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No seu artigo “A wine-jar for Messala”, a grande ideia de Nisbet pode resumir-
se com as mesmas palavras com que o classicista conclui esse texto: «the style also
reflects the recipient». Esta conclusão segue-se a uma enumeração recapitulativa das
referências textuais e dos recursos estílicos em que, segundo o mesmo professor,
Horácio teria posto a sua complacência para construir um panegyricus Messalae que
elogiasse o literato através de artifícios e expedientes ao gosto e ao estilo do elogiado. O
propósito deste nosso ensaio não será outro senão o de, por meio da colação com outras
tentativas de louvor através da poesia e da apreciação do tom da ode no contexto do
livro em que esta se insere, tentar moderar uma interpretação excessivamente
“personalizante” do poema, em favor da valorização da sua vocação artística dentro do
esforço poético que Horácio desenvolve no livro III das Odes – isto, para estabelecer
confortavelmente a «significance in its own right» (pág. 85) que é possível atribuir ao
vinho no retrato de Messala que pode surgir da ode, sem cairmos em «farfetched
allegorical interpretations» (pág. 89), mas também sem deixarmos de ceder à tentação
de seguirmos as pistas desse «power of association» (pág. 84), entre sabores e
caracteres, que a rica carta de vinhos parece sugerir em Horácio.
Para seguir o caminho aberto pelas reflexões contidas na Nota 2, sem abandonar
as referências aos deuses, atardemo-nos agora sobre a referência mais obcecante de toda
a ode: «Liber» (v. 21). Neste aspecto, concordamos com Nisbet que, tendo debaixo de
olho a etimologia simples, bem notou que esta designação do deus do vinho se refere,
antes de mais, ao seu «liberating power» (p. 88). Contudo, despojá-la-íamos dessa
suposta carga litúrgica que o autor encontra antecipada no início do poema. Na verdade,
a «pia testa» (v. 4) é tão facilmente intermutável com o deus do vinho, que até lhe são
atribuídas acções muito dentro do campo semântico de «Liber»: «geris» (v. 2) e
«admoues» (v. 13). Em nossa opinião, esta intermutabilidade que faz do deus uma
simples metáfora (tal como depois Vénus o será para “moderação nos amores”)
autoriza-nos a desconfiarmos de um suposto pastiche da linguagem religiosa, para
simplesmente, com Porfirião, nos deixarmos impressionar para bela síntese que Horácio
nos lega quanto aos benefícios do vinho. Diz-nos o comentador com palavras simples,
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Sem exagerarmos este ponto, apenas propomos que o grande apego de Nisbet à «mellifluousness»
(estilística) de Messala talvez se prenda antes com a confusão entre essas duas atitudes que se
assemelham, sem serem exactamente a mesma coisa: essa experiência vivida do Epicurismo horaciano e
aqueloutro contentamento terno e pacífico do doce Tibulo. No entanto, em vez de ambos os tons se
referirem a uma mesma faceta carregadamente melíflua do amigo comum Messala, a possibilidade
destes dois posicionamentos existenciais na companhia de Messala parece ser antes a prova do carácter
disponível (assim se deve interpretar «mellifluous») de Messala, com tendências para a contensão e
para as castas alegrias (neste particular, Nisbet lembra-se bem da reveladora reserva: «si laeta aderit» -
v. 21). Assim, resolvemos aquela dificuldade que fez com que Nisbet procurasse provar que quem era
mencionado pela expressão «prisci Catonis» (v. 11) era, na verdade, Catão de Útica e não, segundo a
interpretação tradicional, Catão-o-Censor (cf. pág. 86). Até estranha que Nisbet não tenha querido ser
partidário da associação tradicional, depois de ter referido tanto o carácter conservador de Messala em
relação à religiosidade tradicional. A interpretação em favor de Catão-o-Censor impõe-se tanto pelo
carácter tipicamente romano (que não ignora a doçura grega, como Tibulo) de Messala, como pela
construção do poema que enuncia os benefícios do vinho para convencer alguém sábio e sério que dele
desconfia, pela imoderação que pode causar, a desfrutá-lo.
