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FICHA CATALOGRÁFICA
INTRODUÇÃO
PREFÁCIO ORIGINAL
LIVRO I
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
LIVRO II
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
LIVRO III
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
LIVRO IV
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
LIVRO V
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
LIVRO VI
CAPÍTULO 52
CAPÍTULO 53
CAPÍTULO 54
CAPÍTULO 55
CAPÍTULO 56
CAPÍTULO 57
CAPÍTULO 58
CAPÍTULO 59
CAPÍTULO 60
CAPÍTULO 61
CAPÍTULO 62
LIVRO VII
CAPÍTULO 63
CAPÍTULO 64
CAPÍTULO 65
CAPÍTULO 66
CAPÍTULO 67
CAPÍTULO 68
CAPÍTULO 69
CAPÍTULO 70
CAPÍTULO 71
LIVRO VIII
CAPÍTULO 72
CAPÍTULO 73
CAPÍTULO 74
CAPÍTULO 75
CAPÍTULO 76
CAPÍTULO 77
CAPÍTULO 78
CAPÍTULO 79
CAPÍTULO 80
CAPÍTULO 81
LIVRO IX
CAPÍTULO 82
CAPÍTULO 83
CAPÍTULO 84
CAPÍTULO 85
CAPÍTULO 86
CAPÍTULO 87
CAPÍTULO 88
CAPÍTULO 89
CAPÍTULO 90
CAPÍTULO 91
CAPÍTULO 92
LIVRO X
CAPÍTULO 93
CAPÍTULO 94
CAPÍTULO 95
CAPÍTULO 96
CAPÍTULO 97
CAPÍTULO 98
CAPÍTULO 99
CAPÍTULO 100
CAPÍTULO 101
CAPÍTULO 102
POSFÁCIO
REFERÊNCIAS DO POSFÁCIO:
ANEXO
RELATO DE UMA TERRÍVEL CIRURGIA EM PARIS – 1812
APOIADORES DO PROJETO CECILIA
INTRODUÇÃO
MENTES BRILHANTES
Adriana dos Santos Sales1
Frances Burney também era conhecida como Fanny Burney e, após seu
casamento com o general francês exilado, Alexandre d’Arblay, passou a se
chamar Madame d’Arblay. Frances escreveu proficuamente romances, peças
de teatro, diários e cartas durante toda a sua vida, em um tempo em que as
mulheres mal eram consideradas como vozes relevantes na sociedade. Ela
escreveu cinco romances: A história de Caroline Evelyn (1767), manuscrito
destruído pela própria autora; Evelina – A história da entrada de uma jovem
senhora no mundo (1778), publicado de forma anônima, ou seja, seu nome de
autora não foi divulgado na primeira edição publicada; Cecilia – A história
de uma herdeira (1782); Camilla – Uma imagem da juventude (1796); e A
Andarilha – Dificuldades femininas (1814). Além dos romances, Frances
escreveu oito peças, uma biografia e vinte volumes de diários e cartas.
Frances Burney nasceu em 13 de junho de 1752, em Lynn Regis (agora
King’s Lynn). Aos oito anos, ainda não sabia ler, mas foi nessa época que ela
deu início à sua autoeducação e passou, então, a explorar a biblioteca da
família. Aos nove anos, já esboçava seus primeiros “rabiscos” com a escrita
de cartas; aos 10, já tinha a escrita como um hábito irresistível. Na intimidade
familiar, ela desfiava memórias, cartas e diários. Todavia, aos 15 anos, já órfã
de sua mãe, Frances ateou fogo em seus escritos quando seu pai, Charles
Burney, casou-se novamente. Note-se que, nessa época, a escrita de romances
por mulheres era desaprovada por sua família e amigos, de modo particular, e
pela sociedade, de modo geral. A voz feminina, diga-se, a escrita, era
cerceada de todas as formas possíveis no período georgiano (1714–1837),
isto é, o papel da mulher na sociedade era meramente subalterno e de pouca
expressão nesse círculo. Mesmo nesse contexto desfavorável, Frances Burney
tornou-se uma das escritoras britânicas mais bem-sucedidas do século XVIII
e início do século XIX. Seus escritos ainda circulam com relativo sucesso há
mais de três séculos depois de seu nascimento. Alguns estudiosos acreditam
que o trabalho de Frances Burney tenha inspirado autoras como Jane Austen
e Maria Edgeworth e até mesmo o escritor William Makepeace Thackeray,
entre muitos outros.
Notadamente, os membros da família Burney eram bastante criativos
quanto à escrita. Seu pai, Charles Burney, era músico, compositor e
historiador musical; tinha a escrita como profissão. Sua mãe, Esther, católica
de origem francesa, que faleceu quando Frances completava os 10 anos,
também escrevia cartas e memórias.
Quando a família Burney mudou-se para Londres, em 1760, ela teve a
oportunidade de conviver em um círculo social e cultural mais vibrante e
rico. Todavia, em Londres, o novo casamento de seu pai tornou-se uma fonte
de tensão na família. As irmãs mais velhas foram enviadas a Paris para
estudar. Frances, no entanto, permaneceu em Londres na companhia
silenciosa dos livros da biblioteca da família. Nos seus relatos diários, ela
conta que um amigo da família, Samuel Crisp, foi o seu maior incentivador
como escritora. Ele pedia a ela para ler seus relatos sobre a vida familiar e
sobre o cotidiano londrino. Ela manteve o hábito de escrever diários por toda
a vida, até falecer aos 87 anos de idade.
Aos 23 anos de idade, Frances recebeu uma proposta de casamento de
Thomas Barlow. A proposta foi inusitada, pois eles haviam se encontrado
apenas uma vez até então. Depois de enviar a ela duas cartas, às quais
Frances não havia respondido, o persistente Barlow a visitou para obter uma
resposta. Segundo consta, ela mentiu a ele, dizendo que havia enviado uma
carta de resposta ao pedido de casamento. Nessa visita, ela recusou a oferta
de Barlow pessoalmente. Depois disso, ela, finalmente, escreveu a carta que
alegava já ter enviado a ele. Embora seu pai tenha tentado persuadi-la a não
ser muito precipitada em sua recusa – provavelmente pensando no papel
social que o casamento representava naquela época –, Frances permaneceu
fiel a seu coração e, em uma carta curta, recusou a proposta de casamento.
Essa carta de recusa foi posteriormente registrada em seu diário, em 20 de
maio de 1775: “Estou muito agradecida a você, senhor, pela excelente
opinião que tem de mim [...], mas eu não gostaria que o senhor perdesse mais
tempo por minha causa, já que não tenho a menor intenção de mudar minha
situação” (trad. livre).
Depois do sucesso de seu segundo romance, Cecilia, Frances recebeu,
diretamente da Rainha Charlotte e do Rei George III, o título de “Guardiã dos
Robes”. A princípio, Frances hesitou em aceitar tal posição na corte, pois não
queria se separar de sua família, e muito menos assumir responsabilidades
que lhe restringissem o tempo dedicado à escrita. Todavia, aos 34 anos,
solteira, ela sentiu-se impelida a aceitar o convite, uma vez que a nova
condição social e a renda proveniente dela poderiam permitir-lhe mais
liberdade para escrever.
Os anos na corte, por mais frutíferos que possam ter parecido, afetaram
sua saúde, sua escrita e seus relacionamentos. Em 1790, ela persuadiu seu pai
a solicitar sua dispensa do serviço. Nessa época, a Revolução Francesa, com
seus ideais de liberdade, igualdade e justiça social, contava com o apoio de
muitos ingleses alfabetizados. Foi nesse contexto que Frances se juntou ao
General Alexandre d’Arblay, um oficial de artilharia que havia se exilado na
Inglaterra. Em 1793, casou-se com o general d’Arblay, que serviu como
ajudante-geral do Marquês de Lafayette. O pai dela não aprovava aquela
união, em função da religião católica, da pobreza e da situação de d’Arblay
como imigrante exilado, uma vez que França e Inglaterra tinham sido
inimigas históricas em inúmeras batalhas. Durante esse tempo, Frances
produziu uma carta panfletária sobre esse contexto: Breves reflexões em
relação ao emigrante francês do clero, na qual defendia o apoio financeiro da
coroa inglesa à Revolução Francesa em curso. A chegada de seu único filho,
Alexander, ocorreu em 18 de dezembro de 1794.
O terceiro romance de Frances, Camilla (1796), rendeu-lhe 2.000 libras e
foi o suficiente para que o casal construísse uma casa em Westhumble e
dessem a ela o nome de Camilla Cottage. Em 1801, d’Arblay foi chamado
para servir ao governo de Napoleão, na França, e, em 1802, Frances e seu
filho também o acompanharam a Paris, onde esperavam permanecer por um
ano. Contudo, com a eclosão da guerra entre a França e a Inglaterra, foram
obrigados a permanecer por lá por dez anos.
Em agosto de 1810, Frances foi acometida por um tumor no seio e, em
1812, foi submetida a uma mastectomia. Posteriormente, Frances pôde
escrever sobre essa cirurgia com detalhes. Nesse relato, ela disse que estava
consciente durante a maior parte do procedimento, o que denota que os
anestésicos aplicados não tiveram o efeito esperado. Com a morte do seu
marido, em 1818, por conta de um câncer, Frances retornou para Londres. Lá,
seu filho morre tragicamente de febre, em 1837. Em seus últimos anos de
vida, já aposentada, Frances ainda recebia muitas visitas de membros mais
jovens da família Burney, que se reuniam para ouvir seus fascinantes relatos
e suas imitações das pessoas que ela descrevia.
Anos mais tarde, em Um quarto só seu, Virginia Woolf levanta a hipótese
sobre a influência de Burney em Jane Austen, ao escrever: “Jane Austen
deveria ter colocado uma coroa de flores sobre o túmulo de Fanny Burney”
(trad. livre). Sobre essa possível influência, embora alguns dos romances de
Burney sejam mais dramáticos em sua natureza, ela também usou comédia e
sátira em seus livros como Austen o fez. As duas escritoras concentraram
seus romances em heroínas que transitavam pelos costumes da sociedade
daquele tempo.
Os romances de Burney foram muito populares na sua época e
posteriormente, mesmo tendo recebido críticas severas até o século XX.
Atualmente, é bastante estudada e elogiada por seus insights e relatos dos fait
divers entre os séculos XVIII e XIX. Ao que parece, a crítica literária,
dominada por homens, não aceitava muito bem o fato de ela ter o
reconhecimento de seu talento atestado pelo público.
Frances Burney morreu em 6 de janeiro de 1840 e foi enterrada junto ao
filho e ao marido, no cemitério da igreja de St. Swithin, em Bath, na
Inglaterra. Uma placa foi erguida mais tarde no local bem perto do túmulo do
pai de Jane Austen, George Austen. Nessa placa, lê-se: “[...] romancista,
dramaturga e cronista Frances (Fanny) Burney (1752-1840) e de seu filho,
Alexander d’Arblay (1794-1837). Frances Burney, que escreveu o romance
Evelina (1778), Cecilia (1783), Camilla (1796) e A Andarilha (1814), cujo
trabalho influenciou Jane Austen, visitou Bath em 1767, 1780 e 1791[...]”.
Muitos estudiosos observam que seu primeiro romance, Evelina (1778),
serviu de modelo para outras escritoras de sua época e posteriormente. Uma
curiosidade é que essa obra foi inicialmente rejeitada pela editora de Robert
Dodsley, antes de, finalmente, ser aceita por Thomas Lowndes. O romance
foi extremamente bem-sucedido e recebeu elogios da crítica de pessoas
ilustres da época, como Edmund Burke e Samuel Johnson (Dr. Johnson).
Com a publicação de Evelina, Burney conquistou a atenção da autora e
patrona Hester Thrale (1741-1821), que era bastante influente no contexto da
arte inglesa. Hester era amiga íntima do escritor Dr. Johnson, também
admirado por Jane Austen. Um dos relatos de Burney dá conta de que Hester
a convidou ainda jovem para visitar sua casa em Streatham. Burney tornou-se
muito popular entre as figuras importantes que frequentavam a casa de Hester
Thrale, até mesmo correspondeu-se com Dr. Johnson por volta de 1783. O
romance Cecilia (1782) recebeu muitos elogios da crítica e do público, por
exibir um tom mais maduro do que Evelina (1778).
O romance Cecilia
Frances Burney começou a escrever e ser publicada bem antes que Jane
Austen começasse a escrever para entreter seus familiares. Ambas criaram
personagens femininas e masculinas marcantes. Burney intitulou seus
romances com os nomes de suas personagens principais: Evelina, Cecilia e
Camilla. Inicialmente, Austen também havia dado aos seus romances os
mesmos nomes das suas protagonistas: Elinor e Marianne (primeiro título
para Razão e Sensibilidade); Susan (título inicial para Abadia de
Northanger); Catharine (um texto inacabado da juvenília). Apenas Emma
recebeu o título com o mesmo nome da protagonista.
Austen viveu uma vida relativamente pacata como filha de um clérigo, o
reverendo George Austen. Burney, por sua vez, frequentou os círculos
artísticos da “alta sociedade” inglesa e teve a oportunidade de morar na
França por dez anos, ocasião em que se casou com um general do exército
francês. Austen não teve a mesma sorte de viajar para fora do país e conhecer
outras culturas. Ao contrário de Burney, passou despercebida por boa parte
do público leitor durante quase toda a sua vida.
Não há evidências de que as autoras se conheceram pessoalmente. Sabe-
se, porém, que Austen tinha acesso às publicações de Burney, pois era
assinante da biblioteca circulante inglesa. O reverendo George Austen era
também professor particular de rapazes e preparava-os para o ingresso nas
universidades do país. Em virtude disso, a jovem Jane Austen tinha acesso a
uma rica biblioteca, além de ser assinante da histórica biblioteca circulante
inglesa. Seu nome, entre outros 1.058 membros assinantes da biblioteca,
consta na lista do romance Camilla (1796), de Frances Burney. O pagamento
da assinatura dessa biblioteca foi feito por seu pai para que ela tivesse acesso
a diversas publicações na época. A família de Austen relata que o Sr. Austen
fez essa assinatura após Jane demonstrar grande interesse pelas duas
primeiras obras publicadas por Frances Burney.
Ao ler o manuscrito de Jane Primeiras Impressões (Orgulho e
Preconceito, 1811), o reverendo Austen percebe semelhanças de temas e até
de extensão com a primeira obra de Burney, Evelina (1778), e, ao abordar o
editor Thomas Cadell em favor de sua filha, ele escreveu: “tenho em minhas
mãos um manuscrito em três volumes, de tamanho semelhante ao Evelina, de
Miss Burney” (tradução livre2). Austen acabou descartando o título do
manuscrito Primeiras Impressões após a publicação do livro homônimo de
Margaret Holford, em 1801.
EDM. BURKE
WHITEHALL, 19 de julho de 1782.
Meus cumprimentos e parabéns ao
Dr. Burney pela grande honra
conquistada à sua família.
UMA JORNADA
— Paz aos espíritos dos meus honoráveis pais, que sejam respeitados os
seus restos mortais e imortalizadas as suas virtudes! Que o tempo, enquanto
transforma em pó suas frágeis relíquias, confie à tradição o testemunho da
sua bondade. Oh! Que sua descendência, agora órfã, seja influenciada ao
longo da vida pela recordação da sua pureza, e que ela seja consolada na
morte, que por ela foi imaculada!
Foi com esta oração reservada que a única sobrevivente da família
Beverley deixou a residência da sua juventude e dos seus antepassados,
enquanto lágrimas repletas de recordações e tristeza chegavam aos seus olhos
e obstruíam a última visão da sua cidade natal.
Cecilia, esta bela viajante, acabara de entrar no vigésimo primeiro ano da
sua vida. Seus antepassados haviam sido ricos fazendeiros no condado de
Suffolk, embora seu pai, a quem um espírito de elegância havia suplantado a
rapacidade da riqueza, tivesse dedicado seu tempo portando-se como um
cavalheiro rural reservado e satisfeito, sem preocupar-se com o aumento de
provisões e vivido da herança do trabalho de seus predecessores. Ela o
perdera na juventude, e sua mãe não sobrevivera muito tempo depois disso.
Seu legado era de dez mil libras, confiadas ao reitor de _____, seu tio. Com
este cavalheiro, em cujas mãos, como consequência de várias contingências,
estavam centralizados os bens acumulados de uma família próspera e em
ascensão, ela havia passado os últimos quatro anos de sua vida, e poucas
semanas haviam transcorrido desde a morte do reitor, o que a privara da sua
última relação e a tornara herdeira de um patrimônio de três mil libras anuais,
sem outra restrição senão a de anexar o seu nome, por ocasião do casamento,
para ter direito à sua mão e suas riquezas.
Porém, embora amplamente dependente da sua fortuna, ela tinha
obrigações ainda maiores com a natureza: possuía forma elegante e coração
generoso, seu semblante revelava a inteligência da sua mente, sua compleição
variava com cada emoção da sua alma, e seus olhos, arautos dos seus
discursos, algumas vezes irradiavam compreensão, e outras, sensibilidade.
Durante o breve período da sua menoridade, tanto a administração de sua
fortuna quanto os cuidados com a sua pessoa haviam sido confiados pelo
reitor a três tutores, entre os quais a sua própria escolha estabeleceria sua
residência. Sua mente, entristecida pela perda de amigos tão próximos,
ansiava por recuperar a serenidade na quietude da zona rural e no seio de uma
conselheira materna e já idosa, a quem ela amava como sua mãe, e quem
conhecia desde a infância.
A residência do decano, na verdade, ela se viu obrigada a renunciar: houve
um longo período de lamentação e expectativa para transmitir a alguma outra
pessoa toda a ansiedade e incertezas que ele mesmo havia sofrido, embora,
provavelmente, sem demonstrar impaciência para encurtar sua duração em
favor do novo sucessor. No entanto, a residência de Mrs. Charlton, sua
carinhosa amiga, estava aberta para recebê-la, e a ternura reconfortante da sua
conversa demovia todo o seu desejo de modificá-la. Ali ela viveu desde o
enterro do seu tio, e graças à afetuosa gratidão do seu caráter, é aqui que ela
talvez tivesse se contentado em viver, caso seus guardiões não tivessem
interferido para removê-la. Ainda que de forma relutante, ela obedeceu.
Abandonou seus primeiros companheiros, a amiga que mais venerava e o
local que continha as relíquias de tudo o que havia vivido para lamentar-se;
acompanhada por um dos guardiões e assistida por dois criados, ela iniciou
sua jornada de Bury a Londres.
Mr. Harrel, um cavalheiro, embora na flor da idade, alegre, elegante e
esplêndido, havia sido designado por seu tio para ser um dos seus guardiões,
escolha que tinha como objetivo peculiar a satisfação da sobrinha, cuja
melhor amiga havia se casado com Mr. Harrel, e em sua casa, portanto, ele
sabia que ela desejaria viver.
Qualquer coisa que sua bondade pudesse ditar ou sua cortesia pudesse
sugerir para dissipar sua melancolia, Mr. Harrel falhou por não insistir; mas
Cecilia, cuja personalidade e doçura eram temperadas com dignidade, e sua
gentileza com fortaleza, não permitiu que seus esforços amáveis parecessem
ineficazes: ela enviou um beijo ao último vislumbre de uma colina familiar da
sua cidade natal e fez um esforço para esquecer a tristeza que sentia por
perdê-la de vista. Ela recuperou o ânimo com planos de felicidade futura,
concentrou-se no prazer que sentiria ao encontrar sua jovem amiga e, com
este consolo, recompensou amplamente a aflição dele. Sua serenidade, no
entanto, ainda teria de enfrentar mais uma provação, embora mais leve, pois
um outro amigo ainda deveria ser encontrado e outra despedida a aguardava.
