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COMO ENSINAR NA AUSÊNCIA DE


PRESSUPOSTOS SOBRE COMO APRENDER?

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Aliny Lamoglia

“Sabe lá... o que é não ter e ter que ter pra dar... sabe lá?”
(Djavan)

1Professora
de Educação Inclusiva do Departamento de Fundamentos da Educa-
ção/UNIRIO. Psicopedagoga. Coordenadora do Núcleo de Educação Inclusi-
va/UNIRIO e do Projeto “Inclusão e Acessibilidade na UNIRIO” – Programa
INCLUIR – MEC/SESu. Contato: alinylamoglia@gmail.com.
INTRODUÇÃO

Em trabalhos anteriores (Sixel, 1999, 2005), duas perguntas se


tornaram “pedras angulares” para inúmeras discussões sobre
fundamentos teóricos em educação: como uma criança aprende
a falar e quais as origens da aquisição do conhecimento humano.
Ambos os questionamentos traziam à cena reflexões sobre a
gênese dos objetos que estavam em pauta: a linguagem e o
conhecimento humano. Nessas investigações descortinou-se
uma diversidade de teorias, conceitos e abordagens sobre o
desenvolvimento humano: “Em psicologia do desenvolvimento
não há hegemonia... Aliás, hegemonia nunca é bom, sobretudo
em ciência”. Essa frase, proferida por La Taille (2004), trata do
que se pretende aqui discutir.
Não é a unanimidade o que se pretende alcançar ao levan-
tar questões sobre os pressupostos que embasam as práticas em
desenvolvimento infantil observadas no contato com professo-
res de crianças ou estudantes de pedagogia. Espera-se, isto sim,
discutir a coerência entre os pressupostos nos quais alguns pro-
fissionais divulgam acreditar e as práticas, ou mesmo os proferi-
mentos, relativas ao trabalho com crianças.
Entende-se que para propor um caminho de reflexão sobre
o desenvolvimento infantil é necessário conhecer o que é consi-
derado típico e em quais pressupostos teóricos está ancorado.
Serão apresentados a seguir alguns pressupostos sobre
desenvolvimento inicial, aprendizagem linguística e interação
social, para, posteriormente, explicitar algumas incoerências
demonstradas por profissionais da educação e como tais incoerên-

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cias se refletem nas práticas docentes. Para alcançar este objetivo,
trarei algumas discussões sobre a educação de crianças surdas,
espaço considerado privilegiado por apresentar uma miscelânea
de conceitos e práticas que se contradizem mutuamente.

DESENVOLVIMENTO INFANTIL: A GÊNESE

Os bebês são seres sociais a partir do momento em que nascem e,


desde então, já fazem parte de uma rede que irá influenciar
diretamente o seu desenvolvimento, bem como ser influenciada
por sua existência (Vygotsky, 1930/1993; Moura e Ribas, 2005).
O bebê humano é, entre todos os mamíferos, aquele que
mais necessita de seus cuidadores ao nascer. Todas as suas fun-
ções vitais, alimentação, locomoção, proteção, dependem do
adulto.
Os bebês também necessitam se vincular afetivamente aos
seus cuidadores e, para isto, vêm ao mundo dotados de uma
capacidade de se relacionar, nas palavras de Tomasello (2003), o
bebê humano parece nascer “equipado” para interessar-se
pelas pessoas e, assim, começa a conhecê-las.
Com o intuito de fundamentar estas crenças sobre o desen-
volvimento infantil, verificou-se, através de experimentos con-
trolados, que os bebês apresentam preferência pela voz huma-
na, demonstram mais satisfação ao ouvir a voz humana em com-
paração com outros sons e preferem ouvir vozes femininas a
vozes masculinas. Estas pesquisas demonstraram que “com
menos de sete dias de vida (o bebê) já revela a capacidade de dis-
criminar a voz da mãe da de outra mulher, e preferir a primeira”
(Moura e Ribas, 2005, p. 78).
Outra habilidade que muito precocemente aparece na vida
dos bebês humanos é a sua capacidade de discriminar e manifes-
tar preferências pela visualização de configurações de rostos
humanos. Supõe-se que quanto mais a mãe fala com o seu bebê
enquanto olha para ele, mais atenção é demonstrada, reforçan-
do a discriminação e a preferência por rostos humanos.

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Esta capacidade, por sua vez, possibilita que os bebês, tam-
bém muito precocemente, sejam capazes de imitar expressões
faciais. Essa habilidade tem sido interpretada como um ato de
cognição social, que tem a finalidade de ajudar o bebê a identi-
ficar, compreender e reconhecer pessoas. Como nos diz Toma-
sello (2003), os bebês humanos nascem com a capacidade de
reconhecer os outros seres humanos como coespecíficos, ou
seja, como seres dotados de intenção igual a eles. Voltarei a
esse ponto adiante quando apresentar, mais detidamente, a
hipótese de Tomasello.
Algumas observações sistemáticas foram realizadas sobre os
primeiros contatos do bebê com sua mãe e alguns padrões com-
portamentais puderam ser registrados. Notou-se que as mães ten-
diam a tocar primeiro as extremidades dos bebês para, a seguir,
tocar-lhes o tronco. No momento seguinte mães e bebês travam
os seus primeiros contatos olho a olho (Moura e Ribas, 2005).
A amamentação constitui o cenário para as primeiras pistas
faciais e de movimentação corporal que farão parte de um longo
percurso de tentativas de comunicação não-verbal. Nesse proces-
so de conhecimento mútuo, é possível supor que acontecerão inú-
meros episódios do tipo “tentativa e erro”, muitas vezes apoiados
pelas pistas contextuais como a hora da última mamada, a hora
da última troca de fralda, o tipo de choro, a duração do período
de sono, etc. A mãe acertará, outras vezes, no entanto, não será
capaz de “ler” prontamente a necessidade do seu bebê.
Logo após o nascimento, com cerca de dois ou três dias de
vida, os padrões de sono e choro começam a se alterar, servin-
do, também, de pistas para que a comunicação não-verbal
entre mãe e bebê possa ser cada vez mais efetiva.

Algumas definições importantes antes de prosseguir


Após essa breve exposição sobre as primeiras aprendizagens do
bebê, torna-se necessário definir alguns conceitos que serão
recorrentes na exposição sobre o desenvolvimento linguístico
que se seguirá.
Linguagem será considerada aqui como toda e qualquer
forma de representação (verbal ou não-verbal) que signifique
algo para alguém. Qualquer veículo que transmita uma mensa-

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gem pode, nessa perspectiva, ser considerado linguagem
(Wittgenstein, 1994).

Língua é todo código estruturado que apresente as carac-


terísticas essenciais para a veiculação de uma comunicação ver-
bal. Possui, necessariamente, os níveis semântico, sintático,
morfológico, fonológico e pragmático (Goldfeld, 1997).

Fala é a exteriorização da língua através da emissão dos


signos verbais, sejam eles orais, no caso das línguas fonológicas,
ou visuais, no caso das línguas de sinais (Goldfeld, 1997).

Jogos de linguagem é uma expressão que foi cunhada por


Wittgenstein para determinar que, assim como em um jogo, “a
linguagem é uma atividade guiada por regras... as regras da
gramática” (Monk, 1998, p. 225). A criança aprende as palavras
entendendo quais os jogos que estão sendo jogados com elas
no fluxo das interações.

Contexto interativo é o espaço psicológico no qual aconte-


cem as trocas verbais e não-verbais que capacitam uma criança
a se tornar um falante da comunidade linguística à qual perten-
ce (Tomasello, 2003).

Representação refere-se ao ato de colocar uma ‘coisa’ no


lugar da outra. O faz-de-conta é um tipo de representação que
não envolve símbolos, a criança pode ter uma embalagem de
papel na mão, por exemplo, e fingir que é um telefone, dessa
forma ela estará representando um telefone a partir da emba-
lagem, ou seja, utilizando um objeto no lugar do outro e isto
não envolve símbolos ainda; a fala e a escrita são também
representações, só que, dessa vez, simbólicas ou linguísticas.
Representação simbólica/linguística é, portanto, o ato de colo-
car um símbolo (signo) no lugar de outra ‘coisa’. Um exemplo: a
palavra casa é a representação simbólica do objeto ao qual está
associada e, ao mesmo tempo, é a representação do conceito
que cada pessoa é capaz de formular ao ouvir o som ‘casa’. Por
fim, comunicação linguística é a interação entre os seres huma-
nos realizada, exclusivamente, pelo uso de uma língua estrutu-
rada (Tomasello, 2003).

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DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO: A ABORDAGEM
SOCIOPRAGMÁTICA
Após apresentar a definição de alguns termos considerados
essenciais para o entendimento do desenvolvimento infantil,
serão apresentadas as ideias trazidas por Tomasello (2003) para
fundamentar a hipótese de que as origens da aquisição do
conhecimento humano estão ancoradas em alicerces culturais.
Para este autor as origens da atividade linguística encon-
tram-se em atividades comunicativas não-linguísticas, particu-
larmente no que ele chamou de cenas de atenção conjunta.
Cenas de atenção conjunta são “interações sociais nas quais a
criança e o adulto prestam conjuntamente atenção a uma ter-
ceira coisa, e à atenção um do outro à terceira coisa, por um
período razoável de tempo” (op. cit., p. 135).
Estas “cenas” acontecem no fluxo das interações sociais das
quais as crianças participam, por isto Tomasello (2003) conside-
ra que a aquisição da linguagem possui uma base sociocogniti-
va. A criança ainda bem pequena compreende intenções comu-
nicativas na medida em que “sons tornam-se linguagem (...)
isto é, quando elas entendem que o adulto está fazendo aquele
som com a intenção de que prestem atenção a algo” (p. 141).
A imitação passa, então, a fazer parte dos comportamen-
tos da criança de maneira especial, como em nenhuma outra
espécie acontece. Nas palavras de Tomasello (2003),

“os bebês humanos são sociais de maneira que


outros primatas não são – como se verifica por seu
envolvimento em protoconversas e mímica neonatal –
mas isto não envolve atenção conjunta ou qualquer
outra forma de compreensão dos outros como agen-
tes intencionais” (p. 96).

Tomasello aponta ainda que a capacidade apresentada


pelos bebês humanos de compreenderem os outros como
agentes intencionais precisamente aos nove meses de idade é o
“resultado de uma adaptação biológica exclusivamente huma-
na” (idem, ibidem, p. 99).

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A partir daí, Tomasello vai se referir à imitação com inver-
são de papéis. Em suas palavras, “agora que a criança está equi-
pada para compreender as intenções comunicativas das outras
pessoas, tem de ser capaz de usar essa compreensão para
aprender a produzir o elemento de linguagem que ela compre-
endeu” (p.144). Em outras palavras, não basta compreender o
uso de uma palavra, será necessário usá-la em um contexto
diverso daquele no qual foi aprendida.
Imaginemos uma situação na qual o adulto fala para a cri-
ança “Coloque a bola vermelha na caixa”. Se houver somente a
imitação direta e imediata do que é proferido, a criança repeti-
rá o que disse o adulto, “dirigindo o símbolo para si mesma –
que não é o que se espera e é necessário” (p. 146). Para haver a
imitação com inversão de papéis, a criança tem que aprender a
usar um símbolo dirigido ao adulto da mesma maneira como o
adulto o usou dirigido a ela.
Supõe-se, embora ainda não haja estudos detalhados, que
crianças um pouco maiores “aprendem novos elementos de lin-
guagem pela observação de terceiros conversando entre si (Cf.
Brown, p. 147). Isto pressuporia um precoce grau de autonomia
por parte da criança em relação à aprendizagem da língua.
Ao discutir as bases sociointerativas da aquisição de lingua-
gem, Tomasello (2003) refere-se a Wittgenstein (1953/1994)
como o primeiro autor a formular ideias sobre a natureza pers-
pectiva dos símbolos linguísticos. Isto significa dizer que para
Wittgenstein não existe nenhum procedimento matemático
para determinar a intenção comunicativa específica de uma
pessoa em uma situação específica:

Quando um adulto levanta uma bola e diz dax,


como a criança vai saber se o adulto está se referindo
apenas àquela entidade, ou à sua cor, ou a alguma
classe mais ampla de entidades (como brinquedos), ou
ao ato de levantar coisas, ou a uma de infinitas coisas?
(Tomasello, 2003, p. 150).

A linguagem do adulto serve como andaime e se torna


“desnecessária” à medida que a criança cresce e se torna mais

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habilidosa na determinação das intenções comunicativas das
pessoas que estão a sua volta.
Essa é uma compreensão sociopragmática de como as cri-
anças adquirem conhecimentos linguísticos.

POR QUE OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS SÃO FUNDAMENTAIS:


O EXEMPLO DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

Na ausência ou inconsistência dos pressupostos teóricos que


embasam as ideias e as práticas das pessoas que trabalham com
educação, assiste-se a uma miscelânea de conceitos sendo
expressos. Utilizarei o exemplo da educação de surdos, por ser
esta a temática com a qual me encontro envolvida nos últimos
anos. Surdo será compreendido aqui como aquele que não se
beneficia do som da fala do outro e que não é oralizado, reali-
dade da imensa maioria das crianças surdas que tive a oportuni-
dade de acompanhar no ensino público.
Defende-se o uso da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) na
educação de crianças surdas, mas fala-se, ao mesmo tempo, na
existência de universais linguísticos, ou seja, que os seres huma-
nos seriam dotados, ao nascer, da capacidade de identificar algu-
mas particularidades da língua, como, por exemplo, a utilização
de vogais e consoantes e, a partir daí, seriam capazes de articular
palavras que nunca falaram antes e, posteriormente, construir
frases que também não lhes foram ditas. Diante dessa prerroga-
tiva, a LIBRAS passa a ser considerada como a língua natural do
surdo, ou seja, ela também, a exemplo do que aconteceria com
os ouvintes, “brotaria de dentro” da criança surda. Obviamente,
se assim fosse, toda criança surda desenvolveria a capacidade de
sinalizar e não veríamos o quadro desolador que vemos na edu-
cação de surdos. Tal perspectiva (nativista ou gerativista) de que
a pessoa surda, na ausência da audição, desenvolverá, natural-
mente, uma língua visual, tem-se mostrado inconsistente para
explicar as inúmeras dificuldades pelas quais passam as crianças
surdas que chegam às escolas.

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A existência de uma forma particular e primitiva de comu-
nicação entre a criança surda e sua mãe ouvinte, denominada
“sinais domésticos” ou “simbolismo esotérico”, pode também
contribuir ainda mais para aumentar essa confusão teórica.
Sabe-se, há muito tempo, que gestos são a primeira forma de
linguagem mesmo entre mãe e bebê ouvintes (Stokoe, 1974;
Hewes, 1974). O mesmo percurso de comunicação não-verbal
acontece entre a mãe ouvinte e a criança surda; a diferença é
que na díade ouvinte a linguagem evolui para uma comunica-
ção linguística, com uma gramática própria, que é a gramática
da língua falada pela mãe, e no caso da criança surda com sua
mãe ouvinte, estes gestos primitivos não evoluem para uma
gramática de sinais, permanecendo uma linguagem capaz de
comunicar apenas conteúdos imediatos, simples, mas não sim-
bólicos ou abstratos.
A perspectiva que será aqui adotada e que pretendo deixar
clara desde agora é a de que a criança ouvinte aprende o uso
das palavras no fluxo das interações sociais. Sendo coerente
com esse pressuposto, creio firmemente que a fala do adulto é
orientadora do comportamento da criança desde os primeiros
momentos após o nascimento. É possível deduzir, então, que,
na ausência de uma língua que possa ser compartilhada entre a
mãe ouvinte e a criança surda, esta não terá como ‘andaime’ a
fala da mãe, parafraseando Tomasello (2003).
Um outro equívoco recorrente entre profissionais que tra-
balham com crianças surdas é a crença de que a aprendizagem
da LIBRAS será um “meio” para a aprendizagem da Língua Por-
tuguesa. Há aqui um paradoxo que deve ser explicitado: a
aprendizagem da LIBRAS possibilitará toda e qualquer aprendi-
zagem subsequente para a criança surda, desde que estes con-
teúdos possam ser expressos nesta língua. O único caso ao qual
isto não se aplica é a aprendizagem de uma língua oral, por se
tratar da representação de sons, que o surdo não tem como
processar. Nas palavras de Capovilla e Raphael (2001), “o pro-
cessamento do código alfabético depende da fonologia, à qual
a criança Surda não tem acesso” (p. 1503).

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Desta forma, como poderia uma língua visual servir de
suporte para a aprendizagem de uma língua fonética? Em
outras palavras, conhecer um sinal e associar esse sinal a um
significado não ajudará a criança surda a aprender o signifi-
cado de um som, de um movimento labial ou mesmo da
representação gráfica de um som. Saber que o sinal “casa”
significa, por exemplo, “o lugar onde moramos”, só auxilia o
entendimento de que a palavra escrita “casa” tem o mesmo
significado se, e somente se, o sinal e a palavra escrita pude-
rem ser associados simultaneamente. Para ler em uma língua
alfabética, a criança surda deverá desenvolver uma estraté-
gia visual para assimilar a palavra escrita “casa” como um
item lexical inteiro que é associado ao sinal/significado
“casa”. Em outras palavras, a criança surda deverá decorar a
palavra como um todo, sendo capaz de reproduzi-la em
outro momento por escrito ou recuperar o seu significado
através da visualização de sua escrita (leitura lexical).
Portanto, o ensino de uma língua oral, mesmo em sua
modalidade escrita, para crianças surdas, permanece uma dis-
cussão em aberto. Capovilla, Raphael e Cols. (2001) em Capo-
villa e Raphael (2001) argumentam sobre a importância da
continuidade entre o pensar, o falar e o escrever para a criança
ouvinte:

“Com isto, todo o seu processamento linguístico


pode concentrar-se na palavra falada de uma mesma
língua. (...) Assim, ao escrever, ela pode fazer uso
intuitivo das propriedades fonológicas das palavras
na mesma língua que usa para pensar e se comuni-
car” (p. 1492).

Logo, para a criança ouvinte, recorrer à fala interna para


ler ou escrever é um processo eficaz. Por outro lado, não há
continuidade entre os sinais com os quais uma criança surda
pensa – considerando aqui a melhor das hipóteses, ou seja, a de
que a criança surda tenha uma língua para pensar – e a escrita

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de uma língua oral. Só com o início do século XXI é que estudio-
sos começaram a buscar uma forma de resolver o problema da
descontinuidade entre os sistemas de representação para os
surdos através de um sistema de escrita que seja mais adequado
às línguas de sinais, o SignWriting.
SignWriting é um sistema de escrita visual direta de sinais,
desenvolvido pela norte-americana Valerie Sutton (1998):

No Brasil, SignWriting vem sendo usado em cursos


de informática e Língua de Sinais para crianças surdas
(Stumpf, 1998), para escrever estórias de contos infan-
tis em LIBRAS (Strobel, 1995), para documentar a gra-
mática da LIBRAS no Dicionário enciclopédico ilustra-
do trilíngue da LIBRAS (Capovilla, Raphael & Luz,
2001), e para permitir a telecomunicação entre Surdos,
e a comunicação face a face entre Surdos com distúrbi-
os motores e ouvintes (Capovilla, Macedo, Duduchi,
Raphael, Charin & Capovilla, 2001).

Um outro equívoco a que as crianças surdas comumente


estão sujeitas deve-se ao fato de os profissionais que com elas
lidam não acreditarem no pressuposto de que, de fato, o atraso
na aprendizagem de uma língua provocado pela surdez e, con-
sequentemente, pela ausência de uma língua estruturada nos
primeiros anos de vida, seja responsável pelos prejuízos apresen-
tados no curso de seu desenvolvimento cognitivo. Atribuem-se,
normalmente, as particularidades na forma de aprender dessas
crianças ao fato de elas serem surdas, como se as “peculiarida-
des” encontradas fossem inerentes à surdez. Minimiza-se o atra-
so na aprendizagem da língua devido ao desconhecimento
sobre o papel estruturante da língua na formação da consciência
humana. Isto acontece mesmo após quase oitenta anos dos pri-
meiros artigos de Vygotsky (1930/1994) que deram origem ao
conhecido Formação Social da Mente, ou das empolgantes des-
cobertas com as quais a teoria sociopragmática contemporânea
nos tem brindado.

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Mesmo que uma criança surda seja satisfatoriamente fluente
em LIBRAS aos oito ou nove anos de idade (e esta, infelizmente,
não é a realidade que vemos na rede pública de ensino2), se houve
um atraso significativo na aprendizagem de uma língua estrutu-
rada (e é isto o que acontece na maioria dos casos de surdez, já
que estas crianças nascem em famílias ouvintes), os prejuízos serão
percebidos como uma certa inflexibilidade de pensamento, inter-
pretação literal em alguns casos ou dificuldades na apreensão de
conteúdos simbólicos ou abstratos. Note-se que um atraso signifi-
cativo na aprendizagem de uma língua estruturada já pode ser
assim considerado a partir dos três anos de idade, quando uma cri-
ança ouvinte já usa diversas funções da língua como perguntar,
pedir, argumentar, negar, explicar, associar etc.
Muitos autores já introduziram a discussão sobre a educa-
ção de surdos trazendo para a reflexão a importância da língua
de sinais. Se é necessário dizer que a língua de sinais é impor-
tante para a criança surda é, justamente, porque ainda não é
considerada essencial. Por que não se diz que aprender a Lín-
gua Portuguesa é importante para uma criança ouvinte que
nasce no Brasil? Se algo é importante e isto precisa ser dito é
porque não é essencial. Se há políticas públicas para minorias é
porque há direitos que não estão garantidos. Se é necessário
(re)afirmar que homossexuais, têm os mesmos direitos que a
maioria heterossexual, que sistemas de cotas vão garantir o
acesso à universidade de forma igualitária e equânime, que
pessoas com deficiências devem ir e vir sem barreiras arquitetô-
nicas etc., é porque nada disto está garantido a priori.
Dito isto, a equiparação em termos de organização formal,
estrutura e alcance linguístico das línguas de sinais frente às lín-
guas orais será considerada aqui inconteste (para maiores infor-
mações, ver Capovilla e Raphael (2001).

2Comprovadamente, há uma maior incidência de surdez nas classes pobres, devido

a comprometimentos pré-natais, como a rubéola congênita e outras doenças


infecto-contagiosas ou acidentes perinatais que ocasionam traumatismos ou
hipóxias.

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Segue-se à afirmação acima um exercício de lógica: se exis-
te uma língua capaz de responder a todas as necessidades dos
surdos e à qual eles têm acesso diretamente através da visão,
por que impor a aprendizagem de uma língua oral? A resposta
a esta pergunta muitas vezes é respondida com uma alegação
política, ao afirmarem que, impedidos do acesso a uma língua
oral, os surdos estariam segregados da sociedade ouvinte. O
que dizer, então, acompanhando esse raciocínio, dos que são
impedidos de pensar, como é o caso dos surdos que não adqui-
rem nenhuma língua, ou daqueles que emitem sons sem signifi-
cado e transformam-se em “pseudo-portadores-de-deficiên-
cia-mental” sem, de fato, o serem? Não estariam também sen-
do excluídos da sociedade? O que deve ser considerado mais
importante: fazer parte de um grupo majoritário com muitas
restrições pragmáticas ou ser capaz de pensar livremente ainda
que este pensamento não possa ser partilhado por todos a sua
volta? Ou ainda: seria melhor ser um afásico no seu próprio país
ou manter todas as suas habilidades linguísticas e, portanto,
cognitivas, em um país estrangeiro?
Estudos sobre a aprendizagem de língua II, amplamente
referidos por pessoas que investigam a educação de surdos a
fim de explicar como a criança surda aprenderá a língua oral,
parecem desconsiderar que no caso de ouvintes aprenderem
outras línguas orais tem-se o mesmo canal de acesso em ques-
tão, ou seja, o canal auditivo. No caso das pessoas surdas que
aprenderam a língua de sinais como primeira língua – utilizan-
do, portanto, o canal visual, é necessário que um novo canal de
acesso seja ativado, canal este ao qual a pessoa surda não tem
acesso.
Diante do crescente número de defensores do uso das lín-
guas de sinais, tem-se a impressão de que, finalmente, estão sen-
do consideradas como estruturantes do pensamento verbal para
a criança surda. Ao fazer, porém, uma análise mais aprofundada
do que está implícito nesta defesa, percebe-se que a língua de
sinais é vista apenas como uma espécie de suporte para a apren-
dizagem da língua oral. Como exemplo da suposição que acabo
de apontar, li, há pouco tempo, um artigo que abordava o

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ingresso de surdos adultos na educação de crianças surdas para
que estas fossem expostas à língua de sinais. Até aí havia pleno
acordo com as ideias do autor. A seguir, porém, o artigo tratava a
contratação de intérpretes de LIBRAS como uma tentativa para
“obter resultados mais eficientes na relação professores ouvin-
tes-alunos surdos”. Ora, a entrada do intérprete de LIBRAS nos
diversos níveis de escolaridade regular acontece, exclusivamen-
te, porque a criança ou adolescente surdo já pode se beneficiar
de sua presença por ter aprendido a língua de sinais anterior-
mente, preferencialmente com adultos surdos fluentes. O papel
do intérprete é, portanto, traduzir para a língua de sinais os con-
teúdos ensinados pelo professor ouvinte e não se ater a questões
de relacionamento professor-aluno.

Toca-se, nesse ponto, em uma questão elementar: o papel


da escola, outro pressuposto muito controverso. A escola deve
ser a sistematizadora, por excelência, dos conhecimentos acu-
mulados pela cultura. Seu papel não é, portanto, o de buscar
eficiência na relação professor ouvinte-aluno surdo. Neste sen-
tido, o papel do intérprete de língua de sinais não é mediar a
relação, porque antes do seu ingresso na escola regular não
havia sequer uma relação sendo estabelecida, pois não é possí-
vel o intercâmbio ensinante-aprendente se não há uma língua
comum em uso (Souza, 1998). O intérprete fará a mediação,
isto sim, do aluno surdo com o conhecimento, o que antes era
impossível pelo simples fato de o professor ouvinte e o aluno
surdo não falarem a mesma língua. No caso das crianças surdas
que permanecem matriculadas no ensino regular sem que
nenhuma dialogia possa acontecer, como ainda é o caso de
muitas crianças surdas, não há o que ser mediado. O que faria
um intérprete de língua de sinais em um ambiente em que a cri-
ança surda não compreende o que é traduzido/interpretado?

Intérpretes não são “colaboradores” na educação de sur-


dos, são eles próprios as peças da engrenagem que propiciam
que alguma aprendizagem se dê. São considerados adaptações
de grande porte para a educação inclusiva de surdos, já que
envolvem uma dinâmica institucional e um contexto de intera-
ção particular.

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Como vemos, muitos defensores das línguas de sinais o
fazem apenas por acreditarem que a sua aquisição terá papel
fundamental na aprendizagem de uma língua oral. Este argu-
mento, porém, poderá ser contestado diante do seguinte racio-
cínio: se as pessoas pensam a partir de uma língua e se esta lín-
gua para as pessoas surdas é visual, é também através dela que
tudo poderá ser aprendido. Sob esta perspectiva, a aprendiza-
gem de uma língua oral em sua modalidade escrita só seria, de
fato, viável para uma pessoa surda se pudesse prescindir com-
pletamente do canal perdido, ou seja, se a escrita independesse
da oralidade e este, definitivamente, não é o caso da escrita das
línguas alfabéticas, como a Língua Portuguesa, como já aponta-
do anteriormente. Estudos sobre problemas de leitura e escrita
em geral e sobre dislexia, em particular, têm demonstrado a
intrínseca relação entre a produção da leitura e da escrita e os
aspectos fonológicos envolvidos nas línguas orais-alfabéticas
(Frith, 1985; Capovilla e Raphael, 2000, 2001; Sixel, 2005, entre
outros).
É, portanto, incoerente afirmar, nos dias atuais, frente a
todas estas descobertas sobre o processamento da leitura e da
escrita para crianças ouvintes, que a criança surda aprenderá
uma língua oral em sua modalidade escrita pelo fato de esta
não depender da audição.
Os estudos realizados por Capovilla e Capovilla (2001) com
crianças disléxicas (portanto, que ouvem) demonstraram que é
necessário levá-las à conscientização da existência dos segmen-
tos da fala e à possibilidade de manipulá-los para que possa ser
alfabetizada. Essa segmentação não pode ser realizada por cri-
anças que não ouvem os “pedaços” da fala, como é o caso da
criança surda.
Autores que defendem a vertente do bilinguismo para sur-
dos, que enfatiza a aprendizagem da língua de sinais como pri-
meira língua (L1) e a aprendizagem da língua oral (L2) em sua
modalidade escrita, afirmam que a criança surda necessitará de
conhecimento de mundo para que daí possa “derivar sentido”
e que, para isto, poder-se-ia lançar mão da língua de sinais
como auxiliar. Fica aqui a questão: como o conhecimento de

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mundo adquirido através de uma língua visual poderá se con-
verter para o surdo em sentidos que o auxiliem na aprendiza-
gem de uma língua oral? Observações sistemáticas (Sixel, 2005)
e assistemáticas realizadas ao longo de treze anos de trabalho
com crianças surdas demonstram que a fluência alcançada em
uma língua de sinais não permite que surdos atribuam sentido
ao que leem em uma língua oral na modalidade escrita. O que
parece permitir que algum sentido seja atribuído ao que um
surdo lê em uma língua oral é a busca lexical que é capaz de
realizar. Ou seja, quanto mais estiver em contato com produtos
culturais que envolvam a leitura e a escrita de uma língua oral,
mais chances terá de se defrontar com palavras que se repetem
e se tornam familiares ou de alta frequência (Capovilla e Capo-
villa, 2001).
Não há comparação possível entre um sinal que é proferido
– ou lido, com o advento do SignWriting – e uma palavra escrita
em uma língua oral, a não ser que ambos fossem apresentados
simultaneamente e, se assim fosse, parece óbvio, não seria
necessário apresentar a palavra escrita em uma língua oral.
Tais correntes creem que somente a leitura dos mais diver-
sos tipos de textos sendo interpretados em língua de sinais será
capaz de minimizar a dificuldade da criança surda. Pareceria,
neste caso, se tratar “apenas” de uma questão metodológica. A
leitura coloca a criança diante da seguinte situação: como sabe-
rá relacionar cada palavra escrita aos sinais proferidos pelo pro-
fessor ou pelo intérprete? Com estruturas distintas – simultane-
idade no caso das línguas de sinais, uma certa3 linearidade no
caso dos proferimentos escritos em uma língua oral –, como a
criança surda poderia “traduzir” o que lê?
Alguns autores acreditam que, assim como na aprendiza-
gem da língua oral, cabe ao outro o papel de intérprete na
aprendizagem da língua escrita (De Lemos, 1998). A autora afir-
ma que ler para a criança, interrogá-la sobre o sentido do que
“escreveu”, escrever para a criança são maneiras de inseri-la no

3Contexto interacional, gestos, expressões faciais que também acompanham a


fala em uma língua oral.... mas que se reduzem no ato da transposição para a
modalidade escrita.

16 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


movimento linguístico-discursivo da escrita. Isto é verdade ao
pensarmos na criança ouvinte, mas não se aplica quando nos
referimos à criança surda. Se assim fosse, ela se beneficiaria da
voz humana e não precisaríamos estar aqui empreendendo
esta discussão sobre a importância dos pressupostos teóricos
em educação e, especificamente, sobre o papel da língua de
sinais na educação de surdos.

Algumas palavras finais, sem, no entanto, concluir...

O conhecimento do mundo através do uso da LIBRAS não é


capaz de fazer com que crianças surdas “encontrem palavras”
na Língua Portuguesa, como já foi amplamente discutido por
Souza (1998) e apresentado aqui.
Equívocos “autorizados” já foram descritos por Góes e Tar-
tuci (2002) como os rituais da sala de aula a que estão submeti-
dos professores ouvintes e alunos surdos que permanecem vin-
culados ao ensino regular. São considerados “incluídos” apenas
para aqueles que afirmam que incluir crianças surdas é matricu-
lá-las no ensino regular.
Inclusão pressupõe o respeito à diferença e à alteridade e não
se considera que negar o acesso à LIBRAS responda a estes pressu-
postos, defendidos por uma abordagem contextualista em educa-
ção. Em outro momento (Sixel, 2005) já apontei a necessidade de
observarmos o quanto crianças surdas são capazes de “ler” o con-
texto de interação a sua volta e, assim, responder adequadamen-
te a muitas situações nas quais as diversas modalidades de lingua-
gem não-verbais são suficientes para fornecer os dados necessári-
os à adequação da atividade e do comportamento da criança. Um
exemplo vivido há bem pouco tempo em uma turma de educação
infantil demonstrou que inúmeros “indícios” fornecidos pelo
adulto que interagia com a criança surda, como o apontar, o dire-
cionamento do olhar para um objeto ou um local representativo
da atividade, um movimento corporal sugestivo, a própria expe-
riência da rotina diária da turma e, principalmente, a imitação dos
pares podem permitir que a criança surda compreenda o que está
sendo solicitado. No caso em questão, tratava-se do momento em

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 17


que crianças, de aproximadamente cinco anos, pegavam as suas
escovas de dentes e se encaminhavam para o banheiro após o
horário do lanche.
Observações assistemáticas com crianças maiores demons-
tram que, ao receberem uma atividade estruturada em papel na
sala de aula, rapidamente a criança surda olhará para o lado a fim
de entender o que deve fazer. A forma como o ensino é organiza-
do facilita esta prática, já que se baseia em exercícios padroniza-
dos e períodos prolongados dedicados à memorização.
Objetivamente falando, crianças surdas precisam de educa-
ção especializada para surdos, isto é, com todos os conteúdos pre-
vistos para a escolaridade regular sendo apresentado em LIBRAS –
se possível, desde o início da vida e não só da escolaridade formal.
Elas precisam de professores também surdos ou, na ausência des-
tes, de professores ouvintes fluentes em LIBRAS e, paralelamente
à escola, sempre que for possível, acompanhamento fonoaudioló-
gico para a sistematização das modalidades oral e/ou escrita da
Língua Portuguesa.
A partir destes pressupostos, passo a apresentar, em linhas
gerais, o modelo de educação especializada para crianças sur-
das implementado no Município de Duque de Caxias, onde tra-
balhei durante treze anos como Psicóloga Educacional junto à
Equipe de Educação Especial e do qual tive a satisfação de parti-
cipar da elaboração. Vale lembrar que se trata de uma das pos-
sibilidades de execução de um projeto pedagógico que consi-
dera os pressupostos teóricos que foram aqui defendidos, mas
que não constitui a única alternativa para crianças surdas.
A educação especializada para crianças surdas no municí-
pio em questão se inicia no primeiro ano de escolaridade, com
uma professora ouvinte fluente ou usuária4 da LIBRAS e um
monitor(a) surdo(a) que a acompanhará em todos os momen-
tos de elaboração, implementação e avaliação dos conteúdos

4Todos(as) os(as) professores(as) que trabalham com as crianças surdas são


incentivadas a participar do curso de LIBRAS oferecido anualmente pela Secre-
taria Municipal de Educação e as aulas são ministradas por uma implementa-
dora surda da Equipe de Educação Especial.

18 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


pedagógicos. Estes, por sua vez, são aqueles propostos pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais, tal como observado para a
escolarização das crianças ouvintes. Este modelo se mantém até
o quinto ano de escolaridade e pode ser considerado a “pedra
angular” do Programa de Educação de Surdos da Equipe de
Educação Especial (EEE). Pretende-se, com a presença do(da)
monitor(a) surdo(a), que a criança tenha contato sistemático, o
mais cedo possível, com a LIBRAS, para minimizar os efeitos do
atraso na aprendizagem de uma língua que, quase invariavel-
mente, é provocado pela surdez. Se tudo ocorrer conforme o
previsto, estas crianças poderão se beneficiar da presença do
intérprete de LIBRAS ao chegar ao sexto ano de escolaridade e,
poderão, consequentemente, ser incluídas no ensino regular.
Nem todas as crianças surdas, porém, por diferentes motivos
que não serão abordados aqui, participam deste modelo edu-
cacional a partir dos seis anos de idade, obrigando a EEE a atuar
em outras frentes junto às crianças surdas. Falarei brevemente
sobre cada uma delas a seguir.
Algumas crianças surdas são encaminhadas para a educa-
ção especializada ao longo do processo, quando já se instala-
ram problemas linguísticos (leia-se aqui problemas cognitivos)
importantes e torna-se necessário intervir no processo delibera-
damente. Para estes alunos, foram criadas Salas de Recursos
especializadas, onde professores fluentes em LIBRAS trabalham
conteúdos pedagógicos e, ao mesmo tempo, interagem linguis-
ticamente com elas.
Como já apontado anteriormente, a partir do sexto ano de
escolaridade, os(as) alunos(as) surdos(as) frequentam as classes
regulares com a presença do intérprete de LIBRAS.
Por fim, há ainda as crianças surdas que, por insistência de
suas famílias, frequentam o ensino regular, mesmo à revelia da
orientação da EEE. Em muitos casos, isto ocorre devido à dificulda-
de de as famílias aceitarem a condição de suas crianças; por duvi-
darem do diagnóstico de surdez; por terem preconceito contra a
LIBRAS; por não compreenderem a questão linguística que a sur-
dez encerra; ou, pura e simplesmente, por não poderem vencer a

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 19


distância entre suas moradias e as unidades escolares que ofere-
cem educação especializada para crianças surdas. Nestas situa-
ções, o trabalho da Equipe de Educação Especial é demonstrar, a
qualquer tempo, o pressuposto de que, se a língua é estruturante
para o pensamento da criança ouvinte, o mesmo deve valer para a
criança surda. Pressuposto sem o qual não seria possível ensinar o
mais elementar conteúdo simbólico a uma criança surda.

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Vídeo
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Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 21


2
DIVERSIDADE/ADVERSIDADE PARA A
INCLUSÃO EDUCACIONAL DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA MENTAL

1
Anakeila de Barros Stauffer
2
Vera Lúcia Alves dos Santos

1Professora do Município de Duque de Caxias. Professora Pesquisadora da


EPSJV/FIOCRUZ. Doutora em Ciências Humanas-Educação PUC-RJ. Contato:
anakstauffer@fiocruz.br.
2Mestre em Educação. Psicopedagoga. Chefe da Equipe de Educação Especial

da SME/Duque de Caxias (2001-2008). Contato: alvesdsantos@oi.com.br.


INTRODUÇÃO: CONTEXTUALIZANDO O DEBATE SOBRE A
INCLUSÃO

O presente texto tem por fito discutir a inclusão das pessoas


com deficiência mental nas classes regulares das escolas públi-
cas, mais especificamente, das escolas do Município de Duque
de Caxias.
Para iniciar nossas reflexões acerca da Educação Inclusiva,
necessitamos conceituá-la, visto que há controvérsias sobre suas
concepções. Assim, para nós, pensar a Educação Inclusiva signi-
fica entender a instituição de nossa sociedade a partir das dife-
renças.
A perspectiva inclusiva aparta-se da ânsia de homogenei-
zação dos seres humanos, visto que esta homogeneização tem
gerado a exclusão. Portanto, exclusão/inclusão são movimentos
que se embatem, que lutam, que se antagonizam. Conforme
Sawaia (1999: 9),

(...) A exclusão é processo complexo e multifaceta-


do, uma configuração de dimensões materiais, políti-
cas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético.
(...) Não é uma coisa ou um estado, é processo que
envolve o homem por inteiro e suas relações com os
outros. Não tem uma única forma e não é falha do sis-
tema, ao contrário, é produto de seu funcionamento.

Destarte, embasados em Pochmann (2004), colocaremos


em tela para nossa reflexão sobre este tema dois distintos
modelos de inclusão social que encontramos no Brasil a partir

24 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


do início do século XXI, a saber: uma inclusão associada ao pro-
cesso de globalização financeira; e uma inclusão social de
cunho universal e emancipatória.

Para pensarmos o primeiro formato dado à inclusão social


em nosso país – a inclusão associada ao processo de globaliza-
ção financeira –, devemos compreender que esta se coaduna ao
modelo hegemônico e, portanto, se estrutura a partir de políti-
cas sociais focalizadas e liberalizantes.

A organização de políticas neste modelo responde a uma


preocupação dos organismos de financiamentos internacionais
com a questão da governabilidade-segurança (Leher, 2002). Em
outros termos, podemos dizer que a situação de extrema pobre-
za em que vivem os países periféricos poderia fazer eclodir ten-
sões e protestos de seu povo espoliado, acarretando transtornos
sociais e instabilidades. Devido a esta realidade, organizam-se
políticas focais e assistenciais, sobretudo aquelas destinadas à
área social – saúde, desenvolvimento rural, educação (Fonseca,
2001). Reforça-se a lógica de neodarwinismo social, incentivando
a responsabilidade social patronal, o voluntariado, à margem da
regulação pública e estatal.

Esta forma de compreender a “inclusão social” incorpora


uma acomodação política, polarizando e, cada vez mais, consti-
tuindo a exclusão social. Numa suposta coalizão entre ricos e
pobres, vai se desfazendo o conjunto de medidas direcionadas à
proteção social de caráter universal, conquistadas, a duras penas,
no século XX pela organização dos trabalhadores e da sociedade
civil como um todo. A prática do neoliberalismo reinante passa a
defender a instauração de políticas para os grupos denominados
“emergenciais” ou “de risco”, compensando e aliviando sua situ-
ação de pobreza. A tônica se deslocará do ideal de “igualdade” –
que não admite a escassez de recursos na qual vivemos – para a
idéia de “equidade” – que tem por mote proporcionar “a cada
um o que lhe é devido” (Fonseca, 2001: 18) –, passando ao largo
de resolver o problema da desigualdade de renda, cada vez mais
crescente.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 25


Por outro lado, o dinheiro público vai servindo à financeiri-
zação da riqueza e isto podemos constatar através de alguns
dados, tais como: 6 a 10% do PIB nacional é destinado a cerca
de 15 mil famílias privilegiadas, enquanto 0,5% do PIB nacional
é destinado a 10 milhões de famílias que vivem na condição de
extrema pobreza (Pochmann, 2004).
Esta primeira forma de compreender a inclusão social gera a
exclusão, fruto de um desenvolvimento econômico e social pouco
civilizado, em que se concentra a maior parte do poder político
em ínfimas parcelas da população, manifestando-se de diferentes
maneiras – pela insuficiência de renda para um consumo mínimo;
pela falta de acesso à educação; pela impossibilidade do exercício
da cidadania frente à desigualdade de renda, desemprego massi-
vo e violência elevada (Amorim e Pochmann, 2003).
Desta forma, observamos que discutir o processo de inclu-
são relaciona-se com as desigualdades de uma sociedade de
classes, onde se faz necessária a luta contra a exclusão social de
grupos marginalizados – grupos étnicos, grupos de crenças
diferentes, grupos de gêneros e grupos de desempregados. A
inclusão social tem valor político mais amplo do que a educação
inclusiva, desenvolvendo-se como uma concepção e um valor
político alternativos para combater o domínio dos valores do
mercado nos anos de 1980 e início dos anos de 1990 (Lunt e
Norwich, 1999: 23, apud Pacheco, 2007: 16).
Num outro viés de se pensar a inclusão – a inclusão social
universal e emancipatória –, compreendemos a urgência de se
legitimar politicamente os derrotados, recolocando a necessi-
dade de uma economia sustentada nas atividades econômicas
com redistribuição de renda e riqueza. Nesta perspectiva, há
que se criar estrutura de políticas universais de proteção social,
ou seja, políticas públicas compromissadas com a emancipação
social, política e econômica da população excluída.
Para tanto, há que se realizar um choque redistributivo e
de apoio ao desenvolvimento econômico para se construir uma
nova maioria política. Como diria Fontes (2005), faz-se premen-
te “nacionalizar” os interesses ligados às classes populares ou,

26 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


em outros termos, necessitamos instaurar um processo de
“nacionalização” que se constitui em “tornar nacional um
tema ou uma questão até então circunscritos à demanda de um
grupo específico, ainda que majoritário” (Fontes, op. cit.: 283).
Desta forma, inverteríamos a lógica de uma inclusão pautada
pelos mandos do capital e buscaríamos contemplar, efetiva-
mente, a população brasileira.
Este breve percurso pelos processos de exclusão social que
constituímos historicamente em nosso país nos auxilia a identi-
ficar os limites e desafios da inclusão social, e dentre eles, desta-
camos a inclusão educacional.
São estas lacunas criadas pela inclusão social que repercutem
no processo de exclusão educacional, gerada historicamente pela
desigualdade social. O que constatamos historicamente é o impe-
dimento no acesso, na permanência e na conclusão da escolarida-
de por mulheres e homens mais pobres, pessoas com necessidades
educacionais especiais, negros, indígenas, membros das comuni-
dades tradicionais (quilombolas, catadores, povos das florestas,
ribeirinhos) e de outros contingentes populacionais.
Todos estes grupos marginalizados vêm lutando para um
maior reconhecimento político e social e, apesar de vivenciar-
mos um tipo de inclusão excludente, buscamos criar respostas
para este movimento de luta em prol de uma inclusão emanci-
patória no que tange à inclusão de pessoas com deficiência
mental na rede regular de ensino. Para tanto, a seguir, explicita-
remos os percursos trilhados e os percalços encontrados em
nosso cotidiano de trabalho.

