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YANOMAMI

SISTEMA DE
MONITORAMENTO
DO GARIMPO
ILEGAL DA
TI YANOMAMI

SOB
(DADOS DE 2021)

ATAQUE
GARIMPO ILEGAL
NA TERRA INDÍGENA
YANOMAMI
E PROPOSTAS PARA
COMBATÊ-LO

YANO M AM I S O B ATAQU E 1
YANOMAMI
SOB
ATAQUE
GARIMPO ILEGAL REALIZAÇÃO
Hutukara Associação Yanomami

NA TERRA INDÍGENA Associação Wanasseduume Ye’kwana


ASSESSORIA TÉCNICA

YANOMAMI Instituto Socioambiental

E PROPOSTAS PARA
FOTOGRAFIAS
Bruno Kelly

COMBATÊ-LO DESIGN GRÁFICO


Julia Valiengo

ABRIL DE 2022
2
Garimpo no
rio Uraricoera, TIY,
Janeiro de 2022.

YANO M AM I S O B ATAQU E 3
Eu quero que todos vocês não Queremos ver logo a proibição da É isso que nós estamos dizendo. Depoimento
indígenas voltem seus olhos para esta entrada de invasores! Queremos Então eu não quero isso! Queremos de liderança
terra! E sabem o por que queremos viver em paz! Há muito tempo que os líderes do mundo todo olhem Yanomami
isto? Para que todos os líderes não estamos sofrendo com nossas águas para nós! Falem entre si, discutam gravado por
indígenas, venham rapidamente nos sujas! Por que os rios estão sujos? sobre o que vem ocorrendo conosco! Richard Mosse
apoiar! Eu estou falando o que eu os rios de onde bebemos água estão Queremos também o apoio das na região
Palimiu em
penso! Vocês não indígenas, vocês sujos! onde pescamos também! associações Yanomami! Que todos
Junho de 2021.
que vivem em terras distantes, não Sempre aparecem corpos de vocês voltem seus olhos para nós!
fiquem nos olhando sem interesse! garimpeiros mortos flutuando no rio! Nós estamos sofrendo junto com
Não quero que fiquem nos olhando Não aguento mais ver essas coisas! a floresta! Toda a floresta está
à toa! Tenham urgência! já que vocês Quando os peixes comem as carnes sofrendo! A floresta morreu! Agora a
têm muita força, vejam que nós dessas pessoas mortas, acabamos floresta morreu. Faz tempo que eles
Yanomami estamos mesmo sofrendo! por comer esses peixes gordos de mataram esta floresta. Acabaram
Tudo isso está muito evidente! Por carne humana, e eu não aceito isso! com todas as árvores que comíamos
isso peço urgência que façam uma portanto quero que vocês, lideranças os frutos! derrubaram todas as
barreira nesse rio [para impedir a não indígenas, venham todos limpar grandes árvores! E quem foi que
entrada de invasores] quero que nossa terra! E por que eu quero isso? fez isso? Foram os garimpeiros que
fechem rapidamente o acesso aos Este rio aqui, é a fonte do nosso acabaram com elas! A nossa terra
garimpeiros! Por que a entrada deles alimento, onde pescamos. É de está completamente morta! Então
é permitida? eu não aceito isso! onde vem nossos peixes, se eu não volto a pedir, a todos os líderes que
puder pescar o que irei fazer? Porém venham em nosso socorro! Aqui onde
cansamos de ver corpos putrefatos moramos estamos arrasados! da
de garimpeiros, de quem são estes mesma forma como a floresta está
corpos? de quem eram os ossos devastada, nós também estamos!
destes rostos? Por que estamos estragados? Fomos
arrasados pelo garimpo! Todos nós
estamos passando por isto em toda
a nossa terra, queremos abrir seus
olhos. Eles acabaram com todos nós!
Então vamos fechar o rio! Portanto,
líderes do mundo, prestem muita
atenção! Levantem seus olhos! Eu
não quero mais ficar sofrendo sem
razão! É isto que eu gostaria de dizer
para vocês, grandes líderes!

YANO M AM I S O B ATAQU E 4
Kraiwa wamakɨ komirinɨ, heɨ wama Ya hahu tha rërëo pihio. Yamakɨ pihi Ɨnaha yamakɨ kuu. Hei ya thë Palimiu wãro
thë urihi komiri wamakɨ mamonɨ yanɨkɨpru pihio! Yutuha, kami yakamɨ peximaimi! Ipa pata wamakɨ, komi pata a, 2021.
xatipuwi pei ya thë peximaɨ! Witi pii hei ipa mau u ka kurenë, u xami! urihi kutarenaha wamakɨ mamo ka
tëha wamakɨ pëximaɨ? Kraiwa pata Witi pii tëha u xami? U xami yamakɨ xatire, wamakɨ komiri wa hwamayu,
kaho wamakɨ komirinɨ, kami wamare koa pë hamɨ, kami yamakɨ pescamu kohiprario! Associação yanomami pë
pairia rërëprapë! Ya pihi kuu yaro, pëhamɨ, garimpeiro pë kakii, pë ka hwëtikiaki, pë komiri kohipëpru ya
pei yã. Ipa kraiwa wamakɨ kakii, waximi karoraɨ xiwãripronɨ, yãkɨmi thë peximaɨ! Komiri, mamo xatiowi ya
praha thëri wamakɨnɨ, komi mamo ya thaɨ pihio maprarioma! Ipa yaraka thë pëximaɨ! Kami yamakɨ urihi pënɨ
xatipu puonomai! Kami wamakɨ pënɨ, pë waximɨ wahenɨ! Yamapë ohotawi thë kua! Komi yamakɨ urihipë
wamarë mamo xatipu ya peximaimi! wite waɨ hikia yaro, ya yai peximaimi! nɨ õhotaɨ! Urihi a nomarayoma!
Ropë!! Wamakɨ a kohipë hwëtiprarɨnɨ Ɨnaha yaro, kraiwa pata wamakɨ Hei tëhë urihi a nomarayoma!
“awei! Yanomami wamakɨ në ohotaɨ urihi wama thë komi auprari ya thë Yutuha urihi nomamaremahe. Kami
mahi ono!” Hei pëka kakii, thë yai peximaɨ! Witi pii tëha ya thë peximaɨ? yamakɨnɨ huu yama tɨhɨ moko waɨwi,
pë karo mahi o no! Wamakɨ pihi a Hei u kakii, ya u yarakapë yaɨwi, ya tɨhɨ komiri wãriaremahe! Huu tɨhɨkɨ,
kutarɨnɨ, pata wamakɨnɨ ropë hei u pescamuwi. Ya yarakapë yaɨwi tëhë pata tɨhɨkɨ komi mapraremahe! Witi
wama hehuprari ya thë peximaɨ! witi naha ya thaɨ? Garimpeiro ya upë pënɨ tha? Garimpeiro pënɨ tɨhɨkɨ
Hehu a rërëki ya thë peximaɨ! Witi maro thapraɨ xiwãripru yaro, witi pii mapraremahe! Kami yamakɨ urihipë
thë karo xiwãripropë? Thë karo maro? Garimpeiro maro, pei kahikɨ komi nomarayoma! Ɨnaha yaro, ipa
xiwãripro ya peximaimi! maro kuoma? para wamakɨ komiri kohipëprario! Pei
ya kuu kaho wamakɨha. Kami yakamɨ
hamɨ yamakɨ maprarioma. Urihi
ha a ka praa kutarenaha, yamakɨ
wãria kutarenaha! Witi tëha wakamɨ
wãriaremahe? Ɨhɨ garimpo anɨ yamakɨ
wãriaremahe! Kutarenaha yamakɨ
wariaremahe! Kua yaro, hei u kakii
yama u yai akikipramaɨ kua. Ɨnaha
yaro, ipa pata wamakɨ mamo xatio
kohipëprario! Yai tirërayu! Kami ya
në ohotaɨ puo nomai! Ipa pata wa,
ipa waha kakii, wamakɨ haɨ kupë!

YANO M AM I S O B ATAQU E 5
Garimpo no rio
Novo, Apiaú, TIY,
Janeiro de 2022.

YANO M AM I S O B ATAQU E 6
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 08

2 NÚMEROS GERAIS DO GARIMPO NA TIY .................................................... 14

3 ANÁLISES POR MACRO-REGIÕES

URARICOERA (URARICOERA, PALIMIU E WAIKÁS) ...................................................... 21

AUARIS .............................................................................................................. 47

PARIMA (ARATHAU, PARAFURI, WAPUTHA E SURUCUCUS) .......................................... 52

XITEI ................................................................................................................ 65

HOMOXI .......................................................................................................... 73

RIO MUCAJAÍ E COUTO MAGALHÃES (KAYANAU, PAPIU, ALTO MUCAJAÍ, HAKOMA) ....... 82

RIO APIAÚ ........................................................................................................ 96

RIO CATRIMANI (ALTO CATRIMANI E MISSÃO CATRIMANI) ....................................... 102

ERICÓ ........................................................................................................... 109

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DAS POPULAÇÕES INDÍGENAS NA TIY ............................ 111

AS RESPOSTAS (INSUFICIENTES) DO ESTADO ........................................................ 113

RECOMENDAÇÕES .......................................................................................... 114

5 ANEXOS ..................................................................................................... 117

YANO M AM I S O B ATAQU E
1 INTRODUÇÃO

8
INTRODUÇÃO
Este relatório tem por objetivo descrever a evolução do garimpo
ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) em 2021. Trata-se do Área destruída pelo garimpo na TI Yanomami
pior momento de invasão desde que a TI foi demarcada e ho- 3500
mologada, há trinta anos. Será apresentado como a presença
3000 Área destruída pelo garimpo na TI Yanomami
do garimpo na TIY é causa de violações sistemáticas de direitos 3500
humanos das comunidades que ali vivem. Além do desmata- 2500
mento e da destruição dos corpos hídricos, a extração ilegal de 3000
ouro (e cassiterita) no território yanomami trouxe uma explosão 2000
2500
nos casos de malária e outras doenças infectocontagiosas, com 1500
sérias consequências para a saúde e para a economia das 2000
famílias, e um recrudescimento assustador da violência contra 1000
1500
os indígenas.
500
1000
Sabe-se que o problema do garimpo ilegal não é uma novi- 0
dade na TIY1. Entretanto, sua escala e intensidade cresceram 500Oct-18 Oct-19 Oct-20 Oct-21
de maneira impressionante nos últimos cinco anos. Dados do 0
Mapbiomas indicam que a partir de 2016 a curva de destru- Oct-18 Oct-19 Oct-20 Oct-21
ição do garimpo assumiu uma trajetória ascendente e, desde
então, tem acumulado taxas cada vez maiores2. Nos cálculos
da plataforma, de 2016 a 2020 o garimpo na TIY cresceu nada
menos que 3350%3.

Quando nosso monitoramento foi iniciado, em outubro de Desde então, a área impactada mais do que dobrou, ating- Gráfico 1:
2018, a área total destruída pelo garimpo na TIY somava indo em dezembro de 2021 o total de 3.272 hectares. Como Área destruída
pouco mais de 1.200 hectares, estando a maior parte dela pode ser observado no gráfico 1, o crescimento se acentuou pelo garimpo na
concentrada nas calhas dos rios Uraricoera e rio Mucajaí. principalmente a partir do segundo semestre de 2020, sendo TIY de outubro
que, somente no ano de 2021, houve um incremento de mais de 2018 a ou-
tubro de 2021,
de mil hectares de área destruída.
SMGI.

1 https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Yanomami#A_corrida_do_ouro
2 Projeto MapBiomas – Coleção 6 da Série Anual de Mapas de Cobertura e Uso de Solo do Brasil, acessado em 10/01/2021 através do link: https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/
3 Os dados do Mapbiomas são interessantes para observar o comportamento do garimpo ao longo do tempo, mas infelizmente a versão atual da plataforma subestima muito o fenômeno. Isso se dá porque
o seu mapeamento é realizado a partir de imagens Landsat que possuem uma resolução espacial de 30 metros e na TIY o garimpo ocorre de forma fragmentada em zonas com relevo bastante movimentado,
dificultando a classificação automática.

YANO M AM I S O B ATAQU E 9
Essa expansão se deu por uma série de razões combinadas, O garimpo dos dias atuais é uma atividade financiada por
entre as quais podemos citar: 1) O aumento do preço do ouro empresários com alta capacidade de investimento e que con-
no mercado internacional; 2) Falta de transparência na cadeia centram a maior parte da riqueza extraída ilegalmente da flo-
produtiva do ouro e falhas regulatórias que permitem fraudes resta yanomami. Investigações da Polícia Federal5 revelaram
na declaração de origem do metal extraído ilegalmente; 3) que estes empresários são membros da elite econômica local
Fragilização das políticas ambientais e de proteção a direitos ou figuras de outros estados com operações em Roraima6.O
dos povos indígenas e, consequentemente, da fiscalização reg- dinheiro ilícito obtido com a prática é frequentemente lavado
ular e coordenada da atividade ilícita em Terras Indígenas; 4) em negócios legais na cidade de Boa Vista ou alhures, como
Agravamento da crise econômica e do desemprego no país, supermercados, postos de gasolina, restaurantes, entre outros.
produzindo uma massa de mão de obra barata à ser explora-
da em condições de alta precariedade e periculosidade; 5) In- Em 2021, o Ministério Público Federal processou um em-
ovações técnicas e organizacionais que permitem as estruturas presário de Boa Vista por envolvimento no garimpo ilegal na
do garimpo ilegal se comunicar e se locomoverem com muito TIY. As investigações indicaram que o acusado movimentou
mais agilidade; e 6) A política do atual governo de incentivo mais de R$ 425 milhões em dois anos, recurso incompatível
e apoio à atividade apesar do seu caráter ilegal, produzindo com sua capacidade financeira declarada, segundo o Con-
assim a expectativa de regularização da pratica4. selho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Segundo
as investigações, o grupo liderado pelo empresário utilizava
Note-se que, com exceção do aumento do preço do ouro, os uma empresa de táxi aéreo e outra de poços artesianos para o
fatores que têm alavancado o garimpo na TIY (e na Amazônia transporte de insumos e mão de obra para as áreas de garim-
de modo geral) estão relacionados a escolhas políticas. Isto é, po, serviço que era pago em ouro7.
poderiam ter sido evitados por meio de políticas públicas que
respeitassem plenamente princípios constitucionais de garantia Em teoria, o ouro extraído nos garimpos deveria ser vendido
e proteção de direitos fundamentais. Por esta razão, entende-se apenas às compradoras autorizadas pelo Banco Central, as
que o garimpo ilegal não é um problema sem solução, mas o Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), por
resultado lógico de decisões que favorecem a expropriação de meio de suas subsidiárias localizadas junto aos garimpos per-
recursos naturais, sempre em prejuízo dos direitos dos povos mitidos. Nesses pontos de compra (PCOs), o ouro chega em
indígenas do país. Assim, ao final deste documento, preten- estado bruto e posteriormente é encaminhado a uma fundidora
demos pontuar algumas das medidas que poderiam ser toma- que padroniza o metal para enfim ser comercializado como
das para controlar o problema. ativo financeiro. Entretanto, a legislação atual estabeleceu que,
no momento de venda do material bruto nas PCOs, será con-

4 https://www.cartacapital.com.br/politica/garimpeiros-ilegais-circulam-livremente-pelos-gabinetes-de-brasilia/
5 https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59855502
6 https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/sustentabilidade/pf-prende-empresario-milionario-ligado-a-garimpo-ilegal-por-ordenar-queima-de-helicopteros-do-ibama,465816d49093fbde2a5ee214c8e56490kh-
6vrl9w.html
7 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/10/07/pf-faz-operacao-contra-grupo-de-apoio-logistico-aereo-ao-garimpo-na-terra-yanomami-e-justica-bloqueia-r-95-milhoes.ghtml

YANO M AM I S O B ATAQU E 10
siderada tão somente a autodeclaração do portador ou trans- ma. Em diversas outras regiões, como o Pará e o Mato Grosso,
portador sobre a origem do ouro como garantia de que este aquilo que alguns têm chamado de narcogarimpo13 tem sido o
foi extraído de uma lavra garimpeira autorizada. Ou seja, a comportamento padrão.
garantia de que o ouro vendido em uma PCO foi ou não extraí-
do de lavras legalizadas depende unicamente da idoneidade Assim, no garimpo contemporâneo observa-se uma distribuição
e boa-fé do comprador8. De tal modo, o ouro produzido no cada vez mais desigual de prejuízos e benefícios relacionados
garimpo ilegal pode ser facilmente “esquentado”, isto é, ter sua à atividade. Sabe-se que as pessoas que atuam diretamente
legalidade forjada, tomando emprestado autorizações de lavra nas áreas de exploração não são as mesmas que usufruem da
emitidas para outras áreas que detêm a Permissão de Lavra maior parte da riqueza explorada ilegalmente. Pelo contrário,
Garimpeira - PLG9. essas pessoas são submetidas a altos riscos e, em alguns casos,
a situações de flagrante exploração do trabalho, permanecen-
Alternativamente, o metal extraído ilegalmente pode ser dire- do presas em uma espécie de “armadilha da pobreza”. Do
tamente comercializado como ouro mercadoria em joalherias mesmo modo, as populações dos municípios onde a prática
locais10, uma vez que o grau de fiscalização nesses estabelec- ocorre sofrem, ainda que não se deem conta, de vários dos
imentos também é baixo. Desse modo, o ouro proveniente de seus graves impactos.
lavras ilegais é facilmente comercializado no país e no exterior.
A título de ilustração, no primeiro semestre de 2019, o estado de Desde que o garimpo começou a avançar sobre as Terras Indí-
Roraima, mesmo sem possuir nenhuma lavra autorizada, expor- genas de Roraima, a qualidade de vida no estado teve perdas
tou para a Índia R$ 48,7 milhões em ouro11. consideráveis, o que se reflete no seu Índice de Progresso So-
cial14 e nos indicadores de criminalidade15 regional. No quesito
Outro ponto que merece destaque são os indícios de aproxi- saúde pública, os prejuízos precisam ser melhor dimensiona-
mação do crime organizado de áreas afetadas pelo garimpo dos. Já é percebido, por exemplo, o aumento da malária nas
ilegal. Em um dos incidentes mais aterrorizantes de 2021, a zonas urbanas, importada das áreas de garimpo, e dos impac-
série de ataques às comunidades do Palimiu, o envolvimen- tos na saúde humana devido à contaminação por mercúrio (má
to de agentes do Primeiro Comando da Capital (PCC) na ex- formação congênita, neoplasias, doenças no sistema nervoso
ploração ilegal de ouro ficou explicitado pela primeira vez no etc.), mas ainda não há estudos que explorem com detalhes o
contexto Yanomam12. A aproximação entre o tráfico de drogas perfil epidemiológico dos municípios que sofrem com esse mal.
e o garimpo na Amazônia, contudo, não se restringe a Rorai-

8 Lei 12.844/2013.
9 Manzolli et al. Legalidade da produção de ouro no Brasil. Belo Horizonte: Editora IGC/UFMG, 2021.
10 https://amazoniareal.com.br/dtvms
11 https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48534473
12 https://oglobo.globo.com/brasil/seguranca-publica/nos-a-guerra-crime-organizado-avanca-sobre-os-garimpos-ilegais-da-amazonia-25260890
13 https://www.metropoles.com/distrito-federal/na-mira/narcos-gold-pf-prende-traficantes-que-movimentaram-r-1-bilhao?amp
https://oglobo.globo.com/brasil/seguranca-publica/narcogarimpo-movimenta-dinheiro-na-amazonia-com-avioes-joias-cavalgadas-shows-de-famosos-25272438
https://agenciasportlight.com.br/index.php/2021/11/16/de-bracos-abertos-para-o-crime-narcotraficante-com-conexoes-no-pcc-ganhou-18-autorizacoes-para-garimpar-no-governo-bolsonaro/
https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,mourao-diz-que-acao-de-garimpeiros-no-rio-madeira-pode-incluir-apoio-do-narcotrafico,70003908390
14 Santos, D. et. al. Índice de Progresso Social na Amazônia Brasileira: IPS Amazônia 2021. Belém: Imazon, 2021.
15 Cerqueira, D. et al., Atlas da Violência 2021. São Paulo: FBSP, 2021.