A uma distância de sete milhas de Bury residia Mr. Monckton, o homem
mais rico e poderoso dos arredores, em cuja casa Cecilia e seu guardião
foram convidados para o café da manhã durante sua jornada. Mr. Monckton,
que era o filho mais novo de uma nobre família, era um homem que possuía
talento, conhecimento e perspicácia; ao seu grande poder mental natural ele
acrescentava um profundo conhecimento de mundo, e à sua habilidosa
aptidão para investigar o caráter das outras pessoas, a mais profunda
dissimulação para ocultar o seu próprio. No frescor da sua juventude,
impaciente por riqueza e ambicioso pelo poder, ele se uniu a uma rica viúva,
cuja idade, embora tivesse 67 anos, era apenas a menor das suas
características malignas, pois sua personalidade era muito mais repulsiva do
que suas rugas. Uma desigualdade de idades tão considerável o levara a
esperar que a fortuna assim adquirida seria rapidamente liberada do fardo que
a acompanhava, mas suas expectativas resultaram tão vãs quanto
mercenárias, e sua senhora não era mais vítima dos seus protestos do que ele
mesmo dos seus propósitos. Depois de dez anos de casado, a saúde dela ainda
era boa e suas faculdades intactas. Ele esperava ansiosamente pela sua
dissolução, mas tal ansiedade só prejudicava sua própria saúde. Tão míope é
a astúcia egoísta, que, ao visar apenas a gratificação momentânea, obscurece
os males do futuro, e ao mesmo tempo impede a percepção de integridade e
da honra.
No entanto, seu entusiasmo para alcançar o período abençoado da
devolução da sua liberdade não o privava nem de espírito nem de disposição
para o prazer intermediário; ele conhecia o mundo muito bem para incorrer
na própria censura por maltratar a mulher de quem dependia pela posição que
ocupava. Ele a procurava, é verdade, mas em raras ocasiões, e tinha a
decência de, tanto quando a evitava como quando a encontrava, não
demonstrar nenhum abatimento de cortesia ou de boa educação. Porém, desta
forma tendo sacrificado em nome da ambição toda a possibilidade de
felicidade na vida doméstica, ele voltava seus pensamentos para outros
métodos para obtê-la, que de forma tão onerosa ele havia adquirido o poder
de experimentar.
Os recursos de prazer para os possuidores de riquezas devem apenas ser
suprimidos pela saciedade dos seus interesses, uma saciedade que a mente
vigorosa de Mr. Monckton ainda não se permitia experimentar. Assim, seu
tempo era dedicado às dispendiosas diversões da metrópole ou passado no
campo, entre as mais alegres das suas diversões. O pouco conhecimento da
moda e das personalidades da época, Cecilia havia conhecido na casa deste
senhor, com quem o reitor, seu tio, estivera intimamente ligado, pois, como
ele preservara para o mundo a mesma aparência de respeitabilidade que
apoiava para sua esposa, era bem recebido em todos os lugares e, mesmo que
parcialmente conhecido, era extremamente respeitado: o mundo, com sua
costumeira habilidade, retribuía sua atenção circunspecta às suas leis,
protegendo sua personalidade do juízo político e seu nome de reprovações.
Cecilia o conhecera por metade da sua vida; ela havia recebido carinho em
sua casa quando ainda era uma linda criança, e sua presença agora era
solicitada como uma amável conhecida. Na verdade, suas visitas não eram
muito frequentes, pois o mau humor de lady Margaret Monckton as tornara
muito dolorosas para a menina. Mesmo assim, as oportunidades que a última
lhe proporcionava para associar-se com gente da moda serviram para prepará-
la para as novas cenas em que logo seria uma protagonista.
Mr. Monckton, por sua vez, sempre fora um convidado muito bem-vindo
no decanato e suas conversas eram para Cecilia uma fonte inesgotável de
informação, pois seu conhecimento da vida e dos costumes lhe permitia
iniciá-la nos assuntos que ela mais ignorava, e sua mente, amplamente
generosa para o discernimento e inteligente para a adequação de novos
conhecimentos, recebia todas as ideias com avidez.
O prazer obtido através de tal sociedade, assim como o dinheiro
emprestado com usura, retorna com juros para aqueles que dele prescindiram,
e os discursos de Mr. Monckton não conferiam maior favor a Cecilia do que
sua atenção a ele. Assim, tanto orador quanto ouvinte eram mutuamente
gratificados: eles sempre se encontravam com complacência e, geralmente, se
despediam com pesar.
Tal reciprocidade de satisfação, no entanto, produzia efeitos diferentes em
suas mentes: enquanto as ideias de Cecilia eram ampliadas, as reflexões de
Mr. Monckton eram amarguradas. Ele via nela um objeto que, além de todas
as vantagens da riqueza que tanto prezava, acrescentava juventude, beleza e
inteligência. Embora fosse muito mais velho do que ela, ainda não se
encontrava na idade de considerar o fato de dirigir-se a ela como uma
impropriedade, e a maneira divertida como ela reagia à sua conversa o
persuadiu de que uma opinião favorável poderia ser facilmente transformada
em uma consideração mais parcial. Ele lamentava a inclinação mercenária
que o fizera sacrificar-se por uma mulher que abominava, e seus anseios por
sua decadência final tornavam-se cada vez mais fervorosos. Ele sabia que as
amizades de Cecilia estavam confinadas a um círculo do qual ele mesmo era
o adorno principal, que ela havia rejeitado todas as propostas de casamento
que até então haviam sido feitas a ela e, como ele a observava diligentemente
desde sua infância, tinha motivos para acreditar que seu coração estava livre
de qualquer sensação perigosa.
A morte do reitor, seu tio, o havia deixado muito alarmado; ele lamentou
que ela estivesse deixando Suffolk, onde considerava a si mesmo o homem
mais importante, tanto pelos seus talentos quanto pela sua importância, e
temia que ela fosse residir em Londres, onde previa que numerosos rivais,
iguais a ele nos talentos e nas riquezas, a cercariam rapidamente; rivais,
também, jovens e otimistas, não acorrentados pelos laços atuais, mas com
liberdade para solicitar sua aceitação imediata. A beleza e a independência,
que raramente caminham juntas, atrairiam uma multidão de pretendentes ao
mesmo tempo brilhantes e assíduos, e a residência de Mr. Harrel era eminente
por sua elegância e alegria. Mesmo assim, sem se intimidar com o perigo e
confiando em seus próprios poderes, ele decidiu prosseguir com o projeto que
havia formado, sem temer a abordagem, mantendo sua perseverança para
assegurar seu êxito.
CAPÍTULO 2
UMA DISCUSSÃO
Mr. Monckton tinha, nessa época, um grupo reunido em sua casa com o
propósito de lá passar os feriados de Natal. Ele esperava com ansiedade a
chegada de Cecilia e apressou-se para retirá-la da carruagem antes que Mr.
Harrel tivesse tempo para descer. Ele notou a melancolia do seu semblante e
ficou muito satisfeito ao descobrir que sua viagem a Londres tinha tão pouco
poder para encantá-la. Ele a conduziu até a sala de café da manhã, onde lady
Margaret e seus amigos a aguardavam.
Lady Margaret a recebeu com uma frieza que beirava a descortesia;
irascível por natureza e zelosa pela situação, a beleza a alarmava e a alegria a
enojava. Ela observava com uma suspeita vigilante qualquer pessoa que fosse
abordada pelo marido e, tendo notado sua frequente presença no decanato,
havia decidido que Cecilia seria objeto da sua peculiar antipatia; ao passo que
Cecilia, percebendo sua aversão, embora ignorasse a causa, cuidava de evitar
toda forma de comunicação com a mulher, exceto as cerimônias exigidas, e
se compadecia em segredo da sorte do amigo.
O grupo presente na ocasião consistia em uma dama e vários cavalheiros.
Miss Bennet, a dama, era, em todos os sentidos da frase, a humilde
companheira de lady Margaret: ela vinha de uma origem muito modesta, era
mal-educada e tinha a mente estreita; era igualmente estranha ao mérito inato
ou realizações adquiridas, mas hábil na arte da adulação e uma adepta de
todas as espécies de golpes baixos. Sem outra perspectiva de vida se não a
obtenção de riqueza sem trabalho, não era mais escrava da dona da casa do
que uma ferramenta do seu amo; aceitava a indignidade sem reclamar e
submetia-se ao desprezo como algo habitual.
Entre os cavalheiros, o mais chamativo, por meio da sua indumentária, era
Mr. Aresby, um capitão da milícia; um jovem homem que, tendo escutado
com frequência as palavras casaca-vermelha e galanteria juntas, imaginava a
conjunção não apenas costumeira, mas honrada, e, portanto, sem nem mesmo
fingir pensar nos serviços que prestava ao país, considerava a roseta uma
insígnia de cortesia e a usava apenas para destacar sua devoção às damas, a
quem ele se considerava preparado para conquistar e obrigado a adorar.
O próximo que, pela audácia, era também o mais informal para ser notado,
era Mr. Morrice, um jovem advogado que, embora progredindo na sua
profissão, não devia seu sucesso nem a habilidades distintas, nem à indústria
de suprimento de habilidades, mas à arte de unir flexibilidade a outros com
confiança em si mesmo. A uma reverência de posição, talento e imensa
fortuna, ele juntou uma garantia em seu próprio mérito que nenhuma
superioridade poderia diminuir, e com uma presunção que o encorajava a
almejar todas as coisas, ele combinava um bom humor que nenhuma
mortificação poderia atenuar. E ainda que, pela flexibilidade da sua
disposição, evitasse fazer inimigos, através da sua propensão a obedecer,
aprendeu a maneira mais segura de fazer amigos, tornando-se útil para eles.
Havia também alguns escudeiros da vizinhança e um senhor idoso que,
sem dar a impressão de notar a presença dos demais, estava sentado a um
canto com o cenho franzido.
Porém, a figura principal do círculo era Mr. Belfield, um jovem alto e
magro, cujo rosto era todo empolgação e cujos olhos brilhavam com
inteligência. Seu pai o havia destinado para o comércio, mas seu espírito,
elevando-se acima da ocupação para a qual fora preparado, usando a
lamentação, resistiu; usando a resistência, rebelou-se. Ele fugiu dos amigos e
juntou-se ao exército. Mas, apaixonado pela elegância e ansioso para adquirir
conhecimentos, não achou este modo de vida muito mais adaptado às suas
inclinações do que aquele do qual havia escapado; ele logo ficou cansado,
reconciliou-se com o pai e entrou para o Templo.5 No entanto, sendo muito
volátil para um estudo sério e demasiado alegre para uma aplicação laboriosa,
ali ele fez pouco progresso; o mesmo talento para agilidade e vigor para
imaginação que, unidos à prudência, ou acompanhados de juízo, poderiam tê-
lo elevado à liderança da sua profissão, infelizmente, quando associados à
inconstância e ao capricho, serviram apenas para impedir seu
aperfeiçoamento e obstruir sua ascensão. Agora, com poucos negócios, e
esses poucos negligenciados, uma pequena fortuna que diminuía diariamente,
e uma certa admiração pelo mundo, mas uma admiração que acabara
tornando-se simplesmente uma cortesia, ele vivia uma vida instável e pouco
rentável, geralmente adulado e universalmente requisitado, mas descuidado
com relação aos seus interesses e sem pensar no futuro, dedicando seu tempo
às companhias, sua renda à dissipação e seu coração às musas.
— Eu trago — disse Mr. Monckton, enquanto acompanhava Cecilia pela
sala — um assunto de extrema tristeza para uma jovem que nunca incomodou
seus amigos, apenas quando decidiu deixá-los.
— Se a tristeza — exclamou Mr. Belfield, enquanto lhe lançava olhares
penetrantes — ostenta em sua parte do mundo uma forma como essa, quem
ousaria trocá-la por uma visão de alegria?
— Ela é divinamente encantadora, de fato! — exclamou o capitão,
simulando uma exclamação involuntária.
Neste ínterim, Cecilia, que estava sentada ao lado da dona da casa,
começava tranquilamente o seu café da manhã. Mr. Morrice, o jovem
advogado, com mais liberdade, sentou-se ao seu lado, enquanto Mr.
Monckton estava em algum outro lugar acomodando o resto dos seus
convidados, a fim de garantir aquele lugar para si mesmo.
Mr. Morrice, sem cerimônia alguma, atacou sua bela vizinha; ele falou
sobre a sua viagem e sobre as perspectivas de alegria que aguardavam sua
visita, mas ao encontrá-la impassível, mudou de tema e discorreu sobre as
delícias do lugar que ela estava deixando. Cuidadoso para lhe prestar as
melhores informações e indiferente por quais meios, por um momento ele
exaltava levianamente as diversões da cidade e, no momento seguinte,
descrevia com entusiasmo os encantos do campo. Uma palavra, um olhar
bastava para demonstrar aprovação ou discordância que, uma vez revelada, o
obrigava a deslizar ao seu encontro com tanta facilidade e satisfação como se
aquela fosse originalmente sua opinião.
Mr. Monckton, reprimindo seu desgosto, esperou algum tempo na
expectativa de que, quando o jovem percebesse que ele estava de pé, ceder-
lhe-ia a cadeira, mas o fato não foi notado e a renúncia não foi pensada. O
capitão, por sua vez, considerando a dama sua propriedade durante a manhã,
notou com indignação por quem havia sido suplantado. Enquanto isso, o
grupo em geral observava com grande surpresa o lugar que eles haviam
deixado de ocupar, em respeito ao seu anfitrião, assim familiarmente ocupado
pelo homem que, em toda a sala, tinha menos direitos, seja pela idade ou
posição, sem consultar nada além da sua própria disposição.
Portanto, assim que Mr. Monckton descobriu que delicadeza e boas
maneiras não tinham peso algum para seu convidado, achou mais
conveniente não permitir que o mesmo acontecesse com ele. Disfarçando seu
desagrado sob uma aparência de jocosidade, ele exclamou: — Vamos,
Morrice, você que adora esportes de Natal, o que acha do jogo de mover
todos?
— É o que mais gosto! — respondeu Morrice, que abandonou sua cadeira
e moveu-se para a outra.
— Eu também deveria gostar! — exclamou Mr. Monckton, imediatamente
tomando seu lugar —, se eu me retirar de qualquer assento, que não seja
deste.
Morrice, embora se sentisse enganado, foi o primeiro a rir e parecia tão
feliz com a mudança quanto o próprio Mr. Monckton. Este, dirigindo-se a
Cecilia, disse: — Nós vamos perdê-la e a senhorita parece preocupada em
nos deixar; no entanto, em poucos meses terá se esquecido de Bury, dos seus
habitantes e dos seus arredores.
— Se o senhor pensa assim — disse Cecilia —, não devo deduzir que, da
mesma forma, Bury, seus habitantes e seus arredores em poucos meses terão
se esquecido de mim?
— Sim, sim, será muito melhor! — disse lady Margaret, murmurando
entre os dentes. — Muito melhor!
— Lamento que pense assim, senhora — disse Cecilia, corando com a
falta de gentileza.
— A senhorita vai descobrir — disse Mr. Monckton, fingindo ignorar o
significado das palavras de sua esposa, assim como as de Cecilia —, ao se
misturar com o mundo, que lady Margaret apenas expressou o que quase
todas as pessoas pensam: o ato de negligenciar velhos amigos e cortejar
novos conhecidos, embora talvez ainda não declaradamente passado como
um preceito dos pais aos filhos, é, no entanto, tão universalmente
recomendado pelo exemplo, que aqueles que agem de maneira diferente
incorrem em censura geral por afetar tal singularidade.
— Fico feliz, então, por mim — disse Cecilia —, pois nem minhas ações
nem minha pessoa serão suficientemente conhecidas para atrair observação
pública.
— A senhorita pretende, então — disse Mr. Belfield —, desafiar as
máximas do mundo e ser guiada pela luz do seu próprio entendimento.
— É verdade — disse Mr. Monckton —, no início da vida, esta é a
intenção de cada um de nós. O pensador oculto é sempre refinado em seus
sentimentos e sempre confiante em sua virtude, mas, quando se mistura com
o mundo, quando pensa menos e age mais, logo encontra a necessidade de se
acomodar aos costumes já estabelecidos e de seguir tranquilamente a trilha
que já está traçada.
— Mas, não — exclamou Mr. Belfield —, não se tiver um mínimo de
ânimo! A trilha traçada será a última que um homem de talento se dignará a
seguir, pois as regras comuns nunca foram projetadas para dirigir uma mente
nobre.
— Uma máxima perniciosa! Uma máxima perniciosa! — exclamou o
velho cavalheiro, que estava sentado em um canto da sala, com cenho
franzido.
— Os desvios das regras comuns — disse Mr. Monckton, sem dar atenção
à interrupção —, quando procedem de um gênio, não são meramente
perdoáveis, mas admiráveis, e você, Belfield, tem o direito peculiar de
pleitear seus méritos, mas há tão poucos gênios no mundo, que você
certamente deve admitir que súplicas deste tipo são raramente solicitadas.
— E por que raramente? — perguntou Belfield —, talvez porque suas
regras gerais, seus costumes apropriados, suas formas estabelecidas não são
nada além de arranjos absurdos para impedir não apenas o progresso do
gênio, mas o uso da compreensão? Se o homem ousasse agir por si mesmo,
se nem as visões mundanas, os preconceitos contraídos, os preceitos eternos,
nem os exemplos compulsivos influenciassem sua melhor razão e
impulsionassem sua conduta, quão nobre ele realmente seria! Quão infinito
nas faculdades! Na inteligência, como se assemelharia a um deus!6
— Tudo isso é apenas a doutrina de uma imaginação viva — disse Mr.
Monckton —, que considera as impossibilidades simplesmente como
dificuldades, e as dificuldades como meros convites à vitória. Mas a
experiência nos ensina outra lição, demonstra que a oposição de um
indivíduo a uma comunidade é sempre perigosa e raramente tem êxito; nunca
tem, na verdade, sem uma concorrência tão estranha quanto desejável de
circunstâncias afortunadas com grandes capacidades.
— E por quê? — perguntou Belfield —, por que a tentativa é raramente
feita? A lamentável prevalência de conformidade geral extingue o gênio e
mata a originalidade. O homem é educado, não como se fosse “a mais nobre
obra de Deus”, mas como uma mera máquina dúctil de formação humana.
Desde cedo é ensinado que ele não deve consultar seu entendimento, nem
perseguir suas inclinações, a não ser que, infeliz nas suas negociações com o
mundo, seu entendimento se torne avesso aos tolos e passe a provocá-los e
desprezá-los. Dessa forma, suas inclinações para a tirania da contenção
perpétua lhe darão coragem para afrontá-la.
