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O Estado Persa
DavidÀsheri
teatro

O teatro moderno, em suas feições mâis inovadorsõ, nrrgttou o


illlllrF Hl€.
dramático da marginalidade artística que o gosto b€m.Fnnnh l, ül l[l
llr
teira, o academiSmo literário-teatral o condenaram no úculo XIX t
Ëth e
século XX, como atentaúório ao drama bem regrado. Felrr do hftt€ dô fb.
surdo, úeatro-dança, teatro de dfurtor, teatm performáüco, or hnnolüt nçU
linguagens cênicas da dontemporaneidade teatral, é folrr dr outftr Slha
versões ou recriações às vezes diretas do melodrama. Daí o lnutlnrlval ïrlôl
da arxílise histórica e estética que Jean-Marie Thomagolu prccdt nün
abrangente estudo ora lançado pela editora perspecüva em rut cohÇl0 Fl.
bates, na cúdadosa tradução de Claudia Braga e Jacquollno itaql6n.
O melodrama irrompeu em um contexto bastante pecullar, nr Frtn*f df nl.
voluçio. As transformações políticas e sociais que aí tlvcram lulrr provo0t.
ram, desde logo, um extraordinário aumento de irúbllco, não rpfitl nü hl.
ras e tablados onde os espetráculos eram feitos para a grande mrür 0 pgf df
vistos e apreciados, mas âgorâ nos teatms. Uma audlênda, em mtll ïtlmílhl
populares e rnédios, fortemente sensibilizada pelos anos crÍtlcot dr rjlt:çlo t
violência, passou a freqüentar os espetrículos de uma arte cênlcl ndt fbrnt,
Iizada e a trazer o seu fermento para a eclosão de uma novr manalm do frrff
dramático, que se cristalizou, sobretudo, no melodrama. Engcndrrdo rob o
signo de acontecimentos impactantes, sua vara másica transformou cm mltl0l
e maravilhas as situações que constitúam a sua experiêncla vlvldr nü rUü !
nas assernbléias.
De fato o gênero em seu próprio esquematismo nasceu com I Ottrah dl
- -
síntese audaciosa nos tipos e da comunicação de massa nos ennodor € nü h,
las. O seu sucesso foi tão imediato e avassalador, incluslvè no Bnrll, dffdl
João Caetano até os anos 1930, que urn século e meio de sevorsr erlÍtcü e fean-marle
restrições não o abalaram minimamente e de tal modo que, com todo olÈ
ügor comunicativo, ele conqústou não só o cinema, como a mídla rndtofúnlcr
e televisiva, tornando-se uma de suas formas mais consagradaa polor lbopr
thomasseau
das mais variadas culturas e países. A radionovela e a telenovela slo hqfo ume.
caixa de rrssonância da fala global pela imagem e pela palavra de O MclrdrEma,à

J. Gulnrburl
O MELODRAMA
f
L

TÍtulo do original em francês


IzméIodrame

@ Presses Universitaires de France, 1984

Dados lnternacionais de Catalogaçáo na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Thomasseau, Jean-Marie
O melodrama / Jean-Marie Thomasseau ; [tradução
e notas Claudia Braga e Jacqueline Penjonl. São
Paulo: Perspectiv4 2ü)5.
-
(Debates;303 / dirigida
por J. Guinsburg)
-
Título original Le mélodrame.
Bibüognfia.
ISBN 85-273-0719-7

l. Melodrama francês 2, Melodrama - História e


cútica 3. Teatro francês - Século 19 - História e
crítica I. Guinsburg, I. II. TÍtulo. III. Série.

05-1607 cDD-809.2527

Índices para catálogo sistemático:


l. Melodrama : Literatura : História e Crítica
809.2527

Os Personagens.
A Moralidade do Melodrama Clássico ..........,............. 47
Os Autores... ....................... 50
O Melodrama Romântico (1823-1848) .......63
Direitos reservados paÍa o Brasil à
As Modificações Técnicas .......................68
EDÍTORA PERSPECÏTVÀ SÁ. Os Autores... .................,.....72
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025 O Melodrama Diversifi cado ( I 848- I 9 14) ......................... 95
01401-000 - São Paulo - SP - Brasil
O Melodrama Militar, Patriótico e Histórico ..............98
Telefax (0--l l) 3885-8388
www.editoraperspectiva.com.br
O Melodrama de Costumes e Naturalista ................. 103
2005 O Melodrama de Aventuras e de Fxploração ............ ll0
O Melodrama Policial e Judiciário ....... lI2
Outros Autores ................ 120
A Estética Melodramática e Sua Sobrevivência............... I27
A Escrita Melodramática.................. .....127
Os Cenários. ..................... 128
A Música e os Balés ......... 131
Os Atores ..........................132
O Público e os Teatros .....133
A Posteridade do Melodrama ..................................... I 35

Conclusão 139

Bibliografia ...... 141

APRESENTAÇÃO

Bastante conhecido dos estudiosos da cultura de massa e


da história do teatro no Brasil, mas restrito, entretanto, até
o momento, aos que dominam o idioma francês, temos a
satisfação de tr azer ao público brasileiro Le Mélo drame, de
fean-Marie Thomasseau, um dos maiores especialistas
mundiais no estudo do gênero. A tradução para o portu-
guês se justificaria por inúmeras razões, mas a que princi-
palmente nos motivou a levar a termo a tarefa foi a especial
importância do gênero melodramático na trajetória do
teatro brasileiro, não apenas quando de seu aparecimento
no país, em meados do século XIX, mas sobretudo pelaper-
manência dessa estrutura em formas dramáticas diferen-
ciadas até os nossos dias. Ao lermos esta obra reconhece-
mos, na descrição do gênero, de seus personagens e temas,
inúmeros pontos em comum entre o melodrama e, por

RffilcemCoelina.
exemplo, a nossa tão atual telenovela, o que nos fezacredi- bém é de certa forma imutável; o vilão acaba sempre des-
tar que tornar este volume mais acessível ao público bra- mascarado pelo herói, o bem sempre vence o mal, e assim
sileiro contribui não só para ampliar nosso conhecimento a virtude é sempre premiada e o crime sempre punido.

da história de nosso teatro como para que conheçamos tam- De onde viria, então, o nítido praze.r que sentiram e
bém a profunda inserção deste gênero, ou de sua estrutura sentem as platéias que o viram nascer e as que hoje apre-
essencial, em nossa cultura até os dias de hoje. ciam as formas dramáticas que utilizam sua fórmula? Para
Desde seus estudos iniciais, o autor sabia da impor- Peter Brooks, que caracteriza o melodrama como "uma
tância do gênero em países outros além da França. No fi- estética do admirável"2, o prazer do público nasce das nu-
nal do quinto capítulo, fean-Marie Thomasseau nos diz merosas peripécias e dos golpes teatrais. Com efeito, se os
que, apesar de ter sido um fenômeno estritamente francês, personagens, maniqueístas, são sempre idênticos - o vilão
o melodrama"se espalhou rapidamente pela Europa (...) e e seu confidente; o herói e seu parceiro popular, o bobo
pelo Novo Mundo, onde foram traduzidos a adaptados os que provoca o riso; as vítimas; o eventual casal de namora-
sucessos do Bulevar do Crime". dos reunido no final; e o ofendido pai de família restabele-
Com efeito, ao percorrermos a breve história do teatro cido na sua função de patriarca - é o uso da peripécia,
no Brasil desde 1838, verificamos a constante presença do associada ou não ao reconhecimento, é mesmo essa certe-
melodrama nos palcos nacionais, desde as primeiras re- za davilôria do bem contra o mal, ou ainda é o pitoresco
presentações do ator João Caetano dos Santos até os anos
visual, um maquinismo a serviço do patético, que encan-
1930 quando, exatamente emrazão de sua imensa popula-
tam o público.
ridade - segundo o crítico Mário Nunes, as platéias popu-
Podendo ser definido como um "espetáculo total", lado
lares o estimavam até o delírio -, e adaptando-se aos novos
a lado com a busca do patético, o melodrama rende tribu-
tempos, abandona os teatros propriamente ditos para
to também ao maravilhoso com incêndios, erupções vul-
começar uma carreira ainda mais popular, através dos
cânicas, naufrágios, preenchendo então, segundo Brooks,
veículos de comunicação de massa como o rádio e, poste-
pela surpresa, pelo encantamento, os espaços da emoção e
riolmente, a televisão.
da imaginação de seu público.
Mas afinal como eram essas peças, que apesar de en-
O Melodrama explica mais particularmente esta atra-
frentarem a oposição quase unânime da"crítica especializa-
da qual nos fala Brooks. Partindo do princípio de que
da', ainda assim, segundo o mesmo Mário Nunes, muito ção
"concorreram para manter vivo o interesse do povo, a em períodos de crise é exacerbado o gosto pelo teatro - e
alargá-lo, pelas representações teatrais"l em nosso país? nesse sentido o gênero confirma a regra: o melodrama
é filho da Revolução Francesa e desde seu aparecimento
Quais eram, ou quais são os seus atrativos?
De maneira geral o melodrama, inalteradamente, apre- (com Coelina ou a Filha do Mistério,1800, de Guilbert de
senta a luta entle bem e mal absolutos, busca ser ao mes- Pixerécourt) vem estreitamente ligado à idéia de teatro po-
mo tempo universal e quotidiano, procurando comover pular - jean-Marie Thomasseau nos mostra sucessivamente
o público através de uma estética moralizante que as transformações do gênero com o decorrel do tempo.
corresponde a códigos preestabelecidos. Sua trama tam-
2. Peter Brooks, "Une esthétique de l'étonnement: le mélodrame",
l. M. Nunes (1956),v 1,p.49. em Poétique 19, 197 4, pp. 340 -356.

6
l

Inicialmente dedicando-se a contextualizar seu apare-


cimento, o autor descreve as origens e formação do gêne-
ro, numa Paris pós-Revolução Francesa, para em seguida
estabelecer a estrutura básica do "melodrama clássico'l um
gênero otimista, que exorciza e anula, de certa maneira, pela
I
imaginação, os transtornos da Revolução, como por exem- i

plo nas obras de um Pixerécourt. Ao longo do volume


Jean-Marie Thomasseau nos mostra ainda que, seguindo
as tendências estéticas do século XIX, também o melodra-
ma prestará tributo ao romântico, para enfim diver-
sificar'-se, sempre em consonância com as correntes do
momento, apresentando, a partir de então, enredos histó-
ricos e/ou militares; de costumes ou naturalistas; de aven-
turas ou mesmo policiais e conclui sua obra discorrendo
brevemente sobre a sobrevivência desta "estética melodra-
mática" em difelentes obras e sob o ponto de vista de di-
versos criadores das artes cênicas.
Referência bibliográfica de inúmeras obras que estu-
dam a cultura de massa no Brasil, a divulgação de 0 Melo-
INTRODUÇÃO
dramaemlíngua portuguesa mostra-se da maior relevância
não apenas aos especialistas do assunto mas, pela impor- Do melodrama, geralmente se conhece a célebre fórmula de
tância do gênero na formação teatral brasileira, aos Musset "Viva o melodrama onde Margot chorou"; formu-
interessados numa compreensão geral da história da dra-
la admirativa que freqüentemente se toma como uma ex-
maturgia em nosso país. Esta, como já dissemos, foi a prin- pressão de ironia. A palavra melodrama, com efeito, traz ao
cipalrazão de nosso empenho e também da editora Pers-
pensamento a noção de um drama exagerado e lacrimejan-
pectiva -qual prestamos nossos maiores agradecimentos
à
te, povoado de heróis falastrões derretendo-se em inutili-
em sua tradução, com a qual contamos ser úteis ao público
dades sentimentais ante infelizes útimas perseguidas por
brasileiro. ignóbeis vilões, numa ação inverossímil e precipitada que
embaralha todas as regras da arte e do bom senso, e que ter-
Claudia Braga e Jacqueline Penjon mina sempre com o triunfo dos bons sobre os maus, da vir-
tude sobre o úcio. Este esquema, se não é inteiramente falso,
é por demais simplificador. Desde o nascimento do gêne-
ro, entretanto, ele foi veiculado por críticos e historiadores
que, a respeito do melodrama, repetidamente ttlizarama

Placa do Théôtre de ln Porte Saìnt-Martin.


zombaria e o sarcasmo. Lendo-se, todavia, mais de perto popular, mas em todos os estratos da população. Seria ne-
estes textos de críticos e de criadores, percebe-se que, de cessário, enÍim, refletir sobre a proposta de escrever uma
Geoffroy aZola,sua atitude é ambígua; todos admiraram história do gosto teatral, mais do que uma história literá-
as técnicas melodramáticas e invejaram, sem nunca poder ria do teatro.
explicar os sucessos colossais alcançados pelo gênero. Por A escolha que de nossa parte operamos nesta imensa
que, então, a ironia? produção não foi fácil; ela foi estabelecida em função de dois
Ela nasce de muitos mal-entendidos. O primeiro entre critérios: o do sucesso alcançado e o da qualidade puramen-
eles apóia-se no fato de que o melodrama, desde seu surgi- te dramáticadas obras, de sua contribuição original na prá-
mento, foi associado à idéia de teatro popular, ou popula- tica de uma escrita teatral (no sentido pleno), da qual se
pode ainda, no teatro atual, medir as conseqüências e se-
resco, e a cadavez em que se utiliza o termo "popular" com
guir os prolongamentos.
relação ao teatro, este sofre, imediatamente, um pré-julga-
mento desfavorável. Hoje em dia, fala-se mesmo a seu res-
peito como uma paraliteratura, uma a-literatura ou uma
subliteratura.
É precisamente aí que reside o segundo mal-entendi-
do: continua-se, com efeito, a julgar as obras teatrais com
o apoio único em critérios de estilo literário. O melodra-
ma, freqüentemente escrito por autores sem talento de es-
tilo, mas não despidos de qualidades teatrais, é justamente
um gênero que, sem que seus criadores estivessem cons-
cientes, provocou uma nítida dissociação entre o literário
e o teatral. A arte do melodrama repousa, com efeito, qua-
se que inteiramente, nas situações, numa mise en scèneper-
feita e no talento dos atores, sendo que destes últimos
elementos o que resta atualmente são apenas o texto das ru-
bricas e algumas piedosas lembranças em velhos artigos.
Nesse sentido, constata-se o quão ultrapassados são os
métodos tradicionais da história teatral que se ocupam tão
somente com o que se costuma chamar de obra-prima'
deixando na sombra todas as outlas produçÕes, sem se in-
terrogar sobre esta noção fluida e subjetiva de obra-prima,
ou sobre a maneira através da qual a posteridade as fabri-
ca. Seria então inteiramente pertinente, nesse caso, ter em
conta um gênero que, durante mais de um século, mobili-
zou centenas de autores, produziu milhares de peças e pro-
vocou os maiores entusiasmos, não apenas no público

11
10
ORTGENS E FORMAÇÃO DO GÊNERO

A lenta transformação que afeta, durante todo o século


XV[I, os gêneros tradicionais da arte, em particular o tea-
tro, conjugada ao surgimento, na época da Revoluçãol, de
um público aumentado pelas classes populares e extrema-
mente sensibilizado pelos anos de peripécias movimen-
Théâtre de L'Ambigu Comique.
tadas e sangrentas, conduz à eclosão do que se convencionou
chamar "estética melodramática".
Após o édito de liberação de 1791, que estipulava que
todo cidadão podia "construir um teatro público e alifazer
representar peças de todos os gêneros", como em todas as
sociedades em crise, em guerra ou em revolução, aparece
então um entusiasmo desmesurado pelo teatro, lugar pri-

1. A Revolução Francesa, que tem seu ápice com a Queda da Basti-


lha,a l4de julhode 1789.

Théâtre de L' Ambi.gu Comique. À esquerda, espetâculo gratuito; à direitq


do Théôtre de L'Ambigu Comique, antes do incêndio de 1827.
fila para o teatro. -Ptatéia

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vilegiado que transforma em mitos e maravilhas as situa- rioa, com efeito, propondo um imaginário da história da
França na qual triunfavam sempre os grandes capitães e uma
ções de violência que as ruas e as assembléias haviam ba-
nalizado. visão da sociedade na qual eram exaltadas as virtudes civis,
No momento no qual, sob o Diretório2, em algumas familiares e marciais, os melodramas reconcilialam todas as
rápidas tentativas, a fórmula melodramática toma sua for- ideologias, numa tentativa de reconstrução nacional e mo-
ma definitiva, o público dos teatros populares, tão compla- ral ou, ao menos, na busca do fortalecimento das institui-
centemente descritos pelos jornais e gravuras da época, ções sociais, morais e religiosas.
conserva ainda o fervor da Revolução. Nesse sentido, a éti- Nodier, amigo e admirador de Pixerécourt, percebeu
ca melodram âticarealiza, com efeito, neste momento, os de- perfeitamente o caráter quase institucional destes dramas,
sejos de todas as camadas da população. a propósito dos quais escreveu:
A paixão das classes mais populares volta-se sobre ela
mesma, nos espetáculos da virtude oprimida e triunfante; O que eu os vi fazer foi, na falta do cuÌto, substituir as instru-
e ela durará todo o século. A burguesia, que tem em mãos ções do púlpito e lançar, de uma forma atraente, à qual não faltava
os negócios, aplaude também o melodrama por que ele jamais o efeito cênico, lições graves e proveitosas na alma dos es-
pectadores. A representação dessas obras verdadeiramente clássicas,
reage contra os excessos do teatro anticlerical e do teatro
na acepção elementar do termo que nos indica as influências mo-
noii,importado da Inglaterra e ainda muito em voga sob o
rais da arte, inspira apenas idéias de justiça e humanidade,faz nas-
Diretório. Por outro lado, ela aprecia o melodrama porque cer apenas emulações virtuosas, desperta aPenas ternas e generosas
ele tempera e ordena as tentativas mais ousadas do teatro simpatias. O que vi foi que, nesta época difícil, na quaÌ o povo só
da Revolução, põe em prática o culto da virtude e dafami- pode recomeçar sua educação religiosa e social no teatro, existe, na
lia, remete à honra o senso de propriedade e dos valores tra- apÌicação do melodrama ao desenvolvimento dos princípios fun-
dicionais, e propõe, em definitivo, uma criação estética dãmentais de qualquer civilização, ttma visão providencial [.'.]. É
formalizada segundo padrões bastante precisos. A aristo- necessário um teatro que coloque em cena os incômodos não me-
ritórios da grandeza e da gÌória, as manobras insidiosas dos traido-
cracia, tanto a antiga quanto a nova, não deixava' tamPou-
res, a dedicação por vezes arriscada das pessoas de bem. É necessário
co, de misturar-se ao populacho nos bulevares par'a assistir
lembrar, através de um enredo sempre novo em seu contexto, sem-
aos espetáculos que, ao menos nos melodramas clássicos, pre uniforme em seus resultados, esta grande lição na qual se resu-
preservavam o senso de hierarquia e o reconhecimento do mem todas as filosofias apoiadas em todas as religiões: qlle mesmo
poder estabelecido. aqui em baixo, a virtude nttnca fica sem recomPensa e o crime ja-
O poder, por sua vez, através de uma censura efrcaz e mais fica sem castigo. E que ninguém se engane: o melodrama não
discreta, e com a cumplicidade mais ou menos consciente dos é pouca coisa, ele é a moralidade da Revoluçãos'
autores, aproveitará da melhor forma possível o entusiasmo
popular pelo melodrama. Sob o Consulado3 e sob o Impé- Desde os primeiros sucessos do gênero, colocou-se para
críticos e autores) em diferentes termos, a questão das ori-
2. Nome pelo qual se denominou o gruPo de cinco membLos res- gens do melodrama. Ênquanto as salas oficiais se esvazia-
ponsável pelo poder executivo na França segundo a constituição promul-
gadaem 1795.
*, Teatro de terror que se caracteriza por uma visão pessimista, som-
bria, tensa. (N. da E.) 4. Proclamado pelo próprio Napoleão que se faz coroar imperador
3. Nova denominaçáo do poder executivo criada a partir do golpe daFrança,em 1804.
de Estado conhecido como l8 Brumário, no qual toma o poder Napoleáo 5. Charles NodieÍ, Introduction au théâtre choisi de Pixerécourt.Ge-'
Bonaparte, em 1799. nebra, Slaktine Reprints , 1971, pp. II-VIII.

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vam e a multidão se espremia nas bilheterias do Ambigu, Pìgmalião apresenta-se como um breve monólogo,
ou da Porte de Saint Martin, os críticos, pouco perspicazes entrecortado e sustentado por frases musicais que subli-
em sua maior parte, tiveram uma reação de defesa e des- nham uma expressiva pantomima. Contrariamente ao que
prezo por aquele gênero misto que transtornava tantos afirma Rousseau, entretanto, a peça foi imitada: Ariane auf
hábitos estéticos e no qual eles viam pouca originalidade. Naxos ( 1 78 1), de |. Brandes e G. Benda; Pyrame et Thisbé
Quanto aos autores, ao menos aqueles dos primeiros me- (1783), de Larive e Baudron e Héro et Leandre (1784), de
lodramas, Pixerécourt em particular', muito orgulhosos de Florian, seguiram o mesmo modelo.
sua missão de humanistas do teatro, procuraram para suas A palavra melodrama e o novo gênero que ela defini-
criações os mais nobres antecedentes para justificar, a pos- ria acabaram, assim, virando moda, mas as peças que leva-
teriori, a existência deste gênero freqüentemente tratado vam este nome ampliaram pouco a pouco o círculo estreito
como bastardo. do monólogo de Rousseau, aumentaram o número de per-
O melodrama, durante todo o século, iria permanecer sonagens e introduziram um bailado. Sua intriga, por sua
neste estatuto ambíguo; ao mesmo tempo amado por um vez, desenrolava-se cadavez mais em ambientes exóticos;
grande público e desprezado pelos críticos e historiadores da IiElève de la nature (178I-1787) (A Educação da Nature-
literatura que raramente, a seu respeito, abandonaram o tom za), de Mayeur de Saint-Paul, dá uma idéia bastante exata
de ironia condescendente e de ridicularização sistemática. deste estilo de peças. Na mesma época, eram também cha-
O próprio termo, melodrama, desde suas origens, apre- mados de melodrama, cômico ou pastoral, algumas peças
sentou ambigüidades, sentidos múltiplos que recobriam curtas em um ato, mais apropriadamente ligadas à "ópera
realidades diversas. cômica" ou ao que hoje se chamaria opereta, que eram en-
cenadas no Teatro des Beaujolais. Nestas peças, a entrada
A palavra nasceu na ltália, no século XVII: melodra- dos personagens era sublinhada por frases musicais, fala-
ma designava, então, um drama inteiramente cantado. O das e cantadas dos bastidores e mimadas sobre o palco.
termo apareceu na França apenas no século XVIII, duran- A palavra melodrama veio a ser, então, imperceptivel-
te a querela entre músicos franceses e italianos. Em 1762, mente, um termo cômodo para classificar as peças que es-
Laurent Garcins escreveria uma erudita dissertação sobre capavam aos critérios clássicos e que utilizavam a música
o drama e a ópera intitulada Tratado do Melodrama. como apoio para os efeitos dramáticos. A partir de 1790, o
Em 1775, Rousseau, encenando na Comédie Française termo é correntemente utilizado por comentaristas de tea-
o Pigmalião, cena lírica em um ato, iria dar ao termo uma tro e autores que introduziam em suas peças monólogos
nova significação. Escreveria ele: líricos acompanhados de música. O adjetivo melodramáti-
co passa a desempenhar, então, um papel de chamariz, so-
A cena de Pigmalião é um exemplo deste gênero que não terá bretudo durante a Revolução, quando se via qualquer
imitadores. Em se aperfeiçoando este método, obter-se-á a dupla
trapalhada cênica ser qualificada de melodramática. Graças
vantagem de aÌiviar o ator através de freqtìentes descansos e de ofe-
a isso, podemos encontrar, enïão, mágicas melodramáticas,
recer ao espectador o melodrama mais conveniente para sua Ìíngua.
Assim, este tipo de obra poderá se constituir no gênero interme- cenas líricas e melodramáticas, melodramátices e alegóricas,
diário entre a simples declamação e o verdadeiro meÌodrama, cuja m el o dram as p antomim o -lír i co s elc.
beleza ele jamais alcançarâ. Fragments d'obseryations sur l'Alceste de Aproximadamente em 1795,a palavra toma um novo
\-'
M. Gluck (Fragmentos de Observações sobre o Alceste de M. Gluck). significado; ela designa então um novo gênero muito

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apreciado na época: a pantomima muda ou dialogada e o que os faça infelizes durante quatro atos, ao longo dos quais ele de-
drama de ação. Pixerécourt, por exemplo, em seus primei- sembestará a dizer um repertório de frases horrorosas, enriquecido
ros dramas, não a utiliza: Victor ou l'Enfant de la forêt (Vic- de venenos, punhais, oráculos etc., enquanto os personagens vir-
tuosos recitarão seu catecismo de máximas morais. Que no quinto
tor, ou o Menino da Floresta), é chamado de "tragicomédia",
ato o poder do tirano seja aniquilado por alguma rebelião, ou a trai-
Coelina ou I'Enfant du mystère (Coelina, ou a Criança do
ção do celerado descoberta por algum personagem episódico e sal-
Mistério),"drama em prosa'l Os críticos, entretanto, comen- vador. Que os malvados pereçam e que as pessoas honestas da peça
taram estas peças chamando-as melodramas, termo que sejam salvas.
Pixerécourt só adotará definitivamente em 1802, com La
Femme à deux maris (A Mulher de Dois Maridos), primei- Se a lembrança da influência da tragédia pode parecer
ramente sob a antiga forma "melo-drama" e depois, nas lisonjeira aos autores e ao público do melodrama, a do dra-
peças seguintes, sob a forma definitiva, melodrama. ma burguês o é menos, mas mostra-se mais real.
Inicialmente, o termo não possuía um sentido pejora- Pixerécourt, no final de sua carreira dramática, reco-
tivo, a não ser para os críticos clássicos. Em 1835, ele foi ofi- nhecia abertamente a influência do drama burguês sobre
cialmente adotado pela Academia, exatamente quando caía as concepções do melodrama: "Eu sempre procurei seguir,
em desuso. Alguns autores como Fournier e Dessarssin, com escreveu ele, a escola de Sedaine, que creio ser incontesta-
Marguerite d'York (1839), Antier e Comberousse, com le velmente a melhor".
Marché de Sqint-Pierre (1839) (O Mercado de Saint-Pierre) O melodrama entretanto parece mais próximo, em
e sobretudo Bouchardy, com o prefácio de La Pauvre fille certos aspectos, das teorias do drama burguês do que das
( 1838) (A Pobre Filha), tentaram dar-lhe novamente vida e próprias obras e pode parecer um resultado lógico das re-
respeitabilidade. Tudo foi em vão. Apalavra jâ tinha ganho flexões de Diderot, de Sedaine, de L.-S. Mercier, que dese-
o sentido depreciativo tal qual a conhecemos nos dias atuais. java "um teatro onde a virtude, após alguns obstáculos,
Quando a história literâriafalado melodrama e de suas gozará um triunfo completo", ou de Beaumarchais, que
origens, ela o faz, fi'eqüentemente, em termos de esclerose e escreveu no prefácio de Eugenie,que "a verdadeira eloqüên-
decadência, explicando certas vezes o nascimento do gênero cia do drama é a das situações". O espírito e a técnica dos
como uma degenerescência da tragédia. É verdade que a tra- dois gêneros certamente se parecem, mas menos na pintu-
gédia, sobre a qual Voltaire tentou provocar e teorizar as ra do conflito de circunstâncias (pouco presente nos pri-
transformações, pouco a pouco, ao longo do século XWII, meiros melodramas) que na exploração sistemática dos
abandonou suas dimensões metafísicas, substituídas por efeitos patéticos, efeitos que se encontravam mais freqüen-
conflitos psicológicos e debates morais, e escolheu uma es- temente ainda nos dramas noirsde Baculard d'Arnaud e nas
trutura romanesca mais patética que trágica. Os "golpes de comédias lacrimejántes de Nivelle de la Chaussée. O dra-
teatro" se multiplicavam ali, em detrimento da "tristeza ma- ma histórico Jean Hennuyer, Le Déserteur (Jean Hennuyer,
jestosa". Grimm, em sua Correspondance littéraire,ainda em o Desertor) e seu epígono revolucionário, o "fato histórico"
1756, a propósito do Astyanax, de Chateaubrun, traçava o em um ato Cange ou le Commissionaire bienfaisant (Can-
arcabouço, já "melodramático", destas novas tragédias: ge, ou o Comissário Benfazejo), ao colocarem em cena per
sonagens célebres ou comuns em situações de exceção,y
Pegr.re dois personagens virtuosos e um malvado, que seja tira- parecem ter inspirado mais claramente ainda os persona-
no, traidor e ceìerado; que este último perturbe os dois primeiros, gens e as intrigas de Caigniez ou de Pixerécourt.

18 19
A propósito da influência do drama sobre o melodra- F. Ducray-Duminil, como Victor ou l'Enfant de la fôret
ma, é necessário notar aqui, após a voga do teatro shakes- (1796) (Victor ou a Criança da Floresta), Coelina ouL'Enfant
peariano, admirado por Voltaire e traduzido para a língua du mystère (1800) (Coelina ou a Criança do Mistério), Les
francesa por Ducis, o extraordinário entusiasmo, na época Petits Orphelins du Hamequ (1800) (Os Pequenos Órfãos do
da Revolução, pelos dramaturgos alemães, em particular Hqmeau), Paul oulaferme abandonnée (Paul ou a Coragem
por Kotzebue e Schiller. A adaptação por Lamartelière dos Abandonadal etc., tão ricos de episódios tormentosos e de
Brigands (Bandidos), de Schiller, adaptação esta intitulada maquinações complicadas.
Robert, chef de brigands (1792) (Robert, o Chefe dos Bandi- A criação romanesca, com efeito, não apenas forneceu
dos), causou uma forte impressão tanto sobre o público ao melodrama a maior parte de seus cqnevaé, como tam-
popular quanto sobre os intelectuais. Nodier chegou a ob- bém manteve com ele, ao longo de todo o século XIX, es-
sefvar que, junto ao Figaro, Robert formava, então, a "dilo- treitos vínculos. A partir da segunda geração de melodra-
gia da República". maturgos, os autores de peças eram também romancistas,
Outras peças e outros gêneros deste fim de século pa- sendo assim, os mesmos assuntos eram desenvolvidos no
recem ter também deixado suas marcas nas técnicas melo- palco e nos folhetins. Geralmente, o romance precedia a
dramáticas; trata-se, particularmente, das tradicionais criação cênica, mas o fenômeno inverso também se produ-
pantomimas, mudas, e depois "dialogadas", como La Mort zia algumas vezes. Estas trocas contínuas conduziam a pro-
du Capitaine Cook (1788) (A Morte do Capitão Cook), de dutivas colaborações entre os romancistas profissionais e
Alnowd Mus sol; Le Héros americain (1786) (Os Heróis Ame- os homens de teatro.
ricanos), de Ribié, e Les Miquelets ou le Repaire des Pyrénées
Os fenômenos de empréstimos e estas passagens inces-
(1798) (Os Miquelets, ou a Toca dos Pireneus), de Cuvelier.
santes dos mesmos assuntos de um modo de expressão a
A tipificação simplificadora dos personagens, a mise en
outro, além de proporem interessantes questões estéticas
scène movimentada e com regras bem estabelecidas, onde a
sobre as relações entre os gêneros, colocam em evidência a
interpretação através da mímica era posta em relevo, o uso
influência, desde o início do século XVIII e ao longo de todo
da temática obsessional da perseguição e do reconhecimen-
o XIX, das técnicas e da imaginação romanesca em todas
to (explorada também na maior parte dos outros gêneros)
as formas de expressão teatral, pois o fenômeno não se res-
deram ao melodrama os elementos principais de sua os-
satura. tringia apenas ao melodrama, do qual Nodier dizia, entre-
Enfim, o gênero romanesco, até então pouco valoriza- tanto, ser "uma extensão do romance".
do pelos meios literários, serviu ao melodrama de reserva Definitivamente, nesse fim de século, os grandes gêne-
inesgotável de intrigas e peripécias. Não apenas os roman- ros teatrais tradicionais (tragédia, comédia e drama), pro-
ces noirs ingleses, como Le Château d'Otrante (1764) (O curando cada vez mais uma mise en scène movimentada e
Castelo de Otrante), de Horace Walpole, Ambrosio ou le uma elaboração cuidadosa dos cenários e figurinos, tende-
Moine (1795) (Ambrosio, ou o Monge), de "Monk" Lewis, ram todos, de diversas formas, e segundo sua natureza
Les Mystères d'Udolphe (1794) (Os Mistérios de Udolphe), particular, a se aproximar de um tipo único de formatb
Illtalien ou le Confessionaldes pénitents noirs (1797) (O lta- pantomímico e [omanesco.
liano, ou o Confessionário dos Penitentes Sombrios), de Ann
Radcliffe, a ele deram sua contribuição, como também 6. Espécie de roteiro de encenação utilizado inicialmente na
commedia dell'arte.
os romances franceses de época, sobretudo aqueles de

21
20
Na mesma época, pode-se notar o mesmo processo e gédia popular que convém a nossa época [...]. O melodrama nunca
as mesmas modificações nos gêneros não especificamente foi colocado em seu real lugar, seu nascimento data de CoelinaT.
ligados a um texto, como a ópera ou a ópera cômica. A dan-
ça, a música, o canto, como no melodrama, foram então Com efeito, tomando como referência o entusiasmo do
explorados menos por eles mesmos do que como um sus- público e a opinião quase unânime da crítica, foi, indubi-
tentáculo patético de intrigas romarÌescas extremamente tavelmente, Coelina oul'Enfant dumystère (1800), de Pixe-
mimadas. Este gosto pela pantomima, pelos símbolos, pela récourt, o primeiro verdadeiro melodrama.
encenação grandiosa, é encontrado também naorganiza- Alguns dos dramas anteriores a este realmente apresen-
ção das grandes festas e celebrações da Revolução. taram características do gênero, mas falta, a cada um, ao
Os melodramaturgos souberam usar a seu favor este menos um elemento constitutivo essencial, a começar pela
nivelamento e esta uniformização dos gêneros reorganizan- consagração definitiva do público, Entre estes, deve-se men-
do, segundo um ritual de regras precisas, as técnicas já ex- cionar aìnda Ls Forêt périlleuse (1797) (A Floresta Perigo-
perimentadas. sa) e Roland de M o n glav e (17 9 9), de Loaise l-Tréo gate; C' est
É necessário, finalmente, sublinhar o papel preponde- le Diable ou la Bohémienne (1797) (EIe é o Diabo, ou a
rante desempenhado, à margem dos teatros oficiais, pelos Cigana), de Cuvelier; ou ainda Le Château des Apennins
teatros da feira e dos bulevares que, desde sua fundação por (1798) (O Castelo dos Apeninos) e Rosa ou l'Hermitage du
Nicolet, em 1760, suscitariam um clima propício a todas torrent (1800) (Rosa, ou o Heremitério das Torrentes), do
as inovações teatrais. Este fenômeno, visível sobretudo du- próprio Pixerécourt. Em nenhuma dessas peças, todavia, a
rante todo o período revolucionário, provocou inúmeras fórmula aparece como definitiva. As vezes, como nesta
tentativas loucas, absurdas, extravagantes, mas sempre ori-
outra peça de Pixerécourt, Victor ou L'Enfant de la forêt
ginais, como por exemplo as produções de Olympe de Gou-
(1799), falta um único elemento, o personagem cômico.
ges e de Sylvain Maréchal, mas também outras pujantes
A intriga de Coelina, em última análise, propõe um
criações como les Victimes cloìtrées (179I) (As Vítimas
conjunto de situaçÕes fortes que prendem o interesse e que
Enclausuradas), de Monvel ou Adonis ou le bon nègre (1797)
serão seguidamente retomadas sob diversas formas.
(Adonis, ou o Bom Negro),de Béraud e Rosny, mais próxi-
mas da inspiração dos primeiros melodramas.
Dufour; honesto burguês, acolheu em sua casa sua so-
Numa época movimentada e num espaço restrito, esta
brinha Coelina, cuja fortuna ele administra, também hones-
reunião de criações múltiplas e de homens de todas as con-
tamente. Por delicadeza, ele hesita em dar a mão da jovem a
dições constituiu, em suma, o crisol social e teatral no qual,
seu filho Stéphany, apesar do amor que ambos sentem um
após algumas hesitações e num momento de profundas
transformações do pensamento,
pelo outro. Dufour dá também comida e abrigo para
se elaboraria a ética e a es-
tética do melodrama: um pobre mudo, Francisque Humbert, doente devido a
agressões sofridas. O pobre homem clesperta a compaixão
O melodrama, tal como o conhecemos a partir de 1800 (escre- de Coelina, que vela por ele com ternura. Os escrúpulos de
via Nodier), tornou-se um gênero novo:eÌe é ao mesmo tempo um
verossímil quadro do mundo que a sociedade nos deu e a única tra- 7. C. Nodier, op. cit., pp.I-II.