PERCORRENDO CAMINHOS: A TEORIA COMO PILAR DE


NOSSA PRÁTICA

Quando nos desafiamos a realizar a inclusão, pensamos na


oportunidade de ressignificar a Escola pública, minando as prá-
ticas excludentes que se têm configurado em seu interior.
Cabe-nos ajudar a reinventar essa escola, reinstituindo a ideia
de sua criação a cada dia. Segundo Valle (1997), a Escola Pública

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 27


surge como parte do projeto político de uma sociedade que
pretendia elaborar uma nova cultura, tendo a ação coletiva
como uma necessidade. A educação é concebida, pela primeira
vez, como um projeto humano, como um projeto político que
tinha por meta instituir o novo cidadão. Nessa ação coletiva
vinham à tona não só os investimentos de muitos, seus desejos,
suas paixões, mas também, os limites de suas ações. Nos dias de
hoje, esse conflito de desejos, de investimentos e, sobretudo, o
entendimento da imbricação contínua entre teoria e prática
continuam presentes. Todos os embates estão aí postos, todas
as contradições, nossos investimentos e nossas expectativas.
Assim, a Escola é pública também por ter como pressuposto a
aceitação de toda essa diversidade, permitindo que em seu
interior se trave o diálogo, a resistência, a negociação, os emba-
tes. É o local que deve ser de todos, pois é com essa ação coleti-
va e com a preocupação de abrigar a diversidade que ela pode-
rá continuar a ser chamada de pública.
O processo de ser, esse devir, só pode ser instituído pelos
seres humanos, em seu presente, a partir do que se elaborou em
seu passado. Entendemos a história humana constituída não por
uma linearidade, mas como um tempo de criação-destruição, um
tempo que não é exterior a nós, mas criado por nós e que tam-
bém nos faz – “...é só então que podemos estar verdadeiramen-
te presentes no presente, abertos ao futuro e mantendo com o
passado uma relação que não seja nem repetição, nem rejeição”
(Castoriadis, 1982: 85).
Esta é uma empreitada complexa, que nos exige uma atitu-
de de vigilância, de autocrítica e de capacidade de uma crítica
coletiva, pois só com esta “atenção” é que poderemos lutar
pela elaboração de políticas públicas que possibilitem a concre-
tização da escola pública como espaço inclusivo. Neste desafio,
vimos nos questionando, colocando em xeque nossas concep-
ções e ressignificando nossa práxis. Nossos tropeços, nossas difi-
culdades, mesmo nos paralisando em determinadas situações,
são os primeiros patamares que nos lançam à busca de novas
respostas. Representam, portanto, obstáculos a serem ultrapas-
sados para que possamos constituir não só uma Escola Pública

28 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


para todos, mas uma sociedade onde os seres humanos sejam
verdadeiramente sujeitos de direitos.
O trabalho de inclusão educacional das pessoas que apre-
sentam uma deficiência mental é o maior desafio enfrentado
por nós, atualmente, visto que a questão de como lidar com a
diferença é uma produção histórico-cultural, pautada no
modelo de homem que a sociedade define. Isto se deve ao fato
de a escola regular valorizar um padrão de razão que estas pes-
soas, por suas condições biológicas, não poderão apresentar.
Contudo, estes sujeitos têm capacidade para aprender algo se
puderem vivenciar um ambiente – seja em sua casa, em escolas,
em trabalhos – desafiador e acolhedor, ao mesmo tempo.
Para que o leitor compreenda a afirmação realizada anteri-
ormente, faz-se mister apresentarmos nossa concepção sobre a
deficiência mental, sobre o papel da escola e sobre a teoria
pedagógica que nos dá sustentação. Em primeiro lugar, deve-
mos explicitar que não compreendemos os educandos que
apresentam uma deficiência mental como sujeitos inacabados e
limitados, mas como sujeitos históricos, produtores e inseridos
numa cultura. Sendo assim, são sujeitos que iniciaram seu pro-
cesso de desenvolvimento e de aprendizagem muito antes de
sua chegada na escola, ou seja, uma aprendizagem propiciada
pelo seu meio cultural. Esta visão nos aproximou das concep-
ções sociointeracionistas, estudando, sobretudo, Vygotsky, que
teve parte da sua obra dedicada ao estudo de pessoas com defi-
ciências, inclusive aquelas com deficiência mental. Conceitos
como zona de desenvolvimento proximal (ZDP), compensação
e mediação são importantes para a ressignificação do trabalho
com estas pessoas.
Contudo, ao terem acesso à escola regular, a capacidade
para aprender é deslegitimada, desconhecida, desconsiderada.
É importante problematizarmos esta “crônica da morte anunci-
ada” em relação ao educando com deficiência mental. Ao ana-
lisarmos o fracasso da/na escola, Soares (1995) explana as diver-
sas ideologias que perpassam este discurso. O indivíduo com
deficiência mental também é objeto deste e, sobretudo com
ele, podemos identificar o discurso do fracasso escolar não só a

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 29


partir da ideologia do dom, como também da ideologia da
deficiência cultural. O discurso do fracasso escolar pautado na
ideologia do dom diz que, se o educando não aproveita as
oportunidades que a escola lhe oferece, é porque não tem apti-
dão, talento, inteligência, ou num vocábulo mais atual, não
tem competência.
Se pensarmos na realidade socioeconômica e cultural dos
educandos com os quais trabalhamos, estes também são objetos
da ideologia da deficiência cultural para explicar seu fracasso na
escola. Sendo integrantes de classes sociais economicamente
desfavorecidas apresentam não só a deficiência mental, que lhe
é orgânica, mas também uma deficiência cultural. Portanto, o
discurso construído pelo senso comum é que estas pessoas sejam
apartadas do processo de construção de conhecimento conside-
rado hegemônico, ou seja, estejam excluídas da escola regular,
confinados às paredes de uma instituição em que só haja iguais a
ele – apenas pessoas com deficiência mental.
Há muito, Vygotsky (1989) alerta para o equívoco de se
pautar a educação das pessoas com deficiência mental numa
pedagogia fundamentada apenas em questões concretas que
podem ser visualizadas – aptidões de auto ajuda, atividades
básicas de vida diária, socialização e linguagem oral elementar
–, visto que

Al operar exclusivamente con representaciones


concretas y visuales, frenamos y dificultamos el desar-
rollo del pensamiento abstracto, cuyas funciones en la
conducta del niño no puedan ser sustituidas por nin-
gún “procedimiento visual”; Precisamente porque el
niño retrasado mental llega con dificultad a dominar
el pensamiento abstracto, la escuela debe desarrollar
esta habilidad por todos los medios posibles. La tarea
de la escuela, en resumidas cuentas, consiste no en
adaptarse al defecto, sino en vencerlo. El niño retrasa-
do mental necesita más que el normal que la escuela
desarrolle en él los gérmenes del pensamiento, pues

30 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


abandonado a su propia suerte, él no los llega a domi-
nar (Vygotsky, 1989: 119).

Vygotsky (1989) defende a ideia de que a deficiência traz


consigo a reorganização radical de toda a personalidade da pes-
soa, a fim de compensar a sua deficiência. Desta forma, não é a
deficiência que define a pessoa, a sua personalidade, mas, no
entanto, influi nas relações sociais que explicarão seus modos de
agir, de ser, de pensar e de se relacionar com o mundo.
O ponto de partida para a ação educativa deve se centrar não
nos defeitos e dificuldades da pessoa com deficiência mental, mas
em sua reação à deficiência, na forma de reorganizar-se. O meio
social, a interação que a pessoa estabelece com este é que irá
“empurrar” a pessoa para as vias de compensação. Dependendo
das direções tomadas, das situações criadas, do meio no qual se
insere, a pessoa com deficiência mental poderá ultrapassar suas
dificuldades ou limitar-se a elas, agravando e aumentando a sua
deficiência inicial. É através da interação social, da relação no cole-
tivo, que a pessoa portadora de uma deficiência mental poderá
desenvolver suas funções psicológicas superiores, pois estas são
mais educáveis (Vygotsky, 2007).
Esta concepção nos leva a pensar a estruturação de media-
ções pedagógicas que contribuam no desenvolvimento das pes-
soas com deficiência mental. Ao organizarmos nosso trabalho
pedagógico com as escolas públicas municipais, temos como
objetivo refletir junto aos educadores sobre os direitos que as
pessoas têm – independentemente de apresentarem alguma
diferença – de participarem de um espaço educativo onde a
relação entre desenvolvimento e aprendizagem sejam o foco
da mediação pedagógica.
É no coletivo, nos embates, nas negociações que ali se esta-
belecem que surgem novas formas de conduta, é onde a pessoa
ativa e exercita suas funções psicológicas próprias. O coletivo é,
assim, a fonte do desenvolvimento das funções psicológicas
superiores.
É no terreno social, nas interações com os entes mais expe-
rientes da cultura que se encontra o centro organizador e for-

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 31


mador da atividade mental. É neste locus que se produzem sig-
nificados e esta produção exige a ação do outro, acontece com
o outro. Criamos, assim, ações significativas, ações simbólicas,
através da linguagem, da cognição, da cultura.
Para tanto, temos que construir um novo olhar em relação à
pessoa com deficiência mental, assim como redirecionar o papel
da educação pública a elas destinadas. Em busca da construção de
uma outra mirada, vimos estudando o conceito da Associação
Americana de Retardo Mental (2006) e, a partir desta, fomos cri-
ando um instrumento que nos auxilie na elaboração de um plane-
jamento pedagógico que contemple as diversidades existentes
em nossas escolas públicas.

UMA OUTRA TEORIA QUE NOS POSSIBILITE UMA NOVA


MIRADA SOBRE A DEFICIÊNCIA MENTAL

O conceito de deficiência mental sofreu mudanças em sua ter-


minologia nas últimas décadas. Cada renovação conceitual vem
explicitando a perseverança do campo para desenvolver uma
melhor compreensão da condição da deficiência mental, bem
como para conceber de maneira mais precisa uma classificação
e terminologia orientadas para a interação da pessoa com defi-
ciência mental, enfocando as suas funções interpessoais e as
interações recíprocas de um sujeito com outro.
Pesquisando uma definição que nos possibilitasse constitu-
ir um outro olhar pedagógico, fomos ao encontro da definição
da Associação Americana de Retardo Mental (2006) por com-
preendermos que o trabalho pedagógico junto às pessoas com
deficiência mental não se limita apenas ao aspecto orgânico e
constitucional. Como pontuado anteriormente, o indivíduo
que apresenta uma deficiência mental, antes de tudo, é um ser
humano, portanto, um ser sócio-histórico que trava relações
com outros seres humanos e com a cultura na qual se insere. Se
a pessoa com deficiência mental tem dificuldade em usar suas
ferramentas mentais, precisando ser estimulada a mobilizar
seus recursos mentais, o meio no qual se insere, as relações

32 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


ambientais travadas e a atenção educacional se revestem de
uma relevância ímpar. Seu desenvolvimento global é diferenci-
ado, e possibilitar que este seja mais “lentificado” ou mais
“ágil” dependerá também do quanto seu meio cultural lhe pos-
sibilita participar de momentos de interação e de interlocução.
Não estamos negando que há uma limitação situada no plano
biológico. Não obstante, as consequências destas dificuldades
se encontram no plano cultural, visto que as formas de signifi-
car esta pessoa com deficiência mental a desconsideram como
um sujeito simbólico (Padilha, 2001).

Pelo fato de a deficiência mental instaurar uma condição


singular do desenvolvimento, a escola acaba por desinvestir no
processo de aquisição do conhecimento, não desafiando as pes-
soas nesta condição a ultrapassarem seus limites.

É neste repensar sobre a deficiência mental que lançamos


mão da definição proposta pela Associação Americana de
Retardo Mental (2006), pois, apesar de trazer o aspecto orgâni-
co e ainda considerar a necessidade dos testes de coeficiente de
inteligência (QI), pela primeira vez, considera-se que a deficiên-
cia mental se constitui como um estado particular de interação,
que se apresenta de forma multidimensional, sendo afetado
pela cultura da qual o indivíduo participa.

De acordo com a referida definição, em relação aos indica-


dores para diagnosticar a pessoa com deficiência mental, se
fazem necessárias três condições: um QI igual ou inferior a
70-75 pontos; limitações em duas ou mais habilidades adaptati-
vas; idade de início de deficiência até os 18 anos. A questão das
habilidades adaptativas é o que vem nos possibilitando o redi-
mensionamento das mediações pedagógicas, pois destaca a
inter-relação existente entre o indivíduo e a sociedade nos
seguintes aspectos: habilidades intelectuais; comportamento
adaptativo (habilidades conceituais, sociais e práticas); partici-
pação; interações e papéis sociais; saúde (saúde física, saúde
mental e etiologia) e contexto (ambientes, cultura) (AMMR,
2006).

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 33


Assim, a dificuldade pode se apresentar não apenas pelas
condições orgânicas do indivíduo, mas também nos tipos de
apoio que a sociedade tem possibilidade de lhe apresentar ou,
em outros termos, quais os suportes que lhes são socialmente
possíveis vivenciar. Sendo assim, o conceito atual desloca o eixo
do diagnóstico da estimativa do nível de deficiência da pessoa –
leve, moderado, severo e profundo – para a estimativa das
intensidades de suporte – periódicas, limitadas, extensivas ou
constantes – que possam atender às suas singularidades.
Cabe ressaltar ainda que esta definição se coaduna com o
modelo de Educação Inclusiva, pois também privilegia a inclusão
dos educandos no processo educacional do sistema de ensino
regular, concebendo-os não como seres isolados, mas inseridos
num contexto cultural.
Considerar o contexto cultural tem sido o nosso maior
investimento, visto que o grande empecilho para que a pessoa
com deficiência mental possa se desenvolver é este “desenrai-
zamento” do social, essa exclusão de seu meio cultural, essa
“marginalidade” que lhe é imposta. Segundo nos ensina
Vygotsky (2007), para que a pessoa possa constituir suas fun-
ções psicológicas superiores, se faz mister que ela domine os
procedimentos e os modos culturais de convivência social. E são
exatamente estas vivências, estas construções semióticas, estas
possibilidades de interlocução com o mundo real que são apar-
tadas do cotidiano de uma pessoa com deficiência mental.
Almejando a reconfiguração deste processo multifacetado
de exclusão/inclusão é que buscamos criar um instrumento que
nos possibilite constituir uma nova visão sobre a pessoa com
deficiência mental, analisando quais mediações pedagógicas
diferenciadas nossas escolas públicas têm condições de lhe ofe-
recer no atual momento histórico em que nos encontramos.

34 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


TRILHANDO NOVOS CAMINHOS NUMA TENTATIVA DE
RECONSTRUÇÃO DA PRÁXIS

O trabalho educacional no ensino público para pessoa com


necessidades educacionais especiais na área da deficiência
mental encontra-se em fase de construção. Constatamos uma
recorrente desinformação de nossa categoria, profissionais da
educação, tendendo a constituir um discurso da patologização
do fracasso escolar e, consequentemente, de sua medicaliza-
ção. Frequentemente, esta concepção gera duas perversas rea-
lidades, a saber:
1. O encaminhamento de educandos com histórico de repe-
tência no ensino regular para as classes especiais de defi-
ciência mental e sua permanência por um longo tempo.
2. A consequente exclusão das pessoas que, de fato, apresen-
tam uma deficiência mental, da rede pública de ensino.
Na tentativa de modificar esta realidade, a proposta que
vem sendo implementada pela Equipe de Educação Especial da
Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias
(2001-2008) se pauta – como vimos descrevendo no presente
texto – na abordagem sociointeracionista tendo como concei-
tos centrais a zona de desenvolvimento proximal, a plasticidade
cerebral, a compensação e a mediação; e no conceito atual de
retardo mental (AARM, 2006) que possibilita a compreensão
deste sujeito em toda sua amplitude de convivência.
Organizamos nosso trabalho junto às unidades escolares
públicas realizando acompanhamentos pedagógicos e grupos
de estudos mensais para os/as educadores/as, grupos de estudos
extras solicitados pelas unidades escolares, cursos para os diver-
sos profissionais da educação, parcerias com outras instituições
públicas3, entre outras ações.
Estudando o conceito de retardo mental anteriormente
definido, criamos um instrumento que nos possibilitou olhar os

3Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria Municipal de Saúde, Con-

selho Municipal em Defesa da Pessoa com Deficiência, Conselho Municipal de


Educação, entre outras.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 35


“detalhes”, os indícios que são desconsiderados em nossa ânsia
de criarmos uma razão única no interior dos espaços educati-
vos. Na verdade, este questionário é apenas um elemento que
instiga a ver a pessoa, suas relações concretas de vida, constituir
um olhar prospectivo e apartar-se do que tradicionalmente
envolve a avaliação de uma pessoa com deficiência mental – a
visualização de suas “faltas” cognitivas, sensoriais, motoras,
verbais e sociais.

Detalhando um pouco mais, a partir das habilidades adap-


tativas, questionamo-nos o que nós, seres humanos, considera-
dos “normais”, realizamos em cada uma destas dimensões. For-
necendo um exemplo ao leitor, pensamos: o que eu, na condi-
ção de um adulto, realizo em minha casa, no meio familiar em
que me encontro? Na escola, o que é esperado de mim na con-
dição de estudante? Se trabalho, quais são minhas atribuições?
A partir de perguntas como estas, vamos traçando um perfil da
pessoa com deficiência mental em sua realidade concreta, em
seu cotidiano, em suas relações sociais e, portanto, em suas rela-
ções simbólicas.

Frente ao panorama de quem é esta pessoa – e afastan-


do-nos de uma patologia abstrata –, vamos traçando objetivos
pedagógicos que podem envolver tanto o contexto escolar, a
convivência familiar e outros ambientes que possam lhe forne-
cer maior autonomia. No que tange ao contexto escolar, traça-
mos objetivos mais individualizados que fomentem o desenvol-
vimento desse ser humano em suas especificidades, e outros
que se coadunam ao grupo escolar em que esta pessoa se
encontra – exemplos: como é o relacionamento com a sua tur-
ma; se poderia atuar como ”monitor” de outra turma etc.

Isto vem contribuindo para que os educadores repensem a


dimensão do “pedagógico” não só destinado às pessoas com
necessidades educacionais especiais, mas também para os
outros educandos que participam do cotidiano escolar. Os edu-
cadores vão ressignificando a ação pedagógica, construindo
novos conhecimentos em sua práxis cotidiana.

36 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


O CAMINHAR INCONCLUSO

Efetivamente, não temos uma resposta “pronta e acabada” no


que tange à educação dos seres humanos, e isto se acentua
quando nos debruçamos a construir caminhos pedagógicos jun-
to às pessoas com deficiência mental. Isto porque somos seres
multideterminados, seres de cultura, fazedores de nossa histó-
ria. E nessa história, a narração sobre as pessoas com deficiência
mental se faz a partir da incompletude. Mas quem não se
encontra nesta condição?
O que temos constatado em nossa trajetória de trabalho é
que as explicações ligadas ao campo biológico, patológico, da
falta, nos fazem escrever uma história em que as pessoas com
deficiência mental são impossibilitadas de participar do mundo
cultural das pessoas consideradas normais. Instigados pela polê-
mica questão trazida por Padilha (2001: 31-2), indagamo-nos:
“O que é da ordem do biológico e o que é da ordem do cultu-
ral? O que é individual e o que é social? (...) O que é genético e o
que é da experiência de vida com outras pessoas?”. Será que
temos construído caminhos teórico-metodológicos que nos
permitam compreender pedagogicamente as questões refe-
rentes à aprendizagem, ao desenvolvimento, às necessárias
mediações pedagógicas tanto para as pessoas ditas “normais”
como para aquelas de desenvolvimento atípico ou diferenciado
devido a uma deficiência?
Se temos uma certeza, é a de que não há como homoge-
neizar o aprendizado dos seres humanos. A escolarização dos
educandos – incluindo aqueles que apresentam alguma defi-
ciência –, os níveis que irão alcançar dependem de inúmeros
fatores: o grau de suas limitações intelectuais e adaptativas, os
desafios e solicitações que o meio lhes oferece, entre tantas
outras variáveis.
As pessoas nesta condição precisam ter acesso às mesmas
oportunidades que outros seres humanos: precisam de jogos e
brinquedos, explorar o ambiente, ser desafiadas, compartilhar
a cultura de seu grupo social. Neste sentido, a escola exerce um
papel fundamental, visto ser esta o locus socialmente legitima-

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 37


do para que as crianças tenham acesso ao conhecimento histo-
ricamente produzido pela humanidade, ou seja, um espaço em
que deve se efetivar o processo ensino-aprendizagem. Diante
deste importante papel, os programas educacionais destinados
às pessoas com deficiência mental não podem se embasar em
suas limitações, mas devem focar-se em suas possibilidades, pre-
ocupando-se em trabalhar com um olhar prospectivo, a partir
da noção de zona de desenvolvimento proximal. É de suma
importância que compreendamos que a deficiência não é uma
insuficiência, mas uma maneira peculiar de organização das
funções psicológicas que podem se modificar através dos pro-
cessos de significação que são, eminentemente, sociais e cultu-
rais (Vygotsky, 1989).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Terra, 1982.

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rus, 2001, p. 13-44.

FONTES, V. Reflexões Im-Pertinentes: história e capitalismo contemporâneo.


Rio de Janeiro: Bom Texto, 2005.

LEHER, R. Para fazer frente ao apartheid educacional imposto pelo Banco Mun-
dial: notas para uma leitura da temática Trabalho-Educação. Rio de Janeiro:
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38 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


POCHMANN, M. O desafio da inclusão social no Brasil. São Paulo: Publisher
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SAWAIA, B (org.). As Artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética da


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SOARES, M. Linguagem e Escola: Uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1995.

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Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1989. v. 5.
________. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 39


40 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO
3
POSSIBILIDADES DE ENSINO PARA O
EDUCANDO CEGO E COM BAIXA VISÃO

1
Giselle Araújo

1Pedagoga. Implementadora do Programa de Cegueira e Baixa Visão da Equipe

de Educação Especial da SME/Duque de Caxias.


INTRODUÇÃO
Este trabalho está, prioritariamente, comprometido com a edu-
cação escolar, sobretudo com as séries iniciais do ensino funda-
mental dos alunos com transtornos visuais, portanto, é do espa-
ço escolar que nos propomos a falar e, sendo assim, o enfoque é
caracteristicamente pedagógico.
Começamos a tecer nossas reflexões, considerando a aborda-
gem sócio-histórica, que nos remete à compreensão do homem
como ser social desenvolvendo-se a partir das interações com
outros sujeitos mais experientes do seu contexto social.
Podemos afirmar que as práticas educativas exercidas atra-
vés dos tempos nem sempre foram condizentes com o que as
teorias do pensamento pedagógico anunciam. O discurso de
“Educação para todos” muitas vezes mascara a prática da exclu-
são e assim também foi com a educação do educando cego.
A forma como a sociedade, ao longo dos tempos, compre-
ende e direciona as especificidades decorrentes de todos os
tipos de deficiência é que pode modificar e ampliar as possibili-
dades de uma vida melhor para todos.

A DEFICIÊNCIA VISUAL E O PROCESSO EDUCACIONAL


A deficiência visual afeta pessoas de todas as idades, indepen-
dente de sexo, grupo étnico, raça, ancestrais, saúde, posição
social e outras condições específicas. O indivíduo pode nascer
com uma deficiência visual ou adquiri-la durante qualquer fase
da vida. Dada a especificidade da perda da visão, estes sujeitos
requerem um processo de ensino que exige suportes que aten-
dam às suas singularidades.

42 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


A deficiência visual inclui dois grupos que devem ser consi-
derados: a baixa visão e a cegueira. De acordo com o Ministério
da Educação (2001):

Baixa visão é a alteração da capacidade funcional


da visão em decorrência de inúmeros fatores que
podem estar isolados ou associados, tais como: baixa
acuidade visual significativa, redução importante do
campo visual, alterações corticais e /ou de sensibilida-
de aos contrastes que interferem ou limitam o desem-
penho visual do indivíduo. A perda da função visual
pode ser influenciada por fatores ambientais inade-
quados.

Cegueira é a perda total da visão até a ausência de


projeção da luz.

Pedagogicamente, delimita-se como cego aquele que,


mesmo possuindo baixa visão, necessita de instrução em Braille
(sistema de escrita por pontos em relevo), e como portador de
baixa visão aquele que lê tipos impressos ampliados ou com o
auxílio de potentes recursos ópticos.
Na antiguidade, pessoas com deficiências mentais, físicas e
sensoriais eram consideradas aleijadas, anormais, ou deforma-
das. Estas pessoas eram abandonadas ou retratadas como a
degeneração da raça humana.
Para alguns povos, porém, como consequência de supersti-
ções ou crenças, havia um respeito especial pelos cegos e a con-
fiança em uma suposta “clarividência espiritual” (Vygotsky,
1989). O cristianismo proporcionou uma mudança de compor-
tamento, diante das deficiências, com a vivência da caridade,
difundindo a prática de proteção e compaixão para com aquele
que se apresentava física ou mentalmente desfavorecido pela
deficiência. Durante este período, a deficiência passou a ser jus-
tificada pela expiação de pecados que poderiam ter sido prati-
cados pela própria pessoa, ou por seus ancestrais. Além de for-
mas de expiação, a deficiência também poderia ser considerada
como uma espécie de burilamento, depuramento da alma.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 43


Com as práticas advindas do cristianismo, surgiram as pri-
meiras instituições com o propósito de assistir e proteger as pes-
soas deficientes que se encontravam marginalizadas e abando-
nadas pela sociedade.
A filosofia humanista que marca a Idade Moderna, consi-
derando a evolução das ciências, dá um direcionamento dife-
renciado aos problemas relacionados ao ser humano. O avanço
das ciências confere um diagnóstico aos deficientes, que pas-
sam a ter uma educação sob o enfoque da patologia em ques-
tão, essa prática retrata o início de uma integração àqueles que
antes eram considerados pobres coitados ou inaptos aos pro-
cessos educacionais existentes.
Ainda hoje, no início do terceiro milênio, somos constante-
mente surpreendidos por atitudes preconceituosas e por associ-
ações à deficiência como sendo uma herança maldita, uma
incapacidade generalizada ou obra do criador. Apesar disto, é
justo reconhecer os avanços decorridos de todo um processo
histórico que favorece e incrementa a inclusão do cego no con-
texto social atual e, especificamente, no contexto educacional.
Neste contexto, pode-se enfatizar a atuação de algumas
pessoas ou movimentos em prol das pessoas cegas. Estas preo-
cupações surgiram no século XVI com Girolinia Cardoso, médico
italiano, que testou a possibilidade de algum aprendizado de
leitura através do tato (Lemos e cols. 1999).
Valentin Haüy (1745-1822) fundou, em Paris, em 1784 a pri-
meira escola para cegos, o Instituto Real dos Jovens Cegos. Aci-
dentalmente, um dos alunos, Lesseur, descobriu que podia
reconhecer letras fortemente impressas em papel. Haüy passou
a utililizar esse método para alfabetizar seus alunos. Nessa mes-
ma escola, posteriormente, estudou o jovem Louis Braille, peça-
chave na integração dos cegos na sociedade.
Charles Barbier de La Serre (capitão da artilharia francesa)
criou em 1811 um sistema de escrita noturna, que permitia a
comunicação entre os soldados. Seu sistema baseava-se em um
tabuleiro de 36 quadrados, cada qual relacionado com um som.
Esse sistema destinava-se basicamente à emissão de sons.

44 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Em 1821 Barbier visitou a escola de Haüy e apresentou seu
sistema, sua intenção era que fosse utilizado pelos alunos
cegos. O sistema, então, popularizou-se entre os alunos do
Instituto (op. cit.).
Louis Braille desenvolveu o sistema com caracteres em rele-
vo para escrita e leitura de cegos – O Sistema Braille, tornan-
do-se público em 1825. Este sistema favoreceu o processo de
ensino e aprendizagem, resultando numa maior participação
social das pessoas cegas.
O sistema Braille é trazido para o Brasil por José Álvares de
Azevedo, ao regressar de seus estudos em Paris. Após resulta-
dos partindo da aplicação da nova técnica, construiu-se no Bra-
sil um colégio onde as pessoas cegas pudessem estudar. Em
1854 foi criado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje
conhecido como Instituto Benjamin Constant (IBC), o primeiro
educandário para cegos na América Latina.
O IBC criou em 1926 a primeira imprensa Braille do país e
tem se dedicado à capacitação de recursos humanos, publica-
ções científicas e à inserção de pessoas deficientes visuais no
mercado de trabalho. Foram criadas também outras institui-
ções com finalidade de dar suporte à educação das pessoas
cegas, destacando-se a Fundação para o Livro do Cego no Brasil
em 1946, hoje intitulada Fundação Dorina Nowill Para Cegos.
Atualmente, o processo de educação de pessoas cegas vem sen-
do oportunizado em várias regiões do Brasil, com suporte em
sala de recursos, professor itinerante, salas especiais e nos Cen-
tros de Apoio Pedagógico.

A IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM


DEFICIÊNCIA VISUAL: UMA PROPOSTA QUE SE EFETIVA A
CADA DIA

A Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias, através


da Equipe de Educação Especial, baseando-se na legislação
vigente em nosso país, voltada para a ação educacional de todos
os alunos, inclusive os alunos com comprometimento visual, vem

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 45


realizando um trabalho que busca respostas específicas e ade-
quadas para os alunos com deficiência visual (cegos ou com bai-
xa visão).
Entendemos que a escola é um espaço onde o acesso e a
permanência é um direito de todos, independente de seus atri-
butos e singularidades.
Buscamos uma educação voltada para o educando e não
somente focalizando sua “deficiência”, como já nos dizia Vygotsky
(1989):

(...) la educación del nino ciego debe ser organiza-


da cômo la educacion del nino apto para el desarrollo
normal; la educación debe formar realmente del cie-
go, uma persona normal, de pleno valor em el aspecto
social y eliminar la palavra y el concepto de “deficien-
te” em su aplicación al ciego (p.87).

Temos como objetivos:


l Oportunizar a alfabetização de deficientes visuais (cegos
e baixa visão), garantindo a continuidade de sua vida
escolar através da instrumentalização no Sistema Braille
e o uso do Sorobã (para alunos cegos) e recursos específi-
cos (para alunos com baixa visão).
l Desenvolver a autonomia na locomoção do aluno nos
espaços sociais em que ele participa.
l Desenvolver, junto aos alunos, conceitos relacionados à
alimentação, saúde, higiene, vestuário, administração do
lar e outros.
l Acompanhar e oferecer suporte pedagógico para o alu-
no incluído, visando minimizar as dificuldades, possibili-
tando melhor adaptação e rendimento escolar.
l Orientar o professor, através de material didático especí-
fico, cursos e oficinas pedagógicas.

O programa está estruturado segundo o currículo vigente


na Rede Municipal de Educação, garantindo a continuidade
da vida escolar e as especificidades de cada aluno (adaptações

46 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


curriculares, inclusive Orientação e Mobilidade e Atividades
de Vida Diária).

INTERVENÇÃO PRECOCE

Dentro das possibilidades curriculares da rede municipal de


Duque de Caxias, as crianças menores de 6 anos são encaminha-
das para a creche com suporte em sala de recursos. Entendemos
que o quanto antes ocorra a intervenção pedagógica, melhor
será o desenvolvimento.
A criança com deficiência visual é, antes de mais nada, uma
criança. Suas potencialidades intelectuais, afetivas e motoras
estão intactas, mas, devido ao fato de sua percepção visual ser
nula ou reduzida, ela necessita de uma educação apropriada e
específica ao seu desenvolvimento. Esta criança não sorri nem
estende os braços quando a mãe entra no quarto, pois até mes-
mo estes gestos são aprendidos socialmente. Fica quieta em
silêncio porque está a tentar perceber, pelos sons, o que se passa
à sua volta. Uma das primeiras coisas que os pais precisam apren-
der é encontrar substitutos sonoros e táteis que ajudem a criança
a identificá-los. E isto acontecerá por volta dos 10 meses de ida-
de, quando o bebê já for capaz de reconhecer e de demonstrar
prazer com a sua presença. É nesta altura que ela se torna capaz
de começar a associar sons a objetos, e vozes a pessoas específi-
cas. Este tipo de informações tão simples pode ajudar a impedir o
sentimento de rejeição da criança, tão comum nos primeiros
meses de vida e que tem transformado tantas crianças, apenas
cegas, em crianças com graves perturbações emocionais e de
desenvolvimento (Ministério da Educação, 2001).
A falta ou o uso limitado da visão não motiva a criança a
aprender. A motivação é necessária para aprender a sentar-se,
para ver melhor o que se passa a sua volta, engatinhar para
alcançar os objetos que pretende pegar, e andar porque pre-
tende imitar o que os outros fazem. Assim, se não for estimula-
da adequadamente, esta criança poderá não desenvolver ou

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 47


desenvolverá estas habilidades motoras mais tardiamente que
as crianças que veem. E tal como nos afirma Vygotsky (1994):

(...) o aprendizado das crianças começa muito antes


de elas frequentarem a escola. Qualquer situação de
aprendizado com a qual a criança se defronta na esco-
la tem sempre uma história prévia. (p. 110).

A visão é, portanto, um sentido que engloba e antecipa as


vivências do mundo, nós podemos observar o que ainda vai
acontecer e prever quem está chegando perto, lemos o mundo
à nossa volta de forma visual incluindo as reações das pessoas
que nos cercam. Por tudo o que foi dito, podemos concluir que
a falta da visão acarreta efeitos diretos no desenvolvimento e
na aprendizagem da criança de forma imediata, interferindo
diretamente nos aspectos referentes ao alcance e variedade de
experiências, formação de conceitos, motricidade, localização
espaço-temporal, interação com o ambiente e acesso a infor-
mações diárias imprescindíveis para a leitura de mundo.
Esta leitura de mundo deve ser aprendida mediante novos
esquemas que se organizam e compensam o sentido que falta.
O cego lê o mundo de acordo com sua percepção retirada de
informações como: a entonação de voz do outro, a posição cor-
poral na qual o outro se coloca, os cheiros e os sons ao seu redor
e outras informações que o meio social lhe transmite. Todas
estas informações fazem parte do contexto sociocultural, e a
criança apropria-se através das intervenções e mediações que
lhe são propostas. E as intervenções e mediações que favore-
cem e ampliam o grau de percepção do mundo e que chegam,
naturalmente através da visão para os que veem, devem ser, sis-
tematicamente, implementadas para as crianças cegas ou com
baixa visão.
Para corroborar esta ideia, recorremos, mais uma vez, a
Vygotsky (1989):

(...) cualquier defecto origina estímulos para la for-


mación de la conpensación (...) eso el estúdio dinâmico

48 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


del nino que presenta deficiências no puede limitarse
a la determinación del grado y de la gravedad de la
insuficiência, pero incluye indispensablemente el con-
trol de los processos de conpensación, de sustitución,
procesos edificadores y equilibradores em el desarrollo
y em la conducta del nino (p.5).

Caso a criança cega não receba as mediações e interven-


ções para incentivar suas descobertas e aprendizagens, além
dos efeitos diretos, intrínsecos à deficiência, poderá sofrer efei-
tos indiretos, isto é, provenientes da precária exposição à
cultura do meio em que vive.

ENSINO FUNDAMENTAL: UM CAMINHAR EM DIREÇÃO À


INCLUSÃO
Para os alunos matriculados – de 6 a 14 anos –, sem escolariza-
ção prévia comprovada, é oferecida a escolarização até o 5º ano
de escolaridade em classe especializada para alunos cegos. O
professor regente é capacitado para ensinar ao aluno o domí-
nio e a autonomia no Sistema Braille (leitura e escrita) e o uso
do Sorobã (técnica de cálculo matemático), assim como os
demais saberes necessários à sua futura inclusão no ensino
regular. Este período faz parte do processo de instrumentaliza-
ção. A partir do 5º ano de escolaridade, estes alunos terão
suporte pedagógico de sala de recursos, garantindo sua entra-
da e permanência na modalidade regular de ensino. Aos alunos
matriculados com mais de 14 anos, sem escolarização prévia,
são oferecidas as mesmas possibilidades dos alunos menores de
14 anos, ou seja, os mesmos seguirão o currículo do Ensino
Regular Noturno, respeitando a especificidade de cada aluno e
objetivando sua inclusão. Recebemos também alunos por meio
de transferência, com domínio do Sistema Braille e Sorobã, que
são matriculados de acordo com sua documentação de
escolaridade e recebem apoio pedagógico.
Os alunos com baixa visão, em geral, estão incluídos no
ensino regular. Os mesmos são avaliados e acompanhados pela

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 49


Equipe de Educação Especial de acordo com suas necessidades,
recebem recursos pedagógicos específicos (cadernos de pauta
ampliada, lápis 6B e canetas específicas). Os professores do ensi-
no regular são orientados mediante visitas, formação continua-
da em serviço e material informativo elaborado por esta
equipe.
Na sala de recursos serão trabalhadas as necessidades espe-
cíficas, incluindo a transcrição de tinta para o Braille e do Braille
para tinta, as adequações necessárias de materiais, construção
de materiais em relevo e a garantia do acesso à continuidade ao
aprendizado do Braille e do Sorobã.
As informações tátil, auditiva, sinestésica e olfativa, em
conjunto, formam os conceitos de mundo e acompanham este
sujeito por toda sua vida. Para que o aprendizado seja comple-
to e significativo, é importante possibilitar a coleta de informa-
ção por meio dos sentidos remanescentes, canais importantes
ou porta de entrada de dados e informações que são levados ao
cérebro. A sala de recursos é um dos um ambientes que privile-
gia a convivência e a interação com diversos meios de acesso à
linguagem, conceitos, leitura, escrita e aos conteúdos escolares
em geral.
O acesso direto à língua falada – diferentemente do que
ocorre com o aluno surdo – é um valioso instrumento de intera-
ção com o meio físico e social. Portanto, o uso da língua oral em
sua modalidade falada manifesta-se, como consequência, nas
habilidades de ler e escrever. Faz parte da competência do pro-
fessor observar como os alunos se relacionam entre si e com os
adultos e verificar a qualidade da experiência comunicativa nas
diversas situações de aprendizagem.

SALA DE RECURSOS

A sala de recursos é um ambiente onde se oferece acompanha-


mento pedagógico especializado para alunos cegos ou com
baixa visão, com professor capacitado.

50 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Na sala de recursos deverão ser atendidos alunos com defi-
ciência visual de diversas faixas etárias, matriculados em diferen-
tes níveis ou tipos de ensino, este é organizado de acordo com as
necessidades do educando e pode ser realizado individualmente
ou em grupo.

Alguns exemplos de recursos específicos utilizados neste


espaço são: máquina perkins, reglete, punção, papel para escri-
ta em Braille (quarenta quilogramas), cadernos com pautas
ampliadas, bengala, material em relevo, além de materiais
didáticos ampliados ou em Braille para uso de alunos cegos ou
com baixa visão.

Temos como objetivos específicos, nesta modalidade, favo-


recer o processo de ensino e aprendizagem dos alunos com
deficiência visual, nas diversas etapas de sua escolarização, bem
como mediar a aprendizagem através de recursos e técnicas
específicas, relacionando-a com as experiências, vivências e
conhecimentos que a criança traz consigo e que devem ser utili-
zados para formação de novos conceitos.

É papel do professor prestar apoio pedagógico especializa-


do ao aluno no processo ensino-aprendizagem, garantir o
suprimento de transcrição Braille/tinta, tinta/Braille, ampliar
textos, provas e outros, adaptar materiais didáticos em relevo
para uso de alunos cegos ou com baixa visão, preparar materia-
is específicos para o uso do aluno com deficiência visual, forne-
cer orientações gerais para o manejo das técnicas apropriadas
ao uso do Sorobã, orientar o aluno quanto ao espaço físico da
escola, favorecer a aquisição de conceitos e pistas espaço-tem-
porais e possibilitar o conhecimento de ferramentas que facili-
tam o acesso à informática (como exemplos, podemos citar: o
2 3
DOSVOX e o Virtual Vision ).

2Sistema operacional desenvolvido pelo NCE/UFRJ, possui um conjunto de fer-


ramentas e aplicativos próprios além de agenda, chat e jogos interativos. Pode
ser obtido gratuitamente por meio de download a partir do site do projeto.
3Virtual Vision é o programa que permite aos deficientes visuais utilizar o

ambiente Windows, seus aplicativos Office, e navegar pela Internet com o


Internet Explorer. O Virtual Vision utiliza o DeltaTalk, a tecnologia de síntese

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 51


O trabalho realizado em orientação e mobilidade tem por
finalidade proporcionar à pessoa cega ou com baixa visão auto-
nomia na locomoção e autoconfiança. Levam-se em conta as
experiências, vivências, conhecimentos que a criança traz consi-
go e o que está por acontecer em sua trajetória. A criança cega
muitas vezes chega à escola sem um “passado” de experiências
como seus colegas que enxergam, não apresenta as rotinas da
vida cotidiana de acordo com a sua idade, os seus conceitos bási-
cos como esquema corporal, lateralidade, orientação espacial e
temporal são quase inexistentes e sua mobilidade é difícil, o que
poderá levar à baixa estima e dificultar o seu ajustamento ao
contexto escolar, impedindo a sua inclusão de fato.
Pensando em autonomia e independência, as Atividades
da Vida Diária proporcionam oportunidades funcionais a fim
de desenvolver de forma independente o autocuidado e as
demais tarefas nos diversos ambientes. Atividades de Vida Diá-
ria se referem a um conjunto de atividades que visam ao desen-
volvimento pessoal e social nos múltiplos afazeres do cotidiano,
tendo em vista a independência, a autonomia e a convivência
social do educando com deficiência visual ou baixa visão. Têm
como objetivo proporcionar oportunidades educativas funcio-
nais que habilitem o aluno com deficiência visual a desenvolver,
de forma independente, seu autocuidado e demais tarefas no
ambiente doméstico, promovendo seu bem-estar social, na
escola e na comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da concepção sócio-histórica que marca uma nova eta-


pa na educação, em que paradigmas necessitam ser ressignifi-
cados, esta proposta busca a transformação das atitudes e das
práticas pedagógicas no cotidiano escolar para os alunos cegos
ou com baixa visão.

de voz desenvolvida pela MicroPower®, garantindo uma grande qualidade do


áudio em português.

52 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Propomos uma educação na qual defendemos as possibili-
dades das crianças, sem o enfoque na deficiência. Não negamos
que a cegueira impõe uma reorganização para a qual precisa-
mos oferecer recursos específicos, mas estamos de acordo com
Vygotsky (1989) quando afirma que a diferença pode represen-
tar também uma força para manifestação das capacidades des-
tas pessoas. A isto o autor chamou de “compensação”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. MEC/SEESP. Programa de capacitação de recursos humanos do ensino
fundamental – deficiência visual. v. 2 e 3. Fascículo IV. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Especial, 2001.
LEMOS, E. R.; CERQUEIRA, J. B.; VENTURINI, J. L.; ROSSI, T. F. O. Louis Braille: sua vida
e seu sistema. Fundação Dorina Nowill para Cegos. São Paulo, 1999. Disponível
em <http://www.deficientesvisuais.org.br>. Acesso em setembro/2008.
VEIGA, J. E. O que é ser cego. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1983.
VYGOTSKY, L. S. Fundamentos da Defectologia. Obras Completas. Tomo 5. Pla-
ya, Ciudad de La Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1989.
________. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psico-
lógicos superiores. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 53


4
A VOZ DO ATOR VIDENTE: O CAMINHO
SONORO PARA O ATOR COM DEFICIÊNCIA
VISUAL

1
Ana Lúcia Palma Gonçalves

1Ana Lúcia Palma Gonçalves é Mestranda da Universidade Federal do Estado do

Rio de Janeiro (UNIRIO) na Linha de Pesquisa em Processos e Métodos da Cria-


ção Cênica e trabalha há dez anos em projetos culturais inclusivos para e com
pessoas com deficiência visual.
INTRODUÇÃO

Os livros em tinta lançados pelo mercado editorial brasileiro


precisam ser adaptados para que a pessoa com deficiência visu-
al possa conhecer seu conteúdo. O século XXI traz o sério e
maravilhoso compromisso com a diversidade humana, a pesqui-
sa e implantação de meios acessíveis para a construção de uma
sociedade não-discriminatória. Contudo, é preciso compreen-
der a abrangência destes imperativos sociais que são a acessibi-
lidade e a inclusão e o papel da arte neste espaço novo pelo
qual o indivíduo se descobre e se redescobre no convívio com as
diferenças de seus semelhantes. Como nos diz Loureiro (2003):

A estética de uma ética sem barreiras está no sentido


de refletir na sociedade a “simetria” que é um dos fun-
damentos do estético. (...) A estética de uma arte sem
barreiras e, na verdade, a estética transposta como
princípio de simetria para o campo social. A igualdade
de oportunidades, a diferença entendida como valor
próprio, a inclusão como equilíbrio diante do desequilí-
brio dissimétrico da exclusão (p.13, 14).

Para que a atuação dos produtores culturais e dos artistas


em nosso país esteja de acordo com os ideais apresentados, ou
seja, no reflexo da arte na vida e da vida na arte, para o trans-
porte e a transmissão de valores éticos e estéticos, é preciso a
construção de uma ponte segura com a educação, a pesquisa e
a academia.