mas cheias de admiração: «Belle haec dicuntur» (com. ad vv. 2-4). Esta última
consideração permite-nos enunciar aquele que para nós é o verdadeiro ponto nevrálgico
do poema: não tanto aludir através de referências obscuras aos gostos literários ou aos
feitos políticos e militares de Messala, mas sobretudo realçar o seu carácter moderado,
que até precisa de um grande prelúdio para se permitir ser um pouco indulgente. É
quase possível imaginar um Messala que se faz de difícil e um Horácio matreiro que
acaba por fazer ceder o amigo, sem que a causa nunca tenha estado perdida. Se
quisermos, será nesta tentativa de convencimento que temos de encontrar um retrato de
Messala. Por conseguinte, o carácter de Messala não aparece fragmentado numa série de
referências, como sugere Nisbet, mas sim neste balancear constante do poeta entre a
imponente responsabilidade civil de Messala e o seu casto saber viver. Para provar
ainda melhor esta nossa ideia, cremos chegado o momento de, como mencionado no
incipit, compararmos esta ode com alguns versos de Tibulo em contexto idêntico. Esta
comparação permitir-nos-á sentirmos melhor este traço do carácter de Messala, pois que
também Tibulo sente necessidade de estabelecer essa reserva e aludir aos benefícios do
vinho, que aparecem como compensação merecida e diversão agradável depois do
exercício constante de tão elevados cargos públicos. É a mesma coisa que está em causa
no poema de Horácio, apesar de Nisbet afirmar que «Messala attained great eminence
in war and politics, but Horace’s poem says nothing about his achievements, not even
his recent conquest of Aquitania» (pág. 92). A justificação é ainda mais inverosímil:
«political discretion»3. Esta gente era conhecida; nada estranha que não se mencione
directamente tal ou tal façanha, é a sombra em peso da pessoa que está em pano de
fundo. Quem é que não reconhece aquele tipo de pessoa séria e responsável que era
Messala atrás daquelas alusões às pessoas que beneficiam sobremaneira dos efeitos do
vinho: preocupados, sábios, conhecedores de segredo de Estado, ansiosos, etc. (cf. 4 e 5
estrofes)? Mas, enfim, comparemos esse passo de Tibulo, Elegias, I, 7, 39-43, sempre
sob a antífona «multo tempora funde mero» (v. 50 da mesma elegia):
O argumento é o mesmo e resulta ainda mais convincente depois de o poeta ter passado
os primeiros vinte versos, sempre em referência à vitória de Messala sobre a Aquitânia,
a descrever rios e terras com aquele ar de geógrafo militar que perscruta os mapas com
atenção. E quem nos assegura de que aquele «bonus dies» (v. 6) não tem que ver com
este triunfo?4 Apesar de não vermos motivos para negarmos a interpretação de que
«languidiora» (v. 8) seja um tijolo na construção de um «relaxed style to suit the
manner of the recipient» (v. 85)5, preferimos cingirmo-nos às evidências de que
«languidiora», tal como diz Porfirião e Nisbet confirma, se refere à maturação do
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O que acaba por fazer Nisbet é ignorar o aspecto político evidente, embora não mencionado
nominalmente, para transformar esta ode quase num manifesto de arte poético à intenção de Messala.
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Aqui temos, todavia, de admitir, com Nisbet, que também não repugna a ideia de que Horácio tivesse
em mente um aniversário; é que igualmente nos apercebemos dessa predilecção pela comemoração de
aniversários no círculo de Messala, que Nisbet judiciosamente menciona: «An interest in birth-dates and
birthdays was also typically Roman, and is particularly noticeable in the circle of Messala (…)» (pág. 83).
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De facto, não negamos, como já dissemos, o «power of association» da carta de vinhos…
vinho: «uetustissima» (comentário ad locum). Na verdade, que melhor maneira de
convencer um bom amigo a divertir-se um bocado, esquecendo o muito trabalho que o
ocupa freneticamente, do que ir buscar à garrafeira um bom vinho velho, mostra de
apreço e convite irrecusável?
Bibliografia
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Ou, em atenção aos enófilos, como diz Columela (III, 8, 5), numa bonita passagem: «His tamen
exemplis nimirum admonemur curae mortalium obsequentissimam esse Italiam, quae paene totius orbis
fruges adhibito studio colonorum ferre didicerit. Quo minus addubitemus de eo fructu, qui uelut indigena
peculiarisque et uernaculus est huius soli. Neque enim dubium Massici Surrentinique et Albani atque
Caecubi agri uitis omnium, quas terra sustinet, nobilitate uini principes esse». De facto, o que é que
poderíamos exigir mais a um amigo dedicado do que um vinho desta qualidade? (Aquele comentário
sobre o fruto «indigena peculiarisque et uernaculus» diz muito sobre o esforço poético de Horácio no
livro III das Odes: a sublimação da expressão poética do amor, em contexto romano e, como tal, regado
de bom vinho.)