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Os bastidores

da mente –
A procura
de si mesmo
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M uitos não sabem que seu pior inimigo nunca esteve


fora de si, mas sim dentro de sua mente, sendo o
seu próprio EU, a partir do momento que não exerce suas
funções vitais, como gerenciar seus pensamentos e
emoções. A produção incontrolável de pensamentos
desgasta excessivamente seu cérebro.
Em empresas, por exemplo, independentemente de seu
tamanho e objetivos, é necessário um líder que cuide das
finanças e da qualidade dos produtos e processos, pois caso
isso não seja feito, a empresa irá à falência. Mas, por
incrível que pareça, a empresa mais importante para nós
mesmos, a mente humana, não possui esse líder maduro.
Por isso, não é sem razão que muitas pessoas têm uma série
de sintomas psíquicos e psicossomáticos.
Desvendar a “anatomia e a fisiologia” do EU é
importantíssimo para que possamos ser pais melhores,
educadores que formam pensadores, profissionais mais
eficientes, pesquisadores mais criativos. Potencializaremos
nossas habilidades e teremos mais chances de reciclar
nossa história.
O que o seu EU faz com as turbulências emocionais? Deixa-as Tais janelas
passar, desvia-se delas ou as enfrenta? Se fôssemos um piloto de encarceram
avião, a melhor conduta talvez fosse fugir das formações densas de
nuvens, mas como pilotos mentais essa seria a pior atitude, embora
o EU e o
seja a decisão mais frequentemente tomada. desestabilizam
como gerente
Em primeiro lugar, porque é impossível o EU fugir de si mesmo. da mente
Em segundo, porque, se o EU exercitar a paciência para deixar as
humana.
emoções angustiantes se dissiparem espontaneamente e seguir em
frente, ele cairá na armadilha da autoilusão.

A paciência, tão importante nas relações sociais, é péssima se


significar a omissão do EU em atuar nas crises psíquicas. Apenas
aparentemente, elas se dissiparão. Serão arquivadas na mente e farão
parte de nossa personalidade. Em terceiro lugar, porque poderão
formar janelas traumáticas com alto poder de atração e agregação.
Estudaremos esse assunto com mais calma, mas vale dizer que tais
janelas encarceram o EU e o desestabilizam como gerente da mente
humana.

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Reafirmamos: o EU deveria saber usar instrumentos para enfrentar
e reciclar suas mazelas emocionais. Mas que tipo de ferramentas ele
usa diante dos medos que furtam sua tranquilidade? Os medos, ou
fobias, vêm e, aparentemente, vão embora, mas na verdade ficam,
vão sendo depositados nos bastidores da memória e, conforme o
tempo, vão desertificando o território da emoção.

Se o EU não for treinado para atuar firmemente diante dessa


situação, a passividade gerará uma perda significativa na capacidade
de enxergar a vida com o referencial sobre o que é belo, prazeroso,
sobretudo o que verdadeiramente necessita ser valorizado. O EU
necessita aprender a sair da plateia e atuar no palco da existência,
deve aprender a enfrentar os pensamentos antecipatórios, negativos,
as janelas killer. A passividade gera o encarceramento e a
incapacidade de tornar-se autor da própria história.
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Educados para o
mundo externo
A educação moderna nos educa para o mundo externo. Como já
expressei e reafirmo, conhecemos átomos que nunca veremos e
planetas em que nunca pisaremos, mas não conhecemos
minimamente o planeta onde todos os dias andamos, respiramos,
existimos e nos acidentamos: o planeta psíquico. Isso não nos mostra
um paradoxo inaceitável? Que tipo de educação é essa e que tipo de
EU queremos formar? Se quisermos formar um EU lúcido, dosado,
coerente, generoso, autêntico, precisamos questionar para onde
caminha a nossa educação.

