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Funções Contı́nuas

NA 9
Notas de Aula 9 – Funções Contı́nuas

Introdução

Nestas Notas de Aula - NA, estudam-se o significado preciso do termo


“função contı́nua num ponto”, os critérios sequenciais que garantem se uma
função é ou não contı́nua e os principais resultados relacionando operações
com funções e continuidade.

Funções Contı́nuas

Definição 9.1 Sejam f : X ⊂ R → R e x0 ∈ X = Dom f . Diz-se que


a função f : X ⊂ R → R é contı́nua em x0 , onde x0 ∈ X = Dom f
quando, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que, se x ∈ X satisfaz |x − x0 | < δ então
|f (x) − f (x0 )| < ε.
Se f não é contı́nua em x0 , diz-se que f é descontı́nua em x0 .

Como no caso de limite de uma função num ponto, a noção de conti-


nuidade num ponto também pode ser formulada por meio de vizinhanças. A
seguinte figura ilustra a noção de continuidade em uma vizinhança do ponto
x0 do domı́nio de f .

para toda Vε (f (x̄))

f (x̄)


existe Vδ (x̄)

Figura 9.1: A função f é contı́nua em x0 ∈ Dom f .

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Funções Contı́nuas
Elementos
de
Análise Proposição 9.1 Uma função f : X ⊂ R → R é contı́nua num ponto x0 ∈ X
Real se, e somente se, dada qualquer ε-vizinhança Vε (f (x0 )) de f (x0 ) existe uma
vizinhança Vδ (x0 ) de x0 tal que, para todo x, se x é um ponto qualquer em
X ∩Vδ (x0 ) então f (x) pertence a Vε (f (x0 )), isto é, f (X ∩Vδ (x0 )) ⊂ Vε (f (x0 )).

Prova: Exercı́cio.

Observação 9.1 (i) Se x0 é um ponto de acumulação de X e x0 ∈ X


então, pelas Definições 7.2 e 9.1, tem-se que uma função f : X → R
é contı́nua em x0 se, e somente se,

lim f (x) = f (x0 ). (⋆)


x→x0

Portanto, se x0 ∈ X é um ponto de acumulação de X, as três seguin-


tes condições são necessárias e suficientes para que f : X → R seja
contı́nua em x0 :

(a) f deve estar definida em x0 ( isto é, f (x0 ) deve existir);


(b) o limite lim f (x) deve existir;
x→x0

(c) e a igualdade (⋆) deve ser verdadeira.

(ii) Note as diferenças entre a Definição 7.2 e a Definição 9.1: na De-


finição 7.2, x0 deve ser um ponto de acumulação do domı́nio de f , que
não precisa pertencer a este conjunto, enquanto que na Definição 9.1,
x0 deve ser um ponto de Dom f (que não precisa ser ponto de acu-
mulação do domı́nio de f ).

♦ Prelúdio 9.1 Seja f : X ⊂ R → R uma função e seja x0 ∈ X. Por


definição,

f é contı́nua em x0
quando
(⋆)
Para todo real ǫ > 0, existe um real δ > 0, tal que,
para todo x ∈ X, se |x − x0 | < δ então |f (x) − f (x0 )| < ǫ .

As seguintes passagens devem aparecer necessariamente na demonstração de que


a “função f é contı́nua no ponto x0 de seu domı́nio”, devido à estrutura deste
enunciado:

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Seja ǫ > 0 onde ǫ ∈ R arbitrariamente fixado.


Tome-se δ > 0 tal que . . .
(Entra aqui, o número real δ, a ser encontrado.
Este δ dependerá do ǫ fixado em praticamente todos os casos.
Em alguns casos, δ dependerá do ponto x0 .
Para encontrar δ faz-se um rascunho.)
Seja x ∈ X tal que |x − x0 | < δ.
Então |f (x) − f (x0 )|. . .
..
.
desenvolve-se esta última expressão, com as justificativas necessárias
..
.
Portanto |f (x) − f (x0 )| < . . . < ǫ.
Assim, se |x − x0 | < δ então |f (x) − f (x0 )| < ǫ .

