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FICHA CATALOGRÁFICA

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Texto adaptado à nova ortografia da Língua Portuguesa, Decreto n° 6.583, de
29 de setembro de 2008.

Direção geral: Chirlei Wandekoken


Subeditor: Júlio Cesar Wandekoken
Direção de arte: Eduardo Barbarioli
Tradução: Maria Aparecida Mello Fontes
Revisão: Agatha Krauss
Pinturas das capas: Thomas Gainsborough e Jean-Baptiste Camille Corot

B965c Burney, Frances, 1752 — 1840.


Cecilia, ou Memórias de uma herdeira / Frances Burney . – Vitória, ES,
Pedrazul Editora, 2022.
Título original: Cecilia, or Memoirs of an Heiress
1. Literatura inglesa. 2. Ficção. 3. Romantismo.
I. Título. II. Mello Fontes, Maria Aparecida.
CDD – 823

Reservados todos os direitos desta tradução e produção. Nenhuma parte


desta obra poderá ser reproduzida por fotocópia, microfilme, processo
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FICHA CATALOGRÁFICA
INTRODUÇÃO
PREFÁCIO ORIGINAL
LIVRO I
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
LIVRO II
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
LIVRO III
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
LIVRO IV
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
LIVRO V
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
LIVRO VI
CAPÍTULO 52
CAPÍTULO 53
CAPÍTULO 54
CAPÍTULO 55
CAPÍTULO 56
CAPÍTULO 57
CAPÍTULO 58
CAPÍTULO 59
CAPÍTULO 60
CAPÍTULO 61
CAPÍTULO 62
LIVRO VII
CAPÍTULO 63
CAPÍTULO 64
CAPÍTULO 65
CAPÍTULO 66
CAPÍTULO 67
CAPÍTULO 68
CAPÍTULO 69
CAPÍTULO 70
CAPÍTULO 71
LIVRO VIII
CAPÍTULO 72
CAPÍTULO 73
CAPÍTULO 74
CAPÍTULO 75
CAPÍTULO 76
CAPÍTULO 77
CAPÍTULO 78
CAPÍTULO 79
CAPÍTULO 80
CAPÍTULO 81
LIVRO IX
CAPÍTULO 82
CAPÍTULO 83
CAPÍTULO 84
CAPÍTULO 85
CAPÍTULO 86
CAPÍTULO 87
CAPÍTULO 88
CAPÍTULO 89
CAPÍTULO 90
CAPÍTULO 91
CAPÍTULO 92
LIVRO X
CAPÍTULO 93
CAPÍTULO 94
CAPÍTULO 95
CAPÍTULO 96
CAPÍTULO 97
CAPÍTULO 98
CAPÍTULO 99
CAPÍTULO 100
CAPÍTULO 101
CAPÍTULO 102
POSFÁCIO
REFERÊNCIAS DO POSFÁCIO:
ANEXO
RELATO DE UMA TERRÍVEL CIRURGIA EM PARIS – 1812
APOIADORES DO PROJETO CECILIA
INTRODUÇÃO

MENTES BRILHANTES
Adriana dos Santos Sales1

Frances Burney – a escritora

Frances Burney também era conhecida como Fanny Burney e, após seu
casamento com o general francês exilado, Alexandre d’Arblay, passou a se
chamar Madame d’Arblay. Frances escreveu proficuamente romances, peças
de teatro, diários e cartas durante toda a sua vida, em um tempo em que as
mulheres mal eram consideradas como vozes relevantes na sociedade. Ela
escreveu cinco romances: A história de Caroline Evelyn (1767), manuscrito
destruído pela própria autora; Evelina – A história da entrada de uma jovem
senhora no mundo (1778), publicado de forma anônima, ou seja, seu nome de
autora não foi divulgado na primeira edição publicada; Cecilia – A história
de uma herdeira (1782); Camilla – Uma imagem da juventude (1796); e A
Andarilha – Dificuldades femininas (1814). Além dos romances, Frances
escreveu oito peças, uma biografia e vinte volumes de diários e cartas.
Frances Burney nasceu em 13 de junho de 1752, em Lynn Regis (agora
King’s Lynn). Aos oito anos, ainda não sabia ler, mas foi nessa época que ela
deu início à sua autoeducação e passou, então, a explorar a biblioteca da
família. Aos nove anos, já esboçava seus primeiros “rabiscos” com a escrita
de cartas; aos 10, já tinha a escrita como um hábito irresistível. Na intimidade
familiar, ela desfiava memórias, cartas e diários. Todavia, aos 15 anos, já órfã
de sua mãe, Frances ateou fogo em seus escritos quando seu pai, Charles
Burney, casou-se novamente. Note-se que, nessa época, a escrita de romances
por mulheres era desaprovada por sua família e amigos, de modo particular, e
pela sociedade, de modo geral. A voz feminina, diga-se, a escrita, era
cerceada de todas as formas possíveis no período georgiano (1714–1837),
isto é, o papel da mulher na sociedade era meramente subalterno e de pouca
expressão nesse círculo. Mesmo nesse contexto desfavorável, Frances Burney
tornou-se uma das escritoras britânicas mais bem-sucedidas do século XVIII
e início do século XIX. Seus escritos ainda circulam com relativo sucesso há
mais de três séculos depois de seu nascimento. Alguns estudiosos acreditam
que o trabalho de Frances Burney tenha inspirado autoras como Jane Austen
e Maria Edgeworth e até mesmo o escritor William Makepeace Thackeray,
entre muitos outros.
Notadamente, os membros da família Burney eram bastante criativos
quanto à escrita. Seu pai, Charles Burney, era músico, compositor e
historiador musical; tinha a escrita como profissão. Sua mãe, Esther, católica
de origem francesa, que faleceu quando Frances completava os 10 anos,
também escrevia cartas e memórias.
Quando a família Burney mudou-se para Londres, em 1760, ela teve a
oportunidade de conviver em um círculo social e cultural mais vibrante e
rico. Todavia, em Londres, o novo casamento de seu pai tornou-se uma fonte
de tensão na família. As irmãs mais velhas foram enviadas a Paris para
estudar. Frances, no entanto, permaneceu em Londres na companhia
silenciosa dos livros da biblioteca da família. Nos seus relatos diários, ela
conta que um amigo da família, Samuel Crisp, foi o seu maior incentivador
como escritora. Ele pedia a ela para ler seus relatos sobre a vida familiar e
sobre o cotidiano londrino. Ela manteve o hábito de escrever diários por toda
a vida, até falecer aos 87 anos de idade.
Aos 23 anos de idade, Frances recebeu uma proposta de casamento de
Thomas Barlow. A proposta foi inusitada, pois eles haviam se encontrado
apenas uma vez até então. Depois de enviar a ela duas cartas, às quais
Frances não havia respondido, o persistente Barlow a visitou para obter uma
resposta. Segundo consta, ela mentiu a ele, dizendo que havia enviado uma
carta de resposta ao pedido de casamento. Nessa visita, ela recusou a oferta
de Barlow pessoalmente. Depois disso, ela, finalmente, escreveu a carta que
alegava já ter enviado a ele. Embora seu pai tenha tentado persuadi-la a não
ser muito precipitada em sua recusa – provavelmente pensando no papel
social que o casamento representava naquela época –, Frances permaneceu
fiel a seu coração e, em uma carta curta, recusou a proposta de casamento.
Essa carta de recusa foi posteriormente registrada em seu diário, em 20 de
maio de 1775: “Estou muito agradecida a você, senhor, pela excelente
opinião que tem de mim [...], mas eu não gostaria que o senhor perdesse mais
tempo por minha causa, já que não tenho a menor intenção de mudar minha
situação” (trad. livre).
Depois do sucesso de seu segundo romance, Cecilia, Frances recebeu,
diretamente da Rainha Charlotte e do Rei George III, o título de “Guardiã dos
Robes”. A princípio, Frances hesitou em aceitar tal posição na corte, pois não
queria se separar de sua família, e muito menos assumir responsabilidades
que lhe restringissem o tempo dedicado à escrita. Todavia, aos 34 anos,
solteira, ela sentiu-se impelida a aceitar o convite, uma vez que a nova
condição social e a renda proveniente dela poderiam permitir-lhe mais
liberdade para escrever.
Os anos na corte, por mais frutíferos que possam ter parecido, afetaram
sua saúde, sua escrita e seus relacionamentos. Em 1790, ela persuadiu seu pai
a solicitar sua dispensa do serviço. Nessa época, a Revolução Francesa, com
seus ideais de liberdade, igualdade e justiça social, contava com o apoio de
muitos ingleses alfabetizados. Foi nesse contexto que Frances se juntou ao
General Alexandre d’Arblay, um oficial de artilharia que havia se exilado na
Inglaterra. Em 1793, casou-se com o general d’Arblay, que serviu como
ajudante-geral do Marquês de Lafayette. O pai dela não aprovava aquela
união, em função da religião católica, da pobreza e da situação de d’Arblay
como imigrante exilado, uma vez que França e Inglaterra tinham sido
inimigas históricas em inúmeras batalhas. Durante esse tempo, Frances
produziu uma carta panfletária sobre esse contexto: Breves reflexões em
relação ao emigrante francês do clero, na qual defendia o apoio financeiro da
coroa inglesa à Revolução Francesa em curso. A chegada de seu único filho,
Alexander, ocorreu em 18 de dezembro de 1794.
O terceiro romance de Frances, Camilla (1796), rendeu-lhe 2.000 libras e
foi o suficiente para que o casal construísse uma casa em Westhumble e
dessem a ela o nome de Camilla Cottage. Em 1801, d’Arblay foi chamado
para servir ao governo de Napoleão, na França, e, em 1802, Frances e seu
filho também o acompanharam a Paris, onde esperavam permanecer por um
ano. Contudo, com a eclosão da guerra entre a França e a Inglaterra, foram
obrigados a permanecer por lá por dez anos.
Em agosto de 1810, Frances foi acometida por um tumor no seio e, em
1812, foi submetida a uma mastectomia. Posteriormente, Frances pôde
escrever sobre essa cirurgia com detalhes. Nesse relato, ela disse que estava
consciente durante a maior parte do procedimento, o que denota que os
anestésicos aplicados não tiveram o efeito esperado. Com a morte do seu
marido, em 1818, por conta de um câncer, Frances retornou para Londres. Lá,
seu filho morre tragicamente de febre, em 1837. Em seus últimos anos de
vida, já aposentada, Frances ainda recebia muitas visitas de membros mais
jovens da família Burney, que se reuniam para ouvir seus fascinantes relatos
e suas imitações das pessoas que ela descrevia.
Anos mais tarde, em Um quarto só seu, Virginia Woolf levanta a hipótese
sobre a influência de Burney em Jane Austen, ao escrever: “Jane Austen
deveria ter colocado uma coroa de flores sobre o túmulo de Fanny Burney”
(trad. livre). Sobre essa possível influência, embora alguns dos romances de
Burney sejam mais dramáticos em sua natureza, ela também usou comédia e
sátira em seus livros como Austen o fez. As duas escritoras concentraram
seus romances em heroínas que transitavam pelos costumes da sociedade
daquele tempo.
Os romances de Burney foram muito populares na sua época e
posteriormente, mesmo tendo recebido críticas severas até o século XX.
Atualmente, é bastante estudada e elogiada por seus insights e relatos dos fait
divers entre os séculos XVIII e XIX. Ao que parece, a crítica literária,
dominada por homens, não aceitava muito bem o fato de ela ter o
reconhecimento de seu talento atestado pelo público.
Frances Burney morreu em 6 de janeiro de 1840 e foi enterrada junto ao
filho e ao marido, no cemitério da igreja de St. Swithin, em Bath, na
Inglaterra. Uma placa foi erguida mais tarde no local bem perto do túmulo do
pai de Jane Austen, George Austen. Nessa placa, lê-se: “[...] romancista,
dramaturga e cronista Frances (Fanny) Burney (1752-1840) e de seu filho,
Alexander d’Arblay (1794-1837). Frances Burney, que escreveu o romance
Evelina (1778), Cecilia (1783), Camilla (1796) e A Andarilha (1814), cujo
trabalho influenciou Jane Austen, visitou Bath em 1767, 1780 e 1791[...]”.
Muitos estudiosos observam que seu primeiro romance, Evelina (1778),
serviu de modelo para outras escritoras de sua época e posteriormente. Uma
curiosidade é que essa obra foi inicialmente rejeitada pela editora de Robert
Dodsley, antes de, finalmente, ser aceita por Thomas Lowndes. O romance
foi extremamente bem-sucedido e recebeu elogios da crítica de pessoas
ilustres da época, como Edmund Burke e Samuel Johnson (Dr. Johnson).
Com a publicação de Evelina, Burney conquistou a atenção da autora e
patrona Hester Thrale (1741-1821), que era bastante influente no contexto da
arte inglesa. Hester era amiga íntima do escritor Dr. Johnson, também
admirado por Jane Austen. Um dos relatos de Burney dá conta de que Hester
a convidou ainda jovem para visitar sua casa em Streatham. Burney tornou-se
muito popular entre as figuras importantes que frequentavam a casa de Hester
Thrale, até mesmo correspondeu-se com Dr. Johnson por volta de 1783. O
romance Cecilia (1782) recebeu muitos elogios da crítica e do público, por
exibir um tom mais maduro do que Evelina (1778).

O romance Cecilia

Cecília é um romance longo, com quase o dobro de páginas do anterior,


Evelina. Um detalhe importante é que o romance foi escrito em apenas um
ano e meio. O texto trata de problemas morais complexos e problemas de
ordem prática, o que indica que Burney preocupou-se mais com os humores
das personagens do que com o humor propriamente dito. É um romance sobre
castas, simbolizadas pela herança da heroína. É uma narrativa vívida da
sociedade londrina, com foco nos modismos e no comportamento das pessoas
de sua época, tendo com viés o sexo e o dinheiro. Os homens são retratados
como tutores inúteis, filhos e irmãos egoístas, predadores sexuais, caçadores
de fortunas, esbanjadores, histéricos e trapaceiros. Enquanto as mulheres são
perspicazes e resolutas, mas que são colocadas, estrategicamente, como
presas fáceis desse modelo de homem, denotando o contraponto de uma
sociedade dinâmica que espera por mudanças no comportamento social.
A variedade de personagens, temas e incidentes presentes em Cecilia
revela essa sociedade literária em mudança. Dois outros grandes escritores da
literatura inglesa da época, Charles Dickens (1812-1870) e William
Thackeray (1811-1863), desfiaram personagens com características análogas
às que sobressaltam na narrativa de Frances Burney. A intensidade das
personagens e a trama criada em volta da heroína são elementos importantes
para cativar o leitor. O sucesso de venda tanto da primeira edição, em volume
único, quanto das subsequentes, divididas em quatro volumes, atesta isso.
Na obra-prima de Burney, Cecilia Beverley é uma órfã que recebe a
herança de um tio – que era um rico reitor. Contudo, havia uma condição
imposta pelo tio em seu testamento: a de que ela encontrasse um marido que
aceitasse renunciar ao próprio nome de família e adotasse o nome
“Beverley”. Cecilia é descrita como uma moça bonita, elegante, inteligente,
sensível e, ao mesmo tempo, forte de espírito. De acordo com os padrões da
época em que se passa a narrativa, poderia ser considerada rica, sua fortuna
era estimada em dez mil libras, além de receber uma renda anual de três mil
libras.
Logo no início do romance, o orgulho é um defeito apontado como
característico entre alguns personagens. Enquanto Cecilia tenta se esquivar
dos pretendentes que estavam somente interessados em sua fortuna, ela é
cativada por um cavalheiro, o futuro lorde Mortimer Delville, filho de um de
seus tutores – herdeiro de um título de nobreza –cujo orgulho de sua família
por seu nascimento e descendência nobre impediria tal mudança de nome.
Último da linhagem de uma família aristocrata, cujo título era datado de
vários séculos, o orgulhoso Mortimer Delville jamais renunciaria ao seu
nome, pois arruinaria a seu pai e levaria o nome da família ao anonimato.
Tampouco ele se casaria com alguém sem dote de família, ou que fosse
socialmente abaixo dele – o preconceito e o orgulho de seu pai eram notórios
em toda a Inglaterra. A família Delville, embora fosse respeitada e contasse
ainda com algum prestígio, estava arruinada financeiramente. E mesmo que
Mortimer e Cecilia se casassem à revelia dos desejos de suas famílias,
Cecilia, ao renunciar ao seu nome, perderia a sua herança – o que os levaria
ao ponto inicial da estrutura da narrativa que tem o orgulho e o preconceito
como motes e dilemas.
Por extensão, toda a aristocracia e falsa elite inglesa são colocadas na
berlinda, por conta de suas falhas éticas e morais. Personagens indolentes e
vaidosos repetem frases de efeito como “estou farto da humanidade”, que
ecoam vazias ao mesmo tempo que espelham os dramas pessoais dessa
parcela da sociedade em franca decadência moral e financeira. Nessa trama,
as aparências não enganam, temos a chance de jogar luz sobre os
dissimulados e vê-los se contorcendo para esconder seus defeitos.
A nossa protagonista tem, então, a dura tarefa de suster-se como órfã,
como herdeira e como mulher em uma sociedade que tenta manter o status
quo a todo custo. Sua tutela é guardada por um perdulário, um sovina e outro
extremamente orgulhoso, demonstrando que a nossa heroína não teria tempo
fácil na sua trajetória.
O aristocrata Mortimer Delville também passa por provas complicadas
para tentar driblar a sorte. Tanto ele quanto Cecilia têm dilemas para cumprir
nessa trajetória – isso implica escolhas difíceis entre opções igualmente
insatisfatórias. Cecilia reconhece o rapaz como a única pessoa em toda a
Inglaterra com princípios parecidos aos dela.
Frances Burney consegue, além do retrato de uma parcela da sociedade em
ruína moral e financeira, que subsiste do caos que ela própria provoca,
resolver o paradoxo que envolve a manutenção do sistema sem muitas
mudanças drásticas.
O romance Cecilia poderia, claro, ser intitulado Orgulho e Preconceito,
mesmo título de um dos clássicos de Jane Austen, não só por essas duas
falhas humanas permearem toda a narrativa, mas também por jogarem luz em
nossas neuroses individuais e coletivas, por apontarem que a dinâmica das
construções sociais tem uma lógica difícil de ser contornada ou mesmo
subvertida, que, geralmente, volta ao ponto de partida.
A influência de Burney em Austen é um ponto interessante de se observar.
Primeiro, pelas temáticas, depois pelos desenvolvimentos das personagens,
geralmente carregadas de forças antagônicas: alegres e tristes, ricas e pobres,
racionais e sentimentais, prestimosas e interesseiras, verdadeiras e
dissimuladas. É preciso entender, pois, que tratamos aqui de romances de
costumes, que têm como característica a construção de caricaturas, sátiras,
humor, sarcasmo sobre a sociedade que retratam. É provável que o livro mais
famoso de Austen, Orgulho e Preconceito, tenha sido inspirado em Cecilia,
em virtude das temáticas que ambos apresentam. Mesmo com um espaço de
tempo de três décadas, especula-se que Austen tenha se apropriado de um
nome de uma das personagens de Cecilia, a senhorita Bennet, para dar nome
à sua protagonista de Orgulho e Preconceito: Elizabeth Bennet. Só um nome
de família, no caso, não configura uma completa apropriação, uma vez que as
personagens somente compartilham dos nomes, suas trajetórias nas narrativas
são diversas e não existem evidências documentais que possam corroborar ou
refutar tal especulação.
Além do uso das palavras orgulho e preconceito, os dois livros
compartilham alguns elementos comuns aos romances de costumes. Por
exemplo: ambas as heroínas são cortejadas por homens que têm como
herança o orgulho e o preconceito da família, o que os colocam de modo
antagônico nas composições dos enredos. Ironicamente, há um senso de
justiça e de moral na maneira como os personagens de castas diferentes são
“impedidos” de se unirem; por extensão, há uma crítica desvelada no modo
como a nata da sociedade faz vista grossa sobre essas questões, de modo
geral, e como vibra com as falhas individuais, de modo específico.
Em Cecilia, o Dr. Lyster fala a respeito da moral aos amantes penitentes:
Cecilia e Mortimer Delville. Austen, por sua vez, empodera sua heroína
Elizabeth Bennet com a força da ironia para zombar do romance
convencional e moralizante, além de dar a Mr. Darcy a capacidade de visão
de que o amor deve prevalecer e unir: “A moral será perfeitamente justa. [...]
Os esforços injustificáveis de Lady Catherine para nos separar foram o meio
para remover todas as minhas dúvidas” (tradução livre). Em Cecilia,
Mortimer sucumbe ao peso do orgulho e do preconceito que o seu nome de
família impõe, mesmo diante da ruína financeira.
Nem tudo são similaridades, existem algumas discrepâncias na construção
da trama e dos percalços dos protagonistas nos dois romances. De um lado,
uma herdeira de uma grande fortuna, do outro, uma que nada herdará em
virtude de sua numerosa família, mas que dependerá, pois, do desfecho
natural de uma sociedade patriarcal: ter um homem como provedor exclusivo
do lar. Orgulho e preconceito, desse modo, são sentimentos que separam os
casais protagonistas nos dois romances com a mesma força que os unem.
Resumidamente, podemos dizer que Cecilia é uma mulher honesta e
generosa, que é prejudicada por uma sociedade controladora, cheia de
pessoas egoístas e sem escrúpulos. Em contraste, embora vivendo em meio a
uma família com poucas condições financeiras e que lhe causa embaraço,
Elizabeth não enfrenta a mesma sociedade patriarcal que aprisiona Cecilia.
Elizabeth é mais firme em seus propósitos, repreende quem a critica, se
recusa a mudar de atitude quando seus valores e interesses são prejudicados
por pessoas que já perderam o direito ao respeito, como foi o caso de Lady
Catherine.
A escrita de Burney utiliza da sátira para criticar, de modo velado, claro,
toda a sociedade inglesa, empregando elementos góticos e humorados para
atingir tal objetivo. Austen, por sua vez, explora a complexidade de seus
personagens comuns, em detrimento das falhas dessa mesma sociedade.
Enquanto os personagens de Burney vivem sob a tutela da opinião da
coletividade, os de Austen seguem seus destinos orientados por suas condutas
morais, pelas falhas ou virtudes.
Talvez por ter sido escrito sob a forma de novela epistolar (pautada em
preceitos morais) e, inicialmente, ter recebido o título de Primeiras
Impressões, Orgulho e Preconceito, publicado três décadas depois de Cecilia,
apresenta personagens que tentam rever e reavaliar suas atitudes,
pensamentos, suas impressões. De certo modo, elas são passíveis de evoluir
moralmente na sociedade, o que não ocorre com as personagens em Cecilia,
que são mais inflexíveis a quaisquer mudanças que possam abalar o status
quo.
De certo modo, Austen pretende mostrar uma sociedade dinâmica e aberta
para aceitar o novo, o orgulho e o preconceito arraigados são traços de falhas
individuais. Em Cecilia, a fala de propriedade moral é dada por um
representante ilustre da sociedade, o Dr. Lyster. Ironicamente, faz o resumo
da temática principal no seu discurso carregado de apelos morais e de crítica
aos costumes da sociedade, de modo geral, a partir das falhas pontuais de
alguns dos personagens:

“— A combinação de toda essa situação desafortunada foi o resultado do


orgulho e do preconceito de suas famílias — disse o Dr. Lyster. — Seu tio, o
reitor, deu o início com sua vontade arbitrária, como se uma determinação
dele pudesse deter o curso da natureza, e como se tivesse o poder de manter
viva, mediante o empréstimo de um nome, uma família cujo ramo masculino
já estava extinto. Seu pai, Mr. Mortimer, prosseguiu com a mesma
parcialidade, preferindo a miserável satisfação de sentir cócegas em seus
ouvidos com um som favorito de um sobrenome ao invés da sólida felicidade
de seu filho com uma esposa rica e merecedora. No entanto, lembrem-se
disso, se ao ORGULHO e ao PRECONCEITO vocês devem suas misérias,
tão maravilhosamente equilibrados estão o bem e o mal, que ao ORGULHO
e ao PRECONCEITO vocês também deverão a sua interrupção, pois ao
dizer a Mr. Delville sobre a desonra em ter uma nora confinada nestes
alojamentos medíocres, ao associar o grande nome Delville a uma casa de
penhores, seu ORGULHO e PRECONCEITO falaram mais alto”.

Em Austen podemos observar o uso dos termos orgulho e preconceito de


forma distinta. Críticos e leitores poderão argumentar que na obra de Austen,
os dois termos não são “verdades universais” de um e outro personagem. O
consenso atual é que tanto Elizabeth quanto Mr. Darcy exibem as duas
características em maior ou menor grau. O orgulho de Mr. Darcy e seu
preconceito contra os bailes em pequenos vilarejos fazem com que ele rejeite
Elizabeth como parceira de dança. Por sua vez, ao ser insultada pelo Mr.
Darcy, Elizabeth acaba sentindo uma aversão inicial contra ele. No volume II,
capítulo 13, Elizabeth, ao ler e reler a carta de Darcy, o narrador(a) guia o
leitor a entender que ela se via obrigada a reconhecer sua culpa por ter
pensado mal sobre Mr. Darcy: “Nem em Darcy, nem em Wickham, ela
poderia pensar sem sentir que havia sido cega, parcial, preconceituosa e
absurda” (tradução livre). O leitor mais atento poderá acompanhar todo o
processo de revisão de comportamento de Elizabeth e reconhecimento de seu
julgamento errôneo. Contudo, poderia também pensar que o narrador(a)
mostra-se condescendente com as atitudes de Mr. Darcy. Mais adiante, a
própria Elizabeth confirma a Darcy sua disposição para mudar de
comportamento: “Nossa conduta, se examinada rigorosamente, será
irrepreensível [...] (tradução livre).

Duas mentes brilhantes em tempos georgianos

Frances Burney começou a escrever e ser publicada bem antes que Jane
Austen começasse a escrever para entreter seus familiares. Ambas criaram
personagens femininas e masculinas marcantes. Burney intitulou seus
romances com os nomes de suas personagens principais: Evelina, Cecilia e
Camilla. Inicialmente, Austen também havia dado aos seus romances os
mesmos nomes das suas protagonistas: Elinor e Marianne (primeiro título
para Razão e Sensibilidade); Susan (título inicial para Abadia de
Northanger); Catharine (um texto inacabado da juvenília). Apenas Emma
recebeu o título com o mesmo nome da protagonista.
Austen viveu uma vida relativamente pacata como filha de um clérigo, o
reverendo George Austen. Burney, por sua vez, frequentou os círculos
artísticos da “alta sociedade” inglesa e teve a oportunidade de morar na
França por dez anos, ocasião em que se casou com um general do exército
francês. Austen não teve a mesma sorte de viajar para fora do país e conhecer
outras culturas. Ao contrário de Burney, passou despercebida por boa parte
do público leitor durante quase toda a sua vida.
Não há evidências de que as autoras se conheceram pessoalmente. Sabe-
se, porém, que Austen tinha acesso às publicações de Burney, pois era
assinante da biblioteca circulante inglesa. O reverendo George Austen era
também professor particular de rapazes e preparava-os para o ingresso nas
universidades do país. Em virtude disso, a jovem Jane Austen tinha acesso a
uma rica biblioteca, além de ser assinante da histórica biblioteca circulante
inglesa. Seu nome, entre outros 1.058 membros assinantes da biblioteca,
consta na lista do romance Camilla (1796), de Frances Burney. O pagamento
da assinatura dessa biblioteca foi feito por seu pai para que ela tivesse acesso
a diversas publicações na época. A família de Austen relata que o Sr. Austen
fez essa assinatura após Jane demonstrar grande interesse pelas duas
primeiras obras publicadas por Frances Burney.
Ao ler o manuscrito de Jane Primeiras Impressões (Orgulho e
Preconceito, 1811), o reverendo Austen percebe semelhanças de temas e até
de extensão com a primeira obra de Burney, Evelina (1778), e, ao abordar o
editor Thomas Cadell em favor de sua filha, ele escreveu: “tenho em minhas
mãos um manuscrito em três volumes, de tamanho semelhante ao Evelina, de
Miss Burney” (tradução livre2). Austen acabou descartando o título do
manuscrito Primeiras Impressões após a publicação do livro homônimo de
Margaret Holford, em 1801.

Algumas influências de Burney nas obras de Jane Austen

Leitores mais atentos de Jane Austen percebem as questões temáticas e os


entrelaçamentos intertextuais entre ela e a obra de Frances Burney. Cenas de
bailes, diálogos em que as personagens principais discutem a relação,
discussões acaloradas sobre a aparência ou mesmo sobre o caráter de outros
personagens, enfim, toda a sorte de temas e subtemas análogos às obras
dessas duas escritoras. A intensidade entre elas para descrever a sociedade
londrina em ação naquele tempo é marcante; tanto que várias de suas obras
são tomadas como referências dos costumes daquela época.
A semelhança entre nomes de personagens, lugares e experiências nos
livros de Jane Austen denotam que ela tinha como referência a escrita de
Frances. Em Evelina (1778), Burney cita o nome de um jovem libertino da
cidade grande, Mr. Willoughby, em Razão e Sensibilidade (1811) de Austen,
o mesmo nome é usado para o conquistador de Marianne Dashwood, o
interesseiro John Willoughby.
As interações sociais desajeitadas no salão de dança entre Evelina e lorde
Orville, descritos por Burney, são retratadas do mesmo modo em Orgulho e
Preconceito (1813) de Austen. A cena inicial entre Evelina e lorde Orville
lembra muito o primeiro encontro entre Elizabeth e Mr. Darcy no baile em
Meryton, em Orgulho e Preconceito. Nessa cena, Elizabeth ouve Darcy
descrevê-la como “tolerável, mas não suficientemente bonita para me tentar”
(tradução livre). Em uma situação parecida, também em um baile, uma amiga
de Evelina ouve lorde Orville depreciando-a. Elizabeth Bennet agiu como
Evelina, ao sentir-se envergonhada de seu status obscuro na sociedade e por
suas relações vulgares.
A mesma sensação de espanto e engessamento diante de um pedido de
casamento realizado dentro de uma carruagem em Evelina é vivenciada por
Emma Woodhouse, protagonista de Emma (1815). Observando a amizade
entre Cecilia e Henrietta, podemos encontrar semelhanças em Emma de
Austen. Em Cecilia, a personagem central da trama torna-se amiga da pobre
Henrietta Belfield, que se espanta quando descobre que ambas amam o
mesmo homem. Em Emma, a protagonista se torna amiga da doce, porém
influenciável, Harriet Smith, e mais tarde descobre que ambas estão
apaixonadas pelo adorável Mr. Knightley. O jogo amoroso se desenrola de
modo análogo ao que se passa na narrativa de Cecilia.
Mais uma referência digna de nota pode ser encontrada em A Abadia de
Northanger. Austen segue o mesmo modelo do romance de formação de
Evelina. A protagonista de Austen, Catherine Morland, é uma mocinha
simples e ingênua que é apresentada à elite de Bath, onde comete erros e
amadurece ao longo do romance, seguindo a cartilha literária do romance de
formação, bastante explorada naquela época. Em A Abadia de Northanger,
Jane Austen faz alusões diretas às obras de Frances Burney e Maria
Edgeworth como literatura essencial, ao escrever: “É só Cecilia, ou Camilla,
ou Belinda, ou, em suma, apenas um trabalho em que os maiores poderes da
mente são exibidos, em que o conhecimento mais profundo da natureza
humana, a representação mais feliz de suas variedades, ou animadas efusões
de sagacidade e humor, são transmitidos para o mundo na língua [...]
(tradução livre)”.
Sim! Essas escritoras dos tempos georgianos proficuamente escreviam e
formavam o que podemos chamar de sociedade leitora daquela época, que
descreviam com muita vivacidade e competência. Agora, temos a chance de
contemplar e aprender um pouco mais sobre como chegamos até aqui…
Aposto que Cecilia vai encantar e continuar se movendo no tempo e no
universo da literatura!
Boa leitura!
PREFÁCIO ORIGINAL

“Cecilia, de Fanny Burney, foi lançado no verão passado e já é tão lido e


apreciado como qualquer outro livro”, escreveu Charlotte Burney em janeiro
de 1783. “Ela recebeu 250 libras por ele de Payne e Cadell.3 A maioria das
pessoas diz que ela deveria ter recebido mil libras. Está indo para a terceira
edição agora, embora Payne afirme que eles imprimiram duas mil cópias na
primeira e Lowndes diga que 500 exemplares é o número costumeiro para um
romance”.4
O manuscrito de Cecilia foi submetido ao Dr. Burney e também a Mr.
Crisp durante sua produção e suas sugestões foram adotadas em alguns casos,
como soubemos através do Diário. Dr. Johnson não foi consultado, mas o
desejo de seguir o seu exemplo e agradá-lo evidentemente dirigiu os
trabalhos.
Nestas condições, a obra é naturalmente menos estimulante e espontânea
do que Evelina, embora seja mais madura. A narrativa é mais segura e o
enredo mais elaborado. Neste momento nós não temos condições de avaliar
plenamente a “cena de conflito entre mãe e filho”, para a qual, segundo Mrs.
Burney, o livro foi escrito, mas as visões dos costumes do séc. XVIII estão
muito vivas e a história é completamente envolvente.
Mrs. Burney costumava escolher o nome de seus personagens entre seus
conhecidos, e parece provável que alguns dos “tipos” de Cecilia também
tenham sido retirados da vida real. O título Orgulho e Preconceito, de Jane
Austen, foi emprestado de Cecilia, e algumas outras semelhanças podem ser
traçadas entre os dois romances.

DO HONORÁVEL EDMUND BURKE PARA MISS F. BURNEY


(depois de ler Cecilia)

Senhora, eu me sentiria excessivamente culpado se tivesse recusado a mim


mesmo esta satisfação singular e à senhora o justo, mas nobre retorno, além
dos meus melhores agradecimentos pela grande instrução e entretenimento
que obtive através deste presente com o qual nos agraciou. Não há muitos,
creio que posso dizer com justiça, que não há ninguém que seja mais bem
informado sobre a natureza humana e que não tenha tido sua reserva de
observações enriquecida com a leitura de Cecilia. Eles certamente o farão,
assim que adquirirem experiência de vida e boas maneiras, o que for. A
arrogância da idade deve submeter-se à sabedoria dos jovens. A senhora
conseguiu reunir em alguns pequenos volumes uma incrível variedade de
personagens; a maioria deles bem planejados, bem sustentados e bem
contrastados uns com os outros. Se houver alguma falha a esse respeito, é
aquela onde a senhora não corre o risco de ser imitada. Fazendo justiça à
forma como seus personagens são elaborados, talvez eles sejam muito
numerosos, mas eu imploro seu perdão, pois temo que seja em vão pregar
economia para aqueles que chegaram ainda jovens à opulência excessiva e
repentina.
Eu estaria abusando da sua delicadeza se continuasse minha carta com o
mesmo teor das cartas dirigidas a outras pessoas. Seria um incômodo da
minha parte lhe dizer tudo o que sinto e penso sobre a veia natural do humor,
a proposta patética, a moral nobre e abrangente e a observação sagaz
apresentada em toda esta extraordinária performance.
Em uma época caracterizada pela produção de mulheres extraordinárias,
dificilmente me atreveria a dizer em qual posição a minha opinião a
classificaria. Eu respeito a sua modéstia e sei que não tolerará as
recomendações que o seu mérito impõe a todos.
Eu tenho a honra de ser, com imensa gratidão, respeito e estima, minha
senhora, seu mais obediente e humilde servo,

EDM. BURKE
WHITEHALL, 19 de julho de 1782.
Meus cumprimentos e parabéns ao
Dr. Burney pela grande honra
conquistada à sua família.

A indulgência demonstrada pelo público de Evelina, a qual, sem


patrocínio, assistência ou dono, passou por quatro edições em um período de
um ano, encorajou sua autora a assumir o risco de uma segunda tentativa. A
euforia do sucesso é universalmente reconhecida e faz com que a escritora
das seguintes páginas tema a censura à ousadia, embora a precariedade de
qualquer força para tentar agradar reprima toda a vaidade e confiança, e ela
nos presenteia com Cecilia em um mundo escasso de esperanças, mas com
mais estímulos do que o mundo da sua honrada predecessora, Evelina.
LIVRO I
CAPÍTULO 1

UMA JORNADA

— Paz aos espíritos dos meus honoráveis pais, que sejam respeitados os
seus restos mortais e imortalizadas as suas virtudes! Que o tempo, enquanto
transforma em pó suas frágeis relíquias, confie à tradição o testemunho da
sua bondade. Oh! Que sua descendência, agora órfã, seja influenciada ao
longo da vida pela recordação da sua pureza, e que ela seja consolada na
morte, que por ela foi imaculada!
Foi com esta oração reservada que a única sobrevivente da família
Beverley deixou a residência da sua juventude e dos seus antepassados,
enquanto lágrimas repletas de recordações e tristeza chegavam aos seus olhos
e obstruíam a última visão da sua cidade natal.
Cecilia, esta bela viajante, acabara de entrar no vigésimo primeiro ano da
sua vida. Seus antepassados haviam sido ricos fazendeiros no condado de
Suffolk, embora seu pai, a quem um espírito de elegância havia suplantado a
rapacidade da riqueza, tivesse dedicado seu tempo portando-se como um
cavalheiro rural reservado e satisfeito, sem preocupar-se com o aumento de
provisões e vivido da herança do trabalho de seus predecessores. Ela o
perdera na juventude, e sua mãe não sobrevivera muito tempo depois disso.
Seu legado era de dez mil libras, confiadas ao reitor de _____, seu tio. Com
este cavalheiro, em cujas mãos, como consequência de várias contingências,
estavam centralizados os bens acumulados de uma família próspera e em
ascensão, ela havia passado os últimos quatro anos de sua vida, e poucas
semanas haviam transcorrido desde a morte do reitor, o que a privara da sua
última relação e a tornara herdeira de um patrimônio de três mil libras anuais,
sem outra restrição senão a de anexar o seu nome, por ocasião do casamento,
para ter direito à sua mão e suas riquezas.
Porém, embora amplamente dependente da sua fortuna, ela tinha
obrigações ainda maiores com a natureza: possuía forma elegante e coração
generoso, seu semblante revelava a inteligência da sua mente, sua compleição
variava com cada emoção da sua alma, e seus olhos, arautos dos seus
discursos, algumas vezes irradiavam compreensão, e outras, sensibilidade.
Durante o breve período da sua menoridade, tanto a administração de sua
fortuna quanto os cuidados com a sua pessoa haviam sido confiados pelo
reitor a três tutores, entre os quais a sua própria escolha estabeleceria sua
residência. Sua mente, entristecida pela perda de amigos tão próximos,
ansiava por recuperar a serenidade na quietude da zona rural e no seio de uma
conselheira materna e já idosa, a quem ela amava como sua mãe, e quem
conhecia desde a infância.
A residência do decano, na verdade, ela se viu obrigada a renunciar: houve
um longo período de lamentação e expectativa para transmitir a alguma outra
pessoa toda a ansiedade e incertezas que ele mesmo havia sofrido, embora,
provavelmente, sem demonstrar impaciência para encurtar sua duração em
favor do novo sucessor. No entanto, a residência de Mrs. Charlton, sua
carinhosa amiga, estava aberta para recebê-la, e a ternura reconfortante da sua
conversa demovia todo o seu desejo de modificá-la. Ali ela viveu desde o
enterro do seu tio, e graças à afetuosa gratidão do seu caráter, é aqui que ela
talvez tivesse se contentado em viver, caso seus guardiões não tivessem
interferido para removê-la. Ainda que de forma relutante, ela obedeceu.
Abandonou seus primeiros companheiros, a amiga que mais venerava e o
local que continha as relíquias de tudo o que havia vivido para lamentar-se;
acompanhada por um dos guardiões e assistida por dois criados, ela iniciou
sua jornada de Bury a Londres.
Mr. Harrel, um cavalheiro, embora na flor da idade, alegre, elegante e
esplêndido, havia sido designado por seu tio para ser um dos seus guardiões,
escolha que tinha como objetivo peculiar a satisfação da sobrinha, cuja
melhor amiga havia se casado com Mr. Harrel, e em sua casa, portanto, ele
sabia que ela desejaria viver.
Qualquer coisa que sua bondade pudesse ditar ou sua cortesia pudesse
sugerir para dissipar sua melancolia, Mr. Harrel falhou por não insistir; mas
Cecilia, cuja personalidade e doçura eram temperadas com dignidade, e sua
gentileza com fortaleza, não permitiu que seus esforços amáveis parecessem
ineficazes: ela enviou um beijo ao último vislumbre de uma colina familiar da
sua cidade natal e fez um esforço para esquecer a tristeza que sentia por
perdê-la de vista. Ela recuperou o ânimo com planos de felicidade futura,
concentrou-se no prazer que sentiria ao encontrar sua jovem amiga e, com
este consolo, recompensou amplamente a aflição dele. Sua serenidade, no
entanto, ainda teria de enfrentar mais uma provação, embora mais leve, pois
um outro amigo ainda deveria ser encontrado e outra despedida a aguardava.
A uma distância de sete milhas de Bury residia Mr. Monckton, o homem
mais rico e poderoso dos arredores, em cuja casa Cecilia e seu guardião
foram convidados para o café da manhã durante sua jornada. Mr. Monckton,
que era o filho mais novo de uma nobre família, era um homem que possuía
talento, conhecimento e perspicácia; ao seu grande poder mental natural ele
acrescentava um profundo conhecimento de mundo, e à sua habilidosa
aptidão para investigar o caráter das outras pessoas, a mais profunda
dissimulação para ocultar o seu próprio. No frescor da sua juventude,
impaciente por riqueza e ambicioso pelo poder, ele se uniu a uma rica viúva,
cuja idade, embora tivesse 67 anos, era apenas a menor das suas
características malignas, pois sua personalidade era muito mais repulsiva do
que suas rugas. Uma desigualdade de idades tão considerável o levara a
esperar que a fortuna assim adquirida seria rapidamente liberada do fardo que
a acompanhava, mas suas expectativas resultaram tão vãs quanto
mercenárias, e sua senhora não era mais vítima dos seus protestos do que ele
mesmo dos seus propósitos. Depois de dez anos de casado, a saúde dela ainda
era boa e suas faculdades intactas. Ele esperava ansiosamente pela sua
dissolução, mas tal ansiedade só prejudicava sua própria saúde. Tão míope é
a astúcia egoísta, que, ao visar apenas a gratificação momentânea, obscurece
os males do futuro, e ao mesmo tempo impede a percepção de integridade e
da honra.
No entanto, seu entusiasmo para alcançar o período abençoado da
devolução da sua liberdade não o privava nem de espírito nem de disposição
para o prazer intermediário; ele conhecia o mundo muito bem para incorrer
na própria censura por maltratar a mulher de quem dependia pela posição que
ocupava. Ele a procurava, é verdade, mas em raras ocasiões, e tinha a
decência de, tanto quando a evitava como quando a encontrava, não
demonstrar nenhum abatimento de cortesia ou de boa educação. Porém, desta
forma tendo sacrificado em nome da ambição toda a possibilidade de
felicidade na vida doméstica, ele voltava seus pensamentos para outros
métodos para obtê-la, que de forma tão onerosa ele havia adquirido o poder
de experimentar.
Os recursos de prazer para os possuidores de riquezas devem apenas ser
suprimidos pela saciedade dos seus interesses, uma saciedade que a mente
vigorosa de Mr. Monckton ainda não se permitia experimentar. Assim, seu
tempo era dedicado às dispendiosas diversões da metrópole ou passado no
campo, entre as mais alegres das suas diversões. O pouco conhecimento da
moda e das personalidades da época, Cecilia havia conhecido na casa deste
senhor, com quem o reitor, seu tio, estivera intimamente ligado, pois, como
ele preservara para o mundo a mesma aparência de respeitabilidade que
apoiava para sua esposa, era bem recebido em todos os lugares e, mesmo que
parcialmente conhecido, era extremamente respeitado: o mundo, com sua
costumeira habilidade, retribuía sua atenção circunspecta às suas leis,
protegendo sua personalidade do juízo político e seu nome de reprovações.
Cecilia o conhecera por metade da sua vida; ela havia recebido carinho em
sua casa quando ainda era uma linda criança, e sua presença agora era
solicitada como uma amável conhecida. Na verdade, suas visitas não eram
muito frequentes, pois o mau humor de lady Margaret Monckton as tornara
muito dolorosas para a menina. Mesmo assim, as oportunidades que a última
lhe proporcionava para associar-se com gente da moda serviram para prepará-
la para as novas cenas em que logo seria uma protagonista.
Mr. Monckton, por sua vez, sempre fora um convidado muito bem-vindo
no decanato e suas conversas eram para Cecilia uma fonte inesgotável de
informação, pois seu conhecimento da vida e dos costumes lhe permitia
iniciá-la nos assuntos que ela mais ignorava, e sua mente, amplamente
generosa para o discernimento e inteligente para a adequação de novos
conhecimentos, recebia todas as ideias com avidez.
O prazer obtido através de tal sociedade, assim como o dinheiro
emprestado com usura, retorna com juros para aqueles que dele prescindiram,
e os discursos de Mr. Monckton não conferiam maior favor a Cecilia do que
sua atenção a ele. Assim, tanto orador quanto ouvinte eram mutuamente
gratificados: eles sempre se encontravam com complacência e, geralmente, se
despediam com pesar.
Tal reciprocidade de satisfação, no entanto, produzia efeitos diferentes em
suas mentes: enquanto as ideias de Cecilia eram ampliadas, as reflexões de
Mr. Monckton eram amarguradas. Ele via nela um objeto que, além de todas
as vantagens da riqueza que tanto prezava, acrescentava juventude, beleza e
inteligência. Embora fosse muito mais velho do que ela, ainda não se
encontrava na idade de considerar o fato de dirigir-se a ela como uma
impropriedade, e a maneira divertida como ela reagia à sua conversa o
persuadiu de que uma opinião favorável poderia ser facilmente transformada
em uma consideração mais parcial. Ele lamentava a inclinação mercenária
que o fizera sacrificar-se por uma mulher que abominava, e seus anseios por
sua decadência final tornavam-se cada vez mais fervorosos. Ele sabia que as
amizades de Cecilia estavam confinadas a um círculo do qual ele mesmo era
o adorno principal, que ela havia rejeitado todas as propostas de casamento
que até então haviam sido feitas a ela e, como ele a observava diligentemente
desde sua infância, tinha motivos para acreditar que seu coração estava livre
de qualquer sensação perigosa.
A morte do reitor, seu tio, o havia deixado muito alarmado; ele lamentou
que ela estivesse deixando Suffolk, onde considerava a si mesmo o homem
mais importante, tanto pelos seus talentos quanto pela sua importância, e
temia que ela fosse residir em Londres, onde previa que numerosos rivais,
iguais a ele nos talentos e nas riquezas, a cercariam rapidamente; rivais,
também, jovens e otimistas, não acorrentados pelos laços atuais, mas com
liberdade para solicitar sua aceitação imediata. A beleza e a independência,
que raramente caminham juntas, atrairiam uma multidão de pretendentes ao
mesmo tempo brilhantes e assíduos, e a residência de Mr. Harrel era eminente
por sua elegância e alegria. Mesmo assim, sem se intimidar com o perigo e
confiando em seus próprios poderes, ele decidiu prosseguir com o projeto que
havia formado, sem temer a abordagem, mantendo sua perseverança para
assegurar seu êxito.
CAPÍTULO 2

UMA DISCUSSÃO

Mr. Monckton tinha, nessa época, um grupo reunido em sua casa com o
propósito de lá passar os feriados de Natal. Ele esperava com ansiedade a
chegada de Cecilia e apressou-se para retirá-la da carruagem antes que Mr.
Harrel tivesse tempo para descer. Ele notou a melancolia do seu semblante e
ficou muito satisfeito ao descobrir que sua viagem a Londres tinha tão pouco
poder para encantá-la. Ele a conduziu até a sala de café da manhã, onde lady
Margaret e seus amigos a aguardavam.
Lady Margaret a recebeu com uma frieza que beirava a descortesia;
irascível por natureza e zelosa pela situação, a beleza a alarmava e a alegria a
enojava. Ela observava com uma suspeita vigilante qualquer pessoa que fosse
abordada pelo marido e, tendo notado sua frequente presença no decanato,
havia decidido que Cecilia seria objeto da sua peculiar antipatia; ao passo que
Cecilia, percebendo sua aversão, embora ignorasse a causa, cuidava de evitar
toda forma de comunicação com a mulher, exceto as cerimônias exigidas, e
se compadecia em segredo da sorte do amigo.
O grupo presente na ocasião consistia em uma dama e vários cavalheiros.
Miss Bennet, a dama, era, em todos os sentidos da frase, a humilde
companheira de lady Margaret: ela vinha de uma origem muito modesta, era
mal-educada e tinha a mente estreita; era igualmente estranha ao mérito inato
ou realizações adquiridas, mas hábil na arte da adulação e uma adepta de
todas as espécies de golpes baixos. Sem outra perspectiva de vida se não a
obtenção de riqueza sem trabalho, não era mais escrava da dona da casa do
que uma ferramenta do seu amo; aceitava a indignidade sem reclamar e
submetia-se ao desprezo como algo habitual.
Entre os cavalheiros, o mais chamativo, por meio da sua indumentária, era
Mr. Aresby, um capitão da milícia; um jovem homem que, tendo escutado
com frequência as palavras casaca-vermelha e galanteria juntas, imaginava a
conjunção não apenas costumeira, mas honrada, e, portanto, sem nem mesmo
fingir pensar nos serviços que prestava ao país, considerava a roseta uma
insígnia de cortesia e a usava apenas para destacar sua devoção às damas, a
quem ele se considerava preparado para conquistar e obrigado a adorar.
O próximo que, pela audácia, era também o mais informal para ser notado,
era Mr. Morrice, um jovem advogado que, embora progredindo na sua
profissão, não devia seu sucesso nem a habilidades distintas, nem à indústria
de suprimento de habilidades, mas à arte de unir flexibilidade a outros com
confiança em si mesmo. A uma reverência de posição, talento e imensa
fortuna, ele juntou uma garantia em seu próprio mérito que nenhuma
superioridade poderia diminuir, e com uma presunção que o encorajava a
almejar todas as coisas, ele combinava um bom humor que nenhuma
mortificação poderia atenuar. E ainda que, pela flexibilidade da sua
disposição, evitasse fazer inimigos, através da sua propensão a obedecer,
aprendeu a maneira mais segura de fazer amigos, tornando-se útil para eles.
Havia também alguns escudeiros da vizinhança e um senhor idoso que,
sem dar a impressão de notar a presença dos demais, estava sentado a um
canto com o cenho franzido.
Porém, a figura principal do círculo era Mr. Belfield, um jovem alto e
magro, cujo rosto era todo empolgação e cujos olhos brilhavam com
inteligência. Seu pai o havia destinado para o comércio, mas seu espírito,
elevando-se acima da ocupação para a qual fora preparado, usando a
lamentação, resistiu; usando a resistência, rebelou-se. Ele fugiu dos amigos e
juntou-se ao exército. Mas, apaixonado pela elegância e ansioso para adquirir
conhecimentos, não achou este modo de vida muito mais adaptado às suas
inclinações do que aquele do qual havia escapado; ele logo ficou cansado,
reconciliou-se com o pai e entrou para o Templo.5 No entanto, sendo muito
volátil para um estudo sério e demasiado alegre para uma aplicação laboriosa,
ali ele fez pouco progresso; o mesmo talento para agilidade e vigor para
imaginação que, unidos à prudência, ou acompanhados de juízo, poderiam tê-
lo elevado à liderança da sua profissão, infelizmente, quando associados à
inconstância e ao capricho, serviram apenas para impedir seu
aperfeiçoamento e obstruir sua ascensão. Agora, com poucos negócios, e
esses poucos negligenciados, uma pequena fortuna que diminuía diariamente,
e uma certa admiração pelo mundo, mas uma admiração que acabara
tornando-se simplesmente uma cortesia, ele vivia uma vida instável e pouco
rentável, geralmente adulado e universalmente requisitado, mas descuidado
com relação aos seus interesses e sem pensar no futuro, dedicando seu tempo
às companhias, sua renda à dissipação e seu coração às musas.
— Eu trago — disse Mr. Monckton, enquanto acompanhava Cecilia pela
sala — um assunto de extrema tristeza para uma jovem que nunca incomodou
seus amigos, apenas quando decidiu deixá-los.
— Se a tristeza — exclamou Mr. Belfield, enquanto lhe lançava olhares
penetrantes — ostenta em sua parte do mundo uma forma como essa, quem
ousaria trocá-la por uma visão de alegria?
— Ela é divinamente encantadora, de fato! — exclamou o capitão,
simulando uma exclamação involuntária.
Neste ínterim, Cecilia, que estava sentada ao lado da dona da casa,
começava tranquilamente o seu café da manhã. Mr. Morrice, o jovem
advogado, com mais liberdade, sentou-se ao seu lado, enquanto Mr.
Monckton estava em algum outro lugar acomodando o resto dos seus
convidados, a fim de garantir aquele lugar para si mesmo.
Mr. Morrice, sem cerimônia alguma, atacou sua bela vizinha; ele falou
sobre a sua viagem e sobre as perspectivas de alegria que aguardavam sua
visita, mas ao encontrá-la impassível, mudou de tema e discorreu sobre as
delícias do lugar que ela estava deixando. Cuidadoso para lhe prestar as
melhores informações e indiferente por quais meios, por um momento ele
exaltava levianamente as diversões da cidade e, no momento seguinte,
descrevia com entusiasmo os encantos do campo. Uma palavra, um olhar
bastava para demonstrar aprovação ou discordância que, uma vez revelada, o
obrigava a deslizar ao seu encontro com tanta facilidade e satisfação como se
aquela fosse originalmente sua opinião.
Mr. Monckton, reprimindo seu desgosto, esperou algum tempo na
expectativa de que, quando o jovem percebesse que ele estava de pé, ceder-
lhe-ia a cadeira, mas o fato não foi notado e a renúncia não foi pensada. O
capitão, por sua vez, considerando a dama sua propriedade durante a manhã,
notou com indignação por quem havia sido suplantado. Enquanto isso, o
grupo em geral observava com grande surpresa o lugar que eles haviam
deixado de ocupar, em respeito ao seu anfitrião, assim familiarmente ocupado
pelo homem que, em toda a sala, tinha menos direitos, seja pela idade ou
posição, sem consultar nada além da sua própria disposição.
Portanto, assim que Mr. Monckton descobriu que delicadeza e boas
maneiras não tinham peso algum para seu convidado, achou mais
conveniente não permitir que o mesmo acontecesse com ele. Disfarçando seu
desagrado sob uma aparência de jocosidade, ele exclamou: — Vamos,
Morrice, você que adora esportes de Natal, o que acha do jogo de mover
todos?
— É o que mais gosto! — respondeu Morrice, que abandonou sua cadeira
e moveu-se para a outra.
— Eu também deveria gostar! — exclamou Mr. Monckton, imediatamente
tomando seu lugar —, se eu me retirar de qualquer assento, que não seja
deste.
Morrice, embora se sentisse enganado, foi o primeiro a rir e parecia tão
feliz com a mudança quanto o próprio Mr. Monckton. Este, dirigindo-se a
Cecilia, disse: — Nós vamos perdê-la e a senhorita parece preocupada em
nos deixar; no entanto, em poucos meses terá se esquecido de Bury, dos seus
habitantes e dos seus arredores.
— Se o senhor pensa assim — disse Cecilia —, não devo deduzir que, da
mesma forma, Bury, seus habitantes e seus arredores em poucos meses terão
se esquecido de mim?
— Sim, sim, será muito melhor! — disse lady Margaret, murmurando
entre os dentes. — Muito melhor!
— Lamento que pense assim, senhora — disse Cecilia, corando com a
falta de gentileza.
— A senhorita vai descobrir — disse Mr. Monckton, fingindo ignorar o
significado das palavras de sua esposa, assim como as de Cecilia —, ao se
misturar com o mundo, que lady Margaret apenas expressou o que quase
todas as pessoas pensam: o ato de negligenciar velhos amigos e cortejar
novos conhecidos, embora talvez ainda não declaradamente passado como
um preceito dos pais aos filhos, é, no entanto, tão universalmente
recomendado pelo exemplo, que aqueles que agem de maneira diferente
incorrem em censura geral por afetar tal singularidade.
— Fico feliz, então, por mim — disse Cecilia —, pois nem minhas ações
nem minha pessoa serão suficientemente conhecidas para atrair observação
pública.
— A senhorita pretende, então — disse Mr. Belfield —, desafiar as
máximas do mundo e ser guiada pela luz do seu próprio entendimento.
— É verdade — disse Mr. Monckton —, no início da vida, esta é a
intenção de cada um de nós. O pensador oculto é sempre refinado em seus
sentimentos e sempre confiante em sua virtude, mas, quando se mistura com
o mundo, quando pensa menos e age mais, logo encontra a necessidade de se
acomodar aos costumes já estabelecidos e de seguir tranquilamente a trilha
que já está traçada.
— Mas, não — exclamou Mr. Belfield —, não se tiver um mínimo de
ânimo! A trilha traçada será a última que um homem de talento se dignará a
seguir, pois as regras comuns nunca foram projetadas para dirigir uma mente
nobre.
— Uma máxima perniciosa! Uma máxima perniciosa! — exclamou o
velho cavalheiro, que estava sentado em um canto da sala, com cenho
franzido.
— Os desvios das regras comuns — disse Mr. Monckton, sem dar atenção
à interrupção —, quando procedem de um gênio, não são meramente
perdoáveis, mas admiráveis, e você, Belfield, tem o direito peculiar de
pleitear seus méritos, mas há tão poucos gênios no mundo, que você
certamente deve admitir que súplicas deste tipo são raramente solicitadas.
— E por que raramente? — perguntou Belfield —, talvez porque suas
regras gerais, seus costumes apropriados, suas formas estabelecidas não são
nada além de arranjos absurdos para impedir não apenas o progresso do
gênio, mas o uso da compreensão? Se o homem ousasse agir por si mesmo,
se nem as visões mundanas, os preconceitos contraídos, os preceitos eternos,
nem os exemplos compulsivos influenciassem sua melhor razão e
impulsionassem sua conduta, quão nobre ele realmente seria! Quão infinito
nas faculdades! Na inteligência, como se assemelharia a um deus!6
— Tudo isso é apenas a doutrina de uma imaginação viva — disse Mr.
Monckton —, que considera as impossibilidades simplesmente como
dificuldades, e as dificuldades como meros convites à vitória. Mas a
experiência nos ensina outra lição, demonstra que a oposição de um
indivíduo a uma comunidade é sempre perigosa e raramente tem êxito; nunca
tem, na verdade, sem uma concorrência tão estranha quanto desejável de
circunstâncias afortunadas com grandes capacidades.
— E por quê? — perguntou Belfield —, por que a tentativa é raramente
feita? A lamentável prevalência de conformidade geral extingue o gênio e
mata a originalidade. O homem é educado, não como se fosse “a mais nobre
obra de Deus”, mas como uma mera máquina dúctil de formação humana.
Desde cedo é ensinado que ele não deve consultar seu entendimento, nem
perseguir suas inclinações, a não ser que, infeliz nas suas negociações com o
mundo, seu entendimento se torne avesso aos tolos e passe a provocá-los e
desprezá-los. Dessa forma, suas inclinações para a tirania da contenção
perpétua lhe darão coragem para afrontá-la.
— Eu estou bastante disposto a admitir — disse Mr. Monckton — que um
gênio excêntrico, como o seu, por exemplo, murmure sobre o tédio de
obedecer aos costumes do mundo, e deseje, sem restrições, e em geral,
abraçar a vida sem qualquer plano estabelecido ou restrição prudencial; mas,
no entanto, o senhor concederia a mesma licença a todos? Gostaria de ver o
mundo povoado de desafiadores da ordem e desprezadores das formas
estabelecidas? E não apenas desculpar as irregularidades decorrentes de
talentos pouco comuns, mas encorajar aqueles, também, a liderar quem nem
cometeu um erro e nem pode segui-los?
— Eu gostaria que todos os homens — disse Belfield —, sejam eles
filósofos ou idiotas, agissem por si mesmos. Cada um então pareceria ser o
que é, o empreendedorismo seria encorajado e a imitação abolida. O gênio
sentiria sua superioridade, e a loucura, sua insignificância, e, então, somente
então, deveríamos deixar de nos queixar daquela eterna mesmice nas
maneiras e aparência, que atualmente permeia todas as classes de homens.
— Um trabalho entediante e petrificante esse, mon ami! — disse o capitão,
em um sussurro para Morrice. — Misericórdia, comecem um novo jogo.
— Com toda a minha alma! — respondeu Mr. Morrice, levantando-se, de
repente, em salto e exclamando: — Uma lebre! Uma lebre!
— Onde? Onde? Para que lado? — todos os cavalheiros se levantaram e
correram para janelas distintas, exceto o dono da casa, cujo objeto de
perseguição estava ao seu lado.
Morrice, com fingida seriedade, correu de janela em janela a fim de
apontar pegadas na relva que sabia não existirem; contudo, sem deixar de
prestar atenção ao seu próprio interesse, quando percebeu, no meio da
confusão criada, que lady Margaret estava indignada com o barulho
produzido, habilmente desistiu da sua busca, sentou-se na cadeira ao seu lado
e, ansiosamente, ofereceu-se para ajudá-la com bolos, chocolate ou o que
quer que estivesse sendo oferecido na mesa. No entanto, ele tinha, de fato,
interrompido a conversa de maneira eficaz. Uma vez terminado o desjejum,
Mr. Harrel solicitou sua carruagem e Cecilia se levantou para se despedir.
Neste momento, não sem alguma dificuldade, Mr. Monckton precisou
dissimular os temores inquietantes causados pela sua partida. Ele segurou a
mão dela:
— Suponho — disse ele — que a senhorita permitirá que um velho amigo
a visite na cidade, a não ser que a visão dele seja uma recordação
desagradável do tempo que logo se arrependerá de ter perdido no campo?
— Por que diria uma coisa dessas, Mr. Monckton? — disse Cecilia. —
Estou certa de que não pensa dessa forma.
— Esses profundos estudiosos da humanidade, senhorita, são lamentáveis
campeões da constância ou da amizade — disse Belfield. — Eles travam
guerras com todas as expectativas, exceto com a depravação, e abrem fogo
mesmo contra os projetos mais puros, onde acreditam que haverá alguma
tentação para se desviar deles.
— A tentação — disse Mr. Monckton — é muito fácil de resistir em
teoria, mas, se refletir sobre a grande mudança de situação que Mrs. Beverley
experimentará, sobre as novas cenas que verá, as novas amizades que deve
fazer e as novas conexões que poderá estabelecer, o senhor não ficará
surpreso com a aflição de um amigo pelo seu bem-estar.
— Mas eu presumo — disse Belfield, rindo — que Miss Beverley não
pretende levar sua pessoa à cidade e deixar seu entendimento encerrado,
juntamente com outras curiosidades naturais, no campo. Por que, então, o
mesmo discernimento que orientou suas seleções atuais não pode regular sua
adoção de novos conhecidos e escolha de novas conexões? O senhor crê que,
porque ela vai se despedir do senhor, vai se despedir de si mesma?
— Quando o destino sorri para a juventude e para a beleza — disse Mr.
Monckton —, não lhe diz nada o fato de que sua bela possuidora faça uma
transição repentina da tranquilidade de uma vida retirada no campo para a
alegria de uma esplêndida residência urbana?
— Quando o destino desaprova a juventude e a beleza, elas não podem
despertar irracionalmente a comiseração — respondeu Belfield —, mas,
quando a natureza e o acaso unem forças para abençoar o mesmo objeto,
confesso que não posso imaginar que lugar pode haver para alarme e
lamentação.
— O quê! — exclamou Mr. Monckton, com alguma emoção —, acaso não
há vigaristas, caçadores de fortunas, bajuladores, miseráveis de todos os tipos
e denominações, que observam a chegada dos ricos e incautos, alimentam-se
da sua inexperiência e se aproveitam do seu patrimônio?
— Já chega! — exclamou Mr. Harrel —, está na hora de levar minha bela
pupila embora, se é este o seu método de descrever o lugar em que ela vai
viver.
— É possível — perguntou o capitão, aproximando-se de Cecilia — que
essa dama nunca tenha visitado a cidade? — ele baixou a voz e, com um
sorriso lânguido no rosto, acrescentou: — Pode uma pessoa tão divinamente
bela ter sido aprisionada no campo? Ah! Que pena!
Cecilia considerou que o elogio merecia nada além de uma ligeira
reverência, virou-se para lady Margaret e perguntou: — Se Vossa Senhoria
estiver na cidade durante o inverno, posso esperar ter a honra de saber onde
posso visitá-la?
— Eu não sei se irei ou não — respondeu a velha senhora, com sua
descortesia habitual.
Cecilia teria se afastado com toda a pressa, mas Mr. Monckton a deteve e
voltou a expressar seus temores quanto às consequências de sua viagem: —
Esteja sempre alerta — disse ele — com todos os novos conhecidos; não
julgue ninguém pelas aparências e não faça amizades precipitadamente. Use
algum tempo para cuidar de si mesma e lembre-se de que não deverá fazer
nenhuma alteração no seu estilo de vida, sem a probabilidade de se sair pior
do que a chance de se sair melhor. Portanto, mantenha-se assim como é,
quanto mais pessoas conhecer, mais se alegrará por não se parecer nem estar
conectada a elas.
— E isso vindo do senhor, Mr. Monckton! — disse Belfield —, o que
aconteceu com o seu sistema de conformidade? Pensei que todas as pessoas
deveriam ser iguais?
— Eu falava — explicou Mr. Monckton — sobre o mundo em geral, não
sobre essa dama em particular; e, quem sabe, aqueles que a conheceram, não
desejariam que fosse possível que ela continuasse em todos os aspectos exata
e inalteravelmente como é agora?
— Eu penso — disse Cecilia — que o senhor está determinado que, ao
menos os elogios, se vierem ao meu encontro, não deverão ter nenhum efeito
pernicioso.
— Bem, Miss Beverley — perguntou Mr. Harrel —, a senhorita vai se
aventurar e me acompanhar até a cidade? Ou Mr. Monckton a deixou
assustada e não deseja prosseguir?
— Se — disse Cecilia — eu não sentisse mais tristeza em deixar meus
amigos do que terror em me aventurar a Londres, com que disposição deveria
fazer a viagem?
— Bravo! — exclamou Belfield —, alegra saber que o discurso de Mr.
Monckton não a intimidou, nem a fez deplorar sua condição de acumular o
sofrimento de ser jovem, bela e rica.
— Que lástima! Pobrezinha! — exclamou o senhor que estava sentado no
canto, com os olhos fixos em Cecilia e com uma expressão de pena e pesar
mescladas.
Cecilia se assustou, mas ninguém mais prestou atenção nele.
Seguiram-se as cerimônias usuais de despedida, e o capitão, com a mais
obsequiosa reverência, avançou para conduzir Cecilia até a carruagem. Mas,
em meio à eloquência muda de suas reverências e sorrisos, Mr. Morrice,
fingindo não perceber seu desígnio, saltou alegremente entre eles e, sem
nenhuma formalidade prévia, tomou ele mesmo a mão de Cecilia, falhando,
no entanto, ao não moderar a liberdade de sua ação com um olhar de respeito
mais profundo.
O capitão encolheu os ombros e retirou-se. Porém, Mr. Monckton,
enfurecido com a audácia do outro, decidido, exclamou: — Por que agora,
Morrice, subtrai-me do privilégio que pertence à minha casa?
— Verdade, verdade — respondeu Morrice —, vocês, membros do
Parlamento, têm o direito indubitável de serem obstinados com seus
privilégios — curvou-se com um olhar de veneração a Cecilia e renunciou
sua mão com um ar de tanta felicidade quanto a havia tomado.
Mr. Monckton, ao conduzi-la até a carruagem, mais uma vez pediu sua
permissão para visitá-la na cidade. Mr. Harrel captou a indireta e lhe suplicou
que considerasse a própria casa como se dele fosse, e Cecilia, depois de lhe
agradecer por sua solicitude pelo seu bem-estar, acrescentou: — E eu espero,
senhor, que me honre com seus conselhos e admoestações com respeito à
minha conduta futura, sempre que tiver a bondade de me deixar vê-lo.
Este era precisamente o seu desejo. Ele implorou, em troca, que ela o
tratasse com confiança, e então permitiu que a carruagem seguisse seu
caminho.
CAPÍTULO 3

UMA CHEGADA

Assim que perderam a casa de vista, Cecilia expressou sua surpresa com o
comportamento do senhor idoso que estava sentado no canto, cujo silêncio
geral, isolamento dos demais e ausência de espírito haviam despertado
fortemente sua curiosidade. Mr. Harrel não pôde lhe dar muita satisfação,
apenas lhe disse que o encontrara umas poucas vezes em alguns lugares
públicos, onde todos destacavam a singularidade dos seus modos e aparência,
mas que nunca tinha conversado com alguém que parecesse conhecê-lo, e
que ficou tão surpreso quanto ela ao ver um personagem tão incomum na
casa de Mr. Monckton. A conversa concentrou-se, então, na família que
acabavam de deixar, e Cecilia expressou calorosamente a boa opinião que
tinha de Mr. Monckton, as obrigações que devia a ele pelos interesses que,
desde a sua infância, ele sempre tivera pelos seus assuntos, e suas esperanças
de obter muitas instruções da amizade de um homem que tinha tão amplo
conhecimento do mundo.
Mr. Harrel manifestou-se muito satisfeito que ela tivesse um conselheiro
assim, pois, embora estivesse pouco familiarizado com ele, sabia que era um
homem de fortuna e vivido, e que era muito estimado no mundo. Eles se
compadeceram mutuamente de sua infeliz situação na vida doméstica, e
Cecilia inocentemente expressou sua preocupação com a aversão que lady
Margaret havia tomado por ela, uma aversão que, naturalmente, Mr. Harrel
atribuía à sua juventude e beleza, sem suspeitar de nenhuma causa mais
convincente do que um ciúme generalizado dos atrativos da moça, dos quais
a outra era destituída.
À medida que a viagem se aproximava do fim, todas as sensações
incômodas e desagradáveis que haviam ocupado o coração de Cecilia no
início deram lugar à expectativa de uma felicidade que se aproximava
rapidamente ao reencontrar sua jovem e favorita amiga. Mrs. Harrel tinha
sido sua companheira de brincadeiras na infância e, na juventude, sua colega
de escola; uma semelhança de personalidade com respeito à doçura de
temperamento as tornara muito queridas uma para a outra, embora tal
semelhança não se estendesse além disso, pois Mrs. Harrel não possuía
pretensões à inteligência ou à compreensão de sua amiga. Porém, era amável
e prestativa e, portanto, suficientemente merecedora de afeto, embora não
resplandecesse de atrativos que reivindicassem admiração, nem fosse dotada
daquelas qualidades superiores que se mesclam com o respeito no amor que
inspiram.
Desde a ocasião do seu casamento, que já durava quase três anos, ela havia
abandonado Suffolk por completo, e não tivera relações com Cecilia, exceto
através de cartas. Ela acabara de regressar de Violet-Bank, nome dado por
Mr. Harrel a uma casa de campo a cerca de vinte milhas de Londres, onde
passara o feriado de Natal com um grande grupo. O encontro foi terno e
afetuoso, a sensibilidade do coração de Cecilia fluía de seus olhos, e a alegria
de Mrs. Harrel formava covinhas em suas bochechas. Uma vez terminadas as
saudações mútuas, expressões de gentileza e indagações gerais, Mrs. Harrel
implorou para levá-la até a sala de estar.
— Onde você conhecerá alguns dos meus amigos, que estão impacientes
para conhecê-la — acrescentou.
— Eu teria preferido — disse Cecilia —, depois de tanto tempo separadas,
ter passado esta primeira noite sozinha com você.
— Todas são pessoas que vieram especialmente para vê-la — respondeu
ela —, e eu as convidei para entretê-la, pois temia que ficasse desanimada ao
deixar Bury.
Cecilia, ao descobrir a bondade das suas intenções, absteve-se de qualquer
outro protesto e a seguiu em silêncio até a sala de estar. Porém, quando a
porta foi aberta, ela ficou surpresa ao descobrir que o aposento, que era
espaçoso, iluminado e decorado com magnificência, tinha mais da metade do
espaço ocupada por várias pessoas, cada uma das quais vestida com alegria e
profusão.
Cecilia, que pela palavra “amigos” esperava encontrar um pequeno grupo
privado, selecionado com o propósito de uma conversa social, estremeceu
involuntariamente com a visão diante dela, e mal teve coragem de prosseguir.
Mrs. Harrel, no entanto, pegou sua mão e a apresentou a toda a comitiva, a
quem ela nomeou individualmente; um cerimonial que, embora não fosse
apenas agradável, até mesmo necessário para aqueles que vivem no universo
dos eventos, a fim de evitar erros angustiantes, ou implicações infelizes no
discurso, Cecilia teria prescindido de bom grado, uma vez que para ela seus
nomes eram tão novos quanto suas pessoas, e como nada sabia sobre suas
histórias, grupos ou conexões, não podia fazer nenhuma alusão; tudo isso
servia apenas para realçar seu rubor e aumentar seu embaraço.
Não obstante, uma dignidade mental nata, que desde cedo a ensinara a
distinguir a modéstia da timidez, permitiu-lhe em pouco tempo vencer a
surpresa e recuperar a compostura. Ela implorou à Mrs. Harrel que se
desculpasse por sua aparência e, sentada entre duas jovens, esforçou-se para
parecer reconciliada com si mesma.
A tarefa não era muito difícil, pois enquanto seu vestido, que ela não tinha
trocado desde a viagem, unido à novidade do seu rosto, atraía a atenção geral,
o relato da sua fortuna, que havia precedido a sua entrada, assegurava o
respeito de todos. Ela logo descobriu também que uma companhia não era
necessariamente formidável por estar bem-vestida, que a familiaridade podia
unir-se à magnificência e que, embora para ela todos parecessem vestidos
para seguir uma procissão ou adornar uma sala de estar, nenhuma
formalidade foi assumida, e nenhuma solenidade foi afetada: cada pessoa
apresentava-se sem restrições, até mesmo quanto à sua posição, mas com
pouca distinção; a tranquilidade era o plano, e o entretenimento, o objetivo
geral.
Cecilia, embora recém-chegada em Londres, cidade que a saúde precária
do tio a impedira de conhecer, não era necessariamente estranha à vida social;
ela havia passado sua vida de forma retirada, mas não na obscuridade, já que
durante alguns anos havia presidido a mesa do reitor, que era visitado pelas
pessoas mais importantes do condado onde vivia, e embora as suas pequenas,
frequentes e elegantes reuniões privadas não a tivessem preparado para o
esplendor ou a diversidade de uma reunião em Londres, ainda assim, ao
incitá-la nas regras práticas de uma boa criação, a tinham ensinado a subjugar
os temores tímidos da inexperiência total e reprimir os sentimentos de
constrangimento, vergonha e medos, que exigem mais compaixão do que
admiração, e que, exceto na juventude extrema, servem apenas para degradar
a modéstia que revelam.
Ela considerou, portanto, as duas jovens senhoritas entre as quais estava
sentada, mais com um desejo de iniciar uma conversa do que com receio de
ser observada por elas, mas a mais velha, Miss Larolles, estava seriamente
engajada em uma conversa com um cavalheiro, e a mais jovem, Miss Leeson,
a desencorajava por completo pelo invariável silêncio e gravidade com a qual
de vez em quando encontrava seus olhos. Assim, sem interrupções, exceto
por discursos ocasionais de Mr. e Mrs. Harrel, ela passou a primeira parte da
noite simplesmente inspecionando sua companhia.
O grupo tampouco demorou a retribuir sua observação, já que, desde o
momento em que entrara na sala, ela havia sido objeto de consideração geral.
As damas fizeram um inventário exato do seu vestido e, internamente,
decidiram o quão diferentemente elas estariam vestidas se tivessem sido
abençoadas com igual riqueza. Os homens discutiram entre si se ela estava ou
não usando rouge; um deles afirmou ousadamente que ela estava bem
vermelha, seguiu-se um debate que terminou em uma aposta, e a decisão
mutuamente acordada foi a de que tudo dependeria da cor das suas bochechas
no início de abril, quando, se não estivesse desfalecida por horas ruins e
contínua dissipação, elas estariam brilhando como agora reluziam, e seu
defensor reconheceria que sua aposta estava perdida.
Cerca de meia hora depois, o cavalheiro com quem Miss Larolles estivera
conversando saiu da sala. e, então, a jovem, voltando-se repentinamente para
Cecilia, exclamou: — Como Mr. Meadows é estranho! Sabe, ele diz que não
estará bem o suficiente para ir à reunião de lady Nyland! Que ridículo! Como
se isso pudesse lhe fazer mal.
Cecilia, surpreendida por um ataque tão pouco cerimonioso, prestou-lhe
uma atenção cortês, mas silenciosa.
— A senhorita irá, não é? — acrescentou ela.
— Não, não tive a honra de ser apresentada a esta senhora.
— Oh, não, não há nada disso — respondeu ela. — Mrs. Harrel pode
avisá-la de que está aqui, e então, sabe, ela lhe enviará um voucher e a
senhorita poderá ir.
— Um voucher? — repetiu Cecilia. — Lady Nyland só recebe convidados
com vouchers?
— Oh, Senhor! — exclamou Miss Larolles, rindo sem moderação —, a
senhorita não sabe? Ora, um voucher é apenas um cartão de visitas, com um
nome nele, mas nós os chamamos de voucher agora.
Cecilia agradeceu a informação e Miss Larolles lhe perguntou quantas
milhas ela tinha viajado naquela manhã.
— Setenta e três — respondeu Cecilia —, e espero que aceite minhas
desculpas por estar tão malvestida.
— Oh, a senhorita está muito bem — respondeu a outra —, e, da minha
parte, nunca penso muito sobre vestidos. Mas a senhorita não pode imaginar
o que me aconteceu no ano passado! Sabe que vim para a cidade no dia 20 de
março? Não foi mesmo exasperador?
— Talvez — disse Cecilia —, mas tenho certeza de que não posso dizer
por quê.
— Não sabe dizer por quê? — repetiu Miss Larolles —, ora, acaso não
sabe que aquela era a mesma noite do grande baile de máscaras de lorde
Darien? Eu não teria perdido o baile por nada no universo. Nunca viajei em
tamanha agonia em toda a minha vida. Nós não chegamos na cidade até que
fosse monstruosamente tarde, e então, a senhorita pode imaginar, eu não
tinha nem voucher, nem traje adequado! Imagine a minha angústia! Bem, eu
mandei procurar todas as criaturas que conhecia para conseguir um voucher,
mas todas disseram que não tinham nenhum; então eu fiquei exatamente
como uma criatura louca, mas, por volta das dez ou onze, uma jovem
conhecida, pela maior sorte do mundo, adoeceu repentinamente; então, ela
me enviou seu voucher, não foi maravilhoso?
— Para ela, extremamente! — disse Cecilia, rindo.
— Bem — continuou ela —, então, eu estava quase perdendo o juízo de
tanta alegria e eu saí e comprei um dos vestidos mais lindos que alguém já
viu. Se a senhorita me visitar em alguma manhã, eu lhe mostrarei o vestido.
Cecilia, que não estava preparada para um convite tão abrupto, inclinou-se
em silêncio, e Miss Larolles, muito contente em falar para se ofender com o
silêncio da outra, continuou sua narrativa.
— Bem, mas agora vem a parte mais vil da história; a senhorita sabe como
é, quando todo o resto estava pronto, eu simplesmente não consegui encontrar
meu cabeleireiro! Eu mandei procurá-lo por toda a cidade, ele não estava em
lugar algum. Achei que iria morrer de tanto aborrecimento. Eu lhe asseguro
de que chorei tanto que, se não estivesse usando uma máscara, teria vergonha
de ser vista. E assim, depois de todo esse cansaço monstruoso, fui obrigada a
mandar minha criada pentear o meu cabelo, de maneira bastante comum; não
foi cruelmente mortificante?
— Bem, sim — respondeu Cecilia —, acho que foi o suficiente para fazer
a senhorita lamentar a doença da jovem que lhe enviou o voucher.
Neste momento elas foram interrompidas por Mrs. Harrel, que caminhava
na direção delas seguida por um jovem de aspecto sério e comportamento
modesto, dizendo: — Fico feliz ao ver vocês duas tão engajadas, mas meu
irmão tem me censurado por apresentar Miss Beverley a todos, exceto ele.
— Eu não espero — disse Mr. Arnott — ocupar algum lugar na memória
de Miss Beverley, já que estive ausente de Suffolk por muito tempo, e
infelizmente não a vi durante minha última visita, mas estou certo de que
mesmo com essa distância de tempo, crescida e formada como está, eu
deveria tê-la reconhecido instantaneamente.
— Surpreendente! — exclamou um senhor idoso, em tom de ironia, que se
postava ao lado deles —, pois o rosto é muito comum!
— Eu me lembro bem — disse Cecilia — de que, quando você deixou
Suffolk, eu pensei que tinha perdido meu melhor amigo.
— Isso é possível? — exclamou Mr. Arnott, com um olhar de grande
deleite.
— Sim, de fato, e não sem razão, pois em todas as disputas você sempre
foi meu advogado; em todas as brincadeiras, meu companheiro; e em todas as
dificuldades, meu assistente.
— Madame! — exclamou o mesmo cavalheiro. — Se ele lhe agradava
porque era seu advogado, companheiro e assistente, por favor, eu estou
pronto para me tornar as três coisas ao mesmo tempo.
— O senhor é muito bom — disse Cecilia, rindo —, mas no momento não
sinto falta de nenhum defensor.
— É uma pena — respondeu ele —, pois Mr. Arnott me parece muito
disposto a representar novamente as mesmas funções.
— Mas, para isso, ele deve voltar aos dias de sua infância.
— Ah, se isso fosse possível! — exclamou Mr. Arnott —, pois foram os
mais felizes da minha vida.
— Depois de tal confissão — disse seu companheiro —, a senhorita
certamente permitirá que ele tente renovar esses dias? Não é mais do que uma
caminhada para o passado, e embora seja muito cedo na vida para Mr. Arnott
suspirar por tal movimento retrógrado, o qual, no curso normal das coisas,
todos nós desejaremos quando chegar nossa vez, não é senão por um bom
motivo, que é recuperar Miss Beverley como uma companheira de
brincadeiras.
Neste momento, Miss Larolles, que fazia parte daquela numerosa tribo de
moças, para quem todas as conversas nas quais elas não estão engajadas são
enfadonhas, abandonou seu posto, do qual Mr. Gosport, novo conhecido de
Cecilia, imediatamente tomou posse.
— Seria absolutamente impossível — continuou o cavalheiro — que eu
ajude a conseguir essa renovação para Mr. Arnott? Não há nenhuma parte
subalterna que eu possa executar para facilitar o projeto? Eu estou disposto a
brincar de esconder ou procurar com qualquer menino da paróquia; e para um
simples observador, nada pode ser mais festejado.
— Não tenho dúvidas, senhor — respondeu Cecilia —, das suas
conquistas; e eu me divertiria muito com a surpresa das pessoas se pudesse
persuadir a si mesmo de exibi-las.
— E o que — exclamou ele — as pessoas poderiam fazer além de
participar da diversão?! Isso apenas interromperia alguma história de
escândalo ou alguma descrição de uma peruca. A sagacidade ativa, por mais
desprezível que seja quando comparada com a intelectual, é certamente
melhor do que o insignificante blá-blá-blá de uma conversa de moda —
dirigindo seu olhar para Miss Larolles —, ou mesmo o entorpecimento
pensativo do silêncio afetado — mudando o olhar na direção de Miss Leeson.
Cecilia, embora surpresa com um ataque ao grupo social selecionado por
sua amiga partindo de alguém que havia sido convidado por ela, sentiu sua
justiça muito acertada e não se sentiu ofendida por sua severidade.
— Muitas vezes desejei — continuou ele — que, quando grandes grupos
são reunidos, como este, sem qualquer razão possível para que eles também
não possam ser separados, algo pudesse ser proposto para que cada pessoa
pudesse participar de forma inocente, pois, certamente, após a primeira meia
hora, os convidados encontrariam poucas coisas novas para observar na
vestimenta de seus vizinhos, ou mesmo para exibir nas suas próprias, e que
com qualquer alegria aparente pudessem idealizar algo para preencher o meio
e o final da noite, pois, se continuassem traçando os mesmos comentários
fornecidos ainda no início, eles ficariam tão miseravelmente fatigados que, se
não tivessem quatro ou cinco lugares diferentes para onde ir todas as noites,
sofreriam quase tanto pelo tédio dos amigos em uma reunião quanto pelo
tédio de si mesmos na solidão.
Neste momento, com a dissolução geral do grupo, a conversa foi
interrompida e Mr. Gosport foi obrigado a se retirar, sem muito pesar da parte
de Cecilia, que estava impaciente para ficar a sós com Mrs. Harrel.
Assim, o resto da noite transcorreu muito mais satisfatoriamente para ela.
Foi dedicada à amizade, a indagações mútuas, a amáveis felicitações e ternas
lembranças, e embora fosse tarde quando se retirou, ela o fez com certa
relutância.
CAPÍTULO 4

UM ESBOÇO DA ARISTOCRACIA

Ansiosa por retomar uma conversa que tanto prazer lhe havia
proporcionado, Cecilia, sem sentir o cansaço da mudança de horário ou da
viagem, levantou-se com a primeira luz do dia e, assim que terminou de se
vestir, correu para a sala do café da manhã. Contudo, ela não estava mais
impaciente para entrar na sala do que se sentia pronta para deixá-la, pois,
embora não tivesse ficado muito surpresa por estar ali antes da amiga, seu
ardor para aguardar sua chegada esfriou um pouco ao encontrar o fogo recém
aceso, o cômodo frio e os criados ainda empenhados na organização da mesa.
Às dez horas, ela fez outra tentativa: a sala estava mais bem preparada
para sua recepção, mas ainda estava vazia. Mais uma vez, ela estava se
retirando, quando o aparecimento de Mr. Arnott a deteve. Ele expressou sua
surpresa por vê-la acordada tão cedo, acentuando o prazer que sentia com o
fato; então, voltando à conversa da noite anterior, ele discorreu com carinho e
sentimento sobre a felicidade dos seus dias de menino, lembrou-se de todas
as circunstâncias pertencentes às brincadeiras nas quais anteriormente haviam
sido companheiros e discorreu sobre cada incidente com uma minúcia de
satisfação que demonstrava sua relutância para encerrar o assunto. Este
discurso a deteve até que Mrs. Harrel se uniu a eles, e logo outro assunto
mais alegre e mais generalizado o sucedeu.
Durante o desjejum, Miss Larolles foi anunciada como uma visita para
Cecilia, a quem ela imediatamente abordou com a intimidade de uma velha
conhecida, segurando sua mão e lhe assegurando que não poderia mais adiar
a honra de servi-la. Cecilia, muito surpresa pela cordialidade de alguém para
quem ela era quase uma estranha, recebeu o cumprimento com bastante
frieza, mas Miss Larolles, sem consultar sua aparência ou atentar para suas
maneiras, passou a manifestar seu desejo sincero que há muito deveria ser
conhecido por ela: esperar que elas pudessem se encontrar com frequência,
declarar que nada a faria mais feliz, e pedir permissão para recomendar a ela
sua própria modista.
— Eu garanto — continuou Miss Larolles —, ela tem toda a Paris à sua
disposição e as toucas mais encantadoras! As mais belas passamanarias! E
suas fitas são divinas! Aproximar-se dela é a coisa mais perigosa que pode
imaginar. Nunca confio em mim mesma na sua casa, mas estou certa de que
estarei arruinada. Se for do seu agrado, posso levá-la até ela esta manhã.
— Mas, se diz que conhecê-la é assim tão desastroso — disse Cecilia —,
acho melhor evitá-la.
— Oh, impossível! Simplesmente não é possível viver sem ela! Com
certeza, ela é muito querida, eu devo admitir, mas quem poderia dizer? Ela
faz coisas tão belas que é impossível pagar muito por elas.
Então, Mrs. Harrel aderiu à recomendação, a visita foi combinada e,
acompanhadas por Mr. Arnott, as damas se dirigiram à casa da modista.
Neste momento, o entusiasmo de Miss Larolles foi novamente excitado:
ela admirou os adornos exibidos com inexprimível deleite, indagou quem
eram suas futuras possuidoras, ouviu seus nomes com inveja, e suspirou com
toda a amargura da mortificação por não poder enviar para sua casa quase
tudo o que via.
Tendo terminado seus negócios ali, elas visitaram outras costureiras, para
as quais Miss Larolles fez elogios quase igualmente eloquentes a fim de
apropriarem-se de mercadorias para as quais ela era igualmente sincera; a
seguir, depois de acompanharem a jovem loquaz à casa de seu pai, Mrs.
Harrel e Cecilia voltaram para sua própria casa.
Cecilia alegrou-se com a separação e felicitou-se por passar o resto do dia
a sós com a amiga.
— Ora, não — disse Mrs. Harrel —, não absolutamente a sós, pois
teremos companhia esta noite.
— Teremos companhia novamente esta noite?
— Não, não precisa se preocupar, será um grupo pequeno; não mais do
que quinze ou vinte pessoas ao todo.
— Este é um grupo pequeno? — disse Cecilia, sorrindo. — E há pouco
tempo você, assim como eu, o teria considerado grande.
— Oh, você quer dizer na época em que eu vivia no campo — respondeu
Mrs. Harrel. — Mas o que eu poderia saber sobre festas e reuniões sociais?
— Na verdade, não muito — disse Cecilia —, como mostra minha atual
ignorância.
Então, elas se separaram para se vestir para o jantar.
A companhia que elas tiveram naquela noite era mais uma vez
completamente estranha para Cecilia, com exceção de Miss Leeson, que
estava sentada ao seu lado e cujos olhares frios novamente a compeliam a
observar o mesmo silêncio que ela tão resolutamente praticava. Ainda assim,
não foi sem uma grande surpresa interna que uma dama que parecia estar
decidida a não entreter nem ser entretida optara repetidamente por
comparecer a uma reunião em que não se associava com ninguém.
Mr. Arnott, que planejara ocupar o assento ao seu lado, não permitiu que o
silêncio da bela vizinha, que a havia contagiado, se prolongasse ainda mais;
ele não discursava, é verdade, sobre nenhum tema novo; e sobre o tema
velho, seus antigos esportes e diversões, já havia esgotado tudo o que merecia
ser mencionado, mas ainda não havia esgotado o prazer que sentia com o
assunto: parecia sempre fresco e encantador. Ele empregou seus
pensamentos, regalou sua imaginação e avivou seu discurso. Cecilia, em vão,
tentava mudar de assunto; ele o abandonava apenas por compulsão, mas
voltava a ele com entusiasmo redobrado.
Quando o grupo partiu e Mr. Arnott ficou sozinho com as damas, Cecilia,
com grande surpresa, perguntou por Mr. Harrel, observando que não o tinha
visto o dia todo.
— Oh! — exclamou sua esposa —, não fique surpresa, pois acontece com
frequência. Ele geralmente janta em casa, é fato, pois do contrário eu nunca o
veria.
— Realmente? Por que, como ele ocupa o seu tempo?
— Isso eu estou certa de que não posso dizer, pois ele nunca me consulta a
respeito, mas suponho que da mesma maneira que o fazem as outras pessoas.
— Ah, Priscila! — exclamou Cecilia, com alguma seriedade —, eu não
esperava vê-la transformada em uma dama tão refinada.
— Uma dama tão refinada? — repetiu Mrs. Harrel. — Por que, o que é
que eu faço? Eu não vivo exatamente como todas as outras pessoas que se
misturam com o mundo?
— A senhorita, Miss Beverley — disse Mr. Arnott, em voz baixa —, devo
esperar que dê ao mundo um exemplo e não tire um dele.
Logo depois, eles se separaram para a noite.
Na manhã seguinte, Cecilia teve o cuidado de preencher seu tempo de
forma mais vantajosa do que vagando pela casa em busca da companhia, que
agora não esperava encontrar. Ela reuniu seus livros e os dispôs de acordo
com o seu gosto, garantindo para si mesma uma futura ocupação para as
horas de lazer, a inesgotável base de entretenimento que a leitura, a fonte
mais rica, elevada e nobre de desfrute intelectual, proporciona perpetuamente.
Enquanto ainda tomavam seu café da manhã, elas foram novamente
visitadas por Miss Larolles. — Eu vim — exclamou ela, avidamente — para
levar vocês duas ao leilão de lorde Belgrado. Todo mundo estará lá, e nós
vamos entrar com vouchers, e vocês não têm ideia de como estará cheio de
gente.
— O que será leiloado? — perguntou Cecilia.
— Oh, tudo o que se pode imaginar: casas, estábulos, porcelanas, rendas,
cavalos, bonés, tudo o que há no mundo.
— E a senhorita pretende comprar alguma coisa?
— Oh, Céus, não, mas eu gosto de ver as coisas das pessoas.
Cecilia, então, implorou que desculpassem sua ausência.
— Oh, de forma alguma! — exclamou Miss Larolles. — A senhorita deve
ir, eu lhe asseguro; haverá uma multidão monstruosa como nunca viu na vida.
Ouso dizer que seremos espremidas até a morte.
— Este — disse Cecilia — é um estímulo que a senhorita não deve esperar
que tenha muito peso junto a uma rústica recém-chegada do interior; será
preciso todo o verniz de uma longa estadia na metrópole para tornar tal coisa
atraente.
— Oh, mas venha, eu lhe asseguro que será a melhor venda que teremos
nesta temporada. Não posso imaginar, Mrs. Harrel, o que a pobre lady
Belgrado fará; ouvi dizer que os credores se apoderaram de tudo. Eu
realmente considero os credores o grupo de pessoas mais cruel do mundo!
Eles lhe tiraram aquelas lindas fivelas dos sapatos! Pobre alma! Declaro que
sentirei uma pontada no coração ao vê-las expostas. É bastante aterrador,
devo dizer. Eu me pergunto quem vai comprá-las. Garanto que são as mais
lindas e elegantes que já vi. Mas vamos, se não formos imediatamente, não
conseguiremos entrar.
Cecilia voltou a desejar poder ser dispensada de acompanhá-las e
acrescentou que gostaria de passar o dia em casa.
— Em casa, minha querida? — exclamou Mrs. Harrel. — Ora, nós
estamos comprometidas com Mrs. Mears este mês e ela me implorou para
convencê-la a participar do grupo. Espero que ela apareça ou lhe envie um
voucher a qualquer momento.
— Que má sorte a minha — disse Cecilia — que você tenha tantos
compromissos bem agora! Espero, ao menos, que não haja nada para amanhã.
— Oh, sim, amanhã vamos à casa de Mrs. Elton.
— De novo amanhã? E quanto tempo isso vai durar?
— Oh, quem sabe! Eu vou lhe mostrar meu catálogo.
Ela então exibiu um livro que continha uma lista de compromissos por
mais de três semanas. — E à medida que estes — disse ela — são riscados,
novos são adicionados, e assim continuamos até o dia depois do nascimento.
Quando a lista foi examinada e comentada por Miss Larolles, e vista e
admirada por Cecilia, ela foi devolvida ao seu lugar, e as duas damas foram
juntas ao leilão, permitindo que Cecilia, atendendo a seus repetidos pedidos,
retornasse aos seus próprios aposentos.
Ela voltou, mas não estava satisfeita com o comportamento da amiga,
tampouco com a sua própria situação: a sobriedade da sua educação, uma vez
que desde cedo instilara em sua mente os puros ditames da religião e os
estritos princípios da honra, também a havia ensinado a considerar a
dissipação contínua como uma introdução ao vício, e a extravagância
ilimitada, um arauto da injustiça. Há muito acostumada a ver Mrs. Harrel no
mesmo retiro em que vivera até então, quando os livros eram sua primeira
diversão e a companhia da outra sua principal felicidade, a mudança que ela
agora percebia em sua mente e em suas maneiras a preocupava, assim como a
surpreendia. Ela a achava insensível à amizade, indiferente ao marido e
negligente com toda a felicidade social. Vestidos, reuniões, festas e aparições
públicas pareciam não apenas ocupar todo o seu tempo, mas também
satisfazer todos os seus desejos. Cecilia, em cujo coração resplandeciam os
mais calorosos afetos e a mais generosa virtude, estava cruelmente deprimida
e mortificada por essa decepção; no entanto, teve o bom senso de decidir não
repreender a amiga, consciente de que, se a censura tem algum poder sobre a
indiferença, é apenas o de convertê-la em aversão.
Mrs. Harrel, na verdade, era inocente de coração, embora extravagante na
vida; casada muito jovem, havia feito uma transição imediata entre viver em
meio a uma família reservada em uma cidade do interior, para se tornar a
dona de uma das casas mais elegantes de Portman Square, à frente de uma
esplêndida fortuna, e esposa de um homem cujos próprios interesses logo lhe
mostraram o pouco valor que ele mesmo atribuía à felicidade doméstica.
Imersa no círculo da moda da sociedade e diversões, sua compreensão,
naturalmente débil, foi facilmente deslumbrada pelo brilho da sua situação.
Portanto, por aspirar avidamente o ar impregnado de luxo e extravagância,
ela logo deixou de sentir prazer, senão o de competir com alguma rival em
elegância, e não tinha mais nenhuma ambição senão a de se exceder em
gastos.
O reitor, ao nomear Mr. Harrel como um dos tutores de sua sobrinha, não
tinha outra intenção senão a de ceder aos seus desejos, permitindo que ela
residisse na casa de sua amiga: ainda que não tivessem muito contato pessoal,
estava satisfeito com a nomeação, porque conhecia sua família, fortuna e
conexões, o que o persuadiu a acreditar, sem maiores indagações, que era
mais peculiarmente apropriado para sua sobrinha do que qualquer outro.
Na sua seleção dos outros dois curadores, ele havia sido mais prudente; o
primeiro deles, o honorável Mr. Delvile, era um homem bem-nascido e de
bom caráter; o segundo, Mr. Briggs, passara a vida inteira dedicado aos
negócios e já havia acumulado uma imensa fortuna; no entanto, não tinha
outro prazer na vida senão o de aumentá-la. Pela honra de Mr. Delvile,
portanto, esperava a mais escrupulosa vigilância para que sua sobrinha não
fosse ferida de modo algum, e pela experiência de Mr. Briggs em questões
financeiras e sua diligência para os negócios, esperava a mais atenta
observância de que sua fortuna, enquanto sob seus cuidados, fosse
direcionada da melhor maneira. E assim, tanto quanto foi capaz, ele havia
igualmente consultado o seu bem-estar, a sua segurança e a sua vantagem
pecuniária.
Mrs. Harrel voltou para casa a tempo de mudar de roupa para o resto do
dia.
Quando Cecilia foi chamada para o almoço, ela encontrou, além do seu
anfitrião e anfitriã e de Mrs. Arnott, um cavalheiro que ainda não tinha visto,
mas que assim que entrou na sala foi apresentado por Mr. Harrel, que dizia
ser um dos seus mais íntimos amigos.
Este cavalheiro, Sir Robert Floyer, tinha cerca de 30 anos; seu rosto não se
destacava por sua beleza nem por sua feiura, mas era suficientemente distinto
por sua expressão de invencível segurança; sua pessoa também, embora não
chamasse a atenção por sua graça nem por sua deformidade, atraía a atenção
para a insolência do seu comportamento. Suas maneiras, altivas e arrogantes,
denunciavam a alta opinião que nutria pela sua própria importância; seu
aspecto e seu discurso, ao mesmo tempo ousados e negligentes, anunciavam a
feliz perfeição do personagem que visava ser, um homem realizado da
cidade.
No momento em que Cecilia apareceu, ela se converteu no objeto da sua
atenção, embora não fosse com um olhar de admiração por sua beleza, nem
mesmo pela curiosidade despertada pela sua novidade, mas com a observação
perscrutadora de um homem a ponto de fazer uma barganha, que vê com
olhos críticos a propriedade que pretende regatear.
Cecilia, não acostumada a um exame tão pouco cerimonioso, encolheu-se
envergonhada pelos seus cumprimentos; a sua conversa não era menos
desagradável do que sua aparência; seus temas principais, que eram as
corridas de cavalos, as derrotas e as disputas nas mesas de jogos, não podiam
lhe proporcionar muita diversão, porque ela não conseguia compreendê-los, e
os episódios com os quais eram ocasionalmente intercalados, consistindo
principalmente em restrições comparativas sobre belezas célebres,
insinuações de falências iminentes e gracejos sobre divórcios recentes, eram
ainda mais desagradáveis para ela, porque eram mais inteligíveis. Cansada,
portanto, de anedotas pouco interessantes e ofendida por temas de
brincadeiras imprudentes, ela esperava com impaciência o momento de se
retirar. Mrs. Harrel, contudo, menos ansiosa porque estava mais entretida,
não tinha pressa para se retirar e, portanto, Cecilia viu-se obrigada a
permanecer calada até que ambas fossem obrigadas a se levantar a fim de
cumprir seus compromissos com Mrs. Mears.
Enquanto caminhavam juntas para a casa daquela senhora, achando-se
face a face com Mrs. Harrel, Cecilia, sem duvidar de que suas opiniões acerca
do baronete estariam de acordo, imediatamente e abertamente declarou sua
desaprovação de tudo o que ele havia dito. Mrs. Harrel, no entanto, longe de
confirmar suas expectativas, limitou-se a dizer: — Lamento que não goste
dele, pois ele está quase sempre conosco.
— Mas, você gosta dele?
— Muito. Ele é muito divertido e inteligente, e conhece o mundo.
— De que forma criteriosa o elogia! — exclamou Cecilia —, por quanto
tempo poderia deliberar antes de adicionar outra palavra ao seu discurso
panegírico!
Mrs. Harrel, satisfeita com o elogio, sem nem mesmo tentar justificá-lo,
logo se contentou em mudar de assunto, e Cecilia, embora muito preocupada
com o fato de o marido de sua amiga ter feito uma escolha tão vergonhosa de
um favorito, ainda esperava que a indulgência de Mrs. Harrel resultasse do
seu desejo de desculpar sua escolha e não de sua própria aprovação.
CAPÍTULO 5

UMA REUNIÃO

Mrs. Mears, cuja personalidade era daquele tipo comum que torna
supérflua sua delineação, recebeu-as com as formas habituais de boa
educação. Mrs. Harrel logo se envolveu em uma mesa de jogo, e Cecilia, que
se recusava a jogar, sentou-se ao lado de Miss Leeson, que se levantou para
retribuir a cortesia feita pela moça que caminhava em sua direção, mas, uma
vez passado o momento, nem sequer voltou a olhar para a nova visitante.
Cecilia, embora gostasse de conversar e tivesse sido criada para a vida
social, era muito tímida para falar quando assim tão pouco encorajada;
portanto, as duas permaneceram em silêncio, até que Sir Robert Floyer, Mr.
Harrel e Mr. Arnott entraram na sala juntos, e todos ao mesmo tempo
caminharam em sua direção.
— O quê?! — exclamou Mr. Harrel —, não prefere jogar, Miss Beverley?
— Eu me orgulho em dizer — disse Mr. Arnott — que Miss Beverley
nunca joga e, então, em ao menos uma coisa, terei a honra de afirmar que
temos algo em comum.
— Muito raramente, na verdade — respondeu Cecilia —,
consequentemente, muito mal.
— Oh, a senhorita deve receber algumas lições — disse Mr. Harrel. — Sir
Robert Floyer, estou certo, ficará orgulhoso em instruí-la.
Sir Robert, que havia se colocado em frente a ela e que olhava fixamente
para o seu rosto, fez uma ligeira inclinação de cabeça e disse: — Certamente.
— Eu seria uma aluna muito pouco promissora — respondeu Cecilia —,
pois temo que não preciso apenas de diligência para melhorar, mas também
desejar.
— Oh, a senhorita aprenderá coisas melhores — disse Mr. Harrel —, nós a
temos conosco por apenas três dias, em três meses veremos a diferença.
— Espero que não — disse Mr. Arnott —, espero sinceramente que não
haja nenhuma diferença.
Mr. Harrel uniu-se a outro grupo e Mr. Arnott, não vendo nenhum lugar
vago perto de Cecilia, moveu-se para trás do encosto de sua cadeira, onde
permaneceu pacientemente pelo resto da tarde. Sir Robert, porém, manteve
seu posto e, sem se incomodar em dizer alguma coisa, manteve os olhos fixos
no mesmo objeto. Cecilia, ofendida pela sua ousadia, buscou mil maneiras de
evitá-lo, mas seu embaraço, ao dar mais graça às suas feições, serviu apenas
para manter desperta uma atenção que de outra forma poderia ter sido
cansativa. Ela quase se sentiu tentada a virar a cadeira e olhar para Mr.
Arnott, mas, ainda que desejasse demonstrar sua desaprovação ao baronete,
ainda não estava reconciliada com a moda de dar as costas para o grupo em
geral, pelo prazer de conversar com alguma pessoa em particular, moda que
para os observadores menos acostumados pareceria grosseira e repulsiva, mas
que, uma vez adotada, promovia, ainda que de forma imperceptível, sua
própria recomendação na facilidade, comodidade e liberdade. Posicionada de
forma tão desagradável, ela encontrou pouca ajuda na proximidade de Mr.
Arnott, pois até mesmo seu desejo de conversar com ela tinha sido engolido
por um impulso ansioso e involuntário de observar os olhares e os
movimentos de Sir Robert. Por fim, bastante cansada de ficar sentada como
se fosse apenas um objeto de contemplação, ela decidiu tentar entrar em uma
conversa com Miss Leeson.
A dificuldade, porém, não deve ser desprezada: ela não estava
familiarizada com seus amigos e conexões, não estava informada da sua
maneira de pensar ou de seu modo de vida, ignorava até mesmo o som da sua
voz e ficava gelada com a frieza do seu semblante. No entanto, por não ter
outra alternativa, ela estava mais disposta a encontrar os olhares ameaçadores
da dama ao lado do que continuar silenciosamente constrangida sob os olhos
perscrutadores de Sir Robert. Depois de muito deliberar sobre qual assunto
deveria abordar, lembrou-se de que Miss Larolles estivera presente na
primeira vez em que se encontraram, e achou provável que se conhecessem.
Cecilia inclinou-se para frente e aventurou-se a perguntar se ela tinha visto a
jovem recentemente.
Miss Leeson, com uma voz igualmente inexpressiva de satisfação ou
desgosto, respondeu calmamente: — Não, madame.
Cecilia, desanimada pela brevidade da resposta, ficou alguns minutos em
silêncio, mas diante da perseverança de Sir Robert em fitá-la, e estimulando-a
a tentar evitar seus olhos, esforçou-se a ponto de acrescentar: — Mrs. Mears
espera a presença de Miss Larolles aqui esta tarde?
Miss Leeson, sem levantar a cabeça, respondeu gravemente: — Eu não sei,
madame.
Agora ela deveria fazer tudo de novo e um novo assunto deveria ser
iniciado, pois não poderia sugerir mais nada acerca de Miss Larolles.
Cecilia tinha visto pouco da vida, mas este pouco estava bem nítido, e sua
observação a havia ensinado que, entre as pessoas da moda, os lugares
públicos pareciam uma fonte inesgotável de conversa e entretenimento; sobre
este tema, portanto, esperava obter melhor êxito. Como para aqueles que
passaram mais tempo no campo do que em Londres, nenhum lugar é tão
interessante quanto um teatro, ela abordou o assunto que sugerira com tanta
alegria, perguntando se alguma peça nova tinha sido lançada recentemente.
Miss Leeson, com a mesma frieza, limitou-se a responder: — Na verdade,
não sei dizer.
Seguiu-se outra pausa e o ânimo de Cecilia foi consideravelmente abatido,
mas, ao se recordar acidentalmente do nome Almack,7 ela logo reanimou-se
e, felicitando-se por agora poder falar de um lugar que estava muito na moda
para ser desdenhado, perguntou-lhe, de maneira um pouco mais segura, se ela
era membro dos clubes.
— Sim, madame.
— E a senhorita vai aos clubes com frequência?
— Não, madame.
Mais uma vez, ambas ficaram em silêncio. Então, cansada do fracasso de
cada indagação em particular, ela pensou que uma pergunta mais
generalizada poderia obter uma resposta menos lacônica e, portanto,
implorou que lhe informasse qual era o lugar de diversão mais em voga para
a temporada atual.
Esta pergunta, no entanto, não custou à Miss Leeson mais problemas do
que qualquer outra que a precedeu, pois ela apenas respondeu: — Na
verdade, não sei.
Cecilia começou a ficar enjoada das suas tentativas e, por alguns minutos,
desistiu da ideia, achando-a inútil; mas depois, quando refletiu sobre quão
frívolas eram as perguntas que havia feito, sentiu-se mais inclinada a perdoar
as respostas que recebera, e em pouco tempo imaginou que havia confundido
desprezo com estupidez e ficou menos zangada com Miss Leeson do que
envergonhada de si mesma.
Tal suposição a estimulou a testar seus talentos para a conversação, e, para
tanto, reuniu toda a coragem ao seu alcance e, modestamente, desculpou-se
pela liberdade que estava tomando e, em seguida, pediu permissão para
perguntar se havia algo novo na literatura que ela achava que valia a pena
recomendar.
Miss Leeson voltou os olhos para ela, como se quisesse confirmar que
tinha ouvido direito, e quando a atitude atenta de Cecilia confirmou sua
pergunta, a surpresa por alguns instantes tomou o lugar da insensibilidade.
Com um pouco mais de ânimo do que havia demonstrado até então, ela
respondeu: — Na verdade, eu não sei nada sobre o assunto.
Cecilia ficou completamente desconcertada, meio zangada consigo mesma
e totalmente irritada com a vizinha taciturna; ela decidiu não permitir no
futuro que nada a provocasse a um julgamento semelhante sobre um assunto
tão pouco promissor. No entanto, não precisou mais suportar o exame de Sir
Robert, que, bastante satisfeito em contemplá-la fixamente por algum tempo,
girou sobre os calcanhares e já estava deixando a sala quando foi
interrompido por Mr. Gosport, que por algum tempo o observava. Mr.
Gosport era um homem de muitos talentos e sátira perspicaz, minucioso em
suas observações e irônico nas expressões.
— Então, o senhor não joga, Sir Robert? — perguntou ele.
— Aqui? Não. Estou indo ao Brooks’s.8
— O que achou da protegida de Harrel? O senhor fez uma boa avaliação
dela.
— Ora, não sei bem, não muito, eu acho; é uma mulher diabolicamente
bonita, mas não tem espírito, não tem vida.
— Você lhe deu uma chance? Conversou com ela?
— Na verdade, não!
— Então, como pode julgá-la?
— Ora, não importa; ninguém pensa em conversar com as mulheres para
lhes dar uma chance.
— Que outro método, então, o senhor adota?
— Nenhum.
— Nenhum? Como é isso?
— Bem, são elas que falam conosco. As mulheres tomam todos os
problemas para si nos dias de hoje.
— Por favor, desde quando se tornou tão presunçoso? Esta é uma parte da
sua personalidade que eu não conhecia.
— Não, espere, não é por diversão, é apenas preguiça. Quem diabos vai se
dar ao trabalho de conversar com as mulheres, quando mantê-las à distância
as faz dançar com a gente?
Ele caminhou na direção de Mr. Harrel, pegou-o pelo braço e os dois
saíram da sala juntos.
Mr. Gosport aproximou-se de Cecilia, dirigiu-se a ela de forma a não ser
ouvido por Miss Leeson e disse: — Há algum tempo que desejo me
aproximar da senhorita, mas o temor de que já esteja dominada pela
loquacidade da sua bela vizinha me tornou cauteloso para abordá-la.
— O senhor quer dizer — disse Cecilia —, rir da minha loquacidade e, de
fato, do fracasso que a tornou suficientemente ridícula.
— A senhorita, então, não sabe — disse ele — que há certas jovens que
têm como regra nunca conversar senão com suas amigas? Esta é a classe de
Miss Leeson, e, até que entre em seu círculo particular, não espere ouvir dela
uma palavra de duas sílabas. As damas TON,9 como são chamadas, que agora
infestam a cidade, dividem-se em dois grupos: as ARROGANTES e as
VOLÚVEIS. As ARROGANTES, como Miss Leeson, são silenciosas,
desdenhosas, lânguidas e afetadas, e desdenham de todos com quem
conversam, exceto o seu próprio grupo. As VOLÚVEIS, como Miss Larolles,
são atiradas, comunicativas, inquietas e atrevidas, e atacam sem a menor
cerimônia todos os que consideram dignos da sua atenção. Mas uma coisa
elas têm em comum: em casa, não pensam em nada além de vestidos; quando
estão fora de casa, só pensam em adulação, e, em todos os lugares,
demonstram um supremo desprezo por todos, exceto por elas mesmas.
— Provavelmente, então — disse Cecilia —, eu já estive com uma das
VOLÚVEIS; no entanto, toda a vantagem está com a ARROGANTE, pois fui
tratada com total repulsa.
— A senhorita está certa, no entanto, de que foi gentil com ela?
— Oh, uma criança de cinco anos deveria ter sido chicoteada por não ser
mais gentil.
— Mas não é apenas habilidade que deve buscar quando falar com as
damas TON; se seus entendimentos fossem apenas considerados, elas seriam
de fato maravilhosamente fáceis de acessar. Mas para tornar as coisas mais
difíceis, elas só ficam satisfeitas com a observância dos seus humores, que
são sempre mais variados e mais exuberantes onde os intelectos são mais
fracos e menos cultivados. Tenho, no entanto, uma receita que é infalível para
atrair a atenção de jovens damas de qualquer personalidade ou denominação.
— Oh, nesse caso — disse Cecilia —, favoreça-me com esta receita, pois
tenho aqui uma admirável oportunidade de provar sua eficácia.
— Eu o farei — disse ele —, e lhe darei instruções completas. Quando
estiver diante de uma jovem que parece resolutamente determinada a não
conversar, ou que, se compelida por uma pergunta direta a dar alguma
resposta, faça uma afirmação breve e seca, ou uma negativa lacônica e fria...
— O caso em questão — interrompeu Cecilia.
— Bem, assim circunstanciado — continuou ele —, o remédio que tenho a
propor consiste em três tópicos para conversação.
— Por favor, quais são eles?
— Vestidos, locais públicos e romance.
Cecilia, tanto surpresa quanto distraída, aguardou uma explicação mais
completa sem interrupção.
— Estes três tópicos — continuou ele — devem responder a três
propósitos, uma vez que não há menos do que três causas das quais pode
proceder o silêncio das jovens: tristeza, afetação e estupidez.
— O senhor, então — perguntou Cecilia —, não atribui nada à modéstia?
— Sim, muito — respondeu ele —, como uma desculpa, ou melhor, quase
como um equivalente para sagacidade, mas para aquele silêncio taciturno que
resiste a todo encorajamento, a modéstia é um mero fingimento, não uma
causa.
— O senhor vai precisar ser um pouco mais explícito, se acha que devo me
beneficiar das suas instruções.
— Bem, então — respondeu ele —, vou enumerar brevemente as três
causas, com instruções para os três métodos de cura. Para começar, a tristeza.
A taciturnidade que realmente resulta dela é acompanhada por uma ausência
incurável da mente e uma total inconsciência da observação que ela suscita;
nesta ocasião, as aparições públicas podem, às vezes, provar serem
infrutíferas, e até mesmo o vestuário pode falhar; mas, o romance...
— O senhor tem mesmo certeza — perguntou Cecilia, rindo — que a
tristeza não tem mais do que uma fonte?
— De maneira alguma — disse ele —, porque talvez o papai esteja
zangado ou a mamãe chateada; uma modista pode ter enviado um pompom
equivocado, ou uma acompanhante de uma reunião pode ter adoecido...
— São assuntos amargos e aflitivos, de fato! — disse Cecilia, rindo do
absurdo.
— Não, eu falo apenas das damas da moda, que acontecimentos poderiam
ter mais importância para elas? Se, no entanto, a dor da bela paciente procede
do papai, da mamãe ou da acompanhante, então a menção a lugares públicos,
esses intermináveis incentivos de desgosto entre velhos e jovens, provocará
suas queixas, e suas queixas trarão sua própria cura, pois aqueles que
lamentam encontram consolo rápido; se foi a modista quem ocasionou a
calamidade, a discussão sobre o vestuário terá o mesmo efeito; se ambos os
remédios falharem, o romance, como já disse, será considerado infalível,
porque então terá investigado todos os assuntos de inquietação que jovens
mulheres da moda podem vivenciar.
— Elas devem ficar muito gratas ao senhor, por lhes conceder tão
honrosos motivos de tristeza, e eu agradeço em nome de todo o sexo! —
exclamou Cecilia, curvando-se.
— A senhorita — disse ele, devolvendo a reverência —, espero que seja
uma exceção e, felizmente, não carregue nenhuma tristeza. Chego, agora, ao
silêncio da afetação, que atualmente é perceptível pelo andar errante dos
olhos pelo aposento para ver se está chamando alguma atenção, pelo cuidado
diligente para evitar um sorriso acidental e pela variedade de atitudes
desconsoladas exibidas aos observadores. Este tipo de silêncio tem quase
sempre sua origem naquela vaidade infantil, que sempre se satisfaz com a
atenção excitante, sem nunca perceber que provoca desprezo. Nesses casos,
como a natureza está totalmente fora de questão e a mente está protegida
contra seus próprios sentimentos, a vestimenta e os locais públicos estão
seriamente propensos a falhar, mas aqui novamente o romance certamente
vencerá; assim que é nomeado, a atenção torna-se involuntária e, em pouco
tempo, um sorriso afetado confunde a disposição dos traços, e então o
assunto está encerrado, pois ou a dama está apoiando algum sistema, ou se
opondo a alguma proposição, antes de perceber que foi completamente
enganada e retirada do seu triste silêncio.
— Já é muito — disse Cecilia —, para tristeza e afetação. Prossiga com
estupidez, pois isso é bem provável que eu encontre com mais frequência.
— Este sempre será um trabalho árduo — respondeu ele —, mas a estrada
é plana, embora seja toda colina acima. O romance, aqui, pode ser citado sem
despertar nenhuma emoção, sem provocar qualquer tipo de resposta, e o tema
vestimenta pode ser prolongado sem produzir outro efeito além de atrair um
olhar vago, mas os locais públicos são indubitavelmente garantia de êxito.
Personagens monótonas e pesadas, incapazes de se animar pelo humor ou
pela razão, porque são incapazes de acompanhar seu ritmo e são desprovidas
de todas as fontes internas de entretenimento, requerem o estímulo do
espetáculo, do resplendor, do barulho e da agitação para interessá-las ou
despertá-las. Fale com elas sobre esses assuntos e elas irão adorá-la; não
importa se lhes pintar um cenário de alegria ou de horror, desde que haja
ação, e elas ficarão contentes; uma batalha tem para elas os mesmos encantos
de uma coroação, e um funeral as diverte tanto quanto um casamento.
— Estou muito grata ao senhor — disse Cecilia, sorrindo — por estas
instruções, mas devo confessar que não sei como fazer uso delas no presente
momento; locais públicos eu já tentei, mas foi em vão; não ouso falar sobre
vestimenta, pois ainda não aprendi seus termos técnicos...
— Bem, mas — interrompeu ele — não deve se desesperar; a senhorita
ainda tem o terceiro tópico não abordado.
— Ah, esse — respondeu ela — eu deixo para o senhor!
— Perdoe-me — exclamou ele —, o romance é fonte de loquacidade
apenas para vocês; quando é incitado por um homem, as jovens tornam-se
meras ouvintes. Ouvintes simplórias, eu confesso, mas é apenas entre vocês
mesmas que poderão discutir seus méritos.
Nesse momento eles foram interrompidos pela aproximação de Miss
Larolles, que caminhou na direção de Cecilia e exclamou: — Meu Deus,
como estou satisfeita em vê-la! Então, não foi ao leilão! Bem, a senhorita
teve uma perda prodigiosa, eu posso garantir. Todo o guarda-roupa foi
vendido, e todos os berloques de lady Belgrado. Nunca vi uma coleção de
coisas mais lindas em toda a minha vida! Eu já estava a ponto de chorar por
não poder dar lances por meia centena deles. Confesso que agonizei durante
toda a manhã. Eu não teria deixado de ir por nada no mundo! Pobre Mrs.
Belgrado! A senhorita realmente não pode imaginar como fiquei consternada
por ela? Todos os seus lindos pertences foram vendidos por quase nada. Eu
garanto que, se tivesse visto como aconteceu, a senhoria teria perdido toda a
paciência. É uma lástima que não estivesse lá.
— Muito pelo contrário — disse Cecilia —, acho que tive muita sorte, pois
a perda de paciência sem a aquisição dos berloques teria sido bastante
mortificante.
— Sim — disse Mr. Gosport —, mas, quando tiver vivido mais algum
tempo nesta cidade, encontrará na transferência da paciência para a
mortificação o trânsito mais comum e constante entre os seus habitantes.
— Ora, o senhor está aqui há muito tempo? — perguntou Miss Larolles
—, já estive em vinte lugares e me pergunto se já não o encontrei antes. Mas
onde está Mrs. Mears? Ah, eu a vejo agora. Tenho certeza de que é ela. Eu
poderia reconhecê-la por aquele velho vestido vermelho a meia milha de
distância. Já viu alguma coisa tão espantosa em sua vida? E ela nunca o tira.
Acho que dorme com ele. Tenho certeza de que não a vi usando outra coisa
durante todo o inverno. É bastante cansativo para os olhos. Ela se veste da
forma mais monstruosa e lamentável. Mas sabe que passei pela coisa mais
provocante do mundo esta noite? Confesso que me deixou bastante doente.
Nunca estive tão aborrecida em minha vida. A senhorita nunca vai ver nada
parecido.
— Parecido com o quê — perguntou Cecilia, rindo —, seu aborrecimento
ou sua provocação?
— Ora, eu vou lhe dizer o que aconteceu, e a senhorita poderá julgar se
não foi de todo insuportável. A senhorita deve saber que incumbi uma
determinada amiga minha, Miss Moffat, de comprar uma passamanaria para
mim quando fosse a Paris. Bem, ela a enviou cerca de um mês atrás por Mr.
Meadows, e é a coisa mais linda que já se viu, mas eu não poderia fazer jus a
ela, pois não havia uma só criatura na cidade, então pensei em usá-la pela
primeira vez há cerca de uma semana, pois, a senhorita sabe, nada acontece
até o Natal. Bem, esta tarde, na casa de lady Jane Dranet, quem eu encontrei,
senão Miss Moffat? Ela estava na cidade há alguns dias, mas estava tão
monstruosamente comprometida que nunca consegui encontrá-la em casa.
Bem, eu fiquei muito feliz em vê-la, porque a senhorita deve saber que ela é
uma das minhas favoritas, então corri até ela com muita pressa para apertar
sua mão, e o que a senhorita acha que foi a primeira coisa que chamou minha
atenção? Ora, era uma passamanaria igual a minha, sobre um vestido
repugnante e odioso, e estava meio suja! Pode imaginar algo tão angustiante?
Eu poderia ter chorado.
— Mas, por quê? — perguntou Cecilia —, se a passamanaria dela estava
suja, a sua iria parecer mais delicada.
— Oh, Deus! A senhorita fala como se fosse um caso antigo. Metade da
cidade vai ter uma assim. E eu fiquei bem arruinada para comprá-la. Eu
confesso, acho que nada na vida pode ter sido tão mortificante. Eu fiquei
muito angustiada e mal conseguia falar com ela. Se ela tivesse demorado
mais um mês ou dois, eu não teria me importado, mas foi a coisa mais cruel
do mundo vir para cá agora. Gostaria que os oficiais da alfândega tivessem
guardado todas as roupas dela até o verão.
— É um desejo afetuoso, de fato — disse Cecilia —, para uma amiga em
particular.
Nesse momento, Mrs. Mears levantou-se da mesa de jogo, e Miss Larolles
foi cumprimentá-la.
— Aqui, ao menos — exclamou Cecilia —, nenhuma receita parece ser
necessária para a cura do silêncio! Queria que Miss Larolles fosse a
companhia constante de Miss Leeson; elas combinariam admiravelmente,
uma vez que a jovem ARROGANTE parece decidida a nunca falar, e a
VOLÚVEL Miss Larolles a nunca se calar. Se cada uma delas tomasse algo
emprestado da outra, elas seriam pessoas muito melhores.
— Ainda assim a composição seria lamentável — disse Mr. Gosport —,
pois creio que elas são igualmente débeis e ignorantes. A única diferença é
que uma, embora tola, é rápida; a outra, embora deliberada, é estúpida. Em
um relacionamento breve, esse abatimento que deixa para os demais todo o
peso do discurso e toda a busca por entretenimento é o mais fatigante, mas,
em uma intimidade mais duradoura, mesmo isso é menos enfadonho e menos
ofensivo do que a petulância daquele que não ouve nada além de si mesmo.
Neste instante, Mrs. Harrel levantou-se para partir, e Cecilia, não mais
cansada do início da noite do que entretida com sua conclusão, foi levada à
carruagem por Mr. Arnott.
CAPÍTULO 6

UM DESJEJUM

Na manhã seguinte, durante o café da manhã, um criado comunicou a


Cecilia que um jovem cavalheiro estava no hall e desejava lhe falar. Ela
sugeriu que ele fosse recebido, e Mrs. Harrel, rindo, perguntou se ela não
deveria deixar a sala, enquanto Mr. Arnott, com uma seriedade ainda maior
do que a habitual, dirigiu os olhos para a porta para ver quem iria entrar.
Nenhum dos dois, no entanto, sentiu a menor satisfação quando a porta foi
aberta, pois o cavalheiro que surgiu era desconhecido para ambos, mas
grande foi o espanto de Cecilia, embora com pouca emoção, ao ver Mr.
Morrice! Ele se apresentou com o mais profundo respeito pelas pessoas em
geral e, obsequiosamente, caminhou até Cecilia, fez uma séria investigação
sobre sua saúde após a viagem e esperava que ela tivesse recebido boas
notícias dos seus amigos do interior.
Mrs. Harrel, concluindo, naturalmente, tanto pela visita quanto por seu
comportamento, que se tratava de um conhecido de certa intimidade, muito
educadamente ofereceu-lhe um assento e um café da manhã, que ele
francamente aceitou. No entanto, Mr. Arnott, que já sentia a ansiedade de
uma paixão crescente e cheia de veneração, para ser otimista, olhou para ele
com inquietação e aguardou impacientemente pela sua partida.
Cecilia começou a imaginar que ele deveria ter recebido a incumbência de
visitá-la trazendo algum recado de Mr. Monckton, pois ela não sabia como
supor que ter passado, mera e acidentalmente, uma ou duas horas na mesma
sala o autorizasse a lhe fazer uma visita. Porém, Mr. Morrice tinha uma
aptidão muito feliz para conciliar suas pretensões com suas inclinações e,
portanto, ela logo descobriu que a pretensão sugerida lhe parecia
desnecessária. Entretanto, para levar ao tema do qual esperava sua desculpa,
ela perguntou há quanto tempo ele havia deixado Suffolk.
— Ontem, ao meio-dia, madame — respondeu ele —, ou eu certamente
teria tomado a liberdade de visitá-la mais cedo.
Cecilia, que estava perplexa e tentava imaginar alguma razão para sua
vinda, olhou para ele com uma grande surpresa, que teria desconcertado
totalmente um homem cuja coragem fosse menor ou cujas expectativas
fossem maiores; mas Mr. Morrice, embora tivesse arriscado todos os perigos
diante de uma mínima possibilidade de esperança, conhecia muito bem a
debilidade das suas pretensões para confiar no sucesso, e estava familiarizado
demais com as rejeições para sentir-se magoado em recebê-las.
Possivelmente tinha algo a ganhar, mas sabia que não tinha nada a perder.
— Eu tive o prazer — continuou ele — de deixar todos os nossos amigos
bem, exceto a pobre lady Margaret, que teve um ataque de asma; ainda assim
ela se recusou a consultar um médico, embora Mr. Monckton a tenha
persuadido de bom grado; no entanto, acredito que a velha senhora conhece
métodos melhores — ele olhou maliciosamente para Cecilia, mas, ao
perceber que a insinuação lhe causava nojo, mudou o tom e acrescentou: — É
incrível como eles vivem bem juntos, ninguém poderia imaginar, dada a
disparidade das suas idades. Pobre senhora! Mr. Monckton realmente terá
uma grande perda quando ela morrer.
— Uma grande perda?! — repetiu Mrs. Harrel —, estou certa de que é
uma velha senhora extremamente mal-humorada. Quando eu vivia em Bury,
sempre ficava apavorada ao vê-la.
— É verdade, madame — disse Morrice —, devo admitir que sua
aparência não a favorece; eu mesmo senti uma grande aversão por ela na
primeira vez que a vi. Mas a casa é alegre, muito alegre; eu gosto muito de
passar alguns dias lá de vez em quando. Miss Bennet também é bastante
agradável e...
— Miss Bennet agradável?! — novamente Mrs. Harrel interveio —, eu
acho que é a criatura mais odiosa que já conheci em minha vida; uma
solteirona desagradável e rancorosa.
— É verdade, madame, é assim como diz — concordou Morrice —, ela
não é muito jovem, e quanto ao seu temperamento, confesso que sei muito
pouco sobre ela, e é provável que Mr. Monckton seja o causador do que a
madame falou, pois é bastante severo.
— Mr. Monckton? — disse Cecilia, extremamente irritada ao ouvir uma
censura a um homem que ela considerava muito honrado para ser assim
abordado. — Sempre que fui sua hóspede, só mereceu de mim elogios e
gratidão.
— Oh! — exclamou Morrice, com entusiasmo —, não há homem mais
digno no mundo! Ele possui tanta inteligência, tanta afabilidade! Não
conheço homem mais encantador do que meu amigo Mr. Monckton.
Cecilia percebeu que as opiniões do seu novo conhecido eram tão flexíveis
quanto suas reverências e, determinada a não lhe dar mais atenção, sentou-se
em silêncio na expectativa de obrigá-lo a revelar o motivo da sua visita, se é
que havia um, ou se, como ela agora suspeitava, ele não tivesse motivo
algum, cansá-lo até que se retirasse. Mas o seu plano, ainda que tivesse
obtido êxito consigo mesma, fracassou com Mr. Morrice. Dono de um
estoque de bom humor que o deixava sempre pronto a agradar as pessoas, a
cada instante acrescentava uma igual porção de insensibilidade cheia de
indignidade. Assim, ao descobrir que Cecilia, a quem se destinava a sua
visita, parecia estar satisfeita com sua duração, ele prudentemente absteve-se
de atormentá-la, mas ao perceber que a dona da casa era mais acessível,
rapidamente transferiu sua atenção e dirigiu seu discurso a ela com tanto
prazer, como se sua única perspectiva tivesse sido ir vê-la, e com tanta
facilidade como se a tivesse conhecido por toda a sua vida.
Com Mrs. Harrel tal conduta não foi imprudente; ela estava exultante com
sua insensatez, divertida com sua vivacidade e suficientemente satisfeita com
sua compreensão. Conversaram, portanto, em termos bastante iguais, e
nenhum dos dois estava cansado quando foram interrompidos por Mr. Harrel,
que entrou na sala para perguntar se tinham visto ou ouvido alguma coisa de
Sir Robert Floyer.
— Não — respondeu Mrs. Harrel —, absolutamente nada.
— Eu gostaria que ele fosse enforcado — disse ele —, por ter me feito
esperar até essa hora. Ele me fez prometer que não sairia para cavalgar até
que ele chegasse e a manhã já quase terminou.
— Por favor, diga onde ele mora, senhor! — exclamou Morrice,
levantando-se da sua cadeira.
— Em Cavendish Square, senhor — respondeu Mr. Harrel, olhando para
ele com grande surpresa.
Morrice não disse mais nenhuma palavra e saiu correndo da sala.
— Alguém pode me dizer quem é esse gênio? — perguntou Mr. Harrel —
e por que saiu correndo?
— Dou minha palavra que não sei absolutamente nada sobre ele —
respondeu Mrs. Harrel. — É uma visita para Miss Beverley.
— Eu também — disse Cecilia — posso quase da mesma forma negar
conhecê-lo, pois, embora o tenha visto uma vez, nunca fomos apresentados.
Ela, então, começou a dizer que o conhecera na residência de Mr.
Monckton, e mal havia concluído o relato quando ele apareceu novamente,
quase sem fôlego.
— Sir Robert Floyer, senhor — disse ele a Mr. Harrel —, estará aqui em
dois minutos.
— Eu espero, senhor — disse Mr. Harrel —, que não tenha se dado ao
trabalho de ir procurá-lo.
— Não, senhor, não me foi proporcionado nada além de prazer; correr
nestas manhãs frias é o que mais gosto de fazer.
— Foi muita bondade sua — disse Mr. Harrel —, mas não havia
necessidade de fazer tal caminhada por minha causa.
Mr. Harrel, então, implorou que ele se sentasse, descansasse e tomasse um
refresco, cortesias que ele recebeu sem escrúpulos.
— Mas, Miss Beverley — disse Mr. Harrel, voltando-se repentinamente
para Cecilia —, a senhorita ainda não me disse o que acha do meu amigo.
— Qual amigo, senhor?
— Ora, Sir Robert Floyer; notei que ele nunca se afastou da senhorita
enquanto esteve na residência de Mrs. Mears.
— No entanto, sua estada foi muito curta — disse Cecilia — para permitir
que eu formasse uma opinião justa sobre ele.
— Mas talvez — exclamou Morrice — tenha tido tempo suficiente para
formar uma opinião injusta!
Cecilia não pôde deixar de rir ao ouvir a verdade sendo assim revelada,
mas Mr. Harrel, parecendo pouco satisfeito, disse: — Com certeza não
encontrou nenhuma falta nele? É um dos homens mais elegantes que
conheço.
— Minha opinião sobre suas faltas — disse Cecilia — só provará mais
adiante o que eu acredito já ser bastante evidente, que eu ainda sou uma
novata na arte da admiração.
Mr. Arnott, animado com o discurso, deslizou para trás da cadeira dela e
disse: — Eu sabia que não iria gostar dele! Eu sabia pela maneira como a
senhorita pensa, até mesmo pelo seu semblante.
Logo depois, Sir Robert Floyer chegou.
— Que belo amigo você é — exclamou Mr. Harrel —, para me fazer
esperar tanto tempo!
— Eu não poderia ter chegado nem um minuto antes. Eu mal esperava
chegar aqui; meu cavalo estava tão abominavelmente cansado que eu não
sabia como fazê-lo seguir adiante.
— O senhor vem a cavalo pelas ruas, Sir Robert? — perguntou Mrs.
Harrel.
— Às vezes, quando estou com preguiça. Mas qual é o problema eu
simplesmente não sei; ele se assustava com tudo. Suspeito que alguém tenha
feito alguma coisa com ele.
— Ele está na porta, senhor? — perguntou Morrice.
— Sim — respondeu Sir Robert.
— Então eu lhe direi qual é o problema em um minuto — e novamente
Morrice saiu correndo.
— A que horas você saiu ontem, Harrel? — disse Sir Robert.
— Não muito cedo, mas você estava muito ocupado para sentir minha
falta. A propósito — perguntou Mr. Harrel, baixando a voz —, quanto acha
que perdi?
— Não sei dizer com certeza, mas sei o quanto ganhei; não tive a mesma
sorte no inverno.
A seguir, eles foram até uma janela para fazer suas perguntas de maneira
mais privada.
Ao ouvir as palavras “quanto acha que perdi”, Cecilia, meio assustada,
olhou inquieta para Mrs. Harrel, mas não notou a menor alteração no seu
semblante. Mr. Arnott, entretanto, parecia tão pouco satisfeito quanto ela
mesma, e com uma sensação similar olhou ansiosamente para a irmã. Neste
momento, Morrice retornou e anunciou: — Ele caiu, eu tenho certeza.
— Maldição! — exclamou Sir Robert —, o que devo fazer agora? Ele me
custou uma fortuna e está comigo há menos de um ano. Pode me emprestar
um cavalo para esta manhã, Harrel?
— Não, não tenho nenhum que sirva para você. Vai ter que enviar alguém
a Astley.
— Quem posso enviar? John deve cuidar disso.
— Eu irei, senhor — exclamou Morrice —, se me der a incumbência!
— De maneira alguma, senhor — disse Sir Robert —, não consigo nem
pensar em lhe dar esta incumbência.
— É o que mais me agrada no mundo — disse ele. — Eu entendo de
cavalos e prefiro ir para Astley do que qualquer outro lugar.
O assunto foi resolvido em poucos minutos e, depois de receber as
instruções e um convite para o jantar, Morrice saiu apressadamente.
— Ora, Miss Beverley — disse Mr. Harrel —, este seu amigo é o
cavalheiro mais amável que já conheci; não havia forma de evitar convidá-lo
para jantar.
— Lembre-se, no entanto — disse Cecilia, que tinha sido
involuntariamente distraída pelo sucesso do seu novo amigo —, que, se a
partir de agora o receber como seu convidado, ele obterá sua admissão por
seus próprios méritos, não por meu interesse.
Durante o jantar, Morrice, que não recusou o convite de Mr. Harrel, era o
homem mais alegre e, na verdade, o mais feliz do grupo. O esforço que fizera
para se ligar a Cecilia como uma conhecida não tinha, é verdade, recebido
muito encorajamento da sua parte, mas ele sabia que as chances estavam
contra ele quando fez a tentativa, e, portanto, a perspectiva de ser admitido
em uma casa como a de Mr. Harrel não era apenas suficiente para reparar o
que dificilmente seria uma decepção, mas um tema de grande conforto, o
crédito da conexão e da exultação interna por sua própria direção.
À tarde, como sempre, as damas foram a uma reunião particular e, como
sempre, foram acompanhadas por Mr. Arnott. Os cavalheiros tinham
compromissos em outro lugar.
CAPÍTULO 7

UM PROJETO

Vários dias se passaram quase da mesma maneira; todas as manhãs eram


destinadas aos mexericos, compras e roupas, e as tardes eram regularmente
destinadas a lugares públicos ou grandes festas. Nesse meio tempo, Mr.
Arnott vivia quase completamente em Portman Square; ele dormia, de fato,
no seu próprio hotel, mas hospedava-se integralmente com Mr. Harrel, cuja
casa nunca abandonava até a noite, exceto para acompanhar Cecilia e sua
irmã em suas visitas e passeios.
Mr. Arnott era um jovem de caráter irrepreensível e temperamento brando,
sério e bondoso; seus princípios e conduta impecável conquistavam a estima
de todos, mas seus modos, que eram bastante precisos, estavam unidos a uma
seriedade incomum de semblante e comportamento, fazendo com que sua
companhia fosse permitida mais como um dever do que buscada como um
prazer.
Os encantos de Cecilia haviam penetrado forte, súbita e profundamente no
seu coração; ele só vivia na sua presença, longe dela ele apenas existia; as
emoções que ela despertava eram mais próximas da adoração do que do
amor, pois ele contemplava sua beleza até considerá-la acima da humanidade.
Ele ficou tão obcecado pelo seu sotaque até que toda a fala lhe parecesse
impertinente, exceto a dela. Porém, suas expectativas de êxito eram tão
pequenas que nem mesmo para a irmã ele deu a entender a situação do seu
coração. Feliz por ter acesso fácil a ela, contentava-se em vê-la, ouvi-la e
observá-la, não estabelecendo nenhum plano além desses limites e não se
entregando a qualquer forma de esperança.
Sir Robert Floyer também era um visitante frequente em Portman Square,
onde jantava quase diariamente. Cecilia ficava contrariada com as visitas
repetidas e era provocada por se ver quase constantemente objeto de seu
exame desenfreado. Ela ficou, no entanto, muito mais preocupada com Mrs.
Harrel, quando descobriu que o amigo favorito do seu marido era um
esbanjador sem princípios e um jogador extravagante, pois, como era
companheiro inseparável de Mr. Harrel, ela temia as consequências tanto da
sua influência quanto do seu exemplo. Além disso, ela também notou, com
um assombro que aumentava a cada dia, o cansaço, mas também o fascínio
de uma vida de prazer: Mr. Harrel parecia considerar sua própria casa
simplesmente como um hotel, onde a qualquer hora da noite poderia
incomodar a família para reclamar sua entrada, onde cartas e mensagens
poderiam ser deixadas para ele, onde somente jantava quando nenhum outro
jantar lhe era oferecido e onde, quando marcava um encontro, deveria ser
encontrado. Sua esposa também, embora mais caseira, não era mais solitária;
seus conhecidos eram inúmeros, caros e ociosos, e cada momento não
passado na sua companhia era escrupulosamente dedicado a fazer arranjos
para esse fim.
Em pouco tempo, Cecilia, que todos os dias esperava que o próximo lhe
proporcionasse maior satisfação, mas que a cada dia não achava o presente
melhor do que o anterior, começou a se cansar de viver a mesma rotina e ficar
enjoada com o incômodo da dissipação repetida e incessante, sobretudo,
desinteressante. Ela não encontrava ninguém que realmente quisesse ver, já
que não encontrava ninguém por quem pudesse se importar, pois embora, às
vezes, aqueles com quem se associava parecessem amáveis, ela sabia que
suas maneiras, assim como suas pessoas, estavam sendo dissimuladas, e,
portanto, ela tinha demasiado entendimento para julgar decisivamente cada
caráter. Mas o que mais sufocava suas esperanças de formar amizade com
qualquer um dos novos conhecidos a quem fora apresentada foi a observação
que ela mesma fez de como a frieza de seus corações coincidia com o calor
de suas profissões; em cada primeiro encontro, as cortesias que lhe eram
dispensadas a lisonjeavam, fazendo-a acreditar que havia despertado um
favoritismo que em muito pouco tempo se transformaria em afeto; o próximo
encontro normalmente confirmava sua expectativa, mas o terceiro, e todos os
futuros, com frequência a destruíam. Ela descobriu que o tempo nada
acrescentava ao seu carinho, nem intimidade à sua sinceridade; que o
interesse pelo seu bem-estar, que parecia ter sido tomado à primeira vista,
raramente e por qualquer motivo, aumentava, e muitas vezes, sem motivo
algum, diminuía; que a distinção que encontrara no início não era uma efusão
de gentileza, mas de pura curiosidade, do tipo que apenas se satisfaz antes de
ser saciada; e que aqueles que sempre viveram a vida na qual ela havia sido
iniciada recentemente estavam tão atormentados com ela como ela própria,
embora menos dispostos a renunciar e mais impotentes para aperfeiçoá-la, e
que não cobiçavam nada senão o novo, porque havia experimentado a
insuficiência de tudo o que lhes era familiar.
Ela começou a lamentar a perda que sofrera ao deixar sua vizinhança e
ver-se privada da conversa com Mr. Monckton, e ainda mais seriamente a
sentir falta do afeto e dos lamentos da companhia de Mrs. Charlton, a dama
com quem havia vivido de forma muito feliz e por muito tempo em Bury; ela
logo se viu obrigada a renunciar a toda a expectativa de renovar a felicidade
dos seus primeiros anos ao recuperar a amizade de Mrs. Harrel, em quem ela
havia confundido gentileza da intimidade infantil com a sinceridade do afeto
escolhido, e, embora enxergasse seu erro crédulo com mortificação e
desgosto, ela o lamentava com ternura e tristeza. “O que é, afinal”, pensou
ela, “a felicidade humana? Quem a provou e onde pode ser encontrada? Se
eu, que para os demais pareço marcada por uma posse parcial dessa
felicidade, distinta pela fortuna, acariciada pelo mundo, trazida para o círculo
da alta sociedade e rodeada de esplendor, busco sem encontrá-la e
desconheço o quanto sinto a sua falta”.
Envergonhada por acreditar que as outras pessoas a consideravam um
objeto de inveja enquanto ela se lamentava e ficava descontente, Cecilia
decidiu não ser mais a única insensível às bênçãos ao seu alcance, mas
projetar e adotar algum plano de conduta mais adequado ao seu gosto e
sentimentos do que a insipidez frívola da sua vida presente, para fazer ao
mesmo tempo um uso mais vigoroso e mais digno da opulência, da liberdade
e do poder que ela possuía. Um esquema de felicidade ao mesmo tempo
racional e refinado logo se apresentou à sua imaginação. Ela propôs, com
base em seu plano, tornar-se dona de seu próprio tempo e, com esse ponto de
vista, abandonar todos os conhecidos ociosos e desinteressantes que, embora
não contribuíssem nem para o uso nem para o prazer, ocupavam um grande
papel na comunidade, para que pudessem ser apropriadamente chamados de
solapadores da existência. Ela poderia então mostrar um certo gosto e
discernimento em sua seleção de amigos e decidiu escolher apenas aqueles
que pela benevolência pudessem elevar sua mente, por seu conhecimento
melhorar sua compreensão, ou por suas realizações e maneiras deleitar seu
afeto. Esta regra, se estritamente cumprida, em breve a aliviaria da fatiga de
receber muitas visitas e, portanto, poderia ter todo o tempo livre que pudesse
desejar para a realização de seus estudos preferidos, música e leitura.
Tendo decidido desta forma, através da sua própria estimativa da perfeição
humana, tudo o que era mais nobre para a sua companhia, e das suas próprias
ideias de prazer sedentário ter ordenado as ocupações de suas horas de
solidão, sentiu-se plenamente satisfeita com a porção de felicidade que seu
plano lhe prometia e logo passou a considerar o que devia ao mundo. Então,
não sem algum estremecimento, ela passou a aguardar com ansiedade as
reivindicações que a esplêndida renda que ela logo possuiria a exigiria pagar.
Um forte senso de DEVER, um desejo fervoroso de AGIR
CORRETAMENTE eram as características dominantes na sua mente; sua
riqueza, portanto, era considerada uma dívida contraída com os pobres, e sua
independência, um vínculo à sua liberalidade para pagá-la com juros.
Assim, tranquilizadoras para seu espírito e agradecidas para sua
sensibilidade, foram as cenas que sua fantasia delineou; ora sustentava um
órfão, ora amenizava as tristezas de uma viúva, ora arrebatava da iniquidade
o débil abalado pela pobreza, ora resgatava da vergonha o orgulhoso lutador
na desgraça. A perspectiva imediatamente exaltou suas esperanças e cativou
sua imaginação: ela se considerava uma agente da caridade e já antecipava as
vantagens de um representante bom e fiel. Tão animadores são os desígnios
da benevolência desinteressada! Tão pura é a bem-aventurança da filantropia
intelectual! No entanto, tal plano não poderia ser posto em execução de
imediato; a sociedade que pretendia formar não poderia ser selecionada na
casa de outras pessoas, onde, embora para alguns pudesse mostrar alguma
preferência, não havia nenhum que pudesse rejeitar, nem ela tinha ainda o
poder de desfrutar de acordo com a magnanimidade de seus desejos, da
ampla generosidade que projetara. Esses propósitos exigiam uma casa própria
e a disposição ilimitada de sua fortuna, nenhuma das quais ela poderia
reivindicar até atingir a maioridade. A ocasião, porém, estava a apenas oito
meses de distância e ela se contentou com a intenção de aprimorar seu plano
enquanto se preparava para colocá-lo em prática.
Mas, embora, assim como toda a raça de homens que ainda esperam, ela
buscasse aquela felicidade no tempo por vir que o presente não podia
proporcionar-lhe, Cecilia ainda possuía o espírito e o bom senso para decidir
fazer todos os esforços ao seu alcance para tornar seu modo de vida imediato
mais útil e satisfatório. Seu primeiro desejo agora, portanto, era abandonar a
casa de Mr. Harrel, onde não recebia entretenimento tampouco instrução, mas
ficava perpetuamente mortificada ao ver a total indiferença da amiga em cuja
companhia ela havia esperado nada além de afeto.
O testamento do seu tio, embora a obrigasse como menor de idade a viver
com um de seus tutores, a deixava em liberdade para escolher e trocar entre
eles de acordo com seus desejos ou conveniências; ela decidiu, portanto,
fazer uma visita ela mesma a cada um deles, para observar suas maneiras e
modo de vida e, então, para o seu melhor julgamento, decidir com qual ela
ficaria mais satisfeita, resolvendo, no entanto, não anunciar sua intenção até
que estivesse madura para sua execução, e depois, honestamente, confessar as
razões de sua retirada. Ela os havia informado sobre sua chegada a Londres
logo na manhã seguinte de sua chegada. Mas ela era quase uma estranha para
cada um deles, já que não via Mr. Briggs desde os nove anos de idade, nem
Mr. Delvile desde que podia se lembrar. Na mesma manhã em que havia
resolvido seus procedimentos para o arranjo desse novo projeto, ela pretendia
solicitar o uso da carruagem de Mrs. Harrel e fazer, sem demora, as visitas
preparatórias para sua mudança, mas, quando entrou na sala para unir-se aos
outros para o desjejum, sua ânsia para sair de casa deu lugar, por um
momento, ao prazer que sentiu ao ver Mr. Monckton, que acabara de chegar
de Suffolk. Ela expressou sua satisfação com muita animação e não teve
escrúpulos em lhe dizer que não se sentia tão satisfeita desde sua chegada a
Londres, exceto no seu primeiro encontro com Mrs. Harrel.
Mr. Monckton, cujo deleite era infinitamente superior ao dela, e cuja
alegria ao vê-la foi redobrada pela franqueza afetuosa de sua recepção,
sufocou as emoções que sua visão suscitava, e negou a si mesmo o consolo
de expressar seus sentimentos; ele parecia muito menos encantado do que ela
com o encontro, e não se permitiu deixar escapar nenhuma palavra ou olhar
além do que poderia ser autorizado por uma cortesia amigável. Ele então
renovou a amizade que havia sido formada com Mrs. Harrel antes do seu
casamento, mas que havia sido abandonada quando Mrs. Harrel mudara para
Londres e ficara longe Cecilia, já que esse era o único motivo que ele
considerava que valia a pena cultivá-la, portanto, outrora havia deixado de ser
útil para ele, coisa totalmente diferente agora. A seguir, Mrs. Harrel lhe
apresentou seu irmão e eles iniciaram uma conversa muito interessante para
ambas as damas, sobre várias famílias com as quais tinham estado
anteriormente ligados, bem como sobre a vizinhança em geral em que tinham
vivido recentemente.
Muito pequena foi a participação de Mr. Arnott nessas descrições e
investigações; a alegria indiferente com que Cecilia havia recebido Mr.
Monckton causara nele uma sensação de inveja tão involuntária quanto
dolorosa. Na verdade, ele não suspeitou das opiniões secretas daquele
cavalheiro, não havia nenhuma razão óbvia para suspeita, e sua penetração
não foi mais profunda do que as aparências; ele também sabia que era casado
e, portanto, não sentiu ciúmes, mas ainda assim Cecilia sorria para o recém-
chegado! E ele sentiu que, para obter um sorriso com tanta doçura, ele teria
sacrificado quase tudo o que era valioso para ele na terra.
Com uma atenção infinitamente mais precisa, Mr. Monckton retribuiu suas
observações. A inquietação da sua mente com relação a Mr. Arnott era
evidente, e ele notou a ansiosa vigilância dos olhos do cavalheiro claramente
manifestada sobre Cecilia. Efetivamente, de uma situação que permitia uma
relação mais constante e irrestrita com um objeto como Cecilia, não se podia
esperar nada menos e, portanto, ele considerou a admiração de Mr. Arnott
como inevitável; tudo o que precisava compreender eram os sentimentos de
Cecilia para com Mr. Arnott. Mas também não ficou em dúvida durante
muito tempo, ele logo percebeu que ela não apenas estava livre de todas as
paixões, tampouco tinha observado Mr. Arnott, e que estava inconsciente de
que ela havia inspirado algum sentimento nele. No entanto, a sua própria
serenidade, embora aparentemente impassível, foi um pouco menos
perturbada em segredo do que a de seu rival; não o considerava um candidato
formidável, mas temia os efeitos da intimidade, temia que ela primeiro se
acostumasse com suas atenções e depois ficasse satisfeita com elas. Ele
também percebeu a influência de sua irmã e de Mr. Harrel a seu favor, e
embora não tivesse dificuldade para persuadir a si mesmo de que qualquer
oferta que fizesse agora seria rechaçada sem hesitação, ele conhecia muito
bem as propriedades insidiosas da perseverança para vê-lo, sem inquietação,
em uma situação tão vantajosa.
A manhã já estava muito adiantada antes que ele decidisse partir, mas ele
não encontrou oportunidade para conversar com Cecilia, embora desejasse
impacientemente examinar o estado da sua mente e descobrir se sua viagem a
Londres havia acrescentado novas dificuldades ao êxito do seu plano há
muito elaborado. Mas como Mrs. Harrel o convidou para o almoço, ele
esperava que a tarde fosse mais propícia aos seus desejos. Cecilia também
estava ansiosa para lhe contar sobre o seu projeto favorito e receber seus
conselhos quanto à sua execução. Há muito ela estava acostumada com suas
orientações e agora estava mais do que nunca solícita para obtê-las, porque o
considerava a única pessoa em Londres que estava interessada no seu bem-
estar. No entanto, ele não viu nenhuma promessa de êxito quando apareceu
na hora do almoço, pois não apenas Mr. Arnott já havia chegado como
também Sir Robert Floyer, e ele descobriu que Cecilia era tão objeto de
atenção mútua, que tinha menos possibilidades do que no período da manhã
de falar com ela sem ser ouvido.
Mas, ele não estava ocioso; a visão de Sir Robert deu muito trabalho à sua
penetração, pois ele tratou imediatamente de tentar descobrir o motivo de sua
visita; mas isto, apesar de toda a sua sagacidade, não foi facilmente decidido,
pois, embora seu olhar constante na direção de Cecilia comprovasse, pelo
menos, que ele não era insensível à sua beleza, seu descuido para notar se ela
estava magoada ou não com sua apreciação, os pequenos esforços que fazia
para conversar com ela e a invariável segurança e negligência de suas
maneiras pareciam demonstrar fortemente uma indiferença aos sentimentos
que inspirava, totalmente incompatíveis com a solicitude do afeto.
Em Cecilia, ele nada tinha a observar além do que o conhecimento da sua
personalidade o preparava a esperar: uma vergonha não menos indignada do
que modesta pela liberdade com a qual se via contemplada. Entretanto, a
visita lhe proporcionou pouca satisfação, pois logo depois do almoço as
damas se retiraram e, como tinham um compromisso no período da tarde, os
cavalheiros não foram convidados para a mesa de chá. Porém, antes que
deixassem a sala, ele combinou um encontro para assistir a um ensaio de uma
nova ópera na manhã seguinte.
Depois que elas se foram, ele não ficou mais tempo do que a decência
exigia, pois seu objetivo atual era muito sério, para prepará-lo para uma
conversa que a casa na ausência de Cecilia pudesse lhe permitir.
CAPÍTULO 8

UM ENSAIO DE ÓPERA

No dia seguinte, entre onze horas e meio-dia, Mr. Monckton estava


novamente em Portman Square; ele encontrou, como esperava, as duas
mulheres e descobriu, como temia, que Mr. Arnott estava disposto a fazer
parte do grupo. Porém, ele teve pouco tempo para queixar-se de tal intrusão
antes de serem perturbados por outra, pois, em poucos minutos, Sir Robert
Floyer juntou-se a eles, também declarando sua intenção de acompanhá-los
ao Haymarket. Para disfarçar seu desgosto, Mr. Monckton fingiu ter muita
pressa em partir, para que não chegassem tarde para a abertura. Assim, eles já
estavam prontos a deixar a sala de café da manhã quando foram detidos pela
aparição de Mr. Morrice. A surpresa que sua visão causou em Mr. Monckton
foi extrema; ele sabia que ele não conhecia Mr. Harrel, pois lembrava-se de
que eram estranhos um para o outro quando se conheceram recentemente em
sua casa; concluiu, portanto, que Cecilia era o objeto da sua visita, mas não
poderia fazer conjecturas sobre qual o seu pretexto.
Os termos íntimos com os quais ele se mostrou com toda a família não
diminuíam de forma alguma seu espanto, pois, quando Mrs. Harrel expressou
certa preocupação por ser obrigada a sair, Mr. Morrice alegremente implorou
que ela não se importasse com ele, garantindo-lhe que não poderia ter ficado
mais do que dois minutos, e prometendo, sem que fosse solicitado, voltar
novamente no dia seguinte, e quando ela acrescentou:
— Nós vamos a um ensaio de uma ópera.
— Um ensaio, realmente? Eu também estou pensando em ir! — ele
respondeu, rapidamente. Então, ao notar a presença de Mr. Monckton, fez
uma reverência com grande respeito e perguntou, com muita solenidade,
como havia deixado lady Margaret, disse que esperava que ela estivesse
perfeitamente recuperada da sua última indisposição e fez várias perguntas a
respeito de seus planos para o inverno. Mas o discurso foi mal elaborado para
tornar sua presença mais desejável para Mr. Monckton; ele respondeu muito
secamente e novamente insistiu para que partissem logo.
— Oh! — exclamou Morrice —, não há motivo para tanta pressa, o ensaio
só começa às treze horas.
— O senhor está enganado — disse Mr. Monckton. — Deve começar ao
meio-dia.
— Ah, sim, é verdade — respondeu Morrice —, eu havia me esquecido
das danças, suponho que elas devem ser ensaiadas primeiro. Diga, Miss
Beverley, a senhorita já viu o ensaio de alguma dança?
— Não, senhor.
— Então a senhorita ficará excessivamente entretida, eu lhe garanto. É a
coisa mais cômica do mundo ver esses signores e signoras dando uns saltos
pela manhã. E os figurantes irão distraí-la além da medida. A senhorita nunca
viu um cenário tão pobre em sua vida, mas o mais divertido é olhar a
expressão deles, pois o tempo todo estão pulando e saltando pelo palco, como
se não pudessem ficar parados de tanta alegria; parecem tão calmos e tão
lúgubres como se fossem agentes funerários.
— Nem uma palavra contra a dança! — exclamou Sir Robert. — É a única
coisa que leva alguém à ópera, e estou certo de que é a única coisa que
importa.
As duas damas foram então entregues ao vis-a-vis10 de Mrs. Harrel, e os
cavalheiros, acompanhados sem mais cerimônia por Mr. Morrice, as
seguiram até o Haymarket. O ensaio ainda não havia começado e Mrs. Harrel
e Cecilia se acomodaram em um camarote acima do palco, do qual os
cavalheiros do grupo tomaram cuidado para não se distanciarem muito. Elas
logo foram notadas por Mr. Gosport, que imediatamente começou a
conversar com Cecilia. Miss Larolles, que pouco depois entrou com outras
damas no camarote ao lado, fez uma reverência e acenou com a cabeça para
Mrs. Harrel com sua disposição habitual, mas sem dar atenção a Cecilia,
ainda que esta tivesse feito os primeiros avanços.
— Qual é o problema agora? — perguntou Mr. Gosport. — A senhorita
afrontou sua amiguinha tagarela?
— Não que eu saiba — respondeu Cecilia. — Talvez ela não se lembre de
mim.
Neste momento, Miss Larolles deu uma batidinha na porta e saiu do
camarote ao lado para falar com Mrs. Harrel, com quem ficou conversando e
rindo durante alguns minutos, sem parecer perceber que Cecilia fazia parte do
grupo.
— Ora, o que a senhorita fez para a pobre garota? — sussurrou Mr.
Gosport. — A senhorita falou mais do que ela quando a viu pela última vez?
— Isso teria sido possível? — disse Cecilia. — No entanto, ainda acho que
ela não me reconheceu.
Então, ela levantou-se, o que fez com que Miss Larolles se voltasse
involuntariamente na sua direção, e fez uma nova reverência, cordialidade
que a jovem mal se dignou a retribuir; reprimida e com um ar de
ressentimento, a jovem apressou-se a olhar para o outro lado, e então, acenou
com bom humor para Mrs. Harrel e voltou correndo para seu grupo.
Cecilia, muito surpresa, disse a Mr. Gosport:
— Veja como foi grande nossa presunção em supor que a loquacidade
daquela jovem sempre teria nossa devoção!
— Ah, madame! — disse ele, rindo —, não há permanência, não há
consistência no mundo! Não, nem na língua de uma VOLÚVEL! E se essa
consistência falhar, o que mais podemos fazer?
— Mas, falando sério — disse Cecilia —, lamento tê-la ofendido, e ainda
mais porque sei tão pouco como o fiz que não posso lhe oferecer desculpas.
— A senhorita me deixaria ser seu representante? Devo exigir conhecer a
causa dessas hostilidades?
Ela agradeceu e ele caminhou atrás de Miss Larolles, que agora se dirigia
com grande seriedade a Mr. Meadows, o cavalheiro com quem conversava
quando Cecilia a viu pela primeira vez em Portman Square. Ele se deteve por
um momento para deixá-la terminar seu discurso, o qual, de forma muito
animada, ela fazia com as seguintes palavras: — Nunca conheci ninguém
assim em toda a minha vida, mas não vou tolerar essa atitude, eu lhe
asseguro.
Mr. Meadows não fez qualquer tentativa de responder sua ladainha, apenas
esticou-se com um sorriso lânguido e bocejou. Mr. Gosport, portanto,
aproveitou o momento da interrupção e disse: — Miss Larolles, ouvi um
relato estranho sobre a senhorita.
— Ouviu? — disse ela, voltando-se com rapidez —, por favor, o que o
senhor ouviu? Algo monstruoso e impertinente, ouso dizer; no entanto, eu lhe
garanto que não é verdade.
— A sua garantia — disse ele — carrega uma convicção indiscutível, pois
o relato era de que a senhorita havia parado de falar.
— Oh, isso é tudo? — disse ela, desapontada. — Eu pensei que tinha sido
algo sobre Mr. Sawyer, pois confesso que tenho sido tão atormentada por ele
que já estou farta do seu nome.
— Da minha parte, nunca ouvi uma palavra sobre isso! Então, não tema
ouvir nada de mim por causa dele.
— Oh, Deus, Mr. Gosport, como pode dizer isso? Tenho certeza de que já
deve saber sobre aquela noite no Festino, pois o assunto percorreu toda a
cidade em um instante.
— Qual Festino?
— Bem, consegue imaginar? Foi tão estimulante! Vamos, eu sei que não
se falou sobre outro assunto durante um mês!
— A senhorita está tremendamente resoluta nesta manhã! Não se passaram
dois minutos desde que a vi lançar um olhar desafiador à Miss Beverley, e
mesmo assim já está preparada para outro antagonista.
— Oh, quanto à Miss Beverley, devo realmente implorar que não
mencione seu nome; ela se comportou de forma tão impertinente que não
tenho a intenção de voltar a falar com ela
— Por que, o que ela fez?
— Oh, ela tem sido tão rude, o senhor não faz ideia. Vou lhe contar como
foi. O senhor deve estar ciente de que eu a conheci na residência de Mrs.
Harrel no dia em que ela chegou na cidade, e na manhã seguinte eu mesma a
procurei, queria lhe enviar um voucher, porque realmente queria ser cordial
com ela; bem, depois disso, ela nunca mais se aproximou de mim, embora eu
a tenha visitado novamente; mesmo assim, eu não tomei conhecimento, mas,
quando chegou o terceiro dia e descobri que ela nem mesmo havia me
enviado um voucher, concluí que era monstruosamente mal-educada; e agora,
depois de uma semana, ela ainda não me fez uma visita, então, suponho que
não goste de mim e por isso vou ignorar sua presença.
Mr. Gosport, satisfeito com o teor da sua denúncia, retornou para a
companhia de Cecilia e lhe informou da forte acusação imputada contra ela.
— Fico feliz, ao menos, em conhecer meu crime — disse ela —, pois de
outra forma eu certamente teria pecado por ignorância, e devo confessar que
nunca pensei em devolver suas visitas, mas mesmo se tivesse pensado, não
imaginava que não havia mais tempo para isso.
— Desculpe-me — disse Mrs. Harrel —, mas uma primeira visita deve
sempre ser retribuída no terceiro dia.
— Nesse caso eu tenho uma desculpa incontestável — disse Cecilia —,
pois me lembro de que no terceiro dia eu a vi em sua casa.
— Oh, isso não tem a menor importância! Você deveria tê-la visitado ou
enviado um voucher, da mesma forma que faria se não a tivesse visto.
A abertura havia começado e Cecilia recusou-se a seguir conversando.
Aquela era a primeira ópera que assistia, mas ela não era totalmente estranha
às composições italianas, tendo estudado música assiduamente por um amor
natural pela arte, comparecido a todos os melhores concertos oferecidos pela
sua vizinhança, e recebido regularmente de Londres as obras dos melhores
mestres. Mas a pouca habilidade assim adquirida serviu mais para aumentar
do que para diminuir a surpresa com a qual ela ouvia a presente
representação, uma surpresa da qual a descoberta da sua própria ignorância
não fazia parte. Inconsciente do pouco que havia adquirido e do quanto havia
a ser aprendido, ela ficou assombrada ao descobrir o poder inadequado da
música escrita para transmitir qualquer ideia de habilidades vocais; com
apenas conhecimento suficiente, portanto, para compreender alguma coisa
sobre as dificuldades e sentir muito do mérito, ela deu a toda a ópera uma
avidez de atenção quase dolorosa pela sua própria ansiedade.
Mas tanto a surpresa quanto o prazer que recebeu da atuação em geral
eram fracos, frios e lânguidos se comparados com a força dessas emoções
quando excitadas pelo Signore Pacchierotti em particular, e embora nem
metade das excelências desse cantor magnífico fossem necessárias para
surpreender ou encantar seus ouvidos desacostumados, embora o refinamento
de seu gosto e a originalidade magistral de seu gênio, para serem elogiados
como mereciam, exigissem o julgamento e o conhecimento de mestres, ainda
assim, um amor natural pela música em certa medida lhe proporcionava o
local de cultivo, e o que ela não conseguia explicar nem entender, podia
sentir e desfrutar. Porém, embora fosse, talvez, a única pessoa assim
deslumbrada, não era de forma alguma a única arrebatada, pois apesar de
estar demasiadamente comprometida para comentar o grupo como um todo,
ela não pôde deixar de notar um velho cavalheiro que estava perto de um dos
cenários laterais, contra o qual inclinava a cabeça de uma maneira que
ocultava o seu rosto, com a intenção evidente de permanecer completamente
absorto em ouvir, e que durante as canções de Pacchierotti suspirava tão
profundamente que Cecilia, impressionada por sua sensibilidade incomum ao
poder da música, o observava involuntariamente, sempre que sua mente
achava-se suficientemente livre para atender a qualquer emoção que não
fosse a sua.
Assim que o ensaio terminou, os cavalheiros do grupo de Mrs. Harrel se
aglomeraram diante do camarote e Cecilia percebeu então que a pessoa cujo
entusiasmo musical havia despertado sua curiosidade era o mesmo velho
cavalheiro cujo comportamento extraordinário tanto a surpreendera na casa
de Mr. Monckton. Seu desejo de obter alguma informação a seu respeito foi
novamente despertado e ela já tinha começado a fazer algumas indagações
quando foi interrompida pela aproximação do capitão Aresby.
Este senhor aproximou-se dela com um sorriso da mais extrema
complacência; depois de desejar, em voz baixa, ter a honra de encontrá-la
bem de saúde, exclamou:
— Como está terrivelmente vazia a cidade! É assombroso até certo ponto!
Acredito que a senhorita não se encontra atualmente angustiada pelo excesso
de companhia.
— No momento, creio que o contrário! — exclamou Mr. Gosport.
— É verdade? — disse o capitão, sem suspeitar do escárnio. — Eu
confesso que mal vi uma alma. Já esteve no Panteão, madame?
— Não, senhor.
— Nem eu, não sei se as pessoas vão lá este ano. Não é meu espetáculo
favorito; sentar-se para ouvir música é um aborrecimento horrível. Já deu ao
Festino a honra de recebê-la?
— Não, senhor.
— Permita-me, então, ter a honra de implorar que o faça.
— Ah, sim, é verdade! — exclamou Mrs. Harrel. — Eu não fui boa para
você. Eu deveria tê-la inscrito como membro, mas, Senhor, ainda não fiz
nada por você e você nem me lembrou. Há música antiga e o concerto de
Abel; assim como na ópera, podemos ter um camarote para nós, mas há o
concerto de mulheres que devemos experimentar, e... oh, Deus, cinquenta
outros lugares nos quais devemos pensar.
— Oh, tempos de extravagância e libertinagem! — exclamou uma voz à
distância. — Oh, pequenos frutos da ociosidade e do luxo! O que mais vão
inventar para a perdição do seu tempo? Quanto mais avançarão na
aniquilação da virtude?
Todos olharam para ele, mas Mrs. Harrel disse, friamente: — Querida, é
apenas o abominador da humanidade!
— Abominador da humanidade? — repetiu Cecilia, que descobriu que o
discurso fora feito pelo objeto da sua antiga curiosidade. — É este o nome
pelo qual ele é conhecido?
— Ele é conhecido por cinquenta nomes diferentes — disse Mr.
Monckton. — Seus amigos o chamam de “moralista”; as moças, “o louco”;
os macaronis,11 “o enfadonho”; em suma, ele é chamado por todo e qualquer
nome, exceto pelo seu próprio.
— É o pior tipo de miserável que há, eu lhe garanto — disse o capitão. —
Eu o vejo em toda a parte; se soubesse que estava tão perto, certamente não
teria dito nada.
— O que teria sido muito bom — exclamou Mr. Gosport —, se soubesse
que estava aqui durante todo o tempo, não poderia ter feito coisa melhor.
O capitão, que não tinha ouvido o discurso que tinha sido feito mais sobre
ele do que para ele, continuou a conversa com Cecilia: — Permita-me ter a
honra de vê-la dignificar nosso baile de máscaras no Panteão com sua
presença? Teremos apenas quinhentos vouchers, e o valor será de apenas três
guinéus e meio.
— Oh, objetos da penúria e da miséria! — novamente exclamou o
incógnito. — Oh, vassalos da fome e da angústia! Venham e ouçam toda essa
libertinagem da riqueza! Venham, nus e famintos como estão, e aprendam
como se consome o dinheiro que para vocês poderia significar roupas e
comida.
— Que patife! — exclamou o capitão —, realmente deveria ser confinado.
Eu tive a honra de ser importunado por ele tantas vezes que o considero
bastante desagradável. Eu tenho como princípio selar meus lábios logo
quando percebo sua presença.
— Onde é, então — disse Cecilia —, que o senhor o encontra com tanta
frequência?
— Oh! — respondeu o capitão —, em todos os lugares, não há maior
aborrecimento na cidade. Mas o momento em que o achei mais insensível foi
quando tive a honra de dançar com uma senhorita muito jovem, que acabava
de sair de um internato, e cujos amigos me deram a honra de ser o primeiro a
proporcionar-lhe tal entretenimento, e enquanto eu fazia o meu possível para
passar o tempo, ele se aproximou e, com sua maneira particular, disse a ela
que nada do que eu dizia fazia sentido. Devo admitir que nunca na minha
vida eu me senti mais tentado a enfurecer-me com uma pessoa.
Neste momento, Mr. Arnott informou às damas que a carruagem estava
pronta e elas deixaram o camarote, mas como Cecilia nunca tinha visto o
interior de um teatro, Mr. Monckton, enquanto aguardava para ter uma
oportunidade de conversar com ela, perguntou a Morrice por que ele não lhes
mostrava os lions.12 Morrice, sempre feliz em ajudar, declarou que era
exatamente o que mais gostava de fazer e pediu permissão para fazer as
honras à Mrs. Harrel, quem, sempre ávida por diversão, aceitou a oferta de
bom grado.
Todos eles, portanto, marcharam sobre o palco, seu grupo agora sendo o
único que restava.
— Faremos uma entrada triunfal — exclamou Sir Robert Floyer —, só o
fato de caminhar sobre o palco me tenta a virar ator!
— Você é um homem raro — disse Mr. Gosport — se, nessa altura da
vida, esta é uma estrada ainda não percorrida.
— Nessa altura da vida? — repetiu ele. — O que quer dizer com isso?
Acaso me toma por um homem velho?
— Não, senhor, mas suponho que já tenha passado da infância e,
consequentemente, serviu como aprendizagem aos atores com os quais
conviveu no grande palco do mundo e, pelo menos por alguns anos, atuou
para si mesmo.
— Venham — exclamou Morrice —, vamos declamar alguma coisa, vai
nos manter aquecidos!
— Sim — disse Sir Robert —, se declamarmos para algum objeto
animado. Se Miss Beverley for Julieta, eu serei Romeu ao seu serviço.
Nesse momento, o incógnito, abandonando o canto onde havia se
plantado, avançou repentinamente, postou-se diante de todo o grupo, lançou a
Cecilia um olhar de muita compaixão e exclamou: — Pobre vítima! Já tem
tantos perseguidores. Mesmo assim, não vê que está marcada ao sacrifício!
Não sabe que está destinada a ser uma presa.
Cecilia, extremamente impressionada com o discurso extraordinário,
deteve-se e pareceu muito perturbada; ao perceber sua reação, ele
acrescentou: — Deixe o perigo, não a advertência, afetá-la! Descarte os
aduladores que a cercam, busque os virtuosos, alivie os pobres e salve-se da
iminente destruição da prosperidade insensível!
Tendo proferido tais palavras com veemência e autoridade, ele passou pelo
grupo com severidade e desapareceu.
Cecilia, espantada demais para falar, permaneceu imóvel durante algum
tempo, revolvendo em sua mente várias conjecturas sobre o significado de
uma exortação tão estranha e tão urgente.
Os demais tampouco estavam menos desconcertados: Sir Robert, Mr.
Monckton e Mr. Arnott, cada um consciente de seus próprios planos
particulares, temiam que a advertência apontasse para si mesmo. Mr. Gosport
ficou ofendido por ser incluído na denominação geral de aduladores; Mrs.
Harrel sentiu-se desafiada por ser interrompida em sua divagação; e o capitão
Aresby, nauseado só de vê-lo, recuou no momento em que ele apareceu.
— Pelo amor de Deus! — exclamou Cecilia, um pouco recuperada da sua
consternação —, quem é essa pessoa e o que ele quis dizer? O senhor, Mr.
Monckton, certamente deve saber algo sobre ele, foi em sua casa que o vi
pela primeira vez.
— Na verdade — respondeu Mr. Monckton —, eu não sabia quase nada
sobre ele na época e estou um pouco mais informado agora. Belfield o
apanhou em algum lugar e quis levá-lo para a minha casa; ele o chamava pelo
nome de Albany; pareceu-me um personagem extraordinário, e Belfield, que
é um adorador da originalidade, gostava muito dele.
— É um velho diabolicamente mal-humorado! — exclamou Sir Robert. —
E se continuar por muito mais tempo neste ritmo confuso, tem grandes
chances de ter as orelhas cortadas.
— É um homem com a conduta mais singular que já conheci — disse Mr.
Gosport. — Parece estar aborrecido com toda a humanidade, mas nunca fica
um momento sozinho, e, ao mesmo tempo em que se intromete em todos os
grupos, não se associa a nenhum. Ele é comumente um observador severo e
silencioso de tudo o que se passa, e quando fala, é apenas para proferir
alguma frase de moralidade rígida, ou alguma amargura de reprovação
indignada.
A carruagem foi anunciada novamente, Mr. Monckton deu o braço a
Cecilia enquanto Mr. Morrice garantiu para si a honra da mão de Mrs. Harrel;
Sir Robert e Mr. Gosport fizeram suas reverências e partiram.
Porém, embora já tivessem abandonado o palco e chegado ao topo de uma
pequena escada que os levaria para fora do teatro, Mr. Monckton, ao
encontrar todos os seus algozes afastados, com exceção de Mr. Arnott, de
quem esperava poder escapar, não pôde resistir à tentação de fazer mais uma
tentativa de conversa de alguns instantes com Cecilia e, portanto, voltou-se
novamente para Morrice e perguntou: — Não creio que tenha mostrado às
damas os artifícios por trás dos cenários?
— É verdade — exclamou Morrice —, não mostrei; suponho que devemos
voltar?
— Eu gostaria muito — disse Mrs. Harrel, e de volta eles foram.
Mr. Monckton logo encontrou uma oportunidade para dizer a Cecilia:
— Miss Beverley, tudo aconteceu exatamente como eu previ: a senhorita
está rodeada por velhacos egoístas e pessoas interesseiras e ambíguas, que
não têm nada no coração além da sua fortuna, e cujas visões mercenárias, se a
senhorita não estiver protegida contra elas...
Neste momento, um grito alto de Mrs. Harrel interrompeu seu discurso;
Cecilia, muito alarmada, afastou-se dele para indagar a causa e Mr. Monckton
viu-se obrigado a seguir seu exemplo; no entanto, sua mortificação foi quase
insuportável quando viu a dama tendo um violento ataque de riso e descobriu
que seu grito fora ocasionado ao ver Mr. Morrice, em seu empenho de fazer
as honras, vestir sobre a própria cabeça uma das cenas de bastidores.
Não havia mais a possibilidade de propor qualquer outro adiamento, e Mr.
Monckton, ao acompanhar as damas até a carruagem, viu-se obrigado a
recorrer à sua máxima discrição e paciência, a fim de conter seu desejo de
repreender Morrice por sua dedicação desajeitada.
Práticas como vestir-se, almoçar com os mesmos acompanhantes em casa
e depois sair novamente com eles, como sempre, ocuparam o resto do dia.
CAPÍTULO 9

UMA SÚPLICA

Na manhã seguinte, Cecilia, diante dos repetidos protestos de Mrs. Harrel,


consentiu em fazer uma visita à Miss Larolles. Ela sentiu a impraticabilidade
de iniciar seu projeto de alteração em seu modo de vida naquele momento e,
portanto, achou mais conveniente não assumir nenhuma singularidade até que
sua independência lhe permitisse sustentar-se de forma consistente. Ainda
que, mais do que nunca, desde que havia escutado a acusação enfática de seu
desconhecido mentor, sentisse uma necessidade interior de melhor satisfazer
sua inclinação e sua consciência na disposição do seu tempo e na distribuição
de sua riqueza.
Mrs. Harrel recusou-se a acompanhá-la na visita, pois havia designado um
topógrafo para trazer um plano, para a inspeção de Mr. Harrel e dela mesma,
de um pequeno edifício temporário a ser erguido em Violet-Bank, com a
finalidade de encenar algumas peças em privado na Páscoa seguinte.
Quando a porta da rua foi aberta para que ela entrasse na carruagem, sua
atenção foi atraída pela aparição de uma senhora idosa, que estava parada a
uma certa distância, que parecia tremer de frio, e que, ao vê-la descer os
degraus, juntou as mãos em um ato de súplica e aproximou-se da carruagem.
Cecilia deteve-se para olhar para ela: seu vestido, embora parcimonioso, era
muito elegante para uma mendiga, e ela pensou por um momento no que
poderia lhe oferecer. A pobre mulher seguia avançando, mas com uma
lentidão que indicava uma fraqueza extrema, e ao aproximar-se e levantar a
cabeça, exibiu um semblante tão miserável e uma tez tão doentia que Cecilia
ficou impressionada com o horror da visão. Com as mãos ainda unidas e uma
voz que parecia temerosa do seu próprio som, ela disse: — Oh, madame, se a
senhorita pudesse apenas me ouvir.
— Ouvir! — repetiu Cecilia, apalpando apressadamente a bolsa. —
Certamente, e diga-me como posso ajudá-la.
— Que Deus a abençoe pela sua gentileza, madame! — exclamou a
mulher, com a voz mais segura. — Tive muito medo de que ficasse zangada,
mas vi a carruagem na porta e pensei que deveria tentar, pois eu não poderia
estar em situação pior, e a angústia, madame, nos torna pessoas ousadas.
— Zangada! — disse Cecilia, tirando uma coroa da bolsa. — Não, de fato!
Quem poderia ver tanta miséria e sentir qualquer coisa além de pena?
— Oh, madame — respondeu a pobre mulher —, eu quase poderia chorar
ao ouvi-la falar assim, embora nunca pensei que pudesse chorar de novo,
desde que perdi meu pobre Billy!
— A senhora, então, perdeu um filho?
— Sim, madame; mas ele era bom demais para esse mundo, então não
choro mais por ele agora.
— Entre, boa mulher — disse Cecilia —, está muito frio para ficar aqui
fora, e a senhora parece estar faminta; entre e deixe-me conversar um pouco
com a senhora.
Então, ela deu ordens para que a carruagem fosse conduzida ao redor da
praça até que estivesse pronta, fez a mulher segui-la até uma sala e quis saber
o que poderia fazer por ela; enquanto falavam, por um sentimento de
crescente compaixão, ela trocou a coroa que segurava na mão pelo dobro
daquela soma.
— A senhorita pode fazer muito, madame — ela respondeu —, se eu
puder suplicar por nós em sua honra; ele não pensa muito em nossa aflição,
porque ele mesmo não foi atormentado por ninguém e eu não lhe causaria
tanto incômodo, mas, na verdade, madame, estamos aprisionados pela
necessidade!
Cecilia, impressionada com as palavras “ele não pensa muito em nossa
aflição, porque ele mesmo não foi atormentado por ninguém”, sentiu-se
novamente envergonhada da pequenez de sua doação pretendida e tirou da
bolsa outro meio guinéu, dizendo: — Isso vai ajudá-la? Um guinéu será
suficiente nesse momento?
— Agradeço humildemente, madame — disse a mulher, fazendo uma
profunda reverência —, devo lhe dar um recibo?
— Um recibo? — perguntou Cecilia, emocionada. — Para quê?
Infelizmente, nossas contas não estão de forma alguma equilibradas, mas
farei mais se achar que merece, como parece ser o caso.
— A senhora é muito boa, madame, mas eu só quis dizer um recibo como
parte de pagamento.
— Pagamento pelo quê? Eu não entendo o que diz.
— Sua Excelência não lhe disse nada, madame, sobre a nossa conta?
— Qual conta?
— Nossa fatura, madame, pelo trabalho realizado no novo templo de
Violet-Bank; foi a última grande obra que meu pobre marido foi capaz de
fazer, pois foi lá que encontrou seu infortúnio.
— Qual fatura? Que infortúnio? — perguntou Cecilia. — O que o seu
marido fez no Violet-Bank?
— Ele era o carpinteiro, madame. Achei que tivesse visto o pobre
carpinteiro Hill lá.
— Não, eu mesma nunca estive lá. Talvez esteja me confundindo com
Mrs. Harrel.
— Ora, então não é a esposa de Sua Excelência?
— Não, mas diga, que fatura é essa?
— É uma fatura, madame, pelo trabalho árduo, trabalho, madame, que
tenho certeza de que custará a vida do meu marido, e embora eu tenha
buscado Sua Excelência dia e noite para receber o dinheiro, e lhe enviado
cartas e petições com um relato dos nossos infortúnios, nunca recebi mais do
que um xelim! E agora os criados nem me deixam aguardar no hall para falar
com ele. Oh, madame! A senhora parece ser tão boa, interceda junto a Sua
Excelência por nós! Diga que meu marido não pode viver! Diga a ele que
meus filhos estão morrendo de fome! E diga a ele que meu pobre Billy, que
costumava nos ajudar, está morto e que todo o trabalho que posso fazer
sozinha não é suficiente para nos manter!
— Meu bom Deus! — exclamou Cecilia, muito comovida. — Então é o
seu próprio dinheiro que a senhora demanda tão humildemente?
— Sim, madame, o meu próprio dinheiro justo e honesto, como bem sabe
Sua Excelência, e ele mesmo lhe dirá isso.
— Impossível! — exclamou Cecilia —, ele não deve saber, mas vou
garantir que seja logo informado. Qual é o valor da fatura?
— Vinte e duas libras, madame.
— Apenas isso, não mais?
— Ah, madame, as pessoas da alta sociedade não imaginam o quanto isso
representa para os pobres! Uma família trabalhadora como a minha, madame,
com a ajuda de vinte libras, poderá viver por muito tempo no paraíso.
— Pobre e digna mulher! — exclamou Cecilia, cujos olhos se encheram de
lágrimas de compaixão. — Se vinte libras são suficientes para levá-la ao
paraíso, e se essas vinte libras são suas por direito, é difícil, de fato, ficar sem
elas, especialmente quando seus devedores são ricos demais para sentir falta
delas. Fique aqui alguns instantes e eu trarei o dinheiro imediatamente.
Ela saiu apressadamente e voltou para a sala do café da manhã, mas lá
encontrou apenas Mr. Arnott, que lhe disse que Mr. Harrel estava na
biblioteca com sua irmã e alguns cavalheiros. Cecilia relatou brevemente o
assunto e lhe pediu que informasse Mr. Harrel de que ela o desejava falar
imediatamente. Mr. Arnott abanou a cabeça, mas obedeceu.
Eles voltaram juntos e Mr. Harrel exclamou imediatamente: — Miss
Beverley, estou feliz que ainda não tenha saído, pois queremos muito sua
opinião a respeito de um assunto. A senhorita nos acompanharia até o andar
de cima?
— Irei em seguida — respondeu ela —, mas primeiro devo falar com o
senhor sobre uma pobre mulher com quem por acaso estive conversando; ela
me implorou para interceder por ela com relação a uma pequena dívida que
ela acha que o senhor esqueceu, mas que provavelmente nunca ouviu falar.
— Uma dívida?! — exclamou ele, com uma mudança imediata no
semblante. — Com quem?
— Creio que o nome dela é Hill; ela é esposa do carpinteiro que o senhor
contratou para construir um novo salão em Violet-Bank.
— Oh, aquela mulher? Bem, bem, verei para que ela seja paga. Venha,
vamos para a biblioteca.
— Com minha missão tão mal executada? Eu prometi que lhe pediria o
dinheiro imediatamente.
— Não, não, não há tanta pressa. Não sei o que fiz com a fatura dela.
— Eu vou trazer outra.
— Oh, de maneira alguma! Ela pode enviar outra em dois ou três dias. Ela
merece esperar um ano por sua impertinência em incomodá-la com esse
assunto.
— Foi completamente acidental, mas, na verdade, o senhor deve me dar
sua permissão para cumprir minha promessa e suplicar por ela. Deve ser
quase a mesma coisa para o senhor pagar essa ninharia de vinte libras agora
ou dentro de um mês, mas para aquela pobre mulher a diferença parece quase
entre a vida e a morte, pois ela me disse que seu marido está morrendo e seus
filhos passando fome; embora ela mesma se pareça com um objeto da mais
cruel necessidade e angústia, parece ser o único apoio que possuem.
— Oh! — exclamou Mr. Harrel, rindo. — Que história triste ela lhe
contou! Sem dúvida percebeu que era recém-chegada do campo. Se a
senhorita der crédito a todos as mentiras desses trapaceiros impostores, nunca
terá um momento de sossego, nem um guinéu na bolsa.
— Aquela mulher — respondeu Cecilia — não pode ser uma impostora;
ela carrega marcas muito evidentes e terríveis em seu semblante dos
sofrimentos que ela relata.
— Oh! — respondeu ele —, quando a senhorita conhecer melhor a cidade,
logo perceberá os truques desse tipo: um marido doente e cinco filhos
pequenos são queixas tão obsoletas nos dias de hoje, que não servem a
nenhum outro propósito no mundo a não ser virar uma piada.
— Aqueles, no entanto, que conseguem rir dessas piadas devem ter noções
de alegria bem diferentes das minhas. Aquela pobre mulher, cuja causa eu me
aventurei a empreender, mesmo se não tivesse família alguma, ainda assim
deveria ser indiscutivelmente um objeto de lástima, pois está tão fraca que
mal consegue rastejar, e tão pálida que parece já estar meio morta.
— Toda imposição depende disso! No momento em que estiver fora da
sua vista, as queixas vão desaparecer.
— Não, senhor — disse Cecilia, um tanto impaciente. — Não há motivo
para suspeitar de um engano semelhante, já que ela não vem aqui como uma
mendiga, por mais que o estado de mendiga esteja de acordo com sua
pobreza: ela apenas solicita o pagamento de uma conta, e se nela houver
alguma fraude, nada pode ser mais fácil do que detectá-la.
Mr. Harrel mordeu o lábio ao ouvir esse discurso e, por alguns instantes,
pareceu muito perturbado, mas logo se recuperou e disse, negligentemente:
— Diga, como ela chegou até a senhorita?
— Eu a encontrei na porta. Mas, diga, sua fatura não é justa?
— Não sei dizer, nunca tive tempo de examiná-la.
— Mas o senhor sabe quem é a mulher, e que o marido dela trabalhou para
o senhor, e, portanto, é bem provável que esteja correta, não é?
— Sim, sim, eu sei muito bem quem é a mulher; ela cuidou bem desse
assunto, pois me importunou todos os dias nesses nove meses.
Cecilia ficou muda com o discurso; até então ela havia suposto que o
desregramento da sua vida o mantivera ignorante da sua própria injustiça,
mas, quando descobriu que ele estava tão bem-informado do assunto, e, ainda
assim, com tamanha indiferença podia permitir que uma mulher pobre
reclamasse uma dívida justa todos os dias durante nove meses, ela ficou
chocada e pasma além da medida. Os dois ficaram algum tempo em silêncio,
e então Mr. Harrel, bocejando e estendendo os braços, perguntou
indolentemente: — Diga, por que o próprio homem não vem me cobrar?
— Eu não disse — respondeu Cecilia, admirada com uma pergunta tão
aleatória, — que ele estava muito doente, e nem mesmo podia trabalhar?
— Bem, quando ele estiver melhor — acrescentou ele, dirigindo-se à porta
—, pode vir aqui e eu conversarei com ele.
Cecilia, espantada com o comportamento tão insensível, voltou-se
involuntariamente para Mr. Arnott, com um semblante que apelava pela sua
ajuda, mas Mr. Arnott apenas baixou a cabeça, com muita vergonha de olhá-
la nos olhos, e saiu abruptamente da sala.
Neste ínterim, Mr. Harrel, virando-se para trás, mas sem olhar nos olhos
de Cecilia, disse descuidadamente: — Bem, a senhorita não vem?
— Não, senhor — respondeu ela, friamente.
Ele então voltou para a biblioteca, deixando-a igualmente insatisfeita,
surpresa e desconcertada com a conversa que acabara de acontecer entre eles.
“Meu Deus!”, exclamou mentalmente, “que insensibilidade estranha e cruel!
Permitir que uma família miserável morra de fome a partir de uma
determinação obstinada de afirmar que eles podem viver assim! Afligir os
pobres retendo a recompensa pelo seu trabalho, a qual dever ser recebida ao
seu final, meramente por indolência, esquecimento ou insolência! Oh, quão
pouco meu tio sabia, quão pouco eu imaginava a que tipo de guardião havia
sido confiada!”
Ela agora sentia-se envergonhada até mesmo de voltar para a pobre
mulher, embora estivesse decidida a fazer todo o possível para suavizar sua
decepção e aliviar sua angústia. Porém, antes que saísse da sala, um dos
criados veio dizer que seu patrão implorava pela honra da sua companhia no
andar de cima.
“Talvez ele ceda”, pensou ela. Satisfeita com a esperança, obedeceu
prontamente à convocação.
Ela o encontrou, juntamente com sua esposa, Sir Robert Floyer e dois
outros cavalheiros, todos seriamente envolvidos em uma discussão ao redor
de uma grande mesa, coberta com plantas e elevações de pequenos edifícios.
Mr. Harrel imediatamente dirigiu-se a ela com um ar de vivacidade e
disse: — Foi muita bondade da senhorita ter vindo; não podemos resolver
nada sem o seu conselho. Por favor, olhe para estas diferentes plantas para o
nosso teatro e diga qual é a melhor.
Cecilia não deu um passo na sua direção: a visão de projetos para novos
edifícios quando os operários ainda não tinham sido pagos pelos antigos, a
indecência cruel que pretendia erguer telas caras e de luxo, enquanto aquelas
que foram recentemente construídas haviam levado seus trabalhadores
negligenciados à ruína, despertou uma indignação que ela não considerava
conveniente reprimir. Enquanto a agilidade do diretor dessas festas, para
quem apenas um momento antes ela havia representado a angústia por elas
causadas, a enchia de aversão e repulsa, ela lembrou-se da acusação feita pelo
estranho no ensaio da ópera e decidiu apressar sua partida para outra casa,
repetindo internamente: “Sim, eu vou me salvar da destruição iminente de
uma prosperidade insensível!”
Mrs. Harrel, surpreendida pelo seu silêncio e extrema gravidade,
perguntou se ela não estava bem e por que havia adiado sua visita à Miss
Larolles. Sir Robert Floyer voltou-se repentinamente para olhá-la e disse: —
A senhorita já começa a sentir o ar de Londres?
Cecilia esforçou-se para recuperar a serenidade e responder a essas
perguntas de maneira habitual, mas insistiu em recusar-se a dar qualquer
opinião sobre os planos e, depois de um breve olhar para eles, saiu da sala.
Mr. Harrel, que sabia explicar melhor o comportamento dela do que
julgava adequado declarar, viu com preocupação que ela estava mais
seriamente aborrecida do que ele acreditava que poderia estar por uma
ocorrência que ele considerava totalmente sem importância; portanto,
desejoso de que fosse apaziguada, ele a seguiu para fora da biblioteca e disse:
— Miss Beverley, amanhã será rápido o suficiente para sua protegida?
— Oh, sim, sem dúvida! — respondeu ela, agradavelmente surpresa com a
pergunta.
— Bem, então a senhorita poderia convidá-la a vir me procurar amanhã
pela manhã?
Encantada com a incumbência inesperada, Cecilia agradeceu a tarefa com
um sorriso; e enquanto descia apressadamente as escadas para alegrar a pobre
expectante com a bem-vinda informação, ela conseguiu pensar em mil
desculpas pelo papel que ele havia desempenhado até então, e, sem qualquer
dificuldade, persuadiu a si mesma de que ele começava a ver os efeitos da sua
conduta e meditar uma modificação.
Ela foi recebida pela pobre criatura a quem tanto desejava servir com um
semblante tão animado que imaginou que o próprio Mr. Harrel havia
antecipado a informação pretendida. Mas este, como ela logo descobriu, não
era o caso, pois, assim que recebeu a mensagem, a mulher balançou a cabeça
e disse: — Ah, madame, Sua Excelência sempre diz amanhã! Mas eu posso
suportar melhor a desilusão agora, então não vou mais me queixar, pois, de
fato, madame, hoje fui abençoada com o suficiente para me consolar por
todas as coisas no mundo, se eu apenas pudesse evitar pensar no pobre Billy!
Eu poderia suportar todo o resto, madame, mas sempre que meus outros
problemas desaparecem, este volta para mim com muito mais força.
— Na verdade, quanto a isso eu não posso lhe oferecer nenhum alívio —
disse Cecilia —, mas a senhora deve tentar pensar menos nele e mais em seu
marido e filhos que estão vivos. Amanhã a senhora receberá seu dinheiro, e
isso, espero, irá elevar o seu ânimo. E eu rogo para que seu marido tenha um
médico que lhe diga como cuidar dele. Eu vou lhe enviar um, e se ele precisar
de mais conselhos, não tenha medo de me dizer.
Cecilia pegou a bolsa novamente, mas Mrs. Hill, juntando as mãos,
exclamou: — Oh, madame, não! Eu não vim aqui para abusar de tanta
bondade! Mas bendita seja a hora que me trouxe aqui hoje, e se o meu pobre
Billy estivesse vivo, ele iria me ajudar a lhe agradecer.
Ela então lhe disse que agora estava muito rica, pois, enquanto estava fora,
um cavalheiro entrara na sala e lhe dera cinco guinéus.
Cecilia, pela descrição, logo descobriu que o cavalheiro era Mr. Arnott, e
uma caridade que simpatizava com a sua própria dizia muito a seu favor.
Porém, como sua benevolência era estranha àquele cortejo, que só é generoso
por emulação, quando ela encontrou mais dinheiro do que era necessário de
imediato, guardou a bolsa e solicitou à Mrs. Hill que procurasse por ela na
manhã seguinte, quando viesse receber o dinheiro, e pediu-lhe que se
apressasse para retornar ao marido enfermo.
E, então, ordenando novamente que a carruagem viesse até a porta, ela
partiu para sua visita à Miss Larolles, sentindo o coração feliz pelo bem
realizado e mais feliz ainda com a esperança de poder fazer mais.
Miss Larolles tinha saído, e ela voltou para casa, pois estava muito
otimista com suas expectativas em relação a Mr. Harrel para procurar seus
outros tutores. Durante o resto do dia, ela foi mais cortês com ele do que de
costume, a fim de assinalar sua aprovação pelas suas boas intenções,
enquanto Mr. Arnott, satisfeito por encontrar os sorrisos que tanto valorizava,
pensava que seus cinco guinéus tinham sido amplamente recompensados,
independentemente do verdadeiro prazer que sentia ao fazer o bem.
CAPÍTULO 10

UMA PROVOCAÇÃO

Na manhã seguinte, terminado o café da manhã, Cecilia esperou com


impaciência as notícias da pobre mulher do carpinteiro, mas embora Mr.
Harrel, que sempre fazia a primeira refeição do dia nos seus próprios
aposentos, tivesse entrado na sala da esposa na hora de costume para ver o
que estava acontecendo, ele não mencionou o nome dela. Cecilia, portanto,
foi ela mesma ao vestíbulo, para indagar entre os criados se Mrs. Hill já havia
chegado.
— Sim — eles responderam —, ela vira seu mestre e se fora.
Ela, então, retornou à sala de café da manhã, onde seu anseio por obter
algumas informações a deteve, embora a entrada de Sir Robert Floyer a tenha
feito desejar se retirar. Ela não sabia se devia imputar o silêncio de Mr. Harrel
sobre o assunto a um esquecimento completo ou ao fracasso em cumprir sua
promessa. Dali a alguns minutos, eles receberam a visita de Mr. Morrice, que
disse ter ido até lá para informar às damas que na manhã seguinte haveria o
ensaio de um novo e grandioso espetáculo de dança na Royal Opera House,
onde, embora a entrada não fosse uma das mais fáceis, se elas realmente
tivessem interesse em ir, ele se comprometeria a apresentá-las.
Mrs. Harrel já tinha um compromisso e, portanto, recusou a oferta. Ele
então virou-se para Cecilia e disse: — Bem, senhorita, tem visto nosso amigo
Monckton?
— Não desde o último ensaio, senhor.
— É um sujeito muito agradável — continuou ele —, e sua casa no campo
é encantadora. Qualquer pessoa se sente muito à vontade em sua casa. Já
esteve lá, Sir Robert?
— Na verdade, não — respondeu Sir Robert —, por que deveria? Para ver
uma velha senhora sem dentes sentada na ponta da mesa! Por favor, eu
percorreria cem milhas por dia durante um mês para nunca mais ver tal
espetáculo.
— Ah, mas o senhor desconhece quão bem ela desempenha as honras da
casa — disse Morrice. — E, da minha parte, exceto na hora das refeições, eu
sempre procuro me manter fora do seu caminho.
— Eu me pergunto quando ela pretende morrer — disse Mr. Harrel.
— Já passou da hora! — exclamou Sir Robert. — Mas essas velhas gatas
duronas vivem para sempre. Todos nós pensamos que ela iria morrer quando
Monckton se casou com ela. No entanto, se ele não tivesse se comportado
como um idiota, poderia ter partido seu coração nove anos atrás.
— Eu gostaria muito que tivesse — exclamou Mrs. Harrel —, pois ela é
uma criatura odiosa e sempre me deixava com medo.
— Mas uma mulher velha — disse Sir Robert — é uma pessoa que não
tem senso de decência; uma vez que se decidiu a começar a viver, o próprio
diabo não conseguirá livrar-se dela.
— Ouso dizer — disse Morrice — que terá um surto de asma em pouco
tempo. Garanto-lhe que, às vezes, é possível ouvi-la chiando a uma milha de
distância.
— Ela não vai partir mais cedo por causa disso — disse Sir Robert —,
pois eu tenho uma velha tia que está bufando e soprando como se estivesse
dando o seu último suspiro desde que me entendo por gente; apesar disso,
ainda ontem, quando perguntei ao seu médico quando ela iria se render, ele
me disse que ela ainda poderia viver uns doze anos.
Cecilia não lamentou de modo algum a bruta interrupção da conversa pela
entrada de um criado com uma carta a ela endereçada. Retirou-se
imediatamente para lê-la, mas, a pedido de Mr. Monckton, que entrava na
sala naquele momento, ela apenas caminhou na direção da janela. A carta
dizia o seguinte:

“Para a senhorita, residência de Sua Excelência Harrel:


Prezada senhorita, como solicitado, cumpro com a minha humilde tarefa.
Sua Excelência não me deu nada. No entanto, não tenho a intenção de criar
problemas, já que agora possuo recursos para esperar. Assim concluo,
Honorável Senhorita, sua criada, até a morte, M. HILL”.

O aborrecimento de Cecilia ao ler a carta foi visível para todo o grupo;


enquanto Mr. Arnott a observava com um desejo de indagação que não
ousava expressar e Mr. Monckton, sob uma aparência de distração, ocultava a
mais ansiosa curiosidade, apenas Mr. Morrice teve coragem de interrogá-la.
Ele avançou atrevidamente e disse:
— É um homem feliz quem escreveu esta carta, senhorita, pois tenho
certeza de que não a leu com indiferença.
— Fosse eu o autor — disse Mr. Arnott, com ternura —, estou certo de
que me sentiria de forma muito diferente, pois Miss Beverley parece tê-la
lido com uma certa inquietação.
— Mesmo assim, eu a li — disse ela —, e posso lhes garantir que não foi
escrita por nenhum homem.
— Diga, Miss Beverley — perguntou Sir Robert —, está se sentindo
melhor hoje?
— Não, senhor, pois nunca estive doente.
— Um pouco asfixiada, pensei ontem. Talvez queira se exercitar.
— Eu gostaria que as damas se colocassem aos meus cuidados — disse
Morrice — e déssemos uma volta pelo parque.
— Eu não duvido, senhor — disse Mr. Monckton, com desdém —, pois,
se não fosse a modéstia, provavelmente não há um só homem nesta sala que
não deseje o mesmo.
— Eu poderia propor um plano muito melhor do que esse — disse Sir
Robert. — E se fizéssemos uma caminhada até a Harley Street e me dessem
sua opinião sobre uma casa na qual estou interessado? O que diz, Mrs.
Harrel?
— Oh, eu gostaria muito.
— Então, está decidido! — exclamou Mr. Harrel. — É uma ideia
excelente.
— Vamos, então — disse Sir Robert —, vamos embora. Miss Beverley,
espero que tenha uma capa bem quente?
— Espero que me desculpe por não o acompanhar, senhor.
Mr. Monckton, que ouvira a proposta temendo o seu êxito, sentiu-se
reviver ante a calma firmeza com que fora rejeitada. Tanto Mr. Harrel quanto
Mrs. Harrel imploraram para que ela reconsiderasse, mas o altivo baronete,
evidentemente mais ofendido do que ferido pela recusa, não insistiu mais no
assunto, nem com ela nem com o resto do grupo, e o plano foi abandonado
por completo.
Mr. Monckton não pôde deixar de observar o imprevisto que confirmava
suas suspeitas. Embora a proposta parecesse ter sido feita por acaso, o
propósito do outro não era outro senão obter a opinião de Cecilia sobre sua
casa. Porém, embora o fato o tenha alarmado de alguma forma, a inabalável
insolência da sua conduta e o desafio confiante do seu orgulho o
surpreenderam ainda mais; apesar de tudo o que observou, Cecilia parecia
não prometer nada além da sua antipatia; ele não podia chegar a outra
conclusão quanto ao seu comportamento, pois, se ele a admirava, também
estava seguro da admiração dela.
Aquela não era uma conjectura agradável, não importava quão pouco peso
lhe atribuísse, e ele decidiu que passaria mais tempo com o grupo para tentar
ter uma rápida conversa particular com ela sobre o assunto.
Depois de meia hora, Sir Robert e Mr. Harrel saíram juntos. Mr. Monckton
ainda perseverou em manter sua posição e tentou, embora já cansado, manter
uma conversa geral, mas o que realmente o deixou assombrado e ao mesmo
tempo indignado foi a segurança de Morrice, que parecia não apenas
empenhado em ficar tanto tempo quanto ele, mas determinado a criar o seu
próprio entretenimento.
Por fim, um criado entrou para dizer à Mrs. Harrel que um estranho, que
aguardava nos aposentos da governanta, implorava para falar com ela sobre
assuntos muito específicos.
— Oh, eu sei! — exclamou ela. — É aquele odioso John Groot. Por favor,
meu irmão, tente se livrar dele por mim, ele sempre vem me atormentar com
aquela fatura e eu nunca sei o que dizer.
Mr. Arnott deixou a sala imediatamente, e Mr. Monckton mal pôde abster-
se de acompanhá-lo, para suplicar a John Groot que não ficasse satisfeito por
não falar com Mrs. Harrel em pessoa. John Groot, no entanto, não aceitou as
súplicas de Mr. Arnott, e o criado logo voltou para convocar sua patroa para a
conferência.
Porém, embora Mr. Monckton parecesse estar tão próximo de atingir o seu
objetivo, Morrice ali permaneceu; o seu desgosto pela circunstância logo
tornou-se intolerável: ver a si mesmo a ponto de receber a recompensa da sua
perseverança através da feliz remoção de todos os obstáculos em seu
caminho, e então tê-la retida por um jovem que ele tanto desprezava e que
não tinha recebido incentivos para entrar na casa, a não ser a sua própria
ousadia, e nenhum encorajamento para nela ficar, a não ser a sua própria
impertinência, o mortificava de tal maneira que foi com muita dificuldade
que ele se absteve de confrontá-lo. Tampouco teria tido escrúpulos por um só
momento em desejar que o outro saísse da sala, se não estivesse
prudentemente determinado a agir com a maior diligência para não levantar
quaisquer suspeitas sobre sua paixão por Cecilia.
Assim, levantou-se e caminhou na direção dela, com a intenção de ocupar
uma parte do sofá onde ela estava sentada, quando Morrice, que estava de pé
atrás dele, com um salto repentino, que fez estremecer toda a sala, afundou-se
ele mesmo no lugar vago, exclamando ao mesmo tempo: — Vamos, vamos, o
que podem vocês, homens casados, querer com as senhoritas? Eu mesmo vou
me apropriar deste posto.
A fúria de Mr. Monckton com o ato em si e ainda mais com as palavras
“homens casados” quase excedeu sua resistência; ele deteve-se bruscamente,
olhou para Mr. Morrice com uma ferocidade que dominou sua discrição, e já
ia dizendo: — O senhor é... um sujeito insolente —, mas controlou-se no
meio da frase e concluiu: — um cavalheiro muito jocoso!
Morrice, que não desejava de forma alguma desagradar Mr. Monckton, e
cujo comportamento era simplesmente o resultado da frivolidade e da falta de
educação quando ainda jovem, assim que percebeu seu descontentamento,
levantou-se com mais agilidade do que havia se sentado, retomou a servidão,
a qual um fluxo incomum de ânimos lhe havia roubado, e, sem adivinhar
nenhum outro motivo para o seu aborrecimento, além da perturbação que
havia causado, curvou-se quase até o chão, primeiro para ele, depois para
Cecilia, muito respeitosamente implorou o perdão de ambos por sua
brincadeira e protestou que não tinha noção de que tinha causado tanto
alvoroço.
Mrs. Harrel e Mr. Arnott, que agora regressavam apressadamente,
perguntaram o que havia acontecido. Morrice, envergonhado pela sua
façanha e assustado com os olhares de Mr. Monckton, desculpou-se com a
maior humildade e saiu apressado. Mr. Monckton, sem esperança de melhor
sorte, logo fez o mesmo, corroído por um descontentamento cruel, que não se
atrevia a confessar, e ansioso por vingar-se de Morrice, mesmo se um castigo
pessoal fosse necessário.
CAPÍTULO 11

UMA NARRATIVA

No momento em que Cecilia viu-se em liberdade, ela enviou seu próprio


criado para examinar a real situação do carpinteiro e sua família, e desejou
que sua esposa a visitasse assim que tivesse um tempo livre. O relato que ele
trouxe aumentou suas preocupações com os sofrimentos das pessoas mais
pobres e determinou que ela não descansaria até que os visse reparados. Ele a
informou que moravam em uma pequena pensão no segundo lance de
escadas, que havia cinco crianças, todas meninas, que as três mais velhas
trabalhavam arduamente com a mãe forrando bases de cadeiras, e que a
quarta, embora fosse uma mera criança, tomava conta da mais nova,
enquanto o pobre carpinteiro estava confinado à sua cama, como
consequência da queda de uma escada, enquanto trabalhava no Violet-Bank,
pela qual ele fora coberto de feridas e contusões, um objeto de miséria e dor.
Assim que Mrs. Hill chegou, Cecilia mandou chamá-la nos seus próprios
aposentos, onde a recebeu com a mais compassiva ternura e desejou saber
quando Mr. Harrel disse que faria o pagamento.
— Amanhã, madame — respondeu ela, sacudindo a cabeça. — Este é
sempre o discurso de Sua Excelência. Mas eu posso aguentar por enquanto.
No entanto, embora eu não me atreva a dizer a Sua Excelência, algo ruim vai
acontecer se o pagamento não for feito em breve.
— A senhora quer dizer, então, que vai aplicar a lei?
— Eu não devo dizer, senhora; mas, sem dúvida, pensamos nisso muitas
vezes e com muita tristeza. Mesmo assim, enquanto pudéssemos aguentar,
achamos que seria melhor não fazermos inimigos. Porém, a verdade é,
madame, que Sua Excelência foi tão cruel nesta manhã que, se eu não tivesse
receio de que a senhorita ficaria zangada, eu não saberia como suportar, pois,
quando eu disse a ele que não tinha mais ajuda, já que perdi meu Billy, ele
teve a coragem de dizer: “Melhor assim, um a menos”.
— Mas! — exclamou Cecilia, extremamente chocada com o discurso
insensível. — Qual é o motivo que ele dá para desapontá-la com tanta
frequência?
— Ele diz, madame, que ainda não pagou nenhum dos outros operários, e
isso, com certeza, é muito verdadeiro; mas então eles podem permitir-se
esperar mais do que nós, pois éramos os mais pobres de todos, madame, e
temos tido má sorte desde o início. Sua Excelência jamais teria nos
contratado se tivesse honrado uma conta com Mr. Wright, que se recusou a
fazer qualquer outra coisa até ser pago. Eles nos disseram desde o início que
não receberíamos nosso dinheiro, mas estávamos dispostos a esperar pelo
melhor, pois não tínhamos mais nada para fazer, somos bons trabalhadores e
nunca tínhamos recebido uma oferta tão boa; tínhamos uma grande família
para sustentar, muitas perdas e tantas doenças! Oh, madame! Se soubesse o
que os pobres passam.
Esse discurso deu a Cecilia uma nova visão de vida; que uma jovem
pudesse parecer tão alegre e feliz, mas sentir-se culpada por tanta injustiça e
desumanidade, que pudesse orgulhar-se de obras que nem mesmo o dinheiro
havia conquistado, e viver com um esplendor imaculado, quando seu próprio
crédito começava a falhar, parecia que suas incongruências eram tão
irracionais, que até então ela as havia suposto impossíveis.
Então, ela perguntou se o marido da mulher já tinha um médico.
— Sim, madame, eu agradeço humildemente a sua bondade — respondeu
ela —, mas eu não fiquei mais pobre por isso, pois o cavalheiro foi tão
amável que não quis aceitar nada.
— E ele lhe deu alguma esperança? O que ele disse?
— Ele disse que meu marido vai morrer, madame, mas eu já sabia disso.
— Pobre mulher! O que a senhora vai fazer agora?
— A mesma coisa que eu fiz, madame, quando perdi meu Billy; trabalhar
ainda mais!
— Meu Deus, que duro deve ser! Mas, diga-me, por que parece amar seu
Billy muito mais do que o resto dos seus filhos?
— Porque, madame, ele foi o único menino que eu tive; ele tinha 17 anos,
madame, e era um rapaz tão alto e bonito! E tão bom, que nunca me custou
uma só lágrima até que o perdi. Ele trabalhava com o pai, e todas as pessoas
diziam que era o melhor operário dos dois.
— Qual foi a ocasião da sua morte?
— Tuberculose, madame, que o consumiu completamente; ele ficou
doente por muito tempo, e nos custou muito dinheiro, pois não poupávamos
nem para o vinho nem para qualquer outra coisa que acreditávamos que iria
confortá-lo, e nós o amávamos, então nunca nos ressentíamos disso. Mas ele
morreu, madame! E se não fosse pelo trabalho árduo, sua perda teria partido
o meu coração.
— Tente, no entanto, pensar menos nele — disse Cecilia —, e pode ter
certeza de que voltarei a falar em seu nome com Mr. Harrel. A senhora terá o
seu dinheiro; cuide, portanto, da sua própria saúde, e vá para casa e dê
conforto ao seu marido doente.
— Oh, madame — exclamou a pobre mulher, com lágrimas correndo pelo
rosto —, a senhora não sabe como é comovente ouvir pessoas da alta
sociedade dizendo palavras tão gentis! Eu estou acostumada a não receber
nada além da aspereza de Sua Excelência! Porém, o que mais temo, madame,
é que, quando meu marido se for, será mais difícil lidar com ele do que
nunca; para uma viúva, madame, é sempre difícil conseguir seus direitos, e eu
não espero resistir muito tempo, pois a doença e a tristeza nos consomem
rapidamente, e então, quando nós dois partirmos, quem ajudará nossas pobres
crianças?
— Eu vou cuidar — exclamou a generosa Cecilia. — Eu sou capaz e estou
disposta; nem todas as pessoas de posses têm o coração endurecido, e eu
tentarei reparar a indelicadeza que a senhora sofreu.
A pobre mulher, impressionada por uma promessa tão inesperada, desatou
a chorar apaixonadamente, e soluçou em agradecimento com uma violência
de emoção que assustou Cecilia quase tanto quanto a derreteu. Ela se
esforçou, com repetidas garantias de assistência, para apaziguá-la, e prometeu
solenemente pela sua própria honra que ela certamente seria paga no sábado
seguinte, que seria apenas dali a três dias.
Quando Mrs. Hill ficou um pouco mais calma, ela secou os olhos e
humildemente implorou que a perdoasse pela emoção que não pôde conter,
agradeceu muito pela promessa e protestou que não traria problemas para a
sua bondade pelo tempo que pudesse evitar. — Eu acredito — continuou ela
— que, se Sua Excelência me pagar a tempo para o enterro, eu posso dar um
jeito com o que tenho até lá. Quando meu pobre Billy morreu, nós ficamos
muito tristes porque não podíamos enterrá-lo como gostaríamos, e esta seria a
última coisa que faríamos por ele; foi difícil juntar o suficiente, e para isso
todos nós ficamos sem jantar, exceto a mais nova. Mas isso não importava
muito, porque não tínhamos a menor disposição para comer.
— Eu não posso permitir isso! — exclamou Cecilia. — A senhora não
deve mais me falar sobre o seu Billy. Vá para casa, anime-se e faça tudo o
que está ao seu alcance para salvar o seu marido.
— Sim, senhora — respondeu a mulher —, e suas últimas preces a
abençoarão! E todas as minhas crianças a abençoarão e orarão pela senhorita
todas as noites. E, oh — novamente explodiu em lágrimas —, se Billy
estivesse vivo para orar pela senhorita também.
Cecilia gentilmente esforçou-se para acalmá-la, mas a pobre criatura,
incapaz de reprimir a violência das suas dores agora despertadas, exclamou:
— Eu devo ir, madame, e orar pela senhorita em casa, pois agora comecei a
chorar novamente. Não sei o que teria feito! — e saiu correndo.
Cecilia decidiu fazer mais uma tentativa com Mr. Harrel para o pagamento
da fatura, e se em dois dias não tivesse êxito, sacaria o dinheiro para a
liquidação da dívida ela mesma e depositaria toda a sua garantia de
reembolso na vergonha com a qual a transação deveria afetá-lo. No entanto,
ofendida pela repulsa que já havia recebido e enojada por tudo o que ouvira
sobre sua negligência insensível, ela não sabia como dirigir-se a ele, portanto,
resolveu recorrer novamente a Mr. Arnott, que já estava a par do assunto,
para aconselhamento e assistência. Mr. Arnott, embora extremamente
satisfeito por ela tê-lo consultado, traíra através de um olhar sua fraca
esperança de obter sucesso, o que diminuiu suas expectativas. Ele prometeu,
no entanto, falar com Mr. Harrel sobre o assunto, mas a promessa foi feita
evidentemente para apaziguar a justa mediadora, sem qualquer esperança de
vantagem para a causa.
Na manhã seguinte, Mrs. Hill voltou, e novamente sem pagamento foi
dispensada.
Então, Mr. Arnott, a pedido de Cecilia, acompanhou Mr. Harrel até seu
gabinete, para indagar sobre o motivo da violação da promessa; eles ficaram
algum tempo juntos, e, quando voltou para Cecilia, ele disse que seu irmão
lhe havia garantido que daria ordens a Davison, seu criado, para entregar o
dinheiro a ela no dia seguinte. O prazer com que ela teria ouvido tal
informação foi contido pela maneira grave e fria com que foi comunicada: ela
esperou, portanto, com mais impaciência do que confiança pelo resultado da
nova afirmação. A manhã seguinte, no entanto, foi igual à anterior. Mrs. Hill
veio, viu Davison e foi dispensada. Cecilia, a quem a mulher relatou suas
queixas, procurou Mr. Arnott e lhe suplicou que perguntasse pelo menos a
Davison por que a mulher ficara novamente desapontada. Mr. Arnott assim o
fez e trouxe como resposta a notícia de que Davison não recebera ordem
alguma de seu mestre.
— Rogo-lhe, então — exclamou ela, com uma mescla de ansiedade e
irritação —, que vá, pela última vez, falar com Mr. Harrel! Lamento impor-
lhe uma tarefa tão desagradável, mas tenho certeza de que o senhor se
compadece com essas pobres pessoas e vai servi-las agora com o seu
interesse, como já o fez com sua carteira. Só desejo saber se houve algum
engano, ou se esses atrasos são apenas para me enojar com tantos pedidos.
Mr. Arnott, sentindo tanta repugnância pelo pedido que mal podia
esconder quanto admiração pela zelosa solicitante, obrigou-se a novamente
procurar Mr. Harrel. Sua estada não foi longa, e Cecilia, ao seu regresso,
percebeu que ele estava magoado e desconcertado. Assim que ficaram a sós,
ela implorou para saber o que havia acontecido. — Nada — respondeu ele —
que lhe dê algum prazer. Quando implorei a meu irmão para ir direto ao
ponto, ele disse que era sua intenção fazer o pagamento de todos os
trabalhadores juntos, pois, se pagasse um individualmente, todos os outros
ficariam insatisfeitos.
— E por que — perguntou Cecilia — ele não os paga de uma vez? Não
pode haver mais comparação entre o valor desse dinheiro para ele e para eles
do que, na verdade, há entre o seu direito e o direito deles.
— Mas, senhorita, as contas da casa nova ainda não estão pagas, e ele diz
que no momento em que souberem que liquidou uma dívida do teatro, não
terá mais descanso diante dos clamores que a notícia levantará entre os
operários que trabalharam na casa.
— Que coisa mais estranha! — exclamou Cecilia. — Então, ele não vai
pagar ninguém?
— No próximo trimestre, ele diz, vai pagar todos, mas, no momento, ele
tem uma finalidade especial para o seu dinheiro.
Cecilia não confiava em si mesma para fazer qualquer comentário sobre tal
confissão, mas agradeceu Mr. Arnott pelo incômodo e decidiu, sem qualquer
pedido adicional, solicitar a Mr. Harrel que lhe adiantasse suas 20 libras na
manhã seguinte, a fim de satisfazer a mulher do carpinteiro, não importando
quais os riscos.
Assim, no dia seguinte, que era o sábado quando o pagamento deveria ser
feito, ela solicitou uma audiência com Mr. Harrel, a qual foi prontamente
atendida; mas, antes que ela pudesse fazer seu pedido, ele lhe disse, com ar
de extrema alegria e bom humor:
— Bem, Miss Beverley, como está sua protegida? Espero que, finalmente,
esteja contente. Mas devo lhe suplicar que siga o seu próprio conselho, caso
contrário ela me arrastará para uma encrenca pela qual não devo agradecê-la.
— O senhor, então, deu o dinheiro a ela? — perguntou Cecilia, com muito
espanto.
— Sim; eu prometi que o faria, como a senhorita bem sabe.
A informação a deixou igualmente encantada e surpresa; ela o agradeceu
repetidamente e, ansiosa para comunicar seu sucesso a Mr. Arnott, apressou-
se em encontrá-lo.
— A partir de agora — disse ela —, não o atormentarei mais com
dolorosas incumbências; os Hills foram pagos, finalmente!
— Partindo da senhorita — respondeu ele, gravemente —, nenhuma
incumbência pode ser dolorosa.
— Bem, mas — disse Cecilia, um tanto desapontada — o senhor não
parece feliz.
— Sim — respondeu ele, com um sorriso forçado —, estou muito feliz por
vê-la assim.
— Mas como isso aconteceu? Mr. Harrel cedeu? Ou o senhor o abordou
novamente?
A hesitação da sua resposta a convenceu de que havia algum mistério na
transação; ela começou a perceber que havia sido enganada, saiu
apressadamente da sala e mandou chamar Mrs. Hill. No momento em que a
mulher apareceu, ela ficou satisfeita pelo motivo contrário, pois, quase
frenética de tanta alegria e gratidão, a mulher imediatamente caiu de joelhos
para agradecer sua benfeitora por ter lutado pelos seus direitos. Cecilia, então,
lhe deu alguns conselhos gerais, prometeu continuar sendo sua amiga e
ofereceu ajuda para levar o marido para um hospital. No entanto, a mulher
lhe disse que ele já tinha estado em um durante muitos meses, onde fora
declarado incurável, e, portanto, desejava passar seus últimos dias em sua
própria casa.
— Bem — disse Cecilia —, trate de torná-los tão fáceis quanto puder, e
volte aqui na próxima semana; eu vou tentar encontrar uma forma melhor
para a senhora viver.
Então, ainda muito perplexa com Mr. Arnott, ela o procurou novamente;
após várias perguntas e conjecturas, ela finalmente o levou a confessar que
ele mesmo havia emprestado ao irmão a soma com a qual havia pagado os
Hills.
Impressionada com sua generosidade, ela derramou agradecimentos e
elogios tão gratificantes aos seus ouvidos, o que prontamente lhe deu uma
recompensa que ele considerou que a metade da sua fortuna teria comprado a
preço baixo.
LIVRO II
CAPÍTULO 12

UM HOMEM RICO

A mesquinhez com a qual Mr. Harrel assumiu todo o crédito, além de


aceitar a ajuda de Mr. Arnott, aumentou o desgosto que ele já havia
despertado em Cecilia e apressou a sua resolução de deixar sua casa.
Portanto, sem esperar mais pelo conselho de Mr. Monckton, ela decidiu ir
imediatamente ao encontro de seus outros tutores e verificar que melhores
perspectivas suas habitações poderiam oferecer.
Para este fim, ela tomou emprestada uma das carruagens e ordenou que a
levassem à residência de Mr. Briggs. Ela anunciou o seu nome e foi
conduzida por um pequeno e maltrapilho criado a uma sala de estar. Ali ela
esperou, com tolerável paciência, durante meia hora; então, ela imaginou que
o menino havia se esquecido de dizer ao amo que ela estava na casa e achou
conveniente fazer algumas investigações. No entanto, não conseguiu
encontrar nenhuma campainha e, portanto, entrou no corredor em busca do
criado. Enquanto caminhava na direção da escada da cozinha, ela assustou-se
ao ouvir uma voz de homem vinda da parte superior da casa, que exclamava,
com fúria:
— Ousa dizer que pegou para usar como pano de pratos!
Ela gritou: — Há algum criado de Mr. Briggs aí embaixo?
— O quê? — perguntou o menino, aproximando-se do pé da escada, com
uma faca em uma das mãos e um sapato velho, em cuja sola afiava a faca. —
Alguém está chamando?
— Sim — disse Cecilia —, sou eu, não consegui encontrar a campainha.
— Oh, nós não temos campainha na sala — respondeu o menino —, o
mestre sempre bate com a bengala.
— Temo que Mr. Briggs esteja muito ocupado para me ver e, se estiver,
voltarei em outro momento.
— Não, madame — disse o menino —, o patrão só está examinando as
coisas da lavanderia.
— Você pode dizer a ele, então, que estou aguardando?
— Eu disse, madame, mas o mestre não consegue encontrar seu lenço de
barbear e diz que não iria até a Mongólia até que o encontrasse — respondeu
o garoto e voltou a afiar a faca.
Esta pequena circunstância foi pelo menos suficiente para convencer
Cecilia de que, se ela fixasse residência com Mr. Briggs, não precisaria temer
a visão de extravagância e abundância. Ela voltou para a sala e, depois de
esperar mais meia hora, Mr. Briggs apareceu.
Mr. Briggs era um homem baixo, atarracado e robusto, com olhos negros
muito pequenos e penetrantes, rosto quadrado, pele escura e nariz arrebitado.
Sua vestimenta constante, tanto no inverno quanto no verão, era um terno cor
de tabaco, meias penteadas salpicadas de azul e branco, uma camisa lisa e
uma peruca. Raramente abandonava a bengala, que geralmente segurava na
altura da testa quando não estava falando. No entanto, a peruca, para grande
espanto de Cecilia, ele agora trazia para a sala com o dedo indicador da mão
esquerda, enquanto, com a direita, alisava os cachos; sua cabeça, desafiando
o tempo frio, estava calva e descoberta.
— Bem — exclamou ele, ao entrar —, achou que eu não viria vê-la?
— Eu estava muito disposta, senhor, a esperar até que tivesse um tempo
livre.
— Sim, sim, eu imaginei que a senhorita não tinha muito o que fazer.
Estava procurando o meu lenço de barbear. Vou sair da cidade, nunca uso tal
coisa em casa. O tutor Harrel nunca ouviu falar disso? Já o viu penteando sua
própria peruca? Garanto que não sabe como fazê-lo! Nunca a confiei a
ninguém, o garoto arrancaria metade do cabelo; não deve fazer diferença para
Harrel, suponho. Bem, qual é o homem mais aquecido, é isso o que importa.
Ele precisa dos meus serviços de contador?
Cecilia, sem saber o que dizer como resposta a um preâmbulo tão singular,
começou a desculpar-se por não o ter visitado antes.
— Sim, sim — disse ele —, sempre passeando, sem um sinal da senhorita.
Vive uma boa vida! Um belo tutor, Mr. Harrel. E o outro? Onde está o velho
Don Bufador?
— Se o senhor se refere a Mr. Delvile, eu ainda não o vi.
— Eu já imaginava. Mas, não importa. Eu só vou lhe dizer que ele é um
duque alemão ou um Don Fernando espanhol. Bem, a senhorita tem a mim!
Pobres coitados. Um par de ignorantes, não sabem quando comprar ou
quando vender. Não faço negócio com nenhum deles. Encontramos-nos uma
ou duas vezes, tudo em vão. Apenas ouvi Don Vampus contando seus antigos
príncipes; como isso vai lhe render juros? Então, Mr. Harrel, vinte
reverências por palavra, um olhar para o relógio, do tamanho de uma moeda
de seis centavos, pobre estúpido. Um par raro de guardiões! Bem, você tem a
mim, é o que eu lhe digo; pense nisso!
Cecilia foi totalmente incapaz de conceber qualquer resposta a essas
efusões de desprezo e raiva e, portanto, seu discurso seguiu sem interrupção
até que ele tivesse esgotado todos os seus temas de queixas e esvaziado sua
mente da má vontade. Então, ele acomodou a peruca, puxou uma cadeira para
perto dela, piscou seus olhinhos negros e sua raiva se transformou no mais
perfeito bom humor. Depois de admirá-la por algum tempo com olhar de
aprovação, com um aceno inclinado de cabeça, ele disse: — Bem, minha
querida, já conseguiu um namorado?
Cecilia riu e disse: — Não.
— Ah, sua malandrinha, não acredito em você! Tudo mentira, é melhor
falar. Vamos, eu devo saber, acaso não é minha pupila? Com certeza, já é
quase maior de idade, mas não ainda, então, o que quer de mim?
Ela, então, mais seriamente, assegurou-lhe que não tinha nenhuma
informação desse tipo para comunicar.
— Bem, quando tiver, é só dizer, e isso é tudo. A tutela desperta alguns
anseios. Vou te dar alguns conselhos: cuidado com os vigaristas, não confie
em fivelas de sapatos, não passam de diamantes de Bristol! Os truques estão
em todos os lugares. Um bom vigarista se porta como qualquer outro
cavalheiro. Nunca entregue seu coração a uma bengala com a ponta de ouro,
não passa de latão dourado. As trapaças estão em todos os lugares. Depois de
um ano, não lhe restará uma moeda de prata. Mas há uma maneira de
proteger-se, traga-os a mim.
Cecilia lhe agradeceu pela cautela e prometeu não se esquecer do
conselho.
— Esta é a única maneira — continuou ele —, traga-os para mim. Não me
deixo enganar. Conheço seus truques. Mostre a eles os prós e os contras.
Pergunte sobre sua renda e veja como eles reagem. Olham como porcos
sangrando! Eles simplesmente não têm renda.
— Certamente, senhor, será um teste excelente.
— Sim, sim, este é o caminho, e logo descobrirá se estão acima da média.
Certifique-se de não se deixar impressionar por coletes de ouro, não passam
de enfeites, só espetáculo e nenhuma substância; melhor deixar o assunto
comigo; eu mesmo vou tomar conta de você, saberei onde encontrar um que
preste.
Ela agradeceu novamente e, completamente satisfeita com a conversa e
sem ambições de conhecer mais dos seus conselhos, levantou-se para partir.
— Bem — repetiu ele, acenando com a cabeça, com um olhar de muita
bondade —, deixe isso comigo, eu lhe digo. Vou conseguir um bom marido
para você, então não se preocupe mais com o assunto.
Cecilia, meio rindo, implorou para que ele não se incomodasse muito e lhe
assegurou que não tinha pressa.
— Melhor assim — disse ele —, boa menina, não há motivo para ter
medo, eu mesmo vou encontrar alguém. Também não será muito fácil!
Tempos difíceis! Homens escassos, guerras e tumultos! O estoque está baixo!
Mulheres exigentes! Mas não tema, farei o meu melhor e logo daremos um
jeito em você.
Ela então voltou para sua carruagem, cheia de reflexões sobre a cena que
acabara de presenciar e sobre a estranheza de sair correndo de uma casa para
evitar uma imperfeição cuja própria falta parecia tornar a outra insuportável!
Ela havia descoberto que, embora o luxo tenha consequências mais nefastas,
era menos repugnante do que a avareza. No entanto, insuperavelmente avessa
a ambas, e quase igualmente desejosa de fugir da extravagância injusta de
Mr. Harrel, assim como da parcimônia insuportável e desnecessária de Mr.
Briggs, ela dirigiu-se imediatamente a St. James’s Square, convencida de que
seu terceiro tutor, a menos que se parecesse exatamente com um dos outros,
deveria ser inevitavelmente preferível a ambos.
CAPÍTULO 13

UM HOMEM DE FAMÍLIA

A residência de Mr. Delvile era grande e espaçosa, suas acomodações não


acompanhavam o gosto moderno, mas seguiam a magnificência dos tempos
passados; os criados eram todos veteranos, deslumbrantes em suas librés e
profundamente respeitosos em suas maneiras; tudo tinha um ar de estado,
mas de um estado tão sombrio que, ao mesmo tempo em que inspirava
admiração, reprimia o prazer.
Cecilia anunciou seu nome e foi admitida sem dificuldades, sendo então
conduzida com grande pompa por vários aposentos e fileiras de criados, antes
de chegar à presença de Mr. Delvile.
Ele a recebeu com um ar de altiva afabilidade que, para um espírito aberto
e sincero como o de Cecilia, não deixava de ser extremamente ofensivo;
porém, muito ocupado com o cuidado da sua própria importância para
penetrar nos sentimentos de outra pessoa, ele atribuiu o mal-estar que sua
recepção ocasionou à intimidante predominância da posição superior e de
suas consequências.
Mr. Delvile ordenou a um criado que trouxesse uma cadeira para ela,
enquanto apenas erguia-se ligeiramente quando ela entrou no aposento;
então, acenou com a mão e fez uma reverência, um gesto que a convidava a
se sentar, e disse: — Estou muito feliz, Miss Beverley, que tenha me
encontrado sozinho; a senhorita raramente teria a mesma sorte. A esta hora
do dia, eu geralmente estou no meio de uma multidão. Pessoas de grandes
conexões não encontram muito tempo livre em Londres, especialmente
quando se preocupam um pouco com os seus próprios negócios e se suas
propriedades, assim como as minhas, estiverem dispersas em várias partes do
reino. No entanto, estou feliz que isso tenha acontecido. Também estou
satisfeito que tenha feito o favor de me procurar sem que eu mandasse
chamá-la, o que eu realmente teria feito assim que soube da sua chegada, mas
a multiplicidade de meus compromissos não me deu trégua.
Uma exibição de importância tão ostensiva fez Cecilia arrepender-se da
visita, convencida de que a esperança que tinha planejado seria infrutífera.
Mr. Delvile, ainda atribuindo ao embaraço uma inquietação de semblante
que procedia apenas da decepção, imaginou que sua veneração aumentava a
cada momento; assim, compadecendo-se de uma timidez que tanto o
gratificava quanto o suavizava, e igualmente satisfeito consigo mesmo por
inspirar tal sentimento e com ela por senti-lo, diminuiu cada vez mais sua
grandeza, até se tornar, por fim, tão infinitamente condescendente, com a
intenção de lhe dar coragem, que a deixou totalmente mortificada e
decepcionada.
Após algumas indagações generalizadas sobre seu estilo de vida, ele disse
que esperava que ela estivesse satisfeita com sua situação na residência dos
Harrels e acrescentou: — Se tiver algo do que se queixar, lembre-se de a
quem pode apelar — então, ele perguntou se ela tinha visto Mr. Briggs.
— Sim, senhor, estou vindo da sua casa neste momento.
— Sinto por isso; sua casa não pode ser adequada para receber uma jovem.
Quando o reitor solicitou que eu fosse um dos seus tutores, eu lhe enviei
imediatamente uma negativa, como é meu costume em todas essas ocasiões,
o que de fato me ocorre com uma frequência extremamente inoportuna. Mas
o reitor era um homem por quem eu tinha realmente muita consideração, e,
portanto, quando descobri que minha recusa o havia afetado, deixei-me
convencer a fazê-lo, contrariando não apenas minha regra geral, mas também
minha disposição.
Neste momento ele fez uma pausa, como se esperasse receber um elogio,
mas Cecilia, muito pouco disposta a lhe fazer qualquer favor, não foi além de
uma inclinação de cabeça.
— No entanto, eu não sabia — continuou ele —, no momento em que fui
induzido a dar o meu consentimento, com quem deveria me associar; nem
poderia ter imaginado o reitor tão pouco familiarizado com as distinções do
mundo, a ponto de me desonrar com coadjutores inferiores, mas, no momento
em que tomei conhecimento do caso, insisti na retirada tanto do meu nome
quanto da minha imagem.
Neste momento, ele fez uma nova pausa, não para obter uma resposta de
Cecilia, mas simplesmente para lhe dar algum tempo para maravilhar-se com
a maneira como ele finalmente cedeu.
— O reitor — prosseguiu ele — ficou muito doente; o desgosto que
causei, creio eu, o magoou. Eu senti muito por isso, ele era um homem digno
e não tinha a intenção de ofendê-lo. Por fim, aceitei seu pedido de desculpas
e fui até mesmo persuadido a aceitar o posto. Portanto, a senhorita tem o
direito de se considerar pessoalmente minha pupila, e embora eu não ache
apropriado me relacionar muito com seus outros tutores, estarei sempre
pronto para servi-la e aconselhá-la, e muito satisfeito em vê-la.
— É uma grande honra, senhor — disse Cecilia, extremamente cansada de
tanta gentileza e levantando-se para ir embora.
— Por favor, fique — disse ele, com um sorriso. — Não tenho muitos
compromissos para esta manhã. A senhorita deve me dizer como tem passado
seu tempo. Tem saído bastante? Os Harrels, segundo o que me informaram,
vivem com muitas despesas. Qual é a situação deles?
— Eu não sei exatamente, senhor.
— São pessoas decentes, creio eu?
— Espero que sim, senhor!
— E possuem um número tolerável de conexões, eu acredito; foi o que me
disseram, pois não sei nada sobre eles.
— Eles possuem, pelo menos, um grande número delas, senhor.
— Bem, minha cara — disse ele, pegando sua mão —, agora que se
aventurou a vir, não tenha receio de repetir suas visitas. Devo apresentá-la à
Mrs. Delvile. Estou certo de que ela ficará encantada em lhe demonstrar sua
simpatia. Portanto, venha quando quiser e não tenha escrúpulos. Eu mesmo a
visitaria, mas receio ficar envergonhado pelas pessoas com quem vive.
Ele, então, tocou a campainha e, com as mesmas cerimônias que haviam
acompanhado sua admissão, ela foi conduzida de volta à carruagem.
Assim desvaneceram-se todas as esperanças de colocar em execução,
durante sua minoridade, o plano que tanto lhe agradara constituir. Ela
descobriu que sua situação atual, por mais amplos que fossem seus desejos,
não era de modo algum a mais desagradável em que poderia ser colocada; é
verdade que estava cansada do desperdício e chocada com o espetáculo de
uma extravagância insensível, mas, apesar do fato de as casas de cada um dos
seus outros guardiões estarem isentas desses vícios particulares, ela não via
qualquer perspectiva de felicidade em nenhuma delas: a vulgaridade parecia
ter-se unido à avareza para expulsá-la da mansão de Mr. Briggs, e a altivez à
ostentação para excluí-la da residência de Mr. Delvile.
Portanto, ela regressou a Portman Square decepcionada com suas
esperanças e enojada tanto por aqueles que havia deixado como por aqueles
para quem estava voltando. Porém, enquanto caminhava para seus próprios
aposentos, foi avidamente interrompida por Mrs. Harrel, quem lhe implorou
que fosse até a sala de estar, onde uma agradável surpresa a aguardava.
Cecilia, por um momento, imaginou que algum velho conhecido acabara
de chegar do interior, mas, ao entrar na sala, ela viu apenas Mr. Harrel e
alguns trabalhadores, e descobriu que a agradável surpresa era a inspeção de
um elegante toldo, preparado para um dos aposentos internos, a ser fixado
sobre uma longa mesa de sobremesas, que seria adornado com vários
dispositivos de vidro cortado.
— Já viu algo tão bonito em toda a sua vida? — perguntou Mrs. Harrel. —
E quando a mesa estiver coberta com flocos coloridos e coisas assim, ficará
mais bonito ainda. Devemos recebê-lo na terça-feira à noite.
— Eu entendi que vocês iriam a um baile de máscaras.
— E iremos, mas, primeiro, pretendemos ver as máscaras em casa.
— Eu estive pensando — disse Mr. Harrel, enquanto se dirigia a uma sala
menor — em erguer um lance de escadas e uma pequena plataforma
iluminada aqui, e assim fazer uma pequena galeria. Quanto custaria uma
coisa dessas, Mr. Tomkins?
— Oh, uma bagatela, senhor — respondeu Mr. Tomkins —, quase nada.
— Bem, então dê as ordens e que seja feita imediatamente. Não me
importa que seja pequena, desde que seja muito elegante. Não vai ser um
ótimo acréscimo, Miss Beverley?
— Na verdade, senhor, não acho que seja extremamente necessário —
disse Cecilia, que gostaria muito de aproveitar o momento para lembrá-lo da
dívida que havia contraído com Mr. Arnott.
— Senhor, Miss Beverley é tão séria! — exclamou Mrs. Harrel. — Nada
disso lhe dá prazer.
— Na verdade — respondeu Cecilia, tentando sorrir —, não tenho muito
gosto pelo prazer de estar sempre rodeada por operários.
Assim que foi possível, Cecilia retirou-se para o seu quarto, sentindo, tanto
por Mr. Arnott quanto pelos Hills, um ressentimento pela injustiça de Mr.
Harrel, que a fez decidir romper aquela complacência usual com a qual havia
até então confinado sua desaprovação ao próprio peito, e aventurar-se,
doravante, a marcar a opinião que nutria pela sua conduta, consultando
apenas sua própria razão e seus próprios princípios. Seu primeiro esforço na
direção desta mudança foi feito de imediato, ao implorar que fosse
dispensada de acompanhar Mrs. Harrel a um grande jogo de cartas naquela
noite. Mrs. Harrel, extremamente surpresa, perguntou mil vezes qual era o
motivo da sua recusa, imaginando que procedia de alguma causa muito
extraordinária; por fim, com alguma dificuldade, ela foi finalmente
persuadida de que Cecilia pretendia apenas passar uma noite sozinha.
No entanto, no dia seguinte, quando a recusa foi repetida, ela mostrou-se
ainda mais incrédula; parecia-lhe impossível que qualquer pessoa que tivesse
a possibilidade de estar rodeada de companhia pudesse, por escolha própria,
passar uma tarde de segunda-feira sozinha. Ela foi tão insistente em seu
pedido para que lhe confiasse o segredo, que Cecilia não encontrou nenhum
meio de apaziguá-la, a não ser confessar francamente que estava cansada das
visitas eternas e cansada de viver sempre em uma multidão.
— Suponhamos, então — disse Mrs. Harrel —, que eu mande chamar
Miss Larolles para lhe fazer companhia.
Cecilia riu e recusou a proposta, assegurando-lhe que tal assistente não era
necessária para seu entretenimento, mas foi só depois de uma longa discussão
que conseguiu convencê-la de que não seria uma crueldade deixá-la sozinha.
No dia seguinte, porém, seu problema diminuiu: Mrs. Harrel, deixando de
surpreender-se, pensou um pouco mais no assunto e absteve-se de qualquer
solicitação mais séria. A partir daquele momento, ela permitiu que Cecilia
seguisse seu próprio humor, e com pouquíssima oposição. Cecilia ficou
preocupada ao encontrá-la tão impassível, e não menos desapontada pela
indiferença de Mr. Harrel, quem raramente participava das mesmas reuniões
que a esposa e a via com muito pouca frequência para comunicar ou ouvir
quaisquer ocorrências domésticas. E, longe de sentir-se impressionado, como
ela esperava, com a nova maneira como passava o tempo, mal tinha
consciência da sua mudança e não interferia no assunto.
Mr. Robert Floyer, que continuava a vê-la quando jantava em Portman
Square, costumava perguntar o que ela fazia durante as tardes, mas como
nunca obtinha uma resposta satisfatória, concluiu que seus compromissos
eram com pessoas a quem ele era um estranho. O pobre Mr. Arnott sentiu a
mais cruel decepção ao ver-se privado da alegria de acompanhá-la nas
expedições vespertinas, quando, conversando com ela ou não, estava seguro
da indulgência de vê-la e ouvi-la.
Porém, quem mais sofreu com o novo regulamento foi Mr. Monckton,
que, incapaz de suportar as mortificações que suas visitas matinais a Portman
Square haviam produzido, decidiu não confiar em seu temperamento com tais
provocações no futuro, mas no lugar disso aproveitar a oportunidade de
encontrar-se com ela em algum outro lugar; com este propósito, ele passou a
frequentar assiduamente todos os locais públicos e procurou conhecer todas
as famílias e pessoas que acreditava serem relações dos Harrels, mas sua
paciência não foi recompensada e sua diligência malsucedida; ele não a
encontrou em parte alguma e, enquanto continuava a busca, imaginava que
todos os poderes malignos estavam trabalhando para levá-lo aonde ele tinha
certeza de que nunca a encontraria.
Enquanto isso, Cecilia dispunha de muito tempo para sua própria
satisfação. Seu primeiro cuidado foi ajudar e consolar os Hills. Ela mesma foi
à pensão, ordenou e pagou tudo o que o médico prescreveu para o enfermo,
deu roupas às crianças e dinheiro para os artigos de primeira necessidade da
esposa. Ela descobriu que não era provável que o pobre carpinteiro
definhasse por muito mais tempo e, portanto, naquele momento, ela só
pensava em aliviar seus sofrimentos, conseguindo as indulgências autorizadas
pelo médico e permitindo que sua família diminuísse o ritmo de trabalho
como era necessário para obter mais tempo para cuidar dele e atender suas
necessidades. Ela pretendia, assim que lhe prestasse os últimos serviços,
ajudar seus sobreviventes a tentar tocar algum negócio que fosse melhor e
mais lucrativo.
Sua próxima preocupação foi munir-se de uma coleção de livros bem
escolhida; tal emprego, que para uma amante da literatura, jovem e ardente
em sua busca, seja talvez o primeiro luxo da sua mente, revelou-se uma fonte
de entretenimento tão fértil e deliciosa que não deixou nada a desejar. Ela não
restringiu suas aquisições aos limites das suas posses atuais; como estava não
apenas investindo no futuro, mas também em vantagens imediatas, nenhuma
despesa lhe impediu de satisfazer seu gosto e sua disposição. Ela acabara de
entrar no último ano de sua minoridade e, portanto, não tinha dúvidas de que
seus guardiões permitiriam que ela tomasse qualquer soma necessária para tal
fim. Assim, no exercício da caridade, na busca de conhecimento e no gozo do
seu sossego, as horas de Cecilia eram passadas serenamente em inocente
filosofia.
CAPÍTULO 14

UM BAILE DE MÁSCARAS

O primeiro teste à sua tranquilidade foi no dia do baile de máscaras, cujos


preparativos já foram mencionados. A casa inteira estava em comoção devido
a vários arranjos e melhorias que foram planejados para quase todos os
aposentos que deveriam ser abertos para a recepção dos convidados. A
própria Cecilia, embora pouco satisfeita com a circunstância concomitante de
acumular dívidas desnecessárias, não era a menos animada da festa; ela era
uma estranha a todas as diversões desse tipo e, pela novidade da cena,
esperava uma satisfação pouco comum.
Ao meio-dia, Mrs. Harrel mandou buscá-la para uma consulta sobre um
novo esquema que ocorreu a Mr. Harrel: o arranjo em formas fantásticas de
algumas lamparinas coloridas na sala de estar. Enquanto todos discutiam o
assunto, um dos criados, que havia sussurrado duas ou três vezes alguma
mensagem a Mr. Harrel e depois havia se retirado, disse, em voz não muito
baixa para ser ouvida por Cecilia:
— Na verdade, senhor, eu não consigo me livrar dele.
— É um canalha insolente — respondeu Mr. Harrel. — No entanto, se é
meu dever falar com ele... — e saiu da sala.
Mrs. Harrel continuou exercitando sua imaginação com o novo projeto e
convidou Mr. Arnott e Cecilia a admirar seu gosto e habilidade até que todos
foram interrompidos pelo volume de uma voz vinda do andar de baixo, que
repetia frequentemente: — Senhor, eu não posso mais esperar! O assunto foi
adiado até o ponto onde não pode mais ser adiado!
Muito surpresa, Mrs. Harrel abandonou seu projeto e todos ficaram
parados e em silêncio. Então, eles ouviram Mr. Harrel responder com muita
suavidade: — Meu bom Mr. Rawlins, tenha um pouco de paciência; eu
receberei uma boa quantia amanhã ou no dia seguinte, e então pode estar
certo de que será pago.
— O senhor me disse a mesma coisa tantas vezes e nada aconteceu! —
exclamou o homem. — Há muito tempo eu tenho o direito de receber esse
dinheiro e tenho uma conta a pagar que não pode ser adiada por mais tempo.
— Certamente, Mr. Rawlins — respondeu Mr. Harrel, com uma gentileza
cada vez maior —, e certamente o terá; ninguém tem a intenção de contestar
o seu direito. Só imploro que espere um dia, dois no máximo, e então poderá
contar com o pagamento. Sua situação não ficará pior se me atender. Eu não
vou empregar nenhuma outra pessoa, e terei uma oportunidade para o senhor
em breve, pois pretendo fazer algumas alterações no Violet-Bank que serão
muito consideráveis.
— Senhor — disse o homem, em tom ainda mais alto —, não adianta nada
o senhor me empregar se eu nunca consigo ver o dinheiro. Todos os meus
trabalhadores devem ser pagos, esteja eu empregado ou não. Sendo assim, se
for preciso, vou falar com um advogado, pois não vejo outra solução.
— Vocês alguma vez já ouviram algo tão impertinente? — perguntou Mrs.
Harrel. — Estou certa de que Mr. Harrel não merecerá perdão se permitir que
aquele homem o trate dessa forma.
Nesse momento, Mr. Harrel apareceu e, com um ar de afetada indiferença,
disse: — O pedreiro que está no andar de baixo é o mais malandro e o mais
insolente que conheci na vida; ele veio até mim, de forma bastante
inesperada, com uma conta no valor de 400 libras e não vai deixar a casa sem
o dinheiro. Meu irmão, Arnott, gostaria que me fizesse o favor de falar com o
sujeito, pois eu não aguentava mais sua companhia.
— Gostaria que eu lhe desse uma ordem de pagamento emitida pelo meu
próprio banqueiro?
— Isso seria muito amável — respondeu Mr. Harrel —, eu lhe darei uma
nota promissória diretamente. E assim nos livramos do sujeito de uma vez; e
ele não vai mais fazer nada para mim enquanto viver. Vou construir um novo
prédio em Violet-Bank no próximo verão, nem que seja apenas para mostrar
a ele o trabalho que perdeu.
— Pague o homem de uma vez, meu bom irmão — exclamou Mrs. Harrel
—, e não vamos mais falar disso.
Os dois cavalheiros se retiraram para a outra sala, e Mrs. Harrel, depois de
elogiar a extrema bondade do seu irmão, de quem ela gostava muito, e
declarar que a impertinência do pedreiro a havia assustado bastante, voltou
novamente ao seu plano de novas decorações.
Cecilia, pasma com aquela indiferença quanto à situação dos negócios do
seu marido, começou a pensar que era seu dever conversar com a amiga
sobre o assunto; assim, após um silêncio tão marcante que a própria Mrs.
Harrel indagou o motivo, ela disse: — Perdoe-me, minha cara amiga, se eu
admitir que estou bastante surpresa ao vê-la continuar com esses
preparativos.
— Meu Deus, por quê?
— Porque qualquer novo gasto desnecessário nesse momento, até que Mr.
Harrel efetivamente receba o dinheiro do qual falava...
— Ora, minha querida, o custo de uma coisa dessas é praticamente zero. E
quanto aos negócios de Mr. Harrel, eu lhe asseguro que nem será sentido.
Além disso, ele espera receber o dinheiro tão rápido que é como se já o
tivesse.
Cecilia, não querendo ser muito indiscreta, começou então a expressar sua
admiração pela bondade e generosidade de Mr. Arnott, e aproveitou a
ocasião, no decorrer do seu louvor, para insinuar que só podem ser
propriamente liberais aqueles que são justos e econômicos.
Ela não havia preparado nenhum traje com máscara para a noite, já que
Mrs. Harrel, por cuja orientação era guiada, havia lhe informado que não era
necessário que as damas usassem máscaras em casa, e disse que ela mesma
deveria receber suas visitas em um vestido que pudesse usar em qualquer
outra ocasião. Tampouco Mr. Harrel e Mr. Arnott fizeram qualquer alteração
em sua aparência.
Por volta das oito horas, as atividades da noite começaram, e, antes das
nove, havia tantas máscaras, que Cecilia desejou que ela mesma tivesse uma,
pois era muito mais chamativo ser a única mulher com vestido comum do que
qualquer traje com máscara. No entanto, a novidade da cena aliada ao ar geral
de alegria que se estendia por todo o grupo logo diminuiu seu
constrangimento e, depois de familiarizar-se um pouco com a brusquidão
com que os mascarados se aproximavam dela, e a liberdade com que a
olhavam ou se dirigiam a ela, a primeira confusão de sua situação diminuiu, e
em sua curiosidade para observar os outros, ela deixou de notar o quanto ela
mesma era observada.
Suas expectativas de entretenimento não apenas foram atendidas, mas
também superadas; a variedade de vestidos, a miscelânea de personagens, a
rápida sucessão de figuras e a ridícula mistura de grupos mantiveram sua
atenção incansável, enquanto os pretensiosos esforços de sagacidade, a total
falta de consistência e a ridícula incongruência da linguagem com a aparência
eram incitações à surpresa e diversão sem fim. Até mesmo os jargões locais,
“Você sabe quem eu sou?” “Quem é você?” e “Eu conheço você”, com o
apontar astuto de um dedo, o aceno de cabeça arqueado e o guincho atrevido
da voz, embora enfadonhos para aqueles que frequentam tais reuniões, eram,
para sua observação descomplicada, temas adicionais de diversão.
Logo depois das nove horas, todos os aposentos estavam ocupados e a
multidão comum de mascarados regulares se dispersou pelas várias salas.
Dominos13 sem personalidade e fantasias sem significado constituíam, como
é habitual nessas reuniões, os trajes gerais do grupo; quanto aos demais, os
homens eram espanhóis, limpadores de chaminés, turcos, vigilantes, mágicos
ou velhas mulheres; as damas eram pastoras, circassianas, ciganas, ceifadoras
e sultanas.
Cecilia, até então, havia escapado de qualquer aproximação além da
pergunta habitual: “Você sabe quem eu sou?” e alguns elogios de passagem,
mas, quando as salas ficaram cheias, ela foi atacada de uma maneira mais
direta e singular. O primeiro mascarado que se aproximou dela parecia não
ter outro objetivo em vista além de impedir a aproximação dos demais; ainda
assim, ele tinha poucos motivos para esperar favores para si mesmo, pois a
personagem que representava, entre todas as menos atraentes que estavam à
vista, era o diabo! Ele vestia preto dos pés à cabeça, exceto por dois chifres
vermelhos que pareciam brotar de sua testa; seu rosto estava tão
completamente coberto que apenas seus olhos eram visíveis; seus pés
estavam fendidos e em sua mão direita segurava um cajado da cor de fogo.
Ele agitou o cajado enquanto avançava em direção a Cecilia e abriu um
espaço semicircular diante da cadeira dela. Três vezes, com a mais profunda
reverência, ele inclinou-se para ela; três vezes ele virou-se fazendo caretas e,
então, plantou-se ferozmente ao seu lado. Cecilia divertiu-se com a farsa, mas
não sentiu muito prazer com sua tutela e, pouco tempo depois, levantou-se,
com a intenção de ir para outro lugar; porém, o cavalheiro negro, movendo-se
habilmente ao seu redor, estendeu o cajado para obstruir sua passagem e,
portanto, preferindo o cativeiro à resistência, ela foi novamente obrigada a
sentar-se.
Um Hotspur,14 que só então fez sua aparição, estava se pavoneando
corajosamente em sua direção, mas o diabo avançou furiosamente e colocou-
se imediatamente entre eles. O Hotspur ergueu os braços em um gesto
desafiador, deu uma forte batida com o pé direito e, então, marchou para
outra sala! O diabo vitorioso acenou ostensivamente seu cajado e voltou para
sua posição.
Mr. Arnott, que nunca havia se afastado dois metros de Cecilia, como a
conhecia muito bem para supor que sentisse prazer em ser assim distinguida,
avançou modestamente oferecendo sua ajuda para libertá-la do confinamento,
mas o diabo, novamente descrevendo um círculo com seu cajado, deu-lhe três
pancadas tão fortes na cabeça que os fios do seu cabelo ficaram desordenados
e seu rosto coberto de pó. Ouviu-se uma risada geral, e Mr. Arnott, muito
tímido para atrever-se a enfrentar a zombaria ou suportar a vergonha, retirou-
se confuso. O cavalheiro negro parecia ter toda a autoridade em suas próprias
mãos, e seu cajado era brandido com mais ferocidade do que nunca, ninguém
mais se atrevia a invadir o domínio que pensava apropriado para ser seu. No
entanto, finalmente um Dom Quixote surgiu e todas as máscaras presentes
ficaram ansiosas para lhe mostrar o aprisionamento de Cecilia.
Este Dom Quixote estava munido de uma tolerável exatidão, segundo a
descrição admirável de Cervantes: sua armadura estava enferrujada, seu elmo
era a bacia de um barbeiro, seu escudo, um prato de estanho, e sua lança, uma
velha espada presa a uma bengala fina. Sua figura, alta e magra, estava bem
adaptada ao personagem que representava, e sua máscara, que vestida com
cuidado retratava um rosto magro e abatido, mas ardente de loucas paixões,
exibia, com decoro mais chamativo, o cavalheiro de triste semblante. Ele
ouviu com a mais solene taciturnidade as queixas contra o demônio, com as
quais de imediato e a partir de todos os ângulos foi assaltado; depois disso,
fez um pedido de silêncio geral, caminhou majestosamente em direção a
Cecilia, mas deteve-se ao atingir os limites prescritos por seu guardião; ele
beijou sua lança em sinal de lealdade e, em seguida, caiu lentamente sobre
um joelho e deu início ao seguinte discurso:
— Princesa incomparável! Assim humildemente prostrado aos pés de
vossa divina e inefável beleza, permitais graciosamente que o mais miserável
dos teus servos, Dom Quixote De La Mancha, a partir da vossa altíssima e
terna graça, saúde as belas tábuas que sustentam vossa máquina corpórea.
Então, ele baixou a cabeça e beijou o chão; a seguir, levantou-se e
prosseguiu com o discurso.
— Diga, ó virgem mais bela e incomparável! Há afirmações ousadas de
que uma certa pessoa descortês, que se autodenomina o diabo, mesmo agora,
e contrariando vossas justas predisposições, mantém e detém vossa estrutura
irradiante em servidão hostil. Permitais então, magnânima e indescritível
dama, que eu, o mais humilde dos vossos indignos vassalos, vasculhe a
verdade justa deste crivo desprezível e, obsequiosamente, inclinando-me a
suas atrações divinas, conjuro a vossa alteza que me informe se esta cadeira
honrosa que por acaso sustenta vossas perfeições terrestres contém a carga
inimitável com o consentimento livre e legal de seu espírito celestial?
Neste momento, ele fez uma pausa, e Cecilia, que ria do discurso tão
característico, embora não tivesse coragem de responder, voltou a fazer um
esforço para deixar o seu lugar, mas novamente pelo cajado de seu
perseguidor foi impedida.
Este pequeno incidente foi resposta suficiente para o valente cavaleiro, que
exclamou indignado:
— Sublime dama! Eu imploro a vossa primorosa misericórdia, que me
abstenha de transformar a composição de argila de meu corpo indigno em pó
impalpável, pelo resplendor dessas estrelas brilhantes vulgarmente chamadas
de olhos, até que eu tenha legitimamente aliviado minha vingança sobre este
despretensioso covarde, em função da sua mais desleal obstrução do adorável
deleite que é vossa alteza.
Então, ele curvou-se, afastou-se dela e dirigiu-se ao seu suposto
antagonista:
— Oh, vilão descortês! A vestimenta negra que envolve pessoa tão
desagradável parece ser da brancura mais arrebatadora se comparada à bile
negra que brota de dentro da tua pele. Eis a nossa discórdia! Ainda assim,
antes que eu me digne a ser o instrumento da tua extirpação, ó tu, o mais
mesquinho e ignóbil inimigo! Para que a honra de Dom Quixote De La
Mancha não seja maculada pela tua extinção, concedo-te aqui a honra do
título de cavaleiro, designando-o, pela minha própria espada, Dom Diabo,
cavaleiro de horrível semblante.
Ele, então, tentou golpear o ombro do outro com a lança, mas o cavalheiro
negro habilmente esquivou-se do golpe e fez sua defesa com o cajado;
seguiu-se uma luta simulada, conduzida em ambos os lados com destreza
admirável, mas Cecilia, menos disposta a assistir do que tornar-se novamente
uma agente livre, fugiu para outro aposento, enquanto o resto das damas,
embora quase todas estivessem gritando, pulava nas cadeiras e sofás para
espiar o combate.
Por fim, o cajado do cavaleiro de horrível semblante quebrou-se contra o
escudo do cavaleiro de triste semblante, sobre o qual Dom Quixote gritou
vitória! O som ecoou por toda a sala; o infeliz novo cavaleiro retirou-se
abruptamente para o outro aposento e o conquistador Dom recolheu os
fragmentos da arma do inimigo vencido e saiu em busca da dama por cuja
libertação havia lutado. No momento em que a encontrou, prostrou-se aos
seus pés, apresentou seus troféus e pressionou novamente os lábios no chão;
então, levantou-se lentamente, repetiu suas reverências com mais formalidade
e, sem esperar agradecimentos, retirou-se gravemente.
No momento em que ele partiu, uma Minerva, não tão majestosa nem
austera, sem a marcha característica de uma majestade guerreira, mas alegre e
afetada, tropeçou levemente no fantástico dedo do pé, aproximou-se de
Cecilia e guinchou: — Você sabe quem eu sou?
— Não — respondeu ela, lembrando-se imediatamente de Mrs. Larolles
—, pela aparência em si! Mas, pela voz, acho que sei quem é.
— Lamentei monstruosamente — respondeu a deusa, sem entender a
distinção — por não estar em casa quando foi me visitar. Diga, gostou do
meu traje? Eu garanto que é o mais bonito aqui. Mas, a senhorita sabia que a
coisa mais chocante do mundo aconteceu na sala ao lado? Eu realmente
acredito que um limpador de chaminés de verdade entrou! Eu lhe garanto que
é o suficiente para matar qualquer um de susto, pois, toda vez que ele se
move, o cheiro de fuligem é tão forte que a senhorita nem consegue imaginar;
a fuligem é bastante real, eu lhe garanto! Apenas imagine o quão
desagradável foi! Eu declaro que desejo de todo o coração que ele se asfixie
com ela.
Neste momento, ela foi interrompida pelo aparecimento de Dom Diabo,
quem, ao olhar ao seu redor e perceber que seu antagonista havia partido,
aproximou-se novamente de Cecilia. No entanto, não possuía a mesma
autoridade da sua primeira abordagem, pois com seu cajado ele havia perdido
grande parte do seu poder. Porém, para recompensar a si mesmo pela
desgraça, ele recorreu a outro método igualmente eficaz para manter sua
presa para si: ele começou a rosnar, de forma tão lúgubre e desagradável, que
enquanto muitas damas, entre as primeiras, a Deusa da Sabedoria e Coragem,
fugiram para evitá-lo, os cavalheiros permaneceram indiferentes para ver o
que viria a seguir. Cecilia sentiu-se seriamente inquieta, pois havia se tornado
um objeto de atenção geral. Ela não conseguia sugerir nenhum motivo para
um comportamento tão caprichoso, embora imaginasse que a única pessoa
que poderia ter a segurança de fazê-lo era Sir Robert Floyer.
Depois de algum tempo passado de forma tão desagradável, um domino
branco, que por alguns minutos tinha sido um espectador muito atento,
aproximou-se repentinamente e exclamou: — Eu irei confrontá-lo, mesmo
que seja vencido! — ele avançou sobre o demônio, agarrou um dos seus
chifres e gritou para um Arlequim que estava por perto: — Arlequim! Você
tem medo de lutar contra o diabo?
— Na verdade, não! — respondeu o Arlequim, cuja voz imediatamente
traiu o jovem Morrice. Ele saiu da multidão, girou diante do cavalheiro negro
com mais agilidade do que havia feito com Cecilia e iniciou um ataque, com
algum intervalo entre eles, com muitos golpes violentos nos ombros, na
cabeça e nas costas, com sua espada de madeira.
A fúria de Dom Diabo diante do ataque parecia um pouco além do que um
personagem mascarado tornava necessário; ele espumava pela boca de
ressentimento e se defendia com tanta veemência que logo levou o pobre
Arlequim para a outra sala. Porém, quando caminhava de volta à sua presa, o
gênio da pantomima, reprimido, mas não subjugado pela incitação do domino
branco, voltou à luta e, por uma rotação perpétua de arremetidas e retiradas,
foi mantido em constante atividade, sendo perseguido de sala em sala, e
provocado sem interrupção ou misericórdia.
Nesse ínterim, Cecilia, feliz por ser libertada, correu para um canto, onde
esperava poder respirar e observar em silêncio. O domino branco, depois de
exortar o Arlequim e atormentar o algoz até conseguir mantê-lo à distância,
caminhou até ela para felicitá-la pela liberdade recuperada.
— Foi o senhor — respondeu ela —, devo agradecê-lo, o que de fato faço
de todo o coração. Eu estava tão cansada do confinamento, que minha mente
parecia quase tão aprisionada quanto minha pessoa.
— Seu perseguidor, eu presumo — disse o domino —, é conhecido pela
senhorita.
— Espero que sim — respondeu ela —, pois há um homem de quem
suspeito e lamentaria descobrir que há outro igualmente desagradável.
— Oh, pode contar com isso — exclamou ele —, há muitos outros que
ficariam felizes em confiná-la da mesma maneira; mas a senhorita não tem
muitos motivos para queixas. Sem dúvida foi a agressora e participou deste
jogo sem piedade, pois eu li em seu rosto o cativeiro de milhares; teria, então,
a senhorita, o direito de sentir-se ofendida pelo espírito da represália, o qual,
dentre tantas, teria coragem para se manifestar em resposta?
— Eu protesto — exclamou Cecilia —, tomei o senhor como meu
defensor! Em que momento se tornou meu acusador?
— Quando vi o perigo a que meu incauto cavaleiro errante me expôs.
Começo, de fato, a considerá-la uma pessoa muito maliciosa, e temo que o
pobre diabo de quem eu a resgatei queira vingar-se amplamente da sua
desonra quando descobrir que o primeiro uso que a senhorita fez da liberdade
foi condenar seu libertador à escravidão.
Neste momento, eles foram perturbados pela extrema oratória de duas
partes opostas: aguçando os ouvidos, eles escutaram de um lado: — Meu
anjo! A mais bela das criaturas! Deusa do meu coração! — pronunciada com
acentos de êxtase, enquanto, do outro lado, a vociferação era tão violenta que
eles não podiam ouvir nada distintamente.
O domino branco satisfez sua curiosidade indo até onde estavam os dois
grupos; quando retornou para Cecilia, ele disse: — A senhorita pode
imaginar quem produzia as falas suaves? Um Shylock.15 Com a faca o tempo
todo na mão, e seu propósito era, sem dúvida, fazer um corte o mais próximo
possível do coração, enquanto o cacarejo alto do outro lado foi causado pela
alegria desenfreada de um Mentor barulhento! Na próxima vez que ouvir um
distúrbio, devo esperar ver algum Pitágoras afetado surpreendido por seus
discípulos tagarelas.
— Para dizer a verdade — disse Cecilia —, a negligência quase universal
dos personagens assumidos por esses mascarados foi minha principal fonte
de entretenimento esta noite, pois, em um lugar desse tipo, o melhor que se
pode comparar a um personagem bem apoiado é um personagem
ridiculamente burlesco.
— A senhorita, então, não pretendia se divertir — respondeu o domino —,
pois, entre todas as pessoas reunidas nestes aposentos, vi apenas três que
pareciam cientes de que alguma mudança, além dos trajes, era necessária para
disfarçá-los.
— E quem são elas?
— Um Dom Quixote, um professor e seu amigo diabo.
— Oh, não o chame de meu amigo — exclamou Cecilia —, pois, de fato,
com ou sem fantasia, ele é particularmente minha aversão!
— Sendo assim, eu o chamarei de meu amigo — disse o domino —, pois,
ainda que representasse dez demônios, eu lhe devo alguma consideração, já
que é graças a ele que tenho a honra de conversar com a senhorita. E, apesar
de tudo, para dar a ele o que lhe é devido, o que, como sabe, mesmo
proverbialmente tem direito, ele demonstrou tal habilidade no desempenho
do seu papel, tanta habilidade na exibição da malícia e tanta perseverança na
arte de atormentar, que não posso deixar de respeitar sua engenhosidade e
capacidade. Na verdade, se no lugar de um gênio do mal ele tivesse
representado um anjo da guarda, ele poderia ter exibido um gosto mais
refinado em sua escolha pelo objeto sobre o qual iria pairar.
Só então eles foram abordados por uma jovem ceifadora, para quem o
domino branco disse: — A senhorita parece tão alegre e cheia de energia,
como se tivesse acabado de sair do campo de feno depois de apenas meio-dia
de trabalho. Por favor, diga, como é que as belas senhoritas encontram
trabalho no inverno?
— Como? — respondeu ela, atrevidamente —, ora, da mesma forma que
no verão! — satisfeita com sua prontidão para responder e sem perceber o
quanto isso revelava sua ignorância, ela tropeçou ligeiramente.
A seguir, o professor mencionado pelo domino branco aproximou-se de
Cecilia. Seu traje era apenas uma longa e folgada túnica verde, um par de
chinelos vermelhos e uma touca de noite de lã da mesma cor, enquanto, como
símbolo da sua profissão, ele segurava uma vara em uma das mãos.
— Ah, bela dama — exclamou ele —, como seria reconfortante para a
austeridade da minha vida, como suavizaria a rigidez das minhas maneiras, se
eu pudesse, sem ultrapassar os limites, o que eu seria o primeiro a
desencorajar, incitar uma tal confusão da ordem onde o próprio aluno deveria
castigar seu mestre, e que lhe fosse permitido lançar a seus pés este emblema
de minha autoridade e esquecer, na suavidade da sua conversa, toda a
aspereza da disciplina!
— Não, não — exclamou Cecilia —, eu não serei responsável por tamanha
corrupção!
— Esta recusa — respondeu ele — é exatamente o que eu temia, que
infelicidade a minha! Sob qual pretexto um pobre e miserável pedagogo do
campo ousaria se aproximar da senhorita? Devo examinar seus
conhecimentos das línguas mortas? O sotaque das línguas vivas não seduziria
todo o poder de reprovação? Poderia eu olhar para a senhorita enquanto ouço
uma concordância errada? Deveria eu condená-la a tomar mingau de aveia
com água como se fosse uma aluna relapsa? Será que eu mesmo não passaria
a desejá-lo como um louco por puro arrependimento? Se sua bela mão
estivesse estendida para mim para receber um corretivo, deveria eu pousar
meus lábios sobre ela, no lugar da minha vara de vime? Se eu a convocasse,
deveria me lembrar de enviá-la de volta? E se lhe ordenasse que ficasse em
um canto, como poderia me abster de segui-la até lá?
Cecilia, que não teve nenhuma dificuldade para reconhecer o pretenso
professor como Mr. Gosport, estava começando a propor condições para
conceder-lhe sua atenção, quando seus ouvidos foram assaltados por uma
tosse tísica forçada, que descobrira ser proveniente de uma aparente senhora
idosa, que era na verdade um jovem disfarçado, e cujo andar manco, voz
grunhida e as mais graves queixas de asma pareciam ser muito apreciadas e
aplaudidas pelo grupo.
— Quanta verdade há nesta cena, mas ao mesmo tempo é tão
inconsistente! — exclamou o domino branco —, que, embora todos
desejemos viver muito, também temos horror a ficar velhos. A figura que
agora passa não pretende ridicularizar nenhuma pessoa em particular, nem
estigmatizar qualquer absurdo em particular; seu único propósito é expor ao
desprezo e escárnio as enfermidades comuns e naturais da idade! E o projeto
não é mais nojento do que descortês; por que, enquanto aguardamos tão
cuidadosamente todas as aproximações da morte, deveríamos fechar os
únicos caminhos para a felicidade de uma vida longa, de respeito e de
ternura?
Cecilia, encantada tanto com a compreensão quanto pela humanidade de
seu novo conhecido, e satisfeita por ter se unido a Mr. Gosport, começava a
ficar perfeitamente satisfeita com sua situação, quando, caminhando
suavemente em sua direção, ela mais uma vez viu o cavalheiro negro.
— Ah! — exclamou ela, com certa irritação —, aí vem meu velho algoz!
Protejam-me dele, se possível, ou ele vai me fazer sua prisioneira de novo.
— Não tema — exclamou o domino branco —, trata-se de um espírito
maligno, e certamente iremos derrotá-lo. Se um feitiço falhar, tentaremos
outro.
Cecilia, então, ao ver Mr. Arnott, implorou que ele também ajudasse a
protegê-la do demônio que tão obstinadamente a perseguia.
Mr. Arnott acedeu à proposta com muita gratidão, e o domino branco, que
atuava como comandante, designou a cada um seu posto: ele desejava que
Cecilia ficasse quieta em seu assento, nomeou o professor para ser seu
guardião à esquerda, tomou posse da posição oposta e ordenou a Mr. Arnott
que ficasse de sentinela na frente.
Uma vez que o arranjo estava decidido, os guardas das alas direita e
esquerda instantaneamente garantiram seus lugares, mas enquanto Mr. Arnott
considerava se era melhor enfrentar o sitiado ou o inimigo, o arqui-inimigo
avançou repentinamente diante dele e colocou-se aos pés de Cecilia.
Mr. Arnott, extremamente desconcertado, deu início a uma séria
reclamação sobre a má educação desse tipo de comportamento, mas o diabo,
apoiando todas as desculpas no seu caráter, simplesmente respondeu com um
rosnado.
O domino branco pareceu hesitar por um momento sobre a maneira que a
situação deveria ser conduzida e, com uma rapidez que acentuou seu
desgosto, disse a Cecilia: — A senhorita me disse que o conhecia; ele tem o
direito de persegui-la?
— Se ele pensa que sim — respondeu ela, um pouco alarmada com a
pergunta —, não é o momento para discutir o assunto.
E, então, para evitar qualquer risco de confrontação, ela discretamente
evitou fazer mais reclamações, preferindo qualquer perseguição a protestar
seriamente com um homem tão insolente como o baronete.
O professor, rindo de toda a operação, disse apenas: — Ora, madame,
depois de brincar de diabo com toda a humanidade, que direito tem de
reclamar que um homem brinque de diabo com a senhorita?
— Devemos, ao menos, protegê-la — disse o domino branco — de
qualquer outro agressor. Nenhum Cérbero16 de três cabeças poderia protegê-
la com maior eficácia, mas a senhorita não vai, portanto, imaginar-se no
mundo inferior, pois, se não estou enganado, o tormento de ter três guardiões
não é novidade para a senhorita.
— E como — perguntou Cecilia, surpresa — o senhor poderia saber sobre
os meus três guardiões? Espero não estar completamente cercada por
espíritos malignos!
— Não — respondeu ele —, a senhorita vai me achar tão inofensivo
quanto o tom do domino que uso, e eu poderia acrescentar até mesmo
insensível.
— Este cavalheiro negro — disse o professor —, que eu inocentemente
chamaria de infame, tem uma disposição tão nobre e demoníaca que não me
lembro de ter visto igual, pois, mesmo sem tentar se divertir, ele parece muito
satisfeito em excluir do seu coração a dama a quem serve.
— Ele me faz uma honra da qual eu poderia prescindir — disse Cecilia —,
mas espero que ele possa obter alguma satisfação secreta desta situação, o
que compensaria a sua aparente inconveniência.
Neste momento, o cavalheiro negro ergueu metade do corpo e tentou
segurar a mão dela. Ela se assustou e, com muito desgosto, recuou. Ele,
então, rosnou e caiu novamente, prostrado.
— Este é um demônio — disse o professor — que diz para si mesmo:
“Não se mexa!” Que sua consciência nunca o faça dizer com frequência:
“mexa-se!” Bem, bela dama, suas fortificações, no entanto, podem agora ser
consideradas inexpugnáveis, já que eu, com um movimento de minha
varinha, posso afastar os jovens com a lembrança do passado, e já que o
demônio, com um movimento do seu pé, pode manter o medo do futuro longe
dos velhos!
Neste momento, um turco, ricamente vestido e usando joias
resplandecentes, caminhou na direção de Cecilia, tendo a observado por
algum tempo, e exclamou: — Tenho procurado durante toda a noite e, creia-
me, não vi nada bonito até agora!
No momento em que ele abriu a boca, sua voz, para seu total assombro,
traiu Sir Robert Floyer!
— Misericórdia! — exclamou ela em voz alta, apontando para o demônio
—, quem, então, é este?
— A senhorita não sabe? — perguntou o domino branco.
— Achei que soubesse — respondeu ela —, mas agora vejo que estava
enganada.
— Eis um homem de sorte — disse o professor, enquanto olhava
sarcasticamente para o turco —, pois foi capaz de remover as suspeitas que
caíam sobre si simplesmente surgindo com outro personagem.
— Ora, por que diabos — exclamou o turco — a senhorita tomou este
cachorro preto pela minha pessoa?
Antes que a pergunta fosse respondida, um forte odor de fuligem fez com
que todos olhassem ao redor da sala, e o limpador de chaminés, já
mencionado por Miss Larolles, foi notado entrando no aposento. Em todas as
direções que se movia, sua passagem era liberada, já que o grupo, com
repulsa generalizada, recuava para onde quer que ele avançasse.
O homem era baixo e parecia um tanto incomodado com seu traje; ele
segurava um saco de fuligem sobre um braço e uma pá sob o outro. Assim
que avistou Cecilia, cuja situação era tal que não poderia tê-lo enganado, ele
deu um assobio e aproximou-se, tropeçando: — Ah, ha — exclamou —,
finalmente a encontrei — ele jogou a pá no chão, abriu a bolsa e apontou para
a cabeça dela, dizendo: — Vamos, devo ralhar com você? Este é um bom
lugar para meninas travessas! Entre, vamos! Suba na chaminé!
Então, ele estendeu as mãos sujas de fuligem para alcançar a touca dela.
Cecilia, embora reconhecesse instantaneamente o dialeto do seu tutor, Mr.
Briggs, não estava mais disposta a ser manipulada e começou a se afastar
para se salvar do seu toque; o domino branco também avançou e estendeu os
braços em defesa da moça, enquanto o demônio, que ainda estava diante dela,
voltou a rosnar.
— Ah, ha! — exclamou o limpador de chaminés, rindo —, então, não me
reconheceu? Pobre menina! Não vou te machucar, não tenha medo, nada
além do velho guardião, é só uma brincadeira! — então, ele deu alguns
tapinhas na sua bochecha com a mão suja e acenou para ela com muita
gentileza: — Linda pombinha — acrescentou ele —, tenha um bom coração!
Não deve ser arrogante; vim para tomar conta de você. Ouvi falar dos seus
truques; pensei que te enganaria, vim de propósito. Pobre menina! Não me
reconheceu! Ha! Ha! Boa piada!
— O que pretendia, seu cachorro sujo — exclamou o turco —, ao tocar
nessa dama?
— Eu não vou dizer — respondeu ele —, não é da sua conta. Tenho um
bom motivo. Quem se importa com as pérolas? Nada além de miçangas
francesas — ele apontou com desprezo para o turbante do turco. Então,
novamente dirigindo-se a Cecilia: — Belas obras! — continuou ele —, eis
um belo lugar! Nunca vi nada parecido antes! Isso vira a cabeça de um
homem! Tudo saindo, nada entrando, velas em todos os cômodos, tantos
criados quanto cogumelos! E onde está o dinheiro? Quem vai pagar o
flautista? Vai custar mais de um guinéu. Mr. Harrel deve achar que isso não é
nada.
— Um guinéu? — repetiu o turco, desdenhosamente. — O que acha que
dá para fazer com um guinéu?
— O quê? Ora, dá para manter uma família por uma semana; nunca gasto
tanto assim, nem a metade.
— Como, então, você vive? Você pede esmolas?
— Pedir esmolas? Para quem eu vou pedir esmolas? Para você? Você tem
alguma coisa para me dar? É dinheiro limpo?
— Dê-se ao trabalho de falar com mais respeito, senhor! — disse o turco,
com altivez. — Vejo que é uma pessoa de classe inferior e não vou tolerar
sua imprudência.
— Não vou tolerar! Por favor! — respondeu o limpador de chaminés, com
firmeza. — Ouça, minha menina — enquanto dava um tapinha no queixo de
Cecilia —, não se deixe enganar pelo brilho! Não importam os ornamentos de
ouro, não são dele, tudo simulação, contratados por dezoito centavos, não
valem nada. Nunca coloque seu coração nas aparências quando não há nada
por dentro. Os diamantes de Bristol não compram ações, só servem para
enganá-la.
— O que quer dizer com isso, seu velho ordinário? — exclamou o turco,
imperioso. — Você me obrigaria a sujar meus dedos puxando esse
abominável nariz arrebitado? — Mr. Briggs poupara-se de qualquer máscara
de verdade, simplesmente enegrecendo o rosto com fuligem.
— Abominável nariz arrebitado? — cuspiu o limpador de chaminés, com
muita raiva —, nariz muito bom, não preciso de um melhor, tão bom quanto
o de qualquer homem. Onde está o mal nisso?
— Como este homem infame entrou aqui? — gritou o turco. — Acredito
que seja um mero limpador de chaminés comum que veio da rua, pois está
coberto de sujeira e fuligem. Nunca vi uma fantasia assim em um baile de
máscaras na minha vida!
— Melhor ainda, eu não tenho a intenção de trocar. Quanto acha que me
custou?
— Custou? Ora, nem uma coroa.
— Uma coroa? Ha! Ha! Uma jarra de cerveja! O pequeno Tom pegou
emprestada, nós usamos para nossa própria varredura. Ele disse que era para
ele mesmo. Eu ofereci uma cerveja, o patife não o faria por menos.
— Seu falecido tio — disse o domino branco, em voz baixa — escolheu
dois dos seus tutores, Mr. Harrel e Mr. Briggs, para lhe dar uma primeira
lição sobre os pecados da fartura e da mesquinhez?
— Meu tio?! — exclamou Cecilia, assustada —, o senhor conhecia meu
tio?
— Não — disse ele —, para minha felicidade, eu não o conheci.
— O senhor não teria desperdiçado sua felicidade se o tivesse conhecido
— respondeu Cecilia, muito séria —, pois era alguém que dedicava aos
amigos nada além da bondade.
— Talvez — disse o domino —, mas temo que deveria ter descoberto que
a bondade que dedicou através da sua sobrinha não estava totalmente isenta
de maldade.
— O que é isso?! — exclamou o limpador de chaminés, tropeçando no
demônio. — O que é essa coisa negra? Não gosto disso, parece o diabo. Você
não pode ficar com isso, alguém o leve embora, eu mesmo vou cuidar de
você.
Ele, então, ofereceu a mão a Cecilia, porém o cavalheiro negro pôs-se de
joelhos diante dela, pagou-lhe, em uma demonstração muda, os mais
humildes devoirs, mas a impediu de se retirar.
— Ah, ha! — exclamou o limpador de chaminés, enquanto acenava
significativamente com a cabeça. — Sinto cheiro de rato! Um enamorado
disfarçado! Não vai me enganar, não vai dar certo, não me rendo tão rápido.
Se tem algo a dizer, diga a mim, este é o caminho. Onde está o dinheiro?
Alguma vez recebeu algum aluguel? O dinheiro é limpo? Eis a questão: o
dinheiro é limpo?
O demônio, sem dar uma resposta, continuou sua homenagem a Cecilia, ao
que o furioso limpador de chaminés exclamou: — Venha, venha comigo!
Não se deixe manipular, uma velha raposa, veja a armadilha!
Ele, então, estendeu novamente a mão, mas Cecilia apontou para o
demônio e respondeu: — Como posso ir, senhor?
— Vou lhe dizer como — disse ele e pegou sua própria pá e muito
rudemente começou a removê-lo do caminho.
O demônio soltou um grito tão horrível que perturbou todas as pessoas,
mas o limpador de chaminés prosseguiu, dizendo: — Sim, sim, pode rosnar,
não faz diferença — e vigorosamente continuou seu trabalho. Como o
demônio não tinha como resistir a um adversário tão grosseiro sem uma luta
séria, ele viu-se obrigado a mudar de atitude.
— Trabalho pesado! — exclamou o limpador de chaminés, vitorioso,
enquanto tirava a peruca e enxugava a cabeça com as mangas. — Puro
trabalho pesado!
Cecilia, mais uma vez livre do seu perseguidor, imediatamente abandonou
seu lugar, quase igualmente desejosa de escapar do turco arrogante, que era
peculiarmente sua aversão, e do jocoso limpador de chaminés, cuja
aproximação, fosse por causa da sua vestimenta, seu cheiro, ou da sua
conversa, era de forma alguma desejável. Mas ela não ficou insatisfeita com o
fato de que tanto o domino branco quanto o professor continuassem ao seu
lado.
— Veja — disse o domino branco, quando eles entrarem em outro
aposento —, veja aquela representação da Esperança. Há alguém nesta sala
que expresse maior desânimo?
— No entanto, a razão é óbvia — respondeu o professor. — Aquela leve e
bela âncora de prata sobre a qual ela se reclina apresenta uma ocasião
irresistível para uma atitude de elegante abatimento, e o caráter assumido é
sempre abandonado onde uma oportunidade se oferece para exibir qualquer
beleza, ou manifestar qualquer perfeição na pessoa querida!
— Mas, por que — disse Cecilia — ela escolheria assumir a personagem
da Esperança? Ela não poderia estar igualmente abatida e elegante como
Niobe, ou alguma rainha da tragédia?
— Mas ela não assume a personagem — respondeu o professor —, ela
nem pensa nisso: a fantasia é seu objetivo, e só isso preenche suas ideias.
Pergunte a qualquer pessoa nesta sala sobre as pessoas que parecem
representar e descobrirá que a ignorância delas é mais grosseira do que pode
imaginar; elas não pensaram nenhuma vez sobre o assunto; o acaso, a
conveniência ou o capricho por si só direcionaram suas escolhas.
Neste momento, um jovem alto e elegante se aproximou deles, cujos
louros e harpa anunciavam tratar-se de Apolo. O domino branco
imediatamente lhe perguntou se havia alguma chance de o barulho e a
turbulência dos convidados serem silenciados e arrebatados em favor da
música divina do deus inspirado.
— Não — respondeu ele, apontando para a sala onde fora erguida uma
nova galeria e, de onde, enquanto falava, emanava o som de um oboé —, já
há uma flauta tocando lá.
— Tudo por culpa de Midas — exclamou o domino branco —, para
devolver a este deus com orelhas de burro a desonra que dele recebeu!
Eles dirigiram-se, então, ao aposento que recentemente tinha sido
equipado para servir refrescos. Estava tão cheio que eles tiveram alguma
dificuldade para entrar. Ali eles encontraram novamente Minerva, que pegou
a mão de Cecilia e disse: — Meu Deus, como estou feliz por a senhorita ter
se livrado daquela máscara negra assustadora! Não consigo imaginar quem
seja, ninguém conseguiu descobrir. É monstruosamente estranho, mas ele não
disse uma palavra durante toda a noite, e ele produz um som tão perturbador
quando tocado pelas pessoas, que garanto que é o suficiente para assustar
qualquer um.
— Por favor — exclamou o professor, disfarçando a voz —, como pôde
tomar o capacete de Minerva pela touca de uma tola?
— Meu lorde, eu não fiz isso — exclamou ela, inocentemente —, ora, o
traje todo é da Minerva, o senhor não vê?!
— Minha querida criança — respondeu ele —, a senhorita poderia muito
bem com essa pequena figura passar por Golias, assim como com essa
pequena inteligência por um Palas.
A atenção deles foi, então, atraída da deusa da sabedoria para um Edgar
enlouquecido, que corria pela sala, gritando: — O pobre Tom pegou um
resfriado e foi obrigado a retirar a máscara!
Pouco tempo depois, um cavalheiro que desejava uma limonada e cuja
toga revelava sua dignidade consular, embora seu inglês ruim traísse um
nativo da França, foi seguido pelo professor, que, com a mais profunda
reverência, passou a falar com ele em francês, mas quem, voltando-se
rapidamente para ele, disse alegremente: — Monsieur, j’ai l’honneur de
representer Ciceron, le grand Ciceron, pere de as patrie! Mais quoique j’ai
cet honneur-la, je ne suit pas pedant! Mon Dieu, Monsieur je ne parle que le
François dans la bonne compagnie!17 — e depois de curvar-se
educadamente, ele seguiu seu caminho.
Nesse momento, enquanto procurava Mrs. Harrel pela sala, Cecilia foi
subitamente beliscada na bochecha; ela virou-se rapidamente e viu
novamente seu amigo, o limpador de chaminés, que, rindo, gritou: — Sou
apenas eu, não tenha medo. Tenho algo a lhe dizer, não tive sorte, ainda não
consegui um marido para você. Não consigo encontrar nenhum! Eu procurei
em todos os lugares, fui muito perspicaz. Nenhum disponível, todos os bons
já foram fisgados.
— A notícia me alegra, senhor — disse Cecilia, um tanto contrariada ao
observar que o domino branco escutava atentamente. — E espero que não se
dê mais o trabalho.
— Linda menina! — exclamou ele, dando um tapinha no queixo dela. —
Não se importe com isso, e não fique desanimada; eu vou acabar achando
alguém. Deixe isso comigo. E vai ter um bom dinheiro, não me contentarei
com menos. Adeus, menina, adeus! Vou para casa agora, estou começando a
ficar com sono.
Então, ele repetiu as carícias gentis e foi embora.
— A senhorita acredita, então — disse o domino branco —, que Mr.
Briggs tenha mais discernimento e gosto do que qualquer outra pessoa?
— Espero que não! — respondeu ela —, pois, na verdade, se assim fosse,
eu não teria uma boa opinião do resto do mundo.
— A missão que lhe cabe, então — respondeu o domino —, me
confundiu; eu imaginei que gosto e discernimento deveriam ser ingredientes
necessários para fazer uma escolha que sua aprovação santificaria, mas talvez
sua habilidade para protegê-la de qualquer fraude ou subtração na condição
por ele mencionada pode ser tudo o que é necessário para a execução da sua
missão.
— Eu compreendo muito bem — disse Cecilia, um pouco magoada — a
seriedade do que o senhor quis dizer; e se Mr. Briggs recebesse qualquer
missão que não fosse a sua própria sugestão, isso me envergonharia e me
deixaria confusa, mas, como não é o caso, estas são sensações que a situação
não pode me causar.
— O que estou tentando dizer — disse o domino, com uma certa
austeridade —, se fosse expressar com seriedade, apenas demonstraria o
respeito e admiração que a senhorita me inspirou, e se de fato, como Mr.
Briggs insinuou, tal prêmio deverá ser adquirido pela riqueza, não sei, pois,
pelo que entendi do mérito, qualquer soma é adequada ao seu valor.
— Vejo que está determinado — disse Cecilia, sorrindo — a reparar sua
aspereza de maneira mais liberal.
Um falatório interrompeu seu discurso, e o domino, a pedido de Cecilia,
para quem ele havia conseguido um assento, prontificou-se a indagar o que
estava acontecendo. Porém, assim que ele abandonou seu posto ao lado dela,
para sua grande mortificação, o lugar foi ocupado pelo demônio. Uma vez
mais, porém com o mesmo silêncio decidido que até então preservara, ele lhe
deu sinais de obediência e respeito, e a perplexidade de Cecilia ao conjecturar
quem poderia ser, ou quais eram seus motivos para tal perseguição, tornou-se
mais urgente, pois estes pareciam ser os menos satisfeitos. No entanto, o
demônio, que não era outro senão Mr. Monckton, sentia a cada instante
menos estímulo para se revelar; seu plano não tinha obtido êxito e sua
inclinação ao fracasso lhe havia causado a mais amarga decepção. Ao
personalizar um algoz, ele pretendia não apenas persegui-la e pairar em seu
entorno, mas também esperava, dentro da mesma personalização, manter a
distância dos outros admiradores, mas a violência com a qual havia
desempenhado seu papel, ao provocar o desgosto de Cecilia e a indignação de
todos os convidados, fez com que seus pontos de vista fossem completamente
abortados, enquanto a consciência de uma extravagância pela qual, se
descoberta, não poderia atribuir nenhuma razão que não suscitasse suspeitas
de seus motivos secretos, o reduziu a guardar um silêncio doloroso e
cansativo durante toda a noite. E Cecilia, a cuja mente nunca havia ocorrido a
ideia de que fosse Mr. Monckton, aumentava continuamente a crueldade da
sua situação através de uma indisfarçável aversão por sua assiduidade, bem
como por uma manifesta preferência pela presença do domino branco.
Portanto, tudo o que seu desapontado esquema agora desejava era observar
seus movimentos, ouvir seu discurso e infligir ocasionalmente aos demais o
pesar com o qual ele próprio se atormentava.
Enquanto encontravam-se nesta situação, o Arlequim, como consequência
de ter sido ridicularizado pelo turco pela sua falta de agilidade, ofereceu-se
para saltar sobre a nova mesa de sobremesas e desejou ter um pouco de
espaço livre para dar lugar aos seus movimentos. Foi em vão: as pessoas que
distribuíam os refrescos e que estavam posicionadas do outro lado da mesa
protestaram contra o perigo da experiência. Morrice tinha um ímpeto de
empreendedorismo indomável e, portanto, iniciando com uma pequena
corrida, ele tentou o salto. A consequência foi aquela que se poderia esperar,
naturalmente: ele não conseguiu cumprir seu propósito, mas, ao perceber que
estava caindo, imprudentemente agarrou o toldo recentemente erguido,
puxou-o sobre a própria cabeça, e com ele as novas luzes artificiais, que em
diversas formas foram fixadas a ele, desceram junto. O dano e a confusão
ocasionados por essa façanha foram muito alarmantes e quase perigosos;
aqueles que estavam perto da mesa foram os que mais sofreram com o
esmagamento, mas os estilhaços de vidro voaram ainda mais longe, e a sala,
que era pequena e tinha o toldo como única forma de iluminação, estava
agora em total escuridão, exceto nas proximidades da porta, que ainda era
iluminada pelos aposentos contíguos.
O clamor do Arlequim, que estava coberto de vidro, papel machê e
lâmpadas a óleo, os gritos das mulheres, o zumbido universal das línguas, e a
luta entre a multidão assustada que se aglomerava para sair, e a multidão
curiosa dos outros aposentos para entrar, ocasionaram uma perturbação e
muito tumulto. Porém, quem mais sofreu foi o desafortunado demônio, que,
por estar mais perto da mesa do que Cecilia, foi tão pressionado pela
multidão, que considerou a separação inevitável e foi incapaz, pela escuridão
e pela multidão, de descobrir se ela ainda estava no mesmo lugar, ou se
escapara para outro.
Ela, no entanto, tinha encontrado o domino branco e, sob sua proteção,
fora transportada em segurança para uma outra parte da sala. Sua intenção e
desejo eram de abandonar o lugar imediatamente, mas diante do protesto do
seu condutor ela consentiu em ficar mais algum tempo. — O conflito na porta
— disse ele — irá subjugá-la completamente. Fique aqui mais alguns
minutos e ambas as partes ficarão cansadas e a senhorita poderá sair sem
dificuldade. Enquanto isso, sob esta luz fraca, a senhorita não poderia supor
que eu fosse um dos seus tutores, Mr. Briggs, por exemplo, ou, se for muito
velho para mim, Mr. Harrel, e se entregar aos meus cuidados?
— O senhor parece maravilhosamente familiarizado com meus tutores —
disse Cecilia. — Não posso imaginar como seus nomes chegaram ao seu
conhecimento.
— Nem eu — respondeu o domino — posso imaginar como Mr. Briggs
tornou-se seu favorito de maneira tão particular a ponto de receber poderes
para lhe encontrar um marido.
— O senhor está realmente equivocado; não lhe foram confiados poderes
senão aqueles que sua própria fantasia sugeriu.
— Mas como foi que Mr. Delvile a ofendeu, pois apenas com ele a
senhorita parece não ter negócios nem comunicação?
— Mr. Delvile?! — repetiu Cecilia, ainda mais surpresa —, o senhor
também conhece Mr. Delvile?
— Ele é certamente um homem da moda — continuou o domino — e
também um homem de grande honra; então, com certeza seria mais indicado
para confiança e consulta do que alguém cuja única noção de felicidade é o
dinheiro, cuja única ideia de excelência é a avareza, e cuja única concepção
de sentido é a desconfiança!
Neste momento, um clamor violento interrompeu a conversa, mas não
antes de Cecilia ter esclarecido suas dúvidas sobre o domino branco,
conjecturando tratar-se de Mr. Belfield, que poderia facilmente, na casa de
Mr. Monckton, ter percebido as pequenas circunstâncias de sua situação a
que ele aludia e cuja altura e figura se assemelhavam exatamente às do seu
novo amigo.
O autor do primeiro distúrbio era agora a razão do distúrbio presente: o
demônio, tendo atravessado em vão a sala em busca de Cecilia, tropeçou
acidentalmente no Arlequim antes que este se libertasse dos vestígios da sua
própria travessura, e incapaz de resistir à tentação da oportunidade e ao
impulso da vingança, deu vazão à sua ira tantas vezes excitada pelos enganos,
pelo atrevimento e pelas artimanhas de Morrice, e infligiu a ele, com sua
própria espada de madeira, que havia tomado para esse propósito, um castigo
mais sério e severo.
O pobre Arlequim, incapaz de imaginar um motivo para um ataque tão
violento, já tendo sido cortado pelo vidro e machucado pela queda, não
poupou seus pulmões para tornar conhecida sua desaprovação por tal
tratamento, mas o demônio, independentemente de suas queixas ou
resistência, não se absteve de espancá-lo até ser obrigado a parar pela entrada
de pessoas trazendo lamparinas. E então, depois de realizar engenhosamente
várias diabruras sob o pretexto de ainda apoiar seu personagem, com um
movimento demasiado repentino para ser prevenido e muito rápido para ser
perseguido, ele escapou da sala e desceu correndo as escadas, que o levou a
um lugar onde ele trocou de roupa em privado antes de voltar para casa,
arrependendo-se amargamente da experiência e ciente, ainda que tarde
demais, de que, se tivesse aparecido como um personagem que pudesse ter
confessado, poderia ter feito companhia a Cecilia sem nenhuma
irregularidade durante toda a noite. Mas este é merecidamente o destino
frequente da astúcia, que, ao mesmo tempo em que trama a surpresa e a
constatação dos demais, comumente ultrapassa seu objetivo e termina em sua
própria desgraça.
A chegada das luzes, que agora refletia a confusão que a brincadeira do
Arlequim causara, apoderou-se dele com tanto temor pelo ressentimento de
Mr. Harrel, que ele se esqueceu dos golpes, hematomas e feridas, nenhuma
delas tão assustadora para ele como a reprovação em si, e fez a última
exibição de sua agilidade com uma retirada abrupta e apressada.
No entanto, não havia nenhum motivo para apreensão, uma vez que, em
tudo o que dizia respeito a despesas, Mr. Harrel não tinha sentimentos, e sua
senhora, pensamentos.
As salas começaram a se esvaziar rapidamente, mas, entre os poucos
mascarados que ainda restavam, Cecilia voltou a ver Dom Quixote, e
enquanto, em conjunto com o domino branco, ela lhe tecia elogios por ter
apoiado sua personagem com propriedade mais uniforme do que qualquer
outra pessoa na casa, ela o observou retirando a máscara para a conveniência
de beber um pouco de limonada e, olhando em seu rosto, descobriu que não
era outro senão Mr. Belfield. Muito espantada, e mais perplexa do que nunca,
voltou-se novamente para o domino branco, quem, percebendo seu semblante
de surpresa, cuja razão desconhecia, disse, entre risos: — A senhorita está
pensando, talvez, que eu nunca irei embora? De fato, sou quase da mesma
opinião. Mas, o que posso fazer? No lugar de me cansar com a duração da
minha estada, minha relutância em encurtá-la aumenta sua duração, e todos
os métodos que escolho, seja conversando ou simplesmente olhando para a
senhorita, no lugar de me trazer saciedade, só duplicam minha vontade de
olhar e ouvir de novo! No entanto, devo ir; e se estiver feliz, talvez eu possa
encontrá-la novamente, embora, se tiver sabedoria, não a procurarei mais.
E, então, com os últimos retardatários desaparecendo com relutância, ele
foi embora, deixando Cecilia muito satisfeita com sua conversa e com suas
maneiras, mas extremamente perplexa ao se dar conta do seu interesse e
situação.
O professor já tinha ido há algum tempo.
Os Harrels e Sir Robert, que ainda estava lá, insistiram para que ela
mandasse alguém buscar um vestido em uma loja e que os acompanhasse ao
Panteão. Embora sentisse uma certa inclinação para atender ao pedido, na
esperança de prolongar ainda mais o entretenimento de uma noite da qual
tinha obtido muito prazer, ela não gostou da presença do baronete e sentiu-se
avessa a atender qualquer pedido que ele pudesse fazer; assim, ela implorou
que a desculpassem e, depois de ver os vestidos, que eram todos esplêndidos,
retirou-se para os seus próprios aposentos.
Uma grande variedade de conjecturas sobre tudo o que havia acontecido
ocupou sua mente até o momento em que ela se deitou para dormir; a
extraordinária perseguição do demônio ao mesmo tempo excitava sua
curiosidade e assombro, enquanto o conhecimento do interesse revelado pelo
domino branco não a deixava menos surpresa e a interessava ainda mais.
CAPÍTULO 15

