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A Educação, a Intercultura

e a Literatura Latinas
da Pós-Modernidade
CARLOS GIOVANI DELEVATI PASINI
VALDO BARCELOS
VANEZA CAUDURO PERANZONI
LUCY HELLEN COUTINHO ALMEIDA
ELVIO DE CARVALHO
CLENI INÊS DA ROSA
(ORGs.)
Projeto Cultural Labirintos
CNPJ 35.245.389/0001-10

Diretora-Administrativa: Andressa Brisola Delevati


Editor: Carlos Giovani Delevati Pasini

CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Valdo Barcelos (Orientador)
Prof. Dr Carlos Giovani Delevati Pasini (Coordenador)

Membros
Prof. Dr. Mário Vasquez Astudillo
Prof. Dr. Élvio De Carvalho
Prof Dr. Adalberto Dutra Rossato
Profa. Dra Maria Aparecida Azzolin
Profa. Dra. Sandra Maders
Profa. Dra. Vaneza Cauduro Peranzoni
Prof. Dr. Alysson Do Amaral
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Prof. Msc. Edem Alexandre da Silva
Prof Msc. Cleni Inês Da Rosa

Projeto Cultural Labirintos


Email: contatolabirintos@gmail.com
Celular – Whatsapp: (55) 99957 8656
CARLOS GIOVANI DELEVATI PASINI
VALDO BARCELOS
VANEZA CAUDURO PERANZONI
LUCY HELLEN COUTINHO ALMEIDA
ELVIO DE CARVALHO
CLENI INÊS DA ROSA
(ORGs.)

A Educação, a
Intercultura e a
Literatura Latinas da
Pós-Modernidade

Projeto Labirintos
Santa Maria
2020
Copyright © 2020 by autores da Coletânea.
Direitos desta edição reservados aos autores dos capítulos.
A responsabilidade jutídica de cada capítulo é única e exclusivamente de
seu(s) autor(es).

PASINI, Carlos Giovani Delevati; BARCELOS, Valdo et al. (Orgs). A Educação,


a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade. Santa Maria:
Labirintos, 2020. 240p.

Revisão Ortográfica
Carlos Giovani Delevati Pasini
César Christian Ferreira dos Santos
Mário Vasquez Astudillo (Espanhol)

Arte da Capa
Felipe Toniolo

Imagem da Capa
Imagem fornecida gratuitamente por
freepik.com

Diagramação
Felipe Toniolo

IMPRESSO NO BRASIL

E244 A educação, a intercultura e a literatura latinas da pós - modernidade. – Orgs:


Carlos Giovani Delevati Pasini, Valdo Barcelos [et. al.] – Santa Maria:
Projeto Labirintos, 2020.

239 p.: il. [Vários Organizadores].


ISBN: 978-65-990826-4-1

1. Educação. 2. Interculturalidade. I. Pasini, Carlos Giovani Delevate. II.


Barcellos, Valdo. III. Peranzoni, Vaneza Cauduro. IV. Almeida, Lucy Hellen
Coutinho. V. Carvalho, Elvio de. VI. Rosa, Cleni Inês da. VII. Título.

CDU 37.013.43:82(8)

Ficha catalográfica elaborada por Denise Copello CRB10/1676


“A pátria não é ninguém, são todos, e cada qual
tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à
palavra, à associação. A pátria não é um sistema,
nem uma seita, nem um monopólio, nem uma
forma de governo: é o céu, o solo, o povo, a
tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos
e o túmulo dos antepassados, a comunhão da
lei, da língua e da liberdade”.

Extrato do texto “A pátria”


Rui Barbosa
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

APRESENTAÇÃO

Honra-nos apresentar a obra “A Educação, a Intercultura


e a Literatura latinas da pós-modernidade – Vol. 1”. Este livro
internacional, no formato de coletânea de textos de diversos
autores, compõe um processo extenso de reflexão sobre os temas
em pauta: educação, intercultura e literatura latinas.
A escolha desses tópicos ocorreu por constatações científicas
e empíricas, que levaram os grupos LABIRINTOS1 e KITANDA2 a
realizar a proposta de uma série de livros acadêmicos-literários,
dos quais esse é o primeiro volume, que realizem a investigação
acerca da volatilidade que permeia as relações humanas da
pós-modernidade, definidas por Zygmunt Bauman como uma
“Modernidade Líquida”.
Cabe destacar que cada um dos autores deste livro, em
capítulos individuais ou coletivos, é responsável pelos seus
pensamentos e por sua construção científica/literária totalmente
livre. Exatamente pelo respeito à diversidade, tão pregado na
academia, algumas vezes de forma utópica, nos reservamos a
preservar a integralidade de exposições algumas vezes contrárias
entre si, em capítulos independentes, pois julgamos que a
interculturalidade se baseia no respeito à historicidade, às leituras
e caminhadas de cada pesquisador/autor.
A presente coletânea é fruto de uma parceria proativa de
todos os componentes da obra, que se prontificaram a executar
as tarefas necessárias para que pudéssemos lançá-la, ainda no
segundo semestre de 2020, independentemente das imolações
da pandemia do COVID 19 e, especialmente, por causa dela.

1 O projeto LABIRINTOS é coordenado pelo Prof. Dr. Carlos Giovani Delevati Pasini
e relaciona literatura e educação. O grupo é conveniado ao grupo KITANDA e envolve
alunos do ensino médio e superior (Site: www.grupolabirintos.org).
2 O grupo KITANDA: Educação e Intercultura é coordenado pelo Prof. Dr. Valdo
Barcelos (Centro de Educação da UFSM) e pesquisa educação e intercultura, sendo
cadastrado no CNPQ.

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

No corpo do texto, em uma magnífica diversidade temática,


o leitor irá encontrar as ponderações e experiências de autores
dos seguintes países, em ordem alfabética: Argentina, Brasil, Chile
e um convidado da Espanha.
Com essa iniciativa, portanto, iniciamos um debate (diálogo)
sobre os conceitos propostos, pretendendo contribuir um pouco
mais para os espaços educativos, interculturais e literários de
nossa latinidade.
Por fim, cabe sempre destacar que todos nós, integrantes
dos grupos Labirintos e Kitanda, e os participantes do livro,
tomamos consciência da importância de nosso papel no processo
de contribuição para o avanço de nossos povos no contexto da
América Latina, nos assuntos tomados como foco da coletânea.
Esperamos que você possa crescer, no decorrer da leitura ou
pesquisa científica no livro, pois em um primeiro momento, tais
textos custaram um grande empenho de nossa parte.
Parabéns a todos nós, autores e autoras, pela consecução
de mais esse objetivo intelecto-profissional.
Agradecemos, também, aos leitores que investiram ou
investirão tempo na leitura de nossa arte.
 
Os (as) organizadores(as)
Santa Maria, RS, julho de 2020.

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SUMÁRIO

Repensando a educação intercultural latina: diversidade e


contemporaneidade ............................................................. 13
Carlos Giovani Delevati Pasini; Lucy Hellen Coutinho Almeida (Brasil)

Tecnologías digitales en la posmodernidad: desafíos para la


escuela ................................................................................. 21
Mario Vásquez Astudillo (Chile); Antonio Víctor Martín-García (Espanha); Jorge
Ortiz Acuña (Chile)

Intercultura, literatura antropofágica e educação - uma proposta


desde os trópicos .................................................................. 35
Valdo Barcelos; Maria Aparecida Nunes Azzolin (Brasil)

O cotidiano da prática pedagógica: perspectivas da alfabetização


em diferentes contextos ........................................................ 51
Mariana Figueira Fontoura; Sabrina Figueira; Vaneza Cauduro Peranzoni (Brasil)

A concepção freireana de educação ...................................... 63


Daniel Arruda Coronel (Brasil)

Educação, direito e construção do conhecimento: tessitura entre


aspectos interdisciplinares e interculturais ............................ 71
Valmôr Scott Junior; Lucas Visentini (Brasil)

A valsa: surpresas ao acaso ................................................... 89


Miguel José da Silva (Brasil)

A poética regional gaúcha como recurso educativo intercultural .. 93


Dilmar Xavier da Paixão; Arthur Xavier da Paixão; Dinara Xavier da Paixão (Brasil)

Aprendizajes no visibles e invisibles en el actual contexto


tecnocultural digital ............................................................. 107
Ramón Ortiz Acuña (Chile)
Os direitos humanos e o outro: uma abordagem à luz da obra de
Érico Veríssimo ................................................................... 123
Pablo R. Nascimento Homercher; Marcelo Cacinotti Costa; Vinícius de Melo
Lima (Brasil)

Iintercultura e o ensino de Ciências: diálogos possíveis ......... 139


Riza Maria Ribeiro Vieira; Sandra Maders (Brasil)

Interculturalidad en el sistema educativo ............................ 153


Eugenia Dalcolmo (Argentina)

Literatura, educação e identidade na pós-modernidade ........ 167


César Christian Ferreira dos Santos (Brasil)

Ensino-aprendizagem por meio da arte: reflexões críticas


contemporâneas .................................................................. 181
Maria Aparecida Santana Camargo; Mariela Camargo Masutti, Ieda Márcia
Donati Linck (Brasil)

Os direitos humanos das crianças e dos adolescentes: algumas


considerações ....................................................................... 195
João Loredi Lemes; Elvio de Carvalho; Emanuel Sagrillo Carvalho (Brasil)

A teoria da dialogicidade de Paulo Freire no ensino superior


contemporâneo ................................................................... 205
Carine Nascimento da Silva; Camila Kuhn Vieira; Adelita Nicolodi (Brasil)

Dias de luta, dias de glória .................................................. 215


Ricardo Prestes Prado (Brasil)

O conhecimento em Educação Física no processo de humanização


e as relações com o ensino do Atletismo e a cultura escolar ...... 219
Leandra Costa da Costa; Gislei José Scapin; Nestor Rossi Júnior (Brasil)

A educação, a infância e a produção cultural: o papel das


instituições de ensino e dos educadores na constituição de sujeitos
protagonistas de aprendizagens, descobertas e criações ...... 231
Aline Aparecida Oliveira Copetti (Brasil)
Carlos Giovani Delevati Pasini, Brasil

Doutor em Educação (UFSM/RS). Professor de


Português e Literatura Brasileira do Colégio
Militar de Santa Maria (CMSM/RS). Membro
da Academia Santa-Mariense de Letras, da
Academia Internacional de Artes Letras e
Ciências, e Presidente da Casa do Poeta de
Santa Maria. Fundador e primeiro presidente
da Casa do Poeta de Santiago. Integrante
do Grupo de Pesquisa KITANDA: Educação e
Intercultura, coordenado pelo Professor Dr.
Valdo Barcelos (UFSM), sendo cadastrado
no CNPq. Coordenador do Projeto Cultural
Labirintos.
E-mail: professorpasini@gmail.com

Lucy Hellen Coutinho Almeida, Brasil

Pedagoga (UEPA/PA). Especialista em Docência


no Ensino Superior (CESUPA/PA). Integrante do
Grupo Labirintos. Adjunta da Seção Técnica de
Ensino do Colégio Militar de Belém (CMBel/PA).
E-mail: lucyhellencap@gmail.com
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

REPENSANDO A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL LATINA:


DIVERSIDADE E CONTEMPORANEIDADE

Carlos Giovani Delevati Pasini


Lucy Hellen Coutinho Almeida

A educação intercultural é uma teoria que busca a manutenção


do respeito à cultura do outro. Essa interculturalidade preserva a
diversidade e a singularidade no ato de educar, de acordo com os
saberes do próprio local, contudo não desconsiderando os universais.
Mas, antes de abordarmos a interculturalidade mais a fundo,
o que seria a educação?
Vários são os conceitos de educação. Segundo a professora
Nelly Alleoti Maia (1996) “Toda a educação é aprendizagem, mas
nem toda a aprendizagem é educação”. A assertiva declara que
existem muitas coisas que são aprendidas, as quais podem levar à
falta de educação: o ladrão rouba e o vigarista engana; exemplos
de comportamentos aprendidos, mas que ao invés de integrar,
marginalizam as pessoas.
Ao contrário, também existem ensinamentos que contribuem
para a interação social, o que se pode afirmar que fazem parte
da educação, pois favorecem o processo de aperfeiçoamento
do humano, para ele possuir atitudes que agreguem os grupos
e adquirir conhecimentos para agir em benefício da sociedade.
A propagação da educação proporciona a conservação da
herança social, na medida em que os valores e as tradições dos
povos são dialogados de uma pessoa para outra, por intermédio
da proliferação da cultura.
Além disso, a educação é uma ferramenta essencial para a
ação e a mudança social. Somente com o acesso ao conhecimento
é que o homem poderá mudar e influenciar as atitudes de sua
época, de forma geral e global. Portanto, progredir dentro da cultura
possui uma parte fixa e outra mutável, ou seja, não é estanque,
mas que possui uma base de emulação.

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Um grande desafio de uma nação é colocar a educação em


contato com a cultura local e global privilegiando o saber local
(BHABHA, 2010), a partir do qual se torne intrínseca a valorização
das relações e interações – a interculturalidade – sempre focada
na diversidade e no respeito ao outro.
Os diálogos contemporâneos sobre as questões culturais
geralmente estão pautados na reflexão acerca de uma diversidade e
nos confrontos e encontros vividos entre nações, estados, gerações,
etnias, grupos, entre outros. Essas conversações estão impregnadas
pelo espírito de épocas e tempos, com as mais variadas relações
estabelecidas pela História. Mas existe uma transformação
constante das velhas identidades.

As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo


social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e
fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito
unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte
de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as
estruturas e processo centrais das sociedades modernas e abalando
os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem
estável no mundo social (HALL, 2006, p. 7).

A mutação das velhas identidades, em uma humanidade


de fronteiras mais “líquidas”, ampliou as relações com o outro,
o estrangeiro, sendo favorecida a educação intercultural, o
que naturalmente aproximou as diferentes culturas, de povos
distintos, ou pelo menos de localidades distintas. As facilidades
de deslocamento beneficiaram, também, um acréscimo da
comunicação entre os que eram distantes.
Uma das maneiras de potencialização do diálogo entre as
culturas ocorre ao se dar uma atenção especial aos aspectos
decorrentes das relações interculturais que resultam do movimento
de circulação das pessoas entre os locais da cultura. O contato
entre os diferentes grupos possibilita o encontro/confronto de
costumes distintos (hábitos, crenças, ideologias etc.), fazendo com
que cada cultura não saia da interação-relação da mesma forma

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

que entrou. Existe a possibilidade da troca e do diálogo, com a


consequente transformação das atitudes e, posteriormente, da
própria cultura. Esse lugar de entrecruzamento, de intersecção, é
denominado por Bhabha (2010) como o lugar fronteiriço.
A “fronteira” metafórica é composta de valores e costumes
tanto de um lugar como os do outro, ou seja, é no lugar fronteiriço
que ocorrem os encontros com o estranho, o estrangeiro, o
desconhecido, proporcionando a experiência do além-limite.
Tudo o que é novo causa um sentimento de desconhecido.
Assustar-se com o nunca visto reside no fato de que a maioria dos
conhecimentos está fora da gente; sempre deixaremos de apreciar
fenômenos e ciências. Por mais estudioso que um humano seja, por
mais que se esforce em aprender, ele sempre será surpreendido
pelo desconhecido: nesse momento, a sensação que sentimos,
nos conceitos da educação intercultural, é denominada como
estranhamento (BHABHA, 2010).
As dimensões geográficas de países como o Brasil produzem
hábitos distintos, culturas específicas. Essa pluralidade provoca,
entre os interlocutores, situações de estranhamento que, quando
ocorrerem, deverão ser encaradas como um processo natural, pois
não estamos acostumados a tudo, nem a todos.

(...) A interação com uma cultura diferente contribui para que uma
pessoa ou um grupo modifique seu horizonte de compreensão
da realidade, na medida em que possibilita compreender ou
assumir pontos-de-vista ou lógicas diferentes da interpretação
da realidade ou da relação social (FLEURI, 2010b, p. 6).

A educação intercultural dissolve todas as visões que


favorecem os processos radicais de afirmação de identidades
culturais específicas, ou seja, a interculturalidade é oposta a
toda e qualquer forma de fanatismo. Além disso, ela parte do
princípio da necessidade da construção de identidades abertas, com
modificações permanentes. Essa visão não acaba, contudo, com a
consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

culturais, também não esquece as questões de desigualdades e


diferenças da realidade internacional (CANDAU, 2005).
Uma das propostas da interculturalidade é poder criar
espaços de reflexão educativa sobre os contextos sociais e
culturais que envolvem os humanos, buscando um diálogo
intercultural; uma educação que contemple a diversidade cultural
e os seus entrecruzamentos (BARCELOS, 2013). Educar exige o
reconhecimento e a assunção da identidade cultural do povo em
que se faz parte.
A intercultura não prevê a fagocitação dos costumes
alheios, mas o respeito às diferenças culturais do espaço e do
tempo. A educação intercultural é fundamentada no respeito à
cultura estranha (estrangeira, além-limite, diversa), nunca na sua
dominação.

A interculturalidade é uma nova e cada vez mais nítida tomada


de consciência a respeito de que todas as culturas estão em
processo de gestação de seus próprios universos de sentido e,
ainda, sem a possibilidade teórica de subsumir completamente
o outro sistema de interpretação. O novo modo de olhar anima
essa disposição antropológica e histórica de abertura, com o fim
de dar-nos conta de que muitos dos estudos realizados sobre os
outros, supunham, efetivamente, uma superioridade e tendiam
a caracterizar as outras culturas como estáveis e imóveis, uma
forma de sustentar o próprio processo civilizatório (ASTRAIN,
2010, p. 58, grifo nosso).

Respeitar o outro não é nada mais do que compreender


as diferenças. O choque intercultural pode ocorrer, portanto, de
inúmeras formas: pelos interlocutores serem de locais diversos
(cidades ou países), ou de tempos distintos (idade). O intercultural
significa, basicamente, “entre culturas”. Educar-se, dessa forma,
é ampliar os horizontes da própria caminhada.
O mundo da atualidade sofre mudanças mais rapidamente do
que na geração passada. Uma dessas transformações foi o aumento

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

da mobilidade1 das pessoas, que se deve aos mais paradoxais


motivos2.
Esse intenso e acelerado trânsito global, tornou-se um dos
argumentos utilizados por autores contemporâneos para justificar
parte das grandes modificações pelas quais passam, hoje, as nações
criadas no espaço político e cultural da modernidade ocidental.
A questão da imigração se tornou uma preocupação para o
cenário planetário. Há poucos anos, o continente europeu passou
por uma avalanche de imigrantes de várias nacionalidades e dos
cinco continentes. Na própria América do Sul, a circulação de
pessoas está, também, muito intensa (BARCELOS, 2013).
O pensador argentino, radicado no México, Néstor Garcia
Canclini, um estudioso e pesquisador pioneiro nos aspectos da
interculturalidade chega a afirmar que

El extranjero no es solo en que está lejos o del otro lado de la


frontera, sino también el otro cercano que desafía nuestros modos
de percepción y significación. Puede sentirse mayor extrañamiento
ante quienes en la propia sociedad reivindican con énfasis un
particularismo que en relación con otros de la misma profesión
en países distantes, o que comparten formas internacionalizadas
de consumo (2009, p. 5).

Sendo enfático, a educação intercultural (FLEURI, 2010a,b,c)


destaca o respeito às diferenças culturais, às variações linguísticas
e aos regionalismos, mesmo de minorias, que não devem ser
apagadas por maiorias econômicas ou sociais. Ao contrário, as
distinções de etnias, religião e gênero devem ser consideradas como
parte de uma rede universal que está em constante modificação.
Neste sentido, Nestor Garcia Canclini (2003) disserta sobre
a hibridação como sendo “processos socioculturais nos quais
estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada,
1 Mobilidade REAL e VIRTUAL. Um internauta, em Santa Maria, pode visitar
virtualmente o Museu do Louvre, por exemplo.
2 Paradoxais motivos: o trânsito do “cidadão global” pode ser feito por turismo ou
imigração regularizada; por imigração clandestina ou mesmo como refugiado.

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”


(CANCLINI, 2003, p.XIX), ou seja, a troca entre as diferentes culturas,
que se torna cada vez mais intensa, na atualidade, em virtude do
mundo sem fronteiras. Uma forma de oposição às antigas relações
binárias3 entre os sujeitos:
Na maioria das vezes as relações entre sujeitos e entre culturas
diferentes são consideradas a partir de uma lógica binária (índio
x branco, centro x periferia, dominador x dominado, sul x norte,
homem x mulher, criança x adulto, normal x diferente...) que
não permite compreender a complexidade dos agentes e das
relações subentendidas em cada polo, nem a reciprocidade das
inter-relações, nem a pluralidade e a variabilidade dos significados
produzidas nessas relações (FLEURI, 2003, p. 11).

Canclini (2003), além de debater o conceito de hibridação, nos


leva a refletir sobre o direito que as culturas possuem de hibridar-
se ou não. Portanto, sua discussão extrapola o entendimento
conceitual, abrangendo os “processos de hibridação”, como:
Considero atraente tratar a hibridação como um termo de
tradução entre mestiçagem, sincretismo, fusão e outros vocábulos
empregados para designar misturas particulares. Talvez a questão
decisiva não seja estabelecer qual desses conceitos abrange
mais e é mais fecundo, mas, sim, como continuar a construir
os princípios teóricos e procedimentos metodológicos que nos
ajudem a tornar este mundo mais traduzível, ou seja, convivível
em meios a suas diferenças, e a aceitar o que cada um ganha ou
está perdendo ao hibridar-se (CANCLINI, 2003, p. XXXIX).

A hibridação ocorrida nas relações entre culturas diferentes,


ou mesmo as diferenças dentro da mesma cultura, corroboram
para o reforço de uma intelectualidade diversa, consonante com a
variada quantidade de culturas brasileiras e latinas, que interagem
nas Américas.
3 Homi Bhabha (2010) também coloca as relações binárias, tomando como exemplo:
passado e presente, interior e exterior, sujeito e objeto, significante e significado. Segundo
ele, tais concepções ficam restritas a uma dualidade, sem atentar para o aspecto científico
presente em diversas outras dimensões.

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Culturalmente, considerar a América Latina como um ambiente


sem fronteiras irá colaborar para o conhecimento da estrutura
educacional de nossos próprios povos e, por consequência, a
ignorância será cada vez mais descortinada rumo ao futuro melhor.
Enfim, encerramos o presente artigo com a certeza de que
a práxis educativa requer uma disposição aberta para o diálogo e,
também, a predisposição para novos critérios. Repensar a educação,
para quem transita pela pesquisa científica do ambiente universitário,
é uma necessidade prática, que também envolve reponsabilidade
e ética. A análise intercultural apresentada, apesar de conceitual,
visou a reflexão para um fortalecimento dessa prática educativa,
que se torna uma forma essencial para a redução da desigualdade.

Referências bibliográficas
ASTRAIN, Ricardo Salas. Ética Intercultural: (re)leituras do pensamento Latino-
Americano. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2010.166p.
BARCELOS, Valdo. Uma Educação nos Trópicos: contribuições da Antropofagia
Cultural Brasileira. Petrópolis: Vozes, 2013.
BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. 5ª reimpressão. Belo Horizonte: Editora
da UFMG, 2010.
CANCLINI, N. G. Culturas Hibridas. São Paulo: EDUSP, 2003.
CANDAU, Vera Maria. Sociedade Multicultural e educação: tensões e desafios.
In: CANDAU, Vera Maria (org.). Cultura e educação: entre o crítico e o pós-
crítico. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
FLEURI, R.M (org). Educação Intercultural: mediações necessárias. Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
______. (a) Educação Intercultural e Complexidade. Disponível em: www.ced.
ufsc.br. Acesso em: 29 set. 2010.
______. (b) Multiculturalismo e interculturalismo nos processos educacionais.
Disponível em: www.ced.ufsc.br. Acesso em: 27 set. 2010.
______. (c) Desafios à educação Intercultural do Brasil: culturas diferentes
podem conversar entre si? Disponível em: www.ced.ufsc.br. Acesso em: 26
set. 2010.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11.ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2006.
MAIA, Nelly Aleotti. Introdução à educação moderna. Rio de Janeiro: CEP, 1996.

19
Mario Vásquez Astudillo, Chile

Doutor em Educação pela Universidade de


Salamanca, Espanha; Pós-doutor em educação
pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
Brasil. Professor na Universidade Tecnológica do
Chile Inacap, Chile; Professor Voluntário Estrangeiro
na UFSM. Tem experiência na formação, pesquisa
e assessoria no uso de tecnologias educativas,
e-learning, b-learning, EaD e na direção de projetos
de inovação educacional.

Antonio Víctor Martín-García, Espanha

Doutor em Pedagogia pela Universidade de


Salamanca, Espanha. Professor Titular na
Universidade de Salamanca, Espanha. Codirector del
Grupo de Excelencia “Procesos, Espacios y Prácticas
Educativas”. Diretor do Mestrado Oficial “Estudos
Avançados de Educação na Sociedade Global” da
USAL. Foi Vice-Reitor e Diretor do Programa de
Doutorado em Educação e Formação de Adultos
e na Faculdade de Educação.

Jorge Ortiz Acuña, Chile

Mestrado em Informática Educativa e Gestão do


Conhecimento, Universidade Católica da Santíssima
Conceição, Chile. Doutorando em educação.
Professor de Educação Básica, Especialista em
Idioma Estrangeiro Inglês, Universidade do Chile
e Universidade Tecnológica Metropolitana de
Santiago, Chile. Especialista em Idioma Inglês pela
Universidade de Oregon, EUA. Especialista em
Tecnologia da Informação e Comunicação Aplicada
à Gestão Educacional, especialista no uso das TIC
no Diálogo Intercultural.
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

TECNOLOGÍAS DIGITALES EN LA POSMODERNIDAD:


DESAFÍOS PARA LA ESCUELA

Mario Vásquez Astudillo


Antonio Víctor Martín-García
Jorge Ortiz Acuña

Presentación

Durante mucho tiempo la escuela pareció dormir un sueño


del cual muchas generaciones de niños y jóvenes no lograban
despertarla. Se hablaba de que un médico del siglo pasado no sabría
cómo desenvolverse en un quirófano actual, pero un maestro de
antaño sí sabría qué hacer en un aula del presente. Pero de pronto
todo ha ido cambiando, a veces por iniciativas de los encargados
del sistema educacional de los países y otras veces porque, pese a
los administradores de las instituciones educativas y de las aulas,
nuevas tecnologías y formas de resolver los problemas que se
plantean han ido surgiendo.
Un aspecto que contribuye a dificultar esta situación tiene
que ver con el origen y naturaleza de las TIC, las cuales no han sido
creadas como instrumentos pedagógicos, sino como material de
entretención, a las cuales se les ha incorporado muy fuertemente
elementos de mercadotecnia, lo cual produce en la práctica
algunos problemas difíciles de sortear: los softwares educativos
compiten con mucha desventaja con los softwares comerciales;
dichas tecnologías se ha visto que provocan problemas serios de
dependencia y alteración social y, por otro lado, muchos educadores
no han sido formados apropiadamente para usar productivamente
tales elementos tecnológicos.
En 1970 Alvin Toffler publicó el Shock del futuro, libro del
que se han vendido más de 15 millones de copias. En esta obra,
como en las posteriores (La Tercera Ola, 1980 y El cambio de
poder: powershift, 1990) Toffler presentaba premonitoriamente

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

la irrupción de un nuevo orden social en el que la información y el


conocimiento aparecían como las variables más importantes para
entender las nuevas formas de organización social y económica
y como elementos claves del futuro de la humanidad. Para ello
utilizaba la llamativa expresión bomba de la información en el marco
de lo que entendía como economía informacional. A partir de él,
otros muchos han descrito los rasgos básicos de esta nueva era en
la historia de la humanidad, tales como J. Naisbitt, N. Negroponte,
Z. Bauman, H. Rosa, M. Castells, S. Lash, E. Morin, U. Beck, N.
Luhman, A. Guiddens, J. Habermas, M. Maffesoli, entre otros.
La mayor parte de los especialistas reconocen que el motor que
provocó la llegada de la era de la información y, con ella el cambio de
sociedad, ha sido sin duda la innovación tecnológica. El desarrollo
de los ordenadores e Internet fueron el germen de este cambio. La
innovación tecnológica (en particular las tecnologías digitales) afecta
no sólo a los factores relacionados con el progreso técnico-científico
y la economía mundial, también supone una revolución social,
política y cultural, silenciosa, continua e imparable, estructurada
bajo los principios de globalización e interconexión mundial en
red, y se manifiesta en múltiples transformaciones que afectan,
y afectarán cada vez más, a prácticamente todas las esferas de la
vida en sociedad. Estas transformaciones implican una alteración
apreciable de las estructuras sociales, afecta del mismo modo, no
sólo a los actores sociales, también a los procesos y, especialmente,
a los agentes socializadores tradicionales, y todo ello, implica un
cambio fundamental en la estructura y papel de la familia, de la
escuela y del trabajo, pilares esenciales sobre el que se sostenía
el orden social desde el principio de los tiempos.
Junto con la característica principal de las redes, como
formas estructurales que irradian prácticamente todas las
esferas de la vida humana, el segundo elemento en la sociedad
informacional es el acceso al conocimiento. Frente a las tesis de
quienes valoran las grandes posibilidades que las tecnologías
permiten para acceder a todo tipo de información y de datos

22
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

(fundamentalmente a través de Internet), están también quienes


ponen de manifiesto la paradoja de una sociedad que se dice
del “conocimiento” pero que, muy al contrario, lleva camino
de ser una sociedad del no-conocimiento (KRÜGER, 2006). No
se trata únicamente del tema de la “brecha digital”, es decir,
los riesgos evidentes de exclusión social que se acentúan con
la desigualdad de acceso a los sistemas tecnológicos por parte
de determinados grupos sociales o de ciertas zonas geográficas
del planeta, es un problema aún más profundo que tiene que
ver con la tesis que defienden algunos autores (BREY, CAMPÀS,
MAYOS, 2009) de que asistimos a la emergencia de una sociedad
caracterizada por un tipo de conocimiento de bajo contenido
reflexivo o de conocimiento altamente especializado, cuando
no de la ignorancia. Se trata de lo que se ha dado en denominar
como “Infoxicación” para referir a una intoxicación por exceso
de información, que se traduce en una dificultad creciente para
discriminar lo importante de lo superfluo y para seleccionar
fuentes fiables de información (BREY et al., 2009, p. 26). Esto
genera un efecto contrario al pretendido: no solo no aumenta
nuestro nivel de conocimiento, sino que acaba produciendo
individuos cómodos, desmotivados y con menor capacidad crítica,
rasgos característicos de la ignorancia que, además, en la medida
que crece de manera exponencial, se hace viral, se normaliza.
Todo ello implica y compromete, aún más si cabe, al papel de
la educación y de la escuela, sometidas por un lado a la necesidad
de adaptarse a las exigencias de las innovaciones tecnológicas,
introduciendo en el aula cambios que necesariamente implican el
uso de mediación tecnológica, y por otro, y contradictoriamente,
tratar de evitar contribuir aún más al efecto amplificador de un
proceso de deshumanización y virtualización de la vida cotidiana
y convivencia social. Algunos de estos riesgos y desafíos tratamos
de identificarlos en este capítulo.

23
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Un nuevo entorno digital

Para caracterizar y comprender el nuevo entorno que estamos


habitando nos apoyamos en el aporte de Echeverría (2012), filósofo
y matemático que lo denomina tercer entorno (E3) y anticipó
varias propiedades de este, posibles gracias a la telemática, un
conjunto de tecnologías de la información y comunicación. El E3
es una propiedad emergente del sistema tecnológico TIC y del
espacio electrónico. Echeverría (2012) señala que a lo largo de la
historia de la tecnología hay muchos ejemplos de emergencia de
nuevos espacios sociales. Ofrece como ejemplo la que denomina
República de las Ciencias, las Artes y las Letras, que no hubiera
llegado a existir sin la imprenta. La Encyclopédie de los ilustrados
franceses es otro buen ejemplo de aquel espacio de conocimiento,
como la actual Wikipedia encarna la Web.
Conforman este E3 las nuevas tecnologías de la información
y las comunicaciones (TIC), no solo Internet, sino un sistema
tecnológico que incluye las redes telemáticas, la telefonía móvil,
la imagen y el sonido digital (televisión, radio, fotografía, vídeos,
cine digitalizado, etc.), los videojuegos, el dinero electrónico,
las simulaciones informáticas, la realidad virtual, los satélites de
telecomunicaciones y la memoria digital. Esta nueva realidad
introduce una gama de fenómenos innovadores, que giran en torno
al manejo de la información y a la relación entre los seres humanos”,
por tanto, las tecnologías no son herramientas simples que ayudan
a hacer estas o esas cosas, sino que constituyen mediaciones
auténticas de estas acciones, por lo que no serían factibles sin
ellas” (ECHEVERRÍA, 2015).
Si bien, como reflexiona Boaventura Santos “la realidad
siempre va por delante de lo que pensamos o sentimos sobre
ella. Teorizar o escribir sobre ella es poner nuestras categorías y
nuestro lenguaje al borde del abismo” (2020, p. 38), la hipótesis
o de tercer entorno (E3) nos ofrece un marco de inteligibilidad
que nos ayuda a hacer más patente que las nuevas tecnologías

24
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

permiten la existencia de un nuevo territorio en el que habitamos


y cohabitamos en el espacio electrónico, en el cual se reproducen
virtudes y defectos propios de la convivencia humana, y varios
nuevos, específicos de la convivencia en y con las tecnologías
telemáticas. En las postrimerías del siglo XX Echeverría previó un
conjunto de propiedades del E3 las que serían posibles con las
nuevas tecnologías que surgirían y van a seguir siendo creadas.
El E3 es posible diferenciarlo y relacionarlo del primer entorno
(E1) que corresponde al vínculo con lo natural representado por
las sociedades agrarias, y del mismo modo, del segundo entorno
(E2) que corresponde a todas las instancias sociales y sus espacios
físicos donde se desarrollan, típicamente urbanos de la sociedad
industrial, por ejemplo, la sala de aula y la gran diversidad de
instituciones sociales.
Otro rasgo esencial del espacio E3 es su carácter hipertextual,
con múltiples recorridos o navegaciones. En el mito griego Teseo
llega al centro del laberinto, donde se encontraba el Minotauro,
para regresar usó una madeja de hilo que fue desenrollando
a medida que avanzaba por los intrincados pasadizos. En el
E3 cada uno de nosotros puede crear su propio laberinto o su
ambiente o entorno de aprendizaje, organizado con nuestras
propias madejas, las estrategias de acceso y uso, creando su propio
Entorno de Aprendizaje Personal (Personal Learning Enviroment,
PLE) integrando estratégicamente la diversidad de tecnologías,
aplicaciones, plataformas y redes sociales disponibles, además
de las plataformas institucionales típicas o los ambientes virtuales
de aprendizaje.
Varias de las diversas tecnologías presentes en nuestras vidas
cotidianas tardaron décadas para su utilización masiva desde su
nacimiento (automóvil 55 años, electricidad 46 años, teléfono 35
años), en cambio internet tardó solo 7 años, los computadores
personales 16 años y la telefonía móvil 13 años. La tecnología
digital ha tenido y continúa teniendo avances muy acelerados. Si
la industria del automóvil hubiera experimentado un desarrollo

25
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

parecido al de la informática, se podría disponer de un Rolls-


Royce por menos de mil dólares, además poseería la fuerza de un
trasatlántico para recorrer un millón de kilómetros (unas 25 vueltas
al mundo) con solo un litro de gasolina. Todo un sueño que ya ha
sido realidad en el ámbito de las tecnologías de la información.
De modo particular examinamos el uso del celular, aunque
de aquí en adelante usaremos el concepto smartphone, porque
el celular hoy en día es más que un aparato telefónico y se ha
tornado la tecnología de mayor presencia tanto dentro como fuera
de la escuela. Un conjunto de estudios analizados por Zubizarreta
e Caldeiro (2019) reflejan que la edad de inicio y acceso a estos
dispositivos es cada vez más temprana en diversos países. Según
estos mismos autores ya a finales del año 2015 el 97% de la
población mundial utilizaba el teléfono móvil y el número aparatos
activos superaba el de personas en la tierra.
En el caso de Brasil, al año 2018 el 83% de los individuos, con
diez años o más, poseía un smartphone (CGI.BR, 2019). A su vez, el
acceso a Internet se ha ido concentrando a través del smartphone.
Desde el año 2015 al 2018 aumentó de 91% a 97% los alumnos de
escuelas urbanas que acceden a Internet usando el smartphone.
Del mismo modo, está experimentando un acelerado crecimiento
del uso exclusivo del smartphone para acceder a Internet por parte
de niños y adolescentes entre 9 y 17 años, desde 17% en el año
2004 a 53% en 2018 (CGI.BR, 2019).
Sin embargo, involucrar a los estudiantes de distintas
fases etarias que están accediendo a la escuela, presenta un
desafío particular en los entornos de aprendizaje a distancia y
semipresencial, en particular la Generación Z, nacida después de
1990. La letra Z proviene del término inglés zapping que se traduce
como dar un paseo; teniendo conexión con la palabra zapear,
cambiando canales de televisión, accediendo a internet, videos,
smartphone es, entre otros recursos digitales, (...) esta generación
nació con la llegada de internet y el desarrollo de tecnologías,
estos recursos están alrededor de la mayoría de ellos.

26
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Las generaciones que actualmente se encuentran en las


escuelas están en contacto cada vez a edades más tempranas con
la tecnología. Al respecto, a lo largo de la última década ha surgido
un polémico discurso sobre el uso de los dispositivos móviles por
parte de los menores, sin embargo, no podemos obviar que los
más pequeños, se encuentran, de forma irremediable, expuestos
a múltiples pantallas que forman parte de una cotidianeidad que
incide en la construcción de sentido y significado del mundo en el
que se desenvuelven (ZUBIZARRETA, CALDEIRO, 2019).
El E3 no es apenas un entorno o recurso tecnológico, es la
propia vida con las oportunidades y problemáticas que hemos
venido analizando. En este contexto tecnológico, los profesores
también están siendo afectados al usar algunas tecnologías,
tanto para uso personal como parte del proceso de enseñanza y
aprendizaje. En su estudio Sousa (2020) analiza la influencia de
WhatsApp, una de las redes sociales más populares del mundo,
en la calidad de vida de los maestros de primaria, mostrando
influencias negativas o positivas asociadas con el propósito del uso
y las reacciones emocionales provocadas en sus usuarios. Sousa
(2020) concluye que WhatsApp puede tener una influencia positiva
cuando se usa con moderación y una influencia negativa, si su uso
causa ansiedad o distrae la atención en las actividades diarias.
También se presenta como un recurso relevante para promover
la salud y desarrollar acciones educativas innovadoras. Del mismo
modo, Tunc-Aksan y Akbay (2019) confirman que cuando el nivel
de dependencia del smartphone y el miedo a perder disminuyen
entre los estudiantes, la competencia académica percibida mejora.

Socialización y trastornos en el tercer entorno

Vivir en una era de constantes desarrollos tecnológicos


ha cambiado los estándares de comunicación social y una parte
importante de las relaciones sociales se han trasladado al E3.

27
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

El proceso de socialización que tiene lugar en las plataformas


digitales, según Eraslan y Kukuoglu (2019) también ha transferido
muchos elementos negativos experimentados en la vida social
(E2) al entorno virtual (E3), por ejemplo, los comportamientos
de agresión y bullying. El uso abusivo de ciertas herramientas
tecnológicas termina por configurarse, en muchos casos, como
vicios digitales o patologías. Destacamos algunos de los que
identifican García-Umaña, Casas e Pérez (2019): cibercondría o
hipocondría digital, desórdenes del sueño, aislamiento social,
nomofobia, narcisismo digital, entre otros desórdenes mentales
y del comportamiento.
La nomofobia presentada como un hábito y vicio digital
proviene del vocablo inglés compuesto por no-mobile-phone
phobia que significa miedo a perder o quedarse sin teléfono.
Varios investigadores han determinado a la nomofobia como
un trastorno del siglo XXI por el surgimiento de innumerables
dispositivos tecnológicos que a pesar de su definición, no incluye
ordenadores; argumentan que son reemplazados por smartphones
(GARCÍA-UMAÑA et al., 2019).
La patología de FoMO (Fear of Missing Out), miedo de estar
perdiendo algo, se observa como un patrón de comportamiento
en el que el individuo tiene una necesidad constante de verificar
la cuenta y seguir los últimos desarrollos en las redes sociales.
Otro trastorno propio del E3 es el PIU (Pathological Internet
Use), dependencia patológica de Internet. Se explican estas
patologías, según Kobayashi y Hsu (2019), porque la obtención
de información actúa sobre el cerebro a través de la producción
de dopamina. Encontrar información en Internet nos da el mismo
tipo de satisfacción que el dinero o la comida. Para el cerebro, la
información es su propia recompensa, independientemente de si es
útil o no. En el mundo de hoy, miles de millones de personas usan los
canales de redes sociales para una variedad de propósitos. Se crea
un mundo virtual gigante a partir de miles de utilidades y canales.
Las personas que socializan en las redes sociales se comunican con

28
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

menos frecuencia en la vida cotidiana y gradualmente se vuelven


sociales en la vida real (ERASLAN, KUKUOGLU, 2019).
Los niños y jóvenes como una entidad social, tener una alta
creencia en la competencia social puede considerarse como una
necesidad básica para los humanos. En base a esta necesidad,
Tunc-Aksan y Akbay (2019) destacan que las redes sociales pueden
verse como un entorno en el que un individuo que no se siente
competente en un sentido social puede expresarse mejor para
proporcionar este sentido de competencia.
Las redes sociales posibilitan relaciones y contactos entre las
personas para coordinar las más diversas acciones. En el ámbito
educativo se está conformando un movimiento de instituciones
educativas para prevenir el fraude académico y perseguir
judicialmente la “trampa por contrato”, la que es una práctica en
que los estudiantes contratan a un tercero para completar sus
tareas. Más de mil estudiantes de 16 universidades australianas
contrataron los servicios de un sitio web MyMaster para escribir
ensayos fantasmas. El gobierno australiano está ahora abordando
la trampa por contrato con un proyecto de ley de prohibición de
servicios de trampa académica, con castigo de hasta dos años de
prisión. La página web salió del aire luego del escándalo. El Daily
Telegraph del Reino Unido reportó que más de 20.000 estudiantes
universitarios compraron ensayos solo en 2017. En Estados Unidos
en el 2019 el New York Times destacó el aumento de la trampa
por contrato en EEUU.

La escuela en la cultura posmoderna

La presencia de smartphone en el aula puede propiciar que el


alumnado pierda significativamente la atención por la interacción
continua en redes sociales ajenas a la docencia. Por consiguiente,
el uso de redes sociales con fines educativos presenta desafíos y
oportunidades para la educación, no solo para la escuela, sino
también para sociedad que educa y forma ciudadanos críticos.

29
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Esto llama la atención sobre la importancia de tener un diálogo


entre padres y profesores con los niños y adolescentes.
Coincidimos con Zubizarreta e Caldeiro (2019) que no se
trata de ejercer una labor de sobreprotección y de limitación de
un acceso que está influenciado por el hecho de que los niños y
jóvenes viven en hogares equipados tecnológicamente. En este
sentido, urge la ejecución de procesos pedagógicos dirigidos al
desarrollo de los conocimientos y habilidades necesarias para saber
leer y escribir en la red, y de esta manera participar en el amplio
mundo de la producción, búsqueda y manejo de la información del
tercer entorno, se hace indispensable la alfabetización tecnológica
de niños, jóvenes y adultos. En Brasil, en estudio de 2018, sólo un
51% de los niños de 11 a 12 años reconoce tener la habilidad para
verificar si una información encontrada en Internet está correcta.
En el grupo de 13 a 14 años sube a 71% y en el tramo 15 a 17
años aumenta levemente a 76% (CGI.BR, 2019), evidenciado una
notoria brecha en una habilidad básica en el manejo de información
disponible en Internet. Por su parte la UNESCO señala que seis
de cada diez niños y adolescentes no están alcanzando los niveles
mínimos de competencia en lectura y matemáticas.

Consideraciones finales

El espacio de aprendizaje de la escuela y la universidad hasta


el siglo XX es inequívoco que era el E2, ahora ya no lo es más. Por
ejemplo, la práctica BYOD (Bring Your Own Device o en español,
“Traiga su Proprio Dispositivo”) da cuenta del acceso a la tecnología
y los contenidos de aprendizaje por parte de los estudiantes, con
lo cual el desafío de las universidades más que equipar con nuevos
computadores, es garantizar la conexión de calidad a Internet a través
de wifi en todos los espacios, dentro y fuera de la sala de aulas,
ya que prácticamente todos los estudiantes universitarios tienen
acceso a las tecnologías más importantes para su éxito académico.

30
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Desde la perspectiva de la posmodernidad, de la época en


que vivimos, en este mundo tecnológico, ¿qué hacemos? Tenemos
la opción de ser inmigrantes inteligentes, admitiendo nuestra
condición de inmigrantes en un nuevo lenguaje y aprender junto
con los más jóvenes, acercando la brecha generacional, La otra
opción es ser inmigrantes nostálgicos desarrollando resistencias,
quejándonos: “lo de antes fue mejor”.
La escuela forma parte de la imbricación del E2 y el E3, de
la extensión no sólo el aula, sino la escuela, lo que genera muchas
oportunidades para la interacción y producción de contenidos,
conocimientos, experiencias y vivencias, situándose en un
entorno “online”, más que “offline”. Esto implica comprender el
procesamiento en paralelo que realizan niños y jóvenes, en el E2
y E3, que están presentes simultáneamente en la escuela. El gran
desafío y la gran oportunidad de experimentar, cambiar, ajustar
para investir a los estudiantes como productores de arte, ciencia,
filosofía o innovaciones.
El E3 nos convoca a trabajar en redes, construir como
comunidad de aprendizaje cuyas bases científicas las encontramos
en el socioconstuctivismo, pensando como un solo proceso la acción
(hacer) y la creación de conocimiento (saber). Las tecnologías
digitales facilitan la personalización del aprendizaje, la que no
surgió con las tecnologías, pero sí las tecnologías aportan para
crear experiencias de aprendizaje adaptativas, disminuyendo
algunas cargas de trabajo, por ejemplo, automatizando algunos
tipos de feedback.
Si bien hemos constatado la omnipresencia del tercer
entorno, el acceso es desigual, tanto a la conexión, por ejemplo,
disponibilidad de banda ancha; a los dispositivos; a las habilidades
para buscar, seleccionar, usar y producir información y la propia
tecnología. Además, las prácticas de los usuarios se insertan en una
estructura de conformación de la red en la que predomina la lógica
privada de las grandes corporaciones. “Cuanto más consumimos,
compartimos y publicamos contenido, más generamos datos

31
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

para uso comercial y político y, en última instancia, para modular


nuestros propios comportamientos” (PIAZZON, LIMA, OYADOMARI,
p. 57).
La relación de los usuarios con la tecnología aún es muy
nueva e inmadura, tanto por parte de niños, jóvenes y adultos,
claro que nos encontramos ante la paradoja de que los niños
han sido conquistados por los medios, pero son a su vez son los
quienes dominan.
El E3 posibilita crear nuevas lógicas, nuevas estrategias y
nuevas experiencias de aprendizaje. Los alumnos en la asignatura
de idiomas pueden interactuar a través de las redes sociales con
cualquier persona del mundo que esté estudiando el mismo idioma
y hasta en su mismo nivel de competencia. Podemos traer hasta la
sala de aulas los testimonios de científicos, artistas, profesionales,
emprendedores a través de la vídeo conferencia y dialogar con
ellos, generando experiencias novedosas, mejor conectadas con
las expectativas y experiencias que tienen los estudiantes del
siglo XXI. Las TIC facilitan las redes de comunicación y permiten
mejorar el vínculo de estudiantes y otros organismos locales, en
torno a objetivos comunes. 

