson, 1963 , p.20): "Os textos poético s se caracte rizam por estabelecer,
.QJ
V,
codifi cadas ou não, re la ções de equ ivalência entre d ife rentes pon tos da
OJ
V,
e
Q.I 1. Morto ro Gorovelli (198 8 , p. 165) folo o este propós ito de textos " primitivos" -: os preces,
e::
<Q.I dese jos, mo ledicê ncim , imprecoções e encontomentos que sã o corocterizodos por um fo rte com-
~
ponente cono tivo e um evidente caráter de o to de fo lo primitivo .

128
seqüênc ia do d iscu rso, relações que são definidas nos níveis de represen-
tação "superficiais" da seqüência ." (Ruwet, 1975, p .316) . Nos níveis foné-
tico e silábico (o metro faz da sílaba uma unidade, uma unidade de me-
dida), acres ce ntam-se os princípios assinalados mais acima com re lação
ao período (ritmo estruturante) e à segmentação . O plano de organização
periódica (ritmo e paralelismos de construção) e a segmentação definem
de tal modo o passo para a estrutura hierárquica que podemos conceber
o poético como um modo de planificação que vem a se superpor a uma
seqüencialidade de um desses tipos de base. Mais que uma superposição,
parece ter a ver com um duplo trabalho : trabalho da seqüencia lidade "de
origem" e da sintaxe para a textualização do texto poético . Na poesia des-
critiva, na poesia didática (explicativo-expositiva), na poesia argumentativa
e, sobretudo, nos poemas narrativos, um tipo de base se deixa identificar.
Nas formas dialogais que constituem a tragédia e o drama clássico em
verso, os momentos narrativos, argumentativos, expositivos e puramente
dialogais são todos textualizados segundo as leis do poético.

5.5. Conclusão
A extrema heterogeneidade dos "gêneros do discurso", já assinala-
da por Bakhtin como uma característica da lingu agem humana, é uma
co nstatação empírica anterior a qualquer definição de diferenças . A he-
terogeneidade é um dado que o lingüista não pode ignorar e me parece
im possível, depois de tudo, desenvolver uma teoria um pouco conseqüe nte
do TEXTO sem ter em conta, de modo tão econômico e geral quanto pos-
síve l, a experiência comum dos sujeitos falantes . Proponho, então, a título
de hipótese de trabalho, a definição seguinte :

Um TEXTO é uma estrutura hierárquica complexa que compreende n


seqüências - elípticas ou completas - do mesmo tipo ou de tipos diferentes.
E
Esta hipótese pode razoa velmente preceder a definição das espécies ro
-e
<(
(tipos) de seqüências se - é neste níve l que, de minha parte, falo de teoria
w
_e:
unificada - quaisquer que sejam as unidades designadas pela noção de w
:E
seqüência, ela s possuírem a propriedade de obedecer todas ao mesmo '
e:
ro
cu
--,
princípio hierárq uico de combinação de unidades.

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132
Uma abordagem textual da argumentação:
"esquema", seqüência e frase periódica'·,
Jean-Michel Adam

As organizadoras da jornada científica para a qua l a presente obra


foi escrita me so licitaram que eu situasse minha teoria da seqüência argu-
mentativa comparando-a com o mode lo de esquema argumentativo de
Toulmin , ao qual nos referiremos bastante.

A minha posição tem mais nuances do que a de van Eemeren e Groo-


tendorst: "O modelo de Toulmin não pode se aplicar ao discurso argumen-
tativo cotidiano" (l 996, p .8). Recusando -me a dar prioridade ao discurso
"comum, ord inário" ora l, considero, em gera l, os escritos como, por assim
dizer, "cotidianos". As diferentes posições expostas na presente obra apre-
sentam divergências entre gra ndes opções teóricas, assim como também
apresentam diferenças em relação aos corpora com os quais trabalhamos .
A despeito da orie ntação dominante da lingüística contemporânea para
a moda li dade ora l, assumo o fato de tra bal har principalmente com as
formas da escrita, sobretudo a oral izada (discursos po líticos pronunc iados
pelo Ga l. De Gau lle no Fórum de Alger, em 4 de junho de 1958 ou na
sacada do Hotel da cidade de Montrea l, em 24 de julho de 1964), ou a
escrita sustentada pela oralização (mementos fúnebres de Ma lraux, textos
teatrais) , ou mais simplesmente a escrita da ora li dade (entrevistas impres-
sas), estilizada (esti lo ora lizado dos romanos). Sem chegar a falar da ne-
cessidade de duas lingüísticos distintas, constato que os corpora diferem

• Tradu ção de Lívio de Limo Mesqu ita .


con sideravelmente e que a instrum enta ção ne cessária para estudar a ora-
lidade ou a escrita instaura diferenças tanto de dados quanto de métodos .
A maioria dos trabalhos lingüísticos situa-se de maneira fluida entre as
duas : sob pretexto de privil egia r a língua , negligen ciam as material idades
discursivas .

As diferen ças de mate ri alidade entre as modalidades oral e escrita


a presenta m , na verdade, co nse qü ência s em relação à gestão da co nti nu i-
dad e desde o fl uxo verba l até a prod ução, bem como à rece pção. A co m-
plexidade dos arranjos dos enunciados não é a mesma para o oral e para
as d iferentes fo rmas de escrita . Por exemplo, a noção de período sugerida
nos trabalh os do Groupe Ai xois de Rech erche en Synta xe e por Alain Ber-
rendonner, e a noção que considero similar à de parágrafo de Mary-Annick
Morei e Laurent Danon-Boileau (1998), diferem daqu ela que utilizo para
descrever os te xto s escritos, noção vinda da arte oratória (isto é, uma fo rma
de escrita fe ita para ser dita) e que apresenta a imensa vantagem de ser
a nterior à inve nção da frase .

6.1. Posicionamento no campo da argumentação


A decisão de limitar minha proposta à seqüência e à fra se periódica
argumentati vas 1 se explica por uma escolha epistemol ó gica : a não -ade -
são a três abordagens muito globais dos fatos do discurso . De antemão,
recusei a hipó tese do TODO NARRATIVO da semiótica da Escola de Paris .
Na perspectiva de Greimas, tudo é enun ciado narrativo , e não se vê mai s
aquilo que podia distinguir uma fábula de uma receita de cozinha ou de
uma ora ção fúnebre. A hipótese, mais coerente , do TODO CONVERSA-
CIONAL-DIALOGAL preside, por necessidade de co rpus, os trabalhos dos
co nversa cionalistas. Ela é correta do ponto de vista geral da discursividade,

l . N ão abordo aq ui o qu estão dos gê neros re tó ricos do arg umenta ção que estó no centro dos
meus tro bo lhos so bre os discurso s publici tário, po líti co e literá rio. Ad ema is, não falo do dim ensão
argume nta tivo de to do interação em língua natura l, do loto de o língua ser meno s um suporte d e
tronsm issã o do info rmação d o q ue um instrumento de a ção e de co nfro nto, qu e o retó rico teve
muito cedo como ob je tivo organiza r o trovés do descrição e d o ens ino . Exami no o ques tã o do s
re la ções entre re tó ri co e lin g üístico num a rtigo (Adam , 20 0 2c) qu e term ino por apon tar o abor-
dagem lingüístico do ethos di scursivo, outro as pecto do orgume nto çõo q ue esta co ntribui çã o não
abo rdo .

134
pois não há discurso, mesmo mono loga i, que não seja dialógico, em um
certo níve l de seu funcionamento, mas não quer dizer que se ja d ia loga l
qua nd o textual izado. Atua lm ente, é precisame nte a diversid ad e lingüística
das formas de textualizar que está no ce ntro de meus traba lhos . A hipótese
do TODO ARGUMENTATIVO insere-se justamente no nível da teoria prag-
mática geral : um enunciado, uma descrição, uma exp licação têm freqüen-
teme nte a função globa l de argumentar. Como disse Grize : "todo discurso
pode se r uma argumentação", ma s acrescenta que, "tom ad o em si mes mo
(... ), um enunciado não é nem argume ntativo nem não-argumentativo"
(l 996 , p. 18). Concordamos que "o caráter argumentativo de um discur-
so repousa a ntes de tudo nos pro pósitos daque le que o produ z" (G RIZE,
1996 , p .1 9) . Mais amp lame nte, para retomar um exem pl o de Grize, o
enunciado "deixai vir a mim as criancinhas" remete à identidade de locuto -
res como Jesus Cristo, um agro ou uma agro, ou um pedófi lo, sign ificand o
coisas dife rentes . Po rém, essas identidades locuciona is são inseparáveis
dos textos que circu lam no interdi scurso de uma comunidade: Evange lhos,
co ntos ou faits divers.

Distinguindo formas e lementares de textua lização, ditas narrativas,


descritivas, argumentativas, exp li ca ti vas ou dia logais, minhas pesqu isas
se inscrevem no prolongamento lingüístico da teoria psico-cogn itiva dos
esquemas, que tem como origem os traba lhos de Sir Frederic C. Bartlett
(l 932) e foi desenvolvida em particular por Wa lter Kintsch e Teun Van Dijk
(l 983) atra vé s da noção de superestrutura textual . T. A Van Dijk (l 980, p.
119) primeiro propôs um modelo da superestrutura do texto argumentati-
vo que se apoiou no esquem a de Tou lmin. No livro onde exponho minha
teoria das seqüênc ias ( 1992) e em Adam ( 19 9 9), exp lico-me sobre essa
origem de meu mode lo teórico . No entanto, a pesar de um retorno às gra-
máticas e tipolog ias textua is a lemãs, os traba lhos do Centro de Pesqu isas
Semiológicas de Neuchâtel (em particu lar, Grize e Borel sobre a argu-
mentação, a lógica natural e a esquematização) me pareceram, no que E
ro
"O
concerne à argumentação e à explicação, um quadro teórico compatíve l <
co m a lingüística textua l e com o campo gera l de aná lise do discurso. Q..I
...e::
u
Como Berrendonner, acredito que o conceito de esquematização, que está ~1
e::
no cora ção da lógica natural de Grize, se presta, em lingüística, a ap lica- ro
Q..I
----.

135
ções interessantes (Berrendonner, in Mievill e e Berrendonner (eds), 1997,
p .219 )2. Encontrei na lógica natura l uma fecunda retomada da questão
da redução da argumentação a mecan ismos lógicos de inte rl ocutores abs-
tratos e universais : Grize opõe a lógica- sistema demonstrativa à lógica -
processo discursiva, e as proposições, aos enunciados, como a lingüística
opõe frase a enunciado :

Fie l à tradi ção lógico , fale i até aqui de propos ições e não de
enunciados. Tonto os primeiros co mo os segu ndos exprimem
co nteúdos de ju lgamento, porém, em um enunciado, o conte-
údo do ju lgamento fico o cargo de um sujeito enunciador. Disto
resu lto , por um lodo, que tan to o va lor epistêmico do enunciado
quanto seu va lo r de verda de têm importância e, po r o utro, que
a ordem em que tais enunciados são produzidos não é indife-
rente .

Esta última consideração, relativa à ordem dos enunciados/ enuncia-


ções, co loca claramente a sua pos ição sobre a questão da textua liza ção;
eu me detere i ma is aqui no que Grize aponta sobre o mode lo de Tou lmin
(1996, p. 11-17), comp lementando seus propós itos com as considera ções
de Plantin, em Essais sur l'argumentation (1990, p . 22-34) .

6.2. Retorno ao esquema argumentativo de S. E. Toulmin


Os se is componentes do esquema de argumentação de Toulmin (The
uses of Argument, capítu lo 111) são os segu intes: 3

l . D : DADOS (Dato)

2 . logo C: Tese ou Conclusão (Cloim) : " Dados como D permitem tirar


conclusões ou enun ciar tese s como C", ou ainda, "Fornecidos os
dado s D, pode-se supor que C".

2 . Exp lico o noção de esquemotizoção no capítu lo 4 de Lingüístico Textua l (Adam, 1990) .


3 . As letras uti lizados referem-se às di ferentes tra duções.

136
3. visto que G (L) : Garantia (Warront): licen ça para inferir ou Le i de
passagem L, segundo Plantin . Convém fazer a distinção entre Dados
(D) Garantias (G) : "aqueles são invocados explicitamente e estas,
implicitamente" (Tou lmin , 1993 [l 9 5 8], p. 12 l ).

4. tend o sido dado F (S) : fundamento o u suporte da garantia (Backin g)


(S, para Plantin) . "O fundamento da s garantias que invocamos não
deve ser ex press o de man eira impl ícita - ao menos para com eçar:
podem -se aceitar as garantias se m questi o ná -las; assim , seu fu nda-
mento fica subentendido" (Tou lmin , 1993 [l 958], p . l 30) . O supor-
te ou fundamento de (G) funciona como os axiomas, postu lados e
definições da geometria eucl idiana, como leis e outras disposi ções
legais do mode lo de Tou lmin .

5. Q (F): Provavelmente/Verdadeiramente: qua lificador ou indicador


modal (Modal qualifier) de "força" (s trength), força de conv icção ou
de persuasão, F segundo Plantin) . Q (F) necessariamente, na lógica -
sistema de demonstração, mas provavelmente na lógica-processo
discursiva .

6 . a menos que/ salvo se R: condi ções de refuta ção (condition s of re-


buttal); " Reserva", para Plantin . " Tal com o uma garantia , nem é um
dado (D), nem um a afirma ção (C), poi s ela imp lica em si a lgo que
con cerne tanto a D quanto a C - a saber, que a pa ssagem de uma
à outra é leg ítima - ; da mesma forma, Q e R são po r si distintos
de G , po is trazem um comentário implícito sobre a re lação entre G
e esta passagem - os qualificadores Q indicam a força que a ga-
rantia confere a esta passagem, enquanto as condições de refutação
R assina lam as circunstâncias nas quais seria necessário anular a
autoridade gera l da garantia" (Toulmin, 1993 [l 958], p . l 24) .

Diagrama que sintetiza o exposto anteriormente :

137
Esquema 1

(l) Dados (2) Logo Tese


Conclusão

t
(3) visto qu e Garantia
t
(5) provave lmente Q (F)
Lei de Passagem Indicador Moda l de Forço

t
(4) tendo sid o dado F (S)
t
(6) so lvo se Reservo
Suporte Condição de Refutação

Os limites prin cipais deste esquema devem-se ao fato de que a re-


serva ou a condição de restrição-refutação (R6) está aí para precisar a
força quase estatística do qualificador modal QS . Quanto ma is hou ver
R6 (salvo se), mais fraco o provavelmente QS . Quanto menos R6 , mai s a
probabi lidad e (QS) se eleva. A seguir, resumo a simplifica ção proposta por
G rize (coluna da d ireita) do esquema argumentativo de Toulmin (co luna da
esquerda) , si mplifica ção que, ao reformu lar seus componentes, dei xa de
lad o o indicado r de força ciu de qua li fica ção moda l (Q):

Logo C2 (Conclusão) = C (asserção conclusivo re ligado o F pe lo org .)


Dl (Do to = Dado) = F (enunciado com va lor de foto-argumento)
Visto que G3 (Garantia) = Pp (princípio, verdade gera l e reconhecido, lei de pas-
sagem que asseguro o religação de A o F.
Em virtude de F4 (Fun da mento) = B (base sob o qual se encontro Pp)
So lvo se R6 (Restrição) = R (restri ção - reservo)

VI
"rê
:::,
........ Esquema 2
X
.....,
QJ

VI
ro Foto (l) (sustentação) LOGO Asserção
· .:::;
e: (Argume nto) Conclusivo (2)

t
<ClJ

t
: ::::,
c:r
(l)
V'I
Vis to que Pp (3) Solvo se
C1J
V'I
o Restrição (6)
1
õ:i Em vi rtude de
e:::
<OJ
\.!:l Base (4)

138
J-B Grize sintetiza os movimentos argumentativos possíveis em duas
fórmulas de encadeamento potencial dos enunciados :

a) Foto-argumento logo asserção conclusiva, visto que < sa lvo se Res-


trição > Princípio-Lei de passagem em virtude de Base .

b) Asserção conclusiva . Com efeito, Fato-argumento, visto que < salvo


se Restrição > Princípio-Lei de passagem em virtude de Base.

As reservas de J-B Grize dizem respeito essencia lmente à forma muito


ideal deste tipo de apresentação da argumentação . Os Princípios (3) e a Base
(4) não são dados exp licitamente na maior parte do tempo, como ele disse: .

(...) O destinatário de uma argumentação que não exp licita os


Prin cípios de que se serve fica livre em suas esco lhas e (... ) os
membros de um auditório podem interpretar aquilo que lhes é
dito apoiando-se nas suas próprias representações do mundo.
Se há a í alguma fa libi lidade " lógica" , ela constitu i, ao mesmo
tempo, uma vantagem prá tica considerável, pois um mesmo dis-
curso pode ser aceito por destinatários diferentes (Grize, 1996,
p. 14) .

Em caso de conflito , por outro lado, a exp licitação de um ou mais


pri ncíp ios- lei de passagem e de seus fundamentos ou bases pode-se tornar
indi spe nsável. 4

Se o esquema argumentativo de Toulmin obteve certo sucesso, é por-


que apresenta alguns méritos. Com C. Plantin, vejamos as vantagens:

O ce rne da argumentação está no tripé [(l) Dado (fato) >> (3) Ga -


rantia-Lei de Passagem (princípio) >> (2) Asserção conclusiva ] .

E
ro
-e:,
Do ponto de vista lingüístico , o enunciado de um dado factua l <(

(D) adquire seu estatuto de argumento por um outro enunciado


cu
..e::
w
~
e:::
rc
4 . Veremos isto od ion te, co m o estudo de uma passogem de um discu rso de George W. Bush, de QJ
--,
março de 2003 .

139
(C) , em fun ção de um terceiro, o lei de passagem (L), sobre o
qual repouso definitivamente o construção argumentativo. (... )
Introduzindo esta noção no suo teo ria do argumentação, Tou l-
min redescobriria o noção de topos , ou de lugar comum , sobre
o qual o retórico antigo fundou os teorias do invenção . (Plontin,
1990, p. 29)

Os outros compo nentes [(4) Fu ndamento-Base], por um la do, e [(5)


O-indicador modal de força e (6) Restri ção], por outro, podem ser con-
siderados movimentos argumentativos secundários potenciais que podem
ser transferidos ao núcleo da argumenta ção . Encontramos aqui um ponto
capital dos movimentos textuais argumentativos e da comp lexidad e dos
encadeamentos.

O indicador de força Q( F) é inseparáve l de uma ob jeção poten cia l


(mecanismo de conexão R) e corresponde à considera ção de um ponto de
vista de um adversário. Este ponto é tão interessante que merece que nos
demoremos um pouco nele . More Dominicy, propondo-se " enrique ce r o
esquema argumentativo de Tou lmin" (1993, p . 241), cons idera o indicador
moda l de força Q(F), que J-B Gri ze deixa de lado como o ponto fraco do
esquema . As leis de passagem conferem diferentes graus de força e de
probabilidade às conclusões, e o indicador modal de força tem o pape l
de assina lar esses gradientes. M. Domini cy pergu nta-se, apropriadamen-
te , "se a singu laridade do indi ca dor F[Q] não reside no fato de ele ser o
ponto de ancoragem da restrição R" (1993 , p. 244) . Dito de outra forma ,
o indicador Q(F) é "uma qualifica ção modal que depende da existência
e do número de proposições que figuram no seio da componente R de
restri ção" (1993 , p . 245) . Dominicy tem a boa idéia de se desvenci lh ar
da redu ção, feita por Toulmin , de R à li sta abstrato do s circu nstân cias às
quais o lei de passagem L(G) não se ap li co, e propõe conduzir o prob lema
de outra manei ro : " Pensand o bem, alguma reflexão poderio co nduzi r à
conclusão oposto não-C, sem que uma novo lei de passagem o auto rize"
(1993 , p .245) . É neste nível que Dominicy e Emmon uelle Danb lon pro -
põem introduzir no mode lo aqu ilo que Pe relmon denominou "dissocia ção
dos va lores" (Pe relmon e O lb rechts -Tyteco, 1988 [1958], p . 550-609).

140
A dissociação das noções e dos valores permite "fundar uma conclusão
oposta à de um adversário, por meio de uma interpretação talvez radical
dos dados factuais" (l 993, p.245). 5 Contento-me em ressaltar que, em
posição de Reserva-Restrição ou ainda em Condição de refutação (R6),
um segundo movimento argumentativo freqüentemente se fixa ao primeiro
(encadeamento) .

C. Plantin concluiu sua apresentação do esquema de Toulmin aprovi-


sionando uma noção interessante, a de célula argumentativa:

Mas, sobretudo, uma interpretação ampliada do modelo de


Toulmin - pode ser uma extrapolação - lança os fundamentos
de uma unidade que se poderia denominar "célula argumenta-
tiva", articulada nas dimensões de um texto . Essa célula integra
os seguintes elementos :

• Uma argumentação, ligando uma pos1çao (uma tese, uma


conclusão) a um dado que a sustente {um argumento);

• Uma refutação, isto é, uma alusão à posição de um adversá-


rio, sustentando outra conclusão, e uma negação dessa posição.
A organização desta célula não depende de uma forma ou de
um elemento textual determinado; ela é tanto maquete como
modelo reduzido; corresponde tanto a um enunciado quanto a
um parágrafo. (Plantin, 1990, p.33)

Em sua reflexão sobre a relação de sustentação, a respeito de um cor-


pus oral, Denis Apothéloz e Denis Miéville levam em consideração apenas
a primeira parte da célula argumentativa . Eles mencionam as situações
em que um segmento de um texto aparece como um argumento "em fa-
vor da enunciação de outro segmento do mesmo texto" (l 989 , p. 248) .
E
Por segmento, eles designam as unidades textuais "cujo tamanho pode ro
-e
<(
variar entre a proposição ou o enunciado e uma seqüência de enuncia-
w
..e:
dos" (l 989, p. 249). Esta relação entre um segmento sustentado e um '-'
~
'
e:::
rc
(lJ
5 . Não tenho espoço paro desenvolver este ponto, bem exemplificado em T. Hermon e R. Micheli, 2003.
----.

141
segmento sustentador corresponde ao que podemos considerar uma frase
periódico argumentativo mínima.

Poro tentar dar conto dessa questão da extensão dos segmentos ar-
gumentativos, fui levado (Adam, 1996 e Adam, 2002a) o distinguir duas
unidades textuais não exatamente opostas, mas situadas num continuum
de complexidade crescente : as frases periódicas argumentativas e as célu-
las ou seqüências argumentativas.

6.3. As frases periódicas argumentativas


Toulmin vislumbrou dois tipos de estruturas argumentativas de base:
uma estruturo retroativa [Conclusão, porque Dado-Arg .] e uma estruturo
pró-ativa [Dado-Arg., logo Conclusão] . J-B Grize, concordando com ele,
atribui também uma grande importância a esses dois tipos de movimen-
tos argumentativos de base. Grize fala de organização racional regressiva
[Proposição C2 (declarada) como efeito de / visto que proposição F l (com
valor de fato)] e de organização racional progressiva [proposição F l en-
tão/conseqüentemente asserção conclusiva de uma proposição C2 (F l é
uma razão/causa de C2)] . A complexificação dessas estruturas de base é
considerada por Toulmin: [Dado-Arg . logo Conclusão', logo Conclusão
C], C' sendo "a conclusão mais geral justi ficada na base dos dados D,
da qual depois inferimos C, entre outras possibilidades" (1993 [1958], p .
132) .

J-B Grize cons idera as seg ui ntes organizações racionais complexas :

Vl
"rê • C2 como efeito de/ visto que Fl logo / conseqüentemente C2'
::::,
~
....,
(l)
C2 [se ja m prudentes ao pegarem a estrada esta manhã]
Vl
ro
·.:::; Visto que F l [pois fez muito frio esta noite]
e::
<<l.l
: ::::,
c:::r
(l)
(F l) conseqüentemente C2' [e arrisca ter gelo na estrada]
V,
<l.l
VI
• Fl conseqüentemente C2 . [C2 = Fl') conseqüentemente C2'
e
(l)
e:: Visto que F l [como fez muito frio esta noite]
<<l.l
\.!:I

142
Conseqüentemente C2 [arri sca ter gelo na estrada .]

[C2 = Fl '] conseqüentemente C2 [sejam prudentes ao pegarem


a estrada esta manhã!]

Enunciados sucessivos desse tipo podem ser tomados como frases


periódicas. que podemos chamar de argumentativas, na medida em que
visam tornar seguro ou aceitável um enunciado (asserção/conclusão), por-
que se apóiam, segundo modalidades diversas, em outro enunciado (ar-
gumento/ dado/ fato) . Um enunciado isolado não é a priori uma Conclusão
(C2) ou um Fato-Argumento (Dado Fl ). Se um enunciado aparece como
um Fato-Argumento (Fl) previamente a uma Asserção conclusiva (2), está
a posteriori em relação a esta última (isto explica, aliás, a freqüente inver-
são da ordem, em particular, na modalidade oral):

Só há conclusão relativamente e reciprocamente às premissas .


E, diferentemente das prem issas, é próprio de uma conclusão
poder vo ltar a servir posteriormente no discurso, a título de pre-
missa , por exemplo. Tem -se, assim, um tipo de seqüência textual
que se diferencia de outras seqüências: narrativas, por exemplo .
(BOREL, 1991,p. 78)

Vê-se que a terminologia varia muito . Seqüência textual designa aqui


essas un idades de tamanho variável que propus denominar períodos e se-
qüências argumentativos . Algumas vezes, uma série de enunciados tende
a ser interpretada como formadora de um período ou uma seqüência ar-
gumentativa mais do que um período ou uma seqüência narrativo, descri-
tivo ou explicativo, porém tal caracterização pode não ser evidente . Assim,
quando Brutus, no Júlio César, de Shakespeare, justifica o gesto que o fez
E
participar do assassinato do imperador, com a célebre frase : "As he was ro
'"O
<
ambitious, 1 slew him", a relação de causalidade narrativa (causa procu- ai
..e:
rada em uma propriedade de César) é fundada numa mistura entre uma '--'
:E
sucessão temporal e uma sucessão causal de dois enunciados (e l > e2): e::
ro
OJ
--,

143
Causa (ele foi ambicioso) >>> Conseqüência (eu o matei)

(e l) ANTES (propriedade) (e2) DEPOIS (cumprimento)

A ordem temporal é muito secundária em re la ção à interpretação


explicativa que aciona o conectivo AS (COMO) . Esse gênero de segmento
forma um período : a condução do conector AS sobrecarrega e l e póra
somente depois de e2, o que aciona o fechamento de uma unidade textual
que parece mais explicativa que argumentativa :6 e2 porque e l .

Consideremos aqui o título de um artigo jornalístico e a legenda da


foto que o acompanha (Le Noveau quotidien, de 24 de maio de 1994) .
Essas unidades peritextuais de um artigo de jornal são unidades lingüísticos
completas (mesmo se todas são constituídas por um todo complexo : artigo,
título (l ), subtítulo (2), foto, legenda da foto (3), assinatura, entretítulo, in-
dicação de rubrica) . Os enunciados (l ), (2) e (3) são frases periódicas .

(1) Se os esportistas radicais se vendem ,

É para gçmharem sua liberdade

(2) Convidados da escola de administração e comunicação de


Vernier, Sebastién Bourquin, Eric Escoffier e Dominique Perret
fazem seus desafios ; é o preço a pagar para viver sensações
fortes .