UMA AVENTURA

Na manhã seguinte, durante o café da manhã, Cecilia foi informada de que


um cavalheiro desejava falar com ela. Ela pediu permissão a Mrs. Harrel para
convidá-lo a subir e não ficou surpresa ao ver o mesmo cavalheiro cujas
exclamações singulares a haviam impressionado tanto na residência de Mr.
Monckton quanto no ensaio de Artaserse.
— A senhorita é rica — disse ele, de forma abrupta e com aspecto severo
—, e é, portanto, uma inútil.
— Espero que não — respondeu ela, com certa consternação, enquanto
Mrs. Harrel, acreditando que ele estava ali para roubá-los, correu
precipitadamente para a campainha, que tocou sem cessar até que dois ou três
criados entrassem correndo na sala. A esta altura, menos alarmada, ela apenas
fez sinais para que ficassem por perto e aguardou em silêncio o que viria a
seguir.
O ancião, sem lhe dar atenção, continuou seu diálogo com Cecilia.
— Conhece, então — disse ele —, um uso irrepreensível para a riqueza?
Um uso que não apenas no clarão do dia deva brilhar de forma
resplandecente, mas também na escuridão da meia-noite, e que na quietude
do repouso lhe traga reflexos sem amargura e um sono ininterrupto? Diga-
me, conhece este uso?
— Não tão bem, talvez — respondeu ela —, como deveria, mas estou
muito disposta a aprender.
— Comece, então, enquanto ainda é jovem e inexperiente, enquanto é
insensível ao poder e à opulência, trabalhe com algo bom; ontem a senhorita
foi exposta ao luxo e à extravagância; hoje, olhe mais profundamente e veja
se aprende a compadecer-se da miséria, da enfermidade e da penúria.
Ele colocou em suas mãos um papel que continha um relato muito
comovente da miséria a que uma família pobre e miserável havia sido
reduzida, pela doença e vários outros infortúnios. Cecilia, com o coração
aberto para a caridade, depois de ler o papel rapidamente, apanhou sua bolsa,
ofereceu a ele três guinéus e disse: — O senhor deve me dizer o quanto devo
lhe dar se isso for insuficiente.
— Possui fortuna e um coração assim tão grande? — disse ele,
emocionado. — Embora tenha sido amaldiçoada pela tentação da
prosperidade, ainda não foi arrancada da sua mente sua benevolência inata?
Eu devolvo parte de sua generosa contribuição; isso — ele pegou um guinéu
— é o dobro de minhas expectativas. Ao fazer com que a caridade lhe
angustie, não pretendo antecipar a hora fatal da dificuldade e da degeneração.
Ele já estava saindo, mas Cecilia o acompanhou e disse: — Não, leve
tudo! Quem irá assistir os pobres se eu não o fizer? Rica, sem conexões;
poderosa, sem desejos; sobre quem eles terão qualquer direito, senão sobre
mim?
— É uma afirmação verdadeira — exclamou ele, recebendo o resto —, tão
sábia quanto verdadeira. Portanto, dê enquanto ainda tem coração para dar, e
faça caridade enquanto ainda tem dias de inocência e bondade — e
desapareceu.
— Ora, minha querida — exclamou Mrs. Harrel —, o que a fez dar tanto
dinheiro àquele homem? Não vê que ele é louco? Ouso dizer que ficaria
igualmente satisfeito com seis centavos.
— Eu não sei o que ele é — disse Cecilia —, mas seus modos não são
mais singulares do que seus sentimentos são afetuosos; se ele é movido pela
caridade para arrecadar doações para os indigentes, certamente não poderia
encontrar alguém que contribua tão prontamente como eu.
Mr. Harrel entrou na sala e sua senhora, muito ansiosa, contou-lhe a
transação.
— Escandaloso! — exclamou ele. — Ora, ele não seria melhor se fosse
um arrombador de casas! Dê ordens para que não seja nunca mais admitido.
Três guinéus? Nunca ouvi nada tão descarado em minha vida! Na verdade,
Miss Beverley, a senhorita deverá ser mais discreta no futuro, caso contrário
estará arruinada antes de saber onde está.
— Então — disse Cecilia, meio sorrindo —, todos têm o direito de dar
sermões uns aos outros! Hoje, o senhor me recomenda economia; ontem, com
alguma dificuldade, eu me abstive de recomendar o mesmo ao senhor.
— Não — respondeu ele —, esta é uma questão diferente; despesas
incorridas no modo de vida comum de um homem é diferente de uma
extorsão desse tipo.
— São coisas diferentes, de fato — disse ela. — No entanto, não sei se é
melhor.
Mr. Harrel não respondeu, e Cecilia, ponderando em privado sobre as
diferentes estimativas de despesas e economia feitas pelos ostentadores e
pelos caridosos, retirou-se para os seus próprios aposentos, determinada a
aderir firmemente ao plano recentemente adotado: o de aguardar pela
assistência de seu novo e singular monitor, para estender sua prática de fazer
o bem e ampliar seu conhecimento da angústia.
Os objetos, entretanto, nunca faltam para o exercício da benevolência; o
relato imediato da sua generosidade foi divulgado, e aqueles que queriam ver
para crer não deixaram de investigar sua veracidade. Em pouco tempo ela
estava à frente de um pequeno bando de jubilados, e, nunca satisfeita com a
generosidade de suas doações, descobriu em muito pouco tempo que a
mesada comum de seus tutores dificilmente era adequada às chamadas do seu
humanitarismo.
Assim, através de atos de bondade e caridade, Cecilia passou mais uma
semana tranquila, mas, quando o fervor da aceitação perdeu sua novidade, o
prazer com o qual seu novo plano fora iniciado diminuiu em meio à
tranquilidade e, então, fundiu-se na apatia. Para um coração formado pela
amizade e pelo afeto, os encantos da solidão duram muito pouco; embora
estivesse enjoada da turbulência e da companhia perpétua, ela agora se
cansava de passar todo o seu tempo sozinha e suspirava pelo conforto da
companhia e pelo alívio da comunicação. Porém, via com assombro a
dificuldade com que tal consolo poderia ser obtido: a sucessão interminável
de diversões, a contínua rotatividade das reuniões, a quantidade de
esplêndidos compromissos, dos quais, enquanto todos se queixavam, todos
orgulhavam-se de ostentar, que tão eficazmente impedia as reuniões privadas
e as relações amistosas, e que, para qualquer lado que ela se voltasse, todo o
negócio parecia impraticável, mas que conduzia ao desperdício, ou
acidentalmente dele era derivado.
No entanto, ao descobrir o erro que seu ardor pela reforma havia
antecipado, e que uma reclusão rígida de companhia produzia uma lassidão
tão pouco favorável à virtude ativa quanto à própria dissipação, ela resolveu
suavizar seu plano e mesclar diversão e benevolência, para ao menos tentar
aproximar-se daquele meio termo que, assim como a pedra filosofal, sempre
escapa ao nosso alcance, mas sempre convida nossos desejos. Com este
objetivo em mente, ela acompanhou Mrs. Harrel e Mrs. Mears ao Haymarket,
escoltadas por Mr. Arnott.
Eles chegaram muito atrasados; a ópera já tinha sido iniciada e mesmo no
saguão a multidão era tão grande que sua passagem foi obstruída. Nesse
momento, elas foram abordadas por Miss Larolles, que correu até Cecilia,
pegou sua mão e disse: — Meu Deus! Não pode imaginar como estou feliz
em vê-la! Ora, minha querida criatura, onde a senhorita se escondeu durante
esses vinte anos? Tem muita sorte em vir esta noite, eu lhe asseguro; é a
melhor ópera que tivemos na temporada; a multidão é tão monstruosa que
não há como se mexer. Não vamos conseguir entrar durante uma meia hora.
A sala de café está bastante cheia, venha e veja; não é maravilhoso?
A insinuação foi suficiente para Mrs. Harrel, cujo amor pela ópera era
simplesmente amor pela companhia, pela moda e espetáculo, e, portanto, elas
dirigiram-se imediatamente para a sala de café. Lá, Cecilia deparou-se com
mais grupos radiantes de damas e cavalheiros, reunidos apenas para ver e
entreter uns aos outros, e não grupos distintos e casuais, mesclados
unicamente pela necessidade e aguardando uma oportunidade para entrar no
teatro. A primeira pessoa que se dirigiu a eles foi o capitão Aresby, quem,
com sua habitual e delicada languidez, sorriu para Cecilia e sussurrou: —
Quão divinamente a senhorita se apresenta esta noite! — e continuou
prestando seus cumprimentos a algumas outras damas.
— Eu imploro — exclamou Miss Larolles — que observe Mr. Meadows!
Veja onde ele se acomodou! No melhor lugar da sala, e ainda mantém todos
longe do fogo! Eu lhe garanto que este é o seu estilo; e é uma provocação
monstruosa, pois, se uma pessoa está com muito frio, ele anda tão devagar
que a pessoa acaba morrendo congelada. Mas há mais uma coisa que ele faz
que é igualmente ruim, pois, se ele consegue se sentar, nunca se oferece para
se mover se vir alguém afundando de fadiga. E, além disso, se alguém espera
a carruagem por duas horas seguidas, ele estabelece como regra nunca
interceder por ela. Pense só em como é monstruoso!
— São queixas muito sérias, de fato — disse Cecilia, observando-o com
atenção. — Pela sua aparência eu esperaria um relato muito diferente do seu
cavalheirismo, pois ele parece vestido com uma elegância mais estudada do
que qualquer um aqui.
— Oh, sim! — exclamou Miss Larolles. — Ele é a pessoa que se veste de
forma mais gentil em todo o mundo; ele tem o gosto mais delicado que
alguém pode imaginar, nenhuma pessoa possui metade da sua elegância.
Garanto-lhe que é muito bom ser comentada por ele; todas nós ficamos muito
chateadas quando ele não toma conhecimento de nós.
— A sua raiva — disse Cecilia, rindo — é uma homenagem a ele mesmo
ou ao seu casaco?
— Ora, ora, a senhorita não sabia durante todo esse tempo que ele é um
entediado?
— Eu sei, pelo menos — respondeu Cecilia —, que ele logo vai me
converter em uma.
— Ah, mas ninguém se sente ofendido com um entediado, mesmo se não
for simpático, porque sempre se sabe o que significa.
— Ele é simpático?
— Bem, para dizer a verdade, mas eu lhe imploro, não mencione com
ninguém: acho que ele é excessivamente desagradável! Ele boceja sempre
que alguém olha para ele. Eu lhe asseguro que, às vezes, espero vê-lo
adormecer profundamente enquanto estou falando com ele, pois está sempre
tão ausente que não ouve nem a metade do que eu digo; consegue imaginar o
quanto isso é horrível!
— Mas, por que, então, a senhorita o encoraja? Por que lhe dá atenção?
— Ah, todo mundo faz isso, eu lhe asseguro, do contrário eu não o faria,
por nada no mundo. Mas ele é tão cortejado que a senhorita não faz ideia.
Porém, entre todas as coisas, deixe-me aconselhá-la a nunca dançar com ele.
Eu mesma dancei uma vez e confesso que fiquei bastante angustiada todo o
tempo, pois ele foi tomado por um tal ataque de ausência que não sabia o que
estava fazendo, às vezes pulava e pulava com a maior violência do mundo,
como se ele apenas dançasse para se exercitar, e às vezes ficava imóvel, ou se
recostava no lambril e ficava boquiaberto, sem me dar atenção, como se
nunca tivesse me visto em sua vida!
Neste momento, o capitão avançou novamente na direção de Cecilia e
disse: — Então, a senhorita nos dará a honra de comparecer ao baile de
máscaras no Panteão? No entanto, ouvi dizer que teve um espetáculo muito
brilhante na casa de Mr. Harrel. Eu estava bastante au desespoir por não
poder ir. Eu fiz o possível, mas estava muito além das minhas possibilidades.
— Nós teríamos ficado muito satisfeitos — disse Mrs. Harrel — em
recebê-lo. Garanto que tivemos algumas fantasias excelentes.
— Foi o que ouvi, e estou reduzido ao desespero por não ter tido a honra
de participar. Mas fui tomado por afazeres o dia todo. Nada poderia ser mais
mortificante.
Cecilia estava cada vez mais impaciente para ouvir a ópera e perguntou se
eles não poderiam fazer uma tentativa para chegar ao fosso.
— Eu temo — disse o capitão, sorrindo quando o grupo passou por ele,
sem oferecer qualquer ajuda — que a senhorita vai achar isso tudo
extremamente petrificante; da minha parte, confesso que não sigo o princípio
da aglomeração.
As damas, porém, acompanhadas por Mr. Arnott, fizeram a tentativa e
logo descobriram, como costuma-se dizer, que a dificuldade, pelo prazer de
falar sobre isso, havia sido consideravelmente exagerada. De fato, eles
estavam separados, mas suas acomodações eram razoavelmente boas.
Cecilia ficou muito irritada ao comprovar que o primeiro ato da ópera
estava quase terminado, e logo ficou ainda mais insatisfeita quando descobriu
que não teria chance de ouvir o pouco que restava: o lugar que encontrara
vago ficava ao lado de um grupo de jovens damas que estavam tão
seriamente engajadas em seu próprio discurso que não escutaram uma só nota
da ópera, e estavam tão infinitamente entretidas com seus próprios gracejos
que suas risadas e loquacidade não permitiam que ninguém nas proximidades
ouvisse melhor do que elas mesmas. Cecilia tentou em vão limitar sua
atenção aos cantores; ela estava distante do palco; porém, estava perto das
moças, e suas tentativas infrutíferas terminaram em desgosto e impaciência.
Por fim, ela decidiu fazer um esforço para se divertir de outra maneira, uma
vez que as expectativas que a levaram à ópera haviam sido destruídas, e
tentou ouvir suas belas vizinhas, se é que aquelas pessoas que causaram sua
decepção poderiam recompensá-la.
Com este propósito, voltou-se totalmente para as damas; no entanto, a
princípio ficou muito perplexa ao compreender o que estava acontecendo,
visto que tão universal era a ânsia de falar e tão insuportável a antipatia para
ouvir, que todas pareciam ter seus desejos limitados por uma emissão
contínua de palavras, sem esperar por qualquer resposta, ou mesmo
desejando ser ouvidas. No entanto, quando já estava um pouco mais
acostumada com seu dialeto e suas maneiras, ela começou a compreender
melhor o discurso que lamentavelmente lhe fizera perder a ópera. Ela não
ouviu nada além de descrições de adornos e queixas de cabeleireiros,
insinuações de conquista cheias de vaidade e histórias de compromissos
infladas de exultação.
Ao final do ato, com a multidão de cavalheiros à frente para assistir à
dança, Mrs. Harrel teve a oportunidade de abrir espaço sozinha, e Cecilia
tinha, então, algum motivo para esperar ouvir o resto da ópera em paz, pois o
grupo à sua frente, composto inteiramente por rapazes, parecia, mesmo
durante a dança, temeroso de falar, para que sua atenção não fosse afastada
nem por um momento do palco. Mas, para sua infinita surpresa, assim que o
segundo ato começou, a concentração deles terminou! Eles voltaram sua
atenção dos intérpretes para eles mesmos e iniciaram uma conversa
sussurrante, mas alegre, que, embora não fosse alta o suficiente para perturbar
o público em geral, mantinha nos ouvidos dos vizinhos um zumbido que
interrompia todo o prazer da representação. A partir deste efeito da sua
alegria, parecia incerto afirmar se estavam conscientes, mas era evidente que
eram totalmente descuidados.
Aquele recurso desesperado que ela havia tentado durante o primeiro ato,
o de buscar entretenimento na própria conversa que a impedia de apreciar a
ópera, não estava mais em seu poder: os cavalheiros, embora tão negligentes
quanto as damas que incomodavam, foram muito mais cautelosos com quem
conversavam: sua linguagem era ambígua, e seus termos eram ininteligíveis
para Cecilia; seus assuntos, de fato, requeriam uma certa discrição, sendo
nada menos do que um cálculo ridículo da idade e duração das viúvas juntas
e das possibilidades e expectativas de jovens damas solteiras. Mas o que
realmente a irritou, mais até do que a conversa, foi descobrir que no momento
em que o ato terminou, quando ela não mais se importava se a vociferação
deles era incessante, um deles gritou: — Silêncio, a dança começou — e eles
foram, então, todos atenção silenciosa novamente!
Durante o terceiro ato, entretanto, ela teve mais sorte: os cavalheiros
mudaram novamente de lugar e foram sucedidos por outros que foram à
ópera não para ouvir a si mesmos, mas aos intérpretes. Assim que lhe foi
permitido escutar, a voz de Pacchierotti tirou-lhe o desejo de ouvir qualquer
outra coisa.
Durante a última dança, ela foi descoberta por Sir Robert Floyer, que
passeava pelo fop’s alley18 e postou-se ao seu lado; sempre que os figurantes
substituíam os dançarinos principais, ele voltava os olhos do palco para o
rosto dela, como se este fosse mais digno de atenção e igualmente destinado à
sua diversão.
Também Mr. Monckton, que por algum tempo a via e observava,
aproximou-se. Ele notara com muita satisfação que toda a sua mente estava
concentrada na apresentação, mas ainda assim a familiaridade da admiração
de Sir Robert Floyer o perturbava e o deixava perplexo. Ele decidiu, portanto,
fazer um esforço para esclarecer suas dúvidas e examinar suas intenções;
assim, ele o chamou de lado antes do término da dança: — Bem — disse ele
—, quem aqui é tão formosa quanto a protegida de Harrel?
— Sim — respondeu ele, calmamente —, ela é bonita, mas não gosto da
sua expressão.
— Não? Por que, o que há de errado com ela?
— Orgulhosa, uma maldita orgulhosa. Não é o tipo de mulher que eu
gosto. Se alguém lhe disser alguma coisa civilizada, ela é capaz de
amaldiçoá-lo.
— Ah, quer dizer que o senhor já tentou, não é? Ora, o senhor não é, em
geral, dado a dizer coisas civilizadas.
— Sim, sabe, eu disse algo desse tipo para ela uma vez sobre Julieta, no
ensaio. O senhor não estava lá?
— Foi só isso? O senhor imaginou que um elogio seria suficiente para ela?
— Ah, espere um pouco, quem pensa em elogiar mulheres? Era tudo o que
eu tinha a dizer.
— No entanto, o senhor vai descobrir que não é assim que ela pensa, pois,
como bem diz, o seu orgulho é insuportável, e eu, que a conheço há muito
tempo, posso garantir que isso não diminui a intimidade.
— Talvez não, mas há uma bela colheita de três mil libras por ano!
Ninguém perderia muito tempo pensando em uma pequena dificuldade sobre
tal propriedade.
— O senhor tem tanta certeza de que a propriedade é assim considerável?
O informe é dado com a intenção de exaltar seu valor.
— Oh, eu tenho um cérebro muito bom.
Monckton, que era um homem muito interessante e conhecia o mundo
demais para apreciar a delicadeza que cobiça a admiração universal pelo
objeto do seu carinho, viu-se confuso com o impenetrável baronete, que
possuía aquela dura insensibilidade que obstinadamente segue seu próprio
curso, surdo ao que se diz e indiferente ao que se pensa.
Enquanto isso, as damas dirigiam-se para a sala de café, embora seguissem
muito devagar por causa da multidão. Assim que elas se aproximaram do
saguão, Cecilia notou Mr. Belfield, quem, reconhecendo-a imediatamente,
ofereceu seus serviços para ajudá-la a sair do fosso; no entanto, Mr. Robert
Floyer, sem vê-lo ou sem prestar atenção nele, aproximou-se e disse: — A
senhorita me daria a honra, Miss Beverley, de permitir que eu tome conta da
senhorita?
Cecilia, para quem ele se tornava cada vez mais desagradável, recusou
friamente sua ajuda, ao mesmo tempo em que aceitava de bom grado a ajuda
que Mr. Belfield lhe havia oferecido. O arrogante baronete, extremamente
irritado, forçou seu caminho, aproximou-se rudemente de Mr. Belfield, fez
um gesto com a mão pedindo espaço para passar e disse: — Abra caminho,
senhor!
— Abra caminho para mim, senhor! — exclamou Belfield, opondo-se a
ele com uma mão, enquanto com a outra segurava Cecilia.
— Para o senhor? E quem é o senhor? — perguntou o baronete, com
desdém.
— Quanto a isso, senhor, eu lhe prestarei contas quando quiser —
respondeu Belfield, com igual desprezo.
— O que diabos quer dizer com isso, senhor?
— Nada muito difícil de ser compreendido — respondeu Belfield,
enquanto tentava recorrer a Cecilia, quem, muito alarmada, recuava.
Sir Robert, então, cheio de ira, voltou-se para ela com ar de censura e
disse: — Miss Beverley, a senhorita permitirá que um sujeito tão
impertinente tenha a honra de levá-la pela mão?
Belfield, com muita indignação, perguntou o que ele queria dizer com o
termo “sujeito impertinente” e Mr. Robert o repetiu com mais insolência
ainda. Cecilia, extremamente consternada, implorou encarecidamente a
ambos que se calassem, mas Belfield, depois da repetição do insulto, soltou
sua mão apressadamente e colocou a sua sobre a espada, enquanto Sir Robert,
aproveitando sua situação por estar um degrau acima do seu adversário,
empurrou-o ferozmente para trás e desceu para o saguão.
Belfield, enfurecido além do suportável, instantaneamente desembainhou
sua espada e Sir Robert já se preparava para seguir seu exemplo, quando
Cecilia, em agonia e com medo, gritou: — Meu bom Deus! Ninguém vai
interferir?
Neste momento, um jovem abriu caminho no meio da multidão e
exclamou:
— Que vergonha, que vergonha, senhores! Isto é lugar para esse tipo de
violência?
Belfield, esforçando-se para se controlar, ergueu a espada e, com a voz
meio engasgada pela raiva, disse: — Obrigado, senhor! Eu estava
desprevenido. Peço desculpas a todas as pessoas.
Então, aproximou-se de Sir Robert, colocou em sua mão um cartão com
seu nome e endereço, e disse: — Com o senhor, no entanto, ficarei feliz em
decidir quais desculpas são necessárias na primeira oportunidade — e saiu
apressado.
Sir Robert exclamou em voz alta que logo iria dar uma lição em quem lhe
fora impertinente e começou a segui-lo, quando a assustada Cecilia gritou
novamente: — Detenham-no! Meu Deus! Ninguém irá detê-lo?
A rapidez com que aquela cena de raiva havia ocorrido a deixou
completamente espantada, e o evidente ressentimento do baronete por ela ter
recusado sua ajuda deu-lhe a consciência imediata de que ela mesma era a
verdadeira causa da disputa, e a maneira como ele se preparava para seguir
Mr. Belfield a convenceu da cena desesperadora que provavelmente teria
êxito; e o medo, portanto, superou todos os outros sentimentos e a obrigou a
gritar antes que soubesse o que dizia. No momento em que ela gritou, o
jovem que já havia se posicionado entre eles novamente avançou e agarrou
Sir Robert pelo braço, protestando calorosamente contra a violência dos seus
procedimentos, sendo presentemente apoiado por outros cavalheiros, que
quase o obrigaram a desistir do seu plano. Então, ele voltou-se para Cecilia:
— Não se assuste, madame — disse ele —, tudo acabou e todos estão a
salvo.
Cecilia, ao ver-se assim tratada por um cavalheiro que nunca tinha visto
antes, sentiu-se extremamente envergonhada por ter manifestado o seu
interesse na disputa de forma tão evidente; ela fez uma reverência com
alguma confusão, segurou o braço de Mrs. Harrel e apressou-se para voltar ao
fosso, a fim de abandonar a multidão, da qual ela era agora o foco principal.
A curiosidade, no entanto, tinha sido universalmente excitada e sua
retirada servira apenas para inflamá-la. Algumas das damas e a maioria dos
cavalheiros, sob diversos pretextos, voltaram ao fosso apenas para olhar para
ela, e em poucos minutos o relato que corria era de que a jovem que fora o
motivo da briga estava apaixonada por Sir Robert Floyer.
Mr. Monckton, que ficara o tempo todo ao seu lado, ficou atônito com a
emoção que ela havia manifestado; também Mr. Arnott, que nunca a
abandonara, desejava estar exposto ao mesmo perigo que Sir Robert, para que
pudesse ser homenageado com a mesma preocupação. Porém, ambos foram
demasiadamente enganados por suas próprias apreensões e ciúmes para
perceber que o que instantaneamente imputaram ao afeto procedia
simplesmente de uma generosidade, acidentalmente unida à consciência de
ser um acessório da disputa.
O jovem desconhecido, que havia oficiado como mediador entre os
contendores, em poucos instantes estava atrás dela com um copo de água que
trouxera da cafeteria, insistindo para que ela bebesse e se acalmasse. Cecilia,
embora recusasse sua amabilidade com mais irritação do que gratidão,
percebeu, ao levantar os olhos para agradecê-lo, que seu novo amigo era um
jovem muito elegante tanto nas suas maneiras quanto na aparência.
A seguir, Miss Larolles, que voltava ao fosso com o seu grupo, correu na
direção de Cecilia, exclamando: — Oh, minha querida criatura, que coisa
mais espantosa e monstruosa! A senhorita não tem ideia de como estou
assustada; sabe que, por acaso, eu estava bem na extremidade da sala de café
quando a confusão começou, e eu não consegui sair para ver o que estava
acontecendo? Imagine a minha situação!
— Neste caso, será que seu susto teria sido menor — disse Cecilia — se a
senhorita estivesse mais perto do perigo?
— Oh, Deus, não, porque, quando finalmente consegui ver, estava
cinquenta vezes pior! Eu dei um grito tão monstruoso que fez Mr. Meadows
se assustar. Ouso dizer que ele falará sobre isso nos próximos cem anos, mas
realmente, quando os vi desembainhar as espadas, pensei que iria morrer.
Fiquei tão surpresa que a senhorita nem pode imaginar.
Neste momento ela foi interrompida pelo reaparecimento do ativo
desconhecido, que novamente aproximou-se de Cecilia e disse: — Estou em
dúvida se os esforços que faço para revigorá-la irão agradá-la ou irritá-la,
pois, apesar de ter rejeitado minha última cortesia, eu aventurei-me a
apresentá-la, pois talvez a senhorita veja com um olhar mais favorável aquilo
para o qual eu sou agora o arauto.
Cecilia, então, olhando ao redor, viu que ele era seguido por Sir Robert
Floyer. Muito desgostosa tanto com sua apresentação como com sua
presença, ela virou-se apressadamente para Mr. Arnott e lhe pediu que
verificasse se a carruagem já estava pronta.
Sir Robert olhou para ela com toda a exultação da vaidade recém-criada e
disse, com mais suavidade do que jamais havia se dirigido a ela: — A
senhorita ficou com medo?
— Todos, creio eu, ficaram assustados — respondeu Cecilia, com um ar
de dignidade destinado a conter suas crescentes expectativas.
— Mas não havia motivo para isso — respondeu ele. — O sujeito não
sabia com quem falava, apenas isso.
— Sir Robert — exclamou Miss Larolles —, como pôde ser tão
impaciente a ponto de desembainhar sua espada? O senhor não pode imaginar
como foi horrível de ver.
— Mas eu não desembainhei minha espada — exclamou ele —, eu só
mantive minha mão na empunhadura!
— Senhor, não é verdade! Bem, todos disseram que o senhor o fez, e
tenho certeza de que pensei ter visto vinte e cinco espadas ao mesmo tempo.
Todo o tempo eu achei que um dos senhores iria morrer. Foi horrível e
desagradável, eu lhe garanto.
Sir Robert foi chamado por alguns cavalheiros, e Mr. Monckton, ansioso
por obter mais informações sobre os verdadeiros sentimentos de Cecilia,
disse, com afetada preocupação: — Por ora, este assunto é simplesmente
ridículo. Lamento pensar que em pouco tempo poderá se tornar mais
importante.
— Certamente — exclamou Cecilia, com rapidez — alguns dos seus
amigos vão interferir! Certamente eles não vão ficar enlouquecidos com um
assunto tão insignificante a ponto de prosseguir para um ressentimento mais
sério.
— Qualquer um deles — disse o desconhecido — que se sentir honrado
com tamanha inquietação será realmente louco se quiser arriscar uma vida tão
valorizada.
— O senhor não poderia, Mr. Monckton — disse Cecilia, alarmada demais
para considerar a situação —, conversar com Mr. Belfield? O senhor o
conhece, eu sei; seria impossível para o senhor segui-lo?
— Eu o farei com muito prazer se assim o desejar, mas ainda assim, se Sir
Robert...
— Oh, quanto a Sir Robert, estou muito certa de que Mr. Harrel se
encarregará dele. Vou tentar falar com ele pessoalmente esta noite e suplicar-
lhe que exerça toda a sua influência.
— Ah, madame — exclamou o desconhecido, maliciosamente e baixando
a voz —, ao que parece, aquelas contas francesas e diamantes de Bristol não
brilharam em vão.
Ao ouvir estas palavras, Cecilia reconheceu seu amigo domino branco do
baile de máscaras; ela já havia reconhecido sua voz, mas estava muito
perturbada para considerar onde ou quando a tinha escutado.
— Se Mr. Briggs — continuou ele — não vier rapidamente com seu amigo
de penas antes que o brilho das espadas e lanças se junte ao das joias, o
reflexo será tão resplandecente que ele temerá ficar sob a influência de seus
raios. Mesmo assim, talvez, ele só consiga pensar que, quanto mais forte a
luz, melhor será para contar seus guinéus, pois, em dez mil libras, dez mil
amuletos estão centralizados; em cem mil, os amuletos podem apresentar
tamanho poder mágico capaz de desafiar os esforços unidos dos cavaleiros
errantes para libertá-la do feitiço dourado.
Neste exato momento, o capitão aproximou-se de Cecilia e disse: —
Tenho procurado pela senhorita em vão, mas a multidão tem sido tão
sufocante que quase fui reduzido ao desespero. Posso ter esperanças de que a
senhorita está agora recuperada do horror dessa pequena confusão?
Mr. Arnott anunciou que a carruagem estava pronta. Cecilia, feliz por
poder partir, apressou-se e, enquanto era conduzida por Mr. Monckton,
suplicou com todo o seu coração que ele se esforçasse para evitar as
consequências fatais com as quais parecia provável que a briga terminasse.
CAPÍTULO 16

UM AMIGO REQUINTADO

Assim que voltaram para casa, Cecilia implorou a Mrs. Harrel que não
desperdiçasse um só minuto antes de informar Mr. Harrel sobre o assunto.
Mas a mulher estava impotente e não sabia como fazê-lo: ela não sabia dizer
onde ele estava, tampouco conseguia conjecturar onde ele poderia estar.
Cecilia, então, pediu para chamarem o seu criado e, após indagá-lo, soube
que ele estava, provavelmente, na residência dos Brookes, na St. James’s
Street. Ela suplicou a Mrs. Harrel que escrevesse para ele.
Mrs. Harrel não sabia o que dizer.
Cecilia, portanto, igualmente rápida na formulação e na execução dos seus
projetos, escreveu a mensagem ela mesma e lhe implorou que, sem perder um
só instante, ele encontrasse seu amigo Sir Robert Floyer e se esforçasse para
estabelecer um acordo entre ele e Mr. Belfield, com quem tivera uma
pequena disputa na Opera House.
O homem logo retornou com uma resposta de Mr. Harrel, que dizia que
não deixaria de atender ao seu pedido.
Ela decidiu permanecer sentada até que ele voltasse para casa, a fim de
inteirar-se da negociação. Ela considerava a si mesma a causa definitiva da
disputa, mas mal sabia como ou quem culpar: o comportamento de Sir Robert
sempre fora ofensivo; ela não gostava das suas maneiras e detestava sua
ousadia, e ela já havia manifestado sua intenção de aceitar a ajuda de Mr.
Belfield antes que ele a seguisse com sua própria oferta. Na verdade, ela não
tinha certeza se ele havia comentado o acontecido, mas ela tinha motivos para
pensar que, nestas circunstâncias, se tivesse mudado sua intenção, o fato teria
sido interpretado como um encorajamento que poderia ter autorizado uma
presunção futura da sua preferência. Tudo o que ela pôde encontrar para
arrepender-se com relação a si mesma foi não ter tido a presença de espírito
para recusar a cordialidade de ambos.
Mrs. Harrel, embora realmente lamentasse todo o caso, considerava-se tão
despreocupada com o fato que, sentindo uma certa fatiga pela falta de
companhia, logo ficou com sono e retirou-se para o seu próprio quarto. A
ansiosa Cecilia ficou sozinha enquanto aguardava o retorno de Mr. Harrel a
qualquer instante; foi só por volta das quatro horas da manhã que ele
apareceu.
— Bem, senhor — disse ela, no momento em que o viu —, temo que, por
ter voltado para casa tão tarde, tenha tido muitos problemas, mas espero que
tenha sido bem-sucedido.
Grande, porém, foi sua consternação quando ele respondeu que nem
mesmo tinha visto o baronete, pois encontrava-se engajado de maneira tão
particular que não poderia abandonar seus acompanhantes antes das três da
manhã, hora em que se dirigiu à residência de Sir Robert, mas onde foi
informado de que ele ainda não havia retornado. Cecilia, embora muito
enojada com tal amostra de insensibilidade para com um homem a quem ele
fingia chamar de amigo, não o abandonou até que ele prometesse se levantar
com o amanhecer do dia e fizesse um esforço para recuperar o tempo perdido.
Ela não estava mais surpresa com as dívidas de Mr. Harrel ou com suas
ocasiões especiais voltadas ao dinheiro. Estava convencida de que ele
passava metade da noite jogando, e as consequências, por mais terríveis que
fossem, eram naturais. O fato de Sir Robert Floyer fazer o mesmo era uma
questão de muito menos importância para ela, mas o fato de que a vida de
qualquer homem, por seus meios, pudesse estar em perigo a perturbava
inexprimivelmente.
Ela foi para a cama, mas levantou-se novamente às seis horas e vestiu-se à
luz de velas. Depois de uma hora, mandou alguém verificar se Mr. Harrel
estava acordado e, ao ouvir que ainda dormia, deu ordens para que fosse
chamado. Mesmo assim, ele não se levantou antes das oito horas, e nem todas
as mensagens ou reclamações dela foram capazes de tirá-lo de casa antes das
nove. Ele mal havia saído quando Mr. Monckton chegou; pela primeira vez,
ele teve a satisfação de encontrá-la sozinha.
— Que bom que o senhor veio tão cedo! — exclamou ela. — O senhor viu
Mr. Belfield? Já conversou com ele?
Alarmado pela sua ansiedade e ainda mais ao notar pelo seu aspecto a
noite mal dormida, ele a princípio não respondeu; quando, com uma
impaciência crescente, ela repetiu a pergunta, ele limitou-se a dizer: —
Belfield já a visitou desde que teve a honra de encontrá-la em minha casa?
— Não, nunca.
— A senhorita o vê com frequência em público?
— Não, eu nunca o vi, exceto na noite em que Mrs. Harrel recebeu os
mascarados e ontem à noite, na ópera.
— Sendo assim, é pela segurança de Sir Robert que está tão ansiosa?
— É pela segurança de ambos; a causa da sua disputa foi tão insignificante
que não posso suportar a ideia de que suas consequências sejam mais sérias.
— Mas a senhorita não deseja o melhor para um deles, mais do que para o
outro?
— Por uma questão de justiça, sim, mas não por qualquer parcialidade. Sir
Robert foi, sem dúvida, o agressor, e Mr. Belfield, ainda que a princípio
tenha sido muito impetuoso, foi certamente maltratado.
A franqueza no discurso recuperou Mr. Monckton de suas apreensões; ele
observou seus olhos atentamente enquanto falava, e fez o seguinte relato:
Que ele havia se apressado para ir à pensão de Belfield no momento em
que deixara a Opera House, após repetidas negações, forçou-se a entrar em
seu quarto, onde ele estava sozinho e muito agitado; eles conversaram por
mais de uma hora sobre o motivo da briga, mas ele descobriu que o outro
estava tão ressentido com o insulto pessoal feito por Sir Robert, que nenhuma
objeção teve qualquer efeito em fazê-lo alterar sua resolução de exigir
satisfação.
— E o senhor conseguiu convencê-lo a aceitar algum acordo antes de
deixá-lo? — perguntou Cecilia.
— Não, pois antes de chegar até ele, o desafio para o duelo já tinha sido
enviado.
— Um duelo?! Meu bom Deus! O senhor sabe quando?
— Eu estive em sua pensão novamente esta manhã, mas ele não tinha
voltado para casa.
— Não era possível segui-lo? Não havia meios de descobrir para onde
tinha ido?
— Não; para evitar qualquer perseguição, ele saiu de casa antes que
qualquer pessoa acordasse, e levou seu criado com ele.
— O senhor, então, foi ver Sir Robert?
— Eu estive em Cavendish Square, mas lá, ao que parece, ele não
apareceu durante toda a noite. Eu tentei rastreá-lo, através de seus criados,
desde a ópera até uma casa de jogos, onde descobri que ele havia se divertido
até esta manhã.
A inquietação de Cecilia aumentava a cada momento. Mr. Monckton,
percebendo que não tinha outra chance de satisfazê-la, ofereceu seus serviços
para ir novamente em busca de ambos os cavalheiros e esforçar-se para trazer
melhores informações. Ela aceitou a proposta com gratidão e ele partiu.
Pouco tempo depois, Mr. Arnott uniu-se a ela, o qual, embora tomado por
todos os horrores do ciúme, ao ver suas apreensões, ficou tão desejoso de
aliviá-las que, sem sequer fazer qualquer mérito à sua intenção de atendê-la,
quase instantaneamente partiu para a mesma missão empregada por Mr.
Monckton, mas decidido a não mencionar seu projeto até que pudesse
certificar-se de que ele lhe permitiria trazer boas notícias.
Ele mal tinha saído quando ela soube que Mr. Delvile solicitava uma
conversa com ela. Surpresa por tal condescendência, ela desejou que ele fosse
admitido imediatamente, mas sua surpresa aumentou muito quando, no lugar
do seu guardião ostentoso, ela contemplou novamente seu amigo mascarado,
o domino branco.
Ele desculpou-se por uma intrusão não autorizada pelos seus conhecidos
ou por seus negócios, embora, de alguma forma, ele esperasse que fosse
atenuada por sua ligação próxima com alguém que tinha o privilégio de se
interessar pelos seus assuntos. Então, apressando-se para discutir o objeto que
havia motivado sua visita, disse: — Quando tive a honra de vê-la ontem à
noite na Opera House, aquela infeliz disputa parecia ter lhe causado uma
inquietude que não poderia deixar de ser dolorosa para todos os que a
observavam, e como entre todas aquelas pessoas eu não pude me deslocar até
lá, a senhorita deve perdoar, assim espero, minha impaciência em ser o
primeiro a lhe trazer a notícia de que nada fatal aconteceu, ou é provável que
aconteça.
— O senhor — disse Cecilia — me faz uma grande honra. Na verdade, me
libera de um suspense extremamente desagradável. Uma pacificação, eu
suponho, foi obtida esta manhã?
— Eu penso — respondeu ele, sorrindo — que a senhorita espera demais,
mas a esperança nunca é tão elástica como quando surge das ruínas do terror.
— Qual é, então, o problema? Eles não estão a salvo?
— Sim, perfeitamente a salvo, mas não posso dizer que nunca estiveram
em perigo.
— Bem, fico contente que esteja terminado, mas o senhor me fará um
favor se me informar o que aconteceu.
— Será um prazer, madame, atender ao seu pedido. O que vi me deu
muitas razões para acreditar que medidas mais violentas seguiriam a confusão
da noite anterior; no entanto, como descobri que a disputa fora acidental e
que a ofensa não tinha sido premeditada, pensei que não era absolutamente
impossível que uma mediação rápida pudesse fazê-los chegar a um acordo;
pelo menos, valeria a pena tentar, pois, embora a ira que se ascende
lentamente ou que se nutre durante muito tempo seja sombria e intratável, a
raiva repentina, que não teve tempo para impressionar a mente com uma
profunda sensação de dano, quando gentilmente administrada, às vezes pode
ser apaziguada com a mesma rapidez com que fora excitada. Eu esperava,
portanto, que alguma concessão insignificante de Sir Robert, como o
agressor...
— Ah, senhor! — exclamou Cecilia. — Isso, eu temo, não poderia ser
obtido.
— Não por mim, devo admitir — respondeu ele. — Mas eu não estava
disposto a pensar nas dificuldades e, portanto, aventurei-me a fazer a
proposta: mal deixei a Opera House e já estava utilizando todos os
argumentos possíveis para persuadir Sir Robert de que um pedido de
desculpas não afetaria seu valor nem sua reputação. Porém, seu espírito não
tolerou a humilhação.
— Espírito! — exclamou Cecilia. — Que palavra mais doce! O que, então,
o pobre Mr. Belfield decidiu fazer?
— Isso, creio eu, ele não levou muito tempo para decidir. Eu descobri
onde ele morava, por meio de um cavalheiro da ópera que o conhecia, e fui
até lá com a intenção de oferecer meus serviços para resolver o caso por
arbitragem; como a senhorita o chama de pobre Mr. Belfield, creio que
permitirá, sem ofender seu antagonista, que eu reconheça que sua galanteria,
embora muito impetuosa para elogios, me envolveu em seus interesses.
— Espero que o senhor não pense — disse Cecilia — que uma ofensa ao
seu antagonista represente necessariamente uma ofensa à minha pessoa.
— O que quer que eu tenha pensado — respondeu ele, olhando para ela
com evidente surpresa —, certamente não desejava que existisse entre vocês
uma simpatia ofensiva e uma defensiva. Mesmo assim, não pude falar com
Mr. Belfield na noite passada, mas o assunto ficou na minha mente, e esta
manhã fui à sua pensão assim que o dia amanheceu.
— Quanta bondade da sua parte! — exclamou Cecilia. — Espero que sua
amável atitude não tenha se mostrado ineficaz!
— Um Dom Quixote tão valoroso — respondeu ele, rindo — certamente
merecia um fiel escudeiro. Ele, entretanto, já havia saído, e ninguém sabia
para onde. Cerca de meia hora atrás, eu voltei a visitá-lo; ele tinha acabado de
voltar para casa.
— E então, senhor?
— Eu o vi; o assunto já estava terminado, e, em pouco tempo, ele poderá,
se a senhorita lhe der a honra, desculpar-se.
— Ele está ferido?
— Ele está um pouco ferido, mas Sir Robert está perfeitamente a salvo.
Belfield atirou primeiro e errou; o baronete teve mais sucesso.
— Eu sinto muito, de verdade! Onde ele foi ferido?
— A bala entrou pelo seu lado direito e, no momento em que a sentiu, ele
disparou sua segunda pistola para o ar. Foi o que eu ouvi do seu criado. Ele
foi levado para casa com cuidado e devagar; nenhum cirurgião estava no
local, mas um foi chamado imediatamente. Eu fiquei para saber sua opinião
depois que o ferimento foi tratado: ele me disse que havia extraído a bala e
me garantiu que Mr. Belfield estava fora de perigo. A sua inquietação,
madame, na noite de ontem, esteve sempre comigo e me encorajou a tomar a
liberdade de vir vê-la, pois eu concluí que a senhorita ainda não deveria ter
notícias e achei melhor deixar o fato puro e simples superar o provável
exagero do boato.
Cecilia agradeceu sua atenção. Quando Mrs. Harrel apareceu, ele
levantou-se e disse: — Se meu pai tivesse conhecimento da honra que tive
esta manhã de servir a Miss Beverley, estou certo de que teria sido
encarregado de prestar-lhe os seus respeitos, e tal incumbência teria
diminuído um pouco a presunção desta visita; mas eu temia que, enquanto
estivesse interessada em minhas credenciais, a pretensão de minha missão
diplomática pudesse se perder, e outros mensageiros, menos escrupulosos,
pudessem obter audiências anteriores e antecipar meus despachos.
Ele, então, partiu.
— Afinal, o domino branco — disse Cecilia — é filho de Mr. Delvile! É
por isso que o fato de conhecer tão bem minha situação me surpreendeu
tanto: um filho tão infinitamente diferente do pai!
— Sim — disse Mrs. Harrel —, e tão diferente da mãe também, pois eu
lhe garanto que ela é mais orgulhosa e arrogante até do que o velho
cavalheiro. Eu detesto a própria visão dela, pois ela mantém todos tão
assustados que não há nada além de moderação em sua presença. Mas o filho
é um jovem muito bonito e muito admirado, embora eu só o tenha visto em
público, pois ninguém da sua família nos visita.
Mr. Monckton, que logo retornara, ficou muito surpreso ao descobrir que
todas as informações que pretendia lhe dar já eram conhecidas, e não ficou
satisfeito ao saber que o domino branco, a quem antes não devia boa vontade,
tinha, assim, o precedido oficiosamente.
Mr. Arnott, que chegara logo depois dele, tinha ficado tão insatisfeito com
o resultado das suas investigações que, com medo de aumentar a aflição de
Cecilia, decidiu não revelar onde tinha estado, mas logo percebeu que sua
indulgência tinha sido inútil, pois ela já estava a par do duelo e de suas
consequências. No entanto, seu incessante desejo de agradá-la o instigou a
duas vezes no mesmo dia voltar a visitar a pensão de Mr. Belfield, a fim de
lhe trazer informações frescas e não solicitadas.
Antes que terminassem o desjejum, Miss Larolles, sem fôlego de tanta
ansiedade, parou para contar a notícia do duelo, a caminho da igreja, já que
era domingo de manhã. Logo depois, Mrs. Mears, acompanhada por outras
damas, trouxe o mesmo relato, também direcionado a Cecilia, com
expressões de preocupação que a convenceram de que, para seu infinito
aborrecimento, ela era considerada a pessoa mais interessada no acidente.
Mr. Harrel só retornou bem mais tarde, mas parecia muito animado. —
Miss Beverley — disse ele —, trago-lhe notícias que compensarão todo o seu
medo: Sir Robert não apenas saiu ileso como foi o vencedor.
— Lamento em dizer, senhor — respondeu Cecilia, extremamente
provocada por ser assim felicitada —, que ninguém foi vencedor, tampouco
perdedor.
— Não há motivo para tristeza — disse Mr. Harrel —, ou qualquer outro
sentimento senão o de alegria, pois ele não matou o homem; a vitória,
portanto, não lhe custará uma fuga, nem um julgamento. Hoje ele pretende
visitá-la e depositar seus louros a seus pés.
— Ele vai se incomodar à toa — disse Cecilia —, pois não tenho nenhuma
ambição de ser tão honrada.
— Ah, Miss Beverley — respondeu ele, rindo —, ninguém vai acreditar
nisso agora! No passado, talvez, mas não agora, eu lhe garanto.
Cecilia, embora muito desgostosa com a acusação, descobriu que negá-la
só excitava mais zombarias e, portanto, convenceu a si mesma a lhe oferecer
uma audiência tranquila e quase nenhuma resposta.
Na hora do almoço, quando Sir Robert chegou, a antipatia que ela
originalmente sentia por ele, transformada em repulsa pelo seu
comportamento na noite anterior, agora se convertera na mais forte aversão
pelo horror que ela concebia da sua ferocidade e pela indignação excitada
pela sua arrogância. Ele parecia, como resultado do sucesso do duelo,
acreditar que havia sido elevado ao mais alto pináculo da glória humana; o
triunfo estava exultante em sua testa; ele desprezava qualquer pessoa a quem
se dignasse a olhar, e demonstrava que considerava sua observação uma
espécie de honra, por mais imperiosa que fosse a maneira como era
concedida. Sobre Cecilia, no entanto, seu olhar era mais complacente; ele
agora acreditava que ela tinha sido dominada e sua vaidade se deleitava com
a crença; sua ansiedade o tinha convencido tão completamente do seu amor,
que ela mal conseguia desiludi-lo: seu silêncio, ele apenas atribuía à
admiração; sua frieza, ao medo, e sua reserva, à vergonha.
Enojada por uma insolência tão dissimulada e não autorizada, e indignada
pelo triunfo de sua brutalidade bem-sucedida, Cecilia dolorosamente
manteve-se em seu assento, e com muito desgosto refletia sobre a
necessidade de passar uma parte tão grande do seu tempo na companhia de
alguém por quem sentia extrema aversão.
Depois do almoço, enquanto Mrs. Harrel falava sobre as companhias que
teria naquela noite, da qual Cecilia se recusou a fazer parte, Sir Robert, com
uma espécie de humildade orgulhosa, que parecia temer uma rejeição, mas
que ao mesmo tempo proclamava indiferença em recebê-la, disse: — Eu não
me incomodo se não puder ir mais longe se Miss Beverley me conceder a
honra de me acompanhar no chá.
Cecilia olhou para ele com grande surpresa e respondeu que tinha cartas
para escrever, o que a deixaria confinada em seu quarto pelo resto da tarde. O
baronete, olhando para o relógio, disse no mesmo instante: — Puxa, que
sorte, acabo de me lembrar de um compromisso no outro extremo da cidade
que tinha escapado da minha memória.
Quando todos haviam partido, Cecilia recebeu uma mensagem de Mrs.
Delvile, implorando o favor da sua companhia para o café da manhã no dia
seguinte. Ela prontamente aceitou o convite, embora não estivesse de forma
alguma preparada, pelo que ouvira da sua personalidade, a esperar obter
algum prazer do encontro com aquela dama.
CAPÍTULO 17

UMA REUNIÃO FAMILIAR

Na manhã seguinte, entre nove e dez horas, Cecilia foi a St. James’s
Square; ela não encontrou ninguém imediatamente pronto para recebê-la, mas
em pouco tempo foi atendida por Mr. Delvile.
— Miss Beverley — disse ele depois das saudações habituais —, dei
ordens expressas ao meu pessoal para que não seja interrompido enquanto
tenho o prazer de passar alguns minutos conversando com a senhorita antes
de ser apresentada à Mrs. Delvile.
Então, com um ar solene, ele a conduziu a um assento, enquanto tomava
posse de outro e continuava seu discurso.
— Eu recebi informações, de fontes das quais não posso duvidar, de que a
indiscrição de alguns dos seus admiradores no sábado passado na Opera
House ocasionou um distúrbio que, para uma jovem delicada, eu imagino,
deve ser muito alarmante. Confesso estar preocupado com sua reputação e
seu bem-estar por considerá-la minha pupila, e acho que é minha
incumbência fazer algumas averiguações sobre seus assuntos que se tornem
públicos, pois eu me sentiria em certa medida desonrado, caso parecesse ao
mundo, enquanto está sob minha tutela, que houve qualquer falta de decoro
na direção de sua conduta.
Cecilia, não muito lisonjeada com o discurso, respondeu com seriedade
que ela acreditava que o assunto tinha sido mal interpretado.
— Eu não tenho o hábito — respondeu ele — de dar ouvidos a qualquer
coisa levianamente; a senhorita deve, portanto, permitir que eu investigue os
méritos da causa e, então, tire minhas próprias conclusões. E, permita-me, ao
mesmo tempo, assegurar-lhe que nenhuma outra jovem tem o direito de
esperar de mim a mesma atenção. Devo começar implorando que me informe
por qual motivo os dois cavalheiros em questão, além da cortesia, eu
presumo, consideraram-se autorizados a contestar publicamente a sua
preferência?
— Minha preferência, senhor! — exclamou Cecilia, muito espantada.
— Minha querida — disse ele, com uma complacência que pretendia lhe
dar coragem —, eu sei que a pergunta é difícil para uma jovem responder,
mas não se envergonhe, eu lamentaria incomodá-la e pretendo com todas as
minhas forças poupar o seu rubor. Portanto, não tenha medo; considere-me
seu tutor e assegure-se de que estou perfeitamente disposto a considerá-la
minha pupila. Diga-me, então, livremente, quais são as pretensões desses
senhores?
— Eu acredito, senhor, que eles não têm pretensão alguma.
— Vejo que é tímida — respondeu ele, com uma gentileza crescente. —
Vejo que não está tranquila comigo, e quando eu penso no quão pouco me
conhece, não me admiro que seja assim. Mas, por favor, tenha coragem. Eu
acho que é importante que me informe sobre os seus assuntos e, portanto,
imploro que fale comigo com liberdade.
Cecilia, cada vez mais mortificada pela humilhante condescendência,
voltou a lhe assegurar que tinha sido mal-informado e foi novamente, embora
desacreditada, elogiada por sua modéstia, quando, para seu grande alívio, eles
foram interrompidos pela entrada do seu amigo domino branco.
— Mortimer — disse Mr. Delvile —, acredito que já teve o prazer de ver
esta jovem?
— Sim, senhor — respondeu ele —, mais de uma vez tive essa felicidade,
mas nunca tive a honra de ser apresentado a ela.
— Neste caso, Miss Beverley — disse o pai —, eu lhe apresento Mr.
Mortimer Delvile, meu filho; e Mortimer, é meu desejo que se lembre de
respeitar Miss Beverley, uma pupila do seu pai.
— Eu não vou me esquecer, senhor — respondeu ele —, de uma ordem
que minhas próprias inclinações já haviam superado.
Mortimer Delvile era alto e bem constituído, seus traços, embora não
fossem bonitos, eram cheios de expressão, e uma nobre franqueza nas
maneiras e no discurso revelava a elegância de sua educação e a liberalidade
da sua mente.
Terminada a introdução, uma conversa mais generalizada teve início até
que Mr. Delvile, levantando-se repentinamente, disse a Cecilia: — Perdoe-
me, Miss Beverley, se a deixo por alguns minutos; um dos meus inquilinos
parte amanhã para minha propriedade no Norte e está há duas horas à espera
para falar comigo. Mas, se meu filho não estiver particularmente
comprometido, tenho certeza de que lhe fará as honras da casa até que sua
mãe esteja pronta para recebê-la.
Então, ele acenou graciosamente com a mão e saiu da sala.
— Meu pai — disse ele — deixou-me uma missão que, se pudesse
executá-la com a perfeição que desejaria, seria executada sem a menor falha.
— Eu lamento muito — disse Cecilia — ter tornado confusa a hora do seu
café da manhã, mas não permita que eu seja uma restrição para o senhor; eu
encontrarei um livro, ou um jornal, algo para preencher meu tempo até que
Mrs. Delvile me honre com sua presença.
— A senhorita somente poderia ser uma restrição — respondeu ele — se
ordenasse que eu me abstivesse da sua presença. Tomei café há muito tempo
e agora acabo de chegar da casa de Mr. Belfield. Tive o prazer, esta manhã,
de ser admitido em seu quarto.
— E como o senhor o encontrou?
— Não muito bem, eu receio, como ele mesmo acredita, mas estava de
muito bom humor e rodeado por seus amigos, a quem entretinha com toda a
alegria de um homem em plena saúde e inteiramente à vontade; embora eu
percebesse, pelas frequentes mudanças em seu semblante, alguns sinais de
dor e mal-estar, que me fizeram, embora satisfeito com sua conversa, encurtar
minha própria visita e sugerir àqueles que estavam perto de mim a
conveniência de deixá-lo repousar.
— O senhor viu o médico dele?
— Não, mas ele me disse que deveria ter apenas mais um curativo em seu
ferimento e, então, estaria livre de todo o negócio e iria correr para o interior.
— O senhor o conhecia antes do acidente?
— Não, de forma alguma, mas o pouco que vi me manteve fortemente a
seu favor. No baile de máscaras de Mr. Harrel, onde o vi pela primeira vez,
fiquei extremamente entretido com seu bom humor, embora, talvez, porque
tenha sido lá que tive também a honra de ver Miss Beverley pela primeira vez
e estivesse feliz demais para oferecer muita resistência à diversão. Mesmo na
ópera ele teve a vantagem de me encontrar na mesma disposição favorável, já
que eu já a tinha visto antes mesmo de notar a presença dele. No entanto,
devo confessar que não acreditei que sua raiva não tivesse alguma motivação,
mas eu peço desculpas, talvez eu esteja enganado, e a senhorita, que conhece
todo o caso, possa, sem dúvidas, ser capaz de explicar o que aconteceu.
Neste momento ele fixou os olhos em Cecilia com um ar de curiosidade
que parecia ansioso para penetrar nos sentimentos dela sobre os dois
antagonistas.
— Não, certamente — respondeu ela —, ele teve toda a motivação que a
má educação poderia lhe dar.
— E a senhorita — disse ele, com grande surpresa — julga o assunto com
tal severidade?
— Não, não com severidade, simplesmente com franqueza.
— Com franqueza? Pobre Sir Robert! A severidade não seria assim tão
ruim para ele!
Neste momento, um criado entrou para informar Cecilia de que Mrs.
Delvile a aguardava para o café da manhã.
A convocação foi imediatamente seguida pela reentrada de Mr. Delvile,
que pegou sua mão, disse que a apresentaria pessoalmente à sua senhora e,
com muita gentileza, lhe garantiu uma recepção amável.
As cerimônias que antecederam a entrevista, somadas ao que já ouvira
sobre a personalidade de Mrs. Delvile, fizeram Cecilia desejar de coração que
tudo terminasse logo; porém, ela assumiu toda a coragem ao seu alcance e
decidiu manter um estado de espírito capaz de lutar contra a ostentosa
superioridade que esperava encontrar.
Cecilia a encontrou sentada em um sofá, do qual, no entanto, levantou-se
assim que ela se aproximou; mas, no momento em que Cecilia a contemplou,
todas as impressões desfavoráveis com as quais havia chegado à sua presença
desapareceram imediatamente, e o respeito que as formalidades de sua
apresentação não conseguiram inspirar, seu porte, sua figura e seu semblante
instantaneamente incitaram. Ela não tinha mais de 50 anos; sua tez, embora
apagada, conservava os traços de sua antiga beleza; seus olhos, embora
tivessem perdido o fogo juvenil, mantinham o brilho que evidenciava a
luminosidade primitiva; e a simetria de seus traços, ainda ilesos pelo passar
do tempo, não apenas indicava a perfeição de sua beleza juvenil, mas ainda
reivindicava a admiração de todos os observadores. Seu porte era elevado e
imponente, mas a dignidade originada da sua nobreza e da superioridade
consciente era tão judiciosamente regulada pelo bom senso, e tão felizmente
combinada com a cortesia, que, embora o mundo em geral a invejasse ou
odiasse, os poucos pelos quais ela tinha algum respeito, ela estava
infalivelmente certa de cativar.
A surpresa e admiração com as quais Cecilia, à primeira vista, foi atingida
provaram-se recíprocas. Mrs. Delvile, embora preparada para a juventude e
beleza, não esperava ver um semblante tão inteligente, nem modos tão bem
formados como os de Cecilia; assim, mutualmente espantadas e satisfeitas,
suas primeiras saudações foram acompanhadas de olhares tão lisonjeiros para
ambas, que uma via na outra uma predisposição imediata a seu favor, e,
desde o momento em que se conheceram, pareceram instintivamente
impelidas à admiração.
— Eu havia prometido à Miss Beverley, madame — disse Mr. Delvile à
sua senhora —, que lhe ofereceria uma amável recepção, e não é necessário
lembrá-la de que minhas promessas são sempre consideradas sagradas.
— Mas espero que também não tenha prometido — disse ela, com rapidez
— que eu daria ao senhor uma amável recepção, pois eu me sinto neste exato
momento extremamente inclinada a brigar com o senhor.
— Por que, madame?
— Por não ter nos reunido mais cedo; agora que a vi, já começo a me
arrepender do tempo que perdi sem ter o prazer de conhecê-la.
— Que reivindicação é essa — exclamou o jovem Delvile — à
benevolência de Miss Beverley! Se ela não tiver agora a indulgência de
visitá-la frequentemente e diligentemente a título de reparação, deverá
considerar-se responsável pelas desavenças que causará.
— Se a paz depender das minhas visitas — respondeu Cecilia —, pode ser
proclamada imediatamente; se fosse obtida apenas por minha ausência, não
sei se estaria de acordo com as condições.
— Devo pedir-lhe, madame — disse Mr. Delvile —, que, quando eu e
meu filho tivermos nos retirado, a senhora conceda meia hora a esta jovem,
fazendo perguntas sobre o distúrbio no sábado passado na Opera House. Eu
mesmo não terei tempo para isso, visto que tenho vários compromissos esta
manhã, mas estou certo de que não fará objeções ao ofício, pois sei que está
igualmente ansiosa para que a minoridade de Miss Beverley siga sem
reprovações.
— Não apenas sua minoridade, como também sua maioridade — disse o
jovem Delvile, calorosamente —, eu espero, sem reprovações, mas com fama
e aplausos!
— Este também é o meu desejo — disse Mr. Delvile —, desejo-lhe
felicidades em todas as fases da vida, mas apenas para a sua minoridade é
minha tarefa fazer mais do que desejar. Por isso, sinto minha própria honra e
meu próprio crédito na causa; minha honra, já que dei ao reitor minha palavra
de que supervisionaria sua conduta, e meu crédito, visto que o mundo está
ciente do direito que ela tem à minha proteção.
— Não farei perguntas — disse Mrs. Delvile, voltando-se para Cecilia
com uma doçura que a recompensava pela altivez do seu tutor — até que
tenha tido a oportunidade de convencer Miss Beverley de que somente por
respeito aos seus méritos elas devem ser respondidas.
— Veja, Miss Beverley — disse Mr. Delvile —, quão poucos motivos a
senhorita tinha para ter medo de nós. Mrs. Delvile está tão disposta a seu
favor quanto eu mesmo, e da mesma forma deseja colocar-se a seu serviço.
Esforce-se, portanto, para livrar-se dessa timidez e tranquilizar-se. A
senhorita deveria vir até nós com mais frequência, pois isso fará mais para
eliminar seus receios do que todo o encorajamento que pudermos lhe dar.
— Mas, quais são os receios — perguntou Mrs. Delvile — que Miss
Beverley pode ter para eliminar?! A menos que, de fato, ela perceba que suas
visitas nos convertam em usurpadores, e que, quanto mais formos
favorecidos com sua presença, menos suportaremos sua ausência.
— Diga, filho — disse Mr. Delvile —, qual o nome da pessoa que era o
oponente de Sir Robert Floyer? Eu me esqueci novamente.
— Belfield, senhor.
— Certo; é um nome com o qual não estou familiarizado. No entanto, é
possível que seja um homem muito bom; mas certamente sua oposição a Sir
Robert Floyer, que tem um nome de família, um cavalheiro, rico e aliado a
algumas pessoas distintas, foi uma circunstância bastante estranha; não quero,
entretanto, julgar o caso. Vou ouvi-lo com a mente aberta, e estou mais
disposto a ser cauteloso no que digo, porque estou convencido de que Miss
Beverley tem muito bom senso para permitir que meu conselho seja
desperdiçado.
— Assim espero, senhor, mas, com relação ao distúrbio na ópera, não sei
se seria o caso de incomodá-lo.
— Se suas decisões — disse ele, muito gravemente — já foram tomadas, o
reitor, seu tio, me convenceu a aceitar um cargo muito inútil; mas, se ainda há
algo a ser decidido, talvez não seja impróprio que eu seja consultado.
Enquanto isso, apenas recomendarei que a senhorita considere que Mr.
Belfield é uma pessoa cujo nome nunca ninguém ouviu, e que uma ligação
com Sir Robert Floyer certamente seria muito mais honrosa.
— Na verdade, senhor — disse Cecilia —, há um grande erro nessa
história; nenhum desses cavalheiros, creio eu, está interessado em mim.
— Nesse caso, eles escolheram — exclamou o jovem Delvile, com uma
risada — um método extraordinário para provar sua indiferença!
— Os assuntos de Sir Robert Floyer — continuou Mr. Delvile — estão, de
fato, segundo estou informado, em alguma desordem; mas ele tem uma
propriedade nobre, e sua fortuna será suficiente para liquidar esses
impedimentos. Tal aliança, portanto, seria mutuamente vantajosa; mas, o que
esperar de uma união com uma pessoa como Mr. Belfield? Ele não vem de
uma família conhecida, embora nesse ponto, talvez, a senhorita não tenha
muitos escrúpulos; mas ele também não tem dinheiro. O que, então, está a
favor dele?
— Para mim, senhor, nada! — respondeu Cecilia.
— E, para mim — exclamou o jovem Delvile —, quase tudo! Ele tem
inteligência, espírito e compreensão, talentos para criar admiração, e
qualidades, acredito, para atrair estima.
— Você fala de forma afetuosa — disse Mrs. Delvile —, mas, se este é o
seu caráter, ele merece sua honestidade. O que sabe sobre ele?
— Não o suficiente, talvez — respondeu ele —, para justificar friamente
meu elogio, mas ele é um daqueles cuja primeira aparição pega sua mente de
surpresa e deixa o julgamento para depois. A senhora permitiria, quando ele
estiver recuperado, que eu o apresente?
— Certamente — disse ela, sorrindo —, mas tome cuidado para que sua
recomendação não desonre o seu discernimento.
— Todo esse entusiasmo, Mortimer — exclamou Mr. Delvile —, não
produz nada além de dificuldades e problemas; você negligencia as conexões
que aponto, as quais, com um pouco de atenção, poderiam tornar-se tão úteis
quanto honrosas, e precipita-se para formar uma que não é indicada para
pessoas de posição, que não só são inúteis em si mesmas, mas geralmente te
levam a despesas e inconveniências. Já está na idade de corrigir essa
imprudência. Portanto, pense melhor em suas próprias consequências, no
lugar de degradar-se em vão, fazendo amizade com todo aventureiro que
aparece no seu caminho.
— Eu não sei, senhor — respondeu ele —, por que Mr. Belfield merece
ser chamado de aventureiro; ele não é, na verdade, rico; mas exerce uma
profissão na qual pessoas como ele raramente deixam de adquirir riquezas; no
entanto, quanto a mim, sua riqueza não tem a menor importância, por que
minha consideração por ele deveria depender disso? Se é um jovem de valor
e honra...
— Mortimer — interrompeu Mr. Delvile —, o que quer que ele seja,
sabemos que não é um homem de posição e, seja o que for, sabemos que não
pode tornar-se um homem de família e, consequentemente, não é um
companheiro para Mortimer Delvile. Se puder prestar-lhe algum serviço,
recomendo que o faça; use o seu berço, sua posição na vida para ajudar as
pessoas e promover o bem geral, mas nunca, em seu zelo pelos demais,
esqueça o que é devido a você mesmo e à antiga e honrada casa onde nasceu.
— Não temos nada melhor para entreter Miss Beverley do que sermões em
família? — perguntou Mrs. Delvile.
— Cabe a mim — disse o jovem Delvile, levantando-se — pedir perdão a
Miss Beverley por tê-los provocado, mas, quando ela tiver a bondade de nos
honrar com sua companhia novamente, espero ter mais discrição.
Ele então saiu da sala, e Mr. Delvile, enquanto se levantava para também
sair, disse: — Minha querida, eu a deixo em mãos muito amáveis. Estou certo
de que Mrs. Delvile ficará feliz em ouvir sua história; portanto, fale com ela
sem reservas. E, por favor, não imagine que eu te entrego a ela por alguma
desfeita. Pelo contrário, admiro e parabenizo sua modéstia, mas meu tempo é
extremamente valioso e não posso devotá-lo a uma explicação como requer
sua timidez.
Então, para grande alívio de Cecilia, ele se retirou, deixando-a com muitas
dúvidas sobre se era sua arrogância ou sua condescendência que a humilhava
mais.
— Os homens — disse Mrs. Delvile — nunca são capazes de compreender
a dor de uma mente feminina delicada ao entrar em explicações desse tipo; no
entanto, eu compreendo muito bem para infligir algo do tipo. Não teremos,
portanto, nenhuma explicação até nos conhecermos melhor, e então, se a
senhorita se aventurar a me favorecer com alguma confiança, o meu melhor
conselho e, se algum estiver em meu poder, meus melhores serviços estarão
às suas ordens.
— A senhora me honra com estas palavras — respondeu Cecilia —, mas
devo assegurar-lhe que não tenho nenhuma explicação a dar.
— Bem, bem, por ora — respondeu Mrs. Delvile — fico feliz com essa
resposta, já que não adquiri direito a nenhuma outra; porém, daqui em diante
esperarei mais abertura, é o que promete o seu semblante e eu pretendo
reivindicar a promessa pela minha amizade.
— Sua amizade me honra e deleita, e, quaisquer que sejam suas perguntas,
sempre terei orgulho em respondê-las; mas, de fato, com relação a este caso...
— Minha cara Miss Beverley — interrompeu Mrs. Delvile, com um olhar
de incredulidade —, os homens raramente arriscam suas vidas onde não há
esperança de recompensa. Mas não diremos mais uma palavra sobre o
assunto. Espero que a senhorita me favoreça muitas vezes com sua
companhia, e que a frequência das suas visitas faça com que nós duas
esqueçamos a falta de familiaridade.
Cecilia, ao descobrir que sua resistência apenas dava origem a novas
suspeitas, cedeu e ficou satisfeita com o fato de que em pouco tempo
inevitavelmente esclareceria a verdade. Assim, sua visita não foi abreviada; a
súbita parcialidade com que o porte e o semblante de Mrs. Delvile a haviam
impressionado foi rapidamente convertida em estima pelos encantos da
conversa: ela a achou sensível, bem-educada e bem-humorada, dotada por
natureza de talentos superiores, e elegante pela educação, pelo estudo e por
toda a beleza do conhecimento. Ela via nela, de fato, uma parte do orgulho
que fora ensinada a esperar, mas era tão suavizado pela elegância e tão bem
temperado pela gentileza, que seu caráter era elevado, sem tornar seus modos
ofensivos.
Com uma mulher assim, nunca faltariam assuntos para conversa, nem
criatividade para torná-los divertidos. Cecilia ficou tão encantada com sua
visita que, embora sua carruagem tivesse sido anunciada ao meio-dia, ela
relutantemente a concluiu às duas, e, ao despedir-se, aceitou de bom grado
um convite para jantar com sua nova amiga três dias depois, quem,
igualmente satisfeita com sua jovem convidada, prometeu retribuir sua visita
antes disso.
CAPÍTULO 18

UM INTERROGATÓRIO

Cecilia encontrou Mrs. Harrel a aguardando ansiosamente para ouvir o


relato de como havia passado a manhã, e plenamente convencida de que
havia deixado os Delviles com a intenção de nunca mais voltar a vê-los,
senão por alguma necessidade. Portanto, ela ficou não apenas surpresa, mas
decepcionada, quando, no lugar de ter suas expectativas satisfeitas, Cecilia
lhe assegurou que ficara encantada com Mrs. Delvile, cujas qualidades
envolventes a recompensavam amplamente pela arrogância do marido, que
não guardara nenhum arrependimento da visita a não ser o fato de ser muito
curta, e que já havia agendado uma data para repeti-la.
Mrs. Harrel, evidentemente, sentiu-se magoada com os elogios, e Cecilia,
que notara em todos os seus tutores uma poderosa disposição para o ódio e o
ciúme, logo abandonou o assunto, embora estivesse tão encantada com Mrs.
Delvile, que a ideia da mudança mais uma vez passou pela sua cabeça, apesar
de sua antipatia pelo guardião majestoso.
Durante o almoço, como de costume, juntou-se a eles Sir Robert Floyer,
cuja presença tornava-se cada vez mais assídua, mas que, naquele dia,
contrariando seu costume de ficar com os cavalheiros, saiu antes que as
damas deixassem a mesa. Assim que ele saiu, Mr. Harrel solicitou uma
conferência privada com Cecilia.
Eles foram juntos para a sala de visitas, onde, após um brilhante prefácio
sobre os méritos de Sir Robert Floyer, ele a comunicou formalmente que fora
encarregado por aquele cavalheiro a lhe fazer uma oferta de sua mão e
fortuna.
Cecilia, que não tinha muitos motivos para surpreender-se com a proposta,
desejou que ele dissesse ao baronete que ela lhe agradecia pela honra
pretendida, ao mesmo tempo em que se recusava totalmente a recebê-la.
Mr. Harrel, rindo, disse a ela que aquela resposta era muito boa para um
começo, embora de forma alguma tivesse algum efeito depois do primeiro dia
da declaração, mas, quando Cecilia lhe garantiu que estava firmemente
decidida, ele protestou com igual surpresa e descontentamento sobre as
razões de sua recusa. Ela achou que seria suficiente dizer que Sir Robert não
a agradava, mas, com muito bom-humor, ele negou o crédito da afirmação,
garantindo-lhe que era universalmente admirado pelas damas, que ela não
poderia receber uma oferta mais honrosa e que ele era considerado por todos
o melhor cavalheiro da cidade. Sua fortuna, ele acrescentou, era igualmente
compatível com sua figura e posição; todas as pessoas, ele estava certo disso,
aprovariam a conexão, e ela mesma deveria ditar os detalhes do acordo.
Cecilia lhe implorou que ficasse satisfeito com uma resposta que ela
jamais poderia mudar e que a poupasse da enumeração de objeções
específicas, uma vez que Sir Robert a desagradava em todos os aspectos.
— Por que, então — perguntou ele —, a senhorita sentiu tanto medo por
ele na Opera House? A opinião foi a mesma em toda a cidade: a sua
preferência por ele.
— Fico extremamente preocupada com essa afirmação; meu medo foi
apenas o efeito da surpresa, e não pertencia a Sir Robert mais do que a Mr.
Belfield.
Ele lhe disse que ninguém pensava assim, que seu casamento com o
baronete era universalmente esperado e, em conclusão, apesar do seu desejo
sincero de que Sir Robert fosse informado de maneira instantânea e explícita
da sua determinação, ele repetidamente recusou-se a lhe dar qualquer
declaração final até que ela tivesse levado mais tempo para considerar o
pedido.
Cecilia ficou extremamente descontente com a importunação enfadonha, e
ainda mais envergonhada ao descobrir que sua emoção imprudente na Opera
House havia suscitado suspeitas de que ela nutria uma parcialidade por um
homem a quem a cada dia odiava com mais veemência.
Enquanto deliberava de que maneira poderia esclarecer o erro que, uma
vez sozinha, passou a ocupar todos os seus pensamentos, ela foi interrompida
pela entrada de Mr. Monckton, cuja alegria ao vê-la completamente sozinha
não excedeu a sua própria, pois ainda que estivesse encantado por poder
enfim examinar sua situação, ela não ficou menos satisfeita por poder revelá-
la a ele.
Depois de mútuas manifestações, mais resguardadas, porém, por parte de
Mr. Monckton, e sem reservas por parte de Cecilia, pela satisfação de
poderem voltar a conversar como nos velhos tempos, ele perguntou se ela
permitiria que ele, com o privilégio de ser há muito um conhecido, pudesse
falar com sinceridade.
Ela respondeu que nada a agradaria mais.
— Permita-me, então — disse ele —, indagar se aquela ardente confiança
em sua própria firmeza, que tanto depreciava meus temores de que a
mudança de residência pudesse produzir também uma mudança em seus
pensamentos, ainda está tão inabalável como quando nos separamos em
Suffolk? Ou se a experiência, esse inimigo do refinamento não praticado, já
lhe ensinou sobre a falibilidade da teoria?
— Quando eu lhe asseguro — respondeu Cecilia — de que sua pergunta
não me incomoda, acredito que minha resposta seja suficiente, pois, se
tivesse consciência de alguma alteração, ela não deixaria de me embaraçar e
afligir. Muito longe, porém, de me encontrar no perigo com o qual o senhor
me ameaçou, de esquecer Bury, seus habitantes e seus arredores, penso neles
com ainda mais prazer, já que Londres, em vez de ser fascinante, me
decepcionou muito.
— Em que sentido? — perguntou Mr. Monckton, encantado.
— Não a cidade em si — respondeu ela —, nem sua magnificência, ou
suas diversões, que parecem inesgotáveis; mas estas mesmas diversões,
embora abundantes como instrumentos de prazer, são muito superficiais
como fonte de felicidade; a decepção, portanto, chega mais perto de casa e
não vem de Londres, mas de minha própria situação.
— Então, viver aqui a desagrada?
— Julgue o senhor mesmo, quando eu lhe digo que desde o minuto em que
deixei sua casa até este exato momento, quando tenho novamente a felicidade
de conversar com o senhor, eu nunca tive qualquer conversa, companhia ou
relacionamento onde a amizade ou o afeto tivessem alguma participação, ou
que tenha despertado um mínimo de interesse em minha mente.
Ela, então, entrou em detalhes sobre o seu estilo de vida, disse a ele quão
pouco adequado era para o seu gosto aquele descomedimento ilimitado dos
Harrels e discorreu comovidamente sobre a decepção que recebera com a
alteração nos modos e conduta da sua jovem amiga. — Nela — ela continuou
—, se tivesse encontrado a companheira que vim preparada para encontrar, a
amiga de quem eu havia me separado recentemente, e em cuja companhia
esperava encontrar consolo pela perda do senhor e de Mrs. Charlton, eu não
teria motivos para reclamar; os mesmos lugares que são hoje cansativos
poderiam então ter me entretido, e tudo o que agora passa por excesso sem
sentido poderia então ter usado a aparência de variedade e prazer. Mas, onde
a mente está totalmente desinteressada, tudo é lânguido e insípido, e
acostumada como estou há muito tempo a pensar que a amizade é a primeira
das bênçãos humanas, e que a conversa social é o maior dos prazeres
humanos, como posso me reconciliar com um estado de indiferença
descuidada, travar novas amizades sem nenhuma preocupação em preservá-
las ou estimá-las e continuar dia após dia em uma busca ávida por diversão,
sem companhia para as horas de retiro, e sem nenhum outro objetivo além de
passar o momento presente em aparente alegria e despreocupação?
Mr. Monckton, que ouvia as queixas com um êxtase secreto, longe de
tentar suavizá-las ou removê-las, usou seus melhores esforços para fortalecê-
las e aumentá-las, recorrendo habilmente ao seu antigo modo de vida e
apontando com censuras adicionais a mudança que ela tinha recentemente
sido compelida a experimentar: — Uma mudança — continuou ele — que,
ainda que seja desastrosa para o seu tempo e prejudicial para a sua felicidade,
o hábito irá, eu temo, tornar tudo familiar e agradável.
— Estas suspeitas, senhor — disse Cecilia —, me afligem muitíssimo;
mas, por que, longe de me encontrar satisfeita, sendo que tudo o que ouve são
queixas, o senhor ainda deveria continuar a nutri-las?
— Porque sua provação ainda é muito curta para demonstrar sua firmeza, e
porque não há nada a que o tempo não possa nos acostumar com satisfação.
— Não sinto medo — disse Cecilia — de passar por uma provação que
possa satisfazê-lo completamente; mas, no entanto, para não ser muito
presunçosa, de forma alguma eu me expus a todos os perigos que o senhor
acredita que me cercam, pois ultimamente tenho passado quase todas as
noites em casa e sozinha.
Esta informação foi para Mr. Monckton a surpresa mais agradável que
podia receber. A aversão dela pelas diversões que lhe eram oferecidas aliviou
enormemente seus temores de que ela formasse uma conexão alarmante, e a
descoberta de que, embora ele a tivesse procurado em todos os lugares
públicos, ela passava seu tempo tranquilamente ao lado da lareira, não apenas
lhe reconfortava pelo momento, mas também lhe dava informações sobre
onde poderia encontrá-la no futuro.
Ele então falou sobre o duelo e solicitamente a levou a falar (abertamente)
sobre Sir Robert Floyer; mais uma vez sua satisfação foi total: ele descobriu
que sua aversão por ele era tal como esperava pelo conhecimento do seu
caráter e eliminou por completo suas suspeitas sobre sua ansiedade em
relação à briga, explicando-lhe que sua apreensão se dava pelo fato de tê-la
ocasionado ela mesma ao aceitar uma cortesia de Mr. Belfield, no exato
momento em que demonstrava sua aversão em receber a de Sir Robert. A sua
confiança também não se encerrava ali: ela o pôs a par da conversa que
acabara de ter com Mr. Harrel e implorou seu conselho sobre de que forma
poderia evitar maiores importunações.
Mr. Monckton tinha agora um novo assunto para seu discernimento. Tudo
lhe havia confirmado que Mr. Arnott estava apaixonado por Cecilia, e ele
concluíra, portanto, que o interesse dos Harrels estaria a seu favor; outras
ideias o afligiam agora: ele descobriu que Mr. Arnott havia renunciado em
favor de Sir Robert e decidiu observar atentamente os movimentos do
baronete e do seu jovem guardião, a fim de descobrir a natureza de seus
planos e conexões. Nesse ínterim, convencido por sua indiferente aversão às
propostas que recebera, de que no momento ela não corria nenhum perigo do
tipo que suspeitava, ele apenas a aconselhou a perseverar em manifestar uma
repugnância serena às suas solicitações, o que não poderia falhar e logo
deixaria os dois desanimados.
— Mas, senhor — exclamou Cecilia —, agora eu temo esse homem tanto
quanto o desprezo, pois sua ferocidade e brutalidade recentes, embora tenham
aumentado meu desgosto, fazem com que eu sinta medo de demonstrá-lo!
Estou impaciente, portanto, para acabar com esse assunto e não voltar a vê-lo.
E, com esse propósito, desejo sair da casa de Mr. Harrel, onde ele tem acesso
quando bem quer.
— A senhorita não poderia desejar nada mais sensato — exclamou ele. —
A senhorita, então, voltaria para o interior?
— Essa decisão ainda não está em meu poder: sou obrigada a residir com
um dos meus tutores. Hoje eu vi Mrs. Delvile, e...
— Mrs. Delvile? — interrompeu Mr. Monckton, com voz de espanto. —
Certamente não está pensando em viver com essa família?
— O que eu poderia fazer melhor? Mrs. Delvile é uma mulher
encantadora, e sua companhia me proporcionaria mais entretenimento e
instrução em um único dia do que sob este teto eu poderia obter em doze
meses.
— Está falando sério? A senhorita realmente pensa em fazer tal mudança?
— Eu realmente desejo, mas ainda não sei se é viável; na quinta-feira, no
entanto, devo jantar com ela, e então, se estiver em meu poder, eu lhe direi
sobre o meu desejo.
— Como pode Miss Beverley desejar — disse Mr. Monckton, com
seriedade — viver em uma casa como aquela? Não é Mr. Delvile o mais
ostentoso, arrogante e autossuficiente dos homens? E sua esposa a mais
orgulhosa das mulheres? E não é toda a família odiosa para todo mundo?
— O senhor me surpreende! — exclamou Cecilia. — Certamente não
podem ser suas únicas características. Mr. Delvile, de fato, merece toda
censura que puder receber por sua cansativa ostentação de superioridade, mas
sua senhora de modo algum merece ser incluída na mesma reprovação. Passei
toda a manhã com ela e, embora tenha ido até lá com um forte preconceito
em seu desfavor, não observei nela nenhum orgulho que ultrapassasse os
limites do decoro e de uma dignidade natural.
— Tem frequentado sua casa? Conhece o filho também?
— Eu o vi três ou quatro vezes.
— E o que acha dele?
— Eu mal o conheço para julgá-lo com justiça.
— Mas o que te parece? Não nota nele toda a arrogância, toda a insolência
desdenhosa do pai?
— Oh, não! Longe disso, na verdade; sua mente parece ser nobre e liberal,
aberta a impressões de mérito e ansiosa para honrá-lo e promovê-lo.
— Pois está muito enganada; a senhorita tem lido sua própria mente e
pensa ter lido a dele: eu a aconselharia diligentemente a evitar toda a família.
A senhorita vai descobrir que todas as relações com eles são enfadonhas e
incômodas. Assim como o pai gosta de se exibir, a mulher e o filho também o
fazem em algumas outras reuniões. São descendentes da mesma linhagem e
herdaram a mesma autocomplacência. Mr. Delvile se casou com a prima, e
um instiga o outro a acreditar que todo berço e posição teriam desaparecido
da face da terra se sua magnífica família não tivesse uma promessa de apoio
em seu esperançoso Mortimer. Se a senhorita se instalasse precipitadamente
na casa deles, muito em breve seria totalmente oprimida por sua insolência
unida.
Cecilia novamente e calorosamente tentou defendê-los, mas Mr. Monckton
foi tão assertivo em suas afirmações e tão significativo em suas insinuações
para o descrédito da família, que ela foi finalmente persuadida de que havia
julgado com muita pressa e, depois de agradecer por seu conselho, prometeu
não tomar nenhuma decisão de mudança sem antes consultá-lo.
Era tudo o que ele desejava; e agora, animado por descobrir que sua
influência sobre ela não havia diminuído, e que o coração dela ainda era dela,
ele cessou suas advertências e voltou o discurso para temas mais alegres e
gerais, cauteloso quanto a reprimendas tediosas ou preocupações inquietas
que pudessem alarmá-la. Ele só a deixou quando a noite já estava bem
avançada, e então, ao voltar para casa, sentiu todas as suas ansiedades e
decepções recompensadas pelo conforto que aquela longa e satisfatória
conversa lhe proporcionara. Enquanto Cecilia, encantada por ter passado a
manhã com uma nova amiga e a noite com um velho amigo, retirava-se para
descansar mais satisfeita com a disposição do seu tempo do que estivera
desde a viagem de Suffolk.
CAPÍTULO 19

UM TÊTE-À-TÊTE

Os dois dias seguintes não tiveram acontecimentos nem distúrbios, exceto


um pequeno aborrecimento ocasionado pelo comportamento de Sir Robert
Floyer, que ainda parecia não ter qualquer dúvida quanto ao êxito do seu
avanço. Tal confiança impertinente ela só podia atribuir ao prestativo
encorajamento de Mr. Harrel, e, portanto, decidiu que seria melhor solicitar
uma explicação do que evitá-la. Nesse meio tempo, porém, ela teve a
satisfação de ouvir de Mr. Arnott, quem, sempre ansioso por agradá-la, era
frequente nas suas investigações, que Mr. Belfield estava quase totalmente
recuperado.
Na quinta-feira, de acordo com o compromisso assumido, ela retornou a
St. James’s Square e, ao ser conduzida à sala de estar enquanto aguardava o
jantar ser servido, ela encontrou apenas o jovem Mr. Delvile. Depois de uma
conversa sobre temas gerais, ele perguntou se ela tinha tido notícias de Mr.
Belfield.
— Esta manhã — respondeu ela — tive o prazer de saber que ele está
quase recuperado. O senhor voltou a vê-lo?
— Sim, madame, duas vezes.
— E achou que ele estava bem?
— Eu achei — respondeu ele, com alguma hesitação —, e ainda acho, que
um pedido seu poderia contribuir para sua cura.
— Oh! — exclamou Cecilia. — Acredito que haja remédios muito
melhores; mas receio ter sido mal informada, pois vejo que o senhor não o
considera melhor.
— A senhorita não deve, no entanto — respondeu ele —, culpar o
mensageiro cujo único objetivo é obter sua satisfação; nem deve ser tão cruel
a ponto de arruinar seus projetos, se não teme que a verdadeira segurança de
Mr. Belfield esteja ameaçada por seus enganos contínuos.
— Quais enganos, senhor? Eu não entendo o que está dizendo. Como sua
segurança pode estar ameaçada?
— Ora, madame! — disse ele, sorrindo. — Quais riscos um homem
poderia desprezar para dar luz à tamanha solicitude?! Mr. Belfield, no
entanto, não é alguém a quem um comando seu não possa resgatá-lo.
— Então, eu fui uma donzela sem coração por não o fazer? Mas, se meus
comandos têm esse efeito medicinal, por favor, diga-me como administrá-los.
— A senhorita deveria ordená-lo que renuncie, ao menos por enquanto,
aos seus planos de voltar para o interior, onde não terá assistência, e onde seu
ferimento será tratado por um criado comum, e que permaneça
tranquilamente na cidade até que o cirurgião declare que pode viajar sem
perigo.
— Mas ele está tão seriamente enlouquecido a ponto de ter a intenção de
deixar a cidade sem o consentimento do seu cirurgião?
— Nada além dessa intenção poderia ter me induzido a desiludi-la quanto
à sua recuperação. Mas, na verdade, não sou amigo desses artifícios que
adquirem o alívio do presente por meio da miséria futura; atrevo-me,
portanto, a dizer-lhe a verdade simples, para que mediante um exercício
oportuno de sua influência a senhorita possa prevenir seu mal.
— Eu desconheço, senhor — disse Cecilia, com muita surpresa —, por
qual motivo o senhor deveria supor que possuo tal influência; nem posso
imaginar que algum engano tenha sido praticado.
— É possível que eu possa ter ficado muito alarmado, mas em um caso
como este, nenhuma informação deve contar, exceto a do seu cirurgião. A
senhorita, provavelmente, o conhece.
— Eu? Na verdade, nunca vi seu cirurgião. Eu nem sei quem é.
— Pretendo visitá-lo amanhã de manhã; será que eu teria a honra e a
permissão de Miss Beverley, depois disso, de lhe comunicar o que foi
conversado?
— Agradeço-lhe, senhor — disse ela, corando muito. — Mas minha
ansiedade não é de forma alguma tão grande a ponto de lhe causar este
transtorno.
Delvile notou a mudança em seu semblante e, instantaneamente e com
muito respeito, implorou seu perdão pela proposta, à qual, no entanto, ela mal
havia cedido, quando ele disse, muito maliciosamente: — Ora, na verdade, a
senhorita não tem muito direito para sentir-se ofendida, já que foi sua própria
franqueza que excitou a minha. Dessa forma, a senhorita pode concluir, como
a maioria dos outros culpados, eu também estou pronto para lançar a culpa da
ofensa sobre o ofendido. Sinto, no entanto, uma tendência irresistível de
prestar meus serviços a Mr. Belfield; será que seria um pecado muito além do
perdão se eu me atrevesse a lhe contar como o encontrei esta manhã?
— Certamente que não; se assim deseja, não posso ter objeções.
— Eu o encontrei rodeado por um grupo de rapazes alegres, os quais, na
tentativa de alegrá-lo, o faziam rir e falar sem cessar. Ele mesmo me
assegurou que estava perfeitamente bem e pretendia sair galopando pela
cidade amanhã de manhã. Porém, quando apertei sua mão ao despedir-me,
fiquei surpreso e alarmado ao sentir, pelo calor ardente da sua pele, que,
longe de descartar seu cirurgião, ele deveria chamar um médico.
— Fico muito preocupada ao ouvir este relato — disse Cecilia —, mas não
entendo bem a que o senhor se refere. O que eu deveria fazer?
— Quanto a isso — disse ele, fazendo uma reverência, com um olhar de
falsa gravidade —, eu não tenho a intenção de opinar. Ao expor o caso,
tranquilizei minha consciência, e se ao ouvi-lo a senhorita puder perdoar
minha liberdade, honrarei tanto a franqueza do seu caráter quanto admiro a de
seu semblante.
Neste momento, para seu grande espanto, Cecilia descobriu que tinha que
esclarecer o mesmo engano com Mr. Belfield, que apenas três dias antes
havia explicado ao baronete. Mas ela não teve tempo de falar mais sobre o
assunto, pois a entrada de Mrs. Delvile encerrou a conversa.
A dama a recebeu com a mais distinta gentileza; desculpou-se por não tê-
la atendido antes e declarou repetidamente que nada além de uma
indisposição deveria tê-la impedido de retribuir sua primeira visita. Alguns
minutos depois eles foram chamados para o jantar. Mr. Delvile, para infinita
alegria de Cecilia, estava fora. Tudo transcorreu para sua satisfação; não
houve interrupção de visitantes, ela não foi atormentada pela discussão de
nenhum assunto desagradável, o duelo não foi mencionado, os antagonistas
não foram insinuados, ela não foi provocada com encorajamentos, nem
enfadada com afabilidades mortificantes; a conversa foi ao mesmo tempo
animada e racional e, embora tenham discutido temais gerais, tornou-se
interessante por uma reciprocidade de boa vontade e prazer entre eles.
A opinião favorável que ela concebera tanto da mãe quanto do filho, a
longa visita serviu apenas para confirmar: em Mrs. Delvile ela encontrou
bom senso, vitalidade e muita educação; em Mortimer, sinceridade e
vivacidade unidas à suavidade e elegância; e em ambos, a mais liberal
admiração de talentos, com uma franqueza de coração que desprezava
qualquer disfarce. Muito satisfeita com suas maneiras e impressionada com
tudo o que era aparente em seu caráter, ela lamentou muito o preconceito de
Mr. Monckton, que agora, com a promessa que lhe havia feito, era tudo o que
se opunha a que fizesse um esforço imediato para uma mudança de
residência.
Ela não se despediu antes das onze horas, quando Mrs. Delvile, depois de
lhe agradecer repetidas vezes pela visita, disse que não abusaria tanto de sua
boa índole a ponto de solicitar uma outra visita até que tivesse retribuído as
duas primeiras, mas acrescentou que tinha a intenção de pagar a dívida muito
em breve, a fim de permitir-se, por meio de encontros mais amistosos e
frequentes, abordar a missão confidencial que seu tutor lhe havia confiado.
Cecilia ficou satisfeita com a delicadeza que deu lugar a toda essa
tolerância, mas não tendo na verdade nada a relatar ou ocultar, lamentou a
demora de uma explicação, pois descobrira que toda a família estava
equivocada a respeito da sua situação.
LIVRO III
CAPÍTULO 20

UMA SOLICITAÇÃO

Cecilia, ao voltar para casa, ouviu com uma certa surpresa que Mr. e Mrs.
Harrel estavam sozinhos na sala de estar. Enquanto estava na escada, Mrs.
Harrel saiu da sala correndo, exclamando com muita ansiedade: — É o meu
irmão?
Antes que ela pudesse responder, Mr. Harrel, no mesmo tom impaciente,
perguntou: — É Mr. Arnott?
— Não — disse Cecilia —, vocês o aguardavam?
— Aguardávamos? Sim — respondeu Mr. Harrel. — Esperei por ele a
noite toda e não consigo imaginar o que ele fez de si mesmo.
— É estarrecedor — disse Mrs. Harrel — que ele não esteja aqui agora,
quando precisamos dele. No entanto, atrevo-me a dizer que amanhã também
servirá.
— Não estou certo disso — disse Mr. Harrel. — Reeves é um desgraçado,
e tenho certeza de que vai me causar todos os problemas que estiverem ao
seu alcance.
Neste momento, Mr. Arnott entrou e Mrs. Harrel exclamou: — Oh, meu
irmão, temos estado cruelmente angustiados por você; recebemos a visita de
um homem que atormentou Mr. Harrel até a morte e, infelizmente,
gostaríamos que você falasse com ele.
— Eu ficaria muito feliz — disse Mr. Arnott — em poder ser útil. Talvez
ainda não seja muito tarde, quem é ele?
— Oh! — exclamou Mr. Harrel, descuidadamente —, apenas um sujeito
enviado por aquele alfaiate sem vergonha que me tem criado tantos
problemas ultimamente. Ele teve o atrevimento, porque eu não paguei a ele o
que devia no momento em que ele quis, de colocar a conta nas mãos de um
tal de Reeves, um advogado exigente que esteve aqui esta noite e achou
adequado conversar comigo com bastante liberdade. Posso dizer que é um
cavalheiro cuja impertinência não esquecerei facilmente! No entanto, eu
realmente gostaria muito de poder me livrar dele.
— De quanto é a conta, senhor? — perguntou Mr. Arnott.
— Bem, é mais um arredondamento de conta; não sei como é isso, mas as
contas aumentam antes que se perceba. Esses sujeitos cobram essas somas
confusas por uma fita ou uma entretela. Eu mal sei o que ele fez para mim, e,
ainda assim, ele quer me fazer pagar uma conta entre trezentas e quatrocentas
libras.
Neste momento, houve um silêncio geral, até que Mrs. Harrel dissesse: —
Meu irmão, você poderia ser amável o suficiente e nos emprestar o dinheiro?
Mr. Harrel diz que pode pagar de volta muito em breve.
— Oh, sim, muito em breve — disse Mr. Harrel —, pois devo receber
muito dinheiro em pouco tempo. Eu só quero tapar a boca daquele sujeito por
enquanto.
— Suponhamos que eu vá falar com ele? — disse Mr. Arnott.
Mr. Arnott parecia extremamente angustiado, mas, quando a irmã o
pressionou calorosamente para que não perdesse tempo, ele disse,
gentilmente: — Se essa pessoa pudesse esperar uma ou duas semanas, eu
ficaria muito contente, pois nesse momento não posso dispor de tanto
dinheiro sem que haja perda e inconveniência, e eu simplesmente não sei o
que fazer; mesmo assim, se ele não quiser ser apaziguado...
— Apaziguado? — gritou Mr. Harrel. — Você pode querer apaziguar o
mar em uma tempestade, mas ele é duro como ferro.
Mr. Arnott, então, forçou um sorriso, embora evidentemente estivesse
muito inquieto, e disse que não deixaria de levantar o dinheiro na manhã
seguinte; ele já estava se despedindo, quando Cecilia, surpreendida que
tamanha ternura e bondade fossem retribuídas de maneira tão grosseira,
apressou-se para falar com Mrs. Harrel. Ela a levou para a outra sala e disse:
— Eu lhe imploro, minha querida amiga, que não deixe seu irmão sofrer por
sua generosidade. Permita-me, na presente exigência, ajudar Mr. Harrel. O
fato de eu pedir um adiantamento de tal soma pode não ter nenhuma
importância, mas eu lamento que seu irmão, que compreende tão nobremente
o uso do dinheiro, o aceite com uma desvantagem em particular.
— Você é muito gentil — disse Mrs. Harrel —, e irei imediatamente falar
com ele sobre isso, mas, quem quer que empreste o dinheiro, Mr. Harrel me
garantiu que o pagará muito em breve.
Ela, então, voltou com a proposta. Mr. Arnott se opôs veementemente,
mas Mr. Harrel parecia preferir a alternativa, ainda que tenha falado com
tanta confiança sobre pagamento rápido, que ele parecia pensar ser uma
questão de pouca importância caso aceitasse. Seguiu-se uma disputa generosa
entre Mr. Arnott e Cecilia, mas, por ser muito intensa, ela finalmente venceu
e decidiu ir à cidade na manhã seguinte, solicitar um adiantamento do
dinheiro a Mr. Briggs, quem tinha a gestão da sua fortuna inteiramente em
suas mãos. Seus outros tutores nunca interferiam na parte executiva de seus
negócios. Depois de tudo arranjado, todos se retiraram.
Então, com crescente assombro, Cecilia refletiu sobre a leviandade
desastrosa de Mr. Harrel e a cega segurança de sua esposa; ela via na situação
deles o perigo mais alarmante, e no comportamento de Mr. Harrel, o egoísmo
mais imperdoável. Tamanha injustiça flagrante para com seus credores e
tamanha insensibilidade para com seus amigos tiravam dela todo o desejo de
ajudá-lo, embora a indignada compaixão com que via a generosidade natural
de Mr. Arnott, tão frequentemente abusada, agora, para seu bem apenas, a
induzia a aliviá-lo. Portanto, ela decidiu, uma vez superada a dificuldade
atual, fazer outra tentativa de abrir os olhos de Mrs. Harrel para os males que
aparentemente a ameaçavam, e pressioná-la a exercer toda sua influência
sobre o marido, tanto através do exemplo quanto de conselhos, para reduzir
suas despesas antes que fosse tarde demais para salvá-lo da ruína. Ao mesmo
tempo, ela também decidiu que adicionaria ao dinheiro necessário para essa
dívida o suficiente para quitar sua própria conta na livraria e colocar em
execução seu plano de ajudar os Hills.
Na manhã seguinte, ela saiu da cama cedo e, acompanhada por seu criado,
dirigiu-se à casa de Mr. Briggs, com a intenção de, como o tempo estava
claro e gélido, caminhar pela Oxford Road, e depois pegar uma liteira, na
esperança de retornar à casa de Mr. Harrel na hora habitual do café da manhã.
Ela não tinha ido muito longe quando viu uma multidão reunida e as janelas
de quase todas as casas se enchendo de espectadores. Ela pediu ao seu criado
que indagasse o que estava acontecendo e foi informada de que as pessoas
estavam se reunindo para ver passar alguns malfeitores a caminho de Tyburn.
Alarmada pela informação e com medo de encontrar os infelizes
criminosos, ela rapidamente virou a próxima esquina, mas descobriu que a
rua também estava se enchendo de gente que corria para o local que ela
tentava evitar. Achando-se assim cercada por todos os lados, dirigiu-se a uma
criada que estava parada na porta de uma grande casa e pediu permissão para
entrar até que a turba tivesse passado. A criada consentiu imediatamente e lá
ela aguardou enquanto enviou seu homem para buscar uma liteira. Ele logo
apareceu com uma, mas assim que ela se voltou para a porta da rua, um
cavalheiro que entrava na casa apressadamente e recuou para deixá-la passar,
de repente, exclamou: — Miss Beverley! — ela olhou para ele e reconheceu
o jovem Delvile.
— Não posso parar — disse ela, enquanto descia os degraus —, ou a
multidão não vai me deixar passar com a liteira.
— A senhorita não gostaria de, antes de tudo — disse ele, enquanto a
ajudava a subir na liteira —, dizer quais são as últimas notícias que ouviu?
— Notícias? — repetiu ela. — Não, não ouvi nenhuma.
— A senhorita, então, irá zombar de mim pelas propostas particulares que
fez bem em rejeitar?
— Eu não sei a quais propostas o senhor se refere.
— Elas eram realmente supérfluas e, portanto, não me admiro que as tenha
esquecido. Devo dizer aos homens onde devem levá-la?
— À residência de Mr. Briggs. Não consigo imaginar o que quer dizer.
— Para a residência de Mr. Briggs! — repetiu ele. — Viva as contas
francesas e os diamantes de Bristol! Novas propostas podem, talvez,
acontecer enquanto estiver lá, tão impertinentes, oficiosas e inúteis quanto as
minhas.
Ele deu as direções ao criado, fez uma reverência e entrou na casa que ela
havia acabado de deixar.
Cecilia, extremamente assombrada com a breve, mas ininteligível,
conversa, o teria chamado novamente para que lhe explicasse o que queria
dizer, mas logo percebeu que a multidão aumentava rapidamente e que ela
não poderia se aventurar a deter a liteira, que com muita dificuldade abria seu
caminho para as ruas adjacentes; porém, a surpresa com o que havia
acontecido tomou conta dela de tal forma que, quando chegou à casa de Mr.
Briggs, quase se esqueceu do que a levara até lá.
O lacaio que atendeu a porta a informou de que seu amo estava em casa,
mas que não se sentia bem. Ela disse que gostaria que ele soubesse que ela
desejava conversar sobre negócios e que voltaria a vê-lo a qualquer hora em
que achasse conveniente. O menino voltou com a resposta de que ela poderia
voltar na semana seguinte. Cecilia, sabendo que uma demora tão longa
destruiria toda a gentileza da sua intenção, resolveu lhe escrever pedindo o
dinheiro; ela foi até a sala de estar e solicitou uma pena e tinta. O menino,
depois de fazê-la esperar algum tempo em uma sala sem aquecimento, trouxe
uma pena e um pouco de tinta em uma xícara quebrada, dizendo: — O amo
pede que não derrame a tinta, porque ele não tem mais, e todo o nosso
escurecimento se foi.
— Escurecimento? — repetiu Cecilia.
— Sim, senhorita; quando os sapatos do amo são enegrecidos,
normalmente ficamos com um pouco da tinta fresca.
Cecilia prometeu tomar cuidado, mas pediu que ele lhe trouxesse uma
folha de papel.
— Senhorita — disse o menino, com um sorriso —, atrevo-me a dizer que
o amo vai preferir lhe dar um pedaço do próprio nariz, mas eu vou pedir.
Em poucos minutos ele retornou, trazendo na mão uma pedra de ardósia e
um lápis de chumbo. — Senhorita — disse ele —, o amo diz que pode
escrever sobre esta pedra, pois ele supõe que a senhorita não tem grandes
assuntos a tratar.
Cecilia, muito espantada com a extrema parcimônia, foi obrigada a
consentir, mas como a ponta do lápis estava cega, solicitou ao menino uma
faca para que pudesse afiá-la. Ele obedeceu, mas disse: — Por favor,
senhorita, tome cuidado, porque o amo só faz isso uma vez por ano, e se ele
souber que eu lhe dei uma faca, vai querer dar com ela na minha cabeça.
Cecilia escreveu na pedra que gostaria de ser informada de que maneira
poderia lhe enviar um recibo para seiscentas libras, que solicitava que fossem
adiantadas imediatamente.
O menino retornou, rindo, erguendo as mãos e dizendo: — Senhorita, há
muita agitação lá em cima. O amo está em apuros, mas diz que descerá se a
senhorita ficar até que ele vista suas coisas.
— Ele está de cama, então? Espero não o ter feito se levantar.
— Não, senhorita, ele não está de cama, só precisa se vestir, pois não usa
muitas roupas quando está sozinho. A senhorita deveria saber — disse ele,
baixando a voz — que, naquele dia, quando saiu com nossos trajes de
varredura, ele voltou para casa tão nervoso que só vendo. Eu acho que
alguém bateu em seu joelho, a Moll também acha, mas não diga que eu lhe
contei. Ele tem sido especialmente mau desde então. Moll e eu ficamos muito
contentes, porque ele é sempre tão esperto, porque a senhorita deve saber, é
de se admirar como ele vive, e mesmo assim, tem muito dinheiro.
— Bem, bem — disse Cecilia, sem muito interesse em encorajar aquela
ousadia —, se precisar de alguma coisa, eu o chamarei.
O menino, entretanto, feliz por contar sua história, continuou:
— A nossa Moll diz que não vai ficar com ele mais do que uma semana,
senhorita, porque ela diz que não tem nada para comer, só um pedaço de
carne salgada e fedorenta, que ficou tanto tempo no açougue que deixaria um
cavalo doente só de olhar para ela. Mas a Moll é muito boa. Saiba, senhorita,
que não fazemos uma boa refeição mais do que uma vez a cada três meses. E
na última semana não comemos nada além de alguns arenques vermelhos
secos e bolorentos, então, como vê, senhorita, nós nos mantemos muito
alertas!
O menino foi interrompido por Mr. Briggs, que descia as escadas. Ele
cessou suas queixas abruptamente, levou o dedo ao nariz em sinal de sigilo e
correu para a cozinha.
A aparência de Mr. Briggs não havia de forma alguma se tornado mais
atraente por causa da enfermidade e da negligência no vestuário. Ele usava
uma camisola de flanela e touca de dormir; sua barba negra, crescida durante
muitos dias, era longa e desagradável, e em seu nariz e em uma de suas
bochechas havia um grande pedaço de papel pardo, o qual, ao entrar na sala,
ele segurou com as duas mãos. Cecilia pediu muitas desculpas por tê-lo
incomodado e fez algumas indagações civilizadas sobre sua saúde.
— Sim, sim — exclamou ele, mal-humorado —, muito mal. Desde aquele
baile de máscaras; gostaria de não ter ido! Sou mesmo um tolo!
— Quando o senhor adoeceu?
— Sofri um acidente, caí, quebrei minha cabeça, quase perdi minha peruca
naquele baile de máscaras. Achei que não me custaria nada, ou não teria ido.
Eu garanto que tão cedo não vou a outro.
— O senhor caiu quando ia para casa?
— Sim, sim, machuquei o joelho, dificilmente poderia ter escapado. Senti
que estava caindo, tinha medo de rasgar as roupas, sabia que o malandro me
faria pagar por elas; então, eu me segurei pela velha bolsa e ela veio como um
raio na minha cara. Arrancou minha peruca, eu não sabia o que fazer, tudo
estava tão escuro como breu.
— O senhor não gritou para pedir ajuda?
— Ninguém por perto, só os limpadores, mas sabia que eles não iriam
ajudar por nada. Eu me arrastei como pude, tateei à procura da minha peruca,
finalmente encontrei, toda ensopada na lama. Grudou na cabeça como um
unguento de Turner.
— Eu espero, então, que tenha tomado uma carruagem?
— Para quê? Para piorar as coisas? Já não foi ruim o suficiente? Ainda ia
ter que pagar dois xelins?
— Mas como o senhor estava quando chegou em casa?
— Como? Ora, molhado e sujo; minha cabeça estava inchada, meu rosto
cortado, meu nariz tão grande como se fossem dois! Forçado a usar
emplastro, meio danificado pelo vinagre. Peguei um resfriado, me deixou
com febre, nunca fiquei bem desde então.
— Mas, o senhor não teve nenhuma recomendação? Não deveria chamar
um médico?
— Para quê? Para me encher de purgante? Posso conseguir isso sozinho,
não posso? Tive um uma vez; estava muito mal, pensei que ia apagar, já
estava começando a me contorcer, mandei chamar o médico, e ele provou não
passar de um charlatão! Custou-me um guinéu, eu paguei na quarta visita e
ele nunca mais voltou. Eu garanto que não acontecerá de novo.
Então, percebendo que havia sobre a mesa um pouco de poeira e um lápis
preto, perguntou, furioso: — O que significa isso? Quem andou cortando o
lápis? Gostaria que fossem enforcados; imagino que tenha sido o menino,
merece ser chicoteado, ou uma boa surra.
Cecilia imediatamente o inocentou, reconhecendo que ela mesma tinha
sido a culpada.
— Sim, sim! — exclamou ele. — Eu pensei nisso o tempo todo! Adivinhei
logo; nada além de perdição e desperdício; vir buscar dinheiro, ninguém sabe
pra quê; querendo seiscentas libras... para quê? Jogar na lama? Nunca ouvi
coisa parecida! Você não vai, é uma promessa que eu faço — disse ele,
assentindo com a cabeça —, você não vai pegar esse dinheiro.
— Não vou?! — exclamou Cecilia, bastante surpresa. — Por que não,
senhor?
— Guarde para o seu marido; vai arranjar um logo e não vai ter que fazer
nenhum malabarismo. Não tenha pressa, já tenho um em vista.
Cecilia, então, começou um protesto muito sério e lhe garantiu que ela
realmente queria o dinheiro para uma situação que não admitia demora. No
entanto, ele ignorou totalmente suas objeções e lhe disse que as meninas nada
sabiam sobre o valor do dinheiro e que o mesmo não devia ser confiado a
elas; que ele não queria ouvir falar de tal extravagância e estava decidido a
não lhe adiantar um centavo. Cecilia ficou irritada e confusa com uma recusa
tão inesperada, e como se julgava obrigada, pela honra com Mr. Harrel, a não
revelar o motivo de sua urgência, ela foi por algum tempo totalmente
silenciada, até se lembrar da sua dívida com o livreiro, quando decidiu basear
seu argumento neste fato, convencida de que ele não poderia, pelo menos,
negar-lhe dinheiro para pagar suas próprias contas. No entanto, ele a ouviu
com o maior desprezo;
— Livros? — disse ele. — O que pretende fazer com livros? Não têm
serventia, perda de tempo, as palavras não dão dinheiro.
Ela lhe informou que já era tarde demais para suas admoestações, pois ela
já os havia recebido, e, portanto, deveria necessariamente pagar por eles. —
Não, não! — exclamou ele. — Mande-os de volta, é melhor; não guarde esse
lixo, não valerá a pena, ficará melhor sem eles.
— Isso, senhor, será impossível, pois já os tenho há algum tempo e não
posso esperar que o livreiro os aceite de volta.
— Ele vai ter que aceitar — afirmou ele —, não pode evitar; e ficará feliz
também. Você ainda é menor de idade, não pode ser obrigada a pagar um
centavo.
Cecilia ouviu a recomendação de tal fraude com muita indignação e disse
que não poderia de forma alguma seguir seu conselho. Porém, ela logo
descobriu, para seu total assombro, que ele se recusava terminantemente a lhe
dar qualquer coisa, ou a prestar a mínima atenção aos seus protestos,
afirmando que seu tio havia deixado para ela um patrimônio nobre, e que
cuidaria dele até vê-lo colocado em mãos adequadas, conseguindo para ela
um marido bom e cuidadoso.
— Não tenho a intenção, nem o desejo, senhor — disse ela —, de me
apoderar da renda ou do patrimônio deixado pelo meu tio; pelo contrário, eu
os considero sagrados, e me vejo obrigada em consciência a nunca viver além
dele, mas as dez mil libras deixadas pelo meu pai, eu considero mais
peculiarmente de minha propriedade, e, portanto, penso que tenho a liberdade
de dispor delas como quiser.
— O quê? — gritou ele, furioso. — E entregar para um livreiro miserável!
Renunciar ao dinheiro por um velho gancho? Não, não, não sofra por isso;
você não vai ter o dinheiro, não vai, eu lhe garanto! Se quiser alguns livros,
vá a Moorfields e compre o suficiente em uma velha barraca. Compre por
dois centavos o exemplar, o que ainda é muito caro.
Durante algum tempo, Cecilia esperou que ele estivesse apenas cedendo ao
seu estranho e sórdido humor com uma oposição que pretendia apenas
atormentá-la, mas ela percebeu que estava extremamente equivocada: ele era
tão inamovível na obstinação como incorrigível na avareza; não se
incomodava com as perguntas e argumentações, mas contentava-se em
recusar seu pedido como se faz com uma criança, dizendo peremptoriamente
que ela não sabia o que queria e que, portanto, não deveria ter o que pedia.
Com esta resposta, depois de todo tipo de súplica, Cecilia viu-se obrigada a
deixar a casa, pois ele havia reclamado que seu emplastro de papel pardo
precisava de um novo mergulho em vinagre, e ele não podia mais ficar
falando.
O desgosto causado por tal comportamento foi duplicado pela vergonha e
preocupação de regressar aos Harrels com sua promessa não cumprida; ela
deliberou sobre todos os métodos que lhe ocorreram de ainda se esforçar para
ajudá-los, mas não foi capaz de pensar em nada, exceto tentar convencer Mr.
Delvile a interferir em seu favor. Na verdade, não lhe agradava a ideia de
precisar fazer tal solicitação a um homem tão arrogante, mas, como não tinha
outro recurso, sua repugnância cedeu lugar à sua generosidade, e ela ordenou
aos carregadores da liteira que a levassem a St. James’s Square.
CAPÍTULO 21

UMA PERPLEXIDADE

Ali, na porta da casa de seu pai, subindo os degraus, ela viu o jovem
Delvile.
— Novamente! — exclamou ele, ajudando-a a sair da liteira. —
Certamente algum bom gênio está trabalhando a meu favor esta manhã.
Ela lhe disse que não deveria ter vindo tão cedo, agora que estava
familiarizada com os horários de Mrs. Delvile, mas que pretendia apenas
falar com o pai dele sobre negócios, e que só levaria dois minutos.
Ele a acompanhou escada acima e, ao descobrir que estava com pressa, foi
ele mesmo levar a mensagem a Mr. Delvile, e logo voltou com uma resposta
de que ele iria atendê-la em breve. Os estranhos discursos que o rapaz fizera
quando se encontraram naquela manhã voltaram à sua memória e ela decidiu
que eles deveriam ser explicados; para conduzir o assunto, ela mencionou a
situação desagradável em que ele a encontrara enquanto se apressava para
evitar a visão dos malfeitores condenados.
— Verdade?! — exclamou ele, em um tom de voz um tanto incrédulo. —
E foi por esse motivo que a senhorita se apressou?
— Certamente, senhor, qual outro motivo eu teria?
— Nenhum, com certeza — disse ele, sorrindo —, mas o incidente foi
singularmente oportuno.
— Oportuno? — repetiu Cecilia, enquanto fixava o olhar no seu rosto. —
Como foi oportuno? Esta é a segunda vez nesta mesma manhã que não
consigo entender o que diz.
— Como poderia entender o que é tão pouco inteligível?
— Vejo que o senhor quer dizer alguma coisa que não consigo
compreender; por qual motivo seria tão extraordinário que eu fizesse um
esforço para evitar uma turba? Ou como poderia ser oportuno que
acontecesse de eu me encontrar em uma?
Ele riu, a princípio sem dar nenhuma resposta, mas, percebendo que ela o
observava com impaciência, com um tom um tanto alegre, um tanto
reprovador, ele disse: — Por que as jovens damas, mesmo aquelas cujos
princípios são mais rígidos, parecem universalmente, nos assuntos relativos
aos seus afetos, pensar que a hipocrisia é necessária e o engano é amável? E
considerar gracioso negar hoje o que elas talvez reconheçam publicamente
amanhã?
Cecilia, que o ouvia com verdadeiro espanto, olhou para ele com
impaciência por uma explicação.
— A senhorita se admira — continuou ele — que eu esperasse de Miss
Beverley algum desvio dessas regras? E que tenha esperado mais abertura e
franqueza de uma jovem que deu provas tão nobres da liberalidade da sua
mente e compreensão?
— O senhor me surpreende além da medida! — exclamou ela. — Quais
regras, que franqueza, que liberalidade, do que o senhor está falando?
— Devo ser mais claro? E se eu for, a senhorita suportará me ouvir?
— Na verdade, eu ficaria extremamente feliz se pudesse fazer entender.
— E tenho permissão para lhe dizer o que me encantou, bem como o que
ousei imaginar?
— O senhor pode me dizer qualquer coisa, se puder ser menos misterioso.
— Perdoe-me, então, pela franqueza que a senhorita reclama, e permita
que eu admita o quanto honro a nobreza da sua conduta. Cercada como está
pela opulência e esplendor, liberta das algemas da dependência, livre das
restrições da autoridade, abençoada pela natureza com tudo o que é mais
atraente, pela situação com tudo o que é desejável (desprezar os ricos e
depreciar os poderosos, pelo puro prazer de aumentar o mérito oprimido e dar
à deserção aquela riqueza em que por si só parecia deficiente), como pode um
espírito tão liberal ser suficientemente admirado, ou uma escolha de tanta
dignidade ser tão elogiada?
— Eu penso — disse Cecilia — que devo abster-me de qualquer
indagação posterior, pois quanto mais eu ouço, menos entendo.
— Perdoe-me, então — disse ele —, se volto à minha primeira pergunta:
por que uma jovem que tem a capacidade de pensar com tanta nobreza e agir
tão desinteressadamente não deve ser uniformemente grandiosa, simples na
verdade e indiferente na sinceridade? Por que ela deveria ser assim cautelosa,
quando a franqueza lhe traria tanta honra? Por que corar por possuir o que
todos os outros podem corar por invejar?
— Na verdade, o senhor me deixa perplexa da maneira mais intolerável —
exclamou Cecilia, com certa irritação. — O senhor não pode ser mais
explícito?
— E por que, madame — respondeu ele, com uma risada —, a senhorita
me tentaria a ser mais impertinente? Eu já não disse as coisas mais estranhas?
— Estranhas, realmente — disse ela —, pois não posso compreender
nenhuma delas.
— Neste caso, peço perdão — disse ele — e que esqueça todas elas. Eu
mesmo não sei o que me levou a dizê-las, mas comecei inadvertidamente,
sem intenção de continuar, e tenho procedido involuntariamente, sem saber
como parar. No entanto, em última análise, a culpa é sua, pois quando eu a
vejo sinto um desejo instransponível de conversar com a senhorita, e com sua
conversa, uma propensão igualmente incorrigível de interessar-me pelo seu
bem-estar.
Ele teria mudado de assunto, e Cecilia, com vergonha de pressioná-lo
ainda mais, ficou alguns minutos em silêncio, mas, quando um dos criados
veio informá-la de que seu amo pretendia atendê-la diretamente, sua
relutância em deixar o assunto em suspenso a induziu, de forma um tanto
abrupta, a dizer: — Talvez, senhor, esteja pensando em Mr. Belfield?
— Uma feliz conjectura! — exclamou ele —, mas tão peculiar que não
posso deixar de me maravilhar com como isso lhe ocorreu.
— Bem, senhor — disse ela —, devo dizer que agora entendo o que quer
dizer, mas com respeito ao que deu origem a tudo isso, eu desconheço
completamente.
A entrada de Mr. Delvile encerrou a conversa.
Ele começou com suas habituais desculpas ostentosas, declarando que
tinha tantas pessoas para atender, tantas reclamações para ouvir e tantas
queixas para reparar, que foi impossível atendê-la mais cedo, e não sem
dificuldades a atendia agora. Nesse meio tempo, seu filho retirou-se quase
imediatamente, e Cecilia, no lugar de ouvir a arenga, apenas ficou inquieta
com conjecturas sobre o que acabara de acontecer. Ela compreendeu que o
jovem Delvile chegara à conclusão de que ela estava comprometida com Mr.
Belfield, e, embora estivesse mais satisfeita de que qualquer suspeita
estivesse ali e não sobre Sir Robert Floyer, ainda assim, sentiu-se irritada e
preocupada com a suspeita em si. Um ataque tão sério que partisse de
qualquer outra pessoa dificilmente deixaria de ser ofensivo, mas os modos do
jovem Delvile, e sua boa educação tão felizmente associada com a franqueza,
faziam com que sua liberdade parecesse meramente resultado da franqueza
do seu caráter, e mesmo o ato em si justificava sua própria desculpa. Seu
devaneio foi finalmente interrompido pelo desejo de Mr. Delvile em saber
como poderia ajudá-la.
Ela lhe disse que havia uma situação que exigia seiscentas libras e
esperava que ele não se opusesse a que ela levantasse aquela quantia.
— Seiscentas libras — disse ele, após alguma deliberação — é uma
exigência bastante extraordinária para uma jovem na sua situação; sua
mesada é considerável, a senhorita ainda não tem casa, nem equipagem ou
estabelecimento; suas despesas, eu imagino, não podem ser muito grandes...
Ele parou e pareceu pesar seu pedido.
Cecilia, surpresa por parecer extravagante, mas generosa demais para
mencionar Mr. Harrel, voltou a recorrer à conta do livreiro, a qual declarou
estar ansiosa para pagar.
— A conta de um livreiro? — perguntou ele. — E a senhorita quer
seiscentas libras para pagar a conta de um livreiro?
— Não, senhor — disse ela, gaguejando —, não toda a quantia. Eu tenho
um outro, um outro assunto particular...
— Mas que conta, afinal — disse ele, com grande surpresa —, pode uma
jovem dama assumir com um livreiro? A Spectator, a Tatler e o The Guardian
formariam uma biblioteca boa o suficiente para qualquer mulher no reino,
nem acho que seja bom para uma dama ter mais do que isso. Além disso, se a
senhorita se aliar da maneira que aprovarei e recomendarei, provavelmente
encontrará mais livros reunidos do que terá ocasião para examiná-los. E
deixe-me lembrá-la de que uma dama, seja assim chamada pelo nascimento
ou apenas pela fortuna, nunca deve se degradar ao se colocar no mesmo nível
de escritores e esse tipo de gente.
Cecilia agradeceu o conselho, mas confessou que já era tarde demais, pois
os livros agora estavam em seu poder.
— E a senhorita tomou uma medida como esta — disse ele — sem me
consultar? Achei que tivesse deixado claro que minha opinião estava sempre
a seu serviço quando se encontrasse em algum dilema.
— Sim, senhor — respondeu Cecilia —, mas eu sabia o quanto o senhor
estava ocupado e quis evitar tomar o seu tempo.
— Não posso culpá-la pela sua modéstia — respondeu ele —, e, portanto,
como já contraiu a dívida, pela sua honra, está obrigada a pagá-la. No
entanto, é Mr. Briggs quem administra sua fortuna, minhas muitas ocupações
me obrigaram a recusar tão laboriosa confiança; sendo assim, peça
diretamente a ele, e da maneira como as coisas estão, não farei oposição à sua
demanda.
— Eu já falei com ele, senhor — disse Cecilia —, eu falei com Mr. Briggs,
mas...
— Foi até ele primeiro, então? — interrompeu Mr. Delvile, com um olhar
de muito desagrado.
— Eu não pretendia incomodá-lo, senhor, até que achasse que era
inevitável.
Ela então o informou da recusa de Mr. Briggs e implorou para que ele
fizesse o favor de interceder em seu nome, para que o dinheiro não fosse mais
negado.
A cada palavra que ela dizia, seu orgulho parecia aumentar o
ressentimento, e quando ela terminou, depois de olhar para ela por algum
tempo com indignação aparente, ele disse: — Eu interceder! Eu me tornar um
agente!
Cecilia, surpresa por encontrá-lo tão violentamente irritado, desculpou-se
sinceramente pelo pedido; porém, sem prestar atenção ao que ela dizia, ele
andava de um lado para o outro na sala exclamando: — Um agente! Para Mr.
Briggs! Esta é uma afronta que eu nunca teria esperado! Por que me rebaixei
ao aceitar este cargo tão humilhante? Eu deveria saber! — então, voltou-se
para Cecilia e disse: — Criança, por quem me toma e para quê?
Cecilia, mais uma vez, embora igualmente ofendida, começou alguns
protestos de respeito, mas ele a interrompeu com arrogância e disse: — Se a
senhorita julgar a mim e minha posição a partir de Mr. Briggs ou Mr. Harrel,
devo estar sujeito a propostas como essas todos os dias; permita-me, portanto,
para sua informação, sugerir que o chefe de uma casa antiga e honrada é
propenso a se considerar um tanto superior a outras pessoas, mas só àquelas
que se levantam do pó e da obscuridade.
Atônita pela repreensão imperiosa, ela não pôde apresentar mais nenhuma
justificativa; porém, quando ele notou sua consternação, sentiu-se um pouco
mais apaziguado e, esperando que agora a tivesse impressionado com um
senso mais adequado da sua dignidade, disse suavemente: — A senhorita não
tinha, creio eu, a intenção de me insultar.
— Meu bom Deus, senhor, não! — exclamou Cecilia. — Nada poderia
estar mais distante dos meus pensamentos! Se minhas expressões foram
erradas, foi por total ignorância.
— Bem, bem, não vamos mais pensar nisso.
Ela disse que não iria mais detê-lo e, sem ousar fazer menção ao seu
pedido, desejou-lhe um bom dia.
Ele permitiu que ela se fosse, mas, enquanto ela saía da sala, ele disse
gentilmente: — Não pense mais no meu desagrado, pois já passou. Vejo que
a senhorita não estava ciente da coisa extraordinária que me propôs. Lamento
não poder ajudá-la; em qualquer outra ocasião a senhorita pode contar com os
meus serviços, mas a senhorita conhece Mr. Briggs e pode julgar por si
mesma que qualquer homem de posição não deve se relacionar com uma
pessoa dessas!
Cecilia concordou, fez uma reverência e partiu.
“Ah!”, pensou ela a caminho de casa. “Como estou feliz por ter seguido o
conselho de Mr. Monckton! Eu realmente estava interessada em tornar-me
uma moradora daquela casa, e, então, como ele sabiamente previu, eu
inevitavelmente me sentiria oprimida com pomposa insolência. Nenhuma
família, por mais amável que seja, poderia compensar tal mestre”.
CAPÍTULO 22

UMA ADVERTÊNCIA

Os Harrels e Mr. Arnott aguardavam o retorno de Cecilia com


impaciência; ela lhes relatou com grande preocupação o fracasso de sua
missão, o qual Mr. Harrel ouviu com visível ressentimento e
descontentamento, enquanto Mr. Arnott, ao mesmo tempo em que lhe
suplicava que não pensasse mais nisso, fazia uma nova oferta de seus
serviços e declarava que desprezaria todas as conveniências pessoais pelo
prazer de assisti-lo e a sua irmã.
Cecilia ficou mortificada por não possuir o poder de desempenhar tal papel
e perguntou a Mr. Harrel se ele acreditava que sua própria influência sobre
Mr. Briggs teria mais sucesso.
— Não, não — respondeu ele —, o velho avarento recusaria. Eu conheço
suas razões e, portanto, tenho certeza de que todas as súplicas seriam em vão.
Ele tem negócios no beco e ouso dizer que joga com o seu dinheiro como se
fosse dele. Há, de fato, uma maneira, mas eu não acho que estaria de acordo,
embora, que fique claro o meu protesto, eu não entenda por que não; sendo
assim, é melhor deixar como está.
Cecilia insistiu em ouvir o que ele queria dizer, e, após alguma hesitação,
ele deu a entender que havia meios pelos quais, com pouquíssimas
inconveniências, ela poderia conseguir o dinheiro emprestado.
Cecilia, sentindo o horror natural a todas as mentes pouco acostumadas à
ideia inicial de contrair uma dívida voluntariamente, assustou-se com a
sugestão e parecia não estar disposta a ouvi-la. Mr. Harrel percebeu sua
repugnância e voltou-se para Mr. Arnott: — Bem, meu bom irmão, eu não sei
como posso permitir que tenha tamanha perda, mas, ainda assim, minha
necessidade no momento é tão urgente...
— Não diga mais nada — disse Mr. Arnott. — Eu sinto muito por tê-lo
deixado saber, mas esteja certo de que, enquanto eu tiver alguma coisa, tudo
está à sua disposição e de minha irmã.
Os dois cavalheiros estavam deixando a sala juntos, mas Cecilia, surpresa
com Mr. Arnott, embora indiferente a Mr. Harrel, os deteve para perguntar
qual era a maneira que se imaginava que ela poderia conseguir o dinheiro
emprestado.
Mr. Harrel parecia avesso a lhe dar alguma resposta, mas ela não admitiria
uma recusa; então, ele mencionou um judeu, cuja honestidade já havia posto
a provas e não restara nenhuma dúvida, o qual, como ela estava tão perto da
idade adulta, aceitaria juros insignificantes por qualquer quantia que ela
quisesse tomar.
O coração de Cecilia estremeceu com a simples menção de um judeu e de
tomar dinheiro a juros, mas, fortemente impelida por sua própria
generosidade e pretendendo igualá-la à de Mr. Arnott, concordou, após
alguma hesitação, em recorrer a tal método.
Mr. Harrel fez algumas fracas negativas e Mr. Arnott protestou que mil
vezes preferia vender tudo com qualquer desconto a consentir que ela
tomasse tal medida; no entanto, quando sua primeira relutância foi vencida,
tudo o que ele instou serviu apenas para mostrar seu valor sob uma luz mais
forte, e apenas aumentou seu desejo de salvá-lo de tal imposição tão repetida.
Sua total ignorância sobre a maneira de realizar o negócio fez com que ela
se colocasse totalmente nas mãos de Mr. Harrel, a quem ela solicitou que
tomasse seiscentas libras nos termos que ele considerasse equitativos, aos
quais, fossem quais fossem, ela iria assinar o seu nome.
Ele pareceu um tanto surpreso com a soma, mas sem qualquer pergunta ou
objeção assumiu a tarefa, a qual Cecilia não tinha a intenção de minimizar,
pois não pretendia fazer mais pela segurança do suntuoso Mr. Harrel do que
pelas angústias dos laboriosos Hills.
Nada poderia ser mais rápido do que a execução do negócio: Mr. Harrel
foi diligente e experiente, tudo foi acertado naquela mesma manhã, ela
entregou ao judeu sua fiança pelo pagamento dos juros que ele exigia,
colocou a quantia de trezentas e cinquenta libras nas mãos de Mr. Harrel,
para a qual ele lhe deu um recibo, e reservou o restante para os seus próprios
fins.
Na manhã seguinte, ela tinha a intenção de saldar sua dívida com o
livreiro. Quando entrou na sala do café da manhã, ficou um tanto surpresa ao
ver Mr. Harrel sentado, conversando seriamente com a esposa. Com receio de
interromper um tête-à-tête tão pouco comum, ela teria se retirado, mas Mr.
Harrel a chamou e disse: — Por favor, entre! Estou apenas relatando a
Priscilla um pouco da minha má sorte habitual. A senhorita deve saber que
tenho uma necessidade imediata de duzentas libras, apenas por três ou quatro
dias, e ordenei ao velho e honesto Aaron que viesse aqui imediatamente com
o dinheiro, mas acontece que ele saiu da cidade no momento em que fechou
negócio conosco ontem, e não voltará novamente em uma semana. Bem, não
acredito que haja outro judeu no reino que me empreste dinheiro nas mesmas
condições; eles são todos uns patifes tão notórios que desprezo a própria ideia
de empregá-los.
Cecilia, que não tinha como não compreender o que aquilo significava,
ficou muito aborrecida, tanto com sua extravagância quanto com sua
indelicadeza, para sentir-se tentada a mudar o destino do dinheiro que acabara
de receber e, portanto, friamente concordou que era lamentável, mas não
acrescentou mais nada.
— Oh, é realmente irritante — exclamou ele —, pois os juros extras que
terei que pagar a um desses extorsionários são, absolutamente, muito dinheiro
jogado fora.
Cecilia, ainda sem notar as insinuações, começou seu café da manhã. Mr.
Harrel, então, disse que tomaria seu chá com elas e, enquanto passava
manteiga em uma torrada seca, exclamou, como se só então tivesse se
lembrado: — Oh, meu Deus, agora que penso nisso, eu creio, Miss Beverley,
que a senhorita pode me emprestar esse dinheiro por um ou dois dias. No
momento em que o velho Aaron voltar para a cidade, eu a pagarei de volta.
Cecilia, cuja generosidade, por maior que fosse, não era descuidada nem
indiscriminada, achou tão repulsivo aquele procedimento grosseiro, que, no
lugar de consentir com o seu pedido com sua presteza habitual, respondeu
muito gravemente que o dinheiro que acabara de receber já fora destinado a
um propósito específico, e ela não sabia como adiar o seu uso.
Mr. Harrel ficou extremamente decepcionado com a resposta, que de
forma alguma era a que esperava, mas, depois de baixar sua xícara de chá,
começou a cantarolar e logo recuperou sua despreocupação habitual.
Em poucos minutos, ele tocou a campainha e pediu a um criado que fosse
procurar Mr. Zackery e o informasse de que queria falar com ele
imediatamente.
— E agora — disse ele, com um olhar no qual a irritação parecia lutar
contra o descuido — a coisa está feita! Não gosto, é verdade, de colocar-me
em tais mãos, pois é sempre difícil se livrar delas quando se começa, e até
agora eu tenho me mantido limpo. Mas não há como evitar: Mr. Arnott não
pode me ajudar no momento, e, portanto, a coisa deve seguir seu curso.
Priscila, por que está tão séria?
— Estou pensando na nossa má sorte, pois meu irmão não pode nos
emprestar esse dinheiro agora.
— Oh, não pense mais nisso. Vou me livrar do homem muito em breve,
ouso dizer; ao menos eu espero que sim; estou certo de que vou.
Cecilia ficou um pouco perturbada; ela olhou para Mrs. Harrel, que
também parecia aborrecida, e, então, com alguma hesitação, disse: — O
senhor realmente nunca contratou esse homem antes?
— Nunca em minha vida; nunca, a não ser o velho Aaron. Eu temo toda a
raça; tenho uma espécie de noção supersticiosa de que, se cair em suas garras,
nunca mais serei dono dos meus atos, e foi isso que me induziu a implorar
sua ajuda. No entanto, não é grande coisa.
Ela começou a vacilar: temia que pudesse haver algum dano futuro, assim
como inconvenientes no presente, ao se dirigir a novos agiotas, e sabendo que
possuía o poder de impedi-lo, considerou sua atitude um tanto cruel ao
recusar-se a ajudá-lo. Ela desejava consultar Mr. Monckton, mas achou
necessário tomar uma decisão imediatamente, pois o judeu já havia sido
chamado e em alguns momentos deveria ser contratado ou descartado.
Perplexa e sem saber como agir, dividida entre o desejo de fazer o bem e o
receio de encorajar o mal, ela pesou cada lado apressadamente, mas,
enquanto ainda estava incerta sobre qual deveria preponderar, sua simpatia
por Mrs. Harrel interferiu, e, na esperança de resgatar seu marido de mais
negócios ruins, ela disse que adiaria seu próprio negócio pelos poucos dias
que ele mencionou, no lugar de vê-lo obrigado a abrir qualquer nova conta
com um grupo de homens tão perigosos.
Ele agradeceu com sua atitude negligente de sempre, aceitou as duzentas
libras, deu-lhe o recibo e a promessa de que receberia o pagamento em uma
semana.
Mrs. Harrel, no entanto, parecia mais agradecida e expressou sua natureza
boa e amigável com muitos abraços. Cecilia, feliz por acreditar ter reavivado
nela alguma centelha de sensibilidade, decidiu valer-se de um sintoma tão
favorável e empreender de imediato a desagradável tarefa que se propusera,
de apresentar-lhe o perigo da sua situação presente. Assim, portanto, quando
o café da manhã estava terminado, e Mr. Arnott, que havia chegado antes
disso, já tinha partido, com o objetivo de despertar sua atenção e sua
curiosidade, ela solicitou uma conferência privada em seus próprios
aposentos, sobre assuntos de alguma importância.
Cecilia começou seu discurso dizendo que fiava na esperança de que a
amizade que haviam compartilhado por tanto tempo a perdoaria pela
liberdade que estava prestes a tomar, e que nada menos do que sua antiga
intimidade, associada a fortes apreensões por seu futuro bem-estar, poderia
autorizá-la a falar: — Oh, Priscila! — continuou ela —, tendo os olhos
abertos para enxergar o perigo, mas sem preveni-la do mesmo, seria uma
reserva traiçoeira em uma amiga e cruel até mesmo em uma conhecida.
— Qual perigo? — perguntou Mrs. Harrel, muito alarmada. — Acha que
estou doente? Eu pareço tísica?
— Sim, tísica, de fato! — disse Cecilia —, mas não, espero, em sua
constituição.
Então, com toda a ternura em seu poder, ela foi ao ponto e convocou a
amiga a, sem demora, reduzir suas despesas e trocar seu modo de vida
impensado por um mais ponderado e caseiro.
Mrs. Harrel, com muita simplicidade, assegurou-lhe que ela não fazia nada
além do que outras pessoas já haviam feito, e que era quase impossível para
ela aparecer diante do mundo de qualquer outra maneira.
— Mas, como irá aparecer depois? — perguntou Cecilia. — Se agora vive
além da sua renda, deve considerar que, com o tempo, através de tais
depredações, sua renda se esgotará.
— Mas eu lhe asseguro — respondeu Mrs. Harrel — que nunca fico
endividada por mais de seis meses, pois, assim que recebo meu próprio
dinheiro, geralmente pago cada xelim que devo, e, assim, vou pedindo
emprestado o que preciso até o dia do pagamento chegar novamente.
— E isso — disse Cecilia — parece ser um método expressamente
idealizado para mantê-la eternamente frustrada. Perdoe-me, porém, por falar
tão abertamente, mas temo que Mr. Harrel deva ser ainda menos atento e
preciso em seus negócios, ou não passaria por tantos constrangimentos com
tanta frequência. E qual será o resultado? Se olhar, minha querida Priscila,
um pouco mais adiante, vai se assustar com a perspectiva diante de você!
Mrs. Harrel parecia assustada com o discurso e perguntou o que ela queria
que eles fizessem.
Cecilia, então, com igual sabedoria e simpatia, propôs uma reforma geral
na administração da casa, nas despesas públicas e privadas de ambos. Ela
aconselhou que um exame rigoroso no estado de seus negócios fosse feito,
que todas as suas contas fossem cobradas e fielmente pagas e que um plano
de vida completamente novo deveria ser adotado, de acordo com a situação
de sua fortuna e renda quando liberadas de todos os encargos.
— Meu Deus! — exclamou Mrs. Harrel, com um olhar de espanto. — Por
que Mr. Harrel preferiria isso a voar? Se eu lhe fizesse tal proposta, atrevo-
me a dizer que ele iria rir na minha cara.
— Por quê?
— Por quê? Porque parecia a coisa mais estranha a fazer, ninguém pensa
em fazer isso, embora eu esteja muito grata por sugeri-la. Vamos descer?
Acho que ouvi alguém entrar.
— Não me importo com quem tenha entrado — disse Cecilia —, reflita
por um momento sobre minha proposta e, se realmente desaprová-la, sugira
algo mais adequado.
— Oh, é uma proposta muito boa, com isso eu concordo — disse Mrs.
Harrel, parecendo muito cansada —, mas a coisa é totalmente impossível.
— Por que, então? Por que é impossível?
— Por que, minha querida, eu não sei; mas tenho certeza de que é.
— Mas qual é o seu motivo? O que lhe dá tanta certeza?
— Oh, senhor, eu não sei dizer, mas sei que é, estou muito certa disso.
Argumentos desse tipo, embora extremamente fatigantes para a
compreensão de Cecilia, ainda não tinham poder para enfraquecer seu
propósito. Ela protestou calorosamente contra a fraqueza de sua defesa,
representou fortemente a imprudência de sua conduta e a encorajou por todos
os laços de justiça, honra e discrição a iniciar uma reforma.
— Ora, o que eu posso fazer? — perguntou Mrs. Harrel, com impaciência.
— É preciso viver um pouco como as outras pessoas, ou ninguém olharia
para mim, eu suponho; e tenho certeza de que não sei o que eu faço que todo
mundo não faça também.
— Mas não seria melhor — disse Cecilia, com mais energia — pensar
menos nas outras pessoas e mais em si mesma? Consultar sua própria fortuna
e sua própria situação no lugar de ser cegamente guiada pela situação de
outras pessoas? Se, de fato, outras pessoas fossem responsáveis por suas
perdas, pela diminuição de sua riqueza e pela desordem de seus negócios,
então você poderia racionalmente fazer do modo de vida delas um exemplo
para a sua, mas você não pode se gabar se este for o caso. As suas perdas, a
sua fortuna diminuída, as circunstâncias embaraçosas serão todas suas!
Lamentadas, talvez, por alguns, mas culpadas pela maioria, e assistidas por
ninguém!
— Meu bom Deus, Cecilia! — exclamou Mrs. Harrel. — Você fala como
se estivéssemos arruinados!
— Não é isso o que eu quero dizer — respondeu Cecilia —, mas gostaria,
ao apontar o perigo, de fazer tal advertência a tempo de que possa evitar uma
catástrofe tão terrível.
Mrs. Harrel, mais afrontada do que alarmada, ouviu a resposta com muito
desgosto e, após uma hesitação taciturna, disse com irritação: — Devo
admitir que não é muito gentil da sua parte dizer coisas tão terríveis para
mim. Tenho certeza de que vivemos como todo o resto do mundo, e não vejo
por que um homem com a fortuna de Mr. Harrel deveria viver pior. Quanto
ao fato de ter de vez em quando uma pequena dívida ou duas, isso nada mais
é do que o que todo mundo tem. Você só está achando estranho porque não
está acostumada. Mas se engana se acha que ele não tem a intenção de pagá-
las, porque ele me disse esta manhã que, assim que receber seus aluguéis,
pretende quitar todas as contas que tem no mundo.
— Fico muito feliz em saber — respondeu Cecilia — e desejo
sinceramente que ele tenha a resolução de cumprir seu propósito. Eu temia
que me achasse impertinente, mas será pior se acreditar que estou sendo
cruel. Só a amizade e a boa vontade poderiam ter me induzido a arriscar a
falar. No entanto, eu tinha que fazê-lo, embora não possa deixar de
acrescentar que espero que se lembre do ocorrido.
Elas, então, se separaram. Mrs. Harrel um tanto zangada com os protestos
que considerava nada além de censuráveis, e Cecilia ofendida com sua
mesquinhez e loucura, embora entristecida pela cegueira da amiga. No
entanto, ela foi logo recompensada por tamanho aborrecimento com a visita
de Mrs. Delvile, a qual, encontrando-a sozinha, sentou-se com ela por algum
tempo e, com seu temperamento, compreensão e elegância, dissipou todo o
seu pesar. Uma outra particularidade, também, foi recebida com muito prazer,
embora a tenha deixado um pouco perplexa: Mr. Arnott a comunicou que Mr.
Belfield, quase perfeitamente recuperado, tinha realmente abandonado a
pensão e ido para o interior.
Ela começava a suspeitar de que o relato da sua doença feito pelo jovem
Delvile era meramente o efeito de sua curiosidade para descobrir o que ela
sentia por ele. No entanto, quando considerou o quão estranho ao seu caráter
parecia aquele tipo de artifício, justificou seu projeto e concluiu que o espírito
impaciente de Belfield o tinha enviado para longe, quando, na verdade, não
estava apto a viajar, e ela não teria mais meios para ouvir notícias suas, já que
havia deixado a cidade, e, portanto, embora preocupada, viu-se obrigada a ser
paciente.
Durante a tarde, ela recebeu novamente a visita de Mr. Monckton, que,
embora soubesse o quanto ela ficava em casa, teve a paciência de evitar fazer
uso frequente deste conhecimento, para que sua presença pudesse escapar à
observação geral.
Cecilia, como sempre, conversou com ele sobre todos os seus assuntos
com a maior franqueza, e como sua mente estava agora ocupada
principalmente por suas apreensões pelos Harrels, ela lhe falou sobre a
extravagância da qual eram culpados e insinuou a angústia que isso, por
vezes, lhe causava. Porém, a ajuda a eles prestada, a sua própria delicadeza a
impediu de mencionar.
Mr. Monckton não hesitou em imediatamente declarar Harrel um homem
arruinado, e acreditando que Cecilia, por sua conexão com ele, corria muito
perigo de se envolver em suas dificuldades futuras, tentou persuadi-la a não
sofrer nenhum incentivo para convencê-la a lhe adiantar algum dinheiro,
afirmando com segurança que ela teria poucas chances de ser reembolsada.
Cecilia ouviu a acusação com muito alarme, mas prontamente prometeu
cautela futura. Ela confessou a ele a conversa que tinha tido pela manhã com
Mrs. Harrel, e depois de lamentar sua resoluta negligência com relação aos
seus negócios, acrescentou: — Não posso deixar de reconhecer que minha
estima por ela, ainda mais do que meu afeto, tem diminuído dia a dia desde
que vim para sua casa; mas esta manhã, quando me atrevi a falar com ela com
seriedade, achei sua capacidade de raciocínio tão fraca, e sua obsessão pelo
luxo e pelos gastos tão forte, que desde então tenho me sentido envergonhada
de meu próprio discernimento ao tê-la escolhido anteriormente como minha
amiga.
— Quando deu a ela este título — disse Mr. Monckton —, a senhorita
tinha poucas opções em seu poder; sua doçura e sua boa natureza a atraíram.
A infância nunca se preocupa com a previsão e a juventude raramente é
difícil: ela era espirituosa e agradável, a senhorita era generosa e afetuosa;
sua amizade com ela foi formada quando ainda era muito jovem para
reconhecer o seu próprio valor. Sua afeição por ela cresceu do hábito, e antes
que a inferioridade dela enfraquecesse sua consideração a ponto de ofender
seu julgamento, seu casamento precoce a separou dela por completo. Mas
agora, quando se encontram novamente, a cena está alterada: três anos de
ausência dedicados ao cultivo de uma compreensão natural de primeira
ordem, ampliando sua sabedoria, a tornaram mais meticulosa, enquanto o
mesmo tempo, passado por ela em mera ociosidade e ostentação, feriu o seu
caráter, sem aumentar seus conhecimentos, e a roubou de suas excelências
naturais, sem enriquecê-la com as adquiridas. A senhorita olha para ela agora
com imparcialidade, pois a vê como uma estranha, e todas aquelas
deficiências que o retiro e a inexperiência antes ocultavam, sua vaidade e seu
conhecimento superficial do mundo agora tornam-se evidentes. Mas a
insensatez enfraquece todos os vínculos. Lembre-se, portanto, se deseja
formar uma amizade sólida, de consultar não apenas o coração, mas a mente,
não apenas o temperamento, mas o entendimento.
— Bem, neste caso — disse Cecilia —, pelo menos posso confessar que o
escolhi de forma sensata!
— A senhorita, de fato, me prestou a maior honra — respondeu ele.
Eles falaram, então, sobre Belfield, e Mr. Monckton confirmou o relato de
Mr. Arnott, de que ele havia deixado Londres com boa saúde. Depois disso,
ele perguntou se ela tinha visto os Delviles novamente.
— Sim — disse Cecilia. — Mrs. Delvile me visitou esta manhã. Ela é uma
mulher encantadora. Lamento que não a conheça o suficiente para fazer
justiça a ela.
— Ela é cortês com a senhorita?
— Cortês?! Ela é a gentileza em pessoa.
— Se é assim, pode estar certa de que tem algo em vista; quando não é o
caso, ela é completamente insolente. E quanto a Mr. Delvile? Diga, o que
acha dele?
— Oh, eu o acho insuportável! E não posso agradecê-lo o suficiente por
aquela precaução oportuna que impediu minha mudança de endereço. Eu não
viveria sob o mesmo teto com ele por nada no mundo!
— Bem, e agora também já vê o filho da forma adequada?
— Adequada? Eu não entendo.
— Ora, assim como seus pais, arrogante e impertinente.
— Na verdade, não; ele não tem a menor semelhança com o pai, e se ele se
parece com a mãe, é simplesmente o que todos devem desejar quando a veem
com imparcialidade.
— A senhorita não conhece aquela família. Mas como, de fato, poderia,
quando eles estão combinados para impedi-la de obter tal conhecimento?
Todos eles têm planos para a senhorita, e, se não estiver sempre em guarda,
será enganada por eles.
— O que o senhor quer dizer?
— Nada além do que todos são capazes de ver imediatamente. Eles têm
muito orgulho e pouca riqueza; a senhorita parece por sorte ter sido lançada
em seu caminho, e sem dúvida eles não pretendem negligenciar uma
oportunidade tão tentadora de reparar seu patrimônio.
— Certamente o senhor está equivocado. Tenho certeza de que eles não
têm essa intenção. Pelo contrário, todos eles, de forma até irritante, insistem
em acreditar que eu já estou comprometida com outra pessoa.
Ela então contou a ele um relato sobre suas várias suspeitas.
— A impertinência dos rumores — acrescentou ela — os deixou tão
convencidos de que Sir Robert Floyer e Mr. Belfield lutaram como rivais,
que a única maneira de me livrar da preferência de um deles é através da sua
transferência instantânea ao outro. E, longe de parecer magoado por acreditar
que estão sendo descartados, Mr. Delvile defende abertamente as pretensões
de Sir Robert, e seu filho, desinteressadamente, tenta me persuadir que já
estou comprometida com Mr. Belfield.
— Truques, nada além de truques para descobrir sua real situação.
Então ele fez algumas advertências gerais para que ela ficasse alerta contra
seus artifícios e, mudando de assunto, falou durante o resto da sua visita
sobre assuntos de entretenimento geral.
CAPÍTULO 23

UMA FUGA

Cecilia passou cerca de quinze dias sem incidentes; os Harrels


continuavam desperdiçando dinheiro como de costume, Sir Robert Floyer,
sem nem mesmo buscar uma conferência privada, perseverava em suas
intenções, e Mr. Arnott, embora ainda calado e humilde, parecia apenas viver
do prazer de contemplá-la. Ela passou dois dias inteiros com Mrs. Delvile, os
quais serviram para confirmar sua admiração pela dama e por seu filho. Ela
juntava-se ao grupo dos Harrels ou ficava tranquila em casa, de acordo com o
seu espírito e disposição, enquanto era visitada por Mr. Monckton com
frequência suficiente para satisfazê-lo em seus procedimentos, mas raramente
para trair a si mesmo ou para o mundo qualquer suspeita de seus projetos.
No entanto, suas duzentas libras, que deveriam ter sido devolvidas no final
da primeira semana, embora já tivessem se passado duas, nem sequer tinham
sido mencionadas. Ela começou a ficar muito impaciente, mas, como não
sabia qual caminho seguir, e precisava de coragem para lembrar Mr. Harrel
de sua promessa, continuou esperando o seu cumprimento sem dizer uma
palavra. Na época, a família estava se preparando para se mudar para Violet-
Bank para o feriado da Páscoa, mas Cecilia, que estava muito aflita com o
aumento perpétuo de despesas desnecessárias para sentir qualquer prazer com
novas perspectivas de entretenimento, tinha no momento seus próprios
assuntos que a mantinham ocupada.
O pobre carpinteiro, cuja família ela havia tomado sob sua proteção,
acabara de falecer, e, assim que as últimas obrigações foram pagas, ela
mandou chamar a viúva e, depois de tentar consolá-la pela perda sofrida,
assegurou-lhe que estava pronta para cumprir o compromisso assumido, de
ajudá-la a empreender algum método melhor para ganhar a vida, e, portanto,
desejava saber de que maneira poderia servi-la, e o que ela pensava em fazer.
A boa mulher, expressando inúmeros agradecimentos e elogios, respondeu
que tinha uma prima que se oferecera, por uma certa quantia, a torná-la sócia
em uma pequena loja de armarinhos. — Mas, madame — continuou ela —, é
moralmente impossível para mim levantar tal soma; do contrário, sem
dúvida, uma loja como essa, agora que estou tão pobre, seria como um
paraíso na terra para mim, pois quase todas as minhas forças se foram,
madame, e quando faço qualquer trabalho duro, sou um espetáculo bastante
lamentável de se ver, pois fico tremendo, como se tivesse febre, e ainda
assim, o tempo todo, minhas mãos, madame, ficam queimando como carvão!
— A senhora está realmente sobrecarregada de trabalho — disse Cecilia
— e já é hora de seu corpo fraco descansar um pouco. Qual é a quantia que
sua prima exige?
— Oh, madame, mais do que eu poderia juntar em toda a minha vida! Pois
o que eu ganho vai tão rápido quanto vem, porque há muitas bocas, e um
pequeno pagamento, e duas crianças pequenas que não podem ajudar em
nada... e não tenho mais o Billy, senhora, para trabalhar para nós!
— Mas, diga. Qual é o valor?
— Sessenta libras, senhora.
— A senhora terá o dinheiro! — exclamou a generosa Cecilia —, se a
situação a faz feliz, eu mesma lhe darei.
A pobre mulher chorou em agradecimento e demorou muito até que
pudesse se recompor o suficiente para responder às novas perguntas de
Cecilia, que na sequência perguntou o que poderia ser feito com as crianças.
Mrs. Hill, no entanto, até então sem esperanças para si mesma, não tinha feito
nenhum plano para elas. Ela lhe disse, portanto, que fosse procurar a prima e
a consultasse sobre o assunto, bem como providenciasse os preparativos para
sua própria mudança.
A organização do negócio tornou-se sua ocupação favorita. Ela foi
pessoalmente à loja, que era muito pequena e ficava na Fetter Lane, e
conversou com Mrs. Roberts, a prima, quem aceitou contratar a filha mais
velha, agora com dezesseis anos, como ajudante, mas disse que não tinha
lugar para os outros. No entanto, após Cecilia oferecer-se para aumentar o
prêmio, ela consentiu que as duas crianças menores também morassem na
casa, onde poderiam ficar sob os cuidados da mãe e da irmã.
Ainda havia duas outras sem destino, mas, como nenhum método de
imediato ocorreu a Cecilia, ela decidiu, para o momento, matriculá-las em
alguma escola barata, onde pudessem aprender um trabalho simples, o que
não poderia deixar de ser uma qualificação útil para qualquer tipo de negócio
que elas pudessem tentar dali por diante.
Sua intenção era de conceder à Mrs. Hill e suas crianças cem libras para
instalá-las em um modo de vida decente, e, então, de vez em quando, fazer-
lhes favores tão pequenos quanto suas futuras exigências ou mudanças de
situação pudessem exigir. Agora, portanto, o pagamento de Mr. Harrel
tornara-se imediatamente necessário, pois ela possuía apenas cinquenta libras
das seiscentas que tinha adquirido, e sua mesada habitual estava tão
comprometida que não poderia reduzir dela nada considerável.
Há algo na visão da indigência laboriosa tão comovente e tão respeitável
que torna o desperdício peculiarmente desprezível e duplica o ódio à
opulência; cada vez que Cecilia visitava a pobre família, sua aversão à
conduta e aos princípios de Mr. Harrel aumentava, enquanto sua delicadeza,
que a impedia de escandalizá-lo ou envergonhá-lo, diminuía, e ela logo
adquiriu para eles o que não havia conseguido para si mesma: a coragem e a
determinação de reivindicar sua dívida. Assim, em uma manhã, quando ele
estava deixando a sala depois do desjejum, levantou-se apressadamente e, em
seguida, solicitou uma conversa rápida com ele. Foram juntos à biblioteca e,
após algumas desculpas e muitas hesitações, ela disse que acreditava que ele
havia se esquecido das duzentas libras que havia lhe emprestado.
— As duzentas libras! — exclamou ele. — Oh, sim, é verdade. Eu
confesso que me escapou. Bem, mas a senhorita não precisa delas
imediatamente, não é?
— Na verdade, eu preciso, se puder se desfazer delas de forma
conveniente.
— Ah, sim, certamente! Sem a menor dúvida! Mas, agora que penso nisso,
o momento é muito ruim, por que não me lembrou disso antes?
— Eu esperava que o senhor mesmo se lembrasse.
— Eu poderia ter pagado há dois dias sem problemas; mas a senhorita
certamente terá o dinheiro muito em breve, pode contar com isso, e um ou
dois dias não podem fazer grande diferença.
Ele desejou-lhe um bom dia e a deixou.
Cecilia, muito irritada, lamentou ter emprestado o dinheiro e decidiu que
no futuro seguiria estritamente o conselho de Mr. Monckton de não confiar
mais nele. Três dias se passaram, mas ela não teve nenhuma notícia, fosse do
pagamento ou da dívida. Ela decidiu renovar sua solicitação e ser mais séria e
insistente com ele, mas, para sua absoluta surpresa, ela descobriu que tal
coisa não estava em seu poder e que, embora vivessem sob o mesmo tento,
não encontrava oportunidade para fazer valer sua reivindicação. Sempre que
desejava falar com ele, Mr. Harrel protestava que estava apressado e que não
tinha um minuto a perder; mesmo quando, cansada de suas desculpas, ela o
perseguia para fora da sala, ele simplesmente acelerava o passo, sorria, fazia
uma reverência e dizia: — Lamento muito, mas estou tão atrasado que não
posso parar um instante. Assim que voltar, estarei inteiramente às suas
ordens.
Porém, quando voltava, Sir Robert Floyer, ou algum outro cavalheiro,
certamente estaria com ele, e as dificuldades para obter uma audiência
certamente aumentariam. Através deste expediente, do qual constantemente
se utilizava a fim de evitar qualquer conversa privada, ele frustrava todos os
seus esquemas de protestar contra sua demora, uma vez que o ressentimento
dela, por maior que fosse, nunca iria obrigá-la a ser indelicada e persegui-lo
na presença de uma terceira pessoa.
Ela estava pessoalmente perplexa sobre como colocar em prática seus
planos para os Hills: sabia que não adiantaria pedir dinheiro a Mr. Briggs
para compensar o pagamento de Mr. Harrel. Sua palavra, no entanto, fora
dada, e sua palavra ela considerava sagrada. Ela decidiu, portanto, lhes dar as
cinquenta libras que ainda retinha e, se o restante fosse reclamado antes de
atingir sua maioridade, poupar, embora para sua inconveniência, da sua
mesada particular, que, por testamento do tio, era de quinhentas libras por
ano, duzentas e cinquenta das quais Mr. Harrel recebia por sua alimentação e
hospedagem.
Tendo resolvido o assunto na sua mente, dirigiu-se à pensão de Mrs. Hill,
a fim de encerrar o caso. Ela encontrou a mulher e todas as suas filhas, exceto
a mais nova, trabalhando duro, e sua honesta diligência fortaleceu sua
compaixão, e seu desejo de servi-las tornou-se ainda mais liberal. Mrs. Hill
prontamente comprometeu-se a fazer sua prima aceitar metade do prêmio no
momento, o que seria suficiente para mantê-la com três das suas filhas na
loja. Cecilia, então, a acompanhou à Fetter Lane e lá preparou um acordo
para a celebração da sociedade, fez com que cada uma delas assinasse e
ficasse com uma cópia, e manteve uma terceira em sua posse; depois disso,
entregou uma nota promissória à Mrs. Roberts pelo resto do dinheiro.
Ela também entregou à Mrs. Hill dez libras para vesti-las decentemente e
permitir que mandasse duas das crianças para a escola, assegurando-lhe que
ela mesma pagaria a pensão e as instruções, até que se estabelecesse em seu
negócio e tivesse economizado dinheiro para esse propósito.
Então, ela tomou uma liteira para voltar para casa, acompanhada pelas
orações e bênçãos de toda a família.
CAPÍTULO 24

UMA AVENTURA

Nunca antes o coração de Cecilia estivera tão leve, tão alegre, tão brilhante
como depois desta transação. Sua vida nunca lhe parecera tão importante,
nem sua riqueza tão valiosa. Ver cinco crianças indefesas sustentadas por ela
mesma, resgatadas dos extremos da penúria e da miséria, e preparadas para
tornarem-se úteis à sociedade e confortáveis para si mesmas; contemplar sua
débil mãe, arrebatada das agruras daquele trabalho que, dominando suas
forças, quase destruíra sua existência, agora colocada em uma situação onde
poderia ganhar um sustento eficiente sem fadiga, e o resto dos seus dias
passaria confortavelmente empregada; ver tudo isso e poder dizer: “Estas são
minhas realizações!” O que mais, para um temperamento repleto de ternura e
benevolência, poderia lhe dar mais autoestima ou uma satisfação mais
primorosa?
Tais eram os prazeres que deleitavam as reflexões de Cecilia quando, a
caminho de casa, tendo deixado a liteira para caminhar pela parte alta da
Oxford Street, de repente encontrou o velho cavalheiro cujos enfáticos
discursos tanto a assustaram. Ele caminhava rápido, mas parou no momento
em que a viu, e gritou severamente: — A senhorita sente orgulho disso? É
assim tão insensível? Será que seu coração já endureceu tão cedo?
— Ponha-me, por favor, à prova! — exclamou Cecilia, com a coragem
virtuosa de uma consciência tranquila.
— Eu já o fiz! — respondeu ele, indignado —, e a considerei culpada.
— Lamento ouvir isso — disse a espantada Cecilia —, mas poderia, pelo
menos, me dizer por quê?
— A senhorita recusou-se a me receber — respondeu ele —, mas eu era
seu amigo, e estava disposto a prolongar o prazo da sua genuína
“tranquilidade”. Eu lhe apresentei uma maneira para preservar a paz com sua
própria alma; eu a procurei em nome dos pobres e a instruí sobre como
merecer suas orações; a senhorita me ouviu, foi suscetível e obedeceu! Eu
pretendia ter repetido a lição, sintonizar seu coração com a compaixão e
ensiná-la os tristes deveres de simpatizar com a humanidade. Para isso eu a
procurei novamente, e mais uma vez não fui recebido! Curto foi o período da
minha ausência, mas longo o suficiente para a conclusão da sua queda!
— Céus! — exclamou Cecilia. — Que linguagem terrível! Quando o
senhor me procurou? Nunca soube que esteve na casa. Longe de recusar-me a
recebê-lo, eu queria vê-lo.
— De fato? — perguntou ele, com alguma suavidade. — E a senhorita não
é, na verdade, orgulhosa? Nem insensível? Não tem um coração duro? Venha
comigo, então, venha visitar os humildes e os pobres, venha comigo e dê
conforto aos combalidos e abatidos.
Diante de tal convite, por mais desejosa que estivesse por fazer o bem,
Cecilia assustou-se; a estranheza daquele que fizera o convite, sua agitação,
sua atitude autoritária e a incerteza de para onde ou para quem ele poderia
levá-la fizeram com que ela temesse prosseguir. No entanto, uma curiosidade
benevolente de ver e servir aos objetos de sua recomendação, aliada ao anseio
da integridade juvenil para livrar seu próprio caráter da difamação da dureza
de coração, logo conquistou sua indecisão, e ela fez um sinal para que seu
criado se mantivesse por perto e seguiu seu condutor.
Ele continuou silenciosa e solenemente até a Swallow Street; então virou-
se para ela e parou em uma pequena casa de aparência miserável, bateu à
porta e, sem fazer qualquer pergunta ao homem que a abriu, acenou para que
ela o seguisse e subiu apressadamente algumas escadas estreitas e sinuosas.
Cecilia hesitou novamente, mas, quando se lembrou de que o velho
homem, ainda que pouco conhecido, era visto com frequência e, embora com
poucos amigos, era por muitos pessoalmente reconhecido, achou ser
impossível que ele pudesse lhe causar algum dano. Entretanto, ela ordenou ao
criado que entrasse e ficasse subindo e descendo as escadas até que ela
retornasse. Só então obedeceu às instruções do seu guia.
Ele continuou até chegar ao segundo andar, onde novamente acenou para
que ela o seguisse, abriu uma porta e entrou em um pequeno aposento muito
mal mobiliado. E ali, para seu infinito assombro, ela notou, ocupada em lavar
alguma porcelana, uma jovem muito bonita, “elegantemente” vestida, e
aparentando apenas 17 anos de idade. No momento em que eles entraram,
com evidentes sinais de confusão, ela imediatamente abandonou o trabalho,
colocou apressadamente a bacia que lavava sobre a mesa e esforçou-se para
esconder atrás da cadeira a toalha com a qual a enxugara. O velho cavalheiro
caminhou na sua direção rapidamente e disse: — Como ele está agora? Está
melhor? Vai viver?
— Deus permita que sim! — respondeu a jovem, com emoção. — Mas, na
verdade, não está nada melhor.
— Veja — disse ele, apontando para Cecilia —, eu trouxe alguém que tem
condições de te servir e aliviar tua aflição; alguém que está rolando na
riqueza, uma estranha à enfermidade, uma novata no mundo; sem experiência
para as misérias que ainda vai ter de suportar, inconsciente da depravação em
que irá afundar! Receba seus benefícios enquanto ela ainda está imaculada e
está ao mesmo abençoando a si mesma.
A jovem, corando e envergonhada, disse: — O senhor é muito bom para
mim, mas não é o caso; não há necessidade; eu não preciso de nada, estou
longe de estar tão necessitada...
— Pobre alma humilde! — interrompeu o velho. — Sente vergonha da
pobreza? Guarda-te, guarda-te de outras vergonhas, e os mais ricos poderão
sentir inveja! Conte-lhe a sua história, claramente, sem rodeios,
verdadeiramente; não diminua nada de sua indigência, não reprima nada de
sua liberalidade. As pessoas não empobrecem por sua própria culpa, assim
como os ricos não enriquecem por suas próprias virtudes. Venha, então, e
deixem-me apresentá-las. Jovens como são, com muitos anos e muitas
tristezas a enfrentar, aliviem o fardo das preocupações mútuas através do
reconfortante intercâmbio de gratidão por beneficência!
Ele, então, pegou a mão de cada uma delas e uniu-as entre as suas: — A
senhorita — continuou ele —, que, embora seja rica, ainda não se tornou
insensível, e a senhorita, que, embora seja pobre, não se deixou degradar, por
que não deveriam amar e cuidar uma da outra? As aflições da vida são
tediosas, suas alegrias, evanescentes; as senhoritas são agora jovens e, com
pouco para desfrutar, encontrarão muito com o que sofrer. Acredito que são
também inocentes... oh, poderiam muito bem permanecer assim! “Já foram
anjos um dia, e os filhos dos homens poderão adorá-las!”
Ele se deteve, controlado por sua própria emoção crescente, mas logo
retomou sua austeridade usual: — No entanto — continuou ele —, esta não é
a condição da humanidade. Tenham compaixão, portanto, dos males
iminentes sobre ambas, sejam amáveis uma com a outra! Deixo-as juntas, e
para sua mútua ternura as recomendo!
Ele voltou-se particularmente para Cecilia: — Não desdenhe — disse ele
— para consolar os deprimidos; olhe para ela com respeito, converse com ela
sem desprezo; assim como a senhorita, ela é órfã, ainda que diferente da
senhorita, não é uma herdeira; assim como ela, a senhorita não tem pai,
embora não seja como ela, sem amigos! Se as tentações da adversidade a
aguardam, a senhorita também está cercada pelas corrupções da prosperidade.
Sua queda é mais provável, a dela, mais desculpável; assim, compadeça-se
dela agora e, pouco a pouco, ela poderá compadecer-se de ti.
Com estas palavras, ele saiu do aposento.
Um silêncio total sucedeu sua partida. Cecilia teve dificuldade para se
recuperar da surpresa e não conseguiu falar. Ao seguir seu extraordinário
guia, sua imaginação havia pintado uma cena como aquela que havia
abandonado recentemente e a havia preparado para contemplar alguma
família em apuros, alguma criatura indefesa enferma ou algumas crianças
necessitadas, mas o fato de encontrar ninguém além daquela bela e delicada
jovem, uma apresentação tão singular e um objeto tão impensado, a privou de
todo o poder, exceto o de demonstrar seu espanto. Enquanto isso, a jovem
parecia um pouco menos surpresa e infinitamente mais envergonhada. Ela
olhava para o próprio aposento com irritação e para sua hóspede com
confusão; ela escutara a exortação do velho homem com visível desconforto
e, agora que ele se fora, parecia dominada pela vergonha e pelo desgosto.
Cecilia, que ao notar tais emoções sentiu aumentar tanto sua curiosidade
quanto sua compaixão, apertou a mão dela quando se separaram e, um tanto
recuperada, disse: — A senhorita deve pensar que esta é uma estranha
intromissão, mas talvez conheça tão bem o cavalheiro que me trouxe aqui, a
ponto de fazer com que suas singularidades invoquem suas próprias
desculpas.
— Na verdade, madame — respondeu ela, com timidez —, eu o conheço
muito pouco, mas ele é muito bom e deseja muito me prestar algum serviço.
Porém, acredito que ele considera minha situação muito pior do que
realmente é, pois, eu lhe asseguro, madame, seja o que for que ele tenha dito,
não estou tão mal assim.
As diversas dúvidas em seu detrimento, que a princípio, por sua situação
incomum, surgiram na mente de Cecilia, aquela ânsia por disfarçar e não
manifestar sua angústia consideravelmente removia e a afastava de qualquer
suspeita da busca através do artifício e da imposição de brincar com seus
sentimentos. Com uma gentileza sumamente tranquilizadora, Cecilia
respondeu: — De maneira alguma eu teria entrado aqui de forma tão
inesperada se não tivesse concluído que meu condutor tinha algum direito de
me trazer. No entanto, uma vez que realmente nos encontramos, vamos nos
recordar de suas exigências e nos esforçar para não nos separarmos até que,
mediante uma troca mútua de boa vontade, cada uma tenha agregado uma
amiga à outra.
— A senhorita é realmente condescendente, madame — respondeu a
jovem, com um ar humilde —, vendo o que está vendo e falando de uma
amiga quando vem a um lugar como este! Subindo dois lances de escadas!
Sem móveis! Nenhum criado! Tudo em tamanha desordem! Eu realmente
admiro Mr. Albany! Ele não deveria, mas ele pensa que os assuntos de todas
as pessoas podem se tornar públicos e não se importa com o que diz, nem
com o que ouve; ele não conhece a dor que causa, nem o mal que pode fazer.
— Estou muito preocupada — disse Cecilia, cada vez mais surpresa com
tudo o que ouvia — por descobrir que tenho sido tão útil para sua angústia.
Eu não sabia para onde ia e o segui, acredite, nem por curiosidade nem por
inclinação, mas simplesmente porque não sabia como recusar. Ele se foi, e,
por isso, vou aliviá-la partindo também, mas permita-me deixar um pequeno
testemunho de que a intenção de minha vinda não foi mera impertinência.
Ela pegou sua bolsa, mas a jovem, recuando com um olhar de ressentida
mortificação, exclamou: — Não, madame! A senhorita está enganada; por
favor, guarde sua bolsa. Eu não sou uma mendiga! Mr. Albany não me
representa se disse que sou.
Cecilia, por sua vez, mortificada com a rejeição inesperada de uma oferta
que se julgava convidada a fazer, ficou alguns momentos em silêncio, e,
então, disse: — Eu não quis ofendê-la e sinceramente imploro seu perdão se
não compreendi bem a missão que acabei de receber.
— Não há o que perdoar, madame — disse ela, mais calma —, exceto, de
fato, a Mr. Albany; com ele, não adianta ficar zangada, pois ele não se
importa com o que eu digo. Ele é muito bom, mas muito estranho, pois pensa
que todas as pessoas devem viver em conjunto, e que todos os pobres devem
pedir, e todos os ricos devem dar; ele não sabe que muitos preferem morrer
de fome.
— E a senhorita — disse Cecilia, meio sorrindo — encontra-se neste
número?
— Na verdade, não, madame! Não tenho tanta grandeza de espírito. Mas
aqueles a quem pertenço têm mais força e espírito superior. Eu gostaria de
poder imitá-los!
Impressionada pela franqueza e simplicidade do discurso, Cecilia sentiu
um caloroso desejo de servi-la e, pegando sua mão, disse: — Perdoe-me,
mas, embora eu veja que a senhorita deseja que eu me vá, não sei como
deixá-la; recorde-se, portanto, do encargo que nos foi dado, e se a senhorita
recusar minha ajuda de uma maneira, indique-me de que outra forma eu
posso oferecê-la.
— A senhorita é muito gentil, madame — respondeu ela —, e ouso dizer
que é muito boa. Tenho certeza de que a senhorita parece ser, pelo menos.
Mas eu não quero nada. Eu estou indo muito bem e tenho esperanças de
melhorar. Mr. Albany está muito impaciente. Ele sabe, é verdade, que não
sou extremamente rica, mas ele está errado se me supõe, portanto, um objeto
de caridade, e se me considera tão mesquinha a ponto de receber dinheiro de
uma estranha.
— Eu lamento sinceramente — disse Cecilia — pelo erro que cometi, mas
a senhorita deve permitir que façamos as pazes antes de nos separarmos;
ainda assim, até que nos conheçamos melhor, tenho receio de propor os
termos. Talvez permita que eu deixe meu endereço e me daria a honra da sua
visita?
— Oh, não, madame! Tenho um parente doente a quem não posso
abandonar; e, de fato, se ele estivesse bem, não gostaria que eu fizesse
amizades enquanto estou neste lugar.
— Espero que não seja sua única enfermeira? Estou certa de que não
parece capaz de suportar tamanha fadiga. Ele tem um médico? Está
devidamente atendido?
— Não, madame; ele não tem um médico e nem mesmo atendimento.
— É possível que em tal situação a senhorita se recuse em ser assistida?
Certamente deveria aceitar alguma ajuda para ele, se não para a senhorita.
— Mas de que adiantaria, se eu aceitasse e ele não fizesse uso dessa ajuda?
E quando disse que prefere mil vezes morrer a deixar que saibam que está
passando por necessidade?
— Aceite, então, sem que ele saiba; ajude-o sem que tenha conhecimento.
Certamente a senhorita não permitiria que ele morresse sem ajuda?
— Deus me livre! Mas o que posso fazer? Estou sob seu comando,
madame, não ele sob o meu!
— Ele é o seu pai? Perdoe minha pergunta, mas sua juventude parece
precisar muito de tal protetor.
— Não, madame, eu não tenho pai. Era mais feliz quando tinha. É meu
irmão.
— E qual é a sua doença?
— Uma febre.
— Uma febre e sem médico. Está certa de que não é algo infeccioso?
— Ah, sim. Tenho certeza!
— Tanto assim? Como pode ter tanta certeza?
— Porque eu conheço bem a situação.
— E qual é a situação? — perguntou Cecilia, tomando novamente a sua
mão. — Por favor, confie em mim. Na verdade, não se arrependerá da sua
confiança. Sua reserva até agora só elevou minha estima, mas não a leve tão
longe a ponto de me mortificar com uma rejeição total os meus bons serviços.
— Ah, madame — disse a jovem, suspirando —, a senhorita deve ser
muito boa, estou certa, pois vai conseguir tudo de mim com essa boa
vontade! A situação foi um ferimento negligenciado, nunca devidamente
curado.
— Um ferimento? Ele está no exército?
— Não, ele foi baleado pela lateral em um duelo.
— Em um duelo? — exclamou Cecilia. — Diga, qual é o nome dele?
— Ah, isso eu não posso dizer! Seu nome é um grande segredo enquanto
está neste lugar pobre, pois eu sei que ele iria preferir nunca mais ver a luz do
que ter o fato conhecido por todos.
— Certamente, certamente! — exclamou Cecilia, com muita emoção. —
Não pode ser, espero que não seja Mr. Belfield?
— Ah, céus! — exclamou a jovem, gritando —, a senhora o conhece?
Neste momento, com espanto mútuo, elas se entreolharam.
— A senhorita é, então — disse Cecilia —, irmã de Mr. Belfield? E Mr.
Belfield está doente e seu ferimento ainda não foi curado, e ele não tem
nenhuma ajuda!
— Quem é a senhorita, madame? — perguntou ela. — E como o conhece?
— Meu nome é Beverley.
— Ah! — exclamou ela. — Temo não ter feito nada além de causado um
grande mal. Eu sei bem quem a senhorita é, madame, mas, se meu irmão
descobrir que o traí, ele vai ser cruel e talvez nunca me perdoe.
— Não tenha medo — disse Cecilia. — Esteja certa de que ele nunca
saberá. Ele não deveria estar no interior?
— Não, madame, ele está agora mesmo no quarto ao lado.
— Mas o que aconteceu com o cirurgião que o atendia, e por que ele ainda
não o visita?
— Será tolice, agora, esconder qualquer coisa da senhorita. Meu irmão o
enganou e disse que estava saindo da cidade apenas para se livrar dele.
— Mas o que poderia induzi-lo a agir de forma tão estranha?
— Um motivo que a senhorita, espero, nunca venha a conhecer. Pobreza!
Ele não assumiria uma conta que não pudesse pagar.
— Meu Deus! Mas o que pode ser feito por ele? Ele não pode continuar
sofrendo assim; devemos pensar em alguma coisa para aliviá-lo e ajudá-lo,
quer ele consinta ou não.
— Temo que isso não seja possível. Um de seus amigos já o descobriu e
lhe escreveu uma carta muito gentil. Mas ele não respondeu e não quis
recebê-lo; ele ficou preocupado e zangado.
— Bem — disse Cecilia —, não vou segurá-la por mais tempo, para que
ele não fique alarmado com sua ausência. Amanhã de manhã, com sua
licença, voltarei a visitá-la e espero que me permita fazer alguma coisa para
ajudá-la.
— Se dependesse apenas de mim, madame — respondeu ela —, agora que
tenho a honra de saber quem é, creio que não deveria ter muitos escrúpulos,
pois não fui educada com noções tão elevadas como meu irmão. Ah! Seria
tão bom para ele, para mim, para toda a família se ele também não tivesse.
Cecilia, então, repetiu suas expressões de conforto e gentileza e se
despediu.
Esta pequena aventura lhe trouxe uma preocupação infinita: todo o horror
que o duelo originalmente a havia causado voltou novamente; ela acusou a si
mesma com muita amargura por tê-lo provocado, e ao descobrir que Mr.
Belfield sofria tão cruelmente, tanto na saúde quanto nos negócios, pensou
que cabia a ela aliviá-lo da melhor maneira possível.
Sua irmã também a havia interessado muito; sua juventude e a incomum
falta de artifícios na sua conversa, somadas à sua situação melancólica e à
beleza de sua pessoa, despertaram nela o desejo de servir e a predisposição
para amá-la; ela decidiu, se a achasse tão merecedora quanto atraente, não
apenas ajudá-la no momento, mas, se suas angústias continuassem, recebê-la
em sua própria casa no futuro.
Mais uma vez, ela lamentou a detenção indevida de suas duzentas libras. O
que ela agora tinha de sobra era extremamente inadequado para o que
desejava conceder, e aguardava com crescente entusiasmo a conclusão de sua
minoridade. O plano de vida generoso e elegante que pretendia seguir
ganhava terreno diariamente em sua imaginação e crédito em sua opinião.
CAPÍTULO 25

UM HOMEM GENIAL

Na manhã seguinte, assim que terminou o café da manhã, Cecilia tomou


uma liteira e dirigiu-se à Swallow Street. Ela perguntou por Miss Belfield e
lhe disseram que subisse as escadas, mas qual não foi o seu espanto ao
encontrar, acabando de sair do mesmo aposento no qual ela estava entrando,
o jovem Delvile! Os dois se assustaram, e Cecilia, diante da estranheza da
situação, sentiu uma confusão que até então desconhecia. Mas Delvile logo se
recuperou da surpresa e disse, com um sorriso expressivo: — Miss Beverley
é tão boa por visitar os enfermos. E ainda melhor teria sido o prazer de ver
Mr. Belfield se eu, por cautela, tivesse sabido do seu plano e tivesse adiado
minhas próprias investigações até que ele tivesse sido ressuscitado por ela!
E então, ele passou por ela, fez uma reverência e lhe desejou um bom dia.
Cecilia, não obstante a franqueza e pureza de suas intenções, ficou tão
desconcertada com o encontro inesperado e com a fala contundente, que não
teve a presença de espírito de chamá-lo de volta e se explicar; e os vários
interrogatórios e provocações que já haviam ocorrido entre eles sobre o tema
Mr. Belfield fizeram-na supor que o que ele antes havia suspeitado, agora
acreditava estar confirmado, e concluir que todas as suas afirmações de
indiferença procediam meramente daquela disposição para a hipocrisia sobre
temas específicos, dos quais ele havia acusado abertamente todo o seu sexo.
Tal circunstância e apreensão removeram dela por um tempo todo o
interesse na sua missão, mas a benevolência do seu coração logo a trouxe de
volta, quando, ao entrar na sala, viu sua nova favorita em lágrimas.
— Qual é o problema? — perguntou ela, ternamente. — Espero que não
tenha acontecido nenhuma nova perturbação? Seu irmão está pior?
— Não, madame, ele está praticamente na mesma. Eu não chorava por ele.
— Por que, então? Diga-me, conte-me suas tristezas e saiba que pode
contar com uma amiga.
— Eu estava chorando, madame, por encontrar tanta bondade no mundo,
quando pensava que havia tão pouca! Descobrir que tenho alguma chance de
voltar a ser feliz, quando pensava que seria miserável para sempre! Passei
dois anos inteiros em total infelicidade, e pensava que não teria mais nada;
porém, o dia de ontem, madame, trouxe a senhorita, com todas as promessas
de nobreza e proteção, e hoje, um amigo do meu irmão se portou de forma
tão generosa que até mesmo meu irmão o ouviu e quase consentiu em ser
grato a ele!
— E a senhorita já conheceu tanta dor — disse Cecilia —, que este
pequeno amanhecer de prosperidade foi capaz de dominar completamente o
seu espírito? Menina amável e gentil! Que o futuro a recompense pelo
passado, e que os amáveis desejos de Mr. Albany sejam atendidos na
reciprocidade de nosso conforto e afeto!
Elas então iniciaram uma conversa que a doçura de Cecilia e a gratidão de
Miss Belfield logo tornaram interessante, amistosa e sem reservas, e, em
muito pouco tempo, tudo o que era essencial na história ou situação da pobre
moça foi plenamente comunicado. Ela fez, no entanto, uma insinuação muito
séria, de que seu irmão nunca deveria tomar conhecimento de tal
confidencialidade.
Seu pai, que morrera há apenas dois anos, era um vendedor de aviamentos
na cidade; ele tinha seis filhas, das quais ela era a mais nova, e apenas um
filho. Este filho, Mr. Belfield, era o favorito do pai, da mãe e das suas irmãs;
ele foi educado em Eton, nenhuma despesa foi poupada na sua educação,
nada foi negado que pudesse fazê-lo feliz. Com um excelente entendimento,
possuía uma rapidez pouco comum e seu progresso nos estudos foi rápido e
ilustre; seu pai, embora sempre o considerasse seu sucessor nos negócios,
ouviu falar do seu progresso com entusiasmo, e muitas vezes dizia: “Meu
filho será o adorno desta cidade, ele será o melhor especialista em qualquer
loja de Londres”. No entanto, ele logo aprendeu uma outra lição; quando, aos
16 anos, voltou para casa e foi colocado na loja, em vez de aplicar seus
talentos para o comércio, como seu pai esperava, ele tanto desprezou quanto
se aborreceu; quando sério, tratava o comércio com desprezo, quando alegre,
com escárnio. Assim como seus companheiros que deixaram Eton na mesma
época, ele também foi tomado por um desejo ardente de concluir seus estudos
em uma das universidades e, depois de muitas dificuldades, por intercessão
da sua mãe, seu pedido foi atendido e o velho Mr. Belfield lhe disse que
esperava que um pouco mais de aprendizado lhe desse um pouco mais de
sentido comum, e que, quando estivesse formado, não apenas reconhecesse o
verdadeiro valor do negócio, mas soubesse como ganhar dinheiro e fazer uma
barganha melhor do que qualquer homem no Temple Bar.
Tais expectativas, igualmente míopes, foram tão falaciosas quanto as
primeiras: o filho voltou para casa, e voltou, como o pai esperava, formado,
mas longe de ser mais dócil, ou mais disposto para o comércio. Sua aversão
era agora mais obstinada e sua posição mais forte do que nunca. Com os
rapazes da moda com quem fizera amizade na escola ou na universidade, e
com quem, por indulgência do seu pai, ele sempre fora capaz de competir em
gastos, e por indulgência da natureza, de se sobressair em capacidade, ele
buscou sinceramente a continuidade de suas amizades e cortejou e cobiçou o
prazer de sua conversa, mas, embora estivesse completamente desqualificado
para qualquer outra companhia, perdera todo o prazer em seu favor pelo
temor de que descobrissem sua morada. Esforçava-se diligentemente para
evitar, mesmo que ocasionalmente, encontrá-los, para que ninguém de sua
família se aproximasse dele ao mesmo tempo, pois de sua família, embora
rica, digna e independente, ele agora estava tão envergonhado, que a
mortificação mais cruel que poderia receber era quando perguntavam o seu
endereço ou diziam que iriam visitá-lo.
Cansado, por fim, de evitar as indagações feitas por alguns e provocar
risos fracos diante da descoberta realizada por outros, ele se alojou em uma
pensão na extremidade oeste da cidade, para onde encaminhava todos os seus
amigos e onde, sob vários pretextos, planejava passar a maior parte do seu
tempo. Em todos os seus dispendiosos enganos e brincadeiras, sua mãe foi
sua confidente e assistente incansável, pois, quando ela soube que os
companheiros do filho eram homens da moda, alguns nascidos com títulos,
outros destinados a altas posições, ela chegou à conclusão de que ele estava
no caminho certo para a honra e para a riqueza, e frequentemente se
angustiava, sem nunca reclamar, para capacitá-lo a preservar em termos de
igualdade conexões que ela acreditava tão favoráveis à sua futura grandeza.
Ele passou algum tempo dessa maneira selvagem e instável, lutando
incessantemente contra a autoridade do pai, secretamente instigado pela mãe
e constantemente auxiliado e admirado pelas irmãs, até que, cansado de um
estilo de vida tão incoerente, ele se tornou um voluntário no exército. Já foi
aqui relatado o quão rapidamente ele se cansou dessa mudança,19 bem como
sua reconciliação com o pai e o fato de tornar-se um estudante do Templo,
pois o pai agora estava tão cansado de se opor quanto o próprio jovem.
No Templo, durante dois ou três anos, ele viveu uma felicidade
ininterrupta: estendeu sua amizade entre os poderosos, por quem não era
apenas conhecido, mas também querido e admirado, e com frequência
visitava sua família, a qual, ainda que em público ruborizasse por possuir,
amava afetuosamente em particular. Sua profissão, na verdade, não era
frequente nos seus pensamentos. Encantado com os privilégios do mundo e
embevecido por descobrir que sua presença parecia um sinal de
entretenimento, ele logo esqueceu a incerteza da sua fortuna e a inferioridade
da sua posição; a lei ficava cada vez mais fatigante, o prazer tornava-se cada
vez mais atraente, e, aos poucos, ele não havia tido um só dia não aproveitado
em alguma festa ou diversão, consignando voluntariamente os escassos
momentos de lazer proporcionados pelo seu alegre círculo, ao capricho de
sua fantasia em algumas apressadas composições em verso, que eram
apresentadas em manuscrito e que contribuíam para mantê-lo na moda.
Esta era a sua situação na ocasião da morte do seu pai. Um novo cenário
foi então aberto para ele e, por algum tempo, ele hesitou sobre o que fazer.
O velho pai, embora vivesse com grande riqueza, não deixou nenhuma
fortuna considerável depois que as porções de suas filhas, a cada uma das
quais deixou um legado de duas mil libras, foram deduzidas. Mas seu estoque
no comércio era grande e seu negócio era próspero e lucrativo. Ao seu filho,
no entanto, não faltavam apenas dedicação e coragem para se tornar seu
sucessor, mas também habilidade e conhecimento. Sua deliberação, portanto,
foi apressada, e sua resolução, imprevista: ele decidiu continuar no Templo,
enquanto a loja, da qual não poderia abrir mão, deveria ser mantida com
outro nome, e administrada por um agente, esperando assim assegurar e
desfrutar de seus emolumentos, sem o incômodo ou a humilhação de
frequentá-la.
Mas este plano, assim como muitos outros que têm sua base na vaidade,
acabou em nada além de desgosto e decepção: a loja que sob os cuidados do
velho Mr. Belfield havia florescido e prosperado, e enriquecido a ele e a toda
a sua família, agora mal suportava as despesas de um indivíduo. Sem um
mestre, sem aquela atenção diligente à sua prosperidade, que apenas o
interesse do dono pode proporcionar, e a autoridade que um chefe sozinho
pode fazer cumprir, ela rapidamente perdeu sua fama pela excelência de seus
produtos e pouco depois os próprios clientes, pela notícia da sua decadência.
A produção, portanto, diminuía mês a mês e ele ficou surpreso e irritado.
Estava convencido de que fora enganado e que seus negócios tinham sido
negligenciados, mas, embora ameaçasse de vez em quando inquirir sobre o
estado real do negócio e investigar a causa de sua decadência, sentia-se
inadequado para a tarefa. Agora, pela primeira vez, lamentava o desprezo
anterior pelo comércio, que o impedira de adquirir algum conhecimento
enquanto tinha juventude e oportunidade, e que o tornara ignorante para uma
reparação, ainda que estivesse certo do incômodo e do prejuízo.
Mesmo assim, por mais perturbadoras que fossem suas sugestões
alarmantes em seu momento de repouso, nenhuma alteração tinha sido feita
no curso geral da sua vida: ele ainda era o preferido dos seus amigos e o líder
de todos os grupos, e ainda assim, embora sua renda diminuísse, suas
despesas aumentavam.
Estas eram as circunstâncias quando Cecilia o viu pela primeira vez na
casa de Mr. Monckton, de onde, dois dias depois de sua chegada à cidade, ele
próprio fora convocado, com a informação de que seu agente havia
subitamente deixado o reino.
A consequência fatal dessa fuga fraudulenta foi a falência imediata.
Seu ânimo, no entanto, ainda não o tinha abandonado; como nunca fora o
dono nominal da loja, ele escapou da desonra da sua ruína e conformou-se
com a entrega do que restara à mercê dos credores, para que seu próprio
nome não aparecesse no Gazette.
Três das suas irmãs já estavam muito bem-casadas com comerciantes de
renome: as duas mais velhas, que ainda eram solteiras, foram alojadas com
duas das irmãs casadas, e Henrietta, a mais jovem, morava com a mãe, que
tinha uma anuidade confortável e uma pequena casa em Paddington. Assim
despojado de todos os trabalhos do seu pai, pela vaidade e imprudência, ele
agora se via compelido a pensar seriamente em algum método real de
sustento, visto que sua mãe, embora estivesse disposta a sacrificar até mesmo
o alimento que a sustentava, pouco podia fazer por ele, e esse pouco ele
precisava da justiça para aceitar. A lei, mesmo para os mais diligentes e bem-
sucedidos, é extremamente lenta em termos de lucro, e o que quer que ele
esperasse de suas conexões e habilidades no futuro, no momento exigia uma
despesa que não era capaz de suportar.
Restava, então, tentar sua influência com seus amigos entre os grandes e
poderosos. Seu plano revelou-se extremamente honroso: todos prometiam
algo e pareciam encantados com a oportunidade de servi-lo. Satisfeito por
encontrar o mundo muito melhor do que lhe haviam relatado, ele agora via o
fim de suas dificuldades na perspectiva de um lugar na corte. Belfield, com
metade do entendimento com o qual era dotado, teria notado em qualquer
outro homem a ilusória ociosidade das expectativas não bem fundamentadas,
mas, embora o discernimento nos ensine com a insensatez dos outros, a
experiência individual pode nos ensinar com a nossa! Ele se gabava de que
seus amigos tivessem sido selecionados com mais sabedoria do que os
amigos daqueles que em circunstâncias semelhantes haviam sido enganados,
e não suspeitou da fraude de sua vaidade até descobrir que seus convites
diminuíam diariamente, e que seu tempo estava a seu comando.
Todas as suas esperanças agora repousavam sobre um amigo e patrono,
Mr. Floyer, um tio de Sir Robert Floyer, um homem de poder na casa real,
com quem tinha vivido em grande intimidade, e que neste período tinha à
disposição o lugar que ele solicitara. O único obstáculo que parecia interpor-
se em seu caminho era o próprio Sir Robert, que demonstrara calorosamente
seu interesse em favor de um amigo. Mr. Floyer, porém, garantiu sua
preferência por Belfield e apenas lhe pediu paciência até que pudesse
encontrar alguma oportunidade de apaziguar o sobrinho.
Este era o estado das coisas na época da sua desavença na Opera House.
Sir Robert, um oponente já declarado, sentiu sua ira duplicada porque, por
ele, Cecilia rejeitara sua cortesia, enquanto Belfield, suspeitando que ele
presumia da sua conhecida dependência de seu tio para afrontá-lo, sentiu
também uma dupla indignação pela arrogância do seu comportamento.
Assim, por mais leve que parecesse ao mundo a causa da sua disputa, cada
um tinha seus motivos particulares de animosidade que serviram para
estimular a vingança.
No dia seguinte ao duelo, Mr. Floyer lhe escreveu dizendo que agora era
obrigado, por decência comum, a assumir o lado do sobrinho, e, portanto, já
havia cedido o lugar ao amigo que ele recomendara.
Este foi o fim de suas esperanças e o sinal de sua ruína! A dor de sua
ferida tornou-se insensível se comparada à dor da perda dessa função pública
para a qual havia se preparado no Templo. No entanto, seu orgulho ainda lhe
permitia dissimular sua angústia e ver todos os amigos que o acidente induziu
a procurá-lo, ao mesmo tempo em que a alegria forçada para esconder sua
angústia fazia com que parecesse a eles mais animado e mais divertido do
que nunca.
Porém, todos esses esforços, quando entregue a si mesmo e à sua natureza,
apenas o afundavam ainda mais na tristeza; ele descobriu que seria necessário
fazer uma mudança imediata em seu modo de vida, mas não suportava a ideia
de fazê-lo à vista daqueles com quem convivera por tanto tempo em todo o
esplendor de igualdade. Um elevado princípio de honra que ainda, em meio à
sua alegre carreira, permanecera inalterado o protegia escrupulosamente de
endividar-se, e, portanto, embora pouco dotado, esse pouco era estritamente
seu. Ele anunciou que estava deixando a cidade em busca de ar mais puro,
dispensou seu cirurgião, despediu-se alegremente dos amigos e, sem confiar a
ninguém o seu segredo, exceto ao seu criado, foi transportado em segredo
para um alojamento miserável e barato na Swallow Street. Ali, isolado de
todos os seres humanos que havia conhecido anteriormente, ele se propôs a
ficar até apresentar alguma melhora, e então novamente buscar seu sustento
no exército.
Entretanto, sua situação atual era pouco calculada para contribuir para sua
recuperação; a dispensa do cirurgião, a precipitação da sua remoção, as
inconveniências de seu alojamento e a privação fora de época de longas
indulgências habituais foram atrasos inevitáveis da sua cura; enquanto a
mortificação de sua desgraça momentânea e a amargura de sua última
decepção assolavam sua mente de forma intensa, roubando-lhe o descanso,
aumentando sua febre e reduzindo-o gradualmente a um estado tão baixo e
perigoso que seu criado, alarmado pela sua vida, secretamente informou sua
mãe de sua enfermidade e retiro.
A mãe, muito perturbada pela notícia, no mesmo instante, e na companhia
da filha, correu para o seu alojamento. Ela desejava levá-lo imediatamente
para sua casa em Paddington, mas ele havia sofrido tanto com sua primeira
remoção que não consentiu uma outra. Ela então teria chamado um médico,
mas ele se recusou até mesmo a ver um; ela havia cedido por tanto tempo a
todos os desejos e opiniões do filho, que não tinha agora a força de espírito
para exercer a autoridade necessária para emitir ordens sem consultá-lo. Ela
implorou, suplicou, e Henrietta juntou-se a ela, mas a doença e a aflição não
o haviam domesticado, embora o tivessem deixado taciturno; ele resistia às
suas orações e geralmente as silenciava com a garantia de que sua oposição
ao plano que decidira seguir apenas inflamava sua febre e retardava sua
recuperação.
O motivo de uma obstinação tão cruel com seus amigos era o medo de ser
descoberto, o que ele considerava não apenas prejudicial para seus negócios,
mas desonroso para seu caráter, pois, sem trair qualquer sintoma de sua
angústia, ele havia se despedido de seus conhecidos sob a pretensão de sair
da cidade e não suportaria uma descoberta que iria ao mesmo tempo
proclamar sua degradação e sua mentira.
Mr. Albany o encontrara de forma acidental, confundindo seu quarto com
o de outro enfermo na mesma casa, a quem sua visita era destinada, mas
como ele conhecia e reverenciava o velho cavalheiro, não lamentou muito sua
intrusão. Não foi tão fácil quando a mesma descoberta foi feita pelo jovem
Delvile, quem encontrou por acaso seu criado na rua e indagou sobre a saúde
de seu amo e, surpreendido pelo seu estado real, o seguiu até a casa, onde,
convicto da mudança em seus assuntos pelo deslocamento para outra
habitação, escreveu-lhe uma carta, na qual, depois de se desculpar pela sua
liberdade, declarou calorosamente que nada o faria mais feliz do que ser
favorecido com seus desejos se, fosse através de si mesmo ou de seus amigos,
pudesse ter a sorte de prestar-lhe algum serviço. Belfield, profundamente
mortificado com a descoberta de sua situação, devolveu apenas uma resposta
verbal de frio agradecimento e desejou que ele não falasse de sua presença na
cidade, pois não estava bem o suficiente para ser visto.
A resposta trouxe igual desgosto ao jovem Delvile, quem, no entanto,
continuou a visitá-lo, perguntando como ele estava, embora não fizesse mais
nenhuma tentativa de vê-lo.
Belfield, finalmente abrandado pela bondade da sua conduta, decidiu
admiti-lo e ele acabara de fazer sua primeira visita ao enfermo quando
encontrou Cecilia na escada. Sua visita tinha sido breve e ele não mencionou
sua mudança de residência ou sua pretensão de ir para o interior; ele
conversou apenas sobre assuntos gerais até que se levantou para partir,
quando reiterou suas ofertas de assistência com tanta franqueza e
cordialidade, que Belfield, afetado por sua seriedade, prometeu que o veria
novamente em breve e sugeriu às suas encantadas mãe e irmã que o
consultaria francamente sobre seus assuntos.
Tal foi a história que, com várias circunstâncias minuciosas, Miss Belfield
relatou a Cecilia. — Minha mãe — acrescentou —, que nunca o abandona,
sabe que a senhorita está aqui, pois ontem me ouviu conversando com
alguém e me fez contar tudo o que havia passado, e que a senhorita disse que
voltaria esta manhã.
Cecilia agradeceu pela comunicação simples e sem reservas, mas, ao
terminar, não pôde deixar de perguntar por qual infortúnio precoce ela
passara, embora tão jovem, dois anos em total infelicidade?
— É porque — respondeu ela —, quando meu pobre pai faleceu, toda
nossa família se separou e eu abandonei todos para ir viver com minha mãe
em Paddington; eu nunca fui sua favorita; na verdade, ninguém é, além do
meu irmão, pois ela acredita que todo o resto do mundo só existe por causa
dele. Ela costumava negar a si mesma e a mim as necessidades mais básicas,
a fim de economizar dinheiro para lhe dar presentes, embora, se ele soubesse
o que ela fazia, teria ficado zangado no lugar de aceitá-los. No entanto, eu
não poderia considerar nada que não fosse para seu benefício, pois eu o
amava muito mais do que minha própria conveniência, mas as somas que nos
angustiaram por meses para economizar eram gastas por ele em apenas um
dia, e não se pensava mais nisso. E isso não era tudo. Oh, não! Eu ainda teria
mais sofrimento; eu fui informada por um dos meus cunhados de que tudo ia
mal e que certa ruína recairia sobre o meu pobre irmão pela traição do seu
agente; esse pensamento sempre me atormentou, porque eu não me atrevia a
contar à minha mãe, por receio de que isso a deixasse de mau humor, pois, às
vezes, ela não é muito paciente, e pouco importava o que qualquer um de nós
dissesse ao meu irmão, pois ele era muito alegre e muito confiante para
acreditar que corria perigo.
— Bem, mas eu espero — disse Cecilia — que a partir de agora as coisas
melhorem; se seu irmão consentir em ver um médico...
— Ah, madame! Isso é o que temo que ele nunca fará, pois não quer ser
visto nestes alojamentos. Eu ficaria de joelhos dias inteiros para convencê-lo,
mas ele não está acostumado a ser supervisionado e não sabe como se
submeter a isso; ele viveu tanto tempo entre os poderosos, que se esquece de
que nasceu em berço diferente do deles. Se ao menos ele nunca tivesse
abandonado sua própria família! Se não tivesse sido corrompido pela
ambição... ele tinha o melhor coração e a disposição mais doce do mundo.
Mas o fato de viver com pessoas superiores o ensinou a desprezar seus
próprios parentes e envergonhar-se de todos nós; mesmo agora, na hora da
sua angústia, quem mais poderá ajudá-lo?
Cecilia, então, perguntou se ela não queria ajuda para ela e para sua mãe,
observando que elas não pareciam ter todas as comodidades a que tinham
direito.
— Na verdade, madame — respondeu ela, com um sorriso ingênuo —,
quando a senhorita veio aqui pela primeira vez, eu era um pouco como o meu
irmão, porque tinha vergonha de deixá-la ver de que forma vivíamos! Mas
agora a senhorita sabe o pior, então não devo mais me preocupar com isso.
— Mas este não pode ser o seu modo de vida usual. Temo que os
infortúnios de Mr. Belfield tenham espalhado uma ruína maior do que a dele.
— Na verdade, não. Desde o início, ele teve o cuidado de não nos envolver
em suas adversidades, pois é muito generoso, madame, e muito nobre em
todas as suas ideias, e não poderia se comportar melhor com todos nós em
questões de dinheiro. Porém, a partir do momento em que chegamos a este
lugar lúgubre e testemunhamos sua angústia, e percebemos que tinha caído
tanto que só era superior a nós mesmas, tivemos uma cena realmente triste.
Minha pobre mãe, cuja única alegria era pensar que ele vivia como um nobre,
e que sempre se lisonjeava de que ele subiria tanto na vida quanto suas
companhias, ficou tão perturbada com sua decepção, que não deu ouvidos à
razão, imediatamente dispensou nossos criados, disse que nós duas
deveríamos fazer todo o trabalho, alugou este apartamento pobre para
morarmos e mandou colocar um cartaz na casa em Paddington, pois disse que
nunca mais voltaríamos para lá.
— Mas — disse Cecilia — estão sem criados?
— Temos o criado do meu irmão, madame; ele acende o fogo e retira o
lixo, e não há muito mais o que fazer, exceto varrer os quartos, pois não
comemos nada além de carne fria dos restaurantes.
— E quanto tempo isso vai durar?
— De fato, eu não sei dizer, pois a verdade é que minha pobre mãe quase
perdeu a razão; desde que viemos para cá, ela tem estado tão infeliz e
reclamado tanto que, entre ela e meu irmão, eu quase perdi a minha também.
E quando ela descobriu que não havia mais esperanças e que seu filho
querido, no lugar de ser rico e poderoso, rodeado por amigos e admiradores,
todos tentando fazer o melhor para ele, foi encerrado por sua própria falta
neste pequeno alojamento, e no lugar de ganhar mais dinheiro, havia
consumido tudo o que possuía, sem uma alma para ajudá-lo, embora estivesse
doente e de cama, ela se desesperou. Oh, madame, se tivesse visto minha
pobre mãe quando ela lançou os olhos sobre ele naquela condição! Na
verdade, a senhorita nunca mais se esqueceria.
— Não me admira sua decepção — exclamou Cecilia. — Com
expectativas tão otimistas e um filho com tanto mérito, a decepção pode ser
bem amarga.
— Sim, e além da decepção, ela agora se recrimina continuamente por
sempre obedecer aos seus humores e ajudá-lo a parecer melhor do que o resto
da família, embora meu pai nunca tenha aprovado esse comportamento. Mas
ela estava tão certa da sua ascensão, que acreditava que todos deveríamos
agradecê-la no final. E ela sempre dizia que ele nasceu para ser um
cavalheiro, e que coisa dolorosa seria tê-lo transformado em um comerciante.
— Espero, pelo menos, que ela não tenha a infelicidade adicional de
receber sua ingratidão por todo o carinho, por mais insensato que tenha sido.
— Ah, não! Ele não faz nada além de confortá-la e alegrá-la. Na verdade,
é muita bondade da sua parte, pois ele me confessou em particular que, se
não fosse por incentivo dela, ele não teria seguido o mesmo curso na vida,
pois deveria ter sido obrigado a entrar no negócio, querendo ou não. Mas
minha pobre mãe não sabe disso, embora ele não diga nada, e, portanto, ela
diz que, a menos que ele fique bom, ela vai se castigar pelo resto da vida, e
nunca mais voltará para sua casa, e nunca contratará outro criado, e nunca
comerá nada além de pão, nem beberá nada além de água.
— Pobre mulher infeliz! — exclamou Cecilia. — Que preço alto ela paga
por sua indulgência imprudente e míope! Mas, certamente, a senhorita não
deveria sofrer da mesma maneira.
— Não, madame, não por sua culpa, pois ela quer que eu vá viver com
uma das minhas irmãs. Mas eu não a deixaria por nada no mundo. Eu me
consideraria muito perversa se a deixasse agora. Além disso, não me queixo
em absoluto pelas pequenas dificuldades que enfrento no momento, pois meu
pobre irmão está tão angustiado que tudo o que pouparmos poderá realmente
valer a pena. Mas, quando vivíamos com tanta dificuldade apenas para lhe
dar o luxo que ele não tinha direito, devo confessar que costumava achar
injusto, e, se não o amasse tanto, talvez não tivesse suportado tão bem como
deveria.
Cecilia começou a pensar que já era hora de liberar sua nova amiga e ir
embora, embora estivesse tão interessada em seus assuntos, que cada palavra
que dizia lhe causava um desejo de prolongar a conversa. Ela desejava
ardentemente lhe dar um presente, mas foi contida pelo receio de ofendê-la
ou de ser novamente recusada. No entanto, tinha planejado um esquema
secreto para servi-la de maneira mais eficaz do que através da doação de
alguns guinéus e, portanto, depois de implorar sinceramente para saber se
poderia ser de alguma utilidade, disse que não perderia as esperanças e,
prometendo voltar a vê-la em breve, partiu com relutância.
CAPÍTULO 26

UM RECURSO

O esquema planejado por Cecilia era levar ao conhecimento do cirurgião


que havia atendido Mr. Belfield qual era a sua situação atual assim como o
seu endereço, e solicitar que ele desse continuidade às suas visitas, cujo
pagamento ela mesma ficaria responsável. As provocações do jovem Delvile,
entretanto, a haviam ensinado a temer as obras do destino, e, portanto, ela se
propôs a manter tanto o cirurgião quanto Mr. Belfield ignorantes sobre com
quem estavam em dívida. Na verdade, ela estava consciente de que, qualquer
que fosse a sua gestão, aquele jovem espirituoso e infeliz ficaria
extremamente magoado se fosse descoberto e perseguido, mas ela achava que
valia a pena preservar a sua vida e não permitir que ele a sacrificasse por
orgulho; e sua convicção interna de ser ela mesma a causa imediata do perigo
presente lhe causava um desejo ansioso e inquieto de ser ela mesma o meio
de livrá-lo dele.
Ela já ouvira falar de Rupil, o nome do cirurgião, mencionado por Mr.
Arnott, e, ao tomar a liteira, ordenou a Ralph, seu criado, que descobrisse
onde ele vivia.
— Eu sei onde ele vive, madame — respondeu Ralph —, pois vi seu nome
em uma porta na Cavendish Street. Eu reparei porque é a mesma casa onde a
senhorita se abrigou naquele dia por causa da multidão que aguardava para
ver os malfeitores a caminho de Tyburn.
A resposta desvendou um mistério que a tinha deixado perplexa durante
muito tempo, pois os discursos do jovem Delvile, quando a surpreendeu
naquela situação, estavam agora totalmente explicados. Ao vê-la saindo da
casa do cirurgião, ele naturalmente concluiu que ela só havia entrado para
saber notícias de seu paciente, Mr. Belfield. Dos seus protestos sobre estar
simplesmente buscando abrigo para evitar a multidão, ele apenas riu; e suas
insinuações sobre sua reserva e dissimulação destinavam-se apenas a
censurá-la por recusar sua solicitação para obter notícias, no mesmo
momento em que, aparentemente, ela ansiosamente, embora
clandestinamente, as buscava para si mesma. Esta descoberta, apesar de tê-la
liberado de todo o suspense sobre o significado das suas palavras, causou-lhe
uma grande irritação: supor que ela estava tão ardentemente interessada, e de
forma secreta, pela saúde de Mr. Belfield poderia confirmar todas as
suspeitas de sua preferência por ele; e mesmo se ainda restasse qualquer
dúvida, o infeliz encontro nas escadas do seu alojamento não a deixaria
desaparecer e confirmaria sua consideração não revelada. No entanto, ela
esperava ter em breve uma oportunidade para esclarecer o engano e, nesse
meio tempo, resolveu ser cuidadosamente cautelosa para evitar todas as
aparências que pudessem fortalecê-lo. Mas nenhuma cautela ou apreensão
poderia constranger sua intenção de colocar em execução imediata um plano
no qual ela temia que qualquer atraso pudesse ser fatal; assim, no momento
em que chegou em casa, ela escreveu a seguinte nota para o cirurgião:

“Ilmo. Sr. _____ Rupil,


27 de março de 1779.
Um amigo de Mr. Belfield implora que Mr. Rupil visite imediatamente este
cavalheiro, que está hospedado no meio da Swallow Street, e insiste que o
atenda até que esteja perfeitamente recuperado. Solicita-se que Mr. Rupil
não dê a conhecer esta solicitação, nem que receba de Mr. Belfield qualquer
pagamento pela sua assistência, mas atribua a descoberta de sua residência
a um acidente e tenha a garantia de que será amplamente recompensado por
seu tempo e trabalho pelo amigo que faz este pedido, e que está disposto a
oferecer qualquer segurança que Mr. Rupil considere apropriado mencionar,
para o desempenho deste compromisso”.

Sua dificuldade seguinte seria como fazer a carta chegar ao seu


destinatário. Enviar seu próprio criado significaria inevitavelmente trair a si
mesma, empregar qualquer outro arriscaria uma confiança que poderia ser
ainda mais perigosa, e ela não podia confiar no correio, já que sua proposta
exigia uma resposta. Depois de muita deliberação, ela finalmente decidiu
recorrer à Mrs. Hill, a cujos serviços ela tinha direito e em cuja fidelidade
poderia confiar.
A manhã já estava muito avançada, mas os Harrels almoçaram tarde e ela
não pretendia perder um dia em que até mesmo uma hora poderia ser
importante. Assim, ela foi imediatamente ver Mrs. Hill, a quem encontrou já
removida para sua nova habitação em Fetter Lane, e igualmente ocupada e
feliz com a mudança de cenário e emprego. Ela lhe entregou a carta, que
desejava que levasse diretamente à Cavendish Street e a entregasse nas
próprias mãos de Mr. Rupil, ou a trouxesse de volta se ele estivesse fora, mas
sem oferecer informações sobre de onde e de quem procedia. Ela, então, foi
para a parte de trás da loja, chamada de sala de estar por Mrs. Roberts, e
distraiu-se durante a ausência de sua mensageira brincando com as crianças.
Mrs. Hill, ao regressar, disse-lhe que havia encontrado Mr. Rupil em casa e,
como se recusou a entregar a carta ao criado, foi levada a uma sala onde ele
conversava com um cavalheiro, a quem, assim que leu a sua carta, disse
rindo: “Ora, aqui está outra pessoa com a mesma proposta que a sua! No
entanto, tratarei os dois da mesma forma”. Então, ele escreveu uma resposta,
a qual selou e pediu que ela se encarregasse da entrega. Eis o teor da resposta:

“Mr. Rupil certamente atenderá Mr. Belfield, cujos amigos podem ter a
certeza de que fará tudo o que está ao seu alcance para recuperá-lo, sem
receber nenhuma recompensa senão o prazer de servir a um cavalheiro que é
tão querido”.

Cecilia, encantada com o sucesso inesperado, fazia novas indagações sobre


o que havia acontecido, quando Mrs. Hill, em voz baixa, disse: — Aí está o
cavalheiro, madame, que estava com Mr. Rupil quando lhe entreguei a carta.
Tive a impressão de que me seguia durante todo o caminho, pois o vi atrás de
mim, não importava a direção que eu tomasse.
Cecilia espiou e viu o jovem Delvile, que, depois de deter-se por um
momento à porta, entrou na loja e pediu que lhe mostrassem algumas luvas,
as quais, entre outras coisas, estavam na vitrine. Ela ficou extremamente
desconcertada ao vê-lo e começou a imaginar que havia alguma fatalidade em
seu relacionamento com ele, já que sempre tinha a certeza de encontrá-lo
quando tinha qualquer motivo para desejar evitá-lo. Assim que percebeu que
ela o observava, ele fez uma reverência com o maior respeito; ela corou ao
retribuir a saudação e preparou-se, com muito aborrecimento, para outro
ataque e mais provocações semelhantes às que já havia recebido. No entanto,
assim que terminou sua compra, ele fez uma nova reverência e, sem dizer
uma palavra, deixou a loja. Um silêncio tão inesperado a deixou surpresa e
perturbada ao mesmo tempo. Ela novamente pediu para ouvir tudo o que
havia acontecido na casa de Mr. Rupil, e pelo relato deduziu que Delvile
havia se comprometido com a responsabilidade do seu atendimento. Uma
generosidade tão parecida com a sua não conseguiu impressioná-la com a
mais viva estima, porém serviu mais para aumentar do que diminuir a dor que
ela sentia pela aparência clandestina que tão repetidamente demonstrava. Ela
não tinha dúvidas de que ele havia imediatamente concluído que ela era a
autora do pedido ao cirurgião, e que ele seguira sua mensageira apenas para
confirmar o fato, embora seu silêncio no momento da descoberta ela só podia
atribuir à circunstância de que ele agora acreditava que sua consideração por
Mr. Belfield era séria demais para provocações.
No entanto, ela ficou duplamente feliz com a generosidade de Mr. Rupil,
uma vez que tornara totalmente desnecessária sua interferência futura, pois
ela agora via com um certo alarme o perigo ao qual a própria benevolência,
quando dirigida a um jovem, poderia expô-la.
CAPÍTULO 27

UM PROTESTO

Cecilia voltou para casa tão tarde que foi chamada à sala de jantar assim
que passou pela porta. Seu traje matinal e sua longa ausência despertaram
muita curiosidade em Mrs. Harrel, que depois de uma rápida sucessão de
perguntas evasivamente respondidas, logo tornou-se generalizada, e Sir
Robert Floyer, voltando-se para ela com um olhar de surpresa, disse: — Se a
senhorita é capaz de extravagâncias como estas, Miss Beverley, devo
começar a indagar um pouco mais sobre o seu comportamento.
— Isso, senhor — disse Cecilia, com muita frieza —, não compensaria
tanto trabalho.
— Quando a levarmos para Violet-Bank — exclamou Mr. Harrel —,
seremos capazes de vigiá-la melhor.
— Assim espero — respondeu Sir Robert —, embora ela tenha se
mostrado tão recatada que eu nunca imaginei que fizesse qualquer coisa a não
ser ler sermões. No entanto, acho que não há como confiar nas mulheres,
assim como no dinheiro.
— Sim, Sir Robert — exclamou Mrs. Harrel —, o senhor sabe que sempre
o aconselhei a não ser tão tranquilo e estou certa de que merece um pouco
mais de seriedade, se não sentir medo!
— Medo de quê, madame? — perguntou o baronete. — De uma jovem
saindo sem mim? Acha que eu gostaria de restringir o tempo de Miss
Beverley em uma manhã, quando tenho a felicidade de visitá-la todas as
tardes?
Cecilia ficou estupefata com o discurso, que não apenas expressava uma
confissão aberta de suas pretensões, mas também uma segurança confiante do
seu êxito. Ela estava surpresa com o fato de que um homem com tais
princípios pudesse presumir sua preferência, mesmo que por um momento, e
irritada com a teimosia de Mr. Harrel ao não lhe informar da sua recusa. A
sua insinuação de ir à casa pela alegria de visitá-la fez com que ela se
decidisse, sem perder um minuto, a lhe dar ela mesma uma explicação,
enquanto a descoberta de que ele estava incluído na festa de Páscoa, a qual
várias outras causas concomitantes já haviam tornado desagradável para ela,
fez com que ansiasse por esta prontidão proposital com nada além de má
vontade e desgosto. Porém, embora sua determinação para concluir o assunto
a fizesse agora se colocar voluntariamente no caminho do baronete, ela
sempre encontrava seu plano contrariado por Mr. Harrel, quem, com uma
diligência óbvia demais para ser uma simples casualidade, constantemente
impedia o progresso de qualquer discurso do qual ele próprio não estivesse
participando. Um admirador mais apaixonado poderia não ter sido derrotado
tão facilmente, mas Sir Robert, orgulhoso demais para renunciar e indolente
demais para persistir, foi rapidamente detido, porque rapidamente se cansou.
Assim, a tarde toda, para sua infinita mortificação, passou sem que tivesse a
oportunidade de lhe fazer saber o seu engano.
Seu próximo esforço foi protestar com o próprio Mr. Harrel, mas este
plano não foi mais fácil de executar do que o outro, uma vez que Mr. Harrel,
suspeitando que ela pretendia cobrar o dinheiro novamente, evitou qualquer
conversa em particular com ela com tanta habilidade, que ela não conseguiu
um momento para fazê-lo ouvi-la. Ela, então, resolveu dirigir-se à sua
senhora, mas seu sucesso não foi melhor: Mrs. Harrel, temendo outra palestra
sobre economia, respondeu com mau humor ao seu pedido para uma
conferência, alegando que não se sentia muito bem e que não poderia
conversar sobre coisas sérias. Cecilia, justificadamente ofendida com todos
eles, não tinha mais recursos a não ser Mr. Monckton, cujo conselho para
despachar o baronete definitivamente ela decidiu solicitar na primeira
oportunidade. Assim, na próxima vez que o viu, ela lhe informou sobre os
discursos de Sir Robert e sobre o comportamento de Mr. Harrel.
Não havia necessidade retórica para apontar a Mr. Monckton o perigo de
tais expectativas, ou a impropriedade de sua situação atual; ele foi golpeado
por ambas da maneira mais contundente, e não poupou afetos para alarmar
sua delicadeza, ou aumentar seu descontentamento. No entanto, ele estava
exasperado com Mr. Harrel, e lhe garantiu que não havia dúvidas de que ele
tinha algum interesse particular em apoiar de forma tão enérgica e astuta as
pretensões de Sir Robert. Cecilia esforçou-se por refutar esta opinião, que
considerava procedente mais do preconceito do que da justiça, mas, quando
mencionou que o baronete havia sido convidado a passar o feriado de Páscoa
em Violet-Bank, ele observou com tanta energia as consequentes obras do
destino, bem como o inevitável encorajamento que tal intimidade implicaria,
que a deixou aterrorizada a ponto de lhe implorar uma sugestão capaz de
salvá-la.
— Há apenas uma — respondeu ele —, a senhorita deve se recusar
peremptoriamente a ir a Violet-Bank. Se, depois do ocorrido, a senhorita for
incluída no mesmo grupo de Sir Robert, sancionará os comentários já
circulados de seus compromissos com ele, e o efeito de tal sanção será mais
grave do que a senhorita pode imaginar, já que o conhecimento de que uma
conexão é acreditada por todos, com muita frequência, senão sempre, conduz
a graus imperceptíveis à sua ratificação real.
Cecilia, com grande entusiasmo, prometeu implicitamente seguir seu
conselho, qualquer que fosse a oposição de Mr. Harrel. Ele a deixou,
portanto, com satisfação incomum, feliz pelo poder que tinha sobre sua mente
e antecipando com êxtase secreto a felicidade que lhe reservava poder visitá-
la durante a ausência da família.
Como nenhuma entrevista particular foi necessária para anunciar sua
intenção de não comparecer à festa de Páscoa, que aconteceria em dois dias,
ela mencionou sua intenção de passar o feriado na cidade na manhã seguinte,
no momento em que Mr. Harrel entrava na sala de café da manhã com
alguma incumbência à sua senhora. A princípio, ele apenas riu do seu plano,
zombando do seu amor pela solidão, mas, quando percebeu que era sério, ele
se opôs veementemente e convocou Mrs. Harrel a juntar-se a ele nos
protestos. A dama concordou, mas de maneira tão débil que Cecilia logo
percebeu que ela não desejava vencer; e com uma preocupação que lhe
custou uma dor infinita, ela finalmente se deu conta de que não só toda a sua
afeição anterior havia se reduzido à indiferença, mas que, uma vez que havia
se esforçado para reduzir seu divertimento, ela a considerava uma espiã e a
temia como uma censura de sua conduta.
Enquanto isso, Mr. Arnott, que estava presente, embora não tenha
interferido no debate, acompanhava o evento com ansiedade; naturalmente
esperava que suas objeções tivessem origem na sua antipatia por Sir Robert, e
secretamente resolveu ser guiado pelos movimentos dela. Por fim, Cecilia,
cansada das importunações por parte de Mr. Harrel, disse gravemente que se
ele desejava ouvir as razões que a obrigavam a recusar o seu pedido, ela
estava disposta a comunicá-las.
Mr. Harrel, após alguns momentos de hesitação, acompanhou-a até a outra
sala.
Ela, então, declarou sua resolução de não viver sob o mesmo teto que Sir
Robert, e muito abertamente expressou sua irritação e desagrado por ele tão
evidentemente persistir em encorajar o cavalheiro.
— Minha cara Miss Beverley — respondeu ele, descuidadamente —,
quando uma moça não sabe o que pensa, é necessário que algum amigo lhe
diga: a senhorita demonstrou ser muito favorável a Sir Robert há pouco
tempo, e, assim, ouso dizer que o será de novo, quando o conhecer melhor.
— O senhor me surpreende! — exclamou Cecilia. — Quando fui
favorável a ele? Ele não foi sempre e regularmente a minha aversão?
— Eu imagino — respondeu Mr. Harrel, rindo — que não será fácil para a
senhorita o convencer de que este é o seu pensamento; seu comportamento na
Opera House foi mal calculado se pretendia dar essa impressão.
— Meu comportamento na Opera House, senhor, eu já lhe expliquei; e se
o próprio Sir Robert tem alguma dúvida, seja sobre este acontecimento ou
qualquer outro, perdoe-me se digo que só podem ser atribuídas à sua falta de
vontade em removê-las. Eu suplico, portanto, que não brinque mais com ele,
nem me submeta novamente à liberdade de implicações extremamente
desagradáveis para mim.
— Ora, Miss Beverley! Depois de tudo o que aconteceu, depois da sua
longa expectativa e da sua presença constante, a senhorita não pode, nem por
um momento, pensar seriamente em recusá-lo.
Cecilia, igualmente surpresa e irritada pelo discurso, não soube como
responder, e Mr. Harrel, deliberadamente interpretando erroneamente o seu
silêncio, pegou a sua mão e disse: — Vamos, estou certo de que a senhorita
possui honra suficiente para não fazer de tolo um homem como Sir Robert
Floyer. Não há mulher na cidade que não inveje sua escolha, e eu garanto que
não há outro homem na Inglaterra que lhe recomendaria no momento.
Ele a teria levado imediatamente de volta para a outra sala, mas, afastando
sua mão com indisfarçável ressentimento, ela exclamou: — Não, senhor. Isso
não vai acontecer! Minha rejeição categórica à proposta de Sir Robert no
mesmo instante em que tomei conhecimento dela, o senhor não pode ter
esquecido nem se enganado; e o senhor não deve estranhar se eu demonstro
extrema desobediência pela sua inexplicável perseverança em se recusar a
aceitar minha resposta.
— As jovens que foram criadas no campo — respondeu Mr. Harrel, com
sua negligência habitual — estão sempre tão certas de suas posições que é
difícil lidar com elas, mas como conheço melhor o mundo do que a senhorita,
permita-me dizer que, se, depois de tudo, recusar Sir Robert, isso lhe fará
muito mal.
— Por que diz isso, senhor? — perguntou, — quando é totalmente
impossível que tenha formado uma opinião tão absurda. Por favor, ouça o
que eu digo, e finalmente, por favor, diga a Sir Robert...
— Não, não — interrompeu ele, com afetado contentamento —, a
senhorita deve resolver tudo do seu jeito. Eu não terei nada a ver com brigas
entre namorados.
Então, com uma risada fingida, ele a deixou apressadamente.
Cecilia ficou tão indignada com tal comportamento, que, no lugar de
retornar para a família, foi diretamente para o seu quarto. Foi fácil para ela
compreender que Mr. Harrel estava empenhado em utilizar todos os métodos
que pudesse inventar para envolvê-la em algum compromisso com Sir
Robert, e embora ela não pudesse imaginar o significado do plano, a
pequenez do seu comportamento estimulava o seu desprezo e o persistente
engano do baronete lhe causava muita inquietação. Mais uma vez ela decidiu
lhe dar uma explicação ela mesma e, inabalavelmente, recusar-se a juntar-se a
eles em Violet-Bank.
No dia seguinte, enquanto as damas e Mr. Arnott tomavam o café da
manhã, Mr. Harrel entrou na sala para perguntar se todos estariam prontos
para partir para a casa de campo às dez horas do dia seguinte. Mrs. Harrel e
seu irmão responderam afirmativamente, mas Cecilia ficou em silêncio; ele
virou-se para ela e repetiu a pergunta.
— Acha que sou assim tão caprichosa, senhor — disse ela —, que, depois
de lhe dizer ainda ontem que não poderia fazer parte do seu grupo, hoje vou
dizer que posso?
— A senhorita não pode realmente ter a intenção de ficar na cidade
sozinha — respondeu ele. — Não pode supor que seja uma ideia apropriada
para uma jovem. Pelo contrário, será tão impróprio que, na qualidade de seu
guardião, sou obrigado a me opor.
Assustada com o discurso autoritário, Cecilia olhou para ele com um misto
de mortificação e raiva, mas sabendo que seria inútil resistir ao seu poder se
ele estivesse decidido a exercê-lo, ela não respondeu.
— Além disso — continuou ele —, tenho planos para algumas reformas
na casa durante minha ausência, e acho que seu quarto, em particular, será
muito beneficiado, mas será impossível empregar qualquer operário se todos
nós não deixarmos o local.
Esta perseguição decidida a alarmava seriamente; ela percebeu que Mr.
Harrel não omitiria nenhum expediente ou estratagema para encorajar os
avanços de Sir Robert e a obrigaria a ficar em sua presença; ela começou a
compreender que aquele cavalheiro poderia presumir sua conivência em sua
conduta. Ela decidiu, portanto, como último e único esforço em seu poder
para evitá-lo, tentar encontrar uma acomodação na residência de Mrs.
Delvile, durante a excursão a Violet-Bank, e se, quando voltasse a Portman
Square, o baronete continuasse com suas visitas, ela suplicaria ao amigo, Mr.
Monckton, que se encarregasse de desenganá-lo.
CAPÍTULO 28

UMA VITÓRIA

Como não havia um só momento a perder, Cecilia, assim que pensou no


esquema, correu para St. James’s Square para testar sua viabilidade. Ela
encontrou Mrs. Delvile sozinha, ainda tomando seu café da manhã. Depois de
terminados os primeiros cumprimentos, enquanto considerava a melhor
maneira para apresentar sua proposta, a própria Mrs. Delvile tocou no
assunto, dizendo: — Lamento muito saber que vamos perdê-la em breve, mas
espero que Mr. Harrel não tenha planos de ficar muito tempo em sua casa de
campo, pois, se o fizer, ficarei meio tentada a fugir dele com a senhorita.
— E esta — disse Cecilia, encantada com o início da conversa — seria
uma honra que estou mais do que meio tentada a aceitar.
— Porque, na verdade, a senhorita deixar Londres neste momento —
continuou Mrs. Delvile — é para mim uma notícia muito infeliz, já que, se
pudesse agora ser favorecida com suas visitas, eu as valorizaria duplamente,
pois Mr. Delvile foi passar o feriado na casa do duque de Derwent, onde eu
não me sentia bem o suficiente para acompanhá-lo; meu filho tem seus
próprios compromissos, e há tão poucas pessoas que posso suportar
encontrar, que devo ficar praticamente sozinha.
— Se eu — disse Cecilia —, em tal situação, pudesse esperar ser recebida,
com que alegria eu trocaria minha expedição a Violet-Bank por esta
felicidade!
— A senhorita é muito boa e muito gentil — disse Mrs. Delvile —, e sua
companhia, na verdade, me daria uma satisfação infinita. No entanto, eu não
sou inimiga da solidão; pelo contrário, companhias costumam ser um fardo
para mim. São poucos os que têm algum poder para me entreter, e mesmo
esses poucos, a maior parte possui, em seus modos, situação ou caráter, algo
infeliz, que geralmente torna uma conexão com eles inconveniente ou
desagradável. Existem, de fato, tantos inconvenientes no respeito e na
intimidade, por orgulho, por decoro e várias outras causas colaterais, que nas
raras vezes em que nos encontramos com pessoas com talentos brilhantes,
quase sempre há alguma objeção ao nosso desejo de encontrá-las novamente.
No entanto, viver completamente sozinha é desanimador e deprimente; e com
a senhorita, pelo menos — pegando a mão de Cecilia —, não encontro um
único obstáculo que me oponha a mil incentivos, os quais me convidam a
formar uma amizade que só espero que seja tão duradoura como tenho a
certeza de que será prazerosa.
Cecilia expressou seu sentimento por esse favoritismo nos termos mais
cordiais; Mrs. Delvile, ao descobrir pelos seus modos que ela não sentia
nenhum prazer com a planejada visita a Violet-Bank, começou a questioná-la
se seria possível desistir.
Ela imediatamente respondeu afirmativamente.
— E a senhorita seria tão amável — perguntou Mrs. Delvile, com alguma
surpresa — a ponto de me conceder o tempo que havia destinado a uma
excursão tão alegre?
— De boa vontade — respondeu Cecilia —, se a senhora assim desejar.
— Mas a senhorita poderia, pois de modo algum deve ficar sozinha em
Portman Square, ficar inteiramente em minha casa até o retorno de Mr.
Harrel?
A esta proposta, que era o que ela mais desejava, Cecilia assentiu
alegremente, e Mrs. Delvile, extremamente satisfeita com sua concordância,
prometeu providenciar um aposento para ela imediatamente. Ela, então,
correu para casa para anunciar seus novos planos. Aproveitou a ocasião para
fazer isso quando a família se reuniu para o almoço. A surpresa foi geral: Sir
Robert parecia não saber qual conclusão tirar dessa informação; Mr. Arnott
estava meio eufórico de prazer e meio deprimido pela preocupação; Mrs.
Harrel demonstrava surpresa, sem qualquer outra sensação; e o próprio Mr.
Harrel era evidentemente o mais preocupado do grupo. Ele utilizou todos os
seus esforços de persuasão e impertinência para tentar convencê-la a não
desistir do plano e acompanhá-los à casa de campo, mas ela respondeu
friamente que seu compromisso com Mrs. Delvile já estava decidido, e que
iria para sua casa na manhã seguinte. Quando sua resolução foi considerada
decisiva, um mau humor geral tomou o lugar da surpresa: Sir Robert assumiu
o ar de um homem que se achava ofendido; Mr. Arnott sentiu-se arrasado por
mil incertezas; Mrs. Harrel, de fato, ainda era a mais indiferente; mas Mr.
Harrel mal conseguia reprimir sua decepção e raiva.
Cecilia, no entanto, era toda alegria e prazer; ao se mudar não apenas de
casa, mas de um tutor para outro, ela sabia que ele não poderia se opor, e a
lisonjeira prontidão com a qual Mrs. Delvile havia antecipado seu pedido,
sem questionar seus motivos, a tinha livrado de uma situação que agora se
tornava extremamente penosa, mas sem provocar a dor de precisar apresentar
queixas de Mr. Harrel. A ausência de Mr. Delvile contribuía para sua
felicidade, e ela muito se alegrou por ter agora a perspectiva de uma pronta
oportunidade para explicar ao seu filho o que quer que parecesse misterioso
em sua conduta em relação a Mr. Belfield. Se ela tinha algo a lamentar, era
simplesmente a impossibilidade, no momento, de esperar pelo conselho de
Mr. Monckton.
Na manhã seguinte, enquanto a família se preparava para a partida, ela se
despediu de Mrs. Harrel, que lamentou vagamente a perda da sua companhia,
e apressadamente fez seus cumprimentos a Mr. Harrel e Mr. Arnott. Ela
tomou uma liteira e foi transportada para sua nova habitação. Mrs. Delvile a
recebeu com a mais distinta cortesia; ela a conduziu ao aposento que havia
sido preparado para ela, levou-a à biblioteca, que desejava que usasse como
se fosse sua, e lhe deu as recomendações mais amáveis para lembrá-la de que
se encontrava em uma casa onde ela mantinha o comando. O jovem Delvile
só apareceu na hora do almoço. Cecilia, ao recordar as estranhas situações em
que ultimamente havia sido vista por ele, enrubesceu extremamente quando o
olhou nos olhos, mas, ao notar que estava alegre e tranquilo, genérico nas
conversas e inofensivo nos olhares, ela logo se recuperou do seu
constrangimento e passou o resto do dia sem restrições ou inquietações. Cada
hora passada com Mrs. Delvile contribuiu para elevar sua estima e
compreensão daquela dama. Na verdade, ela descobriu que não era em vão
que a acusavam de ser orgulhosa, mas também encontrou nela tantas
qualidades excelentes, tanta dignidade de espírito e um espírito de
generosidade tão nobre, que por maior que fosse o respeito que ela parecia
exigir, era sempre inferior ao que se sentia inclinada a pagar. Nem foi o
jovem Delvile menos rápido no progresso que fez a seu favor; seu caráter, a
cada oportunidade de demonstrá-lo, se elevava em sua opinião; e suas
atitudes e maneiras possuíam uma mistura de doçura e vivacidade, o que
tornava sua companhia atraente e sua conversa animada.
Assim, naquela casa, Cecilia experimentou a felicidade que há tanto tempo
desejava: sua vida não era pública, nem privada; seus divertimentos não eram
dispendiosos, nem econômicos; as pessoas que conheceu eram pessoas de
alto escalão ou de grupos importantes, e suas visitas não eram frequentes nem
longas. A situação que abandonara dera um toque de entusiasmo àquela que
encontrara, pois não era mais surpreendida com extravagância ou leviandade,
não era mais atormentada com discursos que a enojavam, nem mortificada
com a ingratidão do amigo a quem se empenhava em servir. Tudo era
tranquilo e sereno, mas animado e interessante.
No entanto, seu plano de esclarecer ao jovem Delvile seus enganos a
respeito de Mr. Belfield, ela não conseguiu colocar em execução, pois ele
nunca tocava no assunto, embora estivesse frequentemente a sós com ela,
nem parecia desejoso de renovar as antigas provocações ou repetir suas
perguntas. Ela estava maravilhada com a mudança, mas preferiu aguardar o
ressurgimento da sua própria curiosidade do que se angustiar ou perturbar
criando métodos de explicação.
Feliz com a situação, ela agora tinha uma única preocupação: saber se, e
de que maneira, Mr. Belfield recebera o cirurgião, bem como o estado real da
sua condição e dos assuntos de sua irmã, mas o receio de voltar a encontrar o
jovem Delvile em circunstâncias suspeitas a dissuadiu, no momento, de ir à
sua casa. No entanto, como a sua generosidade nata, cuja conveniência
parcial nunca adormecia, a atormentava com o temor de que seus serviços
pudessem ser necessários, ela foi induzida a escrever à Miss Belfield, embora
se abstivesse de visitá-la. A carta era breve, mas amável e objetiva; ela se
desculpou por sua intromissão, mas desejava saber se seu irmão estava
melhor, e suplicou-lhe, nos termos mais delicados, que a informasse se ainda
aceitaria alguma ajuda. Ela enviou a carta através do seu criado, que, depois
de aguardar um tempo considerável, retornou com a seguinte resposta:

“Para Miss Beverley.


Ah, madame! Sua bondade me comove! No entanto, não precisamos de
nada, embora tema que o mesmo não possa ser dito no futuro. Porém,
embora eu espere nunca me esquecer de que sou orgulhosa e impertinente,
prefiro lutar com qualquer dificuldade a mendigar, pois não desagradarei o
meu pobre irmão por nenhuma falta que puder evitar, especialmente agora
que está tão abatido. Mas, graças a Deus, seu ferimento foi finalmente
curado, pois o cirurgião o descobriu e o atende de graça, embora meu irmão
esteja disposto a se desfazer de tudo o que tem no mundo e não precisar lhe
dever uma obrigação; ainda assim, muitas vezes me pergunto por que ele
odeia tanto se mostrar agradecido, pois, quando era rico, sempre fazia algo
para agradar às pessoas. Mas temo que o cirurgião o considere uma pessoa
horrível, pois ele não fala conosco quando o seguimos escada abaixo. Sinto
muita vergonha de lhe enviar uma carta tão mal escrita, mas não me atrevo a
pedir ajuda ao meu irmão, porque ele iria ficar zangado por eu estar
escrevendo alguma coisa sobre ele; mas, na verdade, eu não tenho visto
muita coisa boa surtindo do orgulho e não penso em imitá-lo, e como não
tenho o seu gênio, estou certa de que não há necessidade de ter também os
seus defeitos. Portanto, embora esteja mal escrita, a senhorita, que tem tanta
bondade e gentileza, me perdoaria, creio eu, até se fosse pior. Embora não
necessitemos de suas amáveis ofertas, é um grande conforto pensar que
existe uma dama no mundo que, se ficarmos bastante desamparados, e se o
coração orgulhoso do meu pobre e infeliz irmão falhar completamente,
olhará para a nossa aflição com piedade, e generosamente nos ajudará a
não afundar completamente. Eu sou, madame, com o mais humilde respeito,
sua sempre mais humilde serva, HENRIETTA BELFIELD”.

