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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE

Instituto de Letras e Artes (ILA)

Disciplina: História, Teoria e Crítica da Arte Contemporânea


Prof. Dr. Felipe Caldas
Discente: Eduardo Stigger Matrícula:132473

Referência:

1. www.prolivro.org.br/5a-edicao-de-retratos-da-leitura-no-brasil-2/a-pesquisa-5a-edicao

Macuníma - Joaquim Pedro de Andrade. Duração: 108min. Brasil: 1969.

ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Edição crítica de Telê
Porto Ancona Lopez. Rio de Janeiro / São Paulo: Livros Técnicos e Científicos / Secretaria
de Cultura, Ciência e Tecnologia, 1978: 148.
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O filme é extremamente diferente do livro. Essa parece uma constatação das mais
óbvias, uma forma estúpida de começar um texto, porém, explico-me: é evidente que houve
não apenas uma transfiguração das formas - da literatura ao cinema - mas um completo
embaralhamento dos sentidos. Mário de Andrade, um polímata e um poliglota
impressionante, não parece ter sido compreendido por um Brasil que, supostamente
louvando a obra de um formidável escritor, pouco lê. Eu, que assisti ao filme pela primeira
vez agora, fiquei surpreso e triste.
Não quero imaginar que seja esta a realidade do diretor e de toda a equipe que
produziu o filme, contudo, ao passo em que temos um livro onde figuram conceitos de uma
filosofia poderosa e profunda - como a própria evocação metafísica da antropofagia, tema
recorrente na obra do poeta - temos, em contrapartida cinematográfica, uma produção que
beira à chanchada. Por favor, não me confundam com um puritano ou um conservador. Na
verdade, estou longe disso. A produção é apelativa, é isso que penso. Fica difícil fazer uma
comparação, porém, quando, no filme, o personagem principal tem a sua terceira parceira
sexual diferente aos trinta minutos, praticamente uma a cada dez minutos. Isso sem falar em
inúmeras cenas de nu de um mal gosto extremo. Para completar, sinto que o ritmo da
adaptação parece forçado, muito rápido para abarcar a obra original e sua complexidade.
Se pensamos que a média de leitura anual de um brasileiro é de 2,4 livros por ano¹,
podemos ter segurança de que todas as pessoas que dizem amar a história realmente a
compreendem? Não creio. Na verdade, mesmo para alguém que lê muito, Mário de Andrade
é um escritor a ser degustado lentamente. Isso, inclusive, nos leva a outro ponto, talvez já
presente na versão vivida por Grande Otelo: a pressa de uma sociedade que nunca pára,
que perdeu a sensibilidade para aquilo que tenha duração maior do que alguns minutos.
Tudo é pra já, agora, agora mesmo, veloz, veloz… inclusive o filme, e talvez seja esse seu
maior pecado.
Algo se perde no que diz respeito à própria imanência da história, que parece
ausente de si mesma: enquanto no livro nunca sabemos dizer ao certo se Macunaíma se
deu bem ou mal, se o anti-herói foi vitorioso ou não, nas telas de cinema é óbvia a sua
derrota. Desta forma, a própria ideia de um ser que devora outro e torna-se, em parte, aquilo
que devorou, o inimigo derrotado, a presa abatida que transfere suas características ao
devorador, vemos na adaptação uma farra bastante vaga, onde um come o outro porque
pode, onde o que há é apenas a força bruta e a violência do caçador. Perde-se a
transfiguração heracliana da matéria, de coisa à coisa. Perde-se a mística, o ritual e a
consagração - o sagrado - sobra uma paródia mecânica e cinza. Macunaíma nunca saiu dos
livros, eu penso.

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