YANO M AM I S O B ATAQU E 11
De todos os atores, porém, sem dúvida, são os povos indígenas NOTAS SOBRE A METODOLOGIA
aqueles que ficam com a maior parte dos danos e prejuízos DE MAPEAMENTO
gerados pelo garimpo, em uma flagrante situação de racis-
mo ambiental. Este documento pretende, portanto, ser uma Nosso monitoramento é realizado mensalmente a partir da
denúncia contra tal processo, na esperança de que, mais uma interpretação visual de imagens de satélites por especialistas
vez, os Yanomami possam fazer valer os seus direitos territori- em geoprocessamento. Até outubro de 2021, utilizamos prin-
ais através de sua incansável luta para viver em paz. No final cipalmente as imagens da constelação Planet e dos satélites
da década de 1980, no auge da primeira corrida do ouro, Sentinel 1 e 2. A partir delas são desenhados em ambiente GIS
com a força das suas lideranças e dos seus xamãs, esse povo os polígonos de degradação que incluem: 1) desmatamentos
conseguiu sobreviver ao projeto genocida que lhe foi imposto. recentes associados ao garimpo; 2) garimpos ativos no qual o
Estamos confiantes de que agora não será diferente. solo aparece nu; 3) áreas recém abandonadas, que mostram
um incipiente avanço da vegetação, essencialmente compos-
ta de gramíneas cobrindo cascalheiras; e 4) lagoas de rejeito.
Todos os meses, as regiões impactadas são revisitadas com o
ORGANIZAÇÃO DO RELATÓRIO objetivo de refinar o mapeamento e checar possíveis equívo-
cos de interpretação. É importante dizer que a interpretação
Este documento está divido em três partes: leva em consideração não apenas a geometria e a resposta
espectral (no caso das imagens ópticas) mas também o con-
i) Apresentação de dados gerais sobre o garimpo na TIY, com texto. Por isso, todo o mapeamento é realizado considerando
um mapa das áreas impactadas, informações sobre a área de- a localização das comunidades e de suas áreas de roçado, en-
struída em cada região, e o número de comunidades e cursos tre outras informações do território Yanomami como pistas de
d’água diretamente afetados; pouso e postos de saúde, o que garante a diferenciação entre
a remoção da cobertura florestal para manejo agrícola tradi-
ii) Análises por macro-regiões, onde realizamos um compên- cional e o desmatamento associado à exploração mineral. Em
dio das principais informações sobre os impactos do garimpo novembro e dezembro, devido a restrições de acesso ao mo-
na vida das famílias e das comunidades que ele afeta – os saico Planet, o mapeamento foi feito exclusivamente utilizando
dados desta seção baseiam-se em denúncias recebidas e or- as imagens Sentinel, tanto radar quanto ópticas. No caso do
ganizadas pela Hutukara, matérias de jornal, dados epide- processamento das imagens radar, utilizamos a metodologia
miológicos e depoimentos registrados por pesquisadores in- do Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento (SIRAD),
dígenas que desenvolvem um trabalho de autoetnografia dos que consiste em uma série de algoritmos que processam as
impactos dos garimpos; informações do Satélite Sentinel-1 utilizando a plataforma do
Google Earth Engine. Neste ambiente é produzido um mosaico
iii) Conclusões e recomendações, na qual apresentamos uma temporal que permite observar mudanças no comportamento
síntese do nosso argumento e oferecemos uma lista de ações da vegetação em três marcadores de tempo ajustados para a
que podem contribuir para a resolução do problema. análise. Semestralmente as cicatrizes mapeadas são validadas
com sobrevoos. Todas as imagens que ilustram este documento
foram produzidas entre os dias 26, 27 e 28 de Janeiro de 2022.
YANO M AM I S O B ATAQU E 12
Garimpo no
rio Uraricoera,
TIY, Janeiro
de 2022.

YANO M AM I S O B ATAQU E 13
2 NÚMEROS GERAIS
DO GARIMPO NA TIY

YANO M AM I S O B ATAQU E 14
NÚMEROS GERAIS
DO GARIMPO NA TIY
Em 2021 a destruição provocada pelo Note-se que o garimpo identificável por Em relação ao impacto direto do garim-
garimpo na TIY cresceu 46% em relação sensoriamento remoto localiza-se basi- po sobre os recursos hídricos, os princi-
a 2020. Houve um incremento anual camente na porção roraimense da TIY. pais rios e Igarapés afetados atualmente
de 1.038 hectares, atingindo um total Quase a metade da área degradada são: rio Uraricoera, rio Parima, Igara-
acumulado de 3.272 hectares. Esse é está concentrada em Waikás, região pé Inajá, Igarapé Surucucus, rio Muca-
o maior crescimento observado desde localizada no rio Uraricoera. Kayanau, jaí, rio Couto Magalhães, rio Apiaú, rio
que iniciamos o nosso monitoramento que está na confluência dos rios Couto Novo, rio Catrimani e rio Lobo d’Alma-
em 2018, e, possivelmente, a maior Magalhães e Mucajaí, é a segunda zona da. Como pode ser visto no quadro 2,
taxa anual desde a demarcação da TIY com a maior concentração de cicatri- somando os diferentes trechos e consi-
em 1992. zes, com pouco mais de 20% do total da derando a relação do rio com os seus
área degradada, seguida por Homoxi, afluentes, verificamos que a bacia do
Como pode ser observado no quadro na fronteira com a Venezuela, com 12%. rio Mucajaí é a bacia hidrográfica atu-
1 e no mapa 1, o garimpo não apenas almente mais afetada, concentrando
tem crescido em área, mas também tem Com exceção das regiões Surucucus, no seu leito 180 km de destruição (em
se espalhado para novas regiões do Missão Catrimani e Uraricoera, todas as dois trechos), mais 50 km do rio Cou-
território yanomami. Neste documento demais apresentaram um crescimento to Magalhães, e, por que não, 30 km
utilizamos como recorte regional os li- importante de um ano para o outro. E, da cabeceira do rio Apiaú (que deságua
mites dos polos-base do Distrito Sani- mesmo as regiões que acusaram uma no Mucajaí fora da TIY) e 10 km do rio
tário, pois isso permite correlacionar os variação negativa, a redução esteve Novo, que é um afluente do Apiaú.
dados de área impactada com o perfil mais associada ao refinamento do ma-
epidemiológico de cada região. Dos 37 peamento (quando o sobrevoo e melho- A bacia hidrográfica do Uraricoera, por
polos existentes, 18 possuem registro res imagens disponíveis corrigem erros sua vez, não fica muito atrás do Mucajaí
de algum desmatamento relacionado de interpretação) do que a uma real re- no quesito destruição, além dos 150 km
ao garimpo. Caso incluíssemos nessa cuperação da paisagem. no leito do seu médio curso, somam-se
lista os polos-base que não têm re- os trechos impactos no Parima (35 Km),
gistro de desmatamento observável Entre as regiões que apresentaram o Igarapé Inajá (10 km) e Igarapé Suru-
no satélite, mas possuem informações maior incremento estão, respectivamen- cucus (4 km).
sobre a atuação de balsas ou de pe- te: Waikás, Homoxi, Kayanau e Xitei.
quenos grupos de garimpeiros, esse Sendo que esta última apresentou um
conjunto se ampliaria para 24 polos- crescimento relativo de mais de 1000%.
-base (incluindo Maturacá, Baixo Ca-
trimani, Inambú e Ajarani).

YANO M AM I S O B ATAQU E 15
Quadro 1:
INCREMENTO VARIAÇÃO Área degradada
REGIÃO DEZ / 2020 DEZ / 2021
ANUAL ANUAL pelo garimpo
em 2021
Alto Catrimani 104.36 175.43 71.069 68% por região.
Alto Mucajaí 15.75 17.11 1.36 9%

Apiaú 76.79 106.65 29.859 39%

Auaris 0 4.05 4.05

Demini 2.32 1.86 -0.46 -20%

Ericó 19.04 23.36 4.324 23%

Hakoma 24.98 42.21 17.23 69%

Homoxi 145.98 399.29 253.31 174%

Kayanau 510.17 688.81 178.64 35%

Médio Catrimani 12.8 4.36 -8.44 -66%

Palimiu 4.76 15.59 10.83 228%

Papiu 17.44 38.77 21.33 122%

Parafuri 0 5.51 5.51

Parima (Arathau) 77.76 112.32 34.56 44%

Surucucus 35.18 27.49 -7.69 -22%

Uraricoera 5.4 2.98 -2.42 -45%

Waputha 0 4.01 4.01

Waikás 1169.93 1466.11 296.18 25%

Xitei 11.34 136.18 124.84 1101%

TOTAL 2234 3272.09 1038.092 46%

YANO M AM I S O B ATAQU E 16
Mapa 1: Área degradada pelo garimpo na TIY.
YANO M AM I S O B ATAQU E 17
Finalmente, com o objetivo de verificar reamento etc.). Estes impactos, por sua
a quantidade de comunidades direta- vez, têm importantes repercussões para TRECHO IMPACTADO
mente impactadas pela atividade, des- a saúde e a economia dessas famílias17. CURSO D'ÁGUA
PELO GARIMPO
tacamos o número de comunidades que Assunto que abordaremos com mais de-
estão situadas até 10 km de distância talhe na secção seguinte. Rio Uraricoera ~150 km
das cicatrizes mapeadas. Optou-se pelo
valor de 10 km, em conformidade com Todavia, é preciso ressaltar que alguns Ig. Inajá ~10 Km
a literatura científica que costuma iden- dos impactos do garimpo possuem um
tificar como área de uso frequente um alcance muito maior do que aqueles ob- Rio Parima ~35 km
buffer de 5 km a partir de cada aldeia, servados na florestaW e nos rios. Dentre
além de uma área mínima de refúgio esses, a disseminação de doenças infec- Ig. Surucucu ~4 Km
para as populações de caça que deve tocontagiosas (em especial a malária),
Rio Mucajaí (cabeceira) ~30 Km
ter pelo menos 0.93 vezes o tamanho da a contaminação pelo metilmercúrio,
zona de uso frequente para garantir a subproduto do garimpo, e a sobrecar- Rio Mucajaí (Médio curso) ~150 Km
reprodução de espécies sensíveis16. ga no sistema de saúde local. Sob essa
perspectiva, pode-se adotar como cri- Rio Couto Magalhães ~50 Km
Seguindo essa metodologia, identifica- tério espacial para a definição da zona
mos que pelo menos 110 comunidades impactada,em vez da distância das ci- Rio Apiaú (Cabeceira) ~30 km
da TIY estão diretamente afetadas pelos catrizes, o próprio recorte de polo-base.
Rio Novo ~10 Km
impactos do garimpo no meio biofísico Assim, o número de comunidades afeta-
(desmatamento, destruição de habitat, das diretamente seria 273, abrangendo Rio Catrimani ~65 km
contaminação da água e dos solos, des- mais de 16.000 pessoas, ou 56% da po-
truição do curso natural do rios e asso- pulação da TIY. Rio Lobo d’Almada ~5km

Quadro 2: Cursos d’água impactados pelo garimpo.

16 CONSTANTINO, P. de A. L., BENCHIMOL, M., ANTUNES, A. P. “Designing Indigenous Lands in Amazonia: Securing indigenous rights and wildlife conservation through hunting management”, Land Use
Policy, v. 77, n. June, p. 652–660, 2018.
17 https://apublica.org/2021/09/sob-bolsonaro-yanomami-tem-o-maior-indice-de-mortes-por-desnutricao-infantil-do-pais/?utm_source=telegram&utm_medium=transmissao&utm_campaign=desnutricaoy-
anomami

YANO M AM I S O B ATAQU E 18
Garimpo no
rio Uraricoera, TIY,
Janeiro de 2022.

YANO M AM I S O B ATAQU E 19
3 ANÁLISES POR
MACRO-REGIÕES

YANO M AM I S O B ATAQU E 20
ANÁLISES POR
MACRO-REGIÕES

URARICOERA (URARICOERA,
PALIMIU E WAIKÁS)

A calha do rio Uraricoera segue sendo Para transportar insumos e mão de obra
a macro-região mais impactada pelo no Uraricoera a logística do garimpo
garimpo na TIY. Ela concentra mais de utiliza portos localizados fora da Terra
45% do total de cicatrizes mapeadas, e Indígena, na vizinhança da Estação Eco-
também apresenta os maiores acam- lógica de Maracá. Entre os portos mais
pamentos e as mais complexas estrutu- conhecidos estão: o Porto do Arame
ras de apoio ao garimpo, com diversos (61,7824862°W 3,2647488°N), o Porto
canteiros, acampamentos e corrutelas. Pacú (61,6491667°W 3,3325000°N) e
Fazenda Canadá. O frete de carga para
Parte dessa vulnerabilidade é explicada estes locais custa entre R$ 1.500,00 a
pelo fato de que este rio, diferentemente R$ 2.500,00, e o transporte de passa-
dos demais, pode ser acessado por via geiros entre R$ 300,00 e R$ 350,00 por
fluvial sem quaisquer constrangimentos pessoa. O acesso aos portos passa pela
por parte dos órgãos de proteção, uma rodovia municipal de Alto Alegre 332,
vez que a Base de Proteção Etnoambien- que está conectada à rodovia estadual
tal (BAPE) local encontra-se desativada. RR-343 e à BR-174, respectivamente.
Em 2017, o Ministério Público ajuizou
uma ação que pede a reativação de to-
das as Bases de Proteção Etnoambien-
tais (BAPEs) da TIY, dentre elas a BAPE
Korekorema, que tem a função de con-
trolar o acesso a este rio. A decisão do
juiz foi favorável à reabertura, mas até
o momento a União não cumpriu ple-
namente a sentença. A demora no seu
cumprimento é um fator de grande fra-
gilização da proteção territorial da TIY,
como veremos a seguir.

YANO M AM I S O B ATAQU E 21
Foto 1:
Trecho da Vicinal
que dá acesso
aos portos de
garimpo no rio
Uraricoera.

YANO M AM I S O B ATAQU E 22
Foto 2:
Registro do Porto
do Arame em
26 de janeiro
de 2021. Note
a quantidade de
combustível sep-
arada para em-
barque, indican-
do a intensidade
da atividade na
região.

YANO M AM I S O B ATAQU E 23
Uma vez embarcados, os garimpeiros O frete aéreo é, sem dúvida, o modal recrutar pessoas para os grotões. Esses
precisam percorrer um longo trecho flu- mais caro para se acessar o garimpo. grupos possuem anúncios de “vagas de
vial até atingir os canteiros de explora- Informações de área indicam que o va- trabalho”, seja de operador de máqui-
ção. Por isso, contam com uma rede de lor de uma “perna” para as principais na, mergulhador, maraqueiro, cozinhei-
acampamentos dispostos ao longo do pistas clandestinas da TIY (Rangel, Cas- ra ou prostituta20. A expectativa de ga-
rio, onde encontram também comércio, calho, Jeremias, Espadim, Malária, Pau nhar cerca de 3g de ouro por programa
pequenos serviços e casas de prostitui- grosso etc.) custa algo em torno de R$ (o que equivale a mais de R$ 900,0021)
ção. O pagamento aos barqueiros é 11.000,00, com direito a 500kg de car- ou mesmo um salário de R$ 5.000,00
significativamente superior ao frete ter- ga e transporte terrestre até o aeródro- por mês como cozinheira atrai muitas
restre, cerca de 10 gramas de ouro por mo da decolagem. mulheres que não sabem exatamente o
pessoa, devido ao consumo de com- que irão encontrar na floresta. Há rela-
bustível e à dificuldade de navegação. Em janeiro de 2022, apesar de ser ti- tos de cozinheiras que são obrigadas a
Como o Uraricoera possui trechos bas- picamente um mês de poucas chuvas se prostituir e garotas de programa que
tante encachoeirados, os barqueiros de- em Roraima, o Uraricoera ainda estava não conseguem sequer bancar a viagem
vem conhecer profundamente o leito do cheio, e o tráfego de embarcações era de volta, devido aos gastos nas estrutu-
rio e ainda assim construir trilhas no meio intenso. Durante o sobrevoo do SMGI foi ras das corrutelas, como medicamentos
da floresta que utilizam quadriciclos para possível registrar diversos botes repletos para infecções, “aluguel” do quarto, ali-
contornar os obstáculos naturais (corre- de recipientes de combustível, gás de mentação e produtos de higiene. Com
deiras) mais complicados18. cozinha, alimentação e equipamentos, a crise migratória no país vizinho, uma
percorrendo o rio em ambas direções. quantidade expressiva de mulheres ve-
No período de chuvas, quando o rio está nezuelanas são aliciadas neste esque-
cheio, os indígenas estimam um tráfego O custo da viagem para aqueles que ma, com relatos tocantes22.
diário de dezenas de botes de alumínio, pretendem trabalhar no garimpo, na
com capacidade de transporte de até maioria dos casos, é pago pelo próprio
seis toneladas por barco. No período interessado. Tal situação frequentemen-
seco, cada barqueiro consegue fazer em te conduz a uma situação de escravidão
média duas viagens por mês. por dívida19, sobretudo, no contexto do
trabalho sexual. Nas redes sociais ope-
ram diversos grupos que tem por ob-
jetivo divulgar a cultura garimpeira e

18 O barqueiro recebe em média 30 ou 40g de ouro por viagem, ele costuma ser um prestador de serviço ao dono da embarcação.
19 https://brasil.mongabay.com/2021/02/trabalho-escravo-em-garimpos-expoe-redes-criminosas-na-amazonia/
20 Nesses grupos também circulam informações sobre venda de equipamento de internet; anúncio de reconhecimento topográfico para identificação de metal; transporte de canoa; transporte de Uber para
pontos de apoio e fretes de avião.
21 Considerando a cotação do ouro (R$ 307,84 por 1 grama) em 24 de fevereiro de 2022.
22 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/10/traficantes-de-pessoas-mudam-tatica-e-atraem-mulheres-para-dividas-impagaveis.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_cam-
paign=newsfolha

YANO M AM I S O B ATAQU E 24
Foto 3:
Voadeira
a serviço
do garimpo
navegando
em trecho de
cachoeiras.