Conclusão: Para todo ǫ > 0 existe δ > 0 tal que, para todo x ∈ Dom f ,
se |x − x0 | < δ então |f (x) − f (x0 )| < ǫ.
Por definição, isto significa que a função f : X → R é
contı́nua no ponto x0 ∈ X.

Como no caso das definições de supremo e ı́nfimo, limite de sequência


e limite de função num ponto, é necessário fazer um “rascunho”em separado,
ou seja, um raciocı́nio de “trás para a frente”para achar δ. Neste rascunho,
reescreve-se de forma apropriada a expressão |f (x)−f (x0 )| para se obter alguma
relação com a hipótese |x − x0 |. Este rascunho não é a demonstração e não faz
sentido que apareça nela.

Exemplo 9.1 Mostrar por meio da definição que:

(a) f : R → R definida por f (x) = (5x − 3)/4 é contı́nua em x0 = 1;



(b) f : R+ → R definida por f (x) = x é contı́nua em x0 = 4;

(c) f : R → R definida por f (x) = x2 é contı́nua em x0 = 4.

Prova: A demonstração destes três exercı́cios, como pode se observar no


Prelúdio 9.1 (em razão do comentado na Observação O9.1 (ii), são pratica-
mente as mesmas apresentadas nas NA 7, Exemplos 7.2, 7.3 e 7.5 respecti-
vamente. O que difere é que aqui deve-se escrever |x − 1| < δ, |x − 4| < δ e
|x − 2| < δ ao invés de 0 < |x − 1| < δ, 0 < |x − 4| < δ e 0 < |x − 2| < δ.
Veja também os Exemplos 7.4 e 7.6 (a).

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Elementos
de
Análise Uma simples adaptação na prova do Teorema 7.1 para limites leva à
Real seguinte versão sequencial para a continuidade num ponto.

Teorema 9.1 (Critério Sequencial para Continuidade) Uma função


f : X ⊂ R → R é contı́nua em x0 ∈ X = Dom f se, e somente se, para
toda sequência (xn )n∈N em X que converge para x0 , a sequência (f (xn ))n∈N
converge para f (x0 ).

Prova: Exercı́cio.
O seguinte critério é uma consequência imediata do teorema anterior.

Corolário 9.1 (Critério de Descontinuidade) Sejam f : X ⊂ R → R


e x0 ∈ X. f é descontı́nua em x0 se, e somente se, existe uma sequência
(xn )n∈N em X tal que (xn )n∈N converge para x0 , mas a sequência (f (xn ))n∈N
não converge para f (x0 ).

Prova: Exercı́cio.
Note que no critério sequencial para estabelecer continuidade, toma-se
uma sequência qualquer (xn )n∈N em Dom f tal que lim xn = x0 e mostra-se
n→∞
que a respectiva sequência de imagens (f (xn ))n∈N converge para f (x0 ). Por
outro lado, para se estabelecer a descontinuidade de uma função num ponto,
é preciso exibir uma particular sequência que convirja para o ponto e tal que
a sequência de imagens não convirja para a imagem do ponto. Note que
ambos os critérios diferem muito pouco dos critérios sequenciais de limites
vistos nas NA 7.

Definição 9.2 Seja f : X ⊂ R → R uma função. Diz-se que f é contı́nua


no conjunto X quando f é contı́nua em todo ponto de X.

Exemplo 9.2 Nos primeiros quatro itens abaixo, a Observação 9.1(ii) é uti-
lizada para garantir a continuidade das funções apresentadas.

(a) A função constante f (x) := c é contı́nua em R. De fato, dado x0 ∈ R


qualquer, é claro que x0 é ponto de acumulação de R. Além disso, pelo
Exemplo 7.4 (a) tem-se que lim f (x) = c. Como f (x0 ) = c então
x→x0
lim f (x) = f (x0 ). Portanto f é contı́nua em todo x0 ∈ R. Logo, f é
x→x0
contı́nua em R.

(b) A função f (x) := x é contı́nua em R. De fato, dado x0 ∈ R qualquer,


x0 é ponto de acumulação de R e além disso, pelo Exemplo 7.4 (b)

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tem-se que lim f (x) = x0 . Como f (x0 ) = x0 , segue que f é contı́nua


x→x0
para todo x0 ∈ R. Logo, f é contı́nua em R.