22 ,(
Dufour a propósito da herança de Coelina levam-no a acel- moleiro, Michaud, que já tinha acolhido sob seu teto o ini-
tar o pedido de sua mão por um certo Truguelin. migo mortal de ambos, Tiuguelin. Caçado por Humbert,
Tïuguelin, graças à engenhosidade de Coelina, cai numa
Quando ï'uguelin visita Dufour', ele encontra e reco-
nhece Humbert que, por seu turno, tleme à visão do visi- emboscada e é levado por dois policiais, no momento em
tante, no qual ele identifica um de seus antigos agressores. que Dufour e Stéphany, lançados em busca dos dois infeli-
Para evitar ser desmascarado, Truguelin trama com zes, finalmente os encontram.
Germain, alma perversa que é seu criado, a morte de F. Por ocasião da explicação final, vai-se descobrir que
Humbert. Coelina, que vela o doente, surpreende a conver- antes de se casar com o irmão de Dufour, Isolina se havia
sação, previnindo e tranqüilizando Humbert. Assim, no casado secretamente com Humbert. Tiuguelin, aproveitando-
momento em que ï'uguelin ameaça o mudo com seu pu- se Humbert, obrigara Isolina a se casarcom
de uma ausência de
nhal, este lhe aponta um par de pistolas. Com o barulho da o irmão de Dufour, pois este legaria aos filhos dela todos os
briga, Dufour acode. Coelina desmascara Truguelin, que é seus bens e Truguelin esperava apoderar-se de sua liqueza,
perseguido. Mas ela não sabe que o vilão não abandonará a casando-se com Coelina. Quando Humbert quis retomar
partida. Ele deseja ao mesmo tempo Coelina e sua fortuna. sua filha, provocou a cobiça e a perseguição do vilão.
O casamento de Coelina e Stéphany é então marcado. Tudo se encerra com um balé e um último vaudevile
Nesse dia, porém, aparece Germain que interrompe a festa onde se canta:
e as danças para entregar uma carta a Dufour. Esta carta é
uma denúncia: ela acusa Coelina de não ser a sobrinha de ZigZagDão Dão
Dufour, mas o fruto de um amor adúltero de Isolina, a cu- Nada esquenta a cadência como uma boa ação.
nhada de Dufour. Uma certidão de nascimento está anexa-
da à carta. O verdadeiro pai de Coelina é Francisque A multidão acorre O Courrier des Specta-
ao Ambigu.
Humbert. Lágrimas e choros de reconhecimento. cleg freqüentemente bastante desconfiado ante este tipo de
O enternecimento, todavia, dura pouco; é a vez de peça, escreveu:
Humbert e Coelina serem perseguidos pela cólera de Du-
four. Stéphany, enfrentando a maldição paterna, protesta; Os bulevares já ofereceram peças com diabos, aìmas do outro
em vão. mundo, combates, muita ornamentação etc. e correLl-se aos buleva-
res, aplaudiu-se os diabos; mas quaÌquer sucesso obtido por estas pro-
Algum tempo depois, por meio de um velho médi-
duções gigantescas e monstruosas não pode se compíìrar com Coelina.
co que até então se mantivera em silêncio, Dufour des-
cobre que outrora Truguelin jâhavía realmente tentado se
A peça ficou em cartaz muitos meses. Pixerécourt, no
desembaraçar de Humbert. Remorsos tardios de Dufour,
que decide reencontrar as duas vítimas e denunciar o cri- fim de sua carreira, calculava terem havido cerca de 387
representações em Paris e 1989 nas províncias do interior;
me de Truguelin.
No terceiro ato, temos'a pintura da miséria de Coelina número colossal para a época, mas que alguns sucessos se-
e de seu pai, em fuga nas montanhas, onde se esconde tam-
guintes do gênero como LHomme à trois visages (O Homem
bém Truguelin, perseguido pelos remorsos e pela polícia. das Três Faces) - 378 em Paris e 674 nas províncias - oy
Próximo a uma torrente vertiginosa, Coelina e seu pai en- La Femme à deux maris - 45 I em Paris e 895 no intd-
contram refúgio num moinho ocupado por um honesto rior -, iriam repetir. I
25
24
Estas representativas quantidades dão uma boa me-
dida do entusiasmo dos espectadores por essa nova forma
de drama. A peça foi ainda tradtzidapara o inglês (por T.
Holcroft, e encenada no Covent Garden, em 1802, com o
título Á Tale of Mystery),para o alemão e para o holandês,
tendo sido encenada em toda a Europa.
Alguns anos mais tarde, Paul Lacroix escreveria a
Pixerécourt, a propósito d,e Coelina:

Você é o autor de um gênero e, ainda que este gênero não seja


nem a alta comédia nem a tragédia clássica, graças a você, ele fez
barulho suficiente no mundo para merecer ser consagrado pela pu-
blicação de suas obras reunidas [...]. Foi você, meu amigo, que fun-
dou as regras deste gênero qr"re se tentaria em vão, atualmente, excluir
de nossos hábitos teatrais.

A originalidade de Coelinaem relação às produções que


a precederam consiste, entretanto, menos em propor ino-
vações que de ter organizado de forma original elementos
já largamente explorados e reconhecidos; é isso o que ex- o MELODRAMA CLÁSSTCO (lSoo-1823)
plica ao mesmo tempo o entusiasmo unânime que ela sus-
citou e o fato de que, durante quinze anos, Coelinafixou o Em 1817, um jocoso opúsculo intitulado Tratado do
arcabouço e os cânones do melodrama clássico. Melodrama dava a receita do melodrama clássico:

Para fazer um bom melodrama, é necessário primeiro escolher


um título. Em seguida é preciso adaptar a este título um assunto
qualquer, seja histórico, seja de ficção; depois, coloca-se como prin-
cipais personagens um bobo, um tirano, umamulherinocente e per-
seguid4 um cavaleiro e, sempre que se possa, um animal aprisionado,
seja cachorro, gato, corvo, passarinho ou cavalo.
Haverá um balé e um quadro geral no primeiro ato, uma pri-
são, um romance correntes no segundo; lutas, canções, incêndio
e
tirano será morto no fim da peça, quando a vir-
etc., no terceiro, O
tude triunfará e o cavaleiro desposará a jovem inocente infeliz etc.
Tudo se encerrará com uma exortação ao povo, para estimu-
lá-lo a conservar a moralidade, a detestar o crime e os tiranos, so-
bretudo lhe será recomendado desposar as muÌheres virtuosas.

Renë-Charles Guilbert de Pixcrécourt ( 177 3- I 844).


i

26 27
O tom paródico deste texto, não modifica muito, en- gio da tragédia. Neste sentido, recorrendo a Aristóteles,
tretanto, a realidade; as observações divertidas mas pene- Pixerécourt chega a afirmar que o melodrama é encenado
trantes de seus autores definem bastante claramente a "há três mil anos" (Guerre au mélodrame). E ele não está
arquitetura, a temática e os personagens do melodrama certamente enganado, se se Pensar na importância dada à
clássico. "fábula", à música, às peripécias e ao reconhecimento nas
teorias aristotélicas. Tomadas ao pé da letra, o melodrama
poderia realmente aparecer como a única forma teatral que
As Convenções Tëcnicas chegou arealizar estas teorias em sua totalidade.

A meticulosa otganização técnica do melodrama As Unidades e os Três Atos


clássico se apoiava, ao menos até 1815, em concepções dra-
máticas precisas, expressas geralmente nas notas que prece- Foi sobretudo a propósito do respeito à regra das três
diam as peças impressas e, mais claramente, nos escritos unidades que os melodramaturgos mais procuraram se jus-
teóricos de Pixerécourt: Paris ou le Livre des Cent-et-um tificar. Pixerécourt fazía nota\ no Prefácio de seu Théâtre
(1832) (Paris, ou o Livro dos Cento e Um), Guerre au choisi qtte elesó as havia transgredido duas vezes: em La Fille
mélodrame (1818) (Guerra ao Melodrama) e Théâtre choisi de l'exilé ( ls 19) (A Filha do Exilado) e em Charles le Témé-
(1841-1843) (Seleta de Textos Teatrais). Desses textos se raire (1814) (Charles, o Temerário)' Em certo ponto do
desprende, para utilizar a fórmula do autor, uma verdadei- prefácio desta última obra, ele escreve ainda:
ra "poética" do melodrama. Evidentemente, como em todo
discurso teórico, o discurso dos melodramaturgos apresen- Sejalá o que for que se diga do melodrama e dos abusos aos quais
ele se entrega, eu jamais busquei o sucesso por meios irregulares' Eu
tava diferenças com relação à realidade das criações, mas
os percebi em diversos dramas líricos, tais como LeDéserteur (O De-
nestes primeiros anos do século, estas variações eram pou-
seior), Richardetc., mas nunca acreditei qr're devesse usar estas licen-
co sentidas. aos teatros secundários,
ças para com elas dar um mau exemplo
Os criadores buscaram inicialmente dar ao gênero re-
centemente criado um estatuto literário e teatral reconhe- Estes mesmos escrúpulos apareceram em Christophe
cido. Este ensejo não deve, entÍetanto, ser separado da idéia Colomb (1815) (Cristóvão Colombo); o assunto, entretanto,
de missão educadora à qual se auto-impôs o melodrama; podia se prestar a todas as audácias. Pixerécourt insiste so-
ele caminha, mesmo, junto desta proposta. Pixerécourt, bre o fato de que sua "peça dura apenas ünte e quatro ho-
com muita lucidez, reconhecia escrever para aqueles "que ras" e reafirma seu desejo de seguir a regra das três unidades'
não sabem ler". Para este público novo, em sua grande Caigniez, por sua vez, também plocurava "evitar tudo
maioria inculto, no qual se desejava inculcar certos princí- o que pudessè ferir a decência teatral" (Courrier des Spec-
pios de sadia moral e de boa política, era necessário elabo- tacles,6lll1806) e Cuvelier, na nota que precedia Adolphe
Íar uma estética ao mesmo tempo rigorosa e prestigiosa. deHalden(1813), desculpava-se por ter feito com que a ação
Parafazê,-lo, os melodramaturgos contiveram os excessos de seu drama se desenvolvesse em "trinta e seis horas de
revolucionários e codificaram o gênero, em nome da'seros- duração". Os autores de Bandoléros (1805) (Bandoleiros),
similhança e da conveniência, desejando, num primeiro Pitt e Bié, marcaram precisamente, em seu prefácio:'A a\ão
momento, relacionar o espírito do melodrama ao prestí- se passa das cinco horas às oito horas da noite". Enconyia-

28 29
O Monólogo
mos mais ou menos as mesmas indicaçÕes em Kosmouck
oules Indiens à MarceiLle (I80I) (Kosmouck, ou os Índios em Pode-se distinguir dois tipos de monólogos' ao mes-
Marseille) de Perrin e Ribié, I'a Fausse Marquise (1805) (A mo tempo necessários e esperados, colocados em cena
Falsa Marquesa), deDubois e Montgobert, Quatorze ans de
pelas convençÕes do melodrama clássico: o monólogo re-
souffrance ( 1306) (Quatorze Anos de Sofrimento), de Redon
capitulativo e o monólogo patético. O primeiro se impõe
des Chapelles e Defrénoy, ouem Romuft.r (1807), de Lamey.
na estrutura, no começo do primeiro ato, dada a necessi-
Os críticos do Império, freqüentemente pouco amenos
dade de apresentar ao espectador as numetosas peripécias
no que se referia ao melodrama, reconheciam os méritos que precederam o início da intriga; ele aparecerá novamen-
do gênero neste asPecto, como se pode observar nos comen-
tã, aã longodo drama, sempre que uma situação emaranha-
tários de Lepan, no Courrier des SpectacleS a propósito de da obrigue a lembrar o sentido da trama. São de modo geral
t Homme à trois visage.s ( I 80 I ), de La Femme à deux maris os personagens dramaticamente neutros, como o ingênuo
(l8OZ), e de Maur es d' Espagne ( 1 804) (Mo ur o s da E sp anha) ;
ou a doméstica que utilizam este gênero de monólogo' O
ou de Pujoulx, na nota precedente a Le PèIerinblanc(L801)
segundo tipo de monólogo tem um papel menos funcio-
(O Peregrino Branco). Geoffroy escreverá, ainda, que se
nal, mas também essencial: ele serve para suscitar e manter
encontrava no melodrama "comumente, mais regularida- o Pathos,seja o do vilão, que depois de mentil para todas
de e verossimilhança do que em muitas Peças que se auto-
as outras personagens diz a verdade ao público e ttaz àluz
proclamam regulares". o n"gr,r-" de sua alma ou seus remorsos (o monólogo de
De fato, e paradoxalmente, o melodrama clássico, dra-
Truguelin, em Coelina, durante longo tempo serviu de
ma dos encontros fortuitos e do desfecho rápido das crises modelo para este fim), seja o da vítima, que se lamenta e
(cujos fios foram atados vinte anos antes) se acomodava
invoca a Providência, com trêmulos de orquestra e reticên-
bastante bem a um certo retraimento espacial e temporal' cias no texto.
Na maior parte do tempo, o autol', nas rubricas iniciais, Notar-se-á, também, no melodrama, um número ele-
delimitava um perímetro preciso: a variedade de cenários vado de à partes,geralmente usados pelo vilão, Para man-
se construía então na alternância de cenas de interior e de
ter o espectador a par das complicações da intriga e de suas
exterior, descrevendo um mesmo lugar, mais ou menos verdadeiras intenções.
amplo "num espetáculo que o olho possa abarcar sem es-
forço" (Voltaire).
O Título
As primeiras alterações graves destes princípios de uni-
dade dramática aparecerão aproximadamente em 1815 e "Patafazer um bom melodrama, escrevia Hapdé, um
eles se multiplicarão com o aparecimento do melodrama
dos mais célebres melodramaturgos da época' é suficiente
em quadros, que abandonará a divisão em três atos - ado-
ter um título e privilegiar o efeito". Ainda que este texto,
tadaãnteriormente pelo gênero com inspiração na divisão redigido em 18 15, se intitule Plus de mélodrames (Os Maio-
da ópera, e cuja estrutura, suprimindo-se dois entreatos' Melodramas), e jogue com a contradição ele não é me-
res
convinha às técnicas espetaculares do gênero e à inserção nos revelador da importância do título na concepção dos
de elementos musicais - em proveito de uma repartição em
melodramas. "Os autores, escrevia por sua vez o Le Cour-
numerosos quadros, num espetáculo que passa a ter uma rier des Spectacles, conhecem o poder das palavras' Um
duração de cinco atos,

31
30
nome extraordinário é a multi-
uma espécie de talismã para telo do Diabo); estas produções, entretanto, não alcançaram
dão. Sua imaginação saboreia de antemão, forja mil idéias quase nenhum sucesso, só obtendo uma certa simpatia no
singulares e confusas'l momento da Restauração e do nascimento do romantismo
Os melodramas históricos, em sua maioria, trazíam no teatro, com uma peça com o o Vampire ( l82l ), de Nodier.
em seu título o nome do her6i (Hariadan Barbaruiva, Sob o Império, estas peças, nas quais o maravilhoso
(Marguerite d'Anjou, O Marechal de Luxemburgo), com- mistura-se ao aterrorizante, transformaram-se em comé-
pletado, algumas vezes, pelo episódio que o tivesse popu- dias feéricas, das quais a mais célebre foi sem dúvida Le Pied
larizado (Charles o Temerário, ou o Centro de Nancy, Felipe de Mouton (1806) (O Pé de Carneiro), de Ribié e Martain-
Augusto à Bouvine). Em outros tipos de melodrama, prefe- ville. Estas produções, que nas brochuras úaziam freqüen-
riu-se associar o nome da heroína ao patético de sua con- temente o nome de melodrama, utilizavam-se mais deste
dìção (Elmonde ou a Filha do Hospícìo, Alméria ou a Escocesa expediente com a Íìnalidade de dar, ao nome melodrama,
Fugitiva), mencionar o lugar pitoresco ou grandioso onde o sentido de uma promessa do espetacular do que para
se desenrolavaaação (O Pequeno Sineiro, ou aTorreTene- definir um gênero preciso. Hapdé observa a respeito, com
brosa, Os Bandoleiros, ou o Velho Moinho), ou ainda a ca- bastante justeza, em um de seus escritos:
tástrofe que finalizava o drama (O Colosso de Rhodes, ou o
Terremoto da Ásia). O famoso Pìed de Moutorr, e outras farsas semelhantes, atraí-
ram toda Paris e produziram receitas enormes, há seis ou sete anos.
Na realidade, todas as combinações eram possíveis nes-
Eram melodramas? Não; eram simplesmente antigas pantomimas
tes longos títulos que sublinham o interesse das situações,
de Nicolet com novas roupagens e nas quais foi espalhado um diá-
das peripécias e da encenação, para atrair a clientela que lia logo engraçado.
os cartazes (atribui-se geralmente a Ribié a redação dos
primeiros cartazes de grandes caracteres). No prólogo de O personagem cômico tornava-se aí personagem
uma pequena comédia de Scribe e Dupin, Les Inséparables principal e essas peças voltavam-se francamente para o vau-
(1825), vê-se um burguês de Paris, Senhor Coqueret, ser devile, na tradição do estilo chulo e grosseiro de Madame
seduzido pelo cartaz da peça: "Palavra de honra, diz ele, Angot au sérail de Constantinople (i800) (Madame Angot
morro por ver Os Inseparáveis [...1. Que belo título [...] no Harém de Constantinópla), de Aude.
como ele fica bem no cattaz [...]. Certamente a peça deve A estrutura dessas comédias aparenta mais à mágica ou
ser boa". Se esta nova prática de leitura de cartazes torna- ao vaudevile que ao verdadeiro melodrama, que sob o Im-
va-se assunto da comédia é certamente porque era uma perio seguirá essencialmente duas inspirações principais.
prática recente e caricatural. O espetáculo começava, com Uma delas, o mais das vezes em conformidade à temática
efeito, na rua, com o título e acartaz (sempre bastante com- do drama burguês e da comédia lacrimejante, evocará prin-
pleto, dava o nome do autor', do responsável pelo balé, do cipalmente os dramas de famílias: heranças, casamentos
maestro) desempenhando, em suma, o papel de chamariz secretos, desonras, desprezos, roubos, crianças perdidas e
eloqüente do que se desenrolaria em cena. reencontradas; a outra, prolongando os ideais da tragédia e
No momento do sucesso de Coelinae dos melodramas do drama histórico, situará esta mesma temática num con-
que lhe seguiram imediatamente, chamava-se também de texto histórico ou heróico, sublinhando o aspecto espetacu-
melodrama às peças fantásticas que buscavam prolongar a lar do retorno ao passado, do exotismo e da encenação. Esta ,

tradição do Moine (Monge) ou do Château du Diable (Cas- distinção entre melodramas burgueses e melodramas histó- l

32 JJ
ricos e heróicos, pertinente para um bom número de pe- dos se dissipam, as famílias se restabelecem, tudo, enfìm,
ças, não o é, entretanto, para todas,
já que de modo geral o r€torna a uma ordem cujo equilíbrio ele havia rompido ao
melodrama soube, habilmente, dosar seus componentes longo de aproximadamente três atos.
(dando também às peças "burguesas" um caráter espetacu- As peripécias dramáticas, que no século XIX eram
lar), segundo um arcabouço geral que se manteve no me- chamadas "entrecho" e que acompanhavam a perseguição
lodrama clássico, malgrado as aparências, extremamente da vítima, exalavam um senso patético violento, cuja in-
rígido. Como o observou judiciosamente um crítico da tensidade crescia na exata medida do desenvolvimento das
época, a propósito de La Citerne (A Cisterna), de Pixe- cenas. O momento em que a vitória do vilão parecia defi-
récourt; "O melodrama tem por base o triunfo da inocên- nitivamente conquistada era aquele em que a Fatalidade,
cia oprimida, a punição do crime e da tirania: a diferença transfôrmando-se em Providência, intervinha para minis-
encontra-se nos meios que levam a este triunfo e a esta trar-lhe um castigo exemplar e consagrar a vitória da vir-
punição". tude sobre o vício.
Poder-se-ía, assim, corrigir ligeiramente a fórmula pro-
posta por Ginisty para definir a arquitetura melodramáti-
A Temática ca: "o primeiro ato consagrado ao amor, o segundo à
infelicidade, o terceilo ao triunfo da virtude"l, atribuindo
Um artigo de 1823 do Journal des débats, que comen- a maior parte à pintura da infelicidade (o esclarecimento,
tava La Pauvre Arpheline (A Pobre Ôrfa), de Caigniez e nos melodramas clássicos, é voltado sobretudo, para a ví-
Paccard, definia, em poucas linhas, os elementos principais tima, nas formas posteriores, ele será referente ao vilão). O
da temática dos melodramas clássicos: desenvolvimento excessivo deste tema poderia possibilitar
o raciocínio, como sugere Mircea Eliade para os contos de
O interesse deste melodrama apóia-se na mesma base na qual
fadas, que o melodrama seria também um "duplo dos mi-
se apoiaram todos os melodramas passados, presentes e futuros; vê-
tos iniciáticos'i O herói (ou heroína) segue, com efeito, um
se ali um opressor e uma vítima, um poderoso ceÌerado que abate a
fraqueza e a virtude até o momento em que o céu se manifesta percurso semeado de obstáculos que o tornará melhor e ao
a favor do inocente e fulmina o culpado. Tr"rdo isso não é exatamente mesmo tempo reconhecido ante a divindade.Mas suavon-
novo, mas há nos corações dos freqüentadores do bulevar um ines- tade está em jogo tanto quanto a daíÉiôviãénãàe elas se
gotável impulso de justiça e de humanidade. Todos os dias eles têm conjugarão na última cena do último ato para confundir o
novas Ìágrimas para a jovem perseguida e transPortes de entusias- vilão e expulsá-lo do círculo dos._venturososil
mo para a punição do monstro, que sacrifica com suas paixões os
Os diferentes desenvolvimentos do tema da persegui-
direitos mais sagrados da natureza.
ção permitirão ao melodrama expressar uma de suas qua-
lidades primeiras: a imaginação, que joga mais com as
A Perseguição peripécias que sobre os motivos daação, sempre idênticos:
a vingança, a ambição, o dinheiro, raramente o amor.
O tema da perseguição é o pivô de toda intriga melo'
Com efeito, a imaginação e as variações do imaginário
dramática. A distribuição maniqueísta das personagens
melodramático, entre os mais ricos da literatura, estão in-
opera-se, assim, em função do vilão, que personifica esta
perseguição. Antes de sua chegada, o mundo do espetácu- )
1. PaulGinisty.IeMélodrame,Paris,Michaud,I911,p.15.
lo é ainda harmonioso; após sua punição os mal-entendi- r/
34 35
teiramentelâ sqqviço do tema da perseguição, tema de res- nimo de verdade, deixamo-nos arrastar pela emoção dos persona-
sonancras que representa a luta das forças do bem gens; pois quanto mais estão eles emocionados, menos deixam es-
paço para que se saiba se têm razão de o estar.
e do mal no teatro do mundo e no palco do melodrama.
No último ato, a justiça imanente acaba sempre por ter O reconhecimento assinala também um retorno ao
a última palavra, no sentido estrito e no Íìgurado, já que a
ponto zero do começo e à atonia dramática, pela erradica-
maior parte dos melodramas termina com uma máxima
ção do vilão, A"voz do sangue" é ainda, por outro lado, uma
moral. Tudo é acaso no melodrama, mas acaso enquanto das formas da Fatalidade: ninguém pode escapar-lhe. Ela
"contingência radical"como dizem os filósofos (Lefevbre)'
cria um jogo de preparação patética e dramática freqüen-
dirigido por uma.po{çncia metafísrj4,Jque age na maior temente utilizada no melodrama: o pressentimento. O re-
parte do tempo sob o noìôEdãPl6vidência e que alguns
conhecimento pressentido e esperado será então retarda-
personagens chamam Deus. O ateísmo é, inclusive,um dos
do ao miíximo possível, geralmente até o fim do terceiro ato,
sinais pelos quais se reconhece o vilão.
quando coincidirá com a obra da justiça. A perseguição
De fato, a forma de desenvolvimento deste tema trai
mantém o suspense; o reconhecimento retira-o brutalmen-
uma concepção religiosa do mundo e a convicção profun-
te e quanto mais rapidamente ele se dá, mais o patético da
da do triunfo dos bons sobre os maus. Após os sangrentos
situação é poderoso.
episódios da Revolução, da descoberta da precariedade dos
Como assinalava um crítico do Temps,os equívocos do
laços familiares e econômicos, a ética melodramática, por
melodrama jogam com fatos (cartas extraviadas, perdidas,
uma sobrecarga de aventuras e de patético, reencontra no
reencontradas; encontros desmarcados, falsos endereços)
conteúdo e na forma um tipo de primitivismo teatral ao
ou com pessoas (substituição de crianças, semelhanças for-
mesmo tempo mítico, épico e compensador.
tuitas ou premeditadas, usurpações de qualidades ou de
títulos). O reconhecimento corrige, em suma, esta série
O-Reesnhecimento. de enganos que possibilitaram o desenvolvimento da intriga
e sobre cuja originalidade repousa, efetivamente, o interesse
Se o tema da perseguição se desenvolve ao longo da
anedótico do melodrama,
quase totalidade dos três atos, o do reconhecimento inter-
Esta obsessiva bipolaridade temática da perseguição e
vém apenas nas últimas cenas, ou nos finais dos atos' É por
do reconhecimento, todavia, não prejudica em nada o gê-
meio do, ou dos reconhecimentos que se encerra a Perse-
nero; pelo contrário, é ela que dá ao melodrama sua dinâ-
guição e que se assinala com "a voz do sangue" ou "a cruz
mica própria: uma longa escalada do patético, escandido
de minha mãe", o clímax patético do drama, acentuado ain-
pelas fortes cenas de perseguição, seguida de uma brusca
da pela utilização do quadro vivo que, na encenação, fixa
queda da tensão e da pacificação dada pelo reconhecimen-
os personagens sublinhando o efeito com trêmulos da or-
to. "Encontrei uma mãe querida e um pai adorado, para
questra. A esse respeito, Chamfort e Lacombe escreveriam,
ficar com eles para semprel Os malvados não nos atormen-
em 1808, em seu Précis d'art téâtral dramatique:
tarão mais e nós todos seremos felizes", diz o personagem
Ahl Minha mãe! Ah! Meu filho! Ah! Meu pai! Ah! Minha irmã! Isaac, em Le Sacrifice d'Abraham (1S16) (O Sacrifício de
Bastam quase que apenas estas exclamações Para que se sigam nos- Abraão), de Cuvelier. Nesta técnica dramática, é menos o
sas lágrimas e, sem nos embaraçarmos caso este reconheci trágico o que se procula suscitar,e muito mais, ao mesmo
assemelhe a outros, nem mesmo se eÌe se desenvolJeu-íom um mí- tempo, o patético, a sensação e o sensacional.

36 J/ \.
O Amor Após 1815 entretanto, sob a pressão da sensibilidade
romântica, os melodramas, mesmo os de Pixerécourt, dão
O melodramaclássico coloca deliberadamente o desen- cadavezmais importância à pintura dos amores infelizes,
volvimento das intrigas amorosas em segundo plano. O como se pode observar em Valentine (1821), L'Evasion
amor prejudicaria a divisão maniqueísta da humanidade tal de Marie-Stuart (1822) (A Fuga de Marie-Stuart), ou Alice
como a propõe o gênero. Os críticos da época eram-lhe ou les Fossoyeurs écossais (1829) (Alice, ou Os Coveiros
eventualmente simpáticos por esta originalidade.O lour- Escocêses).
nal de I'Empire, por exemplo, assim escreveu a respeito de
La Forteresse du Danube (1810) (A Floresta do Danúbio),
de Pixerécourt: Os Personagens

O autor [...] descartou de sua obra as batidas intrigas de amor


Segundo o melodrama clássico, a divisão da humani-
e decasamento que ordinariamente formam o desfecho de todas as
dade é simples e intangível: de um lado os bons, de outro
peças de teatro: a palavra amor não é ali nem sequer pronunciada.
A gratidão, o vivo reconhecimento e a devoção filial tão somente, os maus. Entre eles, nenhum compromisso possível' Esses
formam o ornamento e o charme da peça. personagens construídos em um único bloco representam
valores morais particulares. Como assinalou Souriau, há,
Na ética melodramática, com efeito, o amor-paixão é no gênero melodramático, "uma identificação das funções
uma falta contra a tazão e o bom senso, um fator de dese- dramáticas com os caracteres". Esta identificação é facilita-
quilíbrio pessoal e social que toca essencialmente vilões e da ainda pela aparência física e o gestual dos personagens,
tiranos, como por exemplo Zamosky em Ás Minas da que devem muito à fisiognomonia de Lavater, cujas teorias
Polônìa (1803), de Pixerécourt. Nesse contexto, a paixão de- eram no momento muito populares. Por outro lado, atra-
vastadora provoca climes sem perdão (Loredan, em Le vés dos personagens secundários são dados aos espectado-
B elv éder o u la Vallée de l' Etn a ( 1 8 I 8 ) ( O Mir ante, ou o Vale res os elementos que lhes permitirão reconhecer e classificar
do Etna), de Pixerécourt. "Que o amor não seja mais que o os personagens principais. O plocesso se completa por uma
descanso do herói, pois ele apaga o valor quando o antece- representação muda bastante codiÍicada e uma frase musi-
de", diz Palmerin em Le Solitaire des Gaules ( 18 I 3 ) (O Soli- cal particular que anuncia e acompanha a entrada em cena
tário de Gales), de Victor Ducange. de cada personagem. Compreende-se, aqui, a predileção do
Na escala de valores melodramáticos, o amor é colo- melodrama pelos personagens mudos, cuja linguagem mí-
cado muito aquém do senso de honra, do devotamento pa- mica convinha a esta ética simplificada. Apenas o vilão, por
triótico e do amor filial ou maternal. Mesmo nos vilões, ele sua relativa complexidade, utilizava-se, eventualmente, de
se reduz a gestos e palavras que mal mascaram o real dese- jogos de linguagem.
jo de se apropriar de um dote ou de uma herança. Nos jo- Os personagens do melodrama são personae' másca-
vens pares amorosos, sua expressão se limita a alguns clichês ras de comportamentos e linguagens fortemente codifica-
e fórmulas usuais.À pintura do amor-paixão, o melodra- das e imediatamente identificáveis. Esta tipologia caracte-
ma prefere a expressão patética do amor maternal e filial úzadapelaÍìxidez dos tipos reduz-se a algumas entidades
contrariado, com as separações, os dilaceramentos e o re- principais: o vilão, a vítima inocente, o cômico; e outras
conhecimento, secundárias, como o pai nobre, ou o protetor misterioso.

