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MODERNO, João Ricardo - Estética da

Contradição. Rio de Janeiro: Editora Moderno,


1997, 506 p.

O autor é Professor de Estética na UERJ. Esta


obra é resultado da sua pesquisa de Doutorado na
Université de Paris I - Panthéon - Sorbone e lhe
conferiu o título de "Doutor de Estado em Filosofia".
O objetivo da obra, conforme diz o autor, é
construir o "corpo histórico-crítico" da contradição
estética, no ambiente da história da estética, desde os
pré-socráticos, mas sobretudo a partir de Platão
(Introdução, p. 14.). Para isso, propõe a criação de um
corpo teórico que resgate o conceito filosófico de
"contradição estética" que permaneceu oculto nas
diferentes interpretações. O conceito de "contradição
estética" ganhou autonomia e se tornou instrumento
de "leitura e da criação artística e filosófica
rigorosamente original, com ampla confirmação
científica em toda a história da filosofia e em toda a
história da arte" (p. 15). Desse modo entende-se que,
uma vez fundada no conceito filosófico da contradição,
a estética adquiriu um corpo teórico que lhe confere o
status de ciência da arte ou teoria da arte.
A hipótese do trabalho é levantada a partir da
possibilidade de uma demonstração histórica (prática)
e teórica da existência de uma contradição de caráter
especificamente estético que possa ser confirmada
pela história da estética e pela história da arte,
diferente do conceito de contradição usado em lógica.

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Vale dizer, Moderno se apropria do conceito de


contradição usado para os juízos lógicos e o reveste
de uma semântica adequada aos juízos estéticos. Há,
portanto, ao longo da história, uma apropriação do
conceito de contradição criado para dar suporte ao
pensamento lógico, instrumentalizado para dar suporte
ao pensamento estético.
Moderno sustenta essa hipótese retomando o
conceito de contradição de Aristóteles, para quem a
contradição seria a oposição entre a afirmação e a
negação de uma mesma proposição. Alterando a
noção aristotélica, Moderno diz, por exemplo, que uma
oposição, com respeito à afirmação "Todo homem é
justo", é sua contrária "Nenhum homem é justo" -- se a
primeira é verdadeira a segunda é falsa e, se a
segunda é verdadeira a primeira é falsa, não podendo,
portanto, as duas serem verdadeiras ou falsas ao
mesmo tempo, mas podem as duas serem falsas. É,
na verdade, um princípio ontológico porque reforça o
princípio de Identidade que diz que o ser é aquilo que
é, não podendo ser diferente de si mesmo. Este
princípio de Identidade fundamenta o princípio lógico
da contradição, dizendo que, por exclusão, ou uma
proposição ou outra é verdadeira, ou uma proposição
ou outra é falsa. Este princípio também é conhecido
pelo princípio da não-contradição e é nele que se
fundamenta o conceito de contradição aristotélico.
Baumgarten (1714-62) completou o conceito
aristotélico de contradição fundando o "princípio do
terceiro excluído" na própria estética. Esclarecemos

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que o "princípio do terceiro excluído" não tem a


mesma leitura semântica do princípio da contradição.
O princípio da contradição diz que uma proposição ou
é verdadeira ou é falsa. Se é verdadeira, sua contrária
é falsa, como visto no exemplo acima. As contrárias
não podem ser simultaneamente verdadeiras, mas
podem ser ambas falsas. O "princípio do terceiro
excluído" diz que não existe um terceiro valor para
uma proposição, sem dizer se ela é verdadeira ou
falsa. Por isso o "princípio do terceiro excluído" de
Baumgarten é um complemento do princípio de
contradição aristotélico, cuja lógica é bivalente, só
havendo, portanto, dois valores (verdadeiro, falso)
para cada proposição.
Aristóteles também se referiu às proposições
ou juízos contraditórios. Nesse caso, não é o todo que
é negado, mas uma parte do todo. Como ocorre nos
exemplos: "Todo homem é justo", sua contraditória é
"Algum homem não é justo"; no caso de "Nenhum
homem é justo", a contraditória é "Algum homem é
justo". Quanto ao valor-verdade dessas proposições,
entende-se que se o todo é verdadeiro as partes
(alguns) serão verdadeiras; se o todo é falso, as partes
serão falsas ou verdadeiras. Esse esquema é
formulado por Aristóteles em De Interpretatione. Ali
está uma teoria das proposições opostas
fundamentada em negação e afirmação. Trata-se de
uma oposição quaternária das proposições
categóricas que pode ser facilmente percebida a partir
do quadro das oposições lógicas