56 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Em conformidade com estes preceitos, investigo uma
metodologia para que o indivíduo cego que deseje atuar nas
artes cênicas ou que já atua possa se instrumentalizar para
melhor exercer o ofício de ator. Esta pesquisa lança braços e
olhos para a formação corporal, através da expressão e comuni-
cação do corpo; para a formação emocional a partir do encon-
tro perceptivo de suas emoções e de seus sentimentos; e para a
formação intelectual através do direito ao acesso aos livros de
história do teatro e de técnicas desenvolvidas por alguns mes-
tres da arte de encenar.
Para que tal acervo fosse produzido ministrei na UNIRIO,
no ano de 2008, o Curso de Extensão: A Voz do Ator Vidente: O
Caminho Sonoro para o Ator Cego do qual fizeram parte
alguns alunos de Graduação do Centro de Letras e Artes, per-
tencentes ao Núcleo de Ensino de Teatro. O objetivo foi a gra-
vação de dez livros básicos e fundamentais sobre teatro para a
melhor qualificação de cegos da Língua Portuguesa interessa-
dos em atuar no palco.
Cada aluno participante, em média, gravou oito CDs, trans-
ferindo, na íntegra, o conteúdo do livro em tinta para o livro
em áudio, totalizando 80 CDs. O trabalho de cada aluno teve o
tempo de duração de cerca de 3.360 minutos, quatro vezes mais
extenso do que o tempo final de gravação, que é de 80 minu-
tos, o que já deixa evidente a complexidade do processo.
As primeiras aulas traçaram um panorama a respeito da
deficiência visual, habilidades e dificuldades provenientes desta
condição, informações sobre arte inclusiva e meios adaptados
para a produção e consumo da arte por cegos. Participaram
destes encontros Márcia Costa e Moira Braga, duas moças cegas
que são as participantes do processo investigativo de minha
pesquisa, intitulada Atos no Escuro: Uma Perspectiva Sensorial.
Em seguida, aos alunos foi apresentado o programa livre
de áudio, chamado Audacity, para o registro vocal, correções e
edição do áudio. Este programa permite a melhoria da qualida-
de técnica de gravação, facilita o trabalho do ledor voluntário e
a escuta do ouvinte. Paralelamente, os participantes receberam

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 57


informações detalhadas sobre as partes que compõem o livro:
capa, contracapa, orelhas, folha de rosto, dedicatória, ficha
catalográfica, expediente etc.
Enquanto os alunos empregavam o seu tempo para a cons-
trução de um acervo acessível para atores cegos, tiveram a
oportunidade de conhecer mais intimamente sua voz e sua
expressão vocal, podendo, assim, corrigir dificuldades de dicção
e de entonação, contribuindo para seu próprio trabalho de atu-
ação em cena. A observação da voz gravada permitiu o conheci-
mento de vícios e erros de leitura, assim como o contato com as
regras de boa leitura. Munidos destes instrumentos aprende-
ram a imprimir ao texto velocidade e entonações apropriadas
em observância à intenção do autor e ao respeito à pontuação
utilizada segundo as normas gramaticais da Língua Portuguesa.
Cuidados que permitem a inteligibilidade do material a ser
ouvido.
E, completando os saberes para a realização plena do tra-
balho, os alunos do Núcleo de Formação entraram em contato
com a técnica do livro falado, propriamente dita, que será apre-
sentada adiante, após a elucidação do sistema Braille e do siste-
ma de voz sintetizada.

TRÊS FORMATOS DE LIVROS ADAPTADOS


Existem três procedimentos para a leitura e produção de texto
do cego ou da pessoa com baixa visão: o primeiro, mais antigo e
mais importante deles, é o sistema Braille desenvolvido por
Louis Braille, cego francês, na segunda década do século XIX.
Segundo Monteiro (2003), Braille conheceu uma forma de
comunicação silenciosa e em relevo utilizada por militares
durante exercícios de simulação de combate que permitia a
passagem de informações e mantinha a segurança e integrida-
de física dos homens. Valendo-se deste método, criou o sistema
que é composto por sessenta e três caracteres em alto-relevo
numa combinação de seis pontos inseridos numa cela retangu-
lar com duas colunas paralelas e três linhas. Estes caracteres for-
mam todo o alfabeto, sinais e números necessários para que a

58 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


pessoa com deficiência visual possa ler e também escrever, par-
ticipando, desta forma, da produção e do consumo cultural
através do registro gráfico da língua.
Apesar do importante serviço que o sistema Braille vem
prestando à comunidade cega, alguns fatores dificultam sua
abrangência: nem todas as pessoas com deficiência visual são
alfabetizadas em Braille porque ou ficaram cegas quando adul-
tas, quando qualquer processo de alfabetização é mais comple-
xo; ou porque em sua cidade não havia ou não há uma escola
especializada e elas não foram ou não são enviadas às institui-
ções competentes; ou em função do alto custo para a produção
do livro em Braille, tanto em relação ao papel cuja gramatura
deve ser maior do que aquela que comumente utilizamos
quanto com relação à impressão do texto transcrito.
Até bem recentemente as impressoras utilizadas no Brasil
eram importadas da Alemanha, fazendo com que seu custo fos-
se inviável para a aquisição pessoal. Mesmo hoje, apesar do
empenho da Instituição Laramara na produção de impressoras
com tecnologia brasileira, uma impressora em Braille custa o
equivalente a quatro impressoras medianas em jato de tinta. Se
não soluciona a questão individual, a iniciativa do Laramara,
pelo menos, permite a aquisição das máquinas pelas institui-
ções a fim de acelerar o processo inclusivo de acesso ao livro.
Podemos ainda encontrar outros fatores que limitam a uti-
lização ampla do sistema Braille: a transcrição do livro em tinta
necessita de pessoas especializadas, mas não são encontrados
cursos sistemáticos para capacitação de interessados, sendo as
ações, quase sempre, isoladas e descontínuas. E, para agravar o
quadro, são poucas as iniciativas de edição de livros em Braille
porque o preço final inviabiliza sua comercialização. Quando
ocorre uma edição em Braille, é de forma subsidiada e, em sua
maioria, priorizando o livro didático ou livros que abordem
questões relativas aos cegos. A verdade é que não existe uma
editora no mercado que se arrisque a lançar publicações para a
vendagem destes livros.
E, para finalizar, embora longe de pretender esgotar o
tema, a situação é agravada pela política ainda incipiente de
educação inclusiva. O futuro profissional de educação não rece-

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 59


be treinamento para dominar esta escrita, permanecendo, des-
ta forma, a distância que deveria ser rompida para que a difu-
são do sistema Braille realmente aconteça.
Este quadro deixa claro que estamos ainda engatinhando
no processo inclusivo e que muitas ações precisam ser desenvol-
vidas a fim de ampliar o acervo de livros em Braille para o aten-
dimento da pessoa que gosta de ler, mas não possui a visão. É
importante ressaltar que este sistema é o meio mais adequado
para a adaptação de livros, já que permite tanto a leitura sem a
interferência de terceiros quanto o contato direto com a grafia
correta das palavras.
O segundo formato e o mais moderno deles para o acesso
ao conteúdo de livros é o sistema de voz sintetizada, um pro-
grama desenvolvido para que a pessoa com deficiência visual
possa utilizar o computador para a produção de texto e a nave-
gação na internet. Em última instância este programa pode ser
denominado como um leitor de tela.
Também neste caso vale sinalizar que as versões estrangeiras
são caras, fator que dificulta sua utilização fora das entidades.
Este problema tem sido minimizado através de um grupo de pes-
quisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
liderado pelo Professor Doutor Antônio Borges, que desenvol-
veu várias versões do programa Dosvox, que pode ser baixado
gratuitamente da página da referida universidade. Este progra-
ma segue critérios básicos do MSDOS, foi produzido antes mes-
mo do lançamento do Windows e seu comando é acionado a
partir do teclado do computador. Ele consiste na combinação
sonora de fonemas que formam palavras e frases, permitindo
que a pessoa com deficiência visual leia e escreva valendo-se da
tecnologia. A cada versão são disponibilizados mais recursos e no
mês de agosto de 2007 foi lançada a versão 3.5, chamada Liane,
com melhor qualidade de voz. O texto lido possui quatro veloci-
dades, escolhidas mediante a intimidade que o usuário possuiu
com o programa e sua acuidade auditiva. Os videntes sentem
muita dificuldade em compreender o conteúdo dos textos por
absoluta falta de prática. Mas aqueles que utilizam este recurso
para ter acesso ao conhecimento e ingressar na vida acadêmica
estão perfeitamente adaptados ao áudio.

60 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Todavia, vale destacar que este recurso não está tão disse-
minado quanto a era da informática poderia nos sugerir. Isto
porque, assim como o sistema Braille, nem todas as pessoas com
deficiência visual estão capacitadas para sua utilização, ou por
falta de conhecimento prévio da utilização do computador e do
programa em si ou em função do valor venal dos aparelhos de
informática.
Apesar do caráter ainda restritivo, a realidade é que, por
meio deste recurso, o cidadão com deficiência visual mais do
que nunca atinge sua liberdade de comunicação e privacidade
ao poder enviar mensagens eletrônicas sem depender do auxí-
lio de outrem. Outro ponto importante e que não pode ser
esquecido de forma alguma é que esta iniciativa é crucial para a
expansão ao mercado de trabalho para cegos e pessoas com
baixa visão. Um acréscimo expressivo de vagas para funções
que necessitam da utilização de computadores tem ocorrido,
especialmente, no trabalho de telemarketing, assim como para
aquele cego que queira se tornar um instrutor do programa de
voz sintetizada.
Antes de encerrar a abordagem deste segundo item, é
importante citar um dos grandes impasses com relação à aquisi-
ção do livro em formato Word: as editoras têm se recusado a
fazer a venda do produto digitalizado, apesar de alguns movi-
mentos promovidos, especialmente na França, segundo me
informou o fotógrafo e filósofo cego Evgen Bavcar2 quando
participou no Centro Cultural Banco do Brasil, em 2005, do Pro-
grama Arte Sem Barreiras. Manter a reserva de mercado parece
ser mais importante do que a disseminação do livro para os
nossos poderosos editores.
O último dos meios é o livro falado, técnica muito difundi-
da no dia a dia de quem não enxerga. Ela nasceu da iniciativa
do professor Beno Arno Marquardt, já falecido, que, após as
aulas ministradas no Instituto Benjamin Constant, levava seus

2Evgen Bavcar é esloveno, ficou cego quando criança, mas ainda assim é um
fotógrafo renomado. Pode ser visto no filme Janela da Alma, documentário de
João Jardim Carvalho, de 2002.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 61


alunos para a sua residência e lia diversos livros, a fim de que
eles pudessem entrar em contato com a literatura. Assim, nas-
ceu o Clube da Boa Leitura, audioteca existente até os dias de
hoje no Rio de Janeiro.
São inúmeras as audiotecas existentes no Brasil e o acervo
vem sendo produzido por voluntários que se sensibilizam com
os problemas relativos à leitura para aqueles que querem estu-
dar ou se divertir, mas não encontram material disponível. Nor-
malmente o ledor (termo empregado para quem lê ou grava
livros para cegos e pessoas com baixa visão) é um leitor assíduo
que, devido o seu prazer pelo livro e amor ao mesmo, consegue
dimensionar o que pode ser a vida de uma pessoa com poucas
chances de leitura.
Apesar deste solidário gesto inicial, o quadro é de escassez
de recursos para a realização de uma gravação de boa qualida-
de, tanto no que tange àquele que grava através do aperfeiço-
amento do seu instrumento vocal quanto no que tange ao pró-
prio sistema de gravação, predominantemente realizado atra-
vés do uso de fitas cassetes, material com pouco tempo de vida
útil e com baixa possibilidade de edição.
Embora a utilização de gravadores portáteis e de fitas cas-
setes pareça extremamente obsoleta, a verdade é que assim
vem sendo cumprida a função de fazer chegar ao seu maior
interessado – o leitor cego – o objeto livro nesta versão adapta-
da para o áudio. Para compreender as razões que justificam
esta prática, é preciso se aproximar um pouco do universo da
pessoa que não enxerga. Por exemplo, um estudante com gra-
ves problemas visuais utilizará com muita frequência um grava-
dor em sala de aula para registrar informações importantes.
Muito embora o aparelho MP3 esteja ganhando espaço no
mercado, a substituição de um recurso pelo outro não se dá de
forma tão imediata, seja por questões que implicam o poder
aquisitivo, seja por questões comportamentais de mudança de
hábitos.
Além disso, do acervo disponível nas audiotecas, mais de
noventa por cento se encontram nesta mídia mais antiga. Desta
forma, o usuário ainda necessita de seu gravador portátil para

62 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


ler, não podendo, simplesmente, dispensar o pouco material a
que tem acesso. A modernização deste acervo através da digi-
talização requer verbas elevadas e há pouca vontade política
para a melhoria desta questão.
A mudança deste quadro exige trabalho, consciência social
e respeito à cidadania. Entretanto, pequenas ações advindas da
população comprometida em atuar na melhoria da vida dos
cidadãos podem auxiliar este processo. No caso específico da
gravação de livros falados, destaco que ao ledor voluntário
deve ser dada a oportunidade de trabalhar a sua voz e sua leitu-
ra. Ele deve também aprender a manipular o programa de gra-
vação em computador, que aperfeiçoa a edição e facilita a copi-
agem do arquivo para CD.
A técnica do livro falado, embora exista no Brasil há mais
de quarenta anos, ainda não tem normas definidas para a sua
realização, assim sendo, cada instituição pratica procedimentos
diferentes, tendo em comum apenas alguns detalhes. Uma dis-
cussão em âmbito nacional precisa acontecer para que sejam
definidas normas para a produção do livro acessível em áudio.
Os procedimentos que adoto são frutos de minha experiência
tanto na gravação de uma centena de livros, especialmente em
parceria com a Academia Brasileira de Letras, quanto de minha
experiência em ministrar oficinas que capacitam pessoas para a
gravação. As ricas discussões e ponderações destes voluntários
vêm me ajudando a ampliar e definir quais os modos mais ade-
quados de produzir o livro falado, dentre eles, alguns critérios
já estão estabelecidos e são rigorosamente seguidos: a fidelida-
de ao livro em tinta a fim de que a pessoa que não enxerga pos-
sa conhecer objetivamente o livro original; e a não omissão, por
parte do ledor, de informações que compõem o livro em tinta,
por considerar que tal informação não é de interesse do ouvin-
te. A decisão de sonegar informações contidas no livro já deno-
ta uma prática excludente.
Embora a adaptação do livro para o áudio pareça bem
fácil, sua complexidade surge diante da variedade de projetos
gráficos dos livros disponíveis no mercado editorial. Mesmo que
a pessoa seja um leitor assíduo, nem sempre tem conhecimento

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 63


profundo sobre todas as partes que compõem o objeto livro.
Isto é um fator de insegurança na hora de indicar qual parte do
livro está sendo gravada. Mas com a prática e ajuda de um bibli-
otecário, o produto final adquire cada vez mais fidelidade ao
objeto similar em tinta.
A técnica do livro falado define que não devemos utilizar
nenhuma sonorização ou sonoplastia, apenas ler, transferir o
conteúdo textual do veículo em tinta para o veículo em áudio,
fator fundamental para a diferenciação entre o livro falado e o
audio book.
Obedecendo às exigências da prática da acessibilidade e da
construção de uma sociedade não-discriminatória, o livro deve
ser salvo em formato wave para que toque em qualquer equi-
pamento, ou seja, computador ou CD player.
Outro ponto importante e muitas vezes polêmico é com
relação às figuras que ilustram os livros. Alguns cegos conside-
ram importante sua descrição, outros não. Embora particular-
mente eu considere que as informações visuais são importantes
para aquele que não enxerga, vide a instigante busca do fotó-
grafo cego Evgen Bavcar, opto por não narrar, porque este é um
terreno que adentra a subjetividade do ledor. Cada um de nós vê
apenas aquilo que lhe é possível, assim, a descrição de uma ima-
gem fica revestida de um caráter excessivamente particular. Per-
de-se num sentido, mas em outro não há o risco de imprecisões.
O último item genérico a ser aqui exposto se refere ao ato
da soletração de palavras estrangeiras que causa discussões aca-
loradas entre os cegos: uns desejosos de sua manutenção e
outros ansiosos por sua abolição. Prefiro adotar o ato de sole-
trar, principalmente por proteção ao ledor, que pode ficar cons-
trangido por não estar lendo corretamente uma palavra estran-
geira. Além disso, a pessoa que não enxerga fica com a informa-
ção correta da grafia da palavra, já que a pronúncia pode ser
incorreta ou totalmente diferente da escrita. Esta prática pare-
ce estranha para um vidente, mas é bom lembrar que a pessoa
com deficiência visual é uma usuária da técnica do livro falado
há muito tempo e já está acostumada a este procedimento.

64 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Quanto à questão da incômoda interrupção na linha melódica
do texto lido, é bom destacar que, com a prática, o ledor desen-
volve uma memória auditiva que lhe permite fazer a interrup-
ção e retomar a entonação adequada. Assim senso, palavras e
nomes estrangeiros são soletrados tão logo sejam lidos. O mes-
mo procedimento sempre foi adotado com as palavras com as
letras K, Y, W, já que não faziam parte do nosso alfabeto. A
partir do Novo Acordo Ortográfico, sua prática será revista.
Apresentadas as diretrizes básicas, podem ser conhecidas
as regras que conduziram à feitura do acervo de livros de teatro
para atores cegos no Curso de Extensão:
1. Todos os livros adaptados foram iniciados com o informe
da Lei nº 9.610 de Direitos Autorias, que no artigo 5 defi-
ne que todo e qualquer livro pode ser adaptado para o
uso da pessoa com deficiência visual sem que se pague
direitos autorais, desde que não haja comercialização
dos mesmos.
2. Para cada parte do livro e para cada informação de indica-
tiva foi criada uma faixa diferente (capa, contracapa, ore-
lha, folha de rosto, dedicatória, epígrafe, capítulos etc.
3. O tempo máximo de 15 minutos foi adotado para cada
faixa (item sugerido pela Secretaria de Educação Especial
por ocasião do edital PNL 2008).
4. A faixa 3 foi criada exclusivamente para o sumário,
observando a equivalência entre faixas e as informações
sequenciais. Esta faixa é produzida ao término de todo o
processo de gravação.
5. As imagens não foram descritas, com exceção daquelas
cuja compreensão do texto ficava comprometida sem a
indicação gráfica.
6. Efeitos de sonoplastia não foram utilizados por tratar-se
de uma leitura e não de uma dramatização.
7. A gravação de cada livro ficou sob responsabilidade de
apenas uma pessoa, evitando, desta forma, a dispersão
do ouvinte por ocasião da alteração de voz.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 65


8. Indicação do número das páginas lidas (item sugerido
pela Secretaria de Educação Especial por ocasião do mes-
mo edital referido acima). Esta questão é uma das mais
sérias a serem discutidas e definidas: quando um cego
está fazendo um trabalho acadêmico, qual mídia deverá
ser incluída na citação, a em tinta, que ele não utilizou
ou a falada que foi, de fato, o material que lhe trouxe a
informação desejada. Ao fazermos a divisão em faixas e
ao citarmos a página lida, salvamos os dois recursos pos-
síveis para a citação.
9. Soletração das palavras e nomes estrangeiros.

Estabelecidos os critérios, deu-se a gravação dos livros sele-


cionados para o acervo destinado aos atores cegos. Os autores
escolhidos são expoentes na arte cênica teatral e o conhecimen-
to de seu pensamento e metodologia são fundamentais para
que o ator obtenha recursos variados para o seu ofício. O traba-
lho realizado pelos alunos foi de longa duração e decisivo para
o entendimento da arte teatral voltada para atores ou plateia
com deficiência visual. Sua própria atuação em cena sofreu
mudanças significativas a partir da abordagem da importância
da visão por parte do público e da necessidade de moldar a voz
para que ela, de fato, funcione como um veículo de expressão e
comunicação. Além disso, os alunos que participaram deste cur-
so de extensão ampliaram seu conceito de sociedade não-discri-
minatória, podendo, inclusive, a partir desta experiência, atuar
com voluntários da inclusão.
Para encerrar, esclareço que as três técnicas existentes não
substituem uma à outra. Elas coexistem porque cada uma aten-
de a cada perfil de cegos e de pessoas com baixa visão, de acor-
do com sua condição social, cultural e econômica. Diversos pro-
cedimentos devem e precisam ser discutidos e repensados para
a formulação de uma padronização que melhor atenda às
necessidades dos usuários dos livros gravados. Ainda somos um
jovem país que precisa se aprofundar no saber científico e no
seu modelo de produção. E quando nos voltamos para a defi-
ciência e a inclusão, mais desafios são encontrados e mais lacu-
nas precisam preenchidas.

66 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Embora nossa legislação proteja a produção de livros destina-
dos a esta camada da população, compreendo que este tipo de
atitude é meramente compensatório e não resolve o problema do
acesso ao livro. O ideal é, no meu entender, ter livros disponíveis
para a venda, pagar direitos a quem escreveu e permitir que o
cidadão com deficiência possa comprar o livro que lhe interessar.
A criação de acervos e sua ampliação ficam submetidas a
iniciativas que carecem de estrutura e verba. Grava e digita
quem ama o livro. Ouve aquele que também o ama. Estamos
sempre falando de minoria quando se trata de inclusão, de cul-
tura e de arte.
Com o Curso de Extensão ministrado na UNIRIO e a criação
do acervo em áudio para atores com deficiência visual, um dos
pilares da tríade que compõe a base de formação de um ator já
está erguido: o mínimo de conhecimento técnico e histórico já
está ao alcance da arte inclusiva contemporânea. O cego que
participa de grupos de teatro não precisa continuar dependente
apenas das informações de outrem a respeito de Artaud, Stanis-
lavski, Meyerhold, Eugenio Barba, Grotowski, Eugenio Kusnet,
Mikhail Tchekhov, Sábato Magaldi e Jean-Jacques Roubine.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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são – Cadernos de Textos 3. Rio de Janeiro: FUNARTE, 2003.

MONTEIRO, L. M. F. S.. A importância das atividades corporais no processo de


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ção Física Especial, 1996, Buenos Aires. Anais do I Congresso de Educação
Física Especial, 1996.

NOVAES, A.; LABAKI, A.; BAVCAR, E.; BRISSAC, N. O ponto zero da fotografia
Evgen Bavcar., 2. ed. Rio de Janeiro: Funarte, Programa Arte Sem Barreiras,
2003.

PALMA, A. Livro Falado: uma história para ler, gravar e ouvir. Edição do autor
patrocinada pela Lei Rouanet. Rio de Janeiro, 2003.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 67


5
INCLUSÃO SOCIAL DE CRIANÇAS SURDAS NO
BRASIL

1
Marcia Goldfeld
2
Maria do Rosário Leite

1Fonoaudióloga. Doutora em Ciência dos Distúrbios da Comunicação Humana


pela Universidade Federal de São Paulo. Professora Adjunta do Curso de Fono-
audiologia da UFRJ e do Mestrado Profissionalizante em Fonoaudiologia da
UVA. Contato: goldfeld@uninet.com.br.
2Fonoaudióloga. Psicopedagoga. Mestranda em Fonoaudiologia pela Universi-

dade Veiga de Almeida.


INTRODUÇÃO
A possibilidade de inclusão social de pessoas surdas nos reme-
te a um aspecto fundamental, a habilidade linguística do
indivíduo surdo para se comunicar e para operar cognitiva-
mente.
Quando enfocamos o processo de desenvolvimento e apren-
dizagem da criança surda, o primeiro aspecto que precisa ser
abordado é a necessidade inquestionável de obtenção do diag-
nóstico precoce da surdez. Ou seja, o diagnóstico realizado no pri-
meiro semestre de vida da criança. Pesquisadores (Yoshinaga-Ita-
no, 2003, 2004) apontam para esta necessidade ressaltando que o
acesso à primeira língua da criança surda não deve sofrer atrasos.
Sendo assim, a criança surda, como qualquer outra criança, deve
ser exposta a sua primeira língua desde o nascimento ou o mais
próximo disto.
As perdas auditivas neurossensoriais podem ser de grau
leve, moderado, severo e profundo. Quanto maior o grau da
perda, maiores serão as dificuldades para a criança surda perce-
ber ou compreender a comunicação oral. Quando o bebê com
perda auditiva não recebe a ajuda necessária, o déficit auditivo
passa a ser um dificultador ou um impedimento para o processo
de aquisição da linguagem, com extensas consequências para
todo o desenvolvimento infantil, alfabetização e vida escolar
(Lim e Simser, 2005).
O diagnóstico precoce deve ser oferecido pelo Sistema
Único de Saúde (SUS). O bebê deve receber recurso tecnoló-
gico específico, podendo ser próteses auditivas ou implante

70 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


3
coclear quando há indicação para esta cirurgia. Utilizando os
recursos tecnológicos adequados, a criança surda pode passar
pelo tratamento fonoaudiológico para desenvolver as habilida-
4
des auditivas e adquirir a Língua Portuguesa na modalidade
oral. Desde o início do tratamento fonoaudiológico e da inser-
ção da criança na escola, os profissionais de saúde e educação
precisam trabalhar com a família no sentido de oferecer as
oportunidades necessárias para o pleno desenvolvimento lin-
guístico da criança surda.
Existem duas diferentes formas de lidar com o processo de
aquisição da linguagem de crianças surdas. A linha adotada
será determinante para o processo escolar e consequente inclu-
são social da criança.
Por um lado profissionais e instituições que seguem a filo-
sofia do Oralismo buscam oferecer recursos para a criança surda
adquirir a língua oral de seu país (no caso do Brasil, a Língua
Portuguesa), utilizando os recursos tecnológicos e fonoaudioló-
gicos disponíveis (Bevilacqua e Moret, 2005).
Por outro lado existem profissionais e instituições que
seguem a filosofia do Bilinguismo. Segundo esta corrente, após o
diagnóstico, o bebê ou a criança surda, além de receber recursos
tecnológicos e fonoaudiológicos, deve ser encaminhado para
ambientes em que o idioma utilizado seja uma língua de sinais, no
caso do Brasil, a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Estes ambien-
tes, creches ou escolas, devem contar com profissionais surdos e
ouvintes fluentes em LIBRAS com condições de oferecer as intera-
ções necessárias para o pleno processo de aquisição deste idioma
(Goldfeld, 2006).

3“Implantes cocleares são dispositivos eletrônicos biomédicos de alta tecnolo-


gia, desenvolvidos para realizar a função das células ciliadas da cóclea que
estão danificadas ou ausentes, e proporcionar a estimulação elétrica das fibras
no nervo auditivo remanescentes. O implante coclear não cura a surdez, mas
provê a sensação da audição à criança portadora de deficiência auditiva com a
qualidade necessária para a percepção dos sons da fala.” (Costa, Bevilacqua e
Amantini, 2005).
4As habilidades auditivas geralmente trabalhadas são: detecção auditiva, discri-

minação auditiva, reconhecimento auditivo em conjunto fechado, reconheci-


mento auditivo em conjunto aberto e compreensão auditiva. (Bevilacqua e
Formigoni, 2005).

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 71


A realidade brasileira, no entanto, ainda está muito distante
da meta de oferecer o diagnóstico e intervenção precoces para
todos. Em 2004 foi publicada a portaria nº 2073/2004 instituindo a
Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva, que prevê a articu-
lação do Ministério da Saúde com as Secretarias Estaduais e Muni-
cipais de Saúde para a oferta de triagem auditiva neonatal segui-
da do diagnóstico da surdez em idade adequada, processo de
colocação e adaptação de próteses auditivas, indicação e realiza-
ção de cirurgia do Implante coclear e terapia fonoaudiológica.
Esta política pode oferecer soluções para o problema do atraso no
diagnóstico e tratamento de crianças surdas, no entanto, ainda
não foi inteiramente implementada no Brasil (Lanzetta, 2007).
A realidade que ainda vivemos no Brasil é de uma grande
quantidade de crianças com diagnóstico e intervenção tardias.
Para estas crianças a inclusão social ainda não é uma realidade
já que a aquisição da linguagem é pré-requisito essencial para o
desenvolvimento infantil e para uma possível inclusão social.
O processo de aquisição da linguagem, independente do
idioma adotado (Língua Portuguesa ou LIBRAS), precisa ser con-
templado de forma integral. Garantir apenas o uso funcional de
palavras ou frases não corresponde à complexidade do processo
de aquisição da linguagem. É preciso garantir à criança surda o
pleno domínio de uma língua, oferecendo a esta criança a capa-
cidade de usar o discurso narrativo, argumentativo e reflexivo,
entre outros.
O domínio da narrativa pode ser um bom parâmetro de
avaliação do desenvolvimento linguístico da criança surda já
que o discurso narrativo pressupõe a organização temporal e
causal, orientando o desenvolvimento cognitivo e o início do
desenvolvimento do raciocínio lógico. A criança que é capaz de
narrar pode se descolar das situações do “aqui e agora”,
ganhando autonomia para falar de situações passadas, futuras,
lugares não conhecidos, organizar relações lógicas, planejar e
refletir, entre outras habilidades linguístico-cognitivas (Perroni,
1992; Peterson e McCabe, 2004).
Assegurar o domínio pleno e o uso (práticas comunicativas)
diversificado de uma língua durante a educação infantil se confi-

72 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


gura então no primeiro aspecto que precisa ser garantido pelos
profissionais de saúde e educação envolvidos com o desenvolvi-
mento de crianças surdas. Esta se mostra uma tarefa bastante
complexa e difícil de ser alcançada na realidade brasileira.

EDUCAÇÃO INFANTIL

No caso de crianças expostas ao Oralismo é preciso assegurar o uso


pleno da Língua Portuguesa na modalidade oral. Para atingir esta
proposta é preciso uma forte interação entre a família, profissio-
nais de saúde, especialmente o fonoaudiólogo, e a escola. Para o
sucesso da aquisição da língua oral pela criança surda é preciso,
como foi dito anteriormente, que a criança receba a tecnologia
audiológica (prótese, auditiva ou implante coclear) em idade ade-
quada, realize tratamento fonoaudiológico especializado e que a
família e a escola saibam aproveitar todos os momentos interacio-
nais de forma linguística, assegurando à criança a compreensão
dos contextos vivenciados e o uso, cada vez mais autônomo e
complexo, da Língua Portuguesa.
Assim, ao pensarmos em inclusão social da criança surda
exposta ao Oralismo, é preciso prever condições para que esta
criança não passe de forma não-verbal por situações de intera-
ção linguística no ambiente escolar ou social. Ou seja, é preciso
ter muito cuidado e atenção para averiguar se a criança está
realmente interagindo de forma linguística e entendendo as
atividades propostas e não apenas exercendo de forma motora
ou gráfica estas atividades. É preciso ter muito cuidado para
não permitir que a criança surda comunique apenas conteúdos
relacionados ao momento presente e que participe de momen-
tos comunicativos relatando novidades, organizando dúvidas,
planejamentos, compreendendo e contando histórias.
Ao analisar, por exemplo, uma brincadeira simples como o
pique-pega, a criança surda (como todas as outras) precisa com-
preender as regras do jogo e não apenas correr. Em uma brinca-
deira de casinha, a criança precisa participar da mesma situação
imaginária que os seus amiguinhos, compreender o conteúdo
do faz-de-conta e participar socialmente (Sena, 2008). Nas ativi-

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 73


dades de contagem de histórias, a criança precisa alcançar a
narrativa da história e não apenas a nomeação de personagens
ou a descrição de cenas (Rego, 1986). Para tal, é preciso que a
criança esteja desenvolvendo de forma adequada as atividades
propostas pelo fonoaudiólogo, que a família receba e aprovei-
te as orientações profissionais recebidas e que a escola esteja
preparada para oferecer as mediações necessárias para a crian-
ça não perder conteúdo e qualidade de interação com os adul-
tos e com outras crianças. Geralmente, os profissionais e as
famílias que oferecem educação baseada no Oralismo optam
pela escola regular já que a língua a ser investida é a língua uti-
lizada na rede regular de ensino.
No caso das crianças expostas ao Bilinguismo, o investimento
é feito em duas línguas, na Língua Portuguesa e na LIBRAS (Gold-
feld, 2006; Guarinello, 2007; Aguirre, 2008). A oferta das condi-
ções necessárias ao desenvolvimento da língua oral, como já foi
dito, deve ser feita tanto por profissionais de saúde quanto por
profissionais da educação. Algumas instituições de ensino especi-
alizadas em Surdez oferecem este serviço, outras não.
Existem algumas possibilidades de desenvolvimento das
crianças surdas nestes dois idiomas, como o aprendizado simul-
tâneo das línguas. Neste caso, desde que a criança chega à insti-
tuição, realiza algumas atividades em LIBRAS, com os profissio-
nais competentes para tal e outras atividades em Língua Portu-
guesa, com outros profissionais (Goldfeld, 2006). Uma segunda
opção seria o aprendizado inicial apenas da LIBRAS e, após o
domínio dessa língua, o investimento na aprendizagem da Lín-
gua Portuguesa. Existe ainda uma terceira possibilidade, ofere-
cer toda a educação infantil em língua de sinais e expor a
criança à Língua Portuguesa apenas na modalidade escrita
(Guarinello, 2007; Peixoto, 2006).
Qualquer que seja a opção realizada é preciso assegurar o
pleno desenvolvimento da primeira língua (LIBRAS) em idade
adequada (Karnopp e Quadros, 2001). Apesar de a criança sur-
da não ter qualquer dificuldade para realizar esta aquisição, a
realidade em que vivemos é bastante adversa e depende do

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bom funcionamento dos serviços de saúde, realizando o diag-
nóstico precoce, e dos serviços de educação, oferecendo a edu-
cação infantil com profissionais fluentes em LIBRAS e o ensino
deste idioma à família da criança surda.
A inclusão social da criança surda exposta ao Bilinguismo
(assim como para todas as crianças surdas) começa no primeiro
ano de vida. Neste momento a criança precisa ter o direito de
ser exposta à sua primeira língua, para tal é necessário que
escolas e creches ofereçam o ensino através da LIBRAS. Este
ensino pode ser realizado em escolas especializadas onde o cor-
po docente e funcionários sejam usuários de LIBRAS ou em
escolas regulares que possuam salas específicas para a educação
de surdos com os profissionais necessários. O uso de intérpretes
em salas regulares é uma opção de integração da criança surda
que já tenha adquirido a LIBRAS em outro contexto educacio-
nal ou social. Ou seja, o intérprete não pode ser o profissional
responsável pelo processo de aquisição da LIBRAS e sim pela
tradução do conteúdo linguístico utilizado em sala de aula.
A educação infantil de crianças surdas pode ser realizada em
LIBRAS. É importante ressaltar mais uma vez que a língua precisa
ser utilizada plenamente, abordando o desenvolvimento linguísti-
co-cognitivo esperado para a faixa etária. As crianças da educação
infantil precisam conhecer e contar histórias, narrar suas experiên-
cias passadas, fazer previsões, conhecer as expressões de tempo,
iniciar o raciocínio lógico-matemático, brincar de faz-de-conta,
entre outras habilidades e conhecimentos.
Ao pensarmos em inclusão social oferecendo uma educa-
ção baseada no Bilinguismo para crianças surdas, é preciso não
apenas oferecer a LIBRAS e sim oferecer interações sociais e o
ambiente adequado para o desenvolvimento do conteúdo
pedagógico em LIBRAS. É importante notar que, na educação
especializada, as crianças surdas se beneficiam de um pleno
desenvolvimento social já que a língua utilizada é igualmente
acessível a todos (Quadros, 2000; Karnopp e Quadros, 2001).
O processo de aprendizado da segunda língua (Língua
Portuguesa na modalidade oral) ocorre de forma individualiza-

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 75


da já que depende de condições orgânicas (grau da perda audi-
tiva, etiologia etc.), tecnológicas (acesso precoce às próteses
auditivas e/ou implante coclear) e sociofamiliares. Esta apren-
dizagem, apesar de não ser essencial para o aprendizado do
conteúdo da educação infantil, é bastante importante para a
alfabetização e inclusão social em ambientes diversificados.

LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO

O processo de letramento tem início anterior à exposição for-


mal da alfabetização. Pode-se considerar que seu início está no
acesso à narrativa, quando os adultos usam perguntas eliciado-
ras (O quê? Quem? Quando? Como? Por quê?) para organizar
temporal e casualmente a fala da criança e quando contam,
leem e incentivam a criança a participar das histórias infantis.
Ou seja, o letramento faz parte da construção do conhecimento
na educação infantil e é bastante influenciado pela dinâmica
familiar (Soares, 2003).
Para a criança (qualquer criança e não especificamente a cri-
ança surda) ser exposta à alfabetização, é necessário que ela já
tenha domínio da narrativa, de conhecimento de mundo, voca-
bulário adequado, à faixa etária (6/7 anos) e consciência fonoló-
gica no nível silábico. É comum que as crianças desenvolvam
também, antes da alfabetização, a estratégia logográfica (ou lei-
tura incidental) quando reconhecem palavras escritas de alta fre-
quência, como marcas de produtos usados em casa, nome de
lojas vistas em letreiros e seu próprio nome (Diaz et al., 1999).
As escolas podem utilizar dois percursos para o processo da
alfabetização. O ascendente, em que a criança inicia o processo
através da relação fonema/grafema, acessando o significado da
palavras através do apoio na oralidade e seguindo para a cons-
trução de frases e textos, ou o descendente, que parte do reco-
nhecimento de diferentes tipologias textuais, da análise do
contexto, da estratégia logográfica, seguindo para a análise
morfológica das palavras e finalmente chegando à relação
fonema/grafema (Mousinho, 2003).

76 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Crianças surdas podem ser expostas às diferentes metodo-
logias de alfabetização. É necessário, obviamente, que a meto-
dologia escolhida seja compatível com o conhecimento linguís-
tico prévio da criança.
O domínio da língua oral e da língua de sinais vai se refletir
na capacidade de a criança adquirir a técnica da leitura e da escri-
ta e também no processo de letramento que antecede e segue a
alfabetização. Isto significa que é na capacidade de ler e produzir
diferentes tipos de textos que requerem diferentes graus de
domínio do idioma, de conhecimentos de mundo e vocabulários
específicos que estão ancoradas as bases para a aprendizagem
da modalidade escrita de uma língua oral.
As dificuldades normalmente encontradas podem ser refe-
rir a um restrito domínio de língua que não permita uma alfa-
betização satisfatória. A mais comum em crianças surdas expos-
tas ao percurso ascendente é que consigam realizar a relação
fonema/grafema e não acessem o significado por não terem
um suficiente apoio na oralidade ou que este apoio seja sufici-
ente para palavras isoladas e não para textos. Nesse caso, a cri-
ança surda conseguiria ler o texto em voz alta, mas não apreen-
deria seu significado por não ter conhecimento de mundo,
vocabulário ou domínio suficiente da estrutura da língua oral
(Aguirre, 2008).
Crianças surdas que tenham bom domínio da LIBRAS, e
apenas deste idioma, em idade de alfabetização, podem usu-
fruir de um conhecimento de mundo amplo, do uso da língua
para a reflexão e planejamento, mas vão passar pelo problema
da descontinuidade linguística. Ou seja, vão precisar ser alfabe-
tizadas em um idioma diferente daquele por elas utilizadas
para comunicação e raciocínio.
A escrita alfabética serve muito bem aos ouvintes, pois
representa as propriedades fonológicas de suas línguas faladas.
Na alfabetização de crianças ouvintes tão forte é a relação
entre as línguas faladas e a escrita alfabética que pesquisas
demonstram a evolução da consciência fonológica a partir da
sistematização de determinados exercícios, que por sua vez

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 77


melhoram as habilidades para a leitura e para a escrita. Na fase
alfabética no processo de desenvolvimento de leitura e escrita,
as crianças ouvintes aprendem a codificação e a decodificação
fonológicas. Ao analisar fonologicamente as palavras que
escreve, a criança exercita a habilidade de pensar atentando à
sua fala interna e, reciprocamente, ao exercitar sua escrita, ela
aumenta a habilidade de estruturar o raciocínio em palavras, a
fala interna (Capovilla e Capovilla, 2001).
Em relação à criança surda, frente à tarefa de escrever, é
necessário que o faça por meio de palavras de uma língua fala-
da, que se dá numa modalidade auditiva e fonoarticulatória,
enquanto que a língua de sinais primária do surdo é visual e
quiroarticulatória.
Assim, enquanto a criança ouvinte recorre às propriedades
fonológicas e fonoarticulatórias que constituem a forma de
sua fala interna, a criança surda tende a recorrer às proprieda-
des visuais e quiroarticulatórias, que constituem a forma de sua
internalização interna (Capovilla et al., 2001).
Para os autores, o problema da descontinuidade entre os sis-
temas de representação primária e secundária em que se encon-
tra a criança surda pode ser analisado de duas maneiras: a pro-
posta da filosofia educacional do Oralismo leva a criança surda a
abdicar da língua de sinais em favor da oralização. Quanto à
segunda maneira de se analisar a descontinuidade, seria a possi-
bilidade de se buscar um sistema de escrita para o surdo que seja
mais apropriado à sua língua de sinais primária do que o alfabé-
tico. Desse modo, a criança ouvinte se beneficiaria do uso da
escrita alfabética para registrar os fonemas de sua língua falada
e a criança surda, de uma escrita visual (SignWriting) para mape-
ar as formas das mãos da sinalização dos surdos. Como múltiplos
benefícios os autores descrevem que dessa forma a criança surda
tiraria vantagem das propriedades visuais da língua de sinais
para pensar, comunicar-se e escrever numa única língua. Isto ace-
leraria seu desenvolvimento linguístico e cognitivo, o que resul-
taria na expansão e enriquecimento da língua de sinais e em sua
normatização como língua oficial dos Surdos.

78 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


O SignWriting é um sistema de escrita visual direta de sina-
is. Hoje é usado em vários países como um sistema de escrita
visual prático para a comunicação escrita cotidiana entre sur-
dos, e entre surdos e ouvintes, e como um sistema de notação
linguística para o estudo comparativo das Línguas de Sinais por
parte dos linguistas.
Cabe esclarecer que, geralmente, as crianças surdas, mesmo
nas escolas que não utilizam a Língua Portuguesa na modalida-
de oral, são submetidas à alfabetização na Língua Portuguesa.
As línguas de sinais, até alguns anos atrás, não tinham uma
modalidade escrita. Atualmente contamos com o SignWriting,
no entanto, a escrita da LIBRAS, apesar de já ser estudada e pes-
quisada, ainda não é uma realidade social. Ou seja, não temos
ainda quantidade suficiente de acesso a revistas, jornais, livros
didáticos e outros escritos em SignWritting, o que ainda inviabili-
za uma alfabetização restrita a este idioma (Quadros, 2000).
As escolas que trabalham com a Língua de Sinais e a Língua
Portuguesa apenas na modalidade escrita costumam utilizar
metodologias de alfabetização pela estratégia descendente,
oferecendo recursos para a criança fazer a leitura do contexto
utilizando pistas verbais e não-verbais. O bom domínio da Lín-
gua de Sinais favorece alguns aspectos no processo de aprendi-
zado da leitura e escrita, no entanto, exige da criança uma
grande memória visual e não há o aproveitamento da caracte-
rística econômica das escritas alfabéticas já que a criança não
chega à última etapa da estratégia descendente, qual seja, a
utilização da relação fonema/grafema para acessar significa-
dos. A legenda oculta, que atualmente já é utilizada em alguns
programas de TV, pode ser uma boa ferramenta para auxiliar
este processo (Saliés e Magalhães, 2006).
A solução para as dificuldades no processo de alfabetização
e letramento das crianças surdas brasileiras ainda pode estar lon-
ge de ser encontrada, mas se pode dizer, de forma resumida, que
a Língua Portuguesa na modalidade oral tem papel fundamen-
tal na garantia de pré-requisitos como a estrutura da língua
(nível morfossintático) e a consciência fonológica. A Língua de

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 79


Sinais tem importante papel no conhecimento de mundo, já que
através deste idioma é mais fácil assegurar o acesso a diferentes
contextos, desenvolver a narrativa, conhecer histórias e desen-
volver o pensamento reflexivo.
A inclusão social de qualquer indivíduo pressupõe o domí-
nio da língua escrita. Apesar das dificuldades, este domínio pre-
cisa ser assegurado às crianças surdas. Profissionais e instituições
vêm lutando para oferecer o melhor a estas crianças. Ainda
encontramos muitas barreiras, principalmente porque ainda é
comum que crianças surdas cheguem à idade da alfabetização
sem o domínio de língua alguma.
A alfabetização e o letramento só podem ocorrer quando a
criança surda tem domínio linguístico suficiente para esta nova
etapa de aprendizagem e desenvolvimento e vai seguir duran-
te boa parte do ensino fundamental.

ESCOLARIDADE
A escolaridade da criança surda pode seguir em escolas regula-
res ou especializadas. O importante é adequar o contexto esco-
lar às possibilidades e necessidades da criança. É preciso assegu-
rar o uso da leitura e de escrita, a compreensão e produção do
conteúdo escolar e o bom relacionamento social da criança
surda com seus pares.
A língua(s) utilizada(s) pela criança será(serão) determi-
nante(s) para a escola organizar o projeto pedagógico a ser
implementado para o(s) aluno(s) surdo(s). Crianças usuárias
apenas da Língua Portuguesa geralmente buscam a educação
regular e são inseridas em turmas de crianças ouvintes. Estas cri-
anças surdas, se fizerem uso funcional da audição – e forem, sis-
tematicamente, acompanhadas por um fonoaudiólogo –,
podem ser beneficiadas pelo uso do sistema FM. O sistema FM
deve ser utilizado com as próteses auditivas e/ou implante
coclear e tem como objetivo manter uma boa relação entre
sinal e ruído, ou seja, entre a mensagem de fala direcionada à
criança (sinal) e o ruído ambiental, permitindo que a criança
tenha uma boa percepção auditiva do discurso do professor. O

80 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


professor deve utilizar um microfone ligado ao emissor, e a cri-
ança, um receptor acoplado as suas próteses auditivas ou ao
implante coclear.
É importante pontuar que mesmo crianças surdas que
tenham condições de utilizar a audição para manter situações
comunicativas ficam extremamente prejudicadas em ambien-
tes ruidosos, nessas situações a criança pode perceber a fala,
mas não consegue compreendê-la. A criança sem o sistema FM
precisaria, então, utilizar prioritariamente a leitura orofacial.
Esta é uma tarefa parcialmente possível para aqueles que domi-
nam bem a língua oral, no entanto, é extremamente difícil e
cansativa, podendo representar uma sobrecarga para a criança
e representando certamente para todas as crianças a perda de
parte significativa do conteúdo expresso pelo professor.
Crianças surdas que utilizam a Língua de Sinais podem fre-
quentar escolas especializadas onde a língua utilizada é a de
sinais e onde terá a oportunidade de aprender através desta e
conviver com outras crianças que utilizam o mesmo idioma, não
necessitando de mediações para se relacionar com outros cole-
guinhas.
Crianças surdas usuárias de LIBRAS podem frequentar tam-
bém escolas regulares onde a língua utilizada é a língua oral.
Neste caso, a criança precisará de um intérprete. A presença do
intérprete é assegurada no Brasil através da Lei de LIBRAS n.
10.436 de 26 de abril de 2002. A criança que utiliza a LIBRAS,
conhecendo ou não a língua oral, pode aprender o conteúdo
escolar através da tradução das aulas. Professor e intérprete
precisam, obviamente, organizar a dinâmica em sala de aula
para que todos os alunos possam aproveitar esse contexto.
Nestas condições é bastante relevante a organização de
estratégias para amenizar as dificuldades de relacionamento
impostas pela barreira linguística entre a criança surda e os
colegas ouvintes.
Em suma, existe a possibilidades de inclusão social de crian-
ças surdas, no entanto, esta só vai realmente ocorrer se houver
o diagnóstico precoce, o acesso à primeira língua em idade ade-
quada e um real processo de alfabetização e letramento. A cri-

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 81


ança surda pode receber uma boa educação formal mas para
isto depende da estruturação da escola e da adequação do
ambiente escolar às suas condições linguísticas.