YANO M AM I S O B ATAQU E 25
Foto 4:
Quadriciclos no
acampamento
transportando
combustível para
os canteiros.

YANO M AM I S O B ATAQU E 26
Foto 5:
Voadeira
transportando
combustível para
os garimpos no
Uraricoera.

YANO M AM I S O B ATAQU E 27
Foto 6:
Estrutura que
dá suporte
à logística
garimpeira no
Uraricoera.

YANO M AM I S O B ATAQU E 28
Foto 7:
Corrutela nas
margens do
rio Uraricoera
(Waikás).
Nota-se que
ela está se
reerguendo
rapidamente
após as
operações da
Polícia Federal
na região
em 2021.

YANO M AM I S O B ATAQU E 29
Imagem 1:
Mosaico de
imagens radar
da curva do
rio Uraricoera
próxima à região
de Waikás, a
maior cicatriz é
onde se localiza
o garimpo
chamado
tatuzão do
Mutum.

YANO M AM I S O B ATAQU E 30
No rio Uraricoera as zonas de explo- de à procura de um morador com quem Os Yanomami do Palimiu já haviam
ração garimpeira estão “divididas” por tinham desentendimentos. Durante a notado uma mudança importante no
“donos”, conhecidos localmente por investida, houve uma troca de tiros que comportamento dos garimpeiros desde
seus apelidos. Esses “donos” controlam resultou na morte de um garimpeiro e 2019. Se antes apenas os barqueiros
o acesso aos canteiros, o uso das estru- em um indígena gravemente ferido25. transitavam encapuzados, agora outros
turas de comércio, logística e acampa- A associação notificou o fato e solicitou homens também o faziam, vestidos qua-
mento, e, para isso, alguns contam com intervenção de forças de segurança na se sempre de roupas pretas. As armas
serviços de “segurança privada”, geral- região. O alerta foi ignorado, porém. também haviam mudado. De espingar-
mente prestado por grupos associados das de caça, passaram a circular com
ao crime organizado23. Semanas depois, no dia 27 de abril, um pistolas e fuzis. E, a abordagem nas
grupo de jovens Yanomami da região do comunidades tornou-se mais agressiva
“Dona Íris” é um desses “patrões”. Em Palimiu interceptou um bote com 900 li- e violenta. Há relatos de garimpeiros
2021, seus capangas protagonizaram tros de combustível que tinha como desti- bêbados invadindo casas e assediando
alguns dos eventos mais marcantes do no o “garimpo de Dona Íris”. A ação dos mulheres, e de gritos de ameaça duran-
ano no território Yanomami, quando jovens foi uma reação à morte de uma te encontros furtivos no rio: “Vamos aca-
homens encapuzados atiraram, em di- criança26 que havia se afogado depois bar com os yanomami”, diziam.
ferentes oportunidades, contra os mora- que um barco de garimpeiros passou
dores das comunidades do Palimiu, em próximo ao porto da comunidade onde Assim, no dia 10 de maio de 2021, sete
retaliação às tentativas de bloqueio da a família tomava banho. A onda gerada embarcações27 com homens armados,
logística garimpeira por parte de jovens pela voadeira derrubou a criança, que vestidos de coletes e balaclavas, se apro-
Yanomami24. Em um dos ataques, duas em seguida foi levada pela correnteza. ximaram da comunidade Yakepraopë e
crianças indígenas morreram afogadas Os Yanomami tomaram o combustível e abriram fogo contra seus moradores,
no rio na tentativa de escapar dos tiros. obrigaram o barqueiro a descer o rio de incluindo mulheres e crianças, por volta
volta. Outros garimpeiros que passavam das 11 horas da manhã. Na fuga, duas
Já no início de 2021, a Hutukara havia na direção contrária dispararam tiros e crianças morreram28.
alertado as autoridades, através de um proferiram ameaças. A HAY, mais uma
ofício, sobre a escalada de tensão na re- vez, oficiou os órgãos públicos pedindo
gião. Em fevereiro de 2021, abaixo do que fossem tomadas providências para
Palimiu, na aldeia Helepe, garimpeiros garantir a segurança da comunidade e
armados haviam invadido a comunida- novamente não obteve respostas.

23 Hoje sabe-se que o PCC além da “segurança privada” também atua no fornecimento e transporte de insumos para o garimpo no Uraricoera, no controle de prostíbulos e cantinas, assim como na ex-
ploração mineral em balsas de ferro: https://tab.uol.com.br/edicao/pcc-no-garimpo/#cover
24 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/08/10/video-mostra-garimpeiros-armados-e-prontos-para-fazer-guerra-antes-de-ataque-em-comunidade-na-terra-yanomami.ghtml
25 https://folhabv.com.br/noticia/CIDADES/Capital/Garimpeiro-e-flechado-e-morre-em-conflito-com-indigenas/73562
26 Filha de Eliete.
27 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/10/conflito-armado-entre-garimpeiros-e-indigenas-deixa-feridos-na-terra-yanomami.ghtml
28 https://amazoniareal.com.br/duas-criancas-yanomami-aparecem-mortas/

YANO M AM I S O B ATAQU E 31
Áudios de WhatsApp que circulavam em Ainda assim, e mesmo com o respaldo
grupos de garimpeiros, e que depois vie- de decisões judiciais31, as forças poli-
ram ao público, davam notícias sobre a ciais mantiveram-se no local apenas de
participação de membros de organiza- forma intermitente, visitando a comuni-
ções criminosas no ataque: “uma canoa dade quinzenalmente e permanecendo
da facção estava descendo com mais de por poucos dias. De modo que, após os
20 homens armados com metralhado- ataques, a região permaneceu a maior
ras e fuzis” para “pegar o pessoal que parte do tempo sob o signo do terror.
roubou combustível”29. Outras mensa- Depois do primeiro ataque, vários ou-
gens sugeriam a intenção dos crimino- tros aconteceram durante os meses de
sos de dar continuidade aos ataques e maio, abril, junho e julho (ver "Cronolo-
do desejo de vingança pelos homens fe- gia dos ataques no Palimiu").
ridos no revide com arco e flecha que os
Palimiutheri conseguiram realizar.

A notícia, que conjugava PCC e Massa-


cre na mesma frase, deu ampla reper-
cussão aos ataques na mídia, o que fez
com que finalmente as forças de segu-
rança fossem acionadas. Ao chegarem
em Yakepraopë, contudo, os policiais fo-
ram recebidos com bala30 pelos homens
do garimpo, em um claro sinal de que
eles não pretendiam recuar.

29 https://amazoniareal.com.br/garimpeiros-ligados-ao-pcc-atacam-aldeia-yanomami/?fbclid=IwAR2NRN-04m8mA1EMlpHMy9cDlcQYMTKFFxMjiQdW5htjCGBXKw5sJGfufVQ
30 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/05/11/policia-federal-e-garimpeiros-entram-em-confronto-na-regiao-de-conflito-na-terra-yanomami.ghtml
31 https://oglobo.globo.com/brasil/yanomami-justica-federal-manda-governo-manter-forcas-de-seguranca-permanente-em-aldeia-atacada-por-garimpeiros-25015916

YANO M AM I S O B ATAQU E 32
CRONOLOGIA DOS ATAQUES NO PALIMIU

30 DE ABRIL: 13 DE MAIO:
Ofício relata um conflito em 27 de abril, quando um grupo de Quarto ofício denuncia a chegada de 40 barcos de garimpei-
Yanomami interceptou cinco garimpeiros que subiam o rio em ros no Palimiú e alerta que os garimpeiros estavam se organi-
direção ao Korekorema, no rio Uraricoera, em uma voadeira zando para iniciar novos ataques.
carregada de combustível para avião e helicóptero. Foram apre-
endidos 990 litros de combustível. Outros sete garimpeiros que
desciam o rio em direção a Boa Vista reagiram, disparando três
tiros contra os indígenas. Não houve feridos. O ofício já pedia 15 DE MAIO:
medidas urgentes para garantir a segurança da comunidade.
Nota pública denuncia a morte de duas crianças no Palimiú
após ataque de garimpeiros, cinco dias antes.

10 DE MAIO:
Dia do primeiro ataque ao Palimiú. Um segundo ofício é envia- 17 DE MAIO:
do à Funai, MPF, PF e Exército, pedindo urgência para impedir
Quinto ofício informa que 15 barcos de garimpeiros se aproxi-
a violência e garantir a segurança em Palimiú.
maram da comunidade. Os Yanomami disseram que, além dos
tiros, havia muita fumaça e que seus olhos estavam ardendo,
indicando uso de bombas de gás lacrimogêneo. “Estavam mui-
to aflitos e gritavam de preocupação ao telefone. Ao fundo, era
12 DE MAIO: possível escutar o som dos tiros”, narrou Hutukara às autoridades.
Terceiro ofício, enviado somente ao Exército, solicita apoio lo-
gístico para a segurança local e a instalação de posto emer-
gencial de segurança na comunidade Palimiú e no Rio Urari-
coera, devido a mais um confronto armado entre garimpeiros, 1 DE JUNHO:
indígenas e agentes da Polícia Federal.
Segunda nota pública destaca ataque armado de garimpeiros
ao ICMBio na Estação Ecológica de Maracá, Roraima. Os in-
vasores usam o trecho do rio que atravessa a Unidade de Con-
servação como rota de abastecimento das áreas de exploração
ilegal de ouro.

YANO M AM I S O B ATAQU E 33
7 DE JUNHO: 18 DE JUNHO:
Sexto ofício narra novo ataque, na comunidade Maikohipi, região Décimo ofício denuncia a agressão de garimpeiros contra jo-
do Palimiú, atingida com bombas de gás lacrimogêneo. vens e crianças indígenas no Palimiu, quando estavam pescan-
do no rio Uraricoera, próximo a comunidade Tipolei, e um bar-
co com 5 garimpeiros armados se aproximou. Os garimpeiros
aceleraram contra os Yanomami e bateram com o barco na
10 DE JUNHO: canoa deles, fazendo com que os indígenas caíssem na água
e a canoa afundasse. Os jovens e crianças conseguiram fu-
Sétimo ofício da Hutukara denuncia que garimpeiros ameaçam gir pelo rio e pela mata até Yakepraopë (primeira comunidade
indígenas na comunidade Maikohipi e mataram um cachorro atacada dia 10 de maio).
como alerta.

14 DE JULHO:
14 DE JUNHO:
Após algumas semanas de relativa tranquilidade com a defla-
Oitavo ofício da Hutukara denuncia que um grupo de garim- gração da operação Omama, a Hutukara envia seu décimo
peiros em três barcos e iniciaram um tiroteio contra a comuni- primeiro ofício relatando a retomada de ataques armados aos
dade. Diante do novo ataque, os Yanomami se esconderam no Yanomami na região do Palimiu. No dia 08 de julho, uma em-
mato, e então os garimpeiros seguiram viagem rio acima, em barcação de garimpeiros disparou quatro tiros contra mulheres
direção ao garimpo do Tatuzão. que procuravam um parente desaparecido no rio próximo à
comunidade de Korekorema. No dia 13 de julho, de madruga-
da, a comunidade Palimiu foi atacada por dois barcos de ga-
rimpeiros, que dispararam 10 tiros contra os indígenas. Após
17 DE JUNHO: os ataques, os garimpeiros retornaram a seu acampamento.
Nono ofício da associação destaca que um grupo de garimpei-
ros encapuzados dispararam tiros contra as casas da comuni-
dade de Korekorema, na região de Palimiu, no rio Uraricoera,
obrigando os Yanomami a se esconderem na floresta. 03 DE AGOSTO:
Ofício da HAY registra a continuidade da circulação de em-
barcações de garimpeiros armados subindo o rio Uraricoera,
conforme relato de lideranças do Palimiu. Segundo o relato,
um grupo de garimpeiros estaria se organizando para uma
retaliação às comunidades Palimiu por suas denúncias. A infor-
mação dá conta de que apesar da recente operação, a ativida-
de garimpeira não cessou na região.
YANO M AM I S O B ATAQU E 34
Foto 8:
Comunidade
Yakepraopë,
Palimiu.

YANO M AM I S O B ATAQU E 35
Em relato concedido ao Ministério Pú- Em uma entrevista a jornalistas que visi- Outros impactos relatados pelas lider-
blico Federal na época dos ataques, taram a aldeia após os ataques uma das anças dizem respeito à introdução de
lideranças do Palimiu registraram diver- lideranças expressou a sua revolta: drogas e bebidas alcoólicas e o acirra-
sos impactos provocados pelo garim- mento de conflitos internos nas comuni-
po ao seu sistema produtivo, além das Eu, sendo uma liderança, estou com dades. Eles deram o exemplo da Ara-
ameaças e da violência que vinham sof- muita raiva! Você pode ver em minha caçá que, segundo descreveram, está
rendo. Segundo eles, antes da invasão cara que estou com muita raiva, não em vias de desaparecimento, tamanha
“a pescaria era boa, a caçaria era boa”, fique enviando seus filhos garimpeiros a desestruturação social provocada pela
mas agora não, o rio está contamina- em nossa terra! Eu não aceito isso! Eu influência dos garimpeiros (Thëpë pɨrɨo
do (xami) e a caça emagreceu (yaropë não aceito! Eu não quero essas cois- yai hoximi!). Segundo os Palimiu Theli,
romihipë). Descreveram áreas degrada- as ruins! Vocês são violentos! Seus no Aracaçá, os Sanöma deixaram de
das pela atividade, tanto na margem do filhos são violentos. Ficou toda essa abrir roças e hoje dependem da alimen-
rio, quanto no interior da floresta, que situação ruim de agressões aqui! Eu tação oferecida pelos garimpeiros em
antes faziam parte da sua área de uso não quero isso! Vocês deixaram tudo troca de serviços, como carregar com-
cotidiano e que hoje não podem mais terrível para nós! Eu sou povo da flo- bustível e realizar pequenos fretes de ca-
ser acessadas pelas famílias. Assim, resta! Não quero ver isso! Eu quero noa. Lá, ainda de acordo com os Palimiu
para caçar, pescar e coletar frutos de- é assistência à saúde de verdade, Theli, os garimpeiros introduziram bebi-
vem-se deslocar para locais mais distan- projetos de verdade! Polícia de ver- das e um “pó branco” que deixaram os
tes, o que tem comprometido o tempo dade! É isso que eu quero ver! Os Sanöma viciados, alterados e violentos
disponível para outras tarefas. garimpeiros destruíram nossa flor- (“pihi yayoprarioma”, “pihi xi warihip-
esta. Nós, lideranças, não queremos rario”, “pihi yaiprarioma”), resultando
seus garimpeiros! Nossos animais de em muitos episódios de violência entre
caça já acabaram! As crianças já es- os de Aracaçá.
tão sofrendo com doenças de pele
e diarreias! Nossos filhos já estão
doentes! Bolsonaro, busque seus fil-
hos garimpeiros e os leve de volta!

YANO M AM I S O B ATAQU E 36
Foto 9:
Canteiro de
garimpo no
Uraricoera.

YANO M AM I S O B ATAQU E 37
Foto 10:
Área de garimpo
na terra firme do
Uraricoera.

YANO M AM I S O B ATAQU E 38
Foto 11:
Área de garimpo
no Uraricoera.

YANO M AM I S O B ATAQU E 39
Foto 12:
Garimpo na foz
do rio Aracaçá,
TIY, Janeiro de
2022.

YANO M AM I S O B ATAQU E 40
Imagem 2:
Mosaico
multitemporal de
imagens radar
em 2021 da
confluência do
rio Aracaçá com
o rio Uraricoera.

YANO M AM I S O B ATAQU E 41
Outro efeito destacado pelos Yanoma- Gráfico 2:
mi do Uraricoera é a fragilização da Casos de malária nos pólos do rio Uraricoera Evolução dos
saúde das comunidades. Este processo casos de malária
pode ser verificado, por exemplo, nos 2,000 nos polos da
dados de malária nos polos-base que 1,800 macro-região do
1,600 Uraricoera.
compreendem a macrorregião: Urari-
coera, Palimiu e Waikás. Como pode 1,400
Fonte:
ser observado no gráfico 2), depois de 1,200
Sivep-Malária.
2017 houve uma explosão de casos em 1,000
todos os polos, com destaque para o 800
Palimiu que em 2020 superou 1.800 600
casos. Destaca-se que a população to- 400
tal do Palimiu no mesmo ano era de 200
pouco mais de 900 pessoas, ou seja, 0
os dados do Sivep apontam para uma
média de quase dois casos de malária
por pessoa. Waikás Palimiú Uraricoera

O paludismo, por sua vez, compromete


não apenas a saúde individual do do-
ente, mas também a economia das co- Vale lembrar que a primeira vítima in- É inevitável conjecturar que a história
munidades que dependem da força de dígena da COVID-19 no Brasil foi um dos habitantes do Uraricoera poderia ter
trabalho familiar para produzir sua sub- jovem Ninam da comunidade Helepe, sido diferente caso o governo brasileiro
sistência. Um homem que deixa de abrir situada às margens do rio Uraricoera. O tivesse respeitado as recomendações
um roçado no período de estiagem por jovem de apenas 15 anos foi hospitaliza- judiciais de reabertura das Bases de
estar debilitado pela malária terá no fu- do na capital de Roraima em março de Proteção, ou mesmo ter implementado
turo maiores dificuldades de sustentar a 2020 com sintomas respiratórios. Nos as medidas de contenção de invasores
si mesmo e os seus co-residentes, crian- seus últimos meses de vida, ele estava sugeridas pela APIB no âmbito da ADPF
do assim um ciclo vicioso de malária, desnutrido, anêmico e havia contraído 709. A verdade é que muito pouco foi
crise econômica e fragilização social. É, malária repetidas vezes. Seu corpo foi feito dada a dimensão do problema.
pois, justamente no cenário de extrema enterrado em um cemitério de Boa Vista,
vulnerabilidade que o garimpo avança sem que sua família fosse consultada,
e busca aliados entre jovens indígenas, desrespeitando seriamente os protoco-
acelerando ainda mais a tragédia local. los funerários rituais indígenas.