(c) A função f (x) := x2 é contı́nua em R. De fato, dado x0 ∈ R qualquer,


x0 é ponto de acumulação de R e além disso, do Exemplo 7.6 (a) tem-
se que lim f (x) = x0 2 . Como f (x0 ) = x0 2 , segue que f é contı́nua em
x→x0
todo ponto x0 ∈ R. Logo, f é contı́nua em R.

(d) A função f (x) := 1/x é contı́nua em R \ {0}. De fato, fixado x0 ∈


R \ {0} qualquer, x0 é ponto de acumulação de R \ {0} e além disso,
do Exemplo 7.6 (b) tem-se que lim f (x) = 1/x0 para x0 6= 0. Como
x→x0
f (x0 ) = 1/x0 então f é contı́nua em todo ponto x0 ∈ R \ {0}. Logo, f
é contı́nua em R \ {0}.

(e) Dado qualquer c ∈ R a função f : X = [0, +∞) → R definida por



c se x = 0,
f (x) =
1/x se x > 0,

é descontı́nua em x = 0. De fato, a sequência (1/n)n∈N de pontos


de X converge para 0, mas a sequência de imagens (f (1/n) = n)n∈N
não converge em R. Portanto, pelo Teorema 9.1 conclui-se que f é
descontı́nua em x = 0.

(f ) A função f (x) := sgn(x) é descontı́nua em x = 0 (veja Figura 7.2).


Como no Exemplo 7.8 (b) tem-se que, se xn = (−1)n /n, n ∈ N, então
xn → 0 mas a sequência (f (xn ))n∈N não converge. Então, pelo Teo-
rema 9.1 resulta que f é descontı́nua em x = 0.
É um bom exercı́cio mostrar que a função sgn é contı́nua em todo ponto
x0 6= 0!

♦ Prelúdio 9.2 Recorde no inı́cio das NA 7 a definição de ponto de


acumulação e também, a Proposição 7.4 e os exemplos que a seguem.
É preciso lembrar que por causa da densidade de Q e de R \ Q em R,
toda vizinhança de um número real x0 fixado, contém infinitos números
racionais e infinitos números irracionais, e portanto, todo número real é
ponto de acumulação de Q e de R \ Q. Portanto, decorre da Proposição
7.4 o seguinte fato importante:

Dado um número real x0 , existe uma sequência de números racionais que


converge para x0 e existe uma sequência de números irracionais que
converge para x0 .

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Funções Contı́nuas
Elementos
de
Análise Em cada caso, os elementos das sequência são todos diferentes de x0 . Isto
Real também decorre da Proposição 7.4. No Exemplo 9.2 (g) mostra-se como
construir sequências como as descritas acima.

(g) Seja f : R → R a função definida por



1, se x é racional,
f (x) =
0, se x é irracional.

Esta função é chamada de função de Dirichlet e ela é descontı́nua


em todo ponto x0 ∈ R. De fato, seja x0 ∈ R = Dom f . Então, x0
é racional ou irracional. Considere-se primeiramente o caso x0 ∈ Q.
Pelos Teorema de Densidade (veja Corolário 2.3 das NA 2), para cada
n ∈ N, existe um número irracional ξn satisfazendo x0 < ξn < x0 +1/n.
Assim, (ξn )n∈N é uma sequência em R \ Q que converge para x0 quando
n → ∞. Mas f (ξn ) = 0 para todo n ∈ N e portanto, lim f (ξn ) = 0,
enquanto f (x0 ) = 1. Logo, f não é contı́nua em x0 , se x0 é um número
racional.
Analogamente, se x0 é um número irracional, pelo Teorema de Den-
sidade (veja Teorema 2.1 das NA 2), pode-se construir uma sequência
(rn )n∈N tal que rn ∈ Q para todo n ∈ N e rn → x0 quando n ∈ ∞.
Como f (rn ) = 1 para todo n ∈ N tem-se lim f (rn ) = 1, enquanto
f (x0 ) = 0. Portanto, f não é contı́nua em x0 se x0 é um número
irracional.
Assim, para qualquer que seja x0 ∈ R, tem-se que f é descontı́nua x0 .
Portanto, f é função descontı́nua em R.