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Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 83


6
VER OS SINAIS DOS SURDOS OU UMA
PROPOSTA DE EDUCAÇÃO DE SURDOS
FUNDAMENTADA NA TEORIA
SOCIOPRAGMÁTICA

1
Aliny Lamoglia

“Nada é mais maravilhoso ou mais digno


de ser celebrado do que algo que vai
desobstruir a capacidade de uma pessoa e
permitir-lhe crescer e pensar”.
(Oliver Sacks)

1Professora
de Educação Inclusiva do Departamento de Fundamentos da Educa-
ção/UNIRIO. Psicopedagoga. Coordenadora do Núcleo de Educação Inclusi-
va/UNIRIO e do Projeto “Inclusão e Acessibilidade na UNIRIO” – Programa
INCLUIR – MEC/SESu. Contato: alinylamoglia@gmail.com.
INTRODUÇÃO

Procurarei demonstrar como o acesso à língua de sinais propor-


cionado pela escola às crianças surdas é determinante e, muitas
vezes, a única forma de liberdade de expressão que lhes é pro-
porcionada. A única forma de livre pensar e de livre agir.
No âmbito da educação, liberdade de expressão forçosa-
mente remete a Freire (1997) que, em seus ensinamentos sobre
os “saberes necessários à prática educativa”, chama a atenção
para dois pontos: “Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejei-
ção a qualquer forma de discriminação” e “Ensinar exige liber-
dade e autoridade”.
Rejeitar qualquer forma de discriminação significa, nesta
perspectiva, compreender que aquele que é diferente de mim
detém os mesmos direitos que eu, ainda que na nossa cultura
exista um saber ou uma forma de vida considerada hegemônica
(Wittgenstein, 1994). Isto precisa valer para todos ou não se está
a tratar de uma democracia. As barreiras à educação para todos
são inúmeras. Não pretendo aqui enaltecer apenas aquelas
questões que dizem respeito à educação de crianças surdas –
meu campo de estudos e descobertas há dezessete anos –; mas
todos aqueles considerados “diferentes” e que passam por
“situações-limites”. Todos devem, cada um a seu modo, lutar
para que “atos-limites” possam, então, surgir (Freire, 1993). Eis o
intento deste ensaio sobre surdez.
Se alguns direitos são importantes e isto precisa ser dito é
porque não são essenciais ou não estão garantidos a priori. Se
há políticas públicas para minorias é porque há direitos que não

86 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


estão assegurados. Se é necessário (re)afirmar que homossexu-
ais têm os mesmos direitos que a maioria heterossexual que
portadores de deficiência devem ir e vir sem barreiras arquite-
tônicas etc., é porque nada disso se encontra garantido na con-
juntura em que vivemos.
Atualmente discute-se nas reuniões de reformulação dos
currículos dos cursos de pedagogia das universidades brasileiras
a situação da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) como discipli-
na obrigatória. De acordo com o texto do decreto que regula-
menta a lei que dispõe sobre a LIBRAS, Capítulo II, artigo 3º:

A LIBRAS deve ser inserida como disciplina curricu-


lar obrigatória nos cursos de formação de professores
para o exercício do magistério, em nível médio e supe-
rior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de
ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensi-
no e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.

É, sem dúvida, um avanço considerar a LIBRAS como uma


disciplina obrigatória nos cursos de formação de professores.
Note-se, porém, que não é possível aprender uma língua em
uma disciplina com sessenta horas de aula, que é a carga horá-
ria prevista para disciplinas obrigatórias em cursos de gradua-
ção no Brasil. Além disso, quem ministrará estas aulas? A rigor,
deveriam ser surdos fluentes em LIBRAS, mas, a rigor também,
professores universitários necessitam, no mínimo, ter cursado o
mestrado. Cria-se, dessa forma, um impasse: encontrar surdos
fluentes em LIBRAS e com a formação acadêmica compatível
com a docência no ensino superior.
Está aí colocada uma “situação-limite” (nas palavras de Frei-
re, 1993): uma discussão que envolve currículo, o estatuto da
LIBRAS como uma língua de fato, a resistência de professores
frente ao novo/desconhecido, as concepções de língua e de lin-
guagem, a relação pensamento-linguagem etc.; em meio a tudo
isto ainda temos que ouvir argumentações como: “mas se colocar-
mos LIBRAS como disciplina obrigatória, teremos também que
ensinar Braille?” , ratificando, uma vez mais, o desconhecimento
da diferença entre uma língua e uma notação gráfica.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 87


Frente a estas discussões, cabe esclarecer o ponto de vista
adotado no presente artigo. A abordagem pragmática ou con-
textualista de Wittgenstein (1994), ao entender o uso de uma
língua como atividade humana, é a que mais se aproxima da
“leitura do mundo” tal como postulada por Freire (1993). Diz
Freire (op. cit.): “minha sensibilidade já me havia advertido
quanto às diferenças de linguagem, às diferenças sintáticas e
semânticas, entre a dos operários e operárias com quem traba-
lhava e a minha linguagem” (p. 24). Wittgenstein, por sua vez,
dá ao contexto no qual as atividades de linguagem se realizam
importância sine qua non. Isto é, transformando-se o contexto
de interação, transforma-se também o significado do que é
dito. O contexto do qual se trata aqui é o das práticas de lingua-
gem e das formas de vida dos usuários dessa língua.
O direito à liberdade de ter uma determinada prática de
linguagem está na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
tal como descrito nos artigos abaixo:

Artigo 2º Todos os seres humanos podem invocar os


direitos e as liberdades proclamados na presente
Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de
raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião
política ou outra, de origem nacional ou social, de for-
tuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.
Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada
no estatuto político, jurídico ou internacional do país
ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse
país ou território independente, sob tutela, autônomo
ou sujeito a alguma limitação de soberania.

Artigo 19º Todo o indivíduo tem direito à liberdade


de opinião e de expressão, o que implica o direito de
não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar,
receber e difundir, sem consideração de fronteiras,
informações e ideias por qualquer meio de expressão.

88 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Expressar-se em uma língua é, portanto, uma prática social
e, como tal, regida por regras. Seguem-se as regras quando se
fala ou se escreve. Tais habilidades não são manifestações de
um mecanismo mental ou biológico, mas exercícios de capaci-
dades aprendidas (Wittgenstein, 1994). Nesse sentido, as lín-
guas de sinais proporcionam aos seus usuários todas as possibili-
dades de pensamento e expressão que qualquer outra língua
oral proporciona àqueles que ouvem.
A capacidade de perguntar qual o significado de uma
palavra observada nas crianças pequenas é adquirida por
exercício, na interação com um adulto. Essa compreensão das
palavras tem lugar quando, em contato com uma criança que
aprende, disponibilizamo-nos ao diálogo, como nos diz Freire
(1997), ou quando continuamos a nos esforçar para ouvir ver-
dadeiramente aquele que é diferente de nós, seja na relação
adulto-criança, homem-mulher, professor-aluno, ouvinte-sur-
do etc. (Peck, 2005).
Pretende-se apresentar aqui a ideia de que estes mesmos
pressupostos teóricos são válidos tanto para a criança com o
desenvolvimento considerado típico quanto para a criança com
qualquer impedimento ou intercorrência em seu desenvolvi-
mento. Em outras palavras, ao compreender o processamento
da aprendizagem de uma língua para uma criança ouvinte,
pode-se também compreender o que o impedimento ocasiona-
do pela surdez impõe a uma criança que nasce surda ou fica sur-
da nos primeiros anos de vida. A partir daí será possível explici-
tar por que se considera a educação especializada para surdos,
isto é, a educação com uma língua visual como primeira língua,
aquela que adquire caráter de educação inclusiva. De novo, nas
palavras de Freire (1997):

Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrá-


tico e solidário, não é falando aos outros, de cima para
baixo, sobretudo, como se fôssemos os portadores da
verdade a ser transmitida aos demais, que aprende-
mos a escutar, mas é escutando que aprendemos a
falar com eles” (p. 127).

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 89


Escutar uma pessoa surda é compreendê-la como alguém
que possui uma experiência visual, diferente da minha, mas não
menos complexa. Trabalhar na perspectiva de uma escola especia-
lizada para surdos significa garantir que a função da escola, a
saber, transmitir conhecimentos acumulados pela cultura, seja
alcançada. Em outras palavras, ensinar os conteúdos de cada série
ou ciclo precisa, necessariamente, ser o objetivo da educação
especializada para surdos. Não é função da escola oralizar crianças
surdas, isto cabe às famílias e, a seguir, aos fonoaudiólogos.
Espera-se, a seguir, apresentar uma proposta de educação
para crianças surdas que considere a sua diferença linguística
como fio condutor para a prática de todos os profissionais
envolvidos neste processo.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS QUE FUNDAMENTAM UMA


PROPOSTA SOCIOPRAGMÁTICA DE EDUCAÇÃO DE SURDOS

Não reconhecer importantes “marcadores” do desenvolvimen-


to infantil considerado típico, e, em particular, do desenvolvi-
mento linguístico de crianças surdas, pode induzir a alguns
equívocos. A seguir, apontarei alguns desses equívocos e suas
consequências na educação de surdos.
A diferença linguística imposta pela surdez será aprofunda-
da adiante, bem como os pressupostos teóricos envolvidos numa
proposta, de fato, inclusiva de educação de surdos. A defesa des-
ta proposta como uma prática de educação inclusiva apóia-se no
fato de que por inclusão educacional se entende adequar o
espaço da escola a toda criança com necessidades educacionais
especiais, tal como postulado na Declaração de Salamanca
(1994).
Ao contrário do que ocorre com as crianças ouvintes, em
que o próprio contexto interacional suscita que perguntem
pelos significados das palavras, a criança surda precisa aprender
a fazê-lo de uma forma ainda mais dirigida e ostensiva e é abso-
lutamente necessário que esse exercício seja sistematizado com
o auxílio do adulto, até que possa se tornar uma manifestação
voluntária.

90 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


No que se refere aos trabalhos sobre surdez, algumas tenta-
tivas de oralizar pessoas surdas parecem basear-se na ideia de
que as palavras são representações dos objetos, uma vez que os
significados são explicados através das referências a estes obje-
tos. A definição de linguagem para Wittgenstein (1994), porém,
é mais ampla, engloba qualquer tipo de significação, ou seja, lin-
guagem é qualquer fonte que signifique algo em um contexto
de interação verbal ou não-verbal. Língua, por sua vez, é um
código estruturado que responde a inúmeras funções humanas
e pode ser entendida também como um tipo de linguagem estri-
tamente verbal.
A abordagem que ensina os significados dos objetos do
mundo fazendo referência a estes é compatível com a visão de
linguagem de Santo Agostinho, que acreditava ter aprendido a
nomear os objetos somente observando as pessoas se referindo
a eles, sugerindo, assim, que seria possível ter pensamento ver-
bal antes mesmo de aprender uma língua.
Apesar de questionar a visão agostiniana de linguagem,
Wittgenstein (1994) admite que muitas vezes é realmente dessa
forma que se aprende o significado de muitas palavras, há,
porém, uma margem de erro, pois, ao apontar para uma bola
vermelha diante de uma criança pequena e dizer “vermelha”, a
criança tanto poderá acreditar que se trata do objeto quanto
da cor do objeto. Essa discriminação só será possível se a criança
já tiver aprendido o uso das cores e dos nomes dos objetos.
Wittgenstein acredita que “o mesmo se dá com quem chega a
um país estrangeiro para aprender a língua dos nativos (...) ele
terá que adivinhar a interpretação das explicações, e adivinhar
às vezes com acerto, às vezes erroneamente” (§ 32).
A criança ouvinte quando ainda é pequena não busca
explicações sobre o uso das palavras, assim como também não
sofre por desconhecer a língua de seus pais. Ao contrário, cada
aprendizagem é vivida com satisfação pela criança, cada brinca-
deira envolvendo a linguagem possui, tanto para a criança
quanto para o adulto que interage com ela, um caráter lúdico.
As explicações das coisas do mundo são dadas à criança o tempo
todo, a cada vez que alguém se dirige a ela. É esse o contexto

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 91


ao qual Wittgenstein se refere quando afirma que a partir dele
se constrói uma prática de linguagem. Os pressupostos filosófi-
cos que embasam as pesquisas em interação e intersubjetivida-
de têm, portanto, como prerrogativa a atividade mediada e,
como princípio, o uso das palavras como uma prática social.
Deve-se, portanto, a Wittgenstein uma ampla noção de lin-
guagem: tudo que envolve significação e não apenas fala.
Ainda sobre a aprendizagem de uma língua para a criança,
Backer e Hacker (1994), comentadores da obra de Wittgenstein,
acreditam que o papel da criança não é passivo ou se assemelha
a um programa de computador, onde se vai armazenando infor-
mações. Tudo que a criança ouve em contato com seus pais e
irmãos não são apenas sons, mas ensinamentos, pedidos, ordens,
repreensões e agrados e é assim que ela vai aprendendo o uso da
língua. A língua é, portanto, ao mesmo tempo, constitutiva da
realidade e de nossa compreensão dos contextos sociais de que
participamos.
Concluindo, para Wittgenstein o que determina as repre-
sentações que as pessoas fazem são as regras normativas da lín-
gua que utilizam, que são arbitrárias em relação à realidade e
convencionadas. Estas regras normativas trazem todas as impli-
citudes da interação social, daí as visões amplas de contexto e
linguagem adotadas pelo autor.
Como dito acima, o que os bebês ouvintes escutam desde
o berço são pedidos, ensinamentos, agrados, que a criança
que nasce surda ou perde a audição precocemente não pode
ouvir. Já aí se instala uma diferença na forma como surdos e
ouvintes vivem as suas interações precoces. As mudanças de
critérios, ou a arbitrariedade no uso das palavras, “pedra
angular” na teoria de Wittgenstein, parece ser um obstáculo
para o entendimento da pessoa surda que não pode, devido a
sua condição, participar do fluxo da língua oral. A explicação e
a utilização de um signo linguístico que, em determinado con-
texto, recebem um significado diferente de seu significado
“dicionarizado”, trariam, para a pessoa surda, a necessidade
de uma explicação ostensiva que a acompanhasse e isto, por
sua vez, tornaria a comunicação se não impossível, pelo menos
fragmentada e pouco elucidativa.

92 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Conceitos aparentemente simples como “mas”, “ontem”,
“lá”, “talvez” e tantos outros não podem ser definidos ostensi-
vamente, como aponta Wittgenstein (1994), dependem de um
contexto linguístico no qual sejam utilizados plenos de signifi-
cado para que possam ser compreendidos. Como ilustração,
uma passagem da narrativa de Laborit (1994), escritora surda,
sobre a forma como os conceitos são veiculados entre adultos e
crianças:

Quando compreendi, com a ajuda dos sinais, que


ontem estava atrás de mim, e amanhã diante de mim,
dei um salto fantástico. Um progresso imenso, que os
ouvintes tinham dificuldade em entender, habituados
que estão de ouvir desde o berço as palavras e os concei-
tos repetidos incansavelmente, sem disso se darem conta
(p. 7).

Ancora-se exatamente nesse ponto a problemática da cri-


ança surda que nasce em uma família ouvinte e que, muitas
vezes, só terá acesso sistemático à língua de sinais em uma insti-
tuição de ensino formal. Ao se nomear, em uma língua oral,
objetos, pessoas e eventos do mundo não se estabelece com a
criança surda um contexto sentencial. Seria necessário que estas
nomeações acontecessem em um quadro de referência comum,
que pudesse ser partilhado tanto pela pessoa ouvinte como
pela criança surda (Souza, 1998).
O esforço para compreender a língua oral ao qual se refere
Laborit (1994) pode ser análogo ao que faria uma pessoa ouvin-
te que chegasse ao Japão, por exemplo, sem nenhum conheci-
mento prévio da Língua Japonesa. A diferença, porém, reside
no fato de que em algum tempo o ouvinte que está no Japão
vai compreender, por imersão naquela língua, as suas regras e o
seu uso, já o surdo não se tornará um falante da língua oral por
estar em contato com os ouvintes.
Como já foi dito, ao pensar o desenvolvimento da lingua-
gem sob o enfoque pragmático de Wittgenstein, destaca-se a
importância do contexto e da relação da criança com o adulto
para que se estabeleça uma verdadeira prática de linguagem. O

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 93


adulto participa todo o tempo da produção da linguagem da
criança, orientando o seu discurso e tornando-o compreensível.
Para que ocorra uma prática de linguagem é necessário que as
regras sejam conhecidas tanto pelo adulto quanto pela criança
e, ao conhecê-las, a criança vai usando as palavras na medida
em que as situações lhe solicitem.
Pode-se concluir, então, que, ao mesmo tempo em que a
criança aprende a falar, aprende também a usar as palavras
como ferramentas. Dessa forma, pensamento verbal e compor-
tamento se fundem desde o início do desenvolvimento da
criança (Vygotsky, 1993).
Perroni (1992) chama de construção solidária o vínculo que
se estabelece entre criança e adulto na apropriação de uma
prática de linguagem pela criança. Curiosamente, a autora fala
em ato de compreensão mesmo sem fazer qualquer menção à
visão pragmática de linguagem de Wittgenstein. A referência a
esse estudo é útil por demonstrar que, mesmo utilizando um
referencial teórico distinto (a análise do discurso), os pressupos-
tos acerca da aprendizagem de uma língua parecem ser
comuns aos da abordagem pragmática:
1. A língua não é um sistema de regras naturais e abstratas.
2. A aprendizagem de uma língua não pode ser artificiali-
zada ou reduzida a um método, deve ser vivida.
3. O contexto e as relações interpessoais são priorizados.
Partilhar de uma visão contextualista (ou pragmática) de
linguagem e, por sua vez, de uma proposta contextualista de
educação para crianças surdas leva forçosamente a acreditar
que a construção de uma língua para a criança surda deve
seguir o mesmo percurso da construção de uma língua para a
criança ouvinte. Ou seja, se para a criança ouvinte é o contexto
no qual está inserida e o contato com os adultos falantes que
vão lhe garantir que aprenda a usar a língua, o mesmo deverá
acontecer para a criança surda. Os conceitos de Wittgenstein
vêm, nesse sentido, fundamentar, mais uma vez, a defesa de um
contexto com língua de sinais para surdos.

94 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


A concepção de Wittgenstein sobre o aprendizado de uma
língua sugere que a compreensão de significados é processual
desde o início, tal como acredita também Laborit (1994) quan-
do afirma que os adultos ouvintes têm dificuldade para enten-
der o que acontece com a criança surda, pois estão “desde o
berço” acostumados a ouvir as palavras. Na mesma direção,
Ribas (1996) afirma que interações mãe-bebê foram encontra-
das quando o bebê tinha duas semanas de vida e nas observa-
ções subsequentes (décima, décima quinta e vigésima primeira
semanas) verificou-se um aumento no nível de complexidade
dessas interações. Entre os aspectos observados estavam: o pro-
cesso de comunicação, a construção do conhecimento acerca
dos objetos, pessoas e eventos e a capacidade de regulação dos
comportamentos tanto do bebê quanto de sua mãe.
Lyra e Ferreira (1989) também apontam para a forma como
as primeiras atividades partilhadas são construídas, enfocando
as dimensões da atividade em cada um dos parceiros nessa
construção. As autoras definiram atividade dialógica como
“qualquer troca negociada pela díade que se caracteriza pela
mútua interdependência de transformações das atividades dos
parceiros”. Esse aspecto significa que cada parceiro é transfor-
mado pela atividade do outro, o que resulta na modificação, ao
menos parcial, tanto da sua própria atividade como da ativida-
de do outro. A unidade de análise é, portanto, a díade entendi-
da como indissociável.
Atividades partilhadas são, portanto, momentos interacio-
nais que se caracterizam por trocas negociadas aplicadas sobre
qualquer dimensão da atividade da díade. Esse tipo de intera-
ção exige um grau de conhecimento mútuo, gradualmente
estabelecido como objeto de conhecimento. As atividades par-
tilhadas são precedidas de trocas negociadas assimétricas, que
tendem para a simetrização e a partilha; “Os processos dialógi-
cos são entendidos como as atividades dos parceiros que atuali-
zam as trocas negociadas” (Lier, 1983, p. 48).
Vê-se que a negociação é um fator marcadamente importan-
te para Lyra e Ferreira (op. cit.), mas o que chama a atenção na
citação acima é o caráter assimétrico atribuído às negociações da

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 95


díade. Entende-se que um dos componentes da díade, no caso, a
mãe, é, a princípio, responsável por transformar a atividade do
bebê e este, por sua vez, vai, gradativamente, transformando
também as atividades da mãe, caminhando para o que as autoras
chamaram de partilha. Essa assimetria, com a mãe tomando o
lugar de agenciadora das negociações a coloca no lugar de quem
atribui predicados às atividades do bebê; tais predicados são, a
princípio, atribuídos a comportamentos e só posteriormente
ganham conotação psicológica (Wittgenstein, 1994).

Wood, Wood, Griffiths e Howard (1986) em Sacks (1998)


fazem algumas considerações sobre a construção da partilha na
díade mãe-bebê, e, em seu estudo longitudinal de crianças sur-
das, dão grande ênfase a isto. Os autores escrevem:

Imaginem um bebê surdo com pouca ou nenhuma


consciência do som (...) Quando olha para um objeto
ou evento, não recebe nada da “música de clima” que
acompanha a experiência social do bebê auditivo.
Vamos supor que desvie os olhos de um objeto que
atrai sua atenção para um adulto que está “partilhan-
do” a experiência com ele, e o adulto fale sobre o que
o bebê acabou de olhar. Será que o bebê sequer perce-
be que está ocorrendo uma comunicação? Para desco-
brir os relacionamentos entre uma palavra e seu refe-
rente, o bebê precisa lembrar alguma coisa que aca-
bou de observar e relacionar essa lembrança com
outra observação (...) O bebê surdo tem de fazer muito
mais, precisa “descobrir” os relacionamentos entre
duas experiências visuais muito diferentes que estão
deslocadas no tempo (p. 79).

Isto parece demonstrar que, também na concepção dos


autores e tal como defendido aqui, para a linguagem se estabe-
lecer como um comportamento social, é necessário que haja um
feedback, um retorno repleto de significado. No caso dos bebês,
um retorno da mãe frente a suas iniciativas de comunicação.

96 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Em observações assistemáticas, observou-se que mães
ouvintes de bebês surdos tendem a deixar de falar com eles de
forma espontânea, seja enfatizando algumas palavras (normal-
mente substantivos) em detrimento de outras (normalmente
verbos) ou falando de forma pausada e com ritmo alterado. É
comum também encontrar profissionais que repetem de forma
artificializada palavras e pequenas frases durante o trabalho
com crianças surdas.
Aguirre (2002) conclui em seu estudo sobre aquisição de
linguagem com díades mãe ouvinte-criança surda em situação
de alimentação que, quando não há sistematicidade na apren-
dizagem da língua de sinais,

o uso desta é praticamente inexistente. A língua de


sinais marca palavras soltas (...), na maioria das vezes
são palavras-chaves (mas) que pouco significam no
contexto (...) Essa forma de uso da língua de sinais
pode ser reflexo também do modo como (as mães)
aprendem esta língua (p. 43).

Isto ocorre porque é comum em espaços públicos ou priva-


dos de atenção à criança surda que pais ouvintes tenham aulas
de língua de sinais, mas isto não significa haver um contexto, de
fato, sinalizador, sistemático e contínuo entre pais ouvintes e
filhos surdos.
Koester, Karkowski e Traci (1998) desenvolveram estudo
sobre como mães ouvintes e mães surdas de crianças também
ouvintes e surdas recuperam o contato visual de seus filhos
durante uma atividade. Os resultados desse estudo indicaram
uma maior confiança entre as mães surdas nas estratégias visu-
ais para recuperar a atenção da criança, e uma maior ênfase nas
vocalizações pelas mães ouvintes, independentemente da con-
dição de audição das crianças. O comportamento da criança de
dirigir o olhar foi identificado pelos autores como um impor-
tante componente na manutenção precoce das interações face
a face, tal como sugerido por Blehar, Lieberman e Ainsworth
(1977).

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 97


Carpenter, Nagell e Tomasello (1998) desenvolveram estu-
dos com bebês de nove a quinze meses com objetivo de verifi-
car as possíveis correlações entre cognição social, atenção com-
partilhada e competência comunicativa. Tais estudos chegaram
à conclusão de que as crianças observadas foram capazes de
compartilhar a atenção antes mesmo de desenvolver uma com-
preensão sobre o alvo em questão ou ser capaz de apontá-lo.
A atenção necessária às primeiras interações do bebê e
brincadeiras infantis derivavam de algo aprendido socialmente
(ou compartilhado, como é possível acrescentar agora) e não
naturalmente adquirido, como se poderia supor ao observar
crianças ouvintes. Dirigir a atenção para um determinado obje-
to, pessoa ou evento do mundo pressupõe um processo de ensi-
no e aprendizagem que, assim como a língua, não pode ser
ensinado sistematicamente, mas se aprende. Essa aprendiza-
gem, como já mencionado anteriormente, só pode se dar na
interação com os pares.

A ESCOLA COMO CONTEXTO DE INTERAÇÃO LINGUÍSTICA


PARA SURDOS

Argumentou-se a favor da importância da adoção de uma filo-


sofia educacional para surdos que considere, o mais cedo possí-
vel, o contato sistemático com a língua de sinais no contexto de
interação com adultos fluentes em língua de sinais e também
com outras crianças surdas. Agora será discutido o papel da
escola como contexto de interação linguística para surdos e as
evidências de estudos que se ancoram em uma abordagem
pragmática.
Durante toda a vigência do oralismo como filosofia educa-
cional hegemônica para os surdos, acreditava-se que estes seri-
am humanizados por meio do ensino da língua oral (Soares,
1990). Essa visão altruísta talvez tenha contribuído para a
manutenção dessa filosofia e da prática correspondente. Vale,
porém, lembrar que o oralismo sempre foi a alternativa encon-
trada por pessoas ouvintes para o problema da educação da cri-

98 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


ança surda. Na medida em que surdos adultos foram se aproxi-
mando das discussões sobre a educação das crianças surdas,
esse quadro foi se modificando. Paulatinamente também as lín-
guas de sinais foram assumindo perante os ouvintes, de fato, o
estatuto de língua e cada vez mais surdos e ouvintes discutem
os rumos da educação de crianças surdas.
Alguns questionamentos foram apresentados por Skliar
(1999) em um seminário sobre educação de surdos:
l Reconhece-se e compreende-se, na sua totalidade, o fra-
casso educativo do passado e do presente no que diz res-
peito aos surdos?
l O surgimento de uma nova ideia educativa para os surdos é
somente uma substituição “metodológica” conveniente?
l Organizam-se instâncias para conhecer o ponto de vista
dos surdos sobre o fracasso educativo?
l Reconhecem-se as consequências – não só acadêmicas –
do fracasso acadêmico dos surdos?
l Quais os sintomas que se consideram centrais na defini-
ção do fracasso educativo?
l Concebem-se estes sintomas como ponto de partida para
a transformação e a renovação educativa?

Tentar-se-á aqui discutir algumas dessas questões. O fracasso


da educação de surdos explicita também o fracasso do sistema
de ensino como um todo e a falta de entendimento da surdez
como uma perda sensorial que traz o maior dentre todos os
danos que perdas sensoriais podem trazer, simplesmente porque
impede que a criança tenha acesso a uma língua estruturada.
É inegável que o advento do bilinguismo para surdos traz
uma nova perspectiva em relação à educação. O que acontece,
porém, é o mesmo que já aconteceu frente a transformações
metodológicas na escola regular, ou seja: a mudança acontece
superficialmente, fala-se em novos paradigmas, mas pessoas
não transformam suas práticas simplesmente porque novas ter-
minologias são utilizadas. Ensinar exige mais do que inovações

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 99


teóricas, “exige a convicção de que a mudança é possível”, nas
palavras de Freire (1997). Por isto, assumo hoje, como professo-
ra que sou, responsável pela formação de futuros professores e,
quem sabe, futuros professores de crianças surdas, o compro-
misso com a transformação da realidade que, comumente, ain-
da vemos nas escolas brasileiras: crianças surdas confundidas
com crianças portadoras de deficiência mental.
Nesse sentido, vê-se o que acontece com o construtivismo de
Piaget. Inúmeras escolas se intitulam construtivistas, mas as pesso-
as que compõem estas escolas sequer leram Piaget por ele mesmo,
não conhecem seus pressupostos sobre linguagem, sobre aprendi-
zagem, sobre desenvolvimento infantil. O mesmo acontece tam-
bém em relação à teoria de Vygotsky. Profissionais que trabalham
em escolas apresentam-nas como interacionistas ou falam de um
suposto “construtivismo sociointeracionista” sem, ao menos,
saberem que Piaget e Vygotsky divergem naquilo que é essencial,
isto é, para Piaget o desenvolvimento humano se baseia em estru-
turas inatas e, para Vygotsky, trata-se de uma consequência da
interação humana, mais especificamente
A analogia entre esse tipo de apropriação metodológica e
a proposta de uma educação bilíngue para surdos baseia-se no
fato de que trazer a língua de sinais para o âmbito da escola
parece ter dado margem a que profissionais pensassem que
todos os problemas educacionais das crianças surdas estariam
resolvidos. Esquecem-se, porém, que ao entrar em contato com
a língua de sinais na escola a criança surda já apresenta um
enorme atraso de linguagem que dificilmente poderá ser total-
mente transposto. Muitas vezes, por serem ouvintes, as pessoas
que estão à frente da educação de surdos, não usam sequer, de
fato, língua de sinais, mas sim português sinalizado ou outras
estratégias visuo-espaciais.
Nem todos os estabelecimentos de ensino para surdos con-
tam com profissionais também surdos à frente da formulação e
implementação das práticas educacionais.
Skliar (1999) procurou enfatizar a importância da partici-
pação de surdos adultos na educação de crianças surdas. De

100 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


acordo com a posição ideológica adotada, as propostas meto-
dológicas deveriam ser pensadas por pessoas surdas e não por
pessoas ouvintes, como ainda acontece na maioria dos casos.
Crianças surdas devem ter sua educação em língua de sinais por
ser a visão o único canal que permite naturalmente o acesso a
uma língua diante do impedimento trazido pela surdez.
Diante disso, Souza (1998) discute a “produção do fracasso
escolar” do surdo ao apontar que, na grande maioria dos casos,
professora ouvinte e aluno surdo não dominam o mínimo
necessário para haver uma interação promotora de aprendiza-
gem: a partilha de uma língua comum. Isto é explicitado ao des-
crever a cena em que a professora pergunta para um aluno sur-
do “Que palavra que lhe falta?” diante da impossibilidade de o
aluno escrever um texto coerente em Língua Portuguesa. A
pergunta sugere que a professora sequer conseguiu compreen-
der o que é “pensar com palavras”. Como o aluno poderia res-
ponder “Faltam-me todas as palavras, professora” diante da
impossibilidade de usar a Língua Portuguesa?
O paradoxo que se coloca pode ter a sua origem ancorada
em uma ideia muito comum na qual se tende a minimizar o
problema da criança surda. Isto se reflete em frases do tipo “A
criança é normal, só não escuta”; “Ele entende tudo, só não
fala” ou ainda “Dos males, o menor... ela só é surda”. Há, inclu-
sive, quem acredite não ser necessária nenhuma capacitação
prévia do professor que trabalha com alunos surdos, já que é
preferível que não tenha qualquer contato com a LIBRAS para
que não se veja diante de uma situação que se sinta tentado a
usá-la. Ora, existem situações pedagógicas que prescindem de
uma língua comum entre professor e aluno para que algum sig-
nificado simbólico possa se estabelecer?
Tais proferimentos deixam antever que não há entendi-
mento sobre o que a ausência de uma língua provoca na crian-
ça surda e, diante deste desconhecimento, erguem-se práticas
pedagógicas compensatórias, currículos para surdos com ênfa-
se na oralização e um quadro de fracasso dos alunos surdos que
dificilmente será revertido sem uma profunda transformação
dos paradigmas que sustentam as filosofias educacionais para
surdos.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 101


A não apropriação dos conhecimentos sistematizados pela
escola por parte de alunos e a inadequação dos mecanismos de
aprendizagem por parte de professores geram um quadro assus-
tador na educação de surdos. Mesmo que professores de surdos
chegassem à conclusão de que precisam de língua de sinais, o
que poderiam fazer, a curto ou a médio prazo, para suprir essa
necessidade? Alunos surdos não podem aguardar que seus pro-
fessores ouvintes aprendam a língua para, aí então, lhes ensina-
rem os conteúdos que devem ser sistematizados pela escola. E
mesmo que estes professores aprendessem a LIBRAS, não é possí-
vel utilizar, ao mesmo tempo, duas línguas com estruturas tão
diferentes como é o caso da Língua Portuguesa e da LIBRAS.
Skliar (1999) questiona ainda se o bilinguismo representa
somente uma substituição metodológica “conveniente”, na
medida em que, muitas vezes, assume o papel de um “atalho”
para a aprendizagem da língua oral. Nesse caso, não haveria,
de fato, a assunção da língua de sinais como estruturante do
pensamento da pessoa surda, mas seria entendida como um
recurso apenas que auxiliaria na aquisição da língua oral.
Tudo isto nos remete a uma outra questão: em uma situa-
ção de ensino especializado para surdos considerada ideal, em
que professores surdos veiculam conteúdos em LIBRAS para
alunos surdos com proficiência nessa língua, como será a avalia-
ção? O que se vê comumente ainda é a avaliação de alunos sur-
dos sendo realizada em Língua Portuguesa, provocando uma
descontinuidade e uma incoerência diante de tudo o que é rea-
lizado. Alguns professores relatam que seus alunos surdos
demonstram domínio dos conteúdos trabalhados, mas não se
saem bem nas avaliações formais em Língua Portuguesa às qua-
is são “obrigados” a submetê-los.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerou-se aqui a diferença linguística que a surdez impõe e as


questões políticas envolvidas no ensino de crianças surdas. Tudo

102 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


esse percurso objetivou apontar como um contexto educacional
ancorado em pressupostos teóricos pode interferir no uso da lín-
gua de sinais e, consequentemente, no desenvolvimento das cri-
anças surdas.
É comum ouvir de profissionais que trabalham em escolas
especializadas para surdos que a permanência dessas crianças
nessas instituições vai além de seu período de aula e, ao final do
dia letivo, invariavelmente, não querem ir para casa. Sacks
(1998) aponta que a “troca simbólica” ou a possibilidade de
“permutar pensamentos” (p. 50) muitas vezes tem o seu início
marcado pela entrada da criança na escola para surdos, onde o
livre trânsito de ideias pode acontecer graças à língua de sinais.
O autor relata a situação de Joseph, que ingressou em uma
escola especializada para surdos aos onze anos de idade, “sem
língua de espécie alguma”:

Joseph estava então apenas começando a aprender


um pouquinho da língua de sinais, começando a ter
alguma comunicação com os outros. Isto (...) o deleita-
va; ele queria ficar na escola o dia inteiro, o tempo
todo. Dava muita pena ver sua aflição ao sair da esco-
la, pois ir para casa, para ele, significava voltar ao silên-
cio, retornar a um vácuo de comunicação(...) (p. 50-51).

A partir deste e de outros exemplos de surdos pré-linguísti-


cos, Sacks (op. cit.) conclui que um pensamento sem língua pode
impedir “qualquer criança surda ou qualquer criança em geral,
que não consiga pleno acesso à língua” de ter acesso aos instru-
mentos e formas culturais (p. 51). O autor relata ainda o contraste
existente entre duas escolas especializadas para surdos. A primei-
ra, Braefield, uma escola primária que apresenta “um quadro hor-
rível” (nas palavras do autor, p.122) no que se refere ao aproveita-
mento dos alunos com surdez profunda que ali ingressam, e atri-
bui essa situação ao atraso na aprendizagem de uma língua a que
as crianças foram submetidas. Curiosamente, anos mais tarde, ao
ingressarem, em Lexington, uma escola secundária, alguns desses

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 103


alunos, já adolescentes, apresentam resultados melhores. A hipó-
tese levantada pelo autor para explicar essa diferença é a de que a
descoberta tardia da língua de sinais pode proporcionar uma
“intimidade linguística” e um sentimento de “finalmente em
casa” (p. 122) que compense, ao menos parcialmente, o isolamen-
to dos primeiros anos. Essa sugestão está totalmente de acordo
com a hipótese também defendida aqui.
Ao contrário do que acontece com a fala, bebês que nas-
cem surdos apresentam uma “inclinação imediata e acentuada
para a língua de sinais” (Sacks, 1998, p. 43). O autor atribui isto
ao fato de que, sendo uma língua visual, é para estas pessoas
totalmente acessível. Crianças surdas filhas de pais surdos que
usam a língua de sinais executam seus primeiros sinais aos seis
meses de vida e adquirem considerável fluência nessa língua
por volta dos quinze meses.
De acordo com Sacks (1998), Sá (1997) afirma que

As crianças surdas que têm um ambiente linguístico


adequado ao seu desenvolvimento são as filhas de pais
surdos usuários da língua de sinais, no entanto, estas
estão dentro do percentual de apenas 6% dos surdos.
Considerando que ninguém adquire uma língua se
não for exposto a ela num ambiente “natural”, fica
perfeitamente claro que a única possibilidade de aqui-
sição de uma língua espaço-visual para os surdos filhos
de pais ouvintes é num ambiente social; neste caso, a
escola se apresenta como um dos ambientes sociais
mais adequados a este fim (p. 30).

Chega-se, nesse ponto, com Sá (op. cit.), a mais um argu-


mento favorável à educação especializada para surdos como
uma possibilidade de resgate da socialização e da possibilidade
de usar uma língua, instâncias que, numa visão sociopragmáti-
ca, apresentam uma interdependência e até se confundem.
As escolas especializadas para surdos constituem, nas pala-
vras de Skliar (1997), um “microcosmo de emergência da identi-
dade surda e de aquisição da língua de sinais” (p. 30). O autor

104 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


aponta que, diante da atual proposta de inclusão dos surdos nas
escolas regulares, a proposta de educação especializada para
surdos pode parecer dissonante. Acrescenta, porém, que a pró-
pria lei apresenta precedentes que justificariam a manutenção
desse tipo de educação. Estes precedentes podem ser encontra-
dos em afirmações do tipo: “organização de ambiente educacio-
nal o menos restritivo possível”. O menos restritivo possível no
caso da criança surda é um ambiente educacional com língua de
sinais, o que não pode ser encontrado no ensino regular. Instau-
ra-se aqui um paradoxo: a “educação para todos”, símbolo máxi-
mo da democratização do ensino, não pode ser “para todos” se
deixa de lado a especificidade linguística de um grupo de pesso-
as. Em outras palavras, no caso da criança surda, estar incluída
em uma turma de ouvintes pode significar o que há de mais
segregador ou opressor, já que não há como transitar significa-
dos num ambiente oral-auditivo. Lança-se mão, então, da possi-
bilidade de se trabalhar com intérpretes de língua de sinais mas
de que adiantaria o intérprete, se a criança ou adolescente surdo
não pôde aprender a língua de sinais anteriormente?

Apesar de estar de acordo com as afirmações de Sá (1997) e


Skliar (1997), cabem algumas considerações acerca de sua posi-
ção, talvez um pouco idealista, de que a língua de sinais adqui-
rida precocemente, ainda nos anos básicos da vida acadêmica,
propiciará o domínio das duas línguas para a perfeita inter-rela-
ção social do surdo (p. 77). Para argumentar com os autores, é
necessário explicitar aqui dois pontos: o primeiro diz respeito
ao fato de que a aprendizagem da língua de sinais vai permitir
ao surdo pensar e aprender, mas não vai lhe permitir ter uma
interação social com os ouvintes que, obviamente, na sua gran-
de maioria, não dominam a língua de sinais. Em segundo lugar,
uma escola bilíngue para surdos não vai ser a responsável pela
aprendizagem da língua oral para a criança surda. Esta não é
uma das funções da escola.

A aprendizagem da língua oral em sua modalidade falada


é de competência da família, com o apoio sistemático de um

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 105


fonoaudiólogo e um extenuante trabalho de tentar contextua-
lizar tudo o tempo todo para essa criança na língua oral. E a
aprendizagem da língua oral em sua modalidade escrita ainda
é muito controversa. Acredito que a escola deve ter, como para
qualquer criança ouvinte, a responsabilidade de ensinar a lín-
gua escrita, mas isto não pode se sobrepor a todos os outros
conteúdos que a escola tem a obrigação de sistematizar. Sendo
assim, há que se pensar a aprendizagem da língua escrita para a
criança surda e, para isto, é necessário “ouvir” os surdos,
remontar trajetórias que transformaram surdos adultos em lei-
tores e escritores em uma língua oral. Sem esquecer que, uma
vez desobstruída a sua capacidade de crescer e pensar através
de uma língua visual, tal como nos diz Sacks (1998), todo e qual-
quer conteúdo poderá ser significado e, portanto, aprendido.
Ou ainda: se a aprendizagem da leitura e da escrita em uma lín-
gua oral não se equipara ao domínio que uma criança surda
demonstra em uma língua visual, a esta criança deve ser garan-
tido o acesso ao currículo nessa língua visual.
Diante de tudo o que foi dito, acredita-se que o contato
sistemático, ainda que tardio, com uma língua estruturada é
capaz de minimizar os efeitos da exposição tardia aos jogos de
linguagem a que as crianças surdas estão expostas (Wittgens-
tein, 1994).
A escola pode e deve ser o espaço para uma prática de lin-
guagem para a criança surda, tal como postulado na Declara-
ção de Salamanca (1994).
Nessa perspectiva, se não for possível ter professores sur-
dos, é necessário que um interlocutor surdo fluente em língua
de sinais (monitor) atue junto ao professor responsável pela
turma de alunos surdos, a exemplo do que acontece em escolas
municipais no Estado do Rio de Janeiro. Lá, monitores surdos,
em sua maioria alunos do segundo segmento do ensino funda-
mental, participam de todos os momentos pedagógicos junto
às professoras ouvintes na educação infantil e no primeiro seg-
mento do ensino fundamental. Com isso, a LIBRAS é o veículo

106 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


das interações envolvidas nos processos de aprendizagem das
crianças surdas. Não se trata, portanto, de ensinar sistematica-
mente a língua. Trata-se, por sua vez, de ensinar os conteúdos
do currículo oficial em uma língua visual, à qual os alunos sur-
dos têm livre acesso. Posteriormente, quando os alunos já pos-
suem proficiência em LIBRAS, podem se beneficiar da presença
do intérprete de LIBRAS nas séries seguintes, ou seja, do sexto
ao nono ano de escolaridade. Para a implementação desse tra-
balho, conta-se com a participação de uma pessoa surda que é,
também, responsável pelos cursos de LIBRAS oferecidos aos
professores que trabalham ou que pretendem trabalhar com
crianças surdas.
Apesar de saber que não se deve concluir um texto com
uma citação, considero que nada mais haverá para dizer depois
das palavras de Nelson Mandela:

Se eu pudesse prometer-lhes que nada (...) privará


vocês de uma vida plena e frutífera, eu prometeria. Mas
prometerei apenas o que sei que posso cumprir. Vocês
têm a minha palavra de que continuarei a aplicar tudo o
que aprendi (...) para proteger os seus direitos. Trabalha-
rei todos os dias, de todas as maneiras que conheço, para
apoiá-los enquanto crescem. Buscarei suas vozes e suas
opiniões e farei com que outros também as ouçam.(O
grifo é meu)

Apenas gostaria que estas palavras fossem minhas e que eu


pudesse transformá-las em sinais para dizê-las aos surdos.

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Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 107


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Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 109


7
EDUCAÇÃO ESPECIALIZADA PARA SURDOS
NO MUNICÍPIO DE DUQUE DE CAXIAS

1
Magali Cerdeira
2
Simone Pereira

1Fonoaudióloga, Professora especializada na área da surdez. Implementadora


da Equipe de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação de
Duque de Caxias.
2Fonoaudióloga, Implementadora da Equipe de Educação Especial da Secretaria

Municipal de Educação de Duque de Caxias. Contato: simonefono@oi.com.br.