YANO M AM I S O B ATAQU E 42
Em março de 2021, a Polícia Federal, Durante os dias 26 de agosto e 7 de A deflagração destas operações são pas-
em parceria com outros órgãos, realizou setembro mais uma operação foi de- sos importantes para o controle da ati-
uma operação (Yanomami ADPF 709) flagrada no Uraricoera. A operação vidade ilegal. Entretanto, a persistência
no garimpo conhecido como “Fofoca de logrou destruir três portos e cinco do garimpo e a sua ampliação em 2021
Cavalo”. Os policiais estimaram a pre- helipontos clandestinos e apreender atestam que este tipo de ação, realiza-
sença de mais de duas mil pessoas no onze aeronaves 34. da de maneira esporádica e isolada, é
local, que oferecia serviços como bares, insuficiente para conter o avanço da ati-
lan house, mercado e consultório odon- Finalmente, no segundo semestre de vidade. Como indicamos na introdução,
tológico32. A operação, segundo consta, 2021, uma quarta ação foi realizada o garimpo de ouro é hoje uma atividade
apreendeu diversos objetos para auxiliar neste rio. Segundo indígenas que vivem empresarial que depende de altos inves-
nas investigações e inutilizou 20 motores no local, o seu foco foi o “garimpo da timentos. Portanto, a lógica por trás da
e um helicóptero. Adriana”, uma área que se expandiu ra- atividade é uma lógica essencialmente
pidamente próximo ao encontro dos rios econômica, isto é, enquanto os retornos
De maio a junho, outra operação Auaris e Parima, na formação do Ura- forem maiores do que os riscos, sempre
ocorreu, chamada “Palimiu”. Nesta, ricoera. De acordo com os indígenas, haverá quem queira investir. Assim, é
a PF afirma ter destruído 35 motores cerca de cinco dias após a operação, fundamental garantir que os custos de
de propulsão, 11 geradores de ener- a logística do garimpo voltou a funcio- operação do garimpo permaneçam in-
gia, uma embarcação, 4500 litros de nar. Aeronaves e helicópteros com voos viáveis para sua manutenção em áreas
óleo diesel, e uma solda elétrica, bem diários reconstruíram com rapidez a remotas como a TIY. Para tanto, o Esta-
como ter apreendido munições e 750g estrutura do garimpo, transportando do precisa garantir que as estruturas de
de mercúrio33. inclusive chapas de ferro que foram proteção e fiscalização na TIY estejam
soldadas no acampamento para for- operantes de forma perene. Ao mesmo
jar balsas novas. Eles registraram pelo tempo que as pistas clandestinas do ga-
menos 12 balsas em ação, logo depois rimpo devem ser sistematicamente inuti-
das operações. A movimentação nos lizadas e os aeródromos que dão supor-
rios e portos também se recuperou com te ao atendimento de saúde devem ser
agilidade. As imagens que ilustram esse frequentemente fiscalizados. Em alguns
relatório, todas feitas entre os dias 26, casos, inclusive, é recomendada a pre-
27 e 28 de janeiro, por sua vez, confir- sença duradoura de forças de seguran-
mam os relatos. ça, para evitar que o controle das pistas
comunitárias seja exercido pelo garimpo
e as equipes médicas não possam pro-
mover o necessário atendimento.

32 https://folhabv.com.br/noticia/POLICIA/Ocorrencias/PF-desarticula-area-de-garimpo-com-lan-house--dentista-e-mercado/74282
33 https://folhabv.com.br/noticia/POLICIA/Ocorrencias/Policia-Federal-e-Exercito-finalizam-primeira-fase-de-operacao-em-Garimpo/76724
34 https://folhabv.com.br/noticia/CIDADES/Capital/Ibama-embarga-59-pistas-de-pouso-clandestinas-na-Terra-Yanomami/79693

YANO M AM I S O B ATAQU E 43
Um detalhe importante da estratégia de A facilidade de acesso à internet, habilita
proteção territorial é a desarticulação a circulação de informação entre os nú-
das redes de internet que funcionam nos cleos garimpeiros com a cidade e entre
garimpos da TIY e que permitem que os si. Notícias de uma eventual operação
garimpeiros antecipem uma operação. se espalham rapidamente pelo WhatsA-
pp. Diariamente nos grupos de garim-
Atualmente todos os acampamentos, peiros circulam mensagens com avisos
não só no Uraricoera, contam com an- sobre a movimentação dos órgãos de
tenas de internet, seja ela via rádio ou proteção, tais como: “helicóptero do
via satélite. O serviço é oferecido livre- exército circula o Uraricoera”; “carro do
mente nas redes sociais, e é comer- IBAMA passou pela rodovia 332”. A re-
cializado por empresas de Boa Vista corrência do vazamento de informações
que chegam inclusive a oferecer seus sobre operações contra o garimpo indi-
funcionários para realizar a instalação ca a existência de conexões com pesso-
nos acampamentos. as dentro dos órgãos de fiscalização que
têm acesso a informações confidenciais
Um efeito um tanto quanto insólito des- sobre os planos de ação policial. Como
ta facilidade é que os próprios indíge- resultado, a efetividade das operações é
nas não conseguem adquirir pacotes de comprometida e a organização do ga-
internet razoáveis para serem instalados rimpo esbanja resiliência.
em escolas ou postos de saúde, por que
a maior parte dos pacotes de alta ve-
locidade disponíveis nas empresas que
oferecem o serviço em Boa Vista já estão
vendidos para o garimpo, ainda que ele
seja notoriamente ilegal!

YANO M AM I S O B ATAQU E 44
Foto 13:
Balsa de ferro
em ação no rio
Uraricoera.

YANO M AM I S O B ATAQU E 45
Foto 14:
Garimpo ativo
no encontro dos
rios Auaris e
Parima, TIY.

YANO M AM I S O B ATAQU E 46
AUARIS

Analisando imagens de satélite que Já o garimpo no Metacuni (no setor


abarcam a região, identificamos dois de Simada Wiochö), por estar fora do
focos de garimpo relacionados ao polo- país, só pôde ser observado por meio
-base Auaris. Um deles, ainda pequeno, de imagens de satélites. A Imagem 3,
está localizado na fronteira, próximo à produzida a partir de um mosaico do
comunidade Sanöma Irotha (Foto 15). Sentinel 2 e referente a novembro de
E o outro, cuja cicatriz se expandiu ra- 2021, o retrata. Na imagem, a cicatriz
pidamente em 2021, localiza-se em um aparece em branco e rosa no lado es-
afluente do rio Metacuni, em território querdo da figura, seguindo o curso de
venezuelano, próximo à comunidade um igarapé. A mancha verde-claro no
Katanã, no lado brasileiro. centro se refere à comunidade Katanã e
suas roças adjacentes.
A fotografia 16 ilustra o garimpo de Iro-
tha. Apesar de ainda estar restrito ao Apesar deste garimpo não estar situado
Os moradores da calha do rio Uraricoera vale de um igarapé local, há sinais de no Brasil, tudo indica que a logística que
relataram, desde o final de 2020, um trá- que ele possa estar crescendo em di- o alimenta está baseada aqui. Recente-
fego intenso de aeronaves e helicópteros reção à fronteira. Durante o sobrevoo mente, uma reportagem publicada pelo
em direção à fronteira com a Venezuela. avistamos um desmatamento recente jornal El País reforçou a informação de
É muito comum avistar o modelo Robin- nas serras que dividem os países, mas que a pista que dá acesso aos canteiros
son35 transitando pelo céu da TIY. Mas, não foi possível identificar se trata-se de de exploração neste setor recebe sobre-
no Uraricoera, os indígenas afirmam ver uma nova área de roça ou se a área está tudo aeronaves brasileiras37. A infiltra-
frequentemente modelos maiores de heli- sendo convertida em um futuro acampa- ção de grupos criminosos venezuelanos
cópteros à serviço do garimpo, “iguais aos mento garimpeiro. em Roraima como o Trem de Aragua, o
do exército36”, dizem. Sindicato e o Trem de Guayana, porém,
não nos permite inferir que a exploração
possui o envolvimento exclusivo de em-
presários brasileiros38.

35 Cujo valor é superior a 400 mil reais.


36 Black Hawk.
37 https://elpais.com/internacional/2022-01-30/las-pistas-clandestinas-que-bullen-en-la-selva-venezolana.html
38 https://tab.uol.com.br/edicao/pcc-no-garimpo/#cover

YANO M AM I S O B ATAQU E 47
Foto 15:
Comunidade
Sanöma Irotha.

YANO M AM I S O B ATAQU E 48
Foto 16:
garimpo
próximo a
Irotha.

YANO M AM I S O B ATAQU E 49
Imagem 3:
Mosaico do
satélite Sentinel
2 de novembro
de 2021.

A linha amarela
tracejada diz
respeito à
fronteira Brasil-
Venezuela.

YANO M AM I S O B ATAQU E 50
Os efeitos da proximidade deste garim- Gráfico 3:
po das comunidades situadas no lado Casos de malária no pólo do rio Auaris Evolução dos
brasileiro, em especial Katanã, já po- casos de malária
dem ser observados repercutindo em no polo-base
3,000 Auaris.
toda a região de Auaris. Há relatos de
indígenas que vivem em casas mais pró-
2,500 Fonte:
ximas ao Pelotão de Auaris que são uti- Sivep-Malária.
lizados como mão de obra em canteiros
de Simada Wiochö. E de algumas famí- 2,000
lias que se deslocam ao local para tro-
car alimentos como banana e beiju por 1,500
objetos industrializados.
1,000
A rede de troca que tem se formado a
partir de Simada Wiochö, segundo re-
500
latos de área, envolve não apenas in-
dígenas Sanöma, mas principalmente
Ye’kwana e não indígenas que traba- 0
lham no sistema de saúde. Nela, em li-
nhas gerais, os Sanöma trocam força de
trabalho por ouro, depois trocam o ouro Auaris
nas cantinas Ye’kwana, que por sua vez
vendem aos não indígenas que circulam
no pelotão.

Enquanto isso, os casos de malária na


região explodem (de 2019 para 2020 a
malária cresceu 247%) e as famílias en-
volvidas nesse sistema são tragadas pela
penúria, fato que se evidencia pelo agra-
vamento da desnutrição infantil (63%
das crianças menores de cinco anos da
região estão com déficit nutricional).

YANO M AM I S O B ATAQU E 51
PARIMA (ARATHAU, PARAFURI,
WAPUTHA E SURUCUCUS)

De todas essas regiões, a situação do Em 2021, as mortes passaram a ocor-


Arathau é a mais desalentadora. Ali rer também em função da desassistên-
operam diversos canteiros, quatro pis- cia sanitária, uma vez que o polo-base
tas de pouso clandestinas e uma dúzia do Arathau foi sendo paulatinamente
de balsas, ao longo de todo o médio abandonado pelo Distrito Sanitário Es-
curso do rio Parima. Há também ex- pecial Yanomami e Ye’kuana (DSEI-YY).
ploração em igarapés afluentes em Em 2020 foram realizados 11277 aten-
ambas as margens. dimentos de saúde neste polo, e, em
2021, o número caiu para 281541.
O boom do garimpo no Parima começou
ainda em 2020, com a eclosão da epi- Como consequência, diversos pacientes
demia de COVID-19, e, de lá pra cá, com doenças passíveis de tratamento ti-
foi observado um incremento de mais veram o seu quadro agravado, e alguns
de 100 hectares de destruição, além de chegaram a óbito. Esse é o caso de um
A calha do Parima abrange boa parte uma coleção de episódios trágicos. xamã de 50 anos que morreu na comu-
da região comumente chamada de “Ser- nidade Macuxi Yano, em outubro, por
ras”. Aqui iremos nos concentrar apenas Os primeiros relatos de violência e não conseguir atendimento médico42. E
nos polos-base onde foram registrados morte chegaram já em 2020, quan- também a situação de duas crianças da
desmatamentos associados ao garimpo, do dois Yanomami foram assassinados casa Xaruna que morreram de malária43
são eles: Arathau, Parafuri, Waputha e em um conflito próximo a uma pista em outubro, e de uma terceira criança da
Surucucus39. Neste último, o garimpo se clandestina que atende o garimpo na mesma comunidade vítima de malária e
concentra sobretudo nas sub-regiões de região40. O testemunho obtido na época pneumonia, em novembro44.
Yarima e Wathou, zonas mais distantes descrevia como o garimpo se intensifi-
do aglomerado de comunidades próxi- cava se aproximando das comunidades,
mo à pista do Pelotão de Fronteira. ao mesmo tempo em que as hostilidades
contra os indígenas cresciam.

39 O Xitei, que está localizado nas nascentes do rio Parima, poderia ser explorado também nesta seção, mas dada a expansão espantosa observada nessa região em 2021 optou-se por tratá-la em separado.
40 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/06/26/jovens-indigenas-sao-mortos-por-garimpeiros-em-conflito-na-terra-yanomami-em-roraima.ghtml
41 Até outubro de 2021.
42 https://roraimaemtempo.com.br/saude/conselho-yanomami-denuncia-falta-de-assistencia-medica-para-indigenas/
43 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/09/10/criancas-yanomami-com-malaria-morrem-por-falta-de-socorro-em-comunidade-diz-conselho-de-saude.ghtml
44 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/11/18/crianca-yanomami-de-3-anos-com-malaria-e-pneumonia-morre-sem-atendimento-em-comunidade-diz-conselho-de-saude.ghtml

YANO M AM I S O B ATAQU E 52
Foto 17:
Garimpo
próximo à
comunidade
Makabey,
Arathau.

YANO M AM I S O B ATAQU E 53
Foto 18:
Garimpo
próximo à
comunidade
Xaruna,
Parima, TIY.

YANO M AM I S O B ATAQU E 54
Além da Malária que cresceu 1127% Gráfico 4:
de 2018 a 2020, as comunidades do Casos de malária nos pólos do rio Parima Evolução dos
Arathau são aquelas que apresentam casos de malária
os maiores índices de desnutrição infan- 2,000 nos polos
til de toda a Terra Indígena. Cerca de 1,800 banhados pelo
1,600 rio Parima.
79,34% das crianças de até cinco anos
da região possuem baixo peso ou muito 1,400
1,200 Fonte:
baixo peso45. Sivep-Malária.
1,000
800
A desnutrição infantil é um fenômeno
600
complexo e multicausal, mas no contex-
400
to Yanomami, a influência do garimpo é
200
inequívoca e determinante. Como indi-
0
cam os próprios indígenas, o problema
não é a ausência absoluta de alimentos,
mas a escassez relativa resultante da de-
sestruturação social e econômica que a Aratha-u Parafuri Waputha Surucucu
invasão garimpeira acarreta: as doen-
ças impedem as pessoas de trabalhar e
cuidar dos filhos; os jovens deixam de
contribuir nas atividades produtivas para Como registra um pesquisador Yanoma- sejosos de ouro devastam suas ro-
trocarem sua mão de obra por restos de mi46 que investiga os efeitos do garimpo ças. É verdade. Se houver ouro onde
alimentos e objetos usados no garimpo; na TIY, em algumas zonas há uma es- tem uma roça, eles não perguntam
armas e bebidas alcoólicas introduzi- pécie de sobreposição entre a área de primeiro para os Yanomami: “Quem
dos pelos garimpeiros acirram conflitos exploração mineral e a área de uso coti- abriu aquela roça?”. Eles, depois de
internos e deflagram guerras interco- diano das comunidades, situação espe- instalar suas dragas sem perguntar,
munitárias. Além é claro, da destruição cialmente aguda no contexto do rio Pa- eles devastam as roças com os ali-
ambiental que reduz a disponibilidade rima, como as fotos (17 e 18) atestam. mentos plantados, por isso os Yano-
de terra fértil, pescado e alimentos para mami ficam angustiados.
coleta no entorno das casas. Os Yanomami fadigam em cultivar
suas roças, mas os [garimpeiros] de-

45 https://apublica.org/2021/09/sob-bolsonaro-yanomami-tem-o-maior-indice-de-mortes-por-desnutricao-infantil-do-pais/?utm_source=telegram&utm_medium=transmissao&utm_campaign=desnutricaoy-
anomami
46 Os nomes serão omitidos para preservar a segurança dos pesquisadores.

YANO M AM I S O B ATAQU E 55
[Os Yanomami] pensam: “Eles não me pë pree xë. Poro pë yai mohoti. “Ya- Após a morte do xamã e das crianças,
avisaram!”. Os Yanomami, com suas nomae thëpë xuhurumoimi hathõõ”, as famílias de Macuxi Yano decidiram
mulheres e filhos, ficam muito preo- pë pihi kuu. “Witi hamë ai hutu ya abandonar a casa-coletiva. Em Janeiro
cupados pelos alimentos das roças. thaa kõprare pë tha?”, makii, ai urihi de 2022, quando foi realizado o sobre-
Os garimpeiros são muito insensatos. pë totihi hëtëɨ kõõ makihii, thë tapru voo de monitoramento, ainda era pos-
Eles pensam: “Talvez os Yanomami kõtaaimi. Kama yanomae pënë yu- sível vê-los acampados em barracos de
não fiquem tristes”. [Os Yanomami tuha hutukanapë thapu parɨowihii lona na margem de um rio quase morto
se questionam:] “Onde irei abrir no- hamë, pë hutupë thamu yapaaɨ kõõ (foto 19). Quando os órgãos de segu-
vamente uma roça?”, mas, embora makii, wamotima thëpë raroa totihi rança estiveram no local para investigar
procurem outra terra adequada, não proimi. Thë urihi ũũxi herõnasi pëa o fato, as balsas não estavam mais lá,
a encontram. Eles voltam a abrir as hikirarioma kutaenë. pois os donos já haviam desmontado e
roças onde antigamente cultivavam, escondido o equipamento. Ninguém foi
mas as plantas dos alimentos não Outro fato que expõe essa sobreposi- responsabilizado pelas mortes.
crescem bem. De fato, o solo já se ção foi a morte, em outubro de 2021,
tornou contaminado. de duas crianças da comunidade Ma-
cuxi Yano. Elas morreram afogadas en-
Yanomae pë hutukanapë thamuha, quanto brincavam na praia em frente
thëpënë õhõtaaɨ makii, ai maa maxi às suas casas, após serem derrubadas
peximia pratima pënë hutupë wãriaɨ e tragadas pela correnteza gerada por
he. Peheti thëã yai. Hutukana ka uma draga garimpeira que operava a
kureha, maa maxi pata kure hamë: poucos metros da comunidade47. O su-
“Witipiinë hutu e kana tha?”, Ya- miço das crianças foi testemunhado por
nomae thëpë noa thaɨ parɨoimi he. seus familiares, sem que pudessem fazer
Yami pënë wakapë mii xatiamaɨha nada para salvá-las. Uma das crianças
puohenë, hutukana hamë wamotima foi encontrada no dia seguinte, e a se-
thëpë pihi kãe hixipraamaɨ yarohe, gunda poucos dias depois, com buscas
yanomae pë xuhurumu. promovidas pelo Corpo de Bombeiros
de Boa Vista a pedido do presidente do
“Kami ware noa thaɨ ka mao!”, thëpë CONDISI-YY.
pihii kuu. Hutukana hamë wamotima
thëpë kuowii yanomae pata xuhuru-
mu, kama thuë pë e thëpë xë, ihuru e

47 https://oglobo.globo.com/brasil/draga-de-garimpeiros-sugou-criancas-indigenas-que-brincavam-no-rio-diz-lideranca-yanomami-1-25236036

YANO M AM I S O B ATAQU E 56
Foto 19:
Acampamento
de famílias
Yanomami
que fogem do
garimpo rio
abaixo, TIY,
Janeiro de 2022.

