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PALAVRAS-CHAVE Redes sociais, políticas públicas, implementação de políticas, gestão pública e saúde, Agentes Comunitários de
Saúde.
ABSTRACT This paper discusses the implementation of public policies at the local level in areas of high concentration of poverty by the study
of mediation and structural dynamics established by the implementing agents in the population and government. We analyze how these agents
perform their practical implementation and by the construction of relational mechanisms and their network structure and its consequences in
people’s access to public services. The results are intended to contribute to the understanding of the explanatory role of location in the results of
public policies in the Brazilian federal arrangement. The empirical results were generated in qualitative studies and analysis of social networks
developed with Community Health Workers in different regions of Brazil between 2004 and 2005. We studied Agents from four Brazilian munici-
palities: Sobral, São Paulo, Taboão da Serra and Santo André. We did ethnographic research to understand their practices and also social network
research, considering the networks from the agents and also from the implementation policy.
KEYWORDS Social networks, public policy, implementation policy, health public policy, Community Health Workers.
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ARTIGOS • AGENTES DE IMPLEMENTAÇÃO: MEDIAÇÃO, DINÂMICAS E ESTRUTURAS RELACIONAIS
Uma política implementada não pode, assim, ser local. Isso fica evidente quando trabalhamos com
entendida como “uma única realidade”. Como se agentes implementadores que são, ao mesmo
fosse, por exemplo, um único processo imple- tempo, pessoas que moram e convivem na comu-
mentado homogeneamente em todas as escolas, nidade onde implementam a política pública. No
unidades básicas de saúde, e demais políticas presente artigo, analisamos o papel desse tipo de
públicas, em todas as regiões de uma cidade ou agente implementador na figura dos Agentes Co-
de um país. Embora a formulação e o desenho munitários de Saúde (ACS) do Programa Saúde
de uma política explicitem regras universais ou da Família. Ao serem os atores da ponta, respon-
procedimentos técnicos passíveis de se aplicar sáveis pela entrega das ações do PSF nos domi-
regularmente, observam-se, frequentemente, re- cílios dos usuários, os ACS acabam atuando da
sultados não necessariamente previsíveis ou ho- forma descrita por Lipsky (1980) ao conceituar
mogêneos durante o processo que perpassa a for- uma street level bureaucracy.
mulação e a implementação. Eles tomam decisões alocativas, exercem discri-
A partir de políticas públicas transformadas, cionariedade e têm grande impacto sobre o pro-
adaptadas e implementadas de forma heterogê- cesso de implementação. No entanto, esses atores
nea é que encontramos, na prática, consequên- têm uma particularidade que merece ainda mais
cias diferentes, inclusive opostas, de uma mesma análise a respeito de sua forma de implementação.
política pública. Nesse sentido, a heterogeneida- Pelo fato de serem selecionados entre moradores
de dos resultados pode ter consequências mais da própria comunidade, os ACS acabam se tor-
ou menos positivas em termos da equidade de nando atores híbridos, burocratas comunitários
acesso aos serviços públicos. Por um lado, pode que, ao implementar suas ações, têm ainda mais
facilitar a apropriação e adequação das políticas mudanças na construção de mecanismos e dinâ-
à realidade ou contexto em que são implementa- micas relacionais que modificam a forma como
das, e à dinâmica e complexidade dos territórios as políticas foram concebidas, garantindo a elas
(LOTTA, 2006, SPINK, 2001). Por outro lado, novas potencialidades, mas de forma heterogênea
podem reforçar desigualdades sociais na oferta de em cada local onde são implementadas.
serviços diferenciados, em termos de qualidade, Como veremos, são essas práticas e estruturas
em contextos de intensa segregação espacial, em relacionais dos ACS que possibilitam aos agen-
que a distribuição dos grupos socioeconômicos tes implementadores construir políticas mais
no espaço é muito heterogênea, como no caso das adaptáveis às realidades locais, que, por sua vez,
metrópoles brasileiras (TORRES, PAVEZ e GON- transformam as fronteiras do Estado em algo mais
ÇALVES, 2008). permeável. E a permeabilidade do Estado, em
Desse modo, como apontam Torres et al. conjunto com as consequências não esperadas
(2008), os processos de implementação de polí- dessas políticas, cria situações específicas para
ticas e as escolhas dos profissionais que as exe- que as políticas públicas permitam aumento ou
cutam localmente podem contribuir para a dife- diminuição da inclusão social, mudança das re-
renciação territorial da oferta das políticas sociais, lações entre Estado e sociedade, e políticas públi-
criando, reforçando ou combatendo processos de cas mais ou menos permeadas das características
segregação e desigualdade. locais.