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

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33
VALDO BARCELOS, Brasil
Natural da cidade de Santa Maria-RS. Membro da
Academia Santa-Mariense de Letras (ASL), onde
ocupa a Cadeira de nº 21, cujo patrono é o Escritor
Cyro Martins. Membro da Academia Internacional de
Letras, Artes e Ciências (ALPAS-21). Ocupa a Cadeira
nº 102, cujo patrono é Paulo Freire. Membro da
Casa do Poeta de Santa Maria. Escritor nos gêneros
crônica, poesia e conto. Participante de Antologias
poéticas; Prêmio em poesia no Concurso Literário
Felippe de Oliveira (2008). Colaborador de Jornais
diários. Professor TITULAR da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM-CE). Orientador de Mestrado
e Doutorado. Pesquisador Produtividade-1-CNPq-
Professor Visitante Universidade de Coimbra,
Portugal. Professor Conferencista Visitante no
Instituto PIAGET-Portugal. Professor Pesquisador
Visitante no Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia-Manaus (INPA). Consultor da UNESCO-
MEC-INEP-MCT-CYTED-CAPES-CNPQ-Membro da
Anistia Internacional-Seção Brasil desde 1974.

MARIA APARECIDA AZZOLIN, Brasil


Doutora em Educação (PPGE/UFSM). Psicanalista
(ABRAPSI). Mestra em Educação, (UNIPAMPA),
Especialista em Gestão Escolar (UCB), Graduada
em Pedagogia (URI) e em História (UFSM). Atua
na Educação Básica há mais de 20 anos e como
palestrante há mais de 10 anos. Tutora e autora
de materiais didáticos no Centro de Estudos e
Informações Técnicas Educacionais e Culturais
(CEITEC/SC) e na UnicEAD Unique, Tutoria e Mediação
Didática (Montes Claros/MG). É palestrante na
Empresa CONANVE/ Palestras e Treinamentos,
realizando palestras e Workshop com temáticas
relacionadas com a Educação e Qualidade de Vida e
Saúde. Autora dos livros: “Cuidando de quem educa”
e “Te liga-Antologia Sociológica”.
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

INTERCULTURA, LITERATURA ANTROPOFÁGICA E


EDUCAÇÃO - UMA PROPOSTA DESDE OS TRÓPICOS

Valdo Barcelos
Maria Aparecida Nunes Azzolin

Introdução
“O Brasil não é um país para principiantes”
(Maestro Tom Jobim)

Brasil país de paradoxos. Está entre as oito maiores


economias do planeta. Um país que possui um parque industrial
sofisticadíssimo tecnologicamente; um dos primeiros produtores
mundiais de commodities agrícolas; sem falar de várias outras
potencialidades inerentes a sua formação e situação geográfico-
ecológica. Paradoxalmente, ainda temos uma imensa dívida social
e educacional com uma significativa parcela da população brasileira
que, em pleno terceiro milênio, ainda lhe tem negada a possibilidade
de partilhar da boniteza e da magia que é aprender a ler e a escrever
na sua língua materna. Isto para não citar, os inaceitáveis índices de
analfabetismo funcional que vão desde o ensino básico, chegam às
universidades e acompanham até mesmo parte de seus egressos. A
postura de diálogo intercultural e de escuta sensível que adotamos
no texto, está em acordo com a perspectiva antropofágica proposta
pelo escritor brasileiro Silviano Santiago (2006) quando este defende
a urgência em rompermos com o pensamento adesista e imitador
de parte da elite intelectual brasileira. Uma intelectualidade que
se acostumou a viver de costas voltadas para a cultura do povo do
qual faz parte. Para Santiago, se faz necessário romper com uma
razão etnocêntrica e intolerante que se mostrou incapaz de dialogar
com os demais outros que o cercam – exemplo das etnias africanas
e indígenas. Esta forma de relação favoreceu que grande parte das
mazelas sociais fosse atribuída às “contaminações” decorrentes
da mistura das diferentes “raças”. Nem mesmo a historiografia

35
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

acadêmica e oficial brasileira foi capaz de romper com esta visão


eurocêntrica e perceber a valiosa contribuição que as culturas
africanas e indígenas têm a oferecer ao se colocarem em diálogo
com a cultura da modernidade ocidental.
O antropólogo Da Matta (1978), defende que as elites
brasileiras são uma das mais insensíveis do planeta. São elites que
se esmeraram em se afastar da cultura do povo e, ao mesmo tempo,
se autonomearam suas porta-vozes. Já, para o antropólogo Darcy
Ribeiro (1921-1998) há que nos libertamos, intelectualmente, das
práticas acadêmicas de copiar e imitar os intelectuais de além-mar,
sob pena de nos transformarmos em “acadêmicos completos”, do
tipo que só se preocupa em criticar e ficar colocando “poréns” aqui
e ali nos textos que outros escrevem. Ribeiro ao se referir aos seus
colegas intelectuais afirma que eles agem mimeticamente, tendo
uma atitude de “Pai de santo, recebe uma divindade pela cuca, fala
pela boca e dita o que contar. Sobretudo os cientistas sociais abrem a
boca para que fale Lévi-Strauss ou Althusser” (RIBEIRO, 2008, p.176).
O que anseia este intelectual acadêmico é fazer um doutorado fora
do Brasil – de preferência na Europa - e quando voltar, passar a recitar
o que lá ouviu. A mesma Europa que o antropofágico Oswald de
Andrade (1890-1954) chamou de uma civilização que já se mostrava
“cansada e triste”. Uma alternativa que se apresenta é buscar-se
aquele entre-lugar (BHABHA, 2003) cultural que nos propicia um
olhar distante sem deixar de estar atento ao que acontece ao nosso
lado. Uma postura que nos permita acessar ao que há de novo sem,
contudo, deixar de valorizar o antigo que se mostra necessário e
que pode nos ajudar a entender os desafios que se apresentam
na contemporaneidade. Como escreveu Roberto Gomes (1986):
“É tão grave esquecer-se no passado quanto esquecer o passado”.
Pensar uma Educação, numa perspectiva intercultural e de
descolonização de saberes é, também, buscar modos de exercê-
la buscando os entre-lugares resultantes dos entrecruzamentos
interculturais que são produzidos e que nos chegam dos países
considerados, tradicionalmente, como hegemônicos.

36
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Esta proposta de educação intercultural e antropofágica se


autodeclara (1) herdeira teórica das ideias e proposições filosóficas
e epistemológicas da (ACB) e (2) se coloca em acordo com as
ações e intervenções deste movimento cultural que, se mostrou
inaugurador da pós-modernidade na Terra de Pindorama - que na
língua Tupi-Guarani quer dizer terra das palmeiras. O que propomos
como uma Educação nos Trópicos, não é a defesa de mais um
resgate, uma retomada, de releitura, de adaptação, nem mesmo de
uma recriação de algo do passado. Basta de releituras e de resgates
que tem se mostrado como variações sobre o mesmo tema, sem
variação alguma. Uma cópia disfarçada e acanhada do que já existe.
Esta Educação nos Trópicos, que apresentamos, propõe alternativas
a partir da relação de interação devorativa daquilo que nos chega e
nos atravessa das demais culturas com as quais nos encontramos.
Uma educação que, como propõem Paulo Freire (1921-1997),
rejeite a condição de opressão do colonizador e busque romper
com a cultura da subalternidade. A filosofia da ACB tem em seu
nascedouro esse germe da resistência intercultural ao domínio
pelo estrangeiro, sem, contudo, deixar de “tomar” dele aquilo que
considera bom. Queremos pensar uma educação intercultural que
carregue consigo o germe da rebeldia, da criação, do desafio ao
que está posto. Se olharmos para a educação brasileira, veremos
que o que tem acontecido é o inverso. O que vemos é um longo
processo de acomodamento das elites ao status quo vigente. Uma
acomodação que aceitou, e ainda aceita, ideias alheias como se
fossem as melhores possíveis e as faz suas.

Assim estamos, porque copiamos e imitamos

“Sempre desejei ser eu mesmo. Mau, mas eu”.


(Oswald de Andrade, 1972)

O déficit da qualidade da educação brasileira, em relação


a outras áreas da produção de conhecimento no país, parece

37
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

que assumiu como que a condição de um “fato consumado”.


Pertencemos ao grupo de educadores (as) que acreditam que as
causas deste déficit não são irreversíveis. Como ensinava Freire
(2003), a realidade não é assim. Está assim. Podemos mudá-la.
Como ironizou Gomes, (1986), temos uma imensa dificuldade
em fazer o exercício, nada pequeno e fácil, de buscar ver aquilo
que está, muitas vezes, batendo à nossa porta. Esta é uma das
razões que nos desvia do enfrentamento dos problemas reais do
Brasil em geral, e, no caso deste texto, da educação. Esta fuga e
facilidade em fazer conciliações com o inconciliável, são observadas
por Holanda (1902-1982) no livro Raízes do Brasil. O autor, ao se
referir à facilidade com que os intelectuais brasileiros aderem a
ideias e doutrinas bastante díspares assim se posiciona: “Basta
que tais doutrinas e convicções se possam impor à imaginação
por uma roupagem vistosa: palavras bonitas ou argumentos
sedutores”. Ao refletir sobre essa acomodação Candido (1973),
em um artigo intitulado, Literatura e subdesenvolvimento, alerta
para a tendência que temos em aceitar isto como “natural” e
inevitável. O antropólogo, Viveiros de Castro, vai direto ao ponto
quando questiona a maneira como nossas elites acadêmicas se
mostram, submissas, vítimas do explorador “de fora”: “Há uma
situação muito confortável da elite brasileira que é poder brincar
de dominado quando olha para fora, e brincar de dominantes
quando olhamos para dentro e mandamos a cozinheira fazer
nossa comida” (CASTRO, 2008, p.174). Como não perceber nestas
passagens de Viveiros de Castro uma linha de concordância com o
que defendia um dos criadores da literatura antropofágica, Oswald
de Andrade, quando este afirma:

A produção dos prelos incoerentes do Além-Atlântico. Vieram para


nos desviar, os Anchietas escolásticos, de sotaina e latinórios, os
livros indigestos e clássicos... Que fizemos nós? Que devíamos
ter feito? Comê-los todos. Enquanto esses missionários falavam,
pregando-nos uma crença civilizada, de humanidade cansada e
triste, nós devíamos tê-los comido e continuar alegres. Devíamos

38
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

assimilá-las, elaborá-las em nosso subconsciente, e produzirmos


coisa nova, coisa nossa” (ANDRADE, 1990, p. 44).

Em um texto de 1972, intitulado Os abutres, o escritor


Silviano Santiago, ao refletir sobre o atraso e o conservadorismo
imperante na literatura brasileira, em relação às demais formas
de produção artística no Brasil, usa uma expressão que penso se
adequar muito bem para a situação que vivemos quatro décadas
depois na educação. Escreve ele: “Perdemos o bonde, mas não
percamos a esperança” (SANTIAGO, 1972, p. 129).

Pulando de “galho em galho” ou, devorando a “estranja”

“É urgente devorar a estranja”


(Mário de Andrade, 1944)

A expressão “devorar a estranja” era muito usada pelo


antropofágico Mário de Andrade (1893-1945). Dentre os
antropofágicos, pós-Semana de 1922, Mário na sua calma e
aparente doçura, foi um devorador que não demonstrou dor
nem arrependimento. Para ele, os estrangeiros eram muito
bem-vindos, mas, deveriam saber que estava ávido para devorá-
los. Acreditamos que, em educação, a constatação de que não
mais podemos continuar importando modelos e fórmulas, sem
fazer a sua devida contextualização, bem como seguir copiando
alternativas que já se encontram em exaustão nos lugares onde
foram criadas, é um primeiro e corajoso movimento no sentido
de sairmos do atoleiro em que nos encontramos. Parece que nos
especializamos na prática de ficar “pulando de galho em galho”
quando se trata de pensar nossas alternativas pedagógicas e
educativas. Ao propor uma Educação nos Trópicos, tendo como
uma de suas referências importantes para interlocução a ACB,
queremos mostrar o legado e a atualidade deste movimento pós-
Semana de Arte Moderna de 1922. Tal movimento caracterizou-

39
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

se por um radical questionamento e uma rejeição as hierarquias


culturais que eram, então, uma norma imposta pelo Império
português-europeu e de certa forma aceita, comodamente,
pelas elites locais colonizadas e dóceis. Elites, essas, sedentas por
receber, como prêmio de sua obediência, algumas migalhas do
Império. Em contraponto a essa postura de servilismo das elites, os
antropofágicos culturais, pós-Semana de Arte Moderna, ofereciam
a experimentação e a participação do nativo e de suas formas de
viver e de produzir existência como geradores e inspiradores de
suas produções artísticas.
O que estamos propondo, para uma Educação nos Trópicos,
é algo na perspectiva defendida para a produção artística pelo
antropofágico e artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980).
Oiticica defendia que, para se conhecer o Brasil, é preciso
começar a derrubar as barreiras culturais que acabam por nos
impedir de ver como é o Brasil no mundo. O autor propõe que,
ao invés de nos esconder e repudiar o que nos chega de fora,
do estrangeiro, devemos é “consumir o consumo”. Nada mais
antropofágico e oswaldiano que isto. Um verdadeiro tributo,
aos Tupinambás antropófagos, devoradores de bispos e outros
valentes inspiradores dos antropofágicos Pós-semana de Arte
Moderna de 1922. Há que ater-se ao fato de que poucos países
têm em sua formação étnica e cultural uma gama tão ampla
de diversidades formadoras como o Brasil. O autor cita como
exemplo disto o que já escrevia em 1945, Oswald de Andrade,
em seu livro Ponta de Lança (1945):

A Alemanha racista e recordista precisa ser educada pelo nosso


mulato, pelo chinês, pelo índio mais atrasado do Peru ou do
México, pelo africano do Sudão. É preciso ser misturada de uma
vez para sempre. Precisa ser desfeita no melting pot do futuro.
Precisa mulatizar-se... Nada podemos esperar da Europa europeia,
para onde vivemos por tanto tempo voltados...Foi uma época
que terminou” (ANDRADE, 1945, p. 63).

40
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Não por acaso, já nos seus Manifestos (Pau-Brasil - 1924) e


Antropófago, (1928), Oswald de Andrade bradava: “Nunca fomos
catequizados” e “Antes dos portugueses descobrirem o Brasil já
tínhamos descoberto a felicidade”. Na opinião de Holanda (2006),
se podemos projetar e construir obras maravilhosas e contribuir
para a cultura da humanidade com aspectos novos e imprevistos
e, ao mesmo tempo elevar à perfeição o modelo de civilização
que representamos, cabe então perguntar: seria certo pensar que
todo nosso trabalho de construção cultural seria decorrente de
um sistema de evolução proveniente de outro continente, de outra
cultura, enfim, de algo totalmente fora de nossa experiência vivida
e que, ao fim e ao cabo, pode abrir mão de toda sua contribuição
de origem? Ao estudar as origens da formação da nação brasileira,
Ribeiro vai buscar nas artes e nas técnicas dos povos nativos exemplos
de como era rica, diversificada e sofisticada a vida dos povos da
floresta que aqui viviam. Só para citar um exemplo na arte e outro
nas técnicas produzidas, utilizadas e legadas pelos tupis-guaranis,
o autor cita a criatividade dos indígenas, presente “em tudo o que
eles produziam para viabilizar sua existência” (RIBEIRO, 2008, p.66).
Mas não é apenas nas artes que as civilizações dos trópicos se
destacaram e deixaram grandes legados. Na técnica, também, foram
muito criativos e sofisticados. É o caso da domesticação de plantas
selvagens que desenvolveram e com as quais acrescentavam uma
dieta rica e farta à sua subsistência. É da responsabilidade dos nativos
a introdução nos hábitos alimentares brasileiros da mandioca, do
amendoim, do abacaxi, da batata chamada de “batata inglesa”, do
milho, da batata doce, do inhame e muitas outras espécies que até
os dias de hoje fazem parte de nosso cardápio rotineiro. Portanto,
o que se percebe é que as elites nacionais são, em verdade, um
ponto de apoio, um setor intermediário e intermediador das elites
hegemônicas mundiais de então. Nesta mesma perspectiva de
pensamento, o educador Paulo Freire nunca cansava de ensinar
que o que aconteceu na América não foi descobrimento, mas, sim,
conquista (FREIRE, 2000, p.74).

41
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Antropofagia, intercultura e Educação

Oswald de Andrade inicia seu texto A Crise da Filosofia


Messiânica com o qual concorreu ao cargo de professor na cadeira
de Filosofia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP,
escrevendo que a Antropofagia como ritual entre os seres humanos
é bastante antiga na história. Foi registrada por Homero entre os
gregos e segundo a documentação do escritor argentino Blanco
Villalta, foi encontrada na América Latina já entre civilizações que
haviam atingido uma elevada cultura, como os Astecas, os Maias e
os Incas. Na expressão cunhada por Cristovão Colombo, comiam los
hombres. Não o faziam, porém, por gula ou por fome. Tratava-se
de um rito que, encontrado também nas outras partes do globo,
dá a ideia de exprimir um modo de pensar, uma visão de mundo,
que caracterizou certa fase de toda a humanidade. Considerada
assim, mal se presta à interpretação materialista e imoral que dela
fizeram os jesuítas e colonizadores. Antes pertence, como ato
religioso, ao rico mundo espiritual do homem primitivo. Contrapõe-
se em seu sentido harmônico e comunal, ao canibalismo que vem
a ser a antropofagia por gula e também a antropofagia por fome,
conhecida através da crônica das cidades sitiadas e dos viajantes
perdidos. A operação metafísica que se liga ao rito antropofágico
é a da transformação do tabu em totem. Do valor oposto, ao
valor favorável, pois, “A vida é devoração pura” (ANDRADE, 1970,
p. 77). Sobre os estudos da Antropofagia ritual entre os povos
nativos brasileiros tem-se que aquele que mais a praticou foram
os Tupinambás. Os Tupinambás eram um povo muito afeito as
guerras. Alguns estudos antropológicos indicam, inclusive, que os
mesmos iam para as guerras motivados pela antropofagia. Uma
prova disto são registros que mostram que os guerreiros levavam
junto ao seu corpo uma longa corda – chamada mussurana -
com a qual prenderiam possíveis prisioneiros. Os combates se
iniciavam à distância. Às vezes os tupinambás passavam horas,
até várias noites e dias fazendo provocações aos seus inimigos

42
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

para, só depois, atacá-los. Esta era a fase em que o inimigo era


desarmado e, se possível, aprisionado vivo. Fato que era uma
grande honra para o guerreiro tupinambá. Em certas ocasiões
eram vários os tupinambás que se envolviam na captura de um
mesmo guerreiro inimigo. Quando isto ocorria, o prisioneiro era
dado à propriedade do primeiro tupinambá que o tinha atacado.
Contudo, quando não chegavam a um acordo sobre quem deveria
ser o dono do prisioneiro – coisa que não raro ocorria – o inimigo
preso era sacrificado ali no ato e repartido entre os seus captores.
O ritual antropofágico é de uma riqueza e complexidades
ritualísticas de difícil comparação na história de outros povos.
Acredita-se que foi em função desta riqueza simbólica que ele
sobreviveu por tão longos anos e se difundiu por tantas culturas
em volta do planeta. Sua força se mostra, também, no fato de se
transformar através dos tempos. Suaviza-se, adapta-se às novas
regras de convivência social, contudo, resquícios de práticas
antropofágicas são descritos até os dias de hoje em diferentes
culturas. Citamos apenas um exemplo desta metamorfose simbólica
ainda presente em várias culturas em épocas distantes. É o caso
da troca de nomes da pessoa em certas ocasiões. Registram as
pesquisas antropológicas que após o ato de execução de um
prisioneiro o executor cercava-se de uma série de medidas de
proteção para fugir da vingança do espírito do sacrificado, bem
como da ação de seus parentes. Esta prática, da mudança de nome
era, entre várias outras medidas de proteção, considerada a mais
importante. Em muitas culturas, não só o executor mudava de
nome, como, também, todos aqueles que haviam participado do
ritual de sacrifício. Em um minucioso relato do ritual antropofágico
o antropólogo Alfred Métraux registra do livro Antropofagia y
Cultura (2011) que ainda hoje a nação dos Apapocuva recorre a
esse método quando algum de seus membros está com alguma
enfermidade grave. Ao “desbatizar” o enfermo, acreditam que
o livram da doença que o acomete. Outra demonstração da
importância que as nações que praticavam a antropofagia davam

43
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

a ela era o fato de se cercarem de todas as medidas de proteção


que conheciam no sentido de evitar a vingança dos parentes do
inimigo sacrificado. A mudança de nome era apenas uma das
medidas tomadas. O matador era, também, despojado de todos os
seus pertences de antes da execução. O executado era, da mesma
forma, preparado para não poder vingar-se. Por exemplo, tinha o
dedo polegar amputado para que não pudesse depois de morto
usar o arco e a flecha.
O movimento da ACB teve origem na década de 20, século
XX. O movimento antropofágico teve como principal objetivo,
romper com padrões artísticos, culturais e políticos, enfim, estéticos
instituídos na época. Estes padrões originários da Europa - região
na época considerada “berço da civilização” - eram importados
pelas elites brasileiras de então, sem nenhuma, ou, com muito
pouca contextualização. Sobre a origem do nome antropófago,
ao movimento cultural encabeçado por Oswald de Andrade, o
mesmo decorre de um quadro que a pintora Tarsila do Amaral
(1886-1973) deu como presente de aniversário, (11 de janeiro de
1928), ao seu então marido Oswald de Andrade, um dos fundadores
do movimento e autor do Manifesto Antropófago. A referida
pintura constava de uma figura humana um pouco “estranha”.
Tinha mãos e pés muito grandes em contraste com uma cabeça
diminuta. A posição sugeria estar meditando. A coloração de
terra da figura contrastava com o azul do céu, o sol alaranjado e
um cacto verdejante ao fundo. Ao receber o quadro de presente
Oswald, não o entendendo, socorreu-se de seu amigo modernista
Raul Bopp (1898-1984), que também ficou intrigado com “aquilo”
que Tarsila tinha pintado. A própria Tarsila chegou a perguntar:
“Mas como é que eu fiz isso?” ao contemplar sua obra. Como uma
brincadeira Oswald sugeriu que dessem à figura o apelido de um
selvagem gigante. Recorreram ao dicionário de língua Tupi. Lá
encontraram como sinônimo de Homem, Aba. Para aquele que
come carne humana encontraram, Poru. Foi fácil fazer a ligação:
Aba-Poru.

44
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Aquele que come carne humana: Antropófago.


Nasce assim a Antropofagia. Foi marcante também, nesta
época, o romance Macunaíma - o herói sem nenhum caráter
(1928) de Mário de Andrade, posteriormente transformado em
filme com o mesmo nome. Este romance provocou, na época, uma
verdadeira revolução nos padrões de se fazer literatura, através
de uma nova proposta de organização e de articulação com a
linguagem. Não por acaso é considerada, até hoje, pelos críticos,
como uma das obras mais afinadas com a literatura de vanguarda
em sua época. Outra produção muito representativa foi Cobra
Norato (1931) de Raul Bopp. Ainda foram participantes ativos da
criação do movimento antropofágico intelectuais e artistas como:
Antônio de Alcântara Machado, Cassiano Ricardo, Menotti del
Pichia, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto, Tarsila do Amaral,
Anita Malfatti, Zina Aita, Yan de Almeida Prado, Di Cavalcanti,
Patrícia Galvão (PAGU), Oswaldo Costa, Sergio Buarque, Alvaro
Moreira, Filipe D’Oliveira, Sergio Milliet.
Queremos refletir sobre educação numa perspectiva
intercultural, bem como, a partir de alguns representantes do
pensamento educacional brasileiro como, por exemplo, Paulo Freire.
Aquele que consideramos, talvez, o único exemplo de antropofagia
na educação brasileira. Esta característica, reafirmada por Freire
exige que o processo educativo escolar esteja permanentemente
aberto às questões emergentes na sociedade. Que dialogue com
elas, sem, contudo, abrir mão de sua cultura. Em outras palavras:
que proceda a devida devoração cultural do estranho, do novo,
do diferente, para, a partir desta devoração criar, inventar, aquilo
que interessa.

Antropofagia e educação intercultural

Ao propormos uma Educação nos Trópicos, é com base nessa


premissa intercultural de relação que acreditamos podermos

45
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

apostar e ter grandes chances de dar um importante passo à


frente no sistema educacional brasileiro em geral e, em especial,
na Educação Básica. Como propôs Oswald de Andrade nos seus
manifestos Poesia Pau-Brasil e Antropófago, “nenhuma fórmula
para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres”.
Este desafio de começar a fazer o exercício cultural e filosófico
de “ver com olhos livres”, que propõem Oswald, é que pode nos
levar a romper com “A memória fonte do costume. Partir para a
experiência pessoal renovada”. Outra repercussão marcante da
ACB na cultura nacional, pós-década de 60, foi através do Teatro
de Augusto Boal e de Celso Martinez Correa. Este último encenou
pela primeira vez no Brasil (1967) a peça O Rei da Vela de Oswald
de Andrade. Esta montagem teatral se transformou em outro dos
símbolos mais radicais do movimento tropicalista. Augusto Boal
(1931-2009) criou uma das formas de fazer teatro mais estudada,
pesquisada e praticada no mundo: O Teatro do Oprimido. Sua
criação é a consagração de algo mais amplo no campo da criação
estética que Boal denominava de uma Estética do Oprimido. Pode-
se afirmar que esta forma de fazer teatro é uma autêntica – talvez
a única - criação brasileira de método de dramaturgia. Sua matéria-
prima é a voz dos sem voz, dos oprimidos da sociedade. Seja ela
de que região do planeta for. Boal costumava dizer que todas as
pessoas são atores, até mesmo os atores, pois, segundo ele, “Todo
mundo atua, age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os
atores! (BOAL, 2003, p. 58).
Cabe a toda a sociedade brasileira e aos profissionais da
educação, em especial, decidirem o que realmente querem e lhe
interessa, bem como decidir o que é mais urgente. Ao propormos
uma Educação nos Trópicos propomos transformar o tradicional
educando (espectador) em participador (ator do processo educativo).
Estamos fazendo um convite para uma conversa sobre outra forma
de pensar, de ver e de fazer educação. Referimo-nos a uma ideia de
educação para além da eficácia e da utilidade. Uma compreensão
da educação para além de um conceito de operacionalidade técnica

46
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

apenas. Resumindo: queremos falar de uma educação que tenha


como intencionalidade de ação contemplar a participação e ampliar
a experiência estética das pessoas. O que estamos propondo é
algo na perspectiva epistemológica antropofágica defendida por
Oiticica para a obra de arte, que, segundo ele, “uma obra de arte
de qualquer natureza não é “utilitária”, pois senão já deixa de ser
obra de arte” (OITICICA, 2009, p. 29). Este autor vai além e faz uma
desafiadora advertência aos artistas “copiadores e imitadores” que
têm muito a dizer àqueles (as) que defendem ideias cristalizadas
na educação. Para Oiticica (2009, p. 90): “A criação tem que ser
uma forma de conhecimento cada vez mais imediata. De modo
que qualquer coisa que seja estabelecida ou aceita como categoria
já está gasta”. Em educação poderíamos ter esta proposição como
uma utopia para começarmos a sair do marasmo e da “mesmice”
em que estamos navegando – e nos afogando – já há algum tempo,
principalmente, quando o assunto é criar alternativas pedagógicas
e propor novas práticas didáticas e metodológicas em educação.
Fazendo uma analogia ao que propõe Oiticica para a arte,
em educação podemos, também, partir do princípio que ela – a
educação – não se resume a uma disciplina apenas, como, por
exemplo: a sociologia, a antropologia, a psicologia, a história, mas,
sim, precisa se relacionar com todas elas e delas devorar aquilo
que lhe for necessário e adequado. Se, para a obra de arte, a não
utilidade é fundamental, como forma de incentivar a imaginação,
a experiência estética ou mesmo a criação, por que não pensar
nessa possibilidade como uma componente a mais a contribuir
na construção de uma educação que privilegie a participação
criativa das pessoas? Esta seria uma forma de buscar incentivar o
espectador a exercer seu papel só que agora como participador.
Esta educação, estético-participativa-devorativa, se
constituiria na intenção de não se resumir ao critério de utilidade e
da eficácia. Nela, a participação do educando (a) não é facultativa,
ao contrário, é uma necessidade. Diria, mesmo, que é uma condição
necessária para que aconteça a transformação do espectador

47
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

em participador do processo estético-pedagógico que estamos


propondo. Só a partir do momento em que nos propusermos a
proclamar essa independência é que começaremos, de fato, a
tomar como nossa responsabilidade a construção de uma nação
social e ecologicamente mais justa, e, em paz. Esta proposta que
denominamos de Educação nos Trópicos, precisa se inventar a partir
de um profundo mergulho na cultura, na vida, no cotidiano, enfim,
deve brotar da multiplicidade intercultural em que se constitui
aquilo que denominamos de “realidade brasileira”.
Esta relação de tipo intercultural e devorativa, adotada
pela Educação nos Trópicos, aceita, e mesmo deseja o conflito, a
assimilação, a mestiçagem, a ação e a reação que, ao mesmo tempo
em que nega, aceita. Assume o risco do jogo do deslizamento,
da descentralização, da desconstrução. Enfim, não teme ser
devorada no processo de devoração do outro, pois sabe, como
bom antropófago que, mais cedo ou mais tarde, será vingada por
um seu parceiro de tribo. Haverá sempre um parceiro mais forte
e valente que devorará seu devorador, fazendo, com isto, fazer
valer a lei oswaldiana do ritual antropofágico: “lei do homem, lei
do antropófago” ou, simplesmente, Tupi or not Tupi, that is the
question! Devorar ou ser devorado.
Este ritual de antropofagia pedagógica é que fornecerá os
ingredientes e os temperos que servirão para o “fazimento” do
cardápio de pratos interculturais do banquete que será servido
pela proposta de Uma Educação nos Trópicos que estamos
oferecendo a partir da Terra de Pindorama. Saudações educativas
e antropofágicas!

Referências bibliográficas

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Andrade, Osvald (1970). Do Pau-Brasil à antropofagia e às utopias. Obras
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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

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Santiago, Silviano (2006), S. Ora (direis) puxar conversa – ensaios literários.
Belo Horizonte. Ed. UFMG.

49
Mariana Figueira Fontoura, Brasil

Formada no Curso de Pedagogia, na Universidade


de Cruz Alta, em 2020. Atua profissionalmente
como professora de educação infantil da rede
municipal da cidade de Boa Vista do Incra-RS.
Atualmente é pós-graduanda na especialização
de Educação Especial e Inclusiva, com início em
maio de 2020.
E-mail: marii_fonttoura@hotmail.com

Sabrina Figueira, Brasil

Formada no curso de Pedagogia, na Universidade


de Cruz Alta, em 2020. Atua profissionalmente
como merendeira na rede municipal de educação,
da cidade de Cruz Alta, RS. Atualmente cursa
pós-graduação em Atendimento Educacional
Especializado-AEE, com início em maio de 2020.
E-mail: sabrinafiga@hotmail.com

Vaneza Cauduro Peranzoni, Brasil

Pós-doutora em Educação pela UFSM, Doutorado e


Mestrado em Educação pela UFSM, Especialização
em Def. Mental e Graduada em Educação Especial.
É professora na Universidade de Cruz Alta -
UNICRUZ - desde 2002.
E-mail: vperonzoni@unicruz.edu.br
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

O COTIDIANO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA:


PERSPECTIVAS DA ALFABETIZAÇÃO
EM DIFERENTES CONTEXTOS

Mariana Figueira Fontoura


Sabrina Figueira
Vaneza Cauduro Peranzoni

Considerações iniciais

A escola é uma instituição social onde ocorrem inúmeras


trocas de saberes, a qual possibilita diversas relações da criança com
o mundo. A alfabetização e o letramento são fatores indispensáveis
para esse processo de desenvolvimento. Os conceitos, métodos e
formas de alfabetizar ainda geram inúmeros debates e questões
para serem compreendidas.
Com tantas inquietações a respeito dos processos de
alfabetização, o estudo tem por objetivo analisar as diferenças
dos métodos de alfabetização desenvolvidos em diferentes escolas.
E tem como objetivos específicos identificar as características
entre os métodos de alfabetização e compreender como se dá os
diversos tipos de alfabetização em contextos distintos.
Para desenvolver a pesquisa, utilizou-se uma metodologia de
cunho descritivo com abordagem qualitativa, que visou descrever
e relacionar as características de diversos aspectos. A população
da pesquisa foram professores alfabetizadores de duas escolas,
sendo uma escola da rede pública e outra da rede privada, no
ano de 2019.
O instrumento de coleta de dados foi um questionário
semiestruturado, no qual abordaram os professores a respeito dos
métodos desenvolvidos, seus conceitos e o porquê a escolha de tal
método para alfabetizar. Os dados coletados foram analisados, e a
partir disso foi possível realizar uma reflexão acerca dos diferentes
métodos de alfabetização encontrados nas escolas.

51
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

A metodologia

A metodologia aplicada para a elaboração e desenvolvimento


do presente trabalho é de natureza descritiva com abordagem
qualitativa. Martins (1994, p. 28) afirma que a metodologia descritiva
“tem como objetivo a descrição das características de determinada
população ou fenômeno, bem como o estabelecimento de relações
entre variáveis e fatos”. Assim, a abordagem qualitativa, conforme
Brandão (2003, p. 10) “é uma sequência de reflexões e de relatos
a respeito de experiências vividas pelo pesquisador em meio a
outras pessoas”.
A partir dessa linha de pesquisa, a população foram
professoras alfabetizadoras, sendo 2 da escola pública e 2 da
escola privada de Cruz Alta, RS. Foi elaborado um questionário que
segundo Cervo & Bervian (2002 p. 48) “[...] refere-se a um meio
de obter respostas às questões por uma fórmula que o próprio
informante preenche”, e foi utilizado um diário de campo para
coletar observações pertinentes ao tema.
Os dados coletados foram analisados e categorizados, pois
se tratam de dados qualitativos e necessitam ser pré-classificados
em categorias específicas pela Matriz de Análise. Com isso Bardin
(1977, p. 44) fundamenta que “A análise de conteúdo procura
conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se
debruça. A linguística é um estudo da língua, a análise de conteúdo
é uma busca de outras realidades através das mensagens”. A
análise dos dados permite que o pesquisador interprete a escrita
dos participantes a partir de cada critério estabelecido, é uma
forma de aprofundar as palavras, de ler e estabelecer sentidos
que estão além de apenas palavras.

Resultados e discussões

O processo de alfabetização deve ser visto e compreendido


como um instrumento que serve para ressignificar e aperfeiçoar os

52
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

conhecimentos do sujeito. Nessa perspectiva, o professor inicia seu


papel de mediador dos instrumentos de expressão e comunicação.
É por meio de seu método que construirá hipóteses com seu
aluno possibilitando aprendizagens de fato significativas e que
proporcionem realizar uma leitura do todo. (FEIL, 1990, p. 13).
Na realização do presente estudo foram analisados os
questionários aplicados a quatro professoras alfabetizadoras,
sendo, da escola privada, a Professora 1 e professora 2, e da escola
pública a professora A e professora B. O primeiro questionamento
foi em relação ao tempo que o professor atua como alfabetizador,
o professor 1 atua cerca de 22 anos e a professora 2 possui 30 anos
de sala de aula. A professora A atua 29 anos como alfabetizadora e
a professora B atua cerca de 6 anos. Três das professoras possuem
muitos anos de prática, possuem diversas vivências, mas Nóvoa
(1997, p. 25) afirma que toda essa formação docente deve exigir
uma reflexão, pois o conhecimento não deve ser guardado, ou seja,
“não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos
ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexidade
crítica sobre as práticas e (re) construção permanente de uma
identidade pessoal”.
Diante dessa afirmação, é necessário realizar uma práxis,
uma reflexão da ação, pois, com o passar dos anos os alunos se
modificam, o professor se aperfeiçoa e se apropria ainda mais de
conhecimentos para compartilhar com seu aluno. A autora Soares
(2006, p. 14) diz que o professor alfabetizador dá a possibilidade
de o aluno entrar no mundo da escrita, nas palavras dela é possível
salientar que:

O alfabetizador dá acesso ao maravilhoso mundo da escrita, dá


acesso aos livros, à leitura, conduz à conquista do instrumento
que lhe abre portas para todo o conhecimento, toda a cultura
que vem sendo preservada pela escrita, ao longo dos séculos.

O papel do professor alfabetizador deve consistir em criar


possibilidades, proporcionar práticas pedagógicas que vão além

53
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

somente de uma sala de aula, devendo compreender as dimensões


de todo esse processo de alfabetizar, e que sua prática é capaz
de formar sujeitos com autonomia e criticidade. Freire (2011, p.
92) ratifica que o professor deve levar a sério seu papel, pois “o
professor que não leve a sério sua formação, que não estude,
que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força
moral para coordenar as atividades de sua classe”.
O questionamento seguinte foi sobre qual método cada
professora utiliza em sua prática e como desenvolve, a P1, a P2 e
a PB utilizam o método global. A P1 respondeu que “é o método
utilizado na sua escola e considera o desenvolvimento da criança
como um todo. Ele parte do todo para as partes”. A P2 afirmou
que “nosso método é o global, ou seja, partimos de um todo para
as partes (frase, palavra, sílaba, letra)”.
Segundo Feil (1990, p. 30) o método global passou por muitos
conflitos até ser aceito e desenvolvido, esse método é voltado
para o sujeito, ou seja, a criança. Mas foi somente em 1787, que
Nicolas Adams esclareceu seu pensamento contraditório aos
métodos tradicionais e, assim, ratificou que a alfabetização ou
o ensino da leitura deveria partir do todo e que o “todo” era a
palavra para a criança.
Segundo Nicolas Adams, a alfabetização poderia ser explorada
a partir da globalização, do recurso de jogos, do movimento, da
organização da sala, da originalidade da criança, dos materiais
mais comuns como caixas, cartelas, sucata. O contato das crianças
com elementos simples, da possibilidade de imaginar, de falar e,
isso, de fato, é o essencial para o primeiro passo do estar sendo
alfabetizado.
A professora A respondeu que “trabalho com o método
tradicional, inovando sempre com transformações, novas
tecnologias e interesse de cada aluno”. A partir da fala dessa
professora, a alfabetização baseada no método tradicional segundo
Feil (1990, p. 27) “torna-se artificial e mecânica e muito distante de
quem se pretende atingir, ou seja, a criança”. E que esse método

54
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

alfabetizador, inicia-se partindo de letras ou sons para assim a


criança formar sílabas e futuramente formar palavras e palavras
estas que só tem função de fixar as letras estudadas.
A partir disso, os métodos são divididos em dois grupos,
ou seja, os métodos analíticos e os métodos sintéticos. Almeida
(2004) afirma que os métodos sintéticos “seguem a marcha que
vai das partes para o todo, ou seja, primeiro a criança internaliza
as unidades menores (fonemas), para depois gradativamente
chegar às unidades maiores”. Já o método analítico conforme
Mortatti (2015, p. 7):

Baseava-se em princípios didáticos derivados de uma nova


concepção — de caráter biopsicofisiológico — da criança, cuja
forma de apreensão do mundo era entendida como sincrética. A
despeito das disputas sobre as diferentes formas de processuação
do método analítico, o ponto em comum entre seus defensores
consistia na necessidade de se adaptar o ensino da leitura a essa
nova concepção de criança.

Os métodos de alfabetização que são contraditórios aos


métodos tradicionais passaram por inúmeras barreiras e, ao
longo dos anos, o professor, ao se tornar professor alfabetizador
encontrou dificuldades ao definir ou escolher seu método. A
formação, a capacitação do professor são os fatores essenciais nesse
processo, pois é quando o educador se apropria do conhecimento,
tem subsídios para, então, definir e desenvolver sua ação em sala
de aula.
As professoras participantes foram questionadas em relação
às dificuldades enfrentadas para alfabetizar, o que chamou atenção
é que ficou evidente a falta de apoio e comprometimento das
famílias, a P1 respondeu que “acredito que seja a falta de apoio
das famílias, que não se envolvem no processo e não constroem
autonomia e limites com seus filhos”. A P2 respondeu que:

Muitas vezes as dificuldades de aprendizagem são de origem


intelectual, emocional. Cabe ao professor ter um olhar observador

55
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

para detectar quando um aluno não aprende, recorrendo a família


ou a outro profissional específico para auxílio e diagnóstico.

A professora A afirmou que “nos tempos de hoje é o fator


familiar que estão todos invertidos. O desinteresse, a falta de
vontade e somente direitos, esqueceram os deveres”. Fica claro,
a partir das respostas das professoras, que os desafios da prática
docente são diversos, o contexto de cada escola também é um
fator marcante. Vasconcellos (1995, p. 22 apud CREPALDI 2017)
diz que:

Percebemos muitas famílias desestruturadas, desorientadas, com


hierarquia de valores invertida em relação à escola, transferindo
responsabilidades suas para a escola [...], a família não está
cumprindo sua tarefa de fazer a iniciação civilizatória: estabelecer
limites, desenvolver hábitos básicos.

A educação é um grande desafio e a interação com a família


no ambiente escolar é extremamente fundamental para o sucesso
no desenvolvimento da criança, Chalita (2001, p.21) afirma que
“a preparação para a vida, a formação da pessoa, a construção
do ser são responsabilidades da família”. Nesse sentido a família
é a instituição mais valiosa que temos. Percebe-se nesta fala o
quanto a presença familiar no âmbito escolar se faz importante
ou, até mesmo, indispensável.
A partir dessas afirmações, sabe-se que a criança precisa estar
num ambiente harmônico, e que possibilite a ela experimentar,
vivenciar e desvendar novos conhecimentos. A família e a escola
são um alicerce, necessitam trabalharem juntos, um sustenta o
outro. A alfabetização e o letramento são exemplos para isso,
no qual o letramento representa segundo Vygotsky (1984 apud
TFOUNI 2004, p. 21):

O letramento representa o coroamento de um processo histórico


de transformação e diferenciação no uso de instrumentos
mediadores. Representa também a causa de elaboração de

56
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

formas mais sofisticadas do comportamento humano que são


os chamados “processos mentais superiores”, tais como raciocínio
abstrato, memória ativa, resolução de problemas etc.

Com isso torna-se necessário possibilitar à criança meioa


para que ela explore sua mente imaginária, com ambientes que
estimule seus sentidos, pois é com sua imaginação que criará
condições para aprendizagens significativas.
Outro fator abordado e indispensável no estudo é em relação
a como o professor visualiza o avanço das crianças em sala de aula
a partir de seu método. A P2 diz que “o crescimento é observado
diariamente, através de brincadeiras, desafios de perguntas etc.”. E
a P1 acredita que “o avanço é diário, é motivador ver o encanto das
crianças, e os alunos com dificuldade é maior ainda o crescimento,
pois superam na escrita, na leitura ...”. Já a professora B afirma que:

No início de utilização do método, os alunos ficam apreensivos e


atentos aos conhecimentos ensinados. Com o passar do tempo
os alunos já conhecem, reconhecem e leem de forma autônoma
e independente, percebendo e assimilando os valores sonoros
de outras sílabas ainda não fixadas, inclusive com dificuldades
ortográficas.

Com essa fala é necessário que o professor compreenda que


cada aluno irá apresentar um ritmo distinto, Ferreiro (2009) afirma
que a criança possui um momento certo para aprender, e que nem
todas possuem o mesmo ritmo, levando-nos a compreender que
cada criança possui seu tempo de aprendizagem, dependendo de
seu grau de maturidade.
A alfabetização é um processo contínuo e mesmo antes de
acontecer o letramento já atua em conjunto, mas cabe ao professor
proporcionar estímulos para as crianças, o educador deve conhecer
e apropriar-se de seu papel de mediador do conhecimento. Os
professores alfabetizadores devem, segundo Leal (2005, p. 90),
conhecer alguns saberes como:

57
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

[...] para exercermos nossas funções de professores (as) -


alfabetizadores (as), é preciso que tenhamos muitos tipos de
saber [...]. (1) o que é alfabetização, articulando tal conceito ao
de letramento [...]. (2) o que é esse objeto de ensino, a escrita
alfabética, além de compreendermos o que é texto, gênero
textual [...]. (3) quais são as hipóteses que os alunos elaboram
e, consequentemente, o que sabem e não sabem ainda sobre a
escrita alfabética [...]. (4) os percursos que fazem na apropriação
desse sistema e as estratégias de aprendizagem que utilizam
[...]. (5) os tipos de intervenção didática que são utilizados para
ajudá-los a percorrer esses caminhos [...].

Com essa afirmação, a ação do professor está relacionada


ao conhecimento que ele próprio possui sobre sua prática e de
como ele possibilitará estímulos necessários para que as crianças
possam criar novos conceitos e, assim construir hipóteses que
irão contribuir no processo de alfabetização e descoberta pelo
mundo da escrita.
Sendo assim, o professor deve assumir “o papel de mediador
e motivador da aprendizagem, sempre atento às possibilidades
e limitações no processo de apropriação do conhecimento pela
criança” Antunes, (1999 apud BRASIL, 2012, p. 22). E, com isso,
torna-se indispensável o planejamento com atividades que
estimulem os alunos, e que o professor busque por uma diversidade
de atividades pois segundo o Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa (2012, p. 31):

É importante perceber que, na construção de práticas de


alfabetização, para levar os alunos a pensar sobre o Sistema de
Escrita Alfabética e a compreender os princípios que o constituem,
é necessário diversificar as atividades, escolhendo propostas
que exijam diferentes demandas cognitivas e que mobilizem
diferentes conhecimentos.

Nessa perspectiva o professor torna-se o responsável por


mediar essas relações, e por desenvolver um método que contribua
nesse processo de alfabetização e letramento, é o educador que

58
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

possibilita ao aluno momentos em que ele possa explorar sua


bagagem e assim fazer com que a partir disso o aluno possa construir
e reconstruir seus conceitos sobre o mundo da escrita. E, assim,
a educação deve propor a formação de indivíduos que tenham
autonomia, que tenham capacidade de construir conhecimento,
interagir com o meio através de ideias próprias, sendo capaz de
criar e inovar, a partir de uma visão única que tem do mundo.

Considerações finais

Essa pesquisa teve sua importância marcada no conhecimento


sobre o processo de alfabetização, sobre a prática dos professores
alfabetizadores e também como é o método do educador. Ao
analisar as questões sobre alfabetização foi possível (re) construir
conhecimentos e que alfabetização e letramento vão além de
ensinar a criança somente a ler e a escrever. Sendo que, todo esse
processo depende do papel que o professor irá assumir, pois ele
é responsável pela mediação do conhecimento e, a partir disso,
constrói possibilidades para que os alunos possam explorar suas
capacidades e criar hipóteses que irão contribuir no seu processo
de alfabetização.
A partir das realidades pesquisadas, constata-se que ambas
escolas desenvolvem os mesmos métodos, concretizando que
apesar de serem escolas de diferentes contextos o método não é
singular. A escola privada desenvolve o mesmo método que a escola
pública, não havendo uma diferença relevante na escolha da forma
de alfabetizar, mas o que diferencia esse processo, é a forma como
o professor desenvolve sua prática em sala de aula.
Sendo assim, é de suma importância que o professor busque
por formação continuada e que não se acomode por anos de prática.
A sociedade atualmente necessita de professores com autonomia e
que visem uma formação crítica, de qualidade e de responsabilidade,
pois os alunos que hoje estão com esses professores amanhã serão
o futuro e o reflexo dessa construção de conhecimento.