38 ,rl
O Vilão de IlAngetutéIaire ouleDémonfemelle (1808) (OAnjo Pro-
tetor ou q Mulher Demoníaca), de Pixerécourt, fomenta
Pode-se distinguir alguns tipos gerais de vilões dos complôs contÍa um soberano clemente e magnânimo. A in-
melodramas e alguns tipos particulares, mais episódicos. triga consiste então em descobril e seguir as maquinações
No melodrama burguês, o vilão pode se apresentar sob a de um indivíduo que parece possuir o dom da ubiqüidade'
aparência de um "gênio mau da família", que depois de Hábil em deslizar à noite com uma grande caPa escura, em
muito tempo no lugar corrompe com sua influência o fi- tudo saber e em tudo vigiar, ele parece agir apenas Por am-
lho da casa, como Grimaldi, em La Chapelle des Bois ou le bição ou vingança. Para alcançar seus fins ele apela para
témoin invisible ( 1 8 I 8 ) (A Cap ela de Madeira ou a Testemu- esbirros ou bandidos e será descoberto durante uma fes-
nha Invisível), de Pixerécourt e Rougemont. Os melodra- ta ou um baile de máscaras. Outro tipo, o tirano sangui-
maturgos preferiam entretanto colocar em cena a chegada nârío,é mais convencional e também mais ambíguo' como
inopinada de um vilão detentor de um segredo que com- Haroun, em les Ruines de Babylone ou Giafar e Zaïda
prometeria o herói ou a heroína. Sua aparência física é es- (1810) (As Ruínas da Babilônia, ou Giafar e Zaïda), de
tereotipada: "Cabelos negroq olhos cinzentos, rosto pálido", Pixerécourt. Personagens de contrastes, ao mesmo tem-
como Walte6 em Thérèse (1820), de Ducange. Segundo as po benevolentes e brutais, eles geralmente terminam por
cenas, eles murmuram ou giram os olhos lançando impre- se corrigir e tornam-se monarcas modelares, Outros tipos
cações, numa voz cavernosa e sepulcral. São geralmente de tiranos parecem mais inconsistentes, sobretudo quan-
ateus, freqüentemente estrangeiros, marginais, forçados ou do são apaixonados e entram em conflito com ojovem galã'
desertores do exército de Napoleão na Grande Armada. como por exemplo Ranucío Zapador em La Petite Bohémi-
Sempre presos no momento em que se pensava que iriam enne (1816) (A Pequena Boemia), de Caigniez. Estes termi-
triunfar, eles entretanto, só raramente sofrem o castigo su- nam nos calabouços ou morrem num duelo ou numa
premo. De modo geral, seu final é partir entre dois policiais. batalha. É necessário notar que nenhum destes tipos de ti-
O outro tipo geral de vilão no melodrama burguês é o ranos são franceses. Os mais sanguinários são ingleses,
do "fidalgo malvado", que apresenta um outro aspecto físi- como Richard de Glouces ter em Mar guer it e d' Anj o u ( I 8 I 0 )'
co e freqüentemente traz todas as aparências de honestida- de Pixerécourt; os mais amorosos, italianos, como Aymar,
de e de grandeza. Rapidamente, todavia, ele desvela sua em Le Fanal de Messine (1806) (O Farol de Messina), de
presunção, seu orgulho e sua crueldade, como por exem- Pixerécourt; os mais bobos, espanhóis e os mais cruéis, mas
plo o Barão de Lérac, em La Cabane de Montainard (1818) que mais se arrependem também, são orientais.
(A Cabana de Montainard), de Victor Ducange. Seu fim, Existem ainda no melodrama alguns outros tipos par-
após um monólogo no qual eles trazem à luz seus remor- ticulares que são, todavia, pouco comuns: o vilão que se
sos ou a negritude de sua alma, será mais violento do que arrepende - Bertome, em Vincent de Paule ou l'Illustre
o dos precedentes: ocorrerá após um combate, um duelo galérien (iS15) (Vincent de Paula, ou o Célebre Condenqdo
ou, mais seguidamente ainda, eles serão aniquilados por às Gales),de Lemaire - utilizado em melodramas nos quais
uma catástrofe natural. aclemência do herói deve ser sublinhada; a mulher"vilã" -
Ao gênio mau da família e ao grande senhor malvado Mme Durmer em l-llnconnu oules mystères (1822) (O Des-
correspondem, no melodrama histórico, o"conspiïador" e conhecido, ou os Mistérios), deYarez, Boule, Mathias e
o "tirano'1 O conspirador cujo modelo poderia ser Amaldi, Morisot - muito rara no melodrama de modo geral, que

40 41
dá às mulheres o papel de guardiãs das virtudes familiares; o cretos... Em geral elas superam os homens em devotamen-
vilão que se redime ajudando o herói - Zimmeraff em to e generosidade (Alexandra, de Tékéli) e é apenas em 1815

IlHomme de la Forêt noire (1809) (O Homem da Floresta que começarão a aparecer as paixões devastadoras e os adul-
Negra), de Boirie e Dupetit-Méré - ou o vilão que o é por térios femininos.
ciúmes, gordo e avaro, como Bailli, de La Pie v oleuse ( 18 I 5) Mas écom a imagem das crianças abandonadas no frio
(A Ladra Pia), de Caigniez. Excepcionalmente, ainda, alguns e na soÌidão que o patético terá entretanto sua expressão
melodramas não apelarão para o personagem do vilão. mais forte: do Pèlerin blanc ao Deux Gosses (Dois Rapazes),
Enfìm, os bandidos, o confidente do vilão, os traido- passando por Ás Duas Órfãs, as crianças despertarão nos
t'es completam esta panóplia, sendo todos, entretanto, com- palcos do bulevar o que Mauron chamaria "a angústia do
parsas de segundo plano: o vilão principal do melodrama abandono". Elas são geralmente duas, a mais velha desem-
será sempre um solitário, A justiça final parece efetivamente penhando, junto à mais nova, o papel protetor dos paren-
mais forte se ela se abate sobre somente um culpado: sua tes perdidos. Abandonadas, entregues à sua própria sorte,
dispersão anularia os efeitos dramáticos. expostas à perseguição de pessoas brutais, graças a seu in-
O vilão, pela perseguição que exerce sobre sua vítima, gênuo e bom coração e a seu heroísmo, depois de uma lon-
é o agente principal do melodrama. Sem suas manobras, a ga e errante jornada, elas reencontram a célula familiar,
intriga perde o essencial de sua naturezai o desfecho sem aqueles que as haviam perdido ou rejeitado. Com efeito, o
castigo não contenta um público ávido de compensação e aprisionamento ou a elrância do herói são temáticas cons-
que espera o vilão à saída do teatro para vaiá-lo. tantes no melodrama. Tiazendo em si os sinais que possi-
bilitarão seu reconhecimento, as crianças serão então os
A Inocência Perseguida heróis das cenas de reencontro.
Só raramente o herói perseguido é um homem, a não
As personagens que sofrem a perseguição do vilão apre- ser no melodrama heróico ou em alguns melodramas bur-
s€ntam menor variação de comportamento: sua função gueses nos quais um filho recebe uma maldição paterna em
dramática é essencialmente fazer fiente às situações terrí- conseqüência de mal entendidos ou de uma falta ini-
veis que suscitam um suspense patético e, de modo geral cial da qual ele se redime por sua boa conduta.
são as mulheres e crianças que desempenham melhor esse A característica essencial de todo herói de melodrama
papel de vítimas. é a de ser puro e sem manchas, e de opor às obscuras inten-
No melodrama clássico, a mulhei é a encarnação das ções do vilão uma virtude sem defeitos. Um dos heróis de
virtudes domésticas. Da sanfoneira Fanchon até Jeanne La Chaumière du Mt ]ura ou Les Búcherons suisses (1806)
Fortier desenha-se, ao longo do século dezenove, um retrato (A Cabana do Mt Jura ou os Lenhadores Suíços), de Dupetit
da mulher exemplar suportando, com toda a coragem, ul- - Méré, traça seu retrato:
trajes e afrontas. A heroína do melodrama é a esposa, mas
é sobretudo a mãe que algo ou alguém separa de seus fi- O infortunado que recomendo hoje à sua sensibilidade é, sob
lhos. Belas, bondosas, sensíveis, com uma inesgotável ap- todos os aspectos, digno de sua piedade: os numerosos infortúnios
que padeceu não são nem resultado de seus erros nem fruto de al-
tidão para sofrer e para chorar, elas sofrem uma dupla
guma má conduta; além de possuir as qualidades que elevam o
submissão, filial e conjugal, e as conseqüências de atos ir-
homem acima de seus semelhantes, ele possui também as virtudes
reparáveis: maldições paternas, violações, casamentos se- sociais: bom pai, bom esposo, filho terno, amigo zeloso, protetor dos

42 43
fracos, inimigo dos maus, ele respeitou a virtude em todos os luga- sonagem Béatrix, em Robinson Crusoé. Os matamouros,
res em que a encontrou; cumulou os desfavorecidos com sua bene- também pouco numerosos, são utilizados sobretudo no
volência e seu nome élembrado com respeito e admiração portodos melodrama histórico. Presunçosos e poltrões eles aparecem
quinhão das almas
os que o cercam. Se a felicidade fosse sempre o
como o duplo paródico do herói, despertanclo piadas do
puras, ninguém mais que ele poderia pretender almejá-la por toda
público tanto por si mesmos como por seu contraponto ao
a eternidade; mas o homem virtuoso e confiante não suspeita que
existam seres que desejem sua perda; homens que, como répteis herói. fá os soldados são bastante numerosos na intriga: em
peçonhentos cuja picada é mortal, destilam o veneno da calúnia e geral veteranos da Grande Armada2, algumas vezes muti-
preparam na sombra o crime que causará a perda do inimigo que lados, são resmungões de bom coração, que se gabam de
detestam: tal foi a sorte do infeliz cuja causa defendo junto ao senhor. serem militares e lançam imprecações enquanto dirigem
um pequeno grupo de domésticos com aforismos de caser-
O melodrama se encontra, assim, inteiramente volta- na. São eles que trazem e organizam as festas e os balés e
do para o enfrentamento de personagens de comportamen- que, por sua presença de espírito, freqüentemente
to estereotipado e perfeitamente inserido num ritual cênico ajudam o herói a sair de situações inextrincáveis. Eles des-
convencional cujas regras, de todos conhecidas, facilitam a pertam o riso da simpatia mais do que o da zombaria. Suas
leitura. Um terceiro tipo de personagem traz, entretanto, intervençÕes cômicas passam também, bastante, pela lin-
alguma diversão ao conflito: o cômico. guagem; além disso possuem, eles próprios, nomes ape-
lativos como Latreille3, Bombardea ou... um dos mais
O Personagem Cômico conhecidos: o Latrombes de Robinson Crusoé (1805), de
Pixerécourt. É necessário, a propósito desses nomes, notar
Este tipo de personagem tornou-se, no melodrama o papel fundamental da antroponímia e da onomástica em
clássico, uma convenção necessária: alguns melodramas, geral no melodrama e em toda a literatura popular, papel
por tentarem retirá-lo, chegaram mesmo a conhecer relati- que reencontramos também nos bobos, que se chamam
vo insucesso, como por exemplo Les Maures d'Espagne Bétioso6, Innocent, Macaroni. Estes por sua vez são ingê-
(1804) (Os Mouros da Espanha), de Pixerécourt. nuos confusos e rústicos, e se situam no duplo registro do
Efetivamente, mais que uma mistura de gêneros que joga cômico de linguagem e do cômico de situação. Ridículos
com as situações a partir do conjunto de personagens dra- no amor', eles são tão medrosos que fogem ao menor alar-
máticos, o melodrama pratica uma forma de justaposição de me dizendo bobagens em linguagem camponesa ou em
gêneros, deixando ao personagem cômico a missão de inter- uma algaravia qualquer. Sua inabilidade os leva a se mete-
vir imediatamente depois, ou pouco antes das cenas mais rem em situações que não conseguem resolver. Algumas
patéticas. A dificuldade para o melodramaturgo é assim a de vezes, mas bem raramente, eles traem por imprudência,
reduzir o artifício desta inclusão cômica. Estes personagens como o Peters, de l-iHomme de la Forêt noire. Apenas um
cômicos poderiam ser c]glggglgm quatro grandes cate-
gorias: as maúonas, os'FaFmourojl os soldados e obobo. 2. Nome dado ao Exército de Napoleão.
3. Derivado de treille, parreft a, eindicando provavelmente o hábito
As matronas, herde iras de Madame Angot e do estilo
de bebedor de vinho do personagem.
popularesco, são bem pouco solicitadas no melodrama, 4. Nome de antigamáquina de guerra.
pois entram em desacordo com a ética matriarcal do gêne- 5. Derivado de tromb e e possivelmente referindo-se ao caráter ex-
ro. Poderíamos entre elas, todavia, citar a interessante per- plosivo e/ou violento do personagem.
6. Relativo a animal (besta), usado no sentido de idiota.

44 49'.
entre eles acede a uma verdadeira originalidade tanto em o papel do cão se limitasse a algumas habilidades bastante
sua concepção quanto pela forma com que é utilizado na simples, a peça obteve um sucesso extraordinário não ape-
intriga: é o Pícaros, de La Citerne. nas na França mas sobretudo na Inglaterra onde ela relan-
çaria a moda dos "dogdramas".
F.ste conjunto de temas e de personagens era oiganiza-
O Pai Nobre, o Personagem Misterioso, os Animais
do dentro de um canevas que durante aproximadamente
Herdeiros diretos dos burgueses barrigudos da comé- quinze anos não conheceu grandes modificações. O come-
dia, os pais nobres dos melodramas são bastante conven- ço do primeiro ato era só felicidade; então chegava o vilão.
cionais. Seu papel é essencialmente o de proferir sentenças Seguiam-se até o fim do terceiro ato as peripécias da perse-
morais. Alguns deles, pais indignados, estão sempre pron- guição, com um crescimento do patético e uma alternân-
tos a lançar rapidamente sua maldição, Mais tarde, duran- cia de cenas calmas (balé, música, intermezzos cômicos) e
te o século XIX, este tipo de papel será desempenhado pelos de cenas violentas (duelo aux quatre coup{,batalha, catás-
eclesiásticos, confidentes da virtude ultrajada. trofe natural). Após os r€morsos do vilão e seu castigo, a
Aparece também no melodrama clássico' mas com uma calma e a harmonia voltavam. A última cena acabava com
freqüência menor do que nas peças românticas' o perso- uma copla cantada e um apotegma moral. Romain Rolland,
nagem misterioso que tudo sabe, que tudo vê, usufi'uindo em LeThéâtre du Peuple,assim resumia, no fim do século,
uma certa ubiqüidade e chegando sempre na hora certa para a organízação geral das intrigas deste teatro popular:
salvar a inocente, como em L'Ange tutélqìre ou Ie Dëmon
Pegue-se dois personagens simpáticos, um como vítima, outro
femelle (1808), de Pixerécourt.
sempre pronto a ajudar, um personagem odioso para Pagar o Pato
Enfim, o melodrama, na tradição direta de Nicolet e do
no final da farsa sinistra: .introduza-se aí algo de grotesco ['..] qual-
Cirque Olympique, coloca em cena numerosos animais, quer cena supérflua escolhida ao acaso na observação cotidiana [...]
tanto assim que em 1806, quando da representação de entremeie-se a isso alusões às questões poÌíticas, religiosas ou sociais
t Our s blan c ( O Ur s o Branco ) ( melodrama-mágica-vaude- do momento; misture-se o riso e as Ìágrimas; coloque-se uma música
vile), de Charrin, o jornal Le Courrier des Spectacles escre- de fácil refrão. Cinco atos e poucos entreatos: eis a receitas.
veu: "Se não nos cuidarmos, em breve uma parte de nossos
teatros será transformada em zoológico". A utilização de
animais em cena, sempre complexa sobretudo por se tra- A Moralidade do Melodrama Clóssico
tar de animais verdadeiros, respondia a duas funções dra-
máticas: por um lado, criar o terror ou o espanto, como em Num momento da história onde se observa, ao mes-
La Bête du Gévaudqn (1807) (A Besta do Gévaudan), de mo tempo, um enfraquecimento e um alargamento da cul-
Pompigny, por outïo, fazer pafticiparem diretamente da tura, os melodramaturgos ensejaram, deliberadarnente,
intriga animais domesticados' Os mais célebres entre eles
os
foram as pombas portadoras de mensagens de Clémence 7. ExpÍessão plópria das encenações grandiosas dos dramas popu-
d'Entragues (1810), de Coffin-Rosny; de Elizabeth duTyrol lares e espetaculares do século XIX. Designa um duelo ou um combate
quase sempriebarulhento e decisivo, cheio de reviravoltas, que ocupavatodo
( 1804), de Hapdé; Le Pie voleuse ( 1 81 5 ) (A Ladra Piedosa),
o palco.
de Caigniez e sobretudo Le Chien de Montargi.s (18la) (O 8. Romain Rolland. Ie Théâtre du Peupla Paris, Fischbacher, 1904,
Cão de Montargis),de Pixerécourt. Ainda que nesta última p. I 19.

46 47
asseguÍar-se uma missão moÍal e civilizatória. Pixerécourt amor ele meÌece por suas virtudes"; ela ensina ainda neces-
escreveu no prefácio de seu Théâtre choisi:"Foi com idéias sidade da manutenção da hierarquia social, o devotamen-
religiosas e morais que me lancei na carreira teatral". Os to incondicional do servidoÍ a seu patrão, do soldado a seu
ideais didáticos e sociais deste teatro que, sob vários aspec- chefe. O melodrama servirá também, ao longo de todo o
tos, pode parecer como um resultado da filosofia rous- Império, de "agenciador de novos recrutas", apresentando
soniana, ensinam que o sentimento purifica o homem e que magníficos espetáculos históricos e militares; além disso,
aplatéia se acha melhor à saída de um melodrama.Nodier em muitos melodramas os personagens de bravos soldados
atribuía ao melodrama a baixa criminalidade sob o Impé- não cessam de repetir que servir nos quadros da Grande Ar-
rio e gostava de contar: mada é a maior das felicidades e das honras. A esse respei-
to, Pixerécourt escreveria no Livre des Cent-et-un (Livro dos
um testemunho em matéria criminal,
esta história profunda de
Cento e Um);
que contava que alguém havia proposto a outÍem um crime e,
diante da proposta, o interÌocutor bradara: "Infeliz, você então nLrn- Não podemos negar ao melodrama a justiça de reconhecer que
ca foi ao Gaité! Você então nunca viu representar uma peça de é eleque nos reconta melhor e mais freqüentemente os assuntos na-
Pixerécourt!"e. cionais, gênero de espetáculo que deve ser rePresentado em todos
os lugares. Ele dá à classe da nação que mais deles necessita belos

A abnegação, o gosto do dever, a aptidão para o sofri- *odelos de atos de heroísmo, traços de bravura e de fidelidade' Ele
a instrui assim a tornar-se melhor, mostrando, mesmo em meio a
mento, a generosidade, o devotamento, a humanidade são
seus prazeres, os nobres caracteres desenhados em nossos anais [ "'] '
as qualidades mais praticadas no melodrama, juntamente
O melodrama será sempre um meio de instrução Para o Povo' Por-
com o otimismo e uma confiança inabalável na Providên- que ao menos este gênero está a seu alcancelo.
cia: a Providência que ajudaú sempre aquele que souber
ajudar-se a si mesmo. Em Baudoin de Jérusalem ou les Os vilões do melodrama são, então, aqueles que recu-
Héritiers de la Palestine (1814) (Baudoin de lerusalém, ou sam esta moral: os cúmplices, os marginais, os bandidos,
os Herdeiros da Palestina), de Boirie e Chandezon, um he-
os forçados, os desertores' Compreende-se assim melhor a
roi diz: "Nossos perigos são grandes, sejamos maiores que repulsa de Pixerécourt diante do drama romântico que
eles e,lutando com coragem, mostlemo-nos dignos de ven-
reabilitava os fora-da-lei:'Antigamente escolhia-se aPenas
rl
cê-los". Esta Providência, Deus do melodrama, coloca a o que era bom, escrevia ele em 1832, mas nos dramas mo-
moral acima dos dogmas, incita a uma prática da tolerân-
dernos não se encontra nada além de crimes monstruosos
cia na vida religiosa, como em Hariadan Barberousse que revoltam a moral e o Pudor"ll.
(1809), de Saint-Victor e Labenette, na qual não deixa en-
Esta moral conservadora que mantinha o fervor mili-
tretanto de provocar uma catástrofe natural que aniquila
tar associando-o à estabilidade política e social e ainda ao
os maus. A moral do melodrama pfocura, além disso, rea-
culto da virtude parecia, na queda do Império, ter partido
bilitar a família e a pátria. "Lembremo-nos, diz um outro junto a ele e sofrido, em conseqüência' violentos ataques
herói, em Herman et Sophie (1805), de Cuvelier, de que não
há verdadeira felicidade para um espdóo a não ser ao lado
de sua mulher e de seus filhos, no seio de uma família cujo 10. SemindicaçãodePágina.
1 1. Charles Guilbert Pixerécourt. "Dernières Réfleúons
de l'auteur
sur le mélodram e", Théâtre choìsi,Tome IV. Genève : Slatkine Reprints'
9. C. Nodier, op. cit.,p.VI. 1971,p.497.

48 49
antes de desaparecer, trazidos pelo ímpeto sentimental e senvolve-se na Inglaterra do século X. Encarregado pelo rei,
social do romantismo. que deseja desposá-la, de pedir a mão de Malvina, filha do
Conde de Devon,Athelwood apaixona-se pela moça e com
ela se casa, Para esconder seu casamento, ele a encerra em
Os Autores seu castelo, entretanto, o rei vem visitá-lo. Ajudado por
Edwin, seu escudeiro, ele faz com que a cúada Fanny passe
Louiz Caigniez (17 62- t842) por sua esposa, enquanto Malvina se esconde junto a
Peters, um agricultor. O rei se deixa enganaf, apesar de ter
Nascido numa abastada família de juristas da burgue-
achado Malvina um pouco desajeitada. Mas as suspeitas
sia togada de Arras, advogado do Conselho de Artois, ele
nascem no espírito de um cortesão que suborna um dos
chega a Paris em 1798 e aifreqüenta os meios teatrais, ten-
valetes do castelo. Por algumas moedas de ouro, este trai o
do se ligado a um outro dramaturgo, Coffin-Rosny. Ini-
segredo. Neste ínterim, chega ao castelo o pai de Malvina,
cialmente faz incursões pela féerie,tendo escrito neste gê-
que evidentemente não reconhece sua filha. O rei é avisado
nero La Forêt enchantée (1799) (A Floresta Encantada) e
do engodo mas não demonstra imediatamente ter desco-
Nourjahad et Chérédin (1802), mas é o melodrama que lhe
berto nada; ele parte para uma caçada em companhia de
traz os primeiros triunfos: Le lugement de Salomon (1g02)
Tom Cric, um pitoresco matador de lobos. Após enviar
(O lugamento de Salomão),cujo sucesso foi então qualifi-
Athelwood como batedor, ele ordena que a falsa esposa lhes
cado como "piramidal" e que ele tentará prolongar com Le
acompanhe. Depois de uma cena bastante densa e vivamen-
Tiiomphe de David(tï}S) (O Triunfo de Davi).Estes remas
te urdida o rei, clemente, perdoa.
bíblicos, tratados majestosamente num estilo julgado, à
A peça, origirial em sua arquitetura e em sua escritura,
época, simples e austero, trouxeram-lhe o apelido de "Ra-
procura descolar-se dos esquemas habituais das intrigas
cine de Bulevares". Ele escreveu em seguida dramas fami-
melodramáticas. Nesse espírito, Caígniez jâ havia escr ito,
liares nos quais a angústia do abandono e o amor maternal
em 1807, uma comédia digna de interesse, Le Volage (O
tinham o melhor quinhão: La Forêt d'Hermanstadt ou La Volúvel) e alguns anos mais tarde, seguindo a mesma ins-
Fausse épouse ( 1805) (A Floresta de Hermanstadt, ou a Fal-
piração, Les Méprises de la diligence (1819) (Os Erros da
s a E sp o s a ), L lllu str e Av e u gle (1806) ( O Ilu str e Ce go
), L e F aux Diligência). Estas duas peças, quase desconhecidas, mos-
Aléxis ou le Mariage par vengeance (1807) (O Fako Aléxis, tram um verdadeiro talento cômico.
ou o Matrimônio por Vingança), La Belle-mère ou les Deux Enfim, com Lq Pie voleuse ou la Servante de Palaiseau
orphelins (1808) (A Madrasta ou Os Dois Orfãos), Les (1815), que estava emcartazdurante os Cem Dias12, Caig-
Enfants du Búcheron (1809) (As crianças de Búcheron), La niez obtém um sucesso fora do comum. A peça teve nume-
Fille adoptìve ou les Deux mères (1810) (A Filha Adotiva ou rosas representações (traduzida para o inglês, foi também
as Duas Mães), Lq Folle deWolfenstein (lSt3) (A Louca de
encenada em Drury Lane) e serviu de libreto para a ópera
Wolfenstein). Cainniez aproxima-se, também, dos dramas de Rossini, Após este triunfo, ele teve encenadas aínda Les
guerreiros, plenos de peripécias mais movim entadas: fean Corbeaux accusateurs ou la Forêt de Cercottes (1816) (Os
de Calais (1810), Henriette et Adhémar (1810), Edgar oula
Chasse aux loaps ( 18 1 I ) (Edgar, ou a Caça aos Lobos), A ação
12. Período de 20 de março a 22 de junho de 1815, entre o retorno
deste último drama, interessante sob diversos aspectos, de-
de Napoleão e a segunda abdicação, depois deWaterloo.

50 51
r

Coryos Acusadores, ou a Floresta de Cercottes), Llgolin ou la Sob a Revolução, Cuvelier já se impusera como um
Tour de la faim (1321) (Ogolin, ou AVoltq da Fome), com criador original, enriquecendo as técnicas da pantomima
Villiers, Honneur et séduction (1822) (Honra e Sedução). dialogada. Suas peças mais conhecidas até então foram
Não se sabe quase nada sobre ele após esta data, a não ser IlEnfant du malheur ou les Amants muets (1797) (A Crian-
ça da Desgraça, ou os Amantes Mudos) e sobretudo
que terminou sua vida na miséria, em Belleville, em 1842. C'est le
Um historiador de teatro do começo do século XIX, Diable ou la Bohémienne (1797), na qual alguns críticos
Royer foi um dos poucos a reconhecer o aporte essencial vêem o primeiro melodrama:
de Caigniez à elaboração da estética melodramática:
Enfim veio Cuvelier e antes de todos na França
Em suas obras, escreveu ele, o vilão brilha em todo o seu es- Mostrou o melodrama em sua magnificênciaÌ3
plendor e maquina espertamente seus odiosos complôs; a inocên- (4. Charlemagne, 1809).
cia percorre imperturbavelmente as fases de suas infeÌicidades e
triunfa, no desfecho, sobre seus perseguidores; só o bobo, um dos
lados do triângulo melodramático, parece-me um pouco negligen-
Depois do suçesso de La Fille hussard (1798) (A Filha
ciado em seu desenvolvimento; ele raramente alcança o efeito do do Hussard),pantomima em três atos encenada mais de 250
riso inextinguível que contrasta tão bem, em Pixerécourt, com os vezes no Cirque Franconi, Cuvelier continuou a apresen-
teÍrores da ação. Quanto à linguagem, ele se aproxima ainda muito tar ao público pantomimas dialogadas bastante movimen-
do tom soÌene em.uso na tragédia. tadas como HiIb erge l' amazon e ou les Mo nt énégrins ( I 8 I 0) ;
criou, além disso, numerosas cenas eqüestres representa-
Finalmente uma das razões de glória de Caigniez foi ter das no Cirque Olympique e, Para a glória de Napoleão,Ia
concebido, antes de Eugène Sue, um luif errant (1812) Bataille d'Aboukir ou les Arabes du désert (1808) (A Bata-
(Judeu Errante).
lha de Aboukir, ou os Árabes do Deserto), Les Français em
PoIogn e ( I S08 ) ( O s Fr an ce ses n a P olônia), La B elle Esp agnole
|ean Cuvelier de Ti'ye (1766-1524) ou l'Entrée triomphante des Français à Madrid (1809) (A Bela
Espanhola, ou a EntradaTriunfal dos Franceses em Madrid).
Levou adiante, desde o começo da Revolução, uma Ele aproximou-se também, com alguma felicidade, do me-
dupla carreira de autor de sucesso e alto funcionário do lodrama-pantomima-mágica, como por exemplo em Le
Estado. Filho de militar, depois de seus estudos em Paris
Nain jaune ou la fée du désert ( I S04) (O Anão Amarelo, ou
tornou-se advogado em Bologne, sua cidade natal. Muito
a Fada do Deserto). Os melodramas que escreveu deixam
engajado politicamente, assiste à Festa da Federação, é em
transparecer um gosto marcado pelo movimento e pela ação
seguida nomeado capitão da Guarda Nacional e depois, em
militar, com cenários fortemente influenciados por cores
1793, comissário nos departamentos do Oeste.Após o l8
locais. A extrema complicação de suas intrigas trouxeram-
Brumário, entra para o regimento de hussardos e serve na
lhe o apelido de Crébillon do Bulevar. Cuvelier escreveu
Suíça. Torna-se, em 1804, comandante em chefe dos intér-
mais de 110 peças, entre as quais pode-se distinguir Ardres
pretes da Grande Armada e participa de campanhas mili-
sauvé ou les Rambure.s (1803), A-t-il deux femmes? ou les
tares. De saúde frágil, quando sua cor.poração é dissolvida,
em 1806, encontra emprego nos escritórios da comissão de
instrução pública e finalmente, depois disso, consagra-se 13. Enfìn Cuvelier vint et le premier en France / Montra le mélo-
drame en sa magnificence.
definitivamente a seu trabalho como homem de teatro,