A discricionariedade dos agentes implementa- Seguimos as afirmações de Tilly (2006) de que
dores, para além de um julgamento normativo, a política pública de fato consiste não em grandes
transforma as políticas, adaptando-as ao contexto estruturas e funções prescritas, mas em dinâmicas
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e interações contingentes entre pessoas, famílias nicípios de Sobral (CE), Taboão da Serra (SP) e
e pequenos grupos. As considerações deste tra- São Paulo (SP). Essas informações permitiram a
balho orientam-se, assim, pelo conhecimento da construção de reflexões sobre os ACS e como eles
realidade das políticas públicas efetivamente im- desenvolvem suas práticas com base em mecanis-
plementadas, destacando em particular o impac- mos relacionais.1
to dos processos no resultado das políticas, suas Cada ACS foi acompanhado por cerca de duas
consequências não intencionadas e seus efeitos, semanas. As pesquisas etnográficas se constituí-
principalmente no acesso da população a recur- ram a partir do acompanhamento do trabalho
sos e serviços públicos. dos ACS em todas as suas atividades: as visitas
O artigo divide-se em quatro partes, além des- domiciliares, as reuniões e demais ações dentro
ta introdução. Na primeira seção, apresentamos das Unidades Básicas de Saúde, suas interações
uma breve discussão sobre o processo de imple- com a equipe, eventos oficiais da Prefeitura e en-
mentação das políticas públicas no modelo bra- contros da associação dos ACS, além de algumas
sileiro de coordenação federativa, destacando os festas e encontros informais. Dessas observações,
momentos de adaptação da política formulada ao são coletadas todas as interações que ocorrem, a
longo da cadeia de implementação/formulação partir das falas estabelecidas (com outros ACS,
entre os distintos níveis de governo. Em seguida, com usuários e outros profissionais), das ações
realizamos uma análise dos efeitos produzidos desenvolvidas e, inclusive, das formas como se
por mudanças estruturais nos padrões de acesso comportam nesses ambientes.
às políticas públicas dos grupos que acumulam A partir do levantamento dessas informações,
desvantagens sociais pelas dinâmicas de imple- foram organizadas sistematizações que contem-
mentação das políticas, no estabelecimento de plassem: 1) O exercício da discricionariedade
barreiras ou de ampliação aos recursos ofertados dos ACS a partir da observação e levantamento
pelo poder público, discutindo principalmente o de práticas; 2) Os processos de interação que eles
papel do agente implementador “da ponta”. De- estabelecem com usuários e outros profissionais
pois, apresentamos dados empíricos sobre o Pro- – organizados a partir de estilos relacionais ob-
grama Saúde da Família e a atuação dos Agentes servados e sistematizados. A síntese dessas infor-
Comunitários de Saúde a fim de iluminar o papel mações permitiu comparar o perfil de atuação
dos agentes implementadores nos resultados das dos ACS, bem como analisar o exercício de sua
políticas públicas. E, por fim, análises e reflexões discricionariedade.
gerais. Os dados relacionais (quantitativos) possuem
duas fontes distintas. Uma delas foi o levanta-
Notas sobre metodologia mento das redes pessoais com os 24 ACS acima
Analisamos, neste trabalho, a atuação dos Agen- citados. Para tanto, foi usada uma metodologia
tes Comunitários de Saúde (ACS) do Programa própria para o levantamento das redes sociais
Saúde da Família (PSF) a partir do estudo de da- que considera os contatos dos agentes e também
dos qualitativos e da análise de redes sociais de a origem, esferas de encontro e tempo de relação
três municipais brasileiros, entre 2004 e 2010. existente.
Os dados qualitativos foram construídos a par- O levantamento se deu a partir de entrevistas
tir de pesquisas etnográficas, acompanhando o nas quais os ACS foram questionados a respeito
trabalho de 24 Agentes Comunitários nos mu- de suas esferas de atividade. Assim, tiveram de
apresentar nomes de pessoas referentes a cada
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uma das esferas, sem limite no número de no- também considerável entre os resultados da im-
mes citados e, em seguida, nomes de outras três plementação nos diferentes locais onde a política
pessoas relacionadas a cada nome citado inicial- foi efetivada.
mente. Isso ocorreu sucessivamente até o esgota- Nos últimos anos, várias políticas sociais brasi-
mento de nomes novos na rede social dos ACS. leiras têm passado por esse processo, que alguns
Depois, para cada nome citado, foram questiona- autores denominam recentralização ou coordena-
dos atributos referentes a: local de residência do ção federativa. A lógica é de políticas desenhadas
indivíduo; onde conheceu; quando conheceu; se no nível federal, com grandes parâmetros e regras
trata ou não dele; onde encontra o indivíduo. gerais de funcionamento, e, a partir de uma lógi-
A segunda fonte dos dados relacionais cor- ca de incentivos e induções, elas vão sendo im-
responde a um estudo desenvolvido por Pavez plementadas no nível local (ARRETCHE, 2004,
(2006)2 para analisar a rede da interface entre o ABRUCIO, 2005, GONÇALVES, LOTTA e BI-
poder público e a população de uma área de fa- TELMAN, 2008).
