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Índice

EU.
Preparaçã o antecipada
II.
Esposa e Mã e
III.
Consagraçã o Inicial
4.
Amizade no Senhor
V.
viagens de caridade
VI.
A serviço dos pobres
VII.
Novos começos
VIII.
Fonte e Modelo de Toda Caridade
IX.
A Companhia de Caridade
Origens
Fotos
Santa Luísa de
Marillac

Servo dos Pobres

Irmã Vincent
Regnault, DC .
Nihil Obstat: Rev. John Roos, STL, JCD Censor Librorum

Imprimatur: Howard J. Hubbard Bispo de Albany 25 de março de 1983

Originalmente publicado em francê s em 1974 pelas Ediçõ es SOS de 106, rue du Bac, 75341 Paris, França,
sob o tı́tulo Louise de Marillac ou la Passion du Pauvre Hier et Aujourd'hui . (ISBN: 02. 7185. 0781. 0).

Traduçã o em inglê s publicada por acordo com as Ediçõ es SOS

Copyright © 1983 por Filhas da Caridade de Sã o Vicente de Paulo Provı́ncia Nordeste, Inc.

Cartã o de Catá logo da Biblioteca do Congresso Nº: 83-50058

ISBN: 0-89555-215-9

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editor.
TAN Books
Charlotte, Carolina do Norte
www.TANBooks.com

1983
AS
FILHAS DA CARIDADE
DOS ESTADOS UNIDOS
DO PASSADO E DO PRESENTE

AS FILHAS DA CARIDADE
DE SAO VICENTE DE PAULO
1633 - 1983

EDIÇAO DO 350º ANIVERSARIO


Uma pintura de St. Louise. Ela exortou as Filhas da Caridade a tratarem os pobres com grande gentileza,
respeito e cortesia, pois "Os pobres sã o os membros de Jesus Cristo".
CONTEUDO

EU.Preparaçã o antecipada
II.Esposa e Mã e
III.Consagraçã o Inicial
4.Amizade no Senhor
V.viagens de caridade
VI.A serviço dos pobres
VII.Novos começos
VIII.Fonte e Modelo de Toda Caridade
IX.A Companhia de Caridade
Origens
Fotos
Capı́tulo I

PREPARAÇAO ANTECIPADA

Quase 400 anos apó s o nascimento de Louise de Marillac, a identidade


de sua mã e permanece desconhecida. Os registros dos anos 1591-1595 da
igreja paroquial de Ferrieresen-Brie poderiam ter esclarecido o assunto se
nã o tivessem desaparecido misteriosamente. Outros documentos o iciais, no
entanto, que ainda existem, falam eloquentemente desse segredo
cuidadosamente guardado. O contrato redigido na é poca de seu casamento
testemunha cruelmente o misté rio que envolve o nascimento da futura
santa. A nuvem sob a qual cresceria proporcionou a Louise sua primeira
experiê ncia de verdadeira pobreza: a da criança privada de afeto materno.
Haveria algum pequeno consolo para a garotinha. Seu pai, Louis de
Marillac, a amava muito. Filho de uma famı́lia nobre de Auvergne, era co-
herdeiro de Ferrieres-en-Brie e Farinvilliers. Na é poca do nascimento de
Louise, ele era um o icial a serviço do rei Henrique III. Dois anos antes, ele
havia perdido sua legı́tima esposa, Marie de la Roziere, que o deixou sem
ilhos apó s cinco anos de casamento.
Embora a mã e de Louise nunca fosse identi icada, Louis de Marillac
reconheceu a criança como sua. Em 15 de agosto de 1591, ele legou a ela
uma pensã o anual de 100 libras, alé m de terras em Ferrieres-en-Brie.
Por mais importantes que fossem o reconhecimento e a segurança
inanceira, nunca poderiam compensar o amor de uma verdadeira mã e.
Louis de Marillac procurou preencher este vazio quando con iou sua ilha
aos cuidados das freiras dominicanas no Real Mosteiro de Poissy. Nã o se
sabe com que idade Louise se tornou interna do convento, mas sua vida
adulta comprova que ela recebeu uma só lida formaçã o intelectual e religiosa
das freiras. Mais importante, pode-se supor que ela encontrou uma medida
do afeto de que tanto necessitava em uma das religiosas, sua tia-avó , Louise
de Marillac.
Em 12 de janeiro de 1595, Louis de Marillac casou-se com uma viú va,
Antoinette Le Camus Thibaut, que trouxe quatro ilhos - trê s meninos e uma
menina - em sua casa. Pouco antes de seu segundo casamento, Louis de
Marillac mais uma vez sustentou sua ilha. Por declaraçã o juramentada
vinculativa legou a Luı́sa uma pensã o de treze ecus "pelo profundo afecto
que sempre teve e continua a ter pela bene iciá ria, a im de assegurar os
meios adequados ao seu sustento apó s a morte da benfeitora e a dote
necessá rio para seu futuro casamento."
Alguns anos depois, Louis de Marillac faria mais uma provisã o para sua
" ilha natural". Em 23 de novembro de 1602, ele acrescentou 1.200 libras
aos seus legados a Louise. Este gesto foi motivado pelo fato de que em 28 de
dezembro de 1601, Antoinette Le Camus deu à luz uma ilha, Innocente.
Infelizmente, as coisas estavam indo tã o mal na casa de Marillac que Louis
entrou com uma açã o contra sua esposa para impedir a liquidaçã o de sua
propriedade comum. Nesse clima, suas precauçõ es para defender os
interesses inanceiros de Louise sã o compreensı́veis. Ao se referir a ela em
seu testamento de 1604, ele escreveu: "Ela tem sido meu maior consolo
neste mundo. Ela me foi dada por Deus para acalmar meu espı́rito nas
a liçõ es da vida". A este testamento acrescentou ainda mais dez ecus de
pensã o a retirar dos lucros da terra de Farinvilliers "para trê s missas e para
esmolas para o sustento da mencionada mademoiselle Louise de Marillac,
minha ilha".
Dois dias depois, 25 de julho, ele morreu.
Louise tinha treze anos na é poca. Sua dor era profunda, pois havia
perfeita harmonia entre seu pai e ela. Se nã o se deve enfatizar demais a
a irmaçã o de Gobillon, seu futuro bió grafo, de que Louis de Marillac havia
ensinado iloso ia à ilha "para treinar sua razã o e introduzi-la nas ciê ncias
avançadas", é verdade que ele a despertou inteligê ncia aos assuntos do
espı́rito.
Ao colocar Louise com sua tia-avó no convento de Poissy, Louis de
Marillac estava certo de que ela receberia uma só lida educaçã o literá ria e
artı́stica. Hilarion de la Coste coloca a homô nima dominicana de Louise
entre as mulheres notá veis do inı́cio do sé culo XVII: "uma mulher renomada
por sua sabedoria e especialmente por sua piedade e possuidora de um
grande amor pela literatura e pela arte". Entre seus outros talentos, ela era
dotada de grego e latim. Ela traduziu em versos o O ício da Bem-Aventurada
Virgem Maria , os Salmos e o Cântico dos Cânticos . Em sua escola, Louise
seria apresentada aos mais belos textos da tradiçã o cristã . Alé m disso,
outras meninas de famı́lias nobres foram recebidas no convento. As freiras,
entre as quais ainda vivia a memó ria de Luı́s IX, Sã o Luı́s, ensinaram aos
seus jovens as primeiras liçõ es de caridade para com os pobres e os mais
pobres, de que o rei dera o exemplo servindo-os ele pró prio, lavando os pé s
e até beijar um leproso. Tudo isso ocorrera sé culos antes, mas a jovem
Louise viu retratado nos vitrais e aprendeu em sua histó ria da França. Seus
professores nã o deixaram de lhe mostrar que o rei agiu assim porque viu
Cristo presente nos pobres.
Assim, luz e sombra se alternam durante os primeiros anos de vida de
Louise. Ela cresceu na adolescê ncia em meio ao luxo, mas havia um vazio em
seu coraçã o: sua mã e desconhecida, a casa conturbada de seu pai e,
inalmente, a morte de seu pai, a quem ela tanto amava, apó s uma doença
dolorosa.
Outra experiê ncia mais concreta de pobreza aguardava Louise. Gobillon
escreve: "Quando ela foi su icientemente educada, ela foi colocada aos
cuidados de uma mulher capaz e virtuosa de Paris para aprender as tarefas
adequadas à sua condiçã o". Uma condiçã o rica? Certamente nã o.
Simplesmente as tarefas que qualquer mulher deve saber realizar. A pró pria
Louise falaria desse perı́odo mais tarde. Sua amante nã o é mais a intelectual
dominicana, sua tia-avó Louise, mas "uma mulher boa e devota" que acolheu
outras "jovens" para ganhar a vida. A mulher era tã o pobre que a
compassiva Louise propô s "receber trabalho dos comerciantes" para ajudar
nas despesas da casa. Ela també m encorajou outros jovens pensionistas a
fazerem o mesmo. Mesmo assim, as despesas tiveram que ser reduzidas ao
mı́nimo. Como nã o havia mais irmã s leigas como em Poissy, Louise "realizou
as tarefas domé sticas mais humildes, como polir o chã o, tarefas
normalmente realizadas por servos" - e isso em um perı́odo em que havia
claras distinçõ es entre mestre e servo. Apó s a brilhante educaçã o de Poissy,
Louise de Marillac foi brutalmente iniciada na vida dos pobres que devem
trabalhar para viver.
Infelizmente para Louise, as disposiçõ es do testamento de seu pai nã o
foram cumpridas. Documentos o iciais nã o deixam dú vidas sobre o assunto.
As pensõ es e heranças combinadas totalizaram a soma considerá vel de
6.000 libras, mas o "curador dos bens da já mencionada Mademoiselle
Louise de Marillac" foi obrigado a processar para obter para ela o dinheiro
que seu pai lhe havia deixado. Um veredicto emitido em Chatelet, em 7 de
setembro de 1610, obrigou seu tio Michel de Marillac, entã o tutor de sua
meia-irmã Innocente, a pagar sua pensã o de 300 libras, uma anuidade de
trinta libras e pagamentos atrasados.
Na é poca do veredicto, Louise tinha dezenove anos. Ela havia sido
declarada maior de idade no dia 13 de agosto anterior. Plenamente
consciente da batalha legal em que estava envolvida, ela deve ter sofrido
muito. No limiar de sua vida adulta, ela aprenderia que a pobreza à s vezes
exigia luta mesmo com os membros da pró pria famı́lia. Seria apenas por
meio de uma longa batalha judicial que ela inalmente obteria o que era seu
por direito de seu tio Michel, entã o conselheiro do rei.
Louise nã o esperou até os vinte anos para planejar seu futuro. Isso
provavelmente explica por que ela procurou ser declarada maior de idade
aos dezenove anos e queria saber exatamente quais seriam seus futuros
meios de subsistê ncia. Ela era fortemente atraı́da pela vida religiosa e,
naquela é poca, a entrada em um convento exigia um dote bastante
substancial.
O inı́cio do sé culo XVII foi de intensa renovaçã o religiosa na França. A
famı́lia de Marillac desempenharia um papel importante neste renascimento
da vida religiosa. Um dos primos de Louise entrou para os jesuı́tas, que
foram restabelecidos na França em 1603. Seu tio Michel foi fundamental
para trazer os carmelitas para o territó rio francê s em 1604, e duas de suas
sobrinhas, primas de Louise, seriam admitidas. Em 1606 Octavien de
Marillac recebeu o há bito franciscano, e em 2 de agosto do mesmo ano toda
a sociedade parisiense assistiu à solene instalaçã o de uma nova
congregaçã o, as Filhas da Paixã o, na capital.
Louise sonhava tanto em compartilhar sua vida de oraçã o e penitê ncia
que se comprometeu a fazê -lo por voto. Mas foi-lhe dito: "Nã o é assim" pelo
Provincial dos Capuchinhos, que lhe assegurou que "Deus tem outros
desı́gnios", pois a delicadeza de sua saú de nunca poderia suportar as
austeridades das Filhas de Santa Clara.
Em 1607 as Ursulinas abriram sua primeira casa na França, em Paris. A
ilha de Michel de Marillac e meia-irmã de Louise Innocente estavam entre
seus alunos. Louise se perguntou se Deus a estava chamando para se juntar
a esses excelentes educadores. Aos vinte anos, ela estava preocupada com
dú vidas e incertezas sobre seu futuro. Ela procurou descobrir o que Deus
queria dela.
Naquela é poca, a decisã o dos pais era considerada a expressã o da
vontade de Deus. Louise nã o tinha pais, mas era membro de uma famı́lia
ilustre que naquela é poca estava no auge de sua in luê ncia. Em 1607, o rei
Henrique IV foi testemunha do casamento do meio-irmã o de seu pai, Luı́s de
Beaumont, com Catarina de Mé dicis, tia da rainha-mã e. Sua tia, Valence,
estava casada há dez anos com Octavien Doni d'Attichy, Ministro das
Finanças da França. A casa deles estava aberta para Louise, e talvez tenham
sido eles que a apresentaram pela primeira vez a Antoine Le Gras, secretá rio
da rainha, Marie de Medicis.
No sé culo XVII era clara a escolha das moças: casar-se ou entrar para
um convento. Como o claustro estava fechado para Louise por causa de sua
saú de delicada, ela teve que aceitar o casamento. Ela o fez em 15 de janeiro
de 1613 na igreja de Saint Gervais, em Paris. Antoine Le Gras nã o era um
nobre, entã o ela se tornou simplesmente "Mademoiselle Le Gras" - um nome
pelo qual ela à s vezes é designada até hoje.
O contrato de casamento foi assinado na casa de Doni d'Attichy, onde
Louise residia. Ele conté m uma lista dos bens trazidos pela noiva, incluindo
o legado de 6.000 libras que Louise recebeu de seu pai. No entanto, suas
inanças limitadas sã o aparentes, pois nã o há mençã o de mó veis. Acrescenta
que "Mademoiselle de Marillac tinha apenas suas roupas comuns".
Foi assim que Louise experimentou os efeitos da pobreza nos mı́nimos
detalhes de sua existê ncia diá ria. Ela sentiu as feridas sem entender por que
Deus as estava permitindo. Só mais tarde em sua vida ela veria este perı́odo
doloroso como uma preciosa introduçã o ao mundo da pobreza que lhe
permitiria compreender o sofrimento dos pobres.
Mas a hora para isso ainda nã o havia chegado. Luı́sa de Marillac foi a
primeira a passar por um perı́odo de paz durante o qual descobriria pelo
menos a alegria do amor humano.
Capı́tulo II

ESPOSA E MAE

Na é poca de seu casamento, Antoine Le Gras tinha trinta e dois anos;


sua noiva era dez anos mais nova. A diferença de idade e as aspiraçõ es de
Louise à vida religiosa izeram com que alguns vissem essa uniã o
simplesmente como um "casamento de conveniê ncia". Talvez haja alguma
verdade nesta a irmaçã o. No entanto, há fortes indı́cios de que um amor
profundo logo cresceu entre eles. A devoçã o do jovem casal era evidente
para seus contemporâ neos. Uma carta do bispo de Bellay, que conhecia
Louise intimamente, fala de "seu amado marido". Louise parece inalmente
ter encontrado amor e segurança.
Por seu casamento Louise tornou-se um membro da famı́lia da rainha-
mã e. Ela nã o era mais uma ó rfã que era tolerada, mas desprezada. Antoine
Le Gras teve seu lugar na corte e Louise foi recebida lá . Embora nã o fossem
ricos, eles puderam gastar a soma considerá vel de 18.000 libras para mudar
sua casa da paró quia de Saint-Merry para a mais elegante rue Courteau-
Villain, na paró quia de Saint-Sauveur.
Um ilho nasceu do jovem casal em 18 de outubro de 1613. Luı́sa entã o
conheceu a profunda alegria da maternidade. Vicente de Paulo diria mais
tarde sobre ela: "Nunca conheci ningué m tã o completamente mã e como
você ". O futuro parecia realmente brilhante.
Louise dividia seu tempo entre seus deveres como esposa e mã e e suas
responsabilidades como dama da corte. Embora participasse de muitas
recepçõ es brilhantes, ela teve o cuidado de nã o esquecer de Deus. Os pobres
també m tiveram seu lugar em sua vida. Um de seus servos conta: "Ela trouxe
doces, compotas, biscoitos e outras coisas boas para os necessitados; ela
limpou suas feridas e vermes; ela també m preparou seus corpos para o
enterro". Sua casa era tã o piedosa que dois de seus servos a deixaram para
entrar na vida religiosa.
A piedade de Louise tinha uma base doutriná ria só lida que ela teve o
cuidado de manter. Ela e o marido tiveram permissã o, rara naquela é poca,
para ler a Bı́blia na traduçã o de Louvain. També m participava assiduamente
nas atividades paroquiais, onde encontrava nobres que mais tarde se
tornariam suas colaboradoras em obras de caridade.
Essa felicidade imperturbá vel se mostraria frá gil. A famı́lia foi visitada
pela morte: Octavien Doni d'Attichy em 1614, e sua esposa trê s anos depois.
Este casal que abriu seus coraçõ es e sua casa para Louise em seu momento
de angú stia era muito querido por ela. Eles foram as testemunhas de seu
casamento, e Valence era a madrinha de seu ilho Michel. Foi assim que os
ilhos d'Attichy encontraram protetores dedicados em Louise e Antoine, que
chegaram ao ponto de atender à s suas necessidades em detrimento das suas
pró prias, sem receber qualquer recompensa em troca.
Esta foi realmente uma perda cruel, mas sofrimentos maiores, dos
quais ela viu apenas as primeiras sombras, logo atingiriam Louise. Seu ilho
se desenvolveria lentamente, apesar do cuidado que ela lhe dispensava. Os
primeiros sinais de doença apareceram no marido, tornando-o irritá vel e
difı́cil de conviver.
A doença de Antoine foi inquestionavelmente exacerbada pelos
acontecimentos polı́ticos da é poca. Como secretá rio do regente, Maria de
Mé dicis, sentiu profundamente as consequê ncias da grave disputa entre a
rainha-mã e e o futuro rei Luı́s XIII. Em 1617, apó s o assassinato de seu
favorito, Concini, exilou-se em Blois. Era evidente que Luı́s XIII pretendia
reinar sozinho. A questã o permanecia sobre o destino da casa do regente.
Foi um momento de angú stia para aqueles cujas fortunas estavam ligadas à
dela. E essa angú stia se tornaria ainda maior quando, em 1619, Maria de
Mé dicis fugiu de Blois. Louise compartilhou a ansiedade de seu marido, cuja
saú de estava piorando.
Ela buscou apoio espiritual. O Senhor nã o a decepcionaria. Em 1618-
1619 haveria as visitas a Paris de "nosso bom pai de Genebra", Francisco de
Sales. Sua Introdução à Vida Devota e Tratado sobre o Amor de Deus
ajudariam a sustentar Louise durante esse perı́odo difı́cil. Um dos discı́pulos
de Francisco, Camus, bispo de Bellay, cujos sermõ es do Advento e da
Quaresma foram tã o bem recebidos em Paris, forneceria a necessá ria
direçã o espiritual até 1623. Havia també m sua estreita amizade com a freira
da Visitaçã o, Catarina de Beaumont. Acima de tudo, Louise encontrou força
espiritual em seu tio, Michel, contra quem ela nã o guardou rancor por causa
de seus atrasos em entregar sua herança.
A correspondê ncia de Louise de Marillac durante esses anos revela sua
angú stia espiritual causada pelo retardo do ilho, a doença do marido e a
privaçã o daqueles que a defenderam em momentos de necessidade. Ela está
mais uma vez perturbada com seu futuro e se pergunta exatamente o que
Deus está pedindo a ela. Em um perı́odo em que a Justiça Divina era um
tema espiritual importante, Louise voltou-se para a introspecçã o ansiosa:
morte, doença, perda de fortuna - foi tudo um castigo de Deus por ela ter
falhado em manter seu voto adolescente de entrar no claustro?
A direçã o espiritual que recebia naquele momento permitiria a Luı́sa
alcançar inalmente aquela pobreza de coraçã o que puri ica e abre a alma ao
Espı́rito Santo e ao desejo de servir ao pró ximo. O bispo de Bellay lhe
pregava a alegria: "Aguardo o momento em que a serenidade voltará para
você depois das nuvens de tempestade que a impediram de ver a alegria
brilhante que enche aqueles que servem a Deus".
Seu tio Michel fala de abandono:
E bom, senhorita, aprender com a experiê ncia que Deus nã o se
apega aos nossos planos ou desı́gnios, e que quem o encontra é quem o
procura como ele deseja comunicar-se e nã o como julga ú til ou
proveitoso para o seu progresso, já que muitas vezes essa utilidade
imaginada é apenas o produto de nossos desejos egoı́stas. Mas os
pobres de espı́rito, que reconhecem e aceitam paci icamente a sua
pobreza, recebem tudo de Deus como vem. Eles icam felizes em se
entregar a Ele e nã o procuram prescrever o que Ele deve fazer. Aceitam
o que vem, fazem uso de tudo com humildade e gratidã o, e
permanecem sempre pobres de espı́rito, contentes em fazer o melhor
sem se incomodarem com suas de iciê ncias e fraquezas.
Essas palavras tranquilizadoras e tranquilizadoras eram necessá rias,
pois havia uma troca perpé tua de decretos de banimento e tratados de
reconciliaçã o entre Maria de Mé dicis e seu ilho: o Tratado de Angoulê me
em 1619; o Tratado de Angers em 1620 apó s mais uma revolta do Regente.
Durante todo esse perı́odo, houve constantes gritos de alarme para Louise e
Antoine, cuja saú de continuava a falhar.
Sempre com medo de que suas provaçõ es fossem um castigo de Deus
por sua in idelidade a Ele, a jovem esposa prometeu ao Senhor em 4 de maio
de 1623, que ela nunca se casaria novamente caso seu marido morresse.
Mas isso nã o se mostrou su iciente. Sua angú stia continuou.
Pouco tempo depois, Louise foi mergulhada em um tormento de
autoaná lise. Ela descreve sua angú stia:
Na festa seguinte da Ascensã o, 25 de maio, entrei numa noite
escura da alma que duraria até Pentecostes. Torturava-me a dú vida se
devia ou nã o deixar meu marido, como acreditava que devia, para
compensar meu primeiro voto e ter mais liberdade para servir a Deus e
ao pró ximo.
Temia que minha ligaçã o com meu diretor me impedisse de
aceitar outro, embora achasse que deveria fazê -lo. Eu sofria de dú vidas
sobre a imortalidade de minha alma, e essa dú vida me levou a
questionar a pró pria Divindade. Essas trê s dú vidas tomaram minha
alma com uma dor inimaginá vel.

Sombras, impotê ncia, pobreza total de uma alma cambaleante à beira


do desespero! O pró prio Deus viria em seu socorro em 4 de junho de 1623,
durante a Missa da festa de Pentecostes, na igreja de Saint-Nicolas-des-
Champs. A pró pria Louise descreve a experiê ncia:
Em um instante meu espı́rito foi esclarecido de todas as suas
dú vidas. Fui aconselhada a icar com meu marido; que chegaria o
momento em que eu estaria em condiçõ es de fazer votos de pobreza,
castidade e obediê ncia; e que eu estaria com outras pessoas que fariam
a mesma coisa. Compreendi que estaria em um lugar onde poderia
ajudar meu pró ximo, mas nã o via como poderia ser isso, pois haveria
muito idas e vindas.
També m me foi assegurado que eu icaria em paz em relaçã o ao
meu diretor, que Deus me daria aquele que Ele parecia me mostrar.
Achei repugnante aceitá -lo; mesmo assim, concordei. Parecia-me que
essa mudança nã o ocorreria imediatamente.
Minha terceira dú vida foi eliminada pela certeza que sentia dentro
de mim de que Deus estava falando comigo e que, como havia um Deus,
eu nã o podia duvidar do resto.

Toda a vida futura de Louise de Marillac é prenunciada nestas poucas linhas.


Dois anos depois, Louise, que permanecera constantemente ao lado do
marido, assistiu à ú ltima agonia de Antoine Le Gras. Ela escreve:
Eu estava sozinho para ajudá -lo nessa passagem tã o importante.
Ele mostrou grande devoçã o até seu ú ltimo suspiro. Seu espı́rito estava
inteiramente ligado a Deus. Ele repetiu vá rias vezes para mim: "Ore a
Deus por mim, já que nã o posso mais fazê -lo". Essas palavras icarã o
para sempre gravadas em meu coraçã o.

Luı́sa jamais esqueceria seu amado esposo a quem Deus chamou para
si em 23 de dezembro de 1625. Todos os anos ela mandava celebrar uma
missa por ele no aniversá rio de sua morte.
Quanto a ela, Louise estava prestes a experimentar mais uma forma de
pobreza: a viuvez.
Capı́tulo III

CONSAGRAÇAO INICIAL

Antoine Le Gras deixou sua viú va e ilho com recursos inanceiros


muito limitados. Sua longa doença o impediu de acumular uma fortuna.
Alé m disso, como a pró pria Louise nos conta, "Ele dedicou tanto tempo e
energia aos assuntos da famı́lia d'Attichy que negligenciou os seus". Isso era
tanto mais grave quanto nessa é poca nã o havia planos de aposentadoria
nem apó lices de seguro de vida. A remuneraçã o baseava-se estritamente nos
serviços prestados. Louise teve que contar com as anuidades mencionadas
em seu contrato de casamento para sustentar seu ilho e a si mesma.
Certamente eram insu icientes para sustentar o modo de vida a que se
acostumara no elegante bairro do Marais onde morava. Ela foi obrigada a se
mover.
Louise teria muita di iculdade em encontrar um lar adequado. Como
uma mudança era necessá ria, ela queria estar mais perto de Vicente de
Paulo, diretor do Colé gio dos Bons Enfants, que agora era seu diretor
espiritual. Em 1626 nó s a encontramos na rue Saint-Victor, mas em vá rios
endereços diferentes – um de propriedade de um certo Sr. Tiron Saint-
Priest, e outro pertencente a um contador, Sr. Guerin. Em 12 de outubro de
1631, Vicente a informou que o Sr. Guerin precisava de seu apartamento e
que mais uma vez ela teria que se mudar.
Ao mesmo tempo, seu ilho Michel estava crescendo. Ele tinha chegado
a uma idade em que tinha uma grande necessidade de uma in luê ncia
masculina em sua vida. Em junho de 1627, apó s um perı́odo de re lexã o,
Louise decidiu colocá -lo em um seminá rio que o padre Bourdoise havia
aberto na paró quia de Saint-Nicolas-du-Chardonnet. Nã o estava longe de
sua casa, mas longe o su iciente para criar a separaçã o necessá ria. Michel
seria um padre um dia? Sua mã e certamente esperava que sim, e Michel,
pelo menos neste perı́odo, nã o parece se opor.
Louise viu-se assim sozinha com bastante tempo livre. Isso ela
organizava cuidadosamente, providenciando perı́odos de oraçã o, trabalho e
atividades sociais. Na "Regra de Vida" que ela mesma elaborou neste
momento, há uma previsã o de dois retiros por ano que terminariam com
resoluçõ es prá ticas. Ela nã o deixou nada ao acaso em seu desejo de alcançar
a perfeiçã o cristã .
Em um perı́odo em que Louise estava lutando inanceiramente, sua
famı́lia - principalmente seus tios - desfrutava de grande favor real. Michel
tornou-se Ministro das Finanças em 1624 e foi recon irmado no cargo em
1626. Louis logo seria Marechal de Campo da França. Ambos estariam ao
lado do rei durante o cerco de La Rochelle. Louis XIII é citado como dizendo:
"Se todo o meu conselho fosse composto de Marillacs."
Como existia um grande contraste entre essa ascensã o à proeminê ncia
de sua famı́lia e a relativa pobreza da jovem viú va de Antoine Le Gras.
Louise, sem dú vida, aceitava privaçõ es para sustentar adequadamente seu
ilho em crescimento. No entanto, havia uma motivaçã o espiritual maior e
mais profunda. Ela cresceria para amar a pobreza por causa de sua
intimidade cada vez maior com Jesus Cristo, que estava se tornando "Tudo"
em sua vida. Ela escreveu:
Devo imitar Jesus como a noiva procura conformar-se ao seu
esposo. . .
Sendo rico, Ele escolheu a santa pobreza. Roguei-Lhe, de todo o
coraçã o, que me concedesse a graça de imitá -Lo, esperando que, depois
de tanto tempo de desejo, pudesse inalmente fazê -lo.