(h) Seja f : R → R a função


(
1 se x ≥ 0,
f (x) =
0 se x < 0.

Esta função não é contı́nua em x = 0. Este fato é mostrado a seguir


de duas maneiras:

(1) mostrando que f não satisfaz a Definição 9.1: para isto, considerando-
se o caso particular x0 = 0, deve-se mostrar que

existe ǫ > 0 tal que para cada δ > 0

existe x ∈ R tal que |x| = |x − 0| < δ e |f (x) − f (0)| ≥ ǫ. (∗)

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Tome-se então por exemplo, ǫ = 1/2. Seja δ > 0 número real. Ora,
como f (x) = 0 para todo x < 0 então f (x) = 0 em (−δ, 0). Tomando-
se, por exemplo, x = (−δ)/2, tem-se que x ∈ (−δ, 0) e portanto, que
|(−δ)/2 − 0| = δ/2 < δ. E, como f (0) = 1 e f ((−δ)/2) = 0 então

|f ((−δ)/2) − f (0)| = |0 − 1| = 1 ≥ 1/2.

Assim, para cada δ > 0, existe x ∈ R tal que |x| = |x − 0| < δ e


|f (x) − f (0)| = |0 − 1| ≥ 1/2. Daı́ e de (∗) conclui-se que f não é
contı́nua em zero.

(2) Usando o critério sequencial para descontinuidade, Corolário 9.1:


neste caso, é preciso exibir uma sequência (xn )n∈N de pontos do domı́nio
de f , que convirja para 0 mas cuja sequência de imagens (f (xn ))n∈N
não convirja para f (0) = 1. Por exemplo, a sequência ((−1)n /n)n∈N
converge para 0 mas a sequência de imagens é (0, 1, 0, 1, 0, . . . , ), que é
divergente.

(2) Sejam f : X → R uma função e x0 um ponto de acumulação de X


tal que x0 ∈ / X. Se lim f (x) = L então pode-se definir, a partir de
x→x0
f , uma nova função f¯, que coincide com f em X mas que é contı́nua
em x0 . A função f¯ é chamada a extensão contı́nua de f a x0 . A
função f¯ : X ∪ {x0 } → R é definida por

L para x = x0 ,
f¯(x) :=
f (x) para x ∈ X,

é contı́nua em x0 . De fato, como x0 é um ponto de acumulação de


X, x0 ∈ X ∪ {x0 } = Dom f¯, f¯ está definida em x0 e lim f¯(x) =
x→x0
lim f (x) = L = f¯(x0 ) então f¯ é contı́nia em x0 , pela Observação 9.1.
x→x0

Por exemplo: se f (x) = x sen(1/x) para x ∈ R \ {0}, como lim f (x) =


x→0
0, então a função f¯ definida por f¯(x) = f (x) para x 6= 0 e f¯(0) = 0
é a extensão contı́nua de f a R ( veja Figura 7.4).

(j) Se a função f : X → R não possui limite em x0 ∈ X então não existe


nenhuma forma de obter uma função contı́nua f¯ : X ∪ {x0 } → R
contı́nua em x0 que coincida com f

c para x = x0 ,
f¯(x) :=
f (x) para x ∈ X,

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Funções Contı́nuas
Elementos
de
Análise qualquer que seja c ∈ R. De fato, se lim f¯(x) existisse então também
x→x0
Real existiria lim f (x) e valeria a igualdade lim f¯(x) = lim f (x).
x→x0 x→x0 x→x0

Por exemplo, a função f (x) := sen(1/x) para x 6= 0 (veja Figura 7.3)


não possui limite em x = 0. Assim, não há nenhum valor que se possa
atribuir a f (0) de modo a obter uma extensão de f contı́nua em x = 0.

Operações com Funções Contı́nuas

Teorema 9.2 Sejam f, g : X ⊂ R → R e c ∈ R. Se f e g são contı́nuas em


x0 ∈ X então

(i) f + g, f − g, f g e cf são contı́nuas em x0 ;

(ii) Se g(x) 6= 0 para todo x ∈ X então o quociente f /g é contı́nua em x0 .

Prova: (i) e (ii): Por hipótese, f e g funções contı́nuas em x0 e c ∈ R.