vela no município de Santo André (Região Metro- No entanto, ao longo deste processo de formu-
politana de São Paulo), e eles foram elaborados lação e implementação, a política pública passa
a partir da metodologia de Análise de Redes So- por uma cadeia de atores (instituições e indiví-
ciais. Com o levantamento e análise dos dados da duos) que transformam, adaptam, interpretam
rede de interação, foi observada a posição relacio- e criam novas regras que vão transformando as
nal e o poder de conexão dos Agentes Comunitá- políticas centralmente definidas. Essas várias
rios, e como se tornaram, a partir do exercício da transformações, para além da ideia de erros ou
função, novos mediadores. interesses escusos dos atores, são consequência
do próprio processo que liga a formulação à im-
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS plementação.
A essa ideia de regras e normas centralizadas
PÚBLICAS e operações descentralizadas está ligada a lógica
de que as políticas públicas podem ser adaptadas
Os analistas de políticas públicas comumente se
às necessidades, dinâmicas e complexidades dos
deparam com grandes diferenças quando com-
territórios. Ou seja, analisando o contexto atual
param o modo como as políticas públicas foram
de coordenação federativa para alguns setores de
formuladas, seus planos e normas, com a maneira
política, percebemos que, na medida em que as
como foram colocadas em prática e implementa-
políticas são concebidas de forma generalizada no
das. Essas diferenças afetam muitas vezes a pró-
nível federal, possibilitam que a cadeia de atores
pria avaliação das políticas públicas, na medida
realize transformações e adaptações de maneira
em que se comparam as expectativas anteriores
que elas se aproximem das necessidades locais,
aos resultados alcançados e se encontra grande
dialogando com as diferentes realidades e contex-
distância entre eles.
tos, se enraízem e se territorializem.
Isso é ainda mais comum quando os analistas
A aparente ambiguidade dessa situação, entre
observam políticas públicas concebidas no nível
a necessidade de homogeneizar padrões no nível
federal, com diretrizes e/ou padrões gerais de
federal e heterogeneizar a implementação no ní-
funcionamento, implementadas no nível local.
vel local, está na raiz da própria concepção das
Nesse caso, há ainda maior distanciamento entre
políticas públicas atuais, na medida em que per-
os planos e os resultados efetivos, e uma distância
mitem um balanço entre a homogeneidade de
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tagens categóricas (sexo, raça, nível de rendimen- são mostra a importância de verificar os efeitos
to, local de moradia, condição de migrante, etc.) produzidos nos padrões de acesso às políticas so-
responsáveis pela perpetuação das desigualdades ciais dos grupos que acumulam desvantagens so-
sociais. ciais pelas dinâmicas de implementação das políticas,
Alguns estudos sobre a política de educação no estabelecimento de barreiras ou na ampliação
e a desigualdade no rendimento entre alunos e aos recursos ofertados pelo poder público. Esses
escolas localizadas em áreas de alta concentração grupos apresentam desvantagens não só categó-
de pobreza sugerem que as atitudes, valores, ex- ricas, como apontamos anteriormente, mas tam-
pectativas e crenças dos professores em relação a bém relacionais; grupos segregados socialmente
seus alunos têm impactos substanciais sobre o re- apresentam um padrão de interação caracteriza-
sultado acadêmico destes (ROMÁN, 2003; TOR- da pela homogeneidade dos seus contatos, que
RES et al., 2008). Além disso, Torres et al. (2008) tendem a apresentar características semelhantes
mostraram que a interação entre as regras de ope- às de outros membros do seu grupo, partilhando
ração do sistema de ensino e as preferências dos as mesmas informações e outros recursos sociais
agentes formuladores e implementadores da po- (SUNKEL, 2003; BRIGGS, 2001; FILGUEIRA,
lítica de ensino fundamental (diretores, supervi- 1998).
sores e professores) em distintos níveis adminis- Para avançar na compreensão dessas dinâmi-
trativos de implementação da política tem como cas, é importante descrever e analisar a lógica da
consequência uma alta instabilidade do quadro conexão entre as redes sociais e as dinâmicas de
de profissionais em escolas de áreas mais pobres, interação dos agentes implementadores, indagan-
de difícil acesso e estigmatizadas pela violência. do como essas dimensões convergem ou combi-
Nessas escolas, como também aponta Peregrino nam na prática e nos processos de implementação
(2006), observa-se menor tempo de permanência das políticas públicas, especificamente na execu-
das crianças na escola, mecanismos classificató- ção de políticas em áreas de alta concentração de
rios e de homogeneização de salas de aula, dentre pobreza e pessoas segregadas.
