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Clínica da Atividade1
Yves Clot*
Resumo
O presente artigo apresenta de forma sucinta as bases da Clínica da Atividade, a partir da discussão de temas
como riscos psicossociais, saúde do trabalhador, métodos de intervenção e o papel do coletivo para a saúde do
trabalhador. Apresenta os quatro registros do métier : pessoal, impessoal, interpessoal e transpessoal e explica o
funcionamento do método de ação proposto pela clínica da atividade, que tem por objetivo o desenvolvimento
transpessoal da função do coletivo.
Palavras-chave: clínica da atividade, saúde, métodos de intervenção
Clinique de l’Activité
Résumé
À partir d’une discussion de thèmes comme les risques psychosociaux, la santé des travailleurs, les méthodes
d’intervention et le rôle du collectif dans la santé des travailleurs, cet article présente succinctement les bases de
la Clinique de l’Activité. Après une présentation des quatre registres du métier (personnel, impersonnel,
interpersonnel et transpersonnel), il explique le fonctionnement de la méthode d’action proposée par la clinique
de l’activité, qui vise à un développement transpersonnel du collectif.
Mots-clés: Clinique de l’Activité, santé, méthodes d’intervention
*
Endereço eletrônico: yves.clot@lecnam.net
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Clínica da Atividade
entretanto existe, é o principal risco psicossocial do “solo”4. O gesto pessoal é sempre dirigido aos
período. Uma clínica da atividade tem por objeto colegas destinatários dos esforços consentidos. O
levantar essa inibição dialógica pela retomada da métier é nesse aspecto interpessoal. Ele vive, então,
criação profissional coletiva. O profissionalismo ou morre, entre os profissionais e, em cada um
tem necessidade de diálogo para sobreviver, de deles, na motricidade das trocas pessoais e
discordâncias e de compromissos. Quando a interpessoais sobre o que há a fazer ou a refazer, a
paralisia do diálogo profissional sobre as verdades dizer ou a re-dizer, sobre o que precisaria ou se
do trabalho ganha o métier, este último se endurece precisará fazer. Essa gramática da ação mostra até
e se fragiliza na atividade de cada um e na que ponto o métier é uma conjugação. Ele não é
organização inteira. As energias são dissipadas e os todo inteiro no presente das atividades
recursos desperdiçados. A inteligência e o compartilhadas na situação. Estas precisam de
engajamento subjetivo e coletivo só se aguçam antecedentes que permitam se colocar no diapasão
escutando e deliberando; é estudando da ação: é a história e a memória coletiva que dão a
profundamente o problema, examinando todas as cada um a garantia para agir no presente e “ver
soluções, que se encontra aquelas que se busca, chegar” o futuro. Essa memória é transpessoal,
sobre as quais uma unanimidade ao menos ninguém é seu proprietário. Disponível a todos
provisória pode se fazer e que ninguém tinha quando ela existe, ela atravessa as gerações e cada
considerado antes. Sem poder se deixar afetar pelas profissional individualmente. É o teclado coletivo
surpresas deste diálogo sobre o trabalho concreto, dos gestos e das palavras, sobre o qual cada sujeito
tornamo-nos cegos. pode tocar sua pequena música, o gênero
A negação do conflito sobre a qualidade do profissional a ser estilizado por cada um. Instituído,
ato não é saudável. O profissionalismo sente isso e mas sempre potencialmente defunto, organizado por
o desenvolvimento do métier*, reprimindo suas subentendidos ou por enigmas, esse gênero é um
contradições, perde suas possibilidades, pois o traço de união que sempre corre o risco de se
dinamismo profissional está enraizado nas objeções apagar, se não for refeito no curso das atividades
do real e nos conflitos que ele suscita. Não se trata interpessoais e pessoais.
