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Funções Contı́nuas em Intervalos e Continuidade Uniforme

H. Clark
Lição 10 – Funções Contı́nuas em Intervalos e C. Vinagre

Continuidade Uniforme

Introdução

Nesta Lição, estuda-se o caso especial das funções contı́nuas definidas


em intervalos para as quais valem os Teoremas do Máximo e Mı́nimo e do
Valor Intermediário, conhecidos do primeiro curso de Cálculo. Estuda-se
ainda a noção de Continuidade Uniforme.

O Teorema do Máximo e Mı́nimo

O
Definição 10.1 Diz-se que uma função f : X = Dom f ⊂ R → R é limitada

ÇA˜
quando o conjunto-imagem f (X) = {f (x); x ∈ X} é um conjunto limitado,
ou seja, quando existe uma constante real M > 0 tal que |f (x)| ≤ M para
todo x ∈ X. Dado um conjunto A ⊂ X = Dom f , diz-se que f : X ⊂ R → R

A
é limitada em A quando f (A) = {f (x); x ∈ A} é um conjunto limitado.
R
Exemplo 10.1 A função f : R → R dada por f (x) = x2 não é limitada em
Dom f = R, pois f (R) = R+ é um conjunto ilimitado superiormente, logo
A
ilimitado. Por outro lado, a restrição de f ao intervalo X = (−2, 3) ⊂ R.
EP

Ou seja, g : X → R tal que g(x) = f (x) = x2 é uma função limitada em


Dom g = X, pois g(X) = g((−2, 3)) = {x2 ; x ∈ (−2, 3)} = [0, 9) é um
conjunto limitado.
PR

Na próxima proposição mostra-se que toda função contı́nua em um


intervalo fechado e limitado é limitada.

Proposição 10.1 Sejam I = [a, b] um intervalo fechado e limitado e


EM

f : I → R uma função contı́nua em I. Então f é limitada em I.

Prova: Suponha, por contradição, que a função f não é limitada em I.


Então,

para cada n ∈ N existe um xn ∈ I tal que |f (xn )| > n. (⋆)

Sendo xn ∈ I então (xn )n∈N é limitada, pois a ≤ xn ≤ b para todo n ∈


N. Daı́, o Teorema 5.4 (Bolzano-Weierstrass) garante a existência de uma
subsequência (xnk )nk ∈N de (xn )n∈N que converge para um número real x0 .
Assim, usando o Teorema 4.6 tem-se que a ≤ x0 ≤ b, ou seja, x0 ∈ I.
Sendo f contı́nua em I então f é contı́nua em x0 . Segue disto, do fato
da sequência (xnk )nk ∈N de I convergir para x0 e do Teorema 9.1 que a
sequência de imagens (f (xnk ))nk ∈N converge para f (x0 ). Sendo (f (xnk ))nk ∈N
convergente, o Teorema 4.3 assegura que esta sequência é limitada. Mas isto

1
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Elementos
de
Análise contradiz a suposição (⋆). Esta contradição deve-se ao fato de supor que a
Real função contı́nua f não era limitada no intervalo fechado e limitado I. Logo,
f é limitada em I.

Exemplo 10.2 Note que a hipótese de o domı́nio da função contı́nua f ser


um intervalo fechado e limitado na Proposição 10.1 não pode ser relaxada.
Ou seja, sem essa hipótese, nem sempre se tem uma função limitada. Por
exemplo, a função f : (0, 1] → R onde f (x) = 1/x é contı́nua, mas não é
limitada no intervalo (0, 1], o qual é limitado mas não é fechado. Analo-
gamente, g : R+ → R tal que g(x) = x2 , é contı́nua mas não limitada no
intervalo não limitado R+ = [0, ∞).

O
ÇA˜
Definição 10.2 Seja f : X ⊂ R → R. Diz-se que a função f atinge seu
máximo absoluto em X quando existe um ponto x∗ ∈ X tal que
f (x) ≤ f (x∗ ) para todo x ∈ X.
Diz-se neste caso que x∗ é um ponto de máximo absoluto para f em X e que
f (x∗ ) é o valor máximo absoluto de f em X. A
R
Analogamente, diz-se que f atinge seu mı́nimo absoluto em X quando existe
um ponto x∗ ∈ X tal que
A
f (x∗ ) ≤ f (x) para todo x ∈ X.
EP

Diz-se neste caso que x∗ é um ponto de mı́nimo absoluto para f em X e que


f (x∗ ) é o valor mı́nimo absoluto de f em X (1 ).

Exemplo 10.3 A função f : (0, 1] → R onde f (x) = 2 + 1/x atinge o


PR

valor mı́nimo absoluto 3 em (0, 1] no ponto x∗ = 1. De fato, f (1) = 3 ≤


2 + 1/x para todo x ∈ (0, 1]. Por outro lado, f não atinge seu valor máximo
absoluto neste intervalo, pois não é limitada superiormente aı́. A função
EM

g : [−2, 2] → R dada por g(x) = x2 atinge o valor máximo 4 nos pontos


x∗ = −2 e x∗∗ = 2 e o valor mı́nimo absoluto 0 no ponto x∗ = 0.

Teorema 10.1 (Teorema do Máximo-Mı́nimo) Sejam I = [a, b] um in-


tervalo fechado e limitado e f : I → R função contı́nua em I. Então f atinge
seu valor máximo absoluto e seu valor mı́nimo absoluto em I.

Prova: O conjunto f (I) = {f (x); x ∈ I} é não vazio, pois f é uma função.


Sendo, por hipótese f contı́nua em I, a Proposição 10.1 assegura que f (I)
é um subconjunto limitado de R. Sejam y ∗ = sup f (I) e y∗ = inf f (I).
Afirma-se que existem pontos x∗ e x∗ em I tais que y ∗ = f (x∗ ) e
y∗ = f (x∗ ). Será provada a existência do ponto x∗ . A prova da existência
1
Não se deve confundir o conceito de ponto de máximo/mı́nimo - que é um elemento
do domı́nio da função - com a noção de valor máximo/mı́nimo da função, que é a imagem
da função num ponto (de máximo/mı́nimo).