Cecilia, muito comovida com a simplicidade da carta, determinou que sua


primeira visita a partir de Portman Square seria à sua bela e inocente
escritora. Com a garantia de que não estava em perigo imediato e que o seu
irmão estava sob os cuidados de Mr. Rupil, ela afastou da mente o único
assunto que a preocupava e entregou-se completamente à deliciosa
serenidade da felicidade imaculada.
Poucos são os dias de felicidade sem que ela se mescle ao que conhecemos
enquanto vivemos, embora muitos sejam aqueles que deploramos, quando
pela tristeza ensinamos o seu valor, e, pelo infortúnio, sua perda. O tempo
para Cecilia agora passava com tanta rapidez que, antes que percebesse que
metade da manhã já tinha se passado, a tarde já estava encerrada, e, antes que
ela se desse conta de que a primeira semana estava terminada, a segunda já
estava perdida para sempre. Cada vez mais satisfeita com os habitantes da sua
nova residência, ela encontrou nas habilidades de Mrs. Delvile fontes
inesgotáveis de entretenimento, e, nas atitudes e nos sentimentos do seu filho,
algo tão concordante com os seus, que quase todas as palavras que ele dizia
demonstravam a simpatia das suas mentes, e quase todo o olhar que seus
olhos captavam era de reciprocidade de inteligência. Seu coração,
recentemente ferido profundamente pela indiferença inesperada e por uma
mortificação sem reservas, estava agora, talvez, mais suscetível do que o
habitual àqueles prazeres penetrantes e requintados que a amizade e a
bondade possuem os maiores poderes de conceder. Tranquila, alegre e
arejada, ela apenas despertava para a felicidade e se retirava para descansar,
não apenas intensificado seu desfrute atual a partir do seu desapontamento
passado, mas, quando levava sua retrospecção à sua recordação mais antiga,
ela ainda achava sua situação real mais peculiarmente adaptada ao seu gosto e
temperamento do que qualquer outra que já tivesse experimentado até então.
Na mesma manhã em que a fadada quinzena terminou, ela recebeu um
bilhete de Mrs. Harrel, informando o seu retorno à cidade e solicitando que
ela retornasse a Portman Square. Cecilia, que de tão feliz se esquecera de
marcar o passar do tempo, ficou surpresa ao descobrir que o período da sua
ausência havia passado tão rapidamente. Ela pensava em voltar com muita
relutância e em deixar sua nova residência com o mais vivo pesar. As
observações de Mr. Monckton perdiam sua força diariamente e, apesar da sua
antipatia por Mr. Delvile, ela desejava muito poder se estabelecer com sua
família pelo resto da sua minoridade. Como levar seu plano a efeito foi o seu
próximo pensamento; ela não sabia como fazer a proposta, mas, dada a
incomum parcialidade de Mrs. Delvile, esperava, com um pouco de
incentivo, que ela mesma a conduzisse. Nesta questão, porém, ela se sentiu
decepcionada; quando se inteirou da convocação dos Harrels, Mrs. Delvile
expressou sua tristeza por perdê-la com os termos mais lisonjeiros de pesar,
mas pareceu considerar a separação indispensável e não manifestou o mais
distante indício de tentar evitá-la. Cecilia, contrariada e desconcertada, fez os
preparativos para sua partida, que marcou para a manhã seguinte.
O resto do dia, diferente dos demais que o haviam precedido durante as
últimas duas semanas, transcorreu com pouca aparência e sem nenhuma
satisfação real; Mrs. Delvile estava evidentemente preocupada, seu filho
confessou abertamente o seu pesar e Cecilia sentia uma grande angústia. No
entanto, embora todos estivessem infelizes, nenhum esforço foi feito para
obter alguma demora.
Na manhã seguinte, durante o café da manhã, Mrs. Delvile lhe agradeceu
muito elegantemente por ter-lhe concedido tanto tempo e implorou
sinceramente poder vê-la no futuro, sempre que pudesse ser poupada de seus
outros amigos. Ela protestou que estava agora tão acostumada com sua
companhia, que deveria exigir longas e frequentes visitas para suavizar a
separação. O pedido foi entusiasticamente apoiado pelo jovem Delvile, que
expressou calorosamente sua satisfação pelo fato de sua mãe ter encontrado
uma amiga tão encantadora, e sem afetação uniu-se às suas súplicas para que
a intimidade pudesse ser consolidada de forma mais estreita. Cecilia não teve
grandes dificuldades para concordar com as exigências, cuja gentileza e
cordialidade amenizaram um pouco seu transtorno durante a despedida.
Quando a carruagem de Mrs. Harrel chegou, Mrs. Delvile despediu-se dela
afetuosamente e seu filho a acompanhou até a diligência. Enquanto ela descia
as escadas, ele a deteve por alguns instantes e, meio confuso, disse: —
Desejo muito desculpar-me com Miss Beverley, antes de sua partida, pelo
erro grosseiro do qual sou culpado. Não sei se ela poderá me perdoar, eu mal
me reconheço pela perversidade e cegueira ao persistir no erro durante tanto
tempo.
— Oh! — exclamou Cecilia, muito contente com a explicação voluntária.
— Se o senhor está convencido de que realmente errou, nada mais tenho a
desejar. As aparências, de fato, eram tão estranhamente contra mim, que eu
não deveria, talvez, me surpreender que o tenham levado ao erro.
— Estou sendo sincero — respondeu ele, voltando a conduzi-la. — Na
verdade, embora sua ansiedade fosse óbvia, sua causa era obscura, e onde
qualquer coisa é deixada para conjecturas, a opinião interfere e o julgamento
é facilmente distorcido. No entanto, a minha própria parcialidade por Mr.
Belfield, espero ser suficiente para esclarecer minha desculpa, pois foi a
partir dele, e não de qualquer preconceito contra o baronete, que surgiu o meu
erro; pelo contrário, respeito tanto o seu gosto e o seu discernimento, que sua
aprovação, quando conhecida, dificilmente pode deixar de garantir a minha.
Grande foi o espanto de Cecilia ao final deste discurso. Ela já estava na
porta da carruagem antes que pudesse dar qualquer resposta, mas Delvile, ao
notar sua surpresa, acrescentou, enquanto a assistia: — Será possível, não,
não é possível que eu esteja novamente enganado? Eu me abstive de falar até
que tivesse informações suficientes para que não estivesse enganado.
— Não sei em qual obscuridade inexplicável — exclamou Cecilia — eu e
meus relacionamentos podemos estar envolvidos, mas noto que a nuvem que
esperava ter se dissipado é mais densa e impenetrável do que nunca.
Delvile, então, fez uma reverência com um olhar que a acusava de falta de
sinceridade, e a carruagem partiu.
Aturdida por erros eternos e irritada ao descobrir que, embora o objeto de
sua suposta preferência fosse tão frequentemente mudado, a concepção de
seu compromisso com um dos duelistas era constante, e ela resolveu, com
toda a rapidez ao seu alcance, encarregar Mr. Monckton de conversar com Sir
Robert Floyer e, em seu próprio nome, rejeitar formalmente suas propostas e
pedir a ele que, a partir de então, tornasse conhecida, em todas as
oportunidades, sua total independência mútua; cansada de debater com Mr.
Harrel e detestando a relação com Sir Robert, ela agora abandonava seu
desígnio de buscar uma explicação para si mesma.
Ela foi recebida por Mrs. Harrel com a mesma frieza com a qual havia se
separado dela. Aquela senhora parecia ter uma certa inquietude em sua
mente, e Cecilia esforçou-se por extrair dela sua causa, mas, longe de buscar
alívio na amizade, ela cuidadosamente a evitava, parecendo magoada com
sua conversa e repreendida por sua visão. Cecilia notou a reserva crescente
com muita preocupação, porém com mais indignação, consciente de que suas
boas intenções mereceriam uma melhor recepção, e zangada ao descobrir que
seus conselhos não apenas haviam fracassado, mas a tinham exposto à
aversão. Mr. Harrel, pelo contrário, comportava-se com ela com uma cortesia
incomum; parecia ansioso para agradá-la e desejoso de tornar sua casa mais
aconchegante do que nunca. Porém, ele não teve êxito, pois Cecilia,
imediatamente após o seu retorno, procurou nos seus aposentos as
modificações projetadas. Ao descobrir que nenhuma havia sido feita, ficou
tão enjoada com a descoberta da mentira, que ele desceu ainda mais na sua
opinião, e ela queixou-se da necessidade de continuar sendo sua hóspede.
Mas a alegria de Mr. Arnott ao vê-la novamente era visível e sincera; ele
ficou ainda mais empolgado ao descobrir que Cecilia, que não buscava evitar
Mr. Harrel e Sir Robert mais do que ela mesma era evitada por Mrs. Harrel,
não tinha prazer em conversar com ninguém mais na casa e mal tentava
ocultar o fato de que ele era o único da família que possuía alguma parcela da
sua estima. Até mesmo Sir Robert parecia agora ter planejado prestar-lhe um
pouco mais de respeito do que até então julgara necessário, mas a violência
que ele mesmo exercia era tão evidente, e sua natureza imperiosa parecia tão
repugnante à tarefa, que sua insolência, que brotava repentinamente e era
apenas contida por compulsão, era ainda mais evidente por seus esforços
insuficientes para dissimulá-la.
LIVRO IV
CAPÍTULO 29

UMA QUEIXA

Como Cecilia agora estava livre, pelo menos, de todas as suspeitas de


nutrir um respeito muito afetuoso por Mr. Belfield, suas objeções a visitar sua
irmã foram removidas, e, na manhã seguinte ao seu regresso à casa de Mr.
Harrel, ela tomou uma liteira para a Swallow Street. Ela pediu ao criado que
subisse as escadas para perguntar se poderia ser admitida, e foi
imediatamente levada para a sala onde havia sido recebida duas vezes antes.
Em poucos minutos, Miss Belfield apareceu, abrindo e fechando suavemente
a porta do aposento ao lado. Ela parecia magra e pálida, mas muito satisfeita
com a visita de Cecilia. — Ah, madame! — exclamou ela —, a senhorita é
muito boa por não nos esquecer! Não pode imaginar como isso me alegra e
consola, o fato de que uma dama como a senhorita pode ser condescendente e
gentil comigo. É o único prazer que tenho agora no mundo.
— Lamento que não tenha maiores prazeres — disse Cecilia —, a
senhorita parece muito cansada e agoniada. Como está o seu irmão? Temo
que esteja negligenciando sua própria saúde pela dele.
— Na verdade, não, madame; minha mãe faz tudo por ele sozinha e
dificilmente permite que alguém se aproxime dele.
— O que, então, a tem deixado tão melancólica? — perguntou Cecilia,
pegando sua mão. — A senhorita não parece estar bem; sua ansiedade, tenho
certeza, é demais para suas forças.
— Como eu poderia parecer bem, madame — respondeu ela —, vivendo
como vivo? No entanto, não falarei de mim, mas de meu irmão; ele está
muito doente! Na verdade, estou com muito, muito medo de que nunca fique
bem de novo!
— O que o cirurgião disse? A senhorita é muito sensível e está muito
assustada para julgar.
— Não é que eu ache que ele morrerá como consequência de seu
ferimento, pois Mr. Rupil diz que o ferimento não é sério, mas ele tem uma
febre constante e está tão magro e tão fraco que, de fato, é quase impossível
que se recupere.
— A senhorita está muito apreensiva — disse Cecilia — e desconhece o
efeito que o ar do campo pode ter sobre ele; há muitos, muitos trabalhos nos
quais um homem ainda tão jovem pode ter sucesso.
— Oh, não! O ar do campo não pode fazer nada por ele! Eu não vou
enganá-la, madame, pois isso seria duplamente errado, quando estou tão
disposta a culpar outras pessoas por usarem falsas aparências. Além disso, a
senhorita é tão boa e tão generosa, e nossas conversas me fazem tão bem.
Portanto, direi honestamente a verdade, e toda a verdade de uma vez: meu
pobre irmão está perdido, temo estar perdido para sempre! Tudo por culpa do
seu próprio orgulho infeliz! Ele esquece que seu pai era um comerciante, tem
vergonha de toda a sua família e tudo o que deseja é viver entre pessoas
nobres, como se não pertencesse à outra classe. E agora que não pode mais
fazer isso, ele leva a decepção tão a sério que não consegue sair dela; e ele
me disse esta manhã que gostaria de estar morto, pois teria que viver apenas
para ver sua própria ruína! Porém, quando ele percebeu o quanto eu chorei ao
ouvi-lo dizer isso, ele realmente lamentou, pois ele sempre foi o irmão mais
amável do mundo, quando estava longe das pessoas importantes que o
estragaram: “Mas, por que, Henrietta, por que você quer que eu viva, se, em
vez de elevar você e minha pobre mãe a uma posição melhor, eu desci de tal
forma que só ajudo a consumir suas próprias misérias para me apoiar em
minha desgraça?”, perguntou ele.
— Eu lamento muito — disse Cecilia — descobrir que ele tem uma noção
tão profunda do fracasso de suas expectativas. Mas, como é que a senhorita é
tão sábia? Jovem e inexperiente como é, desde cedo deve ter se acostumado,
assim como sua mãe e Mr. Belfield, a outras doutrinas; a clareza do seu
julgamento e a justiça de seus comentários me surpreendem tanto quanto me
encantam.
— Ah, madame! Criada como fui, não é de admirar que eu veja o perigo
de uma educação superior, que eu seja sempre tão ignorante de tudo o mais,
pois eu e todas as minhas irmãs temos sofrido por muito tempo. Enquanto
éramos deixadas para trás para que ele pudesse seguir adiante, ao passo que
nos negavam conforto, para que ele pudesse ter luxo, como poderíamos evitar
ver o mal de tanta vaidade e desejar que todos nós tivéssemos sido criados de
acordo com a nossa própria classe social, em vez de viver em contínua
inconveniência, e ter uma parte da família lutando contra a aflição, apenas
para deixar a outra parte aparecer de uma maneira que não tinha direito?
— A senhorita considerou o assunto de forma muito racional — disse
Cecilia. — E eu a respeito pelo afeto que tem por seu irmão, apesar das
injustiças que sofreu para promover sua elevação!
— Na verdade, ele merece isso. Tire dele apenas este único defeito, o
orgulho, e creio que ele não tem nenhum outro. É um rapaz alegre e querido
como sempre foi desde a infância. Não ficava zangado...
— E ele ainda não tem nenhum plano, nenhum esquema para o futuro?
— Não, madame, absolutamente nenhum; e isso o deixa tão infeliz, e estar
tão infeliz o deixa tão doente, pois Mr. Rupil diz que, com tal inquietação na
mente, ele nunca vai se recuperar, dado o seu atual estado de depressão. Oh, é
tão melancólico ver como ele está alterado, e como perdeu todo o seu bom
humor! Ele, que costumava ser a vida de todos nós! E agora ele quase nunca
diz uma palavra, ou, se diz, é algo tão triste que nos corta a alma. Mas ontem,
quando minha mãe e eu pensamos que ele estava dormindo, ele levantou a
cabeça e olhou para nós duas com lágrimas nos olhos, era de cortar o
coração, e então, em voz baixa, ele disse: “Que doença mais persistente! Ah,
minha querida mãe, a senhora e a pobre Henrietta deveriam desejar que tudo
terminasse rápido, pois, se eu me recuperar, minha vida de agora em diante
será como esta doença”. E depois ele gritou: “O que será de mim? Nunca
terei saúde para o exército, nem renda, nem recursos. O que eu devo fazer?
Subsistir no auge da minha vida da generosidade de uma mãe viúva? Ou,
com a educação e conexões como as minhas, entrar finalmente em algum
negócio mesquinho e sórdido?”
— Parece — disse Cecilia — que ele agora precisa menos de um médico e
mais de um amigo.
— Ele tem um amigo, madame, um amigo nobre, o único de quem
aceitaria uma ajuda, mas ele nunca o vê sem sofrer uma nova irritação, e sua
febre aumenta a cada visita que ele faz.
— Bem — disse Cecilia, levantando-se —, acho que não será uma tarefa
fácil lidar com ele, mas mantenha o ânimo e tenha a certeza de que ele não se
perderá, se for possível salvá-lo.
Então, embora temerosa de cometer uma ofensa, ela mais uma vez fez uma
oferta com sua bolsa. Miss Belfield não se assustou com a oferta, apenas
agradeceu reconhecidamente e disse que não havia nenhuma necessidade
imediata, e que não ousava arriscar um desgosto ao irmão, a menos que fosse
impelida por uma necessidade maior. Cecilia, no entanto, a fez prometer que
a procuraria em qualquer dificuldade repentina, e a encarregou de nunca
pensar que não tinha ajuda enquanto seu endereço fosse conhecido por ela.
Ela se despediu e voltou para casa, meditando durante todo o caminho
sobre algum plano de emprego e vantagem para Mr. Belfield, o qual, ao
clarear suas perspectivas, pudesse reanimá-lo e facilitar sua recuperação,
pois, uma vez que sua mente era tão evidentemente a origem da sua doença,
ela percebeu que, a menos que pudesse fazer mais por ele, ela ainda não tinha
feito nada. Sua meditação, no entanto, não chegou a lugar algum: ela não
podia sugerir nada, pois ignorava o que deveria sugerir. Os postos e
empregos dos homens ela só conhecia por ouvir ocasionalmente que tais
eram suas profissões e posições na vida, mas desconhecia por completo os
meios e as graduações que lhes permitiram chegar até elas.
Mr. Monckton, seu recurso constante em todos os casos de dificuldade,
veio imediatamente à sua mente como seu conselheiro mais capaz, e ela
decidiu que o consultaria sobre o assunto na primeira oportunidade, certa de
ouvir um conselho mais sensato por conta da sua experiência e conhecimento
de mundo. No entanto, embora confiasse nele para suas expectativas de
ajuda, outra ideia não menos agradável lhe ocorreu, embora fosse menos
promissora em termos de praticidade: apresentar seus pontos de vista ao
jovem Delvile. Ela sabia que ele já estava bem-informado da angústia de Mr.
Belfield, e esperava que, ao pedir abertamente sua opinião, pudesse confirmar
que estava livre de qualquer compromisso com aquele cavalheiro e, ao
mesmo tempo, tentar convencê-lo, através da sua solicitação por ajuda, de
que ela estava igualmente livre de qualquer vínculo com o baronete.
CAPÍTULO 30

UM PESAR

Cecilia havia decidido passar o dia seguinte em St. James’s Square; ela
sabia por experiência que provavelmente encontraria alguma oportunidade de
falar a sós com Delvile. Foi o que aconteceu, pois, à tarde, Mrs. Delvile saiu
da sala por alguns instantes para responder uma carta. Cecilia, então, deixada
com o filho, após um minuto de hesitação, perguntou: — O senhor me achará
muito estranha se eu tomar a liberdade de consultá-lo sobre um assunto?
— Eu já acho que a senhorita é muito estranha — respondeu ele. — Tão
estranha que não conheço ninguém parecido. Mas que consulta é essa que
precisa da minha opinião?
— O senhor está familiarizado, creio eu, com o sofrimento de Mr.
Belfield?
— Sim, e acho sua situação a mais triste que se pode imaginar. Tenho
pena dele com toda a minha alma, e nada me daria maior prazer do que uma
oportunidade de ajudá-lo.
— Ele é, de fato, digno de pena — respondeu Cecilia —, e se algo não for
feito rapidamente, temo que tudo estará perdido. A agitação de sua mente
frustra todo o poder da medicina, e, até que seja aliviada, sua saúde nunca
poderá ser restaurada. Seu espírito, provavelmente sempre mais elevado do
que sua posição social, luta contra todos os ataques da enfermidade e da
pobreza, no lugar de submeter-se ao seu destino e apelar para amigos em
busca de auxílio e renda. Não tenho a intenção de justificar sua obstinação,
mas gostaria que fosse possível superá-la. Na verdade, temo pensar no que
pode acontecer com ele, sentindo no presente nada além da miséria e dor e
esperando do futuro nada além de ruína e desespero!
— Não há um só homem — disse o jovem Delvile, emocionado — que
não prefira cobiçar no lugar de se compadecer com sofrimentos que dão
origem a tanta compaixão.
— Ele não aceitará assistência pecuniária — continuou ela —, e, de fato,
sua mente está acima do conforto de um alívio tão temporário. Desejo,
portanto, que ele seja colocado em algum modo de vida através dos seus
próprios talentos, que há muito divertem o mundo, e que possam finalmente
se tornar úteis para ele. O senhor acha isso possível?
— Como me regozijo — exclamou Delvile, corando de prazer enquanto
falava — com esta lisonjeira concordância de nossas opiniões! Veja, madame
— disse ele, enquanto tirava uma carta do bolso —, como tenho estado
ocupado esta manhã, esforçando-me para conseguir para Mr. Belfield algum
emprego no qual a sua educação possa ser útil e onde seus talentos lhe tragam
alguma vantagem.
Ele rompeu o lacre e colocou em suas mãos uma carta endereçada a um
nobre, cujo filho logo iria para o exterior, e onde encarecidamente lhe
recomendava Belfield na qualidade de tutor.
Uma empatia de sentimentos tão impactante os sensibilizou ao mesmo
tempo com surpresa e consideração. Delvile a olhava com seriedade e
admiração, enquanto a ocasião de sua atenção era muito agradável para
angustiá-la, e a preenchia de uma satisfação interior que iluminava todo o seu
semblante. Ela teve apenas tempo para, de uma maneira que marcou
fortemente sua aprovação, devolver a carta antes que Mrs. Delvile voltasse a
aparecer.
Durante o resto da tarde, muito pouco foi dito; Cecilia não falava muito, e
o jovem Delvile estava tão ausente que três vezes sua mãe o lembrou de um
compromisso para encontrar seu pai, que era esperado naquela noite na
residência do duque de Derwent na cidade, antes que ele notasse que ela
falava com ele; e três vezes mais antes que ele, mesmo já tendo ouvido,
obedecesse.
Ao voltar para a casa de Mr. Harrel, Cecilia a encontrou cheia de visitas.
Ela entrou na sala, mas não ficou muito tempo; estava séria e pensativa,
desejava ficar sozinha, e, na primeira oportunidade, fugiu para os seus
próprios aposentos. Sua mente estava ocupada com novas ideias e sua
imaginação com o delineamento de novas perspectivas. Desde o seu primeiro
encontro com o jovem Delvile, ela havia sido tomada por uma admiração
involuntária por suas maneiras e conversas. A cada conversa posterior, ela
encontrava algo novo para aprovar, e passou a sentir por ele um favoritismo
que sempre a fazia vê-lo com prazer e nunca se separar dele sem o desejo de
vê-lo novamente. Porém, como não era dessa natureza inflamável que está
sempre pronta a arder, como suas paixões estavam sob o controle da sua
razão e ela não permitia que seus afetos triunfassem sobre seus princípios,
assustou-se diante do perigo no momento em que tomou conhecimento dele,
e no mesmo instante decidiu não oferecer nenhum encorajamento a uma
predisposição que nem o tempo nem a intimidade haviam justificado. Ela
negou a si mesma a ilusória satisfação de demorar-se na suposição de seu
valor, foi incomumente assídua para ocupar todos os minutos do seu tempo,
para que seu coração tivesse menos oportunidades para a imaginação; e se ela
descobrisse seu caráter corrompido pela promessa de sua aparência, a pureza
bem regulada da sua mente logo lhe permitiria afastá-lo totalmente de seus
pensamentos.
Tal era sua situação quando as circunstâncias dos seus relacionamentos a
levaram a se tornar uma prisioneira em sua casa; ali ela poderia ser menos
cautelosa, porque era menos perspicaz diante do perigo e da negligência, pois
as frequências de suas conversas lhe permitiam pouco tempo para considerar
seus efeitos. Se a princípio ela ficara satisfeita com seu porte e elegância, na
intimidade ficara encantada com seu temperamento e comportamento; ela o
considerava viril, generoso, dono de um coração aberto e amável; apaixonado
por literatura, adorador do conhecimento, gentil em seu temperamento e
espirituoso em suas ações.
A casa de Mr. Harrel, que nunca lhe agradara, agora lhe parecia
completamente repugnante; ela estava enfadada e desconfortável, porém,
disposta a atribuir sua inquietação a qualquer outra causa que não a
verdadeira. Ela imaginava que a própria casa estava modificada e que todos
os seus habitantes e visitantes eram mais desagradáveis do que o usual.
Porém, tal engano sem utilidade teve curta duração; o momento da
autoconvicção estava próximo, e quando Delvile lhe apresentou a carta que
havia escrito para Mr. Belfield, havia um brilho em seus olhos. Esta
descoberta do estado alterado da sua mente trazia um cenário completamente
novo às suas opiniões e esperanças, pois nem o exercício da mais ativa
benevolência nem o curso constante da conduta mais virtuosa foram
suficientes para ocupar completamente os seus pensamentos, ou constituir
sua felicidade. Ela tinha propósitos que se aproximavam dos dele, e
preocupações que ameaçavam absorver em si mesmas aquele coração e
aquelas faculdades, que até então pareciam animadas apenas para o serviço
dos demais.
No entanto, esta perda de liberdade mental não lhe causou muita
preocupação, visto que a escolha de seu coração, embora involuntária, foi
aprovada por seus princípios e confirmada por seu julgamento. A posição
social do jovem Delvile era exatamente o que ela desejava, mais elevada do
que a sua, mas não tão exaltada a ponto de humilhá-la com um sentimento de
inferioridade. Suas conexões eram honrosas, sua mãe era para ela a melhor
das mulheres, seu caráter e temperamento pareciam formados para fazê-la
feliz, e sua própria fortuna era tão grande que a dele lhe parecia indiferente.
Encantada com tão lisonjeira união de temperamento e decoro, ela passou
a apreciar a preferência que a princípio havia reprimido, e acreditando que o
futuro destino da sua vida já estava estabelecido, esperava com grata alegria a
perspectiva de terminar seus dias com o homem que considerava o mais
digno a quem confiar sua fortuna. Ela não tinha, na verdade, nenhuma certeza
de que a estima do jovem Delvile fosse recíproca, mas tinha todos os motivos
para acreditar que ele a admirava muito e suspeitar que sua noção equivocada
de seu compromisso anterior, primeiro com Mr. Belfield, e depois com Sir
Robert Floyer, fizera com que ele procurasse comprovar tais sentimentos a
seu favor, os quais, quando o engano fosse removido, ela esperava ver
encorajado.
Portanto, seu objetivo era esperar tranquilamente por uma explicação, a
qual ela preferia retardar a antecipar, para que pudesse utilizar seu tempo
livre e oportunidades para investigar o seu caráter e poupar a si mesma de um
arrependimento.
CAPÍTULO 31

UM CONFLITO

No dia seguinte a este feliz arranjo intelectual, Cecilia recebeu a visita de


Mr. Monckton. O cavalheiro, que havia procurado por ela imediatamente
depois que os Harrels partiram para sua casa de campo, e que se gabara de
colher as vantagens da sua ausência, através de encontros frequentes e
conversas confidenciais, sofreu o mais profundo desgosto quando descobriu
que sua estadia na cidade a tornara mais inacessível para ele, uma vez que
não conhecia pessoalmente os Delviles, e não poderia aventurar-se a
apresentar-se em sua casa.
Ele foi recebido por ela com mais prazer do que o usual; parecia ter se
passado muito tempo desde que ela conversara com ele, e agora estava
ansiosa para pedir seu conselho e auxílio em seus novos assuntos. Ela lhe
relatou os motivos que a haviam induzido a ir a St. James’s Square e a
obstinação incorrigível com a qual Mr. Harrel continuava encorajando os
avanços de Sir Robert Floyer; suplicou-lhe encarecidamente que se tornasse
seu agente em um caso no qual ela estava em posição de desigualdade,
expondo sua causa com Mr. Harrel e convocando o próprio Sir Robert a
renunciar as suas pretensões não autorizadas.
Mr. Monckton ouviu com entusiasmo o seu relato e seu pedido e, quando
estava terminado, assegurou-lhe que iria deliberar sobre cada circunstância do
caso e, em seguida, pesaria com maturidade todos os métodos que pudesse
elaborar para livrá-la de um embaraço que agora se tornava muito sério para
ser negligenciado.
— Não irei, no entanto — continuou ele —, agir ou dar a minha opinião
sem antes fazer algumas indagações, pois estou seguro de que há um mistério
neste assunto que é mais profundo do que podemos imaginar no momento.
Mr. Harrel, sem dúvida, tem seus próprios propósitos para responder por esse
pretenso zelo por Sir Robert; nem é difícil conjecturar quais podem ser. A
amizade, para um homem com a sua projeção, é uma mera cobertura, um
mero nome, para ocultar uma conexão que tem sua base unicamente na
licenciosa conveniência de pedir dinheiro emprestado, frequentar a mesma
casa de jogos e se comunicar e se gabar mutuamente de seus mútuos vícios e
intrigas, enquanto, todo o tempo, esse respeito mútuo é igualmente vazio com
relação à verdade e à integridade.
Ele, então, advertiu-a que tivesse muito cuidado com relação a qualquer
transação financeira com Mr. Harrel, cuja esplêndida extravagância, ele lhe
garantiu, era universalmente conhecida por exceder sua fortuna.
O semblante de Cecilia durante esta exortação foi indício suficiente aos
olhos penetrantes de Mr. Monckton de que seu conselho estava atrasado.
Uma suspeita do real estado do caso rapidamente lhe ocorreu e ele a
interrogou minuciosamente sobre o assunto. Ela se esforçou para evitar lhe
dar uma resposta, mas seu discernimento era muito agudo para sua evasão
inarticulada, e ele logo reuniu todos os detalhes de suas transações com Mr.
Harrel. Ele ficou menos alarmado com a soma que ela havia lhe emprestado,
que estava bem dentro de suas expectativas, do que com o método que ela
fora induzida a usar para obtê-la. Ele explicou da maneira mais intensa o
perigo de tal imposição, ou melhor, da ruína, das extorsões e da arte dos
agiotas, e sem nenhuma consideração a acusou de ser tentada ou persuadida
novamente a recorrer a tais expedientes perigosos. Ela prometeu a mais atenta
observância de seu conselho e depois falou sobre a amizade que fizera com
Miss Belfield e de seu pesar pela situação do seu irmão; no entanto, satisfeita
no momento com o plano do jovem Delvile, desistiu de pedir o seu parecer.
Durante a conversa, Cecilia recebeu um bilhete de Mr. Delvile sênior,
informando sobre seu retorno à cidade e solicitando que ela fosse a St.
James’s Square na manhã seguinte, já que desejava lhe falar sobre um
assunto de suma importância. A maneira ansiosa com a qual Cecilia aceitou o
convite e sua repetida e sincera exclamação de espanto diante do que Mr.
Delvile teria a dizer não passaram despercebidas por Mr. Monckton. Ele
imediatamente abandonou as conversas sobre os Belfields, sobre os Harrels e
sobre o baronete, para indagar como ela havia passado seu tempo durante sua
visita a St. James’s Square, e qual era sua opinião sobre a família depois de
suas recentes oportunidades de intimidade. Cecilia respondeu que ainda não
tinha visto Mr. Delvile, que estivera ausente todo o tempo, mas com igual
prontidão e prazer respondeu a todas as suas perguntas sobre a sua senhora,
discursando com calor e fervor sobre suas muitas qualidades raras e
estimáveis. Porém, quando os mesmos interrogatórios foram transferidos para
o filho, ela não conseguiu falar com a mesma facilidade, nem com sua
habitual prontidão e sinceridade; ela ficou envergonhada, suas respostas eram
curtas e se esforçava para mudar de assunto apressadamente.
Mr. Monckton notou a mudança com a mais apreensiva rapidez, mas
forçou um sorriso e disse: — A senhorita já se deu conta do pacto familiar no
qual essas pessoas estão destinadas a assediá-la e atraí-la para suas
armadilhas?
— Na verdade, não. Tenho certeza de que nenhum pacto desse tipo foi
formado! — exclamou Cecilia, muito magoada com a pergunta. — E também
estou certa de que, se os conhecesse melhor, seria o primeiro a admirá-los e
fazer-lhes justiça.
— Minha cara Miss Beverley — disse ele —, já os conheço. É certo que
não frequento sua casa, mas conheço perfeitamente seu caráter, através do
que me foi dito por aqueles que estão mais intimamente ligados a eles e que
tiveram oportunidades de realizar uma inspeção a qual, espero, a senhorita
nunca venha a conhecer. Já que estou convencido de que o julgamento seria
doloroso, embora a prova fosse capaz de convencê-la.
— O que, então, o senhor ouviu sobre eles? — perguntou Cecilia, com
muita seriedade. — Ao menos, não é possível que se possa dizer alguma
coisa ruim sobre Mrs. Delvile.
— Eu imploro seu perdão — respondeu ele. — Mrs. Delvile não está mais
perto da perfeição do que o resto da família, ela só tem mais talento para
disfarçar suas fraquezas, porque, embora seja filha do orgulho, é escrava dos
interesses.
— Vejo que o senhor está muito mal informado — disse Cecilia,
calorosamente. — Mrs. Delvile é a mais nobre das mulheres! Ela pode, de
fato, pelo seu próprio temperamento, ter inimigos, mas eles são os inimigos
da inveja, não do ressentimento, inimigos criados por mérito superior, não
excitados por injúria ou provocação!
— A senhorita a conhecerá melhor a partir de agora — disse Mr.
Monckton, calmamente. — Só espero que este conhecimento não seja
comprado com o sacrifício da sua felicidade.
— E como esse conhecimento sobre ela, senhor — perguntou Cecilia —,
pode ter o poder de colocar minha felicidade em perigo?
— Eu lhe direi — respondeu ele — com toda a franqueza que está a meu
alcance, e o tempo dirá se estou enganado. A família Delvile, não obstante
sua ostentosa magnificência, posso lhe assegurar solenemente, é pobre em
todos os ramos, tanto linear como colateral.
— Mas é, portanto, menos estimável?
— Sim, porque é mais gananciosa. Enquanto contam os duques, condes e
barões em sua genealogia, a mesma riqueza com a qual, através da senhorita,
projetam o amparo de sua insolência, e que agarrarão com toda a ganância da
avareza, acharão honrada por ser empregada em seu serviço, enquanto o
instrumento, por mais amável que seja, pelo qual eles a alcançam, será
constantemente considerado a desgraça de sua aliança.
Cecilia, ferida até a alma pelo discurso, levantou-se da cadeira, sem
vontade de responder, mas incapaz de ocultar o quanto estava chocada. Mr.
Monckton, ao perceber sua emoção, seguiu-a, pegou sua mão e disse: — Eu
não faria essa advertência a alguém que considerasse fraco demais para se
beneficiar dela, mas como estou bem informado quanto ao uso que
supostamente será feito da sua fortuna e do abuso que se seguirá, acho
correto prepará-la para os artifícios, os quais, uma vez apontados, podem ser
frustrados.
Cecilia, muito perturbada para agradecê-lo, afastou a mão e continuou em
silêncio. Mr. Monckton, lendo através do seu desagrado o estado de suas
afeições, viu com terror a magnitude do perigo que o ameaçava. No entanto,
ele descobriu que o presente não era o momento para impor objeções e, ao
perceber que já tinha ido longe demais, embora não estivesse de forma
alguma disposto a retratar-se, achou mais prudente recuar e deixá-la meditar
sobre sua advertência enquanto sua impressão ainda estava forte em sua
mente. Assim, ele já se preparava para partir, quando Cecilia, esforçando-se
para se recompor e plenamente persuadida de que, por mais que ele a tivesse
chocado, só pensava em seus interesses, interrompeu-o e disse: — Talvez o
senhor me ache ingrata, mas acredite, não sou. Porém, devo reconhecer que
sua censura à Mrs. Delvile me magoa muito. Na verdade, não posso duvidar
do seu mérito; portanto, devo interceder por ela e espero que chegue o
momento em que o senhor reconhecerá que não intercedi injustamente.
— Justa ou injustamente — respondeu Mr. Monckton —, pelo menos
estou certo de que não intercederá em vão. Portanto, eu renuncio à sua
opinião sobre o meu ataque à Mrs. Delvile e estou disposto, a partir das suas
recomendações, a considerá-la a melhor de todos eles. Não, eu mesmo vou
admitir que talvez o próprio Mr. Delvile, assim como sua senhora, pudesse
passar pela vida sem oferecer muita ofensa, se tivessem apenas que pensar
em si mesmos, e nenhum filho para estimular sua arrogância.
— Então, é o filho — disse Cecilia, sem forças — o mais culpado?
— Eu acredito que o filho é, pelo menos, o principal incentivo para a
insolência e ostentação dos pais — respondeu ele —, pois é por ele que
ambicionam com tanta avidez honras e riquezas, visto que se empenham em
considerá-lo como suporte do seu nome e família, e que seu orgulho por ele
supera até mesmo o orgulho por sua linhagem e por eles próprios.
“Ah!”, pensou Cecilia, “mas com um filho como aquele, quem poderia
deixar de se orgulhar?”
— O propósito deles, portanto — continuou ele —, é proteger-se por meio
da sua fortuna, a qual, assim que colocarem as mãos, pelo que soube,
pretendem instantaneamente e sem misericórdia empregá-la na reparação do
seu patrimônio dilapidado.
Então, ele abandonou o assunto e, com aquele ar cauteloso que
acompanhava todas as suas expressões, disse-lhe que velaria cuidadosamente
por sua honra e bem-estar e, repetindo sua promessa de esforçar-se para
descobrir o laço pelo qual Mr. Harrel parecia ligado ao baronete, deixou-a,
mas preso em uma agonia ainda mais severa do que aquela que havia causado
a ela. Ele agora via todas as suas esperanças há muito acalentadas em perigo
de destruição final e, de repente, lançadas à beira de um precipício, onde,
enquanto lutava para protegê-las da queda, seus olhos ficavam deslumbrados
ao vê-las cambalear.
Enquanto isso, Cecilia, perturbada pela calma e serenidade com que havia
cedido todas as avenidas da sua alma, agora via o futuro com desconfiança e
inquietação, até mesmo as visões que apenas alguns minutos antes haviam
compreendido todas as suas noções de felicidade. A aliança que até então
parecia totalmente irrepreensível, parecia agora repleta de objeções e
ameaçadora de dificuldades. As declarações de Mr. Monckton a haviam
mortificado cruelmente; bem familiarizada com seu conhecimento de mundo
e totalmente desconfiada de seus motivos egoístas, ela deu crédito às suas
afirmações de forma involuntária, e mesmo enquanto tentava combatê-las,
elas haviam deixado em sua mente uma impressão que dificilmente seria
apagada.
Portanto, cheia de dúvidas e inquietações, ela passou a noite
desconfortável e indecisa, ora decidida a ceder aos seus sentimentos, ora a ser
totalmente governada pelo conselho de Mr. Monckton.
CAPÍTULO 32

UMA EXPECTATIVA

Com esta disposição de espírito, na manhã seguinte, Cecilia obedeceu ao


pedido de Mr. Delvile e, pela primeira vez, foi a St. James’s Square buscando
encontrar o mal no lugar do bem, e a mesquinhez no lugar da nobreza. Ela foi
conduzida a um aposento onde encontrou Mr. Delvile sozinho e foi recebida
por ele, como de costume, com a mais majestosa solenidade. Assim que ela
se sentou, ele disse: — Eu lhe pedi que viesse, Miss Beverley, para
discutirmos sua situação, um dever que, neste momento, considero ser de
minha incumbência. A delicadeza do seu sexo certamente teria me induzido a
ir ao seu encontro, mas, pelos motivos que já mencionei, temo que as pessoas
com quem a senhorita vive achem necessário retribuir a minha visita. As
pessoas de origem inferior são as mais liberais nesses assuntos. No entanto,
não tenho a intenção de despertar seu preconceito contra elas, embora para
mim seja mais apropriado lembrar que uma amizade generalizada e
indiscriminada, ao nivelar todas as classes, acaba prejudicando os ritos da
sociedade.
“Ah!”, pensou Cecilia, “quão infalível é Mr. Monckton! E quão
inevitavelmente, em uma família onde Mr. Delvile é o chefe, eu deveria ser
cruelmente reprimida, como a vergonha da sua aliança!”
— Eu perguntei à Mrs. Delvile — continuou ele — se a comunicação que
eu recomendei e que ela havia prometido dar atenção já havia acontecido,
mas ela me informou que a senhorita não conversou com ela sobre o assunto.
— Eu não tinha nada para comunicar, senhor — respondeu Cecilia —, e
esperava que Mrs. Delvile, como não fez mais perguntas, estivesse satisfeita
com o fato de não ter nada para ouvir.
— Com respeito às perguntas — disse Mr. Delvile —, temo que a
senhorita não esteja suficientemente ciente da distância que há entre uma
dama da categoria de Mrs. Delvile, tanto por nascimento quanto por aliança,
e uma jovem como Mrs. Harrel, cujos ancestrais, não faz muito tempo, eram
meros agricultores de Suffolk. Peço que me desculpe, não quero fazer
nenhuma reflexão sobre sua família; sempre ouvi dizer que eram pessoas
muito dignas. E um fazendeiro é certamente uma pessoa muito respeitável.
Seu pai, se não estou enganado, não mais do que o reitor seu tio, não era algo
do tipo?
— Não, senhor — disse Cecilia, secamente, muito irritada pela desdenhosa
cortesia.
— Sempre me disseram que ele era um homem muito bom, eu mesmo não
conhecia ninguém da família, exceto o reitor. Suas conexões com o bispo de
____, meu parente, o colocaram frequentemente no meu caminho, embora
deva reconhecer que o fato de ele ter me nomeado um de seus curadores foi
bastante extraordinário, mas eu não tenho intenção de magoá-la, pelo
contrário, eu ficaria muito preocupado se lhe causasse algum desconforto.
Mais uma vez, as palavras de Mr. Monckton surgiram na mente de Cecilia,
e mais uma vez ela reconheceu a veracidade de suas críticas. Embora se
perguntasse onde terminaria aquela arenga tão pomposa, naquele instante sua
repulsa vencia sua curiosidade e ela desejou ir embora sem ouvi-lo.
— Voltemos ao meu propósito — disse ele. — O período atual de sua vida
faz com que os conselhos sejam particularmente oportunos. Sendo assim, eu
sinto muito, como já disse, que a senhorita não tenha revelado sua situação
com Mrs. Delvile. Uma jovem que está a ponto de estabelecer uma sociedade
e com muitos compromissos em seu poder está extremamente propensa a se
equivocar em seu julgamento e, portanto, deve solicitar instruções daqueles
que são capazes de informá-la sobre qual conexão seria mais vantajosa para
si. Em um ponto, no entanto, tenho o prazer de felicitá-la: o jovem que foi
ferido no duelo, não consigo lembrar seu nome, está, assim ouvi dizer,
totalmente fora de questão.
“O que vem agora?” Pensou Cecilia, ainda sem interrompê-lo, pois a
arrogância de suas maneiras era muito repulsiva para merecer uma resposta.
— Minha intenção, portanto, é falar com a senhorita sobre Sir Robert
Floyer. Da última vez que tive o prazer de falar sobre o assunto, a senhorita
deve se lembrar de que minha opinião estava a seu favor. Na época, eu o
considerei apenas como o rival de um jovem insignificante, para resgatá-lo de
quem parecia ser uma pessoa elegível. O caso agora é outro, ninguém pensa
mais naquele jovem, e outro rival se apresenta, para quem Sir Robert é tão
insignificante quanto o primeiro rival foi para Sir Robert.
Cecilia ficou surpresa com esta informação; as sensações mais vivas
estimularam sua curiosidade, e as conjecturas pelas quais ela estava mais
profundamente interessada despertaram sua atenção.
— Este rival — prosseguiu ele —, imagino que nenhuma jovem hesitaria
um só momento para eleger, é superior a Sir Robert em todos os sentidos,
exceto na fortuna, e estas deficiências o esplendor da sua própria fortuna
poderá amplamente suprir.
O rubor mais profundo tingia agora as bochechas de Cecilia; a profecia de
Mr. Monckton parecia cumprir-se imediatamente, e ela estremeceu ante um
conflito crescente entre sua aprovação da oferta e o medo de suas
consequências.
— Na verdade — continuou ele —, desconheço o quanto a senhorita se
acostumou a ter posição e conexão, nem se está impressionada com um senso
adequado de sua superioridade e valor, pois os preconceitos iniciais não são
facilmente erradicados, e aqueles que vivem principalmente com pessoas
endinheiradas consideram o próprio nascimento algo sem importância
quando comparado à riqueza.
A cor que inicialmente resplandeceu nas faces de Cecilia pela expectativa
aumentou ainda mais pelo ressentimento; ela se julgava já insultada por um
prelúdio tão ostentoso e humilhante às propostas que se seguiram. Muito
irritada e sem se importar com a dor no seu coração, ela decidiu afirmar sua
própria dignidade, recusando-os de imediato, muito satisfeita com o que via
no presente, e porque Mr. Monckton tinha sito justo em sua previsão do
futuro.
— No entanto, a sua rejeição desta honrosa oferta — continuou ele —
pode ter sido apenas a consequência dos princípios nos quais a senhorita foi
educada.
— Rejeição? — interrompeu Cecilia, espantada. — Que rejeição, senhor?
— A senhorita não recusou a proposta de lorde Ernolf para seu filho?
— Lorde Ernolf? Nunca. Também nunca vi Sua Senhoria ou seu filho, a
não ser em público.
— Isto — respondeu Mr. Delvile — não é muito adequado; quando a
conexão é adequada, uma jovem delicada só deve aceitá-la. Mas, embora a
rejeição não tenha vindo imediatamente da sua pessoa, sem dúvida teve sua
concordância.
— Não teve, senhor, nem mesmo meu conhecimento.
— Neste caso, sua aliança com Sir Robert Floyer está provavelmente mais
perto de uma conclusão do que eu imaginava, ou Mr. Harrel não teria, sem
consultá-la, dado ao conde uma resposta tão determinada.
— Não, senhor — disse Cecilia, com impaciência —, minha aliança com
ele nunca esteve mais distante, nem deveria se tornar mais próxima.
Ela estava pouco disposta a continuar a conversa. Seu desígnio heroico de
recusar o jovem Delvile de forma alguma a reconciliou com a descoberta que
agora fazia de que ele não pretendia fazer uma proposta para ela, e embora
estivesse irritada e preocupada com esta nova prova de que Mr. Harrel não
tinha escrúpulos para fazer com que seu compromisso com Sir Robert fosse
assegurado, sua decepção ao descobrir que Mr. Delvile, no lugar de pleitear a
causa de seu filho, demonstrava interesse por outra pessoa, afetou-a muito
mais. Apesar de ele ainda continuar desfilando sua arenga, ela mal prestava
atenção ao seu discurso e aproveitou a primeira oportunidade de uma
interrupção para se levantar e se despedir.
Ele perguntou se ela não gostaria de ver Mrs. Delvile, mas, desejosa de
ficar sozinha, ela recusou o convite. Ele, então, a aconselhou a não prosseguir
com Sir Robert até que ele fizesse algumas indagações a respeito de lorde
Ernolf e, graciosamente, prometendo sua proteção e conselho, permitiu que
ela partisse.
Cecilia percebeu que ela poderia planejar suas rejeições ou estudar sua
dignidade tranquilamente, pois nem Mr. Delvile nem seu filho pareciam ter
pressa em colocar à prova sua fortaleza. Portanto, quanto aos seus planos e
intenções, ela descobriu que Mr. Monckton estava equivocado, mas, com
respeito à sua conduta e sentimentos, ela tinha todos os motivos para
acreditar que ele tinha razão. Embora seu coração se recusasse a se alegrar
por poder escapar de uma prova de sua força, seu julgamento estava tão
convencido de que ele pintava a vida real, que ela decidiu vencer sua
parcialidade pelo jovem Delvile, uma vez que não esperava nada além de
mortificação de uma conexão com sua família.
CAPÍTULO 33

UMA AGITAÇÃO

Com esta intenção, e todas as faculdades de sua mente absortas em refletir


sobre as razões que a originaram, ela voltou para Portman Square. Enquanto
sua liteira era carregada pelo átrio, ela notou, com certo alarme, uma
expressão de consternação entre os criados e uma aparência de confusão em
toda a casa. Ela dirigia-se aos seus próprios aposentos, com a intenção de
perguntar à criada o que tinha acontecido, quando cruzou com Mr. Harrel na
escada, quem passou por ela com um ar tão selvagem e perturbado que
parecia não a conhecer. Surpresa e assustada, ela deteve-se, sem saber qual
caminho seguir, mas voltando-se apressadamente, ele acenou para que ela o
seguisse. Ela obedeceu e ele a conduziu à biblioteca. Ele então fechou a porta
e, agarrando sua mão abruptamente, gritou: — Miss Beverley, estou
arruinado! Estou perdido! Estou destruído para sempre!
— Espero que não, senhor! — disse Cecilia, extremamente apavorada. —
Espero que não! Onde está Mrs. Harrel?
— Oh, eu não sei! Eu não sei! — exclamou ele, de maneira frenética. —
Eu não a vi, não posso vê-la, espero nunca mais vê-la.
— Ora, ora — disse Cecilia —, deixe-me chamá-la, por favor; o senhor
deveria consultá-la em meio a esta angústia e buscar consolo em seu afeto.
— Em seu afeto? — repetiu ele, ferozmente. — Em seu ódio, a senhorita
quer dizer. Não sabe que ela também está arruinada? Não há salvação! Ainda
que eu hesitasse, que eu hesitasse por um momento em concluir todo o
negócio de uma vez!
— Que horror! — exclamou Cecilia. — O que aconteceu?
— Eu arruinei Priscila! — exclamou ele. — Eu acabei com o meu crédito.
Eu destruí, não, ainda não destruí completamente a mim mesmo.
— Oh, isso nunca! — exclamou Cecilia, cuja agitação quase se igualava à
dele. — Não fique assim desesperado, eu imploro! Fale de forma mais
inteligível, o que significa tudo isso? Como isso aconteceu?
— Minhas dívidas! Meus credores! Só há um caminho agora para mim —
ele bateu a mão na testa.
— Não diga isso, senhor! — disse Cecilia. — O senhor encontrará muitos
caminhos, tenha coragem! Fale com calma! Se for mais prudente agora, no
futuro irá controlar melhor seus negócios, eu mesma me comprometo a...
Ela deteve-se, reprimida na trajetória da sua transbordante compaixão, por
uma sensação de inutilidade de seu objeto, e pela lembrança dos conselhos de
Mr. Monckton.
— O que a senhorita se compromete a fazer? — perguntou ele,
ansiosamente. — Eu sei que a senhorita é um anjo. Diga, o que a senhorita se
compromete a fazer?
— Eu me comprometo — disse Cecilia, hesitando — a falar com Mr.
Monckton. Eu vou consultar...
— A senhorita também pode consultar todos os malditos credores da casa!
— interrompeu ele —, mas faça-o, por favor; minha desgraça deve
forçosamente chegar até ele em pouco tempo, uma breve antecipação não
vale a pena.
— Os seus credores estão realmente na casa?
— Oh, sim, sim! E, portanto, já está mais do que na hora de eu me livrar
disso. A senhorita não os viu? Eles não estão enfileirados no vestíbulo? Eles
me ameaçam com três execuções antes do anoitecer. Três execuções, a menos
que eu satisfaça suas demandas imediatas!
— E qual o valor das suas demandas?
— Eu não sei! Não me atrevo a perguntar! Umas mil libras, talvez, e eu
não tenho, neste minuto, quarenta guinéus em casa!
— Então, não — exclamou Cecilia, recuando —, eu realmente não posso
fazer nada! Se suas demandas são tão altas, eu não devo fazer nada.
Ela o teria deixado, não mais chocada com sua situação do que indignada
com a extravagância intencional que a ocasionara.
— Fique — exclamou ele — e ouça! — ele baixou a voz e continuou: —
Procure sua amiga infeliz, vá ver a pobre e arruinada Priscila, prepare-a para
as notícias aterrorizantes e não, embora renuncie a mim, não a abandone!
Então, ele passou ferozmente por ela, e já estava saindo da sala, quando
Cecilia, alarmada com a fúria nos seus modos, gritou: — O que o senhor quer
dizer? Quais notícias aterrorizantes? Para onde está indo?
— Para o inferno! — gritou ele, e saiu apressadamente da sala.
Cecilia gritou, implorou para que ele a ouvisse e correu atrás dele; ele não
deu atenção a ela, mas chegou o mais rápido possível ao seu próprio quarto
de vestir, entrou, fechou a porta com violência e, assim que ela se aproximou,
girou a chave e a trancou. Seu terror era agora inexprimível; ela acreditava
que ele deveria estar cometendo um ato de suicídio, e que sua recusa de ajuda
parecia ter sido o sinal para o feito. Toda a sua fortuna, naquele momento,
não tinha valor nem importância para ela, se comparada com a preservação
da vida de um semelhante. Ela gritou veementemente implorando que ele
abrisse a porta, e avidamente prometeu por tudo o que era sagrado fazer tudo
que estivesse em seu poder para salvá-lo.
Ao ouvir estas palavras, ele abriu a porta; seu rosto estava totalmente sem
cor e ele segurava uma navalha na mão.
— A senhorita me deteve — disse ele, em voz quase inaudível — no exato
momento em que reuni coragem para o golpe, mas, se de fato estiver disposta
a me ajudar, eu vou fechá-la; se não, vou afundá-la no meu sangue.
— Eu vou! Eu vou! — exclamou Cecilia. — Eu farei tudo o que desejar.
— E rápido?
— Imediatamente.
— Antes que minha desgraça seja do conhecimento de todos? E enquanto
tudo ainda pode ser silenciado?
— Sim, sim! Qualquer coisa... tudo o que desejar.
— Então, jure.
Neste momento, Cecilia recuou; sua memória voltava à medida que seu
terror diminuía, e sua repugnância por assumir um compromisso, o qual não
sabia do que se tratava, com um homem cujas ações ela condenava e cujos
princípios abominava, fez com que todo o seu medo desse lugar à indignação,
e, após uma breve pausa, ela respondeu com raiva: — Não, senhor, eu não
vou jurar! Ainda assim, tudo o que for razoável, que for favorável...
— Ouça-me jurar, então! — interrompeu ele, furiosamente. — O que eu
faço neste momento, por tudo o que é eterno, e por tudo o que é infernal, que
não sobreviverei à apreensão de minha propriedade, e que no momento em
que for informado que há uma execução em minha casa, este será o último
juramento da minha existência.
— Tamanha crueldade! Tamanha coação! Tamanha impiedade! —
exclamou Cecilia. — Dê-me esse instrumento horrível e prescreva-me as
condições que desejar.
Ouviu-se um ruído no andar de baixo, diante do qual Cecilia, que não
ousara gritar por socorro para que não acelerasse seu desespero, secretamente
começou a se alegrar, quando, ao ouvir o ruído, ele exclamou: — Acho que a
senhorita chegou tarde. Os rufiões já tomaram minha casa! — ele esforçou-se
para tirá-la dali. — Vá — gritou ele —, vá ver minha esposa. Eu quero ficar
sozinho.
— Primeiro, dê-me a arma — exclamou ela —, e eu farei o juramento que
quiser.
— Não, não! Vá! Deixe-me! — exclamou ele, quase sem fôlego pela
emoção. — Não se deve brincar com isso.
— Eu não estou brincando! De verdade, não estou! — exclamou Cecilia,
segurando-o pelo braço: — Coloque-me à prova!
— Jure, jure solenemente esvaziar minha casa desses credores neste exato
momento.
— Eu juro — exclamou ela, com energia —, e o Céu é testemunha de que
estou sendo sincera!
— Vejo que a senhorita é um anjo — exclamou ele, extasiado —, e como
tal, eu a adoro e venero! Oh, a senhorita me restaurou a vida e me resgatou da
perdição!
— Dê-me, então, o instrumento fatal.
— Este instrumento — respondeu ele — não é nada, já que muitos outros
estão em meu poder; mas agora a senhorita tirou de mim todo o desejo de
usá-los. Vá, então, e impeça esses desgraçados de virem até mim; mande
chamar o judeu. Ele adiantará o dinheiro que quiser, meu criado sabe onde
encontrá-lo. Converse com Mr. Arnott e dê uma palavra de conforto a
Priscila, mas não faça nada, nada mesmo, até que tenha livrado minha casa
daqueles malditos canalhas!
Cecilia, cujo coração afundara dentro do seu peito com a promessa solene
que havia feito, com a menção ao judeu e com a árdua tarefa que havia
assumido, ficou sem resposta; ela caminhava em direção aos seus próprios
aposentos para recobrar o ânimo e considerar quais os passos que deveria dar,
quando ouviu o barulho no vestíbulo ficar mais alto; ela parou para escutar,
captou algumas palavras alarmantes e desceu até metade da escada, quando
encontrou Davison, o criado de Mr. Harrel, a quem indagou sobre a ocasião
do distúrbio. Ele respondeu que deveria ir imediatamente falar com o patrão,
pois os oficiais de justiça estavam entrando na casa.
— Não deixe que ele saiba disso se dá valor à vida do seu mestre! —
exclamou ela, com terror. — Onde está Mr. Arnott? Chame-o para mim, diga
que venha neste instante, eu vou esperar por ele aqui.
O homem apressou-se para obedecê-la, e Cecilia, ao descobrir que não
tinha tempo para considerações nem arrependimentos, e temendo que Mr.
Harrel, ao saber da chegada dos oficiais de justiça, entrasse em desespero,
decidiu reunir toda a coragem, prudência e juízo que possuía, uma vez que
era compelida a agir, e esforçar-se da melhor maneira possível para salvar seu
crédito e recuperar seus negócios.
No momento em que Mr. Arnott chegou, ela ordenou a Davison que
procurasse seu mestre e observasse seus movimentos.
Em seguida, ela dirigiu-se a Mr. Arnott: — O senhor poderia — disse ela
— dizer a estas pessoas que, se deixarem a casa imediatamente, tudo será
resolvido e Mr. Harrel satisfará suas exigências?
— Ah, madame — exclamou Mr. Arnott, com tristeza —, e como? Ele não
tem meios para pagá-los, e eu não tenho como ajudá-lo sem arruinar a mim
mesmo.
— Mande-os embora — disse Cecilia —, e eu mesma serei sua garantia de
que sua promessa não será desonrada.
— Por Deus, madame — exclamou ele. — O que está fazendo? Por mais
que deseje o bem de Mr. Harrel e que esteja me sentindo um miserável pela
situação da minha pobre irmã, ainda assim não posso permitir que tamanha
bondade e tamanho altruísmo resultem em prejuízos.
Cecilia, porém, insistiu, e com evidente relutância ele obedeceu.
Enquanto aguardava seu retorno, Davison veio dos aposentos de Mr.
Harrel com a incumbência de correr para encontrar o judeu.
“Santo Deus”, pensou Cecilia, “como um homem tão miseravelmente
egoísta e experiente, com toda a culpa sob sua cabeça, ousa ‘precipitar-se na
eternidade sem consentimento!’”20
Mr. Arnott ficou mais de meia hora conversando com aquelas pessoas, e
quando, por fim, regressou, seu semblante imediatamente proclamou o mau
êxito da sua missão. Os credores, disse ele, declararam que haviam sido
enganados com tanta frequência que não iriam dispensar os oficiais de justiça
nem se retirar sem o pagamento efetivo.
— Diga-lhes, então, senhor — disse Cecilia —, que me enviem suas
contas, e, se for possível, eu as liquidarei imediatamente.
Os olhos de Mr. Arnott se encheram de lágrimas com a declaração e ele
protestou, não importando quais fossem as consequências para si mesmo, que
preferia pagar cada xelim a testemunhar tal injustiça.
— Não! — exclamou Cecilia, com mais ânimo, para que pudesse deixá-lo
menos surpreso. — Eu não salvei Mr. Harrel para destruir um homem tão
superior! O senhor já sofreu muita opressão; este infortúnio é todo meu, e da
minha parte, pelo menos, espero que nada atinja o senhor.
Mr. Arnott não podia suportar a situação; ele foi atingido pela tristeza, pela
admiração e pela gratidão, e ao notar que suas lágrimas se recusavam a ser
contidas, ele foi executar sua missão em um abatimento silencioso. O
abatimento, entretanto, aumentou, embora suas lágrimas tivessem
desaparecido, quando ele retornou: — Oh, madame — exclamou ele —,
todos os seus esforços, por mais generosos que sejam, de nada valerão! As
faturas que estão agora na casa chegam a mais de sete mil libras.
Cecilia, pasma e confusa, estremeceu e juntou as mãos, gritando: — O que
devo fazer? Que compromisso eu assumi? E como posso responder à minha
consciência, aos meus sucessores, pela disposição, pelo abuso de uma parte
tão grande da minha fortuna?
Mr. Arnott não conseguiu responder; eles ficaram olhando um para o outro
em uma indecisão silenciosa, até que Davison trouxe a informação de que o
judeu já havia chegado e aguardava para falar com ela.
— O que eu vou dizer a ele? — exclamou ela, cada vez mais agitada. —
Não entendo nada de juros; como devo lidar com ele?
Mr. Arnott confessou que ele mesmo deveria ter sido o fiador imediato do
seu irmão, mas que sua fortuna, originalmente não muito grande, estava
agora tão deteriorada pelas muitas dívidas que de vez em quando pagava por
ele, e que como esperava um dia ter sua própria família, não ousava correr o
risco de ficar completamente arruinado, ainda mais agora, que sua irmã, em
Violet-Bank, havia sido convencida a renunciar aos seus recebimentos.
O relato, que explicava o mal-estar recente de Mrs. Harrel, aumentou
ainda mais o mal-estar de Cecilia, e cada momento que ela obtinha para
reflexão, aumentava sua relutância em se separar de tão grande soma de
dinheiro por um objeto tão sem valor, e aumentava seu ressentimento pelas
ameaças injustificáveis que haviam extorquido dela tal promessa. No entanto,
nem por um instante ela quis ouvir a oferta de Mr. Arnott de assumir o seu
compromisso, e exigiu, por considerar sua própria autoestima digna de ser
mantida, que ele não insistisse em uma proposta tão mesquinha e egoísta.
Davison voltou a apressá-la, dizendo que o judeu estava com o seu patrão
e que os dois a aguardavam impacientemente.
Cecilia, meio distraída com sua incerteza de como agir, mudou de cor com
a mensagem e exclamou: — Oh, Mr. Arnott, eu lhe imploro que vá correndo
procurar Mr. Monckton. Traga-o aqui diretamente; se alguém pode me salvar,
este alguém é ele, mas, se eu voltar para Mr. Harrel, tudo estará perdido.
— Certamente — disse Mr. Arnott —, vou buscá-lo agora mesmo.
— Não! Espere — exclamou a trêmula Cecilia —, ele não poderá me
ajudar agora; seu conselho chegará tarde demais e ele não poderá revogar o
juramento que fiz. Não é possível, por mais compulsório que seja, anulá-lo e
não se tornar uma infeliz para sempre.
A ideia bastou para que ela se decidisse, e a apreensão com o remorso,
caso a ameaça de Mr. Harrel fosse executada, seria mais insuportável para
sua mente inocente e irrepreensível do que qualquer perda ou diminuição que
sua fortuna pudesse suportar. Porém, lentamente, com passos incertos e
relutantes, julgamento repugnante e espírito queixoso, ela obedeceu à
convocação de Mr. Harrel, que, impaciente com sua demora, adiantou-se para
recebê-la.
— Miss Beverley — exclamou ele —, não há um momento a perder; este
bom homem lhe trará qualquer quantia em dinheiro, mediante a devida
contrapartida, que a senhorita ordenar; mas, se ele não for imediatamente
comissionado, e esses tipos malditos não saírem da minha casa, o caso estará
perdido. E o que acontecerá a seguir — acrescentou ele, baixando a voz —,
não voltarei a assustá-la repetindo, embora eu não vá recuar.
Cecilia afastou-se dele horrorizada e, com a voz entrecortada e o coração
carregado, pediu a Mr. Arnott que acertasse tudo com o judeu.
Por maior que fosse a soma, ela estava tão próxima da maioridade e sua
garantia era tão boa, que a transação foi rapidamente concluída: sete mil e
quinhentas libras foram recebidas do judeu, Mr. Harrel deu a Cecilia sua
garantia de pagamento, os credores ficaram satisfeitos, os oficiais de justiça
foram dispensados e a casa logo foi restaurada à sua aparência costumeira de
esplêndida alegria.
Mrs. Harrel, que durante toda a cena havia se trancado no seu próprio
quarto para chorar e se lamentar, correu na direção de Cecilia e, em um
rompante de alegria e gratidão, agradeceu-lhe de joelhos por preservá-la da
ruína total. O gentil Mr. Arnott parecia incerto se deveria chorar ou regozijar-
se, e Mr. Harrel protestou repetidamente que ela deveria ter uma orientação
exclusiva de sua conduta futura.
A promessa, a esperança de sua correção e a alegria que ela havia
espalhado reviveram um pouco o espírito de Cecilia, que, no entanto,
profundamente afetada pelo que havia acontecido, apressou-se para fugir de
todos e ir para os seus aposentos. Ela agora havia se desfeito de pouco mais
de oito mil libras a favor de Mr. Harrel, sem qualquer garantia de quando ou
como deveria ser paga, e aquele ardor de benevolência que a ensinou a
valorizar sua riqueza apenas porque ela permitia que praticasse ações boas e
generosas, neste momento não servia para consolá-la ou recompensá-la, pois
sua doação tinha sido coagida e seu receptor era imensamente detestado.
“Seria muito melhor”, pensou ela, “se esse dinheiro tivesse sido concedido
à amável Miss Belfield, ou ao seu irmão de mente nobre, embora de espírito
orgulhoso; e uma soma muito menor teria tornado os virtuosos Hills mais
felizes para o resto da vida. Mas aqui, para me tornar a ferramenta da
extravagância que tanto abomino, ser responsabilizada pelo luxo que
condeno, ser liberal em oposição aos meus princípios e generosa desafiando
meu julgamento. Oh, se meu tão enganado tio soubesse em que mãos
perigosas ele me entregou, e que meu amigo fraco e infeliz se mostrou um
protetor mais digno de sua virtude e segurança”.
Entretanto, tão logo se recuperou do primeiro impacto das suas reflexões,
ela desviou os pensamentos de si mesma para a elaboração de algum plano
que pudesse, pelo menos, fazer com que sua doação tivesse um uso sério e
duradouro. O favor que ela acabara de prestar a eles lhe dava, no momento,
uma ascendência sobre os Harrels, que ela esperava, se exercida de imediato,
ser suficiente para evitar a repetição de uma cena tão calamitosa, exigindo
dos dois uma mudança imediata de conduta. Porém, incapaz de inventar
expedientes para este fim que não pudessem ser facilmente contestados, ela
decidiu enviar na manhã seguinte um pedido a Mr. Monckton para que fosse
visitá-la, revelar a ele toda a transação e suplicar que ele sugerisse o que, com
mais probabilidade de sucesso, ela poderia oferecer para a apreciação deles.
Enquanto refletia sobre essas ideias, na tarde do dia em que havia
comprado tão caro o direito de dar conselhos, ela foi chamada para o chá. Lá,
encontrou Mr. Harrel e sua senhora engajados em uma conversa séria. Assim
que ela apareceu, o primeiro disse: — Minha cara Miss Beverley, depois da
extraordinária generosidade que demonstrou esta manhã, estou certo de que
não vai negar um favor insignificante que peço esta tarde.
— Não — disse Mrs. Harrel —, estou certa de que não o fará, já que sabe
que nossa futura aparência para o mundo depende de sua concessão.
— Nesse caso — disse Cecilia —, espero não desejar recusar.
— Não é nada demais – disse Mr. Harrel —, a não ser ir conosco esta
noite ao Panteão.
Cecilia ficou profundamente indignada com a proposta: que o homem que
pela manhã sofrera uma execução em sua casa definhasse durante a noite para
divertir-se em um local público, que aquele que, apenas algumas horas antes,
estivera mergulhando desnecessariamente na eternidade deveria, enquanto o
pretendido instrumento de morte mal tinha esfriado do seu aperto de mão,
cortejar deliberadamente um retorno da sua angústia, recorrendo
instantaneamente aos métodos que o levaram a ela, deixou-a irritada e
surpresa além do desejo de disfarçar seu descontentamento, e, portanto, após
um silêncio expressivo, ela deu uma negação fria, mas absoluta.
— Estou vendo — disse Mr. Harrel, um tanto confuso — que a senhorita
não compreende os motivos do nosso pedido. É muito provável que o
desafortunado assunto desta manhã se espalhe por toda a cidade; a única
refutação que pode ser feita é que todos nos apresentemos em público antes
que alguma pessoa decida se deve acreditar ou não.
— Vamos, minha querida amiga! — exclamou sua senhora. — Atenda ao
nosso pedido. Na verdade, toda a nossa reputação depende disso. Eu
combinei ontem com Mrs. Mears que iria com ela, e se eu a desapontar, todos
vão adivinhar o motivo.
— Pelo menos — respondeu Cecilia — minha ida não pode responder a
nenhum propósito. Por favor, não insista. Não estou disposta a esse tipo de
diversão e não compartilho, de maneira alguma, da sua opinião sobre sua
necessidade.
— Mas, se não formos todos — disse Mr. Harrel —, não faremos quase
nada. Todos sabem que a senhorita mora conosco, e sua presença neste
momento crítico é importante para o nosso crédito. Se este infortúnio se
espalhar, a consequência será que todo comerciante sujo da cidade a quem
devo um xelim estará formando o mesmo pacto maldito que aqueles canalhas
fizeram esta manhã, de vir todo mundo junto e esperar receber o dinheiro, ou
então trazer uma execução à minha casa. A única maneira de silenciar o
falatório é colocar imediatamente um bom sorriso no rosto e aparecer na
frente de todos como se nada tivesse acontecido. Portanto, favoreça-nos esta
noite com sua companhia, que é realmente importante para nós, ou é dez
contra um como em quinze dias estarei na mesma encrenca.
Cecilia, ainda que indignada diante da informação de que suas dívidas
ainda eram tão numerosas, sentiu-se muito alarmada com a menção de uma
execução, como se ela mesma corresse o risco de se arruinar. Portanto,
aterrorizada, mas não convencida, cedeu às persuasões e consentiu em
acompanhá-los.
Pouco depois eles se separaram para fazer uma troca de roupas e, em
seguida, depois de uma parada na residência de Mrs. Mears durante o
caminho, seguiram para o Panteão.
CAPÍTULO 34

UM CAVALHEIRO TON

Na porta do Panteão eles se uniram a Mr. Arnott e Sir Robert Floyer, a


quem Cecilia agora via com aversão adicional. Eles entraram no grande salão
durante o segundo ato do concerto, ao qual, como ninguém do grupo, exceto
ela mesma, desejava ouvir, não se prestou nenhuma atenção. As damas se
entretinham como se não houvesse orquestra na sala, e os cavalheiros, com
igual desprezo, lutavam por um lugar junto ao fogo, ao redor do qual
continuaram a pairar até o término da música.
Logo depois que eles se sentaram, Mr. Meadows caminhou na sua direção,
sussurrou algo para Mrs. Mears, que imediatamente se levantou, apresentou-o
a Cecilia e, em seguida, como o lugar ao lado dela estava vago, ele sentou-se,
relaxou tanto quanto a situação permitia e começou algo como uma conversa
com ela.
— A senhorita está na cidade há muito tempo, madame?
— Não, senhor.
— Esta não é a sua primeira temporada?
— Na cidade, é sim.
— Então, a senhorita ainda tem coisas novas para ver. Que encantador!
Como eu a invejo. A senhorita está satisfeita com o Panteão?
— Muito. Não conheço nenhum edifício como este.
— A senhorita não deve ter estado no exterior. Viajar é a ruína de toda a
felicidade. Não se pode admirar um edifício em Londres depois de conhecer a
Itália.
— Nesse caso, toda a felicidade depende da admiração de edifícios? —
disse Cecilia, que, ao voltar-se para o companheiro, notou que ele bocejava
com evidente desatenção à sua resposta, e, sem pretender interromper seu
devaneio, voltou a cabeça para o outro lado.
Por alguns minutos ele pareceu não perceber a mudança; então, como se
de repente se recompusesse, ele disse, apressadamente: — Perdão, madame, a
senhorita estava dizendo alguma coisa?
— Não, senhor, nada que valha a pena repetir.
— Oh, por favor, não me castigue tão severamente a ponto de não me
deixar ouvir.
Cecilia, ainda que simplesmente para não parecer ofendida por sua
negligência, começava novamente a responder, quando, olhando para ele
enquanto falava, notou que ele roía as unhas com um ar tão ausente que
parecia não saber que tinha feito uma pergunta. Ela, portanto, interrompeu o
discurso e deixou-o com seus pensamentos. Algum tempo depois, ele dirigiu-
se a ela novamente, dizendo: — A senhorita não acha este lugar
extremamente cansativo?
— Sim, senhor — disse ela, divertida —, não é, de fato, muito divertido.
— Nada é divertido — disse ele — depois de dois minutos. As coisas são
tão pouco diferentes umas das outras, que não encontramos prazer em nada.
Executamos as mesmas atividades maçantes pela eternidade, nada de novo,
nenhuma variedade! Tudo a mesma coisa outra vez! A senhorita gosta de
lugares públicos, madame?
— Sim, senhor, com sobriedade, como diria lady Grace.21
— Neste caso, eu a invejo extremamente, pois a senhorita sempre tem
alguma diversão em seu próprio poder. Como isso é desejável!
— O senhor não tem os mesmos recursos?
— Oh, não! Estou farto. Farto de tudo. Eu daria o universo por um
temperamento menos difícil de se satisfazer. No entanto, apesar de tudo, o
que há para dar prazer? Quando alguém viu uma coisa, viu tudo. Oh, é um
trabalho árduo. A senhorita não acha?
O discurso terminou com um acesso tão violento de bocejos, que Cecilia
não se deu ao trabalho de responder, mas o seu silêncio, assim como antes,
passou totalmente despercebido, não suscitando nem perguntas nem
comentários. Uma longa pausa se seguiu, a qual ele finalmente interrompeu,
dizendo, enquanto se contorcia em seu assento: — Estas cadeiras seriam mais
confortáveis se tivessem encosto. É intolerável ser obrigado a sentar-se como
um colegial. O primeiro estudo da vida é a comodidade. Na verdade, não
existe nenhum outro que pague pelo trabalho da realização. A senhorita não
concorda?
— Mas, não poderia, nem ao menos — disse Cecilia —, depois de tanto
estudo, converter-se em trabalho?
— Estou muito satisfeito que a senhorita pense dessa forma.
— Senhor?
— Eu imploro o seu perdão, madame, mas eu pensei que tinha dito... eu
realmente imploro o seu perdão, mas estava pensando em outra coisa.
— O senhor agiu muito bem — disse Cecilia, rindo —, pois o que eu disse
não merecia nenhuma atenção.
— A senhorita me faria o favor de repetir? — perguntou ele, pegando o
monóculo para examinar uma dama à distância.
— Oh, não — disse Cecilia —, isso seria exigir demais da sua paciência.
— Estas coisas nos mostram nada além de defeitos — disse ele. —
Lamento que tenham sido inventados. Eles são a ruína de toda a beleza;
nenhuma pele é capaz de suportá-los. Eu acredito que este solo nunca vai
acabar. Eu detesto um solo; ele me abate, me deprime intoleravelmente.
— Em breve, senhor — disse Cecilia, olhando para o folheto do concerto
—, teremos uma peça completa, e isso, espero, irá reanimá-lo.
— Uma peça completa! Oh, que insuportável! Isso me atordoa, me cansa,
me domina além da resistência! Sem gosto, sem delicadeza, sem espaço para
o menor sentimento.
— Talvez, então, o senhor só goste dos musicais?
— Eu poderia gostar, se pudesse ouvir; mas no momento estamos tão
miseravelmente sem boas vozes, que quase nunca tento ouvir uma canção
sem me imaginar surdo pela fraqueza dos intérpretes. Eu odeio tudo que
requer atenção. Não há prazer que se imponha à sua maneira.
— Então, o senhor gosta apenas de vozes altas e potentes?
— Oh, é ainda pior! Não, nada é tão repulsivo para mim. Eu fico perplexo
ao ver como essas pessoas pensam que vale a pena fazer concertos; estamos
fartos de música.
— Mesmo assim — disse Cecilia —, se não dá prazer, pelo menos não
tira, pois está longe de ser um impedimento para conversa, acho que todo
mundo fala mais durante a apresentação do que entre os atos. E o que há de
melhor que possa ocupar o seu lugar?
Como Cecilia não recebeu resposta para a pergunta, ela olhou novamente
em volta para ver se tinha sido ouvida e viu seu novo amigo, com um ar
muito pensativo, afastando-se do rosto dela para fixar os olhos na Estátua de
Britannia.
Logo depois, ele se levantou apressadamente e, parecendo esquecer
completamente que havia conversado com ela, afastou-se abruptamente.
Mr. Gosport, que caminhava na direção de Cecilia e tinha assistido parte
da cena, interrompeu-o enquanto ele se afastava e disse: — Ora Meadows,
como foi isso? Foi fisgado finalmente?
— Oh, estou exausto! Completamente desgastado! — exclamou ele,
enquanto se espreguiçava e bocejava. — Estive conversando com uma jovem
a título de entretê-la. Que trabalho árduo! Eu não passaria por isso novamente
nem por milhões!
— Por quê? Falou até perder o fôlego?
— Não, mas o esforço! Quanto esforço! Isso vai me deixar transtornado
por duas semanas! Entreter uma jovem! É melhor se tornar um escravo de
uma galé de uma vez!
— Bem, mas não valeu a pena? Ela é certamente uma doce criatura.
— Nada pode compensar um esforço tão insuportável! Embora ela seja
bem... melhor do que a maioria, mas tímida, muito tímida; não consegui
extrair nada dela.
— Achei que ela seria o seu tipo. O senhor normalmente odeia muita
inconstância. Como ouvi o senhor se lamentar quando foi atacado por Miss
Larolles!
— Larolles? Pura distração! Ela me deixa com febre em apenas dois
minutos. Mas é sempre assim! Nada além de excessos para suportar! As
moças comuns são muito atrevidas, aquela dama é muito reservada, sempre
há uma falha, um inconveniente, nada nunca é perfeito!
— Não, não — exclamou Mr. Gosport —, o senhor não a conhece; ela é
suficientemente perfeita em toda a sua essência!
— Neste caso, é melhor não conhecê-la — respondeu ele, bocejando
novamente, —, pois não deve ser nada agradável. Nada que é perfeito é
natural; eu detesto tudo o que não faz parte da natureza.
Ele se afastou, e Mr. Gosport aproximou-se de Cecilia.
— Tenho desejado — disse ele — dirigir-me à senhorita durante esta meia
hora, mas como estava envolvida com Mr. Meadows, não ousei me
aproximar.
— Ah, eu percebo sua astúcia! — exclamou Cecilia. — O senhor estava
determinado a agregar algum peso ao valor da sua companhia, tornando-me
totalmente consciente de onde o equilíbrio prepondera.
— Oh, não; se a senhorita não admira Mr. Meadows — exclamou ele —, a
senhorita não deve nem mesmo sussurrar aos ventos!
— Ele é assim tão admirável?
— Oh, ele agora está no auge da moda: seu traje é um modelo, suas
maneiras são imitadas, sua atenção é cortejada e invejada.
— O senhor não está rindo?
— Na verdade, não; suas prerrogativas são muito mais amplas do que
mencionei: sua decisão fixa os limites exatos entre o que é vulgar e o que é
elegante, sua aprovação cria reputação e uma palavra sua em público confere
a moda!
— E por quais poderes maravilhosos ele adquiriu tal influência?
— Nada além de um talento feliz para capturar as fraquezas reinantes da
época e levá-las a um extremo ainda mais absurdo do que qualquer um já
tenha feito antes. A cerimônia, ele descobriu que já tinha sido condenada pela
naturalidade; assim, ele condenou a naturalidade pela sua indolência; a
devoção ao sexo frágil havia dado lugar a uma relação mais igualitária e
racional, a qual, para ir ainda mais longe, ele então substituiu pela grosseria; a
jovialidade também já tinha sido substituída pela indiferença filosófica, e por
isso, portanto, fora descartada, pelo cansaço e pela repugnância.
— E é possível que por “qualidades” como essas ele deva ser admirado?
— É muito possível, pois qualidades como essas constituem o gosto da
época. Um cavalheiro Ton, que agora seria facilmente notado na alta
sociedade, deve ser invariavelmente insípido, negligente e egoísta.
— Requisitos admiráveis! — ironizou Cecilia. — E Mr. Meadows, devo
reconhecer, parece ter atingido todos eles.
— Ele nunca deve confessar — continuou Mr. Gosport — o menor prazer
por coisa alguma, sendo a apatia total o ingrediente principal do seu caráter;
ele não deve, em hipótese alguma, manter uma conversa animada, para que
não pareça, para sua absoluta desgraça, interessado no que está sendo dito; e
quando está bastante cansado da sua existência, por uma total vacuidade de
ideias, ele deve simular um olhar de ausência, e fingir, repentinamente, estar
totalmente perdido em pensamentos.
— Eu não poderia desejar — disse Cecilia, rindo — uma companhia mais
amável!
— Se lhe perguntarem sua opinião sobre qualquer dama — continuou ele
—, normalmente deve responder com uma careta; e se estiver sentado
próximo a uma, deve se esforçar ao máximo para demonstrar, através da sua
apatia, bocejos e falta de atenção, que está farto da situação, pois o que
considera ser o mais lamentável entre todas as coisas é o cavalheirismo com
as mulheres. Evitar tal coisa é, de fato, a principal preocupação de sua vida.
Se vir uma dama angustiada por causa da sua carruagem, ele deve perguntar a
ela o que está acontecendo, e então, com um encolher de ombros, desejar-lhe
boa sorte através de seu cansaço, piscar para algum observador e ir embora.
Se estiver em uma sala onde há uma multidão de pessoas e escassez de
assentos, ele deve desde cedo garantir um dos melhores para si, ficar cego a
todos os olhares de fadiga e surdo a todos os sinais de ajuda e,
aparentemente, permanecer completamente distraído, muito à vontade, um
mero espectador inconsciente do que está acontecendo. Se estiver em um
baile onde há mais mulheres do que homens, ele deve recusar-se a dançar,
embora seja sua diversão favorita, e, sorrindo ao passar pelas jovens
solitárias, maravilhar-se ao vê-las sentadas, e talvez perguntar a elas o
motivo.
— Uma personalidade muito atraente, de fato! — exclamou Cecilia. —
Diga, há quanto tempo tais proezas são as de um bom cavalheiro?
— Eu sou apenas um indiferente cronologista da moda — respondeu ele
—, mas sei que há tempo suficiente para criar expectativas de que alguma
nova loucura será iniciada em breve, pela qual a atual raça de INSENSÍVEIS
poderá ser expulsa. Mr. Meadows está agora à frente desta seita, assim como
Miss Larolles das VOLÚVEIS e Miss Leeson das ARROGANTES. E então
surgirá uma outra, a qual, embora diferente, trabalhe com o mesmo ponto de
vista e aspire a mesma recompensa que estimula a ambição deste trio feliz, a
de despertar a surpresa pela particularidade e a inveja pela surpresa.
Esta descrição anunciou o capitão Aresby, que vinha da direção da lareira
e disse a Cecilia o quanto se alegrava em vê-la, que havia se desesperado por
muito tempo pela ausência daquela honra e que temia que ela tivesse por
princípio evitar aparecer em público, tendo a procurado em vão por toda
parte.
Então, ele sorriu e dirigiu-se a outro grupo.
— Diga, à qual seita — disse Cecilia — pertence o cavalheiro?
— À seita dos JARGONISTAS — respondeu Mr. Gosport. — Ele não tem
nenhuma ambição além de fazer um elogio passageiro, nenhuma palavra útil
que não tenha aprendido em lugares públicos. No entanto, esta escassez de
linguagem, por mais que queira desprezá-la, não se deve apenas a uma
capacidade limitada: a vaidade e a presunção têm sua parte na limitação, pois,
embora suas frases sejam quase sempre ridículas ou mal aplicadas, são
selecionadas com muito estudo e introduzidas com muito treinamento.
— Pobre homem! — exclamou Cecilia. — Será que teve muito trabalho
para tornar-se assim completamente absurdo?
— Sim, mas não mais do que seus vizinhos para manter-se sob controle.
Miss Leeson, por presidir a seita das ARROGANTES, passa menos da
metade da sua vida desejando a aniquilação da outra metade, pois como ela
só deve falar em seu próprio círculo, é compelida a ficar frequentemente em
silêncio e, portanto, não tendo nada em que pensar, é comumente corroída
pela abnegação e amargurada pela falta de diversão. Miss Larolles, de fato,
está em melhor situação, pois, ao falar mais rápido do que pensa, ela apenas
segue a tendência natural de seu temperamento. Quanto àquele pobre
JARGONISTA, devo admitir que tem uma tarefa bastante difícil, da contínua
restrição de falar apenas fora do seu próprio vocabulário (liliputiano)22, e
negar a si mesmo o alívio de proferir uma palavra pelo chamado da ocasião;
mas que dificuldade é essa, comparada com o que é suportado por Mr.
Meadows, quem desde que deu início aos INSENSÍVEIS nunca se atreveu a
ficar satisfeito uma só vez, nem se aventurou por um momento sequer a
parecer de bom humor?
— Neste caso, com certeza — disse Cecilia —, em pouco tempo o castigo
de tal afetação trará sua própria cura.
— Não, porque o artifício se transforma em hábito e o hábito é uma
segunda natureza. Uma ideia secreta de fama torna sua tolerância à felicidade
suportável, pois ele agora tem a autossatisfação de considerar-se elevado ao
mais alto pináculo do refinamento da moda que é construído sobre a apatia e
o desprezo, e a partir do qual, proclamando-se superior a todas as
possibilidades de prazer, ele vê o mundo inteiro com desprezo. Sem beleza,
nem virtude, ou riqueza, nem poder de importância suficiente para acender a
menor emoção.
— Oh, se eles pudessem ouvi-lo! — exclamou Cecilia. — Acredito que
logo ficariam enojados de sua loucura se a ouvissem tão admiravelmente
exposta.
— Não, apenas triunfariam por ela ter obtido tanta atenção. Mas, diga, a
senhorita está vendo aquele cavalheiro, ou prefere não o conhecer? Aquele
que está lhe fazendo reverências pela última meia hora.
— Onde? — perguntou Cecilia. Olhando ao seu redor, ela notou Mr.
Morrice, quem, ao ter sua saudação retribuída, aproximou-se imediatamente,
embora nunca tivesse se aventurado a aparecer na casa de Mr. Harrel desde o
infeliz acidente na noite do baile de máscaras. Ele deixou de lado a
familiaridade recém adquirida, perguntou sobre sua saúde com a mais temível
timidez e, então, fez uma nova reverência e retirou-se modestamente. Quando
Mrs. Harrel, ao vê-lo, sorriu com muito bom humor, ele reuniu coragem para
voltar e dirigir-se a ela, e a encontrou, para seu infinito deleite, tão amável e
cortês como antes.
O concerto havia terminado, as damas se levantaram e os cavalheiros se
uniram a elas. Morrice, ao ver Mr. Harrel, encolheu-se novamente, mas Mr.
Harrel imediatamente apertou sua mão e perguntou o que o tinha mantido por
tanto tempo longe de Portman Square. Morrice descobriu, para sua grande
surpresa, que, além dele mesmo, ninguém pensava mais na confusão daquela
noite, e alegremente descartou sua timidez e tornou-se tão animado quanto
antes do seu martírio.
Fez-se um movimento em direção ao salão de chá, e, enquanto
caminhavam, Cecilia, ao erguer os olhos para examinar o edifício, viu em
uma das galerias o jovem Delvile, e quase ao mesmo tempo chamou sua
atenção.
Um momento depois ele juntou-se a ela. A visão dele, que tão fortemente
reacendia em sua mente a dolorosa contrariedade de opinião com a qual ela
havia pensado nele ultimamente, os sentimentos tão a seu favor que apenas
alguns dias antes havia encorajado, e que naquela mesma manhã tinha se
esforçado por esmagar, faziam com que ela o visse com uma espécie de
melancolia, que quase a induzia a lamentar o quanto ele era amável e suspirar
por não conhecer ninguém como ele. Seu aspecto, no entanto, era muito
diferente: ele parecia encantado ao vê-la, apressou-se ao seu encontro e seus
olhos brilharam de prazer ao se aproximar; um prazer nem moderado nem
disfarçado, mas vivo, desenfreado e expressivo.
Cecilia, cujos planos desde a última vez que o vira, haviam mudado duas
vezes, que primeiro ansiara por unir-se a ele para sempre, e depois decidira
evitar até mesmo tê-lo como um conhecido comum, não poderia, enquanto
todos esses pensamentos fossem recorrentes em sua memória, deleitar-se ao
observar sua alegria, ou sentir-se gratificada por suas maneiras
despreocupadas. A honestidade das suas atenções e a franqueza de sua
admiração, que até então a haviam encantado como sinais da sinceridade do
seu caráter, agora a atingiam como prova da indiferença do seu coração, que
sentia por ela um mero respeito comum, que não afetava seu espírito ou sua
paz. Ela também se recordava de que aquela sempre havia sido sua conduta,
com exceção de um único e singular momento, quando, ao lhe entregar a
carta para Mr. Belfield, ele parecera estar impressionado, assim como ela,
pela extraordinária coincidência de suas ideias e procedimentos. Aquela
emoção, no entanto, ela agora considerava casual e transitória, e, ao vê-lo
muito mais feliz do que ela, sentiu-se envergonhada de sua ilusão e enojada
por sua fascinação. Tais reflexões, embora adicionassem novos motivos à sua
resolução de renunciar a todos os pensamentos sobre sua aliança, eram tão
humilhantes que a privavam de todo o poder de receber prazer sobre o que
acontecia, e a fizeram até mesmo se esquecer de que o local onde estava
destinava-se ao entretenimento.
O jovem Delvile, depois de pintar em cores vivas a perda que sua casa
sofrera quando ela a deixou, e de insistir com igual vigor no pesar de sua mãe
e no seu, perguntou em voz baixa se ela lhe daria a honra de apresentá-lo a
Mr. Harrel. — Como filho — acrescentou ele — de um irmão tutor, acho que
tenho uma espécie de direito de conhecê-lo.
Cecilia não poderia recusar, mas como o pedido provavelmente
ocasionaria encontros mais frequentes, ela convenceu-se de que não estava
disposta a atender. Assim, terminada a cerimônia, a apresentação foi
novamente repetida com Mrs. Harrel, que, embora o tivesse visto várias
vezes, nunca havia sido formalmente apresentada. Os Harrels ficaram muito
satisfeitos com o traço de cortesia em um jovem cuja família os havia
preparado para esperar apenas desprezo, e expressaram seu desejo de que ele
tomasse seu chá junto com o seu grupo. Ele aceitou o convite com
entusiasmo, voltou-se para Cecilia e disse: — Eu não cronometrei habilmente
minha apresentação? Mas, embora tenha me prestado a honra com Mr. e Mrs.
Harrel, ainda não devo, eu presumo, suplicar que a estenda a um certo
cavalheiro feliz deste grupo — movendo os olhos na direção de Sir Robert
Floyer.
— Não, senhor — respondeu ela, com rapidez —, nem agora, nem nunca.
Eles estavam agora na porta que levava às escadas que os conduziriam ao
salão de chá. Cecilia notou que Sir Robert, que até então estivera entretido
com alguns cavalheiros, parecia procurá-la, e a lembrança da briga que se
seguiu à recusa da sua assistência na Opera House obrigou-a a decidir, caso
ele voltasse a oferecê-la, que deveria aceitá-la; mas a mesma brutalidade que
forçou esta intenção contribuiu para torná-la repugnante, e ela decidiu evitá-
lo, se possível, descendo correndo as escadas antes que ele a alcançasse.
Portanto, ela fez uma tentativa repentina de escapar da multidão e, como era
ligeira e ativa, conseguiu fazê-lo com uma certa facilidade, mas, embora seu
movimento apressado a separasse do resto do grupo, Delvile, que a observava
seriamente na tentativa de descobrir o significado do seu discurso sobre Sir
Robert, percebeu sua intenção e não permitiu que ela fosse sozinha. Ele
disfarçou por um momento antes de segui-la e unir-se a ela, enquanto ela
parava nos pés da escada para aguardar Mrs. Harrel.
— A senhorita é muito má — exclamou ele — para fugir de nós assim. O
que Sir Robert vai dizer? Eu o vi procurando pela senhorita no exato
momento da sua corrida.
— Então, no mesmo momento — disse Cecilia — o senhor compreendeu
a razão da minha corrida.
— A senhorita me autorizaria — exclamou ele, rindo — a repetir isso a
lorde Ernolf?
— Pode repetir, senhor, por favor — disse Cecilia, irritada por ele não ter
pensado mais em si mesmo do que em lorde Ernolf —, para todo o Panteão.
— Se eu o fizesse — disse ele —, metade dele, pelo menos, me
agradeceria. Mas para obter o aplauso de uma assembleia tão nobre, isso
significaria que Sir Robert deveria cortar minha garganta?
— Eu acredito — disse Cecilia, profundamente mortificada pela ironia que
demonstrava tão pouco interesse em sua confissão de indiferença — que o
senhor está determinado a me deixar tão enjoada do nome daquele homem
quanto estou da conversa dele.
— E é possível — perguntou Delvile, em tom de surpresa — que esta seja
a sua opinião, e, ainda assim, na situação em que se encontra, com o mundo
inteiro aos seus pés e toda a humanidade sob sua devoção? Mas eu estou
respondendo com seriedade, quando a senhorita só está seguindo a regra.
— Qual regra, senhor?
— Aquela que as moças, em certas ocasiões, sempre prescrevem a si
mesmas.
Neste momento eles foram interrompidos pela chegada do restante do
grupo, mas não antes de Cecilia encontrar um pequeno consolo pelo seu
desagrado ao descobrir que o jovem Delvile ainda supunha que ela estava
comprometida, e lisonjear-se acreditando que sua linguagem seria diferente
se ele fosse informado do contrário.
Morrice se encarregara de conseguir uma mesa para o chá, o que, como o
salão estava muito cheio, não foi feito com facilidade. Enquanto aguardavam
o seu sucesso, Miss Larolles, que da escada tinha visto Cecilia, foi correndo
até ela, pegou sua mão e exclamou: — Por Deus, minha querida criatura,
quem pensaria em vê-la aqui? Eu nunca estive mais surpresa em toda a minha
vida! Eu realmente pensei que a senhorita tinha ido para um convento, faz
muito tempo que não a vejo. Mas, entre todas as coisas no mundo, por que
não esteve na última reunião de lady Nyland? Eu pensei umas cinquenta
vezes em perguntar à Mrs. Harrel a razão pela qual a senhorita não tinha ido,
mas eu sempre me esquecia. A senhorita não tem ideia do quanto fiquei
excessivamente desapontada.
— A senhorita é muito amável — disse Cecilia, rindo —, mas espero que
a decepção não tenha diminuído muito o seu entretenimento.
— Por Deus, não! Nunca fui tão feliz em minha vida. Havia tanta gente
que não era possível mover um dedo. Todo o mundo estava lá. A senhorita
não tem ideia de como foi maravilhoso. Achei que realmente iria desmaiar
com o calor.
— Maravilhoso, realmente. E quanto tempo a senhorita ficou?
— Ora, nós dançamos até as três da manhã. Começamos com o Cotillion23
e terminamos com danças country. Foi a coisa mais elegante que alguém já
viu na vida. Tudo com muito estilo. Eu estava tão monstruosamente fatigada
que mal consegui terminar a última dança. Eu realmente pensei que cairia
morta. Imagine dançar durante cinco horas em uma multidão tão monstruosa!
Eu lhe garanto que, quando cheguei em casa, meus pés estavam cheios de
bolhas. A senhorita não faz ideia do quanto eles sofreram.
— Como a senhorita — exclamou o jovem Delvile — participa tão pouco
desses prazeres?!
— Eu receio — respondeu Cecilia — que cheguei tarde demais na escola
de moda para ser uma aluna flexível.
— A senhorita pode imaginar — continuou Miss Larolles — que Mr.
Meadows não disse uma palavra para mim a noite toda? Embora eu tenha
certeza de que ele me viu, porque eu me sentei na parte exterior com o
propósito de falar com uma ou duas pessoas que eu sabia que estariam
passeando por ali, pois, se alguém se senta na parte interior, não há como
falar com a criatura, a senhorita sabe como é, então eu nunca faço isso na
Opera House, nem nos camarotes de Ranelagh nem em qualquer outro lugar.
É a coisa mais impressionante que alguém pode imaginar, ser obrigado a
sentar-se desta forma; pode-se muito bem ficar em casa, já que ninguém pode
falar com ninguém.
— Mas a senhorita não parece ter tido mais sucesso — disse Cecilia —
sentando-se na parte exterior.
— Oh, sim, eu pude dar uma palavrinha com algumas pessoas no
momento em que passavam, pois, a senhorita sabe, quando alguém está
sentado ali, não há como deixar de dizer alguma coisa, embora eu lhe
assegure que todos os homens são tão estranhos que não se importam se
falam com alguém ou não. Quanto a Mr. Meadows, ele é realmente capaz de
irritar alguém até a morte. Suponho que esteja tendo um de seus ataques de
ausência. No entanto, eu lhe garanto que acho isso extremamente
impertinente da parte dele, por isso vou contar o ocorrido a Mr. Sawyer, pois
sei que ele fará questão de conversar com ele novamente.
— Prefiro pensar — disse Cecilia — que o melhor seria retribuir o
cumprimento na mesma moeda, e, quando ele se lembrar da senhorita
novamente, finja que se esqueceu de quem ele é.
— Por Deus, esta é uma ideia muito boa! Então, eu declaro que é o que
farei. Mas a senhorita não pode imaginar como estou contente com o fim do
concerto; eu lhe asseguro, embora estivesse sentada o mais perto possível do
fogo, sentia tanto frio que não pode imaginar, pois Mr. Meadows nunca me
deixou chegar nem perto dele.
— Não foi fácil, eu acredito — disse Cecilia, maliciosamente.
— Oh, veja! — retomou a bela VOLÚVEL —, se não é Mrs. Mears em
seu velho vestido vermelho de novo! Começo a achar que ela nunca terá
outro. Eu gostaria que houvesse uma execução em sua casa, nem que fosse
apenas para se livrar dele! Estou tão cansada de vê-lo que a senhorita não
pode imaginar.
Mr. Morrice trouxe a informação de que havia assegurado um dos lados de
uma mesa que acomodaria muito bem as damas, e que o outro lado estava
apenas ocupado por um senhor, que, assim como ele, não estava bebendo
chá, e sem dúvida renunciaria a seu lugar quando o grupo chegasse.
Miss Larolles, então, apressou-se para juntar-se ao seu próprio grupo e os
demais seguiram Mr. Morrice. Mrs. Harrel, Mrs. Mears e Cecilia ocuparam
seus lugares. O cavalheiro no outro lado da mesa não era outro senão Mr.
Meadows. Morrice, portanto, estava muito enganado em suas expectativas,
pois, longe de renunciar a seu lugar, ele adquiriu uma postura absolutamente
relaxada enquanto descansava um braço sobre a mesa, e, não satisfeito em
apenas manter seu próprio assento, preencheu um espaço destinado a três
pessoas.
Mr. Harrel já havia se reunido a outro grupo; Delvile ficou indiferente por
alguns minutos, esperando que Sir Robert Floyer se colocasse atrás de
Cecilia, mas Sir Robert, que dificilmente teria imaginado tamanha
condescendência devida a uma princesa, desdenhou qualquer aparência de
dedicação, mesmo quando tomou o cuidado de publicar suas pretensões e,
portanto, ao não encontrar acomodação que o agradasse, dirigiu-se na direção
de alguns cavalheiros em outra parte do salão. Então, Delvile assumiu o posto
negligenciado, e Mr. Arnott, que não tivera coragem de fazer qualquer
esforço em seu favor, postou-se modestamente perto dele. Cecilia conseguiu
abrir espaço para Mr. Gosport ao seu lado, e Morrice ficou bastante contente
em poder chamar os garçons, o superintendente, as provisões e servir todo o
grupo.
A tarefa de preparar o chá recaiu sobre Cecilia, que ficou um pouco
incomodada com a proximidade de seus vizinhos. Mrs. Mears gritou para Mr.
Meadows: — Por favor, senhor, tenha a bondade de abrir espaço para um de
nós ao seu lado.
Mr. Meadows, que palitava indolentemente os dentes e os examinava
através de um paliteiro de vidro, a princípio não pareceu ouvi-la, e quando ela
repetiu o pedido, ele apenas olhou para ela e disse: — Hum!
— Falando sério, Mr. Meadows — disse ela —, quando o senhor vê uma
dama em tamanha dificuldade, eu me pergunto como pode deixar de ajudá-la.
— Em dificuldade? — perguntou ele com um sorriso vago. — Diga, qual é
o problema?
— O senhor não vê? Estamos tão aglomerados que mal podemos nos
sentar.
— Não podem? — perguntou ele. — Pela minha honra! É vergonhoso que
estas pessoas não inventem assentos mais convenientes.
— Sim — disse Mrs. Mears —, mas, se o senhor fizesse a gentileza de
permitir que outra pessoa se sentasse ao seu lado, não precisaríamos de
nenhuma invenção.
Neste momento, Mr. Meadows foi tomado por um furioso acesso de
bocejos, que tanto divertiu Cecilia e Mr. Gosport quanto ofendeu Mrs. Mears,
que, com grande desgosto, acrescentou: — Na verdade, Mr. Meadows, é
muito estranho que o senhor nunca ouça o que as pessoas lhe dizem.
— Perdão — disse ele —, a senhora falava comigo? — e ele novamente
começou a palitar os dentes.
Morrice, ansioso para contrastar sua cortesia com a falta de atenção de Mr.
Meadows, correu para o outro lado da mesa e disse: — Deixe-me ajudá-la,
Miss Beverley, posso fazer chá melhor do que qualquer pessoa — ele
inclinou-se sobre aquela parte da mesa que Mr. Meadows ocupava com um
de seus pés, para poder verter o líquido ele mesmo, mas Mr. Meadows,
através de um movimento infeliz, levou seu pé além de onde pretendia ir e
acabou virando o bule de chá e seu conteúdo bem na frente de Cecilia.
O jovem Delvile, que percebeu o infortúnio iminente, a partir de um
arroubo impetuoso para evitar que ela se machucasse, puxou-a rapidamente
para trás, inclinou-se diante dela e garantiu sua preservação, recebendo ele
mesmo a desgraça com a qual ela fora ameaçada. Mrs. Mears e Mrs. Harrel
desocuparam seus assentos imediatamente, e Mr. Gosport e Mr. Arnott
ajudaram a limpar a mesa e afastar Cecilia, que estava ligeiramente assustada
e ao mesmo tempo surpresa, envergonhada e satisfeita com a maneira como
havia sido salva.
O jovem Delvile, embora sofredor por sua valentia, pois a água quente
havia penetrado através do seu casaco até seu braço e ombro, esteve a
princípio insensível à sua própria situação, uma apreensão que não desprezou
quando se tratava de Cecilia, e suas indagações foram tão ávidas e ansiosas,
feitas com um olhar de tamanha solicitude e voz de alarme, que, igualmente
surpresa e satisfeita, ela secretamente abençoou o acidente que deu origem à
sua inquietação, por mais que lamentasse a consequência para ele mesmo.
Porém, assim que ficou satisfeito com a segurança dela, ele se viu obrigado a
se retirar. Atribuiu sua retirada à inconveniência, o que era na verdade efeito
da dor: — Sei que é pouco cavalheirismo deixar o campo por um casaco
molhado, mas o grupo, espero, deve me desculpar. Então... “Como um bravo
general depois de ser derrotado, triunfarei e me regozijarei em um retiro
prudente”.24
Ele caminhou rapidamente em direção à sua carruagem, e o pobre Morrice,
assustado e confuso com o desastre que havia ocasionado, esgueirou-se atrás
dele com muito menos cerimônia, enquanto Mr. Meadows, totalmente
despreocupado com a angústia e confusão ao seu redor, permaneceu sentado
em silêncio, palitando os dentes e observando, durante todo o acontecimento,
com um olhar sem sentido, deixando a dúvida se ele tinha mesmo percebido.
A ordem foi logo restabelecida, as damas terminaram seu chá e subiram as
escadas. Cecilia, a quem o acidente recente havia proporcionado muitos
temas novos e interessantes para reflexão, desejava ter voltado para casa
imediatamente, mas ela não era a líder do grupo e, portanto, não poderia fazer
a sugestão. Eles então percorreram todas as salas, e, depois de caminhar até a
hora de partir ditada pela moda, Sir Robert Floyer uniu-se a eles e todos se
dirigiram à pequena sala próxima da entrada da sala grande, a fim de
aguardar suas carruagens. Neste momento, Cecilia encontrou novamente
Miss Larolles, que se aproximou para fazer vários comentários e infinitas
chacotas sobre diversos artigos fora de moda ou baratos nos vestidos dos
grupos ao seu redor, além de queixar-se, com grande ressentimento, de que
Mr. Meadows estava novamente de pé diante do fogo. O capitão Aresby
também se aproximou para dizer a ela que estava bastante abattu25 por tê-la
perdido de vista por tanto tempo, na esperança de que ela renunciasse a
humilhação que causava ao mundo ao descartá-lo, e para protestar que havia
esperado por sua carruagem até que estivesse realmente a ponto de sentir-se
accable.26
Em meio a todo esse jargão, que a plenitude da mente de Cecilia mal lhe
permitia ouvir, apareceu de repente na porta da sala Mr. Albany, que, com
sua costumeira austeridade no semblante, deteve-se para olhar ao redor.
— A senhorita vê — perguntou Mr. Gosport para Cecilia — quem
caminha em nossa direção? Seus pobres bajuladores serão novamente
repreendidos, e eu, por mim, tremo com a tempestade que se aproxima.
— Oh, Deus! — exclamou Miss Larolles. — Gostaria de estar segura em
minha liteira. Este homem sempre me assusta. A senhorita não tem ideia das
coisas desagradáveis que ele diz para as pessoas. Eu lhe asseguro que não
tenho nenhuma dúvida de que ele é louco, e eu sinto o medo mais perturbador
do mundo, pois receio de que ele tenha um ataque enquanto estou por perto.
— É realmente uma coisa irritante — disse o capitão — que não se possa
ir a nenhum espetáculo sem o horror de ser abordado por essa pessoa. Se ele
vier aqui, eu certamente o repudiarei e me retirarei.
— Por quê? — perguntou Sir Robert. — Por que diabos se importa com
ele?
— Oh, ele é a criatura mais maçante da natureza! — exclamou o capitão.
— E sempre faço o possível para evitá-lo, pois ele explode com frases tão
bárbaras que fico dégoûté27 em menos de um minuto.
— Oh, eu lhe asseguro — disse Miss Larolles —, às vezes, ele ataca
alguém de uma maneira que o senhor não faz ideia. Um dia ele veio até mim
de repente e me perguntou que bem eu achava que estava praticando me
vestindo dessa forma. Apenas imagine o quanto isso foi perturbador.
— Eu tive o horreur de ouvir perguntas deste tipo sans fin28 — disse o
capitão. — Uma vez ele tomou a liberdade de me perguntar qual o serviço
que eu prestava ao mundo! E, em uma outra ocasião, pediu-me que o
informasse se alguma vez eu havia feito um pobre orar por mim! Em suma,
ele me incomoda com suas impertinências com tanta frequência que
realmente me aborrece até o ápice.
— É exatamente por isso que ele o persegue — disse Sir Robert. — Se ele
me fizesse perguntas durante um mês, eu nunca me incomodaria em mover
um músculo.
— O tema do seu discurso — disse Mr. Gosport — não é mais singular do
que suas maneiras. Tenho feito muitas investigações sobre ele, mas tudo o
que pude averiguar é que certamente esteve confinado durante uma parte de
sua vida em um manicômio particular, e, embora agora, por não ser perigoso,
esteja livre, sua aparência, linguagem e todo o seu comportamento
denunciam a antiga lesão de seu intelecto.
— Oh, Senhor! — exclamou Miss Larolles, meio gritando. — Que noções
espantosas o senhor coloca na cabeça de uma pessoa! Ouso dizer que não
voltarei para casa em segurança, pois lhe garanto que acredito que ele está
enfurecido comigo! E tudo porque um dia, antes que soubesse das suas
maneiras estranhas, eu caí na risada por ele andar por aí com aquele casaco
velho. Saiba que isso o deixou bastante irritado. Apenas conceba quão mal-
humorado ele é!
— Ah, ele tem me atormentado — exclamou o capitão, encolhendo os
ombros — partout!29 Ele encontra tantas falhas em tudo o que tenho feito,
que realmente ficaria feliz em ter a honra de enfrentá-lo, pois, no momento
em que se aproxima de mim, já sei o que esperar.
— Mas eu devo lhes dizer — disse Miss Larolles — o quão
monstruosamente ele me assustou em uma noite quando eu estava
conversando com Miss Moffat. Os senhores sabem como é, ele veio até nós e
perguntou o que estávamos dizendo, e como não pudemos pensar em nada
para lhe responder, ele disse que supunha que estávamos apenas falando
sobre algum escândalo, então seria melhor voltarmos para casa e nos
dedicarmos ao trabalho para os pobres. Apenas imaginem como foi horrível!
E, depois disso, ele foi tão impertinente em seus comentários, que não havia
mais como suportá-lo. Eu lhes asseguro que ele foi muito agressivo, os
senhores não fazem ideia.
Neste momento, Mr. Albany se aproximou, e todos, com exceção de Sir
Robert, saíram do caminho.
Ele fixou os olhos em Cecilia, com uma expressão mais de dor do que de
raiva. Depois de contemplá-la por algum tempo em silêncio, exclamou: —
Ah, flor bela, mas corruptível! Por quanto tempo este semblante ingênuo,
desgastado, pois não pensa em disfarces, parecerá sensível à pureza interior?
Por quanto tempo este ar de inocência irradiará toda a sua aparência?
Intocada pela prosperidade, não pervertida pelo poder? Pura no meio da
depravação que a cerca? Imaculada no ar contaminado da perdição
infecciosa?
A confusão de Cecilia com aquela manifestação pública, que atraía os
olhos e atenção de todos os presentes, foi inexprimível. Ela se levantou do
seu assento completamente ruborizada e disse: — Creio que a carruagem
deve estar pronta — ela forçou seu caminho para sair da sala, seguida por Sir
Robert, que respondeu: — Não, não, eles nos chamarão quando estiver.
Arnott, você poderia ver onde ela está?
Cecilia deteve-se, mas sussurrou para Mrs. Harrel ficar perto dela.
— E para onde — perguntou Albany, indignado — pretendia ir? Já
desdenha dos meus preceitos? Não pode mais ficar um minuto afastada da
tumultuosa loucura que a rodeia? Muitas e muitas são as horas que a
senhorita passa com estas pessoas; o mundo, infelizmente, está cheio delas.
Então, não se canse tão cedo de um velho homem que quer repreendê-la; ele
não poderá invocá-la por muito tempo, em breve ele mesmo será chamado.
Esta solene advertência a deixou extremamente angustiada. Como temia
ofendê-lo ainda mais fazendo outro esforço para escapar, ela respondeu em
voz baixa: — Eu não apenas ouvirei, mas agradecerei seus preceitos se o
senhor não os apresentar diante de tantas testemunhas.
— De onde vêm — perguntou ele, severamente — estas distinções vãs e
superficiais? A senhorita não dança em público? O que a torna mais
evidente? Não se veste para ser admirada e caminha para ser observada? Por
que, então, este escrúpulo fantástico, injustificado pela razão, não sustentado
pela analogia? A loucura só serve para ser publicada? Só a vaidade deve ser
exibida? Oh, escravos da contradição insensata! Oh, fracos seguidores de
preconceitos ainda mais fracos! Ousando ser perversos, mas temendo a
sabedoria; intrépidos na leviandade, mas recuando diante do nome da virtude!
A última parte desta preleção, durante a qual ele se dirigiu com energia
para todo o grupo, provocou o alarme geral, todas as damas saíram
apressadamente da sala e todos os cavalheiros se esforçaram para entrar,
igualmente curiosos para ver quem era o homem que fazia o discurso. Assim,
Cecilia considerou a situação insuportável: — Tenho que ir — exclamou ela
—, quer haja carruagem ou não! Por favor, Mrs. Harrel, vamos embora!
Então, Sir Robert ofereceu-se para segurar sua mão, a qual ela estava
disposta a lhe conceder, mas, enquanto a multidão dificultava sua passagem,
Albany, seguindo-a e impedindo-a de prosseguir, perguntou: — Do que tem
medo? De um velho miserável, desgastado pelas tristezas desta mesma
experiência com a qual ele te oferece conselhos? Em quem a senhorita
confia? Em um desgraçado libertino, que não cobiça nada além de sua
riqueza, pelo presente que ele vai retribuir com a perversão de seus
princípios?
— Que diabos quer dizer com isso? — perguntou o baronete.
— Quero mostrar — respondeu ele, austeramente — a inconsistência da
falsa delicadeza; mostrar como aqueles que são muito tímidos para a verdade
podem enfrentar sem medo a libertinagem.
— Pelo amor de Deus, senhor — exclamou Cecilia —, não diga mais nada
agora! Vá me visitar em Portman Square quando quiser, critique minhas
ações que achar reprováveis, ficarei grata pelas suas instruções e melhorada,
talvez, pelos seus cuidados, mas as lições e os avisos em público não podem
me trazer nada além de prejuízo.
— Que felicidade! — exclamou ele. — Ninguém mais sai prejudicado
quando está ao seu lado! Imaculada era, então, a hora do perigo, radiante,
bela e resplandecente a tua passagem para a segurança! O bom a receberia
com louvor, o culpado suplicaria suas orações, os pobres a seguiriam com
bênçãos, e as crianças seriam ensinadas pelo seu exemplo.
Ele, então, deixou-a, e todos abriram caminho enquanto ele se movia em
direção ao grande salão. Como a carruagem de Mrs. Harrel foi anunciada ao
mesmo tempo, Cecilia não perdeu um minuto e saiu apressadamente.
Sir Robert, enquanto a conduzia, ria desdenhosamente da aventura, pois a
licença geral concedida a Mr. Albany como um louco impedia-lhe de guardar
rancor, e também porque desprezava parecer envergonhado.
Mrs. Harrel não podia falar sobre outra coisa, e Cecilia também não
parecia estar disposta a mudar de assunto, pois os resquícios da loucura que
pareciam pesar sobre ele eram excêntricos sem serem alarmantes, e seu
desejo de saber mais sobre ele crescia a cada instante. Tal desejo, no entanto,
não sobreviveu à conversa a que deu origem; quando ela retornou aos seus
próprios aposentos, não levava nenhum vestígio do homem em sua mente,
que estava inteiramente ocupada com uma preocupação mais próxima e um
interesse mais profundo. O comportamento do jovem Delvile a tinha
magoado, agradado e perturbado; sua atuação para salvá-la daquela crueldade
poderia meramente proceder da sua valentia ou boa índole. Sobre este ponto,
portanto, ela pouco se deteve, mas seu entusiasmo, sua ansiedade, sua
insensibilidade para consigo mesma eram mais do que uma boa educação
poderia alegar, e pareciam surgir de um motivo menos artificial. A esta
altura, portanto, ela acreditava que sua parcialidade havia sido restaurada, e
esta crença tinha o poder de abalar todas as suas resoluções e enfraquecer
todas as suas objeções. A arrogância de Mr. Delvile diminuía em suas
reflexões, e as advertências de Mr. Monckton diminuíam em sua influência.
Com o primeiro, ela considerou que, embora houvesse uma conexão, não era
obrigada a conviver, e, quanto ao segundo, embora reconhecesse a excelência
do seu julgamento, concluiu que ele ignorava completamente os sentimentos
de Delvile, os quais, ela imaginava, uma vez revelados, fariam todos os
obstáculos à aliança parecerem insignificantes, se comparados à estima e
afeição mútuas.
CAPÍTULO 35

UMA DESAPROVAÇÃO

A atenção de Cecilia aos seus próprios assuntos não a fez abandonar o


assunto dos Harrels, e, na manhã seguinte ao dia agitado recém-registrado,
assim que deixou a sala de café da manhã, ela começou a escrever uma carta
para Mr. Monckton, mas foi interrompida com a informação de que ele já
estava na casa. Ela foi até ele imediatamente e teve a satisfação de encontrá-
lo sozinho. Porém, como estava desejosa por lhe relatar as transações do dia
anterior, havia em seu semblante uma gravidade tão incomum que sua
impaciência foi involuntariamente detida, e ela esperou primeiro para saber
se ele mesmo tinha algo para lhe dizer. Ele a manteve em suspense por pouco
tempo: — Miss Beverley — disse ele —, trago informações das quais,
embora saiba que lamentará muito em ouvir, é absolutamente necessário que
seja informada imediatamente; do contrário, a senhorita poderá, pelos
motivos mais louváveis, ser levada a alguma ação que poderá fazer com que
se arrependa pelo resto da vida.
— O quê? — perguntou Cecilia, muito alarmada.
— Tudo o que eu suspeitava — disse ele —, e mais ainda do que insinuei,
é verdade. Mr. Harrel é um homem arruinado! Não vale um centavo e está
endividado além do que jamais possuiu.
Cecilia não respondeu: ela conhecia muito bem o estado desesperado de
seus negócios, mas que suas dívidas iam além do que ele jamais possuíra, ela
não havia pensado ser possível.
— Minhas investigações — continuou ele — foram feitas entre pessoas
importantes, e elas não ousariam me enganar. Portanto, eu me apressei em
vê-la para que este aviso oportuno possa fazer cumprir as advertências que fiz
à senhorita quando tive o prazer de vê-la pela última vez, e evitar que uma
generosidade equivocada a leve a qualquer prejuízo de sua própria fortuna,
em favor de um homem que está além de todo o alívio que possa lhe dar, e
que não pode ser salvo, mesmo que a senhorita fosse destruída por sua causa.
— O senhor é muito bom — disse Cecilia —, mas seu conselho veio tarde
demais — ela, então, o informou brevemente sobre o que havia acontecido e
a quantia da qual se desfizera.
Ele a ouviu com raiva, espanto e horror. Depois de atacar Mr. Harrel nos
termos mais amargos, ele disse: — Mas por que, antes de assinar seu nome
para uma imposição tão básica, a senhorita não mandou me chamar?
— Eu queria chamá-lo, esta era a minha intenção — disse ela —, mas eu
achei que já havia passado o momento que o senhor poderia me ajudar;
como, de fato, o senhor poderia ter me salvado? Minha palavra havia sido
dada, dada com um juramento solene, o primeiro que já fiz em minha vida.
— Um juramento forçado — respondeu ele —, que a consciência mais
delicada teria desobrigado a senhorita de mantê-lo. Na verdade, tal juramento
lhe foi grosseiramente imposto, e me perdoe se agrego inexplicavelmente à
culpa. Não estava claro que um alívio assim circunstanciado deveria ser
temporário? Se sua ruína fosse algo menos do que certa, quais comerciantes
teriam sido assim insolentes? Portanto, a senhorita se privou do poder de
fazer o bem a um objeto mais digno, meramente para conceder uma data mais
longa à extravagância e à vilania.
— Mas, como eu poderia agir de outra forma? — peguntou Cecilia,
profundamente tocada pela desaprovação. — Será que poderia ver um
homem em agonia e desespero, ouvi-lo primeiro insinuar sombriamente sua
própria destruição, e depois contemplá-lo quase no próprio ato de suicídio,
com o instrumento de autoextermínio em sua mão desesperada? E mesmo
assim, embora ele colocasse sua vida em minhas mãos, ainda que me dissesse
que eu poderia salvá-lo e que não tinha nenhum outro recurso, como eu
poderia permitir que, em seu terrível desânimo, ele recusasse minha ajuda
para livrá-lo da perdição e para salvar o que, afinal, sou bem capaz de
prescindir? Como poderia permitir que um semelhante, que se colocou à
disposição da minha misericórdia, oferecesse sua última prestação de contas
com um ato pior do que qualquer outro que o precedeu? Não, não posso me
arrepender do que fiz, embora lamente, de fato, que o objeto não seja mais
merecedor.
— Suas declarações — disse Mr. Monckton —, assim como tudo o mais
que já a ouvi dizer, não inspiram nada além de benevolência e bondade; mas
sua compaixão foi abusada e sua compreensão imposta. Mr. Harrel não tinha
intenção de destruir a si mesmo, foi tudo um truque infame, o qual, se sua
generosidade não fosse muito conhecida, nunca teria sido praticado.
— Não posso pensar tão mal dele — disse Cecilia —, por nada no mundo
eu teria arriscado minhas próprias reprovações futuras confiando em tal
suspeita, a qual, se tivesse um resultado equivocado, e se Mr. Harrel, após
minha recusa, tivesse cometido o ato fatal, sua morte ficaria sobre minha
própria consciência para sempre! Certamente o experimento teria sido muito
arriscado, quando a consequência tinha toda a minha paz futura em seu
poder.
— É impossível não reverenciar seus escrúpulos — disse Mr. Monckton
—, mesmo quando eu os considero sem causa, pois sem causa eles eram, sem
a menor dúvida. Um homem capaz de desempenhar um papel tão atroz, de
roubar tão escandalosamente uma jovem que é sua hóspede e protegida, e
aproveitar-se de seu temperamento para saquear sua fortuna e extorqui-la
com os talentos mais vis e desonrosos, destinados apenas a aterrorizá-la e
conseguir sua obediência, pois não passa de um canalha completo, capaz de
todas as espécies de vilania.
Ele, então, protestou que iria ao menos informar seus outros tutores sobre
o que havia acontecido e perguntar se havia alguma possibilidade de
reparação.
Cecilia, porém, não teve muita dificuldade para combater a proposta, pois,
embora suas objeções, que eram meramente de meticulosa honra e
delicadeza, não significassem nada para um homem que as considerasse
absurdas, ainda assim, os seus próprios temores de parecer envolvido demais
nos seus assuntos o obrigaram, depois de alguma deliberação, a renunciar ao
projeto.
— Além disso — disse Cecilia —, como tenho sua garantia de pagamento
pelo montante do qual me desfiz, não tenho, pelo menos, o direito de me
queixar, a menos que, depois de receber seus aluguéis, ele se recuse a me
pagar.
— Sua garantia! Seus aluguéis?! — exclamou Mr. Monckton. — Qual é a
garantia de um homem que não vale um guinéu? E quais são seus aluguéis,
quando tudo o que ele já possuiu deve ser vendido antes do vencimento, e
quando ele mesmo não receberá um centavo pela venda, já que não possui
terreno, casa ou posse de qualquer tipo que não esteja hipotecada?
— Se for assim, tudo está acabado! — disse Cecilia. — Sinto muito, estou
triste! Mas isto é passado, e, portanto, não me resta mais nada a não ser tentar
esquecer que um dia fui mais rica!
— Esta é uma filosofia bem juvenil — disse Mr. Monckton —, mas não
diminuirá seu arrependimento no futuro, quando a senhorita conhecer melhor
o valor do dinheiro.
— Se devo pagar caro pela minha experiência — disse Cecilia —,
permita-me ficar mais atenta para fazer um bom uso dela, e, uma vez que
minha perda me parece irremediável, permita-me ao menos me esforçar para
garantir sua utilidade para Mr. Harrel.
Ela então revelou a ele seu desejo de propor àquele cavalheiro algum
plano de mudança, enquanto os eventos do dia anterior ainda estavam frescos
em sua mente, mas Mr. Monckton, que mal teve paciência para ouvi-la,
exclamou: — Ele é um miserável e merece toda a desgraça que está
cortejando! O que é necessário agora é protegê-la de suas maquinações
futuras, pois a senhorita pode estar envolvida em uma ruína tão profunda
quanto a dele. Ele agora sabe como assustá-la e não deixará de usar esse
conhecimento.
— Não, senhor — respondeu Cecilia —, se tentar novamente será em vão.
Não posso me arrepender por não ter me aventurado a enfrentar suas ameaças
no dia de ontem, mas muito pouco é o conforto que sinto pelo que concedi a
ponto de considerar me desfazer de mais.
— Sua resolução — respondeu ele — será tão débil quanto sua
generosidade será potente; não confie em si mesma e abandone sua casa
imediatamente. Do contrário, acabará se responsabilizando por todas as
dívidas que ele contrair, e quaisquer que sejam suas dificuldades no futuro,
ele saberá que para se livrar delas basta falar em morte e lhe mostrar uma
espada ou uma pistola.
— Neste caso — disse Cecilia, baixando os olhos enquanto falava —,
suponho que deva voltar para a casa de Mr. Delvile.
Este não era de modo algum o objetivo de Mr. Monckton, que não via
mais perigo para sua fortuna com um de seus tutores do que perdê-la para
sempre se ela fosse para a casa de Mr. Delvile. Portanto, ele se aventurou a
recomendar a ela viver com Mr. Briggs, pois sabia muito bem que sua casa
seria uma garantia de que ela não encontraria nenhum homem igual a ele
mesmo, e esperava que sob o seu teto ele pudesse ser novamente tão
incomparável em sua opinião e estima como antes, quando vivia no campo.
Porém, neste ponto a oposição de Cecilia foi séria demais para que
houvesse qualquer esperança de que pudesse ser superada, pois, além de sua
antipatia por Mr. Briggs, sua repugnância pela residência foi fortemente,
ainda que silenciosamente, ampliada por sua secreta inclinação de retornar a
St. James’s Square.
— Não menciono Mr. Briggs como um anfitrião elegível — disse Mr.
Monckton, depois de ouvir suas objeções —, mas apenas como alguém mais
apropriado para a senhorita do que Mr. Delvile, com quem sua conexão neste
momento seria considerada o maior erro do mundo.
— O maior erro, senhor? Por quê?
— Porque ele tem um filho, por quem se concluiria universalmente que a
senhorita mudou de endereço, e dar qualquer pretensão a tal falatório, de
maneira alguma estaria de acordo com a delicadeza habitual da sua conduta.
Cecilia ficou confusa com o discurso: a verdade da acusação e a
probabilidade de censura que não se atrevia a discutir.
Ele então fez mil advertências sobre o cuidado a ser tomado com os
esquemas e artimanhas de Mr. Harrel, que ele previa seriam inúmeros.
Também disse que, com respeito a Sir Robert Floyer, achava melhor que ela
deixasse o falatório diminuir por si mesmo, o que com o tempo deveria
necessariamente acontecer, do que lhe dar tanta importância a ponto de enviar
uma mensagem ao baronete, a partir da qual ele poderia fingir que até então
ela estivera vacilando, ou a teria enviado antes. Mas o verdadeiro motivo
deste conselho era que, como achava que Sir Robert não era temido de forma
alguma, esperava que o falatório, se divulgado e acreditado de forma
generalizada, pudesse afastar outros pretendentes e intimidar ou enganar o
jovem Delvile.
No entanto, o propósito pelo qual Cecilia havia desejado a conferência
ficou sem resposta. Mr. Monckton, enfurecido pela conduta de Mr. Harrel,
recusou-se a falar sobre seus negócios e só conseguia mencionar seu nome
com repugnância. Cecilia, porém, menos severa em seu julgamento e mais
terna em seu coração, ainda não desistira da esperança da mudança que tão
ansiosamente desejava, e como não havia outra pessoa a quem recorrer,
decidiu consultar Mr. Arnott, cujo afeto pela irmã lhe daria um estímulo em
um assunto que, de alguma maneira, poderia substituir as habilidades
superiores. Na verdade, não havia tempo a perder antes de fazer a tentativa
planejada, pois, assim que o perigo imediato de sofrimento foi removido, o
alarme foi dissipado, e a penitência, esquecida. Tudo seguia como de
costume, não havia novas regras, as despesas não foram reduzidas, nenhum
prazer foi abandonado, nenhum pensamento sobre o futuro admitido, e por
mais desastrosa e terrível que tivesse sido a tempestade, não havia nenhum
traço dela visível na serenidade da calma presente.
Uma oportunidade para discutir o assunto com Mr. Arnott surgiu
rapidamente. Mr. Harrel disse que tinha observado nos olhares dos seus
amigos no Panteão muita surpresa ao vê-lo, e declarou que deveria tomar
mais uma medida para remover todas as suspeitas. Ele ofereceria um
esplêndido entretenimento na sua própria casa, para o qual tinha a intenção de
convidar todas as pessoas de qualquer importância que já vira em sua vida, e
quase todas as pessoas de quem já ouvira falar. Uma leviandade tão
insensível e um espírito de extravagância tão irrecuperável eram prognósticos
desesperadores. No entanto, Cecilia não desistiu do seu projeto; ela
aproveitou a primeira oportunidade para falar com Mr. Arnott sobre o
assunto, ocasião em que expressou abertamente sua inquietude pela situação
da sua irmã e calorosamente reconheceu seu descontentamento com o seu
modo de vida dispendioso. Mr. Arnott logo demonstrou que o exemplo era
tudo o que precisava para declarar os mesmos sentimentos. Ele admitiu que
há muito tempo desaprovava a conduta de Mr. Harrel e temia pela situação da
irmã. Eles então consideraram o que seria possível propor para recuperar seus
negócios e concluíram que abandonar Londres por completo durante alguns
anos era a única possibilidade que lhes restava para salvá-los da destruição
absoluta. Mr. Arnott, portanto, embora temeroso e avesso à conversa,
compartilhou com a irmã o conselho mútuo. Ela agradeceu, disse que estava
muito agradecida e que certamente consideraria sua proposta e a mencionaria
a Mr. Harrel. No entanto, reuniões sociais interferiram e a promessa foi
negligenciada. Cecilia pessoalmente abordou o assunto. Mrs. Harrel, mais
abrandada por seus recentes atos de bondade, não se sentiu ofendida com sua
interferência, mas contentou-se em confessar que odiava o campo e só podia
suportar viver lá durante o verão. Quando Cecilia protestou seriamente sobre
a fraqueza de tal objeção a um passo absolutamente necessário para sua
segurança e felicidade futuras, ela disse que não poderia fazer pior do que se
já estivesse arruinada e que, portanto, pensava que seria muito difícil esperar
que ela fizesse tal sacrifício de antemão.
O protesto de Cecilia foi em vão; o amor de Mrs. Harrel pelo divertimento
era mais forte do que sua compreensão e, portanto, embora a ouvisse com
paciência, concluiu com a mesma resposta que havia começado. Cecilia,
então, de forma quase impiedosa, decidiu conversar com o próprio Mr.
Harrel. Ela aproveitou uma oportunidade quando ele não teve tempo de
escapar, e ingenuamente lhe comunicou a sua opinião sobre o perigo e a
maneira como poderia ser evitado. Ele prestou atenção incomum ao seu
conselho, mas disse que ela estava muito enganada com respeito aos seus
negócios, que ele acreditava que deveria recuperá-los rapidamente, pois na
noite anterior havia tido uma sorte incomum e se lisonjeava de poder muito
em breve pagar todas as suas dívidas e recomeçar a vida em um novo
patamar. Tal confissão aberta não passou de mais uma comoção para Cecilia,
que não teve escrúpulos para lhe apresentar sua incerteza em uma
dependência tão perigosa e os males inevitáveis de uma prática tão destrutiva.
No entanto, ela não causou a menor impressão em sua mente; ele lhe
assegurou que duvidava de que não pudesse em breve lhe apresentar um bom
relatório sobre si mesmo, e que viver no campo era um recurso desesperado
que não precisava ser antecipado.
Cecilia, embora magoada e irritada tanto pela sua loucura quanto pela sua
cegueira, não pôde prosseguir; ela não poupou conselhos e advertências, mas
não tinha autoridade para usá-los. Ela lamentou sua tentativa ineficaz com
Mr. Arnott, que fora ainda mais cruelmente atingido pelo fato, mas, embora
conversassem sobre o assunto em todas as oportunidades, eram igualmente
incapazes de relatar qualquer êxito em seus esforços, ou de conceber qualquer
plano mais provável para assegurá-lo.
CAPÍTULO 36

UM ENGANO

Neste ínterim, o jovem Delvile não deixou de retribuir a honra que Cecilia
lhe concedeu ao apresentá-lo a Mr. Harrel, fazendo uma visita ao cavalheiro
assim que os efeitos nocivos de seu acidente no Panteão permitiram que
deixasse sua própria casa. Mr. Harrel, embora estivesse de saída quando ele
chegou, estava desejoso de se relacionar com sua família e, portanto, levou-o
ao andar de cima para apresentá-lo à sua esposa e convidou-o para um chá
com carteado na noite seguinte.
Cecilia, que estava com Mrs. Harrel, não o viu sem emoção, a qual não foi
diminuída pela tarefa de agradecê-lo por sua ajuda no Panteão e perguntar
como havia se saído. No entanto, não houve nenhum sinal de emoção em
retribuição, seja quando ele se dirigiu a ela pela primeira vez, ou depois de
responder às suas perguntas. O olhar de solicitude que tanto a impressionara
quando eles se separaram não era mais discernível, e a voz da sensibilidade
que havia removido todas as suas dúvidas não era mais ouvida. Sua
tranquilidade e alegria natural voltaram a ser imperturbáveis, e, embora nunca
tivesse parecido realmente indiferente a ela, não havia o menor sinal de
qualquer parcialidade adicional.
Cecilia sentiu uma mortificação involuntária ao observar tal mudança;
ainda assim, depois de alguma reflexão, ela atribuiu ao seu comportamento o
engano quanto à sua situação e, portanto, ficou ainda mais satisfeita com a
preferência que ele ocasionalmente revelava.
O convite para a noite seguinte foi aceito, e Cecilia, pela primeira vez, não
sentiu repugnância ao juntar-se ao grupo. O jovem Delvile estava novamente
de excelente humor, mas, embora seu prazer principal fosse evidentemente
conversar com ela, Cecilia ficou aflita ao observar que ele parecia considerá-
la propriedade indubitável do baronete, sempre recuando quando este se
aproximava. Porém, quando Sir Robert ficou entretido com as cartas, tendo
cessado todos os seus escrúpulos, ele quase a absorveu completamente.
Estava ansioso para lhe contar sobre a situação de Mr. Belfield, a qual,
segundo ele, estava agora muito melhor. Na verdade, a carta de
recomendação que havia lhe mostrado tinha fracassado, pois o nobre em
questão já havia firmado um compromisso para o seu filho, mas ele havia
feito um pedido em outro lugar e acreditava que seria bem-sucedido; e ele
tinha comunicado todas as suas ações a Mr. Belfield, cujo ânimo esperava
fosse recuperado com a perspectiva de emprego e benefícios.
— É bem verdade — acrescentou ele — que eu preferia ter obtido o seu
consentimento para os passos que estou tomando no lugar da sua aprovação
dos mesmos, mas não creio que, se o tivesse consultado anteriormente, eu o
teria. Decepcionado por seus pontos de vista tão superiores, seu espírito está
quebrantado e, sem esperanças, dificilmente é condescendente para aceitar o
alívio, devido à amarga lembrança da indicação que aguardava. O tempo,
porém, enfraquecerá esta sensibilidade aguda e a reflexão o fará envergonhar-
se desta delicadeza irracional. Nós devemos consolá-lo pacientemente até que
seja mais ele mesmo, ou, enquanto pretendemos lhe servir, apenas o
atormentamos. A doença, a tristeza e a pobreza caíram pesadamente sobre
ele, e todas de uma vez; não devemos, portanto, nos admirar por encontrá-lo
intratável, quando sua mente está tão deprimida quanto seu corpo está
debilitado.
Cecilia, a quem sua franqueza e generosidade sempre proporcionavam um
novo deleite, reforçou suas opiniões com seu assentimento e confirmou seus
desígnios com o interesse que nutria por eles.
A partir de então, ele quase diariamente encontrava uma ocasião para
visitar Portman Square. A devoção de Cecilia em favor de Mr. Belfield lhe
conferia o direito de comunicá-la acerca de todos os processos que lhe diziam
respeito; ele sempre tinha uma carta para mostrar, um novo esquema a
propor, alguma recusa a lamentar ou alguma esperança para se alegrar;
quando tudo o mais falhou, Cecilia apanhou um resfriado, o que o fez
perguntar por sua saúde; em outras ocasiões, Mrs. Harrel lhe fazia um
convite, o que tornava qualquer desculpa desnecessária. Mas, embora sua
intimidade com Cecilia aumentasse, embora sua admiração por ela fosse
conspícua e seu apreço pela sua companhia parecesse crescer com o desfrute
da mesma, ele nunca manifestava qualquer dúvida sobre o seu compromisso
com o baronete, nem traía sua intenção ou desejo de suplantá-lo. Cecilia, no
entanto, não se lamentava muito pelo engano, já que acreditava que a situação
seria determinante para obter um conhecimento mais imparcial de sua
personalidade, daquilo que poderia racionalmente esperar se, assim como
esperava, a explicação do seu engano o fizesse procurar sua boa opinião com
mais estudo e planejamento.
Para contentar-se não apenas com o irmão, mas também com a irmã, ela
voltou a visitar Miss Belfield, e teve o prazer de encontrá-la de melhor humor
e de ouvir que o nobre amigo do seu irmão, de quem ela já havia falado, e de
quem Cecilia havia antes suspeitado ser o jovem Delvile, havia agora lhe
indicado um método de conduta pelo qual seus negócios poderiam ser
decentemente recuperados e ele mesmo poderia ser empregado de maneira
digna de crédito. Miss Belfield falou sobre o plano com grande satisfação; no
entanto, reconheceu que sua mãe estava extremamente insatisfeita e que seu
próprio irmão fora mais levado pela vergonha do que pela inclinação da sua
aplicação. Mesmo assim, ele estava evidentemente mais tranquilo, ainda que
longe de ser feliz, e tão melhor, que Mr. Rupil dissera que muito em breve
poderia deixar seu quarto.
Tal era a situação tranquila e feliz de Cecilia, quando uma noite, que era
destinada a receber companhia em casa, enquanto estava sozinha na sala de
estar, da qual Mrs. Harrel acabara de sair para responder uma mensagem, Sir
Robert Floyer acidentalmente subiu as escadas antes dos outros cavalheiros.
— Ah! — exclamou ele no momento em que a viu. — Finalmente tenho a
sorte de encontrá-la sozinha. Este é um privilégio que pensei que me seria
sempre negado.
Ele estava se aproximando dela, mas Cecilia, que se encolheu
involuntariamente ao vê-lo, estava se afastando rapidamente para deixar a
sala, quando de repente lembrou-se de que não haveria oportunidade melhor
para uma explicação final e deteve-se indecisa; Sir Robert imediatamente
tomou sua mão, pressionou-a contra os lábios enquanto ela tentava retirá-la e
exclamou: — A senhorita é uma criatura muito encantadora!
Neste momento, a porta foi aberta, e o jovem Delvile foi anunciado e
apareceu.
Cecilia, corando violentamente e extremamente envergonhada,
desvencilhou-se apressadamente da sua mão. Delvile parecia inseguro se
deveria retirar-se ou não, o que Sir Robert logo notou; ele fez uma reverência
com ar de triunfo e aborrecimento misturados e disse: — Meu senhor, seu
servo mais obediente!
No entanto, a dúvida de cada um sobre o que fazer a seguir foi
imediatamente eliminada pelo regresso de Mrs. Harrel e pela chegada quase
ao mesmo tempo dos demais convidados.
O restante da noite foi passado, por parte de Cecilia, da forma mais
dolorosa: a explicação que planejara terminara pior do que imaginara, pois,
ao permitir que o baronete a detivesse, ela havia demonstrado mais
disposição a seu favor do que qualquer intenção para descartá-lo; e a situação
em que fora surpreendida pelo jovem Delvile foi a gota d’água para
confirmar as suspeitas que ela tão pouco desejava que ele nutrisse. Mas o
acidente pareceu não ocasionar nenhuma outra alteração em lorde Delvile,
além de deixá-lo mais dedicado do que o habitual, e a ceder espaço a Sir
Robert sempre que este se aproximasse dela. Sir Robert também não hesitou
em aproveitar-se desta atenção: ele estava muito animado, conversava com
ela com mais liberdade e exibiu durante toda a noite um ar de exultante
satisfação.
Cecilia, irritada pela sua presunção, magoada pelo comportamento do
jovem Delvile e mortificada pelo caso como um todo, resolveu não mais
permitir que o engano ficasse nas mãos da casualidade, mas recorrer
imediatamente a Mr. Delvile sênior, e solicitar, na qualidade de seu guardião,
que ele procurasse o próprio Sir Robert e o informasse de que sua
perseverança em persegui-la era inútil e ofensiva. Através desta medida ela
esperava desvencilhar-se para sempre do baronete e descobrir mais
plenamente quais eram os sentimentos do jovem Delvile, pois a irritação que
acabara de suportar consumiu toda a sua paciência para esperar o conselho de
Mr. Monckton.
CAPÍTULO 37

UMA EXPLICAÇÃO

Assim, na manhã seguinte, Cecilia partiu cedo para St. James’s Square, e,
após as cerimônias habituais de mensagens e longa espera, ela foi conduzida
a uma sala onde encontrou Mr. Delvile e seu filho. Ela se alegrou ao vê-los
juntos e decidiu informar ambos sobre o significado da sua visita. Portanto,
após algumas desculpas e uma certa hesitação, ela disse a Mr. Delvile que,
encorajada por suas ofertas de servi-la, havia tomado a liberdade de procurá-
lo com o objetivo de pedir sua ajuda.
O jovem Delvile levantou-se imediatamente e teria deixado a sala, mas
Cecilia lhe garantiu que preferia que o que dissesse fosse conhecido e não
mantido em segredo e implorou que ele não se incomodasse em sair. Delvile,
satisfeito com a permissão para ouvi-la e curioso para saber o que se seguiria,
prontamente voltou ao seu lugar.
— Eu não deveria de forma alguma — continuou ela — ter pensado em
proclamar, mesmo ao mais íntimo dos meus amigos, a parcialidade que Sir
Robert teve o prazer de me demonstrar se ele tivesse me deixado a escolha de
publicá-la ou ocultá-la. Pelo contrário, seu próprio comportamento parece ter
a intenção não apenas de exibi-la, mas de insinuar que conta com a minha
aprovação. O próprio Mr. Harrel, estimulado por uma amizade muito
calorosa, também tem encorajado esta crença; nem eu mesma sei onde este
engano termina, nem quais são os rumores que ele não tem escrúpulos em
afirmar, mas acredito que não deva mais negligenciá-los e, portanto, presumi
que poderia solicitar seu conselho sobre qual a maneira mais eficaz para
contradizê-lo.
A extrema surpresa do jovem Delvile com o discurso não foi mais
evidente do que agradável para Cecilia, para quem ela explicava tudo o que
havia deixado confuso em sua conduta, ao mesmo tempo em que estimulava
todas as expectativas que ela desejava encorajar.
— O comportamento de Mr. Harrel — respondeu Mr. Delvile — de forma
alguma me deixa esquecer que seu pai era filho de um mordomo de Mr.
Grant, que vivia na vizinhança de meu amigo e parente, o duque de Derwent,
nem consigo me parabenizar o suficiente por ter sempre recusado qualquer
relacionamento com ele. O falecido reitor, na verdade, cometeu a
impropriedade mais estranha ao nomear Mr. Harrel e Mr. Briggs juntamente
com minha pessoa. Entretanto, tal impropriedade, embora extremamente
ofensiva para mim, jamais suprimiu da minha mente a estima que eu tinha
pelo reitor, nem posso dar maior prova disso do que a prontidão que sempre
demonstrei para oferecer meus conselhos e instruções à sua sobrinha. Mr.
Harrel, portanto, certamente deveria ter solicitado a Sir Robert Floyer que me
informasse de suas propostas antes de lhe dar qualquer resposta.
— Sem dúvida, senhor — disse Cecilia, disposta a abreviar a cantilena —,
mas como ele se descuidou desta intenção, o senhor me acharia muito
impertinente se eu implorasse o seu favor de falar o senhor mesmo com Sir
Robert e explicar a ele a total ineficácia da sua perseguição, já que minha
determinação contra ele é inalterável?
Naquele momento a conferência foi interrompida pela entrada de um
criado que disse algo a Mr. Delvile, o que ocasionou que ele se desculpasse
com Cecilia por deixá-la por alguns instantes e ostensivamente lhe garantisse
que nenhum assunto, por mais importante que fosse, deveria impedi-lo de
pensar no seu pedido ou de voltar para ela o mais rápido possível. O espanto
do jovem Delvile com a força das suas últimas palavras o manteve em
silêncio por algum tempo depois que seu pai deixou a sala. Então, com um
semblante que ainda revelava seu espanto, ele disse: — É possível, Miss
Beverley, que por duas vezes eu tenha sido tão flagrantemente enganado? Ou
melhor, que toda a cidade, e até mesmo o mais íntimo dos seus amigos,
deveria ter persistido tão inexplicavelmente em um erro?
— Quanto à cidade — respondeu Cecilia —, não sei como podem ter se
preocupado com um assunto tão insignificante; quanto aos meus amigos
íntimos, tenho tão poucos que é improvável que alguma vez tenham sido tão
estranhamente mal informados.
— Perdoe-me — disse ele —, eu obtive a informação de alguém que
deveria saber.
— Eu suplico, então — disse Cecilia —, que me informe quem foi?
— Foi o próprio Mr. Harrel quem disse a uma dama na minha presença e
na frente de todos.
Cecilia ergueu os olhos com admiração e indignação por uma prova tão
incontestável da sua falsidade, mas não respondeu.
— Mesmo assim — continuou ele —, eu não posso ter me enganado tanto:
seu compromisso parecia tão positivo, sua conexão tão irrecuperável... tão
certa, eu quero dizer.
Ele hesitou, um pouco envergonhado, mas, de repente, exclamou: — Mas
de onde, senão de forma favorável, se é indiferente tanto a Sir Robert quanto
a Belfield, de onde veio aquela apreensão entusiasmada por sua segurança na
Opera House? Eu nunca poderei esquecer: “Detenham-no! Meu Deus!
Ninguém irá detê-lo?” Palavras de ansiedade tão ternas! E sons que ainda
vibram nos meus ouvidos.
Cecilia, por sua vez, surpreendida pela força das suas expressões,
enrubesceu e, por alguns instantes, hesitou em responder, mas então, para não
deixar dúvidas sobre nada que estivesse relacionado a um relato tão
desagradável, resolveu contar-lhe ingenuamente as circunstâncias que haviam
ocasionado seu alarme e, portanto, embora sua modéstia fosse um tanto
dolorosa, confessou seus temores de ter sido ela mesma a causadora da
afronta, embora sua única intenção tenha sido desacreditar Sir Robert, sem
querer mostrar qualquer distinção por Mr. Belfield.
Delvile, que parecia encantado com a franqueza da explicação, disse,
quando ela terminou: — A senhorita está então livre? Ah, madame! Quantos
podem lamentar uma descoberta tão perigosa.
— O senhor chegou a pensar — disse Cecilia, esforçando-se para falar
com naturalidade — que Sir Robert Floyer poderia ser considerado tão
irresistível?
— Oh, não! — exclamou ele. — Muito pelo contrário. Mil vezes eu
duvidei da sua felicidade, mil vezes, depois de ter visto a senhorita e de tê-la
escutado, eu achei que seria impossível, mas minha autoridade parecia
indiscutível. E como desacreditar o que não foi dito como conjectura, mas
afirmado como um fato? Afirmado, também, pelo tutor com quem vivia, e
não sugerido como um segredo, mas afirmado como um fato estabelecido?
— No entanto, certamente — disse Cecilia —, o senhor me ouviu fazer
uso de expressões que não poderiam deixar de levá-lo a supor que havia
algum engano, qualquer que seja a autoridade que tenha conquistado sua
crença.
— Não — respondeu ele —, nunca imaginei que houvesse algum engano,
embora às vezes pensasse que a senhorita se arrependia do compromisso. Na
verdade, cheguei à conclusão de que a senhorita tinha sido imprudentemente
atraída para ele, e até mesmo, em algumas ocasiões, fui tentado a confessar
minhas suspeitas, declarar sua independência e incentivá-la... como um
amigo, incentivá-la a ter coragem, e, se estivesse algemada contra sua
vontade, de maneira incauta ou indigna, a quebrar os elos das correntes pelas
quais estava confinada e restaurar aquela liberdade de escolha, de cujo uso,
em última instância, depende toda a felicidade. Mas eu duvidava de que isso
fosse honorável para o baronete, e qual era, de fato, meu direito para tomar
tal liberdade? Nenhum do qual qualquer homem não possa vir a se orgulhar,
um desejo de honrar a mim mesmo, sob o pretexto desinteressado de servir a
mais amável das mulheres.
— Mr. Harrel — disse Cecilia — tem sido tão estranhamento fanático por
seu amigo, que, em sua ânsia de manifestar sua consideração por ele, parece
ter se esquecido de todas as outras considerações; de outra forma, ele não
teria espalhado tão amplamente uma notícia que mal suportaria uma
investigação.
— Mas, se Sir Robert — respondeu ele — engana a si mesmo enquanto
engana os demais, quem pode abster-se de sentir pena dele? Da minha parte,
no lugar de reclamar do meu engano, não deveria antes abençoar um erro que
pode ter sido minha proteção contra o perigo?
Cecilia, angustiada com a maneira de apoiar sua parte na conversa,
começava agora a desejar o retorno de Mr. Delvile e, sem saber mais o que
dizer, expressou sua surpresa pela sua longa ausência.
— Não é, de fato, oportuno — disse o jovem Delvile —, no momento em
que... — ele deteve-se e exclamou: — Que intervalo perigoso! — ele se
levantou do seu assento em manifesta desordem.
Cecilia também se levantou e, apressadamente, tocou a campainha e disse:
— Estou certa de que Mr. Delvile está detido e, portanto, solicitarei minha
liteira e voltarei em outra hora.
— Eu a estou assustando? — perguntou ele, assumindo uma aparência
mais plácida.
— Não — respondeu ela —, mas eu não gostaria de apressar Mr. Delvile.
Um criado surgiu e disse que a liteira estava pronta.
Ela o teria seguido imediatamente, mas o jovem Delvile novamente falou e
ela parou por um momento para ouvir: — Eu temo — disse ele, com muita
hesitação — que tenha me exposto de maneira peculiar, e a senhorita não
deve, mas tamanha surpresa... — deteve-se novamente em meio a uma
confusão de ideias, e então acrescentou: — A senhorita permitiria que eu a
acompanhasse até sua liteira? — ele a conduziu escada abaixo e, ao afastar-
se, curvou-se sem dizer uma palavra mais.
Cecilia, que estava quase totalmente indiferente a todas as partes da
explicação, exceto ao que realmente acontecera, encontrava-se em um estado
de felicidade mais prazeroso do que qualquer outro que já experimentara. Ela
não tinha dúvidas da sua influência sobre a mente do jovem Delvile, e a
surpresa que o fez mais trair do que expressar sua estima foi infinitamente
mais lisonjeira e satisfatória para ela do que qualquer declaração formal ou
direta. Ela o havia convencido de que estava descomprometida, e, em troca,
embora sem parecer ter a intenção de fazê-lo, ele a convencera do profundo
interesse que demonstrava pela descoberta. Sua perturbação, as palavras que
lhe escaparam e sua evidente luta para não dizer mais nada eram provas
exatamente como ela desejava receber de sua admiração parcial, pois,
enquanto satisfaziam seu coração, também acalmavam seu orgulho, já que
demonstravam uma certa falta de confiança no sucesso, o que lhe assegurava
que seu próprio segredo ainda era sagrado, e que nenhuma fraqueza ou
inadvertência de sua parte havia roubado o poder de mesclar a dignidade com
a franqueza com que ela pretendia receber seus discursos. Portanto, tudo o
que agora exigia cuidado era evitar qualquer compromisso indissolúvel até
que um fosse mais conhecido pelo outro.
No entanto, quanto a esta reserva, ela teve menos oportunidades do que
esperava; ela não voltou a ver o jovem Delvile naquele dia, nem ele apareceu
no seguinte. No terceiro, ela o aguardava avidamente, mas ele ainda não veio.
Enquanto se questionava do porquê de uma ausência tão incomum, ela
recebeu um bilhete de lorde Ernolf, solicitando sua permissão para vê-la por
apenas dois minutos, na hora em que ela desejasse.
Ela prontamente enviou uma resposta dizendo que deveria ficar em casa
pelo resto do dia, pois desejava muito uma oportunidade para encerrar todos
os assuntos, exceto um, e colocar sua mente em liberdade para pensar apenas
no que desejava que prosperasse. Lorde Ernolf estava em sua presença em
meia hora. Ela o achou sensato e bem-educado, extremamente desejoso de
promover sua aliança com seu filho, e aparentemente igualmente satisfeito
com ela e com sua fortuna. Ele lhe disse que havia se dirigido a Mr. Harrel há
algum tempo, mas fora informado de que ela estava realmente comprometida
com Sir Robert Floyer, e que deveria, portanto, ter evitado tomar qualquer
parte do seu tempo, se não tivesse, no dia anterior, durante uma visita a Mr.
Delvile, tomado conhecimento de que Mr. Harrel estava enganado e que ela
ainda não havia se declarado a favor de ninguém. Assim, ele esperava que ela
concedesse a seu filho a honra de visitá-la e que permitisse que ele
conversasse com Mr. Briggs, quem sabia ser seu guardião, sobre assuntos que
deveriam ser resolvidos rapidamente.
Cecilia agradeceu a honra que ele lhe concedia e confirmou a veracidade
do relato que ouvira em St. James’s Square, mas ao mesmo tempo lhe disse
que deveria recusar-se a receber visitas do seu filho, e suplicou que não
tomasse nenhuma medida para a promoção de um compromisso que nunca
poderia ter êxito. Ele pareceu muito preocupado com sua resposta e durante
algum tempo esforçou-se para suavizá-la, mas achou que ela fora tão firme,
embora cortês em sua recusa, que foi obrigado, ainda que a contragosto, a
desistir de sua tentativa.
Cecilia, depois que ele se foi, refletiu com muito desgosto sobre a
disposição dos Delviles em encorajar sua visita; entretanto, ela considerou
que ele poderia ter obtido a informação em uma conversa generalizada, mas
se culpava por não ter indagado qual parte da família ele tinha visto e quem
estava presente quando lhe deram a informação. Neste ínterim, ela descobriu
que nem a frieza nem a distância nem a aversão eram suficientes para
reprimir Sir Robert Floyer, que continuou a persegui-la com tanta confiança
no seu sucesso quanto poderia ter surgido com o maior encorajamento. Mais
uma vez, embora com muita dificuldade, ela conseguiu conversar com Mr.
Harrel sobre o assunto e acusou-o abertamente de divulgar uma informação
fora da casa, bem como de apoiar uma expectativa dentro da casa, que não
tinha nem verdade nem justiça para sustentá-la.
Mr. Harrel, com sua habitual frivolidade e descuido, riu da acusação, mas
negou qualquer crença em seu desagrado e fingiu pensar que ela estava
apenas coqueteando, enquanto Sir Robert não era menos do que sua escolha.
Irritada e cansada, Cecilia decidiu não mais depender de ninguém além de si
mesma para a administração dos seus próprios assuntos. e, portanto, para
concluir o caso sem qualquer possibilidade de maiores questionamentos, ela
mesma escreveu a seguinte carta a Sir Robert:

“Para Sir Robert Floyer, Bart.


Miss BEVERLEY apresenta seus cumprimentos a Sir Robert Floyer, e,
como tem alguma razão para temer que Mr. Harrel não o tenha informado
explicitamente sobre a sua resposta à comissão que lhe fora confiada,
considerou necessário, a fim de evitar qualquer mal-entendido, usar este
método para agradecer-lhe pela honra e estima, mas ao mesmo tempo
implorar que não perca nem um só momento com ela, já que seu
agradecimento é tudo que ela pode agora, ou sempre, oferecer como
retribuição.
Portman Square, 11 de maio de 1779”.

Para esta carta, Cecilia não recebeu resposta, mas teve o prazer de
observar que Sir Robert se absteve da sua visita habitual no dia em que ela a
enviou, e embora voltasse a aparecer no dia seguinte, não falou com ela e
parecia abatido e taciturno.
Contudo, o jovem Delvile não apareceu, e, ainda assim, à medida que
aumentava sua surpresa, sua tranquilidade diminuía. Ela não conseguia
formar nenhuma desculpa para sua demora, nem conjecturar qualquer razão
para sua ausência. Todos os motivos pareciam favorecer sua busca, e não
havia nenhum para evitá-la; a explicação que tivera tão recentemente o
informara de que ele não tinha rival a temer, e a maneira como a tinha
recebido garantiu a ela que a informação não era indiferente para ele. Por
que, então, era tão assíduo em suas visitas quando acreditava que ela estava
comprometida, e tão descuidado quando sabia que estava em liberdade?
CAPÍTULO 38

UM MURMÚRIO

Incapaz de livrar-se de tal perplexidade, Cecilia, para desviar seu pesar,


voltou a visitar Miss Belfield. Ela teve então o prazer de tomar conhecimento
de que seu irmão havia se recuperado bem e tinha, no dia anterior, saído para
tomar um ar, e que havia suportado tão bem, que Mr. Rupil lhe ordenou que
fizesse o mesmo exercício todas as manhãs.
— E ele vai fazer? — perguntou Cecilia.
— Não, madame, infelizmente, não — respondeu ela —, pois o aluguel da
carruagem é muito caro, e, no momento, estamos dispostas a economizar
tudo o que pudermos para ajudá-lo a fazer uma viagem ao exterior.
Cecilia, então, implorou sinceramente que ela aceitasse algum tipo de
ajuda, mas ela lhe assegurou que não ousaria sem o consentimento de sua
mãe, de quem, entretanto, se comprometera a obter.
No dia seguinte, quando Cecilia a procurou para saber se obtivera sucesso,
Mrs. Belfield, que até este momento havia se mantido fora de vista, apareceu.
Ela a considerou, tanto pela sua pessoa quanto pelas maneiras e conversas,
uma mulher rude e ordinária, tão diferente do filho nos talentos e realizações
quanto da filha na suavidade e delicadeza natural. No momento em que
Cecilia se sentou, sem esperar por qualquer cerimônia ou exigir qualquer
solicitação, ela começou a falar abruptamente de seus problemas e relatar
com muitas queixas os seus infortúnios.
— Eu tomei conhecimento, madame — disse ela —, de que a senhorita
teve a gentileza de visitar minha filha Henny muitas vezes, mas como eu não
tenho tempo para companhia, sempre me mantive fora do caminho, porque
tenho outras coisas para fazer e não posso me sentar tranquilamente para
conversar. Tenho tido muita tristeza aqui, madame, com a doença do meu
pobre filho, sem nenhum proveito para mim e muita dificuldade para fazê-lo
me ouvir. Ele faz tudo do seu jeito, pobre alma querida, e estou certa de que
não sei quem poderia contradizê-lo, pois eu mesma nunca tive coragem de
fazer. Mas então, madame, o que vai acontecer? A senhorita pode ver como
as coisas vão mal, pois, embora eu tenha uma renda muito boa, não dá para
tudo, e se eu tivesse a mesma quantia de novo, faria tudo para economizar
ainda mais. Pois aqui está o meu pobre filho, a senhorita vê, em um minuto
reduzido, como dizem, de um dos melhores cavalheiros da cidade a um mero
sujeito sem valor, sem um tostão no mundo!
— No entanto, espero que ele esteja melhor de saúde — disse Cecilia.
— Sim, madame, graças a Deus, pois, se estivesse pior, estou certa de que
nunca viveria para ouvir isso. Ele tem sido o melhor filho do mundo,
madame, e não estava acostumado a nada, além da melhor companhia, pois
não poupei dores nem custos para lhe dar uma educação refinada, e eu
acredito que não há um só nobre na terra que se pareça mais com um
cavalheiro. No entanto, não serviu para nada, pois, embora seus conhecidos
fossem todos da melhor qualidade, ele nunca recebeu um centavo do melhor
deles. Assim, não tenho muito do que me orgulhar. Mas eu queria o melhor
para ele, embora muitas vezes eu tenha desejado não ter me intrometido no
assunto e tê-lo deixado ser criado na loja, como foi seu pai antes dele.
— No entanto, quanto aos seus planos atuais — disse Cecilia —, espero
que possam fazer alguma reparação pelo seu sofrimento e esforço.
— Como, madame, se ele vai me deixar e se estabelecer no exterior? Se a
senhorita fosse mãe, madame, não acharia que é uma reparação muito boa.
— Estabelecer? — perguntou Cecilia. — Não, ele só vai ficar lá por um ou
dois anos.
— Já é mais do que posso dizer, madame, ou qualquer outra pessoa;
ninguém sabe o que pode acontecer durante esse tempo. E como vou suportar
enquanto ele estiver além-mar, estou certa de que não sei, pois ele sempre foi
o orgulho da minha vida, e cada centavo que economizei para ele...
— Mas a senhora ainda tem sua filha, e ela parece tão amável que estou
certa de que não pode haver consolo que ela não se esforce para lhe oferecer.
— Mas o que é uma filha, madame, perto de um filho como o meu? Um
filho que pensei que veria vivendo como um príncipe e enviando sua própria
carruagem para que eu jantasse com ele. E agora vai ser tirado de mim, e
ninguém sabe se vou viver até sua volta. Mas só posso agradecer a mim
mesma, pois, se tivesse me contentado em vê-lo sendo criado na loja, ainda
assim, todo o mundo teria chorado de vergonha por isso, pois, quando ele era
uma criança nos meus braços, as pessoas costumavam dizer que ele nasceu
para ser um cavalheiro e viveria para partir o coração de muitas belas damas.
— Se ele puder ao menos acalmar o seu coração — disse Cecilia, sorrindo
—, não vamos lamentar que as belas damas escapem da profecia.
— Oh, madame, não quero dizer com isso que ele seja mais feliz entre as
mulheres, pois é uma coisa que nunca ouvi dizer sobre ele, mas atrevo-me a
dizer que, se alguma dama gostasse dele, ela descobriria que não há um
jovem mais modesto no mundo. Mas a senhorita precisa pensar em como é
difícil para mim vê-lo assim tão sem sorte, depois de tudo o que fiz por ele,
quando pensei que o veria no topo do mundo, como se diz!
— Ele ainda o fará, eu espero — disse Cecilia —, e fará com que a
senhora se alegre por toda a sua bondade para com ele; já está recuperando
sua saúde e seus negócios também estão assumindo um aspecto mais
próspero.
— Mas a senhorita acha, madame, que mandá-lo para longe de mim,
duzentas ou trezentas milhas, com algum jovem mestre para cuidar, é a
maneira de compensar tudo o que passei por ele? Eu costumava negar a mim
mesma todas as coisas do mundo para economizar dinheiro e comprar roupas
elegantes para ele, e deixá-lo ir à ópera, ao Ranelagh, e todos esses lugares,
para que ele pudesse se manter no caminho da fortuna. E agora a senhorita vê
no que deu tudo isso. Ei-lo aqui, em um pequeno quarto miserável no
segundo andar de um prédio, sem nenhuma pessoa importante se
aproximando para ver se está vivo ou morto.
— Não me surpreende — disse Cecilia — que a senhora se ressinta de sua
demonstração de pouca gratidão pelo prazer e entretenimento que recebiam
dele no passado, mas console-se de que isso pelo menos irá protegê-la de
qualquer decepção semelhante, assim como Mr. Belfield, no futuro, evitará
formar expectativas tão precárias.
— Mas de que me servirá isso, madame, com todo o dinheiro que foi
desperdiçado com essas expectativas durante todo esse tempo? A senhorita
acha que eu teria economizado tanto por ele e ficado sem nada no mundo
para ver tudo terminar dessa maneira? Ele bem poderia ter sido educado
como um simples ajudante, se era para eu ter esse tipo de conforto. E
suponha que ele se afogue no caminho para o estrangeiro? O que eu farei?
— A senhora não deve — disse Cecilia — ceder a tais temores. Não tenho
dúvidas de que seu filho vai voltar bem e devolverá tudo o que desejar.
— Ninguém pode saber, madame, e a única maneira de ter certeza disso é
se ele não for. E estou surpresa, madame, por desejar que ele faça tal jornada
para ninguém sabe onde, com nada além de um jovem mestre a quem ele
deve praticamente ensinar o alfabeto durante todo o caminho.
— Certamente — disse Cecilia, espantada com a acusação — eu não
desejaria que ele fosse para o exterior se algo mais conveniente pudesse ser
feito para sua permanência na Inglaterra, mas como nenhuma perspectiva
desse tipo se apresentou, a senhora deve se esforçar para aceitar esta
separação.
— Sim, mas como vou fazer isso se não sei se vou vê-lo novamente?
Quem poderia imaginar que ele viveria tanto entre as pessoas mais
importantes e depois passaria necessidades? Estava certa de que eles o teriam
amparado como a um filho, pois ele costumava ir a todos os lugares públicos
assim como eles mesmos faziam. Dia após dia eu costumava esperar ele vir
me dizer que havia conseguido uma vaga na corte, ou algo assim, pois eu
nunca sabia o que seria, mas então a próxima notícia que ouvi foi a de que ele
estava trancado neste lugar miserável, e que ninguém se incomodava com ele.
No entanto, nunca serei convencida de que ele não poderia ter feito melhor,
se ao menos tivesse se defendido, ou se tivesse me deixado fazer algo por ele.
Em vez disso, ele nunca me deixou ver nenhum de seus grandes amigos,
embora eu não tivesse o menor escrúpulo para pedir a eles qualquer coisa que
ele quisesse.
Cecilia, mais uma vez, esforçou-se para confortá-la, mas, ao descobrir que
sua única satisfação era expressar seu descontentamento, levantou-se para se
despedir. Porém, voltando-se primeiramente para Miss Belfield, apressou-se
para fazer uma consulta privada e saber se poderia repetir sua oferta de ajuda.
Um olhar abatido e cabisbaixo foi a resposta afirmativa; ela pôs em sua mão
uma nota de dez libras, desejou-lhes um bom dia e saiu apressada da sala.
Miss Belfield correu atrás dela, mas foi interrompida pela mãe, gritando:
— O que é isso? Quanto é? Deixe-me ver! — então, ela mesma foi atrás de
Cecilia, agradeceu por sua gentileza em voz alta enquanto descia as escadas e
lhe garantiu que não deixaria de dizer isso ao filho.
Com esta declaração, Cecilia voltou e a convenceu de forma alguma a
mencionar o fato; depois disso, ela sentou-se em sua liteira e voltou para
casa, com pena de Miss Belfield pelo favoritismo injusto demonstrado a seu
irmão e desculpando a orgulhosa vergonha que ele manifestara de seus
parentes pela vulgaridade e egoísmo daquela que estava à frente deles.
Quase duas semanas haviam se passado desde a explicação ao jovem
Delvile, mas nem uma única vez ele estivera em Portman Square, embora, na
quinzena que a precedeu, mal se passava um dia em que não tivesse lhe
proporcionado algum pretexto para visitá-la. Por fim, ela recebeu uma nota
de Mrs. Delvile. O bilhete continha as mais lisonjeiras reprovações pela sua
longa ausência e um convite urgente para que almoçasse e passasse o dia
seguinte com ela. Cecilia, que havia simplesmente negado a si mesma o
prazer desta visita por um receio de parecer muito ansiosa para manter a
conexão, agora, pelo mesmo senso de propriedade, resolveu fazê-la,
desejando igualmente evitar qualquer aparência de consciência, seja
buscando ou evitando intimidade com a família.
Não era pouca sua ansiedade por saber de que maneira o jovem Delvile a
receberia, se estaria sério ou alegre, agitado, como durante sua última
conversa, ou tranquilo, como nos encontros que a precederam. No entanto,
ela encontrou Mrs. Delvile sozinha; extremamente amável, mas muito
surpresa e um tanto decepcionada por ela ter estado ausente por tanto tempo.
Cecilia, embora angustiada pelas desculpas que podia oferecer, ficou feliz por
descobrir-se tão estimada e não relutou em prometer visitas mais frequentes
no futuro. Elas foram chamadas para o almoço, mas ainda nenhum jovem
Delvile estava à vista; elas foram apenas acompanhadas por seu pai, e Cecilia
descobriu que ninguém mais era esperado.
Seu assombro agora era maior do que nunca e ela não podia explicar por
nenhuma conjectura possível uma conduta tão extraordinária. Até aquele
momento, sempre que visitava St. James’s Square com hora marcada, a
maneira como ele a recebia constantemente revelava que ele havia esperado
sua chegada com impaciência. Ele havia renunciado a outros compromissos
para ficar com ela, expressava abertamente suas esperanças de que ela nunca
se ausentasse por muito tempo e parecia desfrutar de sua companhia, à qual
todas as outras eram inferiores. Mas, agora! Que diferença surpreendente! Ele
se abstivera de todas as visitas à casa onde ela residia e até deixou a sua
própria casa quando soube que ela estava a caminho!
Tampouco foi este o único aborrecimento do dia: Mr. Delvile, assim que
os criados se retiraram após o almoço, expressou alguma preocupação por ter
sido chamado durante sua última conversa e acrescentou que aproveitaria a
presente oportunidade para conversar com ela sobre alguns assuntos
importantes. Ele então deu início ao seu habitual prelúdio de ostentação, que
julgava necessário em todas as ocasiões, a fim de realçar o valor da sua
intervenção, lembrá-la da sua própria inferioridade e impressioná-la com um
sentido mais profundo de honra que sua tutela lhe conferia, depois do qual,
ele passou a fazer uma investigação formal para saber se ela havia dispensado
Sir Robert Floyer de maneira definitiva.
Ela lhe garantiu que sim.
— Eu entendi por lorde Ernolf — disse ele — que a senhorita
desencorajou totalmente as visitas de seu filho?
— Sim, senhor — respondeu Cecilia —, pois nunca pretendo recebê-las.
— A senhorita possui, então, algum outro compromisso?
— Não, senhor — disse ela, corando de vergonha e desgosto —,
absolutamente nenhum.
— Esta é uma circunstância muito extraordinária! — respondeu ele. — O
filho de um conde ser rejeitado por uma jovem sem família, mas sem motivo
atribuído ao fato.
O discurso depreciativo abalou Cecilia tão cruelmente que, embora ele
continuasse a lhe dar sermões durante grande parte da tarde, ela só respondia
quando compelida por alguma pergunta, e ficou tão evidentemente
perturbada, que Mrs. Delvile, notando sua inquietude com muita
preocupação, redobrou sua cortesia e carinho e utilizou de todos os métodos
ao seu alcance para agradá-la e mimá-la. Cecilia não estava indiferente ao seu
cuidado e demonstrou sua percepção com o maior respeito e atenção, mas sua
mente estava perturbada e ela deixou a casa assim que foi possível.
O discurso de Mr. Delvile, como ela bem sabia ser de extrema altivez de
seu caráter, não teria ocasionado a menor comoção se fosse apenas
relacionado a ele ou a ela mesma, mas no que dizia respeito a lorde Ernolf,
ela considerava que também tinha relação com seu filho, e descobriu que,
longe de tentar promover a união que Mr. Monckton lhe dissera que havia
planejado, ele nem parecia pensar no assunto, mas, pelo contrário,
recomendava e apoiava com todo seu interesse uma outra aliança. O fato,
somado ao comportamento do jovem Delvile, a fez suspeitar de que algum
compromisso estava para ser firmado por parte dele, e que embora achasse
que estava sendo diligente apenas para evitá-la, ele estava simplesmente
ocupado visitando outra. Tal dolorosa sugestão, que tudo parecia confirmar,
novamente arruinou todos os seus planos e destruiu toda a sua felicidade
visionária. No entanto, ela não sabia como reconciliar a ideia com o que
acontecera em seu último encontro. Ela tinha então todas as razões para
acreditar que o coração dele estava em suas mãos, e que coragem, ou uma
oportunidade mais adequada, era tudo o que precisava para tornar conhecida
sua devoção por ela. Por que, então, fugir, se a amava? Por que, se não a
amava, parecera tão perturbado com a revelação de sua independência?
Em pouco tempo, porém, ela esperava poder desvendar o mistério: em dois
dias aconteceria o entretenimento que Mr. Harrel havia planejado para
enganar o mundo com uma aparência de opulência para a qual ele havia
perdido o título. O jovem Delvile, assim como todas as outras pessoas que já
haviam sido vistas na casa, havia recebido um convite, o qual prontamente
prometeu aceitar algum tempo antes da conversa que parecia ter encerrado o
seu período de amizade. Se ele, depois de estar comprometido com o evento
durante tanto tempo, deixasse de cumprir sua promessa, ela não poderia ter
mais dúvidas quanto à justiça de sua conjectura. Se, ao contrário, ele voltasse
a aparecer, através do seu comportamento e aparência, ela talvez pudesse
compreender por que ele havia estado ausente por tanto tempo.
LIVRO V
CAPÍTULO 39

UMA DERROTA

Finalmente chegou o dia quando o período da tarde e a chegada de


companhia foram, pela primeira vez, tão ansiosamente desejados por Cecilia
como por seus esbanjadores anfitriões. Nenhuma despesa e nenhum esforço
tinham sido poupados para que o entretenimento há muito projetado fosse
esplêndido e elegante: teria início com um concerto, o qual seria seguido por
um baile e depois um jantar.
Cecilia, embora estivesse singularmente preocupada com seus próprios
assuntos, não estava tão absorta por eles a ponto de contemplar com
indiferença uma cena de tão injustificável extravagância, a qual contribuía
para deixá-la pensativa e inquieta, e privá-la de todo poder mental para
participar da alegria da reunião. Mr. Arnott sentia-se ainda mais
profundamente afetado pela loucura do esquema, e durante toda a tarde não
recebeu nenhuma outra satisfação além de um olhar de simpatia e
preocupação que Cecilia ocasionalmente lhe proporcionava.
Até as nove horas nenhum convidado apareceu, exceto Sir Robert Floyer,
que ficou desde a hora do almoço, e Mr. Morrice, que, ao receber o convite,
ficou tão encantando com a permissão para voltar a frequentar a casa, que fez
uso do seu novo direito entre as seis e sete, antes que a família deixasse a sala
de refeições. Ele desculpou-se com Cecilia com a maior humildade pelo
lamentável acidente no Panteão, mas como da sua parte tal acidente não
produzira nada além de prazer por ter despertado no jovem Delvile o mais
lisonjeiro alarme por sua segurança, ela não encontrou grande dificuldade em
conceder-lhe seu perdão. Entre os que chegaram no primeiro grupo
encontrava-se Mr. Monckton, o qual, se estivesse igualmente inconsciente de
opiniões sinistras, seguindo sua própria disposição, teria chegado tão cedo
quanto Mr. Morrice, mas, para evitar comentários suspeitos, conformou-se
com o atraso que seguia a moda da época.
A principal apreensão de Cecilia era que Sir Robert Floyer a convidasse a
dançar com ele, o que ela não poderia recusar se não tivesse a intenção de
ficar sentada durante todo o baile, nem aceitar, temendo os rumores que sabia
que se espalhariam, sem a necessidade de serem publicamente sancionados.
Portanto, considerando Mr. Monckton com inocência, já que era um homem
casado e seu velho amigo, ela lhe falou francamente sobre sua angústia, e
acrescentou como desculpa para a indireta que os parceiros deveriam ser
trocados a cada duas danças.
Mr. Monckton, embora seu principal objetivo fosse evitar cuidadosamente
toda forma de galanteio público ou dedicação a Cecilia, não pôde resistir a
esta insinuação e, portanto, ela teve o prazer de dizer a Sir Robert, quando
este lhe solicitou que ela lhe concedesse a honra das duas primeiras danças,
que já estava comprometida. Ela esperava que ele imediatamente garantisse
as duas seguintes, mas, para sua grande alegria, ele ficou tão irritado com o
evidente prazer com o qual ela anunciara seu compromisso, que se afastou
com orgulho sem acrescentar mais nenhuma palavra. Muito satisfeita com
este arranjo e ainda mantendo as esperanças de que estivesse livre quando o
jovem Delvile chegasse e ele pudesse solicitá-la, ela se esforçou para
conseguir um lugar na sala de música. Ela o fez, não sem alguma dificuldade,
mas, embora houvesse um excelente concerto, no qual tocaram e cantaram
vários artistas importantes, ela achou impossível ouvir uma só nota, já que
por acaso sentou-se perto de Miss Leeson e duas outras jovens damas, que
saudavam mutuamente seus vestidos e sua aparência, acomodando-se para
dançar no mesmo Cotillion, tentando adivinhar quem começaria os minuetos
e perguntando umas às outras se não haveria mais cavalheiros. Ainda assim,
no meio de toda essa conversa sem sentido, da qual ela observou que Miss
Leeson desempenhava o papel principal, nenhuma delas deixou de exclamar,
de vez em quando, com grande êxtase: — Que melodia mais doce! Oh, que
encantador! A senhorita já ouviu algo mais gracioso?
— Ah! — disse Cecilia a Mr. Gosport, que neste momento aproximava-se
dela —, se não fossem as suas observações explicativas quanto à loquacidade
repentina desta dama tão arrogante, quem eu imaginava ser estúpida, eu
estaria muito surpresa.
— Aqueles que são mais silenciosos com estranhos — respondeu Mr.
Gosport — geralmente falam com mais fluência com seus íntimos, pois estão
profundamente atrasados e ansiosos para pagar as suas dívidas. Miss Leeson
está agora em seu devido lugar e, portanto, aparece com sua personalidade
natural, e a alegria da pobre moça em ser capaz de proferir todos aqueles
“nadas” que penosamente acumulou enquanto estava separada do seu círculo
lhe traz agora a emoção selvagem de um pássaro recém-liberto de uma
gaiola. Alegro-me em ver a pequena criatura em liberdade, pois o que pode
ser mais melancólico do que uma aparência forçada de pensamento onde não
há material para tal ocupação?
Logo depois, Miss Larolles, que ria desmedidamente, juntou-se ao grupo,
gritando para eles: — Oh, vocês sofreram a maior perda do mundo! Se
estivessem na sala ao lado agora há pouco! Lá está a figura mais divertida
que podem imaginar, o suficiente para assustar qualquer um — então, ela
acrescentou: — Oh, senhor, se inclinarem o corpo para cá, poderão vê-lo.
Em seguida, seguiu-se uma risada geral, acompanhada de exclamações de:
— Senhor, que susto! Ainda vai matar alguém de susto só de olhar para ele!
Já viram uma criatura tão horrível em sua vida? — logo depois, alguém
gritou: — Meu Deus, ele está sorrindo para Miss Beverley!
Cecilia, então, virou a cabeça em direção à porta, e lá, para sua própria
surpresa, assim como para espanto dos seus acompanhantes, estava Mr.
Briggs, que, para poder olhar mais à vontade, estava em pé sobre uma
cadeira, da qual, tendo-a avistado, olhava para ela com um sorriso irônico, o
qual, quando conseguiu sua atenção, converteu-se em um aceno familiar. Ela
retribuiu a saudação, mas não ficou muito contente ao observar que, naquele
momento, ele descia do seu posto elevado, o que havia movido a admiração e
a risibilidade de todos os presentes, e fazia menção de se aproximar dela.
Com este propósito, independentemente das damas e dos cavalheiros que se
colocassem em seu caminho, ele avançou com firmeza, com a mesma firmeza
despreocupada que teria usado para caminhar em uma multidão na rua, não
prestando atenção aos cenhos franzidos, às súplicas para que ficasse parado e
exclamações de: — Por favor, senhor! Que homem mais importuno! — e —
Senhor, eu lhe asseguro de que não há espaço! — ele os afastava com
cotoveladas cheias de habilidade e destreza até chegar ao assento que ela
ocupava. Então, com um sorriso irônico, ele olhou em volta, para mostrar que
havia conseguido e verificar a quem havia desconcertado.
Depois de gozar do seu triunfo, voltou-se para Cecilia e, dando um tapinha
no seu queixo, ele disse: — Bem, minha patinha, como vai? Finalmente a
alcancei. Tive que forçar o meu caminho, não seria impedido; garanto que
posso me amotinar com os melhores! Vejam só! Que calor! Quente como um
dia de cão!
E então, para total consternação do grupo, ele tirou a peruca para enxugar
a cabeça, o que ocasionou tamanho horror universal que todos os que
estavam perto da porta fugiram para as outras salas, enquanto aqueles que
estavam muito perto, de comum acordo viraram suas cabeças.
O capitão Aresby, ao ser solicitado por algumas das damas para protestar
contra tal comportamento sem precedentes, aproximou-se dele e disse: —
Estou bastante abimé,30 senhor, por incomodá-lo, mas as ordens das damas
são insuperáveis. Com sua licença, senhor, suplico que vista sua peruca.
— Minha peruca? Ai, ai, um momento, só quero enxugar minha cabeça
primeiro.
— Estou bastante assommé31 por perturbá-lo, senhor — respondeu o
capitão —, mas devo supor que o senhor não me compreendeu; as damas
sentem-se extremamente incomodadas com este tipo de espetáculo, e nós
consideramos um princípio que elas nunca devam ser accablées.32
— Hã? — exclamou Mr. Briggs, enquanto o fitava.
— Eu disse, senhor — respondeu o capitão —, que as damas estão muito
au desespoir,33 porque a sua cabeça não está coberta.
— Por quê? — perguntou ele. — O que há de errado com a minha cabeça?
Não há homem aqui com uma cabeça melhor! Tem muita coisa boa aqui
dentro; não trocaria por nenhuma de vocês.
Então, não muito consciente da ofensa que havia cometido e meio zangado
pela reprimenda que recebera, ele vagarosamente completou seu projeto e
novamente vestiu a peruca, colocando-a com tanta compostura como se
estivesse executando a operação em seu próprio quarto de vestir.
O capitão, tendo atingido seu objetivo, afastou-se, fazendo, no entanto,
várias caretas de desgosto e sussurrando de um lado para o outro: — É o
sujeito mais insensível por quem já fui obsedé!34
Mr. Briggs, então, com muito escárnio e diversas distorções no semblante,
ouviu uma canção italiana; depois disso, ele voltou para a outra sala em busca
de Cecilia, que, envergonhada por parecer ser cúmplice do tumulto que ele
havia provocado, aproveitou a discussão com o capitão para fugir para a sala
ao lado. No entanto, ele a encontrou enquanto ela prestava contas a Mr.
Gosport da sua conexão com ele, ao que Morrice, sempre curioso e ansioso
para saber o que estava acontecendo, também ouvia.
— Ah, garotinha — exclamou ele —, peguei você de novo! Depois de
acotovelar aqueles janotas. Mas onde está o jantar? Não vejo nada do jantar.
Hora de ir para a cama, suponho que não há; já foi tudo consumido, não
sobrou nada além de alguma bebida.
— Jantar, senhor? — perguntou Cecilia. — O concerto ainda não
terminou. O jantar foi mencionado no seu convite?
— Sim, com certeza; não teria vindo de outra forma. Não faço visitas com
frequência, sempre custa dinheiro. Gostaria de não ter vindo hoje, fiz um
buraco no sapato; só tinha uma rachadura antes.
— Por que veio caminhando, senhor?
— Por quê? Para economizar, ora. Podia muito bem ter ficado em casa.
Essa caminhada manchou meu melhor casaco, parece que estragou.
— Tanto melhor para os alfaiates, senhor — disse Morrice, atrevidamente
—, pois então o senhor terá outro.
— Outro? Para quê? Ainda não faz sete anos que tenho este; tão bom
quanto um novo.
— Espero — disse Cecilia — que o senhor não tenha caído outra vez?
— Pior, muito pior; eu perdi minha trouxa.
— Que trouxa, senhor?
— Meu melhor casaco e melhor colete; eu os trouxe embrulhados em meu
lenço para protegê-los. Quando o mestre Harrel faria a mesma coisa?
— Mas o senhor não teve nenhuma apreensão — perguntou Mr. Gosport,
secamente — que o lenço se desgastaria mais rápido por ter um nó amarrado
nele?
— Eu cuidei disso, amarrei bem devagar. Encontrei um pobre menino, o
cachorrinho deu um puxão, o nó se desfez, mas o casaco e o colete pularam
para fora.
— Mas o que aconteceu com o menino, senhor? — perguntou Morrice. —
Espero que tenha escapado.
— Ria tanto que não conseguiu correr, eu o peguei em um minuto; dei a
ele um motivo para rir, um belo bofetão.
— Pobre rapaz! — Morrice exclamou em voz alta. — Eu realmente sinto
muito por ele. Mas, por favor, senhor, o que aconteceu com o seu melhor
casaco e o melhor colete enquanto o espancava? O senhor os deixou no chão?
— Não, senhor bobalhão — respondeu Briggs, com raiva —, eu os
coloquei em uma barraca.
— Foi um expediente perigoso, senhor — disse Mr. Gosport —, e temo
que possa haver consequências nefastas, pois o dono da barraca poderia
esperar receber alguma pequena gratificação. Como o senhor administrou o
assunto?
— Comprei meio centavo em maçãs. Para o jantar de amanhã.
— Mas como o senhor conseguiu secar suas roupas, ou limpá-las?
— Fui a uma cervejaria, me custou meia caneca.
— E diga, senhor — perguntou Morrice —, onde, afinal, fez sua toalete?
— Eu não direi, não direi; não faça mais perguntas. O que importa onde
um homem veste um casaco e um colete?
— Ora, senhor, esta acabará sendo uma expedição muito cara — disse Mr.
Gosport, muito gravemente. — O senhor já calculou quanto isso vai custar?
— Mais do que vale, mais do que vale — respondeu ele com mau humor.
— Não tenho tido muito prazer nos últimos cinco anos.
— Ah! — exclamou Morrice, consagrando em voz alta. — Porque não
pode ser mais do que seis centavos de libra no total!
— Seis centavos — repetiu ele, com desdém —, se não sabe o valor de
seis centavos, nunca valerá cinco centavos e três quartos. Como acha que
fiquei rico? Vestindo casacos finos e frisando minha peruca? Não, não.
Pergunte ao mestre Harrel. Pergunte se ele quer prestar contas a mim. Nunca
conheci um homem que valesse um centavo vestindo um casaco desses.
Morrice riu novamente, e mais uma vez Mr. Briggs o repreendeu. Cecilia
aproveitou a discussão e voltou furtivamente para a sala de música. Ali, em
poucos minutos, Mrs. Panton, uma dama que visitava a casa com frequência,
aproximou-se de Cecilia, seguida por um cavalheiro que ela nunca tinha visto
antes, mas que estava tão evidentemente encantado com ela que não tinha
tido olhos para outra pessoa desde que entrara na casa. Mrs. Panton o
apresentou pelo nome de Mr. Marriot e lhe disse que ele havia implorado a
sua intervenção para obter o prazer de ter as duas próximas danças com a
senhorita, e quando Cecilia respondeu que já estava comprometida, a mesma
solicitação foi feita para as duas seguintes. Cecilia, então, ficou sem
desculpas e, portanto, foi obrigada a aceitar.
A esperança que alimentara no início da tarde já estava quase totalmente
extinta: Delvile não apareceu! Embora seus olhos observassem a entrada de
cada novo convidado, a sua irritação a fazia acreditar que só ele, entre todos
os cavalheiros de Londres, estava ausente.
Quando o concerto terminou, o grupo reuniu-se promiscuamente para
conversar e tomar um refresco antes do baile, e Mr. Gosport aproximou-se de
Cecilia para lhe relatar uma disputa ridícula que acabara de acontecer entre
Mr. Briggs e Morrice.
— O senhor, Mr. Gosport — disse Cecilia —, que parece estudar as
minúcias dos personagens absurdos, pode talvez me explicar por que Mr.
Briggs parece ter tanto prazer em proclamar sua mesquinhez quanto de
enaltecer sua riqueza?
— Porque — respondeu Mr. Gosport — ele sabe que, em seus próprios
assuntos, as duas coisas estão tão perto de serem aliadas que, se não tivesse
praticado uma, nunca teria possuído a outra. É um ignorante, portanto, de
toda a discriminação, exceto, certamente, de libras, xelins e centavos. Ele
supõe que são necessariamente inseparáveis, porque com ele estão todos
unidos. O que a senhorita, no entanto, chama de mesquinhez, ele chama de
sabedoria, e se recorda, portanto, não com vergonha, mas com triunfo, as
várias pequenas artes e subterfúgios com os quais encheu seus cofres.
Neste momento, lorde Ernolf, concluindo que Cecilia ainda não estava
comprometida depois de observar que suas únicas conversas foram com Mr.
Gosport e Mr. Monckton, sendo que um deles tinha idade suficiente para ser
seu pai, e o outro, um homem casado, aproximou-se e lhe apresentou lorde
Derford, seu filho, um jovem que ainda não era maior de idade, e solicitou a
ela o prazer da próxima dança.
Cecilia, que tinha uma dupla desculpa, recusou a proposta com facilidade.
Lorde Ernolf, entretanto, era muito sério para ser repelido e lhe informou que
testaria seu interesse novamente assim que seus dois compromissos fossem
cumpridos. Já sem esperanças com o jovem Delvile, ela ouviu a insinuação
com indiferença. Ela caminhava com Mr. Monckton em direção ao salão de
baile, quando Miss Larolles, voando em sua direção com um ar de infinita
ansiedade, tomou sua mão e disse em um sussurro: — Por favor, permita que
eu lhe deseje felicidades!
— Certamente — disse Cecilia —, mas permita que eu lhe pergunte por
quê.
— Oh, Senhor! — exclamou ela. — Tenho certeza de que sabe o que
quero dizer, mas a senhorita deve saber que tenho um grande favor
prodigioso e monstruoso para lhe pedir. Por favor, não recuse, eu lhe garanto
que, se o fizer, ficarei tão mortificada que a senhorita não tem ideia.
— Bem, o que é?
— Nada além de permitir que eu seja uma de suas damas de honra. Eu lhe
asseguro que vou considerá-lo o maior favor do mundo.
— Minha dama de honra?! — exclamou Cecilia. — Mas a senhorita não
acha que o próprio noivo se sentirá bastante ofendido ao encontrar uma dama
de honra indicada antes mesmo que ele seja escolhido?
— Oh, por favor! — exclamou ela. — Não seja tão má, pois, se for, não
tem ideia de como ficarei desapontada. Imagine o que aconteceu comigo há
três semanas! A senhorita deve saber que fui convidada para o casamento de
Miss Clinton e, portanto, criei um vestido novo com este propósito, com um
formato muito particular, inteiramente fruto da minha própria imaginação, e
ele obteve o efeito mais doce que pode imaginar; bem, e quando chegou a
hora, a senhorita pode conceber que a mãe dela morreu? Nunca se ouviu falar
de tanto azar, pois agora ela não vai se casar neste semestre, e meu vestido
ficará bem velho e amarelo, pois é todo branco e a coisa mais linda que
alguém já viu!
— Palavra de honra, a senhorita é muito prestativa! — exclamou Cecilia,
rindo. — Mas, diga, a senhorita demonstra este interesse regularmente com
todas as suas conhecidas para que se casem nesta condição, ou eu sou a única
com quem acha que toda esta angústia vai funcionar?
— Quanta provocação! — exclamou Miss Larolles. — Quando a senhorita
sabe muito bem o que quero dizer e quando toda a cidade sabe tão bem
quanto eu.
Cecilia, então, perguntou seriamente se ela realmente queria dizer alguma
coisa.
— Por Deus, sim! — respondeu ela. — A senhorita sabe que me refiro a
Sir Robert Floyer, pois me disseram que a senhorita recusou definitivamente
lorde Derford.
— E também lhe disseram que aceitei Sir Robert Floyer?
Cecilia começou então uma tentativa muito séria para desenganá-la, mas a
dança começou ao mesmo tempo e a dama parou de ouvir e correu com o
coração aos pulos para o local da ação. Mr. Monckton e sua bela
companheira a seguiram, exclamando mutuamente contra a conduta
impenetrável de Mr. Harrel, sobre quem Cecilia logo deixou de pensar, pois,
assim que terminou o primeiro Cottilion, ela viu o jovem Delvile entrando na
sala. Surpresa, prazer e confusão a assaltaram de uma só vez; ela havia
desistido por completo da sua expectativa de vê-lo, e uma ausência tão
decidida a tinha levado a concluir que ele tinha atividades que deveriam fazê-
lo ceder ao desejo de que se prolongassem, mas agora ele estava ali, e aquela
conclusão, juntamente com os temores que a originaram, desapareceu. Ela
não tinha nada a lamentar, exceto a infeliz sucessão de compromissos que a
impediriam de dançar com ele e, provavelmente, impossibilitariam uma
conversa até a hora do jantar.
Ela logo notou, no entanto, uma mudança em seu aspecto e
comportamento que a surpreendeu extremamente: ele parecia sério e
pensativo, saudou-a a distância e não deu nenhum sinal de que tinha a
intenção de se aproximar. Ele parecia considerar a dança e os dançarinos um
espetáculo público no qual não tinha chance de interesse pessoal e parecia
totalmente alterado, não apenas com respeito a ela, mas também a si mesmo.
No entanto, ela não teve tempo para fazer qualquer comentário, já que neste
momento era chamada para o segundo Cottilion, mas as ideias confusas e
desagradáveis que, sem espera ou reflexão, encheram sua imaginação ao
observar seu comportamento não eram mais deprimentes para ela do que
óbvias para o seu parceiro. Pela mudança em seu semblante, Mr. Monckton
primeiramente percebeu a entrada do jovem Delvile, e, por sua aparente
emoção e inquietude, prontamente penetrou em seu estado de espírito: ele
confirmou que seus afetos estavam comprometidos; ele viu, também, que ela
duvidava se eram correspondidos. A dor que sentiu ao fazer a primeira
descoberta foi um tanto atenuada pelas esperanças que obteve da segunda. No
entanto, a tarde foi tão dolorosa para ele quanto para Cecilia, pois ele agora
sabia que não importava o sucesso que pudesse acompanhar seu discurso e
dedicação, pois o coração dela não mais lhe pertencia. E mesmo estando
seguro da indiferença do jovem Delvile, realmente livre para fazer propostas
para si mesmo, o tempo em que era o primeiro em sua estima havia passado,
e a admiração há muito conquistada, que ele esperava que tivesse
amadurecido na forma de afeto, poderia ser agora totalmente minada pelo
surgimento repentino de um estranho.
Reflexões como estas amarguraram por completo o deleite que havia
prometido a si mesmo ao dançar com ela e lhe demoveram de todo o poder
para combater a ansiedade que a havia dominado. Assim, quando o segundo
Cotillion terminou, no lugar de segui-la até um assento, ou aproveitar o
privilégio de sua situação atual para conversar com ela, o ciúme crescente em
seu peito roubou-lhe toda a satisfação e não lhe deu outro desejo a não ser
julgar seus direitos enquanto observava seus movimentos a distância.
Enquanto isso, Cecilia, sem prestar atenção se ele a acompanhava ou não,
dirigiu-se ao primeiro assento vago. O jovem Delvile estava parado ao seu
lado e, em pouco tempo, mas como se não pudesse evitar, e não como se o
desejasse, ele se aproximou para perguntar como ela estava. Na situação em
que estava sua mente, a pergunta mais simples bastava para confundi-la, e
embora tivesse respondido, mal sabia o que ele havia perguntado. Porém, no
minuto seguinte ela restaurou sua aparente compostura e conversou com ele
sobre Mrs. Delvile, com sua habitual consideração carinhosa por aquela
senhora, e com um esforço sincero para parecer inconsciente de qualquer
alteração em seu comportamento. No entanto, para ele, mesmo esta conversa
comum e trivial era evidentemente muito dolorosa, e ele pareceu ficar
aliviado com a chegada de Sir Robert Floyer, que logo depois juntou-se a
eles.
Neste momento, uma jovem que estava sentada ao lado de Cecilia chamou
um criado que passava para lhe pedir um copo de limonada. Cecilia desejava
que ele também lhe trouxesse um, mas Delvile, sem lamentar interromper a
conversa, anunciou que ele mesmo seria seu copeiro e, com este objetivo,
afastou-se. No momento seguinte, o criado surgiu com um copo de limonada
para a vizinha de Cecilia, e Sir Robert, tomando o copo dele, levou-o para
Cecilia no mesmo instante em que o jovem Delvile chegava com outro.
— Acho que cheguei antes do senhor — disse o insolente baronete.
— Não, senhor — respondeu o jovem Delvile —, acho que chegamos
juntos. No entanto, Miss Beverley é quem deve avaliar a corrida, e devemos
nos submeter à sua decisão.
— Bem, madame — disse Sir Robert —, aqui estamos aguardando para
satisfazê-la. Quem será o felizardo?
— Os dois, eu espero — respondeu Cecilia, com admirável presença de
espírito, —, já que não espero nada menos do que os dois cavalheiros me
dando a honra de beber em minha saúde.
Este pequeno artifício, que a salvou tanto de demonstrar seu favoritismo
quanto de ofender alguém, não podia deixar de ser aplaudido por ambas as
partes, e enquanto obedeciam a suas ordens, ela mesma pegou um terceiro
copo com o criado.
Neste ínterim, Mr. Briggs a viu novamente e caminhou apressadamente
em sua direção, exclamando: — Ah, minha patinha! O que é isso? Conseguiu
alguma coisa boa? Venha cá, meu rapaz, deixe-me experimentar eu mesmo.
Ele pegou um copo, mas logo depois de colocá-lo na boca, fez uma careta
e o devolveu, dizendo: — Horrível! Horrível! Que ponche mais pobre! Nem
uma gota de rum!
— Tanto melhor, senhor — disse Morrice, divertindo-se em segui-lo —,
prova de que o dono da casa está economizando em alguma coisa, e o senhor
disse que ele não economizava em nada.
— Não economiza com os tolos! — respondeu Mr. Briggs. — Ele os
mantém em abundância.
— Não, senhor, nem com personagens estranhos — respondeu Morrice.
— Tanto pior — exclamou Briggs —, tanto pior! Vai ser devorado fora e
dentro de casa; não sobrará um trapo nas costas nem um centavo no bolso.
Não se importe com eles, minha patinha; não se importe com nenhum de seus
guardiões além de mim, os outros dois não valem a pena.
Cecilia, um tanto envergonhada com o discurso, olhou para o jovem
Delvile, de quem presenciou o primeiro sorriso da noite.
— Estive procurando a senhorita! — continuou Briggs, acenando a cabeça
maliciosamente: — Acredito que encontrei um pretendente que serve.
Adivinhe só, cem mil libras esterlinas, hein? O que me diz? Já viu alguma
coisa melhor no extremo oeste da cidade?
— Cem mil libras esterlinas! — exclamou Morrice. — Diga, senhor, quem
pode ser?
— Não o senhor, seu impertinente. Estou certo disso. Eu também não
tenho certeza se ele vai aceitar a senhorita, mas acho que vai.
— Diga, senhor, qual a idade dele? — perguntou Morrice, que nunca se
intimidava.
— Por quê? Vamos ver, não sei, nunca vi. Qual a importância disso?
— Mas, senhor, ele deve ser um homem velho, eu suponho, já que é tão
rico.
— Velho? Não, nada disso; mais ou menos a minha idade.
— O quê? E o senhor o sugere como marido para Miss Beverley?
— Por que não? Conhece algum mais rico? Acha que o mestre Harrel vai
lhe arranjar um melhor?
— Por favor, senhor — disse Cecilia, apressadamente —, falaremos sobre
este assunto em uma outra hora.
— Não, por favor — disse o jovem Delvile, que não conseguia deixar de
rir —, que seja discutido agora mesmo.
— Eu os odeio — continuou Mr. Briggs —, odeio os dois! Um gasta mais
do que vale, é enganado e lesado por tolos, vive correndo para a prisão para
agradar um bando de patifes; o outro não tem nada além de tios e avôs e faz
um estardalhaço com nomes importantes em vez de dinheiro, arrecadando
mais primos do que guinéus.
Uma vez mais Cecilia esforçou-se para silenciá-lo, mas ele deu um tapinha
no queixo dela e continuou: — Ah, ai minha patinha, não se preocupe; um
deles não vale um centavo e o outro não tem nada nos bolsos além de listas
de defuntos. Qual o resultado disso? Não daria uma dúzia de centavos por
eles. Um pobre grupo de nobres que não possui nada além de uma peruca
cada um.
Cecilia, incapaz de suportar aquela ladainha na presença do jovem Delvile,
que, no entanto, ria com muita elegância, levantou-se com a intenção de se
retirar, o que foi percebido por Sir Robert Floyer, que tinha assistido a
conversa com altivo desprezo. Ele aproximou-se e disse: — Agora, então,
madame, posso ter a honra desta dança?
— Não, senhor — respondeu ela. — Estou comprometida.
— Comprometida de novo? — perguntou ele, com ar de quem se achava
ferido.
— Fico contente com isso, fico contente — disse Mr. Briggs —, muito
bom, a senhorita não tem nada a dizer para ele, minha menina!
— Por que não, senhor? — perguntou Sir Robert, com olhar imperioso.
— O senhor não vai ficar com ela! Eu lhe digo, não vou consentir;
conheço o senhor há muito tempo.
— Diga, o que sabe sobre mim, senhor?
— Nada de bom, nada de bom; não tenho nada a dizer para o senhor;
encontrou um defeito no meu nariz! Não me esqueci disso.
Neste momento, Mr. Marriot surgiu para reclamar sua acompanhante, que,
muito disposta a abandonar o cenário de disputas e vulgaridades,
imediatamente o atendeu. Miss Larolles mais uma vez correu em sua direção:
— Oh, minha querida, estamos todas morrendo de curiosidade para saber
quem é esta criatura. Nunca fiquei tão assustada em minha vida!
Cecilia estava começando a satisfazê-la, mas outras damas se
aproximaram para ouvir sua explicação e ela esforçou-se para seguir adiante.
— Oh, mas — disse Miss Larolles, detendo-a —, por favor, pare; eu tenho
algo para lhe dizer que é tão monstruoso que a senhorita não faz ideia. A
senhorita sabia que Mr. Meadows não dançou com ninguém? E está ao lado
de Mr. Sawyer, assistindo tudo, sussurrando e rindo, a senhorita não faz ideia.
No entanto, eu lhe asseguro que estou excessivamente contente por ele não
ter me convidado, por mais que tenha ficado sentada por todo esse tempo,
pois foi muito melhor ficar quieta, eu garanto. Só sinto muito por estar
usando este vestido, pois qualquer coisa bastaria para ser observada daquela
maneira estúpida.
Neste momento, Mr. Meadows caminhou na direção delas e todas as
moças começaram a brincar com seus leques, virando a cabeça para o outro
lado, para disfarçar as expectativas que sua aproximação despertava. Miss
Larolles, em um sussurro apressado para Cecilia, exclamou: — Por favor,
não dê atenção ao que eu disse, pois, se ele me convidar, não posso recusar, a
senhorita entende; se eu o fizer, ele se sentirá tão ofendido, que a senhorita
não pode imaginar.
Mr. Meadows, então, misturado ao pequeno grupo, começou a dizer, ao
mesmo tempo em que fazia várias caretas: — Como está insuportavelmente
quente aqui! Impossível respirar. Como alguém pode pensar em dançar?
Estou surpreso que Mr. Harrel não tenha um sistema de ventilação nesta sala.
Não acham que seria uma grande melhoria?
O discurso, embora não dirigido a ninguém em particular, recebeu uma
imediata resposta favorável de todas as damas.
Então, voltando-se para Miss Larolles, perguntou: — A senhorita não
dança?
— Eu? — respondeu ela, envergonhada. — Sim, eu acredito que sim,
realmente não sei, eu não estou muito determinada.
— Oh, dance! — exclamou ele, espreguiçando-se e bocejando. — Sempre
me dá ânimo observá-la.
Então, ele voltou-se repentinamente para Cecilia, sem nenhuma cerimônia
prévia de renovação de seu relacionamento, através de diálogos ou
reverência, e disse abruptamente: — A senhorita gosta de dançar?
— Sim, senhor, extremamente.
— Fico feliz ao ouvir isso. A senhorita tem, então, alguma coisa para
suavizar sua existência.
— O senhor não gosta?
— Do quê? Dançar? Oh, é medonho! Como o hábito de dançar foi adotado
em um país civilizado, não consigo entender. Certamente é um exercício
bárbaro e de origem selvagem. Não lhe parece, Miss Larolles?
— Por Deus, não! — exclamou Miss Larolles. — Eu lhe asseguro que
gosto mais de dançar do que qualquer outra coisa. Não conheço nada mais
encantador, declaro que não poderia viver sem a dança. Eu seria tão estúpida
que não se pode conceber.
— Ora, eu me lembro — disse Mr. Marriot — de quando o próprio Mr.
Meadows dançava o tempo todo. O senhor se esqueceu de quando costumava
desejar que a noite durasse para sempre, para poder dançar sem parar?
Mr. Meadows, que neste momento examinava atentamente uma pintura
que estava sobre a chaminé, parecia não ter escutado a pergunta, mas
exclamou: — Estou surpreso que Mr. Harrel possa tolerar uma imagem como
essa em sua casa. Eu detesto retratos, é tão cansativo olhar para uma coisa
que não está fazendo nada!
— O senhor prefere pinturas históricas?
— Oh, não! Eu as detesto! Visões de batalhas, assassinatos e morte!
Chocante! É revoltante! Revoltante! Eu me desvio delas com horror.
— Talvez goste das paisagens?
— De maneira alguma! Árvores verdes e vacas gordas! Qual o seu
significado? Eu detesto tudo o que é insípido.
— Sua tolerância, então — disse Cecilia —, não é muito extensa.
— Não — disse ele, bocejando —, não se pode tolerar nada. A paciência
de uma pessoa se esgota totalmente com o completo tédio de tudo o que se vê
e de cada pessoa com quem se fala. Não lhe parece, madame?
— Às vezes — disse Cecilia, com uma certa malícia.
— A senhorita está certa, extremamente certa; não se sabe o que fazer de
si mesmo. Em casa, alguém é morto pela meditação, do lado de fora, é
dominado pela cerimônia; nenhuma possibilidade de encontrar sossego e
conforto. A senhorita não é apreciadora da vida pública, eu imagino.
— Ora, talvez eu não seja muito notada, eu acho — disse Cecilia, rindo.
— Oh, eu imploro o seu perdão! Acredito tê-la visto no Almack. Eu
realmente imploro seu perdão, mas eu tinha me esquecido completamente.
— Mr. Meadows — disse Miss Larolles —, o senhor não sabe que está se
referindo ao Panteão? Conceba como o senhor se esquece das coisas.
— O Panteão? De fato? Nunca consigo distinguir um lugar do outro.
Desejaria sinceramente que todos tivessem sido abolidos. Eu detesto lugares
públicos. É horrível estar sob o mesmo teto com um grupo de pessoas que
não se importaria se alguém estivesse morrendo.
— O senhor aprecia, pelo menos, a companhia de seus amigos?
— Oh, não! Fico exausto de ver sempre os mesmos rostos. Fica-se farto
dos amigos, nada nos torna mais melancólicos.
Cecilia foi unir-se aos dançarinos, e Mr. Meadows, voltando-se para Miss
Larolles, disse: — Por favor, não deixe que eu a impeça de dançar. Temo que
perca seu lugar.
— Não! — exclamou ela, reprimida. — Não dançarei de maneira alguma.
— Que crueldade — exclamou ele, bocejando —, quando a senhorita sabe
tão bem o quanto me alegro em observá-la. Não lhe parece que este salão é
muito fechado? Devo buscar um ambiente mais arejado, mas espero que a
senhorita acabe cedendo e dançando.
Então, ele esticou os braços como se estivesse meio adormecido e
caminhou até a sala ao lado, onde ficou jogado em um sofá até o baile acabar.
O novo parceiro de Cecilia, que era um jovem rico, mas bem simples,
esforçou-se ao máximo para entretê-la e agradá-la e, entusiasmado pelo seu
próprio desejo, imaginou que tinha tido algum êxito onde, em um estado de
tamanho suspense e ansiedade, um homem de talentos mais brilhantes teria
falhado.
Ao final das duas danças, lorde Ernolf tentou novamente comprometê-la
com seu filho, mas ela desculpou-se por não mais dançar e sentou-se em
silêncio como uma expectadora até que o resto do grupo se rendesse. Mr.
Marriot, no entanto, não a abandonou e ela viu-se obrigada a manter uma
conversa trivial, a qual, embora irritante para ela, para ele, que não a
conhecera em seu momento mais feliz, era deliciosa.
A cada instante ela esperava poder unir-se novamente ao jovem Delvile,
mas sua expectativa foi frustrada: ele não a procurou. Ela concluiu que ele
estava em outra sala. O grupo foi convocado para o jantar e ela pensou que
seria impossível que eles não se encontrassem, mas, depois de esperar por ele
e procurá-lo em vão, ela descobriu que ele tinha ido embora.
Durante o resto da noite, ela mal notou o que aconteceu, pois não prestou
atenção em nada. Não importava que Mr. Monckton a observasse, o quanto
Mr. Briggs pudesse aconselhá-la, o quanto Sir Robert pudesse exibir sua
insolência ou Mr. Marriot seu cavalheirismo, a todos ela foi indiferente e
todos foram igualmente ignorados, e antes que metade do grupo deixasse a
casa, ela se retirou para os seus aposentos.
Cecilia passou a noite na maior perturbação; considerava decisivas as
ocorrências da noite com respeito ao jovem Delvile. Se a ausência dele a
havia contrariado, sua presença a tinha consternado ainda mais, pois, ainda
que estivesse perdida em meio a conjecturas, ainda que tivesse alguns
temores, ela tinha esperanças, e embora tudo que tivesse visto fosse
angustiante, tudo o que acreditava era tranquilizante, mas agora eles haviam
se encontrado, e estas expectativas se mostraram falaciosas. Na verdade, ela
não sabia como explicar a estranheza da sua conduta, mas, ao notar que era
estranha, convenceu-se de que era também desfavorável; ele evidentemente a
tinha evitado enquanto estava em seu poder, e quando, por fim, viu-se
obrigado a conversar com ela, mostrou-se formal, distante e reservado.
Quanto mais ela se lembrava e meditava sobre a diferença no seu
comportamento no encontro anterior, mais zangada e surpresa ela ficava com
a mudança, e embora ainda concluísse que a busca por alguma outra
pretendente a tivesse ocasionado, não conseguia encontrar uma desculpa para
sua inconstância.
CAPÍTULO 40

UM GRANDE INDÍCIO

No dia seguinte, com o objetivo de afastar Delvile um pouco de seus


pensamentos, agora que não mais desejava que ele os ocupasse, Cecilia
voltou a visitar Miss Belfield, cuja companhia lhe proporcionava mais
consolo do que a de qualquer outra pessoa. Ela a encontrou ocupada fazendo
as malas e preparando-se para mudar para outra hospedaria, já que seu irmão,
ela disse, estava bem melhor e não achava certo continuar em uma situação
tão vergonhosa.
Miss Belfield falava com sua habitual franqueza sobre suas dificuldades, e
o interesse de Cecilia por ela contribuiu para atenuar sua irritação ao pensar
em seus próprios problemas.
— O amigo generoso de meu irmão — disse ela —, embora não passe de
um novo conhecido para ele, foi tão gentil durante sua doença, e quando
todas as outras pessoas o abandonaram, ele finalmente o convenceu a pensar
positivamente. Ele diz que há um cavalheiro cujo filho logo partirá para o
exterior, que ele tem quase certeza de que gostará muito do meu irmão, e que
em uma semana os apresentará. E então, se minha mãe conseguir aceitar a
ideia de separar-se dele, talvez todos nós possamos ficar bem novamente.
— Sua mãe — disse Cecilia —, quando ele se for, saberá melhor como dar
valor à benção que é sua filha.
— Oh, não, madame, não; ela está totalmente envolvida com ele e não se
importa com mais ninguém neste mundo. Sempre foi assim, e todas nós
estamos acostumadas. Mas tivemos uma cena triste desde a última vez que a
senhorita fez a gentileza de nos visitar. Quando ela lhe disse o que a senhorita
havia feito, ele ficou quase fora de si de tanta raiva por termos lhe informado
sobre suas dificuldades, e disse que sua miséria estava sendo divulgada e
desfazendo tudo o que seu amigo ou ele mesmo pudessem fazer, pois o
deixaria com vergonha de aparecer em público, mesmo quando seus negócios
estivessem melhorando. Mas eu disse a ele repetidas vezes que a senhorita
possui tanta doçura e bondade no coração e que, no lugar de manchar sua
reputação, não faria nada a não ser afiançá-la.
— Sinto muito — disse Cecilia — que Mrs. Belfield tenha mencionado
esta particularidade. Teria sido melhor, por muitas razões, que ele não tivesse
conhecimento.
— Ela esperava que o fato fosse agradá-lo — respondeu Miss Belfield —,
no entanto, ele nos fez prometer que não daríamos o mesmo passo no futuro,
porque não estamos reduzidos a tanta indigência, não importando o que
aconteça com ele, e que, quanto a aceitarmos dinheiro de outras pessoas para
que possamos economizar o nosso para ele, seria completamente inútil, pois
ele se consideraria um monstro para fazer uso dele.
— E o que disse sua mãe?
— Ora, ela lhe fez muitas promessas de que nunca mais o envergonharia
dessa forma, e, na verdade, madame, por mais que sejamos gratas à senhorita,
e assim como estou certa de que daria minha vida para servi-la, estou muito
contente que neste caso meu irmão tenha ficado sabendo. Pois, embora eu
deseje muito que ele faça algo por si mesmo, e que deixe de ser orgulhoso e
de viver de uma maneira que não tem o direito de fazer, eu acredito que, por
tudo isso, é uma desgraça para a memória honesta do meu pobre pai que
tenhamos nos tornado mendigas depois da sua morte, quando ele nos deixou
tão bem providas, se ao menos tivéssemos sabido como nos satisfazer.
— Há uma retidão natural em seu coração — disse Cecilia — que os
casuístas mais hábeis não poderiam reparar.
Cecilia então perguntou para onde estavam se mudando, e Miss Belfield
lhe disse que iam para Oxford Road, onde deveriam ter dois aposentos no
segundo andar, além do uso de uma sala de estar muito boa, na qual seu
irmão poderia receber seus amigos.
— E este — acrescentou ela — é um luxo pelo qual ninguém poderá
culpá-lo, pois, se não tiver a aparência de uma casa decente, nenhum
cavalheiro o empregará.
A casa de Paddington, ela disse, já estava alugada, e sua mãe estava
determinada a não alugar outra, mas a viver o mais miseravelmente possível,
a fim de, apesar das suas objeções, economizar tudo o que pudesse para seu
filho. Neste momento, a conversa foi interrompida pela chegada de Mrs.
Belfield, a qual com muita familiaridade veio dizer a Cecilia que todos
agiram errados ao comunicar ao filho sobre a nota de dez libras. — Ele tem
um orgulho que agraciaria um duque e não pensa em suas dificuldades, desde
que ninguém mais saiba delas. Então, em outra ocasião, devemos administrar
melhor as coisas e, quando fizermos algo de bom para ele, não devemos
deixá-lo saber do assunto. Vamos resolver tudo entre nós, e, um dia ou outro,
ele ficará feliz em nos agradecer.
Cecilia, que viu Miss Belfield corar de vergonha com a liberdade da
insinuação, levantou-se para partir, mas Mrs. Belfield lhe suplicou que não
fosse tão cedo e a pressionou com tanta urgência para que se sentasse
novamente, que ela se viu obrigada a obedecer. A mulher então começou a
elogiar o filho calorosamente, enaltecendo generosamente todas as suas boas
qualidades e exaltando até mesmo seus defeitos.
— Mas, madame, por ser um cavalheiro completo e por tudo o que já fez,
ele estava tão tímido que não consegui convencê-lo a procurá-la para
agradecer o presente, embora, da última vez que ele saiu para tomar ar fresco,
eu quase tenha me ajoelhado diante dele, implorando para que o fizesse. Mas,
com todo o seu mérito, ele precisa de tanto incentivo quanto uma dama, pois
posso lhe garantir que não o faria com pouco.
Cecilia, surpresa com o discurso extraordinário, olhou da mãe para a filha
na tentativa de compreender seu significado, o que, no entanto, logo ficou
mais claro com o que se seguiu.
— Mas, por favor, madame, não pense que ele é mais ingrato por conta da
sua timidez, pois as damas da alta sociedade como a senhorita devem
caminhar muitas léguas antes que um jovem tenha coragem de falar com elas.
E embora eu tenha dito ao meu filho, repetidas vezes, que as damas nunca
aprovam quando um homem inferior toma atitudes um pouco ousadas, sua
posição já é tão inferior que não fará diferença. Mas tudo vem do fato de ele
ter sido educado em uma universidade, pois isso o faz pensar que sabe mais
do que eu posso lhe dizer. E então, com certeza, ele sabe. No entanto, apesar
de tudo, é difícil para uma mãe descobrir que tudo o que ela diz não tem
serventia. Mas espero que a senhorita o desculpe, madame, pois tudo não
passa de excesso de modéstia.
Cecilia agora a olhava com tamanha expressão de espanto e desgosto, que
Mrs. Belfield, suspeitando de que tinha ido longe demais, acrescentou: — Eu
imploro que a senhorita não entenda mal o que eu disse, madame, pois nós, as
mães de família, estamos mais acostumadas a falar do que as donzelas. Eu
não deveria ter falado tanto, mas tinha receio de que a senhorita interpretasse
mal a hesitação do meu filho e que ele perdesse sua preferência, e tudo por
nada, apenas por ter muito respeito pela senhorita.
— Oh, querida mãe! — exclamou Miss Belfield, cujo rosto estava muito
corado. — Por favor...
— Qual é o problema agora? — perguntou Mrs. Belfield. — Você é tão
tímida quanto seu irmão, e se todos devemos ser assim, quando chegaremos a
um entendimento?
— Não neste momento, creio eu — disse Cecilia, levantando-se. — Mas,
para que não nos afundemos ainda mais em nossos erros, por ora eu devo
partir.
— Não, madame — exclamou Mrs. Belfield, interrompendo-a —, por
favor, não vá ainda, pois tenho muitas coisas sobre as quais gostaria de
conversar com a senhorita. Em primeiro lugar, madame, embora tenhamos
falado isso na outra vez que a senhorita esteve aqui, qual é a sua opinião
sobre este plano para enviar meu filho para o exterior? Não sei o que a
senhorita pensa sobre isso, mas, quanto a mim, me deixa meio louca por tê-lo
afastado de mim de uma maneira tão antinatural. Estou certa, madame, de
que, se a senhorita pudesse dizer apenas uma palavra contra esta ideia,
atrevo-me a dizer que ele desistiria dela sem objeções.
— Eu? — perguntou ela, libertando-se do seu domínio. — Não, madame,
a senhora deve dirigir-se aos seus amigos, que compreendem melhor as suas
razões e que teriam um interesse mais profundo em detê-lo.
— Céus! — exclamou Mrs. Belfield, com irritação mal contida. — Como
é difícil trazer estas grandes damas à razão! E quanto aos outros amigos do
meu filho, de que adiantará ele ouvir o que eles dizem? Quem pode esperar
que ele desista da viagem, sem saber o que receberá em troca?
— A senhora deve resolver esta questão com ele da maneira que achar
melhor — disse Cecilia. — Eu não posso ficar nem mais um minuto.
Mrs. Belfield, ao descobrir que mais uma vez havia sido muito precipitada,
tentou recuar, dizendo: — Por favor, madame, não permita que o que eu disse
pese contra meu filho na sua opinião, porque ele não sabe nada sobre isso, e
como minha filha pode testemunhar quanto à timidez, ele é tão tímido quanto
uma dama. Então, o que ele conseguiu na universidade, no que diz respeito a
fazer fortuna, eu nunca consegui saber. No entanto, atrevo-me a dizer que ele
sabe bem, pois, no final das contas, se fosse dizer o que penso, acho que ele
não fez o suficiente...
Cecilia, que apenas por compaixão pela ruborizada Henrietta se absteve de
reprimir com mais seriedade este atrevimento, limitou-se a responder à Mrs.
Belfield desejando-lhe um bom dia. Mas, enquanto se despedia gentilmente
da filha tímida, a mãe acrescentou: — Quanto ao presente, madame, com o
qual a senhorita foi tão gentil em nos agraciar, Henny pode testemunhar por
mim que cada centavo dele irá para o meu filho.
— A minha intenção — disse Cecilia — era que fosse para sua filha, mas,
se for útil para qualquer pessoa, meu propósito terá sido suficientemente
atendido.
Mrs. Belfield a pressionou novamente para que se sentasse, mas ela não
quis voltar a ouvi-la e disse, friamente: — Lamento que tenha incomodado
Mr. Belfield com qualquer menção sobre o que se passou entre mim e sua
irmã, mas, se a senhora voltar a conversar com ele sobre o assunto, eu
imploro que lhe explique que ele não teve nenhum envolvimento naquela
pequena transação, que pertencia apenas a nós duas.
Ela então desceu as escadas apressadamente, seguida, no entanto, por Mrs.
Belfield, dando desculpas estranhas para o que havia dito, misturadas com
insinuações frequentes de que sabia o tempo todo que tinha razão.
O pequeno incidente, o qual convenceu Cecilia de que Mrs. Belfield estava
firmemente convencida de que ela estava apaixonada pelo seu filho, causou-
lhe grande inquietação. Ela temia que o filho também nutrisse a mesma ideia
e achou mais provável que a filha também a tivesse absorvido, embora, não
fosse pela vulgaridade da mãe sanguinária, suas opiniões poderiam ter
permanecido ocultas por muito tempo. Sua benevolência para com elas,
apesar da sua pureza, deveria deixar de ser exercida; nem poderia voltar a
visitar Miss Belfield, uma vez que a prudência e o respeito pelo seu próprio
caráter pareciam proibir imediatamente todo negócio com a família.
“Quão difícil”, pensou ela, “é o uso irrepreensível da riqueza! A essa
família, que eu tanto desejava servir, no final só causei sofrimento, visto que
a decepção de suas expectativas mais elevadas pode fazer com que todos os
benefícios menores sejam desprezados. Desta forma, a infeliz interpretação
errônea das minhas boas intenções rouba-lhes uma assistência útil e ao
mesmo tempo me priva de uma companhia amável”.
Assim que chegou em casa, colocaram em suas mãos uma carta de Mr.
Marriot, cujo criado por duas vezes voltara para obter uma resposta no curto
período da sua ausência. A carta continha uma confissão apaixonada da
impressão que ela havia causado em seu coração na noite anterior e uma
queixa furiosa de que Mr. Harrel havia se recusado a ouvir suas propostas.
Ele solicitava permissão para vê-la por apenas cinco minutos e concluiu com
as mais fervorosas declarações de respeito e admiração.
A precipitação desta declaração serviu apenas para confirmar a opinião
que ela já havia concebido sobre a fraqueza de seu entendimento, mas a
obstinação de Mr. Harrel a irritava e angustiava, e embora estivesse cansada
de protestar sobre um assunto tão inútil com quem nem a razão nem a
gratidão poderiam desviar de seus propósitos, ela era obrigada a se submeter
ao seu controle, e, neste caso, estava satisfeita com seu decreto. Assim,
Cecilia escreveu uma resposta concisa ao seu novo admirador, na forma
habitual e cortês de rejeição.
CAPÍTULO 41

UMA ACOMODAÇÃO

Na manhã seguinte, Cecilia foi informada de que uma jovem desejava


falar com ela, e ao mandá-la subir as escadas, ela viu, para sua grande
surpresa, Miss Belfield. Ela chegou com medo e tremendo, enviada, ela disse,
por sua mãe, para implorar seu perdão pelo que tinha acontecido no dia
anterior.
— Mas eu sei, madame — acrescentou ela —, a senhorita não pode
perdoá-la, e, portanto, tudo o que pretendo é isentar meu irmão de qualquer
participação no que foi dito, pois, na verdade, ele tem muito bom senso para
abrigar tal presunção; e para lhe agradecer do fundo do meu coração por toda
a bondade que a senhorita nos tem demonstrado.
Então, ela fez uma reverência modesta e já estava de partida, quando
Cecilia, muito comovida por sua doçura, tomou sua mão e gentilmente a
reanimou com garantias de estima e implorou que ela prolongasse sua
permanência.
— É tão bom, madame — disse ela —, depois de tantos motivos para
pensar mal de mim e de todos nós; eu tentei de tudo para desiludir minha
mãe, ou pelo menos para mantê-la calada, mas ela estava tão convencida de
que tinha razão, que nem me ouvia, e sempre perguntava se eu acreditava que
era por mim que a senhorita se prestava a nos visitar com tanta frequência.
— Sim — respondeu Cecilia —, sem dúvida. Se eu não a tivesse
conhecido, por mais que desejasse o bem do seu irmão, certamente não teria
visitado sua casa. Mas estou muito contente por saber que o engano não se
estendeu ainda mais.
— Não, madame, nunca pensei nisso; e quanto ao meu irmão, quando
minha mãe simplesmente insinuou a possibilidade, ele ficou muito zangado.
Embora não tenha a intenção de justificar o acontecido, espero que não fique
ofendida se eu disser que minha mãe é muito mais merecedora de perdão do
que parece ser, pois o mesmo engano que cometeu com a senhorita ela
poderia ter cometido com uma princesa. Então, não foi por falta de respeito,
mas simplesmente por pensar que meu irmão poderia se casar tão bem quanto
quisesse, e por acreditar que nenhuma dama o recusaria se ele tivesse apenas
a coragem de falar.
Cecilia assegurou-lhe que não pensaria mais no engano, mas também disse
que, para evitar sua repetição, ela deveria privar-se de visitá-la novamente até
que seu irmão estivesse longe. Portanto, ela lhe implorou que viesse vê-la em
Portman Square sempre que tivesse algum tempo livre, garantindo-lhe
repetidamente sua estima, consideração e o prazer dos quais aproveitaria cada
oportunidade para demonstrá-los. Encantada com uma recepção tão amável,
Miss Belfield passou toda a manhã na sua companhia, e quando finalmente
foi obrigada a deixá-la, ficou muito feliz por uma nova visita ter sido
solicitada.
A partir de então, dificilmente se passava um dia em que Miss Belfield não
viesse a Portman Square, onde nada era omitido durante sua recepção que
pudesse contribuir para sua satisfação. Cecilia estava satisfeita por poder
empregar sua mente de qualquer maneira que não estivesse relacionada a
Delvile, em quem ela agora se esforçava seriamente para não mais pensar,
negando-se até mesmo ao prazer de falar sobre ele com Miss Belfield, usando
o nome do nobre amigo do seu irmão. Durante este tempo, ela planejou
vários métodos, todos delicados demais para causar até mesmo uma sombra
de ofensa, para oferecer presentes úteis e ornamentais à sua nova favorita,
com quem se sentia cada vez mais satisfeita, e a quem se propôs a doravante
oferecer uma residência em sua própria casa.
A prova de intimidade, tão difícil de suportar para os mais capazes, e da
qual até mesmo os mais irrepreensíveis raramente são absolvidos, Miss
Belfield sustentou com louvor. Cecilia a achava simples, ingênua e afetuosa.
Sua compreensão era boa, embora não tivesse feito nenhum esforço para
aperfeiçoá-la; sua disposição, embora ardente, era suave, e sua mente parecia
informada por uma integridade intuitiva. Ela contou a Cecilia todos os
assuntos de sua família, sem disfarçar sua angústia nem mesquinhez,
procurando atenuar apenas as partes mais grosseiras do caráter de sua mãe.
Ela parecia igualmente disposta a lhe revelar até mesmo os segredos mais
bem guardados no seu próprio peito, pois era tão evidente, por uma aparência
frequente de ausência e inquietação, que ela pouco se dava ao trabalho de
ocultar. Cecilia, no entanto, não confiava em si mesma na atual situação
crítica de sua própria mente com indagações que pudessem levar a um tema
sobre o qual estava consciente de que não deveria insistir. Ela esperava que
um curto período de tempo removesse totalmente sua suspeita, mas como
tinha menos razões para esperar o bem do que o mal, imediatamente adquiriu
o hábito de preparar-se para o pior e, portanto, passou a evitar
cuidadosamente qualquer discurso que, ao alimentar sua ternura, pudesse
enfraquecer sua resolução.
Enquanto Cecilia passava seu tempo em conversas amigáveis e paciência
virtuosa, de forma séria, mas não infeliz, o resto da casa se ocupava de
maneira bem distinta: festejos, banquetes, diversões de todos os tipos eram
perseguidas com mais entusiasmo do que nunca, e o alarme que tão
recentemente ameaçara sua destruição parecia agora simplesmente aumentar
a avidez com que eram buscadas. No entanto, nunca antes a desunião entre a
felicidade e a diversão fora mais notável e evidente. Mr. Harrel, apesar de sua
frivolidade natural, era tomado de tempos em tempos por acessos de horror
que amargavam seus momentos mais alegres e lançavam uma nuvem sobre
todos os seus prazeres. Desde sempre um inimigo da solidão, ele agora a
achava totalmente insuportável e buscava qualquer tipo de companhia, menos
pela esperança de encontrar entretenimento do que pelo temor de passar meia
hora sozinho.
Cecilia, ao notar que sua ânsia pelo prazer aumentava com sua inquietude,
mais uma vez aventurou-se a falar com sua esposa sobre uma mudança de
atitude, aconselhando-a a aproveitar o seu aparente descontentamento, o qual
demonstrava ao menos uma certa sensibilidade pela sua situação, a fim de
apontar-lhe a necessidade de uma inspeção imediata em seus negócios, pois
uma modificação total em seu modo de vida era sua única chance de arrancá-
lo do desânimo sombrio em que se afundava.
Mrs. Harrel declarou-se incapaz de seguir o conselho e disse que toda a
sua dedicação era para encontrar alguma diversão para Mr. Harrel, pois ele
andava tão mal-humorado e petulante que ela temia ficar a sós com ele.
Assim, a casa estava mais movimentada do que nunca e não se pensava em
mais nada além do desperdício de dinheiro. Entre aqueles que, segundo este
plano, foram cortejados para satisfazê-lo, o principal era Mr. Morrice, o qual,
devido a um talento peculiar de unir servilismo de conduta com alegria ao
falar, tornou-se ao mesmo tempo tão agradável quanto útil para a família, que
em pouco tempo imaginava que seria impossível viver sem ele. E Morrice,
embora sua primeira intenção ao obter sua admissão na residência tenha sido
o cultivo de uma amizade com Cecilia, estava perfeitamente satisfeito com o
rumo que as coisas haviam tomado, já que sua extrema vaidade nunca o
levara a nutrir qualquer esperança matrimonial com ela, e ele acreditava que
sua fortuna se beneficiaria tanto da cortesia de seus amigos quanto dela
mesma, pois Morrice, por mais inconstante e rebelde que fosse, sempre tivera
em mente a dedicação aos seus próprios interesses, e embora por uma
vertiginosa ousadia de personalidade ele frequentemente ofendesse as
pessoas, seu objetivo e atenção não eram menos dirigidos ao progresso de
seus próprios negócios. Ele não formava nenhuma conexão da qual não
esperava algum benefício e considerava o conhecimento e a amizade de seus
superiores sob nenhuma outra luz senão a de obter, mais cedo ou mais tarde,
uma recomendação para novos clientes.
Sir Robert Floyer também era mais frequente do que nunca em suas
visitas, e Mr. Harrel, apesar dos protestos de Cecilia, arranjava todas as
oportunidades possíveis para ter acesso a ela. A própria Mrs. Harrel, até então
neutra, passou a defender sua causa com seriedade, e Mr. Arnott, que tinha
sido seu antigo refúgio nesta perseguição, tornou-se tão sério e tão terno em
suas obrigações, que, incapaz de duvidar dos sentimentos que ela mesma
inspirava, Cecilia viu-se compelida a ser mais cautelosa e distante até mesmo
dele.
Ela agora, com uma preocupação diária, lembrava-se do sacrifício que
fizera ao inútil e ingrato Mr. Harrel e, às vezes, sentia-se tentada a escolher
imediatamente um outro guardião e deixar sua casa para sempre. No entanto,
a delicadeza do seu caráter era avessa a qualquer passo que pudesse expô-lo
publicamente, e sua consideração inicial por sua esposa não permitia que
colocasse o plano em ação.
Tais circunstâncias contribuíram muito para aumentar sua intimidade com
Miss Belfield. Ela nunca mais vira Mrs. Delvile, dando preferência à sua
nova amiga, e pela incômoda assiduidade de Sir Robert, raramente
encontrava Mr. Monckton, a não ser em sua presença. Ela não encontrava,
portanto, nenhum recurso contra o aborrecimento e a irritação, senão o que
lhe proporcionavam as conversas com a amável Henrietta.
CAPÍTULO 42

UMA DESCOBERTA

Passaram-se duas semanas sem que Cecilia tivesse qualquer tipo de


comunicação com os Delviles, a quem, igualmente por orgulho e prudência,
se abstivera de procurar por si mesma, quando, em uma manhã, enquanto
estava sentada com Miss Belfield, sua criada lhe disse que o jovem Mr.
Delvile estava na sala de visitas e solicitava a honra de vê-la por alguns
instantes. Cecilia, embora tivesse se assustado e mudado de cor pela surpresa
da mensagem, tampouco estava consciente da surpresa ainda maior que
receberia do comportamento de Miss Belfield, que levantou-se
apressadamente e exclamou: — Meu bom Deus, Mr. Delvile! A senhorita
conhece Mr. Delvile, madame? Mr. Delvile frequenta esta casa?
— Às vezes, não sempre — respondeu Cecilia. — Por quê?
— Eu não sei, não é nada, madame. Eu só perguntei por acaso, eu acho...
eu não sabia... — ela corou violentamente e sentou-se novamente.
Uma apreensão muito dolorosa apoderou-se de Cecilia. Absorta em seus
pensamentos, ela continuou alguns minutos calada e imóvel. Ela foi
despertada deste estado pela sua criada, que lhe perguntava se gostaria de
dispor de suas luvas.
Cecilia, apanhando as luvas das suas mãos sem dizer uma palavra, saiu da
sala e, sem ousar deter-se para questionamentos ou reflexões, desceu a escada
rapidamente. Porém, quando entrou no aposento onde o jovem Delvile a
aguardava, todas as suas expressões desapareceram e ela fez uma reverência
sem dizer uma palavra.
Impressionado pela aparência e maneira pouco comum da sua entrada, ele
ficou por um momento tão perturbado quanto ela, despejou mil desculpas
desnecessárias e constrangidas para a sua visita e, esquecendo-se
completamente até mesmo da razão pela qual ali estava, pediu sua permissão
e já ia saindo antes mesmo que pudesse se lembrar. Ele, então, virou-se,
forçou uma risada pela sua própria ausência de espírito e lhe disse que só
tinha passado para informá-la de que as ordens com as quais ela o havia
honrado tinham sido cumpridas e que esperava que ela ficasse satisfeita.
Cecilia, que sabia que nunca lhe havia dado nenhuma ordem, aguardou
uma explicação. Ele a informou que naquela mesma manhã havia
apresentado Mr. Belfield ao conde de Vannelt, que já tinha ouvido falar dele
de forma vantajosa por alguns cavalheiros de quem era conhecido na
Universidade, e que ficara tão satisfeito com ele nesta primeira entrevista,
que pretendia, depois de algumas averiguações, que não poderiam deixar de
resultar a seu favor, entregar seu filho mais velho em suas mãos para fazer
uma viagem pela Europa.
Cecilia lhe agradeceu pela participação e pelos problemas que tinha tido
para efetuar a transação, e perguntou se Mrs. Delvile continuava bem.
— Sim — respondeu ele, com um sorriso meio reprovador. — Assim
como qualquer pessoa que sempre esperou ter a sua preferência pode estar
depois de descobrir que sua esperança foi em vão. Porém, por mais que ela
tenha ensinado a seu filho, há uma lição que ela talvez poderia aprender com
ele: fugir, não buscar satisfações das quais sua privação significaria a perda
da paz!
Ele fez uma reverência e partiu.
A reprimenda inesperada e o elogio ainda mais inesperado que a
acompanhou, o que parecia mais significativo aos seus ouvidos, aumentaram
a perturbação em que Cecilia havia sido lançada. Ocorreu-lhe que, sob a
sanção do nome de sua mãe, ele havia aproveitado a oportunidade para se
desculpar por sua própria conduta. No entanto, ela não conseguia entender
por que evitar sua companhia, se esta era a sua alusão, deveria ser uma
satisfação perigosa, já que ele tinha tão poucos motivos para temer qualquer
repulsa em continuar a procurá-la. Entretanto, lamentando a maneira abrupta
pela qual havia abandonado Miss Belfield, ela não perdeu um só momento
para voltar rapidamente para a amiga, mas, quando chegou à porta,
encontrou-a ocupada em olhar pela janela, seguindo com os olhos algum
objeto com tanta seriedade de atenção que nem percebeu o seu retorno.
Cecilia, que não tinha dúvidas quanto ao motivo da sua curiosidade, não teve
grande dificuldade em se conter para lhe oferecer qualquer interrupção. Ela
viu sua jovem amiga com as mãos cruzadas, sussurrando: — Que os céus
sempre o protejam e abençoem! Que ele nunca sinta tanta dor como eu!
Miss Belfield então olhou novamente para fora, mas logo se encolheu e
disse, com o mesmo tom suave: — Oh, por que você se foi? O mais doce e
mais nobre dos homens! Por que eu não posso mais vê-lo, quando não há sob
o céu outra benção que eu deseje?
Um suspiro que Cecilia deixou escapar quando ouviu estas palavras fez
com que ela se sobressaltasse e se voltasse para a porta; o rubor mais
profundo espalhou-se pelo rosto de ambas e, quando seus olhos se
encontraram, enquanto todos os membros de Miss Belfield tremiam pela
descoberta que tinha feito, a própria Cecilia mal conseguia ficar em pé. Um
silêncio doloroso e constrangedor se seguiu, que só foi quebrado quando
Miss Belfield começou a chorar. Cecilia, extremamente comovida, esqueceu-
se por um momento do seu próprio interesse pelo acontecido e, ternamente,
aproximou-se e tentou acalmá-la com a maior gentileza, mas, ainda assim,
sem dizer uma palavra, temendo fazer uma indagação por medo de ouvir
qualquer explicação.
Miss Belfield, tranquilizada por sua suavidade, agarrou-se a ela, escondeu
o rosto nos braços e soluçou: — Ah, madame! Quem poderia ficar infeliz
sendo seu amigo! Se eu pudesse evitar, não amaria a ninguém mais em todo o
mundo. Mas a senhorita deve permitir que eu me vá agora, e amanhã eu lhe
contarei tudo.
Cecilia, que não desejava fazer qualquer oposição, tornou a abraçá-la e
permitiu que ela partisse em silêncio.
Sua própria mente encontrava-se em um estado de extrema confusão. A
retidão do seu coração e a firmeza da sua decisão a haviam protegido até
então tanto do erro quanto da culpa e, exceto durante sua recente suspeita,
haviam conservado inviolada sua tranquilidade, mas seus negócios com o
mundo tinham sido pequenos e limitados, e suas ações tinham pouca
referência a não ser ela mesma. O caso agora era outro. De repente, entre
todas as conjecturas, esta era a mais delicada, pois descobrira acidentalmente
uma rival na sua amiga favorita. O carinho que havia concebido por Miss
Belfield e a sinceridade das suas intenções, bem como as promessas de servi-
la, fizeram com que a descoberta deste segredo fosse peculiarmente cruel.
Nos últimos tempos, ela não sentia prazer a não ser em sua companhia, e
esperava ter muito conforto no futuro com a continuação de sua estima e
convivência constante, mas agora tudo estava fora de cogitação, uma vez que
apenas o aniquilamento total do desejo de ambas pelo fato do jovem Delvile
ser entregue a uma terceira pessoa poderia tornar elegível sua convivência
sob o mesmo teto.
No entanto, sua compaixão por Miss Belfield era quase totalmente livre de
ciúmes: ela não nutria qualquer suspeita de que ela era amada pelo jovem
Delvile, cujo espírito aspirante a levava mais a temer alguma rival superior
do que acreditar que ele sequer pensava na pobre Henrietta; ainda assim, ela
desejava com o maior ardor saber até que ponto eles se conheciam, com qual
frequência se encontravam, quando haviam conversado, que atenção ele
havia dado a ela e de que forma uma preferência tão perigosa havia invadido
o seu coração. Porém, embora sua curiosidade fosse tão natural quanto
poderosa, sua principal preocupação era com a disposição da sua própria
conduta. No dia seguinte, Miss Belfield deveria lhe contar tudo por meio de
uma promessa voluntária, mas ela duvidava de que tivesse o direito de aceitar
tal confiança. Miss Belfield, ela estava certa disso, não sabia do seu interesse
pela história, já que nem imaginava que ela conhecia Delvile. Portanto, ela
poderia esperar não apenas conselhos, mas ajuda, e pensar que, enquanto
depositava seu segredo no seio de uma amiga, depositava-os no seio de uma
rival. Ela poderia ouvi-la? Não, a generosidade mais romântica se rebelaria
diante de semelhante exigência, pois, por mais precárias que fossem suas
chances com o jovem Delvile, ela estava certa de que Miss Belfield não
poderia ter nenhuma. Nem o seu nascimento nem sua educação se adaptavam
à sua posição na vida, e mesmo sendo ambos irrepreensíveis, a pequenez da
sua fortuna, como Mr. Monckton havia dito, seria um obstáculo
intransponível. Não seria uma espécie de traição arrancar tudo dela e não a
ajudar em nada? Aproveitar-se da sua franqueza despreocupada a fim de
descobrir tudo o que se relacionava a alguém a quem ainda esperava que
finalmente pertencesse a ela mesma, e satisfazer uma curiosidade interessada
à custa de uma franqueza não mais simples do que amável?
“Não!”, exclamou Cecilia. “Este é um artifício que jamais poderei perdoar
e nunca praticarei. Aquela menina doce, mas infeliz, não me dirá nada. Já
traída pela ternura do seu próprio coração, ao menos não sofrerá mais por
nenhuma falsidade do meu. Se, de fato, como suspeito, Mr. Delvile está
comprometido com alguma outra pessoa, farei da gentil Henrietta o objeto da
minha futura solicitude; a simpatia das nossas situações não nos dividirá, mas
nos unirá, e eu cuidarei bem dela, ouvirei todas as suas dores e acalmarei seu
espírito perturbado, participando da sua sensibilidade. Mas, se, pelo
contrário, o mistério acabar sendo mais feliz para mim, se Mr. Delvile não
tiver outro compromisso, e a partir de agora modificar sua conduta para
minha satisfação, não serei cúmplice de carregar suas lembranças futuras com
a vergonha de uma confiança da qual ela então não pode deixar de se
arrepender, nem com um dano à sua delicadeza que poderia feri-la para
sempre”.
Ela decidiu, portanto, evitar cuidadosamente o assunto por enquanto, já
que não poderia oferecer nenhum conselho pelo qual não pudesse, a partir de
agora, ser suspeita de motivos egoístas. Porém, ainda assim, seriam conselhos
de uma verdadeira consideração pela jovem de coração terno, para
desencorajá-la a dar vazão a uma paixão que acreditava que só lhe traria
sofrimento.
Por um momento, graças à franqueza natural da sua personalidade, ela
considerou não apenas receber, mas retribuir a confiança; seu bom senso,
entretanto, logo a desviou de um plano tão arriscado, que só poderia expor as
duas a uma humilhação romântica, pela qual, no final, suas mútuas
expectativas poderiam se revelar fontes de mútua desconfiança.
Portanto, quando, na manhã seguinte, Miss Belfield, com um ar
incomumente tímido e todo o rosto coberto de rubor, fez sua visita, Cecilia,
parecendo não notar sua confusão, disse que lamentava muito ter sido
obrigada a sair, e planejou, sob vários pretextos, manter sua criada no quarto.
Miss Belfield, supondo que se tratava de um imprevisto, regozijou-se com o
adiamento imaginário e recuperou sua jovialidade habitual, e Cecilia, que
realmente pretendia visitar Mrs. Delvile, tomou emprestada a carruagem de
Mrs. Harrel e deixou sua jovem e ingênua amiga em seu novo alojamento,
antes de prosseguir para St. James’s Square, falando o tempo todo sobre
questões de absoluta indiferença.
CAPÍTULO 43

UM SARCASMO

A reprimenda que Cecilia recebera do jovem Delvile em nome de sua mãe


havia feito com que ela se decidisse a visitá-la, pois, embora no seu atual
estado de incerteza ela desejasse apenas ver aquela família quando procurada
por eles mesmos, ainda desejava evitar qualquer aparência de singularidade,
por temor de que surgissem quaisquer suspeitas de seus sentimentos. Mrs.
Delvile a recebeu com uma cordialidade fria que a assustou e afligiu. Cecilia
sentiu que ela estava gravemente ofendida por sua longa ausência, e pela
primeira vez percebeu aquela altivez no seu caráter que até então acreditava
que só lhe era atribuída pela calúnia da inveja, pois, embora seu
descontentamento fosse indisfarçado, ela dignou-se a não fazer qualquer
censura, evidentemente demonstrando que seu desapontamento pela perda da
sua companhia fora amargurado por um arrependimento orgulhoso por toda a
generosidade que acreditava ter desperdiçado. Porém, embora se abstivesse
escrupulosamente da menor queixa, não deixava de, de vez em quando,
lançar algumas reflexões sobre a inconstância e o capricho da forma mais
sarcástica e contundente.
Cecilia, que não podia confessar os motivos do seu comportamento,
aventurou-se a não oferecer desculpas por sua aparente negligência, mas
como até então estava acostumada a mais distinta gentileza, uma mudança
para tanta amargura a comoveu e dominou, e ela sentou-se quase totalmente
em silêncio, mal conseguindo levantar os olhos.
Lady Honoria Pemberton, filha do duque de Derwent, entrou na sala e lhe
proporcionou algum alívio pela vivacidade da sua conversa. A jovem, que era
parente dos Delviles e dona do caráter mais volúvel e descuidado, passou
todo o tempo da sua visita falando sobre os escândalos da moda com tamanha
leviandade que as censuras de Mrs. Delvile, embora de forma alguma a
poupassem, não tinham nenhum poder para controlar, e depois de ter revirado
completamente todos os tópicos do dia, voltou-se repentinamente para
Cecilia, com quem, durante sua estadia em St. James’s Square, ela havia feito
amizade, e disse:
— Ouvi dizer, Miss Beverley, que, depois de metade da cidade a ter
oferecido a Sir Robert Floyer, e a outra metade a lorde Derford, a senhorita
pretende, sem considerar um lado ou outro, desapontar ambos e entregar-se a
Mr. Marriot.
— Eu? Não é verdade — respondeu Cecilia. — Vossa Senhoria foi mal
informada.
— Espero que sim — disse Mrs. Delvile —, pois Mr. Marriot, pelo que
ouvi dizer, parece ter apenas uma boa recomendação de uma boa
propriedade, o que é a última coisa que Miss Beverley deveria valorizar.
Cecilia, secretamente encantada com um discurso que ela não podia deixar
de acreditar que se referia ao seu filho, ficou um pouco mais animada e
esforçou-se para participar da conversa.
— Todo mundo que encontro — disse lady Honoria — destina Miss
Beverley a uma nova pessoa. No entanto, a opinião geral é que Sir Robert
Floyer será o vencedor. Mas, palavra de honra, não posso imaginar como ela
se sairá entre eles, pois Mr. Marriot declara que está decidido a não ser
recusado, e Sir Robert jura que nunca irá desistir. Portanto, nenhum de nós
sabe como essa história vai acabar, mas estou feliz que ela os mantenha por
tanto tempo em suspense.
— Se houve algum suspense — disse Cecilia —, ao menos estou certa de
que não é intencional. Mas por qual motivo Vossa Senhoria se alegra com
isso?
— Oh, porque ajuda a atormentá-los e mantém as coisas em andamento.
Além disso, todos os dias buscamos os jornais para saber quando haverá
outro duelo pela senhorita.
— Outro?! — exclamou Cecilia. — Na verdade, eles nunca lutaram por
mim.
— Desculpe-me — respondeu Sua Senhorita —, Sir Robert, como sabe,
lutou pela senhorita no início do inverno, com aquele caçador de fortunas
irlandês que a insultou na Opera House.
— Caçador de fortunas irlandês? — repetiu Cecilia. — Quão
estranhamente esta briga foi mal interpretada! Em primeiro lugar, nunca fui
insultada na Opera House, e, em segundo lugar, se Vossa Senhoria se refere a
Mr. Belfield, eu me pergunto se alguma vez ele esteve na Irlanda em toda a
sua vida.
— Bem — disse lady Honoria —, ele pode bem ter vindo da Escócia, pelo
que eu sei, mas de algum lugar certamente veio. Fui informada de que ficou
terrivelmente ferido e que Sir Robert manteve todas as coisas empacotadas
durante um mês, no caso de ele chegar a morrer e ele precisar partir para o
exterior no mesmo momento.
— Diga, lady Honoria — disse Mrs. Delvile —, onde consegue todas
essas informações?
— Ah, não sei; todo mundo me diz alguma coisa, então reúno tudo da
melhor maneira que posso. Mas eu poderia lhe dar uma notícia ainda mais
estranha do que qualquer outra que já ouviu.
— E qual é?
— Oh, se eu disser, a senhora vai contar para o seu filho.
— Na verdade, não — disse Mrs. Delvile, rindo —, provavelmente eu
mesma esquecerei.
Ela resistiu mais um pouco, e Cecilia, sem saber se deveria participar da
comunicação, caminhou até a janela. No entanto, lady Honoria não baixou o
tom de voz e ela a ouviu dizer: — Bem, a senhora deve saber que me
disseram que ele mantém uma amante em algum lugar da Oxford Road.
Dizem que é muito bonita; eu gostaria muito de vê-la.
A consternação de Cecilia diante da informação certamente teria traído
tudo o que ela tanto desejava ocultar, não tivesse sua afortunada caminhada
até a janela a mantido longe de observação. Ela manteve seu posto, temendo
olhar ao redor, mas ficou muito satisfeita quando Mrs. Delvile, com grande
indignação, respondeu: — Eu lamento, lady Honoria, que possa encontrar
qualquer diversão em ouvir um escândalo tão inútil, que aqueles que o
propagam nunca a respeitarão por ouvir. Em tempos menos ousados, o
caráter de Mortimer teria se mostrado um escudo contra todas essas calúnias
prejudiciais. No entanto, quem estranhará o fato de ele não ter escapado dessa
falsa história, e quem desprezará os autores da calúnia, se sua própria parente,
lady Honoria Pemberton, presta-se ao trabalho de se divertir com ela e a
propagar?
— Cara Mrs. Delvile! — exclamou lady Honoria, apressadamente. — A
senhora me leva muito a sério.
— Cara lady Honoria — respondeu Mrs. Delvile —, eu gostaria que fosse
possível fazê-la levar a sério a si mesma, pois, se ao menos uma vez pudesse
ver com clareza e precisão o quanto rebaixa sua própria dignidade, enquanto
se rebaixa para depreciar a dos outros, os próprios assuntos que agora a
divertem, então, muito mais apropriadamente, moveriam seu ressentimento.
— Mas, madame — exclamou lady Honoria —, se este fosse o caso, eu
não seria absolutamente perfeita. Nós nunca teríamos motivos para discutir e
não sei o que faríamos para conversar!
Com estas palavras, ela apressadamente apertou as mãos de Cecilia e se
despediu.
— Uma conversa como essa — disse Mrs. Delvile quando ela se foi — é
resultado da mistura de reprimenda infrutífera com uma leviandade
incorrigível; seria realmente mais honrada na violação do que na observância.
Mas a leviandade é uma característica tão forte da moda atual, que uma
jovem alegre como lady Honoria Pemberton, que governa os amigos pelos
quais deveria ser governada, tem poucas chances de escapar.
— Ela parece tão aberta a reprimendas — disse Cecilia —, que espero que
em pouco tempo também esteja aberta a sentenças.
— Não — respondeu Mrs. Delvile —, não tenho nenhuma esperança nesse
sentido. Uma vez eu realmente tentei, mas logo descobri que a facilidade com
a qual ela se inteira de suas faltas é apenas mais um efeito da leviandade com
a qual as comete. Mas, se os jovens nunca se cansam de errar na sua conduta,
os mais velhos também não devem se cansar de errar nos seus julgamentos. A
falibilidade do meu julgamento eu experimentei muito recentemente.
Cecilia, ao sentir fortemente a intensidade do sarcasmo, e cujo valor
constante e indiferente de Mrs. Delvile de forma alguma o merecia, foi
novamente silenciada e novamente deprimida pela maneira mais cruel. Ela
também não poderia secretamente abster-se de queixar-se de que naquele
exato momento encontrava-se ameaçada pela necessidade de renunciar à
companhia de sua nova favorita, Miss Belfield, a mulher que ela mais
desejava como amiga em todo o mundo, pois a partir de um engano infeliz
estava disposta a abandoná-la. Aflita por ter perdido a estima daquela senhora
e abalada por não poder oferecer nenhuma justificativa, após uma breve e
pensativa pausa, ela levantou-se para se despedir.
Mrs. Delvile então lhe disse que, se tivesse algum assunto a tratar com Mr.
Delvile, seu conselho era o de que deveria informá-lo o mais rápido possível,
pois toda a família deixaria a cidade em poucos dias.
Este foi um novo e severo golpe para Cecilia, que repetiu com pesar: —
Em poucos dias, madame?
— Sim — respondeu Mrs. Delvile —, eu espero que seu interesse seja
verdadeiro.
— Ah, madame! — exclamou Cecilia, que não conseguia manter sua
tranquilidade —, se conhecesse apenas a metade do respeito que tenho pela
senhora, a metade da sinceridade com a qual eu a valorizo e reverencio, todos
os protestos seriam inúteis, pois todas as acusações estariam terminadas.
Mrs. Delvile, ao mesmo tempo surpresa e abrandada pelo calor da
declaração, imediatamente tomou sua mão e disse: — As acusações devem
agora e para sempre ser caladas, se ouvi-las a faz sofrer. Cheguei à conclusão
de que o que eu dissesse não faria diferença para a senhorita, ou todo o meu
desagrado teria sido imediatamente satisfeito, uma vez que já havia dado a
entender que a senhorita o tinha estimulado.
— O fato de tê-lo estimulado de alguma maneira — respondeu Cecilia —
me causa um grande mal-estar; mas acredite, madame, embora infelizmente
as aparências possam ser contra mim, sempre tive a mais alta consideração
pela gentileza com a qual a senhora sempre me honrou, e nunca houve a
menor diminuição na veneração, gratidão e afeto que inviolavelmente lhe
dediquei.
— A senhorita pode ver, então — disse Mrs. Delvile, com um sorriso —,
que onde a reprovação deve causar algum efeito, ela não é recebida, como
aquela facilidade que estava há pouco admirando; pelo contrário, onde uma
concessão é feita sem dor, também não tem sentido, pois não é da natureza
humana projetar qualquer emenda sem que haja uma secreta repugnância. E é
aqui que a senhoria difere de lady Honoria Pemberton, quem poderia dizer o
quanto é superior a ela em tudo?
— A senhora aceitará, então — disse Cecilia —, minhas desculpas e me
perdoará?
— Farei melhor — disse Mrs. Delvile, rindo —, vou perdoá-la sem
nenhum pedido de desculpas, pois a verdade é que não ouvi nenhum! Mas
venha — continuou ela, ao notar que Cecilia estava muito envergonhada. —
Eu não farei mais perguntas sobre o assunto. Fico feliz em receber minha
jovem amiga novamente!
Ela então a abraçou afetuosamente e reconheceu que ficara mais
mortificada por seu abandono imaginário do que estava disposta a admitir até
para si mesma, assegurando-lhe repetidamente que, por muitos anos, ela não
tinha feito nenhuma amizade que desejasse tanto cultivar, nem desfrutar de
qualquer companhia com quem tivesse tanto prazer.
Cecilia, cujos olhos brilhavam com modesta alegria, enquanto seu coração
batia acelerado com a expectativa renovada, ao ouvir uma efusão de elogios
tão infinitamente gratificante, teve poucas dificuldades para retribuir suas
demonstrações de amizade e, em poucos minutos, não estavam apenas
reconciliadas, mas mais unidas do que nunca. Mrs. Delvile insistiu em
convidá-la para o almoço, e Cecilia, extremamente feliz por sua sinceridade,
prontamente concordou em enviar uma justificativa à Mrs. Harrel.
Nenhum dos Mr. Delviles passou o dia em casa, e nada, portanto,
perturbou ou interrompeu aquelas sensações radiantes e deliciosas que
brotam de uma cordial renovação de amizade e gentileza. Na verdade, o
relato de lady Honoria Pemberton a havia causado uma certa inquietude, mas
o caráter inconstante da jovem e a resposta de Mrs. Delvile logo a fizeram
afastá-lo de sua mente.
Ela voltou para casa no início da tarde, já que outras pessoas eram
esperadas e ela ainda não havia mudado de vestido desde a manhã, mas
primeiro prometeu voltar a visitar Mrs. Delvile todos os dias durante o curto
período que pretendia permanecer na cidade.
CAPÍTULO 44

UMA SUSPEITA

A manhã seguinte teve início com outra cena: Mrs. Harrel entrou correndo
no quarto de Cecilia antes do café da manhã e lhe disse que Mr. Harrel não
tinha voltado para casa na noite anterior. Ela esforçou-se para dissipar a
consternação que sentia diante do relato que ouvira, a fim de amenizar a
apreensão da comunicação. Mrs. Harrel, no entanto, estava extremamente
inquieta e enviou um criado para fazer uma investigação em toda a cidade, o
qual retornou sem nenhuma informação.
Cecilia, não querendo deixá-la em tal estado de alarme, escreveu uma
justificativa à Mrs. Delvile, avisando que não poderia ir ficar com ela até que
recebessem alguma notícia. Um assunto de preocupação imediata como
aquele era uma justificativa suficiente para evitar qualquer conversa
particular com Miss Belfield, que apareceu, como de costume, por volta do
meio-dia, e cujo coração suscetível foi muito afetado pela evidente
perturbação na qual Cecilia se encontrava.
O dia se passou sem que nenhuma notícia chegasse. Porém, para seu
grande espanto, à tarde, Mrs. Harrel preparou-se para uma reunião, ainda que
ao mesmo tempo declarasse que era extremamente desagradável para ela,
mas que temia que, se não comparecesse, todos imaginariam que algo estava
acontecendo.
Quem, afinal, pensou Cecilia, tem a metade dos servos do mundo se não
os esbanjadores? Aqueles que trabalham por contrato têm ao menos suas
horas de descanso; os que trabalham para sua subsistência encontram sua
liberdade quando esta é obtida; mas aqueles que labutam para agradar os
vaidosos e preguiçosos empreendem uma tarefa que nunca pode ser
concluída, não importando de que maneira inescrupulosa toda a paz privada e
todo o consolo interior possam ser sacrificados na realidade da loucura de
salvar as aparências! Assim, já que não havia mais motivos para renunciar ao
seu próprio compromisso, ela mandou buscar sua liteira, a fim de passar uma
ou duas horas com Mrs. Delvile. Os criados que a viram, enquanto a
conduziam escada acima, disseram que avisariam a senhora, e ao entrar na
sala ela viu, lendo e sozinho, o jovem Delvile.
Ele pareceu muito surpreso, mas a recebeu com o maior respeito,
desculpando-se pela ausência de sua mãe, quem disse ter entendido que não a
veria até o dia seguinte, e que o tinha deixado para escrever algumas cartas, já
que estava livre de compromissos. Cecilia lhe deu em troca algumas
justificativas para sua aparente inconstância; depois disso, por algum tempo,
toda a conversa cessou.
O silêncio foi finalmente quebrado pelo jovem Delvile, dizendo: — O
mérito de Mr. Belfield não foi desperdiçado com lorde Vannelt. Ele recebeu
excelentes recomendações com relação ao seu caráter por parte de todos os
seus antigos conhecidos e agora está arranjando para ele um aposento em sua
própria casa até que a viagem seja iniciada.
Cecilia disse que estava muito feliz em ouvir aquela informação, e então
os dois ficaram em silêncio novamente.
— A senhorita conheceu — disse o jovem Delvile, depois desta segunda
pausa, — a irmã de Mr. Belfield?
Cecilia, não sem mudar de cor, respondeu: — Sim, senhor.
— Ela é muito amável — continuou ele. — Na verdade, amável até
demais para a sua situação, uma vez que seus familiares, com exceção apenas
do seu irmão, são completamente indignos dela.
Ele deteve-se, mas Cecilia não respondeu, e ele logo acrescentou: —
Talvez não a considere amável? A senhorita deve tê-la visto mais vezes e
talvez saiba de alguma coisa que a desabone?
— Oh, não! — exclamou Cecilia, com um entusiasmo forçado. — Eu só
estava pensando que... o senhor disse que conheceu seus familiares?
— Não — respondeu ele —, mas, quando estive com Mr. Belfield, alguns
deles o visitaram.
Mais uma vez os dois ficaram em silêncio. Cecilia, envergonhada pelo seu
aparente atraso para responder, viu-se obrigada a dizer: — Miss Belfield é
realmente uma menina muito doce, e eu desejo que... — ela deteve-se, não
sabendo muito bem o que pretendia acrescentar.
— Eu fiquei muito satisfeito — disse ele, depois de esperar por alguns
minutos para saber se ela terminaria seu discurso — ao tomar conhecimento
da sua gentileza para com ela, e acredito que ela tanto exija quanto mereça
sua atenção. Não tenho dúvidas de que a senhorita fará ainda mais por ela
quando seu irmão se for, porque será neste momento em que, ao lhe prestar o
seu maior serviço, o fato refletirá na sua pessoa com a maior honra.
Cecilia, confusa pela recomendação, respondeu debilmente: —
Certamente, ficarei feliz em fazer tudo o que estiver em meu poder.
Neste momento Mrs. Delvile apareceu, e, durante as desculpas mútuas que
se seguiram, seu filho saiu da sala. Cecilia, satisfeita com qualquer pretexto
para deixá-la também, insistiu que não deveria interromper a escrita de Mrs.
Delvile e, depois de prometer passar o dia seguinte na sua companhia, voltou
apressada para sua liteira.
As reflexões que a acompanharam não eram de forma alguma as mais
tranquilizadoras; ela começava a compreender que a mesma comiseração que
sentira por Miss Belfield, a jovem, em um curto espaço de tempo, poderia
sentir por ela. Em qualquer outro momento, sua recomendação teria servido
apenas para confirmar sua opinião sobre sua generosidade, mas, em seu
presente estado de ansiedade e incerteza, tudo dava lugar a conjecturas e
tinha o poder de alarmá-la. Recentemente ele havia se comportado com a
mais estranha frieza e distância, mas seu elogio a Henrietta tinha sido pronto
e animado. Henrietta, ela sabia que o adorava, e não sabia por qual motivo,
mas uma suspeita involuntária surgiu em sua mente, de que o favoritismo que
ela mesma havia excitado uma vez fora transferido para aquela rival pouco
temida, mas não menos perigosa.
No entanto, se fosse este o caso, o que seria do orgulho ou do interesse de
sua família? Será que suas relações perdoariam uma aliança estimulada nem
por posição nem por riquezas? Será que Mr. Delvile, que quase nunca
conversava, a não ser com os bem-nascidos, sem que parecesse que sua
dignidade estivesse sendo prejudicada, se dignaria a receber como nora a
filha de um comerciante? Será que a própria Mrs. Delvile, um pouco menos
elevada em suas ideias, embora infinitamente mais suave em suas maneiras,
se dignaria a conhecê-la? O próprio berço e conexões de Cecilia, superiores
aos de Miss Belfield, foram inclusive abertamente desdenhados por Mr.
Delvile, e todas as suas expectativas de ser recebida em sua família
baseavam-se na grandeza da sua fortuna, em favor da qual a brevidade de sua
genealogia talvez pudesse passar despercebida. Quais seriam as chances de
Miss Belfield, que não tinha ancestrais de quem se vangloriar, nem riqueza
para seduzir?
No entanto, este último pensamento despertou toda a generosidade da sua
alma.
“Se”, pensou ela, “as vantagens que possuo são meramente as de riqueza,
não deveria me sentir lisonjeada por uma preferência aparente. E como posso
julgá-la e quanta sinceridade tenho a oferecer? A mais feliz nesta história é a
humilde Henrietta, que pode atribuir sua negligência à pobreza, mas que só
pode ser procurada e acariciada pelo mais puro respeito. Ela ama Mr. Delvile,
ama com a mais pura afeição; talvez, ele também a ame, por qual outra razão
teria interesse em saber minha opinião sobre ela, e por que se alarmou tão
repentinamente quando achou que seria desfavorável? Talvez ele pretenda se
casar com ela e sacrificar em nome da sua inocência e atrativos todos os
planos de ambição e todas as visões de engrandecimento. Feliz Henrietta, se
esta é sua perspectiva de felicidade. Por ter inspirado uma paixão tão
desinteressada, pode humilhar o mais insolente dos seus superiores e ensinar
até mesmo os mais ricos a invejá-la”.
CAPÍTULO 45

UM GOLPE OUSADO

Quando Cecilia voltou para casa, ela ouviu com grande preocupação que
nenhuma notícia de Mr. Harrel tinha sido obtida. Sua senhora, que não ficara
fora até tarde, estava muito assustada e implorou a Cecilia que se sentasse
com ela até que elas tivessem alguma informação do seu paradeiro. Ela
também mandou chamar seu irmão, e os três, na expectativa trêmula do que
estava por vir, passaram a noite toda em vigília.
Às seis horas da manhã, Mr. Arnott implorou à irmã e a Cecilia que
descansassem um pouco, prometendo ir pessoalmente a todos os lugares onde
Mr. Harrel costumava frequentar, e não voltar sem trazer alguma notícia.
Mrs. Harrel, cujos sentimentos não eram muito apurados, ao descobrir que as
persuasões do irmão estavam apoiadas no seu próprio cansaço, consentiu em
seguir seu conselho e desejou que ele começasse a busca imediatamente.
Alguns momentos depois de ele ter partido, enquanto Mrs. Harrel e Cecilia
estavam subindo as escadas, elas foram surpreendidas por uma violenta
batida na porta. Cecilia, preparada para alguma calamidade, apressou-se para
levar a amiga de volta à sala de visitas, e então deixou a sala novamente para
perguntar quem havia entrado, quando viu com igual surpresa e alívio o
próprio Mr. Harrel. Ela correu de volta com a boa notícia e ele
instantaneamente a seguiu. Mrs. Harrel falou entusiasticamente sobre o seu
medo, e Cecilia expressou seu prazer pelo seu retorno, mas a satisfação de
ambas não durou muito tempo. Ele entrou na sala com o mais aterrorizante
olhar de indignação, vestindo o chapéu e com os braços cruzados. Ele não
respondeu suas perguntas, mas empurrou a porta com o pé e atirou-se no
sofá. Cecilia já teria se retirado, mas Mrs. Harrel segurou sua mão para
impedi-la. Elas continuaram nesta situação por alguns minutos, e então Mr.
Harrel, levantando-se de repente, exclamou: — A senhora tem alguma coisa
para empacotar?
— Empacotar? — repetiu Mrs. Harrel. — Que Deus me abençoe, por quê?
— Estou indo para o exterior — respondeu ele. — Devo partir amanhã.
— Para o exterior? — gritou ela, desatando a chorar. — Eu espero que
não.
— Não espere coisa alguma! — respondeu ele, com raiva na voz. Então,
com uma praga terrível, ele ordenou que ela o deixasse e fizesse as malas.
Mrs. Harrel, que não estava acostumada com aquele tipo de tratamento,
teve um violento ataque histérico, do qual, no entanto, ele não se deu conta,
mas, praguejando que era uma tola e que tinha sido a causa de sua ruína,
deixou a sala.
Cecilia, embora tivesse tocado a campainha no mesmo instante e se
apressado para ajudá-la, ficou tão consternada com a brutalidade inesperada,
que mal sabia como agir ou o que pedir. Mrs. Harrel, entretanto, logo se
recuperou, e Cecilia a acompanhou até seus aposentos, onde ela ficou e
tentou acalmá-la até o regresso de Mr. Arnott.
O terrível estado em que Mr. Harrel tinha finalmente voltado para casa foi
imediatamente relatado a ele, e sua irmã lhe implorou que utilizasse toda a
sua influência para que o plano de ir para o exterior fosse adiado, ao menos,
se não abandonado por completo. Temeroso, ele seguiu com sua
incumbência, mas rapidamente, e com um semblante totalmente consternado,
voltou. Mr. Harrel, disse ele, lhe contou que havia contraído uma dívida de
honra maior do que possuía meios para arcar, e como não poderia aparecer
até que fosse paga, era obrigado a deixar o reino sem demora.
— Oh, irmão — exclamou Mrs. Harrel —, e você pode suportar isso?
— Ai de mim, minha querida irmã — respondeu ele —, o que posso fazer
para evitar? E quem, se eu também estiver arruinado, irá ajudá-la no futuro?
Mrs. Harrel então chorou amargamente, e o amável Mr. Arnott não pôde
se conter enquanto tentava consolá-la, misturando suas próprias lágrimas com
as de sua amada irmã. Cecilia, no entanto, cuja razão era mais forte e cujo
senso de justiça achava-se ofendido, tinha outras sensações. Ela deixou Mrs.
Harrel aos cuidados de seu irmão, cuja ternura ela lamentava infinitamente, e
retirou-se para os seus próprios aposentos. Ela não tinha, porém, a intenção
de descansar, a terrível situação da família a fizera esquecer do quanto
precisava de descanso, e sim deliberar sobre o curso que ela mesma deveria
seguir. Sem hesitação, ela decidiu não acompanhá-los em sua fuga, pois o
prejuízo irreparável que estava convencida de que já tinha sofrido sua fortuna
era mais do que suficiente para satisfazer as mais românticas ideias de
amizade e humanidade, mas seu próprio local de domicílio deveria ser
mudado imediatamente, e sua escolha cabia apenas a Mr. Delvile ou Mr.
Briggs.
Por mais importantes que fossem os obstáculos contrários à sua residência
na casa de Mr. Delvile, tudo o que se relacionava à sua inclinação e felicidade
a encorajava, enquanto, no que dizia respeito a Mr. Briggs, embora as
objeções fossem mais leves, não havia um único atrativo. Entretanto, sempre
que suspeitava de que Miss Belfield fosse amada pelo jovem Delvile, ela
desejava evitá-lo de qualquer maneira, mas, quando intervinham esperanças
melhores, que demonstravam que suas indagações eram provavelmente
acidentais, o desejo de finalmente conhecer seus sentimentos fazia com que
nada fosse tão desejável quanto uma relação mais frequente.
Tal era sua indecisão quando recebeu uma mensagem de Mr. Arnott
implorando para vê-la. Ela imediatamente desceu as escadas e encontrou-o
muito angustiado: — Oh, Miss Beverley — perguntou ele —, o que posso
fazer por minha irmã? O que poderia conceber para aliviar sua aflição?
— Na verdade, eu não sei — disse Cecilia —, mas a absoluta
impraticabilidade de prepará-la para este golpe, obviamente iminente há
muito tempo, faz com que agora eu deseje muito ajudá-la, mas uma dívida
contraída de forma tão injustificável...
— Oh, madame — interrompeu ele —, não imagine que eu a chamei com
uma perspectiva tão traiçoeira a ponto de envolvê-la em nossa miséria; sua
generosidade já foi abusada, e da forma mais indigna. Só desejo lhe consultar
sobre o que eu posso fazer por minha irmã.
Cecilia, após alguns minutos de deliberação, propôs que Mrs. Harrel fosse
deixada na Inglaterra, sob os cuidados dos dois.
— Infelizmente — disse ele —, eu já fiz esta proposta, mas Mr. Harrel não
irá sem ela, embora todo o seu comportamento esteja tão alterado que tenho
receio de confiá-la a ele.
— Quem, então, possui mais influência sobre ele? — perguntou Cecilia.
— Devemos mandar chamar Sir Robert Floyer para apoiar nosso pedido?
A isso Mr. Arnott consentiu, esquecendo-se, em sua aflição por perder a
irmã, a dor que deveria sofrer com a interferência de seu rival.
O baronete logo chegou, e Cecilia, sem querer falar com ele, deixou-o com
Mr. Arnott e aguardou informações na biblioteca. Aproximadamente uma
hora mais tarde, Mrs. Harrel entrou correndo na sala, as lágrimas secas e sem
fôlego de tanta animação, exclamando: — Minha mais querida amiga, meu
destino está agora em suas mãos, e estou certa de que não se recusará a me
fazer feliz.
— O que eu posso fazer para ajudá-la? — perguntou Cecilia, temendo
alguma proposta impraticável. — Eu imploro, não me peça o que não posso
fazer.
— Não, não — respondeu ela —, o que eu peço não requer nada além da
sua boa vontade. Sir Robert Floyer implorou a Mr. Harrel que me deixasse
aqui, e ele prometeu obedecer, com a condição de que a senhorita apresse seu
casamento e me leve para a sua casa.
— Meu casamento?! — gritou a espantada Cecilia.
Neste momento, o próprio Mr. Harrel uniu-se a elas, repetindo a mesma
oferta.
— Vocês me surpreendem e me assustam! — exclamou Cecilia. — O que
significa isso e por que fala comigo com modos tão brutos?
— Miss Beverley — exclamou Mr. Harrel —, já é hora de abrir mão dessa
reserva e parar de brincar com um cavalheiro tão irrepreensível como Sir
Robert Floyer. Toda a cidade há muito já o reconhece como seu marido e a
senhorita é considerada sua noiva em todos os lugares, portanto, um pouco de
franqueza ao aceitá-lo não apenas os unirá para sempre, mas também dará
crédito à generosidade do seu caráter.
Neste momento, o próprio Sir Robert irrompeu na sala, tomou uma das
suas mãos, enquanto as duas estavam erguidas em mudo espanto, pressionou-
a contra os lábios e despejou uma saraivada de elogios como nunca antes
havia permitido a si mesmo pronunciar, e confiantemente lhe suplicou que
completasse a felicidade há tanto buscada sem a crueldade de atrasos
adicionais.
Cecilia, quase petrificada por tamanha surpresa, diante de um ataque tão
violento, tão ousado e aparentemente otimista, durante algum tempo mal
conseguiu falar ou se defender, mas, quando Sir Robert, presumindo a partir
do seu silêncio, disse que ela o tornara o mais feliz dos homens, ela retirou a
mão de maneira indignada e, com um olhar de desgosto que exigia pouca
explicação, teria deixado a sala, quando Mr. Harrel, em tom de amargura e
decepção, gritou: — Essa tirania feminina nunca terá fim? — e Sir Robert,
seguindo-a impacientemente, disse: — E meu suspense durará para sempre?
Depois de tantos meses de dedicação...
— Na verdade, isso já é demais — disse Cecilia, voltando-se para ele —, o
senhor não foi mantido em suspense; todo o teor da minha conduta tem
declarado regularmente a mesma desaprovação que atualmente confesso, e
que minha carta, pelo menos, deve ter colocado fora de qualquer dúvida.
— Harrel — disse Sir Robert —, você não me disse...
— Não, não — exclamou Mr. Harrel —, de que adianta me perguntar?
Nunca notei em Miss Beverley qualquer desaprovação além da usual em
jovens que possuem uma tendência sentimental para exibir, e todos sabem
que onde um cavalheiro recebe permissão para pagar seus devoirs por
qualquer período de tempo, nenhuma dama tem a intenção de usá-lo de
maneira muito severa.
— Como o senhor pode, Mr. Harrel — disse Cecilia —, depois de todas as
conversas que tivemos, perseverar neste mal-entendido de forma deliberada?
É inútil debater onde todo o raciocínio é desconsiderado, ou fazer qualquer
protesto onde até mesmo a rejeição é recebida como uma preferência.
Então, com ar de desdém, ela insistiu em passar por eles e foi para o seu
quarto.
No entanto, Mrs. Harrel a seguiu, agarrou seu braço e suplicou por
compaixão e submissão.
— Que obsessão é essa?! — bradou Cecilia. — Será possível que a
senhora também possa supor que alguma vez tive a intenção de aceitar Sir
Robert?
— Claro que sim — respondeu ela —, pois Mr. Harrel me disse mil vezes
que, por mais que você banque a puritana, finalmente seria dele.
Cecilia, embora duplamente irritada com Mr. Harrel, estava agora
apaziguada com sua senhora, cujo erro, embora infundado, oferecia uma
desculpa para seu comportamento; mas lhe assegurou nos termos mais
veementes que sua repugnância ao baronete era inalterável, e que ainda
poderia reivindicar seus favores desde que não fossem completamente
irracionais.
Estas foram palavras de pouco consolo para Mrs. Harrel, que bem sabia
que seus desejos e sua razão tinham poucas afinidades, e, portanto, logo
deixou o quarto.
Cecilia então resolveu ir imediatamente falar com Mrs. Delvile, informá-la
sobre sua necessidade de remoção e decidir para onde deveria ir, de acordo
com a maneira pela qual suas informações fossem recebidas. Ela mandou
chamar uma liteira e já estava de saída quando foi interrompida pela entrada
de Mr. Monckton, que lhe dirigiu um olhar de pressa e seriedade e disse: —
Não vou perguntar aonde a senhorita está indo tão cedo, ou o que vai fazer,
mas devo implorar uma rápida audiência, seja o seu assunto qual for.
Cecilia o acompanhou até a deserta sala de café da manhã, onde ninguém,
exceto os criados, tinha entrado naquele dia, e ali, segurando sua mão, ele
disse: — Miss Beverley, a senhorita deve deixar esta casa imediatamente! É
um local de desordem e libertinagem, impróprio para sua permanência.
Ela lhe assegurou que naquele exato momento estava se preparando para
deixá-la, mas implorou que ele se explicasse.
— Tenho me mantido ocupado — respondeu ele — já há algum tempo em
me manter bem informado sobre todas as ações de Mr. Harrel, e as
informações que obtive esta manhã são da natureza mais alarmante. Soube
que ele passou a noite anterior em uma mesa de jogo, onde, intoxicado por
uma rodada de boa sorte, passou todo o dia seguinte festejando com seus
perdulários mais íntimos, e na noite passada, voltando novamente para sua
diversão favorita, ele não só perdeu tudo o que havia ganhado, mas muito
mais do que poderia pagar. Assim, não tenha dúvidas de que sua ajuda será
solicitada; ele ainda a considera uma fonte de recursos em tempos de perigo
e, enquanto souber que está sob o seu teto, sempre acreditará que está seguro.
— De fato, tudo conspira — disse Cecilia, mais consternada do que
surpresa com o relato — para tornar necessário que eu deixe sua casa. No
entanto, não creio que tenha alguma expectativa da minha parte neste
momento, já que entrou na sala esta manhã não apenas sem falar comigo, mas
dirigindo-se a Mrs. Harrel com tamanha brutalidade que com certeza me
deixaria enojada. Na verdade, isso me mostrou uma outra face do seu caráter,
pois, por pior que tenham sido meus pensamentos sobre ele durante muito
tempo, nunca suspeitei de que pudesse ser culpado de tamanha crueldade.
— O caráter de um jogador — disse Mr. Monckton — depende
unicamente de sua sorte; sua disposição varia com cada lance de dados, ele
pode estar leve, alegre e bem-humorado; ou azedo, taciturno e selvagem, nem
por natureza nem por princípio, mas totalmente pelo capricho do acaso.
Cecilia então contou a ele a cena em que acabara de se envolver com Sir
Robert Floyer.
— Eu já esperava essa manobra da parte dele há algum tempo, mas,
embora astuto e egoísta, Mr. Harrel não é nada profundo. O plano que
elaborou teria tido êxito com algumas mulheres, e, portanto, concluiu que
seria bem-sucedido com todas. Tantas do seu sexo foram subjugadas pela
perseverança, e tantas conquistadas pela ousadia, que ele supôs que, ao unir
duas classes de assediadores tão poderosas na pessoa de um baronete, este
deveria vencer todos os obstáculos. Ao lhe assegurar que o mundo acreditava
que o casamento já estava decidido, ele esperava surpreendê-la e fazê-la
acreditar que não havia como evitá-lo, e pela rapidez e veemência do ataque,
assustá-la e apressá-la a obedecer. Sabia que sua própria esposa poderia ter
sido controlada com facilidade e o mesmo se daria, provavelmente, com sua
irmã, sua mãe e sua prima, porque, em assuntos amorosos, ou o nome que
preferir, as mulheres em geral são facilmente enganadas. Ele não discerniu a
superioridade da sua compreensão sobre truques tão superficiais e
impertinentes, nem a firmeza da sua mente para manter sua própria
independência. Não há dúvidas de que seria amplamente recompensado pela
sua ajuda e, provavelmente, se a senhorita tivesse sido propícia esta manhã, o
baronete em troca o teria livrado de sua dificuldade atual.
— Eu já não posso mais defendê-lo — disse Cecilia —, pois ele nunca
poderia ter estado tão ansioso para promover o interesse de Sir Robert na
terrível situação atual de seus próprios negócios, se não tivesse sido
estimulado por alguns motivos secretos. No entanto, seus esquemas e
artifícios são agora totalmente inúteis, já que seu aviso e conselho, auxiliados
por minha própria sofrida experiência de inutilidade quanto a tudo o que
posso fazer por ele, me protegerão eficazmente contra todas as suas tentativas
futuras.
— Não confie tanto em si mesma — disse Mr. Monckton —, já que
desconhece os muitos truques e invenções pelos quais ainda poderá ser
roubada. Talvez ele peça permissão para morar em sua casa em Suffolk, ou
deseje uma anuidade para sua esposa, ou opte por receber seus primeiros
aluguéis quando atingir a maioridade; não importa o que ele vier a desejar,
não permita. Um coração tão generoso como o seu só pode se proteger
fugindo. A senhorita, quando cheguei, disse que estava indo... para onde?
— Para... para St. James’s Square — respondeu ela, com um profundo
rubor.
— Com efeito! O jovem Delvile, então, está indo para o exterior?
— Para o exterior? Não, acredito que não.
— Não? Eu só pensei, por sua escolha de viver em sua casa.
— Eu não escolhi isso — disse Cecilia, com rapidez —, mas não é
preferível a morar com Mr. Briggs?
— Certamente — disse Mr. Monckton, friamente —, nem deveria ter
suposto que ele teria qualquer chance com a senhorita, apenas pelo seu senso
de decoro.
Cecilia, sensibilizada por elogios tão cheios de censura e empenhada em
justificar sua delicadeza, depois de uma luta interna, a qual Mr. Monckton foi
bastante sutil para não interromper, protestou que iria imediatamente à casa
de Mr. Briggs para descobrir se seria possível instalar-se em sua casa, antes
que fizesse qualquer tentativa de se fixar em outro lugar.
— E quando? — perguntou Mr. Monckton.
— Não sei — respondeu ela, com alguma hesitação —, talvez esta tarde.
— Por que não esta manhã?
— Eu não posso ir a lugar algum nesta manhã; devo ficar com Mrs.
Harrel.
— A senhorita pensava de outra forma quando cheguei, parecia contente
em deixá-la.
Entretanto, o entusiasmo de Cecilia para mudar de residência estava perto
do fim, e ela gostaria de ser deixada em silêncio para reconsiderar seus
planos, mas Mr. Monckton insistiu com tanta veemência sobre o perigo de
sua permanência prolongada na casa de um homem tão astucioso como Mr.
Harrel, que ela foi convencida a partir sem demora, e ele teve a satisfação de
acompanhá-la até sua liteira.
CAPÍTULO 46

UMA MANSÃO DE UM AVARENTO

Mr. Briggs estava em casa, e Cecilia o informou instantânea e brevemente


que era inconveniente para ela viver por mais tempo na casa de Mr. Harrel e
que, se pudesse ser acomodada em sua casa, ficaria encantada em viver com
ele durante o resto da sua minoridade.
— Sim, sim — disse ele, extremamente satisfeito —, eu irei recebê-la com
todo o meu coração. O mandatário Harrel ganhou um bom dinheiro com
você. O suficiente para se vestir tão bem; muitos trapaceiros com chapéu de
renda dourada.
Cecilia implorou para saber quais aposentos ele poderia reservar para ela.
— Eu vou levá-la no andar de cima — disse ele —, vou lhe mostrar um
lugar próprio de uma rainha.
Ele então a conduziu escada acima e a levou para um quarto
completamente escuro e tão necessitado de ar puro que ela mal conseguia
respirar. Ela retirou-se e ficou no patamar até que ele abrisse as venezianas, e
então contemplou o quarto mais desolado que já tinha visto na vida, contendo
nenhum outro móvel além de uma cama em farrapos, duas cadeiras de fundo
de junco muito gastas, um velho baú de madeira e um pedaço de vidro
quebrado preso à parede por dois pregos dobrados.
— Veja, minha garotinha — exclamou ele —, está tudo pronto! E ainda
vem com um baú para sua bagagem na barganha.
— Este lugar não pode ser para mim, senhor — disse Cecilia, olhando para
ele.
— Pode, pode — disse ele —, aos poucos fica melhor. Só precisa ser
limpo; logo ficará em ordem. Nunca varra um quarto que não está sendo
usado: só gasta vassouras, e para nada.
— Mas, senhor, não posso ter um aposento no primeiro andar?
— Não, não, tenho outra finalidade para ele; pertence ao clube; muitos
segredos. Eu vou deixar o quarto muito bom. Volte na próxima semana e vai
ter uma expressão diferente no rosto. Não falta nada além de uma mesa, vou
conseguir uma com um intermediador.
— Mas eu sou obrigada, senhor, a deixar a casa de Mr. Harrel
imediatamente.
— Bem, bem, faça a mudança sem uma mesa no início; pouco importa se
não tem uma. Mas vai precisar de outro cobertor. Sei onde conseguir um, tem
um bom intermediador aqui perto. Sei como lidar com ele. Não é de muito
boa qualidade, mas é quente.
— Eu também tenho dois criados, senhor — disse Cecilia.
— Não vou aceitá-los. Não devem vir. Vão me comer fora.
— O que quer que eles comam, senhor — respondeu ela —, será
inteiramente às minhas custas, assim como tudo o mais que lhes pertence.
— Melhor se livrar deles; odeio criados; tudo um bando de malandros; não
pensam em nada além de comer e beber.
Então, abrindo outra porta, ele gritou: — Veja aqui, o meu próprio quarto,
tão aconchegante quanto uma igreja!
Cecilia, ao acompanhá-lo, perdeu grande parte da surpresa diante dos
elogios que ele havia dispensado àquilo que destinava para ela, ao perceber
que o quarto dele era ainda mais escassamente mobiliado, não tendo nada
além de uma cama miserável e sem cortinas, e uma grande arca que, embora
abrigasse suas roupas, era usada como mesa e cadeira.
— O que está fazendo aqui? — gritou ele, com raiva, para uma criada que
estava fazendo a cama. — Não pode tomar mais cuidado? Derruba todas as
penas, veja! Tem duas no chão; nada além de desperdício e esbanjamento!
Não importa o quanto um homem fica arruinado! Vai acabar passando
necessidades, sua vadia, vai acabar passando necessidades!
— Eu nunca vou passar mais necessidade do que já passo aqui — disse a
menina.
Cecilia começava a se arrepender de ter revelado o propósito da sua visita,
pois acabara de descobrir que seria absolutamente impossível acomodar sua
mente ou sua pessoa em uma residência como aquela, e ela só gostaria que
Mr. Monckton estivesse presente para que ele mesmo pudesse ser convencido
da impraticabilidade do seu esquema. Tudo o que precisava fazer agora era
retirar a oferta e fugir do lugar.
— Eu percebo, senhor — disse ela, quando ele se afastou da criada —, que
não posso ser recebida aqui sem alguns inconvenientes e, portanto, farei
alguns novos arranjos no meu plano.
— Não, não — disse ele —, eu gostaria de tê-la aqui, e é justo, um de cada
vez; o Mestre Harrel já teve a sua parte. Desculpe-me por não ter conseguido
um noivo, não serviu, mas logo descubro outro, não se preocupe.
— Mas há tantas coisas das quais não posso prescindir — disse Cecilia —,
que estou certa de que minha mudança para cá lhe causaria muito mais
problemas do que o senhor prevê no momento.
— Não, não; eu coloco tudo em ordem logo; eu sei como fazer; sei como
dar lances, perceber as armadilhas; sempre vou vestido como um mendigo;
não se consegue uma boa barganha vestindo um bom casaco. Olho
atentamente para as mercadorias, digo que não servem, vou embora, mando
outra pessoa buscar. Nunca vou duas vezes; nada sai barato se aparenta ter
um desejo.
— Mas estou certa de que não será possível — disse Cecilia, descendo as
escadas apressadamente — que meu quarto, e um quarto para cada um dos
meus criados, fique pronto a tempo.
— Sim, sim — disse ele, caminhando atrás dela —, fica pronto em um
instante. Faça uma pequena mudança a princípio, dobre o cobertor até
conseguirmos outro, durma com a criada uma noite ou duas, nunca se abale
por ninharias.
Quando ela estava sentada em sua liteira, o tempo todo negando sua
intenção de voltar, ele apenas beliscou sua bochecha com um sorriso irônico
e disse: — Adeus, patinha, volte logo. Garanto que terei o quarto pronto.
Nem vai reconhecer, vou deixá-lo tão elegante quanto uma cenoura.
Então, ela deixou a casa, completamente satisfeita de que ninguém poderia
culpá-la por se recusar a habitá-la, e muito menos decepcionada do que
estava disposta a reconhecer para si mesma, ao descobrir que agora não
possuía nenhum outro recurso além dos Delviles.
No entanto, em suas reflexões mais sérias, ela não podia deixar de pensar
no quanto era estranhamente infeliz, pois o guardião com quem parecia mais
apropriado viver, por parcimônia, vulgaridade e mesquinhez, tornasse as
riquezas desprezíveis, a prosperidade inútil e a economia odiosa, e que,
infelizmente, a escolha de seu tio recaiu sobre o mais humilde e miserável
dos avarentos, em uma cidade repleta de opulência, hospitalidade e
esplendor, e cujos principais habitantes, há muito eminentes por sua riqueza e
probidade, estavam agora quase universalmente crescendo em elegância e
generosidade.
CAPÍTULO 47

UMA DECLARAÇÃO

O próximo destino de Cecilia, portanto, seria St. James’s Square, para


onde seguiu com muita ansiedade pela incerteza da recepção que sua
proposta encontraria. Os criados a informaram de que Mr. e Mrs. Delvile
estavam tomando o café da manhã e que o duque de Derwent e suas duas
filhas estavam com eles. Diante de tais testemunhas, seria impossível relatar
suas razões para deixar os Harrels, e afastar Mrs. Delvile de tal grupo seria
considerado, por seu majestoso guardião, uma falta de decoro imperdoável.
Assim, ela viu-se obrigada a retornar a Portman Square, a fim de explicar sua
causa à Mrs. Delvile através de uma carta.
Mr. Arnott correu ao seu encontro e exclamou: — Oh, madame, que
inquietação sua ausência ocasionou! Minha irmã acreditava que não voltaria a
vê-la e Mr. Harrel temia uma descoberta prematura da sua viagem, e todos
nós temos sofrido as mais cruéis apreensões por medo de que a senhorita não
tivesse a intenção de voltar.
— Lamento não ter falado com o senhor antes de sair — disse Cecilia,
acompanhando-o até a biblioteca —, mas achei que estavam muito ocupados
para sentir minha falta. Tenho estado, de fato, me preparando para uma
mudança, mas não tinha a intenção de deixar sua irmã sem me despedir dela,
nem, de fato, deixar qualquer membro da família com tão pouca cerimônia.
Mr. Harrel continua insistindo no seu mais recente plano?
— Temo que sim! Tentei tudo o que foi possível para dissuadi-lo, e minha
pobre irmã tem chorado sem parar. Na verdade, se ela não se consolar,
acredito que farei tudo o que ela quiser, pois não posso suportar vê-la em tal
angústia.
— O senhor é muito generoso, e bom demais — disse Cecilia —, e não sei
como, enquanto eu mesma fujo do perigo, posso deixar de aconselhá-lo a
também evitá-lo.
— Ah, madame! — exclamou ele. — O maior perigo para mim é que
agora não tenho poder para fugir.
Cecilia, embora não pudesse deixar de compreendê-lo, não se sentia
menos amiga dele por reconhecer que era o mais humilde dos seus
admiradores, e ao ver a ruína ameaçadora a que estava exposto através da sua
excessiva ternura, ela disse gentilmente: — Mr. Arnott, falarei com o senhor
sem reservas. Não é difícil enxergar que a destruição que aguarda Mr. Harrel
está pronta para também enredar seu cunhado, mas não deixe que a cegueira
com relação ao futuro que tantas vezes lamentamos por ele, doravante seja
também lamentada pelo senhor. Até que suas conexões atuais sejam rompidas
e seu modo de vida modificado, não se pode fazer nada por ele, e qualquer
quantia que o senhor lhe adiantar será simplesmente perdida na mesa de jogo.
Reserve, portanto, sua generosidade até que possa de fato ter alguma
utilidade para ele, pois, acredite em mim, neste momento, sua mente está tão
deteriorada quanto sua fortuna.
— Será possível, madame — disse Mr. Arnott, com um tom de surpresa e
deleite —, que a senhorita possa dignar-se a ter interesse pelo que pode
acontecer comigo? E que minha participação ou não na ruína desta casa não
lhe seja de todo indiferente?
— Certamente que não — respondeu Cecilia. — Como irmão da minha
mais antiga amiga, nunca poderei ser insensível ao seu bem-estar.
— Ah, madame — exclamou ele —, como irmão dela! Oh, se houvesse
um outro laço!
— Pense um pouco — disse Cecilia, preparando-se para sair da sala —
sobre o que eu disse e, pelo bem da sua irmã, seja firme agora, se quiser ser
bom no futuro.
— Eu serei tudo e qualquer coisa — disse ele — que Miss Beverley
comandar.
Cecilia, temerosa de qualquer interpretação errônea, voltou e disse
gravemente: — Não, senhor, deixe-se governar apenas pelas suas próprias
decisões, ou, se meu conselho tiver algum valor para o senhor, lembre-se de
que é dado pelos motivos mais desinteressados e com nenhum outro objetivo
além de assegurar seu poder de servir a sua irmã.
— Neste caso, pelo bem desta irmã, tenha a bondade de ouvir minha
situação e me dê a honra de receber mais instruções.
— O senhor vai me fazer ter medo de falar — disse Cecilia — se der tanta
importância à minha opinião. No entanto, não vi nada em sua conduta que eu
desejasse mudar, exceto muito pouca atenção aos seus próprios interesses e
assuntos.
— Ah! — exclamou ele. — Com que êxtase eu deveria ouvir estas
palavras, se eu pudesse apenas imaginar...
— Vamos, vamos — disse Cecilia, sorrindo —, sem divagações! O senhor
me chamou de volta para falar sobre sua irmã; se mudar de assunto, talvez
perca sua ouvinte.
— Eu não faria isso, madame, pois o mundo usurparia sua bondade; os
favores que recebi sempre superaram minhas expectativas, como sempre
superaram meu mérito; ainda assim, nunca me cegaram para a minha própria
indignidade. Não tema, então, satisfazer-me com sua conversa. Não tirarei
dela nenhuma inferência, a não ser compaixão, e embora a compaixão de
Miss Beverley seja o mais doce bálsamo para o meu coração, nunca me
seduzirá para encorajar-me a ter esperanças mais elevadas.
Cecilia há muito tinha motivos para esperar tal declaração; mesmo assim,
ouviu com sincera preocupação. Ela o olhou com muita doçura e disse: —
Mr. Arnott, sua estima me honra, e se fosse um pouco mais racional, me daria
prazer. Tire dela o que vai além do que eu desejo ou mereço e, enquanto
preserva o restante, tenha certeza de que será fielmente retribuída.
— Sua rejeição é tão branda — exclamou ele — que eu, que não tinha
esperanças de ser aceito, encontro alívio por ter finalmente revelado meus
sofrimentos. Se pudesse continuar a vê-la todos os dias, e ser abençoado com
sua conversa, acho que seria feliz e estou certo de que deveria ser grato.
— O senhor já está — respondeu ela, balançando a cabeça e caminhando
em direção à porta — infringindo as condições sobre as quais nossa amizade
deve ser fundada.
— Não vá, madame — disse ele —, até que eu tenha feito o que acabou de
permitir. Deixe-me familiarizá-la com minha situação e ser honrado com seu
conselho. Devo admitir, então, que tinha cinco mil libras em ações, bem
como tinha uma soma considerável nas mãos de um banqueiro, das quais eu
me desfiz, como descubro agora, para sempre, mas eu não tinha como me
recusar a ajudar minha irmã, mas agora eu não tenho mais como ajudar sem
cortar algumas árvores ou vender alguma fazenda, uma vez que tudo o que
tinha, exceto minhas terras, já se foi. O que, então, eu posso fazer agora para
salvar Mr. Harrel desta expedição desesperada, eu não sei.
— Lamento — disse Cecilia — falar com severidade sobre alguém tão
conectado ao senhor, mas deixe-me perguntar, por que ele deveria ser salvo?
E o que ele pode fazer de melhor neste momento? Ele não foi ameaçado
durante muito tempo por todo o mal que agora chegou? Não o advertimos os
dois, e não lhe atormentaram os clamores de seus credores? No entanto, qual
foi a consequência? Ele não se submeteu à menor modificação no seu estilo
de vida, não negou a si mesmo uma única indulgência, nem poupou qualquer
despesa, nem pensou em qualquer transformação. É só luxo atrás de luxo, e
ele começou a admirar mais a extravagância à medida que a extravagância se
tornava mais perigosa. Até que passe a presente tempestade, deixe-o com seu
destino, e quando a calmaria chegar, eu mesma, pelo bem de Priscila, ajudarei
o senhor a salvar o que for possível do naufrágio.
— Tudo o que diz, madame, é tão sensato quanto bom, e agora que estou
familiarizado com sua opinião, vou modelar minha vontade de acordo com
ela e manter-me firme contra todos os ataques que até agora tenho cedido.
Cecilia caminhava em direção à porta, mas ele a deteve novamente e disse:
— A senhorita mencionou, madame, uma mudança, e, de fato, já está na hora
de abandonar este local; no entanto, espero que não tenha a intenção de partir
até amanhã, já que Mr. Harrel declarou que, se abandoná-lo agora, será sua
destruição.
— Deus me livre — disse Cecilia —, pois pretendo partir o mais rápido
possível.
— Mr. Harrel — respondeu ele — não se explicou, mas acredito que ele
teme que, se a senhorita deixar a casa neste momento crítico, levantará
suspeitas do seu próprio projeto de ir para o exterior e fará com que seus
credores interfiram para impedi-lo.
— A que estado miserável — disse Cecilia — ele se reduziu. Não serei,
entretanto, o instrumento voluntário da sua desgraça; se o senhor acredita que
minha permanência é assim tão importante para a segurança da sua irmã,
ficarei aqui até amanhã de manhã.
Mr. Arnott quase chorou em agradecimento por esta concessão, e Cecilia,
feliz em fazer um favor para ele e não para Mr. Harrel, foi para o seu próprio
quarto e escreveu a seguinte carta para Mrs. Delvile:

“Honorável Mrs. Delvile, St. James’s Square


Portman Square, 12 de junho
Prezada senhora, imagino que tenha ficado bastante surpresa por eu não
ter desfrutado da sua permissão com a qual a senhora me honrou de passar
todo o dia na sua companhia, mas, infelizmente, fui impedida de atendê-la,
inclusive durante as outras partes do dia. No entanto, espero que não me
considere uma ingrata por não ter comparecido, nem mesmo insolente por
indagar se aquele aposento que outrora teve a bondade de atribuir para o
meu uso poderá ser novamente reservado para mim. Os incidentes que
levaram a este estranho pedido serão, acredito, motivos suficientes para
justificar a liberdade que tomo em fazê-lo, quando tiver a honra de vê-la e
informá-la sobre quais são. Eu sou, prezada senhora, sua mais humilde e
obediente serva, CECILIA BEVERLEY”.