Estas palavras estã o registradas em suas notas de retiro de 1625-1633.


Uma leitura cuidadosa delas mostra que Luı́sa nã o atingiu imediatamente
aquela pobreza de espı́rito que leva ao abandono total nas mã os de Deus. A
morte do marido, a entrada do ilho no seminá rio e a separaçã o da famı́lia
produziram um clima de solidã o em que ela voltaria a questionar o sentido
de sua vida. Seus escritos desse perı́odo contê m repetidos protestos de seu
desejo de se entregar inteiramente a Deus. Lemos: "Resolvi que em todas as
ocasiõ es duvidosas procurarei saber o que o Filho de Deus teria feito em
circunstâ ncias semelhantes". Em outro lugar: "Devo voluntariamente fazer
de Jesus o ú nico possuidor de minha alma, pois Ele já é seu mestre". E: "Eu
me abandonarei nas mã os de Deus."
No entanto, ela já se sentia chamada a servir ao pró ximo. Sua "Regra de
Vida" mostra isso claramente: "Procurarei nã o ser preguiçoso, mas me
ocupar trabalhando alegremente pela Igreja, pelos pobres ou pela minha
casa". Suas notas de retiro mostram a motivaçã o espiritual para seu serviço:
Entregar-me a Deus para servir o meu pró ximo em condiçõ es de
culpabilidade, imitando Nosso Senhor nas suas conversas com os
pecadores e em toda a sua vida, durante a qual desprezou os seus
interesses pessoais para o bem da sua criaturas. Isto é o que desejo
fazer se for Sua santa vontade.

Vicente de Paulo, que provavelmente entrara na vida de Luı́sa um ou


dois anos antes da morte do marido, seguiu a busca espiritual da jovem
viú va, ajudando-a a discernir a vontade de Deus. Essa busca os levaria muito
longe.
St. Louise como uma jovem mulher. Este retrato está na posse dos descendentes de Marillac.
Capı́tulo IV

AMIZADE NO SENHOR

Ningué m parece saber exatamente onde ou quando Vincent de Paul e


Louise de Marillac se conheceram. A paró quia de Clichy, onde Vicente havia
sido nomeado pá roco em 1612, icava nas terras de Marillac. Alé m disso, sua
posiçã o como tutor na casa de Gondi o colocou em contato com a alta
sociedade da é poca e especialmente com seus lı́deres espirituais, entre os
quais estava o tio de Louise, Michel de Marillac. A residê ncia de Gondi em
Paris icava na paró quia de Saint-Sauveur, rue Pavee, onde Luı́sa morou de
1615 a 1626. Alé m disso, uma de suas amigas mais pró ximas era Catarina de
Beaumont, que Vicente havia instalado como Superiora da Visitaçã o em
1622.
Uma reuniã o era, portanto, muito possı́vel, embora as circunstâ ncias
exatas nã o possam ser estabelecidas. A experiê ncia de Pentecostes de Louise
de 1623 també m pode ser considerada como o inı́cio de seu relacionamento.
A primeira carta de Vicente de Paulo a Luı́sa de Marillac é datada de 30 de
outubro de 1626. Sua primeira carta a ele foi escrita em 5 de junho de 1627.
Ambas as cartas mostram que a jovem viú va já se voltava para o serviço dos
pobres. No entanto, por enquanto, o sempre sá bio Vicente de Paulo estava
satisfeito em encorajá -la a fazer pequenos gestos de ajuda material em
relaçã o a eles.
Vicente esperava um sinal da vontade divina, colocando
constantemente diante de seus olhos o exemplo de Jesus Cristo. Alé m disso,
ele queria que a decisã o dela fosse inteiramente pessoal. "O Espı́rito Santo
será sua regra e seu guia", ele disse a ela.
No entanto, nenhuma das preocupaçõ es de Louise era sem importâ ncia
para Vincent, especialmente suas preocupaçõ es com seu ilho, que era uma
fonte de preocupaçã o para ela. Michel estava constantemente vacilando em
sua "vocaçã o". Seu fervor havia diminuı́do tã o claramente que ele teve que
se retirar do seminá rio. Esta foi uma decepçã o dolorosa para sua mã e.
Vicente escreveu a ela em 17 de janeiro de 1628:
O que posso dizer sobre seu ilho? Assim como era imprudente
colocar muita con iança em sua primeira atraçã o pelo sacerdó cio, agora
você nã o deve icar muito chateado com a aparente rejeiçã o dele. Deixe
o assunto inteiramente à vontade ou nã o de Nosso Senhor. Cabe a Ele
dirigir as almas jovens. Ele se preocupa mais com Michel do que você ,
pois ele pertence mais a Ele do que a você .

Há poucas cartas de Vincent para Louise que nã o mencionam o instá vel
Michel. Depois de deixar o seminá rio, ele se tornou um estudante de dia em
Saint-Nicolas, residindo com sua mã e, ou na ausê ncia dela, com Vincent. Em
1631 o encontramos no Liceu Jesuı́ta Louis-le-Grand. Louise continuaria a se
preocupar com seu ilho até seu casamento muito adiado, 14 de julho de
1651, que trouxe consigo uma posiçã o no Tesouro. Vicente també m lhe
havia proporcionado um cargo de magistrado de Saint-Lazare encarregado
da justiça em terras que a Congregaçã o da Missã o havia adquirido apó s sua
uniã o com os Cô negos de Saint-Victor.
Luı́sa seria constantemente sustentada por Vicente de Paulo à medida
que avançava no caminho da con iança e da entrega a Deus. Ele escreveu:
"Seja alegre... Honre a inatividade e a vida oculta do Filho de Deus...
Submeta-se à vontade de Deus em tempos de di iculdade... Adore a Divina
Providê ncia, siga-a, nã o a antecipe". Essas palavras formariam o tema
recorrente de sua correspondê ncia nesse perı́odo. Nos julgamentos que se
seguiriam, eles se mostrariam necessá rios. Louise, que teve pouco contato
com sua famı́lia durante a é poca de seu grande prestı́gio, estaria
intimamente unida a eles quando o infortú nio ocorresse.
Em 1629, Michel de Marillac, como Guardiã o do Selo, publicou o Có digo
Michau, uma portaria de 461 artigos que abrangia todas as á reas da
administraçã o pú blica. No entanto, sua rixa com o primeiro-ministro,
cardeal Richelieu, cresceu cada vez mais, envenenada ainda mais pelas
intrigas da rainha-mã e, Marie de Medicis. Quando Luı́s XIII decidiu
depositar toda a sua con iança no cardeal, a ruı́na dos de Marillacs foi
rá pida. Michel foi obrigado a renunciar ao selo e foi preso em Chateaudun
em 12 de janeiro de 1631. Ele morreu lá em 7 de agosto de 1632.
Louis de Marillac, marechal da França, foi preso em 30 de outubro de
1630 no campo de batalha de Felizzo, no Piemonte. Em 8 de maio de 1632,
por suprema ironia, ele ouviu uma sentença de morte pronunciada contra
ele nos pró prios termos da portaria redigida por seu irmã o. Ele foi
executado no dia seguinte na Place de Greve, de acordo com o artigo 344 do
Volume II do Có digo Michau.
Vicente de Paulo sabia o quanto esses acontecimentos haviam a ligido a
sobrinha dos dois destacados membros da famı́lia de Marillac. Em vã o a
esposa de Louis de Marillac, ilha de Cosme de Medicis e tia da rainha-mã e,
tentou ganhar a misericó rdia do cardeal. Infrutı́fera també m foi a
intervençã o de Madame de Combalet, a futura duquesa de Aiguillon e
sobrinha de Richelieu. A pró pria Louise considerou tentar ajudar, mas
Vincent a advertiu: "Tenha cuidado para nã o se envolver muito
profundamente". Mesmo assim, ele tentaria consolá -la. Quando a esposa de
Louis morreu em setembro de 1631, ele escreveu:
O Filho de Deus chorou por Lá zaro; por que você nã o lamentaria
por esta boa mulher? Nã o há mal nisso, desde que, como o Filho de
Deus, você se conforme à vontade do Pai. Estou certo de que o fará .

Na semana apó s a execuçã o de Louis, Vincent mais uma vez a confortou


enquanto a exortava a se submeter à vontade de Deus:
O que você me conta sobre o destino do marechal parece digno de
compaixã o e me a lige profundamente. Honremos nisto o beneplá cito
de Deus e a felicidade daqueles que honram por si mesmos o
sofrimento do Filho de Deus. Nã o é importante como nossos parentes
vã o a Deus, desde que o façam. E o bom uso desta forma de morte é um
dos meios mais seguros para alcançar a vida eterna. Portanto, nã o
tenhamos pena dele, mas nos submetamos juntos à adorá vel vontade
de Deus.
A vontade de Deus! A alma ardente de Louise de Marillac procurou
discernir claramente os desı́gnios do Todo-Poderoso em sua vida neste
perı́odo em que a viuvez lhe proporcionava mais liberdade de açã o. Ela
desejava com todo o seu ser entregar-se a Deus, mas ainda nã o via que
direçã o deveria tomar. Ela escreveu: "Na minha ociosidade, os dias parecem
meses para mim. Quero esperar com calma o bom tempo de Deus."
Sim, ela queria estar em paz enquanto esperava a manifestaçã o da
vontade de Deus, mas era obrigada a renovar constantemente suas boas
intençõ es, como Vicente a aconselhava:
Nã o sinta que tudo está perdido por causa da revolta que você
experimenta interiormente. Tem chovido forte. O trovã o caiu. O clima
está menos bonito por causa disso? Deixe as lá grimas inundarem seu
coraçã o e os demô nios trovejarem dentro de você o quanto quiserem.
Esteja certo de que você nã o é , por tudo isso, menos querido por Nosso
Senhor. Viva, entã o, na segurança do Seu amor.

Quando Louise se viu objeto de fofocas maliciosas, Vincent se


compadeceu dela. Ele disse a ela:
Como sofro no teu tempo de sofrimento! Mas por que se
incomodar? Tal é a ordem da Providê ncia. Que mal real você tem a
temer? Este homem diz que você prometeu se casar com ele e nã o é
verdade. Você é criticado injustamente. Você está sofrendo sem motivo.
Você tem medo do que os outros estã o falando de você ? Que assim seja!
Mas lembre-se que este é um dos meios mais seguros possı́veis nesta
vida para se conformar ao Filho de Deus.

No entanto, Vicente de Paulo percebeu que apenas uma atividade


signi icativa impediria a jovem viú va de se entregar a si mesma.
Precisamente nesta altura precisava de algué m para visitar e animar as
associaçõ es de operá rios leigos que, desde 1617, tinha fundado onde tinha
pregado missõ es. E entã o ele enviou Louise.
Era uma grande aventura para uma jovem viajar pelas estradas da
França, que naquela é poca eram tudo menos seguras. Ela usava carruagens,
cavalos ou barcos conforme a necessidade exigia, dando pouca atençã o ao
seu conforto pessoal. Mas Vincent nã o hesitou mais. As necessidades dos
pobres do campo e o bem da pró pria Luı́sa o impeliam a mandá -la embora.
Alé m disso, Louise estava inalmente certa de que Deus estava falando com
ela e a guiando. Ela estava "disposta a entregar-se ao serviço do pró ximo nas
condiçõ es e nas ocasiõ es que Deus lhe apresentasse".
Uma Filha da Caridade do sé culo XVII carregando pã o e sopa para os pobres.
Capı́tulo V

VIAGENS DE CARIDADE

"Vá em nome do Senhor, Mademoiselle." Foi assim que Vicente de Paulo


escreveu a Luı́sa de Marillac em 6 de maio de 1629. Sua longa espera havia
terminado. Sua vida como uma dedicada servidora dos pobres havia
começado.
Vincent conhecia bem as di iculdades que ela encontraria. Ele a exortou
a olhar alé m do humano para o exemplo da vida de Jesus Cristo. Ele a
instruiu:
Receberá s a Sagrada Comunhã o no dia da tua partida para honrar
a caridade de Nosso Senhor e as viagens que Ele fez para este im.
Aceite, à sua imitaçã o, os sofrimentos, as contradiçõ es, as fadigas e as
fadigas que encontrareis para que Lhe agrade abençoar a vossa viagem,
dar-vos o Seu espı́rito e a graça de agir de acordo com esse espı́rito, e
suportar a vossa sofrimentos da maneira como Ele suportou os Seus.

Atendendo aos seus apelos, Luı́sa renovou o dom de si mesma a Cristo


e aos seus pobres. Ela escreveu:
Nã o há mais resistê ncia a Jesus. . . Nã o há mais pensamentos a nã o
ser em Jesus. . . Nã o há mais açõ es a nã o ser por Jesus. . . Nã o mais para
viver, mas para Jesus e meu pró ximo para que, neste amor uni icador,
eu ame tudo o que Jesus amou, e neste nú cleo de amor, que é o amor
eterno de Deus por suas criaturas, eu possa obter as graças que Sua
misericó rdia quer me conceder. . .

A primeira das Confrarias da Caridade que Luı́sa seria enviada para


visitar foi fundada em 1617 na paró quia de Chatillon-les-Dombes, onde, por
um breve perı́odo, Vicente de Paulo foi pá roco. Nos anos seguintes, à medida
que o trabalho missioná rio de Vicente se expandia, grupos semelhantes
foram criados em paró quias de toda a França. Eram compostas por
mulheres, e ocasionalmente por homens, que se reuniam para determinar
como poderiam aliviar a misé ria dos pobres da regiã o. Para que a sua
atividade caritativa fosse mais do que um gesto passageiro, Vicente forneceu
uma estrutura mı́nima para as associaçõ es e de iniu o papel de cada
membro. Todo o trabalho foi colocado sob um princı́pio orientador: Os
pobres são Jesus Cristo .
As associaçõ es eram autô nomas. Os membros elegiam os dirigentes,
estabeleciam as condiçõ es para a adesã o e determinavam a maneira pela
qual os pobres deveriam ser servidos. Suas regras, elaboradas pelo pró prio
Vicente, revelam uma admirá vel compaixã o e respeito pela pessoa dos
pobres. Nó s lemos:
A Serva dos Pobres [como eram chamados os membros] cuidará
do enfermo como se cuidasse do pró prio ilho e, se o paciente falecer,
comparecerá ao funeral, substituindo a mã e que acompanha o ilho a
sepultura.

Detalhes minuciosos de atendimento podem ser encontrados no


Regulamento das Confrarias. No entanto, eles eram lexı́veis o su iciente
para atender à s necessidades e situaçõ es em mudança. Em algumas á reas, as
coletas foram feitas para atender à s necessidades dos pobres; em outros,
criavam-se ovelhas para custear as despesas. Em todos os lugares, o serviço
pessoal era necessá rio. Sempre havia contato direto com os pobres que
eram tratados com gentileza, respeito e devoçã o. A Regra a irma:
A Serva dos Pobres responsá vel pelos dias preparará a refeiçã o do
meio-dia e a levará aos enfermos, a quem saudará com alegria e
caridade. . . Ela cumprirá sua tarefa com amor como se cuidasse de seu
pró prio ilho, ou melhor, do pró prio Deus, pois Ele considera o bem
feito aos pobres como sendo feito a Ele. . . Ela deve tentar levantar os
espı́ritos dos enfermos. . .

Com o passar do tempo, poré m, a boa vontade começou a enfraquecer.


Abusos se espalharam. Em uma á rea, as visitas tornaram-se cada vez menos
frequentes. Em outro, o tesoureiro acumulava fundos em vez de gastá -los
com os pobres. Ainda em outro lugar, nenhuma conta foi mantida. Muitos
outros problemas surgiram nos dez anos desde que Vicente fundou a
Confraria de Châ tillon. Quando ele e seus sacerdotes voltaram aos lugares
onde haviam pregado missõ es e fundado associaçõ es de caridade, viram que
o zelo dos membros precisava ser reavivado. Quem estava mais quali icado
para fazer isso do que Louise de Marillac? O tempo dela era dela. Ela tinha
um grande desejo de compartilhar seu amor por Deus com os outros. Alé m
disso, ela possuı́a um talento extraordiná rio para a organizaçã o, juntamente
com prudê ncia e bom senso. E entã o Vincent a enviou " in nomine Domini ".
Ela levou-o em sua palavra. Sobre sua viagem a Saint-Cloud, ela
escreveu:
Saı́ na festa de Santa Agata, 5 de fevereiro de 1630. Na hora da
Sagrada Comunhã o, naquela manhã , parecia-me que Nosso Senhor me
inspirava a me entregar inteiramente a Ele e a recebê -lo como esposo.
Senti-me profundamente unido a Deus por esse desejo que era
incomum para mim. Senti-me chamado a deixar tudo para seguir meu
Esposo, considerá -lo para sempre como tal e considerar as di iculdades
que certamente encontraria como provenientes de sua bondade.

Saint-Cloud, no entanto, nã o foi sua primeira viagem. Fazia mais de um


ano que ela viajava pelo campo visitando as Confrarias de Asnieres,
Argenteuil, Sannois, Franconville, Herblay, Con lans e Montmirail, para citar
apenas algumas. Apó s cada visita, ela enviava uma avaliaçã o precisa do
trabalho a Vicente:
Sannois: Nenhum indigente, mas os pequenos proprietá rios de
terras estã o tã o endividados que correm o risco de morrer de fome,
pois nã o podem vender seus bens.
Franconville: O tesoureiro dá uma pequena quantia aos pobres
para atender à s suas pró prias necessidades, assim o serviço pessoal foi
perdido.
Con lans: Os fundos sã o acumulados e os pobres sã o privados de
suas necessidades.
Herblay: Tudo vai bem. Os pobres sã o servidos com grande zelo.

Vicente estudou todos esses relató rios e usou-os para fazer as


mudanças necessá rias nas Confrarias que agora estavam espalhadas pelo
interior da França. Logo eles se estabeleceriam na pró pria Paris, onde cada
paró quia desejava um. As paró quias de Saint-Sauveur, Saint-Nicolas-du-
Chardon-net, Saint-Eustache, Saint-Sulpice e Saint-Merry estavam entre as
primeiras. Os ricos competiam entre si para se tornarem membros. Logo a
corte de Luı́s XIII se envolveu. Em 1634, 120 nobres formaram a Confraria
do Hotel-Dieu de Paris.
Vicente de Paulo e Luı́sa de Marillac colaboraram estreitamente nesta
crescente obra de caridade. Eles permaneceram juntos no sucesso e no
fracasso. E nem tudo correu bem. As vezes, a oposiçã o vinha das autoridades
locais, tanto civis quanto religiosas. Em Beauvais, onde havia agitaçã o entre
os mendigos, o empreendimento de Vicente incomodou o representante do
rei. Em Montreuil havia necessidade de reorganizaçã o. O pró prio Vicente foi
visitar a Confraria e depois enviou Luı́sa para adaptar a carta à s
necessidades locais. Todos os seus esforços se mostraram infrutı́feros. A
mesma coisa aconteceu em Chalons. Vincent dera a Louise uma carta de
apresentaçã o ao pastor local. No entanto, o bispo, sem saber o que estava
acontecendo, questionou-a sobre seus planos. Apesar de sua explicaçã o, ele
nã o se convenceu da necessidade do trabalho e ela foi obrigada a sair. Ao
longo de tudo, Vicente apoiou e encorajou seu colaborador. Alé m disso, ele
parecia preocupado que ela estivesse se esforçando demais. Ele a
aconselhou:
Tenha cuidado para nã o exagerar. . . O espı́rito de Deus nos conduz
gentilmente a fazer o bem que podemos razoavelmente realizar para
que possamos fazê -lo de forma consistente e por um longo perı́odo de
tempo. Aja assim, senhorita, e estará agindo de acordo com o espı́rito
de Deus.

O inı́cio em Beauvais foi particularmente difı́cil, mas inalmente a


oposiçã o deu lugar a uma aceitaçã o entusiá stica e Louise recebeu uma
acolhida alegre. Compartilhando seu prazer, Vicente de Paulo escreveu:
Quando você for honrado e estimado, una seu coraçã o ao coraçã o
do Filho de Deus quando Ele foi escarnecido, desprezado e maltratado.
Uma pessoa verdadeiramente humilde se humilha tanto em honra
quanto em desprezo, assim como a abelha colhe o mel do orvalho, seja
no absinto ou na rosa.

Ele aconselhou obediê ncia quando Louise foi confrontada com a


oposiçã o do bispo de Chalons:
Ofereça-se para fazer quaisquer alteraçõ es na carta que ele
considere necessá rias, e até mesmo para sair, se ele preferir. Tal é o
verdadeiro espı́rito de Deus. Você deve olhar para o Bispo como o
inté rprete da vontade de Deus na situaçã o atual. Assim imitará s a
humildade do Filho de Deus na realizaçã o do bem.

Destemida, Louise partiu novamente. Ela foi para Senlis, Soissons,


Meaux e Chartres, hospedando-se onde e como podia. Em Verneuil icou
com a famı́lia do padeiro; em Pont-Sainte-Maxence, foi no Fleur de Lys Inn.
Charity a tinha libertado. Ela exclamou: "Sinto-me tã o bem que esta
viagem me faz querer fazer nada alé m de percorrer toda a extensã o do
campo, desde que os pobres sejam mais bem servidos ".
O zelo de Louise revela muito mais do que a atividade natural de uma
alma ardente. Seu desejo de que "os pobres sejam mais bem servidos" foi
uma resposta ao chamado de Cristo sofredor. Ela procurou ajudar os pobres
a descobrir, em sua misé ria, a ternura amorosa e vigilante de Deus, "já que
cada um de nó s em particular é chamado a ser seu amado".
A saú de delicada de Louise mostrou-lhe suas pró prias limitaçõ es, mas
nã o a deteve. Ela descreve uma jornada particularmente difı́cil:
Saı́ para Ansiere na quarta-feira do Natal Ember Days. Nã o ria!
Você pode imaginar a viagem no auge do inverno. Eu tinha um pouco
de medo de fazê -lo por causa de minhas doenças, mas me senti
fortalecido pela consciê ncia de que estava fazendo isso em espı́rito de
obediê ncia. Na Santa Comunhã o, no dia da minha partida, iz um ato de
fé . Esses sentimentos permaneceram comigo por muito tempo. Senti
que Deus me daria a força necessá ria desde que eu con iasse que Ele
era capaz de me sustentar apesar de todas as aparê ncias. Eu acreditava
que Ele faria isso se eu recordasse a fé que permitiu a Sã o Pedro andar
sobre as á guas. Durante toda a minha viagem eu parecia ser levado,
consolado na crença de que Deus, apesar de minha indignidade, queria
que eu ajudasse meu pró ximo a chegar ao conhecimento Dele.

Cada a liçã o humana tornou-se para Louise de Marillac um chamado de


Deus ao melhor serviço dos pobres. Ela manteve diante de seus olhos as
palavras de Santo Irineu: "Se a gló ria de Deus é o homem plenamente vivo, a
vida do homem é a visã o de Deus".
St. Louise instruindo as meninas. Esta pintura está na casa provincial em Havana, Cuba.
Capı́tulo VI

A SERVIÇO DOS POBRES

Depois de sua amarga experiê ncia de pobreza pessoal, Louise de


Marillac tornou-se cada vez mais sensı́vel à misé ria da humanidade. Seu
coraçã o compassivo estava aberto aos pobres do campo, à s vı́timas da
ganâ ncia e astú cia dos ricos, aos solitá rios, aos doentes, aos velhos e aos
rejeitados. Ela viajou por toda a França por cinco anos a pé , a cavalo, de
carruagem e de barco. Confrontada com um mar de sofrimento, ela re letiu
sobre os meios para realizar um "melhor serviço aos pobres".
As suas visitas à s Confrarias ensinaram-lhe que os voluntá rios, por
maior que seja a sua boa vontade, nã o bastam. Havia a necessidade de
pessoas que "sempre" estivessem disponı́veis. Vicente de Paulo
compartilhou seus pontos de vista. Juntos eles esperaram. A con iança deles
nã o seria vã .
Enquanto Vicente e seus padres pregavam em missõ es, as jovens
ocasionalmente se aproximavam deles expressando o desejo de servir a
Deus com todo o seu ser. Esses camponeses simples e corretos vieram de
aldeias como Suresnes, Colombes e Argenteuil. Vicente compreendeu
rapidamente que eles precisariam de uma assistê ncia capaz se quisessem
perseverar no serviço aos pobres que haviam feito primeiro ao lado dos
membros das Confrarias da Caridade. Nã o encontrou colaborador mais
capaz para treiná -los do que Louise de Marillac.
Uma delas indicaria o caminho: Marguerite Naseau de Suresnes. A
histó ria dela é bonita demais para nã o repetir como o pró prio Vincent a
contou. Para ele ela era o protó tipo da ainda impensada Filha da Caridade:
Marguerite Naseau, de Suresnes, foi a primeira irmã que teve a
felicidade de indicar o caminho à s nossas outras irmã s, tanto na
educaçã o das jovens como na assistê ncia aos doentes, embora nã o
tivesse outro mestre ou senhora senã o Deus. Ela era uma vaqueira
pobre e sem instruçã o. Movida por uma poderosa inspiraçã o do Cé u,
lhe ocorreu a ideia de instruir as crianças, e assim comprou um
alfabeto. Mas como nã o podia ir à escola para receber instruçã o, foi
pedir ao pá roco ou ao pá roco que lhe dissesse quais eram as quatro
primeiras letras do alfabeto. Em outra ocasiã o, ela perguntou quais
seriam os pró ximos quatro, e assim por diante para o resto. Depois,
enquanto cuidava de suas vacas, ela estudou sua liçã o. Se ela via passar
algué m que parecia saber ler, ela dizia: "Senhor, como se pronuncia esta
palavra?" E assim, pouco a pouco, ela aprendeu a ler, e depois ensinou
as outras meninas de sua aldeia. Ela depois decidiu ir de aldeia em
aldeia instruindo os jovens, acompanhada por duas ou trê s meninas
que ela havia ensinado.
. . . quando soube que havia uma Confraria de Caridade em Paris
para os pobres doentes, foi para lá , movida pelo desejo de ser
empregada neste trabalho; e embora desejasse muito continuar
instruindo os jovens, no entanto deixou de lado essa obra de caridade
para assumir a de cuidar dos pobres enfermos, que ela acreditava ser
mais perfeita e necessá ria. Esta era, de fato, a vontade de Deus, pois Ele
pretendia que ela fosse a primeira Filha da Caridade e serva dos pobres
doentes da cidade de Paris. Ela atraiu outras meninas para o trabalho. .
. Todos a amavam porque nã o havia nada nela que nã o fosse amá vel.
Sua caridade foi tã o grande que ela morreu compartilhando sua cama
com uma pobre menina acometida de peste. Acometida de febre,
despediu-se da irmã que a acompanhava, como se tivesse previsto que
ia morrer, e foi ao hospital de Sã o Luı́s com o coraçã o cheio de alegria.