2
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de x∗ é inteiramente análoga e é deixada como exercı́cio.


Para uma melhor compreensão, veja a figura 10.1 a seguir, a qual
ilustra o fato estabelecido no Teorema 10.1.

sup f (I)

f (a)

O
ÇA˜
f (b)

inf f (I)
A
R
a x∗ x∗ b
A
EP

Figura 10.1: f (x∗ ) = inf f (I) e f (x∗ ) = sup f (I).


PR

Sendo y ∗ = sup f (I) então, para cada n ∈ N, o número y ∗ − 1/n não é


uma cota superior de f (I). Portanto existe um número real xn ∈ I (logo
f (xn ) ∈ f (I)) tal que
1
y∗ − < f (xn ) ≤ y ∗ para todo n ∈ N.
EM

(⋆)
n
Como I é limitado, a sequência (xn )n∈N é limitada, e assim, pelo Teorema
5.4, existe uma subsequência (xnk )nk ∈N de (xn )n∈N que converge para um
x∗ ∈ R. Além disso, pelo Teorema 4.6 tem-se x∗ ∈ I. Como f é contı́nua
em I e x∗ ∈ I então, pelo Teorema 9.1, lim f (xnk ) = f (x∗ ). De (⋆)
nk →∞
1
y∗ − < f (xnk ) ≤ y ∗ para todo nk ∈ N,
nk
e pelo Teorema 4.7 resulta que lim f (xnk ) = y ∗ . Portanto,
nk →∞
f (x ) = lim f (xnk ) = y ∗ = sup f (I).

nk →∞
Logo, pela Definição 10.2, a f atinge seu valor máximo absoluto f (x∗ ) =
y ∗ = sup f (I) em x∗ , o qual é um ponto de máximo absoluto de f em I.

Exemplo 10.4 Os exemplos a seguir mostram que as hipóteses da Pro-


posição 10.1 e no Teorema 10.1 não podem ser relaxadas.

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Elementos
de
Análise (a) Tanto na Proposição 10.1 como no Teorema 10.1, a hipótese de o inter-
Real valo ser limitado não pode ser relaxada. De fato, a função f (x) = x definida
no intervalo fechado e ilimitado I = [0, ∞) é contı́nua mas não é limitada
em I. Em particular, f não atinge um valor máximo absoluto em I.

(b) A hipótese de o intervalo ser fechado não pode ser retirada nem na
Proposição 10.1 e nem no Teorema 10.1. De fato, seja g : I = (0, 1] → R
dada por g(x) = 1/x é contı́nua mas não é limitada no intervalo semi-aberto
I. Em particular, essa função também não atinge seu valor máximo absoluto
no intervalo em questão.

(c) Na Proposição 10.1 e no Teorema 10.1, a hipótese de que a função é

O
contı́nua não pode ser descartada. De fato, a função f definida no intervalo

ÇA˜
fechado e limitado I = [0, 1] por f (x) = 1/x para x ∈ (0, 1] e f (0) = 0 é
descontı́nua em x = 0 e ilimitada em I. De novo, f assim definida não
possui um máximo absoluto no intervalo fechado e limitado I.

A
(d) A função contı́nua f (x) = 1/x não possui nem um valor máximo ab-
soluto nem um valor mı́nimo absoluto em I = (0, ∞). Essa função é ili-
R
mitada superiormente em I, e assim não pode ter um valor máximo abso-
luto. Por outro lado, não existe nenhum ponto em I onde f assuma o valor
A

0 = inf{f (x); x ∈ I}. Por isto, não é um valor de mı́nimo absoluto.


EP

(e) Os pontos de máximo e de mı́nimo absolutos cuja existência são ga-


rantidas pelo Teorema 10.1 não são necessariamente únicos. De fato, um
exemplo extremo é o de uma função constante f (x) = c num intervalo fe-
PR

chado e limitado I = [a, b]. Neste caso, todo ponto de I é ao mesmo tempo
um ponto de máximo absoluto e um ponto de mı́nimo absoluto para f .
Um outro exemplo menos drástico é f (x) = x2 para x ∈ [−2, 2], onde
x1 = −2 e x2 = 2 são ambos pontos de máximo absoluto para f . De fato,
EM

f (x) = x2 ≤ 4 = f (−2) = f (2) para todo x ∈ [−2, 2], ao passo que x3 = 0


é o único ponto de mı́nimo absoluto para f , pois para todo x ∈ [−2, 2],
0 ≤ x2 = f (x).

O Teorema do Valor Intermediário

Teorema 10.2 (Teorema do Valor Intermediário - TVI) Sejam I um


intervalo em R e f : I → R uma função contı́nua em I. Se a, b ∈ I, k ∈ R
e f (a) < k < f (b) então existe um ponto c ∈ I tal que f (c) = k.

Prova: Sem perda de generalidade, supõe-se que a < b. Então o conjunto


X = {x ∈ [a, b]; f (x) ≤ k} é não vazio, pois a ∈ X já que f (a) < k por
hipótese. X é conjunto limitado, pois X ⊂ [a, b]. Assim, existe c = sup X

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e c ≤ b.
Afirma-se que c < b. De fato, por hipótese f (b) > k e f contı́nua em
b. Então pela Proposição 7.7 existe um real δ > 0 tal que f (x) > k para
todo x ∈ (b − δ, b] (2 ). Logo os x deste intervalo são cotas superiores para o
conjunto X, e portanto, b não pode ser o supremo de X.
Afirma-se agora que f (c) = k. Para isto, suponha por absurdo que
f (c) < k. Como f é contı́nua em c, a Proposição 7.7 garante que existe um
número real δ1 > 0 tal que f (x) < k para todo x ∈ (c−δ1 , c+δ1 ), o que entra
em contradição com o fato de c ser o supremo de X. Logo, f (c) ≥ k. Por
outro lado, supondo-se que vale f (c) > k, pelo mesmo raciocı́nio anterior

O
obtém-se um real δ2 > 0 tal que f (x) > k para todo x ∈ (c − δ2 , c + δ2 ), o

ÇA˜
que leva à conclusão de que os x menores do que c neste intervalo são cotas
superiores para X, o que é impossı́vel sendo c = sup X. Portanto, f (c) ≤ k.
Juntando com o anterior, conclui-se que f (c) = k, como se queria.