52 53
Corsaires barbaresques (1903) (Há Duas Mulheres?
ou os les Arabes du Lìban (1814) (O Velho da Montanha, ou Os
Corsórios Barbarescos), Herman et Sophie ou le Carnaval
Árabes do Líb ano), Le S acrifi ce d' Abraharfl ( I 8 I 6), Les Mac-
bavarois ( 1805) e Dago ou les Mendiai* d'Espagne ( g06)
1 chabées ou la Prìse de Jérusalem ( 181 7) (Os Macabeus, ou a
(Dago, ou os Mendicantes daEspanha),estaúltimã,
para nós, Tomada de Jerusalém), servem-se da mesma inspiração
um de seus melhores melodramas. exaltada, tortuosa e movimentada.
Nesta peça, Felício, sobrinho deZ.améoque todos
_
ditavam morto, é apaixonado porAngélica, fi1lha de
acre_
Zaméo. René-Charles Guilbert de Pixerécou r t (1773 - 1844)
Ele procura aproximar-se da beÌa moçã para
declarar_lhe seu
amor, A platéia é informada de que Dago, chefe Pixerécourt conheceu uma existência tão movimenta-
dos men_
digos da cidade, é na realidade Zaméo, que fugira da quanto a ação de um bom melodrama. Descendente da
da Inqui_
sição por conhecer o segredo da fabricação do ouro. nobreza militar provinciana, ele tem uma brilhante vida
Dago,
que comanda os mendigos, continua entretanto escolar em Nancy e em seguida inicia os estudos de Direi-
honestã e
consegue, sem se deixar reconhecer, proporrcionar to. Quando vem a Revolução, vai para Coblence com sua
uma en_
trevista entre Angélica e Felício. La plata, valete de Felício, família e alista-se na Armada dos Prínciçiês::Uma paixão
é também um antigo mendigo, e é reconhecido por amorosa durante o Tenor leva-o a Lorraine, e depois a Paris
seus
antigos companheiros, que lhe propõem entregar Dago onde, na miséria e vivendo uma semiclandestinidade, ele
à
Inquisição. Mas La Plata tem um outro plano: apoderai_se pinta iluminuras em leques, lê Florian e se lança às primei-
do ouro que Dago teria fabricado. Durãnte uma visita ras composições teatrais, em diferentes gêneros. Suas pri'
ao
subterrâneo onde habita,Zaméo revela sua identidade meiras tentat iv as, S éli co o u I e N ègre gén ér eux (17 93) ( S élic o,
a
Felício e lhe diz ser o pai de Angélica. Segue_se uma ou o General Negro), Les petits Auvergnants (1797) (Os Pe-
festa,
interrompida pelo mendigo Miquelos, Íieia Zaméo, que lhe quenos de Auvergnants), Le Chôteau des Apennins (1798),
grevlnl-de uma traição.Imagina-se inicialmente que são os Victor ou L'enfant de la Forêt (1798), Rosa ou l'Hermitage
inquisidores que forçam a porta a golpes de acha. Zaméo du torrent (1800) parecem-nos hoje como uma tateante
então esconde Felício e Angélica numa reentrância da pa_ preparação do extraordinário sucesso que seria alcança-
'ede, atrás de um quadro. Eram porém os mendigos qìe, do por Coelina ou I'Enfant du mystère (1800). A partir de
disfarçados em inquisidores, buscam o ouro que terminam então, as peças seguem-se em ritmo acelerado. Virão a se-
por descobrir. Felício aparece, caça dois guir : L' H omm e à trois v isages ou le Pro scr it ( 1 80 I ), Le P èle -
-.r,ãigo, e tranca
outros numa sala com o ouro, enquanto Zaméoé feito pri_ rin blanc (1801), La Femme à deux maris (1802), Pizarre
sioneiro pelos que restam. Daí em diante, Angélica sai a (1802), Les Mines de Pologne (1803), Les Maures d'Espagne
procura do rei, enquanto Felício se disfarça de mendigo para ( I 804) e La Forteresse du Dqnube ( 1805 ) . O imenso suces-

penetrar em seu grupo com a ajuda de Miquelos. La plata so obtido por cada uma dessas produções fazem de Pixe-
é
desmascarado, mas os outros mendigosìentam obrigar récourt o mestre incontestável de um novo gênero: o
Zamêo a fugir com eles para fabricar ouro: ele se recusa. To_ melodrama.
dos são então presos. Uma ordem do rei livra Zaméo, de_ Seu virtuosismo na composição das intrigas levam-no
volve-lhe a honra e dissolve a confraria de mendigos. a jogar cenicamente com as dificuldades, apresentando pe-
As peças que se seguem a esta, Le Regard ou Ia Tïahison ças com peripécias fora do comum, numa encenação pre-
( I 8 I 2) ( O Olhar, o u a kaição cisa e grandiosa. La Citerne,cujo sucesso foi retumbante, é
), Le Vieui de la Montagne ou
um bom exemplo de sua engenhosidade. //--
54
55
Dom Rafael foi outrora aprisionado pelos Mouros jun_ Assiste-se, assim, a uma série de combates entre o pequeno
tamente com sua filha, Clara, Acredita_se que ambos estão grupo de Robinson e os marinheiros rebeldes. Graças a
mortos. Dom Fernando, o vilão, torna-se então o tutor de Sexta-feirara, a vitória final é de Robinson e sua família.
Séraphine, a segunda filha de Dom Rafael. Sabe-se também É conhecida a impressão causada por um de seus es-
que Dom Fernando caluniou Dom Rafael e obteve do go_ petaculares melodramas , Les Ruines de Babylone ( I 8 1 0),
vernador a proclamação de um édito infamante a seu res_ sobre a sensibilidade do jovem Victor Hugo. A notorie-
peito. Dom Fernando deseja, além disso, casar-se com dade de Pixerécourt é então extraordinária:
Séraphine para apoderar-se de suas riquezas, mas Dom
De minha parte (escreveria I. Janin) não conheço nada com-
Alvar, filho do governador de Majorca, está apaixonado pela
parável à popularidade do ilustre autor das Ruines de Babylonei os
moça e vai desposáJa. Dom Fernando prepara uma arma_ homens, as crianças as moças, os velhos seguem-no de longe e de
dilha para o tapaz,fazendo com que seu empregado píca_ mãos postas quando ele se digna a passear pelo Bulevar do TempÌo,
ros desempenhe o papel do pai de Séraphine, pois ele abrigado no veludo de seu mantô e enfeitado com sua cruzdaLe-
poderia, assim, levar sua pupila par.a a Espanha e, uma vez gião de Honra. Seguem-no em silêncio, mostram-no com um gesto
apaixonado: É elel Ei-lo aí! O grande castigador de todos os crimes,
lá, casar-se com ela. Pícaros faz sua parte mas, neste mo-
o alto justiceiro que lê nos corações pervertidos! Ele, entretanto, a
mento, chega o verdadeiro Dom Rafael, em companhia cabeça erguida, o olhar brilhante, a fronte pensativa, passava lenta-
de Clara. Disfarçado de cego, ele se introduz no castelo de mente através dessa correnteza humana que se fazia sentir por
Belmonte, onde Séraphine e pícaros esperam os ventos fa- murmúrios, por elogios, pela admiração, por maldições.
voráveis para partir. Tüdo é descoberto. pícaros então se
arrepende e, graças a ele, Clara é salva das mãos de corsá_ Com Emile e depois Dragon, dois cães excepcionais,
rios que são feitos prisioneiros após a explosão e destrui- Pixerécourt conhecerá um novo triunfo em 1814, com Les
Chien de Montargis,mas com a queda do Império, o clima
ção da cisterna que dá nome ao drama.
Com respeito a essa peça escrever â o lournal de paris: de seus melodramas muda. La Fille de l'exilé ( I 819), mos-
tra uma busca obstinada do perdão e do absoluto; Valenti-
Que imaginação, por mais viva e mais extravagante que possa
na (1821), traz uma heroína que se suicida; Alice ou les
ser, poderia imaginar a décima parte das inovações extraordinárias Fossoyeurs écossais (1829) deixa transparecer todas as carac-
I
com as quais M. de Pixerécourt, como se estivesse brincando, acaba terísticas do romantismo noir, Latude ou Trente-cinq ans
de nos prodigalizar, e com as quais estamos ainda maravilhados? de captivité (Latude, ou trinta e cinco anos de cativeiro)
i

(1834) afasta-se das regras, suprime a maior parte dos


Pixerécourt escolhe ainda a dificuldade ao tratar de um monólogos e fragmenta a intriga em cinco atos,
assunto como Robinson Crusoé (1809). para as necessida_ Pixerécourt consagrou seus últimos anos à edição de
des deste melodrama, a ilha do naufrágio solitário se en- seuThéâtre choisi(1841-1843), no qual figuram as melho-
contra bastante populosa. Efetivamente, ela é escolhida pela res em torno das aproximadamente cem peças que escre-
tripulação amotinada de um navio como ponto de desem- veu, das quais sessenta eram melodramas, e que totalizaram
barque de Diego, seu capitão. Este Diego, um armadorpor- mais de trinta mil representaçÕes em Paris e nas províncias.
tuguês, é ao mesmo tempo sogro e amigo de Robinson. Ele
havia fretado o navio, juntamente com Ema, mulher de 14. O companheiro indígena de Robinson Crusoé no romance de
Robinson, Walter Scott.
e Isidor, seu filho, para reencontrar seu parente.

56
/*
ou o Ôrfão da Floresta),representada mais de 250 vezes'
Em
O autor de Coelinae de La Femme à deux marisfoitam-
1800, úapdé é incorporado ao quartel-general da Armada
bém um dos primeiros a dar um lugar preponderante às
encenação das obras teatrais. Aí, também, ele será um ino- do Rhin,ìomo secretário do general d'Hédouville, depois
vador. Suas concepções sobre o assunto lembram fortemen- administrador dos hospitais militares' Também este autor
te as idéias professadas hoje em dia sobre a questão. Ele foi, levará adiante duas carreiras' Em 1810, obtém um "privi-
incontestavelmente, o primeiro verdadeiro diretor de tea- légio de espetáculo"rs para abrir o feux Gymniques' teatro
no quul, no mesmo ano' compõe quadros históricos para
a
tro, dentro do conceito que a palavra tem atualmente. So-
glória de Napoleão, como les Pyramides d'Egypte, Le Pont
bre este ponto, temos em Alexandre Piccini um precioso
testemunho: á'Arrolr, Le Passage du Mont Saint-Bernard e o mais céle-
bre Homme du Destin, Malgrado estes louvores aos
feitos
Ele não era apenas o autor de suas peças, mas, ainda, ele dese- napoleônicos, o privilégio lhe é retirado em 1812' No ano
seguinte, encontramo-lo trabalhando como diretor
nhava os figurinos, fazia o plano dos cenários, explicava ao maqui- dos
nista como executar os movimentos. Cena por cena, ele dava aos ho"spitais da Grande Armada. Esta última função' que de-
atores indicações sobre seus papéis. Suas obras ganhariam muito se assistir aos
sempenha com devoção e competência,faz-lhe
ele pudesse ter interpretado todos os personagens.
horrores dos desastres militares napoleônicos' O fiel admi-
J. Janin, por sua vez, analisa finamente o caráter evocador
rador torna-se então feroz adversário, do Imperador e do
dessas encenações. Dizia ele de Pixerécourt em seu Curso melodrama, que ele compreende como um vil instrumen-
de Literatura Dramática : to de propaganda, e que critica numa brochura intitulada
Plus ie métidrames! Leurs dangers considérés sous le
rapport
et de I' art
Este homem tem uma qualidade séria e bem rara: ele é um cria- de la religion, des meurs, de l'instruction publique
dramati-que,de 1814. "O monstro político foi abatido'
dor. EIe é absurdo, falso, pueril, que importa? Ele cria. Ele tem uma é

certamaneira de colocar uma faixa de relva,de dispor suavelha flo- literário'', escrevia ele. Hapdé
necessário aÍrasar o monstro
resta de carvalhos, de preparar seu quiosque ao fim do jardim que
havia, entretanto, criado durante o Império um número
faz com que, para o bem ou para o mal, quando as cortinas se le-
vantam, nós olhemos, nós nos inquietemos.
impressionante de mágicas e sobretudo de melodramas
paiticularmente movimentados, entre eles Elizabeth de
'fyrol
Os atores, com os quais ele era muito exigente, chama- ou les Hermites muets (1804) (Elizabeth de Tyrol' ou
ou la
vam-no de Ferocios Poignardini; o público popular, de o os Eremitss Mudos), La Guerrière des sept montagnes
Laitière des b ords du Rhin( I 805 ) (A Guerreita das S ete Mon-
Corneille dos Bulevares; seu amigo Charles Nodier, de
tanhas, ou a Leiteita da Beira do Rhin), Le Pont du Diable
Shakespirécourt.
( 1806) (O
( 1806) (A Ponte do Diabo), Le Prisonnier masqué

Prisioneiro Mascarada), Heilmina d' Heidelberg ou I'Innocente


)ean-Baptiste Hapdé ( 1774- 1 839) hongrois
coupable (1S07), La Tête de Bronze ou l'Déserteur
(18'0s) (A Cabeça de Bronze, ou o Desertor Húngaro) e Le
Muito jovem, ele participa dos grandes momentos da
de Rhodes ouleTremblement deterre d'Asie
(1809)'
Revolução, e já escreve para o teatro peças como Le Comis- Colosse
sionaire de Saint-lazare (O Comissário de São Lózaro), en-
cenada em 7794, no Théâtre des Ieunes Artistes, e Le Petit 15. Nome da licença dada à época para abertura e funcionamento

Poucet ou l'Orphelin de Ia forêt (1798) (O Pequeno Poucet, de um teatro.

58 59
Após um breve exílio na Inglaterra, durante
os Cem cm seguida o melodrama para ir trabalhar com Scribe, mas
Dias, Hapdé volta a paris onde .i.r.u"
um pequeno estu_ a ele volta alguns anos mais tarde, com La Chambre ar-
do crítico Des grands et des petits théâtres-de-la
Capìtale dente (1833) (A Câmara Ardente), onde Mele Georges fará
(1816) e novamente melodramas, agora
marcados p"lu o papel de Brinvilliers, e La B er lin e de l' Emigr é ( I 8 35 ). Era
tética romântica, entre os quais Les-Visìons
de Maìbeth "r_
ou um excelente encenador, que "indicava bem", como se di-
les Sorcières d'Ecosse (lSlt) (As Visões de Macbeth ou as zia na época,
Bruxas da Escócia) e Le passage de la Mer
rouge ou la Déü_ César Ribié (1755-1830) - Filho de um manipulador
vrance des Hébreux (1g17) (A passagem pelo
Mar Vermelho, de marionetes, foi inicialmente camareiro16 do Théâtre de
ou a Libertação dos Hebreus). Sua úliim;
peça, Le déluge (O Nicolet antes de obter pequenos papéis nos palcos do bu-
Dilúvio),melodrama em dois atos preceáido
de um pïOfo levar e de tornar-se um bom ator cômico. Empreendeu
go intitulado Les hommes d'avanì le
déluge (Os Iíomens numerosas turnês teatrais na província e nas colônias. No
Diante do Dilúvio), obteve, em 1g30, grurrà,"
sucesso. retorno dirigiu vários teatros e compôs uma grande quan-
tidade de canevas dramáticos, sobretudo paraa pantomi-
Alguns Outros Autores ma. Sua obra mais conhecida é Le Héros américain (1805)
René Périn (I776-1858) -Advogado e vice-prefeito de
Em meio aos numerosos dramaturgos que
se aventura_ Montluçon durante os Cem Dias, demite-se de suas fun-
ram na criação de melodramas, seria neiessârio
citar ainda: ções ao retornar de Bourbons. Polígrafo brilhante, escre-
fean Caniran de Boirie (17g3_1g37) _ Foi Diretor do
veu uma interessante comédia, M. locrisse au Sérail de
teatro dos feunes Artistes e do da Imperatriz (Odéon),
de_ Constantinople (M.Iocrisse no Harém de Constantinopla) e
pois regente da Porte Saint-Martin. -Suas
últimas funções uma espirituosa paródia do Itinéraire de Paris à Jérusalem
levaram-no a colaborar com aproximadamente
duas deze_ (Itinerário de Psris a Jerusalém) em 18 I I . Em 1822 escreve
d.e autores. Suas peças mais conhecidas
1as são La Femme um Manuel dramatique à l'usage des auteurs et des acteurs
à-trois visage.s (1806) (A Mulher de Três
Faces), L,Homme (Manual Dramótico para Uso de Autores e Atores). Foi res-
de la forêt noire (Iglt) (O Homem da Floresta
Negra), Le ponsável também por um dos grandes sucessos do melo-
Bourgmestre de Saardam ( I S I g) ( O Burgomestre
de Siardam) drama, Fitz-Henri ou la Maison des fous (1804) (Fitz-Henri,
e Les Deuxforçats ou la meunière du puy_du_Dôme
(Os Dois Condenados às Gatés, ou
!AZZ) ou A Casa dos Loucos) e compõe ainda Hélénor de Portugal
a Miteira da Montanha (1807) e LiHéroïsme desfemmes (1808) (O Heroísmo das
de Dôme).
Mulheres).
Anne Mélesville (17g7-1g65) _ Escreveu mais de tre_
Frédéric Dupetit-Mér é (17 87 - 1827 ) - Assinava apenas
zentas peças em todos os gêneros: farsas,
vaudeviles e ópe_ seu prenome, Frédéric. Era um especialista na produção de
ras, mas é com o melodrama que obtém
seus primeiros melodramas históricos e heróicos, como por exemplo Ia
grandes sucessos, que foram Abenharnet
ou le Héros de Gre_ Chaumière du Mont lura (1809), Le Maréchal de Luxem-
nade (1815) (Abenhamet, ou o Herói de Granada),
Boleslas bourg (1812), Le Maréchal de Villars ( I 8 1 7) e La Cabane de
ou le Búcheron écossais ( I g I 6) (Boleslas, ou
O Lenhador Es_ Montainard (1818).
cocês), Onze heures du soir (lgl7) (Onze
Horas da Noite),
Le Proscrit et la Fiancée( lS 1 g) (O proscrito 16. No original , aboyeur.Novocabulário teatral, pessoa responsável
ea Noiva) e L,es
Frères inv isibles (lBI9) ( Os lrmão s Invisíveis).Abandona
por chamar os atores na hora de sua entrada em cena, Géo Sandry e Mar-
cel Carrère. Dictiorutaire de I'Argot Moderne, Paris, Dauphin, 1953.

60
4-..
i
r
Pierre-|oseph Charrin (1784- l863) - Melodramatur-
go e jornalista profícuo, foi o redator.de 13 volumes do
Mémorial dramatique. Produziu urn grande sucesso Ia
Forteresse du Riotercero ou les Espagnols au paraguay (1905).
I.-I.-M. Duperche (1775-tBZ9) -Tiadutor de obras de
autores alemães, sobretudo de Volpius (Rinaldo, Chefe dos
Bandidos). Deve-se a ele, essencialmente, Thnkmar de Saxe
( 1 805), Les Strelitz ( 1808 e Alix et Blanche (1813).
)

o MELODRAMA ROMÂNTICO (1823-1848)

Com a queda do Império, a mentalidade coletiva muda,


assim, também a composição e recepção dos melodramas
vão ser consideravelmente modificadas. A submissão aos
valores tradicionais, cívicos e guerreiros começa a afrouxar.
Uma nova geração se inicia, no momento em que a alta
sociedade se hierarquiza noyamente e simula deixar os
Boulevards. A homogeneidade do público dos melodramas
étaçhada,diante das exigências de outras formas de sensi-
bilidade. Em torno dos anos 1820, esta mudança dos valo-
res sociais e estéticos seria marcada por uma série de
acontecimentos de pesadas conseqüências: o assassinato do
duque de Berry, o caso dos quatro sargentos de La Rochelle
e a expedição da Espanha. No teatro, dois episódios fora do
comum precipitam o movimento: a visita dos atores ingle-
ses a Paris (1822) e as representações de llAuberge des Adrets

Uma espectadora sensível. Desenho ila Damourette.

62 63
r
(1823) (O Albergue dos Adrets). Nesta peça apareceria, vnlores e à introdução de novos elementos na temática e na
pela primeira vez, com os trapos escolhidos por Frédéric tipologia do gênero.
Lemaitre, o tipo literário e social mais pujante do século Os cúmplices, os marginais, os bandidos que no últi-
XIX: Roberto Macário. ruro ato dos melodramas tradicionais eram expelidos do
Três melodramaturgos pouco famosos, B. Antier, A. círculo dos bem-aventurados, transformam-se em heróis. O
Lacoste e Alex. Chapponier haviam escrito, para o Ambigu, rnelodrama do rigor e das convenções burguesas é acresci-
um melodrama tradicional, no qual um calejado bandido, clo, pouco a pouco, do exagero e da desmedida. O espetácu-

Roberto Macário, ajudado por seu cúmplice Bertrand rouba lo dos vícios torna-se aí mais complacente; a Fatalidade,
e assassina um viajante em uma estalagem. Uma pobre repentinamente impiedosa, passa a esquecer de transformar-
mulher que os estalajadeiros haviam acolhido na véspera se em Providência e mata, cada vez mais, o herói. Os vilÕes

torna-se a principal suspeita. Este drama interrompe as sobrevivem, mesmo a seus crimes, e a paixão amorosa, até
núpcias do filho adotivo do estalajadeiro. Ocorre, é claro, então discreta, inflama o palco. O apotegma final transfor-
que este jovem é filho do próprio Roberto Macário e a ino- trÌa-se, às vezes, em grito de desafio social. Pixerécourt' num

cente perseguida, sua mulher. Macário é desmascarado e vigoroso artigo, recusou a paternidade destes novos dramas,
por critérios ao mesmo tempo morais e estéticos:
preso pelos dragões do rei. Numa tentativa de fuga, ele é
mortalmente ferido por Bertrand ao qual pensava trair. Há seis anos que se tem produzido um grande número de pe-
Antes de morrer, porém, ele ainda arrancarâ do peito uma ças românticas, o que quer dizer, de peças maléficas, perigosas, imo-
confissão que inocenta sua pobre mulher. rais, desprovidas de interesse e verdade. E então! Em plena vigência
Cansado de interpretar os vilões de melodrama no es- deste gênero nefasto eu escrevi Latude,com o mesmo gosto, as mes-
mas idéias e os mesmos princípios qr"re me orientaram durante mais
tilo convencional, Lemaitre, valendo-se da cumplicidade de
de trinta anos. Esta peça obteve o mesmo sLlcesso que as antigas [... ] .
Firmin (Bertrand), ensaiou seu papel nesta tradição. No dia
Por que então os autores de hoje não fazem como eu? Por que suas
da estréia, porém, vestido num traje esfarrapado, mas no peças não se parecem com as minhas? É que eles não têm nada
qual se dava ares de príncipe, ele utilizou um tom de bra- parecido comigo, nem as idéias, nem o diálogo, nem a maneira de
vatapara dizer suas réplicas e perpetrar seus crimes. Fan- criar uma cena; é que eles não possuem nem meu coração, nem mi-
farrão e cínico, ele levava ao ridículo todos os valores.A peça nha sensibilidade, nem minha consciência. Sendo assim, não fr-ri eu
quem estabeleceu o gênero romântico. (Dernières Réflexions sur le
obteve imediatamente um grande sucesso por meio do riso.
MéIorlrame, 1843).
Este riso era entretanto menos o provocado pela paródia
ou pelo cômico da situação do que a expressão dos sarcas- Com efeito, drama e melodrama românticos confun-
mos da geraçào romàntica. dem-se desde seu nascimento; nunca se pode fazer uma
A peça foi proibida depois da octagésima representa- clara distinção entre eles, que eram escritos pelos mesmos
ção, mas Frédéric Lemaitre retomou o papel, que ele então autores, representados pelos mesmos atores e encenados
talharia à sua medida, com a ajuda de B. Antier; em uma nos mesmos teatros. Ambos apóiam-se, ainda' sobre a es-
nova peça intitulada Roberto Macário (1834).Destavez, ele trutura estabelecida pelo melodrama clássico' dando-lhe
elevou um tipo literário à dimensão do mito. uma tonalidade e uma temática novas e apropriando-se a
Após este rasgo de brilho, que era um tiro de advertên- seu modo do gosto pelos efeitos e pela cor local, do senso
cia para o melodrama clássico, assiste-se a uma inversão de de ritmo, do "entrecho", da encenação, da oposição mani-

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r-
queísta entre as forças do bem e as do mal, da compo- revolta social quando a inteligência ou o gênio dos heróis
sição dos personagens que representam estes valores e pro- se choca com a mediocridade dos bem estabelecidos so-
pondo, em suma, um estilo de drama mais preocupado com cialmente ou com as potências políticas e Íinanceiras. "Es-
suas próprias invenções e sua própria lógica do que com o queci que a miséria acorrenta o gênio'] diz um personagem
realismo e a verossimilhança. Apenas Théophile Gautier de La Fille Maudite (1817) (A Fila Maldita), de Boirie e
reconhecia neles estes empréstimos tomados do melodra- Chandezon. Tédio e lassitude de viver passam a se fazer
ma clássico os quais, zelosos de sua dignidade literária, presentes no melodrama: o herói ou a heroína chegará even-
Hugo e os outros românticos recusavam-se a admitir: tualmente ao suicídio quando a Fatalidade o/a atinge com
demasiada violência, como em Valentine ou la Seduction
Oh, Guilbert de Pixerécourt! Oh, Caigniez! Oh,Victor Ducan- (1821) (Valentine, ou a Sedução), de Pixerécourt. A morte
gel Shakespeares desconhecidos, Goethes do Bulevar do Templo, com
não é mais reservada apenas ao vilão, mas serve de pretex-
que cuidado piedoso, que respeitofilial [...] nós estudamos suas con-
to, no palco, païa as mais cruéis variações. O casamento,
cepções gigantescas, esquecidas da geração posterior!
que no melodrama clássico lecriava, na última cena, uma
A partir de 1825, o termo melodrama passa a ser em- família em torno da qual todos se reagrupariam para en-
pregado apenas pelos críticos: os dramaturgos o haviam frentar as dificuldades da vida, desaparece dando lugar a
abandonado. Em 1838, corajosamente, Anicet-Bourgeois outras ligações menos estáveis e mais passionais. O adul-
tenta reabilitá-lo, no prefácio de La Pauvre Fille: tério, por sua vez, quase banido do antigo melodrama, in-
vade pouco a pouco as intligas e as povoa de bastardos, de
Melodrama!!! Esta palavra escrita nos cartazes do Teatro da mães solteiras, de crianças perdidas e reencontradas, de pais
Porte-Saint-Martin pareceu quase estranha. Com efeito, o melodra- indignos indignados lançando maldições sobre sua pro-
e
ma estava esquecido, todos os palcos que ele outrora enriqueceu hoje
genitura. Esta "adulterolatria", que atingirá todos os gêne-
o repudiam. O Gaité, o Ambigu, o Folies-Dramatiques, o Saint-
Antoine, até o teatro de M. Dorsay não representam atualmente ros, permane cerâ, até o final do século, como uma temática
nada além do drama; o drama está por toda parte. No momento de essencial.
seguir ainda uma vez a corrente e de colocar neste meu Pauvre Fille O melodrama tornou-se também, neste período, o
esta denominação universal de drama, fui tomado de remorso. veículo privilegiado da ressurgência das idéias republica-
Outrora o melodrama contou comigo entre seus mais calorosos
nas e bonapartistas, Vê-se reaparecer ali, em numerosas
defensores; lembrei-me também de que meu digno colaborador,
meu primeiro mestre na arte dramática, Victor Ducange, intitulava cenas, Napoleão ou ao menos chefes militares que falam e
modestamente melodramas Calas, Thérèse,Ie joueur (O Jogador),II agem como ele. Em outros melodramas, particularmente
y a seize ans (Hó Dezesseis Anos), Sept heures (Senhoras), Le Couvent os de Victor Ducange, exprimem-se idéias liberais que agi-
deTonnington (O Convento deTonnington) etc. , olhei ao redor de tam uma parte da opinião pública. Imediatamente após as
mim e vi que ninguém se dignava a tomar o h.rgar que Ducange tão
barricadas de 1830, as reivindicações sociais fizeram-se ain-
cedo deixara vazio. Pensei então que o melodrama não poderia
morrer com um homem; tentei fazê-lo reviver. da mais violentas e foram acompanhadas de uma viva rea-
ção anticlerical em melodramas conto L'Incendiaire ou lq
Em vão. A partir desta época a palavra melodrama tor- Cure et l'Archevêché (1831) (O Incendiário, ott a Cura e o
na-se um termo pejorativo. Arcebispado), de Decombrerousse e B. Antier, no qual um
E de fato o melodrama havia mudado. A expressão da padre ordena a um penitente, para o perdão de seus peca-
sensibilidade se fez nele mais viva e ele adquire um tom de dos, que incendeie a fazenda de um liberal, ou Le jésuite

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t---

( Ducange (com a colaboração de Pixerécourt), no


I 830), de de preservar a regra das três unidades. Também a arquite-
qual vê um homem de religião sórdida, Judacin, exercer
se [ura em três atos se modifìcou, em proveito de uma orga-
sua cobiça e sua lubricidade sobre uma jovem que finalmen- nização aumentada, em cinco atos, e fragmentada em
te ele leva ao suicídio. Os dramas cuja intriga se situavam numerosos quadros que os progressos técnicos permitiam
na Revolução voltaram à moda e, com eles, o hábito de ri- ser trocados rapidamente. Esta técnica se aperfeiçoou na
dicularizar o rei, os magistrados, os padres. Os anos de medida em que se criou o hábito de recortar, nos roman-
1830-1840 foram extremamente agitados no Bulevar do ces de folhetim, as cenas a descrever e justapô-las em qua-
Crime, que já possuía esta designação bem antes do aten- dros. Propunha-se assim uma visão dramática partida,
tado de Fieschi (1835). Em 1832, foi a epidemia de cólera impressionista, que apelava mais às lembranças dos leito-
que atingiu a capital justo no momento em que triunfava res dos folhetins que a uma lógica dramática interna, o que
A Torre de Nesle. No mesmo ano, os funerais do general irritava certos críticos, como J. fanin:
Lamarq deram estímulo a novas barricadas; ao menor im-
pulso de raiva, a insurreição estava nas ruas. O telão muda. Se soubessem como tenho horror de todas essas
telas que sobem e baixam a cada instante. É lamentável ver como o
Os melodramas desta época tornaram-se caóticos,vio-
entrecho foi cortado em trinta e seis pedaços Por estas máquinas
lentos e sangrentos. À medida em que nos aproximamos de
inertes: praça pública, palácio, mansarda, esconderijo, taverna, quar-
1848, cada vez mais o tumulto da ação melodramática se e vai,
to de dormir, vilarejo; tudo isso sobe e desce, tudo isso vem
faz ofegante (Bouchardy) e encontra-se quase por toda par- interrompendo as emoções mais doces: distração impaciente e mes-
te, particularmente nas adaptações teatrais dos romances de quinha, uma brincadeira de criança. Isto que é chamado quadro,
Eugène Sue e nos melodramas de Félix Pyat, doutrinas vejam vocês, é a ruína total da arte dramática. O quadro fez do dra-
socialistas expressas com cada vez mais vigor. O melodra- ma a coisa mais fácil do mundo. O quadro dispensa a narrativa, a
transição, as peripécias, o desfecho. Ele quebra, ele parte, ele despe-
ma parece, então, hesitar entre o "frenetismo" e o realismo,
daça, ele violenta, ele vai aos puÌos e aos saltos; ele retira todas as
ou melhor', o "miserabilismo" dos cenários e dos persona-
nuances da paixão e do entrecho; ele é inimigo cie toda a verossimi-
gens. Em plena revolução de 18481, Jeqn, o Trapeiro de
Ìhança e de toda a verdade.
Paris de Pyat, esvaziava sua alcofa no palco do Ambigu;
entre dejetos e papéis velhos encontrava-se a coroa do rei A fragmentação da matéria romanesca acabava por dar
dos franceses. De um mendigo a outro, de Roberto Macâ- a cada quadro uma grande autonomia e provocava nume-
rio a Jean, o Trapeiro, fechava-se o ciclo. rosas elipses na narrativa. O exemplo limite deste procedi-
mento foi a adaptação cênica do luif errant (1849), de
Eugène Sue, feita por Dennery' Sarcey notaria também, a
As Mo dificaçõ es Técnicas propósito de Lazare le Pâtre (1840) (Lázaro, o Pastor), de
Bouchardy, que "cada ato é uma peça inteira, e uma peça
O novo espírito da criação melodramática levou a al- bem complicada".
gumas modificações na estrutura geral das peças. Abando- Por outro lado, para resolver o problema sempre difí-
nou-se, assim, progressivamente o cuidado de Pixerécourt cil da exposição, recorria-se à astúcia de um prólogo,
dividido em várias cenas, e que propunha, no início da
lInsurreição parisiense que resuÌtou na queda do rei Luis Felipe e encenação, um ato vivo e curto apresentando a situação an-
proclamação da República. terior', que provocara o drama ao qual se iria assistir. Atri-

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F-

bui-se geralmente a Dennery a invenção deste engenhoso ir clesaparecer o balé e as músicas. Além disso, o conjunto
sistema do qual Sarcey, num folhetim do Temps,fez o his- tlas dramatis personae sofre algumas modificações. "Os ban-
tórico e a análise: rlidos sonhadores, os piratas, os corsários ingênuos" (H.
l)arigot) transformam-se em heróis mas, paralelamente, o
Como os teatros do bulevar, fiéis a uma velha tradição, conti- vilão "negro da cabeça aos pés" subsiste em todas as suas
nuavam a abrir cedo suas portas e a sociedade elegante, que janta Itormas anteriores: tirano, conspirador, conselheiro deso-
tarde, só chegava depois da peça começada, d'Ennery resolveu es- nesto, gênio mau das famílias, mulher traidora etc. Heróis
crever, para cada peça importante, üm prólogo onde expunha, aos
c heroínas sofrem uma perseguição mais violenta e suavida
oÌhos do público das gaÌerias, os fatos dos quais necessitava para
compor a trama de sua ação. A sala enchia durante o primeiro en-
cncontra-se cadavez mais manchada por uma falta inicial
treato e o autor se virava, durante o ato seguinte, para contar nova- que provoca a ira de pais nobres, menos bonachões mas
mente aos espectadores recém chegados, de uma forma ou de outra, mais preocupados em defender até a morte a honra de sua
tudo o que se passara no prólogo. Assim todo mundo ficava infor- filha e de sua família. Enfim, a maior parte dos tipos me-
mado acerca dos fatos importantes para a encenação. lodramáticos tem seu comportamento enriquecido e di-
versificado, sob a influência dos novos tipos sociais que
Bouchardy e outros autores aperfeiçoariam este siste- entram na moda por meio dos romances e dos romances
ma de abertura que consistia, na maior parte das vezes, em de folhetim: notários, banqueiros, advogados defensores dos
mostrar o começo da intriga vinte anos antes: o tempo de oprimidos, médicos dos pobres, artistas desconhecidos,
deixar as crianças crescerem e os ódios amadurecerem. operários e operárias e, como um toque pitoresco, muito
O mesmo Sarcey escreveria então, a propósito de Lazare dos pequenos afazeres da Paris de então. Encontram-se,
le Pâtre: assim, nos melodramas, um grande número de personagens
secundários, como as costureirinhas, os carregadores de
O prólogo [...] é bastante movimentado e complicado, mas
água, as vendedoras de laranjas, os cocheiros etc.
não se pode dizer que o esforço que ele exige para ser seguido e
compreendido não seja um sacrifício do dramaturgo para valori- Algumas obras romanescas deixaram indelevelmente
zar o que se seguirá: cada ato explica e desenvoÌve os ângulos que sua marca na temática e na tipologia dos melodramas, e isto
ficaram obscuros neste prólogo. À medida em que a série de acon- até o final do século XIX: AHistória dosTreze(1842-1848),
tecimentos se desenrola, percebe-se que tudo está ligado aos inci- de Balzac, As Memórias do Diabo (I837),de F. Soulié, e so-
dentes do prólogo e o público fica encantado que tudo se esclareça bretudo Os Mistérios de Paris (1842-1 843) e O Iudeu Errante
tão bem.
(1844), de Eugène Sue. Chamar-se-á a atenção, em meio a
múltiplos exemplos possíveis, para La Famille martial (A
Assim, os monólogos explicativos tornaram-se cadayez
FamíIia Marcial) (1895),de E. Blum e R. Toché. Nesta peça,
mais raros, subsistindo apenas nos melodramas os monó-
que descreve um episódio do romance, são feitas alusões a
logos patéticos, partes aguardadas com expectativa, onde
numerosos personagens dos Mistérios de Paris: o "Esfaquea-
se conjugava o sentimentalismo e a música da orquestra.
dor", Rodolfo, Flor de Maria... Eles, entretanto, não apare-
Por outro lado, com a temática geral dos dramas tor-
cem jamais em cena, supondo-se que eram conhecidos de
nando-se sombria, a mistura de gêneros não se opera bem,
todos os espectadores. Sendo a maior parte dos melodra-
malglado o respaldo das teorias românticas que visam con-
maturgos também romancistas, grande quantidade de ro-
jugar o sublime e o grotesco. Os personagens ingênuos e
mances foi adaptada para os palcos.
cômicos se rarefazem; da mesma maneira, tendem também

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Os Autores

Victor Ducange ( 1783-183i )

Filho de um secretário de embaixada na Holanda, que


possuía fortes convicções liberais, ele viaja bastante antes
de se fixar em Paris, onde se contenta com um modesto
emprego na administração e ensaia a composição de me-
lodramas que eÌe inicialmente assinaVictor. Suas duas pri-
meiras tentativas, Palmerin ou le S olitsire des G aules ( I 8 I 3 )
e La Bague de Fer (1818) (A Argola de Ferro), rendem tri-
buto à moda da Idade Média, em voga, mas já deixam trans-
parecel um gosto por situações violentas, sublinhadas por
uma encenação precisa e movimentada.
Encontram-se estas mesmas características em La Ca-
bene de Montainard ou les petits Auvergnats (1818), que
marcou a estréia de Marie Dorval nos palcos. Nesta peça,
Dorval interpretava o papel de Amélie, filha do barão de
Lérac, grande senhor malvado que mantinha, entretanto,
uma aparência de bondade. Ele é na realidade um hipócri-
ta que tenta matar o filho de sua irmã morta para apro-
priar-se de sua fortuna. Depois de uma avalanche, este fi-
lho, Charles, acaba por ser acolhido, com seu tutor, justa-
mente no castelo do barão. Protegido por Dolzan, seu
verdadeiro pai, também perseguido pelo barão, Charles
consegue escapar a todas as suas armadilhas. Ele declara seu
amor a Amélie, que descobre então que seu pai é um vilão.
As últimas cenas se desenrolam numa cabana de montanha,
onde os fugitivos haviam se refugiado. Graças ao heroísmo
de Labrèche, um velho soldado, e à Providência, que soter-
ra sob uma avalanche o barão de Lérac e seu acólito Robert,
Charles recupera seus direitos e poderá desposar Amélie.
No ano seguinte, Ducange escreve, no mesmo estilo,
Le Prisonnier vénitien ou le Fils du geôlier (O Prisioneiro Ve-
neziano, ou o Filho do Carcereiro). Suas convicções liberais
e sua admiração por Voltaire conduzem-no, a seguir, à re-
dação de um melodrama intitulado Calase de um roman-
Victor Ducange (1 783- 1833).