Depois de Marguerite vieram Marie, Michelle, outra Marguerite, Barbe


e Marthe. Louise de Marillac veio morar com eles na rue Fosses-Saint-Victor.
Foi aqui que ela acrescentou ao seu voto de viuvez o voto de servir essas
meninas e ajudá -las a se tornarem "bons cristã os" dedicados ao serviço
corporal e espiritual dos pobres onde quer que se encontrem. Outras jovens
da aldeia viriam juntar-se à s primeiras chegadas. Fariam doze anos em
1634. Assim nasceram as Filhas da Caridade.
Em 1635, a França declarou guerra à Espanha. Champanhe, Borgonha e
Picardia foram devastados. Em 1636, a pró pria Paris foi ameaçada pelos
croatas, hú ngaros e poloneses. Duas provı́ncias caı́ram em mã os espanholas
e a guerra civil eclodiu no sudoeste. A guerra trouxe muitos outros males:
doenças, fome, devastaçã o por soldados que compensavam a falta de
pagamento com pilhagem impiedosa.
Ainda nã o havia chegado a hora de as Filhas da Caridade tomarem seu
lugar no campo de batalha. Isso ainda era alguns anos no futuro. Mas eles
começaram a olhar alé m dos limites de Paris para as provı́ncias. Os começos
seriam pequenos. Em 1637, duas irmã s foram a Richelieu para visitar os
doentes e instruir as menininhas pobres. Aos poucos o trabalho foi se
espalhando. Enquanto isso, outra forma de pobreza chamava sua atençã o
em Paris: os enjeitados.
O trabalho de abrigar crianças abandonadas nã o era novo. "La Couche",
uma casa dirigida por uma mulher e seus dois empregados, já os aceitava há
algum tempo. No entanto, Vicente de Paulo atestaria à s Senhoras da
Caridade em 1649 que durante um perı́odo de cinquenta anos, "nenhuma"
havia sobrevivido.
A paró quia de Louise de Marillac icava perto do Port Saint-Landry. Sua
atençã o foi atraı́da pelo que viu e pelas coisas terrı́veis que ouviu sobre as
crianças de La Couche. O abuso a chocou. Ela certamente relatou seus medos
a Vincent, que mais tarde diria ao falar das crianças: "Eles sã o vendidos até
mesmo para mendigos que os deixam famintos e quebram seus braços e
pernas para obter esmolas".
As Damas da Caridade foram chamadas para assistê ncia em 1635. No
entanto, um ano inteiro de negociaçõ es seria necessá rio antes que Vincent
pudesse informar Louise que era hora de começar. Ele escreveu:
Foi decidido na ú ltima reuniã o (das Damas de Caridade) que você
deveria ser convidado a realizar o trabalho com os enjeitados, desde
que eles possam ser alimentados com leite de vaca. Você pode começar
com dois ou trê s.
Louise nã o acreditava que as crianças deveriam permanecer em La
Couche. Apó s um perı́odo de experimentaçã o durante o qual ela os guardou
na rue Saint-Victor e em La Chapelle, sua opiniã o prevaleceu. As Damas
alugaram uma casa na rue des Boulangers, onde doze crianças foram
acolhidas. Louise passou uma semana lá organizando o trabalho. Ela
continuaria a visitá -lo regularmente. Apesar dos inú meros problemas que
surgiram, em 1640 as Damas decidiram nã o mais limitar o alcance da obra e
con iaram a Luı́sa a responsabilidade por todos os enjeitados de Paris.
As irmã s da jovem comunidade mostraram grande criatividade no
cuidado com as crianças. Sã o Vicente os encorajou em seu trabalho,
revelando-lhes a beleza de sua tarefa em palavras que nos emocionam ainda
hoje:
Essas crianças pertencem a Deus de uma maneira muito especial
porque foram abandonadas por seus pais e mã es. Uma vez que eles
foram criados pelo Deus todo-poderoso, você pode ter certeza de que
nunca O ofenderá amando-os demais. Eles sã o Seus ilhos de quem
você cuida por amor a Ele. Estou certo de que você tem uma profunda
afeiçã o por eles. Oh, eu lhe asseguro, você nã o pode ter muito.

A arte religiosa frequentemente mostra Vicente de Paulo na neve com


uma criança enrolada em seu manto. Nã o há evidê ncias histó ricas de que tal
coisa tenha ocorrido, mas o retrato revela a verdade sobre sua profunda
afeiçã o por essas crianças abandonadas. Ele nã o podia ver um sem tentar
ajudar, como demonstra o seguinte bilhete para Louise: "Você aceitaria um
enjeitado que um casal nobre me trouxe ontem? Ele foi encontrado em um
campo há dois ou trê s dias."
A casa da rue des Boulangers logo icou pequena demais para suprir as
necessidades de todas essas crianças. Diante do nú mero cada vez maior de
bebê s, Louise de Marillac foi obrigada a criar todo um novo mé todo de
cuidado infantil. Sua resposta foi estabelecer, pela primeira vez na França,
um programa de acolhimento familiar.
30 de março de 1640, os primeiros quatro bebê s foram con iados a
amas de leite no paı́s. O processo de seleçã o foi rigoroso. As mã es adotivas
tinham que fornecer referê ncias nã o apenas do pastor da igreja da aldeia
que atestava seu cará ter moral, mas també m de um mé dico que avaliava sua
saú de geral e a qualidade do leite. Todo o mé todo era raro no sé culo XVII e
serviu de modelo para o futuro cuidado, tanto pú blico quanto religioso, das
crianças abandonadas.
Mais dezenove crianças foram colocadas no primeiro mê s e, à medida
que o trabalho se expandiu, muitas outras foram adicionadas. Em setembro
de 1642, Irmã Jeanne, da paró quia de Saint-Germain em Paris, foi enviada
para veri icar o progresso das crianças colocadas na Normandia.
Mais uma vez, apó s uma iniciativa ousada, vemos um cuidadoso
trabalho de organizaçã o. A minuciosa preocupaçã o com o bem-estar das
crianças por parte de Vincent e Louise é evidenciada pelo fato de que,
apesar de suas mú ltiplas responsabilidades, os registros do trabalho sã o
feitos à mã o. Alé m disso, foram mantidos registros de cada criança: idade,
sexo, observaçõ es feitas durante a visita sobre a saú de do bebê , a qualidade
do atendimento etc. . Dez tiveram que ser transferidos e colocados com
mã es adotivas que cuidariam melhor deles." Em 1643 Vicente de Paulo
estimou que 1.200 crianças haviam sido atendidas pelo programa em um
perı́odo de cinco anos.
A guerra civil atrapalharia muito esse trabalho. Havia pouco ou
nenhum dinheiro para pagar as mã es adotivas que muitas vezes traziam as
crianças de volta para as irmã s. Louise foi forçada a pedir dinheiro
emprestado para cobrir as despesas, mas mesmo isso foi insu iciente.
Gobillon, o primeiro bió grafo de Louise de Marillac, conta-nos que ela e as
primeiras irmã s "se privaram até mesmo do necessá rio para aumentar os
fundos... Elas comiam apenas uma escassa refeiçã o por dia". Já em 1644, o
custo anual de cuidar de crianças abandonadas havia subido para 40.000
libras.
O nú mero cada vez maior de enjeitados con iados a eles impulsionou
as irmã s a novas iniciativas. Em 1645 as crianças desmamadas foram
colocadas em Bicetre em Paris, embora Louise estivesse bem ciente das
di iculdades que surgiriam por causa da guerra. Ela conseguiu um
suprimento de trigo atravé s das linhas de batalha, mas uma vez que o
conseguiu, as irmã s tiveram que improvisar fornos para assar o pã o. Alé m
disso, apesar dos protestos dos comerciantes de vinho, eles começaram a
fazer e vender vinho para cobrir as despesas. E foi assim que o trabalho
continuou.
Quanto aos recé m-nascidos, eles permaneceram por vá rios anos na
casa mã e, onde doze irmã s e vá rias amas de leite cuidaram deles. Para
melhorar seus cuidados, foi construı́do em 1645 um lar infantil, o primeiro
da França. Consistia em treze chalé s circundando uma á rea de serviço. A
comunidade vicentina havia comprado o terreno, "o campo de Saint-Laurent
no distrito de Saint-Denis", para a construçã o. Uma vez construı́da a
instituiçã o, os vicentinos a alugaram à s Damas de Caridade para os
enjeitados. Em 1654, Louise pediu que o trabalho fosse estendido para
aceitar crianças cujas mã es haviam morrido no Hotel-Dieu ou que nã o
podiam sustentá -las.
O custo deste serviço dos enjeitados continuou a subir. Apesar de uma
doaçã o real ocasional, Louise muitas vezes clamava desesperadamente por
ajuda:
Nã o podemos mais, em sã consciê ncia, icar indiferentes à
situaçã o das mã es adotivas. Eles estã o pedindo apenas o que lhes é
devido em recompensa por seu trabalho e pelo dinheiro pessoal que
gastaram com as crianças. Eles agora enfrentam a fome. As vezes eles
tê m que vir duas ou trê s vezes e sempre saem de mã os vazias.

A situaçã o era igualmente grave na casa-mã e. Uma desesperada Louise


escreveu a Vincent:
Temos sete bebê s que recusam mamadeira e temos apenas duas
enfermeiras. Alé m disso, nã o temos um sou para colocá -los em um
orfanato. Estamos quase sem roupa de cama e roupas. Nã o podemos
mais esperar pedir emprestado o dinheiro necessá rio. Em nome de
Deus, eu lhe pergunto, se em consciê ncia podemos deixar essas
crianças morrerem. Quanto à s Senhoras da Caridade, nada recebemos
delas.

Vincent conseguiria reacender o zelo das Damas de Caridade como só


ele podia. Em um de seus apelos mais cé lebres a eles, ele disse:
Se você abandonar esses pequeninos, o que Deus dirá , já que foi
Ele quem o chamou para cuidar deles. As pró prias crianças gritarã o:
"Se você , que é tã o bom, nos abandona, é como se o pró prio Deus nos
tivesse abandonado e nã o fosse mais o nosso Deus".
A vida e a morte deles estã o em suas mã os. Eles viverã o se você
continuar a cuidar deles de forma caridosa. Eles certamente perecerã o
se você os abandonar. Ningué m vai levantar um dedo para impedi-los
de morrer. Agora vou pedir um voto. Chegou a hora de decidir seu
destino.

As Damas de Caridade prometeram ajudar e foram ié is à sua palavra.


Até o im de suas vidas, Vicente de Paulo e Luı́sa de Marillac se
dedicaram ao cuidado desses "pequeninos caı́dos do ninho". Trê s meses
antes de sua morte, Louise escreveu a Vincent:
Há muito tempo procurais meios de ajudar as crianças. Rogo a
Nosso Senhor que revele Sua santa vontade neste assunto, como o faz
em todos os outros, e nos conceda a graça de realizá -la ielmente.

Até o im, eles procurariam juntos prestar "melhor serviço" à s crianças


pobres abandonadas.
Enquanto isso, outro chamado – menos atraente, certamente, mas
igualmente pungente – foi feito: o grito dos escravos das galé s.
As prisõ es reais eram verdadeiramente as antecâ maras do Inferno.
Ningué m sabia disso melhor do que Vicente de Paulo, que havia sido
nomeado Capelã o Real das Galé s em 1619. Trê s anos depois de sua
nomeaçã o, ele alugou uma casa para alguns dos prisioneiros, na esperança
de aliviar algumas das misé rias que sofriam na Conciergerie . No entanto,
esse pequeno começo nã o o satisfez. Em 1632, ele assumiu um pré dio
abandonado perto do Portã o de Saint-Bernard para alojar mais deles. Mas a
facilidade nã o foi su iciente. Os fundos eram necessá rios e logo se tornou
ó bvio que estes só poderiam ser obtidos atravé s de doaçõ es privadas.
Vicente escreveu assim a Louise de Marillac, em cuja paró quia se localizava
o abrigo, pedindo-lhe que os criasse:
A caridade para com esses pobres prisioneiros é de mé rito
incompará vel diante de Deus. Você fez uma coisa boa em ajudá -los.
Continue como tem feito até que eu tenha a oportunidade de vê -lo.
Considere se sua Confraria de Caridade de Saint-Nicolas estaria ou nã o
disposta a realizar o trabalho pelo menos por um tempo. Você poderia
ajudar essas pobres almas sofredoras com quaisquer fundos
excedentes que você possa ter. O que estou dizendo? Eu sei que tarefa
difı́cil estou colocando sobre você . Eu pensei em mencionar isso e
deixar você decidir.
Como Presidente das Damas de Caridade de sua paró quia, Louise pô de
interessar os outros membros neste trabalho. Seus esforços logo foram bem
conhecidos. Em 1639, um rico banqueiro deixou a Vicente um legado de
60.000 libras para ser usado na assistê ncia aos prisioneiros. Isso lhe
permitiu colocar as Filhas da Caridade a seu serviço. A sua tarefa era "servir
corporal e espiritualmente, na doença e na saú de, os pobres prisioneiros
detidos em Paris até saı́rem para as galé s". O serviço deles era muito
humilde: limpar, lavar e cozinhar. Todos os dias levavam comida para as
celas, onde eram ajudados pelos guardas se o fardo fosse muito pesado.
Hoje é difı́cil avaliar a ousadia envolvida nessa empreitada. Louise, no
entanto, estava muito ciente do perigo em que ela e Vincent estavam
colocando essas jovens camponesas simples e fortes, enviando-as entre
homens que o sofrimento e o remorso haviam tornado terrivelmente
agressivos e exigentes. Ela aconselharia as irmã s designadas a este trabalho
a "renovarem seu espı́rito de pureza e modé stia para se fortalecerem contra
a insolê ncia que se espera de pessoas reduzidas ao estado de prisioneiras".
Ela també m os exortou a "nã o ouvir sua linguagem vulgar".
Louise conhecia o perigo, mas nã o tinha medo, certa de que "a caridade
será sua melhor defesa". Ela insistiu que, se as irmã s fossem cautelosas e
gentis, "dariam a esses pobres infelizes poucos motivos para reclamar
deles". Acrescentou que nã o devem conversar com os escravos das galé s
"sem grande necessidade, tendo o cuidado de conquistá -los com mansidã o e
compaixã o, tendo sempre em mente o estado lamentá vel a que estã o
reduzidos". O pró prio Vincent havia dito anteriormente: "Vi essas pobres
criaturas serem tratadas como animais, abandonadas nas mã os de quem
nã o tem pena delas".
As Regras para as irmã s designadas para este trabalho enfatizavam o
aspecto espiritual de seu serviço:
Aqueles que sã o chamados por Deus para este santo ofı́cio devem
ser encorajados a ter grande con iança em Nosso Senhor Jesus Cristo,
pois servindo a essas pobres criaturas estã o prestando um serviço
Aquele que o considera feito a Si mesmo. Conseqü entemente, Ele nunca
deixará de dar-lhes a graça de superar as di iculdades que possam
encontrar.
Mas o trabalho foi ainda mais difı́cil do que os fundadores haviam
previsto. Os prisioneiros eram numerosos e de todas as origens concebı́veis.
As irmã s foram aconselhadas a encontrar a força necessá ria em Deus. A
Regra dizia:
Vá rias vezes ao dia eles farã o uma oraçã o especial ao Espı́rito
Santo para puri icar seus pensamentos, palavras e açõ es,
particularmente no momento de tentaçõ es de impureza, caso surja
alguma. Assim serã o como os raios do sol que passam continuamente
sobre o lixo sem serem contaminados por ele.

A realidade correspondia ao ideal apresentado pelos fundadores? A


correspondê ncia do perı́odo nos levaria a crer que sim. Irmã Jeanne Luce
escreveu:
Trabalhei com a irmã Barbe Angiboust a serviço dos escravos das
galé s. Ela mostrou muita paciê ncia em suportar os abusos causados
pelo mau humor dessas pobres criaturas. Embora à s vezes icassem tã o
zangados com ela que jogavam a sopa e a carne no chã o e gritavam
qualquer obscenidade que lhes viesse à mente, ela nunca respondia.
Ela simplesmente pegou tudo com alegria e calma, como se eles nã o
tivessem dito e feito nada. Alé m disso, cinco ou seis vezes ela impediu
os guardas de atingi-los.

O momento mais difı́cil para as irmã s veio quando os prisioneiros


estavam prontos para serem enviados a Marselha para as galé s. A jornada
foi lenta e dolorosa para esses homens que seriam acorrentados como
animais. Para aliviar sua misé ria, Louise pediu que camisas e roupas ı́ntimas
fossem distribuı́das a eles. As irmã s estavam mais do que dispostas, mas o
dinheiro era escasso, mesmo para as necessidades. Louise foi forçada a
admitir:
Ontem nossa irmã que trabalha com os escravos da galera veio até
mim chorando porque nã o tinha mais pã o para dar a essas pobres
criaturas. O custo do pã o aumentou muito sua conta para o padeiro. Ela
implora e toma emprestado sempre que pode para encontrar os meios
para ajudá -los.
No entanto, nada disso parece ter diminuı́do o zelo dessas jovens
dedicadas. Da Irmã Fare, da paró quia de Saint-Roch, dizia-se:
Ela conseguiu toda a ajuda para os prisioneiros que a caridade
podia pagar. Ela tratou os guardas e outros responsá veis por essas
almas a litas com grande prudê ncia, quase obrigando-os a se
comportar de forma mais humana. Ela até cairia de joelhos diante deles
para evitar que maltratassem suas acusaçõ es. Com toda a verdade, ela
poderia dizer: "Eu amo muito nossos pobres escravos de galé a quem
tenho a honra de servir".

Nesse trabalho á rduo, realizado com compaixã o e respeito pelos


presos, Louise e seus companheiros encontraram outra maneira e icaz de
assegurar "o melhor serviço" aos pobres.
Mas mesmo isso nã o satisfez o zelo de seus jovens coraçõ es.
Procuraram ainda outros pobres para servir. Foi assim que se voltaram para
os doentes, que tinham sido a principal preocupaçã o de Vicente de Paulo
quando pregou suas missõ es no interior da França e estabeleceu as
associaçõ es leigas das Confrarias da Caridade. Nos estatutos da associaçã o
lemos:
A Confraria da Caridade foi instituı́da para homenagear o seu
patrono, Nosso Senhor Jesus Cristo e Sua Santa Mã e e para assistir
corporal e espiritualmente os pobres enfermos dos lugares onde estã o
estabelecidos.

Luı́sa compartilhou esta preocupaçã o de Vicente desde os primeiros


dias de seu relacionamento, quando visitou as Confrarias para ver como
estava sendo realizado o serviço aos enfermos. As primeiras Filhas da
Caridade foram, na realidade, "voluntá rias permanentes" nas associaçõ es. A
Regra de 1645 a irma: "Seu objetivo principal é servir aos pobres doentes".
Jean François de Gondi, Arcebispo de Paris, explicita a motivaçã o por trá s
deste serviço no Ato de Aprovaçã o da Companhia:
Aprouve a Deus abençoar a tal ponto este piedoso e louvá vel
empreendimento, que nã o só está estabelecido em muitas cidades e
aldeias, mas també m nas principais paró quias da cidade de Paris.
Ele entã o continua:
Como os pró prios membros das Confrarias nã o podiam cumprir
as humildes tarefas necessá rias ao serviço dos pobres, nosso querido
Vicente de Paulo julgou conveniente. . . reunir algumas boas moças e
viú vas do paı́s que Deus havia inspirado para se dedicarem ao serviço
dos pobres doentes. Há vá rios anos eles estã o empenhados nesta
humilde labuta, dando edi icaçã o a quem os vê e consolaçã o aos
enfermos.

Vincent recrutou as meninas. Louise os treinou. Entã o, sob a direçã o


das Senhoras da Caridade, essas jovens irmã s foram alegremente servir os
pobres doentes das paró quias.
Seriam as Damas de Caridade que chamariam a atençã o de Louise e
Vincent para a situaçã o dos doentes no Hô tel-Dieu de Paris. Gobillon nos
diz:
Durante suas visitas ao hospital, Mademoiselle Le Gras e algumas
outras nobres piedosas notaram que os pobres doentes careciam de
muitas coisinhas que o Hô tel-Dieu nã o podia suprir. Assim, eles foram a
Vicente de Paulo para incentivá -lo a encontrar uma maneira de levar
assistê ncia a este grande hospital.

O sempre prudente Vincent hesitou em assumir tal tarefa. Tinha grande


respeito pelos administradores da instituiçã o e pelas mais de cinquenta
religiosas que cuidavam dos doentes. Ele se viu na posiçã o muito delicada de
tentar melhorar o serviço em uma instituiçã o já em funcionamento sobre a
qual ele nã o tinha controle. O arcebispo de Paris foi convidado a usar sua
in luê ncia para persuadir Vicente. Enquanto isso, Louise de Marillac já
estava no hospital levando toda a assistê ncia que podia aos doentes. Vincent
expressou temor por sua saú de: "Meu Deus, Mademoiselle, como me
entristece ver você passar tanto tempo sem sair para descansar por causa
do trabalho contı́nuo que está fazendo no Hotel-Dieu".
Muito tempo e discussã o foram necessá rios antes que as Senhoras
determinassem que o trabalho deveria ser continuado e expandido.
Finalmente Louise recebeu a seguinte diretriz de Vincent:
Você e suas ilhas sã o necessá rios para o Hotel-Dieu. Quatro sã o
considerados necessá rios para o inı́cio. Por favor, consiga encontrar
quatro bons.

No entanto, os "quatro bons" nã o foram bons o su iciente. Ficariam


apenas alguns dias, pois as Damas achavam que as moças da cidade seriam
mais quali icadas para ajudá -las do que as rú sticas Filhas da Caridade. A
experiê ncia logo provaria que eles estavam enganados, entã o mais uma vez
eles pediram a Vincent que recorresse aos serviços das meninas treinadas
por Louise.
Uma vez resolvida a questã o do pessoal, desenvolveram-se meios
prá ticos para realizar o serviço aos doentes. Alugou-se um quarto perto do
Hotel-Dieu para guardar roupa de cama e preparar comida: caldo, leite, pã o
branco, biscoitos, compotas e compotas de frutas. Genevieve, Jacqueline,
Germaine e Nicole trabalharam incansavelmente para preparar as coisas
com bom gosto para os doentes. Nem as irmã s nem as senhoras tinham
medo de arriscar suas vidas em tempos de epidemias. Isabelle e Marie
adoeceram. Quando uma das irmã s morreu de uma doença contraı́da no
hospital, Vincent escreveu a Louise: "Espero que ela tenha morrido feliz,
pois deu sua vida no exercı́cio da caridade, pelo amor de Deus".
O serviço espiritual aos enfermos se somava à assistê ncia corporal.
Abelly, o primeiro bió grafo de Vicente, fala de 760 pessoas "que se afastaram
da prá tica de sua fé e se converteram" atravé s do contato com as irmã s e as
senhoras. Foi elaborado um manual para os que visitavam os enfermos,
contendo os principais pontos da instruçã o a ser dada a eles. A seguinte
recomendaçã o à s Senhoras da Caridade revela a profunda sensibilidade de
Vicente para com os pobres. Ele os lembra:
Devem vestir-se o mais simples possı́vel nos dias em que vã o ao
Hô tel-Dieu, para que, se nã o puderem parecer pobres entre os pobres,
pelo menos nã o acrescentem ao sofrimento daqueles que, ao verem as
extravagâ ncias e super luidades de os ricos, tornam-se ainda mais
perturbados por sua pró pria falta das necessidades bá sicas.

O exemplo dado pelas Irmã s e Senhoras teve outro resultado prá tico.
As Confrarias nã o eram mais obrigadas a servir o caldo desde que a
administraçã o assumiu essa responsabilidade – coisa pequena hoje, sem
dú vida, mas foi um ganho considerá vel na é poca na luta por um melhor
serviço aos pobres doentes.
O trabalho realizado pelas irmã s no Hotel-Dieu foi um trabalho de
colaboraçã o. Em breve seriam chamados a assumir o controle total dos
hospitais ao redor de Paris e nas provı́ncias. As irmã s foram para Angers, Le
Mans, Nantes, Fontainebleau e Saint-Denis. Seus esforços nem sempre foram
coroados de sucesso, mas Luı́sa soube inculcar em seus coraçõ es a estima
por sua vocaçã o, a consciê ncia da "grande felicidade que tiveram de servir a
Nosso Senhor na pessoa dos pobres". Por toda a parte o seu amor os impeliu
a um serviço de qualidade, ao qual trouxeram a dimensã o humana da
solicitude pela pessoa. Em Saint-Denis, por exemplo, vemos o inı́cio do
trabalho social hospitalar. As raparigas sã o ajudadas a encontrar um
trabalho adequado antes de serem dispensadas.
A guerra, tanto civil quanto estrangeira, abriria mais um campo de açã o
para Louise e suas ilhas. Novos gritos de angú stia tocaram o coraçã o dos
fundadores quando as irmã s partiram para os campos de batalha: Chalons,
1650; Estampes, 1652; Sedan, 1654; La Fé re e Arras, 1656; Calais e Metz,
1658.
Na conferê ncia de 4 de agosto de 1658, para quatro irmã s que se
preparavam para partir para Calais, Vicente disse:
Você foi escolhido para cuidar dos pobres soldados feridos a
serviço do Rei. . . das quatro irmã s já enviadas para lá , uma está morta e
as outras estã o muito doentes. No entanto, apesar disso, outros se
apresentaram para substituı́-los e disseram: "Senhor, aqui estou eu,
bastante pronto". Como todas você s izeram, minhas Filhas. Pois nã o há
um ú nico de você s que nã o diga isso em seu coraçã o e que nã o provaria
isso por açõ es, se fosse necessá rio. . . Entã o, Irmã s, cuidem desses
pobres doentes com grande caridade e doçura, para que vejam que
você s vã o socorrê -los com o coraçã o cheio de compaixã o por eles.

Como no grupo destinado a Calais havia moças recé m-ingressadas na


Companhia, Vincent assegurou-lhes: "Ah, minhas Filhas, nã o tenham medo,
você s farã o um bom noviciado". Ele entã o continuou:
Venho partilhar da vossa alegria e da consolaçã o de Mademoiselle
Le Gras pela escolha que Deus fez desta pequena Companhia que Ele
pró prio estabeleceu. . . E bastante evidente que Nosso Senhor a formou
segundo o modelo de Sua pró pria vida. O que Ele veio a este mundo
para fazer, senã o para salvar as pessoas? E o que você está fazendo
senã o se esforçando para salvar a vida das pessoas pobres?