— Eu estou bastante disposto a admitir — disse Mr. Monckton — que um
gênio excêntrico, como o seu, por exemplo, murmure sobre o tédio de
obedecer aos costumes do mundo, e deseje, sem restrições, e em geral,
abraçar a vida sem qualquer plano estabelecido ou restrição prudencial; mas,
no entanto, o senhor concederia a mesma licença a todos? Gostaria de ver o
mundo povoado de desafiadores da ordem e desprezadores das formas
estabelecidas? E não apenas desculpar as irregularidades decorrentes de
talentos pouco comuns, mas encorajar aqueles, também, a liderar quem nem
cometeu um erro e nem pode segui-los?
— Eu gostaria que todos os homens — disse Belfield —, sejam eles
filósofos ou idiotas, agissem por si mesmos. Cada um então pareceria ser o
que é, o empreendedorismo seria encorajado e a imitação abolida. O gênio
sentiria sua superioridade, e a loucura, sua insignificância, e, então, somente
então, deveríamos deixar de nos queixar daquela eterna mesmice nas
maneiras e aparência, que atualmente permeia todas as classes de homens.
— Um trabalho entediante e petrificante esse, mon ami! — disse o capitão,
em um sussurro para Morrice. — Misericórdia, comecem um novo jogo.
— Com toda a minha alma! — respondeu Mr. Morrice, levantando-se, de
repente, em salto e exclamando: — Uma lebre! Uma lebre!
— Onde? Onde? Para que lado? — todos os cavalheiros se levantaram e
correram para janelas distintas, exceto o dono da casa, cujo objeto de
perseguição estava ao seu lado.
Morrice, com fingida seriedade, correu de janela em janela a fim de
apontar pegadas na relva que sabia não existirem; contudo, sem deixar de
prestar atenção ao seu próprio interesse, quando percebeu, no meio da
confusão criada, que lady Margaret estava indignada com o barulho
produzido, habilmente desistiu da sua busca, sentou-se na cadeira ao seu lado
e, ansiosamente, ofereceu-se para ajudá-la com bolos, chocolate ou o que
quer que estivesse sendo oferecido na mesa. No entanto, ele tinha, de fato,
interrompido a conversa de maneira eficaz. Uma vez terminado o desjejum,
Mr. Harrel solicitou sua carruagem e Cecilia se levantou para se despedir.
Neste momento, não sem alguma dificuldade, Mr. Monckton precisou
dissimular os temores inquietantes causados pela sua partida. Ele segurou a
mão dela:
— Suponho — disse ele — que a senhorita permitirá que um velho amigo
a visite na cidade, a não ser que a visão dele seja uma recordação
desagradável do tempo que logo se arrependerá de ter perdido no campo?
— Por que diria uma coisa dessas, Mr. Monckton? — disse Cecilia. —
Estou certa de que não pensa dessa forma.
— Esses profundos estudiosos da humanidade, senhorita, são lamentáveis
campeões da constância ou da amizade — disse Belfield. — Eles travam
guerras com todas as expectativas, exceto com a depravação, e abrem fogo
mesmo contra os projetos mais puros, onde acreditam que haverá alguma
tentação para se desviar deles.
— A tentação — disse Mr. Monckton — é muito fácil de resistir em
teoria, mas, se refletir sobre a grande mudança de situação que Mrs. Beverley
experimentará, sobre as novas cenas que verá, as novas amizades que deve
fazer e as novas conexões que poderá estabelecer, o senhor não ficará
surpreso com a aflição de um amigo pelo seu bem-estar.
— Mas eu presumo — disse Belfield, rindo — que Miss Beverley não
pretende levar sua pessoa à cidade e deixar seu entendimento encerrado,
juntamente com outras curiosidades naturais, no campo. Por que, então, o
mesmo discernimento que orientou suas seleções atuais não pode regular sua
adoção de novos conhecidos e escolha de novas conexões? O senhor crê que,
porque ela vai se despedir do senhor, vai se despedir de si mesma?
— Quando o destino sorri para a juventude e para a beleza — disse Mr.
Monckton —, não lhe diz nada o fato de que sua bela possuidora faça uma
transição repentina da tranquilidade de uma vida retirada no campo para a
alegria de uma esplêndida residência urbana?
— Quando o destino desaprova a juventude e a beleza, elas não podem
despertar irracionalmente a comiseração — respondeu Belfield —, mas,
quando a natureza e o acaso unem forças para abençoar o mesmo objeto,
confesso que não posso imaginar que lugar pode haver para alarme e
lamentação.
— O quê! — exclamou Mr. Monckton, com alguma emoção —, acaso não
há vigaristas, caçadores de fortunas, bajuladores, miseráveis de todos os tipos
e denominações, que observam a chegada dos ricos e incautos, alimentam-se
da sua inexperiência e se aproveitam do seu patrimônio?
— Já chega! — exclamou Mr. Harrel —, está na hora de levar minha bela
pupila embora, se é este o seu método de descrever o lugar em que ela vai
viver.
— É possível — perguntou o capitão, aproximando-se de Cecilia — que
essa dama nunca tenha visitado a cidade? — ele baixou a voz e, com um
sorriso lânguido no rosto, acrescentou: — Pode uma pessoa tão divinamente
bela ter sido aprisionada no campo? Ah! Que pena!
Cecilia considerou que o elogio merecia nada além de uma ligeira
reverência, virou-se para lady Margaret e perguntou: — Se Vossa Senhoria
estiver na cidade durante o inverno, posso esperar ter a honra de saber onde
posso visitá-la?
— Eu não sei se irei ou não — respondeu a velha senhora, com sua
descortesia habitual.
Cecilia teria se afastado com toda a pressa, mas Mr. Monckton a deteve e
voltou a expressar seus temores quanto às consequências de sua viagem: —
Esteja sempre alerta — disse ele — com todos os novos conhecidos; não
julgue ninguém pelas aparências e não faça amizades precipitadamente. Use
algum tempo para cuidar de si mesma e lembre-se de que não deverá fazer
nenhuma alteração no seu estilo de vida, sem a probabilidade de se sair pior
do que a chance de se sair melhor. Portanto, mantenha-se assim como é,
quanto mais pessoas conhecer, mais se alegrará por não se parecer nem estar
conectada a elas.
— E isso vindo do senhor, Mr. Monckton! — disse Belfield —, o que
aconteceu com o seu sistema de conformidade? Pensei que todas as pessoas
deveriam ser iguais?
— Eu falava — explicou Mr. Monckton — sobre o mundo em geral, não
sobre essa dama em particular; e, quem sabe, aqueles que a conheceram, não
desejariam que fosse possível que ela continuasse em todos os aspectos exata
e inalteravelmente como é agora?
— Eu penso — disse Cecilia — que o senhor está determinado que, ao
menos os elogios, se vierem ao meu encontro, não deverão ter nenhum efeito
pernicioso.
— Bem, Miss Beverley — perguntou Mr. Harrel —, a senhorita vai se
aventurar e me acompanhar até a cidade? Ou Mr. Monckton a deixou
assustada e não deseja prosseguir?
— Se — disse Cecilia — eu não sentisse mais tristeza em deixar meus
amigos do que terror em me aventurar a Londres, com que disposição deveria
fazer a viagem?
— Bravo! — exclamou Belfield —, alegra saber que o discurso de Mr.
Monckton não a intimidou, nem a fez deplorar sua condição de acumular o
sofrimento de ser jovem, bela e rica.
— Que lástima! Pobrezinha! — exclamou o senhor que estava sentado no
canto, com os olhos fixos em Cecilia e com uma expressão de pena e pesar
mescladas.
Cecilia se assustou, mas ninguém mais prestou atenção nele.
Seguiram-se as cerimônias usuais de despedida, e o capitão, com a mais
obsequiosa reverência, avançou para conduzir Cecilia até a carruagem. Mas,
em meio à eloquência muda de suas reverências e sorrisos, Mr. Morrice,
fingindo não perceber seu desígnio, saltou alegremente entre eles e, sem
nenhuma formalidade prévia, tomou ele mesmo a mão de Cecilia, falhando,
no entanto, ao não moderar a liberdade de sua ação com um olhar de respeito
mais profundo.
O capitão encolheu os ombros e retirou-se. Porém, Mr. Monckton,
enfurecido com a audácia do outro, decidido, exclamou: — Por que agora,
Morrice, subtrai-me do privilégio que pertence à minha casa?
— Verdade, verdade — respondeu Morrice —, vocês, membros do
Parlamento, têm o direito indubitável de serem obstinados com seus
privilégios — curvou-se com um olhar de veneração a Cecilia e renunciou
sua mão com um ar de tanta felicidade quanto a havia tomado.
Mr. Monckton, ao conduzi-la até a carruagem, mais uma vez pediu sua
permissão para visitá-la na cidade. Mr. Harrel captou a indireta e lhe suplicou
que considerasse a própria casa como se dele fosse, e Cecilia, depois de lhe
agradecer por sua solicitude pelo seu bem-estar, acrescentou: — E eu espero,
senhor, que me honre com seus conselhos e admoestações com respeito à
minha conduta futura, sempre que tiver a bondade de me deixar vê-lo.
Este era precisamente o seu desejo. Ele implorou, em troca, que ela o
tratasse com confiança, e então permitiu que a carruagem seguisse seu
caminho.
CAPÍTULO 3
UMA CHEGADA
Assim que perderam a casa de vista, Cecilia expressou sua surpresa com o
comportamento do senhor idoso que estava sentado no canto, cujo silêncio
geral, isolamento dos demais e ausência de espírito haviam despertado
fortemente sua curiosidade. Mr. Harrel não pôde lhe dar muita satisfação,
apenas lhe disse que o encontrara umas poucas vezes em alguns lugares
públicos, onde todos destacavam a singularidade dos seus modos e aparência,
mas que nunca tinha conversado com alguém que parecesse conhecê-lo, e
que ficou tão surpreso quanto ela ao ver um personagem tão incomum na
casa de Mr. Monckton. A conversa concentrou-se, então, na família que
acabavam de deixar, e Cecilia expressou calorosamente a boa opinião que
tinha de Mr. Monckton, as obrigações que devia a ele pelos interesses que,
desde a sua infância, ele sempre tivera pelos seus assuntos, e suas esperanças
de obter muitas instruções da amizade de um homem que tinha tão amplo
conhecimento do mundo.
Mr. Harrel manifestou-se muito satisfeito que ela tivesse um conselheiro
assim, pois, embora estivesse pouco familiarizado com ele, sabia que era um
homem de fortuna e vivido, e que era muito estimado no mundo. Eles se
compadeceram mutuamente de sua infeliz situação na vida doméstica, e
Cecilia inocentemente expressou sua preocupação com a aversão que lady
Margaret havia tomado por ela, uma aversão que, naturalmente, Mr. Harrel
atribuía à sua juventude e beleza, sem suspeitar de nenhuma causa mais
convincente do que um ciúme generalizado dos atrativos da moça, dos quais
a outra era destituída.
À medida que a viagem se aproximava do fim, todas as sensações
incômodas e desagradáveis que haviam ocupado o coração de Cecilia no
início deram lugar à expectativa de uma felicidade que se aproximava
rapidamente ao reencontrar sua jovem e favorita amiga. Mrs. Harrel tinha
sido sua companheira de brincadeiras na infância e, na juventude, sua colega
de escola; uma semelhança de personalidade com respeito à doçura de
temperamento as tornara muito queridas uma para a outra, embora tal
semelhança não se estendesse além disso, pois Mrs. Harrel não possuía
pretensões à inteligência ou à compreensão de sua amiga. Porém, era amável
e prestativa e, portanto, suficientemente merecedora de afeto, embora não
resplandecesse de atrativos que reivindicassem admiração, nem fosse dotada
daquelas qualidades superiores que se mesclam com o respeito no amor que
inspiram.
Desde a ocasião do seu casamento, que já durava quase três anos, ela havia
abandonado Suffolk por completo, e não tivera relações com Cecilia, exceto
através de cartas. Ela acabara de regressar de Violet-Bank, nome dado por
Mr. Harrel a uma casa de campo a cerca de vinte milhas de Londres, onde
passara o feriado de Natal com um grande grupo. O encontro foi terno e
afetuoso, a sensibilidade do coração de Cecilia fluía de seus olhos, e a alegria
de Mrs. Harrel formava covinhas em suas bochechas. Uma vez terminadas as
saudações mútuas, expressões de gentileza e indagações gerais, Mrs. Harrel
implorou para levá-la até a sala de estar.
— Onde você conhecerá alguns dos meus amigos, que estão impacientes
para conhecê-la — acrescentou.
— Eu teria preferido — disse Cecilia —, depois de tanto tempo separadas,
ter passado esta primeira noite sozinha com você.
— Todas são pessoas que vieram especialmente para vê-la — respondeu
ela —, e eu as convidei para entretê-la, pois temia que ficasse desanimada ao
deixar Bury.
Cecilia, ao descobrir a bondade das suas intenções, absteve-se de qualquer
outro protesto e a seguiu em silêncio até a sala de estar. Porém, quando a
porta foi aberta, ela ficou surpresa ao descobrir que o aposento, que era
espaçoso, iluminado e decorado com magnificência, tinha mais da metade do
espaço ocupada por várias pessoas, cada uma das quais vestida com alegria e
profusão.
Cecilia, que pela palavra “amigos” esperava encontrar um pequeno grupo
privado, selecionado com o propósito de uma conversa social, estremeceu
involuntariamente com a visão diante dela, e mal teve coragem de prosseguir.
Mrs. Harrel, no entanto, pegou sua mão e a apresentou a toda a comitiva, a
quem ela nomeou individualmente; um cerimonial que, embora não fosse
apenas agradável, até mesmo necessário para aqueles que vivem no universo
dos eventos, a fim de evitar erros angustiantes, ou implicações infelizes no
discurso, Cecilia teria prescindido de bom grado, uma vez que para ela seus
nomes eram tão novos quanto suas pessoas, e como nada sabia sobre suas
histórias, grupos ou conexões, não podia fazer nenhuma alusão; tudo isso
servia apenas para realçar seu rubor e aumentar seu embaraço.
Não obstante, uma dignidade mental nata, que desde cedo a ensinara a
distinguir a modéstia da timidez, permitiu-lhe em pouco tempo vencer a
surpresa e recuperar a compostura. Ela implorou à Mrs. Harrel que se
desculpasse por sua aparência e, sentada entre duas jovens, esforçou-se para
parecer reconciliada com si mesma.
A tarefa não era muito difícil, pois enquanto seu vestido, que ela não tinha
trocado desde a viagem, unido à novidade do seu rosto, atraía a atenção geral,
o relato da sua fortuna, que havia precedido a sua entrada, assegurava o
respeito de todos. Ela logo descobriu também que uma companhia não era
necessariamente formidável por estar bem-vestida, que a familiaridade podia
unir-se à magnificência e que, embora para ela todos parecessem vestidos
para seguir uma procissão ou adornar uma sala de estar, nenhuma
formalidade foi assumida, e nenhuma solenidade foi afetada: cada pessoa
apresentava-se sem restrições, até mesmo quanto à sua posição, mas com
pouca distinção; a tranquilidade era o plano, e o entretenimento, o objetivo
geral.
Cecilia, embora recém-chegada em Londres, cidade que a saúde precária
do tio a impedira de conhecer, não era necessariamente estranha à vida social;
ela havia passado sua vida de forma retirada, mas não na obscuridade, já que
durante alguns anos havia presidido a mesa do reitor, que era visitado pelas
pessoas mais importantes do condado onde vivia, e embora as suas pequenas,
frequentes e elegantes reuniões privadas não a tivessem preparado para o
esplendor ou a diversidade de uma reunião em Londres, ainda assim, ao
incitá-la nas regras práticas de uma boa criação, a tinham ensinado a subjugar
os temores tímidos da inexperiência total e reprimir os sentimentos de
constrangimento, vergonha e medos, que exigem mais compaixão do que
admiração, e que, exceto na juventude extrema, servem apenas para degradar
a modéstia que revelam.
Ela considerou, portanto, as duas jovens senhoritas entre as quais estava
sentada, mais com um desejo de iniciar uma conversa do que com receio de
ser observada por elas, mas a mais velha, Miss Larolles, estava seriamente
engajada em uma conversa com um cavalheiro, e a mais jovem, Miss Leeson,
a desencorajava por completo pelo invariável silêncio e gravidade com a qual
de vez em quando encontrava seus olhos. Assim, sem interrupções, exceto
por discursos ocasionais de Mr. e Mrs. Harrel, ela passou a primeira parte da
noite simplesmente inspecionando sua companhia.
O grupo tampouco demorou a retribuir sua observação, já que, desde o
momento em que entrara na sala, ela havia sido objeto de consideração geral.
As damas fizeram um inventário exato do seu vestido e, internamente,
decidiram o quão diferentemente elas estariam vestidas se tivessem sido
abençoadas com igual riqueza. Os homens discutiram entre si se ela estava ou
não usando rouge; um deles afirmou ousadamente que ela estava bem
vermelha, seguiu-se um debate que terminou em uma aposta, e a decisão
mutuamente acordada foi a de que tudo dependeria da cor das suas bochechas
no início de abril, quando, se não estivesse desfalecida por horas ruins e
contínua dissipação, elas estariam brilhando como agora reluziam, e seu
defensor reconheceria que sua aposta estava perdida.
Cerca de meia hora depois, o cavalheiro com quem Miss Larolles estivera
conversando saiu da sala. e, então, a jovem, voltando-se repentinamente para
Cecilia, exclamou: — Como Mr. Meadows é estranho! Sabe, ele diz que não
estará bem o suficiente para ir à reunião de lady Nyland! Que ridículo! Como
se isso pudesse lhe fazer mal.
Cecilia, surpreendida por um ataque tão pouco cerimonioso, prestou-lhe
uma atenção cortês, mas silenciosa.
— A senhorita irá, não é? — acrescentou ela.
— Não, não tive a honra de ser apresentada a esta senhora.
— Oh, não, não há nada disso — respondeu ela. — Mrs. Harrel pode
avisá-la de que está aqui, e então, sabe, ela lhe enviará um voucher e a
senhorita poderá ir.
— Um voucher? — repetiu Cecilia. — Lady Nyland só recebe convidados
com vouchers?
— Oh, Senhor! — exclamou Miss Larolles, rindo sem moderação —, a
senhorita não sabe? Ora, um voucher é apenas um cartão de visitas, com um
nome nele, mas nós os chamamos de voucher agora.
Cecilia agradeceu a informação e Miss Larolles lhe perguntou quantas
milhas ela tinha viajado naquela manhã.
— Setenta e três — respondeu Cecilia —, e espero que aceite minhas
desculpas por estar tão malvestida.
— Oh, a senhorita está muito bem — respondeu a outra —, e, da minha
parte, nunca penso muito sobre vestidos. Mas a senhorita não pode imaginar
o que me aconteceu no ano passado! Sabe que vim para a cidade no dia 20 de
março? Não foi mesmo exasperador?
— Talvez — disse Cecilia —, mas tenho certeza de que não posso dizer
por quê.
— Não sabe dizer por quê? — repetiu Miss Larolles —, ora, acaso não
sabe que aquela era a mesma noite do grande baile de máscaras de lorde
Darien? Eu não teria perdido o baile por nada no universo. Nunca viajei em
tamanha agonia em toda a minha vida. Nós não chegamos na cidade até que
fosse monstruosamente tarde, e então, a senhorita pode imaginar, eu não
tinha nem voucher, nem traje adequado! Imagine a minha angústia! Bem, eu
mandei procurar todas as criaturas que conhecia para conseguir um voucher,
mas todas disseram que não tinham nenhum; então eu fiquei exatamente
como uma criatura louca, mas, por volta das dez ou onze, uma jovem
conhecida, pela maior sorte do mundo, adoeceu repentinamente; então, ela
me enviou seu voucher, não foi maravilhoso?