outros. A segregação, entendida como a separação dos
Outros estudos que objetivam a compreensão diferentes grupos sociais no espaço, pode ter efei-
das dinâmicas de implementação verificaram a to sobre o padrão de sociabilidade de indivíduos
centralidade dos agentes implementadores como de grupos mais pobres. Embora processos distin-
mediadores entre o governo e os moradores de tos, pobreza e segregação podem se apresentar
áreas com alta concentração de pobreza, amplian- na realidade como fenômenos correlatos. Alguns
do o acesso da população a serviços públicos. As estudos (CEM, 2004; SABATINI, 2004) têm mos-
conclusões do trabalho de Lotta e Pavez (2008) trado que novas formas de pobreza urbana en-
indicam que, quando temos um agente imple- volvem um maior grau de segregação espacial e
mentador que também pertence à comunidade menor oportunidade de mobilidade social, uma
em que a política é executada, ou seja, que vem vez que existem áreas com um acúmulo de indi-
“de dentro” e circula em ambos os mundos, o da cadores negativos e com alto grau de homogenei-
administração pública e a população local, pode- dade social.
mos estabelecer dinâmicas e relações sociais que A redução do contato entre os diferentes gru-
têm impacto nas relações entre sociedade e Esta- pos sociais (MARQUES, 2005; TORRES, 2005;
do, ampliando e diversificando as fronteiras da SUNKEL 2003; BRIGGS, 2001) tem efeitos so-
ação do poder público Desse modo, essa discus- bre as redes sociais, interferindo na extensão e
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diversidade dos vínculos de indivíduos de comu- pontes e de buracos estruturais aponta para a
nidades segregadas, e na restrição dos contatos importância estratégica de certas posições numa
ou pontes para fora delas, e com isso do acesso configuração social. No caso das comunidades
a recursos materiais (por exemplo, empréstimos caracterizadas pela segregação, existe uma escas-
financeiros) e imateriais (por exemplo, informa- sez desses vínculos devido à homogeneidade e
ção, influência, prestígio), que podem ser veicu- redundância dos laços sociais. Nesse sentido, Fil-
lados em uma dada rede de relações. gueira (1998) assinala que “comunidades homo-
Pode-se dizer, então, que a moradia num local geneamente pobres apresentam uma estrutura de
com uma composição social homogênea e carac- oportunidades para a obtenção de capital social
terísticas socioeconômicas negativas gera efeito notoriamente limitada”.
sobre o acesso individual a recursos, devido à Ainda que a interação e o contato entre ato-
baixa diversificação de seus vínculos. Isso por- res de círculos sociais diferentes possam facilitar
que indivíduos do mesmo grupo social tendem o acesso a outros recursos sociais, o indivíduo
a apresentar características semelhantes às de ou- despende maior esforço para isso, pois precisa
tros membros do seu grupo, partilhando as mes- interagir direta ou indiretamente com indivíduos
mas informações e outros recursos sociais, o que de outras (e melhores) posições. Nesse sentido,
é conhecido na literatura como princípio de intera- Woolcock (1998) agrega indivíduos com distin-
ção homofílica (GRANOVETTER, 1973). Quando tos graus de poder sociopolítico – por exemplo,
precisam de informações “diferentes”, acessíveis com acesso aos recursos controlados nas esferas
apenas a outros grupos sociais, devem estabelecer políticas, por órgãos públicos – e com indivíduos
vínculos ou pontes que unam seu grupo social a pertencentes a grupos similares, mas localizados
outro grupo social. Vê-se, então, estabelecido o em distintas geográficas.
princípio de interação heterofílica, isto é, o contato Assim, adverte-se a necessidade de uma intensa
entre atores de círculos sociais ou grupos sociais ação que gere uma ruptura desse padrão de vin-
diferentes. Essas “pontes” são vínculos fracos, me- culação para que, por um lado, possam interagir
nos intensos e frequentes, por oposição aos víncu- com indivíduos de outros grupos sociais e, por
los fortes, mantidos dentro do próprio grupo. Daí, outro lado, possam acessar recursos sociais por
o autor falar em “força dos vínculos fracos”. meio de seus vínculos. Isso conduz à reflexão so-
Para Burt (1992), a coesão e os vínculos fortes bre a influência da ação dos governos locais na
providenciam benefícios de informação redun- transformação das relações sociais dos indivíduos
dantes devido à similaridade entre os contatos.3 que pertencem a grupos segregados.