O ranking dos países que possuem a melhor educação clássica tem


relação com o ranking da eficiência profissional, mas não tem grande
relação com a maturidade do EU diante do desenvolvimento das suas
funções vitais. Não temos ideia de que, no aparelho mental, um
pensamento, por mais tolo que seja, é construído com maior
engenhosidade do que um edifício com milhões de tijolos. Exagero?
Não. Engenheiros sabem quais tijolos usar para uma construção
física, mas o EU, como engenheiro da psique, não sabe sequer como
entrar na mente e utilizar os materiais disponíveis para a construção
de cadeias de pensamentos.
Um EU imaturo não perceberá que cor de pele, religião, sexo,
cultura e raça jamais servirão de modelos para discriminar dois seres
humanos com a mesma complexidade psíquica. Um EU maduro e,
portanto, profundo, deveria ficar no mínimo impressionado com o
processo de construção de pensamentos. Mas quem fica?
Produzimos pensamentos como se tal tarefa fosse uma banalidade.

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Einstein produziu uma das teorias mais complexas da ciência, mas


se vivêssemos em seu tempo e tivéssemos a oportunidade de lhe
perguntar como os fenômenos nos bastidores da sua mente
conseguiram varrer milhares de vezes as janelas da sua mente e
costurar as informações para produzir as suas imagens mentais que
deram luz aos pressupostos de sua teoria, ele provavelmente não
saberia responder. Usamos o pensamento para pensar o mundo, mas,
se o usarmos para pensar como pensamos, entenderemos que todos
somos meninos diante de tão insofismável complexidade.

Podemos não ter doenças clássicas catalogadas pela psiquiatria,


como depressão maior, depressão bipolar, TOC (Transtorno
Obsessivo-Compulsivo), síndrome do pânico, anorexia, bulimia,
ansiedade, mas raramente não desenvolvemos defeitos na estrutura
do EU.
Não é sem razão que muitos jovens estão apresentando sintomas
depressivos:

1. Mais de dois terços deles têm sintomas de timidez;


2. 50% das pessoas desenvolverão um transtorno psíquico;
3. 90% dos educadores estão com três ou mais sintomas de estresse
profissional;

4. 80% das demissões dos executivos não ocorrem por problemas


técnicos, mas sim por dificuldades em lidar com perdas, pressões,
desafios e conflitos nas relações com colegas de trabalho;

5. 50% dos pais não dialogam com seus filhos sobre eles mesmos. A
maioria dos pais não consegue transferir a eles seu capital intelectual,
suas experiências. Eles transferem bens e dinheiro. Por isso, não são
poucos os jovens que se tornaram torradores de herança, vivem à
sombra dos pais, não foram capazes de construir uma bela história
profissional. Também não é sem razão que estamos diante da geração
mais frágil.
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As escolas de As escolas de Ensino Fundamental e Médio, bem como as
Universidades, deveriam funcionar como academias de inteligência
ensino fundamental para o desenvolvimento das habilidades do EU. Sei que há diversas
e médio, bem exceções, mas o pensamento corrente do sistema educacional é:
como as transmita milhões de dados para os alunos sobre o mundo exterior,
estimule-os a assimilá-los, incorporá-los e ter bom rendimento
universidades, intelectual que, quando tiverem com um diploma nas mãos, serão
deveriam funcionar atores sociais e profissionais que saberão dirigir bem o aparelho
como academias psíquico. Uma mentira na área educacional.
de inteligência para As obras-primas da mente humana, como proatividade,
o desenvolvi- flexibilidade, generosidade, solidariedade, adaptabilidade, ousadia,
mento das habi- capacidade de libertar o imaginário, raciocínio esquemático,
lidades do EU. abstração intuitiva, pensar como espécie, colocar-se no lugar dos
outros, trabalhar frustrações, desenvolver resiliência, filtrar o
estresse, debater ideias e gerenciar a ansiedade, não são apenas
sofisticadas, mas também difíceis de ser incorporadas, assimiladas e
reproduzidas pelo EU.
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Os currículos que nos ensinam a conhecer o relevo, mas não a
geografia de nossas mentes, que nos revelam os segredos das
minúsculas células, mas não o processo de desenvolvimento do EU
e as armadilhas psíquicas que podem nos traumatizar e nos
encarcerar, precisam ser reinventados. Claro que é fundamental
estudar e entender bem o cosmo exterior, mas jamais deveríamos
deixar em segundo plano o cosmo psíquico.