INTRODUÇÃO

Durante o I Encontro de Educação de Surdos do Município de


Duque de Caxias, no final da década de 1990, o então Programa
de Deficiência Auditiva encontrou sua “Identidade”, reavaliou
e refletiu sobre a fronteira entre o clínico-terapêutico e o antro-
pológico-educacional no que se refere à diferença que as crian-
ças e adolescentes surdos apresentam e esta reflexão culminou
na aceitação da proposta do educador Carlos Skliar (1998) para
que se modificasse o nome do programa, que passou a ser
denominado Programa de Educação de Surdos. Um pouco des-
ta história será contada a seguir.
O Programa passou por várias concepções e filosofias de
educação de surdos, acompanhando o rumo da história da Sur-
dez em nosso país. Inicialmente o trabalho consistia basicamente
na preocupação de estimular a oralização (o ato em si e não a
aprendizagem de uma língua) através dos resíduos auditivos.
Havia uma hipervalorização da aparelhagem utilizada e da pro-
dução fonoarticulatória. O letramento estava relacionado a
palavras ou frases soltas desprovidas de um sentido ou contexto.
Tínhamos os alunos copistas.
Posteriormente vivenciamos – e temos reflexos significati-
vos até hoje – a Filosofia da Comunicação Total, em que todos
os meios e métodos eram bem-vindos, incluindo a leitura labial,
gestos naturais e até mesmo a língua de sinais, vista neste con-
texto apenas como mais um recurso para a comunicação dos
surdos com os ouvintes. Apesar disso, os alunos encontravam a
oportunidade para se expressarem através de sua língua natu-

112 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


ral no espaço escolar, o que, antes, era proibido. O entrave foi a
utilização de duas modalidades linguísticas ao mesmo tempo (o
Bimodalismo), em que a língua de sinais era usada ao mesmo
tempo em que se oralizava, misturando e desvalorizando as
estruturas das duas línguas. Os alunos apresentavam muitas
dificuldades na formação de frases e no aprendizado, como um
todo, da Língua Portuguesa, retardando ainda mais o processo
de letramento.
A partir da Comunicação Total, iniciamos estudos acerca da
língua de sinais com a linguista Lucinda Brito (1995) em seu gru-
po de pesquisa na UFRJ. Tais estudos abriram novos horizontes
acerca da comunidade e da cultura surda e, a partir desse
momento, os alunos adolescentes e adultos começaram a parti-
cipar do convívio na comunidade surda e isto começou, por sua
vez, a auxiliar na troca natural que havia no ambiente escolar.
Por essa época, quatro de nossas alunas concluíram o 5º
ano de escolaridade e, com isto, ocorreu a necessidade de
incluí-las em uma classe regular de alunos ouvintes. A partir daí,
foram contratados, em 1997, intérpretes de Língua de Sinais
para que as mesmas recebessem oportunidades de desenvolve-
rem-se plenamente, assim como os demais alunos.
Com esse enfoque, em 1999 um educador surdo foi contra-
tado para que atuasse junto aos professores das classes de sur-
dos a fim de expor naturalmente o grupo de surdos à Língua de
Sinais.
A partir do ano de 2001, com a crescente demanda de alu-
nos surdos em nosso município, novas turmas foram formadas.
Percebemos então, a necessidade de verificar o nível de escola-
ridade de cada aluno. Foi então realizado um nivelamento das
turmas, a partir dos assuntos trabalhados no contexto de cada
uma. Anteriormente, as turmas não seguiam o currículo do
ensino regular, as atividades eram descontextualizadas em rela-
ção ao currículo comum e alguns assuntos eram “filtrados”
para os alunos surdos. Interpretamos isto como um resquício
das filosofias educacionais anteriormente trabalhadas, que
viam o sujeito surdo como alguém com uma deficiência cogniti-
va, sem a capacidade de interagir com o conhecimento que cir-
culava no espaço escolar.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 113


O sociointeracionismo de Vygotsky (1993), estudado à épo-
ca na rede municipal de ensino, foi um divisor de águas para
ultrapassarmos esta fronteira entre o modelo clínico e o mode-
lo socioantropológico. A visão do surdo como alguém que pos-
sui uma diferença linguística e não uma deficiência ou doença
tem sido a base para uma ruptura com a visão clínica existente.
Isto nos fez repensar a organização das classes, pois a visão clíni-
ca nos impedia de acompanhar a evolução pedagógica dos alu-
nos. Os alunos permaneciam em classes especiais durante anos,
sem que houvesse um acompanhamento pedagógico, sem que
o foco fosse propriamente pedagógico, mas sim, clínico.
A partir daí, os alunos surdos do município de Duque de
Caxias passaram a ter acesso a este mesmo currículo usado
pelos alunos ouvintes. Concomitantemente, aconteciam cursos
de LIBRAS para os profissionais envolvidos com alunos surdos,
ministrados por nossa representante surda no Programa de
Educação de Surdos, instrutora de LIBRAS contratada para rea-
lizar tal projeto.
Surgiram, então, nesta época, outros projetos para enri-
quecer o universo linguístico da escola, onde transitavam nos-
sos alunos que por muito tempo foram privados de desenvol-
ver-se naturalmente em sua língua. Muitos alunos surdos che-
gavam – e ainda chegam – à escola sem uma língua estrutura-
da, tendo o primeiro contato com outro surdo no espaço esco-
lar. A partir desta ideia, conseguimos colocar em prática um
projeto que abrangia todo o contexto que desejávamos imple-
mentar. Pensamos num adulto surdo para trabalhar em cada
classe de surdos a fim de que os alunos pudessem adquirir natu-
ralmente a LIBRAS, dentro do contexto escolar. O mais interes-
sante foi que todos os monitores surdos contratados eram
nossos alunos (do 6º ao 9º ano de escolaridade) ou ex-alunos.
Atualmente as associações em defesa dos direitos das pes-
soas surdas buscam reconhecer como profissão a função de
monitor, transformando o seu nome em Assistente Educacional
em LIBRAS. Em nossa experiência, sugerimos a estes monitores
que desenvolvessem, junto ao professor da classe na qual atua,

114 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


cursos de LIBRAS para os familiares, nos auxiliando, desta for-
ma, na orientação e conscientização destes familiares. Estes
Assistentes Educacionais em LIBRAS atuam nas classes de edu-
cação de surdos do 1º segmento do Ensino Fundamental, ou
melhor, do 1º ao 5º ano de escolaridade. É importante ressaltar
que nestas classes a Língua Portuguesa é trabalhada como
segunda língua, mas em sua modalidade escrita. A partir do 6º
até o 9º ano de escolaridade, nossos alunos são incluídos em
classes de alunos ouvintes com a presença de um intérprete de
LIBRAS, pois, após os primeiros anos de escolaridade, com a
oportunidade de adquirirem a LIBRAS, eles têm a possibilidade
de acompanhar o mesmo currículo dos demais alunos. A neces-
sidade dessa “adaptação curricular de grande porte” – a pre-
sença de um intérprete de LIBRAS em cada sala de aula – permi-
te a troca de experiências linguísticas, promove a legitimação
da identidade surda e aproxima o surdo do trabalho educacio-
nal realizado com os surdos menores. Em todo o município, este
trabalho com intérpretes acontece em duas grandes escolas,
devido à demanda de alunos surdos ser maior nestas duas
unidades.
Neste contexto escolar, foi necessária a criação de Salas de
Recursos específicas para alunos surdos, onde o professor seja
fluente em LIBRAS. Tais Salas de Recursos são um grande auxílio
para o aprendizado e para a apropriação da Língua Portuguesa
em sua modalidade escrita. O público-alvo das Salas de Recur-
sos específicas são, a princípio, os alunos do 6º ao 9º ano de
escolaridade, porém, diante da realidade em que vivemos, ain-
da encontramos crianças surdas do 1º ao 5º ano de escolaridade
fora das Classes Especializadas para Surdos devido, principal-
mente, à garantia de matrícula em escola mais próxima à sua
residência. Estas crianças são encaminhadas para estas Salas de
Recursos específicas com a finalidade de terem contato com a
LIBRAS e conscientizarem suas próprias famílias da importância
e do reconhecimento de sua diferença linguística. Todo este
processo é necessário para, enfim, aceitarem a inclusão de seus
filhos em Classes Especializadas para Surdos desde o 1º ao 5º
ano de escolaridade.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 115


Com a crescente demanda de alunos surdos na Educação
Infantil, no ano de 2008, fez-se necessário um novo olhar para
uma nova necessidade que surgiu a partir de uma aluna surda
incluída em uma de nossas creches, ou seja, antes mesmo do
período do Ensino Fundamental, no qual o Programa de Educa-
ção de Surdos já atuava. Como reconfigurar este trabalho diante
deste novo desafio? Considerando que uma pessoa adquire sua
língua através de seus pares, e que o conhecimento acontece
com a troca deste, designamos um Assistente Educacional de
LIBRAS para o local, visto que a demanda é pequena na Educa-
ção Infantil para a formação de uma Classe de Surdos. O Assis-
tente Educacional em LIBRAS encontra-se envolvido em todos os
momentos no processo de ensino-aprendizagem deste universo
escolar. Apesar de se encontrar ainda em fase de implantação, a
entrada do Assistente Educacional na Educação Infantil tem se
mostrado bastante positiva e nos traz a esperança de que, em
algum tempo, poderemos ter crianças surdas que não apresenta-
rão as consequências do aprendizado tardio de uma língua.
Como já foi citado, atualmente temos na Rede Municipal
de Ensino várias modalidades de educação de surdos, que apre-
sentaremos detalhadamente abaixo.

CURSO DE CAPACITAÇÃO EM LÍNGUA DE SINAIS PARA


PROFESSORES DA REDE MUNICIPAL DE DUQUE DE CAXIAS

A Equipe de Educação Especial caminha na compreensão e na


articulação de ações pedagógicas que possibilitem a comunica-
ção entre surdos e ouvintes, através da divulgação da Língua
Brasileira de Sinais, por entendermos que os surdos têm um
impedimento para aprender a nossa língua, mas nós, ouvintes,
não apresentamos nenhum impedimento em relação a uma
língua visual.
Entendemos que o desenvolvimento do aluno surdo, bem
como sua relação social, passa pela aprendizagem de Língua de
Sinais, e os mediadores desta língua devem ser a família e o pro-
fessor do aluno. Por isto, idealizamos este curso que é ministra-

116 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


do por uma professora surda, contratada por esta Secretaria de
Educação, para professores e outros profissionais que lidem
com os alunos surdos ou outros membros da comunidade esco-
lar. O curso de LIBRAS possui os seguintes objetivos:
l Possibilitar o aprendizado de LIBRAS por pessoas ouvintes.
l Oportunizar a comunicação entre ouvintes e surdos.
l Implementar a aprendizagem da língua de sinais como
aspecto significativo dentro de uma concepção de educa-
ção bilíngue.
l Conferir à LIBRAS o caráter de estruturante do pensa-
mento da pessoa surda.

PROJETO DE CAPACITAÇÃO PARA MONITORES


A língua não é só um meio de expressão, é também um instru-
mento para o conhecimento; a língua produz identidade. Desta
forma, na perspectiva da visão crítica sobre a educação de surdos,
a língua de sinais não é simplesmente um instrumento para a
aprendizagem da Língua Portuguesa, ela produz uma identidade
entre aqueles que dela se apropriam como primeira língua.
Considerando o artigo 1, parágrafo 2, da lei nº 2 (MEC/SEESP,
2001), deve ser assegurada no processo educativo de alunos que
apresentam dificuldades linguísticas a acessibilidade aos conteú-
dos curriculares mediante a utilização de linguagens e códigos
aplicáveis.
Logo, este trabalho justifica-se na medida em que acredita-
mos que o contato com outros surdos fluentes em sua língua, a
Língua de Sinais, os expõe naturalmente ao mundo, oportuni-
zando a interação e o conhecimento de sua identidade, cons-
truída a partir das experiências visuais.
Esse trabalho visa possibilitar a capacitação permanente de
alunos surdos para o trabalho de monitores das Classes Especia-
lizadas para Alunos Surdos para atuarem junto ao professor
regente desenvolvendo conteúdos específicos dos níveis de
escolaridade e contextualizando-os em Língua de Sinais. E, por
fim, mas não menos importante, pretende-se oportunizar aos

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 117


alunos surdos da Rede Municipal de Duque de Caxias a realiza-
ção de um trabalho remunerado, contribuindo, assim, para a
efetivação de sua cidadania.

CURSO DE LÍNGUA DE SINAIS PARA FAMÍLIA E COMUNIDADE


ESCOLAR

De acordo com a proposta pedagógica descrita anteriormente


e desenvolvida em Duque de Caxias, onde buscamos possibilitar
a construção da identidade, da autonomia e participação dos
alunos surdos na sociedade de maneira ampliada, este projeto
visa proporcionar o acesso à língua de sinais pelas famílias e
pela comunidade escolar .
Cabe ressaltar que a família é o primeiro grupo do qual o
ser humano faz parte e, em geral, a mãe é a primeira mediado-
ra de suas aprendizagens não-verbais, precursoras das aprendi-
zagens verbais que virão a seguir.
A declaração de Salamanca (1997), documento que regula-
menta a educação inclusiva, tem como princípio a língua de
sinais como fundamental para a educação da pessoa surda.
Portanto, a família e a comunidade precisam compartilhar
com as pessoas surdas a sua língua. Para que isto aconteça de
fato, faz-se necessário que um adulto surdo ou, na falta deste,
uma pessoa ouvinte com formação em língua de sinais fluente
(intérprete) possibilite ao grupo familiar o acesso à Língua Bra-
sileira de Sinais .
Sendo assim, entendemos que este projeto tem grande
relevância, na medida em que garante à família e à comunida-
de escolar a interação entre pessoas surdas e ouvintes.

PROJETO DE SALAS DE RECURSOS PARA ALUNOS SURDOS

O planejamento das salas de recursos para alunos surdos tem


como referencial as necessidades dos alunos em relação aos
conteúdos do ensino regular, as questões abordadas nas reu-
niões com os responsáveis e o projeto da escola.

118 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Desta forma, as atividades são desenvolvidas levando em
consideração a LIBRAS e os conteúdos veiculados nesta língua,
a Língua Portuguesa na modalidade escrita, a leitura como fon-
te de ampliação de conhecimento e o vocabulário na língua
oral. Algumas estratégias utilizadas nas Salas de Recursos são:
l Leitura, interpretação e produção de textos.
l Utilização da LIBRAS para compreensão do processo da
leitura e da escrita.
l Reconhecimento e utilização da escrita como registro,
documentação, informação e comunicação, aprimoran-
do a escrita ortográfica das palavras e promovendo a
ampliação do vocabulário em Língua Portuguesa.
l Ampliação do desempenho comunicativo do aluno atra-
vés da apropriação de diversos tipos de textos (literários,
jornalísticos, informativos, instrucionais), percebendo sua
funcionalidade.
l Resolução de situações-problema, relacionando-as com
sua prática de vida (conta de luz, compra de mercado,
dinheiro, medida de tempo e distância).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora pareça que o projeto de educação especializada para


alunos surdos caminhe em direção oposta à corrente principal da
inclusão, acreditamos que se trata de um consistente projeto de
educação inclusiva a médio prazo, visto que o objetivo é incluir
os alunos a partir do 6º ano de escolaridade no ensino regular,
com a presença do intérprete de LIBRAS. A esta altura, depois de
terem vivenciado um contexto sinalizador desde o início do
segundo ciclo (1º ao 5º ano de escolaridade), nossos alunos sur-
dos poderão pensar em uma língua visual e, a partir daí, apren-
der todo e qualquer conteúdo, sejam os conteúdos das discipli-
nas específicas do terceiro ciclo, seja a Língua Portuguesa.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 119


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica. Secretaria de Educação Especial – MEC; SEESP, 2001.
BRITO, L. F. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasi-
leiro, 1995.
Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Quali-
dade. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educati-
vas especiais. 2. ed. Brasília: CORDE, 1997.
SKLIAR. C. A. Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação,
1998.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Editora Martins Fontes,
1993.

120 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


8
A INCLUSÃO DOS ALUNOS COM ALTAS
HABILIDADES

1
Silvia Figueiredo
2
Aliny Lamoglia

1Pedagoga. Pós-graduada em Altas Habilidades pela UERJ e Supervisão Escolar


pela UCAM. Implementadora do Programa de Altas Habilidades da Equipe de
Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias.
Gestora Educacional do SENAC-RJ.
2Professora de Educação Inclusiva do Departamento de Fundamentos da Edu-

cação/UNIRIO. Psicopedagoga. Coordenadora do Núcleo de Educação Inclusi-


va/UNIRIO e do Projeto “Inclusão e Acessibilidade na UNIRIO” – Programa
INCLUIR – MEC/SESu.
INTRODUÇÃO

Para falar sobre o desenvolvimento da criança com altas habili-


dades é necessário, primeiramente, esclarecer alguns mitos.
Estas crianças apresentam comportamentos muito semelhantes
ao das crianças com desenvolvimento considerado típico. Fala-
mos apenas de crianças que apresentam alguma alta habilida-
de, e não de gênios ou pessoas com capacidades sobrenaturais.

Um fator que pode ajudar na identificação dessas crianças é


a precocidade com que demonstram ou usam a sua inteligência
e a forma como a família e/ou profissionais (professores ou
outros especialistas, como psicólogos ou psicopedagogos) aco-
lhem a diferença, que será decisiva para o futuro destas crianças.
É importante também ser bastante criterioso no diagnóstico
diferencial de crianças com altas habilidades e crianças com sín-
drome de Asperger, uma vez que este último grupo, embora
possa apresentar alto funcionamento em alguma área do conhe-
cimento, possui também, necessariamente, comprometimento
na interação social e alguma peculiaridade na linguagem.

Alguns educadores, no seu cotidiano, identificam o aluno


com altas habilidades quando este se destaca e tem um desem-
penho elevado nas atividades curriculares, apresenta ajusta-
mento socioemocional ou uma habilidade motora significati-
va. Tais características, porém, não representam o universo do
que vem sendo considerado como altas habilidades. Pode pare-
cer contraditório, mas é possível encontramos até mesmo crian-
ças com resultados escolares medianos ou inferiores e, ainda
assim, estarmos diante de um caso de AH. Isto acontece devido

122 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


aos inúmeros fatores que resultam ou não em um contexto pro-
pício para que a criança possa expressar as suas habilidades.
Muitas vezes encontramos alunos que apresentam uma
curiosidade acentuada, questionamentos e formas de expres-
são originais, além de demonstrarem um comportamento dife-
renciado de sua faixa etária, mas não necessariamente apresen-
tam desempenho escolar acima da média considerada padrão.
No ambiente educacional o professor convive com uma
enorme diversidade de identidades que o permite observar as
habilidades e as aptidões dos seus alunos. Porém, nem sempre
consegue identificar com propriedade se se trata de um aluno
com altas habilidades ou não.
O educador que possuir o conhecimento apropriado pode
passar a ser um profissional que contribua na identificação e na
inclusão educacional desse aluno, transformando uma lei em
uma prática educativa, mas é preciso que a comunidade educa-
cional acredite que esse aluno pertence, de fato, ao grupo de
alunos com necessidades educacionais especiais para que este-
ja envolvida e atue com base nas diretrizes educacionais.
É de extrema importância que as propostas de uma socieda-
de inclusiva ultrapassem os registros das leis. Pois todos têm o dire-
ito à dignidade, ao respeito e a desenvolver-se plenamente den-
tro de suas potencialidades. Para transformarmos a prática é
necessário conhecermos um pouco mais sobre o conceito de altas
habilidades, sua identificação e as possibilidades de transformar a
prática educativa no sentido de acolher a diferença desses alunos.
São inúmeras as maneiras de denominar os alunos que se
destacam por apresentar um funcionamento “positivamente
diferenciado”. Alguns usam a palavra superdotados, outros
usam talentosos e criativos; porém, conforme documento do
MEC–SEESP (1995), há a proposta de se utilizar o termo “altas
habilidades”.
Segundo Mettrau (2000), na população brasileira, de um a
três por cento dos alunos têm altas habilidades.
Vejamos agora o conceito proposto por Renzulli (1978),
pois se trata do conceito aceito pelos órgãos federais, e afirma
que as pessoas portadoras de altas habilidades se destacam por
três aspectos significativos que se apresentam em conjunto:

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 123


l Capacidade acima da média.
l Criatividade (em alto nível).
l Envolvimento com a tarefa (em alto nível).

A capacidade acima da média refere-se àqueles comporta-


mentos observados, relatados ou demonstrados que confirmam
superioridade no campo do fazer ou do saber, que permanecem
ao longo do tempo e acontecem com frequência. Ao falarmos de
criatividade podemos definir como comportamentos visíveis atra-
vés de traços criativos no fazer ou no pensar. Quanto ao envolvi-
mento com a tarefa são comportamentos observáveis através de
demonstração de expressivo interesse nas tarefas realizadas.
Note-se que, para que uma criança seja considerada com AH, é
necessário apresentar características dos três aspectos postulados
por Renzulli (1986) concomitantemente.
Há uma tendência, tanto dos autores quanto dos órgãos
oficiais que regulamentam as práticas educacionais para crian-
ças com AH, em postular que as características podem aparecer
de diferentes formas e não apenas através da alta capacidade
no ensino formal. Este aluno pode se destacar em atividades
intelectuais, bem como no teatro, na música, no desenho, no
esporte, na liderança de um grupo etc.
Com base em seus estudos com crianças e adolescentes com
AH, Renzulli (1986) propõe o “Modelo Triádico” , que foca uma
fusão entre capacidade cognitiva acima da média, envolvimen-
to com a tarefa e criativiadade, e em 1992, Monks amplia este
esquema, incluindo a família, a escola e os relacionamentos
sociais como espaços onde as características de AH também
podem emergir.
Como já foi dito anteriormente, não é comum que um alu-
no apresente todas as características num determinado inven-
tário, mas, com frequência, vários aspectos serão apontados.
Assim, é importante que tanto os pais, como os professores, ao
utilizar um inventário ou ficha, tomem seus elementos como
exemplos possíveis de traços na identificação de AH.

124 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Entretanto, é também importante considerar que quanto
maior o número de traços presentes em uma criança, maior a
segurança que se pode ter sobre a presença de AH.
Através de observações, Mettrau (2000) encontrou algu-
mas características comuns a crianças e adolescentes com AH,
dentre elas:
l Curiosidade.
l Persistência.
l Senso crítico.
l Senso de humor desenvolvido.
l Descontentamento diante de afirmações, respostas ou
avaliações superficiais.
l Facilidade para elaborar propostas diante de um estímu-
lo específico.
l Sensibilidade às injustiças.
l Reações positivas a elementos novos.

A identificação de um aluno com Altas Habilidades deve


ser um processo global, dinâmico e multidisciplinar, desta for-
ma, precisamos considerar ao máximo as possibilidades de
expressão das diferentes potencialidades do indivíduo.
Landau (1990), por sua vez, ressalta que os seguintes aspec-
tos devem ser observados quando estamos diante de uma cri-
ança com suspeita de ter AH:
l Vocabulário amplo ou inusitado.
l Desempenho significativo em determinadas áreas.
l Curiosidade acentuada.
l Sensibilidades às questões sociais.
l Busca por relacionamentos com pessoas do mesmo nível
intelectual.
l Desinteresse por atividades rotineiras.
l Alto interesse por atividades desafiadoras.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 125


l Habilidades específicas de destaque (áreas: artes plásti-
cas, musicais, artes cênicas e psicomotora, de liderança
etc.).
l Senso de humor ( algumas vezes com foco negativo).
l Alto padrão nas realizações de atividades.
l Dispersividade.
l Pensamento reflexivo e divergente.
l Resistência a regras.

É comum observarmos o aluno com AH negar suas potenci-


alidades ou seu talento para não se sentir diferente, para ser
aceito no grupo social. Neste caso é necessário que este aluno
se sinta apoiado e encorajado para que use suas potencialida-
des, sem que isto o afaste de seu grupo social.
Importante é que não se deve generalizar. Alunos podem
ter desempenho expressivo em algumas áreas, médio ou baixo
em outras, dependendo do tipo de alta habilidade.
Para criar a possibilidade de inclusão do aluno com altas
habilidades, faz-se necessário enfocar o processo de aprendiza-
gem, a identificação das características e a adaptação do currí-
culo ou das estratégias utilizadas. É fundamental que haja uma
coleta de dados sobre este aluno no ambiente escolar, na famí-
lia e na interação com companheiros.
Inúmeras alterações podem ser realizadas na prática
docente. A seguir apresentamos apenas uma das muitas formas
possíveis de enriquecimento da prática pedagógica. Se a área
de interesse do aluno for, por exemplo, o futebol:
l As oitavas-de-final de um campeonato poderão servir
para estudos em matemática.
l As contusões sofridas pelos jogadores podem ser explo-
radas como fonte de interesse para conhecer os sistemas
do corpo humano e os tipos de tratamentos possíveis.
l A localização dos estádios onde se realizam as partidas,
as histórias dos lugares e suas peculiaridades poderão ser
excelentes para despertar o interesse por Geografia e
História.

126 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


l Discutir a comoção causada pelo futebol poderá levar a
questões culturais e/ou econômicas.

Para Renzulli (1986) é fundamental que estejam presentes


a capacidade de empatia, a solidariedade, a percepção do
outro, a coragem. Estes são aspectos mais subjetivos, que não
tinham sido apontados por outros autores como relevantes
para a avaliação diagnóstica de AH. Nas palavras do autor:

Os grupos escolares que apresentam alunos incluí-


dos com altas habilidades devem ter como base a pre-
missa que turmas mistas apresentam diversas áreas e
graus de capacidade. Sendo assim, o tema ou a ativida-
de poderá ser a mesma focando a amplitude e o apro-
fundamento de acordo com a individualidade, porém
vemos uma necessidade de nivelamento no mediano
(p.75-121).

As tentativas dos professores (conscientes ou não) de lida-


rem com os grupos de alunos como se fossem homogêneos
pode gerar o desinteresse e o tédio para crianças com AH, crian-
do a possibilidade de ignorarmos o aluno com suas peculiarida-
des e contribuirmos para que a criança com altas habilidades
tente se igualar para se sentir aceita.
Cabe ressaltar também alguns indicadores de subdesempe-
nho em alunos com altas habilidades (MEC/SEESP, 2004):
1. Tédio e inquietação.
2. Fluência verbal, mas linguagem escrita empobrecida.
3. Preferência por amizade com crianças mais velhas e com
adultos.
4. Elevada autocrítica, ansiedade, sentimentos de rejeição.
5. Hostilidade para com a autoridade.
6. Rapidez de pensamento, podendo afastá-lo do grupo.
7. Não saber como estudar, ou como aprender as matérias
escolares.
8. Aspirações muito baixas em vista das aptidões.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 127


9. Indefinição dos seus próprios objetivos, e dependência
do adulto para tomar decisões.

10. Falta de planejamento, dificuldade de pensar em uma


dimensão de tempo (nem mesmo em um futuro próximo)

11. Fraco desempenho em testes e exames, mas elaboração


de perguntas inquisitivas e criativas.

12. Pensamento excessivamente abstrato.

13. Interesse por brincadeiras com palavras, podendo diferir


dos seus pares.

14. Deterioração do trabalho de alto nível ao longo do tem-


po.

Diante destas possíveis fragilidades que as crianças com AH


podem apresentar, Raths e outros (1977) sugerem que as ativi-
dades no ambiente escolar sejam o mais individualizadas possí-
vel e tenham como base a observação, a comparação, o resumo,
a classificação, a interpretação, a crítica, a suposição, a imagina-
ção, a obtenção e organização de dados, o levantamento de
hipóteses, a aplicação de fatos e princípios a novas situações, a
tomada de decisões e o planejamento de situações. Todas estas
ações tenderão a vincular positivamente o aluno com AH ao seu
contexto escolar.

Como já foi dito anteriormente, Renzulli (1978) elaborou


um modelo de programa para alunos com altas habilidades que
acompanhasse as conclusões do trabalho sobre a concepção
dos três anéis e explicitasse a distinção entre superdotação aca-
dêmica e produtivo-criativa. Daí surgiu o Modelo Triádico de
Enriquecimento. Este modelo se opõe ao Modelo de Acelera-
ção da Aprendizagem, que visa tão somente à supressão de
níveis de escolaridade.

Em contraposição aos modelos de aceleração do conteúdo,


o modelo de enriquecimento se baseia em um conglomerado
de atividades orientadas para o processo de aprendizagem,
sem que o aluno se afaste do seu grupo escolar de origem.

128 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


As atividades orientadas para o processo (Renzulli, 2004)
são benéficas para todos os alunos e devem ser desenvolvidas
no Ensino Regular.
Há, segundo Renzulli (2004), diversas abordagens em Enri-
quecimento. Aquela com que o autor mais se identifica é a que
trabalha com investigações individuais, ou em pequenos gru-
pos, de problemas reais. A justificativa para essa defesa deve-se
à crença de que as experiências de aprendizagem qualitativa-
mente diferentes devem aproximar-se do modus operandi dos
indivíduos na vida real.
Renzulli (2004) aponta ainda as características essenciais
subjacentes aos programas de enriquecimento:
l A ideia de que cada aprendiz é único.
l A aprendizagem é mais efetiva quando os alunos desfru-
tam o que estão fazendo.
l O conteúdo a ser aprendido deve ser inserido em um con-
texto real, atual e, sempre que possível, personalizado.
l O uso de recursos metodológicos autênticos é condição
sine qua non para a aprendizagem por enriquecimento.
l O foco deve estar nos produtos e serviços. Isto diferencia
qualitativamente a aprendizagem para o aluno.

Renzulli (2004) conclui afirmando que o Modelo Triádico


de Enriquecimento encoraja jovens talentosos a aplicarem sua
capacidade, criatividade e comprometimento com a tarefa na
solução de problemas de sua escola ou de sua comunidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LANDAU, E. A coragem de ser superdotado. São Paulo: CERED, 1990.

MEC. Secretaria de Educação Especial. Subsídios para a organização e funciona-


mento de serviços de educação especial: Área de Altas Habilidades. Brasília:
MEC/SEESP, 1995.

_________. Saberes e práticas da inclusão: altas habilidades, superdotação.


MEC/SEESP, 2004.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 129


METTRAU, M.B. A representação social da Inteligência e os portadores de altas
habilidades. In: Mettrau, Marsyl Bulkool (org.). Inteligência Patrimônio
Social. Rio de Janeiro: Dunya Ed., 2000.
RATHS, L. E. et al. Ensinar a Pensar: teoria e aplicação. 2. ed. São Paulo: EPU,
1977.
RENZULLI, J.S. The three ring Conception of Giftedness: a Developmental Model
for Creative Productivity. In: Sterberg, R. J.; Davidson, J.E. Conceptions of Gif-
tedness, New York: Cambridge Universisty Press,1986.
RENZULLI, J. S. O que é esta coisa chamada superdotação, e como a desenvol-
vemos? Uma retrospectiva de vinte e cinco anos. Educação. Tradução de
Susana Graciela Pérez Barrera Pérez. Porto Alegre, RS, ano XXVII, n. 1, p.
75-121,jan/abr.2004.

130 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


9
AUTISMO: CONCEITO, DIAGNÓSTICO E
QUADRO CLÍNICO.

1
Carla Gruber Gikovate
2
Renata Mousinho

1Neurologista Infantil da Clínica Neurológica Professor Fernando Pompeu,


Mestre em Psicologia, pós-graduanda em Educação Especial. Contato:
www.carlagikovate.com.br.
2Doutora em linguística, Professora da UFRJ, pós-graduanda em Educação

Especial. Contato: renatamousinho@terra.com.br.


INTRODUÇÃO

Em 1943, Leo Kanner chamou a atenção pela primeira vez para


um grupo de crianças que apresentava isolamento social, altera-
ções da fala e necessidade extrema de manutenção da rotina. A
este conjunto de sintomas Kanner denominou autismo.
Nas décadas seguintes o autismo se fortaleceu como uma
entidade diagnóstica e passou a ser estudado por muitos pes-
quisadores. Com o passar dos anos, o conceito de autismo foi se
ampliando e admite-se hoje que existem diferentes graus de
autismo.
Nas primeiras décadas após a descrição inicial de Kanner,
eram considerados autistas somente os indivíduos com grave
comprometimento para a vida diária. Pouco divulgado na oca-
sião, o autismo se tornou relativamente mais conhecido em
1979 com o filme “Meu filho, meu mundo”.
Desde a descrição original até hoje, o conceito de autismo
sofreu grande modificação. Não se entende mais o autismo
como uma doença específica e sim como um conjunto de sinto-
mas e dificuldades que causam prejuízo qualitativo na intera-
ção social, dificuldade na comunicação verbal e repertório res-
trito de interesses e atividades.
Estes sintomas foram classificados por Wing (1979) em três
grandes grupos definidos como o tripé dos sintomas autísticos.
Para que alguém receba o diagnóstico de autismo é neces-
sário haver comprometimento dos três pés do tripé acima e que
os sintomas tenham tido início antes dos três anos de idade.
Não é necessário que o comprometimento seja de igual intensi-

132 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


dade para cada grupo, isto é, para uma determinada criança
pode haver um comprometimento mais intenso da comunica-
ção do que da sociabilidade. Mas é fundamental que para se
falar em autismo exista comprometimento nos três grupos.

Falha na interação
social recíproca

Comprometimento da imaginação Dificuldade na comunicação


Comportamento e interesses verbal e não-verbal
repetitivos

Tripé do Espectro Autístico

Se considerarmos cada um dos pés do tripé separadamente,


é possível visualizar os diferentes graus de acometimento possí-
veis.
Se utilizarmos como exemplo a falha na interação social
recíproca, poderemos encontrar graus variáveis de acometi-
mento, desde o mais severo, com isolamento social total
(“como se estivesse em outro mundo”) até um acometimento
mais leve, no qual a pessoa estabelece espontaneamente con-
tatos sociais mas de uma forma particular, ingênua e estranha
(se comparada aos pares).
O mesmo pode ser dito com relação à dificuldade de comu-
nicação. Quando o acometimento é severo, encontramos uma
pessoa sem linguagem funcional (verbal e não-verbal) e que não
inicia um episódio de comunicação. Porém, quando o acometi-
mento da comunicação é leve, poderemos estar diante de uma
pessoa com vocabulário e gramática intactos, mas com entoação
estranha (prosódia), dificuldade para “bater um papo” e com
prejuízo na compreensão da linguagem figurada (metáforas,
piadas, provérbios).

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 133


Já no comprometimento da imaginação com repertório
restrito de interesses e atividades, um prejuízo severo pode ser
representado por grande dificuldade com mudanças de rotina
acompanhada por reações comportamentais drásticas diante
de fatos inesperados ou da quebra de uma expectativa. Nestes
casos, é comum a presença de manias motoras como os movi-
mentos corporais repetitivos (estereotipias), tendência à repeti-
ção de assuntos ou brincadeiras e a impossibilidade de brincar
de maneira criativa (criando estórias, falando pelos bonecos ou
reproduzindo através de cenas situações familiares). Já nos
casos em que o comprometimento da imaginação e a tendência
à repetição são leves, poderemos encontrar situações nas quais
o sujeito já consegue lidar com mudanças, apesar de ainda ser
alguém metódico e com franca preferência pelo seguimento da
rotina. Mesmo quando a pessoa mantém interesses mais restri-
tos, isto não a impede de realizar atividades variadas e de flexi-
bilizar conforme as necessidades do dia-a-dia.
É, portanto, fundamental, entendermos que o autismo
hoje é considerado uma síndrome comportamental na qual
encontramos um leque de gravidade para o conjunto dos sinto-
mas. Esta é a base do conceito de espectro autístico no qual
entendemos que existem diferentes graus de severidade para
as pessoas com sintomas do tripé descrito por Wing, estando
em um extremo do espectro os quadros severos (autismo não-
verbal) e no outro extremo os quadros leves (como a desordem
de Asperger ou de Transtorno Invasivo Não Especificado, que
explicaremos a seguir). Entre esses dois extremos são encontra-
dos os graus intermediários de autismo.
Em termos de nomenclatura, autismo é considerado pelo
DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder
da Associação Americana de Psiquiatria) como um transtorno
invasivo do desenvolvimento-TID (ou, em inglês, Pervasive
Development Disorder–PDD). Esta categoria pressupõe a pre-
sença de um desvio no desenvolvimento típico (e não somente
um atraso), sendo necessário apresentar sintomas dos três pés
do tripé descrito anteriormente para pertencer a este diagnós-

134 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


tico (TID ou PDD). Na prática, é possível utilizar Transtorno Inva-
sivo do desenvolvimento e Espectro Autístico como sinônimos,
sabendo que o primeiro é o nome que faz parte da classificação
oficial atualmente.

ESPECTRO AUTÍSTICO
As

lal o
Autismo

ia)
(e tism
pe

(verbal)
rg

Au
co
er

Se
m o )
tism erbal
Es o
p e u tr a
cif
ica
u
A o-v
(nã
ção

O termo autismo deve ser reservado para as situações no qual


existe um atraso na aquisição da fala, além do restante do tripé.
Quando não existir atraso na aquisição de fala, com o restante do
tripé presente, devemos falar em desordem de Asperger.

Para muitos especialistas em autismo, como Attwood


(1998), a distinção entre autismo leve e Desordem de Asperger
não é tão clara como o DSM-IV propõe, uma vez que uma crian-
ça com critério para autismo e que não fale nada com três anos
pode evoluir e se tornar tão funcional (ou mais) quanto uma
outra criança que não demonstrou atraso para falar (e portanto
classificada como Asperger). Com seis anos as duas crianças des-
te exemplo podem apresentar quadros semelhantes não sendo
possível dizer quem tem Asperger ou quem tem autismo mais
leve.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 135


Outro diagnóstico também classificado como transtorno
invasivo do desenvolvimento pelo DSM-IV é o chamado trans-
torno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação (ou
em inglês PDDNOS). Esta nomenclatura deve ser utilizada nos
casos em que o tripé está presente, mas de forma frustra, ou
seja, não apresentando critério suficiente para nomear como
Autismo ou Asperger. A maior parte das pessoas com diagnósti-
co de PDDNOS apresenta sintomas mais leves do que os classifi-
cados como Autismo ou Asperger. Porém, é importante ressal-
tar que na literatura médica não existe um limite preciso entre
estes quadros, sendo possível alguém receber de um especialis-
ta o diagnóstico de Asperger e, de outro, de PDDNOS.
Apesar de todo o esforço no sentido de aprimorar os critérios
diagnósticos do transtorno invasivo do desenvolvimento, o grupo
formado a partir de crianças que satisfazem o DSM-IV para autis-
mo ainda é extremamente heterogêneo. Existem crianças que
falam frases e crianças que não falam nenhuma palavra. Existem
crianças que aprenderam sozinhas a ler com três anos e outras
que nunca conseguirão se alfabetizar. Existem crianças com
desenvolvimento motor normal e outras que só andaram com
quatro anos. Existem crianças com alguma deficiência associada
(surdez ou cegueira, por exemplo) e outras sem nenhuma defi-
ciência sensorial. Existem crianças com diferentes doenças associa-
das e outras sem qualquer patologia concomitante. Todos serão
classificados como autistas apesar da evidente diferença do qua-
dro clínico.
Hoje, levando-se em conta as modificações conceituais e a
maior divulgação na imprensa do que é autismo, os estudos
científicos estimam que 1 em cada 100 crianças nascidas estaria
no espectro autístico (Baird, 2006). Este dado torna o autismo
uma das patologias mais comumente encontradas no desenvol-
vimento infantil.

136 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


QUAL A CAUSA DO AUTISMO?

Inicialmente, foi valorizada a hipótese de que o autismo era


causado por fatores psicológicos e de que os pais eram respon-
sáveis pelo surgimento do quadro clínico. A afirmativa da oca-
sião era a de que os pais apresentavam um comportamento frio
e obsessivo com os seus filhos e que isto causava o autismo. Com
o passar do tempo, essa hipótese foi posta de lado pela literatu-
ra médica e atualmente se considera o autismo como uma
desordem neurobiológica.
Apesar de ainda não existir uma explicação completa de
como funciona a neurobiologia do autismo, existem hoje evi-
dências incontestáveis de que se trata de um problema biológi-
co e não psicológico.
Dentre as inúmeras evidências podemos citar a correlação
do autismo com determinadas doenças, o fato de 25% dos
autistas apresentarem crises convulsivas e o fato de 90% das cri-
anças do espectro autístico, entre 2 e 4 anos de idade, apresen-
tarem cérebros de maior volume e peso do que os controles
(Aylward, 2002). As pesquisas na área de genética também
reforçam a hipótese biológica do autismo. London (1999) relata
que o índice de concordância de autismo entre gêmeos mono-
zigóticos é de 60%, enquanto nos dizigóticos é de apenas
5-10%. Estes dados demonstram que os gens têm um papel
importante neste panorama. Porém, o fato de a concordância
não ser de 100% nos monozigóticos demonstra que os genes
não são o único fator envolvido.
Na literatura médica estão descritas inúmeras doenças e
alterações genéticas que sabidamente se correlacionam com a
presença de sintomas de autismo. Dentre elas podemos citar a
síndrome de rubéola congênita, anomalias de formação do
cerebelo, esclerose tuberosa, síndrome de Rett, síndrome de
West e síndrome do X-frágil. A lista de situações e patologias
relacionadas com o autismo é muito mais extensa do que estes
poucos exemplos relatados e, a cada semana, novos casos são
publicados e novas associações são relatadas.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 137


Apesar disto, é importante que fique claro que não existe
exame complementar capaz de comprovar se a criança tem
autismo. O diagnóstico de autismo se baseia somente em dados
clínicos (história e observação do comportamento). Os exames
complementares permitem apenas investigar a presença de
doenças que estão comumente associadas com autismo.
Já os exames para investigar possíveis causas genéticas
para um determinado quadro de autismo devem receber espe-
cial ênfase, uma vez que podem gerar dados úteis para uma
família que deseja ter mais filhos.
Mas é fundamental que fique claro que, mesmo nas situa-
ções em que se encontra uma determinada doença como base
do autismo, isto não traz uma modificação na forma de tratar.
Além disto, é importante reafirmar que na maioria dos casos não
se consegue encontrar qualquer doença associada com o quadro
de autismo, apesar da utilização de todos os exames comple-
mentares disponíveis (radiológicos, metabólicos ou genéticos).

QUADRO CLÍNICO

Hoje, considera-se que as características do autismo podem surgir


desde os primeiros meses de vida ou após um período de desen-
volvimento inteiramente normal, com regressão do desenvolvi-
mento, em geral, após 15 meses de vida (porém, com o início dos
sintomas antes de 36 meses). Este segundo quadro é denominado
autismo regressivo e corresponde a 30% dos casos, sendo 70%
dos casos já com sintomas desde o nascimento.
Na maioria das vezes, a preocupação inicial dos pais é com
o fato de a criança estar demorando muito para falar. Relatam
que a criança parece não ouvir quando é chamada, o que levan-
ta a possibilidade de não escutar bem. Mas, em outros momen-
tos, responde a barulhos distantes, deixando dúvida com rela-
ção à audição. No grupo de crianças que apresentam um perío-
do de desenvolvimento normal, os pais relatam que a criança
foi gradativamente parando de falar as palavras que já havia
adquirido e se tornando mais isolada e distante.

138 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Porém, a dificuldade na comunicação não se restringe
somente à fala. A criança não se utiliza de gestos para compen-
sar a falta da fala. Não “dá tchau” e não aponta para o que
quer. Se necessitar de algo, pega a mão de alguém e a leva até o
que deseja (ou necessita).
Paralelamente às alterações na comunicação, a criança
parece desligada do meio. Sua resposta aos estímulos externos
é inconsistente e imprevisível. Pode não responder a inúmeros
chamados do seu nome, mas perceber uma sirene bem longe. É
extremamente difícil chamar a sua atenção para algo que ela
não escolheu, principalmente se estiver entretida com alguma
outra coisa. É capaz de ficar muito tempo com a atenção manti-
da em atividades aparentemente sem sentido, como olhando
para um ventilador rodando.
Algumas crianças apresentam agitação e pavor diante de
situações específicas como determinados estímulos auditivos
(barulho de fogos de artifício, aspirador de pó ou liquidifica-
dor) ou táteis (contato com determinados tecidos ou etiquetas
de roupas). O ato de cortar o cabelo ou as unhas é outro fator
que com frequência desencadeia reações adversas em crianças
com transtorno invasivo do desenvolvimento.
É marcante a dificuldade para fazer amigos e para respon-
der a brincadeiras interativas como de esconde-esconde. Nem
sempre retribui um sorriso e faz pouco contato com o olhar
(isto não quer dizer que os autistas nunca olhem no olho).
A criança apresenta interesses e manias pouco comuns.
Mostra grande atração por objetos que rodam e escolhe como
“brinquedo” preferido coisas incomuns como barbantes ou cai-
xas de papelão. Manipula estes objetos de forma extremamen-
te repetitiva, e assim pode permanecer por horas. Demonstra
desconforto com mudanças no dia-a-dia que vão desde a troca
de lugar de algum objeto da casa até mudanças de percurso. É
marcante a necessidade de seguir uma rotina. A quebra desta
rotina pode desencadear um comportamento agitado no qual
a criança se recusa a ir em frente enquanto não se retorne ao
padrão antigo. Como exemplo deste fato, uma mãe relata que

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 139


sua filha (portadora de autismo) todos os dias pegava determi-
nado ônibus de cor amarela para ir à escola. Num determinado
momento, os ônibus desta linha trocaram de cor e era impossí-
vel fazer com que a criança subisse no ônibus. Algumas crianças
fazem questão de andar sempre do mesmo lado da calçada ou
comer sempre os mesmos alimentos. O brincar muitas vezes se
mostra rígido e repetitivo, alinhando os objetos ou colocando e
retirando algo de uma caixinha. A criança pode passar horas
decorando mapas e lista telefônica. Estas características foram
muito bem mostradas no filme Rain Man, no qual o ator Dustin
Hofman interpreta um autista já adulto. Aproximadamente
10% dos autistas apresentam alguma habilidade especial seja
para memorizar, desenhar ou tocar um instrumento.
Para completar o quadro, a criança frequentemente apre-
senta movimentos corporais repetitivos (estereotipias) como,
por exemplo, um balanço do tronco para frente e para trás, um
movimento de bater asas ou de balançar as mãos, sobretudo
quando estão agitados, seja por animação ou desagrado.