O subtítulo (2) é evidentemente não-argumentativo . Ele preenche


uma função informativa que combina com o título (l ), ele próprio carac-
terizado por uma forma de encadeamento explicativo: [se enunciado P <

Vl
EXPLICAÇÃO > É PELO enunciado q] .
"rcí
::::,
........ Os enunciados de tipo [se p, é porque q], [se p temos que q] ou [se p,
X
......
(J.l
é para q] têm a propriedade de dar suporte à transformação [É{PORQUE/
Vl
ro
·.::::; PARA} q QUE p] : "É PARA ganharem sua liberdade QUE os esportistas
e:
<CJ.l
: ::::, radicais se vendem".
O"
(J.l
V'I
(J.l Esta ordem regressiva : [se p < < é porque q] é característica da es-
Vl
e trutura explicativa : p é verdade [os esportistas radicais precisam de potro-
(J.l
e::
<C:U
l.!:I 6 . Nã o aprofundaremos aqu i esta proximidade entre explicação e argumenta ção.

144
cinadores e então se vendem], mas por quê? Porque q [para ganharem
sua liberdade] . O movimento inferencial parte do indício/fato observado
(p) para retornar à causa/razão (q). O contexto que constrói o enunciado
[SE p] é o indicativo de um fato pertencente a um mundo que é nosso, no
contexto do mundo do comércio, mundo problemático, pois pode gerar
inferências éticas negativas . Como os alpinistas e esquiadores de a ltas
montanhas podem abandonar seus va lores e a gratu idade fundamenta l
de suas ações? É neste contexto que é momentaneamente reco nhecido
[é verdade que p os esportistas se vendem] para pôr em desvantagem a
ênfase sobre a enunciação da causa/razão (q) . O enunc iado (q) reintroduz
um valor: a liberdade, de que resu lta o problema subjacente .

Liberdade, palavra-chave tanto para ele como para seus cole-


gas . Porque, com o risco, ela constitui a própria essência dos
esportes radicais. E justifica todo o interesse dos patrocinadores
em arrecadar emoções fortes para seus produtos que, parado-
xa lmente, ta lvez crue lmente careçam delas.

A legenda da foto apresenta um terceiro enunciado muito interessante :

(3) Dominique Perret, esquiador rad ical: "N ão somos kamikazes


suicidas: é verdade que corremos riscos, mas eles são calculados ."

Este enunciado é retirado do artigo a seguir :

Isto não corresponde total mente ao que fazemos, exclama Do-


minique Perret. O termo [ra dica l] é exage rado : então, tudo o que
sai da regra é rad ical. Não somos kamikazes suicidas: é verdade
que corremos riscos, mas eles são calculados, no maioria das
vezes . Tentamos eliminar os perigos, e nos preparamos o melhor
possível. Jamais poderemos domar completamente a natureza .
(grifo do autor)

145
Em um movimento de refutação dos próp rios termos do debate para
o qua l o esportista foi conv idado a participar ("Patrocínio e mediatiza ção :
a aventura dos esportes rad icais"), o locutor argumenta em um en unciado
muito comp leto para ser isolado em leg en da de foto e, precedid o por um
enunci a do atributivo de pa lavra, forma uma organização periód ica bas -
tante elaborada para constituir uma seqüência argumentativa elementar.

6.4. Da "célula argumentativa" à seqüência


Acredito que estejamos passa ndo de uma série periód ica de propo -
sições ligadas po r conectores argumentativos a uma seqüência argumen-
tativa, quando nos aprox imamos de um modo de compos ição próxima
àque la vis lumbrada por Du crot, em Lo Preuve et /e Dire (l 973, p . 192 ;
artigo retomado em Les Ech e lles Argumentotives):

Um grande número de texto s literários, sobretudo nos sécu los


XVII e XVIII , se apresentam co mo "raciocín ios". Seu objeto é, a n-
tes, d emonstrar como refuta r uma tese . Para fazer isso, eles por-
tem de premissas, aliás , nem sem pre exp licitadas, supostamente
in co ntestá ve is, e tentam mostrar que não admitiríamos essas
premissas sem a d mitir também ta l ou ta l o utra con clus ão - a
co nclusão sendo ou a tese a demonstrar ou a negação da tese
d e seus adversários, ou ainda a nega ção de certos argumentos
de seus a dve rsários . E, para passar das premissas às conclusões,
ele s uti liza m d ive rsas marcações argumentativas que eles a cre-
ditam que nenhum homem se nsato possa se recusar a cumprir.
(Ducrot, 1980, p. 8 1)

Apesar de se apo iar em formas m uito elaboradas (literárias) de dis-


cursos argumentativos, esta definição tem o méri to de evidenciar dois mo-
vimen tos: demonstrar-justificar uma tese e refutar uma outra tese , ou ce rtos
argumentos de uma tese con trária. Nos dois casos , o movimento é o mes-
mo, pois se trata de partir de premissas que serão admitidas sem admitir
também ta l ou ta l outra conclusão/ asserção. Entre os dois, a passagem é

146
assegurada por marcas argumentativas que têm o aspecto de encadea-
mentos de argumen tos-provas correspondentes tanto aos suportes de uma
lei de passagem, quanto a micro-cadeias de argumentos ou a movimentos
argumentativos encadeados .

O esquema simp lificado de base corresponde ao que vimos mais


acima:

Esquema 3

Dados Asserção
(Premi ssas) co nclu sivo
Fo tos
i
Suslenloção
e

i
Princíp io
Base

Este esquema deve ser comp letado à luz de um princípio d ia lógico


que permite levar em conta as Restrições :

Um discurso argumentativo (... ) se coloca sempre em re lação a


um con tra-dis cu rso efetivo ou virtua l. A argumenta ção é, assim,
indissociáve l da po lêmica . Defender uma tese ou uma conclusão
é sempre defendê- la contra outras teses ou conclusões , do mes-
mo modo que entrar em uma polêm ica não imp lica somente um
desacordo (... ), mas, sobretudo, a posse de contra-argumentos.
Esta propriedade que a argumentação tem de ser submissa à re -
futa ção me parece ser uma de suas características fundamenta is
e a distingue niti damente do demonstração ou do dedução, que,
E
no interior de um sistema dado, se apresentam como irrefutáveis . ro
.:::,
<.(
(Moeschler, 1985, p.: 4 7) ã:í
..e::
u
:E1
e::
ro
Propus dar à seqüência argumentativa prototípico comp leta a forma a.J
--,

147
comp lexo a segui r, que reservo um lugar poro o co ntra-argumentação em
dois po ntos do estruturo, ao nível das macro -proposições argumentativos
P o rg . O e P arg. 4 :

Esquema 4: A sequência argumentativa

Tese Dados
Lo g o provavelmente C o nclusão (C)
Anterior + Fatos (F)
(nava) tese
P arg . O P arg . l
i
Susten tação
i
A menos que
P arg . 3

P arg . 2 Restrição
(princípios base) (R)
P arg . 4

Este esquema não é de uma o rd em linear o brigatório: o (novo) tese (P


arg . 3) pode ser formu lado logo de entrado e pode ser retomado ou nã o
por uma co nclusão que o redup li co no fim do seqüência; o tese anterior (P
org . O) pode ser sube nte nd ido .

Este esquema comporto dois níveis :

• Justifica tivo (P org . 1 + P org. 2 + P arg . 3): neste níve l, levar em


conta o interlocutor é fa líve l. A estratégia argumentativo é dominada
pe los co nhecimentos trazidos .

• Diológico ou contra -argumentativo (P org. O e P arg. 4) : neste níve l,


o argumentação é negociada com um contra-arg umentador (au -
ditório) rea l ou potencial. A estratég ia argumentativo viso o uma
transformação dos conhecimentos .

A d istin ção entre os períodos e os seqüências é uma d iferen ço so-


bretudo de com plexidade. Uma seqüência é uma estruturo re laciona l hie -
rárquico pré-formatado que reagrupo mocroproposições no seio de uma
unidade textua l mais vasta do que um simp les período. Os diferentes tipos
de seqüências corre spondem o regimes de ligação dos unidades de se ntido
(proposições enunciados), ditos narrativa, argumentativa, dialogal, de scri-

148
tiva ou explicativa . O objetivo de meus traba lhos, e em particular de meu
livro de 1992, foi submeter e testar essa hipótese a regu lagens diferencia-
das que eu denomino seqüenciais . Os cinco tipos de seqüências de base
correspondem a cinco tipos de rela ções macro-semânticas pré-formata-
das, memorizadas por impregna ção (leitura e audi ção) e transformadas
em esquemas de reconhecimento e estruturação da informação textual. A
rea lização incompleta de uma seq üência, muito freqüente na oralidade, se
traduz por simp les encadeamentos periódicos .

Retornemos ao exemp lo (3), em que a estrutura proposiciona l está


decomposta como segue:

(3) < 1 > Dominique Perret, esquiador rad ica l: " < 2 > Não somos kami-
kazes suic idas : < 3 > é verdade que corremos riscos, < 4 > mas eles
são calcu lados" .

O enunciado principa l < 1 > não se contenta em atribuir a a lguém o


d iscurso enunciado, ele qualifica o enu nciador atribu indo -l he o qualificati-
vo que o próprio enunciador se presta a reformu lar. As propos ições enun-
ciadas unem -se pe la combinação dos conectores ÉVERDADE QUE e MAS
e pe lo sina l de pontuação /:/. Entre a pontuação e o conector (GRACQ,
1980) , os dois-pontos assinalam a ligação conjuntiva, com o apagamento
do conector. O conector É VERDADE QUE, que vem após os dois-pontos,
ressa lta que o enunciado < 3 > ("corremos riscos") é um FATO (F), um ar-
gumento para uma conclusão sub jacente à negação da proposição prece-
dente : a lguém poderia (logo) crer que "nós( ...) somos( ...) kamikazes" (C) .
O interpretante é convidado a chegar a essa co nclusão (C) do enunciado
É VERDAD E QU E ressalta um primeiro movimento
< 3 > (proposição p) .
de adesão ao encadeamento [propos ição < 3 > É VERDAD E QU E p > >
logo >> conclusão C] . O conector MAS contraria essa primeira lóg ica,
introduzindo um novo argumento pe lo enunciado < 4 > , que leva à asser-
ção-conclusão (não C) dada na entrada (enunciado < 2 > ), e que refuta,
assim , o ponto de vista da opinião comum contrária (PdVl ).

O conjunto dessa argumenta ção repousa sobre uma dissociação da


noção de " esquiador radica l" segundo dois po ntos de vista antagôn icos

149
(PdVl vs PdV2) . Começar pela negaçã o < 2 > pe rm ite loca li zar a refo rm u-
la ção da no ção de " esquiador radical" no in íc io do movimento e tornar
identificável a conclusão C que o interp retante deve tirar de É VERDADE
QUE < 3 > . O que ve m po r último na dinâmica do esque ma 5 loca liza- se
no início do enun ciado -texto :

Esquema S

Proposição p MAS Pro posição q

1 7
11
co rre mos ris cos" "eles são calcu lados"
<3> <4>
LU
::)
CJ
Va lo res segu ndo LU
o Va lores segundo
um PdVl (L;,e El) <(
o um PdV2 (L = El)
Asserção ""'
LU
> Orien tação
concedida • LU
(logo)
argum e nta tivo
(logo)

L t
Conclusão C
l
Co nclusão não- C < 2 > _J
"os esquiadores radi cais "Nós (os esquia d o res
(são) radicais) não somos
"kamikazes sui cidas" kamikazes suicidas "

No mo vimento a rgumentativo ressaltado pelos conectores , a liga ção


entre argumentos e conclusão prende-se novamente a um sistema de nor-
mas . Po rém , é próprio de um sistema de normas revelar um universo de
sentidos (constituído de princípios e de bases) atribu ível a um ou mais
enun ciadores . Um cone ctor determ ina um ponto de vista enun ci ativo e o
VI gra u em q ue o locutor (L) ass ume as enun cia ções atri buídas d iretam ente
ro
·..::.;
e:: o u não ao s enu nciado res (El , E2). O co nector É VERDA DE QUE pri me i-
<c.J
: ::::>
O"
. Q.J
ram ente assinala a lógi ca de um ponto de vi sta (PdVl ), atribuíd o a um
V'\
c:u enunciado r E l de quem o locuto r se di stan ci a aberta mente pe la modali -
V'\
o zação ("pod er-se- ia crer q ue" : Lc;é El ). O locuto r adere, ao con trário, às
ã:i
e::
<C:U proposições < 2 > e < 4 > (L = E2).
4-.::i

150
Se ap licarmos a (3) o esquema de argumenta ção de Toulm in revisto
por Grize , teremos a confirmação do fato de que R é o lugar de inserção
de outro movimento argumentati vo (com suas sustenta ções pe los princí-
pios Pp l e Pp2 e apo iado na s ba ses l e 2):

(3) < 2 > [Neg . C] Nós não somos kamikazes sui cidas :

< 3 > [F l] na verdade , corremos riscos, < 4 > [F2] mas eles são
calcu lados .

Esquema 6

Fl É VERDAD E Q UE LOGO C0
<3>

1 F2
1
MAS Reservo -Refutação
Uma vez que Pp l
< 4> Logo não-C < 2 >

Em vi rtude de B l
1
Uma vez que Pp2

Em vi rtud e d e B2

A asserção A é uma tarefa de redefi nição, pe lo locutor, de " nós" e


uma re cusa da definição impl ícita de " esportistas radicais", aquela que cir-
cula, pe lo menos, na opinião comum (PdV l ). É VERDADE QUE determina
que o locutor aceite, sob a forma de uma concessão , que F l (o fato de
correr riscos) poderia ser considerado como um comportamento su icida
(asserção A subjacente à neg-C). A sustentação (Princípio e Base) não é
ex pli citada . A interpreta ção apropriada ao PdVl pode, todavia, se fazer em
torno do seguinte ra ciocínio : correr riscos é arriscar sua vida [Base], arriscar
vo luntariamente sua vida é um comportamento sui cida seme lhante àque le
dos combatentes japoneses da li Guerra Mu ndi al [Princíp io]. Todavia , o
encadeamento traz, por meio de um MAS argumentativo, a restri ção R. Se
correr ri scos (F l) é um comportamento sui cida (C), correr riscos ca lcula-
dos, profiss ionalmente, corresponde a um "sa lvo se" exemp lar. O fato F2

151
(correr riscos ca lcu lad os < 4 > ) provo ca não -C (é um comp o rtamento não -
suicida , mesmo se todos os perigos não podem ser elim inados < 2 > ).

O esquema argumentati vo de (3 ) pod e cla ra me nte ser ex plicitad o


pelo modelo de base da seqü ênci a argu mentativa . O enu nciado < 2 >
refuta, sob a base do dado < 4 > que ele enuncia (P. arg . l ), uma tese
anterior(P. arg. O) assina lada no enunciado < 3 > . As inferências a se tirar
de < 4 > levam à conclusão dada na entrada . É um embrião de seqüên cia
a rgumentativa que o esqu ema 7 tenta repre sentar:

Esquema 7

Tese an terio r Dado Co nclu sã o


P. org . O MAS F2 < 4 > Não -C < 2>
P. org. l P. org. 3

Dad os Conclusão
É VER DAD E Q UE
Fl < 3 > - - - -- - C0
P. arg . l' P. org . 3'

Como vemos, a própria macroproposição P. arg . O é constituída de


proposições argumentativas que constituem um período, ao qua l podemos
denominar " encadeado".

6-5- Aguisa de conclusão


G. W. Bush ou a argumentação sem "restriçãó'
V'\
ro
O d iscurso pronunciado por George W. Bush em 17 de março de
-c;
e::
<a.J
2003 pode se satisfazer com um encadeamento de tipo [Fl • C2], como
::::::i
0-
. OJ
em (4 ): 7
V'\
GJ
V'\
o
ã:i 7 . O conjun to do d iscurso ("De nio l ond Deception") eslavo a cessíve l no site do Coso Bro nco (Wh i-
e::
<CIJ
I,.!;) te House, President Geo rge W. Bus h. O ffi ce of the Press Sec reta ry, Morc h 17, 2003).

152
(2) < F 1 > The United Notions Secu rity C o uncil hos not lived up to its
responsibi lities, < C2 > so we wi ll rise to ours .8

(3)

A análise do conector SO, que certamente deve ser traduzido mais


como ENTÃO do que como LOGO ou EM CONSEQ ÜÊN C IA/ CONS E-
QÜENTEMENTE , é interessante . SO serve para introduzir a enuncia ção
de uma conseqüência C2, mos o enunciador não parece levar em conta o
movimento de dedu ção ou a re lação factua l entre as proposi ções notadas
F 1 e C2 . Ele não apresenta seu enu nciado como um raciocínio, mos como
a expressão de uma simp les re lação factua l de couso (F 1 : O Conse lho de
Segurança dos Nações Un idas não esteve à altura de suas responsab il ida-
des) como conseqüência (C2 : Também, vamos assumir os nossas) .

O fato de < F 1 > ser um enunciado negativo obriga Bush o precisar


a premissa que lhe permite d izê- lo. E ele foz isso logo em seguida, (re)
defin indo a missão da ONU de modo a justificar o próprio conceito de
"guerra preventiva":

(5) We believe in the mission of the United Nations . One reoson the UN
was founded after the second world war wos to co nfront agressive
d ictotors, actively and early, before they can ottock the innocent ond
destroy the peace. 9

A essa Base, Bush junto as reso luções da ONU, supostamente conhe-


cidas por todos, que formam Pp3:

(6) ln the case of lroq, the Security Counci l did act, in the eorly 19 9 0s .
Under Reso lutions 678 and 687 - both still in effect - the United E
ro
"'O
<(
8 . O Conse lho de Segurança dos Noções Unido s não esteve à alt ura de suas respo nsabi lidades. õ:í
..e::
Então , vamos assumir os nossos . [trod . do autor] w
9 . Acreditamos no missão dos Noções Unidos . Uma dos razões pelos quais o ONU foi fundado :E
e:::
ro
depois do li Guerra Mundial foi o de se opo r ativamente e sem dem oro à agressividade dos regi-
-OJ
,
mes ditatoria is, antes que eles al ocassem os inocen tes e destruíssem o paz. [trod . do autor]

153
States a nd our a ll ies are au th o ri sed to use force in ri ddi ng lraq of
weapon s of mass destructi o n. Thi s is nota question of authority, it is
a question o f will. 10

É uma se qü ência (quas e) completo , à q ual, toda via , falto leva r em


conto uma possível restri ção :

(4) Fl [Sustentação l ] [so ] logo C2

(6)
t
uma vez que Pp3
t
salvo se 0

(5) em virtude de B4

Todo o argum enta ção da administra ção ameri cana con siste em se
a poi ar sob re o sustenta ção l, re lativo à posição dos Nações Unidas , poro
ju stifica r que os Estados Unidos substitu em uma organiza ção interna cion a l
acusada de ser desprovido de vontade e fra cassado .

Para isso, é ne cessário colocar uma o utra legal idade, por mei o de
ou tra seqüê ncia a rgumentativa :

(7) < F l ' > The united States of Ame ri ca has the sovrereign outho rity to
use fo rce in oss uring its own notional securi ty. < Pp3' > Thot duty fali s
to me, os C o mmander-in -Chi ef, < B4' > by th e ooth I have sworn , by
th e ooth I will keep . 1 1

l O. N o caso do lroque , o Co nse lho de Segura nço atuou no início dos onos 1990. Sob a s reso-
luções 678 e 687 - am bas ainda ho je va lend o - as Estad as U nid os e OS nossas a liadas são
a utoriza dos a utilizar a força para elimi na r as armas de destruiçã o em massa na Iraq ue . Nã o é
uma questão de ou toridod e, é umo q uestão de vo ntad e. [trad . do ou to r] '
11. Os Estad as Uni dos do Amé rica têm auto rida d e sobera na de utilizar a força poro ossegu ra r
suo própria seguranço . Este d ever recai sob re mi m , como com onda nte e che fe , em virtu de do
juramen to que já fiz e daque le que jurarei . ltra d . do au tor]

154
Este segmento da alocução de Bush se apresenta como uma seqü-
ência à qual falta a asserção co nclusiva C. Esta asserção implícita é am-
plamente apoiada por Pp3' e B4' e vem a reafirmar C2 (Nós assumimos
no ssas responsabilidades), isto é, a afirmar que os Estados Unidos estão
prestes a entrar em guerra. Notemos que aqui também nenhuma restrição
R6 é vista:

Fl ' [Sus lenloçõo 2) logo C2

t
uma vez que Pp3'
t
so lvo se 0

em vi rtud e de B4'

Esta ausência de Restrição é muito interessante. G . W. Bush a substitui


por um ultimato : "Saddam Hussein and his sons must leave lraq within 48
hours . The ir refusa l to do so wi ll result in military conflict, commenced at a
tim e of our choosing" . 12

E
ro
"O
<
cii
..e:
u
12 . Soddom Hussein e seus filhos devem deixar o Iraque d entro de 48 horas. Su o recuso em ~
fazê- lo resu ltará em um confl ito armado que co meçará no momento em que decidirmos . [trod. '
e::
rc
a,
do outorl --,

155
6.6. Referências
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[1958].

158
.......
Aanálise de gêneros hoje* -o

Vijay K. Bhatia

7.1. Introdução
Embora seja um desenvolvimento relativamente recente no campo
dos estudos aplicados do discurso, a análise de gêneros tem se tornado ex-
tremamente popular nos últimos anos. O interesse pela teoria dos gêneros
e suas aplicações não se restringe mais a um grupo específico de pesquisa-
dores de uma área em particular ou de um setor qualquer do globo terres -
tre, mas cresceu a ponto de assumir uma re levância muito mais ampla do
que jamais foi imaginado . Candlin (l 993) indaga com propriedade:

O que há com o termo e com a área de estudos que ele repre-


senta, para que atraia tanta atenção? O que lhe permite agrupar
sob o mesmo abrigo terminológico críticos literários, retóricos,
sociólogos, cientistas cognitivistas, especialistas em tradução
automática, lingüistas computacionais e analistas do discurso,
especialistas em Inglês para Fins Específicos e professores de lín-
gua? O que é isso que nos perm ite reunir sob o mesmo rótulo
publicitários, especia li stas em comunicação comercial e defen-
sores do Inglês Simplificado? {Candlin , 1993).

• Tra dução de Benedito Gomes Beze rra .

159
"Claramente, trata-se de um conce ito que encontrou seu momento
opo rtu no", aponta ele . Há atrativos óbvios nos diferentes modos como o
termo tem sido uti li zad o na literatura recente . A própria natureza da estru-
turação dos gêneros é mu ltidiscip linar. A teoria dos gê neros leva a aná lise
do discurso da descrição para a explanação da língua, tentando freqüen-
temente responder à questão : por que os membros de comunidades dis-
cursivas específicas usam a língua da maneira como fazem? A resposta
não leva em consideração somente fatores sócio -cultura is, mas também
fatores cognitivos, tentando, dessa forma, esclarecer não apenas os pro-
pósitos comunicativos da comunidade discursiva em questão, mas também
as estratégias cognitivas empregadas por seus membros para atingir esses
propósitos . Esse aspecto tático da construção do gênero, sua interpretação
e uso, provave lmente, é um dos fatores mais significativos que concorrem
para sua popu laridade atua l no campo dos estudos do discurso e da co-
municação . Uma das desvantagens de ta l popu laridade é que quanto ma is
popu lar um conce ito se torna, ma is variações de interpretação, orienta-
ção e estruturação são encontradas na literatura existente. Os ana li stas do
discurso interessados na teoria dos gêneros encontram-se presentemente
numa situação de a lgum modo simi lar a essa.

Neste artigo, gostaria de elucidar a teoria da aná lise de gêneros,


a fim de ve r o que é comum em suas várias manifestações, identificar algu-
mas das questões importantes levantadas na literatura recente e discutir as
im plicações dessas questões para o desenvo lvimento posterior da teoria e
para sua ap li cação no ensino e aprendizagem de língua s.

.'!:!
ro 7.2. Análise de gêneros
:::,
+-'
X
......,
Q.) Aná lise de gêneros é o estudo do comportamento li ngüístico situado
VI
ro em co ntextos acadêmicos ou profissionais, seja qua l for o modo co mo
·e:;
e: é abordado ; quer em termos de tipologias de ações retóricas, como em
<Q.I
: ::::,
O"
CJ Mi ll er (l 984) e Berkenkotter e Huckin (l 995); em termos de regularidades
V"I
Q.) de processos sociais de vários níveis e orientados para uma meta, como
V"I
o em Martin, Christy e Rotery (l 987) e Martin (l 993) ; ou em termos de con-
ã:i
e:::
< Q.)
1..::;:J
sistência de propósitos comunicativos, como em Swa les (l 990) e Bhatia

160
( 1993) . A teoria de gêneros, a despeito dessas orientações aparentemente
diversas, apresenta uma considerável base comum. Embora eu quisesse
resistir à tentação de demonstrar exaustivamente os pontos comuns nes-
sas diferentes abordagens, va le a pena apontar alguns dos traços mais
importantes que as caracterizam . O primeiro é a ênfase no conhecimen -
to convencionado, que confere a cada gênero sua integridade. As três
abordagens igualmente reputam esse aspecto como central para qualquer
forma de descrição de gêneros. O segundo é a versatilidade da descrição
dos gêneros, e o terceiro, embora possa parecer algo contraditório em
relação ao primeiro, é a tendência para a inovação, advinda da natureza
essencialmente dinâmica do gênero . Deixe-me reforçar esses três aspectos
da teoria de gêneros .

7.2.1. Conhecimento convencionildo


Os gêneros são definidos essencialmente em termos de uso da lin-
guagem em contextos comun icativos convencionados, que dá origem a
conjuntos específicos de propósitos comunicativos para grupos sociais e
disciplin ares especia li zados, que, por sua vez, estabe lecem formas estrutu-
rais re lativamente estáveis e, em certa exte nsão, até mesmo impõem res-
tri ções quanto ao emprego de recursos léxico-gramaticais. Como indiquei
anteriormente, pelo menos três aspectos convencionais inter-rela cionados
têm se destacado na literatura sobre gêneros, e todos eles são cruciais
para nossa discussão : (a) a recorrência de situações retóricas, (b) os pro-
pósitos comunicativos comparti lhados e (c) as regularidades de organiza-
ção estrutural.

O primeiro aspecto é mais ou menos relacionado diretamente ao


contexto sócio-cultural e situado em cul turas disciplinares específicas. A fim
de identificar situações retóricas típicas, pode ser necessário caracterizar
os aspectos re levantes do contexto sóc io-retórico em que um dado evento
comunicativo acontece . Uma boa e adequada compreensão da situação
retórica típica leva à identificação do(s) propósito(s) comunicativo(s) mutu-
amente comparti lhad o(s) por participantes tipicamente associados a uma
comunidade discursiva em particular. Os propósitos comunicativos com -
partilhados estão, dessa forma, imbricados dentro do contexto retórico re-

161
levante. Levando isso um pouco adiante, em direção às formas lingüísticos,
é possível identificar regu laridades típicas de formas estruturais e organiza-
cionais que freqüentemente delineiam um construto genérico . Conseqüen-
temente , para uma série de interesses em ap lica ção, especialmente no
ensino de línguas, o conceito de situação retórico talvez seja o mais geral ,
fornecendo a estrutura necessária dentro da qual podem ser locali zados
os propósitos comunicativos, que, por sua vez, são percebidos nos usos
mais ou menos típicos de formas léxico-gramaticais e discursivas . Para o
estudo dos gêneros, especialmente para os propósitos da lingüística apli-
cada, todos os três níveis inter-relacionados de descrição de gêneros são
importantes . Até esse ponto, não vejo qualquer tensão entre essas assim
chamadas abordagens conflitantes . De fato, elas parecem complementar-
se mutuamente, fornecendo não só um suporte teórico úti l, mas também a
va lida ção necessária à desconstrução dos construtos de gêneros . A noção
de propósito co municati vo parece ser mais centra l à teoria de gêneros, por
um lad o, por estar inserida em contextos retóricos específicos e, por outro
lado, por determinar, invariavelmente, esco lha s específicas de formas es-
truturais e léxico-gramatica _
is .