— Para ela, extremamente! — disse Cecilia, rindo.
— Bem — continuou ela —, então, eu estava quase perdendo o juízo de
tanta alegria e eu saí e comprei um dos vestidos mais lindos que alguém já
viu. Se a senhorita me visitar em alguma manhã, eu lhe mostrarei o vestido.
Cecilia, que não estava preparada para um convite tão abrupto, inclinou-se
em silêncio, e Miss Larolles, muito contente em falar para se ofender com o
silêncio da outra, continuou sua narrativa.
— Bem, mas agora vem a parte mais vil da história; a senhorita sabe como
é, quando todo o resto estava pronto, eu simplesmente não consegui encontrar
meu cabeleireiro! Eu mandei procurá-lo por toda a cidade, ele não estava em
lugar algum. Achei que iria morrer de tanto aborrecimento. Eu lhe asseguro
de que chorei tanto que, se não estivesse usando uma máscara, teria vergonha
de ser vista. E assim, depois de todo esse cansaço monstruoso, fui obrigada a
mandar minha criada pentear o meu cabelo, de maneira bastante comum; não
foi cruelmente mortificante?
— Bem, sim — respondeu Cecilia —, acho que foi o suficiente para fazer
a senhorita lamentar a doença da jovem que lhe enviou o voucher.
Neste momento elas foram interrompidas por Mrs. Harrel, que caminhava
na direção delas seguida por um jovem de aspecto sério e comportamento
modesto, dizendo: — Fico feliz ao ver vocês duas tão engajadas, mas meu
irmão tem me censurado por apresentar Miss Beverley a todos, exceto ele.
— Eu não espero — disse Mr. Arnott — ocupar algum lugar na memória
de Miss Beverley, já que estive ausente de Suffolk por muito tempo, e
infelizmente não a vi durante minha última visita, mas estou certo de que
mesmo com essa distância de tempo, crescida e formada como está, eu
deveria tê-la reconhecido instantaneamente.
— Surpreendente! — exclamou um senhor idoso, em tom de ironia, que se
postava ao lado deles —, pois o rosto é muito comum!
— Eu me lembro bem — disse Cecilia — de que, quando você deixou
Suffolk, eu pensei que tinha perdido meu melhor amigo.
— Isso é possível? — exclamou Mr. Arnott, com um olhar de grande
deleite.
— Sim, de fato, e não sem razão, pois em todas as disputas você sempre
foi meu advogado; em todas as brincadeiras, meu companheiro; e em todas as
dificuldades, meu assistente.
— Madame! — exclamou o mesmo cavalheiro. — Se ele lhe agradava
porque era seu advogado, companheiro e assistente, por favor, eu estou
pronto para me tornar as três coisas ao mesmo tempo.
— O senhor é muito bom — disse Cecilia, rindo —, mas no momento não
sinto falta de nenhum defensor.
— É uma pena — respondeu ele —, pois Mr. Arnott me parece muito
disposto a representar novamente as mesmas funções.
— Mas, para isso, ele deve voltar aos dias de sua infância.
— Ah, se isso fosse possível! — exclamou Mr. Arnott —, pois foram os
mais felizes da minha vida.
— Depois de tal confissão — disse seu companheiro —, a senhorita
certamente permitirá que ele tente renovar esses dias? Não é mais do que uma
caminhada para o passado, e embora seja muito cedo na vida para Mr. Arnott
suspirar por tal movimento retrógrado, o qual, no curso normal das coisas,
todos nós desejaremos quando chegar nossa vez, não é senão por um bom
motivo, que é recuperar Miss Beverley como uma companheira de
brincadeiras.
Neste momento, Miss Larolles, que fazia parte daquela numerosa tribo de
moças, para quem todas as conversas nas quais elas não estão engajadas são
enfadonhas, abandonou seu posto, do qual Mr. Gosport, novo conhecido de
Cecilia, imediatamente tomou posse.
— Seria absolutamente impossível — continuou o cavalheiro — que eu
ajude a conseguir essa renovação para Mr. Arnott? Não há nenhuma parte
subalterna que eu possa executar para facilitar o projeto? Eu estou disposto a
brincar de esconder ou procurar com qualquer menino da paróquia; e para um
simples observador, nada pode ser mais festejado.
— Não tenho dúvidas, senhor — respondeu Cecilia —, das suas
conquistas; e eu me divertiria muito com a surpresa das pessoas se pudesse
persuadir a si mesmo de exibi-las.
— E o que — exclamou ele — as pessoas poderiam fazer além de
participar da diversão?! Isso apenas interromperia alguma história de
escândalo ou alguma descrição de uma peruca. A sagacidade ativa, por mais
desprezível que seja quando comparada com a intelectual, é certamente
melhor do que o insignificante blá-blá-blá de uma conversa de moda —
dirigindo seu olhar para Miss Larolles —, ou mesmo o entorpecimento
pensativo do silêncio afetado — mudando o olhar na direção de Miss Leeson.
Cecilia, embora surpresa com um ataque ao grupo social selecionado por
sua amiga partindo de alguém que havia sido convidado por ela, sentiu sua
justiça muito acertada e não se sentiu ofendida por sua severidade.
— Muitas vezes desejei — continuou ele — que, quando grandes grupos
são reunidos, como este, sem qualquer razão possível para que eles também
não possam ser separados, algo pudesse ser proposto para que cada pessoa
pudesse participar de forma inocente, pois, certamente, após a primeira meia
hora, os convidados encontrariam poucas coisas novas para observar na
vestimenta de seus vizinhos, ou mesmo para exibir nas suas próprias, e que
com qualquer alegria aparente pudessem idealizar algo para preencher o meio
e o final da noite, pois, se continuassem traçando os mesmos comentários
fornecidos ainda no início, eles ficariam tão miseravelmente fatigados que, se
não tivessem quatro ou cinco lugares diferentes para onde ir todas as noites,
sofreriam quase tanto pelo tédio dos amigos em uma reunião quanto pelo
tédio de si mesmos na solidão.
Neste momento, com a dissolução geral do grupo, a conversa foi
interrompida e Mr. Gosport foi obrigado a se retirar, sem muito pesar da parte
de Cecilia, que estava impaciente para ficar a sós com Mrs. Harrel.
Assim, o resto da noite transcorreu muito mais satisfatoriamente para ela.
Foi dedicada à amizade, a indagações mútuas, a amáveis felicitações e ternas
lembranças, e embora fosse tarde quando se retirou, ela o fez com certa
relutância.
CAPÍTULO 4
UM ESBOÇO DA ARISTOCRACIA
Ansiosa por retomar uma conversa que tanto prazer lhe havia
proporcionado, Cecilia, sem sentir o cansaço da mudança de horário ou da
viagem, levantou-se com a primeira luz do dia e, assim que terminou de se
vestir, correu para a sala do café da manhã. Contudo, ela não estava mais
impaciente para entrar na sala do que se sentia pronta para deixá-la, pois,
embora não tivesse ficado muito surpresa por estar ali antes da amiga, seu
ardor para aguardar sua chegada esfriou um pouco ao encontrar o fogo recém
aceso, o cômodo frio e os criados ainda empenhados na organização da mesa.
Às dez horas, ela fez outra tentativa: a sala estava mais bem preparada
para sua recepção, mas ainda estava vazia. Mais uma vez, ela estava se
retirando, quando o aparecimento de Mr. Arnott a deteve. Ele expressou sua
surpresa por vê-la acordada tão cedo, acentuando o prazer que sentia com o
fato; então, voltando à conversa da noite anterior, ele discorreu com carinho e
sentimento sobre a felicidade dos seus dias de menino, lembrou-se de todas
as circunstâncias pertencentes às brincadeiras nas quais anteriormente haviam
sido companheiros e discorreu sobre cada incidente com uma minúcia de
satisfação que demonstrava sua relutância para encerrar o assunto. Este
discurso a deteve até que Mrs. Harrel se uniu a eles, e logo outro assunto
mais alegre e mais generalizado o sucedeu.
Durante o desjejum, Miss Larolles foi anunciada como uma visita para
Cecilia, a quem ela imediatamente abordou com a intimidade de uma velha
conhecida, segurando sua mão e lhe assegurando que não poderia mais adiar
a honra de servi-la. Cecilia, muito surpresa pela cordialidade de alguém para
quem ela era quase uma estranha, recebeu o cumprimento com bastante
frieza, mas Miss Larolles, sem consultar sua aparência ou atentar para suas
maneiras, passou a manifestar seu desejo sincero que há muito deveria ser
conhecido por ela: esperar que elas pudessem se encontrar com frequência,
declarar que nada a faria mais feliz, e pedir permissão para recomendar a ela
sua própria modista.
— Eu garanto — continuou Miss Larolles —, ela tem toda a Paris à sua
disposição e as toucas mais encantadoras! As mais belas passamanarias! E
suas fitas são divinas! Aproximar-se dela é a coisa mais perigosa que pode
imaginar. Nunca confio em mim mesma na sua casa, mas estou certa de que
estarei arruinada. Se for do seu agrado, posso levá-la até ela esta manhã.
— Mas, se diz que conhecê-la é assim tão desastroso — disse Cecilia —,
acho melhor evitá-la.
— Oh, impossível! Simplesmente não é possível viver sem ela! Com
certeza, ela é muito querida, eu devo admitir, mas quem poderia dizer? Ela
faz coisas tão belas que é impossível pagar muito por elas.
Então, Mrs. Harrel aderiu à recomendação, a visita foi combinada e,
acompanhadas por Mr. Arnott, as damas se dirigiram à casa da modista.
Neste momento, o entusiasmo de Miss Larolles foi novamente excitado:
ela admirou os adornos exibidos com inexprimível deleite, indagou quem
eram suas futuras possuidoras, ouviu seus nomes com inveja, e suspirou com
toda a amargura da mortificação por não poder enviar para sua casa quase
tudo o que via.
Tendo terminado seus negócios ali, elas visitaram outras costureiras, para
as quais Miss Larolles fez elogios quase igualmente eloquentes a fim de
apropriarem-se de mercadorias para as quais ela era igualmente sincera; a
seguir, depois de acompanharem a jovem loquaz à casa de seu pai, Mrs.
Harrel e Cecilia voltaram para sua própria casa.
Cecilia alegrou-se com a separação e felicitou-se por passar o resto do dia
a sós com a amiga.
— Ora, não — disse Mrs. Harrel —, não absolutamente a sós, pois
teremos companhia esta noite.
— Teremos companhia novamente esta noite?
— Não, não precisa se preocupar, será um grupo pequeno; não mais do
que quinze ou vinte pessoas ao todo.
— Este é um grupo pequeno? — disse Cecilia, sorrindo. — E há pouco
tempo você, assim como eu, o teria considerado grande.
— Oh, você quer dizer na época em que eu vivia no campo — respondeu
Mrs. Harrel. — Mas o que eu poderia saber sobre festas e reuniões sociais?
— Na verdade, não muito — disse Cecilia —, como mostra minha atual
ignorância.
Então, elas se separaram para se vestir para o jantar.
A companhia que elas tiveram naquela noite era mais uma vez
completamente estranha para Cecilia, com exceção de Miss Leeson, que
estava sentada ao seu lado e cujos olhares frios novamente a compeliam a
observar o mesmo silêncio que ela tão resolutamente praticava. Ainda assim,
não foi sem uma grande surpresa interna que uma dama que parecia estar
decidida a não entreter nem ser entretida optara repetidamente por
comparecer a uma reunião em que não se associava com ninguém.
Mr. Arnott, que planejara ocupar o assento ao seu lado, não permitiu que o
silêncio da bela vizinha, que a havia contagiado, se prolongasse ainda mais;
ele não discursava, é verdade, sobre nenhum tema novo; e sobre o tema
velho, seus antigos esportes e diversões, já havia esgotado tudo o que merecia
ser mencionado, mas ainda não havia esgotado o prazer que sentia com o
assunto: parecia sempre fresco e encantador. Ele empregou seus
pensamentos, regalou sua imaginação e avivou seu discurso. Cecilia, em vão,
tentava mudar de assunto; ele o abandonava apenas por compulsão, mas
voltava a ele com entusiasmo redobrado.
Quando o grupo partiu e Mr. Arnott ficou sozinho com as damas, Cecilia,
com grande surpresa, perguntou por Mr. Harrel, observando que não o tinha
visto o dia todo.
— Oh! — exclamou sua esposa —, não fique surpresa, pois acontece com
frequência. Ele geralmente janta em casa, é fato, pois do contrário eu nunca o
veria.
— Realmente? Por que, como ele ocupa o seu tempo?
— Isso eu estou certa de que não posso dizer, pois ele nunca me consulta a
respeito, mas suponho que da mesma maneira que o fazem as outras pessoas.
— Ah, Priscila! — exclamou Cecilia, com alguma seriedade —, eu não
esperava vê-la transformada em uma dama tão refinada.
— Uma dama tão refinada? — repetiu Mrs. Harrel. — Por que, o que é
que eu faço? Eu não vivo exatamente como todas as outras pessoas que se
misturam com o mundo?
— A senhorita, Miss Beverley — disse Mr. Arnott, em voz baixa —, devo
esperar que dê ao mundo um exemplo e não tire um dele.
Logo depois, eles se separaram para a noite.
Na manhã seguinte, Cecilia teve o cuidado de preencher seu tempo de
forma mais vantajosa do que vagando pela casa em busca da companhia, que
agora não esperava encontrar. Ela reuniu seus livros e os dispôs de acordo
com o seu gosto, garantindo para si mesma uma futura ocupação para as
horas de lazer, a inesgotável base de entretenimento que a leitura, a fonte
mais rica, elevada e nobre de desfrute intelectual, proporciona perpetuamente.
Enquanto ainda tomavam seu café da manhã, elas foram novamente
visitadas por Miss Larolles. — Eu vim — exclamou ela, avidamente — para
levar vocês duas ao leilão de lorde Belgrado. Todo mundo estará lá, e nós
vamos entrar com vouchers, e vocês não têm ideia de como estará cheio de
gente.
— O que será leiloado? — perguntou Cecilia.
— Oh, tudo o que se pode imaginar: casas, estábulos, porcelanas, rendas,
cavalos, bonés, tudo o que há no mundo.
— E a senhorita pretende comprar alguma coisa?
— Oh, Céus, não, mas eu gosto de ver as coisas das pessoas.
Cecilia, então, implorou que desculpassem sua ausência.
— Oh, de forma alguma! — exclamou Miss Larolles. — A senhorita deve
ir, eu lhe asseguro; haverá uma multidão monstruosa como nunca viu na vida.
Ouso dizer que seremos espremidas até a morte.
— Este — disse Cecilia — é um estímulo que a senhorita não deve esperar
que tenha muito peso junto a uma rústica recém-chegada do interior; será
preciso todo o verniz de uma longa estadia na metrópole para tornar tal coisa
atraente.
— Oh, mas venha, eu lhe asseguro que será a melhor venda que teremos
nesta temporada. Não posso imaginar, Mrs. Harrel, o que a pobre lady
Belgrado fará; ouvi dizer que os credores se apoderaram de tudo. Eu
realmente considero os credores o grupo de pessoas mais cruel do mundo!
Eles lhe tiraram aquelas lindas fivelas dos sapatos! Pobre alma! Declaro que
sentirei uma pontada no coração ao vê-las expostas. É bastante aterrador,
devo dizer. Eu me pergunto quem vai comprá-las. Garanto que são as mais
lindas e elegantes que já vi. Mas vamos, se não formos imediatamente, não
conseguiremos entrar.
Cecilia voltou a desejar poder ser dispensada de acompanhá-las e
acrescentou que gostaria de passar o dia em casa.
— Em casa, minha querida? — exclamou Mrs. Harrel. — Ora, nós
estamos comprometidas com Mrs. Mears este mês e ela me implorou para
convencê-la a participar do grupo. Espero que ela apareça ou lhe envie um
voucher a qualquer momento.
— Que má sorte a minha — disse Cecilia — que você tenha tantos
compromissos bem agora! Espero, ao menos, que não haja nada para amanhã.
— Oh, sim, amanhã vamos à casa de Mrs. Elton.
— De novo amanhã? E quanto tempo isso vai durar?
— Oh, quem sabe! Eu vou lhe mostrar meu catálogo.
Ela então exibiu um livro que continha uma lista de compromissos por
mais de três semanas. — E à medida que estes — disse ela — são riscados,
novos são adicionados, e assim continuamos até o dia depois do nascimento.
Quando a lista foi examinada e comentada por Miss Larolles, e vista e
admirada por Cecilia, ela foi devolvida ao seu lugar, e as duas damas foram
juntas ao leilão, permitindo que Cecilia, atendendo a seus repetidos pedidos,
retornasse aos seus próprios aposentos.
Ela voltou, mas não estava satisfeita com o comportamento da amiga,
tampouco com a sua própria situação: a sobriedade da sua educação, uma vez
que desde cedo instilara em sua mente os puros ditames da religião e os
estritos princípios da honra, também a havia ensinado a considerar a
dissipação contínua como uma introdução ao vício, e a extravagância
ilimitada, um arauto da injustiça. Há muito acostumada a ver Mrs. Harrel no
mesmo retiro em que vivera até então, quando os livros eram sua primeira
diversão e a companhia da outra sua principal felicidade, a mudança que ela
agora percebia em sua mente e em suas maneiras a preocupava, assim como a
surpreendia. Ela a achava insensível à amizade, indiferente ao marido e
negligente com toda a felicidade social. Vestidos, reuniões, festas e aparições
públicas pareciam não apenas ocupar todo o seu tempo, mas também
satisfazer todos os seus desejos. Cecilia, em cujo coração resplandeciam os
mais calorosos afetos e a mais generosa virtude, estava cruelmente deprimida
e mortificada por essa decepção; no entanto, teve o bom senso de decidir não
repreender a amiga, consciente de que, se a censura tem algum poder sobre a
indiferença, é apenas o de convertê-la em aversão.
Mrs. Harrel, na verdade, era inocente de coração, embora extravagante na
vida; casada muito jovem, havia feito uma transição imediata entre viver em
meio a uma família reservada em uma cidade do interior, para se tornar a
dona de uma das casas mais elegantes de Portman Square, à frente de uma
esplêndida fortuna, e esposa de um homem cujos próprios interesses logo lhe
mostraram o pouco valor que ele mesmo atribuía à felicidade doméstica.
Imersa no círculo da moda da sociedade e diversões, sua compreensão,
naturalmente débil, foi facilmente deslumbrada pelo brilho da sua situação.
Portanto, por aspirar avidamente o ar impregnado de luxo e extravagância,
ela logo deixou de sentir prazer, senão o de competir com alguma rival em
elegância, e não tinha mais nenhuma ambição senão a de se exceder em
gastos.
O reitor, ao nomear Mr. Harrel como um dos tutores de sua sobrinha, não
tinha outra intenção senão a de ceder aos seus desejos, permitindo que ela
residisse na casa de sua amiga: ainda que não tivessem muito contato pessoal,
estava satisfeito com a nomeação, porque conhecia sua família, fortuna e
conexões, o que o persuadiu a acreditar, sem maiores indagações, que era
mais peculiarmente apropriado para sua sobrinha do que qualquer outro.