O TRATAMENTO DO AUTISMO

Apesar de não haver um tratamento curativo para o autismo,


sabe-se hoje que algumas técnicas comportamentais e educaci-
onais trazem algum benefício quando iniciadas precocemente.
O ideal é que tais intervenções sejam iniciadas antes dos quatro
anos de idade.
Atualmente, considera-se fundamental que a criança com
autismo viva em um ambiente estruturado, no qual as regras
devem ser claras e constantes. A criança precisa saber o que se
espera dela.
Igualmente importante é reduzir o número de fatores ines-
perados no dia-a-dia da criança. O imprevisível muitas vezes é a
causa de um ataque de birra. A criança deve ser preparada para
modificações na sua rotina.
Frequentemente, a criança com autismo tem mais facilida-
de para compreender as informações apresentadas visualmen-

140 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


te do que as apresentadas verbalmente. O ideal é colocar na
parede um quadro com o esquema das atividades do dia e utili-
zar fotos ou desenhos que demonstrem a ordem em que as coi-
sas devem acontecer. Por exemplo, a primeira foto mostra a
mesa do café da manhã, a segunda a escova de dentes, a tercei-
ra a piscina onde a criança fará natação, assim por diante. Entre
cada atividade, a criança deve ser levada ate o quadro para criar
o hábito de procurar qual é a próxima atividade.
Inúmeras outras modificações e intervenções foram descri-
tas com o objetivo de melhorar os sintomas do autismo. Todas
elas, no entanto, demonstram melhor resultado quando inicia-
das em crianças com baixa idade.
Por esse motivo, é FUNDAMENTAL que o diagnóstico seja
feito o mais rápido possível, daí a importância de estarmos sem-
pre atentos e lembrarmos que: autismo não é raro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ATTWOOD, T. Asperger’s Syndrome: a guide for parents and professionals. Lon-
don – Philadelphia: Jessica Kingsley Publishers, 1998. 223 p.
AYLWARD, E. H.; MINSHEW, N. J. et al. Neurology 59: 175-183, 2002.
American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorder, Fourth Edition. Washington, DC: APA,1994.
BAIRD, G.; SIMONOFF, E. et al. Lancet, 368-July 15: 210-216, 2006.
KANNER, L. Autistic disturbances of affective contact. Nervous Child. 2, 217-150,
1943.
MESIBOV, G.; ADAMS, L.; KLINGER, l. G. Autism: understanding the disorder.
New York: Plenum Press, 1997.
RAPIN, I. Autistic children: diagnosis and clinical features. Pediatrics, Supple-
men, 751-760, 1991.
RAPIN, I.; KATZMAN, R. Neurobiology of autism. Annals of Neurology. 43, 7-14,
1998.
WING, L.; GOULD, J. Severe impairments of social interaction and associated
abnormalities in children: Epidemiology and classification. Journal of Autism
and Developmental Disorder. 9,11-29.1979.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 141


10
A INCLUSÃO EDUCACIONAL DE ALUNOS COM
TRANSTORNOS INVASIVOS DO
DESENVOLVIMENTO

1
Dayse Serra
2
Junia Vilhena

1Doutora em Psicologia, Mestre em Educação, Psicopedagoga especializada em


educação de alunos com autismo, professora universitária, pesquisadora. Con-
tato: dayseserra@terra.com.br.
2Psicanalista. Doutora em Psicologia Clínica. Professora do Programa de Pós-Gra-

duação em Psicologia Clínica da PUC-RJ. Coordenadora do Laboratório Interdisci-


plinar de Pesquisa e Intervenção Social – LIPIS – da PUC-RJ. Bolsista da CAPES. Pes-
quisadora da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamen-
tal. Pesquisadora correspondente do Centre de Recherches Psychanalyse et Méde-
cine, CRPM-Pandora. Université Denis-Diderot Paris VII.
INTRODUÇÃO: CADA TERMO EM SEU LUGAR

A proposta de escrever sobre a inclusão educacional dos alunos


com TID3 em classes regulares é instigante, pois se a inclusão edu-
cacional de alunos com necessidades educacionais especiais ain-
da é algo muito recente em nossa sociedade, ainda mais é a
inclusão de alunos com TID. Além de polêmica, representa, sem
dúvida, um desafio para todos os profissionais da Educação. A
singularidade e, ao mesmo tempo, a diversidade de conceitos
sobre os transtornos, nos faz em percorrer caminhos ainda des-
conhecidos e incertos sobre a melhor forma de educar estas cri-
anças e sobre o que podemos esperar efetivamente de nossas
intervenções pedagógicas (Serra, 2004, 2008).
A diversidade conceitual sobre os transtornos invasivos e
sobre quando poderíamos considerar de fato um aluno PNEE4
incluído torna necessária, acreditamos, a definição das categorias
e das concepções que utilizaremos neste capítulo. Iniciemos pelo
esclarecimento que o termo TID é um termo geral compreendido
pelos seguintes subgrupos: autismo, Síndrome de Rett, transtor-
nos desintegrativos da infância, Síndrome de Asperger e transtor-
no invasivo do desenvolvimento não-específico. Para este capítulo
em especial, abordaremos a inclusão dos alunos que possuem
autismo e Síndrome de Asperger.

3TIDé a sigla comumente utilizada para Transtornos Invasivos do Desenvolvi-


mento.
4PNEE é a sigla utilizada pelos sistemas oficiais para designar Portadores de

Necessidades Educacionais Especiais.

144 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Desde que em 1943 Léo kanner publicou o trabalho Autistic
Disturbances of Affective Contact, foram criados muitos critérios
de diagnósticos diferentes (DSM-III, DSM-III-R e DSM-IV, CID 10,
CARS – The Childood Autism Rating Scale – e ABC – Autism Beha-
vior Checklist) e o mais utilizado para tratar o autismo em pesqui-
sas, por ser um instrumento oficial é o Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders (DSM). O fato do DSM ser um docu-
mento oficial não nos garante que estejamos diante da verdade
sobre o autismo, pois o diagnóstico varia de acordo com o instru-
mento utilizado e com o profissional que faz a avaliação clínica.
Sendo assim, se uma criança é avaliada por um neurologista, por
um psiquiatra e por um psicólogo, cada profissional poderá apre-
sentar, de acordo com o seu ângulo de estudo e de trabalho, um
olhar diferente e o autista poderá ser considerado um psicótico,
um esquizofrênico ou um portador de transtorno invasivo do
desenvolvimento. Se utilizamos o CID-10, por exemplo, vamos
encontrar a incidência de 5 casos para 10.000 nascimentos. Dentre
os 5 casos, 4 meninos e 1 menina. Mas ao utilizar outras formas de
avaliação e incluir ou retirar características, podemos chegar a 1
caso para cada 150 nascimentos. Há divergências teóricas também
sobre as semelhanças e diferenças entre o autismo e a síndrome
de Asperger e ainda sobre a Síndrome de Asperger e o autismo de
alto funcionamento. Ou, seja, como se classificam os autistas que
possuem habilidades especiais? Os nomes ou os “rótulos” varia-
rão de acordo com a abordagem teórica, e como não é a proposta
deste texto estabelecer a diferenciação entre um e outro, traba-
lharemos com o fato de que Autismo e síndrome de Asperger são
entidades diagnósticas do TID nos quais ocorre uma ruptura nos
processos de socialização, comunicação e imaginação, comprome-
tendo o aprendizado, antes dos três anos de idade.
A literatura sobre inclusão também apresenta uma grande
diversidade de conceitos. Para uns autores, por exemplo, inclu-
são e integração teriam o mesmo sentido (Nunes, 2000; Silva,
2004), mas nos documentos oficiais encontramos a inclusão
como uma evolução da integração, visto que na integração o
aluno é quem deveria se adaptar ao sistema escolar e caberia aos
sistemas educacionais oferecer o acesso. Em contrapartida, a
inclusão envolveria uma gama de alterações no ambiente e nas

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 145


práticas pedagógicas para favorecer o desenvolvimento do edu-
cando (MEC, 2001). Encontramos nas pesquisas de Santos (2004)
uma abordagem que consideramos satisfatória para a promoção
da inclusão educacional de alunos com deficiência, em especial a
dos alunos com TID. Para Santos (2004) a inclusão não pode se
resumir exclusivamente à inserção desses alunos em escolas
regulares. A inclusão deve ser definida a partir de uma educação
de qualidade que contemple pessoas com deficiência em qual-
quer nível de ensino. Por educação de qualidade entendemos
aquela que garantirá aprendizagem e desenvolvimento aos
seres humanos. A inclusão envolve a participação democrática
do Estado, comunidade escolar e local, familiares e, principal-
mente, os alunos.
Uma vez definidos os termos e as concepções utilizados no
texto, o capítulo pretende abordar os processos de inclusão dos
alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento, especifi-
camente dos que apresentam autismo e síndrome de Asperger,
em todos os níveis de ensino, ou seja, da Educação Infantil ao
Ensino Superior, apresentando ainda o que a literatura pesquisa-
da informa sobre as condições para a efetivação de uma educa-
ção inclusiva favorável ao desenvolvimento desses alunos.

TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO E


INCLUSÃO

Ainda que os transtornos invasivos do desenvolvimento sejam


mais frequentemente estudados pela medicina e pela psicolo-
gia, a educação pode e deve ser usada como técnica para a pro-
moção do desenvolvimento dos alunos com TID. Os objetivos
educacionais variam de acordo com o quadro clínico e o perfil
de cada sujeito, mas, normalmente, quando há prejuízos signi-
ficativos na cognição, tais objetivos giram em torno de adquirir
as habilidades básicas, especialmente as habilidades de comuni-
cação, interação social, imaginação e autonomia. A educação é,
portanto, indispensável no atendimento às crianças com TID e
cabe-nos discutir modelos, programas e as melhores formas de
educá-los.

146 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


A referência à educação como intervenção nos faz pensar na
necessidade de levar as crianças com autismo até a escola, para
que, em ambientes inclusivos ou não, estas crianças possam se
desenvolver do ponto de vista educacional. No entanto, a inclusão
escolar de crianças especiais de um modo geral e dos alunos com
autismo em particular ainda caminha lentamente, provavelmente
porque carregamos as marcas da história do processo de exclusão
educacional e porque nem sempre estamos verdadeiramente pre-
parados para educar alunos com necessidades educacionais espe-
ciais. É importante ressaltar que a inclusão não é o único modelo
de educação para os indivíduos com TID e a decisão de incluir deve
ser bastante criteriosa. O sujeito não pode ser o único elemento a
ser considerado nesta decisão, mas o ambiente escolar e a família
também devem ser considerados e devidamente orientados. As
políticas públicas ainda precisam caminhar a passos largos para
promover o atendimento educacional com qualidade e a forma-
ção de professores que de fato permitam uma intervenção peda-
gógica consistente.

O sistema educacional que se oporia às ideias inclusivas


seria a modalidade Educação Especial. Nos documentos oficiais
(1994, 2001) ele é definido como:

“o processo educacional definido em uma proposta


pedagógica que assegura recursos e serviços especiais,
organizados institucionalmente para promover o desen-
volvimento das potencialidades dos alunos com necessi-
dades especiais em todas as etapas da educação básica e
que poderá muitas vezes, substituir plenamente os servi-
ços educacionais comuns para estas crianças”.

Os serviços de Educação Especial podem ser oferecidos, de


acordo com a legislação vigente, em classes especiais, classes hos-
pitalares e em ambiente domiciliar, enquanto que a Educação
Inclusiva deve ser oferecida em toda a rede regular de ensino,
pública ou privada, e além do acesso à matrícula, devem assegu-
rar as condições para o sucesso escolar de todos os alunos.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 147


Para Suplino (2005) mesmo os educadores que, por vezes,
já ouviram sobre o autismo, ignoram as discussões sobre sua
gênese e não estão familiarizados com as principais característi-
cas deste transtorno. A manifestação dos comportamentos
estereotipados por parte das pessoas com autismo é um dos
aspectos que assume maior relevo no âmbito social, represen-
tando um entrave significativo para o estabelecimento de rela-
ções entre as mesmas e seu ambiente. Torna-se provável, por-
tanto, que a exibição desses comportamentos traga implicações
qualitativas nas trocas interpessoais que ocorrerão na escola
porque, como lembra Omote (1996), “as diferenças, especial-
mente as incomuns, inesperadas e bizarras, sempre atraíram a
atenção das pessoas, despertando, por vezes, temor e desconfi-
ança” (p. 05).
Walter (2000), durante a sua pesquisa com crianças autis-
tas, observou que alguns métodos educacionais vêm sendo
apontados como satisfatórios para o desenvolvimento de crian-
ças tão comprometidas, como é o caso dos sujeitos com autis-
mo, entretanto, ainda há uma resistência por parte das escolas
em aceitar estas crianças em função de suas características,
especialmente a hiperatividade, a agressividade e as dificulda-
des com a comunicação. De fato, conhecer quais são as caracte-
rísticas da criança autista e com TID em geral é um ponto inicial
indispensável para a organização de qualquer programa edu-
cacional. É importante também atentar para os riscos das classi-
ficações, pois, para Vilhena (2006, 2003), é necessário entender
o que leva o homem a conceber como inferior o que dele dife-
re. Em situação análoga ao que ocorre na recriação do significa-
do de perigo em relação ao favelado, aos negros, aos homosse-
xuais, o relacionamento com a deficiência representa um peri-
go em potencial da quebra de ilusão de norma e ordem.
Se estamos diante de um sujeito repleto de diversidades,
seria um absurdo oferecer um “pacote educacional” para autis-
tas e mais ainda procurar “normalizá-los”, seja através das opor-
tunidades de inclusão ou de técnicas padronizadas de treina-
mento comportamental. Apesar de toda a exigência dos gover-

148 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


nos para a promoção da inclusão educacional e da inclusão pela
“força da lei”, existem hiatos tão largos quanto profundos entre
as políticas e as práticas que serão discutidos ao longo deste tra-
balho. Um dos princípios que deve reger a decisão de incluir
uma criança com TID é a disposição para promover todas as
adaptações curriculares de pequeno e de grande porte. Isto
inclui a adaptação dos objetivos educacionais, dos recursos, das
estratégias didáticas, da temporalidade e da avaliação da apren-
dizagem. É preciso garantir o acesso e a permanência dos alunos
para repudiar a “inclusão de estatística“ representada por gráfi-
cos com vultosos dados numéricos de alunos com necessidades
educacionais especiais matriculados, mas sem uma avaliação
qualitativa dos efeitos da inclusão sobre estas crianças.
A inclusão envolve a participação democrática de todos e
isto inclui a participação efetiva do Estado, professores, familia-
res, alunos etc. A inclusão não pode ocorrer através de um
manual ou pela força de documentos políticos. Envolve cultu-
ras, políticas e práticas pedagógicas, e, neste caso, não só a
diversidade do sujeito, mas também a diversidade do contexto
deverá ser considerada, já que os princípios culturais vão orien-
tar as decisões políticas e as práticas pedagógicas. A construção
de valores sobre a inclusão é um processo cultural. Para Vilhena
e Zamora (2002), a individualidade e as necessidades de cada
um são trocadas, muitas vezes, pelas características de um gru-
po, uma forma de classificar para excluir. As pessoas deixam de
ser pessoas para ser massa, e a escola acaba cumprindo este
papel quando categoriza todos os alunos que possuem alguma
deficiência no rol dos portadores de necessidades educacionais
especiais sem muitas vezes observar as necessidades de cada um
como indivíduo. Em Vilhena (2007) é possível verificar que a
desumanização envolve categorizar um grupo como não
humano e para isto a sociedade se utiliza de categorias, sempre
com conotações negativas que inferiorizam o indivíduo.
Quanto às práticas pedagógicas, para que se efetivem, é
necessário que haja a garantia do funcionamento administrati-
vo que garanta o planejamento e a execução das propostas

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 149


pedagógicas pela mobilização de recursos dentro da instituição
e das comunidades escolares. As aulas precisam, acima de tudo,
ser acessíveis a todos os alunos com deficiência.

A IMPORTÂNCIA E A REALIDADE DAS PRÁTICAS


PEDAGÓGICAS

Os estudos sobre diagnóstico e intervenção precoces no campo


das deficiências ganham cada vez mais importância no cenário
acadêmico. Historicamente os Transtornos Invasivos do Desenvol-
vimento manifestam-se antes dos três anos de idade, mas nem
sempre o diagnóstico ocorre tão cedo. Já é possível identificar o
autismo e a Síndrome de Asperger precocemente e no âmbito
educacional podemos afirmar que isto potencializa a importância
da Educação Infantil. Muitas vezes são os professores deste seg-
mento que sinalizam para os pais que o desenvolvimento da cri-
ança precisa ser observado de forma mais específica. É natural
que, diante de um grupo de crianças, os desvios do desenvolvi-
mento tornem-se mais evidentes do que em casa, quando muitas
vezes não se tem a possibilidade de uma comparação com o
desenvolvimento típico. A perspectiva desenvolvimentista, por
exemplo, considera o desenvolvimento como uma construção a
partir especialmente das práticas sociais e não pode existir intera-
ção sem linguagem e comunicação. Esta abordagem tem sido
especialmente importante para as pesquisas sobre intervenção
precoce no autismo. A intervenção precoce consiste em proporci-
onar à criança, através de intervenções específicas, habilidades
que permitam seguir o curso do desenvolvimento típico. Dentre
outras possibilidades, a intervenção percorreria o caminho da lin-
guagem que o desenvolvimento atípico não permitiu que a crian-
ça fizesse normalmente. Em todos os programas de intervenção a
participação da família é apontada como algo crucial, e atualmen-
te encontramos na literatura programas comprovadamente efici-
entes (Klinger e Dawson,1992; Greenspan e Wieder, 2000; Prizant,
Wetherby e Rydell, 2000).

150 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Em torno de 70% dos sujeitos que possuem Transtornos
Invasivos do Desenvolvimento possuem também retardo mental
associado. O grupo que possui a cognição preservada parcial ou
totalmente prossegue a vida escolar, com as devidas adaptações
curriculares, a aprendizagem ocorre e as dificuldades se manifes-
tam mais intensamente no relacionamento interpessoal (Gaude-
rer, 1987). No Ensino Fundamental e no Ensino Médio as propos-
tas pedagógicas inclusivas nem sempre são possíveis. Entre a sus-
peita dos pais, a confirmação do diagnóstico e a aquisição de
uma vaga na rede de ensino, leva-se em média, na melhor das
hipóteses, 8 anos, e é normalmente com essa idade que as esco-
las recebem os alunos para ainda iniciar a avaliação psicopeda-
gógica e planejar as intervenções. Muitas vezes, a abordagem
utilizada é a comportamental e a aprendizagem é sinônimo de
condicionamento do comportamento (Serra, 2008).
Para Lobo (1997) o crescimento da rede pública do ensino
regular, ainda que tenha sido insuficiente para absorver toda a
população em idade escolar, apenas acelerou, paradoxalmente,
o processo de seleção e de exclusão das crianças e jovens. A lite-
ratura sobre o tema apresenta posições antagônicas. Rocca
(2005) acredita que a inclusão é uma filosofia e não uma meto-
dologia, e que a criança autista deve usufruir da educação em
um ambiente intensivo de aprendizagem. Isto pode ocorrer
dentro ou fora de uma classe inclusiva, ou ainda de uma forma
intermediária entre ambas as propostas. O que definirá em
qual das propostas a criança estará serão as próprias caracterís-
ticas do indivíduo e as condições da escola. Rocca (2005) aponta
que uma das condições para a inclusão é a presença de um pro-
fessor assistente ou facilitador, pois nem sempre é possível con-
tar com um professor ou técnico com formação, e o comum é
poder contar com estagiários dos cursos de Pedagogia, Psicolo-
gia ou Fonoaudiologia. Para o autor, a inclusão deve receber o
apoio do ABA, um método de abordagem comportamental no
qual a aprendizagem ocorre por um condicionamento
estruturado, e para isto, nesses momentos, a criança recebe o
treinamento fora da sala regular (Burak, 1997; Sperry, 1997).

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 151


A filosofia de inclusão total adotada pela Medical School,
da Universidade da Carolina do Norte, preconiza que todos os
alunos devem ser educados nas mesmas condições e nos mes-
mos ambientes e que o encaminhamento para a educação
especial deve ser evitado. No entanto, embora os valores dessa
filosofia sejam louváveis, pesquisas mostram que há muito pou-
ca evidência de sucesso nessa proposta para suportar esta defi-
nição de inclusão total para alunos com autismo (Walter, 2002;
Nunes, 2004). As mesmas pesquisas apontam que alunos autis-
tas não conseguem obter sucesso quando as condições não são
adaptadas às suas características. Há denúncias graves que rela-
tam que a experiência da inclusão sem as devidas adaptações,
paradoxalmente, pode ser a mais excludente das práticas. Alu-
nos autistas não aprendem sem um devido suporte. Eles possu-
em uma forma própria e se optarmos por uma educação inclusi-
va, ela precisará, antes de tudo, respeitar esta identidade da cri-
ança e a flexibilidade deverá ser crucial para o sucesso dos pro-
gramas (Burak, 1997; Sperry, 1997). A maioria se beneficiará se
utilizarmos uma criteriosa mistura dos dois programas: contex-
to individualizado e sala regular (Rocca, 2005), e tudo começa
com uma avaliação do aluno.
Doherty (1996) faz duras críticas à inclusão total para alu-
nos autistas. O autor afirma que aqueles que advogam a inclu-
são total na sala de aula regular fariam melhor se escutassem os
observadores daquilo que vem acontecendo nas escolas “inclu-
sivas”. Nesta perspectiva, a inclusão é uma filosofia, um princí-
pio moral, que, quando é levado a cabo sem contemplar as
necessidades da criança, pode ser contraproducente, perde-se
um tempo importante e deixa-se de aplicar técnicas individuali-
zadas interessantes. O autor acrescenta que, no caso do autis-
mo, a inclusão não é tão favorável quanto parece nos discursos
dos sistemas. Considera que em alguns casos chega a ser consi-
derada uma prática abusiva e o impedimento de uma criança
receber uma educação de verdade.
Há de existir um meio termo entre a inclusão total e a repulsa
dela. Burak (1997) afirma que tudo o que não pode ocorrer é que
a inclusão se torne exclusão com uma permanência da criança
improdutiva na escola. Isto, sim, seria abusivo, mas, quando é feita

152 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


com critérios, com flexibilidade e com o uso de um programa de
apoio (ela propõe o ABA), a inclusão pode dar certo.
Cutler (2000) destaca que é possível encontrar diferenças
de posicionamentos entre escolas particulares e públicas sobre
a inclusão dos autistas e que, como a inclusão séria e responsá-
vel é algo com custo elevado, é possível encontrar posiciona-
mentos muito diferenciados entre estes dois setores.
As dificuldades para efetivar a inclusão educacional atra-
vessa todos os segmentos de ensino e quando o assunto é o
ensino universitário não é diferente. Não existe universidade
“especial” e, a princípio, todas deveriam ser inclusivas. Quando
um aluno com necessidades educacionais especiais chega ao
terceiro grau, ainda que ele tenha frequentado uma escola
especial por toda a sua vida escolar, a inclusão ocorre pela força
das circunstâncias e a despeito de qualquer possibilidade de
escolha. O mais comum é que um aluno com deficiências senso-
riais chegue a este nível de ensino, pois a adaptação de recursos
materias e tecnológicos e a presença de intérpretes, no caso de
alunos surdos, podem facilitar a acessibilidade à aprendizagem.
Quando se trata de Autismo e Síndrome de Asperger, as dificul-
dades no relacionamento social, os interesses restritos, a dificul-
dade para compreender metáforas e a linguagem arrogante
podem dificultar sobremaneira a participação social dos indiví-
duos na universidade e a autonomia, que tanto lutamos para
desenvolver ao longo da vida escolar desses jovens, pode dar
lugar a um incômodo isolamento. Os prejuízos típicos da lin-
guagem, que podem ser minimizados, mas não eliminados,
dificultam a compreensão das disciplinas que exigem um nível
maior de abstração e transposição do conhecimento. Apesar da
independência comum ao ensino superior, as diretrizes educaci-
onais dos órgãos oficiais para a Educação Inclusiva passam por
todos os segmentos, inclusive o superior, e os alunos deste seg-
mento também possuem o direito às adaptações curriculares,
inclusive as que dizem respeito à avaliação.
Nunes (2000) ressalta sobremaneira a importância da for-
mação do professor para atuar nas classes inclusivas e é comum
discutirmos tais princípios na formação de professores da Edu-

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 153


cação Básica, e talvez seja o momento de iniciarmos a discussão
na formação do professor do Ensino Superior.

EM BUSCA DE UMA ESCOLA INCLUSIVA PARA PORTADORES


DE TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO
A seguir, apresentamos, segundo Cutler (2000), critérios para
uma flexibilização das escolas e a operacionalização da inclusão
dos portadores de transtornos invasivos do desenvolvimento. A
escola deve conhecer as características do aluno e prover as aco-
modações físicas e curriculares necessárias:
l O treinamento dos profissionais deve ser constante e a
busca de novas informações um ato imperativo.
l Devem-se buscar consultores para avaliar precisamente
os alunos.
l A escola deverá preparar-se, bem como os seus progra-
mas, para atender a diferentes perfis, visto que os autis-
tas podem possuir diferentes estilos e potencialidades.
l Os professores devem estar cientes que inclusive a avalia-
ção da aprendizagem deve ser adaptada.
l É necessário estar consciente de que, para o autismo,
conhecimento e habilidades possuem definições diferentes.
l É preciso analisar o ambiente, evitar situações que tenham
impacto sobre os alunos e verificar que as performances
podem ser alteradas se o ambiente também for.
l A escola deverá prover todo o suporte físico e acadêmico
para garantir a aprendizagem dos alunos incluídos.
l A atividade física regular é indispensável para o trabalho
motor.
l A inclusão não pode ser feita sem a presença de um facili-
tador e a tutoria deve ser individual. Um tutor por aluno.
l A inclusão não elimina os apoios terapêuticos.
l É necessário desenvolver um programa de educação para-
lelo à inclusão (a autora propõe o ABA) e nas classes inclusi-

154 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


vas o aluno deve participar das atividades em que ele tenha
chance de sucesso, especialmente das atividades socializa-
doras.
l A escola deverá demonstrar sensibilidade às necessidades
do indivíduo e habilidade para planejar com a família o
que deve ser feito ou continuado em casa.
l Ao passo que as pesquisas sobre o autismo forem se apri-
morando, as práticas também deverão ser e, por isto, é
importante a constante atualização dos profissionais envol-
vidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muito embora as demandas educacionais inclusivas pareçam


ser irreversíveis, e é bom que seja assim, ainda é necessário que
a sociedade se organize e que a formulação de políticas públi-
cas de educação e saúde integradas aconteçam, pois só assim a
inclusão se tornará uma realidade nas instituições de ensino
públicas e privadas, em todos os níveis de ensino. As discussões
sobre a formação do professor, a acessibilidade no seu sentido
amplo, a participação das famílias no processo educativo de
seus filhos, a ampliação do conceito de inclusão para uma
dimensão social que ultrapasse os muros da escola e o direito à
cidadania devem ser contemplados na elaboração das políticas.

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Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 155


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Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 157


11
DISLEXIA E INCLUSÃO: POSSIBILIDADES DE
ADAPTAÇÕES METODOLÓGICAS E
AVALIATIVAS

1
Renata Mousinho

1Professora
da Faculdade de Medicina, Graduação em Fonoaudiologia/ UFRJ;
Doutora em Linguística/UFRJ. Contato: renatamousinho@terra.com.br.
INTRODUÇÃO

Para entender a dislexia no âmbito da educação inclusiva é neces-


sário rever alguns conceitos, incluindo sua própria definição e o
contexto educacional em que está inserida. A dislexia é um trans-
torno específico de leitura que prejudica a precisão e a fluência de
leitura, podendo prejudicar a compreensão do material lido, o
que repercute em todas as áreas do conhecimento. A escrita fica
igualmente prejudicada provocando falhas frequentes no nível da
ortografia e da redação (Mousinho, 2003).
A Educação Especial passou por diversas etapas em função do
cenário em que estava historicamente inserida. Grandes mudan-
ças ocorreram no final do século XX tanto no Brasil como no mun-
do (Januzzi, 2004). A perspectiva do “deficiente” como um cida-
dão que possui direitos, fruto de movimentos contra a discrimina-
ção, passou a ser um ponto de pauta também no âmbito da edu-
cação. A mudança de enfoque começou a revelar-se: este cidadão
sai do lugar passivo e digno de pena, para aquele ativo, que tem
seu papel na sociedade; a sociedade, incluindo a escola, muda da
posição assistencialista, caridosa, ao aceitar alguém fora de um
padrão esperado, para adaptar-se às possibilidades de quem apre-
senta necessidades especiais.
Um marco histórico nesta perspectiva foi a Declaração de
Salamanca (UNESCO, 1994), estruturada sobre o tripé: preserva-
ção da dignidade humana, busca de identidade e exercício da
cidadania. A educação passa a ter que ser de qualidade para
todos, portanto as escolas deveriam se ajustar às necessidades
de seus alunos. Relevante foi, igualmente, a ampliação do con-

160 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


ceito de necessidades educacionais especiais, passando a incluir
não só crianças portadoras de deficiência, mas também alunos
com qualquer tipo de necessidade educacional especial. É neste
contexto que a dislexia passa a fazer parte, mais claramente, da
discussão sobre inclusão.
No Brasil, a Constituição Brasileira de 1988 defende o direito
à educação e acesso à escola para todos. A LDB (Lei 9394/1996)
propõe que a educação especial aconteça preferencialmente na
rede regular e sugere que a escola se organize para se adequar às
necessidades dos alunos. Neste contexto, a inclusão passa a estar
na pauta de discussão e surge uma questão central: como colo-
cá-la em prática de modo que todos possam aprender, indepen-
dente de suas diferenças? (Fernandes, 2008). Este desafio, que
depende do posicionamento da população, da escola, da capaci-
tação de profissionais, dentre outros, merece o investimento de
todos os cidadãos, em busca de uma sociedade mais justa (Carva-
lho, 1998).
No entanto, falta preparo nas mais diversas áreas, seja de
adaptação do espaço físico, do sistema avaliativo, do currículo.
A capacitação docente é outra questão que emerge. Existe uma
queixa recorrente entre os professores sobre a falta de conheci-
mento sobre como atuar com alunos que precisam de atenção
especial em algum nível (Fernandes, 2008).
O que a escola e o professor podem fazer diante desta rea-
lidade? Como as respostas não estão prontas, há a necessidade
de discussão e organização de seus resultados. O objetivo deste
trabalho é, portanto, sistematizar os resultados da pesquisa
sobre as possibilidades de adaptações para disléxicos em sala de
aula, a partir do ponto de vista dos serviços especializados e dos
professores.

DISLEXIA

A leitura é fundamental para o desenvolvimento humano. Para


que decorra tranquilamente, necessita de alguns requisitos.
Pelo menos nos primeiros anos, a compreensão depende da
fluência (com uma velocidade que não favoreça muitas seg-

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 161


mentações), assim como da qualidade da leitura em termos de
exatidão (precisão, ler as palavras corretamente, sem adivinha-
ções ou trocas). Mas não é só. Para compreender, é importante
extrair significado, correlacionar ao conhecimento de mundo,
realizar inferências, habilidades que devem estar presentes
também na língua oral (Esquema 1).

C
O
F P
M
L R
P
U E
R
Ê C
E
N I
E
C S
N
I Ã
S
A O
Ã
O

EXTRAÇÃO DE
SIGNIFICADO
CONHECIMENTO
DE MUNDO
INFERÊNCIA

Esquema 1: Habilidades de leitura e compreensão.

A dislexia é um transtorno específico da leitura. Portanto,


apesar de o disléxico conseguir interpretar textos oralmente,
frequentemente a precisão e/ou a fluência de leitura estão alte-
rados, prejudicando, secundariamente, a interpretação de tex-
tos lidos, o que pode afetar toda a escolaridade.

Em tradução livre de texto (Lyon, 2003), pode-se dizer que


“Dislexia é um dos vários tipos de problemas de aprendizagem.
Trata-se de uma dificuldade específica de linguagem, de origem
constitucional, caracterizada por dificuldades na decodificação de
palavras isoladas, normalmente refletindo insuficiência do proces-
samento fonológico. Estas dificuldades na decodificação de pala-
vras isoladas são muitas vezes inesperadas em relação à idade e

162 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


outras habilidades cognitivas e acadêmicas; não são o resultado
do desenvolvimento generalizado de incapacidade ou deficiência
sensorial. Dislexia é manifestada por dificuldades linguísticas vari-
adas, incluindo, normalmente, para além das alterações de leitu-
ra, um problema com a aquisição da proficiência da escrita e da
soletração (Januzzi, 2004).”2
A heterogeneidade dentro deste grupo, que atinge cerca de
10% da população, ainda é grande. Além dos vários tipos de disle-
xia, o grau de severidade e as estratégias compensatórias criadas
para tentar superar a dificuldade diferenciam bastante uns dos
outros. De qualquer forma, há características gerais que costu-
mam descrever comportamentos de indivíduos disléxicos, tal qual
pode ser observado abaixo (Mousinho, 2004).
Indicadores
l Possibilidade de atraso de linguagem.
l Dificuldade em nomeação.
l Dificuldade na aprendizagem de música com rimas.
l Palavras pronunciadas incorretamente; persistência de fala
infantilizada.
l Dificuldade em aprender e se lembrar dos nomes das
letras.
l Falha em entender que palavras podem ser divididas
(sílabas e sons).
Dificuldades Básicas
l Dificuldade de alfabetização.
l Leitura sob esforço.

2“Dyslexia is one of several distinct learning disabilities. It is a specific langua-


ge-based disorder of constitutional origin characterized by difficulties in single
word decoding, usually reflecting insufficient phonological processing. These
difficulties in single word decoding are often unexpected in relation to age
and other cognitive and academic abilities; they are not the result of generali-
zed developmental disability or sensory impairment. Dyslexia is manifest by
variable difficulty with different forms of language, often including, in additi-
on to problems with reading, a conspicuous problem with acquiring profici-
encyin writing and spelling.”

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 163


l Leitura oral entrecortada, com pouca entonação.
l Tropeços na leitura de palavras longas e não familiares.
l Adivinhações de palavras.
l Necessidade do uso do contexto para entender o que
está sendo lido.
Desdobramentos com o Avançar da Escolaridade
l Leitura lenta, não automatizada.
l Dificuldade em ler legendas.
l Falta de compreensão do enunciado prejudicando outras
disciplinas.
l Substituição de palavras no mesmo campo semântico
(Ex.: mosca/abelha).
l Substituição de palavras por aproximação lexical atrapa-
lhando a interpretação geral (começa a ler e adivinha o
resto da palavra).
l Dificuldade para aprender outros idiomas.
Alterações na Escrita
l Omissões, trocas, inversões de grafemas – (surdo/sonoro:
p/b,t/d, K/g, f/v, s/z, x/j; em sílabas complexas: paria ao
invés de praia, trita ao invés de trinta) e outros desvios
fonológicos.
l Dificuldade na expressão através da escrita.
l Dificuldades na concordância ( sem que apresente oral-
mente).
l Dificuldade na organização e elaboração de textos escri-
tos.
l Dificuldades em escrever palavras irregulares (sem cor-
respondência direta entre grafema e fonema – “dificul-
dades ortográficas”).
Habilidades
l Excelente compreensão para histórias contadas.
l Habilidade para gravar por imagens.

164 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


l Criatividade; Imaginação.

l Facilidade com raciocínio.

l Boa performance em outras áreas, quando não depen-


dem da leitura, tais como: matemática, computação,
artes, biologia.

Ellis e Young referem-se à existência de duas vias de acesso:


a rota fonológica e a rota lexical (Ellis, 2001). As alterações
nestas rotas indicariam o tipo de dislexia (fonológica ou lexical).
A rota fonológica é responsável por tarefas como leitura em
voz alta e escrita sob ditado; implica no processamento fonoló-
gico através de informações baseadas na estrutura fonológica
da língua oral. É necessária a decodificação de estímulos gráfi-
cos. Para compreender, o aluno deve se ouvir. Já a rota lexical
funciona através da identificação direta da palavra com acesso
direto ao significado, arquivos que armazenam informações
acústico/ortográficas, semânticas e fonológicas.
Estas rotas podem ser relacionadas à descrição de leitura e
escrita proposta por Frith (1985). A autora descreveu três estra-
tégias, pelas quais as crianças passariam durante o processo de
aprendizagem da leitura e da escrita. A estratégia logográfi-
ca seria caracterizada pela correspondência global da palavra
escrita com o respectivo significado. Seria uma produção ins-
tantânea das palavras de acordo com suas características gráfi-
cas, sem possibilidade de análise. As palavras seriam memoriza-
das como se fossem fotografias; não há uma leitura propria-
mente dita. Na estratégia alfabética se iniciaria a alfabetiza-
ção propriamente dita, a partir da capacidade de segmentar a
palavra em fonemas, o que demanda consciência fonológica. A
escrita de palavras novas e inventadas torna-se possível, mas é
feita com apoio total na oralidade. A estratégia ortográfica,
comum no leitor competente que já tem experiência suficiente
com a leitura para montar um dicionário visual das palavras
(léxico), permite o acesso visual direto da palavra, agilizando a
leitura e atingindo o significado mais rapidamente. Essa fase
permite a escrita de palavras irregulares.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 165


A maior parte dos disléxicos apresentaria uma dificuldade
mais importante na estratégia alfabética. Alguns teriam dificul-
dade de chegar a esta fase, ficando presos a uma leitura do tipo
logográfica. Outros utilizariam a estratégia alfabética, mas sob
muito esforço. Por este motivo, leriam menos, apresentando,
então, um dicionário mental (ou léxico) com um número redu-
zido de palavras. Este fato acarretaria uma leitura mais lenta,
menos automática, o que diminuiria as possibilidades de
interpretação do texto lido, sobretudo, silenciosamente.
Apesar de a dislexia não ser causada por fatores ambientais, o
seu futuro depende de forma imprescindível do meio. Portanto,
uma educação que reconheça as dificuldades específicas destes
alunos muito poderá contribuir para o seu desenvolvimento.
Considerando que a leitura é um dos instrumentos mais
fortes na escolarização formal, tudo o que depende desta tare-
fa pode ser prejudicado em consequência desta dificuldade de
base. Por isto a necessidade de buscar adaptações, tal como será
melhor descrito na próxima seção.

ADAPTAÇÕES DO PONTO DE VISTA DOS SERVIÇOS


ESPECIALIZADOS

Baseada na literatura científica (Shaywitz, 2006 e Estill, 2004), em


materiais disponibilizados pelas associações (AND, ADB e BDA),
assim como na experiência clínica, propõe-se a divisão didática em
tipos de adaptações, de acordo com a natureza das mesmas, resul-
tando em questões referentes à metodologia, à avaliação e aos
aspectos socioemocionais.

Quanto à metodologia

Segmentar uma atividade em sala de aula em várias outras

Se o professor solicitar que o aluno apresente pouco a pouco suas


atividades, dará oportunidade de o aluno ter mediação mais fre-
quente, de modo a organizar a informação e não correr o risco de

166 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


manter uma atividade começada de forma errônea, até o fim.
Também favorece a autorregulação da atenção. Se a atividade for
de leitura, problema central de sujeitos com dislexia, a orientação
apresenta ainda outro objetivo: favorecer a motivação. Um longo
texto causa um efeito negativo se comparado a alguns textos
pequenos, além de tornar a interpretação mais difícil.

Aumentar os recursos visuais

O uso de recursos visuais é altamente indicado por vários estu-


diosos do assunto. Imagens podem proporcionar ao aluno dis-
léxico uma nova perspectiva do assunto.

Alterar a metodologia em função da dislexia

A modificação da metodologia é mais comumente proposta na


classe de alfabetização, mas é necessário avaliar caso a caso para
escolher a melhor opção. A explicitação do ensino até o nível
fonológico torna-se imprescindível, uma vez que não se conta
com uma intuição linguística, ao menos a priori, em sujeitos dislé-
xicos. Há discussões frequentes sobre o estilo de aprendizagem
que eles possuem (Exley, 2003), mas a palavra de ordem tem sido
precaução (Mortimore, 2005). Em alguns momentos, não é impe-
rativo mudar a metodologia propriamente dita, mas buscar estra-
tégias que favoreçam a aprendizagem de indivíduos disléxicos,
além de disponibilizar textos sobre algum assunto e criar formas
esquemáticas de apresentar alguns temas (reforçando também o
item anterior).

Gravar as aulas

Considerando que a dificuldade é específica na leitura, e que a


compreensão em nível oral é boa, disponibilizar um material
em que a entrada da informação possa se dar desta forma é
extremamente útil.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 167


Quanto à avaliação

Ampliar o tempo de elaboração das provas

Se o tempo de leitura é menor, nada mais justo do que ter um


período mais longo para realizar as avaliações. Caso contrário, a
avaliação poderá ficar incompleta, por falta de tempo hábil, ou
a compreensão do material poderá ser prejudicada.

Realizar provas orais em substituição às escritas

Tendo compreendido que a leitura está primariamente prejudi-


cada, e que a interpretação é falha apenas quando depende des-
te instrumento, e que a escrita nem sempre consegue expressar o
conteúdo desejado, pode-se propor que as avaliações sejam fei-
tas oralmente.

Que o professor leia oralmente as questões das provas

A interpretação de enunciados pode estar comprometida pela


dificuldade de leitura que envolve secundariamente a interpre-
tação. A perda dessa informação central nas avaliações escritas
pode levar ao erro, mesmo em questões que o aluno domine
tranquilamente. Por isto a orientação de que haja um leitor
para estes momentos.

Permitir a leitura oral das questões durante as provas

Alguns alunos conseguem compreender um texto lido oral-


mente, já que essa modalidade favorece o feedback auditivo
(ouvir a si próprio através da retroalimentação da informação).
Entretanto nada compreendem ao ler silenciosamente, forma
mais requerida em testes formais.

168 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Quanto aos aspectos socioemocionais

Permitir Saídas Constantes da Sala de Aula

Tendo em vista a grande demanda de energia das tarefas acadê-


micas, já que a leitura faz parte de boa parte delas, alunos dislé-
xicos poderiam sair mais frequentemente de sala de aula, para
“recarregar as bateriasö”. Estes momentos deveriam ser regula-
res, mas não sob livre demanda, para não prejudicar momentos
cruciais.

Realizar Adaptações sem que os Outros se Sintam


Prejudicados

Se a população em geral fosse conscientizada das dificuldades


específicas dos disléxicos, este ponto não seria necessário. Por-
tanto, a divulgação científica do assunto e a conscientização
quanto à natureza das dificuldades são importantíssimas para
que os colegas entendam que as adaptações feitas não são dife-
rentes, por exemplo, do uso de lentes corretivas para a visão
(óculos) para quem precisa delas.

Explicar aos Outros as Dificuldades (Vale a Pena?)

A fim de evitar comentários maldosos, normalmente associados


a adjetivos como “burro” ou “preguiçoso”, explicar à turma do
qual faz parte o porquê de alguns comportamentos inespera-
dos, respostas mais lentas, erros mais numerosos. Independente
da opção, o professor deve reforçar os pontos positivos, a fim
de melhorar a autoestima e fazer saltar aos olhos dos colegas
estes pontos.

Interferir nas escolhas de grupos de trabalhos

Considerando que cada aluno tem uma habilidade maior em


uma área e que há alunos que podem ser tutores (aqueles que
têm mais possibilidades de ajudar os que possuem dificulda-
des), o professor poderia mesclar os grupos de forma a atender
a todos.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 169


Pontos Adicionais

O ensino da segunda língua é um problema persistente na vida


de quem tem dislexia. Isto acontece já que, como discutido na
seção anterior, o foco da dificuldade está no nível fonológico.
Se a relação entre sons e sua notação na escrita já é difícil na lín-
gua materna, extremamente complicada será em uma língua
estrangeira. Sob este prisma, deve-se considerar que é necessá-
rio ter um olhar ainda mais cuidadoso tanto no ensino quanto
na avaliação deste tipo de disciplina.
Estudiosos (Vloedgraven, 2007) chamam a atenção para o
fato de que, nas últimas décadas, pesquisadores, educadores e
políticos vêm dando mais atenção ao impacto positivo de progra-
mas de intervenção precoce sobre possíveis problemas de leitura
(National Institute of Child Health and Human Development,
2000). O desafio é detectar estas dificuldades em crianças que não
receberam ainda instrução formal. Desta forma, as adaptações
também poderiam ser minimizadas. Por outro lado, aqueles que
continuassem a mostrar dificuldades precisariam de intervenção
adequada. Um tratamento apropriado é, portanto, indispensável
para que o indivíduo disléxico ganhe a autonomia desejada,
fazendo com que tais adaptações se tornem cada vez menos
necessárias. Por esta razão, para garantir os direitos, é importante
que se apresente um laudo comprobatório e uma declaração de
acompanhamento especializado.