de chegar à sacrossanta “boa prática” por trás da Além disso, o métier não é instituído
qual nos organizamos em fila indiana. Uma das somente na memória coletiva transpessoal. Ele
principais contribuições do tipo de clínica que existe também, impessoal, registrado nas funções
fazemos, quando conseguimos fazer um bom oficiais prescritas. É uma carreira, uma
trabalho, é que, concretamente, a qualidade do aposentadoria, deveres, status, formação, critérios
trabalho é, por natureza, definitivamente discutível. de avaliação e de recrutamento, indicadores
E nessa perspectiva, o que não compartilhamos é padronizados de performance, enfim um outro
ainda mais interessante do que aquilo que já mundo além daquele da atividade em situação ou da
compartilhamos. A única boa prática é, sem dúvida, história coletiva implícita. Ele é depositado nos
a prática da controvérsia profissional entre recursos humanos e no mercado de trabalho. É a
“conhecedores”, depois entre estes e a linha aparelhagem mais afastada da atividade concreta.
hierárquica. Este é o sentido de uma clínica da No contato com esse registro, cada um se sente
atividade preocupada com o métier. substituível. Mas esse métier impessoal é
psicologicamente vital para imaginar o que
Um métier, quatro registros podemos nos tornar ou não, o que poderíamos fazer
além daquilo que já fazemos.
Um métier é primeiramente um paradoxo: As tensões se insinuam em todas as
ele não pertence a ninguém e, entretanto, cada um é direções nessa arquitetura até, às vezes, fazê-la
responsável diante das sanções da prática. O métier explodir. Pois o métier reune – nas discordâncias
é uma espécie de instituição com várias vidas criativas ou destrutivas - esses quatro registros:
simultâneas e é isso que torna possível seu impessoal, transpessoal, interpessoal e pessoal. Ele
desenvolvimento na organização, e mesmo além da não está sempre vivo pelas mesmas razões, nem no
organização, na sociedade. Ele tem uma arquitetura: mesmo ambiente. Morto em uma ponta, ele pode
no sentido mais próximo do real, é primeiramente o ressuscitar em outra. Ele não é inteiro em lugar
gesto pessoal próprio de cada um que nos faz dizer nenhum, nem na atividade, nem na tarefa, nem no
que alguém tem o métier. Mas, no trabalho, não há coletivo. Vivo, ele transita em todos os lugares
programa de Estudos linguísticos, literários e se realiza. Neste texto, optamos por manter o
tradutológicos de francês da FFLCH/USP e termo “métier”, por se tratar de um termo com o
integrantes do grupo de pesquisa ALTER-AGE- qual os estudiosos da área da Clínica da Atividade
CNPq e revisado pela Profa. Dra. Eliane Gouvêa já estão familiarizados.
Lousada, professora do programa de Estudos 4 [Nota das tradutoras]: no sentido de solo musical.
linguísticos, literários e tradutológicos de francês
da FFLCH/USP e líder do grupo de pesquisa Referências
ALTER-AGE-CNPq.
2 [Nota das tradutoras]: Em francês, “intervenant” é CLOT, Y. (2008) Travail et pouvoir d’agir. Paris,
a pessoa que realiza o trabalho de clínico da PUF.
atividade, conduzindo as atividades de CLOT, Y (2010) Le Travail à cœur. Pour en finir
confrontação e coanálise da situação de trabalho, avec les RPS. Paris, La Découverte.
descritas na metodologia. Optamos por traduzir VYGOTSKI, L. S. (2010) Signification historique
aqui por “interveniente”. de la crise en psychologie. Paris, La Dispute.
3 [Nota das tradutoras]: Em francês “métier” WINNICOTT, D. (1988) Conversations ordinaires.
corresponde ao ofício, à profissão, ao trabalho que Paris, Gallimard.
Sobre o autor:
Yves Clot é professor colaborador no Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM) em Paris, e integra o
Laboratoire de Psychologie de Travail desta instituição, na qual, a partir de sua entrada, organizou-se a equipe de
Clínica da Atividade.