Ela não teria sido tão concisa se a cautela de Mr. Arnott não a fizesse
temer, na atual situação de perigo, revelar o segredo de Mr. Harrel no papel.
A seguinte resposta foi enviada por Mrs. Delvile:

“Para Miss Beverley, Portman Square


Minha casa estará sempre aberta para minha querida Miss Beverley, e
espero também ouvir sobre os incidentes os quais mencionou. Digo que terei
dificuldades insuperáveis para separar-me depois de uma prolongada visita.
Sua fiel e humilde serva, AUGUSTA DELVILE”.

Cecilia, encantada com a resposta, mal podia controlar a expectativa de


perspectivas melhores, dizendo a si mesma que, uma vez sob o teto de Mrs.
Delvile, ela deveria necessariamente ser feliz, não importando os
compromissos ou o comportamento do seu filho.
CAPÍTULO 48

UM JOGADOR

Diante de uma perspectiva tão tranquilizadora, Cecilia sentiu-se perturbada


pela criada de Mrs. Harrel, que suplicava que se apressasse para ver sua
senhora, que temia estar tendo ataques.
Cecilia correu até ela e a encontrou na mais violenta aflição. Ela empregou
todos os esforços ao seu alcance para acalmá-la e consolá-la, mas não foi sem
muita dificuldade que descobriu que a causa dessa nova tristeza na verdade
não era insignificante. Mr. Harrel havia lhe dito que não poderia conseguir
dinheiro nem mesmo para as despesas de viagem sem arriscar a descoberta de
seu plano e ser alcançado por seus credores. Portanto, ele a encarregara de,
através de seu irmão ou da amiga, obter para ele três mil libras, pois uma
quantia menor não seria suficiente para mantê-los no exterior, e ele não
conhecia nenhum outro método pelo qual pudesse receber quaisquer remessas
sem perigo. E quando ela hesitou em obedecer, ele a acusou furiosamente de
ter causado toda esta angústia por sua negligência e falta de gerenciamento, e
declarou que, se ela não conseguisse o dinheiro, receberia o tratamento que
merecia: morreria de fome em uma prisão estrangeira, que ele jurou que seria
o destino de ambos.
O horror e a indignação com que Cecilia ouviu o relato foram
indescritíveis. Evidentemente, ela compreendeu que seria novamente
dominada pelo terror e pela angústia, e as advertências e opiniões de Mr.
Monckton não pareciam ser exageradas. A renda de um ano já era exigida, a
anuidade e a casa de campo poderiam ser requisitadas em seguida; ela
alegrou-se, entretanto, por ter sido sabiamente aconselhada e não se encontrar
tão suscetível a surpresas, e determinou, independentemente de suas súplicas
ou explicações, manter-se inabalavelmente firme em seu propósito de deixá-
los na manhã seguinte.
No entanto, ela não podia deixar de lamentar o sofrimento de toda a carga
daquela imposição clamorosa a ser colocada sobre os ombros do bondoso Mr.
Arnott, cuja incapacidade para resistir à solicitação o tornava tão incapaz de
sustentar seu peso, mas, quando Mrs. Harrel estava novamente em condições
de continuar seu relato, ela ouviu, para sua infinita surpresa, que todos os
pedidos feitos ao irmão haviam se revelado infrutíferos. — Ele não vai me
ouvir — continuou Mrs. Harrel —, e ele nunca tinha me ignorado antes.
Então, agora, eu perdi meu único e último recurso, meu próprio irmão me
abandonou, e não há mais ninguém na terra que pode me ajudar!
— Com prazer, prontidão e alegria — exclamou Cecilia —, poderia contar
com a minha ajuda, se fosse a única a dela se beneficiar, mas para fornecer
combustível para o próprio fogo que a está consumindo, não, não; o meu
coração está endurecido contra apostas e apostadores, e nem agora nem
nunca vou tolerar qualquer consideração para abrandar minha opinião em seu
favor.
Mrs. Harrel apenas respondeu com lágrimas e lamentações, e Cecilia, cujo
senso de justiça não excluía a compaixão, tendo declarado sua firmeza
intencional, mais uma vez tentou acalmá-la, implorando que não cedesse a
uma dor tão imoderada, uma vez que melhores perspectivas poderiam surgir
da própria escuridão diante dela, e um breve período passado em solidão e
com economia poderia permitir que ela voltasse para sua terra natal com a
felicidade restabelecida.
— Não, eu nunca voltarei! — exclamou ela, chorando. — Eu vou morrer,
meu coração vai ser partido antes de um mês! Oh, Miss Beverley, como a
senhorita é feliz! Pode ficar onde quiser, é rica, acumula uma riqueza que não
quer, da qual, se tivéssemos apenas um ano de renda, toda esta miséria estaria
terminada e poderíamos ficar em nosso querido, querido país!
Cecilia, surpresa por uma insinuação que quase beirava a reprovação, e
ofendida por ver a impossibilidade de fazer o suficiente enquanto ainda
restava algo a ser feito, não deixou de se perguntar o que a esperava a seguir,
e se alguma parte de sua fortuna poderia ser poupada, sem dar lugar a algum
tipo de censura. Porém, a profunda aflição de Mrs. Harrel logo removeu seus
ressentimentos, e pensando que ela, enquanto em estado de tal miséria, não
era responsável pelo que dizia, depois de pensar um pouco, respondeu com
suavidade: — Como a riqueza é comparativa, pode achar que no momento eu
tenho mais do que mereço, mas até ontem a sua própria situação parecia ser
tão sujeita à inveja dos outros quanto a minha agora. Meu destino ainda não
foi traçado e a ocasião em que posso usufruir da minha fortuna me é
desconhecida, mas quer eu a possua em paz ou em meio a agitações, quer
prove ser uma benção ou uma injúria, desde que eu possa chamá-la de minha,
sempre me lembrarei com prontidão da reivindicação sobre ela e sobre a
minha pessoa feita pela minha velha amiga. No entanto, permita-me, ao
mesmo tempo, acrescentar que não me considero tão completamente
independente como provavelmente supõe. É verdade que eu não tenho
nenhum parente a quem prestar contas, mas o respeito por sua memória dá
lugar à sua autoridade, e eu não posso, na distribuição da fortuna que me foi
delegada, deixar de considerar como eles fariam ou desejariam que fosse
usada; e tendo em mente que foi adquirida com diligência e trabalho, nunca
deverá ser dissipada em ociosidade e vaidade. Perdoe-me por falar desta
maneira, não pense que deixei de ser sua amiga por usar de franqueza nesta
situação.
As lágrimas foram novamente a única resposta de Mrs. Harrel. No entanto,
Cecilia, que se compadecia da debilidade de sua mente, permaneceu ao seu
lado com a mais paciente gentileza até que os criados anunciassem o almoço.
Ela então declarou que não iria descer, mas Cecilia explicou com tanta
firmeza o perigo de despertar suspeitas entre os criados, que ela se deixou
levar para fazer sua aparição. Mr. Harrel já estava no salão e perguntava por
Mr. Arnott, mas foi informado pelos criados de que ele havia avisado que
tinha outro compromisso. Sir Robert Floyer também não estava, e, pela
primeira vez desde sua chegada à cidade, Cecilia fez uma refeição apenas
com o dono e a dona da casa. Mrs. Harrel não conseguiu comer; Cecilia,
apenas para não alarmar os criados, absteve-se de seguir o seu exemplo; mas
Mr. Harrel comeu como de costume, falou durante todo o almoço, foi
extremamente cortês com Cecilia e não era possível desconfiar pelos seus
modos da menor alteração em seus negócios. Quando os criados se retiraram,
ele solicitou que sua esposa o acompanhasse por um momento até a
biblioteca. Eles logo voltaram, e então Mr. Harrel, depois de caminhar de
forma desordenada pela sala, tocou a campainha, pediu seu chapéu e bengala
e, ao pegá-los, disse: — Se isso falhar... — deteve-se e, sem falar com sua
esposa ou fazer uma reverência para Cecilia, saiu apressado da sala.
Mrs. Harrel disse a Cecilia que ele simplesmente a havia chamado para
saber o resultado dos seus pedidos, e que havia escutado seu duplo fracasso
em total silêncio. Não era fácil conjecturar para onde ele tinha ido, nem qual
era o novo recurso que ainda achava que valia a pena tentar, mas a maneira
como deixou a casa, e a ameaça implícita se fracassasse, não contribuíram
para aliviar a dor de Mrs. Harrel e causaram o maior alarme na própria
Cecilia. Elas continuaram juntas até a hora do chá, tendo ordenado aos
criados que não admitissem nenhuma visita. Então, o próprio Mr. Harrel
voltou, e, para completo espanto de Cecilia, acompanhado por Mr. Marriot.
Ele apresentou o jovem a ambas as damas como um cavalheiro cujo
conhecimento e amizade estava muito desejoso de cultivar. Mrs. Harrel,
muito absorta em seus próprios assuntos para se preocupar com qualquer
outra pessoa, viu sua entrada com uma surpresa momentânea, e então não
pensou mais nisso. Porém, o mesmo não se deu com Cecilia, cuja melhor
compreensão a levou a uma reflexão mais profunda.
Ela considerou as visitas de Mr. Marriot, apenas algumas semanas depois
de Mr. Harrel tê-las proibido, e ele agora o introduzia em sua casa com
particular distinção; e também seu regresso com um espírito admirável,
ânimo em seu semblante e restaurado em seu bom humor. Uma mudança tão
extraordinária tanto na sua conduta quanto na sua disposição a convenceu de
que alguma mudança não menos extraordinária nas circunstâncias deveria ter
acontecido anteriormente. Não era possível adivinhar o que poderia ser, mas
as lições que recebera de Mr. Monckton levantavam as suspeitas do tipo mais
sombrio. Cada detalhe do seu comportamento servia ainda mais para
confirmá-las: ele estava sendo cortês até demais com Mr. Marriot. Ele deu
ordens em voz alta para que Sir Robert Floyer não fosse admitido na casa, fez
sua corte a Cecilia com dedicação incomum e usou de todos os métodos ao
seu alcance para dar oportunidade ao seu admirador de dirigir-se a ela e
abordá-la.
O jovem, que parecia loucamente apaixonado, mal pôde abster-se não
apenas de prostrar-se diante do objeto de sua paixão, mas também diante do
próprio Mr. Harrel por permitir que ele a visse. Cecilia, que com alguma
preocupação percebeu um carinho tão infrutífero, e que não sabia por que
meios ou com quais objetivos Mr. Harrel poderia considerar apropriado
encorajá-lo, decidiu usar todos os meios que estivessem em seu próprio poder
para lhe dar um controle imediato. Portanto, comportou-se com a maior
reserva e, no momento em que terminaram o chá, embora implorassem
sinceramente para que ela ficasse com eles, retirou-se para os seus próprios
aposentos sem oferecer qualquer desculpa a não ser dizer friamente que não
poderia ficar. Depois de uma hora, Mrs. Harrel subiu apressadamente as
escadas para encontrá-la.
— Oh, Miss Beverley — exclamou ela —, agora eu posso respirar um
pouco! Mr. Harrel diz que vai ficar mais um dia; ele diz, também, que apenas
mil libras agora fariam dele um novo homem.
Cecilia não respondeu; ela conjecturou que alguma nova dissimulação para
arrecadar dinheiro estava em movimento, e temia que Mr. Marriot fosse o
próximo tolo a ser enganado. Mrs. Harrel, portanto, com um olhar de
decepção, deixou-a, dizendo que mandaria chamar seu irmão e faria mais
uma tentativa para ver se ele ainda tinha alguma consideração por ela.
Cecilia descansou tranquilamente até as onze horas, quando foi chamada
para jantar. Ela descobriu que Mr. Marriot ainda era o único convidado e que
Mr. Arnott não havia aparecido. Ela decidiu anunciar sua resolução de ir na
manhã seguinte para St. James’s Square. Portanto, quando os criados se
retiraram, ela perguntou a Mr. Harrel se ele tinha algum recado para Mr. ou
Mrs. Delvile, pois deveria vê-los na manhã seguinte e tinha a intenção de
passar algum tempo com eles. Mr. Harrel, com uma expressão alarmante,
perguntou se ela se referia ao dia todo.
— Muitos dias — respondeu ela —, e provavelmente alguns meses.
Mrs. Harrel exclamou sua surpresa em voz alta, e Mr. Harrel parecia
horrorizado, enquanto seu novo jovem amigo lançava sobre ele um olhar de
reprovação e ressentimento, o qual convenceu Cecilia de que ele imaginava
ter adquirido um título para uma facilidade de relacionamento e frequência de
encontros que essa notícia destruiu. Cecilia, pensando que, depois de tudo o
que havia passado, nenhuma outra cerimônia de sua parte seria necessária
além de simplesmente expressar sua intenção, levantou-se e voltou para seu
quarto.
Ela informou à criada que iria fazer uma visita à Mrs. Delvile e lhe deu
instruções sobre como fazer as malas e mandar chamar um homem pela
manhã para cuidar dos seus livros. A tarefa foi logo interrompida pela entrada
de Mrs. Harrel, que desejava conversar com ela a sós. Quando a criada saiu,
ela disse: — Oh, Miss Beverley, a senhorita pode realmente ser tão cruel e
ponto de me deixar?
— Eu imploro, Mrs. Harrel — respondeu Cecilia —, que me poupe de
novas discussões. Eu adiei muito esta remoção e agora não posso adiá-la
mais.
Mrs. Harrel jogou-se em uma cadeira com a mais amarga tristeza e
declarou que estava completamente perdida, que Mr. Harrel declarara que
não poderia ficar nem uma hora na Inglaterra se ela não estivesse em sua
casa, que ele tivera uma violenta discussão com Mr. Marriot sobre o assunto
e que seu irmão, embora ela lhe tivesse enviado as mais sinceras súplicas,
recusava-se a se aproximar dela.
Cecilia, cansada das vãs tentativas de oferecer conforto, agora alentava as
mais calorosas acusações contra sua oposição, explicando a necessidade real
de sua ida para o exterior e a fraqueza imperdoável de desejar continuar a
vida que agora levava, acumulando dívidas e dívidas, angústia sobre angústia.
Mrs. Harrel, então, ainda mais por compulsão do que por convicção,
declarou que estaria de acordo com a viagem, se não tivesse receio de ser
maltratada, pois Mr. Harrel, disse ela, havia se comportado com ela com a
maior brutalidade, acusando-a de ser a causa de sua ruína e ameaçando que,
se ela não adquirisse as mil libras antes da noite seguinte, deveria ser tratada
como merecia, por sua extravagância e loucura.
— Será que ele pensa, então — disse Cecilia, com a maior indignação —,
que devo me afligir com os seus medos em conformidade com seus desejos?
— Oh, não! — exclamou Mrs. Harrel. — Não; suas expectativas são todas
com meu irmão. Ele certamente pensou que, quando eu suplicasse e
implorasse sua ajuda, ele faria o que eu quisesse, pois sempre foi assim, e
uma vez mais, estou certa de que eu o convenceria agora, se pudesse fazê-lo
vir até mim como sempre fiz e dizer a ele que, se Mr. Harrel me levar para o
exterior com esse humor, eu realmente acho que em sua fúria ele me mataria.
Cecilia, que sabia bem que ela mesma era a verdadeira causa da resistência
de Mr. Arnott, sentia agora sua resolução vacilar, censurando-se internamente
pelos sofrimentos de sua irmã. Entretanto, alarmada pela própria constância,
ela implorou calorosamente à Mrs. Harrel que se acalmasse para a noite e
prometeu deliberar sobre o que poderia ser feito por ela antes do amanhecer.
Mrs. Harrel obedeceu, mas dificilmente seu próprio descanso foi mais
interrompido do que o de Cecilia, que, embora extremamente fatigada por
uma noite inteira de vigília, tinha a mente tão perturbada que mal conseguia
fechar os olhos. Mrs. Harrel foi sua primeira amiga e uma vez já fora a mais
querida. Ela a havia privado, por seu próprio conselho, de seu refúgio
habitual em seu irmão. Portanto, recusar-se a ajudá-la parecia crueldade,
embora negar ajuda a Mr. Harrel fosse justiça. Ela se esforçou, portanto, para
fazer uma conciliação entre sua decisão e a compaixão e resolveu que,
embora não tivesse a intenção de conceder mais nada a Mr. Harrel enquanto
permanecesse em Londres, ela contribuiria de vez em quando, tanto quanto
para suas necessidades como para seu conforto, quando ele estivesse
estabelecido em algum outro lugar com base em algum plano de prudência e
economia.
CAPÍTULO 49

UMA PERSEGUIÇÃO

Às cinco horas da manhã do dia seguinte, Mrs. Harrel entrou no quarto de


Cecilia para saber o resultado da sua deliberação, e Cecilia, com aquela
graciosa prontidão que acompanhava todos os seus trabalhos de caridade, no
mesmo instante lhe assegurou que as mil libras seriam suas se ela consentisse
em buscar um retiro tranquilo e recebê-las em pequenas somas, de cinquenta
e cem libras de cada vez, as quais seriam transferidas com cuidado e que,
quando entregues, deveriam receber um tratamento melhor pela parte de Mr.
Harrel e ser um motivo para reavivar seu cuidado e afeto.
Encantada, ela apressou-se para contar a proposta ao marido, mas voltou,
com olhar desanimado, dizendo que Mr. Harrel protestara que não poderia
partir sem antes receber o dinheiro.
— Eu irei eu mesma, portanto — disse ela —, até meu irmão depois do
café da manhã, pois vejo que ele não virá me ver, já que decidiu me tratar
com crueldade, e se não tiver sucesso com ele, acredito que nunca mais
voltarei.
Cecilia sentiu-se ofendida e decepcionada com o comentário, e respondeu:
— Sinto muito por Mr. Arnott, mas eu já fiz minha parte.
Mrs. Harrel a deixou e ela se levantou para fazer os preparativos imediatos
para sua mudança para St. James’s Square, para onde, com toda a rapidez ao
seu alcance, enviou seus livros, seus baús e tudo mais o que lhe pertencia.
Quando foi chamada no andar de baixo, ela encontrou, pela primeira vez,
Mr. Harrel tomando o café da manhã na mesma mesa com sua esposa; eles
pareciam mutuamente de mau humor e sem conforto, quase nada era dito e
pouco era engolido. No entanto, Mr. Harrel foi cortês, mas sua esposa
permaneceu completamente calada, e Cecilia, durante todo o tempo,
planejava como se despedir.
Quando as coisas do desjejum foram removidas, Mr. Harrel disse: — Eu
espero, Miss Beverley, que a senhorita não esteja decidida sobre este estranho
projeto.
— Sim, senhor — respondeu ela —, e já enviei minhas roupas.
Ao receber esta informação, ele pareceu atônito, mas depois de recuperar-
se um pouco, disse com muita amargura: — Bem, madame, pelo menos
posso lhe pedir que fique até a noite?
— Não, senhor — respondeu ela, com frieza —, estou indo
imediatamente.
— E a senhorita não pretende — disse ele, com ainda maior aspereza —
divertir-se primeiro vendo meirinhos tomarem posse da minha casa, e sua
amiga Priscila me seguir para a prisão?
— Meu Deus, Mr. Harrel! — exclamou Cecilia, com as mãos para o ar. —
Isso é uma pergunta que se faça, é este o tratamento que eu mereço?
— Oh, não! — exclamou ele com rapidez. — Se eu pensasse assim... —
então, levantou-se, golpeou a testa e começou a caminhar ao redor da sala.
Mrs. Harrel também se levantou e saiu da sala chorando violentamente.
— O senhor, ao menos — disse Cecilia, quando ela se foi — deixaria
Priscila comigo até que seus assuntos estejam resolvidos? Quando eu tiver
minha própria casa, ela deve me acompanhar, e, enquanto isso, as portas da
casa de Mr. Arnott, estou certa, estarão abertas para ela com prazer.
— Não, não — respondeu ele —, ela não merece tal indulgência; ela não
tem motivos para reclamar, tem sido tão negligente, tão profusa e dispendiosa
quanto eu. Ela não praticou economia nem abnegação, não pensou em mim
ou em meus negócios, nem está agora aflita por nada além da perda daquela
riqueza que fez o possível para reduzir.
— Todas as recriminações — disse Cecilia — foram vãs. Mas não vamos
nos estender sobre um assunto tão ingrato, o plano mais sábio e feliz agora
seria se consolarem mutuamente e gentilmente.
— Consolo e gentileza — exclamou ele, abruptamente — estão fora de
questão! Eu dei ordens para que uma carruagem esteja aqui à noite, e, se a
senhorita puder ficar até lá, prometo liberá-la sem mais exigências; caso
contrário, a mim caberá a destruição eterna se viver para ver a cena que sua
remoção ocasionará.
— Minha remoção? — perguntou Cecilia, estremecendo. — Bom Deus, e
como pode minha remoção ter consequências tão terríveis?
— Não me faça perguntas agora! — exclamou ele, ferozmente. — A
catástrofe é iminente e, aconteça o que acontecer, a senhorita ficará logo a par
de tudo. Enquanto isso, o que eu disse é um fato imutável, e a senhorita
poderá apressar o meu fim ou me oferecer uma oportunidade de evitá-lo,
como achar mais adequado, se não ficar até a noite, eu não viverei. Neste
momento, eu mal me importo com qual caminho irá escolher, mas lembre-se,
entretanto, tudo o que peço é que adie sua partida, o resto dependerá de Mr.
Arnott.
Ele então saiu da sala.
Cecilia voltara a ser uma covarde! Em vão ela buscou apoio nos conselhos,
nas profecias e nas advertências de Mr. Monckton, em vão ela recordou as
imposições que já tinha visto praticadas, pois nem as advertências de seu
conselheiro nem as lições de sua própria experiência eram provas contra os
terrores que as ameaças desesperadas inspiraram, e embora mais de uma vez
ela tenha decidido fugir em todos os eventos de uma tirania que ele tinha tão
pouco direito de usurpar, a mera lembrança das palavras “se não ficar até a
noite, eu não viverei” roubou-lhe toda a coragem, e por mais que ela tivesse
se preparado para este mesmo ataque, quando o momento chegou, o poder
sobre sua mente foi forte demais para resistir.
Enquanto o conflito entre o medo e a resolução ainda estava indeciso, seu
criado lhe trouxe a seguinte carta de Mr. Arnott:

“Miss Beverley, Portman Square


13 de junho de 1779.
MADAME, determinado a obedecer às ordens com as quais a senhorita
teve a bondade de me honrar, eu me ausentei da cidade até que Mr. Harrel
esteja estabelecido, pois, embora eu seja tão sensível à sua sabedoria e à sua
beleza, considero-me muito fraco para suportar a angústia de minha infeliz
irmã, e, portanto, desapareço de vista, e nenhuma carta ou mensagem me
seguirá, a menos que venha da própria Miss Beverley, para que, no futuro,
não recuse o único favor que ouso pedir, o de às vezes dignar-se a honrar-me
com suas instruções, o mais humilde e dedicado de seus servos, J.
ARNOTT”.

Em meio às suas apreensões por si mesma e por seus próprios interesses,


Cecilia não podia deixar de regozijar-se por Mr. Arnott, pois ele, ao menos,
tinha escapado da tormenta atual. No entanto, ela tinha certeza de que cairia
com mais força sobre ela, e temia reencontrar Mrs. Harrel depois do choque
que aquela fuga causaria.
Suas expectativas foram satisfeitas muito rapidamente: pouco tempo
depois, Mrs. Harrel entrou correndo na sala, gritando: — Meu irmão se foi!
Ele me deixou para sempre! Oh, salve-me, Miss Beverley, salve-me dos
abusos e dos insultos! — ela chorou com tanta violência que não conseguiu
dizer mais nada.
Cecilia, bastante torturada por aquela perseguição, perguntou vagamente o
que poderia fazer por ela.
— Encontre meu irmão — exclamou ela — e implore a ele que não me
abandone! Encontre-o e convença-o a me adiantar essas mil libras! A
carruagem já foi chamada e Mr. Harrel está decidido a ir, mas ele diz que sem
esse dinheiro nós dois devemos morrer de fome em uma terra estranha. Oh,
encontre o meu irmão cruel! Ele deixou ordens de que nada deve chegar até
ele a não ser que venha da senhorita.
— Por nada no mundo — exclamou Cecilia — eu iria frustrar sua
discrição! Na verdade, a senhora deve submeter-se ao seu destino e se
esforçar para suportá-lo da melhor forma.
Mrs. Harrel, derramando uma torrente de lágrimas, declarou que tentaria
seguir seu conselho, mas mais uma vez suplicou-lhe na maior agonia que
procurasse seu irmão, protestando que ela não acreditava que nem mesmo sua
vida estaria a salvo se fizesse uma viagem tão longa com Mr. Harrel em seu
atual estado de espírito. Seu caráter, disse ela, estava totalmente mudado, sua
alegria, bom humor e jovialidade haviam se transformado em aspereza e mau
humor, e, desde as suas grandes perdas no jogo, ele havia se tornado tão feroz
e furioso, que qualquer oposição, a menor que fosse, o deixava indignado de
raiva.
Cecilia, embora realmente preocupada e quase sensibilizada, recusou-se a
interferir com Mr. Arnott, e até achou que seria justo reconhecer que ela o
havia aconselhado a se retirar.
— Como a senhorita pôde ser tão cruel? — gritou Mrs. Harrel, com uma
violência ainda crescente de tristeza. — Como pôde me roubar meu único
amigo, me privar do afeto do meu irmão, no exato momento em que sou
forçada a sair do reino, com um marido que está prestes a me matar e que diz
que odeia me ver, e tudo porque não posso lhe dar esse maldito dinheiro? Oh,
Miss Beverley, como poderia imaginar que veria tal atitude da sua parte?
Cecilia estava iniciando uma justificativa quando chegou uma mensagem
de Mr. Harrel, que desejava ver sua esposa imediatamente.
Mrs. Harrel, aterrorizada, atirou-se aos pés de Cecilia e, agarrando-se aos
seus joelhos, gritou: — Não me atrevo a ir até ele! Não me atrevo a ir até ele!
Ele quer saber do meu sucesso, e quando souber que meu irmão fugiu, estou
certa de que vai me matar! Oh, Miss Beverley, como pôde mandá-lo embora?
Como pôde ser tão desumana a ponto de me deixar à mercê da raiva de Mr.
Harrel?
Cecilia, também angustiada e trêmula, convenceu-a a se levantar e ser
consolada, mas Mrs. Harrel, fraca e assustada, só conseguia chorar e suplicar.
— Eu não peço que me dê o dinheiro a senhorita mesma, apenas que mande
buscar o meu irmão para que ele possa me proteger, e implorar a Mr. Harrel
que não me trate com tanta crueldade. Considere a longa jornada que vou
fazer! Considere quantas vezes me disse que me amaria para sempre!
Considere que me despojou do irmão mais terno do mundo! Oh, Miss
Beverley, mande chamá-lo de volta, ou seja, uma irmã para mim e não
permita que sua pobre Priscila abandone sua terra natal sem ajuda ou
piedade!
Cecilia, completamente abalada, ajoelhou-se também, abraçou-a entre
lágrimas e disse: — Oh, Priscila, não implore ou me repreenda mais! Tudo o
que quiser será seu. Eu mandarei chamar seu irmão, eu farei tudo o que
quiser!
— Agora está sendo uma amiga de verdade! — exclamou Mrs. Harrel. —
Deixe-me ver meu irmão e seu coração se renderá à minha angústia, e ele
abrandará o coração de Mr. Harrel entregando à sua irmã infeliz esta
recompensa de despedida.
Cecilia então pegou uma pena para escrever a Mr. Arnott, mas, atingida
quase no mesmo momento por uma noção de traição ao chamá-lo de um
retiro que seu próprio conselho o fez buscar, supostamente para expô-lo a
uma súplica que, devido à sua situação presente, poderia levá-lo à ruína,
apressou-se a jogá-la longe e exclamou: — Não, excelente Mr. Arnott, não
vou traí-lo tão indignamente!
— Como pode, Miss Beverley — gritou Mrs. Harrel —, ser tão bárbara a
ponto de recuar?
— Não, minha pobre Priscila — respondeu Cecilia —, não posso
decepcioná-la com tanta crueldade; minha compaixão, no entanto, será por
mim mesma. Não posso mandar chamar Mr. Arnott, a senhora terá o dinheiro
por mim, e que ele atenda ao propósito para o qual foi oferecido, e lhe
devolva a ternura de seu marido e a paz do seu coração!
Priscila, que mal teve tempo para agradecê-la, correu para informar Mr.
Harrel, que, com a mesma impetuosidade, mal esperou para dizer o quanto se
alegrava e apressou-se para trazer o judeu de quem o dinheiro deveria ser
obtido. Logo tudo ficou resolvido, Cecilia não teve tempo para recuar e eles
não tinham a delicadeza de considerar. Mais uma vez, portanto, ela assinou
seu nome para pagar o valor principal e os juros de outras mil libras dentro de
dez dias a partir do momento que atingisse sua maioridade, e com o dinheiro
em mãos, ela acompanhou Mr. e Mrs. Harrel até a outra sala. Ela o
apresentou à Mrs. Harrel com uma solenidade comovente: — Aceite, Priscila
— disse ela —, este símbolo irrefutável da sinceridade da minha amizade,
mas permita-me ao mesmo tempo dizer-lhe que esta é a última vez que
pretendo lhe oferecer uma quantia tão considerável. Receba-a, portanto, com
carinho, mas use com discrição.
Ela então a abraçou e, por encontrar-se tão ansiosa para evitar
agradecimentos como antes e escapar das importunações, deixou-os juntos.
A consoladora recompensa da benevolência reconfortante não
acompanhou o presente nem compensou sua perda; perplexidade e
inquietação, arrependimento e ressentimento acompanharam a doação e
tomaram conta da mente de Cecilia. Ela temia ter agido mal, tinha certeza de
que Mr. Monckton não a perdoaria; ele não conhecia a perseguição que ela
tinha sofrido, nem se importava com as ameaças que a tinham alarmado, ou
com as súplicas que a tinham comovido. Muito diferentes foram os seus
sentimentos pela generosidade que ela exerceu com os Hills; nenhuma dúvida
então a atormentara, e nenhum arrependimento amargara sua beneficência.
Seu valor estava acima de suspeitas e seus infortúnios não eram cavados por
eles mesmos; nunca abandonaram o posto em que haviam estado e a pobreza
em que haviam caído era acidental e inevitável. Mas aqui, todo o mal fora
gratuitamente provocado por vaidade e licenciosidade, e descaradamente
acompanhado por injustiça e mentira. A perturbação da sua mente só
aumentava com a reflexão, pois, quando lhe ocorreram os direitos dos
credores com seus prejuízos, ela perguntou a si mesma por qual título ou
patrimônio ela tinha ajudado tão generosamente Mr. Harrel a evadir-se das
suas reivindicações e da punição que a lei infringiria. Surpresa com tal
consideração, ela reprovou severamente a si mesma por sua obediência, cujas
consequências pesavam tão levianamente, e pensou com a maior
consternação que, enquanto ela se iludia de estar apenas cedendo aos ditames
da humanidade, talvez pudesse ser acusada pelo mundo de ser cúmplice da
astúcia e da injustiça.
— E, no entanto — continuou ela —, a quem eu posso essencialmente ter
prejudicado senão a mim mesma? Teriam os seus credores se beneficiado
com minha recusa? Se eu tivesse enfrentado a execução de sua terrível
ameaça e deixado sua casa antes de ser forçada a ajudá-lo, teria o seu suicídio
diminuído suas perdas ou garantido suas demandas? Mesmo se ele não
tivesse a intenção de me intimidar, quem seria prejudicado por eu permitir
que ele vá para o exterior, ou quem seria mais bem pago se ele fosse preso e
confinado? No entanto, tudo o que resta de sua fortuna destroçada ainda pode
ser reclamado, embora eu o tenha salvado de um encarceramento prolongado,
desesperado por ele mesmo e por sua esposa, e inútil para aqueles a quem
saqueou.
Assim, ora apaziguada pela pureza de suas intenções ora inquieta pela
retidão de seus princípios, ela alternadamente se regozijava e lamentava pelo
que havia feito.
Durante o almoço, Mr. Harrel foi todo gentileza e bom humor. Ele
agradeceu calorosamente a Cecilia pela gentileza que havia demonstrado e
alegremente acrescentou: — A senhorita deve ser absolvida de todos os
males que possa vir a nos cometer durante os próximos doze meses, como
recompensa pela preservação do mal que hoje executou.
— A preservação — disse Cecilia —, espero que dure muitos dias. Mas
diga-me, senhor, exatamente, a que horas posso informar Mrs. Delvile que
devo atendê-la?
— Talvez — respondeu ele —, por volta das oito horas; ou nove, a
senhorita não se incomodaria em esperar mais meia hora, não é?
— Certamente não — respondeu ela, não querendo discutir coisas
insignificantes para não diminuir a satisfação dele pela sua ajuda. Então, ela
escreveu outro bilhete para Mrs. Delvile, informando-a que não deveria ser
esperada até perto das dez horas, e prometendo prestar contas e se desculpar
pelos aparentes caprichos quando tivesse a honra de vê-la.
O resto da tarde ela dedicou inteiramente a persuadir Mrs. Harrel a
demonstrar mais firmeza e a convencê-la a exercitar nada no exterior exceto
economia, prudência e serviços domésticos, lição muito difícil para a
imprudente e negligente Priscila. Ela ouviu o conselho com repugnância e só
respondeu com queixas impotentes de que não sabia gastar menos do que
sempre fizera.
Depois do chá, Mr. Harrel, ainda animado, saiu e implorou a Cecilia que
ficasse com Priscila até seu retorno, o que prometeu que seria cedo. No
entanto, o relógio deu nove horas e ele não apareceu. Cecilia estava ansiosa
para manter seu compromisso com Mrs. Delvile, mas também chegaram as
dez horas e Mr. Harrel continuava ausente. Ela então decidiu não esperar
mais e tocou a campainha para chamar o criado e a liteira, mas, quando Mrs.
Harrel disse que gostaria de ser informada assim que Mr. Harrel retornasse, o
homem disse que ele tinha voltado para casa há mais de meia hora. Muito
surpresa, ela perguntou onde ele estava.
— Nos seus próprios aposentos, madame, e deu ordens para não ser
incomodado.
Cecilia, que não ficou muito satisfeita com este relato, foi facilmente
persuadida a ficar mais alguns minutos, e, temendo alguma outra maldade,
ela decidiu lhe enviar um recado a fim de saber como ele estava ocupado,
quando ele mesmo entrou na sala.
— Bem, senhoras — expressou ele, casualmente —, quem gostaria de ir a
Vauxhall?35
— Vauxhall! — repetiu Mrs. Harrel, enquanto Cecilia, olhando fixamente,
percebeu em seu semblante uma expressão de perturbação que a alarmou
extremamente.
— Vamos, vamos — disse ele —, não temos tempo a perder. Uma
carruagem de aluguel nos servirá; não vamos esperar pelas nossas.
— O senhor, então, desistiu de ir para o exterior? — perguntou Mrs.
Harrel.
— Não, não. Partirei de lá. Mas vamos viver enquanto há vida. Eu dei
ordens para que uma carruagem ficasse à nossa espera. Vamos.
— Primeiro — disse Cecilia —, permitam que eu lhes deseje boa noite.
— A senhorita não vai me acompanhar? — perguntou Mrs. Harrel. —
Como posso ir a Vauxhall sozinha?
— A senhora não está sozinha — respondeu Cecilia.
— Decidi deixar sua amiga com a senhorita em Londres. A senhorita nos
acompanhará até lá e Priscila voltará com você — disse Mr. Harrel.
Mrs. Harrel levantou-se em êxtase e exclamou: — Oh, Mr. Harrel, o
senhor realmente vai me deixar na Inglaterra?
— Sim — respondeu ele, em tom de censura —, se puder ser uma amiga
melhor do que foi uma esposa, e se Miss Beverley se contentar em cuidar da
senhora.
— O que significa isso? — perguntou Cecilia. — É possível que esteja
falando sério? O senhor está realmente indo e vai permitir que Mrs. Harrel
fique?
— Estou — respondeu ele —, e vou.
Em seguida, ele tocou a campainha e solicitou a carruagem de aluguel.
Mrs. Harrel mal conseguia respirar pelo deleite, nem Cecilia pela surpresa,
enquanto Mr. Harrel, sem atender a nenhuma das duas, caminhou em silêncio
durante algum tempo pela sala.
— Mas como posso acompanhá-la? — perguntou Cecilia, por fim. — Mrs.
Delvile deve estar surpresa com a minha demora, e, se eu desapontá-la
novamente, ela dificilmente me receberá.
— Oh, não crie dificuldades — disse Mrs. Harrel, em agonia —, se Mr.
Harrel permitir que eu fique, estou certa de que não será tão cruel a ponto de
se opor a ele.
— Mas, por que — perguntou Cecilia — qualquer um de nós deveria ir a
Vauxhall? Certamente não é um lugar apropriado para uma despedida tão
melancólica.
Um criado entrou e disse que a carruagem de aluguel estava à porta.
Mr. Harrel, alarmado com a notícia, gritou: — Vamos, o que estamos
esperando? Se não formos imediatamente, poderemos ser impedidos.
Cecilia novamente lhes desejou boa noite, protestando que não poderia
falhar novamente com Mrs. Delvile.
Mrs. Harrel, meio furiosa com a recusa, suplicou que ela cedesse da
maneira mais frenética, exclamando: — Oh, que crueldade! Que crueldade!
Negar-me este último pedido! Vou me ajoelhar diante da senhorita dia e noite
— ela afundou-se no chão diante dela — e vou servi-la como a mais humilde
das suas servas se apenas for gentil neste último minuto, e me salvar do
banimento e da miséria.
— Oh, levante-se, Mrs. Harrel — disse Cecilia, envergonhada pela sua
prostração e consternada pela sua veemência. — Levante-se e me dê um
descanso. Para mim é doloroso recusar, mas obedecer para sempre, a despeito
da minha decisão, é terrível. Oh, Mrs. Harrel, eu não sei mais o que é gentil
ou cruel, e já há algum tempo não sei distinguir o certo do errado, nem o bem
do mal.
— Vamos — disse Mr. Harrel, impetuosamente —, não vou esperar nem
mais um minuto.
— Neste caso, deixe-a comigo — disse Cecilia. — Eu cumprirei minha
promessa; Mr. Arnott, estou certa disso, considerará sagrada sua missão, ela
irá com ele agora, e depois virá comigo. Deixe-a para trás e dependa dos
nossos cuidados.
— Não, não — disse ele, com rapidez —, devo cuidar dela pessoalmente.
Não a levarei comigo para o exterior, mas o único legado que posso deixar é
uma advertência que espero que ela se lembre para sempre. A senhorita, no
entanto, não precisa ir.
— O quê? — exclamou Mrs. Harrel. — O senhor vai me levar até
Vauxhall e me deixar lá sozinha?
— Qual o problema? — disse ele com ferocidade. — Não deseja ser
deixada? Tem alguma consideração por mim? Ou por qualquer coisa na terra,
além da sua pessoa? Cesse estes clamores vãos e venha de uma vez, eu
insisto.
Então, com uma praga violenta, ele declarou que não seria mais detido e
aproximou-se com raiva para levá-la. Mrs. Harrel gritou alto, e a aterrorizada
Cecilia exclamou: — Se é verdade que vão se separar esta noite, não o façam
desta maneira tão terrível. Levante-se, Mrs. Harrel, e obedeça! Reconciliem-
se, seja gentil, Mr. Harrel, e eu mesma irei com ela, iremos todos juntos!
— E por qual razão — exclamou Mr. Harrel mais gentilmente, porém com
extrema emoção — a senhorita deveria ir? A senhorita não precisa de
nenhuma advertência. A senhorita não precisa ser aterrorizada. É melhor ficar
longe, e minha esposa, quando eu partir, poderá encontrá-la.
Entretanto, Mrs. Harrel não permitiu que ela recuasse, e Cecilia, embora
meio distraída pelas cenas de horror e perplexidade em que se achava
eternamente envolvida, ordenou à sua criada que informasse o acontecido à
Mrs. Delvile. Mais uma vez ela foi impedida de atendê-la.
Mr. Harrel então apressou as duas para dentro da carruagem, que ele
ordenou que seguisse para Vauxhall.
— Por favor, escreva-me quando desembarcar — disse Mrs. Harrel, que
agora, livre de suas apreensões pessoais, começava a sentir um pouco por seu
marido.
Ele não respondeu. Ela então perguntou para que parte da França ele
pretendia ir, mas ele ainda não respondeu, e quando ela o incitou com uma
terceira pergunta, ele lhe disse com raiva que não o atormentasse mais.
Durante o resto da viagem, nenhuma outra palavra foi dita. Mrs. Harrel
chorou, o marido guardou um silêncio sombrio, e Cecilia passou seu tempo
da maneira mais desagradável entre suspeitas ansiosas de algum novo
esquema e conjecturas aterrorizantes sobre como todas essas transações
terminariam.
CAPÍTULO 50

UM HOMEM DE NEGÓCIOS

Quando eles entraram em Vauxhall, Mr. Harrel esforçou-se para desfazer-


se da morosidade que afetava sua alegria usual e lutou para recuperar o
ânimo. No entanto, todo o seu esforço foi em vão: ele não conseguia falar
nem parecer consigo mesmo, e embora de vez em quando retomasse seu
habitual ar de frivolidade, não conseguia suportá-lo, deixava-se abater e
baixava a cabeça em evidente desânimo. Ele fez com que elas dessem várias
voltas em meio às pessoas e caminhou tão rapidamente que elas mal
conseguiam acompanhar seu passo, como se esperasse restaurar sua
vivacidade com o exercício. Entretanto, todas as tentativas falharam e ele
ficou ainda mais triste e murmurou entre os dentes: — Ninguém merece
passar por isso! — e chamou depressa um garçom para lhe trazer uma garrafa
de champanhe.
Desta, ele bebeu copo atrás de copo, ainda que Cecilia, como Mrs. Harrel
não tinha coragem de falar, tivesse implorado para que ele se controlasse. No
entanto, ele parecia não a ouvir, mas depois de beber o que considerou
necessário para reanimá-lo, ele as conduziu a uma parte não frequentada do
jardim e, assim que estavam fora da vista de todos, exceto de alguns
retardatários, deteve-se de repente e, em grande agitação, disse: — Minha
carruagem estará logo pronta e eu devo me despedir das senhoras por um
longo período. Todos os meus assuntos não são propícios para o meu rápido
retorno. A bebida está subindo à minha cabeça e talvez eu não consiga dizer
muita coisa. Temo ter sido cruel com a senhora, Priscila, e começo a desejar
tê-la poupado desta cena de despedida. Mesmo assim, não deixe que seja
banida de sua lembrança, mas pense nisso quando for tentada a cometer uma
loucura como a que nos arruinou.
Mrs. Harrel chorou muito e não conseguiu dar qualquer resposta. Ele
voltou-se para Cecilia e disse: — Oh, madame, para a senhorita, na verdade,
não me atrevo a dizer nada. Eu a usei da maneira mais indigna, mas estou
pagando por isso. Peço que não tenha compaixão nem que me perdoe, sei que
seria impossível.
— Não — exclamou a abrandada Cecilia —, não é impossível, eu posso
fazer as duas coisas neste mesmo momento e espero...
— Não espere — interrompeu ele —, não seja tão angelical, pois não
posso suportar isso! Benevolência como a sua deveria ter caído em mãos
mais dignas. Mas, vamos, vamos voltar para a companhia das pessoas. Minha
cabeça está tonta, mas meu coração ainda está pesado. Devo torná-las
companheiras mais adequadas uns para os outros.
Ele pretendia levá-las de volta imediatamente, mas Cecilia, esforçando-se
para impedi-lo, disse: — O senhor não quer dizer, eu espero, que pretende
pedir mais bebida?
— Por que não? — disse ele, com espírito afetado. — Não podemos ter
alguns momentos de alegria antes de nos separarmos? Sim, fiquemos todos
felizes, pois, de outro modo, como nos separaríamos? Não sem alguma
dificuldade! — ele parou por um momento, tirou a máscara da leviandade e
disse com o tom mais solene: — Eu confio este envelope à senhorita — ele
entregou um pacote lacrado a Cecilia. — Se tivesse escrito em outro
momento, seu conteúdo teria sido mais gentil com minha esposa, pois, agora
que a hora da separação se aproxima, a má vontade e o ressentimento
diminuem. Pobre Priscila! Lamento, mas a senhorita irá socorrê-la, estou
certo de que o fará. Oh, se eu mesmo a tivesse conhecido antes desta
obsessão, um padrão brilhante de toda bondade... mas eu estava destinado,
um desgraçado arruinado antes mesmo que a senhorita entrasse em minha
casa; indigno de ser salvo, indigno de que virtudes como as suas habitassem
sob o mesmo teto que eu! Mas venha, venha agora, ou minha resolução irá
vacilar, e eu acabarei não indo.
— Mas o que há neste envelope — perguntou Cecilia — e por que o
entregou a mim?
— Não importa, não importa, a senhorita vai acabar sabendo; a carruagem
me aguarda e devo reunir coragem para ir embora.
Ele então se apressou e não respondeu aos protestos ou súplicas de suas
companheiras assustadas.
No momento em que retornaram à galeria coberta, foram recebidas por
Mr. Marriott. Mr. Harrel assustou-se e tentou ultrapassá-lo, mas ele se
aproximou e disse: — O senhor não respondeu a minha carta! — Mr. Harrel
deteve-se e, em um tom de cortesia forçada, disse: — Não, senhor, mas
responderei amanhã, e nesta noite espero que me dê a honra de jantar comigo.
Mr. Marriot olhou abertamente para Cecilia, buscando incentivo, e embora
evidentemente se considerasse um homem ferido, hesitou por um momento,
mas aceitou o convite.
— Jantar? — perguntou Mrs. Harrel. — Aqui?
— Jantar? — repetiu Cecilia. — E como vamos voltar para casa?
— Não pense nisso pelas próximas duas horas — respondeu ele. —
Venha, vamos procurar um camarote.
Cecilia então insistiu bastante para que ele abandonasse aquele plano que
deveria mantê-los até tão tarde, enquanto Mrs. Harrel repetidamente
exclamava: — Na verdade, as pessoas vão achar estranho nos ver aqui sem
qualquer tipo de companhia.
Porém, ele não lhes deu atenção e, ao notar Mr. Morrice a uma certa
distância, ele lhe chamou e pediu que procurasse um camarote, pois a noite
estava muito agradável e os jardins estavam tão apinhados de gente que era
impossível conseguir uma acomodação.
— Senhor — exclamou Morrice, com sua disposição habitual —, vou
conseguir um lugar para vocês se expulsar dez cavalheiros chupando seus
custards.
Assim que ele se foi, um homem gordo, elegante e de aspecto vulgar,
vestindo um casaco roxo brilhante, um colete de um vermelho profundo e
uma peruca volumosa que ia muito além de sua cabeça, com pequenos cachos
redondos, enquanto seu rosto rechonchudo e sua pessoa anunciavam fartura,
boa vida e um ar de desafio que expressava a plenitude de sua carteira,
pavoneou-se corajosamente até Mr. Harrel e, abordando-o de uma maneira
que mostrava uma certa timidez na sua recepção, mas nenhum direito, disse:
— Senhor, seu humilde servo — primeiramente ele fez uma reverência a Mr.
Harrel e depois às damas.
— E seu — respondeu Mr. Harrel com desdém; sem tocar o chapéu, ele
caminhou rapidamente.
O seu obeso familiar, que parecia pouco disposto a ser ofendido
impunemente, recolocou imediatamente o chapéu na cabeça e, com um olhar
que implicava “O senhor vai pagar por isso”, colocou as mãos ao lado do
corpo, começou a segui-lo e disse: — Senhor, devo ousar implorar o favor de
trocar algumas palavras com o senhor.
— Sim, senhor — respondeu Mr. Harrel —, procure-me amanhã e poderá
trocar quantas palavras quiser.
— Nada como o presente momento, senhor — respondeu o homem. —
Quanto ao dia de amanhã, creio que nunca vai chegar, pois tenho ouvido falar
dele muitas vezes nestes três anos. Não me refiro a reflexões, senhor, mas
que cada um receba o que é seu por direito. Isso é o que eu tenho a dizer, e
esta é a minha noção das coisas.
Mr. Harrel, proferindo uma blasfêmia violenta, perguntou o que ele
pretendia fazendo uma acusação em um lugar como Vauxhall.
— Um lugar é tão bom quanto qualquer outro, senhor — respondeu ele —,
assim como o que se faz é bom, não importa onde esteja. Um homem de
negócios nunca vai preferir um balcão se puder encontrar um banquinho
comum. Pessoalmente, sou totalmente a favor da uma consciência tranquila e
nada de faturas sem recibos.
— E se fosse a favor de ossos quebrados — exclamou Mr. Harrel, com
raiva —, eu o satisfaria sem demora.
— Senhor — exclamou o homem, igualmente provocado —, esta fala está
totalmente fora de contexto, pois quanto a ossos quebrados, não há uma
pessoa em toda a Inglaterra, nobre ou não, que possa dizer que tem o direito
de quebrar os meus, pois eu não sou uma pessoa desse tipo, mas um homem
com um patrimônio tão bom quanto qualquer outro, e não há um cliente neste
mundo que seja mais dono de si mesmo do que eu.
— Pelo amor de Deus, Mr. Hobson — exclamou Mrs. Harrel —, não nos
siga desta maneira! Se encontrarmos alguns dos nossos conhecidos, eles vão
pensar que somos meio loucos.
— Madame — respondeu Mr. Hobson, tirando o chapéu novamente —, se
eu for tratado com o devido respeito, nenhum homem se comportará mais
generosamente do que eu; mas, se for afrontado, tudo o que posso dizer é que
posso ser mais difícil com algumas pessoas do que elas imaginam.
Neste momento, um homenzinho de aspecto mesquinho, muito magro e
quase curvado ao meio pelo hábito de servir, aproximou-se de Mr. Hobson,
puxou-o pela manga e sussurrou alto o suficiente para ser ouvido: — É
surpreendente para mim, Mr. Hobson, que o senhor possa se comportar de
forma tão incomum. Pessoalmente, eu talvez tenha direito ao que mereço
como qualquer outra pessoa, mas me atrevo a dizer que o terei quando for
conveniente, e detestaria incomodar um cavalheiro em meio ao seu lazer.
— Pelo amor de Deus! — exclamou Mrs. Harrel. — O que podemos fazer
agora? Aqui estão todos os credores de Mr. Harrel vindo atrás de nós.
— Fazer?! — exclamou Mr. Harrel, voltando a assumir um ar de alegria.
— Ora, oferecer um jantar a todos, com certeza. Vamos, senhores, vocês me
favorecem com sua companhia para o jantar?
— Senhor — respondeu Mr. Hobson, um tanto apaziguado pelo convite
inesperado —, eu já jantei e também tomei uma taça, pois estou tão disposto
a gastar meu dinheiro como qualquer homem. Isto é tudo o que eu digo: não
escolho ser enganado, pois significaria perder a substância e não receber
crédito, porém, quanto a beber outra taça, ou algo assim, eu o farei com o
maior prazer.
— E quanto a mim — disse o outro homem, cujo nome era Skimkins, e
cuja cabeça quase tocava o chão pela profundidade de sua reverência —, não
posso de forma alguma pensar em tomar tal liberdade, mas, se puder ficar do
lado de fora, me atreverei a ir tão longe quanto para cumprir com meu
humilde dever de beber uma taça de sidra.
— O senhor ficou louco, Mr. Harrel! — exclamou sua esposa. — Como
pode pensar em convidar pessoas como essas para jantar? O que as pessoas
vão dizer? Suponha que algum conhecido nos veja. Estou certa de que
morrerei de vergonha.
— Louco?! — repetiu ele. — Não, não louco, mas alegre. Mr. Morrice,
por que demorou tanto? O que conseguiu para nós?
— Bem, senhor — respondeu Morrice, que retornava com um olhar um
pouco menos exultante do que quando os deixou —, os jardins estão tão
cheios que não há um só lugar disponível, mas espero conseguir um, pois
tenho observado uma das melhores mesas do jardim, logo ali à direita, sem
ninguém nela além daquele senhor que me fez derramar o bule de chá no
Panteão. Então, eu pedi desculpas e lhe expliquei o caso, mas ele apenas
disse “Hum”. Eu expliquei novamente, mas ele me tratou da mesma forma,
pois parece que nunca escuta o que se diz até que acabe de dizer, e então ele
começa a se lembrar que alguém estava falando com ele. Entretanto, embora
eu tenha repetido tudo de novo e mais uma vez, não consegui nada dele,
apenas outro “Hum”, mas ele está tão ausente que ouso dizer que, se todos
nós formos nos sentar à sua volta, ele não dirá uma palavra sobre o assunto.
— Não dirá?! — exclamou Mr. Harrel. — Vamos ver.
Ele seguiu Mr. Morrice, embora Cecilia, que agora suspeitava de que tudo
terminaria em uma mera brincadeira ociosa, calorosamente uniu seus
protestos aos de Mrs. Harrel, que foram feitos com a máxima, mas infrutífera
seriedade. Mr. Meadows, que estava sentado no centro do camarote, estava
acomodado à mesa com sua naturalidade costumeira e palitava os dentes com
sua desatenção habitual para com tudo ao seu redor. No entanto, a intrusão de
um grupo tão numeroso parecia ameaçar sua insensibilidade com uma
perturbação inevitável, mas, imaginando que pretendiam apenas olhar para o
camarote e seguir adiante, ele não fez, à primeira abordagem, qualquer
alteração em sua atitude ou ocupação.
— Vejam, madames — disse o intrometido Morrice —, eu disse que havia
lugar, e tenho certeza de que este senhor ficará muito feliz em abrir caminho
para as senhoras, se for apenas por boa vontade com os garçons, já que ele
não está comendo nem bebendo, nem fazendo absolutamente nada. Então, se
as damas entrarem por aquele lado, Mr. Harrel e o outro cavalheiro — ele
apontou para Mr. Marriot — podem ir pelo outro lado, e eu me sentarei com
as damas aqui, e aqueles outros dois senhores...
Neste momento, Mr. Meadows levantou-se da sua posição reclinada, olhou
fixamente no rosto de Morrice e disse gravemente: — O que significa isso,
senhor?
Morrice, que esperava ter organizado todo o grupo sem questionamentos, e
que entendia tão pouco sobre os ares da moda, que não suspeitava da afetação
nem do truque de ausência de espírito e indolência de maneiras que observou
em Mr. Meadows, ficou absolutamente pasmo com a pergunta, devolveu o
olhar grave e disse: — O senhor parecia estar tão pensativo que achei que não
notaria uma ou duas pessoas entrando no camarote.
— Não achou, senhor? — disse Mr. Meadows, com muita frieza. — Ora,
então, agora que acha, talvez o senhor seja tão amável a ponto de permitir que
eu tenha meu próprio camarote para mim mesmo.
Então, ele retomou sua posição favorita.
— Certamente, senhor — disse Morrice, fazendo uma reverência —, estou
certo de que não tive a intenção de perturbá-lo, pois o senhor parecia tão
perdido em seus pensamentos, que tenho certeza de que não acreditei que
sequer notaria nossa presença.
— Ora, senhor — disse Mr. Hobson, pavoneando-se —, se me permite
expressar minha opinião, acredito que, como o senhor está sozinho, um
pequeno grupo agradável não seria assim tão ruim. Pelo menos é a minha
opinião.
— E se eu puder tomar a liberdade — disse o convincente Mr. Skimkins
— de dizer uma palavra, acho que a melhor maneira seria, se o cavalheiro
não tiver objeções peculiares, se eu simplesmente ficasse parado em algum
lugar por aqui, e então, quando ele estivesse satisfeito e pronto para sair pelo
outro, entraríamos e...
— Não, não, não! — exclamou Mrs. Harrel, com impaciência. — Não
vamos jantar neste camarote nem em qualquer outro; vamos todos embora.
— Certamente! Na verdade, devemos! — exclamou Cecilia. — É
totalmente impróprio que fiquemos; por favor, vamos embora imediatamente.
Mr. Harrel não prestou a menor atenção aos pedidos, mas Mr. Meadows,
que não mais parecia estar inconsciente do que se passava, levantou-se com
extrema violência e perguntou se as damas gostariam de se sentar.
— Eu sabia! — exclamou Morrice, triunfante. — Eu tinha certeza de que
não há cavalheiro que não ficasse feliz em acomodar duas damas como estas!
Porém, as damas, longe de ficarem satisfeitas, mais uma vez tentaram todo
o possível para persuadir Mr. Harrel a desistir dos seus planos, mas ele não
quis ouvir, insistiu que fossem para o camarote e, estendendo o privilégio
concedido por Mr. Meadows, sem cerimônia convidou todo o grupo a
acompanhá-lo.
Mr. Meadows, embora parecesse pensar que se tratava de uma intromissão
extraordinária, já havia esforçado tanto sua apatia na repulsa que dera a
Morrice, que não pôde fazer mais; porém, depois de olhar ao redor com uma
mistura de vazio e desprezo, sentou-se novamente e permitiu que Morrice
fizesse as honras sem mais oposição. Morrice, muito feliz pela sua
incumbência, instalou Cecilia ao lado de Mr. Meadows, e teria feito de Mr.
Marriot seu outro vizinho, mas ela insistiu em não se separar de Mrs. Harrel
e, portanto, como ele mesmo escolhera sentar-se também com aquela
senhora, Mr. Marriot foi obrigado a seguir Mr. Harrel para o outro lado do
camarote. Sem convite adicional, Mr. Hobson instalou-se confortavelmente
em um dos cantos e Mr. Skimkins, que aguardou modestamente por algum
tempo um encorajamento adicional que provavelmente não teria, ocupou
silenciosamente o seu assento mesmo sem convite.
O jantar foi pedido e, enquanto era preparado, Mr. Harrel permaneceu em
silêncio, mas Mr. Meadows achou apropriado obrigar a si mesmo a conversar
com Cecilia, embora ela pudesse muito bem ter dispensado tal esforço da sua
cortesia.
— A senhorita gosta deste lugar, madame?
— Na verdade, eu não sei, nunca estive aqui antes.
— Não é de se admirar! A única surpresa é que qualquer pessoa pode vir
aqui. Observar um conjunto de pessoas caminhando atrás do nada! Passeando
sem propósito ou objetivo! É estranho! A senhorita não acha?
— Sim, acredito que sim — disse Cecilia, mal ouvindo o que ele dizia.
— Eu fico deprimido — disse ele — ao perceber que pobres criaturas
somos todos nós. Desfrutamos do prazer mesmo na ausência dele. Forçamo-
nos a fazer exercícios e nos cansar, quando poderíamos, pelo menos, ter a
indulgência de nos sentarmos tranquilamente e repousar.
— Deus! — exclamou Morrice. — O senhor não gosta de caminhar?
— Caminhar? — repetiu ele. — Não sei de nada tão humilhante, ver um
ser racional em tal movimento mecânico, sem conhecer os princípios que ele
segue, mas se arrastando, um pé atrás do outro, sem a menor consciência de
qual é o primeiro, ou mesmo...
— Senhor — interrompeu Mr. Hobson —, espero que não se ofenda se eu
me atrever a expressar minha opinião, pois esta é minha crença, que cada
homem diga sua máxima! O que tenho a dizer sobre esse assunto é o
seguinte: se um homem deve sempre parar para considerar sobre qual pé está
pisando, não há muito a ser feito, pois tanto faz se for o direito ou o esquerdo,
esquerdo ou direito. E este, senhor, acredito ser um argumento justo.
Mr. Meadows não se dignou a dar outra resposta a este discurso além de
um olhar de desprezo.
— Eu imagino, senhor — disse Morrice —, que goste de cavalgar, pois
todos os bons cavaleiros não apreciam outra coisa.
— Cavalgar?! — repetiu Mr. Meadows. — Oh, que barbaridade! As lutas
e o boxe são artes mais refinadas. Confiar no discernimento de um animal
menos inteligente do que nós mesmos! Um salto repentino pode quebrar
todos os nossos membros, um tropeço pode fraturar nosso crânio. E qual é o
estímulo? Ser derretido pelo calor, morto pelo cansaço e coberto com poeira?
Obsessão miserável! A senhorita gosta de cavalgar, madame?
— Sim, muito.
— Folgo em saber — disse ele, com um sorriso vago. — A senhorita está
certa. Compartilho completamente da sua opinião.
Mr. Skimkins, com um olhar de muita perplexidade, levantou-se, fez uma
reverência e disse: — Não tenho a intenção, senhor, de me intrometer em sua
conversa, mas, se não entendi mal, estou certo de que agora mesmo pensei
que o senhor parecia não dar muita importância à equitação, e ainda agora, de
repente, alguém pensaria que está se manifestando a seu favor.
— Mas, senhor — exclamou Morrice —, se não gosta de cavalgar nem de
caminhar, não deve ter nenhum prazer, a não ser o de ficar sentado.
— Sentado?! — repetiu Mr. Meadows, com um bocejo. — Ainda pior!
Isso me desanima até a morte! Rouba-me todo o estímulo e a vida!
Enfraquece a circulação e destrói a elasticidade.
— Diga, então, senhor — disse Morrice —, prefere ficar em pé?
— Ficar em pé? É absolutamente intolerável! A coisa mais sem sentido do
mundo. É melhor ser transformado em uma múmia.
— Neste caso, por favor, senhor — disse Mr. Hobson —, permita-me
perguntar do que o senhor gosta.
Mr. Meadows, embora olhasse fixamente para o seu rosto, começou a
palitar os dentes sem responder.
— Veja, Mr. Hobson — disse Mr. Skimkins —, o cavalheiro não tem a
intenção de lhe responder, mas, se eu puder tomar a liberdade de dar minha
opinião, acredito que se ele não gosta de caminhar, nem cavalgar, nem se
sentar, nem ficar em pé, suponho que não goste de nada.
— Bem, senhor — disse Morrice —, aí vem o jantar e espero que goste.
Por favor, senhor, posso servi-lo com um pouco deste presunto?
Mr. Meadows, parecendo não ouvi-lo, de repente, e com um ar de extremo
cansaço, levantou-se e, sem falar com ninguém, abruptamente deixou o
camarote. Mr. Harrel abandonou o devaneio sombrio em que havia
mergulhado e comprometeu-se a fazer as honras da mesa, insistindo com
violência em ajudar todas as pessoas, ordenando mais provisões e lutando
para parecer animado e de bom humor.
Depois de alguns minutos, o capitão Aresby, que passava pelo camarote,
parou para cumprimentar Mrs. Harrel e Cecilia.
— Que multidão! — exclamou ele, erguendo os olhos com expressão de
cansaço. — As damas não estão accablé?36 Pessoalmente, eu mal posso
respirar. Eu raramente tive a honra de me sentir tão obsedé antes.
— Podemos lhe arranjar algum espaço, senhor — disse Morrice —, se
quiser entrar.
— Sim — disse Mr. Skimkins, levantando-se obsequiosamente. — Estou
certo de que o cavalheiro será muito bem-vindo para tomar o meu lugar, pois
não tinha a intenção de me sentar, apenas quis parecer agradável.
— De maneira alguma, senhor! — respondeu o capitão. — Eu ficaria
muito desespoir se incomodasse alguém.
— Senhor — disse Mr. Hobson —, não lhe ofereço meu lugar, porque
presumo que, se quisesse entrar, não faria cerimônia, pois é como eu digo:
todo homem deve dizer o que pensa, e então todos saberemos como nos
comportar. Esse é o meu jeito, e que qualquer homem me diga uma coisa
melhor!
O capitão, depois de olhá-lo com surpresa não totalmente destituída de
horror, afastou-se dele sem dar qualquer resposta e perguntou a Cecilia: —
Há quanto tempo, madame, está neste lugar petrificante?
— Uma hora, duas, talvez — respondeu ela.
— É mesmo? Não vi ninguém que importa aqui. E Assez de monde!
Partout!37
— Senhor — disse Mr. Skimkins, saindo do camarote para que pudesse
curvar-se com mais facilidade —, eu humildemente imploro seu perdão pela
liberdade, mas, se entendi bem, o senhor disse algo sobre em branco? Diga,
senhor, se posso tomar a liberdade, há algo semelhante com uma loteria, ou
rifa, no jardim? Ou algo assim?
— Senhor — disse o capitão, olhando-o da cabeça aos pés. — Estou muito
assommé por não conseguir compreender sua alusão.
— Perdoe-me, senhor — disse o homem, curvando-se ainda mais baixo
—, eu só pensei que, caso não custasse mais de meia coroa, ou algo assim,
talvez eu pudesse fazer uma exceção dessa vez.
O capitão, cada vez mais espantado, tornou a fitá-lo, mas, sem achar
necessário lhe dar mais atenção, perguntou a Cecilia se ela pretendia ficar até
tarde.
— Espero que não — respondeu ela —, já fiquei até mais tarde do que
gostaria.
— Verdade? — disse ele, com um sorriso sem sentido. — Bem, esta é a
coisa mais horrível que tive o malheur38 de saber. Pessoalmente, tenho por
princípio não passar muito tempo nesses lugares semibárbaros, pois, depois
de um certo tempo, eles me aborrecem a ponto de ficar bastante abimé. Devo,
no entanto, fazer o possível para ter a honra de encontrá-la novamente.
Então, com um sorriso de ainda maior insipidez, ele protestou que estava
reduzido ao despair por deixá-la e seguiu em frente.
— Diga, madame, se posso ser tão ousado — disse Mr. Hobson —, que
tipo de compatriota pode ser este cavalheiro?
— Um inglês, eu suponho — disse Cecilia.
— Um inglês, madame?! — disse Mr. Hobson. — Por que, então, eu não
consegui entender uma palavra de cada dez que saíram de sua boca?
— Na verdade — disse Mr. Skimkins —, ele tem um jeito peculiar de
falar, pois estou certo de que pensei que poderia jurar que ele disse alguma
coisa sobre em branco, ou nessa quantia, mas não compreendi nada quando o
perguntei sobre isso.
— Que todo homem fale para ser compreendido! — disse Mr. Hobson. —
Esta é a minha noção das coisas, pois quanto a todas essas belas palavras que
ninguém consegue decifrar, considero que são inúteis. Suponha que um
homem fale desta maneira quando está fazendo negócios, qual seria o
resultado? Quem entenderia o que ele quis dizer? Bem, esta é a prova, o que
não serve para os negócios, não tem valor; esta é a minha maneira de julgar e
é nisso que eu acredito.
— Ele disse algumas outras coisas — replicou Mr. Skimkins — que não
pude compreender, só que não tinha intenção de fazer mais perguntas, por
receio de que ele respondesse algo que eu não entenderia. Mas, se não estou
errado, pensei tê-lo ouvido dizer que não há ninguém aqui. O que ele quis
dizer, eu não sei, pois estou certo de que o jardim está tão cheio que, se
viessem mais pessoas, não sei onde eles poderiam espremê-las.
— Eu notei na mesma hora — disse Mr. Hobson —, pois não me escapam
muitas coisas; e, para dizer a verdade, pensei que ele tinha passado algum
tempo com uma garrafa, já que não conseguia ver bem as coisas.
— Garrafa?! — exclamou Mr. Harrel. — Uma excelente dica, Mr.
Hobson. Vamos! Vamos todos nos libertar com uma garrafa!
Ele então pediu mais bebida e insistiu para que todas as pessoas fizessem
um brinde a ele. Mr. Marriot e Mr. Morrice não fizeram qualquer objeção,
assim como Mr. Hobson e Mr. Skimkins consentiram com muito prazer.
Mr. Harrel estava ficando extremamente descontrolado, sendo auxiliado
pelo vinho que já havia tomado, e seu próximo passo foi fazer com que sua
esposa e Cecilia seguissem seu exemplo. Cecilia, mais indignada do que
nunca ao perceber que não havia nenhum preparativo para sua partida, apesar
de todos os inconvenientes para impedi-lo de partir, recusou com igual
firmeza e desgosto, e lamentou, com as mais amargas autocensuras, o
consentimento que havia sido forçado a ela para estar presente em uma cena
de tal desordem. Mrs. Harrel teria se oposto a ele em vão se sua atenção não
tivesse sido chamada para outro objeto. Era Sir Robert Floyer, que, ao avistar
o grupo a uma certa distância, assim que percebeu que Mr. Marriot estava
entre eles, avançou para o camarote com um ar de raiva e desafio e disse a
Mr. Harrel que tinha algo a lhe dizer.
— Sim — disse Mr. Harrel —, algo a me dizer? Eu também tenho algo a
lhe dizer! Venha, e seja feliz! Aqui, abram espaço, abram caminho. Sentem-
se mais perto, meus amigos.
Sir Robert percebeu que ele não estava em situação razoável e ficou em
silêncio por um momento. Então, olhou ao redor do camarote e, ao notar Mr.
Hobson e Mr. Skimkins, disse em voz alta: — Em que grupo mais excêntrico
você se meteu! Quem diabos são esses?
Mr. Hobson, para quem a importância da riqueza recentemente adquirida,
agora somada à coragem do champanhe recém-consumido, manteve-se firme
sem parecer estar consciente de que estava incluído no interrogatório, mas
Mr. Skimkins, que ainda tentava ganhar a vida, e cujo servilismo habitual
teria resistido a uma pressão ainda maior, foi facilmente intimidado. Ele se
levantou novamente e, com o mais tímido respeito, ofereceu seu lugar ao
baronete, que não aceitou, e ficou parado em frente a Mr. Harrel, esperando
alguma explicação.
Mr. Harrel, entretanto, que se achava incapaz de oferecer qualquer coisa,
apenas repetiu o convite que o tornaria um deles.
— Um de vocês? — perguntou o baronete, com raiva, apontando para Mr.
Hobson —, por que gostaria que eu me sentasse com um pedreiro?
— Um pedreiro? — repetiu Mr. Harrel. — Sim, claro, e com um camiseiro
também. Sente-se, Mr. Skimkins, mantenha seu lugar, homem!
Mr. Skimkins fez uma reverência em agradecimento, mas Mr. Hobson,
que não podia mais evitar sentir a pessoalidade desta reflexão, respondeu
corajosamente: — Senhor, o senhor pode se sentar com um homem pior em
qualquer dia da semana. Eu não fiz nada de que me envergonhe, e nenhum
homem pode me dizer o contrário. Eu não vou dizer, senhor, quanto valho;
ninguém tem o direito de perguntar, só digo que três vezes cinco são quinze.
Isso é tudo!
— Ora, que diabos, seu sujeito atrevido! — disse o altivo baronete. — O
senhor não teve a pretensão de resmungar, não é?
— Senhor — respondeu Mr. Hobson, com muita veemência —, eu não
tolerarei abusos de ninguém! Tenho um caráter justo no mundo e os meios
para viver segundo meu bel prazer. E tudo o que tenho é meu. E tudo o que
tenho a dizer é que todos digam a mesma coisa, pois esta é a maneira de não
temer a ninguém e de enfrentar o diabo.
— O que quer dizer com isso, sujeito? — perguntou Sir Robert.
— Sujeito, senhor! Estes não são modos de falar? Acha que um homem de
substância, que se elevou acima do mundo, deve ser tratado como um
pequeno e miserável aprendiz? Que cada homem tenha sua parte, essa sempre
foi minha maneira de pensar. E eu posso dizer por mim mesmo, tenho todo o
direito de mostrar minha cabeça onde quiser, como um membro do
parlamento o faz por toda a Inglaterra. Eu gostaria que todos os homens
presentes pudessem dizer o mesmo.
Sir Robert, com os olhos cheios de fúria, estava começando a dar uma
resposta, mas Mrs. Harrel, com terror, e Cecilia, com dignidade, pediram a
ambos que se calassem. O baronete pediu a Morrice que cedesse seu lugar,
sentou-se ao lado de Mrs. Harrel e desistiu da disputa.
Enquanto isso, Mr. Skimkins, na esperança de cair nas graças do grupo,
aproximou-se de Mr. Hobson, já acalmado por não ter recebido nenhuma
resposta, e disse em tom de reprovação: — Mr. Hobson, permita-me que
tome a liberdade; devo ter a ousadia de dizer que estou muito envergonhado
do senhor. Uma pessoa com o seu prestígio e crédito falar de forma tão
desrespeitosa, como se um cavalheiro não tivesse o direito de ter um pouco
de lazer, simplesmente porque lhe deve algum dinheiro. Que vergonha, Mr.
Hobson! Eu não esperava que se comportasse de forma tão desprezível!
— Desprezível?! — respondeu Mr. Hobson. — Eu desdenho de coisas
desprezíveis tanto quanto o senhor, ou de qualquer coisa que não seja
apropriada para um cavalheiro, e quanto a vir a um lugar como este, eu não
faço nenhuma objeção a isso. Tudo o que defendo é: que cada homem tenha o
que lhe é devido, pois quanto a ter um pouco de prazer, aqui estou eu, como
se pode dizer, fazendo o mesmo, que mal há nisso? Quem tem o direito de
chamar um homem para prestar contas quando está na frente de todo o
mundo? Não que eu queira me gabar, nem nada parecido, mas, como eu já
disse, três vezes cinco são quinze, este é o meu cálculo.
Mr. Harrel, que durante todo o debate continuava bebendo, apesar de toda
a oposição de sua esposa e de Cecilia, ficava cada vez mais turbulento. Ele
insistiu para que Mr. Skimkins voltasse ao seu lugar, serviu a ele mais uma
dose de champanhe, disse que não tinha companhia suficiente para elevar seu
ânimo e pediu a Morrice que fosse convidar mais gente.
Morrice, sempre disposto a promover divertimento, consentiu da maneira
mais animada, mas, quando Cecilia, em voz baixa, lhe suplicou que não
voltasse com ninguém, com uma prontidão ainda maior ele fez sinais de que
a compreendia e obedeceria.
Mr. Harrel começou então a cantar, e de uma maneira tão ruidosa e
turbulenta que ninguém se aproximava do camarote sem parar para olhar para
ele, e aqueles que não estavam acostumados com cenas do tipo, não se
contentando em apenas olhar para dentro, postaram-se a uma certa distância
para observar o que estava acontecendo e contemplar com inveja e admiração
uma aparente diversão que atribuíam à felicidade e ao prazer. Mrs. Harrel,
consternada por ser vista em companhia tão diversificada, ficava cada vez
mais inquieta e infeliz, e Cecilia, meio distraída pensando em como iriam
voltar para casa, havia passado o tempo todo fazendo votos secretos de que,
se mais uma vez fosse libertada de Mr. Harrel, nunca mais o veria.
Sir Robert Floyer, percebendo o desconforto mútuo, ofereceu-se para
acompanhá-las até em casa; Cecilia, apesar de toda a sua aversão por ele,
estava ouvindo o plano, quando Mr. Marriot, que havia sido evidentemente
provocado e desconcertado desde a chegada do baronete, suspeitando do que
estava acontecendo, também ofereceu seus serviços, em um tom de voz que
não prometia aquiescência muito tranquila em uma recusa.
Cecilia, com demasiada facilidade, percebeu em seus olhares toda a ânsia
da rivalidade e temia as consequências de sua decisão. Portanto, ela recusou a
ajuda dos dois, mas sua angústia era indescritível, pois não havia nenhuma
pessoa no grupo a cujos cuidados ela pudesse se entregar, embora o
comportamento de Mr. Harrel, que a cada momento se tornava mais
desordenado, tornasse a necessidade de deixá-lo urgente e incontrolável.
Quando Morrice retornou, Mr. Harrel parou no meio do seu canto e, gritando
alto e de forma violenta, exigiu veementemente saber quem ele havia trazido.
— Ninguém, senhor — respondeu Morrice, enquanto lançava um olhar
significativo para Cecilia. — Eu realmente tive o azar de não encontrar
ninguém que quisesse vir.
— Neste caso — respondeu ele, levantando-se —, eu mesmo vou
procurar.
— Oh, não, por favor, Mr. Harrel, não traga mais ninguém! — disse sua
esposa.
— Tenha pena de nós — exclamou Cecilia — e não nos cause mais
aflição!
— Aflição? — disse ele, com rapidez. — O que devo pedir para essas
belas meninas? Sim, mais uma taça e eu as ensinarei a recebê-las.
E ele esvaziou outra garrafa.
— Isso é tão insuportável — disse Cecilia, levantando-se — que não posso
mais ficar aqui.
— Isso é realmente cruel — disse Mrs. Harrel, desatando a chorar. — O
senhor me trouxe aqui para me insultar?
— Não — exclamou ele, abraçando-a de repente —, para este beijo de
despedida! — em seguida, ele pulou descontroladamente do seu assento,
saltou sobre a mesa e sumiu de vista em um instante.
A surpresa apoderou-se de todos. Mrs. Harrel e Cecilia, na verdade, não
tinham dúvidas de que ele, realmente, tinha ido para a carruagem que tinha
encomendado. Porém, a maneira como ele partiu as amedrontou e seu
comportamento anterior havia feito com que perdessem as expectativas. Mrs.
Harrel, apoiada em Cecilia, continuou a chorar, enquanto ela, confusa e
alarmada, mal sabia se deveria ficar e consolá-la ou fugir atrás de Mr. Harrel,
quem ela temia estar incapacitado para encontrar sua carruagem, pelo próprio
método que tinha usado para reunir coragem para procurá-la.
Esta foi, no entanto, a apreensão de um momento; outra, muito mais
terrível, a libertou dos seus pensamentos: mal Mr. Harrel havia abandonado o
camarote e sumido de vista, seus ouvidos foram repentinamente atingidos
pelo disparo de uma pistola. Mrs. Harrel deu um grito alto, o qual foi
involuntariamente ecoado por Cecilia. Todos se levantaram, alguns querendo
servir às damas e outros correndo em direção ao local de onde procedia o
som terrível. Sir Robert Floyer voltou a oferecer seus serviços para levá-las
para casa, mas elas não podiam ouvir tal proposta. Cecilia, com muita
dificuldade, absteve-se de sair correndo para descobrir o que tinha
acontecido, mas seu receio de que fosse seguida por Mrs. Harrel a impediu.
Ambas, portanto, ficaram aguardando alguma informação, já que todos, com
exceção do baronete e de Mr. Marriot, tinham saído. No entanto, ninguém
retornou, e seus terrores aumentavam a cada momento. A própria Mrs. Harrel
queria sair correndo, mas Cecilia conseguiu convencê-la a ficar quieta e
implorou a Mr. Marriot que lhe trouxesse alguma informação. Mr. Marriot,
assim como os demais mensageiros que o precederam, não retornou. Cada
instante parecia durar uma eternidade, e Sir Robert Floyer também foi instado
a obter informações.
Mrs. Harrel e Cecilia estavam agora abandonadas a si mesmas, e seu
horror era grande demais para palavras ou gestos. Elas ficaram próximas uma
da outra, ouvindo cada som e recebendo cada possível acréscimo ao seu
alarme, pela confusão geral que observavam nos jardins, nos quais, embora
cavalheiros e garçons corressem de um lado para o outro, nenhuma criatura
caminhava e toda a diversão parecia esquecida.
Elas foram finalmente demovidas desse estado, embora não aliviadas, pela
visão de um garçom, o qual, ao passar por elas, mostrou-se quase todo
coberto de sangue. Mrs. Harrel o chamou com veemência e lhe perguntou de
onde vinha aquele sangue.
— Do cavalheiro, madame — respondeu ele, apressadamente —, que deu
um tiro em si mesmo.
E o garçom saiu correndo.
Mrs. Harrel deu um grito agudo e caiu, pois Cecilia, estremecendo de
horror, perdeu todas as forças e não pôde mais lhe dar apoio. Tão grande era
a confusão geral naquele momento, que, por alguns minutos, sua angústia
particular foi desconhecida e sua situação despercebida, até que um senhor
idoso se aproximou do camarote e ofereceu generosamente sua ajuda. Cecilia
apontou para sua infeliz amiga, que não tinha perdido os sentidos, apenas as
forças pelo terror, e aceitou sua ajuda para levantá-la. Ela foi erguida, porém
sem o menor esforço da sua parte, e só foi mantida no assento quando o
estranho a colocou ali, pois Cecilia, cujo corpo todo tremia, tentou sustentá-la
em vão. O cavalheiro, pela violência da sua aflição, começou a suspeitar do
seu motivo. Ele dirigiu-se a Cecilia e disse: — Receio, madame, que aquele
infeliz cavalheiro tinha algum parentesco com a senhorita?
Nenhuma delas respondeu, mas seu silêncio foi suficientemente
expressivo.
— É uma pena, madame — continuou ele —, que algum amigo não
consiga tirá-lo da multidão e mantê-lo quieto até que um médico seja trazido.
— Um médico?! — exclamou Cecilia, recuperando-se de uma surpresa
pelo efeito da outra. — Então é possível que seja salvo?
Sem esperar que sua pergunta fosse respondida, ela própria correu para
fora do camarote, voando loucamente pelo jardim, pedindo ajuda enquanto
corria, até que encontrou a entrada da casa; ela subiu até o bar e disse: —
Alguém chamou um médico? Que um médico seja chamado imediatamente!
— Um médico, madame — responderam —, mas o cavalheiro não está
morto?
— Não, não, não! — exclamou ela. — Ele deve ser trazido para dentro,
deixem que algumas pessoas cuidadosas o tragam para dentro.
Ela também não deixou o bar até que dois ou três garçons fossem
chamados e recebessem suas ordens. Então, ansiosa para vê-las executadas,
sem medo por estar sozinha e sem pensar em se perder, ela correu em direção
ao lugar fatal para onde a multidão a conduzia. Na verdade, ela não poderia
estar mais protegida de insultos e assédios se estivesse cercada por vinte
policiais, pois a cena de desespero e horror que muitos haviam presenciado, e
da qual todos tinham ouvido o sinal, atraiu a atenção universal e tirou, mesmo
dos mais ociosos e licenciosos, todo o espírito para a diversão.
Neste momento, enquanto fazia vãs tentativas de penetrar na multidão para
que pudesse ver e julgar por si mesma a real situação de Mr. Harrel e, se
ainda houvesse espaço para esperança, dar as ordens que melhor levassem à
sua segurança e recuperação, ela foi recebida por Mr. Marriot, que lhe
implorou que não avançasse para uma cena que ele havia considerado muito
impactante para si mesmo, e insistiu em protegê-la no meio da multidão.
— Se ele estiver vivo — exclamou ela, recusando sua ajuda —, e se
houver alguma chance de ser salvo, nenhuma cena será impactante demais
para evitar que eu o veja devidamente atendido!
— Qualquer assistência — respondeu ele — será em vão. Ele ainda não
está morto, mas sua recuperação é impossível. Já há um médico com ele,
alguém que por acaso estava nos jardins, e que me disse que o ferimento era
inevitavelmente mortal.
Cecilia, embora muito decepcionada, ainda estava decidida a ir até ele para
perguntar se, em seus últimos momentos, havia algo que ele desejava
comunicar ou desejava fazer. Porém, enquanto lutava para seguir adiante, foi
recebida e detida por Sir Robert Floyer, que, forçando-a a recuar, informou-
lhe que tudo estava acabado.
O choque com o qual ela recebeu o último relato, embora não estivesse
misturado com nenhuma forma de arrependimento e resultasse apenas da
humanidade em geral, foi tão violento que quase a dominou. Na verdade, Mr.
Harrel perdera todo o direito à sua estima, e o egoísmo insensível de todo o
seu comportamento havia provocado durante muito tempo seu ressentimento
e despertado sua repulsa. No entanto, uma catástrofe tão terrível, e da qual ela
mesma havia feito tantos esforços para resgatá-lo, causou-lhe tanto horror
que, sentindo-se muito mal, viu-se obrigada a ser amparada até o camarote
mais próximo, e ali detida para receber água e sais de amônia.
Entretanto, alguns minutos foram suficientes para despojá-la de todo
cuidado por si mesma, muito preocupada com a lembrança da situação de
Mrs. Harrel. Assim, ela apressou-se ao seu encontro, acompanhada pelo
baronete e por Mr. Marriot, e a encontrou ainda apoiada no estranho e
chorando muito alto.
A notícia fatal já a havia alcançado e, embora todo o afeto entre Mr. Harrel
e ela tivesse diminuído mutuamente desde os dois ou três primeiros meses de
casamento, uma conclusão tão horrível para todas as conexões entre eles não
poderia ser ouvida sem tristeza e angústia. Seu temperamento, também,
naturalmente suave, não retinha ressentimentos, e Mr. Harrel, agora separado
dela para sempre, só era lembrado como o Mr. Harrel que primeiramente
conquistara seu coração.
Cecilia não poupou tristeza nem ternura para consolá-la; achando-a
absolutamente incapaz de agir ou dirigir a si mesma, e sabendo que em todos
os momentos ela estava extremamente desamparada, convocou em seu
próprio auxílio toda a força mental que possuía, e decidiu, nesta ocasião
melancólica, tanto pensar quanto agir por sua amiga e viúva, no máximo de
suas habilidades e poder. Portanto, assim que as primeiras efusões de sua dor
cessaram, ela conseguiu convencê-la a ir para um quarto silencioso, que lhe
foi generosamente oferecido até que ela pudesse voltar para a cidade. Tendo-
a visto assim alojada e em segurança, Cecilia implorou a Mr. Marriot que
ficasse com ela, e então, acompanhada pelo baronete, voltou ao bar, mandou
chamar o criado que os havia atendido e enviou-o imediatamente ao seu
falecido senhor e, em seguida, com grande presença de espírito, indagou mais
um pouco sobre os detalhes do que havia acontecido e tentou descobrir o que
deveria ser feito imediatamente com o falecido, pois ela não achava decente
nem correto deixar ao acaso ou a estranhos os últimos deveres que poderiam
ser pagos a ele.
Ela descobriu que ele havia resistido cerca de um quarto de hora, mas em
uma condição terrível demais para ser descrita, sem palavras e, por tudo o
que poderia ser julgado, fora de seus sentidos; contudo, estava tão
desfigurado pela dor e ferido tão desesperadamente além de qualquer poder
de alívio, que o médico, que a cada instante esperava sua morte, disse que
não seria apenas inútil, mas desumano, removê-lo até que ele desse seu
último suspiro. Ele morreu, portanto, nos braços deste senhor e de um
garçom.
— Um garçom! — exclamou Cecilia, olhando com reprovação para Sir
Robert. — E não havia nenhum amigo que durante os poucos momentos
miseráveis tivesse paciência para apoiá-lo?
— De que adiantaria — disse Sir Robert — apoiar um homem em suas
últimas agonias?
Ela tentou não dar resposta a um discurso tão insensível, mas, não
permitindo que sua aversão por ele ou seus próprios escrúpulos a impedissem
de interferir na ocasião presente, ela desejou ouvir seu conselho sobre o que
seria melhor fazer.
— Os agentes funerários devem ser imediatamente enviados — disse ele
— para remover o corpo.
Ela então deu ordens para este propósito, as quais foram imediatamente
executadas.
Para onde levar o corpo era a próxima questão. Cecilia desejava que a
remoção fosse diretamente para a mansão, mas Sir Robert lhe disse que
deveria ser levado à funerária mais próxima e mantido ali até que pudesse ser
transportado para a cidade em um caixão.
Para isso, também, ela deu instruções em nome de Mrs. Harrel. Então,
dirigindo-se a Sir Robert, disse: — O senhor vai agora, eu espero, voltar ao
local fatal e assistir seu falecido amigo até que as pessoas adequadas
cheguem para cuidar dele?
— Qual a serventia disso? — perguntou ele. — Não seria melhor assistir a
senhorita?
— Vai servir — respondeu ela, com alguma severidade — à decência e à
humanidade; e certamente o senhor não poderá se recusar a verificar quem
está com ele, em que situação se encontra, e se conheceu, entre os estranhos
com quem foi deixado, a ternura e o cuidado que seus amigos deveriam ter-
lhe dispensado.
— A senhorita promete, então — perguntou ele —, não ir embora até eu
voltar? Eu não tenho grandes ambições de sacrificar os vivos pelos mortos.
— Não vou prometer nada, senhor — disse ela, perplexa com a
insensibilidade dele —, mas, se o senhor se recusar a cumprir esta última
tarefa tão nobre, devo procurar outra pessoa em outro lugar, e acredito
firmemente que não há outra pessoa a quem eu possa pedir que vacile por um
momento em obedecer.
Ela então voltou para Mrs. Harrel, mas deixou tal impressão na mente de
Sir Robert, que o fez não mais ousar contestar suas ordens.
Sua próxima preocupação era sobre como elas deveriam retornar à cidade:
elas não tinham carruagem própria e o único criado que as acompanhara
estava ocupado em realizar os últimos deveres para com o seu falecido
patrão. Sua primeira intenção foi chamar uma carruagem de aluguel, mas o
estado deplorável de Mrs. Harrel tornava quase impossível para ela cuidar da
amiga sozinha, e o adiantado da hora e a distância de casa lhe deixavam cheia
de pavor de seguir sem algum policial ou assistência. Mr. Marriot desejava
sinceramente ter a honra de levá-las a Portman Square em sua própria
carruagem, e apesar de haver muitas objeções a tal proposta, a benevolência
do seu comportamento na ocasião presente e a evidente veneração que
acompanhava sua paixão, unidas à sua crescente aversão ao baronete, de
quem não poderia suportar receber a menor obrigação, fez com que decidisse,
depois de muita perplexidade e hesitação, aceitar a oferta.
Ela suplicou, portanto, que ordenasse sua carruagem imediatamente, e ele,
feliz em obedecê-la, saiu com este desígnio, mas voltou instantaneamente e
lhe disse em voz baixa que eles deveriam esperar mais algum tempo, pois o
pessoal da funerária estava entrando no jardim, e, se eles não ficassem até
que a remoção tivesse ocorrido, Mrs. Harrel poderia ficar consternada com a
visão de alguns dos homens, ou talvez até encontrar o cadáver.
Cecilia agradeceu pela precaução atenciosa e concordou prontamente em
adiar a partida, dedicando toda a sua atenção, nesse meio tempo, à Mrs.
Harrel, cuja tristeza, embora violenta, não proibia o consolo. Porém, antes
que o jardim fosse liberado e a carruagem ordenada, Sir Robert retornou e
disse a Cecilia, com um ar de obediência ostensiva que parecia reclamar
alguns aplausos: — Miss Beverley, suas ordens foram executadas.
Cecilia não respondeu e ele logo acrescentou: — Sempre às suas ordens,
vou chamar minha carruagem.
— Minha carruagem, senhor — disse Mr. Marriot —, será chamada assim
que as damas estiverem prontas, e espero ter a honra de conduzi-las até a
cidade.
— Não, senhor — disse o baronete —, isso não vai acontecer. Minha
longa relação com Mrs. Harrel me dá o direito prioritário para atendê-la, e eu
não posso de forma alguma permitir que outra pessoa me prive desse direito.
— Não tenho nada a dizer sobre isso, senhor — disse Mr. Marriot —, mas
a própria Miss Beverley me deu a honra de consentir em usar minha
carruagem.
— Eu acredito que Miss Beverley — disse Sir Robert, extremamente
irritado — nunca teria me colocado fora do caminho a fim de executar suas
próprias ordens apenas para me privar do prazer de acompanhá-la e também a
Mrs. Harrel até sua casa.
Cecilia, um tanto alarmada, procurou diminuir o favoritismo da sua
decisão, embora tivesse concordado sem vacilar.
— Minha intenção — disse ela — não era atribuir, mas receber uma
obrigação, e eu tinha esperanças de que, enquanto Mr. Marriot nos ajudava,
Sir Robert estaria muito mais generosamente empregado assumindo o
comando do que não podemos supervisionar, e, ainda assim, estamos
infinitamente mais angustiadas para que não seja negligenciado.
— Isso — disse Sir Robert — já está feito, e espero, portanto, depois de
me enviar para tal missão, que a senhoria não tenha a intenção de me negar o
prazer de acompanhá-la até a cidade.
— Sir Robert — disse Cecilia, muito aborrecida —, não posso discutir
com o senhor agora. Já estabeleci meu plano e não tenho tempo para
reconsiderá-lo.
Sir Robert mordeu os lábios por um momento em um silêncio raivoso,
mas, não suportando perder a vitória para um jovem rival a quem desprezava,
ele disse: — Se eu não devo falar mais sobre isso com a senhorita, madame,
devo pelo menos pedir permissão para falar com este cavalheiro, e tomar a
liberdade de apresentar para ele...
Cecilia, temendo a resposta ao seu discurso, o impediu de terminá-la, e,
com um ar da mais espirituosa dignidade, perguntou: — É possível, senhor,
que, em um momento como este, não seja totalmente indiferente a um
assunto tão frívolo? Na verdade, pouco será o prazer que nossa companhia
pode oferecer. Sua disputa, no entanto, lhe atribuiu uma certa importância, e,
portanto, Mr. Marriot deve aceitar meus agradecimentos por sua gentileza e
desculpar-me por retirar meu consentimento.
No entanto, ainda jorravam súplicas e protestos de ambos, e o perigo, a
impossibilidade de que duas senhoras pudessem ir para a cidade sozinhas em
uma carruagem de aluguel, e sem mesmo um criado, por volta das quatro
horas da manhã, eles solicitaram mutuamente, suplicando veementemente
que ela não corresse tal risco.
Cecilia não era insensível aos protestos. Na verdade, o perigo parecia tão
formidável que durante todo o tempo sua inclinação se opôs à recusa, mas
sua repugnância em ceder ao arrogante baronete, e o temor de seu
ressentimento, caso desse ouvidos a Mr. Marriot, obrigaram-na a manter-se
firme, pois ela percebeu que sua preferência seria motivo para uma briga.
Portanto, sem prestar atenção à perseguição conjunta, ela novamente
deliberou sobre por qual método poderia chegar em casa em segurança, mas,
incapaz de conceber qualquer coisa, finalmente resolveu perguntar às pessoas
no bar, que haviam sido extremamente generosas e educadas, se poderiam
ajudá-la ou aconselhá-la. Assim, ela pediu aos cavalheiros que cuidassem de
Mrs. Harrel, do que nenhum ousou discordar, já que não poderiam recusar,
levantou-se apressadamente e saiu da sala, mas grande foi a sua surpresa
quando, ao se aproximar do bar, foi abordada pelo jovem Delvile!
Ele aproximou-se dela com aquele ar de gravidade e distância que
recentemente assumira na sua presença, e começou a falar sobre sua mãe,
mas, no momento em que o som da sua voz chegou a Cecilia, ela alegremente
juntou as mãos e exclamou com entusiasmo: — Mr. Delvile! Agora estamos
a salvo! Isso é realmente uma sorte!
— A salvo, madame? — perguntou ele, espantado. — Sim, espero que
sim! Alguma coisa pôs em perigo a sua segurança?
— Oh, não importa o perigo — disse ela —, agora vamos nos colocar nas
suas mãos e estou certa de que nos protegerá.
— Protegê-las — repetiu ele, com cordialidade —, sim, enquanto eu viver!
Mas, qual é o problema? Por que está tão pálida? Está doente? Está com
medo? Qual é o problema?
Ele perdeu toda a frieza e a reserva, e com a maior seriedade implorou que
ela se explicasse.
— O senhor não sabe — perguntou ela — o que aconteceu? É possível que
esteja aqui e não tenha ouvido?
— Ouvi o quê? — perguntou ele. — Eu acabei de chegar; minha mãe
ficou inquieta porque a senhorita não apareceu, mandou alguém à sua casa e
foi informada de que ainda não havia retornado de Vauxhall. Algumas outras
circunstâncias também a deixaram alarmada, e, portanto, já que era tão tarde,
eu mesmo vim aqui. Eu a vi no mesmo instante em que entrei neste lugar.
Esta é toda a minha história, agora diga qual é a sua. Onde estão seus
acompanhantes? Onde estão Mr. e Mrs. Harrel? Por que está sozinha?
— Oh, não pergunte! — exclamou ela. — Não posso lhe dizer! Leve-nos
sob os seus cuidados e em breve saberá de tudo.
Ela então afastou-se dele e, voltando para Mrs. Harrel, disse que agora
tinha um meio de transporte seguro e adequado e implorou que ela se
levantasse para ir embora.
Os cavalheiros, no entanto, levantaram-se primeiro, cada um deles
declarando que ele mesmo iria acompanhá-las.
— Não — disse Cecilia, com firmeza —, este problema tornou-se
supérfluo. A própria Mrs. Delvile mandou alguém me buscar, e seu filho está
esperando até que nos juntemos a ele.
Espanto e decepção eram visíveis nos rostos de ambos. Cecilia não
esperou uma única pergunta, mas ao descobrir que não conseguia amparar
Mrs. Harrel, que preferia ser carregada do que conduzida, ela a confiou a eles
e correu para perguntar a Delvile se sua carruagem estava pronta.
Ela o encontrou com uma expressão de horror que revelava a história que
ouvira de um dos garçons; no momento em que ela apareceu, ele correu em
sua direção e, com a maior emoção, exclamou: — Amável Miss Beverley!
Que cena terrível a senhorita testemunhou! Que tarefa cruel executou tão
nobremente! Que coragem e com tanta doçura! Tanta presença de espírito e
com tanto sentimento! Mas a senhorita é toda excelência! A natureza humana
não pode ser mais elevada! Eu realmente acredito que a senhorita é o ser mais
perfeito!
Elogios como estes, tão inesperados e proferidos com tanta energia,
Cecilia ouviu com muito prazer, mesmo em um momento em que toda a sua
mente estava ocupada com assuntos estranhos aos seus interesses peculiares.
Entretanto, ela fez sua indagação sobre a carruagem, e ele lhe disse que viera
um uma carruagem de aluguel, que o esperava na porta.
Mrs. Harrel foi trazida e pouca foi a recompensa que seus assistentes
receberam pela ajuda, quando viram Cecilia tão satisfeita ao lado do jovem
Delvile, cujos olhos estavam cravados em seu rosto, com uma expressão da
mais viva admiração. Entretanto, eles abandonaram um ao outro e
apressaram-se a acudir a bela enlutada. Não havia tempo a perder; Mrs.
Harrel foi colocada na carruagem, Cecilia a seguiu, e Delvile, saltando atrás
delas, ordenou que o homem se dirigisse a Portman Square.
Sir Robert e Mr. Marriot, confusos, embora enfurecidos, assistiram sua
partida em silêncio passivo; o direito de acompanhá-las, que tão tenazmente
haviam negado um ao outro, aqui fora admitido sem disputa. Nesta ocasião,
Delvile apareceu como um representante de seu pai, e sua autoridade parecia
a autoridade de um guardião. Seu único consolo era que nenhum havia se
rendido ao outro, e todo o espírito de luta ou vingança estava afundado em
sua mútua mortificação. A pedido dos garçons, em rivalidade ressentida, mas
orgulhosa, eles pagaram as despesas da noite e, em seguida, atiraram-se em
suas carruagens e voltaram para suas respectivas casas.
CAPÍTULO 51

UMA SOLUÇÃO

Durante o percurso até a cidade, não apenas Cecilia mas o próprio Delvile
dedicaram-se inteiramente à Mrs. Harrel, cuja dor, à medida que se tornava
menos violenta, era mais fácil de ser acalmada. No entanto, a angústia desta
noite agitada ainda não havia terminado; quando chegaram a Portman Square,
Delvile entusiasticamente pediu ao cocheiro para que não se dirigisse até a
casa e suplicou a Cecilia e à Mrs. Harrel que permanecessem na carruagem
enquanto ele mesmo saía para fazer algumas averiguações. Elas ficaram
surpresas com o pedido, mas consentiram imediatamente. Porém, antes que
ele as deixasse, Davison, que observava seu retorno, aproximou-se deles com
a informação de que naquele momento havia uma execução na casa.
Um novo infortúnio surgia diante de Mrs. Harrel, e um novo pânico e
assombro diante de Cecilia; ela já não tinha mais todo o peso do raciocínio ou
da conduta sobre si mesma. Delvile demonstrou o mais entusiasmado
interesse pelo seu bem-estar, suplicou-lhe que esperasse um momento e
apaziguasse sua amiga e entrou ele mesmo na casa para inteirar-se do
assunto. Ele retornou em poucos minutos e não parecia ter pressa para
comunicar o que tinha ouvido, mas suplicou a ambas que fossem
imediatamente para St. James’s Square.
Cecilia sentia muito medo de ofender o pai dele com a introdução de Mrs.
Harrel. No entanto, ela não tinha nada melhor a propor e, portanto, após uma
rápida e angustiada discussão, concordou.
Delvile então lhe disse que as circunstâncias que haviam alarmado sua
mãe, as quais ele havia insinuado, procediam de um rumor deste mesmo
infortúnio, ao qual, embora não soubessem se podiam dar crédito, fora devido
à ansiedade do tardar da hora que havia decidido procurá-la em Vauxhall.
Eles foram recebidos sem qualquer agitação, pois o criado do jovem Delvile
havia recebido ordens para ficar acordado até seu mestre retornar. Cecilia não
aprovava a ideia de mudar-se no meio da noite, embora Delvile, solícito em
tranquilizá-la, desejasse que ela não desperdiçasse seus pensamentos sobre o
assunto, e, fazendo com que seu criado lhe mostrasse o quarto que havia sido
preparado para sua recepção, ele lhe implorou que se acalmasse e confortasse
sua amiga, e lhe prometeu que iria informar seu pai e sua mãe sobre o que
havia acontecido quando eles se levantassem, para que ela pudesse ser
poupada de toda a dor da surpresa ou da curiosidade quando os encontrasse.
Ela aceitou o favor com gratidão, pois temia, após a liberdade que havia
tomado, encontrar o orgulho de Mr. Delvile sem algum pedido de desculpas
prévio, e temia ainda mais ver sua senhora sem o mesmo preparo, uma vez
que sua frequente quebra de compromisso poderia tê-la ofendido, e seu
desagrado a afetaria mais profundamente.
Já eram quase seis horas, mas as horas pareciam tão longas quanto
melancólicas até que a família se levantou. Elas se acomodaram em silêncio
até que alguma mensagem fosse enviada, mas, antes que qualquer mensagem
chegasse, Mrs. Harrel, que estava sentada na cama, exausta pelo cansaço e
pela tristeza, chorou como uma criança até conseguir dormir. Cecilia alegrou-
se ao notar tal alívio da aflição, embora suas sensações mais agudas a
impedissem de participar; na verdade, era a inquietação que a mantinha
acordada. Os cuidados com Mrs. Harrel pareciam voltar sobre si mesma: a
recepção que poderia receber dos Delviles era incerta, e as horríveis
aventuras da noite se recusaram por um momento a abandonar sua memória.
Às dez horas, uma mensagem foi trazida por parte de Mrs. Delvile, para
saber se elas estavam prontas para o café da manhã. Mrs. Harrel ainda
dormia, mas Cecilia levou sua própria resposta descendo apressadamente as
escadas.
Em seu caminho, ela foi recebida pelo jovem Delvile, cuja expressão ao se
aproximar declarava que ele pretendia dirigir-se a ela com a mais distante
gravidade, mas, no momento em que a viu, ele se esqueceu de seu propósito.
Sua palidez, o peso nos seus olhos e o cansaço de uma longa vigília traída por
todo o seu rosto mais uma vez o surpreenderam com toda a ternura da
ansiedade, e ele perguntou por sua saúde não como um elogio de cortesia,
mas como uma pergunta sobre a qual seu coração estava profundamente
interessado.
Cecilia agradeceu a atenção que ele dispensou à sua amiga na noite
anterior e dirigiu-se à sua mãe.
Mrs. Delvile, enquanto caminhava em sua direção, eliminou de imediato
todos os seus temores de desagrado e aboliu toda a necessidade de desculpas,
abraçando-a instantaneamente e exclamando calorosamente: — Adorável
Miss Beverley. Como posso lhe descrever metade da admiração que senti ao
ouvir falar de sua conduta. O exercício de tanta autoridade em uma
conjuntura na qual uma mente mais fraca teria sido dominada pelo terror, e
onde um coração menos dominado por princípios bem regulados teria
buscado apenas seu próprio alívio, fugindo da angústia e da confusão, mostra
tal domínio da mente que apenas pode resultar da união entre o bom senso e a
virtude. A senhorita realmente é uma criatura muito nobre! Esta foi a minha
opinião na primeira vez em que a vi, e espero manter a mesma opinião até o
fim da minha vida.
Cecilia, invadida pela alegria e gratidão, sentiu naquele instante a mais
ampla recompensa por tudo o que havia sofrido e por tudo o que havia
perdido. Aquele elogio vindo de Mrs. Delvile foi o suficiente para deixá-la
feliz, mas, quando ela considerou de onde procedia, e que as circunstâncias
pelas quais ela estava tão impressionada deveriam ter sido relatadas por seu
filho, seu deleite foi aumentado e converteu-se na emoção mais agradável que
ela poderia experimentar, ao constatar o apreço que advinha daqueles que
eram mais apreciados por ela.
Mrs. Delvile, então, com a maior cordialidade, começou a falar sobre seus
assuntos, poupando-lhe a dor de propor a mudança de habitação que agora
parecia inevitável, mediante um convite imediato para sua casa, o que ela fez
com tanta delicadeza como se a casa de Mr. Harrel ainda estivesse disponível,
e a escolha, não a necessidade, houvesse dirigido sua remoção. Toda a
família, disse ela, estaria fora dali a dois dias, e ela esperava que um novo
cenário, com tranquilidade e horários regulares, pudesse restaurar tanto o
desabrochar quanto a vivacidade que seus cuidados e inquietações recentes
haviam ferido. E embora lamentasse muito seriamente a ação precipitada de
Mr. Harrel, ela muito se alegrava com a aquisição que sua própria casa e
felicidade receberiam com a sua companhia.
Em seguida, ela discutiu a situação de sua amiga viúva, e Cecilia
apresentou o envelope que havia sido confiado a ela por seu falecido marido.
Mrs. Delvile aconselhou-a a abri-lo na presença de Mr. Arnott e lhe pediu
que chamasse qualquer outro de seus amigos que ela desejasse ver ou
consultar, e que reclamasse livremente para si mesma qualquer conselho ou
ajuda que pudesse lhe ser concedido.
E então, sem esperar por Mr. Delvile, ela se permitiu engolir um desjejum
apressado e voltar para Mrs. Harrel, a quem havia solicitado aos criados que
atendessem, pois concluiu que, em sua situação atual, não teria a intenção de
sair do quarto.
Cecilia, agora aliviada de todas as suas preocupações, mais satisfeita do
que nunca com Mrs. Delvile e encantada por finalmente ter se acomodado
sob seu teto, voltou com tanta habilidade quanto disposição para confortar
Mrs. Harrel. Ela a encontrou recém-desperta, mal consciente de onde estava,
ou por que não estava na sua própria casa.
Quando ela recuperou sua capacidade para recordar o acontecido, Cecilia a
tranquilizou com a mais suave compaixão, seguiu o conselho de Mrs. Delvile
e enviou seu criado em busca de Mr. Arnott e, em consequência da sua
permissão, escreveu uma nota de convite a Mr. Monckton.
Mr. Arnott, que já estava na cidade, chegou rapidamente. Seu próprio
criado, a quem havia deixado para vigiar os movimentos de Mr. Harrel, tinha
cavalgado de manhã cedo até o local de seu retiro com as notícias
melancólicas do suicídio e da execução.
Cecilia foi imediatamente até ele. O encontro foi extremamente doloroso
para os dois. Mr. Arnott culpou-se severamente pela sua fuga, acreditando
que havia acelerado o golpe fatal que alguns outros sacrifícios talvez
pudessem ter evitado, e Cecilia arrependeu-se do conselho que lhe havia
dado, embora o fracasso de seus próprios esforços provasse que a situação de
Mr. Harrel era desesperada demais para ser remediada. Ele então fez as mais
ternas indagações sobre sua irmã e suplicou que ela lhe colocasse a par dos
minuciosos detalhes da terrível transação. Depois disso, ela lhe mostrou o
envelope, mas nenhum dos dois teve coragem de romper o lacre. Eles
concluíram que o conteúdo seria nada menos do que a sua última vontade e
decidiram que uma terceira pessoa deveria estar presente quando o abrissem.
Cecilia esperava que pudesse ser Mr. Monckton, mas como a possibilidade de
ser encontrado imediatamente era incerta e o envelope poderia conter ordens
que não deveriam ser atrasadas, ela propôs, por uma questão de urgência,
chamar Mr. Delvile.
Mr. Arnott concordou prontamente e ela solicitou uma breve audiência
com aquele cavalheiro.
Ela foi chamada à sala de café da manhã, onde ele estava sentado com sua
esposa e com o seu filho.
A sua recepção não foi a mesma de quando estivera naquela sala
anteriormente; Mr. Delvile parecia aborrecido e de mau humor. Ele lhe fez
uma reverência rígida, enquanto o filho lhe trazia uma cadeira, e disse
friamente: — Se tiver pressa, Miss Beverley, irei atendê-la imediatamente; se
não, terminarei meu desjejum, pois terei pouco tempo no resto da manhã,
ocupado com uma multidão de pessoas e seus negócios que se amontoarão
sobre mim até a hora do jantar, a maioria das quais ficará extremamente
angustiada se eu deixar a cidade sem vê-las.
— Não há motivo, senhor — respondeu Cecilia —, para que precise deixar
a sala. Eu simplesmente vim lhe pedir que tivesse a bondade de estar presente
enquanto Mr. Arnott abre um pequeno envelope que, na noite passada, foi
colocado em minhas mãos por Mr. Harrel.
— E Mr. Arnott — respondeu ele, com certa severidade — achou
apropriado enviar-me tal solicitação?
— Não, senhor — disse Cecilia —, o pedido partiu de mim; e se, como
agora temo, for impertinente da minha parte, devo implorar que o esqueça.
— No que diz respeito apenas à senhorita — respondeu Mr. Delvile —, é
outra questão; mas certamente Mr. Arnott não pode reivindicar meu tempo ou
atenção, e acho bastante extraordinário que um jovem com quem não tenho
qualquer tipo de ligação ou comércio, e cujo próprio nome é quase
desconhecido para mim, suponha que uma pessoa com o meu estilo de vida
esteja tão pouco ocupada a ponto de estar completamente à sua disposição.
— Ele não tem essa suposição, senhor — disse Cecilia, muito
desconcertada. — A honra da sua presença foi meramente solicitada por mim
mesma, e simplesmente pela apreensão de que algumas instruções que
possam estar contidas nos papéis talvez devam ser executadas imediatamente.
— Não estou, repito — disse Mr. Delvile, mais suavemente —, insatisfeito
com a sua parte nesta transação; sua falta de experiência e conhecimento do
mundo a torna totalmente inconsciente das consequências que podem seguir
minha anuência. Os documentos de que a senhorita fala podem ser de grande
importância, e, a partir de então, poderá ser convocado publicamente o
primeiro testemunho da sua leitura. A senhorita não sabe os problemas que
este assunto pode causar, mas Mr. Arnott deveria estar mais bem informado.
Cecilia desculpou-se novamente pelo erro que havia cometido, ficou
bastante confusa e já estava deixando a sala, quando Mr. Delvile,
perfeitamente apaziguado ao notar sua angústia, interrompeu-a para dizer,
com muita gentileza: — Por sua causa, Miss Beverley, lamento não poder
atuar neste assunto, mas a senhorita vê a minha situação, sobrepujado por
meus próprios assuntos e indivíduos que nada podem fazer sem minhas
ordens. Além disso, se daqui em diante houver alguma investigação sobre o
assunto, meu nome poderia, talvez, ser mencionado, e seria supérfluo dizer o
quão mal eu deveria pensar que foi usado por ter sido levado a tal companhia.
Cecilia então deixou a sala fazendo uma promessa secreta de que nenhuma
exigência possível deveria tentá-la no futuro a solicitar ajuda a Mr. Delvile, a
qual, por mais ostensivamente oferecida, era constantemente negada quando
reclamada.
Ela estava começando a comunicar a Mr. Arnott o seu fracasso, quando o
jovem Delvile, com um ar de ansiedade, entrou na sala atrás dela. — Perdoe-
me — disse ele — por esta intrusão. Mas, diga-me, é impossível que neste
caso eu possa representar meu pai? Não pode o ofício que pretendia para ele
retornar sobre mim? Lembre-se do quanto somos próximos e honre-me pela
primeira vez ao supor que somos a mesma pessoa.
“Ah”, pensou Cecilia, “como podem ser tão diferentes?” Ela agradeceu a
oferta com muita doçura, mas recusou-se a aceitá-la, dizendo: — Não vou ser
tão egoísta, agora que conheço os inconvenientes do meu pedido, a ponto de
consentir que me seja concedido.
— A senhorita não pode me negar isso! — exclamou ele. — Onde está o
envelope? Por que está perdendo tempo?
— Em vez disso — respondeu ela —, pergunte por que devo permitir que
o senhor perca seu tempo com um assunto que não lhe diz respeito? E até
arriscar, talvez, a perda de muitos momentos futuros como consequência de
uma cortesia muito imprudente.
— E o que eu posso arriscar — perguntou ele — que seja tão precioso
quanto a sua menor satisfação? A senhorita acha que posso me lisonjear com
a possibilidade de contribuir para isso e, ainda assim, tomar a decisão de me
recusar a tanto prazer? Não, não, os tempos heroicos acabaram e a abnegação
não está mais na moda!
— O senhor é muito bom — disse Cecilia. — Mas, de fato, depois do que
aconteceu...
— Não importa o que tenha acontecido — interrompeu ele —, agora
devemos pensar no que está por vir. Eu a conheço muito bem para duvidar de
sua impaciência na execução de uma comissão que as circunstâncias
tornaram sagrada, e se alguma coisa for feita ou omitida de forma contrária às
instruções em seu envelope, a senhorita não estaria apta, inocente como é, de
se perturbar com mil temores de que não tenha adotado todos os métodos
adequados para cumprir com sua responsabilidade?
Havia algo naquela seriedade que se parecia tanto com seu comportamento
anterior, e tão distante da sua reserva recente, que Cecilia, que percebia isso
com um prazer que mal conseguia dissimular, não se opôs mais a ele, mas
pegou o envelope e rompeu o lacre.
E então, para sua grande surpresa, no lugar do testamento esperado, ela
encontrou um maço de contas muito altas e uma coleção de cartas de vários
credores, ameaçando a maior severidade da lei se suas exigências
continuassem sem resposta.
Em uma tira de papel que as mantinha unidas, estava escrito, na caligrafia
de Mr. Harrel: Serão pagas esta noite com uma BALA.
Em seguida, ela encontrou duas cartas de outro tipo. A primeira era de Sir
Robert Floyer, e continha as seguintes palavras:

“Senhor, como todas as perspectivas da nossa aliança já terminaram,


espero que me desculpe por lembrá-lo do caso do Booke’s no Natal passado.
Tenho a honra de ser, senhor, seu R. FLOYER”.

A outra era de Mr. Marriot:

“Senhor, embora eu deva pensar que duas mil libras sejam nada diante de
uma mínima esperança, devo tomar a liberdade de dizer que acho muito por
apenas dez minutos. O senhor não pode ter se esquecido dos termos do nosso
acordo, mas como descobri que não poderá cumpri-los, devo implorar que o
desfaça, e estou convencido de que é um homem de muita honra para se
aproveitar do meu excesso de entusiasmo em abrir mão de meu dinheiro sem
maiores seguranças. Eu sou, senhor, seu mais humilde servo, A. Marriot”.

Que cenário de fraude, traição e iniquidade havia sido exposto! Cecilia,


que a princípio pretendia ler tudo em voz alta, achou a tentativa totalmente
infrutífera, pois estava tão consternada que mal conseguia ler para si mesma.
Por último, surgiu um papel escrito à mão pelo próprio Mr. Harrel,
contendo as seguintes palavras:
“Para Mrs. Harrel, Miss Beverley e Mr. Arnott.
Não posso mais lutar, o último golpe deve ser transferido agora. Um novo
dia me rouba a minha casa e a minha liberdade, e me arruína com a
descoberta fatal de minhas tentativas de dissimulação. Isto é o que tenho
desejado: ser totalmente libertado ou arruinado, depois de todos os recursos,
e conduzido ao remédio há muito projetado. A minha existência tem sido um
fardo durante estes dois últimos anos, por mais alegre que pareça estar; nem
uma noite fui para a cama, mas acalorado e inflamado por causa de uma
mesa de jogo, não acordei nem uma manhã sem ser amargurado por uma
dívida. Não iria querer levar uma vida assim, se o escravo que mais trabalha
o seu remo trocasse de lugar comigo. Se eu tivesse um filho, eu lhe deixaria
um arado. Eu o teria deixado mais feliz do que meus pais me deixaram. A
ociosidade foi a minha destruição; a falta de algo para fazer me levou a todo
o mal. Uma boa esposa, talvez, pudesse ter me salvado; a minha, eu
agradeço a ela, nem tentou. Desapegada de mim e de meus negócios, seus
próprios prazeres e diversões a ocuparam exclusivamente. Terrível será a
catástrofe que ela verá esta noite; que a leve para casa e a faça viver
melhor! Se alguma compaixão for sentida por mim, virá de onde eu menos
mereci! Mr. Arnott, Miss Beverley, virá de vocês. Para chegar a esta
resolução final, difícil, confesso, muitos têm sido meus conflitos. Não é que
eu tema a morte, não, há muito tempo a desejo, pois a vergonha e o pavor
amarguraram meus dias; mas há algo dentro de mim que me causa um
horror mais profundo, que pede minha preparação para outro mundo, que
exige minha autoridade para deixar este! O que acontecerá depois? Oh, que
terrível! Rezem por mim, generosa Miss Beverley, amável e gentil Mr. Arnott,
rezem por mim”.

O fato de Mr. Harrel parecer tão infeliz, sem religião, princípio ou honra, e
aquela carta incoerente, evidentemente escrita no momento desesperado da
decisão do suicídio, afetaram muito tanto Cecilia quanto Mr. Arnott e, apesar
da aversão ou ressentimento, eles derramaram lágrimas juntos. Delvile, para
quem todas as partes do caso eram novas, só podia considerar os papeis como
mostras da sua culpa e infâmia; ele os leu, portanto, com espanto e
aborrecimento, e parabenizou Cecilia abertamente por ter escapado das
duplas armadilhas que estavam preparadas para ela.
Nesse meio tempo, Mr. Monckton chegou e ficou muito insatisfeito ao ver
a dona do seu coração em conversa confidencial com dois dos seus rivais, um
dos quais há muito havia investido sobre ela com a lisonja perigosa da
perseverança, e o outro, que sem nenhum investimento tinha uma influência
ainda mais poderosa.
Delvile, tendo desempenhado o papel para o qual havia se prestado,
concluiu, com a chegada de Mr. Monckton, que Cecilia não precisaria mais
dele, pois sua longa amizade com aquele cavalheiro e o fato de ser um
homem casado e seu vizinho no interior eram circunstâncias bem conhecidas
por ele. Assim, ele apenas perguntou se ela o honraria com alguma ordem, e
quando ela lhe garantiu que não tinha nenhuma, ele silenciosamente se
retirou.
Isto foi um grande alívio para Mr. Monckton, em cujas mãos Cecilia
depositou o envelope fatal. Enquanto ele lia o seu conteúdo, a pedido de Mr.
Arnott, ela subiu as escadas a fim de preparar Mrs. Harrel para recebê-lo.
Mrs. Harrel, pouco acostumada à solidão e tão ansiosa por companhia,
consentiu em recebê-lo com prazer. Os dois choraram ao se encontrarem, e
Cecilia, depois de algumas palavras de consolo, os deixou juntos. Ela teve
então uma conversa muito longa e circunstancial com Mr. Monckton, que lhe
explicou o que parecia obscuro nos escritos deixados por Mr. Harrel.
Mr. Harrel havia contraído com Sir Robert Floyer uma grande dívida de
honra antes da chegada de Cecilia, e, não tendo poder para quitá-la, prometeu
que o prêmio que esperava de sua pupila seria dele, sob a condição de que a
dívida fosse cancelada. Nada seria mais fácil do que arranjar este negócio,
pois o baronete estava sempre em seu caminho e o informe da aliança
prevista serviria para afastar todos os outros pretendentes. Porém, muitas
vezes sua frieza o fizera pensar que o negócio seria impossível, e quando
recebeu sua carta, desistiu de toda a transação; mas Mr. Harrel, consciente da
sua incapacidade de satisfazer as reivindicações que se seguiriam a tal
deserção, constantemente o convencia de que a reserva fora afetada e que seu
próprio orgulho e falta de dedicação ocasionavam o desânimo dela.
Porém, deste modo, ao entreter o baronete com falsas esperanças e evitar
suas exigências, as demandas dos demais não eram menos clamorosas. Suas
dívidas aumentavam e seu poder para pagá-las diminuía. Ele ficou amargo e
desesperado, e em uma só noite perdeu três mil libras além do que poderia
conseguir, ou oferecer como garantia. Isto, como ele mesmo disse, era o que
desejava, e agora deveria se libertar dobrando as apostas e vencendo, ou
forçar o seu suicídio duplicando sua perda. Pois, embora com uma facilidade
tolerável pudesse esquecer os incontáveis débitos com seus negociantes, uma
dívida de honra negligenciada tornava sua existência insuportável! Para este
último grande esforço, sua dificuldade era levantar as três mil libras devidas,
sem as quais a proposta não poderia ser feita, e, depois de vários artifícios e
tentativas, ele finalmente planejou um encontro com Mr. Marriot, convenceu-
o a lhe emprestar duas mil libras por apenas dois dias e ofereceu seus mais
calorosos serviços em seu favor junto a Cecilia. O jovem impetuoso e
apaixonado, enganado por seus relatos a ponto de acreditar que sua pupila
estava inteiramente à sua disposição, prontamente lhe adiantou o dinheiro,
sem qualquer outra condição a não ser a de obter sua licença para visitar sua
casa livremente, e a exclusão de Sir Robert Floyer. — As outras mil libras —
continuou Mr. Monckton —, não sei como as conseguiu, mas ele certamente
tinha três. A senhorita, eu espero, não estava tão desprotegida...
— Ah, Mr. Monckton — disse Cecilia —, não me censure com muita
severidade! As crises, a necessidade, de outra forma, de trair o digno e meio
arruinado Mr. Arnott...
— Oh, que vergonha — exclamou ele — permitir que sua compreensão
fosse adormecida, porque a mente débil de Mr. Arnott não conseguiu se
manter desperta! Eu achava que, depois de tantas advertências minhas e de
sua própria experiência, a senhorita não poderia ser enganada novamente.
— Eu também achava — respondeu ela —, mas mesmo assim, quando a
provação começou, o senhor não faz ideia de como fui perseguida.
— No entanto, agora a senhorita vê — respondeu ele — a absoluta
inutilidade da sua tentativa. A senhorita vê, e eu a avisei de antemão, que
nada poderia salvá-lo.
— É verdade, mas, se eu tivesse sido mais firme na recusa, não teria como
ter certeza. Eu poderia então ter me censurado por supor que a minha
obediência o teria resgatado.
— A senhorita realmente — disse Mr. Monckton — caiu nas mãos mais
inúteis, e o reitor fez uma péssima escolha ao nomear tão levianamente um
guardião de uma fortuna como a sua.
— Perdoe-me — disse Cecilia —, mas ele nunca lhe confiou minha
fortuna, ele a entregou inteiramente a Mr. Briggs.
— Mas, se ele não conhecia os vários subterfúgios com os quais seria
possível frustrar tal precaução, deveria ter ouvido o conselho daqueles que
estavam mais bem informados. Mr. Briggs também! Um canalha!
Mesquinho, baixo, vulgar e sórdido! Creio que toda a cidade de Londres não
poderia produzir outro igual! Que irresponsabilidade a colocar sob a tutela de
um homem cuja casa a senhorita não poderia entrar sem sentir desgosto.
— Na sua casa — disse Cecilia — meu tio nunca quis que eu entrasse. Ele
acreditava, e estava certo, que minha fortuna estaria a salvo em suas mãos,
mas, quanto a mim, ele concluiu que sempre deveria residir na casa de Mr.
Harrel.
— Mas, não há mais famílias na cidade nesta época — disse Mr.
Monckton — com as quais, enquanto sua fortuna estava em segurança, a
senhorita poderia ter vivido com mais decoro? Nada requer circunspecção
mais minuciosa na escolha de um guardião para uma moça de grande fortuna,
e em geral apenas uma coisa é levada em conta: a aparência de decoro. A
moral, a integridade, o caráter, se não são pensados ou se são investigados
com tanta superficialidade, a investigação como um todo é omitida — ele
continuou seu relato: — Mr. Harrel correu com suas três mil libras para a
mesa de jogo; um lance de dados resolveu o assunto, ele perdeu e deve ter
dobrado a soma imediatamente. Isto, no entanto, não estava mais em seu
poder, ele sabia bem. Ele sabia também das exigências conjuntas dos
admiradores de Cecilia que haviam sido enganados, e que sua casa estava
novamente ameaçada com execuções de vários setores. Ele foi para casa,
carregou a pistola e tomou as atitudes já relacionadas para ganhar coragem
para o feito.
Os meios pelos quais Mr. Monckton havia obtido estes detalhes eram
muitos e variados, e nem todos poderiam ser confessados, já que, no curso de
suas investigações, ele havia manipulado criados e garçons, e não tivera
escrúpulos em nenhum método que o levasse à descoberta. E suas
investigações não pararam por aqui. Mr. Monckton costumava questionar a
paciência dos credores de Mr. Harrel, mas agora até isso havia sido
esclarecido por uma nova prova de infâmia. Ele mesmo estivera em Portman
Square, onde havia sido informado de que Mr. Harrel os mantivera calados,
com repetidas garantias de que sua pupila, em pouco tempo, pretendia lhe
emprestar dinheiro para pagá-los.
Cecilia via agora, muito claramente, o motivo pelo qual a sua permanência
em sua casa era tão importante para ele, e quanto mais pensava sobre o
assunto, mais o detestava.
— Oh, quão pouco se pode apreender com os alegres e esbanjadores em
pouco tempo! Extravagante, é verdade, imprudente e cheio de pompa ele me
pareceu de imediato; mas falso, vil, astuto, capaz de toda arte perniciosa de
traição e dissimulação, isso eu não esperava; sua própria leviandade e
frivolidade pareciam incompatíveis com tamanha hipocrisia.
— Sua leviandade — disse Mr. Monckton — não procedia da alegria do
seu coração. Tratava-se meramente do efeito do esforço, e seu ânimo era tão
mecânico quanto seu gosto por diversão. Ele não possuía resistência, nem
eram seus vícios o resultado de suas paixões; se a economia estivesse tão na
moda quanto a extravagância, ele estaria igualmente ávido por praticá-la. Ele
era um mero servidor do tempo. Lutava para ser alguma coisa e, não tendo
nenhum talento ou sentimento para saber o quê, olhava ao seu redor em busca
de qualquer resultado, e, ao perceber que a distinção era mais facilmente
alcançada no caminho para a ruína do que em qualquer outro, ele galopou em
sua direção, sem se importar se teria coragem quando chegasse ao fundo e
suficientemente satisfeito em mostrar sua habilidade durante o percurso.
E então, depois de tudo o que Mr. Monckton tinha para ouvir ou
comunicar sobre o assunto, ele perguntou, com uma forte expressão de
desaprovação, por que a encontrou na casa de Mr. Delvile, e o que havia
acontecido com sua resolução de evitar sua casa. Cecilia, que entre a pressa
dos seus pensamentos e de seus assuntos havia se esquecido completamente
que tal resolução havia sido tomada, enrubesceu com a pergunta e não pôde,
a princípio, lembrar do que a havia impelido a contrariá-la, mas, quando ele
começou a falar de Mr. Briggs, ela não se preocupou mais: ela fez um relato
circunstancial de sua visita, da miséria em que ele vivia e da
impraticabilidade de residir em sua casa. Mr. Monckton não poderia agora,
não de forma decente, oferecer mais oposição, por mais dolorosa e relutante
que fosse sua aquiescência. No entanto, antes de deixá-la, ele encontrou
consolo em agradá-la consideravelmente e amenizou seu desgosto com a
doçura dos seus agradecimentos.
Ele indagou qual a quantia total que ela havia tomado do judeu e, ao ouvir
o valor de nove mil e cinquenta libras, ele explicou para ela a perda adicional
que deveria sofrer ao pagar os juros exorbitantes por uma soma tão grande, e
a quase certeza de uma imposição muito grosseira. Ele discorreu, também,
sobre o dano que seu caráter poderia sofrer para os olhos do mundo, caso se
tornasse conhecido o fato de que usava tais métodos para conseguir dinheiro,
já que as circunstâncias que haviam sido seu incentivo provavelmente
passariam despercebidas ou seriam distorcidas; depois de ter despertado sua
inquietação e pesar sobre o assunto, ele se ofereceu para pagar ao judeu sem
demora, livrá-la totalmente do seu poder e receber o dinheiro tranquilamente
quando ela atingisse a maioridade. Uma proposta tão verdadeiramente
amistosa a fez contemplar a consideração de Mr. Monckton de um ponto de
vista mais elevado e nobre do que sua mais alta estima e reverência até aquele
momento. No entanto, a princípio ela negou-se a aceitar a oferta, por temer
que isso pudesse lhe causar algum inconveniente, mas, quando ele lhe
garantiu que tinha uma soma ainda maior, atualmente inútil, nas mãos de um
banqueiro, e prometeu cobrar os mesmos juros que receberia, ela o ouviu
com alegria, e ficou acertado que eles deveriam mandar chamar o judeu,
receber sua quitação e dispensá-lo completamente.
Mr. Monckton, entretanto, temendo parecer estar se intrometendo em seus
negócios, desejou não tornar pública sua parte na transação e aconselhou
Cecilia a não revelar o assunto aos Delviles. Porém, por maior que fosse sua
ascendência sobre a mente dela, sua aversão ao mistério e à hipocrisia eram
ainda maiores. Portanto, ela não poderia lhe fazer essa promessa, embora seu
próprio desejo de esperar algum momento oportuno para divulgá-la a fizesse
consentir que o encontro com o judeu fosse na casa de Mrs. Roberts, em
Fetter-Lane, às doze horas no dia seguinte, onde ela também poderia ver Mrs.
Hill e seus filhos antes de deixar a cidade.
Eles se separaram e Cecilia sentiu-se ainda mais encantada com o amigo,
cuja bondade, já que não suspeitava de seus motivos, parecia brotar da
generosidade mais desinteressada. Esta, no entanto, era a menor característica
do caráter de Mr. Monckton, um homem do mundo, astuto, penetrante, atento
aos seus interesses e a todas as vantagens para aperfeiçoá-los. Quanto ao
favor que agora prestava a Cecilia, ele estava satisfeito por lhe proporcionar
algum prazer, mas esta não era de forma alguma sua única gratificação. Ele
ainda esperava que a fortuna dela um dia fosse sua, estava contente por fazer
qualquer tipo de negócio com ela e feliz em fazer com que ela lhe devesse
alguma obrigação, mas seu principal incentivo era ainda mais forte: ele via
com muita inquietação a facilidade da sua generosidade, e temia que,
enquanto ela continuasse se correspondendo com o judeu, a facilidade com
que poderia levantar dinheiro fosse um motivo para continuar com a prática
sempre que fosse abrandada pela angústia ou subjugada por súplicas, mas
esperava que, ao concluir totalmente a negociação, a tentação fosse removida,
e que o perigo e a inconveniência de renová-la fortaleceriam sua aversão a tal
expediente, até que, entre as dificuldades e o desuso, não se pensasse mais no
recurso perigoso.
Cecilia então voltou para Mrs. Harrel, a quem encontrou da mesma
maneira que a tinha deixado: chorando nos braços do irmão. Eles discutiram
sobre o que seria melhor fazer e concordaram que ela deveria deixar a cidade;
para isso, uma carruagem foi chamada imediatamente. Eles também decidiam
que Mr. Arnott, depois de levá-la para sua casa de campo, que ficava em
Suffolk, deveria apressar sua volta para supervisionar o funeral e ver se algo
poderia ser salvo dos credores para sua irmã. Mesmo assim, até que Cecilia
fosse chamada para o almoço, eles não haviam decidido como colocar os
planos em prática. Eles foram então obrigados a partir, e sua despedida foi
muito melancólica. Mrs. Harrel chorou desmedidamente e Mr. Arnott sentiu
uma preocupação muito terna para confessar, embora fosse sincero demais
para ocultar.
Cecilia, embora satisfeita com a mudança na sua situação, ficou
extremamente deprimida com a tristeza deles e suplicou que lhe enviassem
relatos frequentes de seus procedimentos, repetindo calorosamente suas
ofertas de serviço e protestos de fiel consideração. Ela os acompanhou até a
carruagem e depois dirigiu-se à sala de almoço, onde encontrou Mr. e Mrs.
Delvile, mas não viu o filho durante o resto do dia.
Na manhã seguinte, depois do café da manhã, Mrs. Delvile saiu para fazer
algumas visitas de despedida e Cecilia tomou uma liteira até Fetter-Lane. Lá,
já esperando por ela, Cecilia encontrou o pontual Mr. Monckton e o
decepcionado judeu, o qual, de má vontade, foi pago e renunciou às suas
obrigações. Ele encontrou no severo e astuto Mr. Monckton outro tipo de
homem com quem lidar, diferente do necessitado e negligente Mr. Harrel.
Assim que ele foi dispensado, outras obrigações foram acordadas e assinadas
e as antigas destruídas. Cecilia, para sua infinita satisfação, não tinha outro
credor além de Mr. Monckton. Seu livreiro, na verdade, ainda não tinha sido
pago, mas sua dívida com ele era pública e não lhe causava nenhum mal-
estar. Então, com as mais calorosas expressões de gratidão, despediu-se de
Mr. Monckton, o qual encontrou a mais dolorosa dificuldade para reprimir as
diversas apreensões a que sua separação e seu estabelecimento com os
Delviles davam origem.
Ela inquiriu brevemente sobre os assuntos de Mrs. Hill e, depois de ouvir
um relato satisfatório sobre eles, voltou a St. James’s Square.
LIVRO VI
CAPÍTULO 52

UM DEBATE

Ainda era cedo e Mrs. Delvile não era esperada até mais tarde. Cecilia,
portanto, decidiu fazer uma visita a Miss Belfield, a quem havia
negligenciado desde os últimos distúrbios na residência de Mr. Harrel, e a
quem ela não suportaria afligir deixando a cidade sem vê-la, já que quaisquer
que fossem suas dúvidas quanto a Delvile, já não duvidava mais dela. Cecilia
chamou uma liteira para levá-la à Portland Street e deliberou no caminho se
seria melhor aderir à reserva que até então havia mantido ou se deveria
satisfazer sua perplexidade imediatamente por meio de uma investigação da
verdade. Ela ainda estava indecisa quando, olhando pelas janelas ao passar
por elas em direção à porta da casa, notou Miss Belfield parada na sala com
uma carta nas mãos, que pressionava com fervor contra os lábios. Muito
impressionada pela visão, milhares de conjecturas dolorosas lhe ocorreram,
todas indicando que a carta era de Delvile, e todas explicando, para sua
desonra, o mistério de sua conduta recente. Suas suspeitas estavam longe de
diminuir, quando, ao ser conduzida à sala, Miss Belfield, tremendo em seu
anseio por escondê-la, apressadamente enfiou a carta no bolso.
Cecilia, surpresa, consternada, alarmada, deteve-se involuntariamente na
porta, mas Miss Belfield, depois de proteger o que evidentemente era tão
precioso para ela, caminhou em sua direção, mas não sem corar, pegou a sua
mão e disse: — Quanta bondade sua, madame, ter vindo me visitar! Eu não
sabia onde encontrá-la e já temia não lhe ver mais.
Ela então lhe disse que a primeira notícia que havia escutado na manhã
anterior havia sido sobre a morte violenta de Mr. Harrel, que lhe havia sido
relatada com todas as circunstâncias pelo proprietário da sua hospedaria, já
que ele mesmo era um de seus principais credores, e que tinha ido
imediatamente a Portman Square para apresentar suas condolências, onde
havia sido informada que toda a família havia abandonado a casa, que estava
completamente ocupada por oficiais de justiça.
— Eu lamentei muito — continuou ela — que a senhorita se encontrasse
em dificuldades e não soubesse para onde ir e tivesse que buscar outra casa
para viver, quando estou certa de que o mendigo mais ordinário não aceitaria
nenhuma habitação, se a senhorita tivesse uma em seu poder para presenteá-
lo. Mas como a senhorita está triste e melancólica! Receio que esta atitude de
Mr. Harrel a tenha deixado bastante infeliz. Ah, madame! A senhorita é boa
demais para este mundo condenado! Sua própria compaixão e benevolência
não permitirão que descanse nele.
Cecilia, tocada pelo terno engano de sua inquietação momentânea,
abraçou-a e, com muita gentileza, respondeu: — Não, doce Henrietta! A
senhorita é que é muito boa, inocente e sincera! Espero que a senhorita seja
também feliz.
— E a senhorita não é, madame? — perguntou Henrietta, retribuindo
afetuosamente seu carinho. — Oh, se não for, quem merece ser? Acho que
prefiro ser infeliz a vê-la assim, pelo menos estou certa de que deveria,
porque o mundo todo pode ficar melhor com o seu bem-estar e, quanto a
mim, quem se importaria com o que acontece comigo?
— Ah, Henrietta — exclamou Cecilia —, a senhorita fala com
sinceridade? A senhorita se acha tão pouco valorizada?
— Bem, eu não costumo dizer — respondeu ela —, mas espero que haja
algumas pessoas que pensem um pouco bem de mim, pois, se não tivesse essa
esperança, desejaria partir meu coração e morrer. Mas o que é isso perto de
todo o amor e respeito que as pessoas sentem pela senhorita?
— Suponha — disse Cecilia, com um sorriso forçado — que eu coloque à
prova seu amor e respeito, acha que eles se sustentariam?
— Oh, sim, na verdade acho que sim. E eu desejei milhares e milhares de
vezes poder apenas lhe mostrar meu afeto, e deixá-la perceber que não passei
a amá-la somente porque é uma grande dama da alta sociedade e cheia de
poder para me prestar favores, mas porque a senhorita é tão boa e tão amável,
tão gentil com os infelizes e tão doce com todos!
— Espere, espere — disse Cecilia —, deixe-me tentar ser, de fato, justa e
verdadeira; a senhorita vai responder à pergunta que quero fazer?
— Oh, sim — disse ela, calorosamente —, mesmo se fosse o segredo mais
querido que possuo. Não há nada que eu não possa dizer à senhorita. Abrirei
o meu coração e ficarei orgulhosa de pensar que me deixará confiar na
senhorita, pois estou certa de que, se não se importasse um pouco comigo,
não se daria ao trabalho.
— A senhorita é realmente uma doce criatura — disse Cecilia, hesitando
entre aproveitar ou não da sua franqueza —, e cada vez que a vejo, admiro-a
ainda mais. Eu não a machucaria por nada no mundo, e talvez sua confiança,
eu não sei se seria justa ou não — ela se deteve, extremamente perplexa, e
enquanto Henrietta aguardava suas novas indagações, elas foram
interrompidas pela entrada de Mrs. Belfield.
— É claro, minha criança — disse ela à filha —, que você já deveria ter
me avisado quem estava aqui, quando sabe muito bem o quanto eu desejava
uma oportunidade de ver a moça eu mesma, mas você desce com o pretexto
de ver seu irmão e fica fora a manhã toda, fazendo sabe-se lá o quê.
Então, ela voltou-se para Cecilia: — Madame — continuou ela —, tenho
estado na maior preocupação do mundo pelo pequeno acidente que aconteceu
na última vez que a vi, pois, com certeza, eu pensei, e ninguém me
convencerá do contrário, que era bastante estranho que uma jovem como a
senhorita viesse tantas vezes atrás de Henny, sem sequer desconfiar de
qualquer outra razão, especialmente quando, sem dúvida, não há a menor
comparação entre ela e meu filho. No entanto, se for assim, assim é, e não
quero dizer mais nada sobre o assunto, e tenha a certeza de que ele está muito
contente em pensar assim, como se fosse um mero animal insignificante.
— Este assunto, madame — disse Cecilia —, está há tanto tempo
resolvido, que lamento que se dê ao trabalho de pensar nele novamente.
— Oh, madame, eu apenas menciono isso para fazer o pedido de desculpas
apropriado, pois, quanto a tomar conhecimento do fato, eu o deixei
completamente de fora, embora pode estar certa de que o que eu penso, eu
penso; mas quanto ao meu filho, ele tem tanto domínio sobre mim, que é tudo
em vão. Não que eu tenha a intenção de criticá-lo; então, por favor, madame,
não permita que o que eu digo o prejudique, pois eu acredito todo o tempo
que não há ninguém como ele, nem nesta extremidade da cidade nem na
outra, porque, quanto à outra, ele tem muito mais aparência de um lorde, até
demais, do que de um comerciante, e a razão é simples, pois este é o tipo de
companhia que sempre manteve, como ouso dizer que uma dama como a
senhorita deve ter notado há muito tempo. Mas, apesar de tudo, há alguns
pequenos assuntos que nós, mães, imaginamos que podemos enxergar tão
bem quanto nossos filhos. No entanto, se eles não pensam assim, ora, não há
razão para discussão, pois, quanto a um filho melhor, esteja certa de que
nunca houve um, e isso, como sempre digo, é o melhor sinal que conheço de
que será um bom marido.
Durante todo o discurso, Henrietta ficou confusa, temendo que a grosseria
de sua mãe deixasse Cecilia com raiva novamente, mas Cecilia, que percebia
sua inquietação, mais do que nunca estava encantada com seu caráter, pela
simplicidade de sua sinceridade. Então, decidiu poupar-lhe a dor, ouvir a
arenga em silêncio, e depois partir tranquilamente, embora tivesse ficado
muito irritada ao descobrir, a partir das constantes insinuações de lástima, que
Mrs. Belfield ainda estava interiormente convencida de que a timidez
obstinada do filho era o único obstáculo que o impedia de escolher quem
mais lhe agradava, e que, embora ela não ousasse expressar sua opinião com
franqueza, estava totalmente convencida de que Cecilia estava interessada
nele.
— E, por esta razão — continuou Mrs. Belfield —, esteja certa de que
qualquer dama que conhecesse suas verdadeiras qualidades não poderia
deixar de aceitar a recomendação de uma mãe, que deve naturalmente
conhecer melhor a personalidade de seus filhos do que seria esperado de um
estranho; e quanto a um filho como o meu, talvez não haja dois iguais no
mundo, porque ele teve a educação de um cavalheiro, e não importa qual
caminho vai seguir, nunca verá um homem mais bonito do que ele, embora,
pobre querido, ele sempre tenha sido o mais magro. Mas os infortúnios contra
os quais teve que lutar não engordariam ninguém.
Neste momento ela foi interrompida, e Cecilia ficou bastante surpresa pela
entrada de Mr. Hobson e Mr. Skimkins.
— Madames — exclamou Mr. Hobson, que ela logo descobriu ser o
senhorio de Mrs. Belfield —, eu não subiria as escadas sem dar uma parada
para que soubessem um pouco sobre como anda o mundo.
Então, ao perceber e lembrar-se de Cecilia, ele exclamou: — Estou
orgulhoso de vê-la novamente, madame! Senhorita, creio que devo dizer, pois
suponho que ainda é muito jovem para ter contraído matrimônio.
— Matrimônio? — exclamou Mr. Skimkins —, não, com certeza, não, Mr.
Hobson; como pode estar tão enganado? A jovem se parece mais com uma
aluna de internato, se posso ter a liberdade de dizer.
— Sim, é uma lástima — exclamou Mrs. Belfield —, pois, quanto às
moças que esperam e esperam, não vejo grande vantagem nisso.
Especialmente se um bom pretendente lhe é oferecido, pois, quanto a um
bom marido, creio que nenhuma dama deveria julgar-se superior para aceitá-
lo, se ele for modesto e bem-comportado, e se tiver recebido uma educação
refinada.
— Ora, quanto a isso, madame — disse Mr. Skimkins —, é outra questão
para suposições, pois, quanto ao fato de uma dama ter um cônjuge adequado,
se posso tomar a liberdade, creio não ser uma coisa ruim.
Cecilia tomou a mão de Henrietta e já ia lhe desejar um bom dia quando,
ao ouvir Mr. Hobson dizer que acabara de chegar de Portman Square, sua
curiosidade foi despertada e ela decidiu demorar-se mais um pouco.
— Que tristeza, madame! — disse ele. — Quem teria imaginado que Mr.
Harrel nos convidou para jantar pelo mero propósito de uma coisa daquelas.
Só para nos fazer de bobos, como pode-se dizer. Mas, quando a consciência
de um homem está suja, o que eu digo é dez para um, ele foge de si mesmo.
Que todo homem se mantenha afastado do mundo, é o que eu digo, e então
ele não terá tanta pressa para deixá-lo.
— Na verdade, madame — disse Mr. Skimkins, aproximando-se de
Cecilia com muitas reverências —, eu humildemente anseio pelo perdão da
liberdade, não posso fingir que acho que Mr. Harrel tenha feito a coisa mais
honrada por nós, pois, quanto a nos fazer beber todo aquele champanhe e
coisas do gênero, nós apenas o absorvemos, de modo que, se fosse dizer o
que penso, não poderia, pois considero isso um grande desfavor.
— Bem — disse Mrs. Belfield —, nada é tão surpreendente para mim
quanto uma pessoa ser o seu próprio carrasco, pois, quanto a mim, se eu
tivesse que morrer por esse meio cinquenta vezes, creio que não conseguiria
fazê-lo.
— Então, cá estamos — retomou Mr. Hobson —, todos nós fomos
defraudados em nossas dívidas! Ninguém é capaz de obter a sua parte, que
ele tenha tido algum trabalho na sua execução. Tristes acontecimentos por lá,
senhorita! Todos confusos. Quanto a mim, eu deixei Vauxhall assim que a
coisa toda aconteceu, na esperança de obter vantagem sobre os outros, ou
então teria ficado orgulhoso de atendê-las, madames, com todos os detalhes,
mas um homem de negócios nunca faz cerimônia, pois, quando o dinheiro
está em jogo, isso está fora de questão. No entanto, cheguei tarde demais,
pois a casa havia sido confiscada antes mesmo que eu me aproximasse dela.
— Espero, madame, se puder tomar a liberdade — disse Mr. Skimkins,
mais uma vez curvando-se profundamente —, que a senhorita e a outra
senhora não tenham considerado muito errado da minha parte não ter
retornado para atendê-las, pois não foi culpa minha, apenas fui tão
pressionado pelas damas e pelos cavalheiros que observavam os
acontecimentos que simplesmente não consegui me mover; eu fiz o que pude.
Mas, pelo que vejo, devo dizer que, se alguém nunca está em companhia tão
gentil, as pessoas são sempre mais rudes quando estão em uma multidão, pois
mesmo se alguém implorar e suplicar, não há como se adaptarem.
— Por favor — disse Cecilia —, é provável que sobre alguma coisa para
Mrs. Harrel?
— Sobrar, madame? — disse Mr. Hobson. — Sim, umas cem faturas sem
recibo para elas. Esteja certa, madame, não quero insultá-la, era seu
conhecido íntimo, mais especialmente porque a senhorita não faltou com o
respeito comigo, o que é mais do que posso dizer sobre Mrs. Harrel, que
parecia totalmente envergonhada de mim e também de Mr. Skimkins,
embora, apesar de tudo, teria sido melhor para ela não estar tão embriagada.
— Que vergonha, Mr. Hobson, que vergonha! — exclamou o flexível Mr.
Skimkins. — Como pode ser tão duro? Da minha parte, devo reconhecer que
acho que a pobre senhora é digna de lástima, pois deve ter sido uma visão
melancólica para ela, ver a vida do seu esposo ser assim interrompida na flor
da sua juventude, como se pode dizer; e o senhor deve desprezar o orgulho de
uma dama quando ela tem tantos problemas. Sem dúvida, não posso dizer
que ela foi excessivamente complacente para nos fazer sentir que éramos
bem-vindos, mas espero estar acima de ser tão indelicado a ponto de lhe
dever rancor, agora que ela está tão triste.
— Que todos sejam civilizados! — exclamou Mr. Hobson. — É o que eu
digo, e então eu estarei acima de ser indelicado tanto quanto qualquer outra
pessoa.
— Mrs. Harrel — disse Cecilia — estava na ocasião muito infeliz e agora
está, certamente, muito consternada, para tornar possível que qualquer
ressentimento seja nutrido contra ela.
— A senhorita, madame, fala como uma pessoa sensata — respondeu Mr.
Hobson —, e, de fato, isto é o que ouvi dizer sobre seu caráter, mas, apesar
de tudo isso, madame, todos estão dispostos a defender seus próprios amigos;
por isso, madame, esteja certa de que está fazendo o melhor possível, tanto
pela sobrevivente quanto pelo próprio cavalheiro falecido, mas, se eu tivesse
coragem de dizer o que penso de maneira justa, o que diria seria o seguinte:
um homem para atirar contra si mesmo com todas as suas dívidas não pagas,
é um mero escândalo, madame! Peço perdão, mas o que eu digo é que a
verdade é a verdade, e não posso chamá-la por nenhum outro nome.
Neste momento, Cecilia, ao descobrir que não tinha nenhuma chance de
acalmá-lo, chamou seu criado e a liteira. Mr. Skimkins, então, fingindo
baixar a voz, disse em tom de censura ao seu amigo: — Na verdade, Mr.
Hobson, para falar ingenuamente, devo dizer que não acho que seja educado
ser tão duro com o conhecido da jovem, quer dizer, agora que ele está morto.
Sem dúvida, não posso fingir que nego, mas ele se comportou de maneira
bastante cômica; não pagou ninguém, nem ao menos fez um pequeno elogio
ou coisa parecida, embora não tenha escondido os seus bens, e sempre tenha
escolhido ter o melhor de cada coisa, ora, e isso eu não posso fingir defender.
Mas isso não está nem lá nem cá, pois, se ele tivesse se comportado tão mal
novamente, a pobre senhorita não poderia fazer nada a respeito, e ouso dizer
que ela não teve mais participação do que qualquer outra pessoa.
— Não, com certeza — exclamou Mrs. Belfield —, o que ela poderia ter
com isso?! O senhor acha que uma jovem com a fortuna que ela tem iria
querer tirar vantagem de uma pessoa no comércio? Estou certa de que seria
uma vergonha e um pecado se o fizesse, pois, se ela não tem dinheiro
suficiente, eu me pergunto quem tem. E, da minha parte, acredito que,
quando uma jovem tem uma fortuna dessas, a única coisa que tem que fazer é
pensar em fazer um bom uso dela, dividindo, por assim dizer, com um bom
marido. Quanto a guardar tudo para si, ouso dizer que ela é uma dama muito
generosa, e quanto a se casar apenas com alguém que possui tanto quanto ela,
mas que não representa nenhum privilégio, ela deveria aceitar meu conselho e
se casar por amor; e quanto ao lucro, ela tem o suficiente em plena
consciência.
— Mas isso — disse Mr. Hobson — não altera meu argumento. Estou
falando sobre o propósito e não sobre complacência. Portanto, ouso dizer que
o ato de Mr. Harrel não teve nada de cavalheiro. Um homem tem direito
sobre a própria vida, alguém me dirá, mas e daí? Isso não é argumento, pois
não dá a ele nem um pouco mais de direito sobre a minha propriedade, e um
homem endividado que gasta substâncias de outras pessoas, sem nenhuma
razão aparente, apenas porque pode estourar os próprios miolos ao final,
embora seja uma coisa nem lícita nem religiosa de se fazer, ora, está agindo
fora do personagem, e tem uma grande dificuldade para negociar na
barganha.
— Eu gostaria muito que tivesse sido diferente — disse Cecilia —, mas
ainda espero que, se algo puder ser feito por Mrs. Harrel, o senhor não se
oponha a tal proposta.
— Madame, como eu já disse — respondeu Mr. Hobson —, vejo que é
uma pessoa sensata, e por isso eu a respeito, mas, quanto a qualquer coisa que
estiver sendo feita, é o que eu chamo de coisa distinta. O que é meu, é meu, e
o que é de outro homem, é dele. Esta é minha maneira de pensar; mas, se ele
pegar o que é meu, onde está a lei para impedir que eu pegue o que é dele? É
a isso que chamo falar com propósito. Agora, quanto a um homem cortar sua
garganta, ou algo parecido, ou estourar o próprio cérebro, que é considerado a
mesma coisa, o que seus credores ganham com isso? Absolutamente nada,
mas tanto pior é uma falsa noção de respeito, pois não há respeito neste caso.
— Concordo inteiramente com sua opinião — disse Cecilia —, mas, ainda
assim, Mrs. Harrel...
— Eu conheço o seu argumento, madame — interrompeu Mr. Hobson. —
Mrs. Harrel não é pior porque seu marido levou um tiro na cabeça, porque ela
não era sua cúmplice, e por isso é uma pena que perca todo o seu sustento.
Isto, madame, é o que eu chamo de falar o seu lado do argumento. Mas,
agora, madame, por favor, note o meu argumento em resposta: o que nós,
credores, temos a ver com a família de um homem? Suponha que eu seja um
marceneiro; quando entrego minhas cadeiras, pergunto quem vai se sentar
nelas? Não, é tudo igual para mim, quer seja a prole do cavalheiro ou seus
amigos, eu devo ser pago pelas cadeiras da mesma forma, use-as quem
quiser. Esta é a lei, madame, e nenhum homem deve se envergonhar de
cumpri-la.
A verdade deste discurso, que aliviava seu absurdo sentencioso, fez
Cecilia abandonar sua fraca tentativa de abrandá-lo, e, estando sua liteira
pronta, ela se levantou para partir.
— Não vá ainda, madame — exclamou Mrs. Belfield —, pois espero meu
filho em breve e, além disso, tenho muitas coisas para conversar com a
senhorita, mas com Mr. Hobson tendo tanto a dizer, ele fechou a minha boca.
Mas eu deveria considerar como um grande favor, madame, se a senhorita
viesse alguma tarde dessas e bebesse uma xícara de chá comigo, pois então
teríamos tempo para dizer tudo o que devemos dizer. E estou certa, madame,
se apenas permitisse que um de seus criados desse uma corrida para me
avisar quando viria, de que meu filho ficaria muito orgulhoso em encontrá-la;
e os criados não podem ter muito o que fazer em sua casa, pois onde há tantos
deles, eles geralmente não pensam em nada o dia todo, a não ser em ficar
parados boquiabertos olhando uns para os outros.
— Eu vou sair da cidade amanhã — disse Cecilia —, e, portanto, não
poderei ter o prazer de visitá-la novamente, Miss Belfield.
Ela então fez uma breve reverência e saiu da sala.
A gentil Henrietta, com os olhos marejados de lágrimas, acompanhou-a até
sua liteira. Porém, ela não estava sozinha; Mrs. Belfield também a seguia,
lamentando em voz alta a desafortunada ausência do filho, e o encolhido Mr.
Skimkins, rastejando atrás dela e fazendo uma reverência, disse em voz
baixa: — Eu humildemente imploro o seu perdão, madame, pela liberdade,
mas espero que não pense que eu tenho qualquer participação no
comportamento rude de Mr. Hobson, pois devo dizer que não acho que seja
excessivamente refinado de forma alguma.
O próprio Mr. Hobson, decidido a dizer mais uma frase, gritou, mesmo
depois que ela já estava sentada: — É o que eu tenho a dizer, madame, que
todo homem seja honesto; é nisso que acredito, e esta é a minha noção das
coisas.
Cecilia ainda chegou em casa antes de Mrs. Delvile, porém mais
inquietantes eram suas sensações e mais inquieto era o seu coração. A carta
que vira nas mãos de Henrietta parecia corroborar todas as suas suspeitas
anteriores, pois, se não viesse de alguém infinitamente querido, ela não teria
demonstrado tanto carinho por ela, e, se não fosse segredo, ela não a teria
escondido. Onde então estava a esperança de que qualquer um, exceto
Delvile, pudesse tê-la escrito? Em segredo ela não poderia amar dois homens,
e como Delvile era muito estimado, a ingenuidade do seu caráter a impedia
de disfarçar. E por que ele deveria escrever para ela? Qual era sua pretensão?
Que ele a amava, ela agora menos do que nunca poderia acreditar, já que sua
conduta recente, embora desconcertante e inconsistente, evidenciava ao
menos um favoritismo incompatível com a paixão por outra pessoa. O que,
então, ela poderia inferir, senão que ele havia seduzido seu afeto e arruinado
sua paz, para a gratificação inútil e cruel da vaidade temporária?
“E se esta é”, pensou ela, “a depravação deste hipócrita consumado, se tal
é a pequenez da sua alma que suas maneiras tão nobres disfarçam, será o seu
próximo passo, instado, talvez, mais por prudência do que preferência, fazer-
me o objeto da sua busca, e o alimento de sua vaidade? E eu, prevenida e
instruída como sou, serei uma presa tão fácil e uma tola tão miserável? Não,
eu deverei me satisfazer com sua conduta antes de me aventurar a confiar
nele, e como sou mais rica do que Henrietta e menos provável de ser
abandonada, quando conquistada, estarei mais cautelosa para entender por
que sou cortejada e reivindicar os direitos da inocência, se descobrir que ela
foi assim iludida, esquecendo suas qualidades em sua traição e renunciando a
ele para sempre”.
Tais eram as reflexões e suposições que atenuaram o tão almejado prazer
de sua mudança de residência e tornaram sua habitação em St. James’s
Square não mais feliz do que fora na casa de Mr. Harrel.
Ela almoçou novamente apenas com Mr. e Mrs. Delvile, e não viu o filho
durante o dia todo, o que, em sua atual incerteza sobre o que pensar sobre ele,
era uma ausência pela qual ela dificilmente lamentava. Quando os criados se
retiraram, Mr. Delvile lhe disse que naquela manhã havia recebido duas
visitas em seu nome, ambas de admiradores que fingiam ter recebido
permissão de Mr. Harrel para visitá-la.
Ele disse os nomes de Sir Robert e Mr. Marriott.
— Isso não é verdade. Sempre fui muito explícita, quando consultada, e se
ficaram satisfeitos em usar outros métodos, não me surpreende que tenham
fracassado.
— Eu disse a eles — disse Mr. Delvile — que, uma vez que a senhorita
está agora sob meu teto, não poderia me recusar a receber suas propostas,
especialmente porque não haveria impropriedade em sua aliança com
nenhum deles, mas também disse que, ao mesmo tempo, não poderia de
forma alguma pensar em pressioná-la, já que este é um ofício que, ainda que
funcionasse para Mr. Harrel, seria totalmente impróprio e indecoroso para
mim.
— Certamente — disse Cecilia —, e permita-me implorar, senhor, caso
eles voltem a insistir, que possam ser totalmente desencorajados a repetir
suas visitas e tenham a certeza de que, longe de ter brincado com seus
sentimentos até agora, as resoluções que declarei não sofrerão modificações.
— Fico feliz — disse Mrs. Delvile — ao ver tanta coragem e
discernimento quando manobras de todos os tipos são praticadas com o
intuito de enganar e iludir. Fortuna e independência nunca estiveram tão
seguramente alojadas como no caso de Miss Beverley, e não tenho dúvidas
de que sua escolha, quando ocorrer, refletirá tanta honra em seu coração
quanto compreensão.
Mr. Delvile então perguntou se ela havia decidido alguém para escolher
como guardião no lugar de Mr. Harrel. Ela respondeu que não e nem deveria,
a menos que fosse absolutamente necessário.
— Eu realmente acredito — disse Mrs. Delvile — que seus negócios não
sentirão muito a falta dele. Desde que ouvi comentários sobre o excesso da
sua extravagância, regozijei-me enormemente com a inusitada prudência e
sagacidade de sua bela pupila, que, em mãos tão perigosas, com menos
entendimento e bom senso, poderia ter sido arrastada para milhares de
dificuldades, e talvez até tivesse defraudado metade da sua fortuna.
Cecilia recebeu com pouca alegria o elogio tão fora de hora, o qual, com
muitos do mesmo tipo que eram feitos com frequência, ainda que
acidentalmente, a intimidava a confessar o que ela havia planejado e não
encontrar nada além da censura que provavelmente seguiria a descoberta, e
finalmente decidiu renunciá-la completamente, a menos que se estabelecesse
qualquer conexão que pudesse tornar necessária sua confissão. No entanto,
algo que ela não poderia deixar de comentar, que era uma ação tão prejudicial
ao seu próprio interesse, e que, na época, parecia indispensável para sua
benevolência, deveria agora ser considerada como um sinal de loucura e
imprudência que ela não se atrevia a admitir.
CAPÍTULO 53

UM PROTESTO

Na manhã seguinte, a família decidiu partir assim que terminasse o café da


manhã. O jovem Delvile, entretanto, não esperou tanto; a delicadeza do
tempo o tentava, disse ele, a viajar a cavalo, e, portanto, havia se levantado
muito cedo e já havia partido. Cecilia não pôde deixar de se surpreender, mas
não se queixou.
Assim que o café da manhã terminou, Mr. e Mrs. Delvile e Cecilia
estavam se preparando para partir, quando, para grande surpresa de todos, a
porta foi aberta e, sem fôlego, com pressa e excitado, surgiu Mr. Briggs.
— Então — exclamou ele para Cecilia —, o que significa tudo isso, hein?
Para onde está indo? Uma carruagem na porta, um cavalo para cada roda.
Criados tão elegantes quanto seus senhores! O que os ventos trazem agora?
Pensa em me afastar do que é meu?
— Eu pensei, senhor — disse Cecilia, quem imediatamente o entendeu,
embora Mr. e Mrs. Delvile o olhassem com espanto absoluto —, que tivesse
explicado antes de deixá-lo que não pretendia retornar.
— Não explicou, não explicou — respondeu ele, com raiva. — Eu a
esperei por três dias, mandei rechear um carneiro para a ocasião, com uma
lagosta e dois caranguejos, tudo estragado por ficar guardado; já até fede,
muito tempo abafado, fui forçado a mergulhar em vinagre; uma despesa
acarreta a outra, nunca começa do mesmo jeito.
— Lamento muito, de verdade — disse Cecilia, muito desconcertada —,
se houve algum engano por minha negligência, mas esperava ter sido
compreendida e tenho estado muito ocupada...
— Sim, sim — interrompeu ele —, bom trabalho! Feitos raros! Um alegre
passeio por Vauxhall, com pistolas apontadas para as suas cabeças! Foi o que
eu pensei. Pensei que ele cairia do poleiro, vi que não estava parado, sabia
que acompanharia seus amigos, um grupo de patifes! Todos uns traidores!
Ninguém é amigo de ninguém, sujeitos que vivem bem durante um mês todo,
mas que não têm seis centavos para dar ao carrasco.
Mrs. Delvile, agora, com um olhar sincero de felicitações a Cecilia por ser
objeto de visita tão agradável, ao perceber que não era provável que fosse
concluída de imediato, voltou para sua cadeira, mas Mr. Delvile, apoiando-se
com severidade em seu bastão, não se moveu do local onde estava perto da
entrada, mas o examinou da cabeça aos pés, com o mais espantado desprezo
por sua vulgaridade destemida.
— Bem, eu mesmo cuidaria do seu dinheiro, confiscado ele, o que restou!
Expulsaria o comissário de polícia e, depois, o faria estourar os próprios
miolos por suas companhias. Preste atenção ao que eu digo: nunca se deixe
levar por um chapéu com renda dourada! Muitos usam, mas não sabem
diferenciar cinco centavos de dois centavos. Um bom homem sempre usa
uma peruca, faça disso sua regra. Já viu Mr. Harrel usar algo assim? Não, eu
lhe asseguro. Seria melhor se tivesse; manteria sua cabeça em seus próprios
ombros. E agora, diga, qual o foi o resultado? O que ele deixou para trás?
Uma caixa de tweed, eu suponho, e um pequeno chapéu que não cabe na
cabeça de um homem.
Cecilia, ao perceber, com grande confusão, que Mr. Delvile, embora
evidentemente irritado pela intrusão, não se dignaria a falar, e que Mr. Briggs
poderia ser considerado como pertencente inteiramente a ela, disse
apressadamente: — Eu não tenho a intenção, senhor, como o seu tempo é
precioso, de detê-lo aqui, mas, assim que estiver em meu poder, irei vê-lo na
cidade.
No entanto, Mr. Briggs, sem ouvi-la, achou apropriado continuar sua
arenga:
— Uma vez me convidou para ir à sua casa; enviou-me um cartão, metade
impresso como um livro, a outra metade um rabisco que eu não consegui ler;
fingiu que serviria um jantar, foi tudo muito rápido; eu não tinha almoçado e
não consegui nada para comer; só vidro e ostentação, alimentos pintados em
todas as cores, iluminados como um confeiteiro no décimo segundo dia;39 eu
queria algo sólido e consegui um grande pedaço de doce, achei tão frio
quanto uma pedra; tudo congelava na minha boca como gelo; me fez pular de
novo e trouxe lágrimas aos meus olhos, me forçando a cuspir; acredite, não
era nada além de uma bola de neve, apenas apresentada e coberta com um
pouco de açúcar. Bela maneira de gastar dinheiro! Recheio, glacê e bebidas!
Não poderia ficar satisfeito até que cada centavo fosse desperdiçado. Não
sobrou nada, exceto sua própria cabeça oca, e mesmo isso ele não foi capaz
de manter.
— No momento, senhor — disse Cecilia —, estamos todos deixando a
cidade; a carruagem está esperando na porta, e, portanto...
— Nada disso! — exclamou ele. — Não vai, não; eu vim buscá-la e levá-
la para minha própria casa. Deixei tudo pronto, fui ver o negociante, comprei
um cobertor bonito, quase sem colchetes. Vou comprar uma mesa logo, já
tenho uma em vista.
— Lamento que tenha me entendido mal, senhor, mas agora estou indo
para o interior com Mr. e Mrs. Delvile.
— Não vou consentir, não vou consentir! Vai lá para quê? Não ouço nada
além de duques mortos, também vão visitar uma velha tumba.
Neste momento, Mr. Delvile, que se sentiu insultado da maneira que
menos poderia suportar, depois de olhar para ele com muito desdém, voltou-
se para Cecilia e disse: — Miss Beverley, se esta pessoa deseja uma conversa
mais longa com a senhorita, lamento que não tenha marcado um horário mais
oportuno para sua visita.
— Ai, ai — disse o impenetrável Mr. Briggs. — Quer apressá-la! Vejam
só! Mas não vai funcionar, eu não vou ser roubado, decidi exigir minha terça
parte; não serei enganado, não terá mais do que a sua parte.
— Senhor! — exclamou Mr. Delvile, com uma expressão que parecia nada
menos do que petrificada.
— O quê? — exclamou ele, com um olhar malicioso. — Está acima disso,
hein? Garanto que seu Don Espanhol nunca pensa em tal coisa. Não acredite
neles, minha patinha! Muito barulho por nada; não são nem um pouco
melhores do que outras pessoas, é só orgulho.
— Está é uma linguagem, senhor — disse Mr. Delvile —, tão
absolutamente incompreensível, que presumo que nem mesmo o senhor tenha
a intenção de que seja compreendida, caso contrário, eu teria muito pouco
escrúpulo em informá-lo de que nenhum homem com o sobrenome Delvile
tolera a menor insinuação de desonra.
— Ah, não? — respondeu Mr. Briggs, com um sorriso. — Ora, e como
eles vão ajudar? Será que os antigos nobres vão pular de seus túmulos para
nos assustar?
— Quais antigos nobres, senhor? A quem o senhor tem o prazer de aludir?
— Ora, todos aqueles velhos avôs e tias de quem o senhor se vangloria;
um conjunto de pobres almas que o senhor não vai deixar descansar em seus
caixões. Só barro e sujeira! Belas coisas para se orgulhar! Um monte de lixo
mofado que já se foi desta vida, recolhendo seus ossos e poeira, ninguém
sabe para quê! Deveria se envergonhar, quem se importa com carcaças
mortas? Nada além de carniça. Meu pequeno Tom vale por quarenta delas!
— Eu mal posso compreender, Miss Beverley — disse o espantado Mr.
Delvile, —, o que dá prazer a esta pessoa, mas eu não posso manter qualquer
tipo de conversa com ela. Portanto, faça a gentileza de me avisar quando ele
terminar seu discurso e a senhorita estiver pronta para partir.
E então, com um ar muito majestoso, ele afastou-se para deixar a sala, mas
logo foi detido, quando Mr. Briggs exclamou: — Ai, ai, Don Duke, enquanto
caminha pelos antigos cemitérios, não cutuque nenhum dos seus mortos por
mim! Não me importa se eles estavam todos pendurados em uma corda.
Quem é o melhor para eles?
— Diga, senhor — perguntou Mr. Delvile, virando-se —, a quem teve o
prazer de dirigir estas palavras?
— A um certo Don Puffendorff — respondeu Mr. Briggs. — Conhece
alguém com esse nome?
— Don o quê? Senhor — disse Mr. Delvile, aproximando-se —, eu o
desafio a repetir esse nome.
— Suponha que eu não queira? O que vai acontecer?
— A culpa é minha — disse Mr. Delvile, agitando a mão
desdenhosamente com um movimento repulsivo —, por me permitir ficar
irritado de forma tão indigna. Eu lamento que, em minha própria casa, seja
obrigado a insinuar que, quanto mais cedo a tiver só para mim, mais satisfeito
ficarei.
— Ai, ai, quer me expulsar, quer ficar com a menina para você! Não tão
rápido: quem é o melhor homem? Hein? Quem é o mais sincero? Eu me fiz
sozinho, fui obrigado a nunca tomar um nobre por um centavo. O que me diz
sobre isso? Consegue fazer contas de cabeça?
— Que extraordinário! — exclamou Mr. Delvile. — A circunstância mais
extraordinária que já presenciei. Uma pessoa entrar na minha casa e dizer
essas coisas incompreensíveis! Uma pessoa, também, que mal conheço de
vista!
— Não importa, velho Don — disse Mr. Briggs, com um aceno jocoso. —
O senhor pode me conhecer melhor em outra hora.
— Velho o quê, senhor? O quê?
— Julgue o senhor mesmo — continuou Mr. Briggs. — Suponha que
estivesse no meu lugar e que nunca tivesse um tostão que não fosse seu. Onde
estaria então? O que seria da sua bela carruagem e dos seus cavalos? O
senhor pode bater os pés antes de entrar. Onde estaria toda essa louça fina
para o seu café da manhã? O senhor pode colocar a cabeça embaixo de uma
bomba ou beber da sua própria mão. O que aconteceria com essa bela
gravata? Onde conseguiria uma cabeça dourada para o seu bastão? Pode
procurar quanto tempo quiser naquelas sepulturas frias, que nenhum dos seus
antepassados vai aparecer para lhe dar uma.
Mr. Delvile, sentindo-se mais furioso do que julgava adequado à sua
dignidade, conteve-se para não dar mais nenhuma resposta, mas caminhou
em direção à campainha e tocou-a com muita violência.
— E quanto a tocar uma campainha — continuou Mr. Briggs —, o senhor
nunca saberia o que é a menos que tivesse interesse em ser um varredor de
ruas.
— Um varredor de ruas?! — repetiu Mr. Delvile, incapaz de manter o
silêncio por mais tempo. — Eu protesto — ele mordeu os lábios e deteve-se
bruscamente.
— Ah, gostou, não é? Atende bem o seu gosto; por que um tipo de poeira
e não outro? O pó de uma charrete é tão bom quanto o pó de uma casa
mortuária; não cheira tão mal.
Neste momento, um criado entrou e Mr. Delvile perguntou: — Está tudo
pronto?
— Sim, senhor.
Então, ele pediu à Mrs. Delvile que entrasse na carruagem, disse a Cecilia
que os seguisse assim que estivesse livre e saiu da sala.
— Eu irei imediatamente, senhor — disse Cecilia. — Mr. Briggs, lamento
deixá-lo e sinto muito que tenha tido todo esse trabalho, mas não posso mais
deter Mr. Delvile.
Ela então saiu correndo, apesar de ele repetidamente lhe pedir que ficasse.
Ele os seguiu, entretanto, até a carruagem, com amargas injúrias de que todo
mundo tinha mais direitos sobre sua pupila do que ele mesmo, e com as
reclamações mais virulentas de suas perdas com o cobertor, o peito de
carneiro, os caranguejos e a lagosta.
No entanto, nada mais foi dito a ele. Cecilia, como se não pudesse ouvi-lo,
limitou-se a baixar a cabeça, a carruagem partiu e logo o perderam de vista.
Este incidente de forma alguma tornou a viagem mais prazerosa, ou Mr.
Delvile mais amável; sua própria dignidade, objeto constante de seus
pensamentos e cuidados, havia sido ferida naquele ataque que ele não teve o
bom senso de desprezar, e a vulgaridade e a insolência de Mr. Briggs, que
deveriam ter tornado sua familiaridade e ousadia igualmente desprezíveis e
ridículas, para um homem cujo orgulho superava sua compreensão, serviram
apenas para torná-las duplamente mortificantes e dolorosas. Assim, ele não
teve outro assunto durante todo o caminho a não ser a extrema impropriedade
da qual o reitor era o culpado, ao expô-lo a cenas e situações tão abaixo da
sua categoria, por conectá-lo a uma pessoa tão grosseira e vergonhosa.
Eles dormiram uma noite na estrada e no dia seguinte chegaram ao Castelo
Delvile.
CAPÍTULO 54

UMA MANSÃO ANTIGA

O castelo Delvile estava situado em um grande parque arborizado e


cercado por um fosso. Todas as noites, por ordem de Mr. Delvile, a ponte
levadiça que dava para a entrada era içada com o mesmo cuidado como se
ainda fosse necessário para a preservação da família. Algumas fortificações
ainda permaneciam inteiras, e havia vestígios de outras; não havia bom gosto
na disposição do terreno, nenhuma abertura fora planejada através da floresta
para vistas distantes ou belos elementos. A mansão era antiga, grande e
magnífica, mas construída com tão pouca atenção à conveniência e conforto
quanto à leveza e elegância: era escura, pesada e monástica, igualmente
carente de reparos e melhorias. A grandeza de seus antigos habitantes era
visível em todos os lugares, mas a decadência em que se encontrava
transformava estes restos em meros objetos de meditação e melancolia,
enquanto a luta evidente para manter alguma aparência de sua antiga
dignidade fazia com que a residência e tudo mais em suas imediações
exibissem um aspecto de constrangimento e austeridade. A festividade, a
alegria e o prazer pareciam estranhos aos propósitos da sua construção. O
silêncio, a solenidade e a contemplação lhe foram adaptados unicamente.
No entanto, Mrs. Delvile tomou todo o cuidado possível para tornar os
aposentos e a situação de Cecilia confortáveis e agradáveis, para banir com
sua gentileza e animação a escuridão e a formalidade que sua mansão
inspirava. E seus esforços não foram recebidos de forma ingrata: Cecilia,
encantada com todas as mostras de atenção de uma mulher que ela tanto
admirava, recompensava sua preocupação aumentando seu afeto e retribuía
todos os seus cuidados com a renovação do seu espírito. Na verdade, ela
estava feliz por ter deixado a desregrada residência de Mr. Harrel, onde o
terror, tão continuamente despertado, só podia ser dizimado com a mais
grosseira imposição; e, embora sua mente, deprimida pelo que havia
acontecido e suspeitando do que estava por vir, não estivesse de forma
alguma em um estado de gozo ininterrupto, agora que se encontrava
finalmente instalada, sem esforço ou impropriedade, na mesma mansão que
durante muito tempo havia considerado o seu caminho para a felicidade,
apesar de suas fontes de preocupação remanescentes, estava mais contente do
que havia se sentido desde sua partida de Suffolk.
Mesmo o imperioso Mr. Delvile era mais suportável na mansão do que em
Londres: seguro em seu próprio castelo, ele olhava ao redor com um orgulho
de poder e posse que se suavizava enquanto crescia. Sua superioridade era
indiscutível, sua vontade, incontrolável. Ele não estava, como na grande
capital do reino, cercado por competidores; nenhuma rivalidade perturbava
sua paz, nenhuma igualdade mortificava sua grandeza, tudo o que via eram
vassalos de seu poder ou convidados curvando-se a seu bel-prazer. Assim, ele
reduzia consideravelmente a severa melancolia da sua arrogância e acalmava
sua mente orgulhosa com a cortesia da condescendência.
No entanto, poucas foram as oportunidades que Cecilia encontrou para
evidenciar aquele ânimo e tolerância que havia planejado em relação a
Delvile. Ele tomava o café da manhã sozinho todos os dias, cavalgava ou saía
sozinho até ser trazido para casa por conta do calor do dia e passava o resto
do tempo até o jantar em seu próprio estúdio. Quando aparecia, sua conversa
era sempre generalizada e sua atenção não era mais atraída por Cecilia do que
por sua mãe. Deixado por elas com seu pai, às vezes ele aparecia novamente
à hora do chá, mas mais comumente cavalgava ou caminhava até alguma casa
vizinha, e sempre era incerto se seria visto novamente antes do jantar do dia
seguinte.
Com tal conduta, a reserva de sua parte tornou-se completamente
desnecessária; ela não podia desencorajar a dedicação que não encontrava,
nem tinha a oportunidade de se esquivar de uma perseguição que nunca
ocorria.
No entanto, Cecilia considerava tal comportamento estranho e
absolutamente impossível que fosse efeito de um acidente; seu desejo de
evitá-la parecia escrupuloso e direto, e por mais que para o mundo pudesse
assumir uma aparência de casualidade, para sua ansiedade vigilante, mil
circunstâncias o marcaram como um propósito. Ela descobriu que seus
amigos em casa nunca o tinham visto tão pouco, eles continuamente se
queixavam de suas frequentes ausências e expressavam muita surpresa com
seu novo estilo de vida e quais poderiam ser as ocupações que ocupavam seu
tempo de forma tão distinta.
Se seu coração não tivesse interferido no assunto, ela poderia agora estar
perfeitamente em paz, já que havia sido poupada da renúncia que havia
projetado, e, uma vez que, sem nenhum esforço mental ou problemas
pessoais, o caso parecia totalmente abandonado, pois Delvile, longe de
manifestar qualquer desígnio de conquista, rejeitava todas as ocasiões de
cavalheirismo e diligentemente evitava até mesmo conversas comuns com
ela. Se ele a visse preparando-se para sair durante a tarde, certamente ficaria
em casa. Se sua mãe estivesse junto com ela e o convidasse para se juntar a
elas, ele certamente estaria pronto para outro compromisso. E, se por acaso a
encontrasse no jardim, ele parava para dizer alguma coisa sobre o tempo,
fazia uma reverência e se afastava apressadamente.
Como reconciliar uma frieza tão extraordinária com um fervor tão
animado como o que ele havia demonstrado recentemente não era fácil; às
vezes ela imaginava que ele havia enredado não só a pobre Henrietta, mas a
si mesmo; outras vezes, ela acreditava que ele era apenas caprichoso. Porém,
estava invariavelmente convencida de que ele estava determinado a evitá-la, e
tal convicção era suficiente para convencê-la a levar adiante seu propósito.
Uma vez passada sua surpresa e desgosto iniciais, seu próprio orgulho veio
em seu auxílio e ela resolveu usar todos os métodos ao seu alcance para
conquistar um favoritismo tão pouco agradecido. Ela regozijou-se por
nenhuma circunstância tê-la traído e viu que o seu próprio comportamento
evitava qualquer suspeita na família. No entanto, em meio a sua mortificação
e desgosto, ela encontrava algum consolo em comprovar que aquelas ideias
interesseiras das quais havia sido levada a acusá-lo estavam distantes dos
seus pensamentos, e que, qualquer que fosse o estado de sua mente, ela não
tinha o que temer, nem do que se proteger. Assim, tudo o que restava a fazer
era imitar seu exemplo, ser civilizada e formal, evitar todas as conversas que
não fossem públicas e recusar todo discurso, exceto o que a boa educação
ocasionalmente tornava necessário.
Por estes meios, seus encontros tornaram-se mais raros do que nunca e de
menor duração, pois, se por acidente um fosse detido, o outro se retirava, até
que, por diligência mútua, eles passaram a se ver apenas durante as refeições,
e embora nenhum deles conhecesse os motivos ou as intenções do outro, o
melhor acordo combinado não poderia tê-los separado de maneira mais
eficaz. A princípio, tal tarefa foi extremamente dolorosa para Cecilia, mas o
tempo e a constância mental logo diminuíram sua dificuldade. Ela divertia-se
caminhando e lendo; ela encarregou Mr. Monckton de lhe enviar um Piano
Forte de Merlin; ela gostava de trabalhos de qualidade e encontrava em Mrs.
Delvile um recurso infalível contra a apatia e a tristeza. Portanto, ao
abandonar seu misterioso filho, ela sabiamente resolveu encontrar outro
emprego para seus pensamentos, além de conjecturas com as quais não
poderia se satisfazer e dúvidas que nunca poderiam ser explicadas.
Muitas poucas famílias visitavam o castelo, e um número ainda menor
tinha suas visitas retribuídas. A arrogância de Mr. Delvile ofendia todos os
nobres da vizinhança, os quais poderiam facilmente encontrar melhor
diversão do que receber instruções sobre sua própria inferioridade. E se Mr.
Delvile era evitado pelo rancor, sua senhora não era menos evitada pelo
medo: espirituosa e meticulosa, ela facilmente se cansava e se aborrecia, e
não suportava nem a fragilidade nem a loucura, sendo os dois últimos os
principais ingredientes da natureza humana. Ela exigia, para obter seu favor,
a união de virtude e de habilidades com elegância, as quais eram raramente
encontradas e por vezes não eram suficientes para satisfazê-la; desdenhando
esconder seu desprezo ou aversão, ela inspirava em retorno nada além de
temor ou ressentimento, fazendo, assim, pela falta daquela tolerância que é o
leite da bondade humana e o vínculo da sociedade, inimigos mais numerosos
e intolerantes entre aqueles mesmos talentos que, se mais humildemente
suportados, a teriam tornado não apenas admirada, mas adorada.
No entanto, à medida que se encontrava em guerra com o mundo em geral,
os poucos escolhidos que tinham sido honrados com seus favores, ela amava
com zelo total: seu coração, generoso, aberto, mas muito ousadamente
sincero, era fervoroso de afeto e entusiástico de admiração. Os amigos que
lhe eram queridos, ela se dedicava a servir, magnificava suas virtudes até que
os considerasse uma raça superior, inflamava sua generosidade com ideias do
que ela devia a eles, até que sua vida parecesse um sacrifício muito pequeno a
ser recusado por seu serviço.
Assim era o amor que ela já sentia por Cecilia; seu semblante a havia
impressionado, suas maneiras a haviam encantado, sua compreensão era
demonstrada pela rápida inteligência de seus olhos, e cada ato e cada opinião
exibiam uma mente cheia da elegância. Em segredo, ela às vezes lamentava o
fato de não ter nascido em uma classe superior, mas este pesar sempre
desaparecia quando a via e conversava com ela. Sua própria juventude havia
passado por todo tipo de aflição. Seus pais a haviam casado com Mr. Delvile,
sem qualquer consulta ao seu coração ou à sua vontade. Sua mente forte
desprezava reclamações inúteis, mas seu descontentamento, embora privado,
era profundo. Ardente no temperamento e naturalmente violenta em suas
emoções, seus sentimentos eram extremamente acentuados, e dominá-los
pela razão e pelos princípios havia sido o aprendizado principal e mais difícil
de sua vida. O esforço a havia acalmado, embora não a tivesse feito feliz. Ela
sentia que seria impossível amar Mr. Delvile. Orgulhoso, porém, sem
qualquer mérito; imperioso, mas sem capacidade; ela via com amargura a
inferioridade de suas faculdades e não encontrava em seu temperamento
qualidades para estimar ou atrair. No entanto, ela respeitava seu berço e sua
família, da qual a dela era um ramo, e, qualquer que fosse sua infelicidade
com a conexão, ela se comportava com ele com a mais estrita propriedade.
Seu filho, entretanto, quando era abençoada com sua presença, tinha um
poder sobre sua mente capaz de mitigar suas tristezas e quase acalmar até
mesmo o seu desejo de dormir. Ela o idolatrava mais do que o amava, mas
seu carinho não vinha do relacionamento, mas de seu valor e caráter, seus
talentos e disposição. Na verdade, ela via nele todas as suas próprias virtudes
e excelências, com uma tolerância pelas imperfeições dos outros, que para ela
era totalmente estranha. O que quer que fosse ótimo ou bom, ela esperava que
ele pudesse realizar, ocasião em que desejava manifestar o quanto ele era o
melhor de todos os seres humanos.
Nem nestas ocasiões Mr. Delvile era menos otimista em suas esperanças:
seu filho não era apenas o principal objeto de seu afeto, mas o seu ídolo e
orgulho, e ele não apenas o apreciava, mas o reverenciava como seu sucessor,
o único suporte de seu antigo nome e família, cuja vida e saúde
representavam a continuação da raça. Ele o consultava sobre todos os seus
negócios, nunca o mencionava a não ser com distinção, e esperava que o
mundo todo se curvasse diante dele.
O comportamento de Delvile para com o pai imitava a conduta de sua
mãe, que não apresentava oposições quando seu prazer era revelado, mas que
se abstinha de inquirir sua opinião, exceto em casos de necessidade. Suas
mentes, na verdade, eram totalmente diferentes, e Delvile sabia bem que,
caso se submetesse às suas instruções, deveria exigir o respeito que o mundo
recusaria com indignação, e dificilmente conversaria com algum homem cuja
genealogia não fosse conhecida. Mas, embora o dever e a gratidão fossem os
únicos laços que o uniam ao seu pai, ele amava a mãe não apenas com afeto
filial, mas com a mais pura estima e a mais alta reverência. Ele também sabia
que, embora sem ele a existência dela seria um fardo, sua ternura não era uma
efusão de parcialidade débil, mas que se baseava nas mais sólidas garantias
de seu valor, e por mais que se deva sua origem à indulgência materna, a
retidão de sua própria conduta poderia, por si só, salvá-la da diminuição.
Assim era a casa onde Cecilia estava agora instalada, e onde vivia sem
avistar qualquer outra, pois, embora já estivesse há três semanas no castelo,
ela não tinha visto nenhuma outra família na igreja além dos Delviles.
Nada aconteceu durante o transcorrer deste tempo, exceto o recebimento
de uma carta melancólica de Mrs. Harrel, repleta de queixas sobre seu retiro e
sua miséria, e outra de Mr. Arnott, com um relato do funeral, das dificuldades
que teve que enfrentar com os credores, que até haviam se apoderado do
cadáver, e das inúmeras despesas nas quais havia se envolvido, por petições
que não podia suportar, das mais mesquinhas e clamorosas por parte daqueles
a quem seu falecido cunhado havia deixado sem pagar. Ele havia concluído
com uma prece patética pela sua felicidade e uma declaração de que a sua
própria estava perdida para sempre, já que agora estava também privado da
sua presença. Cecilia escreveu uma resposta afetuosa à Mrs. Harrel,
prometendo, quando estivesse em plena liberdade, que a buscaria em sua
própria casa em Suffolk, mas só podia enviar seus cumprimentos a Mr.
Arnott, embora sua compaixão sugerisse uma mensagem mais amável, já que
ela temia até mesmo uma sombra de encorajamento para uma paixão tão
séria, mas sem esperança.
CAPÍTULO 55

UM FALATÓRIO

Nessa época, a casa ficou mais animada com a visita de lady Honoria
Pemberton, que veio passar um mês com Mrs. Delvile. Cecilia tinha agora
pouco tempo livre, pois lady Honoria não podia descansar um momento
longe dela: ela insistia em caminhar com Cecilia, sentar-se com ela, trabalhar
com ela e cantar com ela; qualquer coisa que Cecilia fizesse, ela queria fazer
também; onde quer que Cecilia fosse, ela estava decidida a acompanhá-la.
Mrs. Delvile, que lhe queria muito bem, embora não tivesse paciência com
suas fraquezas, encorajava esta intimidade na esperança de que lhe pudesse
ser útil.
Não era, entretanto, que lady Honoria tivesse sentido qualquer
consideração por Cecilia, pelo contrário. Se lhe tivessem dito que não deveria
mais vê-la, ela o teria ouvido com a mesma serenidade como se lhe tivessem
dito que deveria encontrar-se com ela todos os dias; ela não tinha nenhum
motivo para persegui-la, simplesmente não tinha mais nada para fazer, e
nenhum carinho por sua companhia a não ser o que resultava da aversão à
solidão.
Lady Honoria havia recebido uma educação elegante, na qual sua
qualificação era exatamente o que a moda exigia; ela cantava um pouco,
tocava um pouco de cravo, pintava um pouco, bordava um pouco e dançava
muito. Ela era ágil e tinha bom humor, embora sua mente fosse inculta e
estivesse totalmente destituída de bom senso ou discrição; ela era descuidada
para ofender e indiferente a tudo o que se pensava dela; o deleite de sua vida
era criar surpresa com suas provocações, e se essa surpresa era para ela uma
vantagem ou descrédito, ela não se preocupava nem por um momento em
considerar. Uma criatura dona de tanta frivolidade com tão pouco coração
não teria grandes chances de despertar a estima ou o respeito de Cecilia, que
em quase qualquer outro período de sua vida teria se cansado da sua presença
inoportuna. Porém, no momento, o estado de inquietação de sua própria
mente a deixava contente por dar-lhe qualquer emprego, e a vivacidade de
lady Honoria servia, portanto, para diverti-la. No entanto, ela não podia evitar
sentir-se magoada ao descobrir que o comportamento de Delvile era
exatamente o mesmo com relação às duas, e que qualquer observador comum
teria dificuldade em nomear sua preferida.
Certa manhã, cerca de uma semana depois da chegada de Sua Senhoria ao
castelo, ela entrou correndo no quarto de Cecilia, dizendo que tinha boas
notícias para ela.
— Diga, por favor — disse Cecilia.
— Ora, milorde Derford está vindo para cá!
— Oh, que melancólica carência de conhecimentos — disse Cecilia —, se
esta é a sua melhor notícia.
— Bem, é melhor do que nada, melhor do que dormir em uma reunião de
família. Eu juro que às vezes tenho tanta dificuldade para me manter
acordada, que morro de medo de ser tomada por um cochilo repentino e
afrontar a todos. Agora, por favor, diga a verdade, sem escrúpulos, a
senhorita não acha isso muito terrível?
— Não, eu não acho nada que venha de Mrs. Delvile muito terrível.
— Oh, eu também gosto de Mrs. Delvile, entre todas as coisas, pois
acredito que ela é a mulher mais inteligente do mundo; mas sei que ela não
gosta de mim, então não sinto nenhum carinho por ela. Além disso, na
verdade, se eu a admirasse tanto assim, estaria terrivelmente cansada de não
ver nada mais. Ela nunca sai, a senhorita sabe, e não tem companhia em casa,
o que é um plano extremamente cansativo, pois só serve para nos deixar a
todos duplamente cansados uns dos outros, embora deva saber que é um
grande motivo pelo qual meu pai gosta que eu venha, pois ele tem algumas
noções muito antiquadas, embora eu me esforce muito para que ele as supere.
Mas fico sempre excessivamente contente quando a visita é concluída, pois
sou obrigada a vir todos os anos. Não me refiro a este momento, na verdade,
porque o fato de a senhorita estar aqui torna tudo mais tolerável.
— A senhorita me honra muito — disse Cecilia, rindo.
— Mas, realmente, quando milorde Derford chegar, não poderá ser tão
ruim, pois pelo menos haverá algo mais para olhar, e a senhorita deve saber
que meus olhos se cansam de ver sempre as mesmas pessoas. E podemos
também lhe pedir algumas notícias, o que vai deixar Mrs. Delvile muito
aborrecida e nos ajudará a dar um pouco de ânimo, embora eu saiba que não
obteremos nenhuma informação dele, já que não sabe nada sobre o que está
acontecendo no mundo. Na verdade, isso não é grande coisa, pois, mesmo se
soubesse, ele não saberia como dizer, é bobo demais. No entanto, vou lhe
perguntar todo tipo de coisas, pois quanto menos ele puder responder, mais
eu o atormentarei; eu gosto muito de atormentar um bobo, porque ele nunca
poderá atormentar alguém de novo, embora eu realmente deva implorar o seu
perdão, pois ele é um de seus admiradores.
— Oh, não por isso. A senhorita tem o meu livre consentimento para dizer
o que quiser sobre ele.
— Eu lhe asseguro, então, que gosto mais do velho milorde Ernolf, pois
ele tem mil vezes mais bom senso do que o filho, e dou a minha palavra de
que não creio que seja muito mais feio. Mas me surpreende muito que a
senhorita não queira se casar com ele, apesar de tudo, porque a senhorita
poderia ter feito exatamente o que quisesse com ele, o que, geralmente, não
teria sido uma circunstância inconveniente.
— Quando eu quiser um protegido — respondeu Cecilia —, eu
considerarei esta uma recomendação admirável, mas, se eu fosse me casar,
iria preferir encontrar um tutor.
— Estou certa de que não deveria — disse lady Honoria,
despreocupadamente —, pois já se tem muito o que fazer com tutores
antecipadamente, e a melhor coisa que sei sobre o casamento é como me
livrar deles. Imagino que também pense assim, só que é um discurso bonito
de se fazer. Oh, como minha irmã Eufrásia iria adorar a senhorita! Diga,
sempre foi tão séria quanto é agora?
— Não, sim. Na verdade, eu não sei.
— Imagino que este seja um ponto sombrio que fere seu espírito. Lembro-
me de que, quando a vi em St. James’s Square, a achei muito animada. Mas
realmente essas paredes grossas são suficientes para irritar os nervos, se
nunca antes o havia feito.
— Não creio que tenham um efeito tão ruim sobre Vossa Senhoria!
— Oh, sim, têm sim. Se Eufrásia estivesse aqui, ela dificilmente me
reconheceria. E a extrema falta de gosto e entretenimento em toda a família é
bastante melancólica, pois mesmo que por uma casualidade alguém tenha a
sorte de ouvir alguma informação, Mrs. Delvile dificilmente permitirá que
seja repetida, por medo de que seja falsa, como se isso significasse alguma
coisa. Estou certa de que saberia se as coisas são verdadeiras ou não, porque
contam tão bem uma como a outra, se tivesse paciência para escutá-las. Mas
ela é extremamente severa, a senhorita sabe, como são quase todas as
mulheres muito inteligentes, de modo que ela mantém uma espécie de
restrição sobre mim, queira ou não. No entanto, isso não é nada comparado
com seu caro esposo, pois ele é absolutamente insuportável. Tão solene e tão
enfadonho! Tão majestoso e tão cansativo! Mortimer também está ficando
cada vez pior. Formam um grupo muito triste! Ouso dizer que em breve ele
ficará tão horrível quanto o pai. A senhorita não acha?
— Na verdade, não. Eu não acho que haja muita semelhança — disse
Cecilia, com alguma hesitação.
— É a criatura mais alterada — continuou Sua Senhoria — que já vi em
minha vida. Eu já o considerei o jovem mais agradável do mundo uma vez,
mas, se a senhorita prestar atenção, está tudo acabado agora; ele está ficando
tão estúpido e sombrio quanto o resto deles. Gostaria que tivesse estado aqui
no verão passado. Eu garanto que a senhorita teria se apaixonado por ele.
— Eu deveria? — disse Cecilia, com um sorriso consciente.
— Sim, pois ele era muito encantador, cheio de animação e alegria, mas
agora, se não fosse pela senhorita, eu realmente acho que deveria fingir que
me perdi e, no lugar de atravessar aquela velha ponte levadiça, me jogar no
fosso. Eu queria que Eufrásia estivesse aqui. É o lugar certo para ela. Ela vai
se imaginar em um mosteiro assim que chegar, e nada a deixará mais feliz,
pois ela está sempre desejando se tornar uma freira, pobre tola.
— Existe alguma possibilidade de que lady Eufrásia venha?
— Oh, não, ela não pode neste momento, porque não seria apropriado; eu
quero dizer, se ela chegar a se casar com Mortimer.
— Casar-se com ele?! — repetiu Cecilia, muito consternada.
— Eu acredito, minha cara — disse lady Honoria, olhando-a com malícia
—, que a senhorita pensa em se casar com ele?
— Eu? Não, na verdade, não.
— Mas a senhorita parece muito culpada — disse ela, rindo —, e, de fato,
quando veio para cá, todos disseram que tudo estava arranjado.
— Que vergonha, lady Honoria! — disse Cecilia, novamente mudando de
cor. — Estou certa de que esta fantasia deve ser uma invenção sua...
— Não, eu garanto. Eu ouvi isso em vários lugares, e todos falavam sobre
a forma encantadora como sua fortuna reforçaria todas essas velhas
fortificações, mas algumas pessoas disseram que sabiam que Mr. Harrel a
tinha vendido a Mr. Marriot e que, se a senhorita se casasse com Mortimer,
haveria um processo que removeria metade dos seus bens, e outros disseram
que a senhorita havia prometido sua mão a Sir Robert Floyer, e que se
arrependeu quando soube de suas hipotecas, e ele declarou aos quatro cantos
que lutaria com qualquer homem que se apresentasse como um pretendente
seu, e, por outro lado, alguns disseram que a senhorita sempre foi casada em
segredo com Mr. Arnott, mas que não se atrevia a admitir, porque ele tinha
muito medo de duelar com Sir Robert.
— Lady Honoria! — exclamou Cecilia, rindo discretamente. — Que
invenções malucas são essas! E todas, espero, suas.
— Não, na verdade, os falatórios corriam por toda a cidade. Mas não ligue
para o que eu disse sobre Eufrásia, porque talvez isso nunca aconteça.
— Talvez — disse Cecilia, revitalizada por achar que tudo era fruto da sua
imaginação — este casamento nunca tenha sido cogitado.
— Ah, sim; está sendo negociado neste exato momento, creio eu, entre as
potências superiores. Apenas Mr. Delvile ainda não sabe se Eufrásia tem
fortuna suficiente para o que deseja.
“Ah”, pensou Cecilia, “como me alegro que minha situação de
independência me isente de ser descartada para sempre, dessa forma me
colocando à venda”.
— Eles pensaram em mim, uma vez, para Mortimer — continuou lady
Honoria, —, mas estou muito contente que isso tenha terminado, pois eu
nunca teria sobrevivido se fosse trancada neste lugar; é muito mais adequado
para Eufrásia. Para dizer a verdade, acredito que eles não conseguiram
dinheiro suficiente, mas Eufrásia tem fortuna própria, além do que vamos
herdar, pois vovó deixou para ela tudo o que estava em seu próprio poder.
— Lady Eufrásia é sua irmã mais velha?
— Oh, não, coitadinha, ela é dois anos mais nova. A vovó a criou, e ela
não viu nada no mundo, pois ainda não foi apresentada, então ela ainda não
pode aparecer, sabe, mas ela deve ser apresentada no próximo ano. No
entanto, ela viu Mortimer uma vez, mas não gostou nada dele.
— Não gostou dele?! — exclamou Cecilia, muito surpresa.
— Não, ela achou que ele era muito alegre. Oh, minha cara, eu gostaria
que ela pudesse vê-lo agora! Estou certa de que o acharia bastante triste. Ela é
a criaturinha mais formal e séria que alguém já viu. Às vezes, faz um sermão
por meia hora. Vovó não lhe ensinou nada a não ser fazer suas orações, de
modo que quase todas as palavras que disser, ela achará que são muito
perversas.
A conversa foi interrompida por sua separação para vestirem-se para o
almoço. Todo o assunto deixou Cecilia muito perplexa; ela não sabia no que
deveria acreditar ou não, mas sua principal preocupação surgiu da infeliz
mudança de semblante que lady Honoria havia notado com tanta rapidez.
Na próxima oportunidade em que ficou sozinha com Mrs. Delvile, a
senhora lhe disse:
— Miss Beverley — disse ela —, a sua pequena e barulhenta torturadora
lhe informou quem está vindo?
— A senhora se refere a lorde Derford?
— Sim, acompanhado por seu pai. A presença deles incomoda a senhorita?
— Não se, como espero, eles vierem meramente para visitar a senhora e
Mr. Delvile.
— Mr. Delvile e eu — respondeu ela, sorrindo — certamente teremos a
honra de recebê-los.
— Lorde Ernolf — disse Cecilia — nunca deverá supor que sua visita
provocará alguma mudança em mim. Fui muito explícita com ele, e ele
parecia igualmente racional e bem-educado para tolerar qualquer
importunação sobre o assunto.
— No entanto, muitos na cidade acreditam — disse Mrs. Delvile — que a
senhorita estava estranhamente ligada a Mr. Harrel, e, portanto, Sua Senhoria
pode provavelmente esperar que uma mudança em sua situação seja seguida
por uma mudança a seu favor.
— Eu lamentarei muito se assim for — disse Cecilia —, pois então ele
descobrirá que está muito enganado.
— A senhorita está certa, muito certa — disse Mrs. Delvile —, em
dificultar sua escolha e ganhar tempo para olhar ao redor antes de tomar uma
decisão. Eu renunciei a todas as perguntas sobre este tema, para que não
precisasse relutar em respondê-las, mas agora estou profundamente
interessada em seu bem-estar e não posso me contentar com a total ignorância
de seus desígnios. A senhorita permitiria, então, que eu fizesse algumas
perguntas?
Cecilia lhe ofereceu um pronto consentimento, ainda que corando.
— Diga-me, então, entre os muitos admiradores que a agraciaram, qual a
senhorita distingue com alguma intenção de preferência futura?
— Nenhum, madame!
— Entre tantos, não há um só que, daqui em diante, a senhorita pretende
distinguir?
— Ah, madame! — exclamou Cecilia, sacudindo a cabeça —, ainda que
pareçam muitos, tenho poucos motivos para me orgulhar deles. Há apenas um
que teria, creio eu, se minha fortuna fosse menor, pensado em mim; e há
apenas um que, se ela agora fosse diminuída, nenhuma vez pensaria em mim.
— Esta sinceridade — disse Mrs. Delvile — é exatamente o que eu
esperava encontrar. Existe, então, um?
— Eu acredito que sim. Mr. Arnott é o homem em questão. Eu estaria, de
fato, muito enganada, se sua preferência por mim não fosse verdadeiramente
desinteressada, e eu quase desejo...
— O quê, meu amor?
— Que eu pudesse retribuir com mais gratidão.
— E a senhorita não pode?
— Não, eu não posso. Eu o estimo, tenho o mais sincero respeito por seu
caráter, e se agora, por alguma necessidade fatal, me visse obrigada a
pertencer a qualquer um dos que tiveram o prazer de se dirigir a mim, não
hesitaria um momento em mostrar-lhe minha gratidão, mas, ainda assim, ao
menos por algum tempo, tal prova me deixaria muito infeliz.
— A senhorita pode pensar assim agora — respondeu Mrs. Delvile —,
mas com sentimentos tão fortemente a seu favor, provavelmente será levada a
sentir pena e aceitá-lo.
— Na verdade, não, madame. Não pretendo, admito, abrir meu coração
com a senhora. Não sei se teria paciência para um detalhe tão pouco
interessante, mas embora haja algumas coisas que não me atrevo a
mencionar, não é minha intenção, acredite, enganá-la.
— Eu acredito — exclamou Mrs. Delvile, abraçando-a. — E ainda mais
prontamente porque, não apenas entre seus admiradores declarados, mas
entre toda a raça dos homens, conheço apenas um a quem deva pensar que a
senhorita foi dignamente entregue.
“Ah!”, pensou Cecilia, “apenas um! Quem seria a exceção?”
— Para lhe provar — continuou ela — que merecerei sua confiança no
futuro, vou abster-me de angustiá-la com mais perguntas neste momento.
Creio que a senhorita não vai agir materialmente sem me consultar, e, por
seus pensamentos, seria tirania, não amizade, investigá-los de forma mais
minuciosa.
A gratidão de Cecilia por tamanha delicadeza a teria induzido
instantaneamente a revelar todos os segredos da sua alma, se ela não temesse
que tal confissão pudesse parecer solicitar seu interesse e ajuda no único
assunto em que ela teria desdenhado até mesmo de recebê-los. Assim, ela lhe
agradeceu por sua gentileza e a conversa foi encerrada.
Ela gostaria muito de saber se tais indagações surgiam simplesmente de
uma curiosidade amigável ou se a outra desejava, por algum motivo mais
próximo, ficar satisfeita com relação à sua liberdade ou compromissos. Isso,
no entanto, ela não tinha como descobrir, e, portanto, viu-se obrigada a
aguardar em silêncio até que o tempo esclarecesse tudo.
CAPÍTULO 56

UMA TEMPESTADE

Em uma tarde, mais ou menos no final de julho, lady Honoria e Cecilia


adiaram a caminhada até muito tarde, e então, por acharem o tempo muito
agradável, caminharam jardim adentro por duas milhas distantes da casa,
quando foram recebidas pelo jovem Delvile, que, no entanto, apenas as
lembrou de quão longe estavam e que tinham de voltar, e seguiu adiante.
— Ele está ficando insuportável — disse lady Honoria quando ele se foi.
— É realmente uma coisa muito melancólica ver um jovem comportar-se
como um velho monge. Ouso dizer que dentro de uma semana não tirará o
chapéu para nós e, em cerca de duas semanas, suponho que se fechará em
uma daquelas pequenas torres redondas, raspará a cabeça e viverá de raízes, e
uivará se alguém se aproximar dele. Eu realmente meio que me pergunto se
ele não acha que é muito perigoso deixar Fidel correr atrás dele. Mil contra
um que, em algum dia desses, ele dará um tiro nele por latir repentinamente
quando estiver tendo um desses ataques de tristeza. No entanto, algo deve
estar acontecendo com ele. Talvez esteja apaixonado.
— O problema não pode ser outro? — perguntou Cecilia.
— Não, eu não sei, mas estou certa de que, se estiver, sua amante não tem
muita oportunidade para sentir ciúme da senhorita ou de mim, pois nunca,
creio eu, duas pobres donzelas foram tão negligenciadas.
A mais extrema arte da malícia não poderia ter proporcionado um discurso
mais verdadeiramente mortificante para Cecilia do que essa arremetida
impensada e acidental de lady Honoria. Particularmente, porém, em guarda,
por causa da zombaria que já havia suportado, ela respondeu, com aparente
indiferença: — Talvez esteja meditando sobre lady Eufrásia.
— Oh, não! — exclamou lady Honoria. — Simplesmente porque ele não a
notou quando a viu. Estou certa de que, se ele se casar com ela, será apenas
porque não pode evitar.
— Pobre lady Eufrásia!
— Oh, não, em absoluto. Ele fará dois ou três belos discursos e então ela
ficará perfeitamente satisfeita, especialmente se ele olhar para ela com tanta
tristeza quanto olha para nós. O que provavelmente ele fará com facilidade, já
que não gosta de olhar para ela. Mas ela é uma criaturinha romântica e nunca
vai suspeitar dele.
Nesse momento, elas ficaram um tanto alarmadas por uma escuridão
repentina no ar, a qual foi logo seguida por uma tempestade de trovões. Elas
imediatamente mudaram o curso e começaram a correr na direção da casa,
quando uma violenta chuva as obrigou a refugiarem-se sob uma grande
árvore, onde depois de dois minutos foram acompanhadas por Delvile, que
viera oferecer sua ajuda para levá-las rapidamente para casa. Ao ver que os
trovões e relâmpagos continuavam, ele pediu que seguissem em frente,
desafiando a chuva, pois sua situação atual as expunha a mais perigo do que
um chapéu e capa molhados, que poderiam ser trocados em um instante.
Cecilia concordou prontamente, mas lady Honoria, extremamente
assustada, protestou que não se moveria até que a tempestade passasse. Ele
tentou em vão demonstrar seu erro ao supor que estava em segurança; ela
agarrou-se à árvore, gritou a cada clarão de relâmpago e todo o seu espírito
alegre se perdeu em suas apreensões.
Delvile então propôs seriamente a Cecilia que a conduziria até a casa e
retornaria para atender lady Honoria. Porém, Cecilia achou que estava errado
abandonar a companheira e que não estava correto aceitar sua ajuda
separadamente. Portanto, durante algum tempo, eles esperaram juntos, mas a
tempestade aumentou com grande violência, os trovões ficaram mais altos e
os relâmpagos se tornaram mais fortes. Delvile ficou impaciente, até mesmo
com raiva da resistência de lady Honoria, e protestou entusiasticamente
contra sua loucura e contra o perigo de ficar embaixo de uma árvore durante
uma tempestade. O momento presente não era para aulas de ciência;
prevenções que ela nunca havia aprendido a superar a faziam pensar que
estava em um lugar seguro, e agora estava apavorada demais para argumentar
com justiça.
Ao constatar sua obstinada determinação, Delvile disse impacientemente a
Cecilia: — Vamos, então, Miss Beverley, não devemos esperar mais. Vou
levá-la para casa e depois voltar para lady Honoria.
— Absolutamente — disse ela —, minha vida não é mais preciosa do que
as de vocês e, portanto, pode correr os mesmos riscos.
— Sua vida é mais preciosa — disse ele, com veemência — do que o ar
que eu respiro! — ele pegou sua mão, puxou-a para baixo do braço e, sem
esperar seu consentimento, quase a forçou a ir com ele, dizendo enquanto
corriam: — Como poderiam mil ladies Honorias recompensar o mundo pela
perda de uma Miss Beverley? Na verdade, podemos encontrar milhares como
lady Honoria, mas como Miss Beverley, onde encontraríamos outra?
Cecilia, surpresa, mas satisfeita, não conseguia falar, pois a corrida quase a
deixou sem fôlego, e antes que estivessem perto de casa, diminuindo o passo
e ofegando, ela confessou que suas forças estavam exauridas e que não
poderia ir mais rápido.
— Vamos então parar e descansar — disse ele. — Mas por que a senhorita
não se apoia em mim? Certamente este não é o momento para ter escrúpulos,
e para escrúpulos vãos e desnecessários, Miss Beverley nunca encontra
tempo.
Cecilia, então, instigada tanto pela vergonha do seu discurso quanto pela
fraqueza do cansaço, apoiou-se em seu braço, mas logo se arrependeu de sua
condescendência, pois Delvile, com uma emoção que parecia achar
completamente irreprimível, exclamou apaixonadamente: — Fardo doce e
adorável! Por que não é sempre assim?
A força de Cecilia foi restaurada instantaneamente e ela rapidamente
deixou o seu controle. Ele permitiu que ela se soltasse, mas disse com voz
vacilante: — Perdoe-me, Cecilia! Madame! Miss Beverley, eu quero dizer.
Cecilia, sem oferecer uma resposta, caminhou sem ajuda o mais rápido que
pôde, e Delvile, não ousando opor-se a ela, seguiu-a em silêncio.
Eles haviam dado apenas alguns passos antes que caísse uma violenta
chuva de granizo. O vento, que estava muito forte, atingiu violentamente os
seus rostos, e Cecilia, assim bombardeada e incomodada, era frequentemente
obrigada a parar, desafiando seus maiores esforços para avançar. Delvile
aproximou-se dela e propôs que ela ficasse novamente embaixo de uma
árvore, já que os trovões e relâmpagos pareciam ter terminado, e que
esperasse até que a fúria do granizo passasse. Cecilia, embora nunca antes
estivesse tão pouco disposta a agradá-lo, estava tão angustiada com a
violência do vento e do granizo, que se viu obrigada a obedecer.
Cada instante agora parecia uma eternidade; contudo, nem o granizo nem
o vento diminuíram. Nesse meio tempo, os dois ficaram em silêncio e,
embora com sentimentos diferentes, estavam igualmente desconfortáveis. No
entanto, Delvile, que teve o cuidado de posicionar-se do lado de onde o vento
soprava com mais força, percebeu que, apesar de seus esforços para mantê-la
segura, algumas pedras de granizo haviam se alojado em sua fina capa de
verão. Ele tirou o chapéu, embora não se aventurasse a tocá-la, e segurou-o
de maneira a protegê-la melhor.
Cecilia não mais podia se manter calada ou impassível. Ela virou-se para
ele com muita emoção e disse: — Por que está fazendo isso, Mr. Delvile?
— O que eu não faria — disse ele — para obter o perdão de Miss
Beverley?
— Bem, bem. Coloque o chapéu de volta.
— É uma ordem?
— Certamente, não. Mas é o meu desejo.
— Ah! — exclamou ele, imediatamente colocando o chapéu de volta. —
De quem seriam as ordens que possuem metade do peso de seus desejos?
Então, após outra pausa, ele acrescentou: — A senhorita me perdoa?
Cecilia, envergonhada pela causa de sua discórdia e abrandada pela
severidade das suas maneiras, respondeu prontamente: — Sim, sim. Por que
me fazer lembrar de tal absurdo?
— Dona de infinita doçura — disse ele, calorosamente, enquanto segurava
sua mão — é Miss Beverley. Oh, seu eu tivesse o poder... se não fosse
completamente impossível... que cruel é a minha situação...
— Me parece — disse ela, muito agitada, puxando a mão com força —
que o senhor vai me dar uma lição sobre a loucura de temer o mau tempo em
algum outro momento.
Ela correu para longe da árvore, e Delvile, ao notar um dos criados
aproximar-se com um guarda-chuva, adiantou-se para apanhá-lo e instruí-lo a
se apressar na direção de lady Honoria.
Depois, voltando-se para Cecilia, ele o teria segurado sobre sua cabeça,
mas, com ar de desgosto, ela o segurou com as próprias mãos.
— A senhorita não permitirá que eu o carregue? — perguntou ele.
— Não, senhor, não há motivo para isso.
Eles então prosseguiram silenciosamente.
A tempestade logo passou, mas o céu estava escuro e, como haviam
abandonado a trilha enquanto corriam para chegar à casa por um atalho, o
caminho era muito ruim pela altura da grama e pelo desnível do solo, e
Cecilia encontrou extrema dificuldade para caminhar. Mesmo assim, ela
recusou resolutamente qualquer ajuda de Delvile, que caminhava
ansiosamente ao seu lado e parecia igualmente temeroso por si mesmo, e
também por ela, de tornar-se inoportuno.
Por fim, eles chegaram a um lugar onde Cecilia não conseguia passar.
Delvile, então, tornou-se mais urgente para ajudá-la. Firme, no entanto, ao
recusar todo o auxílio, ela preferiu dar uma volta considerável até outra parte
do jardim que levava à casa. Delvile, tanto zangado quanto mortificado,
desistiu de ajudá-la, mas a seguiu sem dizer uma palavra.
Cecilia, embora não sentisse todo o ressentimento que demonstrava, ainda
julgava necessário manter sua postura, pois estava muito irritada pela
constante incoerência do seu comportamento e considerava completamente
impróprio sofrer, sem esmorecimento, ocasionais ataques de ternura por parte
de alguém que, em sua conduta geral, comportava-se com a mais escrupulosa
reserva.
Eles chegaram ao castelo, mas, ao percorrerem um caminho na parte de
trás, chegaram a uma passagem pequena e estreita que obstruía a entrada do
guarda-chuva. Delvile, uma vez mais, e quase involuntariamente, ofereceu-se
para ajudá-la, mas ela soltou a mola e disse friamente que não tinha mais uso
para aquela proteção.
Ele então avançou para abrir um pequeno portão que conduzia a outra
longa passagem que levava ao saguão, mas, ao ouvir os criados se
aproximando, ele o segurou por um instante e, em um tom de voz muito
abatido, disse: — Estou triste por vê-la assim ofendida, mas, se pudesse
conhecer metade da miséria do meu coração, a generosidade do seu próprio a
faria lamentar toda essa severidade — então, ele abriu o portão, fez uma
reverência e seguiu por outro caminho.
Cecilia estava agora entre os criados, mas tão surpresa e admirada com a
fala inesperada de Delvile, que instantaneamente transformou toda a sua ira
em tristeza, e mal ouvia o que diziam para ela, nem o que respondia, embora
todos indagassem em uma só voz o que havia acontecido com lady Honoria e
para onde deveriam correr para procurá-la.
Mrs. Delvile também apareceu e ela viu-se obrigada a se recompor. Ela
imediatamente sugeriu que Cecilia fosse para a cama e bebesse soro de vinho
branco para evitar um resfriado. Na verdade, ela não temia o resfriado, mas
concordou com a sugestão, pois estava confusa e consternada com o que
tinha acontecido, e totalmente incapaz de manter uma conversa. Sua
perplexidade e angústia foram, entretanto, todas atribuídas ao cansaço e ao
medo, e Mrs. Delvile, tendo ajudado a levá-la apressadamente para a cama,
foi desempenhar a mesma tarefa para lady Honoria, que chegava naquele
instante.
Finalmente sozinha, ela revolveu em sua mente a aventura da tarde e todo
o comportamento de Delvile desde o dia em que o conhecera. Que ele a
amava com ternura, com carinho, parecia não haver qualquer dúvida. Por
mais distante e frio que parecesse quando agia com cautela e planejamento,
no momento em que estava desprevenido pela surpresa, pelo terror, ou
acidente de qualquer tipo, no momento em que era traído pela sua natureza e
temperamento, ele estava constantemente certo de encontrar um olhar mais
animado e lisonjeiro. Este olhar, entretanto, não era mais evidente do que seu
desejo de ocultá-lo e dominá-lo. Ele parecia temer até mesmo a visão dela e
impor a si mesmo a mais rígida tolerância de todas as conversas ou relações
com ela. Qual era a origem disso? Que causa estranha e insondável poderia
tornar necessária uma conduta tão misteriosa? Na verdade, ele não sabia que
ela mesma desejava que isso mudasse, mas não podia ignorar que uma
oportunidade com quase qualquer mulher valeria a pena tentar.
O obstáculo que assim o desencorajava seria a condição imposta pela
vontade do tio de dar o próprio nome ao homem com quem se casasse?
Quanto a isso, ela mesma acreditava ser uma circunstância desagradável, mas
ainda assim tão comum para uma herdeira, que dificilmente poderia superar
as muitas vantagens de tal conexão.
Henrietta novamente veio à sua mente; a carta que tinha visto em suas
mãos ainda não tinha explicação. No entanto, toda a sua convicção de que
Henrietta não era amada por ele, aliada à certeza de que só o afeto poderia
fazê-lo pensar nela, diminuía suas suspeitas a cada momento.
Lady Eufrásia Pemberton, por fim, também ocupou sua mente, e ela
pensou que provavelmente algum acordo estava sendo negociado com o
duque de Derwent. Ela tinha todas as razões para acreditar que Mrs. Delvile
era sua amiga, embora fosse escrupulosamente delicada para evitar
provocações ou observações sobre o assunto de seu filho, a quem raramente
mencionava, a não ser em ocasiões nas quais Cecilia não pudesse ter nenhum
interesse possível. Portanto, o pai, apesar de tudo o que Mr. Monckton havia
dito em sentido contrário, parecia ser o verdadeiro obstáculo. Seu orgulho
poderia facilmente se opor às condições do nascimento de Cecilia, que,
embora não fossem desprezíveis, eram meramente decentes, e que, se
rastreadas além do seu avô, perderiam todo o título, inclusive aquele
sobrenome.
— Se esta é, afinal — disse Cecilia —, a sua verdadeira situação, como
posso censurar sua conduta? Pois, embora tenha parecido caprichoso para
mim, ele, de fato, agiu por necessidade. Se seu pai insiste em formar outra
conexão, ele não tem sido honrado, prudente e justo ao evitar um objeto que
o fizesse pensar em desobediência, e se esforçado para mantê-la ignorante de
um favoritismo que é seu dever refrear?
Assim, tudo o que restava a ela fazer ou resolver, era guardar seu próprio
segredo com o zelo mais assíduo do que nunca, e uma vez que havia
descoberto que sua união era considerada impossível por ele mesmo, ela
deveria esconder de seu conhecimento que ele não era o único a lamentar.
CAPÍTULO 57

UM MISTÉRIO

Por dois dias, como consequência dos fortes resfriados apanhados durante
a tempestade, lady Honoria Pemberton e Cecilia ficaram confinadas em seus
aposentos. Cecilia, satisfeita pela solidão e pela reflexão para recompor seu
ânimo e definir seu plano de conduta, de boa vontade ainda teria prolongado
seu retiro, mas o abrandamento do seu resfriado não lhe proporcionou
pretextos, e, no terceiro dia, viu-se obrigada a deixar o quarto.
Lady Honoria, embora menos recuperada, por ter sido a maior sofredora,
estava impaciente com as restrições e não se negou a abandonar seu quarto ao
mesmo tempo. Toda a família, então, estava reunida como de costume à
refeição.
Mr. Delvile, com sua costumeira solenidade de cortesia, fez várias
indagações e felicitações pelo perigo e pela segurança delas, com cuidado em
ambos os casos, dirigindo-se primeiramente à lady Honoria, e depois, com
mais majestade em sua amabilidade, a Cecilia. Sua senhora, quem
frequentemente visitava as duas, não tinha nada de novo para ouvir.
Delvile não apareceu até que todos estivessem sentados, quando,
apressadamente, disse que estava feliz por ver as duas damas tão bem
novamente. Ele imediatamente começou a trinchar a carne, com a agitação de
um homem que temia confiar em si mesmo para ficar sentado sem fazer nada.
Porém, enquanto ele falava, Cecilia ficou muito pouco impressionada com o
tom melancólico da sua voz e, no momento em que ergueu os olhos, percebeu
que seu semblante estava igualmente triste.
— Mortimer — disse Mr. Delvile —, estou certo de que você não está
bem. Eu não posso imaginar por que não pode pedir algum conselho.
— Se eu chamasse um médico, senhor, ele teria muito mais dificuldade em
imaginar que conselho me dar — disse Delvile, com afetada alegria.
— Permita-me, entretanto, Mr. Mortimer — disse lady Honoria —,
retribuir meus humildes agradecimentos pela honra de sua ajuda durante a
tempestade. Receio que tenha adoecido por me atender.
— Vossa Senhoria — respondeu Delvile, corando muito, mas fingindo rir
— tornou-me um covarde tão grande que fugi da vergonha de minha própria
inferioridade de coragem.
— Você estava, então, com lady Honoria durante a tempestade? —
perguntou Mrs. Delvile.
— Não, madame! — exclamou lady Honoria, rapidamente. — Mas ele foi
suficientemente gentil em me deixar durante a tempestade.
— Mortimer — disse Mr. Delvile —, isso é possível?
— Lady Honoria foi uma heroína — respondeu Delvile — e recusou
completamente receber qualquer tipo de ajuda; sua coragem era tão mais
destemida do que a minha, que ela se aventurou a enfrentar os relâmpagos
embaixo de um carvalho!
— Cara Mrs. Delvile — disse lady Honoria —, pense no quão simplória
ele me considerou. Ele queria me persuadir de que ao ar livre eu estaria
menos exposta ao perigo do que sob o abrigo de uma grande árvore.
— Lady Honoria — respondeu Mrs. Delvile, com um sorriso sarcástico
—, na próxima vez que a senhorita me obrigar a ouvir uma história de
escândalos, eu vou insistir em uma punição onde a senhorita vai ler um dos
livrinhos de Mr. Newbury. Há vinte deles que irão lhe explicar esta questão, e
tal leitura irá, pelo menos, empregar seu tempo de forma tão útil quanto os
seus contos.
— Bem, madame — respondeu lady Honoria —, eu não sei se a senhora
está rindo de mim ou não, mas realmente cheguei à conclusão de que Mr.
Mortimer apenas escolheu se divertir em um tête-à-tête com Miss Beverley.
— Ele não estava com Miss Beverley — disse Mrs. Delvile, rapidamente.
— Ela estava sozinha, eu mesma a vi no momento em que entrou.
— Sim, madame, mas não naquele momento, pois ele já tinha partido —
disse Cecilia, esforçando-se, mas sem muito sucesso, para falar com
compostura.
— Eu tive a honra — disse Delvile, fazendo com igual sucesso a mesma
tentativa — de acompanhar Miss Beverley até o pequeno portão, e já estava
voltando para lady Honoria quando encontrei Sua Senhoria, que acabava de
chegar.
— Que extraordinário, Mortimer — disse Mr. Delvile, com olhar fixo —,
auxiliar lady Honoria por último!
— Não fique zangado, senhor — exclamou lady Honoria alegremente —,
eu não tinha a intenção de fazer mexericos!
O assunto foi abandonado, para grande satisfação de Delvile e de Cecilia,
que se esforçaram mutuamente para falar sobre o próximo assunto, para
evitar uma repetição do primeiro.
Quando o temor havia desaparecido, Delvile não disse muito mais; a
tristeza pesava em sua mente, ele estava ausente, perturbado e inquieto. No
entanto, não mais se esforçava para evitar Cecilia; pelo contrário, quando ela
se levantou para sair da sala, ele pareceu evidentemente desapontado.
Os resfriados das damas as mantiveram em casa durante toda a tarde, e
Delvile, pela primeira vez desde sua chegada ao castelo, juntou-se a elas para
o chá. Nem quando terminou ele se retirou como de costume: demorou-se,
fingiu ser atraído por um panfleto e parecia tão ansioso para falar com Cecilia
como até então parecia querer evitá-la. Cecilia percebeu a mudança com nova
emoção e nova angústia. O que ele poderia ter a dizer, ela não podia
conjecturar, mas tudo o que antecedeu sua comunicação a convenceu de que
não era nada que ela pudesse desejar, e por mais que desejasse alguma
explicação de seus propósitos, quando o momento tão esperado parecia
chegar, as suposições eram as mais cruéis; elas reprimiram sua impaciência e
abrandaram sua curiosidade. Ela lamentou sinceramente sua infeliz estada em
sua casa, onde a adoração de cada habitante, desde seu pai ao criado mais
inferior, a haviam impressionado com a mais forte crença de seu valor, e em
grande medida, embora imperceptivelmente, aumentara seu respeito por ele,
uma vez que não havia mais nenhuma dúvida, mas a certeza de que algum
obstáculo cruel, algum obstáculo fatal, proibia sua união.
Todos os seus esforços concentravam-se agora em reunir coragem para
ouvi-lo com compostura, mas, embora, quando sozinha, ela pensasse que
qualquer descoberta seria preferível à suspeita, toda sua coragem falhava
quando Delvile aparecia, e se ela não podia deter lady Honoria, ela a seguia
involuntariamente.
Assim se passaram quatro ou cinco dias, período no qual a saúde de
Delvile parecia sofrer com sua mente, e embora ele se recusasse a reconhecer
que estava doente, era evidente para todos que estava longe de sentir-se bem.
Mr. Delvile frequentemente o instava a consentir em receber alguns
conselhos médicos, mas ele sempre se reanimava, embora com ânimo
forçado e transitório, diante da menção de um médico, e a proposta terminava
em nada.
Mrs. Delvile também acabou ficando alarmada; suas perguntas eram mais
penetrantes e diretas, mas não obtinham maior êxito. Todo ataque deste tipo
era seguido de alegria imediata, a qual, embora limitada, servia naquele
momento para mudar de assunto. Mrs. Delvile, entretanto, não tinha a
intenção de ser enganada: ela observava o filho incessantemente e parecia
sentir uma inquietação pouco menor do que a dele.
A angústia de Cecilia aumentava a cada minuto, e a dificuldade para
ocultá-la tornava-se cada vez mais dolorosa. Ela acreditava ser a causa do
abatimento do filho, e esse pensamento a fazia sentir-se culpada na presença
da mãe. A explicação que esperava a ameaçava com um novo sofrimento, e a
coragem para suportá-la ela tentava em vão adquirir. Seu coração estava
cruelmente oprimido, a apreensão e a suspeita nunca a deixavam. O descanso
a abandonava à noite e a alegria durante o dia.
Nesta ocasião, os dois lordes, Ernolf e Derford, chegaram, e Cecilia, que a
princípio havia lamentado seu propósito, agora regozijava-se em sua
presença, pois dividiam a atenção de Mrs. Delvile, que agora temia não estar
totalmente voltada para o filho, e porque a poupavam de precisar ter a força e
o bom humor de lady Honoria para si mesma.
Suas observações imediatas sobre a má aparência de Delvile
surpreenderam tanto Cecilia quanto a mãe dele ainda mais do que seus
próprios temores, os quais esperavam ser mais o resultado da apreensão do
que da razão. Cecilia agora se censurava severamente por ter adiado a
conferência que ele evidentemente buscava, sem dúvida, ela havia
contribuído para sua indisposição ao negar o alívio que ele poderia esperar da
conclusão do caso. Por mais melancólica que parecesse a ideia, ainda era um
motivo para superar sua relutância e determiná-la a não mais evitar o que
parecia necessário suportar.
No entanto, um raciocínio mais profundo, quando parte de casuístas
agradáveis, com frequência delibera com atraso e torna suas resoluções sem
efeito. Este era o caso de Cecilia. Na mesma manhã em que desceu as escadas
preparada para receber com firmeza o golpe que acreditava já ser esperado,
Delvile, que desde a chegada dos dois senhores sempre comparecera ao
desjejum, reconheceu, em resposta às sérias indagações de sua mãe, que tinha
um resfriado e dor de cabeça. Se ele, ao mesmo tempo, reconhecesse uma
pleurisia e febre, o alarme instantaneamente estendido a toda a família não
poderia ter sido maior. Mr. Delvile tocou furiosamente a campainha e
ordenou que um homem e um cavalo fossem enviados naquele momento para
buscar o Dr. Lyster, o médico da família, e que não retornassem sem ele, se
estivesse vivo. Mrs. Delvile, não menos angustiada, embora mais calada,
fixou os olhos no filho com uma expressão de ansiedade que revelava que
toda a sua felicidade estava ligada àquela recuperação. Delvile esforçou-se
para afastar o medo deles, garantindo-lhes que estaria bem no dia seguinte e
representando em termos ridículos a busca do Dr. Lyster.
O comportamento de Cecilia, guiado pela prudência e modéstia, foi firme
e composto; ela acreditava que sua doença e seu mal-estar eram os mesmos
que os dela e lady Honoria, e esperava que a decisão que havia tomado
trouxesse alívio para ambos, enquanto os terrores de Mr. e Mrs. Delvile
pareciam tão descomedidos, que os seus diminuíam mais do que
aumentavam.
Dr. Lyster logo chegou; ele era um médico afetuoso e excelente, e também
um homem de muito bom senso. Delvile, muito alegre, apertou a mão dele e
disse:
— Acredito, Dr. Lyster, que o senhor não esperava encontrar um paciente
tão bem. Já me diagnostiquei.
— O quê?! — exclamou o doutor. — Vamos, vamos, o senhor não deve
me ensinar minha própria profissão. Quando atendo um paciente, venho para
dizer como ele está, não para ouvir.
— Ele está, então, doente?! — exclamou Mrs. Delvile. — Oh, Mortimer,
por que você nos enganou assim?
— Qual é a doença dele? — perguntou Mr. Delvile. Vamos pedir mais
ajuda. Quem devemos chamar, doutor?
Ele novamente tocou a campainha.
— O que é isso, agora? — disse o Dr. Lyster, com frieza. — Não
precisamos de mais ninguém. Espero poder prescrever uma receita para um
resfriado sem precisar consultar alguém.
— Mas como pode estar certo de que é apenas um resfriado? — perguntou
Mr. Delvile. — Não poderia ser uma doença terrível...
— Por favor, senhor, tenha paciência — interrompeu o médico. — Mr.
Mortimer e eu teremos uma conversa agora. Enquanto isso, vamos todos nos
sentar e nos comportar como cristãos. Nunca converso com o paciente na
frente de outras pessoas. É difícil se não me deixarem ser um cavalheiro
durante dois minutos.
Lady Honoria e Cecilia teriam então se levantado, mas nem o Dr. Lyster
nem Delvile permitiram que elas se retirassem, e uma conversa
razoavelmente animada teve lugar, após a qual o grupo se separou e o médico
acompanhou Delvile aos seus próprios aposentos. Cecilia então subiu as
escadas, onde esperou impacientemente por alguma informação. Cerca de
meia hora depois, como não havia recebido nenhuma, ela voltou para a sala e
a encontrou vazia, mas logo se uniu à lady Honoria e lorde Ernolf.
Lady Honoria, feliz porque alguma coisa estava acontecendo e não muito
preocupada se era boa ou não, estava tão ansiosa para comunicar o que havia
descoberto quanto Cecilia para ouvir.
— Bem, minha cara — disse ela —, então eu não descobri que, afinal,
toda essa doença prodigiosa será colocada em sua conta?
— Em minha conta?! — exclamou Cecilia. — Como isso é possível?
— Ora, aquele franguinho pegou um resfriado na tempestade da semana
passada, e como não foi colocado na cama por sua mãe e cuidado com soro
de vinho branco, o pobrezinho está com febre.
— Ele é um rapaz excelente — disse lorde Ernolf. — Eu lamentaria muito
se qualquer coisa acontecesse com ele.
— Ele era um rapaz excelente, milorde — disse lady Honoria —, mas
ultimamente se tornou intoleravelmente estúpido. No entanto, é tudo culpa de
seu pai e de sua mãe. Já viu alguma coisa mais ridícula do que o
comportamento deles nessa manhã? Foi com muita dificuldade que evitei rir
na cara deles. De fato, eu acredito que, se acontecesse um incidente infeliz
com Mortimer, seu pai logo o transformaria em uma estátua de mármore. Na
verdade, ele está um pouco melhor agora.
— No entanto, sou capaz de perdoar Mr. Delvile — respondeu lorde
Ernolf — por sua ansiedade em relação ao filho, já que é o último de uma
família tão antiga.
— Essa é sua grande desgraça, milorde — respondeu lady Honoria —,
porque é precisamente a razão pela qual o fazem de fantoche. Se houvesse
mais alguns pequenos mestres a quem mimar e acariciar, eu respondo por
isso, aquele precioso Mortimer logo seria deixado por sua própria conta, e
então, na verdade, acredito que ele seria um tipo de jovem bastante tolerável.
A senhorita não concorda, Miss Beverley?
— Oh, sim! — disse Cecilia. — Eu acredito... acho que sim.
— Não, não, não perguntei se o acha tolerável agora, então não precisa se
assustar.
Neste momento, eles foram interrompidos pela entrada do Dr. Lyster.
— Bem, senhor — disse lady Honoria —, e quando devo começar meu
luto por meu primo Mortimer?
— Muito em breve — respondeu ele —, a menos que cuidem melhor dele.
Ele me confessou que, depois de sair na tempestade na quarta-feira passada,
ficou sentado com suas roupas molhadas durante toda a noite.
— Meu caro — disse lady Honoria —, e o que isso poderia fazer por ele?
Não tinha ideia de que um homem precisa de um lenço de cambraia em volta
do pescoço.
— Talvez Vossa Senhoria preferisse que ele o usasse nos olhos? —
perguntou o médico. — No entanto, sentar-se inativo em roupas molhadas
derrubaria até um homem mais robusto do que Mr. Delvile, mas ele se
esqueceu disso, segundo diz. Qual das duas jovens poderia ter lhe dado um
bom motivo?
— Sua mais obediente serva — disse lady Honoria —, mas por que seria
uma dama a lhe dar um bom motivo e não um cavalheiro?
— Eu não sei — respondeu o médico secamente —, mas por falta de
prática, imagino.
— Ainda pior! — exclamou lady Honoria. — O senhor nunca será meu
médico; se fosse, eu ficaria ainda mais doente.
— Tanto melhor — respondeu ele —, pois então deverei ter a honra de
atendê-la curada e não doente.
Com um sorriso bem-humorado, ele as deixou ao mesmo tempo em que
lorde Derford entrou na sala e Cecilia conseguiu uma desculpa para caminhar
até o jardim.
O relato que havia escutado redobrou sua inquietação. Ela estava
consciente de que qualquer que fosse a indisposição de Delvile, fosse ela
mental ou física, ela mesma tinha sido a causa; por meio dela, ele havia sido
negligente, ela o deixara distraído, e ao consultar seus próprios temores em
detrimento de sua paz, ela havia evitado uma explicação, embora ele a tivesse
buscado vigilantemente. Ela desconhecia, ele havia dito, metade da miséria
do seu coração. “Infelizmente”, pensou ela, “ele nem suspeita do estado do
meu”.
Lady Honoria não permitiu que ela ficasse muito tempo sozinha. Cerca de
meia hora depois, ela correu atrás de Cecilia, dizendo alegremente: — Oh,
Miss Beverley, a senhorita perdeu a diversão mais deliciosa do mundo!
Acabo de presenciar a cena mais ridícula com milorde Derford que alguém já
viu na vida! Perguntei a ele o que lhe deu na cabeça para se apaixonar pela
senhorita, e ele teve a simplicidade de responder, muito sério, que foi o pai
dele.
— Ele estava certo — disse Cecilia —, se o desejo de unir dois
patrimônios deve ser denominado estar apaixonado; por isso, com certeza a
ideia foi colocada em sua cabeça por seu pai.
— Oh, mas a senhorita não ouviu nem a metade. Eu disse a ele, então, que,
como amiga, em segredo deveria familiarizá-lo de que eu acreditava que a
senhorita pretendia se casar com Mortimer.
— Meu Deus, lady Honoria!
— Oh, a senhorita vai saber a razão, porque, como eu lhe assegurei, seria
apropriado que ele o chamasse imediatamente para dar explicações.
— A senhorita enlouqueceu, lady Honoria?
— O senhor sabe, disse eu, Miss Beverley já teve um duelo travado por
ela, e uma dama que uma vez recebe tal honra, sempre espera o mesmo de
cada novo pretendente, e eu realmente acredito que o fato de o senhor não
observar esta particularidade seja a verdadeira causa da sua frieza.
— É possível que tenha falado de forma tão bárbara?
— Sim, e o que é muito melhor, ele acreditou em cada palavra que eu
disse.
— Muito melhor? Não, na verdade, é muito pior! E se, de fato, ele é tão
excepcionalmente fraco, eu realmente estarei em dívida com Vossa Senhoria
por ter dado a ele tais noções.
— Oh, eu não faria isso por nada no mundo, pois nunca em minha vida ri
com tanta imoderação. Ele me assegurou que não tinha medo, pois disse que
praticava esgrima mais do que qualquer outra coisa; então, fiz com que ele
prometesse enviar um desafio a Mortimer assim que ele estiver bem o
suficiente para descer, já que o Dr. Lyster ordenou que ficasse em seu quarto.
Cecilia sufocou sua preocupação com a última informação fingindo senti-
la apenas por conta da primeira; ela protestou com lady Honoria por causa de
uma brincadeira tão travessa e implorou, com veemência, que ela voltasse e
retirasse tudo o que havia dito.
— Nunca! — exclamou ela. — Ele não tem a mínima coragem e ouso
dizer que não lutaria para salvar a nação inteira da destruição; mas eu vou
fazê-lo acreditar que é necessário, para lhe dar algo em que pensar, porque,
na verdade, sua pobre cabeça está tão vazia que tenho certeza de que, se
alguém pudesse brincar com ela com gravetos, soaria como um tambor.
Cecilia achou inútil lutar contra aquelas fantasias e viu-se finalmente
obrigada a se submeter.
Ela passou o resto do dia de forma muito desagradável. Delvile não
apareceu, seu pai estava inquieto e perturbado, e sua mãe, embora atenciosa
com os convidados e, pelo bem deles, mais animada, estava visivelmente
disposta a pensar ou falar apenas sobre o filho. No entanto, Cecilia encontrou
uma distração para si mesma: Delvile tinha um spaniel favorito, o qual,
quando ele caminhava, o seguia, e, quando ele cavalgava, corria atrás do
cavalo. Ela passou a tomar conta do cachorro, que não era admitido na casa, e
passou quase todo o dia ao ar livre, principalmente pela satisfação de torná-lo
seu companheiro.
Na manhã seguinte, quando o Dr. Lyster voltou, ela ficou por perto para
ouvir sua opinião. Ela estava sentada na sala, na companhia de lady Honoria,
quando ele entrou para prescrever uma receita. Em alguns minutos, Mrs.
Delvile o seguiu e, com o rosto e a voz expressando as mais ternas
apreensões maternas, disse: — Doutor, o senhor deve me dizer
imediatamente; não posso suportar imposição nem suspense; o senhor sabe o
que eu diria! Diga se tenho algo a temer, por favor.
— Nada a temer, eu acredito.
— O senhor acredita?! — repetiu Mrs. Delvile, sobressaltada. — Oh,
doutor!
— Ora, a senhora não queria que eu dissesse que tenho certeza, não é?
Este não é o momento para Papismos e afirmações; no entanto, garanto que o
acho perfeitamente bem. Ele fez algo tolo e inútil, mas nenhum homem é
sábio todo o tempo. Precisamos nos livrar de sua febre, e então, se o resfriado
persistir com alguma tosse, ele poderá fazer uma pequena excursão a Bristol.
— Bristol?! Não, então... eu entendo muito bem!
— Não, não, a senhora não entendeu nada. Não vou mandá-lo a Bristol
porque ele está mal, mas apenas porque pretendo deixá-lo em boas condições.
— Neste caso, deixe que vá imediatamente. Por que deveria aumentar o
perigo aguardando? Vou pedir...
— Calma, calma! Eu mesmo sei o que vou pedir. É uma coisa estranha
que as pessoas sempre queiram me ensinar meu próprio dever. Por que eu
deveria expor um homem às intempéries de uma viagem enquanto tem febre?
A senhora acha que eu quero confiná-lo em um hospício, ou ser confinado eu
mesmo em um?
— Certamente o senhor sabe mais do que eu, mas, ainda assim, se houver
algum perigo...
— Não, não há! Só não escolhemos que deveria haver algum. E como ele
vai se divertir mais do que indo a Bristol? Eu o estou enviando apenas em
uma viagem de lazer, e estou certo de que estará mais seguro lá do que
trancado em uma casa com duas damas como aquelas.
E então ele partiu. Mrs. Delvile, ansiosa demais para conversar, deixou a
sala, e Cecilia, muito consciente para ficar em silêncio, obrigou-se a
conversar com lady Honoria.
Ela passou três dias nesta incerteza do que deveria esperar, culpando os
seus temores e atormentada por lady Honoria, cujas brincadeiras e
frivolidades tornavam-se agora muito fora de hora. Fidel, o spaniel favorito,
era quase seu único consolo, e ela se alegrava, não sem alguma consideração,
por ter feito amizade com o fiel animal.
CAPÍTULO 58

UMA ANEDOTA

No quarto dia, a casa apresentava um melhor aspecto; a febre de Delvile


havia desaparecido, e o Dr. Lyster permitiu que ele saísse do quarto. No
entanto, uma tosse ainda persistia, e sua viagem a Bristol foi decidida para
dali a três dias. Cecilia, sabendo que ele era agora esperado no andar de
baixo, saiu apressadamente da sala assim que terminou o café da manhã, pois,
afetada pela sua doença e magoada com a separação que se aproximava, ela
temia o primeiro encontro e desejava fortalecer sua mente para suportá-lo
com propriedade.
Em poucos minutos, lady Honoria, correndo atrás dela, implorou que ela
descesse: — Mortimer está na sala e o pobrezinho está sendo tão mimado por
seu papai e sua mamãe, que eu não desejaria que eles o matassem com seu
carinho ridículo. É incrível para mim que ele seja tão paciente, pois, se eles
me provocassem só a metade do que fazem com ele, eu estaria pronta para
pular em seus pescoços e sacudi-los. Mas eu gostaria que a senhorita
descesse, pois lhe garanto que é uma cena cômica.
— Vossa Senhoria se diverte com qualquer coisa! Mas o que há de tão
cômico na ansiedade dos pais por um filho único?
— Meu Deus, eles não se importam com ele o tempo todo! É apenas para
que ele viva para manter este velho castelo, que espero em meu coração que
ele o derrube no momento em que eles morrerem! Mas, por favor, venha; a
senhorita vai ficar mais animada ao vê-los. O pai fica tocando a campainha
para encomendar meia centena de pares de botas para ele e todos os
sobretudos do condado, e a mãe se senta e parece como se um carro fúnebre e
uma carruagem de luto já estivessem passando pela ponte levadiça; mas o
mais divertido de todos é milorde Derford! Oh, é tão divertido vê-lo! Lá está
ele, pensando o tempo todo em seu desafio! Tenho a intenção de empregá-lo
durante toda a tarde praticando para atirar em um alvo.
E então novamente ela a pressionou para se juntar ao grupo, e Cecilia,
temendo que sua oposição pudesse parecer estranha, consentiu.
Delvile levantou-se à sua entrada e, com uma firmeza tolerável, ela o
felicitou pela recuperação e, então, tomando seu lugar habitual, dedicou-se a
bordar uma tela. Ocasionalmente, ela também participava da conversa, e
observou, não sem alguma surpresa, que Delvile parecia muito menos abatido
do que antes do seu confinamento.
Pouco depois, ele pediu seu cavalo e partiu acompanhado por lorde
Derford. Mr. Delvile, então, levou lorde Ernolf para mostrar-lhe algumas
melhorias previstas em outra parte do castelo, e lady Honoria saiu em busca
de qualquer entretenimento que pudesse encontrar.
Mrs. Delvile, com o ânimo melhor do que em muitos dias, mandou buscar
seu próprio trabalho e, sentando-se ao lado de Cecilia, voltou a conversar
com ela como antes, misturando instrução com diversão e sátira generalizada
com especial amabilidade, de uma maneira ao mesmo tempo tão viva e
lisonjeira, que Cecilia, também revitalizada, encontrou pouca dificuldade
para participar da conversa. E assim, com alguma alegria e tolerável
tranquilidade, passou-se a maior parte da manhã. Porém, no momento em que
conversavam sobre a troca de vestido para o jantar, lady Honoria entrou
voando na sala com ar de extrema exultação.
— Bem, madame — disse ela —, tenho uma notícia que devo lhe contar,
porque isso a fará acreditar em mim no futuro, embora eu saiba que a deixará
muito irritada.
— Isto foi docemente planejado, pelo menos! — disse Mrs. Delvile, rindo.
— No entanto, vou confiar na senhorita, pois neste momento não ficarei
irritada por ninharias.
— Bem, madame, a senhora se lembra do que eu disse enquanto estava na
cidade, que Mr. Mortimer tinha uma amante...
— Sim! — exclamou Mrs. Delvile, com desdém. — E a senhorita deve se
lembrar, lady Honoria, que eu lhe disse...
— Oh, a senhora não acredita! Mas é tudo verdade, eu garanto! E agora
ele a trouxe para cá; ele mandou chamá-la há cerca de três semanas e a
instalou em uma hospedaria a cerca de meia milha do portão do jardim.
Cecilia, a quem a imagem de Henrietta Belfield tornou-se imediatamente
presente, mudou de cor várias vezes e ficou tão doente que mal conseguia se
manter sentada. No entanto, obrigou-se a continuar seu trabalho, embora
soubesse tão pouco do que se tratava, que enfiava e tirava a agulha no mesmo
lugar sem parar.
Enquanto isso, Mrs. Delvile, com um semblante de extrema indignação,
exclamou: — Lady Honoria, se acredita que um escândalo como este não
reflete nenhuma desgraça sobre seu informante, a senhorita deve me perdoar
por implorar que encontre um auditor com uma opinião mais parecida com a
sua.
— Não, senhora, já que está tão irritada, vou lhe contar todo o caso, pois
contei apenas a metade. Ele também tem um filho com ela... eu daria tudo
para vê-lo. E ele gosta tanto do seu filho que passa metade do seu tempo
cuidando dele, e isso, eu suponho, é o que o mantém fora por tanto tempo; eu
também imagino que foi isso que o fez ficar tão sério, pois talvez pense que
não seria bonito ser brincalhão agora que é pai.
Não apenas Cecilia, mas a própria Mrs. Delvile estava totalmente
desnorteada, e ficou sentada por algum tempo, em silêncio e confusa. Lady
Honoria, então, voltando-se para Cecilia, exclamou: — Perdoe-me, Miss
Beverley, mas o que está fazendo? Essa flor que está bordando é a coisa mais
ridícula que já vi. A senhorita estragou todo o seu trabalho.
Cecilia, muito confusa, embora fingisse rir, começou a desfazer os pontos,
e Mrs. Delvile, mais recuperada e mais calma, embora não menos zangada,
perguntou: — Tal história tem a honra de ser inventada exclusivamente por
Vossa Senhoria ou teve algum outro assistente?
— Oh, não! Eu lhe asseguro, não é uma invenção minha. Eu recebi a
notícia de uma autoridade muito boa, tem a minha palavra. Mas olhe para
Miss Beverley. Não parece que eu disse que ela mesma tinha um filho? Ela
parece tão pálida quanto a morte. Minha cara, está certa de que se sente bem?
— Peço que me perdoe — disse Cecilia, forçando um sorriso, embora
extremamente provocada por ela —, mas nunca estive melhor.
E então, com a esperança de parecer indiferente, ela ergueu a cabeça, mas,
ao encontrar os olhos de Mrs. Delvile fixos em seu rosto com um olhar de
observação penetrante, sentindo-se envergonhada e culpada, abaixou a cabeça
e voltou ao trabalho.
— Bem, minha cara — continuou lady Honoria —, estou certa de que não
há motivos para chamar o Dr. Lyster, pois já se recuperou. A senhorita tem
agora a melhor cor que já vi, não é, Mrs. Delvile? A senhora já viu alguém
corar de forma tão apropriada?
— Eu gostaria, lady Honoria — disse Mrs. Delvile, com severidade —,
que fosse possível vê-la corar.
— Ah, mas eu nunca fico corada! Não, o que também é bonito, mas não
sei como é, nunca me aconteceu. Agora, Eufrásia pode enrubescer de manhã
à noite. Não consigo imaginar como ela consegue. Miss Beverley também o
faz muito bem; ela fica vermelha e branca, branca e vermelha, meia dúzia de
vezes em um minuto. Especialmente — disse ela, olhando maliciosamente e
baixando o tom de voz — se falar com ela sobre Mortimer.
— Não é verdade! Nada disso é verdade! — exclamou Cecilia, com um
certo ressentimento, e novamente olhando para cima. Porém, ao olhar para
Mrs. Delvile e encontrar os seus olhos repletos da mais forte expressão
inquisitiva, incapaz de sustentar perguntas e chocada por se encontrar assim
observada com atenção, ela voltou confusa e rapidamente para seu trabalho.
— Bem, minha cara — disse lady Honoria —, mas o que está fazendo
agora? A senhorita pretende desfazer a tela inteira?
— Como ela pode saber o que está fazendo — disse Mrs. Delvile, com
rapidez, —, sendo desta forma incessantemente atormentada? Vou afastá-la
dela, para que ela tenha um pouco de paz. A senhorita me dará a honra de me
acompanhar ao meu toucador e me fornecer alguns detalhes adicionais desta
descoberta extraordinária?
Mrs. Delvile então saiu da sala, mas lady Honoria, antes de segui-la, disse
em voz baixa: — Tenha pena de mim, Miss Beverley, se tiver um mínimo de
bondade no seu coração. Vou agora ouvir um sermão de duas horas.
Cecilia, entregue a si mesma, encontrava-se em uma perturbação quase
insuportável. A conduta misteriosa de Delvile parecia o resultado de algum
emaranhado de enganos; Henrietta Belfield, a ingênua Henrietta Belfield, que
ela temia ter sido abusada, e sua própria desafortunada parcialidade, que
agora mais do que nunca ela desejava ser desconhecida até para si mesma,
pois fora evidentemente traída onde a dignidade de sua mente a fazia desejar
que se mantivesse oculta.
Neste estado de vergonha, arrependimento e ressentimento, que a fez se
esquecer de trocar de vestido, ou de lugar, ela foi repentinamente
surpreendida por Delvile. Assustada e ruborizada, ocupou-se em recolher seu
trabalho, para que pudesse deixar a sala rapidamente. Delvile, embora calado,
esforçou-se para ajudá-la, mas, quando ela já estava se afastando, ele tentou
impedi-la e disse: — Miss Beverley, apenas três minutos.
— Não, senhor — disse ela, indignada —, nem um instante! — ela o
deixou completamente surpreso e caminhou apressadamente em direção aos
seus próprios aposentos.
Logo em seguida, lamentou ter sido tão precipitada; nada havia sido
claramente provado contra ele, nenhuma autoridade poderia ser tão falaciosa
quanto lady Honoria, e nem ele tinha qualquer compromisso com ela que
pudesse lhe dar o direito de manifestar seu desagrado. No entanto, tais
reflexões chegaram tarde demais, e os sentimentos rápidos de sua mente
agitada foram muito apressados para aguardar os ditames da razão. Durante o
jantar,40 ela deu atenção inteiramente a lorde Ernolf, cuja cortesia assídua,
adicionada ao bom humor, foi capaz de poupá-la do doloroso esforço de
manter uma conversação, ou da consciência culpada de ceder ao silêncio, e
lhe permitiu conservar seu teor geral entre a taciturnidade e a loquacidade.
Ela não se atreveu a olhar para Mrs. Delvile uma única vez, mas seu filho, ela
viu, parecia muito magoado; mas era por orgulho, não por tristeza, e,
portanto, ela o via com menos mal-estar.
Durante o resto do dia, que transcorreu na companhia de todos, Mrs.
Delvile, embora estivesse muito ocupada, frequentemente saindo da sala e
mandando chamar lady Honoria, estava mais suave, amável e gentil com
Cecilia do que nunca, olhando para ela com a maior ternura, muitas vezes
pegando sua mão e falando com ela até com uma doçura incomum.
Cecilia observava com uma mistura de tristeza e prazer este crescente
respeito, e não poderia deixar de atribuí-lo à descoberta feita por meio do
comentário travesso de lady Honoria, e que, embora a crença de sua
aprovação a deixasse alegre, também acrescentava uma nova força ao seu
pesar por considerá-la infrutífera. Delvile, entretanto, evidentemente
ofendido, conversou apenas com os cavalheiros e foi muito cedo para o seu
quarto. Quando todos se retiraram, Mrs. Delvile acompanhou Cecilia e
dispensou a criada para conversar com ela a sós.
— Eu não sou — disse ela —, assim espero, muitas vezes solícita ou
importuna para falar sobre meu filho; seu caráter, creio eu, não precisa de
justificativa; claro e imaculado, sempre foi seu próprio suporte. No entanto,
acredito ser necessário explicar a difamação lançada sobre ele esta manhã por
lady Honoria, não com parcialidade, como sua mãe, mas simplesmente como
sua amiga.
Cecilia, que não sabia onde levaria tal explicação, nem a razão pela qual
era feita, ouviu esta abertura com muita emoção, mas não ofereceu nem a
uma coisa nem a outra qualquer interrupção.
Mrs. Delvile então continuou; ela se dera ao trabalho, disse ela, de filtrar
toda a história, a fim de envergonhar lady Honoria através de uma clara
convicção do que ela havia inventado, e rastrear o fundamento das
circunstâncias de onde suas suposições ou relatos surgiram. Delvile, ao que
parece, cerca de quinze dias antes, em uma de suas caminhadas matinais,
notara uma cigana sentada à beira da estrada, que parecia extremamente
doente e tinha uma linda criança amarrada às suas costas. Muito tocado pela
criança, deteve-se para perguntar a quem pertencia; a si mesma, dissera a
cigana, e implorou sua caridade com os gritos de angústia mais lamentáveis,
dizendo que estava viajando para unir-se a alguns membros de sua
fraternidade que estavam agrupados perto de Bath, mas que estava tão
doente, com febre, e temia morrer no caminho.
Delvile a levou até a próxima hospedaria e prometeu pagar sua estadia até
que ela melhorasse. Ele então conversou com o homem e sua esposa,
proprietários do local, pedindo que os recebessem, os quais, felizes por
satisfazer Sua Senhoria, imediatamente consentiram; desde então ele tem
aparecido duas vezes por dia para saber em que condições eles estão.
— Quão simples — continuou Mrs. Delvile — é o fato em si mesmo, e
quão complexo pode se tornar quando adornado. Esta história foi contada
pelos aldeões aos nossos criados. Provavelmente viajou, ganhando algo de
cada boca, até chegar à criada de lady Honoria. Tendo alcançado Sua
Senhoria, foi ampliada e, em um momento, transformou-se naquilo que
ouvimos. Acredito, porém, que pelo menos por algum tempo sua leviandade
será bem menos ousada. Eu não a poupei, neste caso, de forma alguma; eu a
fiz ouvir do próprio Mortimer a pequena história tal como aconteceu. Então a
levei até a hospedaria e posteriormente insisti para que sua criada me dissesse
tudo o que havia contado para ela, para que assim ela pudesse ser
incontestavelmente condenada por ter inventado tudo o que omitiu. Causei a
ela alguma confusão e, por enquanto, um pouco de ressentimento, mas ela é
tão volátil que nenhuma das duas coisas durará muito tempo. E embora, no
que diz respeito à minha própria família, eu possa talvez tê-la tornado mais
cautelosa, temo que, no que diz respeito às outras pessoas em geral, ela seja
completamente incorrigível, porque não tem prazer nem vantagem a oferecer
que possa compensar a privação de contar uma história ajustada ou anedota
ridícula.
Então, ela lhe desejou boa noite e acrescentou: — Não pretendo me
desculpar por este detalhe, mas a senhorita não deve, acredite, pensar que se
trata de tolice de uma mãe, mas, se eu bem me conheço, de amor pela
verdade e pela justiça. Mortimer, independentemente de qualquer conexão
que tenha comigo, não pode deixar de parecer diante das demais pessoas
como um homem que possa ser considerado até mesmo exemplar; a calúnia,
portanto, recaindo sobre tal assunto, prejudica não apenas a si mesmo, mas às
suas companhias, uma vez que enfraquece toda a confiança na virtude e
fortalece o ceticismo da depravação.
Ela então a deixou.
“Ah!”, pensou Cecilia, “para mim, ao menos, este pedido pela sua
reputação dispensa qualquer desculpa. Delvile, tão humano e generoso!
Nunca, nunca mais vou duvidar nem por um momento do seu valor”.
Então, acalentando esta ideia querida, ela esqueceu todas as suas
preocupações e apreensões, seus conflitos, suas suspeitas e a separação que se
aproximava e, recompensada por tudo através desta refutação da sua culpa,
deitou-se na cama e tentou se recompor para descansar.
CAPÍTULO 59