A
Exemplo 10.5 (a) A parábola f (x) = x2 é uma função contı́nua em R,
e em [0, 2] satisfaz 0 = f (0) < 1/4 < f (2) = 4. Logo, pelo TVI existe
R
1/2 ∈ [0, 2] tal que f (1/2) = 1/4;
A
(b) A função f (x) = 1/x é contı́nua em (0, 1). Sejam a, b ∈ (0, 1) tal que
a < b. Então pela definição de f , f (a) > f (b). Como f (a), f (b) ∈ R então
EP

pelo teorema da densidade dos reais, existe k ∈ R tal que f (a) > k > f (b).
Logo, pelo TVI existe c ∈ (0, 1) tal que f (c) = k.
PR

Note que um k particular seria [f (a) + f (b)]/2. De modo análogo, c


poderia, também, ser a média aritmética de a e b.

O próximo teorema resume num só enunciado os resultados dos Teo-


EM

rema do Máximo e Mı́nimo 10.1 e Teorema do Valor Intermediário 10.2.

Teorema 10.3 Sejam I um intervalo fechado e limitado e f : I → R uma


função contı́nua em I. Então o conjunto f (I) = {f (x); x ∈ I} é um
intervalo fechado e limitado.

Prova: Se m = inf f (I) e M = sup f (I) então pelo Teorema do Máximo e


Mı́nimo 10.1 existem x∗ , x∗ ∈ I tais que m = f (x∗ ), M = f (x∗ ). Assim, m
e M pertencem a f (I). Além disso, tem-se

f (I) ⊂ [m, M ]. (⋆)


2
Em realidade, aqui aplicou-se a Proposição 7.7 para o caso do limite lateral à esquerda
de b; este limite existe pois sendo I um intervalo com b ∈ I, b é um ponto de acumulação
de I. Como f (b) existe e f é contı́nua em b, a existência do limite está garantida, ver
Observação 9.1 (i)

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Elementos
de
Análise Agora, se k é qualquer elemento de [m, M ] então o TVI 10.2 garante que
Real existe c ∈ [x∗ , x∗ ] ⊂ I tal que k = f (c). Portanto, k ∈ f (I) e conclui-se
então que
[m, M ] ⊂ f (I). (2⋆)

Logo, de (⋆) e (2⋆) tem-se que f (I) = [m, M ].


O Teorema 10.3 estabelece que intervalos fechados e limitados são
levados por funções contı́nuas em intervalos fechados e limitados. Em geral,
porém, quando um intervalo não é fechado e limitado sua imagem por uma
função contı́nua será sempre um intervalo, veja Teorema ??. Mas poderá
ser de um tipo diferente. Por exemplo, a imagem do intervalo aberto [−1, 1)

O
pela função contı́nua f (x) = 1/(1 + x2 ) é o intervalo semi-aberto (1/2, 1]. Já

ÇA˜
o intervalo semi-fechado [0, ∞) é levado por essa mesma função no intervalo
semi-aberto (0, 1]. Para uma melhor compreensão veja a figura a seguir.

1 A
R
A
EP

1
2
PR

−1 1
EM

Gráfico da função f (x) = 1/(1 + x2 ) para x ∈ R.

Para o próximo Teorema será necessária a utilização da caracterização


precisa de um intervalo de números reais:

Definição 10.3 Um conjunto X ⊂ R é um intervalo quando para todos


a, b ∈ X com a < b e para todo x ∈ R, se a < x < b então x ∈ X.

Exemplo 10.6 O conjunto X1 = {x ∈ R | 2 < x ≤ 3/2} é um intervalo.


Os conjuntos X2 = {x = 1/n ∈ R | n ∈ N}, X2 = {x ∈ Q | 2 < x ≤ 3/2}
e (1, 3] ∪ [4, 5] não são intervalos.

Proposição 10.2 Sejam I um intervalo e f : I → R uma função contı́nua


em I. Então o conjunto f (I) é um intervalo.

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Prova: Sejam a, b ∈ f (I) com a < b. Pela definição de f (I) existem a1 , b1 ∈


I tais que a = f (a1 ) e b = f (b1 ). O TVI 10.2 implica que, se k ∈ (a, b)
então existe c ∈ I tal que k = f (c) ∈ f (I). Portanto, para todo k ∈ R, se
a < k < b então f (k) ∈ f (I). Logo, f (I) é um intervalo.

Funções Uniformemente Contı́nuas

Definição 10.4 Diz-se que uma função f : X ⊂ R → R é uniformemente


contı́nua em X quando para cada ϵ > 0 existe um δ = δ(ϵ) > 0 tal que, para
todos x1 , x2 ∈ X, se |x1 − x2 | < δ então |f (x1 ) − f (x2 )| < ϵ.

O
Observação: A Definição 10.4 assemelha-se muito com a Definição 9.1

ÇA˜
de função contı́nua em x0 , com x0 podendo variar em todo conjunto X. O
ponto crucial que distingue a Definição 10.4 da Definição 9.1 é que o número
δ > 0 na Definição 9.1 depende em geral não apenas de ϵ > 0 mas também
de x0 ∈ X. Já na Definição 10.4 o número δ > 0 depende somente de
A
ϵ > 0! Portanto, continuidade uniforme é sempre em um conjunto, jamais
R
em pontos.
A
Exemplo 10.7 Alguns exemplos de funções reais contı́nuas e uniforme-
EP

mente contı́nuas.