59
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

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61
Daniel Arruda Coronel, Brasil
Professor Associado do Departamento de Economia e Relações Internacionais;
Docente Permanente nos Programas de Pós-Graduação (Stricto Sensu) em Gestão
de Organizações Públicas, de Agronegócios e de Economia e Desenvolvimento
(UFSM). Doutor em Economia Aplicada (UFV). Mestre em Agronegócios (UFRGS).
Especialista em Estatística e Modelagem Quantitativa pela UFSM. Bacharel em
Administração (Unisinos) e em Ciências Econômicas pela UFSM.
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

A CONCEPÇÃO FREIREANA DE EDUCAÇÃO

Daniel Arruda Coronel

Resumo: A globalização, na sua fase atual, nada mais é do que


um processo de aceleração capitalista nunca visto anteriormente.
Juntamente com as mudanças oriundas deste processo, tem-se o
avanço do neoliberalismo, o qual apregoa um Estado mínimo. Neste
contexto, o processo educacional passa também por profundas
e significativas mudanças que terão efeitos não apenas no curto
prazo. Sob a ótica do neoliberalismo, o Estado tem um novo
redimensionamento, assumindo outras formas e modelos de
gerenciamento, que passaram a ir ao encontro de exigências não só
do mercado, mas expressas pela ordem emergente, contribuindo,
assim, para a deterioração do processo educacional. Neste sentido,
tornam-se pertinentes as ideias de Paulo Freire, que não vê a
educação como uma forma mecanicista e tecnicista, mas como
uma forma de mudança social, econômica, política e cultural.
Portanto, por ser um estímulo pela busca de igualdade de direitos
políticos, sociais e educacionais, serve como um contraponto às
políticas neoliberais.

Palavras-chave: Educação. Globalização. Neoliberalismo

Introdução

Na atualidade, está ocorrendo uma profunda revolução que


atinge com inusitada velocidade o dia a dia das pessoas e as formas
de existência dos Estados, ou seja, uma rearticulação das relações
de poder, da divisão internacional do trabalho e da riqueza, das
regulações que determinam o grosso do relacionamento entre países,
regiões ou blocos de países. As estruturas da época da Guerra Fria
desapareceram e foram substituídas por um novo ordenamento,
em nível mundial e interno de cada país. Novas regras mais abertas,

63
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

de circulação de mercadorias e serviços, sob a coordenação de uma


nova entidade – a Organização Mundial do Comércio (OMC) – com
mais poder, novas formas de propriedade intelectual, redução
do poder dos Estados nacionais na definição de suas políticas e a
própria flexibilização de fronteiras nacionais como fator de poder
e de soberania destes mesmos Estados.
Entretanto, os reflexos negativos da globalização resultam das
características próprias do sistema. É próprio do capital preocupar-se
predominantemente com a maximização do lucro. Em uma etapa
de domínio mundial do capital, com crescente liberdade de ação até
o limite de suas possibilidades, o resultado negativo mais perverso,
mesmo sem intenções malignas, é, de um lado, a concentração de
riqueza e o fortalecimento de uma elite beneficiária do novo padrão
de desenvolvimento e, de outro lado, o agravamento dos custos
sociais, com o aumento do desemprego, da pobreza e da miséria.
As políticas aplicadas pelas agências e organismos internacionais
centraram-se nas chamadas “reformas estruturais”. As reformas
neoliberais apregoam desregulamentação dos mercados, abertura
comercial e financeira e redução do tamanho e do papel do Estado.
Neste contexto, o processo educacional também vem passando
por mudanças e transformações. A educação atual está envolvida em
crise e em crescimento, atravessa novos desafios, novos paradigmas
e novas tarefas que requerem uma maior criticidade acerca de suas
estruturas.
Neste sentido, as ideias humanizadoras de Paulo Freire surgem
como uma alternativa à educação clientelista, mecanicista e populista,
pois propõem a educação como um processo de mudança, por meio
de um método ativo, dialogal e participativo.

A atualidade do Pensamento de Paulo Freire

O pensamento político-social e educacional de Paulo Reglus


Neves Freire, de agora em diante Paulo Freire, pode ser visto como

64
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

um contraponto às políticas neoliberais, às políticas mecanicistas e


às políticas tecnicistas de educação. Tais políticas não têm interesse
em formar seres pensantes, seres críticos, capazes de interagirem
entre si para buscar soluções para o enfrentamento dos graves
problemas existentes.
Para Paulo Freire, o processo educacional deve ser
transformador, ou seja, fazer que os indivíduos interajam com os
aspectos sociais, econômicos e políticos que os rodeiam.
Dessa maneira:

As transformações profundas resultariam de uma verdadeira


democratização da sociedade brasileira. Faz-se necessário que
o homem se colocasse numa postura conscientemente crítica
diante de seus problemas, tornando-se, assim, agente de sua
recuperação (BOUFLEUER, 1990, p. 26).

Por suas atitudes críticas e transformadoras, Paulo Freire


ficaria 15 anos exilado, uma vez que ele era muito “subversivo” aos
olhos do regime ditatorial instaurado no país, a partir de março de
1964. Ele foi para o Chile, onde, até 1969, assessorou o governo
democrata-cristão de Eduardo Frei em programas de educação
popular, conforme Gadotti (2005).
Contudo, não foi o exílio e o cerceamento de sua liberdade
que impediram seu trabalho e suas reflexões críticas, pelo contrário,
sua produção no período do exílio foi muito fecunda.
Ao retornar ao Brasil, em 1980, beneficiado pela anistia
política, seu trabalho como educador tomou novo alento,
principalmente no período de 1989 e 1991, quando foi Secretário
de Educação do Município de São Paulo, na administração Luiza
Erundina.
De acordo com Gadotti (2005), Freire é considerado um dos
maiores educadores deste século e vem marcando o pensamento
pedagógico. Destaca-se a sua contribuição à teoria dialética do
conhecimento, segundo a qual a melhor maneira de refletir é pensar
a prática e retornar a ela para transformá-la. Pensar o concreto,

65
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

a realidade e não pensar o pensamento. Também a categoria


pedagógica da conscientização, criada por ele, visa, através da
educação, à formação da autonomia intelectual do cidadão para
intervir sobre a realidade. Por isso, para ele, a educação não é
neutra, ou seja, é sempre um ato político.
Freire, ao longo de sua vida, mostrou-se crítico em relação
à educação que não transforma, que não busca interagir com os
problemas da sociedade, ou seja, a chamada educação bancária,
na qual o professor só deposita conhecimento e o aluno arquiva-os.

Não é de estranhar, pois, que nesta visão “bancária” da educação


os homens sejam vistos como seres de adaptação, do ajustamento
quando mais se exercitam os educandos no arquivamento dos
depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em
si a consciência crítica que resultaria a sua inserção no mundo
como transformadores dele! Como sujeitos (FREIRE, 1987, p.60).

Outro aspecto que Freire discutirá, incansavelmente, em


seu trabalho como educador, é a relação professor-aluno, que
sempre foi vista como uma relação entre opressor e oprimido,
ou seja, o professor é aquele que não precisa aprender nada e o
aluno, aquele que não acrescenta nada ao professor, não estando
ali como ator principal do processo educacional, mas sim, como
um mero ator coadjuvante. Para Freire, a relação entre professor e
aluno deve ser agregadora, em que ambos estão aprendendo em
conjunto, buscando soluções para os problemas do cotidiano, na
qual o professor respeita as limitações e condições do aluno, e o
professor contribui para o aluno não se desvincular de sua realidade.

Não é possível respeito ao educando à sua dignidade, a seu ser


formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em
consideração às condições em que eles vêm existindo, se não
se reconhece à importância dos “conhecimentos de experiência
feitas” com que chegam à escola. O respeito devido à dignidade
do educando não me permite subestimar, pior ainda, zombar
do saber que ele traz consigo para a escola (FREIRE, 2002, p.71).

66
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Para Freire (1979), não é possível fazer uma reflexão sobre o


que é a educação sem refletir sobre o próprio homem. Precisa-se,
então, fazer um estudo filosófico-antropológico. Neste sentido,
é necessário pensar sobre si mesmo e tratar de encontrar na
natureza do homem algo que possa constituir o núcleo fundamental
onde se sustente o processo de educação, sendo esse núcleo o
inacabamento ou a inconclusão do homem. O homem deve ser
o sujeito de sua própria educação. Não pode ser objeto dela. Por
isso, ninguém educa ninguém. A sua busca é permanente.
Paulo Freire contribuiu em muito para o processo educacional
brasileiro, e suas ideias se resumem em quatro pontos apresentados
por Caldart e Kolling (2001, p.11):

1º - uma profunda crença na pessoa humana e na sua capacidade


de educar-se como sujeito da história;
2º numa postura política firme e coerente com as causas da
pessoa oprimida, temperada com a capacidade de sonhar e de ter
esperanças, com a ousadia de fazer e lutar pelo que se acredita.
E junto com isto, a humildade de que nenhuma obra grandiosa
se faz sozinho, e que é preciso continuar aprendendo sempre;
3º - um jeito do povo se educar para transformar a realidade.
Uma pedagogia que valoriza o saber do povo, ao mesmo tempo
que o desafia a saber sempre mais;
4º - uma preocupação especial com a superação do analfabetismo
e com uma pedagogia que alfabetize o povo para ler o mundo
(2001, p. 11).

Sendo assim, neste início do século XXI, os desafios são


enormes e complexos na sociedade e cada vez mais se torna
necessário uma reforma estrutural da instituição escolar como
um todo e, principalmente, uma reforma no pensamento, ou seja,
necessita-se da formação de cidadãos que possam ser capazes de
enfrentar os problemas do seu tempo.

67
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Considerações Finais

Pode-se dizer que é bastante complexo analisar as


transformações ocorridas na educação nos últimos anos, ou
seja, sua inserção no processo de globalização e na ótica do
neoliberalismo.
Neste contexto, são pertinentes as ideias de Paulo Freire, que
não vê a educação como uma forma mecanicista, tecnicista, mas
como uma ferramenta de mudança social, política e cultural, e,
por ser um fomento pela busca de igualdade de direitos políticos,
sociais e educacionais, seu pensamento deve estar cada vez mais
presente nas políticas e práxis pedagógicas.
As ideias de Paulo Freire continuam sendo uma alternativa
viável para a construção de um processo educacional participativo,
criativo e transformador. Suas ideias permitem reanimar o debate
em torno dos problemas educacionais brasileiros para que se
busquem soluções.
Portanto, todos são responsáveis perante a sociedade,
principalmente o profissional da educação que nunca deverá esquecer
o compromisso de colaborar com o processo de transformação, pois
a educação é um processo permanente e contínuo.

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GADOTTI, M. História das Ideias Pedagógicas. São Paulo: Editora Ática, 2005.

68
Valmôr Scott Júnior, Brasil

Doutor em Educação - UFSM; Professor adjunto na


faculdade de Direito - UFPel; Pesquisador e Orientador
no Mestrado em Direito - PPGD/UFPel, na linha de
pesquisa: Direito e vulnerabilidade; Pesquisador em
temáticas que relacionam Direito, Educação e minorias
sociais; autor dos livros: Acessibilidade na educaço
superior e, Afetividade na formação docente: entre o
Direito e a Educação.

Lucas Visentini, Brasil


Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGE) da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). Mestre em Educação
(PPGE/UFSM). Especialista em Ensino de Filosofia pela
Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Licenciado
em Pedagogia (UFSM). Bacharel em Ciências Contábeis
(UFSM). Pesquisador integrante do GPKOSMOS
(Grupo de Pesquisa sobre Educação Digital e Redes
de formação) e do KITANDA (Educação e Intercultura),
ambos da UFSM. Professor, escritor e pesquisador.
Contato: visentinilucas@gmail.com
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

EDUCAÇÃO, DIREITO E CONSTRUÇÃO DO


CONHECIMENTO: TESSITURA ENTRE ASPECTOS
INTERDISCIPLINARES E INTERCULTURAIS

Valmôr Scott Junior


Lucas Visentini

Primeiras palavras: espelhos conceituais

A Educação e o Direito são áreas do conhecimento que


objetivam compreender um contexto social em determinado
momento histórico, pois oferecem representações sobre aspectos
da sociedade. Em ambos os casos, tanto a Educação quanto o
Direito, metaforicamente, são como espelhos utilizados pela
sociedade para refletir a conjuntura em que são constituídos.
Nesse sentido, eis que:

Há duas diferenças fundamentais entre o uso de espelhos pelos


indivíduos e o uso de espelhos pela sociedade. A primeira
diferença é, obviamente, que os espelhos da sociedade não são
físicos, de vidro. São conjuntos de instituições, normatividades,
ideologias que estabelecem correspondências e hierarquias
entre campos infinitamente vastos de práticas sociais. São
essas correspondências e hierarquias que permitem reiterar
identificações até o ponto de estas se transformarem em
identidades. […] A segunda diferença é que os espelhos sociais
têm vida própria e as contingências dessa vida podem alterar
profundamente a sua funcionalidade enquanto espelhos (SANTOS,
2009, p. 47-48).

Espelhos sociais são aparatos para a regulação social, os


quais não são estáticos, mas passíveis de mudança em virtude
das práticas oriundas da sociedade. Nesse processo, os espelhos
estabelecem equivalências e diferenças entre si, a ponto de se
reinventarem, mudarem suas funcionalidades e apresentarem

71
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

outra imagem para a sociedade. Sendo assim, a vida social está


em constante transformação. Mesmo que o passado e o presente
sejam espaços de tempo da mesma sociedade, as configurações
sociais, em qualquer momento histórico, não se repetem.
A Educação e o Direito, como áreas do conhecimento que se
ocupam da leitura e interpretação dos fenômenos sociais, estão
inseridos nesse processo de mudança contínua. Diante disso,
surge a preocupação sobre o futuro, quais reflexos os espelhos
educacionais e jurídicos mostrarão e, ainda, se há como enunciar
respostas. Assim, para trilhar caminhos inovadores, é conveniente
olhar para além dos limites de cada área do conhecimento e
refletir sobre possíveis diálogos que superem a disciplinarização
estipulada pela produção epistêmica moderna. A ciência moderna,
ao impor a ordem, cria a desordem, o caos. Ao doutrinar por esse
primado, acaba por enxotar outras percepções que precisam ser
consideradas:

A mudança de hábitos, valores, representações, conceitos, pré-


conceitos e atitudes estão, muito fortemente, relacionados a
questões que não se limitam apenas ao campo da razão, do
raciocínio, do intelecto. Enfim, da produção do conhecimento
científico. Nossas representações de mundo, bem como seus
desdobramentos em ações cotidianas são, em última instância,
um processo de construção complexa que envolve as dimensões
humanas na sua totalidade e complexidade (BARCELOS, 2005,
p. 50).

A razão produz determinismos que não suportam valores e


representações, que escapam ao aprisionamento da cientificidade
moderna, mas dialogam com as concepções de mundo presentes
no universo complexo que afeta o cotidiano das pessoas em suas
múltiplas interfaces. Ao estabelecer fronteiras vigiadas entre as
disciplinas e ao regulá-las, o conhecimento foi fracionado de forma
a reprimir e evitar a comunicação entre as áreas do conhecimento.
Exemplo disso são as diferentes disciplinas ministradas nas escolas
(português, matemática, história…) e nas universidades, as

72
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

quais fragmentam o saber, compartimentando-o, segregando-o,


dicotomizando-o. Como consequência, há a interdição para a
plena construção do conhecimento, para a interação, o diálogo,
a reflexão. Nessa perspectiva,

Todos os governantes e cientistas protegem zelosamente


seus territórios de caça e, assim, o seu direito de estabelecer
propósitos. Por serem os territórios de caça reduzidos ao
tamanho dos seus poderes coercitivos e ou intelectuais, com os
propósitos estabelecidos na medida dos territórios suas batalhas
são vitoriosas. Os propósitos são alcançados, o caos é enxotado
e a ordem é estabelecida no território (BAUMAN, 1999, p. 20).

Nesse sentido, conforme o contexto epistemológico


apresentado, o motivo que corrobora para a configuração desse
cenário reside na ordenação do conhecimento em disciplinas,
por meio da adoção da razão moderna sobre a compreensão
do conhecimento, inclusive, com a carência de diálogo com
outras ciências. Essa razão linear que disciplina o conhecimento
não permite trocas produtivas e desconsidera o processo de
modificação dos contextos, ao restringir o alcance do resultado
sobre os aspectos investigados. Questionamo-nos, pois: haveria
espaço para a interdisciplinaridade e a interculturalidade?

Interdisciplinaridade e interculturalidade: tessitura razão-


emoção

Ao ponderarmos sobre a razão, não poderíamos deixar


de refletir sobre as emoções, em relação ao contexto da
interdisciplinaridade e interculturalidade. Segundo Visentini (2014),
a ciência moderna renegou as emoções a um segundo plano
na construção de conhecimentos, na realização de reflexões,
na compreensão do ser humano e de suas relações objetivas,
subjetivas e intersubjetivas, ao exaltar a razão, a lógica, como talvez

73
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

a única alternativa epistemológica para compreender uma suposta


realidade que seria transcendente aos sujeitos cognoscentes.
Como exemplo de paradigma epistêmico-teórico-metodológico
interdisciplinar e intercultural, apresentamos a Biologia do Conhecer
(BC) e a Biologia do Amar (BA) – proposto pelo biólogo-cultural
chileno Humberto Maturana et al. – o qual demonstra a importância
das emoções (sem haver a dicotomização com a razão) para o
entendimento das coerências sensoriais-operacionais-relacionais
dos seres humanos (Homo sapiens-amans amans), ao destacarmos
a emoção amar, fundamento primeiro de nossa espécie humana.
De acordo com Maturana (1998, p. 15), “todos os conceitos e
afirmações sobre os quais não temos refletido, e que aceitamos
como se significassem algo simplesmente porque parece que todo
o mundo os entende, são antolhos. Dizer que a razão caracteriza
o mundo é um antolho, porque nos deixa cegos frente à emoção,
que fica desvalorizada como algo animal ou como algo que nega
o emocional”. Outrossim, eis que, para Maturana; Dávila (2015), a
emoção que possibilitou o surgimento e a conservação da coerência
íntima do viver juntos no desejo, no prazer, na confiança mútua que
constituiu a família humana ancestral deve ter sido o amar, já que
este é o único âmbito relacional no qual o cuidado mútuo, a ternura
e a confiança ocorrem como modos permanentes de coexistência.
Segundo Maturana e Dávila (2015, p. 437), “el amar es el
ámbito de las conductas relacionales sin expectativas, sin supuestos,
sin exigencias a través de las cuales uno mismo, el otro, la otra
o lo otro surge como legítimo otro en convivencia con uno; y es
la mirada del amar lo que funda el acto reflexivo que lleva a ver
la propia circunstancia y a abrir el ámbito de la compresión y el
entendimiento”. Eis que o amar, fundado da aceitação do outro como
um legítimo outro na convivência, constitui nossa espécie como Homo
sapiens-amans amans, o que, de fato, constrói o espaço relacional
ou âmbito relacional do amar onde acontece a transformação
sensorial-operacional-relacional que origina e constitui nossa
linhagem humana como uma história de deriva biológico-cultural

74
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

de primatas bípedes linguajantes que vivem e convivem em redes


recursivas de conversações reflexivas (MATURANA; DÁVILA, 2015).

De fato, nós sabemos, pela nossa vida cotidiana, que ao nos


movermos de uma emoção para outra mudamos nosso domínio
de ações, e isto vemos como uma mudança de emoção. Em
outras palavras, é a emoção sob a qual agimos num instante,
num domínio operacional, que define o que fazemos naquele
momento como uma ação de um tipo particular naquele domínio
operacional. Por este motivo, se queremos compreender qualquer
atividade humana, devemos atentar para a emoção que define
o domínio de ações no qual aquela atividade acontece e, no
processo, aprender a ver quais ações são desejadas naquela
emoção (MATURANA, 2014, p. 138).

Desse modo, a importância das emoções no fluir de nosso


viver-conviver é evidenciada, sem haver a limitada compreensão
de que emoção e razão são constituintes de dinâmicas sensoriais-
operacionais-relacionais dicotômicas e antagônicas. Ainda em
relação às emoções, mais especificamente à emoção amar,
Maturana e Dávila (2015), destacam que o amar consiste em fazer
aparecer a espontaneidade de tudo na espontaneidade do prazer
biológico do desfrute da companhia do outro ou da presença do
outro em viver e conviver sem preconceitos, sem expectativas e
sem certezas; bem-estar no prazer da proximidade corporal de
viver juntos, que surgiu na espontaneidade da deriva evolutiva dos
seres vivos, vivendo no convívio desde a origem da reprodução
sexuada. Ainda em relação à afetividade:

Ao corresponder a sentidos não padronizados, a ação humana


não pode ser mensurada objetivamente, sob o risco de uma
abordagem superficial e insuficiente. Diante disto, a afetividade
exige uma abordagem dinâmica, pois está diretamente relacionada
à subjetividade do sujeito. Em outras palavras, o estudo do afeto,
tanto em âmbito jurídico quanto educacional escapa à razão
moderna e urge de uma racionalidade em ação (SCOTT Jr., 2017,
p. 39).

75
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Ao refletirmos sobre uma “racionalidade em ação”, segundo


Regner (2006, p. 294-295), “a racionalidade só poderá ser revelada
enquanto a razão mostra-se a si mesma e, portanto, enquanto
‘racionalidade em ação’. Toda a ‘racionalidade’, mesmo em sua
acepção tradicional de propriedade da ‘razão’ produzidas pelo
exercício daquela faculdade, é sempre ‘racionalidade em ação’”.
Desse modo, de acordo com a autora, investir em uma nova análise
do conceito de “racionalidade científica” ao invés de relegar ao
“irracional” o que não se enquadre nos padrões tradicionais de
análise, segue uma condição intrínseca ao dinamismo da razão e
da racionalidade. Portanto, o espaço das novas análises fica sempre
aberto, uma vez que a “racionalidade”, por força de sua própria
prerrogativa, é sempre “em ação” (REGNER, 2006).
Ao apresentarmos discussões de cunho epistêmico-teórico-
metodológico, relacionadas à construção do conhecimento,
destacamos a importância não somente da razão, mas também da
emoção para a superação de paradigmas que fragmentam o saber,
compartimentando-o, segregando-o, dicotomizando-o. É preciso
refletirmos sobre diferentes possibilidades em relação ao saber,
perspectivas que oportunizem a interação, o diálogo, a reflexão, ao
considerarmos a necessária tessitura entre a interdisciplinaridade e
interculturalidade. Por fim, nesse sentido, evidenciamos novamente
a BC e a BA como uma possibilidade para a consecução da trama
epistemolológica proposta, ao relacioná-las à Educação, aos
processos de ensino-aprendizagem, em síntese, aos movimentos
autotransformativos (autopoiese) dos seres humanos e às suas
relações intersubjetivas. Eis que:

A BC e a BA, nas práticas educacionais, de um modo geral, permite


um novo modo de refletir sobre a atuação nos mais diferentes
lugares, inclusive em sala de aula. A BC e a BA não se configuram
como uma teoria, mas como reflexões sobre a ação em quaisquer
espaços de convivência. Os mediadores pedagógicos – professores
de diversos níveis e modalidades educacionais, assim como demais

76
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

educadores –, em sala de aula, estão imersos em um viver e fazer


que permite reflexões sobre a sua práxis em relação aos processos
de ensino-aprendizagem. Refletir em busca de novas alternativas
exige um olhar atento para outras epistemologias de reflexão,
como a BC e a BA, em virtude de que possibilita mudar o viver, o
conviver e o fazer, ao considerarmos as relações intersubjetivas
com os estudantes (VISENTINI; SCOTT Jr., 2020, p. 39-40).

Direito e Educação: conhecimento, ciência, interdisciplinaridade


e interculturalidade

As implicações das emoções para o Direito, para a Educação


e para as ciências – interdisciplinaridade e interculturalidade – de
um modo geral são diversas e profícuas: rupturas epistemológicas,
quebra das barreiras disciplinares que contornam o conhecimento,
limitando-o, recortando-o dos contextos de que faz parte.

Sendo um conhecimento disciplinar, tende a ser um conhecimento


disciplinado, isto é, segrega uma organização do saber orientada
para policiar as fronteiras entre as disciplinas e reprimir os
que as quiserem transpor. É hoje reconhecido que a excessiva
parcelarização e disciplinarização do saber científico faz do
cientista um ignorante especializado e que isto acarreta efeitos
negativos (SANTOS, 2009b, p. 74).

Em decorrência disso, o cenário científico problematiza a


disciplinarização. Conforme Santos (2009b, p. 74-75), “o Direito,
que reduziu a complexidade da vida jurídica à secura da dogmática,
redescobre o mundo filosófico e sociológico em busca da prudência
perdida; a economia, que legitimara o reducionismo quantitativo
e tecnocrático com o pretendido êxito das previsões econômicas,
é forçada a reconhecer, perante a pobreza dos resultados, que
a qualidade humana e sociológica dos agentes e processos
econômicos entra pela janela depois de ter sido expulsa pela
porta. O conhecimento jurídico e o conhecimento educacional

77
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

constatam que, ao considerar apenas aspectos específicos de uma


área do conhecimento, emergem lacunas sobre possíveis soluções
aos questionamentos que são chamadas a responder. Assim como
em outras áreas, passa a movimentar-se em busca de respostas,
escapa da razão da modernidade, reconhece seus limites e abre
suas fronteiras ao diálogo com outras áreas do conhecimento.
O conhecimento a ser construído em busca da complexidade
negada exige um movimento do observador sobre suas próprias
concepções, em geral, com raízes no olhar que a ciência produz
e reproduz. É indispensável ir além, considerar os processos
humanos em sua dinâmica de movimentos de (re)construção
e (re)criação. O movimento entre as áreas do conhecimento
estabelece outras possibilidades de direção, pois, ao invés de
prezar por suas características e preservá-las pelo distanciamento,
se propõem a aproximações, diálogos, interfaces para a construção
do conhecimento de modo dinâmico em relação à temática de
estudo.
Nesse sentido, segundo Santos (2009b, p. 56), “os fatos
observados têm vindo a escapar ao regime de isolamento prisional
a que a ciência os sujeita. Os objetos têm fronteiras cada vez
menos definidas; são constituídos por anéis que se entrecruzam
em teias complexas com os dos restantes objetos, a tal ponto
que os objetos em si são menos reais que as relações entre eles”.
Ao serem estabelecidos canais de comunicação entre as áreas
do conhecimento – por exemplo, o Direito ao dialogar com a
Educação – constrói-se compreensões abrangentes que permitem
o entendimento sobre a necessidade do diálogo:

A área do Direito, ao penetrar no campo educacional, muitas vezes,


foi absorvida apenas como técnica jurídica, sem ser considerada
como uma concepção de sociedade. Está ainda presente, muitas
vezes, na área educacional, a percepção da razão jurídica como
formalismo. Por isso é relevante não só mostrar a importância
da formalização como decorrência de uma prática histórica,
como também evidenciar uma concepção de sociedade, no

78
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

interior de práticas jurídicas, que tem a ver com a própria prática


educacional. Num momento em que as ciências humanas se
renovam pela busca da construção de campos interdisciplinares,
direito e educação podem travar um fecundo diálogo em vista de
uma democratização educacional (FAVERO, 2005, p. 30).

Tanto a Educação quanto o Direito, respeitadas suas


particularidades, possuem semelhanças ao refletirem, assim
como espelhos, a imagem da sociedade. Da mesma forma que
os acontecimentos sociais estão, em menor ou maior instância,
interligados, práticas jurídicas e educacionais exercem trocas
produtivas em espaços sociais, inclusive, no contexto acadêmico. O
diálogo interdisciplinar e intercultural entre a Educação e o Direito
apresenta-se como uma alternativa ao olhar do pesquisador.
Contudo, preliminarmente, convém desenvolver o conceito de
interculturalidade. Conforme Fleuri (2003, p. 17),

[…] o adjetivo “intercultural” tem sido utilizado para indicar


realidades e perspectivas incongruentes entre si: há quem o reduz
ao significado de relação entre grupos “folclóricos”; há quem
amplia o conceito de interculturalidade de modo a compreender o
“diferente” que caracteriza a singularidade e a irrepetibilidade de
cada sujeito humano; há ainda quem considera interculturalidade
como sinônimo de “mestiçagem”.

Para além da discussão sobre diferenças étnicas e culturais,


esse adjetivo também tem relação com a reflexão dialógica entre
culturas diferentes, identidades diversas, inclusive entre áreas do
conhecimento distintas para, por meio de situações comunicativas,
apresentar respostas aos mais diversos contextos de estudo. É preciso
explicar o motivo da escolha por uma discussão intercultural ao invés
de uma abordagem interdisciplinar. A interdisciplinaridade remete
a um padrão de fragmentação do conhecimento, demarcações, em
prol da ordem e especialização prezadas pela ciência moderna.
Entretanto, as áreas do conhecimento constituem um conjunto
uno e dinâmico, o qual não suporta o aprisionamento em modelos

79
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

estanques, nem linhas de fronteira, pois se comunicam, interligam


e realizam interfaces em prol de um conhecimento universal.
A partir disso, as áreas do conhecimento necessitam
ser compreendidas como campos dinâmicos de culturas
complementares pertencentes a um todo e não reduzidas a
disciplinas, as quais deixam lacunas em suas abordagens. A discussão
intercultural permite que cada uma das áreas do conhecimento
supere sua “zona de conforto intelectual”, conforme caracteriza
Barcelos (2013), com discussões isoladas e desgastadas, para
buscar novas respostas a problemas relativos aos mais diversos
temas. Outrossim,

Basta de retornos, de retomadas, de releituras e de resgates


que, ao fim e ao cabo, tem se mostrado como variações sobre
o mesmo tema, sem variação alguma. Ou seja: mais uma cópia
disfarçada e acanhada do que já existe. Entendo que muitas destas
tentativas de releituras e de retomadas mais têm servido como
uma busca de refúgio no sentido de manutenção de uma “zona
de conforto intelectual” que uma tentativa real de superação
de nossas fragilidades e de enfrentamento dos grandes desafios
educacionais contemporâneos (BARCELOS, 2013, p. 19).

O diálogo entre áreas do conhecimento, ao destacarmos a


Educação e o Direito, permite novas alternativas e, principalmente,
novas perguntas em busca da superação de espaços vazios e
carências. Outras alternativas devem ser buscadas para que seja
respeitado e incentivado o movimento dinâmico das esferas da vida
social. Perspectivas epistêmico-teórico-metodológicas interculturais
pressupõem o permanente diálogo e reflexão entre áreas do
conhecimento, entre culturas científicas diversas que, apesar de
suas singularidades, possuam – assim como a sociedade –, pontos
de convergência sobre temas de estudo. As referidas perspectivas
precisam ser capazes de enunciar possibilidades a problemas
que a ciência moderna, ao fragmentar o conhecimento, deixou
como promessas não cumpridas. A Educação e o Direito, mesmo
sendo distintas áreas de construção do conhecimento, com temas

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

específicos, possuem como ponto de convergência a relação com


a dinâmica social, a qual exige novas alternativas em busca de
resolução para as mazelas na sociedade. Dessa forma, o princípio
da solidariedade colabora para o diálogo entre os diversos campos
do conhecimento, pois inova ao atender anseios da atualidade no
que se refere a outras possibilidades.
Assim, Santos (1990, p. 30) salienta que “estamos tão
habituados a conceber o conhecimento como um princípio de
ordem sobre as coisas e sobre os outros que é difícil imaginar
uma forma de conhecimento que funcione com o princípio de
solidariedade. No entanto, tal dificuldade é um desafio que deve
ser enfrentado”. A valorização da solidariedade é uma provocação
a ser considerada, pois permite o exercício da capacidade de
reciprocidade em trocas produtivas ao conhecimento. Nesse
sentido, conforme Santos (2009, p. 246), “a solidariedade como
forma de conhecimento é o reconhecimento do outro como igual,
sempre que a diferença lhe acarrete inferioridade, e como diferente,
sempre que a igualdade lhe ponha em risco de identidade”.
A solidariedade, para além da reciprocidade, permite a
compreensão e a relação entre a igualdade e a diferença, assim
como colabora com questões de estudo que solicitam uma discussão
abrangente. Segundo Santos (2009, p. 247), “para identificar o
que falta e por que razão falta, temos de recorrer a uma forma de
conhecimento que não reduza a realidade àquilo que existe. Quero
eu dizer, uma forma de conhecimento que aspire a uma concepção
alargada de realismo, que inclua realidades suprimidas, silenciadas
ou marginalizadas, bem como realidades emergentes ou imaginadas”.
O dogma pela consideração de um único tipo de realidade imposta
impossibilita a compreensão sobre outras realidades existentes e
excluídas. Nessa perspectiva, se faz mister o exercício solidário sobre
os contextos, assim como sobre o conhecimento.
É o que Santos (2009) denomina de Conhecimento Solidário,
o qual alcança outras realidades não observadas, não consideradas
que, mesmo marginalizadas, colaboram para o diálogo entre

81
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

áreas do conhecimento, inclusive Educação e Direito, para que


possam construir, juntas, conhecimentos capazes de apresentar
alternativas não-reducionistas. Ainda, a solidariedade apresenta-se
como uma ação em prol do respeito a direitos e anseios. A prática
da solidariedade e, entre outros fatores, do reconhecimento,
permite a aceitação e a defesa do outro e o exercício de seus
desejos e vontades. Bauman (1999) colabora com a adoção da
solidariedade ao relatá-la como uma orientação que escapa aos
ditames da regulação, ou seja, escapa a questões de ordem. Eis
que, conforme ressalta Bauman (1999, p. 249),

“Ser responsável pelo Outro” e “Ser responsável por si mesmo”


vêm a ser a mesma coisa. Escolher as duas coisas e escolhê-las
como uma, uma só atitude indivisível, não como duas instâncias
correlatas mas separadas, é o significado de reformular a
contingência da sina em destino. Chamem a isso como quiserem:
camaradagem, identificação imaginativa, empatia; só não podem
dizer dessa opção que ela decorre de uma regra ou comando, seja
uma injunção da razão, uma norma empiricamente demonstrada
pelo conhecimento que busca a verdade, uma ordem de Deus
ou um preceito legal.

O princípio da responsabilidade gera o comprometimento


com o futuro mediante garantias no presente que, entre os diversos
fatores elencados, também diz respeito ao conhecimento que
pressupõe o diálogo, pois, segundo Santos (2009, p. 246), “o
momento do saber é a solidariedade, o reconhecimento do Outro
como igual e igualmente produtor do conhecimento”. O Outro
também pode ser considerado como o conhecimento diverso
daquele a que pertencemos e que pode, solidariamente, contribuir
com a produção do conhecimento, mediante elos em temáticas
de estudo. Nesse processo, o pensamento sistêmico surge como
uma ruptura com a concepção moderna de conhecimento, a qual
considera os contextos a partir da simplicidade, estabilidade e
objetividade. Compreender a partir da ideia de sistema consiste em
compreender a partir dos “modos em que acontecem as relações

82
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

ou conexões entre os elementos e as relações entre as relações”


(WILDEN, 1980, p. 204).
Um sistema pressupõe um espaço de relações que se
comunicam com o todo e entre si. Para tanto, observa os fenômenos,
a partir da complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade.
Em relação à complexidade, Pellanda (2009, p. 14) colabora ao
considerar que o termo complexidade deve ser utilizado “[…] no
sentido da não simplificação da realidade, mas pensando em termos
de redes de onde as diferentes dimensões da realidade se tecem
de maneira conjunta e processual. Nesse sentido, assistimos à
passagem da consideração das coisas para os processos e as redes”.
Outrossim, ainda segundo a autora, a cultura da modernidade foi
longe demais na simplificação da realidade. A educação sofreu
o impacto brutal dessa força desagregadora de tal forma que as
práticas educativas não oportunizam a consciência de nos vermos
como membros integrantes e cocriadores do cosmos. Perdemos a
capacidade de relacionar cada ação nossa com o universo como
um todo (PELLANDA, 2009).
Morin (2001, p. 564) complementa ao afirmar que “a
complexidade reconhece a parcela inevitável de desordem e de
eventualidade em todas as coisas, ela reconhece a parcela inevitável
de incerteza no conhecimento. […] A complexidade repousa ao
mesmo tempo sobre o caráter de ‘tecido’ e sobre a incerteza”.
Adotar a complexidade pressupõe o abandono da ideia de ordem,
certeza e domínio sobre as coisas. É um desprendimento sobre
conhecimentos dados como absolutos, para buscar possibilidades
plurais. Nesse contexto, juntamente com a complexidade, a
instabilidade e a intersubjetividade também são consideradas:
conceber a complexidade das relações causais recursivas nas redes
de redes que constituem a natureza em todos os níveis introduz
necessariamente a consciência da incerteza, a imprevisibilidade.
E a consciência da destruição da certeza remete necessariamente
ao pensamento relacional: se não é verdadeiro em si, é verdadeiro
em relação a quê? A quem?

83
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Pensar a instabilidade, a irreversibilidade, a evolução, associadas


aos processos de auto-organização, exige de nós uma ampliação
do foco, um foco mais abrangente que permita incluir o tempo
irreversível. Ou seja, requer um pensamento complexo, integrador,
que afaste a disjunção, a simplificação. […] Por outro lado, a
construção intersubjetiva do conhecimento também introduz
instabilidade: se não há leis definitivas sobre a realidade, se só
temos afirmações consensuais, não temos mais as expectativas
de previsibilidade e controlabilidade. E encontrar diferentes
afirmações nos levará a perguntar pelas condições, pelo contexto
em que foram feitas (VASCONCELLOS, 2002, p. 152).

O pensamento sistêmico abandona a ordem, a certeza, a


estabilidade e a objetividade dos fenômenos para adotar e observar
os contextos, a partir de aspectos relacionais, intersubjetivos
e complexos, os quais são elementos fundamentais para a
compreensão a partir da ideia de sistema. Eis que novas afirmações
são apresentadas e, em decorrência disso, novas perguntas. Em
outras palavras, “a concepção sistêmica vê o mundo em termos
de relações de integração” (PISTÓIA, 2009, p. 69). Desse modo,
supera a fragmentação, em busca de diálogo, mediante interações
por meio dos mais variados canais de comunicação sobre um
mesmo tema de estudo.

Considerações finais: tessitura entre aspectos interdisciplinares


e interculturais

Diante de todas as considerações apresentadas, observamos


que o diálogo interdisciplinar, assim como o diálogo intercultural,
entre áreas do conhecimento – como a Educação e o Direito
– possibilita apresentar novas possibilidades para o estudo
de temáticas que, isoladamente, não alcançariam a mesma
dinamicidade e amplitude, em prol de demandas científicas e sociais
que precisam ser discutidas. Autores tais como Freire, Santos,

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Morin, Maturana, entre outros, compreendem e comprovam a


relevância de abordagens dialógicas, por meio de aspectos como
solidariedade, responsabilidade, complexidade e pensamento
sistêmico.
Conforme evidenciamos na tessitura das discussões
apresentadas, a Educação e o Direito, como campos do saber
que se ocupam da leitura e interpretação dos fenômenos sociais,
estão inseridos na trama dialógica interdisciplinar e intercultural
e, para trilhar caminhos epistêmico-teórico-metodológicos
inovadores, é preciso pensar e agir para além dos limites de cada
área do conhecimento, ao realizarmos reflexões sobre possíveis
diálogos que superem a disciplinarização estipulada pela produção
epistêmica moderna.
Ao discutirmos questões relacionadas à construção do
conhecimento – destacando as áreas da Educação e do Direito –,
ressaltamos a importância não somente da razão, mas também da
emoção para a superação de paradigmas que fragmentam o saber,
considerando também a interdisciplinaridade e a interculturalidade
nessa necessária ruptura paradigmática. Assim, é necessário, mais
do que nunca, refletirmos sobre diferentes possibilidades em relação
à construção do conhecimento, perspectivas que oportunizem a
interação, o diálogo, a reflexão, ao considerarmos a necessária
tessitura entre a interdisciplinaridade e interculturalidade.
Diante disso, é essencial e pertinente que as áreas do
conhecimento observem o contexto de temáticas que não se
restringem ao pensamento fragmentado e disciplinar, pois
são oriundas de contextos dinâmicos que exigem discussões
interdisciplinares e interculturais entre os campos do saber. Nesse
cenário epistêmico-teórico-metodológico, Educação e Direito
contemplam e abordam vários temas interligados de interesse
científico e social.

85
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

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PISTOIA, Lenise Henz Caçula. Gregory Bateson e a educação: possíveis
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REGNER, A. C. Uma nova racionalidade para a ciência? In: SANTOS, Boaventura
de Sousa. (Org.). Conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso
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86
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

SCOTT Jr. Valmôr. Afetividade na formação docente: entre o direito e a educação.


Valmôr Scott Junior/Valdo H. de L. Barcelos. 1ª ed. Curitiba: Editora Prismas, 2017.
VASCONCELLOS, Maria José de. Pensamento sistêmico: O novo paradigma da
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VISENTINI, Lucas. O escudo de Perseu a refletir a imagem de Medusa: o
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(UFSM), Centro de Educação (CE), Programa de Pós-Graduação em Educação,
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VISENTINI, Lucas.; SCOTT Jr., Valmôr. Biologia do Conhecer e Biologia do Amar:
contribuições de Humberto Maturana para a formação de professores. Revista
Querubim (Revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras,
Ciências Humanas e Ciências Sociais – ISSN: 1809-3264). Ano 16. N. 40. Vol.
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WILDEN, Anthony. System and structure. Essays in communications and
Exchange. 2ª Ed. Londres. Travistock Publications, 1980.

87
Miguel José da Silva, Brasil

Miguel é brasileiro, casado, natural de Itaqui, RS. Advogado, auditor


da Receita Federal do Brasil aposentado, cursou Direito na FUNBA,
Faculdades Unidas de Bagé, hoje UNIPAMPA. Na área literária é escritor,
poeta; participou da obra Travessia, da Alto Academia de Teófilo Otoni,
MG em que é membro correspondente; como membro da Casa do Poeta
de Santa Maria (CAPOSM) participou das obras nº 05 e 06 da entidade;
é membro correspondente da Academia Internacional de Letras (ALPAS
21), de Cruz Alta, RS. Foi chefe da Quinta Região Fiscal do INSS, com
sede em Santa Maria, RS. Na esfera artística: formado em acordeom
no Conservatório Rossini de Porto Alegre, com prof. Ângelo Caffy. Na
UFSM estudou canto com a professora Mazias de Oliveira, piano com a
professora Maria Helena Didier. Fez parte do grupo vocal que gravou,
pela primeira vez, o Hino Oficial de Santa Maria.
E-mail: migueljdasilva@gmail.com
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

A VALSA
SURPRESAS AO ACASO

Miguel José da Silva

Cinco horas da manhã acordo. Mais um pouquinho até


seis, sete, deu.
Levanto-me. Faço a higiene de costume ao iniciar do dia.
Primeiras e costumeiras atitudes. Chimarrão, sozinho? Vá lá!
Apanho os jornais da manhã. Reviso assuntos de interesse
ao convívio que vem pela frente. Completo agenda de ação já
antes iniciada. Após desjejum assessorado e ao convívio de minha
turma, já pelas nove horas, ponho-me em campo ao planejado
para o dia. Apanho o carro e zum para a luta. Escolhido o lugar,
estaciono e vou a ação no onze, a pé.
Escaldante o dia de verão que chegou para castigar com
rigor! Todavia, como estratégia ando pela sombra e não muito
acelerado. Aproveito arzinho fresco por onde transito, ou
projeção de ar fresco de portas abertas, e vou-me conduzindo
suportavelmente.
Olho para baixo e suspiro, sapatos precisam de graxa!
Ando, tomo um cafezinho sem muito pensar, por simples hábito
e convivência com o meio.
Vou mais... Chego ao aconchego humano e das sombras
das árvores da praça central Saldanha Marinho, personagem de
quem não tenho maior informação.
Penso no engraxar dos sapatos! Procuro e vejo duas cadeiras;
a da esquerda, meu conhecido e de quem fui cliente por longo
tempo, porém já velho, devagar, combalido, encarnecido.
O da direita jovem, desperto, alegre, movimentado.
Dirijo-me a este. Com ele passo à maquiagem dos sapatos,
submetendo-me à mais fútil conversa fiada, desinteressante: crise
e suas consequências, tem que mudar e por aí afora; mulheres
exagerando shorts, vestidos muito curtos etc. Banalidades mil

89
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

entremeadas com gestos, muxoxos e sorrisos quase sempre


unilateral. Participo com opinião apaziguadora. Papo leve,
agradável, humano. Informação sobre os dias de festas como
foi, o que comeu, sobre trabalho e outras banalidades, não ao
trabalho, por óbvio. Vida simples e feliz! Alegria de viver. Papo
que, penso, agrada a gregos e troianos.
Momentos gratificantes ao espírito. Impasse no acerto do
trabalho; o engraxate não tinha troco do valor que lhe entreguei,
o que me levou a adiantar pagamento da próxima graxa.
O tempo não para, além do que, perverso, dispara!
Vou em frente. Não acredito!... Estanco extasiado!
Volto no tempo! Chega a mim como projeção de um filme,
idos de 1940. Dia quente de verão, minha família reunida a
sombra de um cinamomo; nossa velha casa; eu criança, minha
mãe, e demais membros do entorno doméstico. A querida, amada
tia Mita irmã de minha mãe. Seu Afonso, negro velho de idade
indefinida, porque desconhecida, porte médio, magérrimo que,
dizia-se, resquício da escravatura.
Creio que mais como lenda, falava-se desconhecer de onde
viera tal figura que aportara a fazenda do meu avô.
Como cão de guarda, seu Afonso era fiel, vivia ao pé de
minha mãe. Completando o quadro, projeta-se cachorros, gatos,
galinhas.
Todos reunidos junto de meu pai que, chegando a cavalo,
não sabia eu de onde, acompanhando-se ao violão, canta a valsa
“O destino desfolhou” minha conhecida daquela época, de que
ainda hoje lembro alguns trechos da letra.
Por acaso a música ali está presente, tocada por um violeiro
qualquer da praça, para angariar alguns trocados.
Paro e, disfarçam para não me confundir com o populacho
em derredor, escuto por algum tempo.
Ao final adquiro o CD que está à venda. Sigo meu caminho
satisfeito, recheado com meu retrocesso no tempo, alegre e
engrandecido pelo momento feliz vivido!

90
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Data do ocorrido: 4 de janeiro de 2017, quarta-feira.


Amanhã será outro dia?...
Até mais!...4

4 Observação: a presente crônica foi escrita na presença do amigo Carlos Alberto


Bellinaso, que me cumprimentou efusivamente pelo redigido. Hoje, 28 de fevereiro de
2020, o meu amigo querido, Bellinaso, já partiu, deixando um vazio no meu peito. A
saudade será infinita! Vai com Deus, amigo!