Por oposição, os vínculos fracos, isto é, os con- Trabalhos como os Salum (1999) e os de Pa-
tatos não redundantes, oferecem benefícios que vez (2006) têm demonstrado que a ação de um
se adicionam. programa social, dependendo da sua modalidade
Lin (2001) observa que os indivíduos que fa- de implementação, pode ter influência nos víncu-
zem essas “pontes” tendem a estar na fronteira los de indivíduos pertencentes a grupos de baixa
de seu respectivo grupo social, ocupando uma renda e que moram em áreas segregadas, tanto
posição estratégica. Ideia semelhante é a de Burt no fortalecimento de vínculos entre indivíduos da
(1992), ao falar dos “buracos estruturais” (stru- comunidade, quanto na criação de vínculos com
cutral holes), ou seja, “a separação entre contatos indivíduos pertencentes a outros grupos sociais.
não redundantes”.4 O trabalho de Salum, que compara a organiza-
Desse modo, observa-se que o conceito de ção de quinze favelas em São Paulo antes e depois
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tura de relações e nas características do acesso a Agente Comunitário de Saúde (ACS), um mora-
serviços do poder público entre a população mo- dor da comunidade que se torna responsável por
radora de uma área de alta concentração de po- ajudar as famílias a cuidarem de sua própria saú-
breza. de e da saúde comunitária. O ACS deve ter ensino
Analisando as características do Programa Saú- médio, mais de 18 anos e residir no bairro há pelo
de da Família, podemos enquadrá-lo como um menos dois anos. O enfoque do processo seletivo
dos frutos do processo de coordenação federativa é uma determinação dos municípios, podendo
apontado anteriormente. priorizar ACS que tenham histórico de liderança
O PSF atende a essa mesma lógica de concep- comunitária ou que tenham mais conhecimentos
ções no nível federal e adaptações no nível local ou formação técnica. Também fica a cargo dos
para a sua implementação (LOTTA, 2009).O Pro- municípios a gestão da formação dos ACS, sendo
grama foi criado em 1994, constituindo-se em que em certos casos eles passam por um curso
uma diretriz federal a ser implementada pelos técnico, em outros por uma pequena formação e
municípios. O programa busca garantir atenção em alguns casos não passam por nenhuma capa-
básica com a prestação do serviço nos próprios citação antes de exercerem a profissão. Em con-
domicílios – com o objetivo de humanizar o aten- junto com sua equipe, o ACS atende os morado-
dimento, abordar a saúde dentro do contexto so- res de cada residência da região onde mora e que
cial e intervir nos fatores de risco das residências esteja sob a sua responsabilidade.
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).6 Como outros programas, a arquitetura institu-
Segundo a lógica apontada acima de incenti- cional do PSF é composta por uma cadeia com-
vos e induções, os municípios podem optar por plexa de atores com responsabilidades e abran-
aderir ao Programa desde que sigam as normas gências diferentes, que podem tomar decisões nos
e regulamentos comuns, determinados no nível níveis mais diversos, que, por sua vez, impactam
federal. E os próprios municípios, em especial a forma como o programa será implementado.
as secretarias municipais de saúde, é que são os Em primeiro lugar, as normas e regulamentos
agentes responsáveis pela implementação efetiva são decididos no nível federal, a partir de ampla
do Programa. negociação com outros níveis de governo e en-
O PSF é estruturado a partir de equipes de pro- tidades como conselhos de secretários de saú-
fissionais responsáveis por uma área territorial e de estaduais e municipais. Após a normatização
por todas as famílias que vivem dentro dela. As federal, os municípios, quando aderem aos PSF,
equipes são formadas por: um médico, um (a) passam a receber repasse de recursos federais,
auxiliar de enfermagem, um (a) enfermeiro(a)– mas, ao mesmo tempo, são obrigados a cumprir
coordenador(a) da equipe e de quatro a seis com as regras e normas estabelecidas.