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A-Todo homem é justo contrárias E Nenhum h. é justo

S C C S
U O O U
B N N B
A T T A
L R R L
T A A T
E D D E
R I R
N T T N
A O O A
R R
I I
A A
I Algum h. é justo subcontrárias O Algum h. não é justo

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Assim estão distribuídos os valores-verdade:

1.Todo homem é Nenhum homem é Algum homem é Algum h. não é


justo justo justo justo
V F V F
2. Nenhum h. é Todo homem é Algum homem é Algum h. não é
justo justo justo justo
V F F V
3. Algum h. é Nenhum h. é justo Todo homem é Algum h. não é
justo justo justo
V F V/F V/F
(indeterminada) (indeterminada)
4. Algum h. não Todo homem é Nenhum h. é justo
Algum homem é
é justo justo justo
V F V/F V/F
(indeterminada) (indeterminada)
5. Todo h. é justo Algum h. não é Nenhum h. é justo Algum homem é
justo justo
F V V/F V/F
(indeterminada) (indeterminada)
6. Nenhum h. é Algum homem é Todo homem é Algum h. não é
justo justo justo justo
F V V/F V/F
(indeterminada) (indeterminada)
7 Algum h. é Todo homem é Nenhum h. é justo Algum h. não é
justo justo justo
F F V V
8. Algum h. é é Todo homem é Nenhum h. é justo Algum h. é justo
justo justo
F V F V

O princípio instituído por Baumgarten foi incorporado


aos Princípios de Identidade e de Contradição,
chamados "leis fundamentais do pensamento".
Baumgarten escreveu três obras importantes que
revelam a evolução de seu pensamento em relação à
construção do Princípio do terceiro excluído para

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fundamentar a estética. Em 1735, publicou sua tese de


doutorado, Meditationes philosophicae de nonnullis ad
poema pertinentibus (trazida para nosso idioma pela
Editora Vozes, de Petrópolis, em 1993, com o título
Meditações filosóficas sobre alguns tópicos referentes
à essência do poema), dando início à sua inserção na
Estética. Daí evoluiu para as reflexões metafísicas,
publicando em 1739 a obra Metafísica, e seguiu para o
pensamento estético, escrevendo Estética, livro
publicado em 1750 e 1758. Assim, Baumgarten
caminhou das Meditações para a Metafísica e para a
Estética. O Princípio do terceiro excluído foi definido
em Metafísica como lei lógica do pensamento e foi
analisado em Estética como princípio inadequado,
"artística e esteticamente".
Partindo desses dados, Moderno dá início à
investigação de um processo histórico que ele
denomina "princípio do terceiro incluído". Tomem-se
como referência as palavras de Baumgarten:
As leis da arte estética, todavia -- como um tipo de
constelação de leis particulares -- estão difundidas por
todas as artes liberais, e ainda possuim (sic!) uma esfera
mais abrangente: elas valem onde quer que é preferível
conhecer algo - do qual não é necessário o conhecimento
científico - de modo belo a conhecê-lo de modo feio A
partir disto, esta constelação de lei, mais do que alguma
das leis particulares, merece ser reconduzida a uma
forma de arte, pois um dia há de apresentar - como partes
distintas das artes tiradas dela mesma - um sistema mais

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completo para o conhecimento da beleza. Devido à sua


infinita variedade, não pode ser esperado algo completo
nas leis particulares, a não ser que - elevando-nos à s
fontes não só da beleza, mas também às do
conhecimento, elevando-nos, enfim, à natureza de ambas
- examinemos as primeiras divisões de ambos os
conceitos, que se esgotam, se divididos segundo o
princípio do terceiro excluído , aplicado na presença de
dois opostos contraditórios. Mas isto transformará a arte
estética, levando-a a assumir a forma de uma ciência
(Baumgarten, 1993:117. Citado por MODERNO, J. R. op.
cit. p. 23).