Outro ponto importante a notar nas três orienta ções é a ênfase, co-
mum a todas elas, em certos traços específicos da descrição de gêneros,
seja em termos de recorrên cia, comparti lh amento ou regu laridades, cada
um deles destacando aspectos convencionais da construção e interpreta-
ção de gêneros . Seja qual for o modo de abordagem (ver Jamieson, 1973;
Swa les, 1990; Miller, 1984; Martin, 1985; Dudley-Evans, 1986; Bhatia,
1993 e 1994), o denominador comum têm sido sempre os aspectos con -
venciona lizados, institucionalizados e permissíveis (ao invés de aspectos
criativos, inovadores e exploráveis) da construção dos gêneros . Isso tam-
bém é perfeitamente compreensíve l. Como sUstenta Swa les (l 990), gê -
V'I
ro ne ros não são criados da noite para o dia. El es se desenvolvem por certo
· .::::;
e:::
<(lJ
período e não são reconhecidos até que se tornem bastante padronizados.
: :::,
0-
(lJ
Nesse conte xto, a teoria de gêneros tem enfatizado muito os aspectos ins-
VI
O.J titu cional izados da constru ção e interpreta ção de gêneros .
V'!
o
cu
e::
Fairclough (l 989, p . 59) ilustra a importância das conven çõ es ao
<O.J
~ examinar o en contro médico entre um gineco logista e sua paciente . Fre-

162
qüentemente, o ginecologista precisa tranqüilizar a paciente, com uma voz
gentil e suave, no momento do exame interno: "relaxe o máximo possível,
serei o mais delicado que puder" . Com muita razão , Fairclough pergunta:
"o que, neste breve enco ntro, permite à paciente interpretá-lo como um
encontro médico e não como um encontro sexual?" Como resposta , ele
aponta:

.. . as limitações próprias do contexto das consultas gi neco lógicas


são da maior relevância para garantir que o encontro se ja real-
mente um encontro médico .. . tais co nsultas somente podem ser
legitimamente realizadas em um "espaço méd ico" - um hospital
ou consu ltório - que imp lica a presen ça de uma parafernália
médica completa, que ajuda a legitimar o encontro.

Qualquer tentativa de negligenciar, ignorar ou solapar o poder das


co nve nções próprias de tais encontros pode ocasionar conseqüências de-
sastrosas. Obviamente, as convenções dos gêneros são de grande utilida-
de para manter a atmosfera comunicativa e a ordem social desejáveis nas
co mun idades profissionais civi lizadas .

7.2.2. Versatilidade dos gêneros


O seg undo aspecto mais importante da teoria de gêne~os é sua ver-
satilidade, que opera em vários níveis . Trata-se de um modelo teórico para
detalhar o relacionamento entre (a) texto e co ntexto em sentido estrito;
(b) o uso que as pessoas fazem da linguagem e o que torna isso possível,
especi almente no contexto de culturas disciplinares específicas; e (c) língua
e cu ltura , em sentido amp lo .

Pode-se ver a versatilidade da descrição lingüística baseada em gê-


neros em vários níveis da descri ção de gêneros . Usand o como critério
privi legiado o propósito comunicativo liga do a uma situação retórica es-
pe cífica, a teoria de gêneros combina, por um lado, as vantagens de uma
visão mais geral dos usos da líng ua com su a rea lização bem específica,
por out ro (Swales, 1990, p . 58 ; Bhatia , 1993) . Nesse senti do, a aná lise

161
de gêneros é realmente estreita em seu foco e ampla em sua visão . O
próprio conceito de propósito comunicativo é muito versátil. Ora ele pode
ser identificado em um nível realmente alto de generalização, ora pode ser
limitado a um nível bem específi co . Igualmente, tanto pode haver um ún ico
propósito comunicativo como um bem detalhado conjunto de propósitos
comunicativos. Dependendo do nível de generalização e do deta lhamen -
to em que o propósito comunicativo é especificado, pode -se chegar à
condição de identificar o status de um gênero em particular, bem como o
uso que ele faz das convenções do gênero . Vou fundamentar melhor isso
tomando como exemplo o que é comumente chamado de discurso promo-
cional (veja o diagrama).

Níveis de descrição genérica


Gêneros
identifi cados em lermos
depropósilos comunicolivos

construídos pelos processos retóricos de


... narra ção d escrição ava lia ção exp lana ção instrução ...

1 1

dando formo o produtos como


gêneros promocionais

sinopses de livros resenhas de livros anúnc ios cartas promocionais inscrições poro
de venda s empregos

VI
ro
::::i comerciais de TV anúncios impressos anúncios radiofônicos
.......
X
2
VI
ro
· e:;
e:: anúncios anúncios anúncios anúncios anúncios
<<lJ
::::> de co mputadores de livros de co mpanhias aéreos d e automóveis de cosméticos
c:r
(lJ
V\
(l.J

V\
e
(l.J
e::: anúncios anúncios
<(l.J
~
d e pacotes de férias de viagens comerciais

164
Embora os gêneros sejam identificados essencia lmente em termos
dos propósitos comunicativos aos quais tendem a :.ervir, esses propósitos
comunicativos podem ser caracterizados em diferentes níveis de gene ra li -
zação . Eles podem ser vistos em termos de uma combinação de processos
retóricos, que também podem ser considerados como valores genéricos
primários. Halliday e seus seguidores, trabalhando dentro de uma orien-
tação sistêmica da descrição de gêneros, têm aplicado essa noção, com
bastante sucesso, ao ensino de gêneros no nível escolar (ver Reid, 1987).
No caso dos gêneros profissionais, sempre é possível postular diversos ní-
veis de generalização. Considerando o caso dos gêneros promocionais,
encontramos, no nível mais alto de generalização, o "discurso promocio-
nal na forma de uma constelação de gêneros intimamente relacionados,
dotados do mesmo propósito comunicativo de promover um produto ou
um serviço para um cliente potencial. Como exemplos comuns de gêneros
promocionais podem-se incluir anúncios, cartas promocionais, inscrições
para empregos (no sentido de que seu propósito também é vender os ser-
viços do candidato a um empregador potencial, d. Bhatia, 1993), sinopses
de livros, panfletos comerciais, panfletos turísticos e vários outros. Todos
esses e muitos outros exemplos desse tipo apresentam um alto grau de
superpos ição no propósito comunicativo a que procuram atender e essa
é a principa l razão por que são vistos como parte de uma co lônia discur-
siva intimamente relacionada, servindo mais ou menos a um propósito
promociona l comum, a despeito do fato de que alguns podem também
apresentar diferenças sutis em sua realização. É, ainda, possível ver cada
um desses gêneros, e.g., os anúncios, em um nível mais baixo degenera-
lização e fazer distinções entre suas realizações mais específicas. Exemplos
óbvios incluirão anúncios impressos, come rciais de TY, anúncios radiofôni-
cos e outros . As diferenças entre esses gêneros são pouco discerníveis em
termos de propósitos comunicativos e mais em termos do meio de discurso,
portanto pertencem, como gêneros, à mesma categoria geral popularmen-
te conhecida como anúncios. Indo um passo adiante, considerando agora
somente os anúncios impressos, ainda é possíve l considerá -l os em termos
de categorias como anúncios diretos, anúncios com associação de figuras
e legendas, anúnc ios baseados na imagem, testemunhos, falsos gêneros,
etc . (Kathpalia, 1992) . Seja qual for a subcategoria, todos esses anún-

165
cios servem ao mesmo conjunto de propósitos co municativo s, embora a
maioria deles utilize estratégias diferentes para promover o produto ou
serviço. Anúncios diretos geralmente usam a "ava lia ção do produto" como
prin cipa l estratégia persuasi va , enquanto anúncios baseados em imagem
apoiam-se mais especificamente no estabe lecimento de credencia is como
fonte principal de persuasão . Outra diferença encontrada no uso dos re-
cursos lingüísticos é que alguns tipos apóiam-se em estratégias verba is
(anúncios diretos utilizando a ava lia ção do produto) , enquanto outros, e .g .,
os anúncios do tipo figura-legenda, concentram-se mais em estímulos visu-
ais . É possível , ainda, tomar os anún cios diretos e diferenciá -los em termos
do uso de recursos lingüísticos para a valiação do produto, ou tal vez em
termos do tipo de produto que anunciam, ou mesmo em termos do público
a que se dirigem . Em cada caso, estamos certos de que encontraremos
diferenças sutis no uso de estratégias para descri ção, avaliação ou diferen-
cia ção do produto e que essas diferenças eventualmente ocasionarão usos
específicos dos recursos ling üísticos . Mas o importante é que todas essas
variações somente se tornam gêneros diferentes no momento em que co-
meçam a indicar uma diferença substancial nos propósitos comunicativos .

O interessante na teoria de gêneros é que , caso se utilize a situa ção


re tórica ou o propó sito comunicativo como critério privi legiado, isso impli -
ca que, enquanto o propósito comunicativo permanece o mesmo, os textos
em questão são identificados como gêneros intimamente re la cionados . À
med ida que nos movemos do nível mais alto para os níveis mais ba ixos de
gene raliza ção , precisamos definir o propósito comunicativo em uma cres-
cente ordem de especificidade e deta lhamento, se desejamos realmente
distingui-los como gêneros ou subgêneros . Em outras pa la vras, o ana li sta
de gêneros pod e enfocar tanto as semelhanças como as diferenças entre
vá rios me mbros de uma col ô nia de gêneros . Se o interesse é enfo car as
suti lezas do gê nero, ele ou ela terá que definir os pro pós itos comu ni cati vos
em um níve l propriame nte mais baixo de espe ci fi ci dad e; se o interesse é
disti ngu ir uma vari ed ade de re al iza ções específi cas de gên eros de certo
modo simi larm ente re la cionad os, prec isará especifica r os propósitos co-
muni cativos em um níve l mai s a lto de genera lidad e.

166
7.2.3. Integridade genérica x tendência para a inovação
Nas seções anteriores, tentei enfatizar que os gêneros podem ser vistos
como o resu ltado das práticas discursivas conven cionadas e institucionaliza -
da s de co munidades di sc ursi vas específi ca s. É esse co nhecimento conve n-
cionado do modo como os gêneros são construídos, interpretados e usados
dentro das comunidades discursivas específicas que confere a seus membros
reconhecidos uma vantagem sobre outros que estão fora dessas comunida-
des. Em outra s palavras, é esse conhecim ento das convenções genéricas que
ajuda os profiss ionais experientes a identificá-las (Bhatia, 1993) . Contudo, é
interessante notar que, embora os gêneros sejam tipicamente associados a
co ntextos retóricos recorrentes e sejam identificados com base em propósitos
comunicativos comparti lhados, com restri ções a contribuições permitidas no
uso de formas discursivas e léxico-gramatica is, eles são construtos dinâmi -
cos. Berkenkotter e Huckin (1995) ressaltam que :

... gê ne ros são es truturas retó rica s inerentemente dinâm ica s que
pod em ser manipu ladas de acord o com as co ndiçõ es de uso, e
que o conheci mento de gê nero s é, por conse g ui nte, mais bem
co nceituad o como uma fo rma de cogn ição si tuada e im brica da
em culturas discip linares .

Enfatizam -se o aspecto convenciona l e a tendência à inovação : esses


dois traços da teoria de gêneros parecem ter um caráter contraditório . De
um lado, a tendência de ver o gênero como um eve nto textual retoricamen-
te situado, a ltamente instituciona li zado, apresentando aqui lo que chamei,
em outro trabalho, de "integridade genérica" (Bhatia, 1993); por outro
lado, uma te ndência natura l à inovação e à mu dança, que freqüe ntemente
é explorada pelos membros experientes da comunidade especia lizada na
cria ção de novas formas para responder a co ntextos retóricos fami liares ou
nem tão fami liares assim . Isso confere à ma ioria dos gêneros um tipo de
complexidade d inâmica q ue freqüentemente se atribui ao uso de recursos
mul timíd ia , à explosão de tecno logia informaciona l, aos contextos mu lti-
d iscip linare s no mundo do traba lho, ao ambiente profissiona l cresce nte-

167
mente competitivo (tanto acadêmico com o empresaria l) e, aci ma de tudo,
à necess idade de criatividade e inovação na comunicação profissiona l.

Os gêneros situam-se tipicamente em contexto s sócio-retóricos es-


pecíficos e, dessa forma , modelam futu rm respostas retóricas a situações
similares; eles sempre foram vistos como " lugar de contenda entre a esta-
bi lidade e a mudança" (Berkenkotter e Hu ck in , 1995 , p . 6) . Pode aconte cer
que a lguém seja chamado a responder a uma necessidade sócio-cognitiva
de mu da nça, o que exigiria dele negociar sua res posta à luz das conven-
ções reconhec idas e estabe lecidas, uma vez que os gê neros de fato trans-
mutam através dos tempos, em resposta a necessidades sócio-cognitivas
de mudan ça . Essa habi lidade para responder a novos contextos retóricos
com base no conhecimento genérico estabe lecido também confere consi -
derável li berdade tática aos membros especia lizados da comunidade dis-
curs iva em questão, para manipu lar re cursos e co nven ções dos gêneros,
"para expressar inten ções parti culares dentro da estrutura dos propósitos
com unicativos socia lmente reconhecidos" (Bhatia, 1993) . Contudo, co mo
ressa lta Bhatia (l 995):

As conve nções de gênero sõ o freqüentemen te exp loradas pe-


los memb ros experientes das comuni dades discu rsivas para criar
novas formas ; con tud o, ta l li berdade, inovação, cri atividade e
exp loração, seja como for que a ch amemos, invaria ve lmente se
rea liza antes dentro do q ue fora das fron teiras do gênero, não
importa co mo estas se jam estabe lecida s, em term os de recorrê n-
cia de situações retóricas (Mi lle r, 1984), cons istência de propósi-
tos comu nicativos (Swa les , 1990 e Bhatia , 1993) ou em term os
.!!'.!
ro de co mbina ção de elementos estruturais ob rigatórios (Ha ll iday
::::i
+-'
X e Hasan, 1985). A inovação nu nca é uma atividade comp leta -
23
VI
ro mente livre . A natureza da manip ula ção do gênero é realizar- se
·.::::;
e:: invariave lm ente dentro dos lim ites amp los dos gêneros especí-
<CJ
: ::i
0- ficos e ser, freqüentemente, mu ito su til. Uma neg ligência grave
.<l.J
V\
a essas convenções genéricas imp lica o abandono do gênero e
<lJ
V\ será vista como es tranha pe la comunidade especia liza da .
e
(l)
e:::
< (l)
\.!:l

168
Esse é o poder do gênero, e a e le vo ltaremos nas últimas seções
deste artigo . Contudo, neste estágio, gostaria de tratar das comp lexidades
do mundo profissiona l e discutir como a teoria de gêneros pode lidar com
essa realidade .

7.3. Mistura e imbricação de gêneros


No clima acadêmico e profissiona l competitivo de hoje, os gêneros
raramente mantêm va lores estáticos . Esses va lores são cada vez mais ex-
plorados pelos profissionais experientes para criar gêneros mais híbridos,
especia lmente como resu ltado da natureza fortemente comp ulsiva da s
atividades promocionais e publicitárias . Não surpreende que o presente
mundo profiss iona l se ja cada vez ma is identifi cado com uma "cu ltura con -
sumista" (Featherstone, 1991 ). O resu ltado inevitável é que muitos dos
gêneros instituciona lizados, quer se jam sociais, profissionais ou acadêmi-
cos, têm incorporado elementos promoc iona is. Fairclough (l 993, p . 14 l ),
referindo-se a ta is muda nças nas práticas discursivas, apo nta :

... há uma extensa reestrutura ção de fronteiras entre as ordens do


discurso e as práticas discu rsivas; por exemplo, o gênero anúncio
ao consumidor tem colonizado muitas ordens do discurso profis-
sional e do serviço público em larga escala, gerando uma diversi-
dade de novos gêneros híbridos parcia lmente promocionais ...

Como exemplo de ta is gêneros híbridos, Fairclough (l 993) discute


o caso dos prospectas universitários contemporâneos, em que se destaca
uma crescente tendência ao uso do marketing nas práticas discursivas das
universidades britânicas. Martin (l 985, p. 250) afirma corretamente que
". .. gênero diz respe ito a como as coisas são feitas quando a linguagem é
usada para executá- las" . Como as demandas por práticas comunicativas
se tornam cada vez mais comp lexas, os profiss ionais experientes começam
a responder às novas situações retóricas uti li zando estratégias estabele-
cidas e, mais freqüentemente, muitas estratégias inovadoras para ating ir
uma variedade de objetivos complexos .

169
Esse processo de exploração dos valores genéricos estabelecidos para
criar construtos genéricos mistos ou imbricados é sempre visto pelos mem-
bros das comunidades profissionais como taticamente superior e eficiente.
A explora ção de recursos genéri cos para criar formas m istas ou imbricadas
sempre se base ia no que iá fo i estabelec ido dentro da comunidade pro -
fissional. É quase como a exploração publicitária do clichê the shape o f
things to come na frase de abertura do seguinte comercial de automóvel:

"The shape of cars to co me: Mitsubishi Cordia ."

(A forma dos carros que estã o por vir: Mitsubishi Cordia )

Ou o uso da famosa afirmação sobre o império colonial britânico


no comercial da Lufthansa, the sun never sets on Lufthansa territory (o sol
nunca se põe no território da Lufthansa) , ou no slogan para economia de
energia, don' t be fuelish, em que a idéia de desperdício de energia se
perde completamente se não for associada a "don ' t be fooli sh" 1 (não seja
bobo). O aspecto de cisivo em tais associ ações é que elas comunicam me-
lhor no contexto daquilo que iá é fam iliar. Em tais contextos, as palavras,
por si sós, não portam significados; é o experiência que lhes confere o
efeito deseiodo . Por conseguinte, no momento em que há um desvio radi-
cal da experiência origina l, o efeito pode se perder. Mais uma vez, se não
ho uve r familiaridade co m o o riginal, o valo r d a inova ção se enfraqu ece .
Assim como o publicitári o faz uso do iá sabido e familiar no conhecim ento
existente, o escritor de gêneros hábil utiliza o que é convencionolmente
disponível em uma comunidade discursivo poro promover seus próprios e
sutis obietivos . A inova ção, a criatividade e o exploração somente se tor-
nam efetivas no contexto do iá disponível e familiar. Como Fowler diz,
VI
ro
· .:::;
e:=
<CJ
: ::::J
0--
C)J
O escritor é convi dado a com binar ex peri ência e forma em um
V'I
C1J modo específi co, mas indetermi nad o. Aceita r o co nvite nã o re-
V'I
e solve seus probl em as de express ão ... Mas lhe dá acesso a idéias
C1J
e:::
<QJ
\.!:) l . N. T. : Fuel, em ing lês, é co mbustíve l.

170
formais sobre como um conjunto de con stituintes pode ser apro -
priadamente combinado . (Fowler, 1982, p . 31)

Na verdade , a noção de criatividade é a própria essência da defini -


ção dos gêneros. Essa noção está claramente implicada na definição de
gênero de Swa les (l 990, p. 58), quando ele diz que " um gênero consiste
em uma classe de eventos comunicativos, cujos membros comparti lham
um conjunto de propósitos comunicativos" . Bhatia (l 993, p . 13) associa
esse aspecto tático da construção do gênero a "uma exp loração inte li gen-
te das convenções genéricas pe los membros experientes da comun idade
profissiona l", quando combinam os propósitos comunicativos socia lmente
reconhecidos com suas intenções particu lares . Seja q ua l for a exp li cação,
os gêneros muito difici lmente servem a propósitos únicos; eles aprese n-
tam um conjunto de propósitos, mas esse conjunto muito freqüentemente
se torna um misto de propósitos complementares . Não será errado ale -
gar que esses mesmos propós itos apresentam "valores genéricos", caso
se possa identificá -l os separadamente . Em um gênero promocio na l, por
exemplo, os valores genéri cos "descri ção" e "avaliação" são usados como
uma parte das muitas estratégias persuasivas para se alcançar o efeito
promociona l desejado . O uso da descrição em um gênero promocio na l
é um pouco diferente daquele que é central em uma resenha de livro . Em
uma resenha, freqüentemente encontramos uma descrição mais equi libra -
da do livro (incorporando tanto os aspectos positivos como os negativos),
enquanto, no caso das sinopses promocionais de um livro, invariavelmente
a descrição e a ava liação positiva do livro serão utilizadas para se ating ir
o efeito persuasivo dese jado.

Na publicidade, são sempre preferidas a descrição parcial e a ava-


liação positiva do produto, mesmo quando a lei exige do anunciante uma
descrição equilibrada, como no caso da propaganda de cigarros ou, mais
re ce ntemente, nos anúncios de investimentos financeiros, casos em que
freqüen temente se encontram em letras pequenas advertências como "fu-
mar cigarros é prejudicial à saúde" ou "os preços e rend imentos das ações
podem tan to descer como subir; o desempenho passado não é garantia
de retorno no futuro" .

171
Os gêneros, nesse sentido, possuem uma tend~ncia natura l à imbri-
cação e à mistura, pelo fato de que a maioria dos gêneros apresenta mais
de um valor genérico (ver Bhatia , 1995) . O seguinte exemplo de anúncio
de emprego (ver a seguir), por exemplo, apresenta dois valores genéricos
diferentes, mas comp lementares .

O tre cho de abertura, de "A Scitex Corporation Ltda é líder mun-


dial. .." até o fim do primeiro parágrafo, terminando em". .. pelo martkeing
e assistência ao cliente", representa uma introdução promocional (descri-
ção e avaliação positiva), muito típica da literatura promocional. A grande
maioria das cartas promocionais começa com tais aberturas, tentando es-
tabelecer as credenciais da empresa. É verdade que tais frases de abertura
não são incomuns em anúncios de empregos; contudo, a questão nesse
caso é mais o tamanho do movimento e não sua presença ou ausência.
Além disso, compare-se o espaço dedicado à descrição do emprego, que
é o principal propósito comunicativo do anúncio. Pode haver muitas ex-
plicações para a mistura desses dois valores genéricos tão intimamente
re la cionados. Uma boa razão para se enfatizar mais as credenciais da
empresa do que a descrição do emprego pode ser a de que a empresa
deseje atrair os candidatos ressa ltando sua própria reputação. Outra razão
pode ser a de que a empresa não queira revelar exigências específicas do
emprego em questão, mantendo, dessa forma, todas as iniciativas sob seu
inteiro controle. Uma terceira razão poderia ser a de que a empresa, não
tendo em mente uma especificação detalhada do emprego, também não
desejasse fazer um anúncio de apenas umas quatro linhas, o que poderia
refletir negativamente sobre as credenciais da empresa . Seja qual for a
razão, o caso é que está havendo uma mistura de va lores genéricos . Essa
VI
"rê mistura é feita de modo que o va lor genérico promocional reforça o pro-
::::i
........
ii} pósito comunicativo do anúncio de emprego .
....,
VI
ro
· .::::;
e::
<O.l
::::::>
i:::::r
Cl.l
V'I
Cl.l
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e
C1J
e::
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~

172
ENGENHE IROS ELETRÔN ICOS
(4 VAGAS)

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tores de imagens e dispos itivos de comunicação . As subsidiárias
regionais na América do Norte, Euro pa, Japão e Hong Kong
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Kathpalia (l 992), em deta lhado estudo sobre os gêneros promocio -


nais, resume bem a variação dos propósitos comunicativos na pub licidade
e defende com ênfase o poder gerativo dos gêneros.

os variá ve is propósitos comunicativos dos gêneros promo -


cionais, como aque les cu jo objetivo é promover a empresa por

17
trás do item anunciado, despertando o atenção de uma cl ie ntela
potenci a l paro o nome da empresa ou do produto ... , têm fe i-
to surgir subcategorias como ... os Fa lsos Gêneros, qu e im itam
o formo to de outros gêneros ... Esse procedi mento gerativo da
criação ou do dese nvo lvim ento de gêneros é ma is popu lar em ...
pub licidade, uma vez que os publ icitá rios estão co nstantemente
com petindo en tre si por originalid ad e e inovação em um mer-
ca do inundado de marcas co ncorre ntes de produ tos e servi ços
e de um número igua lmente grande de anúncios publicitários . _
(Kothpa lia, 1992, p . 394)

À seme lh a nça da m istura de gêneros, como no exe mplo anterior, en-


co ntramos também, na pub lici dade, exemp los de imbricação de gêneros,
fenômeno que tem sido referido como fa lsos gêneros (Kathpa lia , l 992),
em que enco ntramos dois o u mais padrões genéricos imbri cados um no
outro. Ilustro isso com o seguinte exemp lo.

CONVERSA EM UM CAM PO DE GOLFE

O
l JOGADOR : Como foi sua vi agem à Ind onésia ?
2º JOGADOR : Ótima . Reso lvi todos os negócio s... e fui a um
clube de golfe .
O
l JOGADOR : Ouvi dizer que os neg óc ios estã o em alta , ló .
2º JOGADOR : É, estamos muito otimistas sobre o futuro . Abrire-
mos um escritório em Jacarta no mês que vem .
O
l JOGADOR : Então você está investindo pesado ló?
2° JOGADOR: Bom, a empresa está. Minhas ap licações são

VI
mais líquidas . Prefiro co mprar ações de inves-
ro
· e:; timento.
e:::
<CJ O
: ::::>
c::::r
l JOGADOR : Pensei que você tinha gostado da Indon ésia .
.w
V,
2º JOGADO R: E gostei . Eu apliquei no Fundo Ba rclays da Indoné-
CJ
V,
o sia. Rendeu mais de 60% nos últimos três anos*.
õ:i 1º JOGADOR : Parece bo m . Você conhece alguém ló?
e::::
< (l)
\,!:}

174
2 ° JOGADOR: Ligue para meu contato no Barclays, Sarah Ro-
bbins, pelo fone 826- 1988, ou peça ajuda a
seu consu ltor financeiro.
l O JOGADOR: Obrigado. Farei isso . A propósito, você acabou
de bater na minha bola .

* Fon te : Micropal , de 01/01/91 a 17/ 10/ 94

Prezada Sarah,Recentemente, ouvi falar do grande desempe-


nho do Fundo Barclays da Indonésia. Por favor, env ie-me infor-
mações sobre como também posso beneficiar-me da experiên-
cia da Barclays asiática, com a pequena importância de US$
1,500. Meu cartão segue em anexo . Obrigado .

HK

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Lembre-se de que o valor das cotas e dos rendimentos pode


tanto aumentar como diminuir e as cifras do desempenho apre -
sentado não são um indicativo de desempenho futuro .

Pe lo menos dois outros gêneros estão imbricados dentro do gênero


anúncio pub li citário. A informação principal, sobre oportunidades de in-
vestimento , é conduzida dentro do gênero convenciona l da conversação.
Depois, ou tro gênero convenciona l, a carta, é usado para so li citar mais in- >,
rc
: =i
formações. Esses dois gêneros estão imbricados dentro do gênero conven- >

175
cional do anúncio pub licitário, contendo a linha padrão de assinatura, lo-
gotipo e demais deta lhes. O objetivo é atrair a atenção do potencial cliente
através de estratégias d iferentes dos convencionais dizeres e figuras .