É mais fácil desenvolver um EU com “defeitos” estruturais:


extremista, robotizado, fóbico, obsessivo, tímido, inseguro,
intolerante, impulsivo, ansioso, hipersensível, insensível,
controlador, punitivo, autopunitivo, com necessidade neurótica de
poder, de evidência social. Quem não tem alguns desses defeitos,
ainda que minimamente? Que psiquiatra, psicólogo, médico não tem
prejuízos em seu psíquico? O problema não é tê-las, mas reconhecê-
las. A questão não é só reconhecê-las, mas saber o que fazer com
elas.

Só se acha perfeito quem nunca se arriscou a sair da superfície.


Temos a possibilidade de ficar na superfície ou de entrar em cama-
das mais profundas da nossa mente. É uma escolha fascinante. Uma
coisa é possível afirmar: quem procurar conhecer os mecanismos
básicos da formação do EU, terá grande chance de nunca mais ser ou
pensar da mesma maneira.
Um dos aprendizados que temos sobre o funcionamento da mente,
segundo a Teoria da Inteligência Multifocal, é que não enxergamos
a realidade como ela é, e sim olhamos o mundo a partir de nossas
memórias, nossas crenças, nossas convicções. A memória é sempre
seletiva, não vemos o mundo exatamente como ele é, mas como
somos; não nos recordamos dos eventos e das pessoas
necessariamente como aconteceram ou como as conhecemos, mas
como sentimos perante isso, como interpretamos e significamos. Em
termos práticos, isso significa que somos muito rápidos em rotular
as pessoas e interpretar os eventos, baseando-nos em nossas
lembranças e não necessariamente de acordo com a realidade. O
problema é que essa interpretação pode estar micro ou macro distante
da realidade.

A mente nos engana porque não enxergamos os eventos e as


pessoas como são, mas enxergamos os eventos e as pessoas a partir
do registro de nossas experiências, que podem não ter relação
alguma com a realidade observada. Existem muitas situações em que
podemos ficar encarcerados em nossa mente se não questionarmos
as bases dessa leitura. Deveríamos ser capazes de nos abrir ao novo
em vez de realizarmos uma leitura antiga que pode não ter relação
alguma com o novo evento.
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Deixamos de enxergar a realidade nova que nos foi apresentada e Deixamos de
passamos a ver apenas aquilo que queremos, aquilo que está enxergar a
registrado em nossa memória. Com isso, deixamos de ser autores de
nossa história e passamos a reagir a partir de leituras do passado que
realidade nova
não têm relação com o presente. Isso é encarceramento psíquico. que nos foi
apresentada e
Se não aprendermos a questionar nossas convicções, se não passamos a ver
questionarmos nossos pensamentos, emoções e reações, correremos o
apenas aquilo
risco de rotular as pessoas, reagir a experiências novas segundo
registros do passado e deixar de aprender com as possibilidades que a que queremos.
vida nos traz. Isso inclui os desafios profissionais, as relações com
colegas de trabalho, as novas habilidades exigidas no mercado de
trabalho.

Conhecendo os bastidores da mente


Nossa mente é como um labirinto. Se não conhecermos alguns
fenômenos inconscientes que atuam nela e que podem prejudicar
nossa capacidade de interpretação e gestão da emoção, poderemos
nos perder com nossos próprios pensamentos perturbadores e
emoções tóxicas.

Além disso, é fundamental compreender quem é esse EU, o gestor


psíquico, como ele pode atuar e gerenciar as bombas emocionais e os
mecanismos de autossabotagem que explodem nesse labirinto mental.
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O fenômeno RAM
Diariamente, produzimos inúmeras formas de pensamentos,
ansiedades, sonhos, ideias negativas, pensamentos antecipatórios,
angústias, prazeres e que, como uma imagem de uma câmera
fotográfica, ficam arquivados automaticamente na memória pelo
fenômeno RAM (Registro Automático da Memória). Em um ano,
registramos milhões de experiências. O registro das experiências na
memória é involuntário, não depende da vontade consciente do
homem. Você pode ser livre para ir aonde quiser, mas não é livre para
decidir o que quer registrar na sua mente. Ao viver experiências ruins,
elas se depositarão nos porões inconscientes da memória. Se hoje
passou por uma angústia, uma situação de medo, uma crise de
agressividade, tenha certeza de que tudo isso está gravado em sua
memória.