Baumgarten esclarece que as leis da estética


abrangeriam todas formas de conhecimento e seriam
independes do conhecimento científico porque seu
objeto de estudo é o Belo. Isto significa dizer que a
obra de arte é “aberta” e, assim sendo, se permite
“interpretações abertas” porque "As coisas inteligíveis
devem ser conhecidas através da faculdade do
conhecimento superior, e se constituem em objetos da
Lógica; as coisas sensíveis são objetos da ciência
estética (...) ou então, da Estética (Baumgarten. Citado
por MODERNO, J.R. op. cit. p. 22).
Moderno busca na Historia da Estética do
Polonês de Varsóvia Wladyslaw Tatarkiewicz, seu
referencial teórico para analisar a estética antiga até
Platão isto porque Tatarkiewicz traça um caminho
histórico sobre a estética começando na Grécia
arcaica e terminando em 1700 (séc. XVIII). Segundo

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Moderno, a estética antiga é, por um lado, a européia


que se prolonga, aproximadamente, por 1000 anos e,
por outro, a grega e helenística, sendo o século III a.C.
o da transição. A estética grega tem seu período
arcaico compreendendo entre o século VII e o início do
século V a. C. e o clássico que abrange o final do
século V e chega até os fins do século IV a.C. A
história da estética antiga fica, portanto, dividida,
conceitualmente, nos períodos arcaico, clássico e
helenístico.
Apesar dessa divisão baseada em
Tatarkiewicz, Moderno comenta que faltava ao período
arcaico uma teoria definida e sistemática da estética e
que decorreram oito séculos sem se definirem os
conteúdos da estética e sem se observarem os
conflitos e as contradições da criação artística e da
filosofia da arte.
Referindo-se à estética antiga, Moderno,
seguindo a História da Estética de Tatarkiewicz,
comenta que os conceitos antigos, apesar de se
aproximarem dos modernos, não têm o mesmo
conteúdo dos conceitos da estética moderna. Este fato
ocorreu com os significados dos termos antigos
"beleza", "arte", "catarse" e "imitação" que receberam
uma interpretação confusa, enquanto outros foram
mantidos pela estética moderna, como é o caso de
"fantasia", "harmonia", intuição" etc. Na Grécia antiga,
a prática artística dispensava o auxílio dos conceitos
filosóficos e, com isso, a prática estética enfrentava
dificuldades para se auto-sustentar. À medida que os

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filósofos foram se inserindo no contexto da estética


grega, os conceitos foram se incorporando, ora
alterados, ora mantidos. O conceito de "Belo", porém,
permaneceu através dos tempos. A palavra grega
kalón que se traduz por "Belo" ganhou um significado
plural à medida que a beleza se entende a partir de
várias perspectivas como: cor, forma e expressão.
Notar que as qualidades da mente e do caráter
também estavam incluídas entre as significações do
Belo. Já a palavra téchné traduzida por "arte", foi
empregada pelos gregos antigos no sentido de
produção, e não de cognição, e dizia respeito à
habilidade, não à inspiração. Este conceito alimentava
a idéia de que a atividade prática pressupõe talento e
sem talento não há habilidade, isto é, não há téchné.
Os gregos, quando se referiam ao conceito de arte
incluíam a arquitetura, escultura, pintura, carpintaria e
tecelagem. Não havia para eles a distinção entre
belas-artes e artes manuais. O artesão chegava ao
grau de mestre pela perfeição da habilidade, isto
porque os gregos desconheciam o conceito de arte
como criação individual, por isso valorizavam a
repetição da regra e a cópia fiel do objeto. O artista
não era o que tinha originalidade, nem o que
expressava sua individualidade, mas o que repetia
com perfeição, sem nada acrescentar ao objeto. Este
fato justificava o valor que os gregos davam à tradição.
No período arcaico, de acordo com Moderno,
entre os séculos VII a.C. e o final do século VI a.C., o
produto, do poeta ao artesão, era designado obra do

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poiètès e o alcance desse termo chegava ao de


mousiké (musas) -- arte dos sons ou outras atividades
inspiradas pelas Musas. O termo era atribuído a toda
pessoa culta e erudita.
No período clássico, seguindo a esteira de
Tatarkiewicz, a estética assumiu cinco características
dominantes: 1) era uma estética dentro das formas
canônicas inspiradas em Pitágoras aceitando a
existência de uma beleza objetiva e proporcional ao
objeto perfeito. Neste caso, o conceito de beleza era
concebido tendo como referência o conceito de
número que sustentava as proporções objetivamente
perfeitas. Este fato, entretanto, não impedia a
liberdade individual da expressão plástica. 2) Era uma
estética em que se realçavam as formas orgânicas. A
beleza era manifestada nas formas, proporções,
ordem e grandeza dos seres humanos. 3) A estética
era realista, ao entender-se que a natureza fornecia o
modelo da arte. 4) A estética era estática e privilegiava
a beleza das formas fixas do movimento. 5) Era a
estética da beleza psicofísica, síntese das belezas
espirituais e físicas, envolvendo conteúdo e forma. A
filosofia pitagórica -- estética matemática -- e as
filosofias socrática e aristotélica -- princípios
psicofísicos -- complementaram teoricamente a
estética do período clássico.
Moderno (p. 36ss), a partir de Tatarkiewicz,
analisa, primeiro, a Escola Pitagórica, por ser
considerada a primeira a fazer menção às questões
estéticas. A estética de Pitágoras tinha uma visão