Foi preciso um grande espı́rito de ousadia para enviar moças simples


para o campo de batalha, mas o "melhor serviço" dos pobres as impelia. Sua
timidez juvenil coisa do passado, Louise de Marillac renovava diariamente a
coragem de suas ilhas:
Nã o tenha medo de fazer longas viagens. Nada temas ao realizar o
que Deus te pede para o Seu serviço e para o serviço dos pobres.

Esse desejo de responder a tudo o que Deus lhes pedia fez com que
Louise e as irmã s se voltassem para outro grupo negligenciado: as jovens
camponesas. Desde suas primeiras visitas à s Confrarias da Caridade,
Mademoiselle Le Gras icou impressionada com sua situaçã o. Sem
oportunidade de escolaridade, eles estavam condenados a uma existê ncia
miserá vel. Gobillon nos conta que, no esforço de remediar a situaçã o, Louise
deu dicas pedagó gicas à professora da escola da aldeia, ou, onde nã o havia,
permaneceu o tempo su iciente para treinar algué m para essa funçã o.
Sua grande lexibilidade na adaptaçã o de mé todos para atender à s
condiçõ es locais foi a chave para o sucesso. Alé m disso, ela buscou a
educaçã o da pessoa como um todo. A instruçã o religiosa nã o era uma
recitaçã o esté ril, mas um meio para compreender a vida. Já em 1631,
Vicente de Paulo escreveu ao pá roco de Bergeres pedindo-lhe que exortasse
seu povo a enviar seus ilhos à escola e citando o sucesso do trabalho de
Louise na educaçã o em Montmirail e Villepreux.
No entanto, neste perı́odo Louise nã o permaneceu em um lugar por
muito tempo. Em um esforço para encontrar jovens capazes de assumir o
trabalho depois de sua partida, ela procurou aqueles que desejavam tornar
Deus conhecido e amado, bem como ensinar os fundamentos da leitura,
escrita e aritmé tica. Em 1632 Vincent escreveu a Louise:
Acho uma excelente ideia ter uma professora em Villeneuve, mas
onde vamos encontrar uma? Só posso sugerir que diga à s mã es de suas
alunas que enviará um o mais rá pido possı́vel e que depois conversará
com elas sobre sua alimentaçã o e moradia.
Marguerite Naseau de Suresnes abriu o caminho. Com o passar dos
anos, outras jovens juntaram-se a Louise. Ela os enviou para ensinar as
menininhas do campo. Ao mesmo tempo, exortou-os a "treinar alguns deles
para ensinar em suas ausê ncias. Isso eles devem fazer por amor de Deus e
sem qualquer remuneraçã o".
Mas as pró prias irmã s precisavam primeiro ser treinadas como
professoras. O tempo foi permitido por regra para o estudo. Louise
frequentemente se encarregava de ensiná -las a ler e escrever "para que
pudessem instruir as menininhas pobres" onde quer que fossem solicitadas.
Escolas foram abertas em Richelieu e Nanteuil. Geralmente, duas irmã s
eram enviadas juntas. De um desses pares, Vincent escreveu: "Os dois servos
dos pobres estã o realizando maravilhas - um com os doentes, outro na
instruçã o de meninas".
Mais tarde, uma espé cie de escola normal foi estabelecida na casa mã e
localizada na paró quia de Saint-Laurent. Como as escolas da cidade estavam
sob a direçã o dos Cô negos de Notre Dame, Louise dirigiu seu pedido para
abrir uma escola em Paris ao seu superior. Ela escreveu:
Espero que Deus seja glori icado por esta obra que permitiria aos
pobres enviar seus ilhos à escola sem custo ou interferê ncia dos ricos.

Seu pedido foi atendido com a seguinte restriçã o:


Concedemos a você uma licença e autorizaçã o para abrir uma
escola na á rea denominada Saint-Lazare no distrito de Saint-Denis.
Deve ser para a instruçã o de meninas pobres apenas e nenhuma outra .

Louise teve o cuidado de enfatizar essa preferê ncia por crianças pobres
nas Regras das Filhas da Caridade. Ela escreveu:
As irmã s saberã o que todas as meninas nã o devem ser recebidas
em sua escola, mas apenas aquelas que sã o pobres. No entanto, se a
Providê ncia e a obediê ncia os chamarem para uma paró quia onde nã o
haja mestra para a instruçã o dos ricos e seus pais pedirem com fervor
que os recebam entre seus alunos, devem fazê -lo com a aprovaçã o do
pá roco - mas apenas no dia condiçã o de que os pobres sejam sempre
preferidos aos ricos e que os ricos nã o os menosprezem.
Para Louise e sua primeira professora, o objetivo principal era instruir
essas meninas nas verdades de sua fé . Para ajudá -los, Louise elaborou um
catecismo muito simples, onde o essencial a ser aprendido estava contido
em poucas palavras:

Q. _ Quem te criou e te colocou na terra?

A. Deus, para que possamos amá -lo e servi-lo e para que ele nos
_ leve ao cé u.
Q. _ Como você conhece Deus?

A. Atravé s da nossa Fé .


_
Q. _ A quem falamos quando dizemos o Pai Nosso?

A. A Deus, a quem chamamos nosso Pai.


_
Q. _ Deus vê nossos pensamentos?

A. Sim.
_
Q. _ Onde está Ele para que possa nos ver?

A. Ele está em todos os lugares.


_
Q. _ Ele nos vê quando O ofendemos?

A. Sim ele faz.


_
Q. _ Como devemos falar com Deus como nosso Pai?

A. Com grande amor e a con iança de que Ele nos dará tudo o que
_ Lhe pedirmos, assim como Ele prometeu.
Q. _ O que é a Ave Maria?

A. Foi a saudaçã o do Anjo quando veio perguntar à Santı́ssima


_ Virgem se ela se tornaria a mã e de Jesus Cristo, o Filho de Deus.
E uma devoçã o que agrada muito a Deus.
Q. _ Quem foi o pai humano de Jesus Cristo?

A. Ele nã o tem um.


_
Q. _ Quem formou o corpo de Jesus no ventre da Santı́ssima Virgem?

A. O espı́rito Santo.
_
Q. _ Sã o José nã o era seu marido?

A. Sim, mas ele foi dado a ela como seu tutor.


_

O papel de Louise de Marillac como educadora foi muito alé m dos


limites da escola gratuita da paró quia de Saint-Laurent. Em Montreuil, ela
foi convidada a "ensinar um ofı́cio à s meninas". Em outra á rea havia um
pedido de uma sala de trabalho onde os alunos fariam meias e rendas. Ela
encorajou as irmã s nas aldeias a reunirem as meninas mais velhas para uma
noite de "partilha do Evangelho". Ela aconselhou as irmã s que viajavam a se
interessarem pelas moças que conheceram nas pousadas onde estavam
hospedadas. No campo, ela os exortou a estarem particularmente atentos à s
necessidades dos vaqueiros e das pastoras. Nas suas directrizes à s irmã s,
Luı́sa sublinhou a delicadeza que deve caracterizar a sua caridade. Ela
recomendou que a Regra fosse estritamente observada, mas depois
acrescentou as palavras "se o serviço dos pobres permitir". Por isso, as
irmã s devem "receber todas essas meninas que vê m a elas para aprender a
qualquer hora que estejam livres... ." Uma exceçã o formal à Regra é feita para
"meninas pobres que devem mendigar seu pã o ou ganhar seu pró prio
sustento. Devem sempre preferi-los aos ricos e recebê -los sempre que
vierem".
A disponibilidade total para as jovens pobres era o objetivo das irmã s
engajadas na educaçã o. No entanto, eles nunca perderam de vista seu
objetivo inal: "Você ensinará a essas pobres meninas tudo o que puder, mas
sempre se lembrará que o elemento mais importante em sua instruçã o é o
conhecimento de Deus e de Seu amor por elas".
Na escola gratuita de Paris e em aldeias distantes, Louise e suas
companheiras encontraram mais uma maneira de prestar "melhor serviço"
aos pobres.
A medida que os anos passavam e o serviço aos pobres se expandia,
misé rias ainda maiores se abateram sobre o paı́s. Mais uma vez, Vicente de
Paulo e Luı́sa de Marillac atenderiam aos gritos urgentes dos necessitados,
desta vez vı́timas da guerra civil que eclodiu na França em 1650.
Apó s o cerco de Guise, Vincent enviou dois de seus missioná rios para
trazer suprimentos e dinheiro para os soldados doentes e moribundos.
Quando Madame de Lamoignon lhe ofereceu 800.000 libras para construir
uma casa e uma igreja em Saint-Lazare, ele agradeceu, mas acrescentou:
"Esse dinheiro seria melhor gasto na assistê ncia aos pobres da Picardia e
Champagne". Ela atendeu ao seu pedido.
O tratado de Vestfá lia de 1648 nã o havia, como se esperava, posto im a
todas as hostilidades. A Espanha continuou a ocupar o norte da França. Por
vinte e cinco anos, exé rcitos da França, Espanha, Alemanha e Lorena
devastaram o campo, deixando para trá s um rastro de matança, pilhagem e
violê ncia. Em sua Miséria na época da Fronda e São Vicente de Paulo , de
Feillet descreve o horror do perı́odo e os esforços do santo para aliviá -lo.
Vicente já havia ajudado o povo de Lorena que havia experimentado o
mesmo sofrimento antes do Tratado de Vestefá lia. Ele agora se entregou,
sem contar o custo, para aliviar a misé ria na Picardia, Champagne e na Isle-
de-France. De sua parte, Louise de Marillac encontraria no horror da guerra
civil outra á rea para "melhor serviço".
O dinheiro foi a primeira necessidade. Vicente mobilizou as Damas de
Caridade para quem leu os relatos de seus missioná rios que serviam as
vı́timas da guerra. Mas as Damas sozinhas nã o podiam fornecer recursos
su icientes. Decidiu-se compartilhar as notı́cias das á reas mais devastadas
com todos que quisessem ouvir. Logo, boletins informativos estavam sendo
enviados para as principais cidades da França. Eles trouxeram contribuiçõ es
generosas que foram cuidadosamente distribuı́das. A Companhia do
Santı́ssimo Sacramento colaborou neste esforço. Sabiamente, Vincent
insistiu que as esmolas fossem limitadas à queles que nã o podiam trabalhar.
Os outros receberiam ferramentas, sementes e outras necessidades que lhes
permitiriam recomeçar a vida.
As doaçõ es foram con iadas aos Sacerdotes da Missã o que partiram
para a zona de guerra. Em dezembro de 1650, havia sete padres e seis
irmã os no esforço de socorro de guerra. Em 1651, seu nú mero aumentou
para dezoito e ainda havia pelo menos dez envolvidos no trabalho em 1652.
Eles descobriram muito rapidamente que o dinheiro por si só nã o era
su iciente. Havia outras grandes necessidades. Foi assim que as ilhas de
Luı́sa de Marillac foram chamadas para cuidar dos doentes, ó rfã os e idosos
abandonados, apesar dos perigos representados pelos exé rcitos
saqueadores e violentos. Nem por um minuto eles hesitaram.
Prudentemente, poré m, Vicente de Paulo conseguiu um salvo-conduto para
eles. Os documentos, datados de 14 de fevereiro de 1651, aconselhavam
todas as autoridades, civis e militares, a respeitá -los. Dizia: "Sua Majestade
proı́be todas as partes em con lito de tomar qualquer coisa dos Sacerdotes
da Missã o ou de pessoas empregadas por eles ou por eles sob pena de
morte".
Em Rethel e Saint-Etienne, as irmã s cuidaram dos doentes e feridos. Em
outros lugares, eles cuidavam de ó rfã os. As contas do perı́odo mostram que
seu nú mero aumentou dramaticamente em um tempo muito curto. Em
1650, havia trinta e cinco. Nos pró ximos anos haveria 1.100—600 dos quais
tinham menos de sete anos de idade. Alé m disso, os Padres da Missã o
descobririam outros 6.000 pequeninos abandonados nas aldeias onde iam
distribuir esmolas. As irmã s foram auxiliadas nessa gigantesca tarefa pelas
mulheres da regiã o que confeccionavam roupas com o material enviado de
Paris.
Uma vez iniciado, o trabalho continuaria. De outro relato, datado de
dezembro de 1655, aprendemos:
As Irmã s da Caridade estã o alojadas no Priorado de Saint-
Thibault-les-Bazoches. Lá eles preparam alimentos e remé dios para os
doentes. Os pobres chegam com os bilhetes que lhes demos para
receber suas raçõ es. Se eles sã o incapazes de andar, a comida é trazida
para eles. As Filhas da Caridade vã o onde podem. Eles sangram os
doentes e dã o os remé dios necessá rios. Houve uma melhora visı́vel em
sua saú de.

O mesmo relató rio continua dizendo que as irmã s frequentemente


encontravam bebê s ao lado de suas mã es mortas e que os doentes que
cuidavam eram 1.200. Ele conclui com um pedido de ajuda: "Nó s de bom
grado damos nossas vidas por esses pobres infelizes. Você nã o pode dar seu
dinheiro?" Era mais do que um apelo. Era uma realidade que Louise de
Marillac sustentava com toda a força de seu ser. Ela escreveu a seus
companheiros: "Lamentamos seu sofrimento, mas muitos de nó s tê m inveja
do serviço que você está prestando a Deus".
Duas irmã s foram enviadas para Estampes em 1651. Apó s a invasã o
das forças da Fronda, em 4 de maio de 1652, Luı́sa enviou outras. Eles
montaram cozinhas de sopa nã o apenas na cidade, mas també m nas aldeias
vizinhas. Milhares de pobres acorreram a eles. Os ó rfã os foram abrigados e
cuidados. O trabalho era exaustivo para os missioná rios e para as irmã s.
Muitos deles icaram doentes. Irmã Marie-Joseph morreria neste serviço aos
pobres. Ela já havia passado dois anos na Picardia e Champagne antes de
chegar a Estampes. Lá ela inalmente caiu de exaustã o. No entanto, quando
ela foi informada de que uma pobre mulher precisava ser sangrada, ela
tentou ir até ela. Ela morreu na tentativa. Vicente de Paulo falou dela aos
companheiros como uma "má rtir da caridade". Louise de Marillac
encorajou-os a imitar seu zelo: "Possui um coraçã o tã o grande quanto o dela
que nã o encontra nada muito difı́cil se realizado por amor de Deus".
A Fronda foi inalmente derrotada, mas as misé rias da guerra
continuaram. Durante as lutas polı́ticas de 1652, os soldados saquearam e
saquearam o campo. A populaçã o de aldeias inteiras fugiu para a capital,
onde já havia 100.000 mendigos. A fome tornou-se uma condiçã o
permanente. Vicente de Paulo descreveu a situaçã o:
As desgraças dos pobres sã o tã o grandes que Mademoiselle Le
Gras nã o tem irmã s su icientes para ajudar os doentes e os refugiados
em todos os lugares que sã o solicitados. Muitas paró quias tê m cozinhas
de sopa. Nossas irmã s de Saint-Paul atendem a mais de 8.000 pessoas
pobres todos os dias, alé m de cuidar dos sessenta a oitenta doentes
pelos quais sã o responsá veis.

Na casa mã e, outros 1.300 pobres tı́midos foram atendidos, junto com
800 refugiados. Nos arredores de Paris, a morte e a destruiçã o corriam
soltas.
Para enfrentar a situaçã o, Vincent e Louise organizaram um "armazé m
de caridade" onde aceitavam presentes em dinheiro e bens. Todas as guildas
comerciais de Paris deram o que podiam. Os açougueiros davam carne, os
alfaiates davam roupas novas e usadas. . . Tudo foi aceito. As irmã s limpavam
e consertavam tudo o que recebiam. Os pacotes eram enviados por barco da
Ilha Saint-Louis ou transportados por estrada para Villeneuve-Saint-
Georges, Juvisy e Gonesse para serem distribuı́dos em centros
cuidadosamente selecionados. Equipes mé dicas compostas por um mé dico e
enfermeiras irmã s cuidavam dos doentes no que restava de suas casas. 193
aldeias foram salvas como resultado desse esforço coletivo.
Ao longo deste con lito sem im, Louise de Marillac continuou a enviar
suas ilhas para os campos de batalha. Em 16 de setembro de 1658, ela
escreveu: "Nã o sei se você ouviu falar que a irmã Françoise Manceaux e a
irmã Marguerite Menage morreram galantemente enquanto serviam os
doentes e feridos em Calais". Outra irmã foi ferida em Chalons. No entanto,
assim que ela se recuperou, ela e trê s companheiros partiram para os
campos de batalha de Sedan. Eles serviram em hospitais de campanha em
Sainte-Menehoult e La Fere. Outras irmã s foram para Bernay e Angers para
cuidar dos atingidos pela peste. De Paris vieram palavras de encorajamento.
Vicente escreveu:
Acredite que Deus cuidará de você onde quer que você vá .
Permaneça irme e nunca perca a con iança na Divina Providê ncia,
mesmo no campo de batalha. Nã o tema. Nenhum mal te atingirá . Se um
de você s perder a vida, saiba que é uma bê nçã o para ela, pois ela
aparecerá diante de Deus carregada de mé rito, tendo dado sua vida por
caridade.

Louise acrescentou: "Nã o tema o mal, mas suporte o que vier em submissã o
ao prazer divino". Verdadeiramente Louise de Marillac e suas ilhas
encontraram uma maneira de fornecer "melhor serviço" à s vı́timas da
guerra.
No trabalho com os enjeitados, Louise de Marillac descobriu a misé ria
em uma instituiçã o que carecia totalmente de meios para responder aos
objetivos para os quais havia sido criada. Ela se encarregou de reorganizar
completamente o trabalho e colocar as crianças em outro ambiente mais
apropriado. No Hotel-Dieu, ela e suas irmã s trabalharam, junto com as
Damas de Caridade, como voluntá rias. Eles colaboraram com os
administradores e funcioná rios de uma instituiçã o que, embora boa em si
mesma, nã o evoluiu com o tempo.
O trabalho com os idosos seria uma criaçã o completamente nova para
ela. De acordo com Abelly, os fundos deveriam vir de "um rico comerciante
de Paris que havia oferecido a Vincent uma grande soma de dinheiro". O
Irmã o Ducournau, secretá rio de Vicente, a irma que esse dinheiro se
destinava à s casas da Congregaçã o da Missã o, mas que, em seu estilo
habitual, Vicente de Paulo colocava as necessidades dos pobres antes das de
sua companhia. Assim, pediu a seu benfeitor se poderia empregar toda a
soma para abrigar e cuidar de artesã os idosos que, em um perı́odo em que
nã o havia pensõ es ou previdê ncia social, haviam sido reduzidos pela idade e
enfermidade à misé ria. De acordo com um contrato feito em 28 de setembro
de 1647, duas casas foram adquiridas no bairro de Saint-Laurent "para
abrigar, alimentar e vestir quarenta pobres de ambos os sexos".
Louise de Marillac assumiu total responsabilidade pela organizaçã o do
trabalho, bem como pelo fornecimento das irmã s para servir aos idosos. Ela
se entregou de todo coraçã o à sua tarefa, re letindo sobre ela diante de Deus
e aplicando a ela todos os recursos de uma mente e um coraçã o capazes de
discernir as necessidades do futuro e as do presente. Ela diria:
Quanto maior o trabalho, mais importante é estabelecê -lo sobre
uma base só lida. Assim, nã o só será mais perfeito; també m será mais
duradouro.

Como o nú mero de vagas era limitado, o processo de seleçã o foi difı́cil.
Eles nã o queriam aceitar mendigos pro issionais, mas sim trabalhadores
idosos de boa reputaçã o. Eles procuraram criar uma atmosfera produtiva
agradá vel na casa. Deus ocuparia o primeiro lugar e Vicente frequentemente
vinha falar aos moradores Dele com sua maneira simples e direta. Os textos
que ainda possuı́mos mostram a admiraçã o e respeito que tinha por cada
um deles.
Por sua vez, Louise de Marillac compreendia que o medo de ser um
fardo para os outros era o maior sofrimento da velhice. No programa da casa
ela escreveu: "Para a e icá cia espiritual e temporal da casa, é essencial que
ningué m se sinta inú til, especialmente no inı́cio".
A organizaçã o do trabalho incorporou conceitos que prenunciavam a
terapia ocupacional atual. Os artesã os foram solicitados a montar o icinas
onde os moradores pudessem ser empregados em tarefas que estivessem de
acordo com sua força decrescente, mas que també m fossem interessantes e
lucrativas. Eles puderam assim trabalhar em seus antigos ofı́cios como
tecelõ es, sapateiros, fabricantes de botõ es, rendeiros e costureiros. Eles até
foram contratados para fazer alguns trabalhos para lojas em Paris. Sobre
tudo isso, Louise comentou: "Se algum lucro é obtido com o trabalho, é para
que a casa possa ser ampliada e mais idosos atendidos".
Mas os pró prios moradores també m estavam interessados em lucrar
com seus empreendimentos, já que cada um recebia um quarto do dinheiro
ganho com seu trabalho. Como tudo lhes era fornecido, exceto vinho, isso
lhes dava um pouco de dinheiro para gastos pessoais. A medida provou ser
sá bia, pois na maioria das vezes os ganhos dos homens iam, no todo ou em
parte, para "bom â nimo". Em geral, as mulheres eram um pouco mais
cautelosas em gastar os frutos de seu trabalho.
A intençã o original do contrato de 29 de outubro de 1653, que era
impedir a propagaçã o da mendicidade, "a mã e de todos os vı́cios",
providenciando o atendimento aos trabalhadores idosos do Hospı́cio do
Santı́ssimo Nome de Jesus, foi admiravelmente cumprida — graças ao gê nio
criativo de Louise de Marillac. As notı́cias de seu sucesso logo chegaram à s
Damas de Caridade, que queriam estender o trabalho a todos os mendigos
de Paris. A Companhia do Santı́ssimo Sacramento teve um de seus membros
envolvido exclusivamente neste trabalho. No entanto, a abordagem foi
totalmente diferente. Enquanto as Damas de Caridade trabalhavam
publicamente, os membros da Companhia do Santı́ssimo Sacramento
escondiam suas açõ es caritativas. Isso impediu sua participaçã o em
qualquer trabalho estabelecido. Alé m disso, as Damas pareciam acreditar
que a caridade era mais propriamente o trabalho das mulheres. Em um de
seus documentos lemos:
Se um trabalho é polı́tico, parece que deve ser realizado por
homens. No entanto, se for considerada uma obra de caridade, as
mulheres podem realizá -la da mesma forma que realizaram outros
grandes e difı́ceis exercı́cios de caridade que Deus, em sua bondade,
abençoou.

As Damas encontraram-se com Vicente de Paulo e instaram-no a


começar imediatamente. Como de costume, ele atrasou a tomada de uma
decisã o. No entanto, ele iniciou alguma açã o. Ele obteve a terra do
Salpetriere da Rainha. Os primeiros mendigos deveriam ser aceitos em
cará ter experimental. Vicente disse à s senhoras:
Vamos primeiro experimentar. Acolhamos apenas 100 a 200
pobres, e depois apenas aqueles que querem vir. Ningué m deve ser
forçado. Se aqueles que chegam primeiro sã o bem tratados e felizes,
atrairã o outros. Assim, pouco a pouco, o nú mero crescerá de acordo
com os recursos que a Divina Providê ncia fornecerá . Nada se perde
agindo assim. Pelo contrá rio, a precipitaçã o e a restriçã o sã o um
obstá culo ao desı́gnio de Deus.

A construçã o foi iniciada na terra do Salpetriere. No entanto, a oposiçã o


ao plano original logo apareceu. Seu escopo foi considerado muito estreito.
Os pobres indesejá veis tiveram que ser retirados das ruas. Em 1656, um
decreto real proibiu a mendicidade. Dos 40.000 pobres que solicitaram
esmolas aos cidadã os de Paris, apenas 4.000 - 5.000 estavam dispostos a
entrar no hospital geral ou seus anexos. O Regente decretou que a
Congregaçã o da Missã o providenciasse o bem-estar espiritual dos internos.
Nã o querendo colaborar neste esforço para privar os pobres de sua
liberdade, Vicente de Paulo recusou. Louise de Marillac, no entanto, enviou
duas irmã s para ajudar a cuidar das internadas.
Foi assim que Luı́sa e suas companheiras encontraram no Hospı́cio do
Santı́ssimo Nome de Jesus e no Salpê triè re mais uma forma de prestar
"melhor serviço" aos pobres.
Se o destino dos mendigos na Paris do sé culo XVII era lamentá vel, o
destino dos doentes mentais era trá gico. O sofrimento deles nã o era
desconhecido para Vicente de Paulo. Quando tomou posse do Priorado de
Saint-Lazare, assumiu o cuidado de vá rios doentes e doentes mentais. Ele
cresceria a amá -los tanto que disse que seriam essas almas sofredoras,
doentes no corpo ou na mente, de quem mais sentiria falta se fosse chamado
a deixar Saint-Lazare.
Como sempre, sua caridade nã o se limitaria à sua pró pria casa. O
Gabinete para os Pobres, estabelecido no sé culo XVI para combater a
mendicidade, estava nesse perı́odo em um grande hospital que abrigava 400
homens e mulheres pobres, idosos, doentes e loucos. O pró prio Vincent
descreveu as condiçõ es lá :
Nas Petites Maisons há todos os tipos de pessoas loucas e
mentalmente perturbadas amontoadas. Há brigas contı́nuas. E
realmente incrı́vel. Há tanta hostilidade que nem mesmo dois deles
podem permanecer juntos por muito tempo. Eles tê m que ser
separados e cada um se agacha e rumina em seu canto.