(a) A função afim, f (x) = ax + b com a, b ∈ R, é uniformemente contı́nua


em R, pois o caso em que a = 0 é imediato já que a função é constante, e
PR

no caso em que a ̸= 0 tem-se |f (x) − f (y)| = |a||x − y|. Daı́, dado ϵ > 0
toma-se δ = ϵ/|a| tal que, se x, y ∈ R e |x − y| < então |f (x) − f (x0 )| < ϵ.

(b) A função f (x) = 1/x é contı́nua em X = {x ∈ R; x > 0}. As figuras a


seguir retratam dois gráficos de x → 1/x em X. Observe nos gráficos que o
EM

δ é cada vez menor à medida que x se aproxima de 0.

1
2 Vε (2)

Vε ( 12 )

Vδ (2) Vδ ( 12 )
2 1
2

A verificação de que x → 1/x é contı́nua em X. De fato, como


1
|f (x) − f (x0 )| = |x − x0 |, (⋆)
|x||x0 |

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Elementos
de { }
Análise dado x0 > 0 e ϵ > 0 vê-se que, se δ = min 12 |x0 |, 12 x0 2 ϵ então |x − x0 | <
Real δ < 21 |x0 | implica 12 x0 < x < 32 x0 . Logo, se |x − x0 | < δ tem-se, em
particular, que 1/|x||x0 | < 2/x0 2 e portanto

2 2 2 x20 ϵ
|f (x) − f (x0 )| < |x − x 0 | < δ < = ϵ.
x20 x20 x20 2

Isto prova que f é contı́nua em x0 . Como já era sabido. Observe que o
δ escolhido acima depende não só de ϵ como também de x0 . Poder-se-ia
ter escolhido o δ de vários outros modos capazes de fornecer a desigualdade
desejada |f (x) − f (x0 )| < ϵ, mas em qualquer uma dessas outras escolhas δ
sempre dependeria inevitavelmente de x0 , além de ϵ. Esta ideia ficará mais

O
clara depois do estudo do critério de negação da continuidade uniforme.

ÇA˜
(c) Atente para a diferença entre este exemplo e o anterior. A função
x → 1/x é uniformemente contı́nua em X = {x ∈ R; x ≥ α > 0}. De fato,
seja ϵ > 0 e tome-se δ = ϵ/α2 . Sejam x, y ∈ X tais que |x − y| < δ. Sendo

A
x, y ∈ X tem-se que x, y ≥ α > 0 e daı́ 1/x ≤ 1/α e 1/y ≤ 1/α. Pelo
mesmas contas feitas em (⋆) tem-se
R
1 1 ϵ
|f (x) − f (y)| = |x − y| ≤ 2 |x − y| < α2 2 = ϵ.
A
|x||y| α α
EP

Portanto, dado ϵ > 0 real e tomando-se δ = ϵα2 > 0, tem-se que, para todos
x, y ∈ X, se |x − y| < δ então |f (x) − f (y)| < ϵ.
Logo, pela Definição 10.1, a função x → 1/x é uniformemente contı́nua
PR

em X = [α, ∞[ onde α > 0.

Observação: Como já mencionado, quando válida, a continuidade uni-


forme é uma propriedade que ocorre de modo “uniforme” em todos os pontos
do domı́nio da função - não faz sentido considerá-la em pontos fixados do
EM

domı́nio.

Será útil escrever de modo preciso a condição equivalente a dizer que


uma função f não é uniformemente contı́nua, isto é, a proposição equivalente
à negação da condição dada pela Definição 10.4. Para enfatizar, coloca-se
essa sentença como enunciado do seguinte teorema ao qual chamaremos de
critério de negação da continuidade uniforme. Faça a prova como exercı́cio!

Teorema 10.4 (Critério de Negação da Cont. Uniforme) Seja


f : X ⊂ R → R. Então as seguintes condições são equivalentes:

(i) f não é uniformemente contı́nua em X.

(ii) Existe ϵ0 > 0 tal que para cada δ > 0, existem pontos xδ = x(δ) e
yδ = y(δ) em X tais que |xδ − yδ | < δ e |f (xδ ) − f (yδ )| ≥ ϵ0 .

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(iii) Existem ϵ0 > 0 e duas sequências (xn )n∈N e (yn )n∈N em X tais que
lim(xn − yn ) = 0 e |f (xn ) − f (yn )| ≥ ϵ0 para todo n ∈ N.

A demonstração deste teorema é deixada como exercı́cio.

Exemplo 10.8 Duas aplicações do Teorema 10.4.

(a) Pode-se aplicar o critério de negação da continuidade uniforme 10.4 para


verificar que f (x) = 1/x não é uniformemente contı́nua em X = (0, ∞).
De fato, se xn = 1/n e yn = 1/(n + 1) então lim(xn − yn ) = 0, mas
|f (xn ) − f (yn )| = 1 para todo n ∈ N.

O
(b) De modo semelhante, pode-se usar o critério 10.4 para verificar que
a função f (x) = sen(1/x) não é uniformemente contı́nua em X = (0, ∞).

ÇA˜
Com efeito, sejam xn = 1/(nπ) e yn = 2/((2n−1)π). Então lim(xn −yn ) =
0, mas |f (xn ) − f (yn )| = |0 − (±1)| = 1 para todo n ∈ N.