UMA CONFERÊNCIA

Na manhã seguinte, Cecilia recebeu a visita de lady Honoria, que pretendia


contar sua história à sua maneira e rir da ansiedade de Mrs. Delvile e de todo
o trabalho que tivera. — Pois, depois de tudo — continuou ela —, o que
significava tudo aquilo? E como eu poderia ter evitado o engano? Quando
soube que ele pagava a pensão de uma mulher, o que seria mais natural do
que supor que ela fosse sua amante? Especialmente quando há uma criança
na história. Oh, como eu gostaria que a senhorita estivesse conosco! Ninguém
nunca teve uma visão mais ridícula em sua vida! Lá fomos nós na carruagem
a todo vapor para a hospedaria, assustando todas as pessoas, que quase
tiveram um ataque: uma pobre mulher saiu correndo do caminho, outro pobre
homem fugiu, ambos pensavam que o fim do mundo estava próximo. A
cigana estava bem melhor, pois voltou ao seu antigo negócio e começou a
mendigar. Eu lhe garanto, acredito que ela seria muito bonita se não estivesse
doente, e ouso dizer que Mortimer pensou o mesmo, ou imagino que ele não
teria cuidado tanto dela.
— Ora, ora, lady Honoria! Nada é capaz de convencê-la?
— Não, a senhorita sabe, não há mal nenhum nisso; por que as pessoas
bonitas não deveriam viver tão bem quanto as feias? Não há razão para deixar
no mundo nada além de sustos. Eu olhei bem para o bebê, para ver se era
parecido com Mortimer, mas não consegui identificar; essas criaturinhas não
se parecem com nada. Eu tentei fazê-lo falar, pois queria muito vê-lo chamar
Mrs. Delvile de vovó, mas o malandrinho não dizia nada que pudesse ser
compreendido. Mrs. Delvile ficaria tão enfurecida. Suponho que todo este
castelo não seria pesado o suficiente para esmagar um pirralho tão insolente,
ainda que tivesse caído sobre ele de um só golpe.
Esta foi a agitação desta dama despreocupada até que a família se reuniu
para o café da manhã. Cecilia, abrandada com Delvile pela admiração recém-
excitada e também pela ausência que os separaria no dia seguinte, pretendia,
através de cada pequeno gesto de cortesia ao seu alcance, fazer as pazes com
ele antes de sua partida. Mas ela notou, com muito pesar, que Mrs. Delvile
nunca deixava de observá-la, o que, adicionado a um ar de orgulho na frieza
de Delvile, que ele nunca assumira antes, a desencorajava de fazer a tentativa
e a obrigava a parecer tranquila e despreocupada.
Assim que o café da manhã terminou, todos os cavalheiros foram cavalgar
ou simplesmente saíram, e quando as damas estavam sozinhas, lady Honoria
exclamou de repente: — Mrs. Delvile, não posso imaginar por qual razão está
enviando Mr. Mortimer para Bristol!
— Por uma razão, lady Honoria, que, com toda a sua impetuosidade, eu
lamentaria que viesse a conhecer por experiência.
— Ora, então, madame, nós não deveríamos ir todos juntos? Miss
Beverley, gostaria de se juntar a ele? Temo que seja muito desagradável para
a senhorita.
Cecilia, mais uma vez, corou e empalideceu, empalideceu e corou em um
espaço de um minuto. Mrs. Delvile levantou-se, pegou sua mão e disse
expressivamente: — Miss Beverley, a senhorita tem mil vezes mais
sensibilidade para aturar uma companhia tão impulsiva. Acho que vou puni-
la tirando-a da sua companhia durante a manhã; a senhorita gostaria de se
sentar comigo em meu quarto de vestir?
Cecilia assentiu sem ousar olhar para ela e a seguiu trêmula escada acima.
Alguma coisa importante, ela imaginou, estava prestes a acontecer; seu
segredo ela viu ser revelado e, portanto, não podia fazer nenhuma conjectura
além de que Delvile seria o assunto de seu discurso; se seria para explicar seu
comportamento, ou para defender sua causa, ou ainda para expressar sua
aprovação independente, ou transmitir alguma mensagem dele mesmo, ela
não teve tempo, oportunidade ou indício para desvendar. Tudo o que era
inquestionável parecia ser o afeto de Mrs. Delvile, e tudo que, de sua parte,
poderia ser resolvido, era reprimir sua parcialidade até que soubesse se
poderia declará-la apropriadamente.
Mrs. Delvile, que percebeu sua perturbação, imediatamente conduziu a
conversas a temas indiferentes, e falou sobre eles durante tanto tempo e com
tanta facilidade que Cecilia, recuperando a compostura, começou a pensar
que havia se enganado e que nada se pretendia a não ser uma conversa
tranquila. No entanto, depois de acalmar suas apreensões, ela mesma sentou-
se em silêncio com um olhar que Cecilia facilmente interpretou como uma
perplexidade pensativa de como deveria apresentar o que pretendia
comunicar. A pausa foi seguida por uma fala sobre lady Honoria:
— Quão impetuosa, quão descuidada, quão incorrigível ela é! Ela perdeu a
mãe muito cedo, e o duque, que se casou tarde e já é um homem velho, a
idolatra e ela o domina completamente. Com ele e uma governanta maleável,
que não tinha coragem para se opor a ela nem coração para desejar o seu
bem, senão para seu próprio interesse, ela viveu quase toda a sua vida. Na
verdade, recentemente, ela tem convivido mais com outras pessoas, mas sem
nem mesmo um desejo de melhorar e sem nenhuma perspectiva ou
pensamento que não seja gratificar seu humor preguiçoso, rindo de tudo o
que acontece.
— Ela certamente não busca parcialidade nem discernimento — disse
Cecilia —, e quando minha mente não está ocupada com outros assuntos,
acho sua conversa divertida e agradável.
— Sim — disse Mrs. Delvile —, mas essa espécie de humor leve que
ataca, com igual presteza, o que é sério ou o que é alegre, é vinte vezes mais
ofensiva do que estimulante, já que mostra que, embora seu único objetivo
seja a diversão, ela tem a mais insolente negligência com respeito a qualquer
dor que possa causar aos demais. A posição de lady Honoria, ainda que não a
tenha tornado orgulhosa, nem mesmo a feito consciente de que possui alguma
dignidade a sustentar, ainda lhe deu uma indiferença insolente para agradar
ou magoar que beira o que em uma mulher é, entre todas as coisas, a mais
odiosa, um desafio ousado ao mundo e suas opiniões.
Cecilia, pouca disposta a interferir em sua defesa, deu uma curta resposta,
e, logo depois, Mrs. Delvile acrescentou: — Desejaria de todo o coração que
ela estivesse devidamente estabelecida; no entanto, de acordo com as
maneiras e máximas perniciosas da época atual, ela talvez esteja mais
protegida de má conduta enquanto solteira do que quando casada. Temo que
seu pai a deixará muito sozinha, e, nesse caso, mal sei o que poderá
acontecer; ela não tem juízo nem princípio para orientar sua escolha, e,
portanto, com toda probabilidade, o mesmo capricho que um dia a guiará, no
outro a levará a arrepender-se.
Mais uma vez as duas ficaram em silêncio. Então, Mrs. Delvile, com muita
gravidade, mas energia, exclamou: — Poucos são os que se casam seguindo
princípios racionais e sentimentos agradáveis! O interesse e a disposição
estão eternamente em conflito, e onde um é completamente sacrificado, o
outro é inadequado para a felicidade. Porém, raramente dividem a atenção; os
jovens são precipitados, e os idosos, mercenários; suas deliberações nunca
estão em harmonia, seus pontos de vista raramente combinam; um vence e o
outro se submete, nenhuma das partes contemporiza e, geralmente, ambas
acabam infelizes. Chegou um momento — continuou ela — onde reflexões
deste tipo não podem me ocupar muito seriamente; os erros que tenho
observado em outras pessoas, de bom grado evitaria cometer. No entanto,
tamanha é a cegueira do amor-próprio, que, talvez, mesmo no momento em
que as censuro, eu esteja incorrendo, sem consciência, no mesmo erro! Nada,
entretanto, será errado por negligência, pois qual é o filho que merece
cuidado e atenção? E Mortimer não merece conhecê-los por parte de seus
pais?
As expectativas de Cecilia foram agora novamente despertadas, e
despertadas com novos temores de que Mrs. Delvile, por compaixão, quisesse
lhe oferecer seus serviços. Portanto, ela decidiu energicamente fazer um
esforço e achou melhor desistir de Mortimer e todos os pensamentos sobre
ele para sempre, do que submeter-se a receber ajuda para persuadi-lo à união.
— Mr. Delvile — continuou ela — está muito sério e impaciente para que
alguma aliança aconteça sem demora, e eu mesma, se pudesse vê-lo
encaminhado com propriedade e felicidade, que peso de ansiedade seria
removido do meu coração!
Cecilia, então, fez um grande esforço para falar: — Certamente, é uma
questão de grande importância — mas tão baixa era sua voz, e tão confusas
suas maneiras, que Mrs. Delvile, embora ouvisse atentamente, não escutou
uma palavra. Porém, ela absteve-se de fazê-la repetir o que havia dito e
continuou como se oferecesse uma resposta.
— Não apenas a sua, mas a paz de toda a família dependerá da sua
escolha, já que ele é o último de sua estirpe. Este castelo e estas terras, e
outro no Norte, foram atribuídos a ele pelo falecido lorde Delvile, seu avô,
que, desobrigado por seu filho mais velho, o atual senhor, dispôs de tudo o
que tinha em favor de seu segundo filho, Mr. Delvile, e, na sua morte, ao seu
neto, Mortimer. E mesmo o lorde atual, embora sempre em desacordo com
seu irmão, gosta do sobrinho e o declarou seu herdeiro. Eu também tenho
uma irmã muito rica, que não tem filhos e que fez a mesma declaração. No
entanto, embora com expectativas tão altas, ele não deve conectar-se de
forma imprudente, pois seu patrimônio paterno exige reparação, e ele tem o
direito de, com uma esposa, esperar o que for necessário.
“A mais pura verdade”, pensou Cecilia, mas, envergonhada do seu
fracasso recente, dedicou-se ao trabalho e não quis mais conversar.
— Ele é amável, brilhante, bem-educado e bem-nascido. Por mais longe
que olhemos, podemos não encontrar sua igual; nenhuma mulher merece
desprezo e poucas o recusariam.
Cecilia corou ao assentir; entretanto, poderia muito bem, naquele
momento, ter sido poupada de ouvir o elogio.
— No entanto — continuou ela —, é difícil encontrar uma aliança
adequada! Há muitas com boas recomendações, mas quem é totalmente
irrepreensível?
Parecia não haver resposta para esta pergunta, nem Cecilia conseguia
imaginar seu significado.
— As moças da alta sociedade raramente possuem grandes fortunas, uma
vez que os chefes das suas casas geralmente requerem toda a sua riqueza para
a manutenção da sua própria dignidade, enquanto, por outro lado, as moças
de grande fortuna são frequentemente ignorantes, insolentes ou de origem
humilde; auxiliadas por amigos para que não caiam na armadilha de
aventureiros, não conhecem o mundo e têm pouca educação; suas instruções
são limitadas a algumas realizações meramente juvenis. A primeira noção
que elas absorvem é de sua própria importância, a primeira lição que
aprendem é o valor das riquezas, e, mesmo quanto ao seu nascimento, suas
pequenas mentes são estreitadas e sua autossuficiência é estimulada com
advertências para ter cuidado com caçadores de fortunas e garantias de que o
mundo todo estará aos seus pés. É entre elas que devemos procurar uma
companheira para Mortimer? Certamente que não. Formado para a felicidade
doméstica e deleitando-se com companhias elegantes, sua mente desprezaria
uma aliança da qual suas afeições não participassem.
Cecilia, ruborizada e trêmula, acreditava que o momento da sua provação
se aproximava e, meio mortificada, meio assustada, preparou-se para
sustentá-la com firmeza.
— Portanto, minha cara Miss Beverley, ouso lhe falar sobre este assunto
como uma amiga que terá paciência para ouvir minhas perplexidades; a
senhorita pode notar onde elas estão pendentes: onde o berço pode ser
reivindicado por Mortimer Delvile, a fortuna geralmente deixa a desejar, e
onde a fortuna é adequada às suas expectativas, o berço ainda com mais
frequência nos desonra.
Cecilia, assombrada com o discurso e totalmente desprevenida por uma
surpresa momentânea, involuntariamente ergueu a cabeça para olhar para
Mrs. Delvile, em cujo semblante ela notou a mais ansiosa preocupação,
embora sua maneira de falar parecesse plácida e serena.
— Uma vez — ela continuou, sem parecer notar a emoção da sua ouvinte
—, Mr. Delvile pensou em uni-lo à sua prima lady Honoria, mas ele nunca
poderia suportar tal proposta, e quem poderia culpar sua repugnância? Na
verdade, sua irmã, lady Eufrásia, é muito mais favorável; ela recebeu melhor
educação e sua fortuna é muito mais considerável. No momento, porém,
Mortimer parece muito avesso a ela, e quem tem o direito de ser difícil, se
negarmos isso a ele?
Surpresa, incerteza, expectativa e suspeita acometiam Cecilia e a
assediavam com violência redobrada; ela não sabia por que havia sido
chamada para esta conferência; a aprovação que considerava certa, agora
duvidava, e a proposta de ajuda que havia apreendido, deixou de pensar que
seria oferecida. Algum mistério terrível, alguma obscuridade cruel, ainda
nublava todas as suas perspectivas, e não apenas obstruía sua visão do futuro,
mas tornava o que estava imediatamente diante dela sombrio e indistinto.
O estado de sua mente parecia ser captado por Mrs. Delvile, que a
examinava com olhos de uma agudeza tão penetrante, que faziam mais
descobertas do que indagações. Ela ficou em silêncio por algum tempo e
parecia indecisa sobre como proceder, mas, por fim, levantou-se, tomou
Cecilia pela mão, o que quase afastou seu temor, e disse: — Não vou mais
atormentá-la, minha doce e jovem amiga, com perplexidades que não será
capaz de aliviar; só direi uma coisa e depois deixarei de lado o assunto para
sempre: quando minha inquietação com Mortimer for removida, quando ele
estiver estabelecido para a satisfação de todos nós, nenhuma preocupação
permanecerá no coração de sua mãe, meio ardente, meio ansioso e tão sincero
quanto à disposição da minha adorável Cecilia, por cujo bem-estar e
felicidade, meus desejos são os de uma mãe.
Ela então beijou sua bochecha brilhante, e, ao perceber que Cecilia estava
perplexa, Mrs. Delvile a poupou de qualquer esforço para falar, deixando-a
apressadamente em posse de seu próprio quarto.
Desiludida em suas expectativas e enfraquecidas suas esperanças, o
coração de Cecilia não mais lutava para manter sua dignidade, nem para
esconder sua ternura. O conflito havia chegado ao fim: Mrs. Delvile tinha
sido direta, embora seu filho fosse misterioso, mas, ao remover suas dúvidas,
ela a privara de sua paz. Ela agora se deparava com seu próprio erro ao
basear-se em sua aprovação; ela viu que aquela não era sua intenção, e que,
mesmo quando muito ardente em sua afetuosa consideração, ela separava seu
interesse do interesse do filho como se sua união fosse uma questão de
absoluta impossibilidade. — No entanto, por que — exclamou Cecilia —, por
que tanta consideração? Que ela me ama, está sempre ansiosa para proclamar,
que minha fortuna seria peculiarmente útil, não faz segredos, e quando eu,
pelo menos, não deveria fazer objeções insuperáveis, ela faz, infelizmente!
Demasiadamente óbvio. Será que tem dúvidas sobre o filho? Não, ela tem
discernimento demais. O pai, então, o pai arrogante e impraticável, o destinou
a alguma mulher de posição, e não dará ouvidos a nenhuma outra aliança.
Esta ideia a deixou um pouco mais tranquila com relação à decepção que
havia sofrido. No entanto, saber que não havia em Mrs. Delvile nada, a não
ser uma terna compaixão, que a levasse a desencorajar, por benevolência,
esperanças muito difíceis de serem satisfeitas foi um sofrimento tão severo
que lhe causou uma depressão de espírito mais profunda do que qualquer
outro acontecimento em sua vida.
“O que Henrietta Belfield é para mim”, pensou ela, “eu sou para Mrs.
Delvile! Mas o que nela é amável e natural, em mim é vergonhoso e indigno.
E esta é a posição que tanto desejo! Esta é a mudança de residência que
pensei que me deixaria feliz. Oh, quem pode escolher, quem pode julgar por
si mesmo? Quem pode apontar o caminho para sua própria felicidade, ou
decidir sobre o local onde sua paz será assegurada?”
Mesmo assim, ela tinha algo a fazer, alguma coragem para desempenhar e
alguma fortaleza a manifestar. Mortimer, ela tinha certeza, não suspeitava do
seu próprio poder sobre ela. Sua mãe, ela sabia, era boa e sábia demais para
lhe revelar, e ela estava determinada, por cautela e firmeza após sua partida, a
recuperar, se possível, aquele crédito com Mrs. Delvile, que ela temia que sua
suscetibilidade traída houvesse enfraquecido.
Portanto, assim que se recuperou de sua consternação, deixou o quarto e
procurou a própria lady Honoria, decidida a não passar um minuto sozinha
até que Mortimer tivesse partido. Não queria que a tristeza de suas reflexões
dominasse sua resolução e acrescentasse uma melancolia ao seu aspecto e aos
seus modos que ele poderia atribuir, com muita justiça, à preocupação com
seus próprios assuntos.
CAPÍTULO 60

UMA OFENSIVA

Durante o jantar, com a ajuda de lorde Ernolf, que parecia muito feliz em
servi-la, Cecilia parecia toleravelmente tranquila. Lorde Derford também,
encorajado pelo pai, esforçou-se para atrair sua atenção, mas falhou
completamente. Sua mente era superior às pequenas artes do flerte, e seu
orgulho tinha dignidade demais para ser dissipado pela raiva. Portanto, ela
decidiu, neste momento, assim como em todos os outros, manter-se
consistente e demonstrar que ele não tinha chances de ser seu favorito.
Durante o chá, quando estavam novamente reunidos, a viagem de
Mortimer foi o único tema da conversa, e ficou acertado que ele deveria partir
bem cedo na manhã seguinte; como o tempo estava extremamente quente,
não deveria viajar no meio do dia.
Lady Honoria, então, sussurrou para Cecilia: — Suponho que a senhorita,
Miss Beverley, levantar-se-á com a cotovia amanhã de manhã. Pelo bem da
sua saúde, quero dizer. Acordar cedo, como sabe, é bom para a saúde.
Cecilia fingiu não entender e disse que pretendia se levantar na hora de
costume.
— No entanto, vou dizer a Mortimer — continuou Sua Senhoria — para
olhar para sua janela antes de partir, pois, se ele decidir bancar o Romeu,
ouso dizer que a senhorita será a Julieta, e este velho castelo é perfeito para a
mofada família dos Capuletos. Ouso dizer que Shakespeare pensou nisso
quando escreveu sobre eles.
— Diga o que quiser — disse Cecilia —, mas imploro que não diga nada
em meu nome.
— E milorde Derford — continuou lady Honoria — será um Paris
excessivamente bonito, pois está profundamente apaixonado, embora não
tenha nada a dizer; mas o que faremos por Mercúcio? Podemos encontrar
quinhentos Romeus chorões para um Mercúcio alegre e charmoso. Além
disso, Mrs. Delvile, para lhe fazer justiça, é realmente boa demais para a
velha babá, embora o próprio Mr. Delvile possa servir para representar todos
os Capuletos e todos os Montecchios ao mesmo tempo, pois ele tem orgulho
suficiente por suas casas, e mais vinte. A propósito, se eu não tomar cuidado,
acabarei vendo a fuga desse Romeu antes que meu pequeno e delicado Paris
comece a brigar com ele.
Ela então caminhou até uma das janelas e, fazendo um gesto para que
lorde Derford a seguisse, Cecilia a ouviu dizer: — Bem, milorde, o senhor
escreveu a carta? E enviou a carta? Miss Beverley, eu lhe asseguro, ficará
encantada além da medida com tal gesto de bravura.
— Não, senhora — respondeu o simples e jovem lorde —, ainda não a
enviei, pois só escrevi um rascunho.
— Oh, milorde — disse ela —, é exatamente isso o que o senhor deve
enviar! Um rascunho de um desafio é sempre melhor do que a versão final,
pois parece escrito com mais emoção. Estou muito feliz que tenha
mencionado isso.
Cecilia, então, levantou-se, juntou-se a eles e disse: — Que tipo de
travessura lady Honoria está planejando agora? Todos devemos ficar em
guarda, milorde, pois ela tem um espírito de diversão que não nos poupará.
— Ora, por que está interferindo? — disse lady Honoria. Então, em voz
mais baixa, acrescentou: — Do que tem medo? Acha que Mortimer não pode
enfrentar um pobre idiota como este?
— Eu não acho nada disso.
— Bem, então, não interrompa minhas operações. Lorde Derford, Miss
Beverley acaba de me dizer que, se colocar este plano em ação, ela o achará
irresistível para sempre.
— Lorde Derford, assim espero — disse Cecilia, rindo —, conhece muito
bem Vossa Senhoria para correr qualquer risco de credulidade.
— Muito bem! — exclamou ela —, vejo que está determinada a me
provocar, então, se estragar meus planos, eu estragarei os seus e contarei a
um certo cavalheiro seus temores por sua segurança.
Cecilia, muito alarmada, implorou fervorosamente para que ela ficasse em
silêncio, mas a descoberta do seu medo apenas excitou o riso de Sua Senhoria
e, com um olhar perverso, ela disse: — Por favor, Mr. Mortimer, venha até
aqui.
Mortimer obedeceu prontamente, e Cecilia, naquele momento, teria
suportado com prazer qualquer punição para estar a vinte milhas de distância.
— Eu tenho algo — continuou lady Honoria — da maior importância para
lhe comunicar. Estamos traçando um plano admirável para o senhor: promete
ser guiado por nós se eu lhe contar do que se trata?
— Oh, certamente! — disse Mortimer. — Duvidar disso seria uma
desgraça para todos nós.
— Bem, neste caso, Miss Beverley, a senhorita tem alguma objeção ao
meu procedimento?
— Nenhuma! — respondeu Cecilia, que sabia que o maior entusiasmo
para o ridículo é a oposição.
— Bem, então, devo lhe dizer — continuou ela —, é recomendação de
todos nós que, assim que obtiver a posse de sua propriedade, o senhor deverá
fazer algumas alterações importantes neste antigo castelo.
Cecilia, muito aliviada, poderia tê-la abraçado por gratidão; e Mortimer,
muito certo de que aquela agitação era toda dela, prometeu a máxima
submissão às suas ordens e implorou-lhe mais instruções, declarando que não
poderia, pelo menos, desejar um arquiteto mais justo.
— O que estamos tentando dizer — disse ela — é que as alterações podem
ser efetuadas com a maior facilidade; basta retirar essas janelas velhas e fixar
algumas grades de ferro grossas em seu lugar, e assim transformar o castelo
em uma prisão para o condado.
Mortimer riu muito da proposta, mas seu pai, infelizmente, ouviu tudo,
avançou severamente e, com grande austeridade, disse: — Se eu achasse meu
filho capaz de fazer tal insulto a seus ancestrais, qualquer que seja o apreço
que sinto por ele, eu o baniria da minha presença para sempre.
— Caro senhor — perguntou lady Honoria —, como seus ancestrais
tomariam conhecimento disso?
— Como? Ora, esta é uma pergunta muito extraordinária, lady Honoria!
— Além disso, senhor, ouso dizer que o comissário de polícia, ou o
prefeito e a sociedade, ou alguma dessas pessoas, dariam a ele dinheiro
suficiente para que fosse usado na compra de uma casinha bonita e elegante
em algum lugar perto de Richmond.
— Uma casinha?! — exclamou ele, indignado. — Uma casinha elegante
para o herdeiro de uma propriedade como esta?
— Só quero dizer — disse lady Honoria, vertiginosamente — que ele
poderia ter um lugar um pouco mais agradável para viver, pois, na verdade,
aquele velho fosso e a ponte levadiça são suficientes para vaporizá-lo até a
morte. Não consigo, pela minha vida, imaginar qualquer utilidade para eles, a
não ser espantar o cervo, pois não têm outra serventia. Por outro lado, se
transformasse a casa em prisão...
— Uma prisão? — gritou Mr. Delvile, ainda mais furioso. — Vossa
Senhoria deve me perdoar se imploro que não mencione esta palavra
novamente quando tiver o prazer de falar sobre o Castelo Delvile.
— Caro senhor, por que não?
— Porque é um termo o qual, por si só, vindo de uma jovem, tem um som
peculiarmente impróprio, e que, aplicado à antiga residência familiar de
qualquer cavalheiro, algo, lady Honoria, que é sempre respeitável, por mais
que seja comentado de forma leviana, tem um efeito menos agradável do que
se pode imaginar, pois implica em uma ideia de que a família ou a mansão
está se deteriorando.
— Bem, senhor, com relação à mansão, certamente é muito verdadeiro,
pois todo aquele outro lado, perto da velha torre, parece que vai cair sobre a
sua cabeça toda vez que alguém é forçado a passar por ele.
— Eu protesto, lady Honoria — bradou Mr. Delvile —, aquela velha torre,
da qual a senhorita tem o prazer de falar de forma tão leviana, é o mais
honroso testemunho da antiguidade do castelo entre todos os remanescentes,
e eu não me separaria dela por todas essas novas casas, como a senhorita
disse, no reino.
— Folgo em saber disso, senhor, pois ouso dizer que ninguém daria
nenhuma delas por isso.
— Perdoe-me, lady Honoria, a senhorita está equivocada. Eles dariam mil
delas; uma coisa dessas, deixada a um homem por seus próprios ancestrais, é
inestimável.
— Ora, meu caro senhor, o que eles fariam com isso? A menos que, de
fato, eles permitissem que algum homem o pintasse para uma cena de ópera
trágica.
— Indigno! — exclamou Mr. Delvile, cada vez mais afrontado. — E,
diga-me, Vossa Senhoria fala assim com o duque seu pai?
— Ah, sim; ele não se importa.
— Seria estranho se o fizesse! — exclamou Mrs. Delvile. — Meu único
espanto é que é possível encontrar alguém que se importe.
— Ora, Mrs. Delvile — respondeu ela —, seja sincera: a senhora acredita
que este lugar gótico e feio é comparável a qualquer uma das novas vilas da
cidade?
— Lugar gótico e feio?! — repetiu Mr. Delvile, em completo espanto com
sua volatilidade intrépida. — Vossa Senhoria realmente honra demais a
minha humilde morada!
— Senhor, eu imploro seu perdão! — disse ela. — Eu realmente não
estava pensando no que estava dizendo. Venha, cara Miss Beverley, caminhe
comigo, pois estou muito consternada para ficar aqui por mais tempo.
Então, ela pegou Cecilia pelo braço e a levou às pressas para o jardim,
através de uma porta que dava para o salão.
— Pelo amor de Deus, lady Honoria — disse Cecilia —, a senhorita não
poderia encontrar melhor diversão para Mr. Delvile do que ridicularizar sua
própria casa?
— Oh! — exclamou ela, rindo —, a senhorita nunca nos ouviu brigando
antes? Ora, quando estive aqui no verão passado, costumava afrontá-lo dez
vezes por dia.
— E este foi um acontecimento corriqueiro?
— Não! Na verdade, eu não fiz de propósito, mas aconteceu. Falar do
castelo, ou da torre, ou da ponte levadiça, ou das fortificações, ou ainda
desejar que todos fossem usados para preencher aquele fosso odioso, ou
qualquer coisa nesse estilo, a senhorita sabe, qualquer assunto de menor
importância é capaz de deixá-lo de mau humor.
— E a senhorita acredita que é um assunto de menor importância desejar
que toda a habitação de um homem seja aniquilada?
— Deus, eu não desejo nada disso! Só disse para provocá-lo.
— E que estranho prazer isso pode lhe trazer?
— O maior do mundo! Mr. Delvile é enfadonho, metido e insuportável.
Tenho muito prazer em vê-lo humilhado. Faz com que pareça excessivamente
feio.
— E é assim que acha que todos deveriam parecer, lady Honoria?
— Oh, minha cara, a senhorita está se referindo a mim; eu nunca fiquei
irritada duas vezes em minha vida, pois, assim que provoco as pessoas, eu
sempre fujo. Mas às vezes sinto um medo terrível de que elas me vejam rir,
pois fazem caretas tão horríveis que é quase impossível olhar para elas.
Quando meu pai fica zangado comigo, às vezes sou obrigada a fingir que
choro, como desculpa para colocar o lenço no rosto, pois, na verdade, ele
parece tão horrível, que alguém poderia imaginar que ele está fazendo
caretas, assim como as crianças, só para assustar alguém.
— Incrível — disse Cecilia —, Vossa Senhoria pode, de fato, não estar
buscando diversão, mas encontrá-la na raiva do seu pai? Mas isso não lhe
causa outra sensação? Não fica com medo?
— Oh, nunca! O que ele pode fazer comigo? Ele só pode esbravejar um
pouco, pois sempre xinga quando está com raiva, e talvez me mande para o
meu quarto; dez contra um, mas isso é exatamente o que eu pretendo, pois
nunca brigamos, a não ser quando estamos sozinhos, e é tão monótono que
sempre tenho vontade de fugir.
— E a senhorita não pode encontrar outro método para deixá-lo?
— Ora, eu não consigo pensar em nenhum com tanta facilidade, e isso não
pode fazer mal a ele, sabe. Eu costumo dizer a ele, quando fazemos as pazes,
que, se não fosse por um mensageiro e sua filha, ele não teria com quem
praticar como repreender e praguejar, porque sempre que está viajando, nada
pode fazer, embora ninguém possa adivinhar o porquê de ele estar sempre
com tanta pressa, pois não importa aonde vá, não há nada para fazer.
Assim continuou a dama caprichosa, feliz e de bom humor, sem se
importar com quem pensasse de outra maneira, até que, a uma certa distância,
elas notaram lorde Derford, que se aproximava para juntar-se a elas.
— Miss Beverley — disse ela —, lá vem seu adorador. Eu só vou
caminhar até chegarmos àquele grande carvalho, e então irei fazê-lo prostrar-
se aos seus pés e os deixarei a sós.
— Vossa Senhoria é extremamente generosa, mas fico feliz por ter me
informado sua intenção, pois isso me permitirá evitar o problema.
Ela então voltou rapidamente e, passando por lorde Derford, que ainda
caminhava em direção à lady Honoria, voltou para casa. Porém, ao entrar na
sala, encontrou todo o grupo disperso, exceto Mortimer, que caminhava pela
sala, com algumas plaquinhas nas mãos, nas quais estivera escrevendo.
Sentindo um misto de vergonha e surpresa, Cecilia, ao vê-lo, recuou
involuntariamente, mas ele caminhou na direção da porta e disse em tom de
reprovação: — A senhorita não vai ao menos entrar na mesma sala onde
estou?
— Ah, sim — disse ela, retornando —, eu só temia incomodá-lo.
— Não, madame — respondeu ele, gravemente. — A senhorita é a única
pessoa que não poderia me incomodar, já que meu trabalho era escrever
alguns memorandos para uma carta que pretendia lhe escrever, com a qual,
no entanto, não tinha a intenção de importuná-la, se a senhorita não tivesse
me negado uma audiência de cinco minutos.
Cecilia, muito confusa com a ofensiva, não sabia se deveria ficar parada
ou prosseguir, mas, enquanto ele continuava o discurso, ela percebeu que não
tinha escolha a não ser ficar.
— Eu lamento muito deixar este lugar, especialmente porque a duração da
minha ausência é extremamente incerta, enquanto eu tenho a infelicidade de
estar sob seu desagrado, sem fazer qualquer tentativa para desculpar-me pelo
comportamento que o causou. Devo, então, terminar minha carta, ou a
senhorita vai finalmente se dignar a me ouvir?
— Meu desagrado, senhor — disse Cecilia —, morreu com a ocasião. Eu
imploro, portanto, que não fique mais em sua lembrança.
— Não tinha a intenção, madame, de inferir que o assunto ou mesmo que
o objeto merecesse sua atenção deliberada. Eu simplesmente desejo explicar
o que pode ter parecido misterioso em minha conduta, e pelo que pode ter
parecido ainda mais censurável, imploro seu perdão.
Cecilia, recuperada de suas primeiras apreensões e mais tranquila, pois
despertada com a tranquilidade com que ele mesmo falava, não se opôs ao
seu pedido, mas permitiu que ele fechasse tanto a porta que dava para o
jardim como aquela que dava para o hall. Ela se sentou perto de uma das
janelas, determinada a ouvir com intrepidez aquela explicação tão esperada.
No entanto, os preparativos, que ele fez para evitar que os ouvissem,
adicionados à tranquilidade com que Cecilia aguardava seus próximos
procedimentos, logo o privaram da coragem com a qual havia iniciado a
ofensiva e evidentemente lhe deram o desejo de recuar.
Por fim, após muita hesitação, ele disse:
— Esta indulgência, madame, merece meus mais reconhecidos
agradecimentos, e é, na verdade, o que eu pouco tinha direito, e ainda menos
razão diante da severidade que eu esperava encontrar.
Neste momento, com a simples menção da palavra severidade, sua
coragem, invocada por seu orgulho, instantaneamente retornou e ele
continuou com o mesmo ânimo com que havia começado.
— Essa severidade, no entanto, não pretendo lamentar. Pelo contrário, em
uma situação como a minha, talvez tenha sido a primeira benção que recebi.
Na verdade, foi a partir dela que encontrei mais vantagem e alívio do que em
tudo o que a filosofia, a reflexão ou a perseverança poderiam oferecer. Ela
me mostrou a vaidade de lamentar o obstáculo colocado pelo destino aos
meus desejos, já que me mostrou que outro, menos inevitável, mas
igualmente insuperável, teria se oposto a ele. Decidi, portanto, após alguma
dificuldade, que devo confessar aquilo que me é mais doloroso, negar a mim
mesmo o perigoso consolo da sua companhia, e me esforçar, unindo a
dissipação à razão, para esquecer o grande prazer que até agora ela me
proporcionou.
— Neste caso, senhor — disse Cecilia —, sua tarefa será fácil. Só posso
desejar que o restabelecimento de sua saúde não seja mais difícil.
— Ah, madame — disse ele, com um sorriso de reprovação —, “ele brinca
com as cicatrizes de feridas que nunca existiram!”41 Mas esta é uma aflição
da qual não tenho o direito de falar, e não vou ofender sua delicadeza, nem
minha própria integridade, esforçando-me por abusar da generosidade de sua
disposição a fim de despertar sua compaixão. Não foi por este motivo que
implorei por esta audiência, foi apenas um desejo, antes que eu me vá, de
abrir meu coração, sem paliativos ou reservas.
Ele parou por alguns momentos, e Cecilia, suspeitando que aquela
audiência deveria ser definitiva, considerou que sua provação, por mais
severa que fosse, seria curta, e convocou toda a sua resolução para sustentá-la
com coragem.
— Muito antes de eu ter a honra de conhecê-la — continuou ele —, seu
caráter e suas realizações já eram conhecidos por mim. Mr. Biddulph de
Suffolk, que foi meu primeiro amigo em Oxford e com quem ainda mantenho
uma amizade, logo percebeu suas excelências. Nós nos correspondemos, e
suas cartas eram cheias de elogios à sua pessoa. Ele me confessou que sua
admiração havia sido um infortúnio. Posso agora fazer a mesma confissão a
ele.
Mr. Biddulph, entre muitos dos cavalheiros da vizinhança, havia feito
propostas ao reitor para Cecilia, as quais, por sua vontade, haviam sido
rejeitadas.
— Quando Mr. Harrel ofereceu o baile de máscaras em Portman Square,
minha curiosidade por conhecer uma dama tão adorada e tão cruel me levou
até lá; seu vestido a distinguia com facilidade. Ah, Miss Beverley! Ouso não
mencionar o que senti então por meu amigo! Direi apenas o que senti por
mim mesmo, e que imediatamente me fiz uma advertência de que deveria
evitá-la, já que a cláusula do testamento de seu tio era bem conhecida por
mim.
“Finalmente”, pensou Cecilia, “toda a perplexidade terminara. A mudança
de nome é o obstáculo; ele é o herdeiro do orgulho de sua família, e, portanto,
para esta família eu o deixarei sem me lamentar”.
— Esta advertência — continuou ele —, eu não teria desconsiderado se
não a tivesse visto na Ópera, se não tivesse me deixado enganar e acreditado
que estava comprometida. Eu então não desejei mais evitá-la, estando
obrigado pela honra a renunciar a todos os esforços para suplantar um
homem, a quem eu quase acreditei que se uniria, e já a considerava casada, e
com o mesmo entusiasmo que buscava sua companhia, não a buscava com
mais prazer do que inocência. Mesmo assim, para ser franco, descobri em
mim mesmo uma inquietação a respeito de seus assuntos que me mantinha
em eterna perturbação, mas eu me gabava de que era mera curiosidade, e que
estava apenas entusiasmado com a perpétua mudança de opinião que deu
lugar a ocasião, a respeito de qual seria o homem mais feliz.
— Sinto muito — disse Cecilia com frieza — que tenha se enganado.
— Eu não tenho a intenção, madame, de fatigá-la — respondeu ele —
perseguindo o progresso de minha desafortunada admiração. Tentarei ser
mais breve, pois percebo que já está cansada — ele se deteve por um
momento, esperando um pequeno encorajamento, mas Cecilia, sem ânimo
para expressá-lo, assumiu um ar de despreocupação e permaneceu sentada em
silêncio.
— Eu desconhecia — continuou ele, com um olhar de extrema
mortificação — o afeto com o qual honrei suas virtudes até que a senhorita se
dignou a implorar por Mr. Belfield, mas não me deixe recordar os
sentimentos naquele momento! No entanto, não era nada frio, lânguido ou
sem vida o que experimentei depois, quando a senhorita finalmente me
revelou sua situação e me informou que os rumores de sua união com Sir
Robert Floyer estavam igualmente errados, assim como os que diziam
respeito a Belfield. Oh, qual foi a agitação de toda a minha alma naquele
instante! Saber que estava desimpedida, vê-la diante de mim, pela desordem
de toda a minha estrutura, descobrir o erro que tinha valorizado.
Cecilia, então, tentou se levantar, mas sentou-se outra vez, parecia
extremamente impaciente para deixar a sala.
— Perdoe-me, madame — exclamou ele —, eu não detalharei meus
sentimentos e sofrimentos por muito tempo, mas me apressarei, tanto para o
meu próprio bem como para o seu, em direção ao motivo que mencionei.
Desde o momento em que me dei conta da minha infortunada paixão, pesei
todas as consequências de ceder a ela e descobri, além do extremo perigo do
êxito, uma impropriedade até mesmo na tentativa. Minha honra está ligada à
honra de minha família. O que pareceria errado, para mim seria injustificável.
No entanto, onde os incentivos são tão numerosos, eles foram contestados por
uma única objeção! Onde a virtude, a beleza, a educação e o berço eram
todos irrepreensíveis... oh, cláusula cruel! Cláusula bárbara e repulsiva! Ela
me impede de aspirar à melhor das mulheres, mas por uma ação que com
minha própria família me degradaria para sempre! — deteve-se, dominado
pela própria emoção, e Cecilia levantou-se. — Eu noto, madame — disse ele
—, sua ânsia para me deixar, e por mais que eu possa lamentar neste
momento, vou me lembrar dela como uma vantagem. Porém, para concluir,
decidi evitá-la, e evitando, esforçar-me para esquecê-la. Decidi também que
nenhum ser humano, muito menos a senhorita, deveria saber, sequer suspeitar
da situação da minha mente, embora, em várias ocasiões, minha prudência e
paciência de repente cederam à surpresa e à paixão; a rendição, entretanto, foi
curta e quase, creio eu, despercebida. O silêncio e a evasão sustentei com
uma constância decente, até que, durante a tempestade, em um malfadado
momento, eu vi, ou pensei ter visto, que estava em perigo, e então, todo o
cuidado desprevenido, toda a resolução surpreendida, toda a paixão
despertada e a ternura triunfante...
— Por que, senhor — perguntou Cecilia, com raiva —, e com qual
propósito tudo isso?
— Infelizmente, eu não sei — disse ele, com um suspiro profundo. —
Achei que estava mais preparado para esta conferência e pretendia ser firme e
conciso. Contei mal a minha história, mas como seu próprio entendimento
identificará a causa, sua própria benevolência talvez exija alguma desculpa.
Eu estava certo, desde aquele infeliz acidente, de que todo o disfarce era em
vão, e estava convencido por seu desagrado da impropriedade da qual era
culpado e decidi, como única desculpa que poderia oferecer, abrir meu
coração, e então me afastar, talvez para sempre. E isto, madame, de forma
incoerente, é verdade, mas sincera, eu o faço agora. Meus sofrimentos e meus
conflitos não ouso mencionar. Oh, se eu pudesse descrever as lutas amargas
de uma mente em guerra consigo mesma. Dever, coragem e obstinação
lutando contra amor, felicidade e desejo, cada qual vencendo alternadamente,
e alternadamente sendo vencido. Eu não podia mais suportar e resolvi,
através de um esforço, colocar um fim no conflito e passar por um instante de
tortura, até mesmo requintada, no lugar de continuar com um sofrimento tão
persistente.
— A restauração de sua saúde, senhor, e, já que imagina que foi ferida,
também a da sua felicidade — disse Cecilia — será, espero, tão rápida, pois
não tenho dúvidas de que...
— Já que imagino que foi ferida — repetiu ele —, que expressão a ser
usada depois de uma confissão como a minha. Mas, por que haveria de querer
convencê-la da minha sinceridade, se para a senhorita isso não pode ser mais
indiferente do que para mim é lamentável? Agora só me resta implorar seu
perdão pelo roubo do seu tempo e reiterar meu reconhecimento por ter se
esforçado a me ouvir com paciência.
— Se me der a honra, senhor, com alguma parte da sua estima — disse a
ofendida Cecilia —, este reconhecimento, talvez, deva ser meu. Considere
que tenha sido feito, já que tenho uma carta a escrever e, portanto, não posso
me demorar mais.
— Nem tenho a presunção, madame — disse ele, com orgulho —, de detê-
la. Até este momento a senhorita pode ter com frequência me considerado
misterioso, por vezes estranho e caprichoso, e talvez, muitas vezes, sem
sentido. Para me livrar de tais imputações, uma confissão sincera dos motivos
que me governaram é tudo o que eu desejava. Uma vez, também, espero que
apenas uma vez, a senhorita me achou impertinente. Esta ocasião, na verdade,
é a que menos ouso me justificar...
— Não há motivos, senhor — interrompeu ela, enquanto caminhava em
direção à porta —, para justificações adicionais do que quer que seja. Estou
perfeitamente satisfeita, e se meus melhores votos merecem a sua aceitação,
certifique-se de que os tem.
— Bárbara e repulsiva! — disse ele, meio para si mesmo. Então, com um
movimento rápido, ele apressou-se para abrir a porta para ela: — Vá,
madame — acrescentou ele, quase sem fôlego, com emoções conflitantes. —
Vá, e que sua felicidade seja tão inalterada como a sua inflexibilidade!
Cecilia pretendia voltar para responder a provocação, mas a visão de lady
Honoria, que entrava pela outra porta, deteve-a e ela seguiu seu caminho.
Quando chegou ao seu próprio quarto, ela ficou caminhando por algum
tempo em um estado tão perturbado, entre raiva e decepção, tristeza e
orgulho, que mal sabia à qual emoção ceder, e sentia-se explodindo com cada
uma delas.
— Os dados — disse ela — foram finalmente lançados, e este caso está
encerrado para sempre. O próprio Delvile está satisfeito em me abandonar,
não houve ordem do pai, ou interferência da mãe, ele não precisou de uma
advertência, está perfeitamente capacitado para agir por si mesmo pela
poderosa instigação da arrogância hereditária! Mesmo a minha família, diz
ele, uma condescendência inesperada! Minha família e todas as outras
circunstâncias são irrepreensíveis; quão débil, então, é esta consideração que
cede a uma única objeção! Quão poderosa é sua altivez que a nada é capaz de
ceder. Bem, deixe-o conservar o seu nome! Já que suas propriedades são tão
maravilhosas, sua preservação tão suficiente, que vaidade, que presunção a
minha, para supor que era equivalente à sua perda.
Assim, profundamente ofendida, seu ânimo sustentado pelo ressentimento,
e não apenas quando estava acompanhada, mas também quando estava
sozinha, via-se pouco avessa à separação que se aproximava e capaz de
suportá-la sem maiores lamentações.
CAPÍTULO 61

UM RETIRO

Na manhã seguinte, Cecilia se levantou tarde, não apenas para evitar as


chacotas de lady Honoria, mas para não ver a partida de Delvile. Ela sabia
que a coragem com a qual o havia abandonado o fazia, no momento,
considerá-la completamente insensível, e ao menos estava satisfeita por ter
sido poupada do sofrimento da descoberta, pois ele parecia estar contente,
sem que tivesse sido solicitado, em renunciar a ela.
Antes que estivesse vestida, lady Honoria entrou correndo em seu quarto:
— Um novo esquema político! — exclamou ela. — Nosso grande estadista
pretende nos deixar, ele não pode confiar em seu bebê fora de sua vista, então
ele mesmo irá amamentá-lo no caminho. Pobrezinho do querido Mortimer!
Que fantoche fazem dele. Eu tenho um grande desejo de comprar um pap
boat42 eu mesma e lhe dar de presente.
Cecilia quis saber mais detalhes e ficou sabendo que Mr. Delvile tinha a
intenção de acompanhar o filho a Bristol, cuja viagem, portanto, havia sido
adiada por algumas horas para dar tempo a novos preparativos.
Mr. Delvile, que nesta ocasião se achava sobrecarregado de trabalho,
porque, antes de partir, tinha algumas instruções a dar aos seus criados, optou
por tomar o desjejum em seus próprios aposentos. Mrs. Delvile, também
desejosa de uma conversa particular com o filho, convidou-o a compartilhar o
dela em seu quarto de vestir, enviando desculpas aos seus convidados e
implorando que pedissem o café da manhã quando quisessem.
Mr. Delvile, dono de uma cerimônia escrupulosa, havia pedido desculpas a
lorde Ernolf por abandoná-lo, mas sua ansiedade verdadeira pelo filho
sobrepujava seu caráter artificial, e as desculpas que deu ao nobre eram tais
que não poderiam ofendê-lo. Os objetivos de Sua Senhoria em sua visita não
sofreriam interrupções enquanto Cecilia continuasse no castelo, e ele
prontamente se comprometeu, como prova de que não estava ofendido, a
permanecer com Mrs. Delvile até seu retorno.
Cecilia, portanto, tomou seu café da manhã na companhia dos dois lordes
e de lady Honoria. Quando estava terminado, lorde Ernolf propôs a seu filho
acompanhar os Delviles durante o primeiro trajeto em seus cavalos. A
proposta foi aceita e eles deixaram a sala. Então, lady Honoria, cheia de
brincadeiras e alegria, apanhou um dos guardanapos e declarou que iria
enviá-lo a Mortimer como um babador. Assim, ela fez um embrulho e
escreveu no interior do papel no qual o envolveu: “Uma proteção para o
Mestre Mortimer Delvile, para que não respingue seu papai quando este o
estiver alimentando”. Ansiosa para que fosse transmitido adequadamente, ela
saiu correndo em busca do seu próprio criado, para que fosse entregue
quando o mestre estivesse entrando na carruagem.
Ela havia acabado de sair da sala quando a porta foi novamente aberta pelo
próprio Mortimer, carregado e equipado para sua jornada.
— Miss Beverley aqui! E sozinha! — exclamou ele, com um olhar e uma
voz que demonstravam que todo o orgulho da noite anterior estava afundado
no mais profundo abatimento. — E ela não foge quando eu me aproximo?
Será que pode suportar pacientemente a visão de alguém tão estranho, tão
impetuoso, tão inconsistente? Mas ela é muito sábia para se ofender com os
delírios de um louco. E quem, sob a influência da paixão ao mesmo tempo
violenta e sem esperanças, pode se orgulhar de possuir, de tempos em
tempos, posse da sua razão?
Cecilia, completamente atônita com uma gentileza tão humilde, olhou para
ele em silenciosa surpresa. Ele aproximou-se com tristeza e acrescentou: —
Estou realmente envergonhado da amargura de espírito com a qual na noite
de ontem causei o seu descontentamento, quando deveria suplicar sua
indulgência; mas ainda que estivesse preparado para sua frieza, não pude
suportá-la, e embora sua indiferença fosse quase amistosa, ela me deixou um
pouco frenético. De que forma mais estranha pode a justiça ser cegada pela
paixão, e toda a faculdade da razão ser distorcida pelo egoísmo.
— Não há necessidade de pedir desculpas, senhor — disse Cecilia —, já
que, creia-me, eu não exijo nenhuma.
— A senhorita pode muito bem — disse ele, meio sorrindo — prescindir
de minhas desculpas, pois sob a sanção desta palavra, eu tive sua atenção
ontem. Mas, creia-me, a senhorita me achará agora muito mais razoável: as
reflexões de uma noite toda, reflexões que nenhum repouso interrompeu, me
trouxeram de volta os sentidos. Mesmo os lunáticos, sabe, têm momentos de
lucidez!
— O senhor pretende partir em breve?
— Acredito que sim; espero apenas por meu pai. Mas, por que Miss
Beverley está tão impaciente? Eu não devo voltar logo, isso, pelo menos, é
certo, e por alguns instantes de atraso, poderá certamente oferecer algum
paliativo. Veja! Já estou pronto para acusá-la de severidade novamente! Devo
me apressar, acredito, ou toda a minha pretensa transformação terminará com
uma nova ofensa, um novo vexame, um novo arrependimento! Adeus,
madame! E que toda a prosperidade a acompanhe. Este será sempre o meu
desejo, por mais longa que seja minha ausência, por mais distantes que sejam
os climas que podem nos separar! — ele já estava se afastando, mas Cecilia,
em um impulso de surpresa repentino demais para ser contido, perguntou: —
O clima? Então pretende deixar a Inglaterra?
— Sim! — exclamou ele com rapidez —, pois por qual motivo deveria
permanecer aqui? Em poucas semanas, eu poderia me envolver em qualquer
viagem perto de casa, e voltar aqui em algumas semanas seria loucura.
Depois de uma ausência tão breve, que outro pensamento me ocuparia senão
o de um encontro que se aproxima? E o que deveria sentir neste encontro,
senão a alegria mais perigosa e o deleite que não ouso pensar? Cada conflito
renovado, cada luta reavivada, toda esta cena seria mais uma vez
representada, e eu me rasgaria em lágrimas novamente, e a paixão
desordenada que agora palpita em meu coração seria revivida, e,
possivelmente, revivida com mais sofrimento. Não! Nem meu temperamento
nem minha constituição suportarão outro golpe, uma despedida será
suficiente, e a perseverança com a qual prolongarei meu autoexílio me
compensará pela fraqueza que a torna necessária!
E então, com uma veemência que parecia temerosa da mínima demora, ele
estava de novo, e ainda mais apressadamente, saindo, quando Cecilia, com
muita emoção, exclamou: — Dois minutos, senhor!
— Dois mil! Dois milhões! — exclamou ele, impetuosamente, e voltando,
com um olhar da mais sincera surpresa, acrescentou: — O que a
complacência de Miss Beverley comandará?
— Nada — disse ela, recuperando sua presença de espírito —, mas não
permitirei que de forma alguma, por minha causa, abandone seu país e seus
amigos, já que outro refúgio pode ser encontrado para mim, e eu prefiro me
separar de Mrs. Delvile mais cedo do que o esperado, pelo muito e de forma
sincera como eu a reverencio, do que ser o instrumento para privá-la, mesmo
que por um só mês, de seu filho.
— A consideração é generosa e humana — disse ele. — Mas quem pode
ser mais generoso, mais humano do que Miss Beverley? Tão doce com as
pessoas, tão nobre consigo mesma? Terá minha mãe direito a um desejo,
quando eu a deixar com a senhorita? Não; ela tem consciência do seu valor,
ela adora a senhorita, quase tanto quanto eu a adoro. A senhorita está agora
sob sua proteção; vocês parecem, na verdade, feitas uma para a outra. Não
permita, então, que eu a prive de um posto tão nobre. Oh, por que ele, que
enxerga neste cenário as excelências de ambas, que admira com tanto fervor
as perfeições que as unem, deve ser arrancado com tamanha violência das
pessoas que venera, ainda que sacrifique metade de sua vida, para passar em
sua companhia o que ainda lhe resta?
— Bem, neste caso, senhor — disse Cecilia, que agora sentia sua coragem
diminuir, e a suavidade da tristeza tomar conta de seu espírito —, se não tem
a intenção de desistir do seu plano, não me deixe detê-lo por mais tempo.
— A senhorita não vai me desejar uma boa viagem?
— Sim, da forma mais sincera.
— E a senhorita vai perdoar os erros descuidados que a ofenderam?
— Eu não vou mais pensar neles, senhor.
— Então, adeus, mais amável das mulheres, e que todas as bênçãos que
merece a iluminem. Deixo-lhe minha mãe, certo de sua compassiva afeição
pela sua pessoa, que é tão parecida com ela mesma. Quanto à senhorita,
madame, que o feliz sucessor que tiver o seu favor... — ele fez uma pausa e
sua voz falhou. Cecilia também se afastou, e, com um profundo suspiro, ele
pegou a mão dela e a apertou contra os próprios lábios, exclamando: — Que
seja grande a sua felicidade, de qualquer maneira como vier! Que seja pura
como as suas virtudes e calorosa como a sua benevolência! Oh, adorável
Miss Beverley! Por que, por que devo deixá-la?
Cecilia, embora não confiasse em sua voz para repreendê-lo, afastou a
mão, e ele, muito perturbado, deixou a sala apressadamente.
Esta cena foi, para Cecilia, a mais lamentável que poderia ter acontecido.
A gentileza de Delvile bastava para derretê-la, já que seu orgulho não
subsistia quando não era alimentado pelo dele, e enquanto sua brandura
mitigava seu descontentamento, sua angústia havia penetrado seu coração.
Perdida em pensamentos e tristezas, ela continuou em seu assento, olhando
para a porta pela qual ele havia saído, como se ele tivesse levado consigo
tudo aquilo pelo que ela existia.
Este abatimento reflexivo não durou muito tempo; lady Honoria entrou
correndo, trazendo a informação de como se desfizera do guardanapo, e
Cecilia, ao escutar, esforçou-se para encontrar alguma distração, mas Sua
Senhoria, embora volátil e não sem discernimento, logo percebeu que sua
atenção estava restrita e, olhando para ela com muita malícia, disse: —
Acredito, minha cara, que devo encontrar outro guardanapo para a senhorita!
Porém, não para sua boca, mas para seus olhos! Mortimer veio se despedir?
— Se despedir? Não, ele já foi?
— Oh, não! Pappy tem um mundo de coisas para resolver primeiro. Ele
não estará pronto nas próximas duas horas. Mas não fique tão triste, pois vou
correndo buscar Mortimer para consolá-la.
Ela saiu, e Cecilia, sem poder para impedi-la, achando que seu ânimo não
suportaria outra despedida, tampouco as chacotas de lady Honoria, se
Mortimer, para o seu próprio bem, a evitasse, tentou fugir; ela apanhou um
guarda-chuva e escapou para o jardim, onde, para desconcertar seus
perseguidores, no lugar de interromper sua caminhada habitual, ela dirigiu
seus passos até um bosque denso e pouco frequentado, e não descansou até
estar a mais de duas milhas da casa. Fidel, porém, que agora sempre a
acompanhava, correu ao seu lado, e quando julgou que estava
suficientemente distante e reservada para sentir-se segura, sentou-se embaixo
de uma árvore e, enquanto acariciava seu fiel favorito, acalmava sua própria
sensibilidade, lamentando-se que ele havia perdido seu mestre, e, não tendo
agora nenhum papel a desempenhar, nenhuma dignidade a apoiar, nenhuma
observação a temer, e nenhuma inferência contra a qual se proteger, ela deu
vazão a suas emoções há muito sufocadas, chorando sem precaução ou
restrição.
Ela havia encontrado um homem cujo caráter atendia a todos os seus
desejos para aquele a quem deveria confiar sua fortuna, e cuja maneira de
pensar, tão parecida com a sua, lhe prometia a maior felicidade doméstica. A
este homem seus afetos haviam se curvado involuntariamente, foram
secundados pela estima e não foram controlados por qualquer suspeita de
impropriedade em sua escolha. Ela também havia descoberto, em
contrapartida, que o coração dele pertencia a ela; seu berço, na verdade, era
inferior ao dele, mas não era indigno; sua índole, educação e temperamento
pareciam estar à altura de seus desejos mais afetuosos. No entanto, no
momento em que sua união parecia mais provável, quando eles se
misturavam em meio às mesmas companhias e viviam sob o mesmo teto,
quando o pai dele era guardião dela e o interesse parecia convidar ainda mais
sua aliança do que o afeto, o próprio jovem, sem conselho ou ordem, decidira
afastar-se de sua presença por um esforço próprio, abster-se de buscar seu
coração e quase acusá-la de não concedê-lo e, determinado ao exílio
voluntário, abandonar seu país e suas conexões, sem nenhuma razão, senão
simplesmente para evitar a visão daquela que amava.
Embora o motivo de tal conduta não fosse mais desconhecido, ela não o
considerava satisfatório nem necessário. No entanto, enquanto censurava sua
fuga, ela lamentava sua perda, e embora seu incentivo fosse repugnante em
sua opinião, seu domínio sobre sua paixão ela admirava e aplaudia.
CAPÍTULO 62

UMA PREOCUPAÇÃO

Cecilia continuou neste local privado, feliz pelo menos por estar sozinha,
até que o sino da refeição a chamou de volta para casa.
Assim que entrou na sala e viu todos reunidos à sua frente, ela observou,
pelo semblante de Mrs. Delvile, que ela havia tido uma manhã tão triste
quanto a sua.
— Miss Beverley — disse lady Honoria, antes de se sentar —, insisto que
ocupe o meu lugar hoje.
— Por que, madame?
— Porque eu não posso permitir que a senhorita fique perto de uma janela
com um resfriado tão terrível.
— Vossa Senhoria é muito generosa, mas na verdade eu não tenho
nenhum resfriado.
— Oh, minha cara, devo implorar o seu perdão, mas seus olhos estão tão
vermelhos. Mrs. Delvile, lorde Ernolf, os olhos dela não estão muito
vermelhos? Deus, olhe para as suas bochechas! Por favor, olhe-se no espelho,
eu lhe garanto que dificilmente se reconhecerá.
Mrs. Delvile, que olhou para ela com muita gentileza, fingiu entender
literalmente a fala de lady Honoria, tanto para atenuar sua aparente confusão
assim como as suspeitas de lorde Ernolf, e disse: — A senhorita realmente
está com um forte resfriado, meu amor. Proteja os olhos com o chapéu, e
depois do almoço a senhorita os banhará com água de rosas, o que logo
eliminará a inflamação.
Cecilia, ao perceber sua intenção, pela qual sentiu a maior gratidão, deixou
de negar seu resfriado e não recusou a oferta de lady Honoria, que,
deleitando-se com a travessura, qualquer que fosse sua procedência, logo
acrescentou: — Este resfriado é um castigo por ter me deixado sozinha a
manhã toda, mas suponho que tenha preferido um tête-a-tête com seu
favorito, sem a intrusão de qualquer outra pessoa.
Neste momento, todos a olharam fixamente, e Cecilia declarou muito
seriamente que estivera sozinha.
— É possível que seja tão esquecida? — perguntou lady Honoria. — A
senhorita não estava acompanhada do seu amado?
Cecilia, que então compreendeu que ela se referia a Fidel, corou mais
profundamente do que nunca, tentou não rir e começou a comer sua refeição.
— Esta parece ser uma questão de muita complexidade — disse lorde
Ernolf —, mas para mim totalmente ininteligível.
— E para mim também — disse Mrs. Delvile —, mas estou contente em
deixar que continue assim; os mistérios de lady Honoria são tão frequentes
que enfraquecem a curiosidade.
— Cara senhora, isso não é natural — disse lady Honoria —, pois estou
certa de que deseja saber de quem estou falando.
— Eu, pelo menos, gostaria de saber — disse lorde Ernolf.
— Ora, milorde, o senhor deveria saber; Miss Beverley tem dois
companheiros, eu sou um deles, e Fidel é o outro, mas Fidel esteve com ela
toda a manhã, e ela não quis a minha companhia. Suponho que tenha algo
particular a dizer a ele sobre a viagem de seu mestre.
— Que brincadeira é essa?! — exclamou Mrs. Delvile. — Fidel foi
embora com meu filho, não foi? — ela voltou-se para os criados.
— Não, madame, Mr. Mortimer não perguntou por ele.
— Que estranho — disse ela —, nunca o vi sair de casa sem ele.
— Cara senhora, se ele o tivesse levado — disse lady Honoria —, o que
seria de Miss Beverley? Pois ela não tem nenhum amigo aqui além de mim e
dele, e realmente ele é o grande favorito, isto é, se eu não o envenenar algum
dia por puro despeito.
Cecilia não teve nenhum recurso a não ser obrigar-se a rir, e Mrs. Delvile,
que evidentemente se compadecia dela, conseguiu mudar de assunto. Porém,
não antes de lorde Ernolf, com infinito pesar, certificar-se por tudo o que se
passara da situação desesperançada de seu filho.
O resto do dia, e cada hora dos dois dias seguintes, Cecilia passou
desconfortavelmente constrangida, com medo de ficar sozinha, para que o
peso do seu coração não buscasse alívio nas lágrimas, cujo consolo,
melancólico como era, ela achava um amparo muito perigoso. No entanto, a
alegria de lady Honoria perdeu todo o poder de entretenimento, e mesmo a
bondade de Mrs. Delvile, ela agora imputava à compaixão, e lhe trazia mais
sofrimento do que prazer. No terceiro dia, chegaram cartas de Bristol, mas
não traziam consigo nenhum conforto, pois, embora Mortimer escrevesse
alegremente, seu pai enviou uma mensagem de que sua febre parecia ameaçar
voltar.
Mrs. Delvile ficou na mais extrema ansiedade, e a promessa de Cecilia,
que era a de mostrar-se alegre e despreocupada, tornou-se cada vez mais
difícil de cumprir. Os esforços de lorde Ernolf para agradá-la eram tão
desesperadores para ele quanto enfadonhos para ela, e lady Honoria sozinha,
em toda a casa, não conseguia encontrar o que fazer ou a menor diversão.
Mas enquanto lorde Derford lá estava, ela ainda tinha um objeto para
ridicularizar, e como Cecilia corava e ficava confusa, ela ainda tinha o objeto
para a travessura. Assim transcorreu uma semana, durante a qual as notícias
de Bristol eram cada vez menos agradáveis; Mrs. Delvile manifestou o desejo
fervoroso de fazer ela mesma uma viagem para lá e propôs, meio rindo e
meio seriamente, que todo o grupo a acompanhasse.
Entretanto, o tempo de lady Honoria já havia terminado e seu pai pretendia
mandar buscá-la em alguns dias. Mrs. Delvile, que sabia que tal encargo
ocuparia todo o seu tempo, adiou de bom grado a partida até que Sua
Senhoria partisse, mas escreveu uma carta a Bristol informando que em breve
estaria lá, acompanhada pelos dois lordes, que insistiram em acompanhá-la.
Cecilia estava em um estado de extrema angústia: sua estadia no castelo,
ela sabia que mantinha Delvile à distância; acompanhar sua mãe a Bristol iria
forçá-la a ficar à sua vista, o que tanto por prudência quanto por orgulho ela
desejava evitar; até Mrs. Delvile evidentemente desejava sua ausência, pois,
sempre que se falava sobre a viagem, ela preferia se dirigir a qualquer outra
pessoa que estivesse presente. Tudo o que ela conseguiu imaginar para aliviar
uma situação tão dolorosa foi implorar permissão para fazer uma visita sem
demora à sua velha amiga, Mrs. Charlton, em Suffolk. Tomada a resolução,
ela a colocou em execução imediatamente e, procurando Mrs. Delvile,
perguntou se poderia fazer uma reivindicação em seu nome.
— Sem dúvida — respondeu ela —, mas que não seja muito desagradável,
já que sinto que não posso lhe negar nada.
— Eu tenho uma velha amiga, madame — disse ela, falando rápido e com
muita pressa para concluir —, que não vejo há muitos meses, e como minha
saúde não requer uma viagem a Bristol, se a senhora me honrar com a
menção do meu pedido a Mr. Delvile, creio que poderia aproveitar a
oportunidade presente para fazer uma visita à Mrs. Charlton.
Mrs. Delvile olhou para ela por algum tempo sem dizer uma palavra, e
então abraçou-a com fervor e disse: — Minha doce Cecilia, sim, a senhorita é
tudo o que eu imaginei que seria: generosa, sábia, discreta, carinhosa e nobre
ao mesmo tempo! Como poderei me separar da senhorita, na verdade, eu não
sei, mas deve fazer o que achar melhor, pois tenho certeza de que é o certo e,
portanto, não farei oposição.
Cecilia corou e agradeceu, mas percebeu que os reais motivos dos seus
planos foram claramente compreendidos. Ela apressou-se, portanto, em
escrever à Mrs. Charlton e preparar-se para a viagem.
Mr. Delvile, apesar da sua formalidade habitual, enviou sua permissão, e
Mortimer, ao mesmo tempo, implorou que sua mãe levasse Fidel, que ele
infelizmente havia esquecido. Lady Honoria, que estava presente quando
Mrs. Delvile mencionou a incumbência, disse em um sussurro para Cecilia:
— Miss Beverley, não o deixe ir.
— Por que não?
— Oh, é muito melhor a senhorita levá-lo astutamente para Suffolk.
— Eu preferiria — respondeu Cecilia — levar comigo o aparador de
pratos, pois dificilmente pareceria um roubo maior.
— Oh, eu imploro o seu perdão, estou certa de que todos considerariam o
roubo uma honra; e se eu fosse para Bristol, pediria a Mortimer que o
enviasse à senhorita imediatamente. No entanto, se quiser, posso escrever
para ele. Ele é meu primo, então não haverá grande impropriedade nisso.
Cecilia lhe agradeceu por uma oferta tão cortês, mas implorou que não a
induzisse a mostrar-se condescendente. Ela então fez os preparativos
imediatos para sua viagem a Suffolk, o que viu causar igual surpresa e pesar a
lorde Ernolf, sobre cujos interesses a própria Mrs. Delvile agora desejava
conversar com ela.
— Diga, Miss Beverley — disse ela —, de forma breve e positiva, qual é a
sua opinião sobre lorde Derford.
— Penso nele tão pouco, madame — respondeu ela —, que não tenho
muito a dizer; ele parece, no entanto, inofensivo. Mas, na verdade, se eu o
visse novamente, eu provavelmente me esqueceria de já tê-lo visto.
— É exatamente o meu caso — exclamou Mrs. Delvile. — E suplicar por
ele eu acho completamente impossível, embora milorde Ernolf tenha me
pedido veementemente, mas pressionar tal aliança, devo considerar uma
indignidade à sua inteligência.
Cecilia ficou muito satisfeita com a conversa, mas ela logo acrescentou: —
Há uma razão, na verdade, que tornaria tal conexão desejável, embora seja
apenas uma.
— Qual é, madame?
— Seu título.
— E por quê? Estou certa de que não tenho este tipo de ambição —
respondeu Cecilia.
— Não, meu amor — disse Mrs. Delvile, sorrindo —, eu não me refiro a
uma forma de gratificação para o seu orgulho, mas para o dele, já que um
título, ao tomar o lugar de um nome de família, evitaria a única objeção que
qualquer homem poderia ter para formar uma aliança com Miss Beverley.
Cecilia, que a entendia muito bem, reprimiu um suspiro e mudou de
assunto.
Um dia foi suficiente para todos os preparativos de que precisava, e como
pretendia partir bem cedo na manhã seguinte, despediu-se de lady Honoria e
dos lordes Ernolf e Derford quando se separaram à noite, mas Mrs. Delvile a
seguiu até o quarto. Ela expressou sua preocupação em perdê-la nos termos
mais calorosos e lisonjeiros, mas não falou sobre seu regresso, nem sobre a
duração de sua estadia. No entanto, ela desejava receber notícias suas com
frequência e lhe assegurou que, fora da sua própria família, não havia
ninguém no mundo a quem valorizasse com tanto carinho. Quando se
levantou para sair do quarto, Mrs. Delvile disse: — Veja com que relutância
eu a deixo! Nenhum interesse, a não ser alguém tão querido como aquele que
me chama, deveria induzir-me, com meu próprio consentimento, a suportar
sua ausência por apenas uma hora, mas o mundo está cheio de sofrimentos, e
suportar ou afundar com eles faz toda a diferença entre os nobres e os de
mente fraca. Para a senhorita, posso dizer isso com segurança; para a maioria
das jovens, exigiria um pouco de reflexão.
— A senhora é muito boa — disse Cecilia, sufocando as emoções que
suscitavam tal discurso —, e se realmente me honra com uma opinião tão
lisonjeira, tentarei, se estiver ao meu alcance, não desapontá-la.
— Ah, meu amor! — exclamou Mrs. Delvile calorosamente —, se apenas
da minha opinião sobre a senhorita dependesse nossa convivência, nunca
iríamos nos separar e não viveríamos um só momento separadas. Mas que
direito tenho eu de monopolizar duas bênçãos como estas? A mãe de
Mortimer Delvile não deveria se lamentar, e a mãe de Cecilia Beverley teria
motivos iguais para se orgulhar.
— A senhora está decidida — disse Cecilia, forçando um sorriso — que eu
seja digna, dando-me o mais doce dos motivos, o de merecer tal elogio —
então, com a voz fraca, ela desejou seus respeitos a Mr. Delvile e
acrescentou: — A senhora encontrará a todos em Bristol melhor do que
espera.
— Espero que sim — respondeu ela — e também espero que encontre
Mrs. Charlton bem, feliz e tão bem quanto a deixou. Porém, não permita que
ela me afaste da sua lembrança, e nunca pense que, porque ela a conhece há
mais tempo, a ama mais do que eu; nosso relacionamento, ainda que breve,
tem sido intenso, e ela deve ouvir da senhorita um mundo de anedotas antes
de encontrar motivos para amá-la tanto.
— Ah, madame — exclamou Cecilia, com lágrimas nos olhos —,
devemos nos separar agora. Onde estará toda esta força de espírito que espera
de mim se eu continuar a ouvi-la?
— Tem razão, meu amor — respondeu Mrs. Delvile —, já que toda a
ternura enfraquece a fortaleza — em seguida, ela a abraçou afetuosamente e
disse: — Adeus, doce Cecilia, a criatura mais amável e excelente, adeus!
Leve consigo minha mais alta aprovação, meu amor, minha estima, meus
melhores votos! E eu... sim, menina generosa! Devo acrescentar meu mais
sincero agradecimento!
Ela pronunciou a última palavra quase em um sussurro, beijou-a
novamente e saiu apressada do quarto.
Cecilia, muito surpresa e emocionada, satisfeita e deprimida, permaneceu
quase imóvel e durante muito tempo não pôde chamar a criada ou persuadir a
si mesma a ir descansar. Ela via em todo o comportamento de Mrs. Delvile
um calor de consideração que, embora fortemente oposto pelo orgulho da
família, a tornava quase favorável a promover a união, cuja família
considerava impossível; também via que era com extrema dificuldade que
mantinha a firmeza de sua oposição, e que carregava um conflito perpétuo
consigo mesma, para abster-se de reconhecer abertamente a contrariedade de
seus desejos e a perplexidade de sua angústia; mas principalmente, ela ficou
impressionada com o uso expressivo da palavra gratidão. “Por que deveria
estar agradecida”, pensou Cecilia, “o que eu fiz ou tive o poder de fazer? Ela
está, na verdade, infinitamente enganada se supõe que seu filho agiu seguindo
minhas instruções; minha influência sobre ele é nula, e ele não poderia ser
mais dono do seu próprio destino se fosse completamente indiferente a mim.
Tudo o que tentei fazer foi esconder minha própria decepção, e talvez ela me
tenha em tão alta estima por supor que a firmeza de seu filho se deva à minha
cautela e reserva. Ah, ela não o conhece! Se neste momento eu abrisse meu
coração para ele, se toda a sua fraqueza, sua parcialidade, sua admiração
desafortunada fosse exibida, ele apenas dobraria a vigilância a fim de me
evitar e esquecer, e acharia a tarefa ainda mais fácil pela diminuição de sua
estima. Oh, que estranha paixão pelo preconceito invencível! Ele sacrificará
sua própria vida pelo seu nome, e enquanto o conflito de sua mente ameaça
arrastá-lo com a poeira, ele desdenha da união com aquela cujo desejo não se
satisfaz!”
Tais reflexões, aliadas à incerteza se voltaria alguma vez a dormir no
Castelo Delvile, a perturbaram durante toda a noite e tornaram desnecessário
chamá-la pela manhã. Levantou-se às cinco horas, vestiu-se com o maior
peso no coração e, ao passar por uma longa galeria que levava à escada, ao
passar pela porta do quarto de Mortimer, o pensamento em sua saúde
debilitada, na longa viagem que pretendia fazer e na probabilidade de nunca
mais voltar a vê-lo, impressionou-a e entristeceu-a tão profundamente que ela
mal conseguiu encontrar forças para prosseguir sem parar para chorar e orar
por ele. Porém, ela foi logo cercada por criados e, portanto, obrigada a
apressar-se e subir na carruagem.
Cecilia atirou-se no banco, cobriu os olhos com o chapéu e pensou,
enquanto a carruagem se afastava, que sua última esperança de felicidade
terrena estava perdida.
LIVRO VII
CAPÍTULO 63

UMA RENOVAÇÃO

Cecilia seguia acompanhada por sua criada na carruagem, e seu próprio


criado e um dos criados de Mrs. Delvile a acompanhavam a cavalo. A
quietude do seu abatimento foi interrompida pelo grito alto de um dos
homens: — Vá para casa! Vá para casa! — Ela então olhou por uma das
janelas e viu Fidel correndo atrás da carruagem e latindo para os criados, que
se empenhavam em mandá-lo de volta. Comovida por esta nova prova de
gratidão do animal devido à sua atenção para com ele, e consciente de que ela
mesma havia ocasionado o abandono de seu dono, ela se lembrou do plano de
lady Honoria e quase desejou colocá-lo em execução, mas este foi o
pensamento de um momento, e gesticulando para que ele voltasse, ela
ordenou ao criado de Mrs. Delvile que regressasse com ele imediatamente e o
confiasse aos cuidados de alguém do castelo.
Ainda que insignificante, este pequeno incidente foi o mais importante de
sua viagem, pois ela chegou à residência de Mrs. Charlton sem encontrar
mais ninguém.
A visão daquela senhora lhe trouxe uma sensação de prazer que há muito
era uma estranha; um prazer puro, sem confusão, sem afetação e sem
restrições reavivou todo o seu afeto inicial e, com ele, algo que se parecia
pelo menos com sua tranquilidade inicial. Mais uma vez ela estava na casa
onde antes não havia sido perturbada, mais uma vez ela desfrutava da
companhia que uma vez fora tudo o que desejava, e novamente via a mesma
cena, os mesmos rostos e as mesmas perspectivas que havia contemplado
enquanto seu coração estava completamente devotado aos seus amigos.
Mrs. Charlton, embora idosa e enferma, conservava um entendimento que,
sempre que não fosse influenciado por seus afetos, certamente a orientava de
maneira infalível, mas a extrema suavidade de seu temperamento
frequentemente desorientava seu julgamento, fazendo-a, pelo prazer do
infortúnio ou do artifício, sempre ceder à compaixão e ser dócil diante da
súplica. Quando seu conselho e opinião eram exibidos, eles certamente
refletiam honra em sua capacidade e discernimento, mas, onde sua ajuda ou
sua compaixão eram suplicadas, sua bolsa e suas lágrimas eram
imediatamente concedidas, e em seu empenho para aliviar a angústia, ela se
esquecia se o objeto era merecedor de sua preocupação, e não parava para
considerar sua honradez ou discrição, se a felicidade, por mais momentânea
que fosse, estava em seu poder para conceder. No entanto, tal debilidade
generosa era mantida um tanto submissa pela vigilância de duas netas, as
quais, temendo o dano que elas próprias poderiam receber, não deixavam de
apontar tanto sua inconveniência quanto seu perigo.
Estas damas eram filhas do falecido e único filho de Mrs. Charlton. Eram
solteiras e viviam com a avó, cuja fortuna, que era considerável, esperavam
dividir entre elas e aguardavam com impaciência o momento da apropriação.
De mente estreita e gananciosa, elas desejavam monopolizar tudo o que a
mulher possuía e se consideravam prejudicadas por suas pequenas doações.
Sua principal ocupação era mantê-la afastada de todos os objetos dignos de
angústia e, embora não tivessem muito sucesso, ao menos limitavam sua
generosidade àqueles que se pareciam com elas, já que nem os espirituosos
podiam suportar, nem o mais delicado apoiar os controles e rejeições das
netas, que acompanhavam as doações de Mrs. Charlton. Entre todos os seus
conhecidos, Cecilia era a única cuja intimidade elas encorajavam, pois
sabiam que sua fortuna a tornava superior a qualquer ponto de vista
mercenário, e recebiam dela mais cortesia do que lhe ofereciam.
Mrs. Charlton amava Cecilia com um excesso de carinho, que não apenas
se dava pelo amor que nutria por suas outras amigas, mas ao qual até mesmo
sua consideração pelas senhoritas Charlton era inferior e enfraquecida.
Cecilia, quando criança, a havia reverenciado como mãe, e, agradecida por
sua ternura e cuidado, posteriormente passou a tratá-la como uma amiga. O
ressurgimento desta conexão inicial encantou as duas; foi como um bálsamo
para a mente ferida de Cecilia, foi como uma renovação para a existência de
Mrs. Charlton.
Na manhã seguinte, ela escreveu um cartão para Mr. Monckton e lady
Margaret, informando-os de seu regresso a Suffolk e desejando saber quando
poderia apresentar seus respeitos a Sua Senhoria. Ela recebeu da velha
senhora uma resposta verbal: “quando achasse melhor”, mas Mr. Monckton
foi imediatamente à casa de Mrs. Charlton. Seu assombro e seu êxtase pelo
inesperado incidente eram quase ilimitados. Ele pensou tratar-se de uma
mudança repentina da sorte a seu favor e concluiu que agora que ela havia
escapado do perigo do Castelo Delvile, o caminho que o conduziria à sua
própria segurança era rápido e certeiro.
A satisfação dela no encontro foi tão sincera, embora não tão animada
quanto a dele, mas a semelhança entre seus sentimentos durou pouco. Assim
que ele indagou sobre o que havia acontecido no castelo, incluindo as razões
que a levaram a abandoná-lo, a dor que ela sentiu ao dar um relato, mesmo
que superficial e evasivo, era contrastada pelo mais caloroso deleite em ouvi-
lo. Ele não pôde obter dela os detalhes do ocorrido, mas notou a relutância
nas suas palavras, o ar de mortificação com que ouvia suas perguntas e o
evidente desgosto que se mesclava com sua tristeza quando a obrigou a
mencionar o nome de Delvile. Todas eram provas indiscutíveis e satisfatórias
de que ou eles haviam se separado sem qualquer explicação ou com uma
explicação que havia magoado e ofendido Cecilia. Ele prontamente concluiu
que, uma vez que a prova de fogo que mais temia havia terminado, e que ela
havia abandonado com raiva o asilo que havia procurado em êxtase, o próprio
Delvile não cobiçava esta aliança, a qual, uma vez que estavam separados,
provavelmente nunca aconteceria. Ele teria, portanto, poucas dificuldades
para prometer todo o sucesso a si mesmo.
Ele estava mais uma vez na posição onde era considerado o primeiro dos
homens; ele sabia que durante sua ausência ninguém que tivesse pretensões
de disputar com ele aquela preeminência havia se instalado na vizinhança.
Ele deveria ter novamente acesso a ela, e o prazer e o otimismo aumentaram
de tal forma suas esperanças, que ele quase começou a se alegrar até mesmo
com a preferência por Delvile, que até então havia sido o seu terror, por
acreditar que isso daria a ela durante algum tempo aquele desgosto taciturno
de todas as outras conexões, para onde aqueles que são ao mesmo tempo
delicados e fervorosos são comumente conduzidos por decepções iniciais.
Assim, toda a sua preocupação agora era preservar sua estima, buscar sua
confiança e recuperar tudo o que pela ausência pudesse ter se perdido do
domínio da sua mente, que o respeito pelo seu conhecimento e capacidade
havia dedicado a ele durante muitos anos. Neste momento, o destino parecia
favorecer todos os seus pontos de vista e, de forma repentina e inesperada,
tornar mais racionais suas esperanças e planos do que ele próprio fora capaz
de realizar com a mais extrema habilidade da sabedoria mundana.
No dia seguinte, Cecilia tomou a carruagem de Mrs. Charlton e visitou
lady Margaret. Ela foi recebida por Miss Bennet, sua companheira, com a
mais aduladora cortesia, mas, quando foi levada à presença da dona da casa,
viu-se tão evidentemente indesejável que até lamentou a consideração que
havia motivado sua visita. Não havia mais ninguém com ela além de Mr.
Morrice, o único jovem que poderia persuadir a si mesmo a suportar sua
companhia na ausência do marido, mas quem, como a maioria dos jovens que
são assíduos em sua atenção às velhas senhoras, não tinha dúvidas de que
estava garantindo a si mesmo um belo legado pelo seu aborrecimento.
O primeiro discurso de Sua Senhoria foi:
— Então, a senhorita ainda não se casou, eu soube. Se Mr. Monckton
fosse um amigo de verdade, teria buscado algum arranjo para a senhorita.
— Eu não estava de forma alguma — disse Cecilia com ânimo — com
tanta pressa ou tão angustiada a ponto de exigir de Mr. Monckton qualquer
esforço de sua amizade.
— Madame — disse Mr. Morrice —, que noite terrível tivemos em
Vauxhall! Pobre Harrel! Eu realmente senti pena dele. Não tive coragem de
visitar a senhorita ou Mrs. Harrel depois disso. Mas assim que soube que
estava em St. James’s Square, eu tentei ir até lá, pois ir novamente à casa de
Mr. Harrel seria muito deprimente. Eu preferiria ter corrido uma milha ao
lado de um cavalo de corrida.
— Não há motivo para se desculpar — disse Cecilia —, pois eu não estava
muito disposta a ver ou mesmo pensar em visitas.
— Foi o que pensei, madame — disse ele, com rapidez —, e realmente
isso me deixou menos disposto a encontrá-la. No entanto, madame, no
próximo inverno eu ficarei extremamente feliz em compensar tal deficiência.
Além disso, ficaria muito grato se pudesse me apresentar a Mr. Delvile, pois
tenho um grande desejo de conhecê-lo.
Mr. Delvile, pensou Cecilia, tinha orgulho demais para ouvir tal coisa. No
entanto, ela meramente respondeu que não tinha perspectiva de passar
nenhum tempo na casa de Mr. Delvile no próximo inverno.
— É verdade, madame, é verdade — disse ele. — Agora me recordo, a
senhorita terá conquistado sua independência até lá, então suponho que
naturalmente escolherá ter sua própria casa, o que será muito mais adequado.
— Eu não concordo — disse lady Margaret. — Eu nunca vi nada de
adequado em jovens mulheres que têm suas próprias casas. Será muito
melhor se ela se casar e encontrar uma pessoa adequada para cuidar dela.
— Nada mais certo, madame! — exclamou o bajulador. — Uma jovem em
uma casa sozinha está sujeita a milhares de perigos. Que tipo de lugar,
madame, Mr. Delvile tem no interior? Ouvi dizer que possui um bom terreno
e uma grande casa.
— É um antigo castelo, senhor, situado em um jardim.
— Deve ser terrivelmente melancólico. Atrevo-me a dizer, madame, que
ficou extremamente feliz em regressar a Suffolk.
— Eu não o achei melancólico. Eu fiquei muito satisfeita com ele.
— Ora, na verdade, pensando bem, não estou surpreso. Um velho castelo
em um grande jardim deve ter uma aparência muito romântica. Há algo nobre
nisso, ouso dizer.
— Sim — disse lady Margaret —, diziam que a senhorita se tornaria sua
senhora e que se casaria com o filho de Mr. Delvile, e, da minha parte, não
vejo qualquer objeção a isso.
— Ouvi tantos relatos estranhos — disse Cecilia —, e todos tão
inexplicáveis para mim, que agora começo a ouvir falar deles sem me
surpreender.
— Acho que é um jovem encantador — disse Mr. Morrice. — Tive o
prazer de vê-lo uma ou duas vezes na casa do pobre Harrel, e ele me pareceu
extremamente agradável. Não acha, madame?
— Sim, eu também penso assim.
— Não, não é minha intenção exaltar algo extraordinário — continuou Mr.
Morrice, imaginando que sua hesitação procedia de antipatia —, eu quis dizer
no dia a dia, de forma generalizada.
Neste momento, juntaram-se a eles Mr. Monckton e alguns cavalheiros
que estavam visitando sua casa, pois sua ansiedade não era do tipo que o
levava à solidão, nem sua disposição de fazê-lo negar a si mesmo qualquer
forma de prazer que pudesse obter. Seguiu-se uma conversa generalizada que
durou até que Cecilia encerrasse sua visita. Mr. Monckton, então, tomou sua
mão para conduzi-la até a carruagem, mas deteve-se na saída para lhe falar
sobre algumas alterações nas suas terras, as quais desejava lhe mostrar. Sua
intenção ao detê-la era descobrir o que ela pensava da sua recepção e se ainda
suspeitava do ciúme de lady Margaret. Ele bem sabia, pela delicadeza do seu
caráter, que, se uma vez tivesse conhecimento do fato, ela evitaria
escrupulosamente qualquer contato com ele, por medo de aumentar sua
inquietação.
Assim, ele começou a falar do prazer que lady Margaret sentia com suas
plantações e de sua esperança que Cecilia a honrasse com visitas frequentes,
sem esperar que fossem retribuídas, já que por conta das suas enfermidades
ela tinha direito a determinadas indulgências. Ele continuou falando,
recebendo quase nenhuma resposta de Cecilia, quando de repente, de trás de
um denso arbusto de louro, surgiu Mr. Morrice, que havia corrido para fora
da casa por um atalho e lá se escondera a fim de surpreendê-los.
— Ah! — exclamou ele, com uma gargalhada. — Eu os peguei. Esta será
uma bela anedota para lady Margaret. Juro que vou dizer a ela.
Mr. Monckton, nunca desprevenido, respondeu prontamente: — Sim, por
obséquio, diga. Mas não deixe de relatar também o que dissemos sobre o
senhor.
— Sobre mim? — perguntou ele, com alguma ansiedade. — Ora, o senhor
não disse nada sobre mim.
— Ah, ninguém vai acreditar, eu lhe garanto. Pouco a pouco contaremos
outra história à mesa e traremos sobre o senhor o velho provérbio da má sorte
daqueles que se escondem para ouvir os outros.
— Bem, se entendi o que quer dizer, parece que serei enforcado.
— Por que não finge que não ouviu Miss Beverley dizer que o senhor é o
maior orangotango, ou homem-macaco, que ela já conheceu?
— Não, na verdade, eu não ouvi!
— Não? Nem quando ela admirava sua destreza ao escapar de ser
chicoteado três vezes ao dia por sua insolência incurável?
— Nem uma palavra! Chicoteado?! Miss Beverley, por favor, a senhora
disse algo assim?
— Sim — disse Monckton —, e não apenas chicoteado, mas arremessado
no tanque dos cavalos, pois ela achava que, quando alguém estivesse
esquentado, o outro deveria refrescá-lo; e então o senhor poderá ser adaptado
novamente à sua floresta nativa, pois ela insiste que o senhor foi trazido da
África e ainda não está bem domesticado.
— Oh, Deus! — exclamou Mr. Morrice, espantado. — Eu jamais teria
suspeitado que Miss Beverley pudesse dizer esse tipo de coisas.
— E o senhor suspeita que eu o fiz agora? — perguntou Cecilia.
— Sim, sim — disse Monckton, friamente —, ora, ele ouve isso o tempo
todo. E o mesmo acontecerá com todo o nosso grupo se eu apenas me
lembrar de mencionar o fato.
Cecilia então voltou para a carruagem, deixando Mr. Monckton resolvendo
o assunto com seu crédulo hóspede da forma como quisesse, pois, supondo
que ele estivesse apenas satisfazendo seu amor por brincadeiras, ou adotando
esse método para controlar a ousadia do jovem, ela absteve-se de qualquer
interferência que pudesse prejudicar suas intenções. Mas Mr. Monckton não
gostava de ser obrigado a manifestar-se a respeito de Cecilia, embora fosse
indiferente a tudo o que pudesse ser dito sobre qualquer outra mulher. Assim,
ele tinha a intenção de intimidar Morrice para que não retomasse o assunto e
logo obteve seu intento. O pobre Morrice, cuja observação e discurso eram
meros erros do acaso, cometidos sem a menor suspeita dos desígnios de Mr.
Monckton, agora apreendia algum esquema para se tornar ridículo e, embora
não acreditasse que Cecilia tivesse feito uso de tais expressões, imaginou que
Mr. Monckton pretendia virar a anedota contra ele e, portanto, decidiu não
dizer nada que pudesse recordá-lo do que havia acontecido.
Nesta época, Mr. Monckton o havia admitido em sua casa simplesmente
com a expectativa de encontrar mais diversão em suas tolices e vertigens do
que era capaz, durante sua preocupação em relação a Cecilia, de receber de
conversas de um tipo superior. A personalidade de Mr. Morrice era, de fato,
particularmente adaptada ao entretenimento de uma grande casa de campo:
ávido por brincadeiras e sempre pronto para empreender; disposto a agradar,
mas sem a menor delicadeza para não ofender; o primeiro a promover o dano
para qualquer pessoa, e o último a se ofender quando ele mesmo era exposto;
alegre, descuidado e volúvel, uma composição feliz de leviandade e bom
humor.
Porém, Cecilia, ao abandonar a casa, decidiu não voltar a visitá-la tão
cedo, pois estava extremamente aborrecida com lady Margaret, embora não
suspeitasse de nenhum motivo particular para inimizade, contra a qual era
protegida tanto por sua própria inocência sem suspeitas quanto por uma alta
estima de Mr. Monckton, a qual ela acreditava firmemente que ele lhe
retribuía com igual honestidade de uma amizade inofensiva.
Sua próxima excursão foi visitar Mrs. Harrel. Ela a encontrou infeliz e
presa à miséria da solidão desocupada, arrancada de tudo o que, para ela,
havia feito a existência parecer valiosa; sua mente estava tão apática quanto
sua personalidade inativa, e ela não sabia como empregar nem mesmo um
momento do seu dia. Ela não tinha mais festas para organizar, nem
entretenimentos para planejar, companhia para formar, nem vestidos a
considerar. Tudo isso, além das visitas aos lugares públicos, havia ocupado
todo o seu tempo desde o seu casamento, o qual, como acontecera muito cedo
em sua vida, havia simplesmente substituído os divertimentos de menina.
Entretanto, tal impotência diante da insipidez, embora naturalmente
causada por uma mente desprovida de todos os recursos genuínos, era
dignificada por ela mesma com o nome de tristeza, e não era simplesmente
uma tela para o mundo; não acostumada a investigar seus sentimentos ou
examinar seu coração, a compaixão geral que encontrou pela perda de seu
marido a persuadiu de que de fato lamentava seu destino, embora nenhuma
mudança em sua vida tivesse sido causada pelo seu suicídio; ela poucas vezes
pensou nele novamente depois que o primeiro choque passou.
Ela recebeu Cecilia com grande prazer, e com maior prazer ainda ouviu a
renovação de suas promessas de lhe arranjar um quarto em sua casa assim
que atingisse a maioridade, um período que agora estava a apenas um mês de
distância. Porém, muito maior e infinitamente mais pura foi a alegria que sua
presença conferiu a Mr. Arnott. Ela foi tomada por uma sensação de pesar,
não apenas pela paixão constante que a ocasionara, mas também por sua
própria incapacidade de participar ou recompensá-la, pois com ele uma
aliança não encontraria oposição. Seu caráter era amigável, sua situação na
vida, irrepreensível. Ele a amava com o mais terno afeto, e nenhum orgulho,
ela bem sabia, interferiria para dominá-lo. No entanto, em troca, para
conceder-lhe seu amor, ela sentia-se totalmente impossibilitada de recusar sua
estima, e os atrativos superiores de Delvile, dos quais nem o desgosto nem o
sofrimento podiam lhe roubar, calaram seu coração por algum tempo, com
mais firmeza do que nunca, como Mr. Monckton bem havia imaginado a
todos os outros agressores. No entanto, ela de forma alguma cederia
fracamente tanto ao lamento quanto ao arrependimento. Seu suspense havia
chegado ao fim, suas esperanças e seus temores haviam se reduzido a
certezas: Delvile, ao abandoná-la, havia dito que a estava deixando para
sempre e, embora não, de fato, com muita firmeza, desejara sua felicidade em
uma união com outra pessoa. Portanto, ela considerava essencial, tanto para
seu caráter quanto para sua paz, manifestar igual fortaleza para dominar sua
parcialidade. Ela absteve-se de insinuar à Mrs. Charlton o que havia
acontecido e desejava que o assunto talvez nunca fosse iniciado. Ela não se
permitiu tempo para recordações perigosas: refazia suas velhas caminhadas e
revia seus velhos conhecidos, e, por um vigoroso exercício de sabedoria
ativa, duvidava de não contemplar, em pouco tempo, a submissão de sua
infeliz ternura.
Sua tarefa também não era tão difícil quanto ela temia: a resolução, em tais
casos, pode agir com a função do tempo, e antecipar, pela razão e abnegação,
aquilo que, muito menos nobremente, acontece por meio do esquecimento e
da inconstância.
CAPÍTULO 64

UMA VISITA

No entanto, apenas uma semana havia tentado a perseverança de Cecilia,


quando, enquanto ela bordava com Mrs. Charlton em seu quarto de vestir, sua
criada entrou apressadamente e, com um sorriso que parecia anunciar boas-
novas, disse:
— Meu Deus, madame, o Fidel está aqui!
No mesmo momento, ela foi seguida pelo cachorro, que saltou sobre
Cecilia em um rompante de alegria.
— Santo Deus! — exclamou ela, maravilhada. — Quem o trouxe? De
onde ele veio?
— Um camponês o trouxe, madame, mas apenas o deixou e foi embora.
— Mas por quem perguntou? Quem o viu? O que ele disse?
— Ele viu Ralph, madame.
Ralph foi então imediatamente chamado e, sendo as perguntas repetidas,
respondeu: — Madame, foi um homem que nunca vi antes, mas ele apenas
me pediu para entregar o cachorro em suas próprias mãos e disse que a
senhorita logo receberia uma carta sobre isso e foi embora. Eu queria que ele
esperasse enquanto eu subia, mas ele foi embora imediatamente.
Cecilia, bastante perplexa com o relato, não pôde fazer comentários nem
responder, mas assim que os criados deixaram o quarto, Mrs. Charlton quis
saber a quem o cachorro pertencia, convencida, por sua extrema agitação, que
algo interessante e fora do comum devia estar relacionado a ele.
Aquele não era o momento para dissimulação; o espanto e a confusão
privaram Cecilia de todo o poder para tentar disfarçar, e, depois de algumas
evasivas, ela comunicou brevemente sua situação a respeito de Mortimer
Delvile, sua partida, seus motivos e a evidente concordância de sua mãe, pois
todos eles estavam tão ligados a Fidel, que ela foi inevitavelmente levada a
contar tudo o que sabia sobre ele.
Não foi necessário muito discernimento para coletar à sua maneira tudo o
que estava contido em sua narrativa, seus próprios sentimentos e decepções
no curso deste caso, e Mrs. Charlton, que até então acreditava que o mundo
todo estava à sua disposição, e que ela continuava solteira por nenhum
motivo aparente, exceto pela sua própria dificuldade de escolha, ficou
totalmente surpresa ao descobrir que havia um homem capaz de resistir aos
encantos unidos a tanta beleza, doçura e fortuna. Ela sentiu-se inclinada a
odiá-lo, mas também a sentir pena dele; por fim, chegou à conclusão de que
sua própria frieza extrema era a verdadeira causa de sua fuga e culpou
calorosamente uma reserva que havia assim arruinado sua felicidade.
Cecilia ficou extremamente perplexa e angustiada ao conjecturar o
significado de um presente tão inexplicável e uma mensagem tão estranha.
Ela sabia que Delvile desejava que o cão pudesse encontrá-lo em Bristol. Sua
mãe, sempre satisfeita em atendê-lo, não iria agora negligenciar qualquer
oportunidade. Ela não tinha dúvidas, portanto, de que ele havia sido enviado
ou levado para lá, e de lá ele viera. Mas seria possível que Delvile tomasse tal
liberdade? Seria provável, quando tão recentemente ele quase a exortou a
esquecê-lo, que ele a presenteasse com uma lembrança de si mesmo? E qual
era o teor da carta que deveria esperar? De onde e de quem viria?
Não havia explicação! A única coisa que poderia supor, com alguma
probabilidade, era que se tratava de alguma brincadeira de lady Honoria
Pemberton, que havia persuadido Delvile a lhe enviar o cachorro, e talvez lhe
tivesse assegurado que ela mesma pedira para ficar com ele.
Provocada pela sugestão, seu primeiro impulso foi levá-lo imediatamente
ao castelo, mas, sem saber o que tudo aquilo significava, e esperando alguma
explicação na carta que lhe fora prometida, ela decidiu esperar até que
chegasse, ou pelo menos até que tivesse notícias de Mrs. Delvile, antes de
tomar qualquer decisão. Relatos mútuos de suas chegadas em segurança em
Bristol e Suffolk já haviam sido trocados, e ela esperava muito em breve
obter mais informações, embora agora, pelo comportamento de Mrs. Delvile,
estivesse convencida de que não desejava voltar a tê-la como hóspede em sua
casa, e que o resto de sua minoridade poderia ser passado, sem objeções, na
residência de Mrs. Charlton.
Entretanto, dia após dia, ela passava sem ter mais notícias. Uma semana,
quinze dias se passaram, e nenhuma carta chegou. Ela concluiu que a
promessa era um engano e se arrependeu de ter alimentado alguma
expectativa. Durante esse tempo, sua paz foi muito perturbada. O presente a
fez temer que Mr. Delvile a considerasse mesquinhamente; o silêncio de sua
mãe provocava apreensões por sua saúde; e sua própria indecisão sobre como
agir a mantinha em perpétua inquietação. Ela tentou em vão se comportar
como se o incidente não tivesse acontecido, mas sua mente estava inquieta e
as mesmas ações não produziam os mesmos efeitos. Agora, quando tentava
trabalhar ou ler, a visão de Fidel ao seu lado distraía sua atenção; quando
caminhava, era a mesma coisa, pois Fidel sempre a seguia, e embora ao
visitar seu velho conhecido ela se abstivesse da sua companhia, durante todo
o tempo planejava secretamente o conteúdo de uma certa carta.
Os cavalheiros do interior, os quais durante a vida do reitor a haviam
cortejado, voltaram a visitá-la na casa de Mrs. Charlton e renovaram suas
propostas. No entanto, eles tinham agora ainda menos chance de sucesso, e
sua dispensa era breve e decidida.
Entre eles estava Mr. Biddulph, e, com ele, Cecilia era involuntariamente
muito cortês, porque sabia que era amigo de Delvile. No entanto, a conversa
dele aumentou o desconforto de suas suspeitas, pois, depois de falar de forma
generalizada sobre a família que ela havia deixado, ele perguntou
particularmente sobre Delvile e acrescentou: — Estou, de fato, muito triste ao
descobrir, por todos os relatos que recebo dele, que sua saúde vai muito mal.
Este discurso lhe deu um novo assunto para apreensão, e, à medida que o
silêncio de Mrs. Delvile se tornava mais alarmante, sua consideração por
Fidel tornava-se ainda maior. O carinhoso animal parecia lamentar a perda de
seu amo, e embora às vezes ela se permitisse lhe revelar seus medos de forma
fantasiosa, imaginava poder ler em seu semblante a mais fiel simpatia.
Uma semana de sua minoridade era tudo que restava e ela logo se viu
completamente ocupada com os preparativos para a maioridade. Ela se
propôs a tomar posse de uma grande casa que pertencera ao seu tio, situada a
apenas três milhas da casa de Mrs. Charlton, e manteve-se ocupada dando
algumas ordens para deixá-la preparada, ouvindo queixas e prometendo
indulgências a vários dos seus inquilinos.
Um dia, enquanto tomava o café da manhã, uma carta de Mrs. Delvile
chegou. Ela desculpava-se por não ter escrito antes, mas acrescentava que
várias ocorrências familiares, as quais a haviam privado de todo o tempo
livre, poderiam ser facilmente imaginadas, quando ela a informou que
Mortimer estava novamente decidido a ir para o exterior... Todos, disse ela,
haviam retornado ao Castelo Delvile, mas não mencionava nada sobre a
saúde de seu filho, nem sobre seu próprio arrependimento, e o resto da carta
fora preenchido com notícias gerais e expressões de gentileza. Porém, ela
havia inserido um pós-escrito: “Perdemos nosso pobre Fidel”.
Cecilia ainda meditava sobre esta carta, pela qual sua perplexidade sobre
como agir foi mais aumentada do que diminuída, quando, para sua grande
surpresa, lady Honoria Pemberton foi anunciada. Ela implorou
apressadamente a uma das senhoritas Charltons que tirasse Fidel de vista, por
medo de sua zombaria, caso ela, por fim, não se importasse com a operação,
e foi recebê-la.
Lady Honoria, que estava acompanhada por sua governanta, relatou
brevemente sua saída do Castelo Delvile e disse que agora estava indo com
seu pai visitar uma família nobre em Norfolk, mas que obtivera permissão
para deixá-lo na estalagem onde haviam dormido, a fim de fazer uma curta
excursão a Bury, pelo prazer de rever Miss Beverley.
— E, portanto — continuou ela —, só posso ficar meia hora. Então, a
senhorita deve me dar um relato sobre si mesma o mais rápido possível.
— O que Vossa Senhoria gostaria de saber?
— Ora, com quem está morando, quais são suas companhias, o que tem
feito consigo mesma.
— Bem, eu moro com Mrs. Charlton, e como companhia tenho ao menos
um registro: aqui estão suas duas netas, Mrs. e Miss...
— Não, não — interrompeu lady Honoria —, não me refiro a esse tipo
banal de companhia. Suponho que, a seguir, a senhorita vá me falar sobre o
pároco, sua esposa e três filhas, com todos os primos e tias. Eu odeio esse
tipo de gente. O que desejo saber é quem são seus novos favoritos, e se a
senhorita faz longas caminhadas aqui, como costumava fazer no castelo, e
quem a tem acompanhado — então, olhando maliciosamente para ela,
acrescentou: — um cachorrinho bonito, agora, eu imagino, seria muito
agradável em um lugar como este. Ah, Miss Beverley! Vejo que a senhorita
não abandonou esse truque de corar.
— Se estou corada agora — disse Cecilia, plenamente convencida da
justiça de suas suspeitas —, acredito que deva ser por Vossa Senhoria, e não
por mim, pois, se não estou muito enganada, seja pessoalmente ou por
procuração, um rubor de lady Honoria Pemberton não estaria, neste
momento, completamente fora de hora.
— Deus! — exclamou ela. — Como isso se parece com um dos sermões
de Mrs. Delvile! Ela lhe ensinou exatamente sua maneira de falar. Porém,
sabe que fui informada de que Fidel está aqui? Oh, Miss Beverley! O que o
papai e a mamãe dirão quando descobrirem que a senhorita levou embora o
brinquedinho do pobre pequeno mestre?
— Que vergonha, lady Honoria! O que posso dizer ao descobrir que é a
responsável por esta brincadeira maldosa? No entanto, devo implorar, uma
vez que chegou até aqui, que vá um pouco além e envie o cão de volta para a
pessoa de quem o roubou.
— Não, eu não! Faça o que achar melhor; se a senhorita escolhe aceitar
cães de cavalheiros, o problema é seu, não meu.
— Se não tem a intenção de devolvê-lo, deve ao menos me perdoar por
dizer que eu o farei em seu nome.
Por algum tempo, lady Honoria limitou-se a rir e depois se recompôs sem
dar nenhuma explicação. Porém, depois de esgotar toda a zombaria da qual
poderia dispor, admitiu francamente que havia ordenado que o cachorro fosse
roubado e que depois enviou o homem com ele à casa de Mrs. Charlton.
— Mas, como sabe — continuou ela —, a senhorita me deve um
ressentimento por ser tão malvada a ponto de fugir depois de me enviar para
chamar Mortimer para consolá-la e despedir-se da senhorita.
— Está sonhando, lady Honoria? Quando eu a enviei?
— Ora, a senhorita sabe que parecia querer enviar, e é a mesma coisa.
Mas, realmente me fez parecer excessivamente boba quando o obriguei a
voltar comigo e lhe disse que a senhorita o aguardava, e não foi possível
encontrá-la ou rastreá-la. Ele achou que era invenção minha.
— E não era uma invenção sua?
— Ora, isso não vem ao caso. Eu queria que ele acreditasse que a
senhorita havia me enviado, pois eu sabia que de outra forma ele não viria.
— Vossa Senhoria foi muito boa!
— Ora, suponha que eu os tivesse reunido, que mal poderia haver? Teria
apenas dado a cada um de vocês alguma noção de febre e calafrios, pois
primeiro teriam sentido calor, depois ambos teriam sentido frio, e então
ficariam ruborizados, e então ficariam pálidos, e então ambos teriam fingido
rir muito da brincadeira, e então tudo estaria terminado.
— Esta é uma maneira muito fácil de definir a situação — disse Cecilia,
rindo. — No entanto, deve se contentar em assumir o próprio roubo, pois em
consciência não pode esperar que eu o tome para mim.
— A senhorita é terrivelmente ingrata, pelo que vejo — disse Sua
Senhoria —, apesar de todos os problemas, conflitos e prejuízos que tive
apenas para agradá-la, enquanto, durante o tempo todo, o pobre Mortimer,
ouso dizer, teve seu doce animal de estimação anunciado em todos os jornais,
e chorou em todos os mercados do reino. A propósito, se o mandar de volta,
eu a aconselharia a deixar seu criado exigir a recompensa que foi oferecida
por ele, o que pode pagar parte das suas despesas de viagem.
Cecilia só conseguiu balançar a cabeça e lembrar-se da expressão de Mrs.
Delvile, que sua leviandade era incorrigível.
— Oh, se tivesse visto — continuou ela — como Mortimer ficou
envergonhado quando eu disse que a senhorita estava morrendo de vontade
de vê-lo antes de ele partir! Ele ficou tão corado! Assim como a senhorita
agora! Mas eu acho que vocês são mesmo muito parecidos.
— Neste caso — disse Cecilia, não muito zangada com o discurso —,
receio que há poucas chances de Vossa Senhoria gostar de algum de nós.
— Ah, sim. Eu gosto de pessoas estranhas, entre todas as coisas.
— Pessoas estranhas? E em que somos tão estranhos?
— Ah, em mil coisas. A senhorita é tão boa, sabe, e tão séria, e tão
cautelosa.
— Cautelosa? Como assim?
— Ora, como sabe, a senhorita nunca ri das pessoas mais velhas, nunca
foge dos seus criados, é sempre muito cortês com os velhos conservadores, a
senhorita faria qualquer um pensar que são seus favoritos. A propósito, eu
não fui capaz de fazer nada de bom com milorde Derford: ele fingiu descobrir
que eu estava apenas me divertindo com ele e, portanto, deixou de se
importar com o que eu dizia. Atrevo-me a dizer que foi seu pai quem
percebeu, pois estou certa de que ele não teve inteligência suficiente para
descobrir por si mesmo.
Cecilia, então, muito seriamente, começou a implorar que ela mesma
devolvesse o cachorro e confessasse sua brincadeira, protestando fortemente
sobre a tendência maliciosa e as consequências de tais fugas imprudentes.
— Bem — exclamou ela, levantando-se —, tudo isso é imensamente
verdadeiro, mas não tenho tempo para ouvir mais nada agora. Além disso, a
senhorita está apenas antecipando o próximo sermão de Mrs. Delvile, pois
fala de forma tão parecida com ela, que é realmente muito desconcertante
para mim me lembrar de quem é quem.
Ela então saiu apressada, protestando que já havia extrapolado a paciência
do pai, e declarando que o atraso de mais um minuto ocasionaria meia dúzia
de expressos para saber se ela tinha ido para a Escócia ou para Flanders.
No entanto, a visita havia sido tão agradável quanto consoladora para
Cecilia, que agora via-se aliviada de suas suspeitas, e retomado seu ânimo a
partir da informação de que Delvile não tinha lhe enviado um presente, o que,
da sua parte, teria sido humilhante e impertinente. Na verdade, ela lamentou
não o ter devolvido imediatamente e estava convencida de que esta era a
medida que deveria ter adotado. Mas, a fim de fazer toda a reparação
possível, ela decidiu que seu próprio criado deveria partir com ele na manhã
seguinte, levando uma carta à Mrs. Delvile para explicar o ocorrido, já que,
se ocultasse qualquer informação a fim de manter-se delicada com lady
Honoria, ela estaria expondo a si mesma às mais mortificantes suspeitas,
pelas quais aquela jovem alegre e descuidada jamais lhe agradeceria. Assim,
ela deu ordens ao seu criado para preparar-se para a viagem.
Quando informou esses pequenos acontecimentos à Mrs. Charlton, a
senhora de bom coração, que conhecia seu carinho por Fidel, aconselhou-a a
não se separar dele ainda, mas apenas informar a Mrs. Delvile onde ele estava
e o que lady Honoria havia feito, permitindo que ela mesma resolvesse sua
restauração, dando-lhe, ao menos, uma oportunidade para oferecer seu
agradecimento.
Cecilia, entretanto, não quis ouvir tal proposta. Ela tinha presenciado a
firmeza de Delvile em sua resolução de evitá-la, e sabia que a diplomacia,
assim como o decoro, tornava necessário que ela se separasse do que só
poderia reter para lembrá-la de alguém que ela agora mais desejava esquecer.
CAPÍTULO 65

UM INCIDENTE

Entretanto, o ânimo de Cecilia a havia abandonado internamente; ela


considerava que sua separação de Delvile seria, agora, com toda
probabilidade, para toda a vida, uma vez que compreendia que nenhuma luta,
fosse por interesse, inclinação ou saúde, poderia desviá-lo de seu propósito;
sua mãe também parecia considerar seu nome e sua existência igualmente
valiosos, e os escrúpulos de seu pai, ela estava certa disso, seriam ainda mais
intransponíveis.
Seu próprio orgulho, excitado pelo orgulho deles, fazia com que ela visse,
de fato, com mais raiva do que pena, esse consentimento geral para
abandoná-la. Porém, o orgulho e a raiva falhavam quando considerava a
situação de sua saúde; a dor, ali, assumia a liderança e não admitia nenhum
parceiro; representava não apenas o que estava perdido para ela, mas para o
mundo, e tão tristes se tornaram suas reflexões e tão pesado seu coração, que,
para evitar as observações de Mrs. Charlton que tanto a magoavam, ela
entrou furtivamente em uma casa de verão no jardim depois do chá,
recusando qualquer companhia que não fosse seu afetuoso Fidel.
Sua ternura e sua dor encontraram ali um consolo romântico ao reclamar
com ele a ausência de seu mestre, seu exílio voluntário e seus temores por sua
saúde, convidando-o a participar de sua tristeza e lamentando que mesmo
aquele pequeno alívio em breve lhe seria negado, e que, ao perder Fidel,
nenhum vestígio de Mortimer, além daquele que carregava no peito,
permaneceria:
— Vá então, meu querido — exclamou ela —, leve de volta ao seu mestre
tudo o que alimenta a sua memória! Diga a ele que não deverá amá-lo menos
por ter por algum tempo pertencido a Cecilia, mas que seu coração orgulhoso
nunca seja alimentado com a vaidade de saber com que carinho, por ele, ela o
amou! Vá, querido Fidel, proteja-o durante a noite e siga-o durante o dia;
sirva-o com zelo e ame-o com fidelidade. Oh, que sua saúde seja tão
invencível quanto seu orgulho! Lá, sozinho, estará ele vulnerável...
Neste momento, Fidel, com um forte latido, de repente afastou-se dela, e
quando ela voltou os olhos para a porta para ver o que o havia assustado, ela
viu ali parado, imóvel, o próprio Mortimer Delvile!
Seu assombro diante desta visão quase a privou de sua compreensão;
parecia algo sobrenatural e ela preferia acreditar que se tratava do seu
fantasma, e não dele mesmo. Parada em muda surpresa, ela ficou imóvel,
embora estivesse apavorada; seus olhos quase saltaram das suas órbitas para
convencê-la de que o que viam era real.
Delvile também ficou algum tempo sem palavras. Na verdade, ele não
olhou para ela, não por duvidar de sua existência, mas como se o que havia
escutado fosse para ele tão surpreendente como vê-lo era para ela. Por fim,
atormentado pelo cão, que se aproximou dele com um pulo, lambeu suas
mãos e, por sua alegria extasiante, fez-se notar, ele sentiu-se forçado a
retribuir o carinho e disse:
— Sim, querido Fidel! Você realmente tem o direito de chamar minha
atenção, e com a mais profunda gratidão irei tratá-lo com carinho!
Ao ouvir sua voz, Cecilia voltou a respirar, e Delvile, tendo acalmado o
cachorro, entrou na casa de verão, dizendo:
— Isso é possível? Não estou sonhando? Bom Deus! É realmente
possível?
A consternação da dúvida e do assombro que havia se apoderado de todas
as faculdades de Cecilia transformou-se na certeza de que Delvile estava
realmente presente; todas as suas lembranças retornaram enquanto ela ouvia a
pergunta, e a divagação desenfreada da fantasia que a havia feito sucumbir à
sua dor de forma descuidada apoderou-se de sua mente. Ela se sentiu
completamente dominada pela consciência e pela vergonha, e afundou, quase
desmaiando, no assento da janela.
Delvile voou instantaneamente para ela, atravessado pela gratidão e cheio
de admiração e deleite, os quais, embora internamente combatidos por
sensações menos agradáveis, eram potentes demais para controlar, e ele
derramou a seus pés os mais apaixonados agradecimentos.
Cecilia, surpresa, afetada e tremendo por milhares de emoções, esforçou-
se para se afastar dele e se levantar, mas ele a deteve ansiosamente e
exclamou:
— Não, adorável Miss Beverley — exclamou ele —, não é assim que
devemos nos separar agora! Foi apenas neste momento que descobri o
tesouro que estava abandonando, e, se não fosse por Fidel, eu a teria deixado
por ignorância para sempre.
— Na verdade — exclamou Cecilia, na mais extrema agitação —, na
verdade o senhor deve acreditar que Fidel está aqui por acaso. Lady Honoria
o levou embora, eu não sabia de nada. Ela o roubou, ela o enviou para mim,
ela fez tudo sozinha.
— A gentil lady Honoria! — exclamou Delvile, cada vez mais encantado.
— Como poderei agradecê-la? E ela também lhe pediu para acariciá-lo e
tratá-lo com carinho? Para conversar com ele sobre seu mestre...
— Oh, céus — interrompeu Cecilia, em uma agonia de mortificação e
vergonha —, ao que minha insensatez descuidada me reduziu! — então, ela
fez um esforço para se separar dele: — Deixe-me, Mr. Delvile — disse ela
—, deixe-me passar! Nunca mais poderei vê-lo! Nunca mais voltarei a vê-lo!
— Venha, querido Fidel! — gritou ele, ainda detendo Cecilia. — Venha e
implore por seu mestre! Venha e pergunte em seu nome quem agora tem um
coração orgulhoso, cujo orgulho agora é invencível!
— Oh, por favor! — exclamou Cecilia, desviando o olhar dele enquanto
falava —, não repita estas palavras odiosas, se é seu desejo que eu não me
deteste eternamente!
— A sempre encantadora Miss Beverley! — exclamou ele, com mais
seriedade. — Por que este ressentimento? Por que toda essa angústia sem
causa? Meu coração não é conhecido pela senhorita há muito tempo? Não
tem sido testemunha de seus sofrimentos e não tem a certeza de sua ternura?
Por que, então, esta reserva intempestiva? Esta frieza inabalável? Oh, por que
tentar me roubar a felicidade que inadvertidamente me ofereceu? E amargar a
felicidade de um momento que recompensa tão extraordinária miséria?
— Oh, Mr. Delvile! — exclamou ela, impaciente, embora um tanto
pacificada. — Isso foi honrado ou correto? Aproximar-se furtivamente e
ouvir o que eu digo em segredo...
— A senhorita me culpa — exclamou ele — cedo demais! Sua própria
amiga, Mrs. Charlton, me autorizou a vir procurá-la aqui; então, na verdade,
quando ouvi o som de sua voz, quando ouvi essa voz falar com Fidel... de seu
mestre...
— Oh, pare, pare! — exclamou ela. — Não posso suportar a lembrança!
Não há castigo, na verdade, que minha própria indiscrição não mereça, mas
terei o suficiente na amargura da autocensura!
— Por que fala assim, minha querida Miss Beverley? O que a fez, o que,
permita-me perguntar, eu fiz, para que tanta desgraça e depressão infinitas
acompanhassem esta pequena sensibilidade a uma paixão tão fervorosa? Isso
não a torna mais querida para mim do que nunca? Não acrescenta uma nova
vida, um novo vigor à devoção que me une à senhorita?
— Não, não! — exclamou a mortificada Cecilia, que, desde o momento
em que se viu traída, acreditou estar perdida. — É muito diferente o efeito
que terá! E a mesma loucura pela qual estou arruinada em minha própria
estima me arruinará na sua! Não suporto pensar nisso! Por que insiste em me
deter? O senhor me encheu de angústia e mortificação, me ensinou a mais
amarga das lições, a de me odiar e me desprezar!
— Santo Deus! — exclamou ele, muito magoado. — Que estranhas
apreensões a aterrorizam dessa forma? A senhorita está menos segura comigo
do que consigo mesma? É da minha honra que duvida? É a minha integridade
que teme? Certamente não posso ser tão pouco conhecido para a senhorita, e
fazer protestos agora apenas causaria um novo alarme a uma delicadeza já
muito agitada. Do contrário, eu lhe diria que mais sagrado do que minha
própria vida é o que ouvi e sustentarei para sempre, que as palavras recém-
gravadas em meu coração lá permanecerão pela eternidade desconhecida, e
que mais alto do que nunca, não apenas em meu amor, mas em minha estima,
está a encantadora oradora.
— Ah não! — exclamou Cecilia, com um suspiro. — Isso, pelo menos, é
impossível, pois mais do que nunca ela está destruída para merecer tal voto.
— Não! — exclamou ele com fervor. — Ela foi ressuscitada, ela foi
exaltada! Eu a considero ainda mais excelente e perfeita do que jamais ousei
acreditar. Descubro novas virtudes na primavera de cada ação; vejo que o que
tomei por indiferença, era dignidade; percebo que o que imaginava ser a mais
rígida insensibilidade, era nobreza, era decoro, era verdadeira grandeza de
espírito!
Cecilia sentiu-se um tanto apaziguada com este discurso, e, depois de um
pouco de hesitação, disse com um meio sorriso:
— Devo lhe agradecer por esta bondade em tentar me reconciliar comigo
mesma? Ou devo brigar com o senhor pela lisonja, por me fazer elogios que o
senhor mesmo acha que não mereço?
— Ah — exclamou ele —, se eu a elogiar como acredito que merece! Se
minha linguagem estivesse de acordo com minha opinião sobre o seu valor, a
senhorita não me chamaria simplesmente de adulador, mas diria que sou um
idólatra e temeria ao menos por meus princípios, senão por meu
entendimento.
— No entanto, terei muito pouco direito — disse Cecilia, levantando-se
novamente — de acusar seu entendimento enquanto agir como se estivesse
desprovida do meu. Agora, pelo menos, deixe-me passar; na verdade, o
senhor me desagradará muito com qualquer outra oposição.
— A senhorita permitirá, então, que eu volte amanhã de manhã?
— Não, senhor; não amanhã, nem na manhã seguinte! Este encontro foi
um erro, outro seria pior; neste, tenho acusações suficientes de insensatez; em
outro, a acusação seria muito mais grave.
— Mas, Miss Beverley — exclamou ele gravemente —, acredita que sou
capaz de desejar vê-la por mera satisfação egoísta? De ter a pretensão de
brincar com seu tempo ou com seus sentimentos? Não; a conferência que
desejo será importante e decisiva. Esta noite deverei me dedicar unicamente à
deliberação; amanhã se dará a ação. Sem pensar um pouco, não ouso me
aventurar em nenhum plano; não pretendo lhe comunicar os vários interesses
que me dividem, mas ao resultado de todos eles não posso negar a sua
audiência.
Cecilia, que sentiu a justiça de sua solicitação quando foi assim declarada,
não fez mais oposições a ela, mas insistiu para que ele partisse
imediatamente.
— Está certa — exclamou ele —, eu devo ir! Quanto mais tempo fico,
mais fico fascinado e mais fracos são os poderes de raciocínio dos quais
agora exijo o maior esforço — ele então repetiu suas declarações de respeito
eterno, implorou a ela que não se arrependesse da felicidade que havia lhe
proporcionado e, depois de desobedecer suas ordens de ir até ela e de ter sido
seriamente criticado, ele só permaneceu por mais tempo para obter seu
perdão e permissão para retornar na manhã seguinte, e então, embora ainda
lenta e relutantemente, ele a deixou.
Assim que Cecilia viu-se novamente sozinha, tudo o que havia passado
parecia fruto de sua imaginação. Que Delvile estivesse em Bury, que fosse
visitá-la na casa de Mrs. Charlton, a surpreendesse e descobrisse seus
pensamentos mais secretos, parecia tão estranho e tão incrível que, mais
ocupada com o assombro do que com o pensamento, ela continuou quase
imóvel no lugar onde ele a havia deixado, até que Mrs. Charlton mandou
alguém chamá-la de volta para casa. Ela então perguntou se havia alguém
com ela e, ao receber uma resposta negativa, obedeceu à convocação.
Mrs. Charlton, com um sorriso muito significativo, esperava que ela
tivesse tido um passeio agradável, mas Cecilia protestou seriamente pela
perigosa imprudência que cometera ao permitir que fosse tão bruscamente
surpreendida. Mrs. Charlton, entretanto, mais ansiosa por seu futuro e
felicidade sólida do que por suas presentes apreensões e delicadezas, não se
arrependeu do passo que havia dado, e quando ela recolheu de Cecilia a
substância do que havia acontecido, sem se importar com os protestos que a
acompanhavam, ela pensou com satisfação que o encontro repentino que
havia permitido, agora, ao tornar conhecido a cada um seu afeto mútuo, os
determinaria a não adiar por mais tempo uma união da qual sua mútua paz de
espírito tanto dependia. Cecilia, ao descobrir que havia sido traída
deliberadamente, não inadvertidamente, dificilmente poderia reprovar seu
zelo, embora lamentasse sua indiscrição.
Ela então perguntou por que meios ele havia obtido a admissão e se deu a
conhecer e soube que ele havia indagado à porta por Miss Beverley e, tendo
informado seu nome, foi levado à sala de visitas, onde Mrs. Charlton, muito
satisfeita com seu aparecimento, subitamente concebeu o pequeno plano que
havia executado de preparar uma surpresa para Cecilia, da qual ela
racionalmente esperava as mesmas consequências que se seguiram, embora
os meios imediatos ela não tivesse conjecturado.
O relato continuava sendo insatisfatório para Cecilia, que não conseguia
imaginar nenhum motivo possível para uma visita tão extraordinária e
totalmente incompatível com suas declarações e decisões. Esta, no entanto,
era uma questão de pouca importância em comparação com os outros
assuntos originados pelo encontro; Delvile, sobre quem, por tanto tempo,
embora secretamente, haviam repousado suas mais caras esperanças de
felicidade, agora estava familiarizado com seu poder e sabia que era o dono
do seu destino; ele a havia abandonado abertamente para decidir o que
deveria fazer, visto que seu tema atual de deliberação incluía o destino dela
também; na manhã seguinte ele deveria procurá-la e informá-la de seu
decreto, sem duvidar de sua concordância, não importando o que seria
decidido.
Uma sujeição tão indevida, e que ela não podia deixar de considerar
vergonhosa, tanto a comovia quanto afligia, e a reflexão de que o homem que
ela preferia entre todos os homens conhecia sua preferência, mas hesitava em
aceitá-la ou abandoná-la, a deixava mortificada tanto quanto a provocava,
alternadamente, ocupando seus pensamentos durante toda a noite, e afastando
sua paz e seu descanso.
CAPÍTULO 66

UMA PROPOSIÇÃO

Bem cedo na manhã seguinte, Delvile novamente fez sua aparição. Cecilia,
que estava tomando o café da manhã com Mrs. e Misses Charltons, o recebeu
com a mais dolorosa confusão, e ele mesmo, evidentemente, se encontrava
em um estado de extrema perturbação. Mrs. Charlton fingiu quase
imediatamente dispensar as duas netas e, então, sem se dar ao trabalho de
inventar uma desculpa para si mesma, levantou-se e as seguiu, embora
Cecilia fizesse vários sinais de solicitação para que ela ficasse.
Ao encontrar-se sozinha com ele, ela apressadamente, e sem saber o que
dizia, perguntou: — Como está Mrs. Delvile, senhor? Ela ainda está em
Bristol?
— Em Bristol? Não, a senhorita não soube que ela voltou para o Castelo
Delvile?
— Oh, é verdade! Eu me referia ao Castelo Delvile; espero que ela tenha
encontrado algum benefício com as águas.
— Ela não teve, acredito, nenhuma oportunidade de experimentá-las.
Cecilia, envergonhada pelos dois erros em seguida, ficou ruborizada. No
entanto, não se aventurou a falar novamente, e Delvile, que parecia
importante pelo que tinha a dizer, levantou-se e caminhou por alguns
instantes pela sala; depois disso, exclamou em voz alta: — Quão vão é todo
plano que passa na hora presente! — ele aproximou-se de Cecilia, que fingia
estar admirando um bordado, sentou-se ao seu lado e disse:
— Quando nos separamos ontem, presumi dizer que apenas uma noite
deveria ser dedicada à deliberação, e hoje, hoje seria o dia de ação! Porém, eu
me esqueci de que, embora ao deliberar tivesse apenas a mim mesmo para
consultar, ao agir não seria tão independente; e que, quando minhas próprias
dúvidas estivessem satisfeitas e minhas próprias decisões tomadas, outras
dúvidas e outras decisões deveriam ser consideradas, pelas quais meus
procedimentos planejados poderiam ser retardados, talvez poderiam até ser
completamente evitados!
Ele fez uma pausa, mas Cecilia, incapaz de conjecturar o que ele estava
dizendo, não respondeu.
— De ti, madame — continuou ele —, tudo o que será bom ou ruim na
minha vida futura, no que se refere à sua felicidade ou miséria, dependerá, a
partir de agora, quase exclusivamente. No entanto, por mais que eu confie em
sua bondade, e acima de tudo por conhecê-la no que diz respeito à leviandade
ou afetação, o que agora venho a propor, e pedir, e implorar, não posso reunir
coragem para mencionar, por medo de deixá-la alarmada.
“Para que ele está me preparando?”, pensou Cecilia, tremendo diante da
introdução. “Ele pretende me pedir que eu solicite o consentimento de Mrs.
Delvile? Ou de mim mesma ele deve receber ordens para que nunca mais nos
encontremos?”
— Estaria Miss Beverley — exclamou ele — decidida a não falar comigo?
Ela está inclinada ao silêncio apenas para me intimidar? Na verdade, se ela
soubesse o quanto eu a respeito, ela me honraria com mais confiança.
— Quando, senhor — perguntou ela —, pretende fazer sua viagem?
— Nunca — exclamou ele, com fervor —, a menos que seja banido pela
senhorita, nunca! Não, encantadora Miss Beverley, eu já não posso mais
deixá-la. Tive o poder para renunciar a fortuna, a beleza, o valor e a doçura, e
por mais severa que fosse a tarefa, obriguei-me a realizá-la. No entanto,
quando a isso tudo encontro unida uma doçura tão atraente, uma compaixão
pelos meus sofrimentos tão inesperadamente suave, não! Minha doce Miss
Beverley, não posso mais deixá-la — e, então, ele segurou a mão dela, com
ainda mais energia, e continuou: — Aqui estou — disse ele —, oferecendo-
lhe meus votos; sou o único árbitro do meu destino! Estou lhe entregando não
apenas a posse do meu coração, o que, de fato, não teria poder para lhe negar,
mas também a direção de minha conduta; rogo-lhe que se torne minha
conselheira e guia. Aceitará Miss Beverley tal cargo? Será que ela se dignará
a ouvir tal oração?
— Sim — exclamou Cecilia, involuntariamente encantada ao descobrir
que tal era o resultado de sua deliberação noturna —, estou disposta a lhe dar
o meu conselho, o que eu faço agora: quero que o senhor parta para o
continente amanhã de manhã.
— Oh, que maldade — exclamou ele, meio rindo —, mas não tão
imediatamente peço seu conselho; antes devo fazer algo para qualificá-la a
oferecê-lo; a perspicácia, a habilidade e a compreensão, por mais amplamente
que as possua, não são suficientes para prepará-la para o cargo. Algo mais se
faz necessário, a senhorita deve estar investida de plenos poderes, deve ter
um direito menos discutível e um título, que não apenas a inclinação nem
mesmo o julgamento deve santificar, mas que a lei deve cumprir, e ritos mais
solenes apoiar.
— Creio, então — disse Cecilia, profundamente corada —, que devo me
contentar em abster-me de dar qualquer conselho, se as qualificações para
isso são tão difíceis de adquirir.
— Não se ressinta da minha presunção — exclamou ele —, minha adorada
Miss Beverley, mas deixe a severidade de meus sofrimentos recentes
amenizar minha temeridade atual, pois onde a aflição tem sido profunda e
séria, a miséria sem causa e desnecessária encontrará pouco encorajamento, e
a minha tem sido realmente séria. Docemente, então, permita-me, na
proporção de sua amargura, alegrar-me com o reverso suave que agora me
lisonjeia com sua abordagem.
Cecilia, envergonhada e inquieta, incerta do que viria a seguir e sem
vontade de falar até sentir-se mais segura, fez uma pausa, e então exclamou
abruptamente: — Receio que Mrs. Charlton esteja esperando por mim — e
teria se afastado apressadamente, mas Delvile, quase usando a força, obrigou-
a a ficar, e, depois de uma breve conversa, do lado dele, a mais apaixonada, e
do dela, a mais confusa, ele obteve dela o que, de fato, depois da surpresa da
tarde anterior, ela mal podia negar: uma franca confirmação de seu poder
sobre o coração dela e um reconhecimento ingênuo, embora relutante, de há
quanto tempo ele o possuía.
Diante desta confissão, tal como as coisas estavam agora, totalmente em
oposição ao seu julgamento, Cecilia foi arrebatada por uma urgência
impetuosa, à qual não tinha presença de espírito para resistir, e com a qual
Delvile, quando particularmente animado, há muito estava acostumado a
dominar toda a oposição. A alegria com que a ouvia, embora um pouco
mesclada com admiração, era tão violenta quanto a ansiedade com a qual a
havia procurado. No entanto, tal alegria não durou muito; uma lembrança
repentina e muito dolorosa logo o reprimiu e, mesmo em meio ao seu
reconhecimento extasiado, pareceu atingi-lo no coração.
Cecilia logo percebeu tanto em seu semblante como em suas maneiras uma
alteração que a comoveu, e arrependeu-se amargamente de uma confissão da
qual ela nunca poderia se lembrar, e ficou horrorizada de expectativa e pavor.
Delvile, que rapidamente viu nela uma mudança de expressão da qual ele
mesmo estava inconsciente, exclamou, com muita emoção: — Quão
passageira é a felicidade humana! Com que rapidez voam aqueles momentos
raros e requintados onde tudo é perfeito! Ah! Doce Miss Beverley, que
palavras encontrarei para suavizar o que agora tenho a revelar? Para dizer
que, depois de uma bondade, franqueza e generosidade como a sua, há ainda
uma súplica a ser proferida que me afastará, se recusada, de sua presença para
sempre!
Cecilia, extremamente consternada, desejou saber o que era; um evidente
temor de ofendê-la o impediu de prosseguir por algum tempo, mas, por fim,
depois de expressar repetidamente seus temores de sua desaprovação, e uma
repugnância até mesmo de sua própria parte na medida em que era obrigado a
fazer a solicitação, ele reconheceu que todas as suas esperanças de estar
sempre unido a ela dependiam da obtenção de seu consentimento para um
casamento secreto e imediato.
Cecilia, perplexa com essa declaração, ficou por alguns instantes confusa
demais para falar, mas, quando ele começou um pedido de desculpas
explicativo, ela se sobressaltou e, radiante de indignação, disse: — Eu
costumava me orgulhar, senhor, de que tanto meu caráter quanto minha
conduta, independentemente da minha situação na vida, teriam me eximido a
qualquer momento de uma proposta que eu me considerasse degradada por
ter escutado.
E então ela estava indo embora novamente, mas Delvile, ainda a
impedindo, disse: — Eu sabia muito bem o quanto ficaria alarmada, e tal era
o meu pavor de seu desagrado, que teve poder até para amargar a felicidade
que busquei com tanta seriedade, e fazer com que sua condescendência fosse
insuficiente para garanti-la. No entanto, não se maravilhe com meu esquema;
por mais selvagem que pareça, é o resultado de deliberação, e por mais
censurável que pareça, não surge de motivos indignos.
— Quaisquer que sejam os seus motivos com respeito a si mesmo, senhor
— disse Cecilia —, com respeito a mim, eles certamente devem ser
vergonhosos. Não irei, portanto, ouvi-los.
— A senhorita está me julgando com crueldade — exclamou ele, com
carinho —, e um momento de reflexão deve lhe dizer que, por mais distintas
que sejam nossa honra ou nossa desgraça em todas as outras instâncias,
naquela pela qual deveríamos estar unidos, elas devem ser inevitavelmente as
mesmas; eu preferiria abandoná-la voluntariamente do que ser eu mesmo
cúmplice para contaminar esta delicadeza cuja pureza imaculada tem sido a
principal fonte de minha admiração.
— Por que, então — perguntou Cecilia, em tom de censura —, mencionou
um projeto desse tipo?
— As circunstâncias mais singulares e a necessidade mais inevitável —
respondeu ele — deveriam ser as únicas que me teriam tentado a planejá-lo.
Não mais do que ontem de manhã, eu me achava incapaz de até mesmo
desejá-lo, mas situações extraordinárias exigem decisões extraordinárias, e,
tanto na vida privada como na vida pública, atenuam, pelo menos, as ações
extraordinárias. Pobre de mim! A proposta que tanto a ofende é o meu último
recurso! É a única barreira entre mim e a miséria perpétua! O único recurso
em meu poder para me salvar de me separar eternamente da senhorita! Eu
agora sou compelido a confessar cruelmente que minha família, estou certo
disso, nunca consentirá com a nossa união!
— Nem, então, senhor — exclamou Cecilia, com muito ânimo —, eu o
farei! O desdém que posso encontrar, pretendo não retrucar, mas ao encontrá-
lo deliberadamente, seria maldade merecê-lo. Não entrarei em nenhuma
família em oposição aos seus desejos, não consentirei em nenhuma aliança
que possa me expor à indignidade. Nada é tão contagioso quanto o desprezo!
O exemplo de seus parentes poderia funcionar com força sobre o senhor, e
quem se atreveria a me garantir que não contrairia a infecção?
— Eu ouso lhe dar minha garantia! — exclamou ele. — Talvez a senhorita
ache que sou apressado e um tanto impetuoso, não posso negar a mim
mesmo, mas creia-me, não sou dono de um caráter tão miserável a ponto de
ser capaz disso, em qualquer caso de instabilidade ou capricho.
— Mas qual é, senhor, minha segurança do contrário? Acaso não acabou
de confessar neste momento que ontem desaprovava o mesmo plano que hoje
propõe? E não poderá amanhã retomar a mesma opinião?
— Cruel Miss Beverley! Quão injusta é esta inferência! Se ontem
desaprovei o que hoje recomendo, uma pequena recordação certamente lhe
dirá por quê; e esta não é minha opinião, mas minha situação é diferente.
Neste momento, a consciente Cecilia virou a cabeça; ele estava muito
seguro da descoberta de sua parcialidade.
— A senhorita mesma — continuou ele — não testemunhou a firmeza de
minha mente? Não me viu voar, quando tinha o poder de perseguir e me
esquivar, quando tive a oportunidade de procurá-la? Depois de testemunhar
minha constância em ocasiões tão difíceis, é justo, é certo suspeitar que estou
vacilando?
— Mas, qual foi — perguntou ela — a constância que o trouxe a Suffolk?
Quando toda a ocasião para nosso encontro acabou, quando me disse que
estava indo para o exterior e se despediu de mim para sempre; onde, então,
estava sua firmeza nesta jornada desnecessária?
— Tenha cuidado — disse ele, meio sorrindo, e tirando uma carta do bolso
—, tenha cuidado sobre este ponto, a senhorita está me obrigando a expor
minha justificativa!
— Ah! — exclamou Cecilia, corando. — É um truque de lady Honoria!
— Não, pela minha honra. A autoridade é menos duvidosa. Creio que
dificilmente deveria ser considerada de outra maneira.
Cecilia, muito alarmada, estendeu a mão para pegar a carta. Ela olhou
primeiro para o final e ficou muito surpresa ao ver o nome de Biddulph. Ela
então olhou para o início e, quando viu seu próprio nome, leu o parágrafo
seguinte.

“Miss Beverley, como você sem dúvida sabe, voltou para Suffolk; todos
aqui a viram com a maior surpresa. Desde o momento em que ouvi falar de
sua residência no castelo Delvile, eu a tinha dado por perdida, mas, após sua
inesperada aparição entre nós novamente, eu fui suficientemente fraco para
mais uma vez colocar seu coração à prova. Entretanto, logo descobri que a
dor de uma segunda rejeição você poderia ter me poupado, e que, embora
ela tivesse deixado o Castelo Delvile, ela não havia estado lá à toa; ao som
do seu nome, ela fica ruborizada; diante da menção de sua doença, ela
empalidece; e o cachorro que você deu a ela, do qual me lembrei
imediatamente, é seu querido companheiro. Oh, feliz Delvile! Ainda assim,
você abandona uma conquista tão adorável.”

Cecilia não conseguiu ler mais e a carta caiu de sua mão. Descobrir-se
assim traída por suas próprias emoções fez com que ela concluísse
imediatamente que fora descoberta universalmente. Ela sentiu-se doente com
a suposição, todo o seu espírito a abandonou e ela começou a chorar.
— Meu Deus! — exclamou Delvile, extremamente comovido. — O que a
afetou assim? Será que as suposições ciumentas de um rival apreensivo...
— Não fale comigo — interrompeu ela, impaciente —, e não me detenha;
estou extremamente perturbada; quero ficar sozinha; eu suplico, eu até
imploro que me deixe sozinha.
— Eu irei, farei tudo o que quiser! — exclamou ele, ansiosamente. — Mas
diga-me, quando posso voltar, e quando vai permitir que eu lhe explique
todos os motivos de minha proposta?
— Nunca, nunca! — exclamou ela, com seriedade. — Já estou
suficientemente rebaixada, mas nunca vou me intrometer em uma família que
me desdenha!
— Desdenha? Não, a senhorita é reverenciada nesta família! Quem
poderia desdenhá-la?! É só aquela cláusula fatal...
— Bem, bem, por favor, deixe-me; na verdade, não posso ouvi-lo. Não
estou em condições de argumentar, e todo raciocínio agora é nada menos do
que crueldade.
— Eu estou indo — disse ele — neste exato momento! Não gostaria nem
de aproveitar sua agitação para trabalhar sua sensibilidade. Meu desejo não é
surpreender, mas reconciliá-la com meu plano. O que busco em Miss
Beverley? Uma herdeira? Não, como ela já viu que eu poderia resistir a ela;
tampouco a ligeira leviandade de uma primavera ou duas, negligenciada
quando não é mais novidade. Não, não! É uma companheira para sempre, é
um consolo para todos os cuidados, é uma amiga íntima em cada época da
vida que busco em Miss Beverley! Portanto, sua estima para mim é tão
preciosa quanto seu afeto, pois como posso esperar sua amizade no inverno
de meus dias, se sua estação mais iluminada e alegre é obscurecida por
dúvidas sobre minha integridade? Tudo deve ser claro e explícito; nenhuma
causa latente de inquietação perturbará nossa tranquilidade futura; agora
seremos sinceros, para que no futuro possamos estar tranquilos, e docemente
em uma felicidade sem nuvens, o tempo passará imperceptivelmente, e nos
interessaremos um pelo outro na alegria da juventude, para suportar as
enfermidades da idade e aliviá-las com bondade e simpatia. E então minha
consoladora Cecilia...
— Oh, não diga mais nada — interrompeu ela, mais abrandada apesar de
um plano tão consoante com seus desejos —, que linguagem é esta?! Tão
imprópria para o senhor quanto para quem o escuta.
Ela então insistiu muito seriamente para que ele fosse embora, e, depois de
mil vezes se despedir e voltar, prometendo obediência, mas seguindo seu
próprio caminho, ele finalmente disse que, se ela consentisse em receber uma
carta sua, ele se esforçaria para colocar no papel o que tinha para dizer, uma
vez que sua mútua agitação o impedia de se explicar com clareza e mais
prejudicava sua causa do que ajudava, deixando todos os seus argumentos
inacabados e obscuros.
Outra disputa surgiu: Cecilia, protestando que não receberia nenhuma
carta e não ouviria nada sobre o assunto, e Delvile, declarando
impetuosamente que não se submeteria a nenhuma sentença sem ser ouvido
primeiro. Por fim, ele venceu o debate e finalmente partiu.
Cecilia então sentiu todo o seu coração afundar em seu peito diante da
infelicidade de sua situação. Ela se considerava condenada a rejeitar Delvile,
pois a única condição sob a qual ele sequer solicitava seu favor, nem o rigor
de seus princípios nem a delicadeza de sua mente a permitiriam aceitar. Seu
desagrado com a proposta não havia sido afetado, e ela considerou uma
ofensa ao seu caráter tê-la recebido. Ainda que o orgulho do coração de
Delvile cedesse à sua paixão, que ele a amasse com tanto carinho a ponto de
renunciar aos ambiciosos planos de sua família, e até mesmo aquele nome
querido, que tão recentemente parecia anexado à sua existência, eram
circunstâncias às quais ela não era insensível; ao contrário, eram provas de
ternura e consideração que havia considerado incompatíveis com o espírito
geral de sua disposição. No entanto, por mais que se sentisse satisfeita com
isso, ela decidiu nunca cumprir uma medida tão humilhante, mas esperar o
consentimento dos parentes dele, ou renunciar a ele para sempre.
CAPÍTULO 67

UMA CARTA

Assim que Mrs. Charlton soube da partida do jovem Delvile, ela voltou
para ver Cecilia, impaciente para ser informada do que havia ocorrido. A
narrativa que ela ouviu tanto a magoou quanto a surpreendeu: que Cecilia, a
herdeira de tal fortuna, a possuidora de tanta beleza, descendente de uma
família digna, formada e educada para honrar uma família nobre, fosse
rejeitada por pessoas a quem sua riqueza seria mais útil e que tivesse recebido
uma proposta em segredo, ela considerou uma indignidade que não exigia
nada além de ressentimento, e aprovou e fez cumprir a resolução de sua
jovem amiga de resistir a todas as solicitações que Mr. e Mrs. Delvile não
apoiassem.
Cerca de duas horas depois que Delvile foi embora, sua carta chegou.
Cecilia abriu com apreensão e leu o seguinte:

“Para Miss Beverley.


20 de setembro de 1779.
Quais poderiam ser as apreensões, as suspeitas de Miss Beverley, quando
tão veementemente proibiu minha escrita? De um temperamento tão indefeso
como o meu, poderia ela temer qualquer sutileza de doutrina? Minha
personalidade é tão pouco conhecida por ela que pode imaginar que sou
capaz de enganá-la ou, ainda, de alguma falsidade? Se este fosse o meu
desejo, não teria nem o discurso nem a paciência para tal ato. Não, a mais
encantadora Miss Beverley, embora às vezes com veemência eu possa
ofender incautamente com sofismas, creia-me, eu nunca terei a intenção de
ferir; minha ambição, como já foi dito, é convencer, não enganar, e meus
argumentos serão tão simples quanto minhas declarações serão sinceras.
No entanto, como posso me aventurar a mencionar uma proposta que,
recentemente, mesmo antes de ouvi-la, já a rejeita? Permita-me, porém,
assegurar-lhe que a mesma não resultou de insensibilidade à sua delicadeza,
nem ao meu próprio dever. Pelo contrário, eu cheguei a ela com aquela
relutância e timidez que me foram transmitidas por uma apreensão de que
ambos pareciam ofendidos. Já disse o que devo repetir com pesar, não tenho
outro recurso, nenhuma alternativa, entre receber a honra de sua mão em
segredo ou renunciar a ela para sempre.
A senhorita vai se questionar, pode até se maravilhar com tal declaração;
e de novo aquela renúncia severa com a qual me feriu tremulará em seus
lábios. Oh, que ela pare com isso! Nem permita que o ar seja novamente
agitado com sons tão discordantes!
Naquele momento cruel e de partir o coração no qual eu me afastei da
senhorita no Castelo Delvile, eu confessei os motivos da minha fuga e decidi
não mais vê-la. Não mencionei na ocasião, porém, minha família, a força de
minhas próprias objeções contra ousar solicitar seu favor tornando o deles
imaterial; os meus estão agora totalmente eliminados, mas os deles
permanecem em plena vigência.
Meu pai, descendente de uma linhagem que, embora decadente em
riqueza, não é subjugada em orgulho, considera a si mesmo o guardião da
honra de sua casa, à qual mantém o nome de seus antepassados
inseparavelmente anexado; minha mãe, nascida na mesma família e criada
com as mesmas ideias, fortaleceu essa opinião ao dar-lhe a sua própria
anuência.
Sendo estes os seus sentimentos, a senhorita não se surpreenderá que seu
único filho, único herdeiro de sua fortuna e único objeto de suas
expectativas, tenha desde o início admitido o mesmo. Na verdade, quase a
primeira lição que me ensinaram foi a de reverenciar a família da qual sou
descendente e o nome que recebi ao nascer. Foi-me pedido que me
considerasse como seu único apoio remanescente e fui instruído a não agir
nem pensar, senão com vistas ao seu engrandecimento e dignidade.
Assim, sem ser controlada por nós mesmos ou monitorada pelo mundo,
essa presunção arrogante adquiriu com o tempo uma força e, pelo
encorajamento mútuo, uma firmeza que apenas Miss Beverley, creio eu,
poderia ter abalado! Qual foi, portanto, meu alarme secreto, quando pela
primeira vez tive consciência da força de seus atrativos e encontrei minha
mente completamente ocupada com a admiração de suas excelências! Tudo o
que o orgulho podia exigir, e tudo o que a ambição podia aspirar, tudo o que
a felicidade podia cobiçar, ou a mais escrupulosa delicadeza exigir, nela
encontrei unidos; e enquanto meu coração estava escravizado por seus
encantos, meu entendimento era glorificado em seus grilhões. No entanto,
para renunciar ao meu nome, para desistir para sempre de uma família que
depositara em mim suas últimas expectativas, a honra, eu acreditei, me
proibia, e o decoro e o espírito viril se rebelaram diante do sacrifício. A
renúncia ao meu direito de nascimento parecia uma deserção do posto a que
estava destinado. Assim, eu me abstive, até mesmo em meus desejos, de
solicitar seu favor, e vigorosamente decidi fugir da senhorita como se
representasse um perigo para minha paz, porque é inatingível sem desonra.
Esta era a norma prevista para a minha conduta no momento em que
recebi a carta de Biddulph; em três dias eu deveria deixar a Inglaterra; meu
pai, com muita persuasão, havia consentido em minha partida; minha mãe,
que havia compreendido meus motivos, nunca se opôs; mas quão grande foi
a mudança operada em minha mente ao ler a carta. Minha firmeza me
abandonou, minha resolução vacilou. No entanto, pensei que ele estava
enganado e atribuí suas suspeitas ao ciúme; mas, ainda assim, Fidel estava
desaparecido, e ouvir que ele era seu querido companheiro... seria possível
deixar a Inglaterra em um estado de tal incerteza? Ser perturbado em climas
distantes com conjecturas que talvez nunca pudessem ser satisfeitas? Não; eu
disse a meus pais que deveria visitar Biddulph antes de deixar o reino e,
prometendo regressar para eles em três ou quatro dias, parti
apressadamente para Suffolk e não descansei até chegar à casa de Mrs.
Charlton.
Que cena ali me aguardava! Contemplar a amada dona do meu coração,
o objeto de oposição, embora irresistível, de minha mais afetuosa admiração,
acariciando um animal que ela sabia ser meu, lamentando-se pela doença de
seu mestre e recomendando-lhe docemente fidelidade... ah! Perdoe a
retrospecção, não vou insistir mais nisso. Na verdade, eu não tinha
imaginado com que suavidade se mesclava a dignidade de Miss Beverley,
embora sempre consciente de que suas virtudes, seus atrativos e suas
excelências refletissem o brilho na mais alta posição a que a grandeza
humana pudesse elevá-la, e ainda assim ser mais exaltada do que sua
posição, embora fossem as mais eminentes na terra. E se houvesse mil, dez
mil obstáculos para se opor a que eu me dirigisse a ela, de maneira vigorosa
e destemida eu teria lutado com todos eles, no lugar de ceder a uma única
objeção!
Não deixe que a franqueza desta declaração a incomode, mas sim que
sirva para convencê-la da sinceridade do que se segue; várias como são as
calamidades da vida que podem me tornar miserável, apenas a senhorita,
mesmo entre as felicidades escolhidas, tem o poder para me fazer feliz. A
fama, as honras, a riqueza e a ambição eram insuficientes sem sua pessoa;
agora, toda possibilidade de paz interior e toda esperança mais suave está
centrada em seu favor, e perdê-la, seja por que causa for, me assegura uma
miséria absoluta. Portanto, com respeito a mim mesmo, a sorte está
finalmente lançada, e o conflito entre a felicidade pessoal e o orgulho da
família está deliberadamente encerrado. Este nome que tão vaidosamente
valorizei e tão dolorosamente apoiei, agora considero inadequado para me
recompensar pelo sacrifício que sua preservação requer. Eu me separo dele,
eu reconheço, com pesar de que a rendição seja necessária; no entanto, é
mais um mal imaginário do que real e, embora uma ferida profunda para o
orgulho, não ofende a moralidade.
Dessa forma, eu abri para a senhorita todo o meu coração, confessei
minhas perplexidades, reconheci minha vanglória e expus com igual
sinceridade as fontes de minhas dúvidas e os motivos de minha decisão; mas
agora, de fato, não sei como proceder; temo enumerar as dificuldades que
ainda vou encontrar, e a solicitação que tenho a exortar mal tenho coragem
de mencionar. Minha família, confundindo ambição com honra e posição
social com dignidade, há muito planejou uma conexão esplêndida para mim,
à qual, embora minha repugnância invariável tenha impedido quaisquer
avanços, seus desejos e opiniões aderem inabalavelmente. Estou certo de que
agora eles não ouvirão nenhuma outra. Temo, portanto, fazer uma prova
onde estou desesperado para obter sucesso, não sei como arriscar uma
oração com aqueles que podem me silenciar com uma ordem.
Em uma situação tão desesperadora, o que me resta a fazer? Devo fazer
um pedido com a certeza da rejeição e, em seguida, zombar de toda
autoridade agindo contra ela? Ou, uma tarefa ainda mais difícil? Renunciar
às minhas mais caras esperanças quando não estiver mais persuadido de sua
impropriedade? Ah! Doce Miss Beverley, termine a luta de uma vez! Minha
felicidade e minha paz estão inteiramente em seu poder, pois o momento de
nossa união as garante para toda a vida.
Pode parecer estranho que eu tenha, dessa forma, a intenção de desafiar
os mesmos familiares que não me aventuro a suplicar, mas pelo meu
conhecimento de seu caráter e sentimentos, estou certo de que não tenho
outro recurso. Seus princípios favoritos foram absorvidos muito cedo para
serem erradicados agora, neste final de temporada. Escravos que todos
somos dos hábitos e ludibriados pelas aparências, zelosos guardiões de
nosso orgulho, ao qual nosso conforto é sacrificado, e mesmo nossa virtude
tornada subserviente, que convicção pode ser oferecida pela razão às noções
existentes senão pelo preconceito? Elas foram estimadas por tempo demais
para que a retórica as removesse; elas só podem ser eliminadas pela
necessidade onipotente. A vida é, de fato, muito breve, e o êxito muito
precário, para confiar, em qualquer caso no que diz respeito à felicidade, na
extirpação de opiniões arraigadas e queridas à lenta influência da discussão
e do discurso.
Ainda assim, intolerantes como são com relação à posição social e à
família, eles adoram a senhorita, e embora seu consentimento para a perda
de seu nome possa ser negado para sempre, quando uma vez enxergassem
nela a cabeça e o ornamento de sua casa, sua elegância e talentos se uniriam
ao esplendor de sua fortuna e os fariam esquecer rapidamente os planos que
agora os absorvem por completo. Seu senso de honra não é em nada inferior
ao senso de nascimento na nobreza; sua condescendência, portanto, seria
sentida por eles com toda a sua força, e embora, durante sua primeira
surpresa, eles pudessem ficar irritados com seu filho, eles enxergariam a
felicidade que a dama tanto havia me dado.
Com relação aos acordos, a privacidade da nossa união não os afetaria;
em um confidente nós devemos inevitavelmente confiar, e depositar nas mãos
de qualquer pessoa que a senhorita nomear, um vínculo pelo qual me
comprometeria a estabelecer tanto a sua fortuna quanto a minha, de acordo
com a arbitragem de nossos amigos em comum. O período para guardar
segredo, embora doloroso, seria curto, e mesmo do altar, se assim o
desejasse, eu me apressaria para o Castelo Delvile. Nenhum de meus pais a
senhorita deveria encontrar até que eles próprios dependessem da sua
permissão para solicitar sua presença em sua casa, até que nossa residência
em outro lugar fosse fixada.
Oh, mais encantadora Cecilia, de um sonho de felicidade tão doce, não
quero que me desperte! De um plano de felicidade tão atraente, não quero
que me afaste! Se uma parte dele é desagradável, não rejeite, portanto, o
todo; e uma vez que, sem algum inconveniente, nenhuma bem-aventurança
terrena é alcançável, não se negue, por um refinamento muito escrupuloso
para o curto período de nossa existência, o deleite que sua benevolência lhe
proporcionará ao livrá-la das dores do pesar e da miséria inútil. O mais
grato dos homens e o mais humilde e mais devotado de seus servos,
MORTIMER DELVILE”.

Cecilia leu e releu a carta, mas com uma perturbação mental que a impedia
de pesar o seu conteúdo. Parágrafo por parágrafo, seus sentimentos variavam
e sua determinação era alterada; a seriedade de sua súplica agora a suavizava
para que agisse em conformidade, o orgulho reconhecido de sua família
agora a irritava e se convertia em ressentimento, e a confissão de seu próprio
pesar agora a deixava doente e desanimada. Ela queria ter dado uma resposta
imediata, escrito uma dispensa final, mas, embora fosse prova contra suas
súplicas, porque seus argumentos não a convenceram, havia algo na
conclusão de sua carta que abalou sua decisão.
Os escrúpulos e aquele refinamento contra os quais ele a advertia, ela
mesma pensava que poderiam estar sobrecarregados, e para satisfazer a
desnecessária meticulosidade, o curto período de existência seria tornado
irremediavelmente infeliz. Ele realmente havia dito que sua união não seria
uma ofensa à moralidade, e com respeito meramente ao orgulho, por que isso
deveria ser poupado? Ele sabia que possuía o seu coração, ela estava segura
há muito tempo de possuir o dele, seu caráter logo ganhou a afeição de sua
mãe, e o serviço essencial que uma renda como a dela devesse prestar à
família logo seria sentido com força suficiente para fazer a conexão antes
lamentada.
Estas reflexões eram tão agradáveis que ela não sabia como descartá-las; e
a consciência de que seu segredo fora revelado não apenas a ele, mas também
a Mr. Biddulph, lorde Ernolf, lady Honoria Pemberton e Mrs. Delvile lhe
dava força adicional, tornando provável que ela fosse ainda mais amplamente
suspeita. Mesmo assim, sua delicadeza e seus princípios se rebelaram contra
uma conduta cujo sigilo parecia implicar em impropriedade. “Como vou me
encontrar com Mrs. Delvile”, pensou ela, “depois de uma ação tão
clandestina? Como, depois de elogios como os que ela me concedeu, suportar
a severidade de seu olhar, quando ela acredita que eu seduzi a obediência de
seu filho? Um filho que é o único consolo e primeira esperança de sua
existência, cujas virtudes fazem toda sua felicidade, e cuja piedade filial é sua
única glória! E ela estava certa em se orgulhar de um filho como Delvile!
Nobremente ele havia se esforçado nas situações mais difíceis, sua família e
suas ideias de honra ele preferiu à sua paz e saúde, ele cumpriu com espírito e
integridade os vários, os conflitantes deveres da vida. Mesmo agora, talvez,
em sua presente solicitação, ele possa simplesmente pensar que está obrigado
por saber que já não estou livre, e o que sua generosa sensibilidade pode fazer
com a fraqueza recém-descoberta, sem qualquer convicção pretendida, pode
ter ocasionado tal proposta!”
Uma sugestão tão mortificante mudou novamente sua determinação; as
lágrimas de Henrietta Belfield, com a carta que ela surpreendera em sua mão
voltando à sua memória, todos os seus pensamentos se voltaram mais uma
vez para rejeitá-lo para sempre.
Nesse estado de espírito oscilante, ela achava impraticável escrever;
embora sem saber o que desejar, decidir era impossível. Ela desdenhava o
coquetismo, era superior à frivolidade, a sinceridade e a franqueza de Delvile
mereciam toda sua sinceridade e, portanto, enquanto ainda houvesse alguma
dúvida, considerava indigno de seu caráter dizer-lhe que não tinha nenhuma.
Mrs. Charlton, ao ler a carta, tornou-se novamente a defensora de Delvile;
a franqueza com que ele havia expressado suas dificuldades lhe assegurava
de sua probidade e, ao explicar sua conduta anterior, a satisfizera com a
retidão de suas futuras intenções. — Não, minha menina querida —
exclamou ela —, não se torne a responsável pela sua própria miséria
recusando-o; ele a merece tanto por seus princípios quanto por seu afeto, e a
tarefa seria longa e melancólica para desvinculá-lo de seu coração. Não vejo,
entretanto, a menor ocasião para a desgraça de um casamento privado; não
conheço nenhuma família para a qual você não seria uma honra, e aqueles
que não reconhecem o seu mérito, não são dignos de agradar. Que Mr.
Delvile, portanto, dirija-se abertamente a seus pais, e se eles recusarem seu
consentimento, que seus preconceitos sejam a sua recompensa. A senhorita
estará livre de todas as obrigações onde o capricho só pode levantar objeções,
e poderá, então, diante do mundo, reivindicar sua escolha.
Os desejos de Cecilia estavam de acordo com este conselho, embora o teor
geral da carta de Delvile desse a ela poucos motivos para esperar que ela o
aceitasse.
CAPÍTULO 68

UMA DISCUSSÃO

O dia passou e Cecilia ainda não havia escrito nenhuma resposta; a noite
chegou e sua resolução ainda não havia sido estabelecida. Por fim, Delvile foi
novamente anunciado, e embora ela temesse confiar em suas súplicas, a
necessidade de apressar alguma decisão a impediu de se recusar a vê-lo.
Mrs. Charlton estava com ela quando ele entrou na sala. A princípio, ele
tentou alguma conversa generalizada, embora a ansiedade de sua mente
estivesse fortemente representada em seu rosto. Cecilia se esforçou também
para falar sobre temas comuns, embora seu evidente embaraço denunciasse a
ausência de seus pensamentos. Por fim, Delvile, incapaz de sustentar o
suspense, voltou-se para Mrs. Charlton e disse: — Provavelmente, madame, a
senhora conhece o propósito da carta que tive a honra de enviar à Miss
Beverley esta manhã?
— Sim, senhor — respondeu a velha senhora —, e o senhor precisa
desejar um pouco mais que a opinião dela seja tão favorável quanto a minha.
Delvile fez uma reverência e agradeceu. Ao olhar para Cecilia, com quem
se aventurou a não falar, percebeu em seu semblante um misto de abatimento
e confusão, que lhe dizia que qualquer que fosse sua opinião, de modo algum
aumentaria sua felicidade.
— Mas, por qual razão — disse Mrs. Charlton — o senhor deveria estar
tão seguro da desaprovação de seus pais? Não seria melhor ouvir o que eles
têm a dizer?
— Eu sei, senhora, o que eles têm a dizer — respondeu ele —, pois sua
linguagem e seus princípios têm sido invariáveis desde o meu nascimento;
pedir a eles, portanto, uma concessão que estou certo de que eles não irão
conceder, foi apenas um artifício cruel para colocar toda a minha miséria em
sua conta.
— Se eles são tão perversos, não merecem nada melhor — disse Mrs.
Charlton. — No entanto, o senhor deve falar com eles e então terá cumprido
seu dever; se eles forem obstinadamente injustos, o senhor terá adquirido o
direito de agir por si mesmo.
— Fazer pouco de sua autoridade — respondeu Delvile — seria mais
ofensivo do que opor-se a ela; solicitar a aprovação deles, e, então, agir de
forma a desafiá-la, poderia provocar justamente sua indignação. Não, se, por
fim, for obrigado a apelar para eles, devo acatar sua decisão.
Mrs. Charlton não pôde responder e em poucos minutos saiu da sala.
— E é esta também — disse Delvile — a opinião de Miss Beverley? Ela
me condenou a ser um miserável e deseja que esta condenação seja assinada
por meus parentes mais próximos!
— Se seus parentes, senhor — disse Cecilia —, são tão indubitavelmente
inflexíveis, seria uma loucura, em qualquer plano, arriscar-se ao desagrado
deles.
— Para a súplica — respondeu ele — serão inflexíveis, mas não ao
perdão. Meu pai, embora muito altivo, carinhosamente, até mesmo
apaixonadamente, me ama; minha mãe, embora espirituosa, é justa, nobre e
generosa. Ela é, de fato, a mais exaltada das mulheres, e não estou
acostumado a resistir ao seu poder sobre minha mente. Miss Beverley
sozinha parece ter nascido para ser sua filha...
— Não, não — interrompeu Cecilia —, como sua filha ela me rejeita!
— Ela te ama, ela te adora! — exclamou ele calorosamente. — E se eu não
estivesse certo de que ela sente suas excelências como deveriam ser sentidas,
minha veneração por vocês duas deveria poupá-las da minha presente súplica.
Porém, eu tenho certeza de que a senhorita se tornaria a primeira bênção da
sua vida; na senhorita ela contemplaria toda a felicidade de seu filho, sua
restauração à saúde, ao seu país, aos seus amigos!
— Oh, senhor — exclamou Cecilia, emocionada —, quão funda é essa
trincheira de verdadeira miséria, para erguer este monte de felicidade
imaginária! No entanto, eu não serei responsável pela ofensa que causará à
sua mãe; dificilmente o senhor poderá honrá-la mais do que eu, e eu aqui
declaro muito solenemente...
— Por favor, pare — interrompeu Delvile —, e não se decida antes de me
ouvir. Se ela não existisse, se meu pai também não existisse, a senhorita
persistiria em me recusar?
— Por que me pergunta? — disse Cecilia, corando. — O senhor, então,
seria seu próprio agente, e talvez...
Ela hesitou, e Delvile exclamou com veemência: — Oh, não me converta
em um monstro! Não me obrigue a desejar a morte daqueles por quem vivo!
Não enfraqueça os laços de afeto pelos quais eles são tão queridos por mim, e
não me obrigue a vê-los como as únicas barreiras para minha felicidade!
— Deus me livre! — exclamou Cecilia. — Se eu acreditasse que o senhor
é tão deplorável, pouco sofreria em desejar a sua ausência eterna.
— Por que, então, somente após a extinção deles devo depositar minha
esperança em seu favor?
Cecilia, aturdida e angustiada pela pergunta, não conseguiu responder.
Delvile, percebendo seu constrangimento, redobrou sua urgência, e antes que
tivesse forças para se recompor, ela quase consentiu com o plano, quando
Henrietta Belfield voltou à sua memória e ela exclamou apressadamente: —
Há uma dúvida que não sei como mencionar, mas que deveria ser esclarecida;
o senhor conhece... o senhor se lembra de Miss Belfield?
— Certamente; mas como Miss Belfield pode suscitar uma dúvida na
mente de Miss Beverley?
Cecilia corou e ficou em silêncio.
— É possível — continuou ele —, a senhorita poderia, mesmo que por um
instante, supor... eu não posso nem mesmo nomear uma suposição tão
estranha a todas as possibilidades.
— Ela é certamente muito amável.
— Sim — respondeu ele —, ela é inocente, gentil e simpática; e eu
realmente gostaria que ela estivesse em uma situação melhor.
— O senhor alguma vez, ou por algum acidente, se correspondeu com ela?
— Nunca em minha vida.
— E não eram suas visitas ao irmão, às vezes...
— Cuidado — interrompeu ele, rindo — para que eu não inverta a
pergunta e deseje saber se as suas visitas à irmã, às vezes não eram para o
irmão! Mas, o que isso significa? Será que Miss Beverley poderia imaginar
que, depois de conhecê-la, os encantos de Miss Belfield poderiam me colocar
em algum perigo?
Cecilia, comprometida com delicadeza e amizade a não trair a terna e
confiante Henrietta, e internamente satisfeita com sua inocência por sua
franqueza, evitou qualquer resposta. Ela estava disposta a mudar de assunto,
mas Delvile, ansioso por se desculpar totalmente, embora de maneira alguma
desgostoso com uma investigação que mostrava tanto interesse em seus
afetos, continuou sua explicação.
— Miss Belfield tem, eu reconheço, um atrativo na simplicidade dos seus
modos que encanta pela sua singularidade; seu coração também parece puro,
e seu temperamento, toda doçura. A senhorita descobrirá que eu não estou
cego para seus méritos; pelo contrário, eu senti admiração e tive pena dela.
Mas, na verdade, ela está longe de toda possibilidade de rivalidade em meu
coração! Um personagem como o dela por um tempo é irresistivelmente
atraente, mas, quando sua novidade se acaba, a simplicidade desinformada
torna-se enfadonha, e a suavidade sem dignidade é indiscriminada demais
para dar prazer. Suspiramos por diversão quando enjoados de mera doçura; e
arrastamos pesadamente o fardo da vida quando a companheira de nossas
horas sociais carece de espírito, inteligência e cultura. Com Miss Beverley,
todos esses...
— Não diga tudo isso — exclamou Cecilia — quando um único obstáculo
tem o poder de torná-los sem valor.
— Mas agora — disse ele — este obstáculo foi superado.
— Superado apenas por um momento, pois mesmo em sua carta desta
manhã o senhor confessa o seu pesar.
— E por que eu deveria enganá-la? Por que fingir pensar com prazer, ou
mesmo com indiferença, em um obstáculo que por tanto tempo tem o poder
de me fazer infeliz? Mas onde está a felicidade sem alívio? Será a bem-
aventurança perfeita uma condição da humanidade? Ora, se nos recusarmos a
saboreá-la até seu último estado de refinamento, como a taça do mal sairá de
nossos lábios?
— Como, de fato! — disse Cecilia, com um suspiro. — Creio que esse
pesar permanecerá eternamente em sua mente, e aquela que talvez deveria ser
sua causa, em breve poderá ser ensinada a compartilhar dele.
— Miss Beverley! O que fiz para merecer tanta severidade? Acaso fiz
minhas propostas de forma leviana? Demonstrei muita impaciência para
conquistar minha razão? Pelo contrário, não fui constante e atencioso? Nem
predisposto pela paixão nem traído pela ternura?
— E, no entanto, em que consiste esta constância alardeada? — perguntou
Cecilia. — De fato, foi o que percebi no Castelo Delvile, mas aqui...
— O orgulho do coração que lá me oferecia apoio — exclamou ele — não
me apoiará mais; o que sustentou minha constância, senão sua aparente
severidade? O que me permitiu abandoná-la, senão sua frieza invariável? O
rigor com o qual pisoteei meus sentimentos, acreditei ser fortaleza e ânimo,
mas eu não conhecia então a piedosa simpatia de Cecilia!
— Quisesse Deus que o senhor não soubesse disso! — exclamou ela,
corando. — Antes daquele acidente fatal, o senhor pensava em mim, eu
acredito, de uma maneira muito mais honrosa.
— Impossível! Eu já pensei na senhorita de forma diferente, mas nunca
melhor, nunca tão bem como agora. Eu a via amável na sua beleza, perfeita
em sua bondade e virtude, mas era uma virtude em sua mais alta majestade, e
não, como agora, combinada com a mais suave sensibilidade.
— Que infelicidade! — disse Cecilia. — Como este retrato está
desbotado!
— Não, é simplesmente mais da vida, é a sublimidade de um anjo,
mesclada com tudo o que há de atraente na mulher. Mas, quem é o amigo em
quem podemos nos aventurar a confiar? A quem devo oferecer minha fiança?
E de quem posso receber um tesouro que para o resto da minha vida
constituirá toda a sua felicidade?
— Onde posso — disse Cecilia — encontrar um amigo que, neste
momento crítico, me instruirá sobre como agir?
— A senhorita encontrará um — respondeu ele — em seu próprio coração;
pergunte apenas a si mesma esta simples pergunta: ficará alguma virtude
ofendida se me honrar com a sua mão?
— Sim, o dever ficará ofendido, pois é contrário à vontade de seus pais.
— Mas não há um momento para a emancipação? Não estou em condições
de escolher para mim mesmo a parceira da minha vida? A senhorita, em
alguns dias, não será a dona absoluta de suas ações? Não somos ambos
independentes? Não é sua ampla fortuna toda sua e as propriedades de meu
pai tão vinculadas que devem ser inevitavelmente minhas?
— E são essas — disse Cecilia — considerações para nos libertar de nosso
dever?
— Não, mas são circunstâncias para nos libertar da escravidão. Não
pretendo ofendê-la sendo mais explícito. Quando nenhuma lei humana ou
divina pode ser ferida por nossa união, quando um motivo de orgulho é tudo
o que pode se opor a mil motivos de conveniência e felicidade, por que
deveríamos ambos ficar infelizes, apenas para que o orgulho não perdesse sua
gratificação?
Esta questão, que tantas vezes e com tanta raiva ela havia revolvido em
sua própria mente, novamente a silenciou; e Delvile, com a ânsia de se
aproximar do êxito, redobrou suas solicitações.
— Seja minha — disse ele —, doce Cecilia, e tudo ficará bem. Referir-me
a meus pais é, efetivamente, banir-me para sempre. Poupe-me, então, da
tarefa inútil e salve-me das súplicas irresistíveis de uma mãe cujo desejo
sempre considerei sagrado, cujo desejo tem sido minha lei, e cujos comandos
tenho obedecido implícita e invariavelmente! Oh, generosamente, salve-me
da terrível alternativa que é ferir seu coração materno com uma recusa
peremptória, ou de torturar o meu próprio com dores às quais é desigual por
uma obediência extorquida!
— Pobre de mim! — exclamou Cecilia. — Quão absolutamente
impossível é para mim aliviá-lo!
— E por quê? Uma vez minha, irrevogavelmente minha...
— Não, isso apenas a irritaria, e irritaria a esperança de perdão do passado.
— Certamente a senhorita está enganada; para o seu mérito, eles estão
longe de ser insensíveis, e sua fortuna é exatamente o que eles desejam.
Portanto, confie em mim quando lhe asseguro que o descontentamento deles,
que tanto o respeito quanto a justiça evitarão que o expressem na sua frente,
logo desaparecerá por completo. Não falo simplesmente com base nas minhas
esperanças; ao julgar meus próprios pais, considero a natureza humana em
geral. Males inevitáveis são sempre melhor suportados. A suspeita é a
esperança que alimenta a miséria; a certeza é sempre suportada, porque sabe-
se que passou da emenda e é sentida como um desafio para quem luta.
— E o senhor pode ficar satisfeito — bradou Cecilia — com um raciocínio
tão desesperado?
— Em uma situação tão extraordinária como a nossa — respondeu ele —,
não há outro. A voz do mundo em geral estará a nosso favor. Nossa união não
prejudica nossa fortuna, nem mancha nossa moralidade; se o caráter de cada
um está satisfeito e ambos devem ser igualmente desculpados dos pontos de
vista mercenários de interesse ou do desprezo romântico pela pobreza, que
direito temos, então, de nos queixar de uma objeção que, embora potente, é
única? Certamente nenhum. Oh, se a felicidade que agora tenho em vista
estivesse totalmente controlada, se nenhuma tormenta horrível por vezes
desabasse sobre a perspectiva, e por um momento obscurecesse seu brilho,
como poderia meu coração encontrar espaço para uma alegria tão
superlativa? O mundo inteiro poderia se levantar contra mim como o
primeiro homem que não tem mais nada a desejar!
Cecilia, cujas próprias esperanças contribuíram com este raciocínio, não
encontrou muito para se opor, e com um pouco mais de súplica, e ainda
menos de argumentação, Delvile finalmente obteve seu consentimento para
seu plano. Temerosa, na verdade, e com clara relutância, ela o ofereceu, mas
era a única alternativa a uma separação para sempre, para a qual ela não tinha
a necessidade adequada à dor.
Os agradecimentos de Delvile foram tão veementes como haviam sido
suas súplicas, as quais, entretanto, ainda não haviam chegado ao fim; a
concessão que ela havia feito era imperfeita, a menos que seu desempenho
fosse imediato, e ele agora se esforçava para convencê-la a ser sua antes do
final de uma semana.
Esta tarefa, no entanto, não foi difícil; Cecilia, tão ingênua por natureza
quanto honrada por princípios, havendo uma vez se convencido a aceitar sua
proposta, buscou não sem dificuldades realçar o valor de sua submissão; o
grande ponto decidido, ela considerava tudo o mais de muito pouca
importância para uma competição.
Mrs. Charlton foi então chamada e informada do resultado da conferência.
Sua aprovação de forma alguma aprovou o esquema de privacidade; no
entanto, ela estava muito feliz em ver sua jovem amiga próxima a um período
de longo suspense e inquietação, para se opor a qualquer plano que pudesse
levar ao seu término.
Delvile então voltou a perguntar a qual homem deveria confiar seu projeto.
O nome de Mr. Monckton ocorreu imediatamente a Cecilia, embora a
certeza de sua má vontade para com a causa pudesse tornar qualquer pedido
desagradável para ele, mas sua longa e constante amizade por ela, sua
disposição para aconselhá-la e ajudá-la, assim como as promessas que ela
ocasionalmente fizera de não agir sem seu conselho, tudo concorria para
persuadi-la de que, em um assunto de tal importância, ela devia a ele sua
confiança, e deveria se sentir culpada de prosseguir sem ela. Sobre ele,
portanto, ela se fixou; no entanto, encontrando em si mesma uma repugnância
insuperável de informá-lo de sua situação, ela concordou que Delvile, que
imediatamente se propôs a ser seu mensageiro, deveria lhe abrir o caso e
prepará-lo para o encontro.
Delvile, então, rápido em pensamento e fértil em recursos, com uma
celeridade e vigor que derrotava todas as objeções, organizou toda a
condução do assunto. Para evitar suspeitas, ele decidiu renunciar sua união
com ela instantaneamente e, assim que tivesse cumprido seu encargo com
Mr. Monckton, iria imediatamente para Londres, a fim de que os preparativos
necessários para o casamento fossem feitos com rapidez e sigilo. Também se
propôs a encontrar Mr. Belfield, para que pudesse estabelecer o vínculo com
o qual pretendia confiar em Mr. Monckton. Cecilia havia se oposto a esta
medida, mas ele se recusou a ouvi-la. A própria Mrs. Charlton, embora sua
idade e enfermidades a tivessem confinado por muito tempo em sua própria
casa, satisfez Cecilia nessa ocasião crítica com o seu consentimento para
acompanhá-la ao altar.
Mr. Monckton deveria entregá-la, e uma igreja em Londres foi o local
designado para a realização da cerimônia. Em três dias as principais
dificuldades para a união seriam removidas com a maioridade de Cecilia, e
em cinco dias ficou acertado que eles deveriam se reunir na cidade. No
momento em que se casassem, Delvile prometeu partir para o castelo,
enquanto em outra carruagem Cecilia regressaria para a casa de Mrs.
Charlton. Com tudo resolvido, ele a fez prometer ser pontual e,
recomendando sua fidelidade e afeto, despediu-se dela.
CAPÍTULO 69

UMA RETROSPECÇÃO

Abandonada agora a si mesma, sensações nunca antes sentidas preenchiam


o coração de Cecilia. Tudo o que havia acontecido parecia um sonho; suas
ideias eram confusas, sua memória sinuosa, suas faculdades pareciam
totalmente desordenadas e ela não tinha senão uma consciência imperfeita da
transação em que acabara de se envolver, ou da promessa que se
comprometera a cumprir; mesmo a verdade da imaginação, ela mal conseguia
distinguir; tudo era escuridão e dúvida, inquietude e desordem!
Porém, quando finalmente suas lembranças retornaram com mais clareza e
sua situação lhe pareceu tal como realmente era, igualmente desprovida de
falsos terrores ou de expectativas ilusórias, ela se viu ainda mais distante da
tranquilidade.
Até aquele momento, embora não fosse estranha à tristeza, que a doença e
a perda precoce de seus amigos a haviam ensinado a sentir, e que a ansiedade
subsequente de seu próprio coração desde então a havia ensinado a suportar,
ela ainda tinha invariavelmente possuído o consolo das reflexões que ela
mesma aprovava. No entanto, o passo que estava prestes a dar, todos os seus
princípios reprovavam; ela era aterrorizada pela desobediência, escandalizada
pela clandestinidade, e mal Delvile afastou-se da sua vista, ela já lamentava
seu consentimento como a perda de sua autoestima, e acreditava que, mesmo
que uma reconciliação ocorresse, a lembrança de uma falta deliberada ainda a
acompanharia, manchando aos seus próprios olhos o caráter que ela esperava
sustentar e que seria um constante alívio para sua felicidade, dizendo-lhe
quão indignamente ela a havia obtido.
Onde a fragilidade nunca havia sido voluntária, nem o erro obstinado,
onde o orgulho da integridade primitiva não foi subjugado e a pureza da
inocência é inviolável, quão terrivelmente delicada, quão “tremulamente
viva” é a consciência do homem! Que estranho que aquilo que em seu
primeiro estado é tão carinhoso possa tornar-se tão insensível!
Comparada com a sorte geral da miséria humana, Cecilia não havia sofrido
nada, mas comparada com a exaltação da felicidade ideal, ela havia sofrido
muito. Mesmo assim, de boa vontade ela teria novamente suportado tudo o
que a afligia, experimentado a mesma dolorosa suspeita, suportado a mesma
separação melancólica e enfrentado a mesma tarefa cruel de combater a
predisposição com a razão, se pudesse ter aliviada sua mente virtuosa das
censuras conscienciosas recentes e intoleráveis.
A equidade de suas ideias não permitia que ela, com base na seriedade das
súplicas de Delvile, extraísse qualquer paliativo para seu consentimento à sua
proposta; ela estava consciente de que, se não fosse por sua grande facilidade,
tais súplicas teriam sido ineficazes, uma vez que ela bem sabia o quão pouco
elas valiam a partir dos seus outros admiradores.
Entretanto, principalmente a sua aflição e o arrependimento dependiam de
Mrs. Delvile, a quem ela amava, reverenciava e honrava, a quem temia
ofender e a quem ela bem sabia que esperava dela uma virtude exemplar.
Seus elogios, sua parcialidade, sua confiança em seu caráter, que até então
haviam sido seu orgulho, agora ela apenas recordava com vergonha e tristeza.
O terror da primeira entrevista nunca deixou de estar presente para ela; ela se
encolheu até mesmo na imaginação de seus olhos furiosos, ela se sentiu
picada pela sátira mordaz e subjugada pelo desprezo frio.
Porém, como poderia desapontar Delvile tão tarde, ao deixar de cumprir
uma promessa tão positivamente acordada? Brincar com os sentimentos de
um homem que para ela fora uniformemente sincero? Como vacilar quando
sua palavra estava comprometida e se retrair quando ele se considerava
seguro? Sua honra, sua justiça e a vergonha lhe diziam que o tempo já havia
passado.
“E, no entanto, isso não é priorizar o nominal ante o mal real? Não é
estudar a aparência às custas da realidade? Concordar com o que é errado e
delituoso não seria pior? Se o arrependimento por más ações exige
misericórdia, o arrependimento por más intenções não é uma reivindicação
ainda mais elevada? E que reprimendas de Delvile podem ser tão amargas
quanto as minhas? Que separação, que sofrimento, que possível calamidade
pode pesar sobre minha mente com tanta força, como a sensação de cometer
o mal voluntário?”
Este pensamento a afetou tanto que, depois de vencer todo o
arrependimento, tanto por Delvile quanto por si mesma, ela decidiu escrever
para ele imediatamente e comunicá-lo sobre a alteração de seus sentimentos.
Isso, no entanto, depois de se comprometer tão profundamente, não foi nada
fácil, e muitas cartas foram iniciadas, mas nenhuma delas terminada, quando
uma lembrança repentina a obrigou a desistir da tentativa, pois ela não sabia
para onde encaminhá-la. Na pressa com a qual seu plano foi elaborado e
decidido, não lhes ocorreu uma só vez que fosse provável que se apresentasse
alguma ocasião para escrever. Delvile, de fato, sabia que seu endereço ainda
seria o mesmo; e quanto aos seus, como sua viagem a Londres seria secreta,
ele pretendia não ter nenhum lugar fixo. No dia de seu casamento, e não
antes, eles haviam marcado um encontro na casa de Mrs. Roberts, em Fetter-
Lane, de onde deveriam imediatamente seguir para a igreja.
Na verdade, ela ainda poderia anexar uma carta para ele em uma para Mrs.
Hill, a ser entregue na manhã destinada quando ele viesse buscá-la, mas
falhar com ele no último momento, depois de Mr. Belfield ter estabelecido a
fiança, quando uma licença já havia sido obtida, o clérigo esperando para
realizar a cerimônia, e Delvile sem nenhuma suspeita de que o momento
seguinte os uniria para sempre, parecia estender a prudência à traição e o
poder à tirania. Delvile nada fizera para merecer tal tratamento, não havia
nenhum engano, não era culpado de nenhuma perfídia, havia aberto o seu
coração, e depois de exibi-lo sem nenhum disfarce, a opção havia sido toda
sua de aceitar ou recusá-lo.
Um raio de alegria abriu caminho através da escuridão de suas apreensões.
— Ah! — exclamou ela —, não tenho, então, nenhum meio para retroceder!
Uma quebra de promessa não provocada no momento destinado ao seu
cumprimento apenas iria modificar a maneira de agir errado, sem me
aproximar da maneira de agir certo!
Por um tempo, esta ideia não apenas a acalmou, mas a encantou; ser a
esposa de Delvile lhe parecia agora uma questão de necessidade, e ela se
tranquilizou acreditando que lutar contra isso seria em vão.
Na manhã seguinte, durante o café da manhã, Mr. Monckton chegou.
A expedição de Delvile para lhe revelar seu plano, embora alada de
alegria, não havia sido maior do que a sua, embora apenas instigada pelo
desespero de fazer qualquer coisa para que Cecilia o abortasse. Nem toda a
sua abnegação, o domínio que exercia sobre suas paixões, nem o rigor com
seus sentimentos, que se tornavam subservientes aos seus interesses,
poderiam preservar sua prudência neste repentino momento de provação. Os
refinamentos da hipocrisia e as artes da insinuação ofereciam vantagens
muito distantes e exigiam atenções muito sutis em um momento tão
alarmante; aquelas artes e aquelas atenções que ele já havia praticado por
muitos anos, com um discurso mais magistral e uma diligência mais
infatigável. O sucesso nos últimos tempos parecia seguir seus esforços; as
crescentes enfermidades de sua esposa e a decepção e o retiro de Cecilia se
uniam para lhe prometer uma conclusão igualmente rápida e feliz. Mas,
agora, por um golpe repentino e inesperado, o doce consolo de suas
preocupações futuras, a recompensa há muito projetada de seus sofrimentos
passados, seria arrebatada para sempre, e por alguém que, comparado a si
mesmo, era apenas um conhecido de um dia. Quase completamente
desprevenido da surpresa e do horror desta apreensão, ele entrou na sala com
tal ar de pressa e perturbação, que Mrs. Charlton e suas netas perguntaram o
que estava acontecendo.
— Eu vim — respondeu ele abruptamente, mas se esforçando para se
recompor, — para falar com Miss Beverley sobre assuntos de alguma
importância.
— Neste caso, minha querida — disse Mrs. Charlton —, é melhor que leve
Mr. Monckton ao seu quarto de vestir.
Cecilia, profundamente ruborizada, levantou-se e abriu o caminho. No
entanto, ela seguia lentamente, embora instada por Mr. Monckton a acelerar o
passo. Certa de sua desaprovação, mas duvidosamente aliviada de sua
própria, ela temia uma conferência que, da parte dele, ela previa, seria toda
advertência e reprovação, e, da parte dela, toda timidez e vergonha.
— Meu Deus, Miss Beverley, o que é isso que a senhorita fez?
Comprometer-se a se casar com um homem que despreza, que desdenha, que
se recusa a possuí-la?
Chocada com a abertura, ela se assustou, mas não conseguiu responder.
— A senhorita não vê — continuou ele — a indignidade que lhe é
oferecida? Será que o véu frouxo e frágil com que está coberta a esconde de
sua compreensão ou a disfarça de sua delicadeza?
— Eu não pensei, eu não tive a intenção — disse ela, cada vez mais
confusa — de me submeter a qualquer indignidade, embora meu orgulho, em
uma exigência tão peculiar, possa ceder, por um tempo, por conveniência.
— Por conveniência — repetiu ele — ao desprezo, ao escárnio, à
insolência?
— Oh, Mr. Monckton — interrompeu Cecilia —, não faça uso dessas
expressões! Elas são muito cruéis para mim, e se eu pensasse que são justas,
me tornariam miserável para o resto da vida!
— A senhorita está enganada, grosseiramente enganada — respondeu ele
—, se duvida da verdade que há nelas por um momento. Elas não estão, de
fato, nem sequer decentemente disfarçadas; elas resplandecem como a luz do
dia, e somente a cegueira deliberada pode obscurecê-las.
— Sinto muito, senhor — disse Cecilia, cuja confusão, diante de uma
carga tão violenta, passou a dar lugar à raiva —, se esta é a sua opinião, e
lamento, também, pela liberdade que tomei ao incomodá-lo sobre tal assunto.
Um pedido de desculpas tão carregado de descontentamento
instantaneamente indicou a Mr. Monckton o erro que estava cometendo; ele,
portanto, controlou a violência daquelas emoções a que sua repentina e
desesperada decepção deu origem e que o traíam em reprovações tão torpes, e
se esforçou para recuperar sua prudência de costume e assumir um ar de
franqueza amistosa, dizendo: — Não permita que eu a ofenda, minha cara
Miss Beverley, com uma liberdade que resulta meramente de uma solicitude
em servi-la, e que a duração e a intimidade de nossa amizade, eu esperava, há
muito havia autorizado. Não sei como posso vê-la à beira da destruição sem
dizer nada, mas, se a senhorita for avessa à minha sinceridade, eu a conterei.
— Não, o senhor não me ofendeu — exclamou ela, muito abrandada. —
Sua sinceridade só me honra e, até agora, estou certa, só me fez bem. Talvez
eu mereça sua máxima censura; eu temia isso, de fato, antes do senhor
chegar, e deveria, portanto, ter me preparado melhor para enfrentá-lo.
Este discurso completou a vitória de Mr. Monckton; ele lhe mostrou não
apenas a impropriedade de sua turbulência, mas também lhe ofereceu espaço
para esperar que uma brandura mais astuta teria melhor sucesso.
— A senhorita pode estar certa — respondeu ele — de que meu zelo
procede inteiramente de um desejo de ser útil; meu conhecimento do mundo
poderia, possivelmente, eu pensei, ajudar sua inexperiência, e o desinteresse
de minha consideração poderia me permitir ver e apontar os perigos aos quais
a senhorita está exposta, desde uma artimanha até uma dissimulação por parte
daqueles que têm outros propósitos para resposta do que simplesmente
pertencer ao seu bem-estar.
— Nenhuma artimanha nem dissimulação — exclamou Cecilia, zelosa
pela honra de Delvile — foram praticadas contra mim! O argumento, e não a
persuasão, me convenceu, e se fiz algo errado, aqueles que me incitaram
erraram de forma tão inconsciente quanto eu.
— A senhorita é muito generosa para perceber a diferença, ou não
encontrará nada menos parecido. Se, no entanto, minha sinceridade não vai
ofendê-la, antes que seja tarde demais, vou lhe apontar alguns dos
infortúnios, pois há alguns que não posso nem mencionar, que neste
momento não apenas a ameaçam, mas a aguardam.
Cecilia estremeceu diante desta oferta aterrorizante e, com medo de
aceitar, mas com vergonha de recusar, hesitou.
— Eu vejo — disse Mr. Monckton, depois de uma pausa de suspense —
que sua determinação não admite nenhuma apelação. A consequência deve,
de fato, ser toda sua, mas me entristece muito descobrir quão pouco a
senhorita se dá conta de sua gravidade. De agora em diante, a senhorita
desejará, talvez, que o amigo de sua primeira juventude tivesse tido
permissão para aconselhá-la. No momento, a senhorita apenas o considera
oficioso e impertinente, e, portanto, ele não pode fazer nada que a senhorita
aprove com tanta probabilidade como abandoná-la. Eu lhe desejo, então,
maior felicidade do que parece preparada para segui-la, e um conselheiro
mais próspero para oferecer sua ajuda.
Ele então teria se despedido, mas Cecilia exclamou: — Oh, Mr.
Monckton! O senhor está me abandonando?
— Não, a menos que este seja o seu desejo.
— Infelizmente, não sei o que desejar! Exceto, de fato, a restauração
daquela segurança da autoculpa que até ontem, mesmo em meio ao
desapontamento, me tranquilizava e me consolava.
— A senhorita, então, sente que errou, mas está decidida a não voltar
atrás?
— Se eu pudesse dizer, se pudesse ver — exclamou ela com energia —
para que lado devo me virar, nem por um momento hesitaria em como agir!
Meu coração não deveria ter poder, minha felicidade, nenhuma escolha; eu
recuperaria minha própria estima por meio de qualquer sacrifício que pudesse
ser feito!
— Qual, então, pode ser sua dúvida? Para que pudesse voltar a ser como
era ontem, o que está faltando senão a sua própria predisposição?
— Está faltando tudo: direito, honra, firmeza, tudo pelo qual os justos
estão vinculados, e tudo o que os conscienciosos consideram sagrado!
— Estes escrúpulos são meramente românticos; seu próprio bom senso, se
fosse um jogo mais justo, os desprezaria; mas no presente ele está distorcido
por preconceito e propensão.
— Na verdade, não! — exclamou ela, corando com a acusação. — Posso
ter entrado precipitadamente em um compromisso que deveria ter evitado,
mas é a fraqueza de julgamento, não de coração, que me impede de recuperar
meu erro.
— No entanto, a senhorita não ouvirá aonde isso pode levá-la, nem de que
maneira pode escapar disso?
— Sim, senhor — disse ela, tremendo —, agora estou pronta para ouvir as
duas coisas.
— Resumidamente, então, eu lhe direi tudo. Esta atitude a levará a uma
família da qual todo mundo a desprezará, o que a tornará prisioneira de uma
casa onde nenhum outro prisioneiro se associará com sua pessoa. A senhorita
será insultada como um inferior e repreendida como uma intrusa; seu
nascimento será objeto de ridículo e toda a sua linhagem apenas mencionada
com escárnio; e enquanto os anciãos do orgulhoso castelo a tratam com
desprezo aberto, o homem por quem sofre não se atreverá a apoiá-la.
— Impossível! Impossível! — exclamou Cecilia, com a mais raivosa
emoção. — Toda esta representação é exagerada, e a última parte carece
completamente de fundamento.
— A última parte — disse Mr. Monckton — é a menos discutível; o
homem que hoje não ousa possuí-la nunca se aventurará a defendê-la. Ao
contrário, para trazer a paz para si mesmo, ele será o primeiro a negligenciá-
la. As propriedades arruinadas de seus antepassados serão reparadas pela sua
fortuna, enquanto o nome da sua família será constantemente visto como uma
injúria. A senhorita será assim saqueada, embora desprezada, e ainda lhe
dirão que deverá sentir-se honrada por eles condescenderem em fazer uso da
sua pessoa! Nem aqui reside o mal de uma conexão forçada com tanta
arrogância; mesmo os seus filhos, se tiver algum, serão ensinados a desprezá-
la!
— Terrível e horrível! — exclamou Cecilia. — Não consigo ouvir mais
nada. Oh, Mr. Monckton, que perspectiva abriu para mim!
— Fuja dela, então, enquanto ainda estiver em seu poder; quando tiver
dois caminhos diante dos seus olhos, não escolha aquele que leva à
destruição; escreva a Delvile imediatamente e diga que recuperou os sentidos.
— Eu já teria escrito, não queria uma retratação como esta, mas não sei
como encaminhar a carta, nem para onde ele foi.
— Toda arte e baixeza para evitar sua retratação!
— Não, senhor, não! — exclamou ela, com rapidez. — Qualquer que seja
a verdade de sua representação, tudo o que diz respeito...
Envergonhada da reivindicação que almejava, que ainda em sua mente era
firme e animada, ela parou e deixou a frase inacabada.
— Em que lugar vocês iriam se encontrar? — perguntou Mr. Monckton.
— A senhorita pode pelo menos enviar a carta para lá.
— Deveríamos nos encontrar apenas — respondeu ela, em grande
confusão — no último momento, e então seria tarde demais, e, além disso, eu
não poderia, sem algum aviso prévio, quebrar uma promessa que fiz sem
qualquer restrição.
— Esta é sua única objeção?
— Sim, mas é uma objeção que eu não posso superar.
— Então, a senhorita desistiria desta conexão doentia, se não fosse a
indelicadeza em relação ao tempo?
— Na verdade, era o que eu queria fazer antes do senhor chegar.
— Neste caso, eu eliminarei esta objeção; dê-me apenas a comissão, seja
verbal ou por escrito, e eu me comprometerei a descobri-lo e entregar a carta
antes do anoitecer.
Cecilia, sem esperar esta oferta, ficou extremamente pálida e, após alguns
momentos de hesitação, disse com voz vacilante: — Qual é, então, senhor, o
seu conselho? De que maneira...
— Eu direi a ele tudo o que for necessário; pode confiar em mim.
— Não, ele merece, pelo menos, um pedido de desculpas da minha parte,
embora como fazer isso...
Ela se deteve, hesitou, saiu do quarto para buscar uma pena e tinta e voltou
sem elas; a agitação de sua mente aumentava a cada instante e ela implorou a
ele, em voz fraca, que a desculpasse enquanto consultava Mrs. Charlton. Ela
prometeu atendê-lo novamente e se afastou.
Mr. Monckton, entretanto, viu um perigo muito grande em tanta emoção
para deixá-la fora de sua vista. Assim, ele disse que ela só aumentaria sua
perplexidade, sem colher qualquer vantagem, mediante uma consulta com
Mrs. Charlton, e que, se ela fosse realmente sincera em seu desejo de recuar,
não havia um momento a perder, e Delvile deveria ser imediatamente
procurado.
Cecilia, ciente da verdade deste discurso, e mais uma vez recordando a
sinceridade não afetada com a qual apenas uma ou duas horas antes ela
própria havia desejado renunciar àquele compromisso, agora reunia toda a
sua coragem em seu auxílio e, depois de uma breve, mas dolorosa, luta
interior, decidiu agir de forma consistente com sua posição e seu caráter, e,
por um grande e último esforço, esclarecer todas as suas dúvidas e tentar
silenciar até mesmo seu pesar, completando o triunfo da força sobre a
predisposição.
Ela pediu, portanto, pena e tinta, e sem se aventurar fora do quarto,
escreveu a seguinte carta:

“Esq. Mortimer Delvile


Não me acuse de caprichosa, e perdoe minha indecisão quando me vir
encolhida de terror diante da promessa que fiz e já não posso ou quero
cumprir. As reprovações de sua família me fariam sofrer muito, mas as
reprovações de meu próprio coração por uma ação que não posso aprovar
nem defender seriam ainda mais opressivas. Com tal peso sobre a mente, a
sua duração seria muito desagradável; com uma sensação de culpa, a morte
prematura seria desejada! Sendo estas minhas noções do compromisso que
assumimos, o senhor não pode se surpreender, e tem ainda menos motivos
para reclamar, que não ouso cumpri-lo. Ai de mim! Onde estaria sua
oportunidade de ser feliz com alguém que, no próprio ato de se tornar sua,
abdicaria da sua própria vida? Eu coro diante desta retratação tardia e
lamento a decepção que isso pode causar, mas eu cedi às exortações de um
vigilante interno que nunca deve ser impunemente negligenciado. Consulte-o
o senhor mesmo e não precisarei de outro advogado. Adeus, e que toda a
felicidade o acompanhe! Se o fato de tomar conhecimento da minha quase
total privação puder mitigar o ressentimento com o qual provavelmente lerá
esta carta, ele poderá então ser mitigado com muita facilidade! No entanto,
meu consentimento para uma ação clandestina nunca será repetido, e
embora eu confesse que não estou feliz, declaro solenemente que minha
resolução é inalterável. Uma pequena reflexão dirá que estou certa, embora
uma grande dose de indulgência não seja suficiente para que me perdoe tão
cedo. C. B.”

Esta carta, que com tremenda pressa, resultante do medo de sua própria
estabilidade, ela dobrou e selou, Mr. Monckton, com a mesma apreensão, a
recebeu com ainda mais ansiedade; ele apenas lhe desejou um bom dia,
montou em seu cavalo e seguiu seu caminho para Londres.
Cecilia voltou para Mrs. Charlton para informá-la sobre o que havia
acontecido, e, apesar da tristeza que sentia ao aparentemente ferir o homem a
quem, em todo o mundo, mais desejava agradar, ela encontrou uma satisfação
no sacrifício que havia feito que a recompensou por grande parte dos seus
sofrimentos e a acalmou em algo como tranquilidade: o verdadeiro poder da
virtude que ela mal havia experimentado, pois ela o considerava um recurso
contra o mais cruel abatimento, e um apoio na mais amarga decepção.
CAPÍTULO 70

UM CONSTRANGIMENTO

O dia transcorreu sem nenhuma notícia; o dia seguinte também passou da


mesma maneira, e no terceiro, que era seu aniversário, Cecilia atingiu a
maioridade. Há muito ela vinha planejando e cuidando dos preparativos para
celebrar o evento junto com os arrendatários, mas, quando o momento
chegou, esforçava-se para encontrar algum prazer na atividade. Mesmo
assim, ela ofereceu um jantar público a todos os que se dispuseram a dele
participar, prometeu indenizar os que reclamavam de maus tratos, perdoou
muitas dívidas e distribuiu dinheiro, alimentos e roupas aos pobres. Essas
ocupações benevolentes faziam com que o tempo parecesse menos tenso e,
ao mesmo tempo, a libertavam da solidão e a desviavam do suspense. No
entanto, ela ainda continuava na casa de Mrs. Charlton, já que a reforma de
sua casa não fora concluída.
Porém, desafiando seu máximo esforço, perto do anoitecer desse mesmo
dia, a inquietude de sua incerteza tornou-se quase insuportável. Na manhã
seguinte, ela havia prometido a Delvile partir para Londres, e ele esperava na
manhã seguinte tomá-la como sua esposa. No entanto, Mr. Monckton não
havia enviado nenhuma mensagem, tampouco aparecera, e ela não sabia se
sua carta fora entregue ou se Mortimer ainda não estava preparado para a
decepção que o aguardava. Um arrependimento secreto pela infelicidade que
ela deveria lhe causar, que silenciosa, mas poderosamente, reprovava,
apoderou-se de sua mente e envenenava sua tranquilidade, pois, embora sua
opinião fosse invariável ao sustentar que sua proposta estava errada, ela
considerava muito o seu caráter para acreditar que ele a teria feito senão por
uma noção equivocada de que estava certo. Assim, ela o imaginou cheio de
indignação, acusando-a de incoerência e talvez suspeitando de coqueteria, e
imputando sua mudança de conduta a motivos os mais triviais e limitados, até
que, com ressentimento e desdém, ele a afastaria completamente de seus
pensamentos.
Em poucos minutos, porém, o quadro se inverteu; Delvile já não parecia
tempestuoso nem irracional, seu rosto tinha um aspecto de tristeza e todo o
seu semblante estava nublado pela decepção; ele se absteve de censurá-la,
mas o olhar que sua imaginação delineava era mais penetrante do que
palavras da mais severa importância.
Estas imagens a perseguiam e atormentavam, arrancavam lágrimas de seus
olhos e enchiam seu coração de angústia. No entanto, quando ela se lembrou
de que sua conduta tinha em vista um motivo mais elevado do que agradar
Mortimer Delvile, sentiu que deveria lhe oferecer uma explicação mais
elevada; ela tentou, portanto, reanimar seu espírito, refletindo sobre sua
integridade, e recusou toda indulgência a esta tristeza enervante, além do que
a fraqueza da natureza humana exige, como algum alívio para seus
sofrimentos a cada novo ataque de miséria. Uma conduta assim era o melhor
antídoto contra a aflição, cujas flechas nunca são repelidas com tão pouca
dificuldade como quando incidem sobre uma consciência que nenhuma
autocensura poderia revelar sua malignidade.
Antes das seis horas da manhã seguinte, sua criada se aproximou de sua
cama com a seguinte carta, que ela disse ter sido trazida por um expresso:

“Miss Beverley.
Que esta carta seja a última que Miss Beverley receba de minha pessoa
antes de ser minha esposa! No entanto, doce para mim como é essa
esperança, escrevo na maior inquietação. Acabo de saber que um cavalheiro,
que, pela descrição que fazem dele, imagino ser Mr. Monckton, tem me
procurado com uma carta que ansiava por entregar de imediato. Talvez esta
carta seja de Miss Beverley, talvez contenha instruções que devam ser
seguidas imediatamente; se eu pudesse adivinhar quais são, com que avidez
me dedicaria para antecipar sua execução! Espero que não seja tarde
demais para recebê-las no sábado, quando seu poder sobre minhas ações
será confirmado, e quando cada desejo que expressar será com gratidão,
alegria e deleite realizados. Procurei Belfield em vão; ele deixou lorde
Vannelt e ninguém sabe para onde foi. Fui obrigado, portanto, a confiar em
um estranho para estabelecer a fiança, mas ele é um homem de bom caráter,
e o tempo de segredo será muito curto para colocar sua discrição em perigo.
Amanhã, sexta-feira, eu dedicarei unicamente a tentar encontrar Mr.
Monckton. Tenho tempo suficiente para a busca, visto que tão próspera tem
sido minha diligência, que tudo está preparado! Eu vi alguns alojamentos em
Pall-Mall que acredito que são cômodos e que achará convenientes,
portanto, envie um criado na frente para garanti-los. Se, quando chegar, eu
me aventurar a encontrá-la, eu imploro que não se sinta ofendida ou
alarmada; tomarei todas as precauções possíveis para não ser reconhecido
nem visto, e não ficarei mais de três minutos. O mensageiro que leva esta
carta ignora de onde vem, pois temo que ele repita meu nome entre seus
criados, e ele dificilmente poderia retornar a mim com uma resposta antes da
senhorita chegar à cidade. Sim, mais encantadora Cecilia! No exato
momento em que receber esta carta, a carruagem, para minha satisfação,
estará na porta, aguardando para trazer para mim um tesouro que irá
enriquecer todas as horas futuras de minha vida! E quanto a mim, será
inesgotável, porém, que seu doce dispensador possa experimentar uma parte
da felicidade que ela concede, e então o que, exceto a sua própria pureza,
será tão perfeita, tão imaculada, como a felicidade dela mesma! M. D.”

A perturbação de Cecilia ao ler esta carta foi indescritível. Ela descobriu


que Mr. Monckton havia sido totalmente malsucedido, todo o seu heroísmo
não havia respondido a nenhum propósito e a transação estava atrasada. Ela
era, agora, portanto, chamada a pensar e agir inteiramente por si mesma. Sua
opinião ainda era a mesma, nem sua resolução havia vacilado, mas como
colocá-la em execução ela não conseguia discernir. Escrever para ele era
impossível, já que ignorava onde ele se encontrava; decepcioná-lo no último
momento ela não conseguia decidir, uma vez que tal conduta lhe parecia
insensível e injustificável. Por alguns instantes, ela pensou em enviar uma
carta para aguardá-lo à noite em Londres, mas o perigo de confiar tal
comissão a qualquer pessoa e a incerteza de encontrá-lo, caso ele estivesse
disfarçado, tornaram o sucesso deste plano muito precário para ser julgado.
Ocorreu-lhe um único expediente, o qual, embora parecesse perigoso, ela
acreditava não ter alternativa; nada mais era do que apressar-se a ir para
Londres, consentindo com o encontro que ele havia proposto em Pall-Mall, e,
então, declarar veementemente suas objeções e confessar a dor que elas lhe
causaram e despertar sua generosidade e seu orgulho para que ele mesmo a
liberasse do compromisso que havia assumido.
Ela não teve tempo para deliberar; seu plano, portanto, foi decidido quase
assim que formado, e sendo cada momento precioso, ela foi obrigada a
despertar Mrs. Charlton e comunicar-lhe imediatamente o conteúdo da carta
de Delvile, e a nova decisão que havia tomado. Mrs. Charlton, não tendo
nenhum outro objetivo em vista a não ser a felicidade de sua jovem amiga,
com uma facilidade que não buscava objeções e apenas as via quando
apresentadas, concordou com a expedição e gentilmente consentiu em
acompanhá-la a Londres, pois Cecilia, embora preocupada em apressá-la e
cansá-la, estava ansiosa demais pela sanção de sua presença para hesitar em
solicitá-la.
Uma carruagem, portanto, foi chamada, e com cavalos adaptados para a
velocidade e dois criados montados; no momento em que Mrs. Charlton
estava pronta, elas empreenderam sua jornada.
Mal haviam avançado duas milhas em seu caminho quando foram
abordadas por Mr. Monckton, que se dirigia apressadamente para sua casa.
Espantado e alarmado com uma visão tão inesperada, ele parou a
carruagem para perguntar para onde estavam indo.
Cecilia, sem responder, perguntou se sua carta já havia sido recebida.
— Eu não pude — disse Mr. Monckton — entregá-la a um homem que
não pode ser encontrado. Eu estava neste exato momento começando a me
dar conta de quão inutilmente o havia procurado, mas, ainda assim, sua
viagem é desnecessária, a menos que seja voluntária, visto que a deixei na
casa onde a senhorita me disse que deveria encontrá-lo amanhã de manhã, e
onde ele deve recebê-la inevitavelmente.
— Na verdade, senhor — exclamou Cecilia —, amanhã de manhã será
tarde demais, em consciência, em justiça e mesmo em decência, tarde
demais! Devo, então, ir para a cidade. Contudo, não vou, creia-me, em
oposição às suas ordens, mas para permitir-me, sem traição ou desonra,
cumpri-las.
Mr. Monckton, espantado e confuso, não respondeu, até que Cecilia deu
ordens ao postilhão para seguir em frente. Ele então apressadamente o deteve
e deu início às mais calorosas contestações; mas Cecilia, firme quando se
julgava certa, embora vacilasse quando temerosa de estar errada, disse que
era tarde demais para mudar seu plano, repetiu suas ordens ao postilhão e o
deixou com suas próprias reflexões, sofrendo por rejeitar seu conselho,
embora muito ocupada com seus próprios assuntos e desígnios para pensar
muito em qualquer outro.
CAPÍTULO 71

UM MARTÍRIO

Em certa parte do trajeto pararam para jantar; Mrs. Charlton estava muito
fatigada para continuar sem descansar, embora a pressa de Cecilia para
encontrar Delvile em tempo suficiente para discutir seus assuntos novamente
a fizesse lamentar cada momento que passava na estrada. A refeição não foi
longa e elas estavam voltando para a carruagem quando, de repente, foram
abordadas por Mr. Morrice, que acabava de descer de seu cavalo. Ele
felicitou-se pela satisfação de encontrá-las, com o ar de um homem que não
duvidava que a satisfação fosse mútua. A seguir, apressou-se em trazer
notícias sobre Grove: — Eu dificilmente poderia escapar — exclamou ele —,
meu amigo Monckton não saberá o que fazer sem mim, pois lady Margaret,
coitada, encontra-se realmente em um estado lamentável; dificilmente alguém
fica na mesma sala com ela, pois sua respiração é como o grunhido de um
porco. Ela não deve durar muito; está muito cansada e cambaleia quando
anda sozinha, alguém poderia jurar que está embriagada.
— Não deve supor que nenhum idoso possa ficar só, ainda mais quando
sofre de alguma enfermidade por intoxicação — disse Mrs. Charlton, que
agora era ajudada a subir na carruagem.
— Certamente, senhora! — exclamou ele. — Eu realmente me esqueci que
a senhora também é idosa, ou não teria feito essa observação. No entanto,
quanto à pobre lady Margaret, ela pode acabar se recuperando como sempre,
pois tem uma constituição excelente, e suponho que nunca tenha estado
melhor durante estes quarenta anos, pois lembro-me de quando era um
menino e a ouvi ser chamada de velha poça mancando.
— Bem, vamos discutir este assunto, por favor — disse Cecilia —, em
outra hora.
Ela ordenou ao postilhão que seguisse em frente, mas, antes de chegarem à
etapa seguinte, Morrice, que havia trocado de cavalo, juntou-se a elas e
cavalgou ao seu lado, implorando que observassem a maneira como ele se
apressara voluntariamente para ter o prazer de escoltá-las. Esta ousadia foi
muito ofensiva para Mrs. Charlton, cuja idade e personalidade há muito lhe
proporcionavam mais deferência e respeito. Cecilia, porém, ansiava apenas
por apressar a viagem e se mostrava indiferente a tudo, exceto àquilo que a
atrasava. Na mesma estalagem, elas trocaram de cavalo novamente; Mr.
Morrice ainda continuou cavalgando com elas e, ocasionalmente, falando, até
que estivessem a vinte milhas de Londres, quando um distúrbio na estrada
despertou sua curiosidade e ele apressadamente se afastou delas para indagar
sobre sua causa. Ao chegarem ao local de onde procedia, viram um grupo de
cavalheiros montados rodeando uma carruagem que acabara de virar, e,
enquanto a confusão na estrada obrigava o postilhão a parar, Cecilia ouviu a
voz de uma mulher que exclamava: — Ouso dizer que estou morta! — e
lembrou-se instantaneamente de Miss Larolles. O medo da descoberta e da
demora a fez desejar que o homem continuasse seguindo a toda velocidade.
Ele estava se preparando para obedecê-la, mas Morrice, galopando atrás
delas, gritou: — Miss Beverley, uma das damas que foi derrubada é uma
conhecida sua. Eu costumava vê-las juntas na casa de Mrs. Harrel.
— É mesmo? — disse Cecilia, muito desconcertada —, espero que ela não
esteja ferida.
— Não, de forma alguma; mas a dama que a acompanha está ferida de
morte. A senhorita não vai vê-la?
— Estou com muita pressa no momento, e não posso lhes servir de
nenhuma ajuda, mas estou certa de que Mrs. Charlton pode se desfazer de seu
criado, se ele puder ser de alguma utilidade.
— Oh, mas a jovem quer falar com a senhorita; ela está se aproximando da
carruagem o mais rápido que pode.
— E como ela soube que estou aqui? — gritou Cecilia, com grande
surpresa. —Tenho certeza de que ela não podia me ver.
— Oh, eu disse a ela — respondeu Mr. Morrice, com um aceno de
autoaprovação pelo que havia feito. — Eu disse a ela que era a senhorita, pois
sabia que logo poderia alcançá-la.
O descontentamento com essa intromissão foi inútil, pois, olhando pela
janela, ela viu Miss Larolles, seguida por metade de seu grupo, a menos de
três passos da carruagem.
— Oh, minha querida criatura — exclamou ela —, que terrível acidente!
Garanto que estou tão assustada que a senhorita não faz ideia. É a coisa mais
afortunada do mundo que a senhorita esteja seguindo por este caminho.
Nunca aconteceu algo tão excessivamente provocador, a senhorita não tem
noção da queda que tivemos. Foi horrível, eu lhe garanto. Como a senhorita
tem estado todo esse tempo? Não pode imaginar como estou feliz em vê-la.
— E à qual Miss Beverley vai responder primeiro — gritou uma voz que
anunciava Mr. Gosport —, à alegria ou à tristeza? Pois elas estão tão
habilmente combinadas, que um auditor comum poderia encontrar
dificuldade ao decidir se condolências ou felicitações deveriam ter
precedência.
— Como o senhor pode ser tão horrível — exclamou Miss Larolles —
para falar de felicitações quando se está em um pânico tão espantoso que não
se sabe se está vivo ou morto!
— Morta, então, para qualquer aposta — respondeu ele —, se pudermos
julgar por sua imobilidade.
— Eu gostaria que o senhor não começasse a me provocar — exclamou
ela —, pois eu lhe garanto que é um assunto excessivamente sério. Nunca
fiquei tão feliz em toda minha vida como quando descobri que não estava
morta. Eu estava tão esmagada que o senhor não faz ideia. Durante uma hora
eu pensei que tinha quebrado os dois braços.
— E meu coração ao mesmo tempo — disse Mr. Gosport. — Espero que a
senhorita não tenha imaginado que é a menos frágil dos três?
— Todos os nossos corações, permita-me acrescentar — disse o capitão
Aresby, que se aproximava —, todos os nossos corações deveriam ter sido
abimés pela indisposição de Miss Larolles, se seu destino não tivesse sido
felizmente revogado pela visão de Miss Beverley.
— Bem, é muito estranho — exclamou Miss Larolles — que todo mundo
fuja assim da pobre Mrs. Mears; ela vai ficar tão ofendida que não se pode
fazer ideia. Eu pensei, capitão Aresby, que o senhor ficaria para cuidar dela.
— Vou correr e ver como ela está eu mesmo — gritou Morrice, e saiu
galopando.
— Realmente, madame — disse o capitão —, estou bastante au desespoir
por ter falhado em qualquer um dos meus devoirs, mas considero um
princípio ser um mero espectador nessas ocasiões, para não me sentir tão
infeliz a ponto de cometer qualquer gafe por demasiada empressement.43
— Uma cautela admirável — disse Mr. Gosport — e, para um
temperamento tão ardente, uma verificação necessária!
Cecilia, a quem a surpresa e o desgosto de um encontro tão inapropriado
quando ela particularmente desejava não ser notada, havia até então guardado
um doloroso silêncio e começava a recuperar alguma presença de espírito; ela
cumprimentou Miss Larolles e Mr. Gosport, fez uma ligeira reverência ao
capitão e desculpou-se pela pressa, mas disse que tinha um compromisso em
Londres que não poderia ser adiado, e já estava dando ordens ao postilhão
para seguir adiante, quando Morrice voltou a toda velocidade, dizendo: — A
pobre senhora está tão mal que não consegue dar um passo; ela não consegue
colocar um pé no chão e diz que está cheia de hematomas, então eu disse a
ela que tinha certeza de que Miss Beverley não se recusaria a abrir espaço
para ela em sua carruagem até que a outra pudesse ser colocada em ordem, e
ela diz que vai aceitar isso como um grande favor. Aqui, postilhão, um pouco
mais à direita! Vamos, senhoras e senhores, abram caminho.
Cecilia não pôde se opor a esta impertinência, por mais extraordinária que
fosse, pois Mrs. Charlton, sempre compassiva e complacente onde havia
qualquer aparência de angústia, imediatamente apoiou a proposta; a
carruagem, portanto, foi virada para trás, e ela foi obrigada a oferecer um
lugar para Mrs. Mears, que, embora mais assustada do que ferida,
prontamente aceitou; não obstante, para abrir espaço para a mulher sem
incomodar Mrs. Charlton, ela foi forçada a dar seu lugar a outra. Entretanto,
ela não deixou de desejar que toda a presteza possível pudesse ser usada para
consertar a outra carruagem e que elas pudessem ser acomodadas, e todos os
cavalheiros, exceto um, desmontaram de seus cavalos a fim de ajudar, ou
parecer ajudar. Este único espectador despreocupado em meio à aparente
agitação geral era Mr. Meadows, que via tudo o que se passava sem se
incomodar em interferir e com o ar da mais evidente indiferença se as coisas
iam bem ou mal. Miss Larolles, agora voltando à cena de ação, de repente
exclamou: — Oh, céus, onde está o meu cachorrinho! Nunca pensei nele, eu
confesso! Eu o amo mais do que qualquer coisa no mundo. Eu não queria que
ele fosse ferido nem por cem mil libras. Senhor, onde ele está?
— Esmagado ou asfixiado pela reviravolta, sem dúvida — disse Mr.
Gosport —, mas como a senhorita deve ter sido seu carrasco, que morte mais
suave ele poderia ter? Se a senhorita mesma impõe a punição, eu me
submeterei ao mesmo destino.
— Meu Deus, como o senhor adora me atormentar! — exclamou ela, e
então perguntou aos criados o que havia acontecido com seu cachorro. O
pobre animalzinho, esquecido por sua dona e desprezado por todos os outros,
foi agora descoberto por seu ganido, e logo descobriu-se que tinha sido o
mais afetado pela queda: uma de suas patas dianteiras estava quebrada.
Pudessem gritos ou lamentações, reprimendas aos criados ou reclamações
contra o destino ter mitigado sua dor ou feito um calo na fratura, curta teria
sido a duração de sua miséria, pois nem palavras foram salvas, nem pulmões
foram poupados, o próprio ar se rasgou com gritos e todos os presentes foram
repreendidos como cúmplices do desastre. O postilhão, por fim, interrompeu
a vociferação com a notícia de que a carruagem estava novamente em
condições de uso, e Cecilia, ansiosa por partir, achando-o pouco considerado,
repetiu o que ele disse à Miss Larolles.
— A carruagem? — disse ela. — A senhorita não acredita que eu voltarei
a subir naquela carruagem horrível? Eu lhe garanto que não o faria em
hipótese alguma.
— Não voltará a subir? — disse Cecilia. — Com que propósito, então,
todos nós esperamos até que estivesse pronta?
— Oh, eu declaro que não entraria nela por quarenta mil mundos. Eu
prefiro caminhar até uma estalagem, mesmo se ela estiver a cento e cinquenta
milhas de distância.
— Mas, por acaso — disse Mr. Gosport —, por estar a apenas sete milhas,
imagino que a senhorita condescenderá a subir.
— Sete milhas! Senhor, que espantoso! O senhor não tem ideia do quanto
me assusta. Pobre Mrs. Mears! Ela terá que ir sozinha. Ouso dizer que a
carruagem tombará cinquenta vezes pelo caminho. É dez para um como ela
vai quebrar o pescoço! Apenas conceba o quanto é horrível! Eu lhe garanto
que estou excessivamente feliz por estar fora dela.
— Muito amigável, de fato! — disse Mr. Gosport. — Mrs. Mears, então,
pode quebrar seus ossos como quiser!
Mrs. Mears, porém, quando solicitada, professou uma aversão igual à
carruagem em que fora tão infeliz e declarou que preferia caminhar do que
voltar para ela, embora um de seus tornozelos já estivesse tão inchado que ela
mal conseguia ficar em pé.
— Neste caso, a melhor maneira, senhoras — exclamou Morrice, com o
olhar de um homem feliz em vencer todas as dificuldades —, será que Mrs.
Charlton e aquela pobre senhora com hematomas possam seguir juntas na
carruagem sólida, e nós, cavalheiros, acompanhemos esta jovem e Miss
Beverley a pé, até que todos cheguemos à próxima estalagem. Miss Beverley,
eu sei, é uma excelente caminhante, pois ouvi Mr. Monckton comentar o fato.
Cecilia, embora muito consternada com a proposta que tanto retardaria
uma viagem que ela tinha tantos motivos para desejar que fosse apressada,
não sabia como opor-se a ela com decência ou humanidade; e o medo de
levantar suspeitas, consciente do quanto havia para suspeitar, a obrigou a
conter sua impaciência e a reduziu até mesmo a repetir a oferta que Morrice
havia feito, embora mal pudesse olhar para ele por raiva de seu atrevimento
inoportuno. Sem voz dissidente, a tropa começou a se formar. A caminhada
consistia nas duas jovens e Mr. Gosport, que desmontou para caminhar com
Cecilia e a cavalaria; Mr. Meadows, o capitão e Mr. Morrice, que trotavam
com seus cavalos a um passo lento, enquanto o resto do grupo seguia na
carruagem, como assistentes de Mrs. Mears.
Pouco antes de partirem, Mr. Meadows, subindo negligentemente na
carruagem, esforçou-se ao ponto de perguntar à Mrs. Mears: — Está ferida,
senhora? — e, no mesmo instante, parecendo se lembrar de Cecilia, virou-se
e, bocejando enquanto tocava no chapéu, disse: — Oh, como vai, senhorita?
— e então, sem esperar uma resposta a nenhuma de suas perguntas, juntou-se
à cavalgada, embora sem parecer ter qualquer consciência de pertencer a ela.
Cecilia teria muito prazer em usar a carruagem rejeitada, mas não poderia
fazer tal proposta à Mrs. Charlton, que não tinha mais idade nem coragem
para qualquer aparência de aventura. Assim, após a pergunta, ela teve a
satisfação de ouvir que a distância para a próxima etapa era de apenas duas
milhas, embora tivesse sido aumentada para sete pela malícia de Mr. Gosport.
Miss Larolles carregava seu cachorrinho nos braços, declarando que nunca
mais passaria um momento longe dele. Ela contou a Cecilia que estava há
algum tempo em uma visita na residência de Mrs. Mears, que, com o resto do
grupo, a havia levado para ver a casa e os jardins, onde haviam preparado um
jantar mais cedo, de onde acabavam de regressar em direção à casa quando a
carruagem quebrou.
Com sua habitual volubilidade, ela então passou a relatar as pequenas
coisas que se passaram desde o inverno, voando de um tema a outro, sem
nenhum significado adicional além de ser ouvida, e nenhum desejo a não ser
falar, sempre rápida na fala, embora minuciosa nos detalhes. Esta
loquacidade não sofreu nenhuma interrupção, exceto um ocasional
comentário sarcástico de Mr. Gosport, pois Cecilia estava muito ocupada
com seus próprios assuntos para responder ou ouvir um discurso tão pouco
interessante. Seu silêncio, entretanto, foi finalmente quebrado à força; Mr.
Gosport, aproveitando o primeiro momento em que Miss Larolles se deteve
para respirar, perguntou: — O que a leva à cidade, Miss Beverley, nesta
época do ano?
Cecilia, cujos pensamentos estavam inteiramente concentrados no que
aconteceria em seu encontro próximo com Delvile, estava tão completamente
despreparada para esta pergunta, que não pôde responder até que Mr.
Gosport, em um tom de surpresa, a repetiu, e então, não sem hesitação, ela
disse: — Tenho alguns negócios em Londres, senhor. Diga, há quanto tempo
está no campo?
— Negócios, hein? — disse ele, atingido por sua evasão. — Ora, o que a
senhorita e negócios podem ter em comum?
— Mais do que o senhor pode imaginar — respondeu ela, com grande
firmeza. — E talvez em pouco tempo eu possa até ter o suficiente para me
ensinar a desfrutar do lazer.
— Por que a senhorita não contrata um administrador? Ora, procurar um
administrador pronto para tirar o problema de suas mãos. Existem tais
criaturas que se podem encontrar, eu garanto; bestas de carga, que assumirão
livremente a administração de sua propriedade sem outra recompensa senão a
insignificância de possuí-la. Não é capaz de encontrar um ser assim?
— Não sei — respondeu ela —, não tenho prestado atenção.
— E nenhum deles fez uma solicitação?
— Bem, não. Eu acredito que não.
— Ora, ora! Nenhum guardião de cartório foi incomodado com mais
requerentes. A senhorita sabe que eles a atacam às dezenas.
— O senhor deve me perdoar; de fato, eu não sei nada sobre isso.
— A senhorita sabe, então, por que eles não o fazem, e isso é praticamente
a mesma coisa.
— Posso, pelo menos, conjecturar por quê; o lugar, suponho, não vale o
serviço.
— Não, não; o lugar, eles concluem, já está confiscado, e o pagamento da
propriedade é simplesmente o coração da proprietária. Não é assim mesmo?
— O coração da proprietária — respondeu ela, um pouco confusa — pode,
de fato, ser simples, mas talvez não tão facilmente conquistado como
imagina.
— Então a senhorita o salvou sabiamente de uma tormenta, mediante uma
rendição generosa? A senhorita esteve, de fato, em uma excelente escola para
o estudo de ataque e defesa; o Castelo Delvile é uma fortaleza que, mesmo
em ruínas, demonstra sua força pela sua antiguidade, e ensina, também, uma
lição admirável, exibindo o perigoso e infalível poder do tempo, que desafia
todo o poder e mina todas as forças, que rompe todas as barreiras e não
mostra nada suportável além de si mesmo — em seguida, olhando para ela
com mais seriedade, Mr. Gosport disse: — Eu creio que a senhorita fez uma
longa visita ao castelo. Esta observação nunca lhe ocorreu? A senhorita
nunca percebeu, nunca sentiu, pelo contrário, as propriedades insidiosas do
tempo?
— Sim, certamente — respondeu ela, alarmada com a simples menção do
Castelo Delvile, mas fingindo entender literalmente o que era dito
metaforicamente —, o caos do tempo sobre o lugar não poderia deixar de me
surpreender.
— E o caos se instalou — continuou ele, ainda mais maliciosamente —
apenas no exterior? Está tudo a salvo? Sólido e firme? E a duração de sua
residência não demonstrou seu poder por nenhuma nova travessura?
— Sem dúvida não — respondeu ela, com a mesma ignorância fingida —,
o lugar não está em uma condição tão desesperadora a ponto de exibir
quaisquer sinais visíveis de deterioração no curso de três ou quatro meses.
— E a senhorita não sabe — disse ele — que o lugar a que me refiro pode
receber um dano em poucos minutos que o dobro do número de anos não
pode corrigir? As partes internas de um edifício não são menos vulneráveis a
acidentes do que o seu exterior, e embora o mal possa ser mais facilmente
ocultado, será mais difícil remediá-lo. Eu vi muitas estruturas justas que,
como aquela agora diante de mim (olhando com muito significado para
Cecilia), parecem perfeitas aos olhos em todas as suas partes, e ilesas, seja
pelo tempo ou por casualidade, enquanto, no interior, algum demônio à
espreita, alguma ferida latente, secretamente abriu seu caminho até o próprio
coração do edifício, onde consumiu sua força e desperdiçou seus poderes, até
que, afundando cada vez mais, minou seu próprio alicerce, antes que a
superestrutura tivesse exibido algum sinal de perigo. Este acidente está entre
as coisas que a senhorita considera possíveis?
— Sua linguagem — disse ela, corando muito — é tão floreada que devo
admitir que torna seu significado um tanto obscuro.
— Devo ilustrá-la com um exemplo? Suponhamos, durante sua residência
no Castelo Delvile...
— Não, não — interrompeu ela, com involuntária rapidez. — Por que o
senhor deveria se incomodar com ilustrações?
— Ora, minha querida criatura — exclamou Miss Larolles —, como está
Mrs. Harrel? Nunca senti tanta pena de ninguém em minha vida. Eu quase me
esqueci de perguntar por ela.
— Sim, pobre Harrel! — exclamou Morrice. — Ele foi uma grande perda
para seus amigos. Eu tinha acabado de começar a ter alguma consideração
por ele; estávamos ficando extremamente íntimos. Pobre camarada! Ele
realmente oferecia jantares excelentes.
— Harrel? — exclamou de repente Mr. Meadows, que só então pareceu
ouvir pela primeira vez o que estava acontecendo. — Quem era ele?
— Oh, o sujeito mais agradável que conheci em minha vida — respondeu
Morrice. — Ele nunca estava triste; sempre bebendo, cantando e dançando
até o último momento. Não se lembra dele, senhor, naquela noite em
Vauxhall?
Mr. Meadows não respondeu, mas continuou cavalgando languidamente.
Mr. Morrice, cada vez mais petulante do que sagaz, exclamou: — Eu
realmente acredito que o cavalheiro é surdo! Ele nem mesmo diz “hum!” ou
“o quê?”, mas eu darei a ele o que seus ouvidos merecem de forma que ele
me ouça, quer ele queira ou não. Senhor! Eu disse — gritando —, o senhor se
esqueceu daquela noite em Vauxhall?
Mr. Meadows, assustado com os gritos, olhou para Morrice com alguma
surpresa e disse: — O senhor foi tão amável a ponto de falar comigo?
— Sim, senhor — disse Morrice, assombrado. — Achei que tivesse
perguntado algo sobre Mr. Harrel, então respondi; é tudo.
— O senhor é muito bom — respondeu ele, curvando-se levemente e
olhando para outro lado, como se estivesse completamente satisfeito com o
que havia acontecido.
— Mas eu gostaria de saber, senhor — retomou Mr. Morrice —, se não se
lembra como Mr. Harrel...
— De quem está falando, senhor?
— Mr. Harrel, senhor; o senhor não me perguntou quem ele era?
— Oh, sim, é verdade! — exclamou Mr. Meadows, em um tom de
extremo cansaço. — Estou muito grato ao senhor. Por favor, transmita-lhe
meus respeitos — ele tocou seu chapéu e voltou a cavalgar, mas o espantado
Morrice gritou:
— Transmitir-lhe seus respeitos? Ora, o senhor não sabe que ele está
morto?
— Morto? Quem, senhor?
— Ora, Mr. Harrel, senhor.
— Harrel? Ah, é verdade! — exclamou Mr. Meadows, com uma expressão
de repentina lembrança. — Ele deu um tiro em si mesmo, creio eu, ou foi
derrubado, ou algo assim. Eu me lembro perfeitamente.
— Oh! — exclamou Miss Larolles. — Não vamos falar sobre isso, é a
coisa mais cruel que já vi em minha vida. Garanto que fiquei tão surpresa que
pensei que nunca conseguiria superar o fato. Lembro-me que na noite
seguinte em Ranelagh eu não consegui falar de outra coisa. Ouso dizer que
contei para 500 pessoas. Garanto que estava morrendo de cansaço; apenas
conceba quão angustiante foi!
— Um método excelente — disse Mr. Gosport — para tirar o fato da
própria cabeça, a senhorita o enfia na cabeça de seus vizinhos! Mas a
senhorita não teve medo, com semelhante ebulição de impropriedade, de
estourar tantos corações quantos a ouviram?
— Oh, eu lhe asseguro — exclamou ela —, todos ficaram tão abalados que
o senhor não tem noção; não se ouviu mais nada; todos ficaram insanos com
a história.
— Realmente, foi assim mesmo — disse o capitão. — O assunto estava
obsedépartout.44 Quase não se respirava, a história jorrava de todas as
direções. Devo confessar que fui anéanti45 até certo ponto.
— Mas a coisa mais surpreendente de tudo — disse Miss Larolles — foi o
leilão. Eu não perdi um único dia. Foi possível encontrar o mundo inteiro lá,
e todos estavam tão tristes que os senhores não fazem ideia. Foi horrível.
Garanto que nunca havia sofrido tanto; o caso todo me deixou tão infeliz que
ninguém pode imaginar.
— Isso eu posso imaginar — disse Mr. Gosport —, que os poderes da
imaginação sejam sempre tão excêntricos.
— Sir Robert Floyer e Mr. Marriot — continuou Miss Larolles — se
comportaram tão mal que os senhores não fazem ideia, pois eles nada fizeram
desde então, exceto dizer como Mr. Harrel os enganou monstruosamente, e
como eles perderam somas tão imensas com ele; apenas concebam quanta
maldade!
— E eles se queixam — disse Mr. Morrice — que o velho Mr. Delvile os
usou de forma pior, pois, enquanto eles foram defraudados de todo aquele
dinheiro propositalmente para negociar sua aproximação de Miss Beverley,
ele nunca os deixaria vê-la, mas de repente a levou para o interior com o
propósito de casá-la com o próprio filho.
As bochechas de Cecilia agora brilhavam com os mais profundos rubores,
mas ao descobrir, por meio de um silêncio geral, que se esperava que ela
desse alguma resposta, ela disse, com a despreocupação que podia adotar: —
Eles estavam muito enganados; Mr. Delvile não tinha essa intenção.
— De fato?! — exclamou Mr. Gosport, percebendo novamente sua
mudança de semblante; — e é possível que a senhorita realmente tenha
escapado de um cerco, enquanto todos concluíram que havia sido levada de
assalto? Ora, onde está o jovem Delvile neste momento?
— Eu não... eu não posso dizer, senhor.
— Faz muito tempo que a senhorita não o vê?
— Faz dois meses — respondeu ela, com ainda mais hesitação —, desde
que estive no Castelo Delvile.
— Oh, mas — disse Mr. Morrice — a senhorita não o viu enquanto ele
estava em Suffolk? Acredito, de fato, que ele está lá agora, pois foi ontem
mesmo que ouvi por um cavalheiro que visitou lady Margaret que tinha visto
um estranho, um ou dois dias atrás, na porta de Mrs. Charlton, e quando ele
perguntou quem era, lhe disseram que seu nome era Delvile, e disseram que
ele estava visitando Mr. Biddulph.
Cecilia ficou bastante perplexa com esse discurso; saber que Delvile a
visitara era em si alarmante, mas ter seu próprio equívoco assim tão
flagrantemente exposto era infinitamente mais perigoso. As justas suspeitas
que o assunto devia suscitar a enchiam de pavor, e a evasão palpável com a
qual fora descoberta a oprimia de confusão.
— Então a senhorita se esqueceu — disse Mr. Gosport, olhando para ela
com muita malícia — que o viu nos últimos dois meses? Não é de se admirar,
pois onde se encontra uma dama que, com tantos admiradores, pode se dar ao
trabalho de se lembrar qual deles ela viu por último? Ou quem, estando tão
acostumado à adulação, pode considerar pertinente indagar de onde vem? Mil
Mr. Delviles são para Miss Beverley como um, usado por todos eles para a
mesma história; ela os considera não individualmente como pretendentes,
mas coletivamente como homens, e para obter, mesmo de si mesma, o que
está mais inclinada a favorecer, ela provavelmente deve desejar, assim como
Portia em O Mercador de Veneza, que seus nomes possam ser revisados um a
um, antes que ela possa distinguir claramente qual é qual.
A excelente galhardia deste discurso foi um certo alívio para Cecilia, que
já estava começando a rir, quando Morrice exclamou: — Aquele homem
parece estar sobre o batedor!
Ao erguer os olhos, ela percebeu um homem a cavalo, que, embora muito
coberto, usando um chapéu de abas e um lenço que escondia sua boca e
queixo, ela instantaneamente, por seu aspecto e sua figura, reconheceu ser
Delvile.
Muito consternada com a visão, ela se esqueceu do que iria dizer e,
baixando os olhos, continuou caminhando em silêncio. Mr. Gosport, atento
aos seus movimentos, olhou dela para o cavaleiro e, após um breve exame,
disse: — Creio que já vi aquele homem antes; a senhorita não, Miss
Beverley?
— Eu? Não — respondeu ela —, acredito que não, eu mal o vejo agora.
— Eu já vi, tenho absoluta certeza — disse Mr. Morrice —, e, se eu
pudesse ver seu rosto, eu me atreveria a dizer que me lembro dele.
— Ele parece muito disposto a saber se pode reconhecer algum de nós —
disse Mr. Gosport —, e, se não estou enganado, ele vê muito melhor do que é
visto.
O homem agora se aproximava deles, e embora bastasse um olhar para
descobrir o objeto de sua busca, a visão do grupo que a cercava o fez não
ousar parar ou falar com ela, e, portanto, ele esporou o cavalo e galopou
passando por eles.
— Vejam — exclamou Morrice, acompanhando o cavaleiro com os olhos
— como ele se volta para nos examinar! Eu me pergunto quem é.
— Talvez algum salteador de estrada! — disse Miss Larolles. — Eu
garanto que levei um susto prodigioso; eu simplesmente detesto ser roubada,
os senhores nem podem imaginar.
— Eu ia fazer a mesma conjectura — disse Mr. Gosport —, e, se não estou
muito enganado, aquele homem é um ladrão pouco vulgar. O que acha, Miss
Beverley, a senhorita consegue discernir um ladrão disfarçado?
— Na verdade, não; não finjo ter nenhum conhecimento tão
extraordinário.
— Isso é verdade, pois tudo o que se finge é uma ignorância
extraordinária.
— Eu tenho uma boa ideia — disse Mr. Morrice —, cavalgar atrás dele e
saber do que se trata.
— Para quê? — perguntou Cecilia, muito alarmada. — Certamente não
pode haver ocasião!
— Não, por favor, não — disse Miss Larolles —, eu garanto que, se ele
voltasse para nos roubar, eu morreria na hora. Nada poderia ser tão
desagradável e eu iria gritar tanto, os senhores não fazem ideia.
Morrice então desistiu da proposta e eles seguiram caminhando em
silêncio, mas Cecilia ficou extremamente perturbada pelo incidente; ela
prontamente conjecturou que, impaciente por sua chegada, Delvile havia
cavalgado naquela direção para ver o que a havia retardado, e ela estava
ciente de que nada poderia ser tão desejável como uma explicação imediata
do motivo de sua viagem. Tal encontro, portanto, se ela estivesse sozinha, era
exatamente o que poderia ter desejado, embora, infelizmente assim
envolvida, apenas aumentasse sua ansiedade. No entanto, involuntariamente,
ela apressou o passo na ânsia de se livrar de um grupo tão problemático, mas
Miss Larolles, que não tinha tanta pressa, protestou que não conseguia
acompanhar seu ritmo, dizendo: — A senhorita se esquece que eu tenho esse
cachorrinho adorável para carregar, e ele é uma praga tão lamentável para
mim que a senhorita não tem noção. Imagine só o peso que ele tem!
— Por favor, madame — exclamou Mr. Morrice —, permita que eu
mesmo o carregue; terei muito cuidado com ele, eu prometo; e a senhorita
não precisa ter medo de confiá-lo a mim, pois entendo mais sobre cães do que
sobre qualquer outra coisa.
Miss Larolles, depois de muitas carícias afetuosas, achando-se muito
cansada, consentiu, e Mr. Morrice colocou o animalzinho diante dele no
cavalo, mas, enquanto o assunto estava se ajustando e Miss Larolles dava
instruções sobre como deveria ser, Morrice exclamou: — Vejam, vejam!
Aquele homem está voltando! Ele certamente está nos observando. Lá! Agora
ele está partindo de novo! Suponho que ele me viu comentando sobre ele.
— Ouso dizer que ele está esperando para nos roubar — disse Miss
Larolles. — Então, quando sairmos da estrada principal para ir até a casa de
Mrs. Mears, suponho que ele virá galopando atrás de nós. É horrível demais,
eu lhes asseguro.
— É petrificante — disse o capitão — que alguém deva ser sempre
degouté46 por algum ser miserável ou outro deste tipo; mas, por favor, não
fiquem perturbadas, eu irei atrás dele, se quiserem, e farei o possível para me
livrar dele.
— Na verdade, eu gostaria que o senhor o fizesse, pois garanto que ele
colocou essas noções surpreendentes, que são bastante desagradáveis, em
minha cabeça — respondeu Miss Larolles.
— Vou tomar isso como um princípio — disse o capitão —, ter a honra de
obedecê-la — ele já estava se afastando, quando Cecilia, muito agitada,
perguntou: — Por que deveria ir, senhor? Ele não está em nosso caminho;
imploro que o deixe em paz; com qual propósito o senhor deveria persegui-
lo?
— Espero — disse Mr. Gosport — que com o propósito de fazê-lo juntar-
se ao nosso grupo, para uma parte da qual imagino que ele não seria uma
adição muito intolerável.
Este discurso novamente silenciou Cecilia, que percebeu, com a maior
confusão, que tanto Delvile quanto ela eram indubitavelmente suspeitos para
Mr. Gosport, se não já realmente traídos para ele. Ela foi obrigada, portanto, a
deixar o assunto seguir seu curso, embora bastante apreensiva de que uma
descoberta completa se seguisse à busca projetada.
O capitão, que não precisava de coragem, por mais profundo que tivesse
enterrado o bom senso na vaidade e na afetação, foi interrompido, a pedido
de Cecilia, para que desistisse do seu plano, e, com um encolher de ombros
angustiado, disse: — Eu estou parfaitment em um estado o mais accablant47
do mundo; nada poderia me dar maior prazer do que aproveitar a ocasião para
atender qualquer uma dessas damas, mas como elas seguem princípios
diferentes, fico indeciso até certo ponto para que lado me virar!
— Coloquem em votação, então — disse Mr. Morrice. — As duas damas
já falaram; agora, então, é a vez dos cavalheiros. Vamos, senhor — para Mr.
Gosport —, o que o senhor diz?
— Oh, traga o culpado de volta, por todos os meios — respondeu ele —, e
então vamos todos insistir para que abra sua causa, contando-nos de que
maneira nos ofendeu, pois não há nenhuma parte de seus assuntos, creio eu,
com a qual estejamos menos familiarizados.
— Bem — disse Mr. Morrice —, eu mesmo devo lhe fazer algumas
perguntas; o capitão também; então todos deram sua opinião, menos o senhor
— dirigindo-se a Mr. Meadows. — Então, agora, senhor, vamos ouvir sua
opinião.
Mr. Meadows, parecendo totalmente desatento, seguiu em frente.
— Ora, senhor — Morrice gritou, ainda mais alto —, estamos todos
esperando pelo seu voto. Por favor, qual é o nome do cavalheiro? É muito
difícil fazê-lo ouvir alguma coisa.
— Seu nome é Meadows — disse Miss Larolles, em voz baixa —, e lhe
asseguro que, às vezes, ele não ouve as pessoas por horas a fio. Ele é tão
ausente que o senhor não tem noção. Um dia ele me deixou com tanta raiva,
que não pude deixar de chorar, e Mr. Sawyer ficou parado o tempo todo! Eu
lhe asseguro que acredito que ele riu de mim. Apenas imagine quão
angustiante!
— Pode ser — disse Morrice — que seja por acanhamento, talvez ele
pense que vamos criticá-lo.
— Acanhamento? — repetiu Miss Larolles. — Deus, o senhor não
concebe a coisa de forma alguma! Por que ele está na frente do grupo? Não
há nada no mundo tão na moda quanto não dar atenção às coisas, nunca ver
as pessoas, não dizer absolutamente nada, nunca ouvir uma palavra e não
conhecer os próprios conhecidos. Todas as pessoas ton fazem isso, e eu lhe
asseguro quanto a Mr. Meadows, ele é tão excessivamente cortejado por
todas as pessoas, que, se ele disser apenas uma sílaba, pensarão que é um
favor imenso, o senhor não faz ideia.
Esse relato de sua celebridade, embora pouco atraente em si, foi suficiente
para fazer Mr. Morrice cobiçar seu futuro amigo, pois Morrice estava sempre
atento para converter seu prazer em benefício, e nunca negligenciava seus
interesses, a menos que ignorasse como persegui-lo. Ele voltou, portanto, à
acusação, embora de forma alguma com a mesma liberdade com que a havia
começado, e, baixando a voz para um tom de respeito e submissão, disse: —
Por favor, senhor, que possamos tomar a liberdade de solicitar o seu
conselho, se devemos prosseguir ou voltar atrás.
Mr. Meadows não respondeu, mas, quando Mr. Morrice estava pronto para
repetir a pergunta, sem parecer nem mesmo perceber que o outro se
aproximava, ele disse abruptamente à Miss Larolles: — O que aconteceu com
Mrs. Mears? Eu não a vejo entre nós.
— Meu Deus, Mr. Meadows! — exclamou ela. — Como pode ser tão
estranho? O senhor não se lembra que ela foi em uma carruagem para a
estalagem?
— Oh, sim, é verdade — disse ele —, confesso que havia me esquecido
completamente; eu imploro seu perdão, de fato. Sim, eu me lembro agora, ela
caiu do cavalo.
— Caiu do cavalo? Ora, o senhor sabe que ela estava na carruagem dela.
— Na carruagem dela, hein? Bem, sim! Pobrezinha! Estou feliz por ela
não estar machucada.
— Não estar machucada? Ora, ela está tão machucada que não consegue
dar um passo! Imagine só a memória que o senhor tem!
— Sinto muitíssimo por ela — disse ele, novamente se espreguiçando e
bocejando. — Pobre alma! Espero que ela não morra. Acha que pode morrer?
— Morrer! — repetiu Miss Larolles com um grito. — Senhor, que
surpreendente! O senhor é realmente capaz de assustar qualquer um que o
ouve.
— Mas, senhor — disse Mr. Morrice —, gostaria que tivesse a gentileza
de nos dar o seu voto; do contrário, o homem terá ido tão longe que não
seremos capazes de alcançá-lo. Embora eu realmente acredite que é o mesmo
sujeito que está voltando para nos espiar novamente!
— Estou ennuyé48 até certo ponto — disse o capitão. — Ele certamente foi
designado para nos espionar, e eu realmente devo implorar permissão para
perguntar a ele por que princípio ele nos incomoda — o capitão
imediatamente cavalgou atrás do homem.
— E eu também — disse Mr. Morrice, seguindo-o.
Miss Larolles gritou atrás dele para que antes lhe desse seu cachorrinho,
mas com a ânsia de um colegial para ser o primeiro, ele galopou sem dar
atenção a ela.
A inquietação de Cecilia aumentava a cada momento; a descoberta de
Delvile parecia inevitável, e sua vigilância impaciente e indiscreta deve ter
tornado os motivos de seu disfarce muito evidentes. Só lhe restava a
esperança de chegar à estalagem antes que a detecção fosse anunciada e, pelo
menos, evitar a cruel mortificação de ouvir a zombaria que se seguiria.
Mesmo isso, entretanto, não lhe foi permitido. Miss Larolles, a quem ela não
tinha como abandonar, mal podia dar outro passo por causa de sua ansiedade
pelo cachorro e da sinceridade de sua curiosidade pelo estranho. Ela ficou
andando de lá para cá, detinha-se ora para falar, ora para escutar, e mal se
afastou um metro do local onde fora deixada, quando o capitão e Morrice
voltaram.
— Nós não pudemos por nossas vidas ultrapassar o sujeito — disse Mr.
Morrice. — Ele estava bem montado, eu prometo a vocês, e garanto que ele
sabe o que está fazendo, pois fez uma curva tão curta em um lugar onde havia
duas estradas estreitas, que não pudemos saber para que lado ele foi.
Cecilia, aliviada e encantada com a fuga inesperada, recuperou a
compostura e contentou-se em caminhar sem reclamar.
— Mas, embora não pudéssemos capturar sua pessoa — disse o capitão
—, nos despojamos tout à fait49 de sua perseguição; espero, portanto, que
Miss Larolles revogue suas apreensões.
A resposta para isso não foi nada além de um grito alto, com uma
exclamação: — Senhor, onde está meu cachorro?
— Seu cachorro?! — gritou Mr. Morrice, parecendo horrorizado. —
Nossa! Não pensei nele!
— Que coisa mais cruel! — exclamou Miss Larolles. — Ouso dizer que o
senhor o matou. Pense em como isso é surpreendente! Eu preferia ter visto
qualquer pessoa assim servida no mundo. Eu nunca vou perdoá-lo, eu lhe
garanto.
— Meu Deus, madame — disse Morrice —, como pode supor que o
matei? Pobre criatura, estou certo de que me agradava muito. Não consigo
pensar onde ele pode estar, mas tenho a impressão de que caiu em algum
lugar enquanto eu estava a galope. Portanto, irei procurá-lo, porque fomos a
um ritmo tal que nem o notei.
Morrice se afastou novamente.
— Eu estou completamente abîmé — disse o capitão — que o pobrezinho
se perca; se soubesse que estava em perigo, eu teria tomado como princípio
ter eu mesmo consideração por sua pessoa. Tenho sua permissão, madame,
para ter a honra de procurá-lo partout?
— Oh, eu gostaria que o senhor o fizesse, de todo o meu coração, pois eu
lhe asseguro que, se não o encontrar, considerarei o fato tão angustiante que o
senhor não pode conceber.
O capitão tocou no chapéu e se foi.
Estes repetidos impedimentos quase despojaram Cecilia de toda a
paciência; no entanto, sua total incapacidade de resistência a obrigou a se
submeter e a caminhar, parar, ou voltar, de acordo com os movimentos do
grupo.
— Agora, se Mr. Meadows tivesse a menor natureza bondosa do mundo
— disse Miss Larolles —, ele se ofereceria para nos ajudar, mas ele é tão
estranho que creio que, se todos nós caíssemos e quebrássemos o pescoço, ele
estaria tão ausente que dificilmente se daria ao trabalho de nos perguntar
como o fizemos.
— Em um caso tão desesperador — disse Mr. Gosport —, o problema
seria um tanto supérfluo. No entanto, não se queixe de que um dos cavaleiros
fique conosco como guarda, para que seu amigo, o espião, não nos pegue de
surpresa enquanto nossa tropa está dispersa.
— Oh, senhor — exclamou Miss Larolles —, agora que colocou essa ideia
na minha cabeça, atrevo-me a dizer que aquele desgraçado está com o meu
cachorro! Pense em como é horrível!
— Eu vi claramente — disse Mr. Gosport, olhando significativamente para
Cecilia — que ele tinha inclinações para o crime, embora deva confessar que
não o tomei por um ladrão de cães.
Então, Miss Larolles correu até Mr. Meadows e disse: — Tenho um favor
imenso e prodigioso para lhe pedir, Mr. Meadows.
— Madame! — exclamou Mr. Meadows, com seu sobressalto habitual.
— É apenas para saber se, caso aquela horrível criatura voltasse, o senhor
não poderia simplesmente cavalgar até ele e atirar nele antes que ele chegue
até nós? O senhor pode me prometer fazer isso?
— A senhorita é muito boa — disse ele, com um sorriso vago. — Que
tarde mais encantadora! A senhorita não ama o campo?
— Sim, imensamente; só que estou tão monstruosamente cansada que mal
consigo dar um passo. O senhor gosta?
— Do campo? Oh, não! Eu detesto! Cercas empoeiradas e pardais
cantando! É espantoso para mim que qualquer pessoa possa existir nesses
termos.
— Eu lhe asseguro — exclamou Miss Larolles — que concordo
plenamente com a sua opinião. Eu odeio tanto o campo que o senhor não tem
noção. Desejaria de todo o coração que tudo estivesse debaixo da terra. Eu
confesso que, quando vou para o campo no verão, eu choro tanto que o
senhor não consegue imaginar. Eu não gosto de nada além de Londres. O
senhor não?
— Londres?! — repetiu Mr. Meadows. — Oh, que melancolia! O
sumidouro de todo vício e depravação. Ruas sem luz! Casas sem ar!
Vizinhanças sem sociedade! Falantes sem ouvintes! É espantoso que
qualquer ser racional possa suportar estar tão miseravelmente encarcerado.
— Céus, Mr. Meadows — gritou ela, com raiva —, me parece que o
senhor não apoia viver em lugar algum!
— É verdade, é verdade, madame — disse ele, bocejando —, não se pode
mesmo viver em lugar algum; nós apenas vegetamos e desejamos que tudo
termine. Não lhe parece?
— A mim? De fato, não. Eu lhe asseguro que gosto de viver mais do que
todas as coisas. Sempre que estou doente, fico com tanto medo que o senhor
não faz ideia. Eu sempre acho que vou morrer, e isso me deixa tão
desanimada que não se pode imaginar. O senhor não?
Neste momento, Mr. Meadows olhou para outro lado e começou a
assobiar.
— Meu Deus! — exclamou Miss Larolles. — Quão excessivamente
angustiante! Fazer perguntas e nunca ouvir as respostas.
Então, o capitão voltou sozinho, e Miss Larolles, correndo para encontrá-
lo, perguntou onde estava seu cachorro
— Tenho o douleur e regret50 de lhe dizer — respondeu ele — que nunca
estive mais triste em minha vida! O pequenino quebrou outra perna!
Miss Larolles, transtornada pela dor, declarou então que tinha certeza de
que Morrice o havia mutilado de propósito e desejava saber onde estava o vil
desgraçado.
— Ele ficou tão desconcertado com o incidente — respondeu o capitão —,
que imediatamente cavalgou na outra direção. Eu mesmo peguei o pequenino
e fiz todo o possível para não o machucar.
O infeliz animalzinho foi então entregue a Miss Larolles, e depois de
muita lamentação, eles finalmente continuaram sua caminhada e, sem mais
aventuras, chegaram à estalagem.
LIVRO VIII
CAPÍTULO 72

UMA INTERRUPÇÃO

No entanto, no lugar de encontrar, como esperava, Mrs. Charlton e cavalos


novos de prontidão, Cecilia não viu a carruagem nem nenhuma preparação
para partir. Mrs. Charlton estava calmamente sentada em um salão, bebendo
chá com Mrs. Mears. Irritada e desapontada, ela ordenou que os cavalos
fossem imediatamente atrelados à carruagem e implorou à Mrs. Charlton que
não perdesse mais tempo. Porém, os vários atrasos que já as haviam
retardado tinham feito com que chegassem à estalagem tão tarde que seria
impossível chegar a Londres à luz do dia, e Mrs. Charlton, que não tinha
coragem de pegar a estrada depois de escurecer, já havia se acomodado para
dormir na pousada, e não pretendia prosseguir até a manhã seguinte.
Desesperada com a nova dificuldade, Cecilia implorou para conversar com
ela a sós e, em seguida, explicou da maneira mais séria a necessidade
absoluta de estar em Londres naquela mesma noite: — Tudo — disse ela —
depende disso, ou todo o propósito da minha jornada será perdido, pois Mr.
Delvile se achará extremamente insultado, e, para reparar meu erro, posso ser
obrigada a me submeter a quase quaisquer termos que ele venha a propor.
Mrs. Charlton, sempre amável, gentil e submissa, não resistiu à súplica que
Cecilia fazia e, na condição atual, considerou o prosseguimento imediato de
sua viagem como o único recurso de Cecilia para, primeiro, contrariar Delvile
com uma decepção abrupta, e então apaziguá-lo com uma concessão que faria
com que a decepção terminasse em nada. Então, a carruagem logo ficou
preparada e Mrs. Charlton e Cecilia já estavam se levantando para se despedir
do grupo, quando um homem e um cavalo entraram a galope a toda
velocidade no pátio da pousada e, em menos de um minuto, Mr. Morrice
saltou para dentro da sala.
— Senhoras e senhores — exclamou ele, quase sem fôlego pela pressa —,
tenho uma notícia para vocês! Acabo de descobrir quem é a pessoa que tem
nos observado.
Cecilia, sobressaltada por essa informação tão indesejável, teria agora
corrido para a carruagem sem ouvi-lo, mas Mrs. Charlton, que não sabia a
quem nem a que ele se referia, deteve-se involuntariamente, e Cecilia, em
cujo braço ela se apoiava, foi obrigada a parar.
Todos os demais desejavam ansiosamente saber quem era.
— Vou lhes dizer — continuou Morrice — como o descobri. Eu estava
pensando no que poderia fazer para reparar aquele infeliz acidente com o
cachorro, quando vi o mesmo homem que me havia causado tanto transtorno;
então pensei que pelo menos tentaria descobrir quem era. Aproximei-me dele
tão rápido que ele não conseguiu fugir de mim, embora visse claramente que
era isso que eu pretendia fazer. Mas, ainda assim, ele manteve o rosto
coberto, assim como fazia antes. Não tenha tanta confiança, meu amigo, eu
pensei, ainda vou pegá-lo. “É uma bela tarde, senhor”, eu disse, mas ele não
me deu atenção. Então fui mais direto ao ponto: “Senhor”, eu disse, “creio
que já tive o prazer de vê-lo, embora tenha me esquecido completamente de
onde”. Mesmo assim, ele não respondeu. “Se não tiver objeções, senhor”, eu
disse, “ficarei feliz em cavalgar ao seu lado, pois a noite está chegando e
nenhum de nós conta com um criado”. Mas então, sem dizer uma palavra, ele
saiu galopando rapidamente. No entanto, eu corri ao seu lado, tão rápido
quanto ele, e disse: “Diga-me, o senhor sabia alguma coisa sobre aquele
grupo que tanto observava há pouco?” E a isso ele não conseguiu resistir; ele
se voltou para mim com a cólera mais feroz e disse: “Por favor, senhor, não
seja problemático”. E então ele se foi, pois, quando descobri por sua voz
quem ele era, eu o deixei em paz.
Cecilia, que não aguentava mais ouvir, apressou novamente Mrs. Charlton,
que então se afastou, mas Mr. Morrice, colocando-se entre as duas e a porta,
disse: — Diga, Miss Beverley, pode adivinhar quem era?
— Não, de fato, não posso — disse ela, na maior confusão —, nem tenho
tempo para ouvir. Venha, querida senhora, ou chegaremos muito tarde.
— Oh, mas devo lhe dizer antes que a senhorita se vá, pois era o jovem
Mr. Delvile! O mesmo que eu vi com a senhorita em uma noite no Pantheon,
e que eu costumava encontrar na primavera passada na casa de Mr. Harrel.
— Mr. Delvile! — repetiram todos. — Muito estranho ele não ter falado
conosco.
— Diga, madame — continuou Mr. Morrice —, não é o mesmo cavalheiro
que estava na casa de Mr. Biddulph?
Cecilia, meio morta de vergonha e desgosto, gaguejou: — Não, não, creio
que não, não sei dizer; não tenho um minuto a perder.
E então, ela finalmente tirou Mrs. Charlton da sala e a instalou na
carruagem. Porém, antes que pudesse partir, ela foi seguida por Mr. Gosport,
que com muita gravidade lhe avisou que ela deveria imediatamente
apresentar uma queixa no Public Office na Bow Street,51 de que um homem
de aparência muito suspeita havia sido observado vagando por aquela região
e que parecia abrigar projetos mais perigosos contra sua pessoa e posses.
Cecilia ficou muito confusa para se manifestar ou responder, e Mr.
Gosport voltou para o seu grupo com seu discurso sem resposta.
O resto da viagem transcorreu sem mais casualidades, já que, apesar do
horário, elas não foram roubadas. Porém, nem ladrões nem novas
casualidades poderiam tornar as coisas menos desagradáveis para Cecilia; os
incidentes já ocorridos bastavam para esse fim, e a consciência de ser tão
universalmente traída, somada ao atraso de sua retratação, a preparavam para
nada além de mortificações para si mesma e os mais severos e amargos
conflitos com Delvile.
Eram cerca de dez horas quando chegaram a Pall-Mall. A casa para a qual
Delvile havia dado instruções foi facilmente encontrada, e o criado que já
fora enviado havia deixado tudo preparado para sua recepção. Na mais cruel
ansiedade e apreensão, Cecilia contou cada momento até que Delvile
chegasse. Ela planejava um pedido de desculpas por sua conduta com seus
melhores discursos e estava decidida a suportar com firmeza sua decepção e
indignação. No entanto, o papel que teria de representar era tão duro quanto
artificial, e ela suspirou e lamentou por ser obrigada a fazê-lo.
No instante em que houve uma batida na porta, ela voou pelas escadas
para escutar e, ao ouvir sua conhecida voz indagando pelas damas que tinham
acabado de chegar, correu de volta para Mrs. Charlton, dizendo: — Ah,
senhora, ajude-me, eu lhe imploro! Neste momento eu devo merecer, ou
perder sua estima para sempre!
— A senhorita poderá perdoar — exclamou Delvile, ao entrar na sala —
uma intrusão que não estava em nosso acordo? Mas como eu poderia esperar
até amanhã, quando sabia que a senhorita estava na cidade esta noite?
Ele então fez seus cumprimentos à Mrs. Charlton e, depois de perguntar
como havia sido sua viagem, voltou-se novamente para Cecilia, cujas
sensações inquietantes ele notou claramente em seu semblante.
— A senhorita está zangada — exclamou ele, ansioso — por eu ter me
aventurado a vir aqui esta noite?
— Não — respondeu ela, lutando com todos os seus sentimentos para
manter a compostura. — O que desejamos é facilmente desculpado, e me
alegro em vê-lo esta noite, porque, do contrário...
Ela hesitou, e Delvile, sem imaginar por que, agradeceu nos termos mais
calorosos por sua condescendência. Ele então relatou como havia sido
atormentado por Morrice, perguntou por que Mr. Monckton não a havia
acompanhado e o que poderia tê-la induzido a fazer sua jornada tão tarde, ou
com um grupo tão numeroso caminhar pela estrada, no lugar de se apressar
para Londres.
— Não estou admirada — respondeu ela, com mais firmeza — com a sua
surpresa, embora agora eu não tenha tempo para diminuí-la. Imagino que o
senhor nunca recebeu minha carta.
— Não! — exclamou ele, muito impressionado com seus modos. — Seu
conteúdo proibia nosso encontro até amanhã?
— Amanhã — repetiu ela expressivamente —, não, ela proibia...
Neste momento, a porta foi repentinamente aberta e Mr. Morrice irrompeu
na sala. A consternação e o espanto de Delvile ao vê-lo só podiam ser
igualados pela confusão e consternação de Cecilia, mas Morrice, não
percebendo nenhum dos dois, disse abruptamente: — Miss Beverley, imploro
seu perdão por ter vindo tão tarde, mas a senhorita deve saber — então, parou
repentinamente ao ver Delvile e exclamou: — Bom Deus! Se não é o nosso
cavalheiro espião! Ora, o senhor não poupou a espora! Eu o deixei galopando
em outra direção.
— Seja como for — exclamou Delvile, igualmente enfurecido com a
interrupção e a observação —, o senhor não esperou muito para vir até Miss
Beverley e falar de mim.
— Não, senhor — respondeu ele, ligeiramente —, pois eu já havia lhe
contado tudo sobre o senhor na estalagem. Não é verdade, Miss Beverley? Eu
não disse que estava certo de que era Mr. Delvile quem estava se esquivando
de nós? Embora eu acredite que o senhor não imaginou que eu o tivesse
descoberto.
— Diga, meu jovem — disse Mrs. Charlton, muito ofendida pela intrusão
familiar —, como o senhor nos descobriu?
— Ora, senhora, pelo maior golpe de sorte do mundo! No momento em
que eu estava entrando na cidade, encontrei a carruagem que as trouxe até
aqui; eu conheço o postilhão muito bem, já que sigo por essa estrada com
bastante frequência; então, por mero acaso do mundo, eu o reconheci à luz da
lua. E então ele me disse onde tinha deixados as senhoras.
— E, diga, senhor — perguntou novamente Mrs. Charlton —, qual foi o
seu motivo para fazer a indagação?
— Bem, minha senhora, eu gostaria de pedir um pequeno favor à Miss
Beverley, que me fez pensar que tomaria a liberdade vê-la.
— E é a esta hora da noite, senhor — respondeu ela —, a única que
poderia perseguir com este propósito?
— Bem, senhora, vou lhe contar como foi; eu não pensava em aparecer até
amanhã de manhã, mas como eu estava disposto a saber se o postilhão havia
me indicado o endereço correto, dei uma leve batida na porta, pensando que
as senhoras poderiam ter ido para a cama após a viagem, apenas para
perguntar se era a casa certa, mas, quando o criado me disse que já havia um
cavalheiro com vocês, achei que não haveria mal nenhum em simplesmente
subir por um momento.
— E qual é, senhor — perguntou Cecilia, que até então misturava
vergonha e aborrecimento e havia guardado silêncio —, o seu negócio
comigo?
— Bem, madame, eu só passei para dar um endereço de um excelente
médico de cachorros, como o chamamos, que mora na esquina de...
— Um médico de cachorros, senhor? — repetiu Cecilia. — E para que eu
preciso de tal endereço?
— Porque como sabe, madame, eu tenho estado na maior preocupação que
se possa imaginar com aquele acidente com o pobre cachorrinho, e então...
— Que cachorrinho, senhor? — perguntou Delvile, que agora começava a
concluir que o homem não estava sóbrio. — Sabe do que está falando?
— Sim, senhor, pois foi aquele cachorrinho que o senhor me fez deixar
cair, e por isso ele quebrou a outra perna.
— Eu o fiz deixá-lo cair?! — exclamou Delvile, com irritação. — Creio,
senhor, que será melhor voltar outra hora; não me parece que esteja em uma
situação adequada para permanecer aqui neste momento.
— Senhor, irei em um instante — respondeu Mr. Morrice. — Eu apenas
queria implorar o favor de Miss Beverley para dizer àquela jovem dona do
cachorro que, se ela o levar até tal homem, estou certo de que ele vai
conseguir curá-lo.
— Vamos, senhor — disse Delvile, agora convencido de sua embriaguez
—, por favor, vamos embora juntos.
— Não é minha intenção tirá-lo daqui, senhor — disse Morrice, com um
aspecto muito significativo —, pois suponho que não tenha cavalgado tanto
para ir embora tão cedo; mas, quanto a mim, só vou escrever o endereço e
vou embora.
Delvile, espantado e irritado com tantos exemplos de segurança ignorante
que se seguiam, não teria, em sua ansiedade presente, escrúpulos para
expulsá-lo da casa se não considerasse imprudente, em tal ocasião, brigar
com ele, e impróprio, a uma hora tão tardia, ser deixado para trás. Portanto,
enquanto Morrice escrevia as instruções, ele disse a Cecilia, em voz baixa,
que se livraria dele e voltaria em um instante.
Eles então saíram juntos, deixando Cecilia em uma agonia que superava
tudo o que ela havia experimentado até então. — Ah, Mrs. Charlton —
exclamou ela —, que refúgio tenho agora do ridículo, ou talvez da desgraça!
Mr. Delvile foi detectado me observando disfarçado! Ele foi descoberto a esta
hora tardia encontrando-se comigo em particular! A história chegará à sua
família com toda a hipérbole de exagero; como irá me desdenhar sua nobre
mãe! Quão cruelmente devo descer diante da severidade de seus olhos!
Mrs. Charlton tentou consolá-la, mas o esforço foi em vão, e ela passou o
tempo se lamentando amargamente até as onze horas. O fato de Delvile não
voltar em seguida acrescentou assombro à sua tristeza, e a impropriedade de
ele voltar tão tarde tornava-se cada vez mais evidente. Por fim, embora muito
perturbado e evidentemente muito alterado em seu temperamento, ele
chegou: — Eu temia — disse ele — ter passado do horário para ser admitido,
e a tortura que sofri por ser detido quase me deixou louco. Eu estava muito
aflito para vê-la de novo, sua aparência, suas maneiras, a carta da qual falava,
tudo me deixou alarmado, e embora eu não saiba o que devo temer, acho
impossível descansar um momento sem alguma explicação. Diga-me, então,
por que parece tão estranha e tão deprimida? Diga-me, o que aquela carta
deveria proibir? Diga-me qualquer coisa, exceto que se arrepende de sua
condescendência.
— Aquela carta — disse Cecilia — teria explicado tudo. Mal sei
comunicar seu conteúdo; no entanto, espero que ouça com paciência o que
reconheço que é resultado apenas da necessidade. A carta deveria lhe dizer
que não devemos nos encontrar amanhã; ela deveria prepará-lo, de fato, para
nosso encontro, talvez, nunca mais!
— Meu Deus! — exclamou ele, assustado. — O que está querendo dizer?
— Que fiz uma promessa de forma muito precipitada para ser mantida;
que o senhor deve me perdoar se, tarde como é, eu me retratar, pois estou
convencida de que foi errada, e eu me sinto muito mal em fazê-la.
Confuso e consternado, por um momento ele continuou em silêncio, e
então disse furiosamente: — Quem esteve com a senhorita para me difamar
em sua opinião? Quem prejudicou barbaramente meu caráter desde que a
deixei na segunda-feira? Mr. Monckton me recebeu com frieza. Ele me
prejudicou em sua estima? Diga, diga a quem devo esta mudança, que minha
reivindicação, se não restaurar o seu favor, pode ao menos fazê-la deixar... —
as palavras lhe faltavam —, que uma vez fui honrado com alguma parte dela!
— Esse favor não precisa ser restaurado — disse Cecilia, com muita
suavidade —, já que nunca foi alienado. Fique satisfeito porque penso no
senhor como pensava quando nos separamos pela última vez, e
generosamente abstenha-se de me censurar, quando lhe asseguro que sou
movida por princípios que o senhor não deve desaprovar.
— E a senhorita está, então, inalterada — perguntou ele, mais suavemente
—, e sua estima por mim ainda...
— Achei justo dizer uma vez — exclamou ela, interrompendo-o
apressadamente —, mas não exija mais nada de mim. Já é muito tarde para
continuarmos conversando. Amanhã o senhor encontrará minha carta na casa
de Mrs. Robert, e esta carta, por mais breve que seja, contém minha decisão e
sua causa.
— Nunca — exclamou ele com veemência — poderei deixá-la sem
conhecer seu teor! Eu não esperaria até amanhã nesta suspeita nem se fosse o
mestre do universo!
— Eu já disse, senhor; tudo o que é clandestino carrega uma consciência
do mal, e eu acho isso repugnante tanto para minha disposição quanto para
minhas opiniões, e até que me devolva a promessa que fiz tão indignamente,
devo ser uma estranha à paz, porque estou em guerra com minhas próprias
ações e comigo mesma.
— A senhorita pode, então, recuperar sua paz — exclamou Delvile, com
muita emoção —, pois eu aqui a absolvo de todas as promessas! No entanto,
ouça-me, ouça-me desapaixonadamente e pondere por um momento antes de
decidir sobre meu exílio. Não vou combater seus escrúpulos agora, lamento
que sejam tão poderosos, mas não tenho novos argumentos para me opor a
eles; tudo o que tenho a dizer é que agora é tarde demais para um retiro que
os satisfaça.
— É verdade, senhor, é verdade! No entanto, é sempre melhor fazer o
certo, mesmo que tardiamente; é sempre melhor se arrepender do que ficar
insensível no erro.
— Não permita, porém, que a sua delicadeza por minha família a faça se
esquecer do que é devido à senhorita e a mim; o medo de escandalizá-la me
levou agora mesmo a ocultar o que um medo maior me incita a mencionar. A
honra que eu almejava já é conhecida por muitos, e em muito pouco tempo
ninguém poderá ignorá-la. Aquele jovem atrevido, Morrice, teve a ousadia de
me acusar de estar apaixonado pela senhorita, e, embora eu o tenha
repreendido com grande aspereza, ele me seguiu até um café, aonde fui
apenas para evitá-lo. Lá me obriguei a ficar até que o vi distraído com um
jornal, e então, através de várias ruas e becos particulares, voltei para cá. No
entanto, julgue a minha indignação quando, no momento em que bati à porta,
tornei a vê-lo ao meu lado!
— Ele, então, o viu o entrar?
— Exigi furiosamente saber por que ele me perseguia dessa forma; ele
muito submissamente implorou meu perdão e disse que tinha uma ideia de
que eu deveria voltar e, portanto, apenas me seguiu para comprovar se estava
certo! Hesitei por um instante se deveria castigá-lo ou confiar nele, mas
acreditando que algumas horas tornariam sua impertinência imaterial, eu não
fiz nada; a porta se abriu e eu entrei.
Ele se deteve, mas Cecilia estava abalada demais para responder.
— Agora, então — disse ele —, pese suas objeções contra as
consequências que devem se seguir. Se descobrirem que a visitei na cidade,
irão presumir que tive sua permissão para tal audiência. Portanto, a nossa
separação agora não terá nenhum propósito com respeito àquela delicadeza
que a faz desejá-la. Será motivo para conjecturas, para indagações, para
questionamentos, quase pelo tempo em que puderem se lembrar dos nossos
nomes, e embora para mim traga a mais aguda miséria na severidade de meu
desapontamento, lançará sobre sua própria conduta um véu de mistério e
obscuridade inteiramente subversiva sobre sua honestidade evidente, sobre
sua ingenuidade justa e transparente, pela qual tem sido até agora distinguida.
— Nesse caso — disse ela —, quão terrivelmente eu estava equivocada,
que seja qual for o caminho que tomar agora deve me levar ao erro!
— A senhorita me oprime com tristeza — exclamou Delvile — ao vê-la
tão angustiada, quando eu esperava... oh, cruel Cecilia! Quão diferente era a
minha esperança de encontrá-la! Todas as suas dúvidas resolvidas, todos os
seus medos removidos, sua mente perfeitamente serena e disposta, sem
relutância, a ratificar a promessa que com tanta doçura me foi concedida!
Onde agora estão essas esperanças? Onde agora...
— Por que o senhor não vai embora? — perguntou Cecilia, inquieta. —
Na verdade, já é muito tarde.
— Diga-me primeiro — disse ele, com grande energia —, e deixe a boa
Mrs. Charlton dizer também... não deveriam todas as objeções à nossa união,
por mais poderosas que sejam, ceder, sem maiores hesitações, à certeza de
que nossa intenção deve tornar-se pública? Quem souber do nosso encontro
em Londres, em tal época, em tais circunstâncias e em tais horas...
— E por que — perguntou Cecilia, com raiva — o senhor as menciona e
ainda assim não vai embora?
— Eu devo dizer agora — respondeu ele, com rapidez — ou perder para
sempre tudo o que me é caro, e agregar à miséria dessa perda o reflexo
comovente de ter ferido aquela que mais amo em todo o mundo, a mais
valiosa e de maior honra!
— Como eu seria ferida? — perguntou Cecilia, meio alarmada e meio
descontente. — Com certeza devo ter vivido de maneira muito estranha para
temer agora a voz da calúnia.
— Se alguém alguma vez — respondeu ele — viveu de modo a ousar
desafiá-la, Miss Beverley é essa pessoa, mas, embora a salvo da calúnia pela
pureza estabelecida de seu caráter, há outros ataques, apenas menos
desagradáveis, dos quais ninguém está isento, e aos quais o refinamento, a
sensibilidade de sua mente, só a tornarão mais suscetível; o ridículo tem
flechas, e a impertinência tem flechas, que, embora contra a inocência
possam ser apontadas em vão, sempre têm o poder de ferir a tranquilidade.
Atingida por uma verdade que não podia contradizer, Cecilia suspirou
profundamente, mas não disse nada.
— Mr. Delvile está certo — disse Mrs. Charlton —, e embora o seu plano,
minha querida Cecilia, fosse certamente virtuoso e adequado quando deixou
Bury, o propósito de sua viagem deve agora ser tornado público, ou deixará
de ser sensato ou racional.
Delvile expressou seus mais calorosos agradecimentos por esta
interposição amigável, e então, fortalecido por tal advogada, reiterou todos os
seus argumentos com esperança e espírito redobrados.
Cecilia, perturbada, insegura, inconsolável, não conseguia pensar em
nenhuma solução. Ela caminhou pela sala, deliberou, tomou uma decisão,
vacilou e deliberou novamente. Delvile tornou-se então mais urgente, e
explicou tão veementemente as várias mortificações que deveriam seguir uma
renúncia tão tardia de suas intenções, que ela, aterrorizada e perplexa, e
temendo que a ruptura de sua união fosse agora mais prejudicial para ela do
que sua ratificação, acabou cessando toda a oposição aos seus argumentos, e
não proferiu palavras senão de solicitações para que ele a deixasse.
— Eu irei — exclamou ele —, eu partirei neste exato momento! Porém,
diga primeiro que pensará no que eu disse, e não me remeta para a sua carta,
mas digne-se a pronunciar minha condenação quando tiver considerado se ela
não pode ser suavizada.
A isso ela consentiu tacitamente, e exultante com uma esperança renovada,
ele recomendou sua causa ao patrocínio de Mrs. Charlton e, em seguida,
despedindo-se de Cecilia, disse: — Eu vou, embora ainda tenha mil coisas a
propor e suplicar, e embora ainda mantendo um suspense que meu
temperamento mal sabe como suportar, mas eu deveria me sentir mais
miserável do que feliz, se ao menos pudesse dominar sua razão com súplicas.
Portanto, eu a deixo com suas próprias reflexões; ainda assim, lembre-se,
com algum remorso, que toda oportunidade, toda possibilidade de felicidade
terrena para mim depende de sua decisão.
Ele então partiu.
Cecilia, consternada pelo cansaço que causara à boa e velha amiga, agora a
obrigava a ir descansar e dedicou o resto da noite à deliberação ininterrupta.
Uma vez parecia que estava em seu poder ser dona de seu destino, mas a
mesma liberdade de escolha que ela tanto havia cobiçado, uma vez alcançada,
parecia a mais grave das calamidades, já que, sem saber sequer o que deveria
fazer, ela desejava ser atraída, e não liderar, preferia ser guiada do que guiar.
Ela deveria ser responsável não apenas perante o mundo, mas para si mesma
durante toda essa transação transcendental, e o terror de deixar qualquer um
dos lados insatisfeitos tornava a independência um fardo e o poder ilimitado
uma ofensa.
A felicidade ou a miséria que aguardavam sua decisão eram apenas
considerações secundárias no estado atual de sua mente; seu consentimento
para uma ação clandestina, ela lamentava como uma mancha eterna para seu
caráter, e a publicação indubitável desse consentimento, igualmente
prejudicial para o seu nome. Nem ao se retratar nem ao cumprir seu
compromisso ela poderia agora recuperar o que havia acontecido, e na
amargura do arrependimento pelo erro que havia cometido, ela pensou que a
felicidade seria inatingível para o resto de sua vida.
Ela passou a noite neste desânimo sombrio; seus olhos nunca se fecharam
e sua determinação nunca se formou. No entanto, a manhã chegou, e reparar
algo era indispensável. Assim, ela finalmente comparou rapidamente o bem
com o mal que havia entre desistir completamente de Delvile ou tornar-se sua
para sempre. Ao aceitá-lo, ela se viu exposta a todo o desagrado de seus pais
e, o que mais a afetou, à severidade indignada de sua mãe. Porém, nenhum
outro obstáculo pôde ser encontrado que parecesse ter algum peso para se
opor a ele. Ao recusá-lo, ela estava sujeita ao escárnio do mundo, a
zombarias de estranhos e protestos de seus amigos, a se tornar um assunto
para o ridículo, se não para calúnia, e um objeto de curiosidade, senão de
desprezo. Portanto, os males que ameaçavam seu casamento, embora fossem
os mais aflitivos, eram os menos vergonhosos, e os que aguardavam seu
rompimento, embora menos graves, eram mais mortificantes.
Por fim, depois de pesar todas as circunstâncias tão bem quanto seu
espírito perturbado a permitia, ela concluiu que rejeitá-lo tão tarde traria
miséria sem qualquer alívio, ao passo que aceitá-lo, embora o fato fosse
seguido de ira e reprovação, deixaria alguma abertura para esperança futura, e
alguma perspectiva de dias melhores.
Portanto, cumprir sua promessa foi sua decisão final.
CAPÍTULO 73