A extensã o total da misé ria dessas pessoas pobres tornou-se ainda


mais evidente para Vicente em 1639, quando ele pregou uma missã o para
eles. Ele preparou um pequeno livreto para seu uso que incluı́a as principais
verdades da Fé Cató lica e uma seleçã o de oraçõ es. Apó s a missã o, o trabalho
de catequizaçã o desses pobres infelizes foi continuado pelos sacerdotes da
Conferê ncia de terça-feira.
Naturalmente, Vincent discutia frequentemente o trabalho com sua
amiga e colaboradora, Louise de Marillac. Juntos, eles se prepararam para
enviar irmã s à s Petites Maisons para cuidar dos doentes mentais e das
mulheres doentes. Uma das mais destacadas das primeiras Filhas da
Caridade foi selecionada para iniciar este trabalho. Em homenagem à
ocasiã o, Louise pediu a Vicente "que falasse à s irmã s sobre o bem que
poderia ser realizado em tal lugar". Em 18 de dezembro de 1655, as irmã s se
reuniram para ouvi-lo. Inspirando-se no Evangelho e na vida de Jesus Cristo,
Vicente lembrou-lhes:
Gostaria que você s soubessem, Irmã s, que Nosso Senhor quis
experimentar em Sua pró pria Pessoa todas as misé rias imaginá veis. A
expressã o bı́blica é que era Sua vontade ser um escâ ndalo para os
judeus e uma loucura para os gentios, a im de mostrar a você que você
pode servi-lo em todos esses pobres a litos. E é por isso que Ele quis
entrar neste estado, para que Ele pudesse santi icá -lo como Ele fez com
todos os outros. Você deve saber que Ele está presente naqueles pobres
desprovidos de inteligê ncia como Ele está em todos os outros. E com
isso em mente que você deve prestar-lhes serviço, e quando você for
entre eles você deve se alegrar e dizer a si mesmo: "Eu vou a esses
pobres para honrar em suas pessoas a Pessoa de Nosso Senhor; eu vou
veja neles a Sabedoria Encarnada de Deus que quis passar por tal,
embora Ele nã o fosse assim na realidade”.
Vincent vinha frequentemente visitar as irmã s em seu trabalho. Mais
uma vez, suas tarefas eram humildes: lavar, cozinhar, enfermaria, mas tudo
era feito com um espı́rito de amor que conquistava todos os coraçõ es.
Neste perı́odo havia cerca de setenta doentes mentais . No entanto, a
enfermaria tinha apenas dezoito leitos: quatro para os homens e quatorze
para as mulheres. Rapidamente, o nú mero de procura de atendimento
cresceu. Os lugares tinham que ser reservados com bastante antecedê ncia.
Houve uma é poca em que até o pró prio Vincent nã o conseguia colocar um
paciente. Ele escreveu: "E impossı́vel que este pobre homem perturbado
seja admitido nas Petites Maisons, já que nunca há uma cama vazia. Estas
sã o reservadas muito antes de estarem disponı́veis".
Abelly testemunha que "os administradores prestaram homenagem à s
Filhas da Caridade por terem reti icado uma sé rie de distú rbios que
ofendiam a Deus, prejudicavam a reputaçã o da casa e causavam sofrimento
adicional aos pacientes". Aqui como em outros lugares, as irmã s estavam
vivendo a Regra que lhes foi dada por Vicente e Luı́sa:
. . . servir os pobres com alegria, coragem, constâ ncia e amor. . . ter
muito cuidado com os bens dos pobres e os interesses da casa. . . seja
iel à oraçã o, mesmo indo e vindo, se o tempo nã o permitir que você
faça sua meditaçã o na capela.

Em uma palavra, eles deveriam trazer a mã o amorosa de Cristo para o


mundo desumanizado da doença mental.
Isso nã o quer dizer que tudo correu bem. A histó ria da obra fala de
uma sé ria altercaçã o entre o capelã o e a irmã encarregada. Os
administradores tomaram conhecimento da situaçã o e tentaram mediar.
Neste ponto, Louise interveio e ameaçou retirar as irmã s "caso qualquer
desonra recaı́sse sobre o capelã o, a quem somos obrigados a respeitar". As
irmã s també m sofreram maus-tratos dos pacientes. Eles aceitaram tudo sem
ressentimentos, continuando a servir os pobres no espı́rito da Irmã Nicole,
cujo trabalho se tornou lendá rio. Uma conta relata:
Eles internaram um doente mental pobre que tinha uma perna
infectada e em decomposiçã o, cheia de vermes. Ele tinha o ferimento
há muito tempo. Ele havia sido internado em uma casa particular por
trê s anos, durante os quais foi tratado por cirurgiõ es que aplicaram
todos os remé dios imaginá veis, mas sem nenhum sucesso. Ele foi
julgado incurá vel. Quando ele foi admitido, o cirurgiã o da casa o viu. Ele
logo abandonou o tratamento, assim como os enfermeiros que
sentiram repulsa por sua infecçã o. Neste ponto, a irmã Nicole assumiu
o comando dele. Ela cuidou dele com tanta gentileza e con iança em
Deus que o curou em muito pouco tempo simplesmente usando
remé dios comuns.

Mais uma vez, outro grupo de pobres foi "mais bem servido". No
entanto, as fronteiras da França logo se mostrariam estreitas demais para o
zelo caridoso de Vicente e Luı́sa. Em 1653 suas Filhas da Caridade partiriam
para a Polô nia.
Entre as 120 Damas de Caridade do Hô tel-Dieu de Paris, uma se
destacou por sua notá vel beleza e sua extraordiná ria bondade para com os
pobres a quem foi apresentada por Vicente de Paulo. Ela era Louise-Marie
de Gonzague, que se tornou rainha da Polô nia em 1645. Mesmo apó s a
morte de seu marido, Wladislas IV, ela manteve sua posiçã o por seu
casamento com o irmã o do rei morto, John Casimir. Em sua nova pá tria, ela
nunca esqueceu Vicente de Paulo, a quem venerava, chamando-o de "o anjo
do Senhor que traz nos lá bios os fogos ardentes do amor divino que ardem
em seu coraçã o".
Ainda na França, a jovem rainha tinha visto o trabalho dos primeiros
Sacerdotes da Missã o. Conhecia Luı́sa de Marillac e amava as humildes
Filhas da Caridade que se dedicavam aos pobres ao lado das Damas da
Caridade do Hotel-Dieu. Quando a misé ria se abateu sobre seu reino, ela
pediu a ajuda dessas irmã s treinadas por Louise. Eles se juntariam aos
Sacerdotes da Missã o, que chegaram à Polô nia logo apó s sua ascensã o ao
trono. Em uma Conferê ncia datada de 14 de julho de 1651, Vicente falou à s
irmã s do pedido da Rainha:
Isso deve dar-lhes grande coragem, minhas queridas Filhas, para
valorizar as disposiçõ es que Deus lhes deu, porque, pela graça de Deus,
nã o sei se alguma vez alguma de você s se recusou a ir para onde ela
estava. enviei. Nã o, nã o conheço nenhum. . . Eu sei, minhas Filhas, que
pessoas a mais de 600 lé guas de distâ ncia estã o perguntando por
você s; Recebi cartas deles. Sim, pessoas a mais de 600 lé guas de
distâ ncia estã o pensando em você ; e se há rainhas que perguntam por
você , també m sei de outras alé m-mares que perguntam por você .
Passaram-se dois anos antes que trê s irmã s inalmente partissem para
a longa e cansativa jornada pelo Bá ltico e pela Alemanha para se juntar à
rainha em Lowicz. Apó s um perı́odo de adaptaçã o durante o qual as irmã s se
acostumaram ao novo ambiente, a rainha decidiu enviar duas delas a
Cracó via para servir aos pobres, enquanto a terceira icaria com ela. No
entanto, a irmã em questã o, Marguerite Moreau, protestou:
Ah, senhora, o que você está perguntando? Somos apenas trê s
para servir os pobres. Há muitas pessoas no reino mais capazes do que
nó s para servir a Vossa Majestade. Permita-nos, senhora, fazer o que
Deus nos pede aqui e o que fazemos em outros lugares. "O que, você
nã o quer me servir", disse a Rainha. Perdoe-me, senhora, mas foi Deus
quem nos chamou para servir os pobres.

Irmã Marguerite fez seu ponto. A formaçã o dada por Louise estava
dando frutos.
Esta fundaçã o, como tantas outras novas obras, teve um inı́cio difı́cil,
causado principalmente por um funcioná rio nomeado pela Rainha para
supervisionar as irmã s. Nã o satisfeito em supervisionar seu trabalho, o
supervisor tentou controlar suas vidas. O assunto foi inalmente resolvido, e
a rainha pediu irmã s adicionais. Em 1655 eles partiram para Rouen na
primeira etapa de sua viagem para se juntarem a seus trê s companheiros.
No entanto, o avanço das tropas russas em Varsó via obrigou-os a adiar o
restante de sua viagem.
Enquanto isso, as primeiras irmã s continuaram a servir os pobres em
Varsó via e depois na Silı́cia. Os poloneses recuperaram a posse de sua
capital em 1657 apó s um longo cerco durante o qual as irmã s cuidaram dos
feridos. Eles já haviam aberto uma escola na qual agora aceitavam crianças
ó rfã s pela guerra.
Em 1660, outro grupo de irmã s foi escolhido para a Polô nia. Esta foi
uma das ú ltimas alegrias de Vicente de Paulo. Embora Luı́sa nã o tenha
vivido para vê -los partir, ela estava presente na mente e no coraçã o de suas
ilhas, pois foi ela quem formou nelas aquele espı́rito de caridade e
abnegaçã o que faria Sã o Vicente de Paulo exclamar, dez dias antes de sua
morte. morte, "Bendito seja Deus que assim dispô s os coraçõ es de Suas
ilhas. Eles sã o convidados a ir para a Polô nia, e eles estã o prontos!"
No entanto, nã o foi apenas para a Polô nia que eles estavam prontos
para ir. Em 29 de setembro de 1655, a jovem Companhia reuniu-se em torno
de Vicente e Luı́sa enquanto ele lhes falava da alegria de servir aos pobres:
Que consolaçã o ter a certeza de que se está agradando a Deus, que
se está fazendo o que Deus quer e dando alegria a Deus! Que
consolaçã o para um pai ver seus ilhos fazendo sua vontade! Isso vale
para Deus, Irmã s. Ele se agrada de ver pessoas que querem apenas o
que Ele quer. . . Agradeça a Deus por estar associado ao Seu Filho em
dar-Lhe alegria e prazer.
. . . Você deve estar pronto para ir a qualquer lugar, porque está
sendo solicitado por todos os lados. . .
Em Madagascar, nossos senhores nos suplicam que lhes enviemos
Filhas da Caridade para ajudá -los a ganhar almas. Os padres Mousnier
e Bourdaise me dizem que acreditam que este é um passo essencial
para levar a populaçã o local à fé . Eles gostariam de um hospital para os
doentes e uma escola para a educaçã o das meninas. Eles també m
pedem que enviemos alguns dos enjeitados que sabem trabalhar para
que possam ensinar outros. E é por isso que você deve estar preparado
para ir até lá . E uma viagem de 4.500 lé guas e leva seis meses. Irmã s,
estou lhes dizendo isso para que possam ver os desı́gnios de Deus
sobre você s. Portanto, disponham-se, minhas Filhas, e entreguem-se a
Nosso Senhor para irem aonde Lhe agradar.
Você está decidido a ir a todos os lugares sem exceçã o?
"Sim, pai", eles responderam.
Mas você está realmente tã o disposto? Se sim, diga-me.
Todas as irmã s se levantaram e novamente declararam que sim.

Dois sé culos se passariam antes que o sonho de ter irmã s em


Madagascar se tornasse realidade, mas a semente estava plantada. Acabaria
por dar frutos.
Na França e alé m de suas fronteiras, onde quer que a misé ria dos
tempos os chamasse, Louise de Marillac e suas ilhas encontraram uma
maneira de prestar "melhor serviço" aos pobres.
Capı́tulo VII

NOVOS COMEÇOS

A açã o multifacetada nunca pode ser obra de uma ú nica pessoa. Com o
passar dos anos, o alcance da atividade caritativa à qual Louise de Marillac
dedicou sua vida se ampliou à medida que se aprofundou seu amor por
Jesus Cristo, a quem ela serviu nos pobres. A sua relaçã o com Vicente de
Paulo, que conheceu por volta do ano de 1623, viria a revelar-se decisiva a
este respeito. Antes de seu contato com ele, ela havia ajudado seu vizinho de
forma limitada. Sob sua orientaçã o, seu horizonte se expandiu. Cada vez
mais ela penetrava no misté rio da identi icaçã o de Cristo com os pobres:
"Tudo o que izerdes ao menor dos meus, isso a mim o fazeis". Em breve ela
nã o se contentaria mais em levar algumas guloseimas a um pobre, cuidar de
um vizinho doente, abrigar um necessitado ou arranjar emprego para uma
jovem. Embora esses esforços continuassem por vá rios anos, ela se tornaria,
ao mesmo tempo, Presidente de uma das primeiras Confrarias da Caridade
em Paris, a de sua pró pria paró quia, Saint-Nicolas-du-Chardonnet. Assim,
ela renovaria seus contatos com as famı́lias nobres do elegante bairro do
Marais, e "juntos" serviriam os pobres, inclusive os escravos das galé s.
Depois de um perı́odo de discernimento durante o qual procuraram
descobrir a vontade de Deus em relaçã o a ela, Vicente de Paulo enviou Luı́sa,
em 1629, para visitar as Confrarias da Caridade que ele e seus sacerdotes
haviam estabelecido nas provı́ncias e nos arredores de Paris. . Em
colaboraçã o com as Senhoras da Caridade de toda a França, fez a sua
aprendizagem no serviço corporal e espiritual dos doentes e necessitados.
A in luê ncia discreta mas irme de Vicente de Paulo continuou a guiar
Louise para a dedicaçã o total de sua vida ao serviço dos pobres. A
colaboraçã o deles icou cada vez mais pró xima. Desde os primeiros dias de
seu relacionamento, Vincent a manteve informada de seus esforços
apostó licos. Agora, poré m, ele suscitou sua participaçã o ativa e pediu seu
conselho: "O que você acha, mademoiselle?"
Novos projetos se seguiriam em rá pida sucessã o, à medida que toda a
gama de misé rias humanas se tornasse aparente para seus zelosos coraçõ es.
O sucesso e o fracasso marcaram esses empreendimentos. Mas houve muito
mais sucessos do que fracassos, pois tudo foi cuidadosamente e em oraçã o
considerado antes de ser empreendido. Vicente costumava dizer: "Nosso
Senhor quer que O sirvamos com prudê ncia. O contrá rio é chamado de zelo
excessivo". Se a má xima era de Vincent, sua aplicaçã o era frequentemente
reiterada por Louise. Em uma ocasiã o ela escreveu:
Como eu queria re letir sobre esta obra diante de Deus, percebi
que devo examinar todos os aspectos dela: seu inı́cio, sua continuaçã o e
sua possı́vel conclusã o. Quanto maior o trabalho, mais importante é
estabelecê -lo sobre uma base só lida. Assim será mais perfeito e mais
duradouro.

Se Vicente recomendasse constantemente que evitassem "antecipar a Divina


Providê ncia", nenhum deles jamais abandonaria um trabalho, quaisquer que
fossem as di iculdades que pudessem encontrar, uma vez que se tivesse
determinado, apó s discernimento orante, que Deus o havia querido.
Louise de Marillac tem sido frequentemente retratada como uma
simples discı́pula seguindo as diretrizes de um mestre venerado. Nada
poderia estar mais longe da verdade. Vicente de Paulo tinha muito respeito
pela pessoa de Luı́sa para nã o permitir que ela desse toda a medida de seus
extraordiná rios talentos a serviço de Deus e dos pobres. Embora ele
estivesse sempre lá para apoiá -la em tempos de crise, ele geralmente a
incentivava a usar sua pró pria iniciativa. "Faça o que você julgar melhor",
era sua resposta frequente à s perguntas que ela lhe dirigia. Foi mais em
apoio mú tuo que eles avançaram para combater a misé ria humana onde
quer que a encontrassem. Esta uniã o torna inú til tentar estabelecer qual
deles teve a maior parte em seus numerosos empreendimentos de caridade.
O que eles izeram, eles izeram em colaboraçã o respeitosa - exceto, é claro,
as obras que tratam da reforma do clero, que devem ser atribuı́das
inteiramente a Vicente. Quanto ao resto, eles trabalharam juntos por quase
quarenta anos.
Vicente de Paulo e Luı́sa de Marillac nã o estiveram sozinhos na grande
renovaçã o caritativa e mı́stica que marcou a primeira metade do sé culo XVII.
A Companhia do Santı́ssimo Sacramento trabalhou despercebida para o
mesmo im e frequentemente em colaboraçã o com Vicente e Luı́sa. Vá rias
congregaçõ es de religiosas foram fundadas na França para ajudar os pobres.
Entre elas estavam as Filhas da Providê ncia que cuidaram de meninas e
mulheres em perigo moral, e as Filhas da Cruz que receberam grande apoio
de Vicente em seus esforços de caridade. Longe de buscar exclusividade em
seus empreendimentos, Vicente e Luı́sa contribuı́ram com o que puderam
para aliviar a misé ria humana iniciando, apoiando ou colaborando em
empreendimentos bene icentes. Muitas vezes, sua colaboraçã o passou
despercebida, mas, segundo Louise, "se Deus for glori icado, isso basta".
Essa total falta de interesse pró prio explica, em grande medida, sua
in luê ncia e seu sucesso.
As Damas da Caridade revelaram-se um apoio indispensá vel nesta
vasta rede de caridade. Como Louise havia feito antes deles, Madame
Goussault e Mademoiselle Pollalion, Tesoureira das Damas do Hô tel-Dieu,
visitariam as Confrarias de Caridade nas provı́ncias. A duquesa de Aiguillon,
sobrinha de Richelieu, fazia uma contribuiçã o anual de 200 moedas de ouro
para ajudar a alimentar os doentes que eram atendidos pelas irmã s. A
Princesa do Conde e Mademoiselle Violle desempenharam papé is
importantes no cuidado dos enjeitados. Grande foi a alegria de Vicente
quando as Damas votaram para estender este trabalho a todos os enjeitados
da capital. A pedido de vá rios membros, as Senhoras també m abriram vá rios
hospitais e casas de caridade para os quais Luı́sa escolheu o pessoal entre as
Filhas da Caridade. Eles até estenderam seu trabalho até a Polô nia na pessoa
da rainha Louise-Marie de Gonzague.
Isso nã o quer dizer que essa colaboraçã o foi sem di iculdade. Como em
qualquer organizaçã o, houve alguns que quiseram assumir tudo, outros que
tiveram que ser pressionados a cumprir as condiçõ es de um contrato, e
muitos mais que, apó s um primeiro entusiasmo, cederam à indiferença,
colocando todo o empreendimento em perigo. Um exemplo revelador disso
está registrado no fervoroso apelo de Vincent à s Damas sobre o destino dos
enjeitados. Ele foi forçado a enfrentá -los pelo pedido angustiado de Louise
em favor das mã es adotivas nã o remuneradas que foram forçadas a devolver
os bebê s à s irmã s porque eram muito pobres e exaustas para continuar
fornecendo leite. Com rara eloquê ncia, Vincent os desa iou:
A caridade e a compaixã o os levaram a adotar essas pobres
criaturas como seus ilhos. Agora você també m vai abandoná -los? Suas
vidas e suas mortes estã o em suas mã os.

A colaboraçã o nesta grande obra e em muitas outras continuou. Em


uma reuniã o realizada pouco tempo depois, Vincent disse sobre os
enjeitados: "Eles estã o alojados com as Filhas da Caridade, e Mademoiselle
Le Gras está cuidando deles". Vicente e as Damas da Caridade deram seu
apoio, mas em todos os seus empreendimentos caritativos, as colaboradoras
mais pró ximas de Louise de Marillac seriam as Filhas da Caridade.
Em 1645, quando o pequeno grupo procurou pela primeira vez o
reconhecimento da Igreja, eles estavam juntos há doze anos, levando uma
vida fraterna comum na qual eram "totalmente entregues a Deus para o
serviço dos pobres". O pedido de aprovaçã o, dirigido a Jean François de
Gondi, Arcebispo de Paris, dá uma visã o clara de sua evoluçã o. Louise pesara
cuidadosamente cada palavra deste documento assinado por Vicente de
Paulo, e sua humildade a teria levado a eliminar seu pró prio papel no
ocorrido. No entanto, a simples verdade prevaleceu. Lê -se em parte:
Apó s o estabelecimento das Confrarias da Caridade em vá rias
aldeias, algumas mulheres caritativas de Paris icaram tã o comovidas
com o que havia sido realizado que instaram seus pá rocos a
estabelecer grupos semelhantes em suas paró quias. Isso foi feito e
Deus abençoou seu trabalho.
No entanto, como os membros dessas Confrarias eram, em sua
maioria, mulheres nobres, sua condiçã o social e obrigaçõ es nã o lhes
permitiam realizar as tarefas mais humildes e desagradá veis, como
carregar uma panela de sopa pela cidade, dar banho nos doentes,
amarrar curar suas feridas, icar com os que estavam sozinhos,
preparar seus corpos para o enterro. . . Assim, para ajudá -los, eles
contrataram algumas boas moças do campo a quem Deus havia dado o
desejo de servir aos pobres depois de terem sido treinadas por uma
viú va virtuosa chamada Mademoiselle Le Gras. Para fornecer meninas
para as Confrarias, a mencionada Mademoiselle Le Gras treinou outras
em sua casa. Normalmente, ela tinha mais de trinta moças trabalhando
com ela, as quais empregava para ensinar menininhas pobres; visitar
os doentes da paró quia, levando-lhes alimentos e remé dios; ou para
responder à s necessidades dos pobres que os procuravam em busca de
ajuda.

A vasta rede de caridade estava se espalhando, mas Vicente de Paulo e


Louise de Marillac sabiam que, para que ela durasse, era necessá rio algo
mais. A sua actividade caritativa exigia raı́zes só lidas, pois, como assinala o
pedido de reconhecimento da Igreja, «as obras para o serviço de Deus
terminam geralmente com quem as iniciou, a menos que haja um vínculo
espiritual entre os que nelas se empenham ». Este "vı́nculo espiritual" deveria
ser o voto feito a Deus para servir os pobres juntos na Companhia das Filhas
da Caridade. Agora é hora de examinar mais de perto a natureza dessa
consagraçã o.
Capı́tulo VIII

FONTE E MODELO DE TODA CARIDADE

A raiz de açã o das Filhas da Caridade, como de suas fundadoras, foi a


contemplaçã o de Cristo na pessoa dos pobres com os quais Ele se identi ica.
A avaliaçã o de Bremond de Vicente de Paulo, encontrada em sua História
Literária do Pensamento Religioso , é igualmente aplicá vel a Louise de
Marillac. Ele escreveu:
Nã o foram os pobres que o conduziram a Deus, mas sim Deus que
o conduziu aos pobres. O maior de nossos homens de açã o foi, antes de
tudo, um mı́stico.

Tanto Vincent quanto Louise eram ilhos de uma é poca em que o


misticismo loresceu. Laços estreitos uniam Vicente de Paulo a Berulle e
Olier, enquanto Louise de Marillac mantinha laços com seu tio Michel, os
Carmelitas e os Visitandinos. Berulle escreveu: "Todo o desı́gnio do amor de
Deus no mundo está resumido no misté rio da Encarnaçã o". Vicente e Luı́sa
compartilhavam essa visã o, mas nã o a limitavam a uma contemplaçã o
intelectual de um misté rio. Em vez disso, eles contemplaram o Verbo
Encarnado onde Ele estava escondido na terra: na pessoa dos pobres.
Vicente diria: "Os pobres sã o Jesus Cristo".
Para as fundadoras das Filhas da Caridade, nã o só o Filho de Deus, ao
se fazer Homem, escolheu ser pobre e humilde, mas quis identi icar-se com
os pobres. No Evangelho, Ele nos diz: "Tudo o que izerem pelo menor dos
meus, isso você s farã o a mim". Isso é tã o verdadeiro que o julgamento inal
do homem dependerá de seu tratamento aos pobres. Para estar convencido
disso, basta abrir o Evangelho e reler o relato de Sã o Mateus sobre o Juı́zo
Final. Cristo, o justo Juiz, diz:
Vinde, vó s a quem meu Pai abençoou, tomai por herança o reino
que vos está preparado desde a fundaçã o do mundo. Pois eu estava
com fome e você me deu comida; eu estava com sede e você me deu de
beber; Eu era um estrangeiro e você me acolheu, nu e me vestiu,
doente, e você me visitou, na prisã o, e você veio me ver. . . Digo-lhe
solenemente, na medida em que você fez isso a um dos meus irmã os
mais pequeninos, você fez isso a mim.

Luı́sa de Marillac viveu diariamente estas palavras de Cristo,


respondendo a um chamado cada vez mais urgente, um chamado que
Vicente de Paulo a ajudou a discernir e depois traduzir em realidade
concreta.
Já nos primeiros anos de viuvez, ela previu o lugar que o "serviço ao
pró ximo" ocuparia em sua vida. Isso se re lete em suas notas de retiro desse
perı́odo durante o qual ela procurava descobrir a vontade de Deus para ela.
O essencial de sua busca é encontrado em uma oraçã o que data desta é poca:
Livre de todo vı́nculo, para seguir Jesus Cristo e servir ao pró ximo
com humildade e mansidã o.

Em 1627 Vincent pediu-lhe que izesse camisas para a Confraria da Caridade


de Gentilly. Quando ela escreveu para ele para dizer que eles estavam
prontos, ela disse: "Se os membros de Jesus precisam deles, e você deseja
que eu os forneça, eu o farei com prazer". A expressã o "membros de Jesus" é
frequentemente usada por Louise. Traz a marca da preciosidade na
linguagem do perı́odo em que viveu, mas conté m uma profunda verdade
teoló gica, a do Corpo Mı́stico de Cristo tã o querido a Sã o Paulo:
Todos batizados em Cristo, todos você s se revestiram de Cristo, e
nã o há mais distinçã o entre judeu e grego, escravo e livre, homem e
mulher, mas todos você s sã o um em Cristo Jesus.
Alguns anos mais tarde, quando visitava as Confrarias da Caridade,
Luı́sa tinha muitas vezes ocasiã o de recordar à s Senhoras esta presença de
Deus nos pobres. Ao comentar sua Regra, re letia com eles sobre as palavras
que exprimiam a razã o de sua existê ncia: "honrar Nosso Senhor Jesus Cristo
na pessoa de seus pobres membros". Com insistê ncia ainda maior, ela
recordaria essa mesma verdade à s Filhas da Caridade quando sua "Pequena
Companhia" estava surgindo. O primeiro artigo de sua Regra centra sua
vocaçã o no chamado de Deus para contemplá -lo, amá -lo e servi-lo nos
pobres, já que seu Filho, tornando-se homem, quis identi icar-se com eles.
Ele lê :
O im principal para o qual Deus chamou e reuniu as Filhas da
Caridade é honrar Nosso Senhor Jesus Cristo como fonte e modelo de
toda caridade, servindo-O corporal e espiritualmente na pessoa dos
pobres, sejam doentes, crianças, presos ou outros. que, por vergonha,
nã o se atrevem a dar a conhecer os seus desejos.

Esta obrigaçã o de olhar os pobres com os "olhos da fé " caracteriza o


espı́rito das Filhas da Caridade. Vicente de Paulo e Luı́sa de Marillac
buscaram constantemente aprofundar esta convicçã o. Em 29 de agosto de
1648, Mademoiselle Le Gras escreveu:
Tenhamos continuamente diante dos olhos o nosso modelo, que é
a vida exemplar de Jesus Cristo, a quem somos chamadas a imitar, nã o
só como cristã s, mas també m como mulheres escolhidas por Deus para
servi-lo na pessoa dos pobres.

Seja nas conferê ncias espirituais à comunidade, seja na


correspondê ncia, seja nos vá rios textos da antiga Regra elaborada por
Vicente e Luı́sa, o tema recorrente era sempre o versı́culo de Sã o Paulo que
se tornaria o lema da Companhia: "A caridade de Cristo nos exorta."
A raiz da açã o é a contemplaçã o de Cristo nos pobres. No entanto, esta
contemplaçã o que lhes permitiria "ver" Cristo naqueles a quem foram
chamados a servir, devia ser alimentada por uma vida de oraçã o. Foi assim
que as fundadoras insistiram que as irmã s fossem ié is à oraçã o, todos os
dias, por pelo menos uma hora.
Em 1633, essas "boas moças do campo" se uniram "para se entregarem
totalmente a Deus para o serviço dos pobres". Primeiro como assistentes
das Damas de Caridade, depois como Companhia independente reconhecida
pela Igreja na França, continuaram sua vida de consagraçã o. Onde, senã o na
oraçã o, eles tirariam a força necessá ria para amar a Deus e ao pró ximo dessa
maneira? Pacientemente, Louise de Marillac os conduziu a esta uniã o com
Deus. Vicente continuou a encorajá -los a perseverar em seus esforços. Em
suas conferê ncias para elas, que se tornaram a carta da Companhia, ele
mistura pensamentos elevados com conselhos simples e prá ticos, pois é
preciso lembrar que a maior parte dessas primeiras Filhas da Caridade eram
analfabetas, assim como a grande maioria das mulheres. no sé culo XVII. Para
que nã o desanimassem com suas limitaçõ es, Vincent sugeriu o uso de
imagens:
Faça uso de gravuras de bom tamanho dos principais misté rios da
vida e paixã o de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nã o se pode fazer uma
excelente meditaçã o detendo-se na paixã o e morte de nosso Salvador?