91
Dilmar Xavier da Paixão, Brasil
Doutor em Educação/PPGEDU-UFRGS. Mestre em Educação/UFSM. Professor
no Departamento de Assistência e Orientação Profissional-DAOP/EE/UFRGS
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Lidera o Laboratório de Estudos
sobre Ruído, Acústica, Saúde, Educação Popular e Qualidade do Bem Viver -
LERASEQ/UFRGS-CNPq e o Núcleo de Estudos sobre Saúde Pública, Coletiva e
do Trabalho - NES/UFRGS-CNPq. Pesquisador, Poeta e Escritor. Integrante da
Sociedade Partenon Literário.
E-mail: dilmarpaixao@yahoo.com.br

Arthur Jaskulski Xavier da Paixão, Brasil


Acadêmico do Curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul-PUCRS, 9º semestre. Integrante da Sociedade Partenon Literário e do
Laboratório de Estudos sobre Ruído, Acústica, Saúde, Educação e Qualidade
do Bem Viver - LERASEQ/UFRGS/CNPq.
E-mail: arthurjxp@gmail.com

Dinara Xavier da Paixão, Brasil


Doutora em Engenharia. Mestre em Educação. Especialista em Acústica
Arquitetônica. Professora Titular na Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Responsável pela criação e implantação da profissão e da 1ª graduação
brasileira em Engenharia Acústica. Coordenadora do Grupo de Pesquisa CNPq/
UFSM “Acústica”. Integrante da Sociedade Partenon Literário e da Academia
Santa-Mariense de Letras (Cadeira n° 15).
E-mail: dinara.paixao@eac.ufsm.br
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

A POÉTICA REGIONAL GAÚCHA


COMO RECURSO EDUCATIVO INTERCULTURAL

Dilmar Xavier da Paixão


Arthur Xavier da Paixão
Dinara Xavier da Paixão

Os acordes musicais, que compõem a melodia, quando acordam


o pensamento são livres como a poesia, pois libertam a pessoa,
como orquestra em sinfonia, tornam o seu mundo melhor; bem
melhor, a companhia. Cantar é o nosso direito. Ser feliz com
cidadania. Por isso, amigo e amiga, venha conosco cantar; venha
dizer a tua palavra; tua posição sustentar, nossas bandeiras de
luta e nossa causa abraçar, para que outras pessoas, também,
possam se acordar, celebrar cidadania, viver e se emancipar
(PAIXÃO, 2017, p. 228).

Resumo: Partindo-se da concepção de que cada povo tem essências


fundantes e inter-relações das suas características culturais, as
pessoas nascidas no Rio Grande do Sul recebem, genericamente,
a designação de gaúchos. Há, porém, arranjos expressos de
subgrupos – pouco formais, mas reais – de quem se reconheça
como gaúcho, sendo uns identificados com esse regionalismo típico
e outros não. Existem aqueles que, embora não sejam gaúchos de
nascimento, consideram-se gaúchos por admiração dessa cultura
localizada; intitulando-se “gaúchos de coração”. O fato é que essa
figura do gaúcho sul-rio-grandense representa praticamente um
denominador da aproximação e unidade artística e cultural entre
os povos dos países da América Latina. Esta é a abordagem central
que fazem os autores, apoiados nos recursos literários, com o
escopo de produzirem sugestões alternativas a serem consideradas
nos processos educacionais da pós-modernidade. Percorrem,
nesta reflexão, o cinquentenário do principal evento na origem
cultural dos festivais nativistas, a Califórnia da Canção Nativa, que
representa um “divisor de águas” no cenário cultural rio-grandense

93
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

e latino-americano, uma fonte de inspiração e de exemplos para


outros, como a Tertúlia Musical Nativista, nos quarenta anos de
sua primeira edição. Completam reconhecendo a multiplicidade
de variantes do contribuir que a poética do regionalismo gaúcho
pode alcançar, admitida como recurso educativo intercultural.

Palavras-chave: Regionalismo. Educação. Interculturalidade.


Festivais Nativistas. Poesia.

Introduzindo o tema regional no contexto educativo


intercultural

A educação na América Latina desta pós-modernidade é


uma temática intrincada, árdua e desafiadora a guiar qualquer
análise semântica, que busque entender e produzir significado
sobre o que está acontecendo no cenário contemporâneo, tanto
brasileiro, quanto mundial. Visualizá-la, pulsando em interfaces com
o estudo da literatura latina, acrescenta outras doses potenciais
requisitantes de esforço ainda maior.
O que se intenta neste escrito é produzirem-se
questionamentos e sugestões alternativas a serem consideradas nos
processos educacionais da pós-modernidade. Para tanto, mesmo
admitindo-se as forçosas dificuldades de despreparo, desestímulos
e do desvaler profissional do educador, considerado no amplo
conjunto de cada comunidade escolar, faz-se a recomendação
pela intercultura, pela interprofissionalidade e pelos componentes
interdisciplinares livres e criativos, como valiosos recursos
educativos emancipadores e de humanização.
A figura do gaúcho sul-rio-grandense, como tipo humano
genuíno, representa, na prática desse pulsar, um denominador
de aproximação e unidade artístico cultural entre os povos dos
países da América Latina. O conteúdo dessa geografia humana
da pampa manifesta possibilidades que precisam ser percebidas

94
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

como conhecimento, reafirmação de motivos e disposição de


compromisso com as populações. A coletividade circundante, os
atores de estudos, introspecções e busca de subsídios, apreciação
e respeito à essência constituinte da educação e da cultura
vinculam-se a um processo contínuo, interminável, crescente e
de desenvolvimento às manifestações dos povos, que precisam
ser bem-vindas, acolhidas e escutadas, porque são contributivos
expressivos, de modo inclusivo, como recurso educativo.
A ligação do pensar ao fazer aplicações de modelagens em
ações educativas, discutirem-se a formação de conhecimentos e a
fundamentação de teorias e práticas a componentes curriculares
e como recursos educativos coletam triangulações originárias de
múltiplas fontes. Agrupamentos, mapeamentos, coletas de dados,
aceitação de aprendizagens por experiências pessoais vivenciadas,
opiniões e respeito a diversidades e singularidades, expressões
individuais, atividades participativas e democráticas, resguardando-
se, em tudo, registros e peculiaridades de pensamento, são
dispositivos caracterizadores presentes no processo de ensino e
aprendizagem. Todavia, o contexto educativo intercultural estará
mais próximo das vivências das pessoas, quanto mais puder apreciar
e dialogar com as peculiaridades locais e regionais das comunidades.
“Se queres ser universal, canta a tua aldeia”! – É um
pensamento popularizado atribuído a Tolstoi (MARTINS, 2018).
É um ato comunicante de construção da consciência nos sujeitos
oriundo do processamento de identidade, da busca por autonomia
e de marcação do seu histórico particular como seres de cultura.
Freire trabalha-o como a concretude da produção do sentido e do
sentir de finalidade e potencial do existir ético-cultural no mundo
e com o mundo (MACHADO, 2018).
A poesia, como um tema emergente e fecundo no pensamento
freireano, é uma das linguagens e formas de expressar a leitura do
mundo, tais como são as artes dramáticas, a ciência, a tecnologia,
a filosofia, a teologia, a mímica, o lúdico, a expressão corporal, a
participação política e a cidadania (STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2018). 

95
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Imperativo assinalar que inovações, recriações e atuações


educativas consolidadas têm sido analisadas em seus conteúdos
e contornos por vários tipos de olhares da didática, da pedagogia,
da epistemologia e de outros campos técnicos especializados.
Currículos formais e suas sinalizações de exigências e compromissos,
de carga horária e conteúdos a serem cumpridos, seguem
marcantes. Entretanto, nos espaços festivos de homenagens
na escola há estudantes dizendo versos, declamando poemas,
executando instrumentos, dançando e/ou entoando cânticos de
variados motivos e temáticas. O “show” precisa continuar.

Um cinquentenário da gauchidade poética literária

Embora o cancioneiro nascido nos países da pampa tenha


expressividade artística desde a formação do continente latino-
americano, há um marco como Patrimônio Cultural do Rio Grande
do Sul que precisa ser realçado. Trata-se da primeira edição da
Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, realizada no
ano de 1971, portanto às vésperas de completar 50 anos, no ano
vindouro de 2021.
É necessário entender-se que as expressões materiais e
imateriais produzidas em uma dada sociedade formatam o que tem
se caracterizado como identidade cultural. Os aspectos atribuídos às
artes, demonstrações intelectuais, tipologias, simbolismos e modos
de criar, fazer e viver das pessoas incluem-se como patrimônios
culturais imateriais, valorizando-se o que sejam referenciais da
cultura popular.
Marques e Maia (2012), embora fazendo o questionamento
acadêmico sobre o encaminhamento dado a projetos, por políticos,
segundo a sua ótica e discutindo a fundamentação ante as
salvaguardas do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, anotam
que os festivais nativistas ganharam relevância pela abrangência

96
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

e se transformaram em espaços importantes de manifestação da


identidade regional. Reconhecem que a forte repercussão popular dos
festivais nativistas, como eventos, conduziu-os ao reconhecimento
de Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul.
Pioneiro dos festivais nativistas do sul do Brasil, a Califórnia
da Canção Nativa recebeu essa distinção em dezembro do ano de
2004, pela Lei 12.226/04. A partir de 13 de maio de 2008, a Lei nº
12.975/08 dispôs que todos os festivais nativistas passaram a ser
considerados Patrimônio Histórico e Cultural do Rio Grande do Sul.
Alves (2012) salienta que a Califórnia representou “um divisor
de águas” na paisagem artística e poético-musical da região sul-
americana, pois é um evento aberto a participações de outros
países, notadamente da América Latina. Antes do festival que
inaugurou esse movimento, o princípio do regionalismo poético-
musical do povo gaúcho teve diferentes personagens e fases de
proeminência, desde intérpretes individuais, a duplas de artistas e
conjunto musicais, muitos na finalidade de animar festas e bailes,
sem grandes preocupações com a pauta cultural propriamente dita.
Marco complementar relevante surge há quarenta anos, quase
uma década após o primeiro evento. É a referência à Tertúlia Musical
Nativista de Santa Maria, que divulgou essa modalidade dos festivais
como eventos de grande público. Serviu de ponto inicial para novos
festivais a partir do ano de 1980, no que pode ser elencado como
uma segunda fase do movimento nativista. Precedentes à Tertúlia e
no reforço ao espírito motivador da Califórnia surgiram o Festival da
Barranca (1971, São Borja), a Ciranda Teuto-Rio-Grandense (1972,
Taquara), A Vindima da Canção Popular (1975, Flores da Cunha) e o
Festival Estadual Estudantil da Canção (1975, Três de Maio), eventos
com caracterizações peculiares (PAIXÃO, 2020).
O que se vem a admitir como uma gauchidade poética
literária é o reconhecimento ao estilo e ao conjunto organizado da
composição poético-musical-interpretativa com extremos cuidados
de registrar manifestações da cultura popular. Várias letras de
composições desses eventos receberam análises científicas e

97
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

bem fundamentadas, em trabalhos universitários, por abordarem


temas ecológicos, poemas crítico sociais, de problematização
social, vivências e profissões desconhecidas do público urbano.
Foi o caso, por exemplo, de profissionais da arte campeira, como o
guasqueiro, o alambrador, o esquilador e similares, que passaram
a ser conhecidos no seu trabalho graças a esses festivais.
A presença da poesia no currículo, incluídos os aspectos
educativos e pedagógicos, testemunham desafios ressignificadores
em suas dimensões. Como formulação artística atualizada, a poesia
se reveste de um reconhecimento tecnoeducativo, didático e
inclusivo de outras linguagens e formatos. Paixão (2017) sugere-a
como opção alternativa válida e, acima de tudo, indicada como
mecanismo metodológico para promover reflexões mais elaboradas,
introspectivas e inspiradoras. Tomara que seja capaz de propiciar
condições emancipatórias para educandos, educandas, educadoras
e educadores também.
Evidente, não se trata de uma temática poética em especial
ou de apenas um gênero literário. Menos, de uma estrutura fixa.
Destaca-se a poesia para significar a versificação “humanamente
sentida”, simples ou complexa, com formas variadas de manifestações
artísticas, mesmo sem instrumentos auxiliares, muitas vezes sem
rimas, representada nos poemas; nas músicas, de todas as tendências
e ritmos; nas canções, independentes do gênero melódico; nas
pinturas profissionais ou amadoras; nas esculturas; nos quadros;
nos desenhos; nas danças, enfim, nas expressões da arte, da vida
e das vivências do viver. A literatura vale ser incluída, significada e
partilhada do mesmo modo para valorizar a preocupação cultural
e a libertação emancipatória das pessoas e dos povos.

A prática educativa, a reflexão intercultural e a transversalidade


pedagógica

Sobre a criação da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande


do Sul, o idealizador do evento Colmar Duarte (2012), conta

98
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

que, no ano de 1971, havia um descrédito e desrespeito com a


cultura regional rio-grandense, pois ser gaúcho era pejorativo,
menosprezado. Lembra que, no ano anterior, ao contrário da
legislação agora vigente, que instituiu a indumentária gaúcha
como traje oficial no Estado (Lei n.8813, de 11/01/89), pessoas
eram barradas na entrada de cinemas, em Porto Alegre, por estar
usando bombacha.
Em dezembro daquele ano de 1970, surgiu em Uruguaiana-
RS, o Primeiro Festival de Música Popular da Fronteira Oeste,
aberto a qualquer tipo de manifestação artística e musical. A ideia
de os autores participarem apenas como compositor levou-os a
uma grande decepção, porque não encontraram intérpretes para
defenderem a canção no palco do festival. Argumentavam que o
motivo era por ser letra e música com tonalidade regional. Diante
da dificuldade, organizaram um grupo de músicos para defesa da
canção no palco, nominando-os de “Marupiaras”, com o significado
de Homens Felizes. A desclassificação pelos jurados, as críticas e
a dificuldade de aceitarem o tema regional, motivou-os a criarem
um festival onde pudessem ser cantados somente temas ligados
ao regionalismo e à canção nativa.
A escolha do nome “Califórnia” tem essa significância:
ser diferente; terminologia grega para significar conjunto de
coisas belas; as carreiras de cancha reta (ao estilo jóquei clube);
além das investidas feitas por Chico Pedro para recuperar gado
roubado da zona rural e levado para o outro lado da fronteira.
Mais especificamente, a disputa de dois cavalos era uma carreira,
porém a partir de três animais correndo tornava-se uma Califórnia
(DUARTE, 2012).
O troféu vencedor homenageou um pássaro dócil, muito
conhecido na comunidade rural de Uruguaiana e praticamente
desconhecido em outras regiões: a Calhandra. Curiosamente, o
pássaro tem peculiaridades: um canto bonito, manso, imitador de
outros pássaros, não se deixa domesticar, tem ideais de liberdade
muito fortes, a ponto de que, se encerrado em uma gaiola, para de

99
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

cantar, não se alimenta e morre. Nominado o troféu, a Calhandra


de Ouro, partiu-se para a realização do evento com características
de temática essencialmente regional da pampa.
As edições que se seguiram fortaleceram o começo. O apoio
de instituições locais e do Estado, como o Movimento Tradicionalista
Gaúcho-MTG e personalidades como Paixão Côrtes, Barbosa Lessa,
Edson Otto e outros, transformaram o festival num acontecimento
poético-musical-literário-cultural e de pesquisa sobre assuntos do
nativismo. Desde o início, há praticamente 50 anos (1971-2021), a
Califórnia movimentou indústria e comércio, tais como os mercados
de erva mate, indumentária e artigos referenciais do regionalismo,
lançando um modismo característico do próprio evento.
O desfecho originou um movimento de qualidade poético-
musical-literário que se convencionou chamar Nativismo,
diferente da música mais simples de cunho somente regionalista
e popularesca. Essa insistência pela abordagem mais culta, embora
as suas nuances regionais, enriqueceu a cultura do Rio Grande
do Sul e o convívio agradável entre os participantes, atraindo
atenções da imprensa do centro do país e dos países limítrofes
e alterando a fisionomia do cancioneiro gaúcho (ALVES, 2012). O
tempo consolidou o movimento cultural tal qual fenômeno de
atualidade, pesquisa e somatório de manifestações da sensibilidade
e interesse emocional pela identidade sul-rio-grandense e latino-
americana (DUARTE, 2012).
De certo modo, houve da Califórnia o emergir da
espontaneidade e uma natural metodologia intercultural e de
transversalidade. Por que serve como prática educativa? Ora, a cada
ano, ao menos doze canções disponibilizaram, exclusivamente por
uma década, propostas inovadoras no entendimento da cultura
como toda maneira de sentir, pensar e agir das pessoas em diálogo
coletivo e interação com a realidade que a cerca. O respeito a
essas assimetrias regionais muda o interesse da adesão sintática a
qualquer ideia, no regramento de cumprir ordem e regulamentos
para a semântica de entender o que está acontecendo e produzir

100
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

significado na escuta, na colaboração mútua e no intercâmbio


cooperado.
Se inovar não é repetir modelos, a criatividade, o acolhimento
e a escuta são parâmetros relevantes e podem cumprir o papel
pedagógico de valorizar o saber local e dos povos. Na Gramática
do Tempo, o sociólogo Boaventura Sousa Santos (2008) indica a
ecologia dos saberes a ser buscada no horizonte epistemológico e
a entregar consistência ao saber propositivo. Serve aos conteúdos
curriculares e ao processo de prática educativa pedagógica.
Há cinco dimensões estruturantes para fundamentar essa
prática educativa, a reflexão intercultural e a transversalidade
pedagógica na contemporaneidade: a amorosidade, a
conscientização, a emancipação, a liberdade e a convivência
dialógica. Ampliando a compreensão conceitual dessas
expressividades, tem-se em Paulo Freire um semeador e cultivador
de palavras, não de quaisquer palavras, mas de palavras grávidas
de mundo como ele mesmo anunciava (STRECK; REDIN; ZITKOSKI,
2018).
Nessa condição de convivência, todo o projeto de
educação começa pelo exemplo do educador, ao mostrar o seu
jeito de ser aos educandos e dar testemunho prático de suas
convicções político-filosóficas no rumo de uma prática educativa
ampliada, compreensiva, intercultural e que seja permeável à
transversalidade pedagógica, ao longo de todo o processamento
ensino-aprendizagem-convivência.

A educação pública e popular para pronunciar o mundo

A aposta educacional no diálogo é a da pronúncia do mundo


por sujeitos dialógicos, de conquista para a libertação dos seres
humanos, que o fazem e são feitos por ele (FREIRE, 1995). A práxis, a
ação e reflexão concomitantes no sentido crítico e libertador é ação
consciente de pronunciar o mundo. Problematiza o pensar e agir

101
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

certo na perspectiva libertadora, a cultura dialógica, comunicativa,


exigente de pronúncias do mundo pelos seres humanos que vivem
e fazem a história. Essa percepção, de conformidade com Bastos
(2018), é indispensável aos educadores-educandos e educandos-
educadores se a opção educacional for realmente libertadora.
A poética regional gaúcha, com extensão pelos demais países
da área pampa, é importante recurso educativo intercultural,
em especial para a defesa das transformações necessárias nas
práticas educativas. Integrar-se, interagir, ajudar mutuamente é
uma temática frequente em poemas e canções de cunho social,
estando disponíveis para serem utilizadas em procedimentos
didático-pedagógicos. A educação pública e, principalmente a
educação popular, destina-se a ser feita com o povo, com as
classes populares e/ou com os oprimidos sustentando-se na
base da educação libertadora, política e ética, orientada para a
transformação da sociedade (PALUDO, 2018).
Antes da confusão instalada pela pandemia, a educação
dilatava-se por processo constante de transformação com o
concurso de estudos, estratégias, práticas e renovação de meios
para que os sujeitos, tão integrantes quanto interativamente,
pudessem perceber o mundo com outra visualização. Para
despertar esse interesse, consideradas a motivação e o caráter
construtivo do processo ensino-aprendizagem de capacidades e
competências, e acompanhar o novo perfil faz-se capital respeitar
a demanda de aprendizagem vinda do discente, o objetivo do
conhecimento e a oferta de aprendizagem surgida do professor
e seu papel no ensino.
Convém, por derradeiro, retomar a composição epígrafe
deste texto:

À medida que se educa, o ser se humaniza, se faz a si com os


demais, firma o passo aonde pisa, se liberta da opressão, que
maltrata e escraviza, se compromete com o povo. No diálogo,
se atualiza. Coerente, sabe aonde vai, de onde vem e a divisa.
Acordes vitaminados nos unem quase em dialetos. Importantes,

102
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

os saberes, os fazeres e os projetos, finidades, infinitudes, desafios


que fazem ecos, educação libertadora, itinerários diletos, abrem-se
em aprendizagem nas amizades e afetos (PAIXÃO, 2017, p. 228).

De acordo com Anastasiou e Alves (2007), muitas são


as estratégias e possibilidades de criações didáticas para o
processamento do ensino-aprendizagem ou, como concebem, a
ensinagem. Dinâmicas e criatividades são disposições acolhedoras
e permeáveis a infinitas colaborações.

Considerações finais

Embora a multiplicidade de variantes e recursos educacionais


nas reservas da abrangência do contexto poético regional gaúcho,
na interculturalidade, na literatura latina e nos traços transversais
do conhecimento científico e do saber popular residem inegáveis
valores de promoção do ser humano. As principais dificuldades a
serem vencidas, a se admitir, não tencionam na disputa contra as
outras pessoas, senão contra o comodismo e o conformismo de si
próprio capaz de instalar estagnações e morosidade nas atitudes
e comportamentos individuais e coletivos.
Cogitem-se admitir que, se não souber, é preciso informar-se,
ter boas fontes originais e se organizar para essa busca constante;
deixar de ficar à espera para se antecipar aos acontecimentos
e oportunidades, qualificando-se na primazia de anterioridade
para estar preparado. Pensar, repensar, aprender a reaprender o
pensar nutrem requisitos para melhoramentos nos ambientes de
convivência independente dos contextos estabelecidos.
Entre todas as potenciais possibilidades de dimensões
estruturantes à criatividade revigorada da prática educativa, a
poética regional gaúcha é intercultural e de transversalidade
pedagógica. É, todavia, requerente da sustentação por valores
da cultura de cada povo, cuidando para que estejam disponíveis
afetividades e dispositivos basais como a conscientização, a

103
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

liberdade, a emancipação, a convivência dialógica e a amorosidade;


nem que seja a semear sonhos para a transcendência.

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

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105
Ramón Ortiz Acuña, Chile

Doctor en Educación por la Universidad Metropolitana de Ciencias de la


Educación. Magíster en Ciencias de la Educación, mención en Diseño de
Instrucción por la Universidad Católica de Chile. Profesor de Castellano por la
Universidad Católica de Chile. Diplomado en Gestión Pública e Innovación por
la Universidad Alberto Hurtado. Diplomado en Gestión del Conocimiento por la
Universidad de Santiago de Chile. Diplomado en Estudios Avanzados en Educación
por la Universidad Metropolitana de Ciencias de la Educación. Diplomado en
Docencia Universitaria por la Universidad del Pacífico. Consultor en Gestión
Escolar por la Fundación Chile. Especialista en Administración Educacional por
el Centro de Perfeccionamiento, Experimentación e investigaciones Pedagógica
(CPEIP) del MINEDUC.
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

APRENDIZAJES NO VISIBLES E INVISIBLES EN EL


ACTUAL CONTEXTO TECNOCULTURAL DIGITAL
Ramón Ortiz Acuña

El presente capítulo aborda el fenómeno de la construcción de


saberes en el actual contexto tecnocultural digital, para tal efecto,
se parte de la evidencia que los actuales sistemas formales de
educación, desde el nivel macro al micro, diseñan e implementan sus
procesos educativos basados en la lógica del saber letrado (Cuadra,
2004), a través de un currículo prescrito, intencional y organizado,
cuya premisa central es que cada uno de sus componentes sean
abordados del modo más explícito posible. En tal sentido, uno de los
grandes desafíos del sistema es lograr que todo el esfuerzo invertido
conlleve el logro de más y mejores aprendizajes que sean igualmente
visibles, evaluables y, finalmente, certificables. Sin embargo, también
es una evidencia, que en toda actividad educativa formal existe
un currículo no visible u oculto (Torres, 2005), cuyo impacto es
imposible de soslayar, al momento de evaluar el funcionamiento del
sistema. Por otra parte, no todos los aprendizajes que constituyen las
posibilidades de nuestro desarrollo provienen de la educación formal,
sino que también de la informal y no formal. En consecuencia, el
propósito de este apartado es identificar los principales aprendizajes
no visibles e invisibles sistematizados por diversos autores durante
las últimas décadas, realizar una breve caracterización a la luz de
la bibliografía de referencia, así como reflexionar en torno a su
incidencia en el llamado aprendizaje visible, en el contexto de las
posibilidades que nos proporcionan las tecnologías de la información
y comunicación (TIC).

El entorno digital

Como sabemos, las TIC constituyen un nuevo entorno


digital de aprendizaje para los estudiantes, este ambiente amplía

107
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

y facilita las posibilidades para acceder, generar, registrar, procesar,


almacenar, recuperar, presentar, transmitir, manejar o manipular,
sea localmente o a distancia, y de una manera flexible, combinada y
a gran velocidad, sincrónica y asincrónicamente, grandes cantidades
de información, como no había ocurrido antes en la historia
humana.
Al referirnos al entorno digital, no podemos dejar de
mencionar Internet, la red de redes, que constituye la base
tecnológica de la denominada sociedad del conocimiento que, a
diferencia de la industrial, se caracteriza por permitir la producción,
manipulación e intercambio de información de una forma cada
vez más vertiginosa y variada (Castells, 2000). Como sabemos,
dentro de las posibilidades que otorga esta alternativa, además de
la cantidad de información que contiene, está la de incorporar:
sonido, voz, datos, imagen, textos, video, etc., material que puede
ser dispuesto intencionadamente para el estudiante a través de
plataformas y aulas virtuales elaboradas para tal propósito, así como
a través de “listas de distribución” y “chat”, sin contar, además,
con la posibilidad de acceso directo a bibliotecas electrónicas,
hipertextos distribuidos y ficheros de documentación mediante
FTP (Protocolo de Transferencia de Archivos), listas RSS (Really
Simple Syndication), newsletter y otras opciones que permite
Internet. Esta dinámica incide globalmente en todos los ámbitos
del quehacer social, en las instituciones e, inevitablemente, en
las relaciones entre las personas. En suma, se puede afirmar que
afectan no sólo nuestra forma de actuar y hacer, sino también de
comprender y representarnos el mundo (Martín-Barbero, 2004a).
En consecuencia, la implementación de las TIC y, conjuntamente, de
una plataforma tecnocultural a nivel planetario, han cambiado las
condiciones de producción, distribución y consumo del saber. Hoy se
afirma que la información y el conocimiento son parte consustancial
de las dinámicas de funcionamiento de la sociedad actual. Autores
como Touraine, (1969); Toffler, (1980); Castells, (1999, 2000); Cobo
y Moravec, (2011), Cobo (2019), han sistematizado evidencias en

108
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

torno a esa condición de la llamada sociedad del conocimiento,


sociedad informacional o sociedad 3.0.
Sin embargo, a pesar del tiempo transcurrido y las reformas
educativas implementadas, las instituciones educativas aún
responden a las necesidades exigidas por el modelo social industrial
para el cual fueron pensadas, manteniendo la organización y
concepción del proceso de enseñanza aprendizaje en el llamado
saber letrado (Cuadra, 2004), elaborado y distribuido en soporte
analógico, monosígnico, centrado en un tipo de comunicación
lineal, secuencial y monomodal (Dussel, 2014), desconociendo de
plano que, al cambiar las condiciones materiales de organización y
funcionamiento del ecosistema comunicacional en el que operan
las sociedades actuales, inevitablemente cambian las formas de
producción, soporte y distribución del conocimiento, generándose
un proceso de mutación del saber letrado al saber virtual
(Baudrillard, 2001; Cuadra, 2003, 2004; Lipovetsky, 2006; Lyotard,
1987; Martin – Barbero, 2004b; Sibilia, 2010). Sobre lo mismo, es
relevante agregar que hoy, la modalidad de representación del
llamado saber virtual opera desde lo polisígnico y en soportes
multimediales, lo que incrementa una comunicación multimodal.
De acuerdo con lo anterior, quizás uno de los desafíos
interesantes que tienen hoy las instituciones educativas es avanzar
desde el aprendizaje visible (Hattie, 2017), pensado, diseñado,
desarrollado, implementado y evaluado en los sistemas formales
de educación, a la consideración e integración a los procesos
formativos de otras formas de aprendizajes no visibles, pero
que existen en forma implícita, paralela, continua, pero oculta
para el sistema o institución educativa y, muchas veces, para los
propios actores del proceso, pero que tiene enorme relevancia,
no solo para la atención a la diversidad de necesidades e intereses
de aprendizaje existentes en el mundo actual, sino que para el
desarrollo de diversas habilidades y competencias que la modalidad
presencial se atribuye como parte de sus logros, pero que por sí
sola, sería prácticamente imposibles de alcanzar.

109
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

En el contexto de lo expuesto anteriormente, resulta necesario


revisar una serie de modalidades de aprendizaje no visibles o, por
lo menos, opacos para los sistemas formales de educación como
son los conceptos de aprendizaje social, informal, abierto, flexible,
colaborativo; a los que se agregan nuevas acepciones que se
vinculan mucho más estrechamente con la sociedad digital, como
son el aprendizaje situado, móvil (M-Learning), microaprendizaje
(microlearning), incidental, ubicuo, etc. (Fernádez y Anguita, 2015).
Además del concepto aprendizaje invisible, sistematizado por
Cobo y Moravec (2011), asociado al desarrollo de competencias
y construcción de saberes a través de redes digitales.

Aprendizajes no visibles

Cuando se habla de aprendizajes no visible, se está frente a


una variedad de modalidades de construcción de conocimiento,
que numerosos autores han venido sistematizando desde hace
varias décadas. A continuación, una breve referencia de aquellos
que se usan de modo más habitual:
a) Aprendizaje social (Bandura, 1982), este investigador parte
de la premisa que se puede aprender a través de la observación
de la experiencia ajena, en la convivencia social cotidiana, en todo
momento o circunstancia y de modo continuo, a través del llamado
aprendizaje vicario. A partir de ello, el autor plantea la enseñanza
por medio del modelamiento de conductas y procedimientos. Se
puede aprender viendo a las demás personas cómo realizan algo.
b) Aprendizaje informal (Eynon y Helsper, 2010; Mejía, 2005),
se entiende como aquel aprendizaje que se logra a partir de las
actividades de la vida cotidiana, que pueden estar relacionadas
con el trabajo, la familia o el ocio. Es un aprendizaje continuo, que
no está estructurado, por lo que no existen objetivos didácticos,
ni soporte, ya que es parte de la vida. El aprendizaje informal
puede ser intencional, pero en la mayoría de los casos es fortuito

110
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

o aleatorio. Como afirma Rebeca Mejía (2005), la verdad es que


resulta curioso que el número más importante de aprendizajes
en la vida de una persona, es decir, aprendizajes esenciales y
consustanciales a la vida, terminen llamándoseles “informales”,
ya que son fundamentales para lograr sobrevivir, para situarse,
generar relaciones, pertenecer a grupos, posicionarse y definirse
en la vida.
c) Aprendizaje abierto (Cobo, 2007; Salinas, 2013), este
concepto se ha empleado de forma amplia y variada, por ejemplo,
actualmente se refiere tanto a cursos a distancia como a programas
de capacitación general, en donde lo único abierto pueden ser las
condiciones de ingreso de los participantes. Sin embargo, una de las
características más propias de esta modalidad, independientemente
de si la enseñanza es a distancia o es presencial, es que la toma de
decisiones sobre el proceso la asume el estudiante mismo. Aspectos
como: qué saber (conceptos, procedimientos, actitudes); cómo
(procedimientos o métodos, a través de qué medios, itinerario);
dónde aprender (espacio); cuándo aprender (tiempo y ritmo); a
quién recurrir (profesores, tutor, compañeros, amigos, etc.); cómo
será la valoración del proceso (y la naturaleza del feed-back);
aprendizajes posteriores, etc., son parte de las decisiones del
aprendiz. Por otra parte, se sabe que los sistemas de aprendizaje
abiertos fueron diseñados para personas adultas excluidas de
la posibilidad de asistir normalmente a los centros educativos,
a fin de atender necesidades diversas y complementarias a la
formación tradicional, lo que “significa mayor libertad en el
acceso a la educación, y, por lo tanto, un espectro más amplio de
oportunidades de aprendizaje y de calificación” (UNESCO, 2003:26).
d) Aprendizaje flexible (Latona, 1996; Moran y Myringer,
1999; Salinas, 2013), este tipo de aprendizaje pone en el centro al
estudiante, quien debe, al igual que en el caso anterior, resolver
sobre los elementos propios de su proceso de construcción de
conocimientos. El término ‘aprendizaje flexible’ se incorporó
rápidamente en el discurso público en las últimas décadas, ganando

111
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

popularidad. Diversos autores lo trabajan como un enfoque


específico, vinculado a la condición de que el acceso al sistema de
aprendizaje se realice a través de redes digitales, lo que lo asocia
directamente a la llamada educación a distancia o con el modelo
dual (Blended - Learning), de hecho, Morán y Myringer(1999) lo
define como una modalidad de aprendizaje que está centrado
en el estudiante, con niveles de autonomía en la determinación
de tiempo, lugar y estrategias aprendizaje, pero que funcionan
preferentemente en un entorno en red basado en TIC.
e) Aprendizaje colaborativo (Koschman, 1994; Roselli,
2016), esta modalidad provee un amplio rango de estrategias
para promover la construcción del conocimiento y autogestión
de la información a través de la comunicación y cooperación
entre los participantes. Implica que los estudiantes se ayuden
mutuamente a aprender, compartir ideas y recursos, planificando
colaborativamente el qué y el cómo estudiar. En este contexto, los
docentes no dictan instrucciones específicas, sino que permiten
a los estudiantes elegir y variar sobre lo esencial de la clase y
las metas a lograr, de este modo facilitan la participación en su
propio proceso de aprendizaje. A partir de la última década del
siglo pasado, se vincula más fuertemente al aprendizaje en redes
digitales, a partir del llamado “Aprendizaje colaborativo asistido
por computadora” (CSCL: Computer Supported Collaborative
Learning), como un nuevo paradigma que vincula las teorías de
aprendizaje con los instrumentos tecnológicos y se interesa por la
tecnología en cuanto al potencial que ofrece para crear, favorecer
o enriquecer contextos interpersonales de acceso a la información
y construcción de conocimientos.
f) Aprendizaje situado (Engeström y Cole, 1997; Hernández y
Díaz, 2015), se refiere a aquel aprendizaje que ocurre a propósito
de la interacción de los participantes en contextos reales, en tal
sentido recoge la experiencia de la corriente sociohistórica cultural
sistematizada por Vygotsky (1979), así como lo desarrollado por
la teoría de la actividad (Engeström, 1987). También se puede

112
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

apreciar el aporte del movimiento de la Escuela Activa en Europa


y EE.UU, a principios del sXX, que promovía el involucramiento
de la comunidad escolar en los problemas de su entorno social,
promoviendo su participación en la solución de problemas que
estuvieran al alcance de sus posibilidades. En tal sentido, el
aprendizaje situado debe estar centrado en la solución de problemas
extraídos de la realidad social e, idealmente, desarrollado en los
mismos escenarios en los que ellos ocurren. En tal sentido, entre
las estrategias de aprendizaje privilegiadas para su abordaje se
cuentan la metodología de proyecto y el estudio de casos. Con
la implementación de las TIC este enfoque retoma impulso, ya
que el acceso a la información resulta mucho más amigable y las
posibilidades de trabajo colaborativo y deslocalizado se diversifican.
g) Aprendizaje móvil o M-Learning (Jara, Claro & Martinic,
2012; Lugo & Schurmann, 2012; UNESCO, 2013; Vosloo, 2013),
se refiere a un tipo de aprendizaje que se deriva de la creciente
flexibilidad que otorgan los dispositivos de comunicación
electrónica de última generación y las plataformas TIC, para
utilizar a discreción, just-in-time, la información disponible en
las redes digitales. “El aprendizaje móvil comporta la utilización
de tecnología móvil, sola o en combinación con cualquier otro
tipo de tecnología de la información y las comunicaciones (TIC),
a fin de facilitar el aprendizaje en cualquier momento y lugar”
(UNESCO, 2013:6). El uso de diversos dispositivos electrónicos
personales como los teléfonos inteligentes (Smartphone), tablets,
Asistente Digital Personal (PDA), tabletas, Pocket PC, iPod, permite
abordar contenidos en diversos contextos y a través de múltiples
interacciones sociales. La ubicuidad para acceder, recuperar,
modificar, producir, utilizar o distribuir información, permite que
sea cada vez común que los usuarios puedan desarrollar diversos
aprendizajes en entornos móviles, en permanente flujo. En esta
circunstancia se accede a una experiencia de aprendizaje cada vez
más dinámica, interactiva y fluida con la red de trabajo a la que
se adscribe el usuario, permitiéndole la oportunidad de regular

113
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

y aprovechar sus tiempos disponibles para el fortalecimiento o


construcción conocimientos.
h) Microaprendizaje o Microlearning (Fischer, 2005; Salinas
y Marín, 2014), se trata de la construcción de aprendizaje a partir
de unidades relativamente pequeñas de información, tipo cápsulas
de contenido, para su lectura y análisis inmediata y de corto plazo,
para lo cual se usan procedimientos de sistematización de contenido
como los E-mail o SMS, mensajes de WhatsApp, tweet o tuit,
códigos QR, organizadores gráficos, infografías, etc.
i) Aprendizaje incidental o implícito (Reber, 1993; Seger,
1994; Silva, 2007), es una modalidad de aprendizaje informal
que también se le conoce como aprendizaje serendípico o
accidental, que puede ocurrir en cualquier momento y lugar,
tanto en ambiente de estudio o trabajo formales e informales,
generalmente de manera implícita, no consciente ni intencionada.
Esta modalidad de aprendizaje confiere plasticidad, dinamismo y
fluidez al proceso de construcción de conocimientos y al desarrollo
humano, aprovechando la disposición filogenética al aprendizaje
con la que contamos los humanos y seres vivos en general, como
parte de los recursos de supervivencia. Se afirma que este tipo de
aprendizaje se genera independiente de la conciencia, se enriquece
con la experiencia e interés del sujeto en contextos de interacción
enfocada y nos proporciona soporte implícito para la resolución
de problemas y la toma de decisiones.
j) Aprendizaje ubicuo (Bruce, 2008; Burbules, 2013; Cope
y Kalantzis, 2009), se afirma que este tipo de aprendizaje es
constitutivo de la nueva plataforma tecnocultural electrónica y
digital en la que operamos actualmente, caracterizada por una
sociedad informatizada producto de la presencia generalizada de
las TIC en la vida cotidiana. Una tecnología, que debido a que opera
digitalmente, según Cope y Kalantzis (2009), además de ubicua
es interactiva, participativa, espacial y temporalmente agnóstica,
intuitiva y cognitivamente integrada. Sin embargo, sus promotores
señalan que no basta con la existencia de las nuevas tecnologías y sus

114
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

posibilidades técnicas, también se requiere de una actitud proactiva


e innovadora, no solo de consumidores, pasivos aceptantes, sino
que se demandan prosumidores, con una actitud activa y aportativa.
Finalmente, el aprendizaje ubicuo se da en todo nuestro proceso de
desarrollo vital, en los más diversos momentos y lugares, así como en
nuestras interacciones sociales cotidianas. La ubicuidad mencionada
implica que los procesos de construcción de nuestros aprendizajes
trascienden las fronteras de nuestra cognición personal, para
integrarse con la de otros en una especie de cognición distribuida,
ubicua, ya que somos parte de un flujo de información que se
reconfigura permanentemente y de forma cada vez más vertiginosa,
precisamente debido a las potencialidades de las plataformas y
dispositivos tecnológicos con los que interactuamos.

Aprendizaje invisible

El concepto de aprendizaje invisible, sistematizado por Cobo


y Moravec (2011), es una propuesta que reconoce varios de los
planteamientos de los autores revisados en el apartado anterior,
sin embargo, considerando el impacto que provoca el constructo,
así como los alcances que conlleva, merece un abordaje especial.
Los investigadores presentan sus principales características,
recurriendo a una serie de acercamientos que dan cuenta de su
alcance y complejidad. Entre las principales menciones, precisan
que el aprendizaje invisible es una propuesta conceptual, productos
de varios años de investigación, que pretende integrar diversos
enfoques de la educación y del aprendizaje desde un paradigma en
desarrollo, acorde a las exigencias del siglo XXI. Por tanto, es una
propuesta metateórica integrada por diferentes ideas y perspectivas
que se vinculan al desarrollo científico y tecnológico de la sociedad
del conocimiento y a los cambios que se están generando en la
educación formal, no formal e informal. Desde tal perspectiva,
la presentan como un “arquetipo conceptual sociotecnológico

115
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

hacia una nueva ecología de la educación, que recoge ideas, las


combina y reflexiona en torno al aprendizaje entendido como un
continuum que se prolonga durante toda la vida y que puede ocurrir
en cualquier momento o lugar” (Cobo, y Moravec, 2011: 23). En el
mismo tenor, señalan que lo que pretenden es integrar y mezclar
modalidades de aprendizaje existentes, incorporando innovaciones
de modo creativo y colaborativo, pensando en propuesta ajustadas
a las características y requerimientos específicos de cada contexto
educativo. En tal sentido, proponen avanzar en el uso e integración
de las TIC para el desarrollo de las principales competencias exigidas
por un mundo cada vez más globalizado, desde “un diálogo abierto y
provocativo, que busca repensar los límites temporales y espaciales
que se han adoptado hasta ahora para entender la educación”
(Cobo, y Moravec, 2011: 23).
En él, los autores incorporan, “remixan” y resignifican
modalidades de aprendizajes emergentes, todo ello en el contexto
de una sociedad digital que opera desde una plataforma y
tecnología crecientemente más desarrollada y funcional a las
necesidades de una interacción social cada vez más compleja y
demandante, proporcionando condiciones cada vez más ventajosas
para desarrollarlos. Como afirman los autores:

(…) mientras más ubicuo y diverso sea el uso de las tecnologías de


información y comunicación, más probable es que se desarrollen
nuevas habilidades y aprendizajes que resulten invisibles o
ignorados por los tradicionales instrumentos de medición del
conocimiento (cuestionarios, exámenes parametrizados, pruebas
de selección múltiple, etc. (Cobo, y Moravec, 2011: 26).

En suma, lo que plantean estos autores, es el tratamiento,


aún en proceso, de una modalidad de aprendizaje que, por su
vinculación cotidiana con la vida y el desarrollo de las personas y
las sociedades, por la continuidad y permanencia, por la variedad
y riqueza, por la relevancia y consustancialidad a la vida, así como
por la complejidad e imposibilidad para encasillarlo y transformarlo

116
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

en método, ha sido invisibilizado por los sistemas educativos. Al


respecto, es relevante precisar que lo invisible no se refiere a lo
que no existe, sino a aquello que no es posible observar. Aunque es
más preciso decir que, si bien es posible observar, no se valora ni se
incorpora como un aspecto significativo a los sistemas formativos.
De hecho, la invisibilidad se produce precisamente en el contexto
de las modalidades formales de aprendizaje, y no porque no se
reconozca, ya que se sabe que existen muchas formas de aprender
y que se está aprendiendo constantemente, sino que se da por
otras razones. Algunas de ellas son muy evidentes. Por ejemplo, la
que dice relación con las características de los sistemas educativos.
En general son muy estructurados, rígidos y racionalizados. Ello
ciega las posibilidades de ver aquello que queda fuera de lo que
está programado y planificado. Otra razón dice relación con la
economía productiva en la que operan los sistemas formales. Todo
lo que interrumpe la cadena productiva se evita, se descalifica,
se reprime o simplemente se invisibiliza, y al invisibilizarlo, se
pierde la posibilidad de registrarlo, de reconocerlo, de valorarlo
y de evaluarlo, y al no evaluarlo no tiene valía para el sistema, ya
que no puede ser certificado por la institución. Y al no contar con
ello, ya no interesa, sino solo para aquel que sabe que para vivir
necesita saber y no solo certificarse.

Consideraciones finales

Tal como se ha mencionado anteriormente, hoy más que


nunca, se está frente a una época de cambio radical, una especie de
innovación disruptiva en los modos de producción, distribución, uso y
archivo de la información y, por lo tanto, de la forma de construcción
del conocimiento y del desarrollo de los seres humanos. Hoy, cada
vez más, se reivindica una mirada compleja de lo que implica conocer
y aprender, no solo por el fenómeno mismo, sino porque cada vez
más se está ante una condición de existencia tecnocultural que lo

117
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

posibilita y exige. Hoy sabemos que contamos con un creciente


flujo de información y una abundante diversidad de plataformas,
dispositivos y estrategias de comunicación cada vez más distribuidos,
pero también sabemos que ello no es suficiente, se requiere avanzar
en la integración efectiva de las diversas opciones en las que opera
la educación como dispositivo sociogenético de desarrollo humano,
de tal modo que se reconozca y validen opciones de aprendizajes
visibles, no visibles e invisibles como parte consustancial de las
posibilidades de construcción de conocimientos. Ello exige abrir
las fronteras institucionales y espaciotemporales de la educación
tradicional, superando un diseño arquitectónico del espacio y de las
relaciones de formación basada en la transmisión de contenido, por
una opción flexible, abierta, ubicua, móvil y co-construida de modo
activo por cada uno de los actores del proceso. En tal sentido, es
necesario reordenar las formas clásicas de interacción pedagógica,
unidireccional o bidireccional docente – estudiante - docente, por
una multidireccional y multimodal, enriqueciendo la matriz de
representación del saber, reconociendo y validando la diversidad de
características, intereses, necesidades y competencias de estudiantes
y docentes para aprovecharlas significativamente, fortaleciendo
competencias metacognitivas y de construcción conceptual que
promueva interacciones sociales colaborativas, aprovechando las
potencialidades del aprendizaje entre pares (peer-to-peer) y de la
inteligencia distribuida (Cope y Kalantzis, 2009).

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121
Pablo R. Nascimento Homercher, Brasil
Graduado em Direito pela Universidade de Cruz Alta
(2008). Especialização em Direito Civil e Processual Civil
pela Universidade de Cruz Alta (2011). Mestre em Direito
pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul (2014). Membro do Grupo de Pesquisa
Jurídica em Cidadania, Democracia e Direitos humanos
da Universidade de Cruz Alta - GPJur/UNICRUZ.

Marcelo Cacinotti Costa, Brasil


Advogado/RS. Mestre em Direito – Universidade
Regional Integrada – URI. Doutor em Direito
Público pela UNISINOS. Professor do Curso de
Direito da UNICRUZ, Universidade de Cruz Alta, RS.

Vinícius de Melo Lima, Brasil


Promotor de Justiça/RS. Mestre em Direito pela
Universidade de Lisboa. Doutor em Direito Público
pela UNISINOS. Professor do Curso de Direito da
ULBRA, Campus Torres.
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

OS DIREITOS HUMANOS E O OUTRO:


UMA ABORDAGEM À LUZ DA OBRA
DE ÉRICO VERÍSSIMO

Pablo R. Nascimento Homercher


Marcelo Cacinotti Costa
Vinícius de Melo Lima

Notas introdutórias

A denominação direitos humanos ou direitos fundamentais


se justifica em uma perspectiva doutrinária com o fito didático para
explicitar o que seriam direitos positivados no plano internacional
e direitos positivados no plano interno de um determinado
Estado. De todo modo, independentemente da expressão que
se utilize, o que de fato importa é que se está diante de valores
políticos institucionais altamente relevantes, os quais precisam
ser resguardados de modo responsável e jamais esquecidos, a
exemplo de temas como dignidade5, controle de poder, Constituição
e Democracia.
No mesmo sentido, George Marmestein menciona que a
dignidade da pessoa humana é um elemento intrínseco ao conceito
de direitos fundamentais, qualquer comportamento que vá em
direção oposta, ou seja, que contribua para a destruição dessa
dignidade, não merecerá ser considerado como direito fundamental
(princípio da proibição de abuso)6.