Teorema 10.5 (da Continuidade Uniforme) Sejam I = [a, b] um in-


A
tervalo limitado e fechado e f : I → R uma função contı́nua em I. Então f
R
é uniformemente contı́nua em I.
A
Prova: Suponha por contradição que f não é uniformemente contı́nua em
I. Assim, pelo Teorema 10.4 existem ϵ0 > 0 e duas sequências (xn ) e (x0n )
EP

em I tais que |xn − x0n | < 1/n e |f (xn ) − f (x0n )| ≥ ϵ0 para todo n ∈ N.
Como I é limitado, a sequência (xn ) é limitada e, pelo Teorema de Bolzano-
Weierstrass 5.4, existe uma subsequência (xnk ) de (xn ) que converge a um
PR

certo x0 ∈ R. Como a ≤ xn ≤ b segue do Teorema 4.6 que a ≤ x0 ≤ b,


isto é, x0 ∈ I. Também é claro que a subsequência correspondente (x0nk )
satisfaz lim x0nk = x0 , já que
|x0nk − x0 | ≤ |x0nk − xnk | + |xnk − x0 |.
EM

Agora, como f é contı́nua em I então f é contı́nua em x0 e, portanto,


ambas as sequências (f (xnk )) e (f (x0nk )) têm que convergir a f (x0 ). Mas
isso é absurdo já que |f (xn ) − f (x0 )| ≥ ϵ0 . Tem-se então uma contradição
originada pela hipótese de que f não é uniformemente contı́nua em I. Logo,
f é uniformemente contı́nua em I.

Funções Lipschitz

Definição 10.5 Seja f : X ⊂ R → R. Diz-se que f é uma função de


Lipschitz ou que f satisfaz uma condição de Lipschitz em X quando existe
uma constante real C > 0 tal que |f (x)−f (y)| ≤ C|x−y| para todos x, y ∈ X.

Proposição 10.3 Se f : X → R é uma função de Lipschitz então f é


uniformemente contı́nua em X.

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Funções Contı́nuas em Intervalos e Continuidade Uniforme
Elementos
de
Análise Prova: Dada f uma função de Lipschitz em X então existe uma constante
Real C > 0 tal que |f (x) − f (y)| ≤ C|x − y| para todos x, y ∈ X. Daı́, dado
ϵ > 0 toma-se δ = ϵ/C. Logo δ > 0 e se x, y ∈ X são tais que |x − y| < δ
então |f (x) − f (y)| ≤ C|x − y| < Cϵ = ϵ. Logo, por definição f é função
uniformemente contı́nua em X.

Exemplo 10.9 Alguns exemplos.

(a) Se f (x) = x2 em X = (0, b) onde b > 0 então f é uniformemente


contı́nua em X. De fato, como |f (x) − f (y)| = |x2 − y 2 | = |x + y||x − y| ≤
2b|x − y| para todos x, y ∈ (0, b). Daı́ f é Lipschitz em X com C = 2b > 0.

O
Logo, f é uniformemente contı́nua em X.

ÇA˜
Note que f está bem definida e é contı́nua no intervalo limitado e
fechado [0, b]. Portanto, pelo Teorema da Continuidade Uniforme 10.5 f é
uniformemente contı́nua em [0, b] e, consequentemente, em X = (0, b). Aqui
usa-se o fato de que se X ⊂ Y ⊂ R e f é uniformemente contı́nua em Y

A
então f é uniformemente contı́nua em X (por quê?).

(b) Nem toda função uniformemente contı́nua num conjunto X ⊂ R é Lips-


R
chitz em X!
A

Como exemplo disso, seja f (x) = x com x ∈ I = [0, 1]. Como f
EP

é contı́nua no intervalo fechado e limitado I, segue do Teorema 10.5 que


f é uniformemente contı́nua em I. Contudo, não existe C > 0 tal que
|f (x) − f (0)| ≤ C|x − 0| para todo x ∈ I, pois se tal desigualdade valesse

PR

para todo x ∈ (0, 1] então multiplicando-se esta desigualdade por 1/ x ter-



se-ia 1 ≤ C x. Como o membro à direita da última desigualdade tende a 0
quando x decresce para zero, partindo dela se chegarı́a a 1 ≤ 0, o que é um
absurdo. Portanto, f não é uma função de Lipschitz em I.
EM

Proposição 10.4 Se f : X → R é uniformemente contı́nua num subcon-


junto X de R e se (xn ) é uma sequência de Cauchy em X então (f (xn )) é
uma sequência de Cauchy em R.

Prova: Seja (xn ) uma sequência de Cauchy em X e seja dado ϵ > 0. Pri-
meiro escolhe-se δ > 0 tal que, se x, y ∈ X satisfazem |x − y| < δ então
|f (x) − f (y)| < ϵ. Como (xn ) é uma sequência de Cauchy então existe N0 (δ)
tal que |xn − xm | < δ para todos n, m > N0 (δ). Pela escolha de δ tem-se
para n, m > N0 (δ) que |f (xn ) − f (xm )| < ϵ. Portanto, a sequência (f (xn ))
é também uma sequência de Cauchy em R.

10
Funções Contı́nuas em Intervalos e Continuidade Uniforme
H. Clark
C. Vinagre

Exercı́cios Propostos - EP

Antes de tentar resolver os exercı́cios propostos, é imprescindı́vel para


a aprendizagem, estudar e fazer cuidadosamente sem consultar os exem-
plos e as proposições anteriores!

EP 10.1 Sejam f, g : I : [a, b] ⊂ R → R duas funções contı́nuas em I.


Mostre que h : I → R definida por h(x) = max{f (x), g(x)} para x ∈ I é
também contı́nua em I.

O
{ }
EP 10.2 Seja f : I = [0, 2] → R definida por f (x) = max x2 , cos x para

ÇA˜
x ∈ I. Mostre que:

(a) o mı́nimo absoluto x0 de f pertence a (0, π/2). Ou seja, o mı́nimo


absoluto existe e é atingido no interior de I.