Agentes Comunitários de Saúde. Cada equipe é, A partir dessas normas gerais, as secretarias
em tese, responsável por uma área geográfica que municipais determinam suas rotinas de trabalho,
engloba de 600 a 800 famílias. organizam equipes, unidades básicas e outras ne-
As equipes ficam situadas dentro de uma Uni- cessidades gerenciais. Essas rotinas são repassa-
dade Básica de Saúde, um equipamento públi- das aos gerentes das unidades, que, por sua vez,
co onde são realizados procedimentos básicos e as repassam aos coordenadores de equipe. Por
onde se localizam algumas equipes e profissionais fim, as rotinas serão colocadas em prática pelos
que não participam diretamente do PSF. agentes comunitários de saúde, os implementa-
Pela lógica do programa, a figura central é o dores no nível de rua, que terão acesso direto à
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Ministério da Saúde
Secretarias Estaduais
e Municipais, Conas,
Conasems,
Políficas Públicas Federais: Cosems
Pactos, Normas, Leis Momento de
Transformação
1
Secretaria
Definição de Operações Municipal de Saúde
e de Trabalho
Momento de
Transformação
2
Gerente UBS
Estabelecimento de Coordenador de
rotinas e Coordenação Equipe PSF
dos Implementores
Momento de
Transformação
3
Agentes Comunitários
Implementação de Saúde (e outros
profissionais)
Assim, ao longo dessa cadeia, o Programa vai mente com a população em seu trabalho. Eles,
passando por todas as decisões, adaptações, dis- portanto, se tornam o lócus da ação pública, já
cricionariedades e interpretações até que chega que são responsáveis pela mediação das relações
ao momento efetivo de implementação, ou seja, cotidianas entre o Estado e os cidadãos.
às mãos dos Agentes Comunitários de Saúde. Como será observado neste trabalho, no caso
Como já apontamos acima, os implementado- dos ACS, o fato de serem burocratas e, ao mesmo
res de rua, que é o caso dos Agentes Comunitá- tempo, pertencerem à comunidade, acaba po-
rios de Saúde, têm uma grande importância por tencializando a capacidade que esses atores têm
serem os elos finais da cadeia de implementação. em exercer a discricionariedade para adaptar as
Dessa forma, analisar como esses agentes trans- políticas ao cotidiano e ser mediadores. Quando
formam e adaptam as políticas é essencial na me- pensamos no papel que esses burocratas de rua
dida em que eles influenciam o acesso da popu- exercem enquanto mediadores, podemos tomar
lação a direitos e benefícios governamentais e são ao menos duas dimensões diferentes: a da media-
o canal pelo qual a população consegue acessar a ção dinâmica e da mediação estrutural relacional.
administração pública, pois interagem continua- A primeira refere-se às práticas implementadas
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pelos agentes e a segunda, à posição que ocupam lação ou que estão evidentemente proibidas, mas
na interface de interação entre poder público e que são exercidas mesmo assim. Isso demonstra
comunidades locais. o alto poder de adaptação exercido tanto pelos
Os estudos desenvolvidos por Lotta (2006, Agentes Comunitários como pelos enfermeiros,
2008 e 2010) têm demonstrado que esses agen- pela equipe ou pela própria Secretaria de Saúde
tes implementadores se utilizam de diversas di- no processo de implementação do Programa Saú-
nâmicas interativas para estabelecer relação com de da Família (LOTTA, 2010).
os usuários das políticas públicas. A partir do uso Ao mesmo tempo, uma análise mais acurada
de mecanismos de interação e da criação e ado- dessas práticas nos levou a perceber que cerca de
ção de práticas, os ACS adaptam sua linguagem 5% delas são exercidas por todos os ACS, ou seja,
de forma a torná-la acessível aos usuários com os são realmente fruto de decisões do programa que
quais interagem. padronizam as ações. Já os outros 95% de práti-
A partir da análise etnográfica de diversos ACS cas são adaptações de exercícios de discriciona-
em diferentes Unidades Básicas de Saúde, Lotta riedade que não levam a padrões e, portanto, são
(2006, 2008 e 2010) identifica que os Agentes reflexos de decisões dos ACS.Assim, percebemos
Comunitários realizam uma transição entre a co- que, em termos dinâmicos, os ACS realizam um
munidade e o poder público na hora de criar e processo de mediação ligado a adaptar a forma
utilizar seus saberes. O acompanhamento dos tra- como interagem com as famílias, seja por meio de
balhos dos ACS permitiu a sistematização de qua- mecanismos de interação, seja pela adaptação de
tro mecanismos centrais de interação, comuns e suas práticas. Vemos, portanto, no trabalho dos
correntes nas práticas dos ACS, que ajudam a ACS, uma criação e uma intercalação de saberes
compreender como eles constroem suas ações: a) que permitem aos agentes legitimar suas práti-
os ACS utilizam referências da comunidade em cas tanto com a população como com o poder
suas práticas; b) os ACS intercalam saberes ad- público. Além dessa legitimidade, a intercalação
quiridos enquanto profissionais de saúde e sabe- permite que os ACS estabeleçam um elo, ou uma
res próprios de suas vivências; c) os ACS realizam ponte, entre esses atores, facilitando o diálogo e
a tradução desses saberes; d) os ACS fazem trian- a troca de saberes e de conhecimentos (LOTTA,
gulação. 2010).