YANO M AM I S O B ATAQU E 57
Foto 20:
Rio Parima
destruído pelo
garimpo.

YANO M AM I S O B ATAQU E 58
Um dos afluentes do rio Parima é o Iga- No Parafuri, as mortes violentas fo- Yami arihi uku waiha thëpë xeyoimi. Thëpë noa xirõ hẽrẽa
rapé Inajá, curso que drena a região ram responsáveis por 35% dos óbitos thayu. Yaraka upënë waiha thëpë yai xëprayu. Ɨhɨ yaraka
do polo-base Parafuri. Ali, o garimpo nos últimos dez anos, segundo os da- upë wai kohipë mahi kutaenë. “Yutuha kaho oxe wamakɨ
também atua há bastante tempo, mas dos do SIASI, obtidos via Lei de Aces- mao tëhë, yaraka yama upëha koanë yamakɨ xëprayoni-
até então estava restrito a ação de bal- so à informação. mi. Hwei tëhë kaho wamakɨ kurariowinë, hwei yamakɨ urihi
sas e grupos menores. Hoje se pode pëka wãriarahii, wama thëpëha nohiararɨnë, wamapë ya-
observar canteiros funcionando próxi- A bebida alcoólica é outro importante raka upë waiha koanë, kami pata wamarekɨha xëpranë
mos às comunidades. elemento que deve ser considerado para yamakɨ maamaitayu. Makii, kaho wamakɨ kãe pree xeyu
compreender a atual situação de violên- yaraka upë waiha! Hwei yamakɨ urihi pëka wariarahi thëpë
Há quase uma década a Hutukara tem cia. Como nos explica um pesquisador xuhurumoimi!”.
notícias de conflitos intercomunitários indígena, a “cachaça” vicia e altera o
que são alimentados pela entrada de comportamento dos jovens, que além de No polo Waputha e nos sub-polos Yarima e Wathou (Suru-
armas de fogo dos garimpos das Serras. brigarem entre si, agridem os mais ve- cucus), apesar da atividade garimpeira ser menos intensa do
lhos, responsáveis pelo aconselhamento que no baixo curso do rio Parima, os impactos observados na
Para o Antropólogo Rogério Do Pateo, coletivo e pelo trabalho de manutenção vida e na saúde das comunidades são semelhantes. Em Wapu-
que estudou a região das serras nos da coesão social dos grupos locais: tha, além de balsas, há exploração no igarapé localizado pró-
anos 200048, as armas de fogo estão ximo à comunidade Porapɨɨ. E, em Surucucus, o garimpo está
na origem dos maiores problemas que As pessoas não chegam a brigar por próximo ao conjunto de casas do sub-polo Yarima, fazendo uso
afligem a zona, com repercussões que causa do caxirí. Apenas reclamam da pista de pouso antes utilizada para o atendimento à saúde,
atravessam décadas. Segundo ele, as por palavras. As pessoas chegam e próximo ao Wathou, já na bacia do rio Mucajaí.
espingardas, por serem mais letais que a se bater por causa da cachaça,
o arco e a flecha, produzem uma es- sendo que a letalidade da cachaça Nessas regiões os índices de desnutrição infantil também são
pécie de intensificação do sistema de é muito forte. “Antigamente, quan- próximos ou superiores a 70% e o número de mortes violentas
vingança local. Mais mortos levam a do ainda vocês jovens não estavam, ou por falta de assistência são altos. Em Waputha, por exem-
mais ataques por vendeta, que, por sua nós não nos batíamos bebendo ca- plo, o CONDISI em janeiro denunciou a morte de crianças com
vez, conduzem a mais mortes, gerando chaça. Agora vocês que estão aqui, sintomas de COVID que não receberam socorro a tempo49.
um ciclo vicioso que além das perdas vocês que se aproximaram desses
humanas produz um cenário de per- que devastam nossa floresta, depois
manente insegurança. As pessoas têm de beber cachaça, vocês batem em
medo de sair para caçar, medo de cul- nós anciões e estamos acabando.
tivar roças mais distantes, medo de se Contudo, vocês acabam também se
locomover pelo rio, o que também im- batendo, embebedados de cacha-
pacta profundamente o sistema produ- ça! Esses que devastam a nossa flo-
tivo das famílias. resta, não ficam entristecidos!”.
48 PATEO, R. D. do. Niyaou: Antagonismo e Aliança entre os Yanomami da Serra das Surucucus (RR). Tese de Doutorado, Departamento de Antropologia, Universidade de São Paulo, 2005.
49 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/01/28/conselho-de-saude-indigena-relata-em-oficio-mortes-de-criancas-yanomami-com-sintomas-de-covid-em-roraima.ghtml

YANO M AM I S O B ATAQU E 59
Foto 21:
Garimpo
no Parafuri.

YANO M AM I S O B ATAQU E 60
Foto 22:
Balsa no Igarapé
Inajá, Parafuri.

YANO M AM I S O B ATAQU E 61
Foto 23:
Garimpo
próximo à
comunidade
Porapi,
Waputha.

YANO M AM I S O B ATAQU E 62
Foto 24:
Garimpo na
sub-região
de Wathou,
Surucucus.

YANO M AM I S O B ATAQU E 63
Foto 25:
Canteiro
de garimpo
próximo
à Yarima,
Surucucus.

YANO M AM I S O B ATAQU E 64
XITEI

Havia uma enorme preocupação, pois acesso a um número maior de mercado-


a população do Xitei vive em alto grau rias e ignorantes dos impactos da ativi-
de isolamento nas zonas montanhosas dade, acabam cedendo ao assédio dos
da TIY, com pouquíssima experiência garimpeiros e facilitam a aproximação
de relação com a sociedade envolven- das comunidades, sem que os demais
te. Sendo, portanto, mais vulneráveis a Yanomami estejam de acordo ou mes-
pressões e falsas promessas dos agentes mo tenham ciência desse arranjo.
do garimpo.
Os jovens que fazem esta intermediação
A aproximação dos garimpeiros das co- são frequentemente presenteados com
munidades do Xitei ao longo de 2021, armas e assim passam a defender os in-
deu-se precisamente com base no ali- teresses dos invasores contra o restante
ciamento de jovens a partir de promes- da comunidade que se opõe à atividade.
sas de mercadorias e armas, e na intimi-
Apesar de estar localizado na cabecei- dação dos opositores. Em um vídeo de WhatsApp comparti-
ra do rio Parima, destacamos o Xitei das lhado por moradores da região, um ga-
demais regiões desta bacia, pois foi ali Uma denúncia recebida pela HAY des- rimpeiro, cercado de jovens Yanomami
que observamos o maior aumento rela- creve o processo de aliciamento de jo- armados, envia um recado para o seu
tivo em 2021, uma taxa de crescimento vens indígenas nas cidades de Boa Vis- chefe, “Val”, dizendo que já acertou
superior a 1000%. ta e Mucajaí. Segundo o documento, com os “índios” a divisão da zona de
os aliciadores abordam os indígenas exploração entre dois donos diferentes
As primeiras cicatrizes observáveis no em locais frequentados para receber (“negão” e “madeira”). Duas coisas cha-
satélite começaram a aparecer apenas atendimento de saúde, realizar serviços mam atenção no vídeo, a primeira é o
no segundo semestre de 2020, ainda in- bancários ou para comprar ferramentas modelo territorialista do garimpo, assim
feriores a dez hectares. A Hutukara, logo agrícolas, roupas, material de higiene como descrito no Uraricoera, e a segun-
que teve acesso a informação da chega- entre outros objetos. Os jovens, entu- da é a quantidade de armas na posse de
da de invasores na região, denunciou às siasmados com a possibilidade de terem jovens indígenas.
autoridades a situação.

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Foto 26:
Vista geral do
garimpo no
Xitei, coração
do território
yanomami.

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Foto 27:
Garimpo ao
lado da casa-
coletiva no Xitei.

YANO M AM I S O B ATAQU E 67
Foto 28:
Grande
acampamento
de garimpo
vizinho a outra
casa no Xitei.

YANO M AM I S O B ATAQU E 68
Foto 29:
Detalhe do
canteiro vizinho
à maloca
no Xitei.

YANO M AM I S O B ATAQU E 69
Um dos maiores tributários da margem De acordo com a denúncia de mora-
direita do rio Parima está completamen- dores:
te destruído pelo garimpo, trecho que
abriga oito comunidades. Aqui a sobre- (...) Ontem eu encontrei um garim-
posição entre áreas de uso cotidiano e peiro aqui na CASAI. Ele me ligou
canteiros de exploração é total. Histori- para pedir (autorização) para botar
camente, o Xitei, por suas características maquinário. Ele é (profissional) anti-
ambientais, é uma zona com baixos ín- go da saúde. Você conhece ele. XXX.
dices de malária50. No entanto, no que A mulher dele (se chama) XXX. Ago-
diz respeito a outras moléstias, como ra ele virou garimpeiro. Ele me pediu
doenças respiratórias, diarréias de ori- para botar maquinário no Keeta. Ele
gem infecciosas e desnutrição, a vulne- pediu ao conselheiro, XXX, para pes-
rabilidade é alta. Sobretudo em função quisar (minério) perto do posto. Ele
da precária estrutura que o Distrito pos- pesquisou. Mas ele tem medo de mim
sui na região para atender a uma popu- e do Tuxaua. Ele conversou comigo
lação de quase duas mil pessoas. ontem. Disse assim: “Ei, XXX, eu que-
ro botar meu maquinário. Eu conheço
No Xitei existem comunidades que não muitos de vocês. Eu trabalhei antiga-
recebem atendimento regular há muitos mente na saúde.Eu conheço todas
meses. E, como se não bastasse o aban- as comunidades, Wapuruta u, Mina
dono, há denúncias de ex-profissionais u, Xako-xako, Simko, Putha theri,
do Distrito que hoje auxiliam o garimpo Watatase conheci muito também,
na mediação com a comunidade, se va- por isso eu quero ajudar vocês”. Ele
lendo da confiança construída com anos me falou assim, ontem. Mas eu não
de trabalho na saúde. quero deixar51.

50 Situação que vem se modificando com a progressiva destruição da paisagem local.


51 Traduzido direto de uma mensagem de WhatsApp. Os nomes foram omitidos para resguardar a segurança do informante.

YANO M AM I S O B ATAQU E 70
Foto 30:
Helicóptero
sobrevoa área
de garimpo
enquanto
indígenas se
acocoram na
lama buscando
cassiterita para
trocar por
ferramentas
e restos de
alimentos.

YANO M AM I S O B ATAQU E 71
Foto 31:
Canteiro de
garimpo no
Xitei. Crianças
e mulheres
Yanomami no
lado esquerdo
da foto.

YANO M AM I S O B ATAQU E 72
HOMOXI

Desde o segundo semestre de 2020 o Segundo os dados da Sesai, em 2020 o


garimpo voltou a explodir na região, posto do Homoxi realizou 5594 atendi-
ganhando proporções semelhantes ao mentos, e em 2021 foram apenas 94654.
do primeiro boom. A destruição na ca-
beceira do Mucajaí é tamanha, que um Naturalmente, o abandono da assistên-
vídeo que mostra um desvio no leito do cia à saúde associado à intensificação
rio feito por garimpeiros no local53 cho- do garimpo e dos seus impactos, condu-
cou a sociedade roraimense, que rara- ziu ao recrudescimento da crise sanitária
mente expressa alguma indignação em na região. De acordo com os dados do
relação à destruição ambiental no terri- SIASI, mais da metade das crianças me-
tório Yanomami. nores de cinco anos pesadas pela equi-
pe de saúde em 2020 apresentavam
No Homoxi o garimpo se articula princi- déficit nutricional, e, em maio de 2021,
palmente em torno da pista do Jeremias, uma criança da região morreu por des-
É muito provável que o garimpo no Xi- aeródromo que até pouco tempo servia nutrição sem atendimento médico55.
tei seja uma extensão da exploração no para dar suporte ao atendimento de
Homoxi, região situada na cabeceira saúde na região. O antigo posto de saú- Como se não bastasse o abandono,
do rio Mucajaí. No Homoxi a explora- de ainda está de pé com o seu telhado nesta região, o CONDISI denunciou
ção é antiga, sendo uma das principais relativamente preservado, mas em vez ainda o desvio de vacinas contra a CO-
áreas afetadas nas décadas de 1980 e de receber enfermeiros e técnicos, hoje VID-19, vendidas em troca de ouro por
199052, e também um dos principais ei- ele está sob o controle dos garimpeiros, funcionários da Sesai para os garimpei-
xos da atual invasão. como atestam as fotografias 33 e 34. ros na região56.

52 TOURNEAU, F.-M. LE, ALBERT, B., “Homoxi (1989-2004): o impacto ambiental das atividades garimpeiras na Terra Indígena Yanomami (Roraima)”. Roraima: Homem, Ambiente e Ecologia, Boa Vista, FE-
MACT, 2010. p. 155–170.
53 https://folhabv.com.br/noticia/CIDADES/Interior/Video-mostra-desvio-no-rio-Mucajai-feito-por-garimpeiros/74594
54 Até outubro.
55 https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/05/bebe-yanomami-morre-com-quadro-de-desnutricao-em-roraima.shtml?utm_source=app&utm_medium=push&utm_campaign=pushmultiplo&utm_con-
tent=pushfolha+pushcotidiano&id=1621716924
56 https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2021/04/13/associacao-yanomami-covid-vacinacao.htm?cmpid=copiaecola

YANO M AM I S O B ATAQU E 73
Foto 32:
Garimpo no
alto rio Mucajaí
no boom
da invasão
ao território
Yanomami,
em 1991.

Crédito: Foto de
Charles Vincent/
ISA, 1991.

YANO M AM I S O B ATAQU E 74
Foto 33:
Pista do
Jeremias em
janeiro de 2022,
Homoxi.

YANO M AM I S O B ATAQU E 75
Imagem 4:
Alteração
detectada
na cabeceira
do Mucajaí
em mosaico
multitemporal
radar.

YANO M AM I S O B ATAQU E 76
Foto 34:
Pista do Jeremias
ocupada pela
logística do
garimpo. No
canto superior
da foto está o
antigo posto de
saúde da região.

YANO M AM I S O B ATAQU E 77
Foto 35:
Canteiro
no Homoxi.

YANO M AM I S O B ATAQU E 78
No Âmbito da ADPF 709, a Articulação No 11 de agosto, indignados com a situ-
dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) re- ação e com a ausência de medidas por
comendou a instalação de uma barreira parte do poder público, os comunitários
sanitária neste local, com a presença de bloquearam o acesso à pista de pouso
forças policiais em caráter permanente. para os garimpeiros. As lideranças aler-
No entanto, a União deixou de cumprir taram, contudo, sobre a possibilidade
a recomendação e realizou apenas ope- de retaliações e solicitaram apoio de se-
rações pontuais (sabe-se de duas). gurança por parte do Estado. Demanda
que foi protocolada pela Hutukara.
Na ação realizada pelo Exército em
abril, por exemplo, não obstante a mag- Com o passar do tempo, aqueles que re-
nitude da destruição verificada nas fotos sistiam, sem receber qualquer ajuda do
e nos satélites, a operação resultou na Estado, foram coagidos a desistir, indo
apreensão de somente sete motores e buscar refúgio nas serras que fazem a
da identificação de trinta pessoas57. fronteira Brasil-Venezuela, onde não re-
cebem atendimento médico.
Em julho, chegou à Hutukara a notícia
de um Yanomami do Homoxi havia sido
morto, atropelado por uma aeronave do
garimpo que utilizava a pista de pouso
local58. A resposta dos órgãos locais ao
episódio foi questionar a veracidade do
ocorrido, ignorando o fato de que o cor-
po dos yanomami falecidos em área são
cremados, conforme manda o protoco-
lo tradicional, e não encaminhados ao
Instituto Médico Legal da cidade de Boa
Vista. Lideranças tradicionais da região
confirmaram o episódio à Hutukara As-
sociação Yanomami.

57 https://folhabv.com.br/noticia/POLICIA/Ocorrencias/Operacao-desativa-sete-motores-utilizados-no-garimpo-em-Iracema/74929
58 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/07/30/indigena-yanomami-morre-ao-ser-atropelado-por-aviao-de-garimpeiros-no-meio-da-floresta.ghtml

YANO M AM I S O B ATAQU E 79
Foto 36:
Casa-coletiva no
Homoxi cercada
pela destruição
do garimpo.

YANO M AM I S O B ATAQU E 80
Foto 37:
Outra casa-
coletiva de
Homoxi também
envolvida pela
destruição. No
ar um avião que
serve a logística
do garimpo.