UM EVENTO

Apenas menos infeliz em sua decisão do que em sua incerteza, e em todos


os sentidos insatisfeita com sua situação, seus pontos de vista e ela mesma,
Cecilia ainda se encontrava tão angustiada e desconfortável quando Delvile a
procurou na manhã seguinte, que ele não conseguiu descobrir qual havia sido
sua determinação, e com um certo temor indagou qual seria o seu destino sem
quase nenhuma esperança de que fosse favorável. Mas Cecilia estava acima
da afetação e era uma estranha a esta arte.
— Eu não gostaria, senhor — disse ela —, de mantê-lo em suspense por
um instante, quando eu mesma não estou mais em suspense. Posso ter
parecido um pouco fútil, mas não fui, e o senhor prontamente me desculparia
do capricho se conhecesse metade da angústia de minha indecisão. Mesmo
agora, quando não tenho mais dúvidas, minha mente está tão pouco à
vontade, que eu não poderia nem me surpreender nem ficar descontente se as
dúvidas agora partissem do senhor.
— A senhorita não tem mais dúvidas? — perguntou ele, quase sem fôlego
ao ouvir aquelas palavras. — E é possível, oh, minha Cecilia... é possível que
sua decisão esteja a meu favor?
— Que infelicidade! — exclamou ela. — Quão pequena é a sua razão para
se alegrar! Um presente abatido e melancólico é tudo o que poderá receber!
— Que seja, então — disse ele, com uma voz que falava de alegria, dor e
medo, todos na mesma emoção —, diga se a sua relutância tem origem na
minha pessoa, para que eu possa, ainda assim, renunciar ao seu amor, e não
meramente dever sua mão ao egoísmo da perseguição.
— Seu orgulho — disse ela, meio sorrindo — tem o direito de ficar
alarmado, embora eu não tenha a intenção de assustá-lo. Não! Só estou em
desacordo comigo mesma, com minha própria fraqueza e falta de
discernimento; no senhor tenho toda a confiança que a mais elevada opinião
sobre sua honra e integridade pode me oferecer.
As palavras foram suficientes para o coração caloroso de Delvile, não
apenas para restaurar a paz, mas para despertar o êxtase. Ele estava quase tão
enlouquecido de deleite quanto antes de apreensão, e expressou seus
agradecimentos com tanto fervor de gratidão que Cecilia se reconciliou
imperceptivelmente consigo mesma e, antes que sentisse falta de seu
abatimento, participou de seu contentamento.
Ela o deixou assim que foi possível para informar Mrs. Charlton sobre o
que havia acontecido e ajudá-la a preparar-se para acompanhá-los ao altar,
enquanto Delvile correu para encontrar seu novo amigo, Mr. Singleton, o
advogado, para lhe pedir que substituísse Mr. Monckton na igreja.
Todos os detalhes foram acelerados com a máxima diligência e, com o
objetivo de evitar observações, eles concordaram em se encontrar na igreja.
Mas o desejo de manter o segredo, embora poderoso, nunca os incitou a
desejar que a cerimônia fosse realizada em um lugar menos horrível. Porém,
quando chegaram as cadeirinhas que deveriam levar as damas à igreja,
Cecilia estremeceu e recuou. A grandeza de suas ações, o risco de toda sua
felicidade futura, o segredo vergonhoso de sua conduta, as esperadas
reprovações de Mrs. Delvile e a ousadia e indelicadeza do passo que estava
prestes a dar, tudo a feria de forma tão violenta e dolorosa que, no momento
em que foi chamada para partir, ela novamente mudou sua decisão e,
lamentando a hora em que conheceu Delvile, afundou-se em uma cadeira e
entregou toda sua alma à angústia e à tristeza.
A boa Mrs. Charlton tentou em vão consolá-la; um súbito horror contra si
mesma havia se apoderado do seu espírito, o qual, exausto por longas lutas,
não era mais capaz de se recuperar.
Em tal situação ela foi finalmente surpreendida por Delvile, cujo assombro
inquietante por ela não ter comparecido ao local de encontro era apenas
igualado pela sua surpresa ao ver suas lágrimas. Ele exigiu uma explicação
com a maior ternura e apreensão; Cecilia, por algum tempo, não conseguiu
falar, e então, com um suspiro profundo, exclamou: — Ah! Mr. Delvile!
Quão fracos somos todos nós quando não temos o apoio de nossa própria
estima! Quão débil, quão inconsistente, quão mutável, quando nossa coragem
não encontra qualquer fundamento além do dever!
Delvile, muito aliviado por descobrir que sua tristeza não brotava de
nenhuma nova aflição, reprovou gentilmente a quebra de promessa e
implorou sinceramente que ela a reparasse. — O clérigo — disse ele — está
esperando. Eu o deixei com Mr. Singleton na sacristia; não há nenhuma nova
objeção e nenhum novo obstáculo se interpôs. Por que, então, nos
atormentarmos em discutir novamente os antigos, que já consideramos até
que todos os argumentos possíveis sobre eles se esgotassem? Eu imploro,
tranquilize seu espírito agitado, e se a mais sincera ternura, a mais animada
estima e a mais grata admiração puderem suavizar suas preocupações futuras
e assegurar sua futura paz, cada aniversário deste dia recompensará minha
Cecilia por cada angústia que ela agora sofre!
Cecilia, meio apaziguada e meio envergonhada, ao descobrir que na
verdade não tinha nada de novo a dizer ou objetar, obrigou-se a se levantar e,
penetrada por suas solicitações, esforçou-se por recompor-se e prometeu
segui-lo.
No entanto, ele não confiava nela diante do que vira e, aproveitando o
exato instante de seu consentimento renovado, ele dispensou as cadeirinhas e
pediu uma carruagem de aluguel, preferindo qualquer risco ao de que ela
voltasse a vacilar, e insistiu em acompanhá-la ele mesmo.
Cecilia mal teve tempo de respirar antes de se encontrar no pórtico da
igreja. Delvile a tirou da carruagem apressadamente e ofereceu o braço à Mrs.
Charlton. Nenhuma palavra foi dita por ninguém do grupo até que eles
entraram na sacristia, onde Delvile pediu um copo de água para Cecilia e,
tendo saudado o clérigo apressadamente, entregou a mão dela a Mr.
Singleton, que a conduziu ao altar.
A cerimônia foi iniciada, e Cecilia, ao descobrir que já não tinha mais
poder de recuo, logo desviou seus pensamentos da ideia e voltou toda a sua
atenção para o terrível serviço, ao qual, embora ela ouvisse com reverência,
sua plena satisfação no objeto de seus votos a fazia ouvir sem terror. Porém,
quando o sacerdote chegou àquele abjuramento solene, de que se algum
homem pudesse apontar alguma causa justa para que eles não pudessem ser
legalmente unidos, uma lágrima consciente rolou pelo seu rosto e um suspiro
que escapou de Delvile atingiu seu coração. Mas, quando o sacerdote
concluiu a exortação dizendo que a pessoa deveria falar agora, ou, então,
calar-se para sempre, uma voz feminina a alguma distância gritou com
sotaque estridente: — Eu tenho.
A cerimônia foi interrompida instantaneamente. O espantado padre
imediatamente fechou o livro para olhar para a noiva e o noivo pretendidos.
Delvile ficou surpreso ao ver de onde o som procedia, e Cecilia, espantada e
tomada de horror, deu um grito fraco e agarrou a mão de Mrs. Charlton.
A consternação foi geral, e geral foi o silêncio, embora todos de comum
acordo se voltassem para o lugar de onde vinha a voz; no mesmo momento,
uma forma feminina foi vista correndo de um banco e deslizando para fora da
igreja com a rapidez de um relâmpago.
Ainda nenhuma palavra foi pronunciada, todos pareciam enraizados no
lugar em que se encontravam e olhavam com mudo assombro para o lugar
que a forma havia cruzado.
Delvile finalmente perguntou: — O que significa isso?
— Não conhece a mulher, senhor? — perguntou o clérigo.
— Não, senhor. Eu nem mesmo nunca a vi.
— Nem a senhorita? — perguntou o pároco, dirigindo-se a Cecilia.
— Não, senhor — respondeu ela, em uma voz que mal articulava as duas
palavras, e mudando de cor com tanta frequência, que Delvile, temeroso de
que ela desmaiasse, aproximou-se dela, dizendo:
— Deixe-me apoiá-la!
Ela se afastou dele apressadamente e, ainda apoiada em Mrs. Charlton, se
afastou do altar.
— Para onde — disse Delvile, seguindo-a com medo —, para onde está
indo?
Ela não respondeu, mas, ainda assim, embora cambaleasse tanto pela
emoção quanto Mrs. Charlton pela enfermidade, ela seguiu caminhando.
— Por que interrompeu a cerimônia, senhor? — perguntou Delvile,
falando com o clérigo com impaciência.
— Nenhuma cerimônia, senhor — respondeu ele —, poderia prosseguir
com tal interdição.
— Foi totalmente acidental — disse ele —, pois nenhum de nós conhecia a
mulher, a qual não poderia ter qualquer direito ou autoridade para a
interdição.
Em seguida, perseguindo Cecilia ainda mais ansiosamente: — Por que —
continuou ele — está se afastando de mim? Por que deixar a cerimônia
inacabada? Mrs. Charlton, do que se trata? Cecilia, eu lhe suplico que volte, e
que permita que o serviço continue.
Cecilia, fazendo um gesto com a mão para proibir que ele a seguisse,
continuou silenciosamente, embora arrastando com igual dificuldade Mrs.
Charlton e ela mesma.
— Isso é insuportável! — exclamou Delvile com veemência. — Volte, eu
imploro! Minha Cecilia! Minha esposa! Por que me abandona assim? Volte,
eu imploro, e receba meus votos eternos! Mrs. Charlton, traga-a de volta.
Cecilia, você não deve ir.
Ele tentou pegar a mão dela, mas, encolhendo-se ao seu toque, com uma
voz enfática, mas baixa, ela disse: — Sim, senhor, devo! Uma interdição
como esta! Por tudo no mundo eu não poderia enfrentá-la!
Ela então fez um esforço para acelerar um pouco o passo.
— Onde — exclamou Delvile, meio frenético —, onde está aquela mulher
infame? Aquela infeliz que me destruiu sem motivo?
Ele, então, saiu correndo da igreja em busca da mulher.
O clérigo e Mr. Singleton, que até então haviam sido meros espectadores
assustados, ofereceram sua ajuda a Cecilia. Ela recusou qualquer ajuda para
si mesma, mas aceitou de bom grado os serviços para Mrs. Charlton, que,
atônita com tudo o que havia acontecido, parecia quase despojada de suas
faculdades. Mr. Singleton propôs chamar uma carruagem de aluguel, ela
consentiu, e eles se detiveram no pórtico da igreja.
O clérigo começou a perguntar à sacristã o que ela sabia sobre a mulher e
como havia entrado na igreja. A sacristã nada sabia sobre a mulher, além do
fato de que tinha vindo para as primeiras orações, e ela supôs que havia se
escondido em um banco ao seu término, e que ela havia pensado que a igreja
estava completamente vazia.
Uma carruagem de aluguel então se aproximou, e, enquanto os cavalheiros
ajudavam Mrs. Charlton a subir, Delvile voltou.
— Eu procurei e indaguei — disse ele —, mas foi em vão; não posso
descobrir nem ouvir falar dela. Mas o que é tudo isso? Para onde estão indo?
O que essa carruagem faz aqui? Mrs. Charlton, por que subiu na carruagem?
Cecilia, o que está fazendo?
Cecilia se afastou dele em silêncio. A comoção a havia retirado todo o
poder de fala, enquanto o espanto e o terror a privaram até mesmo do alívio
das lágrimas. Ela acreditava que Delvile fosse o culpado, embora não
soubesse de quê, mas a obscuridade de seus medos servia apenas para torná-
los mais terríveis.
Ela agora estava subindo na carruagem, mas Delvile, que não podia tolerar
seu desgosto, nem suportar sua partida, agarrou sua mão com força e disse:
— Você é minha, você é minha esposa! Eu não vou mais me separar de você,
aonde quer que você vá, eu vou segui-la e reivindicá-la.
— Não me impeça! — exclamou ela, impaciente, ainda que debilmente.
— Estou doente, já estou doente... se me detiver por mais tempo, não poderei
me sustentar!
— Neste caso, apoie-se em mim! — disse ele, ainda segurando sua mão.
— Apoie-se em mim até que a cerimônia termine! A senhorita me levará ao
desespero e à loucura se me deixar desta maneira bárbara!
Uma multidão começou a se reunir e as palavras “noiva” e “noivo”
chegaram aos ouvidos de Cecilia, que, meio morta de vergonha, medo e
angústia, disse apressadamente: — O senhor está determinado a me fazer
infeliz! — ela recolheu a mão, que Delvile já não podia segurar diante
daquelas palavras, e jogou-se na carruagem.
Delvile, no entanto, entrou atrás dela e, com ar de autoridade, ordenou ao
cocheiro que fosse até Pall-Mall, e então ergueu os olhos com um olhar feroz
para a multidão.
Cecilia não tinha ânimo nem força para resistir a ele; no entanto, ofendida
por sua violência e consternada por ser assim publicamente perseguida por
ele, ela revelava em seu olhar um ressentimento muito mais mortificante do
que qualquer reprovação verbal.
— Cecilia, como é desumana — exclamou ele, ardentemente — para me
abandonar no próprio altar! Para me rejeitar no instante em que nos uniam os
ritos mais sagrados! E então me olha dessa forma! Trata-me com esse desdém
em um momento de separação! Despreza-me assim tão injuriosamente no
momento em que me abandona injustamente!
— A que cena horrível — disse Cecilia, recuperando-se da consternação
— o senhor me expôs! A que vergonha, que improbidade, que desgraça
irreparável!
— Oh, céus! — exclamou ele, com horror. — Se algum delito, alguma
ofensa minha ocasionou este golpe fatal, não há no mundo inteiro um
desgraçado tão culpado como eu, nem mesmo aquele que permitirá a justiça
do seu rigor! Minha veneração pela senhorita sempre se igualou ao meu
afeto, e se eu acreditasse que foi por mim que a senhorita sofreu alguma
improbidade, eu logo me abominaria, como a senhorita parece fazer. No
entanto, o que eu fiz? Como eu a ofendi dessa forma? Por qual ação, por qual
culpa, eu incorri nesta insatisfação?
— De onde — disse ela — veio aquela voz que ainda vibra em meu
ouvido? A interdição não poderia ser por minha causa, uma vez que nenhum
dos meus conhecidos tem o direito ou o interesse de sequer desejá-la.
— Que inferência é essa? Sobre mim, então, a senhorita conclui que
aquela mulher teria algum poder?
Neste momento, eles chegaram aos alojamentos. Delvile auxiliou as duas
damas. Cecilia, ansiosa por evitar suas importunações e terrivelmente
perturbada, passou apressadamente por ele e subiu correndo as escadas, mas
Mrs. Charlton não recusou o seu braço, no qual se apoiou até chegarem à sala
de estar.
Cecilia então tocou a campainha para chamar sua criada e deu ordens para
que uma carruagem fosse chamada imediatamente.
Delvile, por sua vez, sentiu-se mortalmente ofendido, mas reprimiu sua
veemência, e disse com calma, porém gravemente: — Determinada como
está a me deixar, indiferente à minha paz, e incrédula de minha palavra,
tenha, pelo menos, a dignidade de antes de nos separarmos ser mais explícita
em sua acusação, e diga se de fato é possível que possa suspeitar que a
desgraçada que interrompeu a cerimônia alguma vez recebeu de mim
provocação para tal ato.
— Não sei do que suspeitar — disse Cecilia —, quando tudo está assim
envolto na obscuridade, mas devo admitir que tenho alguma dificuldade para
pensar que aquelas palavras foram efeito do acaso, ou para acreditar que sua
interlocutora ficou escondida sem nenhuma intenção.
— A senhorita tem razão, então, madame — disse ele, com ressentimento
—, em me descartar, em me tratar com desprezo, me banir com repugnância,
pois vejo que me considera capaz de mentir e imagina que estou mais
informado sobre este caso do que aparento. A senhorita disse que eu a farei
infeliz! Não, madame, não! Sua felicidade e sua miséria não dependem de
alguém a quem considera tão inútil!
— Do que quer que elas dependam — disse Cecilia —, estou muito pouco
à vontade para discutir. Eu não seria mais ousada do que supersticiosa, mas
nenhum de nossos procedimentos prosperou, e como sua privacidade sempre
foi contrária tanto ao meu julgamento quanto aos meus princípios, não sei
como me lamentar por um fracasso que não posso imaginar que não foi
merecido. Mrs. Charlton, nossa carruagem está chegando; a senhora está
pronta, assim espero, para partir diretamente?
Delvile, irritado demais para confiar em si mesmo para falar, caminhava
pela sala e se esforçava para se acalmar, mas tão pouco foi seu sucesso que,
embora em silêncio até a carruagem ser anunciada, quando ele ouviu aquele
som temido e viu Cecilia firme em seu propósito de partir, ficou tão
consternado e aflito que, juntando as mãos em um arrebatamento de tristeza e
paixão, exclamou: — Esta, então, Cecilia, é a sua confiança? Esta é a
esperança de felicidade que tem a me oferecer? Esta é a recompensa pelos
meus sofrimentos e o cumprimento do seu compromisso?
Cecilia, impressionada por estas censuras, voltou-se para ele, mas,
enquanto ponderava sobre como respondê-las, ele prosseguiu: — A senhorita
é insensível à minha miséria e impenetrável às minhas súplicas; um inimigo
secreto teve o poder de me tornar odioso aos seus olhos, embora eu não possa
apontar uma causa para sua inimizade, embora até mesmo sua existência
fosse desconhecida para mim até essa manhã! Sempre pronta a me
abandonar, e mais disposta a me condenar, tem mais confiança em uma vaga
conjectura do que em tudo o que tem observado de todo o teor do meu
caráter. Sem saber o porquê, está disposta a acreditar que sou um delituoso,
sem se dignar a dizer a razão, está ansiosa por banir-me da sua presença. No
entanto, apenas uma consciência de culpa poderia me ferir com tanta força,
de forma tão intensa, como se suspeitasse de que sou culpado!
— Mais uma vez, então — disse Cecilia —, devo me sujeitar a uma cena
de tamanha desgraça e horror? Não, nunca! A punição por meu erro deve
pelo menos assegurar sua retratação. No entanto, se eu mereço suas
reprovações, não mereço sua consideração; cesse, portanto, de professá-las
para mim, ou não o faça mais.
— Mostre apenas por elas — disse ele — a menor sensibilidade, mostre
apenas por mim a preocupação mais distante, e tentarei suportar minha
desilusão sem reclamar, e me submeter a seus decretos como àqueles para os
quais não há apelação. Mas ferir sem se dignar sequer a olhar para o que está
destruindo, atirar ao acaso flechas com pontas de veneno, vê-las sendo
cravadas no coração e corroer suas funções vitais, observar sem remorso, ou
se afastar com frio desdém? Onde está a candura que pensei estar alojada em
Cecilia? Onde está a justiça, a imparcialidade que eu acreditei ser uma parte
dela?
— Depois de tudo o que aconteceu — disse Cecilia, sensivelmente
comovida por sua angústia —, não esperava estas queixas, nem que, de
minha parte, me exigissem garantias; no entanto, se isso acalmar sua mente,
se for melhor reconciliá-lo com nossa separação...
— Oh, prelúdio fatal! — interrompeu ele —, que diabos pode acalmar
minha mente que leva à nossa separação? Não me ofereça nenhuma
condescendência com tal ponto de vista, preserve sua indiferença, persevere
sua frieza, triunfe com seu poder de inspirar sentimentos que nunca poderá
retribuir. Tudo, tudo é mais suportável do que falar de nossa separação!
— No entanto, como — perguntou ela —, separados, dilacerados como
estamos, como isso pode ser evitado agora?
— Confie na minha honra! Mostre-me apenas a confiança que me atrevo a
dizer que mereço, e então esta união não será mais impedida, e no futuro,
estou certo, nunca se arrependerá!
— Bom Deus, que exigência! Uma confiança tão implícita seria um
frenesi.
— A senhorita duvida, então, da minha integridade? A senhorita suspeita...
— É claro que não; no entanto, em um caso de tal importância, o que
deveria me guiar senão por minha própria razão, minha própria consciência,
meu próprio senso de direito? Não me atormente, portanto, com censuras;
não me angustie mais com súplicas; quando declaro solenemente que
nenhuma consideração terrena jamais me fará prometer minha mão, enquanto
o terror do descontentamento de Mrs. Delvile se apossar de meu coração. E
agora adeus.
— A senhorita está, então, desistindo de mim?
— Seja paciente, eu imploro; e tente não me seguir; é uma atitude que não
posso permitir.
— Não te seguir? E quem tem poder para me impedir?
— Eu tenho, senhor, se o fato de incorrer em meu ressentimento sem fim
tiver alguma consequência para o senhor.
Ela então, com um ar de firmeza determinada, seguiu em frente. Mrs.
Charlton, ajudada pelos criados, já subia os degraus da carruagem.
— Oh, tirania! — exclamou ele. — Que submissão é essa que a senhorita
exige! Não posso nem mesmo indagar sobre o terrível mistério desta manhã?
— Sim, certamente.
— E posso familiarizá-la com ele, se o descobrir?
— Não lamentarei em ouvi-lo. Adeus.
Ela estava agora na metade da escada, quando, perdendo toda a paciência,
ele apressadamente correu atrás dela e, se esforçando para detê-la, gritou: —
Se a senhorita não me odeia nem me detesta, se eu não sou repugnante e
abominável aos seus olhos, não me abandone assim tão insensivelmente!
Cecilia! Minha amada Cecilia! Diga ao menos uma palavra menos severa!
Olhe para mim mais uma vez e diga que não nos separamos para sempre!
Cecilia então virou-se e, enquanto uma lágrima inicial mostrava sua
aflição, disse: — Por que o senhor me oprime assim com súplicas que não
devo atender? Não o acompanhei ao altar? O senhor é capaz de duvidar do
que eu pensava sobre o senhor?
— Pensava? Oh, Cecilia! Então está tudo acabado?
— Por favor, deixe-me ir em silêncio, e não tema, pois não irei feliz!
Reprima seus próprios sentimentos no lugar de tentar despertar os meus. Que
infelicidade! Não temos mais chances. Oh, Mr. Delvile! Se a nossa conexão
não fosse contrária a nenhum dever, e se não fosse repugnante a nenhum
familiar, se não estivesse acompanhada por nenhuma impropriedade e
continuasse sem necessidade de dissimulação, o senhor não me acusaria de
indiferença, não suspeitaria da minha insensibilidade. Oh, não! A escolha do
meu coração seria então a sua glória, e tudo o que agora ruborizo ao sentir,
deveria reconhecer abertamente e com orgulho!
Ela então correu para a carruagem, Delvile seguiu atrás dela com
agradecimentos e bênçãos, assegurando-lhe enquanto a ajudava a subir que
ele obedeceria a todas as suas ordens, e nem mesmo tentaria vê-la até que
pudesse lhe trazer alguma informação relativa à transação da manhã.
A carruagem então partiu.
CAPÍTULO 74

UMA CONSTERNAÇÃO

A viagem foi melancólica e tediosa; Mrs. Charlton, extremamente fatigada


pela pressa incomum e pelo exercício físico e mental pelos quais passara
recentemente, viu-se obrigada a viajar muito devagar e fazer uma parada na
estrada. Cecilia, porém, não tinha pressa em prosseguir; ela não iria ver
ninguém que desejasse ver, não tinha nenhuma expectativa de encontrar
qualquer coisa que pudesse lhe dar prazer. A infeliz expedição em que
estivera envolvida não havia deixado nada além de arrependimento, e apenas
prometia no futuro tristeza e mortificação.
Alguns dias depois, Mrs. Charlton, depois de voltar para casa, ainda
continuava doente, e Cecilia, que a atendia constantemente, tinha a aflição
adicional de atribuir a si mesma sua indisposição. Tudo o que ela pensava
conspirava para punir o erro que havia cometido; seus procedimentos haviam
sido descobertos, embora seus motivos fossem desconhecidos; a família
Delvile não poderia deixar de ouvir sobre sua iniciativa e, ainda que a
atribuíssem à sua temeridade, eles exultariam com seu fracasso, mas,
principalmente, pendia em sua mente a inexplicável interferência na
cerimônia de casamento. De onde poderia proceder, ela era totalmente
incapaz de adivinhar; no entanto, suas conjecturas não eram mais infrutíferas
do que variadas. Em um momento ela imaginava alguma brincadeira de Mr.
Morrice, em outro alguma traição de Mr. Monckton, e em ainda outro um
truque inútil e sem sentido de algum estranho a todos eles. Porém, nenhuma
dessas suposições carregava consigo qualquer ar de probabilidade. Mr.
Morrice, mesmo que tivesse observado seus movimentos e os tivesse seguido
até a igreja, o que sua impertinência inquisitiva de forma alguma tornava
impossível, dificilmente teria tempo ou oportunidade de envolver qualquer
mulher em um empreendimento tão extraordinário. Mr. Monckton, por mais
que fosse avesso à união, era considerado por Cecilia um homem muito
honrado para romper com ela de uma maneira tão alarmante e vergonhosa, e
uma maldade tão desenfreada por parte de algum estranho parecia exigir uma
parte de afronta insensível, que caberia à sorte de tão poucos, a ponto de
tornar a sugestão antinatural e incrível.
Às vezes, ela imaginava que Delvile poderia ter sido anteriormente
comprometido com alguma mulher, a qual, tendo acidentalmente descoberto
suas intenções, adotara tal método desesperado de torná-las abortivas, mas
este foi um pensamento de curta duração, e rapidamente deu lugar à sua
estima por seu caráter geral, e sua confiança na firmeza de sua probidade.
Tudo, portanto, era obscuro e misterioso; a conjectura foi frustrada, e a
meditação, inútil. Suas opiniões eram incertas e seu coração se sentia muito
infeliz; ela só podia ter a firmeza de acreditar que Delvile era tão infeliz
quanto ela, e só encontrar consolo em acreditar que ele também era inocente.
Três dias se passaram assim, sem incidentes ou notícias; seu tempo
inteiramente ocupado atendendo Mrs. Charlton, seus pensamentos absortos
em sua própria situação, mas no quarto dia ela foi informada de que havia
uma dama na sala que desejava falar com ela. Ela desceu as escadas e, ao
entrar na sala, viu Mrs. Delvile! Tomada de espanto e temor, deteve-se
bruscamente, parecendo horrorizada. Presa à porta, despojada de todo o poder
de receber uma visitante tão inesperada e indesejável, por uma sensação
interna de culpa, mesclada com um pavor de descoberta e reprovação.
Mrs. Delvile, dirigindo-se a ela com a mais fria cortesia, disse: — Temo
tê-la surpreendido; lamento não ter tido tempo de informá-la da minha
intenção de vê-la.
Cecilia então, afastando-se da porta, respondeu fracamente: — Eu ficarei
muito honrada, senhora, com sua notificação, sempre que tiver o prazer de
conferi-la.
Elas então se sentaram. Mrs. Delvile, preservando um ar absolutamente
formal e distante, e Cecilia, reprimida pela apreensão e consternação.
Após um breve e doloroso silêncio, ela disse: — Não tive a intenção de
embaraçá-la ou incomodá-la. Não vou, portanto, mantê-la na expectativa do
propósito de minha visita. Não venho para indagar, não venho para submeter
a nenhuma prova a sua sinceridade, nem para torturar sua delicadeza.
Dispenso toda explicação, pois não tenho dúvidas; eu sei o que aconteceu, sei
que meu filho a ama.
Nem todo o seu tumulto interior nem toda a perturbação de seus temores
haviam preparado Cecilia para um ataque tão direto, tampouco lhe
permitiram suportar o impacto com alguma compostura; ela não conseguia
falar e não conseguia olhar para Mrs. Delvile. Ela se levantou e foi até a
janela, sem saber o que estava fazendo.
Entretanto, naquele momento não era provável que sua angústia
diminuísse, pois a primeira coisa que viu foi Fidel, que latiu e saltou pela
janela para lamber suas mãos.
— Meu bom Deus! Fidel aqui! — exclamou Mrs. Delvile, espantada.
Cecilia, totalmente dominada, cobriu o rosto com as duas mãos e se
afundou em uma cadeira.
Mrs. Delvile ficou em silêncio por alguns minutos, e então, seguindo-a,
disse: — Não imagine que estou fazendo alguma descoberta, nem suspeite de
qualquer plano para descobrir seus sentimentos. Que Mortimer pudesse amar
em vão, eu nunca acreditei; que Miss Beverley, possuindo tanto mérito,
pudesse ser cega para o fato, eu nunca pensei que fosse possível. Não
pretendo, portanto, solicitar qualquer relato ou explicação, mas simplesmente
implorar sua paciência enquanto eu mesma falo, e sua permissão para falar
com franqueza e sinceridade.
Cecilia, embora aliviada pela calma da outra, apesar de todo o receio de
censura, encontrou em seus modos uma frieza que a convenceu da perda de
seu afeto, e na introdução do assunto uma solenidade que lhe assegurou que o
que ela deveria decretar seria inalterável. Ela descobriu o rosto para mostrar
sua atenção respeitosa, mas não conseguiu levantá-lo e não foi capaz de
pronunciar uma só palavra.
Mrs. Delvile, então, sentou-se ao seu lado e, com muita gravidade,
continuou seu discurso.
— Miss Beverley, embora pouco familiarizada com a situação de nossa
família, dificilmente ignora o fato de que uma fortuna como a sua parece
quase tudo o que uma família pode desejar; nem pode ela ter deixado de
observar que seus méritos e realizações nunca foram mais sentidos e
admirados. Portanto, a escolha de Mortimer, ela não poderia duvidar de que
teria nossa aprovação, e ao honrar os propósitos deles com seu
favorecimento, ela poderia naturalmente concluir que oferecia felicidade e
deleite aos seus familiares.
Cecilia, superior a aceitar um paliativo do qual não se sentia merecedora,
ergueu a cabeça e, obrigando-se a falar, disse: — Não, senhora, não a
enganarei, pois nunca enganei a mim mesma: eu acreditei que não deveria
esperar sua aprovação, embora, ao perdê-la, eu tenha perdido para sempre a
minha!
— Mortimer, então — exclamou ela, com ansiedade —, foi estritamente
honrado? Ele não te enganou nem te traiu?
— Não, madame — disse ela, corando —, não tenho nada do que censurá-
lo.
— Então, ele é de fato meu filho! — exclamou Mrs. Delvile, emocionada.
— Se ele a tivesse traído, embora fosse desobediente a nós, eu o teria
indiscutivelmente renunciado.
Cecilia, que agora parecia a única culpada, sentia-se em um estado de
humilhação insuportável; ela reuniu, portanto, toda a sua coragem e disse: —
Eu libertei Mr. Delvile; permita-me, madame, agora, dizer algo por mim
mesma.
— Certamente; não poderia me favorecer mais do que falando sem
dissimulação.
— Não tenho a esperança de recuperar sua estima, a qual, pelo que vejo,
está perdida! Eu gostaria de simplesmente...
— Não, não está perdida — disse Mrs. Delvile —, mas, se uma vez foi
ainda mais elevada, a culpa foi minha, ao ceder a uma expectativa de
perfeição à qual a natureza humana talvez seja desigual.
“Ah, então”, pensou Cecilia, “está tudo acabado!” Ali estava o desprezo
que tanto temia, e embora pudesse ser abrandado, nunca poderá ser
eliminado!
— Diga, então, e com sinceridade — continuou ela —, tudo o que deseja
que eu ouça, e, em seguida, conceda-me sua atenção em retorno ao propósito
de minha jornada atual.
— Não tenho muito a dizer, madame — respondeu a deprimida Cecilia —,
a senhora diz que já sabe tudo o que aconteceu, portanto, não vou fingir que
tenho qualquer mérito em revelá-lo. Vou apenas acrescentar que meu
consentimento para esta transação me deixou infeliz quase desde o momento
em que foi oferecido; que eu pretendia e desejava me retratar assim que a
reflexão me apontou meu erro, e que as circunstâncias mais perversas, nem
desprezo ao decoro, nem teimosia para o erro, me levaram a cometer, por
fim, aquele ato fatal, do qual a mera lembrança, até meu último suspiro, deve
me encher de pesar e vergonha.
— Não me surpreende — disse Mrs. Delvile — que, em uma situação em
que a delicadeza era muito menos necessária do que a coragem, Miss
Beverley se sentisse angustiada e infeliz. Uma mente como a sua nunca
poderia errar impunemente; e é unicamente pela certeza de seu senso inato de
direito que me atrevo a procurá-la agora, e que tenho alguma esperança de
influenciá-la, de cuja influência apenas toda a nossa família dependerá no
futuro. Devo prosseguir agora, ou há algo que deseja dizer primeiro?
— Não, madame, nada.
— Ouça-me, então, eu imploro, sem predeterminação para me
menosprezar, mas com uma resolução justa para atender à razão e uma
franqueza que deixe uma abertura para a convicção. Na verdade, não é fácil
uma tarefa assim para uma mente preocupada com a intenção de deixar-se
guiar pelos ditames da propensão...
— Na verdade, madame, a senhora me entendeu mal! — interrompeu
Cecilia, muito magoada —, minha mente não nutre tal intenção, não tem
desejo senão de ser guiada pelo dever, está infeliz com a consciência de ter
falhado nesse ponto. Estou sofrendo, estou doente para recuperar minha
autoestima, e então, eu não precisaria mais me sentir indigna da senhora, e
quer eu consiga recuperá-la ou não, ao menos abandonaria esta depressão
cruel que agora me oprime em sua presença!
— Para recuperá-la — disse Mrs. Delvile — é preciso apenas exercer
metade do seu poder, o que neste momento permite que a senhorita, se este
for o seu desejo, me faça estimá-la ainda mais do que um ser humano jamais
estimou outro. Estaria disposta a considerar que vale a pena?
Cecilia se assustou com a pergunta; seu coração batia rápido com a luta de
emoções; ela viu o sacrifício que seria necessário, e seu orgulho, seu orgulho
afrontado, manifestou-se para antecipar a rejeição, mas o desígnio foi
combatido por seus afetos, contrários à indignada irreflexão que lhe dizia que
um discurso apressado poderia separá-la de Delvile para sempre. Quando o
doloroso conflito terminou, o qual Mrs. Delvile pacientemente esperou, ela
respondeu, com muita hesitação: — Recuperar sua estima, madame,
verdadeiramente como eu a valorizo, é o que agora dificilmente ouso esperar.
— Não diga isso — disse ela —, pois, se tiver esperanças, não se
decepcionará. Eu me proponho a lhe apontar os meios para recuperá-la e
dizer o quanto me considerarei em débito com a senhorita se recusar-se a não
os empregar.
Ela se deteve, mas Cecilia hesitou; com medo de sua própria força, ela não
ousava se aventurar em nenhuma promessa; no entanto, temia pensar em
como apoiar ou contestar seu cumprimento.
— Eu venho vê-la, então — retomou Mrs. Delvile solenemente —, em
nome de Mr. Delvile, e em nome de toda a nossa família; uma família tão
antiga quanto honrada e tão honrada quanto antiga. Considere-me sua
representante e ouça em mim sua voz, sua opinião e seu discurso. Meu filho,
o bastião de nossa casa, o único guardião de seu nome e o herdeiro de nossas
fortunas unidas, a elegeu, nós sabemos, a dama da sua escolha, e com tanto
carinho depositou suas afeições sobre a senhorita, que está pronto a renunciar
a todos nós no lugar de subjugá-la. Só temos então à senhorita a quem
recorrer, e eu vim vê-la...
— Espere, madame, espere! — interrompeu Cecilia, cuja coragem agora
renascia do ressentimento. — Eu sei o que dirá, a senhora vem me falar da
sua indignação, vem para repreender minha presunção e me matar com seu
desprezo! Não há necessidade para isso. Eu já estou deprimida, já estou
condenando a mim mesma; poupe-me, portanto, desta humilhação
insuportável, não me machuque com seu desprezo, não me oprima com sua
superioridade! Não pretendo competir, não busco nenhuma reivindicação,
reconheço minha própria pequenez tão prontamente quanto a senhora pode
desprezá-la, e nada além de indignidade poderia me incitar a defendê-la!
— Acredite em mim quando eu digo — retomou Mrs. Delvile — que não
tive a intenção de feri-la ou ofendê-la, e sinto muito se pareci arrogante ou
presunçosa. A situação peculiar e perigosa de minha família talvez tenha me
traído com expressões ofensivas e me tornou culpada de uma ostentação que
em outras pessoas muitas vezes me enojou. Na verdade, poderá algum de nós
suportar o teste do experimento, quando tratamos de assuntos que suscitam
nossas propensões particulares? Podemos nos esforçar para ser
desinteressados, podemos lutar para ser imparciais, mas a individualidade
ainda prevalecerá, ainda nos mostrará a imperfeição de nossa natureza e a
limitação de nossas almas. No entanto, perdoe, eu imploro, qualquer
insolência intencional, e não imagine que ao falar bem da minha própria
família pretendo depreciar a sua; pelo contrário, sei que é respeitável, e
também sei que, se fosse a mais inferior de todo o reino, a primeira tem
motivos para invejar aquela que deu à luz uma filha assim.
Cecilia, um tanto tranquilizada pelo discurso, pediu desculpas por tê-la
interrompido, e ela prosseguiu.
— À sua família, então, eu lhe asseguro, qualquer que seja o nosso
orgulho, sendo a senhorita sua descendente, não faríamos objeções. Todos
conhecemos bem o seu mérito, seu caráter tem nossa mais alta estima e sua
fortuna supera até mesmo nossos desejos mais otimistas. É estranho e
angustiante ao mesmo tempo que nem todos estes requisitos para a satisfação
da prudência nem todos estes atrativos para a satisfação da felicidade sejam
suficientes para cumprir ou silenciar as demandas de cada uma. Existem
ainda outras demandas às quais devemos atender, demandas que a
ancestralidade e o sangue nos chamam em voz alta para ratificar! Estes
requerentes não devem ser negligenciados impunemente; eles reivindicam
seus direitos com a autoridade da prescrição, eles nos proíbem tanto de nos
curvarmos à disposição quanto de nos rebaixarmos por interesse, e de
geração em geração suas injúrias clamarão por reparação, caso seu nobre e há
muito imaculado nome seja voluntariamente relegado ao esquecimento!
Cecilia, extremamente impressionada com estas palavras, imaginava que,
por serem tão fortes e firmes, o obstáculo para o seu casamento, embora
apenas um, deveria ser considerado insuperável.
— Portanto, não somos contrários ao seu nome — continuou ela —,
somos simplesmente mais parciais ao nosso. Soterrá-lo, na verdade, em
qualquer outro, seria vil e indigno. Qual, então, deve ser o resultado da minha
decepção se Mortimer Delvile, o favorito das minhas esperanças, o último
sobrevivente de sua casa, em cujo nascimento eu me regozijei com a
promessa de seu apoio, em cujas realizações me glorifiquei como o
renascimento de seu brilho, fosse o primeiro a abandoná-lo? Renunciar ao
nome que ele parecia ter nascido para fazer viver, e causar, de fato, sua total
aniquilação! Oh, como eu poderia saber que meu filho era um estranho para
sua família! Como é difícil pensar que eu nutria em meu seio o traidor de
seus mais caros interesses, o destruidor de sua própria existência!
Cecilia, um pouco mais aflita do que ofendida, respondeu apressadamente:
— Não por mim, madame, ele cometerá este crime; não por minha causa
será reprovado por sua família! Não pense mais nele, portanto, com qualquer
referência a mim, pois eu não seria a causa de indignidade ou culpada nem se
fosse a senhora do universo!
— Muito nobremente dito! — exclamou Mrs. Delvile, com olhos
brilhando de alegria e bochechas radiantes de prazer. — Esta é a Miss
Beverley que eu conheço! Agora vejo novamente a jovem refinada,
excelente, cujas virtudes me ensinaram a esperar a renúncia até mesmo de sua
própria felicidade, quando considerada incompatível com seu dever!
Cecilia estremeceu e empalideceu; ela mal sabia o que havia dito, mas
descobriu, pela interpretação de Mrs. Delvile, que suas palavras haviam sido
consideradas como sua renúncia final ao seu filho. Ela desejava ardentemente
sair da sala antes de ser chamada a confirmar a sentença, mas não teve
coragem de fazer o esforço, nem de se levantar, falar ou se mover.
— Lamento, de fato — continuou Mrs. Delvile, cuja frieza e austeridade
foram transformadas em brandura e compaixão —, a necessidade que tive de
obter da senhorita uma concordância tão dolorosa, mas nenhum outro recurso
estava em meu poder. Minha influência sobre Mortimer, seja ela qual for, não
tenho o direito de tentar sem obter seu consentimento prévio, uma vez que o
considero vinculado à senhorita por uma questão de honra, e apenas para ser
libertado por seu próprio desejo virtuoso. Vou deixá-la, no entanto, porque
percebo que minha presença a oprime. Adeus, e quando puder me perdoar, eu
creio que o fará.
— Não tenho nada, madame — disse Cecilia, com frieza —, a perdoar; a
senhora apenas afirmou sua própria dignidade, e eu não tenho ninguém a
quem culpar a não ser eu mesma, por ter lhe proporcionado a ocasião.
— Infelizmente — exclamou Mrs. Delvile —, se o valor e a nobreza de
alma de sua parte, se a estima e o mais terno afeto da minha parte fossem
tudo o que requer a dignidade que a ofende, como eu desejaria a bênção de
ter uma filha assim! Que alegria em unir meu filho a uma excelência tão
parecida com a sua, e assegurar sua felicidade enquanto estimularia sua
virtude!
— Não me fale de afeto, madame — disse Cecilia, afastando-se dela. —
Tudo o que sentia por mim é passado, até mesmo sua estima se foi; a senhora
pode sentir pena de mim, de fato, mas sua compaixão está misturada com
desprezo, e eu não sou tão abjeta a ponto de encontrar conforto em instigá-lo.
— Quão pouco — exclamou Mrs. Delvile, olhando para ela com a maior
ternura —, quão pouco a senhorita vê o estado do meu coração, pois nunca
me pareceu tão digna como neste momento! Ao separá-la de meu filho,
compartilho de toda a miséria que ofereço, mas o seu próprio senso de dever
deve pleitear alguma coisa pela severidade com a qual eu a aborreci.
Ela então se moveu em direção à porta.
— A sua carruagem, madame — disse Cecilia, lutando para disfarçar sua
angústia interior sob uma aparência de mau humor —, a está esperando.
Mrs. Delvile então deu meia volta e, estendendo a mão, enquanto seus
olhos brilhavam de lágrimas, disse: — Afastar-me da senhorita de maneira
tão fria, enquanto meu coração a admira tão calorosamente, é quase mais do
que posso suportar. Oh, doce Cecilia! Não condene uma mãe impelida a essa
severidade, que cumprindo o que considera seu dever pensa no ato como seu
mais amargo infortúnio, que prevê na ira de seu marido e na resistência de
seu filho toda a miséria da discórdia familiar, e quem só pode garantir a honra
de sua família destruindo sua paz! Então, não vai me estender a mão?
Cecilia, que fingira não perceber que esperava por isso, estendeu a mão
com frieza, à distância, e procurou manter o equilíbrio evitando falar. Mrs.
Delvile tomou sua mão e, ao repetir seu adeus, apertou-a afetuosamente
contra os lábios. Cecilia, assustada e respirando com dificuldade devido à
agitação crescente, mas sufocada, perguntou: — Ora, por que essa
condescendência?
— Que Deus te abençoe, meu amor — disse Mrs. Delvile, deixando cair
uma lágrima sobre a mão que ainda segurava —, que Deus te abençoe e
restaure a tranquilidade que tão nobremente merece!
— Ah, madame — exclamou Cecilia, esforçando-se em vão para reprimir
por mais tempo as lágrimas que agora lhe desciam pelo rosto —, por que
partir meu coração com tanta bondade? Por que ainda vai me obrigar a amá-
la? Quando agora eu quase desejo odiá-la?
— Não, não me odeie — disse Mrs. Delvile, beijando do seu rosto as
lágrimas que o regavam —, não me odeie, doce Cecilia, embora ao ferir o seu
peito eu seja quase tão detestável para mim mesma. Mesmo a cena cruel que
me espera com meu filho não me afligirá mais profundamente. Mas adeus,
agora devo me preparar para ele!
Ela então saiu da sala, mas Cecilia, cujo orgulho não tinha poder para
resistir a tanta ternura, correu apressadamente atrás dela, dizendo: — Não a
verei de novo, madame?
— Não sou eu quem vai dizer — respondeu ela. — Se minha vinda não
lhe trouxer mais dor do que prazer, eu virei quando quiser.
Cecilia suspirou e fez uma pausa; ela não sabia o que desejar, mas preferia
que qualquer coisa fosse feita do que sentar-se em silêncio para uma reflexão
ininterrupta.
— Devo adiar minha partida — continuou Mrs. Delvile — até amanhã de
manhã, e a senhorita vai me receber esta tarde? Posso visitá-la novamente?
— Eu lamentaria muito — disse ela, ainda hesitando — se tivesse de detê-
la.
— Mas vai me alegrar muito — exclamou Mrs. Delvile — por permitir
que eu a veja.
Ela então foi para sua carruagem.
Cecilia, incapaz de atender sua velha amiga e incapaz de lhe explicar a
cena cruel em que acabara de se envolver, correu para seus próprios
aposentos. Suas emoções até então reprimidas irromperam em lágrimas e
queixas; seu destino havia sido finalmente determinado, e sua determinação
não era mais infeliz do que humilhante; ela havia sido abertamente rejeitada
pela família cuja aliança era sabido que desejava; ela havia sido compelida a
rejeitar o homem de sua escolha, embora estivesse satisfeita que seus afetos
fossem para ela. Diante de uma miséria tão peculiar que ela achava difícil de
suportar, e quase explodindo com emoções conflitantes, seu coração
alternadamente inchava pelo orgulho ofendido e afundava pela ternura
decepcionada.
CAPÍTULO 75

UMA PERTURBAÇÃO

Cecilia ainda se encontrava neste estado tempestuoso quando foi


informada de que havia um cavalheiro no andar de baixo que implorava para
ter a honra de vê-la. Ela concluiu que era Delvile, e a ideia de encontrá-lo
apenas para comunicar o que deveria afligi-lo tão amargamente redobrou sua
angústia; ela caiu em uma agonia de perturbação e tristeza.
Ele a encontrou na porta, onde, antes que pudesse começar a falar, ela
disse apressadamente: — Mr. Delvile, por que está aqui? Por que insiste em
me ver, desafiando todos os obstáculos e desprezando minha proibição?
— Meu Deus! — exclamou, espantado. — De onde vem esta reprovação?
A senhorita não me permitiu retornar com o resultado de minhas
investigações? Não é verdade que eu tinha o seu consentimento? Mas por que
parece tão perturbada? Seus olhos estão vermelhos, a senhorita esteve
chorando. Oh, minha Cecilia! Tenho alguma parte em sua tristeza? Essas
lágrimas, que nunca caem debilmente, diga-me, não será que... ao menos uma
delas foi derramada por mim?
— E qual foi — perguntou ela — o resultado de suas investigações? Diga
rápido, porque desejo saber, e então o senhor deve ir embora.
— Que estranhas — exclamou o surpreso Delvile — são estas palavras!
Como são estranhos estes olhares! O que aconteceu? Alguma nova desgraça?
Existe algum mal para o qual eu ainda não estou preparado?
— Por que não responde primeiro? — perguntou ela. — Depois que eu
tiver falado, o senhor talvez esteja menos disposto.
— A senhorita me aterroriza, me choca e me surpreende! Que golpe
terrível me espera? Para que horror está me preparando? Aquilo que acabo de
experimentar e que a afastou de mim aos pés do altar continua inexplicável,
segue envolto em trevas e mistério; a infeliz que nos separou, eu não fui
capaz de descobrir.
— O senhor não obteve, então, nenhuma nova informação?
— Nenhuma, embora, desde que nos separamos, eu nunca tenha
descansado um minuto.
— Não faça, então, nenhuma investigação adicional, pois agora toda
explicação seria inútil. Que estamos separados, nós já sabemos, embora por
que não podemos dizer, mas que voltemos a nos encontrar...
Ela se deteve; seus olhos lacrimejantes se voltaram para cima e um suspiro
profundo brotou em seu coração.
— Oh, o quê? — perguntou Delvile, esforçando-se por pegar sua mão, que
ela se apressou em afastar dele. — O que isso significa? A mais adorável,
querida Cecilia, minha prometida, minha noiva! Por que essas lágrimas que
só a agonia pode exprimir de seus olhos? Por que me recusa a mão que tão
recentemente era a garantia de sua confiança? Não sou o mesmo Delvile a
quem há poucos dias a senhorita a ofereceu? Por que não abre o seu coração
para mim? Por que então desconfia de minha honra e rejeita minha ternura?
Oh, por que me oferece uma miséria tão requintada, e me nega o mínimo
consolo?
— Que consolo — disse Cecilia, chorando — eu posso oferecer? Que
tristeza! Talvez o senhor não seja aquele que mais o deseja!
Neste momento, a porta foi aberta por uma das Misses Charltons, que
entrou na sala com uma mensagem de sua avó, pedindo para ver Cecilia.
Cecilia, envergonhada por ser assim surpreendida com Delvile, e em
lágrimas, não esperou nem para desculpar-se com ele, nem para oferecer
qualquer resposta a Miss Charlton, mas saiu apressadamente da sala. Porém,
ela não foi ao encontro da sua velha amiga, com quem agora menos do que
nunca poderia ser reunir, mas para seus próprios aposentos, onde uma breve
indulgência de dor foi seguida pelo mais severo exame de sua própria
conduta.
Uma retrospecção desse tipo raramente é acompanhada por muitos
motivos de exultação, quando realizada com a rígida sinceridade da
imparcialidade secreta; muito mais forte é nossa razão do que nossa virtude,
muito mais elevado é o nosso senso de dever do que nosso desempenho!
De tudo o que havia feito, ela agora se arrependia, tudo o que havia dito,
agora desaprovava; sua conduta, raramente à altura das suas noções de
direito, estava agora infinitamente abaixo delas, e as reprovações de seu
julgamento a fizeram esquecer por um tempo as aflições que a haviam
desencaminhado.
Se a tristeza a que havia cedido abertamente na presença de Delvile, apesar
de sua separação completa, no momento anterior tivesse sido finalmente
decretada, ela a consideraria como uma fraca efusão de ternura, nociva à
delicadeza e censurável pelo decoro. “Seu poder sobre meu coração” —
exclamou ela — “era agora, de fato, muito tarde para esconder, mas seu
poder sobre meu entendimento é hora de cancelar. Eu não devo ser sua,
minha própria voz ratificou a renúncia, e desde que eu a confirmei para sua
mãe, nunca, sem o seu consentimento, deverá ser invalidada. Portanto, a
honra a ela e o respeito por mim mesma igualmente me ordenam que eu o
evite, até que não seja mais desta forma afetada por sua visão”.
Portanto, quando Delvile enviou uma súplica para que pudesse ser
novamente admitido em sua presença, ela voltou para responder que não se
sentia bem e não poderia ver ninguém.
Ele então deixou a casa, e, em poucos minutos, ela recebeu o seguinte
bilhete:

“Miss Beverley,
A senhorita me afasta da sua vida torturado pelo suspense e confuso pela
apreensão, a senhorita me afasta, certa da minha miséria, mas deixando-me
suportá-la como eu puder! Eu a chamaria de insensível, mas vi que também
está infeliz. Eu a reprovaria por tirania, porém os seus olhos, quando me
deixou, estavam inchados de tanto chorar! Sendo assim, obedeço às suas
severas ordens, já que minha ausência é o seu desejo, e permanecerei na
casa de Biddulph até que receba novas ordens. No entanto, não desprezo
refletir que cada instante parecerá interminável enquanto Cecilia parecer-
me injusta, ou ferir minha própria alma com a lembrança dela com tristeza.
MORTIMER DELVILE”.

A mistura de carinho e ressentimento com os quais esta carta foi escrita


marcava tão fortemente o sofrimento e o estado de desordem do escritor, que
toda a doçura de Cecilia retornou durante a leitura, e não lhe restou outro
desejo senão diminuir sua inquietação com garantias de respeito inalterável.
No entanto, ela decidiu não confiar em si mesma na sua frente, certa de que
eles só poderiam se encontrar para chorar um pelo outro, e consciente de que
uma participação na sua tristeza seria apenas uma retribuição de ternura.
Portanto, ela convocou seu dever de resistir à sua disposição e decidiu
entregar todo o caso à vontade de Mrs. Delvile, a quem, embora sem
nenhuma promessa, ela agora se considerava responsável. No entanto,
desejosa de encurtar o período de incerteza de Delvile, ela não esperou até a
hora que havia marcado para encontrar sua mãe, mas escreveu a seguinte nota
para apressar o encontro:

“Exma. Mrs. Delvile,


Madame, seu filho está agora em Bury; devo informá-lo de sua chegada?
Ou a senhora mesma irá se anunciar? Por favor, me diga qual é o seu desejo
e me esforçarei para realizá-lo. Como minha própria agente, não me
considero mais; se, como sua, puder lhe oferecer alguma alegria ou ser útil,
receberei seus comandos de bom grado. Tenho a honra de ser, senhora, sua
mais obediente serva, CECILIA BEVERLEY”.

Quando ela enviou a nota, seu coração ficou mais à vontade, pois ela
finalmente se reconciliou com sua consciência. Ela havia sacrificado o filho,
havia se resignado à mãe, agora só faltava curar seu orgulho ferido, sofrendo
o sacrifício com dignidade, e recuperar sua tranquilidade na virtude, fazendo
a renúncia sem queixas.
Suas reflexões, também, cada vez mais claras à medida que a névoa da
paixão se dispersava, a faziam lembrar com confusão de seu comportamento
frio e taciturno para com Mrs. Delvile. Aquela senhora tinha feito apenas o
que acreditava ser seu dever, e esse dever não era mais do que ela havia sido
ensinada a esperar dela. No início de sua visita, e embora duvidosa de seu
êxito, ela tinha sido realmente austera, mas, quando a vitória surgiu como
perspectiva, ela se tornou terna, afetuosa e gentil. Sua justiça, portanto,
condenou o ressentimento a que ela havia cedido e fortificou sua mente para
o encontro que se seguiria, com um desejo sincero de reparar tanto Mrs.
Delvile quanto ela mesma pelo que havia passado. Assim decidida, sentiu-se
fortalecida ao considerar seriamente o grande abatimento de toda a sua
felicidade futura, que deveria ter sido provocada pela circunstância
humilhante de forçar sua entrada em uma família que considerava
vergonhoso qualquer vínculo entre elas. Ela nem mesmo desejava ser esposa
de Delvile em tais termos, pois quanto mais o estimava e admirava, mais
ansiosa ficava por sua honra e menos podia suportar ser considerada o motivo
de sua degradação.
Agora que seu plano de conduta estava estabelecido, com sua disposição
mais serena, embora com o coração pesado, ela atendeu Mrs. Charlton.
Porém, temendo perder a determinação que acabara de adquirir antes de ser
chamada, desconfiando de si mesma para relatar a decisão que havia sido
tomada, ela lhe implorou por ora que prescindisse da narrativa e, em seguida,
forçou-se a conversar sobre temas menos interessantes. Esta prudência surtiu
efeito; Cecilia ouviu Mrs. Delvile ser anunciada novamente com uma
tranquilidade tolerável e a recebeu na sala com ar de compostura.
Mas não foi assim que Mrs. Delvile a recebeu; ela era toda ansiedade e
emoção. A mulher aproximou-se rapidamente de Cecilia no momento em que
esta apareceu e, jogando os braços à sua volta, exclamou calorosamente: —
Oh, menina encantadora! Protetora da nossa família! Protetora de nossa
honra! Quão pobres são as palavras para expressar minha admiração! Quão
inadequados são os agradecimentos em troca das obrigações que devo à
senhorita!
— A senhora não me deve nada, madame — disse Cecilia, suprimindo um
suspiro. — De minha parte está toda a obrigação, se a senhora puder perdoar
a petulância do meu comportamento esta manhã.
— Não chame por um nome tão duro — respondeu Mrs. Delvile — a
intensidade de uma sensibilidade da qual a senhorita é a única vítima. A
senhorita passou por uma provação muito severa e, por mais capaz que seja
de suportá-la, seria impossível que não a sentisse. Que a senhorita tenha de
desistir de qualquer homem cujos familiares não solicitam sua aliança, sua
mente é delicada demais para torná-la maravilhosa. Porém, sua generosidade
em submeter, sem que seja solicitado, o arranjo dessa renúncia àqueles por
cujo interesse é feito, e seu elevado senso de honra em se responsabilizar por
mim, embora sem vínculo, e sem nenhum tipo de compromisso, marcam uma
grandeza de mente que exige reverência mais do que agradecimento, e que
nunca poderei elogiar nem a metade do que admiro.
Cecilia, que recebeu o elogio apenas como uma confirmação de sua
rejeição, agradeceu apenas com uma reverência, e Mrs. Delvile, sentando-se
ao seu lado, continuou seu discurso.
— Meu filho, a senhorita teve a bondade de me dizer, está aqui. A
senhorita o viu?
— Sim, madame — respondeu ela, corando —, mas apenas por um
momento.
— E ele não sabe da minha chegada?
— Não, acredito que não.
— Triste, então, é a provação que o espera, e tão pesada para mim é a
tarefa que devo cumprir! A senhorita espera vê-lo novamente?
— Não, sim, talvez... na verdade, eu não sei... — balbuciou ela, e Mrs.
Delvile, tomando sua mão, respondeu:
— Diga, Miss Beverley, por que deveria vê-lo novamente?
Cecilia ficou perplexa com a pergunta e, corando ainda mais
profundamente, olhou para baixo, mas não conseguiu responder.
— Considere — continuou Mrs. Delvile — o propósito de qualquer outro
encontro; sua união é impossível, a senhorita nobremente consentiu em
renunciar a todos os pensamentos sobre ela; por que então dilacerar seu
próprio coração e torturar o dele por uma relação que parece mais um convite
infeliz a uma tristeza infrutífera e inútil?
Cecilia ainda estava em silêncio; sua razão reconheceu a verdade da
contestação, mas seu coração se recusou a aceitar suas consequências.
— O triunfo pouco generoso da pequena vaidade feminina — disse Mrs.
Delvile — está longe, estou certa, de sua mente, cuja expansão e
generosidade encontrarão mais consolo em diminuir do que em amargar seus
sofrimentos. Fale comigo, então, e diga honestamente, judiciosamente,
francamente, diga: não seria mais sábio e mais acertado evitar em vez de
buscar um objeto que só pode dar origem ao arrependimento? Uma conversa
que não pode suscitar sensações, além de miséria e tristeza?
Cecilia, então, empalideceu; tentou falar, mas não conseguiu; ela desejava
obedecer, mas, ainda assim, pensar que o tinha visto pela última vez, lembrar
como abruptamente ela havia se separado dele e temer que o havia tratado
com crueldade eram obstáculos que se opunham à sua concordância, embora
tanto o juízo quanto o decoro assim exigissem.
— Poderia, então — disse Mrs. Delvile, depois de uma pausa —, desejar
ver Mortimer simplesmente para contemplar sua dor? Poderia desejar que ele
a veja simplesmente para aguçar sua aflição por sua perda?
— Oh, não! — exclamou Cecilia, a quem a reprovação restaurou a fala e a
resolução: — Não sou tão desprezível, não sou, espero, tão indigna! Eu
serei... serei completamente governada pela senhora. Vou me comprometer
com tudo o que quiser, no entanto, uma vez, talvez, não mais...
— Ah, minha querida Miss Beverley! Para se encontrar confessadamente
por apenas uma vez, o que será isso senão enterrar uma adaga no coração de
Mortimer? O que será isso, senão infundir veneno em seu próprio corpo?
— Se a senhora pensa assim, madame — disse ela —, será melhor que...
sem dúvida eu o farei... — ela suspirou, gaguejou e se deteve.
— Ouça — disse Mrs. Delvile. — É melhor me deixar tentar convencê-la
do que a persuadir. Se houvesse alguma possibilidade, mediante um
argumento, uma reflexão, ou mesmo por acidente, de remover os obstáculos à
nossa conexão, então seria bom se a encontrássemos, pois então a discussão
poderia converter-se em uma explicação, e um intercâmbio de sentimentos
produziria algum expediente feliz, mas neste caso...
Ela hesitou, e Cecilia, consternada e envergonhada, virou o rosto e
exclamou: — Eu sei, madame, o que irá dizer. Está tudo acabado! E,
portanto...
— Mesmo assim, permita-me — interrompeu ela — dizer explicitamente,
já que falamos sobre este assunto agora pela última vez. Neste momento,
então, eu digo, quando nenhuma dúvida permanece, quando TUDO está
acabado, embora não satisfatoriamente decidido, o que este encontro pode
produzir? Danos de todos os tipos, dor, horror e lamentos! Para Mortimer, a
senhorita pensar que seria gentil garantir a ele as suas orações como um
alívio de sua infelicidade é uma noção equivocada! Nada poderia aumentar
mais sua dor do que vê-la. Todos os seus desejos seriam enaltecidos, toda a
sua prudência seria extinta, sua alma seria dilacerada pelo ressentimento e
pesar. Para a senhorita também...
— Não fale de mim, madame — exclamou a infeliz Cecilia —, o que disse
sobre o seu filho é suficiente, e eu cederei...
— No entanto, ouça o que eu digo — prosseguiu ela — e acredite que não
sou tão injusta a ponto de considerar apenas os sentimentos do meu filho. A
senhorita, também, sofreria da mesma forma, embora de forma menos
tempestuosa. A senhorita imagina, neste momento, que encontrá-lo mais uma
vez aliviaria sua inquietação, e que despedir-se dele amenizaria a dor da
separação: que raciocínio falso! Que consolo perigoso! Antes de supor que
não voltaria a encontrá-lo, seu coração estaria repleto de doçura e tristeza, e
no exato momento em que a ternura deveria ser banida de suas interações, ela
abateria toda oposição de juízo, ânimo e dignidade. A senhorita se apegaria a
cada palavra, porque cada palavra pareceria a última, cada olhar, cada
expressão seria gravada em sua memória, e sua imagem nesta angústia de
despedida seria pintada em sua mente em cores que devorariam sua paz, e
que talvez nunca fossem apagadas.
— Já chega, já chega — disse Cecilia —, não vou mais vê-lo, nem mesmo
vou desejar vê-lo.
— Esta é uma manifestação de conformidade ou convicção? O que eu
disse é verdade ou apenas assustador?
— As duas coisas, as duas coisas! Eu creio, de fato, que o conflito teria me
dominado, vejo que está certa, e agradeço, madame, por me salvar de uma
cena que eu poderia ter arruinado tão cruelmente.
— Oh, filha da minha alma! — exclamou Mrs. Delvile, levantando-se e
abraçando-a. — Nobre, generosa, a mais doce Cecilia! Que laço, que
conexão, poderia torná-la mais querida para mim? Quem é como a senhorita?
Quem é tão excelente? Tão aberta à razão, tão ingênua no erro! Tão racional!
Tão justa! Tão sentimental, mas tão sábia!
— A senhora é muito boa — disse Cecilia, com uma serenidade forçada
—, e sou grata que seu ressentimento pelo acontecido não obstrua sua
indulgência pelo presente.
— Ah, meu amor, como ficaria ressentida com o acontecido, quando eu
mesma deveria ter previsto esta tragédia! E eu deveria ter previsto isso, se
não tivesse sido informada de que estava comprometida, e sobre o seu
compromisso construído nossa segurança. Caso contrário, eu teria ficado
mais alarmada, pois minha própria admiração me teria feito esperar também a
de meu filho. A senhorita era apenas, de fato, a mulher a que ele teria menos
chances de resistir, a senhorita era precisamente a personagem que iria se
apoderar de sua alma. A doçura mais fatalmente sedutora, a senhorita une
uma dignidade que resgata de seu próprio desprezo até o mais humilde de
seus admiradores. Parece ter nascido para que todo o mundo deseje sua
exaltação, e nenhuma parte dele murmure sobre sua superioridade. Se
houvesse algum obstáculo no caminho, além deste, que é insuperável, se os
nobres, não, se os príncipes oferecessem suas filhas para minha escolha, eu
rejeitaria sem a menor dúvida as propostas mais magníficas e tomaria em
triunfo em meu coração a escolha mais nobre de meu filho!
— Oh, madame — exclamou Cecilia —, não fale assim comigo! Não diga
palavras tão lisonjeiras! Seria melhor me desprezar e me repreender, diga que
despreza meu caráter, minha família e minhas conexões, me oprima com
desonra, mas não me torture assim com sua aprovação!
— Perdoe-me, doce menina, se eu despertei estas emoções que tão
sabiamente busca subjugar. Que meu filho apenas imite seu exemplo, e meu
orgulho por sua virtude será o consolo da minha aflição por seus infortúnios.
Ela então a abraçou com ternura e despediu-se abruptamente.
Cecilia havia desempenhado seu papel, e o fizera para sua própria
satisfação, mas a cortina só foi fechada quando Mrs. Delvile deixou a casa. A
natureza então retomou seus direitos e a tristeza de seu coração não era mais
disfarçada ou reprimida. Algum tênue raio de esperança havia atravessado a
nuvem mais sombria de sua miséria, e secretamente a lisonjeava de que sua
dispersão seria possível, embora distante. Porém, aquele raio estava extinto,
aquela esperança já não existia; ela havia prometido solenemente banir
Delvile de sua vida, e sua mãe havia declarado absolutamente que até mesmo
o assunto havia sido discutido pela última vez.
Mrs. Charlton, impaciente por alguma explicação sobre as transações da
manhã, logo enviou a neta novamente para implorar que Cecilia fosse vê-la.
Cecilia obedeceu com relutância, pois temia aumentar sua indisposição com a
informação que tinha a comunicar; ela se esforçou, portanto, para aparentar
uma calma tolerável e, ao relatar brevemente o que havia acontecido,
absteve-se de misturar à narrativa seus próprios sentimentos e infelicidade.
Mrs. Charlton ouviu o relato com a maior preocupação; ela acusou Mrs.
Delvile de severidade e até de crueldade; lamentou o estranho incidente pelo
qual a cerimônia de casamento havia sido interrompida e condoeu-se de que
ela não tivesse sido reiniciada, como o único meio de tornar ineficaz a
presente interposição fatal. Mas a dor de Cecilia, por mais violenta que fosse,
induziu-a a não se unir ao pranto; ela queixou-se apenas do obstáculo que
havia ocasionado a separação, e não do incidente que apenas interrompeu a
cerimônia; convencida, pelas conversas em que tinha acabado de se envolver,
da inflexibilidade de Mrs. Delvile, ela mais se alegrou por não ter sido
submetida a uma nova provação. Tristeza era tudo o que lhe restava, pois sua
mente era muito generosa para nutrir ressentimentos contra uma conduta que
ela via ser ditada por um senso de direito, e muito maleável e afetuosa para
permanecer impassível diante da gentileza pessoal que havia suavizado a
rejeição, e as muitas demonstrações de estima e consideração também foram
lamentadas, embora consideradas indispensáveis.
Ela não sabia como e quem havia levado o assunto à Mrs. Delvile, mas a
descoberta foi nada menos do que surpreendente, uma vez que, por vários
acidentes infelizes, era do conhecimento de muitos, e uma vez que, no horror
e na confusão da misteriosa proibição do casamento, nem Delvile nem ela
mesma haviam pensado em tentar fazer qualquer advertência às testemunhas
daquela cena para não torná-la conhecida, uma tentativa, no entanto, que
quase necessariamente deveria ter sido inútil, visto que o incidente foi muito
extraordinário e singular para ter qualquer possibilidade de supressão.
Durante a conversa, um dos criados informou Cecilia que um homem
estava lá embaixo perguntando se não havia resposta ao bilhete que trouxera
de manhã.
Cecilia, muito angustiada, não sabia o que responder; que a paciência de
Delvile se esgotara, ela não estranhava, e, de fato, aliviar sua ansiedade era
agora quase seu único desejo. Assim, ela pensou em escrever para ele
instantaneamente, confessar sua simpatia por seus sofrimentos e implorar que
ele suportasse com firmeza um mal que já não poderia mais ser evitado.
Porém, ela não estava segura se ele estava familiarizado com a viagem de sua
mãe a Bury, e tendo concordado em confiar a ela toda a administração do
assunto, temeu que seria desonroso dar qualquer passo sem o seu
consentimento. Ela devolveu, portanto, uma mensagem de que ainda não
tinha uma resposta pronta.
Em poucos minutos, Delvile anunciou a si mesmo e enviou um pedido
sincero de permissão para vê-la.
Neste ponto, pelo menos, ela não se sentiu perplexa; um encontro que ela
havia dado sua palavra positiva que recusaria, e, portanto, sem um momento
de hesitação, ela pediu ao criado que lhe informasse que ela estava
particularmente comprometida e que lamentava não estar em seu poder ver
ninguém.
Na maior perturbação, Mortimer deixou a casa e imediatamente lhe
escreveu as seguintes linhas:

“Miss Beverley.
Eu imploro que me veja! Nem que seja por um instante, eu suplico, eu
imploro que me veja! Mrs. Charlton pode estar presente, todo o mundo, se
assim desejar, pode estar presente, mas não me negue isso, eu imploro, eu
suplico! Voltarei em uma hora; nesse meio tempo é possível que já tenha
terminado seu compromisso atual. Caso contrário, vou esperar e voltar mais
tarde. A senhorita não vai, creio eu, me afastar da sua porta, e, até que eu a
tenha visto, eu só posso viver nas proximidades. M. D.”
O homem que trouxe a nota não esperou por nenhuma resposta.
Cecilia leu o bilhete com uma agonia inexprimível: ela viu, por seu estilo,
o quanto Delvile estava irritado, e seu conhecimento de seu temperamento a
fez ter certeza de que sua irritação procedia de se acreditar maltratado. Ela
desejava ardentemente apaziguá-lo e aquietá-lo, e lamentava a necessidade de
parecer obstinada e insensível, mais ainda naquele momento do que na
própria separação. Para uma mente orgulhosa de sua pureza e animada em
seus afetos, poucas sensações podem excitar uma tristeza mais violenta do
que aquelas pelas quais surge a apreensão de ser considerada inútil ou ingrata
pelos objetos escolhidos por nossa consideração. Ser privado de sua
companhia é menos amargo, ser privado de nossa própria tranquilidade por
qualquer outro meio é menos aflitivo.
No entanto, a isso era necessário se submeter ou incorrer na única pena
que, para tal opinião, seria mais severa: a autocensura. Ela havia prometido
ser governada por Mrs. Delvile e, portanto, já não tinha nada a fazer, a não
ser obedecer.
Mesmo assim, afastar da porta, como ele se expressou, um homem que,
não fosse por um incidente o mais incompreensível possível, seria agora o
único mestre dela mesma e de suas ações, parecia tão cruel e tão tirânico que
ela não poderia suportar ouvir sua repulsa. Portanto, ela implorou pelo uso da
carruagem de Mrs. Charlton e decidiu fazer uma visita à Mrs. Harrel até que
Delvile e sua mãe tivessem deixado Bury por completo. Na verdade, ela não
estava muito satisfeita em ir para a casa de Mr. Arnott, mas não tinha tempo
para pesar objeções e não conhecia nenhum outro lugar para o qual objeções
ainda maiores não pudessem ser levantadas.
Ela escreveu uma breve carta à Mrs. Delvile, apenas para lhe informar de
seu propósito e sua razão, e repetir suas garantias de que seria guiada por ela
implicitamente; e então, ela abraçou Mrs. Charlton, a quem deixou aos
cuidados de suas netas, entrou na carruagem acompanhada apenas por sua
criada, um postilhão e um cavalo, e ordenou que fosse levada à casa de Mr.
Arnott.
CAPÍTULO 76

UM CASEBRE

A tarde já estava muito avançada, e antes que Cecilia chegasse ao final de


sua pequena jornada, já estava bastante escuro. Quando estavam a uma milha
da casa de Mr. Arnott, o postilhão, ao sair repentinamente da estrada
principal para a transversal, virou a carruagem. O acidente, no entanto, não
causou nenhum outro dano além de atrasar a viagem, e Cecilia e sua criada
foram ajudadas a sair da carruagem ilesas. Os criados, auxiliados por um
homem que caminhava na estrada, começaram a erguê-la, e Cecilia, muito
ocupada no seu interior para prestar atenção ao que acontecia no exterior,
desconsiderou o acontecimento até ouvir seu próprio criado pedir ajuda. Ela
então avançou apressadamente para perguntar o que estava acontecendo e
descobriu que o viajante que havia prestado sua ajuda, ao trabalhar no escuro,
infelizmente havia deslizado seu pé para baixo de uma das rodas e estava tão
machucado que não conseguia colocar o pé no chão sem que sentisse uma dor
imensa.
Cecilia imediatamente solicitou que o paciente fosse carregado para sua
própria casa na carruagem, enquanto ela e a criada caminhariam até a casa de
Mr. Arnott.
Este pequeno incidente provou ser de especial utilidade para ela ao entrar
pela primeira vez na casa. Mrs. Harrel, que jantava com o irmão, ao ouvir a
voz de Cecilia no vestíbulo, apressou-se com a mais extrema surpresa para
perguntar o que havia ocasionado uma visita tão tardia, seguida por Mr.
Arnott, cujo espanto era acompanhado por milhares de outras sensações
fortes demais para expressar. Cecilia, despreparada por qualquer desculpa,
imediatamente relatou a aventura da estrada, o que acalmou a curiosidade dos
irmãos e voltou sua atenção para sua segurança pessoal. Eles ordenaram que
um quarto fosse preparado para ela, imploraram que ela fosse descansar o
mais rápido possível e adiasse qualquer assunto para o dia seguinte. Tal
solicitação ela atendeu de bom grado, feliz por ser poupada do
constrangimento da indagação e contente por ver-se aliviada do cansaço da
conversa. Mas sua noite foi agitada e infeliz, saber como Delvile suportaria
sua fuga nem por um momento abandonou seus pensamentos, e ouvir se ele
obedeceria ou se oporia à sua mãe era seu desejo incessante. No momento,
ela estava determinada a ser fiel em recusar-se a vê-lo e, pelo menos, não
sofrer nada de novo por sua própria iniciativa ou culpa.
Bem cedo na manhã seguinte, Mrs. Harrel foi vê-la. Ela estava ansiosa
para saber por que, depois de convites repetidamente recusados, Cecilia havia
chegado repentinamente sem convite algum, e estava ainda mais ansiosa para
falar de si mesma e relatar a vida cansativa que levava assim encerrada no
campo e confinada à companhia de seu irmão. Cecilia se esquivou de dar
qualquer resposta imediata às suas perguntas, e Mrs. Harrel, feliz pela
oportunidade de ensaiar suas próprias queixas, logo se esqueceu do que havia
perguntado e, em muito pouco tempo, estava perfeitamente, embora
imperceptivelmente, satisfeita por ser ela mesma o único assunto sobre o qual
conversavam.
Mas o egocentrismo de Mr. Arnott não era o mesmo, e Cecilia, quando
desceu para o desjejum, percebeu com a maior preocupação que ele havia
passado uma noite tão insone quanto a sua. Uma visita tão repentina, tão
inesperada e tão inexplicável, de um objeto sobre o qual nenhum desânimo
poderia fazê-lo pensar com indiferença, havia sido para ele um assunto de
conjecturas e questionamentos que haviam reavivado todas as esperanças e
temores que, recentemente, embora ainda não extintos, estiveram
adormecidos. As indagações, porém, das quais sua irmã havia desistido, ele
não se aventurou a renovar e considerou-se feliz demais em sua presença,
qualquer que fosse a causa de sua visita.
No entanto, ele percebeu imediatamente a tristeza que pairava sobre
Cecilia, e a sua própria foi redobrada pela visão. Mrs. Harrel também notou
que ela parecia doente, mas atribuiu sua aparência ao cansaço e susto da noite
anterior, sabendo bem que um acidente semelhante a teria deixado doente, ou
a teria feito imaginar que estava doente.
Durante o café da manhã, Cecilia mandou chamar o postilhão para saber
como estava o homem, cuja amável assistência em sua aflição fora tão infeliz
para ele. Ele respondeu que se tratava de um trabalhador diarista que morava
a cerca de meia milha de distância. Então, em parte para gratificar sua própria
humanidade e em parte para encontrar qualquer outro afazer para ela, além de
uma conversa desinteressante com seus amigos, ela propôs que todos fossem
até a casa do pobre homem e lhe oferecessem alguma reparação pelo dano
que ele havia sofrido. A proposta foi prontamente aceita e o postilhão lhes
disse aonde ir. O lugar era um casebre, situado sobre um terreno
compartilhado; eles entraram sem cerimônia e encontraram uma mulher de
aparência limpa trabalhando. Cecilia perguntou pelo seu marido e foi
informada de que ele tinha saído para trabalhar durante o dia.
— Fico muito feliz em saber — respondeu ela —, espero que ele tenha se
recuperado do acidente que sofreu na tarde de ontem.
— Não foi ele, madame — disse a mulher —, que sofreu o acidente, foi
John; ali está ele, trabalhando no jardim.
Todos foram para o jardim e o viram no chão, removendo ervas daninhas.
No momento em que se aproximaram, ele se levantou e, sem falar,
começou a mancar, pois mal conseguia andar.
— Lamento, senhor — disse Cecilia —, que esteja tão ferido. O senhor já
colocou alguma coisa em seu pé?
O homem não respondeu, mas mesmo assim se afastou dela; no entanto,
um vislumbre do seu olhar, que no instante seguinte ele fixou no solo, a
assustou; ela se virou para olhar para ele novamente e viu Mr. Belfield!
— Bom Deus! — exclamou ela, mas, ao vê-lo ainda recuar, lembrou-se
por um momento quão pouco ele seria grato a ela por tê-lo traído, e
permitindo que ele seguisse adiante, ela voltou para seu grupo e abriu o
caminho novamente para dentro de casa.
Assim que passou a primeira emoção de sua surpresa, ela perguntou há
quanto tempo John pertencia àquela casa e o que fazia para viver.
A mulher respondeu que ele estava lá há apenas uma semana e que saíra
para o trabalho diário com o marido.
Cecilia então, por suspeitar que a permanência deles o impedia de
trabalhar, e disposta a poupá-lo do sofrimento de ser visto por Mr. Arnott ou
por Mrs. Harrel, propôs que voltassem para casa. Ela lamentou sinceramente
ao contemplar em uma ocupação tão melancólica um jovem de tantos talentos
e habilidades. Ela queria muito ajudá-lo e já começava a considerar de que
maneira isso poderia ser feito, quando, enquanto eles estavam deixando a
casa, uma voz a uma certa distância gritou: — Madame! Miss Beverley! —
olhando em volta, para seu espanto absoluto, ela viu Belfield se esforçando
para segui-la.
Ela se deteve instantaneamente, e ele avançou, o chapéu na mão e todo o
seu ar indicando que não buscava se disfarçar.
Surpresa com a mudança repentina de comportamento, ela deu um passo à
frente para encontrá-lo, acompanhada por seus amigos, mas, quando eles se
aproximaram, ela controlou seu desejo de falar, para deixá-lo em plena
liberdade de se dar a conhecer, ou de manter a dissimulação.
Ele fez uma reverência com uma expressão de alegria e tranquilidade, mas
o profundo escarlate que tingia todo o seu rosto manifestava sua confusão
interna, e com uma voz que tentava parecer animada, embora sua inflexão
trêmula denunciasse inquietação e angústia, ele exclamou, com um sorriso
forçado: — É possível que Miss Beverley se digne a notar um pobre e
miserável diarista como eu? Como ela será justificada no beau monde,
quando até mesmo a visão de tal desgraçado deveria enchê-la de horror? De
agora em diante, que a histeria seja levada ao vento e que os nervos sejam
descartados do vocabulário feminino, já que uma dama tão jovem e bela pode
suportar este impacto sem amônia ou desmaios!
— Estou feliz — respondeu Cecilia — por encontrá-lo de bom humor, no
entanto, o meu, devo confessar, não foi muito elevado ao vê-lo nesta estranha
situação.
— Meu humor — exclamou ele, com um ar de desafio — nunca esteve
melhor, nunca foi tão bom como neste momento! Por mais estranha que
pareça minha situação, é tudo o que desejo. Descobri, enfim, o verdadeiro
segredo da felicidade; aquele segredo que durante tanto tempo persegui em
vão, mas que sempre me escapou, até que chegou o momento de desespero,
quando, abrandando o passo, desisti como um fantasma. “Afasta-te de mim”,
eu disse, “não serei mais enganado! Tu és como um sopro! Tu és uma sombra
passageira! Não viverei mais à tua vista, pois teus raios me ofuscam sem me
aquecer! A humanidade parece apenas composta de matéria para teus
experimentos, e eu abandonarei toda a raça para que tuas ilusões não mais me
sejam apresentadas!”
Esta fuga romântica que surpreendeu até mesmo Cecilia, embora
conhecesse seu caráter, também causou à Mrs. Harrel e Mr. Arnott a maior
surpresa; sua aparência e o relato que acabavam de ouvir dele, de forma
alguma os havia preparado para tais sentimentos ou linguagem.
— Será, então, este o grande segredo da felicidade? — perguntou Cecilia.
— Nada, afinal, além do isolamento total do mundo?
— Não, madame — respondeu ele —, é o trabalho com independência.
Cecilia agora desejava muito pedir alguma explicação sobre seus afazeres,
mas duvidava que ele a satisfizesse diante de Mrs. Harrel e Mr. Arnott, e
achava que poderia prejudicá-lo ao mantê-lo de pé, embora ele se apoiasse
em uma bengala; ela lhe disse, portanto, que no momento não o deteria mais,
mas se esforçaria novamente para vê-lo antes de deixar seus amigos.
Mr. Arnott, então, interferiu e solicitou à irmã que implorasse à Miss
Beverley para convidar quem ela quisesse para sua casa. Cecilia agradeceu e
imediatamente pediu a Belfield que fosse visitá-la mais tarde.
— Não, madame, não — gritou ele —, acabei com as visitas e com a
sociedade! Não vou romper tão cedo um sistema formado com muita
dificuldade, quando toda a minha tranquilidade futura depende de aderir a
ele. A inutilidade da humanidade me deixou insatisfeito com o mundo, e
minha decisão em abandoná-lo será tão inabalável como sua baixeza.
— Não devo me aventurar, então — disse Cecilia —, a perguntar...
— Pergunte, madame — interrompeu ele com rapidez —, o que quiser;
não há nada que eu não responda à senhorita, a essa dama, a esse cavalheiro,
a qualquer um. O que posso desejar esconder, onde não tenho nada a ganhar
ou perder? Na verdade, quando a vi pela primeira vez, encolhi-me
involuntariamente; por um momento, uma débil vergonha apoderou-se de
mim, senti-me diminuído e degradado, e desejei evitá-la, mas uma pequena
recordação me trouxe de volta aos meus sentidos, e onde, eu pensei, está a
vergonha de exercer para minha subsistência a força com a qual eu fui
dotado? E por que eu deveria corar por levar a vida que a natureza não
corrompida prescreveu ao homem desde o início?
— Bem, neste caso — disse Cecilia, cada vez mais interessada em ouvi-lo
—, se não vai nos visitar, pode pelo menos permitir que caminhemos com o
senhor até algum lugar onde possamos nos sentar?
— Com muito prazer! — exclamou ele. — Irei a qualquer lugar onde
vocês puderem se sentar, mas por mim, deixei de considerar acomodações ou
inconveniências.
Em seguida, todos voltaram para o casebre, que agora estava vazio, já que
a mulher havia saído para trabalhar na roça.
— Bem, senhor — disse Cecilia —, deixe-me perguntar se lorde Vannelt
está a par do seu afastamento e se isso não o surpreenderá e desapontará?
— Lorde Vannelt — disse ele com altivez — não tem o direito de se
surpreender. Eu teria abandonado sua casa por qualquer outra, até mesmo por
este casebre, se tivesse um telhado para me fornecer abrigo!
— Lamento, de fato, ouvir isso — disse Cecilia. — Eu esperava que ele
reconhecesse seu valor e merecesse sua consideração.
— O maltrato — respondeu ele — é tão difícil de relacionar quanto de ser
tolerado. Geralmente há algo lamentável em uma queixa, e embora a
opressão em um sentido geral provoque a ira da humanidade, a investigação
de suas circunstâncias mais minuciosas não desperta nada além de escárnio.
Aqueles que ofendem, dignos de poucos, podem ser odiados, mas aqueles
que o recebem serão desprezados pelo mundo em geral. Consciente do fato,
desdenhei fazer qualquer apelo; eu mesmo, o único sofredor, tinha o direito
de ser o único juiz e, sacudindo os obstáculos básicos do interesse e da
sujeição, saí de sua casa em silenciosa indignação, sem escolher protestar,
pois não desejava ser reconciliado.
— E não havia nenhum modo de vida — disse Cecilia — para adotar, a
não ser viver com lorde Vannelt ou renunciar ao mundo inteiro?
— Pesei tudo com maturidade — respondeu ele — antes de tomar minha
decisão, e o fiz com tanta determinação que tenho certeza de que nunca
poderei me arrepender. Eu tinha amigos que com prazer me apresentariam a
algum outro nobre, mas todo o meu coração se rebelou contra esse tipo de
vida, e eu não pretendia, portanto, vagar ociosamente de um grande homem a
outro, adicionando má vontade à desonra e buscando esperança desafiando o
bom senso. Não, quando renunciei a lorde Vannelt, decidi renunciar ao
patrocínio para sempre. Recolhi-me em alojamentos privados para deliberar
sobre o que poderia ser feito a seguir. Vivi de muitas maneiras e fui infeliz ou
imprudente em todas elas. Eu havia tentado o Direito, mas seus rudimentos
eram tediosos e repugnantes; o exército também, mas lá encontrei minha
mente mais cansada pela indolência do que meu corpo pela ação; a dissipação
geral teve então seu turno, mas os gastos a que ela me conduziu foram
ruinosos, e a autocensura frustrou o prazer enquanto eu a perseguia. Eu até
mesmo... sim, há poucas coisas que não tentei, eu até mesmo... por que
esconder agora? — ele se deteve e corou, mas em uma voz mais rápida logo
procedeu.
— O comércio também teve sua participação em meus experimentos, pois
isso, na verdade, eu estava destinado originalmente, mas minha educação não
havia me preparado para este destino, e a primeira máxima do comerciante eu
inverti ao esbanjar quando deveria ter acumulado. O que, então, havia
sobrado para mim? Para repetir a mesma sequência enfadonha, eu não tinha
paciência, e para tentar qualquer coisa nova, não estava qualificado; dinheiro,
não tinha; meus amigos, eu não suportaria mais ser um fardo para eles.
Durante quinze dias permaneci em uma indecisão miserável, mas um simples
acidente ao final felizmente me tranquilizou. Certa manhã, eu estava
caminhando pelo Hyde Park, fazendo mil planos para minha vida futura, mas
brigando com todos eles, quando encontrei um cavalheiro montado, de quem,
na casa de milorde Vannelt, havia recebido cortesias particulares. Busquei
outro caminho para não ser visto por ele, e a mudança nos meus trajes desde
que deixei Sua Senhoria me fez passar facilmente despercebido. No entanto,
ele havia trotado mais alguns metros quando, por algum acidente ou má
gestão, o cavalo o derrubou. Esquecendo-me de toda a cautela, voei
instantaneamente em seu auxílio; ele estava machucado, mas não muito
ferido. Eu o ajudei a se levantar e ele se apoiou no meu braço; na minha
pressa de perguntar como ele se sentia, eu o chamei pelo seu nome. Ele me
reconheceu, mas parecia surpreso com minha aparência; ele falava comigo,
no entanto, com gentileza, quando, ao avistar alguns cavalheiros de seu
conhecimento galopando em sua direção, ele rapidamente se desvencilhou de
mim e imediatamente começou a contar a eles o que havia acontecido; ele
diligentemente olhou para outro lado, juntou-se aos seus novos companheiros
e partiu sem me dar mais atenção. Por um momento, estive quase tentado a
chamá-lo de volta, mas uma pequena lembrança me disse o quão pouco ele
merecia meu ressentimento, portanto, transferi para o futuro a lamentável
companhia inútil. Naquele momento, minha deliberação terminou; o desgosto
com o mundo que eu já havia concebido, o pequeno incidente confirmou. Vi
que existia apenas para os grandes e ricos; um pobre, portanto, humilde, o
que eu tinha a ver com ele? Decidi deixá-lo para sempre e acabar com todas
as decepções destruindo todas as esperanças. Escrevi a lorde Vannelt e pedi
que enviasse meus baús para minha mãe. Escrevi à minha mãe dizendo que
estava bem e logo a deixaria saber mais; paguei então meu alojamento e,
“sacudindo a poeira dos pés”, dei um longo adeus a Londres e,
comprometendo meu caminho ao acaso, avancei para o interior, sem saber ou
me importar com a direção. Meu primeiro pensamento foi simplesmente
buscar o afastamento e depender para meu futuro repouso de nada além de
um isolamento total da sociedade. Porém, meu método lento de viajar me deu
tempo para reflexão e a reflexão logo me mostrou o erro desta ideia. A culpa,
eu disse, pode, de fato, ser evitada pela solidão, mas será a miséria? O
arrependimento? O profundo abatimento da mente? Não, eles seguirão com
mais assiduidade do que nunca, pois o que há para se opor a eles, onde nem
os negócios ocupam o tempo, nem a esperança a imaginação? Onde o
passado não deixou nada além de ressentimento, e o futuro se abre apenas
para um vazio sombrio e sem interesse? Conhecedor da vida, eu sabia que a
natureza humana não poderia existir nesses termos; embora menos estranho
aos livros, respeitei a voz da sabedoria e da experiência no primeiro dos
moralistas e mais esclarecido dos homens e, lendo a carta de Cowley,52 vi a
vaidade e o absurdo de ofegar depois da solidão. Não procurei, portanto, uma
cela, mas, uma vez que me propus a viver para mim, me propus também a
pensar. O servilismo da imitação sempre foi tanto meu desprezo quanto o
servilismo da dependência. Assim, resolvi empreender algo novo, e não mais
me isolar como todos os outros homens se isolaram, do que permanecer no
mundo como todos os demais. O resultado de tudo é o que vê agora. Descobri
este casebre e passei a morar nele. Estou aqui, fora do caminho de toda a
sociedade, mas evito o grande mal de me retirar sem ter nada para fazer.
Estou constantemente, não caprichosamente, ocupado, e o exercício que
beneficia a minha saúde eleva imperceptivelmente meu ânimo, apesar da
adversidade. Estou afastado de toda tentação, quase não tenho o poder de
fazer o que é errado. Não tenho nenhum objeto para ambição, para reclamar
não tenho tempo. Descobri, eu repito, o verdadeiro segredo da felicidade:
trabalhar com independência.
Ele se deteve, e Cecilia, que ouvira a narrativa com um misto de
compaixão, admiração e censura, estava impressionada demais com sua
singularidade para poder contestá-la prontamente. Sua curiosidade em ouvi-lo
surgira inteiramente de seu desejo de ajudá-lo, e ela esperava, a partir de sua
história, obter alguma pista sobre quais serviços poderiam ser oferecidos.
Porém, nada aconteceu; ele se declarou totalmente satisfeito com sua situação
e, embora a razão e a probabilidade contradissessem sua ocupação, ela não se
aventurava a contestá-la com delicadeza ou prudência.
Ela lhe agradeceu por ele ter lhe contado sua história, com muitas
desculpas pelos problemas que ela havia lhe causado, e acrescentou: — Não
devo expressar minha preocupação por infortúnios que o senhor parece
considerar uma contribuição ao seu contentamento, nem protestar contra o
passo que tomou, uma vez que foi conduzido a ele por escolha, não por
necessidade; mas, ainda assim, o senhor deve me perdoar se eu não puder
evitar a esperança de que algum dia eu o veja mais feliz, de acordo com as
ideias comuns, ainda que fora da vulgaridade do resto do mundo.
— Não, nunca, nunca! Estou farto da humanidade, não através da teoria,
mas por experiência; e as precauções que tomei contra a fadiga mental me
protegerão do arrependimento ou de qualquer desejo de mudança, pois não
são os ativos, mas os indolentes, que se cansam; não são os moderados, mas
os mimados, que são caprichosos.
— Sua irmã estar a par desta mudança no seu destino e nas suas opiniões?
— Pobre menina, não! Ela e sua mãe infeliz suportaram por muito tempo
meus empreendimentos e infortúnios. Mesmo assim, elas sacrificariam tudo o
que possuíam para me permitir jogar uma vez mais o jogo tantas vezes
perdido; mas não abusarei de seu afeto, nem permitirei que voltem a ser
escravas de meus caprichos, nem enganadas por suas próprias expectativas
ilusórias.
— Eu lhes escrevi dizendo que estou feliz, mas ainda não disse como ou
onde. Temo muito a aflição de sua decepção e, por algum tempo, ocultarei
delas minha situação, a qual lhes pareceria vergonhosa e lamentariam por ser
cruel.
— E não é cruel? — perguntou Cecilia. — O trabalho é mesmo tão doce?
E o senhor pode realmente derivar felicidade de tudo o que os outros
consideram miséria?
— Não é doce — respondeu ele — em si mesmo; mas doce, muito doce, e
salutar, em seus efeitos. Quando trabalho, eu me esqueço de todo o mundo;
meus projetos para o futuro, minhas decepções do passado. A fadiga mental é
superada pelo cansaço pessoal; eu trabalho até precisar de descanso, aquele
descanso que a natureza exige, não o luxo, que não leva à meditação ociosa,
mas ao sono profundo, pesado e necessário. Acordo na manhã seguinte com o
mesmo exílio de pensamentos, trabalho novamente até que meus poderes se
esgotem e me sinto aliviado novamente à noite pela mesma insensibilidade de
recrutamento de saúde.
— E se isso — perguntou Cecilia — é felicidade, por que reclamamos
tanto dos sofrimentos dos pobres, e por que sempre ouvimos falar de suas
adversidades e angústias?
— Eles não conheceram nenhuma outra vida. Eles, portanto, são alheios à
felicidade de seu destino. Se eles ao menos tivessem se misturado com o
mundo, alimentado sua imaginação com esperança e olhado para o futuro
com expectativa de alegria; se tivessem sido cortejados pelos ricos e
desfrutado de uma profusão de adulação por suas habilidades, mesmo quando
estavam famintos, e nada mais lhes fosse oferecido! Se tivessem visto um
círculo atento à espera do entretenimento de seus poderes e mesmo assim se
descobrissem esquecidos assim que estivessem fora de vista, e se
percebessem evitados quando não eram mais os bufões. Ora, se tivessem
conhecido e sentido provocações como estas, com que alegria seus espíritos
ressentidos se afastariam de toda a raça insensível, e como respeitariam o
trabalho nobre e viril, que ao mesmo tempo os desembaraça de tais
armadilhas subjugadoras e lhes permite fugir da ingratidão que abominam!
Sem o contraste do vício, a virtude não amada pode ser adorável; sem a
experiência da miséria, a felicidade é simplesmente uma privação monótona
do mal.
— E o senhor está tão contente — disse Cecilia — com sua situação atual,
até mesmo para pensar que ela pode estar lhe oferecendo uma reparação por
seus sofrimentos passados?
— Contente — repetiu ele com energia —, mais do que contente, estou
orgulhoso da minha situação atual! Eu me vanglorio em abocanhar o mundo,
e mais ainda em mostrar a mim mesmo que aqueles a quem não posso deixar
de desprezar, não terei escrúpulos em desafiar, e que onde fui tratado
indignamente, desprezarei o dever.
— Peço seu perdão — disse Cecilia —, mas devo perguntar novamente
por que, ao deixar lorde Vannelt, o senhor concluiu que ninguém mais
merecia um julgamento?
— Porque não era necessariamente milorde Vannelt, madame, na minha
própria situação que me desagradava, pois, embora eu não gostasse de seu
comportamento, eu reconheço que eu era um homem que gostava de me
vangloriar. E eu não mudaria simplesmente mudando de residência, enquanto
minha posição seria a mesma. Na verdade, acredito que ele nunca teve a
intenção de me ofender, mas fiquei ainda mais ofendido por ele me
considerar um objeto para receber indignidade sem o saber. Dizer isso a ele
teria sido ao mesmo tempo mortificante e inútil, pois a delicadeza, assim
como o paladar, só pode ser ensinada parcialmente, e sempre será superficial
e equivocada onde não for inata. Esses erros, embora muito insignificantes
para se ressentir, são muito humilhantes para serem suportados; a fala não
pode transmitir nenhuma ideia, a alma deve sentir, ou o entendimento nunca
poderá compreendê-los.
— Mas, certamente — disse Cecilia —, embora as pessoas refinadas sejam
raras, elas ainda assim existem. Por que, então, retirar-se da possibilidade de
se reunir com elas?
— Devo correr pelo país — perguntou ele — proclamando minha angústia
e descrevendo meu temperamento? Dizendo ao mundo que, embora
dependente, exijo respeito e também ajuda; e ao anunciar para a humanidade
que, embora pobre, não aceitarei presentes se oferecidos com desprezo?
Quem ouvirá tal relato? Quem se ocupará das minhas desgraças, senão para
me humilhar? Quem ouvirá minhas mortificações, senão para dizer que as
mereço? O que o mundo tem a ver com meus sentimentos e peculiaridades?
Sei muito bem que a calamidade não irá amenizá-los; não preciso de novas
lições para me instruir que vencer a aflição é mais sábio do que relatá-la.
— Por mais infeliz que o senhor tenha sido — disse Cecilia —, não me
surpreendo com sua aspereza, mas, ainda assim, certamente não é mais do
que justiça reconhecer que a dureza de coração diante da angústia não é de
forma alguma culpa dos tempos atuais; pelo contrário, apenas se dá a
conhecer antes do que todos estejam dispostos a contribuir para o seu alívio.
— E como poderão contribuir? — perguntou ele. — Com uma mesquinha
doação de dinheiro? Sim, o homem cuja única necessidade são alguns poucos
guinéus pode, de fato, obtê-los, mas aquele que pede bondade e proteção,
cujo espírito oprimido clama por consolo ainda mais do que reparo da sua
fortuna arruinada, como sua alma lutadora, se superior ao seu destino, pode
tolerar a ostentação do patrocínio e a insolência da condescendência? Sim,
sim, o mundo salvará o pobre mendigo que morre de fome, mas o infeliz
caído, que não se encolhe por seu apoio, pode consumir em sua própria
miséria sem piedade e sem ajuda!
Cecilia viu agora que a ferida que sua sensibilidade havia recebido era
dolorosa demais para ser discutida e recente demais para ser imediatamente
curada. Ela se absteve, portanto, de detê-lo por mais tempo, mas expressou
seus melhores votos, sem se aventurar a insinuar seus serviços. Levantou-se e
todos se despediram. Belfield apressou-se, enquanto eles se afastavam, para
retornar ao jardim, de onde, olhando por cima da sebe ao passar, eles o viram
ocupado novamente na remoção de ervas daninhas, com o entusiasmo de um
homem que se dedica à sua ocupação favorita.
Cecilia quase se esqueceu de suas próprias angústias e tristezas na
preocupação que sentia por aquele jovem infeliz e extraordinário. Ela
desejava muito conceber algum meio de tirá-lo de uma vida de tantas
adversidades e obscuridade, mas o que poderia propor a um homem tão
orgulhoso de sua honra, tão escrupuloso na delicadeza, sem maior risco de
ofensa do que probabilidade de agradar? Na verdade, o seu relato a havia
convencido do quanto ele precisava de ajuda, mas também havia lhe
mostrado quão cansativo ele seria ao recebê-la.
Ela também não estava totalmente segura de que uma sincera solicitude
para servi-lo, considerando sua juventude, talentos e maneiras marcantes,
pudesse ocasionar até para si mesmo uma interpretação equivocada de seus
motivos, tal como ela já havia despertado em sua obstinada e parcial genitora.
O presente, portanto, pesadas todas as circunstâncias, parecia não ser o
momento certo para sua generosidade, a qual ela então decidiu exercer no
primeiro momento em que não houvesse oposição de decoro.
CAPÍTULO 77

UMA DISPUTA

O resto do dia foi passado com a discussão desta aventura, mas à noite o
interesse de Cecilia por ela foi completamente dissipado ao receber a seguinte
carta de Mrs. Delvile.

“Miss Beverley,
Lamento interromper a tranquilidade de um retiro tão criteriosamente
escolhido e lamento a necessidade de voltar a chamar à prova a virtude cujo
esforço, embora tão cativante, seja tão doloroso, mas, infelizmente, minha
excelente jovem amiga, não estamos aqui para desfrutar, mas para sofrer, e
felizes são aqueles cujos sofrimentos não foram buscados por insensatez,
nem por culpa merecida, mas que, decorrentes apenas da imperfeição da
humanidade, têm resistido com firmeza ou suportado com paciência. Fui
informada de sua firmeza virtuosa, que corresponde às minhas expectativas
ao mesmo tempo em que desperta meu respeito. De todos os conflitos
posteriores eu esperava tê-la poupado, e para o triunfo de sua bondade havia
confiado a recuperação de sua paz, mas Mortimer me decepcionou, e nosso
trabalho ainda está inacabado. Ele declara que está solenemente
comprometido com a senhorita e, ao suplicar sua honra, silencia tanto a
acusação quanto a autoridade. Somente por suas próprias palavras ele
reconhecerá sua desistência, e apesar da minha relutância em impor-lhe esta
tarefa, não posso silenciá-lo ou calá-lo sem fazer o pedido. Para um
propósito como este, a senhorita poderia, então, nos receber? Poderia
suportar com seus próprios lábios confirmar a decisão irrevogável? Estou
certa de que sentirá compaixão por Mortimer, e era sinceramente meu desejo
poupá-la de ver sua aflição; contudo, tal é minha confiança em sua
prudência que, visto que ele se encontra decidido a vê-la, tenho esperança de
que, ao testemunhar a grandeza de sua mente, o encontro possa acalmá-lo
mais do que inflamá-lo. Esta proposta a senhorita levará em consideração, e
se puder, em tais condições, encontrar meu filho novamente, nós a
atenderemos juntos, onde e quando desejar, mas, se a gentileza de sua
natureza tornar o esforço muito severo para a senhorita, não tenha
escrúpulos em recusá-lo, pois Mortimer, quando conhecer o seu desejo, se
submeterá a ele como deveria. Adeus, muito amável e adorável Cecilia; seja
qual for sua decisão, esteja certa de minha concordância, pois nobremente a
senhorita conquistou e deve para sempre conservar a estima, o afeto e a
gratidão de AUGUSTA DELVILE”.

— Ai de mim! — exclamou Cecilia. — Quando poderei descansar?


Quando deixarei de ser perseguida por novos conflitos! Oh, por que devo
tantas vezes, tão cruelmente, embora tão relutantemente, rejeitar e reprovar o
homem que entre todos os homens eu desejo aceitar e satisfazer?
Mesmo assim, embora lamentasse essa árdua necessidade, ela não hesitou
nem por um momento em atender ao pedido de Mrs. Delvile, e
imediatamente respondeu que a encontraria na manhã seguinte na casa de
Mrs. Charlton.
Ela então voltou para a sala de estar e pediu desculpas à Mrs. Harrel e Mr.
Arnott pela brusquidão de sua visita e pela rapidez de sua partida. Mr. Arnott
a ouviu em silencioso abatimento e Mrs. Harrel fez uso de toda a persuasão
ao seu alcance para convencê-la a ficar, pois sua presença era um alívio para
sua solidão. Porém, achando sua estratégia ineficaz, ela a pressionou
seriamente para que apressasse sua mudança para sua própria casa, para que
sua ausência pudesse ser abreviada, e seus encontros mais animados.
Cecilia passou a noite planejando o seu comportamento para o dia
seguinte; ela descobriu o quanto era esperado dela por Mrs. Delvile, que até
mesmo a teria estimulado a recusar o encontro se duvidasse de suas próprias
forças.
A firmeza de Delvile em insistir que a recusa deveria vir diretamente de
Cecilia a surpreendeu, gratificou e deixou perplexa de uma só vez. Ela havia
imaginado que, desde o momento da descoberta, ele implicitamente teria se
submetido ao prêmio de um pai ao mesmo tempo tão reverenciado e tão
amado, e como ele havia reunido coragem para confrontá-lo, ela não podia
imaginar. Ainda assim, essa coragem e esse confronto não a espantavam mais
do que a consolavam, pois, pelo conhecimento que possuía de sua ternura
filial, ela os considerava as provas mais indubitáveis que já havia recebido do
fervor e constância de sua consideração por ela. Mas será que ele, quando ela
tivesse ratificado a decisão de sua mãe, abandonaria todas as lutas e
renunciaria para sempre todas as suas pretensões em relação a ela? Este era o
ponto ao redor do qual rondava sua incerteza, o tema principal de seus
pensamentos e meditação. No entanto, manter-se firme ela mesma, qualquer
que fosse sua conduta, era invariavelmente sua intenção e toda a sua
ambição; ainda assim, ela desejava sinceramente que o encontro fosse
cancelado, pois temia ver a tristeza de Delvile, e temia ainda mais a
suscetibilidade de seu próprio coração.
Na manhã seguinte, para sua grande inquietação, Mr. Arnott a aguardava
no vestíbulo quando ela desceu as escadas, e estava tão triste com sua partida,
que a acompanhou até a carruagem sem conseguir dizer uma palavra, e mal
ouviu seus agradecimentos e felicitações, a não ser como uma lembrança
depois que ela se foi. Ela chegou à casa de Mrs. Charlton muito cedo e
encontrou sua velha amiga no mesmo estado em que a havia deixado. Ela lhe
comunicou o propósito de seu retorno e implorou que mantivesse as netas no
andar de cima, para que a conferência na sala de visitas pudesse ser
ininterrupta e privada. Ela então fez um desjejum forçado e apressado e
desceu para se preparar para recebê-los. Eles não chegaram antes das onze
horas, e o tempo de sua espera foi passado em agonias de expectativa. Por
fim, foram anunciados e, por fim, entraram na sala.
Cecilia, fazendo todo esforço para manter a coragem, mal podia suportar
recebê-los. Eles entraram juntos, mas Mrs. Delvile, avançando diante de seu
filho e esforçando-se para interceptar a visão dela, com a esperança de que
em alguns instantes sua emoção fosse menos visível, disse, com o tom mais
suave e tranquilizador: — Que honra, Miss Beverley, a senhorita nos oferece
ao permitir esta visita! Eu lamentaria muito ter deixado Suffolk sem a
satisfação de vê-la novamente, e meu filho, ciente do grande respeito que lhe
é devido, não estava muito disposto a partir antes de lhe pagar seus devoirs.
Cecilia fez uma reverência, mas, deprimida pela tarefa cruel que a
aguardava, não encontrou forças para falar, e Mrs. Delvile, ao descobrir que
ela ainda tremia, fez com que ela se sentasse e puxou uma cadeira ao seu
lado. Nesse meio tempo, Delvile, com uma emoção muito mais violenta e
completamente desenfreada, aguardava impacientemente o término do
cerimonial da recepção e, então, aproximou-se de Cecilia, com uma voz de
perturbação e ressentimento, e disse: — Nesta presença, pelo menos, espero
ser ouvido; embora minhas cartas não tenham sido respondidas, minhas
visitas recusadas, embora inexoravelmente a senhorita tenha fugido...
— Mortimer — interrompeu Mrs. Delvile —, não se esqueça de que o que
eu lhe disse é irrevogável; você agora se encontra com Miss Beverley com o
único propósito de dar e receber uma liberação mútua de tudo ou de um
compromisso mútuo.
— Perdoe-me, madame — exclamou ele —, esta é uma condição com a
qual nunca concordei. Não venho para liberá-la, mas para reclamá-la! Eu sou
dela e completamente dela! Eu protesto diante do mundo! Esse tempo,
portanto, do sacrifício que me pede já passou, já que não é mais minha mãe
do que eu a considero minha esposa.
Cecilia, pasma com esta declaração destemida, quase perdeu o medo em
meio à sua surpresa, enquanto Mrs. Delvile, com um ar tranquilo, embora
descontente, respondeu: — Este não é um ponto a ser discutido no momento,
e eu esperava que você soubesse melhor o que era devido aos seus ouvintes.
Eu apenas consenti com esta entrevista como uma demonstração de seu
respeito por Miss Beverley, a quem por decoro corresponde romper esta
conexão infeliz.
Cecilia, que a esse chamado não podia mais permanecer calada, reuniu
forças para dizer: — Qualquer laço ou obrigação que possa depender de mim,
eu já renunciei; e agora estou pronta a declarar...
— Que desistiu completamente de mim? — interrompeu Delvile. — É isso
que ia dizer? Ah, como eu a ofendi? O que fiz para merecer um desgosto
capaz de me atrair tal sentença? Responda, diga, Cecilia, o que foi que eu fiz?
— Nada, senhor — disse Cecilia, confusa com tal linguagem na presença
de sua mãe. — O senhor não fez nada, mas, ainda assim...
— Ainda assim o quê? A senhorita me concebeu uma aversão? Alguma
antipatia terrível e horrível sucedeu à sua estima? Diga, diga sem
dissimulação, a senhorita me odeia, me abomina?
Cecilia suspirou e virou a cabeça para o lado, e Mrs. Delvile exclamou
indignada: — Que loucura e que absurdo! Mal te reconheço sob a influência
de uma violência tão irracional. Por que interrompe Miss Beverley no único
discurso que deveria ouvir dela? Por que, de uma só vez, a oprime e me irrita
com palavras mais apaixonadas do que razoáveis? Continue, menina
encantadora, termine o que tão sabiamente, tão judiciosamente estava
começando a dizer, e então será liberada desta perseguição turbulenta.
— Não, senhora, ela não deve continuar! — exclamou Delvile. — Se ela
não me abomina completamente, não permitirei que continue. Perdão,
perdoe-me, Cecilia, mas sua delicadeza tão requintada está traindo não
apenas a minha felicidade, mas também a sua. Mais uma vez, portanto, eu a
invoco para me ouvir, e então, se deliberadamente e de forma imparcial ainda
me renunciar, eu nunca mais irei angustiá-la resistindo ao seu decreto.
Cecilia, envergonhada e mudando de cor, ficou em silêncio, e ele
continuou.
— Tudo o que se passou entre nós, os votos de confiança e afeto que eu
lhe ofereci, o consentimento que obtive da senhorita para ser legalmente
minha, o vínculo do acordo que estabeleci e a grande honra que me conferiu
ao permitir que eu a conduzisse ao altar, todos esses detalhes já são
conhecidos por tantos, que a mínima reflexão deve convencê-la de que eles
logo não serão mais segredo para ninguém. Diga, então, se a sua própria
reputação não implora por mim, e se os escrúpulos que a levam a me recusar,
tomando outra direção, não irão, com muito mais propriedade, insistir, ou
melhor, ordenar que me aceite! Finalmente, está hesitando. Oh, Miss
Beverley! Eu vejo nessa hesitação...
— Nada, nada! — exclamou ela, apressadamente, e reprimindo sua
indecisão crescente. — Não há nada a ser visto, mas para cada lado que agora
me volto, vejo quão desprezível eu me tornei.
— Mortimer — disse Mrs. Delvile, tomada de terror ao penetrar na
submissão mental de Cecilia —, você já conversou com Miss Beverley, e
como não estou disposta a lhe impor nossa diferença de sentimentos, se faz
necessário, uma vez que ela já ouviu o que tinha a dizer, que eu, também,
deva reclamar sua atenção.
— Primeiro, deixe-a falar! — exclamou Delvile, que em sua aparente
vacilação construía novas esperanças. — Primeiro deixe-a responder o que
ela já se dignou a ouvir.
— Não, primeiro deixe-a ouvir — exclamou Mrs. Delvile —, pois
somente assim ela poderá julgar qual resposta refletirá em sua maior honra.
Então, ela voltou-se solenemente para Cecilia e continuou: — Aqui está,
Miss Beverley, um jovem que a adora apaixonadamente e que se esquece em
sua adoração dos amigos, familiares e conexões, das ideias sob as quais foi
educado, da honra de sua casa, de suas próprias visões anteriores e de todo
seu senso primitivo de dever, tanto público quanto privado! Uma paixão
construída sobre tal desonra de princípios o torna indigno de sua aceitação, e
não mais desprezível para ele seria uma união que apagasse seu nome da
linhagem ofendida de onde ele surgiu, do que uma falta de delicadeza para
com a senhorita, que sob tais termos deveria desprezá-lo.
— Céus, madame! — exclamou Delvile. — Que discurso!
— Oh, nunca mais — exclamou Cecilia, levantando-se — quero ouvir
outro semelhante! Na verdade, madame, não há razão para me analisar tão
profundamente, pois agora eu não entraria para sua família, por tudo o que o
mundo inteiro pudesse me oferecer!
— Por fim, madame — disse Delvile, voltando-se para a mãe em tom de
censura —, está satisfeita? Seu propósito agora está respondido? A adaga que
cravou em meu coração está funda o suficiente para apaziguá-la?
— Oh, se eu pudesse arrancá-la — exclamou Mrs. Deville — e não deixar
sobre seu coração nenhuma mancha de ignomínia, com que alegria meu
próprio seio deveria recebê-lo, para curar a ferida que eu mais
compulsivamente infligi! Se essa excelente criatura não tivesse um dote, eu
não hesitaria em dar meu consentimento; toda reivindicação de interesse seria
equilibrada por suas virtudes, e eu não lamentaria vê-lo pobre, onde de
maneira tão consciente você seria feliz, mas neste caso, para conceder, eu
aniquilaria toda esperança com a qual até agora admirei meu filho.
— Vamos, então, madame — disse Cecilia —, encerrar esta conferência.
Eu já falei, já ouvi, a sentença já foi promulgada, e, portanto...
— A senhorita é realmente um anjo! — exclamou Mrs. Delvile,
levantando-se e abraçando-a. — Nunca poderei censurar meu filho pelo que
aconteceu quando considero o objeto para o qual o sacrifício foi planejado. A
senhorita não pode se considerar infeliz, já que adquiriu a paz pelo exercício
da virtude, e o encerramento de cada dia lhe trará uma recompensa, na
suavidade de uma mente determinada. Mas nós nos separaremos agora, já que
acha o mais correto.
— Não, não vamos nos separar! — exclamou Delvile, com crescente
veemência. — Se me obrigar, madame, a me afastar dela, a senhora vai me
levar à loucura! O que há neste mundo que pode me oferecer uma
recompensa? E o que pode o orgulho, mesmo para o mais orgulhoso, ter
como equivalente? A senhora reconhece suas perfeições, a grandeza da mente
dela é como a sua, e ela generosamente me entregou seu coração. Oh, que
fardo sagrado e fascinante! Devo eu, depois de tal doação, consentir com uma
separação eterna? Revogue, revogue sua sentença, minha Cecilia! Vamos
viver para nós mesmos e nossas consciências, e deixar os preconceitos vãos
do mundo para aqueles que podem ser compensados por eles pela perda de
todos os outros!
— Este conflito, então — disse Mrs. Delvile —, vai durar para sempre?
Oh, termine com isso, Mortimer, termine com isso e me faça feliz! Ela é justa
e irá perdoá-lo, ela tem uma mente nobre e irá honrá-lo. Fuja, então, neste
momento crítico, pois fugir sozinho é a sua segurança; e então seu pai verá o
filho de suas esperanças, e então as bênçãos afetuosas de sua idolatrada mãe
aliviarão todas as suas aflições e suavizarão todo o seu pesar!
— Oh, madame! — exclamou Delvile. — Por misericórdia, pela
humanidade, pare com esta súplica cruel!
— Não, mais do que súplica, você tem minhas ordens, comandos que você
ainda nunca havia contestado, e a infelicidade, dez vezes infelicidade, seguirá
a sua desobediência. Ouça o que eu digo, Mortimer, porque falo
profeticamente; eu conheço o seu coração, eu sei que ele foi formado para a
retidão e para o dever, ou destinado por sua negligência ao arrependimento e
ao terror.
Delvile, impressionado por estas palavras, afastou-se repentinamente de
ambas e, em melancólico desânimo, caminhou para o outro lado da sala. Mrs.
Delvile percebeu o momento de seu poder e decidiu prosseguir com o golpe;
ela tomou a mão de Cecilia, enquanto seus olhos brilhavam com a animação
de reviver a esperança: — Veja — disse ela, apontando para o filho —, veja
se estou enganada! Ele nem mesmo pode suportar a sugestão de um
arrependimento futuro. A senhorita acredita que, quando cair sobre ele, ele
vai suportá-lo melhor? Não, ele vai afundar. E a senhorita, pura como é de
espírito, e firme em princípio, qual seria a sua chance de felicidade com um
homem que nunca errou até conhecê-la, que nunca poderia olhar para a
senhorita sem arrependimento, independente do seu carinho?
— Oh, madame — exclamou Cecilia, muito consternada —, faça com que
ele não me veja mais! Leve-o, leve-o e mantenha-o para si! Não terei a
infelicidade de envolvê-lo em arrependimentos, nem de incorrer nas
reprovações da mãe que ele tanto venera!
— Exaltada criatura! — exclamou Mrs. Delvile. — Uma ternura como
esta conferiria honra a um monarca.
Em seguida, chamando o filho de forma exultante, acrescentou: — Veja
com que grandeza pode uma mulher agir quando é estimulada pela
generosidade e por um justo senso de dever! Siga então, pelo menos, o
exemplo que você deveria ter dado e mereça minha estima e amor, ou
contente-se em renunciar a eles.
— E só poderei merecê-los — disse Delvile, em tom de profunda angústia
— por meio de uma obediência à qual não apenas minha felicidade, mas
minha razão deve ser sacrificada? Que honra eu ofendo que não seja
convencional? Que mal ameaça nossa união, que não seja imaginário? Para o
mundo em geral pode ser correto ceder aos seus preconceitos e orgulho, mas,
em assuntos de grande importância, é fraqueza ser algemado por escrúpulos
tão frívolos, e é covardia ser governado pelos costumes que condenamos.
Somente então se deve consultar a religião e as leis de nosso país, e onde elas
não são opostas nem infringidas, devemos nos considerar superiores a todas
as outras considerações.
— Noções equivocadas?! — disse Mrs. Delvile. — E por quanto tempo
você se vangloria de que esta felicidade independente duraria? Por quanto
tempo você poderia viver satisfeito com essa mera autossatisfação,
desafiando a censura da humanidade, a renúncia de sua família e as
maldições de seu pai?
— As maldições do meu pai?! — repetiu ele, assustado e estremecendo.
— Oh, não, ele nunca poderia ser tão bárbaro!
— Ele poderia — disse ela, firmemente —, nem eu duvido que o faria. Se
agora, no entanto, você é afetado pela perspectiva de ele renunciar a você,
pense no que sentirá quando pela primeira vez ele te proibir de aparecer
diante de qualquer um de nós! E pense em seu remorso por envolver Miss
Beverley em tal desgraça!
— Oh, não diga estas palavras — exclamou ele, com angustiosa seriedade
— para desonrá-la, para ser banida; não apresente, eu imploro, tais cenas para
minha imaginação!
— Mesmo assim seriam inevitáveis — continuou ela. — E eu nem disse
tudo; cego como você está agora pela paixão, seus sentimentos mais nobres
são apenas obscurecidos, não extirpados; pense, então, como todos eles se
levantarão em vingança por sua dignidade insultada, quando seu nome se
tornar um estranho aos seus ouvidos e for saudado por alguém pela primeira
vez por outro tão maldosamente adotado!
— Um momento, madame — interrompeu ele —, isso é mais do que
posso suportar!
— Céus! — continuou ela, desconsiderando sua súplica. — O que no
universo pode compensar esse primeiro momento de indignidade?! Pense
bem antes de prosseguir, e antecipe suas sensações, para que a paixão não o
domine completamente. Como o sangue de seus antepassados injustiçados
subirá até suas faces culpadas, e como seu coração pulsará com vergonha e
reprovação secretas, quando lhe felicitarem pelo casamento usando o nome
Mr. Beverley?
Delvile, ferido na alma, não tentou oferecer nenhuma resposta, mas
caminhou pela sala na maior desordem de espírito. Cecilia teria se retirado,
mas temia irritá-lo com alguma extravagância, e Mrs. Delvile, olhando para
ele, acrescentou: — Por mim mesma, eu ainda o veria, pois teria pena de sua
esposa, mas NUNCA contemplaria meu filho afundado em um objeto de
compaixão!
— Não serei! — exclamou ele, em um espasmo de raiva. — Cesse, cesse
toda essa loucura! Alegre-se, madame, a senhora conseguiu!
— Este é meu filho! — exclamou ela, abraçando-o extasiada. — Agora eu
reconheço meu Mortimer! Agora vejo a promessa justa de sua juventude
honesta e a realização benéfica de minhas expectativas maternas!
Cecilia, ao ver tudo assim concluído, não desejava nada além de felicitá-
los por sua reconciliação, mas, depois de dizer apenas: — Deixe-me
também... — sua voz falhou, ela parou bruscamente e, esperando não ter sido
ouvida, teria deslizado para fora da sala.
Mas Delvile, aflito e torturado, mas deliciado com este sinal de
sensibilidade, separou-se de sua mãe, tomou a mão de Cecilia e exclamou: —
Oh, Miss Beverley, se não está feliz...
— Eu estou! Eu estou! — gritou ela, com rapidez. — Deixe-me passar e
não pense mais em mim.
— Essa voz, esses olhares — disse ele, ainda segurando sua mão —, eles
não transmitem serenidade! Se eu tirei sua paz, se esse coração, tão puro
quanto o coração de um anjo, merece ser tão sagrado pela dor, por meus
próprios meios, ou por mim, sofre qualquer diminuição de tranquilidade...
— Nenhuma, nenhuma! — interrompeu ela, de forma descuidada.
— Eu conheço bem — exclamou ele — a grandeza da sua alma; e se este
terrível sacrifício causar uma tortura duradoura apenas para mim, se eu
pudesse estar certo de que voltará a ser feliz, eu me esforçaria para apoiá-la.
— O senhor pode, pode estar certo disso! — exclamou ela, com renovada
dignidade. — Eu não tenho o direito de esperar escapar de todas as
calamidades, mas, enquanto compartilhar a sorte comum, eu me submeterei a
ela sem lamentações.
— O céu, então, a abençoe, e que os anjos te protejam! — exclamou ele e,
largando a mão dela, correu apressadamente para fora da sala.
— Oh, Virtude, quão brilhante é o teu triunfo! — exclamou Mrs. Delvile,
caminhando até Cecilia e envolvendo-a em seus braços. — Jovem criatura
nobre e incomparável! Eu não sabia que tanto valor pudesse ser compatível
com a fragilidade humana!
Mas o heroísmo de Cecilia, ao perder seu objeto, perdeu sua força; ela
suspirou sem conseguir falar e lágrimas brotaram de seus olhos; ela beijou a
mão de Mrs. Delvile com um olhar que mostrava sua incapacidade para
conversar e apressou-se para se afastar, embora mal conseguisse se sustentar,
com a intenção de se fechar em seus próprios aposentos. Mrs. Delvile, ao
perceber que sua fortaleza estava exausta, não se opôs a sua retirada e
sabiamente se absteve de aumentar sua emoção.
Porém, quando entrou no vestíbulo, ela se assustou e não pôde prosseguir,
pois lá ela viu Delvile, que, em agonia grande demais para ser visto, havia
parado para se recompor antes de deixar a casa.
Ao primeiro som de uma porta se abrindo, ele tentou escapar
apressadamente, mas ao perceber Cecilia e discernir sua situação, voltou-se
mais apressadamente, dizendo: — É possível? A senhorita está vindo ao meu
encontro?
Ela balançou a cabeça e fez um gesto com a mão para dizer não, e então
teria continuado.
— Está chorando? — perguntou ele. — A senhorita está pálida! Oh, Miss
Beverley! É esta a sua felicidade?
— Estou muito bem — disse ela, sem saber o que dizia —, eu estou muito
bem; por favor, vá... eu estou muito... — suas palavras morreram
inarticuladas.
— Oh, que voz é essa! — exclamou ele. — Ela atravessa minha própria
alma!
Mrs. Delvile aproximou-se da porta da sala e ficou horrorizada com a
situação em que os viu; Cecilia seguiu em frente e alcançou a escada, mas
cambaleou e foi obrigada a se agarrar ao corrimão.
— Deixa-me ajudá-la — disse ele. — A senhorita não está em condições
de ficar em pé. Para onde pretendia ir?
— Para qualquer lugar... eu não sei — respondeu ela com tons vacilantes
—, mas, se me deixar sozinha, eu ficarei bem.
Afastando-se dele, ela caminhou novamente em direção à sala,
encontrando em seu corpo trêmulo a impossibilidade de subir as escadas sem
ajuda.
— Dê-me sua mão, meu amor — disse Mrs. Delvile, cruelmente alarmada
com a situação de Cecilia. No momento em que eles entraram novamente na
sala, ela disse impacientemente ao filho: — Mortimer, por que você ainda
está aqui?
No entanto, ele não a ouviu; toda a sua atenção estava voltada para Cecilia,
que, afundada em uma cadeira, escondia o rosto contra Mrs. Delvile. Porém,
um pouco mais reavivada e corando pela fragilidade que havia traído, ela
ergueu a cabeça e, com suposta serenidade, disse: — Estou melhor, muito
melhor, eu não me sentia bem, mas já passou, e agora, se me derem licença,
irei para o meu quarto.
Ela então se levantou, mas seus joelhos tremiam e sua cabeça estava tonta.
Ela voltou a se sentar, forçou um sorriso fraco e disse: — Talvez seja melhor
eu ficar quieta.
— Posso suportar isso? — gritou Delvile. — Não, abala toda a minha
resolução! Mais bela e mais amada Cecilia! Perdoe minha declaração
precipitada que ouso retratar e renunciar, e que nenhum falso orgulho,
nenhuma vaidade inútil volte a me surpreender!
— Jovem impetuoso! — interrompeu Mrs. Delvile, com um ar de altivo
desgosto. — Se não pode ser racional, pelo menos mantenha-se calado. Miss
Beverley, nós vamos deixá-la agora.
Vergonha e sua própria seriedade fizeram com que Cecilia restaurasse
alguma força, e ela leu com terror no olhar de Mrs. Delvile as paixões que a
agitavam e imediatamente obedeceu, levantando-se. Porém, o filho, que havia
herdado uma parte de seu próprio espírito, correu entre elas e a porta e
exclamou: — Fique, madame, fique! Não posso deixá-la ir, vejo sua intenção,
vejo seu terrível propósito; a senhora influenciará os sentimentos de Miss
Beverley, a senhora irá extorquir dela a promessa de não voltar a me ver.
— Não se oponha à minha passagem! — exclamou Mrs. Delvile, cuja voz,
rosto e modos expressavam a crescente perturbação de sua alma. — Eu falei
com você por muito tempo em vão. Devo agora adotar algum método melhor
para a segurança da honra da minha família.
O momento pareceu decisivo a Delvile. Abandonando em desespero toda a
timidez e contenção, ele de repente saltou para frente e, arrebatando a mão de
Cecilia de sua mãe, exclamou: — Não posso, não vou desistir dela! Nem
agora, madame, nem nunca! Eu protesto muito solenemente! Eu afirmo com
minhas melhores esperanças! Juro por tudo o que considero sagrado!
A tristeza e o horror, ao lado do frenesi diante de uma decepção tão
inesperada e, portanto, peremptória, surgiram no rosto de Mrs. Delvile, que,
batendo a mão na testa, exclamou: — Meu cérebro está em chamas! — e saiu
correndo da sala.
Cecilia não teve dificuldade em se desvencilhar de Delvile, que,
surpreendido pela exclamação e confuso com a partida repentina de sua mãe,
apressou-se em persegui-la; ela apenas fugira para a sala ao lado, mas, ao
segui-la até lá, qual não foi o seu pavor e seu alarme quando a viu estendida
no chão, o rosto, as mãos e o pescoço cobertos de sangue! — Céus! —
exclamou ele, prostrando-se ao seu lado. — O que aconteceu? Onde a
senhora está ferida? Que maldição terrível lançou contra seu filho?
Incapaz de falar, ela balançou a cabeça com raiva, e indignada fez um
movimento com a mão, ordenando que ele desaparecesse de sua vista.
Cecilia, que o havia seguido, embora meio morta de terror, ainda teve a
presença de espírito para tocar a campainha. Um criado veio imediatamente;
e Delvile, afastando-se de sua mãe, ordenou-lhe que chamasse o primeiro
cirurgião ou médico que pudesse encontrar. O alarme atraiu o resto dos
criados para dentro da sala, e Mrs. Delvile, com ajuda, levantou-se do chão e
sentou-se em uma cadeira; ela ainda estava em silêncio, mas mostrava
desgosto diante de qualquer ajuda de seu filho, o que o fez entregá-la nas
mãos dos criados, enquanto, em uma muda agonia, apenas olhava e
observava.
Tampouco Cecilia, embora tivesse esquecido a própria dor e não mais
sentisse a fraqueza pessoal, atrevia-se a se aproximar dela. Sem saber o que
havia acontecido, ela ainda se considerava a causa daquela cena terrível, e
temia arriscar o efeito da menor emoção adicional.
Em poucos minutos, o criado retornou com um cirurgião. Cecilia, incapaz
de esperar e ouvir o que ele diria, deslizou rapidamente para fora da sala, e
Delvile, ainda mais agitado, a seguiu rapidamente até a sala ao lado; mas
tendo avidamente avançado para falar com ela, voltou-se precipitadamente e,
apressando-se para o vestíbulo, caminhou a passos rápidos para um lado e
para o outro, sem coragem de perguntar o que estava acontecendo.
Por fim, o cirurgião surgiu; Delvile apressou-se até ele e o deteve, mas não
foi capaz de fazer nenhuma pergunta. Seu semblante, no entanto, tornava as
palavras desnecessárias; o cirurgião compreendeu e disse: — A senhora vai
se recuperar muito bem; ela rompeu um vaso sanguíneo, mas acredito que
não terá nenhuma consequência. Ela deve ser mantida quieta e tranquila, e em
nenhuma hipótese deve se permitir que ela fale ou faça qualquer esforço.
Delvile o deixou e correu para um canto para dar graças aos céus, já que o
infortúnio, por maior que fosse, era menor do que ele inicialmente havia
imaginado. Ele então foi para a sala de visitas onde estava Cecilia, dizendo
ansiosamente: — Deus seja louvado, minha mãe não me amaldiçoou
voluntariamente!
— Neste caso — disse Cecilia —, mais uma vez faça com que ela o
abençoe! A violência de sua agitação já quase a destruiu, e seu corpo é muito
fraco para esta luta de paixões contenciosas. Vá até ela, então, e acalme o
tumulto do seu estado de espírito aquiescendo totalmente a sua vontade, e
sendo para ela outra vez o filho que ela acredita que perdeu!
— Pobre de mim! — disse ele, em um tom de profundo abatimento. —
Tenho me preparado para esse propósito e esperava apenas suas ordens para
finalmente me decidir.
— Vamos ambos procurá-la imediatamente — disse Cecilia. — A menor
demora pode ser fatal.
Ela liderou o caminho e, aproximando-se de Mrs. Delvile, que, pálida e
fraca, estava sentada em uma poltrona e descansava a cabeça no ombro de
uma criada, disse: — Apoie-se em mim, querida senhora, e não diga nada,
apenas ouça!
Ela então ocupou o lugar da criada e solicitou a ela e aos demais criados
que saíssem da sala. Delvile aproximou-se, mas o olhar de sua mãe,
recuperando, à sua vista, seu fogo habitual, lançou sobre ele uma expressão
de tal desagrado que, estremecendo com a apreensão de inflamar novamente
aquelas paixões que ameaçavam com sua destruição, apressou-se a ajoelhar-
se e exclamou abruptamente: — Olhe para mim com menos aversão, pois
venho apenas para me resignar à sua vontade.
— E eu também — disse Cecilia. — Assim será. A senhora não precisa
dizer, nós sabemos disso, e aqui solenemente prometemos que nos
separaremos para sempre.
— Reviva, então, minha mãe — disse Delvile —, confie em nossas honras
comprometidas e pense apenas em sua saúde, pois seu filho nunca mais a
ofenderá.
Mrs. Delvile, muito surpresa e afetada, estendeu a mão para ele, com um
olhar mesclado de compaixão e obrigação, e, baixando a cabeça sobre o peito
de Cecilia, que com o outro braço pressionou em sua direção, explodiu em
uma agonia de lágrimas.
— Vá, vá, senhor — disse Cecilia, cruelmente alarmada —, já disse tudo o
que era necessário dizer; deixe Mrs. Delvile agora, para que ela possa se
recompor.
Delvile obedeceu imediatamente, e então sua mãe, cuja boca ainda
continuava a se encher de sangue, embora não jorrasse com a violência que
havia começado, foi convencida pelas súplicas de Cecilia a consentir em ser
levada para seu quarto; e, como seu translado imediato para outra casa
poderia ser perigoso, ela concordou também, embora com muita relutância,
com suas súplicas urgentes de que tomaria posse total dela até o dia seguinte.
Depois de tudo acertado, Cecilia a deixou para comunicar o que havia
acontecido à Mrs. Charlton, mas foi informada por um dos criados que Mr.
Delvile implorava para falar com ela na sala ao lado. Ela hesitou por um
momento em atender a esse pedido, mas, lembrando-se de que era certo
informá-lo da intenção de sua mãe de ficar a noite toda, ela foi até ele.
— Como a senhorita é indulgente — disse ele, com voz melancólica,
assim que ela abriu a porta. — Agora vou enviar uma mensagem ao Dr.
Lyster, a quem suplicarei que venha aqui imediatamente, mas estou com
medo de voltar a perturbar minha mãe, e, portanto, devo confiar na senhorita
para informá-la sobre o que vou fazer.
— Certamente. Implorei a ela que permanecesse aqui esta noite e espero
conseguir convencê-la a continuar comigo até a chegada do Dr. Lyster.
Depois disso, ela será, sem dúvida, orientada a ficar mais tempo ou a se
mudar para outro lugar.
— A senhorita é muito bondosa — disse ele, com um suspiro profundo. —
E eu irei apoiá-la, mas não pretendo voltar aqui, pelo menos não a esta casa, a
menos que, de fato, o relato do Dr. Lyster seja alarmante. Assim, deixo
minha mãe à sua amabilidade, e apenas espero, apenas rogo, que sua própria
saúde, sua própria paz de espírito, nem por atenção a ela, por ansiedade, ou
por compaixão por seu filho...
Ele se deteve e parecia ofegante. Cecilia se afastou para ocultar sua
emoção, e ele procedeu com uma rapidez de fala que demonstrava seu terror
de continuar com ela por mais tempo e sua luta consigo mesmo para ir
embora: — A promessa que fez à minha mãe em nossos nomes, devo me
considerar obrigado a observar. Vejo, de fato, que sua razão ou sua vida
cairiam sob o sacrifício de novas oposições; de minha parte, portanto, não há
mais tempo para pensar. Não posso lhe pedir mais nada, não posso! Ainda
assim, gostaria de lhe falar sobre a grande estima, mas é melhor não dizer
nada...
— Muito melhor — disse Cecilia, com um sorriso forçado e débil. — Não
perca, portanto, um só instante, e apresse-se para buscar o bom Dr. Lyster.
— Eu vou — respondeu ele, enquanto se dirigia para a porta; mas, ali, ele
se deteve e acrescentou: — Uma coisa eu ainda deveria, gostaria de dizer. Eu
fui impetuoso, violento, irracional; é com muita vergonha e pesar que recordo
o quanto fui impetuoso e irracional: eu insisti, quando deveria ter-me
submetido em silêncio; repreendi, quando deveria ter aprovado com
sinceridade; e com a veemência com a qual eu a tenho perseguido, censurei
esta mesma dignidade de conduta que tem sido a base de minha admiração,
da minha estima, da minha devoção! No entanto, nunca poderei esquecer, e
nunca, sem um novo assombro, poderei recordar a doçura com a qual a
senhorita me tratou, mesmo quando eu mais a ofendi. Por esta impaciência,
esta violência, esta incoerência, peço agora sinceramente que me perdoe, e se,
antes de eu partir, a senhorita pudesse condescender ao ponto de pronunciar
seu perdão, com o coração mais leve, acredito que deveria deixá-la.
— Não fale em perdão — disse Cecilia. — O senhor nunca me ofendeu.
Eu sempre soube, sempre tive certeza, sempre atribuí... — ela se deteve,
incapaz de continuar.
Profundamente tocado por sua aparente angústia, com alguma dificuldade
ele se conteve para não cair aos seus pés, mas, depois de um momento de
pausa e reflexão, ele disse: — Eu compreendo a generosa indulgência que a
senhorita tem me mostrado, uma indulgência que sempre reverenciarei e
sempre lamentarei ter abusado. Eu lhe desejo muito, muito mais felicidade do
que tal lembrança poderia trazer, e não causarei mais dor à humanidade de
seu caráter. A senhorita vai dizer à minha mãe... mas não importa! Deus a
proteja, minha angelical Cecilia! Miss Beverley, quero dizer, que o Céu a
guie, proteja e abençoe! E se eu não voltar a vê-la, este deve ser o último
momento triste...
Ele fez uma pausa, mas, depois de se recuperar um pouco, acrescentou: —
Posso ouvir, pelo menos, sobre sua tranquilidade, pois só ela pode ter alguma
chance de acalmar ou reprimir a angústia que sinto.
Ele então recuou abruptamente e saiu correndo de casa.
Cecilia permaneceu por um tempo aturdida pela tristeza; ela se esqueceu
de Mrs. Delvile, de Mrs. Charlton, se esqueceu até mesmo do seu propósito
de pedir desculpas a uma ou ajudar a outra; ela manteve a postura em que ele
a havia deixado, quase imóvel e quase sem sensibilidade.
CAPÍTULO 78

UMA MENSAGEM

Cecilia, entretanto, foi logo despertada dessa letargia de tristeza com o


retorno do cirurgião que havia trazido consigo um médico para analisar a
situação de Mrs. Delvile. O medo pela mãe mais uma vez afastou o filho de
seus pensamentos, e ela esperou com a mais apreensiva impaciência pelo
resultado da consulta. O médico se negou a dar um parecer positivo, mas,
depois de prescrever uma receita, apenas repetiu a ordem do cirurgião de que
ela ficasse extremamente quieta e de maneira alguma permitissem que ela
falasse.
Cecilia, embora consternada e assustada com a situação, não lamentava de
forma alguma uma ordem que impedia qualquer conversa; incapacitada pela
sua própria tristeza, ela se alegrava por ver-se aliviada de toda a necessidade
de impor a si mesma a incômoda tarefa de encontrar assuntos para os quais
ela era totalmente indiferente, enquanto era obrigada com diligência a evitar
aqueles pelos quais sua mente se mantinha ocupada.
A digna Mrs. Charlton ouviu os acontecimentos da manhã com a maior
preocupação e encarregou suas netas de ajudar sua jovem amiga a fazer as
honras de sua casa à Mrs. Delvile, enquanto ela ordenava que outro aposento
fosse preparado para Cecilia, a quem ela dedicou todo o consolo que seu zelo
amigável pudesse sugerir.
Cecilia, por mais infeliz que estivesse, tinha um modo de pensar muito
justo para se entregar à dor egoísta quando a ocasião a chamava a agir em
benefício de outras pessoas. Nem por um momento, portanto, ela se permitiu
lamentar por si mesma, mas assiduamente empregava todo o seu tempo com
suas duas amigas enfermas, dividindo sua atenção de acordo com seu próprio
desejo ou conveniência, sem consultar nem considerar qualquer escolha
própria. Escolha, de fato, ela não tinha nenhuma; ela amava Mrs. Charlton e
reverenciava Mrs. Delvile; o desejo mais ardente com o qual seu coração
resplandecia era a recuperação de ambas, mas sua aflição era muito profunda
para receber prazer de qualquer uma delas.
Passaram-se assim dois dias, durante os quais a constância de sua
assistência, que em qualquer outro momento a teria fatigado, foi o único
alívio que era capaz de receber. Mrs. Delvile estava evidentemente afetada
por sua ternura vigilante, mas parecia igualmente desejosa de usar a proibição
da fala como desculpa para o silêncio ininterrupto. Ela nem mesmo
perguntava pelo filho, embora a ansiedade no seu olhar a cada vez que a porta
se abria mostrasse uma esperança ou uma apreensão de que ele pudesse
entrar. Cecilia desejava lhe dizer aonde ele tinha ido, mas temia confiar seu
nome à sua voz, e o silêncio entre elas, depois de algum tempo, parecia
existir por consentimento mútuo, e ela logo teve tão pouca coragem quanto
disposição para quebrá-lo.
A chegada do Dr. Lyster lhe trouxe muita satisfação, pois sobre ele
repousavam as esperanças do restabelecimento de Mrs. Delvile. Ele mandou
chamá-la no andar de baixo para perguntar se era esperado; ao saber que não
era, ele solicitou que ela o anunciasse, já que a menor emoção poderia ser
prejudicial.
Ela voltou a subir as escadas e, após uma breve preparação, disse: — Seu
favorito, Dr. Lyster, madame, está aqui, e eu ficarei muito mais feliz por tê-la
sob seus cuidados.
— Dr. Lyster! — exclamou ela. — Quem mandou chamá-lo?
— Eu creio, eu imagino, que foi Mr. Delvile.
— Meu filho? Ele está aqui, então?
— Não, no mesmo momento em que a deixou ele foi buscar Dr. Lyster, e
Dr. Lyster veio sozinho.
— Ele escreve para você?
— Na verdade, não! Ele não escreve, ele não vem aqui... minha querida
senhora, pode ficar tranquila, ele nunca mais irá me procurar.
— Jovem exemplar! — exclamou ela, em uma voz quase inaudível. —
Quão grande é a sua perda! Mortimer infeliz! Fadado ao fracasso e mal
recompensado!
Ela suspirou e não disse mais nada, mas esta breve conversa, a única que
se passara entre elas desde sua enfermidade, a deixou tão agitada que o Dr.
Lyster, que agora subia as escadas, a encontrou em um estado de tremor e
debilidade que tanto o alarmou quanto surpreendeu. Cecilia, feliz com a
oportunidade de deixá-la, saiu do quarto e mandou, por vontade do Dr.
Lyster, chamar o médico e o cirurgião que já a tinham assistido.
Depois de terem passado algum tempo com sua paciente, eles retiraram-se
para uma consulta, e, ao seu término, o Dr. Lyster atendeu Cecilia na sala de
visitas e lhe garantiu que não tinha receios pela saúde de Mrs. Delvile. —
Embora, por mais uma semana — acrescentou ele —, eu gostaria que ela
continuasse sendo sua paciente, pois ela ainda não está em condições de ser
removida. Mas observe que ela fique quieta; não deixe ninguém chegar perto
dela, nem mesmo seu próprio filho. A propósito, ele está me esperando na
estalagem, então vou falar novamente com sua mãe e irei embora.
Cecilia ficou muito satisfeita com esta informação acidental, tanto por
saber da ansiedade de Delvile por sua mãe quanto da firmeza de sua
tolerância para consigo mesmo. Quando Dr. Lyster desceu as escadas
novamente, ele disse: — Eu ficarei até amanhã, mas espero que ela possa ir
para Bristol dentro de uma semana. Nesse meio tempo, eu a deixarei, pelo
que vejo, com uma excelente enfermeira. Mas, minha boa jovem, ao cuidar
dela, não negligencie a sua pessoa; não estou muito satisfeito com a sua
aparência, embora seja apenas um discurso antiquado, para dizer a verdade. O
que tem feito para si mesma?
— Nada — disse ela, um pouco envergonhada —, mas não seria melhor o
senhor tomar um pouco de chá?
— Sim, creio que sim, mas o que devo fazer com meu jovem?
Cecilia entendeu a indireta, mas corou e não respondeu.
— Ele está me esperando na estalagem — continuou ele —, no entanto,
ainda estou para conhecer um jovem rapaz que me faça dizer um “não” a uma
jovem senhorita; sendo assim, se me oferecer um pouco de chá aqui, eu
certamente o deixarei plantado.
Cecilia tocou imediatamente a campainha e pediu chá.
— Bem — disse ele —, lembre-se de que o pecado dessa quebra de
compromisso está inteiramente à sua porta. Eu direi a ele que a senhorita
praticamente me obrigou com mãos violentas, e, se isso não for o suficiente
para me desculpar, eu gostaria que ele mesmo tentasse ser mais insensível à
sua pessoa.
— Creio que devo cancelar o chá — disse ela, com a alegria que podia
assumir —, se vou ser responsável por qualquer dano por aceitá-lo.
— Não, não, a senhorita não deve se desvencilhar agora; mas, por favor,
seria totalmente fora das regras se a senhorita enviasse alguém para lhe pedir
que viesse até nós?
— Bem, eu creio, eu penso... — disse ela, gaguejando — que é muito
provável que ele já esteja comprometido.
— Bem, bem, não pretendo propor nenhuma incongruência violenta. A
senhorita deve desculpar meu engano. Eu entendo muito pouco sobre a
etiqueta das moças. É uma ciência complicada demais para ser aprendida sem
mais estudo do que nós, homens de negócios, podemos dedicar nosso tempo.
No entanto, assim que terminar de redigir as prescrições, gostaria de lê-las,
desde que seja minha instrutora.
Cecilia, embora envergonhada de uma acusação em que estivessem
implícitos pudor e afetação, viu-se obrigada a submeter-se a ela, pois mandar
chamar Delvile ou explicar suas objeções era igualmente impossível. As
Misses Charlton, portanto, uniram-se a eles para o chá.
Assim que terminaram, um bilhete foi entregue ao Dr. Lyster: — Veja! —
exclamou ele depois de lê-lo. — Que coisa boa é ser jovem! Ora, Mr.
Mortimer compreende tanto de toda essa etiqueta quanto as senhoritas, pois
ele apenas escreve uma nota para perguntar como está sua mãe.
Ele então colocou o bilhete nas mãos de Cecilia.

“Dr. Lyster,
Diga-me, meu caro senhor, como o senhor encontrou minha mãe? Estou
inquieto pela sua longa visita e estou comprometido com meu amigo
Biddulph, ou deveria tê-lo seguido pessoalmente.
M.D.”

— Então, como vê — continuou o médico —, não preciso fazer penitência


por me comprometer com a senhorita quando aquele jovem cavalheiro pode
encontrar um entretenimento tão bom para si mesmo.
Cecilia, que conhecia bem o motivo honroso do compromisso de Delvile,
com alguma dificuldade se absteve de falar em sua reivindicação. Dr. Lyster
imediatamente começou uma resposta, mas, antes de terminar, disse: —
Agora, como me disseram que é uma jovem muito boa, acredito que a
senhorita não pode fazer nada menos do que me ajudar a punir esta centelha
de alegria por bancar o maccaroni53, quando deveria estar visitando sua mãe
doente.
Cecilia, muito magoada por Delvile e muito confusa consigo mesma,
parecia envergonhada, mas não sabia o que responder.
— O meu plano — continuou o médico — é lhe dizer que, assim como ele
encontrou um compromisso para o chá, ele pode encontrar outro para o
jantar; mas quanto a mim, estou melhor disposto, pois a senhorita insiste em
me manter para si mesma. Vamos, o que diz a etiqueta? Posso me oferecer
esta honra?
— Certamente — disse Cecilia, esforçando-se para parecer satisfeita —, se
o senhor nos favorece com sua companhia, as Misses Charlton e eu
pensaremos que a honra será mais nossa do que sua.
— Isso, então — disse o médico —, não vai atender ao meu propósito,
pois a minha intenção é a de me oferecer esta honra ou a de castigar
Mortimer? Então, suponhamos que eu diga a ele que não irei apenas jantar
com três senhoritas, mas ser convidado para um tête-à-tête com uma delas na
barganha?
As jovens apenas riram e o médico terminou sua nota de resposta e a
enviou. Depois, virando-se alegremente para Cecilia, disse: — Vamos, por
que não me faz este convite? Certamente a senhorita não quer me tornar
culpado de perjúrio?
Cecilia, ainda que pouco disposta a gracejos, de muito bom grado teria
abandonado o assunto, mas Dr. Lyster, voltando-se para as Misses Charlton,
disse: — Senhoritas, eu as convido a testemunhar se isso não é muito abuso;
esta jovem foi conivente quando eu escrevia uma completa falsidade, e o
tempo todo me levou a acreditar que era uma verdade. A única maneira que
consigo pensar para curá-la de tal divertimento é vocês duas nos deixarem
juntos, e assim fazê-la cumprir sua palavra, quer ela queira ou não.
As Misses Charlton captaram a indireta e saíram, enquanto Cecilia, que
não havia suspeitado sobre o que ele pretendia conversar com ela, ficou
extremamente perplexa ao pensar no que ele tinha a dizer.
— Mrs. Delvile — disse ele, continuando com o mesmo ar de bom humor
—, embora eu não tenha permitido que me dissesse mais de vinte palavras, só
precisou de dez para me informar de que a senhorita se comportou com ela
como um anjo. E por que deveria — disse eu —, por qual outra razão ela
seria enviada aqui se não fosse para se parecer com um? Eu a incumbi,
portanto, de levar tudo isso como uma coisa natural, e para provar que
realmente penso o que digo, vou agora fazer um julgamento o qual, se não
estiver de acordo, a senhorita se sentirá tentada a ordenar a alguns de seus
criados que me acompanhem até a porta. A verdade é que recebi uma
pequena incumbência a qual, em primeiro lugar, não sei como apresentar, e,
em segundo lugar, pelo que posso julgar, parece absolutamente supérflua.
Cecilia agora se sentia inquieta e alarmada, e implorou que ele se
explicasse. Ele então deixou de lado a frivolidade com a qual havia iniciado o
discurso e, após uma preparação séria, porém gentil, expressiva de sua
relutância em angustiá-la e sua firme convicção de seu valor incomum, ele a
informou de que não era estranho à sua situação no que dizia respeito à
família Delvile.
— Santo Deus! — exclamou ela, corando e muito surpresa. — E quem...
— Eu soube — disse ele — desde o momento em que atendi Mr.
Mortimer durante sua enfermidade no Castelo Delvile. Ele não conseguiu
esconder de mim que a origem de sua desordem era sua mente, e eu não
poderia saber disso sem prontamente conjecturar a causa quando vi quem era
a hóspede de seu pai e quando soube qual era o caráter de seu pai. Ele
descobriu que foi traído por mim, e quando lhe aconselhei uma viagem, ele
me entendeu bem. Sua abertura ao conselho e a firmeza viril com a qual ele
se comportou ao deixá-la me fizeram acreditar que o perigo tivesse ficado
para trás. Porém, na semana passada, quando estive no castelo por algum
tempo atendendo Mr. Delvile, que havia tido um forte ataque de gota, eu o
encontrei em uma agitação de ânimo que me fez suspeitar que iria direto ao
seu estômago. Eu solicitei à Mrs. Delvile que usasse sua influência para
acalmá-lo, mas ela mesma sentia uma emoção ainda maior, e, ao me
familiarizar com a situação, ela foi obrigada a deixá-lo, desejando que eu
passasse com ele cada momento ao meu alcance. Para tanto, eu praticamente
morei no castelo durante a sua ausência, e no decorrer de nossas muitas
conversas, ele me confessou a inquietude que o havia assolado a partir da
informação sobre seu filho, que acabara de receber.
Cecilia queria perguntar como ele a recebera e de quem, mas não teve
coragem, e, portanto, ele continuou.
— Eu ainda estava com o pai quando Mr. Mortimer chegou à minha casa
para me buscar. Eu fui chamado e ele me informou de sua missão sem
dissimulação, pois sabia que eu estava bem familiarizado com o segredo
original de onde surgia todo o mal. Eu lhe falei da minha angústia por deixar
seu pai e ele mesmo ficou extremamente surpreso ao saber de sua situação.
Concordamos que seria inútil esconder dele a indisposição de Mrs. Delvile,
que a demora do seu retorno e mil outros incidentes poderiam, de alguma
forma infeliz, tornar-se conhecidos por ele. Portanto, ele me incumbiu de
dizer tudo para que ele consentisse em minha viagem e, ao mesmo tempo,
tranquilizasse sua própria mente, assegurando-lhe que tudo o que havia
descoberto estava totalmente acabado.
Ele parou e olhou para ver como Cecilia suportava essas palavras.
— Está tudo acabado, senhor — disse ela, com firmeza. — Mas ainda não
ouvi sua incumbência; o que é e de quem?
— Estou completamente convencido de que é desnecessário, visto que o
jovem só pode se submeter, e que a senhorita só pode renunciar a ele.
— Mas, ainda assim, se houver uma mensagem, é adequado que eu a ouça.
— Se a senhorita insiste, que assim seja. Eu disse a Mr. Delvile para onde
estava indo e repeti as garantias de seu filho. Ele ficou aliviado, mas não
satisfeito; ele não quis vê-lo, e me pediu que transmitisse a ele uma proibição
de extrema severidade, e para a senhorita ele me pediu para dizer...
— É dele, então, a minha mensagem? — perguntou Cecilia, meio
assustada e muito desapontada.
— Sim — disse ele, compreendendo-a imediatamente —, pois o filho,
depois de me dar seu primeiro relato, teve a sabedoria e a paciência de não
mencioná-la uma única vez.
— Fico muito satisfeita — disse ela, com um misto de admiração e pesar
— ao ouvir isso. Mas, o que, doutor, disse Mr. Delvile?
— Ele me pediu que lhe dissesse que ou ele ou a senhorita nunca mais
deve ver seu filho.
— Foi realmente desnecessário — disse ela, corando de ressentimento —
me enviar tal mensagem. Eu não pretendia vê-lo novamente, eu nem
pretendia desejar isso. Eu o envio de volta, porém, sem resposta, e não farei
nenhuma promessa; apenas à Mrs. Delvile me considero vinculada; quanto a
ele, que envie as mensagens que quiser, eu sempre me manterei livre. Mas
creia-me, Dr. Lyster, se com seu nome seu filho tivesse herdado seu caráter,
seu desejo para a nossa separação seria fraco e insignificante em comparação
ao meu!
— Lamento, minha boa jovem — disse ele —, ter lhe causado esta
perturbação. No entanto, admiro sua índole e não duvido de que isso fará com
que se esqueça de qualquer pequena decepção que possa ter sofrido. E, apesar
de tudo, o que há para lamentar? Mortimer Delvile é, de fato, um jovem com
quem qualquer mulher desejaria se unir, mas todas as mulheres não podem
tê-lo, e a senhorita, entre todas as mulheres, tem menos razão para lamentar
sua falta, pois dificilmente haverá outro homem a quem não possa escolher
ou rejeitar a seu bel-prazer.
Por menor que fosse o consolo que Cecilia pudesse extrair desse discurso,
ela teve a sensatez de que não lhe cabia reclamar e, portanto, para encerrar a
conversa, ela propôs chamar as Misses Charlton.
— Não, não — disse ele —, devo ver Mrs. Delvile mais uma vez e então ir
embora. Amanhã de manhã eu voltarei para ver como ela está, deixarei
algumas instruções e partirei. Mr. Mortimer Delvile me acompanhará na
viagem, mas ele pretende voltar em uma semana para acompanhar sua mãe a
Bristol. Nesse meio tempo, pretendo promover uma reconciliação entre pai e
filho, cujos preconceitos são mais intratáveis do que qualquer homem que já
conheci.
— Será muito estranho — disse Cecilia — se uma reconciliação agora não
for possível.
— É verdade, mas já faz muito tempo que ele mesmo era jovem, e os
afetos mais suaves que ele nunca conheceu, ele apenas os considera em seu
filho como depreciativos para toda a sua linhagem. No entanto, se não
houvesse alguns poucos homens assim, dificilmente haveria uma família no
reino que pudesse contar com um bisavô. Devo reconhecer que eu mesmo
não aprecio sua natureza, mas a considero mais peculiarmente estranha do
que peculiarmente pior do que a maioria das outras pessoas; por exemplo,
como a natureza do seu tio era melhor? Ele gostava tanto de seu nome, que,
assim como Mr. Delvile, acreditava que poderia rastreá-lo desde a época dos
saxões.
Cecilia sentiu fortemente a verdade da observação, mas, decidida a não
discutir, não ofereceu qualquer resposta, e o Dr. Lyster, depois de algumas
desculpas bem-humoradas, subiu as escadas.
— Que perturbação incessante — exclamou ela, quando deixada sozinha
— me impede de descansar para sempre! Assim que uma ferida é fechada,
outra se abre; a mortificação sempre sucede à angústia, e quando meu
coração é poupado, meu orgulho é atacado, para que nenhum momento de
tranquilidade me seja permitido! Se a mais humilde das mulheres tivesse
conquistado o afeto de Mr. Delvile, poderia seu pai, com menos delicadeza
ou com menos decência, tê-la informado de sua inflexível desaprovação?
Enviar com tão pouca cerimônia uma mensagem tão desdenhosa e
peremptória! Mas, talvez seja melhor assim, pois se ele, também, assim como
Mrs. Delvile, tivesse unido a bondade à rejeição, eu poderia ter sentido ainda
mais profundamente a perversidade de meu destino.
CAPÍTULO 79

UMA DESPEDIDA

Na manhã seguinte, Dr. Lyster chegou cedo e, depois de visitar Mrs.


Delvile e de voltar a se encontrar com os dois cavalheiros a cujos cuidados
ela deveria permanecer, se despediu, porém, não sem antes tentar trocar
algumas palavras em particular com Cecilia, por meio das quais ele a
encarregava de cuidar de sua própria saúde e reanimar seu espírito.
— Não suponha — disse ele — que por ser amigo da família Delvile estou
cego aos seus méritos ou às suas fraquezas, longe disso; mas, então, por que
deveriam interferir entre si? Deixe que eles conservem seus preconceitos, os
quais, embora diferentes, não são piores do que os de seus vizinhos, e que a
senhorita retenha suas excelências e delas extraia a felicidade que eles
deveriam lhe dar. As pessoas raciocinam e se aperfeiçoam em mil formas de
infelicidade, e chegam à conclusão de que só podem se contentar de uma
maneira, ao passo que existem cinquenta maneiras; se elas apenas olhassem
ao seu redor, isso também funcionaria.
— De fato, acredito que o senhor está certo — respondeu Cecilia — e eu
lhe agradeço o conselho. Farei o que puder para estudar seu plano filosófico,
e é sempre um passo para a retificação estar convencido de que a buscamos.
— A senhorita é uma moça sensata e charmosa — disse Dr. Lyster. — E
Mr. Delvile, mesmo se encontrar uma nora descendente de Egbert, primeiro
rei de toda a Inglaterra, não se sairá tão bem quanto se tivesse ficado
satisfeito com a situação atual. No entanto, o velho cavalheiro tem o justo
direito, afinal de contas, de se satisfazer do seu jeito, e se vamos culpá-lo de
qualquer maneira, vamos acabar descobrindo que não é por outro motivo,
senão porque sua natureza entra em conflito com a nossa.
— Esta é, de fato — disse Cecilia, sorrindo —, uma verdade incontestável!
E é uma verdade a qual, no futuro, procurarei levar em consideração. Porém,
o senhor me permite agora fazer uma pergunta? O senhor pode me dizer de
quem, como ou quando ele recebeu a informação que causou toda esta
perturbação...
Ela hesitou, mas ele a compreendeu com facilidade e respondeu: — Como
eles tiveram conhecimento do acontecido eu nunca soube, pois nunca pensei
que valeria a pena perguntar, já que o fato é tão publicamente conhecido que
ninguém com quem encontro parece ignorá-lo.
Esta foi mais uma comoção cruel para Cecilia, e o Dr. Lyster, ao perceber
sua aflição, mais uma vez tentou confortá-la. — Que o caso tenha se
espalhado — disse ele —, agora não há o que fazer, e, portanto, não vale a
pena pensar no assunto. Todos estão de acordo que a escolha de ambos foi
honrosa para ambos, e ninguém precisa se envergonhar de ser o sucessor de
ninguém sempre que o curso das coisas levar Mr. Mortimer ou a senhorita a
fazer outra escolha. Ele sabiamente pretende viajar para o exterior e não
retornará até que seja dono de si novamente. E quanto à senhorita, minha boa
jovem, o que, depois de um curto tempo dedicado à aflição, deve interromper
a sua felicidade? A senhorita tem o mundo inteiro à sua disposição, tem
juventude, fortuna, talentos, beleza e independência. Afaste, portanto, de sua
cabeça este caso infeliz e lembre-se de que dificilmente haverá uma família
em todo o reino, com exceção desta, que não se regozijará em uma conexão
com o seu nome.
Ele então, com muito bom humor, apertou a mão dela e entrou na sua
carruagem.
Cecilia, embora não demorasse a notar com que facilidade e filosofia as
pessoas podem argumentar sobre as calamidades e moralizar sobre a má
conduta alheia, ainda teve a sinceridade e o bom senso de perceber que havia
razão no que ele suplicava e decidiu fazer o melhor uso das sugestões de
consolo que poderia extrair de seu discurso.
Durante a semana seguinte, ela se dedicou quase inteiramente à Mrs.
Delvile, compartilhando com a criada, que viera do castelo, o cansaço de
cuidar dela, e deixando para as Misses Charlton os cuidados principais com
sua avó. Mrs. Delvile parecia cada vez mais sensível à sua atenção e mais
desejosa de sua presença, e embora nenhuma das duas falasse, cada uma era
querida pela outra pelas ternas obrigações de amizade que eram pagas e
recebidas.
Quando a semana terminou, Dr. Lyster estava convencido de que deveria
retornar a Bury, a fim de viajar ele mesmo com Mrs. Delvile para Bristol. —
Bem — disse ele, chamando Cecilia de lado na primeira oportunidade —,
como vai? A senhorita estudou meu plano filosófico como me prometeu?
— Oh, sim — disse ela —, e me foi de muita serventia.
— A senhorita é uma boa menina — exclamou ele —, uma menina
extraordinária! Estou certo de que é, e, pela minha honra, sinto pena do pobre
Mortimer com toda a minha alma! Mas ele é um jovem nobre e se comporta
com uma coragem e espírito que me faz bem contemplar. Para obter o direito
de ficar com a senhorita, ele teria movido céus e terra, mas, ao encontrá-la
fora de seu alcance, ele se submete ao seu destino como um verdadeiro
homem.
Os olhos de Cecilia brilharam com este discurso. — Sim — disse ela —,
ele me disse há muito tempo que é a expectativa que torna a vida infeliz, pois
nela as paixões têm todo o poder e a razão não tem nenhum. Porém, quando
os males são irremediáveis e não temos recursos para planejar nem construir
castelos para nos iludir, encontramos tempo para o cultivo da filosofia, e nos
gabamos, talvez, de ter encontrado uma disposição.
— Bem, vejo que a senhorita tem considerado este assunto com bastante
profundidade — disse ele —, mas eu não devo permitir que ceda diante
destas sérias reflexões. Afinal, o pensamento tem um rancor cruel contra a
felicidade. Portanto, eu gostaria que a senhorita se mantivesse, tanto quanto
for conveniente, longe de sua companhia. Saia por aí e divirta-se, é tudo o
que pode fazer. A verdadeira arte da felicidade neste mundo tão caprichoso
parece nada mais, nada menos do que isso. Que aqueles que desfrutam do
ócio encontrem um emprego, e aqueles que têm negócios encontrem o ócio.
Ele então lhe disse que Mr. Delvile pai estava muito melhor, e não mais
confinado em seu quarto, e que ele teve o prazer de ver toda uma
reconciliação acontecer entre pai e filho, por quem sentia mais carinho e tinha
mais orgulho do que qualquer outro pai no universo.
— Portanto, minha cara jovem — continuou ele —, não pense mais nele,
pois o que vejo é desesperador. Perdoe minha intromissão quando confesso
que não pude deixar de propor ao velho cavalheiro um recurso próprio, pois,
como não conseguia tirá-la da cabeça, me dediquei a pensar no que poderia
ser feito como forma de acomodação. Bem, meu plano era realmente muito
bom, mas, quando as pessoas são preconceituosas, todo o raciocínio é
desperdiçado sobre elas. Eu propus fundir seus dois nomes, uma vez que eles
são tão divergentes um do outro, e assim adotar um terceiro, por meio de um
título. Mas Mr. Delvile declarou com raiva que, embora tal esquema pudesse
funcionar muito bem para o necessitado lorde Ernolf, uma nobreza de apenas
vinte anos, seus próprios nobres ancestrais nunca deveriam, por seu
consentimento, perder um nome que tantos séculos haviam tornado honroso.
Seu filho Mortimer, acrescentou ele, deveria inevitavelmente herdar o título
de seu avô, sendo seu tio mais velho solteiro; mas ainda assim ele preferia vê-
lo como um mendigo do que perder sua mais cara esperança de que Delvile,
lorde Delvile, descenderia, tanto em nome como em título, de geração em
geração, imaculada e ininterrupta.
— Lamento, de fato — disse Cecilia —, que tal proposta tenha sido feita, e
imploro sinceramente que nada do tipo seja repetido.
— Bem, bem — disse o médico —, eu não lhe prejudicaria por nada no
mundo, mas quem não teria imaginado que tal proposta teria sido boa? Mr.
Mortimer — acrescentou ele — deve nos encontrar em ___ , pois ele não iria,
disse ele, voltar a este lugar nos mesmos termos em que esteve aqui na
semana passada, nem por todo o valor dos domínios do rei.
A carruagem estava pronta, e Mrs. Delvile, preparada para partir. Cecilia
se aproximou para se despedir, mas Dr. Lyster a seguiu e disse: — Sem
conversas! Sem agradecimentos! Nenhum tipo de cortesia! Vou levar minha
paciente embora sem lhe permitir um só discurso civilizado, e por toda a
descortesia da qual é culpada, estou disposto a ser o responsável.
Cecilia teria então recuado, mas Mrs. Delvile, estendendo as duas mãos,
disse: — A todo o resto, Dr. Lyster, fico contente em me submeter, mas, se
eu morresse pronunciando estas palavras, não poderia deixar esta criatura
inestimável sem antes dizer o quanto a amo, como a honro e como lhe
agradeço! Sem lhe suplicar que cuide de sua saúde e conjurá-la a cumprir a
grandeza de sua conduta ao não permitir que seu ânimo se afunde pelo
esforço de sua virtude. E agora, meu amor, Deus te abençoe!
Ela então a abraçou e foi embora. Cecilia, a um gesto do Dr. Lyster,
absteve-se de segui-la.
— E assim — exclamou ela, quando eles se foram —, assim termina toda
a minha ligação com esta família! Parece que eu só deveria conhecê-los com
o propósito de fornecer uma nova prova da insuficiência da minha situação
para constituir felicidade. Quem não considera a minha como a perfeição da
felicidade humana? E talvez assim seja, pois pode ser que a felicidade e a
humanidade nunca tenham permissão para se aproximar.
E assim, na tristeza filosófica, ao raciocinar sobre a universalidade da
amargura, ela ao menos conseguiu reprimir toda a violência da tristeza,
embora sua disposição estivesse abatida e seu coração pesado.
No entanto, o dia seguinte trouxe consigo algum conforto que foi capaz de
aliviar um pouco sua tristeza: Mrs. Charlton, quase totalmente recuperada,
conseguiu descer as escadas, e Cecilia teve pelo menos a satisfação de ver o
desfecho feliz de uma enfermidade da qual, com a maior preocupação e
pesar, ela se considerava a causa. Ela a recebeu com a mais incessante
assiduidade e, como estava realmente muito grata, esforçou-se por parecer
feliz e vangloriou-se de que, por esforço contínuo, sua presença em pouco
tempo se tornaria realidade.
Mrs. Charlton retirou-se cedo, e Cecilia a acompanhou ao andar de cima;
enquanto estava com ela, foi informada de que Mr. Monckton estava no
vestíbulo.
As várias cenas aflitivas e pouco comuns em que estivera envolvida desde
a última vez que o vira o haviam quase afastado completamente de sua
lembrança, ou quando a qualquer momento recorria a ela, era apenas para
atribuir a interrupção de suas visitas à ofensa que ela havia lhe causado ao se
recusar a seguir seu conselho e abandonar sua expedição a Londres.
Ciente, portanto, das transações mortificantes que haviam ocorrido desde
sua separação, e temerosa de suas indagações sobre as desgraças que ele
quase havia previsto, ela o ouviu ser anunciado com desgosto e o recebeu
com a mais dolorosa confusão.
Muito diferentes eram os sentimentos de Mr. Monckton; ele leu em seu
semblante o desânimo da decepção, que imprimia em seu coração a
vivacidade da esperança. Sua evidente vergonha era para ele um triunfo
secreto; sua dor mal dissimulada reacendia todas as suas expectativas. Ela se
apressou para iniciar uma conversa mencionando sua dívida para com ele e se
desculpando por não a ter pagado no momento em que atingiu sua
maioridade. Ele sabia muito bem como ela havia ocupado seu tempo e lhe
assegurou que o atraso era totalmente irrelevante.
Ele então conduziu a conversa a uma investigação sobre a situação atual
de seus assuntos, mas, incapaz de suportar uma dissertação que só poderia
produzir censura e mortificação, ela apressadamente o interrompeu,
exclamando: — Não me pergunte, eu imploro, senhor, nenhum detalhe do
que aconteceu; o evento me trouxe sofrimentos que podem muito bem fazer
com que a culpa seja dispensada. Reconheço toda a sua sabedoria, estou
consciente do meu próprio erro, mas o assunto foi completamente
abandonado e a conexão infeliz que eu estava formando foi interrompida para
sempre!
Pouco foi o esforço de Mr. Monckton para reprimir sua curiosidade
adicional, e ele começou outros assuntos com prontidão e alegria. Ele
mencionou Mrs. Charlton, por quem não tinha a menor consideração; ele
falou com ela sobre Mrs. Harrel, cuja existência lhe era indiferente; e
mencionou alguns conhecidos em comum no interior, por nenhum dos quais
teria ficado aflito se fosse assegurado de que não os encontraria mais. Sua
capacidade de conversação era estimulada por suas esperanças, e seu espírito
alegre fazia com que todos os assuntos parecessem felizes. Havia sido
removido de sua mente um peso que havia quase aniquilado até mesmo suas
mais remotas esperanças; o objeto de sua ávida perseguição parecia ainda
estar ao seu alcance, e o rival em cujo poder ele recentemente quase a vira ser
entregue havia sido totalmente renunciado e não mais deveria ser temido.
Uma revolução como esta gerou expectativas mais otimistas do que nunca, e,
ao partir, de forma exultante, ele se considerava livre de todos os obstáculos à
vista até que, ao chegar em casa, lembrou-se de sua esposa!
CAPÍTULO 80

UM CONTO

Uma semana se passou, durante a qual Cecilia, por mais triste que
estivesse, dedicou, como de costume, todo o seu tempo à família que a
abrigava, negando a si mesma toda indulgência voluntária à dor e abstendo-se
de buscar consolo na solidão ou alívio nas lágrimas. Ela nunca dizia o nome
de Delvile e implorou à Mrs. Charlton que nunca o mencionasse; ela usou em
seu auxílio o relato que recebera do Dr. Lyster sobre sua firmeza e se
esforçou, por meio de uma ambição concorrente, para fortalecer sua mente da
fraqueza da depressão e do arrependimento. Esta semana, uma semana de luta
com todos os seus sentimentos, já estava perto do fim quando ela recebeu
pelo correio a seguinte carta de Mrs. Delvile:

“Bristol, 21 de outubro.
Miss Beverley,
Espero que minha doce e jovem amiga não lamente saber de minha
chegada a salvo a este lugar; para mim, cada relato de sua saúde e bem-
estar será sempre a informação que mais desejarei receber. No entanto, não
pretendo exigir o mesmo em troca; ao acaso confiarei para obter
informações, e só escrevo agora para dizer que não escreverei mais. Muitos
agradecimentos é o que lhe devo, e o que penso da senhorita está além de
todo poder de expressão. Não me deseje mal, o mal que pareci merecer, pois
meu próprio coração está partido pela tirania que fui obrigada a praticar
sobre o seu. E agora deixe-me dizer um longo adeus, minha admirável
Cecilia; a senhorita não será atormentada com uma correspondência inútil,
que só pode despertar lembranças dolorosas ou dar origem a novas
ansiedades ainda mais dolorosas. Orarei fervorosamente pela restauração
de sua felicidade, para a qual nada pode contribuir tanto quanto aquele
sábio, aquele comando uniforme, tão feminino, mas tão digno, que mantém
sobre suas paixões, o que muitas vezes admiro, embora nunca com tanto
sentimento como neste momento consciente, quando minha própria saúde é o
sacrifício de emoções mais fatalmente desenfreadas. Não me envie nenhuma
resposta, mesmo que tenha a doçura de desejá-la; cada nova prova da
generosidade de sua natureza é para mim apenas uma nova ferida. Portanto,
esqueça-se completamente de nós. Infelizmente, a senhorita apenas nos
conhece pela tristeza! Esqueça-se de nós, querida e inestimável Cecilia,
embora, sempre, como nobremente mereceu, a senhorita deve ser lembrada
com carinho e gratidão por AUGUSTA DELVILE”.

Esta carta destruiu a tentativa filosófica e a laboriosa resignação de


Cecilia; a luta havia chegado ao fim, a apatia havia chegado ao fim, e ela
rompeu em uma agonia de lágrimas que, ao encontrar a vazão que há muito
procuravam, agora corriam descontroladamente por suas bochechas, tristes
monitores da fraqueza da razão em oposição à angústia da dor! Uma carta ao
mesmo tempo tão carinhosa, mas tão dura, abriu caminho até seu coração,
apesar da fortaleza que ela se orgulhava de ser sua proteção. Ao renunciar a
Delvile, sentiu-se satisfeita com a conveniência de não voltar a vê-lo e estava
convencida de que até mesmo falar dele seria loucura e imprudência, mas
receber a informação de que no futuro eles deveriam permanecer estranhos à
existência um do outro... parecia haver nisso um sofrimento, um rigor
insuportável.
— Oh, como é a natureza humana! — exclamou ela. — Em seu melhor
estado é tão imperfeita! Que uma mulher como essa, de caráter tão nobre, de
sentimento tão elevado, com heroísmo para sacrificar ao seu senso de dever a
felicidade de um filho, a quem com alegria morreria para servir, possa ela
mesma ser assim, governada pelo preconceito, assim escravizada, assim
subjugada pela opinião!
No entanto, nunca, mesmo quando se sentia miserável, injusta ou
irracional, sua dor não se misturava com a raiva, e suas lágrimas corriam não
de ressentimento, mas de aflição. A situação de Mrs. Delvile, embora
diferente, ela considerava tão miserável quanto a sua. Portanto, ela leu sua
despedida com tristeza, mas não amargura, e recebeu sua simpatia não com
desdém, mas com gratidão. Porém, embora sua indignação não se sentisse
irritada, seus sofrimentos foram duplicados por uma despedida tão amável,
mas tirânica, uma simpatia tão afetuosa, mas desesperadora.
Nesta primeira indulgência à dor que havia concedido ao seu
desapontamento, Cecilia logo foi interrompida por uma convocação para
descer as escadas e receber um cavalheiro. Incapacitada e não querendo ser
vista, ela solicitou que ele deixasse seu nome e marcasse um horário para
voltar a visitá-la. Sua criada trouxe como resposta que ele acreditava que seu
nome fosse desconhecido para ela e desejava vê-la imediatamente, a menos
que ela estivesse ocupada em alguma questão de momento. Ela então
guardou a carta e foi para a sala, e lá, para seu infinito assombro, viu Mr.
Albany.
— Quão pouco, senhor — disse ela —, eu esperava por este prazer.
— Este prazer? — repetiu ele. — É assim que se refere a isso? Que
estranho abuso de palavras! Que banalidade para com a honestidade! A
linguagem não tem outro propósito, senão ferir o ouvido com inverdades?
Será o dom da palavra nos concedido apenas para perverter o uso do
entendimento? Eu não posso lhe oferecer prazer, não tenho poder para
oferecer a ninguém; a senhorita não pode me oferecer prazer, o mundo inteiro
não poderia fazer isso.
— Bem, senhor — disse Cecilia, que tinha pouco ânimo para se defender
—, não vou justificar a expressão, mas eu lhe asseguro sem fingimento que
estou pelo menos tão feliz em vê-lo agora como estaria ao ver qualquer outra
pessoa.
— Seus olhos — exclamou ele — estão vermelhos; sua voz, inarticulada;
jovem, rica e atraente, com o mundo a seus pés, mas ainda não o
experimentou e sua falsidade ainda é desconhecida. Como a senhorita
encontrou meios de antecipar a miséria? De que maneira destampou o
caldeirão das aflições humanas? Antecipação fatal e precoce! A tampa, uma
vez removida, nunca pode ser recolocada; essas aflições em ebulição serão
derramadas sobre a senhorita continuamente, e, somente quando seu coração
parar de bater, sua ebulição deixará de torturá-la!
— Ai de mim! — exclamou Cecilia, estremecendo. — Tão cruel, mas tão
verdadeiro!
— Por que a senhorita foi até o caldeirão? — perguntou ele. — O
caldeirão não veio até a senhorita. A miséria não busca o homem, mas o
homem a busca. Ele caminha sob o sol, mas não se detém por causa de uma
nuvem; confiante, ele segue seu caminho, até que a tempestade que, ao se
aproximar, ele poderia ter evitado, irrompe sobre sua devotada cabeça.
Assustado e surpreso, ele se arrepende de sua temeridade. Ele pede ajuda,
mas é tarde demais; ele corre, mas é o trovão que o segue! Assim é a
presunção do homem, assim é ao mesmo tempo a arrogância e a
superficialidade de sua natureza! E a senhorita é ingênua e cega! A senhorita
também foi onde a extravagância a levou, sem dar atenção ao fato de que sua
trajetória era para a tranquilidade, nem à ausência daquela adorável
companheira da inocência precoce da juventude, até que, de forma
aventureira e irrefletida, a senhorita a perdeu para sempre!
No atual estado de ânimo de Cecilia, o ataque foi demais para ela, e as
lágrimas que com muita dificuldade acabara de conter, novamente forçaram
seu caminho por sua face, enquanto ela respondia: — É verdade, eu a perdi
para sempre!
— Pobrezinha — disse ele, enquanto o rigor de seu semblante se
suavizava até converter-se na mais gentil comiseração —, tão jovem! E tão
inocente. É difícil! E o que sobrou disso tudo? Nenhuma pequena esperança
remanescente para enganar, enganar humanamente sua credulidade ainda não
totalmente extinta?
Cecilia chorou sem responder.
— Não permita que eu desperdice minha compaixão por nada — disse ele
—, a compaixão está comigo, nenhuma efusão de afetação. Diga, então, se é
merecedora ou se seus infortúnios são imaginários, e sua dor, artificial.
— Artificial? — repetiu ela. — Deus do céu!
— Responda a estas perguntas, pois através delas poderei compreender as
únicas calamidades para as quais a tristeza não tem controle, nenhuma por
motivações humanas. Diga, então, a senhorita perdeu pela morte sua amiga
mais íntima?
— Não!
— Sua fortuna foi dissipada pela extravagância, e seu poder de aliviar os
aflitos chegou ao fim?
— Não; o poder e a vontade permanecem, assim espero, igualmente
inalterados.
— Ah, então, menina infeliz! A senhorita é culpada de alguma violação e
o remorso pesa tanto assim em sua consciência?
— Não, não, graças a Deus, para este sofrimento pelo menos eu sou uma
estranha!
Seu semblante reassumiu a severidade e, da maneira mais austera, ele
disse: — De onde então vêm essas lágrimas? E que capricho é esse que
dignifica com o nome de tristeza? Que estranha devassidão de indolência e
luxo! Que perversa lamentação de ingrata plenitude! A senhorita não sabe o
que eu tenho sofrido!
— Será que eu poderia diminuir o seu sofrimento? — perguntou Cecilia.
— Isso me alegraria sinceramente. Porém, sua aflição deve certamente ser
intensa, se a minha, em comparação, merece ser qualificada de capricho!
— Capricho — repetiu ele — é exultação! É puro êxtase em comparação
com a minha! A senhorita ainda não desperdiçou sua herança com
dissipação! Ainda não impediu por remorso cada caminho para o desfrute!
Nem ainda o sepulcro frio se apoderou do amado de sua alma!
— Tampouco — disse Cecilia — espero que sejam tão irremediáveis os
males que o afligiram.
— Sim, eu resisti a todos eles! Resisti? Eu ainda os suporto. Irei suportá-
los pelo tempo que continuar respirando! Posso lamentá-los, talvez, um
pouco além disso.
— Bom Deus! — exclamou Cecilia, encolhendo-se. — Que mundo é este!
Tão cheio de desgraça e maldade!
— No entanto, a senhorita também tem do que se queixar, embora feliz
com a única bênção da vida, a inocência! A senhorita também pode
resmungar, embora alheia ao único terror da morte! Sim! Oh, mesmo assim,
se a sua tristeza não for contaminada pela culpa, que seja indiferente a tudo o
mais, regozije-se com o seu destino!
— Mas quem — disse ela, suspirando profundamente — me ensinará tal
lição de alegria, quando todo o meu ser se levantar para se opor a ela?
— Eu — disse ele — vou ensiná-la, pois lhe contarei minha própria triste
história. Então a senhorita descobrirá quão mais feliz é a sua sorte e, então,
erguerá a cabeça em agradecido triunfo.
— Oh, não! O triunfo não chega tão facilmente! No entanto, se o senhor se
aventurar a confiar em mim para fazer algum relato sobre si mesmo, ficarei
feliz em ouvi-lo e muito agradecida pela confiança.
— Eu o farei — respondeu ele —, não importa o quanto possa sofrer. Para
despertá-la deste sonho de tristeza fantasiosa, eu abrirei todas as minhas
feridas e a senhorita as sondará com nova vergonha.
— Não, na verdade — disse Cecilia, com rapidez —, não vou ouvi-lo se a
relação for tão dolorosa.
— Para mim a humanidade está perdida — disse ele —, já que apenas o
castigo e a penitência me trazem conforto. Eu lhe direi, portanto, os meus
crimes, para que conheça sua própria felicidade, para que a ignorância não
signifique nada além de inocência, e para que não a perca inconsciente de seu
valor. Ouça e aprenda o que é a tristeza! Apenas a culpa é a base da
infelicidade duradoura; a culpa é a base da minha, e, portanto, sou um eterno
desgraçado!
Cecilia teria novamente se recusado a ouvi-lo, mas ele se negou a ser
poupado, e como sua curiosidade há muito havia sido excitada para saber
algo de sua história e os motivos de sua conduta extraordinária, ela ficou feliz
por tê-lo satisfeito e prestou a máxima atenção ao relato.
— Sou oriundo das Índias Ocidentais e muito cedo fui enviado para cá
para ser educado. Enquanto eu ainda estava na Universidade, eu vi, adorei e
persegui a flor mais bela que já exibiu seus doces botões, o coração mais
terno que já foi partido por maus-tratos. Ela era pobre e desprotegida, filha de
um aldeão; era inculta e despretensiosa, filha da simplicidade! Mas ela
floresceu depois de quinze verões e seu coração foi uma conquista fácil; no
entanto, uma vez tornada minha, resistiu à tentação da infidelidade. Meus
companheiros de estudos a atacaram; ela foi agredida por todas as artes da
sedução; lisonjas, subornos, súplicas, todas foram empregadas, porém, todas
falharam; ela era completamente minha, e com uma sinceridade tão atraente
decidi me casar com ela, desafiando todas as objeções mundanas. A morte
repentina de meu pai me chamou às pressas de volta à Jamaica. Eu temia
deixar este tesouro desprotegido, mas por decoro eu não poderia me casar
nem tomá-la diretamente. Assim, prometi pela minha fé voltar para ela assim
que tivesse resolvido meus assuntos, e deixei a um amigo íntimo a inspeção
de sua conduta durante a minha ausência. Deixá-la foi uma loucura; confiar
em um homem foi uma loucura. Oh, raça odiosa! Como o mundo tem sido
abominável para mim desde então! Eu passei a detestar a luz do sol, evitar o
contato com meus semelhantes, a voz do homem eu detestei, sua visão eu
abominei! Porém, mais do que tudo, eu mesmo deveria ser abominado!
Quando tive acesso à minha fortuna, embriagado por um poder repentino,
esqueci-me da bela flor, deleitei-me com a libertinagem e o vício, e deixei-a
exposta e desamparada. Uma revolta foi sucedida por outra até que uma febre
provocada pela minha própria intemperança me permitiu algum tempo para
pensar. Então ela foi vingada, pois o primeiro remorso foi da minha parte: sua
imagem foi trazida de volta à minha mente com frenética afeição e a mais
amarga contrição. No momento em que me recuperei, voltei para a Inglaterra.
Eu me apressei para reivindicá-la, mas ela estava perdida; ninguém sabia para
onde tinha ido, e o desgraçado em quem havia confiado fingia saber menos
do que realmente sabia. No entanto, depois de uma busca furiosa, eu a
rastreei até uma cabana, onde ele mesmo a havia escondido. Quando ela me
viu, soltou um grito e tentou fugir. Eu a interrompi e disse que havia voltado
fiel e honradamente para torná-la minha esposa; sua própria fé e honra,
embora manchadas, não estavam extintas, pois ela imediatamente reconheceu
a história fatal de sua ruína! Eu recompensei sua ingenuidade? O
incomparável belo sacrifício à integridade intuitiva? Sim! Com minhas
maldições! Eu a carreguei de maldições, difamei-a na linguagem mais
infame, insultei-a até por sua confissão! Invoquei sobre ela todo o mal do
fundo do meu coração. Ela se ajoelhou aos meus pés, implorou meu perdão e
compaixão, chorou com a amargura do desespero, e, ainda assim, eu a
rejeitei! Não me deixe esconder minha vergonha! Eu a golpeei barbaramente!
E não foi um único golpe! Ele foi duplicado, foi reiterado! Oh, desgraçada,
inflexível e impiedosa! Onde encontrará clemência? Que forma mais bela!
Tão jovem culpada! Tão vergonhosamente seduzida! Tão humildemente
penitente! Nessa condição miserável, indefesa e deplorável, mutilada por
estas mãos selvagens e injuriada por esta língua desumana, eu a deixei e parti
em busca do vilão que a havia destruído, mas, tão covarde como traiçoeiro,
ele havia fugido. Arrependido de minha fúria, corri para ela novamente; a
ferocidade da minha crueldade me envergonhou quando me senti mais
tranquilo, a suavidade de sua tristeza me fez derreter com a lembrança; voltei,
portanto, para acalmá-la, mas ela havia partido novamente! Aterrorizada com
a expectativa de um insulto, ela se escondeu de todas as minhas perguntas. Eu
vaguei procurando por ela por dois longos anos sem nenhum propósito,
independentemente dos meus assuntos e de todas as coisas, exceto dessa
busca. Por fim, pensei tê-la visto em Londres, sozinha, e caminhando pelas
ruas à meia-noite; eu a segui receoso, e a segui até uma casa de tolerância! Os
desgraçados que a rodeavam eram barulhentos e bebiam, não me deram
atenção, mas ela me viu e me reconheceu imediatamente! Ela não falou, nem
eu, mas depois de dois minutos ela perdeu os sentidos e caiu. No entanto, eu
não a ajudei; as pessoas tomaram suas próprias medidas para recuperá-la, e,
quando ela estava em condições de se levantar novamente, eles a removeram
para o outro aposento. Eu então os segui e, obrigando-os a se afastar dela
com toda a força do desespero, virei-me para a infeliz pecadora, que por
casualidade parecia apenas consentir com o que havia acontecido com ela, e
gritei: “Desta cena de vício e horror, deixe-me ao menos resgatá-la! Não
parece apropriado deixá-la com tais companhias; portanto, confie em mim”.
Agarrei sua mão, puxei, quase a arrastei para longe. Ela tremia, mal podia
cambalear, mas não consentiu, nem recusou, não derramou uma lágrima, nem
disse uma palavra, e seu semblante apresentava uma imagem de espanto,
assombro e horror. Eu a levei para uma casa no campo, permanecendo em
silêncio durante todo o caminho. Coloquei à sua disposição uma casa e uma
criada, e ordenei que lhe trouxessem todas as comodidades que pude
imaginar. Eu me hospedei na mesma casa, mas, confuso pelo remorso, pela
culpa e ruína que lhe havia causado, não podia suportar sua visão. Em poucos
dias, sua criada me assegurou que a vida que levava deveria destruí-la, que
ela não comia nada além de pão e água, nunca falava e nunca dormia.
Alarmado com este relato, corri para o seu quarto; o orgulho e o
ressentimento deram lugar à pena e ao carinho, e eu implorei a ela que se
consolasse. Eu falava, no entanto, com uma estátua; ela não respondia, nem
parecia me ouvir. Eu então me humilhei diante dela como nos dias de sua
inocência, quando nos unimos pela primeira vez, suplicando sua atenção,
suplicando até mesmo sua comiseração! Foi tudo em vão; ela não me recebeu
nem me repeliu, e pouco prestou atenção ao encorajamento e às súplicas.
Passei horas inteiras a seus pés, jurando nunca me levantar até que ela falasse
comigo. Tudo, tudo, em vão! Ela parecia surda, muda, insensível; seu rosto
impassível, o desespero cravado em seus olhos, aqueles olhos que nunca
tinham olhado para mim senão com a doçura e complacência de uma pomba!
Ela se mantinha sentada em uma cadeira, nunca mudava de vestido, nenhuma
convicção prevalecia com ela para que se deitasse, e às refeições ela apenas
engolia uma quantidade de pão seco suficiente para poupá-la de morrer de
inanição. Qual não foi o aturdimento da minha alma ao encontrá-la
empenhada neste rumo até a última hora? A hora veio rapidamente, mas
nunca será esquecida! Ela rapidamente se foi, mas eternamente será
lembrada! Quando sentiu que estava morrendo, reconheceu que tinha feito
um voto, ao entrar na casa, de viver sem palavras e imóvel, como penitência
por suas ofensas! Eu mantive seu amado cadáver até que meus próprios
sentidos me falharam, quando ele foi então arrancado de mim e eu perdi
todas as lembranças de três anos de minha existência!
Cecilia estremeceu com a ideia, mas não se surpreendeu. Mr. Gosport a
havia informado de que ele havia estado anteriormente confinado, e sua
frivolidade, impetuosidade, sua linguagem floreada e estilo de vida
extraordinário, há muito a levaram a suspeitar que sua razão havia sido
afetada.
— A primeira cena para a qual minha memória me levou de volta —
continuou ele — foi visitar seu túmulo; de maneira solene eu lhe devolvi seu
voto, embora não com a mesma severidade. Prometi aos seus pobres restos
que não passaria um dia em que receberia alimento, nem viria a noite em que
eu descansaria, até que tivesse feito, ou zelosamente tentado fazer, algum
serviço a um semelhante. Com este propósito eu tenho vagado de cidade em
cidade; da cidade para o campo e de rico para pobre. Entro em todas as casas
onde posso ser admitido, admoesto a todos os que estão dispostos a me ouvir,
envergonho até mesmo os que não estão. Busco os aflitos onde quer que
estejam escondidos, sigo os prósperos para mendigar um pouco para servi-
los. Busco os devassos em público, onde, em meio à sua libertinagem, eu os
examino; persigo os infelizes em particular, onde os aconselho e me esforço a
ajudá-los. Meu próprio poder é pequeno; meus parentes, durante meus
sofrimentos, limitaram-me a uma anuidade, mas não tenho escrúpulos em
solicitar nada a ninguém e com zelo proporciono capacidade. Oh, vida de
privações e penitências! Laboriosa, trabalhosa e inquieta! Mas eu não mereço
nada melhor e não vou me queixar. Jurei que vou suportá-la e não ficarei
desamparado. Eu apenas me permito uma indulgência de tempos em tempos:
a música! Que tem o poder de me deleitar até mesmo em êxtase! Acalma toda
ansiedade, tira-me de mim mesmo. Por meio dela esqueço todas as
calamidades, até as angústias mais amargas. Agora, então, que ouviu o que eu
tinha a dizer, diga-me, a senhorita possui alguma causa de tristeza?
— Ai de mim! — exclamou Cecilia. — Esta é realmente uma imagem da
tristeza que faz com que minha própria sorte pareça toda felicidade!
— A senhorita está aberta à convicção — disse ele, suavemente — e não
vai fugir à voz da verdade? Pois a verdade e a repreensão são uma só.
— Não, eu prefiro buscá-la. Sinto-me uma miserável, por mais inadequada
que seja a causa. Desejo ser mais resignada, e, se o senhor puder me instruir
como, ficarei grata por atendê-lo.
— Oh, criatura ainda não corrompida! — exclamou ele. — Com muita
alegria serei seu instrutor, uma alegria há muito não experimentada! A muitos
eu desejei servir, e todos, até agora, rejeitaram minha ocupação; honestos
demais para serem lisonjeados, não tiveram a coragem de me ouvir; inferiores
demais para avançar, não possuíam a virtude de me tolerar. Apenas a
senhorita eu encontrei pura o suficiente para não temer a inspeção, e boa o
suficiente para desejar ser melhor. No entanto, palavras por si só não me
satisfazem; eu também quero ver ações. Tampouco sua bolsa será suficiente,
por mais aberta que esteja; a senhorita deve me dedicar também seu tempo e
seus pensamentos; para o dinheiro enviado por outros, aos outros apenas
proporcionará alívio; para iluminar suas próprias preocupações, a senhorita
deve distribuí-lo sozinha.
— O senhor descobrirá — disse ela — que sou uma aluna dócil e muito
feliz por ser instruída sobre como minha existência pode ser útil.
— Feliz então — exclamou ele — foi a hora que me trouxe a este lugar,
mas saiba que não vim procurá-la, vim atrás do mutável e malfadado
Belfield. Jovem errante, mas engenhoso! Que lição para a vaidade dos
talentos, para a alegria, para o brilhantismo da inteligência é a visão desta
planta verde caída! Não está segura pela idade, nem definhada pela doença,
mas destruída pela falta de poda; dobrada e quebrada por sua própria
exuberância!
— E onde, senhor, ele está agora?
— Trabalhando voluntariamente no campo, com aqueles que trabalham
compulsoriamente; assim somos todos por natureza, descontentes, perversos
e mutáveis, embora nem todos tenham coragem de parecer assim, e poucos,
como Belfield, são dignos de assistir quando o fazem. Ele me disse que
estava feliz. Eu sabia que não era possível, mas seu emprego é inofensivo e
eu o deixei sem censura. Ouvi falar da senhorita nesta vizinhança e descobri
que seu nome vinha acompanhado de elogios. Vim verificar se os merece. Eu
vi e estou satisfeito.
— O senhor não é, então, muito difícil de agradar, pois ainda não fiz nada.
Como vamos começar estas ações que propõe? O senhor despertou meu
interesse por elas com uma expectativa de prazer, que nada mais, creio eu,
poderia me fornecer agora.
— Trabalharemos juntos — disse ele — até que nenhuma desgraça
permaneça em sua mente. As bênçãos dos órfãos e as orações das crianças
curarão todas as suas feridas com o bálsamo da mais doce fragrância. Quando
estiver triste, eles irão animá-la; quando reclamar, eles deverão acalmá-la.
Iremos às suas casas sem telhado e as veremos reparadas; excluiremos de
suas habitações as inclemências do tempo; vamos vesti-los no frio, vamos
resgatá-los da fome. Os gritos de angústia serão transformados em notas de
alegria; seu coração será arrebatado, o meu também reviverá. Adeus! Eu
voltarei às moradas da miséria, e amanhã virei procurá-la para torná-las as
moradas da felicidade.
Ele então foi embora.
Esta visita singular foi para Cecilia afortunadamente programada; quase a
surpreendeu em seu pesar peculiar pela visão que se abriu para ela a partir de
uma calamidade geral. Por mais frenética, inconstante e imaginativa que
fosse sua linguagem e seus conselhos, sua moralidade era surpreendente e sua
benevolência comovente. Ensinada por ele a comparar seu estado com o de
pelo menos metade de sua espécie, ela começou a pesar mais abertamente
sobre o que restara a partir do que havia sido retirado e encontrou o equilíbrio
a seu favor. O plano de boas ações que ele havia apresentado a ela estava de
acordo com seu caráter e inclinações, e a caridade ativa na qual ele se
propunha a envolvê-la reanimou suas expectativas, embora para assuntos
muito diferentes daqueles que a haviam deprimido. Qualquer plano de
felicidade mundana a teria enojado e aborrecido, mas sua mente estava em
condições de ser impressionada com elevada piedade, e adotar qualquer
desígnio em que a virtude substituísse a melancolia.
CAPÍTULO 81

UM ESTARRECIMENTO

Cecilia passou o resto do dia em fantasiosos projetos de beneficência; ela


decidiu viajar com seu novo e romântico aliado para onde quer que ele a
levasse, e não poupar fortuna, tempo ou trabalho na busca e no alívio dos
aflitos. Nem toda a sua tentativa de filosofar havia acalmado sua mente como
este projeto; ao simplesmente recusar a indulgência à dor, ela simplesmente a
trancara em seu coração, onde, lutando eternamente para encontrar vazão, foi
quase dominada por contê-la. Porém, sua aflição agora não tinha mais todas
as suas faculdades para si; a esperança de fazer o bem, o prazer de aliviar a
dor, a intenção de dedicar seu tempo ao serviço dos infelizes, uma vez mais
encantou sua imaginação, aquela fonte de prazer promissória, que, embora
muitas vezes obstruída, nunca se esgota na juventude.
Ela não tinha a intenção de causar em Mrs. Charlton a aflição
desnecessária de ouvir a carta que tanto a havia afetado, mas lhe falou sobre a
visita de Mr. Albany e a encantou com o relato de seu plano.
À noite, com menos tristeza do que de costume, ela se retirou para
descansar. Em seu sono ela concedia riquezas e derramava abundância sobre
a terra; ela humilhava o opressor e exaltava o oprimido; os escravos eram
elevados à condição de dignidade e os cativos recuperavam sua liberdade; os
mendigos sorriam enquanto contemplavam a abundância e a miséria era
banida do mundo. De uma nuvem na qual era amparada por anjos, Cecilia
contemplava estas maravilhas e, enquanto desfrutava da gloriosa ilusão, ela
foi despertada por sua criada com a notícia de que Mrs. Charlton estava
morrendo!
Ela se levantou e, despida, começou a correr pelo quarto, quando a criada,
em uma tentativa de interrompê-la, confessou que ela já estava morta!
Ela havia se recolhido à noite, mas a hora não era exatamente conhecida;
sua própria criada, que dormia no quarto com ela, logo cedo foi à sua
cabeceira para perguntar como ela estava e a encontrou gelada e imóvel, e só
pôde concluir que um derrame havia tirado sua vida.
Felizmente e em tempo útil, Cecilia havia sido recrutada a desfrutar de
uma noite de sonhos revigorantes e lisonjeiros, pois o susto que recebia não
prometia mais sonhos do tipo tão cedo.
Com a morte de Mrs. Charlton ela perdera uma amiga, a quem quase desde
a infância havia considerado como uma mãe, e por quem havia sido amada
com uma ternura quase inigualável. Ela não era uma mulher de ideias
brilhantes, ou dona de muita cultura, mas seu coração era excelente e sua
disposição era amável. Cecilia a conhecia há mais tempo do que sua memória
podia se lembrar, embora as primeiras circunstâncias que podia rastrear
fossem as gentilezas recebidas por ela. Desde que entrara na vida e
encontrara dificuldade no papel que deveria representar, somente a essa digna
senhora ela havia revelado suas preocupações secretas. Embora pouco
auxiliada por seu conselho, ela sempre tinha a certeza da sua simpatia, e
enquanto seu próprio julgamento superior dirigia sua conduta, possuía o
alívio de comunicar seus planos e ponderar suas perplexidades com uma
amiga que não era indiferente a nenhuma de suas preocupações e cujo maior
desejo, e principal prazer, era a satisfação de suas conversas.
Por si mesma, no período atual de sua vida, Mrs. Charlton certamente não
teria sido a amiga de sua escolha. A delicadeza de sua mente e o refinamento
de suas ideias agora a tornavam exigente, e ela teria buscado a elegância e o
talento para os quais Mrs. Charlton não tinha pretensões. Aqueles que vivem
no campo têm pouco poder de seleção; confinados a um pequeno círculo de
amizade, eles devem se contentar com o que lhes é oferecido e, por mais que
idolatrem um mérito extraordinário quando o encontram, não devem
considerá-lo essencial para a amizade, pois, em sua rotação circunscrita,
qualquer que seja seu descontentamento, não poderão fazer muitas mudanças.
Tal havia sido a situação a que Mrs. Charlton e Mrs. Harrel deviam a
amizade de Cecilia. Muito superior em compreensão e inteligência, se as
candidatas a seu favor tivessem sido mais numerosas, a eleição não teria
recaído sobre nenhuma delas. No entanto, ela se tornou conhecida por ambas
antes que a discriminação a tornasse difícil, e quando sua mente iluminada
discerniu suas deficiências, elas já tinham um interesse em seus afetos, o que
a fez vê-las com alguma clemência, e, embora às vezes, talvez, consciente de
que não deveria tê-las escolhido entre muitas, ela se associou a elas com
sinceridade e não as teria trocado por nenhuma outra.
Mrs. Harrel, entretanto, fraca demais para sentimentos semelhantes,
esqueceu-se dela quando desapareceu de sua vista e, quando voltaram a se
encontrar, era insensível a tudo, exceto ao espetáculo e à dissipação. Cecilia,
consternada e surpresa, primeiro lamentou o afeto desapontado, e então
trocou aquela afeição por um desprezo irritadiço. Porém, seu carinho por
Mrs. Charlton nunca conheceu diminuição, assim como a gentileza que a
animava jamais conhecera. Ela a amou primeiramente por uma gratidão
infantil, mas esse amor, fortalecido e confirmado por relações confidenciais,
era agora tão sincero e afetuoso como se tivesse se originado em uma
admiração solidária. Sua perda, portanto, foi sentida com a maior severidade,
e por não ver nem conhecer nenhum meio de substituí-la, ela a considerou
irreparável e chorou com amargura.
Quando a primeira surpresa do golpe cruel diminuiu um pouco, ela enviou
uma mensagem a Mr. Monckton com a notícia e solicitou que ele viesse vê-la
imediatamente. Ele veio sem demora, e ela implorou seu conselho sobre qual
passo ela mesma deveria tomar em consequência do evento. Sua própria casa
ainda não estava preparada para recebê-la; nos últimos tempos ela havia
deixado de apressar os operários e quase esquecido sua intenção de se mudar.
Era necessário, entretanto, mudar seu domicílio imediatamente; ela não
estava mais na casa de Mrs. Charlton, mas na casa de suas netas e herdeiras,
cada uma das quais a desagradava e sobre nenhuma delas ela tinha qualquer
direito.
Mr. Monckton então, com a rapidez de um homem que expressa um
pensamento no exato momento de sua projeção, mencionou um esquema
sobre o qual havia estado ruminando durante todo o caminho: ela se mudaria
imediatamente para a casa dele e lá permaneceria até que pudesse ser
instalada satisfatoriamente.
Cecilia contestou que não tinha direito de surpreender lady Margaret, mas,
sem esperar para discutir o assunto, para que não surgissem novas objeções,
ele a deixou para obter de Sua Senhoria um convite que tinha a intenção de
insistir que ela enviasse. Cecilia, embora não gostasse muito do plano, não
sabia no momento qual seria melhor adotar e pensou que qualquer coisa seria
preferível a ir novamente até Mrs. Harrel, já que isso só poderia ser feito
alimentando a ansiedade de Mr. Arnott.
Mr. Monckton voltou logo com uma mensagem de sua própria invenção,
pois sua senhora, embora obrigada a receber quem lhe aprouvesse, cuidou de
guardar inviolável a independência da palavra, perseverando taciturnamente
em recusar-se a dizer qualquer coisa, ou dizendo perversamente apenas o que
ele menos desejava ouvir.
Cecilia então se despediu apressadamente das Misses Charlton, que, pouco
afetadas pelo que haviam perdido e ansiosas para examinar o que haviam
ganhado, separaram-se dela com alegria, e, com o coração pesado e olhos
lacrimejantes, ela tomou emprestada pela última vez a carruagem de sua
falecida e velha amiga e, abandonando para sempre sua casa hospitaleira,
partiu com tristeza para Grove.
LIVRO IX
CAPÍTULO 82

UMA INSINUAÇÃO

Lady Margaret Monckton recebeu Cecilia com a mais melancólica frieza;


ela se desculpou pela liberdade que havia tomado ao fazer uso da casa de Sua
Senhoria, mas ao não encontrar nenhuma retribuição de cortesia, retirou-se
para o quarto que havia sido preparado para ela e decidiu ficar fora de sua
vista o máximo de tempo possível. Agora mais do que nunca se fazia
necessário definir seu plano de vida e fixar seu local de residência. Os olhares
ameaçadores de lady Margaret fizeram com que ela apressasse suas decisões,
que de outra forma teriam dado lugar à tristeza por seu infortúnio recente.
Ela mandou chamar o encarregado pela superintendência de suas
propriedades para saber quando sua própria casa estaria preparada para
recebê-la e soube que ainda havia trabalho por cerca de dois meses. A
resposta a deixou muito desconfortável. Ficar por dois meses sob o mesmo
teto com lady Margaret era uma penitência que ela não podia impor a si
mesma, nem estava segura de que lady Margaret se submeteria melhor à
situação. Ela decidiu, portanto, libertar-se do fardo consciente de ser uma
hóspede indesejada instalando-se na casa de alguma família digna de crédito
em Bury e dedicando os dois meses em que deveria ser mantida fora de sua
casa a um arranjo geral de seus assuntos e um acordo final com seus tutores.
Para isso, seria necessário que ela fosse a Londres, mas, na companhia de
quem ou de que maneira, ela não podia decidir. Ela solicitou, portanto, outra
conferência com Mr. Monckton, que a encontrou na sala de estar. Ela então
comunicou a ele seus planos e suplicou seu conselho para suas dúvidas. Ele
ficou encantado com o pedido e extremamente satisfeito com seu projeto de
hospedagem em Bury, bem sabendo que ele poderia então observá-la e visitá-
la quando quisesse e também porque teria muito mais conforto em sua
companhia do que em sua própria casa, onde toda a vigilância com a qual a
observava era aquém daquela com a qual ele próprio era observado por lady
Margaret. No entanto, ele se esforçou para dissuadi-la de ir à cidade, mas sua
impaciência para pagar a grande soma que ela lhe devia era agora grande
demais para ser dominada. Maior de idade, com sua fortuna totalmente em
seu poder e terminada a sua dedicação à Mrs. Charlton, ela não tinha mais
nenhuma desculpa para ter uma dívida e não toleraria qualquer persuasão
para fazê-la começar sua vida com uma negligência em um acerto de contas
que tantas vezes havia censurado em outras pessoas. Portanto, ela estava
decidida a ir para Londres, e tudo o que desejava eram seus conselhos sobre a
viagem.
Ele então disse a ela que, para fazer um acordo com seus tutores, ela
deveria lhes escrever uma carta formal exigindo uma prestação de contas das
somas que haviam sido gastas durante sua minoridade e anunciar sua
intenção para o futuro de tomar a administração de sua fortuna em suas
próprias mãos.
Ela imediatamente seguiu suas instruções e consentiu em permanecer em
Grove até que as respostas chegassem.
Estando agora, portanto, inevitavelmente estabelecida por algum tempo
naquela casa, ela achou apropriado e decente tentar abrandar lady Margaret a
seu favor. Ela exerceu todos os seus poderes para agradá-la e favorecê-la,
mas o esforço foi necessariamente em vão, não só pela disposição, mas pela
situação de Sua Senhoria, uma vez que todo o esforço realizado para este
propósito conciliador a tornava duplamente amável aos olhos de seu marido
e, consequentemente, para si mesma mais odiosa do que nunca. Seu ciúme, já
bem fundamentado, recebia a cada hora o alimento venenoso de uma nova
convicção que tanto azedava quanto exasperava um temperamento
naturalmente áspero, e sua maldade e mau humor ficavam cada dia mais
amargos. Tampouco se contentaria em manifestar essa irascibilidade pela
morosidade generalizada se a mesma vigilância suspeita que a havia feito
descobrir a paixão de seu marido servisse igualmente para manifestar a
indiferença e a inocência de Cecilia. Portanto, para censurá-la, ela não tinha
qualquer pretensão, embora a consciência do quanto deveria temê-la estivesse
constantemente em sua mente com motivos suficientes para odiá-la. A ira e a
violência têm pouca discriminação; a quem lhes agrada, elas não perguntam
se são aprovadas, porém, não importando o quão involuntariamente se
interponham em seu caminho, elas não têm escrúpulos em maltratá-los e
concluem que podem detestá-los louvavelmente.
Cecilia, embora muito aborrecida, não desistiu desta tentativa que
considerava mais merecida enquanto continuava em sua casa. Também sua
personalidade, de rabugice e arrogante má educação, com habilidade e de
tempos em tempos, exibida e astutamente reprimida por Mr. Monckton, ainda
a impedia de suspeitar de qualquer animosidade peculiar com relação a si
mesma, e a fazia imputar tudo o que acontecia a um mero mau humor. No
entanto, ela se limitava tanto quanto possível aos seus próprios aposentos,
onde sua tristeza por Mrs. Charlton aumentava quase de hora em hora, pela
comparação que ela se via obrigada a fazer entre sua casa e Grove.
Aquela digna senhora havia feito suas netas suas herdeiras e únicas
executoras. Ela não lhes legou nada considerável, embora tenha deixado
algumas doações para os pobres, e vários de seus amigos tenham sido
lembrados com pequenos legados. Entre eles, Cecilia havia ficado com seu
retrato e seus berloques favoritos, de acordo com um parágrafo de seu
testamento, pois como não havia ninguém a quem amasse tanto, se sua
fortuna fosse menos esplêndida, ela deveria ter compartilhado com suas netas
tudo o que tinha para oferecer.
Cecilia foi muito afetada por esta última e solene lembrança. Ela mais do
que nunca desejava ficar sozinha, para que pudesse sofrer sem ser perturbada,
e lamentou sem cessar o cansaço e a doença que, em um período tão tardio de
sua vida, como ficou provado, ela mesma havia sido o meio de ocasionar sua
morte.
Mr. Monckton teve muita prudência para não interromper este desejo de
solidão, o que na verdade lhe custou pouco pesar, já que a considerava mais
protegida quando estava sozinha. Cerca de uma semana mais tarde ela
recebeu as respostas de ambos os seus tutores. A carta de Mr. Delvile estava
muito próxima do seu propósito, sem uma palavra que não fosse de negócios
e redigida nos termos mais arrogantes. Como nunca havia atuado, dissera ele,
não tinha contas para enviar, mas como iria para a cidade dentro de alguns
dias, iria vê-la por um momento na presença de Mr. Briggs, para que uma
liberação conjunta fosse assinada, a fim de evitar qualquer solicitação futura.
Cecilia lamentou muito que houvesse alguma necessidade de vê-lo e
aguardava a entrevista como a maior mortificação que poderia sofrer.
Mr. Briggs, embora ainda mais conciso, foi muito mais amável em sua
linguagem. Porém, ele a aconselhou a adiar seus planos de tomar o dinheiro
em suas próprias mãos, lhe assegurando que ela seria enganada e que seria
melhor deixar isso para ele.
Quando ela comunicou estas epístolas a Mr. Monckton, ele não pôde
deixar de ler em voz alta a carta de Mr. Delvile, com ênfase que tornava seu
significado arrogante ainda mais arrogante. Nem poupou comentários que
poderiam torná-la ainda mais ofensiva. Cecilia não concordou nem se opôs
ao que ele disse, mas ficou contente em apresentar a outra carta quando ele se
calou. Mr. Monckton não leu seu teor com mais simpatia. Ele atacou
abertamente o caráter de Briggs como avarento, ganancioso e exagerado, e a
advertiu que de maneira alguma deveria acatar seu conselho sem antes obter a
opinião de alguma pessoa desinteressada. Ele então expôs as várias
engenhosidades que poderiam ser praticadas com sua inexperiência,
enumerou os perigos aos quais estava exposta devido à sua ignorância dos
negócios e explicou detalhadamente as trapaças, negociações duplas e
truques do mercado de ações, aos quais assegurou que Mr. Briggs devia tudo
o que tinha, até que, perplexa e confusa, ela declarou que não sabia como
proceder e lamentou profundamente não poder contar com seu conselho
sobre o assunto.
Este era o seu objetivo: que o desejo partisse dela, a fim de remover todas
as suspeitas de pontos de vista egoístas de si mesmo; ele lhe disse que
considerava sua situação atual tão crítica que a confusão ou a regularidade
futura de suas transações monetárias pareciam depender disso, e que ele se
esforçaria para organizar seus negócios para encontrá-la em Londres. Cecilia
agradeceu muito sua amável intenção e decidiu deixar-se guiar totalmente por
ele na disposição e direção de sua fortuna.
Nesse ínterim, ele agora tinha outro papel a desempenhar; ele viu que com
Cecilia nada mais restava a ser feito e que, não tendo nenhuma dúvida de
suas motivações, ela pensava que seu desígnio a seu favor não lhe trazia nada
senão honra. No entanto, ele tinha muito conhecimento de mundo para
acreditar que por este seria julgado da mesma maneira, e muita consciência
da falsidade para desafiar seu julgamento. Portanto, para evitar as conjecturas
que poderiam seguir a entrevista, ele já havia preparado lady Margaret para
desejar participar do grupo, pois, por mais desagradável que fosse para ele
sua presença e sua companhia, ele não tinha outros meios para estar sob o
mesmo teto com Cecilia.
Miss Bennet, a miserável ferramenta de seus vários esquemas e a
mesquinha bajuladora de sua senhora, foi empregada por ele para lidar com
os ciúmes da esposa, informando-a secretamente de sua intenção de ir para a
cidade ao mesmo tempo em que Cecilia ia para lá para encontrar seus
guardiões. Ela fingiu ter obtido a informação por acidente e decidiu
comunicá-la por puro respeito; ela também a aconselhou a ir ela mesma para
Londres ao mesmo tempo, para que pudesse verificar seus desígnios e ser um
obstáculo para seu prazer. As crescentes enfermidades de lady Margaret
tornavam este conselho de modo algum aceitável, mas Miss Bennet, seguindo
as instruções engenhosas que havia recebido, colocou em seu caminho um
motivo tão forte ao lhe assegurar o quão pouco a sua companhia era desejada,
que, na loucura de seu despeito, ela decidiu fazer a viagem. Sem prestar
atenção a como ela atormentava a si mesma enquanto tinha a intenção de
atormentar Mr. Monckton, lady Margaret foi induzida por sua falsa confiança
a convidar Cecilia para sua própria casa em Londres.
Mr. Monckton, em quem através de muita prática o artifício era quase
natural, conhecendo bem a perversidade de sua esposa, fingiu parecer muito
desconcertado com a proposta, enquanto Cecilia, não acreditando ser
necessário estender seus respeitos a tal castigo, imediatamente se desculpou e
recusou o convite.
Lady Margaret, pouco versada em cortesia e pouco acostumada aos
artifícios da persuasão, não podia, nem mesmo por um projeto favorito,
convencer a si mesma a fazer uso da súplica e, portanto, pensando que seu
plano havia fracassado, parecia estar tristemente decepcionada e não disse
mais nada. Mr. Monckton então viu com prazer o quanto esta dificuldade a
encolerizava, embora, no momento em que pudesse falar a sós com Cecilia,
tivesse o cuidado de removê-la. Ele lhe explicou que, por mais
reservadamente que pudesse viver, ela era muito jovem para ficar sozinha em
uma estalagem em Londres e lhe deu uma dica que ela não podia deixar de
compreender, de que indo ou ficando apenas com os criados, em breve
algumas suspeitas poderiam ser levantadas de que o plano e o motivo de sua
viagem eram diferentes daqueles divulgados. Ela sabia que ele pretendia
insinuar que as pessoas pensariam que ela planejava encontrar Delvile, e,
embora a sugestão a fizesse corar, a deixasse aborrecida e provocada, a ideia
foi suficiente para assustá-la e fazê-la participar do seu plano.
Em poucos dias, portanto, o assunto estava totalmente resolvido; Mr.
Monckton, por sua habilidade na direção dos assuntos, conduziu cada uma
delas para o destino escolhido, enquanto, pela astuta frieza de seus modos,
parecia apenas seguir a si mesmo. Ele partiu na véspera, embora desejasse
sinceramente acompanhá-las, mas, não tendo até então em nenhuma ocasião
ido para a cidade na mesma carruagem com lady Margaret, não ousou confiar
nem na vizinhança nem nos criados com um tema tão perigoso para seus
comentários.
Cecilia, assim obrigada a viajar apenas com Sua Senhoria e Miss Bennet,
teve uma viagem muito desagradável e decidiu, se possível, ficar em Londres
apenas dois dias. Ela já havia arranjado uma casa na qual poderia hospedar-se
em Bury quando voltasse, e ali pretendia residir tranquilamente até que
pudesse ir para a sua. A própria lady Margaret, exultante com a ideia de ter
enganado o marido, estava bem-disposta e quase de bom humor. A ideia de
frustrar seus projetos e atrapalhar seu entretenimento lhe proporcionava um
deleite que raramente recebia de qualquer outra coisa, e a crença de que isto
se devia à superioridade de sua astúcia duplicava sua satisfação e a elevava à
exultação. Ela devia a ele, de fato, muita provocação e inquietação, e estava
feliz com a oportunidade de pagar suas dívidas.
Enquanto isso, aquele mestre consumado em todas as espécies de
hipocrisia a satisfazia com esta ideia mantendo um ar de insatisfação ao
deixar a casa. Não que ela quisesse com sua presença evitar qualquer
impropriedade; desde cedo e por muito tempo familiarizada com a
personalidade de Cecilia, ela bem sabia que, pelo período em que durasse a
sua vida, a paixão de seu marido deveria ser confinada ao próprio peito, mas,
consciente de sua aversão por ela, da qual ela se ressentia com a mais amarga
má vontade, e sabendo quão pouco, em qualquer momento, ele desejava sua
companhia, ela se consolava pela sua incapacidade de dar prazer com o poder
que possuía de causar dor, e suportou o cansaço de uma viagem desagradável
e inconveniente sem outro objetivo senão a esperança de frustrar seu plano de
evitá-la. Mal imaginava que o tempo todo ela estava sendo levada pelo seu
passatempo favorito e apenas desempenhava o papel que ele a havia
designado a desempenhar.
CAPÍTULO 83

UMA SURPRESA

A casa de lady Margaret na cidade ficava em Soho Square; mal Cecilia


havia entrado e seu desejo de apressar sua partida a fez enviar uma nota a
cada um de seus tutores informando-os de sua chegada e solicitando, se
possível, vê-los no dia seguinte.
Ela logo obteve as duas seguintes respostas:

“Para Miss Cecilia Beverley, 8 de novembro de 1779.


Recebi sua mensagem da mesma data; não poderei ir amanhã. Irei na
quarta-feira, dia 10. — Jno. Briggs”.

“Para Miss Beverley, St. James’s Square, 8 de novembro.


Mr. Delvile tem muitos assuntos de importância em suas mãos para fazer
determinar qualquer data até que tenha deliberado sobre como arranjá-los.
Mr. Delvile comunicará Miss Beverley quando estiver em seu poder vê-la”.

Estas cartas características, que em outra época poderiam ter divertido


Cecilia, agora serviam apenas para atormentá-la. Ela estava ansiosa para
deixar a cidade e mais ansiosa para ter sua reunião com Mr. Delvile, que se
portava como um opressor mesmo quando pretendia ser gentil, e ela agora
previa que estaria furioso e que seria imperioso e usaria até mesmo de
grosseria. Desejosa, no entanto, de que uma entrevista fosse suficiente para
ambos e de resolver qualquer assunto que pudesse permanecer inacabado por
cartas, ela voltou a escrever a Mr. Briggs, a quem não tinha ânimo para
encontrar sem absoluta necessidade, e, depois de informá-lo da demora de
Mr. Delvile, solicitou que ele não se desse ao trabalho de procurá-la até ter
notícias suas novamente.
Dois dias se passaram sem nenhuma mensagem como resposta. Esses dias
foram passados principalmente sozinha e muito desconfortavelmente; Mr.
Monckton se contentava em vê-la com pouca frequência, já que sabia que ela
não se encontrava com mais ninguém. Na terceira manhã, cansada de seus
próprios pensamentos, cansada da aparência mal-humorada de lady Margaret
e ainda mais cansada da conversa parasitária de Miss Bennet, ela decidiu,
para um pequeno alívio do peso de sua mente, procurar seu livreiro, examinar
alguns livros e encomendar algumas novas publicações que pareciam lhe
prometer algum prazer. Assim, ela mandou chamar uma cadeirinha e, feliz
por ter planejado para si alguma diversão, partiu imediatamente.
Ao entrar na loja ela viu o livreiro envolvido em uma conferência com um
homem malvestido e muito abafado, que parecia falar com uma seriedade
pouco comum, e enquanto ela se aproximava, ele disse: — Aos termos, sou
indiferente, pois escrever não é trabalho para mim; pelo contrário, é o
primeiro deleite da minha vida, e, portanto, e não para ganhar algum dinheiro
de forma ilegal, desejo torná-lo minha profissão.
O discurso atingiu Cecilia, mas a voz a atingiu ainda mais; era a voz de
Belfield! Seu espanto foi tão grande que ela se deteve para olhar para ele,
sem dar atenção a um homem que a atendia e desejava conhecer suas ordens.
O livreiro, ao percebê-la, se aproximou, e Belfield, ao se virar para ver
quem os interrompia, estremeceu como se um espectro tivesse cruzado seus
olhos; ele cobriu o rosto com o chapéu e saiu apressado da loja.
Cecilia reprimiu sua inclinação para falar com ele ao observar sua ânsia de
escapar dela e logo se lembrou de sua própria missão e se dedicou a examinar
os novos livros.
No entanto, sua surpresa diante de uma mudança tão repentina na condição
daquele jovem e diante de uma declaração de paixão pela escrita, tão oposta a
todos os sentimentos que ele havia professado em seu último encontro na
cabana, havia despertado nela uma forte curiosidade para obter alguma
informação da sua situação. Depois de separar alguns livros que ela desejava
que empacotassem para ela, Cecilia perguntou se o cavalheiro que acabara de
sair da loja, e que ela descobriu, pelo que ele havia dito, ser um autor, havia
escrito algo publicado com o seu nome.
— Não, madame — respondeu o livreiro —, nada de importante; no
entanto, sabe-se que escreveu várias coisas que pareciam anônimas; e
imagino que agora, em breve, veremos algo considerável de sua autoria.
— Ele está escrevendo alguma coisa grande, então?
— Bem, não, não exatamente, talvez, no momento; devemos tatear nosso
caminho com algum jeu d’esprit54 inteligente antes de empreender uma
grande obra. Mas ele é um grande gênio, e não duvido que vá produzir algo
extraordinário.
— O que quer que ele produza — disse Cecilia —, como agora tive a
oportunidade de vê-lo, ficarei feliz se o senhor, a qualquer tempo, enviar para
mim.
— Certamente, madame; mas deve ir entre outras coisas, pois ele
determinou, agora mesmo, que não quer ser conhecido, e é uma regra em
nosso negócio nunca revelar o nome das pessoas quando elas desejam manter
segredo. Ele está sem dinheiro agora, como a senhorita pode supor pela sua
aparência, então, em vez de comprar livros, ele vai vendê-los. No entanto, ele
tomou um caminho muito bom, pois pagamos muito bem por coisas de
qualquer mérito, especialmente se lidarem de forma inteligente com alguns
toques da época.
Cecilia optou por não arriscar mais perguntas, para que o homem não
suspeitasse que ela o conhecia, sentou-se em sua cadeirinha e voltou para a
casa de lady Margaret.
A visão de Belfield a fez lembrar não apenas dele, mas a doce Henrietta
voltou a ocupar seu lugar em sua memória, de onde suas várias angústias e
suspeitas recentes a tinham afastado de todos, exceto de Delvile, e aqueles
que Delvile havia trazido para ela. Porém, sua consideração por aquela
menina adorável, embora mergulhada no cenário agitado de suas calamitosas
incertezas, estava apenas mergulhada em seu próprio coração, e pronta, após
sua remoção, para reviver com renovado vigor. Na verdade, ela agora se
sentia mais infeliz do que mesmo no período de seu esquecimento, embora
sua mente não estivesse mais repleta da agitação inquieta da esperança,
quando seu desânimo a impedia de pensar nos outros.
Esta lembrança assim despertada acendeu também o desejo de renovar a
conexão por tanto tempo negligenciada. Todos os escrúpulos em relação a
Delvile haviam perdido seu fundamento, já que as dúvidas que surgiam
foram explicadas e removidas; ela estava igualmente segura de sua
indiferença por Henrietta, e de sua separação dela mesma; ela sabia que nada
devia temer de uma rivalidade dolorosa ou ofensiva, e resolveu, portanto, não
perder tempo em encontrar o primeiro prazer que desde sua desilusão ela
voluntariamente buscava.
No início da tarde, ela disse à lady Margaret que sairia por uma ou duas
horas e mais uma vez mandou buscar uma cadeirinha que a levou à Portland
Street. Ela perguntou por Miss Belfield e foi levada a uma sala de visitas
onde a encontrou tomando chá com a mãe e Mr. Hobson, o proprietário.
Henrietta quase gritou ao vê-la, por um súbito impulso de alegria e surpresa,
e, correndo até ela, lançou os braços ao redor de seu pescoço e a abraçou com
a mais arrebatadora emoção, mas então, recuando com um olhar de timidez e
vergonha, ela timidamente se desculpou por sua liberdade, dizendo: — Na
verdade, querida Miss Beverley, não é falta de respeito, mas estou tão feliz
em vê-la que me esqueci de quem sou!
Cecilia, encantada com uma recepção tão ingenuamente afetuosa, logo
satisfez sua timidez vacilante com o mais caloroso agradecimento por ela ter
preservado tanta consideração por ela, e duplicou a gentileza com a qual
retribuía seu carinho.
— Tenha piedade, madame — exclamou Mrs. Belfield, que durante esse
tempo estivera ocupada varrendo a lareira, limpando alguns restos da mesa e
alisando o lenço e o avental —, pois a garota ainda vai sufocá-la. Henny,
como pode ser tão problemática? Eu nunca vi você se comportar dessa
maneira antes.
— Miss Beverley, madame — disse Henrietta, recuando novamente —,
fez a gentileza de me perdoar, e fiquei tão surpresa ao vê-la que mal sabia o
que estava fazendo.
— As moças, madame — disse Mrs. Hobson —, têm um jeito poderoso de
saudar umas às outras até o momento em que arranjam maridos; a partir de
então eu lhe garanto que elas podem se encontrar sem qualquer tipo de
saudação. Esta é a minha opinião pelo menos, e o que eu vi do mundo me
levou a ela.
Este discurso levou Cecilia a comprovar, por mais ingênua que fosse, a
ternura da sua jovem e fervorosa amiga, quem tanto a provocava por se
encontrar em tal companhia, mas que parecia não ousar compreender os
frequentes olhares que lhe dirigia expressando seu desejo de ficar sozinha
com ela.
— Bem, senhoras — o jocoso Mr. Hobson, ao ver Cecilia chegando, se
aproximou —, e se todos nós nos sentássemos e tomássemos um bom chá? E
suponho, Mrs. Belfield, que a senhora vai pedir uma nova rodada de torradas
com manteiga? A senhora acha que as jovens aqui presentes teriam alguma
objeção? E se tivéssemos um pouco mais de água na chaleira? Sem esquecer
um pouco mais de chá no bule. Eis o que eu digo, vamos todos ficar
confortáveis; essa é a minha noção das coisas.
— E uma ideia muito boa também — disse Mrs. Belfield — para o senhor,
que não tem nada para irritá-lo. Ah, madame, a senhorita ficou sabendo, creio
eu, do meu filho? Foi embora! Ninguém sabe para onde! Deixou a casa
daquele senhor, onde poderia ter vivido como um rei, e saiu para o mundo,
ninguém sabe para quê!
— É mesmo? — disse Cecilia, que, ao vê-lo em Londres, concluiu que
estava novamente com sua família. — E ele não a informou onde está?
— Não, madame, não — disse Mrs. Belfield —, ele nunca me disse para
onde foi, nem me deixou saber o mínimo sobre o assunto, porque, se eu
soubesse, não voltaria a provar uma xícara de chá por uns doze meses, até
que voltasse para a casa daquele senhor! E eu acredito em meu coração que
nunca existiu outro nos três reinos, pois ele mandou umas pessoas aqui atrás
dele, ouso dizer, uma dezena de vezes. E não é de admirar, pois eu lhe disse
que ele não encontrará seu companheiro tão cedo, mesmo sendo um lorde.
— Quanto a ele ser um lorde — disse Mr. Hobson —, sou um desses que
não dão grande importância para isso, a menos que ele tenha uma boa e longa
carteira, e então, sem dúvida, um lorde seria alguma coisa. Mas quanto à
questão de dizer lorde Fulano, como vai? Ou lorde Sicrano, o que deseja?
Esse tipo de cortesia, ora, na minha opinião, é absolutamente nada em
comparação com uma boa renda. Quanto ao seu filho, madame, ele não
seguiu o melhor caminho. Ele deveria ter começado com os negócios, e então
passado para o prazer, e, se ele tivesse feito isso, atrevo-me a dizer que
poderíamos tê-lo neste exato minuto tomando chá conosco junto a esta
lareira.
— Meu filho, senhor — respondeu Mrs. Belfield, um tanto zangada —,
era outro tipo de pessoa; ele sempre desprezou os negócios, desde menino, e,
aconteça o que acontecer, estou certa de que nasceu para ser um cavalheiro.
— Quanto ao seu desprezo pelos negócios — continuou Mr. Hobson, com
muito desprezo —, tanto pior, pois os negócios não são algo tão desprezível.
E se ele tivesse sido criado atrás de um balcão no lugar de ficar pendurado
nesses mesmos lordes, ora, ele poderia ter uma casa própria sobre sua cabeça
e ter sido um homem tão bom quanto eu.
— Uma casa sobre a sua cabeça? — disse Mrs. Belfield. — Ora, ele
poderia ter o que quisesse e feito o que quisesse, se ao menos tivesse seguido
meu conselho e se arriscado um pouco. Eu disse a ele centenas de vezes para
pedir a algumas daquelas grandes pessoas com quem vivia um lugar na corte,
pois eu sei que eles têm tantos lugares que mal sabem o que fazer com eles, e
sempre foi meu plano desde o princípio que ele fosse um grande homem, mas
eu nunca consegui persuadi-lo. Como eu lhe disse muitas vezes, se tivesse
tido um pouco de coragem, poderia ter sido um embaixador a essa altura. E
agora, de repente, vai embora e ninguém sabe para onde!
— Na verdade, eu sinto muito — disse Cecilia, que não sabia se deveria
sentir pena ou se maravilhar de sua loucura cega —, mas eu não duvido que
receba notícias dele em breve.
— Quanto a ser um embaixador, madame — disse Mr. Hobson —, a
senhora não sabe o que está dizendo. Esta classe de gente grandiosa guarda
coisas desse tipo para seus próprios parentes e primos pobres. Isso é o que eu
digo, o melhor para um homem é cuidar de si mesmo. Quanto mais essas
excelências percebem que alguém as deseja, menos elas gostam de sua
companhia. Que cada homem comece a trabalhar, e, então, quando tiver feito
fortuna, poderá caminhar de cabeça erguida. Veja o seu amigo, madame —
voltando-se para Cecilia —, que explodiu os miolos sem pagar nada a
ninguém. Ora, como isso pode ser mais distinto do que ficar atrás de um
balcão sem dever um xelim?
— O senhor acredita que uma jovem dama — disse calorosamente Mrs.
Belfield — pode suportar ouvir algo como ficar atrás de um balcão? Estou
certa de que, se meu filho já tivesse feito isso, eu não deveria esperar que
nenhuma dama olhasse para ele, e, no entanto, eu sempre digo isso, ela pode
olhar por aí por um bom tempo e não ver muitas dessas pessoas, deixe-a olhar
para onde ela quiser. E ele tem um jeito tão vitorioso nos negócios, que eu
acredito do fundo do meu coração que jamais uma dama nesta terra poderia
dizer não a ele. E, no entanto, ele tem uma timidez tão prodigiosa que nunca
poderia reconhecer que havia feito uma proposta. E qual dama será a
primeira?
— Bem, não — disse Mr. Hobson —, novamente a senhora não sabe o que
diz. A minha noção é esta: que todo homem seja agradável e então ele poderá
propor casamento a quem desejar. E quando ele tiver uma dama em mente,
ele deve fechar os olhos para uma carranca, pois as damas franzem o cenho
durante a corte como se fosse uma coisa natural. É como um homem
praguejando com um cocheiro; ele não está mais irritado, só acha que não vai
mais precisar dele.
— Bem, da minha parte — disse Mrs. Belfield —, estou certa de que, se
eu fosse uma jovem dama, sobretudo se fosse uma jovem dama com fortuna,
e tudo o mais, me sentiria atraída por um jovem cavalheiro modesto, como o
meu filho, por exemplo, muito melhor do que um jovem ousado e
impertinente, que faria questão de me possuir, quer eu quisesse ou não.
— Ah! Ah! Ah! — exclamou Mr. Hobson. — Mas as moças não pensam
assim; elas procuram um pouco de vida e humor. Não estou certo, ladies?
Cecilia, que não pôde deixar de perceber que aquelas palavras eram
dirigidas a ela mesma, sentiu-se ofendida e cansada e, ao descobrir que não
havia nenhuma possibilidade de manter uma conversa privada com Henrietta,
levantou-se para se despedir. No entanto, enquanto ela se deteve no corredor
para perguntar quando poderia vê-la sozinha, um lacaio bateu à porta e
perguntou se Miss Belfield estava hospedada ali; ao receber uma resposta
afirmativa, implorou para saber se Miss Beverley estava na casa.
Cecilia, muito surpresa, aproximou-se e disse a ele quem era.
— Eu venho, madame — disse ele —, com uma mensagem para a
senhorita endereçada à residência de Mr. Monckton, em Soho Square. Porém,
ninguém sabia onde a senhorita estava; Mr. Monckton falou comigo
pessoalmente e disse que tudo o que podia supor era que a senhorita poderia
estar nesta casa. Então ele me mandou vir aqui.
— E de quem, senhor, é sua mensagem?
— Do honorável Mr. Delvile, madame, de St. James’s Square. Ele deseja
saber se a senhorita estará em casa no sábado de manhã, e se pode convocar
Mr. Briggs para encontrá-lo exatamente ao meio-dia, já que ele não poderá
ficar mais de três minutos.
Cecilia deu uma resposta tão fria quanto a mensagem, disse que ela estaria
em Soho Square no horário mencionado e que informaria Mr. Briggs de sua
intenção.
O lacaio foi embora e Henrietta lhe disse que, se ela pudesse voltar alguma
manhã, elas talvez conseguissem ficar a sós, e acrescentou: — Na verdade,
desejo muito vê-la, se a senhorita me der uma honra tão grande, pois estou
muito infeliz e não tenho ninguém com quem conversar. Ah, Miss Beverley!
A senhorita, que tem tantos amigos, e que merece ter ainda mais, mal sabe
como é difícil não ter nenhum, mas o estranho desaparecimento do meu
irmão partiu nossos corações!
Cecilia estava iniciando um discurso de consolação, no qual pretendia lhe
dar garantias particulares sobre sua saúde e segurança, quando foi
interrompida por Mr. Albany, que entrou repentinamente no corredor.
Henrietta o recebeu com um olhar de prazer e perguntou por que ele havia
estado ausente por tanto tempo. Porém, surpreso ao ver Cecilia, ele
exclamou, sem responder: — Por que me desapontou? Por que me enviou
para um lugar onde a senhorita mesma não tinha a intenção de permanecer?
A senhorita tem boas intenções, a senhorita inspira estima, mas é vaidosa e
faz promessas ilusórias de prazer.
— O senhor me condena precipitadamente — disse Cecilia. — Se não
cumpri minha promessa, não foi por capricho ou falta de sinceridade, mas por
uma verdadeira e amarga desgraça que me incapacitou de cumpri-la. No
entanto, muito em breve... não, eu já estou à sua disposição, se tiver alguma
incumbência para mim.
— Eu sempre tenho incumbências para os ricos — respondeu ele —, pois
sempre tive compaixão pelos pobres.
— Venha me ver, então, na casa de Mr. Monckton, em Soho Square —
disse ela, e apressou-se a sentar em sua cadeirinha, impaciente para encerrar
uma conferência que ela viu excitar o espanto dos criados, e que agora
também se retirava da sala Mr. Hobson e Mrs. Belfield. Ela então beijou a
mão de Henrietta e ordenou que os carregadores a levassem para casa.
Não foi sem dificuldade que ela se conteve para não mencionar o que sabia
sobre Belfield quando encontrou sua mãe e sua irmã em um estado de tão
dolorosa incerteza em relação a ele. Porém, sua total ignorância de seus
planos, unida ao seu indubitável conhecimento de seu desejo de manter-se
oculto, a fez temer prejudicá-lo sem querer. Ela pensou que seria mais
prudente não trair o que ela havia visto dele até que estivesse mais bem
informada de suas próprias opiniões e intenções. No entanto, disposta a
abreviar um suspense tão incômodo para as mulheres, ela decidiu solicitar a
Mr. Monckton que se esforçasse para descobri-lo e informá-lo de sua
ansiedade.
Este cavalheiro, quando ela voltou para sua casa, estava em um estado de
espírito nada invejável. Sentindo sua falta no chá, ele perguntou à Miss
Bennet onde ela estava, e, ao ouvir que ela não havia deixado uma palavra,
ele mal conseguiu ocultar seu desgosto. No entanto, como sabia quão poucos
eram os seus conhecidos na cidade, ele logo concluiu que ela estava com
Miss Belfield, mas, não satisfeito em enviar o mensageiro de Mr. Delvile
atrás dela, ele contratou em privado alguém em quem confiava para fazer
investigações na casa sem dizer de onde vinha.
Porém, embora o homem tivesse retornado e ele estivesse a par de sua
segurança, ainda se sentia alarmado; ele havia se vangloriado pelo tempo em
que ela não havia feito nada sem consultá-lo e ela mal poderia pensar em
qualquer ação sem o seu prévio consentimento. E ele esperava, com um
pouco mais de uso, tornar seu conselho necessário, o que ele sabia estar a um
passo muito curto de torná-lo absoluto. Tampouco lhe agradava perceber, por
meio desta excursão voluntária, uma luta para livrar-se de sua tristeza e um
desejo de buscar um entretenimento para si mesma; não que ele desejasse sua
infelicidade, mas ele estava ansioso para que todo alívio surgisse dele
mesmo, e embora longe de estar descontente que Delvile tivesse perdido sua
soberania sobre seus pensamentos, ele ainda era da opinião de que, até que
sua própria liberdade fosse restaurada, ela tinha menos a apreender com a dor
tolerada do que com a dor atenuada; uma poderia apenas levá-la a lamentar
seu retiro, a outra poderia guiá-la a um consolo rival.
No entanto, ele bem sabia que era tão essencial para sua causa disfarçar
suas decepções tanto quanto suas expectativas, e certo de que apenas sendo
agradável teria alguma possibilidade de adquirir poder, ele dissipou suas
preocupações ao regresso de Cecilia, que estava tão inconsciente de sentir
como dever qualquer sujeição a ele, e manteve incontrolado o seu direito de
agir por conta própria, embora desejosa e feliz por receber instruções
ocasionais. Ela disse a ele onde havia estado, relatou seu encontro com Mr.
Belfield e a infelicidade de seus familiares, e deu a entender que gostaria que
ele fosse informado do quanto sofriam. Mr. Monckton, ansioso por agradá-la,
foi imediatamente em busca do jovem e, ao voltar para o jantar, disse que o
havia localizado através do livreiro, que não havia tido a destreza de se
desviar de suas engenhosas perguntas, e que na verdade o havia convidado
para um café da manhã em Soho Square na manhã seguinte.
Ele o havia encontrado, disse ele, escrevendo, mas bastante animado e de
bom humor. Ele havia resistido, por algum tempo, ao seu convite, por causa
dos seus trajes, pois todas as suas roupas, exceto o próprio casaco que estava
usando, estavam embaladas na casa de sua mãe. Porém, Mr. Monckton riu
dele por ainda conservar alguma frivolidade; o rapaz protestou alegremente
que o que restava dela deveria ser extinto e, reconhecendo que sua vergonha
não fazia parte de sua filosofia, declarou que iria deixá-la de lado e, apesar de
sua degradação, renovaria suas visitas à sua casa.
— Eu não contei a ele — continuou Mr. Monckton — sobre a ansiedade
de sua família. Eu pensei que seria mais forte se partisse da senhorita, que,
tendo visto, pode melhor assegurá-lo.
Cecilia mostrou-se muito agradecida pelo cumprimento de seu pedido e
antecipou o prazer que em breve esperava proporcionar a Henrietta, pela
restauração de um irmão tão querido e tão lamentado.
Nesse ínterim, ela enviou a Mr. Briggs a mensagem que recebera de Mr.
Delvile e teve a satisfação de ser informada de que ele observaria a data.
CAPÍTULO 84

UMA CONSPIRAÇÃO

Na manhã seguinte, enquanto a família tomava o café da manhã,


atendendo à sua promessa, Belfield fez sua visita. Uma cor intensa cobriu seu
rosto quando ele entrou na sala, como resultado de uma sensação de pesar por
seu destino e vergonha por sua aparência alterada, que, embora ele tentasse
disfarçar sob um ar de alegria e despreocupação, acrescentava um certo
embaraço às suas maneiras e uma aflição visível em seu semblante. Mr.
Monckton o recebeu com prazer, e Cecilia, que via o conflito entre sua
filosofia e seu orgulho, revestiu suas feições mais uma vez com sorrisos que,
por mais tênues e sensíveis que fossem, mostravam seu desejo de tranquilizá-
lo. Miss Bennet, como de costume, quando não era chamada pelo mestre ou
pela dona da casa, estava sentada como se não existisse, e lady Margaret,
sempre desagradável e repulsiva com os amigos do marido, embora não
apresentasse agora nada além de uma descortesia corriqueira, golpeou o
sensível e irritado Belfield ao demonstrar um ar de superioridade grosseira
destinado a censurá-lo por sua desgraça.
Esta intenção, que o afetava fortemente, fez com que ele, por um instante,
hesitasse se deveria permanecer na mesma sala com ela, mas a amabilidade
de Mr. Monckton e a gentileza e boa educação de Cecilia pareciam tão
estudadas para compensar aquele mau humor, que ele conteve sua indignação
imediata e se sentou à mesa. No entanto, demorou algum tempo até que
pudesse recuperar até mesmo a vivacidade presumida que o insulto parecia
ter lhe roubado para entrar em uma conversa com qualquer aparência de
facilidade ou prazer. Depois de algum tempo, porém, mais tranquilizado
pelas atenções de Cecilia e de Mr. Monckton, sua inquietude se dissipou e
sua disposição natural e a vivacidade de seu caráter irromperam com sua
energia costumeira.
— Espero que minha boa companhia — disse ele, dirigindo-se apenas a
Cecilia — não fique muito confusa com os meus trajes esta manhã, uma vez
que estão perfeitamente de acordo com a regra. Mas para que nenhum de
vocês cometa o erro de imaginar que farrapos são sua única característica,
devo me esforçar para antecipar a maldade das conjecturas e ter a honra de
informá-los de que estou alistado no regimento da Grub Street,55 no terceiro
andar, sob a bandeira esfarrapada dos escritores voluntários, uma competição
que, se não ostenta a coragem dos heróis, ao menos os iguala em hostilidade.
Este casaco, portanto, é apenas o uniforme do meu corpo, e todos vocês,
espero, o respeitarão como um símbolo de sagacidade e erudição.
— Devemos ao menos respeitá-lo — disse Cecilia —, que tão alegremente
pode se divertir com ele.
— Ah, madame — disse ele, mais seriamente —, não é da sua pessoa que
devo buscar respeito! Devo parecer o mais instável e covarde dos seres para a
senhorita! Porém, recentemente eu corei ao vê-la na minha pobreza, embora
estivesse empregado com mais dignidade do que quando era visto na riqueza;
superada essa vergonha, outra igualmente estreita tomou o seu lugar, e ontem
eu corei novamente quando a senhorita me descobriu em uma nova atividade,
embora eu só tivesse abandonado a anterior por uma convicção de que havia
sido mal escolhida. Parece haver na natureza humana uma inutilidade que não
deve ser conquistada; no entanto, lutarei contra ela até o final ou morrerei
tentando; ou ousarei parecer o que sou, sem acrescentar às misérias da vida o
ferrão envenenado da falsa vergonha e da covardia.
— Sua linguagem foi maravilhosamente alterada neste período de 12
meses — disse Mr. Monckton. — A inutilidade da natureza humana! As
misérias da vida! E isso vindo do senhor?! Tão recentemente o campeão da
natureza humana e o panegirista da vida humana?
— Amargurado pela decepção pessoal — respondeu ele. — Talvez eu fale
com muita amargura; no entanto, em última análise, minhas opiniões não
mudaram muito. A felicidade nos é dada com mais liberalidade do que
estamos dispostos a confessar e é apenas o bom senso que nos trata com
moderação, e disso temos tão pouco que, quando a felicidade está diante de
nós, viramos para a direita ou para a esquerda, e quando está à direita ou
esquerda, seguimos reto. Tem sido assim comigo. Eu a busquei à distância,
em meio a dificuldades e perigos, quando tudo o que eu poderia desejar
estava imediatamente ao meu alcance.
— Deve-se reconhecer — disse Mr. Monckton — que, depois de tudo o
que o senhor sofreu neste mundo que costumava defender, há poucas razões
para se surpreender com alguma mudança em sua opinião.
— No entanto, quaisquer que sejam os meus sofrimentos — respondeu ele
—, eu geralmente me envolvi com eles por minha própria imprudência ou
capricho. Especialmente a minha última iniciativa, da qual minhas
expectativas eram as mais elevadas e acabou sendo a mais infeliz de todas.
Eu não considerei quão pouco meu estilo de vida havia me preparado para o
experimento que estava fazendo, quão irreparavelmente eu estava debilitado
por longos hábitos sedentários e quão insuficiente a resolução mental era para
a força corporal. Podemos lutar contra preconceitos parciais e, com espírito e
coragem, podemos vencê-los, mas não é o suficiente para lutar contra o teor
geral da educação. Podemos culpar, desprezar, lamentar o que quisermos,
mas os costumes há muito estabelecidos e os hábitos há muito cultivados
assumem um império despótico, embora seu poder seja apenas prescritivo.
Oferecer oposição a eles é inútil; a própria natureza, quando forçada a ficar
de lado, não é mais elástica em seu rebote.
— Não é seu desejo, então — disse Cecilia —, uma vez que sua
experiência fracassou, voltar para sua família e para o plano de vida que
havia estabelecido anteriormente?
— A senhora fala deles como um conjunto — disse ele, com um sorriso
—, como se os considerasse inseparáveis. De fato, a minha própria apreensão
de que eles seriam considerados dessa forma me fez temer rever minha
família, já que, embora não seja adepto da resistência, não posso tentar
novamente o plano de vida que eles querem que eu siga. Eu abandonei minha
cabana, mas minha independência é tão cara para mim como sempre, e tudo o
que reuni por experiência é mantido através daqueles empregos para os quais
minha educação me preparou, no lugar de buscá-lo de forma imprudente pelo
mesmo caminho para o qual ela me desqualificou.
— E o que é essa independência — perguntou Mr. Monckton — que
enfeitiçou sua imaginação dessa forma? Um mero sonho ocioso de romance e
entusiasmo, sem existência na natureza, sem possibilidade na vida. Em países
não civilizados, ou em tempos sem lei, a independência, por um tempo, pode
talvez estar escondida no estrangeiro, mas, em um governo regular, é apenas
a visão de um cérebro aquecido; uma parte de uma comunidade deve
inevitavelmente depender da outra, e é uma farsa classificar qualquer uma
como independente, pois, ao romper a cadeia pela qual estão vinculadas, ela
causa a destruição de ambas. O soldado não precisa do oficial mais do que o
oficial do soldado, nem o inquilino do senhorio, mais do que o senhorio do
inquilino. Os ricos devem sua distinção, seus luxos, aos pobres, tanto quanto
os pobres devem suas recompensas, suas necessidades, aos ricos.
— O homem tratado como um autômato — respondeu Belfield —, e
considerado meramente com relação às suas operações corporais, pode de
fato ser chamado de dependente, uma vez que o alimento pelo qual ele vive,
ou melhor, sem o qual ele morre, não pode ser completamente cultivado e
preparado por suas próprias mãos. Porém, se considerado em um sentido
mais nobre, ele não merece o epíteto degradante; fale dele, então, como um
ser que possui sentimento e compreensão, com orgulho para alarmar, com
nervos para tremer, com honra para satisfazer e com uma alma para ser
imortal! Como tal, ele não pode reivindicar a liberdade de seus próprios
pensamentos? Não pode estender esta pretensão à liberdade de expressão e ao
poder de ser governado por eles? E quando pensamentos, palavras e ações
estão livres de controle, o senhor o marcará com dependência apenas porque
o vaqueiro fornece sua carne e o padeiro amassa seu pão?
— Mas quem, no mundo inteiro — disse Monckton —, por mais extenso
que seja e por mais diferente que sejam seus habitantes, pode afirmar que
seus pensamentos, palavras e ações estão livres de controle? Mesmo que o
interesse que tanto desdenha não possa interferir, confesso que não posso
dizer onde está! Não ficamos calados quando queremos falar, por medo de
ofender? E não somos obrigados a falar quando queremos silenciar, pelo
desejo de agradar? Não nos curvamos tanto ao canalha quanto ao homem de
honra? Não somos, por mera formalidade, mantidos em pé quando cansados?
Obrigados a ceder lugar àqueles que desprezamos? Sorrir para aqueles que
odiamos? Ou, se recusarmos essas atenções, não somos considerados
selvagens e excluídos da sociedade?
— Tudo isso — respondeu Belfield — são meras questões de cerimônia,
pois a concessão não pode causar dor ao orgulhoso nem dar prazer ao
vaidoso. A reverência é para o casaco o que a atenção é para a hierarquia, e o
medo de ofender deve se estender a toda a humanidade. Uma homenagem
como esta não atenta contra nossa sinceridade, pois é tão natural quanto o
traje que usamos, e tem tão poucas razões para agradar um homem quanto a
sombra que o segue. Portanto, não o considero mais desonesto por não se
opor a este desfile pantomímico do que o considero dependente por comer o
milho que não semeou.
— Onde, então, estão definidos os limites? E qual é o limite para além do
qual sua independência não deve ultrapassar?
— Eu considero independente o homem — disse ele, com energia — que
trata o grande como o pequeno, e o pequeno como o grande, que não se
regozija com a riqueza, nem ruboriza com a pobreza, que não deve a nenhum
homem uma moeda, e quem não gasta um xelim que ele mesmo não ganhou.
— Então, o senhor não terá, de fato, muitos conhecidos, se esta for a
descrição daqueles com quem pretende se associar, mas é possível que o
senhor imagine que pode viver de acordo com essas noções? Por que o
recluso em seu mosteiro, que pelo menos está afastado da tentação, não é
mortificado tão severamente como um homem de fibra que vive no mundo,
que prescreve a si mesmo tais regras?
— Não apenas prescrevi — respondeu Belfield —, mas já as coloquei em
prática, e, longe de encontrar qualquer penitência, nunca antes encontrei a
felicidade. Eu recentemente adotei, embora esteja pobre, o mesmo plano de
vida que deveria ter escolhido se fosse rico; meu prazer, portanto, tornou-se
meu negócio, e meu negócio, meu prazer.
— E este plano — disse Monckton — não é nada mais do que converter
cavaleiros errantes em livreiros?
— Este cavaleiro errante — respondeu Belfield, rindo —, por mais
ridículo que possa lhe parecer, requer mais alma e mais cérebro do que
qualquer outro. Nossos gigantes podem, de fato, ser apenas moinhos de
vento, mas devem ser atacados com tanta coragem e conquistados com tanta
bravura quanto qualquer forte ou qualquer cidade em tempo de guerra, para
serem demolidos; e embora o cerco, devo confessar, possa ser de menor
utilidade nacional, os agressores da pena trazem sua honra no coração tanto
quanto os agressores da espada.
— Suponho, então — disse Monckton, maliciosamente —, que, se um
homem precisar de uma sátira mordaz ou um belo panegírico, algum
escândalo de jornal ou um soneto para uma dama...
— Não, não — interrompeu Belfield, com entusiasmo —, se o senhor me
imagina um escrevinhador mercenário, para a difamação ou lisonja, o senhor
conhece tão pouco da minha situação quanto do meu personagem. Meus
assuntos serão meus, e minha sátira será geral. Eu desprezaria tanto ser
pessoal com uma pena anônima, quanto atacar um homem desarmado no
escuro com uma adaga que mantive escondida.
Uma resposta de grande incredulidade subia aos lábios de Mr. Monckton,
quando ele leu no olhar de Cecilia toda uma aprovação ao sentimento de
Belfield; ele então reprimiu seu desejo de ridicularizar o outro e exclamou: —
falando como um homem de honra e alguém cujas obras podem beneficiar o
mundo!
— Desde a minha juventude até os dias atuais — continuou Belfield —, a
literatura tem sido o objeto favorito de minha busca, minha recreação no lazer
e minha esperança na ocupação. Minha propensão para isso, de fato, tem sido
tão ingovernável que posso apropriadamente chamá-la de a fonte de meus
vários abortos espontâneos ao longo da vida. Foi o obstáculo à minha
preferência, pois me manteve distante dos outros estudos; foi a causa da
minha instabilidade em todos os meus empreendimentos, porque entre todos
era a minha favorita. Ela me causou angústia, envolveu-me em dificuldades,
levou-me à beira da ruína ao me fazer negligenciar os meios de vida, mas
nunca, até agora, me dei conta de que poderia ser meu sustento.
— Estou muito contente, senhor — disse Cecilia —, que seus vários
empreendimentos e lutas finalmente terminaram em um projeto que lhe
promete muita satisfação. Mas o senhor certamente permitirá que sua irmã e
sua mãe possam compartilhar dele? Pois quem mais ficará tão feliz com sua
prosperidade?
— A senhorita lhes presta uma honra infinita, madame, por se interessar
por seus assuntos; mas, para reconhecer a verdade, o que para mim parece
prosperidade, elas verão sob outro aspecto. Elas esperaram minha elevação
com expectativas as mais improváveis, e acreditaram que tudo estava ao meu
alcance com uma simplicidade incrível. Mas, embora suas esperanças fossem
absurdas, sofro com sua decepção e não tenho coragem de enfrentar suas
lágrimas, as quais estou certo de que não serão poupadas quando me virem.
— É por ternura, então — disse Cecilia, meio sorrindo —, que o senhor é
cruel, e por afeto para com sua família que as faz acreditar que o senhor as
esqueceu?
Havia uma delicadeza nesta reprovação que se adequava perfeitamente a
Belfield, que, sentindo a crítica com rapidez, levantou-se e disse: — Creio
que estou errado! Irei até elas agora mesmo!
Cecilia sentiu-se ansiosa para apoiar o impulso generoso, mas Mr.
Monckton, rindo de sua impetuosidade, insistiu que ele deveria primeiro
terminar seu café da manhã.
— A sua família — disse Cecilia — não pode ter nenhuma mortificação
tão difícil de suportar quanto sua ausência voluntária, e se elas virem como
está feliz, logo se reconciliarão com qualquer situação que escolher.
— Feliz! — repetiu ele, com animação. — Oh, eu estou no paraíso! Eu
vim de uma região no primeiro estado rude da natureza para a civilização e o
requinte! A vida que levava na cabana era a vida de um selvagem; nenhuma
relação com a sociedade, nenhum consolo dos livros; minha mente
encarcerada, secas todas as fontes de deleite intelectual e nenhum prazer em
meu poder, exceto através do sono e da comida. Cansado de uma existência
que assim me equiparava a um bruto, envergonhei-me da aproximação e, ao
escutar o protesto de meu entendimento, abandonei o plano precipitado para
buscar outro mais consoante com a razão. Vim para a cidade, aluguei um
quarto e mandei buscar pena, tinta e papel; o que escrevo são
insignificâncias, mas o livreiro não as rejeitou. Portanto, eu tomei minha
decisão e, comparando minha nova ocupação com a que acabara de deixar,
fiquei exaltado com a repentina mudança de uma mera criatura de instinto a
um ser racional e inteligente. Porém, quando abri um livro pela primeira vez
depois de tão longa abstinência de todo alimento mental... oh, foi um êxtase!
Nenhum mendigo meio faminto que se regalou de repente com comida
jamais aproveitou sua refeição com mais avidez.
— Deixe a fortuna virar para o lado que quiser! — exclamou Monckton.
— O senhor pode desafiar toda a sua malevolência enquanto possuir um
espírito de prazer que nada pode subjugar!
— Mas, ainda no outro dia — disse Cecilia —, o senhor não era um
grande entusiasta da sua cabana e do seu trabalho?
— Eu era, madame, mas a minha filosofia estava errada; em meu ardor
para fugir da mesquinhez e da dependência, pensei que no trabalho e no retiro
encontraria a liberdade e a felicidade, mas esqueci que meu corpo não estava
preparado para tal trabalho, e não considerei que uma mente que uma vez
havia sido aberta para o conhecimento não poderia suportar a contração da
obscura e perpétua ignorância. No entanto, a aproximação do inverno me fez
reconhecer meu erro. Esfriou, o tempo ficou sombrio; pouco protegido contra
a inclemência de onde eu estava, senti sua severidade em cada um dos
membros e perdi mil indulgências que na posse eu nunca havia valorizado.
Levantar-me ao amanhecer, frio, gelado e sem conforto! Sem sol no exterior,
sem fogo dentro de casa! Sair para trabalhar em qualquer tempo, esse
trabalho duro, grosseiro e laborioso! Não acostumado a tais privações,
descobri que não poderia suportá-las e, embora contra a vontade, fui
compelido a desistir da tentativa.
Terminado o desjejum, ele se levantou novamente para se despedir.
— Então, senhor — perguntou Cecilia —, vai imediatamente ver sua
família?
— Não, senhora — respondeu ele, hesitando —, não neste momento;
amanhã de manhã, talvez, mas agora é tarde e tenho assuntos pendentes pelo
resto do dia.
— Ah, Mr. Monckton — exclamou Cecilia —, que dano o senhor
provocou ao ocasionar este atraso!
— Esta bondade, madame — disse Belfield —, minha irmã nunca poderá
reconhecer o suficiente. Mas devo admitir que, embora agora mesmo, em um
momento caloroso, eu me sentisse ansioso para me apresentar diante dela e
da minha mãe, eu prefiro, agora que estou mais controlado, ser poupado da
dor de lhes revelar pessoalmente minha situação. Eu tenho a intenção,
portanto, de primeiro escrever para elas.
— O senhor não vai falhar, então, em vê-las amanhã?
— Certamente... creio que não.
— Irei visitá-las hoje mesmo e lhes assegurarei que podem lhe aguardar.
Posso suavizar a sua tarefa de escrever levando alguma mensagem sua?
— Ah, madame, tenha cuidado! — disse ele. — Tamanha
condescendência com um pobre autor pode ser mais perigosa do que suspeita,
e, antes que perceba, a senhorita pode ver seu nome prefixado na dedicação
de algum panfleto barato!
— Estou disposta a correr todos os riscos — disse ela. — Lembre-se,
portanto, o senhor será responsável pelo cumprimento da minha promessa.
— Eu me assegurarei — respondeu ele — de não esquecer o que tanto me
honra.
Cecilia ficou satisfeita com este assentimento e ele foi embora.
— Um personagem estranho e volúvel — exclamou Mr. Monckton —,
mas de capacidade incomum e repleta de genialidade. Se ele fosse menos
imaginativo, selvagem e excêntrico, teria habilidades para qualquer posição, e
poderia se fixar e se distinguir onde bem entendesse.
— Eu não conhecia — disse Cecilia — o valor da firmeza e da prudência
até que conheci esse jovem, pois ele possui tudo o mais: os talentos mais
notáveis, o mais elevado amor pela virtude e as maneiras mais agradáveis. No
entanto, ao buscar firmeza e prudência, ele não pode agir com consistência
nem prosperar com continuidade.
— Ele está muito bem — disse lady Margaret, que ouvira toda a discussão
com um abatimento sombrio —, ele está muito bem, creio eu. E não há
nenhuma necessidade para que mulheres jovens sejam tão difíceis.
Cecilia, ofendida por um discurso que implicava em um rude desejo de se
livrar dela, subiu as escadas em direção aos seus próprios aposentos, e Mr.
Monckton, sempre furioso quando jovens e Cecilia eram mencionados na
mesma frase, retirou-se para sua biblioteca.
Cecilia logo solicitou uma cadeirinha e foi à Portland Street para cumprir o
que havia prometido a Belfield, e para reanimar sua mãe e irmã com o prazer
da visita prometida. Ela as encontrou juntas, e como sua informação era de
igual importância para ambas, Cecilia agora não se queixou da presença de
Mrs. Belfield. Ela fez sua comunicação com a mais capciosa atenção aos
personagens, amenizando o mal que tinha que reportar com respeito ao modo
de vida atual de Belfield, esforçando-se para despertar afeto e alegria diante
da perspectiva do encontro que se aproximava. Ela as aconselhou, tanto
quanto possível, a conter o desgosto por seus infortúnios, que ele apenas
interpretaria como uma censura por sua má gestão, e lhes explicou que, uma
vez que fosse restaurado à sua família, ele poderia quase imperceptivelmente
ser conduzido a algum esquema de negócios menos selvagem e mais
lucrativo.
Depois de dizer tudo o que considerou oportuno relatar, intercalando
gentilmente seu relato com os melhores conselhos e o melhor conforto que
poderia sugerir, ela encerrou a visita, pois a aflição de Mrs. Belfield ao ouvir
a real situação de seu filho foi tão clamorosa e insaciável que ela não se
admirou com a falta de coragem de Belfield para enfrentá-la, e não
encontrando oportunidade em tal tempestade para consolar a doce Henrietta,
cujas lágrimas fluíam abundantemente, por seu irmão ter caído tanto assim,
ela apenas prometeu vê-la novamente antes de deixar a cidade. Ela ainda
implorou à Mrs. Belfield que moderasse sua preocupação e ficou feliz em
deixar a casa, onde sua presença não tinha poder para acalmar sua angústia.
Ela passou o resto do dia em tristes reflexões sobre a reunião que ela
mesma teria na manhã seguinte com Mr. Delvile. Cecilia desejava
ardentemente saber se Mortimer tinha ido para o exterior e se Mrs. Delvile
estava recuperada, cuja saúde, em sua própria carta, foi mencionada nos
termos mais melancólicos; ainda assim, não lhe ocorreu sequer pensar em
fazer nenhuma dessas indagações, já que razoavelmente, mesmo sem elas, ela
já temia alguma reprovação.
CAPÍTULO 85