Durante as Conferê ncias de Sã o Vicente de Paulo, as irmã s se


revezavam na fala. A eloquê ncia tranquila de Louise de Marillac se misturou
com comentá rios mais simples, mas nã o menos profundos, das outras irmã s.
A Conferê ncia de 31 de maio de 1648, sobre a oraçã o, ilustra esse
procedimento e ao mesmo tempo revela algo da vida de oraçã o da
comunidade primitiva. Quando chamada a falar, Mademoiselle Le Gras disse:
Quando oramos, falamos com Deus. . . Esta vinda e habitaçã o de
Deus em nó s é marcada por uma plenitude de dons e graças. Eu
desejava dar pleno consentimento para sua recepçã o. . . para que eu
possa participar da plenitude que os Apó stolos parecem ter tido, visto
que seu entendimento foi iluminado e preenchido com o conhecimento
necessá rio para sua vocaçã o, sua memó ria bastante refrescada sobre as
palavras e açõ es do Filho de Deus, sua vontade ardendo de Seu amor e
o amor ao pró ximo; e a plenitude do Espı́rito Santo, operando
fortemente neles, ensinou-os a falar e a ensinar com e icá cia a grandeza
e o amor de Deus. Eu desejava muito glori icar a Deus em suas
maravilhosas obras, abandonar-me a Ele, para que em e por mim Ele
pudesse realizar Sua santı́ssima vontade. . .

Uma das outras irmã s compartilhou seus pensamentos:


E na oraçã o que aprendemos a vontade de Deus, nos
aperfeiçoamos, adquirimos forças para resistir à s tentaçõ es e nos
fortalecemos em nossa vocaçã o; en im, na oraçã o nossa alma tem a
felicidade de falar de coraçã o a coraçã o com Deus. Ao contrá rio,
quando nã o oramos, somos fracos e nã o experimentamos a presença de
Deus durante o dia.

Por im, o pró prio Vicente lembrou as recomendaçõ es dadas por Cristo,
Suas promessas e o exemplo que deixou aos seus seguidores. Ele entã o
passou a falar de oraçã o mental:
A oraçã o, minhas ilhas, é uma elevaçã o da mente a Deus, pela qual
a alma se desprende, por assim dizer, de si mesma, para buscar Deus
em si mesma. E uma conversa da alma com Deus, um intercâ mbio do
espı́rito em que Deus lhe ensina interiormente o que deve saber e fazer,
em que a alma diz a Deus o que Ele mesmo lhe ensina a pedir.
. . . A alma se vê em Deus e se conforma a Ele em todas as coisas.
. . . E na oraçã o que Ele ilumina seu entendimento com verdades
incompreensı́veis para quem nã o ora. . . que Ele in lama as vontades. . .
e toma posse de coraçõ es e almas.

Em outras partes de suas Conferê ncias, Vicente de Paulo insiste na


importâ ncia da oraçã o na vida de uma Filha da Caridade. Em 13 de outubro
de 1658, ele disse: "A oraçã o é a alma de nossas almas; o que a alma é para o
corpo, a oraçã o é para a alma". Na Conferê ncia de 31 de maio de 1648, ele os
advertiu: "... uma Filha da Caridade nã o pode perseverar se nã o orar. E
impossı́vel... Ela pode continuar por algum tempo, mas por im o mundo Ela
vai achar seu modo de vida muito difı́cil." Repetidamente, ele os exortou a
"orar sempre". Mas ele entendia suas di iculdades e os encorajava
constantemente:
Ore a Deus quando estiver com problemas. . . Nã o desanime se
você nã o sabe ler. . . Deus ama os pobres e os humildes. . . que sã o
muitas vezes mais sá bios em oraçã o do que os eruditos. . . Nosso
pró prio Senhor será seu professor.
Ele tinha certeza de que, se fossem ié is à oraçã o, Deus recompensaria seus
esforços. Ele lhes disse: "O minhas Filhas, se izerdes bem a vossa oraçã o, o
que nã o recebereis de Deus? Como disse David, descobrireis a grandeza do
Senhor."
No entanto, Vicente de Paulo teve o cuidado de que os pobres nã o
fossem perdidos de vista na oraçã o e na atividade diá ria das Filhas da
Caridade. Desde o inı́cio, ele evitou criar uma dicotomia entre oraçã o e
serviço, sempre enfatizando a unidade de suas vidas. O amor de Deus
desenhado na oraçã o devia ser transformado em amor ao pró ximo por meio
de resoluçõ es concretas e prá ticas. Na Conferê ncia de 2 de agosto de 1640,
deu-lhes um exemplo: "Suas resoluçõ es deveriam ser mais ou menos assim:
eu irei servir os pobres; tentarei ir até eles com uma atitude modestamente
alegre para consolar e edi icar falarei com eles como se fossem meus
senhores. Há algumas pessoas que raramente falam comigo; eu os
suportarei. . . Em vá rias ocasiõ es, Vincent repetiu seu famoso ditado de
"deixar Deus por Deus". Em 13 de outubro de 1658, ele explicou:
Se você tiver que deixar a oraçã o para cuidar de uma pessoa
doente, faça-o. Você deixará Deus em oraçã o e o encontrará na pessoa
do enfermo. Servir os enfermos é fazer a oraçã o.

O tema da oraçã o é frequentemente repetido nas Conferê ncias, muitas


vezes a pedido de Louise de Marillac. Este é mais um exemplo do esforço
cooperativo de dois santos ardendo com o amor de Deus e de seus amados
pobres. Este amor deve ser fortalecido e mantido pela oraçã o e també m por
meio dos sacramentos, onde a pró pria vida de Deus é comunicada à s Suas
criaturas.
Vicente e Luı́sa exortaram as irmã s a viverem uma vida sacramental
plena que, por sua vez, fruti icasse no serviço aos pobres. Em 22 de janeiro
de 1646, Vicente deu uma conferê ncia sobre este assunto que foi registrada
com a pró pria caligra ia de Louise de Marillac. No inı́cio desta Conferê ncia,
ela declarou: "O benefı́cio que nos advé m de uma boa Comunhã o é que nos
torna um com Deus". Ela entã o continuou: "Pensei que seria bom despertar
em mim um desejo ardente da Sagrada Comunhã o, agir de tal maneira que o
desejo fosse sempre como um novo desejo... e nã o ter outro im em vista. do
que a uniã o com Nosso Senhor."
Movido por suas observaçõ es, Vincent exclamou:
O que! Uma pobre Filha da Caridade, que antes da Comunhã o é
apenas o que é , que nã o vale muito, agora se torna uma com Deus! Ah,
minhas Filhas, quem estaria disposto a negligenciar tal dá diva? Ah, que
graça! O que você acha que é isso . . . mas uma promessa de eternidade?
Poderı́amos compreender algo maior? . . . uma pobre e miserá vel
criatura está unida a Deus; Oh, que Ele seja para sempre abençoado!

Da sua maneira habitual, Vincent passou entã o do abstrato ao concreto:


. . . bem-aventuradas as almas que fazem tudo ao seu alcance para
se manterem sempre em condiçõ es de fazer uma boa comunhã o. Essas
almas sã o sempre tã o ternamente acariciadas por Deus; nunca, nunca
estã o separados de Sua santa presença. Mas um dos motivos. . . o que
considero mais importante no que diz respeito à sua vocaçã o, é que
você está destinado por Deus a preparar as almas para morrer bem.
Você acha que Deus apenas espera que você traga um pedaço de pã o
para Seus pobres? . . Oh nã o . . . eles precisam do maná celestial. . . e
onde você vai encontrá -lo, para que você possa comunicá -lo a eles? Na
Sagrada Comunhã o. . . aproximemo-nos deste fogo para nos
acendermos primeiro, e depois, pela nossa caridade e bom exemplo,
atrairmos os outros a ele.

Em 18 de agosto de 1647, Vicente de Paulo mais uma vez dedicou uma


Conferê ncia inteira à recepçã o da Sagrada Comunhã o. Durante ela, uma irmã
observou que "quando uma pessoa recebia bem a Sagrada Comunhã o, ela
fazia tudo bem". Ao que Vicente respondeu: "Isso é verdade, pois ela traz
Deus em seu coraçã o... ela nã o faz nada a nã o ser em vista e pelo amor de
Deus... Seu coraçã o é o taberná culo de Deus. A Filha da Caridade deve ser
sempre isso; ela deve estar sempre em Deus e Deus nela."
Ao comentá rio de outra irmã de que depois de uma boa comunhã o uma
pessoa seria "mais gentil e caridosa com os doentes", Vicente respondeu:
. . . o que nã o fará uma pessoa que tem Deus dentro dela, que está
cheia de Deus? Ela nã o estará agindo por si mesma, ela estará fazendo
as açõ es de Jesus Cristo; ela cuidará dos doentes com a caridade de
Jesus Cristo; ela terá a gentileza de Jesus Cristo em sua vida e em suas
conversas; ela terá a paciê ncia de Jesus Cristo na provaçã o. . . O Pai verá
Seu Filho em tal pessoa. Que graça. . . ter a certeza de que somos
vigiados por Deus, considerados por Deus, amados por Deus! E assim,
quando você vir uma Irmã de Caridade cuidando dos enfermos com
suavidade, amor e atençã o, você pode dizer com ousadia: "Aquela irmã
fez uma boa comunhã o".

Voltando ao pensamento de Louise de Marillac sobre a uniã o com Jesus


Cristo que é um efeito da Sagrada Comunhã o, Vicente acrescentou:
Agora, minhas Filhas, Jesus Cristo é amigo e noivo das almas que
se entregaram a Ele. Ele é mais realmente um esposo do que todos os
esposos do mundo, e de uma maneira totalmente diferente, porque Ele
é todo celestial e todo divino. Ele é um amigo mais do que todos os
amigos do mundo, porque Ele deu Seu sangue e Sua vida por cada alma.

Assim foi que a vida espiritual dessas simples camponesas estava


enraizada no puro amor de Deus. No entanto, como a vida comunitá ria era
uma escola de perfeiçã o e nã o a pró pria perfeiçã o, havia fraquezas e falhas.
As irmã s foram encorajadas a buscar o perdã o de Jesus Cristo no
Sacramento da Penitê ncia. Como outros "bons cristã os", eles foram instados
a recorrer a ela com frequê ncia. Mais uma vez a vida espiritual estava ligada
ao serviço dos pobres. Em uma Conferê ncia de 5 de março de 1651, que
falava da preparaçã o para a recepçã o do Sacramento da Penitê ncia, uma
irmã comentou:
Nã o podemos ensinar os pobres ou as crianças em idade escolar a
se prepararem bem para a con issã o se nã o o izermos nó s mesmos.

Este amor cada vez maior de Deus e dos pobres levou as Filhas da
Caridade a se entregarem mais completamente a Deus por voto. Muito cedo
em sua vida, Louise de Marillac havia dedicado todo o seu ser ao Senhor da
Caridade. Ao voto de viuvez de 1623, acrescentou o voto de consagrar-se à
formaçã o dos servos dos pobres. Em 1624, na é poca de sua "experiê ncia
pentecostal" na igreja de Saint-Nicolas-des-Champs, ela havia previsto que
"chegaria o tempo em que [ela] poderia fazer votos de pobreza, castidade e
obediê ncia e que isso ser feito vivendo com outros, alguns dos quais fariam
o mesmo."
Nesse perı́odo, Louise admitiu que nã o via como isso seria possı́vel. Em
seu relato do evento, ela nos diz:
Compreendi, ainda, que isso ocorreria em um local destinado a
auxiliar o pró ximo, mas nã o conseguia imaginar como isso aconteceria,
pois tal coisa exigiria muito ir e vir.

"Ir e vir" descreve bem o cotidiano de Louise de Marillac e das


primeiras aldeã s que ela formou na prá tica da pobreza, castidade e
obediê ncia para o "melhor serviço" dos pobres. No entanto, a questã o de um
compromisso de natureza formal com Deus e com a comunidade incipiente
permaneceu sem soluçã o. Vincent e Louise discutiram longamente o
assunto. Ele estava bem ciente das di iculdades canô nicas no caminho de tal
passo. Ele havia completado uma licenciatura em Direito Canô nico em 1623
na Universidade de Paris. Alé m disso, como Superior da Visitaçã o, ele viu
com seus pró prios olhos como essas religiosas, chamadas para visitar os
doentes, foram obrigadas a retornar à vida de clausura. Ele temia que o
mesmo acontecesse com as Filhas da Caridade, já que, naquela é poca, a
Igreja nã o reconhecia uma vida religiosa ativa para as mulheres. No entanto,
ele viu isso como a ú nica maneira de garantir o serviço e icaz dos pobres.
Em uma conferê ncia em 14 de julho de 1651, ele declarou:
E como seriam prestados aos pobres esses serviços que, pela
misericó rdia de Deus, você s os prestam, se nã o puderem deixar um
lugar? Quem iria para aqueles pobres condenados? Quem cuidaria dos
doentes nas aldeias? Quem visitaria aqueles que vivem em quartos
alugados ou só tã os sem qualquer ajuda ou assistê ncia?

Prudentemente, os fundadores esperaram. No entanto, já em 19 de


julho de 1640, Vicente havia falado à s irmã s sobre os votos pronunciados
pelos monges hospitaleiros da Itá lia que se comprometeram "a servir
nossos senhores, os pobres". Ele entã o acrescentou: "Observem, minhas
ilhas, como é agradá vel ao nosso bom Deus honrar assim os queridos
pobres". Como resultado, algumas das irmã s perguntaram timidamente se
poderiam fazer o mesmo. E, de fato, dois anos depois, 25 de março de 1642,
Louise de Marillac e quatro de seus companheiros se comprometeram por
voto a Deus e ao serviço dos pobres, na igreja de Saint-Nicolas-du-
Chardonnet, em Paris. O primeiro passo estava dado.
Se Luı́sa de Marillac e Vicente de Paulo vislumbravam uma vida de
votos para as Filhas da Caridade, era porque viam o compromisso e a
contemplaçã o de Jesus Cristo como a raiz de toda açã o apostó lica. Os votos
eram apenas um meio para uma imitaçã o mais perfeita do Cristo pobre,
casto e obediente que veio à terra para fazer o bem. Unidas a Ele, as irmã s
dedicariam toda a sua existê ncia ao serviço dos pobres, dos doentes e dos
desafortunados.
Para Louise de Marillac, os votos representavam a plenitude da graça
do batismo. Essa consciê ncia está explı́cita na fó rmula do voto: "Renovo as
promessas do meu batismo...". Eles també m estavam enraizados no
Evangelho. A exemplo de Jesus Cristo, as Filhas da Caridade se
comprometeram a viver pobre, casta e obediente. Livres do desejo de ganho,
dos emaranhados do coraçã o e da sede de poder, poderiam assim estar mais
disponı́veis para os pobres a cujo "serviço corporal e espiritual" entregaram
a vida.
Esta foi a pedra de toque da originalidade da vocaçã o das Filhas da
Caridade como os fundadores a conceberam. A pobreza, a castidade e a
obediê ncia tomaram forma e signi icado no serviço aos pobres. A fó rmula do
voto, escrita pelo pró prio punho de Louise, dizia: "Para me entregar, durante
todo este ano, ao serviço corporal e espiritual dos pobres, nossos
verdadeiros mestres...". A expressã o "para" é signi icativa, assim como "para
este ano inteiro".
Por mais surpreendente que possa parecer, este conceito de votos
anuais estava claramente de acordo com a prudê ncia e sabedoria de Vicente
de Paulo e Luı́sa de Marillac. (Nã o era uma prá tica desde o inı́cio; os
primeiros votos pronunciados pelas irmã s eram perpé tuos). Isso icou
evidente nos escritos dos fundadores. Em 17 de julho de 1656, Louise
escreveu: "Nã o aceitamos garotas que nã o pretendam viver e morrer na
Companhia". Trê s anos antes, em 3 de junho de 1653, Vicente havia falado à s
irmã s sobre a idelidade que deviam a Deus. Ele os lembrou:
A primeira razã o para entregar-se inteiramente a Deus para ser
iel a Ele é que você se entregou a Ele na Companhia com a intençã o de
viver e morrer nela. Quando você entrou, prometeu fazê -lo; alguns de
você s, de fato, prometeram solenemente fazê -lo.
Em sua correspondê ncia, Louise de Marillac explicou à s irmã s que os
votos anuais, em vez de limitar seu dom a Deus, eram um meio de estimulá -
las a um amor ainda maior por causa da liberdade que supunham. Em 17 de
março de 1651, ela escreveu: "Você nã o acha que deve ser muito agradá vel a
Deus quando, no inal do ano, com total liberdade de escolha, você faz um
novo sacrifı́cio?" Em 9 de junho do mesmo ano, ela disse a outra irmã : "No
inal de um ano, você pode mais uma vez se entregar livremente a Deus".
A carta de 17 de março esclareceu outro aspecto da questã o: "Devemos
ser submissos aos nossos superiores, que nesta importante questã o julgam
su iciente fazer esta oferta por um ano e depois renová -la anualmente". A
consideraçã o fundamental é aparente: o medo de que os votos perpé tuos
levem ao claustro.
Em outros lugares, Louise e as irmã s foram ainda mais precisas nesse
ponto. Irmã Jeanne disse ao Bispo de Nantes, que a interrogou:
Excelê ncia, os votos que fazemos nã o sã o religiosos. Sã o votos
simples que podem ser feitos em qualquer lugar, mesmo por pessoas
que vivem no mundo.

Em 29 de junho de 1656, Louise disse: "Nossos votos nã o sã o diferentes


daqueles feitos por homens e mulheres devotos que vivem no mundo".
Tudo isso indicava claramente a natureza secular da Companhia.
Vicente de Paulo explicou a motivaçã o por trá s disso:
Nã o é que você nã o tenha grande respeito pelos religiosos, mas se
você estivesse enclausurado, terı́amos que nos despedir do serviço aos
pobres.

O tema recorrente de todos os seus pensamentos e açõ es aparece


novamente: Jesus Cristo está presente nos pobres .
Capı́tulo IX

A COMPANHIA DE CARIDADE

O dinamismo e a criatividade da açã o caritativa de Vicente de Paulo e


Luı́sa de Marillac se deveram à sua inusitada capacidade de combinar
iniciativas ousadas com meios prudentes e uma constâ ncia que nada
poderia abalar. Luı́sa escreveu:
Nosso Senhor nos pede mais con iança do que prudê ncia. Essa
mesma con iança fará com que sejamos prudentes conforme as
situaçõ es o exigem, mesmo sem que percebamos. A experiê ncia tem
demonstrado isso em vá rias ocasiõ es.

A maioria das primeiras Filhas da Caridade eram analfabetas. Isso nã o


signi ica que eles nã o fossem inteligentes, mas eles precisavam da
orientaçã o fornecida pelas regras para suas diversas atividades. Alé m disso,
viviam em pequenos grupos, à s vezes até sozinhos, longe do berço de suas
vocaçõ es. De Paris, eles foram enviados para Cahors e Calais, no norte, para
vá rias provı́ncias da França e até mesmo para a Polô nia. Para ajudá -los em
seu difı́cil modo de vida, os fundadores estabeleceram estruturas
diversi icadas e lexı́veis.
O termo "estrutura" tornou-se pejorativo nos ú ltimos anos, mas a
necessidade de alguma forma está vel de organizaçã o para assegurar a
continuidade era aparente desde o inı́cio. A esse respeito, Louise de Marillac
deveria provar-se a digna sobrinha de Michel de Marillac, que havia
desenvolvido o Code Michau para a França. Ela cuidou para que os contratos
com as administraçõ es que solicitaram os serviços das Filhas da Caridade
fossem redigidos em forma adequada.
No entanto, para Louise, o espı́rito que animava a vida das irmã s era
mais importante do que os aspectos jurı́dicos das regras. Assim, ela sempre
começou enfatizando o elemento essencial em todas as suas açõ es: servir os
pobres é servir o pró prio Jesus Cristo.
Nas Regras Particulares para as Irmã s que Trabalham com Crianças, ela
escreveu:
Considerem que seu dever é servir ao Menino Jesus na pessoa de
cada criança que criarem, reconhecendo que, assim fazendo, tê m a
honra de fazer o que a Santı́ssima Virgem fez por seu querido Filho.
Uma vez que o pró prio Jesus Cristo lhes assegura que qualquer serviço
prestado ao menor de Seus é prestado a Ele, eles se esforçarã o para
criar essas pobres crianças com o cuidado e o respeito que dariam à
pessoa de Nosso Senhor.

No Regulamento Particular para as Irmã s das Paró quias, lemos:


Ao servir os enfermos, eles devem ter somente Deus em vista. . .
tratá -los-ã o com respeito e humildade, lembrando-se de que toda
aspereza e desprezo, bem como os serviços e a honra que lhes prestam,
sã o dirigidos ao pró prio Nosso Senhor.

As Regras Particulares para as Irmã s Empregadas nas Escolas


revelaram a lexibilidade que Louise desejava:
Regulamentarã o, na medida do possı́vel, as horas de instruçã o,
exceto as ministradas à s meninas pobres que tê m que ganhar a vida.
Eles devem dar preferê ncia especial a essas crianças, suprir suas
necessidades e recebê -las quando vierem.

Uma recomendaçã o semelhante pode ser encontrada nas Regras


Particulares para as Irmã s das Aldeias:
Terã o també m o cuidado de instruir as meninas pobres, nã o só as
que freqü entam sua escola, mas també m as de qualquer idade e em
qualquer é poca em que vierem; e eles os receberã o, se nã o puderem
esperar, mesmo quando vierem durante as refeiçõ es. Terã o especial
cuidado em instruir aqueles que tê m poucas oportunidades de
frequentar a escola, como os que cuidam dos animais, recebendo-os
nos horá rios e locais em que os encontrem, nã o só nas aldeias, mas
mesmo a pé pelo campo.

Assim Louise de Marillac inscreveu a lexibilidade no quadro das


Regras das Filhas da Caridade. Ela foi igualmente irme em enfatizar o
espı́rito fundamental de sua vocaçã o. Isso foi perfeitamente expresso nas
Regras para as Irmã s do Hospital de Angers:
As Filhas da Caridade vã o a Angers para honrar Nosso Senhor, o
Pai dos Pobres, e Sua Santa Mã e, e para ajudar os pobres enfermos
corporal e espiritualmente.
A primeira coisa que Nosso Senhor lhes pede é que O amem acima
de todas as coisas e realizem todas as suas açõ es por amor a Ele; a
segunda é que se amem como irmã s unidas pelo vı́nculo de seu amor e
que amem os pobres doentes como seus senhores, pois Nosso Senhor
está neles e eles estã o nele.

O mesmo espı́rito de caridade animava toda a Companhia na


diversidade de suas atividades. Em 1640, cerca de sete anos apó s o
nascimento da pequena comunidade, as obras das irmã s se espalharam pela
França. Em 19 de julho daquele ano, Vicente de Paulo falou-lhes sobre o
espı́rito de sua vocaçã o. Ele disse:
Re litam, minhas Filhas, sobre a grandeza do desı́gnio de Deus em
relaçã o a você s e a graça que Ele lhes concede ao permitir que você s
sirvam a tantos pobres em tantos lugares diferentes. Para fazer isso
envolve diferentes tipos de regulamentos. As Filhas em Angers tê m as
suas; um tipo é necessá rio para aqueles que atendem as crianças
pobres, outro para os que atendem os pobres no Hotel-Dieu, outro para
os que atendem os pobres nas paró quias, outro para os que atendem
aos pobres condenados, e ainda outro para os que que permanecem em
casa, que devem considerar e amar como sua famı́lia. E todas essas
regras devem ser baseadas nas Regras Comuns.
Nas Regras Comuns, havia um artigo consagrado à necessidade de
lexibilidade e mobilidade. Encontrava-se na parte sobre as prá ticas
espirituais e tratava do problema de encontrar um equilı́brio entre as
exigê ncias espirituais e apostó licas de sua vocaçã o. Ele leu:
Embora nã o tenham escrú pulos em mudar algumas vezes a hora
desses exercı́cios, ou mesmo omitir um deles quando as necessidades
urgentes dos pobres o exigirem, ainda assim devem ter o cuidado de
nunca falhar neles por negligê ncia, devoçã o ou excesso de uma
inclinaçã o para as coisas exteriores, à s vezes disfarçada sob o pretexto
da caridade.

Vicente de Paulo e Luı́sa de Marillac gravaram no coraçã o de suas ilhas


o princı́pio de que tudo deve ser subordinado à s "necessidades urgentes dos
pobres". Em 17 de novembro de 1658, Vicente lhes disse:
A caridade está acima de todas as regras. Algué m vem à sua porta
quando você está orando para pedir a uma irmã que vá ver um pobre
doente que precisa dela. O que ela deveria fazer? Ela fará bem em sair e
deixar sua oraçã o, ou melhor, em continuar, porque essa é a vontade de
Deus. . . Isso se chama deixar Deus por Deus.

Se o fundador procurou libertar as irmã s de qualquer mancha de


legalismo, ele també m teve o cuidado de lembrá -las de suas obrigaçõ es para
com Deus. Na mesma Conferê ncia a irmou:
Se você for chamado para visitar uma pessoa doente, deixe sua
oraçã o de lado; mas você deve procurar outro tempo para isso, e nunca
omiti-lo. As Filhas da Caridade devem amar a oraçã o como o corpo ama
a alma. . . Uma irmã que nã o reza ou que reza de uma maneira
inapropriada di icilmente se arrastará . Ela usa o vestido, mas nã o tem o
espı́rito de uma Filha da Caridade. Se você viu alguns que saı́ram do
meio de você s, essa foi a razã o.

Essas estruturas diversi icadas e lexı́veis foram obra de Vicente de


Paulo ou de Louise de Marillac? A histó ria parece indicar que eles foram o
resultado de um esforço combinado. Em uma carta para Louise, Vincent
disse:
Achei excelente tudo o que você me disse sobre a caridade, e peço
que proponha essas coisas à s irmã s na medida em que julgar
conveniente - ou qualquer coisa adicional que possa vir à mente. Eu lhe
enviarei a Regra completa até domingo.

Alguns dias depois, ele escreveu:


Eu elaborei algo adequado para Montreuil. Dê uma olhada nisto.
Se algo deve ser adicionado ou excluı́do, por favor me avise.