A
(b) a equação x2 − cos x = 0 tem pelo menos uma solução em I.
R
EP 10.3 Seja f : I = [0, 1] → R definida por f (x) := max {x, 2−x }. Mostre
A
que:
EP

(a) o mı́nimo absoluto x0 de f pertence ao interior de I;

(b) a equação x = 2−x tem uma solução em I.

EP 10.4 Seja f : [a, b] → R uma função contı́nua tal que f (x) > 0 para
PR

cada x ∈ [a, b]. Mostre que existe um número k > 0 tal que f (x) ≥ k para
todo x ∈ [a, b].

EP 10.5 Seja f : [0, 1] → R uma função contı́nua tal que f (0) = f (1).
EM

Mostre que existe um ξ ∈ [0, 1/2] tal que f (ξ) = f (ξ + 1/2).

EP 10.6 Seja f : [0, 1] → R uma função contı́nua. Mostre que, se f (x) ∈ Q


para todo x ∈ [0, 1] e f (0) = 1 então f (x) = 1.

EP 10.7 Seja f : [a, b] → [a, b] uma função contı́nua. Mostre que existe
c ∈ [a, b] tal que f (c) = c.

EP 10.8 Seja f (x) = x definida em I = (α, ∞) onde α > 0. Mostre, pela
definição, que f é uniformemente contı́nua em I.

EP 10.9 Mostre que:


(a) A função f (x) = ax com a, x ∈ R é uniformemente contı́nua em R.
(b) A função f (x) = x/|x| com x ∈ R r {0} não é uniformemente contı́nua
em R − {0}.

11
Funções Contı́nuas em Intervalos e Continuidade Uniforme
Elementos
de
Análise EP 10.10 Seja n ∈ N fixo e considere f : X → R tal que f (x) = xn .
Real Mostre que:

(a) f é lipschitziana em qualquer conjunto limitado X (X é limitado quando


existe K > 0 tal que para todo x ∈ X tem-se que |x| ≤ K);

Sugestão do item (a): Use a identicade


( )
xn − y n = (x − y) xn−1 + xn−2 y + · · · + xy n−2 + y n−1 ,

a qual foi mostrada no EP 1, para todo n ∈ N e para todo x, y ∈ R.

(b) f é uniformemente contı́nua em qualquer conjunto limitado X;

O
(c) mostre que a função 1/x2 não é uniformemente contı́nua em

ÇA˜
X = R r {0} (logo não é lipschitziana).

Sugestão do item (c): Estude e use o Teorema 10.5.

A
R
A
EP
PR
EM

12
Funções Contı́nuas em Intervalos e Continuidade Uniforme
H. Clark
C. Vinagre

Resolução dos Exercı́cios Propostos - REP

Agora que você já fez ou pelo menos tentou fazer os exercı́cios propos-
tos, eis suas resoluções e, também, serão feitas algumas obsevações visando
consolidar sua aprendizagem.

REP 10.1 Seja x0 ∈ I um ponto qualquer. Como f e g são contı́nuas em


I, tem-se para ϵ > 0 qualquer que

existe δ1 > 0 tal que f (x0 )−ϵ < f (x) < f (x0 )+ϵ para x ∈ Vδ1 (x0 )∩I; (∗)

O
existe δ2 > 0 tal que g(x0 )−ϵ < g(x) < g(x0 )+ϵ para x ∈ Vδ2 (x0 )∩I. (∗∗)

ÇA˜
Na vizinhança V := Vδ1 (x0 ) ∩ Vδ2 (x0 ) valem as desigualdades (∗) e (∗∗) e
assim para x ∈ V, tem-se

max{f (x0 ) − ϵ, g(x0 ) − ϵ} < max{f (x), g(x)} < max{f (x0 ) + ϵ, g(x0 ) + ϵ}.

Como
A
R
max{f (x0 ) − ϵ, g(x0 ) − ϵ} = max{f (x0 ), g(x0 )} − ϵ,
A

max{f (x0 ) + ϵ, g(x0 ) + ϵ} = max{f (x0 ), g(x0 )} + ϵ


EP

então

max{f (x0 ), g(x0 )} − ϵ < max{f (x), g(x)} < max{f (x0 ), g(x0 )} + ϵ.
PR

Ou seja, |h(x) − h(x0 )| < ϵ para x ∈ V . Logo, h é contı́nua em I.

REP 10.2 (a) Como cos x e x2 são contı́nuas em I então pelo Exercı́cio
EM

1, f é contı́nua em I. Assim, pelo Teorema 10.1 - TMM, existe em [0, π/2]


um ponto x0 no qual f atinge o mı́nimo absoluto. Além disso,
{ }
f (0) = max{0, 1} = 1; f (π/2) = max π 2 /4, 0 ≃ 9, 6/4 > 1 e
{ √ }
f (π/4) = max π 2 /16, 2/2 < 1,

ou seja, f (π/4) < f (0) < f (π/2). Portanto, o ponto de mı́nimo absoluto x0
não pode ser nenhum dos extremos de I. Logo, x0 ∈ (0, π/2). 

(b) Seja g(x) = x2 − cos x definida em I. Como g é contı́nua em I e

π2
g(0) = −1 < 0 < = g(π/2)
4
então pelo Teorema 10.2 - TVI, existe x0 ∈ I tal que g(x0 ) = 0. Portanto,
x0 é tal que x20 − cos x0 = 0. Logo, x0 é uma solução da equação dada.

13
Funções Contı́nuas em Intervalos e Continuidade Uniforme
Elementos
de
Análise REP 10.3 (a) Como x e 2−x são contı́nuas em I então pelo Exercı́cio 1,
Real f é também contı́nua em I e pelo TMM existe em I um ponto x0 no qual f
atinge o mı́nimo absoluto. Além disso,

f (0) = max{0, 1} = 1 = max{1, 1/2} = f (1) e


{ √ } √
f (1/2) = max 1/2, 1/ 2 = 1/ 2 < 1,

ou seja, f (1/2) < f (0) = f (1). Portanto, o ponto de mı́nimo absoluto x0


não pode ser nenhum dos extremos de I. Logo, x0 ∈ (0, 1). 