5 Como leciona Costas Douzinas, a dignidade de que se fala deve ter uma amplitude
que transcende às pessoas, o que, de fato, para muitos é de difícil compreensão: “Quando
olhamos para os animais, o fato de não terem uma linguagem desenvolvida significa
que eles não nasceram socialmente por meio da inscrição na ordem simbólica. Porém,
embora eles não possam se tornar sujeitos humanos, nada os impede de vir a ser sujeitos
jurídicos, se não conferidos a eles direitos e proteções legais, conforme defendem as
campanhas ambientalistas e de libertação dos animais”. COSTAS, Douzinas. O fim
dos Direitos Humanos. Tradução Luiza Araújo. São Leopoldo: Unisinos, 2009, p. 376.
6 MARMELSTEIN. George. Curso de Direitos Fundamentais. 2ª ed. São Paulo:

123
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

A questão envolvendo os rumos dos direitos humanos


em tempos de crise merece uma reflexão acerca da perspectiva
humanista que se sobressai na obra de Erico Veríssimo, sendo de
suma importância revisitar alguns de seus contributos literários
que parecem estar bem atuais para uma adequada compreensão
do Outro e para se chegar a um adequado conceito de justiça em
direitos humanos.
Do mesmo modo como o legado deixado por Erico Veríssimo
na sua vasta obra, é possível afirmar com Douzinas que a justiça
dos direitos humanos não oferece uma definição ou um conceito,
exatamente porque a intersubjetividade necessária inviabiliza uma
prescrição de sociedade ideal ou de sociedade justa.
Neste Sentido, DOUZINAS (2009):

Os direitos humanos não têm um lugar, um tempo ou ideologia


próprios, eles não podem ser atribuídos a nenhuma época ou
partido específicos. Estão abertos à aplicação a novas áreas e a
novos campos que agora seguem a lógica da continuidade e o
desenvolvimento por princípios e os mecanismos do jogo retórico
que permite sua aplicação incontível a campos adjacentes. Este é
o dinamismo do logos; no entanto, os direitos expressam ainda
uma passividade primordial em relação à demanda do Outro e
a proximidade de um para o Outro7.

Exatamente pela característica de um grande pacifista,


Erico Veríssimo, mesmo ao narrar guerras, valorizou a figura das
mulheres fortes, deixando uma contribuição que precisa ressurgir
na atualidade, principalmente quando se acirram os problemas
globais em direitos humanos na órbita das grandes nações e o
tratamento dado aos refugiados, a discriminação racial, a violência
contra as mulheres etc. Para além do reconhecimento do Outro,
com identidade e sujeito de direito, impõe-se, na perspectiva de
um mundo global mais humanizado, respeitar as diversidades
Atlas, 2009, p. 21.
7 COSTAS, Douzinas. O fim dos Direitos Humanos. Tradução Luiza Araújo. São
Leopoldo: Unisinos, 2009, p. 374.

124
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

culturais e o problema da colonização cultural – aspecto valorizado


na obra de Érico Veríssimo – em relação ao índio, por exemplo.
Como lembra Célia Doris Becker, ao abordar a obra de Erico
Veríssimo, “Em Sepé Tiaraju, representa-se a liderança, a capacidade
de indignação dos índios, o espírito crítico a altivez, a astúcia, a
coragem, norteando-os à resistência, à defesa de seu território”.
No capítulo Ana Terra, o narrador refere a presença dos
índios coroados e de Pedro Missioneiro. Com base em experiências
negativas vividas pelas duas mulheres da família - Ana e a mãe,
Henriqueta -, eles atacavam estâncias e qualquer viajante que
encontrassem pelo caminho. Além disso, roubavam e escravizavam
mulheres, muitas vezes obrigando-as a se casarem com algum
membro da tribo. Os homens da família compartilham desse
pensamento e as ações defensivas que assumem confirmam esse
posicionamento. E ressalta Becker: “A chegada de Pedro Missioneiro
nos domínios da família Terra contrapõe à imagem do índio violento,
do índio ladrão a figura do índio aculturado”8.
Assim, a obra de Erico Veríssimo merece resgate, confrontando
este grande legado literário com os problemas atuais que se
repetem, embora com uma nova roupagem, mas deixam claro
que o caminho adequado a se trilhar não pode se distanciar do
agir solidário, do agir igualitário e do agir respeitador, ao modo
como se caracteriza a obra literária de Erico Veríssimo.

A obra de Érico Veríssimo

Não há em teoria dos direitos fundamentais unanimidade


acerca do número de dimensões, embora as três clássicas gerações
tenham sido superadas já na obra de Bobbio (2004), restando
assim resistência quanto a um eventual quinto nível de direitos
8 BECKER, Celia Doris. O resgate da imagem indígena na visão de Erico Verissimo.
Revista do Instituto Humanistas da Unisinos – IHU - on line. Edição 238. 01/10/2007.
http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/1375-celia-doris-becker-2. Acessado: em
12/06/2020.

125
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

fundamentais. Por outro lado, a positivação destas dimensões no


direito brasileiro encontra-se bem definida, ressalvados os retrocessos
observados em estados de anormalidade – como 1937 e 1969.
Coube à Constituição Federal de 1988 o fechamento da tríade
– liberdade, igualdade e fraternidade – por meio do reconhecimento
dos direitos difusos, como a defesa do consumidor e do meio
ambiente.
O passo em direção à concretização de uma quarta dimensão
também está presente no texto constitucional, mormente no art.
4°, em que se estabelecem os princípios do Brasil nas relações
internacionais. Entre os dez princípios exemplificados, apenas a
solução pacífica dos conflitos já havia sido expressamente arrolada
nas constituições pretéritas. – 1967 e 1969 (art. 7°); 1946 (art. 4°).
Diante do escopo desse artigo impende auscultar como o
pensamento humanista do escritor Erico Veríssimo apresentado nas
obras O Senhor Embaixador (2009) e O Prisioneiro (2008) alinha-
se à vocação universalista do Brasil com a autodeterminação dos
povos e a integração latino-americana9.
Independência nacional, não-intervenção e igualdade entre
os Estados como pano de fundo do romance O Senhor Embaixador.
Escrito em 1965, o romance O Senhor Embaixador inaugura
uma terceira fase na obra literária de Erico Veríssimo. Inobstante, as
questões políticas tenham aparecido em romances anteriores, vide
Saga, nenhuma obra assumiu uma perspectiva da personagem e do
poder político com reflexo no conjunto da sociedade internacional.
Em Saga (2006), grosso modo, o protagonista Vasco Bruno
recorre às experiências da Guerra Civil Espanhola para proceder a
uma auto-análise, na qual concebe nas coisas simples e corriqueiras
do cotidiano o verdadeiro poder revolucionário capaz de alcançar
a felicidade em contraponto a utopia da guerra cuja ratio forjaria
um homem novo.
9 Em recente artigo diversas personalidades que atuaram diretamente com a política
externa oficial relataram com receio uma quebra desse paradigma mediante as últimas
decisões do Brasil no plano internacional. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/
mundo/2020/05/a-reconstrucao-da-politica-externa-brasileira.shtml. Acesso em 08 mai. 2020.

126
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

A obra de um autor, ainda que tipificada como romance cuja


imaginação prevalece, decorre precipuamente da visão de mundo
do criador. A criatura, portanto, carrega em seu DNA a mensagem
que lhe é (pro)posta pelo criador. As personagens de Erico são em
parte cognição em parte práxis. À parte os livros de viagem e os
dois volumes de Solo de Clarineta (2005) - autobiografia - foi por
meio das personagens que Erico revelou sua identidade, sendo
não rara as associações daquelas com este, em que pese o autor
nunca tenha a reconhecido expressamente. A propósito os livros
nos quais Erico fala em primeira pessoa são um importante ponto
de partida para a reflexão que se propõe.
Em Solo de Clarineta10 o autor descreve o período em que
viveu por um tempo nos Estados Unidos, conciliando a fuga do
Estado Novo com a assunção do cargo de diretor cultural da
Organização dos Estados Americanos. Dessa feita não é segredo
e o autor nunca escondeu sua admiração pelos EUA, vide o livro
de viagem Gato Preto em Campo de Neve (2006). Aliás, o sugestivo
título dessas memórias permite inferir que o autor assumia sua
condição de Outro, apesar da reverência que sempre lhes fora
dedicada por autoridades públicas e intelectuais americanas. A
hospitalidade ianque por sua vez não blindou a capacidade crítica
de Erico diante do colonialismo estadunidense.
Diferente de outros escritores, como por exemplo Graham
Greene (2016), Erico não tomou partido por um lado da guerra
fria. Preferiu escolher o gênero humano. A menção a Greene se
10 No segundo volume, obra póstuma, o autor a partir de um discurso proferido na PUC,
1956, resume seus princípios políticos. Na parte final resgata a opinião do amigo Maurício
Rosenblatt como prelúdio dos romances O Senhor Embaixador e O Prisioneiro: “Dias
depois desse comício, Maurício Rosenblatt manifestou-me em particular sua opinião sobre
o meu discurso. Como eu, abomina a violência e os regimes totalitários, mas, olhando
os acontecimentos com um olho frio, concluía que Nikita Kruchev nada mais fizera que
seguir o realismo político stalinista. Se perdesse a Hungria para o Ocidente, a Rússia
soviética teria uma cunha inimiga permanente e perigosamente cravada no seu flanco.
‘Não te iludas’, concluiu o meu clarividente amigo, ‘em situação idêntica o governo
americano teria agido da mesma maneira que o soviético’. Repeli essa hipótese como
absurda, porém menos de dez anos mais tarde eu viria a lançar o meu protesto público
contra a intervenção militar dos Estados Unidos no Vietnã e na República Dominicana”.

127
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

deve ao fato de que em Um lobo solitário o escritor “culpou” os


EUA pela morte de Omar Torrijos, presidente do Panamá, durante
as tratativas por um novo acordo de administração do Canal. Na
edição brasileira do aludido livro a sinopse resume a militância de
Greene: “Com arte, humor e sobretudo humanismo, o consagrado
escritor Graham Greene, que não se importava de ser ‘usado’ para
uma causa em que acreditava [...]”. O que aproxima um e outro é
o humanismo, a diferença é que Greene a usou em prol de uma
ideologia, enquanto Erico o fez como um imperativo categórico.
A década na qual O Senhor Embaixador fora concebido
identifica-se com o surgimento da política do presidente Kennedy
de expansão dos interesses norte-americanos pela América
Latina mediante o projeto Aliança pelo Progresso11. A todo
projeto imperialista consubstancia-se um lado obscuro, nesse
caso a estratégia de segurança nacional operada pela Escola das
Américas. A classe diplomática, mormente, as legações do Tio
Sam desempenharam papel decisivo nas crises de governabilidade
experimentadas tanto na América Latina12 quanto no Oriente
Médio13.
Esses agentes oficiais estrangeiros, escudados em suas
imunidades, aplicaram aquilo que Pablo Gonzales Casanova
(2002) configura como colonialismo disfarçado. Nesse espectro,
a República de Sacramento, propositadamente inserida por Erico
no triângulo das Bermudas, denunciou veladamente a influência
dos bastidores da diplomacia para garantir a transnacionalização
de recursos e áreas estratégicas.
Seria a diplomacia, em tempos de globalização e pós-
modernidade, uma restauração da Ordem Companhia de Jesus na

11 Um resumo conciso dos efeitos da Carta de Punta Del Leste para a conjuntura política
da América Latina nos anos 1960 pode ser encontrado em http://www.fgv.br/cpdoc/
acervo/dicionarios/verbete-tematico/alianca-para-o-progresso-1. Acesso em 20/05/2020.
12 As missões dos chacais econômicos denunciada em autobiografia por Jonh Perkins
(2005).
13 A invasão da embaixada americana em Teerã durante 444 foi retratada na literatura
policial – O voo da águia (FOLLET, 1983).

128
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

América Latina, agora tendo como agenda não mais a evangelização,


mas sim a ética protestante alicerçada na Doutrina Monroe.
A ideia de progresso, desde 1492, moveu as políticas
imperialistas, subjugando a autodeterminação dos povos,
desconsiderados em sua humanidade e tolhidos em sua capacidade
de desenvolvimento nacional autônomo. Em cada período da
ofensiva expansionista o discurso de inferioridade racial lhe serviu
de fundamento. Erico Veríssimo compreendeu o lado obscuro da
modernidade14 e o denunciou de forma poética.
Prevalência dos Direitos Humanos, repúdio ao terrorismo
e ao racismo, solução pacífica dos conflitos e defesa da paz como
pano de fundo do romance O Prisioneiro
Em O Prisioneiro, publicado em 1967, Erico Veríssimo
conseguiu retratar as nuances da política racial em toda sua
plenitude, digno dos principais autores anticoloniais. Os anos de
1960 expuseram ao mundo do pós-guerra o apartheid vigente
nos Estados Unidos (país que paradoxalmente liderou os Aliados
contra o discurso da superioridade ariana). O sacrifício fatricida
dos pais-fundadores, responsável pela independência americana,
nem mesmo a décima quarta emenda haviam conseguido livrar
os Estados Unidos de uma ancestralidade xenofóbica15.
A guerra do Vietnã, lugar de fala do romance, a qual durou
20 anos, marcou uma ruptura dos Estados Unidos com sua própria
geopolítica. Henry Kissinger (2015), personagem da política de
defesa norteamericana daquele período, lembrou a frase dita pelo
presidente Harry S. Truman, cujo mandato antecedeu o de JFK, acerca
da principal virtude diplomática dos EUA: “desejava ser lembrado
não tanto pelas vitórias, mas pelas conciliações que promovera”.
Desde a Paz de Vestfália a declaração de guerra entre Estados
Soberanos esteve condicionada a uma justa causa decorrente de
14 Para um maior aprofundamento dessa dicotomia Walter Mignolo (2017). Disponível
em https://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v32n94/0102-6909-rbcsoc-3294022017.pdf. Acesso
em 15/05/2020.
15 Retratado no livro pela referência a organização Ku Klux Klan. A propósito o tenente
confronta-se com a memória da infância devido ao ataque sofrido pela família.

129
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

uma injusta agressão. O apoio militar de um Estado Soberano


para com outro se deveu, nas duas grandes Guerras, a defesa do
equilíbrio da balança de poder na ordem mundial. A decisão de ir
a guerra é diferente para quem deve ordená-la (o político) e para
quem deve executá-la (o militar). A equação é deveras melhor
resolvida para esse último quando luta a sua própria guerra, ou
seja, quando defende seu território e seus compatriotas.
Erico Veríssimo teve a genialidade de provocar a imaginação
do leitor aos princípios que levaram os protagonistas militares
(coronel e tenente) a administrar duas guerras, uma externa,
em que agiam como profissionais a serviço, e outra interna cujo
inimigo lhes desafia a alteridade e a humanidade, sentimentos
indesejados para quem está em combate.
Algo parecido ao dilema vivido por Bartolomé de Las Casas
(2008), enquanto soldado da Companhia de Jesus, enviado para as
Índias Ocidentais para, por meio da evangelização, humanizar os
nativos descobriu-se sua imagem e semelhança. Há nos conflitos
morais do coronel um pouco de Francisco de Vitória e um pouco
de Sepúlveda.
Desse último o coronel (vida pública) extraí o álibi para
cumprir as ordens militares16 independentemente dos danos
colaterais, pois essas [guerras] são “justas quanto à causa e
ao direito em cujo nome foram movidas [...]17”. Essa ideia que
naturaliza a violência como uma atividade burocrática foi desvelada
por Hannah Arendt (1999) no julgamento de Adolf Eichmann.
Erico Veríssimo introduziu as figuras das amantes para indagá-
los sobre a validade da assertiva maquiavélica: os fins justificam os
meios? Ao longo da narrativa o autor utiliza o recurso da dualidade,
tão caro à dialética colonial. As memórias da esposa e do pai guardam
relação com o etnocentrismo mantendo rijo o sonho americano.
16 Nesse sentido Kissinger lembra que a doutrina de contenção usada no Vietnã tinha
por finalidade evitar a teoria do dominó, pela qual, segundo Eisenhower, “a queda de um
país diante do comunismo levaria os outros a caírem também”. (2015, p. 298).
17 LAS CASAS, Bartolomé de. O paraíso destruído: a sangrenta história da conquista
da América Espanhola. 2 ed. Porto Alegre: LM&Pocket, 2008, p. 127.

130
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Por outro lado, a vida extraconjugal apresenta-lhes a face da


diversidade, trazendo para o contexto um elemento estranho ao
mundo das guerras: o sujeito-inimigo, aventado por Francisco de
Vitória na disputa de Sevilha. A partir desse contraponto o enredo
difunde duas batalhas contra inimigos visíveis (os vietcongues) e
invisíveis (os valores morais). Vencer um é renegar (a)o Outro.
Como encontrar virtudes na concubina que está do lado
norte do Vietnã? Essa tensão psicológica na trama teve de ser
contornada recorrendo ao trivial argumento sexista cujo mote
entrelaça as fraquezas de ambos as personagens (coronel e tenente)
pelo sexo nativo distinto de um diálogo entre dois extremos dos
estudos culturais: Conde Gobineau e Frantz Fanon.
Segundo Gobineau (YOUNG, 2005) a atração entre o homem
branco e a mulher de cor (negra ou amarela) coaduna-se com a
política civilizatória, sendo parte integrante da dominação da raça
superior. Em suma, o desejo colonial e o relacionamento inter-
racial consubstanciam uma forma genuína de seleção natural.
Fanon (2008), de modo revolucionário, inverteu a perspectiva de
Gobineau no intuito de avaliar a percepção do sexo inter-racial
pelo olhar do homem de cor. Seria esse relacionamento um ato
de resistência?
Durante a conversa na qual o tenente enfrenta o próprio
preconceito, praticado no seio da família, renegando o pai e aliviado
após sua morte pela oportunidade de ter daí em diante uma vida
“branca”, a personagem encontra a explicação para a recusa da
mãe em voltar ao passado “branco”, mantendo vínculo com a
realidade afro-americana, não por conveniência, mas por princípio.
Neste momento da trama Erico faz mea-culpa política. Por
de trás do claudicante personagem, que foge da realidade para
não a enfrentar, o autor clama por penitência. Submete-os, autor-
personagem-leitor, a um julgamento moral. Como agir diante de
atos que reduzem o ser humano a um animal18? Torturar para
18 Essa definição não aparece, assim como redigida, no livro. Apropriamo-nos da
definição de Ronald Dowrkin (2014) sobre os efeitos da tortura: “Antes da tortura, a
vítima conserva ambas as capacidades necessárias para a responsabilidade pela escolha

131
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

localizar a segunda bomba não seria o mesmo que reproduzir


no inimigo o sofrimento que levou o pai ao suicídio? Qual a
autoridade dos racistas americanos e dos Aliados, responsável
pela intolerância? Segundo Erico a estupidez humana!

A Interculturalidade e os Direitos Humanos: do eu-tu ao nós na


obra de Érico Veríssimo

Ganha terreno na atualidade a noção do free rider, ou seja, do


viajante sem o bilhete ou do “carona” que se aproveita injustamente
do esforço alheio para a preservação do bem coletivo. Não paga
os impostos, polui o meio ambiente, suborna o fiscal de trânsito,
em face da burocracia que dificulta a adoção de medidas mais
eficazes por parte das estruturas estatais.
A redução das desigualdades sociais é um dos principais
objetivos estruturantes do republicanismo no Brasil, sendo que
o problema não se resolve por intermédio de ações isoladas, mas
sim, por uma gestão compartilhada entre o Estado, a Sociedade
Civil e a Administração Pública.
A ampliação dos percentuais constitucionais mínimos, a
progressividade dos direitos fundamentais sociais, a proteção
fundamental prioritária à criança, ao adolescente e ao idoso, o
juízo de prognose legislativa em se tratando de políticas sociais
são valiosos critérios que põem em xeque a vetusta concepção
de discricionariedade estatal, a qual teima em reinar no cenário
jurídico pátrio.
A igualdade está associada à ideia de justiça, de maneira que
o reconhecimento entre os cidadãos é a baliza fundamental do
componente democrático do Estado de Direito, motivo pelo qual a
democracia e os direitos fundamentais compõem uma relação de
sincronia e diacronia, valendo-se de instrumentos pretéritos para
de obedecer ou não a fim de evitar ser torturada. Quando a tortura começa, no entanto, o
objetivo do torturador é diferente: ele quer reduzir sua vítima à condição de um animal,
que já não é capaz de raciocinar daquele modo”.

132
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

assinalar, no por vir, a resolução de incontáveis demandas sociais.


Partindo-se do pressuposto de que a história compõe o
tecido das relações sociais e integra o “ser-no-mundo” (Heidegger),
percebe-se que a reconstrução institucional dos Direitos Humanos
encontra ponto de apoio no quadro de flagrante desigualdade e
violência racial. E tal “caldo de cultura” ainda se mostra presente,
de diversas maneiras e formas, no cenário contemporâneo.
Um dos valores básicos da pós-modernidade, na leitura de
Erik Jayme19, é o reconhecimento do pluralismo, da pluralidade de
estilos de vida e a negação da universalização da maneira de ser,
campo em que assume relevo a proteção da identidade cultural
e do direito a ser diferente.
O potencial de transformação social da Constituição é
inequívoco e sua dimensão material conduz à interpretação
que melhor prestigie os direitos fundamentais, afastando-se da
abstração das promessas governamentais para “tocar o chão” dos
problemas das pessoas.

Conclusão

Como é possível verificar, a relação do Direito com a Literatura


é algo muito rico de ser explorado, pois as obras literárias, de
um modo geral, contemplam na sua essência aspectos sociais
relevantes para sua época, situações que se caracterizam como
problemas sociais que se repetem, muitas vezes externando apenas
uma nova roupagem, como registra Germano Schwartz20.

19 JAYME, Erik. Visões para uma teoria pós-moderna do Direito Comparado. In:
JAYME, Erik. Cadernos do Programa de Pós-Graduaçao em Direito – PPGDir – UFRGS.
2. ed. Porto Alegre: PPGDir/UFRGS, 2004, p. 120-1.
20 O acoplamento entre os sistemas sociais (Direito e Arte-Literatura) é possibilitado
pela comunicação, em suas mais variadas formas. Nessa esteira, ambos, Direito e
Literatura, são comunicação em estado puro, e, no caso específico, comunicação via
linguagem. SCHWARTZ, Germano. A Constituição, a Literatura e o Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.47.

133
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Por conseguinte, a ficção e a vida na obra de Érico Veríssimo se


entrelaçam e servem para despertar o papel da Sociedade, mediante
a busca de novos paradigmas alicerçados na interculturalidade e
no respeito às diferenças - do eu e tu ao nós -, em um ajuste com
a fala de suas personagens e a percepção crítica de sua atualidade
no “Tempo e o Vento do Direito”.
Assim, crê-se que a literatura legada por Érico Veríssimo
contempla a necessidade cada vez mais premente de se colocar no
lugar do outro, pois, habilmente, por intermédio de suas narrativas
e de seus personagens, ele remete o leitor para a vivência de
outrem, aguçando a necessidade de reflexão e posicionamento
em relação a um agir responsável.
No ponto, Costa e Lima (2017), ao abordarem a
responsabilidade a partir da relação entre Caim e Abel, referem
que a expressão bíblica guardião do meu irmão se relaciona com
toda a ação ou omissão que de alguma forma interfira na melhoria
das condições de vida das pessoas, seja pelo zelo e pelo cuidado
que se deve ter com o erário, com o cumprimento das obrigações
de caráter coletivo, com respeito à lei (Constituição, preservação
do meio ambiente, desenvolvimento sustentável, etc.
Portanto, os grandes problemas sociais envolvendo
as questões do reconhecimento, da identidade e da própria
colonialização cultural, temas bastante atuais e muito difundidos
no âmbito dos Direitos Humanos, principalmente porque, diante
da série de problemas que assolam o mundo, são exigidos
posicionamentos mais claros e mais efetivos das grandes Nações. A
obra de Érico, neste aspecto, não só reconhece o Outro como sujeito
de direitos e com direito à identidade e à preservação cultural,
mas, acima de tudo, legou fundamentos suficientes para que haja
uma consciência global mais humanizada e mais responsável em
relação ao próximo. Em suma: “você se torna próximo daquele que
você discrimina”. Não mais se admite se limitar a relações entre
iguais (base da justiça legal da linguagem aristotélica - a ideia de
Justiça em Aristóteles, Ética a Nicômaco, especificamente o Livro

134
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

V21). Solidariedade internacional versus graves problemas internos


(crianças vulneráveis, refugiados...). Necessário ir além da mera
formalidade da lei, meras atribuições formais, mero cumprimento
formal da lei. Necessário falar dos Direitos Humanos (dos Outros),
pois falar dos nossos direitos é fácil. Daí o termo aristotélico de
Epiqueia22. Deve-se, portanto, falar dos Direitos Humanos dos
distantes, dos diferentes, já que, dos “iguais”, é desnecessário,
inócuo, como bem nos ensina a obra de Érico Veríssimo.

Referências bibliográficas

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do


mal/Trad. Siqueira, José Rubens. Companhia das Letras, 1999;

21 "o homem mais perfeito não é aquele que exerce sua virtude somente para si mesmo,
mas aquele que a pratica também, em relação aos outros, e isso é uma obra difícil" Vide:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da
versão inglesa de W. D. Ross In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1973, v.4.
22 EPIQUEIA – etimologia: palavra grega “epieikeias, as” (conveniência, moderação,
bondade, justiça) e composta pela preposição epi+Eikwn (aquele que é justo, que é
razoável). Opõe-se ao termo grego “dikaiosune, es” (justiça estrita, aplicação rígida da lei).
Conceito que remonta inicialmente a Aristóteles e exposto por ele no cap. X do livro V
da Ética a Nicómaco que diz o seguinte: «a lei exprime-se para a generalidade dos casos
e se, posteriormente, se produz algo que contraria a disposição geral, é normal integrar a
lacuna deixada pelo legislador e corrigir a omissão imputável ao próprio facto da lei ser
geral» (Enciclopédia Verbo, XX, 521). Este termo acabou por sofrer alterações ao longo
do tempo em ordem a solucionar os conflitos que podem surgir no confronto entre ordem
jurídica e ordem moral. Assim a palavra epiqueia poderá ser a mitigação benigna de uma
lei em casos particulares, pois a observância estrita e material poderá levar a cometer-se
injustiças. A epiqueia está em ir contra o cumprimento material dessa lei, mas está em
conformidade com a mente do legislador, que teria exceptuado o caso se o tivesse previsto.
Contudo, será S. Tomás quem melhor irá sistematizar esta doutrina, considerando-a no
âmbito do exercício da virtude, assim para ele «os casos particulares podem admitir
múltiplos modos que não podem ser contemplados pela lei, mas o legislador atende ao
que comumente sucede, porque cumprir a lei em alguns casos é ir contra a igualdade
da justiça» (S. Th, II-II, q.120, a.1). Deste modo, a epiqueia seria a norma suprema dos
actos humanos e a sua função seria moderar o cumprimento literal da lei. Se por um lado
deve ser obrigatório o cumprimento das leis civis na sociedade, por outro deverá ser
salvaguardada a justiça e a liberdade de consciência de cada cidadão. http://canonices.
blogspot.com/2006/11/epiqueia-etimologia-palavra-grega.html.

135
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim


da versão inglesa de W. D. Ross In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural,
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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

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YOUNG. Robert J.C. Desejo colonial/Trad. Medeiros, Sérgio. Perspectiva, 2005.

137
Riza Maria Ribeiro Vieira, Brasil

Licenciada em Educação do Campo: Ciências da Natureza, na Universidade


Federal do Pampa-UNIPAMPA, Campus Dom Pedrito-RS (2018). Acadêmica do
Curso de Especialização em Ensino de Ciências da Natureza: Práticas e Processos
Formativos, Universidade Federal do Pampa- UNIPAMPA, Campus Dom Pedrito.
E-mail: rizamariaribeirovieira@gmail.com

Sandra Maders, Brasil

Professora Adjunta na Universidade Federal do Pampa – Campus Dom Pedrito.


Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria.
Pedagoga. Membro do grupo de pesquisa Kitanda: Educação e Intercultura/
CNPq. Presidente do Conselho editorial da Editora e Gráfica Caxias, com sede
em Santa Maria. E-mail: sandramaders@unipampa.edu.br
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

INTERCULTURA E O ENSINO DE CIÊNCIAS:


DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Riza Maria Ribeiro Vieira


Sandra Maders

Esta proposição de capítulo constitui-se pela intencionalidade


de averiguar por meio de registros bibliográficos, quais as
contribuições da intercultura para o ensino interdisciplinar de
Ciências. O propósito emerge do reconhecimento e da importância
para um educador compreender os mais diversos processos,
intervenções e ações educacionais que corroborem para o
desenvolvimento crítico dos estudantes em consonância com a
diversidade cultural e social. O momento atual reflete ambiguidade
de sentimentos interpessoais que giram entre a apatia e o afã pela
mudança e construção de uma sociedade mais justa, humana e
igualitária (CANDAU, 2008) para essa autora no que se refere à
educação, existe uma paralização, uma sensação de não saber lidar
com as questões que envolvem as diferenças. Nessa ambivalência
de emoções, existe o medo que paralisa e a ousadia da busca por
novas formas de viver, sendo que, esta última norteia e fundamenta
as lutas dos movimentos sociais que permeiam os mais distintos
pontos do planeta. Somos protagonistas de uma sociedade em que
prevalece a hegemonia social, cultural, étnica. Esse estereótipo
vem sendo contestado, por diferentes grupos sociais, que lutam
por igualdade e respeito às diferenças. Considerando que as
diferenças são fundamentais para que a educação seja humanizada
e contextualizada com o mundo globalizado em que vivemos. As
etnias e distintos modos de vida cada vez mais se aproximam e, no
entanto, ainda repercutem os preconceitos e intencionalidades da
manutenção de um modelo de educação hegemônico. Conforme
supracitado, os movimentos sociais e agrupamentos vêm, cada
vez mais, ganhando força/espaço, pois, não basta ser tratado com
igualdade, é necessária a valorização das diferenças, no sentido

139
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

de que, a pluralidade de indivíduos, suas culturas e modo de vida


contribuem e enriquecem a sociedade no sentido de promover um
mundo melhor de se viver. Imersa nessas conjeturas, pensa-se a
escola como possiblidade de mudança, onde deve iniciar o processo
de respeito a todos os seres humanos indistintamente. Será que
a escola se encontra preparada para equacionar as diferentes
origens e procedências de seus estudantes? Como a intercultura
contribui para a formação de sujeitos críticos e reflexivos? Como
ela – a intercultura – reconhece a importância dos diferentes
saberes para o Ensino de Ciência? E, ainda, a forma de trabalhar
os conteúdos em perfeita interação/integração? O professor que
conhece a escola em que atua, a comunidade na qual ela está
inserida, o histórico de vida e a individualidade de seus estudantes,
respeitando e valorizando suas especificidades, certamente é
um profissional cônscio dos seus deveres e responsabilidades,
que contribui para um planeta no qual a diversidade conviva e
interaja em harmonia. Para contemplar aos objetivos propostos
que responderão aos questionamentos, fundamentos teóricos
sobre Ensino de Ciências (Silvia Frateschi Trivelato, Rosana Ferreira
Silva); interdisciplinaridade (Ivani Fazenda), Intercultura (Reinaldo
Mathias Fleuri, Vera Candau, Maders), entre outros.
A interdisciplinaridade emerge na Europa, mais precisamente
na França e Itália, em meados da década de 60, originária da
inconformidade dos estudantes frente ao modelo educacional da
época. De acordo com Fazenda (2008) essa insatisfação, originou
o movimento estudantil da juventude científica, que denunciava o
regime capitalista como responsável pela desintegração de algumas
ciências e desconexão entre os estudantes, pois, os fenômenos
não eram compreendidos em sua totalidade, inter-relação e
complexidade. Configurava-se nessa época uma Universidade
distante do cotidiano e realidade de vida dos educandos. Segundo
estudos e pesquisas realizados por Fazenda (2012) iniciados da
década de 1970, cuja produção textual tem como foco a construção
de uma teoria da interdisciplinaridade na educação, o percurso de

140
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

três décadas de pesquisa culminou, em 1990, em uma parada para


reflexão e releitura das conceituações e entendimentos auferidos até
então. A autora, conforme supracitado sinaliza que o processo de
interdisciplinaridade se subdividiu em décadas, sendo que, em 1970
buscou-se a estruturação de conceitos epistemológicos, ou seja, a
busca da definição de interdisciplinaridade, tendo em Hilton Japiassú
(1976) o primeiro autor com produção relevante no Brasil, nessa
temática, em seu livro “Interdisciplinaridade da Patologia do Ser”. O
autor considera que, a interdisciplinaridade é transformadora, capaz
de devolver vida às nossas prisões e segregação da cultura. Em 1980
esclareceram-se algumas ambiguidades de cunho epistemológico,
buscavam-se explicar um método para a interdisciplinaridade,
derivadas da formação conceitual. Para corrigir a dificuldade de
entendimento e distorção da conceituação de interdisciplinaridade,
emergiu uma nova epistemologia na década de 1990, distinta da
construída em 1970, uma nova compreensão do conhecimento
construído até então. Esta teoria da interdisciplinaridade prevalece
até os dias atuais e procura corrigir certa discrepância em sua
utilização, pelo fato dos professores que aderiram até então a prática
interdisciplinar, faziam-no de forma irrefletida, como se seguissem
um modismo, uma tendência de época, não passando, portanto,
de mera teoria, visto que, não havia engajamento e entendimento
do processo desenvolvido por alguns educadores.
O discurso no âmbito educacional sobre Interdisciplinaridade
é amplo, complexo e nem sempre fidedigno em sua aplicabilidade.
Para Fazenda (2012) o proceder interdisciplinar constitui-se por
ser uma permanente e ousada busca. Um processo contínuo de
questionamento, pesquisa, produção de saberes, releituras e
refazimento destes, em parceria e interação social. Envolve os
seres, em sua essência e configuração, conjuntamente com o
ambiente e o espaço onde habitam. As respectivas mudanças e
transformações ocorrem de forma integrada, na desfragmentação
dos conhecimentos em consonância com as transformações que
ocorrem no mundo. A autora sintetiza que a partir da década de 1990,

141
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

a interdisciplinaridade emerge como um paradigma epistemológico,


como uma teoria dominante, para o ensino, na estruturação e
desenvolvimento dos currículos. Equipara os conhecimentos do
dia a dia, da realidade de vida dos estudantes, aos conhecimentos
científicos e prioriza o mediar das fontes de saber, a humildade
e o diálogo. A interdisciplinaridade caracteriza-se pela alegria de
aprender em parceria, do surpreender-se com a descoberta e
render-se à plenitude do aprender. A Interdisciplinaridade interliga
as disciplinas suprimindo conhecimentos isolados, distanciados,
sem nenhuma conexão.
Partindo do pressuposto do que é Ciência, podem-se debater
suas significações, para compreendê-la e consequentemente
torná-la mais expressiva, no contexto educacional, o que tornaria
as práticas científicas condizentes com o ensino e aprendizagem
(TRIVELATO, SILVA, 2017). A Ciência configura-se pela explanação
organizada, dos resultados provenientes de observações e
experimentações, sendo, portanto, um processo social, e como
tal, sofreu influências dos fatos sociais na composição de sua
história. As autoras supramencionadas trazem em seus relatos
um breve histórico do ensino de Ciências, no qual evidenciam que
a forma de fazer Ciência, sofreu significativas transformações ao
longo do tempo. A organização do Método Científico foi a partir do
século XVII, com Francis Bacon, que nomeou de Ciência empírica
ou empirismo o modo de fazer Ciências.
Na perspectiva empirista: A observação dos fenômenos e a
realização de experimentos precedem a formulação de explicação
para os fatos. Esse processo é chamado de indução. Nessa
perspectiva, o conhecimento encontra-se fora de nós, é exterior
e deve ser buscado sem influência de ideias preconcebidas. O
papel do Cientista é extrair da natureza os conhecimentos que ali
já estão previamente definidos (TRIVEATO, SILVA, 2017). A Ciência
Empírica recebeu muitas críticas advindas da não aceitação da
influência das ideias prévias que o cientista traz consigo, nem
tampouco aprova sua criatividade, desconsidera que o cientista

142
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

faz parte de um mundo social, histórico e cultural e não concebe


e justifica a substituição de uma teoria por outra no processo
histórico evolutivo. Como outra possibilidade à Ciência Empírica,
emerge o Método Hipotético Dedutivo, sendo que esse método
prevê: [...] levantamento de conclusões plausíveis em que, se as
hipóteses foram verdadeiras, haverá consequências específicas.
Esse processo é chamado de dedução. O teste de hipótese é
composto de observação, experimentação, consistência e lógica
interna. Após essas etapas a hipótese pode ou não ser aceita.
(TRIVEATO, SILVA, p. 2, 2017). Nesse método, faz-se necessário
estabelecer a diferença entre teoria e paradigma. A teoria incumbe-
se da explicação dos fenômenos e não se caracteriza por ser uma
hipótese, como por exemplo, a Teoria da Evolução. Paradigmas são
os modelos de problemas e soluções para realizações científicas
que perduram por determinado tempo, até o surgimento de um
novo paradigma a ser seguido pelos cientistas e podem ser citados
como exemplo o Geocentrismo e o Heliocentrismo. O professor Ivã
Gurgel, reportando-se a paradigmas, considerando a importância
histórica do conhecimento da Ciência, infere que, a vivência
de um paradigma faz com que se naturalizem os conceitos, os
procedimentos e mesmo os objetivos de um trabalho de pesquisa.
Relacionamo-nos em uma perspectiva histórica, o que antes era
dado, pode ser construído com a nossa cultura como se ela fosse
a própria natureza e, assim, não pudesse ser diferente. Contudo,
quando se coloca algo numa perspectiva histórica, o que antes
era dado, fruto de escolhas e embates que fizeram com que
alguns caminhos se realizassem e outros fossem descartados
(GURGEL,2017). O professo Gurgel acrescenta que historicamente,
erros e acertos nas Ciências caminham paralelamente, o que leva
a reconhecer a complexidade da prática científica, cujos limites de
validade são transitórios, o que induz a retificação dos mesmos,
ou seja, o surgimento de um novo paradigma.
Sendo assim, é impossível, reitera-se, dissociar o ensino
de Ciências, dos fatos e fenômenos sociais. Todas as ocorrências

143
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

na sociedade interferem in/diretamente na produção científica.


No Brasil essa característica também se confirma. O ensino de
Ciências tem a Segunda Guerra mundial como marco inicial de um
grande desenvolvimento científico e tecnológico que influenciou
de forma determinante o ensino de Ciências, (MADERS, 2017).
Sentiu-se a partir de então, a necessidade de expandi-lo para
todos os níveis educacionais. A partir dos anos 1950, a proposta de
ensino possibilitava aos estudantes o acesso ao conhecimento das
“verdades científicas”, e ao desenvolvimento de um pensamento
científico. Até a década de 50 as aulas de Ciências contemplavam
apenas as duas últimas séries do Ensino Ginasial. A Biologia, a Física
e a Química, nem sempre fizeram parte dos currículos escolares,
sendo que, somente a partir de 1950 no espaço educacional formal/
informal. Nos anos 1960, o Ministério de Educação e Cultura (MEC)
regula um novo programa para o ensino de Ciências, com a chegada
das teorias cognitivas no país. A partir de então o conhecimento
era concebido partindo da interação do ser humano com o meio.
Porém, somente do decorrer dos anos 1980, essas teorias tiveram
força de efetivação (MADERS, 2017). A partir de 1964, Inglaterra
e Estados Unidos influenciaram os projetos de renovação dos
currículos, com a finalidade de oferecer um aprendizado de
Ciências eficiente e atualizado, porém, se deparam com a falta
de preparação dos professores, sem formação condizente com a
proposta, manifestando, portanto, grande resistência. A gigantesca
expansão da industrialização no pós-guerra ocasionou crescente
desenvolvimento científico e tecnológico, que exerceu influxo no
ensino de Ciências, que clama pela permuta de métodos expositivos,
por métodos ativos, enfatizando a utilização de laboratórios. As
possibilidades de aprendizagem alheias à realidade da vida dos
estudantes, sem consonância com os fenômenos delas decorrentes,
limitam e fragmentam o aprendizado, configurando-se assim um
distanciamento entre teoria x prática e, a percepção de Ciência
como algo distante e desinteressante. Percebe-se que, com o
decorrer do tempo, a concepção de Ciência como produto cede

144
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

lugar à concepção de Ciência como processo. Os componentes


curriculares estruturaram-se individualmente em atributos
intrínsecos às suas teorias do conhecimento, o que se reflete na
forma de compreender e enxergar o mundo; na forma de relatar
seus fenômenos; na diversidade de técnicas de investigá-lo e
interpretá-lo (GURGEL, 2017). Para Gurgel, derivam dessas ideias,
as distintas especialidades, as quais pensam na construção de um
objeto de estudo determinado conjuntamente e por suas formas de
concebê-lo e torná-lo compreensível. Sabe-se que o conhecimento
científico não é estático. Sabe-se, também, que uma verdade
hoje, não necessariamente será uma verdade amanhã e esse
caráter provisório da Ciência é decorrente conforme, supracitado,
dos acontecimentos e fenômenos sociais. Esses fenômenos se
qualificam pela rapidez e urgência das transformações cujas
explicações têm suas respostas nos conhecimentos científicos
para contemplar as novas demandas que delas emergem.
Os anos 1960/1970, caracterizaram-se pela criação do
laboratório e pela visão tecnicista, ou seja, Ciência puramente pela
experimentação. O final da década de 1950 e durante o transcorrer
das décadas 1960 e 1970, o Brasil tinha sua produção Científica e
Tecnológica sob o domínio do Estado. Mesmo aquelas produzidas
nas Universidades, havia uma nítida separação entre produção
Científica e produção tecnológica (Fernandes, Mendonça, 2010). A
visão tecnicista não correspondeu às expectativas educacionais, visto
que se tornou uma educação elitista (MADERS 2017). Decorrente
dessas constatações inicia-se um novo movimento, o dos materiais
improvisados. Com os quais eram realizados experimentos, cujos
resultados pareciam conduzir a uma nova forma de aprender
Ciências. Os anos 1970 caracterizaram-se ainda, pela influência da
concepção empirista descritas por Triveato e Silva (2017), no início
deste breve histórico do Ensino de Ciências. Ao iniciar a década
de 80, a educação passou a ser concebida como uma prática
social, tendo no Ensino de Ciências uma via de transformação da
sociedade brasileira, na redemocratização do país, com o propósito

145
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

de formar cidadãos conscientes de seus direitos e responsáveis


pela preservação do ambiente em que vivem. A racionalidade da
Ciência é questionada, no sentido da importância de se fazer uma
Ciência que busque solução para os problemas e fenômenos que
afetam a sociedade e o meio em que habitam (MADERS, 2017).
A autora reporta-se ao fato que, embora a universidade seja o
lugar aforado para a construção do conhecimento científico, na
sociedade contemporânea, deve-se pensar acerca de qual forma
de conhecimento pretendemos eleger, distribuir e instrumentalizar
levando em consideração questões morais e éticas fundamentadas
para a equidade. A produção científica deve ser considerada a
partir de sua importância para a sociedade e os impactos sociais
e ambientais dela decorrentes. Atualmente repensa-se a forma de
fazer Ciências, e descentraliza sua geração/produção, com intuito
de distribuí-la de forma equânime, expandindo na sociedade os
seus benefícios e, consequentemente, avaliando seus impactos
para o exercício de práticas.
Os currículos necessitavam sofrer alterações para contemplar
a nova realidade. Para Maders (2017), o Ensino de Ciências deve
instigar os alunos à reflexão das problemáticas que sucedem no
dia a dia, questionar, buscar respostas e hipóteses de solução para
estes. Compreender o mundo como um todo, em que, distâncias
não são mais barreiras para o conhecimento científico, e, ainda,
compreender que a diversidade de culturas existentes contribui
para o desenvolvimento humano. A autora enfatiza que: quando
o professor começar a entender que é necessário unir estes
dois pontos, a educação- e não só o Ensino de Ciências, trará
para os alunos um mundo mais cheio de significados (MADERS,
2017). A intercultura, neste sentido, refere-se a multiplicidade
e diversidade cultural que permeia a sociedade, à variedade de
etnias, de origens, idiomas e culturas que compõe um espaço
geográfico, atribuindo-lhe diferentes significações e inquietações,
onde prevalece um modelo hegemônico, e as diversidades não
dialogam harmonicamente, [...] a educação intercultural apresenta

146
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

uma trajetória original, plural e especialmente criativa na América


do Sul (CANDAU, 2016). A autora vem dedicando-se a pesquisas
e produções acadêmico/científicas sobre a essa temática, no
espaço escolar, desde 1996. Considera que a Educação Intercultural
pressupõe diferença como riqueza, porém, ressalta que a realidade
escolar se unificou na forma de pensar a escola e sua lógica de
organização sob todos os seus aspectos, o que dificulta o processo
intercultural de ensino e aprendizagem.
Precisamos buscar respostas para nossos desafios
educacionais nas ciências e disciplinas clássicas, mas, também,
no diálogo com outras culturas e na observação dos processos
através dos quais elas promovem o “fluir do seu viver” (MATURANA,
1995). Com isto, estaríamos criando espaços de reflexão sobre os
contextos sociais e culturais que nos envolvem, bem como agindo
nas interfaces de um horizonte intercultural de educação (FLEURI,
1998). Em especial no mundo em que vivemos, onde, cada vez
mais, são frequentes os intercruzamentos culturais (CANCLINI,
2003) bem como, seus encontros e confrontos, agravados pelas
relações de poder mundial num contexto de relações interculturais
e étnicas (FLEURI, 1998).
Para Geertz (2009) a cultura precisa ser vista como um
contexto, algo por meio do qual os processos, os comportamentos
sociais, podem ser descritos, por exemplo, pelos antropólogos,
sociólogos, enfim, pelos estudiosos das relações culturais. Este
pensador vai adiante em sua reflexão e sugere que é desta relação
de conversação intercultural recíproca, e, num certo contexto, que
o olhar para a forma como o outro nos olha, pode nos ajudar a
entender quem somos e que lugar ocupamos nesta relação, pois,

Ver-nos como os outros nos vêm pode ser bastante esclarecedor.


Acreditar que outros possuem a mesma natureza que possuímos
é o mínimo que se espera de uma pessoa decente. A largueza
de espírito, no entanto, sem a qual a objetividade é nada mais
que autocongratulação, e a tolerância apenas hipocrisia, surge
através de uma conquista muito mais difícil: a de ver-nos, entre

147
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

outros, como apenas mais um exemplo da forma que a vida


humana adotou em um determinado lugar, um caso entre casos,
um mundo entre mundos. Se a antropologia interpretativa tem
alguma função geral no mundo, é a de constantemente nos re-
ensinar esta verdade fugaz (CLIFORD GEERTZ, 2009, p.30).

Ao mesmo tempo em que construímos uma cultura, ela


também nos constrói, estamos inseridos neste processo que
acontece todos os dias, todas as horas, em todos os nossos
movimentos.
O exercício da educação intercultural abre espaço para esse
diálogo e conhecimento do outro. A ela não interessa apenas
conhecer o estranho, o diferente, mas, entender e discutir a relação
existente entre estes. A educação intercultural, mais que conhecer
a multiplicidade de culturas, considera o modo próprio de cada
grupo social ver e interagir com a realidade (FLEURI, 2002). Da
mesma forma, sugere a valorização do sujeito entendendo-o
como produtor de sua cultura, pois, como bem nos coloca (FLEURI,
2002) a cultura não existe abstratamente, ela é construída pelas
pessoas nas diferentes formas como vivem e estabelecem suas
relações. Nesta mesma direção Fleuri afirma que, para além de uma
compreensão rígida e disciplinar e normatizadora da diversidade
das culturas “Emerge o campo híbrido”, fluido, polissêmico, ao
mesmo tempo trágico e promissor da diferença, que se constitui nos
entre-lugares (BHABHA, 2003) e nos entreolhares das enunciações
de diferentes sujeitos e identidades socioculturais (FLEURI, 2004).
O avanço tecnológico, econômico e das comunicações (FLEURI,
2003), viabilizaram muitas possibilidades de desenvolvimento
para o ser humano.
Nesse sentido, emerge a necessidade de pensar as práticas
educativas, com a possibilidade de considerar a escola como agente
transformador segundo as perspectivas da intercultura, para uma
convivência criativa entre as diferentes agrupações socioculturais. A
educação como processo de mudança das dissidências, aglutinação
das diferenças e respeito às individualidades.