Será usado o critério sequencial para continuidade, Teorema 9.1. Seja então
sequência arbitrária (xn )n∈N em X tal que xn → x0 quando n → ∞. Pela
hipótese, para as funções f e g vale a conclusão do Teorema 9.1, ou seja, as
sequências de imagens (f (xn ))n∈N e (g(xn ))n∈N satisfazem

lim f (xn ) = f (x0 ) me lim g(xn ) = g(x0 ).


n→∞ n→∞

Daı́ e pelo Teorema 4.4 das NA 4 tem-se que as sequências de imagens satis-
fazem, respectivamente,

lim (f + g)(xn ) = lim ((f (xn ) + g(xn ))) = lim f (xn ) + lim g(xn ) =
n→∞ n→∞ n→∞ n→∞
= f (x0 ) + g(x0 ) = (f + g)(x0 ) ,
lim (f − g)(xn ) = lim ((f (xn ) − g(xn ))) = lim f (xn ) − lim g(xn ) =
n→∞ n→∞ n→∞ n→∞
= f (x0 ) − g(x0 ) = (f − g)(x0 ) ,
   
lim (f g)(xn ) = lim ((f (xn ).g(xn ))) = lim f (xn ) . lim g(xn ) =
n→∞ n→∞ n→∞ n→∞
= f (x0 ).g(x0 ) = (f g)(x0)
e lim (cf )(xn ) = lim (c(f (xn ))) = lim (cf )(xn ) =
n→∞ n→∞ n→∞
= c.f (x0 ) = (cf )(x0 ) .

Como a sequência (xn )n∈N foi tomada arbitrariamente, o Teorema 9.1 garante
que as funções f + g, f − g, f g e cf são contı́nuas em x0 . No caso (ii),
como g(x) 6= 0 para todo x ∈ X então para todo n ∈ N vale g(xn ) 6= 0, e

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portanto, tem-se que a sequência de imagens ((f /g)(xn ) = f (xn )/g(xn ))n∈N
está definida e converge para f (x0 )/g(x0 ) = (f /g)(x0). Conclui-se então,
pelo Teorema 9.1 que a função f /g é contı́nua em x0 .

Corolário 9.2 Sejam f, g : X ⊂ R → R funções contı́nuas em X e c ∈ R.

(i) As funções f + g, f − g, f g e cf são contı́nuas em X.

(ii) Se g(x) 6= 0 para todo x ∈ X, então a função quociente f /g é contı́nua


em X.

Prova: Estes resultados são consequências imediatas do Teorema 9.2 e da


Definição 9.2.

Exemplo 9.3 (a) Se p : R → R uma função polinomial, por exemplo,


p(x) = an xn + an−1 xn−1 + · · · + a1 x + a0 para todo x ∈ R então, por
aplicações sucessivas do Teorema 9.2 conclui-se que p é contı́nua em
R.

(b) Sejam p e q são funções polinomiais em R e sejam α1 , . . . , αm reais de


q. Para x ∈ / {α1 , . . . , αm } então q(x) 6= 0 de modo que pode-se definir
a função racional r por
p(x)
r(x) := para x ∈
/ {α1 , . . . , αm }.
q(x)
Portanto, do Teorema 9.2, se x0 ∈ R é tal que q(x0 ) 6= 0 então r é
contı́nua em x0 . Assim, conclui-se que uma função racional é contı́nua
em todo número real para o qual ela está definida.

Composição de Funções Contı́nuas

Teorema 9.3 Sejam f : X ⊂ R → R e g : Y ⊂ R → R funções tais


que f (X) ⊂ Y . Se f é contı́nua num ponto x0 ∈ X e g é contı́nua em
y0 := f (x0 ) ∈ Y então a função composta g ◦ f : X → R é contı́nua em x0 .

Prova: Seja (xn )n∈N uma sequência qualquer em X = Dom(g ◦ f ) tal que
lim xn = x0 . Pelo Teorema 9.1 deve-se mostrar que a sequência das ima-
n→+∞
gens ((g ◦ f )(xn ))n∈N converge para (g ◦ f )(x0 ) = g(f (x0)) = g(y0 ).
Sendo (xn )n∈N uma sequência em X = Dom f que converge para x0 ∈ X
então pela continuidade de f em x0 tem-se que a sequência das imagens
(f (xn ))n∈N é uma sequência em f (X) ⊂ Y que converge para f (x0 ).