(b) Seja g(x) = x − 2−x definida em I. Como g é contı́nua em I e

O
1
g(0) = −1 < 0 < = g(1),
2

ÇA˜
então pelo Teorema 10.2 - TVI, existe x0 ∈ I tal que g(x0 ) = 0. Portanto,
x0 é tal que x0 − 2−x0 = 0. Logo, x0 é uma solução da equação dada.

A
REP 10.4 Como f é contı́nua em [a, b] (que é um intervalo fechado e li-
mitado) e f (x) > 0 para todo x ∈ [a, b] então pelo Teorema 10.1 - TMM,
R
existe x0 ∈ [a, b] tal que
A
min f ([a, b]) = min{f (x) ∈ R∗+ ; para x ∈ [a, b]} = f (x0 ) > 0.
EP

Portanto, se k := min f ([a, b]) = f (x0 ) então (pela definição de valor mı́nimo
de uma função), para todo x ∈ [a, b] tem-se que f (x) ≥ k > 0.
PR

REP 10.5 A demonstração é obtida aplicando-se o Teorema 10.2 - TVI à


função

φ : [0, 1/2] → R dada por φ(x) = f (x) − f (x + 1/2).


EM

Note inicialmente, que φ é contı́nua em [0, 1/2], pois f é contı́nua em [0, 1] e


a restrição f [0,1/2] é contı́nua. Além disso, usando a hipótese f (0) = f (1),
tem-se

φ(0) = f (0) − f (0 + 1/2) = f (0) − f (1/2) = f (1) − f (1/2);

φ(1/2) = f (1/2) − f (1/2 + 1/2) = f (1/2) − f (1).

Adicionando-se às duas identidades acima, tem-se φ(0) + φ(1/2) = 0. Ou


seja, a função φ troca de sinal em [0, 1/2]. Assim, existem α, β ∈ [0, 1/2]
tais que φ(α) < 0 < φ(β). Portanto, pelo TVI há ξ ∈ (α, β) tal que φ(ξ) =
0. Logo, pela definição de φ tem-se f (ξ) = f (ξ + 1/2).

REP 10.6 Sejam a, b ∈ R com a < b e [a, b] ⊂ [0, 1]. Sendo f contı́nua
e f (x) ∈ Q para todo x ∈ [0, 1] então f (a), f (b) ∈ Q ⊂ R. Como Q é
denso em R (veja Teorema 2.1), existe r ∈ Q tal que f (a) < r < f (b).

14
Funções Contı́nuas em Intervalos e Continuidade Uniforme
H. Clark
C. Vinagre

Desta desigualdade e do TVI, existe x ∈ [0, 1] tal que f (x) = r. Daı́, sendo
f (0) = 1 e f (x) = r para todo x ∈ [0, 1] então 1 = f (0) = r. Ou seja,
f (x) = 1 para todo x ∈ [0, 1].

REP 10.7 Considere a função g : [a, b] → R tal que g(x) = f (x)−x. Então
g é contı́nua em [a, b], pois g é diferença de duas funções contı́nuas. Além
disso, como a ≤ f (a) ≤ b resulta que

g(a) = f (a) − a ≥ 0 e g(b) = f (b) − b ≤ 0. (⋆)

Daı́, se g(a) = 0 então f (a) = a, e assim c = a. Similarmente, se g(b) = 0


então c = b. Portanto, de (⋆) resta considerar o caso g(b) < 0 < g(a). Desta

O
desigualdade e do TVI existe c ∈ (a, b) tal que g(c) = 0. Logo, pela definição

ÇA˜
de g obtém-se f (c) = c. Logo, existe c ∈ [a, b] tal que f (c) = c.

REP 10.8 Seja ϵ > 0. Tome-se δ = 2ϵ α. (Atenção: para descobrir este
δ é preciso fazer o “rascunho: uma conta de trás para frente”. A saber,
como
√ √
x− y = √
|x − y|
A
R

x+ y
A
deve-se usar que, se x, y ∈ (α, ∞) então x > α, y > α e consequentemente
√ √ √ √ √ √ √
x > α, y > α. De onde segue que x + y > 2 α. Inverte-
EP

se e obtém-se, usando o desenvolvimento anterior, o δ desejado. Relembre


o trabalho com supremo e limite, para fazer este rascunho, que não deve
aparecer na demonstração.)
PR

Segue-se o roteiro da demonstração, como sempre:


Sejam x, y ∈ (α, ∞) tais que |x − y| < δ. Tem-se que
√ √ |x − y|
x− y = √ √ . (∗)
EM

x+ y
√ √ √ √
Como x > α, y > α então x > α, y > α, de onde segue que
√ √ √
x + y > 2 α > 0. Daı́
1 1 |x − y| |x − y|
√ √ < √ ∴ √ √ < √ .
x+ y 2 α x+ y 2 α
Juntando isto com (∗) vem que

√ √ |x − y| |x − y| δ 2ϵ α
x− y = √ √ < √ < √ = √ = ϵ.
x+ y 2 α 2 α 2 α

Portanto, para todo ϵ > 0 existe δ = 2 αϵ tal que, para todos x, y ∈ (α, ∞)
√ √ √
se |x − y| < δ então x − y < ϵ. Logo, pela definição, a função x é
uniformemente contı́nua em (α, ∞).

Como exercı́cio complementar, mostre que x é uniformemente contı́nua
em (α, ∞), mostrando que ela é lipschitziana (veja exercı́cios a seguir).