YANO M AM I S O B ATAQU E 81
RIO MUCAJAÍ
E COUTO MAGALHÃES
(KAYANAU, PAPIU,
ALTO MUCAJAÍ, HAKOMA)

O rio Mucajaí tem sido alvo de suces- que reflete na sua eficiência, é inegável
sivas ondas de invasão garimpeira nas que ela desempenha um papel impor-
últimas décadas, com picos e vales de tante na proteção da TIY.
intensidade. No início da década de
2010, com a crise financeira e o au- À medida que os anos foram se pas-
mento do preço do ouro no mercado sando, contudo, a logística garimpeira
internacional, ele foi um dos destinos na região foi se orientando para o mo-
preferenciais dos garimpeiros na TIY, dal aéreo. Novas pistas foram abertas
justamente por se tratar de uma zona dentro e fora da Terra Indígena. E, com
que demandava uma logística menos a diminuição das ações de fiscalização
complexa. Alguns ramais articulados no território, mesmo pistas que antes
aos projetos de assentamento vizinhos eram de uso exclusivo do Distrito Sa-
à TIY permitiam o acesso ao rio, o que nitário, foram sendo capturadas pela
viabilizava a instalação e o transporte logística garimpeira, como é o caso da
de balsas a custos pouco elevados. pista do Kayanau, na confluência do rio
Couto de Magalhães com o Mucajaí.
Assim, depois de inúmeras operações,
logo se atentou para a importância da
instalação de uma Base de Proteção Et-
noambiental que pudesse exercer o con-
trole sobre o rio. De tal modo, primeiro
a Funai construiu a BAPE demarcação
com este objetivo, e, anos depois, alte-
rou a posição da mesma, rebatizando-
-a de Walopali. De lá pra cá, ainda que
a BAPE tenha vivido diferentes momen-
tos de investimento do poder público, o

YANO M AM I S O B ATAQU E 82
Mapa 2: Pistas de pouso utilizadas pelo garimpo.
YANO M AM I S O B ATAQU E 83
Hoje temos mapeadas doze pistas den- Esse esquema alimentou a destruição Segundo relatam indígenas da região,
tro da TIY à serviço do garimpo nessa de mais de 200 hectares de floresta com o aprofundamento das relações
macrorregião, sem considerar as pistas em 2021, estando a maior parte con- com o garimpo, muitas famílias deixa-
do Homoxi e do Apiaú. Fora, nas fa- centrada no polo-base Kayanau, onde ram de cultivar suas roças e tornaram-
zendas do entorno, identificamos outras registra-se alguns dos relatos mais co- -se dependentes de trocas desiguais
quarenta, mas é possível que este núme- moventes dos impactos do garimpo no com os garimpeiros. Alguns trabalham
ro seja maior59 (ver anexo 1). território Yanomami. como carregadores em troca de paga-
mento em dinheiro ou ouro para de-
De acordo com as investigações da Po- Ali, a enorme pressão que o garimpo im- pois comprar nas cantinas dos acam-
lícia Federal, nas fazendas do entorno, prime sobre as comunidades têm deixa- pamentos, onde 1 quilo de arroz ou
além das pistas, um dos grupos asso- do um terrível rastro de fome, morte e ex- um frango congelado custam 1 grama
ciados ao garimpo chegou a manter ploração sexual de mulheres indígenas. de ouro ou 400 reais.
um tanque de armazenamento de com-
bustível em um terreno limítrofe à Flo-
resta Nacional de Roraima60. Sabe-se
também que, na mesma zona, na Vila
Samaúma, existem hotéis dedicados a
pessoas que trabalham na logística ga-
rimpeira (em especial pilotos) e postos
de gasolina especializados em fornecer
combustível para o maquinário utilizado
na atividade.

59 https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59855502
60 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/10/07/pf-faz-operacao-contra-grupo-de-apoio-logistico-aereo-ao-garimpo-na-terra-yanomami-e-justica-bloqueia-r-95-milhoes.ghtml

YANO M AM I S O B ATAQU E 84
Foto 38:
Aeródromo
privado que
serve a logística
garimpeira em
fazenda no
entorno da TIY.

YANO M AM I S O B ATAQU E 85
Há situações também em que os ga- do falam assim, os garimpeiros apal- “Ipa thëëyë a!”. Thëpë kuu tëhë,
rimpeiros oferecem comida em troca de pam as moças. Somente depois de proro pënë thuë pë hupaɨhe. Pë
sexo com adolescentes indígenas, como apalpar é que dão um pouco de co- hupahenë, wamotima thëpë xirõ
descreve um dos pesquisadores: mida. “Se eu pegar tua filha, não vou hɨpɨaɨhe. “Kami yanë wamakɨ thëë pë
mesmo deixar vocês passarem neces- tei tëhë wamakɨ yai hõrimomaimi!”,
Após os Yanomami solicitarem co- sidade!”, assim os [garimpeiros] fa- ɨnaha yanomae thëpëha, thëpë yai
mida, os garimpeiros rebatem sem- lam muito para os Yanomami. kuu mahio pruu.
pre. Quando os [Yanomami] disse-
rem: “Certo, sendo que vocês estão Yanomae thëpënë wamotima Sobre a abordagem dos garimpeiros em
tirando ouro de nossa floresta, vo- thëpëha nakahenë, proro pë kuu relação às mulheres da comunidade, o
cês devem dar comida para nós mahi. “Awei, ipa urihiha maa wama pesquisador escreve:
sem trocar”, [os garimpeiros res- maxi thaɨ kutaenë, wamotima wama
pondem:] Vocês não peçam nossa thëpë mii pihio puo”. Thëpë kuu tëhë, Assim fazem os garimpeiros quando
comida à toa! É evidente que você “Kami yamakɨ wamotima thëpëha wa querem ter relações com as mulheres
não trouxe sua filha! Somente de- mii nakamu puonëmai! Aho thëëho Yanomami. Primeiro lhes entregam
pois de deitar com tua filha eu irei wa nokamapu maonoa! Aho thëëhõ um pouco de comida, para fazer com
te dar comida!”. Assim, quando os ya yakaa parɨrii tëhë, wamotima ya que cesse nelas o medo, para que
Yanomami tentam pedir comida, os thëpë xirõ hɨpɨaɨ!”. Ɨnaha yanomae comecem a se iludir, pensando: “Eles
garimpeiros sempre respondem. thëpë mii nakamu puo tëhë, proro entregaram para mim comida sem
pë kuu mahi. razão! Talvez sejam generosos?”. De-
Contudo, outros não atendem os Ya- pois, outra vez, quando a mulher vol-
nomami, rebatendo apenas: “Eu não Ai pënë yanomae thëpëã huaimi: tar, entregam novamente um pouco
tenho comida!”. Após falarem assim, “Ipa wamotima thëpë kuaimi!”, pë de comida. A mulher não pergunta:
os [garimpeiros] pedem, para as mu- xirõ kuu. Thëpëha kunë, thuë pata “Por que você deixa para mim co-
lheres adultas, suas filhas e também pëha, kama thëë e thëpë kãe pree mida, sem outra razão?”. Quando
pedem, para os homens velhos, suas wãriihë, wãrõ pata thëpëha thëë e a mulher perdeu o medo, ele a cha-
filhas. Eles falam assim para os Yano- thëpë wãrii hwëtɨaɨ: “Aho thëëhõ ma por perto. Assim os garimpeiros
mami: “Se você tiver uma filha e a der a kuo tëhë, kami riha wa pihio fazem muito frequentemente com as
para mim, eu vou fazer aterrizar uma tëhë, wamotima ya thëpë wãrõhõ moças Yanomami.
grande quantidade de comida que mahiha ithomanë, wa thëpë wati-
você irá comer! Você se alimentará!”. pë! Wa iyatipë!”. Ɨnaha yanomae Eles também entregam para as mu-
thëpë noa thaɨhe. lheres perfumes para fazer com que
Os [garimpeiros] dizem: “Essa moça elas se perfumem. Eles dizem [para
aqui. Essa tua filha que está aqui, é “Hwei thuë moko akakii. Aho thëëhõ elas] “Você ande somente depois de
muito bonita!”. Então, os Yanomami anë ka kuopi a totihi mahi!”, thëpë se perfumar com este!”. Assim fazem
respondem: “É minha filha!”. Quan- kuu. Ɨhɨ tëhë, yanomae thëpëã huo: os garimpeiros quando querem ter re-

YANO M AM I S O B ATAQU E 86
lações [com as mulheres Yanomami]. thëpëka mii hɨpɨa pëkɨhe! Xi ihete ha- Como fica evidente neste trecho e no
Também eles falam assim: “Da pró- tho?”, pë pihi thamaɨ parɨohe. Waiha, que será apresentado abaixo, a oferta
xima vez que você vem, vou comprar ai thë kõõ tëhë, thuë a huu kõõ tëhë, de bebidas alcoólicas é uma das prin-
uma saia que te entregarei!”. “Irei te ai wamotima thëpë hɨpɨa kõkii. “Witi cipais estratégias dos garimpeiros para
entregar também ouro. Com aquele thëha kami riha wamotima wa thëpë aliciar os jovens e abusar de adolescen-
ouro, você poderá pegar aquilo que mii hɨpɨɨ paaɨ puo tha?”, thuë pë kui- tes do sexo feminino.
você gostar! Se você quiser tomar ca- mi. A kiriiha maprarɨnë, thuë a nakaa
chaça, eu vou comprar cachaça, se ahetea xoari. Ɨnaha yanomae moko Os garimpeiros fazem perguntas
você tomar cachaça”. Assim, depois pëha proro pë kuaaɨ mahio pru. para os jovens que levam juntos suas
de ter falado isso para as mulheres irmãs. Assim pergunta para os Yano-
Yanomami, os garimpeiros têm rela- Thuë përia riërimomamuwii thëpë mami: “Aquela moça que você levou
ções com elas. pree hɨpɨaɨ he. “Ei thëpënë wa riaha consigo, é sua irmã?”. Então os Yano-
riërimamonë, wa yai huu!”, e pë kuu. mami respondem: “É minha irmã!”.
Contudo, as mulheres que têm cons- Proro pë wamu pihio tëhë ɨnaha thë Depois dos Yanomami disserem as-
ciência, não deixam os garimpeiros thaɨ he. “Waiha wa huu kõimaɨ tëhë sim, deixam os garimpeiros informa-
transarem. Os garimpeiros têm rela- aho saya yakɨha tërɨnë, yakɨ hɨpɨaɨ!”, dos.
ções somente com as mulheres que to- e pë kuu hwëtɨ. “Maa ya maxi kãe
maram cachaça. Os garimpeiros não pree hɨpɨaɨ. Ɨhɨ maa maxiha, kaho Por isso, [continuam pedindo:] “O que
conseguem transar com as mulheres wanë wa thëpë peximaɨwi wa thëpë você pensa a respeito de sua irmã?
que não tomaram cachaça. Somente tëapë! Yaraka wa uku kõaɨ pihio, ya Se você fizer deitar sua irmã comigo,
as mulheres que não temem contrair uku pree tei, yaraka wa upë kõaɨ taɨ sendo que você é o irmão dela, eu
a doença [da pele], não tem medo, tëhë”. Ɨnaha proro pënë yanomae vou pagar para você 5 gramas [de
as outras não atendem às insistências thuë pë noaha thahenë pë wamu. ouro]. Faça o que eu digo! Se você
[dos garimpeiros]. Assim falam as quiser cachaça, eu vou dar também
mulheres Yanomami: “Não... os ho- Makii, ai thuëpë mõyãmëwinë cachaça. Você vai ficar bêbado na
mens Yanomami estão carentes, por pë wamomaimihe.Yaraka upë sua casa!”. Falam assim para os Ya-
isso, de verdade, não vou fazer tran- kõaɨwihii pëha, proro pë xirõ wamu. nomami, por isso, têm relações com
sar [os garimpeiros]. Após eu deixar Yaraka upë kõaɨ taɨ maowihii pëha, as mulheres. Induzem os Yanomami a
transar os garimpeiros que tem a do- proro pë wamoimi. Ai thuë pë wa- fazer isso.
ença do ouro, eu ficarei alterada!”. rasi pëɨ nëhë hõrio maowi, pë xirõ
Tudo isso é verdade. kiriimi, ai thuë pëã huoimi. “Ma... Hiya thëpënë kama yau e thëpë
yanomae wãrõ thëpë hõri yaro, ya kãeha huhenë, e pë wãrii he. Ha-
Ɨnaha yanomae thuëpëna waɨ pihio thëpë wamomaɨ paxioimi. Proro pë pënaha, yanomae thëpëha e thëpë
he tëhë proo pë kuaaɨhe. Hapa wa- maa maxi pëowi, ya pëha wamo- kuu. “Hwei thuë waka nokamapore
motima thëpë hɨpɨɨ parɨoti he. Pë kirii manë, ya poremu!”. Ɨnaha yano- aho yauhu a tha?”, e thëpë kuu. Ɨhɨ
maamaɨ heha, “Kami riha wamotima mae thuë pë kuu. Peheti thëã. tëhë, yanomae thëpëã ha huonë:

YANO M AM I S O B ATAQU E 87
“Ipa osema a!”. Ɨnaha yanomae to... após eu também pensar assim na pele, quando as mulheres não so-
thëpëha kunë, proro pë pihi xaari [como minha mãe], fiquei esclare- friam de sangramentos. Agora, de-
pramaɨ he. cida. Quando minha mãe e minha pois que os garimpeiros catadores
irmã maior falaram sobre essa gente de ouro, por causa do veneno da
Kuë yaro epë: “Wɨnaha aho thuërima eu me convenci: “É assim que essa cachaça, começaram a ter relações
eha, wa pihi kuu kura?”. E pë: “Kami gente faz!”. com as mulheres, aprendemos o
riha, aho thuërima wa yakamapii nome desta doença.
tëhë, kaho wãrõrima wa eha 5 gra- Garimpeiro thëpë pata pexinë ki-
ma aha, ya anë kõamaɨ kutaenë. riaɨ thare. Thëpë pata yai hwa- De fato, as pessoas agora pen-
Warea yai hurii! Yaraka wa uku pree rayu tëhë, thëpë kuuha kuikɨnë, sam: “Depois que os garimpeiros
peximaɨ tëhë, ya uku hɨpɨaɨ. Aho ya- ya kirihuruma. Kuë yaro thëpëãha que cobiçam o ouro, estragaram as
noha wa poremo!”. Ɨnaha yanomae thaɨhe tëhë, yutu ya mɨa kãe pɨrɨo. vaginas das mulheres, fizeram elas
thëpë noa thaɨhe yaro, thuë thëpë na Oxe thëpë mamukunë ohotaaɨha, adoecer. Por isso, agora, as mu-
waɨhe. Ɨnaha Yanomae thëpënë thë thëpë manɨɨheha, ɨnaha nae ã tha- lheres estão acabando, por causa
thaamaɨ he. maɨ kurahe, pë pihi kuimi në oho- da letalidade dessa doença. Estão
taaɨ yaro, thëpëã pata ahetehamë transando muito com as mulheres. É
Na visão da maioria das mulheres indí- yaiarɨheha, ya pihi preeha kurunë, tanto assim que, em 2020, três mo-
genas, os garimpeiros representam, pois ya pihi xarirohuruma. Nae anë, ipa ças, que tinham apenas por volta
uma terrível ameaça. São luxuriosos e hepara pataowinë thëpëãha thanë, de 13 anos, morreram.
violentos, produzindo um clima de terror ya pihi rahuruma: “Ɨnaha thëpë
e angústia permanente nas aldeias. As- pata kanë kuaɨwi!”. Os garimpeiros estupraram muito es-
sim registra uma pesquisadora indíge- sas moças, embriagadas de cachaça.
na a partir de uma entrevista com outra A transmissão de Doenças Sexualmen- Elas eram novas, tendo apenas tido
mulher Yanomami: te Transmissíveis é outro tema comum a primeira menstruação. Após os ga-
nos relatos sobre a situação de violência rimpeiros terem provocado a morte
Os garimpeiros têm sempre uma lou- contra as mulheres, como demonstra o dessas moças, os Yanomami protes-
ca vontade de transar. Quando as relato abaixo coletado por uma pesqui- taram contra os garimpeiros, que se
pessoas disseram que eles se aproxi- sadora em outra região da TIY: afastaram um pouco. As lideranças
mavam, eu fiquei com medo. Por isso, disseram para eles que estando tão
desde que ouço falar dos garimpei- Anteriormente, as mulheres Yanoma- próximos, se comportam muito mal.
ros, eu vivo com angústia. Minha mãe mi não tinham a doença do abdô- Por isso, outros Yanomami os apeli-
disse que eles se cortam, as crianças men. De fato, os homens tampouco dam de “letalidade da malária”.
ficam de olhos esbarrados de medo, estavam doentes, por isso as pessoas
porque não se dão conta que estão estavam com saúde. Portanto, nós Eles são mesmo ruins, são portado-
sofrendo. Quando as notícias [sobre Yanomami não conhecíamos essas res de epidemias por causa das quais
os garimpeiros] chegaram por per- doenças “warasi” que deixam lesões morremos. Eles insistem em comer

YANO M AM I S O B ATAQU E 88
nossas vaginas, disso temos medo e Proro pënë, yaraka upë waiha, pëna
nossos anciãos falam. Eu escuto as waɨ mahioma yarohe. Pë yɨpɨmoa
palavras de nossas lideranças, por isso tuterayuwi thëpë kuoma. Ɨhɨ proro
eu tenho consciência, não sou irres- pënë moko thëpë nomamarɨ henë,
ponsável, por isso estou angustiada. yanomae thëpënë proro pë noa
rahuamaɨ ha kuikɨ henë, pë wãisipë
Yutuha yanomae thuëpë xithëmakɨ praharayoma. Ɨnaha thëpë ahete
ninianimi. Wãrõ thëpë pree ninia- kuotii tëhë, thëpënë mõhoti kuoti pë,
nimi yaro, totihi thëpë pɨrɨoma. Kuë pata yanomae thëpë noa thayuha
yaro yanomae yamakɨnë warasiaha kuikɨnë. Ɨnaha kuë yaro ai yanomae
tanimihe, thuë pë iyë hwaaɨ mao thëpënë hura pëãha wai hiraɨhe.
tëhë. Hwei tëhë, maamaxi thatima
pënë yaraka upë waiha, thuë pëna Thëpë yai hoximi yaro, thëpënë
waapraɨha kuikɨhenë, wara yama xawarapë, yamakɨ nomarayuu.
siãha hirirema. Yamakɨ na wããrihe, ei thëha
yamakɨha kirinë, pata yamakɨã. Pata
“Maamaxi pë peximia pratima pënë, ya thëpëã yai hirii hwëtɨ yaro, kami
thuë pënaha hõximararɨhenë, xawa- ya pihi moyamë, pihi mohotiimi, kuë
ra pë wai pou mahita”, thëpë pihi yaro, ya kirii.
kuu yaro. Kuë yaro hwei tëhë warasi
a wainë thuë pë maai matayu. Thuë
pë na waɨ mahi he. Ɨnaha kuë yaro
2020 raxa kɨkɨha, 3 thuë moko pë no-
mamaremahe, 13 anos pë pata he
wëo xirõõwii.