Algumas vezes, os pub licitários podem recorrer, em um anúncio,


ao uso muito sutil e inte ligente de chamadas sugestivas a fim de " condu-
zir objetivos particu lares" dentro do propósito comunicativo socialmente
re conhecido de promover um produto ou serviço, como encontramos na
segu inte chamada para financiamentos habitacionais :

" Fl exibi li dade incomum. Gerenciamento habitaciona l internacio-


na l do ... "

A chamada pode parecer perfe itamente norma l em uma situação não


marcada . Contudo, no contexto loca l imediato, ela não é nem inocente nem
direta. O anúncio apareceu um dia após o governo de Hong Kong impor
contro les ma is rígidos sobre as insti tu ições finance iras hipotecárias, reduzin-
do os limites de financiamento para compradores de propriedades particu la-
res de 60 para 50 por cento no caso de apartamentos ava li ados em mais de
5 mi lhões . Diante disso, é perfeitamente aceitável a estratégia convencional
de oferecer serviços que se adequassem às exigências individuais dos clien-
tes; contudo, a intenção particu lar é dar aos clientes inteligentes a pista sutil
de que o banco em questão é de uma "flexibi lidade incomum" .

Embora seja verdade que, de todos os gêneros profissionais, os


gêneros promocionais, em particu lar os pub licitários, são os que exibem
maior criatividade na construção e no uso dos recursos genéricos, os de-
mais gêneros podem ser igua lmente vulneráveis . Às vezes , esse tipo de

VI
criatividade e variabilidade resu lta na inviabi liza ção de tentativas de iden-
ro
"ü tifica ção do gênero. O caso dos gêneros introdutórios que freqüentemente
e::
<QJ
: ::::,
cr são encontrados nas páginas iniciais dos livros é interessante . Os termos
w
V'\ " introdu ção" , " prefá cio" , "apresentação" e "agradecimentos" são todos
O.J
V'\ usados na indústria editoria l com um grau notáve l de flexibil idade, de
e
cu
e: modo que até o melhor dos dicionários desistirá de distinguir precisamente
<CU
l.!:l
entre os três primeiros , isto é, " introdu ção", prefácio" e " apresenta ção" .

176
Consideremos os seguintes exemp los e vejamos como os praticantes os
exploram em várias trocas e combinações .

INTRODUÇÃO

A aná lise do d iscurso investiga como recortes da língua , consi-


derados em seu contexto textua l, socia l e psicológico integral,
tornam -se sign ificati vos e únicos para seus usuários .. . [continua
discutindo sobre a área, indicando sua importância para o ensino
da língua]

Este livro ob jetiva exp licar a teoria da aná lise do d iscurso e de-
monstrar sua re levância prática para o ensino/ aprendizagem da
língua . A Parte l examina ... a Parte 2 explora .. . {continua descre-
vendo o conteúdo do livro}

Gostaria de agradecer a várias pessoas por sua amizade e ajuda ...


[a introdução termina com os agradecimentos] (Cook, 1989) .

PREFÁC IO

Atualmente, pode-se dizer que o maior problema que enfrentam


os que planejam programas de ensino de língua estrangeira e,
ultimamente, os produtores de material, no campo de Língua
para Fins Específi cos , é como definir de forma vá lida a compe-
tência comunicativa desejada ... {a introdução tenta estabelecer
um nicho para o livro}

Na preparação deste livro, fui influenciado, em um macro-nível,


pe los traba lhos socio lingüísticos de De li Hymes e Michae l Halli-
day e, em um micro-nível, particu larmente , pe la obra de Henry
Widdowson , David Wi lkins ... {a introdução termina com agrade-
cimentos] (Munby, 19 7 8) .

APRE SENTAÇÃO

Este livro, baseado na s au las dadas no Curso Regular de Fonéti-


ca da Universidade de Edimburgo, pretende introduzi r o assunto

177
do modo como ele é tradicional mente entendido no Ing laterra : tro-
to ... o fonético como porte do lingüístico geral ... [começo descreven-
do positiva mente e explicando o orientação teórica do livro]

M inho dívida com os grandes foneticis tos do tradição de fa lo


ingleso - A lexo nder M elvi ll e Be ll , Alexonde r J. Elli s, Henry Sweet,
Dan iel Jones, Kenneth Le e Pike - deve revelar-se qua se em cad a
página . Devo agradecimento s especiais o .. . [a introdu ção term i-
na com ag radecimento s] (Abercrombie , 1967) .

Os três exemplos, embora recebam nomes diferentes, mostram um


grau notá vel de justaposição em conteúdo e intenção comunicati va , uma
vez que todos começam com uma descrição positi va do livro, seguida
dos agradec imentos do autor. Embora , como Swales (l 990) afirma cor-
retamente, os membros especializados das comunidades profissionai s no-
meiem certas classes de eventos comunicativos como gêneros, esses mes-
mos construtos genéricos são freqüentemente manipulados pelos membros
expe ri entes da comunidade para refletirem a realidade em transforma ção
no mundo profissional.

7.4. Gênero e autoridade


Nas seções anteriores deste artigo, afirmei que os gêneros derivam
sua autoridade das conven ções , que se baseiam na cren ça de qu e to da s
a s forma s discursi vas, especialmente aquelas usadas em contextos institu-
cionalizados , são socialmente determinadas . Como afirma Bruffee (l 986 ,
p . 777), há sempre uma espécie de "consenso ou concordância " entre os
membros das comunidades discipl ina res específi cas em estruturar o co nhe-
cimento através de formas discursivas específicas . Goodri ch (l 987) tam-
VI
ro bém ex pl ica essa institu cionaliza ção de práticas d iscursivas em term os de
-;::;
e:::
<CJ
! =:l
um a "au tori a soc ial ", por opo sição à tradicional auto ria ind ividual.
c:::r
Cl)
V'\
(l)

V'\
o O d ire ito a um di scurso é orga nizad o e lim itado por uma am plo
w
e::
< (l) variedade de meios, como pa péis pa rticu lares, status, profissões
\.!:)

178
e assim por diante. Seme lhantemente, a institucionalização do
discurso é limitada em termos de sua apropriação legítima e das
situa ções restritivas de sua recepção - igreja, tribunal, escola,
campanhas eleitorais, etc.

Foucault (198 1) também vê a autoria social do discurso em termos de


status institucional do falante e de lugares institucionais a partir dos quais o
falante autorizado faz seu discurso e de onde o discurso recebe sua "fonte
legitimadora e ponto de ap licação", quando diz:

Quem está fa lando? A quem, de ntre a tota lidade dos falantes


individuais, é dado o direito de usar esse tipo de li nguagem?
Quem está qualificado para tanto? Quem deriva disso sua qua-
lidade especia l, seu prestígio, e de quem, por outro lado, ele
re ce be, se não a segurança, pe lo menos a presunção de que
o que diz é verdadeiro? Qual é o status dos indivíduos que -
sozinhos - têm o direito, sancionado pe la lei ou pe la tradição,
juridica mente definida ou espontaneamente aceita, de proferir
tal discurso?

Como outras formas de discurso, os gêneros são socialme nte constru-


ídos e, mais ainda, intimamente contro lados pe las práticas sociais. Gêne -
ros são o meio atra vés do qual os membros de comunidades profissionais
ou acadêmicas comunicam-se entre si . Os gêneros estão, como afirmam
Berkenkotter e Huckin (1995),

... intimamente ligados à metodologia de uma certa disciplina ,


e empacotam a informação de modo a se ajustarem às normas,
valores e ideo logia da disciplina .

Da mesma forma, Myers (1995) assevera :

179
As disciplinas são como cultura s em que os memb ros possuem
crenças compartilhadas e assum idas como certas ; essas cren ças
podem ser mutuamente incompreensíveis de uma cultura paro
outro ; sõo co dificadas em uma língua ; são in corpo radas em prá-
ticas ; novos membros são admitidos através de rituais . (Myers,
1995, p. 5)

O consenso é alcançado e negociado por me io de práti cas e de


diálogo profissional entre os membros instruídos e praticantes de uma co-
munidade profissional. A interação e o diálogo possibilitam o consenso,
por um lado, e têm um efeito regulador ou limitador quanto ao que pode
ou não ser admitido no conjunto do conhecimento de uma comunidade,
por outro lado.

Os gêneros, desse modo, são socialmente autorizados por meio


de conve nções e inserem-se nas práticas discursivas dos membros de
cu lturas disciplinares específicas. Essas práticas discursivas, em grande
parte, refletem não somente as convenções utilizadas por comunidades
disciplinares específicas, ~as também as conven ções sociais, inclui ndo
mudan ças sociais, instituições sociais e conhecimento socia l, que, de
certo modo, podem ser vistos como contribu ições significativas para o
que a teoria de gêneros chama de "conhecimento de gêneros". Gêne-
ros são produtos de uma compreensão ou de um conhec imento prévio
de convenções genéricas. Essas convenções genéricas são responsáveis
por regular os construtos de gêneros, atribuindo-lhes o que temos cha-
mado de integridade genérica . Somente os membros da comunidade
especializada que adquiriram o direito de apropriar-se das formas dos
gêneros têm o poder tanto de construir, interpretar e usar os recursos
genéri cos como de explorá-los na criação de novas formas, misturar
VI
ro padrões de gêneros e também controlar as respostas dos que estão
· ;::::;
e:::
<O.J
: ::::i
fora da comunidade . Não há me lh or ilustração do provérbio "conhecer
0-
.w
VI
é poder" que essa do poder dos gêneros . O poder de usar, interpretar,
(
OJ
VI
explorar e inovar formas genéricas é uma função do conhe cimento ge-
e
Cl.l néri co a que somente têm acesso os membros leg itimados das comuni-
e:::
<Cl.l
l..:;:l dades dis ciplinares .

180
Embora a boa compreensão do co nhecimento genérico seja pré-re-
quisito para qua lq uer manipu lação dos recursos dos gêneros, ela de modo
a lgum é suficiente para que tai s inovações e explorações sejam aceitas pela
comun idade disciplinar. Kress (1987) menciona dois importantes critérios
pelos quais as inovações nos gêneros são aceitas : se elas são apoiadas ou
por uma situação socia l estáve l ou por uma autoridade .

A menos ... que haja uma mudança nas estruturas socia is - e


no tipo de situações sociais em yue os textos são produzidos
- as novas fo rmas genéricas difi cilm en te terão sucesso . É por
isso que inovações infantis fa lham; não porque não sejam so-
lu ções perfeitamente plausíveis para prob lemas te xtua is/ cog-
nitivos, mas porque não são apoiados nem por uma situa çã o
socia l estável nem por uma "a utoridade" . Neste último caso,
um escritor " de autoridade" cria uma nova forma genérica que,
apa rentem ente, somente tem sucesso em estabe lecer uma nova
convenção genérica devido à autoridade do escritor. (Kress,
1987, p. 42)

Continua ele:

Os gêneros são construtos culturais, eles são como a cultura


determina que sejam. Desafiar os gêneros, portanto, é desafiar a
cu ltura ... (Dixon) e eu estamos numa posição em que podemos
arriscar e ta lvez conseguir isso. Todavia, parece-me inteiramen-
te inadequado pedir que outros menos capacitados carreguem
esse fardo ... (Kress, 1987, p. 44)

Como essas comunidades disciplinares rea lmente mantêm o que te-


mos chamado de integridade genérica em suas práticas discursivas? Veja-
mos isso em algumas das comunidades profissionais mais familiares .

181
7.4.1. Mantendo a integridade genérica
Em algumas formas do discurso acadêmico, especialmente nos arti-
gos de pesquisa, podem-se ver, geralmente, dois tipos de mecanismos em
ação para assegurar a integridade genérica : o processo de revisão em pa-
res e a intervenção editorial. Ambos os mecanismos, mesmo operando em
diferentes níveis, são ativamente invocados para assegurar que tod os os
relatos de co nhecimento novo estejam em conformidade com os padrões
de comportamento institucionalizado que são esperados pela comun idad e
da disciplina específica dos revisores em questão. Embora possam variar
os ju lgamentos individuais entre os membros de comunidades disciplinares
específicas, muitas vezes se garante um alto grau de consenso pe la se le-
ção de especialistas da mesma linha de pensamento, em um quadro bem
definido de fronteiras disciplinares . Por exemplo, se examinarmos alguns
periódicos que regularmente publicam artigos sobre análise do discurso,
descobriremos que, embora todos publiquem artigos sobre vários aspec-
tos do discurso, eles possuem com issões ed itoriais muito diferentes, que
examinam reivindicações de inclusão de material nas respectivas revistas .
Caso encontremos nomes como Cazden, Geertz, Goffman, Gumperz,
Hymes, Milroy, Saville-Troike, Scollon , Tannen ou Zimmerman no comitê
editoria l de uma rev ista, podemos seguramente apostar que eles dificil -
mente aceitarão artigos sem uma perspe cti va soc iolingüística do discurso .
Artigos que tratem de ou tros aspectos do discurso provavelmente serão
desen cora jad os ou mesmo rejeitados . Por outro lad o, se encontramos no-
mes como Ackerman, Bazerman, Berkenkotter, Comprone, Doheny-Farina ,
Huckin, Linda Flower, Miller ou Odell , podemos esperar que artigos com
uma forte orientação retórica serão bem-vindos . Semelhantemente, diante
de nomes como Carter, Christie, Ha lliday, Hasan, Kress, Martin e Rothery,
chegaremos à inevitáve l conclusão de que a revista favore ce rá uma visão

VI
mais sistêmica do discurso .
ro
· .::::;
e::: Depois da revisão em pares, a segunda interven ção mais importante
<Cl.l
: ::::>
o::::r- vem dos ed itores, que desfrutam de todo o poder imagin áve l para manter
.e;
(l) a identidade e a integ ridade do gênero art igo de pesquisa . Berkenkotter
V'\
o e Huck in (l 995) registram um estudo profundo e fascinante desse tipo de
ã:i
e:::
<OJ co ntro le editorial na manuten ção da in tegridade genérica . Esses autores
1-:::i

182
afirmam q ue a "atividade te xtual " é tão importante para a construção e
divulgação do conhecimento quanto a "ativi dade científica" .

A importância da d ivulgação do conhecimento como a lgo distinto de


sua criação também recebe destaque pela importância dada, em pub lica-
ções acadêmicas, à descrição de pesquisas anteriores. Para se obter acei-
tação pe los co legas pesquisadores da comun idade especia li zada, deve-se
relacionar o conhecime nto a legado com o conhecimento acumu lado na-
quela discip li na, sem o que dificilmente se terá a própria contribuição para
a área reconhecida e pub li cada. Nesse contexto, não surpreende que a re -
visão da literatura ocupe um lugar de importância no repertório de habi li-
dades do pesquisador na maioria das discip li nas acadêmicas. Referindo -se
à importância da citação no traba lho de pesquisa científica, Amsterdamska
e Leydesdorff (1989) afirmam:

No artigo científico "o novo encontra o velho" pela primeira vez .


Esse enco ntro tem um dup lo significado, uma vez que os artigos
não só justificam o novo demonstrando que o resultado é asse -
gurado por experimentação, observação ou teorização prévia,
mas também si tua m e integram as inovações no co ntexto do
co nhecime nto "ve lho" e aceito ... As referências que aparecem
no texto são a maneira mais exp lícita de retratar os argumentos
apresentados no artigo em re lação com outros textos e também,
por conseqüência, com um tipo específico de con hecimen to .
(Amsterdamska e Leydesdorff, 1989, p. 45 l)

7.4.2. Mantendo a solidariedade dentro de uma comunidade profissional


Uma das características mais notáve is de qualquer comunidade dis-
cursiva acadêmica ou profissional é a disponibilidade e o uso típico de
uma série de gêneros apropriados, que os membros pensam servir aos
objetivos daque la comunidade . O uso recorrente de tais formas discursivas
cria solidariedade entre os membros, conferindo-lhes sua arma ma is po-
derosa para manter os estranhos à comunidade a uma distância segura.
Hudson (1979) corretame nte argumenta: "Se alguém quisesse matar uma

183
profissão, destruir suo união e suo força, o maneiro mais eficaz serio proibir
o uso de suo linguagem característica ." (Hudson, 1979, p. l ).

Diante disso, não surpreende que a maioria dos tentativas , por po-
derosos lobbies reformistas, de introduzir o inglês comum nos con textos
leg islativos de muitos democracias ocidentais é vista como uma imposição
de foro e tem sido firmemente rejeitada pela comunidade legi slativo profis-
siona l. Paro trator do contexto em que os leis são redigidos, interpretados
e usados, precisamos adotar uma perspectiva etnometodológico e enfocar
o gênero em seus próprios termos.

O princ ipa l propósito da legis lação, como demonstro Bhotio (l 993),


é reger o comportamento socia l de indivíduos e instituições através do
uso de regras e normas . A fim de manter firme o contro le nos mãos do
poder legis lativo, e não do judi ciário, em uma democracia parlamentar, os
atos constitutivos são escritos não somente de formo clara, preciso e sem
omb igüidod es, mos também de maneiro totalmente inclusivo . Esse rigor e
o adequado delimita ção do alcance no legis la ção ajudam o legis latu ra o
contro lar uma interpretação totalmente subjetiva e idiossincrática dos có -
digos legais. Essa preocupação por parte da comunidade redatara sempre
foi de grande importância . Todas os demais preocupações, especialmente
os re lacionados com a fa cilidade de compreensão, têm desempenhado
um pape l secundário no co nstru ção desse gênero. Conseqüentemente,
vários tentativas de reformo do linguagem lega l, inclusive por porte do
campanha pelo ing lês comum (ver Thom as, 1985; Eogleson, 1988 ; Ke lly,
1988), têm alcançado, em sua maio r parte, um sucesso muito limitado,
pelo simp les foto de que são vistas como transgressões da integridade
genérica de todo o tradição do processo legis lativo. Embora o movimento
pe lo ing lês comum tenha sido bem sucedido em influenciar a reescrituro de
documentos administrativos e comerciais em geral (inclu indo apólices de
seguro, contratos de aluguel residencia l, declara ções do imposto de ren-
da, solicitações de benefícios sociais e outros documentos, possibi litando
maior acessibilidade e praticidade a uma ampla parcela da sociedade), no
que diz res peito às cláusu las legais, tem sido incapaz de flex ibiliza r signi-
ficativamente a atitude dos legisladores em muitos países da comun idade
britânico . O argumento paro a preservação das característicos dos gêneros

184
do discurso jurídico é o de que o verdadeiro poder legislativo, em todas
as democracias parlamentares, deve permanecer com os legisladores, e
não com o judiciário. Essa é uma das importantes razões por que clareza,
precisão, não-ambigü idade e caráter inclusi vo são va lores tão altamente
cultivados no discurso leg islativo britânico, o que confere aos propósitos
legislativos um grau relativamente elevado de transparência.

Embora, como Fairclough (l 992 , p . 22 l) ressalta, a crescente pres-


são pela "democratização" das práticas discursivas em diversos outros con-
textos profissionais esteja conduzindo a uma "fragmentação das normas
e convenções discursivas", uma pressão semelhante para que se redijam
lei s em ing lês comum tem sido consistentemente, e com muito sucesso,
rejeitada pela comuni dade legislativa de forma quase global. Os lobbies
reformistas em muitos países, especialmente nos Estados Unidos, estão se
tornando extremamente agressivos, mas é pouco provável que consigam
re duzir significati vamente a chamada integridade dos gêneros legislativos,
pelo menos em um futuro próximo. A comunidade legal tem sido bem su-
cedida em resistir a qualquer tentativa por parte de estranhos à comunida-
de no sentido de minar a integridade genérica de algumas de suas formas
discursivas mais prestigiadas . Obviamente, os membros da comunidade
legal valorizam suas práticas discursivas e as usam para manter a solida-
riedade dentro da comun idade .

7.4.3. Acesso privilegiado a práticas discursivas


Se, por um lado, as convenções genéricas dão expressão apropriada
às intenções comunicativas dos escritores de gêneros (que são membros de
uma dada comunidade discursiva), por outro lado, estes também tentam
adequar suas intenções às expectativas dos leitores a que se dirigem . Isso
somente é possíve l quando todos os participantes compartilham não só
o có digo, mas também o conhecimento do gênero, o que inclui conhe-
cer sua construção, interpreta ção e uso . Uma implicação necessária desse
co nheci mento comparti lhad o do gênero é que este normalmente não é
acessível a estranhos, o que cria uma espécie de distância soci al entre os
membros legítimos da comunidade discursiva e aqueles que são conside -
rados como estranhos. Embora o co nhecimento compartilhado crie condi-

185
ções de homogeneidade para os que pertencem à comunidade , ao mesmo
tempo inte nsifica a distância socia l entre estes e os que não pertencem ,
res ultando , a lgumas vezes, em conseqüênc ias desastrosas para quem não
tem acesso a ele . Esse conh ecim ento po de res id ir na fo rma dos recursos
lingüísti co s uti lizados para construir um gênero; ou na percepção da s re-
gras de uso da linguagem , a lgumas das quais são socia lmente aprendidas,
como aque las associadas ao discurso de sa la de au la ou a outros gêneros
acadêmi co s, enquanto outras podem se r legal mente reforçadas, tal como
aque las relacionadas a procedimentos forenses . O tribuna l é um contexto
a ltamente forma l em que a ap lica ção da justi ça depende essencia lmente
da contrib uição dada pelas testemun has; no entanto, todas as formas de
comportamento, inclusive quem diz o quê, estratégias de perguntas e res-
postas dos participantes e mesmo o conteúdo das perguntas e respostas,
são estritamente controladas pe las regra s do jogo, as quais a maioria das
testemunhas norma lmente desconhe ce . Poucas testemunhas detêm qua l-
quer conhecimento sobre como sua contribuição é receb ida , interpreta-
da e usada pe los participante s a uto ri zados . All en e Guy (1989) (citando
uma comunicação pessoal de Worthington , 1984) relatam um excelente
exe m plo dessa fa lta de con hec imento comparti lhado em uma audiên cia
de tribu nal :

U m po licia l, em seu d ia de fo lga , baleo u e matou um intruso


dentro de uma loja . A investi gação havi a apresen tado um jogo
de ferrame ntos de arro mbame nto nos fu ndos da lo ja . O promo-
to r tentava provar q ue não havia base para pres um ir intenções
crimin osas, e que tinha havido um assass in ato a sa ngue fri o. A
es posa da vítima estava testemun hando para a pro moto ria . A
seg ui r, um trecho do interrogató ri o pe la defesa :
VI
ro
·;::;
e::
<CJ
:::::::> Advog ad o de defesa : Pod eria dizer à co rte e aos jurados
c:r
·w
V, qua l era a ocupa ção de se u ma rid o?
Q.I
V,
Esposa : Ele era um assalta nte .
e
Q.I
e:::
<Q.I
\.!:I

186
Isso deu suporte à alegação, por pa rte da defesa, de intenção
criminosa e garantiu a absolvição do pol icial.

Se a esposa estivesse pelo menos um pouco mais fami liarizada com


as convenções do depoimento em tribuna l, o traba lho do advogado de
defesa não teria se tornado tão fác il.

Outro exemp lo do uso de conhecimento interno para se ter acesso


à informação pode ser ilustrado pe la seguinte chamada pub licitária do
"Schroder Singapore Trust":

"O Schroder Si ngapore Trust cresceu mais de 60% em 3 anos"

Essa informação pode ser extremamen te enga nosa, a não ser para
quem está bem consc iente das prá ticas d iscursivas da comun idade pro -
fissiona l dos agentes financeiros. Qua lquer um que ten te ente nder a
afirmação deve saber que esse c rescimento de 60% em três anos, em
seu valor nom ina l, pode ser no m ínimo enganador. Embora o anúncio
inclua a costumeira ressa lva regu lamentar em forma de nota em letras
miúdas dizendo que "o desempenho anterior não indica necessaria-
mente o desempenho f uturo, o preço das co tas tanto pode subir como
desc er, e não pode ser garantido", um leigo ainda pode ser levado a
pensar que seu investimento provave lmente lhe dará ·um retorno de
aproximadamente 60% . Por outro la d o, o fato é que o va lor das co-
tas pode ter caído 100% por vo lta do último ano , e ainda pode estar,
à época do anúncio, indicando uma tendência de queda . Há várias
outras perspectivas possíveis , só acessíveis para aqueles que detêm o
conhecimento do modo como esses gêneros fun c ionam , e não para
aqueles que estão de fora .
rt:l
-..;::i
Se, por um lado, o poder do gênero pode ser visto como uma força n::J
..e::
legítima freqüentemente usada para manter a so lidariedade dentro de uma =
:X:
comunidade d iscip linar, por outro lado, essa força pode ser usada para >,
n::J
:=,
manter os de fora da comunidade a uma distância respe itáve l. Por um >
lado, ela capacita uns, os membros da comunidade, enquanto, ao mesmo
tempo, si lencia a outros, especia lmente os de fora.

7.4.4. A função censora das comunidades discursivas


Berkenkotter e Huckin (1995), em seu estudo sobre a admissão em
um congresso acadêmico, apresentam um interessante exemp lo da força
do co ntro le genérico em contextos bem definidos . Com base na aná lise de
resumos submetidos à Conferência sobre Comunicação e Redação Univer-
sitária (CCRU), os autores afirmam que "os resumos bem ava liados .. . abor-
davam tópicos de interesse corrente entre os membros ativos e experientes
da comunidade retórica e de produção de textos", "e ram considerados
inovadores pe los membros experientes" e geralmente "projetavam o ethos
dos membros [da comunidade]" . Baseados em seu estudo dos resumos da
CCRU, nos quatro anos entre 1988 e 1992, os autores descobriram dois
níveis principais de censura:

(a) a críti co externa e (b) o diretor do programa. Observamos


muitos casos em que os analistas atribuíram o co nceito Excele nte
a um resumo e, mesmo assim, ele não foi incluído no programa .
Pres umivelmente, o diretor discordou do julgamento dos ana-
listas ... Em síntese, todo congresso levo a marca de seu censor
principal. (Berkenkotter e Huckin, 1995, p . 115)

Mais adiante, os mesmos autores afirmam que:

Em um caso particularmente infeliz, um resumo muito interes-


sante foi submetido à área de Comunicação Técnica certo ano,
quando re cebeu o co nceito Excelente do revisor e do diretor do
programa, mas não foi incluído no programa (presumivelmente
porque "não se encaixava"). Foi levemente revisado e novame n-
te submetido, no ano seguinte, à área de Análise do Discurso.
Oulra vez rece beu co nceito Exce lente, mas não foi incluído no
programo. A autora desse resumo prova ve lmente nunca soube

188
que tinha prod uzid o um resumo exce pcional. Tudo que ela deve
ter ficado sabend o foi que seu arti go tinha si do rej eitado pelo
pro grama . (Berken kotter e Hu cki n, 1995, p. 11 5).