A colaboraçã o con iante foi a marca de seu relacionamento. Esta uniã o


de espı́ritos també m se manifestou nas Conferê ncias de Sã o Vicente de
Paulo à s suas Filhas da Caridade. Esses diá logos simples começaram logo
depois que Louise e as irmã s se reuniram em sua casa na rue Saint-Victor.
Por meio deles, Vicente procurou desenvolver nessas meninas da aldeia uma
compreensã o de seu chamado. Em 31 de julho de 1634, ele lhes disse:
A Divina Providê ncia reuniu você s doze aqui com a intençã o, ao
que parece, que você s deveriam honrar Sua vida humana na terra. . . E o
que Ele fez principalmente? Depois de submeter Sua vontade em
obediê ncia a Maria e José , Ele trabalhou continuamente para Seu
pró ximo, visitando e curando os enfermos e ensinando-lhes as coisas
necessá rias para sua salvaçã o.

Cento e vinte destas Conferê ncias, ielmente transcritas por Luı́sa de


Marillac ou por uma das suas irmã s, chegaram a sucessivas geraçõ es de
Filhas da Caridade, que nelas encontram um espı́rito e uma doutrina que
nada mais sã o do que a do Evangelho. Nestes diá logos simples encontram-se
o seu modo de vida, a sua espiritualidade e a sua motivaçã o apostó lica. Nã o
sã o uma apresentaçã o metó dica e didá tica, mas sim a resposta aos
acontecimentos e necessidades que marcaram a pequena Empresa na sua
origem. Ao escrever para Vincent pedindo-lhe para dar uma conferê ncia,
Louise disse:
Nã o seria bom reunir nossas irmã s para que pudessem
compartilhar seus pensamentos, encorajar umas à s outras e
reconhecer as faltas que podem ter cometido no serviço aos pobres, no
trato com as Senhoras e na cordialidade que devem umas à s outras ?
Em todas essas trocas, os pobres ocupam o lugar central. O fundador
nunca deixou de mencioná -los, pois representavam a "raison d'ê tre" das
Filhas da Caridade. No entanto, o serviço aos pobres sempre esteve ligado ao
amor de Deus, do qual, segundo Louise de Marillac, constituı́a um "elemento
essencial". Na Conferê ncia de 31 de julho de 1634, Vicente disse à s irmã s:
Minhas Filhas, lembrai-vos de que, ao sairdes da oraçã o ou da
Santa Missa para servir os pobres, nada perdeis, porque servir os
pobres é ir para Deus e deveis ver Deus neles. Portanto, tenha muito
cuidado em atender a todas as suas necessidades. . . nã o ique zangado
com eles e nunca fale com eles de forma dura. Eles tê m o su iciente
para suportar em seu infortú nio. . . Chore com eles; Deus os fez seus
consoladores.

Este mesmo tema se repetiria vá rias vezes, à medida que Vicente de
Paulo e Luı́sa de Marillac procuravam ajudar as irmã s a crescer na
compreensã o e no apreço de sua vocaçã o e de sua consagraçã o no meio do
mundo, o que era um coisa no sé culo XVII . Em 14 de junho de 1643, Vicente
disse:
Você també m deve re letir que seu principal negó cio, aquele que
Deus requer especialmente de você , é a diligê ncia em servir aos pobres
que sã o seus senhores. Oh sim, Irmã s, elas sã o suas mestras. Portanto,
você deve tratá -los com gentileza e gentileza, re letindo que é para esse
propó sito que Deus os uniu, para esse propó sito Ele estabeleceu sua
Companhia.

Os fundadores també m elaboraram Regras para a Empresa que seriam


explicadas e discutidas durante os intercâ mbios comunitá rios. Em uma carta
de Vicente de Paulo a Louise de Marillac, lemos:
Estou encaminhando o Ato de Estabelecimento das Filhas da
Caridade. Está dividido em trê s partes: 1) os meios que a Divina
Providê ncia empregou para estabelecê -los; 2) seu modo de vida até
agora; 3) Regras para sua confraria ou associaçã o.

Para facilitar o intercâ mbio comunitá rio sobre a Regra, as Irmã s


receberam um esboço antes de cada Conferê ncia para que pudessem re letir
e orar sobre os principais pontos a serem discutidos e preparar suas
pró prias observaçõ es. Antes da Conferê ncia de 25 de dezembro de 1658,
eles foram convidados a re letir diante de Deus sobre:
1) Os motivos para amar cada vez mais a nossa vocaçã o; 2) o que
quer que esfrie esse amor ou nos impeça de amar a nossa vocaçã o; 3)
os meios que devemos empregar para nos permitir amá -la cada vez
mais.

No dia da Conferê ncia, Louise de Marillac e cada uma das irmã s


expressaram seus pensamentos sobre o tema proposto; Sã o Vicente de
Paulo ou um de seus missioná rios entã o os sintetizou e acrescentou as
re lexõ es necessá rias. Anotaçõ es cuidadosas foram feitas e posteriormente
transcritas, proporcionando assim uma rica fonte de alimento espiritual
para sucessivas geraçõ es de Filhas da Caridade.
Mais frequentemente, Louise de Marillac propô s o tema para as trocas.
Por exemplo, Vicente de Paulo começou a Conferê ncia de 19 de setembro de
1649 dizendo à s irmã s: "Mademoiselle Le Gras achou que seria bom
re letirmos juntos sobre o amor de Deus. Dividiremos o assunto em trê s
partes". Quando uma dessas simples garotas da aldeia teve di iculdade em
se expressar, Vincent veio em seu auxı́lio. Quando outro fez um comentá rio
particularmente bom, ele a encorajou: "Oh, que belo pensamento, minha
ilha!"
Nada havia de arti icial ou pedante nessas Conferê ncias que, no
entanto, tratavam das principais preocupaçõ es da primeira Companhia: seu
espı́rito, seu objetivo, sua preservaçã o, sua aprovaçã o, seu lugar na Igreja,
sua direçã o, sua administraçã o. Outros tratavam da vida espiritual das
irmã s: como amar bem a Deus, como ser iel a Ele, como imitar Jesus Cristo,
como fazer uma boa comunhã o, como rezar, por que e como con iar na
Divina Providê ncia . Ainda outras trocas se concentraram na vida
comunitá ria: uniã o entre si, respeito cordial, reconciliaçã o, di iculdades. Em
todos eles, o serviço aos pobres era central. Alguns até tratavam de
apostolados especı́ icos, como o cuidado dos enjeitados ou a enfermagem
dos enfermos. Existem até exemplos de compartilhamento do Evangelho.
Em 25 de novembro de 1658, Vicente e suas ilhas re letiram juntos sobre as
virgens sá bias e as tolas. Ele começou a discussã o com sua simplicidade
habitual:
Imagine, Irmã s, que há quarenta ou cinquenta de você s. Se metade
fosse salva e a outra metade fosse contada com essas virgens
miserá veis - Ah, Salvador, cada uma teria razã o para dizer: "O Senhor,
devo ser deste nú mero?" Ou ainda: "Devo ser tã o feliz a ponto de estar
na mesma posiçã o daquelas virgens que foram consideradas
agradá veis aos olhos de seu cô njuge?"

A discussã o seguiu: "Irmã , o que você acha?" Depois de receber vá rias
respostas, ele se voltou para outra irmã : "Irmã Vincent, por favor, diga-me,
quem sã o aqueles que podem estar dormindo?" Ele entã o fez a mesma
pergunta aos outros presentes. E assim foi, com cada uma expressando seus
pensamentos de forma simples e humilde.
Quando o assunto lhe parecia particularmente importante, Vincent nã o
hesitava em fazer algumas perguntas diretas. Em uma Conferê ncia sobre
oraçã o mental encontramos a seguinte troca:
Irmã Anne de Saint-Germain-de-l'Auxerrois, minha ilha, você faz
oraçã o mental todas as manhã s?
Sim, padre, por meia hora, e à s vezes por trê s quartos. . .
E você , irmã Henriette, que está com os escravos da galera, você
reza?
Pai, nã o podemos ouvir o reló gio, e por isso à s vezes nã o somos
exatos sobre isso. . .
Há algué m aqui de Saint-Sulpice? Irmã , você é exata sobre a
oraçã o?
As vezes fazemos, mas nem sempre, por causa do remé dio que
devemos levar para os pobres.

Quando as irmã s estavam partindo para um novo estabelecimento nas


provı́ncias, Louise de Marillac reuniu a comunidade e pediu a Vicente que
lhes desse alguns conselhos. Assim foi quando foram para Le Mans-
Hennebont em 1650, para Nantes em 1653, para Sedan em 1654, para La
Fere e Arras em 1656, para Ussel em 1658 e para Calais, Metz, Narbonne e
Cahors em 1659.
Em 1º de janeiro de 1654, Vicente dedicou uma conferê ncia inteira ao
tema "Como se comportar ao viver longe da casa-mã e". Ele começou
perguntando: "Irmã , cabe a nó s ter um conhecimento claro de como se
comportar fora de casa?" A isso a irmã respondeu:
Sim, Pai, porque se nã o soubermos nos comportar, podem surgir
grandes desordens; coisas possam ser ditas e feitas que sejam
totalmente contrá rias ao espı́rito da Companhia. Pode acontecer
també m que, por nossa culpa, por nossa ignorâ ncia de nossas
obrigaçõ es, os pobres nã o recebam tudo o que precisam.

Mais uma vez, os pobres eram uma grande preocupaçã o. A mesma


coisa aconteceria quando as irmã s se reunissem para compartilhar suas
lembranças de seus companheiros que haviam morrido. Em 25 de março de
1643, eles se reuniram na casa mã e para re letir sobre as virtudes da irmã
Jeanne Dalmagne, que havia falecido trinta e trê s meses antes.
Vicente de Paulo iniciou a Conferê ncia:
Minhas queridas Irmã s, nos encontramos, segundo o santo
costume da Companhia, para falar das virtudes de nossas irmã s
falecidas. O minhas Filhas, que bom é conversarmos juntas sobre as
boas açõ es dos mortos. O Espı́rito Santo deseja que façamos isso.
Por isso, minhas queridas Irmã s, será um consolo para você s
contar-nos o que notaram nesta querida irmã . . . Comecemos. Todos
você s izeram sua oraçã o como de costume sobre os trê s pontos
propostos. Conte-nos, irmã , o que você observou em nossa boa irmã .

E assim, cada um por sua vez, eles compartilharam suas lembranças:


Ela tinha grande respeito pelos pobres nos quais via Deus. . .
Ela tinha a maior compaixã o pelos pobres. Quando incapaz de
ajudá -los corporalmente, ela os consolava. Ela chorou com eles. . .
Ela sempre procurou trazer alı́vio aos pobres. . . Quando eu
costumava dizer a ela: "Irmã , você pode dar a eles", ela costumava
dizer: "Ah, nã o, irmã , eu vou comer isso sozinha; nã o devemos dar a
Deus nada alé m do melhor...".
Ela tinha grande liberdade de espı́rito em tudo o que dizia
respeito à gló ria de Deus, e falava francamente com os ricos como com
os pobres, sempre que via algo censurá vel em sua conduta. Um dia,
quando ela soube que alguns ricos haviam sonegado seus impostos e
conseguido transferi-los para os pobres, ela lhes disse abertamente que
tal conduta era contrá ria à justiça e que Deus os puniria por tais
extorsõ es. E quando comentei com ela que ela havia falado com muita
coragem, ela respondeu que quando se trata da gló ria de Deus e do
bem-estar dos pobres, nunca se deve temer falar a verdade. . .
Mesmo em sua doença, ela falava dos pobres com tanto fervor que
parecia que compartilhava de seus sofrimentos. . .
Uma noite, pensando que a morte estava pró xima, ela disse: "Irmã ,
se me arrependo é por nã o ter servido bem aos pobres. Peço-lhe, sirva-
os melhor. Você está muito feliz por ter sido chamada por Deus para
esta vocaçã o."

O grande amor pelos pobres que enchia o coraçã o de Louise de Marillac


havia sido transmitido à s meninas da aldeia que ela havia formado para o
serviço delas. Assim, Vicente de Paulo pô de concluir essas trocas dizendo:
"Li muitas vidas de santos. Poucos superaram nossa irmã no amor a Deus e
ao pró ximo".
Jeanne nã o era a ú nica. Isso ica claro na resposta de Barbe Angiboust à
duquesa de Aiguillon, que queria mantê -la a seu serviço para realizar suas
liberalidades para com os pobres. Barbe disse a ela:
Senhora, deixei a casa do meu pai para servir os pobres. . . se você
fosse pobre, eu o serviria de bom grado.

Ela entã o deixou a casa da duquesa para voltar ao serviço dos pobres.
Chegaria o momento em que os vá rios apostolados que surgiram em
resposta aos apelos urgentes dos pobres deveriam ser coordenados. Em
1641, alé m de servir os pobres nas paró quias e cuidar dos enjeitados e dos
escravos das galé s, as irmã s cuidavam dos doentes em hospitais e
ensinavam meninas no campo. E isso foi apenas o começo. Novos apelos
estavam sempre sendo dirigidos a eles.
Assim, em 1646, apó s anos de oraçã o e planejamento, Louise de
Marillac e Vincent de Paul, con iantes no apoio da rainha, buscaram e
obtiveram a aprovaçã o do Arcebispo de Paris para a pequena Companhia.
Uma vez assegurado o reconhecimento da Igreja na França, os fundadores
começaram a envolver as irmã s diretamente na administraçã o da
comunidade. Revelando inusitada sabedoria sobrenatural e humana, os
fundadores reuniram as irmã s que formariam o primeiro Conselho da
Companhia em 28 de junho de 1646. Vicente disse-lhes:
Pela graça de Deus, minhas Irmã s, este Conselho que a Divina
Providê ncia estabeleceu será um passo para a ordem e estabilidade em
sua Companhia. Estamos aqui reunidos para aconselhar sobre alguns
assuntos necessá rios, bem como sobre a maneira como você s devem se
governar, e para determinar como Mademoiselle Le Gras ou a Irmã
Serva [como é chamada a superiora] devem conduzir as reuniõ es.

Sã o Vicente passou a apontar a disposiçã o que deve caracterizar as


deliberaçõ es: oraçã o ao Espı́rito Santo, abertura à s inspiraçõ es do Espı́rito
Santo, desapego de qualquer interesse que nã o seja a maior gló ria de Deus e
o bem da Companhia, sigilo sobre todos procedimentos.
Ele entã o explicou a maneira pela qual eles deveriam proceder com o
negó cio diante deles:
Cabe à Irmã Serva, que atualmente é Mademoiselle Le Gras,
propor os assuntos a serem discutidos. Agora, em qualquer questã o,
sempre há pró s e contras. Assim, ao apresentar o assunto, ela deve
primeiro expor as razõ es para fazê -lo e, em seguida, aquelas que
podem impedir a Companhia de fazê -lo. Por exemplo, ela deve dizer:
"Devemos fazer tal e tal coisa pelas seguintes razõ es. No entanto, há
outras consideraçõ es que devemos ter em mente antes de agir".

Uma vez feito isso, cada irmã , por sua vez, seria convidada a dar sua
opiniã o e as razõ es que a sustentavam. A decisã o inal, poré m, seria a da
Superiora:
Depois de ouvir todas as opiniõ es, a Irmã Serva seguirá a que
julgar mais adequada. Se ela nã o achar nenhum deles aceitá vel, ela
dirá : "Nã o vamos resolver este assunto hoje. Vamos re letir sobre isso
diante de Deus." Se ela deseja buscar mais conselhos, ela pode dizer:
"Vou discutir isso com o padre Vincent. Veremos o que será melhor".

As atas de vinte e nove dessas reuniõ es do Conselho estã o em vigor.


Eles tratam das principais preocupaçõ es da comunidade nascente: a
admissã o de novos membros, a transferê ncia das irmã s de uma casa para
outra, as di iculdades surgidas e os meios propostos para saná -las, e novas
fundaçõ es. Os detalhes dessas discussõ es estã o inquestionavelmente
enraizados na vida do sé culo XVII, mas os problemas e as soluçõ es
propostas ainda sã o atuais.
Na reuniã o de 19 de junho de 1647, Vicente de Paulo deu uma diretriz
de grande importâ ncia à s quatro primeiras irmã s que haviam sido
escolhidas para participar do governo da Companhia. Ele reconheceu sua
falta de experiê ncia, mas enfatizou a necessidade de usar sua inteligê ncia
nativa para discernir a vontade de Deus. Ele disse-lhes:
Deus concede Sua bê nçã o especial a este Conselho reunido para
estudar assuntos que afetam Seu serviço. E por isso que vos digo que,
para aprender a deliberar sobre estas questõ es que vos foram
submetidas, deves antes de tudo examinar o objetivo de todas as tuas
açõ es: a gló ria de Deus. Depois disso, você deve considerar os
interesses da Empresa e o bem daqueles cujas vidas serã o afetadas por
sua decisã o.
Devemos antes de tudo buscar a gló ria de Deus e nos perguntar:
"Se izermos isso, Deus será glori icado? A comunidade tirará alguma
vantagem disso? Nosso pró ximo será ajudado?"

Ele entã o deu um exemplo:


Suponhamos que estamos pensando em enviar a Irmã Jeanne para
visitar as Irmã s de Angers e Nantes para re letir com elas sobre suas
disposiçõ es em relaçã o à sua vocaçã o.
Antes de decidir qualquer coisa, devemos primeiro determinar se
o interesse de Deus seria ou nã o servido. Há muitas comunidades que
consideram o interesse da comunidade em primeiro lugar, acreditando
que isso é tã o grande que abrange o de Deus. No entanto, sinto que
Deus merece ser pensado em primeiro lugar. Todo o resto, ao que
parece, depende disso.

As atas dessas reuniõ es do Conselho revelam a base só lida sobre a qual
se constituiu a jovem Companhia. Eles contê m normas para a vida
apostó lica, princı́pios de prudê ncia e sabedoria para sucessivas geraçõ es de
Filhas da Caridade.
Direta ou indiretamente, os pobres estiveram presentes em todas essas
deliberaçõ es. O Conselho reuniu-se para decidir se “é conveniente enviar
duas irmã s todas as tardes para visitar os pobres doentes da paró quia, para
consolá -los”. Em outro lugar foi registrado:
O primeiro assunto a ser discutido é se devemos ou nã o enviar
irmã s à Picardia para ajudar a irmã Guillemine e trê s outras irmã s que
foram enviadas há muito tempo para servir os doentes e pobres desta
regiã o que a guerra do ano anterior havia reduzido à ruı́na.

Para que os pobres fossem bem servidos, buscavam os meios para ter
bons servidores dos pobres e colaborar com outras pessoas e grupos que
cuidavam deles. Em vá rias ocasiõ es, Louise de Marillac e Vincent de Paul
levantaram a questã o das condiçõ es de admissã o na Companhia. Louise
disse que temia particularmente "a fugacidade que tornaria algumas jovens
totalmente inadequadas para o serviço dos pobres". Vincent entã o
elaboraria sobre este ponto:
Certamente é verdade que algué m deve ser chamado por Deus
para qualquer vocaçã o. Sem tal chamado, nã o há nada alé m de
vacilaçã o e inconstâ ncia. Uma vocaçã o de Deus é essencial para
perseverar. E por isso que você s devem se entregar a Deus para
escolher bem entre as pessoas que desejam ingressar na Companhia.
Você deve veri icar, na medida do possı́vel, se elas tê m ou nã o as
qualidades fı́sicas, mentais e espirituais necessá rias para uma Filha da
Caridade. Devemos ter muito cuidado com isso, caso contrá rio
transformaremos a Companhia em uma enfermaria onde outras Filhas
da Caridade serã o necessá rias para cuidar dos membros em vez de
servir aos pobres.

Ainda em outra ocasiã o, Vicente disse aos membros do Conselho:


As congregaçõ es religiosas exigem grandes dotes de candidatos à
admissã o. Você tem apenas seus pobres e a Providê ncia de Deus, que já
é muito. E em Deus e em Seu cuidado por você que você deve colocar
toda a sua con iança.
Aos poucos, a jovem Empresa desenvolveu sua estrutura e organizaçã o.
Na reuniã o do Conselho de 13 de abril de 1651, Vicente de Paulo destacou a
necessidade de ter irmã s formadas em administraçã o. Ele disse:
E essencial, minhas Filhas, ter irmã s que sirvam como
conselheiras da Superiora. No entanto, todos devemos estar
convencidos da necessidade de mudar de tempos em tempos a Irmã
Assistente e as outras conselheiras. Isso deve ser feito, em primeiro
lugar, para evitar que se apeguem a esse cargo. Em segundo lugar, é
aconselhá vel ter vá rias irmã s preparadas para servir nesta funçã o. O
bem da Companhia depende do cuidado dos conselheiros com toda a
famı́lia.

Em 27 de julho de 1656, Vicente lembrou Louise de Marillac e seus


conselheiros da seriedade de suas responsabilidades. Ele disse-lhes:
Assim como uma bú ssola continua a guiar um navio que é
sacudido pelo vento, os superiores, embora sejam atingidos por
opiniõ es con litantes, nunca devem deixar de conduzir os negó cios da
Companhia da maneira que Deus dirige.

Os fundadores nã o buscaram a mera aprovaçã o de decisõ es já tomadas.


Em vez disso, eles buscavam a opiniã o honesta e pessoal de cada
conselheiro.
Quando um novo membro do Conselho protestou que ela era incapaz
de julgar o que deveria ser feito em uma determinada situaçã o e instou
Vincent a fazer o que ele achava melhor, ele a aconselhou a ouvir as opiniõ es
dos outros e depois dar sua pró pria opiniã o . A ata da reuniã o de 29 de
fevereiro de 1658 mostra que Luı́sa de Marillac també m valorizava muito os
conselhos que recebia de seus conselheiros. Ela expressou seu medo de que,
por deferê ncia, as irmã s pudessem esconder seus verdadeiros pensamentos
- ao que Vincent respondeu:
Oh, minhas queridas Filhas, você nunca deve sentir que deve
concordar com a Superiora. Mademoiselle Le Gras quer que você saiba
que é seu desejo que você se expresse livremente em resposta à s
inspiraçõ es que você recebeu de Deus, sem ser in luenciado pelo que
você acredita ser o ponto de vista dela. A menos que você aja dessa
maneira, você nã o é um conselho reunido em nome de Deus. E para dar
conselho que Deus te chamou aqui para servir no governo da
comunidade. Assim, você é obrigado a expressar sua opiniã o com
grande simplicidade, apesar do fato de que, por circunstâ ncias que nem
sempre podem ser explicadas, haverá momentos em que ela nã o será
seguida.

A medida que a "pequena Companhia" crescia, Vicente de Paulo e Luı́sa


de Marillac formalizaram sua visã o do exercı́cio da autoridade na
comunidade. Os papé is foram claramente de inidos. Os conselheiros
deveriam dar conselhos. A Superiora deveria tomar as decisõ es. Juntos, eles
deveriam procurar discernir e cumprir a vontade de Deus.
Para ambos os fundadores, a autoridade estava enraizada na caridade
fraterna. Este conceito foi lindamente expresso por Vicente na reuniã o do
Conselho de 19 de junho de 1647. Eles se reuniram para nomear duas irmã s
para uma nova fundaçã o. Louise sugeriu a irmã Anne e a irmã Marie Lullen,
que tinham considerá vel experiê ncia em cuidar de doentes e cuidar de
crianças. Eles eram capazes de funcionar independentemente e bem, mas o
mais importante para a Superiora, eles podiam ajudar uns aos outros para
que em tempo de necessidade nenhum deles dissesse: "Isso nã o é da minha
conta". As observaçõ es de Louise levaram Vincent a elaborar sua visã o
trinitá ria de autoridade:
Por muito tempo eu esperei e rezei para que nossas irmã s
alcançassem tal nı́vel de respeito mú tuo que um estranho nunca
saberia qual delas era a Irmã Serva. Minhas Filhas, Deus é um em Si
mesmo, mas em Deus há trê s Pessoas Divinas. No entanto, o Pai nã o é
maior que o Filho nem o Filho maior que o Espı́rito Santo. A Companhia
das Filhas da Caridade deve ser uma imagem da Trindade. Embora
sejam muitos, eles devem ter apenas um coraçã o e um espı́rito.
Diferentes operaçõ es sã o atribuı́das a cada Pessoa da Santı́ssima
Trindade, mas todas estã o inter-relacionadas. A sabedoria do Filho, a
bondade do Espı́rito Santo em nada diminuem o poder do Pai. O
Espı́rito Santo participa dos atributos do Pai e do Filho. Assim, as Filhas
da Caridade que servem aos pobres participam no trabalho apostó lico
de quem cuida das crianças. E aqueles que cuidam de crianças
participam do serviço aos pobres.
Meu desejo é ver nossas irmã s se assemelharem à Santı́ssima
Trindade. Assim como o Espı́rito Santo procede da uniã o total do Pai e
do Filho, as obras de caridade atribuı́das ao Espı́rito resultarã o da
uniã o de mentes e coraçõ es na comunidade.
Vejam, minhas Filhas, Deus é Caridade. Você s sã o Filhas da
Caridade. Você deve, portanto, fazer tudo ao seu alcance para ser
formado à imagem de Deus. E o que encontramos em Deus? Vemos
igualdade de pessoas e unidade de essê ncia. O que isso deveria ensinar
a você s senã o que todos você s deveriam ser um e iguais?

Manter essa unidade se tornaria mais difı́cil com o passar do tempo. A


medida que as irmã s se tornaram mais numerosas, elas partiram, muitas
vezes em grupos de duas ou trê s, para estabelecer fundaçõ es em toda a
França e alé m. Viajar era difı́cil, à s vezes perigoso. Demorou dez a quinze
dias para chegar a algumas casas. Uma viagem à Polô nia exigia seis meses.
Foi assim que Louise de Marillac procurou fortalecer os laços de unidade
por meio de uma correspondê ncia prolı́ ica. Existem ainda 650 cartas,
datadas de 1627 a 1660.
Louise de Marillac sabia, por experiê ncia pró pria, o valor solidá rio da
correspondê ncia. Como jovem esposa e viú va, ela precisava de ajuda. Foi
nessa é poca que ela começou a escrever para Vicente de Paulo. No inı́cio,
eles escreviam com frequê ncia. A medida que os anos passavam e ela se
tornava mais independente, tanto espiritual quanto psicologicamente, eles
se correspondiam menos. Depois de 1641, quando a casa mã e das Filhas da
Caridade foi estabelecida muito perto do Priorado de Saint-Lazare, o contato
pessoal substituiu a correspondê ncia, em grande parte. No entanto, há mais
de 200 cartas abrangendo um perı́odo de trinta e trê s anos.
Com a fundaçã o do Hospital de Angers em 1639, Louise começou o que
viria a ser uma correspondê ncia muito longa com o padre Guy Lasnier,
conhecido també m como o abade de Vaux. Este notá vel sacerdote havia
experimentado uma conversã o espiritual durante um retiro em Saint-Lazare
pregado por Vicente de Paulo, de quem conheceu. Apó s sua conversã o,
dedicou-se inteiramente à reorganizaçã o espiritual do Hospital de Saint-
Jean em Angers. Neste trabalho, ele foi auxiliado por Madame Goussault,
uma Senhora da Caridade que Vicente de Paulo muito admirava. Atravé s
dela conseguiu os serviços de oito Filhas da Caridade para cuidar dos
doentes. Louise de Marillac foi a Angers para organizar o trabalho. Seu
interesse e preocupaçã o nunca diminuı́ram, como evidenciam suas
frequentes cartas ao padre Lasnier e à s primeiras irmã s designadas para lá .
O Hospital de Saint-Jean seria o protó tipo de todos os cuidados de saú de
institucionais subsequentes. A pró pria Louise compô s a Regra de Vida para
as irmã s de lá . Uma có pia com a caligra ia de Vincent ainda existe. Re lete a
espiritualidade da jovem Companhia: honrar Nosso Senhor Jesus Cristo como
fonte e modelo de toda caridade . Destaca també m o papel da Filha da
Caridade como servidora dos pobres . Ele lê :
As Filhas da Caridade recordarã o que nasceram pobres e devem
viver pobremente por amor de Jesus Cristo Nosso Senhor, Pai dos
Pobres. Assim, eles devem ser humildes e respeitosos com todos. . .
vestir-se mal. . . e administrar os bens dos pobres como propriedade de
Deus.