YANO M AM I S O B ATAQU E 89
Foto 39:
Garimpo no
rio Couto
Magalhães, TIY.

YANO M AM I S O B ATAQU E 90
Foto 40:
Garimpo no
rio Couto
Magalhães, TIY.

YANO M AM I S O B ATAQU E 91
Os indicadores de saúde do Kayanau Gráfico 5:
são dramáticos, o polo ficou entre os Casos de Malária nos pólos do rio Mucajaí Evolução dos
cinco piores em casos de desnutrição casos de malária
infantil considerando os anos de 2019, 1,200 nos polos do rio
2020 e 2021, e é o sétimo no ranking Mucajaí afetados
1,000 pelo garimpo.
de Malária. De 2019 até aqui, já morre-
ram quatro crianças por desnutrição, um 800
Fonte:
adolescente por malária e sete pessoas Sivep-Malária.
600
por agressão, sendo três por disparo de
arma de fogo61. 400

A destruição do Kayanau tem se espa- 200


lhado em todas as direções. Rio acima o 0
garimpo atinge os polos Papiu e Hako-
ma e rio abaixo as comunidades do polo
Alto Mucajaí. No Papiu, há dois eixos,
Alto Mucajai Kayanau Papiu
um que é praticamente uma extensão da
exploração no rio Couto Magalhães, e
outro que rasga a serra que separa o
Couto-Magalhães do Mucajaí, atingindo Um dado preocupante no Alto Mucajaí é cia indígenas oferecendo descontos na
o polo do Hakoma. Nesse último, outra a aproximação das cicatrizes de algumas sua cantina, enquanto intimida aqueles
morte que conjugou malária e falta de comunidades. No caso da comunidade que se posicionam publicamente con-
assistência médica foi denunciada pelo Uxiu, o canteiro fica do outro lado do tra o garimpo. Segundo a denúncia, o
CONDISI em 202162. rio. Há relatos de que nessa área exis- fazendeiro trabalhou por anos em ga-
te uma grande pressão sobre os jovens rimpos no rio Uraricoera, de onde foi
No alto Mucajaí, além do garimpo de para que eles colaborem com a logística expulso por desentendimentos com os
barranco ocorrem também algumas do garimpo, o que seria uma forma de outros garimpeiros. Desde então, mi-
balsas. A exploração se concentra, po- “driblar” a ação da Base no controle do grou para o rio Mucajaí, onde se espe-
rém, na porção oeste do polo, que está fluxo de insumos. cializou em serviços de suporte ao ga-
mais distante da Bape Walopali, e sofre rimpo, como transporte de combustível
influência do garimpo em Kayanau. Um morador da região denunciou, por e outros insumos. Ele também lucra co-
exemplo, que o fazendeiro que controla o brando pelo uso do porto, cerca de 1g
principal porto que dá acesso ao rio, ali- de ouro ou R$ 400,00 por passagem.

61 Dados do Siasi, acessados via Lei de Acesso à Informação.


62 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/11/04/adolescente-yanomami-em-estado-grave-de-malaria-morre-por-negligencia-afirma-conselho.ghtml

YANO M AM I S O B ATAQU E 92
Foto 41:
Comunidade
Thothomapi,
Kayanau.

YANO M AM I S O B ATAQU E 93
Foto 42:
Garimpo
em frente à
comunidade
Uxiu, na região
do Alto Mucajaí.
Mesmo com a
manutenção da
BAPE Walopali,
rio acima
a atividade
garimpeira
permanece
intensa.

YANO M AM I S O B ATAQU E 94
Foto 43:
Porto que dá
acesso ao
rio Mucajaí.

YANO M AM I S O B ATAQU E 95
RIO APIAÚ

Moradores do Apiaú relataram à Hu- deixam as comunidades vulneráveis a


tukara, por exemplo, cenas de abuso toda sorte de abusos. São vários os ca-
sexual de mulheres indígenas mui- sos de estupros e assédio de crianças e
to próximas às descritas no Kayanau. mulheres. Em um deles, conta-se de um
De acordo com a denúncia, um ga- “casamento” arranjado de uma adoles-
rimpeiro que trabalha na região cer- cente Yanomami com um garimpeiro
ta vez ofereceu drogas e bebidas aos mediante a promessa de pagamento
indígenas, e quando todos já estavam de mercadoria, que nunca foi cumpri-
bêbados e inertes, estuprou uma das da. Os moradores dão conta ainda que
crianças da comunidade. os garimpeiros andam armados, e por
isso os indígenas já não oferecem resis-
A situação de vulnerabilidade social a tência aos assédios porque têm medo
que a comunidade foi submetida des- de serem atacados.
pontou em um conflito entre um indíge-
O garimpo circunscrito ao Polo-Base na e o garimpeiro no dia 10 de outu- A cabeceira do Apiaú é também territó-
Apiaú está localizado na cabeceira do bro, que resultou na morte deste. Desde rio do grupo em isolamento voluntário
rio homônimo e no alto curso do seu então, as lideranças escutam de outros conhecido como Moxihatëtëma.
afluente, rio Novo. As comunidades garimpeiros perguntas sobre o para-
atendidas neste polo estão localizadas deiro do indígena envolvido no conflito, Até recentemente os isolados viviam
rio abaixo, já no limite da TIY. Apesar dizendo que irão matá-lo, e temem reta- em uma casa-coletiva com dezessete
de estarem relativamente distantes dos liações contra a comunidade. Pelo me- seções familiares, e por isso estima-
canteiros, sofrem com os impactos da nos outros quatro garimpeiros dormem va-se a sua população em torno de 80
atividade sobre o rio (assoreamento e na comunidade, armados com pistolas pessoas. Em 2021, identificamos em
contaminação) e com o assédio dos e espingardas, e não querem ir embora imagens satélite (CBERS 4) a existência
garimpeiros que por vezes passam pe- “porque ficaram acostumados”. de uma outra casa, de tamanho seme-
las comunidades para acessar a zona lhante. Não se sabe se a segunda casa
de exploração. Ainda de acordo com os moradores, a indica um aumento da comunidade que
oferta frequente de bebidas alcoólicas agora deve habitar as duas residências,
e drogas trazidas pelos garimpeiros ou se a antiga casa foi abandonada.

YANO M AM I S O B ATAQU E 96
Foto 44:
Garimpo
no rio Apiaú.

YANO M AM I S O B ATAQU E 97
Imagem 5:
Nova casa dos
moxihatëtëma
registrada pelo
satélite CBERS-4,
composição
colorida RGB.

YANO M AM I S O B ATAQU E 98
A segunda hipótese baseia-se no fato de Moxihatëtëma com armas de fogo. Uma ra, que apenas recentemente voltou a
que o garimpo vinha se aproximando das flechas atiradas pelos guerreiros funcionar por determinação judicial. A
perigosamente da residência monito- Moxihatëtëma foi recolhida por um jo- sua presença, porém, torna-se quase
rada. Há pistas e canteiros a menos de vem indígena da região do alto Mucajaí que irrelevante se ela não estiver asso-
14 km dela. Da mesma forma existem que frequentava o garimpo na ocasião, ciada a ações de fiscalização regulares
relatos de conflitos entre garimpeiros e e testemunhou o episódio. nos focos de exploração que circundam
guerreiros moxihatëtëma, com mortes os Moxihatetëma. Temos notícias, por
de ambos os lados. O primeiro conflito Devido à alta vulnerabilidade epidemio- exemplo, de que mesmo com a presen-
data de 2019. Ele foi relatado à Hutuka- lógica dos isolados, a possibilidade de ça de servidores no local, helicópteros e
ra por professores yanomami do Alto um contato forçado desse grupo com os aeronaves do garimpo continuam pou-
Catrimani. De acordo com os professo- garimpeiros é uma das questões mais sando na pista da BAPE para abastecer,
res, dois caçadores moxihatëtëma ha- preocupantes no contexto da invasão à sem que nenhuma ação de repressão
viam sido mortos com tiros de espingar- TIY, e, por esse motivo, deve ser uma das seja realizada.
das após terem defendido com flechas zonas prioritárias para as ações de com-
seus roçados de uma tentativa de roubo bate ao garimpo. A HAY vem insisten-
por parte dos garimpeiros. Na ocasião, temente informando os órgãos compe-
a HAY informou os órgãos competentes, tentes sobre a elevada pressão em que
mas não obteve respostas sobre uma se encontram os Moxihatëtëma com o
eventual investigação. avanço do garimpo nas regiões da Serra
da Estrutura, Couto Magalhães, Apiaú
O segundo conflito recente é de 202163. e alto Catrimani, com elevado risco de
Segundo indígenas do Apiaú, em agos- confrontos violentos que podem resultar
to, guerreiros Moxihatëtëma se apro- no extermínio do grupo. No entanto, o
ximaram do garimpo conhecido como que tem sido feito tem produzido pouco
“Faixa Preta”, localizado no alto rio resultado, como as fotos do sobrevoo de
Apiaú. A intenção dos Moxihatëtëma janeiro comprovam.
teria sido expulsar os invasores do seu
território, mas, durante o acercamento, Existe uma Base de Proteção da Funai
os grupos entraram em confronto. Os que é dedicada ao monitoramento da
isolados acertaram três garimpeiros com situação dos grupos em isolamento.
flechas, e os garimpeiros mataram três A chamada BAPE da Serra da Estrutu-

63https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/associacao-yanomami-pede-investigacao-apos-denuncia-de-mortes-de-indigenas-isolados?utm_source=isa&utm_medium=manchetes&utm_
campaign=

YANO M AM I S O B ATAQU E 99
Foto 45:
Acampamento
garimpeiro
ativo próximo
ao território dos
isolados.

YANO M AM I S O B ATAQU E 100


Foto 46:
Garimpo
no rio Novo,
Apiaú, TIY.

YANO M AM I S O B ATAQU E 101


RIO CATRIMANI
(ALTO CATRIMANI
E MISSÃO CATRIMANI)

No rio Catrimani pelo menos quatro Como nas demais regiões, as ações
zonas estão sob a influência do garim- de repressão se limitaram a diligências
po, são elas: pontuais, que tiveram sua efetividade
comprometida pela ausência do fator
i) cabeceira do Catrimani; surpresa, entre outros motivos já co-
ii) alto curso do rio próximo à mentados acima.
Serra da Estrutura;
iii) encontro com o rio Lobo d’Almada; Assim como no exemplo de Auaris,
iv) Médio Catrimani. onde a estrutura logística do garimpo
no Brasil dá suporte à exploração no
A zona de cabeceira é aquela que con- território venezuelano, no Alto Catrima-
centra as maiores cicatrizes, associadas ni há fortes indícios de que parte das
a cinco pistas de pouso clandestinas, pistas clandestinas no lado brasileiro
sendo a maior delas a pista do capi- estejam funcionando para apoiar a ex-
xaba. Nesta, também estão localizados ploração no alto curso do rio Orinoco.
os maiores acampamentos e estruturas
de apoio ao garimpo na região, como A imagem abaixo (de novembro de
bares, mercearias e prostíbulos. 2021) ilustra o atual estágio de des-
truição do leito do alto Orinoco.
Sabe-se pela imprensa da ocorrência
de operações no entorno da pista do
capixaba no primeiro e no segundo
semestre. Ainda assim, nota-se mui-
to pouca alteração no tamanho e no
padrão dos acampamentos, compa-
rando as fotos do sobrevoo de abril de
202064 e as fotos de janeiro de 2020.

64 https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/sistema-de-monitoramento-do-garimpo-ilegal-na-ti-yanomami-relatorio-do-primeiro

YANO M AM I S O B ATAQU E 102


Foto 47:
Garimpo na
cabeceira do
Catrimani.

YANO M AM I S O B ATAQU E 103


Foto 48:
Corrutela
na pista do
capixaba.

YANO M AM I S O B ATAQU E 104


Imagem 6:
Garimpo no
alto rio Orinoco
em território
venezuelano,
no Mosaico do
Sentinel 2.

YANO M AM I S O B ATAQU E 105


À época do massacre de Haximu, o Descendo o rio Catrimani, mas ainda
modo de operação do garimpo na re- no seu alto curso, há outra importante
gião seguia o mesmo formato do atual: concentração de canteiros margeando
garimpeiros brasileiros explorando ouro o rio. Apesar de estar localizada mais
no país vizinho através de uma rede lo- próxima ao conjunto de comunidades
gística baseada em Boa Vista. Em ano do Alto Catrimani, parece haver ali uma
recentes, a operação Xawara denunciou tendência à expansão da estrutura, com
Pedro Emiliano Garcia, um dos conde- abertura de novas pistas e desmatamen-
nados pelo genocídio de Haximu, por tos recentes.
manter a exploração da mesma zona,
décadas após o massacre. Nessa estei- Nessa zona, o garimpo se espalha em
ra, é possível que a atual operação te- duas direções, ao longo do rio princi-
nha como responsáveis as mesmas pes- pal e nas encostas da serra que divide
soas que outrora foram condenadas por as bacias do Couto Magalhães e Catri-
genocídio por assassinar a sangue frio mani, nas proximidades do território dos
velhos, mulheres e crianças na aldeia isolados Moxihatëtëma.
que dá nome ao episódio. Em 2021,
Pedro Emiliano Garcia foi preso em fla-
grante pela Polícia Federal com 2kg de
ouro retirados ilegalmente da TIY65.

65 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/07/03/condenado-por-genocidio-de-indios-dono-de-garimpo-ilegal-na-terra-yanomami-e-preso-com-ouro-em-rr.ghtml

YANO M AM I S O B ATAQU E 106


Foto 49:
Garimpo
margeando o
rio Catrimani.

YANO M AM I S O B ATAQU E 107


A terceira zona, no vale do rio Lobo No Médio Catrimani as notícias sobre nomami] que já estão sofrendo dra-
d’Almada, aparenta uma menor mo- uma nova invasão chegaram logo no maticamente de fome, mas eu não
vimentação. Há meses que as cica- início da pandemia, mas a resistência quero sofrer a fome. Não quero mor-
trizes alí mapeadas não apresentam das lideranças, especialmente femini- rer de fome. Eu quero morrer simples-
alterações significativas. nas, têm conseguido até agora frear o mente de velhice, sem outras causas.
avanço dos garimpeiros. Em conversas Não adoecer e sofrer por causa dos
Finalmente, já na área do polo Missão com essas mulheres, uma das pesquisa- seus pênis. Eu quero morrer como
Catrimani, o que chamamos de quarta dores indígenas registrou a inquietação uma mulher idosa.
zona, refere-se aos desmatamentos na e a percepção delas sobre a ameaça
altura da cachoeira do Puraquê e às que as cerca: Awei, urihi pë pata peheti xamiamaɨ
balsas que se movimentam abaixo do yarohe, kami yamakɨ xuhurumuu
conjunto de comunidades localizadas Certo, nós estamos muito preocu- mahi. Thë urihi riopë, urihi thë ahi.
em torno da Missão. Não é possível pados, pois eles verdadeiramente Garimpeiro pënë yamakɨ urihipë
identificar a presença das dragas nos contaminam a floresta. A floresta se pehe yapëkaɨ mahi yarohe, yamakɨ
satélites, mas os Yanomami dessa re- torna infestada pelos carapanãs, re- nomarayuwii ya thë peximaimi. Ga-
gião recorrentemente enviam denún- duzida a um lamaçal. Eu não quero rimpeiro thë wainë yamakɨ noma-
cias à Hutukara informando sobre a que nós morramos por causa dos ga- pruwii yama thë peximaimi. Mau upë
circulação dos garimpeiros. A notícia rimpeiros que destroem nossa flores- pata uxi-uxinë, yamakɨ yëmëkakɨ ne-
de apreensão de insumos do garimpo ta. Não queremos morrer por causa nii. Hura yama a wai peximaimi. Kuë
em Caracaraí que tinham como des- das doenças letais dos garimpeiros. yaro garimpeiro yama pë xiro aheta-
tino o Catrimani66, também reforça a Por causa das águas contaminadas maɨ pihioimi.
queixa dos Yanomami. do rio, nossos ouvidos adoecem. Não
queremos a agressão letal da malá- Garimpeiro yama pëha ahete-
ria. Por isso, nós não queremos dei- makɨnë, yamakɨ heãropë xëpramo-
xar os garimpeiros se aproximarem. rayuwii thë mii yaro. Ai thë urihihamë
thëpëã ohinë oho taaɨ mahia hikia
Não queremos que nossos maridos yaro, ya ohimamuu pihioimi. Yaha
sejam mortos pelos garimpeiros, ohumamorɨnë ya ohi nomamamuu
depois que se instalem nas proximi- pihioimi. Yami ya wara pata nomaɨ
dades. Em outras regiões, têm [Ya- xaario pihio yaro. Napë wamakɨ mo-
xinë yaha nomamamorɨnë, yanë oho
taamamuu pihioimi. Yami ya xaari
thua pata nomaɨ xaario pihio.

66 https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2021/03/28/grupo-e-preso-com-combustivel-e-detector-de-metal-que-seria-levado-a-garimpo-no-rio-catrimani-em-rr.ghtml

YANO M AM I S O B ATAQU E 108


ERICÓ

O Garimpo registrado aqui como cir- No rio Uraricaá, por sua vez, onde es-
cunscrito ao polo-base Ericó, na ver- tão localizadas as comunidades Xiriana
dade está localizado distante das co- ( Yanomami), apesar de não registrar-
munidades em um afluente do alto rio mos nenhum desmatamento associado
Amajari, bem próximo à fronteira com ao garimpo dentro da Terra Indígena,
a Venezuela. bem próximo ao limite há a presença
de uma pista clandestina, conhecida
Trata-se de uma pista clandestina cer- como pista do Robertinho, e diversas
cada por cicatrizes que pouco se alte- cicatrizes (não computadas no nosso
raram nesse ano (ver mapa 2). O mais cálculo). Este trecho está situado entre
provável é que o local seja mais utiliza- a TIY e a Estação Ecológica de Maracá,
do como ponto logístico para movimen- sendo terras públicas sem destinação,
tar minério e mercadorias ilegalmente apesar da sua sensibilidade socioeco-
na fronteira. Do outro lado do limite, lógica. Desde 1996, a área foi incluí-
no território venezuelano, por exemplo, da na proposta de ampliação da Esec.
pode-se observar cicatrizes gigantescas Mas, devido a interferências políticas
ao longo do rio Icabarú, afluente do regionais, este processo tem enfrentado
Caroni. Uma das mais intensas zonas resistências e está paralisado.
de garimpo do estado Bolivar, também
repleta de pistas clandestinas67.