Assim, não escolhemos o que registrar na memória. O fenômeno


RAM registra tudo de forma automática sem a consciência e
permissão do EU. À medida que as experiências são registradas
automaticamente na memória, ocorre a formação da história de vida ou
história da existência. Não podemos deletar nada, mas podemos
construir novos registros para ressignificar as experiências passadas e,
com isso, criar novos registros que podem nos ajudar a lidar com essas
memórias.
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Os Três Tipos de Memória
Segundo a teoria da Inteligência Multifocal, existem três grandes
tipos de memória. Para explicar as características e interações entre
essas três memórias, utilizaremos a metáfora de uma cidade. Nessa
metáfora, a memória genética representa o solo da cidade (a estrutura
física da mente). Tudo o que foi edificado no centro da cidade será a
Memória de Uso Contínuo (Presente), e a imensa periferia será a
Memória Existencial.

Herdada dos nossos pais biológicos, a carga genética é única para


cada ser humano, tanto na construção do biótipo, expresso pelo
tamanho, forma, peso, altura, cor da pele, como na construção da
complexa fisiologia, expressa, entre outros elementos, pelo
metabolismo, por hormônios, neurotransmissores cerebrais e
anticorpos. Cada uma das características genéticas para o
comportamento pode produzir uma reação em cadeia que
influenciará o processo de interpretação e as experiências
emocionais do feto, do bebê, da criança, do adolescente e do adulto.
O solo e o clima da cidade da memória, ou seja, a carga genética,
influenciam a estrutura, o padrão de segurança e a acessibilidade
para as casas e edifícios, que representam as informações e
experiências arquivadas na Memória de Uso Contínuo e na Memória
Existencial, ao longo da vida.
A MUC representa Na metáfora da cidade, a MUC (Memória de Uso Contínuo ou
Central), representa as ruas, avenidas, lojas, farmácias,
talvez menos de
supermercados, local de trabalho, teatro, que o EU frequenta
1% de toda rotineiramente. A MUC representa talvez menos de 1% de toda a
a memória, memória, mas ela é a memória de uso contínuo, constante. Se você
mas ela é a mora numa cidade grande, note que circula apenas num pequeno
espaço. Grande parte das ruas, farmácias, lojas não faz parte da sua
memória de rotina. Todos os dias nós acessamos as informações da MUC para
uso contínuo, desenvolver e dar respostas sociais, tarefas profissionais,
constante. comunicação, localização tempo-espacial, operações matemáticas
usuais. Para assimilar as palavras de um livro, você usará grande
parte das informações da MUC. Os elementos da língua corrente
estão no centro da memória. Se você sabe outra língua, mas faz anos
ou décadas que não a fala, terá dificuldade de acessá-la, porque as
informações referentes a ela foram para a periferia, para a ME. Com
o tempo, ao exercitar a língua, você trará os elementos dessa língua
novamente para o centro, para a MUC, e terá fluência. Todos os
dados novos são arquivados na MUC por meio do fenômeno RAM.
O fenômeno RAM atua essencialmente na MUC, na região central
da memória. Por região central quero dizer o centro de utilização e
resgate de matérias-primas para a construção de pensamentos, e não
o centro anatômico do córtex cerebral.

A ME, ou Memória Existencial ou Inconsciente, representa todos


os extensos bairros periféricos edificados na mente desde os
primórdios da vida. São regiões do inconsciente ou subconsciente
que o EU e outros fenômenos que constroem cadeias de
pensamentos não utilizam frequentemente. Mas
tais regiões não deixam, em
hipótese alguma, de nos
influenciar. Fobias, humor
depressivo, ansiedade,
reações impulsivas,
inseguranças, que não
sabemos de onde vêm ou
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por que vieram, foram