Na sua seleção dos outros dois curadores, ele havia sido mais prudente; o
primeiro deles, o honorável Mr. Delvile, era um homem bem-nascido e de
bom caráter; o segundo, Mr. Briggs, passara a vida inteira dedicado aos
negócios e já havia acumulado uma imensa fortuna; no entanto, não tinha
outro prazer na vida senão o de aumentá-la. Pela honra de Mr. Delvile,
portanto, esperava a mais escrupulosa vigilância para que sua sobrinha não
fosse ferida de modo algum, e pela experiência de Mr. Briggs em questões
financeiras e sua diligência para os negócios, esperava a mais atenta
observância de que sua fortuna, enquanto sob seus cuidados, fosse
direcionada da melhor maneira. E assim, tanto quanto foi capaz, ele havia
igualmente consultado o seu bem-estar, a sua segurança e a sua vantagem
pecuniária.
Mrs. Harrel voltou para casa a tempo de mudar de roupa para o resto do
dia.
Quando Cecilia foi chamada para o almoço, ela encontrou, além do seu
anfitrião e anfitriã e de Mrs. Arnott, um cavalheiro que ainda não tinha visto,
mas que assim que entrou na sala foi apresentado por Mr. Harrel, que dizia
ser um dos seus mais íntimos amigos.
Este cavalheiro, Sir Robert Floyer, tinha cerca de 30 anos; seu rosto não se
destacava por sua beleza nem por sua feiura, mas era suficientemente distinto
por sua expressão de invencível segurança; sua pessoa também, embora não
chamasse a atenção por sua graça nem por sua deformidade, atraía a atenção
para a insolência do seu comportamento. Suas maneiras, altivas e arrogantes,
denunciavam a alta opinião que nutria pela sua própria importância; seu
aspecto e seu discurso, ao mesmo tempo ousados e negligentes, anunciavam a
feliz perfeição do personagem que visava ser, um homem realizado da
cidade.
No momento em que Cecilia apareceu, ela se converteu no objeto da sua
atenção, embora não fosse com um olhar de admiração por sua beleza, nem
mesmo pela curiosidade despertada pela sua novidade, mas com a observação
perscrutadora de um homem a ponto de fazer uma barganha, que vê com
olhos críticos a propriedade que pretende regatear.
Cecilia, não acostumada a um exame tão pouco cerimonioso, encolheu-se
envergonhada pelos seus cumprimentos; a sua conversa não era menos
desagradável do que sua aparência; seus temas principais, que eram as
corridas de cavalos, as derrotas e as disputas nas mesas de jogos, não podiam
lhe proporcionar muita diversão, porque ela não conseguia compreendê-los, e
os episódios com os quais eram ocasionalmente intercalados, consistindo
principalmente em restrições comparativas sobre belezas célebres,
insinuações de falências iminentes e gracejos sobre divórcios recentes, eram
ainda mais desagradáveis para ela, porque eram mais inteligíveis. Cansada,
portanto, de anedotas pouco interessantes e ofendida por temas de
brincadeiras imprudentes, ela esperava com impaciência o momento de se
retirar. Mrs. Harrel, contudo, menos ansiosa porque estava mais entretida,
não tinha pressa para se retirar e, portanto, Cecilia viu-se obrigada a
permanecer calada até que ambas fossem obrigadas a se levantar a fim de
cumprir seus compromissos com Mrs. Mears.
Enquanto caminhavam juntas para a casa daquela senhora, achando-se
face a face com Mrs. Harrel, Cecilia, sem duvidar de que suas opiniões acerca
do baronete estariam de acordo, imediatamente e abertamente declarou sua
desaprovação de tudo o que ele havia dito. Mrs. Harrel, no entanto, longe de
confirmar suas expectativas, limitou-se a dizer: — Lamento que não goste
dele, pois ele está quase sempre conosco.
— Mas, você gosta dele?
— Muito. Ele é muito divertido e inteligente, e conhece o mundo.
— De que forma criteriosa o elogia! — exclamou Cecilia —, por quanto
tempo poderia deliberar antes de adicionar outra palavra ao seu discurso
panegírico!
Mrs. Harrel, satisfeita com o elogio, sem nem mesmo tentar justificá-lo,
logo se contentou em mudar de assunto, e Cecilia, embora muito preocupada
com o fato de o marido de sua amiga ter feito uma escolha tão vergonhosa de
um favorito, ainda esperava que a indulgência de Mrs. Harrel resultasse do
seu desejo de desculpar sua escolha e não de sua própria aprovação.
CAPÍTULO 5
UMA REUNIÃO
Mrs. Mears, cuja personalidade era daquele tipo comum que torna
supérflua sua delineação, recebeu-as com as formas habituais de boa
educação. Mrs. Harrel logo se envolveu em uma mesa de jogo, e Cecilia, que
se recusava a jogar, sentou-se ao lado de Miss Leeson, que se levantou para
retribuir a cortesia feita pela moça que caminhava em sua direção, mas, uma
vez passado o momento, nem sequer voltou a olhar para a nova visitante.
Cecilia, embora gostasse de conversar e tivesse sido criada para a vida
social, era muito tímida para falar quando assim tão pouco encorajada;
portanto, as duas permaneceram em silêncio, até que Sir Robert Floyer, Mr.
Harrel e Mr. Arnott entraram na sala juntos, e todos ao mesmo tempo
caminharam em sua direção.
— O quê?! — exclamou Mr. Harrel —, não prefere jogar, Miss Beverley?
— Eu me orgulho em dizer — disse Mr. Arnott — que Miss Beverley
nunca joga e, então, em ao menos uma coisa, terei a honra de afirmar que
temos algo em comum.
— Muito raramente, na verdade — respondeu Cecilia —,
consequentemente, muito mal.
— Oh, a senhorita deve receber algumas lições — disse Mr. Harrel. — Sir
Robert Floyer, estou certo, ficará orgulhoso em instruí-la.
Sir Robert, que havia se colocado em frente a ela e que olhava fixamente
para o seu rosto, fez uma ligeira inclinação de cabeça e disse: — Certamente.
— Eu seria uma aluna muito pouco promissora — respondeu Cecilia —,
pois temo que não preciso apenas de diligência para melhorar, mas também
desejar.
— Oh, a senhorita aprenderá coisas melhores — disse Mr. Harrel —, nós a
temos conosco por apenas três dias, em três meses veremos a diferença.
— Espero que não — disse Mr. Arnott —, espero sinceramente que não
haja nenhuma diferença.
Mr. Harrel uniu-se a outro grupo e Mr. Arnott, não vendo nenhum lugar
vago perto de Cecilia, moveu-se para trás do encosto de sua cadeira, onde
permaneceu pacientemente pelo resto da tarde. Sir Robert, porém, manteve
seu posto e, sem se incomodar em dizer alguma coisa, manteve os olhos fixos
no mesmo objeto. Cecilia, ofendida pela sua ousadia, buscou mil maneiras de
evitá-lo, mas seu embaraço, ao dar mais graça às suas feições, serviu apenas
para manter desperta uma atenção que de outra forma poderia ter sido
cansativa. Ela quase se sentiu tentada a virar a cadeira e olhar para Mr.
Arnott, mas, ainda que desejasse demonstrar sua desaprovação ao baronete,
ainda não estava reconciliada com a moda de dar as costas para o grupo em
geral, pelo prazer de conversar com alguma pessoa em particular, moda que
para os observadores menos acostumados pareceria grosseira e repulsiva, mas
que, uma vez adotada, promovia, ainda que de forma imperceptível, sua
própria recomendação na facilidade, comodidade e liberdade. Posicionada de
forma tão desagradável, ela encontrou pouca ajuda na proximidade de Mr.
Arnott, pois até mesmo seu desejo de conversar com ela tinha sido engolido
por um impulso ansioso e involuntário de observar os olhares e os
movimentos de Sir Robert. Por fim, bastante cansada de ficar sentada como
se fosse apenas um objeto de contemplação, ela decidiu tentar entrar em uma
conversa com Miss Leeson.
A dificuldade, porém, não deve ser desprezada: ela não estava
familiarizada com seus amigos e conexões, não estava informada da sua
maneira de pensar ou de seu modo de vida, ignorava até mesmo o som da sua
voz e ficava gelada com a frieza do seu semblante. No entanto, por não ter
outra alternativa, ela estava mais disposta a encontrar os olhares ameaçadores
da dama ao lado do que continuar silenciosamente constrangida sob os olhos
perscrutadores de Sir Robert. Depois de muito deliberar sobre qual assunto
deveria abordar, lembrou-se de que Miss Larolles estivera presente na
primeira vez em que se encontraram, e achou provável que se conhecessem.
Cecilia inclinou-se para frente e aventurou-se a perguntar se ela tinha visto a
jovem recentemente.
Miss Leeson, com uma voz igualmente inexpressiva de satisfação ou
desgosto, respondeu calmamente: — Não, madame.
Cecilia, desanimada pela brevidade da resposta, ficou alguns minutos em
silêncio, mas diante da perseverança de Sir Robert em fitá-la, e estimulando-a
a tentar evitar seus olhos, esforçou-se a ponto de acrescentar: — Mrs. Mears
espera a presença de Miss Larolles aqui esta tarde?
Miss Leeson, sem levantar a cabeça, respondeu gravemente: — Eu não sei,
madame.
Agora ela deveria fazer tudo de novo e um novo assunto deveria ser
iniciado, pois não poderia sugerir mais nada acerca de Miss Larolles.
Cecilia tinha visto pouco da vida, mas este pouco estava bem nítido, e sua
observação a havia ensinado que, entre as pessoas da moda, os lugares
públicos pareciam uma fonte inesgotável de conversa e entretenimento; sobre
este tema, portanto, esperava obter melhor êxito. Como para aqueles que
passaram mais tempo no campo do que em Londres, nenhum lugar é tão
interessante quanto um teatro, ela abordou o assunto que sugerira com tanta
alegria, perguntando se alguma peça nova tinha sido lançada recentemente.
Miss Leeson, com a mesma frieza, limitou-se a responder: — Na verdade,
não sei dizer.
Seguiu-se outra pausa e o ânimo de Cecilia foi consideravelmente abatido,
mas, ao se recordar acidentalmente do nome Almack,7 ela logo reanimou-se
e, felicitando-se por agora poder falar de um lugar que estava muito na moda
para ser desdenhado, perguntou-lhe, de maneira um pouco mais segura, se ela
era membro dos clubes.
— Sim, madame.
— E a senhorita vai aos clubes com frequência?
— Não, madame.
Mais uma vez, ambas ficaram em silêncio. Então, cansada do fracasso de
cada indagação em particular, ela pensou que uma pergunta mais
generalizada poderia obter uma resposta menos lacônica e, portanto,
implorou que lhe informasse qual era o lugar de diversão mais em voga para
a temporada atual.
Esta pergunta, no entanto, não custou à Miss Leeson mais problemas do
que qualquer outra que a precedeu, pois ela apenas respondeu: — Na
verdade, não sei.
Cecilia começou a ficar enjoada das suas tentativas e, por alguns minutos,
desistiu da ideia, achando-a inútil; mas depois, quando refletiu sobre quão
frívolas eram as perguntas que havia feito, sentiu-se mais inclinada a perdoar
as respostas que recebera, e em pouco tempo imaginou que havia confundido
desprezo com estupidez e ficou menos zangada com Miss Leeson do que
envergonhada de si mesma.
Tal suposição a estimulou a testar seus talentos para a conversação, e, para
tanto, reuniu toda a coragem ao seu alcance e, modestamente, desculpou-se
pela liberdade que estava tomando e, em seguida, pediu permissão para
perguntar se havia algo novo na literatura que ela achava que valia a pena
recomendar.
Miss Leeson voltou os olhos para ela, como se quisesse confirmar que
tinha ouvido direito, e quando a atitude atenta de Cecilia confirmou sua
pergunta, a surpresa por alguns instantes tomou o lugar da insensibilidade.
Com um pouco mais de ânimo do que havia demonstrado até então, ela
respondeu: — Na verdade, eu não sei nada sobre o assunto.
Cecilia ficou completamente desconcertada, meio zangada consigo mesma
e totalmente irritada com a vizinha taciturna; ela decidiu não permitir no
futuro que nada a provocasse a um julgamento semelhante sobre um assunto
tão pouco promissor. No entanto, não precisou mais suportar o exame de Sir
Robert, que, bastante satisfeito em contemplá-la fixamente por algum tempo,
girou sobre os calcanhares e já estava deixando a sala quando foi
interrompido por Mr. Gosport, que por algum tempo o observava. Mr.
Gosport era um homem de muitos talentos e sátira perspicaz, minucioso em
suas observações e irônico nas expressões.
— Então, o senhor não joga, Sir Robert? — perguntou ele.
— Aqui? Não. Estou indo ao Brooks’s.8
— O que achou da protegida de Harrel? O senhor fez uma boa avaliação
dela.
— Ora, não sei bem, não muito, eu acho; é uma mulher diabolicamente
bonita, mas não tem espírito, não tem vida.
— Você lhe deu uma chance? Conversou com ela?
— Na verdade, não!
— Então, como pode julgá-la?
— Ora, não importa; ninguém pensa em conversar com as mulheres para
lhes dar uma chance.
— Que outro método, então, o senhor adota?
— Nenhum.
— Nenhum? Como é isso?
— Bem, são elas que falam conosco. As mulheres tomam todos os
problemas para si nos dias de hoje.
— Por favor, desde quando se tornou tão presunçoso? Esta é uma parte da
sua personalidade que eu não conhecia.
— Não, espere, não é por diversão, é apenas preguiça. Quem diabos vai se
dar ao trabalho de conversar com as mulheres, quando mantê-las à distância
as faz dançar com a gente?
Ele caminhou na direção de Mr. Harrel, pegou-o pelo braço e os dois
saíram da sala juntos.
Mr. Gosport aproximou-se de Cecilia, dirigiu-se a ela de forma a não ser
ouvido por Miss Leeson e disse: — Há algum tempo que desejo me
aproximar da senhorita, mas o temor de que já esteja dominada pela
loquacidade da sua bela vizinha me tornou cauteloso para abordá-la.
— O senhor quer dizer — disse Cecilia —, rir da minha loquacidade e, de
fato, do fracasso que a tornou suficientemente ridícula.
— A senhorita, então, não sabe — disse ele — que há certas jovens que
têm como regra nunca conversar senão com suas amigas? Esta é a classe de
Miss Leeson, e, até que entre em seu círculo particular, não espere ouvir dela
uma palavra de duas sílabas. As damas TON,9 como são chamadas, que agora
infestam a cidade, dividem-se em dois grupos: as ARROGANTES e as
VOLÚVEIS. As ARROGANTES, como Miss Leeson, são silenciosas,
desdenhosas, lânguidas e afetadas, e desdenham de todos com quem
conversam, exceto o seu próprio grupo. As VOLÚVEIS, como Miss Larolles,
são atiradas, comunicativas, inquietas e atrevidas, e atacam sem a menor
cerimônia todos os que consideram dignos da sua atenção. Mas uma coisa
elas têm em comum: em casa, não pensam em nada além de vestidos; quando
estão fora de casa, só pensam em adulação, e, em todos os lugares,
demonstram um supremo desprezo por todos, exceto por elas mesmas.
— Provavelmente, então — disse Cecilia —, eu já estive com uma das
VOLÚVEIS; no entanto, toda a vantagem está com a ARROGANTE, pois fui
tratada com total repulsa.
— A senhorita está certa, no entanto, de que foi gentil com ela?
— Oh, uma criança de cinco anos deveria ter sido chicoteada por não ser
mais gentil.
— Mas não é apenas habilidade que deve buscar quando falar com as
damas TON; se seus entendimentos fossem apenas considerados, elas seriam
de fato maravilhosamente fáceis de acessar. Mas para tornar as coisas mais
difíceis, elas só ficam satisfeitas com a observância dos seus humores, que
são sempre mais variados e mais exuberantes onde os intelectos são mais
fracos e menos cultivados. Tenho, no entanto, uma receita que é infalível para
atrair a atenção de jovens damas de qualquer personalidade ou denominação.
— Oh, nesse caso — disse Cecilia —, favoreça-me com esta receita, pois
tenho aqui uma admirável oportunidade de provar sua eficácia.
— Eu o farei — disse ele —, e lhe darei instruções completas. Quando
estiver diante de uma jovem que parece resolutamente determinada a não
conversar, ou que, se compelida por uma pergunta direta a dar alguma
resposta, faça uma afirmação breve e seca, ou uma negativa lacônica e fria...
— O caso em questão — interrompeu Cecilia.
— Bem, assim circunstanciado — continuou ele —, o remédio que tenho a
propor consiste em três tópicos para conversação.
— Por favor, quais são eles?
— Vestidos, locais públicos e romance.
Cecilia, tanto surpresa quanto distraída, aguardou uma explicação mais
completa sem interrupção.
— Estes três tópicos — continuou ele — devem responder a três
propósitos, uma vez que não há menos do que três causas das quais pode
proceder o silêncio das jovens: tristeza, afetação e estupidez.
— O senhor, então — perguntou Cecilia —, não atribui nada à modéstia?
— Sim, muito — respondeu ele —, como uma desculpa, ou melhor, quase
como um equivalente para sagacidade, mas para aquele silêncio taciturno que
resiste a todo encorajamento, a modéstia é um mero fingimento, não uma
causa.
— O senhor vai precisar ser um pouco mais explícito, se acha que devo me
beneficiar das suas instruções.
— Bem, então — respondeu ele —, vou enumerar brevemente as três
causas, com instruções para os três métodos de cura. Para começar, a tristeza.
A taciturnidade que realmente resulta dela é acompanhada por uma ausência
incurável da mente e uma total inconsciência da observação que ela suscita;
nesta ocasião, as aparições públicas podem, às vezes, provar serem
infrutíferas, e até mesmo o vestuário pode falhar; mas, o romance...
— O senhor tem mesmo certeza — perguntou Cecilia, rindo — que a
tristeza não tem mais do que uma fonte?
— De maneira alguma — disse ele —, porque talvez o papai esteja
zangado ou a mamãe chateada; uma modista pode ter enviado um pompom
equivocado, ou uma acompanhante de uma reunião pode ter adoecido...
— São assuntos amargos e aflitivos, de fato! — disse Cecilia, rindo do
absurdo.
— Não, eu falo apenas das damas da moda, que acontecimentos poderiam
ter mais importância para elas? Se, no entanto, a dor da bela paciente procede
do papai, da mamãe ou da acompanhante, então a menção a lugares públicos,
esses intermináveis incentivos de desgosto entre velhos e jovens, provocará
suas queixas, e suas queixas trarão sua própria cura, pois aqueles que
lamentam encontram consolo rápido; se foi a modista quem ocasionou a
calamidade, a discussão sobre o vestuário terá o mesmo efeito; se ambos os
remédios falharem, o romance, como já disse, será considerado infalível,
porque então terá investigado todos os assuntos de inquietação que jovens
mulheres da moda podem vivenciar.
— Elas devem ficar muito gratas ao senhor, por lhes conceder tão
honrosos motivos de tristeza, e eu agradeço em nome de todo o sexo! —
exclamou Cecilia, curvando-se.