67 https://elpais.com/internacional/2022-01-30/las-pistas-clandestinas-que-bullen-en-la-selva-venezolana.html

YANO M AM I S O B ATAQU E 109


4 CONSIDERAÇÕES
FINAIS

YANO M AM I S O B ATAQU E 110


CONSIDERAÇÕES FINAIS

VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DAS


POPULAÇÕES INDÍGENAS NA TIY

Um dos efeitos diretos mais dramáticos observados com o con- Ao lado das graves ameaças à vida e à segurança pessoal dos
tinuado avanço da exploração da TIY pelo garimpo é o aumen- indígenas, a verificada intensificação do garimpo ilegal na TIY
to das ameaças (em frequência e grau) à segurança das dife- representa uma ofensa ao direito dos povos indígenas à posse
rentes comunidades e lideranças que se opõem publicamente permanente de sua terra tradicional, ao usufruto exclusivo das
à atividade na Terra Indígena. mesmas, e à manutenção e reprodução de seus modos de vida
tradicional. Isto é, na medida em que as comunidades afe-
À medida que os núcleos garimpeiros ilegais se proliferam tadas, na prática, percebem que têm reduzidas as áreas que
e crescem nas diferentes regiões da TIY, as comunidades vi- podem aproveitar livremente para suas atividades cotidianas.
zinhas sentem a perda do “controle” sobre o seu espaço de
vida. Isto porque a insegurança os dissuade de circular pela A isto, associam-se outras graves violações de direitos funda-
região, seja em razão de ameaças explícitas de garimpeiros mentais dos povos afetados. Por exemplo, a lesão aos direitos
contra suas vidas, seja em razão da simples presença hostil ao meio ambiente adequado e ao acesso à água potável, re-
de não-indígenas. É recorrente a queixa de lideranças sobre sultado da acumulação dos impactos socioambientais consta-
a intensa circulação de garimpeiros fortemente armados e as tados neste relatório. Também, graves restrições ao exercício
consequentes intimidações para que os indígenas coadunem do direito à alimentação adequada pelas comunidades indíge-
com as condições impostas pelos invasores. Em muitos re- nas, na medida em que a referida restrição ao aproveitamento
latos, os membros das comunidades disseram sofrer com a de seu território tradicional impede o pleno funcionamento do
restrição a seu livre trânsito na Terra Indígena, deixando de seu sistema produtivo.
usufruir de áreas utilizadas para a caça, pesca, roça, e da co-
municação terrestre e aquática com as comunidades do mes-
mo conjunto multicomunitário.

YANO M AM I S O B ATAQU E 111


Merecem destaque os prejuízos causados pelo garimpo ilegal Além disso, a situação de insegurança generalizada imposta
ao direito à saúde dos indígenas. Como demonstrado, a ati- pelo aumento da circulação de garimpeiros armados nas dife-
vidade garimpeira ilegal está associada à maior incidência de rentes regiões da TIY tem causado transtornos ao atendimento
doenças infectocontagiosas entre as comunidades indígenas, à saúde às comunidades indígenas, com o total abandono de
em especial a malária. Ademais, vale lembrar que a ativida- postos de saúde em alguns casos (a exemplo de Palimiu) e, in-
de garimpeira está diretamente associada à contaminação de clusive, a ocupação das pistas comunitárias para a operação e
mercúrio, com danos irreversíveis à sua saúde das pessoas das abastecimento do garimpo (a exemplo de Homoxi). Também é
comunidades afetadas. Há notícias de uma maior incidência comum a queixa do desvio de medicamentos reservados para
de doenças neurológicas entre recém-nascidos nas comunida- os indígenas para atendimento de garimpeiros. Esses fatores
des Yanomami, mas estas não passaram por um diagnóstico potencializam os danos que resultam da desestruturação e má-
de contaminação de mercúrio apesar de haver orientação nor- -gestão do atendimento à saúde indígena realizado pelo Distri-
mativa nesse sentido. to Sanitário Especial Indígena Yanomami. Durante a realização
do II Fórum de Lideranças da TIY, o Presidente do Conselho
Distrital de Saúde Yanomami constatou que a saúde Yanomami
entrou em colapso.

YANO M AM I S O B ATAQU E 112


AS RESPOSTAS (INSUFICIENTES) DO ESTADO

Um conjunto de operações foi deflagrado pela Polícia Federal Enquanto bem vindas e urgentes, os dados sobre o desma-
ao longo de 2021 como resposta à crescente onda de ilegali- tamento do garimpo na TIY observados e os relatos das co-
dades associadas ao garimpo no estado de Roraima. Em boa munidades apontam que as operações ainda não atingiram
medida, a executabilidade destas operações foi garantida por o efeito desejado para efetivamente coibir a atividade ilegal e
meio de decisões judiciais que caracterizaram o dever constitu- garantir a proteção territorial da TIY contra invasores. Por ou-
cional do Estado brasileiro de agir para proteger as vidas indí- tro lado, embora tenham sido divulgados avanços importantes
genas e garantir a proteção territorial a suas terras, no contexto para o controle da comercialização clandestina de combustível,
da pandemia de COVID-19. Isto é dizer, sem esse respaldo na investigação de empresários ligados à atividade garimpeira
judicial as operações teriam restado inviabilizadas por falta de ilegal, e na inutilização e apreensão de aeronaves utilizadas
disponibilização de orçamento, pessoal, ou material, apesar no garimpo ilegal, esses resultados podem ser comprometidos
da nítida urgência de ações para controlar o garimpo na TIY. uma vez que os resultados das investigações chegam ao Judi-
ciário por motivos escusos. Exemplifique-se, após a apreensão
Relevantes nesse sentido foram decisões proferidas no âmbi- recorde de aeronaves de empresários roraimenses que eram
to da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 709, sabidamente utilizadas para apoio logístico aos garimpos ile-
e na Ação Civil Pública 1001973-17.2020.4.01.4200. O de- gais da Terra Indígena Yanomami, esses têm tido logro em re-
ferimento de um pedido de tutela incidental, naquela, e da verter a apreensão a partir de decisões controversas proferidas
antecipação de tutela e indicação de um plano de ação inte- por juízes aliados políticos de garimpeiros68.
grada, nesta, garantiram a adoção de medidas para contro-
lar a expansão dos núcleos garimpeiros, especialmente após
a eclosão de conflitos armados contra indígenas do Palimiu e
a constatação de que o crime organizado já vinha associado
ao garimpo. Nos dois casos, o cumprimento das respectivas
decisões seguem em segredo de justiça, de modo que há pou-
cas informações públicas disponíveis para avaliar a adequação
das medidas adotadas.

68 https://reporterbrasil.org.br/2021/06/200-mil-reais-por-semana-como-funciona-o-mercado-de-aeronaves-que-apoia-o-garimpo-ilegal-na-ti-yanomami/ ; https://www1.folha.uol.com.br/ambi-
ente/2022/01/juiza-aliada-do-cla-bolsonaro-libera-aeronaves-suspeitas-de-atuacao-em-garimpo.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa ; https://folhabv.com.br/
noticia/CIDADES/Capital/Justica-Federal-libera-helicopteros-apreendidos-durante-acao-da-PF/80709 ;

YANO M AM I S O B ATAQU E 113


RECOMENDAÇÕES

Ao contrário do que afirmam aqueles que têm interesse em A operação das BAPEs deve contar com o apoio dos Yanomami
promover a extração de ouro na TIY, o garimpo não é um pro- que vivem nas regiões afetadas , que podem e devem ser capa-
blema sem solução. O assédio ao território e ao povo Yanoma- citados e remunerados para atuarem na vigilância e proteção
mi pode ser controlado a partir de um conjunto de ações para do seu território, bem como para auxiliarem na obtenção de
assegurar seus direitos, mas que exigem vontade política para informações relevantes aos órgãos competentes pela fiscaliza-
garantir uma atuação eficiente e coordenada do Estado e a ção das atividades ilícitas associadas ao garimpo. É importan-
articulação entre os órgãos e agentes responsáveis. te sublinhar que a vigilância indígena deve ser compreendida
como complementar e não substituta às ações de fiscalização
O primeiro ponto para o controle do garimpo ilegal na TIY é, que são de responsabilidade do Estado e seus órgãos de co-
obviamente, o desenvolvimento e a retomada de uma estraté- mando e controle.
gia de Proteção Territorial consistente, capaz de deflagrar ope-
rações regulares de desmantelamento dos focos de garimpo A instalação das bases listadas depende, contudo, de opera-
e a manutenção das Bases de Proteção Etnoambientais nos ções de extrusão e repressão à atividade ilegal nas zonas atu-
locais estratégicos. Nomeadamente: 1) o pleno funcionamento almente impactadas. As operações devem: (i) inutilizar as pistas
da BAPE Walopali, que controla o acesso ao rio Mucajaí; da de pouso clandestinas e as aeronaves apreendidas, (ii) garantir
BAPE Serra da Estrutura, que controla a pista do “botinha” e a reocupação dos postos de saúde e pistas de voo comunitárias
garante a autonomia do grupo em isolamento voluntário “Mo- que hoje se encontram sob controle dos garimpeiros, como os
xihatëtëma”; e da BAPE Ajarani, que controla o acesso na TIY casos de Homoxi, Arathau, Parafuri, e Kayanau; (iii) promover
pela Perimetral Norte; 2) a reativação da BAPE Korekorema a destruição total do maquinário utilizado na extração de ouro
que controla o fluxo no rio Uraricoera; e 3) a criação de ao com o objetivo de impedir a rápida retomada da exploração,
menos três novas bases, sendo uma na confluência Igarapé (iv) atuar rotineiramente, adaptando as áreas prioritárias com
Ingarana com o rio Apiaú, outra na região do Baixo Catrimani, base em informações atualizadas sobre o avanço da atividade
e uma terceira no rio Uraricaá, com a finalidade de monitorar nas diferentes regiões da TIY. Conjuntamente, e sem prejuízo
a movimentação nestes rios. de estratégias auxiliares, estas ações devem dar conta de impe-
dir a rápida rearticulação dos focos de garimpo desmantelados
e, assim, descapitalizar os empresários que fomentam o crime
no território Yanomami. Paralelamente, é fundamental avançar
na fiscalização permanente de aeródromos privados situados
nos arredores da TI Yanomami que funcionam como centros
de distribuição logística do garimpo ilegal, e a fiscalização dos
postos que comercializam combustível de avião.

YANO M AM I S O B ATAQU E 114


O papel complementar de agências reguladores é outro fator Da mesma forma, no que diz respeito ao trabalho da Agência
importante para garantir a eficácia das ações de proteção ter- Nacional do Petróleo (ANP), como sugere a Informação Técnica
ritorial e desarticulação da logística do garimpo ilegal. A Agên- nº 4/2021-NUFIS-MG/DITEC-MG/SUPES-MG do Instituto Bra-
cia Nacional de Telecomunicações (ANATEL) tem papel funda- sileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
mental para a identificação e responsabilização das pessoas (IBAMA), deve-se aprimorar o principal instrumento de controle
envolvidas na instalação e manutenção de redes de radiofo- de venda do combustível de viação, o Mapa de Movimenta-
nia e internet que dão suporte aos garimpeiros, por meio de ção de Combustíveis de Aviação (MMCA). De acordo com o
ações de fiscalização das relações de consumo, em particular documento do Ibama, a informatização e a publicização do
da oferta e contratação de serviços, em linha com suas Diretri- MMCA seria um importante passo para ter um melhor controle
zes de Fiscalização de 2017. Recomenda-se assim aprimorar a da monitoramento da cadeia de custódia do combustível, com
regulamentação da oferta de serviços de instalação e manuten- sistema de saldo virtual de litros de combustível de aviação que
ção de internet em Terras Indígenas e demais áreas protegidas, reflita o estoque real em toda a cadeia produtiva69.
estabelecendo mecanismos para identificar e impedir impossi-
bilitando sua operação clandestina de redes de comunicação A nível regulatório, importa avançar no aprimoramento das
para apoio à logística do garimpo ilegal e outras atividades ilí- normas legais e infralegais que regulamentam a cadeia do
citas nestas áreas, ao mesmo tempo que reabilitando a dispo- ouro no nível nacional. A atual legislação não garante transpa-
nibilidade de acesso das comunidades indígenas interessadas rência suficiente para a cadeia e, de certa forma, dá margem
às bandas que atualmente estão sob controle dos garimpeiros. para operações fraudulentas e práticas de lavagem de dinheiro
A atuação da ANATEL deve preceder as operações e ser efetiva entre outros crimes. Como sugere, um estudo recente publica-
o suficiente para garantir que as ações policiais mantenham o do pelo Instituto Escolhas70, entre as ações que contribuíram
seu efeito surpresa. para controlar a ilegalidade na cadeia do ouro pode-se citar :
i) a implantação de um sistema de rastreabilidade de origem e
A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) deve contribuir conformidade ambiental e social da produção e do comércio
com a fiscalização da operação irregular de aeronaves e pis- de ouro; ii) a extinção do regime de Permissão de Lavra Garim-
tas de pouso, impossibilitando sua operação clandestina para peira; e iii) a revogação da Lei 12.844/2013, que trata, dentre
apoio à logística do garimpo ilegal. outras questões, do transporte e da comercialização de ouro
dos garimpos, e que facilita a “lavagem de ouro”.

69 https://oeco.org.br/analises/monitoramento-do-comercio-de-combustivel-de-aviacao-ajuda-no-combate-ao-crime-ambiental/
70 https://www.escolhas.org/wp-content/uploads/Ouro-200-toneladas.pdf

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Finalmente, deve-se também salientar a importância de proje- Nessa linha vale destacar os projetos que estão em curso na
tos que ofereçam uma alternativa de renda para as comunida- calha do rio Uraricoera, destinado ao manejo do cacau na-
des indígenas vizinhas às áreas de garimpo. Tais iniciativas são tivo e a comercialização de chocolates e o empreendimento
relevantes sobretudo para neutralizar o assédio dos garimpei- de ecoturismo no Pico da Neblina. Muitos lugares severamente
ros aos jovens Yanomami, que com frequência são seduzidos impactados pelo garimpo, porém, ainda não contam com ini-
pelas promessas de bens e dinheiro que o trabalho no garimpo ciativas semelhantes, assim como tiveram suas escolas e postos
oferece. Hoje é marginal o envolvimento de alguns Yanomami de saúde abandonados. A retomada de uma agenda positiva
no garimpo, que realizam pequenos serviços como transporte nessas regiões é fundamental para garantir que as comunida-
de combustível e mantimentos para os acampamentos, mas, des consigam se recuperar depois de anos de abusos, violência
na ausência de opções, o aliciamento é sempre mais perigoso. e destruição ambiental e sanitária.

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ANEXO 1

Quadro 3:
X Y X Y X Y Localização
das pistas do
-62,14048775 3,438913242 -61,58437535 2,829865307 -61,6806073 2,620564427 entorno que são
suspeitas de dar
-61,53019185 2,05324039 -61,68890816 2,722256802 -61,82521553 2,090756209
apoio logístico
-61,68661232 2,619029366 -61,55614148 2,786621521 -61,75740413 2,225802577 ao garimpo
na TIY.
-61,89189618 2,126464614 -61,43332033 2,718055814 -61,82791798 2,099519199

-61,73126692 3,778620858 -61,41048119 2,727829916 -61,69494897 2,37762736

-61,52345148 2,81416939 -61,42492843 2,723420052 -61,74482858 2,317380615

-61,54485949 2,818246596 -61,53948969 2,836904674 -61,57580985 2,87161208

-61,60276129 2,793422869 -61,31002488 3,063784751 -61,49615377 2,854066307

-61,58873199 2,773645424 -61,31523784 3,068268431 -61,4892945 2,69976584

-61,59878283 2,765479114 -61,11879156 2,992045876 -61,51738433 2,690417314

-61,54705692 2,765000842 -61,28604328 3,01555312 -61,54901443 2,785351874

-61,55145135 2,883507085 -61,29714275 3,001372808 -61,43980418 2,985963058

-63,87220909 2,582077199 -61,46960617 2,828675931 -61,72004544 2,657357966

-61,64297818 2,618139793

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ANEXO 2

Quadro 4:
X Y REGIÃO X Y REGIÃO Localização
das pistas do
-62,6572 2,092796 Alto Catrimani -63,7687 2,535665 Homoxi entorno que são
suspeitas de dar
-63,2495 2,348512 Alto Catrimani -63,6516 2,516967 Homoxi apoio logístico
ao garimpo
-62,8262 2,437829 Alto Catrimani -63,7544 2,529549 Homoxi na TIY.
-62,9514 2,437819 Alto Catrimani -63,5291 2,577302 Homoxi

-63,3159 2,356142 Alto Catrimani -63,0278 2,61823 Kayanau

-63,3504 2,218384 Alto Catrimani -63,0409 2,631895 Kayanau

-63,3419 2,282657 Alto Catrimani -63,0721 2,648133 Kayanau

-62,8775 2,317859 Alto catrimani -62,9892 2,584638 Kayanau

-63,2776 2,26273 Alto Catrimani -63,0064 2,569457 Kayanau

-62,374 2,361071 Apiaú -62,9646 2,605066 Kayanau

-62,0672 4,140318 Ericó -63,2481 2,602505 Papiu

-63,3527 2,687331 Hakoma -63,7076 3,116705 Parima

-63,4689 2,712736 Hakoma -63,7195 3,279213 Parima

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Continuação do
X Y REGIÃO Quadro 4.
-63,7796 3,159669 Parima

-63,651 3,289519 Parima

-63,1627 2,917705 Surucucus

-63,3036 3,025703 Surucucus

-63,2065 2,969379 Surucucus

-63,4614 3,660605 Waikás

-63,6548 3,724685 Waikás

-63,7272 3,631635 Waikás

-63,4515 3,653814 Waikás

-63,8458 2,550365 Xitei

-63,7877 2,565714 Xitei

-63,8224 2,583014 Xitei

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ANEXO 3

Quadro 5:
X Y REGIÃO Localização
das pistas
-62,6689 2,709086 Alto Mucajaí comunitárias
que estão sob
-63,7272 2,500983 Homoxi o controle do
garimpo ou que
-62,9087 2,759667 Kayanau são utilizadas
eventualmente
-63,8494 3,283342 Parafuri por garimpeiros.

-63,1695 3,552101 Waikás

-62,8951 2,49687 Alto Catrimani

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