Além disso, a pesquisa conseguiu identificar Ao mesmo tempo, esses atores conectam as
aproximadamente 1.080 diferentes práticas rea- políticas públicas às comunidades na medida em
lizadas pelos ACS em seu trabalho. As práticas que, por um lado, possuem ambas as linguagens
foram levantadas a partir de observação etno- que possibilitam um diálogo e, por outro, conhe-
gráficas dos ACS acompanhados e categorizadas cem o cotidiano das pessoas, o que lhes possibi-
posteriormente a partir de seu uso e objetivo. lita inserir as práticas da saúde nesse cotidiano.
Após a síntese das práticas, comparamos aque- Sobre a dimensão da mediação estrutural, o es-
las que são previstas em lei e as que não o são, e tudo de Pavez (2006) avançou ao analisar o papel
chegamos à seguinte constatação: em média, 36% de mediação entre o poder público e a população
das práticas desempenhadas pelos ACS estão pre- local dos agentes implementadores de uma polí-
vistas na legislação (definidas nas portarias e leis tica pública, no caso dos Agentes Comunitários
federais que regem o programa), enquanto cerca de Saúde e outros agentes locais (de habitação,
de 64% não estão previstas. Ou seja, são práticas educação) que também são moradores da área em
que não estão explicitamente colocadas na legis- que a política é implementada. Com o uso da me-
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ção de pobreza, analisando como as dinâmicas, cas comunicativas implementadas pelos agentes.
práticas e relações dos agentes implementadores Dessa forma, podemos dizer que esses agentes
permitem conectar o poder público ã população. implementadores realizam não só uma mediação
Para tanto, estudamos a atuação dos Agentes Co- relacional, mas também simbólica. Nesse senti-
munitários de Saúde (ACS) e do Programa Saúde do, a mediação realiza-se não na tradução “fiel
da Família, e procuramos avançar na discussão da realidade”, mas sim na combinação subjetiva
sobre os “burocratas de rua” e a particularidade de sentimentos e de pensamentos, que tomam
do ACS enquanto tal, refletindo sobre a maneira sentido mediante a linguagem. Isso nos permite
como se dão esses aspectos na realidade quan- pensar que a mediação entre o poder público e a
do, em especial, temos um agente implementa- população não ocorre de forma automática, mas
dor que é também morador da área de ação da é construída nas suas práticas de implementação,
política. uma vez que esses agentes transitam entre grupos
Como vimos, os ACS, mediante o uso de me- sociais e instituições em que circulam fluxos de
canismos linguísticos, cognitivos e relacionais im- informações distintas e compreendem as crenças,
bricados em suas práticas, realizam uma media- conhecimentos, etc. que os distinguem. Dessa
ção entre a população local e o poder público que forma, esses agentes apresentam características
permite conectar a política pública ao cotidiano específicas que lhes outorgam grande poder de
da comunidade. Esse processo facilita a inserção mediação.
das práticas da saúde e de outros serviços do po- É possível afirmar também que a ação e a posi-
der público no dia a dia da população. Além dis- ção relacional dos agentes enquanto mediadores
so, verificamos que esses agentes têm um poder permitem que as políticas de saúde não se res-
de conexão vertical que decorre dos contatos tan- trinjam apenas à ideia da saúde como cura de do-
to com a população local – enquanto moradores enças, mas também signifiquem que a promoção
e agentes de saúde – como com os funcionários da saúde esteja ligada à ideia de ambientes e situ-
do poder local, e, ao mesmo tempo, um poder ações melhores para as pessoas e à ampliação do
de conexão horizontal, que gera mobilização e acesso à informação entre os moradores das co-
trocas de informação interna na comunidade, e munidades, pois esses bens, muitas vezes, consti-
articulação com outros agentes de outras áreas. tuem benefícios ou serviços oferecidos pelo poder
Viu-se dinamizada, assim, a interface relacional público. Geram-se, portanto, a partir da atuação
entre a sociedade e o poder público, e entre os dos agentes, distintas consequências, tanto para
distintos atores envolvidos na implementação as políticas públicas como para as dinâmicas lo-
das políticas; isso a partir do adensamento dos cais. Em relação às políticas públicas, na medida
contatos entre esses atores, sendo que o papel de em que são implementadas dialogando com as
mediação dos Agentes Comunitários de Saúde necessidades e a realidade do território, garantem
tornou-se um fator-chave na transformação das melhores resultados, já que as pessoas se apro-
características dessa interface relacional. priam do conteúdo das políticas como parte de
Ademais, o estudo permitiu especificar o pa- seu cotidiano. Além disso, a atuação dos Agentes
pel e as dinâmicas de mediação que os Agentes Comunitários permite que as próprias dinâmicas
Comunitários de Saúde realizam, verificando que se apropriem das práticas, aumentando a aceita-
nesse caso há uma sobreposição tanto de cone- ção e o envolvimento da população com algo que
xão estrutural – dados os contatos sociais esta- ela reconhece como legítimo e benéfico para si.