— A senhorita — disse ele, devolvendo a reverência —, espero que seja
uma exceção e, felizmente, não carregue nenhuma tristeza. Chego, agora, ao
silêncio da afetação, que atualmente é perceptível pelo andar errante dos
olhos pelo aposento para ver se está chamando alguma atenção, pelo cuidado
diligente para evitar um sorriso acidental e pela variedade de atitudes
desconsoladas exibidas aos observadores. Este tipo de silêncio tem quase
sempre sua origem naquela vaidade infantil, que sempre se satisfaz com a
atenção excitante, sem nunca perceber que provoca desprezo. Nesses casos,
como a natureza está totalmente fora de questão e a mente está protegida
contra seus próprios sentimentos, a vestimenta e os locais públicos estão
seriamente propensos a falhar, mas aqui novamente o romance certamente
vencerá; assim que é nomeado, a atenção torna-se involuntária e, em pouco
tempo, um sorriso afetado confunde a disposição dos traços, e então o
assunto está encerrado, pois ou a dama está apoiando algum sistema, ou se
opondo a alguma proposição, antes de perceber que foi completamente
enganada e retirada do seu triste silêncio.
— Já é muito — disse Cecilia —, para tristeza e afetação. Prossiga com
estupidez, pois isso é bem provável que eu encontre com mais frequência.
— Este sempre será um trabalho árduo — respondeu ele —, mas a estrada
é plana, embora seja toda colina acima. O romance, aqui, pode ser citado sem
despertar nenhuma emoção, sem provocar qualquer tipo de resposta, e o tema
vestimenta pode ser prolongado sem produzir outro efeito além de atrair um
olhar vago, mas os locais públicos são indubitavelmente garantia de êxito.
Personagens monótonas e pesadas, incapazes de se animar pelo humor ou
pela razão, porque são incapazes de acompanhar seu ritmo e são desprovidas
de todas as fontes internas de entretenimento, requerem o estímulo do
espetáculo, do resplendor, do barulho e da agitação para interessá-las ou
despertá-las. Fale com elas sobre esses assuntos e elas irão adorá-la; não
importa se lhes pintar um cenário de alegria ou de horror, desde que haja
ação, e elas ficarão contentes; uma batalha tem para elas os mesmos encantos
de uma coroação, e um funeral as diverte tanto quanto um casamento.
— Estou muito grata ao senhor — disse Cecilia, sorrindo — por estas
instruções, mas devo confessar que não sei como fazer uso delas no presente
momento; locais públicos eu já tentei, mas foi em vão; não ouso falar sobre
vestimenta, pois ainda não aprendi seus termos técnicos...
— Bem, mas — interrompeu ele — não deve se desesperar; a senhorita
ainda tem o terceiro tópico não abordado.
— Ah, esse — respondeu ela — eu deixo para o senhor!
— Perdoe-me — exclamou ele —, o romance é fonte de loquacidade
apenas para vocês; quando é incitado por um homem, as jovens tornam-se
meras ouvintes. Ouvintes simplórias, eu confesso, mas é apenas entre vocês
mesmas que poderão discutir seus méritos.
Nesse momento eles foram interrompidos pela aproximação de Miss
Larolles, que caminhou na direção de Cecilia e exclamou: — Meu Deus,
como estou satisfeita em vê-la! Então, não foi ao leilão! Bem, a senhorita
teve uma perda prodigiosa, eu posso garantir. Todo o guarda-roupa foi
vendido, e todos os berloques de lady Belgrado. Nunca vi uma coleção de
coisas mais lindas em toda a minha vida! Eu já estava a ponto de chorar por
não poder dar lances por meia centena deles. Confesso que agonizei durante
toda a manhã. Eu não teria deixado de ir por nada no mundo! Pobre Mrs.
Belgrado! A senhorita realmente não pode imaginar como fiquei consternada
por ela? Todos os seus lindos pertences foram vendidos por quase nada. Eu
garanto que, se tivesse visto como aconteceu, a senhoria teria perdido toda a
paciência. É uma lástima que não estivesse lá.
— Muito pelo contrário — disse Cecilia —, acho que tive muita sorte, pois
a perda de paciência sem a aquisição dos berloques teria sido bastante
mortificante.
— Sim — disse Mr. Gosport —, mas, quando tiver vivido mais algum
tempo nesta cidade, encontrará na transferência da paciência para a
mortificação o trânsito mais comum e constante entre os seus habitantes.
— Ora, o senhor está aqui há muito tempo? — perguntou Miss Larolles
—, já estive em vinte lugares e me pergunto se já não o encontrei antes. Mas
onde está Mrs. Mears? Ah, eu a vejo agora. Tenho certeza de que é ela. Eu
poderia reconhecê-la por aquele velho vestido vermelho a meia milha de
distância. Já viu alguma coisa tão espantosa em sua vida? E ela nunca o tira.
Acho que dorme com ele. Tenho certeza de que não a vi usando outra coisa
durante todo o inverno. É bastante cansativo para os olhos. Ela se veste da
forma mais monstruosa e lamentável. Mas sabe que passei pela coisa mais
provocante do mundo esta noite? Confesso que me deixou bastante doente.
Nunca estive tão aborrecida em minha vida. A senhorita nunca vai ver nada
parecido.
— Parecido com o quê — perguntou Cecilia, rindo —, seu aborrecimento
ou sua provocação?
— Ora, eu vou lhe dizer o que aconteceu, e a senhorita poderá julgar se
não foi de todo insuportável. A senhorita deve saber que incumbi uma
determinada amiga minha, Miss Moffat, de comprar uma passamanaria para
mim quando fosse a Paris. Bem, ela a enviou cerca de um mês atrás por Mr.
Meadows, e é a coisa mais linda que já se viu, mas eu não poderia fazer jus a
ela, pois não havia uma só criatura na cidade, então pensei em usá-la pela
primeira vez há cerca de uma semana, pois, a senhorita sabe, nada acontece
até o Natal. Bem, esta tarde, na casa de lady Jane Dranet, quem eu encontrei,
senão Miss Moffat? Ela estava na cidade há alguns dias, mas estava tão
monstruosamente comprometida que nunca consegui encontrá-la em casa.
Bem, eu fiquei muito feliz em vê-la, porque a senhorita deve saber que ela é
uma das minhas favoritas, então corri até ela com muita pressa para apertar
sua mão, e o que a senhorita acha que foi a primeira coisa que chamou minha
atenção? Ora, era uma passamanaria igual a minha, sobre um vestido
repugnante e odioso, e estava meio suja! Pode imaginar algo tão angustiante?
Eu poderia ter chorado.
— Mas, por quê? — perguntou Cecilia —, se a passamanaria dela estava
suja, a sua iria parecer mais delicada.
— Oh, Deus! A senhorita fala como se fosse um caso antigo. Metade da
cidade vai ter uma assim. E eu fiquei bem arruinada para comprá-la. Eu
confesso, acho que nada na vida pode ter sido tão mortificante. Eu fiquei
muito angustiada e mal conseguia falar com ela. Se ela tivesse demorado
mais um mês ou dois, eu não teria me importado, mas foi a coisa mais cruel
do mundo vir para cá agora. Gostaria que os oficiais da alfândega tivessem
guardado todas as roupas dela até o verão.
— É um desejo afetuoso, de fato — disse Cecilia —, para uma amiga em
particular.
Nesse momento, Mrs. Mears levantou-se da mesa de jogo, e Miss Larolles
foi cumprimentá-la.
— Aqui, ao menos — exclamou Cecilia —, nenhuma receita parece ser
necessária para a cura do silêncio! Queria que Miss Larolles fosse a
companhia constante de Miss Leeson; elas combinariam admiravelmente,
uma vez que a jovem ARROGANTE parece decidida a nunca falar, e a
VOLÚVEL Miss Larolles a nunca se calar. Se cada uma delas tomasse algo
emprestado da outra, elas seriam pessoas muito melhores.
— Ainda assim a composição seria lamentável — disse Mr. Gosport —,
pois creio que elas são igualmente débeis e ignorantes. A única diferença é
que uma, embora tola, é rápida; a outra, embora deliberada, é estúpida. Em
um relacionamento breve, esse abatimento que deixa para os demais todo o
peso do discurso e toda a busca por entretenimento é o mais fatigante, mas,
em uma intimidade mais duradoura, mesmo isso é menos enfadonho e menos
ofensivo do que a petulância daquele que não ouve nada além de si mesmo.
Neste instante, Mrs. Harrel levantou-se para partir, e Cecilia, não mais
cansada do início da noite do que entretida com sua conclusão, foi levada à
carruagem por Mr. Arnott.
CAPÍTULO 6
UM DESJEJUM
UM PROJETO
UM ENSAIO DE ÓPERA
UMA SÚPLICA
UMA PROVOCAÇÃO
UMA NARRATIVA
UM HOMEM RICO
UM HOMEM DE FAMÍLIA
UM BAILE DE MÁSCARAS
UMA AVENTURA
UM AMIGO REQUINTADO
Assim que voltaram para casa, Cecilia implorou a Mrs. Harrel que não
desperdiçasse um só minuto antes de informar Mr. Harrel sobre o assunto.
Mas a mulher estava impotente e não sabia como fazê-lo: ela não sabia dizer
onde ele estava, tampouco conseguia conjecturar onde ele poderia estar.
Cecilia, então, pediu para chamarem o seu criado e, após indagá-lo, soube
que ele estava, provavelmente, na residência dos Brookes, na St. James’s
Street. Ela suplicou a Mrs. Harrel que escrevesse para ele.
Mrs. Harrel não sabia o que dizer.
Cecilia, portanto, igualmente rápida na formulação e na execução dos seus
projetos, escreveu a mensagem ela mesma e lhe implorou que, sem perder um
só instante, ele encontrasse seu amigo Sir Robert Floyer e se esforçasse para
estabelecer um acordo entre ele e Mr. Belfield, com quem tivera uma
pequena disputa na Opera House.
O homem logo retornou com uma resposta de Mr. Harrel, que dizia que
não deixaria de atender ao seu pedido.
Ela decidiu permanecer sentada até que ele voltasse para casa, a fim de
inteirar-se da negociação. Ela considerava a si mesma a causa definitiva da
disputa, mas mal sabia como ou quem culpar: o comportamento de Sir Robert
sempre fora ofensivo; ela não gostava das suas maneiras e detestava sua
ousadia, e ela já havia manifestado sua intenção de aceitar a ajuda de Mr.
Belfield antes que ele a seguisse com sua própria oferta. Na verdade, ela não
tinha certeza se ele havia comentado o acontecido, mas ela tinha motivos para
pensar que, nestas circunstâncias, se tivesse mudado sua intenção, o fato teria
sido interpretado como um encorajamento que poderia ter autorizado uma
presunção futura da sua preferência. Tudo o que ela pôde encontrar para
arrepender-se com relação a si mesma foi não ter tido a presença de espírito
para recusar a cordialidade de ambos.
Mrs. Harrel, embora realmente lamentasse todo o caso, considerava-se tão
despreocupada com o fato que, sentindo uma certa fatiga pela falta de
companhia, logo ficou com sono e retirou-se para o seu próprio quarto. A
ansiosa Cecilia ficou sozinha enquanto aguardava o retorno de Mr. Harrel a
qualquer instante; foi só por volta das quatro horas da manhã que ele
apareceu.
— Bem, senhor — disse ela, no momento em que o viu —, temo que, por
ter voltado para casa tão tarde, tenha tido muitos problemas, mas espero que
tenha sido bem-sucedido.
Grande, porém, foi sua consternação quando ele respondeu que nem
mesmo tinha visto o baronete, pois encontrava-se engajado de maneira tão
particular que não poderia abandonar seus acompanhantes antes das três da
manhã, hora em que se dirigiu à residência de Sir Robert, mas onde foi
informado de que ele ainda não havia retornado. Cecilia, embora muito
enojada com tal amostra de insensibilidade para com um homem a quem ele
fingia chamar de amigo, não o abandonou até que ele prometesse se levantar
com o amanhecer do dia e fizesse um esforço para recuperar o tempo perdido.
Ela não estava mais surpresa com as dívidas de Mr. Harrel ou com suas
ocasiões especiais voltadas ao dinheiro. Estava convencida de que ele
passava metade da noite jogando, e as consequências, por mais terríveis que
fossem, eram naturais. O fato de Sir Robert Floyer fazer o mesmo era uma
questão de muito menos importância para ela, mas o fato de que a vida de
qualquer homem, por seus meios, pudesse estar em perigo a perturbava
inexprimivelmente.
Ela foi para a cama, mas levantou-se novamente às seis horas e vestiu-se à
luz de velas. Depois de uma hora, mandou alguém verificar se Mr. Harrel
estava acordado e, ao ouvir que ainda dormia, deu ordens para que fosse
chamado. Mesmo assim, ele não se levantou antes das oito horas, e nem todas
as mensagens ou reclamações dela foram capazes de tirá-lo de casa antes das
nove. Ele mal havia saído quando Mr. Monckton chegou; pela primeira vez,
ele teve a satisfação de encontrá-la sozinha.
— Que bom que o senhor veio tão cedo! — exclamou ela. — O senhor viu
Mr. Belfield? Já conversou com ele?
Alarmado pela sua ansiedade e ainda mais ao notar pelo seu aspecto a
noite mal dormida, ele a princípio não respondeu; quando, com uma
impaciência crescente, ela repetiu a pergunta, ele limitou-se a dizer: —
Belfield já a visitou desde que teve a honra de encontrá-la em minha casa?
— Não, nunca.
— A senhorita o vê com frequência em público?
— Não, eu nunca o vi, exceto na noite em que Mrs. Harrel recebeu os
mascarados e ontem à noite, na ópera.
— Sendo assim, é pela segurança de Sir Robert que está tão ansiosa?
— É pela segurança de ambos; a causa da sua disputa foi tão insignificante
que não posso suportar a ideia de que suas consequências sejam mais sérias.
— Mas a senhorita não deseja o melhor para um deles, mais do que para o
outro?
— Por uma questão de justiça, sim, mas não por qualquer parcialidade. Sir
Robert foi, sem dúvida, o agressor, e Mr. Belfield, ainda que a princípio
tenha sido muito impetuoso, foi certamente maltratado.
A franqueza no discurso recuperou Mr. Monckton de suas apreensões; ele
observou seus olhos atentamente enquanto falava, e fez o seguinte relato:
Que ele havia se apressado para ir à pensão de Belfield no momento em
que deixara a Opera House, após repetidas negações, forçou-se a entrar em
seu quarto, onde ele estava sozinho e muito agitado; eles conversaram por
mais de uma hora sobre o motivo da briga, mas ele descobriu que o outro
estava tão ressentido com o insulto pessoal feito por Sir Robert, que nenhuma
objeção teve qualquer efeito em fazê-lo alterar sua resolução de exigir
satisfação.
— E o senhor conseguiu convencê-lo a aceitar algum acordo antes de
deixá-lo? — perguntou Cecilia.
— Não, pois antes de chegar até ele, o desafio para o duelo já tinha sido
enviado.
— Um duelo?! Meu bom Deus! O senhor sabe quando?
— Eu estive em sua pensão novamente esta manhã, mas ele não tinha
voltado para casa.
— Não era possível segui-lo? Não havia meios de descobrir para onde
tinha ido?
— Não; para evitar qualquer perseguição, ele saiu de casa antes que
qualquer pessoa acordasse, e levou seu criado com ele.
— O senhor, então, foi ver Sir Robert?
— Eu estive em Cavendish Square, mas lá, ao que parece, ele não
apareceu durante toda a noite. Eu tentei rastreá-lo, através de seus criados,
desde a ópera até uma casa de jogos, onde descobri que ele havia se divertido
até esta manhã.
A inquietação de Cecilia aumentava a cada momento. Mr. Monckton,
percebendo que não tinha outra chance de satisfazê-la, ofereceu seus serviços
para ir novamente em busca de ambos os cavalheiros e esforçar-se para trazer
melhores informações. Ela aceitou a proposta com gratidão e ele partiu.
Pouco tempo depois, Mr. Arnott uniu-se a ela, o qual, embora tomado por
todos os horrores do ciúme, ao ver suas apreensões, ficou tão desejoso de
aliviá-las que, sem sequer fazer qualquer mérito à sua intenção de atendê-la,
quase instantaneamente partiu para a mesma missão empregada por Mr.
Monckton, mas decidido a não mencionar seu projeto até que pudesse
certificar-se de que ele lhe permitiria trazer boas notícias.
Ele mal tinha saído quando ela soube que Mr. Delvile solicitava uma
conversa com ela. Surpresa por tal condescendência, ela desejou que ele fosse
admitido imediatamente, mas sua surpresa aumentou muito quando, no lugar
do seu guardião ostentoso, ela contemplou novamente seu amigo mascarado,
o domino branco.
Ele desculpou-se por uma intrusão não autorizada pelos seus conhecidos
ou por seus negócios, embora, de alguma forma, ele esperasse que fosse
atenuada por sua ligação próxima com alguém que tinha o privilégio de se
interessar pelos seus assuntos. Então, apressando-se para discutir o objeto que
havia motivado sua visita, disse: — Quando tive a honra de vê-la ontem à
noite na Opera House, aquela infeliz disputa parecia ter lhe causado uma
inquietude que não poderia deixar de ser dolorosa para todos os que a
observavam, e como entre todas aquelas pessoas eu não pude me deslocar até
lá, a senhorita deve perdoar, assim espero, minha impaciência em ser o
primeiro a lhe trazer a notícia de que nada fatal aconteceu, ou é provável que
aconteça.
— O senhor — disse Cecilia — me faz uma grande honra. Na verdade, me
libera de um suspense extremamente desagradável. Uma pacificação, eu
suponho, foi obtida esta manhã?
— Eu penso — respondeu ele, sorrindo — que a senhorita espera demais,
mas a esperança nunca é tão elástica como quando surge das ruínas do terror.
— Qual é, então, o problema? Eles não estão a salvo?
— Sim, perfeitamente a salvo, mas não posso dizer que nunca estiveram
em perigo.
— Bem, fico contente que esteja terminado, mas o senhor me fará um
favor se me informar o que aconteceu.
— Será um prazer, madame, atender ao seu pedido. O que vi me deu
muitas razões para acreditar que medidas mais violentas seguiriam a confusão
da noite anterior; no entanto, como descobri que a disputa fora acidental e
que a ofensa não tinha sido premeditada, pensei que não era absolutamente
impossível que uma mediação rápida pudesse fazê-los chegar a um acordo;
pelo menos, valeria a pena tentar, pois, embora a ira que se ascende
lentamente ou que se nutre durante muito tempo seja sombria e intratável, a
raiva repentina, que não teve tempo para impressionar a mente com uma
profunda sensação de dano, quando gentilmente administrada, às vezes pode
ser apaziguada com a mesma rapidez com que fora excitada. Eu esperava,
portanto, que alguma concessão insignificante de Sir Robert, como o
agressor...
— Ah, senhor! — exclamou Cecilia. — Isso, eu temo, não poderia ser
obtido.
— Não por mim, devo admitir — respondeu ele. — Mas eu não estava
disposto a pensar nas dificuldades e, portanto, aventurei-me a fazer a
proposta: mal deixei a Opera House e já estava utilizando todos os
argumentos possíveis para persuadir Sir Robert de que um pedido de
desculpas não afetaria seu valor nem sua reputação. Porém, seu espírito não
tolerou a humilhação.