7.5. Hegemonia e inglês mundial


Outro aspecto importante do contro le de gêneros surge da qu estão
da atitude hegemônica na manuten ção dos padrões genéricos, que em
grande parte do discurso e dos estudos de gên ero contemporâneos são
essen cia lmente dominados e até determinados por conven ções o cide ntais .
Conquanto seja verdade que o inglês é a língua g lobal mais do minante e
mais amp lamente utilizada tanto para fins acad êm icos como profissionais,
ele não é mais p ropriedade exclusiva de qua lquer comun idade na cional,
seja elo britân ica , ame ricano , austral iano ou qualquer outra . À se melhan ça
do críquete, também a língua ing leso se torno u mais uni versa l não só em
seu uso, como em seu caráter. Cons iderando-se a atua l rea lidade da va -
riaçã o no ing lês, torna-se ne cessário pensar em termos de línguas ingl esas
do mundo, e não da língua ingl esa como uma única variedade mon o líti ca
d o ingl ês . Essa vari ação no uso do ingl ês ao re dor do mundo tem alcan -
çad o um cresce nte reco nh ecime nto po r pa rte da literatura socio ling üística
nos últimos dez anos . No entanto, em a lguns dos gêneros, em especia l
aq ue les usad os na acad emi a , o po der de co ntro lar e ma nter os padrões
ge néricos pode ser, e muitas vezes é, atrib uído à com unidade domina nte,
que, sem dúvida, trata- se da co munidad e oci dental. O que qu er que pa-
re ço difere nte d as norm as estabelecidas pe la comunid ade dom ina nte será
vi sto com o defi ciente e co mo precisa ndo de correção .

Em algumas áreas, os escritores de gênero s têm se torna do cad a


vez mais sensíve is ao co nhecimento local e têm co m eçad o a construir,
interpretar e usar os gêneros em formos que evidenc iam ta l sensibi lidade,
espe cia lmente no caso da pub lici dade e de alguns outros gêneros come r-
ciais, em q ue tem se to rn ado uma prática hab itua l o desenvolvimento de
equipes locais para atua r ao lado dos estrangeiros no maioria das emp re-
sas mu lti naciona is de p ubli cid ade . Tam bém não é d ifíci l entender a razão
de ta l sens ibi lida de. No caso dos gêneros acadê micos, especia lmente na
pub lica ção de pesquisas, as po líti cas ainda são co ntro ladas pe los detento -

189
res do poder. Boa parte do discurso acadêmi co ainda não consegue reco-
nhecer as fontes de variedades, especia lmente aquelas da marginalidade
e da exclusão, dando a impressão de que não há , ou não deve ria ha ver,
nenhuma va riação no modo como os gêneros são co nstruídos, interpreta-
dos e usados .

7.6. Implicações para o ensino de língua


Quais são as implica ções de tudo isso para o ensino de língua?
A anál ise aplicada de gêneros, ao contrário de muitas outras estruturas
analíticas, não é estática nem prescritivo. Potencialmente, ela é dinâmi-
ca e descritiva . Cabe ao professor de línguas usá-la do modo que dese-
jar, ou para uma exploração inovadora dos recursos genéricos ou para
uma exposi ção limitada dos contextos genéricos padronizados . Embora
se ja essencial para o aluno a familiaridade com as convenções genéricas
especificamente associadas a um contexto profissional particular, não é
necessário nem desejável restringir a experiência do comportamento lingü-
ístico apenas aos aspectos convencionais e padronizados da construção e
do uso dos gêneros .

Como é possíve l usar de criati vidade no ensino/ aprendizagem de lín-


gua com base nos gêneros? Uma vez que a análise de gêneros fornece
uma descri ção sólida do comportamento lingüístico em contextos profissio-
nais, é possível introduzir uma boa dose de criatividade no ensino da lín-
gua , adaptando os propósitos comunicativos, a natureza da participa ção
em um dado contexto comunicativo, a relação social e profissional entre
os participantes de um exercício de construção de gênero qualquer e, aci-
ma de tudo, apresentando a variabilidade no uso de estratégias genéricas
para o alcance de propósitos comunicativos similares .

Devo dizer que há duas esco la s de pensamento : os que crêem no en-


sino exp lícito de gêne ros, especia lmente nas regularidades de forma te xtual
e tipifica ção, e outros que cons id eram isso muito limitad or e defendem a
livre ex pressão . Contudo, a verdade está em algum ponto intermediário.
Todos os gêneros, primários ou secundários, envolvem regu laridades e,
portanto, ess as regu laridad es devem ser aprendidas por qualquer um que

190
a lime nte a mínima ambição de participar de uma comunidade disciplinar
especia lizada . Como afirma Bakhtin (1986, p. 80), "os gêneros devem ser
perfeitamente dominados, para serem usados criativamente" .2

No entanto, para fa zer disso uma realidad e, o primeiro pré-re q uisito


é estar consciente do conhecimento conven ciona l situado dentro de um
gênero discipli nar específico ou dentro de um " sistema de gêneros" .

Bazerman (1993) tenta resolver essa tensão entre a expressão institu-


cionalizada e a expressão individual quando afirma :

... o indivíduo aprende a expressar a si mesmo em fa ce a uma


sociedade compu lsiva ... não somos nó s mesmos porque nos po -
sicionamos separados uns dos outros . Tornamo-nos nós mesmos
quando nos percebemos na rela ção com os outros. Social é tudo
que fazemos uns com os outros e o que nos tornamos por ass im
fazê- lo . Individualizam o -nos ao nos identificarmos dentro de um
panorama social, um panorama que se dó a conhecer à medida
qu e interagim os com ele. Desco brim o -no s e criamo-nos a nós
mesm os e a os ou tros por me io d o que faze mos uns com os ou -
tros. (Bazerman , 1993, p. viii)

Há pelo menos três coisas que se destacam claramente da discussão


precedente . Em prime iro lu gar, os estud antes da língua devem ter cons-
ciên cia dos diá logos na comunidade discip linar à qual aspiram para se
tornarem membros; esses diálogos podem se realizar através da " partici-
pa ção centrípeta no currícu lo de aprendizagem da comunidade ambiente"
(Lave e Weng er, 1 991 , p. 1 00) . Em segundo lu gar, a aquisi ção do conheci-
mento de gênero, que leva a uma compreensão da integridade genérica, é
necessá ria , mas nã o sufi ciente para qua lquer explora ção ou manipu lação
su bseq üente das co nvençõ es g enéri cas . Finalme nte , o co nh ecimento de
gêne ros deve ser visto preferencia lmente como um recurs o para a ex pio -

2 . N . T. : No edição em porluguês, o texto de Bokhtin diz: " ... poro usá-los livremen te , é preciso um
bom dom ínio dos gêneros" (Bak htin, M . M. Estética do criação verba l. 2 . ed . São Paulo: · ·. arlins
Fontes, 199 7, p. 303 .)

191
ração das convenções genéricas, a fim de responder a situações retóricas
recorrentes, ou nem tão recorrentes , e não como um esquema a ser co-
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rc
·..;:::;
rtJ
..e:
=
:::.:::

195
00
Repensando gêneros: nova abordagem ao -o
conceito de comunidade discursiva''(
John M. Swales

Como muitos de nós aqui, vim repensar os gêneros acompanhado


de textos anteriores e de uma bagagem curricular que em parte confirma,
em parte define e em parte dificu lta o percurso do pretenso viajante . No
momento em que nos reunimos para repensar gêneros, seria aconse lhável
reconhecermos que, como teóricos e ana listas, nós mesmos somos molda-
dos por nossos fins , para os ·quais nosso trabalho com gêneros não passa
de um meio . Poro a lguns de nós, o estudo dos gêneros é um empreendi-
mento essencialmente acad êm ico, talvez histórico, retórico, sociológico ou
tecnológico . Embora possamos facilmente apreciar este último em termos
de traçar os efeitos das novas tecno logias sobre os gêneros - como mostra
a recente onda de interesse em correio eletrônico - podemos ainda nos
sentir distantes de nossos co legas europeus, que co nsideram haver uma
necessidade de relacionar os gêneros ao estabelecimento de terminolo-
gias técnicas além da terminologia lingüística . Poro outros, o estudo de
gêneros consiste em uma matriz que abrange a erudição acadêmica, um
se leto ensino de pós-graduação ou formação de professores e a instrução
direta por meio da língua escrita ou falada. Para outros, ainda, a análi-
se de gêneros é primariamente uma maneira de ajuda r os seus alunos a
com preender o mundo - tal vez isso se ja mais óbvio em parte da Austrália ,
onde os gêneros fornecem boa parte do suporte curricular desde o ensino
fundamental até o ensino médio. Em tudo isso, nossa posi ção como pro-

• Tradu ção de Benedito Gomes Bezerro .

107
fessores, bem como nossos antecedentes acadêmicos, influenciarão nossa
maneira de conceber e de propor o conce ito de gênero. Será importante,
por exemp lo, para nossos a lu nos que se encontrarem no estágio inicial,
médio ou avan çado de socialização dentro das comunidades disciplinares,
assim como para os que forem falantes nativos ou não-nativos da língua
de socia lização . Permitam-me ilustrar, brevemente, este último aspecto .

Como afirmei em outro trabalho (e aqui vamos nó s ao s textos ante-


riores novamente), se nos en volvem os na tentativa de ajudar falante s não-
nativos, não podemos deixar de considerar aspectos de superfície . Não im-
porta com que mais estejamos envolvidos, não importa se compartilhamos
com nossos co legas a moda top-down, o que não podemos é negligenciar
pronúncia , fraseologia, gramática e coisas seme lhantes . Podemos (po r
exemp lo) verificar bem claramente essa "deformation professionelle", os
ossos do ofício, no bem conhecido par de livros didáticos de Tom Huckin
e Leslie O lsen . Até a comparação mais casua l mostrará a grande atenção
dispensada às regras e usos do sistema de artigos do inglês em uma versão
para falantes não-nativos. Para o fa lante não -nativo, mesmo o elaborado
tratamento dado por Huckin e O lsen pode não resolver o problema, pois,
no uso do artigo pe las diversas áreas disciplinares, há varia ções sutis que,
suspeito, são adquiridas subconscientemente pelos falantes nativos, mas
continuam assombrando e confundindo o não-nativo . Considere -se o caso
deste so litário subsistema do inglês, o artigo genérico, como em " The mind
is a window unto the soul " (A mente é uma ;anela para a alma) .

Penso que pode ser demonstrado que os usos genéricos aum entam
considerave lmente no nível da forma lidade e nos níveis da abstra ção e

.!!!
da generalização . Como conseqüência, os a lunos de pós -gradua ção não
ro
:::J
........ podem evitá- los faci lmente . A lém disso, penso que pode ser demonstrado
X
......
(lJ
que os genéricos tendem a ser assoc iados a certos tipos de declara ções
Vl
ro categóricas : declara ções tipicamente iniciadas com partes do corpo (a ca-
· .::;
e:::
< (lJ
: :::::i
beça , o fígado) ; espécies de organismos (a ameba, o sapo) ; partículas (o
0-
(lJ
V'I
nêutron, o fóton) ; certos construtos tecnológi cos (o gás cromatógrafo, a
(lJ

V'I
máquina de escrever); categ o rias ocupacionais (o professor, o a luno); e,
e(lJ não menos importante, em nosso contexto, os próprios nom es de gêneros
e::
< (lJ
~ (um requerimento, uma encíclica papal) . Podemos, portanto, demonstrar

198
que, de modo bem sutil, alguns assuntos, tópicos e tratamentos são mais
abertos a uma realização genérica, em oposição à indefinida , do que ou-
tros : a medicina mais que a engenharia elétrica; a pedagogia mais que
a economia; a história social mais que a história política. Para o falante
não-nativo, o uso do artigo genérico é uma difícil questão de sintonia
gramático-retórica; para o falante nativo, ele acontece naturalmente .

Assim, parece-me que, para usar o termo de Bakhtin - e não pela


última vez - precisamos reconhecer não somente o caráter relacional dos
gêneros, mas também o caráter relacional da análise de gêneros. Deste
modo, poderemos perceber que algumas diferenças existentes entre nós
são mais legítimas que outras. Mas não me entendam mal. Não estou pro-
curando justificativas auto-indulgentes sobre por que agimos do nosso jei-
to , nem se trata de um retrocesso medroso da interdisciplinaridade, nem de
uma indiferença grosseira para com o trabalho dos outros. Tudo que estou
propondo é o reconhecimento sensível de que, assim como defendemos
os efeitos do papel da audiência, também precisamos praticá-lo entre nós
mesmos como um modo de legitimar nossas diferentes ênfases. Isso pode
explicar, em parte, por que ·alguns de vocês ficaram mais entediados do
que os outros com a minha breve incursão pelos usos do artigo genérico .
Posso co mpreender por que Carol Berkenkotter e Tom Huckin chamariam
seu estudo de "nós somos o que citamos" ; do mesmo modo, eu poderia
ch amar essa seção de " nós somos aquilo que fazemos" .

Também trago comigo um texto anterior, parti cularmente, no qual


te ntei definir o que é gênero . Então me lembro de uma citação que apren-
di em meus tempos de colégio, mostrando que finalmente a Idade Média
estava terminando na Inglaterra do princípio do século XVI. A citação era:
"Onde está Bohun? Onde está Mortimer? E, o que é mais importante,
onde está Plantagenet? Estão sepultados nas tumbas e sepulcros da mor-
ta lidade" . Neste momento, a versão paralela dessa citação adquire um
tom mais acusatório do que elegíaco . Diz ela : "Onde está Hall iday? Onde
VI
está Biber? E, o que é mais importante, on de está Bakhtin? Estão escon- .S!::!
ro
d idos nas páginas e capítulos dos livros dos senhores" . Então, prisioneiro ~
:E
desta tribuna, como poderia responder a essas acusa ções? Sobre Halliday, e::
..e::
rea lm ente não cu lpo meus companheiros . Após vinte anos, penso que re- . o
--,

199
almente gostaria de começar com algo um pouco além de " registro " e
" campo, modo e relação do discurso" . Sobre Biber, culpado , mas com
circunstâncias atenuantes . Biber alcan çou-me um tanto tardiamente no
processo de escrita, e li ve dificuldades tan to em a ce itar a ba se de corp us,
como em entender como um estudo que del iberadamente ignora com eço ,
meio e fim de textos poderia adequar- se a outro que tinha particular inte-
resse exatamente nesses começos , meios e fins . Culpado, quando muito,
de indolência . E, o que é mais importante, onde está Bakhtin? Culpado de
todas as acusações, lamentave lmente . Nada melhor que a resposta do Dr.
Johnson à dama que lhe perguntava : " Por obséqu io , Dr. Johnson, por que
o senhor define pastem , em seu dicionário, como uma parte do co rpo do
ca valo, se paste m é um tipo de portão ?" " Pura ignorância, senhora ." 1

Não posso descu lpar-me dizendo que estava trilhando um caminh o


diferente, com um fim defin ido e específi co. Precise i de meus novos men-
tores retóricos locais, Phillip Arrington e Don Bialostovsky, cinco anos antes
de vir a valorizar sua ajuda . Tudo que posso d izer é que, naquel es te m pos
obscuros, tudo o que conh ecia de Bakhtin provinha de informa ções de
segunda mão a respe ito de dialogismo . Assim , permitam-m e tentar um a
reparação tardia , e garantir- lhes que hoje meu exemp lar do longo ensaio
de Bakhtin sobre O proble ma dos gêneros de discurso encontra-se, como
diria um negociante de antigüidades, terrivelmente desgastado .

Como era de se esperar, interessa-me muito a distinção de Ba khtin


entre gêneros discursivos primários e secundários e sua afirmação de q ue
" os gêneros discursivos secundários (complexos) - romances, dramas, to-
dos os tipos de pesquisa científica, gêneros explicativos maiores, e outros
- surgem numa comunica ção cu ltural mais complexa, comparati vamente
bem desenvo lvida e organizada (primariamente escrita), que é artística ,
científica , sócio-política e assim por diante" (p . 62) . Também concordo
com as conseqüên cias disso . Citando Bakhtin novamente , " a diferen-
ça entre gêneros (ideológicos) primários e secundá rios é fundamental
e muito grande, e é exatamente por isso que a natureza do enunciado
deveria ser revelada e definida pe la análise de ambos os tipos" (p . 62) .

l . N.T. : Postem rea lmente desig no uma porte mínimo do pato do cava lo , si tuado um po u~o acima
d o casco do un ho .

200
Mas, é claro, há uma armadilha aqui. Se a diferença entre "bate-papo"
e, digamos, "mesa-redonda" é tão acentuada, tão fundamental , então
seria log icamente bastante espantoso que os gêneros secundários pudes-
sem ter se desenvolvido a parfir dos gêneros primários . Bakhtin enfatiza,
corretamente, a imporfância do desen volv ime nto histórico , e em anos re-
centes tem havido um expressivo número de excelentes relatos da história
dos gêneros, sendo não menos imporfante o estudo de Chuck Bazerman
sobre a evolução do arfigo científico a parfir, originalmente, de conjuntos
de observações em forma episto lar. Mas, a crer-se em Bakhtin, ainda
há a questão das discrepâncias . Permanece o enigma de como surge a
grande diferença entre nosso relato de testemunha ocular a respeito de
um incidente e sua versão no jorna l loca l (Zuck e Zuck, 1984). Ainda
mais comp licadas são as co isas, como as impressionantes diferenças en-
tre nosso comporfamento verbal falando ao telefone com um interlocutor,
por oposição a quando deixamos uma mensagem gravada . A evo lução
faz mais sentido após um longo espa ço de tempo . Com tantos gêneros
secundários se formando ao redor de nós, com tanta disponibilidade de
orientação instrucional dirig ida para esses objetivos, com tantas pessoas
produzindo exemp lares de gêneros a parfir de livros (como meus alunos
e seus resumos), pode ser que o lento e bastante natural pro cesso de
evolução adaptativa pareça cada vez mais com uma metáfora cuja força
foi reduzida . É possível que devêssemos brincar com outras imagens, tais
co mo a metamorfose .

Sobre o enunciado como unidade básica da análise do discurso,


Bakhtin é extremamente interessante, ainda mais quando fa la sobre re-
enfatização: o humorístico, o imitativo e o irônico-parodístico . Acerfada-
mente, Bakhtin chama nossa atenção mais uma vez para os aspectos de
jogo verbal dos gêneros discursivos em nosso reperfório. Desde o apogeu
de Goffman, parecemos tender a negligenciar esses aspectos em nossa
preocupação co m a teoria dos atos de fala, a força ilocucionária, as faces
V'l
negativa e positiva, os riscos e prob lemas da comu nica ção transcultural OJ
rn
e por aí afora . Como esta é uma época do ano em que muitos de nós ,.,.,3:
estamos escrevendo recomenda ções, permitam-me colocar como jogos ::i
e::::
verba is a lguns itens do " Léxi co das recomendações intencionalmente am- ..e:
o
--,

201
bíguos" ou LI AR 2 (Andrew Cohen) :

o) Você terá sorte se conseguir que esta pessoa trabalhe poro você.

b) Tenho o prazer de dizer que este candidato é um antigo co lega


meu.

c) Eu entusiasticamente recomendo este candidato sem qualquer qua-


lifica ção.

d) Posso garantir-lhe que pessoa nenhuma serio melhor poro o emprego .

e) Eu lhe recomendo o não perder tempo em fazer uma oferto de em -


prego o este candida to.

Mantenho, no entonto, uma certo oposição à concepção de Bokhtin


sobre o próprio conversação. Em meio ao seu ensaio, ele foz certos as-
serções o respeito do conversação que parecem vir de encontro à nosso
co mpreensão de bote-papo como um evento irrestrito, lo cal e mutuamen-
te negociado. O autor falo do exa ustividade semântico dos enunciados,
"o plano ou o vontade discurs ivo do folante, que determino o enunciado
inteiro, suo extensão e seus limites" (p . 77) e do inevitável rea liza ção de
enunciados em formos de gênero. Tudo isso me parece algo dema siada-
mente ordenado, planejado e teatral, lembrand o mais um diálogo dramá-
tico que o conversação em si . Contudo, lá poro o final do ensaio, Bokhtin
parece ter mudado de idéia . É verdade que ele ainda mantém firm emente
seu critério de definição: "os próprios limi tes do enunciado são determi-
nados pelo mudança dos tópicos discursivos", problematizando assim o
trotamento bokhtiniono dos interrup ções, interjei ções e coisos semelhantes.
Mos o partir doí temos um outro Bokhtin:

Os enunciados não são indiferentes un s aos outros, nem são


auto -suficientes : eles se pe rce bem e refletem mutuamente . Essa
recipro cidade determina sua natureza. Cada enunciado está

2 . N .T. : Em ing lês , " lhe Lexicon oi lntentiona lly Ambiguous Recommendations", LIAR (" mentiro-
so").

202
cheio de ecos e re ve rberações de outros en unciados com os
quais se rela ciono atra vés do comunidade de esfera comum de
comunica ção discu rsivo . (p . 91)

O diálogo interno de Bakhtin com seu próprio texto anterior parece


tê-lo levado finalmente a reafirmar seu antigo co nce ito de co nversa ção em
linhas que estão mais de acordo com as conclusões atuais da análise do
dis curso . O que torna a descrição bakhtiniana de gênero tão penetrante é
seu ponto de partida : por um lado, a linguagem é sempre concreta e con-
textualizada; por outro lado, ela é imensamente diversa em suas formas,
arranjos e propósitos . O grande feito de Bakhtin, na minha visão, consiste
em sustentar essas duas percepções básicas numa união dinâmica, en-
quanto para muitos de nós elas tendem a se divorciar completamente . Se
a lg um dia eu escrever sobre gêneros novamente, jamais poderei excluir
nem o Bakhtin do texto anterior nem o do texto atual.

Bakhti n é um ana lista de gêneros tradicional no sentido de que está


mais interessado no te xto do que no ambiente do texto . Por muilo tem-
po, eu também fui, à minha humilde maneira, um adepto dessa tradi ção,
orientada mais pelo ensino de lingü ística do que (digamos) pela antropolo-
gia, e conti nuei nesse ca minho pe la ne ce ssidade de re produzir material de
ensino baseado em gêneros . Na verdade, minhas tentativas mais re centes
de prestar mais atenção no contexto formativo coincidem co m minha che-
gada aos Estados- Unidos . Mal chegara a Ann Arbor, em 1985, e ouvi o
lermo "co munidade discursiva" , usado pela primeira vez por Lilian Bridwell
Bowles em uma mesa-redonda sobre a escrita na universidade, A América
Acadêmica Instantânea. Sua discu ssão informa l do termo foi o princípio
do mais ri co aspecto de minha experiência intelectu al recente . A li estava
eu, um prati ca nte de long a dato da arte de en sinar o ing lês acadêmico
a folantes não-nativos e um analista do discurso de expediente parci al ,
vendo um novo mundo de inves tig ação retórica e de constru ti vismo socia l
ser reve lado diante de meus o lh os (embora no verdade fosse demorar mais
seis anos até que eu chegasse a Bakhtin).

Suspeito que fui muito fa cilmente seduzido pel o conceito de co mu-


nidade discursivo. Talvez eu tenha fe ito causa comum, com boa vontade
demasiada, com aqueles que possuem seus próprios motivos para conce-
ber as comunidades discursivas como grupos reais e estáveis de pessoas
com posições consensuais . Claramente, há forças poderosas nessa área,
incluindo alguns dos pesos pesados intelectuais de nossos dias : filósofos
como Rorty, que precisam de uma mentalidade predominante na qual pos-
sam basear uma teoria não-representacional da verdade; sociólogos como
Kuhn, que precisam de um paradigma para poder falar de quebra de para-
digmas; e sociólogos do conhecimento como Latour e Woolgar, que preci-
sam de um consenso social sobre o qual possam construir uma descrição
social dos fatos científicos. Qualquer que seja a verdade, a plausibilidade
é uma construção social par excellence; ela necessita pelo menos de uma
percepção de ordem, um tipo de versão intelectual do grande discurso de
Ulisses em Troilus e Cressido, do qual relembro alguns fragmentos :

Os próprios céus, os planetas e seu centro


Observam grau, prioridade e lugar,
Estabil idade, curso, proporção, estação, forma,
Função e uso, em todo o desígnio da ordem .. .
Oh, quando o grau é abalado,
Sendo a escada de todos os altos desígnios,
O empreendimento é prejudicado ...
Retire o grau somente, desafine essa corda,
E ouça que desarmonia se segue .
(1. iii, 85-11 O)

V'I
·ra
:::,
....... Há, portanto, fortes motivos para se manter a linha sobre a comu-
X
~ nidade discursiva, especialmente quando vista como veículo de controle
V'I
rc para a produção e adm inistração dos gêneros . Mas há também questões
·.::::;
e::
<C:U
: ::::::, e incertezas igualmente fortes . Permanece aquela pergunta : se desafinar-
O"'
. OJ
V,
mos essa corda, que desarmonia se seguirá? Teoricamente, a comunidade
QJ
V,
discursiva é um construto social robusto, uma categorização defensável de
e
QJ algum grupo específico e importante? Ou é, nas palavras de Herzberg,
, e:
c:u
...::::, apenas "o centro de um leque de idéias", uma conveniente e abra<ngente

204
metáfora, ou pior, uma visão ilusória que nos oferece a duvidosa facilidade
de te ntar general izações a respei to do mundo e de suas palavras?

Em termos práticos, o conceito provê um suporte teórico para o movi-


mento de Escrita através do Currículo 3 (i ncluindo, sem dúvida, a produ ção
de ensaios de crítica literária); um meio necessário, nas pa lavras de Tony
Becher, para o mapeamento de Tribos e Territórios Acadêmicos? Ou será
apenas um tipo de ênfase retórica? O tipo de retoricismo contra o qua l
Derrida se enerva, em que a matéria bruta a ser traba lhada, o ponto final
da investigação e os métodos utilizados são secundários em relação às
convenções retóricas empregadas na narração de uma história? Ou será
um d ispositivo heurístico para a compreensão dos processos dinâmicos de
qualificação, entrada, aprendizado, admissão plena e lapso de tempo até
a aposentadoria, em grupos especializados? Ou um modo de perceber
como mundos desiguais alcançam seus objetivos, sejam eles entidades
corporativas ou educacionais, sejam grupos de interesses de m inorias,
praticantes de hobbies, ou algo assim ? Ou um manual para O peregrino
(cheio de matas, terrenos pedregosos e pantanais), reescrito para cada
grupo de peregrinos?

Em uma obra anterior, Genre analysis, defendi uma distinção entre


comunidade de fala (um grupo sociolingüístico homogêneo de pessoas que
comparti lham região geográfica e background) e comunidade discursiva
(um grupo sócio-retórico heterogêneo que compartilha objetivos e interes-
ses ocupacionais ou recreativos). O primeiro grupo, do tipo de Martha's
Vineyard, é bem conhecido de lingüistas e antropólogos; o segundo tem
sido deixado co mpletamente para os etnógrafos de contextos profissionais
(tais como Sharon Traweek, em Beamtimes and Ufetimes, uma descri ção
da carreira de físi cos atômicos) . Em Genre analysis, usei como prin cipa l
exemp lo de comunidade discursiva o Círculo de Estudos de Hong Kong,
uma rede internaciona l de 300 pessoas (de várias profissões e naciona-
lidades) , cujo interesse em comum é simplesmente uma paixão obsessi-
va pela história filatéli ca de Hong Kong. Meus a lunos de pós-gradua çã o
convenceram- me de que meu exemp lo, embora adequado, implica uma
disjunção radical entre comunidade de fala e comunidade discursiva . Ba-
3 . N.T. : WAC (Writing Across the Curricu lum).

205
seados em sua experiência em Ann Arbor, eles observam que a comunida-
de acadêmica ou outras comunidades discursivas influenciam , interagem e
contribuem com a comunidade de fala mais ampla . Assim, temos cidades
universitárias (Oxford, Ann Arbor, Madison), cidades esportivas (SI. An-
drews, Saratoga) , cidades políticas (Ottawa , Canberra), cidades religio sas
(Assis, Meca), cidades pesqueiras, cidades empresariais, cidades lemáticas
e assim por diante . Esses estudantes vêem na Academia círcu los concêntri-
cos de co-participa ção que se irradiam das especialidades ou esco las para
o departamento, para a universidade e para a cidade. E, quanto mais se
desenvolve o processo de irradiação do núcleo central para a periferia ,
mais as características da co munidad e discursiva se confundem com as
da comunidade de fala; e, qua nto mais nos afastamos das associações
invisíveis em redes nacionais ou internacionais de pessoal especializado,
mais fortemente os aspectos locai s exercem sua influência . Creio que eles
estã o certos . A "verdadeira" comunidade discursiva pode ser mai s rara e
esotérica do que eu pensava .