148
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

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150
Eugenia L. Dalcolmo, Argentina
Abogada, Profesora, escritora, (nueve obras publicadas), Presidente de Fundación
CUAUTHEMOC, Directora de proyectos sociales de esta institución, dedicada
desde hace 16 años a la ejecución de proyectos de inclusión social en distintas
comunidades; productora agropecuaria.
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

INTERCULTURALIDAD
EN EL SISTEMA EDUCATIVO

Eugenia Dalcolmo

En este artículo se presentan algunas reflexiones, basadas


en resultados de trabajos de investigación, acerca del abordaje
de la diversidad por parte del sistema educativo no universitario,
un abordaje adecuado de la diversidad (dentro o fuera del marco
del sistema educativo) requiere conocer, en primer lugar, cómo
construyen los distintos colectivos sus propias “lógicas de la
diferencia” (quiénes son los nuestros, quiénes los otros, y qué
características tienen los vínculos recíprocos) y, en segundo
lugar, qué tipos diferenciales existen (lo que permitirá abordar la
pluridimensionalidad del objeto, sin limitarse a constatar grados
de aceptación o rechazo de ciertas diferencias a lo largo de una
escala continua y unidimensional). Por tanto, no se trata de
analizar a “los diferentes”, dando por supuesta la existencia de
mayorías “iguales” a una normalidad incuestionada, y homogéneas
entre sí. Por el contrario, el interés se dirige a captar las distintas
lógicas diferenciadoras presentes en el espacio escolar. En este
sentido parece importante resaltar que no todo lo diverso tiene
por qué resultar problemático: en el discurso de cada grupo
social la imagen de los “otros” se articula, de forma específica,
en base a diferencias que pueden ser percibidas como positivas,
indiferentes o bien inadmisibles. La mayor congruencia o distancia
entre colectivos dependerá del tipo de diferencias que se atribuya
como característica principal a los demás; en otras palabras, del
balance entre diferencias legítimas e ilegítimas.
Esta cuestión guarda relación con el modo en que son
percibidos, en general, los universos culturales. Si estos aparecen
como marcos simbólicos cerrados e inmutables, sólo cabe averiguar
qué grado de “proximidad” existe entre distintos colectivos,
situando a cada uno en una posición determinada dentro de

153
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

una escala que va desde lo “próximo” hasta lo “inadmisible”.


Desde esta perspectiva habría grupos con los cuales se puede
convivir, otros a los que se puede tolerar y algunos con los que
resultaría imposible la convivencia. En cambio, si las culturas
son percibidas como productos sociales, atravesadas por la
pluralidad interna y sujetas a modificaciones en función de las
circunstancias históricas, el “problema de las diferencias” deja
de ser tan problemático.
En primer lugar, porque siempre existen elementos comunes
que permiten un intercambio fluido; en segundo lugar porque
existen diferencias legítimas que permiten un enriquecimiento
mutuo o bien una coexistencia no problemática. Y, en tercer lugar,
porque las que son percibidas, en principio, como diferencias
ilegítimas pueden ser negociadas a partir de un marco de
reglas de juego negociadas, Estamos, pues, ante un campo de
negociaciones de identidades colectivas; para ello es del máximo
interés establecer el significado social de la construcción de las
diferencias y, a partir de esto, qué espacios y resistencias se
abren para la educación intercultural (o líneas transversales como
educación para la paz, la tolerancia, etc.) en el sistema educativo.
Aunque en nuestros trabajos tomamos como referencia principal
la situación de las minorías constituidas por hijos de inmigrantes
extranjeros no consideramos que este sea el único, ni siquiera el
principal, elemento de diversidad cultural en la escuela; tampoco
estamos de acuerdo en reducir a ‘diversidad cultural’ las múltiples
diferencias/desigualdades que atraviesan la realidad social actual.
En el presente artículo ofrecemos, en primer lugar, algunas notas
sobre la “diversidad social” como contexto y contenido fundamental
de la propuesta del interculturalismo y, a continuación, se expone
el proceso de introducción y las posibilidades de desarrollo de
la misma en el ámbito escolar según el posicionamiento de los
propios agentes educativos.

154
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

La “diversidad social”, contexto y contenido del interculturalismo

Aunque las situaciones de “diversidad cultural” no son una


novedad en la realidad social de la escuela ha sido con la llegada
de hijos de inmigrantes extranjeros y en el marco de la última
reforma del sistema educativo, cuando se ha iniciado un proceso de
investigación específico. La inmigración extranjera se ha convertido
en un indicador privilegiado de la diversidad cultural, tanto por lo
específico de su situación (marcado por el corte jurídico–político
de la ciudadanía) como por el interés que esta temática suscita en
otros países que abrieron sus puertas a inmigrantes de la Europa
comunitaria.
La presencia de inmigrantes de origen extranjero introduce
un factor de diversidad en las sociedades receptoras, que ven
aumentar su pluralidad étnica. Las características que suelen
identificar a una comunidad étnica son básicamente el origen
nacional, el idioma, la religión o ciertos rasgos físicos. Pero la
construcción de las fronteras entre distintos grupos étnicos no
es algo inmutable, por el contrario, es el resultado de procesos
sociales, de las estrategias políticas y económicas de los distintos
componentes de una sociedad. Por otra parte, no toda comunidad
étnica puede ser calificada como minoría étnica. Para ello es
necesario que, además de estar constituida como comunidad
específica, ocupe una posición de subordinación o marginación
social.
Por tanto, la clave para la constitución de minorías étnicas
es la relación que establecen con la población mayoritaria. En este
caso el término “minoría” no se refiere al aspecto numérico sino a
la condición de inferioridad del colectivo. Los procesos migratorios
transnacionales son una fuente de constante renovación de la
diversidad étnica en las sociedades de destino. Esto es debido
tanto a las posibilidades que el agrupamiento étnico ofrece a
los inmigrados para defender sus intereses, como a las actitudes
de rechazo y segregación o de aceptación por parte de las

155
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

poblaciones autóctonas. El hecho de que un grupo inmigrante


pueda desenvolverse como comunidad étnica, en un plano de
igualdad con otros grupos, o que se vea abocado a la condición de
minoría, en situación de subordinación o exclusión, dice mucho
sobre las características de la sociedad receptora.
¿Qué factores son los que intervienen en cada caso? La
explicación no puede centrarse ni en supuestas deficiencias de
las minorías (culturales, biológicas, etc.) ni solamente en la acción
de la población mayoritaria (prejuicios), sino en la estructura
de las relaciones mutuas (igualdad o dominio). En este sentido
hay varios elementos que inciden en la dialéctica comunidad/
minoría étnica. La diversidad “cultural” es sólo una manifestación
de las múltiples diferencias que atraviesan la realidad social. Ésta
incluye, al menos, dimensiones económicas, político–jurídicas,
de género, ideológico–culturales y étnicas. La inscripción en estas
coordenadas de todos los individuos (autóctonos e inmigrantes)
da lugar a grupos de pertenencia e identidad que, en el caso de
los últimos, adquieren características propias.
Desde nuestro punto de vista, existe el riesgo de “culturizar”
excesivamente la cuestión de los grupos étnicos, despojando a
la problemática de sus alcances económicos y políticos. Diversos
estudios empíricos sobre la inserción social de los inmigrantes
indican que la política social está destinada al fracaso si no logra
intervenir de forma favorable sobre los factores que limitan
el acceso de las minorías a los recursos económicos (empleo,
prestaciones) y a la plena ciudadanía política (estabilidad jurídica,
derechos políticos plenos). Sin una clara toma de partido en este
sentido las proclamas interculturalistas sólo servirán para legitimar
la explotación y subordinación de las minorías étnicas.
Por el momento, en Argentina no se ha establecido un modelo
acabado de integración social de los inmigrantes extranjeros, tanto
por el recentísimo desarrollo de políticas oficiales destinadas
a este colectivo, como por la falta de definición. Pero más allá
de los principios generales, durante estos últimos años se han

156
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

ido desarrollando una serie de medidas que condicionan las


estrategias de inserción de las distintas comunidades étnicas
surgidas de la inmigración. La trascendencia de las mismas es
desigual y el conocimiento sobre sus efectos es aún insuficiente
en ámbitos como la política laboral, el ordenamiento urbano y la
política de viviendas, la sanidad o los servicios sociales de cara a
la población inmigrante. En particular, ha sido el sistema escolar
el que más interés ha despertado; ámbito en el que ha aparecido
de modo explícito la propuesta de la interculturalidad o educación
intercultural (EI). A continuación vamos a apuntar algunas líneas de
actuación que están teniendo lugar en este ámbito, que muestran
cómo se introduce y es aplicada.

La interculturalidad y la escuela obligatoria

La heterogeneidad cultural es una característica de


las sociedades actuales. Sin embargo, los estados–nación se
constituyeron con la pretensión de uniformar el mundo normativo
y de valores de las poblaciones que los componían. El ideal se
resumía bajo la fórmula “un estado–un pueblo–una lengua–una
cultura”. Entre los medios para garantizar tal objetivo desempeñó
un papel fundamental el modelo de escuela única, al menos hasta
la aparición de los modernos medios de comunicación masiva,
cuyo poder para propiciar el consenso social y la uniformidad ha
desplazado en gran parte las formas tradicionales de control y
autoridad. A pesar de la acción de estos dispositivos la diversidad
social nunca ha desaparecido; las resistencias a la homogeneización
se han manifestado unas veces como conflictos entre valores de
clases sociales, otras como choques entre el modelo oficial y las
pautas de distintas regiones y/o lenguas, en ocasiones bajo la forma
de rechazo o desentendimiento manifestado por minorías étnicas,
etc. Tradicionalmente tales manifestaciones fueron catalogadas
desde la posición estatalista como muestras de atraso o resistencias

157
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

al progreso de la nación; en la actualidad, aunque con dificultades,


se abre paso otra concepción que no sólo reconoce la evidencia
de la pluralidad interna de los estados nacionales, sino que afirma
el valor positivo de tal circunstancia.
El inicio de este proceso de reformulación ha coincidido en
Argentina con un nuevo factor de diversidad cultural: la inmigración
de origen extranjero. En la práctica, la institución escolar ha sido
una de las más accesibles para la población de origen extranjero;
incluso en épocas en las que la irregularidad era una cuestión
presente en el debate público, los hijos de inmigrantes “sin papeles”
no encontraron demasiados problemas para matricularse. En este
sentido, el derecho a la educación ha estado garantizado a pesar
de la precariedad jurídica.

La diversidad en la escuela

De modo esquemático podemos resumir las distintas


posibilidades de abordaje de la diversidad en la escuela en cinco
opciones. En un extremo, el rechazo de los diferentes, en el otro
la denuncia y el combate contra los mecanismos generadores de
racismo y discriminación:
* Rechazo a los diferentes. En este caso la diversidad es
percibida como peligro que es necesario eludir. Por tanto, es lícito
limitar su entrada en las escuelas y, cuando ello no es posible,
intentar reducir al mínimo los contactos. En nuestra investigación
hemos recogido diversas situaciones que ejemplifican esta posición:
colegios que dificultan la matrícula de niños de determinada
procedencia, maestros y padres que instan a sus hijos a “no
juntarse” con niños de ciertos colectivos, prácticas segregadoras
en algunos colegios (no contacto con niños portadores del virus
del SIDA, sentar a niños negros en mesas aparte en el comedor
escolar, etc.), padres que cambian a sus hijos de colegio debido
a la presencia “excesiva” de alumnos de niños “diferentes”, etc.

158
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

* Ignorar a los diferentes. Desde esta opción el alumnado


es percibido como un conglomerado homogéneo, en el que no
tienen cabida las necesidades especiales: existe un único modelo
de niño y un único currículum a desarrollar.
Incluso desde la pretensión de un trato no discriminatorio
(“todos los niños son iguales”) se niegan las peculiaridades de
colectivos específicos. De esta forma, en la práctica, la escuela
va “a lo suyo” y los alumnos han de adaptarse, si no lo consiguen
quedarán marcados como inadecuados, insuficientes, etc.
* Educar a los diferentes. En este caso hay un reconocimiento
explícito de la situación peculiar de ciertos colectivos. La escuela no
modifica sus planteamientos generales, pero dedica una atención
especial a los mismos, con el fin de adaptarlos a la marcha del
conjunto del alumnado. En nuestro caso un ejemplo de esta
modalidad lo constituyen buena parte de las actuaciones de la
“educación compensatoria”: los niños de ciertas minorías necesitan
una atención especial para garantizar que puedan adaptarse a la
marcha del resto. Quizás ésta es la posición que más fuerza tiene
actualmente entre los profesionales de la enseñanza en el nivel
primario.
* Educación “anti-racista”. Con esta denominación, utilizada
en el mundo educativo, apuntamos a una opción que comparte
objetivos con la educación intercultural, pero señala algunos límites
de sus planteamientos. Se afirma que la relación entre grupos
culturales está mediada por la distinta posición social de los mismos,
por tanto, la interculturalidad no puede entenderse al margen
de los fenómenos del poder y de la división de clases. En nuestra
investigación no hemos detectado discursos que representen
esta opción, que requiere un determinado grado de elaboración
y compromiso que no se encuentra entre la población estudiada
ni en el ámbito institucional y profesional.
Sólo el discurso de los hijos de inmigrantes muestra, de forma
implícita, los límites de la opción intercultural reducida al desarrollo
de valores compartidos sin atender a los factores sociopolíticos

159
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

de la exclusión: para estos jóvenes la escuela poco tiene que


decir ante la discriminación, ésta es una cuestión que se juega en
otros ámbitos (la violencia callejera, la política gubernamental, las
acciones policiales, las desigualdades Norte/Sur, etc.).
De las cinco opciones reseñadas sólo las dos últimas proponen
un abordaje educativo de la diversidad que elude el etnocentrismo,
reconoce el pluralismo cultural e intenta elaborar modelos de
enseñanzas que superen las discriminaciones. Las diferencias entre
ambas perspectivas residen en la distinta valoración implícita acerca
del ordenamiento social actual. Para la educación intercultural
el sistema social es adecuado en rasgos generales y puede ser
mejorado mediante la elaboración de valores compartidos entre
distintos grupos. De igual modo, el racismo y otras formas de
discriminación, concebidos como productos de la ignorancia o
aberraciones psicoafectivas, podrían ser superados mediante
la educación. La escuela sería un instrumento esencial en la
construcción de la justicia social, entendida como una situación
en la que se garantice la igualdad entre distintos núcleos de valores
culturales. Para la educación anti–racista la discriminación es un
componente estructural del sistema social vigente, por tanto los
educadores han de plantearse su crítica y contribuir a cambiarlo.
El racismo y otras formas de exclusión son un principio clave
de organización de la sociedad, basada en la dominación y la
explotación, por tanto, la educación en valores es insuficiente
para superar dichos fenómenos. Para ello es necesario conseguir
una justicia social entendida como igualdad de oportunidades y
de situaciones para todos los grupos étnicos.
A pesar de la importancia de estas diferencias, existe un
amplio terreno en común que pueden desarrollar los partidarios
de ambas opciones, especialmente en el caso español donde el
discurso de la “educación en la diversidad” apenas comienza a
abrirse paso. El futuro de una escuela que efectivamente recoja la
pluralidad existente en las aulas y trabaje por la superación de la
discriminación pasa por el desarrollo, necesariamente dificultosos

160
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

y polémico, de estas orientaciones. Pero ¿qué posibilidades de


éxito existen teniendo en cuenta las expectativas y deseos de
los grupos analizados? Más allá de los debates entre minorías
ilustradas, ¿dónde se sitúa la mayoría de la población concernida,
es decir, el alumnado, sus familias y los maestros?
Posiciones de los principales agentes de la institución escolar.
De entrada cabe señalar que se detecta una distancia
apreciable entre las propuestas normativas y retóricas de la
institución escolar, las actitudes de los maestros, y las expectativas
de las familias de alumnos; que, en general, existe una dificultad
muy extendida para reconocer las necesidades específicas y las
aportaciones de los grupos más débiles en la escuela; que, cuando
se constata la existencia de diferencias (por parte de maestros
y padres de alumnos), predominan las actitudes defensivas y
los ataques que dificultan el intercambio “pacífico” y el mutuo
enriquecimiento. En este contexto, los incipientes desarrollos en
pos de una educación intercultural parecerían estar desarrollándose
en el vacío, por arriba y al margen de la dinámica social real,
refractaria a tal orientación. Sin embargo, una lectura de este tipo
sería, además de radicalmente pesimista, injusta con la existencia
de otros discursos que, de forma parcial y contradictoria, muestran
los límites de los modelos educativos vigentes y la posibilidad de
otros desarrollos.
Desde posiciones sociales dominadas–marginadas las
posibilidades de hacer valer el derecho a la diferencia son
menores. No existe la compensación material derivada del acceso
al consumismo; además, la fragmentación social y el deterioro
de las condiciones de vida y convivencia tienden a diluir los lazos
de identificación macrosociales potenciando las adscripciones
identitarias al micro grupo. En otras palabras, las fuerzas centrífugas
y segmentadoras en lo cultural no se ven contrarrestadas, como
en el caso de los grupos integrados, por la fuerza centrípeta de
la dinámica económica. Con todo, existen diversos grados de
resignación o resistencia a la situación existente. Por ejemplo, en

161
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

el discurso de las madres gitanas se detecta un tono de denuncia y


reivindicación mucho más sólido que entre los padres inmigrantes
marroquíes que ocupan posiciones socioeconómicas precarias. Los
gitanos, a veces más rechazados que los inmigrantes extranjeros,
han desarrollado un sentimiento de legitimidad ciudadana que les
permite defender su derecho a la diversidad en el plano social;
en cambio, muchos inmigrantes viven con la percepción de que
sus posibilidades de desarrollo están siempre condicionadas a las
decisiones y voluntad de los autóctonos (en definitiva, se sienten
extranjeros: ciudadanos de segunda). Las repercusiones de estas
posiciones sobre el mundo escolar no son siempre unívocas. En el
caso de los gitanos hemos apuntado, por un lado, la queja de que
la escolarización y el contacto con la cultura paya ha significado
un deterioro de los rasgos de identidad propio. Esta denuncia
puede fundamentar, en parte, la actitud reticente de una parte
de esa comunidad hacia la escuela y sus objetivos curriculares.
Sin embargo, los que se presentan a sí mismo como “educados”,
“gente normal” atribuyen a la escuela un papel civilizador, basado
en la opinión de que –al menos en el ámbito educativo– sólo
existe un modelo válido de referencia. En este caso, el grupo ha
optado por desarrollar su identidad étnica al margen de la escuela,
manteniendo un curriculum paralelo de formación y socialización
de los hijos. Para revertir esta dinámica no será suficiente incluir
algunos contenidos referidos a la cultura gitana en determinadas
asignaturas; sin un replanteamiento de fondo en la línea de la
EI, que replantee el conjunto del currículum escolar la situación
experimentará pocas modificaciones.

Apertura al interculturalismo

En este último bloque situamos a una serie de posiciones que


se plantean, de forma más o menos clara, la necesidad de desarrollar
un modelo de convivencia social, y de educación, basados en el

162
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

reconocimiento de la plena legitimidad de los diversos grupos que


conforman la sociedad. Como hemos apuntado anteriormente,
esta conciencia es aún limitada, aún entre quienes se han dedicado
de forma específica a trabajar y pensar en ello. Por tanto, no se
trata de señalar aquí cuáles son los sectores que estarían “a favor
de la interculturalidad” sino, más modestas y realistamente, de
señalar aquellos en los que se detectan elementos que apuntan
en tal dirección. En primer lugar hay que señalar que, al menos en
nuestras sociedades actuales (trabajadas durante décadas por un
proceso de creciente homogeneización y subsunción/ represión de
las diferencias), un planteamiento intercultural no puede ser un
producto social espontáneo, por el contrario, requiere cierto grado
de elaboración y distanciamiento de la dinámica social concreta.
Como todo planteamiento innovador, situado a contracorriente
de la dinámica dominante, es desarrollado en primer lugar por
sectores que asumen el papel de “vanguardia”. En la situación
actual esta dinámica parece inevitable, pero encierra riesgos
que es necesario considerar. El más notable de ellos es que la
cuestión quede reducida a una preocupación exclusiva de círculos
ilustrados y elitistas, desvinculados de las mayorías sociales. Si esto
ocurre se corre el riego de esterilizar el proceso y aumentar los
estereotipos negativos entre distintos colectivos (por ejemplo: los
partidarios de la EI acusando al resto de la sociedad de bárbaros e
intolerantes; estos recriminando a los primeros por ocuparse en
cosas secundarias mientras no están resueltos problemas básicos
de la sociedad y la escuela etc.).
En nuestro trabajo hemos encontrado discursos que
defienden o son propensos a adoptar la postura de la EI en distintos
sectores sociales. En el ámbito administrativo hemos señalado la
apertura que significan determinados desarrollos legislativos, así
como la importancia de algunos materiales desarrollados por las
administraciones educativas. Entre los maestros éste es un discurso
minoritario y reducido sólo a algunos que se han especializado en
la cuestión y van produciendo experiencias y materiales escritos;

163
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

este sector de enseñantes resultará clave para la dinamización de


una estrategia de EI y para captar a la mayoría del profesorado que
permanece ajena a esta perspectiva. Entre los padres y madres
de alumnos encontramos una predisposición favorable y una
afirmación de la misma entre un determinado sector (el discurso
“cosmopolita”) que, sin embargo, no asume un papel activo dentro
de la comunidad escolar. Estos padres avalarán y legitimarán sin
dudas la adopción de la perspectiva intercultural por la escuela,
pero su participación activa en tal dinámica no está garantizada
dada su posición social (trabajadores cualificados y profesionales
con jornadas de trabajo y dedicaciones personales que limitan su
asistencia a los centros donde se escolarizan los hijos).
Entre los familiares de alumnos pertenecientes a grupos
minoritarios es menor la incidencia de discursos en favor de la
EI, por la razón que hemos apuntado: su situación social dificulta
el debate y reflexión necesarios para superar la inercia social.
Aún así, en el grupo de padres y madres inmigrantes aparece
una denuncia clara del carácter refractario de la escuela a los
valores propios y una demanda de apertura a los mismos; esta
posición es sustentada por personas que afirman sus derechos
como ciudadanos y exigen a las instituciones que satisfagan sus
necesidades. Desde esta conciencia de ciudadanía existe legitimidad
para reclamar a la escuela un cambio de enfoque; sin embargo tal
proceso debería recaer casi en exclusiva sobre los profesionales de
la enseñanza (quizá incorporando a profesionales de las propias
minorías) puesto que la peculiar situación social de los familiares
les impide disponer de tiempo para asumir otros compromisos.
Esta última observación vuelve a plantear con fuerza uno de los
límites de la EI: la dificultad de ponerla en marcha de forma efectiva
como proceso limitado únicamente a la escuela, al margen de cuál
sea la dinámica de la estructura social.

164
César Christian Ferreira dos Santos, Brasil
Possui graduação em Letras - Língua Portuguesa e Literatura pelo Centro
Universitário da Grande Dourados (2012), Especialização em Docência do Ensino
Superior e é Mestre em Letras pela UEMS. Atua como professor universitário
(tutor presencial) da Graduação e da Pós-Graduação da UNIASSELVI. Também no
Ensino Superior, já atuou como professor substituto no curso de Administração
do Centro Universitário Anhanguera, na ocasião ministrou aulas de Metodologia
da Pesquisa Científica. Professor de Língua Portuguesa do Colégio Militar de
Santa Maria e na mesma Instituição atua como Coordenador Pedagógico do 1º
Ano do EM. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literaturas de
Língua Portuguesa, assim como tem experiência em Metodologia da Pesquisa
Científica.
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

LITERATURA, EDUCAÇÃO E IDENTIDADE


NA PÓS-MODERNIDADE

César Christian Ferreira dos Santos

Introdução

O título do livro traz consigo três substantivos abstratos


que formam entre si interfaces de suma importância para o
desenvolvimento da humanidade. Segundo a Gramática Essencial
de Cunha (2014) substantivo abstrato são aqueles “que designam
noções, ações, estados e qualidades, considerados como seres”.
Já o site educamaisbrasil.com.br diz que substantivo abstrato “são
palavras que têm o objetivo de indicar seres que dependem de
outro para existir, ou seja, seres sem existência própria”. As duas
definições são muito didáticas e servem para que iniciemos a nossa
breve análise sobre a literatura na pós-modernidade e como esta
pode ser uma importante ferramenta da educação.
Primeiramente há que se pensar sobre o que é literatura
e, é lógico, que todos os conceitos que fizeram sobre o que é
literatura são abstratos igualmente o vocábulo em si e podem ser
contestados e variam de acordo com a época e, é claro, de acordo
com o teórico. A evolução do conceito de literatura mudou com o
tempo até chegarmos ao período histórico que se convencionou
chamar de pós-modernidade, e assim como o vocábulo literatura
é um substantivo abstrato com definições abstratas passíveis de
contestações. Se imaginarmos a literatura, a pós-modernidade
e a educação como seres abstratos que dependem de outros
para existir, devemos pensar e tentar entender quem são esses
seres que determinam a existência dos primeiros e como eles se
correlacionam e coexistem vindo, de certa forma, a determinar
os passos das coletividades humanas.
Para finalizarmos essa introdução, neste trabalho iremos
pensar em uma educação que utiliza como ferramenta a literatura

167
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

dentro do ambiente pós-moderno, este eivado de incertezas,


mudanças constantes e rápidos avanços tecnológicos.

Uma pequena explanação sobre literatura

O vocábulo literatura é originário do latim littera, que no


início tinha um sentido de ensinar as primeiras letras. À medida
que a produção escrita do homem foi aumentando e se sofisticando
o vocábulo passou a ter diversas definições, mas foi somente a
partir do século XVIII que a concepção que temos de literatura hoje
começou a tomar forma, conforme assinala a seguinte citação:

Em meados do século XVIII, começou a tomar corpo o sentido


moderno do termo (século XX), ‘e não cessou de evoluir desde
essa época’ Até as mudanças operadas nessa altura, concebia-se
a literatura ‘como o conjunto das criações do espírito’ (ESCARPIT),
inclusive a ciência e a filosofia. E foi por meio da especialização
de uma e de outra que a Literatura entrou a assumir exclusiva
identidade estética[...] (MASSAUD, 2012, p. 5).

Ora, assumindo exclusivamente uma “identidade estética”


a literatura passou a figurar como uma manifestação artística e
sendo assim devemos pensar no artefato literário como obra de
arte, que teria, pelo menos teoricamente a atenção estética a
ela dispensada, a pertinência genérica (valor a ela atribuído) e a
intenção estética (do artista).
Pensando a literatura como um fenômeno estético ela é
o tipo de manifestação artística que usa como matéria prima a
palavra escrita, e aqui podemos entrar no mérito (questionável)
de que a para ser literatura primeiramente deve ser escrita e
estar sob os domínios desta, descartando (talvez erroneamente)
o conceito de literatura oral. Mas o que diferencia a literatura das
outras produções escritas? Segundo Eagleton podemos defini-la
como a escrita imaginativa, ou seja, ficcional. Mas é claro que se

168
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

pode produzir um texto literário baseado em fatos reais, então essa


definição fica incompleta e em uma definição formalista trazida
pelo próprio Eagleton podemos dizer que a produção literária, é
uma violência organizada contra a linguagem comum, da qual se
afasta pelo uso rígido da norma ou pelo afastamento proposital
da norma, vindo a marcar o estilo do escritor.
Ao analisarmos que o texto literário, assim como a arte, não
tem uma utilidade prática, mas que a ele é atribuído um valor
normalmente alto e que ao ser produzido este teve uma intenção
estética, podemos concluir que a literatura não é pragmática, mas
tem grande valor sentimental para os que elas produzem, estudam
ou simplesmente leem. Tal afirmação leva-nos inevitavelmente a
perguntar então, “Por que ler os clássicos?” e “Por que estudar
literatura?” obras de Ítalo Calvino e Vincent Jouve, respectivamente.
As citadas obras nos ajudam a entender a importância da
literatura enquanto arte na vida humana. É em muitas vezes por
meio da arte que se propagam ideias, muitas vezes as ideias das
classes dominantes que querem manter o status quo vigente e
muitas vezes vozes dissonantes que contestam o que está posto
como sistema a ser seguido.
Dentro desse espírito de propagar ideias, inclusive científicas
e filosóficas a literatura traz sempre à baila o que podemos chamar
de arquétipos, este vocábulo vem do grego archétypon, e tem o
significado de modelo ou padrão. Quando nos deparamos com
obras atuais ou contemporâneas, normalmente, achamos que
estamos diante de algo novo ou inédito, mas dificilmente estaremos
diante de algo novo ou inédito de fato, pois podemos encontrar
elementos dos textos antigos ou clássicos nessas novas obras com
facilidade. Podemos depreender que sendo assim, os arquétipos
estão presentes no nosso imaginário, quer saibamos quer não. A
Bíblia, A Ilíada e A Odisseia podem ser citadas como exemplos de
arquétipos. Essas obras aparecerão em meio a nossa vida, mesmo
que nunca tenhamos ouvido falar delas. Sobre o exposto Calvino
faz a seguinte citação:

169
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Os clássicos são livros que exercem uma influência particular


quando se impõem como inesquecíveis e também quando
se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como
inconsciente coletivo ou individual. [...] Toda leitura de um clássico
é na realidade uma releitura. [...] Os clássicos são aqueles livros
que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras
que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na
cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente
nas linguagens e nos costumes) (CALVINO, 2007, p. 10 e 11).

Abro aqui um parêntese no qual devo explicar que utilizei


a palavra clássico no sentido de literatura, tendo em vista que o
contexto da obra de Calvino proporciona essa analogia, bem como
esse entendimento. Vamos neste trabalho ilustrar essa questão
posta ao analisar o poema concreto de Pedro Xisto, que pode ser
considerado por muitos um poeta pós-moderno:

EPITHALAMIUM - II

h
e
he = ele S = serpens
&=e h = homo
she = ela e = eva

(Pedro Xisto)

Fonte: MECOSTARTE, 2014

O poema em questão traz diversas possibilidades e uma das


maneiras de interpretá-lo é recorrendo aos arquétipos bíblicos, que
se diga de passagem são explícitos no texto. A começar do título é
possível perceber que se trata de uma união, pois epithalmium é um
tipo de canção que nupcial, um casamento tradicional de homem e
mulher tendo em vista que estamos analisando arquétipos bíblico-

170
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

religiosos neste caso. A partir desse prisma quando olhamos o “S”


em um plano maior e dentro deste um “h” e um “e” minúsculo
podemos visualizar primeiramente a palavra em inglês “she”, um
olhar mais atento permitirá que visualizemos também dentro do
“S” maior um “he”, podemos depreender que o masculino “he”
está dentro do feminino “she” dando uma conotação sexual e isso
é muito natural, pois o título já nos explica que se trata de um
casamento. A consequência dessa união, desse casamento pode
naturalmente ser um menino “he” ou uma menina “she” sendo
gerada pelo “SHE” maior que se vê em um primeiro plano.
Recorrendo agora ao arquétipo bíblico podemos perceber
o patriarcado instalado, pois o poema apresenta o “h” de homo
acima do “e” de Eva abaixo. Sendo que foi Eva, segundo a Bíblia,
aquela que colocou a “serpes” entre eles, conduzindo o homem
ao pecado “sin” em inglês. O “s” também pode ser visto como
as curvas sedutoras da mulher que levaram o homem a pecar.
Em um primeiro plano, foi feita uma análise do que seria um
casamento tradicional e patriarcal, conforme a Bíblia. Porém,
Pedro Xisto enquanto poeta pós-modernista era muito próximo dos
movimentos feministas e coloca em um plano maior o “SHE”, uma
figura muito maior e mais complexa, que representa o feminino e a
sua capacidade exclusiva de gerar a vida, pois dentro desse “SHE”
maior estão os “she” e o “he”. E também pode ser lida por meio
do “&” comercial uma abordagem mais moderna do casamento
tradicional, sendo este visto como um negócio capitalista, o que
não deixa de ser uma crítica à essa instituição.
Podemos observar que o poema traz muitas possibilidades de
interpretação, porém ele é todo baseado em arquétipos bíblicos,
que pululam o imaginário popular e Pedro Xisto faz uso desses para
pregar uma igualdade e uma mudança nos costumes tradicionais
de maneira genial. Assim podemos perceber a influência dos
clássicos e, por conseguinte da literatura em nossas vidas.
Explanada a questão de que os arquétipos advindos dos
textos canônicos influenciam demasiadamente em nosso cotidiano

171
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

e, é claro, em nossas vidas podemos ainda questionar “por que


estudar a literatura?”, notem que a pergunta não é “por que ler
literatura?” sendo que a segunda pergunta poderia ser respondida
com facilidade que nós podemos ler simplesmente pelo prazer
estético de um poema, ou por um determinado livro levar-nos
a lugares idílicos e idealizados. Uma das possíveis respostas à
questão proposta é que a literatura é identitária e ajuda a construir
a própria identidade de um povo, ou até mesmo a identidade de
uma pessoa. Já que a literatura com seus arquétipos nos influencia
quer queiramos ou não, é interessante saber de onde vêm essas
influências em forma de arquétipos, esses questionamentos
nos ajudam a entender até mesmo de onde viemos e para onde
queremos ir enquanto sociedade.
Dentro desse contexto identitário da literatura, a crítica
literária tem uma função muito importante e basicamente não
existe sem ela, a função social, conforme assinala a seguinte citação:

Soará sem dúvida estranho que uma escrita focada em objetos


aparentemente tão distantes do cotidiano das pessoas - como
são romances, poemas e textos teatrais - tenha alguma espécie
de influência para além de seu âmbito restrito. Porém não foi
sempre assim. Como veremos adiante, a crítica literária teve um
papel importante no processo de instituição, no século XVIII, da
cultura como conhecemos hoje. No Brasil do século XIX e da
primeira metade do século XX, ela foi fundamental para o projeto
de construção da identidade nacional (DURÃO, 2016, p.11).

Analisando a citação podemos perceber que Durão diz que


alguns textos como poemas, romances são “aparentemente”
distantes do cotidiano das pessoas e coloca a referida palavra
entre aspas, ou seja, na verdade não o são. Tanto a crítica literária,
quanto a própria literatura em si perderam o protagonismo de
serem elas um dos fatores principais de construção da identidade
nacional, ficando a partir da segunda metade do século XX esse
papel a cargo de outras manifestações culturais e artísticas, como
por exemplo, o futebol, manifestações populares como o carnaval

172
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

e as telenovelas. A partir daí então se depreendeu que o Brasil


era o país do futebol, do samba, das mulheres bonitas e das
telenovelas exportadas para vários países do mundo. Quando
o futebol brasileiro e as telenovelas entram em crise no fim do
século XX e nas primeiras décadas do século vigente, a literatura,
por meio da crítica, teria a capacidade de manter a identidade
nacional das gerações vindouras, esta atacada muitas vezes pela
desconstrução e pelo relativismo. Sobre o assunto Durão cita o
seguinte:

A crítica literária vive uma crise em relação a seus espaços sociais


de circulação [...] isso está intimamente ligado à crise do próprio
objeto, pois se a literatura perdeu muito do prestígio e impacto
que antes gozava, isso se deve, em grande medida, a profundas
transformações no âmbito da cultura em seu sentido mais amplo.
A cultura está se tornando cada vez mais visual e pondo-se cada
vez mais em movimento: o cinema, a televisão, a internet e os
videogames têm em comum um funcionamento oposto à fixidez
da palavra na página [...] (DURÃO, 2016, p. 112).

Porém, a despeito do que diz a citação, é ao estudarmos (ou


simplesmente lermos) um Guimarães Rosa, Érico Veríssimo, Dinah
de Queiroz, Ana Miranda, entre outros, temos a possibilidade
de nos identificarmos e perceber nossa real identidade, e não
aquela televisionada de maneira artificial, com sotaque único e
cultura rasa. Essa é uma forte razão para estudar e não somente
para ler literatura, porque ao estudá-la estamos estudando a nós
mesmo de maneira mais profunda da que nos é normalmente
apresentada com a rapidez da pós-modernidade. A crise da crítica
literária e nos atrevemos a dizer a própria crise da literatura não
é um fenômeno exclusivamente brasileiro, e, não é só a crítica
literária e a literatura que estão em crise, na verdade a própria
humanidade enfrenta uma crise existencial que é nítida no período
que estamos vivendo, a tal pós-modernidade.

173
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

A literatura na pós-modernidade como ferramenta da educação

O período histórico em questão, a pós-modernidade,


não tem uma dada definida para seu início e alguns estudiosos
especulam que foi no início dos anos 1960 que suas características
ficaram mais evidentes, sendo que didaticamente neste trabalho
vamos definir como marco a Queda do Muro de Berlim, em
1987. É fato que muitos estudiosos não concordam nem que
realmente estejamos na pós-modernidade, pois não veem um
rompimento definitivo com a modernidade. Embora seja inegável
que desde as últimas décadas do século XX e as primeiras do
XXI, muitas mudanças foram implementadas na sociedade e
afetaram todos os campos das relações humanas. Essas mudanças
acentuaram as características da pós-modernidade levando até
mesmo a estudiosos como Zygmund Bauman a cunhar novos
termos, no exemplo em questão ele criou o termo Modernidade
Líquida. Como qualquer período histórico, a pós-modernidade
tem características que, grosso modo, definem-na, muito
embora estas também sejam objetos de discussão entre os
estudiosos e é evidente que os períodos históricos apresentam
interfaces não só cronológicas, mas também culturais entre si.
Sobre essas características, que também é vista por Barth (2007)
como ideologia, podemos citar o materialismo (o indivíduo é
reconhecido se tem dinheiro e sucesso), Hedonismo (o prazer e
a busca por este têm um lugar de destaque na vida do homem
pós-moderno), Permissivismo (a ética é flexível, desde que você
se sinta bem), Relativismo (nada é totalmente bom ou mau),
Consumismo (“consumo logo existo”). Silva e Urbaneski (apud
BARTH, 2007) assim resumem o homem pós-moderno “configura-
se na: pluralidade, novidade, secularização, irracionalidade e
imersão no universo”.
Essas características são em partes ratificadas por Bauman
em sua obra “Modernidade Líquida”, que por meio da análise
de duas obras literárias, “Admirável Mundo Novo” de Aldous

174
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Huxley e “1984” de George Orwell percebe nas duas obras


distópicas características da pós-modernidade. As duas obras
têm características muitas vezes antagônicas, mas também têm
características que as aproximam de modo que os dois textos
dialogam entre si. Os dois autores podem ser considerados
visionários a partir do momento que descrevem situações que
praticamente se materializaram na pós-modernidade.
Uma dessas situações que se materializou é a questão da
privacidade, quase inexistente e isso se estende às salas de aula, que
quando não são monitoradas pela própria instituição é monitorada
pelas câmeras dos celulares dos estudantes. E aqui há que se abrir
um parêntese sobre a vigilância nociva aos docentes a pretexto
de que muitos “doutrinam” seus estudantes a este ou àquele
espectro político. Não seria a educação um meio onde deveriam
circular o livre pensamento?
Outra situação das obras em questão que se materializou na
pós-modernidade é sobre o controle cada vez maior de pequenos
grupos, onde as liberdades individuais são inexistentes ou quase
inexistentes. Os dois autores também concordam que a extinção
da família é o principal meio de implementar esse controle.
Em 1984 ainda existem famílias, porém a criação dos filhos é
de responsabilidade do Estado e os filhos passam a ser espiões
deste para vigiar os próprios pais. Já no Admirável Mundo Novo
as famílias inexistem e as crianças são fabricadas e criadas pelo
Estado. “Liberdade é escravidão” e “Guerra é Paz”, elementos
aparentemente antagônicos casam-se com maestria na obra de
Orwell no sentido de que as pessoas lá foram doutrinadas a não
notar quando as coisas estavam fora do prumo e muito menos a
questionar a autoridade vigente.
Ao analisar as próprias características, se assim se pode dizer,
da pós-modernidade já conseguimos identificar a crise existencial
do homem pós-moderno, pois nem a ciência e nem a religião
conseguiram responder seus questionamentos existenciais e esse
indivíduo é bombardeado o tempo todo com mudanças e inovações

175
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

de forma que ele não consegue ver-se com estabilidade em quase


nenhum campo de convivência humana. Sobre o assunto Fachi e
Silva fazem a seguinte citação:

Ideias e valores absolutos são relativizados. O relativismo é uma


das principais marcas do nosso tempo, no qual os valores sociais,
como o trabalho e a família, já não são considerados absolutos,
mas, por vezes, preteridos por valores como o lucro fácil e a fama,
a popularidade. Estes valores relativistas a que muitos estudantes
foram formados revelam um choque com os antigos conceitos
educacionais (FACHI e SILVA, 2017, p. 145).

É evidente que a Educação não escaparia incólume dessa


crise existencial humana, pois há muito os métodos antigos são
questionados, métodos que remontam ao início da modernidade,
mas que permanecem no nosso sistema educacional. Estudiosos
como o sociólogo marxista francês Louis Althusser, em sua obra “A
ideologia e os aparelhos ideológicos de estado”, dizia que a escola
era simplesmente um centro propagador dos ideais burgueses
que eram controlados pela burguesia e que era uma escola onde
se ensinava a submissão. Já para o filósofo Michael Foucault, a
escola assemelhava-se a um quartel, que visava à formação de
“corpos dóceis”, por estes entenda-se a relação de submissão que
os homens possuem perante o Estado e suas instituições.
No Brasil diversos educadores teorizaram em como sair dessa
opressão, sendo que Paulo Freire teve entre esses educadores
mais destaque e por ter vivido a pobreza, via a educação como
meio de escapar da pobreza e da opressão. Sobre o qual Fachi e
Silva citam o seguinte referindo-se a Paulo Freire:

Em sua opinião, os seres humanos devem aprender a resistir à


opressão e não se tornar suas vítimas, nem oprimir os outros.
Para isso são necessários o diálogo e a consciência crítica, o
desenvolvimento da consciência para superar a dominação e
a opressão. Ao invés de “ensino bancário”, no qual o educador
deposita informações nas cabeças dos alunos, Freire viu o ensino

176
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

e a aprendizagem como um processo de investigação em que


a criança deve inventar e reinventar o mundo (FACHI e SILVA,
2017, p. 140).

Mas podemos nos perguntar o que crises identitárias e a


opressão advindas da pós-modernidade têm a ver com a literatura
ou com o ensino desta? Ora, a rapidez com que chegam as
informações, as novidades tecnológicas que chegam hoje e amanhã
já estão desatualizadas podem ser um dos fatores dessas crises,
sobre o assunto Silva e Urbaneski fazem o seguinte comentário:

[...] o mundo é dominado pelas novas mídias, que nos afastam


do nosso passado. A sociedade pós-moderna é pluralista e
diversificada. Entramos em contato com muitas ideias e valores
tendo pouca relação com a história do lugar onde habitamos
ou até mesmo da nossa própria história. Tudo está num fluxo
constante (SILVA e URBANESKI, 2017, p. 64).

A citação traz uma importante reflexão, pois nem todo o


barulho da pós-modernidade conseguiu em última instância destituir
a literatura de sua importância como ciência humana que ajuda o
entendimento de quem somos e para onde estamos querendo ir
enquanto sociedade. Volto a explicar aqui, que utilizei a palavra
clássico no sentido de literatura e recorro novamente a Calvino que
traz na citação importante reflexão para o fecho deste trabalho:

É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de


barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir
desse barulho de fundo. É clássico aquilo que persiste como
rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível
(CALVINO, 2007, p.15).

Calvino diz na citação que o clássico persiste em meio a


atualidade, que em tese, é incompatível. O texto de Calvino é muito
acertado na medida que, por exemplo, muitos jogos de videogame
inspiraram-se nos clássicos, a saber, Assassins Creed e God of War,

177
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

onde o primeiro tem como pano de fundo o Renascimento (que


nada mais é do que “ressurreição dos clássicos greco-romanos)
e o segundo que se baseia totalmente na mitologia grega. Jogos
de videogame seriam um ambiente improvável de sobrevida dos
clássicos, mas aí estão eles. Porém, os clássicos perpetuam-se
também, é lógico, nas obras literárias, onde séries como Divergente
e Jogos Vorazes, foram claramente inspiradas em Orwell e Huxley.
Podemos ainda citar como exemplo da importância da literatura
e na leitura de obras canônicas (para saber de onde viemos) é a
série de livros As Crônicas de Nárnia, onde claramente podemos
perceber a presença de arquétipos bíblicos na construção do texto
e das personagens. Para finalizar, podemos citar o Simarilium de
Tokien, onde ele basicamente parafraseia o livro de Gênesis da
Bíblia. Conforme pudemos expor durante este trabalho, a literatura
por meio de suas obras clássicas, ou canônicas pululam em muitas
manifestações artísticas, às vezes transitando de uma para a outra,
mas sempre evidenciando aspectos importantes na formação da
pessoa humana.

Conclusão

Em sistema de ensino que se pretenda crítico, a literatura


deve ser ensinada (se se pode ensinar literatura) ou estudada,
para que os jovens possam refletir sobre o que está acontecendo,
questões como por exemplo: existe racismo no Brasil? Leia Lima
Barreto e Aluízio de Azevedo e estará respondida à questão e
veremos inclusive as raízes do problema. Os clássicos literários,
os arquétipos devem ser estudados para que as pessoas possam
construir sua própria identidade (CALVINO, 2007) “o seu clássico é
aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a
você próprio [...]” Por meio da leitura há que se formar gerações e
gerações críticas que irão conduzir de maneira mais satisfatória os
rumos de nossa sociedade. Porém, devemos perceber que todas
as ciências humanas e a arte de maneira geral sofre ataques, como

178
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

por exemplo a retirada destas dos currículos escolares, muito


conveniente para governantes, afinal de contas essas disciplinas
de humanas e principalmente a literatura são subversivas.

Referências bibliográficas

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Porto Alegre v. 37, n. 155, mar. 2007. Disponível em: revistaseletronicas.pucrs.
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MECOSTARTE. Museu Virtual de Arte. EPITHALAMIUM II, análise. 2014.
Disponível em: <http://mecostarte.blogspot.com/2014/02/epithalamium-ii-
analise.html?m=1>. Acesso em: 23 jun. 2020.

179
Maria Aparecida Santana Camargo, Brasil

Doutora em Educação (UNISINOS/RS). Integra o


corpo docente do Programa de Pós-Graduação
em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento
Social – Mestrado e Doutorado – da UNICRUZ.
Pesquisadora Integrante do Grupo de Pesquisa
em Estudos Humanos e Pedagógicos (GPEHP) da
UNICRUZ. E-mail: cidascamargo@gmail.com

Mariela Camargo Masutti, Brasil

Mestre em Engenharia Civil e Preservação


Ambiental (UFSM/RS). Especialista em Projetos e
Licenciamento Ambiental (UCAM/MG). Docente dos
Cursos de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia
Elétrica, ambos da UNICRUZ. Graduanda em
Licenciatura em Artes Visuais (UNINTER).
E-mail: mariela.arq@gmail.com

Ieda Márcia Donati Linck, Brasil

Doutora em Linguística (UFSM/RS e UA/PT).