72 ,/ -)
r
ce, Valentine ou le Pasteur d'Uzès (182 l) (Valentine, Íirzenda incendiada, umaponte sobre um abismo, umapin-
ou o Pqstor de Uzès), no qual ele ataca violentamente a in- tura realista e minuciosa dos meios camponeses.
tolerância dos realistas do midi2. Este texto lhe valerá uma Os melodramas de Ducange se caracterizaram sempre
condenação a seis meses de prisão. Quando sai ele repete a pol uma encenação elaborada e rigorosa; as rubricas são
mesma falta e funda um hebdomadário satírico, Le Dia- lrumerosas e minuciosas, como em Le colonel et Le soldat
ble rose ou le petìt courrier de Lucifer (1822) (O Diabo Rosa, (1820) (O Coronel e o Soldado), por exemplo. Quanto ao
ou o Pequeno Condutor de Lúcifer). Em meio a inúmeras desfecho, ele é de modo geral adiado e violento. Com o
zombarias aos exaltados, encontram-se ali também, curio- passar dos anos, a tonalidade romântica desses melodramas

samente, ataques contra as inverossimilhanças do melodra- se afirma: num deles, Mac-Dowel (1826); um herói tenta
ma. Alguns meses mais tarde, depois de uma caçoada se matar; noutro, Thérese ou l'Orpheline de Genève, uma

insolente contra a Academia Francesa, a publicação é su- rnãe é assassinada.


Esta última peça obteve um enorme sucesso, tendo sido
primida. Ducange se vinga então por meio de um novo
freqüentemente reapresentada ao longo de todo o século.
romance, Thélène ou l'Amour de la guerre (1822) (Thélène,
A Thérèse do título é uma jovem órfã acolhida pela
ou o Amor da Guerra) que parece ao mesmo tempo bona-
Senhora de Sénange, e vai se casar com Charles, filho de sua
partista e imoral. Condenado novamente à prisão, Ducan-
benfeitora. Tendo adotado o nome de Henriette, Thérèse
ge se exila na Bélgica até 1825.Após 1830 ele se mantém à
guarda um segredo: ainda que inocente de acusaçÕes que
distância de toda polêmica política, continuando porém
lhe foram imputadas, foi condenada à prisão e fugiu. O vilão
a escrever melodramas.
Walter, que possui as provas de sua inocência, tentafazê-Ia
Nessas peças, paradoxalmente, as idéias liberais só apa-
romper o noivado. Ele a chantageia e a pede em casamen-
recem em Íiligrana. Ducange explora principalmente alguns
to, pois sabe também que ela é a filha natural de uma con-
temas obsessivos que são continuamente retomados, com
dessa da qual herdou toda a fortuna. Esta herança é, aliás, a
variações cadavezmais atormentadas: amantes que se des-
causa direta da anterior condenação de Thérèse: ela é acu-
cobrem irmão e irmã - Adolphe et Sophie ( 18 16), Le Testa-
sada de ter abusado da boa-fé da condessa, redigindo-lhe
ment de la pauvre femme (1832) (O Testamento da Pobre um falso testamento. O escândalo estoura. Expulsa da casa
Mulher) -, um assassino que se engana de vítima (uma que a acolhera, Thérèse foge. No caminho, ela se detém na
mulher é morta no lugar de outra) - Thérèse ou l'Orpheline casa de empregados da Senhora de Sénange que a escondem.
de Genève (1820) (Teresa, ou a Orfõ de Gênova), La Suédoise Neste entretempo, chegam à mesma casa a Senhora de Sé-
( 1 821 ) (A Sueca)
-,tm pai intransigente que amaldiçoa sua nange e seu filho. À noite, durante uma tempestade,
filha desonrada pelo homem amado - La Vendetta ou la acreditando matar Thérèse, Walter mata a benfeitora. En-
fiancée corse (1831) (AVendeta, ou a Noiva Corsa), Lisbeth contrando Thérèse e crendo então estar diante da aparição
ou la fille du laboureur (1823) (Lisbeth, ou a Filha do La- daquela que ele julga ser sua vítima, ele revela seu crime e
vrador), Il y a seize ans (1831), um dos maiores sucessos de entrega os papéis que a inocentavam.
público do autor. Nestes dois últimos dramas, observam- Seus últimos melodramas nos mostram heróis impe-
se, além disso, idênticos procedimentos de encenação: uma tuosos e violentos que morrem numa cena final movimen-
tada: os amantes de La Fiancée de Lcimermoor (1828) (A
2. Região do sul da França. Noiva deLqmermoor) perecem afogados num rochedo ba-

74 75
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lis<lnjeador assíduo, seu cortejador infatigável. Todos os seus dra-
tido pelo mar; a jovem recém-casada de LaVendetta é,mofia
rÌìas se passam mais freqüentemente na choupana que no palácio,
por um tiro de fuzil na saída da igreja.
rnais nas estradas que sob o teto domésticol ele usott em suas Peças
Enfim, em TrintaAnos ou aVidade um logador (183I), rurais camisas que fraques, mais chitas que veludos, mais tamancos
um dos maiores sucessos do período ïomântico, interpre- que sapatos. Seu drama cheirava à barricada; podia-se sentir ali a
tado por Frédéric Lemaìtre e M. Dorval,que tinham ali seu Iuta íntima entre o pobre e o rico, entre o forte e o fraco.
primeiro encontro no palco, assiste-se à lenta degradação
do herói, que passa por todos os estágios da decadência hu- Frédéric Soulié ( 1800 -1847)
mana e social.
Observa-se neste drama, tornado magnífico pelo delí- Em sua época, Soulié foi um escritor célebre, admira-
rio verbal e a veemência de Lemaitre, um amontoado caó- do e adulado, que não hesitava em se considerar entre os
tico de cenas e de quadros que transtornam todas as regras maiores. Ele seguiu um itinerário insólito, começando pe-
estabelecidas. A maior parte dos temas anteriormente desen- los palcos oficiais, antes de conhecer uma grande popula-
volvidos pelo autor em suas obras estão aí reunidos: a mulher ridade nos bulevares. Levou também, como muitos de seus
infeliz, vítima de um homem possuído por uma paixão; confrades, uma vida estudantil politicamente agitada, par-
uma tentativa de suicídio; uma criança a procura de seus ticipando de movimentos antimonarquistas e aderindo ao
pais; assassinatos, sendo que um deles com erro de pessoa; carbonarismo. Desistindo de imediato de uma carreira ad-
um cenário final miserável; um desfecho precipitado, com ministrativa, liga-se aos meios literários e mostra uma
abismo e incêndio. Alérn disso, pela primeira vez num admiração ilimitada por Casimir Delavigne. Em 1828 faz
melodrama, a peça apresenta uma espécie de estudo moral uma adaptação de Romeu e ]ulieta,no ano seguinte escleve
e psicológico sobre a paixão do jogo e suas torpezas. O he- Christine à Fontainebleau,drama em versos que fracassa no
rói, no fìnal do drama, é assim descrito: "com a idade de 55 palco do Odéon. Orienta-se então para o jornalismo (le
anos, infeliz, vestido pobremente, envelhecido mais pela Mercure e Le Figaro), colabora em revistas literárias
desgraça que pela própria idade e trazendo em suas feições (La Mode, LeVoleur, La Pandore, Le Corsaire...) e participa
a expressão do desespero junto à tentação do crime". ativamente na Revolução de 1830.
fules |anin foi um dos únicos românticos a mensurar Sua Famille de Lusigny,encenada em 1831, obtém um
a importância desta peça e do teatro deVictor Ducange para relativo sucesso, assim como Clotilde (1832), onde triunfa
o nascimento da estética dramática do romantismo. Nesse Melle Mars. Escreve na mesma época um romance de ter-
sentido, escreveu ele: ror, Les Deux Cadavres (Os Dois Cqdáveres), e funda um
jornal, Napoléon. Seus primeiros ensaios no Bulevar do
Ele anunciou a vinda de Victor Hugo. Ele fez muito mais para Crime,IiHomme àlablouse(1832) e LeRoi de Sicile (1831),
a aceitação do drama moderno do que todos os senhores do cená- não fazem sucesso, mas seus fomances Le Vìcomte de
culo [...]. Ele sabia que o povo não ama nem compreende as longas
Béziers (1834), Le Magnétiseur (1834) (O Magnetizador) e
frases; que odeia os complicados arranjos de paÌavras, e eìe ama um
Le Comte deToulouse ( 1835) dao-lhe uma certa notorieda-
falar claro, breve, brutal, insolente; por isso ele ia direto a seu obje-
tivo, sem perífrases, como um soco. Ele sabia também qtre o mais de que a publicação de Mémoires du Diable (1837 -1838) (Me-
magnífico egoísta no mundo é o povo e ele não falava a seu povo mórias do Diabo) em forma de folhetim, no Journql des débats,
senão das misérias, das virtudes, dos ódios e amores, das crenças e se transformará em um extraordinário sucesso popular. Es-
superstições desse mesmo povo [...]. Ele era o apóstolo do povo, seu tes quadros da vida parisiense nos quais não se encontra

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nada além de roubos, crimes, adultérios e incestos ftzeram rapazes, de maneiras muito elegantes, apaixona-se pol'uma
com que Soulié passasse a ser considerado como um ro- moça de sociedade' Surgem então os preconceitos sociais'
mancista "tão fecundo e ainda mais verdadeiro que M. de Após muitas peripécias que põem em jogo disputas entre
Balzac" (H, Lucas). De 1838 a 1847 ele escreverá então mais rivais, provocàçoes de duelo e roubos de jóias, descobre-se
de vinte lomances sob forma de folhetim em La Presse, Le no fundo falso de uma caixa o segredo dos nascimentos e
Journal des débats e Le Siècle. Soulié esclevia inúmeros de os meios para identificar os dois jovens' O que tinha a apa-
seus romances prevendo, nos cortes e na composição, a rência mais rústica e que havia aceitado seu destino de ope-
adaptação teatral que em geral seguia de perto o final da rário era na realidade Íìlho de um nobre' Decepção para o
publicação nos jolnais. Este procedimento é visível sobre- outro, que vê seus sonhos de matrimônio e suas ambições
tudo em Diane de Chivry (1839), drama tirado de Six mois tornarern-se repentinamente impossíveis' O herdeiro da
de correspondance (Seis Meses de Correspondência), e em Le nobreza finge, então, ter esquecido seu meio: é para melhor
fils de la folle (1839), tirado de Mqìtre d'école (Mestre de preparar a felicidade e reconciliação de todos' A peça se
Escola),ambos representados no Théâtre de la Rennaissan- .rr."rru com este aforismo: "Isto deveria provar-lhes que
ce. No mesmo ano e no mesmo palco Soulié apresentaria não existem duas honras, duas probidades, duas virtudes'
também O Proscrito. São entretanto seus melodramas en- e o que torna virtuoso o homem do povo também torna
cenados no Ambigu que asseguram definitivamente sua nobre o cavalheiro".
reputação no Bulevar do Templo. Encontramos as mesmas preocupações e o mesmo es-
Estas peças, de carpintaria elaborada, freqüentemente pírito em Eulalie Pontois(1843), Les étudiants (1845) (Os
-Estudantes)
e sobretudo em Closerie des Gênets (1846)
(A
muito longas, escritas num estilo tão cuidadoso que parece
hoje em dia verborrágico, apresentavam ora cruéis casos de Fazenda dos Gênets), um dos maiores sucessos do século'
paixão num contexto histórico, ora dramas familiares avi- A peça cujo enredo se passa na Bretanha (com uma pintu-
ra muito precisa do meio camponês bretão) coloca
em cena
vados por conflitos sociais.
À primeira destas linhas de inspiração deve-se a Gaëtqn a honra perdida de uma moça que esconde de sua família o

Il mammone (1842), história de um bandido de bom cora- filho que cria. Devido a vários mal-entendidos, ora se Pen-
que é a
ção, mas infeliz no amor e Les amants de Marcie ( I 8a ) (Os ,u q,r" a culpada é a filha de um militar nobre ora
Amantes de Mqrcie),pinturade uma paixão que leva à mor- filha do camponês' A teação dos pais - cujas famílias se en-
te dos dois amantes no último ato da peça, no qual a he- contram próximas devido a laços de amizade, mas distan-
para
roína envenena a si e a seu amante, revelando-lhe seu ato ciadas por suas posições sociais - é idêntica: clemente
a filha ão outro, violenta e desesperada para a sua própria'
apenas quando já era tarde demais.
chegando ambos a considerar a possibilidade de matar
a
As outras peças rendem tributo às pinturas e às con-
testações sociais próprias da época que precede a revolu- filhã cutpada. Após a morte de Léona, mulher ciumenta e
ção de 1848. Em L'Ouvrier (1840) (O Trabalhador), vê-se fatal que provocara o drama, tudo termina em um genero-
um honesto marceneiro (numa pintura bastante realista da ,o p.iaao e um duplo casamento que despreza as barreiras
oftcina, jâque o próprio Soulié havia sido chefe de uma ser- ,o.iuir.,t réplica de uma infeliz mãe solteira no começo da
raria), que criou duas crianças encontradas num mesmo peça dá o tÀ do conjunto: "Se Deus puder me perdoar de
berço, no campo de batalha. Ele não sabe, entretanto, qual nao ,.. sido uma filha correta, será porque terei sido uma
dos dois é seu filho legítimo.Vinte anos mais tarde, um dos boa mãe".

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Soulié morreu pouco tempo depois deste triunfo e é Írlrrecessário se fazerladrãopara ser rico. É preciso se revoltar aberta-
Hugo quem pronuncia o discurso de adeus sobre sua nrclìte contra a lei e obedecer aPenas ao instinto, como nós, bandi-
rlos, ou ainda melhor,fazer a próprialei servir às suas pilhagens'
como
tumba.
rrussos senadores, é menos corajoso, mas é mais seguro'

Félix Pyat (1810-1889)


Em Ango ( 1835), melodrama histórico ambientado na

Muito jovem, Félix Pyat participa com entusiasmo das ópoca de Francisco I, que rememora as tribulações do céle-
disputas literárias e políticas de seu tempo. Depois de 1g30, bie armador diepense (de Dieppe) exPosto às tribulações e
t\s perseguições do rei' assiste-se a um complô protestante
lança-se com a mesma determinação no jornalismo e cola-
bora em numerosas publicações como Le Charìvari, Le organizado por Marot' Dolet, Calvin e Pare contra um de-
creto real. A censura suprimirá do drama a palavra complô
National, Le Figaro, Le Siècle etc. O estilo de seus artigos,
c as seguintes linhas:
violento, imagético, declamatório, encontra-se, amplifica-
do pela cena, em cada uma das peças que escreve entre 1830
É um complô como nunca se viu, um compÌô gigantesco que
e 1848. Elas são, ao mesmo tempo, petardos lançados em
se ramifica universalmente, incessantemente, que estende seus mi-
nome do povo e dos oprimidos contra o poder dos finan- lhares de braços do norte ao sul, do Ìeste ao ocidente, que ameaça
cistas, dos industriais e da sociedade estabelecida. O impul- todas as nossas instituições ao mesmo tempo ["']' Sim, a anarquia
so de Pyat se distingue entretanto do romantismo, no qual está em seu vértice [...]. O horizonte político e religioso se anuvia
ele só vê fantasias de monarquistas reacionários. Uma de horrivelmente [...] não há mais freio para estes homens Perversos
suas peças, Une Révolution d'autrefois ou les Romains chez que só pensam em transtornos, em desordem, em rebelião'
eux (1832) (Uma Revolução de Outrora, ou os Romanos
Deles),representada no Odéon, será proibida no dia seguin- Ela deixou passar' entretanto' violentos ataques ao Po-
te ao de sua estréia. Os melodramas encenados nos palcos der real, como esta fala de Ango: "Digo que na corte do rei
do bulevar conhecerão melhor sorte. Lá eles encontrarão de França há apenas covardia; digo que os nobres senhores
seu verdadeiro público. Le Brigand et le Philosophe (I$a) que a compõem são uma corja de infames, tendo à frente o
(O Bandido e o Filósofo),por exemplo, exprime desde o pró- mais infame de todos: o rei". Um outro Personagem' Furs-
logo o essencial das idéias socialistas que o autor desenvol- temberg, dirá mais adiante: "Trava-se a luta ["']' O súdito
se revolta, o escravo não lambe a mão que lhe bate, ele
a
verá em longos monólogos vibrantes em cada uma das
peças que se seguirão: morde [...]. Está bem. Cuide-se, rei de França!"'
E estas réplicas ganham ainda mais força quando se
Oscar: Nossa probidade, para nós, está na divisão; a de vocês sabe que Ángo estava em cartaz quando teve lugar no Bule-
está na acumulaçao. Éfácil para os ricos serem probos, seguir as leis var do Crime o atentado de Fieschi3.
que eles instituíram para eles e contra os pobres. Vocês, cuja felici- Os dramas que se seguem recaem sobre a miserabi-
dade está nas rendas, para quem o ouro chega periodicamente, to- lidade e acentuam ainda a violência da sátira social' O ce-
dos os meses, todos os anos, vocês ignoram o qlle um pobre sofre
nário de abertura dos D eux serruriers ( I 84 I ) (Os Dois Serrq-
para ganhar honestamente um floriml...]. Há vinte anos saí das es-
colas onde eu tinha aprendido e comentado esta bela teoria: todos os
cidadãos são iguais perante a lei! Mas na prática, que mentira! [...]. 3. Atentado organizado pelo francês de origem corsa Joseph
qual foi morto
Fieschi, contra o rei Luis Felipe, em 28 de julho de 1835, no
Que fazer então numa sociedade que Ìhe rouba porque você é pobre? o Marechal Mortier.

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r
Iheiros) representa, assim, "uma miserável mansarda sem rcito ao trabalho! Eis os espetáculos que Provocaram todos esses

móveis, sem fogo, quase sem luz. O vento e a chuva preci- óclios pavorosos, esses ferozes instintos de vinganças insaciáveis, cuja
menor explosão transformou-se, hoje, no terror do gênero huma-
pitam-se pelos vidros quebrados da janela". Vê-se ali "um
no! Não, não foi o senhor Proudhon e sua famosa fórmula' da qual
velho moribundo, com as pernas enfiadas numa coberta nunca tínhamos ouvido falar antes de 1 848; não, não foram os filó-
usada, sentado num resto de poltrona", que dirá em certo soíos fazedores delivros e declamadores in-32s que disseminaram a
momento: "Não há remédio para quarenta anos de misé- corrupção e a cólera nessas almas dóceis a todas as impressões' fo-
ria [...] é o câncer incurável do qual morro". ram os dramas e os maus melodramas, foi a coisa colocada em car-
A peça desenvolve o tema do conflito entre a pobrezae Ìre e osso; a coisa em ação, mal vestida de alguns farrapos e sofrendo
afome, ofrio,o inverno, a injustiça,o horror, o cârceree o carrasco!
a desonra: ou tornar-se rico aceitando ser criminoso ou ser
honesto, mas permanecer pobre. Assim, os pobres que de-
Depois destes movimentados episódios, Pyat só escre-
cidiram guardar intacta sua honra, são enganados por ar-
veu, para o teatro, L'Homme depeine (1S85) (O Homem da
rivistas ambiciosos ou tornam-se alvo da opressão e da
Punição),e consagrou-se inteiramente a uma vida política
crueldade dos ricos. Depois de ter sofrido inúmeras humi-
agitada, na qual constaram exílio, eleições para deputado e
lhações, eles reencontram entretanto, na última cena, a ri-
prisão.
queza e os direitos que lhes haviam sido usurpados.
Le Chiffonier de Pqri* (1847) retoma e amplifica esta
temática, Frédéric Lemaitre, que interpretou Jean, o trapei- |oseph Bouchardy ( 18 10- 1870)

ro, deu uma dimensão magistral às diatribes lançadas con-


Gravador de renome, inventor de um pantógrafo par-
tra os ricos: "Vocês têm tudo enfim[...] e nós não temos
ticular, o physionotype, ele freqüenta o círculo de Pétrus
nada![...]. E vocês têm ainda necessidade disto que nos resta,
Borel e se consagra então à escrita dramática. Gaspardo le
de nosso solitário e único bem, nossa honra! Diminuam o
pêcheuf (1837),que o torna imediatamente célebre distin-
apetite, por favor! Nós é que não vamos engolir!". Estas fra-
gue-se de outras produções melodramáticas da época por
ses eram declamadas algumas semanas antes da Revolução
uma organizada complicação da intriga, uma superabun-
de 1848. O drama de Pyat encontrou-se, assim, ligado aos
dância de efeitos e de "golpes de teatro" meticulosamente
eventos de fevereiro. Alguns pensariam mesmo que ele os
arranjados que não deixam, em nenhum momento, cair o
teriam provocado. É certamente ir muito longe. Um sinal
interesse do espectador. Théophile Gautier descreveria bas-
entretanto não deixa engano: uma representação gratuita
tante bem esta técnica dramática:
do Trapeiro foi realizada em 26 de fevereiro. Neste dia, Le-
maitre, carregando na interpretação do papel, provocou o
Cada ato é uma peça inteira, e uma Peça bem complicada; e
frenesi da platéia e obteve um dos mais belos triunfos de são necessárias a robusta atenção e a ardente ingenuidade do pú-
sua carreira. Alguns anos mais tarde, a propósito destes
acontecimentos, J. ]anin, acerbo, escreveria: 5. Antiga nomenclatura dada a livros, baseada no formato definido
apartir dos nímero de dobras dafolha inteira' Conforme o formato mo-
E então! de todos estes maus melodramas vocês podem dizer: dãrno o in-32 possui 10 cm de altura' Cf. entre outras,Wilson Martins' Á
Palavra Escrità, Hìstória do Livro, da Imprensa e da Biblioteca' São Paulo,
"Eis o berço dos socialistas!" Eis aí, eis aí o ponto de partida do di-
Atica,200l, p.120.
6. Enáenada no Brasil com o título Gaspardo, o Pescador de

4. Encenada no Brasil com o título O Trapeiro de Paris. Placência.

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r
blico para não se perder o fio que conduz os heróis através de se- EIa era bela, ela tinha trinta e quatÍo anos e eu dezesseis; eu a
melhante labirinto de acontecimentos. Nunca antes as preparações lrì'Ìava; seu irmão morreu; Deus tenha sua alma! Eu estava louco;
e os motivos haviam sido tão desdenhados: a situação exige que um n.ras o destino... - Fatal destino! - Destino fataÌ... Nenhr'rma palavra

personagem apareça, ele apresenta-se em carnpo sem dizer nem de a mais; observam-nos (a orquestra: vling vlang taratat puf) etc'
onde vem nem como chegou, resolve a dificuÌdade e se vai, até que
se precise novamente deie, e suas entradas assim bruscas, sem outra Bouchardy distinguia-se, ainda, numa época em que a
motivação que o desejo do público de ver chegar o personagem escrita em colaboração era quase uma instituição, por uma
necessário, são sempre aceitas e aplaudidas ao exagero.
prática estritamente solitária de criação dramática. As pe-
ças que escreveu entre 1840 e 1850:
Pâris Le Bohémien
Le Sonneur de Saint-Pquf (1838), que explora e ampli- (18a2); Les Enfants trouvés (1843) (Os Enjeitados); Les Or-
fica os mesmos procedimentos, dá ao autor toda a sua no- (Os Anvers); La croix de
phetins d'Anvers (1844) Órfãos de
toriedade. Este drama poderia parecer, hoje em dia, como
Saint-Jacque.ç ( 1849) (A Cruz de São Jacques), que introdu-
uma exploração dos limites da escrita melodramática. Com
ziu o magnetismo no drama; e lean, le cocher (1852) (lean,
efeito, emana dessa implacável e necessáïia lógica, regida
o Cocheiro),ainda que explorando o mesmo veio e as mes-
por suas próprias leis e impedindo qualquer recuo do pen-
mas técnicas, jamais se igualaram as suas primeiras obras
samento, uma poesia dramática insólita e inquietante onde
mestras.
a sinceridade do delírio garante, apesar de tudo, a adesão
Depois de 1850, Bouchardy, que havia sido apelidado
da platéia. Sarcey notaria muito justamente, a propósito
Ceur de salpêtre (Coração de Salitre),viveu uma semi-re-
disto, que o melodrama de Bouchardy era "primo do vau-
clusão; seus últimos melodramas, Le Secret des cqvaliers
devile", afirmando que"tanto em um como no outro se ne- (1S57) (O Segredo dos Cavaleiros) e Michaëll'Esclave(1859)
gligencia o estudo de caracteres e as análises da paixão; (Michel, o Escravo),não mais conseguiram despertar o en-
ocupa-se ali particularmente com os fatos, chocando-os uns
tusiasmo de um público que havia, então, mudado de alma'
contra os outros e dirigindo seus saltos de forma que eles
criem as situações dramáticas". Da mesma forma irônica
Adolphe Dennery (181 l- 1899)
escreyeria um cronista teatral após uma reprise de O Sinei-
ro de São Paulo, em I862:"Para este tipo de drama, o su-
Auxiliar de cartório que inicialmente tenta a pintura e
cesso, quando ele o obtêm, é duplo: é necessário, com efeito,
depois o jornalismo, Dennery encontra sua exPressão no
vê-lo ao menos duas vezes: a primeira para ali se perder; a
tealro, criando aí um novo tipo de autor dramático, aquele
segunda para se reencontrar".
ao qual os críticos da época chamariam com desprezo de
Era certamente fácil parodiar o estilo de escrita arque-
"o carpinteirot' ou "o carcaceiro". Dennery imaginava so-
jante e alusivo que acompanha as peripécias e deixa ao ator,
bretudo situações interessantes, construía, com minúcia, as
à música e à encenação a melhor parte. Um vaudevilis-
complicações de uma intriga sempre bem elaborada e dei-
ta, à saída de uma reprise de Lazare le pâtrê (1840), melo-
xava a seus colaboradores (entre eles Labiche, A. Dumas fi-
drama inúmeras vezes representado durante todo o século
lho e Júlio Verne), o cuidado de polir os diálogos e o estilo'
XIX observaria o seguinte: Dennery "carpintou" assim mais de 250 peças das quais
muitas alcançaram memoráveis sucessos Populares e foram
7. Encenada no Brasil com o títuloO Sineiro de Sõo Paulo. diversas vezes a salvação de diretores sem dinheiro' A pro-
8. Também encenada no Brasil, com o título Lazaro, o Pastor. pósito de seu primeiro grande sucesso' I4 Grâce de Dieu ou

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la nouyelle Fanchone (1841), Dennery, dando a chave do c.sfaimados amanhã; prontos aviver honestamente, se puderem, ou
conjunto de suas criações, declararia; "No melodrama, o cle qualquer outro modo, se não o conseguirem.
acento de sinceridade tudo supre e nada o substitui':
A peça, que começa pela pintura da miséria campone- La Dame de Saint-Tïopezto (1844), peça na qual Frédéric
sa na Savóia, mostra as tribulações de uma jovem, Maria, Lemaitre brilhou no papel de Georges, retomava as mesmas
que juntamente a muitas outras, deixa a montanha para obsessões, acrescidas desta vez de violentas reivindicações
tentar fortuna em Paris, onde é perseguida pelo assédio de sociais. Elas deixavam transparecer a ambição das novas
um perverso comendador. Depois da miséria do chalé, a camadas da população que buscava heróis na medida de
miséria da mansarda; assiste-se, assim, aos dramas e tor- seus sonhos: desbravadores, inventores, grandes militares
pezas dos camponeses desenraizados, na capital. Maria ou capitães de indústria. O teor de algumas falas já anun-
torna-se tocadora de sanfona no Bulevar do Templo. Ela é cia o Maitre de Forges:
seqüestrada pelo comendador, mas André, um fidalgo de
sua região que lhe havia escondido sua nobre za, salva-a e a Filho do povo, tive para lutar contra o infortúnio, aforça e a
abriga em sua casa. Na Savóia, entretanto, murmura-se so- energia do povo. Repelido, por meu nascimento, de todos os cami-
bre Maria; seu pai vem procurá-la; ela lhe dá uma esmola nhos que levam à fortuna, pedi ao oceano o que a terra me recusa-
sem reconhecê-lo. Sucumbindo a uma chantagem, André, va. Simples marinheiro de um navio do Estado, entendi que jamais
as dragonas de oficial cobririam meus ombros plebeus. Eu era bra-
a quem ela ama, é obrigado a casar-se com uma mulher de
vo,jovem e forte; nós estávamos em guerra contra os ingleses. Com
sua condição. Maria então fica louca e só recobra a razão
a ajuda de alguns amigos equipei um barco, que logo troquei por
quando volta à terra natal onde a esperam sua mãe, um um navio tomado em abordagem. Persegui, até em suas possessões
bravo rapaz e numerosos amigos que haviam todos envia- das Índias, os eternos inimigos da França [...]. Cobri minha embar-
do aos céus fervorosas preces pela cura da infeliz. cação de seu sangue e de seu ouro [...]. Durante dez anos fui corsá-
Este itinerário iniciático partindo do espaço da inocên- rio, trazendo alto e bem conservado meu pavilhão. Ao fim, o
cia (o campo) e indo para o espaço do vício e da depravação Ministro da Marinha me ofereceu um comando: recusei e continuei
(Paris e seus labirintos) será novamente seguido pelos heróis sendo o que era, o homem de minhas obras. O Ministro só me teria
feito capitão de navio, mas sou almirante, ou mesmo rei, em Saint-
dos dramas seguintes, em particular pelos de Bohémiens de
Tropez, meu lugar, que me viu pobre e que ficou rico comigo; pois
Paris (1843), na qual se encontra uma série de tipos carica-
esta fortuna obtida ao preço de meu sangue servin para distribuir
turais do bas-fonds (escória) da capital, como Crèveccur, trabalho e bem-estar em toda uma província. Graças a mim, mil e
Chalumeau, Poplard e Bagnolet.Tiambém nesta peça encon- duzentos trabalhadores têm seu pão a cada dia. Eis aí [...], Conde,
tra-se uma soberba definição do termo bohémien (boêmio): meus títulos de nobreza. Por mais antigos que sejam os seus, não os
creio melhores que os meus. (Novo silêncio) Senhor Conde, peço a
Entendo por boêmios esta classe de indivíduos cuja existência mão da Srta. de Auterive,
é um problema, a condição um mito, a fortuna um enigma, que
não têm nenhum domicílio estável, nenhum asilo conhecido, que não
Estas novas reivindicações sociais encontrariam a ple-
se acham em parte alguma e são encontrados por toda parte! que
nitude de sua expressão am Marie-Jeanne ou la Femme du
não têm um estado único e exercem cinqüenta profissões; dos quais
a maior parte desperta sem saber onde vai jantar à noite; ricos hoje,
peuple ( 1 845 ) ( Mar ie-Jeanne, o u a MuIh er d o P ov o ), um dos

9, Encenada no Brasil com o título A Graça de Deus.