belecidos – como de conteúdo – dadas as práti- Em seguida, observamos que esses processos
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ampliam o número de mediadores entre o poder jeto de análise, no entanto, traz consigo a ques-
público e a população local e, portanto, geram tão dos agentes implementadores que constroem
uma distribuição ou democratização do poder de pontes relacionais justamente por viverem nas
conexão entre mais atores em função da presença comunidades em que implementam as ações. As-
dos agentes comunitários. Por último, constata- sim, a partir desse novo olhar, avançamos tanto
mos também que a presença e o papel desempe- na discussão sobre a discricionariedade desses
nhado por esses mediadores diminuem o custo atores como, principalmente, na maneira como
da comunicação entre o governo e a população, constroem suas ações, e na relação das regras e
tornando-a mais eficiente e oportuna. Dessa for- instituições criadas pelos programas públicos
ma, constatamos consequências tanto esperadas com a ação desses agentes.
como não previstas, vindas da formulação e de-
senho da política que se estabeleceu ao longo do
processo de implementação. NOTAS
É possível concluir, portanto, que a ação des-
ses agentes permite uma inserção do Estado den- 1
Dados construídos para a tese de doutorado de Gabriela Lotta,
tro das redes relacionais locais. Pensando no en- apresentada ao Departamento de Ciência Política da USP em
foque desses agentes implementadores enquanto agosto de 2010.
mediadores, podemos nos apropriar dos ensina-
2
PAVEZ, T. (2006) Políticas Públicas e Ampliação do Capital Social
em Comunidades Segregadas: o Programa Santo André Mais Igual.
mentos de Lipsky (1980), segundo os quais, em Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Ciência
função de sua discricionariedade, o burocrata de Política da Universidade de São Paulo, São Paulo.
rua pode distribuir e alocar os recursos, outor-
3
Os vínculos fortes entre indivíduos de um grupo social podem
significar diferencial de poder, controle e hierarquização. No
gando maior ou menos acesso. Isso pode ocorrer caso de comunidades mais pobres, Almeida e D’Andrea (2005)
para ambos os lados (administração pública e po- mostraram numa favela de São Paulo a relevância dos laços
familiares e dos vínculos entre conterrâneos para a obtenção de
pulação) quando pensamos nesses agentes como diversos tipos de recursos.
mediadores. Ou seja, os agentes implementado- 4
Os indivíduos que atravessam esses buracos (gatekeepers) ganham
res escolhem quais os recursos que levarão para uma vantagem, o que não significa que os grupos não tenham
consciência da existência uns dos outros, e sim que as pessoas
ambos “os mundos” e constroem as dinâmicas de que se encontram de cada lado do buraco estrutural circulam em
mediação desses recursos, tornando, portanto, diferentes fluxos de informação.
mais permeável, ou “mais próxima”, a fronteira 5
A urbanização de favela é uma política característica dos governos
municipais do Partido dos Trabalhadores (pt), que teve inicio na
entre Estado e sociedade. década de 1980.
Em termos de análise de políticas públicas, o 6
Atualmente, o Programa tem cerca de 28 mil equipes atuando em
presente trabalho avança nas discussões apre- 80% dos municípios brasileiros, o que abrange cerca de 65 milhões
de pessoas (35% da população brasileira).
sentadas sobre agentes implementadores. Assim, 7
A metodologia de Análise de Redes Sociais permite identificar
considerando as descobertas de Lipsky sobre a padrões de relacionamento entre atores numa determinada situação
social e suas mudanças no tempo. No Brasil, estudos como os
discricionariedade dos agentes de rua, neste tra- de Pavez, Toledo e Gonçalves (2009), Marques (2003) e Marques
balho apresentamos uma questão inovadora: a (2000) usaram a metodologia para explicitar o padrão de relações
dos agentes pertencentes às comunidades. Vale dos atores envolvidos com temática de uma determinada política.
8
O programa estudado envolvia a coordenação das atividades
destacar que a literatura até então considerava os de diferentes programas sociais e de serviços urbanos, inclusive
agentes implementadores como pessoas de “fora o Programa de Agentes Comunitários da Saúde (PACS),
do mundo” dos beneficiários dos programas so- circunscrevendo-a territorialmente em áreas de favela do município.
A execução dos programas envolvia técnicos da Prefeitura e agentes
ciais, como é o caso dos médicos, professores ou implementadores locais, inclusive os oito Agentes Comunitários de
policiais estudados pela literatura. Este novo ob- Saúde do PACS.
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