15
Funções Contı́nuas em Intervalos e Continuidade Uniforme
Elementos
de
Análise REP 10.9 (a) Se a = 0 então f é identicamente nula e portanto unifor-
Real memente contı́nua em R. Se a ̸= 0 então para todo x, y ∈ R,

|f (x) − f (y)| = |ax − ay| = |a||x − y|. (⋆)

Logo, f é lipschitziana e portanto uniformemente contı́nua em R.

Pela definição de continuidade uniforme a prova seria:


Se a = 0 então f (x) = 0. Então, seja ϵ ∈ R, ϵ > 0 e considere δ = ϵ,
por exemplo (na verdade, aqui, qualquer δ serve). Para todo x, y ∈ R, se
|x − y| < δ então por (⋆) tem-se |f (x) − f (y)| = 0 < ϵ.

O
Quando a ̸= 0, considera-se δ = ϵ/|a|; deste modo, para todos x, y ∈ R, se
|x − y| < δ então por (⋆) tem-se |f (x) − f (y)| < ϵ, pois |f (x) − f (y)| =

ÇA˜
|a||x − y| < |a|[ϵ/|a|] = ϵ.
Levando em conta as duas situações (possı́veis) precedentes conclui-se
que f é uniformemente contı́nua em R. 
A
(b) Se f fosse uniformemente contı́nua em R − {0} então para todo ϵ > 0
R
dado, existiria δ = δ(ϵ) > 0 tal que
A
∀ x, y ∈ R se |x − y| < δ se teria |f (x) − f (y)| < ϵ.
EP

Isto não é verdade. De fato, escolhe-se 0 < ϵ < 2, por exemplo, ϵ = 1. Seja
δ > 0. Escolhe-se x = −δ/4, y = δ/4 e daı́

|x − y| = δ/2 < δ e |f (x) − f (y)| = | − 1 − 1| = 2 > 1.


PR

Logo, f não é uniformemente contı́nua em R − {0} (na verdade, f não é


nem contı́nua em R, logo não poderia mesmo ser uniformemente contı́nua;
no entanto, o exercı́cio acima é um bom treino com a negativa da definição).
EM

Pode-se também usar o Teorema 10.5 ( o critério sequencial de negação


da continuidade uniforme). Para isso, deve-se exibir um número real ϵ0 >
0 e duas sequências (xn )n∈N e (yn )n∈N tais que lim (xn − yn ) = 0 e
n→∞
|f (xn ) − f (yn )| ≥ ϵ0 para todo n ∈ N. No caso acima, existem, por exemplo,
ϵ0 = 1 e as sequências xn = 1/n e yn = −1/n, n ∈ N. Então

lim (xn − yn ) = lim (1/n − (−1/n)) = lim (2/n) = 0,


n→∞ n→∞ n→∞

e para todo n ∈ N tem-se que |f (xn ) − f (yn )| = |f (1/n) − f (−1/n)| =


|1 − (−1)| = 2 > 1 = ϵ0 .

REP 10.10 (a) Considere n ∈ N fixado e K > 0 tal que |x| ≤ K para
todo x ∈ X. Deve-se mostrar que existe uma constante positiva L tal que

|xn − y n | ≤ L|x − y| para todo x, y ∈ X . (⋆)

16
Funções Contı́nuas em Intervalos e Continuidade Uniforme
H. Clark
C. Vinagre
( )
Sejam x, y ∈ X. Como xn −y n = (x−y) xn−1 + xn−2 y + · · · + xy n−2 + y n−1
então da desigualdade triangular generalizada, tem-se
[ ]
|xn − y n | ≤ |x − y| |x|n−1 + |x|n−2 |y| + · · · + |x||y|n−2 + |y|n−1
[ ]
≤ |x − y| K n−1 + K n−2 · K + · · · + K · K n−2 + K n−1
= |x − y| · nK n−1 .

Daı́ tem-se que L = n|K|n−1 > 0 satisfaz (⋆). Portanto, para todo n ∈ N,
a função x → f (x) = xn é uma função de Lipschitz com constante L =
n|K|n−1 > 0. 

(b) De novo, fixe-se n ∈ N e considere-se X conjunto limitado. Seja ϵ > 0.

O
Pelo item (a) mostrou-se que existe L > 0 tal que

ÇA˜
|xn − y n | ≤ L|x − y| para todo x, y ∈ X . (⋆)

Portanto, tomando-se δ = ϵ/L > 0, tem-se para todo x, y ∈ X com |x−y| <
δ que
ϵ
|xn − y n | ≤ L|x − y| < L · = ϵ.
L
A
R
Logo, f é uniformemente contı́nua em qualquer conjunto limitado X. 
A
(c) É preciso exibir UM ϵ0 > 0 e duas sequências (xn )n∈N e (yn )n∈N tais
EP

que lim (xn − yn ) = 0 e


n→∞

1 1
2
− 2 ≥ ϵ0 para todo n ∈ N.
xn yn
PR

1
Por exemplo, tomando-se ϵ0 = 3, (xn ) = ( n1 )n∈N e (yn ) = ( 2n )n∈N tem-se
lim (xn − yn ) = lim 2n = 0 e que, para todo n ∈ N,
1
n→∞ n→∞

1 1
− = n2 − 4n2 = −3n2
EM

x n 2 yn 2
= 3n2 ≥ 3 pois n2 ≥ 1.

Portanto,
1 1
2
− 2 ≥ 3 =: ϵ0 para todo n ∈ N.
xn yn
Logo, pelo Teorema 10.5 a função 1/x2 não é uniformemente contı́nua em
X = R − {0}.

Nota: Pelo Teorema 10.5 a função x ∈ R 7→ x2 não é uniformemente


contı́nua. Pela Proposição 10.2, está função não é uma função de Lips-
chtz.
Para conseguir resolver com êxito este tipo de exercı́cio, é preciso antes
de mais nada entender o critério sequencial que é utilizado. Depois, estudar
os exemplos resolvidos e praticar um pouco.

17

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