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Funções Contı́nuas
Elementos
de
Análise Daı́ e como g é contı́nua em y0 a sequência das imagens por g, isto é,
Real (g(f (xn )))n∈N converge para a imagem g(f (x0 )) = g(y0).
Logo, para toda (xn )n∈N sequência em X = Dom(g ◦ f ) que con-
verge para x0 ∈ X, a sequência das imagens ((g ◦ f )(xn ))n∈N converge para
(g ◦ f )(x0 ) = g(f (x0 )) = g(y0).
Pelo Teorema 9.1 a função g ◦ f é contı́nua em x0 .
O teorema seguinte é uma consequência imediata do Teorema 9.3.

Teorema 9.4 Sejam f : X ⊂ R → R contı́nua em X e g : Y ⊂ R → R


contı́nua em Y . Se f (X) ⊂ Y então a função composta g ◦ f : X → R é
contı́nua em X.

Exemplo 9.4 Os Teoremas 9.2 e 9.3 são muito úteis para estabelecer a con-
tinuidade de certas funções. Eles podem ser usados em diversas situações em
que seria difı́cil aplicar a definição de continuidade diretamente.

(a) Seja g(x) := |x| para x ∈ R. Segue da desigualdade triangular que

|g(x) − g(x0 )| ≤ |x − x0 | para todo x, x0 ∈ R.

Daı́, g é contı́nua em todo x0 ∈ R, verifique! Se f : X ⊂ R → R


é qualquer função contı́nua em X então o Teorema 9.3 implica que
g ◦ f = |f | é contı́nua em X.

(b) Seja g(x) := x para x ≥ 0. Segue do Exemplo 4.1 (b) e do Teo-
rema 9.1 que g é contı́nua em todo número x0 ≥ 0. Se f : X ⊂ R → R
é contı́nua em X e se f (x) ≥ 0 para todo x ∈ X então segue do Teo-

rema 9.3 que g ◦ f = f é contı́nua em X.

O próximo resultado é um corolário do anterior e fornece um critério de con-


tinuidade para uma função não-decrescente f num ponto x0 de seu intervalo
de definição.

Corolário 9.3 Sejam I ⊂ R um intervalo e f : I → R não-decrescente em


I. Suponha que x0 ∈ I não é um extremo de I. Então as seguintes afirmações
são equivalentes.

(i) f é contı́nua em x0 .

(ii) lim f (x) = f (x0 ) = lim f (x).


x→x0 − x→x0 +

(iii) sup{f (x) : x ∈ I, x < x0 } = f (x0 ) = inf{f (x) : x ∈ I, x > x0 }.

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Prova: Segue diretamente da Proposição 8.1 combinada com o Teorema ??,


lembrando que qualquer ponto de um intervalo é um ponto de acumulação
deste intervalo. Faça como exercı́cio.
Seja I um intervalo e f : I → R uma função não-decrescente. Se a é o
extremo à esquerda de I, é um exercı́cio fácil mostrar que f é contı́nua em a
se, e somente se,
f (a) = inf{f (x) : x ∈ I, a < x}
ou se, e somente se, f (a) = lim f . Um fato análogo vale para b ∈ I se b é
x→a+
um extremo à direita de I. Você deve ser capaz também, em todos os casos,
de estabelecer os resultados análogos para funções não-crescentes.

sf (x̄)

Figura 9.2: O salto de f em x0 .

Definição 9.3 Sejam f : I → R uma função não-decrescente e x0 ∈ I não


é um extremo de I. Define-se salto de f em x0 por
sf (x0 ) := lim f (x) − lim f (x).
x→x0 + x→x0 −
Se a ∈ I é um extremo à esquerda de I então o salto de f em a é
definido por sf (a) := lim f (x) − f (a).
x→a+
Se b ∈ I é um extremo à direita de I o salto de f em b é defiido por
sf (b) := f (b) − lim f (x).
x→b−

Teorema 9.5 Sejam I ⊂ R um intervalo e f : I → R uma função não-


decrescente em I. Se x0 ∈ I então f é contı́nua em x0 se, e somente se,
sf (x0 ) = 0.