O padre Lasnier serviu como diretor espiritual das irmã s nesta


primeira missã o estabelecida longe de Paris. No entanto, as mais de 100
cartas de Louise para ele e para as irmã s, bem como sua lembrança
frequente do artigo da Regra de Vida que dizia: "Eles escreverã o
frequentemente aos seus superiores em Paris . . ." mostrar que ela
permaneceu unida a eles em coraçã o e espı́rito.
Logo Angers nã o seria mais a ú nica missã o distante. As quase sessenta
cartas dirigidas à Irmã Barbe Angiboust revelam a mobilidade e a
lexibilidade da primeira comunidade, pois esta infatigá vel Filha da Caridade
se encontrava ao serviço dos pobres em Richelieu, Liancourt, Bicetre, Saint-
Denis, Brienne, Chalons, Bernay e Chateaudun.
As cartas à Irmã Barbe Angiboust mostram a preocupaçã o da Superiora
pelo serviço aos pobres. No entanto, sua correspondê ncia nunca se limitou a
consideraçõ es apostó licas. Como nada mais faz, as cartas de Louise de
Marillac a seus companheiros revelam seu calor, sua afeiçã o por eles e seu
interesse profundo e pessoal por tudo que tocou suas vidas. Aqueles que
estavam passando por di iculdades pessoais, comunitá rias ou apostó licas
receberam sinais particulares de sua solicitude na forma de cartas de apoio
e encorajamento. Há cerca de cinquenta cartas endereçadas à Irmã Jeanne
Lepintre, que lutou contra enormes obstá culos no Hospital de Nantes, do
qual as irmã s acabaram sendo obrigadas a se retirar. Outros trinta foram
para a Irmã Julienne Loret, a Irmã Serva da Casa da Caridade em Chars, onde
um pastor jansenista se recusava publicamente a permitir que as irmã s
recebessem a Sagrada Comunhã o. Nos bons e maus momentos, a Superiora
estava perto de suas irmã s onde quer que servissem aos pobres.
Alé m de revelar a personalidade da mulher que fundou a "pequena
Companhia", a correspondê ncia de Louise de Marillac fornece uma visã o
sobre a natureza da comunidade. Sua natureza secular, algo totalmente
iné dito na é poca, é esclarecida em uma carta a Vicente de Paulo datada de
abril de 1650. Ela escreveu:
Ontem fui ver o Procurador-Geral. . . Ele me perguntou se
pretendı́amos ser regulares ou seculares. Eu disse a ele secular. Ele
disse que isso era sem precedentes. . . mas que nã o desaprovou a ideia.
Ele falou muito bem da Companhia; no entanto, ele achava que um
assunto de tal importâ ncia deveria ser cuidadosamente considerado.
Expressei minha alegria por ele se sentir assim e implorei que
destruı́sse a Companhia completamente se ela nã o merecesse
continuar. No entanto, se ele o considerasse bom, exortei-o a
estabelecê -lo em uma base só lida. Expliquei que havı́amos dado um
perı́odo experimental de quase quinze anos para determinar sua
viabilidade e que, pela graça de Deus, nã o tı́nhamos encontrado
obstá culos intransponı́veis. Ele pediu tempo para re letir sobre o
assunto. . . e enviou-lhe os seus melhores cumprimentos.

Essa preocupaçã o de Louise de Marillac em salvaguardar a laicidade da


comunidade é a irmada em uma carta de 29 de junho de 1656 ao padre
Lasnier. Ela procurou evitar qualquer confusã o que pudesse surgir sobre os
votos pronunciados pelas Filhas da Caridade. Ela lhe disse:
Receio que a Irmã Jeanne Lepintre tenha descrito os votos de tal
maneira que outros possam considerá -los como os pronunciados por
leigos devotos. Tal nã o é o caso, visto que essas pessoas costumam
pronuncia-las diante de seu confessor.

Essa preocupaçã o levou Louise a apresentar o assunto a Vicente de


Paulo. Em resposta à sua pergunta sobre se as irmã s deveriam ou nã o fazer
votos em particular, ele disse:
Devemos ter muito cuidado neste assunto. No entanto, se houver
irmã s individuais que assim o desejem, elas podem apresentar seu
pedido aos superiores e depois acatar sua decisã o.

Este texto mostra claramente que, para os fundadores, a Companhia


era laica, mas nã o leiga. Eles tiveram o cuidado de distinguir entre uma
consagraçã o pessoal e individual a Deus feita pelos leigos, e a consagraçã o
da Filha da Caridade que foi feita com outros dentro do que ambos
chamavam de "um corpo dentro da Igreja". Vicente de Paulo voltou a esta
questã o na Conferê ncia de 22 de setembro de 1647 sobre Perseverança em
Nossa Vocaçã o. Ele disse à comunidade reunida:
Seria bom se aqueles a quem Deus concedeu a graça de se
entregar mais perfeitamente a Ele e que prometeram servi-lo na
Companhia, renovassem seus votos. Ah, sim, isso seria bom. Isso dá
nova força e atrai novas graças. Aqueles que podem fazê -lo e que estã o
nesse estado devem adotar esse meio com humildade e com a
con iança de que Deus os ajudará ; aqueles que ainda nã o estã o
vinculados por votos devem renovar suas resoluçõ es.

Em outro lugar, Vicente destacou a seriedade do compromisso


assumido pelos votos na Companhia, quando disse à s irmã s: "Seria melhor
nã o fazê -los do que estar pronto para dispensar-se deles sempre que se
desejasse".
O compromisso das Filhas da Caridade era com Deus e com a
Companhia. Louise de Marillac explicou esta situaçã o, que era ú nica na
Igreja da é poca, em uma carta ao padre Lasnier. Ela escreveu:
Por favor, deixe-me saber, padre, se há alguma coisa no primeiro
artigo da Regra de Vida de nossas irmã s que nos marque como uma
congregaçã o religiosa. . . Essa nunca foi minha intençã o. Pelo contrá rio,
estive duas ou trê s vezes com o Vigá rio Geral para lhe explicar que
somos uma famı́lia secular unida pelas Confrarias da Caridade. Vicente
de Paulo, que é Superior destas Confrarias, é nosso diretor.

Este vı́nculo com o Superior Geral da Congregaçã o da Missã o marcou


desde o inı́cio a Companhia das Filhas da Caridade. Na mente de Louise de
Marillac era essencial preservar a unidade da comunidade e seu objetivo: o
serviço de Cristo nos pobres . Em 5 de julho de 1651, ela escreveu a Vicente
de Paulo:
A Sociedade deve ser constituı́da com o tı́tulo de Sociedade ou
Confraria para que possa continuar a existir e dar a Deus a gló ria que
lhe parece capaz de lhe render. Alé m disso, deve ser inteiramente
submissa e dependente da venerá vel orientaçã o do Venerá vel Padre
Geral e dos venerá veis Sacerdotes da Missã o.

Cinco anos antes, Louise havia expressado sua preocupaçã o de que o


termo "dependê ncia do Arcebispo de Paris", que apareceu no Ato de
Aprovaçã o da Companhia em 1645, "poderia ser prejudicial para nó s no
futuro pela liberdade que implica de retirar nos da direçã o do Superior
Geral da Missã o". Ela instou Vincent a corrigir a situaçã o:
Em nome de Deus, meu Pai, nã o permita que nada, mesmo
remotamente, retire a Companhia da direçã o que Deus lhe deu. Você
pode estar certo de que muito rapidamente mudaria do que é agora. Os
pobres doentes nã o seriam mais atendidos e, assim, creio, a vontade de
Deus deixaria de se realizar entre nó s.

A perseverança de Louise de Marillac inalmente superaria todos os


obstá culos. A Companhia foi novamente aprovada pelo Arcebispo de Paris
em 1655. Desta vez a direçã o foi con iada exclusivamente ao Superior Geral
da Congregaçã o da Missã o e seus delegados. A unidade de espı́rito e o
serviço contı́nuo aos pobres foram salvaguardados.
E na correspondê ncia de Louise de Marillac que se encontram as raı́zes
da devoçã o da comunidade à Mã e de Deus. Em 8 de dezembro de 1658, ela
escreveu a Vicente de Paulo solicitando que a Virgem Maria fosse designada
a "Mã e da Companhia". Em outubro de 1644, ela fez uma peregrinaçã o a
Chartres para colocar toda a comunidade sob a proteçã o de Maria. Em seu
relato lemos:
Ofereci a Deus os desı́gnios de Sua Providê ncia sobre a Companhia
das Filhas da Caridade. Dediquei-o inteiramente a Ele, declarando que
preferia vê -lo destruı́do do que estabelecido contra Sua santa vontade.
Pedi a Nossa Senhora, a Mã e e guardiã da Companhia, a pureza. . .
idelidade. . . e uniã o de coraçõ es que requer.
Duzentos anos depois, como que para mostrar sua aceitaçã o de seu
papel e do dom da fundadora, Maria con iou a Medalha da Imaculada
Conceiçã o, conhecida popularmente como a "Medalha Milagrosa", a uma
Filha da Caridade, Santa Catarina Labouré . Em 1830, Mary disse ao seu
jovem con idente:
Venha para o pé do altar. Aqui as graças serã o concedidas a todos
os que as pedirem com con iança e fervor. Eles serã o concedidos a
grandes e pequenos.

Maria, por assim dizer, rati icou o objetivo principal da Companhia


fundada por Luı́sa de Marillac e Vicente de Paulo: o serviço aos pobres, aos
"pequenos" deste mundo. De fato, foi em 1830, seguindo a promessa de
Maria de que "Deus a usaria para reanimar a Fé ", que a comunidade
começou sua expansã o nos cinco continentes da terra. As palavras do
fundador aos Sacerdotes da Missã o podem agora ser aplicadas à s suas
ilhas:
Nossa vocaçã o nã o é para uma paró quia ou diocese, mas para o
mundo inteiro. E o que somos chamados a fazer? Para in lamar os
coraçõ es dos homens, para fazer o que o Filho de Deus fez. E o que ele
fez? Ele veio para espalhar fogo sobre a terra para que ela fosse
in lamada com Seu amor. O que devemos desejar senã o que queime e
consuma tudo?

A vocaçã o das Filhas da Caridade, com o dom total de si que ela exigia,
é de inida em termos prá ticos por Louise de Marillac numa carta dirigida ao
Irmã o Ducournau, secretá rio de Vicente, em janeiro de 1658. Trata- se de
algumas jovens que foram buscando admissã o na Companhia. Ela lhe disse:
Essas meninas. . . quem quiser se juntar à s Filhas da Caridade deve
ser informado de que nã o somos uma ordem religiosa. Nem eles podem
trabalhar em um hospital e nunca serem movidos. Devem ir
continuamente à procura dos pobres doentes em diversos lugares e
prestar-lhes um serviço e icaz. Eles devem saber que estarã o muito mal
vestidos e nutridos e isso. . . quando se juntam à Companhia, nã o
devem ter outro desejo senã o servir a Deus e ao pró ximo com todo o
seu ser.
Para Luı́sa de Marillac como para Catarina de Sena, o amor a Deus e o
amor ao pró ximo eram insepará veis. A fundadora frequentemente citava as
palavras de Deus a esta alma ardente para suas primeiras Filhas da
Caridade:
Uma alma que me ama verdadeiramente ama també m o pró ximo,
porque o amor por Mim e o amor ao pró ximo sã o uma e a mesma coisa.
Seu amor pelo pró ximo é a medida do seu amor por Mim. Eu lhe dei
este meio para provar e exercitar seu amor por Mim. Você é ú til para
Mim na medida em que é ú til para o pró ximo. A alma que ama a Minha
verdade nunca se cansa de se dedicar ao serviço dos outros.

Duzentos anos depois, outro santo, Joã o da Cruz, diria a mesma coisa:
A medida que o amor ao pró ximo cresce, o amor de Deus aumenta
em nó s. Da mesma forma, quanto mais amamos a Deus, maior será
nosso amor ao pró ximo, pois ambos os amores tê m o mesmo objeto e a
mesma causa.

Louise de Marillac traduziu este conselho do Evangelho chamando o


pró ximo de "representante de Deus". O seu amor cada vez maior pelos
pobres, que deu sentido e sentido à sua vida e que transmitiu à s suas ilhas,
estava enraizado nesta convicçã o. Ela constantemente os lembrava:
Se esquecermos por um momento que os pobres sã o membros de
Jesus Cristo, inevitavelmente os serviremos com menos gentileza e
amor. . . Devemos, portanto, estar convencidos de que os pobres sã o os
membros do Filho de Deus.

O serviço de Jesus Cristo na pessoa dos pobres foi a força uni icadora
na vida das Filhas da Caridade. Todo o seu tempo e energia deveriam ser
gastos no amor e no serviço a Deus e ao pró ximo. Em 4 de maio de 1650,
Louise escreveu à Irmã Cecile Agnes:
Em nome de Deus, minha irmã , exorto-a a ser muito gentil e cortê s
com os pobres. Você sabe que eles sã o nossos mestres e que devemos
amá -los com ternura e respeitá -los muito. Nã o basta que esses
sentimentos estejam profundamente enraizados em nossos coraçõ es.
Devemos dar testemunho deles por meio de cuidados gentis e
amorosos.

A vocaçã o das Filhas da Caridade as chamava a compartilhar a sorte


dos pobres. A comunidade primitiva cresceu em meio a guerras, epidemias,
inundaçõ es e fome. Luı́sa de Marillac se preocupava com o bem-estar de
suas irmã s, mas nunca deixava de, ao oferecer seu apoio e conforto, lembrá -
las da situaçã o dos pobres a cujo serviço haviam jurado a vida. Para as irmã s
do Hospital de Angers, ela escreveu:
O relato dos infortú nios que se abateram sobre Angers tornou-me
profundamente consciente dos sofrimentos dos pobres. Rogo à Divina
Bondade que os console e lhes dê a ajuda de que necessitam. . . Você s,
minhas irmã s, també m sofreram muito. Você já re letiu que é justo que
os servos sofram com seus senhores?

Em 11 de junho de 1652, Louise escreveu à s irmã s em Brienne, que


també m participavam das di iculdades dos pobres. Ela os exortou:
Leve seus sofrimentos com eles. Providencie a assistê ncia que
puder e permaneça em paz. Você s mesmos estã o precisando? Você
deve ser consolado. Se você tivesse abundâ ncia, você se sentiria
culpado por usá -la enquanto testemunhasse as privaçõ es de nossos
senhores e mestres.

A motivaçã o para este dom total de si ao serviço dos pobres foi sempre
"o puro amor de Deus". Freqü entemente, a resposta à caridade nã o era
apenas ingratidã o, mas agressã o aberta. Em uma dessas ocasiõ es, Louise
escreveu:
Oh, minhas irmã s, se você s soubessem como iquei recentemente
consolada quando soube que uma de nossas irmã s foi atingida por um
pobre e nã o fez nada para se defender. Infelizmente, ele era um mestre
duro, mas devemos suportar seu ataque. Somos os servos dos pobres e
devemos suportar seus abusos.

Luı́sa exortou as irmã s a espiritualizarem o seu sofrimento pessoal,


unindo-o ao de Cristo, e a nunca esquecer as necessidades dos pobres.
Quando a Irmã Barbe estava doente, ela a encorajou "a nã o se cansar de se
encontrar em uma situaçã o em que ela, como seus mestres pobres, precisa
de ajuda, cordialidade e gentileza". Ela via o sofrimento pessoal como um
meio de crescer em compaixã o. Quando uma irmã se recuperou de uma
doença particularmente dolorosa, ela escreveu: "Oh, que amor compassivo
ela terá pelos pobres doentes depois de tanto sofrimento!"
A irmã enfermeira foi encorajada a direcionar os pensamentos de seus
companheiros doentes para a situaçã o dos pobres doentes a quem todos
foram chamados a servir:
Em seu leito de dor, re lita sobre os sofrimentos de nossos pobres
doentes que muitas vezes estã o sozinhos, sem fogo. Eles geralmente
dormem em palha sem lençó is nem cobertores para deixá -los
confortá veis. Eles experimentam pouca gentileza ou consolo.

No entanto, nã o era apenas em momentos de sofrimento ou


necessidade que as irmã s eram chamadas a compartilhar a vida dos pobres.
Como servos, eles també m estavam sujeitos à lei do trabalho. Louise
lembrou-lhes: "Todo o seu tempo é dedicado ao serviço dos pobres". Em
outro lugar, ela disse: "Se você tiver algum tempo livre, use-o para ganhar
dinheiro para os pobres ou para instruı́-los nas coisas necessá rias para sua
salvaçã o". Ela freqü entemente lhes perguntava: "Há algum trabalho
disponı́vel para você s na cidade? Nã o se esqueçam que é nossa prá tica
ganhar nosso pró prio sustento." Mas mesmo aqui, o serviço aos pobres foi a
força motivadora. Louise disse a seus companheiros: "Você s devem
trabalhar nã o apenas para se sustentar - como seus senhores, os pobres,
fazem - mas també m para sustentá -los".
Louise de Marillac viu a lei do trabalho como aplicá vel nã o apenas à
irmã individual, mas també m à comunidade como um todo. Ela escreveu:
Oh, que felicidade seria se, sem ofender a Deus, a Companhia
pudesse dedicar-se ao serviço dos mais necessitados. . . se a Divina
Providê ncia pudesse supri-la com mais do que o mı́nimo necessá rio,
permitindo assim que as irmã s fossem, à s suas custas, prover as
necessidades corporais e espirituais dos mais pobres. Nã o importa se a
obra passasse despercebida, enquanto as almas continuassem a honrar
os mé ritos da Redençã o de Nosso Senhor Jesus Cristo por toda a
eternidade.
Essas palavras deixam claro que o serviço aos pobres nã o era
ilantropia, mas doaçã o total de si. Louise colocou diante de suas ilhas o
exemplo de Jesus Cristo:
Imite, tanto quanto puder, Nosso Senhor, que derramou sua força
e sua pró pria vida a serviço dos outros.

A gestã o dos bens dos pobres exigia estrita justiça e escrupulosa


honestidade, pois, segundo Louise, "a propriedade dos pobres é propriedade
do pró prio Deus". Ela lembrou à Irmã Julienne Loret, na Casa da Caridade
em Chars, que "tome cuidado para nunca usar nada pertencente aos
pobres". Ela até foi alé m da justiça para pedir sacrifı́cios, grandes e
pequenos, para prestar um melhor serviço aos pobres. Quando uma irmã lhe
enviou algumas frutas, ela agradeceu, mas depois acrescentou:
Estou encantado com seu excelente fruto, mas por favor, nã o prive
seus pobres. Satisfaça sempre suas necessidades com o melhor que
você tem. E o que lhes é devido.

Como servas dos pobres, as Filhas da Caridade foram chamadas a viver


como os pobres na doença e na saú de. Nas Regras Comuns lemos:
Eles se contentarã o com o tratamento comum dos pobres no que
diz respeito a medicamentos, alimentos e outras necessidades
semelhantes. . . Devem considerar, especialmente neste caso, que os
servos dos pobres nã o devem ser mais bem atendidos do que seus
senhores. . .

No entanto, Vicente de Paulo e Luı́sa de Marillac reconheceram que


mesmo esta partilha da vida dos pobres nã o era su iciente para assegurar
um serviço e icaz. As irmã s foram chamadas a colaborar com todo tipo de
pessoas. Isso exigia ainda outra forma de abnegaçã o. Luı́sa exortou-os:
Pelo amor de Deus, minhas Irmã s, sejam gentis com os pobres e
com todos aqueles com quem você s entram em contato. Tente ser
acomodado em palavras e açõ es. Isso será bastante fá cil se você
mantiver grande respeito pelo seu pró ximo.
Oh, como eu rezo para que você seja amado. Isso é tã o necessá rio
nos lugares para os quais a Divina Providê ncia os chamou. Em todos os
momentos, deixe-se ver que você busca apenas o bem dos pobres a
quem você serve.

Parece que, apesar dos fracassos humanos, eles foram capazes de levar
o amor de Deus aos necessitados com o dom total de si mesmos ao serviço
de Cristo na pessoa dos pobres. Vicente de Paulo reforçou essa crença em
sua Conferê ncia de 4 de março de 1658, quando disse:
Filhas minhas, o nome de cada uma de você s foi escrito no livro da
caridade quando você s se entregaram a Deus para servir os pobres e,
em particular, no dia em que izeram seus votos, você s receberam este
nome que Deus lhes deu. . Portanto, você deve viver em conformidade
com o nome que carrega, pois foi o pró prio Deus quem o deu à
Companhia. . . foram as pessoas que, vendo o que você estava fazendo e
o serviço que nossas primeiras irmã s prestavam aos pobres, lhe deram
este nome, que permaneceu como o mais adequado ao seu modo de
vida.

Num perı́odo de cerca de trinta anos, Vicente de Paulo e Luı́sa de


Marillac conseguiram transmitir seu amor pelos pobres a essas simples
aldeã s, que, como elas, dariam tudo pelo serviço "dos membros de Jesus
Cristo". " Uma delas expressou os sentimentos de todos durante a
Conferê ncia de 8 de dezembro de 1659, poucos meses antes da morte de
Luı́sa de Marillac e de Vicente de Paulo, quando exclamou:
Oh, se eu tivesse forças, gostaria de servir aos pobres pelo resto da
minha vida e até o im dos tempos, para que Deus seja glori icado!

No inı́cio de 1660, a velhice estava cobrando seu preço. Tanto Vincent


quanto Louise sentiram as restriçõ es impostas a eles pela saú de debilitada.
Pouco antes de sua morte em 15 de março de 1660, Louise escreveu:
E preciso muita coragem para aceitar a incapacidade de agir
quando agrada a Deus pedir isso de nó s, e usar esse sofrimento para se
elevar acima das coisas da terra. No entanto, isso deve nos levar a
re letir que Deus deseja que, depois de ter trabalhado toda a nossa vida
pelo nosso pró ximo, tenhamos tempo para nos preparar para o Cé u,
que é nossa pá tria abençoada.
Vá rios anos antes, em uma carta datada de 13 de dezembro de 1647,
Vicente de Paulo havia esboçado um retrato dessa mulher frá gil e dinâ mica.
Ele escreveu:
Considero que Mademoiselle Le Gras está praticamente morta nos
ú ltimos dez anos. Olhando para ela, algué m pensaria que ela havia
saı́do da sepultura, seu rosto está tã o pá lido. Mas só Deus conhece sua
força de espı́rito. Nã o faz muito tempo fez uma viagem muito longa, e
só as freqü entes doenças e o respeito pela obediê ncia a impediam de ir
ainda mais longe para visitar as ilhas e trabalhar com elas, embora só a
graça de Deus a mantivesse viva.

Até seu ú ltimo suspiro, seus pensamentos e suas oraçõ es estavam com
suas irmã s e com os pobres. Queria manter-se informada sobre os cuidados
dispensados aos numerosos pobres que vinham à casa-mã e em busca de
alimentos. Ela morreu como viveu: uma Serva dos Pobres . Suas ú ltimas
palavras para suas ilhas testemunham sua vida e seu legado:
Tome muito cuidado para servir os pobres;
Acima de tudo, vivam juntos em grande união e cordialidade;
Amar uns aos outros imitando a união e a vida de Nosso Senhor;
Tome a Santíssima Virgem como sua única mãe .
Casas da Companhia em 1660, incluindo 25 casas em Paris.
ORIGENS

As citaçõ es originais de Louise de Marillac e Vincent de Paul


encontradas nesta obra sã o retiradas do seguinte:

Sainte Louise de Marillac: Correspondência 1627 - 1660, Meditações, pensees, avis . Esta obra foi
publicada em 1961 a partir de textos de manuscritos preservados nos arquivos da casa mã e das
Filhas da Caridade, 140 rue du Bac, Paris, França.

São Vicente de Paulo: correspondência, entretiens, documentos . 14 volumes. Editado por Pierre
Coste. Paris: Lecofre-Gabalda, 1925.

Alé m dessas duas referê ncias, també m foram retiradas citaçõ es de:

Baunard, Mons. Louise de Marillac (Mademoiselle Le Gras), fondatrice des Filles de la Charite de
Saint Vincent de Paul . Terceira ediçã o. Paris: Jean de Gigord, 1921. De particular importâ ncia é a
lista de documentos relativos à s Filhas da Caridade e Luı́sa de Marillac, conservada no Arquivo
Nacional da França, encontrada na pá gina VII desta obra.

Flinton, S. Margaret. Sainte Louise de Marillac: l'aspect social de son oeuvre . Bruxelas: Desclee,
1953.
Sã o Vicente e Santa Luı́sa discutem as necessidades dos pobres.
Sã o Vicente lê a Regra à s primeiras Damas da Caridade. (Desenhos usados com a gentil permissão da
CEME Publishers, Salamanca, Espanha.)
Uma Conferê ncia antecipada. Nestas Conferê ncias, Sã o Vicente instruiu as Filhas e com Santa Luı́sa
compartilharam seus pensamentos sobre a vocaçã o de uma Filha da Caridade.
Sã o Vicente, Santa Luı́sa (à direita de Sã o Vicente) e Senhoras da Caridade. Em primeiro plano estã o os
enjeitados, uma Filha da Caridade e uma ama de leite.
Sã o Vicente implora à s Senhoras da Caridade que nã o abandonem os enjeitados: "Se você abandonar
esses pequeninos, o que Deus dirá , já que foi Ele quem os chamou para cuidar deles?" St. Louise é a
segunda da direita.
Filhas da Caridade no Hospital de Angers. Sã o Vicente exortou-os a cuidar dos doentes com grande
doçura, vendo neles Jesus Cristo.
Uma das primeiras Filhas da Caridade levando uma bebida aos doentes.
Sã o Vicente e Santa Luı́sa no Hospı́cio do Santı́ssimo Nome de Jesus, onde os idosos foram atendidos e
habilitados a continuar trabalhando em seus ofı́cios. Sã o Vicente vinha muitas vezes falar-lhes de Deus.
Um close-up mostrando St. Louise.
Uma pá gina das Regras Particulares para as Irmã s das Aldeias.
Figura de cera cobrindo as relı́quias de Santa Luı́sa na capela da casa mã e.
A assinatura de Santa Luı́sa de Marillac.
O selo de Louise de Marillac e da Companhia das Filhas da Caridade. A inscriçã o latina diz A Caridade de
Cristo nos Impulsiona .
Vitral mostrando St. Louise, St. Vincent e Filhas da Caridade.
Está tua de Santa Luı́sa de Marillac erguida na Bası́lica de Sã o Pedro, em Roma, por ocasiã o de sua
canonizaçã o.

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