emanadas da ME.
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O EU é o responsável pelo processo de mudança, e sua área de
atuação é basicamente desenvolvida na MUC. Ele atua na MUC, que
irá, consequentemente, interferir nas outras áreas da memória, como
a Memória Existencial. A solidão do entardecer ou do domingo à
tarde, a angústia que surge ao amanhecer ou a alegria que aparece
sem nenhum motivo, aparente também vêm dessas regiões. Uma
pessoa que você nunca viu na frente, mas que lhe parece familiar,
um ambiente onde você nunca esteve, mas que jura conhecer,
emanam dos imensos solos da ME. Há milhares de personagens e
ambientes semelhantes na periferia inconsciente que não são
acessados pelo EU. Quando fazemos uma varredura nessas áreas e
resgatamos essas imagens, construímos complexas composições que
parecem identificar pessoas e ambientes desconhecidos. Quem
forma a ME é a MUC. Todas as experiências adquiridas pelo feto,
bebê, criança, adulto, e que deixam de ser utilizadas de maneira
direta e constante, aos poucos são deslocadas da MUC para a ME,
do consciente para as áreas isoladas. Bons amigos, se não forem
cultivados, vão para o baú da ME. Por vivermos numa sociedade Por vivermos numa
ansiosa, tornamo-nos especialistas em sepultar pessoas “vivas” sociedade ansiosa,
muito caras a nós. As experiências com altos impactos dolorosos, tornamo-nos
como privação prolongada da mãe ou do responsável, rejeições,
especialistas
abusos, humilhação social, podem gerar janelas poderosas, que
estruturam a personalidade. Mas como a construção da MUC é em sepultar
dinâmica, elas podem se deslocar para a periferia, para as regiões pessoas
inconscientes (ME), mas não se despedem jamais do hospedeiro, a “vivas” muito
não ser que sejam reeditadas. caras a nós.
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Há algumas janelas na ME que não nos perturbam muito, são


solitárias, não chegaram a formar zonas de conflitos, por isso só
eclodem em situações especiais. Felizmente, a MUC tem
preponderância na construção de pensamentos e emoções. É uma
proteção não plena, mas, sem dúvida, importante. As janelas que
formaram zonas de conflitos, “bairros” com centenas de janelas
killer, ainda que não sejam resgatadas conscientemente, fornecem
matéria-prima para o mau humor, preocupações descabidas, medos
inexplicáveis, irritabilidade, timidez, obsessões, transtornos sexuais.
É mais importante ter uma MUC saudável do que uma ME saudável,
pois aquela representa o centro da cidade da memória, a área de
maior acessibilidade e circulação do EU. Uma MUC saudável pode
contrabalançar o peso de uma ME ou memória periférica doentia,
embora, dependendo das janelas killer duplo P na ME, o psiquismo
possa ser encarcerado. O ideal é ter as duas memórias profícuas.
Mas enfatizo que quem teve uma infância caótica pode ter uma vida
adulta primaveril, em especial se o EU construir, na MUC, zonas de
janelas light que produzam prazer, generosidade, tranquilidade,
resiliência, onde as perdas e decepções são encaradas por outras
perspectivas. Crianças que tiveram histórias dilaceradas pelo abuso
sexual, atos terroristas, sequestro, podem desenvolver uma emoção
saudável. Por outro lado, crianças que tiveram uma história sem
traumas podem desenvolver uma emoção ansiosa, tímida, fóbica.
Tudo vai depender da reedição das janelas traumáticas da ME e,
como disse, em especial, da construção da MUC. Uma pessoa não
precisa ter um passado saudável, sem traumas e privações para ter
um futuro razoavelmente saudável. A ME influencia muitíssimo o
EU, mas grande parte dos nutrientes que financiam a arte da
contemplação do belo, da autoconsciência, da capacidade de fazer
escolha, proteger a psique, filtrar estímulos estressantes, bem como
de pensar antes de reagir, imaginar, ousar, intuir, ser altruísta, é
extraída da MUC.
A melhor maneira de reescrever o passado é reconstruir o presente.
Devemos retornar ao passado apenas para reciclá-lo, reorganizá-lo,
mas não para nos fixarmos nele. Mas muitos têm um EU saudosista,
que se fixa nos fatos que já ocorreram, seja para se autopunir pela
culpa, seja para reclamar o que perdeu. Reclamar e se culpar esgotam
a energia do EU, fragilizam-no como engenheiro do presente. Nada
mais triste do que ser refém da história e nada tão prazeroso quanto
ser um construtor de um novo tempo.

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Janelas da Memória
Na Teoria da Inteligência Multifocal, usamos o termo Janela da
Memória para sinalizar metaforicamente os tipos de registros que
temos em nossa mente, isto é, a leitura de mundo que construímos a
partir de nossas experiências.
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Vamos denominar o primeiro tipo de registro de janela da memória


de baixo impacto emocional. A partir dessas janelas, armazenamos
informações importantes para operacionalizar uma série de ações em
nosso cotidiano, como acender um fósforo, dirigir, resolver contas de
matemática, nos localizar pela cidade (ruas) etc. São registros de baixo
impacto emocional. Suas recordações não causam emoções extrema-
mente agradáveis ou desagradáveis, apenas ajudam a organizar
informações e experiências práticas e necessárias para a vida social.