Prova: Se x0 não é um extremo de I, o resultado segue do Corolário 9.3.


Se x0 ∈ I é um extremo à esquerda de I então f é contı́nua em x0 se, e
somente se, f (x0 ) = lim f (x). Isto equivale, por definição que sf (x0 ) = 0.
x→x0 +

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Funções Contı́nuas
Elementos
de
Análise Argumentos semelhantes se aplicam ao caso em que x0 é um extremo à direita
Real de I.

Funções Inversas

Note que se f : X ⊂ R → R é estritamente monótona então, em


particular, x 6= y implica f (x) 6= f (y) para todo x, y ∈ X. Logo, f é injetiva.
Assim, se f : X → R é estritamente monótona e Y = f (X) então existe uma
função g : Y → R tal que
g(f (x)) = x para todo x ∈ X e f (g(y)) = y para todo y ∈ Y .
Ou seja, g é a inversa de f .
No teorema a seguir mostraremos que se f : I → R é uma função
contı́nua estritamente monótona, então a função inversa g : J = f (I) → R é
contı́nua em J e também é estritamente monótona. Se f é crescente, então
g é crescente; se f é decrescente, então g é decrescente.

Teorema 9.6 (da Inversa Contı́nua) Sejam I ⊂ R um intervalo e


f : I → R uma função estritamente monótona e contı́nua em I. Então
a função g, inversa de f , é estritamente monótona e contı́nua em J = f (I).

Prova: Será mostrado o caso em que f é crescente e I é um intervalo aberto.


O caso em que f é decrescente é análogo!
Inicialmente, note que, sendo por hipótese f é contı́nua então o Teo-
rema 9.4 garante que J = f (I) é um intervalo.

• g é uma função crescente em J. De fato, como f é injetiva em I existe


a função inversa g := f −1 : J → R e g é estritamente crescente, pois se
x1 < x2 inplica f (x1 ) < f (x2 ) para todos x1 , x2 ∈ I então y1 < y2 implica
g(y1 ) < g(y2 ) para todos y1 , y2 ∈ J. Isto é verdade, pois caso contrário, isto
é, se y1 < y2 implicasse g(y1) ≥ g(y2) para algum par de pontos y1 , y2 ∈ J
então fazendo-se x1 = g(y1) e x2 = g(y2 ) terı́a-se x1 ≥ x2 e f (x1 ) = y1 <
y2 = f (x2 ), contrariando o fato de f ser crescente. Logo, g é crescente em J.

• g é uma função contı́nua em J. Isso é uma consequência do fato que J é um


intervalo. De fato, se g fosse descontı́nua num ponto y0 ∈ J então, pelo Te-
orema 9.5, o salto sg (y0 ) seria um número real positivo, e consequentemente
lim g(y) < lim g(y). Portanto, pela densidade de R existe x∗ 6= g(y0 ) tal
y→y0 − y→y0 +
que lim g(y) < x∗ < lim g(y). Como I é um intervalo, g(J) = I e y0 não
y→y0 − y→y0 +
é um extremo de J então lim g(y) ∈ I e lim g(y) ∈ I.
y→y0 − y→y0 +

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Funções Contı́nuas
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Por outro lado, x∗ é tal que x∗ 6= g(y) para todo y ∈ J. Para uma
melhor compreensão veja a figura a seguir.

x
g(ȳ) sg (ȳ)

ȳ y
J

g(y) 6= x para y ∈ J.

Assim, x∗ 6= I e isto contradiz o fato de que I é um intervalo. Logo,


conclui-se que g é contı́nua em J. Quando y0 é um extremo de J é mostrado
de modo similar.

Exercı́cios 9.1 1. Prove o Teorema 9.1 (Critério Sequencial).

2. Prove o Corolário 9.1 (Critério de Descontinuidade).

3. Refaça os itens do Exemplo 9.2 de (a) a (d) de duas formas: usando a


Definição 9.1 e usando os critérios sequenciais apropriados.

4. Seja a < b < c. Suponha que f é contı́nua em [a, b], que g é contı́nua
em [b, c] e que f (b) = g(b). Defina h sobre [a, c] pondo h(x) := f (x)
para x ∈ [a, b] e h(x) := g(x) para x ∈ [b, c]. Prove que h é contı́nua
em [a, c].