Meus antigos cri térios para uma comunidade discursiva também não
sobreviveram ao teste do tempo . Para efe itos de reg istro histórico: eu argu-
mentava que uma comunidade discursiva :

l) Possui um conjunto de objetivos públicos comuns amplamente acei-,


tos;

2) Possui mecanismos de intercomunicação en tre seus membros;

3) Usa mecanismos de participação principalmente para prove r infor-


mação e feedbock;

4) Utiliza e., portanto, possui um ou mais gêneros para a realiza ção


comunicativa de seus objetivos;

5) Desenvolve um léxico específico;

6) Admite membros com um grau adequado de conhecimento re levan-


te e perícia discursiva.

Embora Arabe lla Lyon me elogie - em um ensaio na Rheto ric Review

206
- sugerindo que os critérios acima são um pouco menos reducionistas,
utópicos e estáticos do que os propostos por muitos outros , eles aind a
manifestam essas tendências . A autora cita, com aprovação, a observação
de Barbara Heronste in Smith de que muitos estudiosos "esquece m e o bs -
curecem" a participação individual em múltiplas comunidades , as quai s
requerem diversos papéis sociais, re lacionamentos variados com outras
comunidades e, em co nseqüência, "um mosaico ... de fide lidades, cren-
ças e motivações" . Também não há nada em meus critérios que se refira
expressamente ao impu lso de ir adiante ou à busca do novo : novas ma-
neiras de rea lizar as coisas, novos gêneros, novos temas, novos produtos
e a cria ção de um novo espaço de pesquisa . Entretanto, diversos estudos
(Tom Huckin, Greg Myers, Caro l Berkenkotter, etc.) mostram que mesmo
as pesquisas mais enfadonhas são lançadas sempre com a re ivindicação
de co nstituir conhe cimento novo, de va lor inesperado, e com a intenção
de serem dignas de nota. A lém disso, todo congresso anua l apresenta seus
novos temas "quentes" e seus novos jargões.

Tentemos, pois, novamente. Eis aqui os seis critérios mais uma vez,
todos (exceto o segundo) modifi cad os para rep rese ntar um mundo mais
com p lexo e um tanto o bs curo . Uma com unidade discursiva :

l ) possui um conjunto perceptível de objetivos . Esses objetivos podem


ser formulados pública e explicitamente e também podem ser, no
todo ou em parte, aceitos pe los membros; po dem ser consensuais;
ou podem ser distintos, mas rela cion ados (ve lha e no va guardas;
pesq ui sa dores e clíni cos, co mo na recém-unida Associação Ameri-
cana de Psico logia) .

2) possui mecanismos de intercomunica ção entre seus membros (não


houve mudança neste ponto; sem mecanismos, não há comun idade) .

3) usa me canismos de partic ipação para uma série de propósitos: para


prover o incremento da informa ção e do feedback; para canalizar
V'I
a inovação ; para manter os sistema s de crenças e de va lores da CJ.J

comunidade; e para aumentar seu espa ço profi ssiona l. ~
:::i
A análise de Richards ( 1991) a respe ito dos comentário s de professo- e::
..e::
o
--,

207
ressobre os trabalhos de alunos (ingleses) da pós-gradua ção mostra muito
bem a base coerciva do feedback . Esse autor propõe que a ma ioria dos
comentários de fechamento segue um esquema quádrup lo :

1. Gostei de ler seu trabalho ...

2. Apreciei parti cularmente sua discussão sobre ...

3. Contudo, penso que você teve menos sucesso ao tratar de ...

4. Sugiro que, no futuro, você dê mais atenção a ...

4) utiliza uma seleção crescente de gêneros para alcan çar seu co njunto
de objetivos e para praticar seus mecanismos parti cipativos . Eles
freqüentemente formam conjuntos ou séries (Bazerman) .

5) já adqu iriu e ainda continua buscando uma terminologia específi-


ca.

6) possui uma estrutura hierárquica explícita ou impl ícita que orienta os


processos de admis_s ão e de progresso dentro dela .

Minha associação Audubon 4 local possui muito das características


dessa concepção revista de comunidade discursiva . Possui mecan ismos de
participação: reuniões mensais, um boletim interno e uma rede de comu-
ni cação po r telefone. Testa suas formas e cana is de comunicação . Possui
uma hierarquia informal de heróis locai s e recém-admitidos questioná veis
(parece que, recentemente , consegui afinal ir além da designa ção de ob-
servador "intermediário" de pássaros) . A credibilidade é difícil de ganhar
e fácil de perder. O boletim interno tem uma e.aluna para observações de
pássaros dignas de nota . Em várias ocasiões, meu telefonema a respeito
VI
ro de uma observa ção de pássaros foi recebido com um embaraçoso silêncio .
· .::::;
e::
<o.J
::::, Ti ve que aprender a diferen ça entre um " bom pássaro " e uma "observação
0-
Q)
VI
<l) 4 . N .T. : Associações orni to lógicos cuja denomina ção faz referê ncio o John Jomes Audubon (1785-
VI
185 l ), ornitó logo e pin tor americono nascido no Haiti . Suas observações dos pássaros norte-
e
<l) americanos resu ltaram na obra lhe birds oi América (18 27-1838), uma co leção de pinturas e
e=
<<l)
l..!:I
desenhos tida como um clássico da ornito logia americana.

208
de pássaro digna de nota" . Também aprendi que diferentes convenções
aplicam-se ao evento genérico relativamente novo e, até então, sem desig-
na ção, que ocorre no início de cada reunião , quando o presidente diz algo
como : " Bem , vamos começar como sempre fazemos , lentando desco brir
que pássaros vocês viram desde a última reunião ". Não há truque algum
aí; antes, trata-se de uma oportunidade para os membros demonstrarem
entusiasmo . Mas, então, novamente acontece algo muito diferente durante
o períod o de debates, após a fala do palestrante principal, em geral algum
tipo de especialista . Em uma pa lestra recente, dada pelo biólogo oficial
responsá vel pelo Programa de Recuperação do Plover Cantador, 5 uma se-
nhora muito tranqüila, que ocupa um cargo burocrático em Ann Arbor,
fez a seguinte pergunta (que me surpreendeu tanto que imediatamente a
anotei) : "O senhor poderia fazer uma estimativa dos efeitos re lativos da
ação predatória de gai votas e corvos sobre os filhotes de passarinhos?" Ela
nunca fala assim , a não ser quando as convenções de gênero dentro dessa
comunidade discursiva a encorajam a fazê-lo .

Todavia , como principal ilustra ção do papel da comunidade discur-


siva, gostaria de discutir uni recente artigo de Suchan e Dulek sobre a
clareza nas comunica ções escritas em corporações. Ressalta o artigo que
a "clareza" representa o tópico mais sacrossanto nas comunicações ad-
ministrativas . Os livros de texto e os cursos enfatizam continuamente que
a principal tarefa da comunicação é a transmissão exata e eficiente da
informa ção . A clareza é o primeiro de cinco pontos essenciais . Por que,
então, as pessoas de negócios freqüentemente parecem escrever de modo
obscuro? As respostas costumeiras são : a) que uma escrita sem clareza
reflete a ausência de um pensamento claro; ou b) que aquela escrita é
intencionalmente obscura . Suchan e Dulek argumentam, então, que essa
visão reducionista precisa ser substitu ída pela compreensão de que "os
padrões de clareza podem mudar de organização para organização, ou
evoluir dentro de uma determinada organização, exigindo a adaptação
V'I
de uma visão contingente , nã o estáti ca, do que é ou não é claro". Daí ClJ

eles evo cam o conceito de comunidade discursiva como uma maneira de l


rea valiar a clareza, tomando como principal exemplo o estudo das comu- :E:
e::
..e::
o
--,
5 . N .T. : Pequeno ove ca noro do leste do Am érico do N orte .

209
nicações na marinha americana . Eis aqu i uma amostra de uma peça de
co rrespond ênci a interna da marinha :

COMPACMISTESTCEN PT MUGU CA MAG FOU RTEEN


IN FO COMNAVAIRLANT NORFOLK VA
CG GMFLANT
HAMS FOURTEEN
CG SECOND MAW
NAVAIRTESTCEN PATUXENT RIVER MD
COMNAVAIRSYSCOM WASHINGTON DC VMAQ TWO
UNCLAS//N l 3600//
CNAL FOR VMARSH{CODE 53281 } / MAG-14 FOR CAPT
WITTENBURG ANO SECURITY OFFICER
SUBJ: REQ FOR ASSIS TO CONDUCT OEWTPS TECHEVAL
ON EA-6B NA/ALQ - 126 A/ B CONF IG AIRCRAFT
A PHONCON CNAL#VMARCH, CODE 53281 }/PTMC
{ S.NGUYEN, CODE 4046# OF 3 JUL 86
B. PHONCONMAG-14{CAOT, WUTTEBBYRG#PTMC{S.
NGUYEN, CODE 4046, HAS BEEN DIRECTED TO
CONDUCT A TECHEVAL
/ 4046/ 4040/4000/00/02/0141 / 60000/6 001-2/ 6500

Essa mensagem codificada de modo esquisito exemplifica hábitos lingü-


ísticos radicalmente diferentes daqueles praticados pela maioria dos leitores .
Mesmo assim, de acordo com os autores, "m ais de 95% dos 350 oficiais da
marinha a quem foi mostrado esse memorando foram capazes de afirmar,
em menos de 45 segundos, que o propósito da mensagem era requisitar
ajuda para rea lizar a avaliação técnica de uma aeronave" . (p . 91)

Suchan e Dulek mostram, então, que (além da comunicação per se) os


VI
ro hábitos de uma comunidade d iscursiva desempenha m poderosas funções
·,::;
e:
<O.J
: ::::> relacionais .e psico lógi cas e que sua util ização re ve la filiação, comp rom isso
cr
' <:U
V, e ass im por diante . Em obra anterior, Suchan e Co lucci demonstram que
<:U
VI o estilo burocráti co preferido pelos oficiais é menos claro (de acordo com
e
w diversas ava liações) que o estilo d ireto e im pactante defendido por con -
e::
<W
\,:::, su ltores de comun icação adm inistrativa . Além d isso, em outro trabalho , os

210
autores revelam que os oficia is conce bem escritores que uti li zam o esti lo
burocrático como profissionais, objetivos e inteligentes - tra ços correspon-
dentes à imagem que a marinha espera que seus oficiais incorporem . Por
outro lado, escritores cu jo estilo seja preciso e claro são tidos por seus
co legas como não convincentes e até suspeitos.

Mas essa excelente história não acaba aí. Desde 1984, a fim de re -
duzir (no Congresso e noutros lugares) o ridículo causado por sua corres-
pondência externa, a marinha vem treinando seus oficiais para usarem as
diretrizes do Manual de Correspondência da Marinha - diretrizes (como
não usar a voz passiva, etc.) semelhantes às que geralmente se ensinam
em cursos de comunicação empresarial . Essas mudanças têm encontrado
mu ita resistência . Suchan e Dulek registra m comentários do tipo : "Como
posso respeitar a mim mesmo e ser respeitado por meus homens se escre-
ver como um rapaz de dezoito anos?" "Serei execrado se escrever como
se fosse um recruta" .

Como observam Suchan e Du lek: "Essa resistência é compreensíve l,


pois as mudanças nos hábit_
os de li nguagem privaram os oficia is de um
meio de marcar sua pertença a uma comunidade fechada e de diferenciá-
los de outras comu nidades ... " . Concluem os autores : " Professores e pes-
quisadores devem perceber que, ao insistir em padrões de clareza, podem
estar interferindo em uma organização de tal forma que nem mesmo re-
conhecerão isso" (p . 97) . Na associação Audubon de Washtenaw, vemos
uma comunidade discursiva em evolução; já o corpo de oficiais da mari-
nha parece ser uma comunidade altamente conservadora .

Devemos ter consciência dessas ironias . Sabemos que, em nossas


próprias comunidades discursivas, há muitas coisas opacas para os de
fora. Sabemos também que essas opacidades na terminologia, pressupo-
sições ocultas e intuições sutis são suficientemente bem motivadas para
fornecer uma fundamentação para a nossa retórica . Deveríamos, portanto,
estar abertos às fundamentações propostas por outras pessoas .

Não tenh o dúvidas de que o trabalho de Suchan e Du lek mostra essa


sens ibil idade para com as circunstâncias . Penso que eles foram auxi liados
nessa tarefa pe lo uso do conceito de comunidade discu rsi va. Mesmo que

211
esse conceito seja apenas uma metáfora, é uma fi cção conveniente que
serve de veícu lo para a verdade .

O segundo tóp ico que gostaria de levantar é o papel do conceito de


comunidade discursiva como um d ispos itivo ou mecan ismo de ajuda para
o ingresso, sobrevivência e progresso de neófitos como comunicadores em
suas áreas particulares. Acredito que essa é uma questão muito diferente
da primeira, embora a distinção nem sempre seja feita . Daniel Mahala,
como um entre muitos exemplos, em recente artigo no College English, é
II
incisivo em sua crítica da comunidade como co nsenso", visão tida por ele
como "formalista", em oposição às abordagens "expressivista s" da Escrita
através do Currículo (WAC) . De acordo com Mahala, o primeiro de muitos
problemas que os formalistas não conseguem enfrentar é " como definir
uma compreensão normativa do comportamento erudito que não reduza
o caráter local, heterogêneo e freqüentemente divergente da produ ção de
conhecimento na universidade a algum tipo de fac-símile idealizado dessa
atividade" (p.780) . Mahala, em seguida, afirma que "até mesmo textos
específicos de uma disciplina (como o recente Writer's guide: Psychology,
de Heath) reduzem o conjunto possível de estratégias e epistemo logias,
nas quais uma pesquisa . psicológica poderia se basear, em uma receita
passo-a-passo para um relatório de pesquisa estatístico e experimental,
defi nindo a norma disciplinar em termos de um senso de método alta-
mente generalizado e arbitrário" (p.780). De modo que te mos alguns ar-
gumentos já conhecidos (fac-símiles idealizados, promoção arbitrária de
um método), expressos de forma bem eloqüente, mas, desta vez, não só
dirigidos ao nosso conhecimento de territórios e tribos acadêmicas per se,
mas também à sua aplicação em cursos elementares de escrita . Nisso há,
para mim, algumas diferenças . Usando um argumento que é uma reductio
ad absurdum, se minha vizinha (uma enfermeira) e um colega lingü ista, na
Inglaterra, me perguntassem quais são as novidades em minha área nos
Estados Unidos, creio que construiria duas narrativas bem d iferentes . Pa-
rece faltar a Mahala um certo senso apropriado da audiência pretendida.
Embora existam questões difíceis na decisão de quando se deve introduzir
os estudantes nos conflitos, nas controvérsias e nas políticas de uma dada
área, pessoalmente nada vejo de errado - e, sim, muito em favor - em

212
continuar com uma certa arbitrariedade (no bom sentido) em cursos de
escrita básicos.

Há uma boa razão para se projetar para principiantes e aprendizes


uma versão mais simplificada de uma comunidade discursiva em parti cu lar.
Pessoas recém-admitidas (quer na academia, na indústria, no comércio,
nas profissões liberais, etc.) são inevitavelmente fechadas em uma situa ção
local co m baixos horizontes determinados por seus instrutores ind ividuais,
administradores, supervisores e chefes de pessoal. Como Ann Johns argu-
mentou convincentemente, professores, por exemplo, são caciques tribais
em seus territórios, os salões de conferências . Assim, o conhecimento local,
no sentido de Geertz, é importante: se os estudantes novatos precisam de
instrução, também precisam de a juda para compreender as expectativas
discursivas da comunidade discursiva majoritária e para desenvo lver uma
percepção etnográfica - ler nas entrelinhas - das expectativas individuais
de seus orientadores . Eles só não precisam é de uma exposição prematura
aos conflitos intradepartamentais .

Antes de co ncluir com _a lgumas observações sobre de que modo re-


pensar a comunidade discursiva pode nos ajudar a repensar os gêneros,
gostaria antes de colocar, resumidamente, a que ponto penso que cheguei
co m o próprio conceito de co munidade discursiva . Nesta conferência, mo-
difiquei um pouco meus critérios para a defini ção de comunidade dis-
cursi va , a fim de responder à crítica de "utópico", levantada por pessoas
co mo Harris, Lyon, Mahala e outros . Com isso, as fronteiras entre discurso
e fala ficaram embaçadas - com exceções, como no corpo de oficiais
da marinha - e os subagrupamentos dentro das comunidades discursivas
foram acentuados. Apesar do esforço em definir e estabelecer critérios, o
co nceito ainda não satisfaz. Um termo de arte continua sendo um termo de
arte. Quanto ao papel do co nceito em auxiliar no pro cesso de iniciação,
neste momento ele parece prob lemático . Embora continu e a se mostrar
eficaz em Escrita através do Currículo (WAC) e em Inglês para Fins Acadê-
mi cos (EAP), ele o faz simplificando a realidade exatamente do modo que
se pretendia evitar com a sua cria ção . Receamos desafinar essa corda por
medo da desarmonia que pode se seguir. Por outro lado, como co ncepção
para a investiga ção de como e por que o discurso assume as formas que

213
assume no contexto institucional, a idéia de com unidade d iscursiva tem s·e
revelado um excelente e necessário antídoto para o preconceito fácil e o
prescricionismo . Dada a qualidade atual dds obras que na prática , embora
nem sempre explicitamente, operam com esse con ce ito na in vestigação
de microcosmos discursivos ou retóricos, ele func iona como uma espécie
de estrela . Certamente, isso acontece em parte porque entendemos a co-
munidade discursiva, como Leslie O lsen observou recentemente , como a
própria matriz. Sejam quais forem as nossas inclinações acadêmicas, nossa
deformation profess ionelle, independentemente de nos interessarmos por
comunicação acadêmica ou comunica ção nos lugares de trabalho, se nos-
so interesse é monocultural ou transcultural, à parte nosso envolvimento
com sociologia ou retórica, escrita ou literatura, etnografia, análise do
discurso, redação ou Inglês como Segunda Língua (ESL), o conceito de co-
munidade discursiva estabelece, embora de maneira imprecisa, uma rede
de conexão interdisciplinar.

Finalmente, a fim de rastrear os efe itos das características da co-


munidade sobre os gêneros, permitam-me aventurar-me mais uma vez pelo
repisado solo do artigo de pesquisa. Apesar de certas tendências universali-
zantes, con hecemos de longa data as variações disciplinares . Mais recente -
mente, tem havido um renovado interesse pela variação regional e cultural,
sugerindo mais uma vez que comunidade de fala e comunidade discursiva
estão associadas e não separadas . Percebemos, por várias razões difíceis de
avaliar, como acontece que com unidades locais desenvolvem seus próprios
mundos acadêmicos sócio-textuais . Lopez (l 982) mostra que na América
Latina há uma relativa ausência de avaliação negativa de outros trabalhos .
Taylor e Tingguang (l 991) notam, inter alia, que os estudiosos chineses ci-
.!!!
rc tam menos literatura talvez porque "consideram menos aceitável id entificar
::::>
+-'
X nominalmente e resenhar a obra daqueles que irão em segu ida 'expor"' . Fre-
....,
QJ

VI
ro drickson e Swales (a sair) comparam introduções de artigos de dois grupos
·.::;
e: diferentes : grandes comun idades anglo-americanas de pesquisa, em que
<QJ
: :::J
=-
(1)
V,
há forte competição por espaço de pesquisa, e uma pequena comunidade
QJ sueca que trabalha com o discurso em sueco moderno. Os lingüistas suecos
V,
e
QJ
ressaltam, coerentemente, que não há necessidade de se criar um espaço de
e:::: pesquisa para eles. Afirmam que existe uma quantidade enorme de dados e
<QJ
~

214
praticamente ninguém trabalhando com eles. Como disse um deles : "Qua l-
quer coisa que alguém fizer será útil ; há trabalho demais a se fazer para
uma pessoa entrar em competição com outra - portanto, não precisamos
escrever o tipo de introdução de que vocês falam" . Mauranan (a sair) é mais
clara em afirmar que alguns traços do discurso acadêmico "podem ... ser
tidos como determinados pelo gênero e outros como determinados pela cu l-
tura" . A autora exemplifica o segundo caso com a tendência em se co locar
a tese principal de um texto ou re lativamente cedo ou relati vamente tarde.
Em seguida, ela considera a noção de metatexto ou metadiscurso, para
afirmar que líderes da área, tais como Crismore e Farnsworth, permanecem
fiéis à tradição norte-americana, pela qual seq ue r admitem a possibilidade
de que o metadiscurso possa ter um ponto fraco; que possa realmente ser
menosprezado em certas tradições cu lturais, tais como a japonesa e a es-
candinava. Eis aqui as conclusões de seu estudo comparativa da escrita de
economistas finlandeses e anglo-americanos :

A orientação cuidadosa e exp lícita praticada por escritores


anglo-americanos, junta mente com a freqüente sina lização da
presença pessoal do autor discutida acima, dó a impressão de
que o leitor é convidado a fazer uma viagem pe lo texto em co m-
panhia do autor, que age como um guia. A idéia cen tral é repe-
tidamente enfatizada, de modo que não se perca nem seja mal
compreendida. Tudo isso é reminiscência de outra gênero, isto
é, o discurso de marketing.

Se é possível afirmar que os anglo-americanos preferem estraté-


gias retóricas de marketing, já a estratégia finlandesa é mais bem
caracterizada como "poética", no sentido de que ela tende a
fazer o mínimo de reg istros escritos, deixando um grande espaço
pa ra a interpretação do lei tor - de fato , exigindo considerável
esforço interpretativo por parte do leitor. Ao invés de servir como
guia para o texto, o escritor fin landês trilha sozinho seu pró prio VI
QJ

caminho, deixando pistas para os que se interessem em segui- lo. rõ


~
A tarefa do leitor é, pois, descobrir essas pistas, interpretá- las e
:::i
extrair suas conclusões . e::
..e
o
--,

215
Portanto, aí está, senhoras e senhores, sob uma perspectiva fin-
landesa, metadiscurso é marketing . Por trás da discussão acima, está a
pressuposição subjacente de que existe algo como uma tradição escrita
anglo-americana (se os canadenses estão incluídos, é outra questão) . Essa
pressuposição precisa ser examinada .

Naturalmente, não passou despercebida pela Academia uma certa


variabilidade "nacional". Abaixo, Peter Elbow descreve "a genial e leve-
mente coloquial tradição britânica" :

Essa tradição apresento-nos um discurso completamente acadê-


mico e profissional, mos que também é capaz de dialogar com
o leitor - até mesmo fazendo, às vezes, digressões anedóticos
ou aportes pessoais. Citações e referências tendem o se redu-
zir ao mínimo. Podemos menosprezar isso como uma tradição
de privilégios e de autoridade ("Cavalheiros não citam tudo . Se
você não é capaz de reconhecer os notas de rodapé tácitos,
então você não pertence ao nosso meio.") , mos esta é também
a tradi ção .do amador que dá boas vindos ao estranho. (1991 ,
p. 138)

Mesmo no relativamente novo e despretensioso campo de ELT [En-


glish Language Teaching - Ensino de Língua Inglesa] - uma área muito
distante das altas rodas de Oxbridge e dos prestigiados Institutos de Huma-
nidades americanos - podemos estar, em qualquer dos lados do Atlântico,
tanto divididos como unidos pela retórica e pelo estilo. A vantagem de se
fazer a co-edição de um periódico com um colega americano por muitos
anos é que as disparidades são reiteradamente enfocadas. O esboço a
seguir, em parte, composto em conjunto, a partir de observações de Ann
Johns, tenta representar uma visão americana daquela "genial" tradição
britânica em minha área :

Um artigo inglês começará com estardalhaço, pleno de idéias


imaginativas e especulações interessantes, que então se dissipa-

216
rão em uma série de ampla s asserções - uma espécie de visão
fraturada da nova ordem mundial. Essa peroração será seguida
de um punhado de provas desordenadas, freqüentemente de
obscura procedência e de relação remota co m suas al ega ções .
O artigo terminará com uma seção que, mesmo quando chama-
da de Discussão ou Conclusão, será pouco mais que um resumo
das seções prévias (uma vez que, em todo caso, as idéias princi-
pais já foram co locadas desde o início) .

Até mesmo uma paródia declarada como essa já oferece um con-


traste com a típica prática americana em ESL [English as a Second Langua-
ge - Inglês como Segunda Língua], de estabelecimento lento, cuidadoso
e cumulativo de rei vi ndicações de conhecime nto; de esmeradas revisões
de literatura; e do ainda mais explícito relato dos procedimentos . Então, e
somente então (com a credibilidade laboriosamente estabelecido), surge
na discussão a oportunidade de especulação. Dois diferentes possos de
dança estão sendo executados aqui : os possos de dança britânicos são do
tipo "rápido -rápido-devagar-repito" , enquanto os norte-americanos são
" devago r-devoga r-devaga r-rá pido" .

No nível estilístico, outras diferenças afetam o mútuo entendimento


e admiração . Uma delas consiste em atitudes contrastantes em relação
o duplas negativas do tipo " não desconectado"; por um lado, julgadas
pe los ingleses como sutis e cheias de nuances; por outro lado, tidas pelos
americanos como exageradas, obscurantistas e difíceis de processar. Outra
divisão se encontra no atitude para com expressões estrangeiras, metáforas
extravagantes e citações remotamente relacionadas . Para os americanos,
trato-se de um disfarce cosmético, possivelmente encobrindo uma pesqui-
sa fraca; para os ingleses, trata-se de entretenimento, de petulância, de
certa "amplitude de base ". Em terceiro lugar, os britânicos são propensos
ao uso de travessões, simples ou duplos, como um meio de re la cionar
frouxamente elementos menores a enunciados maiores . Os americanos
rejeitam essa prática como extemporâneo e digressionai - a lassidão da
pontuação provavelmente reflete a la ss idão do argumento . Por outro lado,
os britânicos têm dificuldades em compreender a necessidade de todas as

217
pequenas regras de paralelismo e a necessidade de adesão comp leta a um
estilo formal impecável. Os americanos (talvez em reverência ao manual
de estilo da Associação Americana de Psicologia) são avessos ao uso de
itálicos para efeitos de ênfase ou contraste , pois julgam que "a sintaxe deve
falar por si mesma" (Sandy Si lberstein, comunicação pessoal) . Os ing leses
apreciam itálicos exatamente porque eles evocam o ponto e contraponto
de uma situação ora/ . E assim por diante.

Evidentemente, não significa que essas diferenças sejam sempre


desaprovadas . Muitos acadêmicos americanos confessam admirar a escri-
ta acadêmica britânica especialmente por seus efeitos estilísticos . Porém,
admirar não implica necessariamente o desejo de imitar. Igualmente, mui-
tos acadêmicos britânicos admiram a estrutura transparente - a sensação
clara de se saber onde está - da escrita americana . Contudo, mais uma
vez, isso não significa que eles desejam assumir o peso do metadiscurso
direto .