UMA DISPUTA

No dia seguinte, Mr. Monckton, assim que terminou o desjejum, saiu, para
evitar mostrar, até mesmo para Cecilia, a ansiedade que sentia quanto ao
controle de sua fortuna e organização de seus negócios. No entanto, ele a
aconselhou veementemente a não mencionar sua grande dívida, que, embora
contraída na inocência da mais pura benevolência, não incorreria em nada
além de reprovação e desaprovação de todos os que ouvissem falar dela
quando tomassem conhecimento de sua inutilidade.
Às onze horas, embora uma hora antes da hora marcada, enquanto Cecilia
estava sentada no quarto de vestir de lady Margaret, “demonstrando uma
triste cordialidade e com dor de cabeça”, ela foi chamada por Mr. Briggs na
sala de estar. Ele imediatamente começou a censurá-la por ter fugido dele
durante o verão e pelas várias despesas que ela lhe causara com compras
inúteis e provisões estragadas. Ele então se queixou de Mr. Delvile, a quem
acusou de fraudá-lo de seus direitos, mas, ao observar em meio à sua censura
seu semblante abatido, ele repentinamente se interrompeu e, olhando para ela
com alguma preocupação, disse: — Qual é o problema, patinha? Não se sente
bem?
— Oh, sim — exclamou Cecilia —, eu lhe agradeço, senhor, estou muito
bem.
— Por que está tão abatida, então? — disse ele. — O que a preocupa?
Alguma decepção amorosa? Perdeu seu amor?
— Não, não, não — disse ela, com rapidez.
— Deixe para lá, minha menina, deixe para lá — disse ele, beliscando sua
bochecha, com renovado bom humor. — Outros virão; se um não servir,
outro o fará; deixou-me muito irritado, afastando-se de mim com aquele
velho nobre, ou já teria um pretendente há muito tempo. Odeio aquele velho
Don; não foi bom para mim; gostaria de poder derrotá-lo. Pensa mais em um
pergaminho velho e empoeirado do que no preço das ações. Não serve para
nada além de ser colocado em um antigo monumento para receber a cabeça
da morte.
Ele então lhe informou que suas contas foram todas feitas e ele estava
pronto a qualquer momento para apresentá-las; ele estava satisfeito que ela
terminasse qualquer negociação com o velho Don, que não havia tido
nenhuma participação na execução, mas ele a aconselhou a não pensar em
tomar o dinheiro em suas próprias mãos, pois ele estava disposto a
administrá-lo até que ela se casasse.
Cecilia, agradecendo a oferta, disse que pretendia agora agradecer por todo
o trabalho que ele tinha tido, mas de forma alguma pretendia lhe oferecer
mais.
Ele debateu o assunto calorosamente, disse que ela não teria oportunidade
para se salvar dos patifes e dos trapaceiros, que não deveria confiar em
ninguém além dele mesmo. Ele a informou dos juros que havia obtido para o
seu dinheiro e perguntou como ela pensava em conseguir mais.
Cecilia, embora tivesse sido prevenida contra ele por Mr. Monckton, não
sabia como refutar seus argumentos. Contudo, consciente de que apenas uma
parte do dinheiro a que ele aludia era de fato dela, não podia se desfazer dele.
Entretanto, ele era tão teimoso e tão difícil de lidar que ela finalmente o
deixou falar sem se preocupar em responder, e secretamente decidiu solicitar
a Mr. Monckton que intercedesse por ela.
Ela não ficou, portanto, insatisfeita com a interrupção, embora tenha
ficado muito surpresa com a visão de sua pessoa, quando, no meio da oratória
de Mr. Briggs, Mr. Hobson entrou na sala.
— Peço que me perdoe, madame — disse ele —, pela minha intromissão,
mas tomei a liberdade de lhe procurar por conta das duas damas que são
conhecidas suas, que estão completamente, como se pode dizer,
enlouquecidas.
— Qual é o problema com elas, senhor?
— Bem, madame, não é grande coisa, mas as mães logo ficam assustadas
e, uma vez preocupadas, dizem coisas sem sentido! Elas sabem menos sobre
razão e argumentação do que sobre controle de estoque. No entanto, minha
máxima é esta: cada um deve seguir o seu caminho, ninguém tem mais
direito de esperar coragem de uma dama nesses casos do que de uma criança
de colo, pois o que eu digo é que elas não fazem o uso adequado de suas
cabeças, o que torna tudo muito desculpável.
— Mas o que causou a inquietação? Nada de errado com Miss Belfield, eu
espero.
— Não, madame, graças a Deus a jovem goza de muito boa saúde, mas ela
está agindo da mesma forma que sua mãe, pois o que pode ser mais natural?
O exemplo, madame, pode ser contagioso, e o pranto de uma dama faz a
outra pensar que deve fazer o mesmo, pois qualquer coisinha é suficiente para
as lágrimas de uma dama, já que pode começar a chorar a qualquer momento,
mas a natureza de um homem é completamente diferente; permita que ele
tenha uma boa consciência e que fique limpo do mundo, e eu lhe garanto que
ele não vai lavar o rosto sem sabão; é o que eu digo!
— Ora, não vai — exclamou Mr. Briggs —, eu mesmo faço isso! Nunca
uso sabão; nada além de desperdício; uso um pouco de areia, o efeito é o
mesmo.
— Que cada homem tenha sua própria proposta — respondeu Hobson —,
da minha parte, apanho todas as manhãs uma grande tigela de água e nela
mergulho toda a minha cabeça; e então, depois de secá-la, visto minha peruca
e me sinto bastante fresco e agradável. Então, eu dou um passeio pela
Tottenham Court Road até o Tabernáculo, mais ou menos, e aspiro um pouco
de ar fresco do campo, e então eu volto cheio de apetite e com uma respiração
suave e quente, espero que a dama me perdoe, eu aprecio meu bule de chá
fresco e minha rodada de torradas quentes com manteiga com tanto gosto
como se eu fosse um príncipe.
— Um bule de chá fresco — disse Briggs — pode levar um homem à
ruína; torrada e manteiga! Não suporto isso em minha casa. Café da manhã
com mingau de água, feito bem cedo, satisfaz qualquer um em um segundo.
Divido com meus criados, não posso comer muito, me dá refluxo — ele
balançou a cabeça significativamente.
— Mingau de água! — exclamou Mr. Hobson. — Eu não poderia engolir
uma coisa dessas por nada no mundo! Eu passaria muito mal, espero que a
dama me perdoe, eu sempre acharia que estava me preparando para a varíola.
Minhas ideias são outras; a primeira coisa que faço é ter um bom fogo, pois o
que eu digo é o seguinte: se um homem sente frio nos dedos, é provável que
ele se aqueça usando o seu bolso! Ah! Ah! Aquecer, entendeu, senhor? Eu fiz
um trocadilho. Embora eu deva pedir perdão, pois suponho que a jovem não
saiba o que estou dizendo.
— Eu realmente ficaria mais satisfeita, senhor — disse Cecilia —, em
ouvir o que o senhor tem a dizer sobre Miss Belfield.
— Bem, madame, a coisa é esta: passamos toda a manhã esperando o
jovem escudeiro, como costumo chamá-lo, mas ele não apareceu. Então, Mrs.
Belfield, sem saber onde ele se encontra, pensou que ele poderia estar aqui,
sabendo de sua bondade para com ele, e tudo o mais.
— O senhor fez sua indagação no lugar errado — disse Cecilia, muito
provocada pelas implicações das suas palavras. — Se Mr. Belfield está nesta
casa, o senhor deve procurá-lo junto a Mr. Monckton.
— Espero que não se ofenda, madame, por eu ter vindo questioná-la.
Como Mrs. Belfield estava chorando e por estar neste dilema, pensei que não
poderia fazer nada menos do que agradá-la ao vir verificar se o jovem
cavalheiro estava aqui.
— O que é isso? O que é isso? — perguntou Mr. Briggs, ansiosamente. —
De quem está falando? Hein? De quem está falando? É o seu pretendente,
patinha?
— Não, não, senhor! — exclamou Cecilia.
— Não tente me enganar! Eu não vou ficar aborrecido. Quem é esse? Eu
quero saber, diga!
— Eu direi, senhor — disse Mr. Hobson. — É um jovem cavalheiro muito
bem-apessoado, uma ótima pessoa, de maneiras e comportamento muito
refinados e, além disso, tem um jeito tão bonito de se vestir, como qualquer
dama poderia desejar. Ele não tem grande cabeça para os negócios, como
ouvi dizer, mas as mulheres não se importam muito com esse assunto, já que
elas próprias nada sabem sobre isso.
— Ele tem dinheiro em espécie? — perguntou Mr. Briggs, impaciente. —
É bom em aritmética? Esta é a questão; pode realmente provar que tem
dinheiro? Hein?
— Ora, quanto a isso, senhor, não estou obrigado a falar sobre os assuntos
privados de um cavalheiro. O que é meu é meu, e o que é de outra pessoa é
de outra pessoa; esta é minha maneira de argumentar, e é isso que chamo de
falar com propósito.
— Ouso dizer que ele é um trapaceiro! Não o aceite, menina. Aposto que
não vale dois xelins, e isso para o pó-de-arroz e para a pomada; odeio uma
cachola engessada, geralmente uma tolice; eu gosto é de uma boa peruca.
— Ora, esta conversa não condiz com a verdade — disse Mr. Hobson —,
supor que uma jovem dama de fortuna se casaria com um homem com uma
peruca. O que eu digo é que todos sigam sua natureza; essa é a maneira de se
sentir confortável; e então, se cada um arcar com suas próprias contas, quem
tem o direito de cobrá-los, quer eles usem uma peruca ou tranças que lhe
cheguem até as panturrilhas?
— Sim, sim — disse Briggs com desdém —, ou se eles enchem seus
esôfagos com torradas quentes e manteiga.
— Qual o problema se eles fizerem isso, senhor? — Hobson retomou, um
pouco zangado. — Quando um homem consegue uma posição elevada no
mundo, onde está o mal em viver com um pouco de elegância? E quanto a
uma rodada de torradas e manteiga, e algumas ostras recém-abertas como
entrada antes do jantar, nenhum homem deve se envergonhar delas, desde
que pague à medida que as consome; e quanto a viver de mingau de água e
esfregar a própria pele com areia, pode-se muito bem se converter em um
escravo de uma galera de uma vez. O cavalheiro não entende a vida, pelo que
vejo.
— Problema! Problema! — exclamou Briggs, falando com os dentes
cerrados. — O senhor está louco! Ostras! Vão levá-lo à ruína, eu lhe digo!
Vão levá-lo para a prisão!
— Para a prisão, senhor? — gritou Hobson. — Esta fala não é muito
educada! Que todo homem seja civilizado, é o que eu digo, pois esta é a
maneira de tornar tudo agradável, mas quanto a dizer a um homem que ele irá
para a cadeia, isso é o mesmo que afrontá-lo.
Uma batida na porta da rua trouxe um novo alívio para Cecilia, que
começava a ficar muito apreensiva de que o prazer de gastar dinheiro, tão
calorosamente contestado quanto o de poupá-lo, suscitasse uma rixa que,
entre dois tão vigorosos defensores de suas próprias opiniões, poderia levar a
uma conclusão um pouco mais dura e violenta do que ela desejava presenciar,
mas, quando a porta da sala se abriu, no lugar de Mr. Delvile, quem ela
aguardava, Mr. Albany fez sua entrada. Isso era bastante angustiante, já que
seu verdadeiro assunto com seus tutores tornava apropriado que sua conversa
com eles não fosse interrompida. Ele avançou com ar solene para Cecilia e,
como se não estivesse decidido se deveria falar com severidade ou gentileza,
disse: — Mais uma vez venho para provar sua sinceridade; a senhorita irá
comigo onde a tristeza a chama? Tristeza que sua caridade pode mitigar?
— Estou muito interessada — respondeu ela —, mas, na verdade, no
momento, é totalmente impossível.
— Outra vez — exclamou ele, com um olhar ao mesmo tempo severo e
desapontado —, mais uma vez a senhorita vai me decepcionar? Que
leviandade imoral! Por que precisa exaltar uma mente cansada, apenas para
fazê-la sentir sua persistente credulidade? Ou por que, depois de me fazer
acreditar que havia encontrado um anjo, me desengana de forma tão cruel?
— Na verdade — disse Cecilia, muito afetada por essa reprovação —, se o
senhor tivesse conhecimento da grande perda que eu mesma sofri...
— Mas eu sei — exclamou ele —, e fiquei triste pela senhorita quando
tomei conhecimento do fato. A senhorita perdeu uma velha e fiel amiga, uma
perda que a cada sol poente poderá lamentar, pois o sol nascente nunca a
reparará! Mas isso é motivo para desprezar os deveres da humanidade? Foi a
visão da morte um motivo para negligenciar as reivindicações da
benevolência? Pelo contrário, não deveria ter apressado o seu cumprimento?
E o seu próprio sofrimento com a brevidade da vida não deveria tê-la
ensinado a futilidade de todas as coisas, preparando-a para o seu fim?
— Talvez sim, mas minha dor naquele momento me fez pensar apenas em
mim mesma.
— E o que mais a senhorita pensa agora?
— Provavelmente ainda na mesma pessoa! — disse ela, meio sorrindo —,
mas, ainda assim, acredite, tenho assuntos importantes a tratar.
— Desculpas frívolas, sem sentido, sempre prontas! Que assunto é tão
importante quanto o alívio de um semelhante?
— Não devo, assim espero — respondeu ela com entusiasmo —, me
demorar, mas, pelo menos por esta manhã, devo implorar que seja meu
esmoler.
Ela então apanhou a bolsa.
Mr. Briggs e Mr. Hobson, cuja disputa havia sido suspensa pelo
aparecimento de uma terceira pessoa, e que haviam permanecido durante este
breve diálogo em silencioso assombro, tendo primeiramente abandonado a
raiva em sua consternação mútua, agora perdiam a consternação em seu
descontentamento mútuo. Mr. Hobson sentiu-se ofendido ao ouvir falar de
negócios de forma leviana, e Mr. Briggs ficou furioso ao ver a bolsa de
Cecilia pronta. Nenhum deles, porém, sabia de que maneira interferir; a
gravidade radical de Albany, aliada a uma linguagem muito elevada para sua
compreensão, intimidava a ambos. No entanto, eles se sentiam aliviados por
poderem se comunicar, e Mr. Hobson disse em um sussurro: — Aquele
homem, o senhor deve saber disso, segundo me disseram, é um velho
cavalheiro muito particular; o que eu chamo de gênio. Ele vai com frequência
à minha casa para ver minha inquilina, Miss Henny Belfield, embora eu
mesmo nunca o tenha encontrado, exceto uma vez no corredor, mas o que
ouço dele é o seguinte: ele tem o hábito, como se pode dizer, de entrar na
casa das pessoas e não fazer nada além de encontrar defeitos.
— Não vai entrar na minha — respondeu Briggs —, eu garanto! Não
gostei nem um pouco dele; esteja certo de que é um velho astuto.
Cecilia, nesse ínterim, quis saber de quanto ele precisava.
— Meio guinéu — respondeu ele.
— É o suficiente?
— Para quem não tem nada, é muito — disse ele. — A partir de agora a
senhorita poderá ajudá-los novamente. Vá e veja suas aflições e a senhorita
desejará lhes dar tudo.
Mr. Briggs, quando viu meio guinéu entre os dedos dela, não conseguiu
mais se conter; ele torceu a manga de seu vestido, beliscou seu braço, com
uma expressão de dolorosa ansiedade, e disse em um sussurro: — Não dê o
dinheiro! Não o deixe ficar com o dinheiro! Mande-o embora! Não passa de
um golpista!
— Perdoe-me, senhor — disse Cecilia, em voz baixa —, seu caráter é
muito conhecido por mim.
E então, soltando o braço dele, ela apresentou sua pequena oferta. Ao ver
isso, Mr. Briggs se mostrou praticamente ultrajado e, perdendo na sua ira
todo o medo do estranho, irrompeu em fúria nas seguintes exclamações: —
Será levada à ruína! Vejo isto claramente; será depenada! Será despojada de
tudo! Será roubada! Não terá um vestido para vestir! Não terá um sapato no
pé! Não terá um trapo no mundo! Será uma indigente na rua! Irá para a
paróquia! Apodrecerá em uma prisão! Meio guinéu de cada vez! O suficiente
para quebrar o Grande Mogul!56
— Espírito desumano de parcimônia egoísta! — exclamou Albany. — O
senhor se opõe a este empréstimo, dado por milhares aos que têm menos do
que nada? Quem hoje paga com fome o pão que pediu emprestado ontem por
piedade? Quem, para se salvar das dores mortais da fome, solicita senão o
que os ricos não sabem que possuem, e que não sentem falta quando se
desfazem?
— Hã? — gritou Mr. Briggs, recuperando a paciência da perplexidade de
seu entendimento diante de um discurso para o qual seus ouvidos não
estavam acostumados. — O que disse?
— Se para si mesmo a aflição pode chorar em vão — continuou Albany
—, se o seu próprio coração resiste à oração do suplicante, insensível à
súplica e endurecido a tudo, sofre, pelo menos, uma criatura ainda imaculada,
que se derrete na tristeza e que resplandece na caridade, para pagar com sua
vasta riqueza uma generosa taxa de gratidão, que o destino não reverteu sua
condenação, e aqueles a quem ela alivia, não a aliviem!
— Hã? — foi novamente tudo o que Mr. Briggs pôde dizer.
— Eu pergunto, madame — disse Mr. Hobson a Cecilia —, se não for
ofensivo, o cavalheiro alguma vez foi ator?
— Na verdade, creio que não.
— Peço que me perdoe, então, madame. Não quero prejudicar ninguém,
mas minha ideia era a de que o cavalheiro poderia estar falando algo que
havia decorado.
— É apenas no palco que a humanidade existe? — disse Albany,
indignado. — Oh, apressem-se então, monopolizadores da abundância!
Egoístas e insensíveis absorvedores que dissipam sem desfrutar, e da
abundância, que desperdiçam enquanto se recusam a distribuir! Apressem-se
para lá, se é que existe humanidade!
— Quanto a desfrutar — disse Mr. Hobson, feliz por finalmente ouvir uma
palavra com a qual estava familiarizado —, é o que eu mesmo nunca aprovei.
Minha máxima é esta: se um homem ganha um dinheiro de forma justa, sem
quaisquer negociações dissimuladas, ora, ele tem tanto direito de desfrutá-lo
quanto o chefe do judiciário ou o próprio lorde chanceler, e embora seja
improvável, ele está tão feliz quanto um homem superior. Mas o que eu
considero o melhor de tudo é uma consciência tranquila, com uma boa renda
de duas ou três mil libras por ano. Essa é minha ideia, e eu não acho que seja
ruim.
— Política fraca de uma ignorância míope! — exclamou Albany. —
Desejar aquilo que, se usado, exige cuidado, e, se negligenciado, traz
remorsos! O senhor não está à altura além do que sua natureza anseia? Por
que então ainda suspira por mais?
— Por quê? — perguntou Mr.Briggs, que por força de profunda atenção
agora começava a compreendê-lo melhor. — Para poder comprar, com
certeza! Já ouviu falar de ações, hein? Sabe alguma coisa sobre dinheiro?
— Seguir querendo mais e mais — disse Albany —, e para quê? Para
gastar no vício e na ociosidade, ou acumular em uma tristeza desolada.
Deixar de socorrer um miserável, não dar apoio àqueles que perderam tudo,
dedicar tudo a si mesmo, mesmo que não seja desejado, tudo vai para
reservas ou luxo adicional; nenhum semelhante é servido, nem mesmo um
mendigo aliviado!
— Alegro-me com isso! — exclamou Mr. Briggs. — Alegro-me com isso;
não os teria aliviado; não gosto deles; odeio os mendigos; deveriam todos ser
açoitados; vivem como esponjas.
— Ora, quanto a um mendigo, eu devo dizer — exclamou Mr. Hobson —,
de forma alguma aprovo esse modo de proceder; assim, considero-os todos
trapaceiros, pois eis o que eu digo: o que um homem ganha, ele ganha, e não
cabe a nenhum outro homem perguntar como ele gasta, pois um inglês
nascido livre é seu próprio senhor pela natureza da lei, e quanto a ele ser um
súdito, ora, um duque não é melhor, nem um juiz, nem o lorde Chanceler, e
assim por diante, o que o torna equivalente a nada, sendo que ele não
responde a ninguém pelo direito da Carta Magna, exceto em casos de traição,
crime e outros. Mas, quanto ao mendigo, é diferente; ele vem e me pede
dinheiro; mas o que ele tem a mostrar? O que ele me dá em troca? Ora,
apenas uma longa história de que ele não vale um centavo! O que é isso para
mim? Nada mesmo. Que cada homem tenha o seu, esta é a minha maneira de
argumentar.
— Mortais desagradáveis! — exclamou Albany. — Exultantes na riqueza,
até mesmo na desumanidade! Acham mesmo que esses párias miseráveis têm
menos sensibilidade do que vocês? Acreditam que, com frio e fome, eles
perdem aqueles sentimentos que, mesmo na prosperidade voluptuosa, de vez
em quando os perturbam? O senhor diz que eles são todos trapaceiros? Nada
além da mesquinharia da avareza, para afastar o remorso da obstinação. Acha
que o andarilho sem roupas implora por escolha? Dê a ele sua riqueza e veja
por si mesmo.
— Dê a ele uma chicotada! — exclamou Briggs. — Não lhe dê uma
esponja! Mande-o para Bridewell! Não passam de pedintes! Odeio todos
eles! Cheios de truques; quebram suas próprias pernas, distendem os braços,
cortam os dedos, deslocam os ligamentos dos tornozelos, e tudo para quê?
Para conseguir umas moedas! Para tirar nosso dinheiro! Devem ser
açoitados! Joguem todos no Tamisa, são piores do que condenados!
— Pobre subterfúgio de crueldade insensível! Enganam a si mesmos para
evitar a fraude dos outros! E, no entanto, qual a melhor maneira de usar a
riqueza tão protegida? Qual propósito mais nobre pode atendê-los do que
uma oportunidade de arrebatar algum desgraçado do naufrágio? Pensem
menos em quanto economizam e mais em para quê; então, considerem como
seus cofres cheios podem, daqui em diante, reparar a lista vazia de suas
virtudes.
— Hã? — disse Mr. Briggs, novamente perdido em perplexidade e
assombro.
— Ou, ainda — continuou Mr. Albany, voltando-se para Cecilia —, não
divulgue as suas dificuldades, prefira emendar a si mesma do que corrompê-
la, e ofereça com generosidade o que deve receber com gratidão!
— Esta não é a minha doutrina — disse Mr. Hobson —, e também não sou
um homem das imediações, mas quanto a seguir este ritmo, está totalmente
além dos meus limites. Tenho tanto direito às minhas próprias economias
quanto à minha própria renda. O que eu digo é: quem vai me dar alguma
coisa? Se eu puder ver isso, a coisa muda de figura; não importa como
começa, eu sou obrigado a manter, libra por libra, ou centavo por centavo.
Mas quanto a dar a mendigos, isso é o que não aprovo. Eu pago a taxa dos
pobres,57 e isso é o que chamo de caridade suficiente para qualquer homem.
Porém, no que se refere a viver bem, gastar seu dinheiro generosamente e ter
conforto, ora, é uma coisa de natureza bem diferente; e posso dizer isso por
mim mesmo, ou seja, nunca senti inveja de nada em minha vida. Sempre me
mostrei agradável e vivi da melhor forma possível. Este é meu caminho.
— Um mau caminho também — disse Mr. Briggs —, não siga por esse
caminho, nunca será capaz de ver além do seu nariz; não valerá um níquel
enquanto sua cabeça balança! — então, falando em particular com Cecilia: —
Escute, minha patinha — acrescentou ele, apontando para Mr. Albany —,
quem é este Mr. Desaprovação, hein? O que ele faz?
— Eu o conheço há pouco tempo, senhor; mas o tenho em alta estima.
— Ele é um bom homem? Este é o ponto, ele é um bom homem?
— Na verdade, ele me parece extraordinariamente benevolente e caridoso.
— Mas esta não é a questão. Ele é quente? Este é o ponto, ele é quente?
— Se o senhor quer dizer ardente — disse Cecilia —, acredito que a
energia de suas maneiras sirva meramente para fazer cumprir o que ele diz.
— Não me convence, não me convence — disse ele, com impaciência. —
Pode provar que tem dinheiro? Esta é a questão; é possível ouvir o tilintar das
moedas?
— Ora, eu me refiro a não temer por sua aparência, mas não sei nada de
seus negócios.
— Por que vem aqui? Hein? Vem para cortejá-la?
— Misericórdia, não!
— Para que, então? Apenas para obter alguma vantagem?
— Na verdade, não. Ele parece não ter nenhum desejo a não ser ajudar e
implorar pelos outros.
— Tudo falso! Acha que ele não toca em nada? Ai, ai, nada além de
truques! Tudo para obter algum dinheiro. Veja, ele é tão pobre quanto um
rato de igreja, só fala em dar dinheiro; um mau sinal! Se ele tivesse algum,
não faria isso. Quer ver se temos dinheiro; pensa que pode censurar todos
nós! Não eu! Não sou enganado tão facilmente.
Uma batida na porta da rua causou uma nova interrupção, e Mr. Delvile
finalmente apareceu.
Cecilia, a quem sua visão não deixava de desconcertar, sentia-se
duplamente angustiada pela presença desnecessária de Mr. Albany e Mr.
Hobson. Ela lamentou a ausência de Mr. Monckton, que poderia facilmente
tê-los levado embora, pois embora, sem dúvida, ela mesma pudesse dar a
entender a Mr. Hobson que ela tinha negócios a tratar, temia ofender Mr.
Albany, cuja estima ela ambicionava obter.
Mr. Delvile entrou na sala com um ar majestoso e ereto; ele tirou o
chapéu, mas não se dignou a fazer a menor inclinação da cabeça, nem
ofereceu qualquer desculpa a Mr. Briggs por ter passado da hora de seu
encontro. Porém, depois de avançar alguns passos, sem olhar nem para a
direita nem para a esquerda, disse: — Como nunca atuei como tutor, a minha
vinda pode não ser, talvez, imprescindível, mas, como meu nome está no
testamento do reitor e eu já me encontrei uma ou duas vezes com os outros
executores nele mencionados, acredito que tenho o dever para com meus
próprios herdeiros de evitar qualquer possível investigação futura ou
problemas para eles.
Este discurso não foi dirigido a ninguém em especial, embora fosse
destinado a ser ouvido por todos, e parecia orgulhosamente proferido como
um mero pedido de desculpas a si mesmo por não ter recusado a reunião.
Cecilia, embora recuperada de sua confusão com a ajuda de sua aversão a
esta autossuficiência, não respondeu. Mr. Albany se retirou para um canto da
sala; Mr. Hobson pensou que era hora de partir, mas não foi; e Mr. Briggs,
pensando unicamente na disputa em que havia se separado de Mr. Delvile no
verão, encheu-se de veneno, que ansiava por uma oportunidade de cuspir.
Mr. Delvile, que considerava este silêncio como o efeito de sua presença
imponente, tornou-se um tanto mais complacente, mas, olhando ao redor da
sala e percebendo os dois estranhos, ficou visivelmente surpreso e, olhando
para Cecilia em busca de alguma explicação, pareceu ter ficado em suspense
quanto ao propósito de sua visita até que ouvisse alguma. Cecilia, ansiosa por
concluir o assunto, voltou-se para Mr. Briggs e disse: — Senhor, aqui está a
pena e o tinteiro; o senhor deve escrever ou eu? O que deve ser feito?
— Não, não — disse ele, com um sorriso de escárnio —, passe para ele,
nós aguardamos a nossa vez; nunca passe na frente de Sua Graça, o
Honorável Mr. Vampus.
— Na frente de quem, senhor? — perguntou Mr. Delvile, corando.
— Na frente de milorde Don Pedigree — respondeu Mr. Briggs, com um
sorriso malicioso. — O senhor o conhece? Hein? Já ouviu falar de tal pessoa?
Mr. Delvile corou ainda mais, mas afastou-se dele com desdém e
desprezou a obrigação de oferecer qualquer resposta.
Mr. Briggs, que agora o considerava um homem derrotado, disse exultante
a Mr. Hobson: — O senhor ainda está em pé? Não está vendo o elevado e
imponente fidalgo?
— Quanto a me ajoelhar — respondeu Mr. Hobson —, é o que eu não
faria a nenhum homem, exceto se fosse o próprio rei, ou algo parecido,
enquanto estivesse recebendo o título de chanceler do tesouro ou de
comissário de impostos. Não que eu ofereça ao cavalheiro qualquer ofensa,
mas um homem é um homem, e que um homem adore outro homem está
completamente fora da lei.
— O senhor deve fazê-lo! — exclamou Mr. Briggs. — É o que dizem os
seus velhos avós; ele mantém seus nomes em uma lista, os tranca dentro de
um armário; diz suas orações para eles; não pode viver sem eles; gosta mais
deles do que de dinheiro! Gostaria que eles estivessem aqui! Eu mergulharia
todos eles dentro da pia.
— Se a sua intenção, senhor — disse Mr. Delvile, ferozmente —, é apenas
a de me insultar, estou preparado para as medidas que devo tomar. Recusei
vê-lo em minha própria casa para não ficar sob as mesmas restrições de
quando tive o desprazer de encontrá-lo pela última vez.
— Quem se importa? — disse Mr. Briggs, com um ar de desafio. — O que
pode fazer, hein? Enfiar-me em um cofre da família? Amarrar-me no topo de
um antigo monumento? Prender-me a uma carcaça fedorenta? Fazer de mim
um cadáver e chamá-lo de um de seus primos famosos?
— Pelo amor de Deus, Mr. Briggs! — interrompeu Cecilia, que viu que
Mr. Delvile tremia de cólera e mal se continha para não erguer a bengala. —
Acalme-se e vamos concluir o nosso assunto!
Mr. Albany, ao ouvir na voz de Cecilia o alarme que tomava conta dela,
aproximou-se e perguntou: — De onde vem essa discórdia sem sentido? Qual
o propósito deste abuso irritante? Oh, vaidade e insensatez! Vivem assim tão
felizes, e durante tanto tempo, que o tempo e a paz possam ser assim
menosprezados?
— Pronto, pronto! — exclamou Mr. Briggs, erguendo o dedo para Mr.
Delvile. — Aí está! Agora o velho Mr. Desaprovação está no seu pé! Ele vai
deixá-lo exausto, eu garanto!
— Contenha esta ira ociosa — continuou Mr. Albany —, e se possui
paixões ardentes, empregue-as para usos mais nobres; deixe-as estimular atos
de virtude, deixe-as animar atos de beneficência. Oh, não desperdicem
estados de espírito que podem incitá-los ao bem, conduzi-los à honra,
estimulá-los à caridade, com palavras pobres e raivosas, em debates hostis e
desumanos!
Mr. Delvile, que ao se aproximar de Mr. Albany lhe dedicara toda a
atenção, ficou pasmo com este discurso e quase petrificado de assombro com
sua linguagem e suas exortações.
— Ora, eu devo admitir que, quanto a este assunto — disse Mr. Hobson
—, eu também penso da mesma forma, pois discussões são coisas que não
defendo, já que não avançam de maneira alguma, pois o que eu digo é o
seguinte: se um homem fica melhor, ele só está onde estava antes, e se ele for
derrotado, é improvável, mas é ele quem faz o papel de ridículo. Então, se eu
me atrevo a dar o meu veredicto, gostaria que um desses cavalheiros tomasse
o outro pela mão e, assim, acabassem com as ofensas. Esta é a minha máxima
e é isso que chamo de ser agradável.
Mr. Delvile, ao ouvir as palavras que um dos cavalheiros deveria tomar o
outro pela mão, olhou com desprezo para Mr. Hobson, com uma carranca que
expressava sua mais alta indignação por estar tão familiarmente associado a
Mr. Briggs. E então, voltando-se dele para Cecilia, disse com altivez: —
Essas duas pessoas — apontando para Mr. Albany e Mr. Hobson — estão
aqui para serem testemunhas de alguma transação?
— Não, senhor, não! — exclamou Mr. Hobson. — Não quero me
intrometer, vou direto ao ponto. Portanto, madame, a senhorita pode me
fornecer alguma pista — dirigindo-se a Cecilia — sobre o paradeiro de Mr.
Belfield?
— Eu? Não! — exclamou ela, muito provocada ao observar que Mr.
Delvile olhou de repente para ela.
— Bem, madame, não é minha intenção prejudicá-la, apenas considero
que a maneira correta de ouvir falar de um jovem cavalheiro é perguntar por
ele a uma jovem; esta é a minha máxima. Veja, senhor — para Mr. Briggs —,
nós dois poderíamos ter tido uma discussão, mas o que eu digo é o seguinte,
que nenhum homem precise enfrentar o rancor; este é o meu jeito; então
espero que nos separemos sem ressentimentos.
— Sim, sim — disse Mr. Briggs, acenando com a cabeça.
— Bem, então — acrescentou Mr. Hobson —, espero que a boa vontade se
espalhe, e que não apenas o senhor e eu, mas esses dois bons cavalheiros
também deem as mãos.
Mr. Delvile agora não sabia para que lado se virar, de tanta raiva, mas,
depois de olhar para todos com o rosto em chamas de ira, ele disse a Cecilia:
— Se a senhorita reuniu estas pessoas com o propósito de me afrontar, devo
lembrá-la de que não sou alguém que deva ser afrontado impunemente!
Cecilia, meio assustada, estava começando uma resposta que negava tal
intenção, quando Mr. Albany, com a energia mais indignada, exclamou: —
Oh, orgulho de coração, com pequenez de alma! Refreie esta arrogância vil,
muito vã para o homem, e poupe aos demais alguma parte dessa indulgência
que nutre para si mesmo, ou com justiça conceda a si mesmo o mesmo
desprezo que nutre pelos outros!
E com estas palavras, ele saiu da casa severamente.
O perplexo Mr. Delvile começava agora a imaginar que todos os demônios
do tormento haviam sido intencionalmente lançados sobre ele, e sua surpresa
e ressentimento operaram com tanta força que ele só conseguia expressar
com frases entrecortadas. — Que extraordinário! Um novo método de
conduta! Liberdades às quais não estou muito acostumado! Impertinências
que não esquecerei tão cedo, um tratamento que dificilmente seria perdoável
para uma pessoa completamente desconhecida!
— Na verdade, senhor — disse Mr. Hobson —, não posso deixar de dizer
que foi um pouco de retaliação, mas o velho cavalheiro é o que se pode
chamar de gênio, o que o torna um pouco desculpável, pois ele faz as coisas à
sua maneira, e me disseram que é a mesma coisa com quem ele fala, então ele
só pode encontrar defeitos, e é isso.
— Senhor — interrompeu o ainda mais ofendido Mr. Delvile —, o que lhe
disseram é extremamente irrelevante para mim, e devo tomar a liberdade de
sugerir que uma conversa deste tipo não é o que eu estou acostumado a ouvir.
— Senhor, eu peço perdão — continuou Mr. Hobson —, eu não quis dizer
nada além do que era agradável; no entanto, eu o fiz e lhe desejo um bom dia.
Seu humilde servo, madame, e espero, senhor — para Mr. Briggs —, que o
senhor não volte a me ofender novamente.
— Não, não — respondeu Mr. Briggs —, estou pronto para fazer as pazes;
tudo acabado; só não gosto muito da Espanha, só isso — piscando
significativamente —, nem gosto tanto de um esqueleto!
Mr. Hobson se retirou, e Mr. Delvile e Mr. Briggs, estando ambos
cansados e com pressa para ter o assunto terminado, resolveram em cerca de
cinco minutos tudo o que eles concordaram, depois de passar mais de uma
hora decidindo o que era. Mr. Briggs, então, disse que tinha um compromisso
com negócios, se negou a ajustar suas próprias contas até outro momento,
mas prometeu voltar a ver Cecilia em breve e acrescentou: — Certifique-se
de cuidar daquele velho Mr. Desaprovação! Não me engana! Posso ver com
os olhos fechados! Melhor não confiar nele! Vai se revelar algum dia, vai te
fazer uma maldade!
Ele então foi embora, mas enquanto a porta da sala ainda estava aberta,
para grande surpresa de Cecilia, o criado anunciou Mr. Belfield. Ele mal
entrou na sala e seu semblante demonstrava pressa e ansiedade. — Eu acabei
de ser informado, madame — disse ele —, de que uma queixa foi apresentada
contra mim aqui, e não pude descansar até que tivesse a honra de lhe
assegurar que, embora eu tenha sido um tanto demorado, não negligenciei
meu compromisso, nem a condescendência de sua interferência foi
descartada.
Ele então fez uma reverência, fechou a porta e se afastou de Cecilia, que,
embora feliz ao compreender por este discurso que ele havia sido realmente
devolvido à sua família, lamentou estas repetidas intrusões na presença de
Mr. Delvile, que agora era o único que restava.
Ela esperava a cada instante que ele tocasse a campainha para pedir sua
cadeirinha, que ele mantinha esperando, mas, depois de uma pausa, para sua
igual surpresa e perturbação, ele fez o seguinte discurso: — Como é provável
que esteja agora pela última vez a sós com a senhorita, e como é certo que
não nos encontraremos mais a negócios, não posso, em justiça ao meu
próprio caráter e ao respeito que mantenho pela memória do reitor, seu tio,
retirar-me do cargo com o qual ele teve o prazer de me investir, sem antes
cumprir minhas próprias ideias do dever que isso exige de mim, dando-lhe
alguns conselhos relativos ao seu futuro estabelecimento.
Este não foi um prefácio muito animador para Cecilia; ele a preparava para
os discursos que ela menos estava disposta a ouvir, e lhe trazia a sensação
confusa e dolorosa de espíritos deprimidos e uma viagem alarmante.
— Meus numerosos compromissos — continuou ele — e a apropriação do
meu tempo, já estabelecido às suas várias reivindicações, devem tornar breve
o que tenho a explicar, e um tanto, talvez, mais abrupto para chegar ao
propósito. Mas isso a senhorita vai me desculpar.
Cecilia desobrigou-se de satisfazer esta arrogância com elogios ou
concessões; manteve-se calada, portanto, e quando os dois estavam sentados,
ele prosseguiu:
— A senhorita está agora em um momento da vida em que é natural que as
mulheres jovens desejem alguma conexão, e a grandeza de sua fortuna
removerá as dificuldades que oferecem obstáculos às pretensões, nestes dias
dispendiosos, daqueles que não possuem tais vantagens. Teria sido um
grande prazer para mim, enquanto eu ainda a considerava minha protegida,
vê-la devidamente estabelecida, mas como esse tempo já passou, posso
apenas lhe dar alguns conselhos gerais, que a senhorita pode seguir ou
negligenciar, como achar melhor. Ao oferecê-los, me sentirei satisfeito;
quanto ao resto, não sou responsável.
Ele fez uma pausa, mas Cecilia sentia-se cada vez menos inclinada a
aproveitar a oportunidade falando por sua vez.
— No entanto, embora, como acabei de sugerir, as moças de grandes
fortunas possam ter poucos problemas para encontrar um estabelecimento
para si mesmas, elas não devem, portanto, brincar quando algo perfeitamente
adequado estiver em seu poder, nem supor que esteja à altura de qualquer um
que possam desejar.
Cecilia corou com a repreensão destacada, mas sentindo seu desgosto
aumentar a cada momento, decidiu sustentar a afronta com dignidade, e pelo
menos não permitir que ele percebesse o triunfo de sua ostentação e
grosseria.
— As propostas — continuou ele — do conde de Ernolf sempre tiveram
minha aprovação; certamente seria errado negligenciar tal oportunidade de se
estabelecer de maneira tão honrada. A cláusula do nome era, para ele,
irrelevante, já que seu próprio nome, de meio século atrás, era desconhecido,
e já que ele mesmo só é conhecido por seu título. Ele ainda está, portanto,
estou autorizado a informá-la, perfeitamente disposto a renovar sua proposta.
— Eu lamento, senhor — disse Cecilia friamente —, ouvir isso.
— A senhorita tem, talvez, alguma outra oferta melhor em vista?
— Não, senhor — disse ela, com ânimo —, nem mesmo em desejo.
— Devo, então, inferir que alguma oferta inferior tem mais probabilidade
de obter sua aprovação?
— Não há razão, senhor, para inferir coisa alguma. Estou satisfeita com
minha situação atual e não tenho, no momento, nenhuma perspectiva nem
intenção de mudá-la.
— Percebo, mas sem surpresa, a sua relutância em discutir o assunto;
tampouco pretendo pressioná-la; eu meramente ofereci à sua consideração
uma advertência e, em seguida, a senhorita estará livre de minha presença. As
mulheres jovens e de grandes fortunas, que desde cedo são independentes, às
vezes tendem a presumir que podem fazer tudo impunemente, mas elas estão
enganadas; elas são tão passíveis de censura quanto aquelas que são
totalmente desprotegidas.
— Espero, senhor — disse Cecilia, olhando fixamente para ele —, que ao
menos esta seja uma advertência mais extraída da minha situação do que do
meu comportamento.
— Não pretendo, madame, aprofundar-me ou investigar o assunto; o que
eu disse, a senhorita pode fazer o seu próprio uso. Eu gostaria apenas de
observar que quando as jovens, em algum momento de suas vidas, são de
alguma forma negligentes com uma coisa tão boa como a reputação, elas
geralmente vivem para se arrepender.
Ele então se levantou para ir embora, mas Cecilia, não mais ofendida do
que surpresa, disse: — Devo implorar, senhor, que se explique!
— Certamente este assunto — respondeu ele — deve ser indiferente para
mim; ainda assim, como já fui seu tutor por nomeação do reitor, seu tio, não
posso deixar de fazer um esforço para evitar qualquer indiscrição, e visitas
frequentes a um homem jovem...
— Bom Deus! Senhor — interrompeu Cecilia —, o que quer dizer?
— Certamente, como eu já disse, pode significar nada para mim, embora
eu devesse estar feliz em vê-la em melhores mãos, mas não posso supor que
tenha sido levado a tomar tais medidas sem algum plano sério, e eu a
aconselharia, sem perda de tempo, a pensar melhor sobre o que está fazendo.
— Posso pensar, senhor, por toda a eternidade — exclamou Cecilia — e
nunca poderei conjecturar o que quer dizer!
— A senhorita pode escolher — disse ele, orgulhoso — não me entender,
mas eu fiz minha parte. Se estivesse em meu poder interferir em seu favor
com milorde Derford, apesar de minha relutância em me envolver em
qualquer nova responsabilidade, eu teria me assegurado de não o rechaçar,
mas este jovem não é ninguém, uma conexão imprudente...
— Qual jovem, senhor?
— Não, eu não sei nada sobre ele! Não é de forma alguma provável que eu
deva, mas como eu já tinha sido informado de sua atenção para com ele, os
incidentes que corroboraram o fato de que meu criado a seguiu até sua casa,
seu amigo o procurando na sua, e ele mesmo vindo até aqui esta manhã, não
foram bem calculados para me fazer retirar minha credibilidade.
— É, então, Mr. Belfield, senhor, a respeito de quem faz essas inferências,
de circunstâncias as mais acidentais e sem sentido?
— De forma alguma é meu hábito — disse ele, com altivez e com
evidentes marcas de grande desagrado por este discurso — acreditar em
qualquer coisa levianamente, ou mesmo sem autoridade inquestionável; o que
uma vez, portanto, creditei, muitas vezes não considero errôneo. No entanto,
não confunda o que eu disse ao supor que tenho alguma objeção ao seu
casamento; pelo contrário, teria sido para a honra da minha família se a
senhorita tivesse se casado há um ano e eu não teria então sofrido a
degradação de ver um filho das primeiras expectativas no reino a ponto de
renunciar ao seu nascimento, nem uma mulher da primeira distinção
arruinada em sua saúde, e destruída para sempre em sua constituição.
As emoções de Cecilia com este discurso foram fortes demais para serem
ocultadas; sua cor variava, ora ruborizada de indignação, ora empalidecendo
de apreensão, ela se levantou, estremeceu e voltou a sentar, levantou-se mais
uma vez, mas, sem saber o que dizer nem o que fazer, voltou a se sentar.
Mr. Delvile, então, fazendo uma reverência rígida, desejou-lhe bom dia.
— Não vá ainda, senhor — exclamou ela, com acentos vacilantes —,
deixe-me pelo menos convencê-lo do seu erro em relação a Mr. Belfield...
— Meus erros, madame — disse ele, com um sorriso desdenhoso —,
talvez não sejam facilmente apontados, e posso trabalhar sob o comando de
outros que não lhe causariam menos problemas, portanto, talvez seja melhor
evitar qualquer outra indagação.
— Não, melhor não — respondeu ela, recuperando novamente a coragem
com esta nova provocação. — Não temo nenhum discurso; pelo contrário, é
meu interesse solicitar um.
— Esta intrepidez em uma jovem — disse ele, ironicamente — é
certamente muito louvável e, sem dúvida, como a senhorita é dona dos seus
próprios atos, ter se desfeito de grande parte de sua fortuna não é nada além
do que tem o direito de fazer.
— Eu! — exclamou Cecilia, espantada. — Ter me desfeito de grande parte
da minha fortuna?
— Talvez este seja outro erro! Não costumava ser tão infeliz; a senhorita
não está, então, endividada?
— Endividada, senhor?
— Não, não tenho intenção de inquirir sobre seus assuntos. Tenha um bom
dia, madame.
— Por favor, eu imploro, senhor, pare! Faça-me, pelo menos, entender o
que quer dizer, quer se digne a ouvir minha justificativa ou não.
— Oh, estou enganado, ao que parece! Mal-informado, enganado. A
senhorita não gastou mais do que recebeu, nem pegou dinheiro de judeus?
Sua minoridade correu livre de dívidas? E sua fortuna, agora que é maior de
idade, estará livre de obstáculos?
Cecilia, que agora começava a entendê-lo, respondeu ansiosamente: — O
senhor se refere ao dinheiro que peguei na primavera passada?
— Oh, não; de forma alguma, acredito que tudo não passa de um grande
erro.
E ele foi até a porta.
— Ouça-me apenas um momento, senhor! — exclamou ela
apressadamente, enquanto o seguia: — Já que tem conhecimento desta
transação, não se recuse a ouvir o motivo: peguei o dinheiro para Mr. Harrel;
foi tudo e unicamente para ele.
— Para Mr. Harrel, de fato? — disse ele, com um ar de incredulidade
arrogante. — Foi um passo bastante infeliz. Seu servo, madame.
E ele abriu a porta.
— O senhor não vai me ouvir, então? O senhor não vai me dar crédito? —
perguntou ela, na mais cruel agitação.
— Outra hora, madame; no momento, minhas ocupações são numerosas
demais para permitir que o faça.
E novamente, fazendo uma reverência rígida, ele chamou seus criados, que
estavam esperando no corredor, e se acomodou em sua cadeira.
CAPÍTULO 86

UMA SUSPEITA

Cecilia foi deixada em um estado de perturbação difícil de suportar. O


desprezo com que fora tratada durante toda a visita não era senão um insulto,
mas as acusações com as quais foi concluída não a irritaram mais do que
espantaram. Ela tinha motivos para supor que alguma estranha hostilidade
havia sido tomada contra ela, hostilidade ainda maior do que aquela gerada
por sua conexão com o jovem Delvile. Ela agora a conhecia e, embora
ignorasse o quanto poderia ser turbulenta, descobriu que Mr. Delvile fora
informado de que ela aceitara dinheiro de um judeu, sem saber que era para
Mr. Harrel, e que ele estava a par de suas visitas à Portland Street, sem
parecer saber que Mr. Belfield tinha uma irmã. Duas acusações como estas,
tão sérias em sua natureza e tão destrutivas para seu caráter, a encheram de
horror e consternação, e até mesmo serviram de alguma maneira para atenuar
seu comportamento intolerante e ofensivo.
No entanto, como relatos tão falsos e tão vergonhosos poderiam ser
criados, e por qual obscura obra de calúnia e malignidade eles haviam sido
divulgados, seguia sendo uma dúvida inexplicável. Ela estava certa de que
não poderia ser um mero rumor do acaso, uma vez que em ambas as
afirmações havia algum fundamento de verdade, por mais cruelmente
pervertido ou degradantemente exagerado que fosse. O fato a levou a
considerar como algumas pessoas não apenas tinham interesse, mas também
poder para propagar tais calúnias; até mesmo seu conhecimento da família
Belfield, que ela se lembrava de nunca ter mencionado, pois não conhecia
nenhum de seus amigos, e nenhum dos seus os conhecia. Como, então,
poderia ser divulgada a informação de que ela “visitava a casa com
frequência?” E ainda inventarem que era por sua “atenção para com o
jovem?” Henrietta, ela estava certa disso, era boa e inocente demais para ser
culpada de tal perfídia; o próprio jovem sempre havia demonstrado uma
modéstia e decoro que manifestavam sua total liberdade da vaidade de tal
suspeita e uma elevação de sentimento que o teria ensinado a desprezar tal
ostentação, mesmo se ele acreditasse em sua parcialidade. A mãe, entretanto,
não tinha sido tão modesta nem tão racional; ela havia declarado abertamente
sua opinião de que Cecilia estava apaixonada por seu filho, e como aquele
filho, por nunca ter feito uma proposta, nunca havia sido recusado. Assim,
esta participação na acusação ela atribuía à Mrs. Belfield, cuja ousadia
oficiosa e loquaz, ela concluiu, a havia induzido a narrar suas suspeitas, até
que, passo a passo, chegassem a Mr. Delvile.
No entanto, embora pudesse, pela probabilidade desta conjectura, dar
conta do relatório relativo a Belfield, todo o assunto da dívida continuava a
ser uma dificuldade que não podia ser resolvida. Mr. Harrel, sua esposa, Mr.
Arnott, o judeu e Mr. Monckton eram as únicas pessoas que tinham
conhecimento da transação, embora, a partir dos cinco, um segredo, no
decorrer de tantos meses, pudesse facilmente ser revelado, estes cinco eram
tão particularmente obrigados a guardar silêncio, não apenas por ela, mas
também pelos seus próprios interesses, que era razoável acreditar que
estivesse seguro entre todos eles, como se tivesse sido apenas consignado a
um. Ela mesma não o havia revelado a nenhuma criatura, exceto a Mr.
Monckton; não havia revelado nem mesmo a Delvile, embora, ao consentir
em se casar com ele, ele tivesse o direito indubitável de conhecer sua
verdadeira situação, mas tamanha tinha sido a pressa, angústia, confusão e
indecisão de sua mente naquele período, que toda essa circunstância havia
sido completamente afastada, e ela, desde então, frequentemente se culpava
por tal falta da lembrança. Mr. Harrel, por mil razões, estava certa de que
nunca o mencionara, e se a comunicação tivesse vindo de sua viúva ou de
Mr. Arnott, os motivos teriam sido relatados, bem como a dívida, e ela seria
poupada da censura de contraí-la para fins de sua própria extravagância.
O judeu, na verdade, não tinha nenhuma obrigação de manter o sigilo, mas
ele tinha uma obrigação muito mais vinculativa que estava associada a si
mesmo.
Uma suspeita que surgiu em sua mente a fez estremecer de horror: — Bom
Deus! — exclamou ela. — Poderia Mr. Monckton...
Ela se deteve, até para si mesma; ela pensou melhor na ideia e a expulsou
rapidamente; estava certa de que era falsa e cruel; ela odiava a si mesma por
ter pensado no assunto.
— Não! — exclamou ela. — Ele é meu amigo, um amigo de confiança de
muitos anos, meu benfeitor desde a infância, meu zeloso conselheiro e
assistente quase desde o meu nascimento até os dias de hoje; tamanha
perfídia de sua parte seria sequer humana!
Mesmo assim, sua perplexidade não diminuiu; o caso era sem dúvida bem
conhecido, e só poderia ser conhecido pela traição de alguém a quem havia
sido confiado, e por mais seriamente que sua generosidade combatesse suas
suspeitas crescentes, ela não podia suprimi-las completamente, e a estranha
aversão de Mr. Monckton à família Delvile e sua determinação em romper
sua conexão com eles voltou à sua lembrança e a assombrou forçosamente
com suposições para sua desvantagem.
Mr. Monckton, quando voltou para casa, ao encontrá-la neste estado
incômodo e instável, esforçou-se para formar conjecturas sobre o que havia
acontecido, porém sem sucesso, senão por meio de sugestões que em um
primeiro momento a deixaram aborrecida por causa dele, e no momento
seguinte por causa de si mesma. Ele indagou, com sua aparência costumeira
de cordialidade, o que havia acontecido com seus dois tutores e como ela
havia resolvido seus negócios. Ela respondeu sem hesitar a todas as suas
perguntas, mas sua atitude era fria e reservada, embora sua comunicação
fosse franca. Este detalhe não passou despercebido para Mr. Monckton, que,
após um curto período de tempo, implorou para saber se alguma coisa a havia
incomodado. Cecilia, envergonhada por suas dúvidas, embora incapaz de se
livrar delas, esforçou-se para se mostrar mais animada e mudou o assunto
para as dificuldades que havia enfrentado com a obstinação de Mr. Briggs.
Mr. Monckton, por um momento, acatou esta evasão, mas, quando, por
seu próprio esforço, sua solenidade começou a se dissipar, ele repetiu as
perguntas, não disposto a ficar satisfeito sem uma resposta. Cecilia, sincera
ao acreditar que suposições tão prejudiciais deveriam ser removidas,
honestamente, mas sem fazer comentários, relatou a cena que acabara de
acontecer entre Mr. Delvile e ela. Porém, não houve nenhum comentário que
explicasse a Mr. Monckton sua mudança de comportamento.
— Eu vejo — disse ele apressadamente — o que a senhorita não pode
deixar de suspeitar, e irei pessoalmente conversar com Mr. Delvile e insistirei
para que ele me inocente.
Cecilia, consternada por ter traído assim o que se passava dentro de sua
mente, assegurou-lhe que sua reivindicação não exigia tal passo e suplicou
que ele a aconselhasse sobre como descobrir essa traição sem tirar de sua
preocupação por ela uma conclusão tão ofensiva para si mesmo. Porém, era
evidente que ele estava muito perturbado; ele declarou que estava tão
surpreendido quanto ela sobre como o caso havia sido traído, expressou a
mais calorosa indignação pelas insinuações malévolas contra sua conduta e
lamentou, com uma mistura de animosidade e pesar, que deveria existir até
mesmo a possibilidade de lançar o ódio de tal vilania sobre ele mesmo.
Cecilia, angustiada, perplexa e envergonhada ao mesmo tempo, mais uma
vez se esforçou para apaziguá-lo, e embora uma dúvida oculta perseverasse
obstinadamente em sua compreensão, a pureza de seus próprios princípios e a
suavidade de seu coração imploravam vigorosamente por sua inocência e
insistiam para que ela rejeitasse sua suspeita, embora para derrotá-la elas
fossem desiguais.
— É verdade — disse ele, com um ar ingênuo, embora mortificado —, eu
não gosto da família Delvile, nunca gostei; eles me parecem uma raça
ciumenta, vingativa e insolente, e eu teria pensado que traía a consideração
fiel que professava pela senhorita se tivesse ocultado minha opinião quando a
vi em perigo de formar uma aliança com eles. Portanto, quando conversamos
sobre o assunto, eu falei com zelo sincero, sem pensar em qualquer inimizade
que pudesse atrair para mim, mas, embora fosse uma interferência da qual eu
esperava, ao impedir a conexão, contribuir para sua felicidade, não tinha a
intenção de detê-la à custa do seu caráter, um propósito obscuro, horrível e
diabólico! Um desígnio que só poderia ter sido planejado por um demônio,
mas que mesmo um demônio nunca poderia, creio eu, executar!
A franqueza desse discurso, no qual sua aversão à família Delvile foi
abertamente reconhecida e racionalmente justificada, acalmou um pouco as
suspeitas de Cecilia, que buscava com mais ansiedade que fossem refutadas
do que confirmadas. Portanto, ela começou a concluir que algum acidente,
tanto inexplicável quanto infeliz, havia ocasionado a descoberta parcial por
Mr. Delvile, pelo qual sua própria bondade demonstrava a fonte de sua
difamação, e embora alguma coisa ainda pendente em sua mente destruísse
aquela firme confiança, ela, que até então havia usufruído da amizade de Mr.
Monckton, considerou completamente injusto condená-lo sem provas e não
foi mais incapaz de obter do que satisfazer qualquer razão pela qual ele a
caluniaria tão perfidamente.
No entanto, desconfortável e atormentada por conjecturas igualmente
vagas e aflitivas, ela só podia fazer com que ele se perdesse na perplexidade,
só podia acusá-lo de ser embutido pelo horror. Ela se esforçou para suspender
seu julgamento até que o tempo esclarecesse o mistério, e apenas pelo
momento tratou de encerrar seus assuntos e deixar Londres.
Ela renovou, portanto, novamente, o assunto de Mr. Briggs, e lhe falou dos
seus esforços em vão para chegar a um acordo com ele. Mr. Monckton
imediatamente ofereceu seus serviços para ajudá-la, e na manhã seguinte eles
foram juntos para sua casa, onde, após uma batalha obstinada, eles obtiveram
uma vitória completa: Mr. Briggs renunciou a todas as suas contas e, em
poucos dias, através da interferência ativa de Mr. Monckton, seus negócios
foram completamente tirados de suas mãos. Ele se mostrou ressentido e
profetizou todo o mal para Cecilia, porém tudo em vão; ele foi tão
desagradável com ela nos seus modos, e tão ininteligível para ela em questões
de negócios, que ela ficou feliz por ter encerrado o assunto, mesmo que, ao
inspecionar suas contas, todas fossem consideradas claras e exatas, e seu
desejo de reter seu poder sobre a fortuna dela provou não ter outro motivo
além de um amor tão forte pelo dinheiro, que gerenciá-lo, mesmo que para
outra pessoa, lhe dava uma satisfação que ele não sabia como renunciar.
Mr. Monckton, que, embora fosse um apreciador dos prazeres da vida,
entendia perfeitamente bem de negócios, deu a ela instruções e orientações
sobre arranjos gerais de seu dinheiro. Os bens que seu tio havia deixado, e
que eram todos propriedades de terras, ela manteria através da supervisão do
administrador que havia sido empregado de forma vitalícia, e sua própria
fortuna recebida de seu pai, toda aplicada em ações, foi praticamente
reduzida a nada depois de pagar Mr. Monckton, tanto o principal quanto os
juros que ela lhe devia, e seu livreiro.
Enquanto estes assuntos eram tratados, os quais, apesar de sua ânsia para
deixar a cidade, não podiam ser levados em um ritmo que permitisse sua
ausência antes de uma semana, ela passava seu tempo principalmente
sozinha. Todos os seus desejos a inclinavam a concedê-lo a Henrietta, mas o
recente ataque de Mr. Delvile a havia assustado demais para manter a
conexão, já que, por mais cuidadosamente que pudesse confiá-la à filha, Mrs.
Belfield, ela estava certa disso, atribuiria tudo ao filho.
O ataque permanecia em sua mente, desafiando todos os seus esforços
para bani-lo; o desprezo nele contido parecia intencionalmente ofensivo,
como se ele se sentisse feliz ao derivar de sua suposta má conduta o direito de
triunfar sobre ela e também de rejeitá-la. Ela também concluiu que Delvile
seria informado dessas calúnias, mas julgou sua generosidade pela sua e,
portanto, estava convencida de que ele não lhes daria crédito. Porém, o que
naquele momento aumentava sua tristeza e inquietação era principalmente a
menção à constituição destruída e saúde arruinada de Mrs. Delvile. Ela
sempre havia conservado por aquela dama o mais afetuoso respeito, e não
podia considerar a si mesma a causa de seus sofrimentos sem sentir a maior
preocupação, por mais consciente de que não os havia ocasionado
intencionalmente.
Esta cena não foi a única pela qual seus esforços para esquecer essa
família foram derrotados; seu vigilante monitor, Mr. Albany, não deixou de
reivindicar sua promessa mais uma vez, e embora Mr. Monckton a exortasse
sinceramente a não confiar nele, ela preferiu se arriscar à sutileza de suas
reprovações, e como o tempo estava bom na manhã em que ele a procurou,
ela consentiu em acompanhá-lo em suas caminhadas, apenas exigindo que
seu criado a seguisse onde quer que fossem, e não deixasse de perguntar por
ela se ela ficasse muito tempo fora de sua vista. Tais precauções foram
tomadas mais para satisfazer Mr. Monckton do que ela mesma, que, tendo
agora obtido informações sobre a antiga desordem de seu intelecto, temia
alguma extravagância e estava apreensivo por sua segurança.
Ele a levou a uma casa miserável em um pátio que levava à Piccadilly,
onde, subindo três lances de escadas, ela viu em uma cama uma mulher
miserável e enferma, enquanto uma numerosa família de crianças brincava no
quarto.
— Veja — exclamou ele — o que a natureza humana pode suportar! Veja
essa pobre infeliz, perturbada pela tortura, mas deitada em meio a todo esse
barulho! Incapaz de se mover, mas sem nenhuma assistência! Sofrendo as
dores de uma enfermidade aguda, mas desejando apenas o necessário para a
vida!
Cecilia foi até a beira da cama e indagou mais particularmente sobre a
situação da inválida, mas ao descobrir que ela mal conseguia falar devido à
dor, mandou chamar a dona da casa, que mantinha uma loja de verduras no
andar térreo, e lhe pediu que contratasse uma enfermeira para sua inquilina
enferma, que pedisse a todas as crianças que fossem para o andar de baixo e
que mandasse chamar um boticário, cuja conta ela prometeu pagar. Ela então
lhe deu algum dinheiro para comprar o necessário e disse que voltaria em
dois dias para ver como elas estavam.
Mr. Albany, que ouvia as instruções com atenção silenciosa, mas ávida,
juntou ambas as mãos com um olhar de êxtase e exclamou: — A virtude
ainda vive, e eu a encontrei?
Cecilia, orgulhosa do elogio e desejosa por merecê-lo, disse
animadamente: — Para onde, senhor, iremos agora?
— Para casa — respondeu ele com o mais benigno aspecto. — Não quero
esgotar sua compaixão tornando-a familiarizada com a desgraça.
Cecilia, embora neste momento estivesse mais disposta a atos de caridade
do que a negócios ou lazer, lembrou-se de que sua fortuna, por maior que
fosse, não era ilimitada, e decidiu não insistir na generosidade por objetos
que ela não conhecia, certa de que ocasiões e requerentes muito além de sua
capacidade de atender surgiriam com mais frequência entre aqueles com
quem ela estava mais conectada e, portanto, rendeu-se à sua orientação e
voltou para Soho Square.
Mais uma vez, porém, ele não deixou de comparecer no horário que ela
havia marcado para voltar a visitar a inválida, a quem, com muita alegria, ele
a conduziu. A pobre mulher, cuja doença era uma febre reumática, já estava
muito melhor; ela havia sido atendida por um boticário que lhe dera um
remédio para aliviar suas dores, tinha uma enfermeira ao lado de sua cama e,
com o quarto livre de crianças, havia desfrutado do descanso de um pouco de
sono. Ela agora era capaz de levantar a cabeça e fazer seus agradecimentos à
sua benfeitora, mas não foi pouca a surpresa de Cecilia quando, ao olhar em
seu rosto, ela disse: — Ah, madame, eu já a vi antes!
Cecilia, que não tinha a menor lembrança da mulher, desejou saber quando
ou onde.
— Quando ia se casar, madame, eu era a responsável pela sacristia... na
igreja.
Cecilia estremeceu com um terror secreto e, involuntariamente, afastou-se
da cama, enquanto Mr. Albany, com uma expressão de espanto, exclamou: —
Se casar! Por que este fato é, então, desconhecido?
— Não me pergunte — disse ela, apressadamente —, foi tudo um engano.
— Pobrezinha! — exclamou ele. — É esta, então, a corda que seus nervos
suportam para que não seja tocada! Antes que se solte, um sopro meu a fará
vibrar! Oh, sagrada seja sua tristeza, pois poderá derretê-la na tristeza dos
indigentes!
Cecilia, então, fez algumas indagações gerais e soube que a pobre mulher,
que era viúva, fora obrigada a renunciar ao seu cargo devido aos frequentes
ataques de reumatismo que sofria e que ela havia recebido muita ajuda tanto
do reitor quanto do vigário da igreja, mas que sua contínua doença, assim
como o tamanho de sua família, a mantinha angustiada apesar de toda a
ajuda. Cecilia prometeu considerar o que poderia fazer por ela e, em seguida,
depois de lhe dar mais dinheiro, voltou para a casa de lady Margaret.
Mr. Albany, que descobriu que a desafortunada lembrança da sacristã
havia despertado em sua jovem discípula uma série de reflexões
melancólicas, parecia agora compadecer-se da tristeza que até então ele havia
reprovado e, caminhando silenciosamente ao seu lado até Soho Square, disse
em tom de bondade:
— Que a paz ilumine seus pensamentos e dissipe suas aflições — e ele a
deixou.
— Ah, quando — disse ela para si mesma —, se elas devem ser revividas
para sempre.
Mr. Monckton, ao notar que algo a havia afetado muito, protestou
calorosamente contra Mr. Albany e seus esquemas selvagens.
— A senhorita zomba da sua própria felicidade — disse ele — ao
presenciar estas cenas de angústia, e desperdiçará sua fortuna em projetos que
nunca poderá cumprir. O próprio ar dessas casas miseráveis é insalubre, em
breve será afetada por algumas das doenças às quais se expõe de forma tão
imprudente e, embora nem a metade da sua doação em caridade atenda ao
propósito que deseja, a senhorita será saqueada por pilantras e trapaceiros até
que não tenha mais nada para doar. Deve ter mais consideração consigo
mesma e não se permitir ser assim governada por Mr. Albany, cuja
insanidade está apenas parcialmente curada, e cujos projetos são tão
ilimitados que todo o capital da Companhia das Índias Orientais não seria
suficiente para realizá-los.
Cecilia, embora não gostasse da severidade deste protesto, reconheceu que
havia alguma verdade nele, e prometeu ser discreta e tomar as rédeas em suas
próprias mãos. No entanto, não restava para ela nenhuma outra satisfação, e o
caminho assim apontado tornava-se cada vez mais atraente. Seus velhos
amigos, a família Hill, agora voltaram à sua memória, e ela decidiu ver por si
mesma como eles estavam.
A cena que esta investigação lhe apresentou não foi de forma alguma
calculada para fortalecer a doutrina de Mr. Monckton, pois a prosperidade em
que ela encontrou a pequena família recompensou amplamente a
generosidade que havia demonstrado e provou ser um estímulo irresistível
para ações semelhantes. Mrs. Hill chorou de alegria ao relatar tudo o que
havia conseguido, e Cecilia, encantada com o poder de oferecer tanto prazer,
esqueceu todas as advertências e promessas na generosidade que ela
demonstrava. Ela pagou à Mrs. Roberts o que ainda lhe devia e tudo o que era
devido pelos filhos que haviam sido colocados na escola, solicitou que eles
ainda pudessem ser enviados para lá exclusivamente às suas custas e deu à
mãe uma quantia em dinheiro para ser usada em presentes para todos eles.
No entanto, cumprir sua promessa com a responsável pela sacristia foi
mais difícil; sua saúde debilitada e a extrema juventude de seus filhos a
deixavam completamente desamparada. Porém, estas não eram considerações
para Cecilia abandoná-la, mas sim motivos para considerá-la mais
peculiarmente um objeto de caridade. Ela descobriu que um dia havia sido
uma pessoa que costumava ser muito exigente e uma trabalhadora simples e
tolerável. Ela resolveu, portanto, enviá-la ao campo, onde esperava conseguir
algum trabalho, e sabia que ao menos poderia ajudá-la, caso não tivesse êxito,
e fazer com que seus filhos fossem educados e tivessem empregos úteis. A
própria mulher ficou encantada com o plano e foi firmemente persuadida de
que o ar do campo restauraria sua saúde. Cecilia apenas solicitou que
esperasse até estar bem para viajar e prometeu, nesse meio tempo, conseguir
uma pequena habitação para ela. Ela então lhe deu dinheiro para pagar suas
contas e para sua viagem, escreveu orientações completas sobre onde poderia
ser encontrada em Bury e se despediu dela para o momento.
Estas magníficas doações e projetos, ao serem comunicados a Mr. Albany,
pareceram a ele uma renovação da sua juventude, espírito e alegria, enquanto
seu efeito sobre Mr. Monckton se assemelhava à aniquilação de todos os três!
Ver assim desperdiçado o dinheiro que há muito considerava como seu,
contemplar aquelas somas, que havia destinado aos seus prazeres, assim
generosamente distribuídas aos mendigos, despertava uma raiva que ele
apenas com muita dificuldade conseguia ocultar, e uma inquietude que
dificilmente poderia suportar. Ele definhava e adoecia à espera do momento
em que poderia colocar um ponto final em tais procedimentos românticos.
Estas eram as únicas ocupações que interrompiam a solidão de Cecilia,
exceto aquelas que lhe eram atribuídas por negócios reais, e no momento em
que seus negócios estavam tão adiantados que poderiam ser administrados
por cartas, ela se preparou para retornar ao interior. Ela informou lady
Margaret e Mr. Monckton dos seus planos e deu ordens a seus criados para
estarem prontos para partir no dia seguinte.
Mr. Monckton não fez qualquer oposição e negou a si mesmo a satisfação
de acompanhá-la, e lady Margaret, cujo propósito havia sido atendido e que
desejava ela mesma estar no campo, decidiu segui-la.
CAPÍTULO 87

UMA PERTURBAÇÃO

Resolvida a questão no café da manhã, Cecilia, que tinha apenas mais um


dia para passar em Londres, não poderia deixar de se despedir de Henrietta,
embora optasse por não se expor novamente às insinuações atrevidas de sua
mãe. Assim, ela lhe enviou uma breve nota implorando que ela viesse vê-la
na casa de lady Margaret e comunicando que no dia seguinte deixaria a
cidade.
Henrietta enviou a seguinte resposta:

“Miss Beverley.
Madame, minha mãe foi ao mercado e eu não devo sair sem sua
permissão. Eu corri para a porta a cada batida durante toda a semana, na
esperança de que a senhorita viesse me ver, e meu coração deu um pulo a
cada carruagem que passou pela rua. Caríssima amiga, por que me disse
que viria? Eu não teria pensado em honras tão grandes se a senhorita não
tivesse colocado na minha cabeça que viria. E agora eu tenho direito ao uso
de uma sala onde muitas vezes posso ficar sozinha por duas ou três horas. E
assim será esta manhã, se for possível para minha querida Miss Beverley vir
me visitar. No entanto, não tenho a intenção de provocá-la e não seria
impertinente ou hostil por nada no mundo, mas eu tenho muito a lhe dizer, e
se a senhorita não fosse uma dama tão rica e tão superior, estou certa de que
a amaria mais do que qualquer outra pessoa no mundo inteiro, e agora me
atrevo a dizer que não vou mais vê-la. Oh, querida! Não sei o que posso
fazer! Eu teria meu coração partido se minha querida Miss Beverley deixasse
a cidade sem que eu pudesse vê-la. Eu sou, madame, com o maior respeito,
sua mais humilde serva, HENRIETTA BELFIELD”.

Este protesto ingênuo, unido à informação de que ela poderia vê-la


sozinha, fez Cecilia instantaneamente pedir uma cadeira e seguir para a
Portland Street, pois ela descobriu pela carta que havia muitas dúvidas se ela
poderia vê-la de outra forma, e a seriedade de Henrietta fez com que ela não
suportasse a ideia de desapontá-la. “Ela tem muito a me dizer”, pensou
Cecilia, “e não me recusarei mais a ouvi-la; ela me abrirá seu doce coração,
pois agora não temos nada a temer uma da outra. Ela promete a si mesma
satisfação com a comunicação, e, sem dúvida, deve ser um alívio para ela.
Oh, há um peito amigo no qual eu posso confiar! A mais feliz Henrietta!
Menos temerosa do seu orgulho, menos tenaz da sua dignidade! Suas
tristezas buscam ao menos o consolo da simpatia... as minhas, restrita pela
prudência, devem evitá-la”.
Ela foi levada à sala de estar, que teve o prazer de encontrar vazia, e, em
um instante, a afetuosa Henrietta estava em seus braços. — Foi muito gentil
da sua parte — disse ela —, pois eu não sabia como pedir para vir e não sei o
que deveria ter feito se tivesse ido embora e se esquecido completamente de
mim.
Ela então a levou para a sala dos fundos, que disse que haviam alugado
recentemente, e, como era pouco utilizada, ela a tinha quase inteiramente para
si mesma.
Tinha ocorrido uma cena triste, ela disse, no encontro com seu irmão,
embora agora eles estivessem um pouco mais confortáveis; no entanto, sua
mãe, ela estava certa disso, nunca descansaria até que ele encontrasse um
modo de vida mais elevado. — Na verdade, tenho algumas esperanças —
continuou ela — de que, em breve, poderemos fazer algo melhor por ele, pois
ele ainda tem um amigo no mundo. Graças a Deus, e que amigo tão nobre!
Na verdade, eu acredito que ele faria qualquer coisa por ele, quer dizer, eu
acredito que se ele pedisse alguma coisa ninguém o negaria. E é sobre isso
que eu queria conversar com a senhorita.
Cecilia, que não duvidava que ela se referia a Delvile, mal sabia como
insistir no assunto, embora não tivesse outra perspectiva. Henrietta, porém,
ansiosa demais para ser solicitada, continuou.
— Mas a questão é se seremos capazes de convencer meu irmão a aceitar
qualquer coisa, pois ele está cada vez menos disposto a dever favores, e a
razão é que, sendo pobre, ele tem medo, creio eu, que as pessoas pensem que
ele tem a intenção de mendigar favores, embora, se elas o conhecessem tão
bem quanto eu, não pensariam assim por muito tempo, pois estou certa de
que ele preferiria morrer de fome. Mas, de fato, para dizer a verdade, temo
que ele tenha sido tristemente culpado nesse caso e tenha discutido quando
não havia necessidade de ser afrontado, pois eu conversei com um cavalheiro
que sabe muito mais do que meu irmão o que as pessoas deveriam fazer, e ele
diz que meu irmão interpretou errado tudo o que foi feito durante todo o
tempo em que esteve na casa de lorde Vannelt.
— E como esse cavalheiro sabe disso?
— Oh, porque ele mesmo foi indagar sobre isso, pois ele conhece lorde
Vannelt muito bem, e foi por meio dele que meu irmão o conheceu. E este
cavalheiro não gostaria que meu irmão fosse maltratado mais do que eu
mesma, então estou certa de que posso acreditar no que ele diz. Mas meu
pobre irmão, não sendo ele mesmo um lorde, pensava que todos deveriam ter
a intenção de ser rudes com ele e, como sabiam que era pobre, suspeitava de
que todos se comportassem desrespeitosamente com ele. Mas este senhor me
deu sua palavra de que todos gostavam dele e o estimavam, e se ele não
tivesse suspeitado tanto, todos eles teriam feito qualquer coisa por ele.
— A senhorita conhece este cavalheiro muito bem, então?
— Oh, não, madame! — respondeu ela apressadamente —, eu mal o
conheço! Ele só vem aqui para ver meu irmão, e seria muito impertinente da
minha parte dizer que é um conhecido.
— Foi diante do seu irmão, então, que vocês tiveram essa conversa?
— Oh, não, meu irmão também teria ficado ofendido com ele se o tivesse
feito, mas ele esteve aqui para perguntar por meu irmão no momento em que
ele estava perdido para nós, e minha mãe se ajoelhou diante dele e implorou
que ele fosse até a casa de lorde Vannelt e se desculpasse por meu irmão, no
caso de ele não ter se comportado adequadamente. Porém, se meu irmão
soubesse disso, dificilmente voltaria a falar com ela! Então, quando este
cavalheiro retornou, eu implorei a ele que não mencionasse sua visita, pois
minha mãe estava fora, e então eu o vi sozinha.
— E ele ficou aqui por muito tempo?
— Não, madame, muito pouco tempo, mas eu lhe fazia perguntas o tempo
todo e o retive o máximo que pude, para que pudesse ouvir tudo o que ele
tinha a dizer sobre meu irmão.
— E nunca mais o viu?
— Não, madame, nem uma vez! Suponho que ele não sabe que meu irmão
voltou para nós. Talvez quando o fizer, ele volte.
— E é seu desejo que ele volte?
— Meu? — disse ela, corando. — Um pouco, às vezes eu desejo que
volte... pelo bem do meu irmão.
— Pelo bem do seu irmão! Ah, minha querida Henrietta! Mas, diga... ou
não diga, se assim preferir... eu não a vi beijando uma carta uma vez? Talvez
fosse deste mesmo nobre amigo?
— Não era uma carta, madame — disse ela, baixando os olhos —, era
apenas o envelope de uma carta para o meu irmão.
— Apenas o envelope de uma carta? Para o seu irmão?! É possível que o
valorize tanto?
— Ah, madame! A senhorita, que está acostumada com os bons e os
sábios, que não vê outra classe de pessoas a não ser aquelas da alta sociedade,
não pode ter nem ideia de como eles atacam os desiguais; mas eu, que os vejo
raramente e que vivo com pessoas tão diferentes... oh, a senhorita não pode
imaginar como é doce para mim tudo o que pertence a eles! Tudo o que foi
tocado por suas mãos, apenas uma vez, eu gostaria de trancar e guardar para
sempre, embora, se eu estivesse acostumada com eles, assim como a
senhorita, talvez pudesse pensar menos sobre eles.
“Que lástima”, pensou Cecilia.
— Todos nós estamos prontos — continuou Henrietta — a culpar os
outros, e é o que tenho feito todo esse tempo, mas não culpo o meu pobre
irmão por viver com pessoas superiores da maneira como ele vivia, pois
agora que conheço um pouco mais do mundo, já não critico mais seu
comportamento; eu sei como é, e vejo que aqueles que tiveram boa educação,
mantiveram boas companhias e se misturaram com o mundo... ah, é outra
coisa. Eles parecem uma espécie bem diferente! São tão amáveis, tão gentis!
Nada vem deles, a não ser o que é destinado a agradar. Parece que vivem
apenas para dar prazer às outras pessoas, como se nunca pensassem em si
mesmas!
— Ah, Henrietta — disse Cecilia, sacudindo a cabeça —, você captou o
entusiasmo do seu irmão, embora por tanto tempo o tenha condenado! Oh,
tenha cuidado para que, assim como ele, você também não descubra que o
mundo é tão pernicioso quanto atraente!
— Não há nenhum perigo para mim, madame — respondeu ela —, pois as
pessoas que tanto admiro estão totalmente fora do meu alcance. Quase nunca
as vejo, e talvez até não as veja mais!
— As pessoas? — disse Cecilia, sorrindo. — Há, então, tantas que você
distingue desta forma?
— Oh, na verdade, não! — exclamou ela, ansiosamente. — Só há uma!
Pode haver... quero dizer, existem apenas algumas... — ela se conteve e
parou.
— Quem quer que você admire — disse Cecilia —, sua admiração só
poderá honrar, mas não se entregue muito, para que seu coração não se desvie
da paz e a torne infeliz para o resto da vida.
— Ah, madame! Vejo que sabe quem é a pessoa em particular em quem eu
estava pensando! Mas, na verdade, a senhorita se engana se acredita haver
algo ruim no meu comportamento.
— Algo ruim! — exclamou Cecilia, abraçando-a. — Eu dificilmente
penso tão bem de alguém!
— O que eu quero dizer, madame, é se a senhorita acredita que eu me
esqueço de que ele pertence a uma classe muito superior a minha. Mas, de
fato, nunca faço isso, pois só o admiro por sua bondade para com meu irmão,
e nunca penso nele, senão apenas por meio de compará-lo, às vezes, com as
outras pessoas que vejo, porque ele me faz odiá-las tanto que eu gostaria de
nunca voltar a vê-las.
— Sua amizade, então — disse Cecilia —, não lhe trouxe nada de bom, e
seria melhor para você se você se pudesse esquecer de que um dia o
conheceu.
— Oh, eu nunca farei isso! Quanto mais eu penso nele, mais fico de mau
humor com todas as outras pessoas! Oh, Miss Beverley! Nossas amizades são
infelizes, de fato! Não me surpreende que meu irmão tenha tanta vergonha
delas. Elas são todas tão rudes e tão livres, e tão capazes de fazer alguém
perder a cabeça... oh, quão diferente é essa pessoa em quem a senhorita está
pensando! Ele não angustiaria ninguém, nem envergonharia ninguém neste
mundo! A senhorita é exatamente como ele! Sempre gentil, sempre
prestativa! Às vezes penso que deve ser irmã dele... uma vez, também, ouvi
rumores de que... mas isso já foi desmentido.
Este discurso arrancou de Cecilia um profundo suspiro; ela adivinhava
muito bem o que poderiam ser os rumores e sabia muito bem como poderiam
ter sido desmentidos.
— Certamente, a senhorita não pode estar infeliz, Miss Beverley! — disse
Henrietta, com uma mescla de surpresa e preocupação.
— Eu reconheço — disse Cecilia, assumindo um ar mais alegre — que
tenho muito a agradecer, e me esforço para não me esquecer disso.
— Oh, com que frequência eu penso — exclamou Henrietta — que a
senhorita é a pessoa mais feliz do mundo! Com tudo que está à sua
disposição, com todas as pessoas apaixonadas pela senhorita, com todo o
dinheiro que pode desejar e com tanta doçura que ninguém pode invejá-la!
Com o poder de manter a companhia que quiser, e todas as pessoas
orgulhosas de ser uma delas! Oh, se eu pudesse escolher quem eu seria, eu
preferiria ser Miss Beverley do que qualquer princesa no mundo!
“Ah”, pensou Cecilia, “se é tal a minha situação, que cruel que, com um
golpe terrível, toda a sua felicidade seja perdida!”
— Se eu fosse uma dama rica assim — continuou Henrietta — e estivesse
em meu próprio poder, então, de fato, eu logo não pensaria em nada além das
pessoas que admiro! E isso muitas vezes me faz pensar que a senhorita,
madame, que é tão parecida com ele – mas então, de fato, a senhorita pode
ver tantos do mesmo tipo que talvez ele possa não lhe impressionar tanto, e
por esta razão espero de todo o coração que ele nunca se case enquanto eu
viver, pois como ele deverá tomar uma dama com uma vida tão elevada como
a dele, eu sempre acreditarei que tal dama nunca o amaria tanto quanto
deveria. Eu muitas vezes penso — continuou Henrietta — que os ricos seriam
tão felizes por se casarem com os pobres quanto os pobres por se casarem
com os ricos, pois então eles tomariam alguém que tentaria merecer sua
bondade, mas eles só aceitam aqueles que conhecem os seus direitos. Muitas
vezes pensei no assunto com relação a esse mesmo cavalheiro e, às vezes,
quando estava em sua companhia e via sua cortesia e sua doçura, imaginava
que eu também era rica e grandiosa e quase me esquecia de que não era
ninguém além da pobre Henrietta Belfield!
— Será que ele, então — perguntou Cecilia, um pouco alarmada —,
alguma vez procurou se insinuar em seu favor?
— Não, nunca! Mas, quando somos tratadas com tanta suavidade, é difícil
lembrar-se da nossa própria mesquinhez! A senhorita, madame, não tem
noção disso; eu mesma não tinha até recentemente, pois eu não me importava
com quem estava acima e quem estava abaixo, mas agora, de fato, devo
admitir que algumas vezes eu desejei ser mais rica! No entanto, ele presume
tão pouco que, em outras ocasiões, eu quase me esqueci de toda a distância
entre nós, e até pensei... oh, que pensamento tolo!
— Diga, doce Henrietta, de qualquer modo.
— Eu vou dizer tudo, madame, pois meu coração está explodindo para se
abrir, e em mais ninguém eu ouso confiar. Eu pensei, então, eu pensei
algumas vezes... meu verdadeiro afeto, meu carinho fiel, minha alegre
obediência... poderiam fazê-lo, se ele os conhecesse, mais feliz comigo do
que com uma dama superior!
— Na verdade — disse Cecilia, extremamente afetada por essa ternura
lamentosa —, eu acredito que, se eu estivesse no lugar dele, não poderia
hesitar um só momento em sua escolha.
Henrietta, ao ouvir sua mãe entrando, fez um sinal para que ela ficasse em
silêncio, mas mal Mrs. Belfield havia passado pelo corredor quando uma
batida estrondosa na porta da rua fez com que fosse imediatamente reaberta.
Um criado perguntou então se Mrs. Belfield estava em casa, e, ao responder
ela mesma afirmativamente, uma cadeira foi trazida para dentro de casa.
Qual não foi o espanto de Cecilia quando, no momento seguinte, ela ouviu
da sala ao lado a voz de Mr. Delvile sênior, dizendo: — Seu servo, madame.
Mrs. Belfield, eu presumo?
Não havia mais motivos para lhe pedir silêncio, pois seu próprio espanto
bastava para privá-la de palavras.
— Sim, senhor — respondeu Mrs. Belfield —, mas suponho, senhor, que
o cavalheiro esteja procurando o meu filho.
— Não, madame — respondeu ele —, meu assunto é com a senhora.
Cecilia, recuperada da surpresa, decidiu deixar a casa sem ser notada, pois
sabia muito bem que ser vista nela seria uma confirmação de tudo o que ele
havia afirmado. Então, ela sussurrou para Henrietta que deveria partir
imediatamente, mas, ao abrir suavemente a porta que dava para o corredor,
ela encontrou os carregadores de Mr. Delvile e um criado que ali o
aguardavam.
Ela voltou a fechar a porta, indecisa sobre o que fazer; porém, depois de
um pouco de reflexão, ela decidiu esperar, já que era conhecida por todos os
seus criados, que não deixariam de mencionar que a tinham visto, e uma
retirada tão furtiva seria pior do que qualquer outro risco. Uma cadeirinha
também esperava por ela, mas era uma cadeira de passeio, e ela não poderia
ser reconhecida por ela, e felizmente ela havia dispensado seu criado, pois ele
tinha assuntos a tratar para sua viagem no dia seguinte.
Enquanto isso, a espessura da divisão entre as duas salas inevitavelmente a
fazia ouvir cada palavra dita.
— Estou certa, senhor, de que estou muito disposta a servi-lo —
respondeu Mrs. Belfield. — Mas, por favor, senhor, qual é o seu nome?
— Meu nome, madame — respondeu ele, em voz bastante elevada —,
raramente me vejo obrigado a anunciar, e nem há qualquer necessidade
presente para que eu o torne conhecido. É suficiente, eu lhe asseguro, saber
que a senhora não está falando com uma pessoa muito comum, e
provavelmente com alguém com quem terá poucas possibilidades de voltar a
encontrar.
— Mas como posso ajudá-lo nos seus assuntos, senhor, se nem ao menos
sei o seu nome?
— O meu assunto, madame, eu pretendo tratar comigo mesmo; o seu papel
é apenas ouvi-lo. Na verdade, tenho algumas perguntas a fazer e devo
solicitar que as responda, além de garantir que suas implicações são claras o
suficiente para evitar qualquer dificuldade de sua parte. Portanto, não há
necessidade de qualquer cerimonial introdutório.
— Bem, senhor — disse Mrs. Belfield, totalmente insensível a esta
ambígua grandeza —, se pretende fazer do seu nome um segredo.
— Poucos nomes, creio eu, madame — exclamou ele com altivez —, têm
menos a vantagem do sigilo do que o meu! Pelo contrário, esta é apenas uma
das poucas casas desta cidade às quais a minha pessoa não o anunciaria
imediatamente. Isso, no entanto, é irrelevante, e a senhora ficará satisfeita
com minhas garantias de que a pessoa com quem agora está conversando não
será uma desonra para o seu caráter.
Mrs. Belfield, subjugada, embora mal sabendo pelo quê, apenas disse que
ele era muito bem-vindo e o convidou a se sentar.
— Peço desculpas, madame — respondeu ele —, meu assunto não levará
mais de um minuto, e minhas ocupações são muitas para tolerar que eu
infrinja esse tempo. A senhora diz que tem um filho. Já ouvi falar dele em
algum lugar antes. Peço sua permissão para perguntar, não tenho a intenção
de me aprofundar no assunto, mas ocorrências familiares particulares tornam
essencial saber se não há uma jovem com uma fortuna em patrimônios, a
quem ele deve fazer uma proposta?
— Infelizmente, não, senhor! — respondeu Mrs. Belfield, para infinito
alívio de Cecilia, que imediatamente concluiu que a pergunta se referia a ela
mesma.
— Neste caso, eu imploro seu perdão; tenha um bom dia, madame — disse
Mr. Delvile, em um tom que expressava sua decepção. Porém, ele
acrescentou: — E não existe tal jovem, na sua opinião, que favoreça suas
pretensões?
— Caro senhor — disse ela —, ora, não há ninguém a quem ele fará uma
proposta! Há uma jovem dama neste exato momento, dona de uma grande
fortuna, que pensa tanto nele, eu lhe digo, quanto qualquer homem gostaria
de ver, mas não há como fazê-lo pensar nisso, embora ele tenha sido educado
na universidade e saiba mais sobre todas as coisas, ou tanto, quanto qualquer
outro homem nos domínios do rei.
— Ah, então — perguntou Mr. Delvile, com uma voz muito mais
complacente, —, não é da parte da jovem que parece haver dificuldade?
— Por Deus, não, senhor! Ele poderia tê-la tido repetidas vezes apenas
dizendo o seu nome! Ela vinha atrás dele com muita frequência, mas tendo
sido educado, como eu já disse, na universidade, ele pensava que sabia
melhor do que eu, então meu conselho foi praticamente inútil para ele.
A consternação de Cecilia com estas palavras não podia ser igualada a
nada além da vergonha de Henrietta, que, embora não soubesse com quem
sua mãe conversava, sentiu toda a desgraça e a comoção que vinham delas.
— Suponho, senhor — continuou Mrs. Belfield —, que conhece meu
filho?
— Não, madame, meu conhecimento não é muito... universal.
— Neste caso, o senhor não é capaz de julgar quão bem ele pode impor
seus próprios termos. E quanto a essa jovem, ela o descobriu, senhor, quando
nenhum de seus próprios amigos sabia dizer para que parte do mundo ele
tinha ido! Ela foi a primeira, senhor, a me trazer notícias dele, embora eu
fosse sua própria mãe! O amor, senhor, é prodigioso pela rapidez! Às vezes
penso que ele pode enxergar através de tijolos e argamassa. No entanto, tudo
isso foi em vão, pois ele estava muito obstinado em não captar a indireta.
Cecilia agora se sentia tão irritada que estava a ponto de irromper sobre
eles para fazer sua própria defesa, mas como suas emoções, embora
tentassem sua razão, nunca foram capazes de dominá-la, ela se conteve ao
considerar que sair de um cômodo daquela casa apenas fortaleceria ainda
mais o que era assim audaciosamente afirmado do que todos os seus protestos
poderiam ter chance de destruir.
— E quanto às próprias jovens — continuou Mrs. Belfield —, elas não
sabem como expor o que se passa em suas mentes mais do que um bebê.
Então, suponho que ele vai se encolher até que outra pessoa se adiante e a
leve com ele. Não faz muito tempo que ouvi dizer que ela iria se casar com o
jovem Mr. Delvile, filho de um de seus tutores.
— Lamento que os rumores tenham sido tão impertinentes — disse Mr.
Delvile, com muito desgosto. — O nome do jovem Mr. Delvile não deve ser
tratado com tão pouca cerimônia, ele sabe bem o que é devido à sua família.
Cecilia corou de indignação e Henrietta suspirou de desânimo.
— Meu Deus, senhor — respondeu Mrs. Belfield —, o que a família dele
conseguiria fazer melhor? Nunca soube que fossem assim tão ricos, e atrevo-
me a dizer que o velho senhor, sendo seu tutor, teve o cuidado de colocar o
filho no caminho dela, porém aconteceu que eles simplesmente não
combinaram; quanto ao velho Mr. Delvile, todo mundo diz...
— Todo mundo toma uma grande liberdade — interrompeu o irritado Mr.
Delvile — em dizer qualquer coisa sobre ele, e a senhora deve me desculpar
por informá-la de que uma pessoa de sua posição e consideração não deve ser
mencionada de forma leviana em cada oportunidade que aparecer.
— Meu Deus, senhor! — exclamou Mrs. Belfield, um tanto surpresa com
a proibição inesperada. — Da minha parte, eu não me importo se nunca mais
mencionar o nome do velho senhor! Nunca ouvi nada de bom sobre ele em
minha vida, pois dizem que é tão orgulhoso quanto Lúcifer, e ninguém sabe
por que, pois dizem...
— Dizem? — bradou ele, disparando de raiva. — Quem diz? A senhora
poderia ser tão amável a ponto de me informar?
— Deus, todo mundo, senhor! É de conhecimento comum.
— Neste caso, todo mundo é extremamente indecente — falando em voz
muito alta — por não prestar mais respeito a uma das primeiras famílias da
Inglaterra. Trata-se de uma libertinagem que não deve, de forma alguma, ser
tolerada com impunidade.
Neste momento, da porta da rua mantida aberta pelos criados que
aguardavam, novos passos foram ouvidos no corredor, e Henrietta
imediatamente os reconheceu. Ela virou-se com as mãos erguidas para
Cecilia e sussurrou: — Que infelicidade! É meu irmão! Achei que ele só
voltaria à noite!
— Certamente ele não virá aqui? — sussurrou Cecilia.
Porém, no mesmo momento ele abriu a porta e entrou na sala. Ele
imediatamente começou um pedido de desculpas e já estava pronto para se
retirar, mas Henrietta, agarrando-o pelo braço, disse em voz baixa que tinha
usado a sala dele porque acreditava que ele estaria ocupado naquele dia e
implorou que ficasse quieto, pois o menor ruído os exporia. Belfield, então,
se deteve, mas o constrangimento de Cecilia era extremo; ser encontrada em
sua sala depois dos discursos que ouvira de sua mãe e continuar na sua
companhia por conivência, quando ela sabia que fora representada como
totalmente a seu serviço, a angustiava e provocava incomensuravelmente. Ela
ficou muito zangada com Henrietta por não ter antes informado a ela a sala de
quem ela havia tomado emprestada. No entanto, não seria mais possível sair
sem ser vista, e ela se manteve, portanto, fixa em seu assento, embora
mudasse de cor a cada momento devido à variedade de suas emoções.
Durante esta dolorosa interrupção, ela perdeu a resposta seguinte de Mrs.
Belfield e um discurso ou mais de Mr. Delvile, cuja própria emoção e volume
se deviam ao fato de Belfield ter entrado em sua sala sem ser ouvido, mas a
próxima voz que chamou sua atenção foi a de Mr. Hobson, que acabara de
entrar na sala de visitas.
— Ora, o que está acontecendo aqui? — exclamou ele, jocosamente. —
Nada além de cadeiras e criados de uniforme! Ora, senhora, está pensando em
fugir? Senhor, seu mais humilde servo. Peço perdão, mas não o reconheci a
princípio. Mas vamos, suponha que todos nós devêssemos nos sentar? Sentar
é tão barato quanto ficar de pé, e o que eu digo é o seguinte: quando um
homem está cansado, é muito mais agradável...
— A senhora tem mais alguma coisa a me comunicar, madame? —
perguntou Mr. Delvile, com grande solenidade.
— Não, senhor — disse Mrs. Belfield, um tanto zangada. — Eu não
costumo me comunicar com um cavalheiro cujo nome eu não sei. Diga, Mr.
Hobson, como conhece o cavalheiro?
— Como me conhece! — repetiu Mr. Delvile, com desdém.
— Ora, como eu não posso dizer, madame — respondeu Mr. Hobson —,
visto que estive em sua companhia apenas uma vez. Mas, senhor, não foi
nada além de um negócio insignificante na outra manhã na residência de Mr.
Monckton. Todas as pessoas têm alguma habilidade, como se pode dizer.
Mas, senhor, se posso tomar a liberdade, por favor, qual é a sua opinião
particular sobre aquele velho cavalheiro que dizia coisas tão fora de
propósito?
— Minha opinião particular, senhor?
— Sim, senhor; quero dizer, se não é segredo, pois, quanto a um segredo,
eu sustento que é o que nenhum homem tem o direito de indagar; sendo de
sua própria natureza, é uma coisa que não deve ser contada. Agora, quanto ao
que eu penso, minha doutrina é esta: tenho a mesma opinião do velho
cavalheiro a respeito de algumas coisas e, a respeito de outras, considero que
ele está muito longe do alvo. Mas quanto a falar como se estivesse
embriagado a ponto de ninguém conseguir entendê-lo, ora, é o mesmo que
não dizer coisa alguma, e ele poderia muito bem controlar sua língua. Isso é o
que eu digo. E então, quanto ao outro assunto, abusar de uma pessoa por não
doar todos os seus ganhos legais ao primeiro aleijado que encontrar nas ruas,
só porque ele tem apenas uma perna, ou um olho, ou algo parecido, ora, é
desconhecer completamente o mundo dos negócios! É o que eu chamo de
falar ao acaso.
— Quando tiver terminado, senhor — disse Mr. Delvile —, seria muito
bom se pudesse me avisar.
— Eu não tenho a intenção de ser um intruso, senhor; esse não é o meu
jeito, então, se está aqui a negócios...
— O que mais, senhor, poderia me trazer aqui? No entanto, de forma
alguma proponho qualquer discussão. Tenho apenas mais algumas palavras a
dizer a esta senhora e, como meu tempo não é totalmente irrelevante, não
devo lamentar ter a oportunidade de ser ouvido.
— Vou deixá-lo diretamente com a dama, senhor, pois sei muito sobre
negócios para interrompê-los, mas, quando vi as cadeiras na entrada, minha
ideia era que deveria ver damas na sala, não pensando muito em cavalheiros
se locomovendo desta maneira, sendo que eu mesmo nunca o fiz. Porém, eu
mesmo não tenho nada contra isso; que cada homem siga seu próprio
caminho; é o que eu digo. Deixe-me apenas perguntar à senhora antes de ir,
qual é o significado de eu ver duas cadeiras na entrada e apenas uma pessoa
na sala? O cavalheiro, suponho, não usou as duas! Ha! Ha! Ha!
— Ora, agora que o senhor mencionou — disse Mrs. Belfield —, vi uma
cadeira assim que entrei, e eu já ia perguntar quem estava aqui quando este
senhor chegou e tirou isso da minha cabeça.
— Ora, isso é o que chamo de mistério! — disse Mr. Hobson. — Eu
tomarei a liberdade de perguntar aos carregadores por quem eles estão
esperando.
Mrs. Belfield, entretanto, antecipou-se. Correndo pelo corredor, ela gritou
com raiva: — O que fazem aqui, senhores? Vieram só para ficar fora da
chuva? Não vou aceitar isso na minha entrada, podem estar certos!
— Ora, estamos esperando a jovem dama — disse um deles.
— Que tolice — disse Mrs. Belfield —, não há nenhuma dama aqui, nem
temos visitas; então, se acham que vou ter minha entrada bloqueada por dois
homens pesadões a troco de nada, eu vou lhes dizer uma coisa. A sujeira de
uma pessoa já é suficiente, não preciso das pessoas das ruas para ajudar.
Quem vocês acham que deve limpar a entrada depois que forem embora?
— Isso não é da nossa conta, a dama nos mandou esperar — respondeu o
homem.
Cecilia, durante esta disputa, poderia com prazer ter se atirado para fora da
janela para evitar ser descoberta, mas todos os planos de fuga chegaram tarde
demais. Mrs. Belfield chamou sua filha em voz alta e, voltando para a sala da
frente, disse: — Em breve saberei se há alguém na minha casa sem que eu
saiba! — ela abriu uma porta que conduzia à sala adjacente.
Cecilia, que até então se mantinha sentada, levantou-se apressadamente,
embora se encontrasse em uma confusão cruel demais para falar; Belfield,
questionando até mesmo sua própria situação e igualmente preocupado e
surpreso por sua angústia evidente, tinha a sensação de ser culpado, embora
sem o menor conhecimento de causa; e Henrietta, apavorada com a
perspectiva da ira de sua mãe, afastou-se o máximo possível, para ficar fora
de vista.
Tal era a situação da descoberta: constrangida, perplexa e envergonhada,
enquanto a dos descobridores era muito diferente: ousada, encantada e
triunfante!
— Ora — exclamou Mrs. Belfield —, aqui está Miss Beverley! Na sala
dos fundos que pertence ao meu filho — piscando para Mr. Delvile.
— Ora, aqui está uma dama, com certeza — disse Mr. Hobson —, e
exatamente onde deveria estar, ou seja, na companhia de um cavalheiro. Ah!
Ah! Este é o caminho certo, de acordo com a minha noção! Esta é a
verdadeira máxima para uma vida agradável.
— Vim ver Miss Belfield — disse Cecilia, esforçando-se, mas em vão,
para falar com compostura — e ela me trouxe para esta sala.
— Faz apenas alguns minutos — disse Mr. Belfield, com ansiedade — que
voltei para casa e, desafortunadamente, invadi a sala, por total ignorância da
honra que Miss Beverley prestava à minha irmã.
Estas palavras, embora literalmente verdadeiras, se pareciam, nas
circunstâncias em que foram ditas, tanto com meras desculpas, que, enquanto
Mr. Delvile marcava com altivez sua incredulidade com um movimento do
queixo, Mrs. Belfield continuava piscando para ele de forma significativa, e
Mr. Hobson, com ainda menos cerimônia, ria alto.
— Não tenho mais nada, madame — disse Mr. Delvile à Mrs. Belfield —,
a indagar, pois as poucas dúvidas com as quais vim a esta casa estão agora
completamente satisfeitas. Tenha um bom dia, madame.
— Permita-me, senhor — disse Cecilia, avançando com mais ânimo —,
explicar, na presença de quem melhor pode testemunhar minha veracidade, as
reais circunstâncias...
— Eu de forma alguma lhe causaria tantos problemas desnecessários,
madame — respondeu ele, com um ar ao mesmo tempo exultante e pomposo.
— A situação em que a encontro satisfaz abundantemente minha curiosidade
e me salva da apreensão de ser novamente condenado por um erro!
Ele então fez uma reverência rígida e se dirigiu à sua cadeira.
Cecilia, corando profundamente com o tratamento desdenhoso, despediu-
se friamente de Henrietta e, depois de uma reverência à Mrs. Belfield, correu
para o corredor, para entrar na sua cadeira.
Henrietta sentia-se muito intimidada para falar, e Mr. Belfield era muito
delicado para segui-la. Mr. Hobson disse apenas: — A jovem parece bastante
frustrada — mas Mrs. Belfield a perseguiu com súplicas para que ela ficasse.
No entanto, ela estava zangada demais para dar qualquer resposta, a não
ser por uma distante reverência de cabeça, e deixou a casa com a resolução de
nunca mais voltar.
Suas reflexões sobre tal visita infeliz foram mais amargas do que nunca; a
situação em que ela havia sido surpreendida, clandestinamente escondida
apenas com Mr. Belfield e sua irmã, associada às afirmações positivas de sua
parcialidade por ele feitas por sua mãe, não poderiam, para Mr. Delvile,
parecer senão provas irrefutáveis de sua acusação na sua conversa anterior. A
conexão que ele havia mencionado, não importava o quanto fosse negada,
havia sido formada de maneira incontestável.
A aparente convicção desta parte da acusação também poderia autorizar,
para alguém muito feliz em pensar coisas ruins a seu respeito, uma fé
implícita naquilo que considerava como fato que ela havia esgotado sua
fortuna. Sua determinação em não escutar sua explicação demonstrava a
inflexibilidade de seu caráter, e era evidente, apesar de suas pretensões
ostensivas de desejar o seu bem-estar, que seu orgulho desordenado estava
inflamado diante da própria suposição de que ele poderia estar equivocado ou
enganado por um momento.
Mesmo o próprio Mortimer, se fosse para o exterior, poderia agora ouvir
este relato com exageros que confundiriam toda a sua confiança; sua mãe,
também, por muito que a estimasse e a amasse, poderia ter o assunto
apresentado de forma a desconcertar sua opinião. Estes eram os pensamentos
mais aflitivos que Cecilia poderia abrigar, embora sua probabilidade fosse
tanta que seria impossível afastá-los.
Recorrer novamente a Mr. Delvile para ouvir sua justificativa seria o
equivalente a sujeitar-se à insolência e quase à indignidade de um tribunal.
Ela desdenhava até mesmo escrever para ele, já que seu comportamento
exigia ressentimento, não concessão, e tal ânsia para ser ouvida, em oposição
a todo desânimo, seria praticar uma mesquinhez que quase mereceria repulsa.
Sua primeira inclinação foi escrever para Mrs. Delvile, mas, agora, o que
significava para ela sua defesa ou acusação? Ela havia renunciado
solenemente a todas as novas interações com ela, havia se declarado contra
escrever novamente e proibido suas cartas e, portanto, depois de muita
oscilação de opinião, sua delicadeza concordou com seu bom senso para
concluir que seria mais apropriado, em uma situação tão intrincada, deixar o
assunto ao acaso e dedicar seu caráter ao tempo.
À tarde, enquanto tomava chá com lady Margaret e Miss Bennet, ela foi
repentinamente chamada para atender uma jovem e descobriu, para sua
grande surpresa, que não era outra senão Henrietta.
— Ah, madame! — exclamou ela. — Quão zangada a senhorita nos
deixou esta manhã! O fato me deixou infeliz desde então, e, se a senhorita
deixar a cidade sem me perdoar, ficarei muito doente! Minha mãe saiu para
tomar chá, e eu vim imediatamente para cá, sozinha, no escuro e na chuva,
para implorar e implorar que a senhorita me perdoe, caso contrário não sei o
que devo fazer!
— Menina doce e gentil! — exclamou Cecilia, abraçando-a
afetuosamente. — Se fosse responsável por despertar toda a raiva que sou
capaz de sentir, uma ternura como essa a baniria e me faria amá-la mais do
que nunca!
Henrietta disse então, em sua defesa, que se julgava bastante segura da
ausência do irmão, que quase sempre passava o dia todo na livraria, já que
para escrever ele queria sempre consultar outros autores, e tinha
pouquíssimos livros à sua disposição na hospedaria, mas que não havia
mencionado que a sala era dele para que Cecilia não se opusesse a fazer uso
dela, e ela sabia que não haveria outra chance de ter com ela a conversa que
tanto almejava. Ela então pediu perdão novamente e desejou que o
comportamento de sua mãe não a induzisse a desistir dela, pois ela estava
muito consternada, assim como seu irmão, que, ela lhe assegurou, era tão
inocente quanto ela.
Cecilia a ouviu com prazer e sentiu por ela uma consideração cada vez
maior. A franqueza de sua confiança pela manhã havia merecido todo o seu
afeto, e ela lhe fez os mais calorosos protestos de uma amizade que estava
certa de que duraria por toda uma vida.
Henrietta, então, com um semblante que expressava a leveza de seu
coração, despediu-se apressadamente, dizendo que não ousaria ficar mais
tempo, para que sua mãe não descobrisse sua excursão. Cecilia insistiu,
porém, que ela tomasse uma cadeirinha, a qual ordenou ao seu criado que
buscasse e se encarregasse de despachar ele mesmo.
Esta visita, aliada à conversa terna e sem reservas da manhã, despertou em
Cecilia o desejo mais forte de convidá-la para sua casa de campo, mas o
terror das insinuações de Mrs. Belfield, somado às interpretações cruéis que
ela esperava de Mr. Delvile, a impediram de ceder a esse desejo, embora
fosse o único que ela agora poderia formular.
CAPÍTULO 88

UMA CALMARIA

Cecilia despediu-se da família durante a noite, já que não tinha a intenção


de acordá-los cedo pela manhã; Mr. Monckton, embora certo de que não
conseguiria dormir enquanto ela estivesse partindo, absteve-se de demonstrar
sua solicitude abandonando seus aposentos a qualquer hora incomum. Lady
Margaret separou-se dela com a sua habitual indelicadeza, e Miss Bennet,
porque estava na sua presença, de uma forma pouco menos desagradável. Na
manhã seguinte, assim que amanheceu, ela partiu apenas com seus criados.
Sua viagem transcorreu sem incidentes ou interrupções, e ela foi
imediatamente para a casa de Mrs. Bayley, onde ficaria instalada até que a
sua própria casa estivesse terminada.
Mrs. Bayley era simplesmente uma boa mulher que vivia decentemente
bem com seus criados, e razoavelmente bem com seus vizinhos, com uma
pequena anuidade, o que tornava sua vida fácil e confortável, embora de
forma alguma superior a esse acréscimo à sua pequena renda que uma
pensionista ocasional poderia produzir. Nesta casa Cecilia ficou um mês
inteiro, tempo em que não teve outra ocupação senão a que ela
voluntariamente se entregou mediante atos de benevolência. No Natal, para
grande alegria da vizinhança, ela tomou posse de sua própria casa, que ficava
a cerca de três milhas de Bury. O melhor tipo de gente ficou feliz em vê-la
assim acomodada entre eles, e os mais pobres, que, pelo que já tinham
recebido, sabiam bem o que ainda podiam esperar, consideravam o dia em
que ela se instalaria em sua mansão como um dia de prosperidade e triunfo
para si mesmos.
Como ela havia se mudado de uma habitação temporária, a qual, se
quisesse abandonar, e à qual, em um determinado período, ela não poderia ter
qualquer direito possível, para uma casa que seria sua para sempre, ou, pelo
menos, poderia apenas por sua própria escolha ser transferida, ela decidiu,
tanto quanto estava em seu poder, abandonar suas residências desconexas e
esvaziar sua mente das transações que haviam ocorrido nelas, e, ao entrar em
uma casa onde ela deveria residir permanentemente, fazer do afastamento de
suas tristezas passadas a base sobre a qual estabeleceria sua serenidade futura.
Embora fosse um trabalho árduo, não era impraticável; sua sensibilidade, de
fato, era aguçada, e por isso ela havia sofrido a maior tortura, mas seus
sentimentos não eram mais poderosos do que sua compreensão, e sua
coragem estava à altura de suas provações. Suas desgraças a tinham
entristecido, mas não enfraquecido sua mente; e as palavras de Delvile ao
falar de sua mãe voltavam para ela agora com toda a convicção da
experiência, que “males inevitáveis são sempre bem suportados, porque, uma
vez conhecidos por terem sido corrigidos, são sentidos como um desafio para
quem luta”.
Um plano pelo qual uma revolução tão grande deveria ser operada em sua
mente não deveria ser efetuado por qualquer esforço repentino de
magnanimidade, mas por um teor regular e até mesmo de coragem mesclado
com prudência. Nada, portanto, parecia ser tão indispensável como a
ocupação constante, pela qual uma variedade de novas imagens pudesse
forçar seu caminho em sua mente para suplantar as antigas, e mediante a qual
não lhe seria permitido pensar em retrospectivas melancólicas. Seu primeiro
esforço neste trabalho de reforma mental foi separar-se de Fidel, a quem até
então havia tutelado quase involuntariamente, mas a quem ela só podia ver
para reviver as mais perigosas lembranças.
Ela, portanto, o enviou ao Castelo Delvile, mas sem qualquer mensagem.
Estava certa de que Mrs. Delvile não precisaria de nenhuma para se alegrar
com o seu retorno.
Seu próximo passo foi escrever para Mr. Albany, que havia lhe dado seu
endereço, para informá-lo de que ela agora estava pronta para colocar em
prática o plano há muito combinado. Mr. Albany imediatamente se apressou
para vê-la e alegremente aceitou o cargo de se tornar ao mesmo tempo seu
esmoler e seu professor. Ele fazia questão de procurar objetos de angústia, e
sempre, mas muito certo de encontrá-los, de conduzi-la ele mesmo até suas
habitações, e então deixar que Cecilia usasse de sua generosidade para
atender a vários casos urgentes, e, no transbordamento de seu zelo nessas
ocasiões, e o êxtase de seu coração ao desfazer-se desta maneira, quase que
com prazer, de sua nobre fortuna, ele parecia, às vezes, sentir um êxtase que,
por sua novidade e seu excesso, era quase requintado demais para ser
suportado. Ele se unia aos mendigos para derramar bênçãos sobre sua cabeça,
orava por ela com os pobres e lhe agradecia com os socorridos.
A sacristã e seus filhos não deixaram de cumprir sua promessa, e Cecilia
logo conseguiu instalá-los em sua vizinhança, onde a pobre mulher, à medida
que recuperava as forças, logo conseguiu um pouco de trabalho, e todas as
deficiências em sua capacidade de manter a si mesma foram supridas por sua
generosa protetora. Porém, ela ordenou que as crianças fossem educadas de
maneira rústica, pois não tinha a intenção de sustentá-las, apenas de ajudá-las
a realizar trabalhos comuns.
Também a promessa há tanto tempo feita a Mrs. Harrel de acomodação em
sua casa foi agora cumprida. Esta senhora aceitou a oferta com o maior
entusiasmo, feliz por fazer qualquer mudança em sua situação, que a solidão
constante havia tornado completamente insuportável. Mr. Arnott a
acompanhou até a casa e passou um dia na companhia das duas damas, mas
não recebendo de Cecilia, embora extremamente cortês e amável com ele,
nenhum indício de qualquer convite para repetir sua visita, ele as deixou com
tristeza e voltou para sua casa em profundo abatimento. Cecilia viu com
preocupação como ele alimentava sua paixão desesperada, mas sabia que
suportar suas visitas quase o autorizaria a alimentá-la, e embora se
compadecesse da infelicidade que ocasionava, ela resolveu dobrar seus
próprios esforços para evitar uma infelicidade semelhante.
Esta medida, entretanto, era mais um ponto de honra do que de amizade, já
que há muito tempo a companhia de Mrs. Harrel não podia lhe proporcionar
qualquer prazer. Porém, as promessas que tantas vezes fizera a Mr. Harrel em
suas aflições, embora extorquidas dela apenas pelos terrores do momento,
ainda eram promessas, e, portanto, ela se sentia obrigada a cumpri-las. No
entanto, longe de encontrar conforto neste acréscimo à sua família, Mrs.
Harrel não representava para ela mais do que um problema e um estorvo; sem
recursos inerentes, ela estava continuamente em busca de suprimentos
ocasionais; ela fatigava Cecilia com o espanto da privacidade de sua vida e a
atormentava com propostas de festas e entretenimentos. Ela vivia
eternamente surpresa que, com poderes tão grandes, ela pudesse ter desejos
tão limitados, e estava evidentemente desapontada que, ao chegar a uma
propriedade tão ampla, tivesse de viver, com respeito a si mesma e sua
família, com não mais magnificência ou ostentação do que se fosse uma
herdeira com apenas 500 libras por ano.
Mas Cecilia estava decidida a pensar e viver para si mesma, sem se
importar com desapontamentos sem sentido ou protestos egoístas; não
possuía ambição para a pompa, nem ânimo para dissipação. A recente tristeza
de seu coração a havia neutralizado pelo momento para todo gosto pessoal de
felicidade, e sua única chance de recuperá-la parecia ser por meio de
concedê-la a outras pessoas. Ela também tinha aprendido com Mr. Harrel
como o deplorável brilho exterior podia encobrir a angústia interior, e no
Castelo de Delvile havia aprendido a ficar cansada da ostentação e da
imponência. Sua carruagem, portanto, não tinha brilho, embora fosse
elegante; sua mesa era simples, embora hospitaleira e abundante. O sistema
de sua economia, assim como o de sua generosidade, era formado por regras
ditadas pela razão e por suas próprias ideias de certo e errado, não por
obediência ao exemplo, nem pela emulação da nobreza de sua vizinhança. No
entanto, embora dessa forma se desviasse dos costumes habituais dos jovens
e ricos, ela era peculiarmente cuidadosa para não os ofender pela
singularidade de suas maneiras. Quando estava entre eles, ela se mostrava
tranquila, pouco afetada e bem-educada, e, embora os visse raras vezes, seu
bom humor e desejo de atendê-los os mantinham sempre seus amigos. O
plano que havia elaborado anteriormente na casa de Mrs. Harrel, ela agora
estudava diariamente para colocar em prática. Porém, aquela parte na qual os
inúteis ou frívolos deveriam ser excluídos de sua casa, ela descobriu que só
poderia ser sustentada afastando a metades dos seus conhecidos.
Uma outra parte deste projeto ela achou ainda menos fácil de adotar, que
consistia em se consolar na companhia dos sábios, dos bons e dos
inteligentes. Poucos atendiam a essa descrição e esses poucos só eram
acessados com dificuldade. Muitos poderiam com alegria ter procurado sua
generosa moradia, mas ninguém havia esperado ociosamente até o momento
em que estivesse à sua disposição. Todos os que possuíam ao mesmo tempo
talentos e riquezas eram cortejados de maneira tão generalizada que
raramente eram procurados; e todos os que somente deviam suas
consequências aos talentos exigiam, se fossem dignos da pena, tempo e
delicadeza para alcançar. A fortuna, ela sabia, estava tão frequentemente em
guerra com a natureza, que ela não tinha dúvidas de que encontraria em breve
aqueles que se beneficiariam com prazer da proteção por ela oferecida.
Mesmo assim, cansada das queixas de Mrs. Harrel, ela ansiava por algum
alívio de sua companhia, e seu desejo de dever esse alívio a Henrietta
Belfield tornava-se cada vez mais forte. Quanto mais ela meditava sobre este
desejo, menos inatingível ele lhe parecia, até que, ao combater com
frequência suas dificuldades, ela começou a considerá-los imaginários. Mrs.
Belfield, enquanto seu filho estivesse na sua presença, poderia ver que ela
não tomava Henrietta como seu apêndice; e Mr. Delvile, caso fizesse mais
perguntas, poderia ouvir que sua ligação real era com a irmã, visto que ela a
recebera no campo, onde o irmão não a seguiu. Ela considerou também de
que maneira cruel ela seria recompensada ao desistir de Henrietta por Mr.
Delvile, que já estava decidido a pensar mal dela, e cujos preconceitos
nenhum sacrifício removeria. Portanto, depois de hesitar por algum tempo
entre o desejo do alívio presente e o medo de danos futuros, a consciência de
sua própria inocência finalmente venceu todo medo de censura injusta, e ela
escreveu um convite a Henrietta incluído em uma carta para sua mãe. A
resposta de Henrietta expressava seu entusiasmo com a proposta, e a de Mrs.
Belfield não apresentava objeções, além das despesas. Cecilia, portanto,
enviou sua própria criada para viajar com ela até Suffolk, com instruções
adequadas para pagar a viagem.
A gratidão da encantada Henrietta com o encontro era ilimitada, e sua
alegria diante de uma demonstração de favoritismo tão inesperada a deixou
um tanto enlouquecida. Cecilia não se permitiu sofrer por falta de bondade
para apoiá-la; ela a tomou em seu peito, tornou-se a consoladora de todas as
suas preocupações e depositou nela, em troca, todos os pensamentos que não
levavam a Mortimer Delvile. Quanto a este assunto, no entanto, ela estava
uniformemente silenciosa; solene e eternamente separada dele, longe de
confiar no segredo de sua antiga conexão com Henrietta, todo o estudo de sua
vida deveria afastar de si mesma esta lembrança. Henrietta agora
experimentava uma felicidade para a qual em toda sua vida havia sido uma
estranha; ela foi subitamente removida da vulgaridade turbulenta para o
desfrute da elegância serena, e a doçura do seu caráter, no lugar de ser
tiranicamente imposta, não apenas a fazia ser amada com afeto, mas tratada
com a mais escrupulosa delicadeza. Cecilia teve sua parte em todo o conforto
que ela lhe concedeu; ela agora tinha uma amiga para satisfazer e uma
companheira com quem conversar. Ela comunicou a ela todos os seus planos,
e fez dela a parceira de suas excursões benevolentes; ela achou sua disposição
tão amável nas provações como sua aparência e suas maneiras haviam sido
atraentes à primeira vista, e sua presença e doçura constantes reavivaram
imperceptivelmente seu ânimo e deram um novo interesse à sua existência.
Nesse meio tempo, Mr. Monckton, que voltou em cerca de quinze dias
para Grove, observava a crescente influência de Mr. Albany com a maior
preocupação. As bondades de Cecilia, extensas, magníficas, ilimitadas, eram
o tema de todas as conversas e, embora às vezes fossem censuradas por
poucos, eram objeto de admiração pela maioria. Por algum tempo, ele
permitiu, sem protestar, que ela continuasse, esperando que seu entusiasmo
diminuísse à medida que sua novidade se esvaísse, mas ao descobrir que a
semana seguinte ainda era marcada por algum novo ato de beneficência, ele
ficou tão alarmado e inquieto que não conseguiu mais se conter. Ele falou
com ela com ternura, explicou sua conduta como muito perigosa em suas
consequências; ele disse que ela apenas cortejaria impostores de todos os
cantos do reino, chamou Mr. Albany de lunático, a quem ela deveria evitar e
não obedecer; e insinuou que, se um informe de seus atos fosse divulgado,
uma caridade tão pródiga causaria tal alarme que nenhum homem buscaria
uma aliança com ela, mas pensaria que sua imensa e esplêndida fortuna não a
impediria da ruína.
Cecilia ouviu esta advertência sem terror ou impaciência e respondeu com
a maior firmeza. A influência dele sobre sua mente não era mais a mesma,
pois embora suas suspeitas não tivessem se fortalecido, elas nunca haviam
sido removidas, e a amizade não tem inimigo mais perigoso do que a
desconfiança! No entanto, ela o agradeceu por seu zelo, mas lhe assegurou
que suas apreensões eram infundadas, pois, embora ela agisse por inclinação,
não agia sem pensar. Sua renda era muito elevada e ela não tinha família ou
conexões; gastá-la apenas consigo mesma seria algo ainda pior do que a
extravagância, seria resultado da obstinação mais indesculpável, pois sua
disposição era naturalmente avessa ao luxo e à despesa. É verdade que ela
poderia poupar, mas para quem? Nenhuma criatura tinha tal direito sobre ela,
e, com relação a si mesma, ela estava provida de tal forma que não seria
necessário. Ela declarou que nunca se endividaria nem mesmo por uma
semana, mas enquanto seu patrimônio estivesse completamente desimpedido,
ela iria gastá-lo sem restrições.
Para a sua insinuação de qualquer aliança futura, ela apenas disse que
aqueles que desaprovavam sua conduta provavelmente seriam os mesmos que
ela, por sua vez, deveria desaprovar. Entretanto, se tal evento acontecesse, a
redução neste momento de todas as suas despesas peculiares atuais,
certamente, a um valor de três mil libras ao ano, a deixaria rica o suficiente
para qualquer homem, sem que fosse necessário incumbi-la, no momento, de
negar a si mesma o único prazer que ela podia sentir em outorgar aquele
dinheiro, que para ela era supérfluo, àqueles que o recebiam como
prolongamento de sua existência.
Uma firmeza tão deliberada em um sistema que ele tanto temia o
surpreendeu profundamente, embora se sentisse intimidado para se opor a
ela. Ele viu que ela falava muito sério e que estava muito satisfeita por ter
razão, para se aventurar a lhe causar repulsa contestando seus argumentos. A
conversa, portanto, terminou com um novo descontentamento para si mesmo
e com uma impressão na mente de Cecilia de que, embora fosse zeloso e
amigável, ele era um tanto mundano e desconfiado.
Ela continuou, portanto, como antes, distribuindo com uma mão pródiga
tudo o que podia poupar de sua própria casa, cautelosa com nada mais além
da imposição, a qual, embora às vezes inevitavelmente suportasse, seu
discernimento e a atividade de sua diligência investigativa a salvavam de
sofrer com frequência. A firmeza com a qual ela repelia aqueles que
detectava em engano era um freio aos truques e fraudes, embora não pudesse
detê-los completamente. O dinheiro, para ela, há muito parecia inútil e sem
valor; ele não havia lhe proporcionado o estabelecimento pelo qual uma vez
se orgulhava de que parecia propositalmente projetado; tinha sido desprezado
por Mr. Delvile, por cuja conexão ela era a única que verdadeiramente se
alegrava em possuí-lo; e depois de tal convicção de sua ineficácia para
assegurar sua felicidade, ela o considerou de pouca importância para si
mesma.
Assim Cecilia passou o primeiro inverno de sua maioridade. Ela o
preencheu diligentemente com ocupações, e suas ocupações revelaram ser
férteis para manter sua mente afastada da ociosidade e restaurar sua alegria.
Solicitações por sua atenção tão tranquilizadoras e ocupações tão variadas
para o seu tempo haviam atendido ao grande propósito para o qual ela
originalmente os havia planejado, quase removendo de seus pensamentos
aquelas tristezas que, se toleradas, teriam repousado neles incessantemente.
CAPÍTULO 89

UM COMUNICADO

A primavera avançava e o tempo estava extraordinariamente bom, quando,


em uma manhã, enquanto Cecilia caminhava com Mrs. Harrel e Henrietta no
gramado diante de sua casa e o último badalar do sino as convocava para o
almoço, Mrs. Harrel olhou à sua volta e se deteve ao ver um cavalheiro
galopando em direção a elas. Em menos de um minuto ele se aproximou e,
depois de desmontar e deixar o cavalo aos cuidados do seu criado,
surpreendeu a todas no mesmo instante por ser ninguém menos do que o
jovem Delvile.
Uma visão tão inesperada, tão inexplicável, tão maravilhosa, depois de
uma ausência tão longa, e à qual estavam mutuamente ligados, quase
dominou Cecilia pela surpresa e por mil outros sentimentos. Ela segurou Mrs.
Harrel pelo braço, sem saber o que fazia, como se estivesse em busca de
socorro, enquanto Henrietta, com menos emoção, mas de forma mais alegre,
de repente exclamou: — É Mr. Delvile! — e avançou para encontrá-lo.
Ele as alcançou e, com uma voz que falava de forma apressada e
perturbada, respeitosamente fez seus cumprimentos a todas elas antes que
Cecilia recuperasse até mesmo o uso de seus pés; porém, assim que seus
poderes lhes foram devolvidos, ela os empregou com o movimento mais
rápido em seu poder, ainda apoiada em Mrs. Harrel, e apressou-se para entrar
na casa. Sua promessa solene para Mrs. Delvile tornou-se predominante em
seus pensamentos, e sua surpresa foi prontamente substituída por desgosto,
pois assim, sem qualquer preparação, ele a forçava a quebrá-la com uma
visita que ela não tinha como evitar.
Assim que chegaram à entrada da casa, o mordomo comunicou a Cecilia
que o almoço estava servido. Delvile foi até ela e disse: — Posso esperar vê-
la por um instante antes ou depois do almoço?
— Estou ocupada, senhor, durante o resto do dia — respondeu ela, embora
mal pudesse falar.
— Espero que não se recuse a me ouvir — disse ele, ansiosamente. — Não
posso escrever o que tenho a dizer...
— Não há nenhuma razão para que o senhor me escreva uma carta —
interrompeu ela —, já que eu dificilmente encontraria tempo para lê-la.
Ela então fez uma reverência, embora sem olhar para ele, e entrou na casa.
Delvile permaneceu totalmente consternado, sem ousar, embora desejasse,
segui-la. Porém, quando Mrs. Harrel, muito surpresa pelo comportamento tão
incomum de Cecilia, se aproximou dele com alguns discursos de cortesia, ele
se sobressaltou e, depois de lhe desejar bom dia, curvou-se e montou de novo
em seu cavalo, sendo seguido pelos olhos suaves de Henrietta até ficar
totalmente fora de vista. Em seguida, as duas seguiram Cecilia até a sala de
refeições.
Se Mrs. Harrel não fizesse parte daquele pequeno grupo, o almoço teria
sido servido em vão. Cecilia, ainda trêmula de emoção, aturdida por
conjecturas, zangada com Delvile por tê-la surpreendido dessa maneira,
zangada consigo mesma por recebê-lo tão severamente, espantada com a
tentativa de violação de seu acordo comum e indecisa tanto quanto ao que
desejar quanto ao que pensar, estava pouco disposta a comer, e com
dificuldade se obrigou a fazer as honras da sua mesa.
Henrietta, a quem a visão de Delvile ao mesmo tempo havia encantado e
perturbado, a quem o comportamento de Cecilia havia deixado admirada e
consternada, e a quem a evidente inquietude e decepção que aquele
comportamento havia causado em Delvile a atingira com tristeza e terror, não
poderia engolir nem mesmo um bocado; depois de cortar a carne no prato, a
devolveu, intocada, a um criado.
Mrs. Harrel, entretanto, embora tivesse tido sua parte na surpresa, havia
escapado completamente de todas as outras emoções e apenas concluiu em
sua própria mente que Cecilia, às vezes, podia estar de mau humor e ser mal-
educada assim como o resto do mundo. Enquanto a sobremesa era servida,
uma nota chegou para Henrietta e um criado esperava com muita pressa para
ser atendido.
Henrietta, estranha a todas as formas de cortesia, embora graciosa por
natureza, prestativa e delicada, abriu-a imediatamente; ela se assustou ao
lançar os olhos sobre a mensagem, ruborizou, empalideceu e parecia
encantada. Levantando-se apressadamente, sem sequer pensar em qualquer
pedido de desculpas, saiu correndo da sala para responder. Cecilia, cujo olhar
rápido, mas inevitável, tinha identificado a escrita de Delvile, encheu-se de
novo espanto diante da visão. Assim que os criados se retiraram, ela pediu à
Mrs. Harrel que a desculpasse e foi para o seu quarto. Em poucos minutos,
ela foi seguida por Henrietta, cujo semblante irradiava prazer e cuja voz
expressava um tumultuoso deleite. — Minha querida, querida Miss Beverley
— exclamou —, tenho uma coisa para lhe contar! A senhorita nunca iria
imaginar, eu mesma não sei como acreditar, mas Mr. Delvile escreveu para
mim! Ele realmente escreveu! Aquela nota era dele. Eu a guardei, por medo
de acidentes, mas vou correr e buscar para que veja por si mesma.
Ela então saiu correndo, deixando Cecilia muito perplexa, muito
desconfortável consigo mesma, e ao mesmo tempo entristecida e alarmada
pela terna e suscetível Henrietta, que era assim facilmente levada a todas as
esperanças levianas e crédulas.
— Se eu não lhe mostrar — exclamou Henrietta, voltando depois de um
minuto —, a senhorita nunca pensaria que seria possível, pois, para fazer tal
pedido... realmente, ele me deixou assustada!
Cecilia então leu o bilhete.

“Para Miss Belfield.


Mr. Delvile apresenta seus cumprimentos à Miss Belfield e implora para
que lhe seja permitido vê-la por alguns minutos, a qualquer hora da tarde
que ela tenha a bondade de apontar”.

— Apenas pense — exclamou a arrebatada Henrietta — que era eu, pobre


de mim, entre todas as pessoas, com quem ele queria falar! Estou certa de que
tive um pensamento diferente quando ele foi embora! Mas diga, querida Miss
Beverley, diga, o que acha que ele pode ter a me dizer?
— Na verdade — respondeu Cecilia, extremamente envergonhada —, é
impossível para mim fazer conjecturas.
— Se a senhorita não pode, tenho certeza, então, não é de estranhar que eu
não possa! Pensei em um milhão de coisas em um minuto. Não pode ser
sobre nenhum negócio, porque não sei nada no mundo sobre negócios; e não
pode ser sobre o meu irmão, porque nesse caso ele iria à nossa casa na cidade
e lá poderia vê-lo; e não pode ser sobre minha querida Miss Beverley, porque
então ele teria escrito o bilhete para a senhorita, e não pode ser sobre
qualquer outra pessoa, porque eu não conheço ninguém mais que ele
conheça.
Assim prosseguiu a otimista Henrietta, definindo sobre quem e o que não
poderia ser, até que encontrasse uma única coisa para a qual seus desejos
indicavam que poderia ser. Cecilia a ouviu com verdadeira compaixão, certa
de que se enganava com as imaginações mais perniciosas. No entanto, era
incapaz de saber como suprimi-las, enquanto ela mesma se encontrava em
dúvida e na obscuridade. A conversa foi prontamente interrompida por uma
mensagem de que um cavalheiro estava na sala e implorava para ver Miss
Belfield.
— Oh, querida, querida Miss Beverley! — exclamou Henrietta, com
crescente agitação. — O que diabos eu direi a ele? Aconselhe-me, por favor,
aconselhe-me, pois não consigo pensar em uma única palavra!
— Impossível, minha querida Henrietta, a menos que eu soubesse o que
ele tem a dizer.
— Oh, mas eu posso adivinhar, eu posso adivinhar! — exclamou ela, com
as bochechas incandescentes, enquanto seu corpo inteiro tremia. — E eu não
saberei o que responder! Eu sei que vou me comportar como uma tola, eu sei
que vou me envergonhar tristemente!
Cecilia realmente lamentava que Delvile a visse tão emocionada e se
esforçou diligentemente para recompô-la, embora ela mesma nunca tivesse se
sentido menos tranquila. No entanto, ela não teve sucesso, e Henrietta desceu
as escadas com expectativas de felicidade quase fortes demais para sua razão.
As expectativas de Cecilia não eram as mesmas: o temor de um novo conflito
apoderou-se de sua mente, aquela mente há tanto tempo torturada por lutas,
tão recentemente restaurada à serenidade.
Henrietta logo retornou, mas não era a mesma Henrietta de antes; o brilho,
a esperança e a vibração haviam desaparecido; ela parecia pálida e abatida, e
ao entrar no quarto e tentar esboçar um sorriso, fracassou e começou a chorar.
Cecilia jogou os braços em volta do seu pescoço e tentou consolá-la, mas,
feliz por esconder o rosto no seu peito, ela apenas deu à sua dor a mais livre
indulgência. Ela presumiu com muita facilidade a decepção que Henrietta
havia sofrido e decidiu não magoá-la com indagações. Ela se absteve até
mesmo de satisfazer sua própria curiosidade com perguntas que não podiam
senão conduzi-la à mortificação, e, portanto, deixou que ela usasse o seu
próprio tempo para dizer o que tinha a comunicar e ficou ao seu lado em
silêncio, com a mais paciente piedade.
Henrietta era muito sensível à gentileza, embora não conhecesse a metade
de seus méritos; muito tempo se passou antes que ela pudesse articular, entre
soluços, que tudo o que Mr. Delvile queria, afinal, era apenas solicitar que ela
informasse a Miss Beverley que ele tinha dado a si mesmo a honra de atendê-
la com uma mensagem de Mrs. Delvile.
— De Mrs. Delvile? — perguntou Cecilia, emocionada, por sua vez. —
Meu Deus! A culpa, então, é toda minha! Onde ele está agora? Onde posso
encontrá-lo? Diga, minha doce Henrietta, neste instante!
— Oh, madame! — exclamou Henrietta, desatando a chorar novamente.
— Como fui tola em abrir meu coração para a senhorita! Ele veio para
cortejá-la! Tenho certeza que sim!
— Não, não! — exclamou Cecilia. — Na verdade, não foi para isso, mas
eu devo, eu devo vê-lo, onde, meu amor, ele está?
— Na sala, esperando uma resposta.
Cecilia, que em qualquer outro momento teria ficado irritada por tamanha
demora na comunicação de uma mensagem tão importante, agora não sentia
nada além de preocupação por Henrietta, a quem ela beijou apressadamente.
No entanto, ela imediatamente a deixou e correu para Delvile, com
expectativas quase tão otimistas quanto aquelas de sua pobre amiga, mas que
no momento anterior haviam sido esmagadas.
“Oh, agora”, pensou ela, “se afinal a própria Mrs. Delvile cedeu, com que
alegria abandonarei toda a reserva, todo o disfarce, e francamente confessarei
o fiel afeto de meu coração!”
Delvile não a recebeu com a mesma ansiedade com que se dirigiu a ela
pela primeira vez; ele parecia extremamente perturbado e, mesmo depois de
sua entrada, não sabia como começar. Entretanto, ela aguardou sua
explicação em silêncio, e, após uma pausa indecisa, ele disse, com uma
seriedade não totalmente livre de ressentimento:
— Era minha intenção, madame, procurá-la com a permissão de minha
mãe, mas creio que a obtive tão tarde que a influência que dela esperava já
passou!
— Eu não tinha meios, senhor — respondeu ela, alegremente —, para
saber que tinha vindo com uma mensagem de sua mãe; eu teria recebido suas
ordens sem qualquer hesitação.
— Eu lhe agradeceria pela honra com a qual a senhorita a brinda, se fosse
menos propositalmente exclusiva. Não tenho, no entanto, direito à censura!
Ainda assim, permita-me perguntar, poderia a senhorita, depois da nossa
separação, depois de uma renúncia tão absoluta a todas as reivindicações
futuras sobre a senhorita, que, embora tenha sido extorquida de mim pelo
dever, eu estava obrigado, tendo prometido cumprir por princípios, poderia
me imaginar tão instável, tão desonroso, a ponto de me apresentar em sua
presença enquanto tal promessa ainda estava em vigor?
— Eu acredito — disse Cecilia, em quem a cada momento se fazia mais
forte uma secreta esperança — que fui muito precipitada. Eu realmente
acreditava que Mrs. Delvile nunca autorizaria tal visita, mas como o senhor
me surpreendeu, tenho direito ao seu perdão por uma pequena dúvida.
— Assim disse Miss Beverley! — exclamou Delvile, reanimando-se com
este pequeno pedido de desculpas. — A mesma, a inalterada Miss Beverley
que eu esperava encontrar! Ela ainda está inalterada? Não estou sendo muito
precipitado? E a história que ouvi sobre Belfield foi apenas um sonho? Um
erro? Uma falsidade?
— Uma sucessão tão rápida de discussões — disse Cecilia, meio sorrindo
— seria uma perplexidade sem fim; eu, agora, me sentiria ofendida pelo
senhor me fazer tal pergunta.
— Se eu, de fato, tivesse pensado nisso — disse ele —, não a teria feito,
mas nem por um momento eu acreditei até que o rigor de sua repulsa me
deixasse alarmado. A senhorita condescendeu, agora, a responder por isso, e,
portanto, sinto-me encorajado a tornar conhecido o propósito de minha
aventura nesta visita. No entanto, não falarei com confiança, quem dirá com
esperança! Seu propósito é fruto do desespero...
— Uma coisa, senhor — disse Cecilia, que novamente estava assustada
—, permita-me dizer antes de prosseguir; se o seu propósito não tem a sanção
de Mrs. Delvile, assim como sua visita, eu ficaria feliz em ser dispensada de
ouvi-lo, já que certamente o recusarei.
— Eu não diria nada — respondeu ele — sem o consentimento de minha
mãe, e eu o obtive; e meu próprio pai permitiu minha presente solicitação.
— Céus! — exclamou Cecilia. — Isso é possível? — ela juntou as mãos
na ansiedade de sua surpresa e deleite.
— Isso é possível! — repetiu Delvile, com uma expressão de êxtase. —
Ah, Miss Beverley! Uma vez minha Cecilia! Será que é seu desejo que isso
seja possível?
— Não, não! — exclamou ela, enquanto o prazer e a expectativa
brilhavam em seus olhos. — Não desejo nada a respeito. No entanto, diga-me
como isso aconteceu, estou curiosa — acrescentou ela, sorrindo —, embora
não esteja interessada.
— Que esperança tal demonstração de ternura me traria — exclamou ele
— se meu plano fosse quase qualquer outro senão o que é! Mas a senhorita
não pode, não, seria irracional, seria uma loucura esperar sua concordância!
Seria uma loucura até mesmo desejá-la, mas como um homem que está
desesperado pode ser prudente e circunspecto?
— Poupe-se, poupe-se — exclamou a ingênua Cecilia — dessa dor
descabida! O senhor não encontrará em mim nenhum escrúpulo
desnecessário.
— A senhorita não sabe o que diz! Nobre como é, o sacrifício que eu
tenho que propor...
— Diga — exclamou ela —, diga com confiança! Diga com a certeza de
sucesso! Serei totalmente indissimulável, e admitirei aberta e honestamente
que nenhuma proposta, nenhum sacrifício pode ser mencionado, com o qual
eu não estarei de acordo imediatamente, se antes tiver a aprovação de Mrs.
Delvile.
A gratidão e o agradecimento de Delvile por uma concessão que nunca
antes havia sido feita de forma tão voluntária interrompeu por um momento
até mesmo sua capacidade de se explicar. E agora, pela primeira vez, a
sinceridade de Cecilia era tão agradável, pois, pela primeira vez, parecia não
haver oposição a nenhum dever.
Enquanto ele ainda hesitava, ela mesma estendeu a mão para ele e disse:
— O que mais devo fazer? Devo fazer uma promessa?
— Eu não a recusaria por nada no mundo — exclamou ele, alegremente
—, mas com que rapidez irá recuar quando os únicos termos que posso
manter são os de fazê-la assinar a renúncia de seu direito natural e herança?
Cecilia, sem compreendê-lo, apenas pareceu surpresa, e ele continuou:
— A senhorita poderia, pelo meu bem, fazer um sacrifício como este?
Poderia, por um homem que não tem permissão de renunciar ao seu nome,
renunciar a si mesma a fortuna de seu falecido tio? Consentiria com os
acordos que proponho por conta própria? Poderia abrir mão de toda uma
renda tão esplêndida para sempre? E apenas com sua renda paterna de dez
mil libras anuais condescender ao meu desejo de torná-la minha, como se seu
tio nunca tivesse existido e como se nunca tivesse sido herdeira de nenhuma
outra riqueza?
Este, de fato, foi para Cecilia um golpe inigualável a qualquer outro que
ela havia sofrido, e mais cruel do que qualquer um que ela pudesse imaginar.
Diante da proposta de se desfazer da fortuna de seu tio, a qual, por mais
desejável que fosse, até então apenas produzira miséria para si mesma, seu
coração, desinteressado e totalmente descuidado com o dinheiro, prontamente
aceitaria a condição, mas quanto à menção de sua fortuna paterna, aquela
fortuna da qual, agora, não restava o menor vestígio, o horror apoderou-se de
todas as suas faculdades! Ela empalideceu, estremeceu, recuou
involuntariamente a mão e traiu, através de uma agitação muda, as agonias
repentinas de sua alma!
Delvile, impressionado por esta evidente consternação, imediatamente
concluiu que seu plano a havia desagradado. Ele esperou alguns minutos na
expectativa ansiosa de uma resposta, mas ao constatar que o silêncio dela
continuava enquanto sua emoção aumentava, o vermelho mais profundo
tingiu o seu rosto, e, incapaz de conter seu pesar, embora não ousasse
confessar sua decepção, ele de repente a deixou e caminhou pela sala, em
completa desordem. Porém, ele logo recuperou alguma compostura, graças
ao seu orgulho, e disse: — Imploro seu perdão, madame, por uma prova
como esta, para a qual nenhum homem pode encontrar justificativa ao
solicitar. Eu me entreguei a um capricho romântico, o qual o seu bom senso
desaprova, e recebo apenas a mortificação que minha presunção merecia.
— O senhor não sabe, então — disse Cecilia, com a voz fraca —, da
minha incapacidade de consentir?
— Sua habilidade ou incapacidade, eu presumo, são opcionais?
— Oh, não! Minha capacidade está perdida, minha própria fortuna se foi!
— Impossível! Absolutamente impossível! — disse ele com veemência.
— Oh, se assim fosse! Seu pai sabe disso, ele sabe muito bem.
— Meu pai?!
— Ele, então, nunca insinuou o fato para o senhor?
— Oh, que desgosto! — exclamou Delvile. — Uma confirmação terrível
se aproxima! — ele se afastou novamente, como se buscasse coragem para
ouvi-la.
Cecilia ficou surpreendida demais para exigir uma explicação, mas, ao se
voltar para ela, ele disse: — Apenas a senhorita poderia ter tornado o fato
crível!
— O senhor, então, realmente ouviu alguma coisa sobre isso?
— Oh, eu ouvi como a mais infame das falsidades! Meu coração se encheu
de indignação diante de uma calúnia tão vil, e se não tivesse vindo de meu
pai, meu ressentimento teria sido imenso!
— Infelizmente — exclamou Cecilia —, o fato é inegável! No entanto,
quanto às circunstâncias que pode ter ouvido, não duvido que sejam
exageradas.
— Exageradas, de fato! — respondeu ele. — Fui informado de que a
senhorita foi surpreendida escondida com Belfield em uma habitação nos
fundos da casa; fui informado de que sua fortuna parental havia sido
totalmente exaurida e que durante sua minoridade a senhorita tinha feito
negócios com judeus! Tudo isso me foi dito por meu pai; pode acreditar que
de outra forma não seria fácil de ouvir!
— Ainda assim — disse ela —, tudo o que ele disse é verdade; no
entanto...
— Verdade? — interrompeu Delvile, com um sobressalto quase frenético.
— Oh, nunca, então, a verdade foi tão escandalosamente injustiçada! Eu
neguei toda a acusação! Eu duvidei de cada sílaba! Eu comprometi minha
própria honra para provar que cada afirmação era falsa!
— Generoso Delvile! — exclamou Cecilia, desmanchando-se em
lágrimas. —Isto é o que esperava do senhor! E, creia-me, em sua integridade,
minha confiança tem sido similar!
— Por que chora, Miss Beverley? — perguntou ele, mais abrandado e
aproximando-se dela. — E por que me deu este susto? Estas coisas devem ter
sido no mínimo deturpadas, digne-se, então, a esclarecer um mistério no qual
o suspense é uma tortura!
Cecilia, então, com a precisão e clareza que sua agitação lhe permitia,
relatou toda a história de tomar dinheiro de um judeu para Mr. Harrel e
contou, sem reservas, o motivo de tentar fugir de seu pai na casa de Mrs.
Belfield. Delvile ouviu seu relato com uma atenção angustiante, ora se
admirando de sua conduta, ora se ressentindo de seu engano, ora compassivo
de suas perdas, mas, embora movido de várias maneiras por diferentes partes,
recebendo do conjunto o deleite que mais desejava em estabelecer a sua
inocência.
Agradecimentos e aplausos calorosos, ambos acompanharam e seguiram
sua narração, e então, a pedido dela, em troca ele relatou os vários incidentes
e circunstâncias aos quais ele devia a permissão para esta visita. Ele tinha a
intenção de partir imediatamente para o exterior, mas a indisposição de sua
mãe o impedia de deixar o reino até que a saúde dela parecesse menos
precária. Entretanto, este momento nunca chegou; o inverno avançou e ela
evidentemente piorou. Ele renunciou, portanto, ao seu plano até a próxima
primavera, quando, se ela tivesse condições, era seu desejo experimentar o
sul da França para sua recuperação, para onde ele pretendia levá-la. Porém,
durante a sua assistência, ele pensou no plano que acabara de mencionar e
considerou quão maior seria sua possibilidade de felicidade ao se casar com
Cecilia com quase nenhuma fortuna do que se casar com outra com uma
fortuna imensa. Ele estava convencido de que ela estava longe de ser
dispendiosa, ou que gostasse de se exibir, e logo se lisonjeou de que ela
poderia ser convencida a concordar com ele, de que vivendo juntos, embora
comparativamente com pouco, eles deveriam ser mutuamente mais felizes do
que vivendo separados com muito. Quando ele compartilhou seu plano com
sua mãe, ela o ouviu com uma mistura de admiração por seu desinteresse e
pesar pela circunstância; ainda assim, a altivez de sua própria mente, sua alta
estima por Cecilia e sua ansiedade por ver seu filho finalmente estabelecido
enquanto vivesse, para que sua decepção não o mantivesse afastado por um
desgosto duradouro, unidas a um abatimento de ânimos pela apreensão de
que sua interferência tivesse sido cruel, tudo favorecia o seu plano e proibia
sua resistência. Delvile a fez prometer se lembrar daquelas palavras, e sempre
rigorosa quanto à fidelidade, ela prometeu acatá-las.
“Ah!” Pensou Cecilia, “a virtude é, então, tão inconsistente quanto o
vício? E pode o mesmo caráter ser assim tão altivo, tão nobremente
desinteressado com respeito às riquezas, cujo orgulho é tão estreito e tão
intransponível, com respeito ao preconceito familiar?” No entanto, tal
sacrifício por parte da própria Cecilia, cuja renda a autorizava a beneficiar os
mais esplêndidos assentamentos, Mrs. Delvile mal sabia ser solicitado; mas
como seu filho estava consciente de que ela poderia renunciar suas posses,
ele decidiu fazer a experiência e sentiu uma certeza interna de sucesso.
Uma vez resolvido o assunto com a mãe, restava a tarefa mais difícil de
vencer o pai, por quem, e diante de quem nunca se mencionava o nome de
Cecilia, nem mesmo depois de deixar a cidade, embora carregado de
acusações imaginárias contra ela. Mr. Delvile considerou uma degradação na
honra de seu filho supor que ele ainda quisesse novos motivos para se ligar a
ela. Portanto, ele guardou para si a opinião doentia que trazia consigo como
um recurso em caso de perigo, mas um recurso que ele desdenhava fazer uso,
a menos que fosse impelido por absoluta necessidade.
No entanto, com a nova proposta do filho, a acusação mantida em reserva
veio à tona; ele disse que Cecilia negociava com judeus e disse que ela o
fazia desde a morte do seu tio; ele a acusou da mais grosseira extravagância,
à qual acrescentou o ataque mais pérfido contra o seu caráter, proveniente de
suas longas visitas a Belfield, bem como do momento específico em que ele
próprio a surpreendeu escondida com o jovem em uma sala dos fundos da
casa; ele ainda afirmou que a maior parte das grandes somas que ela
continuamente sacava de sua fortuna era gasta sem escrúpulos com esse
favorito perigoso e impróprio.
Delvile tinha ouvido a acusação com uma raiva dificilmente contida pela
violência; confiante na inocência de Cecilia, ele corajosamente declarou que
tudo era uma falsidade e exigiu saber quem era o autor de tão cruel
difamação. Mr. Delvile, muito ofendido, recusou-se a nomear qualquer
autoridade, mas consentiu, com ar de triunfo, em acatar o efeito de sua
própria proposta e lhe fez a promessa desdenhosa de não mais se opor ao
casamento se os termos que ele pretendia oferecer a Miss Beverley, de
renunciar aos bens do tio e se limitar à fortuna do pai, fossem aceitos.
— Eu não acreditei — concluiu Delvile — que ele soubesse tão bem que
esta última condição seria impraticável! Suas afirmações não possuíam
provas. Eu pensei que eram conjecturas preconceituosas e vim na esperança
de convencê-lo de seu erro. Também minha mãe, que a defendeu com
entusiasmo e até mesmo com raiva, estava tão firmemente convencida quanto
eu de que se tratava de um erro, e que esta conversa provaria que sua fortuna
estava tão intacta quanto sua pureza. Como ela ficará surpresa com a história
que tenho agora para contar! Quão irritada ficará por suas perdas por conta de
Mr. Harrel! Quão aflita que sua própria benevolência tenha produzido tais
calúnias negras sobre seu caráter!
— Fui muito simplória e descuidada; contudo, no momento, parecia
apenas guiada pelo senso comum de humanidade. Sempre acreditei que
possuía mais riqueza do que poderia necessitar e considerei a falta de
dinheiro um mal do qual estava inevitavelmente isenta. Minha própria
fortuna, portanto, parecia-me de pouca importância, enquanto a receita de
meu tio me assegurava prosperidade perpétua. Oh, se eu tivesse previsto este
momento...
— A senhorita, então, teria ouvido minha proposta excêntrica?
— Se eu teria ouvido? O senhor não vê muito claramente que eu não
poderia ter hesitado?
— Oh, então, mais generosa das criaturas, então seja minha! Com nossas
próprias economias pagaremos nossas hipotecas; vivendo um tempo no
estrangeiro liberaremos todas as nossas propriedades. Ainda conservarei o
nome pelo qual minha família é intolerante, e minha gratidão por sua
complacência a fará esquecer tudo o que está perdendo!
— Não me diga estas palavras! — exclamou Cecilia, levantando-se
apressadamente. — Seus pais não vão ouvi-las, tampouco eu deveria fazê-lo.
— Meus pais — exclamou ele com energia — estão agora fora de questão;
a concordância de meu pai com uma proposta que ele sabia que a senhorita
não tinha poder para conceder era na verdade uma mera permissão para
insultá-la, pois, se no lugar de acusações sombrias ele tivesse oferecido
qualquer autoridade por suas perdas, eu mesmo a teria poupado da surpresa
que tão indevidamente recebeu ao ouvi-la. Mas consentir com um plano que
não poderia ser aceito! Fazer de mim um instrumento para oferecer
indignidade à Miss Beverley! Ele me libertou de seu poder por meio de um
exercício tão errôneo! Minha própria honra tem um direito ao qual seus
comandos devem ceder. Essa honra me liga à Miss Beverley com tanta força
quanto minha admiração, e nenhuma voz além da sua determinará meu futuro
destino.
— Essa voz, então — disse Cecilia —, novamente o remete à sua mãe. Mr.
Delvile, de fato, não me tratou com amabilidade, e esta última concessão
simulada foi uma crueldade desnecessária, mas Mrs. Delvile merece meu
maior respeito, e não ouvirei nada que não tenha sua sanção prévia.
— Mas a sanção dela será suficiente? E posso esperar, ao obtê-la, a
garantia da sua?
— Quando eu disse que não ouvirei nada sem a sua sanção, o senhor não
deve inferir que não recusarei nada com ela.
Os agradecimentos que ele teria feito, Cecilia não quis ouvir e disse, com
uma certa alegria, que Mrs. Delvile ainda não havia dado sua autorização. Ela
insistiu para que ele a deixasse imediatamente e não retornasse sem a
aprovação expressa de sua mãe. Com relação ao seu pai, ela deixou o assunto
totalmente à sua própria vontade; ela não havia recebido dele nada além de
orgulho e arrogância e estava determinada a tornar pública sua alta estima por
Mrs. Delvile, cuja discrição e decisão ela se contentava em acatar.
— A senhorita não permitirá que, eventualmente, eu lhe procure para
receber algum conselho? — perguntou Delvile.
— Não, não — respondeu ela —, não me peça isso! Nunca fui desleal com
o senhor, nunca, a não ser por motivos que não podem ser superados,
reservados mesmo que por um momento. Já disse que deixarei tudo nas mãos
de Mrs. Delvile, mas não vou arriscar minha paz uma segunda vez por
nenhuma ação que ela desconheça.
Delvile agradeceu sua bondade e prometeu não exigir mais nada. Ele então
obedeceu, despedindo-se, ansioso para colocar um ponto final nessa nova
incerteza e suplicando apenas que os votos dela acompanhassem sua
iniciativa.
E assim, uma vez mais, a paz de Cecilia foi completamente rompida;
novas esperanças, embora tênues, despertaram todos os seus afetos, e receios
fortes, porém razoáveis, interromperam seu repouso. Seu destino, mais uma
vez, estava tão indeciso como sempre, e as expectativas que ela havia
esmagado retomaram a posse de seu coração.
Ela voltou a pensar nas suspeitas que havia concebido a Mr. Monckton;
embora incapaz de averiguá-las e sem vontade de acreditar nelas, tratou de
afastá-las de seus pensamentos. No entanto, lamentou com amargura a sua
infeliz ligação com Mr. Harrel, cujas indignas imposições sobre sua bondade
de temperamento e generosidade provaram ser para ela um mal muito mais
grave e extenso do que a sua repugnância a havia feito compreender.
CAPÍTULO 90

UM SUSPENSE

Delvile havia partido há pouco tempo, quando Henrietta, com os olhos


ainda vermelhos, embora não mais lacrimejantes, abriu a porta da sala e
perguntou se poderia entrar. Cecilia queria ficar sozinha, mas não podia
recusar.
— Bem, madame — disse ela, com um sorriso forçado e ar constrangido
de bravura —, eu estava certa?
— Em quê? — disse Cecilia, sem vontade de entender o que ela queria
dizer.
— No que eu disse que aconteceria? Estou certa de que sabe o que quero
dizer.
Cecilia, extremamente constrangida, não respondeu; ela lamentava muito
as circunstâncias que haviam impedido uma comunicação anterior e não
estava certa se, agora, seria mais amável ou mais cruel familiarizá-la com o
que estava acontecendo, pois, se a conclusão não fosse satisfatória, estaria
ferindo desnecessariamente sua delicadeza pela franqueza de sua confiança, e
que, por mais útil que pudesse ser no final, era no meio tão difícil e tão
angustiante que ela sentia a maior repugnância pela experiência.
— A senhorita pode achar muita liberdade da minha parte — disse
Henrietta — fazer tal pergunta; e, de fato, sua bondade tem sido tão grande
que poderia muito bem me fazer deixar de pensar em mim mesma, mas, se
este é o caso, estou certa de que mereço que me mande diretamente para casa,
e então não haverá mais receios de que eu recupere meu bom senso.
— Não, minha querida Henrietta, nunca poderia pensar que está tomando
muita liberdade. Já disse tudo o que achei que teria prazer em ouvir; o que
quer que tenha ocultado, é por medo de machucá-la.
— Eu mereço, madame — disse ela, com coragem —, ser machucada,
pois me comportei de forma tão tola como se fosse uma criança. Estou com
muita raiva de mim mesma. Eu tenho idade suficiente para compreender e
deveria ter sido mais sábia.
— A senhorita não deve ficar com raiva de si mesma — disse Cecilia,
ansiosa para encorajá-la novamente —, já que sinceridade e franqueza eram
totalmente devidas da minha parte.
— Mas há alguns casos em que as pessoas não devem ser francas. No
entanto, só vim suplicar que me diga, madame, quando será; e não pense que
pergunto por nada além de curiosidade, pois tenho um grande motivo para
isso, de fato.
— Do que está falando, minha querida Henrietta? Você é muito rápida em
suas ideias!
— Vou lhe dizer, madame, qual é o meu motivo. Vou embora para a
minha própria casa, e assim o faria se fosse uma casa dez vezes pior do que é!
Exatamente um dia antes. Porque depois disso eu nunca vou querer olhar nos
olhos daquele cavalheiro novamente, nunca, nunca! Sei que mulheres casadas
são desconfiadas!
— Não fique apreensiva, não há razão para isso. Qualquer que seja meu
destino, nunca serei tão traiçoeira a ponto de trair minha amada Henrietta por
qualquer pessoa.
— Posso lhe fazer uma pergunta, madame?
— Certamente.
— Por que isso já não aconteceu?
— Na verdade — disse Cecilia, muito angustiada —, nem sei se ainda vai
acontecer.
— Ora, o que os está impedindo, madame?
— Milhares, milhares de coisas! Nada pode ser mais incerto.
— Eu continuo tão confusa quanto antes. Eu ouvi dizer, há um bom
tempo, e todos nós ouvimos que iria acontecer, e eu achava que não seria
nenhuma surpresa, pois costumava pensar que era o mais provável. Porém,
mais tarde soubemos que não era verdade, e, a partir daquele momento,
sempre acreditei que não havia nada ali.
— Creio que devo falar com sinceridade. Meus assuntos há muito tempo
estão em estranha perplexidade e eu não sei o que esperar; um dia sempre
reverte a perspectiva do outro, e minha mente tem estado em tal estado de
incerteza e desordem que não consegue encontrar conforto e descanso.
— Isso realmente me surpreende, madame! Eu achava que a senhorita só
conhecia a felicidade! Eu estava certa de que a merecia e achava que a teria
como recompensa. E foi isso o que me fez me comportar tão mal, pois eu
coloquei na minha cabeça que eu poderia lhe dizer tudo, porque cheguei à
conclusão que não significaria nada para a senhorita. Eu sempre imaginei que
quando as pessoas superiores se amam, elas se casam imediatamente; os
pobres, de fato, devem esperar até que possam se estabelecer. Mas o que
neste mundo, eu pensei, se eles gostam um do outro, poderia impedir uma
dama tão rica como Miss Beverley de se casar imediatamente com um
cavalheiro também tão rico?
Cecilia, ao perceber que não havia mais nenhuma chance de se esconder,
achou melhor dar à pobre Henrietta ao menos uma gratificação pela sua
confiança sem reservas, que poderia aliviar um pouco sua inquietude ao
demonstrar sua confiança em sua fé. Portanto, ela francamente confessou
toda a sua situação. Henrietta chorou com amargura diante da narrativa e
pensou que Mr. Delvile era um monstro e a própria Mrs. Delvile pouco
humana; ela se compadeceu de Cecilia com uma ternura não impassível e se
surpreendeu de que pudesse existir uma pessoa que tivesse coração para
causar dor ao jovem Delvile! Ela lhe agradeceu muito por depositar tanta
confiança nela, e Cecilia aproveitou a oportunidade para fazer valer a
necessidade de lutar mais seriamente para recuperar sua indiferença.
Ela prometeu que não iria falhar e desde então absteve-se de dizer o nome
de Delvile, mas a depressão de seu ânimo mostrava que havia sofrido uma
desilusão que espantou até mesmo Cecilia. Embora modesta e humilde, ela
havia concebido as mais românticas esperanças, e embora negasse até para si
mesma qualquer expectativa de Delvile involuntariamente, alimentava-as
com a mais otimista simplicidade. Compô-la e fortalecê-la passou a ser tarefa
principal de Cecilia, que, durante seu suspense atual, não conseguia encontrar
outra ocupação para a qual pudesse se interessar.
Mr. Monckton, a quem nada relacionado a Cecilia era desconhecido, logo
foi informado da visita de Delvile e apressou-se com o maior alarme para
inteirar-se do acontecimento. Ela agora havia perdido todo o prazer que antes
sentia em confiar nele, mas, embora estivesse relutante e confusa, não pôde
resistir às suas perguntas.
Ao contrário da terna Henrietta, seu desapontamento com esta conexão e
sua raiva diante de tão repetidas tentativas era quase maior do que ele poderia
conter. Ele não poupou nem os Delviles por sua insolência de mutabilidade
ao rejeitá-la ou procurá-la a seu bel-prazer, nem a ela mesma por sua
facilidade de submissão em ser vítima de seus caprichos. Para Cecilia, o
assunto era difícil de abordar; ela desejava isentar, como ele merecia, o
próprio Delvile de qualquer participação na censura, e se sentiu magoada e
ofendida pela acusação de sua própria disposição inadequada. No entanto, a
vergonha e o orgulho se uniram para impedir uma defesa exagerada de
qualquer um deles, e ela ouviu quase em silêncio o que era tão difícil de
escutar.
Ele notou, com inexprimível perturbação, que qualquer que fosse o seu
poder de deixá-la inquieta, ele não tinha nenhum para fazê-la se retratar, e
que a promessa condicional que ela havia feito a Delvile de ser totalmente
governada por sua mãe, ela estava firme a considerá-la tão sagrada quanto
uma promessa feita no altar.
Ao perceber tudo isso, ele ousou confiar em seu temperamento sem mais
discussões. Ele assumiu uma calma momentânea com o propósito de se
despedir dela, e com pretensos desejos de felicidade, qualquer que fosse sua
determinação, sufocou as reprovações que preenchiam o seu coração e a
abandonou precipitadamente. Cecilia, afetada por sua seriedade, mas
perplexa com todas as suas opiniões, ficou feliz por ser dispensada de
exortações inúteis, e não lamentaria, em sua atual incerteza, que sua visita
não se repetisse.
Ela não viu nem ouviu falar de Delvile por uma semana, e nada foi capaz
de profetizar além do infortúnio de tal demora. A seguinte carta chegou então
pelo correio:

“Para Miss Beverley. 2 de abril de 1780.


Devo escrever sem comentários, pois não ouso confiar em mim mesmo.
Devo escrever sem nenhuma abordagem inicial, pois não sei como permitirá
que eu me dirija à senhorita. Tenho vivido uma vida tumultuada desde a
última vez em que fui forçado a deixá-la, e quando essa dor irá diminuir,
ainda estou em total ignorância. O relato comovente das perdas que a
senhorita sofreu por causa de sua benevolência para com Mr. Harrel e o
relato explicativo das calúnias que sofreu por sua generosidade para com os
Belfields, relatei com a simplicidade que por si só achei necessária para
torná-las compreensíveis. Eu falei então sobre a grande honra que havia
recebido por não encontrar outra repulsa à minha proposta, a não ser devido
à sua incapacidade de concordar com ela, e informei minha mãe dos poderes
condescendentes com os quais a investiu. Para concluir, mencionei meu novo
plano e, com firmeza, antes de ouvir qualquer oposição, declarei que,
embora somente atendendo a uma decisão deles, eu renunciaria ao meu
próprio nome ou à sua fortuna, não apenas pela sua generosidade eu era
mais seu do que nunca, mas que uma vez que havia me aventurado
novamente, e com permissão para me apresentar diante da senhorita, eu
deveria me manter a partir de agora inalteravelmente comprometido com a
sua pessoa. E assim o faço, e assim o farei! Nem mesmo depois de uma
renovação tão pública, qualquer proibição que não seja a sua terá força
para me impedir de me jogar a seus pés. Não vou mencionar a resposta de
meu pai. Eu gostaria de poder esquecê-la! Seus preconceitos são
irremediáveis, suas resoluções inflexíveis. Quem ou o que o levou a uma
animosidade tão irrecuperável, não posso imaginar, nem ele dirá, mas algo
obscuramente misterioso tem parte em sua ira e sua injustiça. Minha mãe foi
muito afetada por sua referência a ela mesma. Palavras do mais doce elogio
saíram de seus lábios repetidamente; não há outra mulher assim, disse ela;
nenhum outro exemplar semelhante poderia ser encontrado com fidelidade
tão exaltada! Seu filho seria acusado de não ter coração, a não ser para o
egoísmo mesquinho e mercenário, se, depois de uma prova de consideração
tão incomparável, pudesse suportar viver sem ela! Oh, como tal frase de
lábios tão reverenciados anima, deleita, confirma e me satisfaz ao mesmo
tempo! O desagrado de meu pai com esta declaração foi terrível. Suas
acusações, sempre tão improváveis quanto prejudiciais, tornaram-se
horríveis demais para meus ouvidos. Ele não acreditou que o dinheiro foi
para Mr. Harrel e desacreditou que visitava os Belfields por Henrietta. A
cólera não apenas baniu sua justiça, mas obscureceu sua razão, e eu
prontamente deixei a sala, para que pelo menos não pudesse ouvir as
calúnias que ele me proibiu de responder. Porém, não deixei sua reputação
nas mãos de um advogado qualquer; minha mãe a defendeu com todo o
espírito da verdade e com toda a confiança de virtude similar! Ainda assim,
eles se separaram sem convicção e tão mutuamente irritados um com o outro
que concordaram em não mais se encontrar. Isso foi terrível!
Instantaneamente consolidei meu ressentimento para com meu pai e minha
gratidão para com minha mãe em concessões e súplicas a ambos. No
entanto, não tive êxito; minha mãe se sentiu profundamente ofendida e meu
pai se mostrou severamente implacável; nem mesmo neste momento o mal
descansou de sua dissensão, pois a violência do conflito ocasionou um
retorno mais alarmante do que nunca da doença de minha mãe. Toda a sua
fé em sua recuperação agora se baseia em ir para o exterior; ela está
ansiosa para partir imediatamente, mas o Dr. Lyster a aconselhou a fazer
uma parada em Londres no caminho e consultar alguns médicos antes de
partir. Ela concordou e agora estamos numa estalagem a caminho de
Londres. Tal é, no momento, o estado melancólico dos meus assuntos. Minha
mãe me aconselhou a escrever; perdoe-me, portanto, por não ter esperado
por algo mais decisivo para dizer. Não pude convencer nenhuma das partes
a se encontrar antes da viagem, nem pude arrancar de meu pai o principal
autor das calúnias pelas quais ele tem sido atormentado. Infelizmente, não
tenho mais nada a acrescentar, e se notícias como estas ou o suspense
completo seria o menos enfadonho, eu não sei. Se minha mãe suportar sua
jornada razoavelmente bem, ainda tenho mais um esforço a fazer, e dele o
sucesso ou o fracasso serão imediatamente comunicados à Miss Beverley,
por seu meio aturdido, mas eternamente devotado, Mortimer Delvile”.

A própria Cecilia mal pôde decidir se a carta desagradável era preferível a


nenhuma. A intolerância de Mr. Delvile era impactante, mas a difamação do
seu caráter era ainda mais intolerável. No entanto, os elogios da mãe e sua
generosa reivindicação unidos à invariável confiança de Mortimer em sua
inocência conferiam-lhe uma honra que oferecia um certo alívio.
A menção de um autor voltou a trazer Mr. Monckton à sua mente, e nem
toda a sua relutância em pensar que ele seria capaz de tamanha traição
poderia erradicar suas suspeitas. No entanto, ela sabia que o temperamento de
Delvile era muito impetuoso para ser confiado com tal conjectura, e, por seu
medo de cometer uma injustiça, sendo assim apoiado pela prudência, ela
decidiu guardar para si as dúvidas que não poderiam ser reveladas sem
perigo.
Ela comunicou brevemente a Henrietta a continuação de seu suspense e ela
demonstrou sincera curiosidade; e, com seu próprio destino, Henrietta se
reconciliou um pouco mais ao observar que nenhuma etapa da vida tornava a
felicidade certa ou permanente.
CAPÍTULO 91

UM PARENTESCO

Mais uma semana se passou sem que houvesse qualquer informação


adicional. Cecilia foi então chamada à sala de visitas pelo próprio Delvile.
Ele parecia apressado e ansioso, no entanto, o brilho de seu rosto e a
animação de seus olhos imediatamente declararam que, ao menos, ele não
vinha se despedir dela.
— Será que poderá perdoar — disse ele — a carta triste e insatisfatória
que lhe escrevi? Eu não iria desobedecê-la duas vezes da mesma maneira, e
nem mesmo agora poderia tê-la escrito de outra maneira.
— Então, a consulta com os médicos — disse Cecilia — já terminou?
— Infelizmente, sim; e o resultado é muito alarmante. Todos concordam
que minha mãe se encontra em uma situação perigosa e preferem abster-se de
se opor a aconselhá-la a ir para o exterior, mas ela está seriamente inclinada a
partir sem demora. Portanto, devo voltar para ela o mais rápido possível, e
não pretendo descansar até que a veja.
Cecilia expressou com ternura sua tristeza por Mrs. Delvile; sua aparência
generosa também incluía o filho em sua preocupação.
— Devo me apressar — disse ele — a apresentar as credenciais pelas
quais estou autorizado a vir, e devo me apressar para comprovar se Miss
Beverley honrou minha mãe em seu apelo.
Ele então a informou de que Mrs. Delvile, apreensiva por si mesma e
entristecida por ele depois da revelação do perigo que ela havia extorquido de
seus médicos, havia ternamente decidido fazer um último esforço pela sua
felicidade e, doente e impaciente como estava, adiar sua viagem para
aguardar seu efeito. Portanto, generosamente e renunciando ao seu próprio
ressentimento, ela escreveu a Mr. Delvile em termos de paz e gentileza,
lamentando sua dissensão tardia e expressando ardentemente seu desejo de se
reconciliar com ele antes de deixar a Inglaterra. Ela lhe falou sobre a
incerteza de sua recuperação, que havia sido reconhecida por seus médicos,
que declararam que uma mente mais tranquila seria mais essencial para ela do
que um ar mais puro. Ela então acrescentou que tal serenidade só poderia ser
concedida a ela pela eliminação de sua ansiedade diante do estado de tristeza
do filho. Assim, ela lhe implorou que tornasse conhecido o autor da
difamação de Miss Beverley e lhe assegurou que, mediante uma investigação,
ele descobriria o caráter e a reputação dela tão imaculados quanto os dele, e
explicou que após o sacrifício ao qual ela havia consentido, seu filho seria
completamente desonrado se pensasse em qualquer outra conexão. Ela então
uniu a este raciocínio a súplica mais fervorosa, protestando, em seu presente
estado desordenado de saúde, que sua vida poderia pagar pela perda de sua
inquietação contínua. “Eu resisti”, concluiu ela, “enquanto sua dignidade
pessoal e a honra de seu nome e de sua família estavam em perigo, mas no
que diz respeito apenas ao interesse, e se esse interesse é combatido pela paz
de sua mente e a delicadeza de sua palavra, minha oposição chega ao fim.
Embora nossas visões mais amplas e bem fundadas para uma aliança
esplêndida tenham sido abolidas, a partir de agora, depois de uma
investigação mais detalhada, o senhor concordará comigo que a pessoa pela
qual ele a renuncia oferece em si mesma a mais nobre reparação”.
Cecilia sentiu-se satisfeita, honrada, animada e deprimida ao mesmo
tempo com esta carta, da qual Delvile lhe trouxe uma cópia. — E qual —
perguntou ela — foi a resposta?
— Por uma questão de decoro — respondeu ele —, não posso emitir
minha opinião a respeito; leia e deixe-me ouvir a sua opinião.

“À ilustre Mrs. Delvile.


Sua extraordinária carta, madame, me surpreendeu extremamente. Eu
estava disposto a esperar que o assunto estivesse terminado desde o
momento em que minha desaprovação foi formalmente anunciada. Lamento
que esteja tão indisposta, mas não posso concluir que sua saúde seria
restaurada com minha anuência a um plano tão depreciativo para minha
casa. Eu o desaprovo por todos os motivos, não apenas pelo nome e pela
fortuna, mas também pela dama em si. Tenho razões mais importantes do
que as que indiquei, porém, razões que estou obrigado pela honra a não
mencionar. Depois desta declaração, presumo que ninguém me afrontará
com mais perguntas. Sua defesa só existe a partir dela mesma, sua acusação
recebi de uma autoridade menos parcial. Portanto, ordeno que meu filho,
sob pena de meu eterno desgosto, nunca volte a falar sobre o assunto, e da
senhora, madame, espero a mesma complacência ao meu pedido. Não posso
me explicar mais, nem é necessário; não é novidade para Mortimer Delvile
ou sua mãe, tenho orgulho em dizer, que não faço nada sem razão e que não
acredito em nada por motivos insignificantes...”

Alguns elogios frios a respeito de sua viagem e do restabelecimento de sua


saúde concluíam a carta.
Cecilia, depois de ler, devolveu-a apressadamente e disse indignada:
— Minha opinião, senhor, sobre esta carta, certamente deve ser a sua; que
deveríamos ter sido mais sábios, há muito tempo, e ter poupado sua mãe e a
nós mesmos destes conflitos vãos e infrutíferos que deveríamos ter previsto
que estavam sujeitos a tal conclusão. Agora, pelo menos, que eles terminem,
e não vamos perseguir a desonra intencionalmente depois de sofrê-la com
tanto rigor involuntariamente.
— Ou não! — exclamou Delvile. — Seria melhor rejeitá-los para sempre!
Esses conflitos devem de fato terminar, mas não por uma separação ainda
mais amarga do que todos eles.
Ele então disse a ela que sua mãe, muito ofendida ao observar pela
extrema frieza desta carta o rancor que ele ainda nutria pela luta que precedeu
sua partida, já não recusava nem mesmo seu consentimento individual de
uma medida que ela acreditava que seu filho estava absolutamente
empenhado em tomar.
— Santo Deus! — exclamou Cecilia, muito surpresa. — Mrs. Delvile fez
mesmo isso? Um consentimento independente?
— Ela sempre manteve — respondeu ele — uma mente independente,
sempre julgando por si mesma e recusando qualquer outra arbitragem.
Quando ela tão impetuosamente nos separou, a vontade de meu pai passou a
ser dela, e daí sua concordância; meu pai, de um temperamento imóvel e
severo, retém obstinadamente os preconceitos que uma vez se apossaram
dele; minha mãe, tão generosa quanto impetuosa, tão nobre quanto orgulhosa,
está mais aberta à convicção, uma vez convencida, e menos ingênua em
reconhecê-la. Daí sua discórdia. De meu pai posso esperar o perdão, mas
nunca devo esperar concessão; de minha mãe, posso esperar tudo o que ela
deveria conceder, como o perdão, mas não sua veemência, e ela tem todas as
grandes qualidades que podem dignificar a natureza humana!
Cecilia, cujo afeto e reverência por Mrs. Delvile eram sinceros e que
amava em seu filho esse entusiasmo filial, prontamente concordou com ele
em elogios, e sinceramente a considerou a primeira entre as mulheres.
— Agora, então — disse ele, com seriedade —, agora é o momento de
colocar a prova a sua generosa admiração por ela; veja o que ela escreveu...
ela me explicou tudo, mas eu insisti em alguma credencial, para que a
senhorita não pense que eu só devo sua concordância a um sonho feliz.
Cecilia, muito apreensiva, pegou a carta e leu apressadamente.

“Miss Beverley.
O sofrimento, minha doce jovem amiga, há muito habita em todos nós.
Muito devemos à surpresa de interesses diversos, muito àquela rapacidade
que para desfrutar de qualquer coisa exige tudo, e muito àquela
perversidade generalizada que trabalha para colocar felicidade naquilo que
é retido. Que vocês possam, meu amor e o amor do meu filho, tirar proveito
da experiência, enquanto se compadecem dos erros de tantos que ilustram
esta verdade. A sua parcialidade mútua foi mutuamente infeliz, e deve
continuar assim para o interesse de ambos. Porém, quão cega é a espera em
nossos próprios destinos, por aquela perfeição de desfrute que todos vemos
faltar no destino dos outros! Minhas expectativas para meu filho tinham
“superado a modéstia” da probabilidade. Eu busquei classe e nascimento
elevado com a fortuna de Cecilia, e o raro caráter de Cecilia. Que tristeza!
Uma nova constelação nos céus poderia ser procurada com a mesma
racionalidade! Entretanto, minha extravagância tem sido toda para a sua
felicidade, mais cara para mim do que a vida, mais querida para mim do que
todas as coisas, exceto a sua própria honra! Vamos mantê-la e então deixar
que a riqueza, a ambição, o interesse, a grandeza e o orgulho, já que não
podem constituir sua felicidade, sejam removidos da sua destruição. Não vou
mais bancar a repressora que, depois de pesar o bem e o mal por meus
próprios sentimentos e opiniões, insiste em agir de acordo com as ideias que
formei, qualquer que seja a tristeza que elas possam lhe trazer ao se opor às
suas. Deixo o reino com poucos motivos para esperar retornar. Eu o deixo –
oh, quão cega é a vaidade e a paixão! – do efeito daquela violência com a
qual tão recentemente me opus ao que agora me contento em promover.
Porém, a extraordinária resignação à qual a senhorita se submeteu mostra
que seu coração pertence completamente ao meu filho e que é mais do que
digna da posse do dele, que lhe concede uma honra mais luminosa e mais
atraente do que qualquer outra aliança mais ilustre poderia agora conferir.
Eu gostaria de vê-la antes de ir, por medo de não vê-la mais; para ratificar
verbalmente o consentimento que verbalmente eu tão terminantemente
recusei! Não sei como poderia ir para Suffolk; não é possível que a senhorita
venha para Londres? Fui informada de que deixaria comigo o arbítrio de seu
destino; antes de entregá-lo a meu filho, é melhor que eu demonstre meu
critério para tal honra. Apresse-se então, meu amor, para a cidade, para que
eu possa vê-la mais uma vez! Não espere mais uma concorrência assim
injustamente retida, mas apresse-se, para que eu possa abençoar a filha que
tantas vezes desejei ter! Para que eu possa suplicar seu perdão por toda a
dor que lhe causei e, comprometendo-me com a futura felicidade de meu
filho, tome em meu coração materno os dois objetos mais caros para ele.
AUGUSTA DELVILE”.

Cecilia chorou sobre a carta com ternura, pesar e inquietação, mas


declarou que, mesmo se tivesse sido convocada a segui-la no exterior, ela não
poderia, depois de lê-la, ter hesitado em obedecer.
— Oh, agora, então — exclamou Delvile —, que nossos longos suspenses
tenham fim! Ouça com sinceridade o que tenho a dizer. Minha mãe já me
ouviu: seja minha, minha Cecilia, imediatamente, e não me obrigue, por
escrúpulos eternos, a arriscar outra separação.
— Meu Deus, senhor! — exclamou Cecilia, assustada. — No estado em
que Mrs. Delvile acredita estar, o senhor poderia atrasar sua viagem?
— Não, nem um minuto! Eu apenas pretendia assegurar que a senhorita é
minha, e então iria com ela para todos os cantos do mundo!
— Indomado e impossível! E o que faremos com Mr. Delvile?
— É por causa dele que estou tão apressado. Se não evitar mediante um
casamento imediato que ele continue interferindo, tudo o que já sofri poderá
se repetir, e uma nova disputa com minha mãe poderá ocasionar outra
recaída.
Cecilia, que agora o compreendia, protestou veementemente que não daria
ouvidos a nenhum expediente clandestino.
Ele implorou que ela fosse paciente, e então lhe explicou ansiosamente
suas situações peculiares. Todas as solicitações ao pai, ele havia sido
peremptoriamente proibido de fazer, todos os esforços para remover seus
preconceitos e seu mistério impenetrável haviam sido impedidos. Portanto,
um casamento público com tais obstáculos o levaria à loucura pelo desafio
ousado à sua proibição e autoridade.
— Não! — exclamou Cecilia. — Nunca poderemos fazer o correto a
menos que nos separemos!
— Não diga isso — exclamou ele —, eu imploro! Ainda viveremos,
espero, para provar o contrário.
— Então, o senhor poderia — perguntou ela, em reprovação —, oh, Mr.
Delvile! O senhor poderia me encorajar novamente a entrar em sua família
em segredo?
— Na verdade, eu lamento — respondeu ele — que sua bondade seja tão
severamente provada; no entanto, não foi a senhorita mesma quem
condescendeu com a ideia de entregar a arbitragem do caso à minha mãe?
— É verdade; e pensei que sua aprovação garantiria minha paz de espírito;
mas como eu poderia esperar o consentimento de Mrs. Delvile em um plano
desses?
— Ela meramente o concedeu com a certeza de que não há outro recurso.
Portanto, acredite em mim; toda a minha esperança está na sua submissão
atual. Por sua carta, estou certo de que meu pai agora não ouvirá nenhuma
petição nem defesa; pelo contrário, ele apenas se enfurecerá com a
temeridade de se oferecer para refutá-la. Mas, quando ele souber que se
tornou sua filha, sua honra então se preocupará com a sua, e será tanto o
desejo dele de tê-la esclarecida quanto agora será de tê-la censurada.
— Espere pelo menos o seu retorno e vamos tentar o que pode ser feito
com ele.
— Oh, por que — disse Delvile, com muita seriedade — devo permanecer
mês após mês nesta incerteza miserável! Se eu esperar, estou perdido! Meu
pai, que de acordo com suas ordens devo inevitavelmente deixar, descobrirá
os preparativos feitos sem o seu consentimento e trabalhará sobre a senhorita
na minha ausência e a obrigará a desistir.
— Tem certeza — disse ela, meio sorrindo — que ele teria tanto poder?
— Tenho certeza de que, em seu atual estado de irritação, a menor
insinuação sobre as minhas intenções o faria perder os escrúpulos, e em sua
fúria rogar alguma maldição sobre minha desobediência que nenhum de nós,
devo admitir, poderia ignorar com tranquilidade.
Este era um argumento que Cecilia podia compreender, cuja deliberação a
respeito, embora silenciosa, evidentemente não era desfavorável.
Ele então disse que, com relação aos acordos, ele imediatamente teria uma
fiança elaborada, semelhante àquela preparada para sua pretendida união
anterior, que deveria ser devidamente assinada e selada, e pela qual ele se
comprometeria a fazer, ao chegar às suas mãos, o mesmo acordo com ela que
foi feito com sua mãe.
— E como, no lugar de manter três casas — continuou ele —, como meu
pai faz atualmente, pretendo viver com simplicidade no exterior ou no
campo, eu não duvido que em poucos anos estejamos tão ricos e tão
tranquilos quanto desejarmos.
Ele também falou sobre as suas expectativas bem fundamentadas e das
relações já mencionadas, que a concordância de sua mãe com seu casamento
seria, portanto, garantida a ele.
Então, com mais coerência, ele expôs seu plano em geral. Ele propôs, sem
perder um momento, retornar a Londres; suplicou, em nome de sua mãe, que
ela partisse cedo no dia seguinte, para que a tarde seguinte pudesse ser
inteiramente dedicada à Mrs. Delvile. Por seu intermédio ele poderia então
esperar a conformidade de Cecilia, e tudo na manhã seguinte deveria estar
preparado para a sua união. Terminada a tão desejada cerimônia, ele iria
imediatamente até seu pai e lhe prestaria, pelo menos, o respeito de ser o
primeiro a saber. Ele então acompanharia sua mãe ao continente e deixaria o
arranjo de tudo para seu regresso.
— Ainda assim — continuou ele —, eu farei a jornada como um homem
solteiro, e terei cuidado, quando voltar, de ter tudo pronto para reivindicar
minha doce noiva. Diga-me, então, se é capaz de se opor a um plano tão
razoável?
— Na verdade — disse Cecilia, após alguma hesitação —, não consigo ver
a necessidade de uma precipitação tão violenta.
— Não me tente demais — exclamou Delvile, impaciente — falando
agora de precipitações! Depois de uma espera tão dolorosa, uma expectativa
tão cansativa! Peço-lhe que não crie confusão com os seus próprios negócios
ao me acompanhar ao exterior. Por mais doce que seja para mim a sua
indulgência, eu não gostaria de dar ao resto do mundo a falsa ideia de que
estou fugindo da senhorita. Tudo o que desejo é ter a certeza secreta de que
ninguém vai roubá-la de mim, que nenhuma maquinação cruel poderá operar
novamente buscando nossa separação, que a senhorita me pertence,
inalteravelmente, além do poder do capricho ou da má sorte.
Cecilia não respondeu; torturada pela indecisão, ela não sabia o que
decidir.
— Podemos então, segundo o favorecimento ou desagrado de meu pai, nos
estabelecer completamente no exterior por enquanto, ou visitá-lo
ocasionalmente na Inglaterra; minha mãe seria sempre e abertamente nossa
amiga. Oh, seja firme, então, eu imploro, na promessa que fez a ela, e digne-
se a ser minha nas condições que ela prescreveu. Vocês estarão ligadas para
sempre por uma concessão tão generosa, e até sua saúde pode ser restaurada
pela cessação de suas ansiedades. Com tal esposa, tal mãe, o que faltará para
mim! Se reclamasse por não ser mais rico, eu seria um ganancioso! Diga,
então, minha Cecilia! Alivie esta agonia e incerteza eterna, diga que sua
palavra é tão invariável quanto sua honra e diga que minha mãe não está
dando sua aprovação em vão!
Cecilia suspirou profundamente, mas, após alguma hesitação, disse: — Eu
mal sabia o que havia prometido, nem sei agora o que fazer! Deve haver,
creio eu, algum obstáculo para a felicidade humana! No entanto, uma vez
que, nesses termos, a própria Mrs. Delvile está contente em desejar que eu
faça parte da família...
Ela se deteve, mas, instada com veemência por Delvile, acrescentou: —
Creio que não devo retirar os poderes que lhe conferi.
CAPÍTULO 92

UMA MISSÃO

Cecilia não tinha tempo para reflexões tardias ou arrependimento ansioso,


pois, apesar da pressa de seu espírito e da confusão de sua mente, ela tinha
muitos negócios reais, para ceder à indulgência pensativa.
Avessa a toda falsidade, ela não criou nenhuma nesta ocasião; limitou-se a
dizer às suas convidadas que havia sido chamada a Londres para um assunto
importante, e embora pudesse ver sua curiosidade, como não possuía a
liberdade de satisfazê-las com a verdade, tentou não as apaziguar com ficção,
mas as deixou tranquilamente com a costumeira conjectura. Ela teria
alegremente feito de Henrietta a companheira de sua viagem, mas Henrietta
era a última pessoa a quem a viagem poderia proporcionar algum prazer.
Portanto, com apenas sua criada na carruagem e acompanhada por um criado
a cavalo, às seis horas da manhã seguinte ela deixou sua mansão para firmar
um noivado pelo qual logo a abandonaria para sempre.
Por mais desinteressada que estivesse, ela considerava sua situação
peculiarmente perversa, já que, desde o momento em que teve acesso a uma
fortuna que a maioria das pessoas considerava invejável, ela havia sido uma
estranha à paz, uma buscadora infrutífera da felicidade, uma ingênua para os
fraudulentos e uma presa para os necessitados! O pouco conforto que havia
recebido fora apenas por tê-la dispensado, e, agora, ela não apenas tinha
alguma chance de ser ela mesma feliz, como estava a ponto de renunciar ao
que todos os outros construíram para obter sua felicidade.
Tais reflexões apenas deram lugar a outras ainda mais desagradáveis; pela
segunda vez ela estava envolvida em uma transação a qual não podia aprovar,
e comprometia toda a paz de sua vida futura para depender de uma ação
obscura, privada e imprudente; uma ação pela qual a generosa bondade de
seu falecido tio seria anulada, pela qual o pai de seu futuro marido seria
desobedecido, e que um caso semelhante já a havia levado à aflição e
desgraça. Estes pensamentos melancólicos a perseguiram durante toda a
viagem, e, embora a certeza da aprovação de Mrs. Delvile fosse um alívio
para sua agitação, ela involuntariamente se preparava para enfrentar novas
mortificações e era atormentada pelo temor de que esta segunda tentativa a
fizesse merecê-las.
Seguindo as instruções de Delvile, ela foi imediatamente para uma
hospedaria na Albemarle Street, a qual ele havia se encarregado de preparar
para sua recepção. Ela então pediu uma cadeira e dirigiu-se à residência de
Mrs. Delvile. O fato de ser vista pelos criados daquela casa não era muito
importante, pois seu amo logo conheceria o verdadeiro motivo de sua
viagem. Ela foi levada a uma sala de estar enquanto Mrs. Delvile era
informada de sua chegada e foi recebida por Delvile com a mais grata
ansiedade. Mesmo assim, ela viu em seu semblante que nem tudo estava bem
e ouviu, após indagação, que sua mãe estava consideravelmente pior.
Extremamente abalada pela informação, ela já começava a lamentar sua
infeliz empreitada. Delvile lutou, exercendo seu próprio ânimo para restaurar
o dela, mas a alegria forçada nunca é estimulante, e, cheio de preocupação e
ansiedade, ele mal conseguia parecer alegre e tranquilo.
Eles prontamente foram chamados para os aposentos de Mrs. Delvile, que
estava deitada em uma chaise longue, pálida, fraca e muito alterada. Delvile
abriu o caminho, dizendo: — Aqui, madame, está aquela cuja visão lhe trará
paz e satisfação!
— Esta, na verdade — exclamou Mrs. Delvile, enquanto se levantava e a
abraçava —, é a maneira pela qual elas são mais bem-vindas! Virtuosa, nobre
Cecilia! Que honra está prestando ao meu filho! Com que alegria, se algum
dia eu me recuperar, devo ajudá-lo a pagar a gratidão que lhe é devida!
Cecilia, aflita pela sua situação e afetada por sua bondade, só pôde
responder com lágrimas, as quais, no entanto, não foram derramadas
sozinhas, pois os olhos de Delvile estavam cheios quando ele exclamou
apaixonadamente: — Esta, esta é a visão que meu coração há tanto tempo
deseja! A esposa de minha escolha levada ao seio da progenitora que tanto
venero! Fique bem, minha amada mãe, e eu serei grato pela calamidade que
me levou a uma conclusão tão agradável!
— Contente-se, meu filho, com uma de nós — disse Mrs. Delvile,
sorrindo. — Contente-se, se puder, ainda que seu penoso destino deva
converter também o desta criatura em plena floração, saúde e juventude! Ah,
meu amor — acrescentou ela, mais séria e se dirigindo a Cecilia, que ainda
chorava —, se agora Mortimer, ao me perder, perder aqueles cuidados pelos
quais, por alguns meses passados, minha vida passou a ser apenas suportável,
com que paz de espírito eu o renuncio em favor de uma pessoa tão capaz de
recompensar sua paciência filial e seus serviços!
Não foi um discurso para conter as lágrimas de Cecilia, embora tanta
cordialidade de aprovação tivesse o poder de acalmar seus escrúpulos de
consciência. Delvile agora interferia com seriedade; ele disse a ela que sua
mãe havia recebido ordens de não falar nem se esforçar, e lhe implorou que
ela se mantivesse tranquila e que sua mãe guardasse o silêncio.
— Que seja de sua responsabilidade, então — disse Mrs. Delvile, mais
alegremente —, nos oferecer entretenimento. Prometemos ficar quietas se
você assumir esta tarefa.
— Não serei — respondeu ele — desviado de meu propósito; se não puder
entretê-las, decerto ficarão cansadas e isso pode levá-las a descansar, o que
corresponderá a um propósito ainda melhor.
— Mortimer — respondeu ela —, é esta a engenhosidade do dever ou do
amor? E em que está pensando agora, em minha saúde ou em uma conversa
ininterrupta com Miss Beverley?
— Talvez um pouco das duas coisas! — disse ele, animadamente, embora
ruborizado.
— Isso não é o que você queria dizer — disse Mrs. Delvile. — Você
estava pensando apenas em mim? Sempre observei que, quando um esquema
responde a dois propósitos, o ostensivo nunca é o propósito mais importante.
— Ora, é apenas prudência — respondeu Delvile — preparar o caminho
antes de mencionar o que mais desejamos, e, assim, arriscar a recusa de algo
bem menos importante.
— Admiravelmente estabelecido! — exclamou Mrs. Delvile. — Então
meu descanso serve apenas para demonstrar a perturbação de Miss Beverley!
Bem, você está apenas antecipando nosso futuro modo de vida, quando sua
perturbação, ao assumir o controle da sua vida, certamente provará meu
descanso.
Ela então repousou em silêncio, e Delvile passou a conversar com Cecilia
sobre seus planos, esperanças e ações futuras. Ele tinha a intenção de partir
da porta da igreja para o Castelo Delvile para informar seu pai sobre o
casamento e então retornar imediatamente para Londres. Lá ele implorou a
Cecilia que ficasse com sua mãe, para que, ao encontrar as duas juntas, ele
não precisasse exaurir sua paciência fazendo com que a ocasião de sua visita
de despedida fosse outra viagem a Suffolk. Neste momento Cecilia se opôs
resolutamente, dizendo que sua única oportunidade de escapar da descoberta
seria ir imediatamente para sua própria casa e explicando com sinceridade o
seu desejo de que o casamento fosse desconhecido dos demais até seu retorno
à Inglaterra, com mil motivos de delicadeza, decoro e temor, pois o
compromisso que havia assumido, e que via se tornar cada vez mais
relutante, o restringia, tanto por gratidão quanto por compaixão, de persegui-
la ainda mais. Nem ela consentiria em vê-lo em Suffolk, o que poderia apenas
atrasar a viagem de sua mãe e expô-la a suspeitas desnecessárias. No entanto,
ela prometeu escrever para ele com frequência, e como, devido à fraqueza de
sua mãe, ele deveria viajar muito devagar, ela fez um plano de sua rota e
prometeu que ele encontraria uma carta sua em cada grande cidade.
A fiança anterior já havia sido alterada e ele insistiu em deixá-la sob sua
própria custódia, avesso a apelar a Mr. Monckton, cujo comportamento para
com ele antes o havia aborrecido, e em quem a própria Cecilia não desejava
mais confiar. Ele havia solicitado novamente ao mesmo advogado, Mr.
Singleton, para levá-la ao altar, pois embora não tivesse vínculo para guardar
segredo, tinha menos ainda com qualquer estranho. Mrs. Delvile estava muito
enferma para acompanhá-los à igreja, e nem Delvile teria desejado da sua
parte um desafio tão absoluto ao seu pai.
Cecilia deu um novo suspiro por sua falecida amiga, Mrs. Charlton, cuja
presença nesta ocasião terrível a teria acalmado e apoiado novamente. Ela
não tinha nenhuma amiga em quem pudesse confiar, mas sentindo uma
repugnância invencível por estar acompanhada apenas por homens, ela
aceitou a presença da própria criada de Mrs. Delvile, que estava há muitos
anos na família, era muito apreciada e contava com a total confiança de sua
dama.
A disposição destes e de outros assuntos, com ocasionais interrupções de
Mrs. Delvile, ocupou a tarde toda. Delvile não voltaria a confiar em encontrá-
la na igreja, mas implorou que ela tirasse seus criados da casa entre sete e oito
horas da manhã, quando ele mesmo a buscaria com uma cadeira.
Ela foi embora cedo, para que Mrs. Delvile pudesse descansar, e ficou
combinado que elas não deveriam se arriscar a se encontrar no dia seguinte.
Delvile conjurou que elas se separassem com firmeza e alegria, mas Cecilia,
temendo sua própria emoção, preferia se retirar sem se despedir. Mrs.
Delvile, porém, a chamou e disse: — Leve minha bênção com você! — ela a
abraçou ternamente e acrescentou: — Meu filho, como meu enfermeiro-
chefe, reivindica o direito prescritivo de me governar, mas vou romper seu
controle para dizer à minha doce Cecilia que tranquilidade e que deleite ela já
trouxe à minha mente! Minha maior esperança de recuperação se baseia no
prazer que antecipo em testemunhar sua felicidade mútua; porém, se minha
doença for fatal e essa felicidade me for negada, meu maior cuidado terreno
já foi removido pela segurança que sinto da paz futura de Mortimer. Leve
com você, então, minha bênção, pois você se tornou uma filha para mim! Há
tanto tempo filha do meu afeto, agora esposa do meu querido filho! Ame-a,
Mortimer, como ela merece, e cuide dela com a mais terna gratidão! Elimine,
doce Cecilia, toda apreensão que oprime seu coração e receba em Mortimer
Delvile um marido que reverenciará suas virtudes e dignificará sua escolha!
Ela então a abraçou novamente e, ao notar que seu coração estava cheio
demais para falar, permitiu que ela partisse sem dar qualquer resposta.
Delvile a acompanhou até sua cadeirinha, apenas um pouco menos comovido
do que ela, e só encontrou oportunidade de implorar sua pontualidade na
manhã seguinte.
Na verdade, ela não tinha nenhuma intenção de deixar de comparecer ao
seu compromisso, nem de correr o risco de repetir cenas tão comoventes, ou
situações tão alarmantes. A aprovação total de Mrs. Delvile, de alguma
forma, restaurava a sua, mas nada poderia remover a ansiedade temerosa que
ainda a atormentava com a expectativa de outra decepção.
Na manhã seguinte, ela se levantou com a luz do sol, convocou toda a sua
coragem em seu auxílio, determinada a considerar este dia como decisivo
para o seu destino em relação a Delvile, e regozijou-se de que pelo menos
todo o suspense teria acabado para manter a firmeza, qualquer que fosse o
seu destino. Na hora marcada, ela enviou sua criada para visitar Mrs. Hill e
entregou alguns recados ao seu criado que o levariam para uma parte distante
da cidade. Porém, ela pediu a ambos que estivessem de volta às nove, horário
em que ela já havia encomendado uma carruagem para retornar ao campo.
Delvile, que esperava com impaciência que eles deixassem a casa, apenas
esperou até que estivessem fora de vista para se apresentar na porta. Ele foi
levado a uma sala de visitas, onde ela o atendeu imediatamente; ao ser
informada de que o clérigo, Mr. Singleton e a criada de Mrs. Delvile já
estavam na igreja, ela lhe deu a mão em silêncio e ele a conduziu até a
cadeira. A calma da esperança sufocada produzia em Cecilia rápidas
sensações e alarme. Ocupada com a firme convicção de que nunca deveria ser
a esposa de Delvile, ela apenas esperava, com uma espécie de desesperada
paciência, para ver quando e por quem ela seria separada dele.
Quando eles chegaram perto da igreja, Delvile parou a cadeira. Ele ajudou
Cecilia a descer, dispensou os carregadores e a conduziu à igreja. Ele mesmo
se surpreendeu com sua compostura, porém, desejando sinceramente que a
mesma durasse, tomou o cuidado de não lhe dizer uma palavra que tornasse
necessária qualquer resposta.
Ele a entregou, como antes, a Mr. Singleton, orando secretamente para
que, como antes, ela não fosse entregue a ele em vão; a criada de Mrs.
Delvile a atendeu, o clérigo estava pronto e todos eles se dirigiram ao altar.
A cerimônia foi iniciada; Cecilia, mais mecanicamente do que
conscientemente, parecia prestar atenção a tudo, mas, quando chegaram às
palavras: se alguém tiver alguma coisa contra este casamento, que diga
agora ou cale-se para sempre, o próprio Delvile estremeceu de terror, com
receio de que alguma pessoa oculta novamente respondesse, e Cecilia, com
uma espécie de consternação constante em seu semblante, correu os olhos
pela igreja sem outro objetivo senão o de ver de que canto viria a proibição.
No entanto, tal preocupação parecia sem propósito; não ouve proibição, a
cerimônia foi realizada sem qualquer interrupção e ela recebeu os
agradecimentos de Delvile e as felicitações do pequeno grupo antes mesmo
que a ideia que tão fortemente havia ocupado sua imaginação fosse
suficientemente afastada para satisfazê-la de que estava realmente casada.
Eles então foram para a sacristia, onde seus negócios não demoraram
muito; Delvile instalou Cecilia novamente em uma cadeira, a qual ele mais
uma vez acompanhou a pé.
Seu bom senso logo retornou, embora ainda fosse acompanhado de
estranheza e uma sensação de incredulidade. Mas a visão de Delvile em seu
alojamento, contrariando seu plano, recuperou completamente seus sentidos
do estupor que os mantinha entorpecidos. Ele a acompanhou apenas para
reconhecer o quanto ela o havia feito feliz, para conferir por si mesmo que ela
havia restaurado a disposição natural de sua personalidade e para lhe fazer
um milhão de exigências, resultantes de ansiedade e do carinho. E então,
temendo o retorno de seus criados, ele a deixou e partiu para o Castelo
Delvile.
A perplexidade de Cecilia ainda era invencível. Estava realmente casada
com Mortimer Delvile? Ser sua com o pleno consentimento de sua mãe, tê-lo
como seu, além do poder de seu pai, ela não podia conciliar com a
possibilidade; ela imaginou que tudo não passava de um sonho, mas um
sonho do qual não desejava despertar.
LIVRO X
CAPÍTULO 93

UMA DESCOBERTA

A viagem de Cecilia de volta ao campo foi tão segura e livre de


interrupções quanto sua viagem à cidade, e tudo o que as distinguia era o que
se passava em sua própria mente. As dúvidas, as apreensões e o suspense
desanimador que a haviam acompanhado desde sua partida haviam sido
removidos, e a certeza, a facilidade, a expectativa de felicidade e a cessação
de toda perplexidade haviam tomado seu lugar. Ela não tinha mais nada a
temer a não ser a inflexibilidade de Mr. Delvile, e quase nada a esperar,
exceto a recuperação de sua senhora.
Suas amigas, quando ela retornou, expressaram sua surpresa com sua
expedição, mas para a surpresa sobre o que a ocasionou, embora fosse ainda
maior, não encontraram nenhuma satisfação. Henrietta se alegrou ao vê-la,
embora sua ausência tivesse sido tão curta; e Cecilia, cujo afeto por sua
piedade só aumentava, anunciou o acontecimento para o qual desejava que
ela se preparasse e, com muita franqueza, reconheceu que tinha motivos para
esperar que ocorresse em breve.
Henrietta se esforçou com compostura para receber esta informação e
retribuir aquele sinal de confiança com alegres felicitações, mas sua fortaleza
não estava à altura de um esforço tão heroico, e sua personalidade era muito
simples para assumir uma grandeza que ela não sentia; ela suspirou, mudou
de cor e saiu apressadamente da sala para poder soluçar em voz alta na sala
ao lado. Afetuosa, terna e suscetível, seus afetos eram todos difíceis de
dissimular; impressionada com a elegância de Delvile e encantada por seus
serviços a seu irmão, a princípio ela havia perdido seu coração para ele sem
se dar conta. A desesperança de tal paixão ela nunca considerou, tampouco se
perguntou qual seria o seu fim, e mal suspeitou de seu objetivo; era agradável
na época, e ela não olhava para o futuro, mas o alimentava com planos
visionários e o acalmava com fantasias voluntárias. Agora que sabia que tudo
estava terminado, ela compreendia a loucura que havia cometido, pois,
embora sensata e sinceramente enfurecida com seu próprio erro, sua
convicção não lhe oferecia mais nada além de tristeza para sucedê-lo.
A felicidade de Cecilia, a quem amava, admirava e reverenciava, desejava
com o ardor genuíno de zelosa sinceridade, mas que Delvile, a própria causa
e único objeto de sua própria infelicidade pessoal, constituísse ele mesmo
essa felicidade, era demais para seu estado de espírito e parecia para sua
mente mortificada um destino muito cruel.
Cecilia, que na própria veemência de sua tristeza via sua inocência, era
muito justa e nobre para se sentir ofendida por ela, ou para imputar à cólera
da inveja ou do ciúme o arrependimento ingênuo de uma mente inculta. Para
ser assim tão profundamente penetrada com o merecimento de Delvile, sem
que exigisse nenhuma desculpa, ela lamentava sua situação com uma
pequena mistura de culpa e nenhuma surpresa. Ela redobrou sua bondade e
carinho com a esperança de consolá-la, mas não se aventurou a confiar mais
nela até que a reflexão e seu bom senso natural a capacitassem a dar uma
explicação.
Esse esforço amigável não era mais uma dificuldade para ela; o súbito
afastamento em seus próprios sentimentos e afazeres da angústia e da
expectativa havia trazido tanta luz ao seu coração que ela podia dispensar,
sem reclamar, uma parte de seu ânimo à sua jovem amiga abatida.
Porém, duas manhãs após seu retorno, um incidente chamou de volta, e da
maneira mais desagradável, sua atenção para si mesma. Ela foi informada de
que Mrs. Matt, a pobre mulher que ela havia instalado em Bury, solicitava
uma audiência, e, ao mandá-la subir as escadas, desejosa por saber o que
poderia fazer por ela, a mulher respondeu: — Nada, madame, neste
momento, pois não venho por conta própria, mas para lhe contar algumas
novidades. A madame me pediu para nunca tornar conhecido o casamento
que não aconteceu, e estou certa de que nunca abri minha boca sobre isso
desde aquela época, mas eu descobri quem foi que interrompeu a cerimônia,
então vim para lhe contar.
Cecilia, extremamente surpresa, desejou ansiosamente que ela continuasse.
— Veja, madame, ainda não sei o nome da dama, mas posso lhe dizer
onde ela mora, pois a reconheci assim que a vi na igreja no domingo passado,
e eu a teria seguido até sua casa, mas ela entrou em uma carruagem e eu não
conseguia andar rápido o suficiente para segui-la, mas eu perguntei a um dos
criados onde ela morava e ele disse que é na casa grande de Grove, e talvez,
madame, a senhorita saiba onde fica; e então ele me disse o nome dela, mas
agora não consigo lembrar.
— Meu Deus! — exclamou Cecilia. — Não poderia ser Bennet?
— Sim, senhora, é esse o nome; eu lembrei agora que ouvi.
Cecilia então a dispensou apressadamente, não antes de lhe pedir que não
mencionasse a circunstância a ninguém. Abalada e consternada, ela via agora,
e via com horror, a extinção de todas as suas dúvidas e a explicação para
todas as suas dificuldades na descoberta plena e irrefutável da infidelidade de
seu mais antigo amigo e confidente. A própria Miss Bennet ela considerava
como uma mera ferramenta que, embora na realidade tivesse feito o trabalho,
era inocente da sua maldade, porque, impotente, estava nas mãos de seu
patrão.
— Mr. Monckton, a quem conheço há tanto tempo, que de boa vontade
tem sido meu conselheiro, tão habilmente meu instrutor! Em cuja integridade
eu confiei, em cuja amizade eu confiei! Meu socorro em todas as
emergências, meu guia em todas as perplexidades! Mr. Monckton, portanto,
de maneira tão desonrosa e tão bárbara me traiu! Voltou contra mim a mesma
confiança que eu depositava em seu respeito por mim! E fez uso da minha
própria confiança para lhe proporcionar os meios para me prejudicar!
Ela estava agora totalmente segura de que ele tinha sido o responsável por
prejudicá-la aos olhos de Mr. Delvile; ela não poderia ter dois inimigos tão
malignos sem provocação, e ele, que tão insensivelmente poderia dissolver
uma união no próprio altar, poderia sozinho ter a baixeza de caluniá-la tão
cruelmente.
Os maus pensamentos assim despertados não podem ser detidos apenas
pelos fatos; a conjectura os levou mais longe, e a conjectura foi construída
com base na probabilidade. A formalidade de Mr. Morrice em persegui-la até
Londres, suas visitas enquanto estava lá, sua constante vigilância de Delvile,
ela concluiu razoavelmente que eram ações dirigidas por Mr. Monckton, cuja
casa ele acabara de deixar, e cujas ordens, quaisquer que fossem, ela tinha
quase certeza de que ele obedeceria. Aproveitando-se, portanto, da ousadia e
da flexibilidade que havia encontrado naquele jovem, ela não duvidava que
suas informações haviam contribuído para informá-lo de seus procedimentos.
O motivo de tamanha traição, concentrada e acumulada, ainda deveria ser
encontrado, mas sua busca não foi longa; apenas um motivo poderia tê-lo
tentado a projetos tão arriscados e dispendiosos e, por mais inocente que
fosse, ela agora podia enxergar todo o seu plano.
Há muito acostumada a considerá-lo um velho amigo, confiável e
desinteressado, o mesmo respeito com o qual, desde criança, ela o admirava,
ela havia conservado de forma insensível quando se tornou mulher. Esse
respeito a havia ensinado a considerar seus avisos como um privilégio, e
longe de rejeitá-los suspeitosamente, ela inocentemente os havia cortejado, e
sua disposição para aconselhá-la e instruí-la e seu comportamento franco e
amigável mantiveram sua influência intacta, evitando que o propósito secreto
fosse detectado.
Porém, agora todo o mistério havia sido revelado; sua aversão aos
Delviles, a quem até então ela atribuía tudo o que desaprovava em seu
comportamento, ela estava convencida de que era insuficiente para estimulá-
lo a tal extremo. A aversão em si era explicada por esta suposição tardia, a
qual, uma vez revelada, milhares de circunstâncias confirmaram. A primeira
entre elas era a evidente má vontade de lady Margaret, que, embora ela
tivesse constantemente imputado à irascibilidade geral pela qual seu caráter
era notório, ela frequentemente se perguntava se sempre seriam
impenetráveis todos os seus esforços para agradá-la ou abrandá-la. O cuidado
dele com a fortuna dela, suas exortações contra suas despesas, seu desejo de
fazê-la viver com Mr. Briggs, tudo contribuía para identificar o egoísmo de
suas atenções, que, se em um caso parecia mais visível, nos demais se
tornava óbvio. No entanto, para sua desgraça, por mais diversos que fossem
os incidentes que agora se derramavam sobre sua memória, nenhum deles
tinha sua origem em seu comportamento, que sempre havia sido
escrupulosamente circunspecto, ou se por um momento desprotegido, apenas
em uma época na qual a sua própria angústia ou confusão a impediram de
perceber. Esta lembrança quase desnorteou suas suspeitas; no entanto, parecia
tão absoluta a confirmação que recebia de todas as outras, que sua dúvida foi
superada e logo totalmente extinta. Ela ainda estava remoendo o assunto
quando foi informada de que Mr. Monckton estava na sala de estar. Uma
mistura de desgosto e indignação a fez estremecer ao ouvir o seu nome, e,
sem esperar um momento, ela lhe enviou uma mensagem dizendo que estava
ocupada e que não poderia sair do quarto.
Surpreendido pela dispensa, ele deixou a casa na maior confusão. Mas
Cecilia não suportaria vê-lo depois de descobrir tanta hipocrisia e maldade.
No entanto, ela considerou que o assunto não estava encerrado; ele exigiria
uma explicação e talvez, por seu discurso sem paralelo, novamente tentaria
parecer inocente, apesar das aparências estarem agora muito contra ele.
Assim, à espera de algum artifício e determinada a não se deixar enganar, ela
mandou novamente buscar a sacristã, a fim de fazer uma investigação mais
rigorosa. A mulher estava trabalhando na casa de uma família e não poderia
vir antes do entardecer. Porém, quando questionada, a descrição que ela deu
de Miss Bennet foi muito exata para ser contestada. Ela então lhe pediu que
voltasse na manhã seguinte e enviou um criado a Grove com seus
cumprimentos à Miss Bennet e um pedido para que pudesse enviar sua
carruagem para ela no dia seguinte, a qualquer hora que ela quisesse, já que
desejava muito lhe falar.
Esta mensagem, ela sabia, poderia criar alguma suspeita e colocá-la em
guarda, mas ela pensou, não obstante, que um encontro repentino com a
sacristã, a quem pretendia confrontar abruptamente com ela, frustraria a
segurança de qualquer esquema previamente estabelecido. A uma convicção
como essa, até mesmo Mr. Monckton deveria se submeter, e como ele não
era mais seu amigo, ela poderia, pelo menos, evitar a dor de manter sua
amizade.
CAPÍTULO 94

UMA CONVERSA

O criado não retornou até o anoitecer, e então, com um olhar de grande


consternação, disse que não tinha conseguido encontrar ninguém que pudesse
dar ou receber uma mensagem, que Grove estava em confusão e toda a região
em alvoroço, pois Mr. Monckton, assim que ele chegou, fora trazido morto
para casa!
Cecilia soltou um grito de horror involuntário; uma pontada de remorso
apoderou-se de sua mente com a apreensão de que ela tinha alguma parte
nesta calamidade, e por mais ignorante que fosse de sua culpa ou de seus
crimes, assim que soube que ele estava morto, ela se esqueceu de que ele a
tinha ofendido e se repreendeu severamente pela vergonha a que pretendia
expô-lo na manhã seguinte. Terrivelmente perturbada por este horrível
incidente, ela pediu à Mrs. Harrel e Henrietta que jantassem sozinhas e foi
para o seu próprio quarto, determinada a escrever relatando todo o assunto a
Delvile, em uma carta que ela deveria enviar para ser deixada no correio em
Margate. Neste instante ela sentiu profundamente a felicidade de ser
realmente sua esposa; ela agora podia sem reservas fazer com que ele se
inteirasse de todos os seus assuntos, e contar ao mestre de seu coração todas
as emoções que nele surgissem.
Enquanto estava ocupada nesta tarefa, cuja própria ação a tranquilizava,
um recado do próprio Delvile foi trazido para ela. Ela o recebeu com gratidão
e o abriu com alegria; ele havia prometido escrever em breve, mas ela
pensava ser impossível escrever tão cedo. A leitura não lhe tomou muito
tempo; a carta continha apenas as seguintes palavras:

“Para Miss Beverley.


MINHA CECILIA! Esteja sozinha, eu imploro; dispense todas as pessoas
e me receba neste momento!”

Grande foi seu espanto com essa nota! Nenhuma assinatura, nenhuma
conclusão, os caracteres indistintos, a escrita torta, tão poucas palavras, e
essas poucas escassamente legíveis!
Ele desejava vê-la, e vê-la sozinha; ela não podia hesitar em sua
conformidade, mas quem ela poderia dispensar? Seus criados, se ordenasse
que fossem a algum lugar, ficariam curiosamente vigilantes; ela não
conseguia pensar em nada, era toda pressa e surpresa.
Ela perguntou se alguém esperava por uma resposta. O lacaio disse que
não, que o recado havia sido entregue por alguém que não disse coisa alguma
e que sumiu de vista no momento em que o entregou. Ela não duvidava de
que fosse o próprio Delvile; Delvile, que agora deveria estar retornando do
castelo para encontrar sua mãe, e a quem ela pensava que nem mesmo uma
carta chegaria se fosse dirigida a algum lugar mais próximo do que Margate!
Tudo o que ela poderia imaginar em obediência a ele era esperá-lo sozinha
em seu quarto de vestir, dando ordens para que se alguém a procurasse, ele
fosse imediatamente trazido a ela, já que esperava alguém para tratar assuntos
de negócios e com quem ela não deveria ser interrompida.
Isso foi extremamente desagradável para ela; no entanto, ao contrário do
que haviam concordado, ela não se sentia inclinada a reprovar Delvile; a
rispidez de seu bilhete, o evidente tremor nas mãos com o qual havia sido
escrito, a estranheza do pedido em uma situação como a deles, tudo concorria
para lhe assegurar que ele não iria procurá-la à toa, e tudo a levava a temer
que ele vinha com más notícias. Quais poderiam ser, ela não teve tempo para
conjecturar; poucos minutos depois, um criado abriu a porta e disse: —
Madame, um cavalheiro — e Delvile, entrando abruptamente, fechou ele
mesmo a porta, na ânsia de se livrar do empregado.
Ao vê-lo, seu prognóstico de más notícias se tornou mais forte! Ela
avançou ao seu encontro, e ele avançou sorrindo e apressado, mas seu sorriso
não foi suficiente; ele não escondia um semblante pálido, no qual cada feição
falava de horror; não disfarçava um coração dolorido, que palpitava quase
visivelmente com uma emoção intolerável. No entanto, ele se dirigiu a ela em
termos de ternura e paz, mas sua voz trêmula contrariava suas palavras e dizia
que tudo no seu interior era tumulto e guerra!
Cecilia, espantada, assustada, não tinha forças para apressar uma
explicação a qual, da sua parte, parecia incapaz ou temerosa de começar. Ele
lhe falou sobre a sua felicidade em vê-la novamente antes de deixar o reino,
suplicou que ela escrevesse para ele continuamente, repetiu a mesma coisa
duas ou três vezes em um suspiro, começou um assunto, mas parecia
inconsciente, logo mudou para outro e fez inúmeras perguntas sobre sua
saúde, sua viagem, seus negócios e tranquilidade mental, sem ouvir dela
qualquer resposta, e sem parecer perceber que ela não lhe oferecia nenhuma.
Cecilia ficou terrivelmente apavorada; ela estava certa de que algo
estranho e muito alarmante devia ter acontecido, mas o que, ela não tinha
como saber, nem coragem, nem mesmo palavras para perguntar.
Delvile, finalmente, com a ansiedade diminuída, tornou-se mais coerente e
atencioso; ele olhou ansiosamente para ela e disse: — Por que esse silêncio,
minha Cecilia?
— Eu não sei — disse ela, tentando se recuperar —, mas sua vinda foi
inesperada; eu estava escrevendo para você.
— Continue escrevendo, então, mas mande direto para Ostende;58 eu serei
mais rápido do que o correio, e não perderei nenhuma carta, nenhuma linha,
nenhuma palavra sua, por nada nesse mundo!
— Mais rápido que o correio? — perguntou Cecilia. — Mas como pode
Mrs. Delvile... — ela parou, sem saber o que se atreveria a perguntar.
— Ela está agora a caminho de Margate. Espero estar lá para recebê-la. Eu
vim apenas para lhe dar adeus e ir embora.
Cecilia não respondeu; ela estava cada vez mais surpresa, cada vez mais
confusa.
— Você está pensativa — disse ele, com ternura. — Você está infeliz?
Minha doce Cecilia! A mais excelente das criaturas humanas! Se eu te deixei
infeliz, e é provável que o tenha feito, foi inevitável!
— Oh, Delvile! — exclamou ela, agora assumindo mais coragem. — Por
que você não fala comigo abertamente? Alguma coisa, eu vejo, está errada;
por que eu não posso saber? Por que eu não posso, pelo menos, falar sobre
minha preocupação de que alguma coisa o tenha angustiado?
— Você é boa demais! — exclamou ele. — Merecê-la não é possível, mas
angustiá-la é desumano!
— Por que, então — perguntou ela, mais alegremente —, não devo
compartilhar da nossa sorte em comum? Ou devo esperar que o mundo
inteiro seja modelado novamente, para que eu não encontre nele nada além da
felicidade?
— Não há, de fato, muito perigo! Você tem uma pena e um tinteiro aqui?
Ela os trouxe imediatamente, com papel.
— Você estava escrevendo, você disse? Eu mesmo começarei uma carta.
— Para mim? — perguntou ela.
Ele não respondeu, mas pegou a pena e escreveu algumas palavras, e
então, jogando-a no chão, disse: — Tolice! Eu poderia ter feito isso sem
precisar vir aqui.
— Posso ver? — disse ela; e, ao descobrir que ele não fazia objeção,
aproximou-se e leu.
Eu temo alarmá-la com minha precipitação, temo assustá-la com um
suspense prolongado, mas nem tudo vai bem...
— Não tema! — exclamou ela, voltando-se para ele com a mais bondosa
seriedade. — Diga, seja o que for! Não sou sua esposa? Obrigada por cada
laço divino e humano a compartilhar todas as suas tristezas, se, infelizmente,
eu não puder mitigá-las?
— Já que você me permite — disse ele, agradecido — uma reivindicação
tão doce, uma reivindicação à qual todos os demais cederiam, e que, se você
se arrepender de não me atender, tornará tudo o mais insignificante para
mim... eu confesso a você que nem tudo, na verdade, está bem! Tenho sido
precipitado, você vai me culpar; eu mereço, de fato, ser culpado! Confiado
com sua paz e felicidade para enfrentar o ódio, o ressentimento, a violência,
para me fazer renunciar ao que eu devia a tal obrigação! Se a sua culpa,
entretanto, não chega ao arrependimento... mas não é possível...
— O que, então — disse ela, calorosamente —, você deveria ter feito?
Não existe uma ação da qual eu acredite que você seja capaz, não existe um
evento que eu acredite ser possível, que possa me fazer me arrepender
totalmente de pertencer a você!
— Cecilia, generosa e condescendente! — exclamou ele. — Palavras
como estas, se não pairasse sobre mim o mal mais deprimente, seriam quase
mais do que eu poderia suportar... me tornariam muito abençoado para a
mortalidade!
— Mas palavras como estas — disse ela, com mais alegria — eu poderia
ter pavoneado por muito tempo antes de dizer, se você não as tivesse tirado
de mim com este alarme. Tome, portanto, o bem com o mal, e lembre-se de
que, se nem tudo vai bem, você agora tem uma amiga em quem pode confiar,
tão disposta a ser sua companheira tanto nos momentos sérios quanto nas
suas horas mais felizes.
— Mostre com tanta firmeza o que você demonstra com doçura — disse
ele — e não terei medo de lhe contar nada.
Ela reiterou suas garantias. Então, os dois se sentaram e ele começou seu
relato.
— Imediatamente quando saí do seu alojamento, fui para onde havia
pedido uma carruagem e parei apenas para trocar de cavalo até chegar ao
Castelo Delvile. Meu pai me viu com surpresa e me recebeu com frieza.
Minha situação me obrigou a ser abrupto e eu lhe disse que tinha ido até lá,
antes de acompanhar minha mãe ao exterior, para informá-lo de um assunto
que me considerava obrigado por dever e respeito a permitir que ninguém o
comunicasse, além de mim mesmo. Ele então me interrompeu severamente e
declarou em altos termos que, se o assunto dizia respeito a você, ele não daria
ouvidos. Tentei protestar contra esta injustiça, quando ele irrompeu
raivosamente em novas e horríveis acusações contra você, afirmando que as
tinha por autoridade tão indiscutível quanto a demonstração ocular. Eu tive a
certeza, então, de que havia alguma traição...
— Traição, de fato! — exclamou Cecilia, que agora sabia muito bem por
quem ela havia sido ofendida. — Meu Deus, como posso ter sido enganada
por quem eu mais confiei?
— Eu lhe disse — continuou Mortimer — que alguma imposição grosseira
havia sido praticada sobre ele, e seriamente o conjurei a não mais esconder de
mim quem era seu autor. Isso, infelizmente, aumentou sua raiva; a imposição,
disse ele, não havia sido tão facilmente praticada sobre ele, que ele deixava
isso para mim, que tão prontamente havia sido enganado, enquanto ele
mesmo apenas deu crédito a um homem de muita consideração em Suffolk,
que a conhecia desde criança, que lhe garantiu solenemente que se esforçara
repetidamente para recuperá-la, que a havia resgatado das mãos dos judeus
por conta do seu próprio risco e perda, e quem realmente lhe mostrou títulos
reconhecendo dívidas imensas, que foram assinados com suas próprias mãos.
— Que horror! — exclamou Cecilia. — Eu não imaginava que tamanha
culpa e traição fossem possíveis!
— Eu pensei o mesmo — continuou Delvile — enquanto o ouvia; cheguei
até a exigir com ferocidade saber quem era, a quem eu mantinha escrúpulos
de não execrar como merecia; ele respondeu friamente que estava obrigado
por um juramento a nunca revelar, nem deveria retribuir sua honrosa atenção
à família violando sua própria palavra, caso ela estivesse ainda menos
formalmente comprometida. Então eu perdi toda a paciência; mencionar a
honra, disse eu, era uma farsa, quando tais calúnias infames eram ouvidas;
mas não me deixe escandalizá-la desnecessariamente, você pode facilmente
conjecturar o que se passou.
— Você então brigou com o seu pai?
— Sim — disse ele. — Ele ainda nem sabe que estou casado; em meio a
tanta cólera, não havia espaço para narrativas. Eu apenas me comprometi por
tudo que considerava sagrado que nunca descansaria até que tivesse limpado
sua reputação pela detecção desta traição, e então o deixei sem maiores
explicações.
— Oh, volte, então, diretamente para ele! — exclamou Cecilia. — Ele é
seu pai, você é obrigado a suportar o desagrado dele; se você nunca tivesse
me conhecido, isso nunca teria acontecido.
— Acredite em mim — respondeu ele —, não me sinto à vontade com
isso; se assim desejar, depois de me ouvir, irei imediatamente até ele; se não,
escreverei e você mesma ditará as palavras.
Cecilia agradeceu e implorou que ele continuasse seu relato.
— Meu primeiro passo, quando saí do castelo, foi enviar uma carta à
minha mãe, na qual implorei a ela que partisse o mais rápido possível para
Margate, já que eu, inevitavelmente, havia sido detido e não queria que
minha demora retardasse nossa viagem ou a obrigasse a viajar mais rápido.
Em Margate eu esperava alcançá-la, senão chegar antes dela.
— E por que — perguntou Cecilia — você não foi à cidade como havia
prometido e a acompanhou?
— Eu tinha outros assuntos. Eu tinha que vir aqui.
— Diretamente?
— Não, mas logo.
— Onde você foi primeiro?
— Minha Cecilia, agora você deve reunir toda a sua coragem; eu deixei
meu pai sem uma explicação de minha parte, mas não antes que, em sua raiva
por afirmar sua autoridade, ele imprudentemente nomeasse seu informante.
— Bem...
— O informante... o mais traiçoeiro dos homens... era seu amigo fingido
há muito tempo, Mr. Monckton!
— Era o que eu temia — disse Cecilia, cujo sangue agora corria frio em
suas veias com repentinas e novas apreensões.
— Eu fui até Grove, a pleno galope por todo o caminho. Falei com ele no
início da tarde. Eu fui levado à sua biblioteca. Eu disse a ele qual era a minha
missão. Você está pálida, meu amor? Não se sente bem?
Cecilia, enjoada demais para falar, apoiou a cabeça na mesa. Delvile iria
pedir ajuda, mas ela colocou a mão em seu braço para detê-lo, e, percebendo
que ela estava apenas mentalmente afetada, ele descansou e se esforçou por
todos os meios possíveis para reanimá-la.
Depois de um tempo, ela ergueu novamente a cabeça e disse baixinho: —
Lamento ter interrompido o seu relato, mas a conclusão eu já sei: Mr.
Monckton está morto!
— Ele não está morto — disse ele —, perigosamente ferido, de fato, mas,
graças a Deus, não realmente morto!
— Não está morto? — perguntou Cecilia, com força e ânimo recobrados.
— Oh, então, tudo pode ficar bem? Se ele não estiver morto, ele pode se
recuperar!
— Ele pode, e espero que se recupere!
— Agora, então — disse ela —, conte tudo; posso suportar qualquer coisa,
exceto a morte por meios humanos.
— Eu não pretendia ter ido tão longe; longe disso. Eu considero os duelos
repulsivos, atos injustificáveis de violência e dispositivos selvagens de
vingança. Ofendi minha própria convicção, mas, levado pela cólera por suas
acusações infames, não era senhor de minha razão. Eu o acusei de traidor, ele
negou; eu disse que soubera através do meu pai, ele mudou de assunto para
insultá-lo; insisti em uma retratação para liberá-la, ele perguntou com que
direito. Eu respondi furiosamente: por ser seu marido! Seu semblante, então,
ao menos explicou os motivos de sua traição, ele te ama! Ele provavelmente
planejava mantê-la livre até a morte de sua esposa, e então concluiu que suas
maquinações garantiriam que você fosse dele. Por esse motivo, ao descobrir
que corria o risco de perdê-la, ele se satisfez até em arruinar sua reputação no
lugar de permitir que você escapasse dele! Porém, no momento em que
confessei nosso casamento, ele ficou mais furioso do que eu, e, em suma, será
mesmo preciso falar sobre o frenesi da raiva? Nós saímos juntos, minhas
pistolas de viagem já estavam carregadas. Eu deixei que ele escolhesse a dele,
e, como o duelo era meu, já que a insolência aliada à culpa me roubou toda a
tolerância, ele disparou primeiro, mas não me acertou; então perguntei se ele
limparia sua reputação. Ele gritou: “Atire! Não farei nenhum acordo”, eu
atirei, e infelizmente minha mira foi melhor! Não tínhamos nenhum segundo
a perder, tudo era resultado de uma raiva imediata, mas logo levei as pessoas
até ele e ajudei a levá-lo para casa. Ele foi inicialmente considerado morto, e
eu fui apreendido por seus criados, mas depois ele deu sinais de vida e,
depois de mandar chamar meu amigo Biddulph, fui libertado. Tão
melancólica é a situação que vim relatar a você, dizendo a mim mesmo que
ficaria menos surpresa se ouvisse de mim mesmo do que de outro; contudo,
minha própria preocupação real pelo assunto, o arrependimento com o qual,
desde o momento em que o desgraçado caiu, fui atingido pela ideia de ser o
seu exterminador, e a tristeza, ou melhor, o remorso que senti por vir magoá-
la com uma informação tão terrível... você, a quem tudo que devo é paz e
conforto! Esses pensamentos me perturbaram tanto que, na verdade, eu sabia
menos do que qualquer outro como prepará-la para a história.
Ele se deteve, mas Cecilia nada pôde dizer; censurá-lo agora seria cruel e
inútil. No entanto, fingir que estava satisfeita com sua conduta seria como
violar seu julgamento e veracidade. Ela viu também que seu erro surgira
inteiramente de um ardor generoso em sua defesa, e que a confiança dele em
seu caráter havia resistido, sem vacilar, a todos os ataques que o ameaçaram.
Por isso ela se sentiu verdadeiramente grata, mas sua briga com seu pai, o
perigo que sua mãe corria, sua ausência necessária, sua própria situação
clandestina e, acima de tudo, a ameaça de morte de Mr. Monckton por suas
mãos eram circunstâncias tão cheias de pavor e tristeza que ela não sabia
sobre o que falar, como oferecer conforto, como assumir um semblante que
parecia capaz de receber qualquer coisa, ou por que meios reprimir as
emoções que de muitas maneiras a assaltavam. Delvile, depois de esperar em
vão por alguma resposta, em um tom mais melancólico, disse: — Se ainda for
possível, se estiver suficientemente interessada em meu destino para se
importar com o que acontecerá comigo, me ajude com o seu conselho, ou
melhor, com suas instruções. Mal sou capaz de pensar por mim mesmo, e se
você pudesse pensar por mim, seria um consolo que me daria ânimo para
qualquer coisa.
Cecilia, abandonando seu devaneio, repetiu: — Para se importar com o
que acontecerá com você...? Oh, Delvile! Não faça meu coração sangrar com
palavras tão rudes!
— Perdoe-me — exclamou ele —, não era minha intenção que parecesse
uma censura! Eu pretendia apenas declarar minha própria consciência do
quão pouco eu a mereço. Você disse alguma coisa sobre procurar o meu pai?
Você ainda pensa assim?
— Acredito que sim! — exclamou ela, muito perturbada para saber o que
havia dito, mas temendo magoá-lo novamente, fazendo-o esperar pela sua
resposta.
— Eu irei então — disse ele —, sem dúvida. Estou muito feliz por ser
guiado por você, seja qual for o caminho que tomar. Tenho agora, de fato,
muito a dizer a ele, mas qualquer que seja sua ira, há pouco temor neste
momento que meu próprio temperamento não possa suportar! O que eu devo
fazer a seguir?
— A seguir? — repetiu ela —, na verdade, eu não sei!
— Devo ir imediatamente para Margate? Ou devo ficar por aqui?
— Se a ideia te agradar — disse ela, muito perturbada e suspirando
profundamente.
— Nada me agrada a não ser por sua direção, segui-la é minha única
chance de satisfação. Então, o que devo fazer? Você não vai, agora, se
recusar a me dirigir?
— Não, certamente que não, por nada no mundo!
— Fale comigo, então, meu amor, e diga; por que está tão calada? É difícil
para você me aconselhar?
— Na verdade, não — disse ela, colocando a mão na cabeça. — Eu falarei
com você em alguns minutos.
— Oh, minha Cecilia! — exclamou ele, olhando para ela com muita
preocupação. — Traga de volta a sua memória! Você não sabe o que dizer e
não se interessa pelas suas respostas.
— Sim, é verdade — disse ela, suspirando profundamente e oprimida além
do poder de pensar, além de qualquer poder, exceto de uma consciência
interna de desgraça.
— Não suspire com tanta amargura — exclamou ele — se tiver alguma
compaixão! Não suspire com tanta amargura, não posso suportar isso!
— Eu realmente sinto muito — disse ela, suspirando de novo, sem parecer
sensata.
— Céus! — exclamou ele, enquanto se levantava —, não me enlouqueça
com este terror! Não fale comigo em frases tão entrecortadas! Está me
ouvindo, Cecilia? Por que não responde?
Ela se sobressaltou e tremeu, parecia pálida e assustada; ela colocou ambas
as mãos sobre o coração e disse: — Oh, sim! Mas eu sinto uma pressão aqui,
um aperto, um preenchimento, não tenho espaço para respirar!
— Oh, amada do meu coração! — exclamou ele, lançando-se
descontroladamente aos seus pés. — Não me mate com este terror! Diga que
pelo menos você me reconhece! Diga que não a torturei completamente até a
loucura! A única querida dos meus afetos! Minha, minha esposa Cecilia!
Livre-me desta agonia! É mais do que posso suportar!
Esta energia de angústia lhe devolveu seus sentidos dispersos, pouco mais
atordoados pela comoção de toda a calamidade do que pela moderação de
seus sentimentos ao lutar para escondê-los. Porém, as exclamações
apaixonadas restauraram sua sensibilidade e ela desatou a chorar, o que
felizmente aliviou sua mente do conflito em que se debatia e que, se não
fosse por isso, poderia ter terminado de maneira mais fatal.
Nunca antes Delvile havia se alegrado mais com seus sorrisos como agora
com as lágrimas oportunas, que ele considerava e abençoava como as
preservadoras de sua razão. Elas fluíram por muito tempo sem qualquer
interrupção, seu consolo e sua ternura a faziam se derreter em mais tristeza;
depois de algum tempo, no entanto, o retorno de seus sentidos, que a
princípio pareciam completamente entregues à dor, foi manifestado pelo
retorno da força de sua mente; ela se culpava severamente pela pouca
coragem que havia demonstrado, mas depois de ter dado vazão a emoções
muito fortes para serem mantidas rígidas, ela lhe garantiu que ele poderia
contar com uma coragem melhor para o futuro e suplicou que ele
considerasse e resolvesse seus assuntos.
No entanto, o próprio Delvile não pôde se recuperar tão rapidamente. A
tortura que ele havia sofrido ao acreditar, embora apenas por alguns instantes,
que o terror que ele havia causado a Cecilia havia afetado seu intelecto, havia
deixado uma impressão ainda mais profunda em sua imaginação do que a
cena de fúria e morte que o havia ocasionado, e Cecilia, que agora esforçava-
se ao máximo para reparar com sua firmeza a dor que por sua fraqueza ela lhe
causara, estava em melhor condição de raciocínio e deliberação do que ele
mesmo.
— Ah, Mortimer! — exclamou ela, compreendendo o que se passava
dentro dele. — Você não leva a surpresa em consideração? Ou o difícil
conflito de tentar suprimi-la? Você ainda me acha incapaz de dar um
conselho, e tão inútil, tão fraca como conselheira, como durante a primeira
confusão em minha mente?
— Não apresse seu espírito sensível, eu imploro — disse ele —, teremos
tempo para isso; conversaremos sobre o assunto aos poucos.
— Tempo! — exclamou ela. — Que horas são agora?
— Céus! — exclamou ele, olhando para o relógio. — Já passa das dez!
Você deve me expulsar, minha Cecilia, ou a calúnia ainda se manterá
ocupada, embora o pobre Monckton esteja calado.
— Eu vou expulsá-lo — disse ela —, estou realmente ansiosa para que
você vá embora. Mas antes diga, qual é o seu plano e que caminho pretende
seguir?
— Isso é você quem vai decidir, se para o Castelo Delvile, para terminar
uma história e comunicar a outra por completo, ou para Margate, para
apressar minha mãe para o exterior antes que a notícia desta calamidade
chegue até ela.
— Vá para Margate — disse ela, ansiosa —, vá agora mesmo! Você pode
escrever para seu pai de Ostende. Mas fique, eu imploro, no continente, até
que estejamos certos de que aquele infeliz ainda vive, e pergunte a aqueles
que podem julgar o que deve acontecer se ele não o fizer!
— Um julgamento — disse ele — deve se seguir, e temo que irá ser duro
comigo! O duelo era meu, e todos os seus criados podem testemunhar que eu
fui até ele e não ele até mim. Oh, minha Cecilia! A temeridade da qual sou
culpado é tão oposta aos meus princípios, e, tão generoso como é o seu
silêncio, eu sei que é tão oposta aos seus, que nunca, se o sangue dele
estivesse em minhas mãos, miserável como era, nunca mais meu coração
ficará tranquilo.
— Ele vai viver, ele vai viver! — gritou Cecilia, reprimindo seu horror. —
Não tema nada, porque ele vai viver; e quanto à sua ferida e seus sofrimentos,
sua traição o fez por merecer. Vá, então, para Margate; pense apenas em Mrs.
Delvile, e poupe-a, se possível, de ouvir o que aconteceu.
— Eu irei, eu ficarei, farei tudo o que você me ordenar, mas, se o que eu
temo acontecer, se minha mãe continuar doente, meu pai inflexível, se aquele
homem miserável morrer e se a Inglaterra não for mais um país onde eu
adorava viver, você concordaria em me seguir?
— Eu não sou sua? Você não pode simplesmente me ordenar? Diga, então,
você só tem que dizer: devo acompanhá-lo agora mesmo?
Delvile, afetado por sua generosidade, mal conseguia expressar seus
agradecimentos; ainda assim, ele não hesitou em se negar a tirar proveito da
situação:
— Não, minha Cecilia, eu não sou tão egoísta. Se não tivermos dias mais
felizes, pelo menos esperaremos por uma necessidade mais desesperadora.
Com a incerteza de não ter a vida daquele homem para responder por meu
próprio risco, levar minha esposa para longe do reino seria um erro.
Convertê-la em uma fugitiva e exilada ao primeiro conhecimento público de
que ela é minha! Não, se eu não sou um estranho para a vida, jamais poderei
permitir tal coisa. Nada, acredite em mim, jamais exigirá meu consentimento
para ferir a casta propriedade de seu caráter, convertendo-a em uma fugitiva
com um duelista.
Eles então se consultaram novamente sobre seus planos futuros e
concluíram que, no atual estado desordenado de seus assuntos, seria melhor
não reconhecer seu casamento nem mesmo a Mr. Delvile, pois a notícia do
duelo e o perigo que corria Mr. Monckton seriam um golpe tão severo que
acrescentar qualquer outro poderia levá-lo à loucura.
Às poucas pessoas já familiarizadas com ele, Delvile, portanto, decidiu
escrever de Ostende, reiterando suas súplicas por sua discrição e sigilo.
Cecilia prometeu informá-lo em todas as cartas sobre as condições de saúde
de Mr. Monckton, e então suplicou que ele partisse imediatamente para que
ele pudesse manter sua mãe longe das notícias. Ele obedeceu e se despediu
dela da maneira mais terna, fazendo-a prometer sustentar seu ânimo e cuidar
de sua saúde. — A felicidade — disse ele — está muito atrasada para nós, e
embora minha violência possa tê-la afugentado, sua doçura e gentileza a
atrairão de volta; tudo o que para mim está reservado e deverá ser recebido
pelas suas mãos; o que é oferecido de qualquer outra forma, eu apenas
confundirei com o mal! Portanto, não se abata, minha generosa Cecilia, e não
se esqueça de mim.
— Não vou me abater — disse ela —, você vai descobrir, espero, que não
se entregou às mãos erradas.
— Fique em paz, então, meu amor! Cecilia, minha consoladora e
revigorante de minha alma! Desejo-lhe a paz que os anjos nos trazem, que
tem o poder de retirar de sua mente a lembrança desta hora amarga.
Ele então se desvencilhou.
Cecilia, que para sua bênção quase poderia, como a terna Belvidera,59 ter
exclamado: “Oh, não me deixe! Fique comigo e me amaldiçoe!”, escutou
seus passos até não poder mais ouvi-los, como se os momentos restantes de
sua vida devessem ser medidos por eles. Mas então, ao se lembrar do perigo
de sua permanência tanto para ela quanto para ele, esforçou-se para sentir-se
alegre por ele ter partido, e embora sua mente não estivesse em um estado de
alegria, ela era racional demais para não querer mantê-lo perto de si naquele
momento.
A tristeza e a melancolia pelo que havia acontecido, a apreensão e o
suspense pelo que estava por vir, desordenaram tanto o seu corpo,
confundiram tanto até mesmo seu intelecto, que, quando nem toda a ajuda da
fantasia poderia persuadi-la de que ela ainda ouvia os passos de Delvile, ela
foi até a cadeira na qual ele estava sentado, tomou posse dela, sentou-se com
os braços cruzados, em silêncio, quieta e ereta, quase vazia de qualquer
pensamento, mas com uma ideia secreta de que estava fazendo algo certo. Ali
ela continuou até que Henrietta veio lhe desejar boa noite, e cuja surpresa e
preocupação com a estranheza de seu olhar e de sua atitude mais uma vez a
recuperou. Aterrorizada pela ameaça de divagação de sua razão e certa de que
não poderia descansar durante toda a noite, aceitou a oferta afetuosa da
bondosa menina de ficar com ela, que estava muito triste por sua dor para que
ela mesma pudesse dormir. Ela não lhe disse o que havia acontecido; isso, ela
sabia, seria uma aflição infrutífera para a outra. Porém, sua gentileza a
tranquilizava e sua conversa lhe trazia um pouco de segurança diante da
divagação perigosa de suas ideias.
A própria Henrietta encontrou consolo em suas próprias tristezas, por ser
capaz de confortar sua amada Miss Beverley, de quem recebera inúmeros
favores e tarefas amáveis. Ela não a abandonou noite e dia, e, com a gratidão
de seu coração, sentiu um prazer e uma consequência pessoal que nunca antes
havia experimentado.
CAPÍTULO 95

UMA INTIMAÇÃO

O primeiro cuidado de Cecilia ao amanhecer foi enviar alguém a Grove, de


onde ela não ouviu nada além de infortúnios. Mr. Monckton ainda estava
vivo, mas com pouca ou nenhuma esperança de recuperação, constantemente
delirando e repetindo que Miss Beverley estava casada com o jovem Delvile.
Cecilia, no entanto, sabia que ele não estava delirando, embora estivesse
surpresa com o que ele dizia, e esperava que sua situação fosse menos grave
do que se temia.
No dia seguinte ela recebeu mais notícias fatais, embora não de onde
esperava. Mr. Monckton, em um de seus ataques delirantes, havia mandado
chamar lady Margaret para o lado de sua cama e a utilizado de forma quase
desumana. Ele havia criticado sua idade e enfermidades com incrível fúria,
acusando-a de ser a causa de todos os seus sofrimentos e agente imediata de
Lúcifer em sua ferida e risco de morte. Lady Margaret, a quem nem o ciúme
nem a maldade a fizeram deixar de amá-lo, ficou consternada e assustada, e,
ao sair apressadamente do quarto, diante de uma tentativa de Mr. Monckton
em seu frenesi de golpeá-la, caiu morta em um ataque apoplético.
“Céus”, pensou Cecilia, “que castigo exemplar sofreu aquele homem! Ele
perde sua odiada esposa no exato momento em que sua morte não pode mais
atender aos seus propósitos! Pobre Lady Margaret! Sua vida tem sido tão
amarga quanto seu temperamento! Casada por uma visão de interesse,
maltratada como uma barreira para a felicidade e destruída pelos delírios
infrutíferos do desespero!”
Ela escreveu todas essas informações a Ostende, de onde recebeu uma
carta de Delvile, informando-a de que ele estava impedido de prosseguir pela
debilidade e enfermidade de sua mãe, cujas náuseas quase acabaram com sua
existência.
Assim se passou uma semana miserável. Monckton seguia vivo, Delvile
detido em Ostende, e Cecilia, igualmente torturada pelos acontecimentos
recentemente passados, quando, em uma manhã, lhe disseram que um
cavalheiro desejava lhe falar imediatamente sobre negócios. Ela obedeceu a
solicitação apressadamente; a imagem constante de sua própria mente,
Delvile, já estando presente para ela, e milhares de conjecturas insanas sobre
o que o havia trazido de volta lhe ocorreram. Suas expectativas, entretanto,
não foram atendidas, pois ela encontrou um completo estranho: um homem
idoso, de aspecto e maneiras desagradáveis. Ela desejou saber qual era o
assunto.
— Eu presumo, madame, que é a senhora desta casa?
Ela fez uma reverência em assentimento.
— Posso tomar a liberdade, madame, de perguntar o seu nome?
— O meu nome, senhor?
— Estará me fazendo um favor, madame, ao me dizer o seu nome.
— É possível que tenha vindo até aqui sem já saber?
— Eu apenas sei por um relato comum, madame.
— Um relato comum, senhor, creio que raramente está errado em uma
questão onde estar certo é tão fácil.
— Tem alguma objeção, madame, em me dizer seu nome?
— Não, senhor, mas seu assunto dificilmente pode ser muito importante se
ainda não sabe a quem se dirigir. Haverá tempo suficiente, portanto, para nos
encontrarmos quando estiver satisfeito quanto a este ponto.
Ela então teria saído da sala.
— Eu imploro, madame — clamou o estranho —, que tenha paciência; é
necessário, antes que eu possa falar de negócios, que ouça o seu nome dos
seus próprios lábios.
— Bem — disse ela, com alguma hesitação —, o senhor dificilmente veio
a esta casa sem saber que sua dona é Cecilia Beverley.
— Este, madame, é o seu nome de solteira.
— Meu nome de solteira? — repetiu ela, assustada.
— A senhora não é casada, madame?
— Casada, senhor? — repetiu ela, enquanto suas bochechas adquiriam cor
de escarlate.
— Portanto, madame, é efetivamente o nome de seu marido que pretendo
perguntar.
— E com qual autoridade — perguntou ela, igualmente surpresa e
ofendida — o senhor faz estas indagações extraordinárias?
— Fui encarregado de procurá-la, madame, por Mr. Eggleston, o próximo
herdeiro desta propriedade, segundo o testamento de seu tio, na eventualidade
de morrer sem filhos ou mudar de nome quando se casar. Sua autoridade de
indagação, madame, presumo que terá sua permissão, e ele a investiu a mim
por meio de uma carta de seu advogado.
A angústia e a confusão de Cecilia eram agora indescritíveis; ela não sabia
o que admitir ou negar, não podia conjecturar como havia sido traída e nunca
tinha feito a menor preparação para tal ataque.
— Mr. Eggleston, madame — continuou ele —, foi informado de maneira
bastante convincente de que a senhora está realmente casada. Portanto, ele
deseja muito saber quais são as suas intenções, pois o fato de continuar a ser
chamada de Miss Beverley, como se ainda estivesse solteira, o deixa
totalmente no escuro; porém, como ele está tão profundamente preocupado
com o assunto, ele espera, como uma dama de honra, que a senhora lidará
com ele sem prevaricação.
— Esta exigência, senhor — disse Cecilia, gaguejando —, é tão
extremamente... tão... tão pouco esperada...
— O jeito, madame, nesses casos, é ir direto ao assunto; a senhora está
casada ou não?
Cecilia, bastante confusa, não respondeu; negar sua união, quando assim
formalmente convocada, era totalmente injustificável; reconhecê-la em sua
situação atual a envolveria em inúmeras dificuldades.
— Esta não é, madame, uma questão de pouca importância. Mr. Eggleston
tem uma família numerosa e uma pequena fortuna, a qual está muito
comprometida. Portanto, não se pode esperar que ele seja conscientemente
conivente com uma traição a si mesmo, submetendo-se ao fato de a senhora
estar realmente casada e ainda desfrutar de sua propriedade, embora seu
marido não use o seu nome.
Cecilia invocou mais presença de espírito e respondeu: — Mr. Eggleston,
senhor, nada tem a temer quanto a esta imposição; aqueles com quem ele
tem, ou poderá ter qualquer transação neste assunto, não estão acostumados a
praticá-la.
— Longe de mim querer ofendê-la, madame; minha obrigação para com
Mr. Eggleston é simplesmente esta, solicitar que o satisfaça com base no que
agora foge à vontade de seu falecido tio, e que, até que esteja esclarecido,
parece ser um ponto manifestamente desfavorável para ele.
— Diga a ele, então, senhor, que tudo o que ele deseja saber será explicado
a ele em cerca de uma semana. No momento, não posso dar outra resposta.
— Muito bem, madame; ele vai esperar esse tempo, estou certo, pois não
deseja causar nenhum inconveniente. Porém, quando soube que o cavalheiro
tinha viajado para o exterior sem honrar com o seu casamento, achou que era
hora de dar atenção ao assunto.
Cecilia, que por esse discurso percebeu que havia sido descoberta em
todos os sentidos, ficou novamente na maior confusão e, com alguma
trepidação na voz, disse:
— Já que parece estar tão bem familiarizado com este assunto, senhor, eu
ficaria feliz se pudesse me informar por quais meios o senhor tomou
conhecimento dele.
— Eu ouvi, madame, do próprio Mr. Eggleston, que há muito tempo tem
conhecimento do assunto.
— Muito tempo, senhor? Impossível! Quando ainda não faz quinze dias...
nem dez dias, ou não mais que...
Ela se deteve ao lembrar que estava fazendo uma confissão que deveria ser
adiada.
— Quanto a isso, madame — respondeu ele —, talvez haja um pouco de
controvérsia, pois quando o assunto for resolvido, será muito importante ser
exato quanto ao tempo, até mesmo o horário correto, pois uma grande renda
anual é dividida em pequenas rendas diárias. Se o seu marido conservar o
próprio nome, a senhora não deve apenas renunciar à herança de seu tio no
momento em que renunciar à sua, mas também reembolsá-la a partir do dia
de seu casamento.
— Não há a menor dúvida — respondeu ela —, nem a menor dificuldade
será encontrada.
— A senhora deve considerar, madame, que esta soma aumenta a cada
hora; e tem sido aumentada desde setembro passado, o que completou um
semestre em março passado. Desde então, agora é adicionado...
— Santo Deus, senhor! — exclamou Cecilia. — Que cálculo está fazendo?
O senhor chamou a semana passada de setembro passado?
— Não, madame, mas eu chamo de setembro passado o mês em que a
senhora se casou.
— Neste caso, senhor, o senhor descobrirá que está extremamente
enganado; e Mr. Eggleston está se preparando para uma grande decepção, se
ele supõe que estou há tanto tempo atrasada com ele.
— Mr. Eggleston, madame, está bem informado sobre esta transação,
como, se houver alguma disputa, a senhora descobrirá. Ele foi seu sucessor
imediato na casa para a qual a senhora foi em setembro passado em Pall-
Mall; a mulher informou aos seus criados que a última dama que o alugou
ficou com ela por apenas um dia, e só veio à cidade, ela descobriu, para se
casar; quando souberam, após alguma indagação, que a dama era Miss
Beverley, os criados, que sabiam que seu mestre era seu herdeiro condicional,
o informaram da circunstância.
— O senhor vai descobrir que tudo isso vai dar em nada.
— Isso, madame, como eu disse antes, ainda está por ser provado. Se uma
jovem dama é vista às oito horas da manhã, e ela foi vista, entrando em uma
igreja com um jovem cavalheiro e uma amiga, e é depois observada saindo
dela, seguida por um clérigo e outra pessoa, supostamente substituindo o pai
dela, e é vista entrando em uma carruagem com o mesmo jovem cavalheiro, e
a mesma amiga, ora, as circunstâncias são muito fortes!
— Elas podem parecer assim, senhor, mas todas as conclusões a partir
delas serão errôneas. Eu não estava casada na ocasião, pela minha honra!
— Tais colocações, madame, não nos dizem respeito. As circunstâncias
são fortes o suficiente para suportar um julgamento e...
— Um julgamento!
— Nós rastreamos, madame, muitas testemunhas capazes de sustentar
diversos detalhes, e oito meses de partilha de uma propriedade como esta,
vale bem a pena um pouco de trabalho.
— Estou surpresa, senhor! Certamente Mr. Eggleston nunca desejou que
fizesse uso dessa linguagem comigo.
— Mr. Eggleston, madame, comportou-se de maneira muito nobre;
embora soubesse do assunto há muito tempo, foi persuadido de que Mr.
Delvile tinha motivos particulares para ocultar sua união, e esperando todos
os dias que ele os resolvesse e assumisse o seu nome, ele nunca interferiu.
Agora, porém, ao ser informado de que ele partiu na semana passada para o
continente, foi aconselhado por seus amigos a reivindicar seus direitos.
— Esta reivindicação, senhor, ele não precisa temer que não será satisfeita;
e sem qualquer necessidade para ameaças de investigações ou processos
judiciais.
— A verdade, madame, é uma só: Mr. Eggleston se encontra atualmente
em uma pequena dificuldade em relação a algumas questões financeiras, o
que exige que o assunto seja resolvido rapidamente, a menos que possa
convenientemente comprometer o assunto, adiantando uma determinada
quantia até o momento em que ache conveniente reembolsar o todo que lhe é
devido e abandonar o local.
— Nada, senhor, é devido a ele! Pelo menos nada que valha a pena
mencionar. Não devo entrar em nenhum acordo, pois não tenho nenhum
compromisso a fazer. Quanto ao local, eu o deixarei o mais rapidamente
possível.
— É o melhor que pode fazer, madame, pois a verdade é que não lhe será
conveniente esperar muito mais tempo.
Ele então foi embora.
— Quando — exclamou Cecilia — eu serei novamente fraca, vaidosa,
cega o suficiente para formular qualquer plano com esperança de segredo?
Ou participar, com alguma esperança, de algum plano clandestino! Traída por
aqueles em quem confiei, descoberta por aqueles em quem não pensei,
exposta aos alarmes mais cruéis e indefesa contra os ataques mais
espantosos! Essa tem sido a minha vida desde o momento em que consenti
pela primeira vez com um compromisso particular! Ah, Delvile! Sua mãe, em
sua ternura, se esqueceu de sua dignidade, ou não teria concordado com um
ato que, para tal desgraça, tornou-me responsável!
CAPÍTULO 96

UMA DELIBERAÇÃO

Era preciso, porém, não moralizar, mas agir. Cecilia havia se


comprometido a dar uma resposta em uma semana, e o astuto advogado havia
obtido dela um reconhecimento de sua situação, pelo qual poderia reivindicá-
la ainda mais cedo. O processo pelo qual ela havia sido ameaçada por oito
meses de atraso não a deixou alarmada, embora a tenha surpreendido, pois
estava certa de que poderia provar seu casamento muito mais tarde. Era fácil
perceber que o homem havia sido enviado com o objetivo de obter uma
confissão e lhe apavorar para conseguir algum dinheiro; a confissão, de fato,
tanto em consciência quanto em honestidade, ela não pôde evitar
completamente, mas ela havia sofrido com demasiada frequência pela
facilidade de se separar do dinheiro para ser assim tão facilmente enganada.
Nada, no entanto, era mais verdadeiro do que o fato de que agora vivia em
uma propriedade da qual não era mais proprietária, e que tudo o que ela
gastava ou recebia devia ser contabilizado e devolvido, já que, pela vontade
de seu tio, a menos que seu marido adotasse o seu nome, sua propriedade
seria confiscada no mesmo dia do casamento e assumida pelos Egglestons. O
plano de Delvile e a esperança de sigilo fizeram com que eles pouco
pesassem sobre este assunto, embora esta descoberta prematura a expusesse
de forma tão inesperada.
O primeiro pensamento que lhe ocorreu foi enviar um expresso a Delvile e
pedir suas instruções sobre como proceder, mas ela temia seu temperamento
impetuoso e tinha quase certeza de que, no instante em que soubesse que ela
estava inquieta ou abalada, ele voltaria para ela a todo custo, mesmo que Mr.
Monckton estivesse morto e sua mãe morrendo. Portanto, ela decidiu não
arriscar este passo, preferindo qualquer dificuldade pessoal a pôr em perigo a
vida já precária de Mrs. Delvile, ou apressar seu filho para casa enquanto Mr.
Monckton estava em uma situação tão desesperadora.
Porém, embora o que evitar fosse fácil de resolver, o que buscar era difícil
de imaginar. Ela não tinha mais nenhuma Mrs. Charlton para recebê-la, nem
qualquer criatura em quem pudesse confiar. Continuar com seu atual modo
de vida colocaria Delvile em dívidas, uma circunstância que ela nunca havia
considerado na confusão e pressa em atender a todos os seus planos e
conversas, e uma circunstância que, embora para ele pudesse ter ocorrido, por
uma questão de delicadeza, não poderia mencionar. Contudo, ter deixado sua
casa e reduzido suas despesas teria levantado suspeitas que deveriam
antecipar a descoberta que ela tanto desejava adiar. Esse desejo, pelo perigo
presente de seu fracasso, era apenas mais ardente; ter seus assuntos e situação
tornados públicos no momento atual a deixaria completamente aturdida.
Casada em segredo, separada do marido no momento de sua união, um
marido por cujas mãos o aparente amigo de sua primeira juventude foi quase
morto, cujo pai havia execrado o casamento, cuja mãe agora se sacrificava
com a mesma veemência pelo que antes se opusera, e ele mesmo, quase
exilado, ainda não sabia com segurança se poderia retornar à sua terra natal!
Diante de circunstâncias tão terríveis, ela agora recebia o impacto adicional
de não ter certeza se sua própria casa não poderia ser confiscada antes que
qualquer outra pudesse ser preparada para sua recepção!
Ainda assim, ela era totalmente incapaz de decidir para onde ir, o que fazer
ou o que resolver. Depois de meditar quase até a loucura em busca de algum
plano ou expediente, ela se viu obrigada a desistir da tentativa e se contentar
em permanecer quieta onde estava até que tivesse melhores notícias de
Delvile sobre sua mãe, ou melhores notícias para enviar sobre Mr. Monckton,
tomando cuidado, nesse meio tempo, para evitar alarmá-lo com qualquer
indício de sua angústia em suas cartas.
No entanto, ela não estava ociosa, fosse por desespero ou desamparo; ela
viu suas dificuldades aumentadas e apelava por mais resoluções para
combatê-las. Ela se animou pela promessa que havia feito a Delvile e se
recuperou da tristeza à qual a princípio havia cedido e se esforçava com vigor
para cumpri-la como deveria.
Ela começou fazendo uma inspeção imediata de seus negócios e se
esforçando, onde a despesa parecia desnecessária, para diminuí-la. Ela deu a
entender a Henrietta que temia que logo deveriam se separar, e tão aflita ficou
a infeliz garota com a notícia, que ela achou aquela a tarefa mais cruel que
teve de executar. A mesma insinuação ela fez à Mrs. Harrel, quem se queixou
mais abertamente, mas com um egoísmo tão evidente que desafiava o limite
da compaixão. Ela então anunciou a Mr. Albany sua incapacidade de seguir,
no momento, com seus extensos planos de benevolência, e embora ele a
tenha abandonado instantaneamente para continuar seu laborioso plano em
outro lugar, a reverência que seu caráter havia despertado nele o fez deixá-la
sem nenhuma sensação além de tristeza, e ele prontamente prometeu retornar
quando seus assuntos estivessem resolvidos, ou sua mente mais composta.
Estes pequenos preparativos, que eram tudo o que ela podia fazer, além
das indagações sobre Mr. Monckton e de suas cartas para Delvile, ocupavam
bastante do seu tempo, embora seus pensamentos não estivessem de forma
alguma confinados a eles. Os dias se passaram e Mr. Monckton continuava
entre a vida e a morte, as cartas de Delvile, ainda datadas apenas de Ostende,
continham as queixas mais melancólicas sobre a saúde de sua mãe, e se
aproximava o momento em que o advogado reivindicaria sua resposta. A
ideia de outra visita como aquela era quase insuportável, e a dois dias do
prazo final ela decidiu fazer um esforço para convencer Mr. Eggleston a
esperar mais um pouco.
Mr. Eggleston era um cavalheiro a quem ela conhecia pouco mais do que
de vista; ele não era parente de sua família, nem tinha qualquer conexão com
o reitor, a não ser por ser primo de uma senhora com quem havia se casado e
que não lhe deixou filhos. O reitor não tinha nenhuma consideração especial
por ele e decidiu mencioná-lo em seu testamento como o sucessor de Cecilia,
caso ela morresse solteira ou mudasse de nome, mais como um sinal de que
ele não aprovava que ela fizesse nenhuma das duas coisas do que como uma
questão que ele considerava provável, se mesmo possível, que se voltasse a
seu favor. Ele era um homem de família numerosa, cujos filhos,
extravagantes e esbanjadores, muito haviam prejudicado sua fortuna,
persuadindo-o a pagar suas dívidas, e muito o angustiaram em seus negócios
ao sucessivamente provocá-lo com dinheiro.
Cecilia, familiarizada com essas circunstâncias, sabia muito bem com que
avidez seus bens seriam confiscados por eles, e quão pouco os filhos
suportariam atrasos, mesmo que o pai consentisse. Mesmo assim, uma vez
que o sacrifício com o qual ela havia concordado em breve os tornaria
indiscutivelmente seus, ela decidiu lidar com eles abertamente e, portanto, em
sua carta reconheceu seu casamento e implorou sua paciência e sigilo, e
prometeu, em pouco tempo, a mais honrosa retribuição e satisfação.
Ela enviou a carta por um homem a cavalo, já que a residência de Mr.
Eggleston ficava a quinze milhas da sua.
A resposta foi de seu filho mais velho, que a informou que seu pai estava
muito doente e havia colocado todos os seus negócios nas mãos de Mr. Carn,
seu advogado, que era um homem de boa reputação e que se responsabilizaria
por ver a justiça sendo feita para ambos os lados.
Se esta resposta, que ela abriu no instante em que a recebeu, foi em si uma
decepção cruel para ela, qual não foi sua decepção amarga de vergonha e
terror quando, ao dobrá-la novamente, viu que era dirigida a Mrs. Mortimer
Delvile!
Este foi um golpe decisivo; o que escreveram para ela, ela estava certa de
que mencionariam a todos os outros. Ela viu que eles estavam muito
impacientes para que sua propriedade fosse transferida sem nenhum atraso,
por nenhuma reivindicação, e que sua ânsia para anunciar seu direito lhes
desobrigava de toda consideração sobre o que poderia fazê-la sofrer. Ela
descobriu que Mr. Eggleston se deixava governar totalmente por seu filho;
seu filho era um esbanjador necessitado e um perdulário, e ao deixar a gestão
do caso nas mãos de um advogado, astuciosamente pretendia se proteger do
futuro ressentimento de Delvile, a quem, a partir de agora, ele poderia afetar,
conforme sua conveniência, para desaprovar o comportamento de Mr. Carn,
enquanto Mr. Carn estava sempre seguro, afirmando que apenas se esforçava
pelo interesse de seu cliente.
A perspicaz Cecilia, embora pouco experiente nos negócios e totalmente
insuspeita por natureza, percebeu esta manobra e não duvidou de que essas
desculpas já estivessem combinadas. Portanto, para se salvar de uma
expulsão real, ela só poderia deixar uma casa onde ela estava exposta a tal
desgraça. Porém, ela não sabia para onde ir! Uma única tentativa parecia estar
em seu poder para obter um asilo honrado, e isso era mais doloroso para ela
do que buscar abrigo no mais ínfimo refúgio: ela buscaria ajuda com Mr.
Delvile sênior.
A ação de deixar sua casa, seja ela pacificamente ou pelo uso da força, não
poderia senão instantaneamente ratificar os relatos espalhados pelos
Egglestons sobre seu casamento. No entanto, esperar manter o segredo por
mais tempo seria loucura, e a raiva de Mr. Delvile diante de tal informação
poderia ser ainda maior se ela chegasse aos seus ouvidos por acaso do que
por ela mesma. Cecilia agora lamentava que Mortimer não tivesse contado a
história imediatamente, mas, sem prever uma descoberta como a atual, eles
mutuamente concluíram que deveriam adiar a comunicação até seu retorno.
Sua própria raiva pelos maus tratos desdenhosos que havia recebido
repetidamente, ela agora se contentava não apenas em suprimir, mas em
rejeitar, uma vez que, como esposa de seu filho, mesmo sem seu
consentimento, já não se considerava totalmente inocente de sua incorrência.
No entanto, tal era seu temor por sua austeridade e arrogância de suas
reprovações, que, por opção própria, ela teria preferido uma habitação com a
sua própria pensionista, a sacristã, ao maior aposento no castelo Delvile,
enquanto ele continuasse sendo o seu senhor.
Em sua situação atual, entretanto, sua escolha não poderia ser consultada.
A honra de Delvile estava relacionada à sua proteção, até mesmo de uma
desgraça temporária, e nada, ela sabia, iria gratificá-lo tanto quanto qualquer
atenção dela para seu pai. Ela escreveu, portanto, a seguinte carta, que enviou
por expresso.

“Ao Exmo. Compton Delvile. 29 de abril de 1780.


Senhor, eu não deveria, mesmo por carta, me apresentar à sua lembrança
desta maneira se não acreditasse ser uma obrigação que agora devo a seu
filho, tanto arriscar quanto suportar o desgosto que isso infelizmente pode
lhe ocasionar. Após tal reconhecimento, todas as outras confissões seriam
supérfluas, e, por mais insegura que eu esteja, se algum dia se dignar a me
aceitar, mais palavras do que o necessário seriam meramente impertinentes.
Era intenção de seu filho, senhor, ao deixar o reino, submeter-se
inteiramente à sua arbitragem, na ocasião do seu regresso, para decidir se
deveria renunciar ao seu próprio nome ou à minha fortuna. No entanto, o
pedido para a sua decisão e sua súplica pelo seu perdão foram ambos,
infelizmente, impedidos por uma descoberta prematura e imprevista da nossa
situação, o que torna uma determinação imediata absolutamente inevitável.
A esta distância dele, não posso receber a tempo suas instruções sobre as
medidas que devo tomar. Perdoe-me então, senhor, se mesmo sabendo que
minha referência a ele não será mais implícita do que a sua própria, eu me
atrevo, na presente crise importante de meus negócios, a suplicar seus
comandos imediatamente, pelos quais estou certa de ser guiada em última
análise. Eu me felicitaria com o seu favor, mas temo despertar seu
ressentimento. Eu o deterei, portanto, apenas para acrescentar que o pai de
Mr. Mortimer Delvile sempre encontrará o mais profundo respeito por parte
daquela que, sem sua permissão, não ousaria assinar nenhum nome para a
honra que ela agora tem em se declarar sua mais humilde e mais obediente
serva”.

Sua mente ficou um pouco mais tranquila quando esta carta foi escrita,
pois, embora achasse ser um dever, sentia uma certa relutância em cumpri-lo.
Ela desejava ter representado vigorosamente o perigo de que Delvile ouvisse
sua angústia, mas ela conhecia tão bem sua excessiva autossuficiência
desordenada, que temia que uma insinuação deste tipo pudesse ser
interpretada como um insulto, e concluiu que sua única chance de que ele
fizesse qualquer coisa era deixando inteiramente às suas próprias sugestões
pesar e estabelecer o quê.
Porém, embora nada fosse mais incerto do que se ela deveria ser recebida
no castelo Delvile ou não, nada era mais certo do que o fato de que ela
deveria deixar sua própria casa, já que o orgulho de Mr. Delvile não deixava
a mínima possibilidade de que seu interesse a conquistaria. Portanto, ela não
mais adiou os preparativos para sua remoção, embora não soubesse para
onde. A sua primeira, e também mais dolorosa tarefa, foi familiarizar
Henrietta com sua atual situação; ela lhe enviou um recado de que desejava
conversar com ela, mas o semblante de Henrietta revelava que a sua
comunicação não a surpreenderia.
— Qual é o problema com minha querida Henrietta? — perguntou Cecilia.
— Quem é que já afligiu este coração generoso que agora sou obrigada a
afligir por mim mesma?
Henrietta, em quem a raiva parecia estar lutando contra a tristeza,
respondeu:
— Não, madame, não estou aflita por sua causa! Seria estranho se
estivesse pensando como eu penso!
— Eu fico feliz — disse Cecilia, calmamente — por não estar, pois eu te
daria, se fosse possível, nada além de prazer e alegria.
— Ah, madame! — exclamou Henrietta, explodindo em lágrimas. — Por
que me diz isso se não se importa com o que vai acontecer comigo? Quando
vai me mandar embora... e quando logo estará feliz demais para pensar em
mim?
— Se eu não for feliz então — disse Cecilia —, triste, de fato, será minha
vida! Não, minha mais gentil amiga, você sempre terá sua parte em meu
coração; e sempre, para mim, teria sido a hóspede mais bem-vinda em minha
casa, se não fosse por aquelas circunstâncias infelizes que tornam nossa
separação inevitável.
— Ainda assim, madame, a senhora permitiu que eu soubesse através de
outra pessoa que estava casada e que estava indo embora; e todos os criados
da casa souberam disso antes de mim.
— Estou impressionada! — disse Cecilia. — Como e de que forma eles
podem ter ouvido isso?
— O homem que levou a carta a Mr. Eggleston trouxe a primeira notícia,
pois disse que todos os criados não falavam de outra coisa e que seu amo
viria tomar posse desta casa na próxima quinta-feira.
Cecilia se assustou com essa informação muito indesejável. — E mesmo
assim você sente inveja de mim? Mesmo que eu seja forçada a deixar minha
casa, embora a esteja abandonando, e esteja desprovida de qualquer outra, e
embora aquele por quem a renunciei esteja longe, sem meios para me
proteger ou poder de voltar para mim?
— Mas a senhora está casada com ele, madame! — exclamou ela,
expressivamente.
— É verdade, meu amor; mas também estou separada dele!
— Oh, de que maneira inteiramente diferente — exclamou Henrietta —
pensam os grandes e os pequenos! Se eu fosse casada, e casada desta forma,
não desejaria nem casa, nem roupas finas, nem riquezas, nem qualquer coisa.
Não me importaria com o lugar onde fosse morar, todo lugar seria o paraíso!
Eu caminharia até ele descalça se ele estivesse a mil milhas de distância, e
não me importaria com ninguém mais no mundo enquanto eu o tivesse para
cuidar de mim!
“Ah, Delvile”, pensou Cecilia, “que poderes de fascínio você possui! Se
um dia eu ficar tentada a reclamar do que tenho que suportar, vou me lembrar
desta heroína e corar!”
Neste momento, Mrs. Harrel invadiu a sala, ansiosa para ser informada da
verdade ou falsidade dos relatos que circulavam pela casa. Cecilia relatou
brevemente a ambas o estado de seus assuntos, expressando sinceramente sua
preocupação com a separação abrupta que deveria ocorrer e para a qual ela
não tinha sido capaz de prepará-las, pois as circunstâncias que a levaram a
isso haviam sido totalmente imprevistas até para ela mesma.
Mrs. Harrel ouviu o relato com muita curiosidade e surpresa, mas
Henrietta chorou incessantemente ao ouvi-lo: objeto de uma paixão tão
ardente quanto romântica, perdida em sua recuperação passada, separada,
provavelmente para sempre, da melhor amiga que tinha no mundo e obrigada
a retornar assim repentinamente para uma casa que ela detestava. Henrietta
não era forte o suficiente para ouvir infortúnios como estes, os quais, para seu
coração inexperiente, pareciam os mais severos que podiam ser infligidos.
Terminada a conversa, Cecilia mandou chamar seu administrador e lhe
pediu que, com a maior celeridade, cobrasse todas as suas contas e
imediatamente reunisse seus inquilinos em um raio de vinte milhas e
recolhesse, daqueles que podiam pagar, os atrasos agora devidos a ela, mas
dizendo que, no entanto, de forma alguma deveria insistir em uma cobrança
daqueles que pareciam angustiados.
As contas que ela teve de pagar foram pagas sem dificuldade; ela nunca
deveu muito e os credores raramente são difíceis de acessar, mas o dinheiro
que esperava receber foi muito aquém de suas expectativas, pois a
indulgência que havia demonstrado aos inquilinos os deixara mal preparados
para uma demanda tão repentina.
CAPÍTULO 97

UMA DECISÃO

Estas negociações ocuparam efetivamente o dia presente e o seguinte; no


terceiro, Cecilia esperava receber a resposta do Castelo Delvile e a visita que
ela tanto temia do advogado.
A resposta chegou primeiro.

“Para Miss Beverley. Castelo Delvile, 1 de maio de 1780.


Madame, como meu filho nunca me informou do passo extraordinário que
sua carta sugere, não estou disposto a acreditar que ele seja capaz de mesmo
agora esquecer o que deve à sua família, para ratificar tal insinuação
interferindo em meu conselho ou opinião. Eu sou, senhora, etc. COMPTON
DELVILE”.