— Espírito! — exclamou Cecilia. — Que palavra mais doce! O que, então,
o pobre Mr. Belfield decidiu fazer?
— Isso, creio eu, ele não levou muito tempo para decidir. Eu descobri
onde ele morava, por meio de um cavalheiro da ópera que o conhecia, e fui
até lá com a intenção de oferecer meus serviços para resolver o caso por
arbitragem; como a senhorita o chama de pobre Mr. Belfield, creio que
permitirá, sem ofender seu antagonista, que eu reconheça que sua galanteria,
embora muito impetuosa para elogios, me envolveu em seus interesses.
— Espero que o senhor não pense — disse Cecilia — que uma ofensa ao
seu antagonista represente necessariamente uma ofensa à minha pessoa.
— O que quer que eu tenha pensado — respondeu ele, olhando para ela
com evidente surpresa —, certamente não desejava que existisse entre vocês
uma simpatia ofensiva e uma defensiva. Mesmo assim, não pude falar com
Mr. Belfield na noite passada, mas o assunto ficou na minha mente, e esta
manhã fui à sua pensão assim que o dia amanheceu.
— Quanta bondade da sua parte! — exclamou Cecilia. — Espero que sua
amável atitude não tenha se mostrado ineficaz!
— Um Dom Quixote tão valoroso — respondeu ele, rindo — certamente
merecia um fiel escudeiro. Ele, entretanto, já havia saído, e ninguém sabia
para onde. Cerca de meia hora atrás, eu voltei a visitá-lo; ele tinha acabado de
voltar para casa.
— E então, senhor?
— Eu o vi; o assunto já estava terminado, e, em pouco tempo, ele poderá,
se a senhorita lhe der a honra, desculpar-se.
— Ele está ferido?
— Ele está um pouco ferido, mas Sir Robert está perfeitamente a salvo.
Belfield atirou primeiro e errou; o baronete teve mais sucesso.
— Eu sinto muito, de verdade! Onde ele foi ferido?
— A bala entrou pelo seu lado direito e, no momento em que a sentiu, ele
disparou sua segunda pistola para o ar. Foi o que eu ouvi do seu criado. Ele
foi levado para casa com cuidado e devagar; nenhum cirurgião estava no
local, mas um foi chamado imediatamente. Eu fiquei para saber sua opinião
depois que o ferimento foi tratado: ele me disse que havia extraído a bala e
me garantiu que Mr. Belfield estava fora de perigo. A sua inquietação,
madame, na noite de ontem, esteve sempre comigo e me encorajou a tomar a
liberdade de vir vê-la, pois eu concluí que a senhorita ainda não deveria ter
notícias e achei melhor deixar o fato puro e simples superar o provável
exagero do boato.
Cecilia agradeceu sua atenção. Quando Mrs. Harrel apareceu, ele
levantou-se e disse: — Se meu pai tivesse conhecimento da honra que tive
esta manhã de servir a Miss Beverley, estou certo de que teria sido
encarregado de prestar-lhe os seus respeitos, e tal incumbência teria
diminuído um pouco a presunção desta visita; mas eu temia que, enquanto
estivesse interessada em minhas credenciais, a pretensão de minha missão
diplomática pudesse se perder, e outros mensageiros, menos escrupulosos,
pudessem obter audiências anteriores e antecipar meus despachos.
Ele, então, partiu.
— Afinal, o domino branco — disse Cecilia — é filho de Mr. Delvile! É
por isso que o fato de conhecer tão bem minha situação me surpreendeu
tanto: um filho tão infinitamente diferente do pai!
— Sim — disse Mrs. Harrel —, e tão diferente da mãe também, pois eu
lhe garanto que ela é mais orgulhosa e arrogante até do que o velho
cavalheiro. Eu detesto a própria visão dela, pois ela mantém todos tão
assustados que não há nada além de moderação em sua presença. Mas o filho
é um jovem muito bonito e muito admirado, embora eu só o tenha visto em
público, pois ninguém da sua família nos visita.
Mr. Monckton, que logo retornara, ficou muito surpreso ao descobrir que
todas as informações que pretendia lhe dar já eram conhecidas, e não ficou
satisfeito ao saber que o domino branco, a quem antes não devia boa vontade,
tinha, assim, o precedido oficiosamente.
Mr. Arnott, que chegara logo depois dele, tinha ficado tão insatisfeito com
o resultado das suas investigações que, com medo de aumentar a aflição de
Cecilia, decidiu não revelar onde tinha estado, mas logo percebeu que sua
indulgência tinha sido inútil, pois ela já estava a par do duelo e de suas
consequências. No entanto, seu incessante desejo de agradá-la o instigou a
duas vezes no mesmo dia voltar a visitar a pensão de Mr. Belfield, a fim de
lhe trazer informações frescas e não solicitadas.
Antes que terminassem o desjejum, Miss Larolles, sem fôlego de tanta
ansiedade, parou para contar a notícia do duelo, a caminho da igreja, já que
era domingo de manhã. Logo depois, Mrs. Mears, acompanhada por outras
damas, trouxe o mesmo relato, também direcionado a Cecilia, com
expressões de preocupação que a convenceram de que, para seu infinito
aborrecimento, ela era considerada a pessoa mais interessada no acidente.
Mr. Harrel só retornou bem mais tarde, mas parecia muito animado. —
Miss Beverley — disse ele —, trago-lhe notícias que compensarão todo o seu
medo: Sir Robert não apenas saiu ileso como foi o vencedor.
— Lamento em dizer, senhor — respondeu Cecilia, extremamente
provocada por ser assim felicitada —, que ninguém foi vencedor, tampouco
perdedor.
— Não há motivo para tristeza — disse Mr. Harrel —, ou qualquer outro
sentimento senão o de alegria, pois ele não matou o homem; a vitória,
portanto, não lhe custará uma fuga, nem um julgamento. Hoje ele pretende
visitá-la e depositar seus louros a seus pés.
— Ele vai se incomodar à toa — disse Cecilia —, pois não tenho nenhuma
ambição de ser tão honrada.
— Ah, Miss Beverley — respondeu ele, rindo —, ninguém vai acreditar
nisso agora! No passado, talvez, mas não agora, eu lhe garanto.
Cecilia, embora muito desgostosa com a acusação, descobriu que negá-la
só excitava mais zombarias e, portanto, convenceu a si mesma a lhe oferecer
uma audiência tranquila e quase nenhuma resposta.
Na hora do almoço, quando Sir Robert chegou, a antipatia que ela
originalmente sentia por ele, transformada em repulsa pelo seu
comportamento na noite anterior, agora se convertera na mais forte aversão
pelo horror que ela concebia da sua ferocidade e pela indignação excitada
pela sua arrogância. Ele parecia, como resultado do sucesso do duelo,
acreditar que havia sido elevado ao mais alto pináculo da glória humana; o
triunfo estava exultante em sua testa; ele desprezava qualquer pessoa a quem
se dignasse a olhar, e demonstrava que considerava sua observação uma
espécie de honra, por mais imperiosa que fosse a maneira como era
concedida. Sobre Cecilia, no entanto, seu olhar era mais complacente; ele
agora acreditava que ela tinha sido dominada e sua vaidade se deleitava com
a crença; sua ansiedade o tinha convencido tão completamente do seu amor,
que ela mal conseguia desiludi-lo: seu silêncio, ele apenas atribuía à
admiração; sua frieza, ao medo, e sua reserva, à vergonha.
Enojada por uma insolência tão dissimulada e não autorizada, e indignada
pelo triunfo de sua brutalidade bem-sucedida, Cecilia dolorosamente
manteve-se em seu assento, e com muito desgosto refletia sobre a
necessidade de passar uma parte tão grande do seu tempo na companhia de
alguém por quem sentia extrema aversão.
Depois do almoço, enquanto Mrs. Harrel falava sobre as companhias que
teria naquela noite, da qual Cecilia se recusou a fazer parte, Sir Robert, com
uma espécie de humildade orgulhosa, que parecia temer uma rejeição, mas
que ao mesmo tempo proclamava indiferença em recebê-la, disse: — Eu não
me incomodo se não puder ir mais longe se Miss Beverley me conceder a
honra de me acompanhar no chá.
Cecilia olhou para ele com grande surpresa e respondeu que tinha cartas
para escrever, o que a deixaria confinada em seu quarto pelo resto da tarde. O
baronete, olhando para o relógio, disse no mesmo instante: — Puxa, que
sorte, acabo de me lembrar de um compromisso no outro extremo da cidade
que tinha escapado da minha memória.
Quando todos haviam partido, Cecilia recebeu uma mensagem de Mrs.
Delvile, implorando o favor da sua companhia para o café da manhã no dia
seguinte. Ela prontamente aceitou o convite, embora não estivesse de forma
alguma preparada, pelo que ouvira da sua personalidade, a esperar obter
algum prazer do encontro com aquela dama.
CAPÍTULO 17
Na manhã seguinte, entre nove e dez horas, Cecilia foi a St. James’s
Square; ela não encontrou ninguém imediatamente pronto para recebê-la, mas
em pouco tempo foi atendida por Mr. Delvile.
— Miss Beverley — disse ele depois das saudações habituais —, dei
ordens expressas ao meu pessoal para que não seja interrompido enquanto
tenho o prazer de passar alguns minutos conversando com a senhorita antes
de ser apresentada à Mrs. Delvile.
Então, com um ar solene, ele a conduziu a um assento, enquanto tomava
posse de outro e continuava seu discurso.
— Eu recebi informações, de fontes das quais não posso duvidar, de que a
indiscrição de alguns dos seus admiradores no sábado passado na Opera
House ocasionou um distúrbio que, para uma jovem delicada, eu imagino,
deve ser muito alarmante. Confesso estar preocupado com sua reputação e
seu bem-estar por considerá-la minha pupila, e acho que é minha
incumbência fazer algumas averiguações sobre seus assuntos que se tornem
públicos, pois eu me sentiria em certa medida desonrado, caso parecesse ao
mundo, enquanto está sob minha tutela, que houve qualquer falta de decoro
na direção de sua conduta.
Cecilia, não muito lisonjeada com o discurso, respondeu com seriedade
que ela acreditava que o assunto tinha sido mal interpretado.
— Eu não tenho o hábito — respondeu ele — de dar ouvidos a qualquer
coisa levianamente; a senhorita deve, portanto, permitir que eu investigue os
méritos da causa e, então, tire minhas próprias conclusões. E, permita-me, ao
mesmo tempo, assegurar-lhe que nenhuma outra jovem tem o direito de
esperar de mim a mesma atenção. Devo começar implorando que me informe
por qual motivo os dois cavalheiros em questão, além da cortesia, eu
presumo, consideraram-se autorizados a contestar publicamente a sua
preferência?
— Minha preferência, senhor! — exclamou Cecilia, muito espantada.
— Minha querida — disse ele, com uma complacência que pretendia lhe
dar coragem —, eu sei que a pergunta é difícil para uma jovem responder,
mas não se envergonhe, eu lamentaria incomodá-la e pretendo com todas as
minhas forças poupar o seu rubor. Portanto, não tenha medo; considere-me
seu tutor e assegure-se de que estou perfeitamente disposto a considerá-la
minha pupila. Diga-me, então, livremente, quais são as pretensões desses
senhores?
— Eu acredito, senhor, que eles não têm pretensão alguma.
— Vejo que é tímida — respondeu ele, com uma gentileza crescente. —
Vejo que não está tranquila comigo, e quando eu penso no quão pouco me
conhece, não me admiro que seja assim. Mas, por favor, tenha coragem. Eu
acho que é importante que me informe sobre os seus assuntos e, portanto,
imploro que fale comigo com liberdade.
Cecilia, cada vez mais mortificada pela humilhante condescendência,
voltou a lhe assegurar que tinha sido mal-informado e foi novamente, embora
desacreditada, elogiada por sua modéstia, quando, para seu grande alívio, eles
foram interrompidos pela entrada do seu amigo domino branco.
— Mortimer — disse Mr. Delvile —, acredito que já teve o prazer de ver
esta jovem?
— Sim, senhor — respondeu ele —, mais de uma vez tive essa felicidade,
mas nunca tive a honra de ser apresentado a ela.
— Neste caso, Miss Beverley — disse o pai —, eu lhe apresento Mr.
Mortimer Delvile, meu filho; e Mortimer, é meu desejo que se lembre de
respeitar Miss Beverley, uma pupila do seu pai.
— Eu não vou me esquecer, senhor — respondeu ele —, de uma ordem
que minhas próprias inclinações já haviam superado.
Mortimer Delvile era alto e bem constituído, seus traços, embora não
fossem bonitos, eram cheios de expressão, e uma nobre franqueza nas
maneiras e no discurso revelava a elegância de sua educação e a liberalidade
da sua mente.
Terminada a introdução, uma conversa mais generalizada teve início até
que Mr. Delvile, levantando-se repentinamente, disse a Cecilia: — Perdoe-
me, Miss Beverley, se a deixo por alguns minutos; um dos meus inquilinos
parte amanhã para minha propriedade no Norte e está há duas horas à espera
para falar comigo. Mas, se meu filho não estiver particularmente
comprometido, tenho certeza de que lhe fará as honras da casa até que sua
mãe esteja pronta para recebê-la.
Então, ele acenou graciosamente com a mão e saiu da sala.
— Meu pai — disse ele — deixou-me uma missão que, se pudesse
executá-la com a perfeição que desejaria, seria executada sem a menor falha.
— Eu lamento muito — disse Cecilia — ter tornado confusa a hora do seu
café da manhã, mas não permita que eu seja uma restrição para o senhor; eu
encontrarei um livro, ou um jornal, algo para preencher meu tempo até que
Mrs. Delvile me honre com sua presença.
— A senhorita somente poderia ser uma restrição — respondeu ele — se
ordenasse que eu me abstivesse da sua presença. Tomei café há muito tempo
e agora acabo de chegar da casa de Mr. Belfield. Tive o prazer, esta manhã,
de ser admitido em seu quarto.
— E como o senhor o encontrou?
— Não muito bem, eu receio, como ele mesmo acredita, mas estava de
muito bom humor e rodeado por seus amigos, a quem entretinha com toda a
alegria de um homem em plena saúde e inteiramente à vontade; embora eu
percebesse, pelas frequentes mudanças em seu semblante, alguns sinais de
dor e mal-estar, que me fizeram, embora satisfeito com sua conversa, encurtar
minha própria visita e sugerir àqueles que estavam perto de mim a
conveniência de deixá-lo repousar.
— O senhor viu o médico dele?
— Não, mas ele me disse que deveria ter apenas mais um curativo em seu
ferimento e, então, estaria livre de todo o negócio e iria correr para o interior.
— O senhor o conhecia antes do acidente?
— Não, de forma alguma, mas o pouco que vi me manteve fortemente a
seu favor. No baile de máscaras de Mr. Harrel, onde o vi pela primeira vez,
fiquei extremamente entretido com seu bom humor, embora, talvez, porque
tenha sido lá que tive também a honra de ver Miss Beverley pela primeira vez
e estivesse feliz demais para oferecer muita resistência à diversão. Mesmo na
ópera ele teve a vantagem de me encontrar na mesma disposição favorável, já
que eu já a tinha visto antes mesmo de notar a presença dele. No entanto,
devo confessar que não acreditei que sua raiva não tivesse alguma motivação,
mas eu peço desculpas, talvez eu esteja enganado, e a senhorita, que conhece
todo o caso, possa, sem dúvidas, ser capaz de explicar o que aconteceu.
Neste momento ele fixou os olhos em Cecilia com um ar de curiosidade
que parecia ansioso para penetrar nos sentimentos dela sobre os dois
antagonistas.
— Não, certamente — respondeu ela —, ele teve toda a motivação que a
má educação poderia lhe dar.
— E a senhorita — disse ele, com grande surpresa — julga o assunto com
tal severidade?
— Não, não com severidade, simplesmente com franqueza.
— Com franqueza? Pobre Sir Robert! A severidade não seria assim tão
ruim para ele!
Neste momento, um criado entrou para informar Cecilia de que Mrs.
Delvile a aguardava para o café da manhã.
A convocação foi imediatamente seguida pela reentrada de Mr. Delvile,
que pegou sua mão, disse que a apresentaria pessoalmente à sua senhora e,
com muita gentileza, lhe garantiu uma recepção amável.
As cerimônias que antecederam a entrevista, somadas ao que já ouvira
sobre a personalidade de Mrs. Delvile, fizeram Cecilia desejar de coração que
tudo terminasse logo; porém, ela assumiu toda a coragem ao seu alcance e
decidiu manter um estado de espírito capaz de lutar contra a ostentosa
superioridade que esperava encontrar.
Cecilia a encontrou sentada em um sofá, do qual, no entanto, levantou-se
assim que ela se aproximou; mas, no momento em que Cecilia a contemplou,
todas as impressões desfavoráveis com as quais havia chegado à sua presença
desapareceram imediatamente, e o respeito que as formalidades de sua
apresentação não conseguiram inspirar, seu porte, sua figura e seu semblante
instantaneamente incitaram. Ela não tinha mais de 50 anos; sua tez, embora
apagada, conservava os traços de sua antiga beleza; seus olhos, embora
tivessem perdido o fogo juvenil, mantinham o brilho que evidenciava a
luminosidade primitiva; e a simetria de seus traços, ainda ilesos pelo passar
do tempo, não apenas indicava a perfeição de sua beleza juvenil, mas ainda
reivindicava a admiração de todos os observadores. Seu porte era elevado e
imponente, mas a dignidade originada da sua nobreza e da superioridade
consciente era tão judiciosamente regulada pelo bom senso, e tão felizmente
combinada com a cortesia, que, embora o mundo em geral a invejasse ou
odiasse, os poucos pelos quais ela tinha algum respeito, ela estava
infalivelmente certa de cativar.
A surpresa e admiração com as quais Cecilia, à primeira vista, foi atingida
provaram-se recíprocas. Mrs. Delvile, embora preparada para a juventude e
beleza, não esperava ver um semblante tão inteligente, nem modos tão bem
formados como os de Cecilia; assim, mutualmente espantadas e satisfeitas,
suas primeiras saudações foram acompanhadas de olhares tão lisonjeiros para
ambas, que uma via na outra uma predisposição imediata a seu favor, e,
desde o momento em que se conheceram, pareceram instintivamente
impelidas à admiração.
— Eu havia prometido à Miss Beverley, madame — disse Mr. Delvile à
sua senhora —, que lhe ofereceria uma amável recepção, e não é necessário
lembrá-la de que minhas promessas são sempre consideradas sagradas.
— Mas espero que também não tenha prometido — disse ela, com rapidez
— que eu daria ao senhor uma amável recepção, pois eu me sinto neste exato
momento extremamente inclinada a brigar com o senhor.
— Por que, madame?
— Por não ter nos reunido mais cedo; agora que a vi, já começo a me
arrepender do tempo que perdi sem ter o prazer de conhecê-la.
— Que reivindicação é essa — exclamou o jovem Delvile — à
benevolência de Miss Beverley! Se ela não tiver agora a indulgência de
visitá-la frequentemente e diligentemente a título de reparação, deverá
considerar-se responsável pelas desavenças que causará.
— Se a paz depender das minhas visitas — respondeu Cecilia —, pode ser
proclamada imediatamente; se fosse obtida apenas por minha ausência, não
sei se estaria de acordo com as condições.