10. Encenada no Brasil com o titulo A Dama de Saínt-Tropez.

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Ion ia que chega às vezes ao
ridículo. Mas o grito da mãe"Meu filho!
papéis no qual Marie Dorval mostrou toda a medida de seu
Mcu filho!"está sempre no ponto. Não precisa mais do que isso para
talento. |ules Lemaitre, por ocasião de uma reprise, em 1890,
nìcxer com todos os corações.
de Marie-leanne, analisou bastante bem o conteúdo deste
tipo de melodrama:
Sarcey continua, mostrando clar.amente como estes
dramas de antes de 1848 já deixavam entrever uma estética
Eu calculo que este gênero humilde e poderoso tem três pro-
realista e naturalista;
priedades fundamentais pois, inicialmente, ele excita em nós o as;
sombro e a mais grosseira, mas também, a mais imperiosa curiosi-
dade, por combinações extraordinárias de acontecimentos. Ele Olhando por um outro ponto de vista, Marie-Jeannepodería
empresta ainda uma surpreendente inteligência ao Acaso, este "deus passar por uma peça naturalista, no sentido que se dá a esta palavra

desconhecido", este deus de todo mundo, no fundo o primeiro dos atualmente. Encontra-se ali esta pintura exata de costumes popu-
deuses e o único diante do qual não há um ateu. Em seguida, ele lares que tanto prazer deu às platéias em L'Asnmmoir [...]. O toque

nos envolve peìo espetáculo de sofrimentos muito violentos e pou- de Dennery é tão preciso e tão vivo quanto o de Znla...
co complicados, e finalmente ele contenta, sempre e plenamente,
nossa ingênua necessidade de justiça distributiva e, batizando du- A perda do filho amado que é encontrado no fim do
rante Llma hora o Acaso de Providência, acaricia um de nossos de- drama é uma das constantes das peças de Dennery; ele é tido
sejos mais honrosos e mais difíceis de morrer. assim como o inventor da"crvzde minha mãe". Mas o que
sobretudo caracterizava seus melodramas era uma grande
Neste drama, Marie-Jeanne, honesta costureirinha, exigência com relação à encenação e uma escolha sempre
economizou durante dez anos para poder casar-se com o judiciosa dos atores que utilizava.
homem que ama, um pândego que dilapida rapidamente Depois de 1848, ele colaborou com júlioVerne em inú-
este pecúlio. Reduzida à miséria, ela primeiro entrega seu meros dramas espetaculares, escfeveu ainda muitos melo-
filho para ser cliado por uma ama e depois ao asilo de en- dramas de sucesso e teve um extraordinário momento de
jeitados. Ela deixa junto a ele, para reconhecê-lo mais tar- glória com Les Deux orphelines ( 1874) I . O sucesso foi tao
'
de, seu anel de casamento. O menino é roubado por um grande que ele se decidiu, no fim da vida, a escrever roman-
malévolo médico que o usa para substituir o filho morto ces de folhetim que retomavam as intrigas de suas peças Ás
de uma rica jovem, Sophie, que, por amizade, acaba de Duas Ôrfãs (18S8), A Graça de Deus (1889), Marie-Jeanne
empregar Marie-Jeanne. Esta então reconhece seu filho na (1893), seguindo assim um itinerário de escrita inabitual.
criança de Sophie. Crêem-na louca. Depois de muitos
termina por reaver seu filho e a felicidade.
reveses, ela
Auguste Anicet-Bourgeois (1806-1871)
Marie Laurent, que viria a interpretar o mesmo papel
de Marie Dorval, escreveu-lhe pedindo conselhos, "O pu- Muito cedo, com a idade de vinte anos, Anicet-Bour-
pel tem seiscentas linhas de interpretação, respondeu Dor'- geois impôs-se como um mestre do melodrama e, com
val, pois ele tem seiscentos efeitos diferentes". A respeito Dennery, como o "carpinteiro" mais hábil e mais inventi-
disso, Sarcey judiciosamente escreveria: vo. O filho de Masson, um dos mais próximos colabora-

Não há em Marie-Ieanne grandes compÌicações de aconteci-


mentos, e os qLle o autor escolheu são de uma inverossimilhança e ll. Ver infra, p. 97. Encenada no Brasil com o título As Duas
de uma tolice raras. O estilo é dos mais medíocres, e de uma rnono-
Õrfas

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dores de Anicet-Bourgeois, confiaria a Sarcey no fìm do sobretudo, La Fille du portier (1527) (A Filha do Porteiro),
século, a respeito das Orphelins du pont Notre-Dame (As que introduz no gênero um novo tipo, que entrar'á na
Órfas da Ponte Notre-Dame) (1849): moda: o jovem advogado defensor dos pobres e dos opri-
midos que, na peça, condena seu próprio irmão sem saber;
Naquela época, levava-se todo um ano de trabalho a dois, e que La Nonne sanglante (1835) (A Freira Sanguinória), peça que
trabalhol ardente e prolongado, para combinar os múltiplos Íìos de
rende tributo à moda de um romantismo de catacumba,
uma ação que era conduzida através de peripécias habilmente or-
selvagem e turbulento; Le Drapier des Halles (1837) (O
ganizadas até o desfecho. Nada era improvisado nem deixado ao
acaso. O senhor não imagina o cuidado meticuloso com o qual fo- Mercador de Panos de Halles), onde se vê uma jovem dila-
ram ajustadas todas as peças desta intriga que lhe parece agora tão cerada entre a afeição que sente por seu tutor e o amor que
ingênua e tão infantil. aliga a um pai ingrato; Le Docteur Noir (1546) (O Doutor
Sombrio), que põe em cena um outro novo tipo melodra-
Como "carpinteiro",Anicet-Bourgeois colaborou tam- mático, o do jovem e inteligente médico que se devota aos
bém com Ducange, com Pixerécourt (Latude),comDumas, pobres. Neste drama, entretanto, o médico é negro e ama
em alguns de seus romances e nas peças Térésa, Angèle, uma mulher branca sendo por ela correspondido. A peça
Catherine Howard e Calígula e com Labiche, em diversas vale sobretudo por uma soberba cena romântica na qual os
comédias. Ele se especializou também no r€corte e encena- amantes, cercados pela maré em fiiria, acreditam morrer;
ção de lomances de folhetim: com Paul Féval ele adaptou esta situação desesperada impele o médico a declarar seu
Le Bossu (1862) (O Corcundal e com Ponson du Terrail, amor. Eles serão salvos. As complicações sociais começarão
Rocambole (1864). então, com um casamento secreto, um retorno a França e a
Sua inspiração muito rica e diversificada (escreveu mais posição insustentável do jovem, que se torna empregado da
de trezentas peças) levou-o a compor dramas fantásticos, família. Ele será finalmente encarcerado na Bastilha. Assis-
como les Pilules du Diable (1839) (As Pílulas do Diabo); tir-se-á então à queda da Bastilha, vista do interior de uma
peças tiradas da história contemporânea, como Les Fugi-
cela, e à morte, por devotamento, do jovem médico que se
t /s ( 1 858) (Os Fugitivos), que narra um episódio da Revol-
atira na frente de uma bala para salvar uma mulher.
ta das Índias; dramas militares, como Marceau ou les en- Pode-se notar, nessa época, uma ressurgência dos dra-
fan* de la Republique (18a8) (Marceau, ou os Infantes da mas que evocavam problemas raciais, nos moldes de le
República) ouLeMaréchalNey (19a8); e dramas cujo tema
Marché de Saint-Pierre (1839) (A Feira de Saint-Pierre), de
falava sobre causas judiciárias célebres, como Mqdemoise-
B, Antier e A. de Comberousse, que alguns anos antes já
lle de In Taille 08a3). Triunfou em todos os gêneros me-
havia desenvolüdo o mesmo tema.
lodramáticos e particularmente naquele que se chamalia à
Outros dramas do período a serem assinalados são Les
época "peças de lenços", Quanto a isso, o jornal La Presse
ÌvIystères du carnaval ( 1847) (Os Mistérios do Carnaval), que
théâtrale, de l8 de maio de 1856, constataria: "Deus é grande
naÍra um inquérito policial com uma encenação plena de
e Dennery e Anicet-Bourgeois são seus profetas'Ì
bons achados e sobressaltos e les Sept péchés capitauxt2
Adotando sempre os assuntos e intrigas das diferentes
( 1848), peça composta com Dennery, na qual os principais
modas seguidas pelo melodrama, Anicet-Bourgeois conhe-
ceu durante cinqüenta anos uma seqüência ininterrupta de
sucessos. Da época rcmântica do melodrama, distinguem-se, 12, Encenada no Brasil com o título Os Sete Pe cados Capitais.

90 91
t-

personagens representam, cada um, um vício e na qual a Entre os numerosos autoÍes de melodramas desta épo-
onomástica tem um papel importante. ca, conyiria distinguir ainda Dugué que' antes de tornar-se
Depois da Revolução de 1 848, dentro do novo tom dos o fiel colaborador de Dennery e de Anicet-Bourgeois havia
dramas de bulevarr3, a lista de sucessos obtidos por Anicet- cscr'ito dramas em versos paÍa o Odéon, como Castille et
Bourgeois continua ainda impressionante, são encenadas Léon (1838) e Les Pharaons (1848) (Os Faraós); Dupeuty e
entre outras: La Mendiante (1852) (A Mendicante), La Grangé "confeccionadores no feitio do Bulevar do Cri-
Dqme de Ia Halle (1852) (A Dama ào Mercado), IlAteugle me" que, com Fualdès (1848), conheceram um sucesso bri-
(1857) (O Cego), La Fille des chiffonniers (1861) (A Filha lhante e durável, devido também ao talento de Marie Lau-
do Camponês), Les Pirates de la Savane (1859) (Os Piratas rent; e finalmente Eugène Sue, que escreveu Les Pontons
do Savana), La Bouquetière des Innocents (1562) (A Floris- (1841) (As Embarcações) e Pierre Ie Noir ou les chauffeurs
ta dos Inocentes) e La Fille du paysan (1862) (A Filha do (1542) (Pierre, o Negro ou Os Chauffeurs), com Dinaux,
Trapeiro), escrita com Dennery. Mathilde (1842), com Félix Pyat, e Le Morne au Diable
Sobre o túmulo de Anicet-Bourgeois, E. Arago, que ( 1 848) (O Morro do Diab o). Sue adaptou para o palco, além

com Dumas filho pronunciou um discurso de adeus, assi- disso, com diversos colaboradores, seus principais roman-
nalou a tentativa do autor de construir pouco a pouco dra- ces: Les Mystères de Parista (1844), Martin et Bamboche
mas que procuravam se libertar da desordem sentimental ( 1 847), tirado de seu romance Martin l' enfant tro uv é (Mar-

da linguagem em proveito do ritmo, da originalidade e do tin, o Enjeitado),e Le juiferrant(1849) (O JudeuErrante).


patético das situações. Disse ele: Não se poderia terminar esta revisão dos principais
autores de melodramas sem indagar sobre o pertencimento
Quando o seguimos obra por obra, vemo-lo pouco a pouco do teatro de Hugo, Dumas pai e Merimée ao mundo do
repudiar os golpes de teatro extÍavagantes, abrandar os exageros do melodrama.
sentimento, renunciar ao pathos da linguagem [...]. Tornando-se
Hugo, muito marcado em sua juventude Por uma re-
assim mais razoáxel, na essência e na forma, sua arte de emocionar
presentação de Ruines de Babylone,iniciou sua carreira dra-
não perdeu nada; ao contrário, ele emprestou um vigor incomum à
maior simplicidade de meios, à veracidade das emoções e à clareza mática com um melodrama: Inez de Castro (1819). Por
do pensamento escrito. outro lado, os dramas da maturidade' quando não eram re-
alçados pelo lirismo, pareciam já, aos olhos da crítica da
É verdade que osmelodramas de Anicet-Bourgeois, ca- ép oca,como simples melodramas.
tólico convicto, procuraram pouco a pouco, como os de
Dennery, temperar os exageros. Como dizia um de seus co- É evidente que ele não teve outro ensejo que o de escrever um
curioso melodrama (escreveria LeTemps,em 4 de fevereiro de 1833,
laboradores, Lemoine-Montigny,
a propósito d,e LucrèceBorgia). O objetivo foi alcançado, ele ultra-
passou em sete otl oito cadáveres e igualmente em incestos La Tour
Eles representam sobretudo a escoÌa do drama interessante e
de Nesle.
principalmente enternecedor, do drama íntimo, geralmente mora-
lizador, quase sempre observador e atual, democrático, no born sen-
tido do termo, sabendo fazer chorar a multidão, mesmo não lhe Os dramas de Dumas, sob muitos aspectos, parecem
disfarçando seus piores aspectos. também bastante próximos do canevas (estrutura) do me-

I 3. Ver capítulo "O Melodrama Diversifi ca do ( I 8 14- t9 l4)'i 14. Encenado no Brasil com o tílllo Os Mistérìos de Paris.

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l-
lodrama, La Tour de Nesle (1832) e Richard Darlington
(1831)15 em particular, mas sobretudo as dezenas de dra-
mas que Dumas escreveu às pressas com seus colaborado-
res para os palcos do bulevar,
Quanto a Merimée, desde 1825, com as peças do Théâtre
de Clara Gazul, particularmente Les Espagnols en Danemark
(Os Espanhóis na Dinamarca) e La Famille de Carvajal ele
jâhaviadado carta de nobreza ao melodrama.
A poética explosiva e confusa do melodrama român-
tico, não sendo tão estritamente codificada como a do me-
lodrama clássico, torna difíceis as classificações rigorosas.
São tão somente os critérios ditos "literários" que permi-
tem distinguir entre drama e melodrama, mas de um pon-
to de vista estritamente teatral é indubitável que os dramas
de Hugo e Dumas têm alguma ligação com a estética de
Dennery, de Ducange ou de Anicet-Bourgeois.

o MELODRAMA DIVERSIFICADO ( 1848- 19 14)

O advento do Segundo Impérior vai novamente modificar


o espírito e as técnicas do melodrama. O rigor e a censura
do novo regime impõem-se imediatamente e calam as opi-
niões mais contestatórias: Richard Darlington, Ilauberge des
Adrets, Robert Macaire, Ruy Blas, Le chffinier de Paris são
proibidas. No mesmo momento, entretanto, o público ele-
gante, os intelectuais, os boêmios reencontram o caminho
do Bulevar do Templo que, depois de ter sido, de 1848 a
1851, um campo de batalha, volta a ser o lugar da moda,
onde se misturam todas as classes sociais.
Quanto ao melodrama propriamente dito, começa a
sofrer a concorrência de outros gêneros como o vaudevile,

1. Denominação dada ao período de governo de Napoleão III ( 1852-


r870).

15. Ambos encenados no Brasil, o primeiro com o título Á Tone de


Nes/e e o segundo sem alteração do título. FìsionomiasdoPúblin.

95
94
r
nascido na mesma época que ele, e que encontra na nova tando o acesso das gentes da província aos espetáculos da
mentalidade coletiva as condições ideais para seu pleno capital e possibilitando, além disso, as turnês nacionais e
desenvolvimento, fazendo muito sucessol e a opereta, que i nternacionais que levaram os espetáculos melodramáticos

em pouco tempo, contando com os talentos conjugados de para fora das fronteiras de Paris e da França.
H. Schneider e de Offenbach, suscitará os entusiasmos mais Poderíamos distinguir; grosso modo, dois grandes mo-
extremos, para desespelo deZola,que escreveria, em 1868: mentos na histólia do melodrama desta época: até 1862,
"a literatura dramática agoniza nos duos das operetas e nas ano quevê o triunfo do Bossu,de Paul Féval, o melodrama
coplas dos cafes- concerto'l fiaz muito sucesso; após este evento, observa-se uma clara

Para seduzir este público renovado, enriquecido pela insatisfação com relação a ele (o considerável sucesso de
prosperidade circundante e que era sobretudo sensível ao Patrie,de Sardou, em 1869, parece um fenômeno isolado),
charme e às emoções do espetacular, os melodramaturgos devido a diversos fatores: as grandes obras que Hausçmann
(entre eles Dennery e Anicet-Bourgeois, mestres da época inicia então, e que modificariam consideravelmente a to-
pografia dos bulevares; e além disso, a Exposição de 1867,
plecedente) adaptaram os estereótipos do gênero às exigên-
Hortense Schneider, a opereta e os cafés-concerto que du-
cias do momento e aumentaram, ainda, o número de qua-
rante alguns anos"roubam" do melodrama numerosos es-
dros, em razão da divisão das intrigas dos romances
pectadores. O gênero continua entretanto a ser encenado,
de folhetim. Esta dependência ante o romance (o drama,
sem todavia suscitar grandes entusiasmos.
segundo Sarcey, transformara-se na "quintessência do ro-
Durante a guerra de 1870, os foyers dos teatros ser-
mance-folhetim") teve por conseqüência direta o aumen-
viam de enfermaria, mas as peças continuavam a ser en-
to considerável do número de personagens nas peças,
cenadas. Em 1871, o teatro da Porte de Saint-Martin
fenômeno que toca também o vaudevile, intensifica-se com
foi destruído por incendiários. A sala de espetáculos foi
o passar dos anos e chegará ao ápice no fim do século, com
reconstruída em 1873 e Dennery traz-lhe novamente os
os vaudeviles de Feydeau e os melodramas de Ponson du espectadores com Ás Duas Ôrfas (1874). O extraordinário
Terrail, de Xavier de Montépin e de Pierre Decourcelle. Para
sucesso da peça relança a voga do melodrama até aproxi-
enriquecer também o aspecto "ocular" desses melodramas, madamente os anos 1890, quando passa a ser o veículo
e concorrer em melhores condições com os outros gêneros,
privilegiado das idéias socialistas, antes de tornar a cair em
adicionou-se a eles ainda, como nos "velhos e bons tempos", relativo esquecimento durante os primeiros anos do sécu-
balés e coplas cantadas. A encenação, contando com novas lo XX. Neste momento, os melodramas patrióticos e na-
técnicas, iria popularizar os melodramas de "truque", nos cionalistas que precedem a guerra devolvem durante algum
quais a própria intliga se organizava em torno de inovações tempo, a um gênero que se estiolava na repetição constan-
técnicas espetaculares e originais. Viu-se, assim, pouco a te de procedimentos, um renovado vigor.
pouco, aparecerem nos melodramas as últimas invencio- O melodrama acompanhou, portanto, nesta segunda
nices da ciência (o magnetismo e o hipnotismo tivetam metade do século XIX, todos os movimentos teatrais da
uma bela carreira nos bulevares), mas também, por exem- época, sem se modificar prcfundamente. Mesmo preservan-
plo, as novas formas de transporte, particularmente o trem do seus estereótipos, ele se diversificará, entretanto, aPre-
e o barco a vapor. Por outro lado, estes mesmos transpor- sentando peças que, dependendo do caso, sublinhavam
tes modernos modificariam a vida dos espectadoles facili- particularmente um de seus componentes tradicionais.

96 97
t'
Podemos distinguir, neste fim de século, quatro grandes lcbrarão a política militar de Napoleão III. Em 1854, no
inspirações melodramáticas: o melodrama militar, patrió-
rììomento da guerra da Criméia, foram levadas à cena
tico e histórico; o melodrama de costumes e naturalista; o l,'armée d'Orient (O Exército do Oriente), de Albert e Lus-
melodrama de aventuras e de exploração; o melodrama tières e Schamyl, de Meurice, na qual se via a armada fran-
policial e judiciário. ccsa ser acolhida na Rússia por estas palavras: "Sejam
bcnvindos, soldados do pensamento, eu os esperava! Há
vinte anos que eu mantenho a chama com a qual vocês
O Melodrama Militar, Patriótico e Histórico provocarão o incêndio. Sejam benvindos. O Oriente dá a
mão ao Ocidente para esta guerra dos povos".
As guerras do Segundo Império e a retomada da expan-
Em 1855, durante a Exposição Internacional, inúme-
são colonial favorecerão o melodrama militar, as paradas e
las peças contarão, em quadros grandiosos e suntuosos, a
as cavalgadas que haviam obtido tanto sucesso no Circo
história da França e de sua capital, como por exemplo Pa-
Olímpico sob o Primeiro Império. Entre os dias revolu- ris em 26 quadros de Meurice, ou ainda em L'Histoire de
cionários de 1848 e o golpe de Estado de2 de dezembro2, a Paris,de Barrière e De Kock. Em 1858, os mesmos autores
incerteza política reinante viu nascerem dramas de tendên- escreverão Les Grands Siècles (Os Grandes Séculos), espetá-
cias políticas as mais diferentes.Assim, em Chodruc-Duclos culo que se encerrava com uma copla que glorifica o Impe-
(1850), de Royer,Vaez e Delaporte, assiste-se à preparação rador, após a vitória de Sebastopol. No mesmo espírito,
de uma conspiração realista contra Napoleão l, e Le Comte Woestyn, Crémieux e Bourget compõem La Voie sacrée ou
de S ainte- H éIène (1849), de Desnoyer e Nus já havia colo cado
les Etapes de Ia gloire (1859) (AVia Sagrada, ou as Etapas
em cena os episódios de lutas entre bonapartistas e realis- da Glórin),retraçando episódios da campanha da ltália. É
tas, sob o Diretório. Voltam também à moda algumas das nesta mesma época que se vê reaparecercm nos melodra-
grandes figuras militares do Primeiro Império, como le
mas os personagens dos velhos militares orgulhosos e res-
Maréchal Ne7 (1848), de Dupeuty, Anicet-Bourgeois e mungões, minuciosamente ocupados com sua honra e com
Dennery, enquanto Marceau ou les Enfants de la Républi- a honra da pátria. O mais célebre neste estilo foí Le Vieux
que (1848), de Anicet-Bourgeois e Masson, por sua vez, Caporal (1353)3 (OVelho Cabo), de Dumanoir e Dennery,
exaltava as virtudes da República. Esta última peça teve magistralmente interpretado por Frédéric Lemaltre.
inclusive um grande sucesso antes de ser proibida com a O desastre de 18704, humilhando o amor próprio na-
proclamação do Império. cional que havia sido exaltado pelo extraordinário sucesso
No final do mês de dezembro de 1851, Labrousse es- de Patrigde Sardou, dará entretanto um renovado vigor a
treava um Bonaparte en Egypte, em honra e glória do bo- este gênero de peças. A retomada da expansão colonial pro-
napartismo, à qual seguiu-se, em 1852, La Prise de Caprée vocará os mesmos efeitos. Poderíamos ressaltar, nesta
ou les Français à Naples (A Tomada de Capri, ou os France-
abundante produção, Le Régiment (1890) (O Regimento),
ses em Nópoles). Uma série de melodramas, freqüentemente
drama de f. Mary e Grisier, no qual se escovavam cavalos
encenados no Théâtre Imperial du Cirque, sustentarão e ce-
3. Encenado no Brasil com o títu lo O Velho Cabo da Esquadra.
4. Rendição de Napoleão III em Sedan, que deslancha uma série de
2. Golpe de Estado de Luis Napoleão, que, entre outras medidas, dis-
eventos, culminando com a invasão da Flança e a tomada de Paris pela
solve a Assembléia Legislativa.
Prússia, nos quais o orgulho nacionaÌ francês é gravemente abalado.

98 99
r
em cena; Les Volontiers de la Loire (1S90) (Os Voluntários tnelha); P. Meurice, com Fanfan laTulipe (1858); P. Faucher,
da Loire),de Meynet; Au Dahomey (1g92), de O, François, com Maurice de Saxe ( 1 859), cujo último quadro reprodu-
E. Gugenheim e G. Le Faure; Sabre au clair (1g94), de!. zïaatela de Horace Vernet em Versailles; Anicet-Bourgeois
Mary; Papa la vertu ( 1898) (papai e a Virtude), de Decour_ c J. Barbier com La sorcière ou Les Etats de Blois (1863) (Á
celle e Mazeroy, em que se observa como pano de fundo a Bruxa, ou os Estados de Blois); e Ch. Garand, com Les Or-
guerra de Tonkin; e Les Dernières Cartouches (1903) (Os phelins deVenise (1868) (Os Õrfaos deVeneza).
Últimos Cartuchos), de J. Mary e Rochard. Em torno de A esta tradição do melodrama histórico, poderíamos
1900, esta produção, sustentada pelo sucesso dos cantos e acrescentar ainda os melodramas de "capa e espada", nasci-
dos dramas de P. Déroulède como Messire Du Guesclin dos com Os Tiês Mosqueteiros dos quais Dumas ainda fará
(1895) (Senhor Du Guesclin) ou La Mort de Hoche (1897) render Le Prisonnier de Ia Bastille ou Ia Fin des Mousquetai-
(A Morte de Hoche), adquirirá um tom de revanche nos res ( 186l ) (O Prisioneiro da Bastilha, ou o Fim dos Mosque-
melodramas patrioteiros que precederam a guerra de 1914 teiros). Também Cartouche (1858), de Dennery e Dugué,
como les Pierrots (1909) (Os pierrôs),de G. Grillet e Ceur explora o mesmo veio e mostra, curiosamente, um bandi-
de Française (1912) (Coração de Francês),de A. Bernède e do bastante simpático nas primeiras cenas, que se tornará
A. Bruant. odioso nas últimas. Um ofegante episódio de perseguição
Ainda que tenham sido acusados, depois de 1g70, de sobre os tetos de Paris era o grande trunfo do espetáculo
ter enfraquecido a França com seus romances, Erckmann e que foi, durante muito tempo, célebre no bulevar. Mas a
Chatrian também escreveram algumas peças como llAmi obra-prima incontestável do gênero foi, nesta época, Le
Fritz (1877) (O Amigo Fritz) ou La Guerre ( I 8S5) (A Guer_ Bossu (1862), de Paul Féval e Anicet-Bourgeois, na qual
ra), episídio da luta entre Masséna e Souvarov, que pode- triunfou Mélingue.
riam ser associadas a esta linhagem de melodramas nos No domínio do melodrama histórico, entretanto, uma
quais, segundo a expressão popular, "ia-se comer clarins e peça e um autor imprimiram sua marca no gênero por mui-
beber tambores'i tos anos: La Bouquetière des Innocents (1862), de Dugué e
Permanecerá em voga, nesta época, o melodrama his- Anicet-Bourgeois, eVictor Séjour com o conjunto de sua obra.
tórico tradicional que Dumas, em 1847, havia tentado re-
viver no palco do Théâtre Historique, com peças como La
La Bouquetière des Innocents
Reine Margot (A Rainha Margot) ou Le Chevalier de Maison-
Rouge (O Cavaleiro da Casa Vermelha).Após este período, Este movimentado drama mistura inteligentemente
Dumas continuaria a compor peças históricas elaboradas uma intriga amorosa com os grandes acontecimentos po-
no mesmo padrão, como Le Gentilhomme de la Montagne líticos que se seguem ao assassinato de Henrique IV. Estas
(1860) (O Fidalgo da Montanha) e La Dame de Monsoreau peripécias transtornam a vida dos heróis e dos grupos so-
(1863). Tâmbém Maquet, colaborador de Dumas, escreve- ciais aos quais eles pertencem. Em filigrana, insere-se tam-
ria alguns dramas de sucesso explorando o mesmo veio, bém uma intriga policial e assiste-se às diversas maquina'
como por exemplo Le Chôteau de Grantier (1g52) (O Cas-
ções políticas que precedem diretamente a queda dos
telo de Grantier) e Le Comte de Invernie (I954).Cite-se ain- Concini. Como pano de fundo está a Bastilha onde se vê os
da outros autores que trabalharam em estilo idêntico, como pequenos humilharem os grandes, num quadro que Íicou
Th. Anne, com La Chambre rouge (1852) (A CâmaraVer- célebre ao mostrar, parte a parte, carregadores do merca-

100 101
do, burgueses e operários derrubarem a liteira de Léonora O Melodrama de Costumes e Naturalista
Galigaï e opor à grande dama, Margot, a florista do Merca-
do dos Inocentes. As questões de família: crianças perdidas e reencontra-
matrimônios de-
das, heranças, duelos, ciúmes, casamentos,
Victor Séjour (1821 -187 4) siguais faziam parte, desde muito, da temática do melo-
drama. Com a ascensão de novos estratos sociais o diálogo
Apaixonadamente engajado nas lutas românticas, castelo-choupana vem para o centro da cena. Os direitos de
Séjour começou sua carreira dramática encenando dois precedência e os preconceitos familiares e sociais são estu-
dramas em cinco atos e em versos no Théâtre Français: dados sob a forma de quadros de costumes pintados com
Diagaras (1844) e La Chute de Séjan (1849) (A eueda de bastante justeza. É uma forma de melodrama que podería-
Séjan). Os exageros hiperbólicos e sonoros de sua escrita mos chamaÍ "de costumes", ou, segundo uma expressão da
dramática levaram-no naturalmente para os teatros do bu- época, demi-mondqin*.Esta inspiração, que será visível
levar, onde ele comporia dramas históricos carregados de
sobretudo no teatro de Augier e de Dumas filho, também
barulhos e de furor. A importância dada em suas peças ao
terá lugar no melodrama, em peças como Le bouquet de
"quadro vivo", aos cenários e às batalhas prejudicam fre-
violettes ( 1849) (O Buquê deVioletas), de Dumanoir e Den-
qüentemente a coerência dramática do conjunto. Esses dra-
nery; Les oiseaux de proie ( 1854) (As '\ves de Rapira), de
mas, que valem sobretudo por seu ritmo e seu movimento
Dennery, Les mères repenties (1858) (As Mães Arrepen-
espetacular eram, todavia, bastante apreciados pelo públi-
didas), de Mallefille; Valentine d'Armentières (1861), de
co que vibrava com a apresentação de imagens de Epinal
Dumanoir e Dennery; e liamour qui tue (1865) (O Amor
contando a História e suas histórias. Assim, graças a Vic-
que Capota), de Ch. Garand.
tor Séjour, por volta dos anos de 1860 o público retoma o
Esta pintura dos meios soci ais demi-mondains e de suas
gosto pelo drama histórico que parecia ter sido por ele
lutas intestinas chegaria, no fim do século, a seu resultado
abandonado depois de ATorre de Nesle. Em meio a uma
lógico, com a adaptação para o palco do romance de G.
numerosa produção, poderíamos distinguir, entre suas
Ohnet Le Maitre de Forgeë (1883), na qual um novo capi-
obras, Ies Grands Vassaux ( I 35 I ) (Os Grandes Vassalos),
peça que terminava com a frase "Meu Deus! Meu Deus! tão de indústria consegue, por sua tenacidade e bom cora-
Velai pela felicidade e pela grandeza daErançi' RichardIII ção, ser amado por uma jovem da alta sociedade, seguindo
(1852), Les Noces vénitiennes (1855) (As Núpcias do Vene- a inspiração dada pela obra Roman d'un jeunehomme pau-
vre (1858) (O Romance de um Pobre Rapaz) de O. Feuillet.
ziano), Compère Guillery (1860) (O Compadre Guillery), Les
Massqcres de Syrie (1860) (Os Massacres da Síria), Les Vo- Poderíamos citar ainda, neste mesmo estilo, os dramas Le
lontaires de 1814 (1851) (OsVoluntórios de 1814), Le Fils Sang-mêlé (1856) (O Sangue Misturado), de E. Plouviet le
de Chqrles Quint (1864) (O Filho de Charles Quint) e Le Mattred' école ( I 8 59), de P. Meurice e Une P écher esse ( I 860 )

Marquis Caporal (1864) (O Marquês Cabo).Um dos gran-


des sucessos de Séjour foi obtido por um drama que pin- *. Trata-se do ambiente em que a demi-mondaine, a "meio-munda-
tava com habilidade um quadro popular dos arredores do na" na dupla acepção da paÌavra mundano, a mulher de costumes ligeiros,
e constitui-se numa referência maÍcante da mescla de equívocos, posição
Templo em 1832: Les ÌrLystères du Temple (1861) (Os Mis-
social, políticae dinl-reiro que dominavam nestas esferas. (N. da E.)
térios do Templo). 5. Encenado no Brasil com o ïitvlo O Mestre de Forj as.

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(Uma Pemdora), de Prébois e Barrière, no qual, numa in- São pessoas felizes,
teressante cena, uma mulher jura sobre a cabeça de seu fi- Pr'os dois, viva! viva!6
lho que não era amante de um homem. Neste momento
anunciam-lhe que seu filho está morto. Na última cena, en- Em Guillaumele débardeur (1848) (Guillaume, o Esti-
tretanto, o menino voltará à üda. vador), de Dumersan e Delaborde, intitulado "drama po-
Alguns críticos, Sarcey em particular, viram em ljÉtran- pular", este desejo de imobilismo social havia sido ainda
gère (1876), de Dumas fìlho, um melodrama deste gênero. mais claramente exprimido, numa longa canção que deta-
A esse respeito, ele escreveria: lhava os deveres do operário e da qual citaremos apenas
duas estrofes:
Dumas nos apresentou I'E rangère. L'Etrangère é um melodra-
ma puro, com a mulher fatal, uma virgem do mal vinte vezes mi-
Somos todos operários sobre a terra;
lionária; com a duquesa apaixonada por um plebeu que é um ser
Não há ninguém que não tenha profissão;
ideal, um charmoso príncipe; com um Ianque salvador que pune o
Rico ou pobre trabalha à sua maneira,
vilão com um golpe de pistola, o que permite aos apaixonados se
Que não se pode viver sem ter funSo.
casarem. Todos os elementos do antigo melodrama ali estão, mas
são ressaltados por novos temperos! Um gosto de realismo no estu-
Muitas vezes a riqueza a gente inveja,
do da vida, teorias cientíÍicas e morais sucedendo aos gritos de pai-
Sem saber o quanto ela exige de labuta.
xão, os acontecimentos subordinando-se, ou parecendo subor- Feliz do homem que da preguiça se arreda,
dinar-se a uma lógica superior: assim é a lei moral que emana de
Pr'a ele ao alcance do braço está a fortuna.T
Deus. Tüdo isso misturado, remexido, confundido, como esta famosa
salada da qual ele deu a receita em Francillon, uma salada composta
por diversos ingredientes, maravilhosa, que reaviva o apetite dos mais Encontra-se mesmo um singular elogio da miséria, no
entediados e contenta os gostos dos mais delicados. melodrama de Deylis e Barbara Le Pont Rouge (1858) (A
Acreditei que Dumas avançaria mais neste novo veio onde aca- Po nt e Verm elha) ; " Rico s, felizes, dorm iríam os talvez entre
bava de se engajar e que nos daria um tipo de melodrama, como asdelícias de Cápua; pobres e rejeitados, num momento de
nos havia dado um da comédia de tese. Mas a péssima recepção de desespero e de cólera santa, nós faremos milagres'i
Laprincesse deBagdad, que não passava de um melodrama do mes- Esta tentativa de reconciliação das classes não dura
mo gênero, porém menos brilhantemente executado, esfriou-o sem
muito. O melodrama preferiu orientar-se para a pintura de
dúvida, e a fórmula do melodrama do firturo ficou ainda por ser
meios sociais mais pitorescos que aqueles do demi-mon'
encontrada.
dain, sublinhando violentamente os contrastes entre os
O público do bulevar preferia, entretanto, o mais pi- ambientes ricos e os despossuídos. Desta forma, em Les
toresco e as oposições mais nítidas. Nos primeiros anos do Compagnos de la truelle (1359) (Os Companheiros de Tio-
Império, algumas peças fizeram-se intérpretes de um mo-
vimento que preconizava a reconciliação entre as classes e
a manutenção do status quo social. Deste modo, Gueux de 6. Riches et gueux, / S'ils s'aiment entre eux, / Sont les gens heureux,
Vivent les deux!
Béranger (1855) (O Mendigo de Béranger), de Dupeuty e /
7. Nous sommes tous ouvriers sur la terre; / Il n'est personn'qui ne
Moineaux, por exemplo, terminava com a canção: fasse un métier; / lc riche ou le pauvr'travaille à sa manière, / Car on ne
peut pasvivre sans travaiüer. Souvent on porte envie à la richesse, / On ne
Se ricos e pobres, sait pas combien elle a d'tracas, / Mais I'heureux homme enn'mi de la
Se amam entre si, paresse, / Dont la fortune est au bout de ses bras.