Para concluir, então, comunidade discursiva e gênero com certeza


têm sua utilidade, mesmo se meus esforços para defini-los, no decorrer dos
anos oitenta, presentemerite me causam certo desconforto. Há muito mais
fluidez e contingên cia no sistema do que aquilo que eu quis reconhecer.
Um exemplo: em obra recente, Elinor Ochs e seus alunos demonstraram
que o processo pelo qual os iniciados socializam os noviços em uma co-
munidade não é tão direto como eu supunha, pois no micronível há muita
troca de papéis . Um exemplo adicional é a sensação de que o bem co-
nhecido foco, em inglês, na análise do discurso, de alguma forma, passou
para a análise de gêneros, e eu, portanto, apóio e concordo com o recente
VI apelo de Leslie Olsen por uma perspectiva mais multicultural. E a ênfase
"rê
::::i
........ de Bakhtin no caráter relacional dos gêneros pode ajudar-nos nesse ponto .
X
.....,
ClJ Um terceiro exemplo: aceito a crítica de Vijay Bhatia de que minha aborda-
VI
rc gem dá pouca atenção ao uso dos gêneros, por parte de seus praticantes,
·.:::;
e::
<ClJ
: :::)
para manobras táticas e vantagens técnicas . E, para um quarto e último
O"
ClJ
V,
exemplo, novamente seguindo Leslie Olsen, se devemos nos preocupar em
ClJ
V,
identificar "os aspectos contingentes e fluidos da formação da comunidade
2 discursiva", então as re-enfatizações bakhtinianas também têm sua parti-
ClJ
e::::
<ClJ
l.!:l cipação. Considere-se o caso de como Malcolm Ashmore, em sua tese de

218
doutorado, re-enfatiza esse rito de passagem definitivo - e transforma, tal-
vez para sempre, nosso pensamento so bre ele. Temos , em um ponto, uma
revisão de literatura em forma de conferência pelo candidato, com interjei-
ções pelo orientador; no ca pítu lo dois, temos uma enciclopédia do tema,
cuja primeira entrada (convenientemente Ashmore) fornece uma sinopse
da tese ; temos , então, um capítulo final travestido de uma transcrição pa -
rodística da defesa oral. Muita ênfase aqui no macronível; e, similarmente,
no micronível. Considerem -se as notas como matéria final do livro . Elas
começam assim :

CAPÍTULO l

l . Bem-vindo às notas . Espero que vis ite essa parte do texto re-
gularmente . Haverá muitas coi sas aqui e seria uma pena perdê-
las . Mas, vamos ao assunto dessa nota em particular: posso per-
guntar-lhe por que caminho você chegou ao capítulo l , nota l?
Se você é um " notéfilo" , provave lm ente foi guiado diretamente
pe lo número _d a nota no texto, na página 15 - e acertadamente .
Todavia , pode ser que você chegasse a ler esta nota por causa
da referê ncia a Mulkay 1984 b, que leva ria você até a bib li ogra-
fia , onde o texto em questão teria o estranho título " 15 de agos-
to de 1984, C a ro Malcolm" e se localizaria neste mesmo texto
(Ashmore 1989) e neste mesmo ponto (pá gina 227 , nota l ). I
1

Desafine essa corda,


e ouça a música que se segue.

8.1. Referências
ASHMORE, Malcolm . Th e reflexive thesis: writing sociology of scientific .
V'1
knowledge. Chicago : University of Chicago Press, 1989. (J,J

BAKHTIN, Mi khail. Speech genres and other late essays. Austin , TX: Univer- ~
~
sity of Texa s Press, l 986 . e:::
_e::
o
---,
BHATIA, Vijay. Genre analysis. UK : Longm an , 1993.

710
ELBOW, Peter. Reflections on academic discourse : how it relates to fresh-
men and colleagues . College English 53, 135-155, 1991.

LYON, Arabella. Re-presenting communities : tea ching turbulence. Rethoric


Review (no prelo) .

MAHALA, Dan. Writing utopias : writing across the curricu lum and promise
of reform. College English 53, 773-89, 1991 .

MAURANEN, Anna . Contrastive ESP rhetoric: metatext in Finnish -English


economic texts . English for Specific Purposes {inédito) .

OCHS, Elinor (ed). Special issue on socialization through language and


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OLSEN, Leslie A. Research on discourse communities : an overview. ln : Wri-


ting in the workplace : new research perspectives . Carbondale, IL : SI Press
{inédito) .

SUCHAN, James; DULEK, Ronald . A reassessment of clarity in written ma-


nagerial communications. MCQ 4, 87-99, 1990.

SWALES, John M. Genre a~alysis. Cambridge: Cambridge University Press,


1990.

_ _ _ . The concept of discourse community : dog, cash cow, problem


child or stor? Comunicação apresentado no Colloquium on Rhetorical The-
ory, no Universidade de Toledo, janeiro de 1992 .

TAYLOR, Gordon ; TINGGUANG, Chen . Linguistic, cultural, and subcultu-


ra! issues in contrastive disco urse analysis : Anglo-American and Chinese
scientific texts . Applied Linguistics 12, 3, 199 l .

220
Identificação de gênero e propósito
comunicativo: um problema e uma
possível solução'~ -----

lnger Askehave e Joh n M. Swa les

9.1. Introdução
Desde que o "novo" movimento de gêneros começou a fl orescer
no início dos anos 80, tem havido uma visão amp lamente consensual de
que os gêneros são ma is bem definidos como entidad es o ri entadas para
objetivos ou propósitos . Martin (l 985) afirmou, em célebre formu lação,
que "gêneros são o modo como as coi sas são feitas quando a linguagem
é usada para realizá- las" (p . 250); Mi ller (l 984) argumentou que "uma
definição de gêneros retoricamente saudável deve concentrar-se não na
substância ou na forma do discurso, mas na ação que ele é usado para re -
a lizar" (p. 15 l ); e Swa les (l 99 0 ), na te ntativa de definir gênero, acentuou
o pape l do propósito comunicativo em ta l defi nição . Mais recentemen te ,
Bhatia (l 997) sugeriu que, "ao tomar o propósito comunicotivo co mo tra -
ço característico de um gênero, a a ná lise tenta des li ndar os mistérios do
artefato em questão" (p . 313) e Johns (l 997) observou que " porque o
propósito é um aspecto importante, os gêneros freqüentemente têm sido
categorizados de acordo com as tarefas específicas que eles são usados
para realizar" (p. 24) . Em bora, mais adiante, advirta contra a atribuição de
propósitos únicos para os gêneros, como alguns têm feito, Johns também
nota que "um argumento centra l dos teóricos e pedagogos de gêneros na
Austrália e em outros lugares é que o propósito interage com os elementos

• Tradução de Benedito Gomes Bezerro, Maria Erotildes Moreira e Silvo e Bernordete Bio si-Rodrigues.

221
textuais em todos os níveis do discurso" (1997, p. 25). Embora nem todos
os proponentes principais de abordagens baseadas em gêneros o tenham
privilegiado (por exemplo, Berkenkotter e Huckin (1995) dão pouca aten-
ção ao conceito), permanece o fato de que o propósito comunicativo está
imbricado na maioria das grandes abordagens contemporâneas (Hyon,
1996) dos gêneros e de suas implicações e aplicações pedagógicas .

Miller, em seu influente artigo de 1984, observa que "o impulso para
a classificação é fundamental" (p. 151 ), o que Johns (1997) corrobora :
"nomear e categorizar são uma característica humana, e quem compar-
tilha o conhecimento de gêneros dentro de uma cultura geralmente com-
partilha um nome" (p . 22) . Apesar disso, o movimento de gêneros como
um todo não tem dado prioridade absoluta a taxonomias per se, em parte
talvez como uma reação contra o interesse literário em tal mapeamento e
em parte pela convicção de que os discursos não-literários têm importantes
papéis funcionais a desempenhar, bem além do que poderia indicar qual-
quer classificação . De fato, tentativas do movimento de gêneros de impor
esquemas taxonômicos, tais como os " seis gêneros ele mentares" de Martin
e Rhotery (1981 ), têm se mostrado sempre sujeitas a controvérsias . An-
tes, tem-se dado ênfase à categorização dos discursos como membros de
determinadas classes ("isto é uma carta comercial?"; "aqui lo é um artigo
de pesquisa?"), freqüentemente empregando adaptações da obra clássica
de Wittgenstein (1958) sobre "seme lhanças de famílias" ou do trabalho
de Rosch (1975) sobre a teoria dos protótipos, mais do que esquemas
abrangentes cobrindo universos de discurso inteiros, e isso apesar dosa-
lutar interesse recente em sistemas ou conjuntos de gêneros (por exemplo,
Bazerman, 1994) .

De fato, os grandes avanços dos últimos anos não têm surgido de


uma maior sofisticação na categorização de gêneros nem de critérios
conseqüentemente mais rigorosos para se determinar sua filiação, mas
de uma ampla variedade de estudos que têm aprofundado e ampliado
nossa compreensão dos papéis do discurso na sociedade contemporânea .
Temos visto, por exemplo, o surgimento de uma série de estudos capazes
de traçar a evolu ção histórica dos gêneros, tais como Bazerman (1988)
para o artigo de pesquisa e Yates e Orlikowski (1992) para o memorando

222
comercial. Têm sido realizados importantes trabalhos sobre os processos
de produção de gêneros (por exemplo, Myers, 1990) e sobre a recepção
dos gêneros (Rogers, 2000) . Além disso, as abordagens contemporâneas
de gêneros não-literários têm estabelecido para si mesmas um conjunto de
nós multidisciplinares de conexão . Os elementos-chave dessa rede incluem
Bakhtin (1986) e sua noção de intertextualidade; Giddens (1984) e ateo-
ria da estruturação (comentada assim por um professor de administração
conhecido nosso : "as rodas da vida vão girando e, à medida que giram ,
formam sulcos por onde giram as rodas da vida"); Vygotsky (por exemplo,
1978) e sua importante obra sobre temas como a Zona de Desenvo lvimen-
to Proximal, o valor dos "andaimes" na aprendizagem e a situacionalidade
de muitos processos cognitivos; e a Aná lise Crítica do Discurso, tal como
desenvolvida por Fairclough (por exemplo, 1992) e outros, que têm ofere-
cido, inter alia, uma proveitosa crítica das complexas relações entre poder
e gênero. Em termos de metodologia, tem havido um crescente emprego
de entrevistas baseadas no discurso e outras técnicas ainda mais etnográ-
ficas, tais como o "sombreamento" (Dudley-Evans e St John, 1998), ou o
acompanhamento de profissionais selecionados por dias - ou mesmo se-
manas - enquanto eles cumprem suas tarefas d iscursivas e não-discursivas
quotidianas . Como defendem Duranti e Goodwin (1992) e Tracy (1998), o
contexto , anteriormente considerado apenas parte do "ruído" de fundo , foi
promovido a primeiro plano . Conseqüentemente, cada vez mais se aceita
que a cognição é pelo menos parcia lmente "situada" no ambiente em que
se desenvolve (Berkenkotter e Huckin, 1 995) e que o conhecimento retóri-
co é pelo menos parcialmente " local" (Prior, 1998) e, assim, adquirido em
e moldado por circunstâncias pessoais e educacionais particulares .

Uma inadvertida conseqüência desses importantes desenvolvimentos


parece ser que o " propósito comunicativo" assumiu um status de certe-
e:::
za absoluta, um ponto de partida conveniente, mas subestimado pelos -=
-o,
analistas . Contudo, a maioria das obras importantes dentro da linha das OJ
OJ
primeiras publicações nesta área tem estabelecido, de várias formas , que :::,.
rt)
.e
os propósitos, objetivos ou resultados públi cos são mais evasivos, múlti- Q.J
...0:::
V'I
plos, sobrepostos e complexos do que o riginalmente con ceb idos . Como <C
'-
a.,
pode, então, conforme argumenta As kehave (1998 , 1999), o propósito o.o
e:

223
comunicativo ser usado para decidir se um determ inado texto se qualifica
para filiação em um dado gênero, por oposição a outro? Como pode o
propósito comunicativo ser mantido como um critério orientador "privi le-
giado" (Swales, 1990), se ele é tipicamente indescritível a priori, se só pode
ser estabelecido após pesquisa considerável e se pode gerar discordâncias
entre os especialistas "de dentro" e os analistas de gênero "de fora " , ou
até mesmo entre os próprios especialistas? Neste trabalho, primeiramen-
te tentamos esclarecer melhor essa situação paradoxal, depois discutimos
alguns casos ilustrativos da dificuldade de se determinar o propósito co-
municativo e, finalmente, sugerimos um procedimento que permite que o
importante (especialmente em contextos aplicados) conceito de propósito
comunicativo seja mantido .

9.2. Discussão sobre "propósito comunicativo''


Uma das definições mais amplas sobre o conceito continua sendo a
de Swales (1990, p . 58) :

Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos,


cujos membros comparti lham um conjunto de propósitos comu-
nicativos . Esses propósitos são reconhecidos pelos membros ex-
perientes da comunidade discursiva e dessa forma constituem o
fundamento lógico do gênero. Esse fundamento modela a estru-
tura esquemática do discurso e influencia e restringe as esco lha s
de conteúdo e estilo .

Vl
O propósito comuni cativo é um critério privilegiado e que ope-
· n5
:::::, ra para manter o escopo de um gênero, tal como concebido
........
X
cu
...... aqui, estritamente enfocado numa ação retórica comparável. ..
Vl
n:, O nome dos gêneros, herdados e produzidos pelas comunida-
·e;
e:: des discursivas e importados pelos demais, constitui valiosa co-
<CU
: :::::,
o::::r
(J.J
municação etnográfica, mas tipicamente necessita de va lidação
VI
cu posterior.
VI
e
cu
e::
<CU
l..!:I

224
Uma conseqüê ncia imediata desse tipo de abordagem funcional é que
os gêneros são encarados não tanto em termos de categorias de discurso,
mas, antes, como eventos sociais ou comunicativos. Ademais, a defini ção
procura estabelecer uma relação entre o propósito realizado e a estrutura do
gênero, ao sugerir que o propósito comun icativo (um critério "privi legiado ")
modela o gênero e imprime a ele uma estrutura interna - uma estrutura es-
quemática . Outra vantagem alegada é que o " propósito" permite ao analis-
ta sustentar e defender um conceito "estreito" de gênero; com efeito, se dois
textos, de outro modo semelhantes, tiverem propósitos comunicativos distin-
tos, deverão ser categorizados como gêneros diferentes. Conforme a defi-
nição, esses propósitos são "reconhecidos" pelos especialistas na área per-
tinente e podem, presumivelmente, ser deduzidos deles pelo analista. Desta
forma, políticos poderiam explicitar os propósitos de seus pronunciamentos,
cientistas especificariam os propósitos de artigos de pesquisa e juízes, os das
in stru ções aos jurados, e assim por diante . Porém, assim como Swales, na
parte final de sua definição, questiona a va lidade dos " nomes de gêneros",
utilizados pelas comunidades, quanto a sua exatidão, confiabilidade e per-
cepção, dúvidas semelhantes podem certamente ser levantada s a respeito
da visão dos especialistas sobre os "propósitos comunicativos".

Anteriormente, o próprio Swa les havia reconhecido que o " propósi-


to", como chave determinante da filia ção de gêneros, não está isento de
dificuldades inerentes :

Neste ponto, pode-se objetar que o propósito é um aspecto um


pouco menos evidente e demonstrável do que, digamos, a forma
e, portanto, serve bem menos como critério primário. Entretan-
to, o próp rio fato de que o propósito de alguns gêneros possa
ser difíci l de determinar representa um consideráve l va lor heurís -
tico . Enfatizar a primazia do propósito pode exigir que o analista
desenvo lva um razoável esforço de investigação independente e
sem preconceitos, oferecendo, dessa forma, proteção contra uma
classificação simplista apoiada em traços esti lísticos e em crenças
estabe lecidas, tais como a tipificação de artigos de pesquisa co mo
simp les relatos de experimentos (Swales, 1990, p. 46) .

225
Dessa discussão, parece bastante claro, agora, que a opinião de
especialistas sobre os propósitos não apresenta, em última análise, mais
credibilidade do que sua posição sobre a nomenclatura . Por uma razão
simples : os especialistas, em uma com unidade profissional , podem não
concordar sempre com respeito ao propósito de um gênero . Mesmo no
caso de concordarem, a citação acima sugere que os analistas podem ter
suas próprias tarefas a executar ao esmiuçarem os fundamentos lógicos
subjacentes aos gêneros . Com efeito, se os cientistas afirmam que artigos
de pesquisa realmente são apenas "simples relatos de experimentos", e
sem dúvida alguns dirão isso, eventualmente será possível mostrar que eles
estão equivocados . Certamente, nesse estágio do raciocínio, pareceria que
apontar o propósito comunicativo de um texto ou categoria de textos não
é sempre uma tarefa fácil ou rápida .

Antes de apresentarmos alguns estudos de casos que possam lan-


çar luzes empíricas sobre a problemática da determinação do propósito
comunicativo, seria útil considerar a posição de Bhatia (l 993), em que ele
oferece a seguinte ampliação da definição de gênero de Swales:

[Gênero] é um evento comunicativo reconhecível, caracterizado


por um conjunto de propósitos comun icati vos, identificado e en-
tendido pelos membros da comunidade profissional ou acadê-
mica em que ocorre regularmente. Freqüentemente, é um evento
altamente estruturado e convencionado, com restrições a possíveis
contribuições em termos de sua intenção, posição, forma e valor
funcional. Essas restrições, entretanto, freqüentemente são explo-
radas pelos membros especializados da comunidade discursiva na
Vl
"rõ concretização de intenções particulares enquadradas dentro dos
:::::1
.......
X propósitos socialmente reconhecidos (Bhotia, 1993, p. 13) .
cu
.........
V,
ro
·;;:;
e::
<CU
:::::i Como se pode ver, a principal mudança ocorre na última frase. Em
i:::r
OJ
V,
comentário posterior, Bhatia observa que Swales (l 990) "subestima os fa-
a.J
V,
tores psicológicos, minimizando, desse modo, a importância dos aspectos
2
a.J
e::: táticos da construção dos gêneros, que desempenham um papel significa-
<a.J
l..!:J
tivo no conceito de gênero como processo social dinâmico, e não estáti-

226
co" (1993, p. 16) . Uma ilustração de Bhatia para essas táticas é o caso
dos repórteres experientes, capazes de insinuar suas perspectivas políticas
preferidas sob a aparência de um noticiário objetivo. De fato , é esse tipo
de situação que leva Bhatia a acentuar a importância de um "informante-
especialista" que possa revisar as conclusões dos analistas ou , de outra
forma, orientá-los em suas investigações . Sejam ou não corretas as ob-
servações de Bhatia, o espectro de manipulação estratégica e intenções
particulares é capaz de acrescentar elementos adicionais ao "conjunto"
de propósitos comunicativos e, assim, complicar ainda mais o processo
de sua nomeação. De forma mais genérica, Swales já tinha reconhecido a
complexidade gerada pelos vários tipos de conhecimento interno : "Embora
se destine, sem dúvida alguma, a manter a audiência atualizada sobre os
eventos do mundo (inclusive eventos verbais), a transmissão de notícias
também pode ter o propósito de moldar a opinião pública, orientar o com-
portamento das pessoas (como numa emergência) ou apresentar seus con-
troladores e patrocinadores sob uma luz favorável" (1990, p . 47) . Embora
não encontremos exatamente "intenções particulares" aqui, certamente re-
conhecemos que certos jogadores podem conhecer as "regras do jogo" e
ter perspectivas de mais longo termo sobre estratégias subjacentes e dispo-
sições institucionais . Em conseqüência, não estamos mais procurando uma
simples lista ou "conjunto" enumerável de propósitos comunicativos, e sim
um conjunto muito complexo, em que alguns propósitos provavelmente
não serão oficialmente "reconhecidos" pela instituição, ainda que sejam
"identificados" - particularmente, em situações não oficiais - por alguns
de seus membros especializados .

Apesar dessas d ificuldades crescentes com a operacionalização do


conceito, especialmente como instrumento de categorização, o propósito
comunicativo continua influenciando as abordagens de Língua com Fins
e::
Específi cos, principalmente, talvez, na área de comunicação empresarial. ...e:
o
--,
Po r exemplo, Nickerson (1999, p. 40) enumera vários estudos que classi- 0J
0J
ficam o discurso comercial com base em Swales (1990) ou em Orlikowski >
n::,
..e::
e Yates (1994) e sua definição de "propósito comunicativo socialmente re- c:u
...e,:::
V,
co nhecido". O artigo de Andersen (1998) intitula-se exatamente " Gêneros <C
'-
c:u
de cartas comerciais : uma abordagem baseada no propósito comunica- 00
e::

227
tivo" . Um claro exemplo da ace itação atual do "propósito comun icativo"
pode ser visto nesse trecho de um artigo recente :

Em busca da natureza genérica do fa x, o conteúdo dos dados de


língua inglesa foi examinado mais detalhadamente . Usando o
modelo introduzido por Swa les (1990) e desenvolvido por Bhatia
(1993), o 'propósito principa l de cada mensagem foi identificado
e foram analisados os 'movimentos retóricos ' usados para real i-
zar o propósito. Naturalmente, o propósito geral e mais abran-
gente das mensagens comerciais é realizar os ob jetivos de uma
negociação de compra e venda, mas sob esse 'guardo-chuva'
sete subpropósitos pu deram ser identificados (Akar e Louh iala-
Salminen, 1999, p. 212-213).

Podemos verificar que o propósito comunicativo continua sendo um


conceito central em muitas abordagens baseadas em gêneros . Até o pre-
sente momento, de fato, a discussão sugeriria que o conceito pode ter
valor heurístico como porta de entrada para uma melhor compreensão de
certos corpora de discursos; que pode ter um papel a desempenhar em
mostrar como os discursos podem realmente ser multifuncionais; e que
pode ser usado para desqualificar o status de gênero atribuído a certos
agrupamentos mais amplos de discursos, tais como os que são descritos
comumente através de rótulos referentes a registros como o jornalístico .
Entretanto, o propósito comunicativo não pode, por si mesmo, a judar os
analistas a decidirem rápida, tranqüila e indiscutivelmente quais dentre os
V'I textos A, B, C e D pertencem ao gênero X ou Y, pois esses analistas dificil-
"i'õ
::::,
....... mente saberão, de saída, quais são realmente os propósitos comunicativos
X
.E:l daqueles textos. Antes, o que é imediatamente manifesto ao analista de
V'I
rc gênero não é o propósito, e sim a forma e o conteúdo . Além d isso, mesmo
·o
e::
<ClJ que um texto se refira ao próprio propósito comunicativo de forma explícita
: :::::,
o:::::r
OJ
V, e evidente, como em "o propósito dessa carta é informar que sua co nta
QJ
V, excedeu o limite de crédito" , diríamos que é temerário interpretar sempre
2
QJ tais enunciados do modo como se apresentam .
e::
<CJ
<..::J

228
9.3. Esclarecendo a questão
A fim de investigar o problema, tomamos três exemplos em ordem de
complexidade ostensivamente crescente quanto a propósito comunicativo,
complexidade textual e retórica, e extensão . São eles : (1) listas de compras;
(2) breves " cartas-respostas" a recomendações; e (3) folders empresariais .

9.3.1. Listas de compras


A lista de compras deve ser um dos mais modestos dentre os gêneros
"simples" de Miller. Uma lista pode ser aleatória (como quando rascunha-
mos alguns itens de que necessitamos à medida que eles nos ocorrem), ou
pode ser ordenada de algum modo, talvez de acordo com uma seqüência
conveniente de lojas a visitar, com os tipos de coisas a comprar ou, ainda,
com a localização dos bens nas fileiras dos supermercados . A terminolo-
gia tende a ser esparsa e é improvável que encontremos muitos exemplos
de descritores como : "250 gramas daquelas deliciosas e rechonchudas
azeitonas pretas Kalamata, maravilhosamente brilhantes em sua calda" .
Quanto ao seu uso, a lista de compras é tipicamente levada em uma das
mãos, sendo freqüentemente consultada . A maioria das pessoas assinala
ou risca os itens à medida que são obtidos . Numa frente mais ampla , al-
gumas variações culturais no uso de listas de compras podem ser previstas .
Observações casuais em supermercados dinamarqueses sugerem que per-
to da metade dos clientes com carrinhos (por oposição àqueles que levam
cestas) apóia-se em listas de compras, enquanto observações similares no
mundo árabe sugerem uma proporção provavelmente mais baixa, talvez
devido à memória altamente eficiente e bem treinada dos membros dessa V'I
QJ

última cultura . j
Quanto ao propósito comunicativo das listas de compras, ele parece ::E:
e:
ser muito simples . Certamente, uma lista de compras é um lembrete útil -=
-o,
QJ
para o cliente, fazendo-lhe recordar o que precisa comprar. Tipicamente, QJ
>
a lista de compras é escrito à mão pelo próprio/a cliente, por um membro n::,
..r:::
QJ
da fam ília ou por alguém de casa, em um papel pequeno ou dobrado . ..JX:
V'I
<....
Contudo, quando entrevistou clientes na saído de um supermercado da QJ
o.o
Califórnia, Witte (1992) descobriu variações de propósito comunicativo E:

229
bem ma iores do que o que se poderia esperar. W itte descobriu, de fato,
que alguns clientes usavam suas listas pri meiramente poro fins de autodis -
ciplina. Para esses clientes, a lista de compras funcionava , por omissão,
como uma injunção sobre o que não comprar (" se não estiver na lista , não
compre "), sendo usada , portanto, como uma forma de prevenir compras
por impulso . Evidentemente, é difícil certifi car-se do grau de dissem ina ção
desse uso alternativo, embora seja razoável supor que seu uso deve ser
mais freqüente entre pessoas que estão atravessando d ificuldades financei-
ras ou fa zendo reg ime! Também não sabemos se há alguma conseqüência
textual desse propósito "anti- impulsivo", por oposi ção ao propósito de au-
xílio à memória . Se presumirmos que não, chegaremos à desconfortável
posição - pelo menos para quem enfatiza o papel categorizador do pro-
pósito comun icativo - de termos dois textos idênticos ou quase idênticos
realizando propós itos comun icativos bem diferentes.

Apesar de todas as dificuldades, é muito difícil dispensar completa-


mente conceitos como " propósito" e apoiar-se somente nos aspectos for-
mais. Afinal, listas de compra (e a própria compra) são situações comuns
em aulas de língua para iniciantes e, conseqüentemente, são aí utilizadas
para fins de aprendizagem . Por outro lado, o te xto abaixo , aparentemente
uma lista de compras, pode na verdade ser um poema :

Lima e limão
Couve e repolh o
Salsa e tom ilho
Ce rveja e vinho

Finalmente, se admitirmos as intenções particulares de Bhatia no ce-


nário, então a lista de compras pode até mesmo ser um instrumento de
esperan ça romântica . Pense-se na segu inte situação : um jovem , fortemen-
te atraído pela jovem balcon ista da confeitaria, prepara para sua próxima
visita uma meticulosa lista de compras, destinada a convencê-la de sua
aptidão como um possível companheiro .