ADAPTAÇÕES DO PONTO DE VISTA DOS PROFESSORES

A fim de conhecer o ponto de vista dos professores, inicialmente


foi organizado um simpósio sobre educação inclusiva em 2006,
em que houve uma palestra sobre dislexia com participantes de
escolas do ensino infantil ao ensino médio, ensino público e pri-
vado, promovido pelo Sindicato de Professores do Rio de Janei-
ro. Em um segundo momento (mês subsequente), foi marcado
um dia de discussão sobre algumas questões levantadas sobre as
necessidades desses alunos em sala de aula. A fim de abalizar tal

170 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


discussão, foi utilizado como instrumento um questionário estru-
turado, abrangendo estas mesmas questões referentes à meto-
dologia, à avaliação e aos aspectos socioemocionais. As possibili-
dades de respostas variavam de totalmente possível, possível
com adaptações, difícil e impossível. Também foi considerada a
variável etapa educacional, incluindo a primeira fase do ensino
fundamental, segunda fase do ensino fundamental e ensino
médio. As opções pelas propostas de adaptações foram basea-
das em autores diversos, especialistas no assunto, conforme des-
crito anteriormente. A partir dos itens do questionário, as per-
guntas realizadas aos docentes eram precedidas da expressão “É
possível...?”. Os resultados serão descritos a seguir.

Quanto à metodologia...

Segmentar uma Atividade em Sala de Aula em Várias


Outras

Os professores consideraram que é possível subdividir um con-


teúdo maior em vários segmentos, mas que as turmas menores
favorecem este tipo de intervenção individualizada.

Aumentar os Recursos Visuais

Houve concordância absoluta na incrementação das aulas com


recursos visuais. As observações mais recorrentes foram em
relação a como isto pode facilitar outros alunos sem dislexia,
sendo favorável a todos.

Alterar a metodologia em função da dislexia

Sentiu-se a necessidade de esclarecer qual seria a abrangência


de uma mudança metodológica. Mudar uma metodologia em
que há sucesso para a maioria em função de um aluno especifi-
camente não foi julgado interessante. Porém, tornar conteúdos
mais esquemáticos, se ater a fases em que a maioria dos alunos
consegue passar mais rápido e fornecer ideias para que os con-
teúdos possam ser explorados por outros meios, como DVD,

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 171


CD-ROM e visitas, foram pontos considerados viáveis. Fornecer
propostas individualizadas só foi considerado possível nas
primeiras séries do ensino fundamental e em grupos menores.

Gravar as Aulas

Este ponto foi um consenso: nenhum dos participantes, inde-


pendente da etapa de ensino, concordou com a viabilidade da
proposta. As maiores alegações giram em torno de problemas
disciplinares e o temor do mau uso do material em outro
momento (processos judiciais).

Quanto à avaliação

Ampliar o tempo de elaboração das provas

Considerado viável e de fácil adaptação à estrutura escolar. Em


alguns casos, julgou-se melhor iniciar a realização da avaliação
junto com seu grupo. Há propostas para a continuidade da prova
em outra turma, na coordenação, na biblioteca ou com um pro-
fessor de apoio. Houve um grupo de professores que defendeu
que toda a prova seja realizada neste ambiente alternativo.

Realizar provas orais em substituição às escritas

Não é uma ideia facilmente assimilada para aplicação na rotina


escolar. Entretanto, depois de uma nova argumentação, jul-
gou-se possível em situações específicas. Por exemplo, aluno em
prova final de uma disciplina que não seja de língua portugue-
sa, que domina completamente o conteúdo, mas tem dificulda-
de de exprimir suas ideias por escrito.

Que o professor leia oralmente as questões das provas

Com algumas exceções, é uma atitude que já é feita para todos


os alunos das primeiras séries do ensino fundamental. No
entanto, uma parte dos representantes das escolas considera-
ram mais difícil manter esta postura em séries mais avançadas.

172 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Considerou-se a possibilidade de o professor ler o enunciado
sob demanda do aluno que estiver apresentando dificuldade
em um ponto específico.

Permitir a leitura oral das questões durante as provas

Em se tratando da leitura oral do próprio aluno, não houve


resistências à proposta, desde que fosse feita de modo discreto,
sem prejuízo para o outro aluno, nem como meio de passar
indevidamente informações.

Quanto aos aspectos socioemocionais

Permitir saídas constantes da sala de aula

Com limites: esta foi a opinião da maioria. A sobrecarga de


informação pode cansar, mas a livre demanda para entrar e sair
poderia causar uma dificuldade de se autorregular nestas
situações.

Realizar adaptações sem que os outros se sintam


prejudicados

Há receio de os outros alunos e de os pais se sentirem prejudica-


dos pelas adaptações a disléxicos: isto é fato. Mas todos sabem
que isto não deve dirigir uma conduta séria, afinal ensinar as
diferenças é também um papel da educação. Daí a necessidade
de laudo profissional com diagnóstico e com a justificativa
daquela acomodação específica, naquele momento de trata-
mento.

Explicar aos outros as dificuldades (vale a pena?)

As palavras de ordem neste ponto da discussão foram BOM


SENSO. Se não houver demanda para essa explicação, talvez ela
não seja necessária naquele momento. Em contrapartida, se o
aluno com dislexia assim o desejar ou se estiverem surgindo mui-
tas questões do grupo, vale a pena um esclarecimento a todos.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 173


Interferir nas escolhas de grupos de trabalhos

Depende da situação: unanimidade entre educadores presentes.


Se os pontos positivos dos alunos com dislexia estiverem sendo
valorizados ao longo do processo escolar, sua participação nos
grupos não será necessariamente vista de forma negativa.

Novos pontos levantados

Alunos com questões grafomotoras

Uma parcela dos alunos com dislexia apresenta disgrafia de exe-


cução, o que prejudica a qualidade da letra ou a velocidade da
escrita por dificuldade na recuperação da forma da letra ou do
movimento grafomotor. Neste caso, alguns professores sugeri-
ram o uso de aparelhos digitais em que a informação pudesse ser
digitada, ao invés de escrita à mão.

Aluno deve estar em tratamento

Os profissionais escolares mostram o incômodo diante das famíli-


as que solicitam as acomodações sem fazerem sua parte: levar a
criança para fazer um diagnóstico e para o tratamento, além de
dar o apoio necessário em casa. A parceria escola-família-trata-
mento(s) foi considerada indispensável no sucesso da inclusão
desses alunos. Caso contrário, não se estaria objetivando o
desenvolvimento da pessoa com dislexia, o que seria uma postu-
ra protecionista. Portanto, algumas escolas se propuseram a
fazer somente as adaptações recomendadas diretamente pelos
profissionais que estariam acompanhando o aluno.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Indivíduos disléxicos apresentam dificuldade específica de leitu-
ra, o que prejudica todas as áreas que dependam da mesma. A
compreensão do material lido é afetada, assim como a qualidade
da escrita. Por este motivo, as adaptações metodológicas e avali-

174 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


ativas em ambiente escolar se tornam necessárias. A evolução do
conceito de educação especial, que passou a abranger qualquer
criança que tenha uma necessidade educativa especial, e a pro-
posta da educação inclusiva, defendendo educação para todos,
pressupondo um movimento da escola na direção dos alunos,
vêm assegurar essa possibilidade.
As propostas de adaptações para alunos disléxicos puderam
ser divididas em três áreas, a saber, metodologia, avaliação e
aspectos socioemocionais. Após elucidar as questões dos profes-
sores quanto à natureza da dificuldade dos disléxicos e o porquê
das adaptações, foi realizada uma discussão baseada num ques-
tionário. Os dados coletados revelaram disponibilidade por par-
te das escolas em cumprir grande parte das propostas, como seg-
mentar uma atividade em sala de aula em várias outras, aumen-
tar os recursos visuais, ampliar o tempo de elaboração das pro-
vas, solicitar que o professor leia oralmente os enunciados dos
testes ou permitir que o aluno as leia oralmente.
Entretanto, tais adaptações só foram amplamente assimi-
ladas na primeira etapa do ensino fundamental, diminuindo o
percentual de aceitação nas séries mediais, o que se intensificou
nas finais. Como pontos controversos podem ser destacados a
substituição de provas escritas por orais e a correção menos
rigorosa de erros ortográficos. A gravação das aulas por parte
dos alunos disléxicos foi o item com maior índice de rejeição,
devido ao receio de uso inapropriado do material.
Torna-se clara a demanda de capacitação docente quanto à
inclusão. Apenas uma pequena parte dos professores mostrou
abertura para as adaptações antes do ciclo de palestras e discus-
sões. Existe a necessidade de esclarecimento aos professores
sobre as especificidades dos indivíduos que precisam de adapta-
ções, propondo uma parceria com os profissionais escolares, e
não imposições, que, a priori, possam lhes parecer infundadas.
É clara a importância nos cursos de pedagogia, no entanto,
não é suficiente, visto que não atinge professores do fim do
ensino fundamental e do ensino médio, que exigem formação
específica. De qualquer forma, espera-se que, com uma aborda-
gem preventiva, indivíduos disléxicos já tenham maior domínio
sobre suas dificuldades nestas últimas etapas.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 175


As experiências apontam para o sucesso das propostas de
adaptação, entendendo-as não como um privilégio, mas como
um direito. O tema ainda merece amplas discussões, em que
parcerias são fundamentais, envolvendo educadores, associa-
ções de profissionais, famílias e políticos.

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Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, 39-59.
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Associação Brasileira de Dislexia. Dicas especiais da ABD. Disponível em:
http://www.dislexia.org.br/
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176 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


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Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 177


12
INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA NA
PARALISIA CEREBRAL E INTERFACES COM A
ESCOLA INCLUSIVA

1
Cláudia Inês Vianna

1Fonoaudióloga da ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação),


pós-graduada em Educação Psicomotora e Fonoaudiologia Hospitalar, Especi-
alista em Motricidade Orofacial. Contato: claudiaiovianna@uol.com.br.
INTRODUÇÃO

O desenvolvimento motor normal de uma criança segue também


um padrão normal de evolução. Os órgãos fonoarticulatórios se
desenvolvem paulatinamente, onde se observam, ao nascer,
aspectos discrepantes entre tamanho de língua e cavidade oral,
presença de reflexos primitivos, entre outros aspectos. Conforme
esse desenvolvimento normal vai amadurecendo, observamos
uma modificação também no padrão de alimentação e de fala.
O termo utilizado a seguir para o tipo de desenvolvimento
atípico será Paralisia Cerebral (PC), uma vez que é este o termo
descrito e utilizado no CID-10, a Classificação Estatística Interna-
cional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde.
Para Piovesana (1998), o termo Paralisia Cerebral (PC) englo-
ba um grande espectro de entidades clínicas que se manifestam
por uma desordem no desenvolvimento motor, amplamente
variável em etiologia, manifestações, gravidade, prognóstico e
comorbidade. Na verdade, trata-se de um complexo de sinto-
mas, mais do que uma doença específica, cujo denominador
comum é o fato de ser decorrente de lesão não progressiva do
Sistema Nervoso Central imaturo.
Souza (1998) relata que devido à variabilidade destas lesões
(anóxia, infecção, traumatismos, malformações) a variabilidade
dos tipos clínicos de PC também ocorre, bem como diferentes
prognósticos. A maior causa de PC no nosso meio é anóxia peri-
natal por um trabalho de parto anormal ou prolongado. A pre-
maturidade entra como a segunda maior causa; com menor fre-
quência estão infecções pré-natais, como rubéola, toxoplasmose,
citomegalovírus e as infecções pós-natais, como as meningites.

180 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Para Souza (1998), a PC pode ser classificada pelo tipo clíni-
co em quatro grandes grupos. O tipo espástica ou piramidal
(75%) é o mais comum. Pode ser caracterizada por uma síndro-
me deficitária e de liberação piramidal com exacerbação dos
2
reflexos tendinosos profundos, clono e sinal de Babinski . A
espasticidade pode ser precedida de hipotonia e esta é a princi-
pal característica deste tipo de PC, podendo atingir todo o cor-
po, ou predominar em membros inferiores ou, ainda, em um
dos lados do corpo. O segundo tipo é o Extrapiramidal ou disci-
nética (9 a 22%), quando há lesão dos núcleos da base, caracte-
riza-se pela presença de movimentos involuntários e pode estar
ligado à icterícia grave ou associada à asfixia, a fala é disártrica
e o tono muscular é variável. O tipo Atáxico (2%) acomete o
cerebelo e suas vias, por esse motivo há incoordenação estática
e cinética, dismetria, marcha atáxica e fala disártrica, além de
tono muscular reduzido, mas pode variar. O último tipo, deno-
minado Misto (9 a 22%), representa a combinação das formas
anteriores.
Vianna (2008) relata que os portadores de PC possuem
padrões motores orais muito específicos que variam de indiví-
duo para indivíduo. Esse pensamento nos leva a refletir mais
uma vez sobre a importância de atender ao paciente como um
ser único, portador de suas características e individualidade,
não realizando com todos os pacientes o mesmo planejamento
terapêutico que, adequado para alguns, não atinge as necessi-
dades de outros.
Segundo Frazão (2004), nos casos em que o comprometi-
mento neurológico é leve, observa-se que os distúrbios motores
orais geralmente são restritos à fase oral da deglutição, sem
impacto no quadro clínico geral. Assim, a reabilitação dos

2Sinal de doença neurológica. Consiste na provocação de extensão do grande arte-

lho (hálux), seguido de afastamento dos outros artelhos, através de uma excita-
ção plantar (passa-se a unha ou a ponta de uma chave no bordo externo da plan-
ta do pé), observável em acidentes vasculares cerebrais e em recém-natos com sis-
tema nervoso em desenvolvimento, onde o sinal de Babinski está presente (nor-
mal), devido à imaturidade da mielinização do trato piramidal. Este reflexo anor-
mal traduz uma lesão nervosa ao nível das vias piramidais. Em pessoa com boa
saúde, a resposta à excitação plantar é inversa: flexão dos artelhos que se juntam,
em seguida, uns aos outros (reflexo cutâneo plantar).

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 181


padrões funcionais, necessários tanto para fala quanto para
deglutição, é mais facilmente alcançada, porém, quando o
comprometimento é moderado ou severo e há intensas altera-
ções motoras, globais e orais, muitas vezes associadas à presen-
ça de múltiplas deficiências (visual, auditiva, tátil-cinestésica),
instala-se um quadro de disfagia e disartria somado às altera-
ções da patologia .
É por tudo o que foi descrito acima, que temos que ficar
atentos às condições das mães, reforçando a importância da
realização do acompanhamento pré-natal, pois o número de
casos de nascimentos de crianças com PC ainda é muito grande,
apesar de hoje em dia os hospitais estarem mais equipados, os
médicos, a princípio, mais preparados e contarmos com a
implantação de equipes multidisciplinares também mais especi-
alizadas para prestarem atendimento logo após o nascimento.
Muito se tem falado sobre inclusão de alunos com necessi-
dades educacionais especiais. É muito importante que esse
assunto seja discutido amplamente por vários setores da socieda-
de para que, cada vez mais, o conhecimento possa dar lugar ao
estranhamento e ao preconceito.
Não podemos também achar que apenas a escola é responsá-
vel pelo êxito ou pelo fracasso que ocorre muitas vezes na inclusão
social dos alunos com PC.
A escola é apenas mais uma ramificação desse processo
complexo e amplo que é a Inclusão. Processo este que tem pos-
sibilitado o ingresso e a permanência das crianças com PC nas
escolas regulares.
Desde que fui convidada a escrever estas linhas envolvendo
assuntos com os quais muito me dá prazer trabalhar, penso, leio,
reflito, questiono, volto a ler, olho a minha volta os meus pacien-
tes, suas famílias, suas inseguranças, suas incertezas, e, mesmo
em contextos tão adversos, encontro vontade de crescimento e
evolução nos quadros motores mais dramáticos. Há dúvidas, mas
também há esperanças e vejo que muito temos ainda a aprender
para trabalhar com a inclusão desses alunos com necessidades
educacionais especiais na escola regular.

182 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Apesar de nos referirmos todo o tempo a crianças com Para-
lisia Cerebral, sabemos que este cérebro não está “paralisado” e
que, dependendo da extensão da lesão, encontraremos várias
possibilidades de estimulá-lo. Essa é a importância do processo
de reabilitação. Não falo apenas em nome da fonoaudiologia,
mas sim da integração das diversas áreas que atuam com estes
pacientes e que os ajudam de uma maneira multidisciplinar,
como por exemplo, psicologia, musicoterapia, psicopedagogia,
terapia ocupacional, fisioterapia e todas as outras abordagens
terapêuticas utilizadas em pacientes com PC. Cada um na sua
área de atuação vai ajudar ao outro no processo global de reabi-
litação. Muito acredito na educação, mas ela sozinha não garan-
te o processo de amenizar as sequelas ou necessidades especiais
dos pacientes com PC. Acredito que devemos trabalhar sempre
juntos, integrando a medicina, a reabilitação e a educação.
Heidrich e Santarosa (2003) citam a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Brasileira LDB 9394/96:

CAPÍTULO V – Da Educação Especial


Art. 58. Entende-se por Educação especial, para os efei-
tos desta Lei, a modalidade de educação escolar, ofere-
cida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos portadores de necessidades especiais.

Apesar da vigência da lei, muitos pais não são conscientiza-


dos dos direitos de seus filhos com necessidades educacionais
especiais. Há também os casos nos quais os pais são conscientiza-
dos, isto é, sabem que seu filho com PC tem direito de estar na
escola regular, mas recebem uma resposta negativa em relação
ao ingresso da criança na escola comum. A palavra “preferencial-
mente”, no texto da lei, deixa dúvidas e ainda apresenta a escola
especial como uma alternativa para estas crianças. Os autores
também reafirmam seu profundo respeito pelas escolas especiais
e seu papel na sociedade até hoje, mas alegam que têm visto cri-
anças com PC que, estudando em classes regulares do ensino
comum, obtiveram um nível de independência e socialização
muito maior do que as que ficaram em classes especiais.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 183


Em meu trabalho como fonoaudióloga percebo alguns
pais e mães muito angustiados, pois já sabem reconhecer e bus-
car os seus direitos, mas questionam sempre: De que adianta
matricular seus filhos numa escola regular que o aceite devido à
força da lei, mas que não seja receptiva, verdadeiramente, a
esta inclusão? Para que profissionais que trabalham com alunos
com PC possam tranquilizar e orientar os responsáveis, é funda-
mental conhecer a fundo o que é a PC, suas características, seus
prognósticos e o que é possível esperar dessas pessoas.
Melo e Martins (2007) também citam que, segundo as Dire-
trizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
(BRASIL, 2001), o Brasil optou pela construção de um sistema
educacional inclusivo ao assinar a Declaração Mundial de Edu-
cação para Todos e a Declaração de Salamanca, resultado da
Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especia-
is: Acesso e Qualidade. Nessa opção política pela implementa-
ção de uma escola para todos, a educação da pessoa com defi-
ciência se insere numa nova perspectiva voltada para o efetivo
respeito à igualdade dos direitos e valorização da diversidade
humana, em oposição às práticas segregativas e assistencialistas
tradicionalmente defendidas pela Educação Especial, centradas
no modelo médico de deficiência (entende-se como modelo
médico o modelo centrado na doença e na incapacidade).
Melo e Martins (2007) concluem que, nesta nova perspecti-
va, a educação inclusiva passa a ser entendida como sendo um
processo educacional definido em uma proposta pedagógica,
que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organi-
zados institucionalmente para apoiar, complementar, suple-
mentar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais
comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o
desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apre-
sentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas
e modalidades da educação básica (BRASIL, 2001).
Ferreira (2007) relata que, atualmente, no Brasil e no mun-
do, é cada vez maior o número de pesquisadores e educadores
interessados na discussão sobre a inclusão de alunos com defi-

184 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


ciência no ensino regular e que renomados autores internacio-
nais apresentam argumentos para a mudança a favor da educa-
ção inclusiva. Da mesma forma, nas últimas décadas, esta tem
sido, talvez, a questão referente à Educação Especial mais discu-
tida em nosso país e inúmeros outros autores apresentam mui-
tos argumentos a favor de uma educação mais humanitária e
mais justa, objetivando uma pedagogia centrada na criança,
baseada em suas habilidades, e não em suas deficiências, e que
incorpore conceitos como interdisciplinaridade, individualiza-
ção, colaboração e conscientização/sensibilização, facilitando,
assim, a inserção dos alunos que apresentam necessidades
especiais na escola, fazendo dessa inclusão uma experiência
positiva para todos. Consequentemente, presencia-se a existên-
cia de dois sistemas paralelos de ensino: o regular e o especial.
Ainda hoje eles competem entre si não apenas no que se refere
à baixa qualidade do ensino oferecido, mas também em relação
aos projetos e programas desarticulados, que são conflituosos,
gerando desperdício, ineficácia, ineficiência e desigualdade de
oportunidades.
A inclusão é uma tendência mundial. Em vários países,
como, por exemplo, na Itália, todos os estudantes com necessi-
dades educacionais especiais frequentam o ensino regular.
Melo e Martins (2007) citam que os resultados do Censo
Escolar em nosso país indicam o crescimento da participação do
atendimento inclusivo a alunos com deficiência, passando dos
24,7%, em 2002, para 41%, em 2005.
Questiona-se, porém, o fato de ter crescido o número de
estudantes atendidos nas escolas regulares, demonstrando que
eles estejam realmente incluídos no processo pedagógico. Acre-
dito que uma escola inclusiva seja aquela onde todos recebam
oportunidades iguais e adequadas às suas individualidades.
Quando pensamos em inclusão, esquecemos também que não
só temos pessoas portadoras de necessidades educativas especia-
is, mas também alunos que possuem suas características físicas
diferentes, como, por exemplo, ser alto ou baixo, gordo ou
magro, branco ou negro, rico ou pobre, usar óculos, ler devagar,

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 185


escrever com letra feia, ter tatuagem no corpo, e outras caracte-
rísticas individuais. Estes também podem se sentir diferentes e
excluídos do contexto escolar.
Um outro questionamento que ouço de alguns pais de
pacientes com PC que estão na escola é sobre o relato de alguns
professores que afirmam não adequar ou fazer nenhum traba-
lho diferente para seus filhos. Talvez estejamos subindo um
pequeno degrau rumo à inclusão, pois alguns de nossos profes-
sores estão muito despreparados, e não percebem que um alu-
no com PC em sua classe é também um aluno seu e, por isto,
precisa realizar as tarefas propostas para ele, apesar de, talvez,
precisar também de um tempo diferenciado dos outros alunos,
ou uma fonte gráfica maior no trabalho, ou uma adequação
curricular qualquer, ou um outro aluno que o ajude a prestar a
atenção, por exemplo.
Precisamos ressaltar, porém, que temos professores dispo-
níveis internamente a aprender a lidar com as diferenças educa-
cionais. Claro que com suas dúvidas e angústias, com medo do
“novo”, medo de não acertar na sua conduta, mas com muita
vontade de aprender com seus alunos com PC e de reconhecer
que precisa de ajuda e se “instrumentalizar” com técnicas e
planejamentos adequados.
Segundo Pelosi (2002), as crianças portadoras de deficiên-
cia que apresentam comprometimentos associados a dificulda-
des motoras tornam-se limitadas na sua capacidade de expres-
são oral e escrita. Os sistemas de comunicação alternativos e
ampliados podem ser usados como auxiliares primários ou
suplementares no processo de inclusão escolar.
A seguir relatarei minha experiência como fonoaudióloga,
atuando clinicamente com crianças com PC que estudam em
escolas inclusivas.
Escolhi relatar a experiência de um grupo com diferenças
entre si. Apesar de serem portadores do mesmo tipo de PC,
apresentam características muito distintas e particulares – como
todo ser humano:

186 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


l Um menino com dez anos de idade com diagnóstico
médico de Encefalopatia Crônica da Infância (ECI) Diple-
gia Espástica, que está em atendimento fonoaudiológico
há sete anos.
l Uma menina com oito anos de idade com diagnóstico
médico de ECI Diplegia Espástica, que está em atendi-
mento fonoaudiológico há três anos.
l Um menino de sete anos com diagnóstico médico de ECI
Diplegia Espástica, em atendimento fonoaudiológico há
dois anos.

Apesar de os três pacientes apresentarem o mesmo quadro


de PC, são muito diferentes em suas características motoras, de
fala, cognitivas, de expressão e interação. O mais velho, e que
está em atendimento há mais tempo, apresenta maiores difi-
culdades na sua fala (Disartria) e em seu aspecto cognitivo e
visual. Os outros estão, neste momento, fazendo pequenas cor-
reções em seus pontos articulatórios (algumas pequenas distor-
ções nos fonemas).
As três crianças estudavam, inicialmente, em escola regular
(particular e municipal). Há um mês o menino que apresenta
maiores dificuldades cognitivas foi transferido da escola regu-
lar para uma escola especial, para uma classe especial com mais
dez crianças, das quais apenas três frequentam regularmente
(o responsável não soube explicar o motivo). Segundo a mãe,
essa mudança aconteceu, pois seu filho iniciou a escolarização
na Classe de Alfabetização (C. A.), passou, no ano seguinte,
para o segundo ano de escolaridade e, a seguir, retornou para a
C.A. Em 2008 o aluno foi transferido para escola especial, pois
os profissionais da escola alegam que ele “não conseguiu
aprender” (sic).
Em relação às demais crianças, uma está em processo de
alfabetização e a outra já está no segundo ano do ensino fun-
damental.
Realizei uma entrevista com os pais para saber se eles acredi-
tam na inclusão escolar ou, pelo menos, sabem o que ela significa.
E obtive como resposta que todos acreditam na inclusão, mas que

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 187


este assunto não é abordado nas escolas. Nunca foi conversado,
questionado ou explicado. Seus filhos são os únicos com necessi-
dades educacionais especiais das turmas que frequentam e estas
têm, em média, vinte alunos. Todos acham que a função da escola
é a de ensinar o conteúdo programático e afirmaram não receber
relatórios regulares sobre o acompanhamento de seus filhos.
Quando questionadas, as crianças relataram que não gos-
tam muito de ir à escola (referindo-se à hora da aprendizagem
formal), mas que se dão bem com os colegas de turma e que se
interessam pelas atividades de informática e aulas de inglês.
Quanto ao trabalho de reabilitação, é realizado de forma
muito lúdica e se baseia em estimulação de fala e linguagem. É
um trabalho muito rico, pois as crianças interagem muito bem
comigo e trocam, entre si, várias experiências de vida, escolares,
de linguagem e seus medos. Expressam-se verbalmente de manei-
ra adequada (dentro do seu quadro fonoaudiológico).
O atendimento é realizado três vezes por semana com
duração de vinte e cinco minutos. A frequência das crianças ao
tratamento é satisfatória e seus pais são participativos no pro-
cesso de reabilitação.
O que esse processo de reabilitação fonoaudiológica influ-
encia no processo de aprendizagem dessas crianças? O que
pode influenciar na inclusão escolar?
Influencia o tempo todo... temos que pensar que os seres
humanos são seres integrados, com histórias diferentes, convic-
ções diferentes, maneiras de aprender diferentes.
Durante nosso trabalho não estimulamos apenas a fala /lin-
guagem. Não trabalhamos somente as funções mentais como a
atenção, a memória, o raciocínio lógico, a discriminação visual e
a discriminação auditiva, mas estamos trabalhando o processo
de inclusão o tempo todo. Os três participantes do grupo são
diferentes e com isto aprimoramos nossa maneira de conviver
com as diferenças. Todos expressam seus desejos de forma ade-
quada. São crianças muito críticas e questionadoras. Às vezes,
durante uma atividade, como, por exemplo, um jogo, eles ques-
tionam por que um consegue realizar a tarefa e o outro não,

188 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


por que um é mais rápido do que o outro, por que um enten-
deu a atividade e o outro não.
Não me cabe aqui ficar apenas explicando meu plano de
tratamento com esse grupo. Acredito que todo profissional sai-
ba a melhor maneira de atuar (dentro de suas convicções, é cla-
ro) ou pelo menos sabe onde buscar informações, mas acho
fundamental relatar a importância do afeto que existe nesse
grupo.
É importante relatar também que, mesmo os três sendo
portadores de PC, eles comparam suas diferenças e desempe-
nhos apresentados e algumas vezes chegam a expressar esse
sentimento de maneira “cruel” como qualquer criança conside-
rada “normal” faria.
Durante o processo de elaboração deste trabalho, solicitei
às escolas que enviassem relatórios sobre estas crianças. Aguar-
dei por um mês a resposta que não chegou e, então, solicitei
novamente. Confesso que fiquei um pouco perplexa com o que
foi escrito, com as observações descritas pelos professores. E,
mais uma vez, percebo que alguns estão muito despreparados
em sua função. Falta experiência, falta estudar as características
da PC, falta acreditar no seu trabalho, falta, principalmente,
perceber que não acertaremos sempre na nossa metodologia,
que somos passíveis de erros e que é fundamental incluir estes
pacientes na sociedade.
Os professores são peças-chave nesse processo. Seu trabalho
é fundamental. Percebi que os terapeutas também podem ser de
grande ajuda a estes professores. Falta contato/diálogo entre
todos que atuam com alunos com PC. Percebi como é importante
receber os professores ou ir a estas escolas trocar experiências que
irão acrescentar à prática fonoaudiológica e também esclarecer
dúvidas dos profissionais envolvidos com a educação.
Realizando esse mesmo questionário com pais que ainda
não colocaram seus filhos na escola, pude perceber que a maio-
ria relata não matriculá-los por terem medo que não sejam bem
cuidados, que não sejam bem alimentados, que fiquem aban-
donados num canto da sala e que as outras crianças os machu-
quem.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 189


Como vimos, não somos só nós, fonoaudiólogos, terapeu-
tas e professores, que comungamos de nossas inseguranças e
dúvidas quanto ao novo.
Ao buscar no Moderno Dicionário da Língua Portuguesa –
Michaelis – o significado de “incluir”, percebemos alguns verbos
que se conseguirmos entendê-los já teremos dado um grande pas-
so rumo a mudanças... INCLUIR significa INSERIR, INTRODUZIR,
ABRANGER, COMPREENDER, CONTER EM SI, ENVOLVER,
IMPLICAR.
Se conseguirmos aqui discutir que educar a TODOS vale a
pena, demonstraremos também que trabalhar com a inclusão
vale a pena... Não se trata de incluir os alunos só porque está na
lei, mas porque devemos compreender que seres humanos são
diferentes, que pessoas aprendem de modos diferentes, mas
que, acima de tudo, são pessoas que têm algo para fazer na
escola, na vida e na escola da vida.
Posso afirmar que cresci muito aprendendo com cada uma
dessas três crianças o valor e o sabor de conviver com as suas dife-
renças. Cada uma no seu ritmo me ensinou um pouco sobre
como é conviver com a Paralisia Cerebral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Saúde (CID-10, 2000). São Paulo. Edusp. v. 1.
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190 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


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ção do título de Especialista em Motricidade Orofacial – CEFAC - RJ - 2008.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 191


13
SOBRE A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA
CLÍNICA E A INCLUSÃO

1
Cristiane Guimarães

1Psicóloga,
Psicopedagoga, Mestre em Psicologia, Coordenadora da Área de
Saúde da Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá. Contato: cristiane.gui-
maraes@estacio.br.
INTRODUÇÃO
Gostaríamos de pensar aqui sobre os direitos das pessoas com
necessidades educacionais especiais. O que nos diz a Constitui-
ção Brasileira?

Art. 5: Todos são iguais perante a lei, sem distinção


de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes.

A Lei Federal 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe


sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, diz, em seu
Art. 2:

Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às


pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de
seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação,
à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao
amparo à infância e à maternidade, e de outros que,
decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu
bem-estar pessoal, social e econômico.

A Convenção da ONU (Organização das Nações Unidas)


sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi aprovada por
unanimidade, em 13 de dezembro de 2007, e assinada pelo Bra-
sil em março de 2008. É a primeira sobre o tema Direitos Huma-
nos a ser lançada no século XXI. Em seu artigo 24, sobre educa-
ção, ela informa:

194 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pesso-
as com deficiência à educação. Para realizar este direito
sem discriminação e com base na igualdade de oportu-
nidades, os Estados Partes deverão assegurar um siste-
ma educacional inclusivo em todos os níveis, bem como
o aprendizado ao longo de toda a vida, com os seguin-
tes objetivos:

a) O pleno desenvolvimento do potencial humano


e do senso de dignidade e autoestima, além do forta-
lecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas
liberdades fundamentais e pela diversidade humana.

b) O desenvolvimento máximo possível da personali-


dade e dos talentos e criatividade das pessoas com defi-
ciência, assim como de suas habilidades físicas e intelec-
tuais.

c) A participação efetiva das pessoas com deficiên-


cia em uma sociedade livre.

Estas são algumas informações fundamentais sobre o direi-


to das pessoas com necessidades especiais, asseguradas pelo
Estado. Há ainda a mencionar a Lei de Diretrizes e Bases (Lei
9394/96), em cujo capítulo sobre Educação Especial, em seu
Artigo 59, afirma que os sistemas de ensino assegurarão aos
educandos com necessidades especiais:

I. Currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e


organização específicos, para atender às suas necessida-
des.

II. Terminalidade específica para aqueles que não


puderem atingir o nível exigido para a conclusão do
ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e
aceleração para concluir em menor tempo o programa
escolar para os superdotados.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 195


III. Professores com especialização adequada em
nível médio ou superior, para atendimento especiali-
zado, bem como professores do ensino regular capaci-
tados para a integração desses educandos nas classes
comuns.

IV. Educação especial para o trabalho, visando a sua


efetiva integração na vida em sociedade, inclusive con-
dições adequadas para os que não revelarem capaci-
dade de inserção no trabalho competitivo, mediante
articulação com os órgãos oficiais afins, bem como
para aqueles que apresentam uma habilidade superior
nas áreas artística, intelectual ou psicomotora.

V. Acesso igualitário aos benefícios dos programas


sociais suplementares disponíveis para o respectivo
nível do ensino regular.

Os direitos parecem garantidos em todas as leis federais.


Especialmente, como se vê acima, no que se refere à Educação.
As leis, portanto, nada lembram o passado de práticas exclu-
dentes daquelas pessoas, cujo lema era o confinamento ou a
caridade.
Como nos diz Pessotti (1984) quando se refere à mudança
na postura da sociedade frente às pessoas com necessidades
especiais, a partir de um determinado momento da história não
mais se pune, mas se segrega, livrando a todos da incômoda pre-
sença do deficiente.
Para quem trabalha com educação talvez não haja novida-
des. Em nosso cotidiano, entretanto, vemos as escolas lidarem
com isto de forma, muitas vezes, cruel: as escolas se mostram aco-
lhedoras na entrada, recebem estas crianças e suas famílias em
suas instalações, mas não propõem nada em termos de estratégias
pedagógicas diversificadas. Ou seja, excluem as crianças diferentes
mesmo quando elas estão dentro das salas de aula.
A história que me foi relatada por um colega de trabalho
demonstra claramente esta exclusão velada: seu filho de quatro
anos estuda em uma escola particular da zona norte do Rio de

196 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


2
Janeiro. A ele foi dado o diagnóstico de Síndrome de Asperger .
Os pais, ambos com bom nível de escolaridade, estudaram
sobre o assunto, pesquisaram e conversaram com a equipe da
escola. O menino foi incluído em uma turma regular, com uma
mediadora escolar. Ou seja, ele fica o tempo todo, durante as
aulas, acompanhado por uma pessoa que orienta a execução
das atividades propostas pela professora. Ainda assim, os rela-
tos desta mediadora são de que a professora não prepara
material específico para ele e diz que “ele não faz nada mes-
mo” (sic), sugerindo à mediadora que o leve para fora da sala
de aula ou, ainda, deixe-o brincar com massinha enquanto
todos os outros fazem atividades compatíveis com o nível de
escolaridade em questão.
A família desta criança está em dúvida sobre o que fazer, pois
considera a situação muito difícil. Não há tempo para aprofundar
o assunto, e é dito somente que o profissional que faz, normal-
mente, esse contato com a escola e a orienta é o psicopedagogo,
especialidade clínica que o menino não frequenta. Ele frequenta
apenas a clínica fonoaudiológica três vezes por semana.
Esta rápida conversa nos leva a pensar sobre o papel do psi-
copedagogo frente às questões da inclusão das pessoas com
necessidades educacionais especiais.
É interessante lembrar que sempre que um psicopedagogo
elabora um laudo sobre um cliente, entre suas orientações está
incluída a orientação aos profissionais da educação que lidam
com a criança ou adolescente.
Quando estamos em processo de formação/especialização
em Psicopedagogia Clínica, somos apresentados ao livro que é
considerado como referência teórica principal da avaliação dos

2“Nos tempos atuais, (Síndrome de) “Asperger” refere-se àqueles indivíduos


que apresentam características autísticas, são inteligentes e apresentam apti-
dões linguísticas aparentemente normais, mas que não preenchem todos os
critérios necessários para que se caracterize um quadro autístico clássico
(Klin,1995). Apesar de esses indivíduos apresentarem dificuldades na interação
social, percebe-se que é no desenvolvimento da linguagem que ocorre a carac-
terística diferencial, pois na Síndrome de Asperger não seriam observados
atrasos tão significativos no seu desenvolvimento” (Moraes, 2000 ).

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 197


problemas de aprendizagem: o livro de Weiss (1992), Psicopeda-
gogia Clínica. Todo o conteúdo é dedicado à avaliação, passo a
passo. Weiss (op. cit.) não propõe um modelo único de avaliação,
mas fornece as informações básicas necessárias para a realização
de uma avaliação competente. Há outros bons livros sobre avalia-
ção3 que podemos mencionar. E sobre o acompanhamento?
Como operacionalizamos “a orientação à escola e aos profissiona-
is da educação que lidam com a criança/adolescente”, item sem-
pre presente ao final dos laudos psicopedagógicos clínicos?
No citado livro de Weiss (1990), lê-se no item VIII do infor-
me psicopedagógico:

VIII) Recomendação e Indicações


Sintetizam-se aqui as orientações dadas aos pais e à esco-
la: troca de turma ou de escola, forma de posicionar o
paciente em sala de aula, modo de lidar com ele em casa
e na escola, reformulação de exigências, atribuição de
responsabilidade, revelação de fatos, etc. As indicações
de atendimento a serem feitas, seja em psicopedagogia,
fonoaudiologia, psicoterapia, etc. (grifos meus)

Alguns bons textos falam também sobre a intervenção,


4
mas se referindo a casos clínicos específicos . Não encontramos,
porém, muitos trabalhos sobre a técnica psicopedagógica.
A partir da reflexão sobre o caso discutido acima, outros
são recordados:
5
Lara tem nove anos e cursa o 2º ano de escolaridade (antiga
1ª série). Ela se alfabetizou em dois anos ao invés de em somente
um. A avaliação neurológica sugere que seu déficit cognitivo é
significativo, mas não há um diagnóstico da etiologia dos seus
sintomas. Não há uma causa orgânica definida. Fisicamente, Lara
é uma menina “normal”, apesar de possuir baixa estatura para a

3Avaliação Psicopedagógica da criança de 0 a 6 anos, de Vera Barros e Nádia


Bossa.
4Avaliação Psicopedagógica da criança de 7 a 11 anos, de Vera Barros e Nádia

Bossa.
5Os nomes são fictícios.

198 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


sua idade. É somente quando começamos a conversar com ela
que percebemos que seu raciocínio não está adequado para uma
criança de sua idade. Ela não sabe quantos dedos tem nos pés –
precisa contá-los, e tem dificuldade para manter um diálogo com
começo, meio e fim. Começa a falar de sua prima bebê e logo
está se referindo às suas amiguinhas na escola, sem qualquer
ligação entre os dois assuntos. Suas brincadeiras têm regras alea-
tórias e a lógica que usa não é clara. Ela gosta, por exemplo, de
recortar revistinhas de propaganda de lojas (como das Lojas
Americanas), mas não usa qualquer critério para tal. A princípio
diz que vai recortar os brinquedos de que gosta, mas quando
acaba errando sem querer, começa a recortar as coisas bonitas e
depois, sem maiores informações, recorta o que vai dar para sua
mãe ou pai. Seu recorte também deixa a desejar para uma crian-
ça de nove anos, se assemelha ao recorte de uma criança de qua-
tro anos que está começando a recortar. E, por fim, muitas vezes
é impossível seguir sua intenção na brincadeira.
Seu laudo psicopedagógico informa que seus desenvolvi-
mentos cognitivo, pedagógico e emocional apresentam lacunas
significativas que merecem atenção especial. Lara ainda não
alcançou o nível de desenvolvimento cognitivo esperado para
sua idade, ou seja, o período operatório concreto6, segundo Pia-
get (1980), e não tem desempenho coerente nas atividades
pedagógicas sugeridas para sua turma. Emocionalmente é uma
menina dependente e insegura, não tem consciência de suas difi-
culdades e muitas vezes fica triste com as outras crianças de sua
turma pois não compreende por que não a incluem em algumas
brincadeiras e acha que não gostam dela.
Lara é uma criança que frequenta o ambiente escolar des-
de os três anos de idade e esse fato, por si, dificulta ainda mais o
entendimento sobre o que acontece com ela, sugerindo que a

6Estágio Operatório Concreto (dos 7 aos 11 anos) – a criança começa a construir

conceitos, através de estruturas lógicas, consolida a conservação de quantida-


de e constrói o conceito de número. Seu pensamento, apesar de ser lógico, ain-
da está preso aos conceitos concretos, não fazendo ainda abstrações.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 199


intervenção pedagógica não foi responsável por uma mudança
significativa em seu comportamento.
O acompanhamento psicopedagógico se fez urgente e,
além disso, foi necessária uma avaliação com especialista em
neurologia pediátrica para que se pudesse verificar a existência
de alguma organicidade.
Outro caso é o de Fernanda, que tem quinze anos e é uma
adolescente muito bonita. Ela não apresenta déficit cognitivo – de
acordo com a avaliação psicopedagógica realizada, mas não tem
um bom resultado na escola onde cursa o 1º ano do ensino médio.
Sua história familiar é complexa, com pais separados desde o seu
nascimento e uma educação inicial promovida pela avó materna.
Atualmente mora com o pai e a madrasta, com quem se relaciona
muito bem. A mudança para a casa do pai e também para uma
escola “mais forte” (sic) parece ter afetado muito o desempenho
de Fernanda. Fernanda fala sobre as dúvidas que tem quanto à
nova escola e sua “nova” família, bem diferente da que tinha. Ela
também relata dificuldades de relacionamento com a turma da
escola. Não se trata de uma dificuldade especificamente sua, mas
de entrosamento do grupo mais antigo da escola com os alunos
novos – estando ela aqui incluída. Fernanda está também em tra-
tamento fonoaudiológico, pois apresenta alguma dificuldade na
articulação de palavras, um problema de motricidade oral. Fer-
nanda pouco mexe o maxilar quando fala, porém, isto nunca foi
tratado devidamente.
Seu laudo psicopedagógico apresenta, assim como o de Lara,
a orientação aos profissionais de educação que lidam com ela.
O histórico escolar de Fernanda apresenta sutis dificulda-
des desde o início e este é um ponto importante a ser considera-
do. Agrega-se a isto uma certa inadaptação em uma escola que
é reconhecida pela família como uma escola “mais bem prepa-
rada” (sic) que as anteriores.
Um acompanhamento psicopedagógico é de fundamental
importância neste momento, a fim de harmonizar todas as áre-
as de desenvolvimento e possibilitar, assim, a realização de todo
o potencial de Fernanda.

200 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Como orientação à família, propõe-se o acompanhamento
psicopedagógico em sessões semanais; continuidade do acom-
panhamento fonoaudiológico e orientação aos profissionais de
educação que lidam com Fernanda.
O terceiro exemplo que apresentamos aqui é o de Tiago, de
quatorze anos e com um diagnóstico de dislexia grave. Ele foi
diagnosticado por profissionais especializados em avaliação de
dislexia, bem como por um neuropediatra. Tiago cursa o 6º ano
de escolaridade (antiga 5ª série) de uma escola pública do Muni-
cípio do Rio de Janeiro e sua mãe faz todo o possível, apesar das
dificuldades financeiras existentes, para manter seus tratamen-
tos de psicopedagogia e fonoaudiologia. Sua última avaliação
neurológica indica a necessidade de um acompanhamento fono-
audiológico muito “intenso” e a continuação do acompanha-
mento psicopedagógico. A avaliação indica também uma leve
desatenção e um nível cognitivo médio inferior. Cabe aqui sali-
entar que o diagnóstico de dislexia é incompatível com a suges-
tão de rebaixamento cognitivo, já que faz parte do diagnóstico
diferencial para dislexia, tal como proposto pelo DSM IV, o
desenvolvimento cognitivo normal.
O diagnóstico de rebaixamento cognitivo também já havia
sido dado por avaliação neuropsicológica realizada em 2005 e a
ideia de empreender uma nova avaliação este ano se deu em
função da constatação de que Tiago não investe em seu aprendi-
zado, mais uma vez, deslocando o problema da esfera orgânica
para a afetiva. A queixa materna é a de que ele parece ter desis-
tido de aprender na escola, já que falta às aulas, ou quando vai à
escola, não entra na sala de aula ou não faz os deveres solicita-
dos pelos professores. Tiago não demonstra qualquer preocupa-
ção diante de mim quando, obedecendo a uma ordem de sua
mãe, apresenta seu boletim com péssimos conceitos. Quanto à
vida social, ele parece ter um bom desempenho, tem amigos de
sua idade e participa de grupos sociais. Quando questionado
sobre a necessidade de aprender a escrever de forma mais ade-
quada, fazer contas mentalmente etc. (coisas que são de extre-
ma importância para sua vida diária, pois utiliza o transporte
coletivo, faz pequenas compras para a mãe), ele dá uma descul-
pa e diz que vai fazer do “seu jeito”. Ou seja, fará as contas com

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 201


os dedos e escreverá de uma forma que nem mesmo ele compre-
ende. A imaturidade de seu discurso é tamanha que suspeitáva-
mos (família e psicopedagoga) que houvesse “algo mais” a fazer.
Quando questionado sobre seu futuro, Tiago diz que trabalhará,
morará sozinho e ajudará sua mãe. Seus planos são fantasiosos e
não há qualquer proposta de operacionalização de sua vida.
Em seu laudo psicopedagógico, além do acompanhamento
psicopedagógico, é sugerido também o acompanhamento
fonoaudiológico e aqui também a orientação aos profissionais
da educação que lidam com ele.
Poderia ser descrita aqui uma quantidade grande de casos
de crianças e adolescentes em atendimento psicopedagógico em
consultórios particulares, mas o propósito deste trabalho é pro-
curar entender como funciona o atendimento psicopedagógico
em sua relação com a escola que atende às crianças que não
aprendem como a maioria e pensar em estratégias de trabalho
para este profissional, que está diretamente ligado a estas crian-
ças. Este profissional deve ter, dentre outras obrigações, a obri-
gação de fazer com que haja o desenvolvimento máximo possí-
vel da personalidade e dos talentos e criatividade das pessoas
com deficiência, assim como de suas habilidades intelectuais.
Como orientar as escolas – particulares ou públicas – sobre
a especificidade desses sujeitos? Quais serão os limites e as pos-
sibilidades de atuação do psicopedagogo clínico?
É importante lembrar que o Projeto de Lei nº 3.124/97 do
Deputado Barbosa Neto propõe a regulamentação da profissão
do Psicopedagogo e cria o Conselho Federal e os Conselhos
Regionais de Psicopedagogia e nos informa no corpo do seu
texto – Artigo 4. – a realização de diagnóstico e intervenção psi-
copedagógica, mediante a utilização de instrumentos e técni-
cas próprios de Psicopedagogia.
Quais são estes métodos, instrumentos e técnicas próprias?
Como lidar com essa escola, que, muitas vezes, acredita que o
problema está no aluno e não tem qualquer relação e compro-
misso com a aprendizagem desse ser humano?