Docente na Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ/
RS). Pesquisadora Integrante do Grupo de Estudos
Linguísticos (GEL) e do NEEPS, ambos da UNICRUZ.
Coordenadora do PROENEM/UNICRUZ.
E-mail: imdlinck@gmail.com
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

ENSINO-APRENDIZAGEM POR MEIO DA ARTE:


REFLEXÕES CRÍTICAS CONTEMPORÂNEAS

Maria Aparecida Santana Camargo


Mariela Camargo Masutti
Ieda Márcia Donati Linck

Introdução

Em um país como o nosso, por conta das suas profundas


dificuldades e carências, sempre soam como supérfluos e elitistas
os discursos defendendo as artes e a cultura. Pode parecer obsceno
falar em música, teatro ou poesia quando faltam comida, casa e
emprego... Mas nossos alimentos, moradas e ocupações não são
necessariamente só materiais. A música abastece a alma, o teatro
é um mundo em que podemos nos refugiar e a poesia é um dos
mais belos ofícios do homem... Mesmo o mais humilde dos mortais
é insaciável em suas necessidades e infinito em seus potenciais e
a escola sempre poderá ser um lugar em que, de repente, o olhar
tímido de uma criança se ilumina de beleza e satisfação (REVISTA
EDUCAÇÃO, 1998, p. 9).
Neste momento de gestação e construção de um novo
paradigma educacional, analisar e explorar as capacidades latentes
em todo indivíduo é um fator fundamental, assim como o estudo
da inteligência e seu conceito. Em tempos de revisão conceitual,
a noção de inteligência23 e de complexidade constitui-se em uma
questão-chave para que se entenda uma das possibilidades de se
encaminhar para novos paradigmas.
Para organizar este relato-pesquisa, buscou-se duas fontes
principais: o conjunto das inteligências de Howard Gardner,
psicólogo norte-americano, e as ideias de complexidade de
Edgar Morin, sociólogo francês, ambos se movendo no campo do
23 Ao longo deste texto, a palavra inteligência será tratada como sinônimo de capacidade,
habilidade, competência e estruturas da mente.

181
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

humano, da sociedade e, de alguma maneira, no âmbito da arte.


Os pensamentos desses autores sobre inteligência e complexidade
e suas relações com a arte são muito pertinentes.
A construção da pesquisa, com abordagem qualitativa,
cunho teórico e empírico, começou a ser ampliada a partir do
momento em que se visualizou todas as artes entremeadas na
concepção, produção e realização de um espetáculo teatral escolar.
O teatro necessita de todas as artes para que possa acontecer e,
às vezes, é até difícil saber em que momento se passa de uma arte
à outra, porque elas se mesclam, se entrelaçam e se entrosam,
não havendo fronteira nítida. Em outras palavras, todas as artes
se encontram e dialogam entre si na arte teatral. Ocorre aí a
denominada desterritorialização da arte.
Trabalhar com a expressão teatral na escola e montar vários
espetáculos juntamente com os alunos, levaram à dedução de
que a arte cênica é uma das mais abrangentes e, talvez, uma das
mais intertransmultidisciplinares, por abranger, além das outras
formas de expressão, outras áreas de conhecimento e desenvolver
o aluno em um todo, como:
• Na criação do texto (roteiro), baseado em alguma história,
já existente ou não, na qual os alunos leem, pesquisam textos,
livros de história etc., para, então, montarem a sua própria história
a ser encenada depois;
• Na cenografia, nos acessórios, nos adereços, na maquiagem,
na iluminação e nos figurinos, nos quais, ao imaginarem, ao criarem
e confeccionarem, desenvolvem noções de artes plásticas/visuais,
como cores, composição, equilíbrio, harmonia, estética, História da
Arte... Na maquiagem e confecção de acessórios e adereços, além
de todas essas noções, o aluno desenvolve habilidades manuais
e também adquire o hábito de pesquisar materiais diversos. Na
iluminação, além das concepções de luz e sombra, que dão a ideia
de dramaticidade, desenvolve-se, igualmente, a criatividade em
efeitos visuais de claro-escuro;

182
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

• Na dança, na qual os bailados e as coreografias criadas,


ensaiadas e apresentadas desenvolvem o ritmo, a coordenação,
o equilíbrio e a expressão corporal;
• Na sonoplastia, na qual todas as formas de som, batidas,
ruídos e escolha das músicas, canções, trilhas sonoras e ritmos
desenvolvem a musicalidade;
• Na encenação, no faz-de-conta, que permite ao aluno
adentrar em um mundo encantado e simbólico, incorporando à
sua própria vida, através da fantasia, elementos sobre o cotidiano
e a natureza humana, tão importantes para o desenvolvimento
emocional.
Sempre se desejou organizar essas informações de forma
científica e foi procurando elucidar, cientificamente, alguns pontos
que se descobriu já estar trabalhando, de maneira instintiva, com
todas as capacidades intelectuais no teatro escolar, habilidades
essas denominadas inteligências múltiplas por Gardner, criador e
sistematizador da teoria. Foi esta constatação que influenciou a
pesquisa, pois, no dia-a-dia escolar, não há como fugir da atividade
artística integrada.

O Palco

[...] minha cidade estava ensolarada, porém escolhi cantos de


sombra (BACHELARD, 1985, p. 180).

No cotidiano, convive-se com crianças e jovens que têm


acesso a todo o conforto e avanços tecnológicos do Primeiro Mundo
e, em contraponto, com outras que sobrevivem em situações
muito desfavorecidas. Nesse entendimento, tem-se atuado como
voluntárias em escolas na periferia da cidade de Cruz Alta, Estado
do Rio Grande do Sul, Brasil, procurando-se integrar a esses grupos,
especialmente com crianças e adolescentes, por meio da arte.
Interessa contribuir de algum modo e este jeito pode ser através da
arte, que foi a forma encontrada para interagir com esses indivíduos.

183
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Antes de conhecê-los, perguntava-se: quem são os sujeitos


que fazem parte desses grupos? Quando não estão nas instituições
ou escolas, perambulam pelas ruas da cidade? O que fazem?
Bebem? Cheiram cola, usam drogas, têm brigas e desentendimentos
com a família? Já fugiram de casa? Sofreram maus-tratos físicos,
sexuais, psicológicos? Têm relacionamentos conturbados com
madrastas e padrastos, pais, mães, avós? Vivem em situação de
exploração e abandono? É possível construir vínculos com eles?
Haverá uma sintonia com seus interesses e necessidades?
Muitas outras perguntas surgiram. Inúmeras. A capacidade
de interagir com eles, as características individuais, o meio familiar,
tudo instigava curiosidade e interesse. Por isso, inicialmente,
trabalhou-se com grupos de excluídos em instituições não escolares,
como as crianças que viviam em um Abrigo, com os adolescentes
que faziam parte do Projeto Bombeiros Mirins e também com os
alunos de uma escola estadual de Ensino Fundamental, todos da
cidade de Cruz Alta/RS. Com o passar do tempo e para realizar
uma atividade com maior qualidade e dedicação, optou-se por
trabalhar apenas com este último grupo.

Os Atores

Como diria Mário Quintana, essas coisas que parecem não ter
beleza nenhuma – é simplesmente porque não houve nunca quem
lhes desse ao menos um segundo olhar! (GARCIA, 2000, p. 26).

Participaram do estudo os alunos frequentadores da referida


escola estadual em Cruz Alta, integrantes das quatro etapas do
Ensino Fundamental que a instituição oferece, perfazendo, mais
ou menos, quarenta e dois alunos, cuja faixa etária ia dos seis
aos dezenove anos, divididos proporcionalmente entre meninos
e meninas. Eram crianças e adolescentes que se encontravam
em circunstâncias desfavoráveis economicamente e alguns, até,
viviam em situação de rua, muitos sendo obrigados a prover

184
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

o próprio sustento, “a se virar” e, inclusive, a contribuir para a


sobrevivência do núcleo familiar. A maioria estava em condições
de exclusão social, provindos de famílias mal estruturadas e de
baixíssima renda. Embora o lema da escola fosse “Sim à escola,
não à esmola”, muitos deles pediam esmola nas ruas e em eventos
que reuniam muitas pessoas; alguns eram filhos de catadores de
materiais recicláveis.
Entretanto, os sujeitos desta pesquisa não puderam ser
totalmente delimitados, já que os alunos desta escola eram
itinerantes. Às vezes, um conseguia algum serviço temporário,
como limpar pátios, jardins, hortas, ajudar em alguma atividade
caseira, lavar carros ou, até mesmo, como servente de pedreiro.
Igualmente, havia alunos que deixavam a escola e, depois de algum
tempo, retornavam. Tratava-se, portanto, de um grupo instável
e, por isso mesmo, rico em diversidades e possibilidades, o que
tornou o trabalho almejado um tanto difícil, porém nada rotineiro
ou previsível.
O educandário em questão costumava atender uma clientela
de crianças e adolescentes da periferia da cidade, muitos dos
quais não tinham roupas limpas para trocar e andavam descalços.
Em um dia muito frio, uma aluna de nove anos declarou com ar
de satisfação: “Profi! Ó, tô de meia!” Era um grupo no qual usar
meia seria privilégio de alguns, pois a maioria passava o inverno
sem meias. Trata-se daqueles que não têm telefone, computador,
celular, e-mail, redes sociais; muitos, nem geladeira. Geralmente,
vestiam-se com roupas e calçados doados pela comunidade na
Campanha do Agasalho e alguns usavam uniformes doados por
outros colégios.
Quanto ao espaço escolar pesquisado, este não dispunha
de laboratórios ou de qualquer tecnologia mais sofisticada para
o ensino-aprendizagem, como computadores. Havia tão-somente
um equipamento de vídeo e TV. Em compensação, a escola possuía
um campo de futebol e uma horta, onde estavam sendo cultivados
alface, cenoura, repolho e tempero-verde.

185
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

O banho, o café da manhã, o almoço e o lanche da tarde, as


aulas de artesanato e de capoeira, além do ensino propriamente
dito, faziam parte dos atrativos que mantinham esses educandos
na referida ambiência escolar. Os alunos chegavam às 8 horas
e permaneciam na escola até às 17 horas. Ao adentrar nessa
instituição e contatar com o grupo, percebeu-se que ali era um
terreno fértil, embora nada simples, para desenvolver um trabalho
com entusiasmo e empenho. Constatou-se que havia muitas
possibilidades de criação, tanto para as pesquisadoras quanto
para o grupo envolvido.
Em projetos dessa natureza, a pessoa modifica-se e enrique-
se como humano, descobrindo que pode fazer muito mais do que
somente trabalhar por uma remuneração, passando-se, assim, a
atuar como voluntárias na escola, onde o mínimo que se fizesse
poderia significar muito. Nesse sentido, a reflexão de Freire (2019,
p. 81) serviu de inspiração:

Ensinar exige alegria e esperança... Há uma relação entre a alegria


necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de que
professor e aluno juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-
nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos à nossa
alegria. Na verdade, do ponto de vista da natureza humana, a
esperança faz parte da natureza humana [...] A esperança é uma
espécie de ímpeto natural [...].

O sentimento de esperança e entusiasmo foram motivadores


durante todo o tempo ao se interagir com essas crianças e
adolescentes, que foram os sujeitos da investigação. Passou-
se, então, a trabalhar com eles, planejando desde a construção
e adaptação de um roteiro até a apresentação de uma peça
teatral. Essa atuação junto ao grupo despertou a necessidade
de escrever sobre eles, de desvendar o cotidiano escolar de um
grupo desfavorecido economicamente, mas com potencial para
inspirar um trabalho que combina simplicidade e complexidade.
Conforme Morin (apud PENA-VEGA e NASCIMENTO, 2001, p. 31),

186
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

“a complexidade é a união da simplicidade com a complexidade...


A grande questão, portanto, é esta: combinar o simples e o
complexo”.

A Complexidade e a Multiplicidade

A opção por fazer um estudo sobre a arte teatral aplicada


ao grupo em questão decorre da crença de que todo indivíduo
é portador de uma fonte inesgotável de possibilidades criativas.
Como afirma Ostrower (2014, p. 5), “a criatividade é um potencial
inerente ao homem, e a realização desse potencial uma de suas
necessidades”. Foi importante atuar junto a um grupo no qual
havia muitas dificuldades e nada estava organizado, fator que se
tornou um desafio para as pesquisadoras. Um grupo diferenciado,
multi, misto, heterogêneo e, por isso, complexo, assim se poderia
definir o universo investigado. Muitos deles tinham um ou até sete
irmãos frequentando a mesma escola. Nesse sentido, não houve
a perspectiva de trabalhar com um grupo homogêneo de alunos,
ao contrário, foi fundamental enfrentar e adaptar-se às diferenças
etárias que caracterizavam as turmas da escola.
Devido à heterogeneidade etária, seria um ato excludente
selecioná-los no trabalho com as atividades de expressão teatral,
pois “a criatividade sempre se dá melhor nas inter-relações com
o diferente” (ORTH e BAGGIO, 2001, p. 134). Assim, não se
poderia dividi-los entre “os que podiam participar das atividades
teatrais e os que não podiam”. Pretendeu-se não excluir aluno
algum, levando-os a perceber que seus saberes eram valiosos,
independentemente de sua idade. A respeito disso, cabe aqui o
que refere Mantoan (2002, p. 19-20):

Persiste e ideia de que as escolas consideradas de qualidade


são as que centram a aprendizagem no racional... e que avaliam
os alunos quantificando respostas-padrão. Entendemos que
existe ensino de qualidade quando as ações educativas pautam-

187
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

se na solidariedade, na colaboração... A aprendizagem nessas


circunstâncias é acentuada, ora destacando o lógico, o intuitivo,
o sensorial, ora os aspectos social e afetivo dos alunos. Em suas
práticas e métodos pedagógicos predominam a experimentação, a
criação, a descoberta, a coautoria do conhecimento. Vale o que os
alunos são capazes de aprender hoje e o que podemos oferecer-
lhes de melhor para que se desenvolvam em um ambiente rico e
verdadeiramente estimulador de suas potencialidades... Escolas
assim concebidas não excluem nenhum aluno de suas classes,
de seus programas, de suas aulas, das atividades e do convívio
escolar mais amplo. São contextos educacionais em que todos
os alunos têm possibilidade de aprender frequentando uma
mesma e única turma.

Tratava-se de quatro etapas mistas/séries/anos, de mais


ou menos, dez estudantes cada, nas quais conviviam crianças,
pré-adolescentes e adolescentes, ou seja, alunos de diferentes
idades interagindo em uma mesma sala de aula, não se mostrando
aconselhável quebrar esse ritmo. Apesar das desavenças e das
brigas que ocorriam entre eles, em certos momentos, protegiam-
se uns aos outros, sentindo-se responsáveis e respeitando-se
mutuamente. Então, trabalhou=se muito segundo a demanda
de Heráclito: “Juntem aquilo que concorda e aquilo que discorda,
aquilo que está em harmonia e aquilo que está em desacordo”
(MORIN e LE MOIGNE, 2000, p. 136). Na contemporaneidade,
com os movimentos em prol de oportunidades educacionais mais
inclusivas para crianças e adolescentes, as diferenças estão sendo
reconhecidas como parte inerente de cada um. Como esclarece
Stainback (2002, p. 16):

As experiências educacionais inclusivas estão cada vez mais


indicando às crianças que os alunos não precisam ter todas as
mesmas características para serem respeitados e dignos da sala
de aula. Ao contrário, as diferenças entre os alunos em sala
de aula estão sendo reconhecidas como uma vantagem para a
aprendizagem.

188
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Nesta perspectiva, muito mais nas atividades de expressão


artístico-teatrais, a diversidade é enriquecedora. Neste trabalho,
as diferenças de idade facilitaram ainda mais o desenvolvimento
do respeito mútuo, melhorando o relacionamento dos membros
do grupo. No espaço escolar observado, as diferenças etárias são
recorrentes e fazem parte do cotidiano desses educandos. É neste
sentido que Mantoan (2002, p. 23) acrescenta:

Não se pode imaginar uma educação para todos quando caímos


na tentação de construir grupos de alunos por séries, por níveis
de desempenho escolar... Sem dúvida é a heterogeneidade que
dinamiza os grupos, que lhes dá vigor, funcionalidade e garante o
sucesso escolar... Precisamos conscientizar-nos de que as turmas
escolares, queiramos ou não, são e serão sempre desiguais. Talvez
seja este o nosso maior mote: fazer com que todos entendam
que a escola é um lugar privilegiado de encontro com o outro.
Este outro que é, sempre e necessariamente, diferente!

Deste modo, conseguir transitar e circular por entre as


diferenças também fez parte desta investigação, as quais não
foram somente etárias, mas também de outras ordens.

A Peça

[...] a criatividade nasce da livre expressão, da brincadeira... Não


existe processo criativo. São muitos os processos criativos, com
muitas camadas, muitos níveis de envolvimento e propósito
(NACHMANOVITCH, 1993, p. 165).

A peça encenada pelo grupo não era um clássico ou uma


obra literária famosa. O roteiro construído foi inspirado em uma
colagem de textos e ideias sobre o meio ambiente, enriquecido
por sugestões dos próprios alunos. Na organização desse texto
coletivo, todos se envolveram, embora, quando começou a ser
construído, não se soubesse a quem iria ser exibido. A inscrição
para apresentar a peça na Feira do Livro aconteceu somente mais

189
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

tarde. Por isso, foi montado um texto de mais ou menos vinte


minutos de duração, com uma mensagem e um conteúdo que
pudessem servir aos mais variados tipos de público.
Como a temática da Feira do Livro eram as histórias infanto-
juvenis de Monteiro Lobato, a peça recebeu o título de “Emília e
o Meio Ambiente”. O assunto meio ambiente surgiu por ser um
tema presente no dia-a-dia do grupo e também em razão de a
escola se encontrar em um local bem amplo, todo arborizado.
Nesse espaço, os sujeitos interagiam com a natureza e interferiam
no meio, como ao cultivarem hortas ou serem perseguidos por um
enxame de abelhas, fato que ocorreu em certa ocasião quando
um aluno foi hospitalizado. Os indivíduos em questão brincavam
muito na grama, jogavam futebol em um ambiente espaçoso e,
igualmente, vigiavam cobras que, porventura, pudessem surgir.
Então, animais e natureza são temas que faziam parte daquele
contexto, além de ser um tópico transversal, tratava-se de um
assunto de seus referenciais de conhecimento e de interesse.
Definido o tema, que seria a natureza, foram organizadas
as sugestões dadas por eles e os diálogos foram estruturados de
maneira que houvesse um conflito. Esse foi um trabalho quase
artesanal e que exigiu mais paciência e tempo. A peça tratava,
entre outras nuances ambientais, do desmatamento, da poluição
da água, das variações de temperatura, das estações do ano, de
relâmpagos, raios, trovões, do sol, da chuva, da flora, da fauna,
dos rios etc. Ao montar o roteiro, todos os alunos perceberam
que era um assunto marcado pela intersecção de vários campos
de saberes, o que os estimulou a pesquisarem. Aos poucos, eles
foram descobrindo informações sobre a questão nos próprios
livros de sala de aula e também nas obras infantis que estavam nas
prateleiras das salas. Buscaram, assim, inspiração nessas fontes e
reuniram subsídios para aplicá-los na construção do texto coletivo,
fazendo uma montagem com esses fragmentos.
A conjuntura ecologia é um aspecto que preocupa e interessa
a todo o planeta. Então, para poderem participar da construção

190
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

do texto, os alunos tiveram que pesquisar, ler, falar, sugerir,


ver figuras, ilustrações, ouvir músicas, expressar-se, desenhar,
descrever as ações das personagens e atuar. Aos poucos, os mais
tímidos acabaram se soltando e se expressando melhor em todos
os sentidos. Ao tentarem criar uma história para encenar, esses
alunos estavam, ao mesmo tempo, relacionando, ordenando,
configurando, significando e dando forma a algo novo, pois “[...] ao
agir, ao imaginar, ao sonhar, sempre o homem relaciona e forma”,
consoante relata Ostrower (2014, p. 9).
Este texto-roteiro não foi seguido na íntegra, mas serviu de
base e estruturou toda a atividade. Mesmo depois de terminado,
ainda não estaria pronto, visto que foi sempre sendo modificado
ao longo dos ensaios e apresentações. Concluído o roteiro, a
orientação era de que deveria servir apenas como apoio para o
bom andamento da história e não para fins de “decoreba”. Foi
sugerido que o aluno lesse a sua parte e tentasse expressar com
suas próprias palavras a ideia contida no texto.

Considerações Finais

Criar e desenvolver o gosto, o interesse e a curiosidade


pela arte deve sempre ser uma das finalidades de uma educação
direcionada ao desenvolvimento das múltiplas capacidades do
indivíduo, para que, assim, ele possa entender quem é, onde está
e para onde deseja ir. É esse o desafio contemporâneo, visto que
os novos paradigmas para a educação consideram que o aluno
deve ser visto como um ser total e, como tal, possuidor de outras
competências que não somente a linguística e a lógico-matemática.
Logo, de acordo com Orth e Baggio (2001, p. 17-18):

Boas notas, capacidade de raciocínio lógico e memorização


tornam-se, pois, sinônimos de inteligência. Ainda hoje, quando
um professor fala de alguém como seu melhor aluno, certamente
não está falando de suas capacidades interativas, cênicas, críticas,
autocríticas e criativas, mas sim de seu rendimento – nota.

191
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Foi disso que tratou esta investigação, a qual teve como


objetivo discutir a imprescindibilidade da arte no desenvolvimento
e formação do ser integrado. Acredita-se que escrever sobre a
arte no espaço escolar significa lutar contra a ideia de que se
trata de algo separado da vida e do dia-a-dia. Cada vez mais, o
mundo contemporâneo está ligado ao desenvolvimento do saber
artístico, inclusive para o desempenho das mais variadas profissões.
Assim, “o indivíduo que não conhece arte tem uma experiência
de aprendizagem limitada, escapa-lhe a dimensão do sonho, da
imaginação, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da
sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores
e das formas, dos gestos e luzes que buscam o sentido da vida”
(BRASIL, 1996, p. 21).
As meninas e meninos dos pés roxos de frio e malvestidos,
que, em dias de temperatura baixa, usavam apenas camiseta
e blusões de lã puídos e gastos, escondiam belezas e talentos
incalculáveis. Constatou-se, portanto, que não se está diante de
uma disciplina marginal, uma vez que a área da arte acrescenta
muito para ampliar o conhecimento, ajudando a formar um olhar
crítico e filosófico. Como alerta Morin (2000a, p. 45), “as artes
levam-nos à dimensão estética da existência e, conforme o adágio
que diz que a natureza imita a obra de arte, elas nos ensinam a
ver o mundo esteticamente”.

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193
João Loredi Lemes, Brasil
Doutorando em Educação pela (UFSM/RS). Diretor-
editor do jornal Expresso Ilustrado. Membro da
Academia Santiaguense de Letras. Integrante do
Grupo de Pesquisa KITANDA: Educação e Intercultura,
coordenado pelo Professor Dr. Valdo Barcelos (UFSM),
sendo cadastrado no CNPq.
E-mail: jlemes964@gmail.com

Elvio de Carvalho, Brasil


Doutor em Educação pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM) e Professor de Filosofia no
Ensino Básico, em Rosário do Sul. Integrante do
Grupo de Pesquisa KITANDA: Educação e Intercultura,
coordenado pelo Professor Dr. Valdo Barcelos (UFSM),
sendo cadastrado no CNPq.
E-mail: helviodecarvalho@gmail.com

Emanuel Sagrillo Carvalho, Brasil


Formando em Direito – (UNIFRA) pesquisador de
Jean Jacques Rousseau, sobre os Direitos humanos
na infância. Integrente do Grupo Cultural Labirintos.
E-mail: emanusdc@gmail.com
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

OS DIREITOS HUMANOS
DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

João Loredi Lemes


Elvio de Carvalho
Emanuel Sagrillo Carvalho

Esse artigo realiza uma releitura sobre alguns problemas


enfrentados pelas crianças e adolescentes, em relação aos próprios
direitos humanos, além de refletir sobre conceitos bases de tal tema.
Quando se fala sobre problemas enfrentados por crianças
e adolescentes, um exemplo claro disso são as instituições de
Direito, seja o Juizado ou a Promotoria, que zelam pelos direitos
dos vulneráveis, além mesmo do Conselho Tutelar e suas atuações.
Conforme SAFT (2016), Juíza da Vara da Infância e da Juventude de
Horizontina, se alguém perguntar a uma criança carente do que
ela tem medo, geralmente ela diz que é da polícia e do Conselho
Tutelar, justamente os órgãos com a função protetiva.
O escritor russo Anton Tchekhov (1860 - 1904) escreveu
sobre a violência sofrida na infância. Ao criticar a tirania de seu
pai em carta a seu irmão Aleksandr, questiona sobre o horror e
repulsa que sentiu quando criança, naquele momento em que o
pai se enraiveceu durante o jantar porque havia muito sal na sopa
e chamou sua mãe de tola.
Freire (1980) nos ensina que até mesmo a linguagem é fruto
da ideologia vinda das elites. Quem não souber usá-la, perderá
forças na luta contra o sistema e contra o preconceito. Então, o
novo professor deve ficar atento e mostrar ao jovem que todos
têm direito a uma educação libertadora e eficaz. Têm direito de
se apoderar de instrumentos que barrem esse preconceito que
atravanca a liberdade e a vida.
Tantas narrativas nos mostram que todos os dias presenciamos
afrontas aos Direitos Humanos. Seja no lar, na rua, no trabalho

195
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

ou na escola. Seja pela moda, pela forma física das pessoas, seja
pelo gênero e até pela linguagem oriunda de uma diversidade de
falares regionais. Tudo é motivo para o desrespeito aos direitos
individuais dos mais oprimidos. Isso revolta, da revolta vem a
violência e nisso tudo está o baixo rendimento escolar.
Maturana (2011) fala, por exemplo, sobre democracia,
essencial a qualquer estudante para que ele possa compreender
sua natureza e sua convivência perante os demais. Maturana explica
que origem da democracia remonta à antiga Grécia, sendo um
aspecto de nosso emocionar infantil matríztico (uma coexistência
neomatríztica), uma nostalgia inconsciente de nossa infância que
toma forma no desejo de viver em um meio de respeito mútuo,
sem a luta nem o esforço pela dominação do outro. A democracia,
então, seria “uma cunha que abriu uma fenda em nossa cultura
patriarcal. Por meio dessa abertura pôde emergir novamente, em
nossa vida adulta, o emocionar infantil matríztico que estava oculto”
(MATURANA, 2011, p. 90).
Como bem vimos, na cultura matríztica as relações não se
fundamentam em relacionamentos de autoridade e obediência,
algo comum na cultura patriarcal. Todavia, como a democracia são
rupturas matrízticas da rede de conversações patriarcais, ela enfrenta
uma constante oposição patriarcal que a distorce na tentativa de
destrui-la para que tudo prossiga na vivência de um emocionar da
competição, da negação do outro e da tomada de poder a qualquer
custo. Por esse prisma, nota-se que a democracia, para alguns, acaba
sendo um modo eleitoral de conseguir o “poder político”. Isso provém
do emocionar básico, ou seja, é o desejo de dominação e controle,
típicos da cultura patriarcal calcada na obediência, submissão e
coerção. Estes ignoram ou esquecem que a democracia não opera
como poder, autoridade ou exigências de obediência. Ela se realiza
por meio de condutas que surgem de conversações de co-inspiração
que geram cooperação, consenso e acordos (MATURANA, 2011).
Esse viver democrático, para Maturana (2011), não visa a
resolução de conflitos de interesse, traz a constituição do Estado

196
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

democrático como um projeto comum, pois a democracia não é


uma solução. Ela é um ato poético, que define um ponto de partida
para uma vida adulta neomatríztica, um sistema de convivência
social alicerçado pelo respeito recíproco e pela cooperação, uma
legítima obra de arte, senão vejamos:

A democracia não é um produto da razão humana: é uma obra de


arte, uma produção de nosso emocionar. É uma forma diferente
de viver segundo o desejo neomatrístico de uma convivência
humana dignificada na estética do respeito recíproco. O que
dificulta o viver democrático, no meio de uma cultura patriarcal
que a nega continuamente, é que as pessoas que querem viver
a democracia são patriarcais por origem (MATURANA; VERDEN-
ZÖLLER, 2011, p.25).

Diante da leitura profunda em Maturana (2011), percebe-se


que a vida humana é cultural e ocorre em uma rede de conversações
entrelaçando o linguajear e o emocionar. Baseado nesse princípio
acredito sinceramente que uma vida melhor é possível se levarmos
em conta que a criança aprende muito mais pelo exemplo, pelo
que fizemos e não pelo que dissemos. Já o jovem adolescente,
pode aprender de duas maneiras; pelo exemplo, pelo fazer do(a)
professor(a) e pelo que este(a) pode lhe transmitir. Acredito que um
ensino por meio da intercultura pode transformar nossa realidade.
É preciso, então, demonstrar ao educando que a linhagem
humana vem do viver em redes de conversações forjadas pelos
nossos ancestrais, indicando que eles viveram uma história de
coexistência fundada na biologia do amor. Como bem ensina
Maturana (2011), o amor é a base para o domínio das nossas ações
que constituem o outro como ser legítimo e necessário à nossa
emoção que dá sentido à vida social. Somos animais dependentes
desse amor, sem ele não há emoção, não há felicidade, não há
vida digna de ser vivida, bem vivida em sua plenitude.
Quando se busca Maturana numa proposta de pensar a
educação a partir da biologia do amor, se percebe que essa não é
tarefa difícil, pois todos somos seres assim constituídos. Barcelos

197
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

e Maders (2016) deixam claro, porém, que isso só acontecerá se


o professor e a professora souberem respeitar a si próprios, sem
a necessidade de explicarem a sua natureza ou seus motivos para
terem a conduta que têm.

Direitos Humanos: afinal, o que são?

Em 10 de dezembro de 1948 era assinada a Declaração


Internacional dos Direitos Humanos pela Organização das Nações
Unidas (ONU). O documento histórico, com mais de 70 anos, foi
traduzido ao mundo para divulgar e popularizar suas leis a fim de
proteger os mais oprimidos.
Após a sua assinatura, pela primeira vez uma norma comum
a todos os povos e nações passou a defender, entre outros artigos
(no total de 30), o direito ao trabalho, à liberdade, à expressão,
à educação e, principalmente, o direito à vida. Esses direitos
independem de cor, nacionalidade, credo, religião ou classe social.
Mas o que são os Direitos Humanos? A Declaração Universal
dos Direitos Humanos (DUDH), assim define:

Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres


humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade,
etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Os direitos
humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de
opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre e
muitos outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos estabelece as
obrigações dos governos de agirem de determinadas maneiras
ou de se absterem de certos atos, a fim de promover e proteger
os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos
(DUDH, 2016).

Para uma sociedade avançada atingir esse grau de sofisticação


nos Direitos Humanos, há a necessidade de atingirmos algumas
características importantes, necessárias ao cidadão.

198
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Algumas das características mais importantes dos direitos


humanos são:
- Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela
dignidade e o valor de cada pessoa;
- Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são
aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas;
- Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser
privado de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em
situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser
restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime
diante de um tribunal e com o devido processo legal;
- Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e
interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos
humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai
afetar o respeito por muitos outros;
- Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como
de igual importância, sendo igualmente essencial respeitar a
dignidade e o valor de cada pessoa (DUDH, 2016)

Anos mais tarde, após a promulgação pela ONU, houve


também muitos pactos e convenções internacionais para o
fortalecimento desses direitos e para que houvesse seu efetivo
cumprimento. Assim, surgiu também a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH), com sede na Costa Rica, da qual o
Brasil faz parte. Mesmo com todos esses mecanismos, tratados e
obrigações, muitos países ainda esmagam esses direitos da pessoa
humana. Aqui no Brasil, por exemplo, a todo momento se assiste a
brutais violações. Os mais atingidos são os negros, índios, pobres
camponeses, crianças, mulheres, idosos e até doentes.
É por isso que quase ninguém estranha o fato de que, no
Brasil, a maioria ainda pergunta o que são os Direitos Humanos,
acreditando-se que tais leis só sirvam para defender dos direitos
dos infratores presos. E uma das graves realidades que levam a esse
pensamento atrasado vem do próprio governo que não prioriza
os Direitos Humanos na educação de seu povo.
Pior do que isso é o país não respeitar nem ao menos o que
foi tratado com as demais nações junto à Comissão Interamericana

199
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

de Direitos Humanos. Há pilhas de processos nessa corte provando


os crimes cometidos pelo governo brasileiro. Tudo nos leva a
comprovar que esses são apenas alguns casos que extrapolam
as fronteiras, enquanto outros tantos crimes de igual gravidade
seguem sendo cometidos por todos os cantos do Brasil, cujos
autores se escondem no manto da impunidade.

O educador tem papel fundamental no combate à violência:


possível solução para mudar essa realidade

Uma possível solução para preservar os direitos humanos das


crianças e adolescentes provém dos professores, das entidades e
das redes que se formam entre educadores, entidades e sociedade
que, com seus grupos organizados, poderão conseguir avanços
sociais em suas áreas.
O escritor Arroyo (2000) diz que o jovem gosta de criar
seu território. Em toda a parte, ele quer deixar a marca de sua
presença e, às vezes, isso não acontece da melhor maneira. Diante
dessas constatações, a escola precisa criar estrutura para que
esse jovem se sinta em seu território e, com isso, tenha todo o
conforto e tranquilidade para aprender, sempre respeitando o
espaço do outro.
Com tantos problemas sociais envolvendo a juventude,
entendemos que um dos passos mais importantes nesse mecanismo
educacional possa ser dado pelo docente. Ele precisa perceber essa
realidade que envolve esses “invisíveis” e notar em seus alunos a
sua possível vulnerabilidade social que pode acabar levando-o ao
fracasso nos estudos e, por óbvio, no abandono da escola, bem
como, da vida social.
Para Débora Aparecida Dias, delegada da Polícia Civil de
Santa Maria (DIAS, 2010), o educador, para educar, deve ter amplo
e sensível olhar direcionado às prováveis vítimas de violência, já
que ele está diariamente em contato com esses jovens. Ele deve

200
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

usar seus conhecimentos gerais e específicos para essa interação e


auxiliar o aluno. Portanto, o professor pode fazer a diferença, não
só passando conteúdo e formando, mas observando os “sinais”
que essas vítimas apresentam.
Diz a delegada que a função primordial do mestre é educar e
isso, pela sua visão, vai além do estabelecido no currículo escolar.
É preciso haver uma perfeita interação do ser humano professor e
do ser humano aluno, lembrando que o educador é um paradigma,
daí a sua peculiar missão na vida dos educandos, principalmente
no que diz respeito aos mais jovens. Dias (2010) cita Paulo Freire
ao dizer que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
possibilidade para sua produção ou construção”.
No livro “Escola que Protege: dimensões de um trabalho
em rede” Dias (2010) narra que o professor precisa observar o
seu aluno com sensível cuidado e a inteligência de um educador.
Neste ponto, ela salienta o uso da chamada “para-linguagem”,
focando na mensagem que as pessoas nos passam sem nada dizer.
O professor deve observar, interpretar, interessar-se e analisar a
conduta do aluno, mas para isso é preciso atenção e comunicação.
Oura questão relevante para a delegada é ouvir o que a criança tem
a dizer, pois, a escuta é um instrumento poderoso de observação
e comunicação.
Dias (2010) chama a atenção para certos sinais que as vítimas
de abuso sexual apresentam a um bom observador. Todavia, esses
“sintomas” não devem ser tomados isoladamente. Deve haver a
análise do conjunto.
O professor deve observar se o aluno tem alternâncias de
humor, se muda bruscamente de comportamento, se tem atitudes
agressivas, se sofre quedas nas notas, se dorme em aula, se fica
isolado. É preciso perceber se o estudante usa muitas roupas
- mesmo em dias de calor -, se as roupas estão rasgadas e/ou
manchadas com sangue, se tem erupções na pele, vômitos, dor
de cabeça, dificuldade de caminhar, queixa de infecção urinária
e secreções.

201
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Afora os sinais físicos, é importante ficar atento às chamadas


famílias de risco, aquelas que têm condições propícias de criar
ambientes propícios à violência doméstica, como as de pobreza
extrema, famílias que têm pais alcoolistas, mãe frágil e ausente,
filha adolescente que assume o papel de dona de casa etc. (DIAS,
2010).
Como ensina Maturana (apud BARCELOS, 2016), “se
quisermos modificar as coisas, devemos primeiro modificar a nós
mesmos, mudando o nosso jeito de fazer para um fazer melhor,
no qual o amor e o viver cooperativo sejam a tônica”. Esse artigo
talvez não venha modificar alguma situação, muito menos as
pessoas, porém, de uma coisa temos convicção: não somos os
mesmos homens que iniciaram este artigo. A abstração favorece
o próprio crescimento e, por consequência, que o nosso artigo
possa favorecer a sua abstração em relação ao seu próprio mundo.

Referências bibliográficas

ARROYO, Miguel Gonzales. Ofício de Mestre. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000.


BARCELOS, Valdo Hermes de Lima. MADERS, Sandra. Humberto Maturana e a
Educação – Santa Maria, RS: Editora e Gráfica Caxias, 2016.
FREIRE, Paulo. Conscientização. Teoria e Prática da Libertação: uma introdução
ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980.
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), disponível em: <http://
www.dudh.org.br/definicao/>. Acesso em: 24 mar. 2016.
DIAS, Débora Aparecida; ANTUNES, Helenise Sangoi (org.). Escola que Protege
- dimensões de um trabalho em rede. 1ª ed. Porto Alegre: Asterisco 2010.
MATURANA, H.; VERDEN-ZOLLER, G. Amar e Brincar. Fundamentos esquecidos
do humano. 2.ed. São Paulo: Palas Athena, 2011.
SAFT, Cátia Paula. Palestra ministrada. Centro de Educação da UFSM, 19 de
maio de 2016. Disciplina Seminário Avançado de Direitos Humanos, Intercultura
e Educação, sob a coordenação do Prof. Dr. Valdo Barcelos.

202
Carine Nascimento da Silva, Brasil

Graduada em Fisioterapia. Mestranda do Programa


de Pós-graduação em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social-UNICRUZ. Bolsista CAPES.
O presente trabalho foi realizado com apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9908-5291 E-mail:
Kaca_nascimento@hotmail.com

Camila Kuhn Vieira, Brasil

Graduada em Enfermagem. Mestranda do Programa


de Pós-graduação em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social- UNICRUZ. Bolsista CAPES.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6303-4318.
E-mail: camilakuhn1994@hotmail.com

Adelita Nicolodi, Brasil

Graduada em Direito. Mestranda do Programa


de Pós-graduação em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social- UNICRUZ. ORCID: https://
orcid.org/0000-0002-7350-2402. E-mail: adelita.
nicolodi@cotriba.com.br
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

A TEORIA DA DIALOGICIDADE DE PAULO FREIRE NO


ENSINO SUPERIOR CONTEMPORÂNEO

Carine Nascimento da Silva


Camila Kuhn Vieira
Adelita Nicolodi

Resumo: O presente trabalho é oriundo das discussões e reflexões


da disciplina de Práticas Socioculturais e Participação Social, alocada
ao Programa de Pós-Graduação (PPG) em Práticas Socioculturais e
Desenvolvimento Social da Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ,
e parte da premissa de que o ensino superior deve ser baseado
na dialogicidade, no qual tem papel fundamental na construção
de bons profissionais. Nessa premissa, nota-se a importância da
dialogicidade no ensino superior e na formação de profissionais
que utilizem o diálogo e a compreensão da palavra, de forma não
autoritária e ditatória, no qual refletirá nos moldes da sociedade
em que vivemos. Com isso, o presente estudo tem como objetivo
buscar através de uma revisão bibliográfica a importância que
a teoria da dialogicidade de Paulo Freire, tem na educação no
ensino superior, e como esta teoria pode refletir na sociedade e
na vida profissional destes acadêmicos. A pesquisa caracteriza-se
em uma abordagem qualitativa, de tipo revisão bibliográfica, de
caráter descritivo, a partir das obras de Paulo Freire, principalmente
da Obra “Pedagogia do Oprimido” (1968-2014), além deste foi
realizado uma pesquisa nas bases acadêmicas (Google acadêmico
e Scielo) e material eletrônico (e-book) que igualmente tratam do
tema abordado. Paulo Freire e os autores dos artigos científicos
trazem como propósito as transformações sociais e educacionais
ocorridas na sociedade e nos indivíduos através da teoria da
dialogicidade. O diálogo gera a ação-reflexão e leva a práxis,
gerando a reflexão sobre o mundo em que vivemos, sendo este
o objetivo da dialogicidade. A dialogicidade gera o pensamento
crítico, e assim busca promover a comunicação e garantir uma

205
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

educação comprometida com a humanização. Desta forma, conclui-


se que que é de extrema importância do diálogo no ensino superior,
na formação de pessoas que irão constituir uma sociedade que
muda com o passar dos anos, e necessita de pessoas com o senso
crítico de reflexão.

Palavras-chave: Humanitário. Profissional. Diálogo.

Considerações iniciais

A dialogicidade é um dos eixos de fundamentação da teoria


freiriana, direcionada a um ensino que se efetua por meio do
diálogo, de uma interação comunicativa, como: a conversa e a
prática de liberdade. Paulo Freire, em sua obra “Pedagogia do
Oprimido”, no capítulo três e quatro expõem a ideia da educação
bancária, caracterizada pela inexistência do diálogo, nesse contexto,
se deu o interesse de conhecer e refletir nesta temática, bem
como a contribuição de da dialogicidade no contexto educacional.
Freire relata que o diálogo é um fenômeno humano em que
se baseia na palavra, mas esta necessita de uma análise efetiva,
para torna-se diálogo, isto nos impõe buscar seus elementos
constitutivos (FREIRE, 2005). Com essa ideia, o diálogo surge do
conhecimento oriundo das relações sociais, das reflexões políticas,
econômicas e morais, sendo assim, percebe-se a importância que
têm a palavra, podendo ela ser causadora de uma revolução de
ideias e pensamentos.
Nesse contexto, que o diálogo se torna uma exigência
simbólica-essencial, de transformação e harmonia entre as palavras,
no qual deve ser empregado no contexto universitário, excluindo
a educação bancária ditada e transformando em discussão e
reflexão, mais precisamente, uma práxis. Pois, sabemos que o
ambiente acadêmico é um dos meios de transformar o mundo, em
que futuros profissionais poderão diante das reflexões de sua vida

206
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

acadêmica contribuir para uma sociedade mais justa, igualitária


e sem preconceitos.
Portanto, Almeida (2008) ressalta que uma educação
organizada por meio da dialogicidade, pode originar a relação
de humildade, encontro e solidariedade, gerando a confiança,
não enfatizando somente o conteúdo programático, mas sim,
em pensar, refletir e dialogar sobre o conteúdo proposto. Nesta
perspectiva, no diálogo, a atividade pedagógica começa antes da
ação propriamente dita, pois ocorre a busca dos conteúdos para
posteriormente ter a dialogicidade.
Nessa premissa, nota-se a importância da dialogicidade
no ensino superior e na formação de profissionais que utilizem
o diálogo e a compreensão da palavra, de forma não autoritária
e ditatória, no qual refletirá nos moldes da sociedade em que
vivemos. Com isso, o presente estudo tem como objetivo buscar
através de uma revisão bibliográfica a importância que a teoria da
dialogicidade de Paulo Freire tem na educação no ensino superior,
e como esta teoria pode refletir na sociedade e na vida profissional
destes acadêmicos.

Metodologia

A pesquisa caracteriza-se em uma abordagem qualitativa,


de tipo revisão bibliográfica, de caráter descritivo, a partir das
obras de Paulo Freire, principalmente da Obra “Pedagogia do
Oprimido” (1968-2014), além deste foi realizado uma pesquisa
nas bases acadêmicas (Google acadêmico e Scielo) e material
eletrônico (e-book) que igualmente tratam do tema abordado.
Paulo Freire e os autores dos artigos científicos trazem como
propósito as transformações sociais e educacionais ocorridas na
sociedade e nos indivíduos através da teoria da dialogicidade. O
presente trabalho é oriundo das discussões e reflexões do Grupo de
Estudos Humanos e Pedagógicos (GPEHP) e na disciplina de Práticas

207
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Socioculturais e Participação Social, alocada ao Programa de Pós-


Graduação (PPG) em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento
Social da Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ.

A dialogicidade no ensino superior

O presente artigo busca discutir sobre a teoria da dialogicidade


do livro Pedagogia do Oprimido, do autor Paulo Freire, escrito no
século XX, porém é muito utilizado atualmente, contribuindo
na perspectiva educacional e social. Este livro foi originado da
experiência que o autor obteve ao ensinar adultos a ler e escrever,
publicado pela primeira vez em 1968, traduzido em mais de 40
idiomas (MARTINS et al., 2015).
O livro é dividido em quatro capítulos, sendo eles: I Capítulo
- Justificativa da pedagogia do oprimido; II Capítulo - A Concepção
“Bancária” da educação como instrumento da opressão; III Capítulo
- A dialogicidade: Essência da educação como prática da liberdade;
e o IV Capítulo - A teoria da ação antidialógica.
Nesses capítulos, o autor relata as formas e maneiras de
educar, em que aborda o conceito de educação como instrumento
de opressão, trazendo a figura do mestre/professor, sendo aquele
que contém o conhecimento, e o aluno aquele indivíduo que
apenas recebe o conhecimento, onde não há diálogo e reflexão,
sendo esta forma, denominando como educação bancária. Nessa
visão, os que se consideram sábios doam seus conhecimentos para
àqueles que julgam não saber nada, e isso acaba por oprimir os
educandos, com isso, percebe-se a falta de pensamento do ser
humano, pois o ser humano é um ser pensante (FREIRE, 1987).
Desta forma, evidencia-se que, se não houver opressão,
temos o diálogo, e com isso, os seres humanos serão mais críticos
em seus pensamentos e ações, isto contraria a direção da opressão,
buscando o verdadeiro ato de educar, e transformando o educando
em seres pensantes através da ação e reflexão, abrindo espaço

208
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

a uma educação ‘verdadeira’, conhecendo e interagindo com o


conhecimento adquirido de forma crítica, mediando conhecimento
a outros alunos e pessoas da sociedade. Segundo Síveres (2016,
p.15) “[...] a palavra ‘dia-logos’ tem na sua raiz grega uma conexão
entre o discurso e a prática, uma vinculação entre o pensamento
e o sentimento, e uma interação entre a razão e a experiência”,
sendo assim, o diálogo não é apenas informações e sim, um sistema
de comunicação.
Freire relata em sua obra a essencial da dialogicidade, que
abre espaço para a ‘palavra’ debatida com amor, esperança, fé
e respeito, como mostra no quadro 1, assim, Freire caracteriza o
diálogo como:

O diálogo é este encontro dos homens, imediatizados pelo mundo,


para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-
tu. Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que
querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os
que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se
acham negados deste direito (FREIRE, 2005, p. 91).