5. Se x ∈ R, define-se [[x]] como o maior inteiro m ∈ Z tal que m ≤ x.


Por exemplo, [[5.7]] = 5, [[π]] = 3, [[−π]] = −4. A função x 7→ [[x]] é
chamada a função parte inteira. Determine os pontos de continuidade
das seguintes funções:

(a) f (x) := [[x]],


(b) f (x) := x + [[x]],
(c) f (x) := [[1/x]] (x 6= 0).

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Funções Contı́nuas
Elementos
de
Análise 6. Seja f (x) = (x2 − 2x − 3)/(x − 3) para x 6= 3. É possı́vel definir f em
Real x = 3 de modo que f seja contı́nua nesse ponto?

7. Seja f : R → R contı́nua em x0 e f (x0 ) > 0. Mostre que existe uma


vizinhança Vδ (x0 ) de x0 tal que se x ∈ Vδ (x0 ) então f (x) > 0.

8. Seja f : R → R contı́nua em R e seja Z = {x ∈ R : f (x) = 0} o


“conjunto zero” de f . Se (xn )n∈N é uma sequência tal que xn ∈ Z para
todo n ∈ N e x0 = lim xn , mostre que x0 ∈ Z.

9. Sejam X ⊂ Y ⊂ R, f : Y → R e g : X → R a restrição de f a X, i.e.,



g := f X .

(a) Se f é contı́nua em x0 ∈ X, mostre que g é contı́nua em x0 .


(b) Dê um exemplo em que a restrição g é contı́nua num ponto x0 ,
mas sua extensão f não é contı́nua em x0 .

10. Sejam K > 0 e f : R → R tal que |f (x) − f (y)| ≤ K|x − y| para todo
x, y ∈ R. Mostre que f é contı́nua em todo ponto x0 ∈ R.

11. Determine os pontos de continuidade das seguintes funções e diga que


teoremas são usados em cada caso.

x2 + 2x + 1
(a) f (x) := (x ∈ R),
x2 + 1
p
1 + |senx|
(b) f (x) := (x 6= 0),
x

(c) f (x) := cos 1 + x2 (x ∈ R).

12. Seja f : X → R é contı́nua em X ⊂ R. Mostre que a função f n


definida por f n (x) := (f (x))n para x ∈ X e n ∈ N é contı́nua em X.

13. Seja x 7→ [[x]] a função parte inteira. Determine os pontos de continui-


dade da função f (x) := x − [[x]], x ∈ R.

14. Seja g definida em R por g(1) := 0 e g(x) = 2 se x 6= 1, e seja


f (x) := x + 1 para todo x ∈ R. Mostre que lim (g ◦ f )(x) 6= (g ◦ f )(0).
x→0
Por que isso não contradiz o Teorema 9.3?

15. Sejam f, g definidas em R e seja x0 ∈ R. Suponha que lim f (x) = y0


x→x0
e que g é contı́nua em y0 . Mostre que lim (g ◦ f )(x) = g(y0).
x→x0

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16. Dê um exemplo de uma função f : [0, 1] → R que é descontı́nua em


todo ponto de [0, 1] mas tal que |f | é contı́nua em [0, 1].

17. Se f e g são contı́nuas em R, seja S := {x ∈ R : f (x) ≥ g(x)}. Se


(sn ) ⊂ S e lim sn = s, mostre que s ∈ S.

18. Mostre que se I := [a, b] e f : I → R é uma função não-decrescente em


I então f é contı́nua em a se, e somente se, f (a) = inf{f (x) : x ∈
(a, b]}.

19. Mostre que se I := [a, b] e f : I → R é uma função não-decrescente em


I então f é contı́nua em a se, e somente se, f (a) = inf{f (x) : x ∈
(a, b]}.

20. Seja I := [0, 1] e seja f : I → R definida por f (x) := x se x é racional,


e f (x) := 1 − x se x é irracional. Mostre que f é injetiva em I e que
f (f (x)) = x para todo x ∈ I. Portanto, f é inversa de si mesma!.
Mostre que f é contı́nua somente em x0 = 1/2.

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