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dualista do mundo e conciliava elementos religiosos e


científicos. Os pitagóricos explicaram o fenômeno da
harmonia com base na proporção, na medida e no
número, considerando a Estética embasada na
matemática das partes. Foi graças a essa descoberta
que a música se tornou uma arte. Ela foi importante
para a filosofia da arte "quanto ao fator receptivo da
obra de arte, isto é, quanto aos efeitos sobre a alma
de uma obra de arte musical" (TATARKIEWICZ, citado
por MODERNO, op, cit., p. 40). Nesta linha de
pensamento,
Os pitagóricos observaram que a arte da dança e da
música produzia um efeito análogo sobre o espectador e
sobre o ouvinte. Eles compreenderam que não agia só
através do movimento, mas também através da
observação do próprio movimento, e que a uma pessoa
culta não era necessário participar de danças orgiásticas
para provar intensas emoções, sendo suficiente assisti-
las. (...). de tudo isso deriva que a música pode agir sobre
a alma: a boa música poderá melhorá-la, e vice-versa, a
ruim poderá corrompê-la. Os gregos usavam aqui o termo
de psychagogía, isto é, "guia das almas", assim a dança,
e em particular a música, possuía um poder
"psicagógico". A psicagogia era entre os gregos antigos a
cerimônia religiosa de invocação das almas dos mortos.
Assim entendida, a música pode conduzir a alma a um
ethos bom ou ruim (Id. Ibid. p. 41).

A estética de Platão preservou a teoria


psicagógica onde a música se submete ao ethos e é

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desdobrada em resultados pedagógicos, tendo sido


uma estética revolucionária.
Na interpretação de Hauser, segundo Moderno,
é com a difusão do individualismo que a autonomia da
arte se pode desenvolver. Tatarkiewicz acompanha
Hauser. A autonomia da arte, descoberta pelos
gregos, teria sido a origem da diversidade estética e
da investigação intelectual. Moderno está de acordo;
diz que, se, por um lado, Platão se opunha à
autonomia da arte, por outro, ajudou a construí-la por
causa da impossibilidade teórica de um discurso
unívoco que delineasse as variações contidas em suas
idéias estéticas.
Moderno (op. cit. p. 46) comenta que o jovem
Platão, em Hipias Maior, abre um diálogo decisivo
para a história da estética à medida que apresenta
tentativas de definição do Belo, algumas análises
críticas e refutações no estilo dialógico socrático, com
o objetivo de demonstrar a ineficácia do discurso
sofístico. Platão ironiza o conhecimento do Belo,
enquanto representações parciais, e procura não
minimizar o trabalho de sua conceituação. Ele
problematiza, distanciando-se do sofista que pensa o
Belo somente a favor de uma teoria em que
prevalecem objetivos menos reflexivos e críticos.
Segundo Moderno, em Platão, a problemática
fundamental sobre a origem do Belo, advém da
distinção estabelecida entre o que algo possa conter
de beleza e a definição que esclarece o caráter em-si
da natureza do Belo. Porém, o fato de Platão ter

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clareza quanto à natureza da conceituação não o leva


à clareza da definição conceitual.
No diálogo platônico, Hípias é importunado por
Sócrates devido ao fato de o sofista tentar afastar as
contradições do processo do conhecimento. Na
opinião de Moderno, uma autêntica teoria do
conhecimento não afasta as contradições – não as vê
como manifestações espúrias -- mas as integra à
natureza do conhecimento. A par disso, nota que o
conhecimento estético, tal como vinha sendo
elaborado por Sócrates, estava, historicamente,
marcado pelas contradições de natureza estética.
Moderno lamenta o fato de os historiadores da
estética não terem dado, até hoje, a devida
importância à passagem de Hipias Maior, relativa ao
diálogo sobre a falsa nobreza dos materiais. Em Hipias
Maior (PLATÃO. Hipias Maior. Madrid:Aguilar, 1972, p.
125), na passagem 290c/291e, Sócrates pergunta a
Hipias sobre a conveniência, para os legumes e a
panela, entre uma colher de figueira e uma colher de
ouro. Na opinião de Sócrates, a colher de madeira de
figueira é mais conveniente do que a de ouro, porque
a de figueira dá ao "purê" um perfume agradável, não
corre o risco de furar a panela, derramar o "purê" e
apagar o fogo, enquanto que, com a colher de ouro,
corre-se este risco privando os convidados de um
prato apetitoso. Hipias acha desinteressante e
grosseira essa abordagem de Sócrates, mas concorda
que a colher de madeira de figueira é bela. É em
Hipias Maior (Id. Ibid. p. 123) que Platão inicia uma