230
9.3.2. Resposta à carta de recomendação
Nosso segundo exemplo de um gênero com propósitos múltiplos vem
do mundo acadêm ico - mais especificamente, o processo relacionado
com a nomeação de novos docentes nas universidades americanas . Ao
postular o cargo de professor-assistente, os cand idatos tendem a convidar
de três a cinco professores titulares para darem referências que possam
ser enviadas a todas as institu ições que as tenham solicitado . Nos dias
de hoje, as referências são quase sempre favoráveis ao candidato, em
parte por causa da competitividade do mercado de trabalho e talvez em
parte pela preocupação com potenciais litígios se forem feitos comentários
negativos. Parece que tais cartas de referência, pelo menos no contexto
das escolas de negócios norte-americanas, podem gerar uma breve nota
oficial de reconhecimento e agradecimento - que poderíamos chamar de
"carta-resposta" (Swales et ai., 2000). Eis um exemplo típico (usou-se um
pseudônimo) :

Caro Sr. M o ore,


Muito o brigado po r sua carta de recomendação em fa vor de
Alan Kim , para adm issão em nosso corpo docente . A recomen-
dação é uma parte importante do nosso processo de seleção .
Agradecemos o tempo e o esforço dispensados por V Sa . em
apresentar informações tão minuciosas . Entraremos em contato
com o Sr. Alan Kim no decorrer de nosso processo de seleção .
Ma is uma vez, agradecemos pelo seu empenho em favor do Sr.
Kim e do nosso processo de seleção.
Atenciosamente VI
QJ
(Assinatura, nome, título profissional e cargo)
j
:::i
e::
Como era de se esperar, a carta-resposta geralmente é breve, com ..e:
-,o
cerca de 3 a 5 frases no pequeno corpus de 14 cartas à nossa disposição . QJ
QJ
A carta consiste de três partes : abertura, corpo e conclusão . O corpo da >
rt)
..e:
QJ
carta-resposta contém uma seleção dos seguintes temas : agradecimen- .zc.
V-,

to, reconhecimento do tempo e dos esforços empreendidos, informações <,_


QJ
sobre o processo de seleção e uma referência a contatos futuros com o o.o
e:

231
candidato . Talvez o "move " ("movimento retórico") mais interessante no
pequeno corpus examinado por Swales et ai. (2000) cons ista nas declara-
ções sobre a natureza árdua da produção de cartas de recomendação, tais
como : "Agradecemos seu tempo e esforço em escrever esta carta, que será
de grande auxílio em nossa decisão" . Vemos, aqui, uma certa tentativa de
expressar reconhecimento pelo considerável trabalho envolvido e assegu-
rar ao autor da recomendação que seu esforço não foi em vão .

Em um nível mais simples, pode-se concluir que essas cartas-resposta


são notas sinceras de agradecimento ao recomendante pelo esforço e tem-
po dedicados . Mas, então, surge a questão sobre por que os autores das
cartas-resposta aos professores deveriam passar por esse inconveniente, já
que não há uma expectativa geral da Academia de que eles precisassem
faze r isso. Considerando esse fato, uma possível resposta pode estar na
reciprocidade da correspondência como uma espécie de polidez adminis-
trativa . Visto que o autor da recomendação (ou um secretário) emprega
seu tempo para emitir (e re-emitir) pessoalmente as cartas de referência,
ele também poderia esperar uma nota de resposta igualmente pe rsonaliza-
da . Outra explicação pode incluir o desejo de reconhecer e valo rizar esse
"serviço gratuito", talvez especialmente porque algumas institui ções hoje
parecem dispostas a pagar por avaliações relacionadas com estabilidade e
promoção, ou o desejo de faze r um ag radecimento especial a uma pessoa
de fora, que não trabalha nem com psicologia nem com administração
(como no caso do nosso corpus). A carta-resposta poderia ainda ser vista
como parte de uma estratégia institucional destinada a assegurar o fluxo
contínuo de cartas de recomendação de alta qualidade .

VI Um outro motivo possível pode ser o uso da carta-resposta como uma


· n:5
:::J
........ forma indireta de promover aquela instituição aos olhos (e memória?) de
X
w
...... quem recomenda . As cartas-resposta são freqüentemente impressas em
VI
rc papel personal izado e assinadas por colegas da academ ia . E há sempre
·o
e::
<W
: ::::;J
uma hipótese contrária a todas essas; talvez, afinal de contas, não haja
,:::r-
QJ
VI
nenhum raciocínio real ou determinante para essas respostas epistolares,
QJ
VI
além do fato de que, d igamos, há cerca de vinte anos algum chefe de
e
QJ departamento começou essa prática e ninguém, desde então, se preo-
e::
<QJ
...::::, cupou em interrompê-la . Em outras palavras, o "conjunto de propósitos

232
comunicativos" que motiva a aparente extensão do sistema de gêneros
(Bazerman, 1994) que orquestra o processo de nomeação de docentes nos
Estados Unidos co ntinua , até o presente momento, obscuro. Como Swa les
observa, "precisaríamos de mais dados sócio-cognitivos do que aqu ilo que
o próprio texto fornece" (1993, p . 690) .

9.3.3. folders empresariais


Nosso último exemplo se refere a um gênero supostamente mais com -
plexo em termos de propósito comun icativo, traços textuais/ retóricos e exten -
são - a saber, os fo lders empresariais . Em Askehave (1998), faz-se uma ela-
borada tentativa, como de costume na aná lise de gêneros, de definir o rea l
propósito desse gênero particular, nem tanto para categorizar o texto como
ta l, mas para encarar o fo lder empresarial como uma "atividade gradua l,
orientada para um objetivo, dotada de propósito" (Martin, 1984 , p.25) .

Poderia ser tentador simp lesmente conc luir, como Bhatia (1993, p . 59)
de fato fez, que o folder empresarial é um "gênero promociona l" e, con -
seqüentemente, que seu propósito comunicativo é "promover a lgo" (neste
caso , a empresa) . Entretanto, o problema dessa descrição de Bhatia é que
ela continua muito gera l e, assim , não contribui muito para a descri ção
d o gênero como uma a tividade propos ital e inten cio nal, especi al m ente se
considerada do ponto de vista dos produtores/ emissor. Askehave ( 1998)
tenta reve lar algumas das assim chamadas intenções "veladas" dos foi-
ders, ao lado da inten ção mais abrangente que é a promoção da empresa .
Usando os princípios básicos da lingüística sistêmico-funcional (isto é, que
o contexto cultura l e situaciona l acres centa sentido e propósito ao te xto),
As kehave argumenta que, se desejamos descobrir e identificar o propós ito
de um texto , não podemos evitar a investiga ção do co ntexto em que o
texto é util iza do . Dessa fo rma , no intuito de ir além do ó bvi o propósito de e::::
...i:::
o
--,
" p rom over a lgo " e inferir o que a empresa está ten tando fa zer através de
sua pro mo ção, prec isamos nos volta r para o mercado ind ustria l e para os
ob jetivos e inte nçõ es dos parti cipantes desse merca do.

Certa mente , os folders empresariai s estudados em Askehave (19 98)


são, em um certo nível, usado s essencia lm ente co m o m ateria l pro mocional

233
no mercado industrial. No entanto, uma análise do contexto cultural suge-
re que o estabelecimento de relações comerciais duradouras é de superior
importância no mercado industrial atual - dessa forma , a capacidade de
entrar em relações cooperativas é vista como uma ferramenta esse ncial e
como um bem extremamente valioso . Portanto, um dos principais obietivos
mercadológicos de uma companhia que opera no mercado industrial é
proietar-se como um parceiro comercial qualificado e respeitável, e aqui
o folder pode ser visto como desempenhando esse importante papel. Em-
bora não possam, por si mesmos, estabelecer tais parcerias, os folders
podem facilitá-las, apresentando o empresa como um parceiro qualificado ,
e isto, sugere Askehave, emerge como a proposta central e implícita dos
folders empresariais por ela examinados.

A análise dos traços lingüísticos nos folders de duas empresas estuda-


das em profundidade também apóia e reflete a interpretação proposta (de
proietar a imagem de um parceiro comercia l confiáve l e disponíve l). Por
exemplo, a análise de relações semânticas reve la que cadeias de itens le -
xica is que comparti lham a estrutura semântica das chamadas "qualidades
de parceria" (tais como inovação, habilidades, qualidade, cuidado com o
cliente e cooperação) são extremamente freqüentes nos folders. A anális e
de traços léxico-gramaticais, tais como os padrões de transitividade, mos -
tra que as empresas se apresentam a si mesmas como participantes ativas
em processos relacionados com a cooperação (por exemplo, a empresa
trabalha com você, a empresa oferece a você, a empresa supre suas ne-
cessidades); as empresas também são dominantes em orações atributi vas
que reiteram as qualidades de parceria mencionadas acima (por exemplo,
a empresa está empenhado em a;udá -lo , a empresa é pioneiro em mate -
V'1
"rõ
::::,
riais e em tecnologia de produção). No entanto, a análise acima, como
........
X na discussão sobre as cartas-resposta, ainda não exclui a possibilidade de
2:l
V'1
ro
propostas adicionais ou auxiliares. Uma empresa pode, por exemplo, usar
·.::::;
e:: um folder internamente para informar os empregados sobre seu valores
<C:U
: ::::,
c:r essenciais, especialmente se o folder contém uma declaração de missão
OJ
V'l
Q.J (Swales e Rogers , 1995), ou para fortalecer a cultura corporativa e criar
V'l
e
Q.J
um espírito de equipe. Além disso, é tentador sugerir que uma emp resa
e:: re ce ntemente estabelecida possa produzir um folder porque o considera
, ru
'-!:)

234
como um sina l de sua existência; isto é, se a companhia tem um folder, é
uma empresa "de verdade" . Assim, o fo lder empresarial é de fato um texto
multifuncional, cu jos propósitos comunicativos representam um verdade iro
desafio para o ana lista .

9.4. Buscando uma solução


Até aqu i, temos tentado demonstrar que o propósito comuni cativo
pode ser bastante indefinid o , a ponto de se tornar extremamente inviável
para a identificação e categorização inicia l e antec ipada dos discursos
como pertencentes a determinados gêneros . Uma so lução radica l para
essa indefini ção seria descartar totalme nte o conceito, em consonância
com a linha de Hal li day e Hasan (1989), que se apó iam na existência e na
disposi ção de elementos estrutura is obrigatórios para essa identificação .
Eles consideram o texto como um exemp lar de certo gênero se ele co ntiver
os elementos obrigatórios de uma fórmu la estrutural (que é determinada
pela s va riáveis ha ll idayanas de campo , re lação e modo) . No entanto, esta
so lu ção também não é inteiramente livre de prob lemas . Se os elementos
obrigatórios funcionam como um critério para a classificação de te xtos
dentro de um certo gênero, o q ue fa zer em todas as ocasi õ es em que os
eleme ntos o brigatórios não aparecerem ? Como a po nto u Ve nto la (198 7),
po dem o s acabar considerando textos bastante similares como exemp los de
gêneros diferentes, pois variações superficiais no campo, re lação ou modo
desencadeiam fórmulas estrutura is diferentes . A lém disso, na teoria de re-
gistro de Halliday, a função de um te xto é tra tada como um aspecto da
variáve l contextua l " modo". Assim, o sistema acarreta o perigo fortemente
inerente de confundir gênero (fun ções retóricas) com cana l (modo) . Como
Martin e mu itos outros têm observado :
::i
e::
..e::
o
--,
CJJ
A di stinçã o entre o propósito de um texto (gê nero) e a ma neira CJ.)
>
ro
(m o d o) co mo ele é trans m itid o é importa nte po rqu e muitos d e ..e::
ClJ
noss o s te rmo s ling üísti cos co muns co nfundem modo e g ênero. ..o::
V,
<C
Carta s a o editor, por exem plo, gera lmente sã o expos içõ es exor- '-
OJ
00
tati vas en vi ada s pelo correi o e têm m uito ma is em com um com e::

235
discursos pol íticos do que outros tipos de carta (Martin, 1985,
p.17) .

Além disso, uma abordagem puramente formal logo se choca co m


usos bem difundidos na sociedade co ntemporânea, tais como o humor
genérico, a personificação, a paródia, o pastiche e a sátira . Numa era pós-
moderna, quando Bakhtin (especialmente Bakhtin, 1986) ainda exerce uma
influência poderosa em muitos campos, é difícil evitar o reconhecimento de
que suas "re-acentuações" (ou a reutilização reflexiva de fragmentos textu-
ais antigos para propósitos diferentes) são comuns em literatura, jornalis-
mo, publicidade, política e similares . De modo mais pertinente, como Bex
(1996) observa, " [Numa paródia] seria possível argumentar, então, que
todos os tra ços superficiais do gênero são adequadamente encontrados"
(1996, p.138). Considere-se o texto seguinte, que aparentemente tem to-
das as características do tipo de resumo que aparece nas programações de
congressos de lingü ística aplicada:

A interlinguagem em alunos de mestrado

Enu nciados de alunos de Lingüística Ap licada podem ser si tu -


ados ao longo de um contínuo que vai das formas puras de
L1 (po r exemplo, " Temos que ensiná-los a entender inglês") às
formas puras de TL (por exemp lo, "Nossa tarefa pedagógica pri-
mordial é ince ntivar estra tégias que d inamizem a capacidade do
aprendiz para observar o macrocontexto comunicativo, semióti-
co e pragmático"). O trabalho oferece cinco opções de modelos
VI
"n:i para a descrição da variabilidade não-sistemática dos dados,
::,
........ tratando L2, IL e TL como sistemas semipermeáveis hiera rquica-
X
..f=l mente independentes em cada caso.
VI
ro
· e;
e::
<CU
: ;::J
0-
(JJ
V'I
Essa magnífica dupla de frases retirada de nossas próprias práticas
cu retóricas é particularmente bem sucedida porque toma o estilo clássico da
V'I
e
cu Aquisição de Segunda Língua e o subverte, aplicando-o aos próprios in-
e:
<CU
l...':l divíduos (alunos de mestrado) que estão sendo treinados para adquirirem

236
aquele estilo. O texto tem todos os traços superficiais que poderíamos es -
perar em um resumo, mas é evidentemente uma paródia , que acreditamos
ter sido composta por Michael Swan vários anos atrás .

Se uma abordagem baseada na superfície e na estrutura pode se


mostrar insegura e insuficientemente distintiva, uma solução alternativa po-
deria ser restringir nosso conceito de propósito comu nicativo ao que é, afi-
nal, básico e transparente . Por exemplo, Martin (l 992) oferece a seguinte
caracterização de "te/os" (ou propósito comunicativo):

Deve ser acentuado aqui que introduzir o te/os em uma teoria


contextual, neste ponto, de modo algum implica que o texto está
sendo interpretado como a realização das intenções do falante:
gêneros são processos sociais e o seu propósito está sendo in-
terpretado aqui em termos sociais, e não psicológicos (Martin,
1992, p. 503) .

Contudo, o modo como este foco no propósito puramente "social"


tem sid o trabalhado nos escritos de Martin e seus compa nheiros tem sido
direcio nado para um amplo e restrito grupo que os analistas de discurso
europeus chamariam de "tipos de textos", tais como a instrução, a descri-
ção, a narrativa etc. Embora Martin possa corretamente re ivindicar que há
mérito pedagógico em tal esquema, questões muito interessantes ficam
sem resposta . Por exemp lo, um texto instrucional acompanhando algum
produto medicinal pode, variada ou cumulativamente, fornecer informa-
ções de fundo, explicar o uso do produto, atender às regulamentações
governamentais, prevenir acidentes, resguardar o fabricante de respon-
sabilidade civil pelo produto ou indicar proced imentos para a solução de ::E:
e:::
proble mas (Askehave e Zethsen, 2000). Como, então, gostaríamos desa- ..e:::
o
--,
ber, a lingüística e a pragmática corre la cionam -se com tal multiplicidade? OJ
OJ
>
n::,
Há uma porção de variantes adicionais nessa abordagem "banda ..e:::
w
larga" . Relembremos que a citação que fizemos anteriormente de Akar -=
VI
<:
e Louhialia-Salminen (l 999) continha a frase: "Naturalmente , o propó- '--
QJ
o.o
sito geral e abrangente das mensagens comerciais é ating ir o objetivo de e::

237
fazer uma negociação de compra e venda" . Por um lado, é amplamente
reconhecido que os negócios têm como premissa a competição entre as
partes envolvidas, porém, por outro, isso pode ser difícil de admitir para os
ana listas de gênero que trabalham com a comunicação empresarial e ne-
cessitam de um conceito do tipo "guarda-chuva" para unificar sua troca de
mensagens. Askehave (l 998) mostra o papel do folder como parte de uma
busca por parceiros comerciais, mas sabemos ig ua lmente que as empresas
também podem estar preocupadas com a substituição de seus parceiros
tradicionais por outros novos e me lhores . O propósito "todo abrangente"
situa-se desconfortavelmente d iante de todos os movimentos comerciais
relacionados com o descarte de fornecedores ineficientes, negligentes e
dispendiosos, e coisas seme lhantes . E, se retornamos ao gênero lista de
compras, mais uma vez poderíamos optar por a lguma caracterização de
ordem maior, que possa abranger os propósitos a lternativos descobertos
por Witte (l 992), ta l como a proposta de que a lista de compras "tem a fi-
na lidade de orientar expedições de compra de forma eficiente e prudente" ,
mas ta l caracterização pareceria "vazar" para outros gêneros, tais como os
pedidos feitos por fax ou por te lefone para entrega em domicílio, e outras
semelhantes .

Finalmente, uma variação mais ousada dessa abordagem "banda


larga" pode ser vista no argumento de Bhatia (l 993) de que cartas pro -
mocionais e cartas para pedido de emprego pertencem ao mesmo gênero
porque o propósito comunicativo predominante em ambos é promover
algo (seja uma empresa, pessoa ou produto) . Embora possam ser escla-
recedoras, tais liga ções e similaridades violam o que comumente acredi-
tamos ser uma "ação retórica" comparável. De fato, Mi ll er, em 1984, já
VI
ºi'õ tinha feito uma importante distinção entre "ação retórica similar" e " ação
:::::1
.......
X retórica tipificada". Nesta última, as simi laridades precisam ser estendidas
..f=l
VI
ro
ao mesmo tipo de situação esperada e ao mesmo tipo previsto de partici-
· ;:::;
e:: pantes e, dessa forma, precisam ir além do mesmo tipo de ação retórica
<W
: ::::::i
c::r per se (ver Bargiela-Ch iappini e Nickerson, 1999, para mais discussão).
OJ
V,
a., Essas restrições nos parecem bastante sensíveis (e teriam, incidentalmente,
V,

e
cu
a vantagem de recusar a tipificação para listas de compras que são po-
e::: emas, paródias, cartas de amor ou materia l de ensino de língua) . Nesse
<Cl.J
<..::I

238
particular, a fusão feita por Bhatia , de duas modalidades de textos pro-
mocionais tão diferentes, com audiências tão diferentes, em um "mesmo"
gênero, cria muito mais problemas do que resolve .

Em resposta a estes enigmas, no que diz respeito a propósitos paro-


dísticos, abrangentes, e assim por diante, sugerimos que seria prudente
abandonar o propósito comunicativo como método imediato e rápido de
classificar os discursos em categorias genéricas, embora o analista possa e
deva conservar o conceito como um va lioso - talvez inevitável - resultado
final da análise. Os procedimentos que propomos de alguma forma de-
pendem de se o investigador segue uma abordagem tradicional a partir do
texto (abordagem " lingüística"), ou uma abordagem alternativa a partir do
contexto (abordagem " etnográfica"), como adotada por Beaufort (l 997,
2000), Gunnarsson (l 997) , Swales (l 998) e Winsor (2000) . Com respeito
ao primeiro, sugerimos os cinco passos mostrados na Figura l :

Figura 1: Análise de gêneros a partir do texto

l. Estruturo + estilo + co nteúdo + "p ropósito"

2.
t
"gênero"

3.
t
co ntexto

4.
t
re-propósi'J do gênero

5. revisão do status do gênero

Talvez seiam necessários uns poucos comentários explicativos : primei-


ro, é importante observar que o "conteúdo" deve incluir também uma aten-
ção cuidadosa ao que não foi dito ou escrito (Huckin, 1999), pois é nessas
omissões que freqüentemente encontramos convenções disciplinares e pro-

239
fissionois operando com muita forço (Dressen e Swo les, 2000) . Segundo, os
usos ini ciais do propósito (no passo l ) e do gênero (no posso 2) foram postos
entre aspas poro indicar seu status provisório naqueles estágios do procedi -
mento. Terceiro, em uma época em que os instituições parecem estar reali -
zando suas "reengenharias " e revendo suo missão, não sentimos necessidade
de nos desculpar demais por usar o neologismo "re-propósito". Quarto, no
momento atual, preferimos pensar em "revisão do status do gênero" como um
tipo de categoria aberto , que pode impli car o revisão de fronteiros genéricas,
ou o defeso da existência de um novo gênero ou da atrofio ou descaracteri-
zação de um gênero antigo. Finalmente, não dispomos de espaço, aqui, poro
discutir ou definir o que entendemos por "co ntexto". Antes, pensamos que é
preferíve l deixá-lo como uma "caixa preta" que pode ser operacionalizado por
investigadores individuais de acordo com suas circu nstâncias. Como observo
Von Oijk, "não há um limite a priori poro o campo de ação e poro o nível do
que conto como contexto relevante " (l 994, p.1 4), embora todos nós, co mo
ana listas, tenhamos conhecimento de a lguma versão do " lei do menor retor-
no", à medido que nossos investigações se expandem no tempo e no espaço,
além do corpus que temos .em mão.

O procedimento alternativo é um pouco mais comp licado e está il us-


trado no Figuro 2 .

Figura 2. Análise de Gêneros a partir do contexto

l. Identificação da co mun idade comunicativa (discursiva)

2.
i
Va lores, obje tivos, condi ções materiais do comu nidade discu rsiva

3.
i
Ritmos do traba lho, horizontes de expectativas

4.
i
Repertório de gê neros e normas de etique ta

5.
i
Re -propósito dos gêneros

6.
i
Característ icas do:
G ênero A Gênero B G ênero C G ênero D

240
Descrições esquemáticas de procedimentos, tais como mostramos
nas figuras 1 e 2, são sem dúvida idealizadas e higienizadas, mas mostram
que a atribuição de propósitos comunicativos a um comp lexo de gêneros
é um estág io tardio do processo . A abordagem etnográfica, como traba -
lho in tensivo, tem também produzido resultados extraordinários . Beaufort
(2000), em seu estudo sobre a escrita em uma organização sem fins lucra-
tivos, pôde estabelecer uma hierarquia de gêneros, dependendo do tempo
e dos recursos gastos neles e da importância relati va dos destinatários .
Swales (1998) explorou a produção e os produtores de textos em um her-
bário de universidade e pôde mostrar que botânicos sistemáticos operam
dentro de um conjunto de gêneros de flora, monografia e tratamento que
é completamente diferente do que é tipicamente admitido para a pesquisa
acadêmica nas ciências biológicas (Myers, 1990), enquanto Winsor re-
velou, em seu estudo de 'í\gricorp", o aspecto político do gênero como
ação soc ial , identificando "ordens de serv iço como um gênero que tanto
desencadeia como dissimula o traba lho dos técnicos , permitindo que desa-
pareça frente ao trabalho dos engenheiros" (Winsor, 1999, p. 155) .

Os procedimentos propostos também oferecem uma promessa de


investigação sensível à natureza dinâmica e evolutiva dos gêneros . Recen-
temente, Hyland (2000) mostrou que a resenha de livro de alguma forma
tem mudado seus propós itos no decorrer de sua existência. No passado,
folders de empresas eram presumivelmente simples descrições de produ-
tos ou serviços oferecidos . Hoje, produtos e serviços podem ter um papel
secundário; em vez disso, pode ser destacada a aptidão da empresa para
futuras relações comerciais, a decência de seu papel em questões cívicas
e ambientais, ou, mais recentemente, sua participação expressiva no co- V'I
Cl.l

mércio eletrônico (e-commerce). A mudança de propósito, desse modo,
~
encoraja a avaliação e o potencial reajustamento de qualquer conjunto de ::E
e::
gêneros : como Yates e Olikowski (1992) observam, "a carta comercial e a ..e::
-o,
reunião de negócios podem, em um aspecto, ser gêneros, ao passo que, OJ
OJ
em outro, esses tipos de comunicação podem ser considerados demasia- >
n::,
..e::
damente gerais, e a carta de recomendação ou a reunião de uma comis- Cl.l
...e,:
VI
são de funcionários podem captar melhor o sentido social de situação <C

recorrente" (1992, p.303) . A noção de " re-propósito do gênero" também

241
representa um corretivo útil contra uma posição realista em relação à no-
menclatura . A esse respeito, um estudo particularmente valoroso é Mou-
ranen (1994), que demonstrou, entre outras coisas, que "uma tutoria" tem
conotações e denotações muito diferentes nas universidades finlande sas e
britânicas, e ousamos dizer que tais diferenças cu lturais podem se multipli-
car facilmente . Mesmo dentro de um sistema unitário, convenções sócio -
históricas podem assegurar que práticas classificatórias adquiram um va lor
simbólico que supere qualquer noção simples de propósito comunicati vo
(comunicação pessoal de Kramsch) . À medida que as instituições terciários
se tornam mais sensíveis às necessidades e esperan ças de seus alunos (e
de seus pais), pode haver uma considerável vantagem simbólica em man-
ter o rótulo genérico de "tutoria", indicando uma interação personalizada
entre tutor e tutelado, quando de fato a soi-disant tutoria hoje é realizada
inteiramente por computador. De modo se melhante, o tradicionalmente
ameaça_dor rito de passagem, a defesa de tese de doutorado, tem assu-
mido em muitos países um sabor aparatoso e perdido muito do seu cará-
ter inquisitorial. O "re-propósito" encoraja o estudo sóc io-retórico de tai s
tendências e também permite concentrar a atenção na questão altamente
contemporânea de como o avanço tecnológico afeta o modo como os
exemplares de gênero são perceb idos e classificados em relação ao seu
meio de tran smissão : tele x, fa x, telefone, e-mail, interação face-a -face,
vídeo-conferência, jornal eletrônico, jornal impresso e outros .

Estas observações apontam para outra van tagem do nosso procedi -


mento - apontam para o fato de que a categorização de gêneros, como
uma questão prática da lingüística aplicada, é mais um tema de investi-
gação extensiva do texto-em-contexto do que o mero exame textual ou
V'I
·ro transcricional, por um lado, ou a construção de um sistema introspectivo,
:::i
........
X
c:u por outro. Como Candlin (2000) recentemente observou em sua introdu-
........
V'I
ro
ção à monografia de Hyland sobre o discurso acadêmico, "esta múltipla
·o
e:: moda lidad e na metodologia de pesquisa, envolvendo descrição, interpre-
<C:U
: ::::::i
c::r tação e explicação, é cada vez mais recomendável em lugar, digamos, de
CJ.J
V,
QJ uma análise estritamente te xtual, típica de muitos estudos de gênero" (Can -
V,
o dlin, 2000, p . xix). Embora continue sendo verdade que um gênero pode
cu
e:
<QJ ser definido como " uma classe de eventos comun icativos, cujos membros
<.!:l

242
compartilham um conjunto de propósitos comunicativos" (Swales, 1990,
p.58), ou como "uma combinação de eventos comunicativos que cum-
prem uma função social comum" (Bex, 1996, p. l 37), para o analista, a
descoberta desses propósitos comunicativos nos gêneros mais reputados,
e a inclusão ou exclusão de exemplares de gêneros marginais ou peculia-
res , é suficientemente carregada de incertezas e incompreensões para ser
tipicamente "uma matéria para trabalho de campo prolongado" . Assim,
sugerimos que o propósito (mais exatamente, os conjuntos de propósitos
comunicativos) retenha o status de um critério "privilegiado", mas em um
sentido diferente daquele originalmente proposto por Swales. Não é mais
privilegiado pela centralidade, proeminência ou clareza evidente, nem cer-
tamente pelas crenças reportadas pelos usuários de gêneros, mas por sua
posição como recompensa ou retribuição aos investigadores no momento
em que chegam a completar o círculo hermenêutico .

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