Cecilia tinha pouco direito de se surpreender com esta carta, e ela não teve
um momento para comentá-la antes que o advogado chegasse.
— Bem, senhora — disse o homem ao entrar na sala —, Mr. Eggleston já
teve muita paciência; ele me encarrega agora de lhe perguntar se é
conveniente para a senhora deixar o local.
— Não, senhor, não é de forma alguma conveniente para mim; e se Mr.
Eggleston puder esperar mais algum tempo, serei muito grata a ele.
— Sem dúvida, madame, ele o fará, com as considerações adequadas.
— O que, cavalheiro, o senhor chama de adequada?
— Mediante um adiantamento, como eu sugeri antes, de uma soma
particular imediata que deve, pouco a pouco, ser legalmente restituída.
— Se esta for a condição de sua cortesia, vou deixar a casa sem lhe causar
mais problemas.
— Como achar melhor, madame. Ele ficará feliz em tomar posse amanhã
ou no dia seguinte.
— Fez muito bem, senhor, em elogiar sua paciência! Devo, no entanto,
apenas dispensar meus criados, acertar minhas contas e estar pronta para abrir
caminho para ele.
— Não me leve a mal, madame, se eu lembrá-la de que a conta com Mr.
Eggleston deve ser a primeira a ser acertada.
— Se o senhor se refere aos atrasos desta última quinzena ou de três
semanas, acredito que devo solicitar que ele espere o retorno de Mr. Delvile,
pois, de outra forma, eu mesma poderia ficar angustiada por não ter dinheiro
disponível.
— Isso, madame, é pouco provável, pois é sabido que tem uma fortuna
independente de seu falecido tio; e quanto à angústia por dinheiro disponível,
é um apelo para o qual Mr. Eggleston pode recorrer com muito mais
veemência.
— Isso está sendo estranhamente precipitado, senhor! Que em tão pouco
tempo Mr. Eggleston possa esperar qualquer parte desta propriedade!
— Isso, madame, não tem nada a ver com o propósito; a partir do
momento que é dele, ele tem tanto desejo por ela quanto qualquer outro
cavalheiro. Ele gostaria que eu, no entanto, a informasse de que, se ainda
deseja manter um aposento nesta casa até o retorno de Mr. Delvile, a senhora
terá um ao seu serviço.
— Ser uma hóspede nesta casa, senhor — disse Cecilia, secamente —,
talvez me pareça estranho. Portanto, não tenho a intenção de ficar no seu
caminho.
Mr. Carn então a informou de que ela poderia colocar um selo em tudo o
que pretendia reivindicar ou contestar no futuro e despediu-se.
Cecilia se fechou em seus próprios aposentos, para meditar sem
interrupção antes de proceder a qualquer ação.
Ela se sentia muito inclinada a mandar buscar imediatamente algum
advogado, mas, quando considerou sua situação peculiar, a ausência de seu
marido, a renúncia de seu pai, a perda de sua fortuna e sua ignorância sobre o
assunto, ela achou melhor ficar quieta até que o próprio destino de Delvile e
sua própria opinião pudessem ser conhecidos do que se envolver em um
processo que ela era tão pouco capaz de supervisionar.
Nessa cruel perplexidade de sua mente e de seus assuntos, seu primeiro
pensamento foi se hospedar novamente com Mrs. Bayley, mas o plano logo
foi abandonado, pois ela sentia uma repugnância invencível de continuar em
seu condado natal, quando privada de sua fortuna e expulsa de sua residência.
Sua situação, na verdade, era singularmente infeliz, pois, por essa imprevista
vicissitude do destino, ela repentinamente havia deixado de ser um objeto de
inveja e admiração para se afundar na angústia e ser ameaçada com a
desgraça. Por ser adulada em todos os lugares e elogiada por todas as vozes,
ela corava ante a possibilidade de ser vista e esperava até mesmo ser
censurada. Além disso, por ser geralmente considerada um exemplo de
felicidade e um modelo de virtude, ela se encontrava agora em um momento
no qual apareceria para o mundo como uma pária em sua própria casa, mas
não recebida em nenhuma outra! Uma noiva não reclamada por um marido!
Uma herdeira despojada de toda riqueza!
Ser reconhecida pela primeira vez como Mrs. Delvile em um estado tão
degradante, ela não poderia suportar; e, para escapar disso, restava apenas um
caminho, que consistia em ir diretamente para o exterior.
Sobre isso, portanto, ela finalmente tomou uma decisão; suas objeções
anteriores a tal passo haviam sido totalmente, embora desagradavelmente,
removidas, uma vez que ela não tinha bens nem negócios para exigir sua
estadia, e uma vez que todas as esperanças de ocultação haviam desaparecido
completamente. Com seu casamento, portanto, e suas vergonhosas
consequências sendo divulgadas ao mundo, ela resolveu sem demora buscar o
único asilo que lhe era próprio, na proteção do marido por quem ela havia
renunciado a tudo o mais.
Ela propôs, portanto, ir imediatamente e em segredo para Londres, de onde
poderia definir melhor sua rota para o continente e onde esperava
desembarcar antes que a notícia de seus problemas chegasse a Delvile, a
quem nada, ela estava certa disso, exceto sua própria presença, poderia ali se
manter por um momento depois de ouvi-la.
Assim, uma vez finalmente decidido o seu plano, ela passou a colocá-lo
em execução com calma e intrepidez, confortando-se com o fato de que as
conveniências e indulgências das quais ela estava se separando logo seriam
devolvidas a ela, embora não com igual poder, mas com muito mais
satisfação. Ela comunicou seu administrador da sua intenção de ir na manhã
seguinte a Londres, solicitou que pagasse imediatamente todas as suas
dívidas e liberasse todos os seus criados, decidida a não manter nenhuma
conta aberta a não ser aquela com Mr. Eggleston, que ele havia tornado tão
complicada ao dobrá-la e fazer exigências indevidas, que ela achou mais
prudente e seguro deixá-la inteiramente para Delvile.
Ela então empacotou todos os seus papéis e cartas e ordenou à sua criada
que empacotasse suas roupas. Em seguida, colocou seu próprio selo em seus
móveis, quadros e muitas outras coisas, e empregou quase todos os seus
criados para fazer inventários completos do que cada cômodo continha. Ela
aconselhou Mrs. Harrel a mandar chamar Mr. Arnott sem demora e voltar
para sua casa. A princípio, ela se propôs a levar Henrietta para a casa de sua
mãe, mas agora ocorria outro plano para ela, do qual Cecilia antecipava
muitas vantagens futuras para a amável e abatida menina. Ela sabia muito
bem que, por mais profundo que fosse seu desânimo, a remoção de todas as
possibilidades de esperança ao tomar conhecimento do casamento de Delvile
deveria em breve despertá-la das visões ilusórias de sua fantasia romântica. O
próprio Mr. Arnott estava em uma situação exatamente semelhante, e o
conhecimento do mesmo evento provavelmente produziria o mesmo efeito.
Portanto, quando Mrs. Harrel começou a se lamentar da solidão para a qual
estava voltando, Cecilia lhe propôs a companhia de Henrietta, que, feliz por
aproveitar qualquer coisa que pudesse penetrar sua solidão, ouviu com prazer
e apoiou o convite.
Henrietta, para quem todas as casas pareciam preferíveis à sua, aceitou a
oferta com alegria, obtendo de Cecilia a promessa de comunicação da
mudança de domicílio à Mrs. Belfield.
Cecilia, que conhecia a comprovada honra de Mr. Arnott e teria confiado
uma irmã a ele sem relutância, ficou muito satisfeita com este pequeno
arranjo, do qual, se não resultasse nenhum bem, nenhum mal, pelo menos, era
provável. No entanto, ela esperava, através da piedade mútua, que suas
mútuas melancolias pudessem inspirar suas mentes, que não eram diferentes.
Talvez fossem suavizadas em favor uma da outra, e que, em conclusão, cada
um pudesse ficar feliz em receber o consolo que o outro poderia dar, e
surgiria, então, uma união, na qual sua decepção recíproca poderia, com o
tempo, ser quase esquecida.
De fato, não havia muita promessa de tais eventos no semblante de Mr.
Arnott, quando, tarde da noite, ele veio buscar sua irmã, tampouco na tristeza
ilimitada de Henrietta quando chegou o momento da despedida. Mr. Arnott
parecia meio morto com o impacto que a informação vinda de sua irmã lhe
causara, e o coração de Henrietta, dilacerado entre a amizade e o amor, mal
suportava uma despedida, ainda mais uma despedida de Cecilia, a qual ela
considerava que seria eterna, somada à consciência da sua viagem para se
unir a Delvile para o resto da vida!
Cecilia, que notou e se compadeceu dessas emoções conflitantes, ficou
extremamente magoada com essa separação necessária. Ela amava Henrietta
com muita ternura, amava-a ainda mais pela simpatia de seus afetos, que
suscitavam a mais forte comiseração, a que brota do sentimento de
solidariedade!
— Adeus — exclamou ela —, minha Henrietta, espero que seja tão feliz
quanto é inocente, dessa maneira como eu a amo, e que seus amigos não
tenham nada a desejar para você ou para de você se lamentar.
— Eu sempre lamentarei — exclamou a soluçante Henrietta — não
podermos viver juntas para sempre! Eu lamentaria mesmo se fosse a rainha
de todo o mundo, quanto mais então, quando eu não sou nada, nem ninguém!
Não lhe desejo felicidade, madame, pois acho que a felicidade foi feita de
propósito para satisfazê-la e ninguém mais a teve antes. Só desejo saúde e
vida longa, para o bem daqueles que serão tão felizes quanto a senhorita, pois
a senhorita vai mimá-los, como sempre me mimou, e serão sempre felizes ao
seu lado!
Cecilia reiterou suas garantias de um respeito fiel, abraçou Mrs. Harrel,
disse algumas palavras de gentileza ao desanimado Mr. Arnott e se afastou
deles.
Tendo muitos pequenos assuntos a resolver, e sem companhia nem apetite,
ela não quis jantar, mas, ao passar pelo corredor a caminho de seu próprio
quarto, ficou muito surpresa ao ver todos os seus criados reunidos em um só
corpo. Ela se deteve para indagar sobre a sua intenção e eles avançaram
ansiosamente, implorando humilde e fervorosamente para saber por que
haviam sido dispensados. — Por nenhuma razão em especial — disse Cecilia
—, simplesmente porque no momento não está em meu poder mantê-los por
mais tempo.
— Não se separe de mim por isso, madame — exclamou um deles —, pois
eu a servirei de graça!
— Eu também! — exclamou outro. — E eu! E eu! — foi repetido por
todos eles, além de: — Nenhuma outra patroa semelhante pode ser
encontrada! Não suportaremos viver em outro lugar!
— Fique ao menos comigo, madame — foi até mesmo clamorosamente
exortado por cada um deles.
Cecilia, ao mesmo tempo angustiada e lisonjeada por sua relutância em
deixá-la, recebeu este testemunho de gratidão pelo tratamento gentil e
generoso que haviam recebido com os mais calorosos agradecimentos tanto
por seus serviços quanto por sua fidelidade, e lhes assegurou que, assim que
estivesse novamente instalada, todos aqueles que ainda não tivessem uma
colocação deveriam ser preferidos em sua casa antes de quaisquer outros
requerentes.
Tendo com dificuldade rompido com eles, ela mandou chamar seu criado
pessoal, Ralph, que havia vivido com ela muitos anos antes da morte do
reitor, e disse que ainda pretendia mantê-lo a seu serviço.
O homem ouviu com grande prazer e prometeu redobrar sua diligência
para merecer o seu favor. Ela então comunicou a mesma notícia à sua criada,
que também residia com ela há muitos anos, e por quem foi ouvida com
maior prazer.
Esses e outros ajustes a mantiveram ocupada quase toda a noite. Embora
fosse tarde e estivesse muito cansada ao se deitar, ela não conseguia fechar os
olhos; temerosa de que algo ficasse por fazer, ela se privou do pouco tempo
que havia permitido a si mesma para descansar, meditando incessantemente
sobre o que ainda deveria ser feito. No entanto, ela podia se lembrar de uma
única coisa que havia escapado de sua vigilância, que era comunicar à
sacristã e duas ou três outras mulheres pobres que dela recebiam pensões
semanais que elas não deveriam, ao menos pelo momento, depender mais de
sua ajuda.
Nada poderia ser mais doloroso para ela do que lhes dar tal conhecimento,
mas não se apressar a fazê-lo multiplicaria a barbárie de sua decepção. Ela até
sentia por essas pobres mulheres, cuja perda para elas sabia que seria
irreparável, uma compaixão que afastava de sua mente quase todos os outros
assuntos, e ela decidiu, a fim de amenizar esse infortúnio, que ela mesma
deveria comunicá-las, a fim de impedi-las de afundar e renovar a esperança
de uma ajuda futura.
Ela pediu a uma carruagem alugada que estivesse à sua porta às sete da
manhã, e não demorou para se juntar a ela. Ela deixou sua casa com o
coração cheio de preocupação e ansiedade, lamentando a necessidade de
fazer tal sacrifício, sem saber o que aconteceria e trabalhando sob mil
perplexidades com respeito às medidas que deveria tomar imediatamente.
Quando atravessou o corredor, ela passou por uma fileira de domésticas
chorando, nenhuma das quais poderia ver com os olhos secos a casa privada
de sua patroa. Ela conversou com todas com amabilidade e com toda a alegria
possível, mas o tom de sua voz sugeria que havia poucos motivos para pensar
que a preocupação com aquela viagem era só delas. Ela ordenou que a
carruagem fosse até a casa da sacristã e de lá para a casa das suas outras
dependentes diretas. Entretanto, ela logo se arrependeu da tarefa; a aflição
dessas pobres pensionistas era clamorosa, quase de partir o coração. Elas
disseram que não poderiam mais viver, que estavam arruinadas para sempre,
que logo não teriam mais pão para comer e buscariam ajuda em vão, quando
sua generosa e única benfeitora estava longe!
Cecilia fez os melhores esforços para confortá-las e encorajá-las,
prometendo que, no exato momento em que seus próprios assuntos
estivessem resolvidos, ela se lembraria de todas elas, as visitaria ela mesma e
contribuiria para o seu alívio com todas as forças que lhe restavam. Nada,
entretanto, poderia consolá-las; elas se agarraram a ela, quase tiraram os
cavalos da carruagem e a conjuraram a não abandonar aquelas que eram
apenas acalentadas por sua generosidade!
E isso não foi tudo o que ela teve de suportar; a notícia de sua intenção de
deixar o condado havia sido divulgada por toda a região e espalhado a maior
consternação entre os pobres em geral, os vizinhos de seus próprios
inquilinos em particular, e a estrada logo ficou repleta de mulheres e crianças,
torcendo as mãos e chorando. Elas seguiram sua carruagem com súplicas
para que ela voltasse para elas, misturando bênçãos com suas lamúrias e
orações por sua felicidade com os mais amargos lamentos por sua própria
perda!
Cecilia ficou extremamente emocionada; sua mão generosa e sempre
disposta buscava involuntariamente sua bolsa, a qual suas muitas despesas
imediatas fizeram com que a prudência verificasse com frequência; e pela
primeira vez ela sentiu o erro gravíssimo que havia cometido ao viver
constantemente com o máximo da sua renda, sem nunca se preparar, embora
fosse capaz de fazê-lo, para qualquer contingência infeliz.
Quando ela, por fim, escapou de continuar recebendo tal doloroso tributo à
sua benevolência por mais tempo, ela deu ordens a seu criado para ir na
frente e fazer uma parada em Grove, para que um relato preciso e minucioso
de Mr. Monckton pudesse ser o último, já que agora havia se tornado a
notícia mais importante que ela deveria ouvir em Suffolk. Ele assim o fez, e,
para sua surpresa e deleite, ela soube que de repente ele estava muito melhor
e que havia esperanças para sua recuperação.
Uma informação tão satisfatória a compensava por quase tudo, no entanto,
ela não hesitou em seu plano de ir para o exterior, pois não sabia onde ficar
na Inglaterra e não suportaria apressar Delvile e afastá-lo de sua mãe doente
ao informá-lo de sua situação de desamparo e angústia. Porém, seu ânimo
havia sido tão renovado pela notícia inesperada, que um lampejo da mais
brilhante esperança dançou mais uma vez diante de seus olhos, e ela se sentiu
revigorada com nova coragem e novas forças, o suficiente para apoiá-la em
todas as dificuldades e fadigas.
Ânimo e coragem eram de fato muito necessários para a empreitada que
tinha pela frente, mas, pouco acostumada a viajar, e nunca tendo saído da
Inglaterra, ela não conhecia a rota, senão por um conhecimento geral de
geografia, que, embora pudesse orientá-la para leste ou oeste, não poderia lhe
ensinar nada sobre costumes estrangeiros, quais os preparativos necessários
para a viagem, as imposições contra as quais ela deveria se precaver, nem os
diversos perigos aos quais ela poderia ser exposta por total desconhecimento
do país por onde teria de passar.
Consciente das deficiências para tal empreendimento, ela deliberava sem
descanso sobre como evitá-las. Ainda assim, às vezes, quando a esses riscos
se somavam aqueles decorrentes de sua juventude e do seu sexo, ela estava a
ponto de renunciar ao seu plano, por ser perigoso demais para ser executado,
e pensava em continuar em particular em Londres até que surgisse alguma
mudança em seus assuntos.
Porém, embora para cada coisa que ela pudesse sugerir surgissem dúvidas
e dificuldades, ela não tinha nenhum amigo a quem pudesse consultar, nem
poderia imaginar qualquer meio pelo qual elas pudessem ser eliminadas. Sua
criada era sua única companheira, e Ralph, que havia passado quase toda a
vida em Suffolk, seu único segurança e assistente. Contratar imediatamente
um criado francês, acostumado a viajar em seu próprio país, parecia o
primeiro passo que ela deveria dar, e tão essencial que nenhum outro parecia
viável até que este fosse feito.
Mas, onde encontrar um homem assim, ela não saberia dizer, e aceitar um
que não fosse bem recomendado seria expor-se a inúmeras fraudes e perigos.
No entanto, apesar da lentidão com a qual Delvile viajava, de quem sua
última carta ainda era datada de Ostende, ela estava quase certa de que
poderia chegar ao continente e alcançá-lo em sua rota depois de um ou dois
dias de seu desembarque.
A sincera disposição que apoiava este plano fazia com que a cada
momento ela estivesse menos disposta a abandoná-lo. Parecia ser o único
porto para ela depois da tempestade à qual tinha resistido, e o único refúgio
que poderia buscar adequadamente enquanto estivesse indefesa e
desamparada. Mesmo se Delvile estivesse na Inglaterra, ele não teria nenhum
lugar para lhe oferecer, nem poderia propor algo tão irrepreensível como ela
viver com Mrs. Delvile em Nice, até que conhecesse a vontade de seu pai, e,
em uma viagem particular para casa, tivesse arranjado seus assuntos tanto
para o seu retorno quanto para sua permanência no exterior.
Com que pesar ela agora olhava para trás, para o tempo em que, em uma
aflição como essa, ela teria solicitado e recebido o conselho de Mr.
Monckton, como um oráculo. A perda de alguém que havia sido um
conselheiro por tanto tempo, tão implicitamente confiável, perdido também
para ela apenas por sua própria inutilidade interessada, ela sentia quase
diariamente, pois quase diariamente alguma complexidade ou embaraço a
fazia sentir falta de sua ajuda. E, embora estivesse feliz, desde que descobrira
que ele era tão indigno, que havia escapado das armadilhas que ele havia
preparado para ela, Cecilia lamentava muito não conhecer nenhum homem de
caráter honesto e igual capacidade que se importasse com ela o suficiente
para ocupar seu lugar em sua confiança.
Na situação em que se encontrava, ela só conseguia pensar em Mr.
Belfield, a quem poderia pedir conselhos. Porém, nem mesmo para ele a
solicitação era irrepreensível, pois as calúnias de Mr. Delvile haviam tornado
até mesmo sua visão desagradável para ela. Mas ele era ao mesmo tempo um
homem do mundo e um homem de honra; era amigo de Mortimer, cuja
confiança nele era grande, e seu próprio comportamento havia demonstrado
de maneira uniforme um respeito muito distante da impertinência ou da
vaidade, e uma mente superior apesar da influência de sua mãe grosseira. Ela
estava, de fato, quando saiu da sua casa pela última vez, determinada a nunca
mais voltar, mas determinações precipitadas ou violentas raramente são
observadas, porque são raramente praticáveis. Ela havia prometido a
Henrietta que informaria Mrs. Belfield de onde ela estava e reconciliá-la com
sua ausência de casa por um tempo ainda maior. Assim, ela decidiu ir à
Portland Street sem demora e perguntar abertamente e imediatamente se, e
quando, poderia falar com o Mr. Belfield e, se fosse novamente atormentada
por quaisquer insinuações ousadas, retificar todos os erros reconhecendo seu
casamento.
Ela deu instruções de acordo a Ralph.
Com respeito aos seus próprios aposentos enquanto estava na cidade,
como o dinheiro não era mais um assunto sem importância para ela, ela
pretendia ir da residência dos Belfields para as colinas, onde encontraria
recomendação de algum lugar de boa reputação e barato. Então, embora fosse
muito tarde, ela foi primeiro aos Belfields, pouco disposta a perder um só
momento no planejamento da sua viagem para o exterior.
Ela deixou a criada na carruagem e mandou Ralph procurar Mrs. Hill, com
instruções para que se empenhasse imediatamente em conseguir um
alojamento para ela.
CAPÍTULO 98

UMA INDISCRIÇÃO

Cecilia foi conduzida a uma sala de visitas onde Mrs. Belfield conversava
animadamente com Mr. Hobson e Mr. Skimkins, e o próprio Mr. Belfield,
para sua grande satisfação, também se encontrava na sala, lendo.
— Ora, ora — exclamou Mrs. Belfield —, não é sempre que a gente vê as
pessoas de quem estamos falando! Ainda esta manhã, madame, eu estava
dizendo a Mr. Hobson que uma jovem com uma fortuna como Miss Beverley
deveria ficar muito deprimida no campo! Não foi isso mesmo, Mr. Hobson?
— Sim, senhora — respondeu Mr. Hobson —, mas acredito que, da minha
parte, a jovem tem todo o direito de fazer o que quiser, pois é isso o que
chamo de viver agradavelmente, e se eu fosse uma jovem, com tão boa
fortuna, é isso, é exatamente o que eu iria fazer, pois o que eu digo é o
seguinte: onde está a alegria de ter um pouco de dinheiro e estar um pouco
acima do mundo, se não tem vontade própria?
— Madame — disse Mr. Skimkins, que mal havia levantado a cabeça da
profundidade de sua reverência quando Cecilia entrou na sala —, se puder
tomar a liberdade, posso me atrever a lhe oferecer esta cadeira?
— Eu vim, madame — disse Cecilia, aproveitando a primeira
oportunidade para falar —, para informar que sua filha, que se encontra
perfeitamente bem, fez uma pequena mudança em sua situação, que ela
estava ansiosa para fazê-la ouvir por mim mesma.
— Ah! Arranjou um pretendente, eu garanto! — exclamou o jocoso Mr.
Hobson. — Um bom exemplo para a senhorita, mocinha; e se seguir meu
conselho, não demorará muito para segui-lo, pois quanto a ser uma lady, ela
nunca vai ter algum valor, ela será uma mera ninguém, como se pode dizer,
até que consiga um marido, já que nada sabe sobre negócios e é obrigada a
pagar um valor maior por todas as coisas.
— Que vergonha, Mr. Hobson, que vergonha! — disse Mr. Skimkins. —
Falar de forma tão depreciativa das damas quando elas estão presentes! O que
se diz em reservado é de outra natureza, mas quanto a falar de maneira tão
rude na companhia delas, achava que o senhor não apreciava esse tipo de
coisas.
— Senhor, não tenho a intenção de ser mais rude do que o cavalheiro —
disse Mr. Hobson —, pois o que eu digo é que a grosseria é uma coisa que
não torna ninguém agradável. Porém, não vejo, com isso, por que um homem
não deve dizer o que pensa a uma dama, assim como a um cavalheiro, desde
que o faça de maneira complacente.
— Mr. Hobson — exclamou Mrs. Belfield, muito impaciente —, seria
melhor se me deixasse falar quando se trata da minha própria filha.
— Peço seu perdão, madame — disse ele —, não tive a intenção de detê-
la; pois, quanto a não deixar uma dama falar, é o mesmo que dizer a um
homem de negócios que não consulte o Daily Advertiser, porque é
moralmente impossível!
— Mas é claro, madame — exclamou Mrs. Belfield —, que este não é o
caso. A senhorita não pode ter a intenção de se separar dela tão cedo.
“Quem me dera”, pensou Cecilia, que então ofereceu suas explicações. No
entanto, ao falar de Mrs. Harrel, ela evitou qualquer menção a Mr. Arnott,
prevendo que ouvir falar que o homem existia, e que estava na mesma casa
com sua filha, seria autoridade suficiente para suas expectativas otimistas, por
depender de uma união entre eles, e ao relatar o fato à sua família, com a
situação dela sendo esclarecida, Cecilia acrescentou: — Eu não poderia, de
forma alguma, ter consentido voluntariamente em me separar tão cedo de
Miss Belfield, mas meus próprios assuntos me obrigam agora a deixar o reino
— então, dirigindo-se a Mr. Belfield, perguntou se ele poderia lhe
recomendar um criado estrangeiro de confiança, que seria contratado apenas
para o tempo que ela passasse no exterior.
Enquanto Mr. Belfield se esforçava para se lembrar de uma pessoa assim,
Mr. Hobson disse com entusiasmo: — Quanto a ir para o exterior, madame,
certifique-se de fazer o que quiser, pois essa, como eu sempre digo, é a alma
de todas as coisas, mas não posso dizer que é algo que aprovo muito, pois
minha ideia é esta: aqui está uma bela fortuna, obtida, como um homem pode
dizer, das entranhas da própria pátria, e esta bela fortuna, à revelia da
descendência masculina, está obrigada a ir para uma mulher, a lei não
fazendo ressalvas em contrário. Pois bem, esta mulher, indo para um país
estranho, naturalmente leva consigo esta fortuna, pois este é o principal artigo
do qual ela depende; e qual é o resultado? Ora, ela é roubada por um grupo de
vigaristas que nunca viram a Inglaterra em suas vidas, e que nunca a perdem
de vista até que ela não tenha um níquel no mundo. Mas a dificuldade da
coisa é esta: quando tudo estiver acabado, a madame pode voltar, mas o
dinheiro vai voltar? Não, nunca mais voltará a vê-lo, e isto é o que eu chamo
de não ser um verdadeiro patriota.
— Estou muito envergonhado de ouvi-lo falar assim, Mr. Hobson! —
exclamou Mr. Skimkins, fingindo sussurrar. — Levar uma pessoa a realizar
uma missão dessa maneira, este é um comportando bastante insuportável; é o
suficiente para fazer a jovem ficar com medo de falar na sua presença.
— Ora, Mr. Skimkins — respondeu Mr. Hobson —, a verdade é a
verdade, quer se diga ou não; e isso, madame, ouso dizer, uma jovem com o
seu bom senso sabe tão bem quanto eu.
— Eu creio, madame — disse Mr. Belfield, que aguardava o silêncio deles
com grande impaciência —, que conheço exatamente o homem que procura,
e alguém em cuja honestidade acredito que pode confiar.
— Isso é mais — disse Mr. Hobson — do que eu me atreveria a dizer de
qualquer inglês! Onde você poderá encontrar um francês assim, não me
atrevo a dizer.
— Ora, de fato — disse Mr. Skimkins —, se eu pudesse tomar a liberdade
de intervir, embora não pretenda de forma alguma contradizer o jovem
cavalheiro, mas, se eu tivesse a ousadia de expressar minha opinião particular
sobre a pessoa, estaria inclinado a dizer que, quanto a depender dos franceses,
o resultado é uma coisa bastante duvidosa.
— Eu considero um grande favor, madame — disse Mrs. Belfield —, que
tenha sido tão complacente a ponto de me fazer esta visita esta noite, pois
quase tive medo de que não merecesse mais este privilégio, pois com certeza,
da última vez em que esteve aqui, as coisas não foram muito bem; mas da
minha parte eu não tinha ideia de quem era o velho cavalheiro até depois de
sua partida, quando Mr. Hobson me disse que era o velho Mr. Delvile,
embora, com certeza, eu achasse que era uma coisa extraordinária que ele
viesse aqui em minha sala e fizesse segredo do seu nome com o propósito de
me fazer perguntas sobre meu próprio filho.
— Creio que, de fato, se posso tomar a liberdade — disse Mr. Skimkins
—, foi um tanto peculiar da parte do cavalheiro, pois, com certeza, se ele
estava tão curioso para ouvir sobre seus interesses particulares, a coisa mais
amável a fazer, se me permitem a liberdade de discordar, seria ele dizer:
“Madame, venho lhe pedir o favor de me deixar um pouco mais a par do que
seu filho tem feito, e qualquer coisa, madame, que gostaria de me perguntar
em contrapartida, eu serei muito complacente, madame, em lhe dar esta
satisfação”.
— Ouso dizer — respondeu Mrs. Belfield — que ele não teria falado tanto
se o senhor tivesse se ajoelhado e pedido, porque ele estava a ponto de ficar
irritado apenas porque perguntei o seu nome, embora que mal isso poderia
causar, estou certa de que nunca poderia adivinhar. No entanto, como ele
estava muito curioso sobre meu filho, se eu soubesse quem ele era a tempo,
não teria o menor escrúpulo em perguntar a ele se ele não poderia ter dito
algumas palavras em nome do rapaz para alguns daqueles grandes homens
que poderiam ter lhe feito algum bem. Mas eu acredito que o que o deixou de
mau humor foi eu ter tido o azar de dizer, antes mesmo de saber quem ele era,
que eu tinha ouvido que ele não era uma pessoa bem-humorada, pois eu logo
vi que ele não parecia ter apreciado o fato na ocasião.
— Se ele tivesse feito alguma coisa generosa — disse Mr. Skimkins —,
teria sido oferecer seus serviços por sua própria vontade, e é bastante
surpreendente para mim que ele nunca tenha pensado nisso. O que poderia
ser tão natural para ele dizer, eu vejo, madame, seria: “É muito provável que
a senhora tenha um jovem cavalheiro aqui que está passando por alguma
dificuldade financeira, então eu suponho, madame, que um lugar, ou uma
pensão, ou algo nesse estilo de vida, não seria ruim”.
— Mas nenhuma sorte desse tipo vem em minha direção — exclamou
Mrs. Belfield —, e eu posso lhe dizer que tudo o que eu quero fazer é
exatamente o contrário. Quem não teria pensado que um filho como o meu,
embora eu diga isso na cara dele, não poderia ter feito sua fortuna há muito
tempo, e estar vivendo como ele, entre todas as grandes pessoas, e jantando à
mesa como um deles? No entanto, apesar de tudo isso, vejam que eles o
deixaram seguir seu próprio caminho e não pensam mais nele! Estou certa de
que eles deveriam se envergonhar de mostrar seus rostos, então eu diria isso
na mesma hora, se eu pudesse apenas avistá-los.
— Não é a isso que me refiro — disse Mr. Skimkins —, não tive a
intenção de criticar o que a senhora diz, pois eu não seria indelicado de forma
alguma, mas, se posso tomar a liberdade de divergir um pouco, devo dizer
que prefiro trabalhar de outra maneira; e se eu fosse a senhora...
— Mr. Skimkins — interrompeu Mr. Belfield —, resolveremos essa
questão em outro momento — e então, voltando-se para a cansada Cecilia,
disse: — O homem, madame — disse ele —, a quem eu mesmo tenho a
honra de recomendar à senhorita, posso ver amanhã de manhã. Tenho sua
permissão, então, para lhe pedir para procurá-la?
— Peço perdão por intervir — disse Mrs. Skimkins, antes que Cecilia
pudesse responder, e novamente se curvando até o chão —, mas eu só quero
dizer que não pensei em ser impertinente, e quanto ao que eu estava
planejando observar, não tinha a menor importância.
— É uma grande sorte, madame — disse Mrs. Belfield —, que por acaso
tenha vindo aqui em um feriado. Se meu filho não estivesse em casa, eu
estaria prestes a chorar por uma semana; e a senhorita poderia vir a qualquer
dia do ano, exceto em um domingo, e não o encontrar mais do que se ele
nunca tivesse uma casa para ir.
— Se as visitas domiciliares de Mr. Belfield são tão periódicas — disse
Cecilia —, deve ser bem menos difícil encontrá-lo, e não mais.
— Ora, a senhorita deve saber — respondeu Mrs. Belfield — que hoje é
um dia especial, esta é a razão.
— Um dia especial?
— Meu bom Deus, madame, ora, então não soube que meu filho virou
guarda-livros?
Cecilia, muito surpresa, olhou para Mr. Belfield, que, muito ruborizado e
aparentemente muito irritado pela loquacidade de sua mãe, disse: — Se Miss
Beverley não soubesse até agora, madame, eu provavelmente não teria
perdido nenhum crédito com ela.
— Certamente não pode perder nenhum, senhor — respondeu Cecilia —,
por ter assumido um trabalho por qualquer motivo.
— Não é, madame, o trabalho em si — disse ele — que me vergonha, nem
a pessoa que me emprega, sou eu mesmo! No início do inverno a senhorita
me viu empenhado em outro negócio, um negócio com o qual eu estava
loucamente encantado e completamente convencido de que ficaria encantado
para sempre; agora, mais uma vez, no início do verão, a senhorita me
encontra em uma nova ocupação!
— Eu sinto muito — disse Cecilia —, mas, na verdade, não estou surpresa
que tenha se enganado com expectativas tão otimistas.
— Enganado! — exclamou ele com energia. — Eu estava enfeitiçado,
estava apaixonado! O bom senso foi afastado pela sedução de uma fantasia;
meu entendimento estava fermentando pela ebulição de minha imaginação!
Mas, quando essa nova forma de vida perdeu sua novidade... novidade!
Aquela felicidade de duração tão curta, mas requintada, assim que é
capturada, ela desaparece; uma vez degustada, desvanece. Que encanta, mas
não voa, e vem apenas para destruir o que deixa para trás! Uma vez perdida, a
razão fria e sem coração tomou o seu lugar e, ao me ensinar a ficar
maravilhado com o frenesi da minha loucura, trouxe-me de volta a mansidão,
a tristeza da realidade!
— Estou certa de que — exclamou Mrs. Belfield — o que quer que o
tenha trazido de volta, não o trouxe de volta por nada! É um caso difícil,
madame, para uma mãe, ver um filho que poderia fazer tudo o que quisesse,
se ele apenas estivesse disposto a fazê-lo, contentando-se em fazer nada além
de rabiscar e escrever em um dia, e quando ele se cansa disso, não pensa em
nada melhor do que estabelecer quanto é dois mais dois.
— Ora, madame — disse Mr. Hobson —, o que tenho visto do mundo é
isso: não há nada que metodize um homem a não ser os negócios. Se ele
nunca anda o suficiente com pernas de pau, esta é sempre uma maneira
segura de derrubá-lo, pois logo descobrimos que não há nada a ganhar sendo
arrogante. Que cada homem seja seu próprio escultor; mas o que eu digo é,
aqueles cavalheiros que são o que se pode chamar de gênios, comumente não
pensam na possibilidade principal até que recebam um tapinha no ombro com
uma ordem judicial, e um rapaz sólido, que sabe que três vezes cinco são
quinze, vai levar a melhor no longo prazo. Porém, quanto a discutir com
cavalheiros desse tipo, qual a vantagem disso? Nunca se pode levá-los ao
ponto, digam o que quiserem; tudo o que se pode obter deles é um monte de
palavras bonitas que não se pode compreender sem um dicionário.
— Sinto-me inclinado a pensar — disse Mr. Skimkins — que o jovem
cavalheiro gosta mais do prazer do que de negócios, e, sem dúvida, é muito
desculpável da sua parte, porque é mais agradável. E devo dizer que, se posso
tomar a liberdade, simpatizo com a mente do jovem cavalheiro, pois os
negócios são muito mais problemáticos.
— Espero, no entanto — disse Cecilia para Mr. Belfield —, que sua
situação atual seja menos enfadonha para o senhor.
— Qualquer situação, madame, deve ser menos enfadonha do que a que
abandonei; escrever como regra, compor por necessidade, tornar o
entendimento, primeiro dom da natureza, subserviente aos interesses, a prole
mais mesquinha da arte, quando cansado, apático, sem ânimo para torcer a
cabeça para a invenção, a memória para as imagens e a fantasia para os
adornos e ilusão; e quando a mente está totalmente ocupada com seus
próprios afetos e assuntos, convocar todas as suas faculdades para temas
estranhos, discussões pouco interessantes ou incidentes fictícios! Céus! Que
vida de luta entre a mente e o coração! Quão cruel, quão antinatural é uma
guerra entre o intelecto e os sentimentos!
— Quanto a esse tipo de coisas — disse Mr. Hobson —, não posso dizer
que sou muito versado nelas, porque são coisas que nunca estudei muito; mas
se eu tivesse que dizer qual é a minha ideia, é esta: a melhor maneira de
prosperar no mundo é ganhando dinheiro, mas como isso pode ser obtido?
Ora, através dos negócios, pois os negócios são para o dinheiro o que belas
palavras são para uma dama: um caminho seguro para o sucesso. Agora, eu
não quero dizer com isso que pretendo censurar as damas, pois elas não têm
mais nada em que se basear, pois quanto a examinar se um homem sabe
alguma coisa do mundo, elas não têm nada pelo que julgar, já que elas
mesmas não o conhecem. De forma que, quando são enganadas por bandidos
e vigaristas, a culpa é toda da lei, por não fazer nenhuma ressalva para que
elas não tenham dinheiro em suas próprias mãos. Que cada um seja confiável
de acordo com o que leva na cabeça, e o que eu digo é o seguinte: uma dama,
nesses casos, é digna de pena, pois ela é obrigada a aceitar um homem por
seu próprio crédito, o que equivale a crédito algum. Qual homem dirá uma
palavra ruim de si mesmo? Também não se deve esperar que um xelim ruim
grite “não me leve!” Isso é o que eu digo, e esta é a minha maneira de dar
meu voto.
Cecilia, bastante cansada dessas interrupções e impaciente para ir embora,
disse a Mr. Belfield: — Eu lhe agradeceria, senhor, se pudesse me enviar o
homem de quem fala amanhã de manhã. Desejo também consultá-lo sobre o
caminho que devo seguir. Meu propósito é ir para Nice, e como desejo viajar
com rapidez, talvez possa me instruir sobre qual é o melhor método a ser
seguido.
— Vamos, Mr. Hobson e Mr. Skimkins — disse Mrs. Belfield, com uma
expressão muito significativa e encantadora —, suponho que deveríamos ir
para a sala ao lado. Não há necessidade de ouvirmos tudo o que a jovem
possa ter em mente para dizer.
— Não tenho nada a dizer, madame — exclamou Cecilia —, que o mundo
inteiro não possa ouvir. Nem é meu propósito falar, mas ouvir, se Mr.
Belfield tiver tempo para me favorecer com seus conselhos.
— Eu sempre terei tempo, e ficarei muito honrado, madame — começou
Mr. Belfield, quando Mr. Hobson o interrompeu e disse:
— Peço perdão, senhor, por me intrometer, mas só quero desejar boa noite
à jovem. Quanto a interferir nos negócios, esse não é o meu jeito, pois não é o
método certo, por uma razão...
— Ouviremos sua razão, senhor — disse Mr. Belfield —, em outra
oportunidade. No momento, iremos lhe dar todo o crédito mesmo sem ter
sido ouvido.
— Que cada homem diga sua própria máxima, senhor — respondeu Mr.
Hobson —, pois isso é o que chamo de argumentação justa, mas, quanto ao
fato de uma pessoa dizer alguma coisa e depois dar uma resposta na
barganha, ora, não vai funcionar de jeito nenhum; pode-se muito bem falar
com um balcão e pensar, porque se faz um barulho sobre ele com suas
próprias mãos, que ele está dando uma resposta.
— Ora, Mr. Hobson — exclamou Mrs. Belfield —, estou muito
envergonhada do senhor por ser tão estúpido! Não vê que meu filho tem algo
a dizer à dama que o senhor e eu não temos que nos intrometer?
— Da minha parte, madame — disse Mr. Skimkins —, estou muito
satisfeito em ir embora, pois, quanto a deixar a jovem envergonhada, é o que
eu não faria de maneira alguma!
— Eu só queria dizer — disse Mr. Hobson, quando foi interrompido por
Mrs. Belfield, que, sem paciência, o empurrou para fora da sala pelos ombros
e, puxando Mr. Skimkins, deixou a sala e fechou a porta atrás de si, embora
Cecilia, muito provocada, desejasse que ela ficasse e declarasse
repetidamente que todos os seus assuntos eram públicos.
Mr. Belfield, que parecia pronto para assassinar todos eles durante esta
curta cena, aproximou-se de Cecilia e, com uma expressão que misturava
coragem e respeito, disse: — Estou muito triste e muito envergonhado,
madame, que seus ouvidos tenham sido ofendidos com discursos tão
impróprios. No entanto, se for possível, posso ter a honra de ser útil de
alguma maneira; em mim, assim espero, a senhorita pode confiar. Estou em
uma situação muito inferior à sua para que possa formar alguma opinião
sinistra sobre este favor, e permita-me acrescentar que estamos muito
próximos em nossas mentes para lhe causar a dor de me obrigar a lembrar
desta distância.
Cecilia, então, extremamente relutante em escandalizar uma sensibilidade
tão generosa, decidiu continuar suas indagações e, ao mesmo tempo, evitar
qualquer outro equívoco, revelando sua situação real.
— Lamento, senhor — respondeu ela —, ter ocasionado esta perturbação.
Mrs. Belfield, creio eu, não está totalmente familiarizada com a circunstância
que agora me leva para o exterior, ou isso não teria acontecido.
Neste momento, um pequeno ruído no corredor a interrompeu e ela ouviu
Mrs. Belfield dizendo em voz baixa: — Silêncio, senhor, silêncio! Não deve
entrar agora; o senhor me pegou, eu confesso, escutando atrás da porta, mas,
para dizer a verdade, não sabia o que poderia acontecer. No entanto, não
posso permitir sua entrada agora, eu lhe asseguro, porque meu filho está
tratando um assunto particular com uma dama, e Mr. Hobson, Mr. Skimkins
e eu fomos todos praticamente expulsos de lá agora mesmo.
Cecilia e Mr. Belfield, embora tivessem escutado este discurso com
indignação mútua, não tiveram tempo para comentá-lo ou expressá-lo, já que
uma voz ao mesmo tempo alta e furiosa respondeu: — A senhora, madame,
pode se contentar em apenas ouvir; perdoe-me se eu tiver uma disposição
menos humilde — a porta foi aberta abruptamente pelo jovem Delvile!
Cecilia, que soltou um gritou de susto, nem mesmo com a presença de Mr.
Belfield e sua mãe teria sido impedida de avançar ao seu encontro se ao
menos o seu próprio aspecto convidasse tal expressão de ternura, mas o caso
era bem outro. Quando a porta foi aberta, Mortimer parou bruscamente com
um olhar meio petrificado, os pés parecendo enraizados no local onde
estavam.
— Eu declaro meu perdão, madame — exclamou Mrs. Belfield —, mas a
interrupção não foi culpa minha, pois o cavalheiro iria entrar e...
— Não há interrupção alguma — exclamou Mr. Belfield. — Mr. Delvile
não faz nada além de nos honrar com sua presença.
— Eu agradeço, senhor — disse Delvile, tentando se recuperar, mas
tremendo violentamente e falando com a mais gélida frieza.
Então, eles ficaram todos em silêncio por alguns instantes; Cecilia,
espantada com sua chegada, ainda mais espantada pelo seu comportamento,
temeu falar para que ele não tivesse a intenção, ainda, de confessar seu
casamento, e sentiu mil apreensões de que alguma nova calamidade o tivesse
trazido para casa rapidamente, ao passo que Mr. Belfield estava tanto
magoado por sua singularidade quanto constrangido por causa de Cecilia, e
sua mãe, embora se espantasse com todos eles, manteve-se calada pela
aparência do filho.
Delvile, então, lutando para manter uma aparência de tranquilidade, disse:
— Parece que causei uma confusão generalizada aqui; por favor, eu
imploro...
— Em absoluto, senhor — disse Mr. Belfield, e ofereceu uma cadeira a
Cecilia.
— Não, senhor — respondeu ela em uma voz quase inaudível —, eu já
estava de saída.
— Temo tê-la apressado — disse Delvile, cujo corpo inteiro agora tremia
de emoção incontrolável. — A senhorita estava tratando de algum assunto,
devo implorar seu perdão, minha entrada, creio eu, foi inoportuna.
— Senhor! — exclamou ela, parecendo horrorizada com este discurso.
— Eu deveria estar bastante surpreso — acrescentou ele — por tê-la
encontrado aqui, tão tarde, tão inesperadamente, tão profundamente
comprometida, se não tivesse visto seu criado na rua, que me falou sobre a
honra que eu deveria receber ao vir aqui.
— Meu Deus! — exclamou ela, involuntariamente. Porém, controlando-se
o melhor que pôde, fez uma reverência a Mrs. Belfield, sem poder falar com
ela, e, evitando até mesmo olhar para Mr. Belfield, que respeitosamente se
afastou, saiu apressada da sala, acompanhada por Mrs. Belfield, que mais
uma vez oferecia as mais volúveis e vulgares desculpas pela intromissão.
Delvile também, depois de uma pausa momentânea, a seguiu, dizendo: —
Imploro sua permissão, madame, para acompanhá-la até sua carruagem.
Cecilia, então, apesar de Mrs. Belfield ainda continuar falando, não
conseguiu mais se conter: — Meu Deus, o que significa tudo isso?
— É o que eu tenho me perguntado — respondeu ele, com tamanha
agitação que não pôde, embora fosse sua intenção, ajudá-la a subir na
carruagem —, pois a minha, eu acredito, é a surpresa maior!
— Qual surpresa? — perguntou ela. — Explique-se, eu imploro!
— Em breve, eu o farei — respondeu ele. — Pode seguir, postilhão!
— Seguir para onde, senhor?
— Para o lugar de onde veio, eu suponho.
— De volta a Rumford?
— Rumford! — exclamou ele, com desordem crescente. — Então veio
diretamente de Suffolk para cá? De Suffolk para esta própria casa?
— Céus! — gritou Cecilia. — Entre na carruagem e deixe-me falar e ouvir
para que possa entender.
— Quem está lá dentro agora?
— Minha criada.
— Sua criada? E ela a aguarda na porta?
— O quê? O que quer dizer com isso?
— Diga ao homem, madame, para onde ir.
— Eu mesma não sei, irei para qualquer lugar que quiser, o senhor dá as
ordens.
— Eu dou as ordens? Você não veio aqui para receber minhas ordens!
Onde tinha a intenção de descansar?
— Eu não sei, pensei em ir para a casa de Mrs. Hill, eu não tenho nenhum
lugar reservado.
— Nenhum lugar reservado? — repetiu ele, com uma voz que oscilava
entre a paixão e a dor. — Você tinha a intenção de ficar aqui? Talvez eu a
tenha afugentado?
— Aqui? — gritou Cecilia, misturando, por sua vez, indignação com
surpresa. — Deus misericordioso! Do que está duvidando?
— Nada! — exclamou ele, com ênfase. — Nunca tive e nunca terei
dúvidas! Eu saberei, terei convicção de tudo! Postilhão, vá para St. James’s
Square! Para a casa de Mr. Delvile. Lá, madame, eu a aguardarei.
— Não! Fique, postilhão! — exclamou Cecilia, tomada por um terror
inexprimível. — Deixe-me sair, deixe-me falar com você de uma vez!
— Não é possível, vou segui-la em alguns minutos; siga em frente,
postilhão!
— Não, não! Eu não irei, não me atrevo a deixá-lo, cruel Delvile! Do que
você suspeita?
— Cecilia — disse ele, apoiando a mão na porta da carruagem —, eu
sempre acreditei que você fosse um anjo imaculado! E, por Deus! Eu ainda
acredito em você, apesar das aparências tão desafiadoras! Agora, fique
tranquila, estarei com você muito em breve. Enquanto isso, pegue esta carta
que eu estava prestes a lhe enviar. Postilhão, siga em frente ou estará por sua
conta e risco!
O homem não esperou uma segunda ordem, nem acatou a proibição de
Cecilia, que o chamava sem cessar, mas ele não a ouviu até chegar ao final da
rua; ele então parou, ela rompeu o selo da carta e leu à luz das lâmpadas o
suficiente para saber que Delvile a havia escrito na estrada de Dover para
Londres, para informá-la que sua mãe agora estava melhor, e que se
compadecia de seu suspense e impaciência, e que havia insistido em sua
vinda secreta para a Inglaterra, para se satisfazer plenamente com a situação
de Mr. Monckton, comunicar seu casamento ao pai e dar as ordens de
preparação para que se tornasse público, o que sua precipitação infeliz ao
deixar o reino o havia impedido.
Esta carta, que, embora escrita poucas horas antes de recebê-la, era cheia
de ternura, gratidão e ansiedade por sua felicidade, imediatamente a
convenceu de que seu estranho comportamento tinha sido inteiramente o
efeito de um repentino impulso de ciúme, despertado pelo fato de encontrá-la
na cidade de maneira tão inesperada, na própria casa onde seu pai lhe
garantira que ela possuía uma conexão indevida, e sozinha, de maneira tão
suspeita, com o jovem que afirmava ser seu favorito. Ele não sabia nada
sobre sua expulsão, nada sobre a razão pela qual ela havia deixado Suffolk,
tudo parecia não ter outro motivo a não ser entregar-se a uma inclinação
privada e criminosa.
Estes pensamentos, que confusamente, mas com força, invadiram sua
mente, trouxeram consigo uma desculpa para sua conduta e uma inquietação
para seu perigo:
— Ele deve pensar — exclamou ela — que vim à cidade apenas para me
encontrar com Mr. Belfield! — ela, então, abriu ela mesma a porta da
carruagem, saltou e correu de volta à Portland Street, impaciente demais para
discutir com o postilhão para que regressasse, e só parou quando chegou à
casa de Mrs. Belfield.
Ela bateu na porta com violência; Mrs. Belfield a recebeu: — Onde —
perguntou ela, entrando apressadamente enquanto falava — estão os
cavalheiros?
— Ora, ora, madame — respondeu Mrs. Belfield —, os dois já saíram.
— Saíram? Para onde? Para qual lado?
— Estou certa de que não posso dizer, madame, não mais do que a
senhorita; mas temo que eles tenham uma briga antes de terminarem o
assunto.
— Céus! — exclamou Cecilia, que agora não duvidava de um segundo
duelo. —Diga-me, mostre-me, para onde foram?
— Ora, madame, para lhe revelar o segredo — respondeu Mrs. Belfield
—, só imploro que não diga nada ao meu filho, mas, vendo-os se
comportando de forma tão estranha, eu implorei o favor de Mr. Skimkins, já
que Mr. Hobson tinha ido ao clube, apenas para segui-los e ver o que eles
estavam tramando.
Cecilia se alegrou muito com a tomada de precaução e decidiu esperar seu
retorno. Ela teria mandado chamar a carruagem para segui-los, mas Mrs.
Belfield não possuía criados, e a empregada doméstica estava ocupada
preparando o jantar.
Quando Mr. Skimkins voltou, ela soube, após várias interrupções de Mrs.
Belfield e muito atraso devido à sua própria lentidão e circunlóquio, que ele
havia seguido os dois cavalheiros até o café ___.
Ela não hesitou um momento em resolver segui-los; ela temia o fracasso
de qualquer comissão, nem sabia a quem confiar e o perigo era muito
eminente para muita deliberação. Ela implorou, portanto, que Mr. Skimkins a
acompanhasse até a carruagem, mas ouvindo que o café ficava na outra
direção, ela solicitou que Mrs. Belfield enviasse a criada até Mrs. Roberts, em
Fetterlane, e então ansiosamente solicitou a Mr. Skimkins que a
acompanhasse a pé até que encontrasse uma carruagem de aluguel.
Eles então partiram, Mr. Skimkins sentindo-se orgulhoso e feliz por ter
permissão para atendê-la, enquanto Cecilia, satisfeita com qualquer proteção,
aceitou sua oferta de continuar com ela, mesmo depois de encontrar uma
carruagem de aluguel.
Ao chegar ao café, ordenou ao cocheiro que pedisse ao dono que viesse
falar com ela.
Ele veio, e ela rapidamente perguntou: — Por favor, senhor, há dois
cavalheiros aqui?
— Há vários cavalheiros aqui, madame.
— Sim, sim, mas são dois discutindo um assunto, qualquer assunto em
particular...
— Dois cavalheiros, madame, chegaram cerca de meia hora atrás e
pediram uma sala só para eles.
— E onde eles estão agora? Eles estão no andar de cima? No andar de
baixo? Onde eles estão?
— Um deles foi embora depois de cerca de dez minutos, e o outro logo
depois.
Amargamente mortificada e desapontada, ela não sabia que passo dar a
seguir, mas, depois de alguma consideração, decidiu obedecer às instruções
do próprio Delvile e dirigiu-se para St. James’s Square, onde agora, sozinha,
ela parecia ter alguma chance de se encontrar com ele. Assim, com muito
gosto ela consentiu em ainda ser acompanhada por Mr. Skimkins, pois seu
medo de ficar sozinha, tão tarde da noite, em uma carruagem de aluguel, era
invencível. Se o próprio Delvile tinha alguma autoridade para encaminhá-la
para a casa de seu pai, ou se, na perturbação de suas recém... despertadas e
agonizantes sensações de ciúme, ele havia se esquecido de que qualquer
autoridade era necessária, ela não sabia, nem podia agora se interessar pela
dúvida; uma segunda cena, como a que havia acontecido tão recentemente
com Mr. Monckton, ocupava todos os seus pensamentos; ela conhecia a
grande probabilidade de que a boa disposição de Mr. Belfield desdenharia de
uma explicação que Delvile, em seu atual estado de agitação, poderia exigir,
e a consequência de tal recusa seria quase inevitavelmente fatal.
CAPÍTULO 99

UMA BUSCA

No momento em que o porteiro apareceu, Cecilia gritou ansiosamente da


carruagem: — Mr. Delvile está aqui?
— Sim, madame — respondeu ele —, mas acredito que esteja ocupado.
— Oh, não importa que esteja ocupado! — exclamou ela à porta. — Devo
falar com ele imediatamente!
— Se fizer o favor de entrar na sala, madame, eu lhe direi que está aqui;
mas ele ficará muito descontente se for perturbado sem que seja anunciada.
— Oh, céus! — exclamou ela. — De qual Mr. Delvile o senhor está
falando?
— Do meu mestre, madame.
Cecilia, que havia saído da carruagem, voltou para ela apressadamente e,
por algum tempo, ficou muito agoniada para responder ao porteiro, que
desejava saber se havia algum recado, ou ao cocheiro, que perguntava para
onde deveria levá-la. Encontrar Mr. Delvile, desprotegida pelo filho e
contrária às suas ordens, parecia-lhe insuportável; além disso, para onde
poderia ir? Onde era provável que se encontrasse com Mortimer? Como ele
poderia encontrá-la se ela fosse para a casa de Mrs. Hill? E em qual outra
casa ela poderia realmente reivindicar ser recebida?
Depois de se recuperar um pouco do choque terrível, ela se aventurou,
embora com voz vacilante, a perguntar se o jovem Mr. Delvile tinha estado
lá.
— Sim, madame — respondeu o porteiro. — Nós pensávamos que ele
estava no exterior, mas ele veio agora há pouco e perguntou se alguma dama
tinha estado na casa. Ele nem mesmo ficou para ir até meu mestre, e não
ousamos contar a ele sobre sua chegada.
Esta informação a reanimou um pouco; ouvir que ele na realidade havia
perguntado por ela ao menos lhe assegurava de que estava a salvo de
qualquer violência imediata, e ela começou a ter esperança de que agora,
possivelmente, poderia se encontrar com ele em tempo suficiente para
explicar tudo o que havia acontecido em sua ausência, e que havia
ocasionado a situação aparentemente estranha e suspeita na casa de Mr.
Belfield. Ela obrigou-se, portanto, a criar coragem para encontrar o pai, pois,
como ele a havia encaminhado para a casa, ela concluiu que ele voltaria para
procurá-la depois de vagar por outros lugares em vão.
Ela, então, embora com muita timidez e relutância, enviou uma mensagem
a Mr. Delvile suplicando uma rápida audiência. Ela recebeu uma resposta de
que ele não recebia ninguém tão tarde da noite. Ela perdeu todo o medo de
suas censuras, já que seu pavor de não se encontrar com Delvile era superior,
e disse com muita seriedade:
— Diga a ele senhor, eu imploro, que não me recuse! Diga a ele que tenho
algo para comunicar que requer sua atenção imediata!
O criado obedeceu, mas logo regressou dizendo que seu mestre desejava
que ele a informasse que estava ocupado sempre que estava na cidade, e que
definitivamente deveria se recusar a vê-la.
— Vá até ele de novo — implorou a angustiada Cecilia — e diga que não
venho por mim mesma, mas pelo desejo de alguém que ele mais valoriza;
diga que eu imploro sua permissão para esperar uma hora em sua casa, e que
não tenho outro lugar do mundo para onde possa ir!
O próprio criado pessoal de Mr. Delvile apresentou, com evidente
preocupação, a resposta a esta petição, a saber: enquanto o honorável Mr.
Delvile estivesse vivo, ele acreditava que o desejo de qualquer outra pessoa
em relação à sua casa era levar consigo uma liberdade muito extraordinária, e
que ele agora estava indo para a cama e havia dado ordens aos seus criados
para não levarem mais nenhuma mensagem para ele, sob pena de serem
imediatamente dispensados.
Cecilia parecia agora totalmente destituída de todos os recursos e, durante
alguns minutos terríveis, entregou-se ao desânimo total. Nem mesmo quando
recuperou a presença de espírito ela conseguiu formular qualquer plano
melhor do que esperar na carruagem para ver o regresso de Delvile.
Portanto, ela pediu ao cocheiro que se dirigisse a um canto da praça,
implorando a Mr. Skimkins que tivesse paciência, o que ele prometeu com
muita prontidão e se esforçou para confortá-la, falando sem parar. Ela
esperou por quase meia hora e temeu a decepção de Delvile por não tê-la
encontrado a princípio, o que o fez concluir que ela não tinha a intenção de
obedecer às suas instruções e talvez o tenha instado a voltar à residência de
Mr. Belfield, a quem ele poderia imaginar que ela gostava de visitar na sua
ausência. Aquele era um novo terror para ela, e por isso decidiu correr todos
os riscos e retornar à Portland Street e perguntar se o próprio Mr. Belfield
havia voltado para casa. No entanto, para que não passassem a noite toda em
uma perseguição mútua, ela se deteve novamente na casa de Mr. Delvile e
disse ao porteiro que, se o jovem Mr. Delvile retornasse naquela noite, ele
encontraria a pessoa por quem estava perguntando na residência de Mrs.
Roberts, em Fetter Lane. Para a casa de Mr. Belfield, ela não se atrevia a
encaminhá-lo; caso não obtivesse uma nova informação, sua intenção era
deixar a mesma mensagem e dirigir-se para Mrs. Roberts sem mais demora.
Fazer tal arranjo com um criado que não conhecia sua conexão com seu
jovem amo, ela considerava extremamente repugnante, mas a situação era
muito urgente para ter escrúpulos, e não havia nada com o que ela não tivesse
consentido para evitar a catástrofe fatal que apreendia.
Quando chegou à casa de Mr. Belfield, não ousando entrar, ela enviou Mr.
Skimkins para solicitar que Mrs. Belfield tivesse a bondade de ir até a porta
da carruagem.
— O seu filho, madame — disse ela, ansiosamente —, voltou para casa?
Tem alguém com ele?
— Não, madame. Ele nunca cruzou a soleira da porta desde que aquele
cavalheiro o levou, e eu estou meio fora de mim, pensando...
— Aquele cavalheiro — interrompeu Cecilia — voltou aqui?
— Sim, madame, era isso que eu ia dizer; ele veio de novo agora mesmo, e
disse...
— Agora? Céus! E para onde ele foi?
— Imagino que ele não tinha nada de bom em mente, eu receio, pois ele
estava muito nervoso e não queria ouvir nada do que dissesse.
— Por favor, diga sem demora! Onde, para onde ele foi?
— Bem, ele me perguntou se eu sabia se meu filho tinha voltado da
cafeteria; ora, eu disse, estou certa de que não sei dizer, pois, se não fosse por
Mr. Skimkins, eu nem mesmo saberia que ele tinha ido à cafeteria. No
entanto, espero que ele não tenha saído de lá, porque a pobre Miss Beverley
teria tido todo aquele trabalho para nada, porque ela saiu atrás dele com uma
pressa prodigiosa, e, quando eu disse isso, ele pareceu bastante fora de si e
disse: “Se eu não encontrar seu filho na cafeteria, por favor, quando ele
chegar, diga que eu ficaria muito grato se ele voltasse até lá”, e então ele se
foi com a maior pressa que já se viu.
Cecilia ouviu esse relato com o maior terror e tristeza; as suspeitas de
Delvile agora seriam agravadas, e a mensagem que ele havia deixado para
Mr. Belfield seria por este considerada um desafio. Mais uma vez, então, para
a cafeteria ela imediatamente seguiu; uma explicação imediata parecia ser a
única chance possível para evitar a mais horrível conclusão daquela noite
infeliz e agitada.
Ela ainda estava acompanhada por Mr. Skimkins e, embora não prestasse
atenção a nada do que ele dizia, estava irremediavelmente atormentada por
sua conversa. Ela o enviou imediatamente para a cafeteria para perguntar se
algum dos cavalheiros estava lá. Ele voltou para junto dela acompanhado por
um garçom, que disse: — Um deles, madame, retornou agora há pouco, mas
apenas para escrever um bilhete, que deixou para ser entregue ao cavalheiro
que o acompanhara antes. Ele partiu neste momento, não acho que já tenha
chegado ao final da rua.
— Oh, vamos atrás dele, cocheiro — gritou Cecilia. — Vamos agora
mesmo!
— Meus cavalos estão cansados — disse o homem —, eles estiveram fora
o dia todo e não galoparão mais se eu não parar e lhes der de beber.
Cecilia, cheia de esperança e impaciência pela demora, forçou ela mesma a
abrir a porta e, sem dizer mais nada, saltou da carruagem com a intenção de
correr rua abaixo, mas o cocheiro imediatamente a agarrou e protestou para
que ela não se movesse enquanto ele não fosse pago. Na maior agonia mental
por um obstáculo pelo qual ela imaginava que Delvile estaria perdido para
ela, talvez para sempre, ela buscou em seus bolsos, com a intenção de trocar a
bolsa por sua liberdade, mas Mr. Skimkins, que fazia uma reclamação
fastidiosa com o cocheiro, pegou-o ele mesmo e, declarando que não veria a
dama ser enganada, começou um tedioso cálculo da tarifa.
— Oh, pague a ele qualquer coisa — exclamou ela — e vamos embora! A
demora de um instante pode ser fatal!
Mr. Skimkins, em sua diligência para derrotar o cocheiro, não deu atenção
à sua aflição e continuou sua prolixa arenga a respeito de cada xelim
disputado, apelando para alguns espectadores reunidos sobre a justiça de sua
causa, enquanto seu adversário, que estava longe de estar sóbrio, ainda
segurava Cecilia, dizendo que a carruagem havia sido contratada pela dama e
que ele seria pago por ela.
— Santo Deus! — exclamou a agitada Cecilia. — Dê a ele a minha bolsa
de uma vez! Dê a ele tudo o que ele deseja!
O cocheiro, com esta permissão, aumentou suas exigências, e Mr.
Skimkins, anotando o número de sua carruagem, protestou que iria convocá-
lo no Tribunal da Consciência na manhã seguinte. Um cavalheiro que saía da
cafeteria se ofereceu para ajudar a dama, mas o cocheiro, que ainda a
segurava pelo braço, jurou que teria o que era seu por direito.
— Deixe-me ir! Deixe-me passar! — exclamou ela, com crescente
ansiedade e emoção. — Se não me deixar ir, a responsabilidade será toda sua!
Liberte-me neste momento, apenas me deixe correr até o fim da rua. Santo
Deus! Céus! Não me detenha, por misericórdia!
Mr. Skimkins, desejando humildemente que ela não se apressasse,
começou a apresentar um pedido formal de desculpas por sua conduta, mas a
embriaguez do cocheiro tornou-se evidente. Uma multidão começou a se
formar, e Cecilia, sem fôlego pela eloquência e pelo terror, foi cercada e, em
vão, lutou para se libertar. O estranho cavalheiro protestou, com diversos
agradecimentos, que ele mesmo tomaria conta dela, e com muita liberdade
agarrou sua mão.
Para a infeliz Cecilia, o momento fervilhava de situações trágicas: ela
estava completamente dominada pelo pânico por Delvile, pavor por si
mesma, pressa, confusão, calor e fadiga, tudo de uma só vez, enquanto todos
os meios de rechaçá-las lhe eram negados; o acometimento havia sido muito
forte para seus medos, sentimentos e faculdades, e com sua razão
repentinamente falhando por completo, ela gritou loucamente: — Ele irá
embora! Ele irá embora! Devo segui-lo até Nice!
O cavalheiro recuou, mas Mr. Skimkins, que falava com a turba, não a
ouviu, e o cocheiro, embriagado demais para perceber seu crescente frenesi,
insistiu em detê-la.
— Eu vou para a França! — exclamou ela, ainda mais selvagemente. —
Por que o senhor está me detendo? Ele vai morrer se eu não for, ele vai
sangrar até a morte!
O cocheiro, ainda impassível, tornou-se muito abusado, mas o estranho,
movido pela compaixão, desistiu de sua tentativa de galanteio, e Mr.
Skimkins, muito surpreso, implorou para que ela não tivesse medo. No
entanto, ela não estava em condições de ouvi-lo; com uma força até então
desconhecida para si mesma, ela se desvencilhou de seus perseguidores.
Porém, seus sentidos estavam totalmente desordenados; ela se esqueceu de
sua situação, de sua intenção e dela mesma; somente a ideia do perigo de
Delvile possuía de forma exclusiva o seu cérebro, embora toda a conexão
com a ocasião tenha sido perdida, e no momento em que foi libertada, ela
apertou as mãos com fervor e disse: — Eu ainda vou curar suas feridas,
mesmo sob o risco da minha própria vida — e em um minuto estava fora de
vista.
Mr. Skimkins, muito alarmado e chamando-a fervorosamente, fez um
acordo com o cocheiro para que ele pudesse atendê-la, mas a duração de sua
negociação frustrou seu propósito, e, antes que ele tivesse liberdade para
segui-la, todos os vestígios de que poderia tê-la alcançado foram perdidos.
Ele deteve todos os passantes que encontrou para fazer averiguações, mas,
embora eles o conduzissem de alguma forma, foi tudo em vão, e após uma
perseguição inútil e mal dirigida, ele foi silenciosamente para sua própria
casa, decidido a informar Mrs. Belfield sobre o que havia acontecido na
manhã seguinte.
Enquanto isso, a frenética Cecilia escapava da perseguição e dos insultos
pela velocidade de seu próprio movimento. Ela chamava Delvile em voz alta
enquanto corria em direção ao final da rua. Porém, Delvile não estava lá! Ela
dobrou a esquina, mas não viu nada dele; ela seguiu adiante, embora sem
saber para onde, a confusão em sua mente cada vez maior, devido ao ardor do
cansaço, do calor e da decepção. As pessoas falavam com ela repetidamente;
algumas tentaram até segurá-la uma ou duas vezes pela roupa, mas ela se
obrigou a seguir adiante por sua própria rapidez veemente, sem ouvir o que
era dito, sem prestar atenção ao que as pessoas pensavam. Delvile sangrando
nos braços de Mr. Belfield era a imagem diante de seus olhos que se
apoderou tão completamente de seus sentidos que, ainda, enquanto corria, ela
imaginava a mesma visão. Ela mal tocava o chão, mal sentia seus próprios
movimentos; parecia dotada de uma velocidade sobrenatural, deslizando de
um lugar para outro, de uma rua para outra, sem consciência de qualquer
plano, e não seguindo nenhuma outra direção senão a de se lançar para a
frente onde quer que houvesse mais espaço, e voltar quando encontrava
algum obstáculo, até que, completamente exausta e esgotada, ela
repentinamente correu para uma loja ainda aberta, onde, sem fôlego e
ofegante, jogou-se no chão e, com um olhar desconsolado e desamparado,
permaneceu sentada por algum tempo, sem falar.
As pessoas da loja, concluindo a princípio que se tratava de uma prostituta,
já se preparavam para expulsá-la, mas logo constataram o engano pela
evidente confusão de seu aspecto e maneiras e perguntaram a algumas
pessoas ociosas que, tarde como era, a tinham seguido, se alguma delas sabia
quem era, ou de onde ela tinha vindo. Eles não souberam responder, mas
suspeitavam que ela havia escapado de Bethlem.60
Cecilia, então, assustada, exclamou: — Não, não, eu não estou louca, estou
indo para Nice, para encontrar meu marido.
— Ela é mesmo louca — disse o homem da loja, que era um corretor de
penhores. — É melhor nos livrarmos dela antes que se torne perigosa.
— Ouso dizer que ela deve ter escapado de um hospício particular — disse
um homem que a seguiu até a loja —, e se vocês cuidassem dela por um
tempo, é dez para um como receberiam uma recompensa por isso.
— Trata-se de uma dama, com certeza — disse a dona da loja —, porque
está usando roupas muito boas.
E então, sob o pretexto de tentar encontrar algum endereço em uma carta,
ou papel, ela insistiu em vasculhar seus bolsos; no entanto, suas expectativas
foram frustradas, pois sua bolsa ainda estava sob a custódia de Mr. Skimkins.
Porém, nem o seu medo nem sua angústia foram capazes de salvá-la da
destreza ousada da vilania, e seus bolsos, em meio à multidão, foram
saqueados de tudo o mais que continham. A mulher, portanto, hesitou por
algum tempo se deveriam tomar conta dela ou não, mas ao ser instada pelo
homem que fez a proposta, e quem disse que eles poderiam contar em breve
com a publicação do seu desaparecimento, como tendo escapado de seus
cuidadores, eles se aventuraram a assumir tal responsabilidade.
Enquanto ela se esforçava novamente para sair, chamando em voz alta
para que Delvile viesse resgatá-la, mas tão completamente desprovida de
sentido e memória, não sabia dizer quem era, de onde vinha, ou para onde
desejava ir. Eles então a carregaram escada acima e tentaram fazê-la deitar-se
em uma cama, mas, supondo que ela se recusava porque não era de palha,
desistiram; eles levaram a vela, trancaram a porta e foram todos descansar.
Nesta condição miserável, sozinha e delirando, ela foi deixada para passar
a noite! A princípio, ela chamou Delvile sem descanso, em um momento
implorando que ele viesse em sua defesa e deplorando sua morte no seguinte,
mas depois, com as forças totalmente exauridas por todos os vários esforços e
pela fadiga, ela se jogou no chão e permaneceu imóvel por alguns minutos.
Então, sua cabeça começou a esfriar à medida que a febre na qual o terror e o
exercício exagerado a haviam lançado diminuía, e sua memória recuperou
suas funções. Porém, esta foi apenas uma circunstância de horror: ela se viu
trancada em um lugar de confinamento, sem luz, sem saber onde estava, e
nenhum ser humano perto dela! No entanto, a mesma razão recorrente que
lhe permitiu ter essa visão de sua própria situação trouxe também de volta à
sua mente aquela razão pela qual ela havia deixado Delvile: Mr. Belfield,
tenaz em sua honra ainda mais do que em si mesmo, chamado para dar
satisfações sobre dúvidas das quais a simples menção seria recebida como um
desafio!
— Oh, não! Oh, não! — exclamou ela. — Deixe-me correr em seu
alcance! Posso encontrá-los antes do amanhecer, e esta noite certamente deve
ter sido tarde demais para esta obra da morte!
Ela então se levantou para chegar até a porta e conseguiu, mas a porta
estava trancada, e nenhum esforço que pudesse fazer foi capaz de abri-la. Sua
agonia era indescritível; ela violentamente chamou as pessoas da casa,
implorou que a colocassem em liberdade, ofereceu qualquer recompensa por
sua ajuda e as ameaçou com um processo se a mantivessem detida. Ninguém,
porém, se aproximou dela; alguns dormiam apesar de toda a perturbação que
ela podia causar, e outros, embora despertados por seus gritos, concluíram
que eram os delírios de uma mulher louca, e não deram ouvidos ao que ela
dizia.
Sua mente não estava em condições de suportar tanto sofrimento; cada
pulso latejava vigorosamente, cada veia parecia a ponto de explodir; sua
razão, tão recentemente recuperada, não podia suportar a repetição de tal
comoção, e ela continuou a suplicar por ajuda, com toda a energia do seu
sentimento e de sua compreensão, através de gritos de puro ardor e confusão.
A noite foi passada desta forma terrível, e, pela manhã, quando a dona da
casa veio vê-la, ela a encontrou delirando com tal frenesi e desespero, que sua
consciência ficou perfeitamente confortável com o tratamento que lhe havia
destinado, plenamente satisfeita de que ela necessitava daquele confinamento
mais restrito. Mesmo assim, Cecilia ainda tentou fugir; ela falou de Delvile
sem cessar, disse que chegaria tarde demais para salvá-lo, que tudo o que
desejava era evitar um assassinato, e repetidamente clamava: — Oh, amado
de meu coração! Espere apenas mais alguns momentos, e eu irei arrebatá-lo
da destruição!
A mulher, Mrs. Wyers, já não buscava mais descobrir de onde ela vinha,
ou quem ela era, apenas ouvia suas exclamações frenéticas sem qualquer
emoção, concluindo com satisfação que sua loucura era incurável, e embora
ela estivesse com febre alta, recusasse todo alimento e tivesse todos os
sintomas de uma doença alarmante e perigosa, estava plenamente convencida
de que seu caso era de decidida loucura, e não tinha qualquer noção de
alienação temporária ou acidental da razão. Tudo o que ela conseguiu pensar
como forma de indulgência foi lhe trazer uma quantidade de palha, tendo
ouvido que os loucos gostavam disso, e amontoou-a em um canto do quarto,
onde ela esperava vê-la avançar ansiosamente para ela.
Cecilia, entretanto, confusa como estava, não desejava nada além de
escapar, o que era seu objetivo constante, tanto quando reagia de forma
violenta quanto quando estava calada. Mrs. Wyers, ao suspeitar de sua
intenção, manteve-a confinada, e a porta sempre trancada, quer ela estivesse
ausente ou presente.
CAPÍTULO 100

UM ENCONTRO

Dois dias inteiros se passaram assim; ninguém fez perguntas a Mrs.


Wyers, e ela não encontrou nenhum anúncio nos jornais. Enquanto isso,
Cecilia piorava a cada momento, não provava nem bebida nem comida,
delirava incessantemente, gritava vinte vezes de um só fôlego: — Onde ele
está? Para que lado ele foi? — ela implorava à mulher, com os protestos mais
patéticos, que salvasse seu infeliz Delvile, mais caro para ela do que a vida,
mais precioso para ela do que a paz ou o descanso! Em outras ocasiões, ela
falava de seu casamento, do desgosto da família dele e de seu próprio
remorso; suplicava à mulher que não a traísse e prometia passar o resto de
seus dias na tristeza e na contrição.
Mais uma vez com a imaginação vagando, Mr. Monckton tomou posse
exclusiva da sua mente. Ela o repreendeu por seu ardil, lamentou que ele
tivesse sido massacrado, disse que não queria viver mais que ele nem um
momento e declarou descontroladamente que seus últimos restos mortais
deveriam apodrecer em seu carro fúnebre! E assim, embora sua personalidade
fosse naturalmente e geralmente silenciosa e tranquila, ela agora não ficava
um momento parada, pois adventos irregulares de uma imaginação
aterrorizada e desordenada se transformavam em constantes desvarios de
delírio mórbido. A mulher, cada vez mais inquieta com a incerteza sobre o
pagamento por seu trabalho, pediu o conselho de algumas de suas amigas
sobre o que seria mais adequado fazer, e elas a aconselharam a publicar ela
mesma um anúncio nos jornais na manhã seguinte.
O seguinte anúncio, portanto, foi elaborado e enviado para a gráfica do
The Daily Advertiser.

“LOUCURA.
Uma jovem dama louca, alta, pele clara, com olhos azuis e cabelos claros,
entrou no Three Blue Balls, na rua _____, na noite de quinta-feira deste
mesmo mês, e lá tem sido mantida desde então por um ato de caridade. Ela
estava vestindo um traje de montaria. Quem quer que seja o responsável por
ela, favor vir buscá-la imediatamente. Ela tem sido tratada com cuidado e
carinho. Ela fala muito em uma pessoa chamada Delvile.
Obs.: Ela não tinha nenhum dinheiro com ela. Maio, 1780”.

Mal tinha o anúncio sido enviado, quando Mr. Wyers, o homem da casa,
subiu as escadas e disse: — Agora teremos dois deles, pois aquele velho
cavalheiro maluco está lá embaixo dizendo que acabou de ouvir na
vizinhança sobre o que aconteceu conosco e deseja ver a pobre dama.
— É melhor deixá-lo subir, então — respondeu Mrs. Wyers —, porque ele
conhece todos os tipos de lugares e pessoas, e é dez para um como ele não vai
descansar até descobrir quem ela é.
Mr. Wyers, então, desceu as escadas para mandá-lo subir.
O homem veio instantaneamente. Era Mr. Albany, quem, em suas
andanças errantes, depois de ouvir que uma desconhecida e louca dama
estava na casa de penhor, na sua ansiedade costumeira para visitar e servir os
infelizes, foi até lá para ver o que poderia ser feito por ela. Quando ele entrou
no quarto, Cecilia estava sentada na cama com os olhos fixos na janela, da
qual ela secretamente saboreava seu desejo de escapar. Suas roupas estavam
muito desarrumadas, seu cabelo fino estava desgrenhado e as penas de seu
chapéu de montaria estavam quebradas e meio caídas, algumas cobrindo seu
rosto, outras alcançando seu ombro.
— Pobre moça! — exclamou Mr. Albany, aproximando-se dela. — Há
quanto tempo ela está neste estado?
Ela se assustou com o som de uma nova voz e olhou ao seu redor, mas
qual não foi o espanto de Mr. Albany quando percebeu quem ela era! Ele deu
um passo para trás, avançou e duvidou de seus próprios sentidos; ele olhou
seriamente para ela, afastou-se para olhar para a dona da casa, lançou os
olhos ao redor da habitação e, então, levantando as mãos, exclamou: — Oh,
visão da desgraça! Tão boa e tão generosa! A amável apaziguadora de
aflições! A benigna protetora dos miseráveis! Esta é Cecilia!
Cecilia, com a memória imperfeita, embora não pudesse compreendê-lo,
se jogou aos seus pés e gritou, trêmula: — Oh, se ele ainda puder ser salvo, se
já não foi assassinado, vai até ele! Vá correndo até ele! O senhor ainda pode
alcançá-lo, ele está na outra rua, eu mesma o deixei lá, com a espada
desembainhada e coberta com sangue humano!
— Doces poderes de bondade e da compaixão! — exclamou o velho. —
Olhem para esta criatura com piedade! Ela, que elevou os deprimidos; ela,
que animou os infelizes! Ela, cuja mão generosa transformou lamentações em
alegria! Quem nunca, sem lágrimas nos olhos, poderia ouvir a voz da tristeza!
É ela mesma! Esta é Cecilia!
— Oh, não perca tempo falando! — exclamou ela. — Vá até ele agora
mesmo, ou nunca mais o verá! A mão da morte está sobre ele, frio, frio como
barro é o seu toque! Ele está dando seu último suspiro... oh, Delvile,
assassinado! Esposo massacrado do meu coração! Não gema tão
lastimosamente! Corra até ele e chore por ele! Corra até ele e arranque o
punhal de seu peito ferido!
— Oh, sons de angústia e horror! — exclamou o moralista sensibilizado,
as lágrimas escorrendo rapidamente por suas faces enrugadas. — Quão
realmente melancólica é esta visão, humilhante para a moralidade! Tal é a
força humana, tal a felicidade humana! Frágeis como nossas virtudes, frágeis
como nossas naturezas culpadas!
— Ah! — exclamou ela, mais descontroladamente. — Ninguém poderá
me salvar agora! Estou casada e ninguém vai me ouvir! Ruins foram os
auspícios sob os quais lhe entreguei minha mão! Foi uma obra das trevas,
inaceitável e ofensiva! Foi selada, portanto, com sangue, e amanhã será
assinada com assassinato!
— Pobre criatura confusa! — exclamou ele. — Sinto as suas dores, mas a
sua inocência eu perdi! Minhas próprias feridas sangram de novo, meu
próprio cérebro ameaça um novo frenesi.
Então, ele disse: — Bondosa mulher, por favor, tenha a bondade de
atendê-la; vou procurar seus amigos, coloque-a na cama, tente confortá-la e
acalmá-la. Eu voltarei o mais rápido que puder.
Ele então saiu correndo.
— Oh, hora de alegria! — exclamou Cecilia. — Ele foi resgatá-lo! Oh,
que momento feliz! Ele ainda pode ser arrebatado do massacre!
A mulher não perdeu um minuto para obedecer às ordens que recebera.
Cecilia foi colocada na cama e nada foi negligenciado, até onde ela tinha
força e consideração, para dar uma aparência de decência e atenção às suas
acomodações.
Ainda não havia passado uma hora quando Mary, a criada que a tinha
atendido desde Suffolk, veio perguntar por sua senhora. Mr. Albany, que
perambulou pela cidade em busca de alguns de seus amigos, e que entrou em
todas as casas onde imaginava que ela era conhecida, apressou-se para ir à
casa de Mrs. Hill, a primeira de todas, pois ele estava bem-informado de suas
obrigações para com Cecilia. Lá estava a própria Mary, segundo as instruções
que sua senhora dera à Mrs. Belfield; e ali, com o maior assombro e
inquietação, ela continuou até que Mr. Albany trouxesse notícias dela.
Ela ficou surpresa e aflita além da medida, não apenas pelo estado de sua
mente e de sua saúde, mas por encontrá-la em uma cama em um aposento tão
inadequado para sua classe social, e tão diferente do que ela estava
acostumada. Ela chorou amargamente enquanto perguntava ao lado da cama
como estava sua senhora, mas chorou ainda mais quando, sem responder ou
parecer reconhecê-la, Cecilia se levantou e gritou: — Devo ser removida
neste momento! Devo ir a St. James’s Square agora mesmo; se eu ficar mais
um instante, o sino de passagem irá soar, e então como chegarei a tempo para
o funeral?
Mary, alarmada e assombrada, voltou-se apressadamente dela para a dona
da casa, quem disse tranquilamente que a dama estava apenas tendo um
ataque de delírio e não deveria ser incomodada.
Extremamente assustada com esta informação, Mary implorou que ela
ficasse quieta e calada. No entanto, Cecilia repentinamente ficou tão violenta
que somente a força poderia impedi-la de se levantar, e Mary, não
acostumada a contestar suas ordens, se preparou para obedecê-las.
Mrs. Wyers, por sua vez, se opôs em vão; Cecilia foi peremptória, Mary
foi submissa e, embora não sem muita dificuldade, em poucos minutos ela
estava novamente vestida com seu traje de montaria. Terminada a operação,
ela se dirigiu para a porta e a força temporária do delírio lhe presenteou com
uma resistência que combatia a febre, a doença, a fadiga e a fraqueza. Mary,
embora avessa e temerosa, a ajudou, e Mrs. Wyers, compelida pela
obediência de sua própria criada, antecipou-se a elas para pedir uma cadeira.
Cecilia, no entanto, sentiu nova fraqueza ao tentar descer as escadas; seus
pés cambalearam e sua cabeça ficou tonta; ela se apoiou em Mary, que gritou
pedindo ajuda e a obrigou a sentar até que a ajuda viesse.
Sua resolução, entretanto, não deveria ser alterada; uma teimosia
totalmente alheia ao seu caráter genuíno a tornava firme e severa, e Mary,
que considerava sua submissão indispensável, chorou, mas não se ofereceu
para se opor a ela.
Mr. e Mrs. Wyers se aproximaram para ajudá-la a apoiá-la, e Mr. Wyers se
ofereceu para carregá-la nos braços, mas ela não consentiu. Quando desceu
os degraus, sua tontura piorou e ela novamente se apoiou em Mary, mas Mr.
Wyers foi obrigado a segurar as duas. No entanto, ela ainda estava firme em
sua determinação e já tentava fazer outro esforço para prosseguir, quando
Delvile entrou correndo na loja.
Ele tinha acabado de encontrar Mr. Albany, que, conhecendo suas
relações, embora ignorante de seu casamento com Cecilia, o havia informado
do local onde deveria procurá-la.
Ele estava prestes a perguntar se aquela era a casa certa, quando a viu,
fraca, tremendo, parcialmente apoiada em uma pessoa e parcialmente
carregada por outra! Ele deu um passo para trás, cambaleou, sentiu
dificuldade para respirar, mas, ao perceber que eles estavam avançando,
aproximou-se com terror, exclamando furiosamente:
— Espere! Pare! O que está fazendo? Monstro da barbárie selvagem, está
assassinando minha esposa?
Mal a conhecida voz atingiu os ouvidos de Cecilia, ela imediatamente se
lembrou dela e gritou, mas, de repente, em um esforço para caminhar, ela
caiu ao chão.
Delvile avançou com veemência para pegá-la nos braços e salvá-la da
queda, o que sua rapidez inesperada impediu seus acompanhantes de fazê-lo,
mas a visão de sua complexão foi alterada e a loucura no seu olhar e no seu
semblante, mais uma vez, o fez estremecer; seu sangue congelou em suas
veias e ele ficou olhando para ela, frio e quase petrificado.
Sua própria recordação dele já parecia perdida; exausta pelo cansaço que
havia experimentado ao se vestir e descer as escadas, ela permaneceu quieta e
silenciosa, esquecendo seu desígnio de prosseguir e sem formar um novo
para voltar.
Mary, para quem, assim como para todos os outros criados, o casamento
de Cecilia havia sido conhecido antes de ela deixar o campo, desejava agora
as instruções de Delvile sobre o que deveria ser feito.
Delvile, a partir deste chamado, mudou repentinamente do mais profundo
horror para a mais desesperada fúria, e exclamou ferozmente: — Miseráveis,
desumanos! Desgraçados, insensíveis e execráveis, o que fizeram com ela?
Como ela veio parar aqui? Quem a trouxe? Quem a arrastou? Para qual
propósito infame ela caiu neste estado?
— Na verdade, senhor, eu não sei! — disse Mary.
— Eu lhe garanto, senhor — disse Mrs. Wyers —, a dama...
— Cale-se! — disse ele, furioso. — Eu não vou ouvir suas mentiras. Cale-
se e saia daqui!
Então, jogando-se no chão ao lado dela, ele exclamou: — Oh, minha
Cecilia, onde você esteve durante todo esse tempo? Como eu me perdi de
você? Que calamidade terrível se abateu sobre sua pessoa? Diga, meu amor!
Levante sua linda cabeça e me responda! Oh, fale! Diga qualquer coisa; as
palavras mais amargas serão misericordiosas perto deste silêncio!
Cecilia, então, ergueu os olhos de repente e perguntou: — Quem é o
senhor?
— Quem sou eu?! — exclamou ele, pasmo e assustado.
— Eu ficaria feliz se fosse embora — disse ela, apressadamente —, pois o
senhor é totalmente desconhecido para mim.
Delvile, inconsciente de sua insanidade e atribuindo ao ressentimento esta
aversão e repulsa, afastou-se apressadamente dela, respondendo com tristeza:
— Bem, de fato, você pode me rejeitar, recusar todo perdão, carregar-me com
ódio e reprovação e me entregar à angústia eterna! Eu mereço um castigo
ainda mais severo. Eu me comportei como um monstro e sou abominável
para mim mesmo!
Cecilia, enquanto tentava se levantar, olhava para ele com uma mistura de
terror e raiva, e disse ansiosamente: — Se não tem a intenção de me destroçar
e destruir, vá embora agora mesmo.
— Intenção de destroçá-la?! — repetiu Delvile, estremecendo. — Que
coisa terrível! Mas eu mereço! Não me olhe de forma tão apavorada e eu me
afastarei de você. Permita-me apenas ajudá-la a removê-la deste lugar, e eu só
a observarei à distância, e nunca mais a verei até que permita minha
aproximação.
— Por quê? Por quê? — gritou Cecilia, com expressão de perplexidade e
impaciência. — Por que não me diz o seu nome e de onde vem?
— Você não me reconhece? — perguntou ele, atingido por um novo
horror. —Ou você só quer me matar com a pergunta?
— O senhor me traz alguma mensagem de Mr. Monckton?
— Mr. Monckton? Não, mas ele está vivo e vai se recuperar.
— Eu pensei que o senhor mesmo fosse Mr. Monckton.
— Quanta crueldade, mas uma crueldade justa, Cecilia! Então Delvile está
completamente descartado? O culpado, o infeliz Delvile! Ele será rejeitado
para sempre? Você o expulsou completamente do seu coração? Você nega a
ele até mesmo um lugar em sua lembrança?
— Este é o seu nome, então, Delvile?
— O que está querendo dizer? Sou eu ou o meu nome que você repudia?
— É um nome — disse ela, enquanto se sentava — que bem me lembro de
ter ouvido, e que uma vez eu amei, e três vezes eu chamei na calada da noite.
E quando eu estava com frio e miserável, eu o estimei; e quando fui
abandonada e me deixaram sozinha, eu o repeti e entoei.
— Santo Deus! — exclamou Delvile. — Sua razão se foi por completo! —
ele se levantou apressadamente e acrescentou, desesperadamente: — O que é
a morte diante deste golpe?
Neste instante, Mary e Mrs. Wyers lhe contaram em detalhes um relato de
sua doença e insanidade, seu desejo de remoção e sua incapacidade para
controlá-la.
Delvile, entretanto, não respondeu; ele mal podia ouvi-las; o mais
profundo desespero tomou posse de sua mente, e, enraizado no local onde
estava, contemplou a terrível quietude e o objeto caído e alterado de suas
melhores esperanças e afetos; em sua face desbotada e corpo enfraquecido,
seu terror agonizante leu a destruição rápida e iminente de toda a sua
felicidade terrena! A visão era demais para sua coragem e quase para sua
compreensão; quando sua aflição se tornou proferível, ele torceu as mãos e,
gemendo alto, exclamou: — Você partiu tão cedo! Minha esposa! Minha
Cecilia! Já está perdida para mim?
Cecilia, com total insensibilidade ao que se passava, de repente e com um
movimento rápido, mas contínuo, virou a cabeça de um lado para o outro,
com os olhos fora de órbita e aparentemente sem olhar para nada.
— Que terrível! — exclamou Delvile. — Que visão é esta? — e então, ele
virou-se para as pessoas da casa e disse, com raiva: — Por que ela está aqui
no chão? Não poderiam lhe oferecer uma cama? Quem a está atendendo?
Quem está tomando conta dela? Por que ninguém mandou buscar ajuda? Não
responda, eu não vou ouvi-la, vá agora mesmo buscar um médico; traga dois,
traga três, traga todos os que puder encontrar.
Então, sem deixar de olhar para Cecilia, cuja visão ele não conseguia mais
suportar, ele consultou Mary para onde ela deveria ser levada. Eles logo
concordaram que ela só poderia ser removida para o andar de cima.
Delvile tentou carregá-la em seus braços, mas, trêmulo e instável, ele não
tinha forças para sustentá-la; ainda assim, não suportando contemplar o
desamparo que não podia evitar, ele os conjurou a serem cuidadosos e
amáveis e, deixando-a em sua confiança, ele mesmo correu para procurar um
médico.
Cecilia resistiu a eles com toda a força, implorando que não a enterrassem
viva e afirmando que havia recebido informações de que pretendiam sepultá-
la com Mr. Monckton. Mesmo assim, eles a colocaram na cama, mas seu
delírio se tornou ainda mais selvagem e incessante.
Delvile logo voltou com um médico, mas não teve coragem de
acompanhá-lo ao seu quarto. Ele o aguardou ao pé da escada, onde o
interrompeu apressadamente:
— Bem, senhor — disse ele —, não está tudo acabado? Não é impossível
que ela possa viver?
— Ela está muito doente, senhor — respondeu ele —, mas eu dei algumas
instruções que talvez...
— Talvez — interrompeu Delvile, estremecendo —, não me apunhale com
tal palavra!
— Ela está delirando muito — o médico continuou —, mas como a febre
está muito alta, isso não é tão significativo. Se as instruções que dei surtirem
efeito e a febre baixar, todo o resto ficará bem, é claro.
Ele então foi embora, deixando Delvile tão perplexo por respostas tão
alarmantes, como se o tivesse consultado com toda a esperança, e sem sequer
suspeitar de seu perigo. No momento em que se recuperou do susto, ele
correu para fora da casa em busca de mais conselhos. Voltou e trouxe
consigo dois médicos. Eles confirmaram as instruções já dadas, mas nada
pronunciariam de forma decisiva sobre sua situação.
Delvile, meio insano com a intensidade de sua miséria, acusou todos eles
de falta de habilidade e escreveu instantaneamente para o Dr. Lyster.
Embora fosse quase meia-noite, ele mesmo saiu em busca de um
mensageiro para tomar o expresso com sua carta, e então, ao regressar, ele
correu para o quarto onde ela estava, mas, enquanto ainda estava na porta, ele
a ouviu ainda delirando; seu horror venceu sua ansiedade e, descendo as
escadas correndo, ele passou o resto da noite longa e aparentemente
interminável na loja.
CAPÍTULO 101

UMA HOMENAGEM

Enquanto isso, Cecilia passava por uma disciplina muito severa, às vezes
se opondo fortemente, outras vezes mal percebendo o que era feito com ela.
Todo o dia seguinte transcorreu da mesma maneira, e nem a noite seguinte
trouxe qualquer alteração visível. Ela agora contava com enfermeiras e
atendentes ainda mais do que o suficiente, pois Delvile não sentia nenhum
alívio além de pedir mais ajuda. Seu receio de tornar a vê-la aumentava com
sua paciência; a última conversa entre eles quase o havia destruído, e,
perdendo toda a coragem de tentar entrar no seu quarto, ele passava quase
todo o tempo nas escadas que conduziam a ele. Sempre que ela ficava quieta,
ele se sentava à porta de seu quarto, de onde, se pudesse ouvi-la respirar ou se
mover, uma esperança repentina de sua recuperação lhe proporcionava um
êxtase momentâneo que recompensava todos os seus sofrimentos. Porém, no
instante em que ela começava a falar, incapaz de suportar o som de uma voz
tão amada que não pronunciava nada além de delírios incoerentes, ele descia
correndo as escadas, saía da casa e caminhava pelas ruas vizinhas até que
pudesse reunir novamente coragem para indagar ou ouvir como ela estava.
Na manhã seguinte, entretanto, o Dr. Lyster apareceu e todas as esperanças
renasceram. Ele correu para abraçá-lo, falou sobre seu casamento com Cecilia
e suplicou, por algum esforço superior de suas habilidades extraordinárias,
que o poupasse da loucura de sua perda.
— Meu bom amigo — disse o digno doutor —, o que é isso que está me
pedindo? E como aquela pobre jovem pode precisar de conselhos mais do
que você? Acredita que médicos competentes locais, com toda a experiência
da prática plena em Londres para ajudá-los em suas habilidades, precisam
que um médico insignificante e forasteiro venha e lhes ensine o que é
correto?
— Eu confio mais no senhor — disse Delvile — do que em toda a classe
profissional; vá e faça uma prescrição para ela, tome algum novo rumo...
— Impossível, meu caro, impossível! Não devo perder meu juízo por
vaidade, porque você perdeu o seu pela aflição. Não pude me recusar a vê-lo
quando me escreveu com tanta urgência, e agora irei ver a jovem, como uma
amiga, com todo o meu coração. Lamento profundamente por você, Mr.
Mortimer! Ela é uma criatura jovem e encantadora, e tem uma compreensão,
por sua idade e sexo, inigualável.
— Não fale dela para mim! — exclamou o impaciente Delvile. — Eu não
posso suportar! Vá até ela, caro doutor, e se quiser se consultar com alguém,
por favor, chame todos os médicos da cidade.
Dr. Lyster desejava apenas conversar com aqueles que já a haviam
assistido, e então, abandonando o costumeiro cerimonial de aguardá-los, ele
foi até Cecilia.
Delvile não ousou acompanhá-lo; ele estava tão bem familiarizado com
sua clareza e sinceridade que, embora aguardasse seu retorno com ansiedade,
assim que o ouviu nas escadas, temendo saber sua opinião, ele rapidamente
agarrou o chapéu e saiu da casa apressadamente, a fim de evitá-lo.
Delvile continuou caminhando pelas ruas até que até mesmo o medo de
más notícias fosse menos horrível para ele do que aquele suspense voluntário,
e então ele voltou para casa. Encontrou o Dr. Lyster em uma pequena sala
nos fundos, que Mrs. Wyers, acreditando que agora deveria ser bem paga,
havia reservado para uso de Delvile. Ele colocou a mão sobre o ombro do
doutor e disse: — Bem, meu caro Dr. Lyster, eu espero...
— Eu gostaria de poder tornar as coisas mais fáceis para você! —
interrompeu o doutor —, assim, se for racional, um conforto, em todo caso,
eu posso lhe dar; a crise parece estar se aproximando, e ou ela vai se
recuperar, ou, antes de amanhã de manhã...
— Não continue, senhor! — exclamou Delvile, com uma mistura de raiva
e horror —, não terei seus dias limitados! Não foi para isso que mandei
chamá-lo.
Mais uma vez ele correu para fora de casa, deixando o Dr. Lyster
sinceramente preocupado, mas ele era bondoso e sábio demais para se
ofender com a injustiça da dor imoderada.
Em poucos minutos, no entanto, mais por efeito do desespero do que da
filosofia, Delvile se recompôs e pediu ao Dr. Lyster que o desculpasse por
seu comportamento. Ele recebeu seu sincero perdão e o convenceu a
continuar na cidade até que tudo estivesse decidido.
Por volta do meio-dia, Cecilia, entre suas divagações mais loucas e
perpétua agitação, mergulhou de repente em um estado de insensibilidade tão
absoluto que parecia estar inconsciente até mesmo de sua existência; se não
estivesse respirando, já poderia ser considerada morta.
Quando Delvile recebeu esta informação, ele não pôde mais suportar nem
mesmo seu posto nas escadas; ele passava todo o tempo vagando pelas ruas
ou se detendo na sala do Dr. Lyster para perguntar se tudo já estava
terminado. O médico humano, não mais alarmado com o perigo de Cecilia do
que aflito com a situação de Delvile, pensou que a terrível crise atual oferecia
ao menos uma oportunidade de reconciliá-lo com seu pai. Portanto, ele
procurou o cavalheiro em St. James’s Square e o informou abertamente sobre
o perigoso estado de Cecilia e a tristeza de seu filho.
Mr. Delvile, embora de bom grado tivesse anulado uma aliança que
considerava vergonhosa para sua família, ao ser informado de que Cecilia
não mais estava entre nós, ficou extremamente desconcertado ao saber dos
sofrimentos pelos quais sua própria recusa de asilo, do qual estava
consciente, havia contribuído em grande parte, e depois de uma luta altiva
entre ternura e ira, ele implorou o conselho de Dr. Lyster sobre como seu
filho poderia ser retirado de tal cena.
Dr. Lyster, que bem sabia que Delvile estava desesperado demais para ser
dócil, propôs surpreendê-lo com uma conversa ao retornarem juntos. Mr.
Delvile, embora se sentindo apreensivo e complacente, cedeu de má vontade
a uma medida que mantinha sob seu domínio e, quando chegou à loja, mal
pôde ser persuadido a entrar. Mortimer, neste momento, estava dando um
passeio solitário, e o Dr. Lyster, para completar o trabalho que havia
começado de subjugar o duro orgulho de seu pai, planejou, sob o pretexto de
esperá-lo, conduzi-lo ao quarto da inválida.
Mr. Delvile, que não sabia para onde estava indo, à primeira vista da cama
e das acompanhantes, retirou-se apressadamente, mas o rosto mudado e
lívido de Cecilia chamou sua atenção, e, tomado de súbita consternação, ele
se deteve involuntariamente.
— Veja aquela pobre jovem! — exclamou o Dr. Lyster. — Pode imaginar
que uma visão como essa faria Mr. Mortimer se esquecer de tudo o mais?
Ela estava totalmente insensível, mas perfeitamente quieta; parecia não
distinguir nada, nem falava nem se mexia.
Mr. Delvile olhou para ela com o maior horror; o refúgio que ele tão
implacavelmente havia negado a ela na noite em que suas faculdades mentais
estavam desordenadas, ele agora teria alegremente oferecido à custa de
sofrimentos quase semelhantes, na tentativa de encontrar um alívio para
aquelas dores crescentes que o acusavam de ser o autor desta cena de
angústia. Seu orgulho, sua pompa e seu nome ancestral estavam agora
mergulhados em sua estima, e embora se considerasse o destruidor da infeliz
jovem criatura, ele teria sacrificado tudo para ser o seu protetor. Pouco
intensa é a ostentação da insolência quando analisada pela consciência!
Amarga é a agonia da autocensura, onde a miséria segue a dureza de coração!
No entanto, quando o primeiro assombro doloroso de sua situação diminuiu,
o remorso que provocou foi muito mais forte do que a compaixão; ele lançou
um olhar zangado para o Dr. Lyster, por tê-lo traído com tal visão, e saiu
apressadamente do quarto.
Mortimer, que agora esperava impacientemente para ver o Dr. Lyster na
pequena sala, alarmado com o som de novos passos na escada, saiu para
perguntar quem estava lá. Quando viu seu pai, ele se encolheu, mas Mr.
Delvile, não mais amparado pelo orgulho e incapaz de se recuperar do
choque que acabara de receber, segurou seus braços e disse: — Oh, volte para
casa, meu filho! Este lugar vai acabar destruindo sua alma.
— Ah, senhor! — exclamou Delvile. — Não pense em mim agora! Não
adianta demonstrar boa vontade, pois eu não estou em condições de suportar
isso! — ele se afastou do pai e saiu apressadamente da casa.
Mr. Delvile, tendo seu sentimento de pai despertado em seu peito, viu sua
partida com mais medo do que raiva, e voltou para St. James’s Square
torturado pelos temores paternos e atormentado pelo remorso pessoal,
lamentando sua própria inflexibilidade e perseguido pela pálida imagem de
Cecilia.
Ela ainda estava neste estado inconsciente, e aparentemente tão livre de
sofrimento quanto de alegria, quando de repente uma nova voz foi ouvida,
exclamando: — Onde ela está? Onde ela está? Onde está minha querida Miss
Beverley? — Henrietta Belfield correu loucamente para dentro do quarto.
O anúncio nos jornais imediatamente a trouxe para a cidade e a
encaminhou para a casa; a menção de que a dama perdida falava muito de
uma pessoa chamada Delvile instantaneamente a fez pensar em Cecilia. A
descrição correspondia a essa ideia, e o relato da vestimenta a confirmava.
Mr. Arnott, tão apavorado quanto ela, havia lhe emprestado sua carruagem
para saber a verdade dessa conjectura, e ela havia viajado durante toda a
noite. Ela correu para a beira da cama e exclamou: — Quem é esta? Esta não
é Miss Beverley! — E então, gritou com horror desenfreado: — Oh,
misericórdia! Misericórdia! Sim, é ela! E ninguém a reconheceria! Sua
própria mãe não pensaria que ela era sua filha!
— A senhorita deve ir embora, Miss Belfield — disse Mary —, realmente
deve. Todos os médicos dizem que minha senhora não deve ser incomodada.
— E quem vai me tirar daqui? — disse ela, furiosa. — Ninguém, Mary!
Nem todos os médicos do mundo! Oh, doce Miss Beverley! Eu vou me deitar
ao seu lado, eu nunca vou desistir de você enquanto viver, e eu desejo, eu
gostaria de poder morrer para salvar sua preciosa vida!
Então, inclinando-se sobre ela e torcendo as mãos, ela disse: — Oh, é de
partir o coração vê-la nesta condição! É a tão feliz Miss Beverley, que pensei
que todos nasceram para lhe dar alegria? A Miss Beverley, que parecia a
rainha do mundo inteiro?! Ainda assim, tão boa e tão gentil, tão amável com
a pessoa mais mesquinha, que sempre desculpava as falhas de todos, exceto
as dela mesma, e que dizia a eles como poderiam se corrigir e tentava torná-
los tão bons quanto ela! Oh, quem iria reconhecê-la! Quem a reconheceria! O
que eles fizeram com você, minha amada Miss Beverley? Como eles a
alteraram e desfiguraram dessa maneira bárbara e perversa?
Em meio a esse testemunho simples, mas patético, sobre o valor e as várias
excelências de Cecilia, o Dr. Lyster entrou no quarto. Todas as mulheres se
aglomeraram ao seu redor, exceto Mary, para justificar qualquer participação
na permissão da entrada e no comportamento da recém-chegada, mas Mary
apenas lhe disse quem ela era, e que se sua senhora estivesse bem o suficiente
para reconhecê-la, não haveria ninguém a quem ela tivesse tanta certeza de
que ficaria feliz em ver.
— Minha jovem — disse o médico —, eu a aconselho a ir para outro
quarto até estar um pouco mais composta.
— Todo mundo, creio eu, quer me afastar daqui! — exclamou a soluçante
Henrietta, cujo coração honesto estava inchado com sua própria integridade
afetuosa. —Mas todos podem se poupar do trabalho, pois eu não irei!
— Isso não está certo — disse o médico — e é desnecessário; a senhorita
chama isso de amizade, surgir assim diante de uma pessoa doente?
— Oh, minha Miss Beverley — exclamou Henrietta —, está ouvindo
como todos eles me censuraram? Como todos eles querem me afastar de você
e me impedir até de olhar para você! Fale por mim, doce senhora! Fale por
mim você mesma! Diga a eles que a pobre Henrietta não lhe fará mal; diga
que ela só deseja sentar-se ao seu lado e observá-la! Eu segurarei esta mão
tão querida e me agarrarei a ela até o último minuto, e você não vai, eu sei
que não vai dar ordens para tirá-la de mim!
O Dr. Lyster, embora sua boa índole tivesse sido muito afetada por essa
demonstração afetuosa de tristeza, com muita indignação lhe explicou a
impropriedade de ceder aos seus anseios. Mas Henrietta, que não estava
acostumada a disfarçar ou reprimir seus sentimentos, ficava cada vez mais
agressiva quanto mais ela se convencia do perigo de Cecilia. — Oh, olhe só
para ela — exclamou ela — e tire-me daqui se puder! Veja como seus doces
olhos estão fixos! Veja, veja a mudança na sua aparência! Ela não me vê, ela
não me reconhece! Ela não me ouve! Sua mão já parece sem vida, seu rosto
está todo caído! Ah, se eu tivesse morrido vinte mortes antes de viver para
ver essa cena! Pobre e desgraçada Henrietta, não tem mais um amigo no
mundo! Você pode ir e se deitar em algum canto, e ninguém vai te dizer uma
palavra de conforto!
— Isso não está certo — disse o Dr. Lyster —, vocês devem levá-la
embora.
— Vocês não devem! — exclamou ela, desesperadamente. — Ficarei com
ela até que dê seu último suspiro e ficarei com ela ainda mais tempo! E se ela
pudesse falar neste momento, ela diria que esta é a sua vontade. Ela amava a
pobre Henrietta e gostava de tê-la por perto, e quando ela estava doente e
muito angustiada, nunca me pediu que saísse de seu quarto. Não é verdade,
minha doce Miss Beverley? Não sabe que é verdade? Oh, abandone esta
aparência terrível! Volte para sua infeliz Henrietta, a mais doce, a melhor das
damas! Não vai voltar a falar com ela? Não vai dizer a ela uma única
palavra?
O Dr. Lyster ficou muito zangado, disse a ela que tal violência poderia ter
consequências fatais e a assustou a ponto de poder afastá-la ele mesmo. Ele
teve então a gentileza de ir com ela até o outro quarto, onde, quando sua
primeira veemência havia sido despendida, seus protestos e argumentos a
levaram a uma noção do perigo que ela poderia ocasionar e ele a fez prometer
não retornar ao quarto até que ganhasse forças para se comportar melhor.
Quando o médico voltou novamente para Delvile, ele o encontrou muito
alarmado com sua longa permanência; ele lhe comunicou brevemente o que
havia acontecido e o aconselhou a não agravar sua própria dor ao ver o que
fora sofrido por aquela garota desprotegida e ardente. Delvile assentiu
facilmente, pois o peso de sua própria aflição era muito grande para suportar
qualquer adição.
Henrietta, mantida sob controle pelo Dr. Lyster, contentou-se em apenas
ficar sentada na cama, sem tentar falar, e sem outra ocupação a não ser olhar
alternadamente para a amiga doente e cobrir os olhos lacrimejantes com o
lenço; de vez em quando ela abandonava o quarto em busca do alívio de
soluçar em liberdade e em voz alta em outro aposento.
Mas, à noite, enquanto Delvile e o Dr. Lyster realizavam um de seus
passeios melancólicos, uma nova cena foi representada nos aposentos da
ainda sem sentidos Cecilia. Mr. Albany repentinamente fez sua entrada,
acompanhado por três crianças, duas meninas e um menino, de quatro a seis
anos, bem-vestidos, limpos e saudáveis.
— Veja aqui — exclamou ele, ao entrar —, veja aqui o que eu trouxe para
você! Levante, levante sua cabeça lânguida e olhe para cá! Você me
considera rígido, inimigo do prazer, austero, severo e coibidor da alegria,
olhe para cá e veja o contrário! Quem poderá te oferecer tanto conforto,
alegria e satisfação? Três crianças inocentes, vestidas e alimentadas por sua
generosidade!
Henrietta e Mary, que o conheciam bem, ficaram pouco surpresas com
tudo o que ele dizia ou fazia, e as enfermeiras acharam melhor não interferir,
mas apenas sussurraram.
Cecilia, porém, nada observou do que acontecia, e Mr. Albany, um tanto
espantado, aproximou-se mais da cama: — Ainda não quer falar? —
perguntou ele.
— Ela não pode, senhor — disse uma das mulheres. — Ela está emudecida
há muitas horas.
O ar de triunfo com o qual havia entrado no quarto agora se transformava
em decepção e consternação. Por alguns minutos ele a contemplou pensativa
e pesarosamente, e então, com um suspiro profundo, disse: — Como os
pobres lamentarão este dia! — Então, voltando-se para as crianças, que,
assustadas com a cena, ficaram quietas de terror. — Que infelicidade — disse
ele —, vocês, crianças indefesas, não sabem o que perderam;
presunçosamente nós viemos; desatendidos devemos voltar! Eu os trouxe
para que fossem vistos por sua benfeitora, mas ela está indo aonde encontrará
muitos outros.
Ele, então, decidiu levá-los embora, mas voltou repentinamente: — Talvez
eu não a veja mais! Mas devemos antes orar por ela. Grande e terrível é a
mudança que ela está fazendo; o que são as revoluções humanas, quão
lamentáveis, quão insignificantes, comparadas com isso? Venham, crianças,
venham; com presentes ela tem abençoado vocês muitas vezes, com desejos
devem abençoá-la! Venham, ajoelhem-se ao redor da sua cama e vamos
todos orar juntos por ela; levantem suas mãos inocentes, e por todos vocês eu
falarei.
Ele então fez as crianças obedecerem às suas ordens e, tendo-se ajoelhado,
Henrietta e Mary imediatamente fizeram o mesmo. — Doce flor,
prematuramente colhida, mas madura em excelência! Tão cedo esmoreceu na
tristeza, embora fragrante na inocência! Suave seja a sua partida, pois
imaculados têm sido os seus dias; breves sejam suas dores, pois poucas foram
suas ofensas! Olhem para ela, doces crianças, e guarde-a em sua memória;
com frequência irei visitá-los e reviver a cena solene.
Ele fez uma pausa, e as enfermeiras e Mrs. Wyers, impressionadas por este
apelo e comovidas pelo exemplo geral, arrastaram-se para a cama e caíram de
joelhos, quase involuntariamente.
— Ela está deixando — retomou Mr. Albany — a inveja do mundo!
Enquanto nenhuma culpa havia se apoderado de sua alma, e nenhum remorso
havia prejudicado sua paz. Ela era a serva da caridade, e a piedade habitava
em seu peito! Sua boca nunca se abria, senão para confortar, seus passos
foram seguidos por bênçãos. Oh, feliz em pureza, seja sua a canção do
triunfo! Suavemente cairá no sono temporal, sublimemente ressuscitará para
a vida que desperta para sempre!
Ele então se levantou, pegou as crianças pelas mãozinhas e foi embora.
CAPÍTULO 102

UMA SUPRESSÃO

Dr. Lyster e Delvile os encontraram na entrada da casa. Extremamente


alarmados pela possibilidade de que Cecilia tivesse sido perturbada, os dois
subiram apressadamente as escadas, mas Delvile não passou da porta. Ele ali
se deteve e ouviu, mas tudo estava em silêncio. As orações de Mr. Albany
haviam impressionado a todos, e o Dr. Lyster logo voltou para lhe dizer que
não havia alterações no quadro de sua paciente.
— E ele não a perturbou? — perguntou Delvile.
— Não, em absoluto.
— Eu acho, então — disse ele, avançando, embora tremendo —, que
deveria vê-la mais uma vez.
— Não, não, Mr. Mortimer! — exclamou o médico. — Por que deveria se
entregar a um choque tão desnecessário?
— O choque — respondeu ele — já passou! Diga, porém, há alguma
chance de eu poder machucá-la?
— Eu creio que não. Não creio que ela vá perceber sua presença.
— Bem, nesse caso, talvez eu venha a lamentar no futuro, que uma última
vez...
Ele se deteve; indeciso, o médico o teria dissuadido novamente, mas,
depois de uma pequena hesitação, ele lhe garantiu que estava preparado para
o pior e se obrigou a entrar no quarto.
No entanto, quando voltou a contemplar Cecilia, sem sentidos, sem
palavras, imóvel, seus traços vazios de qualquer expressão, suas bochechas
sem cor, seus olhos sem significado, ele se encolheu ante aquela visão,
apoiou-se no médico e quase gemeu em voz alta. O Dr. Lyster o teria
conduzido para fora do aposento, mas assim que se recuperou dessa primeira
agonia, ele se voltou novamente para ela e, erguendo os olhos, exclamou com
fervor: — Oh, poderes misericordiosos! Levem-na ou destruam-na! Que não
demore tanto assim, pelo contrário, permitam que eu a perca para sempre! Eu
prefiro vê-la morta, mas feliz, do que nesta condição terrível!
Então, ele avançou para o lado da cama e olhou para ela com mais
seriedade:
— Não oro agora — exclamou ele — pela sua vida! Da maneira desumana
como a tenho tratado, ainda não estou tão endurecido a ponto de desejar que
sua miséria se prolongue. Que seja rápida a sua restauração, ou tão breve
quanto a sua passagem para a eternidade! Oh, minha Cecilia! Preciosa,
mesmo alterada! Doce, mesmo nos braços da morte e da insanidade! Mais
cara ao meu coração torturado neste estado calamitoso do que em todo o seu
orgulho de saúde e beleza!
Ele parou e se afastou dela, mas não conseguiu se desvencilhar; ele se
aproximou novamente, voltou a olhar para ela, pairou sobre ela com uma
angústia indescritível; ele beijou cada mão ardente, dobrou contra o seu peito
sua forma débil e, recuperando a fala, embora quase explodindo de tristeza,
articulou fracamente: — Está tudo acabado? Não sobrou nenhum raio de
razão? Nenhum reconhecimento do seu pobre Delvile? Não, nenhum! A mão
da morte está sobre ela, e ela se foi para sempre! Doce sofredora por
excelência! Amada, perdida, agonizante Cecilia! Mas não vou reclamar! A
paz e os anjos estão esperando para recebê-la, e se você já se separou de si
mesma, seria ímpio lamentar que não se separasse de mim. No entanto, em
sua tumba será depositado tudo o que para mim poderia tornar a existência
suportável, cada oportunidade frágil de felicidade, cada esperança
sustentadora e todo alívio da tristeza!
O Dr. Lyster, que agora se aproximava novamente, pensou ter percebido
alguma mudança em sua paciente e peremptoriamente o forçou a se afastar
dela; então, ele descobriu que seus olhos estavam fechados e que ela dormia.
Este era um presságio mais favorável do que podia esperar. Ele agora se
sentou ao lado da cama e decidiu não a deixar até que a crise esperada
passasse. Ele deu as ordens mais estritas para que toda a casa ficasse em
silêncio e não permitiu que ninguém no quarto falasse ou se movesse.
Seu sono foi longo e pesado; no entanto, quando ela acordou, sua
sensibilidade foi evidentemente restaurada. Ela se assustou, repentinamente
levantou a cabeça do travesseiro, olhou em volta e disse: — Onde estou?
— Graças a Deus! — exclamou Henrietta, aproximando-se da cama,
quando o Dr. Lyster, com um olhar severo e zangado, obrigou-a a novamente
se sentar.
Ele então falou com ela pessoalmente, perguntou como ela estava e a
achou bastante racional.
Henrietta, que agora não duvidava de sua perfeita recuperação, chorou de
alegria com tanta intensidade quanto antes chorava de tristeza. Mary, na
mesma convicção, correu imediatamente para Delvile, ansiosa para levar a
ele as primeiras notícias de que sua senhora havia recuperado a razão.
Delvile, na maior emoção, voltou para o quarto, mas permaneceu a uma
certa distância da cama, esperando a permissão do Dr. Lyster para se
aproximar.
Cecilia estava tranquila e serena, suas lembranças pareciam restauradas e
seu intelecto são, mas ela estava fraca e debilitada, em silêncio, para evitar o
esforço de falar. O Dr. Lyster encorajava essa quietude e não permitiu que
ninguém, nem mesmo Delvile, se aproximasse. No entanto, depois de algum
tempo, com muita calma, ela novamente começou a falar. Ela agora o
reconhecia pela primeira vez e parecia muito surpresa com sua presença. Ela
não sabia dizer o que havia acontecido com ela, nem podia adivinhar onde
estava, ou por que meios havia chegado até lá. O Dr. Lyster desejava que
naquele momento ela não pensasse no assunto e prometeu um relato
completo de tudo quando ela estivesse mais forte e em melhores condições
para conversar. O conselho a silenciou por um tempo. Porém, após uma breve
pausa, ela disse: — Diga, Dr. Lyster, não tenho nenhum outro amigo neste
lugar além do senhor?
— Sim, sim, a senhorita tem vários amigos aqui — respondeu o médico
—, mas eu os estou mantendo afastados, para que não se apressem ou
perturbem seu descanso.
Ela pareceu muito satisfeita com este discurso, mas pouco depois disse: —
O senhor não deve, doutor, mantê-los afastados por muito mais tempo, pois
vê-los, creio eu, me reanimaria.
— Ah, Miss Beverley! — exclamou Henrietta, que agora não conseguia se
conter. — Não posso eu, entre os demais, me aproximar e falar com a
senhorita?
— Quem é? — perguntou Cecilia, com prazer na voz, embora estivesse
muito fraca. — É minha sempre querida Henrietta?
— Oh, isso é alegria de verdade! — exclamou ela, beijando
fervorosamente sua testa e bochechas. — Alegria que eu nunca, nunca
esperei ter novamente!
— Vamos, vamos — exclamou o Dr. Lyster —, já chega. Não fiz bem em
manter essas pessoas por perto?
— Acredito que sim — disse Cecilia, com um leve sorriso. — Minha
muito amada Henrietta pode ficar tranquila agora.
— Eu vou, de verdade, madame! Minha querida, querida Miss Beverley,
eu o farei! Agora, uma vez que tem minha obediência, e uma vez que ouço
sua doce voz novamente, farei qualquer coisa, pois estou feliz para o resto da
vida!
— Ah, doce Henrietta! — exclamou Cecilia, estendendo-lhe a mão. —
Você deve reprimir esses sentimentos, ou nosso médico aqui logo nos
separará. Mas diga-me, doutor, não há mais ninguém que o senhor possa me
deixar ver?
Delvile, que ouvira toda a cena na indizível perturbação da esperança que
se acendia das próprias cinzas do desespero, estava agora se aproximando,
mas o Dr. Lyster, temeroso das consequências, levantou-se apressadamente e,
com um olhar e ar irrefutáveis, o agarrou pelo braço e o conduziu para fora
do quarto. Ele então lhe explicou veementemente o perigo de agitá-la ou
perturbá-la e ordenou que ficasse longe de sua vista até que ela fosse capaz de
suportá-lo, assegurando ao mesmo tempo que agora ele tinha razões para
esperar sua recuperação.
Delvile, perdido em êxtase, não pôde responder, mas correu para os seus
braços e o abraçou quase loucamente, expressou seus fervorosos
agradecimentos e, com passos rápidos, mais uma vez abraçou o doutor, e
enquanto suas faces viris estavam queimando por lágrimas de alegria, ele
ainda não conseguia expressar o alegre tumulto de sua alma.
O muito digno Dr. Lyster, que compartilhava sua felicidade com todo o
coração, mais uma vez o incitou a ser discreto, e Delvile, que não mais se
mostrava intratável e desesperado, com gratidão concordou com tudo o que
ele ordenava. O médico então retornou a Cecilia e, para aliviar sua mente de
qualquer suspense inquietante, falou com ela abertamente sobre Delvile,
insinuou que sabia do seu casamento e disse a ela que havia proibido o
encontro deles até que os dois estivessem mais aptos a suportá-lo.
Cecilia não parecia muito satisfeita nem muito desapontada com essa
demora, mas os outros médicos, que haviam sido convocados depois desta
feliz alteração, quando chegaram, suas ordens para mantê-la quieta foram
ainda mais estritamente cumpridas. Portanto, ela se submeteu pacificamente,
e Delvile, cujo coração alegre ainda palpitava com êxtase mudo, observava
com satisfação a porta de seu quarto e obedecia implicitamente a tudo o que
lhe era dito.
Ela agora melhorava visivelmente e quase de hora em hora e, em pouco
tempo, sua ansiedade para saber tudo o que havia acontecido com ela mesma,
por quais meios ela estava tão doente e confinada em uma casa da qual não
tinha nenhum conhecimento, obrigou o Dr. Lyster a tornar-se o mestre dos
detalhes que ele poderia lhe comunicar com uma calma que Delvile não
poderia atingir. O próprio Delvile, feliz por ser poupado da amarga tarefa,
contou ao médico tudo o que sabia da história, e então pediu que narrasse
para ela também os motivos de sua própria estranheza e que ele condenava a
conduta imperdoável, e as cenas que haviam seguido sua separação. Ele disse
que havia voltado para a Inglaterra ignorando tudo o que havia acontecido em
sua ausência, simplesmente com a intenção de atender seu pai, comunicar seu
casamento e dar instruções a seu advogado para os acordos e preparativos
que deveriam preceder sua futura publicação. Ele também pretendia conhecer
a situação real de Mr. Monckton, e então, após uma conversa com Cecilia,
voltar para sua mãe e aguardar em Nice até que pudesse reivindicar sua
esposa publicamente. Era este o propósito que ele havia escrito em sua carta,
a qual pretendia deixar pessoalmente nos Correios de Londres. Assim, ele
tinha acabado de descer de sua carruagem quando encontrou Ralph, o criado
de Cecilia, na rua. Ele o deteve apressadamente e perguntou se ele havia
deixado seu emprego.
— Não — respondeu Ralph —, eu vim para a cidade com minha patroa.
— Com sua patroa? — perguntou o surpreso Delvile. — Então sua patroa
está na cidade?
— Sim, senhor, ela está na casa de Mrs. Belfield.
— Na casa de Mrs. Belfield? A filha dela voltou para casa?
— Não, senhor, nós a deixamos no campo.
Ele tinha a intenção de continuar com um novo relato, mas, com muita
confusão mental para ouvi-lo, Delvile abruptamente lhe desejou boa noite e
caminhou sozinho em direção à casa de Mr. Belfield.
O prazer com que teria ouvido que Cecilia estava tão perto dele perdeu-se
totalmente em sua perplexidade ao se dar conta da viagem dela. Suas cartas
nunca haviam sugerido tal propósito, a notícia só chegou a ele por acidente,
eram dez horas da noite e ainda assim ela estava na casa de Mr. Belfield,
embora a irmã estivesse fora, embora a mãe fosse declaradamente odiosa para
ela. Em um instante, tudo o que ele tinha ouvido anteriormente, tudo que
antes havia desconsiderado, voltou repentinamente à sua memória, e ele
começou a acreditar que havia se enganado, que seu pai estava certo e que
Mr. Belfield tinha alguma influência estranha e imprópria sobre o coração
dela. Aquela suspeita era sua morte; ele tentou afastá-la, concluiu que tudo
não passava de algum engano; sua razão, tão poderosamente quanto sua
ternura, reivindicava sua inocência e, embora tenha chegado à casa em
grande confusão, estava com a firme convicção de que havia uma explicação
honrosa.
A porta estava aberta, havia uma carruagem esperando e Mrs. Belfield
estava escutando no corredor; essas apresentações eram estranhas e
aumentavam sua agitação. Ele perguntou por seu filho em uma voz quase
inaudível e ela disse que ele estava ocupado com uma dama e não deveria ser
incomodado. Aquela resposta fatal, em um momento tão importante e com as
mais horríveis suposições, foi decisiva; furioso, portanto, ele se forçou a
passar por ela e abriu a porta, mas, quando os viu juntos, o resto da família
confessadamente excluído, sua raiva transformou-se em horror e ele mal
conseguia se manter em pé.
— Oh, Dr. Lyster! — continuou ele. — Pergunte para a mais doce criatura
se essas circunstâncias oferecem alguma atenuação para o ciúme fatal que se
apoderou de mim. Eu mesmo nunca me perdoarei enquanto viver, mas ela,
talvez, que é toda doçura, toda compaixão e toda tranquilidade, possa em
algum momento pensar que meus sofrimentos são quase iguais à minha
ofensa.
Ele então continuou sua narrativa.
Mortimer contou para o médico que, depois de ordenar de forma tão
peremptória que sua carruagem a levasse a St. James’s Square, ele voltou
para a casa e pediu que Mr. Belfield o acompanhasse. Ele obedeceu e os dois
guardaram silêncio até chegarem a uma cafeteria, onde pediram uma sala
particular. Durante todo o caminho que percorreram, seu coração,
secretamente satisfeito com a pureza de Cecilia, o golpeava pela situação em
que a havia deixado. No entanto, tendo infelizmente ido tão longe a ponto de
deixar suas suspeitas aparentes, ele achou necessário para seu caráter que sua
abolição fosse igualmente pública.
Quando eles estavam sozinhos, ele disse: — Belfield, para evitar qualquer
imputação de impertinência em minhas perguntas, não nego o que suponho
que ela mesma já lhe disse, que tenho o interesse mais próximo em tudo que
diz respeito à madame de quem acabamos de nos separar; devo implorar,
portanto, um relato explícito do propósito de sua conversa privada com ela.
— Mr. Delvile — respondeu Belfield, com uma mescla de franqueza e
espírito —, eu geralmente não estou muito disposto a responder a perguntas
formuladas de maneira tão soberba; no entanto, neste caso, como não sou a
pessoa principal em questão, creio estar obrigado, por justiça, a falar em
nome dos ausentes. Eu lhe asseguro, portanto, da forma mais solene, que
nunca ouvi falar de seu interesse por Miss Beverley, a não ser por rumores,
que o fato de estarmos sozinhos não foi planejado e que foi por nós dois
indesejado, que a honra que ela prestou à nossa casa ao visitá-la foi apenas
para informar minha mãe sobre a mudança de minha irmã para a casa de Mrs.
Harrel, e que a parte que eu mesmo tive em sua condescendência era
simplesmente para ser consultado sobre uma viagem que ela contempla fazer
para o sul da França. E agora, senhor, depois de lhe oferecer uma satisfação
pacífica, o senhor me encontrará extremamente à sua disposição para
qualquer outra.
Delvile imediatamente estendeu a mão para ele: — O que o senhor afirma
— disse ele — sobre sua honra, não requer outro testemunho. Sua bravura e
sua probidade são igualmente conhecidas por mim; com qualquer uma delas,
portanto, estou satisfeito, e de maneira alguma preciso da intervenção de
ambas.
Eles então se separaram; com suas dúvidas removidas e sua formalidade
satisfeita, ele retornou a St. James’s Square para implorar o perdão de Cecilia
pelo mal-estar que havia lhe causado e para ouvir o motivo de sua repentina
viagem e mudança de planos. Mas, quando ele lá chegou e descobriu que seu
pai, quem ele acreditava estar no Castelo Delvile, se encontrava na casa,
enquanto Cecilia nem sequer havia procurado por ele... — Oh, não permita
— continuou ele —, não permita que nem para mim mesmo eu relembre a
agonia daquele momento! Onde procurá-la, eu não sabia; por que ela estava
em Londres, eu não conseguia adivinhar; com que propósito ela dera ao
postilhão um novo endereço, eu não conseguia imaginar. Mesmo assim,
parecia que ela desejava me evitar e, mais uma vez, no frenesi de minha
decepção, achei que Belfield fosse uma parte interessada em seu
desaparecimento. Uma vez mais, portanto, eu o procurei; em sua própria
casa, no café onde o havia deixado, tudo em vão; por onde eu ia, eu apenas o
perdia, pois, ao saber da minha busca, ele ia com igual inquietação de um
lugar para outro para me encontrar. Alegro-me por termos ambos falhado;
uma repetição de minhas indagações em meu estado então irritado deveria ter
inevitavelmente provocado o mais fatal ressentimento. Não me deterei nas
cenas que se seguiram; minha busca laboriosa, minhas andanças infrutíferas,
a confusão de meu suspense, o excesso de meu desespero! Até mesmo
Belfield, o impetuoso Belfield, quando o encontrei no dia seguinte, estava tão
comovido com minha infelicidade que suportou toda a minha injustiça. Um
homem nobre! Nunca me esquecerei da paciência da sua alma elevada. E
agora, Dr. Lyster, volte para minha Cecilia; conte a ela esta história e tente,
pois o senhor tem habilidade para isso, amansá-la, mas sem feri-la com meus
sofrimentos. Se então ela ainda quiser me ver, para me abençoar com o som
de sua doce voz, não mais em guerra com sua mente, para me estender sua
mão amada em sinal de paz e perdão... oh, Dr. Lyster! Salvador da minha
vida na dela! Dê-me apenas este momento precioso e todos os males do
passado serão apagados para sempre!
— Você deve se acalmar, senhor — disse o doutor —, antes de eu fazer a
tentativa. Esses atos heroicos são muito bons para quem tem boa saúde e
nervos fortes, mas não servem para os mais fracos.
Entretanto, ele voltou para Cecilia e lhe contou toda essa narrativa,
suprimindo apenas o que temia que pudesse afetá-la, mas judiciosamente
animando o todo com suas restrições. Para Cecilia foi muito mais fácil
dissipar a surpresa, e como sua angústia e seu terror não haviam se misturado
ao ressentimento, ela agora não tinha nenhum desejo além de reconciliar
Delvile consigo mesmo. O Dr. Lyster, entretanto, com sua amistosa
autoridade, a obrigou por algum tempo a se contentar com este relato. Porém,
quando ela melhorou, sua impaciência ficou mais forte e ele temia que a
oposição fosse tão prejudicial quanto a obediência. Delvile, portanto, foi
admitido; ainda assim, ele se aproximou lentamente e com temor,
amedrontado por ela e temeroso de si mesmo, cheio de remorso pelas feridas
que ela havia sofrido e impressionado com tristeza e horror por vê-la tão
doente e alterada.
Apoiada em travesseiros, ela se sentou quase ereta. No momento em que o
viu, ela tentou se inclinar para frente e recebê-lo, exclamando em tom de
prazer, embora fracamente: — Ah! Querido Delvile! É você? — porém, fraca
demais para o esforço que fizera, ela afundou de volta no travesseiro, pálida,
trêmula e perturbada.
O Dr. Lyster teria então interferido para adiar a conversa, mas Delvile não
era mais o senhor de si mesmo ou de suas paixões; ele se lançou para a frente
e, ajoelhando-se ao lado da cama, disse: — A enferma mais doce e perfeita!
Esposa do meu coração! Único objeto escolhido pelo meu afeto! Você ainda
vive? Ouço a sua voz amada? Posso vê-la de novo? É minha Cecilia? Eu
realmente não te perdi? — então, ele a contemplou mais fixamente. — Pobre
de mim! — exclamou ele. — É realmente a minha Cecilia?! Tão pálida, tão
abatida! Oh, anjo sofredor! Você poderia então invocar Delvile, o Delvile
culpado, mas de coração partido, causador da sua ruína, seu assassino, e
ainda assim não o amaldiçoar?
Cecilia, extremamente afetada, não conseguia pronunciar uma palavra; ela
estendeu a mão para ele, olhou para ele com ternura e gentileza, mas as
lágrimas começaram a brotar de seus olhos e escorreram em grandes gotas
por suas bochechas descoradas.
— Criatura angelical! — exclamou Delvile, com as próprias lágrimas
transbordando enquanto pressionava contra os lábios o amável símbolo de
seu perdão. — Poderia oferecer novamente esta mão a quem não a merece?
Poderia olhar com tanta compaixão para o autor de seus infortúnios? Para o
desgraçado que por um instante duvidou da pureza de uma mente tão
piedosa?
— Ah, Delvile! — exclamou ela, um pouco reanimada. — Não pense mais
no passado! Poder vê-lo, poder ser sua, já afasta o mal de minha lembrança.
— Não mereço tanta alegria! — exclamou ele, levantando-se, ajoelhando-
se e levantando-se novamente. — Não sei como suportá-la! Um perdão como
este, quando eu acreditava que iria me odiar para sempre, quando repulsa e
aversão eram tudo que eu ousava esperar, quando minha própria
desumanidade a havia privado da razão, quando a sepultura, a sepultura
impiedosa, já estava aberta para te receber.
— O mais gentil, o mais sensível Delvile! — exclamou Cecilia. — Alivie
o seu coração dessas lembranças amargas; o meu já está mais leve, acredito
que de tudo, exceto de minha afeição por você!
— Oh, palavras de êxtase e alegria! — exclamou o embevecido Delvile.
— Oh, companheira da minha vida! Amiga, conforto, querida do meu peito!
Que tão recentemente acreditei que agonizava! Por quem meu coração
sangrou na agonia da separação eterna.
— Vamos, senhor, vamos! — exclamou o Dr. Lyster, ao notar que Cecilia
estava muito agitada. — Não serei responsável pela continuação desta cena
— ele pegou Mortimer pelo braço e o despertou de seu êxtase frenético,
dizendo que ela iria desmaiar, e então o forçou a se afastar.
Logo depois que ele se foi e Cecilia ficou mais tranquila, Henrietta, que
chorava amargamente em um canto do quarto durante toda a cena, se
aproximou e, com uma tentativa de sorriso, embora em uma voz dificilmente
audível, disse: — Ah, Miss Beverley! A senhorita finalmente será feliz! Feliz
como toda a sua bondade merece. E estou certa de que deveria me alegrar se
eu morresse para torná-la mais feliz!
Cecilia, que conhecia muito bem o significado daquelas palavras, a
abraçou com ternura, mas foi impedida pelo Dr. Lyster de iniciar qualquer
conversa com ela.
Tendo o primeiro encontro, entretanto, com Delvile acabado, o segundo
foi muito mais silencioso, e, em muito pouco tempo, ele mal podia deixá-la
por um momento, e a própria Cecilia sentia com sua visão um prazer grande
demais para negar, mas sereno demais para oferecer perigo.
O digno Dr. Lyster, ao encontrar tão justa sua perspectiva de recuperação,
preparou-se para deixar Londres. Porém, igualmente desejoso de fazer o bem
tanto em sua profissão quanto fora dela, primeiramente, e a pedido de
Delvile, visitou seu pai a fim de informá-lo de sua situação atual e solicitar
suas instruções para seus procedimentos futuros e se esforçar para negociar
uma reconciliação geral. Mr. Delvile, para cujo coração orgulhoso a alegria
social não encontrava nenhum caminho, mesmo assim sentiu-se comovido da
maneira mais sensível pela restauração de Cecilia. Nem sua dignidade nem
seu desgosto haviam sido capazes de reprimir o remorso, sentimento para o
qual, com todas as suas fraquezas, não estava acostumado. A visão de sua
confusão residia em sua imaginação, o desânimo de seu filho o havia
golpeado com medo e horror. Ele havia sido perseguido pela autocensura e
por um arrependimento inútil, e aquelas concessões que havia recusado à
ternura e à súplica, ele agora concedia voluntariamente na intenção de passar
do arrependimento para a tranquilidade. Ele mandou imediatamente buscar
seu filho, a quem abraçou com lágrimas nos olhos, e sentiu sua própria paz
restaurada ao pronunciar seu perdão. No entanto, estranho à gentileza, ele não
o reteve por muito tempo, e alheio à generosidade, não sabia como recebê-la;
a extinção de seu remorso diminuiu sua compaixão por Cecilia, e, quando
solicitado a recebê-la, ele reavivou as acusações de Mr. Monckton.
Cecilia, informada do fato, decidiu escrever ela mesma àquele senhor, cuja
longa e dolorosa enfermidade, somada à irrecuperável frustração de seus
planos, ela agora esperava poder triunfar sobre ele e reparar os danos que ele
havia causado.

“Mr. Monckton.
Não escrevo, senhor, para repreendê-lo; as desgraças que se seguiram às
suas atitudes maléficas, das quais talvez possa tomar conhecimento em
algum momento, farão com que minhas censuras sejam supérfluas. Escrevo
apenas para implorar que o que é passado possa satisfazê-lo, e já que,
enquanto solteira, o senhor escolheu me representar erroneamente diante da
família Delvile, o senhor agora tenha a honra, uma vez que agora sou uma
deles, de reconhecer minha inocência dos crimes que me imputou. Em
memória de minha antiga e longa amizade, envio meus melhores votos, e em
consideração às minhas esperanças de sua retratação, envio também,
senhor, se acredita que vale a pena aceitar, meu perdão. CECILIA
DELVILE”.

Mr. Monckton, depois de muitas lutas longas e dolorosas entre a raiva


inútil e o remorso involuntário, finalmente enviou a seguinte resposta:

“Mrs. Mortimer Delvile.


Aqueles que poderiam acreditá-la culpada devem estar ansiosos para
pensar que assim é. Eu só pensei no seu bem-estar em todos os momentos, e
em salvá-la de uma conexão que nunca pensei ser igual ao seu mérito. Estou
triste, mas não surpreso, ao saber de seus sofrimentos; desta aliança que
formou, nada mais se poderia esperar. Se meu testemunho de sua inocência
puder, entretanto, servir para mitigá-los, não tenho escrúpulos em declarar
que acredito não possuir uma mácula”.

Delvile, através do Dr. Lyster, enviou esta carta ao seu pai, cuja raiva ao
descobrir a perfídia que o havia enganado era ainda inferior à que ele sentia
pela menção tão injuriosa de sua família.
Sua conferência com o Dr. Lyster foi longa e dolorosa, mas decisiva. Este
homem sagaz e amigável sabia bem como trabalhar suas paixões, e assim
efetivamente as despertou ao explicar a desgraça de sua própria família pela
atual situação de Cecilia, que, antes que ele deixasse sua casa, estava
autorizado a convidá-la para se mudar para lá.
Ao retornar de sua incumbência, ele encontrou Delvile no quarto dela; os
dois aguardavam com impaciência os eventos de sua negociação.
O médico, com grande entusiasmo, fez a Cecilia o convite que lhe fora
encomendado, mas Delvile, zeloso por sua dignidade, ficou zangado e
insatisfeito porque seu pai não o trouxera ele mesmo, e exclamou com muita
tristeza: — Esta é toda a graça que me foi concedida?
— Paciência, paciência, senhor — respondeu o médico. — Depois de
frustrar qualquer pessoa em sua primeira esperança e ambição, o senhor
espera que ele lhe envie seus cumprimentos e muitos agradecimentos pela
decepção? Por favor, deixe o bom cavalheiro fazer as coisas ao seu modo em
alguns pequenos assuntos, já que o senhor tomou todo o cuidado para deixar
fora de seu alcance o poder de atuar nos grandes.
— Oh, longe de criar obstáculos — exclamou Cecilia —, solicitemos uma
reconciliação com quaisquer concessões que ele possa exigir! O sofrimento
da desobediência que tão fatalmente experimentamos, e pensando como
pensamos sobre laços filiais e reivindicações dos pais, como podemos esperar
a felicidade até que sejamos perdoados e favorecidos?
— É verdade, minha Cecilia — respondeu Delvile —, a verdade generosa
e condescendente, e se você pode concordar com tanta doçura, com gratidão
deixarei de fazer qualquer oposição. Você já sofreu demais com a
impetuosidade de meu temperamento, mas tentarei contê-lo no futuro com a
lembrança do seu sofrimento.
— A combinação de toda essa situação desafortunada foi o resultado do
ORGULHO e do PRECONCEITO de suas famílias — disse o Dr. Lyster. —
Seu tio, o reitor, deu o início com sua vontade arbitrária, como se uma
determinação dele pudesse deter o curso da natureza, e como se tivesse o
poder de manter viva, mediante o empréstimo de um nome, uma família cujo
ramo masculino já estava extinto. Seu pai, Mr. Mortimer, prosseguiu com a
mesma parcialidade, preferindo a miserável satisfação de sentir cócegas em
seus ouvidos com um som favorito de um sobrenome em vez da sólida
felicidade de seu filho com uma esposa rica e merecedora. No entanto,
lembrem-se disso, se ao ORGULHO e ao PRECONCEITO vocês devem suas
misérias, tão maravilhosamente equilibrados estão o bem e o mal, que ao
ORGULHO e ao PRECONCEITO vocês também deverão a sua interrupção,
pois ao dizer a Mr. Delvile sobre a desonra em ter uma nora confinada nestes
alojamentos medíocres, ao associar o grande nome Delvile a uma casa de
penhores, seu ORGULHO e PRECONCEITO falaram mais alto. Assim,
minha cara jovem, o terror que a conduziu a esta casa, e os sofrimentos que
nela a confinaram, provarão ser, neste caso, a fonte de sua futura paz, pois,
quando toda a minha melhor retórica falhou com Mr. Delvile, eu
imediatamente o fiz mudar de ideia ao associar seu nome com uma casa de
penhores! E ele não poderia com mais desgosto ouvir seu filho ser chamado
de Mr. Beverley, do que pensar na esposa de seu filho quando ouvisse o
nome Three Blue Balls! Assim, as mesmas paixões, tomando apenas direções
diferentes, podem fazer o mal e curá-lo alternadamente. Esta é, meus bons
jovens amigos, a moral de suas tragédias. Todos vocês, na minha opinião,
estranhamente possuíam objetivos opostos e foram desprezados pelas
primeiras bênçãos da vida, ninguém sabe o porquê. Minha única esperança é
que agora, destituídos de seus luxos, vocês tenham conhecido o suficiente da
miséria para ficarem contentes em manter o que é necessário.
Este excelente homem ainda foi convencido por Delvile a ficar e ajudar na
remoção da débil Cecilia para St. James’s Square.
Henrietta, para quem a carruagem e os criados de Mr. Arnott ainda
permaneciam na cidade, foi então, embora com muita dificuldade, persuadida
a voltar para Suffolk, pois Cecilia, por mais que apreciasse sua companhia,
estava muito consciente do perigo e da impropriedade da sua situação atual
para receber dela qualquer prazer.
A recepção de Cecilia por Mr. Delvile foi formal e fria; no entanto, como
ela agora aparecia publicamente no caráter da esposa de seu filho, o melhor
aposento de sua casa havia sido preparado para seu uso, seus criados foram
instruídos a atendê-la com o maior respeito e lady Honoria Pemberton, que
acidentalmente se encontrava na cidade, se ofereceu, apenas por curiosidade,
ao que Mr. Delvile prontamente aceitou, para ser ela mesma a primeira a
receber e homenagear sua nora em St. James’s Square.
Quando Cecilia se recuperou um pouco da comoção da primeira conversa
e do cansaço de sua remoção, o ansioso Mortimer desejou imediatamente
transportá-la para seu próprio aposento; porém, disposta a se esforçar e na
esperança de agradar Mr. Delvile, ela declarou que poderia permanecer mais
algum tempo na sala de estar.
— Meus bons amigos — disse o Dr. Lyster —, no decorrer de minha
longa prática, descobri que é impossível estudar a estrutura humana sem
estudar um pouco a mente humana, e por tudo o que pude decifrar, seja por
observação, reflexão ou comparação, parece-me neste momento que Mr.
Mortimer Delvile tem a melhor esposa, e que o senhor tem aqui a nora mais
impecável que qualquer marido ou qualquer pai nos três reinos pertencentes a
Sua Majestade pode ter ou desejar.
Cecilia sorriu; Mortimer parecia maravilhado ao expressar sua
concordância; Mr. Delvile se obrigou a fazer uma inclinação rígida da cabeça
e lady Honoria alegremente exclamou: — Dr. Lyster, quando o senhor diz a
melhor e a mais impecável, o senhor sempre deve se lembrar do restante da
companhia que foi excluída.
— Eu imploro o perdão de Vossa Senhoria, mas há um certo entusiasmo
descuidado com o qual um homem se depara de vez em quando, que remove
a cordialidade de sua mente, e o faz dizer a verdade antes que saiba bem onde
está!
— Que horror! — exclamou ela. — O senhor está ficando cada vez pior.
Eu esperava que o ar da cidade o tivesse ensinado algumas coisas, mas vejo
que o senhor ficou no Castelo Delvile por tanto tempo que não está mais apto
a ir a qualquer outro lugar.
— Quem quer que seja, lady Honoria — disse Mr. Delvile, muito ofendido
—, que for adequado para o Castelo Delvile, deve ser adequado para
qualquer outro lugar, embora uma pessoa de qualquer outro lugar, de forma
alguma, possa ser adequada para ele.
— Oh, sim, senhor — exclamou ela, sem demora —, todas as pessoas de
lugares possíveis serão adequadas para ele, se elas puderem suportá-lo apenas
uma vez. Não é assim, Dr. Lyster?
— Bem, quando um homem tem a honra de ver Vossa Senhoria —
respondeu ele, bem-humorado —, ele tende a pensar muito na pessoa e se
preocupar menos com o lugar.
— Vamos, começo a ter esperanças com o senhor — exclamou ela —,
pois, pelo que vejo, para um médico, o senhor realmente tem uma noção
muito bonita de uma cortesia, mas ainda tem um grande defeito: o tempo
todo o senhor parece estar fazendo uma piada.
— Bem, na verdade, madame, quando um homem é um simples
negociante, há mais de cinquenta anos, tanto nas palavras quanto na
aparência, esperar uma reforma tão rápida exigirá um pouco de flexibilidade.
No entanto, dê-me apenas um pouco de tempo e um pouco de encorajamento
e, com tal tutoria, será difícil eu não aprender, com algumas poucas lições, o
método correto de condimentar um sorriso e a última moda para distorcer
palavras de seu significado.
— No entanto, por favor — disse ela —, nessas ocasiões, lembre-se
sempre de manter uma seriedade no olhar. Nada desencadeia tanto um
cumprimento quanto uma cara feia. Se se sentir tentado a rir fora de hora,
pense no Castelo Delvile; é um expediente que geralmente uso comigo
mesma quando tenho medo de ser muito atrevida, e sempre dá certo, pois a
própria lembrança dele me dá dor de cabeça instantaneamente. Eu lhe dou a
minha palavra, Mr. Delvile, que o senhor deve ter a constituição de cinco
homens para ter mantido uma saúde tão boa depois de viver tanto tempo
naquele lugar horrível. O senhor não pode imaginar o quanto me
surpreendeu, pois com muita regularidade esperava ter notícias sobre sua
morte no final de cada verão, e eu lhe asseguro que certa vez estive muito
perto de vestir luto...
— A propriedade que um homem recebe de seus próprios ancestrais, lady
Honoria — respondeu Mr. Delvile —, raramente estará sujeita a prejudicar
sua saúde, se ele estiver consciente de não ter cometido nenhum delito que
tenha degradado sua memória.
— Quão imensamente odioso é esse seu novo pai! — disse lady Honoria
em um sussurro para Cecilia. — O que poderia tê-la induzido a renunciar sua
encantadora propriedade para entrar nesta família antiquada?! Eu realmente a
aconselharia a anular seu casamento. Você só precisa, sabe, fazer um
juramento de que foi forçada a se casar, e como é uma herdeira, e os Delvile
são todos tão violentos, isso será facilmente reconhecido. E então, assim que
você estiver em liberdade, eu a aconselharia a se casar com meu pequeno
lorde Derford.
— Então — disse Cecilia —, eu estaria recuperando minha liberdade para
me separar dela em seguida?
— Certamente — respondeu lady Honoria —, pois não se pode fazer
absolutamente nada sem estar casada; uma mulher solteira está mil vezes
mais encarcerada do que uma esposa, pois ela deve ser responsável perante
todas as pessoas, e uma esposa, como todos sabem, não tem nada a fazer a
não ser administrar seu marido.
— E isso — disse Cecilia, sorrindo — pode ser considerado uma
trivialidade?
— Sim, se você se casar com um homem de quem não gosta.
— Neste caso, está certa em me recomendar milorde Derford!
— Oh, sim, ele será o marido mais bonito do mundo; você poderá voar por
aí tão livre quanto uma cotovia e mantê-lo todo o tempo domesticado como
uma gralha; e embora ele possa reclamar de você para seus amigos, ele nunca
terá a coragem de criticá-la pessoalmente. Mas, quanto a Mortimer, você não
poderá governá-lo enquanto viver, pois no momento em que o tiver deixado
de lado, você mesma ficará infeliz, tentará estender sua mão para ele e,
perdendo a oportunidade de ganhar algum ponto material, se reconciliará com
a primeira palavra suave.
— Acha, então, que a discussão é mais divertida do que a reconciliação?
— Oh, mil vezes! Pois enquanto você está discutindo, você pode dizer
qualquer coisa e exigir qualquer coisa, mas, quando estiver se reconciliando,
você deve se comportar bem e parecer contente.
— Aqueles que presumem ter alguma pretensão com Vossa Senhoria —
disse Cecilia — ficariam realmente felizes se ouvissem seus princípios!
— Oh, isso não significaria nada — respondeu ela —, pois os pais, os tios,
e essa classe de pessoas, estão sempre fazendo conexões para alguém, e
nenhuma criatura pensa em nossos princípios até que os descobrem por meio
de nossa conduta, e ninguém pode fazer isso até que estejamos casadas, pois
eles não nos dão poder de antemão. Os homens não sabem nada sobre nós
enquanto estamos solteiras, a não ser como dançamos um minueto ou
tomamos uma lição de cravo.
— E o que mais — disse Mr. Delvile, que se aproximou e ouviu seu
último discurso — deseja uma jovem senhorita de classe para ser conhecida?
Vossa Senhoria certamente não a deixaria se degradar estudando como uma
artista ou professora?
— Oh, não, senhor, eu não gostaria que ela estudasse; é muito bom para
crianças, mas realmente, depois dos 16 anos, quando somos apresentadas à
sociedade, encontramos bastante cansaço para nos vestir e ir a lugares
públicos e encomendar coisas novas, sem todo aquele tormento da primeira e
da segunda posição, o Fá, o Ré, o Mi etc.
— Vossa Senhoria deve, no entanto, me perdoar por sugerir — disse Mr.
Delvile — que uma jovem de condição, que tem um senso adequado de sua
dignidade, não pode ser vista com demasiada frequência, ou ser pouco
conhecida.
— Oh, mas eu odeio a dignidade! — exclamou ela, descuidadamente —,
pois é a coisa mais enfadonha do mundo. Sempre pensei que era devido ao
senhor ser pouco divertido; sinceramente, senhor, imploro seu perdão, eu quis
dizer tão pouco eloquente.
— Posso facilmente acreditar que Vossa Senhoria tenha falado
apressadamente — respondeu ele, muito irritado —, pois acredito, de fato,
que uma pessoa de uma família como a minha dificilmente terá vindo ao
mundo para o ofício de diverti-la!
— Oh, não, senhor — exclamou ela, fingindo inocência —, ninguém,
estou certa, jamais o viu com tal pensamento — em seguida, voltando-se para
Cecilia, ela acrescentou em um sussurro: — Não pode imaginar, minha
querida Mrs. Mortimer, como detesto esse meu velho primo! Agora, por
favor, diga sinceramente se não o odeia também?
— Espero — disse Cecilia — não ter motivos para isso.
— Meu bom Deus, como se mantém sempre em guarda! Se eu tivesse a
metade da sua cautela, morreria pelos vapores em um mês; a única coisa que
me mantém viva é a oportunidade de irritar as pessoas de vez em quando,
pois as pessoas da minha casa me deixam sair tão raramente e depois me
fazem ser acompanhada por damas de companhia tão estúpidas, que
atormentá-las um pouco é realmente a única diversão que posso conseguir.
Oh, eu quase me esqueci de lhe contar uma coisa maravilhosa!
— O quê?
— Bem, deve saber que tenho as maiores esperanças do mundo de que
meu pai brigue com o velho Mr. Delvile!
— E isso é uma coisa maravilhosa?
— Ah, sim. Eu tenho vivido com esta expectativa nos últimos quinze dias,
pois então, como deve saber, os dois ficarão muito irritados e eu verei qual
deles parece mais assustador.
— Quando lady Honoria sussurra — disse Mortimer —, sempre suspeito
de alguma travessura.
— Certamente que não — respondeu Sua Senhoria —, eu estava
simplesmente parabenizando Mrs. Mortimer por seu casamento. Embora, na
verdade, pensando melhor, não sei se não deveria me compadecer do fato,
pois há muito estou convencida de que ela tem uma prodigiosa antipatia pelo
senhor. Eu vi isso o tempo todo em que estive no Castelo Delvile, onde ela
mudava de cor ao som do seu nome; um sintoma que nunca percebi quando
falava com ela sobre milorde Derford, que certamente teria se tornado um
marido mil vezes melhor.
— Se está se referindo ao seu título, lady Honoria — disse Mr. Delvile —,
Vossa Senhoria deve estar estranhamente esquecida das conexões de sua
família, sem mencionar que Mortimer, após a morte de seu tio e a minha,
deve inevitavelmente herdar um título muito mais honrado do que uma
família recém-criada, como a que milorde Ernolf poderia oferecer.
— Sim, senhor; mas então, sabe, ela teria mantido seu patrimônio, o que
teria sido uma coisa muito melhor do que um antigo pedigree de novos
parentes. Além disso, não acho que alguém realmente se importe com o
sangue nobre dos Delviles, exceto eles próprios, e se ela tivesse conservado
sua fortuna, todo o mundo, eu imagino, teria se importado com isso.
— Todo o mundo, então — disse Mr. Delvile —, deve ser altamente
mercenário e ignóbil, ou o sangue de uma casa antiga e honrada se
consideraria contaminado pelo indício mais distante de uma comparação tão
degradante.
— Caro senhor, o que deveríamos todos fazer com o nascimento se não
fosse pela riqueza? Não nos levaria nem a Ranelagh nem à Ópera; nem nos
compraria bonnets ou perucas, ou nos proporcionaria jantares e buquês.
— Bonnets e perucas, jantares e buquês! — interrompeu Mr. Delvile. — A
estimativa de riqueza de Vossa Senhoria é realmente extremamente
minuciosa.
— Ora, o senhor sabe, bonnets e perucas são coisas muito sérias, pois
deveríamos parecer figuras poderosas e divertidas se andássemos por aí com
a cabeça descoberta; e quanto aos jantares, como os Delviles teriam durado
todos esses milhares de séculos se os tivessem desprezado?
— Qualquer que seja a satisfação de Vossa Senhoria — disse Mr. Delvile
com indignação — em depreciar uma casa que tem a honra de ser quase
aliada da sua... a senhorita não tem a intenção, assim espero, de instruir esta
dama — voltando-se para Cecilia — a adotar um desprezo semelhante por
sua antiguidade e dignidade?
— Tal dama — exclamou Mortimer — ao menos, ao condescender em se
tornar um deles, nos protegerá de qualquer perigo que tal desprezo se estenda
ainda mais.
— Permita-me — disse Cecilia, olhando para ele com gratidão — estar tão
segura da empolgação quanto estou de sentir desprezo.
— Boa e excelente jovem! — disse o Dr. Lyster. — A primeira das
bênçãos é certamente a temperança de sua própria mente. Quando iniciou sua
trajetória na vida, parecia para nós, mortais míopes, possuir mais do que sua
cota das coisas boas deste mundo; tal união de riquezas, beleza,
independência, talentos, educação e virtude parecia um privilégio para
suscitar a inveja e o descontentamento geral. Porém, note com que exatidão
escrupulosa o bem e o mal são sempre equilibrados! A madame tem sofrido
milhares de tristezas, às quais aqueles que a admiram são estranhos, e para as
quais nem todas as vantagens que possui são equivalentes. Evidentemente,
existe em todo este mundo, tanto nas coisas quanto nas pessoas, um princípio
nivelador em guerra com a preeminência e que destrói a perfeição.
— Ah! — exclamou Mortimer em voz baixa para Cecilia. — Quanto mais
alto devemos todos subir, ou quanto mais baixo você deve cair, antes que
qualquer princípio de nivelamento nos aproxime de você!
Ele então implorou que ela poupasse suas forças e ânimo voltando para os
seus próprios aposentos, e a conversa foi interrompida.
— Permita-me, Mrs. Mortimer — disse lady Honoria ao se despedir —,
implorar que o primeiro hóspede que convidar para o Castelo Delvile possa
ser eu. Já conhece minha parcialidade por ele. Ficarei particularmente feliz
em atendê-la em um clima tempestuoso! Todos nós podemos passear juntos
muito socialmente, e eu não ficarei muito no seu caminho, pois se acontecer
uma tempestade vocês poderão facilmente me alojar sob alguma grande
árvore, e enquanto se divertirão em um tête-à-tête, permitirão me deixar à
indulgência das minhas próprias reflexões. Eu gosto muito de pensar e ficar
sozinha, sabe, especialmente sob trovões e relâmpagos!
Ela então foi embora e todos se separaram: Cecilia foi levada para o andar
de cima, e o digno Dr. Lyster, carregado com agradecimentos de todo tipo,
partiu para o interior.
Cecilia, ainda fraca e muito abatida, por algum tempo viveu quase
inteiramente em seu próprio quarto, onde a assistência grata e solícita de
Mortimer aliviava a dor de sua enfermidade tanto quanto de seu
confinamento, mas assim que sua saúde permitiu a viagem, ele se apressou
com ela para o exterior. Lá, a tranquilidade mais uma vez fez sua morada no
coração de Cecilia; aquele coração dilacerado por tanto tempo pela angústia,
suspense e horror!
Mrs. Delvile a recebeu com o mais entusiasmado carinho e a impressão de
suas tristezas foi aos poucos se dissipando, graças aos seus amáveis cuidados
maternos, à afeição vigilante e à ternura encantadora de seu filho.
Os Egglestons tomaram a posse total de sua propriedade, e Mortimer, a
seu pedido, se absteve de demonstrar qualquer ressentimento pessoal por sua
conduta e colocou nas mãos de um advogado o arranjo do caso.
Eles continuaram no exterior por alguns meses, e a saúde de Mrs. Delvile
foi razoavelmente restabelecida. Eles foram então chamados de volta para
casa pela morte de lorde Delvile, quem legou a seu sobrinho Mortimer sua
casa na cidade e aquilo que era de sua propriedade, mas que não estivesse
anexado a seu título, que foi necessariamente devolvido a seu irmão.
A irmã de Mrs. Delvile, uma mulher de espírito elevado e fortes paixões,
não viveu muito depois dele, mas tendo, em seus últimos dias, intimamente
se conectado a Cecilia, estava tão encantada com seu caráter e tão
deslumbrada por sua admiração pelo sacrifício extraordinário que ela havia
feito, que, em um acesso de repentino entusiasmo, alterou seu testamento
para deixar a ela, e à sua disposição, a fortuna que, quase desde a infância,
havia destinado ao seu sobrinho. Cecilia, muito assombrada, opôs-se à
alteração, mas até mesmo sua irmã, agora lady Delvile, a quem a cada dia se
tornava mais querida, a apoiava fervorosamente, enquanto Mortimer,
encantado por devolver a ela, por meio de sua própria família, qualquer parte
daquele poder e independência dos quais sua consideração generosa e pura
por si mesmo a privara, recusou terminantemente que a escritura fosse
revogada.
Cecilia, a partir dessa transação lisonjeira, recebeu uma nova convicção da
falsidade maligna de Mr. Monckton, que sempre havia retratado para ela toda
a família Delvile como igualmente pobre em suas circunstâncias e egoísta em
suas mentes. O forte espírito de benevolência ativa que sempre havia
marcado seu caráter agora era novamente exibido, embora não mais, como
até então, ilimitado. Ela havia aprendido o erro da profusão, mesmo na
caridade e na beneficência, e ela tinha um motivo para economizar em seu
animado afeto por Mortimer.
Ela logo mandou chamar Mr. Albany, cuja surpresa por ela estar viva, e
cujo êxtase por sua prosperidade recuperada, agora ameaçava seus sentidos
com o tumulto de sua alegria, com quase o mesmo perigo que recentemente
haviam sido ameaçados pelo terror. Mas, embora suas doações fossem
circunscritas pela prudência e seus objetos escolhidos com discriminação, ela
entregou a si mesma todo o seu antigo prazer benevolente em consolar suas
aflições enquanto suavizava sua aspereza, devolvendo a ele seu ofício
favorito de ser seu esmoler e professor.
Em seguida, ela mandou chamar os seus antigos empregados e
beneficiários, aliviou as angústias que sua súbita ausência havia ocasionado e
renovou os salários que eles recebiam. Ela se lembrou de todos os que
nutriram expectativas razoáveis de sua generosidade, embora não aumentasse
o número de novos pretendentes, senão com economia e circunspecção.
Porém, nem Mr. Albany nem os velhos pensionistas sentiram a mesma
satisfação de Mortimer, que via com novo assombro as virtudes de sua
mente, cuja admiração por suas excelências tornou perpétua sua gratidão pela
felicidade de seu destino.
A carinhosa Henrietta, que ao voltar para seus novos amigos, cedeu com
franqueza ingênua à violência da dor indomável, mas ao encontrar Mr. Arnott
igualmente infeliz, a simpatia que Cecilia havia previsto logo os fez querer
um ao outro, enquanto o pouco interesse de Mrs. Harrel por ambos os
converteu em companheiros quase inseparáveis.
Mrs. Harrel, cansada de sua melancolia e farta do seu isolamento,
aproveitou a primeira oportunidade que lhe foi oferecida para mudar sua
situação: ela se casou com um homem de fortuna da vizinhança, rapidamente
se esqueceu de todo o passado e, impensadamente, começou tudo de novo,
com novas esperanças, novas conexões, novas carruagens e novos
compromissos.
Henrietta se viu, então, obrigada a voltar para a casa da sua mãe, onde,
embora privada de todas as indulgências com as quais agora estava
familiarizada, não se sentia mais magoada com a separação do que Mr.
Arnott. Sua casa parecia tão triste e tão solitária na ausência dela, que ele
logo a seguiu até a cidade e não regressou até que a levasse de volta como
sua esposa. E ali, a gentil gratidão de seu coração terno e sensível conquistou
o mais terno afeto do digno Mr. Arnott e, com o tempo, curou a ferida de sua
precoce e desesperada paixão.
O imprudente, o volátil, mas nobre Mr. Belfield, para cuja disposição
mutável e empreendedora a vida parecia sempre mais um começo do que um
progresso, vagava de um emprego a outro, e desde a vida pública até seu
afastamento, seguia agastado com o mundo e descontente consigo mesmo,
até que, finalmente vencido pela amizade constante de Delvile, consentiu em
aceitar seus bons ofícios e ingressar novamente no exército e, por sorte, ao
receber ordens para o serviço no estrangeiro, suas esperanças foram
reanimadas pela ambição e suas perspectivas iluminadas por uma visão de
honra futura.
O infeliz Mr. Monckton, enganado por sua própria astúcia e artifícios,
ainda vivia na miséria persistente, duvidoso de qual era a mais intensa, a dor
de sua ferida e confinamento, ou a de sua derrota e decepção. Levado por
uma crença inútil de que tinha talentos para vencer todas as dificuldades,
havia se entregado sem restrições a uma paixão cujo interesse era secundado
pela propensão. Seduzido por tais poderes fascinantes, a princípio não
encontrou nada que pudesse deter seu curso, e embora, quando no início de
sua trajetória, tivesse a ideia real da desonra, muito antes de ser concluída,
nem a traição nem o perjúrio eram considerados obstáculos para ele. Todo o
medo do fracasso se perdeu na vaidade, todo o senso de probidade se fundiu
no seu interesse, e todos os escrúpulos de consciência foram deixados para
trás pelo ardor da oportunidade. No entanto, a catástrofe imprevista e
melancólica de seus esquemas serviu de exemplo para a sua, apesar do que
seus princípios haviam obscurecido, pois mesmo nas atividades mundanas
onde a fraude supera a integridade, o fracasso une a desonra à perda, e a
decepção excita o triunfo no lugar da piedade.
A mente íntegra de Cecilia, sua pureza, sua virtude e a moderação de seus
desejos, entregues a ela no caloroso afeto de lady Delvile e no carinho
incessante de Mortimer, garantiram toda a felicidade que a vida humana
parece capaz de receber. Mas ela era humana, e, como tal, imperfeita. Ela
sabia que às vezes toda a família deveria comentar a perda da sua fortuna, e
às vezes ela dizia a si mesma que, ainda que em proporções menores, ela
ainda era uma herdeira. Racionalmente, no entanto, ela examinou o mundo
em geral e, descobrindo que, entre os poucos que tinham alguma felicidade,
não havia nenhum sem algum sofrimento, ela conteve o suspiro crescente de
lamentar a mortalidade e, agradecida por uma felicidade geral, suportou o
mal parcial com a mais alegre resignação.

FIM!
POSFÁCIO

Marcela Santos Brigida61

Entre as publicações de Evelina e de Cecilia há um intervalo de quatro


anos. No inverno de 1778-1779, após o estrondoso sucesso de seu romance
de estreia, Frances Burney escrevia seu segundo trabalho. Seu projeto não era
publicar um romance, no entanto, mas produzir uma peça de teatro. A origem
de tal empreendimento foi marcada por incentivos, convites e pedidos de
nomes luminares como Arthur Murphy e Richard Brinsley Sheridan, eles
próprios dramaturgos de sucesso. Quando Burney, recém reconhecida pela
comunidade literária londrina como uma sucessora competente de
Richardson, Fielding e Smollett, decidiu explorar a linguagem do teatro, ela
foi apoiada pelo pai. Charles Burney ainda estava entusiasmado com os
louros que acompanharam a ascensão da filha ao alto escalão da cena literária
contemporânea.
Ao longo dos meses de inverno, toda a primavera, até o verão de 1779,
portanto, Frances Burney trabalhou arduamente na elaboração de The
Witlings: A Comedy by a Sister of the Order, uma comédia de costumes que
satiriza a comunidade literária elegante ao estabelecer um círculo de
pretensos intelectuais que gira em torno de lady Smatter e seu protegido, o
aspirante a poeta Dabler. O sobrinho de lady Smatter, Sr. Beaufort, vai se
casar com a órfã Cecilia Stanley, mas com a notícia de que a herança da
jovem foi perdida, lady Smatter proíbe o casamento, em meio a insultos a
Cecilia. A jovem se refugia em uma casa com a vulgar senhoria de Dabler, a
Sra. Voluble, e tenta encontrar um trabalho. Beaufort prova sua lealdade à
amada e a trama tem um “final feliz”, mas Burney reveste seu desfecho de
elementos risíveis, satirizando a noção de pertencimento em círculos
literários da moda.
Concluído o processo de escrita da peça, Dr. Burney se opôs
terminantemente à possibilidade de o texto ser encenado. Samuel Crisp, um
amigo da família que Frances considerava um segundo pai, reiterou as
objeções. Frances propôs revisões apaziguadoras, mas os “papais” deram o
assunto por encerrado e The Witlings foi, não sem ressentimentos por parte de
sua autora, definitivamente arquivado.
Como George Justice aponta, as cartas de Burney não criam mistério
quanto à motivação imediata da interdição: Crisp acreditava que a sátira a
figuras facilmente identificáveis – como a comunidade das Bluestockings –
ofenderia Elizabeth Montagu, o que poderia prejudicar não apenas a própria
Frances como também o seu pai. Por outro lado, há uma interdição mais
ampla ao drama como gênero por parte de figuras de autoridade – até mesmo
a Rainha opinará – que se reeditará ao longo da vida de Frances.
Embora não faltem referências de dramaturgas setecentistas, e Frances
Burney tenha se inspirado em algumas delas ao longo de sua própria
complexa carreira de autora de peças, há uma questão de decoro associada à
forma empregada pela escritora. Na virada do século XVIII para o XIX, o
drama era uma forma associada ao mundo público e, obviamente, à
performance no palco. O teatro, por sua vez, era um espaço não-licenciado,
especialmente para uma jovem burguesa.
O romance, progressivamente se afirmando como forma principal de
expressão literária das classes médias (um processo que se consolida no
início da Era Vitoriana), é uma forma consideravelmente mais segura para
uma mulher de boa família explorar. No fim das contas, a primeira Cecilia de
Frances Burney teve um ponto final imposto literalmente pelos papais, cuja
autoridade não poderia ser desafiada sem um rompimento que Frances, tendo
não apenas publicado Evelina com marcas tão bem-delineadas de decoro e
respeito filial, mas também mantido uma relação de trocas intelectuais com o
pai até o final da vida de Charles, jamais levaria a cabo. No entanto, os
protestos pela imposição são sentidos: “entre os Homens Mortos [afundou] o
pobre Witlings, – para sempre e para sempre e para sempre!” (EJL62 III, 345),
ela escreveu.
Para Margaret Anne Doody, principal biógrafa de Frances Burney, é no
contexto do projeto frustrado de The Witlings – o pontapé inicial de uma
carreira de dramaturga que jamais teve uma estreia adequada ao talento da
escritora – que a Introdução “cancelada” de Cecilia, o projeto sobre o qual
Burney se debruçaria a seguir, deve ser lida.
A ‘Introdução’ cancelada de Cecilia reflete as ansiedades de Burney e as
mais profundas esperanças sobre a natureza e o valor de sua escrita.
Desprezando o mero sucesso elegante de que estava quase certa, e o dinheiro
que parecia tão notável para um homem como Crisp, ela sentiu que estava
fazendo algo de grande importância. Ela também sabia que sua escrita vinha
das profundezas e era um impulso poderoso demais para ser negado. Parecia
haver algo de sagrado nisso, mesmo que seu mundo (especialmente o mundo
dos papais) se recusasse a conceder Gênio a uma jovem meramente
rabiscando “o que quer que lhe venha à cabeça”. A tentativa de fazer alguma
declaração pública sobre o sentimento autoral privado é inevitavelmente
embaraçosa, e Burney fez bem em descartar esta introdução. Ainda assim, o
texto é uma declaração interessante – e em parte um protesto. (DOODY,
1988, p. xiv-xv)

Doody ressalta, entretanto, que embora a recolha da Introdução tenha sido


um gesto sensato, o texto está bem alinhado com o tema geral do romance,
“no qual vemos esperanças, ambições e até mesmo gênio (particularmente,
mas não apenas feminino) desviados e frustrados” (DOODY, 1988, p. xv). A
experiência com The Witlings pode ser interpretada como formativa neste
sentido – as energias da Cecilia teatral contidas pelos papais naquela obra
encontram força na forma por eles sancionada: o segundo romance de
Frances Burney traz uma Cecilia que se acredita livre para fazer escolhas ao
se ver “dona” de uma herança considerável. Como a Cecilia simbolicamente
amordaçada da obra que só veio a público postumamente, entretanto, Cecilia
Beverley – protagonista do romance que leva o seu nome – é limitada no
enredo em todos os sentidos por pais simbólicos: tanto pelo tio que amarra o
legado ao sobrenome da família (um símbolo patriarcal), quanto pelos três
guardiões que a cerceiam com interesses frequentemente predatórios.
Doody qualifica como “destrutivo” o suposto cuidado que os guardiões
dispensam a Cecilia. Ao contrapor uma jovem herdeira órfã e solteira e
aqueles que deveriam assegurar sua segurança, Burney esboça um estudo da
estrutura social da sociedade elegante. Para Doody, cada um dos guardiões
incorpora “diferentes aspectos da estrutura social e os três modos mais
importantes de exibição de importância e poder: Nascimento, Dinheiro e
Moda” (DOODY, 2007, p. 100). A reiteração – ou uso insistente, como
Doody pontua – do termo “guardiões” ao longo do romance também pode ser
lido como uma indicação do fracasso destes homens em sua função e a
consequente exposição de Cecilia a situações que se estendem do inoportuno
ao predatório.
Na impotência de Cecilia diante dos desdobramentos da má administração
de sua fortuna, Burney esboça uma educação – para a personagem e para o
leitor – a respeito das limitações da liberdade que o dinheiro poderia oferecer
a uma mulher na Inglaterra setecentista mesmo quando ela era afortunada o
bastante para se encontrar na posição de herdar propriedades ou valores. Ao
adentrar à sociedade, Cecilia acredita em sua individualidade e que mesmo
tendo a herança paterna administrada por guardiões e o legado do tio
bloqueado pelos termos ditados por ele, sua posição lhe garante algum poder
de escolha. Sua suposição de que poderia optar por não se casar, por
exemplo, é um equívoco, como ressalta Doody:

Sua sociedade não permitirá isso, já que uma mulher que herda, uma
“herdeira”, é vista não como uma pessoa independente, mas como um canal
de transferência de dinheiro da família de um homem para outro. Cecilia não
tem como saber que ao entrar nessa sociedade ela não é vista como um
agente livre (como ela se imagina), mas como uma propriedade esperando
para ser tomada. Há uma série de homens dispostos a aderir à barganha de
mudar seu nome para obter sua fortuna. Seu tutor, Sr. Harrel, já a vendeu
para o libertino Sir Robert Floyer na altura em que ela chega a Londres, mas
o amigo dela no campo, Sr. Monckton, há muito tempo acredita que ela e sua
propriedade pertencem a ele. (DOODY, 1989, p. xvii)

A confusão, portanto, é conceitual: Cecilia se percebe como um indivíduo,


seus tutores a enxergam como moeda de troca. O jogo de poder que envolve a
cláusula do nome em nada fortalece a própria Cecilia, se passando
exclusivamente entre homens. Trata-se de uma dinâmica, ademais, que não
subverte a ordem patriarcal, servindo apenas para reforçar a posição de
Cecilia enquanto peão no tabuleiro dos guardiões. Como Doody ressalta,
“Um sobrenome é a parte masculina do nome de uma mulher, um lembrete
de que as mulheres devem se misturar com um arranjo social masculino”
(DOODY, 1989, p. xvii)63: que o sobrenome preservado seja o do tio e não o
do marido tem pouquíssima repercussão prática para a própria Cecilia para
além do fato de que sua missão ao adentrar a sociedade é convencer um
pretendente digno a abandonar seu próprio sobrenome em prol daquele de
outro. No que pesem os protestos de Augusta Delvile, o orgulho e a vaidade
aristocráticos que atravessam a possibilidade do casamento de Cecilia com
Mortimer são de uma tradição patriarcal por excelência.
Dentre as grandes questões articuladas no romance, destacam-se a
amplitude e a variedade das ironias que definem a situação e a posição de
Cecilia, assim como as punições para o comportamento feminino não-
sancionado. Também é digna de nota a passagem que desenvolve o
“tratamento” de Cecilia, revelando o conhecimento de Burney a respeito do
tratamento dispensado a pessoas institucionalizadas nos terríveis manicômios
setecentistas.64 Como Doody pontua, embora Burney não permita que a
personagem tome consciência plena de todas as forças em ação ao longo da
trama ou articule seu mal-estar acerca daquelas que de fato percebe, tal
sufocamento chega ao seu clímax por meio da internalização: Cecilia
Beverley, como tantas mulheres – literárias ou não – perde o eixo do
comportamento apropriado prescrito, se desvia da performance da razão e é
prontamente considerada “louca”. A construção desta passagem influenciou
Mary Wollstonecraft em Maria: or, The Wrongs of Woman (publicado
postumamente em 1798), que começa com Maria, a protagonista, internada
injustamente em um hospício. Como Doody pontua, trata-se de uma das
passagens mais duras do romance: “embora [Cecilia] esteja sob cuidados
particulares, vemos a sombra do ‘manicômio’ institucionalizado para a
contenção e disciplina dos infelizes. Se você se mostrar alienado, é isso que
você arrisca” (DOODY, 2007, p. 100).
Cecilia adentra o universo da sociedade londrina como “uma espécie de
homem paródico” (DOODY, 1989, xvii). Um instrumento de legados
patriarcais independentemente das intenções por trás do exercício
empreendido pelo tio, sua missão é perpetuar o nome da família, impondo-o
ao cônjuge e produzindo uma linhagem de filhos. A questão do sobrenome
produziu debates acalorados entre leitores contemporâneos. Se descartada por
Dr. Burney e por Samuel Crisp como uma não-questão (para estes dois
burgueses elevados socialmente pelo trabalho, nenhum homem em posse de
suas faculdades mentais abriria mão de uma fortuna para manter um nome),
Frances viu seu argumento mais do que justificado quando descobriu que
lorde De Ferrars afirmou que “o velho Delvile fez bem ao não abrir mão de
um bom nome de família”65. A aristocracia, portanto, também deu seu
veredito.
As diferentes visões acerca do peso de “um bom nome de família”
ilustram bem a capacidade de Frances Burney de observar as nuances sociais
que compõem seu romance. A resposta inicial da própria Cecilia à rejeição é
de se enfurecer contra Mortimer como agente que em atitudes práticas em
nada se destaca de uma sociedade em que “símbolos importam mais do que
pessoas” (DOODY, 2007, p. 100). Doody ressalta que a “raiva sarcástica” de
Cecilia abrange a compreensão já despassionalizada de Frances Burney de
que para um homem como Mortimer Delvile as propriedades de um
sobrenome eram, de fato, fantásticas o bastante para rejeitar as exigências de
Cecilia.
Sob essa chave, ler o romance como uma trama primordialmente
romântica seria um equívoco. Para encontrar seu “final feliz” como uma
Delvile, Cecilia deve abdicar de quaisquer ilusões de independência e, de
forma mais textual e materialmente violenta, seu casamento “implica o
sacrifício de sua propriedade, com a qual ela esperava fazer tanto bem”
(DOODY, 2007, p. 100). A união com Mortimer poda definitivamente todas
as expectativas e ilusões que Cecilia carregava no início do romance de si
mesma enquanto indivíduo autônomo. Se ela começa como um “homem
paródico”, ao final do romance Cecilia é uma mulher colocada firmemente
em seu lugar.
Frances Burney aprendeu muito cedo a jogar simultaneamente de acordo
com e a contornar as regras do establishment literário que ela viria a dominar.
Foi também como um homem paródico, ainda que de outra espécie, que ela
fez sua estreia como romancista. Ao publicar Evelina anonimamente em
1778, a questão da filiação de Frances se impõe para nossa análise tanto em
um contexto prático, quanto no plano mais amplo da tradição literária. No
primeiro nível, a publicação anônima retoma nossa discussão de devoção
filial e do decoro no esforço para proteger o nome do pai em caso de uma
recepção negativa da obra. Charles Burney era um musicólogo respeitado que
tinha ascendido socialmente pelo trabalho. No nível da obra, a publicação
anônima oferece a Frances certa liberdade para brincar com uma voz autoral
que seus leitores inevitavelmente inferiram ser masculina por sua falta de
modéstia e reserva. Isto é, a ausência de uma assinatura feminina – seja um
nome ou a então popular (e infame em certos círculos) By a Lady – a libertou
das amarras da propriedade que regeriam sua atuação na sociedade. Assim,
fazendo uma defesa da respeitabilidade do romance enquanto forma no
prefácio de Evelina e, por consequência, da sua própria obra, Burney delineia
o seguinte argumento:

No entanto, enquanto nos anais daqueles poucos de nossos predecessores,


a quem essa espécie de escrita é devedora por ter sido salva do desprezo e
resgatada da depravação, podemos rastrear nomes como Rousseau, Johnson,
Marivaux, Fielding, Richardson e Smollett, homem nenhum precisa
enrubescer ao começar do mesmo posto, embora muitos, não, a maioria dos
homens, possam suspirar ao se verem distanciados. (BURNEY, 1778, p. 9)

O uso do termo “predecessores” é crucial aqui, assim como a construção


de que “homem nenhum” se envergonharia da comparação: Frances Burney
simultaneamente reivindica nomes como Richardson, Fielding e Smollett
como seus pais literários e permite que o leitor acredite que quem redige a
presente obra é também um homem. A omissão de escritoras mulheres é
intencional: Frances Burney pretende que Evelina seja julgado por leitores e
resenhistas como um romance de uma tradição específica. As implicações de
sua escolha, assim como as afiliações protofeministas de Frances Burney são
objetos de discussão na crítica especializada66.
Independentemente de tais implicações, entretanto, seu projeto foi bem-
sucedido: se a segunda metade do século XVIII foi marcada por sucessores
frustrados de Richardson, o alinhamento de Burney com a tradição de
Fielding, Richardson e Smollett foi acatado. Vivien Jones relata que o
periódico The Critical Review presumiu tratar-se de um autor homem e
declarou que Evelina “não teria desonrado nem a mente nem o coração de
Richardson”67. O mesmo periódico, no ano anterior, havia apontado o
excesso de imitadores destes mesmos romancistas de referência: “[o] abuso
da escrita de romance é tão grande, que quase trouxe esse tipo de
entretenimento ao descrédito... e as jubas de Richardson, Fielding e Smollett
muitas vezes foram cruelmente torturadas por seus imitadores.” (JONES,
2007, p. 117). Assim, Burney assume um risco: ela se alinha ao alto escalão
do romance inglês em um momento em que este ainda se estabelece enquanto
forma prestigiosa. O fato de que a sua proposta é substanciada por uma obra
que é bem-recebida e amplamente apreciada produziu benefícios não apenas
para a recepção da literatura de autoria feminina, mas para a posição do
romance frente a formas ainda mais prestigiosas.
O momento de “homem paródico” de Burney ou, como Vivien Jones
propõe, de “liberdade sem gênero de Evelina e de Burney” foi evidentemente
passageiro, e a voz da escritora pública deveria ser, necessariamente,
ponderada pelas regras do decoro e da sociabilidade literária que ela mais
tarde satirizaria em The Witlings, mas com as quais ela também aprenderia a
jogar. Após a revelação de sua identidade, Burney foi incluída e celebrada
nos principais círculos literários de Londres. Samuel Johnson, amigo da
família desde a sua infância, tornou-se um grande admirador de seus
romances e a apresentou a Hester Thrale. Thrale, por sua vez, introduziu
Burney ao círculo das Bluestockings. A autora de Evelina aprendeu a transitar
pelos círculos de pessoas influentes no mercado cultural.
Em uma tradição em que o prestígio crítico era predominantemente
patrilinear, Frances Burney abriu espaço para outras romancistas.
Evidentemente, à altura em que ela começou a escrever romances, autoras
como Charlotte Smith, Clara Reeve e Charlotte Lennox já eram publicadas.
Ann Radcliffe era sua contemporânea. A tradição, entretanto, é a questão.
Jane Spencer sugere que, nas relações das protagonistas, eternamente
negociando “seus lugares problemáticos dentro de famílias dominadas pelo
princípio patriarcal” (SPENCER, 2007, p. 24), Burney metaforiza sua própria
posição no cânone patriarcal inglês.
Cecilia é um romance crucial para acessar o projeto ficcional de Frances
Burney: é o seu primeiro romance publicado após a sua identidade ser
revelada, o trabalho que desenvolveu após a frustração com The Witlings e
um projeto que escreveu sob o “incentivo” – as pressões – de Dr. Burney, que
acreditava que ela deveria publicar o quanto antes. Para além da posição da
autora, o romance inclui uma diferença fundamental em relação a Evelina: a
obra de estreia apresenta uma estrutura epistolar. Em Cecilia, Burney começa
a desenvolver sua técnica de discurso indireto livre.
As pressões do pai por celeridade, assim como o comentário de Samuel
Crisp sobre Frances ser capaz de “cunhar ouro” “sem esforço” ao “rabiscar
invenções de seu próprio cérebro”68 revelam a incompreensão dos papais
diante do trabalho físico que a exauria. Cecilia foi um projeto extremamente
ambicioso. George Justice argumenta que embora, enquanto artista Frances
Burney almejasse a liberdade desejada e nunca alcançada por Cecilia
Beverley, sua própria experiência de “liberdade” sempre foi entrecortada por
suas relações “enquanto vivia com sua família, no círculo literário em
Streatham e na família real em Windsor, na vida de casada e, finalmente, em
uma viuvez que incluía conexões sociais profundamente sentidas.”
(JUSTICE, 2007, p. 148).
Frances cresceu em uma casa movimentada, cercada por seus vários
irmãos e irmãs. No lar dos Burney, os talentos eram múltiplos e variados. Na
infância, a própria Frances não se destacava e era alvo das provocações dos
meninos por ter aprendido a ler tardiamente, aos oito anos (CHISHOLM,
2007, p. 10). Hetty era habilidosa no cravo e Susan também possuía
inclinações musicais. O célebre Dr. Burney, Charles, tinha origens humildes.
Ele foi um dentre treze filhos sobreviventes (Kate Chisholm observa que
“sete, ou talvez até nove de seus irmãos morreram na infância, incluindo sua
irmã gêmea, Susanna”) (CHISHOLM, 2007, p. 8) e após passar a maior parte
da própria infância em um internato, Charles estava decidido a ascender
socialmente e experienciar a vida a partir de outra perspectiva na fase adulta.
Seu próprio processo de elevação social envolveu não apenas o trabalho, mas
o cultivo de amizades e relacionamentos com pessoas influentes na cena
cultural cosmopolita. Além de aprender francês e italiano por conta própria,
Dr. Burney passou a se corresponder com Samuel Johnson e outros
acadêmicos que se tornariam seus amigos e clientes. Ele pretendia se
estabelecer como um musicista de respeito na cena londrina e mesmo
considerando o período que teve de se retirar para King’s Lynn por motivos
de saúde, seu projeto se consolidou e em setembro de 1760 ele estava de
volta com sua família. Dr. Burney se tornou um musicólogo célebre e uma
voz de peso em discussões no cenário das artes em geral.
Isso não significava, no entanto, que a situação financeira da família
Burney fosse confortável. Em primeiro lugar, havia muitas crianças para
criar. Esther nasceu antes do casamento dos pais e foi seguida por James,
Frances, Susan e Charles69. A última filha de Charles e Esther, Charlotte,
nasceu em novembro de 1761, nove anos após Frances. A mãe das crianças
faleceu apenas 10 meses após o nascimento da filha mais jovem e sua perda
causou um grande impacto na família Burney: James, que mais tarde se
tornaria um almirante, já não vivia mais em casa, mas Dr. Burney,
enfrentando episódios de depressão pela perda da esposa, era agora o único
responsável por cinco crianças.70
A limitação também sugeria uma seleção: se Frances era uma criança que
não apenas não chamava atenção para si, mas também aparentava ser menos
“promissora” do que as irmãs habilidosas, Charles Burney a recompensou a
deixando para trás quando enfim se recuperou o bastante da crise após a
morte de Esther para articular o futuro das filhas. Assim, partiu para Paris
com Hetty e Susan para que recebessem uma educação formal que elevasse
suas perspectivas. Frances, embora mais velha do que Susan, ficou em casa
com Charles e a pequena Charlotte.
No mercado de casamentos, as jovens Burney eram prejudicadas de
antemão pela ausência de um dote. Dr. Burney queria munir Hetty e Susan de
elegância e sofisticação para suprir essa falta. Como Chisholm pontua,
Charles Burney “trabalhava duro para ganhar uma vida decente, mas a maior
parte servia para manter um estilo de vida compatível com o de seus clientes”
(CHISHOLM, 2007, p. 19): pertencer à sociedade elegante, por si só, custava
caro. Assim, nenhuma de suas filhas poderia se dar ao luxo de ser
“complacente” quanto às suas perspectivas e, como a pesquisadora ressalta, a
própria Frances, que trabalhou por toda a sua vida adulta, somente se casaria
aos 41 anos após se apaixonar por um emigrado da Revolução Francesa71.
Frances Burney jamais receberia uma educação formal. Como o pai, no
entanto, ela foi autodidata, aprendendo francês e italiano por conta própria.
Disciplinada, Frances estabeleceu um “cronograma concebido por ela mesma
– suas ‘Lições de Conduta e Sentimento’ – que incluíam ‘Religião’, ‘Dever’,
‘Sinceridade’, ‘Caridade’, ‘Abnegação’ e ‘Delicadeza’” (CHISHOLM, 2007,
p. 12). Dentre as marcas do seu comportamento introspectivo que passaram
despercebidas na infância, mas que seriam celebradas na sua escrita, estavam
seus poderes de observação aliados à sua memória excelente. Ler suas cartas
e diários é “estar com ela na sala” (CHISHOLM, 2007, p. 11), tendo acesso a
um lado mais afetuoso e bem-humorado de Dr. Johnson, rindo com Hester
Thrale e entretendo nomes como David Garrick e David Bruce.
O processo de registrar as cenas do cotidiano por meio das palavras
permitia que Frances compreendesse melhor sua análise das situações e
produzisse, assim, pequenos esboços sociais. Essa escrita, Chisholm ressalva,
era uma espécie de “vício oculto” dentro da lógica do lar burneyano cada vez
mais populoso: se a escrita de cartas desempenhava uma função social prática
que era incentivada, diários e ficções deveriam ser mantidos em segredo já
que poderiam ser compreendidos como distrações para uma jovem como
Frances: criativa, mas sem dote e sem fortuna. Sua missão era encontrar um
marido adequado em posse de uma boa fortuna ou, na pior das hipóteses,
alguma ocupação respeitável.
A escrita criativa de Frances foi justificada e aplaudida por seu pai, por
fim, quando Evelina trouxe ao nome Burney não apenas prestígio social
como também um pagamento em dinheiro. Quando ela começou a escrever
Cecilia, em janeiro de 1781, Burney estava plenamente imersa na vida e nos
modos da vida de uma autora profissional. Como Jane Spencer pontua, o
processo de escrita do romance foi marcado não apenas pelo trabalho
envolvido no desenvolvimento da narrativa em si, mas também pelas
ansiedades associadas à publicação: Cecilia seria recebido não como um
romance de estreia de um autor desconhecido, mas como o segundo trabalho
da autora de Evelina, uma obra de Frances Burney, a filha de Dr. Burney.
Embora estivesse feliz pelo fato de seu pai e Samuel Crisp aprovarem este
projeto após o veto a The Witlings, Cecilia também era um esforço no sentido
da autoafirmação. Embora as pressões do pai para publicar logo o trabalho
fossem sentidas, Frances nem sempre as acatava: tratava-se de um romance
mais longo e mais ambicioso e a publicação foi adiada quando necessário.
Para Spencer, Burney pretendia “dar um novo peso moral e filosófico ao
romance feminino da experiência de uma jovem na sociedade” (SPENCER,
2007, p. 25). Para tanto, fortaleceu seu vínculo literário com Samuel Johnson.
Diferentemente de Evelina, que havia sido publicado por Thomas
Lowndes, Cecilia foi publicado por Thomas Cadell e Thomas Payne. O
rompimento com Lowndes aborreceu o editor, que manifestou seu
descontentamento em uma carta endereçada ao Dr. Burney. A
correspondência foi respondida pela própria Frances, que declarou que “ela
certamente não está sob compromisso ou obrigação com qualquer Livreiro, e
a ninguém, portanto, deve explicações por escolher e mudar como quiser”
(DL72 II, 482).
A relação com a dupla de editores também foi pontuada por
aborrecimentos: o acordo inicial era que os dois pagassem £250 pelos direitos
autorais do livro, com uma entrada de £200 e um pagamento de £50 na
ocasião da impressão da segunda edição. Cadell e Payne, antecipando uma
demanda alta, lançaram mão de um estratagema que ampliou seus lucros e
adiou a necessidade de realizar o pagamento das 50 libras restantes. Em vez
da impressão usual de 500 volumes para a primeira edição, Cecilia teve 2000
volumes impressos, que esgotaram em três meses.
Para além do sucesso popular, a recepção crítica do romance foi
amplamente positiva: Frances Burney poderia respirar aliviada:

The Critical implicitamente compara Cecilia aos romances de Fielding e


Smollett, sugerindo que “nenhuma cena imprópria [é] apresentada ao leitor,
um defeito que pode ser descoberto com demasiada frequência nos escritores
de romances mais célebres”, e The Monthly, observando que o romance é
‘lido universalmente’, declara explicitamente: ‘Vemos muito da dignidade e
do pathos de Richardson; e muito da agudeza e engenhosidade de Fielding.’
(JUSTICE, 2007, p. 155)

Conforme o capital cultural de Frances Burney crescia, seus lucros


minguavam73. A ironia da exploração do seu trabalho pelo mercado editorial
e do significado deste sucesso começou a aborrecê-la e a frustrá-la. Cecilia se
tornou um fenômeno internacional, com edições publicadas na Irlanda, na
Alemanha, na França e nos Estados Unidos. Como Vivien Jones aponta, o
romance foi fundamental para consolidar a reputação da romancista: na
ocasião da publicação de Camilla em 1796, Evelina já estava em sua décima
primeira edição; Cecilia em sua décima: “Burney havia atraído ‘um bando de
imitadores’ – talvez a evidência mais reveladora de seu status e uma
característica significativa da recuperação do romance durante a década de
1780” (JONES, 2007. p. 122).
Como Jane Spencer pontua, as publicações de Evelina e de Cecilia
elevaram a escrita romanesca de autoria feminina a novos níveis de
apreciação crítica: “as duas obras, separadas apenas por quatro anos lotados
durante os quais Burney também escreveu e abandonou sua primeira peça,
mostram como foi rápido o desenvolvimento da técnica da romancista”
(SPENCER, 2007, p. 23). Nas palavras de George Justice, após a publicação
e o sucesso de Cecilia, Burney estava “no topo do mundo literário”
(JUSTICE, 2007, p. 155). Entretanto, como vimos, sua relação com o
mercado editorial também estava consideravelmente desgastada.
A George Cambridge, um pretendente em potencial, Burney disse que
Cecilia lhe proporcionara apenas “uma ninharia”74. Cambridge acreditava
que Burney poderia aumentar seus lucros escrevendo para o teatro. A sombra
do antigo projeto de Burney retorna, entretanto, com as sombras das antigas
objeções: a Rainha estava presente na ocasião e disse que “esperava que
Burney não escrevesse uma peça, dizendo que, embora ‘o nome de Miss
Burney esteja em todos os lugares... seu caráter é tão delicado como se não
estivesse em lugar algum; – e eu lamentaria se ela escrevesse para algo tão
público quanto o Palco”. (JUSTICE, 2007, p. 155).
George Justice sugere que é no contexto das suas muitas frustrações com o
mercado editorial que Frances Burney cede às pressões de Dr. Burney (que
acreditava se tratar de uma excelente oportunidade para a filha) e aceita o
convite para trabalhar na corte da Rainha Charlotte como Guardiã dos Robes.
Ela entra para o serviço em 17 de julho de 1786 e o deixa, oficialmente,
apenas em junho de 1791. Não são anos felizes. Frances suporta as
perseguições da Sra. Schwellenberg, sua superior, em silêncio, pois reclamar
para a Rainha seria uma violação do seu código de honra. Embora ela ainda
escreva ao longo desse período, principalmente cartas para a irmã, foi uma
fase de tribulações. Foi somente em maio de 1790, ocasião em que teve a
oportunidade de passar três horas sozinha com o pai, que teve a chance de
contar como, de fato, era sua vida na corte: “seu relato o levou às lágrimas
(DL IV, 392). ‘[Se] você deseja renunciar –’, ele aparentemente grita, soando
como um personagem de um dos romances de sua filha, ‘minha casa, minha
carteira, meus braços, estarão abertos para recebê-la de volta!’” (JUSTICE,
2007, p. 83). Com essa permissão e acolhimento, Burney inicia o longo
processo de peticionar à Rainha para se retirar da corte.
Aos 41 anos, Frances conhece e se apaixona pelo conde Alexandre
d’Arblay, o homem que se tornaria seu marido, o pai de seu filho e seu
companheiro até o término de sua vida (ele faleceu em 1818). A corte deles,
que se estendeu de março a julho de 1793, relatada por Frances à sua irmã
Susan desvela não apenas as reviravoltas românticas dignas de uma narrativa
ficcional, mas também as dificuldades que uma mulher inglesa e um
refugiado francês enfrentariam ao se apaixonar na Inglaterra da década de
1790. Estamos falando de um país influenciado pela publicação de
Reflections on the Revolution in France (1790) de Edmund Burke e por um
nacionalismo extremo calcado em um sentimento antifrancês: para a maioria,
pouco importaria que a Revolução era a razão de d’Arblay ter emigrado ou
perdido suas posses.
A lealdade dele e de seus amigos ao Ancièn Regime e a elegância
aristocrática que atraíram Burney eram irrelevantes: ele e seus compatriotas
estabelecidos em uma “pobre colônia francesa” (JL75 I, 239) eram a face do
inimigo em plenas Guerras Revolucionárias. Dr. Burney era contra a união.
Ao se casar com um francês, Burney poderia perder sua única fonte de renda,
uma pensão de £100 da Rainha. Nada disso a impediu, no entanto: em julho
de 1793 Frances Burney se tornou Madame d’Arblay e começou a trabalhar
em seu próximo romance: Camilla.

Legados de Frances Burney


Para Margaret Anne Doody, em Cecilia Burney articula uma crítica do
próprio construto da “vida civilizada” enquanto um jogo de máscaras,
sublinhando a primazia “absoluta do reino do simbólico” (DOODY, 2007,
p.100). No romance, representantes de estruturas de poder que naquele
momento histórico debatiam na arena pública a relevância de seus sistemas
de valores, o capitalismo (na figura do burguês) e a estrutura de classes
feudal (na figura do aristocrata), suspendem temporariamente seus conflitos,
estabelecendo de forma harmoniosa “uma criação simbiótica de valores
imaginários e símbolos importantes, significativos endossos imateriais que
mascaram e sustentam privilégios” (DOODY, 2007, p. 100). A estrutura que
permanece, embora reinventada, adaptada e modificada em suas dinâmicas é
aquela em que mulheres como Cecilia seguem sendo compreendidas como
intermediárias de trocas e relacionamentos que se dão exclusivamente entre
homens. Doody vê no final “misto” do romance (criticado por Edmund
Burke) um reflexo da demanda de Frances Burney por reforma política “do
tipo mais improvável, ocorrendo em um nível profundo” (DOODY, 2007, p.
101) que revolucione hierarquias e opressões.
Jane Spencer vislumbra esta preocupação com o poder ao qual uma mulher
pode ter acesso como uma questão que Frances Burney interroga em seus
dois primeiros romances de maneiras diferentes, propondo que eles
compartilham das mesmas preocupações fundamentais: “ambos abordam a
questão de que tipo de lugar uma jovem pode ocupar, que tipo de poder ela
pode exercer, dentro da sociedade patriarcalmente organizada da Inglaterra
do final do século XVIII” (SPENCER, 2007, p. 23). Se em Evelina o conflito
do pertencimento na sociedade é trabalhado a partir da questão da
legitimidade, Cecilia deve ressignificar sua própria leitura do que a sociedade
elegante enxerga em uma herdeira.
Imensamente celebrada em seu próprio tempo, Frances Burney perdeu
prestígio na Era Vitoriana e foi atacada principalmente pela publicação de
Diary and Letters of Madame d’Arblay por sua sobrinha, Charlotte Barrett,
em 1842. As críticas prejudicaram sua reputação imensamente. Embora
Burney também tenha sido vítima de uma mudança de valores estéticos
quando falamos de críticas aos seus romances, alguns dos ataques mais
agressivos foram direcionados à sua “falta de modéstia” em escritos não-
ficcionais. Em junho de 1842, John Wilson Croker publicou uma resenha ao
The Diaries and the Letters no The Quarterly.

A reputação de Burney não se recuperaria por um século. Em sua resenha,


ele criticou Burney por “afetação e vaidade”. Com sarcasmo demolidor,
afirmou que todos os “eminentes e ilustres personagens” da época se
tornaram, em sua narrativa, uma “congregação cansativa” de bajuladores,
empenhados em glorificar “aquela grande luminar da época, a autora de
Evelina” (244-5). Ele ridicularizou a pretensão de que era “seu dever, como
mera historiadora” registrar todos os elogios, enquanto lamentava “a tortura
intolerável” de ter de suportá-los. O Diário exibe “o maior egoísmo de
sanguessuga que a literatura ou o Bedlam já exibiu” (251-2). Observando que
os relatos de Burney são altamente coloridos, ele também questionou sua
veracidade. As falhas expostas no Diário destacaram defeitos semelhantes
nos romances, seu uso de hipérbole e exagero: “Sua propensão inata era fazer
montanhas de montículos” (271). Seus enredos foram construídos sobre um
tecido de “aborrecimentos insignificantes e dificuldades imaginárias”. Com
tendências naturais para “artifício e manobra” (255-6), Burney era culpada de
“traição” (259) ao gravar, circular e preservar secretamente para a
posteridade as conversas privadas (p. 164) de amigos que confiavam nela.
Finalmente, aos olhos de Croker, Burney não tinha senso de perspectiva: o
“incidente mais insignificante – ...se se trata de seu próprio eu importante, é
tratada com toda a pompa da história” (256). Ele ridicularizou a mesquinhez
de suas queixas na casa da Rainha, e a mesquinhez e trivialidade do todo. Em
suma, ele descartou o Diário como “quase o livro mais inútil” já escrito
(287). (CROKER apud CLARK, 2007, p. 165)

A incoerência de criticar em termos tão duros uma autora pela publicação


póstuma de diários que manteve em vida é no mínimo curiosa. Os critérios de
avaliação, também percebemos, não são literários e nem mesmo textuais
quando Croker ataca o caráter de uma pessoa que não poderia se defender. A
crítica de Croker teve tração, mas foi rebatida por ninguém menos que
Thomas Babington Macaulay, que atacou o texto por sua mesquinhez e fez
um relato positivo da carreira de Burney76. Macaulay, no entanto, introduz
uma crítica estética: ele “concordou com a noção de deterioração em seu
estilo, que ele atribuiu à influência perniciosa (até ajuda direta) de Johnson e
à longa residência no continente” (CLARK, 2007, p. 165).
Ao declarar Burney a primeira romancista mulher digna de nota que
“preparou o caminho” para Jane Austen e Maria Edgeworth que, em sua
visão, eram superiores a ela, Macaulay também funda uma tradição crítica
problemática que só seria superada mais de cem anos depois, na década de
1970: a de colocar Frances Burney à sombra de Jane Austen. A romancista
cuja crítica da estrutura social influenciou Mary Wollstonecraft não foi
facilmente absorvida pela Era Vitoriana. A década em que, estabelecida após
o sucesso de seus primeiros romances, Burney publicou Camilla (1796) e
aquela em que Jane Austen se formava enquanto leitora e concebia as
primeiras versões daqueles que um dia seriam seus romances mais famosos,
foi marcada pelo extremo nacionalismo. Romances vistos como “jacobinos”,
isto é, alinhados aos ideais da Revolução Francesa, eram violentamente
criticados na imprensa britânica.
As associações francesas de Burney são complexas, como vimos, e não
pertencem ao escopo deste ensaio, mas Doody sugere Cecilia como o
primeiro romance jacobino (1989, p. xxxvii). Jane Austen, por outro lado,
publicou romances que foram facilmente abraçados pela Inglaterra da
Regência e por seus herdeiros vitorianos como representantes da “verdadeira”
cultura britânica. Tal instrumentalização reduz a potência da escrita de Jane
Austen, despolitiza seus romances e é um desserviço às escritoras
setecentistas que foram apagadas quando a história do romance inglês foi
rearranjada em um “antes e depois de Austen”. Ouvimos que Cecilia inspirou
Orgulho e Preconceito (1813) com frequência, mas por que raramente
escutamos que a obra foi fundamental para a composição de Maria de Mary
Wollstonecraft?
Ao avaliar em legados, considere ainda que Frances Burney não é
necessariamente parecida com escritores a quem pode ter influenciado.
Margaret Anne Doody sugere que compreendamos Burney na tradição em
que ela própria procurou se inserir, com Smollett no século XVIII e Dickens
como sucessor lógico no XIX:

Burney, como Dickens, não está preocupada principalmente com o


desenvolvimento ou aventuras de um único personagem dentro da sociedade,
mas com a relação de um número de indivíduos com um mundo social que
tende a distorcê-los e pressioná-los, e que é grande demais para que eles
controlem. Como o mundo do Dickens posterior, o mundo de Burney é
violento e sombrio. (DOODY, 1989, p. xxxviii)

Na década de 1970, como Lorna Clark observa, Frances Burney “começa a


sair da sombra de Jane Austen” (2007, p. 168) em que Macaulay a havia
colocado no século XIX. O marco é a primeira edição acadêmica de Evelina
pela Oxford em 1968 e a de Cecilia em 1972. Uma série de artigos e
trabalhos de pesquisa é desenvolvida ao longo da década e o movimento de
redescobrimento da obra de Burney é liderado pela crítica feminista, que
produz debates intensos em torno dos romances e textos de não-ficção da
autora. Em 1988, Margaret Anne Doody publica a biografia Frances Burney:
The Life in the Works (1988), um trabalho de excelência acadêmica. Doody
capitaneia a crítica do uso do apelido “Fanny” em publicações dos romances
da autora, uma assinatura que ela jamais usou em sua vida profissional:

Burney não publicava seus romances com um nome, e nunca teria


permitido que seu eu autoral público fosse chamado de ‘Fanny’.
Contemporâneos se referiam a ela impressa como ‘Miss Burney’ ou ‘Burney’
(e mais tarde como ‘Madame d’Arblay); Editores vitorianos como Annie
Raine Ellis a chamavam de ‘Frances Burney’. ‘Fanny’ é em grande parte uma
invenção do início do século XX; diminuindo a autora ao sugerir o infantil e
o inofensivo, o apelido impediu o julgamento sério dos romances. (DOODY,
1989, p. xxxix)

Outra contribuição da crítica feminista se concentra no romance The


Wanderer (1814): enquanto Macaulay e tantos críticos homens sustentaram
que a qualidade do trabalho de Burney havia se deteriorado a cada
publicação, críticas feministas vislumbram na obra de Burney “uma
progressão de crescente radicalização de ideias, com The Wanderer como o
ponto culminante” (CLARK, 2007, p. 172).
Desenvolvimentos recentes trouxeram um interesse crescente nas peças da
autora, algo que provavelmente traria muita satisfação para Burney, que além
do caso The Witlings, teve mais alguns desencontros com o mundo do teatro
e com exceção de uma única apresentação não teve a oportunidade de ver
suas oito peças em temporada no palco77. Sociedades dedicadas à escritora
desenvolvem trabalhos acadêmicos e culturais nos Estados Unidos e na
Inglaterra com alcance internacional. Edições autoritativas de seus romances,
diários e cartas foram organizadas e atualizadas ao longo dos anos. Frances
morreu e foi enterrada em Bath em 1840, mas em 2002 seu lugar na tradição
literária inglesa foi celebrado com um painel no Poets’ Corner da Abadia de
Westminster inaugurado em sua memória. Para um renascimento popular,
Clark sugere, falta apenas uma adaptação na TV, no cinema ou, quem sabe,
um sucesso para maratonar no streaming. Mais do que nunca, é uma alegria
ver uma obra como Cecilia disponível em tradução para que Frances Burney
seja conhecida em suas próprias palavras, celebrada por seu próprio texto e
em seu próprio momento.
REFERÊNCIAS DO POSFÁCIO:
BURNEY, Frances; SABOR, Peter; DOODY, Margaret Anne. (Eds.).
Cecilia, or Memoirs of an Heiress. Oxford: Oxford World’s Classics, 2008.
(1782)

BURNEY, Frances; BLOOM, Edward A. (Ed.). Evelina, or the History of


a Young Lady’s Entrance into the World. Oxford: Oxford World’s Classics,
2008. (1778)

BURNEY, Frances; DOBSON, Austin (Ed.). Diary and Letters of


Madame d’Arblay (1778–1840), 6 vols. London: Macmillan, 1904–05.

BURNEY, Frances; TROIDE, Lars E. (Ed.). The Early Journals and


Letters of Fanny Burney, 6 vols. Oxford: Oxford University Press, 1988–.

BURNEY, Frances; HEMLOW, Joyce (Ed.). The Journals and Letters of


Fanny Burney (Madame d’Arblay), 1791–1840, 12 vols. Oxford: Oxford
University Press, 1972–84.

CHISHOLM, Kate. The Burney Family. In: SABOR, Peter. (Ed.) The
Cambridge Companion to Frances Burney. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 7-22.

CLARK, Lorna. The afterlife and further reading. In: SABOR, Peter. (Ed.)
The Cambridge Companion to Frances Burney. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 163-180.

HUTTON, William Holden (Ed.). Burford Papers. London: Constable,


1905.

DOODY, Margaret, Anne. Introduction. In: BURNEY, Frances; SABOR,


Peter; DOODY, Margaret Anne. (Eds.). Cecilia, or Memoirs of an Heiress.
Oxford: Oxford World’s Classics, 2008. (1988)
DOODY, Margaret, Anne. Burney and politics. In: SABOR, Peter. (Ed.)
The Cambridge Companion to Frances Burney. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 93-110.
JONES, Vivien. Burney and gender. In: SABOR, Peter. (Ed.) The
Cambridge Companion to Frances Burney. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 111-130.

JUSTICE, George. Burney and the literary marketplace. In: SABOR,


Peter. (Ed.) The Cambridge Companion to Frances Burney. Cambridge:
Cambridge University Press, 2007. p. 147-162.

SPENCER, Jane. Evelina and Cecilia. In: SABOR, Peter. (Ed.) The
Cambridge Companion to Frances Burney. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 23-38.

WALLACE, Tara Ghoshal. Burney as dramatist. In: SABOR, Peter. (Ed.)


The Cambridge Companion to Frances Burney. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 55-74.
ANEXO

RELATO DE UMA TERRÍVEL CIRURGIA EM PARIS –


1812

P.S. Eu prometi à minha querida Esther que lhe enviaria um volume, ei-lo
aqui:

Neste momento, eu me sinto muito bem, assim como meus Alexanders.78


Portanto, leia esta narrativa quando achar melhor, sem precisar se emocionar,
pois tudo terminou bem. Enviarei o restante na primeira oportunidade. Eu
aproveito este presente com muito entusiasmo. Oh, que ninguém, ninguém
passe por isso, pois para mim seria um regresso. No entanto, ainda nem
comecei a escrever.

22 de março de 1812
Separada por tanto tempo como estou daqueles que para mim são tão
queridos, pai, irmãos, irmãs, sobrinhas e amigos na minha terra Natal, eu
pouparia, ao menos, de seus bondosos corações qualquer tristeza por mim,
além do que inevitavelmente devem sentir ao se entregar à dor de tal ausência
de alguém tão ternamente apegado a todos os seus primeiros e para sempre
tão queridos laços. No entanto, se souberem que estive tão gravemente doente
por qualquer outra pessoa que não eu, poderão duvidar da minha perfeita
recuperação, o que apenas minha pena pode evitar. Como posso esperar que
não cheguem aos seus ouvidos o que vem de Sevilha pelo Sul e de
Constantinopla, pelo Leste? De ambos, recebi mensagens, mas nada poderia
me impelir a fazer esta comunicação até que tomei conhecimento de que Mr.
Boinville havia escrito para sua esposa, sem qualquer precaução, por ignorar
o meu plano de silêncio. Ainda assim, espero que as notícias nunca cheguem
até meu querido pai. Mas você, minha amada Esther, quem, por viver na
sociedade, certamente ficará sabendo, e para você eu escreverei toda a
história, certa de que, a partir do momento em que souber que qualquer mal
existiu, seu generoso coração estará constantemente ansioso por saber sua
extensão e circunstâncias, bem como sua conclusão.
Por volta de agosto do ano de 1810, comecei a me aborrecer com uma
pequena dor no peito, que foi aumentando semana a semana, mas que, no
entanto, era mais intensa do que aguda, sem causar qualquer desconforto em
relação às consequências. Que desgraça é a ignorância! O mais simpático dos
companheiros, no entanto, ficou mais perturbado: nem um rosto irônico, nem
um movimento que indicava dor deixou de ser observado, e ele logo
concebeu apreensões para as quais eu era uma estranha. Ele me pressionou a
ver um cirurgião, eu me revoltei com a ideia e esperava, com cuidado e
carinho, tornar desnecessário todo o socorro. Assim se passaram alguns
meses, durante os quais Madame de Maisonneuve,79 uma amiga íntima, se
uniu a Mr. d’Arblay para me pressionar a fazer um exame. Eu pensava que
seus medos eram infundados e que não poderiam obter nenhum sucesso sobre
minha repugnância. Hoje, eu relaciono essa falsa confiança a uma advertência
à minha querida Esther, minhas irmãs e sobrinhas, que sensações semelhantes
excitam alarmes semelhantes.
Mr. d’Arnow revelou sua inquietude a outra das nossas amáveis amigas,
Madame de Tracy, que me escreveu uma carta longa e eloquente sobre o
assunto, que começou a despertar conjeturas muito desagradáveis. Um
encontro entre nós logo se seguiu, no qual sua urgência e suas explicações,
auxiliadas por sua grande experiência com a doença, existência mais
miserável pela arte, terminou por me subjugar; a mais dolorosa e relutante
paciente deixou de apresentar objeções e Mr. d’Arblay chamou um médico.
“Mr. Bourdois?”, dirá Maria. Não, minha querida Maria, eu não daria todo
esse trabalho ao seu beau; não ele, mas Dr. Jouart, o médico de Miss Potts.
Depois de refletir um pouco sobre o meu depoimento, ele me passou algumas
instruções que não geraram frutos, pelo contrário, eu piorei. Mr. d’Arblay, na
época, não aceitaria nenhuma recusa aos conselhos de Mr. Dubois, que já
havia me atendido e curado um abcesso do qual Maria, minha querida Esther,
poderá lhe contar toda a história. Mr. Dubois, o cirurgião mais célebre da
França, nomeado accoucheur80 da Imperatriz, que já esteve hospedado no
Tuileries e em constante atendimento, mas quem, porém, não era capaz de
abrandar o ardor de Mr. d’Arblay para obter o primeiro diagnóstico.
Felizmente, Mr. Dubois manteve uma consideração parcial desde o momento
de sua assistência anterior, e quando consultado através de uma terceira
pessoa, teve o primeiro momento de liberdade concedido por um passeio
levado pela Imperatriz, para chegar até mim. Foi então que comecei a
perceber meu verdadeiro perigo; Mr. Dubois me entregou uma receita para
seguir durante um mês, período no qual ele não poderia se comprometer a me
ver novamente. Ele não disse nada, além de que eu deveria ficar tranquila e
evitar qualquer preocupação que pudesse dar espaço a uma terrível
inquietação. Meu alarme aumentou quando notei a demora de Mr. d’Arblay
para vir me ver após sua partida. Eles haviam permanecido algum tempo
juntos na biblioteca e Mr. d’Arblay simplesmente não vinha me ver, até que,
incapaz de suportar o suspense, eu lhe implorei que viesse. Ele também
tentou me tranquilizar, mas apenas com palavras; sua aparência era
assustadora! Suas feições, todo o seu rosto exibia a mais amarga aflição. Não
tive, portanto, muita dificuldade para dizer a mim mesma o que ele se
esforçava para não dizer: uma pequena cirurgia seria necessária para evitar
consequências piores.
Ah, minha querida Esther, para isso eu não tinha coragem; meu pavor e
repugnância por mil razões, além da dor, quase me fez chorar e, por algum
tempo, fiquei mais confusa e surpresa do que assustada. No entanto, difícil
foi o efeito da visita: as dores tornaram-se mais rápidas, mais violentas, e a
rigidez do ponto afetado aumentou. Em vão eu assumi minha proscrição e
cada sintoma se tornou mais sério. Nessa altura, Madame de Narbonne
conversou com Mr. d’Arblay sobre um cirurgião de grande eminência, Mr.
Larrey, que havia curado uma senhora polonesa de uma doença semelhante, e
como meu horror a uma cirurgia era insuperável, Madame de Narbonne
recomendou fortemente que eu recorresse a ele. Eu alegremente me apeguei a
qualquer esperança e um outro conhecido de Mr. d’Arblay, no mesmo
instante, recomendou o médico Mr. Barbier Neuville, que possuía uma
influência irresistível sobre este Mr. Larrey, a quem escreveu a mais séria
injunção de que usaria todos os esforços para me resgatar do que eu mais
temia.
Mr. Larrey veio me ver, embora de má vontade e cheio de escrúpulos em
relação a Mr. Dubois, e nem ele me prestaria seus serviços até que eu mesma
lhe escrevesse declarando meu receio pelo atraso na assistência, ocasionado
pelo alto cargo junto à realeza e pelo confinamento de Mr. Dubois, e
solicitando que meu caso pudesse ser entregue a Mr. Larrey. Como era de se
esperar, uma resposta chegou e eu estava...
(de cabeça para baixo no topo da página)
Inquirir significa escrever para mim, minha Esther e todos os meus
queridos, por compaixão.

(corpo principal da carta)


...agora seguindo um novo regime, e muito animada pelas mais justas
esperanças. Mr. Larrey demonstrou ser um dos homens mais dignos,
desinteressados e singularmente excelentes, dotado de verdadeiro gênio em
sua profissão, embora ignorante das coisas do mundo e seus usos, o que o
induz a uma ingenuidade que leva quem não o conhece a fundo a considerá-
lo não apenas simples, mas fraco. Eles estão enganados, pois tendo sua
atenção e pensamentos voltados exclusivamente para uma direção,
dificilmente está desperto para outra. Suas instruções pareciam todas bem-
sucedidas, pois embora eu ainda tivesse ataques cruéis de uma dor terrível, os
acessos eram mais curtos e mais raros e eu recuperei meu ânimo. Passei a
quase diariamente receber nos meus aposentos alguma amiga íntima ou
conhecida, contrariando o meu modo selvagem de ser, e que amigas tenho
encontrado! Que amigas bondosas, consoladoras e zelosas durante todo esse
período doloroso! Em geral, eu estava muito melhor e todos os sintomas de
alarme diminuíram. Meu bom Mr. Larrey estava encantado, mas tão ansioso,
que me obrigou a ver Dr. Ribe, o primeiro anatomista, segundo ele, de toda a
França, por medo de estar iludido pelo seu desejo excessivo de me salvar. Eu
estava tão rebelde com relação à primeira visita do famoso anatomista, como
Maria lhe dirá que eu estava igualmente relutante em ver Mr. Dubois. Esse
tipo de coisa era terrivelmente odioso para mim, mas, no entanto, fui
obrigada a ceder. Mr. Ribe confirmou nossas melhores esperanças.
Neste ponto, minha querida Esther, devo ser breve, pois o assunto se torna
menos agradável. Circunstâncias diversas, muito longas para detalhar, foram
combinadas para neutralizar todas as minhas expectativas animadoras, além
de toda a habilidade e todos os cuidados do meu assíduo e excelente
cirurgião. O principal desses males foi... a morte, trazida para mim através de
um jornal, da adorável e amada Amélia, a doença de seu venerado pai e a
súbita perda de minha quase adorada. Minha Susan praticamente adorava
Mrs. Lock, cuja terrível calamidade chegou até mim através das poucas
linhas de Fanny Waddingon, quando eu desconhecia qualquer doença ou
medo. Oh, minha Esther, eu devo, de fato, ser breve, pois ainda não estou
forte o suficiente para a tristeza. O bom Mr. Larrey, quando veio me ver
depois dessas provações, ficou bastante impressionado com minha
consternação e tudo mudou para o pior.
– Et qu’est il donc?81 – perguntou ele, e logo, tristemente, anunciou que
sua esperança estava quase extinta. Mr. Ribe foi chamado novamente, mas
ele apenas confirmou o terrível diagnóstico. No entanto, eles permitiram aos
meus argumentos alguns ensaios adicionais, já que o tempo não estava
propício para nenhuma operação.
Minhas condições físicas, naquele momento, embora sempre úteis e
animadas, me causavam grande sofrimento para subir três vãos de escadas e
meu mais terno parceiro tomou a decisão de me levar para a Rue Mirmenil,
onde dei início à minha residência em Paris por quase dez anos, dez no
próximo mês.
Aqui estamos au primier (no primeiro andar), mas infelizmente, é inútil.
Apenas uma vez me aventurei a descer alguns poucos degraus, quando eu
havia alimentado tantas esperanças. Um médico foi chamado, Dr. Moreau,
para saber se ele poderia sugerir algum novo expediente, mas Dr. Larrey não
havia deixado nenhum recurso para ser testado. Uma consulta formal foi
organizada, na qual Dr. Larrey, Ribe e Moreau, ao seu tempo, recomendaram
a cirurgia. Eu estava tão surpresa quanto desapontada, pois a pobre mama não
estava descolorida, nem maior do que sua vizinha saudável. No entanto, eu
sentia que o mal era profundo, tão profundo que muitas vezes pensei que se
não pudesse ser dissolvido, só com a vida poderia ser extirpado. Eu evoquei,
então, toda a razão que possuía, ou imaginava possuir, e disse a eles que, se
não viam outra alternativa eu não iria resistir à sua opinião e experiência. O
bom Dr. Larrey, que durante sua longa assistência havia me dedicado uma
calorosa amizade, tinha agora lágrimas nos olhos; ele esperava alguma
resistência do meu medo. Ele propôs mais uma vez chamar Dr. Dubois. Não,
eu disse a ele, se ele mesmo não pudesse me salvar, não haveria esperança
em nenhuma outra parte e, se fosse preciso, o que eu buscava na coragem
deveria ser proporcionado pela confiança. O bom homem estava insatisfeito
consigo mesmo e declarou que eu deveria ter o primeiro e mais eminente
diagnóstico que seu país pudesse me oferecer.
– Vous êtes si considerée, madam – disse ele, – ici, que le public même
sera mecontent si vous n’vez pas tout le secour que nous avons à vous
offrir.82
No entanto, o modesto homem era premier chirurgien de la Garde
Impériale,83 e havia recentemente recebido o título de barão por seus
eminentes serviços. Mr. Dubois, acrescentou ele, por sua habilidade e
experiência, ainda poderia, talvez, sugerir alguma cura. A ideia me
conquistou instantaneamente. “Mande buscá-lo. Mandem buscar Mr.
Dubois!”, disse eu. Moreau recebeu a missão de consultá-lo. Que intervalo
foi esse! No entanto, meu pobre Mr. d’Arblay era mais digno de pena do que
eu, embora desconhecesse a terrível ideia que eu tinha anexado internamente
ao diagnóstico. Oh, como ele sofreu, e com que ternura requintada consolava
tudo o que eu tinha de suportar! Meu pobre Alex, eu poupei tanto quanto
possível e, até o momento, ignorava a minha situação.
Mr. Dubois se comportou extremamente bem, nenhum ressentimento
interferiu no interesse que ele havia professado pelo meu bem-estar e sua
conduta foi viril e generosa. Ainda era difícil vê-lo, mas ele nomeou o
primeiro dia disponível para uma consulta geral e final. Eu só fui informada
no mesmo dia, para evitar qualquer agitação inútil. Aqui, ele conheceu os
doutores Larrey, Ribe e Moreau. O caso, eu podia ver isso, oferecia
dificuldades incomuns, ou apresentava perigo eminente; assim que o exame
terminou, eles desejaram conversar em particular e eu permiti. Que meia hora
eu passei sozinha! Mr. d’Arblay estava em seu escritório. Dr. Larrey veio,
então, me chamar. Ele não falava, mas parecia muito com o meu querido
irmão James, com quem tem uma semelhança pessoal que impressionou Mr.
d’Arblay, bem como a mim mesma. Eu entrei e me sentei, com toda a calma
que me era possível. Todos ficaram em silêncio. Dr. Larrey, eu vi, quase se
escondeu atrás do sofá. Meu coração batia rápido; eu compreendi tudo e a
esperança havia terminado. Eu os convidei a falar. Mr. Dubois, então, depois
de uma longa e ininteligível arenga, causada por sua própria perturbação,
pronunciou minha condenação. Neste momento, eu compreendi o que era
inevitável e me abstive de qualquer esforço. Eles receberam meu
consentimento formal e se retiraram para marcar uma data.
Toda esperança de escapar desse mal havia desaparecido, eu só podia
consolar ou empregar minha mente para considerar como torná-lo menos
terrível para Mr. d’Arblay.
Dubois havia dito:

– Il faut s’attendre à souffrir, Je ne veux pas vous tromper. Vous


Souffrirez, vous souffrirez beaucoup!84

Mr. Ribe me recomendou o choro. Reter as lágrimas ou me conter poderia


provocar sérias consequências ruins, segundo ele. Mr. Moreau, ao fazer eco à
recomendação, perguntou se eu havia gritado e chorado durante o parto de
Alexander. Ora, eu respondi que não tinha como ser de outra maneira. Ah,
disse ele, então não há o que temer! Que terríveis inferências eram feitas. No
entanto, eu desejava que Mr. d’Arblay fosse mantido na ignorância da data
até que a operação estivesse terminada. Nesse ponto, todos estavam de
acordo, exceto Mr. Larrey, que parecia dissidente, mas guardou silêncio. Mr.
Dubois protestou que não se comprometeria a agir depois que havia visto a
preocupação de Mr. d’Arblay. Nem ele me deixaria saber a hora da cirurgia
com antecedência, mas eu consegui uma promessa de um aviso quatro horas
antes, que eram essenciais para mim por diversas razões. A partir deste
momento, assumi a melhor disposição que podia, a fim de enfrentar o golpe
que se aproximava, e também apoiar meu simpatizante parceiro. Eles não
permitiram que eu fizesse preparativos, recusando-se a me informar o que
seria necessário. Eu soube, desde então, que Madame de Tessé, uma
admirável velha amiga de Mr. d’Arblay, e agora minha amiga também, e uma
das primeiras do seu sexo em qualquer país por habilidades incomuns e
conhecimento quase universal, insistiu em me enviar tudo o que fosse
necessário e me manter na ignorância. Mr. d’Arblay encheu um armário com
charpie, compressas e bandagens. Tudo o que me pertencia e que iria precisar
eram uma poltrona e algumas toalhas. No entanto, muitas coisas unidas na
profundidade das minhas dores me asseguravam de que eu não estava fora de
perigo. Por esta razão, decidi fazer o meu testamento, até o momento
desconhecido para Mr. d’Arblay. Eu o confiei a Mr. La Tour Maubourg sem
permitir que sua irmã e minha amiga, Madame de Maisonneuve, tivesse
conhecimento do seu conteúdo. Ela o enviou ao excelente Mr. Gillet, de
quem me trouxe instruções. Assim que puder sair, eu revelarei o caso
clandestino a Mr. d’Arblay, se é que ainda poderá afetá-lo. Madame de
Maisonneuve desejava estar presente na ocasião, mas eu não poderia lhe
infligir tamanha dor. Madame de Chastel, belle soeur de Madame de
Boinville, também teria suportado a comoção, mas eu consegui dois
seguranças, um dos quais é conhecido das minhas duas queridas Charlottes,
Madame Soubiren, portiere de l’Hotel Marengo, uma criatura muito boa, que
muitas vezes me diverte repetindo: “Muito bem, madame”, o que ela me
disse que aprendeu com Charlotte, a mais nova, cujo nome ela nunca
pronuncia, senão com uma pausa, e o outro, um operário que tenho
empregado muitas vezes. As gentilezas que recebi neste período teriam me
feito amar a França para sempre, se é que alguma vez fui capaz de odiá-la,
mas Madame d’Henin, a ternura que ela demonstrou supera qualquer
descrição. Duas vezes ela veio do interior para Paris para me ver, assistir e
conversar comigo. Não há nada que se possa sugerir sobre a utilidade ou
conforto que ela me deu. Ela não apenas me ama do fundo do seu coração,
mas também por conta do seu amor por Mrs. Lock, exclamava muitas, muitas
vezes:

– Ah! Si votre Angelique amie étoit ici!85

Porém, é melhor que eu evite esses episódios, embora minha querida


Esther não os consideraria indesejáveis. Após a sentença assim proferida, eu
me encontrava na expectativa constante de uma convocação para sua
execução; julgue por si mesma, então, a minha surpresa por ter sofrido três
semanas inteiras no mesmo estado. Mr. Larrey me visitava de vez em
quando, mas não dizia nada, e estava sempre melancólico. Por fim, Mr.
d’Arblay foi informado de que ele mesmo teria que dar uma convocação
formal, por escrito. Eu não poderia lhe dar uma. Um consentimento foi tudo o
que pude oferecer, mas o pobre Mr. d’Arblay escreveu seu desejo de que a
operação, se necessária, pudesse ocorrer sem mais atrasos. Em minha própria
mente, eu estava todo esse tempo convencida de que havia esperanças de uma
cura; por que outro motivo, eu pensei, me deixaria a par do meu destino por
tanto tempo? Sobre este ponto, devo explicar que desta medida
aparentemente inútil e, portanto, cruel, eu apenas tive conhecimento dois
meses mais tarde. Na opinião de Mr. Dubois, o mal estava muito avançado
para qualquer remédio, o câncer já estava confirmado, eu estava destinada à
mais terrível das mortes e uma operação apenas aceleraria minha dissolução.
O pobre Mr. Larrey estava tão profundamente afetado por esta sentença que,
como me disse recentemente, lamentava até a alma ter me conhecido e esteve
a ponto de exigir uma comissão até os extremos mais distantes da França a
fim de me colocar em outras mãos. No entanto, eu havia dito uma vez, ele se
lembrava disso, que preferiria sofrer um fim rápido a prolongar uma vida
com esta terrível doença. Então, ele finalmente considerou que seria possível
fazer uma tentativa para me salvar, que sem ela meu caso estava perdido, e
resolveu tentar. Mesmo assim, a responsabilidade era grande demais para
recair inteiramente sobre seus ombros e, portanto, ele aguardou uma
convocação formal. Finalmente, em uma manhã no final de setembro de
1811, enquanto ainda estava na cama e Mr. d’Arblay arranjava uns papéis no
seu gabinete, recebi uma carta escrita por Mr. de Lally a um jornalista, em
defesa da honrada memória de seu pai contra as afirmações de Madame du
Deffand. Eu a li em voz alta para meus Alexanders, com lágrimas de
admiração e simpatia, e então a enviei por Alex ao seu autor, como havia
prometido na noite anterior. Eu então me vesti sendo auxiliada por minha
criada, como era costumeiro nos últimos meses, já que meu braço direito
estava condenado à total inação. O assunto ainda não estava resolvido quando
outra carta me foi entregue. De fato, outra carta.
Era de Mr. Larrey, para me informar que viria me ver às dez horas,
devidamente acompanhado, para me encorajar a confiar tanto em sua
sensibilidade e prudência quanto em sua destreza e experiência; ele me pediu
que garantisse a ausência de Mr. d’Arblay e me disse que o jovem médico
que estava me entregando o comunicado também me prepararia para a
operação, na qual deveria prestar seus serviços, e também que foi decisão de
todos me permitir tomar conhecimento do procedimento com apenas duas
horas de antecedência. Julgue, minha Esther, se era possível ler seu conteúdo
de forma impassível. Ainda assim, fui obrigada a esconder minhas sensações
e intenções de Mr. d’Arblay. Dr. Aumont, o mensageiro do terrível
prenúncio, estava me aguardando e Mr. d’Arblay estava ao lado da minha
cama. Durante muitos minutos eu fingi estar lendo a carta, a fim de ganhar
tempo para elaborar algum plano, e tal era meu terror de envolver Mr.
d’Arblay na inutilidade de presenciar o que eu deveria suportar que superou
todos os outros e me deu forças para agir como se estivesse dirigindo uma
terceira pessoa. Os detalhes seriam cheios de palavras, como diz James, mas
o resumo é o seguinte: eu chamei Alex para minha cabeceira e pedi que
informasse Mr. Barbier Neuville, chef du division du Bureau86 de Mr.
d’Arblay, que o momento havia chegado e solicitei que escrevesse a Mr.
d’Arblay uma convocação sobre negócios urgentes, a fim de detê-lo até que
tudo estivesse terminado. Sem palavras e horrorizado, lá se foi Alex, que,
como mais tarde ouvi dizer, foi forçado a se sentar e chorar durante a
execução de sua missão.
Então, através da criada, enviei uma mensagem ao jovem Dr. Aumont de
que não poderia estar pronta antes da uma hora. Eu terminei meu café da
manhã, embora sem apetite, como deve imaginar; Mr. d’Arblay forçou-se a
engolir um pedaço de pão e saiu correndo, sob vários pretextos. Ele mal tinha
acabado de sair quando Mr. Dubois chegou. Eu renovei minha requisição
para iniciarmos a uma hora, os outros chegaram e todos estavam dispostos a
consentir no atraso, pois eu tinha um apartamento para preparar para o meu
companheiro banido. Os arranjos me mantiveram completamente ocupada.
As duas enfermeiras contratadas estavam fora do caminho, eu tinha uma
cama, cortinas e Deus sabe o que mais para preparar, mas aquilo foi bom para
os meus nervos. Eu fui obrigada a sair do meu quarto para deixá-lo em
ordem. Dr. Aumont não deixou a casa; ele permaneceu na sala, dobrando
lençóis. Ele havia exigido quatro ou cinco jogos velhos, mas bons, por baixo
das roupas. Eu deslizei para a nossa biblioteca, onde diversas orientações
necessárias preencheram meu tempo completamente até uma hora, quando
tudo estava pronto. No entanto, Dr. Moreau chegou com a notícia de que Mr.
Dubois não poderia chegar antes das três. Dr. Aumont foi embora.
O intervalo foi, na verdade, horrível; eu não tinha mais nada para fazer, só
podia pensar. Duas horas assim passadas pareciam intermináveis. Eu gostaria
de ter escrito para o meu querido pai, para você, minha Esther, para
Charlotte, James, Charles, Amélia Lock, mas o meu braço não permitiria. Eu
caminhei até a sala, vi os preparativos e recuei, mas logo retornei. De que
adiantaria disfarçar para mim mesma o que estava para acontecer? No
entanto, a imensa quantidade de bandagens, compressas e esponjas me
deixou doente. Eu andei de um lado para o outro até aquietar toda a emoção
e, depois de algum tempo, parecia uma estúpida, entorpecida, sem sentimento
ou consciência, e assim permaneci até o relógio bater três horas. Então, um
repentino espírito de esforço retornou, eu desafiei meu pobre braço, não valia
mais a pena adiar, e tomei minha longa pena para escrever algumas palavras
para Mr. d’Arblay e mais algumas para Alex, no caso de uma conclusão fatal.
Os pobres bilhetes eu só pude depositar com segurança quando os Cabriolets,
um, dois, três, quatro, se sucederam rapidamente uns aos outros para
estacionar diante da porta. Dr. Moreau entrou imediatamente no meu quarto,
para ver se eu estava viva. Ele me deu uma taça de vinho e foi para a sala. Eu
toquei a campainha para chamar a criada e as enfermeiras, mas antes que
pudesse falar com elas, meu quarto, sem aviso prévio, foi invadido por sete
homens de preto, Dr. Larrey, Mr. Dubois, Dr. Moreau, Dr. Aumont, Dr. Ribe,
um aluno de Dr. Larrey e outro de Mr. Dubois. Eu fui despertada do meu
estupor por uma espécie de indignação. Por que tantos? E sem permissão?
Mas eu não conseguia dizer uma palavra. Mr. Dubois atuou como o líder e
Dr. Larrey ficou fora de vista. Mr. Dubois pediu que colocassem uma cama
no meio da sala. Assustada, voltei-me para Dr. Larrey, que havia dito que
uma poltrona seria suficiente, mas ele abaixou a cabeça e não olhou para
mim. Mr. Dubois exigiu dois colchões velhos e um lençol velho. Eu comecei
a tremer violentamente, mais com desgosto e horror pelos preparativos do
que pela dor. Depois de tudo arranjado a seu gosto, ele me pediu para subir
na cama. Eu fiquei parada por um momento e, pensando se não deveria
escapar abruptamente, olhei para a porta e para as janelas... eu estava
desesperada, mas apenas por um momento. Logo minha razão reassumiu o
comando e meus medos e sentimentos lutaram em vão contra ela. Eu chamei
minha criada, ela estava chorando, e as duas enfermeiras, paralisadas junto a
porta.
– Deixe as mulheres irem embora – disse Mr. Dubois.
O pedido fez minha voz voltar.
– Não, deixe elas ficarem – disse eu. – Qu’elles restent!87
Isso ocasionou uma pequena disputa e me reanimou. No entanto, a criada e
uma das enfermeiras saíram correndo. Eu pedi à outra que se aproximasse e
ela obedeceu. Mr. Dubois tentou emitir seus comandos militares, mas eu
resisti a tudo o que era resistível; fui compelida, porém, a retirar meu robe de
Chambre, que eu tinha a intenção de manter. Ah, como eu pensei em minhas
irmãs! Em um momento tão terrível, nenhuma mão para me proteger, ajustar,
guardar. Lamentei ter recusado a companhia de Madame de Maisonneuve,
Madame Chastel, não havia ninguém em quem pudesse confiar e meu anjo
havia partido. Como eu pensei nela! Como eu ansiava pela minha Esther,
minha Charlotte! Minha angústia, eu suponho, era evidente, embora não os
meus desejos, pois o próprio Mr. Dubois se abrandou e passou a falar com
suavidade.
– O senhor é capaz de se sensibilizar com uma cirurgia que para o senhor é
tão trivial?
– Trivial? – repetiu ele, pegando um pedaço de papel que ele rasgou,
inconscientemente, em um milhão de pedaços. – Oui, c’est peu de chose88 –
gaguejou ele, e não pôde continuar.
Ninguém mais tentou falar, mas eu me acalmei quando vi que até Mr.
Dubois estava nervoso, enquanto Dr. Larrey se mantinha distante, mas com
apenas um olhar fui capaz de captar o quanto estava pálido. Certamente, eu
não conhecia o perigo imediato, mas tudo me convencia de que o perigo
pairava sobre mim, e que apenas o experimento poderia me salvar de suas
mandíbulas.
Portanto, subi na cama sem ser convidada; Mr. Dubois me ajeitou sobre o
colchão e estendeu um lenço de cambraia sobre o meu rosto. Porém, o tecido
era transparente e eu podia ver através dele que a cama estava cercada por
sete homens e minha enfermeira. Eu me recusei a ser amarrada, mas quando
vi através da cambraia o brilho do aço polido, fechei os olhos. Eu não
confiaria ao medo convulsivo a visão da terrível incisão. Seguiu-se um
silêncio muito profundo, que durou alguns minutos, durante os quais,
imagino, eles receberam suas ordens por meio de sinais e fizeram sua análise.
Que pausa terrível! Eu não podia respirar e Mr. Dubois tentava em vão
encontrar meu pulso. O hiato foi por fim interrompido por Dr. Larrey, que,
em voz de solene melancolia, disse:

– Qui me tiendra ce sein?89

Ninguém respondeu, pelo menos não verbalmente, mas a pergunta me


despertou do meu passivo estado de submissão, pois temia que imaginassem
que a mama toda estava infectada, e temia também, com justiça, pois mais
uma vez através da cambraia pude ver a mão de Mr. Dubois levantada,
enquanto seu dedo indicador primeiro descrevia uma linha reta de cima para
baixo do peito, depois uma cruz e então um círculo, insinuando que toda a
mama seria retirada. Assustada com a ideia, eu me coloquei de pé, tirei o véu
e, em resposta à pergunta: “Qui me tiendra ce sein?”,90 respondi: “C’est moi,
Monsieur!”.91 Eu segurei sua mão e expliquei a natureza dos meus
sofrimentos, que surgiam de apenas um ponto, embora se dispersassem por
todas as partes. Fui ouvida com atenção, mas em completo silêncio. Mr.
Dubois então me recolocou na posição anterior e, como antes, estendeu o véu
sobre o meu rosto. Quão vã foi a minha explicação! Mais uma vez eu vi o
dedo fatal descrever a cruz e o círculo. Sem esperanças, depois, desesperada,
eu me rendi, fechei os olhos mais uma vez e abandonei a observação, a
resistência, a interferência, e tristemente decidi me resignar completamente.
Minha querida Esther e também todos os meus amados a quem ela
comunicar essa triste cançoneta irão se alegrar ao saber que esta resolução,
uma vez tomada, foi firmemente aderida em desafio ao terror que ultrapassa
toda descrição e a dor mais torturante. No entanto, quando o terrível aço
mergulhou no meu peito, cortando as veias, as artérias, a carne, os nervos, eu
não precisava de nenhuma ordem para não conter os gritos. Eu soltei um grito
ininterrupto que durou todo o tempo da incisão, e é surpreendente que ainda
não soe nos meus ouvidos, tão excruciante era a minha agonia. Quando a
ferida foi aberta e o instrumento retirado, a dor parecia inalterada, pois o ar
que de repente se precipitou para as partes delicadas parecia uma massa de
diminutos, mas agudos punhais bifurcados que rasgavam sua borda. Porém,
quando novamente senti o instrumento descrevendo uma curva, cortando no
sentido oposto, se assim posso dizer, enquanto a carne resistia de uma
maneira tão contundente, como se quisesse oferecer oposição e cansar a mão
do cirurgião, que se viu obrigado a mudar da direita para a esquerda, então,
de fato, pensei que deveria ter morrido. Não tentei mais abrir os olhos, eles
pareciam estar hermeticamente fechados e tão firmemente unidos, que as
pálpebras pareciam fundidas com as bochechas. Quando o instrumento foi
retirado pela segunda vez, concluí que a operação estava terminada. Mas,
não! Logo o terrível corte foi renovado, pior do nunca, para separar o fundo,
a base desta glândula espantosa das partes às quais havia aderido. Uma vez
mais, toda a descrição seria confusa, mas uma vez mais, nem tudo estava
acabado. Dr. Larrey estava apenas descansando a própria mão. Oh, céus! Eu
então senti a faca crepitando contra o osso, como se o estivesse raspando.
Depois disso, enquanto eu ainda permanecia em uma tortura indescritível,
pude ouvir a voz de Dr. Larrey (os demais guardavam um silêncio mortal) em
um tom quase trágico, solicitando a todos os presentes que se pronunciassem
se achavam que alguma coisa ficou por fazer, ou se eles achavam que a
operação estava concluída. O coro generalizado disse que sim, mas o dedo de
Dubois, que eu literalmente senti pairando sobre a ferida, embora não
pudesse ver nada, e embora ele não tivesse tocado em nada, tão
indescritivelmente sensível estava o local, apontou para alguma requisição
adicional, e a raspagem foi reiniciada. Então, Dr. Moreau pensou ter
discernido uma célula impura, aqui e ali, e Mr. Dubois exigiu que fossem
retiradas, uma a uma. Minha queridíssima Esther, por dias, semanas, meses,
eu não podia falar sobre este terrível assunto sem quase passar por tudo de
novo! Eu não conseguia lembrar sem sofrer. Eu estava doente, transtornada
por uma única pergunta, mesmo agora, nove meses depois de terminado,
sinto dores de cabeça ao seguir com o relato, este pobre relato que iniciei há
pelo menos três meses e que não ouso ler ou revisar, pois a lembrança ainda é
muito penosa.
Para concluir, o mal era tão profundo, o caso tão delicado e as precauções
necessárias para evitar um retorno tão numerosas, que a operação, incluindo o
tratamento e o curativo, durou 20 minutos, vinte minutos de sofrimentos tão
agudos que dificilmente seriam suportáveis. No entanto, eu suportei com toda
a coragem que pude exercer; eu não me mexi, não os interrompi, nem resisti,
ou protestei, ou falei, exceto uma ou duas vezes durante os curativos, para
dizer:

– Ah, Messieurs! Que je vous plains!92

Na verdade, eu estava sensível ao sentimento de preocupação que todos


demonstraram pelo meu sofrimento, embora meu discurso fosse
principalmente, muito principalmente destinado ao Dr. Larrey. Com exceção
dessas poucas palavras, eu não disse mais nada, exceto nas frequentes
ocasiões em que recomeçavam, quando eu dizia:

– Avertissez moi, Messieurs! Avertissez moi!93

Acredito que desmaiei duas vezes, pelo menos tenho dois lapsos de tempo
em minha memória que me impedem de juntar os pontos sobre tudo o que se
passou. Quando estava terminado, eles me levantaram para que eu fosse
colocada na minha cama; minha força estava tão completamente aniquilada,
que precisei ser carregada; eu não podia sequer sustentar minhas mãos e
braços, que pendiam do meu corpo como se eu estivesse sem vida, enquanto
meu rosto, segundo a enfermeira, estava completamente sem cor. A remoção
me fez abrir os olhos, e então eu vi meu bom Dr. Larrey, pálido, quase como
eu, seu rosto estava manchado de sangue e sua expressão retratava tristeza,
apreensão e quase horror. Uma vez na cama, meu pobre Mr. d’Arblay, que
deveria ter escrito sua própria história nesta manhã, foi chamado, e depois
dele, Alex.

(caligrafia de Mr. d’Arblay)


Não, não, minha querida e cada vez mais amada amiga, não farei nenhuma
tentativa infrutífera. Nenhuma palavra poderia transmitir o que eu senti no
curso daquelas sete horas. Mesmo assim, cada um de vocês, meus mais
queridos amigos, podem adivinhar, devem até saber. Os sentimentos de
Alexander não foram menores, mas ele mostrou mais coragem. Ele, talvez,
seja mais capaz de descrever, um pouco, pelo menos, o estado torturante de
minha pobre alma e do meu coração. Além disso, devo confessar a você que
aqueles detalhes, que até agora eram desconhecidos para mim, quase me
mataram, e só posso agradecer a Deus por esse anjo que teve a coragem
sublime de negar a si mesma o conforto que eu poderia lhe ter proporcionado,
para me poupar. Não do compartilhamento de suas dores excruciantes, isso
seria impossível, mas de presenciar um susto tão terrível, talvez. Sinto
remorsos por ter tornado tudo mais trágico, pois eu não acredito que poderia
ter passado por isso, devo confessar.
Graças a Deus ela agora está surpreendentemente bem e de bom humor, e
esperamos ter ainda muitos, muitos dias felizes. Que a paz chegue logo e me
permita abraçá-los aos poucos, meus amados e cada vez mais queridos
amigos da cidade e do campo. Amém.
(caligrafia de Frances Burney)
Deus abençoe minha querida Esther, temo que tenha escrito tudo de forma
confusa, mas eu simplesmente não posso reler esta carta, e já não posso mais
escrever. Imploro que deixe todos os meus queridos irmãos, homens e
mulheres, lerem também, e que a apresente à minha amada Mrs. Angertein,
que me perdoará, eu sei que sim, pois não estou apenas poupando a mim
mesma, mas também a ela, que não precisará receber uma carta com tal tema.
Meu querido pai e minha querida Mrs. Lock vivem tão afastados do mundo,
que eu me alegro que nunca tenham ouvido uma palavra desta aventura. Eu
sinceramente desejo que nunca venham a saber. Também minhas adoradas
Miss Cambridge e Miss Baker poderão ser poupadas. Deixo todos os outros e
tudo o mais para a sua própria decisão.
Eu deveria ter mencionado Sarah durante os meus lamentos pelas minhas
irmãs, pois estou certa de que ela teria muito prazer em cuidar de mim e o
faria com muito carinho se estivesse à disposição, mas naquele momento eu
só pensava naqueles que tantas vezes já tiveram oportunidade, bem como
alma, para demonstrar sua ternura e ela, que se foi para sempre, e que em
todas as ocasiões está tão presente para mim. Adieu, adieu, minha amada
Esther.

FIM DA CARTA
APOIADORES DO PROJETO CECILIA
Adélia Lemon
Adrialva de Farias Simões
Adriana A Montanholi
Adriana Aparecida dos Santos
Adriana Barbosa Fraga
Adriana Bombonato de Carvalho Lauksas
Adriana Campos
Adriana Celia Mattos Teixeira
Adriana de Godoy
Adriana do Nascimento
Adriana Ferreira de Figueredo
Adriana Maria
Adriana Teodoro da Cruz Silva
Adryene Marques Lemos de Oliveira
Ágabo Araújo
Agatha Elena Zago
Agatha Krauss
Aisha Morhy de Mendonça
Alaine
Alana Diniz
Alana Hoffmann
Alayana Flávia de Araújo Guimarães
Alessandra Aparecida Rozzino
Alessandra Fonte de Azevedo
Alessandra Paula de Almeida Nunes
Alessandra Valles D'Almeida Passador
Alessandro Lima
Alex André (Xandy Xandy)
Alexandra do Nascimento Ferreira
Alexandra Stedile
Alexandre Targino Gomes Falcão
Alice Antunes Fonseca
Alice Maria Marinho Rodrigues Lima
Aline Abe
Aline Lúcia
Aline Mendonça
Aline Rodrigues Fernandes de Oliveira
Aline Viviane Silva
Aline Zanella
Amanda
Amanda Campos Piva
Amanda Lorena
Amanda Matoso
Amanda Pampaloni Pizzi
Amanda Pereira Costa
Amanda Regina Fernandes
Amanda Rodrigues de Faria
Amanda Soares Teixeira
Amanda Vieira e Silva
Ana Beatriz Rausse
Ana Cândida Duarte de Souza
Ana Carolina Celick
Ana Carolina Macedo Tinós
Ana Carolina Rodrigues Vasconcellos
Ana Carolina Silva Chuery
Ana Carolina Wagner
Ana Caroline de Araujo Oliveira
Ana Claudia de Campos Godi
Ana Claudia Sato
Ana Coeli Ribeiro Bezerra
Ana Cristina de Moraes Dutra
Ana Elisa de Camargo Arndt Toledo
Ana Elsa Sobreira da Silva
Ana Julia Candea
Ana Julia Marinho
Ana Louise Ferreira de Araújo
Ana Lúcia de Mesquita Sampaio
Ana Lucia Oliveira de Lima
Ana Lucia Sakamoto
Ana Meira
Ana Priscília - Lia Cordeiro
André de Albuquerque Brito
André de Souza Ferreira
Andre Eder Lopes
Andre Soares dos Santos
Andreia Lucia Nunes
Andresa Façanha Oliveira
Andressa Vasconcelos Barroso Prado
Andrielli Cristina Novais
Andriw Burkert
Anelize Kanda
Angélica Dariva
Angelica Patrícia Lohn
Angély de Paula Miller
Anielly Sampaio Clarindo
Anna Carolina Almeida
Anna Luísa Barbosa Dias de Carvalho
Anna Samyra Oliveira Paiva
Antonia Érika Dias
Antonia Isadora de Araújo Rodrigues
Antonia Mendes
Antonia Natália Costa de Sales
Antonietta Martins Maia Neta
Antonio Venancio
Arian Leite
Ariane Casanova Dorneles
Ariane Szeliga Popovicz
Athos Vinícius de Castro Mello
Aurelina da Silva Miranda
Bárbara Burgardt Casaletti
Bárbara Góes
Barbara Molinari
Bárbara Santana Marques de Oliveira
Barbara Zaghi
Bartira Braga de Aquino
Beatriz Bernardo
Beatriz Gabrielli-Weber
Beatriz Leonor de Mello
Beatriz Lohane
Beatriz Magalhães Lima
Benedito Paulo
Brenda Nataly
Bruna Santos Silva
Camila Batista Silva
Camila Carvalho
Camila Nakano de Toledo
Camila Oliveira
Camila Peres rodrigues
Camila Piuco Preve Camila
Camila Vieira da Silva
Camilla de Souza Pedrosa
Carla Buffolo
Carla Suelen Carneiro Soares
Carlos Andre Jobim Figueiredo
Carlos Magno Reisen
Carolina Barreto
Carolina Gabriel Finco
Carolina Rodrigues
Caroline Bezerra Cavalcante
Caroline Cristina Peccini Cecin
Caroline Pazini Cavalcante
Caroline Pereira
Caroline Pinto Duarte
Catharino Pereira dos Santos
Catia Vilela
Cecília Checon Costa
Cecília Eloy
Cecília Rauscher
Cecília Santos Costa
Cesar Lopes Aguiar
Charles Batista
Chirlei Wandekoken
Christian Assunção
Christiane Mattoni
Cilaine Nunes Silva
Cinthia Torres Aranha
Cíntia Cristina Rodrigues Ferreira
Cintia Daflon
Cíntia Garbin
Cintia Minori Takeda
Cintia Suelotto Castro
Clara Daniela Silva de Freitas
Clarice das Merces Guimaraes
Clarinda Gomes da Silva
Clarissa Alves Bastos
Clarissa Maia Batista
Claudia Careli
Claudia Cruz Fialho Santos
Claudia Lima
Cláudia Maria Begiato
Claudia Sue Hirano Ogata
Cris Rodrigues Amarante
Crístian S. Paiva
Cristiane Ferreira da Silva
Cristiane Leite Cunha
Cristiane Pereira
Cristina Marques de Sousa
Daiane Schmechel
Daiany Martins Viana
Damaris Lobo
Dandara Palmeira Machado
Daniel Coutinho Moreira Felix
Daniel Kiss
Daniela Aparecida da Silva
Daniela Godinho
Daniela Nascimento da Silva
Daniela Oliveira Carvalho
Daniela Vila Pinhalves
Daniela Winter Woelbert Teixeira
Daniele Barros de Carvalho
Daniele Franco dos Santos Teixeira
Daniele Napoli
Daniele Werner
Daniella Lopes
Daniella Mancino Caixeta
Danielle da Cunha Sebba
Danielle Gomes dos Santos
Danielle Maria Souza Melo
Danielle Marques
Danielle Nunes
Danielle Pinto Coelho
Danielle Rabello Dias
Danuza Goncalves Jammal
Dari Diniz
Darlene Ramos Barboza
Dayane Montalvão
Dayane Suelen de Lima Neves
Debora Carneiro de Lima
Débora Darú Apocalypse Santos
Debora Ribeiro
Débora Schiessl de Oliveira
Débora Souza Silva
Déborah Delmiro
Déborah Machado
Deivisson dos Santos Costa
Denise Corrêa
Denise Marinho Cardoso
Diana Machado
Diogo Gomes
Douglas Quirino de Oliveira Mota
Duane Santos
Dyuliane Oliveira
Ediclece Sena Vilasboas
Edilane Heringer Coelho do Nascimento
Edinei Chagas
Edise Araujo
Edith Cristina da Nóbrega
Eduarda Lemos
Eduardo de Oliveira Prestes
Eduardo Fernandes
Eduardo Maciel Ribeiro
Elaine D'Marques
Elaine Kaori Samejima
Elba Regina Zarattini Perides
Elen Biguelini
Elen Faustino Garcias
Eliana Maria de Oliveira
Eliane Barros de Carvalho
Eliane da Silva Moraes
Eliane Oliveira de Sousa
Elis Finco
Elizabete dos Santos Ribeiro Cardoso
Emanoele Abreu
Emilia de Cerqueira Lima
Emilia Reis
Emille Dias
Emily Jhoyce Coimbra da Silva
Emmanuele Rodrigues Antonio
Érica Alessandra da Silva Woidella
Érica de Assis
Erica do Espirito Santo Hermel
Erisvania Maria da Silva Matias
Ester Garcia Ferreira da Silva
Euricelia Oliveira
Evandro Massaroti Munhoz
Evans Hutcherson
Eve Valadares
Evelise Horn
Evelyn Orona claussen
Everton Fernandes Tavares
Fabiana Aparecida Pereira
Fabiana Carvalho Bispo
Fabiana Nunes Caetano
Fabio Batista
Fabiola Hessel Bandeira
Fabrina Geremias da Rosa
Fatima Beatriz Gonçalves Monteiro Volpi
Fátima Regina Pereira da Silva
Fátima Saraiva
Felipe Augusto Cruz Lima
Felipe Bergamasco Perri Cefali
Fernanda Bononomi
Fernanda Dalmonechi Thompson de Paula
Fernanda de Oliveira da Silva
Fernanda Fernandes de Lima Melo
Fernanda Ghiggi
Fernanda Lopes Fagundes
Fernanda M. C. Hahne
Fernanda Marcelino Guimarães
Fernanda Mayara Bezerra de Araújo
Fernanda Queiroz Gonçalves
Fernanda Sousa
Fernando da Silveira Couto
Fernando Paulo
Flávia Cavalheire
Flávia Cavalieri
Flavia Martins Patricio
Francine Luz da Luz
Francisca Ívna Jesus Macêdo
Francisco Ferreira dos Santos
Francisco Junio Ferreira
Frank Gonzalez Del Rio
Freire Freire Freire
Gabriel Elias de Macedo
Gabriel Tavares Florentino
Gabriela Andrade
Gabriela Giacumuzzi
Gabriela Lopes Pestana
Gabriela Neres de Oliveira e Silva
Gabriela Xavier da Silva
Gabriele Góes
Gabriella Zane
Gabrielle Ferreira Benning
Gabrielle Maria Barbeta Volpatto
Gaby Cunha
Geórgia Vuotto
Geovana Alves da Luz
Geovana Ferreira do Nascimento
Gilmara Pereira dos Santos
Giovana Ap. Vicenzo Fragoso
Giovana Lopes de Paula
Giovanna Rodrigues Silva de Paula
Giovanni Alessandro de Freitas Vaz
Gisela Menicucci Bortoloso
Giselda da Silva Mendonça
Giselle de Oliveira Araújo
Gislaine Labêta
Glaucia Alves
Gloria Maria Pereira de Souza
Gofredo Bonadies
Graziela Fraga
Graziela Lepera
Graziela Nascimento Ferreira Gomes
Graziele Nogueira da Silva
Greiziele Godoy
Gustavo André Ramos Inúbia
Gustavo Cassiano
Gustavo Pavanetti
Haída Coelho
Haydee Victorette do Vale Queiroz
Helenise Alho Guimarães
Helga de Ávila Silva
Helil Neves
Hellen Tania
Herika Bernardino Quintanilla
Hilcia Regina Lima de Aquino
Hugo Abi-Sáber Rodrigues Pedrosa
Iedda Maria de Mesquita Braga
Igor & Roberta Ribeiro
Ileana Dafne Pereira da Silva
Ilma Barbosa de Carvalho
Inêz Camilla Saraiva Santos
Ingrid da Silva Ronconi
Ingrid Manhães
Iolanda Maria Bins Perin
Iomara V.
Irene Bogado Diniz
Isabel Portella
Isabela Felipe Ribeiro
Isabelle Miranda da Silva
Isadora Corrocher Santos
Isadora Emi Iwahashi
Isadora Maria Milanez Sousa
Isis Santiago
Isley Moreira Barreto
Ivânia
Ivi Paula Baldoino
Ivina R. M. C. Maiolo
Izabel Priviatelli
Izabela Miranda
Jacinta Maria Nogueira Camilo
Jackieclou
Jamila Ieda Machado Ambrósio
Janaína Edwiges Miranda
Janaina Sousa Battisti
Janaina Tanci dos Santos
Jane Rodrigues Pereira Andrade
Janete Barcelos
Jaqueline Pantoja do Nascimento
Jaqueline Vinhosa
Jenifer Costa
Jenifer Taila Borchardt
Jennifer Freitas
Jennifer Mayara de Paiva Goberski
Jenniffer Andrea Guerrero
Jéssica Burgos
Jéssica Cristina Panuto
Jessica Larissa
Jessica Torres Dias
João Lages Neto
Joao Paulo Pacheco
Jocelina Lickfedt
Joelma Dias de Souza
José Ailton de Souza Santos
Joselle Biosa Ferreira
Josenilson do Nascimento
Josiane Castro
Júlia Flávia Batista Sodré
Júlia Moreira Ramos de Souza
Juliana Andressa Morais da Silva
Juliana Angélika Cavalcanti Melo
Juliana de Jesus Silva Silva
Juliana Mayer
Juliana Nasi
Juliana Peres
Juliana Salmont Fossa
Juliana Silveira Leonardo de Souza
Julie Rosa Ferreira Matinha Santana
June Alves de Arruda
Jussara Freitas Nascimento
Kamile Nichele Serafim
Karina Correia de Lima
Karina Gomes Barbosa
Karina Natalino
Karine Barbosa Araújo
Karine Lopes
Karly Cazonato Fernandes
Karoline Rodrigues
Karollina Lopes de Siqueira Soares
Kathrine Tonial
Katia BoacninBeato
Katia Cristina Sinhorini Lima
Katielle Borba
Kecia Rayane Chaves Santos
Keila Nogueira Gomes
Keila Rodrigues
Keilany da Silva Sousa
Keite Aparecida Duarte
Kel Sampaio
Kely Cristina Magalhães Cordeiro
Ketilin Alves
Laianne Fonseca
Laís Felix Cirino dos Santos
Lais Fiuza Tesch Altoe
Lais Rangel
Lana Raquel Morais Rego lima
Lanah Rebeca Medeiros Silva
Lara de Sousa Cardoso Campelo
Lara Marinho
Larissa Alves de Pinho
Larissa Aparecida
Larissa Cunha
Laudercy A. S. Almeida
Laura Costa Porto
Laurenice Valentim Nunes Caprini
Leandro Rodrigues Brasil
Leandro Soares da Silva
Leiase Jella
Leila Maciel da Silva
Leila Maria Torres de Menezes Flesch
Leilaine Kendra Peres Araújo de Paiva
Leonardo Romano Martins Bastos
Letícia Antiquera Lopes
Letícia Bittes Reino
Letícia Bueno Cardoso
Letícia da Costa
Letícia I. Gonçalves
Letícia Oliveira Saraiva
Letícia Prata Juliano Dimatteu Telles
Letícia Quintela de Medeiros Oliveira
Leticia Silva
Li Matsuda
Lia Nojosa Sena
Liandra Schug
Lidiane Lima Melo
Lígia Francisca Andrade Araújo Pereira
Lígia Medeiros
Lígia Rocha
Lismery Canziani Sanchez
Lívia André de Souza Oliveira
Lívia Maria da Gama Carvalho Pamplona
Livia Rodrigues Garcia
Liz Ribeiro Diaz
Liz Torres Pedreira
Lorena Andreolli Schiavon
Lorena Buffolo
Louise Annunciação
Loyse Ferreira
Luana Andrade
Luana Campos Ferreira
Luana Lins
Luana Muzy
Luana Passos
Luana Santana
Luana Senhor
Luanna Nascimento Gomes de Figueiredo
Lucia Helena Cardoso
Luciana
Luciana Barreto de Almeida
Luciana Carla M. Mouta
Luciana Harada
Luciana José ribeiro
Luciana Sandes Damasceno
Luciana Vieira da Silva
Luciane Beatriz Dumann
Luciane C. Peixe Gonçalves
Lucimara Diniz Gomes de Almeida
Lucirlei Domene Andreotti
Ludmilla Bersácula
Luís Gustavo Laranjeiro Alves
Luísa Claudia Faria dos Santos
Luiz Fernando Cardoso
Luiz Guilherme Puga
Luíza Dias
Luiza Morais
Luiza Pimentel de Freitas
Luiza Rosiete Gondin Cavalcante
Luiza S. H.
Lya Naufal
Lygia Beatriz Zagordi Ambrosio
M. B. Menezes
Maice Molina
Manoela Lima Azevedo
Marcela Casagrande Meneghel
Marcela Santos Brigida
Marcele Queiroz
Marcelle Ribeiro Moreira
Marcia Antoniazi Michelin
Marcia Oliveira
Marcia Rizatto de Sousa
Marciana
Márcio Tiago Rocha
Marcos Melhado
Marcus Santini
Maria Aparecida Feital
Maria Cecilia Penteado
Maria Cristina Taveira dos Santos
Maria da Graça Muller
Maria de Fátima Santos Leal
Maria do Rosário Melo
Maria Eduarda Porto Réus
Maria Eduarda Ronzani Pereira Gütschow
Maria Elisa Nellis
Maria Fernanda Ribeiro da Silva Santana
Maria Helena Lima de Oliveira
Maria Jacimara de Moura Silva
Maria Julia Berriel Soares Ruiz
Maria Larissa
Maria Lígia Barbosa de Oliveira Carvalho
Maria Lucia Parcesepe
Maria Salete de Lima
Maria Stela Rodrigues de Souza
Mariana
Mariana Beatriz Nogueira M. de Sousa
Mariana Biason
Mariana Bricio
Mariana da Silva Sousa
Mariana do Canto Pereira
Mariana Gonçalves Santos
Mariana Hernandez Fioravante
Mariana Ióca
Mariane Godoy da Costa Leal Ferreira
Marielly Inácio do Nascimento
Marília Alves da Silva
Marília Poiani Teixeira
Marina Castro
Marina L. de Barros
Marina Magalhães da Silva
Maritsa Sá Freire Costa
Marlene Cardoso
Marlene Terezinha Ruza
Matheus Goulart
Maura Aparecida Cordeiro Ribeiro
Maya Gomes
Maya Maria Miranda Borges
Mayara Andrade
Mayara Nemet
Maynara Furlan Gonçalves
Merelayne Regina Fabiani
Méri Sartori
Michaela Stefany Cavalcanti
Michele Rodrigues
Michelle
Michelle Angelle Ribeiro
Michelle Chaiben Lascoski
Michelle de Andrade Passos
Michelle de Carvalho Mallmann
Mileide Teles Pereira
Milka Mantoku
Mira Mendes
Mirella Maria Pistilli
Miriam Paula dos Santos
Miriam Regina do Carmo Araujo
Mirna Auxiliadora
Mirna Lairte
Monica Lima
Monique Lameiras de Amorim
Mylena Cortez Lomônaco
Nádia Medeiros Pereira da Silva
Naiara Stefanello
Naide Maria Lopes Saraiva
Najara Nascimento dos Santos
Nara Oliveira
Natalia Correa Porto Fadel Barcellos
Natália Lopes Tavares dos Santos
Natália Stein
Natercia Pinto
Nathalia Borghi Tourino Marins
Nathália Cristina Ribeiro A. de Oliveira
Nathalia Premazzi
Nayanne Luna
Nayara Maciel Arêas
Neide Pelissoni Silva Pelissoni
Neuraci da Silva Neris
Neusa Matteo Fiberto
Nuza Batemarque
Odileyde Assis
O'hará Silva Nascimento
Olivia Mayumi Korehisa
Paloma Cezar
Paola Oliveira
Patricia Ana Tremarin
Patricia Costa
Patricia de Paula da Silva
Patrícia Kely dos Santos
Patrícia Kitamura Marini
Patricia Shimano
Patrícia Silva
Paula Lemos
Paula Marques dos S. Thompson Mello
Paulo Hudson
Paulo Lannes
Paulo Victor
Pedro Henrique Dias de Souza
Pedro Henrique Nunes Carvalho
Pedro Pacifico
Priscila Bortolotti
Priscila Cavalcante
Priscila Daniel do Nascimento
Priscila do Prado Soares
Priscila Menegon
Rafael Miritz Soares
Rafael Ronzani
Rafael Wüthrich
Rafaela da Silva Franco
Rafaela Lenhardt
Rafaella Kelly
Rafaelle Schütz Kronbauer Vieira
Raissa Pinto
Ramiro Michelon
Raonny Bryan Metzker
Raquel Andrade
Raquel Fernandes Mendes Baracuhy
Raquel Galvão Sartório
Raquel Quilião
Raquel Ribeiro da Silva
Raquel Silva do Rosario
Rayssa Albuquerque Cruz Abreu
Rayza Figueiredo
Rebeca Iervolino Fernandes Ferreroni
Rebecca Abreu Caldas Simões
Régia Daniele Freitas da Silva
Regiane Mota
Regina Andrade de Souza
Regina Kfuri
Regina Lima
Reginaldo Claudeonor Calegari
Renan Keller
Renata Alessandra Firmino Wanderley
Renata Alves de Paula
Renata Bertagnoni Miura
Renata de A. V. Capello
Renata Dias
Renata Guimarães de Araujo
Renata Prado Alves Silva
Renato Drummond Tapioca Neto
Ricardo Ataliba Couto de Resende
Ricardo Baesso
Rita de Cássia Dias Moreira de Almeida
Roberta Ouriques
Rodrigo Doerfner
Ronaldo Fernandes
Rute de Seixas Martins
Saara Erundina
Sabrina Inserra
Sabrina Lira Lima
Sâmara Moura
Sandra Fraga
Sandra Fraga Sampaio
Sandra Maria Ramos Galvão
Sandra Regina dos Santos
Sandra Regina Souza
Sanndy Victória Freitas Franklin Silva
Selma Valery Ruiz
Sheila Cristina Danucalov Barrancos
Sheila Massulo
Sheylla Adryanny
Shirley Peixe
Silvana Rosemeire Simonato dos Santos
Silvandir Silva
Silvia Cristiane de Paiva
Silvia Cristina de Castro
Silvia Helena Gonçalves Ribeiro
Silvia Maria dos Santos
Silvia Tanus
Simone Campos da Costa
Simone Ethur Cardoso
Sonia Aparecida Speglich
Sônia de Jesus Santos
Sônia Mara Bueno
Soriane Stefanes
Stefânia Sandrelli Duarte
Stephania de Azevedo
Suélen Mazzardo
Sueli Yoshiko Saito
Suellany Souza Bomfim
Suellen Melo
Susanna D'Amico Borin
T. B. Roseno
Tabita Seron
Taís Gregório
Taisa Regina Goi Fydryszeski
Tâmara Assunção
Tânia Carla da Rocha Lozano de Melo
Tania Mara Barbosa Santos
Tânia Maria Florencio
Tania Ramos
Tassia Medeiros
Tathi Souza
Tatiana Fabiana de Mendonça
Tatiana Miranda Souza
Tatiana Rocha de Souza
Tatiane Alves de Araújo
Tatiane de Maria Fernandes de Souza
Taylam Moura
Taynara Pereira de Freitas
Tayza Luz
Tereza Cristina Vargas Carneiro
Tereza Letícia
Tereza Reis
Thais Bueno Louzada
Thalita Oliveira
Thiago Massimino Suarez
Thiago Ribeiro Barbosa
Tiago Troian Trevisan
Tifani Souto Alves
Tífany Katiúscia Baesso Garcia Delgado
Tuísa Machado Sampaio
Ulisses da Silveira Job
Valdineia Conceição
Valéria Lima de Barros
Valeria Pereira Balthor
Valeria Pinto Fonseca
Valéria Quandt Rodrigues
Valquiria Gonçalves
Vandemeri Ines Flesch
vandrielly_paula@hotmail.com
Vanessa Falarz
Vanessa Martins de Moraes Abrantes Alves
Vanessa Queiroz
Vanessa Ramalho
Vanessa Raquel da Rosa
Vanessa Rodrigues Possel
Vanessa Vargas de Lima Costa
Vanusa Maria da Silva
Vera Carvalho
Vera Lúcia Trindade
Verônica Meira
Veronica Vizotto dos Santos
Vesta de Antares Faria Corradini
Victor Ramos Fernandes
Victoria Karolina dos Santos Sobreira
Virgínia de Oliveira Barbosa
Virginia Maggi
Virgínia Maria de Melo Magalhães
Virgínia Souza Montarde Flores
Vitória Martinez de Oliveira
Vitória Rugieri
Vivian Constantini Padilha
Vívian Landim
Vivian Osmari Uhlmann
Viviane Alves dos Santos
Viviane Carvalho
Viviane Tavares Nascimento
Viviane Ventura e Silva Juwer
Vivianne Franca
Walderlania Silva Santos
Walkiria Nascente Valle
Wanda Maria Mancino da Luz Caixeta
Washington Rodrigues Costa
Wilma Suely Ribeiro Reque
Yasmine Louro
Yvila Nayane
Notes
[←1]
. Professora do Departamento de Linguagem e Tecnologia do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais. Formada em Letras e Doutora em Linguística Aplicada, pela
Universidade Federal de Minas Gerais. É especialista em Jane Austen, pela Oxford University.
Traduziu livros da escritora Jane Austen para o português brasileiro. É editora da revista
LiterAusten, publicada pela Jane Austen Sociedade do Brasil. Atua na área de ensino de língua e
realiza pesquisa na área de literatura de autoria feminina de língua inglesa.
[←2]
. LE FAYE, D. Jane Austen: a family record. Cambridge: Cambridge University Press,
2004.
[←3]
. Em 1782, ela publicou Cecilia, obra escrita parcialmente em Chessington Hall e depois
de muita discussão com Crisp. Os editores, Thomas Payne e Thomas Cadell, pagaram a
Frances £ 250 por seu romance, imprimiram duas mil cópias da primeira edição e o
reimprimiram pelo menos duas vezes em um ano. (N.E.)
[←4]
. O Primeiro Diário de Frances Burney contém uma seleção de sua correspondência e
também dos diários das suas irmãs Susan e Charlotte Burney. Editado por Annie Raine
Elli. 1889. Vol. II. P. 307. (N.T.)
[←5]
. Espécie de universidade, desde o século XIV, comumente conhecida simplesmente
como Templo Médio. No século XVIII, espécie de internato (guildas de direito) de
bases da profissão jurídica inglesa, que com o tempo se tornaram as estalagens do
tribunal. A filiação era tradicionalmente limitada aos filhos da pequena nobreza ou de
classes sociais mais altas. (N.E.)
[←6]
. Passagem de Hamlet, W. Shakespeare. (N.T.)
[←7]
. Almack’s era o nome de vários estabelecimentos e clubes sociais em Londres entre os
séculos XVIII e XX, exclusivo e comandado por mulheres. O estabelecimento mais
famoso do Almack ficava em salas de reunião na King Street, St James’s, reduto da
aristocracia, frequentado por um público misto de classe alta, na agitada temporada
social, que coincidia com a sessão do parlamento. Começava algum tempo depois do
Natal e durava até o meio do verão, mais ou menos no final de junho. (N.E.)
[←8]
. O clube social lodrino Brooks’s, junto com o Boodles’s, fazia parte do Almack’s. (N.E.)
[←9]
. Do francês le bon ton, significa etiqueta, boas maneiras, apelido da alta sociedade
inglesa durante a era georgiana. (N.T.)
[←10]
. Carruagem vis-a-vis, do francês face-a-face, é a denominação de um tipo de
disposição dos assentos de um veículo, no qual os ocupantes se sentam uns de frente
para os outros. (N.E.)
[←11]
. Macaronis eram jovens da elite inglesa do final do séc. XVIII, que, após um “tour”
pela Europa, voltavam vestindo roupas excêntricas. Eram vistos pela aristocracia
inglesa como um símbolo de excesso, modos afeminados e até de homossexualidade.
(N.T.)
[←12]
. Lion é uma referência ao teatro mais antigo de Londres, construído em meados do séc.
XVI, conhecido como Red Lion. (N.T.)
[←13]
. Domino é o nome dado à túnica com capuz e mangas, para disfarce de mascarados.
Circassianos formam um grupo étnico originário da região norte do Cáucaso,
historicamente designada como Circássia. (N.T.)
[←14]
. Hotspur era o apelido de Sir Henry Percy, um nobre inglês que lutou contra a Escócia
no séc. XIV. Ele ganhou o apelido dos escoceses como um tributo à sua rapidez e ao
fato de ficar vermelho durante os ataques, parecendo um galo de briga. (N.T.)
[←15]
. Shylock é um personagem fictício da peça O Mercador de Veneza, de William
Shakespeare. Mentor é personagem da Odisseia, um dos principais poemas épicos da
Grécia Antiga, atribuído a Homero. (N.T.)
[←16]
. Cérbero, do grego “demônio do poço”, na mitologia grega era um monstruoso cão de
três cabeças que guardava a entrada do mundo inferior, o reino subterrâneo dos
mortos. (N.T.)
[←17]
. Livre tradução do francês: “Senhor, tenho a honra de representar Cícero, o grande
Cícero, pai de sua pátria! Mas, embora eu tenha essa honra, não sou pedante! Meu Deus,
Senhor, só falo francês em boa companhia!” (N.T.)
[←18]
. Fop’s alley, ou viela do janota, em português, era uma passagem elegante no centro do
fosso de um teatro ou ópera no séc. XVIII. (N.T.)
[←19]
. Livro I, cap. 2. (N.E.)
[←20]
. Trecho de Elfrida, poema lírico de William Mason. (N.T.)
[←21]
. The Lady Grace Mysteries é uma série de histórias de detetive sobre as escapadas de
lady Grace Cavendish, uma dama de honra de Elizabeth I. (N.T.)
[←22]
. Liliputiano: origem na ilha imaginária de Lilipute, em As Viagens de Gulliver. Significa
pequeno, medíocre. (N.T.)
[←23]
. Cotillion ou cotilão é uma dança social originada na França do séc. XVIII, introduzida
em Londres em 1766 por mestres de dança franceses, semelhante às quadrilhas de hoje.
(N.T.)
[←24]
. Texto atribuído ao poeta Christopher Smart. (N.T.)
[←25]
. Livre tradução do francês: abatido. (N.E.)
[←26]
. Livre tradução do francês: sobrecarregado. (N.E.)
[←27]
. Livre tradução do francês: desgostoso. (N.E.)
[←28]
. Livre tradução do francês: horror e interminável. (N.E.)
[←29]
. Livre tradução do francês: por toda a parte. (N.E.)
[←30]
. Livre tradução da expressão francesa que pode significar: “estar à beira do abismo,
precipício etc.” (N.E.)
[←31]
. Livre tradução do francês: atordoado. (N.E.)
[←32]
. Livre tradução do francês: sobrecarregado. (N.E.)
[←33]
. Livre tradução do francês: em desespero. (N.E.)
[←34]
. Livre tradução do francês: obcecado. (N.E.)
[←35]
. Vauxhall Gardens foi um jardim de lazer, um dos principais locais para
entretenimento público em Londres, Inglaterra, a partir de meados do século XVII até
meados do século XIX. (N.E.)
[←36]
. Livre tradução do francês, que pode significar: sobrecarregado, suportar algo doloroso
etc. Já obsedé significa: obcecado. (N.E.)
[←37]
. Livre tradução do francês: Chega de gente e por toda parte. (N.E.)
[←38]
. Livre tradução do francês: infortúnio. (N.E.)
[←39]
. O Décimo Segundo Dia de Natal, também conhecido como Epifania do Senhor e Dia
de Reis, refere-se ao dia em que os Três Reis Magos chegaram trazendo presentes ao
menino Jesus. (N.T.)
[←40]
. Neste caso, embora fale em jantar, provavelmente era o horário do almoço no Brasil.
Tradicionalmente, as refeições na Inglaterra de 1700 eram denominadas de desjejum
entre as 7 e a hora do nosso almoço. O jantar (refeição principal) era servido entre
meio-dia e 13h30, e chá a qualquer hora entre 17h30 e 18h30. A refeição da noite,
muitas vezes pomposa e com vários pratos, dependendo da classe social, era uma ceia.
(N.E.)
[←41]
. Romeu e Julieta. (N.T.)
[←42]
. Pap boat é um pequeno recipiente para alimentar bebês ou inválidos. Recebe este
nome porque tem o formato de um navio. (N.T.)
[←43]
. Palavra francesa que pode significar: ânsia, ato de correr para alguém ou rapidez
inspirada pelo zelo. (N.E.)
[←44]
. Livre tradução do francês: obcecado por toda parte. (N.E.)
[←45]
. Livre tradução do francês: aniquilado. (N.E.)
[←46]
. Livre tradução do francês: com nojo. (N.E.)
[←47]
. Livre tradução do francês: perfeitamente e opressor. (N.E.)
[←48]
. Livre tradução do francês: entediado. (N.E.)
[←49]
. Livre tradução do francês: absolutamente. (N.E.)
[←50]
. Livre tradução do francês: dor e remorso. (N.E.)
[←51]
. Primeira força policial profissional de Londres. A força foi fundada em 1749 pelo
escritor Henry Fielding, com, de início, somente seis homens. Os oficiais foram
apelidados pela população por Bow Street runners. O grupo acabou somente em 1839.
(N.E.)
[←52]
. Vida dos Poetas Ingleses, Life of Cowley (Dr. Johnson), 1765. (N.T.)
[←53]
. Expressão inglesa que significa “jovem afetado”. (N.E.)
[←54]
. Expressão francesa para uma demonstração alegre de sagacidade e inteligência,
especialmente em uma obra de literatura. (N.E.)
[←55]
. Rua próxima ao empobrecido distrito de Moorfields, em Londres, famosa por sua
concentração de escritores empobrecidos, aspirantes a poetas e editores, e livreiros de
baixa renda, que existia às margens da cena jornalística e literária de Londres. O nome
da rua não existe mais, mas Grub Street se tornou um termo pejorativo para redatores
empobrecidos e escritos de baixo valor literário. (N.E.)
[←56]
. Grande Mogul era um diamante de grandes proporções, lapidado em homenagem a
um imperador mongol. (N.T.)
[←57]
. A Lei dos Pobres prestava assistência social aos indivíduos que pudessem provar que
não possuíam condições de sustento e nem parentes ou amigos a quem pudessem
recorrer. O valor não vinha diretamente do Estado, mas da “taxa dos pobres”, paga pelos
contribuintes cujas posses ultrapassassem um valor determinado. (N.T.)
[←58]
. Oostende (Ostende) fica na Bélgica, na província da Flandres Ocidental. Faz fronteira
com a França, Países Baixos e outros. (N.E.)
[←59]
. Belvidera é personagem da peça Venice Preserv’d, de Thomas Otway. (N.T.)
[←60]
. Bethlem, em Londres, é considerado o mais antigo hospital psiquiátrico ainda em
funcionamento do mundo, estando em atividade desde 1247. (N.E.)
[←61]
. Doutora em Literaturas de língua inglesa (UERJ), criadora do projeto Literatura
Inglesa Brasil (https://literaturainglesa.com.br) e membro da Burney Society.
[←62]
. A abreviação EJL refere-se a The Early Journals and Letters of Fanny Burney.
[←63]
. O argumento de Doody é reforçado por Jane Spencer: “Cecilia é muito menos livre do
que parece à primeira vista. Sua escolha de residência acaba sendo uma escolha entre a
extravagância ruinosa praticada pelos Harrel, a mesquinharia sórdida do Sr. Briggs e o
orgulho frio do Sr. Delvile. Harrel trabalha com tanto sucesso com sua inexperiência e
benevolência que a rouba da fortuna de seu pai, deixando-a apenas com a renda de seu
tio que está vinculada à cláusula do nome. À medida que o tema clássico se encontra
com o enredo romântico, a escolha de vida da heroína se transforma em escolha de
marido. Quando ela se apaixona por Mortimer Delvile, sua vontade consciente é
superada pela involuntária ‘escolha de seu coração’”. (SPENCER, 2007, p. 31). Assim,
percebemos que mesmo a noção de um arco romântico funciona para aprisionar
Cecilia. E neste sentido Frances Burney foi alinhada a Mary Wollstonecraft.
[←64]
. Christopher Smart, amigo de Dr. Burney, foi internado em um manicômio.
[←65]
. Burney para Crisp, 15 Mar. 1782, Diary and Letters, ii. 145-6.
[←66]
. Vivien Jones aponta que “Apesar de sua notória modéstia feminina, Burney usou
ousadamente a publicação anônima de Evelina para identificar-se no início de sua
carreira com uma tradição masculina do romance em vez de uma tradição feminina,
com Fielding, Richardson e Smollett em vez de Lennox, Griffith e Brooke: em outras
palavras, com os escritores amplamente aceitos como padrão para a ficção
contemporânea. (JONES, 2007, p. 111-112). Para acompanhar o debate em torno das
afiliações protofeministas de Burney, leia CLARK, Lorna. The afterlife and further
reading. In: SABOR, Peter. (Ed.) The Cambridge Companion to Frances Burney.
Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 163-180.
[←67]
. Review of Evelina, Critical Review 46 (1778), 202.
[←68]
. “Se ela consegue cunhar ouro a uma taxa como esta, ao ponto de se sentar perto de
uma lareira quente, e em 3 ou 4 meses (já que o tempo real que ela passou de fato com
o texto, montando tudo, não será mais do que isso, embora tenha havido longos
intervalos neste meio tempo) ganhar £ 250 por rabiscar as invenções de seu próprio
cérebro – apenas colocando em preto e branco tudo o que vem em sua própria cabeça,
sem esforço, extraindo isoladamente de sua própria fonte, dinheiro não vai faltar a ela.”
(CRISP apud HUTTON, 1905, p. 74)
[←69]
. Kate Chisholm observa que dois bebês haviam recebido o nome do pai
anteriormente, mas morreram cedo. (CHISHOLM, 2007, p. 9).
[←70]
. Charles se casaria novamente em 1767, desta vez com Elizabeth Allen, uma viúva
abastada de King’s Lynn. Ela já tinha três filhos e o casal teria mais dois filhos juntos,
Richard e Sarah Harriet (nascida em 1772, quase vinte anos após Frances). Embora Dr.
Burney tenha tido a sensibilidade de adiar a fusão de seus arranjos domésticos com os
de Elizabeth, quando esta união de fato aconteceu, os atritos entre Elizabeth e as filhas
de Esther foram frequentes.
[←71]
. A própria mãe de Frances, Esther, era filha de um refugiado francês e foi criada na
religião católica. As conexões continentais de Frances Burney e as implicações políticas
destas em um período histórico de relações explosivas entre Inglaterra e França já
renderam debates interessantes na crítica especializada.
[←72]
. A abreviação DL refere-se a Diary and Letters of Madame d’Arblay (1778–1840).
[←73]
. Embora o sucesso de vendas fosse uma excelente notícia para os editores, Burney
pouco lucrava com isso.
[←74]
. Burney faz uso do termo “pin money”. O emprego da expressão é interessante. De
acordo com o dicionário Merriam Webster, historicamente “pin money” era “dinheiro
dado por um homem a uma mulher de sua família (como sua esposa ou filha) para seu
próprio uso”, uma espécie de mesada para ser gasta com itens triviais, como alfinetes
(pins). Se o uso de “pin money” em um contexto em que Burney estava recebendo pelo
seu trabalho parece curioso, podemos ler a expressão como uma reiteração da crítica da
romancista à ética de trabalho de seus editores e, talvez, como uma denúncia da
posição precária da mulher nesta estrutura.
[←75]
. A abreviação JL refere-se a The Journals and Letters of Fanny Burney (Madame
d’Arblay), 1791–1840.
[←76]
. Thomas Babington Macaulay, Review of Diary and Letters of Madame d’Arblay, ed. by
her Niece [Charlotte Barrett], Edinburgh Review 76 (1843), 523–70, 537.
[←77]
. Como Lorna Clark observa, a peça que teve uma apresentação, Edwy and Elgiva, foi
impressa pela primeira vez em 1957. Burney compôs quatro comédias e quatro
tragédias, que “existiram apenas em manuscrito por duzentos anos”. (CLARK, 2007, p.
177)
[←78]
. Frances Burney foi casada com o General Alexandre Jean-Batiste Piochard d’Arblay e
teve um filho chamado Alexander Charles Louis Piochard d’Arblay = Alexanders. (N.T)
[←79]
. Catherine Michelle de Maisonneuve foi uma feminista francesa e diretora de uma
revista feminina. (N.T.)
[←80]
. Accoucheur: do francês, médico obstetra, parteiro. (N.T.)
[←81]
. Livre tradução do francês: E o que é, então? (N.E.)
[←82]
. Livre tradução do francês: A senhora é tão respeitada, madame – disse ele – aqui, que
até o público ficará descontente se não tiver toda a ajuda que temos para lhe oferecer.
(N.E.)
[←83]
. Livre tradução do francês: primeiro cirurgião da Guarda Imperial. (N.E.)
[←84]
. Livre tradução do francês: Você deve esperar sofrer, não quero enganá-la. Você vai
sofrer, vai sofrer muito! (N.E.)
[←85]
. Livre tradução do francês: Ah! Se sua amiga Angelique estivesse aqui! (N.E.)
[←86]
. Livre tradução do francês: Chefe de Divisão de Escritório. (N.E.)
[←87]
. Livre tradução do francês: Deixe-os ficar! (N.E.)
[←88]
. Livre tradução do francês: Sim, é uma coisa pequena. (N.E.)
[←89]
. Livre tradução do francês: Quem vai segurar este peito para mim? (N.E.)
[←90]
. Livre tradução do francês: Quem vai segurar este peito para mim? (N.E.)
[←91]
. Livre tradução do francês: sou eu, senhor. (N.E.)
[←92]
. Livre tradução do francês: Ah, senhores! Como tenho pena de vocês! (N.E.)
[←93]
. Livre tradução do francês: Avisem-me, senhores! Me avisem! (N.E.)

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