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questão moderna da estética, chamada "panela


platônica". Na passagem 287a/288e, Sócrates
pergunta a Hipias se ele não acha bonita uma panela.
Hipias acha que a pergunta é vulgar e não cabe em
um contexto de conversa séria sobre a beleza e o
belo. Sócrates prossegue respondendo que, na sua
opinião, é bela uma panela fabricada por um bom
ceramista, bem polida, bem redonda, bem cozida.
Para Hipias, pode ser um objeto belo, mas não
verdadeiramente Belo. Este conceito de "Belo",
colocado por Sócrates, segundo Moderno, deu início à
primeira grande querela dos antigos e modernos. Na
concepção de Hipias, a panela não poderia ser objeto
de pensamento filosófico porque uma panela de
cerâmica não tem beleza digna de merecer qualquer
discussão válida e de nível elevado para a filosofia.
Em Sócrates, o tema não está
necessariamente associado ao grau de profundidade
do pensamento, por conseguinte, a estética platônica
é, no Hipias Maior, superior em certos aspectos à
estética sofista. Embora, segundo Moderno, a estética
sofista fosse mais "progressista" que a platônica, em
Hipias Maior revelou-se mais ousada e liberal. Com a
totalitarização do pensamento de Platão, seu
liberalismo perdeu espaço nas questões de arte e
estética, enquanto que a estética sofista permaneceu
liberal. Para Moderno, a lição da panela socrática é
uma das primeiras lições críticas do conceito de Belo e
o mérito de Platão, entre outros, no Hipias Maior, foi o
de elaborar uma crítica que superou a perfeição

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anterior à sua intervenção dialética e se tornou um dos


pontos altos da estética antiga.
Em seguida, Moderno deixa a antiguidade,
comenta as opiniões dos pensadores da arte dos
séculos posteriores e ancora no século XVIII, onde foi
comum a procura de uma correspondência entre o
conteúdo da Arte e o da Filosofia. Segundo Cassirer
(Apud Moderno, op. cit. p. 137), coube a Kant "operar
a grande síntese na fundação da estética teórica". A
Filosofia estética nasceu da distância que se
estabeleceu entre estética e lógica, filosofia moral,
psicologia, física e outros ramos do conhecimento.
Finalizando sua pesquisa, Moderno comenta
idéias de Shaftesbury (que seria o mestre da estética
inglesa do século XVIII) e considera vários filósofos da
estética alemã do século XVIII, herdeiros da Filosofia
estética de Leibniz, como Baumgarten, Kant, Schelling
e Hegel. A influência estética de Leibniz, conforme
Bayer (Apud Moderno, op. cit. p. 284), ocorreu a partir
de três articulações: nos fundamentos de uma estética
metafísica, nos fundamentos de uma psicologia
estética e na ausência de antinomia entre sentimento
e inteligência.
Na estética francesa do século XVIII, Moderno
destaca Diderot, Voltaire, Rousseau, entre outros,
sendo que "a luz do século" teria sido Diderot. Este
século foi o das contradições e conflitos entre razão,
sensibilidade, gênio, imaginação, sentimento, paixão,
belo e bem. Na estética italiana são referendados
Gravina, Muratori e Vico.

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Moderno insere em seu livro um Apêndice


sobre a estética de Charles Perrault, tecendo
comentários sobre a importância da sua obra Querela
dos Antigos e Modernos -- que marca os trezentos
últimos anos ocidentais e inaugura o debate da
modernidade sobre a sistematização das contradições
de Hegel. Também tece comentários sobre Adorno,
Olivier Revault d'Allonnes. Encerra a obra com ampla
Bibliografia (área de Estética) e com um Posfácio.
Estética da Contradição é uma obra cujo
conteúdo contribui para o conhecimento da Estética e
da Filosofia da Arte.

Res. Dez 2003. Marilúze Ferreira de Andrade e Silva

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