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PROGRAMA “REGRESSO AO COLÉGIO”

ANTECÂMARA DO ARRANQUE OFICIAL DO ANO LETIVO 2021/2022


2.º ANO DE ESCOLARIDADE DO 1.º CEB

A Carochinha e o Infeliz João Ratão


A história que vou contar.
já multa gente a contou.
As rimas que vou rimar.
já multa gente as rimou.

Nesta história vão entrar


quem o destino marcou:
desgraças, noivas sem par
um rato que escorregou...

Que a história que vou contar


é história de luto e dor.
Em história assim similar
muito sofre o contador.

Pudesse eu remediar
o como a história acabou,
que não estaria a chorar 
ainda ela mal começou. 

Mas já que vou começar


e alguma vez há-de ser,
vejo num quadro exemplar
a Carochinha a varrer.

Menina Carocha Barata


de cara muito laroca
corpinho vestindo bata
não me toques... Quem lhe toca?

No meio do pó do varrer
encontrou uma moeda,
«Estou rica. Não querem ver!»
Aqui a história se enreda.

1
Acorreram as vizinhas
cada qual com seu conselho:
«Compre fitas e lacinhos.
Compre brincos. Compre espelhos .»

Só o espelho não comprou


que o espelho que queria ter
eram dois olhos que a vissem
na janela do bem-querer.

Sou Carochinha assisada.


Sou bonita e perfeitinha.
Quem me quer para namorada?
Quem me diz «Tu vais ser minha?»

Quem me chama «Meu amor,


bichaninha» e ao ouvido?
Quem me traz do seu calor?
Quem entende o que eu nem digo?

E cantando, apregoava
a cantiga ladainha:
«Quem quer, quem quer, quem quer
casar com a Carochinha?»

«Quero eu» e era um boi.


«Quero eu» e era um cão.
«Quero eu» e era um gato.
E ela a todos que não.

«Quero eu» e era um burro.


«Quero eu», era um pavão.
«Quero eu» e era um galo.
E ela a todos que não.

Enfeitada, apregoava,
com colares de camarinha:
«Quem quer, quem quer, quem quer
casar com a Carochinha?»

«Quero eu», disse-lhe um rato.


«E porquê?», a Carochinha.
«Porque sou o rei do mato
e tu serás a rainha.

Rainha de todo o reino


rainha do coração
minha rainha, só minha
diz-me que sim, nunca não.»

2
E com palavras assim
em meiga voz de paixão
lá ficou a Carochinha
cativa do João Ratão.

Combinado o casamento
juntaram comeres para a boda
dez feijões de cozimento
que era a riqueza toda.

O padrinho deu toucinho


a madrinha, uma hortaliça.
Do merceeiro, fiado,
também veio uma chouriça !

Ficou o caldo a cozer


enquanto se foram casar.
Nisto disse para a mulher:
«E se a sopa se pegar?»

E se a sopa se pegar?
E se a sopa se pegou?
E se ficamos sem jantar?
Vou lá eu e venho e vou.

Vou lá e venho e vou.


Vou lá e venho e ia.
A Carochinha esperava
e o noivo não aparecia.

Vou lá eu e venho e vou.


Vou lá eu e venho e ia.
A Carochinha chorava. 
Mau agouro que teria.

Chegados aqui, paramos


atalhamos, suspendemos.
A história tem tantos anos
e nós ainda a tememos.

E nós ainda trememos


e a história ainda nos dói
neste transe e desventura
do ratinho nosso herói.

Ia casar-se feliz
com a linda Carochinha...
Foi tentado pelo cheiro
que saía da cozinha...

3
Empoleirou-se num banco
para provar o feijão.
Deu o banco um solavanco
ficou-lhe no caldo a mão.

Logo após este desastre,


a outra mão lá ficou
e um pé e outro pé
e todo o corpo afundou.

Coitado do João Ratinho


Coitado do João Ratão,
que morreu cozido, assado
guisado no caldeirão.

«Onde estás, meu ratãozinho»,


chamou-o a noiva, em pranto,
mas só topou, na cozinha,
com o chapéu, a um canto.

Quis ir mexer o feijão


para o caldo não bispar
e foi dar, no caldeirão,
com o marido a boiar.

Carochinha em altos gritos


tudo à roda atordoou.
Condoída, uma tripeça
logo ali se desmanchou.

Logo ali se desmanchou


logo ali se desmanchava
e uma porta perguntou
que desgraça se passava.

Mal soube do sucedido


a porta deu o alarme:
«Se morreu o João Ratão
fico a abrir-me e a fechar-me.»

Mal soube do sucedido


o fecho deu o alarme:
«Se morreu o João Ratão
fico todo a desmanchar-me.»

Mal soube do sucedido


o pinheiro deu o alarme:
«Se morreu o João Ratão
fico a puxar-me, a arrancar-me.»

4
Mal soube do sucedido
a pomba deu o alarme:
«Se morreu o João Ratão
fico eu a depenar-me.»

Mal soube do sucedido


a fonte deu o alarme:
«Se morreu o João Ratão
fico sem gota, a secar-me.»

A rainha veio à fonte


e viu a fonte sequinha,
de luto pelo João Ratão
e com dó da viuvinha.

A rainha mal tal soube


logo ali se condoeu
e disse para quem a ouviu:
«Choram todos. Choro eu .»

Veio o rei, viu-a a chorar


e indagou da razão.
A rainha lhe contou
da morte do João Ratão.

Pôs-se o rei, numa lamúria


de cortar o coração:
«Já não quero mais ser rei
se morreu o João Ratão .»

O mundo quase findou,


choram mil olhos por ti.
Se até um rei abdicou!...
E a história acaba aqui.

António Torrado, Histórias Tradicionais Infantis Contadas de Novo, Civilização Editora, 2005

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