Quadro 1 - Essência do diálogo e seus elementos constitutivos

 Amor aos homens e ao mundo


 Amor como elemento constitutivo do ato
revolucionário
 Amor como ato de coragem e não de medo
Amor  Amor como compromisso com a libertação
 Amor não é pretexto para a manipulação
 Amor como ato valente e não piegas
 Amor restaurado no processo de superação da
opressão

209
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

 Humildade em contrapartida ao ato arrogante


 Humildade: reconhecer a própria ignorância
 Humildade contrapartida ao homem que se vê
virtuoso ou puro por herança
 Humildade como reconhecimento da participação
Humildade das massas e não de um grupo seleto
 Humildade: se abrir para a contribuição dos outros
sem oferecer com elas
 Humildade: sentir-se e saber-se tão homem quanto
os outros
 Humildade: busca pelo ser mais

 Fé nos homens
 Fé no seu poder de fazer e refazer
 Fé na sua vocação de ser mais
Fé  Fé nos homens antes mesmo de encontrar-se frente
a frente com eles.
 Fé crítica e sem ingenuidade
 Fé sem crer é manipulação

 Confiança só existe no processo diálogo


 Confiança se instaura com o diálogo
 Confiança vai fazendo os sujeitos dialógicos cada vez
Confiança
mais companheiros na pronúncia do mundo
 Confiança implica o testemunho que o sujeito dá aos
outros de suas reais e concretas intenções

 Pensar crítico é não aceitar a dicotomia homem-


mundo
 Pensar crítico é reconhecer a solidariedade
inquebrantável entre o homem e mundo
Pensar  Pensar crítico é perceber a realidade como processo
crítico/pensar e não como algo estático
verdadeiro  Pensar crítico é opor-se ao pensar ingênuo
 Pensar crítico é não se acomodar a este hoje
normalizado
 Sem pensar crítico não há verdadeiramente
educação

210
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

 Esperança está na essência da imperfeição dos


homens
 Esperança é uma busca eterna que não se faz no
Esperança
isolamento, mas na comunicação entre os homens
 Esperança não é cruzar os braços e esperar
 Esperança é mover-nos enquanto lutamos
Fonte: baseado em Freire, 1987

Gadotti (1996), colabora com a educação dialógica-dialética


entre educador e educando, aprendendo juntos, de forma reflexiva,
em que o diálogo pode proporcionar questionamentos sobre
questões e problemas pessoais, acadêmicos e sociais. Por isso,
Freire considera o diálogo uma filosofia da educação, um meio de
construir saberes e proporcionar uma boa aprendizagem, pois, com
a dialogicidade o homem tem uma visão de mundo. No entanto,
o diálogo com intuito de mudança, só acontecerá entre pessoas
que confiem umas nas outras, sendo assim, aqueles que se acham
autossuficientes não estão aptos a possuir esse diálogo, pois tem
o pensamento opressor.
Neste contexto, ressalta-se a importância do diálogo no
ensino superior, onde os futuros profissionais devem ter voz,
e saber dialogar de forma a construir conhecimentos, onde o
aluno e o professor aprendem juntos. As universidades estão
ditadas a trabalhar mais especificamente com o conhecimento,
de forma a impulsionar e motivar os alunos frente aos desafios
da sociedade atual, com isso a práxis educativa dialógica é de
extrema importância, pois é capaz de transformar a realidade e
as própria pessoas (HENZ, 2007).
Mas nota-se através de estudos o quanto é difícil, os
estudantes do Ensino Superior querer dialogar e sair da sua zona
de conforto, neste momento entra a atuação do professor, ele deve
ser o mediador deste diálogo, onde esta relação entre professor e
aluno é essencial para o progresso e para o resultado satisfatório
no âmbito educacional (FREIRE, 1996).

211
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

[...] fundamental é que professor e alunos saibam que a postura


deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa,
indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto
ouve. O importante é que professor e alunos se assumam
epistemologicamente curiosos (FREIRE, 1996, p. 86).

A prática do professor do ensino superior e como ele agirá para


passar seu conhecimento ao aluno dependerá do diálogo e reflexão
de determinada temática. Assim, a educação no ensino superior
deve ser planejada pelo professor, mas realizado, promovido e
avaliado com o aluno. Logo, o diálogo acadêmico é um procedimento
relacional entre o princípio dialógico e o processo da dialogicidade,
onde o acadêmico deve relacioná-los em seu contexto e com sua
dinâmica educacional, de forma que irá contribuir na sua vida
profissional, resultando em bem-estar social e pessoal.

Considerações finais

Com o passar das décadas, a teoria da dialogicidade de Paulo


Freire é utilizada com frequência área pedagógica e de ensino,
pois reflete em diversos aspectos, como o social, humano, dentre
outros. Assim, a práxis (ação e reflexão), entre aluno e professor
traz uma educação de forma crítica-reflexiva, permitindo o alicerce
do aprender e respeitar à diferença. Freire compreende o ser
humano como sujeito de conhecimento, e esse conhecimento
gera sujeitos mediatizados pelo mundo.
O diálogo gera a ação-reflexão, no qual corresponde a
uma práxis, gerando assim, uma reflexão sobre o mundo em
que vivemos. A dialogicidade gera o pensamento crítico e busca
promover a comunicação e garantir uma educação comprometida
com a humanização. Desta forma, conclui-se que é de extrema
importância do diálogo no ensino superior, na formação de pessoas
que irão constituir uma sociedade que muda com o passar dos
anos, e necessita de pessoas com o senso crítico de reflexão.

212
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Laura Isabel Marques Vasconcelos de. Teoria freiriana. Cuiabá/MT,


2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e terra, 42 ed. 2005.
GADOTTI, Moacir (Org.). Paulo Freire: uma biobibliografia. São Paulo: Cortez,
Instituto Paulo Freire; Brasília: UNESCO, 1996.
HENZ, Celso Ilgo; ROSSATO, Ricardo (org.). Educação na sociedade globalizada.
Santa Maria, RS: Biblos, 2007.
MARTINS, Francisca Claudivânia Gomes et al. A pedagogia do oprimido e a práxis
pedagógica libertadora de Paulo Freire. Anais [...] XXII Semana de Educação
da Universidade Estadual do Ceará, Ceará, 2015.
SÍVERES, Luiz. O diálogo na educação: uma relação entre o dialógico e a
dialogicidade. In: SÍVERES, Luiz (Org.). Diálogo: Um princípio pedagógico. Brasília:
Liber Livro, 2016. Disponível em: <https://socialeducation.files.wordpress.
com/2015/01/siveres-dialogos_web.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2019.

213
Ricardo Prestes Prado, Brasil

Especialista no Ensino de Língua Portuguesa; Pós-graduação em Gestão e


Organização da Escola; Licenciado em Letras/Literaturas; Graduando em
Jornalismo. E-mail: ricardo-pprado@educar.rs.gov.br
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

DIAS DE LUTA, DIAS DE GLÓRIA

Ricardo Prestes Prado

Inevitável não começar esta crônica, sem falar no atual


momento em que se encontra a humanidade. Estamos há
praticamente três meses confinados em suas casas, em seus lares,
em seus espaços, em seu interior, cada um no seu mundo. O que
fazer? O que pensar? É difícil, eu sei, manter o equilíbrio mental
diante de situação nunca antes vivenciada, ainda mais numa época
em que tudo parece estar sempre acelerado. O vírus que parou o
mundo, a doença que matou centenas de pessoas, o confinamento
forçado, a quarentena que agoniza, contrasta com a velocidade
das nossas vidas, parece que ele funciona como um freio invisível
que nos obriga a parar e a nos reconectar com o nosso espírito.
São dias de lutas, são dias difíceis, semanas, meses que
parecem não sair do mesmo círculo vicioso, parece o mesmo
ritual sempre, aos poucos vamos nos acostumando com o dito
“novo normal”, ou com a nova rotina que nos foi imposta, mas,
no momento, é o que devemos fazer para preservarmos a nossa
saúde.
Por outro lado, esse período está servindo para um
aprendizado sobre a vida humana, sobre o quão agradável
é estar em família, curtir a nossa casa, o nosso canto, o nosso
escritório (tenho um que é meu xodó), de fazer tarefas que antes,
por falta de tempo ou até de interesse mesmo, não fazíamos e
agora conseguimos realizar tais tarefas e, por mais pequenas
que sejam , nos enchem de satisfação: organizar o “home office”,
limpar a casa, rever fotos antigas, tomar um bom vinho, ler um
bom livro, escrever, escrever e escrever, paixão de escritores e de
amantes, como eu, de uma boa leitura. Nesse período, praticamos
o que eu chamo de “solidão presente”, é como se a presença da
solidão nos fizesse companhia durante esses dias. E até que vale
a pena estarmos reclusos em nosso mundo interior, até para

215
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

nos conhecermos melhor, nos reconectarmos com o nosso “eu”


interior e dizer na frente do espelho: “Ei, você! Erga essa cabeça,
vá à luta, você consegue”!
E diante dessa perspectiva da presença da solidão, reaprendi
a ver a vida com outros olhos, pois, certamente, eu e todos aqueles
que testemunham ainda essa terrível situação não sairemos mais
as mesmas pessoas de antes da pandemia. Esse é o ponto central
que merece destaque: o antes e o depois do Coronavírus. Se antes
vivíamos como se fôssemos indestrutíveis, hoje, vemos que somos
frágeis diante de um vírus invisível. E nesse eterno reaprender, uma
coisa é certa: é uma lição valiosa que nenhum professor, escola
ou universidade há de ensinar, a lição da vida, do trato com as
pessoas, do respeito, da resiliência, da solidariedade, da prática
da empatia, esta última tão falada nos últimos tempos. A empatia
é a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa e, quando
conseguimos dominar essa habilidade, observamos que somos
tão pequenos diante dos problemas alheios.
Dias de luta, dias de glória. Essa máxima que se aplica aos dias
de hoje tão sutilmente. Estamos vivendo dias de luta, mas, além da
luta contra o Coronavírus, também temos as nossas próprias lutas
diárias do nosso cotidiano: a luta para conseguir um emprego, a
luta para vencer na vida, a luta para sustentar a família, a luta para
reconquistar aquele amor do passado que volta para seu tormento,
a luta para acabar com os maus exemplos, sejam eles de qualquer
esfera, enfim, lutas que travamos , mas que não podemos deixá-las
nos dominar e nos vencer, caso contrário, seremos condenados
ao fracasso, e não é isso que queremos nem para si mesmo, nem
para o nosso próximo. O que queremos é o equilíbrio mental e
físico, saúde para sairmos das intempéries da vida para podermos,
enfim, comemorarmos dias de glória.

216
Leandra Costa da Costa, Brasil

Doutora em Educação pela Universidade


Federal de Santa Maria (2016); Mestre em
Educação pela Universidade Federal de Santa
Maria; Especialista em Educação Infantil pela
Universidade Franciscana de Santa Maria e
Especialista em Educação Física Escolar pela
Universidade Federal de Santa Maria; Licenciada
em Educação Física pela Universidade
Federal de Santa Maria; Professora Adjunta
do Departamento de Desportos Individuais
da Universidade Federal de Santa Maria -RS.
E-mail: lcostadacosta@hotmail.com

Gislei José Scapin, Brasil

Mestrando em Educação Física pela Universidade


Federal de Santa Maria; Especialista em
Educação Física Escolar pela Universidade
Federal de Santa Maria; Licenciado em Educação
Física pela Universidade Federal de Santa Maria;
Acadêmico de Pedagogia pela Universidade
Federal de Santa Maria; Professor de Educação
Física da Rede Municipal de Panambi – RS;
E-mail: gjscapin@gmail.com

Nestor Rossi Júnior, Brasil

Especializando em Educação Física Escolar


pela Universidade Federal de Santa Maria;
Graduado em Educação Física Bacharelado
pela Universidade Federal de Santa Maria;
Acadêmico do curso de Educação Física
Licenciatura pela Universidade Federal de
Santa Maria.
E-mail: nestor.jr17@gmail.com
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

O CONHECIMENTO EM EDUCAÇÃO FÍSICA


NO PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO
E AS RELAÇÕES COM O ENSINO DO ATLETISMO
E A CULTURA ESCOLAR

Leandra Costa da Costa


Gislei José Scapin
Nestor Rossi Júnior

Resumo: O presente texto é uma contribuição para uma reflexão


sobre a Educação e a Intercultura na Contemporaneidade,
tematizando, sobretudo, o conhecimento em Educação Física, em
especial, o Atletismo, no processo de humanização dos sujeitos
históricos e sociais. A partir de um estudo teórico, buscamos
evidenciar a relevância do conhecimento da Educação Física e
do Atletismo, na qualidade de objeto da Cultura Corporal, como
indispensável para a existência humana na construção de sua
corporeidade e instrumento de manifestação corporal objetivado
no plano da cultura. Por fim, defendemos o acesso e a socialização
dos elementos da Cultura Corporal em suas diversas formas
educativas, sobretudo, na educação física escolar, para constituir
a materialidade corpórea dos sujeitos-educandos, que, por sua vez,
poderão usufruir de tais elementos, na qualidade de patrimônio
cultural da humanidade, com seus pares e em espaços públicos
destinados ao desenvolvimento das práticas corporais.

Introdução

No intuito de contribuir com reflexões no plano da Educação


– Intercultura –Contemporaneidade, elaboramos o presente estudo
tematizando o conhecimento da Educação Física, em especial,
sobre o Atletismo, no processo de humanização, leia-se educação

219
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

em sentido amplo, e suas inter-relações com a cultura escolar. Em


suma, nesta construção teórica apresentamos os pressupostos que
fundamentam nosso entendimento sobre Educação, Educação
Física e Atletismo, bem como uma reflexão acerca de suas relações
com o contexto da prática social da cultura escolar no processo
de humanização dos sujeitos históricos e sociais.
Nossa compreensão de educação segue os delineamentos
de Martins (2013) e Saviani (2013). Nessa perspectiva, a educação
pauta uma mediação no processo de socialização do conhecimento
e da linguagem produzida pelos homens e mulheres. Entendemos,
portanto, que a função social da educação seja dispor a todos
os seres sociais a cultura, o saber, o conhecimento, a linguagem
humanamente produzida.
Martins (2013, p. 271) argumenta que os processos
educativos produzem um terreno fértil para a aquisição das
particularidades humanas e dos complexos comportamentos
elaborados culturalmente, bem como do “[...] legado objetivado
pela prática histórico-social”. Segundo a autora, é nesse movimento,
portanto, que os sujeitos enriquecem seu universo de significações,
superando as formas mais imediatas e aparentes dos fenômenos.
Na interação com a natureza e com seus pares, ao elaborar os
meios e instrumentos para sua sobrevivência, o ser humano produz
algo indispensável para seguir com o movimento vital da espécie
e do gênero humano, a saber: conhecimento e seus rudimentos.
Esses foram acumulados e preservados historicamente e sua
socialização (via educação) torna-se de extrema importância para
seguir com o movimento histórico de produção da humanidade. Nas
palavras de Martins (2013), esse movimento propicia aos sujeitos
a formação das propriedades humanas, das particularidades
psicofísicas requeridas para produção de sua existência, bem
como marca a transição da história natural dos animais para a
história social dos indivíduos.
Em síntese, ao produzir sua existência dialogando com a
natureza e com seus pares, na ação de construir meios e instrumentos,

220
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

o ser humano produz conhecimento útil para manter a vida da


espécie/gênero. Tal conhecimento se expressa na forma material:
na produção de instrumentos e ferramentas, bem como, na forma
imaterial: como a produção de crenças, valores, leis, culturas etc.,
elementos que são fundamentais para o metabolismo social dos
grupos.
Toda essa produção humana, Saviani (2013, p. 13)
compreende na forma de “[...] natureza humana que não é dada
ao homem, mas é por ele produzida sobre a base da natureza
biofísica”. Do mesmo modo, concordamos com o posicionamento
de Lessa (2011) ao passo em que o autor destaca que todo o
conhecimento humano – o que faz parte da natureza humana
– deva se tornar patrimônio de toda a sociedade a partir de sua
generalização e socialização. O referido autor atenta para o fato
de que o conhecimento deva ser generalizado, disseminado,
semeado a todos os indivíduos, a saber, “[...] o que era de domínio
de apenas uma pessoa torna-se de toda a humanidade” (idem,
p. 25).

O conhecimento em Educação Física: o Atletismo e a humanização


em questão!

Dentre as objetivações simbólicas e imateriais produzidas


pela humanidade, a partir da necessidade histórica de sobrevivência
e reprodução do gênero, e que se tornaram determinações
socioculturais, está o conhecimento da Educação Física, em especial
o conhecimento esportivo do Atletismo.
No âmbito da Educação Física, em sua forma rudimentar,
o que não provinha da natureza biofísica, o humano estava
determinado a criar, construir e generalizar entre seus semelhantes.
Nesse sentido, na passagem do homem primitivo ao homem
contemporâneo, a construção de sua corporeidade esteve atrelada
ao movimento histórico de conexão e transformação da natureza

221
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

ao passo em que elaborava outras atividades e outros artefatos


(SOARES et al., 2012).
Tal conexão e transformação de si e do meio em que se
inseriam, concebia aos sujeitos formas de desenvolvimento
e transformação corporal, construindo em cada humano, por
conseguinte, um corpo individual e inalienável. Essa produção
corporal era objetivada, portanto, a cada nova tarefa, a cada nova
demanda, desenvolvendo uma nova habilidade, uma nova forma,
expressão, manifestação corporal, constituindo-se como linguagem/
atividade. A superação da condição postural, por exemplo, deu-
se por meio das relações dos sujeitos entre si, na incumbência
de aprender e aperfeiçoar as atividades corporais construídas a
partir dos enfrentamentos da realidade e da necessidade humana
estabelecida: fome, sede, frio, medo... (SOARES et al., 2012).

A espécie humana não tinha, na época de homem primitivo,


a postura corporal do homem contemporâneo. Aquele era
quadrúpede e este é bípede. A transformação ocorreu ao longo
da história da humanidade como resultado da relação do homem
com a natureza e com os outros homens. O erguer-se, lenta e
gradualmente, até a posição ereta corresponde a uma resposta
do homem aos desafios da natureza. Talvez necessitou retirar os
frutos da árvore para se alimentar, construindo uma atividade
corporal nova: “ficar de pé” (idem, p. 39).

Em outras palavras, “[...] o homem não nasceu pulando,


saltando, arremessando, balançando, jogando etc. Todas essas
atividades corporais foram construídas em determinadas épocas
históricas, como respostas a determinados estímulos, desafios ou
necessidades humanas” (SOARES et al., 2012, p. 40). Em síntese,
toda esta produção corporal humana, se compõe a partir de práticas
objetivadas sintetizadas a partir da realidade concreta dos sujeitos,
na qual, cada indivíduo juntamente com seus semelhantes, possuiu
a capacidade de produzir códigos e símbolos sendo a posteriori
incorporado no comportamento de cada humano na forma de
cultura.

222
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Constituinte do acervo cultural e sistematização a partir da


absorção das características históricas, sociais e das instituições
que o manifestavam, o fenômeno esportivo se destaca como
elemento da conjuntura moderna de sociedade. Sua manifestação
se expressa na institucionalização dos objetos simbólicos e lúdicos
da Cultura Corporal ampliando, desse modo, o abundante acervo
do patrimônio cultural da humanidade (SOARES et al., 2012).
Nessa perspectiva, concebemos ao esporte, uma vez que se
apresenta como patrimônio cultural da humanidade, fundamental
relevância na formação da humanidade de cada indivíduo de
forma genérica (relativo a gênero humano) e emancipada. O
esporte, objetivado pelo conjunto dos homens e mulheres, deve
fazer parte do cenário social, estando disponível para apropriação
e pertencimento na qualidade de saberes determinados pela
humanidade. O acesso (apropriação e pertencimento) do
conhecimento esportivo estabelece a formação de um projeto
histórico de sociedade, na qual seus sujeitos/cidadãos não se
tornam alheios e/ou alienados ao conjunto dos bens culturais
produzidos e pertencentes a cada indivíduo enquanto um direito
que lhe pertence.
Com esse escopo é que defendemos o uso do espaço escolar
como ambiente estimulador e mediador do processo de apropriação
dos saberes esportivos de forma democrática e emancipatória.
Defendemos também o trato pedagógico do esporte24 enquanto
elemento da Cultura Corporal integrado ao currículo da Educação
Física, pois, para Saviani (2013, p. 14), é justamente “[...] a existência
da apropriação do conhecimento sistematizado por parte das
novas gerações que torna necessária a existência da escola [...]”.
Nesse sentido, no processo de elaboração do currículo para a
Educação Física Escolar, é necessário atentarmo-nos para os saberes
sistematizados da Cultura Corporal, dentre estes se insere o esporte
24 Defendemos o ensino e a socialização de todos os elementos da Cultura Corporal,
sejam eles o esporte, a dança, as lutas, a ginástica e entre outros (SOARES et al., 2012).
Porém, para o referente trabalho, estaremos atentos em discorrer sobre o acesso ao
conhecimento do esporte enquanto conteúdo.

223
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

como destacam Soares et al. (2012), Bracht (1999), Kunz (2014),


entre outros. O que deve ser levado em consideração em sua
organização e trato pedagógico são os princípios curriculares25, os
quais citamos: relevância social do conteúdo; contemporaneidade
do conteúdo; adequação às possiblidades sociocognoscitivas do
aluno; simultaneidade dos conteúdos enquanto dados da realidade;
simultaneidade; espiralidade da incorporação das referências do
pensamento e provisoriedade do conhecimento.
No bojo da Educação Física (escolar), evidenciamos o
Atletismo como elemento da Cultura Corporal pertencente à
humanidade, constituindo a corporeidade de cada sujeito. Nos
escritos de Simoni; Teixeira (2009), a história do Atletismo em sua
forma mais rudimentar coincide com a história da existência de
homens e mulheres pré-históricos que, em suas atividades diárias
de caça e pesca para sobrevivência, construíam suas próprias
lanças e corriam para fugir de animais-predadores, pulando rios,
pedras e arbustos. Na Grécia Antiga, no ano de 393 a.c., na cidade
de Olímpia, os homens começaram a correr nus, para mostrar sua
virilidade e bravura diante de seu imperador e assim, depois de
alguns anos, finalmente foi sistematizado e chamado de esporte.
Os fatores de relevância do Atletismo para o desenvolvimento
humano se manifestam de várias formas, além de ser a modalidade
esportiva mais antiga já praticada pelo homem, desenvolve noções
básicas de espaço e locomoção como: caminhar, correr e saltar,
exigindo de seu praticante um amplo domínio sobre seu próprio
corpo, bem como auxiliando em seu desenvolvimento físico, motor
e psíquico (KIRSCH, 1983).
Destacamos que o Atletismo, inserido no âmbito escolar,
é uma das práticas esportivas fundamentais, pois auxilia a
criança em seu processo de crescimento e desenvolvimento,
propiciando a apreensão de (novos) conhecimentos específicos.
Ademais, por meio do Atletismo, é possível observar o grau de

25 Sobre a descrição dos referidos princípios curriculares consultar Soares et al. (2012,
p. 32-34).

224
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

desenvolvimento em que a criança se encontra, necessitando,


desse modo, a elaboração de um programa pedagógico para o
acesso às modalidades do referido esporte (idem).
Segundo Kunz (1991), em um contexto pedagógico para
o ensino do Atletismo, perspectivas de mudanças realmente
desejáveis deveriam começar para a superação de alguns
problemas e déficits relacionados aos aspectos locomotores e
de motricidade, muitas vezes apresentado pelos educandos em
processo de desenvolvimento e aprendizagem. Para tanto, é
necessário que o professor de Educação Física ressignifique suas
atividades pedagógicas, ou seja, realize uma transformação didático-
pedagógica do esporte, tendo como ponto de partida o Atletismo,
apresentando grandes possibilidades de desenvolvimento no
contexto escolar, levando em consideração os objetivos e o método
de ensino de suas modalidades esportivas.
Na perspectiva pedagógica do Atletismo, pautamo-nos pelas
concepções de Souza (2009), Soares et al. (2012), Kunz (2014) e
Matthiesen (2014, 2007). Os autores apresentam propostas de
ensino dos esportes e do Atletismo que contrapõem as propostas
tradicionais e hegemônicas, entendem que a objetivação e
apropriação esportiva deva integrar a cultura do homem e da
mulher como forma de se relacionar com a totalidade e formar
interações com diferentes práticas sociais. O ensino da técnica, nesse
contexto, não deve limitar-se a um mero gesto motor, mas tratada
como um conhecimento elaborado no curso do desenvolvimento
humano produzindo o controle instrumental teórico-prático para
entender e transformar a natureza, a história e a si.
O trato esportivo no ambiente escolar objetiva resgatar
os valores que apreciem o coletivo, a solidariedade e o respeito
humano, compreender a importância do “outro” e do adversário,
propiciando sua “desmistificação” permitindo que os educandos
desenvolvam a capacidade de criticá-lo num cenário econômico,
político e cultural, e, ademais, deve captar seus sentidos e valores
na busca pelo direito à prática esportiva; por fim, romper com os

225
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

condicionantes opressores e alienadores que envolvem o mundo


esportivo, contribuindo para que o educando consiga organizar e
praticar o seu esporte dispondo de uma reflexão crítica sobre as
diversas formas26 de tematizá-lo.
O atletismo não deve pautar a sua forma de ensino baseada
na proposta tradicional, como já referenciado pelos autores citados,
e sim deve se valer de suas múltiplas habilidades corporais, sendo
caracterizado como um esporte base (MATTHIESEN 2007), ele então
é fundamental para o desenvolvimento motor das crianças, pois
o atletismo sempre foi reconhecido com grande importância para
as crianças que estão na fase escolar. Esse fato fica evidenciado
quando se observa a dificuldade que as crianças encontram
para desenvolver de maneira coordenada os movimentos de
arremessar, saltar e até mesmo correr (PEDROSA et al. 2010).
Desta forma, podemos perceber a importância do atletismo para o
desenvolvimento das crianças e adolescentes, pois ele estimula a
prática da atividade física, oferecendo um amplo repertório motor
nas mais diferentes habilidades, pois ele é constituído de técnicas,
que tem por objetivo utilizar, da melhor forma, as articulações e
músculos do corpo para a realização de determinado movimento
(técnica), e, por ser um esporte base, as habilidades e técnicas
adquiridas através da sua prática, poderão ser utilizadas em outros
esportes que o indivíduo virá a praticar e também irão contribuir
para as atividades diárias que ele terá que utilizar durante toda
a sua vida.
O objetivo do processo de ensino do atletismo deve
ser fundamentado na prática de habilidades corporais e do
desenvolvimento dos aspectos psicológicos e sociais dos indivíduos,
pois, através do mesmo, é possível ampliar e adquirir as habilidades
motoras manipulativas, locomotoras e estabilizadoras, além de
desenvolver as diferentes formas de interação social entre os
indivíduos que o praticam, aumentando a socialização e a troca de
26 Sobre as diversas formas de tematizar o Atletismo, estamos nos referindo desde a
designação de locais e materiais adaptados, com a iniciação esportiva, até o esporte de
alto rendimento.

226
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

conhecimentos que os praticantes possuem, oferecendo uma forma


de perceber e entender as limitações que envolvem a si próprio e
ao outro, onde a partir desse ambiente, é possível construir um
espaço de respeito mútuo e empatia.
O Atletismo também pode (e deve) ser desenvolvido na
perspectiva histórica, pois apresenta várias temáticas que foram e
são discutidas, como é o caso dos direitos sociais, questões relativas
ao racismo e outras formas de preconceito, bem como do respeito
à individualidade e à organização coletiva, a superação dos limites
individuais e aprimoramento das formas de ascender aos objetivos
pessoais e coletivos. Através desse trabalho histórico é possível
desenvolver a construção de um ser humano mais crítico perante
as diferentes realidades encontradas na sociedade.
Através dessa análise do ensino do Atletismo e suas relações
com os sujeitos, podemos notar o grande potencial de propulsor
no processo de humanização, desenvolvendo temas que ajudam
na formação de um sujeito crítico, na obtenção e apropriação
de habilidades sociais e motoras, que irão fazer parte de toda a
vida do sujeito, facilitando as suas relações interpessoais e com
a sociedade, além de oferecer uma autonomia motora referente
aos movimentos básicos do ser humano.

Considerações finais

As reflexões aqui desenvolvidas, tendo como foco a Educação,


a Intercultura da Educação Física escolar na contemporaneidade,
tematizando em especial o Atletismo como objetivação histórica
para o processo de humanização, educação crítica e emancipada
dos sujeitos históricos e sociais, visaram objetivar uma perspectiva
de possibilidades para o trato do Atletismo, sobretudo, no ambiente
escolar. Na qualidade de elemento da cultura (corporal), por vezes,
acabou sendo negligenciado ao disputar espaço com outros
elementos esportivos (futebol) mais enaltecidos, por exemplo,

227
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

pela mídia, e que refletiram na prática escolar e na constituição


da cultura da Educação Física escolar.
Com isso, queremos destacar que o Atletismo e o conhecimento
em Educação Física se constituem e se manifestam na qualidade de
determinações históricas, produzidas pela humanidade no processo
de suprimento de suas necessidades vitais no plano cultural e social,
e, por conseguinte, sua presença em programas educacionais se
torna indispensável para a elaboração de um projeto histórico-social
de humanidade.
A Educação, nesse interim, representa um meio, um caminho
profícuo para proporcionar aos sujeitos-educandos os instrumentos
culturais necessários para o processo de humanização, numa lógica
crítica e com a finalidade de produção de um sujeito autônomo e
não alienado ao acesso das formas culturais produzidas e dispostas
socialmente. Noutras palavras, queremos reiterar a igualdade
de acesso aos saberes culturais em todas as suas formas de
manifestações, considerando todas as faixas etárias e condições
sociais, étnicas e raciais, que possam usufruí-los em tempos e espaços
individuais e coletivos para sua realização enquanto ser genérico
em sociedade.
Por fim, a Educação Física, nesse cenário reverbera a sua
condição de prática pedagógica que, no âmbito escolar, assume a
responsabilidade de dispor de instrumentos e recursos que favoreçam a
construção da corporeidade dos educandos possibilitando manifestar
corporalmente as formas culturais da Cultura Corporal. Uma proposta
pedagógica para a Educação Física, nesse sentido, emerge como
facilitador/orientador para o desenvolvimento e aprendizagem de
seus conteúdos, concretizando objetivos humanizadores, intrínsecos
ao processo de transformação e produção do ser humano.

Referências bibliográficas

BRACHT, V. Educação Física e Ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí:


Unijuí, 1999.

228
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

KIRSCH, August. Antologia do Atletismo: metodologia para iniciação em escolas


e clubes. – Rio de Janeiro: Ao livro Técnico, 1983.
KUNZ, Elenor. Educação Física: ensino e mudança. Ijuí: Unijuí, 1991.
KUNZ, E. Transformação Didático-Pedagógica do Esporte. 8.ed. – Ijuí: Unijuí,
2014.
LESSA, S. Introdução à filosofia de Marx. 2ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
MARTINS, L. M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar:
contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da pedagogia histórico-
crítica. Campinas: Autores Associados, 2013.
MATTHIESEN, S. Atletismo na escola / Sara Quenzer Matthiesen; Ricardo Garcia
Cappelli, prefácio. – Maringá: Eduem, 2014.
MATTHIESEN, S. Atletismo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2007
PEDROSA, O. P; PINHO, S. T.; DE PAULA, Arquelau Rebouças; SILVA, Ariadne
Corrêa da. A prática de atletismo nas aulas de Educação Física nas escolas de
ensino fundamental no município de Porto Velho. Anais da Semana Educa,
Vol. 1, Nº 1, 2010.
SAVIANI, D. Pedagogia Histórico – Crítica: primeiras aproximações. 11ªed.
Campinas, SP: Autores Associados, 2013.
SIMONI, Clarissa Rios; TEIXEIRA, Willian Medeiros. Atletismo em quadrinhos:
história, regras, técnicas e glossário. Porto Alegre: Ed. Rigel & Livros Brasil, 2009.
SOARES, et.al. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez,
2012.
SOUZA, M. Esporte Escolar: possibilidade superadora no plano da cultura
corporal. São Paulo: Ícone, 2009.

229
Aline Aparecida Oliveira Copetti, Brasil

Apaixonada pela vida, pelos encontros e defensora das crianças e da educação


infantil, filha de uma professora e um agricultor, viveu sua Infância ao lado de
dois irmãos, no interior de Boa Vista do Cadeado. Formada em Pedagogia pela
Universidade de Cruz Alta tem pesquisado e se encantado pela riqueza e beleza
dos saberes e fazeres das crianças. E-mail: alinecopetti@gmail.com
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

A EDUCAÇÃO, A INFÂNCIA E
A PRODUÇÃO CULTURAL:
O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO E DOS
EDUCADORES NA CONSTITUIÇÃO DE SUJEITOS
PROTAGONISTAS DE APRENDIZAGENS,
DESCOBERTAS E CRIAÇÕES

Aline Aparecida Oliveira Copetti

“Cultura é uma coisa que a


gente não entende” L. F. (5a9m).

“Eu penso no Planeta” D. (6a).

As reflexões do texto a seguir iniciam pela definição técnica


de dois termos abordados, segundo o dicionário “Criança é menino
ou menina que está no período da infância, entre o nascimento
e a puberdade” e a “Infância é o período da vida humana desde
o nascimento até cerca de 12 anos”.
Porém, ao alinhavar estes termos à educação em contextos
globalizados é preciso pensar nos conceitos de forma ampliada,
para G. (6a) “criança é nascimento”, e a simples frase da pequena,
que ainda está entendendo os complexos processos do mundo
em que habita, propõe uma importante continuidade à reflexão, a
cada criança que chega a este mundo, traz com ela o nascimento
da esperança, de um novo mundo, da reconstrução das ideias e
dos valores.
Bueno (2018) acredita que a criança é um ser composto de
história, uma história específica, peculiar, definida pela cultura,
pela sociedade, pela cidade, pela relação entre as pessoas que
habitam sua vida e ainda estabelece a Infância como um lugar,
um lugar de vida acontecendo no instante presente, um lugar de
descobertas, das incertezas, da vida intensa em seus sentires.

231
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Ao fazer uma breve contextualização histórica, é preciso


lembrar que até bem pouco tempo a infância e a adolescência não
eram refletidas separadas dos adultos e a ideia era que as crianças
não podiam aprender antes dos 7 anos, da mesma forma com os
recém-nascidos. Foi por volta da Idade Medieval (Séculos XVI e
XVII) que se começou a reconhecer a ideia de criança como um
ser humano em desenvolvimento (HOYUELOS, 2019).
Eduardo Bustelo destaca uma ideia de criança que possibilita
sempre outro começo, para ele a Infância representa o momento
constitutivo do homem, equivalendo-se à princípio. Juul afirma
ainda, que as crianças são pessoas competentes pois nos ensinam
o que precisamos aprender, nos permitem recuperar competências
perdidas e nos ajudam a descartar modelos educativos que já não
são mais úteis (HOYUELOS, 2019).
As crianças trazem a novidade, o novo de novo, o vivido,
revivido, construído e reconstruído por cada ser humano que chega
a este mundo. Malaguzzi manifestou inúmeras vezes em suas falas
a importância de o adulto dotar a Infância de uma identidade,
entendendo esse tempo como algo complexo, não podemos defini-
la por completo. “A criança é sempre um sujeito desconhecido
em contínua mudança. Trata-se mais de saber como redefinir a
criança em cada momento histórico” (HOYUELOS, 2019, p. 157).
Ao nascer cada criança ajuda com sua singularidade a
construir a cultura local da região onde será inserida, ela vai
aprender a conhecer e se relacionar com o mundo ao seu redor,
porém com o passar dos dias, também vai deixar nesse espaço
seus entendimentos e suas teorias acerca dos fenômenos do
universo, sejam eles de ordem física, social, relacional, como
H.G. que em uma proposta escolar define com apenas 5 anos e 8
meses seu conhecimento sobre pesquisa e para além, utiliza de
uma linguagem gráfica para representar sua teoria:

232
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

“É uma coisa que a gente acha alguma coisa igual um técnico,


tipo na floresta achar os bichos diferentes. Aqui o técnico em sua
cabana encontrando um bicho que muda de cor”.

Esse movimento de interação garante os processos de


singularização de cada indivíduo, construídos e reconstruídos
na relação com o outro, com as coisas, com o mundo. Graciela
Montes (in LÓPEZ, 2018) destaca que as diferentes maneiras como
cada um se relaciona com sua própria infância, como a repara e a
reconstrói, desenha sua história pessoal, do mesmo modo, como
os pais se relacionam com os filhos em diferentes momentos da
história das culturas e como os adultos se colocam diante das
crianças em determinadas sociedades desenham uma história
de infância.
Ao pensar na globalização, tende-se a enfatizar suas
características tecnológicas e econômicas; com menos frequência,
se reconhecem suas dimensões culturais e ideológicas e, mais
raramente, a miríade de mudanças que ela traz aos sistemas
educacionais pelo mundo afora, define Stromquist (2020) em seu
artigo no qual faz referência somente ao Ensino Fundamental e

233
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Médio, Educação de Adultos e a Educação Superior, deixando de


fora os bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas.
Ao longo dos últimos anos, especialmente quem atua
diretamente com a Educação Infantil tem se deparado com
diversas áreas, como a neurociência, a psicologia, e principalmente
a própria pedagogia estudando, pensando e investigando sobre
os saberes e fazeres das crianças. Iniciou-se uma caminhada
reflexiva na qual se acredita que as crianças, “seres humanos
pequenos”, na interação com o meio e com os pares são também
produtoras de cultura.
A criança tem direito a civilidade, a civilização e a consciência
cívica (EDWARDS, 2016, p. 26). As crianças têm o direito a expressar,
comunicar, falar, contar de seus entendimentos, participar da
vida coletiva em sociedade, contribuir para a construção diária
do mundo. Falar de uma cultura de Infância significa dar valor
às capacidades e potencialidades de uma imagem de infância,
reconhecendo-a como coconstrucionista, interacionista, ecológica,
genética, complexa, otimista, incerta, meninos e meninas dotados
de autonomia, iniciativa e responsabilidade para estabelecer o
caminho de sua própria evolução (HOYUELOS, 2019).
Hoje é possível perceber mais claramente as mudanças
sociais que também mudam as condições das crianças, como
por exemplo uma criança de 3 anos, que com seu “notebook”
de brinquedo comunica: “Agora você não pode fazer barulho
porque vou conversar com a minha profe”, sinalizando que
participa de uma conversa on-line. Os cenários sociais ampliam
e modificam os repertórios das crianças proporcionando a
reconstrução dos universos e da “Cultura Infantil” de cada tempo.
Novas brincadeiras, diferentes formas de interação e intervenção
no mundo, e em meio a tudo isso ainda é possível perceber e
reconhecer brincadeiras milenares, que quase “instintivas” são
vivenciadas em todos os tempos por meninos e meninas, como
as brincadeiras de comidinha.

234
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

Terra, com areia branca e um recheio (M.L., 6a).

Quando falamos em Cultura da Infância reconhecemos que


as crianças têm sua forma ética, estética e poética de ver o mundo,
de construir suas hipóteses, teorias e metáforas que dão sentido
ao seu viver e existir. Em diferentes períodos da história, diferentes
formas de relação, diálogos e formas de se comunicar e se fazer
entender, muitas vezes através do silêncio, criando entre estes
seres humanos ainda pequenos um universo misterioso e difícil
de ser desvendado pelos seres humanos já adultos.
Uma vez que ao falar em Cultura de Infância não somente
refere-se a arte, ao brincar, às expressões criativas, mas criação
em diferentes vínculos e modalidades (LÓPEZ, 2018). Nos dias
atuais quando pensamos em Infância, nos remetemos a escola,
pois a maioria das crianças passa boa parte dessa etapa da vida
em instituições educativas.
Alguns documentos legais e norteadores asseguram e
garantem os direitos de aprendizagem das crianças, com os quais
através das Interações e Brincadeiras possibilitam a produção de
cultura, a construção de brincadeiras e a ampliação dos repertórios
das crianças, como é o caso da Base Nacional Comum Curricular
(BRASIL, 2017), que cita seis grandes direitos das crianças: Brincar,
Participar, Conviver, Explorar, Expressar, Conhecer-se. Direitos esses

235
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

que devem ser planejados pelos educadores e pelas escolas, através


de vivências significativas e que se alinhem aos conhecimentos
de mundo, tão necessários para construírem sua autonomia e
competência para atuar na vida com coerência e consciência.
Cortázar (2013) e Duvignaud (1980) (in HOYUELOS 2019,
p. 165) nos convidam a ver a grande importância da brincadeira
como uma experiência errante ou um estado de disponibilidade
para exercitar a liberdade como condição vital da existência.
Para López:

Tradicionalmente, onde havia crianças, havia redes sociais. As


crianças convidam a vida comunitária, em algumas culturas, as
famílias se reúnem em torno da mãe para acompanhar o parto.
O apoio a criação torna necessário o enxame familiar. Reunir-se
em torno do filhote humano garantia a continuidade dos gestos
culturais transmitidos geracionalmente (2018, p. 103).

Em sua proposta Francesco Tonucci faz uma crítica as cidades


que se tornam quase inabitáveis para seus próprios habitantes,
uma vez que foram pensadas, projetadas e avaliadas analisando
como padrão um cidadão médio, com características de homem,
trabalhador e que corresponde ao eleitor forte, esse autor defende
a ideia de que as crianças com suas ações e ideias recuperem,
como cidadãs a possibilidade de brincar na rua, de percorrê-la a
pé (HOYUELOS, 2019).
A construção de cidades humanizadas parte do pressuposto
da participação popular plena, porém os mecanismos ainda são
visivelmente voltados aos adultos, deixando crianças e jovens a
margem dos processos de participação. Porém essas gerações
poderiam e deveriam contribuir na cidade e seu planejamento,
garantindo maior engajamento social, as crianças também tem
necessidades, anseios, desejos e percepções de ângulos bem
diferentes, ouvir a voz das crianças e articular as políticas públicas
visando garantir seus direitos como cidadãos, ações como fomentar
bairros mais humanizados, com comércio local, baixa velocidade

236
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

de veículos, zonas de travessia seguras, ruas iluminadas e espaços


de lazer na vizinhança são estratégias que devem fazer parte de
um planejamento voltado para as crianças (WICKERT, 2020).
Permitir espaços e movimentos que possibilitem as crianças
da mesma forma que todos os demais cidadãos habitar a cidade,
abrigando os rastros de suas próprias atividades.

A contemporaneidade é a relação singular com o próprio tempo,


que adere a ele, mas, ao mesmo tempo, toma distância. Na
distância, a luz pode ser encontrada. A intervenção sobre o
presente, para produzir singularidades, requer ao menos a
intencionalidade de nos tornarmos contemporâneos (LÓPEZ,
2018, p. 23).

Prefiro, pelo silêncio, admirar a complexidade das cenas lúdicas


e deixar pegadas documentais que permitam que nos deleitemos na
profundidade dessa cultura e desse imaginário infantis, expressos
por meio da veracidade da brincadeira (HOYUELOS, 2019). É no ato
da brincadeira que as crianças comunicam, se expressam através
de inúmeras linguagens do corpo, aproximar-se e escutar com os
olhos, ouvidos e coração suas necessidades é papel do adulto,
especialmente dos educadores que passam boa parte do dia
com as crianças, uma vez que a escola é um espaço privilegiado
de interação social, podendo ser visto com uma das primeiras
comunidades, depois da família, na qual desde muito cedo, os
seres humanos são inseridos.
Alguns espaços sociais estão se afastando das práticas
comunitárias, espaços para o encontro e a comunicação, a criação e
a transmissão da palavra, as experiências artísticas, o ócio criativo,
a contemplação (LÓPEZ, 2018, p. 104). Cada vez mais este espaço
fica a cargo da instituição escolar, sendo delegada aos educadores
a missão de oportunizar as crianças experiências de vida coletiva
significativas e enriquecedoras de seus repertórios e linguagens.
Edwards (2016) acredita que aos adultos cabe referir-se às
crianças como cidadãs portadoras de direitos em relação às cidades,

237
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

tendo três responsabilidades essenciais: civil, ética e política.


Para López:

Inventar os modos de estar juntos, de produzir situações


dialógicas, de generosidade e escuta, e, nesses espaços, gerar
uma experiência hermenêutica em torno de objetos artísticos e
bens culturais. Produzir novos bens culturais, porque a cultura não
pede apenas a transmissão, mas também, e fundamentalmente,
a criação (2018, p. 106).

Uma vez que essas pegadas, se tornarão memórias ativas


em nós adultos e tais experiências moldarão a biografia de nossa
própria identidade.
O ambiente cultural que desejamos para nossas crianças é
aquele que define o outro, como uma oportunidade, esse outro
entendido como um companheiro fascinante na viagem pela vida,
nossa responsabilidade ética para com as crianças é criar esse
ambiente cultural junto com elas (EDWARDS, 2016, p. 98).
A produção de cultura e de conhecimentos são indissociáveis
à medida que se interconectam e direcionam os rumos das
sociedades...

Referências bibliográficas

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Brasília, República


Federativa do Brasil: MEC, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.
mec.gov.br/abase/#infantil
BUENO, Marcelo Cunha. No Chão da Escola: por uma infância que voa. Cachoeira
Paulista, SP: Editora Passarinho, 2018
CANDAU, Vera Maria Ferrão; RUSSO, Kelly. Texto 1 Disponível em: file:///C:/Users/
Aline/Downloads/3076-5056-1-SM.pdf Acesso em 22 mai. 2020
Dicionário On-line de Português. https://www.dicio.com.br/
EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Leila; FORMAN, George. As Cem Linguagens da
Criança: a experiência de Reggio Emilia em transformação. Porto Alegre: Penso,

238
A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade

2016
HOYUELOS, Alfredo. Complexidade e relações na Educação Infantil. São Paulo:
Phorte, 2019
LÓPEZ, Maria Emília. Um mundo aberto: Cultura e primeira infância. São Paulo:
Instituto Emília, 2018.
STROMQUIST, Nelly P. Educação Latino-Americana em tempos
Globalizados. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1517-45222012000100004 Acesso em 22 mai. 2020
WICKERT, Ana Paula. A participação da criança na construção de cidades
humanizadas. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/941007/a-
participacao-da-crianca-na-construcao-de-cidades-humanizadas?fbclid=IwAR2
dVKHxdDUJgOEjTTsIrVAJH48_W38Hb2tKluyiBI8xRE8ZUveI_Og4e8g Acesso em
10 jun. 2020

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A Educação, a Intercultura e a Literatura Latinas da Pós-Modernidade
CARLOS GIOVANI DELEVATI PASINI, VALDO BARCELOS, VANEZA CAUDURO PERANZONI,
LUCY HELLEN COUTINHO ALMEIDA, ELVIO DE CARVALHO , CLENI INÊS DA ROSA
(Organizadores)

AUTORES PARTICIPANTES (ORDEM ALFABÉTICA):


Adelita Nicolodi
Aline Aparecida Oliveira Copetti
Antonio Víctor Martín-García
Arthur Xavier Da Paixão
Camila Kuhn Vieira
Carine Nascimento Da Silva
Carlos Giovani Delevati Pasini
César Christian Ferreira Dos Santos
Daniel Arruda Coronel
Dilmar Xavier Da Paixão
Dinara Xavier Da Paixão
Elvio De Carvalho
Emanuel Sagrillo Carvalho
Eugênia L. Dalcolmo
Gislei José Scapin
Ieda Márcia Donati Linck
João Loredi Lemes
Jorge Ortiz Acuña
Leandra Costa Da Costa
Lucas Visentini
Lucy Hellen Coutinho Almeida
Marcelo Cacinotti Costa
Maria Aparecida Nunes Azzolin
Maria Aparecida Santana Camargo
Mariana Figueira Fontoura
Mariela Camargo Masutti
Mario Vásquez Astudillo
Miguel José Da Silva
Nestor Rossi Júnior
Pablo R. Nascimento Homercher
Ramón Ortiz Acuña
Ricardo Prestes Prado
Riza Maria Ribeiro Vieira
Sabrina Figueira
Sandra Maders
Valdo Barcelos
Valmôr Scott Junior ISBN: 978-65-990826-4-1

Vaneza Cauduro Peranzoni


Vinícius De Melo Lima

9 786599 082641

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