Outros dois tipos de registros são de alto impacto emocional, seja


pela carga positiva da recordação, ou negativa. Os registros
saudáveis são denominados de janelas light. Os registros não
saudáveis são denominados de janelas killer.
Janelas killer
Correspondem a todas as áreas da memória que têm conteúdo
emocional angustiante, fóbico, tenso, depressivo, compulsivo. São as
janelas traumáticas ou zonas de conflito. Killer, em inglês, significa
“assassino”. Assim, como o próprio nome diz, são janelas que
assassinam não o corpo, mas o acesso à leitura de inúmeras outras
janelas da memória, dificultando ou bloqueando respostas inteligentes
em situações estressantes. No primeiro caso, temos as experiências que
nos causaram prazer, alegria, sentimentos positivos e que, por isso
mesmo, ampliam nossa capacidade de reflexão e autoconsciência,
tornam-nos flexíveis e elásticos para as interpretações. No segundo
caso, temos experiências que nos causaram dor e tristeza, e se não
forem trabalhadas e ressignificadas, causam tensão e limitação em
nossa capacidade de dar respostas inteligentes diante da realidade.

São janelas que


assassinam não
o corpo, mas o
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acesso à leitura
de inúmeras
outras janelas
da memória.
Janelas light
Correspondem a todas as áreas de leitura que contêm prazer,
serenidade, tranquilidade, generosidade, flexibilidade, sensibilidade,
coerência, ponderação, apoio, exemplos saudáveis. As janelas light,
como seu significado em inglês (luz, acender) indica, “iluminam” o
EU para o desenvolvimento das funções mais complexas da
inteligência: capacidade de pensar antes de reagir, colocar-se no
lugar do outro, resiliência, criatividade, raciocínio complexo,
encorajamento, determinação, habilidade de recomeçar, proteger a
emoção, gerenciar pensamentos.
Como interpretamos o mundo por meio de nossas memórias, a Um conjunto
primeira conclusão que podemos chegar com a Teoria da Inteligência de estímulos
Multifocal é que as interpretações são limitadas, imperfeitas e
contaminadas por nossas experiências. No caso de uma janela Killer, estressantes
ficaremos encarcerados e com a capacidade de reflexão e gestão pode formar uma
limitadas, assim como ocorreu com o personagem do filme, pois a plataforma de
ausência da gestão do EU traz sérias complicações em nossa vida. As janelas killer.
janelas light, ao contrário, ampliam nossa capacidade de reflexão,
criticidade, leitura e interpretação, pois financiam os mais brilhantes
Códigos da Inteligência, como Pensar antes de Reagir, Expor e não
Impor suas Ideias, o Código da Autocrítica, o Código do Colocar-se no
Lugar do Outro. Quantas vezes você reage sem pensar, sofre por
pequenas coisas, angustia-se por um futuro que ainda não conheceu ou
fica ruminando o passado? Um conjunto de estímulos estressantes pode
formar uma plataforma de janelas killer.
Certa vez, um executivo, em uma reunião de trabalho, teve uma
atitude estúpida com um funcionário subalterno. Esse funcionário
tinha um trabalho brilhante na empresa, mas havia falhado num
projeto. Então, mostrando um despreparo completo para gerenciar
pessoas e seus próprios pensamentos, o executivo o chamou de
incompetente na frente dos colegas.

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Humilhado, o funcionário registrou, de maneira
superdimensionada, o vexame público. Produziu uma janela killer
que começou a bloquear sua memória. Nunca mais conseguiu brilhar
como antes. Foi despedido. Teve reações depressivas e um ódio fatal
pelo executivo. Precisou fazer tratamento psiquiátrico.