104 10s
r--
lha), de Cogniard e Clairville; em La dame de la Halle rizada pela obra de Murger: La vie de bohême foí adaptada
(1852), de Anicet-Bourgeois e Masson e, sobretudo,em La por Barrière, em 1849 e Le pays latin por Dunau, Voisin,
Fille des chffinniers (1861),deAnicet-Bourgeois e Dugué, Mousseux e Mareuge, em 1863.A obra-prima deste tipo de
os autores apr'esentam uma alternância de cenas que se de- rnelodrama foi certamenle Les Crochets du Père Martin
senrolam nos boudoirf e nos grandes salões com outras que ( 1S5s) (Os Ganchos do Pai Martin), de Cormon e Grangé,

se passam em cabanas ou em mansardas miseráveis. Em Ia peça na qual triunfou Paulin Ménier. Para levar uma vida
Fille des chffinniers, um trapeiro acredita ter matado sua dissipada, um estudante dilapida as economias acumula-
mulher, Nada disso aconteceu. Aquela, depois de intrigas e das por seu pai durante toda a vida. Escondendo da mu-
enganos, transformou-se em uma dama da alta sociedade, lher a conduta do fìlho, o pai Martin, pressionado por um
o que possibilita ao trapeiro, em plena reunião mundana, ávido credor, Í€toma seu trabalho de carregador e embarca
entoar uma copla vingadora na qual ele opõe a honra dos seu filho num navio de partida Para aAustrália' O jovem
pobres à, menos exigente, dos ricos. Este tipo de copla, en- se redime por uma conduta heróica e volta ao país depois
contrado então na maior parte das peças do gênero, era de fazer fortuna. A família reencontra então sua unidade e

esperado e muito aplaudido. Em La Fille des chffinniers, sua felicidade.


eis o que diz o trapeiro: Sobre este drama, Zola escreveria:

Digo que esta que se faz chamar Senhora Baronesa Dartès [...] É uma peça feita para as almas sensíveis, e muito bem feita, com
e que vemos coberta de diamantes, é a mulher de Bamboche, o tra- um conjunto de situações que traz para o palco a maior soma de
peiro aqui presente. E não é ela que deve se envergonhar de Bambo- emoções possível [...]. Deixando de lado a literatura, devemos nós
che, é o trapeiro que se envergonha dela. também estimar estes bons dramas, qtte respondem a uma verda-
deira necessidade do público e que despertam seu interesse com suas
A pintura de alguns outros meios sociais era também mentiras de honra e de justiça.
particularmente apreciada, como por exemplo a dos artis-
tas apresentados, eles também, em oposição aos poderes do Esta forma de melodrama social evolui espontanea-
dinheiro e da política. É a partir deste ponto de vista que, mente para a estética naturalista. Convém notar, entre as

em 1852, Mélingue triunfa em Benvenuto Cellini, de P. etapas desta evolução, o papel essencial desempenhado por
Meurice; que Anicet-Bourgeois Theodore Barrière com-
e Os Miserávei.s (1862), de Victor Hugo, que é levado à cena
põem La Vie d' une comédienne ( 1 854) (A Vida de uma Co - em 1878 e que teve, Para esta getação, a mesma importân-
mediante) e Dugué e faime filho, La Fille du Tintoret, em cia que tivera Os Mistérios de Parisparaagetaçáo preceden-
1859. A melhor das peças deste gênero é ïalvez IlAveugle, te. Percebe-se sua influência, por exemplo, num melodrama
(O Cego) de Dennery e Anicet-Bourgeois, na qual encon- de Brisebarre e Nus, Léonard (1862), que obteve grande
tramos este aforismo, que resume seu espírito: "Uma obra- sucesso não apenas na França mas também na Inglaterra.
prima terá sempre um preço bem diferente do de um A esse respeito, notaria Sarcey:
cofre-forte",
Reencontramos estas relações entre o dinheiro e os pïe- O s Miser óv eìs acab ava de surgir quan do Lé o n ard f oi encenado

conceitos sociais na pintura dos meios estudantis popula- pela primeira vez. As imaginações estavam rePletas dos tipos cria-
dos pelo mestre. O famoso favert atende na sociedade pelo nome
8. Gabinete oucamarim particuÌar de senhoras,ornado comelegância. de Marcol, e os habitués da prisão o apelidaram Lynx. Estes dois

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homens, o celerado e o policial, espreitarn-se um ao outro, e a me- dramas - do operário que diz algumas verdades ao contra-
tade do drama está no espetáculo (um espetáculo sempÍe divertido mestre. O Michel Pauper (1870),de Henri Becque, poderia
e sempre renovado) de seus disfarces, de suas marchas e contramar-
também ser inscrito nesta mesma corrente, juntamente com
chas. Quanto ao desfecho, tambérn ele é tomado de empréstimo a
outras peças como Le Roi des mendiants( 1899) (O Rei dos
uma das cenas mais famosas dos Miseráveis.
Mendigo),deDorney e Mathey,ou Maman Gâteau (1896),
A obra de Hugo deu, assim, uma dimensão épica a um de Meynet e Geoffroy.
tema jâ largamente explorado. Com efeito, desde 1850, di- Estamos bem longe, nestas reivindicações, das teorias de
retamente ligadas às teorias humanitárias e socialistas já reconciliafo das classes por meio do trabalho prescritas pe-
desenvolvidas por Félix Pyat e Eugene Sue, algumas obras los melodramas do Segundo Império, e do otimista nascido
colocam em cena os dissabores e o patético dapobreza. La dos primeiros grandes surtos de industrialização, tais como o
Misère (1850) (A Miséria), de Dugué, que para evitar a cen- que se encontrava, por exemplo, en Les \[ystères du Templq
sura se desenrola na lrlanda, inicia-se por um prólogo que de Séjour, em que um personagem tem a seguinte fala:
descreve a indigência: "O interior de uma miserável caba-
na de teto baixo e desabado, sem outra abertura além de O trabalho produz, cria, fecunda; ele produziu a ciência como
Deus fez a luz; ele um dia mandará que os elementos lhe obedeçam
uma porta de tábuas mal colocadas. Chão úmido...'i
e eles obedecerão; ao espaço, que desapareça, à distância, à imensi-
Alguns anos mais tarde, a estética naturalista iria reto- dão, que se aproxime, e sua voz imperiosa e soberana será ouvida.
mar e codificar estas tendências esparsas. Sarcey (é bem ver-
dade que ele não gostava de Zola), não via, por exemplo, Foi principalmente na cenografia que a influência con-
em L'Assommoir (A Thberna) adaptado para o teatro por jugada do naturalismo e do socialismo mais se fez sentir:
Busnach, nada mais do que "um bom melodrama muito hospitais, prisões, cemitérios, espeluncas, esgotos etc; abun-
corretamente recortado dentro do romance por um mes- davam nestes dramas. Um dos mais célebres: o pátio da
tre artífice". Grande-Roquette, de Les Etrangleurs de Paris (1880) (Os
Em torno do final do século, este tipo de melodrama Estranguladores de Paris), de A. Belot.
se carregará novamente de fortes reivindicações sociais, no Brisebarre e Nus se especializaram neste gênero de
clima de insegur,ança provocado pelos movimentos anar- melodramas. Em sua produção, poderíamos distinguir les
quistas, pelos protestos operários, pela ascensão do socia- Pauvres de Paris ( I 856) (Os Pobres de Paris), em que se vê
lismo internacional e pelos escândalos financeiros. Em uma família pobre viver sordidamente para dar uma boa
1895, um antigo café-concerto do bulevar Barbés, o Four-
educação a seu filho que, quando obtém seus diplomas,
mi, chegou mesmo a especializar-se na representação des- torna-se o que se chamava à época "um pobre de casaca".
tes melodramas sociais e socialistas. Eugène Nus (1816- 1894), autor e co-autor de numerosos
Claude Gueux(1884), de Gadot e Rollot, ilustra bem o dramas foi também jornalista e redator, depois de 1848, de
clima do melodrama social desta época. Vê-se aí um ope- La Démocratie pacifique, que veiculava as idéias de Fourier.
rário (o papel foi interpretado por Taillade), vítima de nu- Mais tarde, em 1873, fez surgir o Bulletin du mouvement
merosas iniqüidades sociais, que terminará por afundar-se social, que procurava retomar a idéia das sociedades coo-
na decadência. Os autores nos apresentam também, em perativas nas classes desfavorecidas.
uma sucessão de quadros, a vida operária da época com a
cena - a partir de então tradicional neste gênero de melo-

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O Melodrama de Aventuras e de Exploraçõo Ladrões de Ouro),da Condessa de Chabrillon. Nesse veio é
necessário citar, também, Le Lac de Glénaston (1861) (O
A dupla fascinação exercida pelas descobertas científi- Lago de Glénaston), precedida de Chercheurs d'or (Os Bus-
cas e pelosnovos territórios que elas possibilitavam desco- cadores de Ouro), de Dennery e Boucicault.
brir e colonizar alargaria, consideravelmente, o campo de O mais célebre dos melodramas e um dos mais reaPre-
ação e os meios dos heróis de melodramas. Eles passam sentados até o final do século é certamente Les Pirates de Ia
então a viajar mais longe e durante mais tempo, pot re- Savane ( 1S59) (Os Piratas da Savana),deAnicet-Bourgeois,
giões as mais diversas e pouco hospitaleiras, utilizando-se Sua intriga é semelhante à dos melodramas tradicionais,
bastante de navios a vapor e locomotivas; chega-se a ir, com mas ela é deslocada para um espaço dos mais exóticos e dos
Charles F.dmond, em Les Mers polaires (1852) (Os Mares mais inquietantes;
Polares) e ern les Exilés (1872) (Os Exilados), de Nus, ao
Toda a maÌicia (escreveu Sarcey a propósito deste melodrama)
coração da Rússia.
consiste em jogar a desgraçada heroína a todo o momento num Pe-
A América exerce, nesta época, verdadeira fascinação.
rigo extremo do qual ela é retirada para ser precipitada num outro e
Ali se mata e se faz fortuna rapidamente, numa atmosfera assim sucessivamente até que finalmente ela se case com seu noivo'
de epopéia e de perigos: cenário ideal para as intrigas dos
melodramas, nos quais a precariedade das boas e das más Fournieq ele escreveria, em 1862, em La Patrie:
Quanto a
fortunas constitui-se no essencial do enredo. Estes melo-
dramas trazem eventualmente quadros de gênero que não É um drama que realmente faz ttma iniciação aos horrores das
são desprovidos de interesse, como por exemplo uma luta lutas e dos ódios nesta terra da América, na qual a civilização não
de boxe em uma espelunca de Nova Iorque, como a que se fez mais, por assim dizer, que organizar a barbárie, envenenar a vida
selvagem e emprestar-lhe armas.
vê.em LaTaverne du Diable (1848) (ATaverna do Diabo),
de Alboise e B. Lopez. Eles jogam também com um exotis-
Barbey d'Aurevilly, que assistira à peça escreveu ainda:
mo mais tradicional, o do Sul; a Louisiana inspira então nu-
"Saio dali completamente desorientado [...] pois se os auto-
merosos dramas: em 1853 Dumanoir e Dennery adaptam
res não inventaram a pólvora, eles a divulgaram bastante'1
La Case de L'OncIe Tomei em 1859 surge Le Dompteur (O
A rapidez e os atrativos dos novos meios de transpor-
Domador), de Dennery e Edmond, que põe em cena o la-
te, assim como os romances marítimos de Eugène Sue' re-
zarcto e as praças públicas de Nova Orleans; e, em 1861, te-
viveram no público o gosto pelos melodramas marítimos.
mos Cora oul'esclavage (Cora, ou a Escravidão), de Barbier.
Neste domínio, o que obteve maior sucesso foi, aparente-
A revolta das Índias também inspira os autores, que
mente, La Prière des Naufragés ( 1853) (A Prece dos Náufra-
comporão peças como Les Fugitifs (1858) (Os Fugitivos),de
gos), de Dennery e Dugué, bastante inspira do no Naufrage
Anicet-Bourgeois e Dugué, ou Les Etrangleurs de l'Inde de Ia M édus e ( I 8 3 9 ) (N aufr ógio da Medu s a), de Desnoyers'
(1862) (Os Estranguladores da Índia), de Charles Garand;
Esta peça mostra uma mãe que, submersa numa colisão
do mesmo modo a Austrália também torna-se terra sobre com um iceberg, sustém, em suas mãos, fora d'água' seu
a qual, por exemplo, conhece-se LesVoleurs d'or (1864) (Os
filho. Uma única menina será salva do desastre por nativos,
depois de ter ficado longo tempo à deriva, em cima de um
9. Conhecido no Brasil com o nome de Á Cabana do Pai Tomas. pedaço de gelo.

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Cada melodrama de aventuras e de exploração procu- diferentes, desvelava-se os ódios entre membros de uma
rava, então, apresentar um "truque", uma cena original, rÌìesma família, e escondia-se, também, cuidadosamente,
insólita, Em Un Drame aufond de la mer (1877) (Um Dra- alguns elementos do quebra-cabeças, que só seriam desco-
ma no Fundo do Mar), Dugué colocou em cena o Great bertos nas últimas cenas, freqüentemente muito violentas.
Easterne uma parte do drama se desenrolava sob a água. A Desde o início do século, alguns melodramas famosos
propósito desta peça, Zola escreveria: "Quando o melodra- lraviam deixado pressentir esta evolução, como Amélie ou
ma científìco tiver nascido, o drama naturalista poderá ser le Protecteur nrystérieux (1807) (Amélia, ou o Protetor Mis-

experimentado'i A peça que conseguiu, entretanto, apresen- terioso), de Friedelle e Alexandre, a célebre Pie voleuse
taï um truque a cada quadro, e obteve um dos maiores (1815), de Caigniez e Daubigny, ou ainda Le Courrier de
sucessos teatrais do século XIX, foi Le Tour du monde em Naples (1822),de Boirie, Pujol e Daubigny, que se inspira-

80 jours (1874) (A Volta ao Mundo em 80 Dias), de Julio va no caso do Courrier de Lyon. Os nomes, as datas, os lu-

Verne e Dennery. Dennery acrescentou algumas cenas ao gares eram entretanto modificados, a "censura obriga", e
texto de Verne e idealizou ainda este itinerário no qual o depois, os melodramaturgos do período não tinham po-
herói domina, enfim, o tempo e o espaço, duas obsessões dido resolver executar o homólogo de Lesurques, Sanalzal0.
por muito tempo perseguidas nos palcos do bulevar. Den- O caso do Courrier deLyonfoíretomado em 1850, com este
nery e Verne continuaram a experiência apresentando, para mesmo título, por Moreau, Giraudin e Delacourt e obteve
a Exposição de 1878, Les Enfants du Capitaine Grant (Os então um sucesso extraordinário. Poderíamos datar nesta
Filhos do Capitao Grant) e, depois, Le Voyage à travers peça o verdadeiro início do melodrama judiciário e classi-

I'Impossible (1882) (Viagem através do lmpossível), onde se ficar também nesta tradição L'Aïeule (1863) (A ,\vó), de
via o centro da Terra e o Nautilus. Esta última peça é rece- Dennery, na qual uma idosa senhora enferma desempenha-
bida sem muito entusiasmo: o veio estava seco. O interesse va o papel de envenenadora.
por este gênero de drama tornara-se menos vivo. O gênero aperfeiçoou lentamente suas técnicas. Ele
privilegiava a preparação do crime, sua encenação, o in-
quérito policial, em detrimento dos outros elementos, se-
O Melodrama Policial e Judiciário guindo, assim, o esquema destacado por Sarcey em seu co-
mentário sobre IÁs de Trèfle (1895) (O Ás de Paus), de
O melodrama tradicional trazia em si, virtualmente, o Decourcelle:
melodrama policial e judiciário: o inocente era ali freqüen-
Há neste drama (escreveu ele)] como em todos os do mesmo
temente cumulado de suspeitas e só conseguia se justificar
gênero, um crime preparado no primeiro quadro, executado no se-
na última cena. Era necessário apenas sublinhar esta di-
gundo, e depois uma instrução judiciária e as suspeitas da justiça
mensão, insistir sobre o erro judiciário, colocar em cena o recaindo sobre um inocente que as circunstâncias acusam.
cenário já bastante teatral de um tribunal de júri e criar um
personagem policial perspicaz e obstinado. Lembrava-se Este novo gênero deu origem a alguns grandes suces-
muito de |avert nestas peças. Essa foi também a época em sos, como La belle Limonadière (1894) (A Bela Limona-
que se começava a traduzir Conan Doyle para o francês.
Ao longo do inquérito, desvendava-se para o espectador o 10, Nome dado ao persollagem teatrâl que repÍesentava l€surques,
modo de vida e os hábitos sociais de ambientes os mais o principal acusado no caso realdo Courrier de Lyon.

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deira)+, de P. Mahalin, sobre a qual afirmou-se no LeTemps: Chevaliers du Lansquenet (Os Cavaleiros de Lansquenet).
'A cada ato há um assassinato ou uma execução capital, eé AÌguns anos mais tarde, o escândalo provocado por seu
sempre um inocente que morre, exceto no último quadro, romance Les Filles de plâtre (1856) (As Filhas da Estátua de
no qual o patife paga sua dívida e é morto por sua vez, por Gesso),comentado por causa de uma descrição "de mulher
seu próprio pai, fato que não deixa de ser excitante'l vista de costas", dálhe uma certa fama. Neste mesmo ano,
Poderíamos citar ainda, no mesmo estllo, Le Drame des ele apresenta La Nuit du 20 septembre (A Noite de 20 de
Essarts (1895) (O Drama das Raças), de L. Cressonnois e Setembro), drama insólito em duas partes: a primeira, de-
C. Samson; LaPocharde(1898) (Á Embriagada), de f, Mary; senfreada, plena de paixão e de furor, acumula os clichês do
La Bande à Fifi (1898) (O Bando de Fifi),de Gardel, Hervé melodrama noir: duelo, subterrâneo, túmulo, uma mulher
e Varret, na qual se vê um velho policial voltar à ativa para que é morta por veneno, outra que é assassinada; a segun-
desmantelar uma quadrilha; ou L'Affaire Coverley (1875) da parte, que retrata os remorsos eo apaziguamento, é mais
(A Tiansação Coverley), de A. Barbusse e H. Crisafulli, na convencional em sua tonalidade em seus procedimentos.
e
qual o vilão, no final, é atropelado por uma locomotiva. Esta Montépin parece lançar-se aí em exercícios de estilo. Encon-
é também a época em que se elabora o romance policial, tramos já uma outra atmosfera em Le Médecin des pauvres
do qual o melodrama logo tirará partido: Le Dossier 113 (1856) (O Médico dos Pobres), que amplifica o novo mito
(1896), de E. Pourcelle, por exemplo, é aadaptação de um do médico salvador dos corpos e das almas, explorando a
romance de Gaboriau. O sucesso do gênerodevia-se também, trilha de um melodrama realista.
ademais, à utilização de episódios tomados de empréstimo Romances e dramas seguem-se a partir de então, com
aos grandes casos policiais do momento, popularizados regularidade. Em meio a uma produção muito abundante,
pelos canardslt. poderíamos distinguir Les Viveurs de Paris ( 1859) (Os Fol-
Nos últimos anos do século, a produção tornou-se gadões de Paris) e Le Gentilhomme de grands chemins (1860)
muito abundante e freqüentemente estereotipada. Os au- (O Fidalgo da Estrada Real), Os dramas de Montépin, que
tores mais conhecidos, e dos quais a maior parte da obra se freqüentemente trabalhava em associação com Dornay e
encaixa nesta corrente são Xavier de Montépin e Pierre Grangé, se caracterizam por uma acumulação de quadros,
Decourcelle. de peripécias e de personagens, por astúcias de encenação
e pelo importante papel dado aos objetos, como o peque-
Xavier de Montépin (1823-1902) no cavalo recheado de papel em La Porteuse de pain (A Car-
regadora de Pães), que ficou célebre.
Estréia na carreira teatral com um vaudeüle, Les Trois As intrigas de Montépin orientam-se pouco a pouco na
bqisers (1846) (Os Três Beijos), Depois da Revolução de direção do melodrama policial e judiciário. La Sirène de Pa-
1848, participa de alguns jornais populares, como Le Lam- ris ( 1860) (A Sereia de Paris),poe em cena misteriosos desa-
pion, e escreye panfletos políticos. Em 1849, ele apresenta parecimentos de jovens: um herói corajoso e apaixonado faz
LeVol à la Duchesse (O Roubo da Duquesa) e, em 1850, les o papel de isca e desmascara o assassino, um misterioso dou-
tor alemão, Em L'Homme auxfrgures de cire (1865) (O Ho-
*. Que vende sucos e cafés (N. da E.) mem das Figuras de Cera), depois de assistirmos a cenas de
I l.
Sem tradução exata em português. Tipo de jornal que exagerava
ou mesmo falsiÍìcava notícias no intuito de obter maior vendagem. Co- sonambulismo e de magnetismo, marionetes de cera denun-
nhecido no Brasil como "imprensa marrom". ciam o culpado no desfecho. Os mesmos objetos e a mesma

114 115
situação, bilhetes manchados de sangue acusando um por-
iríuma mulher detetive, apelidada"Olho de Gato", que aju-
tador inocente, serão usados novamente, numa peça mais
ela a polícia a perseguir um misterioso assassino' Ela des-
tardia, Le Fiacre n. 13 (tBS7) (A Carruage* n. íS1,que se
cobre, ao longo do inquérito, que o criminoso é seu Próprio
inicia por uma blitz policial. Este último drama recoloca em
Íìlho, Ela o atrai para uma armadilha. O filho assassino se
cena, também, os tipos sociais mais prestigiosos do melo_
rnata então, diante de sua mãe que lhe ordena que o faça. A
drama policial: o agente obstinado e perspicaz, o jovem ad-
mãe, por suavez, é ferida de morte pelo pai do rapaz, notó-
vogado que se consagra às causas nobres, o médico pobre e
rio celerado que desvirtuara o filho. A mãe expira sobre o
devotado. No pano de fundo se cruzam loucos e tuberculo_
cadáver de seu filho. Assinale-se, neste drama, uma admi-
sos.Assinala-se, neste melodrama, além disso, um verdadei_
rável astúcia de encenação, próxima das técnicas do cine-
ro achado de encenação: a palavra justiça é escrita em letras
rna: aperfeiçoando um tipo de cenário já empregado em
vermelhas sobre a tumba do inocente.
[-ihomme auxfigures de cire,que apresentava o corte de um
Retomando muitos destes elementos, Xavier de Mon_
imóvel de vários andares, Montépin mostra aqui a policial
tépincriaria, com La porteuse de paln ( l ggg), uma das obras
que sobe uma escada: "o cenário, então, abaixa lentamen-
primas incontestáveis do melodrama. Nesta peça,
Jeanne te, enterrando-se no chão [...] os três andares da casa pas-
Fortier, guardiã de uma fábrica,é o objeto do amor de
Jac_ sam sucessivamente diante do público".
ques Garaud, braço direito do patrão, Sr. Labroue. Garaud,
de quem Jeanne repele os avanços, rouba planos e dinheiro
Pierre Decourcelle ( 1856- 1926)
do escritório de Labroue. Surpreendido por este, mata_o e
incendeia os prédios da fábrica, Todas as suspeitas caem
Filho de Adrien Decourcelle, ele fez brilhantes estudos
sobre Jeanne, que foge com seu filho, mas é agawad.a pela
de Letras, mas seu pai tentou desviá-lo de sua vocação lite-
polícia. A moça é enviada para o hospital de La Salpétrière,
râria, fazendo dele um financista. Decourcelle começou a
onde enlouquece. Durante um incêndio ela recobra a ra_
escrever em jornais e tornou-se, em 1884, folhetinista no
zão, foge e torna-se entregadora de pão, com o nome de
Gaulois.Depois de seu primeiro romance, Le Chapeau gris
Mamãe Lison. Ela perdeu o rastro de seu filho, criado pelo
(1836) (O Chapéu Cinza), logo seguido de La Buveuse de
bravo cura Laugier e por um pintor, Etienne Castel, mas
larmes (A Bebedora de Lágrimas) e de Brune et Blonde, ele
reencontra sua filha Lucie, a quem não ousou entretanto
se cerca de numerosos colaboradores e se lança à adapta-
revelar sua identidade.
ção de romances para o teatro. Inversamente, ele confec-
Durante este tempo, Jacques Garaud, que fizera fortuna
ciona também diversos romances a partir de suas peças. Esta
nos Estados Unidos com o nome de p. Hermant, volta a paris
contínua troca entre romance e teatro, que tende a fundir
com seu cúmplice, Ovide Soliveau. Mamãe Lison e Lucie, que
os dois gêneros numa mesma unidade, amplifica ainda mais
era rival de Mary, a filha deHermant, escapam por milagre àas o sucesso de sua obra.
tentativas de assassinato pelpetradas por Soliveau. Garaud é
No interior da intriga policial que constrói seus dra-
finalmente desmascarado graças a uma carta que o pequeno
mas, Decourcelle dosa sabiamente o enredo com a obser-
Georges, filho de Jeanne, guardara em seu pequeno cavalo.
vação minuciosa dos diversos meios sociais nos quais se
leanne é reabilitada, ela reencontra seu filho e casa sua filha.
passa a investigação e acrescenta a isto alguns toques de
Em La Policière (1890) (A policial),Montépin leva aos
sentimentalismo romântico ensopado de lágrimas. Assim,
limites extremos a técnica do melodrama policial. Vemos
em La Charbonnière (1S84) (A Carvoeira), passamos da

r16 117
r
butique de um comerciante bem estabelecido aos departa- nhala o assassino pelas costas. Este melodrama vale tam-
mentos de um grande magazine e depois para o camarim bém pelo debate das idéias que traz para a cena, onde se
de um artista. O encaminhamento da investigação, que pro- opÕem a miséria e o vício, a medicina e a magistratura,
cura o assassino de um ator que morreu envenenado em como se observa aqui:
cena, justifica uma sucessão de quadros que noutra situa-
ção pareceria ilógica, Descobre-se no final da peça um asi- Margemont (o juiz) - [...] A miséria, este eterno pretexto para
lo de loucos no qual intervém o peïsonagem desde então justificar a devassidão nas mulheres e o crime nos homens.
Georges - Para justiÍìcá-los não, para desculpá-los, sim.
tradicional do médico.
Margemont - Você fala como médico, que vê apenas doentes
Esse tipo de personagem reaparece em I'Ás de Trèfle nos criminosos.
(1885), peça na qual a pintura dos hábitos sociais e dos Georges - E o senhor como magistrado, que vê apenas crimi-
preconceitos do demi-monde se afrna e se enriquece. A en- nosos nos doentes.
cenação se dá em meio a uma sucessão de quadros cujos
títulos, "romanescos'] indicain ao mesmo tempo o fio da Os Dois Garofos explora a trilha já utiliz ada em As Duqs
intriga e as informações sobre os cenários dos ambientes Õrfãs, adas crianças infelizes e abandonadas, mas trata-se
atravessados: L A Mãe e o Filho; II. Mundana; III. A Cerve- agora de dois meninos, Fanfan e Claudinet. Na seqüência
jaria Paradis iaca; IY. O Assassinato; V. A Instrução; VI. A de uma série de mal-entendidos e de suspeitas não confir-
Confrontação; VII. A Intriga; ViII. Os Vendedores de Bares madas, Kerlor, acreditando que sua esposa é adúltera (ela
da Aurora; IX. O Ás de Paus. A técnica romanesca reaparece tenta, na realidade, esconder a falta da irmã de seu marido)
ainda na escrita das rubricas circunstanciadas, dedicadas a e pondo em dúvida a paternidade de seu próprio filho,
precisar os menores detalhes da encenação. abandona-o a um ignóbil bandido, la Limace13. O peque-
Todas estas características são retomadas e ampliadas no Fanfan torna-se amigo de Claudinet, outra criança
nos três melodramas de Decourcelle que obtiveram maior martirizada pela palmatória de la Limace. Depois de mui-
sucesso: Gigolette (1893), Les Deux gossestz (1896) e La tas viagens, desgraças, peripécias, a Sra Kerlor acredita re-

Môme aux beaux yeux (1906) (A Criança dos Belos Olhos). conhecer em Claudinet, então doente, seu filho. Este pensa
Gigolettenarra as seqüências daviolação de uma jovem então ter reencontrado um lar e o amor de uma mãe. Fan-
fan, por seu lado, consegue inocentar sua mãe, ser reconhe-
da alta sociedade por um operário que a amava. O viola-
cido por ela e punir la Limace. Mas Claudinet, tomado pela
dor', condenado à prisão, volta vinte anos mais tarde para
procurar sua filha nascida daquele ato. Depois de um rap- doença, morre, salvando-os a todos. O drama vale sobre-
to, marchas e contramarchas, qüiproquós e peripécias tudo pelo patético de duas crianças entregues à persegui-
múltiplas, termina-se por descobrir novas complicações. ção de brutos assassinos, num ambiente sórdido, e por certas
cenas,como por exemplo aquela na qual em uma igreja duas
Com efeito, o juiz que condenara o culpado havia se casa-
crianças roubam suas próprias mães que eles não conhecem.
do com a jovem violentada. O desfecho é violento: Gigo-
La Môme aux beaux yeux é um melodrama de estru-
lette, filha do condenado, joga-se na frente de um golpe de
tura bastante complicada no qual se enredam as intrigas
faca destinado a seu pai, finge-se de morta e depois apu-
que nascem da extraordinária semelhança entre duas

12. Encenada no Brasil com o título Os.Dois Garotos. 13. Ëmportuguês"a Lesma".

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mulheres, que volta e meia são confundidas uma com a inicia sua carreira de autor dramático no Théâtre Français
outra. A encenação usa trocas rápidas de cenário em cena com Une Soiree à la Bastille ( 1845 ) (Um Baile na Bastilha).
aberta, e joga com o pitoresco das estradas de ferro: o se- Ele alcançou a notoriedade, entretanto, no bulevar, com um
gundo ato se desenrola num cenário de vias férreas, sobre melodrama simples e forte, que obteve um extraordinário
as quais o herói é colocado pelos bandidos' O melodra- suce sso: Jenny l' ouyrière ( I 850 ) ( J enny, A Op er ár ia ). A p eça
ma desenvolve também o mito da América, onde se vai se passa em Paris. O cenário do primeiro ato é um quadro
fazer fortuna (tema já explorado em La Dame de carreau, do gênero: a pequena operária "que trabalha e que é bela,
( 1895), verdadeiro western, adaptado de Chambers e Ste-
boa e sábia", canta na janela enquanto rega as flores:
phenson) e joga muito com o pitoresco dos ambientes da
malandragem. Éo jardim de |enny a operária
Neste mesmo tom Decourcelle prosseguiu sua carrei- De coração contente .... de pouco contente;
ra, com Les deux Frangines (1903) (Os Dois Irmãos) e La Ela poderia ser rica mas lhe agrada
bâillonnée (1904) (AAmordaçada).Depois da guerra, es- O que de Deus é presente.ra
creveu uma série de romances: L'autre Fils (1922) (O Ou-
tro Filho), Quand on aime (1925) (Quando se Ama) e La Neste momento a desgraça da vida operária bate à sua
danseuse assassinée (1926) (A Dançarìna Assassina). Depois porta, rápido e forte: não há mais trabalho para as borda-
disso, numa evolução lógica de sua inspiração e do melodra- deiras, o ateliê do pai se incendeia, o filho é sorteado para o
ma do final do século, ele escreveu roteiros e participou dos serviço militar. Para atender às necessidades de sua famí-
primeiros empreendimentos do cinema-romance (les lia, Jenny se entrega a um jovem banqueir:o, Maurice Dor-
mystères de New York) (Os Mistérios de Nova Iorque)' say, que há muito tempo a perseguia com seu assédio. No
dia seguinte a este encontro Maurice está arruinado, mas,
sob o risco de perder seu crédito, deve, entretanto, guardar
Outros Autores todas as aparências de liqueza até o mais extremo desenla-
ce. |enny fica a seu lado e ajuda-o moralmente. Ele, então,
Nesta movimentada história do melodrama popular, promete-lhe casamento. O irmão de Jenny vem anunciar-
em meio a centenas de peças e dezenas de autores, é neces-
lhe que seu pai arrisca-se a ser preso por dívidas. Maurice,
sário assinalar o papel preponderante desempenhado,
ao contrário, tão brutalmente quanto tinha perdido sua for-
ainda nesta época, por Dennery e Anicet-Bourgeois' Adap-
tuna recupera-a. Jenny, discretamente, pode agora socor-
tando-se inteligentemente ao estilo de uma nova menta-
rer sua família. Mas Dorsay a abandona pela Senhorita
lidade, eles criaram dezenas de dramas de inspirações
d'Aumont, filha do Íìnancista que o tinha ajudado em seus
diversas e participaram dos maiores sucessos do gênero. A
maus momentos. fenny tenta voltar para a casa da família,
seu lado, convém notar a importância, por exemplo, de um
que a repele. Desamparada, ela lembra a Maurice sua pro-
autor como Adrien Decourcelle.
messa de desposá-la. Maurice cumpre o prometido, mas a
contragosto. fenny, que espera um bebê, procura novamen-
Adrien Decourcelle ( 1821- I 892)