202 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


SOBRE A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA QUE
CONHECEMOS

A Psicopedagogia nasceu como um fazer empírico devido à


necessidade de atender às crianças com dificuldades de apren-
dizagem, cujas causas eram estudadas pela medicina e pela psi-
cologia. Com o tempo ela foi se transformando em um conheci-
mento independente, com objeto de estudo próprio – o ser
humano em processo de aprendizagem – e propondo técnicas
diagnósticas próprias.
Precursor deste novo conhecimento, Visca (1985) propõe
um trabalho clínico utilizando-se da integração de três linhas
de pensamento: Escola de Genebra (Epistemologia Genética de
Piaget), Psicanálise Freudiana e a Psicologia Social de Enrique
Pichon Rivière. Visca denomina sua proposta de Epistemologia
Convergente.
No Brasil, a Psicopedagogia surge em meados dos anos 50
como resposta a uma demanda crescente em relação ao fracasso
escolar e aos problemas de aprendizagem (Berlin e Portella, 2007).
Inicialmente ela se mostra como uma abordagem organicista, de
valorização dos sintomas e com uma visão de re-educação e corre-
ção dos mesmos. Ao longo dos anos vai se transformando para, a
partir da década de 90, ampliar sua visão, entendendo o ser cog-
noscente como sujeito ativo de sua aprendizagem e extremamen-
te vinculado com o outro que ensina.
Sua atuação se dá hoje tanto do ponto de vista preventivo
quanto do ponto de vista terapêutico. No que se refere à preven-
ção, vemos a inserção do psicopedagogo em instituições de ensi-
no, preparando profissionais que atuam diretamente com os edu-
candos, ensinando-lhes sobre o processo de ensino-aprendiza-
gem, assim como sobre o desenvolvimento global do ser humano.
Construindo junto com eles o entendimento de que, para apren-
der, o ser humano precisa ter condições físicas adequadas, um
equilíbrio emocional que depende das relações afetivas positivas
estabelecidas, um meio social e cultural propício que lhe dê estí-
mulos e ao mesmo tempo fomente o crescimento e, por último,
uma relação vincular com a pessoa que vai transmitir os conheci-

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 203


mentos, sem a qual não há possibilidade de assimilação de tais
conhecimentos, muito menos de ressignificá-los a fim de que a
aprendizagem se estabeleça. A aprendizagem se desenvolve, por-
tanto, dentro de um campo de relações.
Em nível terapêutico temos o psicopedagogo clínico, que
atua em consultórios e clínicas particulares, assim como em ONGs.
Este é o profissional que recebe a criança, adolescente ou
adulto que já apresenta dificuldades em seu processo de apren-
dizagem.
O psicopedagogo clínico vai receber o sujeito e fazer inici-
almente uma avaliação para entender como este sujeito apren-
de e quais são os elementos que estão limitando esta aprendi-
zagem. Na fala de Weiss (1999) sobre a avaliação, trata-se de
uma investigação sobre o não-aprender, aprender com dificul-
dade ou lentamente, do não-mostrar que aprendeu ou mesmo
fugir de situações de possível aprendizagem.
Sucede-se à avaliação o encaminhamento do caso a outro
profissional especialista, se for este o caso, ou então se inicia o
tratamento psicopedagógico. É este o momento no qual preci-
samos nos deter: atender à criança ou adolescente ou mesmo
adulto que apresenta uma dificuldade de aprendizagem não é
possível sem verificarmos sua situação na instituição de ensino
que ele frequenta. Seja um problema orgânico (síndromes
orgânicas), emocional ou social, ele estará relacionado intima-
mente com a instituição de ensino, na medida em que será nes-
te lugar que o sujeito passará boas horas do seu dia e onde ele
será estimulado (ou não) a aprender.
Mas como fazer isto se o psicopedagogo não é profissional
daquela instituição? Se normalmente não tem qualquer vínculo
com a instituição?
É um trabalho delicado e fundamental: o tratamento não vai
funcionar se não houver o comprometimento daquela parte,
assim como não funcionará se não houver o comprometimento
da família.
É preciso habilidade para lidar com os próprios profissiona-
is que indicaram – muitas vezes é a própria escola que indica –
para avaliação psicopedagógica na esperança de que o especia-
lista resolva o problema que ela não percebe como sendo tam-

204 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


bém seu. E é esse especialista que volta à escola para questionar
e sugerir alterações também dentro do ambiente da escola e
não somente da família.
Não temos a pretensão de indicar a forma “certa” de fazer
o trabalho. Sabemos que cada sujeito tem suas especificidades,
assim como cada instituição de ensino tem sua forma de traba-
lhar. Algumas dicas, entretanto, são fundamentais para a reali-
zação de um trabalho de orientação que será eficaz para o suje-
ito em tratamento:
Em primeiro lugar, escute o que os profissionais da escola
têm a dizer. É importante resistir à tentação de chegar à escola
querendo dizer o que é certo ou não fazer com aquele sujeito.
Vale lembrar sempre que, ainda que o psicopedagogo seja o
especialista, é na escola que aquele sujeito passa boa parte de
sua vida, são estes os profissionais que poderão implementar
práticas diárias para o sujeito e é lá, normalmente, onde
aparecerão os maiores problemas.
Coloque-se na posição de parceiro. Reafirme a importância
da escola na vida desse sujeito. Reafirme sua crença na capaci-
dade dos profissionais de construírem algo novo, juntos.
Informe. É preciso levar o máximo possível de informações.
Leve, além do informe psicopedagógico, tudo que for possível
sobre o problema do sujeito (artigos, livros), além de toda legis-
lação vigente que assegura a inclusão desse sujeito e a obriga-
toriedade de a escola se preparar para recebê-lo.
Faça acordos: o que é possível agora? Pergunte o que será
feito. Não aceite somente uma resposta afirmativa, de aceitação.
É preciso que a escola se manifeste sobre o que, operacionalmen-
te, pretende fazer. Vai mudar o aluno de sala? Vai trocar de lugar?
Vai realizar a avaliação oralmente? Se for solicitado tempo para
planejamento, marque sua volta para verificação e ajuda.
Não saia da escola sem ter estabelecido um vínculo consisten-
te com os profissionais. Nenhum acompanhamento psicopedagó-
gico clínico vai funcionar bem sem a parceria com a instituição de
ensino.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 205


Insista: raramente é na primeira visita à escola que tudo se
modifica. A escola e seus profissionais só começam a acreditar
no trabalho após algum tempo de tratamento. Nunca desista.
Diante disto, vejamos, então, como os casos relatados ante-
riormente foram encaminhados.
O psicopedagogo clínico sugeriu aos pais e à escola que
Lara refizesse a Classe de Alfabetização. Foram apresentados os
argumentos de que não havia condições cognitivas nem peda-
gógicas para o enfrentamento de uma 1ª série (2º ano de esco-
laridade). A família resistiu, a princípio, pois isto significava que
ela veria as amigas na série seguinte e ela continuaria na mes-
ma série. Isto, supostamente, poderia afetar sua auto-estima.
Foi esclarecido aos pais que sua auto-estima seria seriamente
abalada se ela estivesse em uma turma alfabetizada e ela não
pudesse escrever ou ler. Todos, então, concordaram e Lara
pôde, sem quaisquer problemas, refazer a Classe de Alfabetiza-
ção. Alfabetizada ao final do ano, os pais decidiram, junto com
o psicopedagogo, mudar de escola. A escola em que ela se
encontrava passava por problemas no seu quadro de pessoal e
pouca atenção era dispensada às crianças. A nova escola foi visi-
tada pelos pais e pela psicopedagoga que combinou visitas fre-
quentes para avaliação de seu processo. Lara vem apresentan-
do melhoras significativas em relação à escrita e leitura, mas
precisa ser estimulada intensamente com relação à lógica. A
escola vem fazendo esta estimulação paralela sob a orientação
do psicopedagogo.
No caso de Fernanda, os profissionais que lidam com ela
vêm tentando fazer com que participe mais ativamente do seu
aprendizado sob a orientação da psicopedagoga. A menina tími-
da e deslocada que veio de uma escola menor vem dando lugar a
uma aluna mais segura, que investe no seu aprendizado. Ela é
sempre solicitada a participar das aulas e os professores foram
orientados a perguntar sempre se ela compreendeu o conteúdo
da aula. Foram planejadas atividades extra-classe com o objetivo
de fazer o entrosamento entre os alunos e, segundo relato da
própria Fernanda, isto tem dado bons resultados. As notas ainda
não estão acima da média, mas já apresentam uma sensível
melhora neste último bimestre.

206 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


A situação de Tiago é um pouco mais complexa. A escola não
consegue fazer uma articulação entre seus profissionais para que
seja dada a ele toda a atenção de que precisa. Ainda que todas as
informações tenham sido levadas à escola e haja disponibilidade
do psicopedagogo para realizar orientações diretas aos professo-
res, os profissionais que dirigem a escola não conseguem marcar
uma reunião geral. São muitos os professores que trabalham com
Tiago e todos trabalham em outras escolas, o que impede que se
encontrem (sic). Sendo assim, a mãe informa em reunião no con-
sultório que, na última reunião de pais e professores, um profes-
sor perguntou se há comprovação do diagnóstico de Tiago. Uma
nova reunião com a direção da escola, o orientador educacional e
a psicopedagoga foi marcada.
Talvez seja a própria dúvida diagnóstica que esteja impe-
dindo qualquer avanço para Tiago, uma vez que, confirmado o
diagnóstico de déficit cognitivo (como já sugerido), o aluno
poderia receber as devidas adaptações curriculares previstas
para alunos como ele que estão incluídos no ensino regular.
Ainda há muito que trabalhar nestes e em outros tantos
casos semelhantes. Há também muito o que aprender com eles.
Este trabalho não teve a pretensão de esgotar o assunto, mas
de deixar claro que a parceria entre a escola e o psicopedagogo
clínico é essencial para o processo de inclusão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, V.; BOSSA, N. Avaliação Psicopedagógica da criança de 0 a 6 anos.
Petrópolis: Vozes, 2008.
________. Avaliação Psicopedagógica da criança de 7 a 11 anos. Petrópolis:
Vozes, 2008.
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Maluf, M. I.; Bombonatto, Q. História da Psicopedagogia e da ABPp no Bra-
sil. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2007.
________. Diretrizes e Bases da Educação Nacional – nº 9.394. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 dezembro,
1996.
________. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 05 de
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Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 207


________. Lei Federal nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio
às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coorde-
nadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
(CORDE), institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos des-
sas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá
outras providências. Brasília, DF, 1990.
________. Projeto de Lei nº 3.124/97. Deputado BARBOSA NETO. Dispõe sobre a
regulamentação da profissão de Psicopedagogo, cria o Conselho Federal e
os Conselhos Regionais de Psicopedagogia e determina outras providênci-
as. Comissão de Educação, Cultura e Desporto, Brasília, DF, 20.6.2000.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU). 13 de dezembro de 2007.
MORAES, J. L. Síndrome de Asperger. Revista Sinpro (Sindicato dos Professores
do Município do Rio de Janeiro e Região), Rio de Janeiro, 2000.
PESSOTTI, I. Deficiência mental: da superstição à ciência. São Paulo: Edusp,
1984.
PIAGET, J.; INHELDER, B. A Psicologia da Criança. São Paulo: Difel, 1980.
VISCA, J. Clínica Psicopedagógica: Epistemologia Convergente. Tradução de
Ana Lúcia E. dos Santos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
WEISS, M. L. L. Psicopedagogia Clínica. Rio de Janeiro: DP&A, 1992.

208 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


14
ALFABETIZAÇÃO DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

1
Aliny Lamoglia
2
Mara Monteiro da Cruz

1Professora de Educação Inclusiva do Departamento de Fundamentos da Educa-


ção/UNIRIO. Psicopedagoga. Coordenadora do Núcleo de Educação Inclusi-
va/UNIRIO e do Projeto “Inclusão e Acessibilidade na UNIRIO” – Programa
INCLUIR – MEC/SESu. Contato: alinylamoglia@gmail.com.
2Fonoaudióloga, Mestre em educação especial (UERJ), tutora de cursos de Edu-

cação a Distância (UNIRIO), coordenadora de Educação Infantil. Coautora dos


livros Caminhos das Letras. Alfabetização na Era Digital (com Izabel Neves Fer-
reira) e A Informática e os Problemas Escolares de Aprendizagem (com Alba
Weiss).
INTRODUÇÃO

A constatação de que pessoas com deficiência intelectual são


capazes de aprender é bastante recente.
A história nos revela que a Educação Especial constitui-se,
inicialmente, a partir de um modelo médico ou clínico. Acredi-
tava-se que a deficiência inspirava, primordialmente, cuidados
médicos e terapêuticos e à escolaridade era reservada uma
pequena fração do tempo do aluno (GLAT, 2007).
Na área da alfabetização, eram utilizados métodos tradicio-
nais de ensino, cuja base eram os exercícios de “prontidão” – ati-
vidades voltadas para desenvolver habilidades percepto-moto-
ras que funcionavam como pré-requisitos para o processo de
alfabetização propriamente dito. Esta etapa quase nunca era
superada pelos alunos com deficiência intelectual, que costu-
mam ter associadas ao quadro de déficit cognitivo dificuldades
no desenvolvimento psicomotor. Tudo isto resultava, quase inva-
riavelmente, em falta de motivação e fracasso escolar. Fortale-
cia-se, assim, a crença de que estes alunos não tinham capacida-
de para ler e escrever. E difundia-se a ideia de que aprender a
escrever dependia mais de uma capacidade motora do que da
aquisição do que Vygotsky (1993) denominou de uma função
mental superior, a representação mental ou o uso de signos.
A alfabetização depende de um processo sistemático de
ensino formal, diferente do desenvolvimento da linguagem
oral, que acontece naturalmente a partir da interação da crian-
ça com pessoas que falam, desde que ela seja capaz de ouvi-las.
É importante ressaltar, no entanto, que, para a criança apren-
der a falar, não é suficiente que ela apenas repita o que ouviu.

210 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


Quem observa uma criança pequena dizer “eu fazi aniversá-
rio”, conclui que ela, através de associações, elaborou sua fala,
flexionando um verbo irregular de acordo com as regras dos
verbos regulares.
Da mesma forma, para aprender a ler e escrever, não é sufi-
ciente fazer cópias ou aprender os nomes das letras para, em
seguida, combiná-las, pois a linguagem escrita se constitui na
modalidade gráfica de um sistema abstrato de regras linguísti-
cas e não, simplesmente, em um código. Esta premissa deve
direcionar o planejamento do professor alfabetizador, pois um
código pode ser ensinado facilmente, a escrita exige o domínio
do uso das ferramentas linguísticas, ou seja, das palavras, em
sua modalidade oral, para só depois “passar para o papel”. Não
é por acaso, portanto, que as crianças devem aprender a ler e a
escrever por volta dos seis ou sete anos de idade, quando já são
usuárias competentes de uma língua na modalidade oral.
Algumas crianças com desenvolvimento típico podem cau-
sar a impressão de terem aprendido sozinhas a ler e escrever.
Isto, porém, pode ser consequência de dois fatores:
1. Crianças que crescem em áreas urbanas estão em conta-
to todo o tempo com um contexto grafo-linguístico, isto
é, escritos, objetos culturais, apelos gráficos de todas as
formas (como propagandas, outdoors, letreiros, televi-
são) e, se possuem inteligência normal ou acima da
média, deduzem a organização e a lógica com que estes
signos se ordenam.
2. O processo de letramento é, muitas vezes, silencioso. Só
quando nos aproximamos verdadeiramente de uma cri-
ança em meio ao seu processo de busca dos signos para
compor a sua escrita é que podemos perceber que este
trajeto está ancorado nos sons que as letras produzem.
Para a grande maioria dos adultos, que acompanham
apenas superficialmente esse processo, é como se em
uma semana a criança não fosse capaz de ler ou escrever
e, na semana seguinte, “magicamente”, esse fenômeno
se instaurasse, dando a falsa impressão de que ocorreu
de dentro para fora.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 211


Pode-se dizer que algo parecido ocorreu com os estudos
sobre o desenvolvimento da fala da criança à época que
Vygotsky (1939/1989) realizava os seus experimentos sobre a
formação de conceitos. Em uma de suas críticas à teoria de Pia-
get, talvez a mais contundente delas, afirma que o estudo
sobre o pensamento verbal se manteve “quase inacessível à
experiência” (p.113) pois apenas os aspectos visíveis à experi-
mentação eram considerados.
Vygotsky (1989) defende a ideia da aprendizagem da lín-
gua como um fenômeno social e cultural, afirmando que sua
aquisição ocorre na interação entre a criança e o meio. Ele sali-
enta que a influência do meio é tão significativa que pode ace-
lerar ou retardar o desenvolvimento da linguagem. Se isto é
verdade, tal como acreditamos, também a modalidade escrita
da língua está submetida a este funcionamento social.
As crianças com deficiência intelectual, porém, possuem
estruturas cognitivas cujo desenvolvimento é prejudicado pelas
limitações estruturais de natureza orgânica, além dos déficits
motores e sensoriais, que frequentemente estão associados e
dificultam a interação do sujeito com o meio.
Além desta “viscosidade genética”, ou dificuldade de des-
prender-se das etapas vivenciadas anteriormente, verifica-se,
também, segundo Piaget (apud INHELDER, 1971), que as pessoas
com deficiência intelectual são capazes de pensar em um nível
concreto, ou seja, seu pensamento operatório está subordinado
à presença do objeto. Segundo Inhelder (1971), os sujeitos com
deficiência intelectual necessitam da presença dos objetos para
apreendê-los e quando isto não é possível ou se está diante de
um conteúdo eminentemente linguístico – como exemplos sim-
ples do que chamamos “eminentemente linguístico”, podemos
citar as regras de polidez ou o entendimento das dimensões tem-
porais, ou ainda a palavra “ali”, entre tantos outros –, esta apre-
ensão de significado simplesmente não ocorre.
Esta discussão levou Vygotsky (1989) a problematizar as
teorias que estabeleceram que as crianças com déficit intelectu-
al não são capazes de ter pensamento abstrato. Diz o autor: “a
pedagogia da escola especial tirou a conclusão, aparentemente

212 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


correta, de que todo o ensino dessas crianças deveria basear-se
no uso de métodos concretos do tipo “observar-e-fazer” (p.
116). Este sistema de ensino, porém, eliminaria tudo aquilo que
está associado ao pensamento abstrato e isto não ajudaria as
crianças a superarem o pensamento concreto. Em suas próprias
palavras:

Precisamente porque as crianças retardadas, quando


deixadas a si mesmas, nunca atingirão formas bem ela-
boradas de pensamento abstrato, é que a escola deveria
fazer todo esforço para empurrá-las nessa direção, para
desenvolver nelas o que está intrinsecamente faltando
no seu próprio desenvolvimento (op. cit., p. 116).

A abordagem de Vygotsky é coerente com a sua teoria


interacionista do desenvolvimento. Cabe salientar, porém, que
o contexto de interação, a escola, no caso, não pode modificar
uma condição orgânica como a da deficiência mental. Em mui-
tos casos de deficiência mental grave, por mais que haja um
contexto que, como diz Vygotsky, “empurre” a criança na dire-
ção de uma aprendizagem que exige uma forma abstrata de
pensamento, esta não ocorrerá. Se ocorrer, o diagnóstico bem
como o grau da deficiência mental conferida à criança deverão
ser revistos.

Luria e Yudovich (1985) relatam que os estudos de psicólo-


gos soviéticos relacionam intimamente o desenvolvimento men-
tal com a aprendizagem da língua. Segundo os autores, no caso
da criança com deficiência intelectual, os processos da atividade
nervosa superior e sua fala encontram-se prejudicados, impossi-
bilitando a participação da língua na formação de novas cone-
xões. Assim, as novas conexões “se fazem sem a necessária parti-
cipação da função abstrativa e generalizadora da linguagem” (p.
14). Esta formulação dos autores é de extrema importância, já
que, como sugerido anteriormente, a própria fala das crianças
com deficiência mental se encontra prejudicada e desta depende
a aprendizagem da língua escrita.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 213


O atraso no desenvolvimento da linguagem verbal (lín-
gua), por sua vez, característico de crianças com deficiência
intelectual, acarreta déficit nas suas interações com as outras
pessoas e com o meio. Este déficit diminui as possibilidades de
aprendizagem das formas, conteúdos e usos linguísticos de sua
comunidade, gerando problemas de interação e todas as conse-
quências daí advindas.
Segundo Peña-Casanova (1997), essas crianças, não rara-
mente, apresentam também dificuldades em relacionar concei-
tos e fazer associações, que são prejudicadas pela pouca habili-
dade conceitual, assim como os processos de generalização. A
memória também pode estar afetada, devido à dificuldade em
codificar o que é apreendido pela atividade sensorial. A ação
exploratória do ambiente torna-se reduzida ou estereotipada,
afetando o desenvolvimento das funções intelectivas em geral.
Considerando como aprende este educando e tendo em
vista que a linguagem escrita é um sistema simbólico e arbitrá-
rio, será possível compreender suas necessidades educacionais
especiais, além de selecionar métodos e recursos mais adequa-
dos para favorecer sua educação:

Os portadores de deficiência precisam ser conside-


rados a partir de suas potencialidades de aprendiza-
gem. Sobre esse aspecto é facilmente compreensível
que a escola não tenha de consertar o defeito, valori-
zando as habilidades que o deficiente não possui, mas,
ao contrário, trabalhar sua potencialidade, com vistas
ao seu desenvolvimento (Carneiro, 1997, p. 33).

Para que seja possível trabalhar a leitura e a escrita de for-


ma significativa para estes estudantes, é fundamental que
ambas assumam os seus papéis de objetos culturais (em suas
funções de registro, memória, informação etc.) e de técnica
(possibilidade de expressar um pensamento através da modali-
dade escrita da língua). Para que seja favorecido o processo de
desenvolvimento da escrita destes alunos, além de estimular o
desenvolvimento da consciência fonológica, é preciso adotar

214 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


uma abordagem contextualizada da leitura e da escrita. Práti-
cas que reproduzem conteúdos descontextualizados como
aqueles apresentados em cartilhas - com hierarquização de difi-
culdades, isto é, trazem frases que excluem as complexidades
da Língua Portuguesa, como “Vovô viu a uva”, “O boi baba no
boné” ou “A vaca é boa” - que reduzem a escrita a códigos que
devem ser memorizados.
Vygotsky (1935/1989), muito antes dos estudos sobre cons-
ciência fonológica que atualmente apresentam as evidências
do processo pelo qual a criança passa ao aprender a ler e escre-
ver (e que esperamos que em breve influencie cada vez mais
profissionais da área da alfabetização), já anunciava:

(...) a ação de escrever exige também da parte da


criança uma ação de análise deliberada. Quando fala,
ela tem uma consciência muito imperfeita dos sons
que pronuncia e não tem consciência das operações
mentais que executa. Quando escreve, ela tem de
tomar consciência da estrutura sonora de cada pala-
vra, tem de dissecá-la e reproduzi-la em símbolos alfa-
béticos, que têm de ser memorizados e estudados de
antemão.

Atualmente, ainda há casos de alunos adolescentes e adultos,


cujo diagnóstico de deficiência intelectual é usado como justifica-
tiva para a insistência em tentativas de alfabetização. Em alguns
casos a idade cronológica é o único critério para a desvinculação
destes alunos da escola. Veicula-se a ideia de que pessoas com
deficiência mental são capazes de aprender o que outras pessoas
aprendem, só que em um tempo maior. Ora, se é necessário um
tempo maior para que alguém aprenda o que no curso normal do
desenvolvimento uma criança aprende aos seis ou sete anos de
idade é porque a aprendizagem não se dá da mesma forma.
Temos, então, por dedução, a definição de deficiência mental.
Diante disso, cabe à escola repensar a sua prática e propor ensinar
ao aluno com deficiência mental algo que ele seja capaz de apren-
der. Cabe também refletir se tais alunos foram avaliados, não

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 215


somente com a intenção de medir seus déficits, mas também de
forma processual, a fim de se descobrir potencialidades.
A deficiência não deve ser considerada um estigma capaz
de anular o papel emancipador da educação, bem como man-
ter o aluno na escola até determinada idade não pode ser cha-
mado de escolaridade básica. É preciso refletir sobre o real sig-
nificado da palavra educação, não resumindo-a à aprendiza-
gem da leitura e da escrita, o que impede a descoberta e a valo-
rização de outras habilidades que o sujeito com deficiência
intelectual possa ter.
Há algumas décadas, as escolas públicas regulares que
atendem alunos com necessidades educacionais especiais têm
oferecido o serviço denominado “Sala de Recursos”. Funda-
mentada pelos princípios do processo de integração, que visa
estabelecer condições que facilitem a participação da pessoa
com deficiência na sociedade, a sala de recursos configura-se
como:

uma alternativa de atendimento a educandos por-


tadores de Necessidades Educativas Especiais (NEE)
que frequentam a classe regular e recebem atendi-
mento complementar em local especial, com professor
especializado, material e recursos pedagógicos ade-
quados (MEC/SEESP,1994).

Os programas de sala de recursos costumam considerar a


classificação dos alunos segundo o tipo de deficiência que possu-
em, e têm por objetivo “preparar” o educando para a integra-
ção no ensino regular, acompanhando e favorecendo seu desen-
volvimento a fim de que esteja apto a participar, na instituição
escolar, da modalidade de atendimento mais integrativa possí-
vel, tendo em vista suas potencialidades e limitações. Neste senti-
do, segundo Ainscow (2002), o sistema educativo se mantém
inalterado em suas linhas gerais. A perspectiva de uma escola
inclusiva, porém, se propõe a acolher a todos, o que só é possível
se considerarmos que todos e quaisquer educandos são diferen-
tes em suas necessidades, interesses, ritmos e estilos de aprendi-

216 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


zagem. Nossa prática, como psicopedagogas que somos, sugere
que são as barreiras atitudinais as mais difíceis de serem ultrapas-
sadas em uma sociedade excludente que se quer inclusiva.
No Brasil, em 2001, foi instituída a Resolução CNE/CEB nº 2,
com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educa-
ção Básica. Este documento, em consonância com a Declaração
de Salamanca, recomenda que os sistemas de ensino assegurem
aos alunos com necessidades educacionais especiais:

currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e


organização específicos para atender às suas necessi-
dades, além de professores capacitados para a integra-
ção desses alunos nas classes comuns.

Esta Resolução, em seu artigo 8, item III, ressalta que as


escolas da rede regular de ensino devem se organizar para
atender, em classes comuns, os alunos com necessidades educa-
cionais especiais, prevendo e provendo, na organização destas
classes,

flexibilizações e adaptações curriculares que consi-


derem o significado prático e instrumental dos conteú-
dos básicos, metodologias de ensino e recursos didáti-
cos diferenciados e processos de avaliação adequados
ao desenvolvimento dos alunos que apresentam
necessidades educacionais especiais, em consonância
com o projeto pedagógico da escola, respeitada a fre-
quência obrigatória (BRASIL, 2001).

Este dispositivo legal, em seu artigo primeiro, parágrafo úni-


co, também assegura, aos alunos com necessidades educacionais
especiais, “serviços de educação especial sempre que se eviden-
cie, mediante avaliação e interação com a família e a comunida-
de, a necessidade de atendimento educacional especializado”
(id. ibid.). É a escola, portanto, que se deve adaptar aos alunos
com NEE e não o contrário.
Para que sejam disponibilizados serviços e efetuadas adap-
tações curriculares necessárias para favorecer a aprendizagem

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 217


do aluno com deficiência intelectual, é imprescindível evitar a
homogeneização (mesmo no contexto das NEE, pois não há
duas crianças surdas iguais ou duas crianças com paralisia cere-
bral que apresentem exatamente as mesmas características).
Não há como negar a deficiência, uma vez que desconsiderá-la
seria uma forma de ignorar o próprio indivíduo. Em contrapar-
tida, alerta Castoriadis (1987), “não se pode tirar o homem
daquilo que o fez tal como ele é, nem daquilo que, tal como ele
é, ele faz. Mas não se pode tampouco reduzi-lo a isto” (p. 52).
Em outras palavras, não podemos reduzir uma criança à sua
necessidade educacional especial, tampouco podemos fingir
que a deficiência não existe e tratar a criança como uma a mais.
Na Resolução CNE/CEB nº2/2001, são considerados educan-
dos com necessidades educacionais especiais aqueles que,
durante o processo educacional, apresentarem:

I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou


limitações no processo de desenvolvimento que difi-
cultem o acompanhamento das atividades curricula-
res, compreendidas em dois grupos:
a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica espe-
cífica;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limi-
tações ou deficiências;
II – dificuldades de comunicação e sinalização diferen-
ciadas dos demais alunos, demandando a utilização de
linguagens e códigos aplicáveis;
III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade
de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente
conceitos, procedimentos e atitudes. (BRASIL, 2001.)

Observa-se que esse grupo é constituído por uma gama


ampla de indivíduos e a dificuldade no processo de aprendiza-
gem é relacionada a questões exclusivamente do educando,
sejam elas orgânicas ou não. Como consequência,

218 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


o número de alunos categorizados como deficientes
mentais foi ampliado enormemente, abrangendo todos
aqueles que não demonstram bom aproveitamento
escolar e com dificuldades de seguir as normas discipli-
nares da escola (SEESP/SEED/MEC, 2007, p.16).

Neste contexto, a educação inclusiva deve ser uma meta, a


fim de favorecer a aprendizagem de todos os alunos:

Ao invés de adaptar e individualizar/ diferenciar o


ensino para alguns, a escola comum precisa recriar
suas práticas, mudar suas concepções, rever seu papel,
sempre reconhecendo e valorizando as diferenças (op.
cit, p.17)

A representação distorcida do aluno ideal prejudica a visão


do professor sobre o processo de aprendizagem do aluno com
qualquer tipo de diferença, considerando mesmo aqueles alu-
nos com diferenças mínimas como se possuíssem severas dificul-
dades. A particularidade de um aluno pode implicar apenas
uma forma peculiar de aprender, cujas limitações não podem
ser avaliadas antes de se oferecer efetivas oportunidades de
aprender com o outro, ampliando suas possibilidades de intera-
ção. Apesar de existirem alunos que apresentam quadros com-
plexos de deficiência que prejudicam seriamente seus processos
de desenvolvimento e aprendizagem, para o educador a ques-
tão “quem é este aluno?” deveria direcionar sempre a sua prá-
tica, com o objetivo de buscar a melhor forma de usufruir do
espaço escolar para ensinar efetivamente algo que pode não
ser ler e escrever.
Sabemos que isto implicaria em uma mudança de paradig-
ma sobre educação formal e uma nova concepção de escola.
Sabemos, também, porém, como nos diz Paulo Freire, que
“Mudar é tão difícil quanto possível”.

Temas em Inclusão: Saberes e Práticas - 219


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pectiva da educação inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2007.
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VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

220 - Núcleo de Educação Inclusiva/UNIRIO


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- Rio de Janeiro : Synergia : UNIRIO, 2009.
Inclui bibliografia
ISBN978-85-61325-23-7

1. Inclusão escolar. 2. Educação especial. 3. Deficientes - Condições sociais. 4.


Deficientes - Educação. I. Lamoglia, Aliny II. Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro. Programa de Acessibilidade na Educação Superior - INCLUIR.
09-1032 CDD: 371.9
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AGRADECIMENTOS

À Professora Dayse Hora, incentivadora deste percurso des-


de o início, quando, ainda em 2007, vislumbrou a possibilidade
de participarmos do concurso ao Edital do Programa INCLUIR.
Obrigada pela ajuda nas incursões burocráticas e também pelas
interlocuções com diversos setores da UNIRIO.
Ao Sr. Jair Franco, Coordenador de Orçamento da PROPLAN/UNIRIO.
Pela sua experiência e presteza para com as questões que o
“maquinário” administrativo nos apresentou.
À aluna Marcia Oliveira, colaboradora do Núcleo de Educa-
ção Inclusiva/UNIRIO, pela dedicação ao que escolheu estudar e
por ter internalizado as questões da inclusão educacional como
se sempre fossem suas... e talvez fossem, mesmo sem sabê-lo.
Ao amigo de sempre, Rômulo Sellani, que acompanhou os
estágios mais embrionários deste projeto e ajudou-nos com as
questões da tecnologia da informação que envolvem a edição
de um livro.
A todas as autoras dos textos que se seguem, por comparti-
lharem seus saberes e suas práticas na construção de uma socie-
dade mais inclusiva.
À Professora Janaina Specht, diretora da Escola de Educação
da UNIRIO, pelo exemplo de seriedade e pelas inúmeras defesas
que empreendeu pelo espaço físico do Programa INCLUIR na
UNIRIO.
Ao Professor Luciano Maia, Pró-Reitor de Extensão da
UNIRIO, pela presteza com que nos recebeu e auxiliou na divul-
gação do livro “Temas em Inclusão: Saberes e Práticas”.
Ao Professor Carlos Veiga, Pró-Reitor de Administração da
UNIRIO, por continuar nos apoiando na busca por um espaço
para sediar o Núcleo de Educação Inclusiva e, consequentemen-
te, o programa INCLUIR.
Às Professoras Eva Maria Costa e Teresa Tonini, coordena-
doras do Programa Fábrica de Cuidados da Escola de Enferma-
gem da UNIRIO, pelas mãos estendidas para, literalmente, aju-
darem a cuidar do INCLUIR, provando que nem sempre a teo-
ria, na prática, é outra.
Equipe INCLUIR-UNIRIO
APRESENTAÇÃO

Uma das ações do Programa INCLUIR: Acessibilidade


na Educação Superior – SESu/MEC – é a divulgação de traba-
lhos em inclusão e acessibilidade. Diante disto, pensei em ela-
borar um livro que trouxesse as experiências de pessoas que
conheci ao longo dos últimos dezessete anos trabalhando com
inclusão educacional de crianças e adultos com necessidades
educacionais especiais (NEE).
Nosso país ainda não tem um histórico de inclusão no ensi-
no superior. É verdade que ações de fixação dos alunos negros,
ou pobres, ou trabalhadores nas universidades vêm ganhando
força nos últimos anos, mas não temos ainda um número repre-
sentativo de alunos com deficiências matriculados nas universi-
dades. Seja porque não atingem este nível de escolaridade
devido às diversas exclusões que sofrem ao longo do seu per-
curso acadêmico, seja porque não se autodeclaram possuidores
de alguma necessidade educacional especial. O fato é que os
números divulgados ainda são bem pequenos. De qualquer for-
ma, se o certo é mesmo começar pelo começo, inúmeras expe-
riências de inclusão são implementadas atualmente no Ensino
Fundamental e destas, felizmente, podemos falar.
É com muito orgulho, portanto, que apresento os trabalhos
de profissionais, especialistas e professores, que estiveram comi-
go desde a Colmeia, exemplo de escola inclusiva ainda em um
tempo em que a inclusão não era uma linha de ação do Governo
Federal, até às mais recentes e frutíferas parcerias travadas na
UNIRIO, instituição onde aprendo hoje a dor e a delícia de ser
professora de futuros professores que entenderão que educação
é direito de todos e TODOS significa TODOS.
A Equipe de Educação Especial da Secretaria Municipal de
Educação de Duque de Caxias (1994/2007), com a qual aprendi
muito do que sei sobre diversidade, está presente nos capítulos
sobre inclusão de crianças com deficiência mental, deficiência
visual, surdez, altas habilidades e transtornos invasivos do desen-
volvimento.
No percurso acadêmico que empreendi, tive o prazer de
encontrar professores que se transformaram em amigos e ami-
gos que muito me ensinaram. Tive o prazer de convidar algumas
dessas pessoas para escrever sobre diagnósticos diferenciais e
possíveis encaminhamentos e formas de prevenção acerca da
surdez, do autismo, da dislexia e da paralisia cerebral.
A importante discussão sobre a escolarização e a alfabeti-
zação de pessoas com deficiência mental, sabiamente denomi-
nada por Claudia Werneck de “o nó cego da inclusão”, foi fruto
da minha parceria mais recente, que, espero, esteja apenas
começando.
A Psicopedagogia, e a sua interface com a inclusão, tem
lugar especial neste livro, já que foi atuando como psicopeda-
goga, na extinta “Colmeia”, que conheci Anna Maria Lacombe,
a quem muito devo, e também conheci as crianças surdas que
influenciaram todo o meu percurso acadêmico e profissional.
A proposta de “Temas em inclusão: saberes e práticas” foi
trazer as experiências dessas pessoas nos mais diversos âmbitos
de atuação: escolas, secretarias de educação, universidades
públicas e privadas, consultórios particulares e organizações
não-governamentais para que as mais variadas abordagens
pudessem nos oferecer um mapeamento sobre como os temas
em inclusão e acessibilidade são abordados.
Aliny Lamoglia
PREFÁCIO

É com muito prazer que apresento o livro organizado pela


Profª. Drª. Aliny Lamoglia e que vem a público em momento
muito oportuno em que o paradigma da inclusão escolar e social
de alunos com deficiência vem sendo debatido à luz da investi-
gação científica.
A obra constitui um esforço coletivo de divulgação de tra-
balhos desenvolvidos por professoras, pesquisadoras e profissi-
onais de Educação sobre inclusão e acessibilidade preconizada
pelo Programa INCLUIR: Acessibilidade na Educação
Superior – da SESu/MEC.
Alicerçada na perspectiva histórico-cultural, Aliny Lamo-
glia discute inicialmente questões relativas à aquisição de lin-
guagem, oferecendo, de forma sucinta, um modelo de educa-
ção especializada para alunos surdos. Em outro capítulo, ela
discorre de forma extensa sobre a proposta de educação de sur-
dos fundamentada na teoria sociopragmática, demonstrando
que o acesso à língua de sinais constitui a única forma de liber-
dade de expressão que é oferecida a essa população. Ainda
focalizando os alunos surdos, Márcia Goldfeld e Maria do
Rosário Leite indicam os requisitos necessários para que a
inclusão social desta população de fato ocorra. Uma retrospec-
tiva das concepções e filosofias de educação de surdos é apre-
sentada por Magali Cerdeira e Simone Pereira.
Aspectos relativos à educação das pessoas com deficiência
visual foram discutidos em dois capítulos. Gisele Araújo, sob a
ótica da abordagem Socio-Histórica, e comprometida com um
enfoque pedagógico, aponta possibilidades de ensino do edu-
cando cego e com baixa visão, enquanto Ana Lucia Palma
Gonçalves apresenta uma metodologia para instrumentali-
zar o indivíduo cego a melhor exercer o ofício de ator.
O aluno com deficiência intelectual foi o tema de dois capí-
tulos. O primeiro, redigido por Anakeila de Barros Stauffer e
Vera Lucia Alves dos Santos, discute a inclusão desse edu-
cando nas classes regulares das escolas públicas do município de
Duque de Caxias. A alfabetização do aluno especial foi focaliza-
da no texto de Aliny Lamoglia e Mara Monteiro da Cruz.
A inclusão de educandos com altas habilidades, paralisia
cerebral e dislexia foi igualmente tratada em outros três capítu-
los de responsabilidade de Silvia Figueiredo/ Aliny Lamo-
glia, Claudia Inês Vianna e Renata Mousinho, respectiva-
mente.
Alunos com transtornos invasivos de desenvolvimento
receberam a atenção de Carla Gruber Gikovate e Renata
Mousinho, que discorrem sobre questões relativas a conceito,
diagnóstico e quadro clínico do autismo, e de Dayse Serra e
Junia Vilhena que discutem a inclusão educacional destes
educandos.
Finalmente, a contribuição da intervenção psicopedagógi-
ca clínica para a inclusão escolar é apresentada e discutida por
Cristiane Guimarães.
Acredito que a leitura atenta e criteriosa dos textos que
compõem esta obra proporcionará ao leitor oportunidade
ímpar de rever seus pressupostos e suas práticas e de refletir
sobre estes temas palpitantes: o desenvolvimento e a educação
dos alunos com deficiências em nossas escolas.

Leila Regina d’Oliveira de Paula , Ph.D.


Professora Titular em Educação Especial
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
SUMÁRIO

1 COMO ENSINAR NA AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS SOBRE COMO


APRENDER? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
Desenvolvimento infantil: a gênese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
Desenvolvimento linguístico: a abordagem sociopragmática . . . . 6
Por que os pressupostos teóricos são fundamentais: o exemplo da
educação de surdos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

2 DIVERSIDADE/ADVERSIDADE PARA A INCLUSÃO EDUCACIONAL


DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENTAL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Introdução: Contextualizando o debate sobre a inclusão . . . . . . 24
Percorrendo caminhos: a teoria como pilar de nossa prática. . . . 27
Uma outra teoria que nos possibilite uma nova mirada
sobre a deficiência mental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Trilhando novos caminhos numa tentativa de
reconstrução da práxis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
O caminhar inconcluso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

3 POSSIBILIDADES DE ENSINO PARA O EDUCANDO CEGO E COM


BAIXA VISÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
A deficiência visual e o processo educacional. . . . . . . . . . . . . . . . 42
A implementação da educação de alunos com
deficiência visual: uma proposta que se efetiva a cada dia . . . . . 45
Intervenção precoce . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Ensino fundamental: um caminhar em direção à inclusão. . . . . . 49
Sala de recursos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
4 A VOZ DO ATOR VIDENTE: O CAMINHO SONORO PARA
O ATOR COM DEFICIÊNCIA VISUAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Três formatos de livros adaptados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

5 INCLUSÃO SOCIAL DE CRIANÇAS SURDAS NO BRASIL . . . . . . . . . 69


Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
Educação infantil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Letramento e alfabetização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
Escolaridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

6 VER OS SINAIS DOS SURDOS OU UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO


DE SURDOS FUNDAMENTADA NA TEORIA SOCIOPRAGMÁTICA . 85
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
Pressupostos teóricos que fundamentam uma proposta
sociopragmática de educação de surdos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
A escola como contexto de interação linguística para surdos . . . 98
Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

7 EDUCAÇÃO ESPECIALIZADA PARA SURDOS NO MUNICÍPIO DE


DUQUE DE CAXIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
Curso de capacitação em língua de sinais para professores
da rede Municipal de Duque de Caxias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
Projeto de capacitação para monitores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
Curso de língua de sinais para família e comunidade escolar . . 118
Projeto de salas de recursos para alunos surdos . . . . . . . . . . . . . 118
Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120

8 A INCLUSÃO DOS ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES . . . . . . . 121


Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

9 AUTISMO: CONCEITO, DIAGNÓSTICO E


QUADRO CLÍNICO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
Qual a causa do autismo? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Quadro clínico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
O tratamento do autismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

10A INCLUSÃO EDUCACIONAL DE ALUNOS COM TRANSTORNOS


INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Introdução: cada termo em seu lugar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
Transtornos invasivos do desenvolvimento e inclusão . . . . . . . . 146
A Importância e a realidade das práticas pedagógicas. . . . . . . . 150
Em busca de uma escola inclusiva para portadores de
transtornos invasivos do desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155

11DISLEXIA E INCLUSÃO: POSSIBILIDADES DE ADAPTAÇÕES


METODOLÓGICAS E AVALIATIVAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
Dislexia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
Adaptações do ponto de vista dos serviços especializados. . . . . 166
Adaptações do ponto de vista dos professores. . . . . . . . . . . . . . 170
Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176

12INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA NA PARALISIA CEREBRAL


E INTERFACES COM A ESCOLA INCLUSIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190

13SOBRE A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA E A


INCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
Sobre a história da psicopedagogia clínica que conhecemos. . . 203
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

14ALFABETIZAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA


INTELECTUAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220

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