Palavras podem contaminar uma vida. Algumas pessoas, quando


são rejeitadas, ficam obstruídas. Outras fazem das rejeições um
trampolim para crescer. Mas, mesmo essas, embora tenham venci-
do o trauma exteriormente, podem não o ter vencido interiormente,
por isso sofrem. Por que isso acontece? Porque além das janelas da
memória, temos um outro fenômeno inconsciente em nossa mente
chamado Autofluxo, que retroalimenta as janelas de alto impacto
emocional.
O Autofluxo
O Autofluxo é uma energia vital, necessária inclusive para nossa
evolução, aprendizado e autopreservação. O Autofluxo não é
negativo ou positivo, apenas lê e retroalimenta os registros de alto
impacto emocional. Em alguns momentos de nossa história ele nos
ajudou, pois foi graças ao Autofluxo que aprendemos a falar e
incorporar repertórios sociais necessários. Mas se ele encontra um
registro negativo e não limitamos sua energia vital a partir de um
choque de gestão psíquica, ele pode fazer nossos pensamentos
ficarem descontrolados. O fenômeno do Autofluxo mantém o fluxo
contínuo de construções psíquicas desde a aurora da vida fetal.
Produz milhares de pensamentos e imagens mentais diárias. E um
dos grandes objetivos é aliviar a solidão do EU, entretê-lo, distraí-lo,
envolvê-lo. Sem esse fenômeno, provavelmente a solidão
intrapsíquica da consciência virtual geraria uma depressão coletiva
na espécie humana. Ele lê a MUC e a ME inúmeras vezes por dia,
nos levando a dar inúmeros “passeios” pelo passado e pelo futuro.
Quantas vezes o EU fica impressionado com esses passeios e se
pergunta: “De onde saíram essas imagens e pensamentos?”. Na
realidade, vieram da ação do fenômeno do Autofluxo. O fenômeno
do Autofluxo se ancora na janela que o Gatilho abriu e começa a
produzir inúmeros pensamentos e imagens mentais com dois grandes
objetivos: entreter o Homo sapiens por meio de sonhos, inspirações,
aspirações e prazeres mentais, e alargar as fronteiras da memória,
pois tudo o que ele produz é novamente registrado. O Autofluxo é,
portanto, um “mordomo” para o EU desde a aurora da vida fetal. E,
no “útero social”, torna-se um ator coadjuvante do EU para entretê-
lo, expandir a memória e enriquecê-lo.

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O Gatilho da Memória
O fenômeno do Gatilho da Memória ou Autochecagem, como o
próprio nome indica, é o fenômeno que abre as janelas da mente
diante de cada estímulo físico (imagens, sons, experiências táteis,
gustativas, olfativas) e de cada estímulo psíquico (pensamentos,
imagens mentais, desejos, fantasias, ideias).

Nesse exato momento, o texto que você está lendo fornece uma
quantidade de estímulos físicos que expressam os símbolos da
língua, que, por sua vez, acionam o Gatilho da Memória, que abre
automaticamente milhares de janelas, que levam a compreender,
decifrar, interpretar cada palavra do quebra-cabeça do texto.
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O Gatilho da Memória, portanto, é o primeiro fenômeno que inicia o


processo de interpretação. Mas ele se pode tornar um problema para o EU
quando ele abre, em frações de segundos, alguma janela killer. Essa classe
de janelas sequestra ou aprisiona o EU, produz claustrofobia, fobia social,
insegurança, reações impulsivas, angústias, dissimulação, intolerância,
radicalismo, individualismo. Esse mecanismo é inconsciente. Não é o EU
que procura e localiza essas janelas, mas Gatilho da Memória, que é uma
espécie de copiloto dele.
Uma teoria esperançosa
A teoria da Inteligência Multifocal é uma teoria da esperança, que
nos alerta para o nosso poder de mudança, ferramenta para
questionar e intervir nos bastidores de nossa própria memória a partir
de nossas escolhas, de nosso pensar crítico, de uma visão multifocal
sobre os fenômenos e fatos. O processo de construção de
pensamentos, organização da consciência e formação do EU é a
fronteira mais complexa da ciência.

Mas nosso EU, viciado em marketing de produtos das empresas,


não consegue avaliar que os produtos ou “construtos” produzidos
pelo mais complexo dos mundos, a nossa mente, são os mais
sofisticados e mais importantes do grande “mercado” da existência.

© Marcos Mesa Sam


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O EU deve dar um choque de lucidez nas ininterruptas construções de


pensamentos que se formam em milésimos de segundo na
mente.

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