Depois de brilhantes estudos universitários, Adrien 14. C'est le jardin de Jenny I'ouvrière / Au ccur content... content
Decourcelle torna-se inspetor dos cemitérios parisienses e pourlait être riche et préÊre / Ce qui lui vient de Dieu.
de peu ; / Elle

120 121

ï
r te refúgio em sua família. Maurice, então, percebe que a palco romances de Hugo - Notre-Dame de Paris (1879) e
ama. Tudo se encerra entre os risos e lágrimas de uma re- Quatre-vingt-treize (1881) - e de George Sand, Les Beaux
conciliação familiar. Messieurs de Bois Doré (1852) (Os Belos Senhores de Bois
Polígrafo, Adrien Decourcelle, que era casado com a Doré) e Cadio (1858).
filha de Dennery, escreveu, freqüentemente em colabora-
ção, numerosos vaudeviles e melodramas e seguiu também Théodore Barrière (1823 - 1877)
uma bela carreira de compositor. Poderíamos ainda desta-
car, entre suas obras, La Bête àbon Dieu (1849) (O Paler- Criou um tipo cômico, Desgenais, e adaptou para o
ma), La tête de Martin (1852) (A Cabeça de Martin), La palco LaVie de Bohême, de Murger, em 1851. Seus vaude-
Perdrix rouge (1852) (A Perdiz Vermelha) e Les Orphelines viles les Filles de marbre (1852) (Os Filhos de Mórmore) e
deValneige (1853) (Os órfãos deValneige), imitação de Les Faux-Bonshommes (1856), contam-se entre os maiores
Geneviève, de Lamartine. sucessos cômicos do século. Em seus melodramas, dos quais
os mais célebres são Manon Lescaut (1851), com Fournier;
Deuses Menores L' Anemort ( I 853 ), com Jaime; La B oisière ( 1 853), com |ai-
me filho; IlAnge de Minuit (1861), com Plouvier e Le Cri-
Assinalaremos aqui alguns autores de menor reputa- me de Faverne (1868), encontramos situações "extremas,
ção,ao menos no gênero melodramático, mas que marca- horríveis, pesadas" (Zola). A composição é irregular e con-
ram, entretanto, pela originalidade de algumas de suas trastante; as cenas de violência alternam-se com longas
criações, a história do melodrama desta época. pausas, mas o movimento freqüentemente remata o con-
junto com certo aparato.
Paul Meurice ( 1820-1905)
Philippe Dumanoir (1806- 1865)
Muito ligado a A. Vacquerie e a Hugo, admirador de
Shakespeare e fervoroso adepto da escola romântica, ele Foi também um vaudevilista de renome; colaborou
escreveu, em 1842,um Falstffi com Gautier, e uma tradu- com Dennery em Don César de Bazan (1844), La Case de
ção daAntígona, de Sófocles, com Vacquerie. Colabora com l'oncle Tom ( 1853) e Les Drames du Cabaret ( 1864).
Dumas na composição de romances e dramas, como um
Hamlet,em 1847. Depois de haver participado ativamenie Paul Foucher ( l8l0-1875)
da Revolução de I 848, escreve para o bulevar peças freqüen-
temente mal construídas e às vezes um pouco literárias Cunhado deVictor Hugo, foi seu colaborador em Amy
demais para um público popular. Contando com o talento Robsart. Deve-se a ele um melodrama de sucesso, Le pacte
de Mélingue, obteve grande sucesso com Benvenuto CeIIini de famine (1839) (O Pacto de Fome), que foi seguido por
(1852). Seguiram-se a ela, com o mesmo sucesso, Schamyl Guillaume Colmann (1838), Les Rôdeurs du Pont-Neuf
(1854), L'Avocqt des pauvres (1856) (O Advogado dos Po- (1858) (OsVagabundos da Ponte Nova) e La Bande noire
bres), F anfan la Tulip e ( I 85 8 ), Le Maitr e d' écol e ( I 858) e Ie (1866) (O Bando Negro). Colaborou também com Anicet-
Roi de Bohême et ses sept châteaux (1859) (O Rei da Bohê- Bourgeois em La lustice de Dieu (1845) (A lustiça de Deus);
me e Seus Sete Castelos). Meurice também adaptou para o com ]aime, em Les etoffiurs de Londres (1847) (Os Asfixi-

122 123
adores de Londres); com Aubry, em Bruyère ( 185 1), e com Um lugar importante deve ser reservado também para
Dennery em La Bonne aventure (1854) (A Boa,\ventura). lules Mary ( 185L-1922), cuja inspiração variada tirou par-
tido de todos os recursos propostos pelas diversas orienta-
Marc Fournier (1 818-1879) ções do melodrama. A maior parte de seus romances foi
adaptada parao palco, mas seu maior sucesso foi incontes-
Apresenta, em 1848, Les Libertins de Genève (Os Liber- tavelmente Roger la Honte (1888) (Roger, aVergonha), que
tinos de Gênova) e ainda Eric ou Ie Fantôme (Eric, ou O Fan- foi comparado a um Monte-Cristo cuja fortuna não seria,
tasma); em 1852, Les Nuits de la Seine (As Noites da Seine) entr€tanto, devida apenas ao acaso, mas ao esforço e à en-
e, dez anos mais tarde, Le Portefeuille rouge. Colabora com genhosidade e que viria, também ele, a se vingar dos ho-
Dennery em Paillasse (1850) e com Adrien Decourcelle em mens e da sociedade. Suas peças seguintes, Ie Maitre
La bête à bon Dieu (1854). d'armes (1897) (O Mestre de Armas), La Pocharde (1898)
(A Embriagada), Roule-ta -b o ss e (1906), I-i enfant des fortifs
Lambert-Thiboust (1827 - 1867 ) ( 191 1 ) (Os Infantes das Fortalezas) e La Gueuse ( 191 I ) (Á
Prostituta), não tiveram tanta repercussão, mas foram to-
Compôs mais de uma centena de peças, entre as quais das muito apreciadas.
poderíamos distinguir La Petite Pologne (A Pequena Polo-
nesa),com Blum; Ie Crétin dela Montagne (1861) (A Cre-
tino da Montanha),bela investigação policial dirigida por
uma jovem no ambiente montanhês, e LaVoleuse d'enfants
(1865) (A Ladra de Criança).
Dugué, enfim, depois do sucesso de Fualdés (1848),
colabora com Dennery em numerosos melodramas e escre-
ve, sozinho, Marthe et Marie (1851), Marie-Rose (1853) e
Georges et Marie (1853),
Mais ainda nesta época que na precedente, o papel de-
sempenhado pelos grandes romancistas (Hugo, Vern e,Zola,
Ohnet, Bourget) foi preponderante. Suas principais obras
deixaram marca nas criações melodramáticas. O papel dos
folhetinistas foi também, por sua vez, essencial: Ponson du
Terrail, em 1884, adaptou Rocambole, com Anicet-Bour-
geois; Méry, cujos exóticos folhetins tiveram glande suces-
so, deu ao bulevar Frère et Seur (1856); Paul Féval enfim,
além de Le Bossu, publicado no Le Siècle, em 1857, e adap-
tado para os palcos em 1862, compôs também, para o tea-
tro, Le Fils du Diable (1847), com Saint-Yves, e ainda les
belles de nuit ou Les Anges de la famille (1849) (As Belas da
Noite, ou os Anjos da Família) e Le Bonhomme Jacques
(1850) (Jacques, o Bom Homem).

124 125
c. ESTÉTICA MELODRAMÁTTCE
E SUA SOSREVTVÊNCTR

O melodrama,paÍa retomar uma fórmula de Théophile


Gautier, é um espetáculo "ocular", inteiramente votado ao
espetacular: um teatro de ação e de atores.
Esta simples constatação permite evitar muitos mal-
entendidos.

A Escrita Melo dramâtica

Ainda que os primeiros autores tenham tido a preten-


são de uma busca de dignidade para o estilo, a estética me-
lodramática, por sua própria natureza, não pode estar ligada
à da literatura. Zombou-se freqüentemente do melodrama
a esse respeito, sem se ter a consciência de que o estilo do

Contrato de atriz, no Théâtre de la Gaité.


ííütredelaGaiu.

127
gênero responde primeiramente àsexigências do movimen- Levando em conta as inevitáveis variações devidas às
to, da sinceridade e da sensibilidade. A língua do melodra- modas e às tendências diversas do gênero"(histórico, exó-
ma, que se repr'ova (mas segundo que normas?) por ser uma tico,burguês, realista.'.) é bastante fácil, malgrado a abun-
mistura de algaravia e de pieguice, joga unicamente com as dância e a diversidade dos locais representados, traçar uma
funções emocionais da linguagem. O gênero buscava menos verdadeira topografia do melodrama. A divisão se opera
o lirismo, a invenção poética e a dignidade literária do que a eqüitativamente entre lugares abertos e fechados, sendo que
idéia que sefazia disso. Os diálogos do melodrama acusam, os fechados apresentam freqüentemente uma saída para o
assim, os tiques da linguagem sentimental, dramática e rea- exterior. O conjunto destes locais de predileção do melo-
lista próprios de cada geração, o que explica o rápido enve- drama, sempÍe estreitamente ligados à intriga, mereceria
lhecimento de seus diálogos de uma geração para outra. um estudo circunstanciado. Poderíamos, entretanto, assi-
Por seu gosto pelas situações, o melodrama foi uma das nalar algumas constantes obsessionais.
primeiras formas teatrais a se desligar deliberadamente da
escrita tradicional do teatro, preferindo uma linguagem A Choupana
puramente cênica que era, inicialmente, a da ação e das
imagens. Pixerécourt, pela precisão de suas rubricas e su- Situada num local agreste' ela representa o espaço do
pervisionando pessoalmente, com novas exigências, tanto trabalho, da miséria ou da felicidade. Neste último caso, ela
técnicos quanto atores, desempenhou neste domínio o pa- é cercada por um muro que delimita um espaço protegido
pel de inovadol e elevou a encenação ao nível de uma arte. que será transgredido pelo vilão. Nos arredores encontra-
O próprio termo mise en scènet nasce, aliás, nesta época, e se freqüentemente um lugar perigoso: precipício' gargan-
em 1828 inventa-se, inclusive, uma nova musa, Sceneis. ta, ponte sobre uma correnteza, etc.

A Floresta
As Cenários
É um lugar não delimitado, de perigo e de agressões'
A linguagem teatral ganhou assim uma dimensão mais Dentro dela, às vezes um precário refúgio: a caverna'
expressiva, alargando e dominando um novo espaço cêni-
co. Esta revolução viria a par de numerosas inovações téc-
O Albergue
nicas: panoramas, dioramas etc., que amplificaram a
dimensão espetacular do gênero. Os primeiros cenógrafos Todas as classes sociais se aproximam, neste local de en-
do melodrama, Alaux, Albany, Moenck, Gué, Cicéri irão contros e de enfrentamento. É uma interrupção da errância'
utilizar ao máximo estas invenções e aperfeiçoá-las no um dos lugares de predileção do crime, A noite, neste cenário'
período romântico. Os cenógrafos do final do século con- é propícia a todos os qüiproquós e a todas as perversidades'
tinuam a trabalhar no mesmo espírito e contribuem, em
muito, como seus predecessores, para o sucesso do gênero. O Castelo

l. No sentido de uma encenaçao global, ou do que seria chamado Lugar do poder e da riqueza, ele fi'eqüentemente é cons-
atualmente direção, ou ainda, encenação. truído sobre uma rede de subterrâneos labirínticos'

128 129

a
O esquema básico do diálogo castelo-choupana será esconderijos e amplos espaços pala as batalhas e os duelos
certamente objeto de numerosas variações, sobretudo na à quatre coups.Todosos críticos do período concordam em
segunda parte do século, quando a fragmentação em qua- reconheceï o espírito inventivo e a engenhosidade dos ce-
dros fará evoluir a estética do gênero na direção de um nógrafos de melodramas. Eles assinalam também o grande
realismo descritivo. Na maior parte dos casos, entr€tanto, cuidado dedicado à confecção dos figurinos' arte essencial
acrescentaï-se-â, ao simbolismo visual dos lugares, aque,le nestas peças nas quais cor local, exotismo, realismo, disfar-
do ou dos "trunfos" de encenação que serão, desde os pri- ces, festas camponesas ou principescas contribuem para
meiros sucessos do gênero, um dos principais atratiyos do enriquecer e para variar a estética visual do gênero.
melodrama. A catástrofe (tempestade, incêndio, inundação,
erupção de vulcão..,) ou, mais tarde, o acidente na estrada
de ferro fazpafie dos artifícios do crime. O "trunfo,,torna- A Música e os BaIés
se então o apogeu paroxístico da peça, o momento no qual
se conjugam os poderes do visual com os do patético. Próximo, em seu surgimento, da técnica da cena lírica
Muitos destes trunfos de encenação ficaram célebres na ("Um melodrama, escreveria Pixerécourt, nada mais é do
história do melodrama: a avalanche em La Cabane de Mon- que um drama lírico no qual a música é executada pela
tainard, o desabamento final em La Citerne, a inundação orquestra em lugar de ser cantada"), o melodrama utiliza,
em La Fille de l'exilé, o acidente de trem em L'Affaire Co- sobretudo em seus primórdios, todos os recursos do acom-
verley,etc.A descrição, nas rubricas, da catástrofe final em panhamento musical. Nos melodramas clássicos, a peça era
La Tête de mort (1827) (A Cabeça do Morto), de pixerécourt, às vezes precedida de uma abertura musical, curto prólogo
pode dar uma idéia da complexidade desta encenação. que dava o tom geral do conjunto do drama (ver, por exem-
plo, Hélénor de Portugal1807, de Périn)
Escuta-se o ruído do Vesúvio aumentar [...]. Estrondos vulcâ-
A música de melodrama é ao mesmo temPo expressi-
nicos rasgam a atmosfera.Arpeya e os bandidos voltam sobre seus
passos, perseguidos pela lava. Mulheres, crianças e velhos, surpre-
va e descritiva. Sua função é inicialmente emocional: ela
endidos pela erupção, procuram um abrigo entre substitui o diálogo na pantomima) prepara e sustenta os
as ruínas [... ]. Uma
torrente de lava precipita-se das alturas à esquerda, dentro das es- efeitos dramáticos e patéticos, acompanha a entrada e a
cavações do fundo [... ]. A lava transborda e avança pela grande rua saída dos personagens. As orquestras' que compreendiam
que ela inunda. Um arbusto plantado perto da tumba é ressecado numerosos componentes, apresentavam uma música de
pela torrente incandescente [...]. O palco é inteiramente inunda- qualidade e eram dirigidas por musicistas de talento' como
do por este mar de betume e de lava. Uma chuva de pedras incan-
Quaisin, Gerardin-Lacour, A. Piccini... Mais tarde, ainda no
descentes e transparentes e de cinzas cai de todos os lados [...]. A
século XIX, embora menos solicitada pela encenação, a
cor vermelha que tinge todos os objetos, o medonho ruído do vul-
cão, os gritos, a agitação [...] tudo concorre para formar desta pa- música de acompanhamento do melodrama continuará,
vorosa convulsão da natureza um quadro horrível e certamente todavia, a ser de qualidade. Como já foi assinalado, de modo
digno de ser comparado aos Infernos (cai o pano). geral o nome do compositor e o do responsável pelo balé
figuravam no cartaz,
Por outro lado, o alargamento do espaço cênico e sua O balé, outra convenção do melodrama, entrava tam-
divisão, na largura, por numerosos elementos do cenário, bém nesta combinatória mímica-linguagem-música-qua-
na altura, pela utilização de praticáveis, reserva numerosos dro que constitui a originalidade do gênero. O balé participa

1i0 131
do jogo de alternância onde se opõem a tensão
e o relaxa_ de um velho ator que desempenhava o papel de pai nobre
mento do patético. Ele intervinhã, efetivamente, tanto
no do melodrama e que dizia:"Ê- muito mais difícil, meu jo-
início do primeiro ato,-na descrição da felicidade que pre-
vem, interpretarbem o melodrama do que a tragódia,.. (e,
cedia a chegada do vilão, como no meio da p"çã,
. ..u batendo no peito) O melodrama, é com isto que se inter-
então interrompido pelo anúncio de algum terrível
acon_ preta.., Para a tragédia, o talento é suÍìciente; para o melo-
tecimento. Algumas vezes ele tinha tamlbém lugar
nas ce_ drama é necessário o gênio".
nas finais, durante os episódios de reconhecimento,
As Se a primeira geração destes atoles (Révalard, Thutin,
mesmas funções dramáticas eram atribuí das às
romanzas
e às cantigas. Alguns melodramas tinham ainda a tendén_ Defresne, Marty, Moëssard, Adèle Dupuis, Jenny Vertpré
cia de se encerraÍem como os vaudeviles, por uma etc.) parece haver praticado um tipo de interpretação um
copla
final. Era através do balé, também, que se e>çrimia ainda tanto estereotipado, na qual cada papel tinha uma gestua-
a
cor local exótica e histórica. A, .".rui de bailè se prestavam lidade codifìcada, mímicas e comportamentos particulares,
além disso, a todos os jogos de máscara. Em certos
momen_ com olhos girando nas órbitas, roncos e soluços dramáti-
tosda_história do gênero o balé foi negligenciado, como cos, foi entretanto certamente nesta escola, e no bulevar, que
nos
melodramas românticos ou em alguns melodramas realis_ se formaram, mesmo tendo em seguida quebrado as cadeias
tas orr policiais, nos quais ele foi zubstituído por cenas de seus papéis, Frédérick Lemaitre e Marie Dorval, Mélin-
ou
quadros de gênero. gue e Bocage.
Foi nesta mesma escola que, mais tarde, ainda no sé-
culo XIX, foram também talhados atores como Ménier,
Os Atores Dumaine, Tirillade, etc. A propósito da importância do de-
sempenho dos atores na elaboração e no sucesso dos me-
O papel dos atores foi essencial na história e no su_ lodramas, citaremos, em meio a inúmeros testemunhos, o
cesso do melodrama. Foram eles que deram ao gênero do crítico Fournier, num artigo de 1864 publicaclo em La
sua
verdadeiradimensão. Não tendo que render jamais tributo
Patrie:
a um texto "literalizado'i eles puderam exprimir
totalmen_
te sua personalidade dramática, seus dons de mímica Fala-se muito dos grandes atores do passado, que com urÌìa pn-
e dar
à sensibilidade toda a sua força e suas nuances. Foi lavrafaziam uma cena e com um gesto todo um drama, e há quenr
na es_
cola do melodrama que se formaram todos os grandes não acredite. Quando se viu Frédérick Lemaitre em Le Comte dc
atores do século. A esse respeito, Dussane escreveriã, Saulles, entretanto, acredita-se. Por meio do que ele faz, ele revela
muito
acertadamente: tudo o que pôde ser feito antes,

São uma maravilhosa ginástica estas situações extremas:


aban-
donos,desesperos, angústiai, reconhecimentos,ïranses
místicos [...]. O Público e os Teatros
Os pulmões são treinados nos gritos, os nervos se rompem
com as
lágrimas, o rosto e o corpo suúmetem-se à mímica e aos grandes
gestos. Aprendizagem violenta que evoca o rude Ao longo de todo o século XIX, os teatros que encena-
exercício ãe barra
por meio do qual se formam os dançarinos. vam melodramas (o Porte-Saint-Martin, o Ambigu, o Gaité
e, mais tarde o Château-d'Eau), malgrado as interdições, as
Tâmbém Charles Dullir, qu. reconhecia humildemen_ destruições, os incêndios, desempenharam, na vida social
te sua dívida para com o melodrama, menciona as palavras e cultural do século, um papel preponderante. Era dentro

132
1i3
destes teatros que se encontravam, apesar da evolução e das Era efetivamente nos palcos dos teatros dos bulevares,
variações das mentalidades, todos os estïatos da sociedade. e muito raramente nos outÍos, que se encontravam o movi-
No final do século, o entusiasmo pelo melodrama conti- mento e a invenção teatrais, Numa mesma sessão amontoa-
nuava intacto, como observaria Sarcey, num artigo publi- vam-se freqüentemente dois melodramas e um vaudevile
cado no Temps, em 1894: e era bastante comum que um melodrama ultrapassasse a
centésima representação (como nos outros gêneros, a cla-
Dizem que o púbÌico não quer mais nem o melodrama nem o que era utilizada nas primeiras apresentações). Muitas pe-
vaudevile; e é ao vaudevile e ao melodrama, poÍ menos bem feitos
ças, as que hayiam obtido os maiores sucessos' eram
que sejam, que o púrblico acorÍe como para o fogo; e ele ainda pre-
reencenadas em interyalos regulares e cadageração retoma-
fere pagar para vê-los, mesmo sendo velhos e gastos, do que não
poder vê-los de jeito nenhum.
va, ainda, as peças mais célebres da geração Precedente.
Neste domínio, o papel dos pequenos teatros de bairro
Na mesma época, num artigo do Censeur pomposa- (Belleville, Montmartre, Montparnasse) foi determinante:
mente intitulado Les Bienfaits du mélodrame (Os Benefí- eles foram a primeira parada de sucessos de obras-primas
cios do Melodrama), E. Maulde sublinhava a homogenei- do melodrama. Depois deles, os teatros de província que
dade do público do melodrama, a mesma, em última ins- tinham suas próprias trupes ou acolhiam turnês, retoma-
tância, que caracterizava o público do Primeiro Império: vam as peças que tivessem obtido a consagração parisien-
se. É necessário notar, finalmente, que a criação do gênero
Por sua variedade, o púbÌico do Ambigu desperta, com efeito, melodramático foi um fenômeno estritamente francês, que
mesmo nos mais egoístas, o senso da fraternidade. Vê-se ali, fundi- se espalhou rapidamente pela Europa (Inglaterra, Itália,
dos no mesmo calor de atenção, avizinhando-se com sorrisos que Alemanha, Portugal, Holanda e Rússia) e pelo Novo Mun-
atestam que a união das classes não é uma quimera, os cavalheiros do, onde foram traduzidos e adaptados os sucessos do Bu-
de fraque com os comerciantes do bairro Saint-Martin, as atrizes
levar do Crime.
do momento com as deidades da rua Bréda, verdadeiras "grã-finas"
com beldades da caÌçada; vê-se ali, numa promiscuidade tocante,
antigos e futuros pensionários de Fresnes2, operários, caixeiros, cos-
tureirinhas, carregadores dos mercados, açougueiros de LaVillette A Posteridade do Melodramq
e porteiros, montes de porteiros e até crianças de colo. É claro que
todas estas pessoas não recebem do palco impressões idênticas. Na evolução do gênero a partir do começo do século
Acontece de a platéia sorrir quando a torrinha chora, e de a torri- XX, duas correntes essenciais aParecem: uma buscará per-
nha se alegrar quando a platéia se entristece. Mas em certos momen-
petuar, sem nenhuma mudança, as receitas do melodrama
tos a emoção atinge fraternaÌmente todos os corações. Do fraque à
tradicional, de modo geral retomando antigos sucessos
camisa, o mesmo frêmito de repouso percorre a sala durante o en-
(após a Primeira Grande Guerra, poucas novas criações
treato. E se poÍ acaso - pois as tradições se mantêm - os músicos
aproveitam o fechamento da cortina para tocar uma valsa lenta, é enriqueceriam o repertór'io); a outra, apoiando-se na esté-
em uníssong como as mesmas inflexões de ternura, que as vozes, tica melodramática, tentará inová-la,
ainda que saindo de diferentes devaneios, murmuram as coplas. E No primeiro caso, podeÍíamos assinalar as tentativas
prova-se uma doce alegria na constatação de semelhante comunhão. de A. Bernède, que pretendeu criar, em 191 3, um teatro onde
só se encenariam os melodramas de antigamente, a de An-
2. Nome de umaconhecida prisão. toine, que ao longo de matinês clássicas encenava melodra-

134 135
mas de Pixerécourt, e enfim a de Gémier, grande admira- didática e social. Gémier, que $eguia s melmê inlpiraçÉo'
dor dos atores de melodramas. escreveria em 1923:
A Torre de Nesle, reencenada por ocasião do centená-
Ele (o melodrama), será a nova igrejr nr qud or oüclrntrl êf
rio do romantismo, obteve um grande sucesso. Era no Tea-
boa vontade anunciarão o evangelho qu€ rcconclllËrd todcr gl hg'
tro Montparnasse que estava instalado o melodrama e, até t
mens. E para esta magnífica tarefa, ele reunirá todrr rr ütltr
1929, a reprise dos grandes clássicos para ali atraía muita
poesia, a música, a dança, as artes plásticas, que em lugar do tt CÔtl'
gente, malgrado a concorrência do cinema. Constatou-se finarem em compaÍtirnentos juntar-se-ão, se fortiÍìcarão mutul'
também uma retomada do melodrama em 1940, e durante mente nesta arte dramática nova.
o período da ocupação alemã, encenava-se enláo Le Bossu,
Les Deux Orphelines, La Porteuse de pain, Les Deux Gosses e Belo fim para o melodrama, esta visão utópica de uma gran'
La Bouquetière des innocents, por exemplo, Observa-se, diosa missão humanitária.
como se pode constatar ao longo de sua história, que o me- Menos artificial, mas mais real, foi a influência do
lodrama, sempre firmemente entrelaçado ao tecido social, melodrama sobre os dramas de Salacrou: fArchipel Lenoir
ganha novo viço nas épocas de crises sociais e nacionais, nos (O Arquipélogo Lenoir), Les Fiancés du Havre (Os Noivos do
momentos em que os valores se redefinem e que se Íeen- Havre), de Bernstein Le Bercail (O Aprisco), Samson,
contra o gosto pelas oposições fortes e a necessidade de uma LiAssaut (O Assalto), La Soif (A Sede), ou ainda de Ghéon
criação mítica e compensatória. Le Pauvre sous I'escalier (O Pobre sob a Escola), La Bergère
Muito naturalmente, desde o começo do século, é no au pays des loups (A Pastora no País dos Lobos), Le Noël sur
cinema, novo mestre da ilusão visual, do espaço e do tem- la place (O Natal na Praça),grande admirador do melodra-
po, que o melodrama encontrará um novo vigor. O cine- ma, que escreveria:
ma, com efeito, desde seus primeiros filmes, retomará os
grandes sucessos do gênero e alguns autores de melodra- se ele afaga ogosto do público, é lealmente, por meio dos fatos' Tudo
mas, como Pierre Decourcelle, chegaram mesmo a escre- pela ação. Muito sombria, bem desenvolvida, evidente aos olhos dos
ver roteiros. Reencontramos, assim, os prolongamentos da mais iÌetrados, ela faz movimentarem-se os atores, tremerem as tá-
buas; ela realiza no drama este dinamismo que Molière obtém na
estética melodramática nos filmes de espionagem, de capa
farsa e na comédia e acaba por emPrestar um sentimento de reali-
e espada e sobretudo nos westerns que retomam para si os
dade às sombras. Ela age imediatamente sobre os espectadores' Um
efeitos, os estereótipos e a tipologia do gênero. A televisão, verdadeiro criador poderia se assenhorar dela e darlhe a consagra-
por sua vez, reedita periodicamente alguns de seus grandes ção humana.
clássicos.
A outra corrente da criação melodramática aparece nas Uma filiação mais subterrânea com o melodrama
tentativas de enriquecimento e de renovação do gênero. poderia ser percebida também em alguns dramas de fean
Desde o final do século XIX, Maurice Bouchor (Drame pour òocrcau, camo La Machine infernale (A Mâquina Infernal),
marìonnettes ( D rama p ara Mar ionete s )), Maurice Pottecher I Aigle à deux têtes (A Aguia de Duas Cabeças) ou Les Parents
(Les Spectacles du Théôtre du peuple) (Os Espetóculos do terribles (Os Parentes Terríveis),a propósito da qual ele dizia:
Teatro do Povo) e Romain Rolland (Le Théâtre du Peuple (O
Teatro do Povo) ; Théôtre de la Révolution (Teatro da Reva- Era necessário escÍever uma Peça moderna e nua, não dar aos
lução)buscaram recuperar para o melodrama uma missão artistas e ao público nenhuma chance de retomar o fôlego ["']' Re -

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ï
r sultou disso um vaudevile, um melodrama, tipos de um bloco só
que se contradizem. Uma seqüência de cenas - verdadeiros peque.
nos atos - na qual as almas e as peripécias estão, a cada minuto, no
extremo delas mesmas.

((ao
Esta necessidade de levar as ações e os peïsonagens
extremo deles mesmos", Kessel a sentiu compon do Le Coup
de grace (O Golpe Fatal), que ele denominou melodrama,
Ele explicou sua posição num artigo publicado nas Lettres
Françaises:

Escrever um melodrama é recusar deliberadamente as normas


freqüentemente enferrujadas do "gosto", da "medida", em proveito da
pujança - mesmo exagerada - do conflito, da intensidade - mesmo
brutal - na ação, da liberdade - mesmo desenfreada - na expressão.

De uma outra maneira, o teatro de idéias do pós-guer-


ra, no qual encontfamos personagens que representam va-
lores, reencontra naturalmente o caneyas do melodrama
com as peças de Camus, Calígula, tEtat de siège (O Estado CONCLUSÃO
de Sítio) e sobretudo Le Malentendu (O Mal-entendido),na
qual uma absurda e desregrada fatalidade conduz, num al- O melodrama é um gênero teatral que privilegia primeira-
I
bergue, a um falso reconhecimento e a um assassinato. mente a emoção e a sensação. Sua principal preocupação é
Enfim e sobretudo, as pesquisas teatlais que tentam fazetvariaremestas emoções com a alternância e o contraste
desenvolver novas formas de expressão, inevitavelmente se de cenas calmas ou movimentadas, alegres ou Patéticas. É
interessam pela estética melodramática. Em seu programa também um gênero no qual a ação romanesca e espetacu-
do Teatro da Crueldade, Artaud não previa "um ou mais lar impede a reflexão e deixa os neÍvos à flor da pele, um
melodramas românticos em que a inverossimilhança se gênero no qual "não se tem necessidade do vivido,provido
torna um elemento ativo e concreto da poesia"? que se é do viventd' (G. Jubin). Com o melodrama, a sala
Atualmente, enquanto numerosas tentativas buscam de espetáculo muda de função: ela não é mais um palácio
reencontrar formas teatrais de origem, onde a poesia nasce de espelhos onde uma sociedade se dá em espetáculo a ela
unicamente da ação, onde o espetacular retoma a primazia mesma, mas um local de comunhão numa ilusão teatral
sobre o texto escrito, onde o teatro se transforma num ri- completa, que beira a fascinação.
tual ético e estético de ampla utilização e que faz renascer O estilo dos diiílogos, evidentemente, não tem lugar
crenças e mitos enterrados, uma trilha resta talvez aberta num tal universo: a intriga de um melodrama não é jamais
para um melodrama que não quer, certamente, morrer. bem escrita, mas é sempre bem descrita. É exatamente esta

Car olin e S oisson em La Citer ne.

138 139
a ÍÌïte que se reprovou por ter sido tão habilmente pratica-
du, qua se comparou algumas vezes, a um "ópio do povo",
a "uma empreitada deliberada da burguesia para doutrinar
e moralizar o povo" (R. Monod). Este julgamento não é, cer-
tamente, inteiramente falso, ao menos para certas épocas,
mas parece muito redutor. O melodrama, é verdade, prati-
ca em geral uma moral convencional e "burguesa", mas não
sepode esquecer que ele veiculou, durante uma boa parte
do século não só idéias políticas, sociais e socialistas, mas
sobretudo humanitárias e "humanistas'] apoiando-se na
esperança fundamental de um triunfo final das qualidades
humanas sobre o dinheiro e o poder. EIe carreou, de cam-
bulhada, os sonhos e as esperanças dos estratos sociais mais
desfavorecidos, mas também criou e manteve a efervescên-
cia de um imaginário popular, rico e vigoroso.
De fato, durante todo o século XIX, com diferentes
formas de sucesso, o melodrama revelou-se um "teatro
teatral", utilizando todos os recursos da arte cênica para
criar um ritual dlamático que apelava para uma qualidade BIBLIOGMFIA
que perdemos ante um espetáculo: a ingenuidade; e para
uma outra que lhe é complementar, evitando que se redu- Sumórìa
zam estas peças a um conjunto de clichês: a sinceridade. Em
defìnitivo, como o dizia Jules Lemaitre: "Consentir em gos- ÂLBERï Maurice, Les théâtres des Boulevards (1789-1848). Paris, Sté. Fr.
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