— Devo pedir-lhe, madame — disse Mr. Delvile —, que, quando eu e
meu filho tivermos nos retirado, a senhora conceda meia hora a esta jovem,
fazendo perguntas sobre o distúrbio no sábado passado na Opera House. Eu
mesmo não terei tempo para isso, visto que tenho vários compromissos esta
manhã, mas estou certo de que não fará objeções ao ofício, pois sei que está
igualmente ansiosa para que a minoridade de Miss Beverley siga sem
reprovações.
— Não apenas sua minoridade, como também sua maioridade — disse o
jovem Delvile, calorosamente —, eu espero, sem reprovações, mas com fama
e aplausos!
— Este também é o meu desejo — disse Mr. Delvile —, desejo-lhe
felicidades em todas as fases da vida, mas apenas para a sua minoridade é
minha tarefa fazer mais do que desejar. Por isso, sinto minha própria honra e
meu próprio crédito na causa; minha honra, já que dei ao reitor minha palavra
de que supervisionaria sua conduta, e meu crédito, visto que o mundo está
ciente do direito que ela tem à minha proteção.
— Não farei perguntas — disse Mrs. Delvile, voltando-se para Cecilia
com uma doçura que a recompensava pela altivez do seu tutor — até que
tenha tido a oportunidade de convencer Miss Beverley de que somente por
respeito aos seus méritos elas devem ser respondidas.
— Veja, Miss Beverley — disse Mr. Delvile —, quão poucos motivos a
senhorita tinha para ter medo de nós. Mrs. Delvile está tão disposta a seu
favor quanto eu mesmo, e da mesma forma deseja colocar-se a seu serviço.
Esforce-se, portanto, para livrar-se dessa timidez e tranquilizar-se. A
senhorita deveria vir até nós com mais frequência, pois isso fará mais para
eliminar seus receios do que todo o encorajamento que pudermos lhe dar.
— Mas, quais são os receios — perguntou Mrs. Delvile — que Miss
Beverley pode ter para eliminar?! A menos que, de fato, ela perceba que suas
visitas nos convertam em usurpadores, e que, quanto mais formos
favorecidos com sua presença, menos suportaremos sua ausência.
— Diga, filho — disse Mr. Delvile —, qual o nome da pessoa que era o
oponente de Sir Robert Floyer? Eu me esqueci novamente.
— Belfield, senhor.
— Certo; é um nome com o qual não estou familiarizado. No entanto, é
possível que seja um homem muito bom; mas certamente sua oposição a Sir
Robert Floyer, que tem um nome de família, um cavalheiro, rico e aliado a
algumas pessoas distintas, foi uma circunstância bastante estranha; não quero,
entretanto, julgar o caso. Vou ouvi-lo com a mente aberta, e estou mais
disposto a ser cauteloso no que digo, porque estou convencido de que Miss
Beverley tem muito bom senso para permitir que meu conselho seja
desperdiçado.
— Assim espero, senhor, mas, com relação ao distúrbio na ópera, não sei
se seria o caso de incomodá-lo.
— Se suas decisões — disse ele, muito gravemente — já foram tomadas, o
reitor, seu tio, me convenceu a aceitar um cargo muito inútil; mas, se ainda há
algo a ser decidido, talvez não seja impróprio que eu seja consultado.
Enquanto isso, apenas recomendarei que a senhorita considere que Mr.
Belfield é uma pessoa cujo nome nunca ninguém ouviu, e que uma ligação
com Sir Robert Floyer certamente seria muito mais honrosa.
— Na verdade, senhor — disse Cecilia —, há um grande erro nessa
história; nenhum desses cavalheiros, creio eu, está interessado em mim.
— Nesse caso, eles escolheram — exclamou o jovem Delvile, com uma
risada — um método extraordinário para provar sua indiferença!
— Os assuntos de Sir Robert Floyer — continuou Mr. Delvile — estão, de
fato, segundo estou informado, em alguma desordem; mas ele tem uma
propriedade nobre, e sua fortuna será suficiente para liquidar esses
impedimentos. Tal aliança, portanto, seria mutuamente vantajosa; mas, o que
esperar de uma união com uma pessoa como Mr. Belfield? Ele não vem de
uma família conhecida, embora nesse ponto, talvez, a senhorita não tenha
muitos escrúpulos; mas ele também não tem dinheiro. O que, então, está a
favor dele?
— Para mim, senhor, nada! — respondeu Cecilia.
— E, para mim — exclamou o jovem Delvile —, quase tudo! Ele tem
inteligência, espírito e compreensão, talentos para criar admiração, e
qualidades, acredito, para atrair estima.
— Você fala de forma afetuosa — disse Mrs. Delvile —, mas, se este é o
seu caráter, ele merece sua honestidade. O que sabe sobre ele?
— Não o suficiente, talvez — respondeu ele —, para justificar friamente
meu elogio, mas ele é um daqueles cuja primeira aparição pega sua mente de
surpresa e deixa o julgamento para depois. A senhora permitiria, quando ele
estiver recuperado, que eu o apresente?
— Certamente — disse ela, sorrindo —, mas tome cuidado para que sua
recomendação não desonre o seu discernimento.
— Todo esse entusiasmo, Mortimer — exclamou Mr. Delvile —, não
produz nada além de dificuldades e problemas; você negligencia as conexões
que aponto, as quais, com um pouco de atenção, poderiam tornar-se tão úteis
quanto honrosas, e precipita-se para formar uma que não é indicada para
pessoas de posição, que não só são inúteis em si mesmas, mas geralmente te
levam a despesas e inconveniências. Já está na idade de corrigir essa
imprudência. Portanto, pense melhor em suas próprias consequências, no
lugar de degradar-se em vão, fazendo amizade com todo aventureiro que
aparece no seu caminho.
— Eu não sei, senhor — respondeu ele —, por que Mr. Belfield merece
ser chamado de aventureiro; ele não é, na verdade, rico; mas exerce uma
profissão na qual pessoas como ele raramente deixam de adquirir riquezas; no
entanto, quanto a mim, sua riqueza não tem a menor importância, por que
minha consideração por ele deveria depender disso? Se é um jovem de valor
e honra...
— Mortimer — interrompeu Mr. Delvile —, o que quer que ele seja,
sabemos que não é um homem de posição e, seja o que for, sabemos que não
pode tornar-se um homem de família e, consequentemente, não é um
companheiro para Mortimer Delvile. Se puder prestar-lhe algum serviço,
recomendo que o faça; use o seu berço, sua posição na vida para ajudar as
pessoas e promover o bem geral, mas nunca, em seu zelo pelos demais,
esqueça o que é devido a você mesmo e à antiga e honrada casa onde nasceu.
— Não temos nada melhor para entreter Miss Beverley do que sermões em
família? — perguntou Mrs. Delvile.
— Cabe a mim — disse o jovem Delvile, levantando-se — pedir perdão a
Miss Beverley por tê-los provocado, mas, quando ela tiver a bondade de nos
honrar com sua companhia novamente, espero ter mais discrição.
Ele então saiu da sala, e Mr. Delvile, enquanto se levantava para também
sair, disse: — Minha querida, eu a deixo em mãos muito amáveis. Estou certo
de que Mrs. Delvile ficará feliz em ouvir sua história; portanto, fale com ela
sem reservas. E, por favor, não imagine que eu te entrego a ela por alguma
desfeita. Pelo contrário, admiro e parabenizo sua modéstia, mas meu tempo é
extremamente valioso e não posso devotá-lo a uma explicação como requer
sua timidez.
Então, para grande alívio de Cecilia, ele se retirou, deixando-a com muitas
dúvidas sobre se era sua arrogância ou sua condescendência que a humilhava
mais.
— Os homens — disse Mrs. Delvile — nunca são capazes de compreender
a dor de uma mente feminina delicada ao entrar em explicações desse tipo; no
entanto, eu compreendo muito bem para infligir algo do tipo. Não teremos,
portanto, nenhuma explicação até nos conhecermos melhor, e então, se a
senhorita se aventurar a me favorecer com alguma confiança, o meu melhor
conselho e, se algum estiver em meu poder, meus melhores serviços estarão
às suas ordens.
— A senhora me honra com estas palavras — respondeu Cecilia —, mas
devo assegurar-lhe que não tenho nenhuma explicação a dar.
— Bem, bem, por ora — respondeu Mrs. Delvile — fico feliz com essa
resposta, já que não adquiri direito a nenhuma outra; porém, daqui em diante
esperarei mais abertura, é o que promete o seu semblante e eu pretendo
reivindicar a promessa pela minha amizade.
— Sua amizade me honra e deleita, e, quaisquer que sejam suas perguntas,
sempre terei orgulho em respondê-las; mas, de fato, com relação a este caso...
— Minha cara Miss Beverley — interrompeu Mrs. Delvile, com um olhar
de incredulidade —, os homens raramente arriscam suas vidas onde não há
esperança de recompensa. Mas não diremos mais uma palavra sobre o
assunto. Espero que a senhorita me favoreça muitas vezes com sua
companhia, e que a frequência das suas visitas faça com que nós duas
esqueçamos a falta de familiaridade.
Cecilia, ao descobrir que sua resistência apenas dava origem a novas
suspeitas, cedeu e ficou satisfeita com o fato de que em pouco tempo
inevitavelmente esclareceria a verdade. Assim, sua visita não foi abreviada; a
súbita parcialidade com que o porte e o semblante de Mrs. Delvile a haviam
impressionado foi rapidamente convertida em estima pelos encantos da
conversa: ela a achou sensível, bem-educada e bem-humorada, dotada por
natureza de talentos superiores, e elegante pela educação, pelo estudo e por
toda a beleza do conhecimento. Ela via nela, de fato, uma parte do orgulho
que fora ensinada a esperar, mas era tão suavizado pela elegância e tão bem
temperado pela gentileza, que seu caráter era elevado, sem tornar seus modos
ofensivos.
Com uma mulher assim, nunca faltariam assuntos para conversa, nem
criatividade para torná-los divertidos. Cecilia ficou tão encantada com sua
visita que, embora sua carruagem tivesse sido anunciada ao meio-dia, ela
relutantemente a concluiu às duas, e, ao despedir-se, aceitou de bom grado
um convite para jantar com sua nova amiga três dias depois, quem,
igualmente satisfeita com sua jovem convidada, prometeu retribuir sua visita
antes disso.
CAPÍTULO 18
UM INTERROGATÓRIO
UM TÊTE-À-TÊTE
UMA SOLICITAÇÃO
Cecilia, ao voltar para casa, ouviu com uma certa surpresa que Mr. e Mrs.
Harrel estavam sozinhos na sala de estar. Enquanto estava na escada, Mrs.
Harrel saiu da sala correndo, exclamando com muita ansiedade: — É o meu
irmão?
Antes que ela pudesse responder, Mr. Harrel, no mesmo tom impaciente,
perguntou: — É Mr. Arnott?
— Não — disse Cecilia —, vocês o aguardavam?
— Aguardávamos? Sim — respondeu Mr. Harrel. — Esperei por ele a
noite toda e não consigo imaginar o que ele fez de si mesmo.
— É estarrecedor — disse Mrs. Harrel — que ele não esteja aqui agora,
quando precisamos dele. No entanto, atrevo-me a dizer que amanhã também
servirá.
— Não estou certo disso — disse Mr. Harrel. — Reeves é um desgraçado,
e tenho certeza de que vai me causar todos os problemas que estiverem ao
seu alcance.
Neste momento, Mr. Arnott entrou e Mrs. Harrel exclamou: — Oh, meu
irmão, temos estado cruelmente angustiados por você; recebemos a visita de
um homem que atormentou Mr. Harrel até a morte e, infelizmente,
gostaríamos que você falasse com ele.
— Eu ficaria muito feliz — disse Mr. Arnott — em poder ser útil. Talvez
ainda não seja muito tarde, quem é ele?
— Oh! — exclamou Mr. Harrel, descuidadamente —, apenas um sujeito
enviado por aquele alfaiate sem vergonha que me tem criado tantos
problemas ultimamente. Ele teve o atrevimento, porque eu não paguei a ele o
que devia no momento em que ele quis, de colocar a conta nas mãos de um
tal de Reeves, um advogado exigente que esteve aqui esta noite e achou
adequado conversar comigo com bastante liberdade. Posso dizer que é um
cavalheiro cuja impertinência não esquecerei facilmente! No entanto, eu
realmente gostaria muito de poder me livrar dele.
— De quanto é a conta, senhor? — perguntou Mr. Arnott.
— Bem, é mais um arredondamento de conta; não sei como é isso, mas as
contas aumentam antes que se perceba. Esses sujeitos cobram essas somas
confusas por uma fita ou uma entretela. Eu mal sei o que ele fez para mim, e,
ainda assim, ele quer me fazer pagar uma conta entre trezentas e quatrocentas
libras.
Neste momento, houve um silêncio geral, até que Mrs. Harrel dissesse: —
Meu irmão, você poderia ser amável o suficiente e nos emprestar o dinheiro?
Mr. Harrel diz que pode pagar de volta muito em breve.
— Oh, sim, muito em breve — disse Mr. Harrel —, pois devo receber
muito dinheiro em pouco tempo. Eu só quero tapar a boca daquele sujeito por
enquanto.
— Suponhamos que eu vá falar com ele? — disse Mr. Arnott.
Mr. Arnott parecia extremamente angustiado, mas, quando a irmã o
pressionou calorosamente para que não perdesse tempo, ele disse,
gentilmente: — Se essa pessoa pudesse esperar uma ou duas semanas, eu
ficaria muito contente, pois nesse momento não posso dispor de tanto
dinheiro sem que haja perda e inconveniência, e eu simplesmente não sei o
que fazer; mesmo assim, se ele não quiser ser apaziguado...
— Apaziguado? — gritou Mr. Harrel. — Você pode querer apaziguar o
mar em uma tempestade, mas ele é duro como ferro.
Mr. Arnott, então, forçou um sorriso, embora evidentemente estivesse
muito inquieto, e disse que não deixaria de levantar o dinheiro na manhã
seguinte; ele já estava se despedindo, quando Cecilia, surpreendida que
tamanha ternura e bondade fossem retribuídas de maneira tão grosseira,
apressou-se para falar com Mrs. Harrel. Ela a levou para a outra sala e disse:
— Eu lhe imploro, minha querida amiga, que não deixe seu irmão sofrer por
sua generosidade. Permita-me, na presente exigência, ajudar Mr. Harrel. O
fato de eu pedir um adiantamento de tal soma pode não ter nenhuma
importância, mas eu lamento que seu irmão, que compreende tão nobremente
o uso do dinheiro, o aceite com uma desvantagem em particular.
— Você é muito gentil — disse Mrs. Harrel —, e irei imediatamente falar
com ele sobre isso, mas, quem quer que empreste o dinheiro, Mr. Harrel me
garantiu que o pagará muito em breve.
Ela, então, voltou com a proposta. Mr. Arnott se opôs veementemente,
mas Mr. Harrel parecia preferir a alternativa, ainda que tenha falado com
tanta confiança sobre pagamento rápido, que ele parecia pensar ser uma
questão de pouca importância caso aceitasse. Seguiu-se uma disputa generosa
entre Mr. Arnott e Cecilia, mas, por ser muito intensa, ela finalmente venceu
e decidiu ir à cidade na manhã seguinte, solicitar um adiantamento do
dinheiro a Mr. Briggs, quem tinha a gestão da sua fortuna inteiramente em
suas mãos. Seus outros tutores nunca interferiam na parte executiva de seus
negócios. Depois de tudo arranjado, todos se retiraram.
Então, com crescente assombro, Cecilia refletiu sobre a leviandade
desastrosa de Mr. Harrel e a cega segurança de sua esposa; ela via na situação
deles o perigo mais alarmante, e no comportamento de Mr. Harrel, o egoísmo
mais imperdoável. Tamanha injustiça flagrante para com seus credores e
tamanha insensibilidade para com seus amigos tiravam dela todo o desejo de
ajudá-lo, embora a indignada compaixão com que via a generosidade natural
de Mr. Arnott, tão frequentemente abusada, agora, para seu bem apenas, a
induzia a aliviá-lo. Portanto, ela decidiu, uma vez superada a dificuldade
atual, fazer outra tentativa de abrir os olhos de Mrs. Harrel para os males que
aparentemente a ameaçavam, e pressioná-la a exercer toda sua influência
sobre o marido, tanto através do exemplo quanto de conselhos, para reduzir
suas despesas antes que fosse tarde demais para salvá-lo da ruína. Ao mesmo
tempo, ela também decidiu que adicionaria ao dinheiro necessário para essa
dívida o suficiente para quitar sua própria conta na livraria e colocar em
execução seu plano de ajudar os Hills.
Na manhã seguinte, ela saiu da cama cedo e, acompanhada por seu criado,
dirigiu-se à casa de Mr. Briggs, com a intenção de, como o tempo estava
claro e gélido, caminhar pela Oxford Road, e depois pegar uma liteira, na
esperança de retornar à casa de Mr. Harrel na hora habitual do café da manhã.
Ela não tinha ido muito longe quando viu uma multidão reunida e as janelas
de quase todas as casas se enchendo de espectadores. Ela pediu ao seu criado
que indagasse o que estava acontecendo e foi informada de que as pessoas
estavam se reunindo para ver passar alguns malfeitores a caminho de Tyburn.
Alarmada pela informação e com medo de encontrar os infelizes
criminosos, ela rapidamente virou a próxima esquina, mas descobriu que a
rua também estava se enchendo de gente que corria para o local que ela
tentava evitar. Achando-se assim cercada por todos os lados, dirigiu-se a uma
criada que estava parada na porta de uma grande casa e pediu permissão para
entrar até que a turba tivesse passado. A criada consentiu imediatamente e lá
ela aguardou enquanto enviou seu homem para buscar uma liteira. Ele logo
apareceu com uma, mas assim que ela se voltou para a porta da rua, um
cavalheiro que entrava na casa apressadamente e recuou para deixá-la passar,
de repente, exclamou: — Miss Beverley! — ela olhou para ele e reconheceu
o jovem Delvile.
— Não posso parar — disse ela, enquanto descia os degraus —, ou a
multidão não vai me deixar passar com a liteira.
— A senhorita não gostaria de, antes de tudo — disse ele, enquanto a
ajudava a subir na liteira —, dizer quais são as últimas notícias que ouviu?
— Notícias? — repetiu ela. — Não, não ouvi nenhuma.
— A senhorita, então, irá zombar de mim pelas propostas particulares que
fez bem em rejeitar?
— Eu não sei a quais propostas o senhor se refere.
— Elas eram realmente supérfluas e, portanto, não me admiro que as tenha
esquecido. Devo dizer aos homens onde devem levá-la?
— À residência de Mr. Briggs. Não consigo imaginar o que quer dizer.
— Para a residência de Mr. Briggs! — repetiu ele. — Viva as contas
francesas e os diamantes de Bristol! Novas propostas podem, talvez,
acontecer enquanto estiver lá, tão impertinentes, oficiosas e inúteis quanto as
minhas.
Ele deu as direções ao criado, fez uma reverência e entrou na casa que ela
havia acabado de deixar.
Cecilia, extremamente assombrada com a breve, mas ininteligível,
conversa, o teria chamado novamente para que lhe explicasse o que queria
dizer, mas logo percebeu que a multidão aumentava rapidamente e que ela
não poderia se aventurar a deter a liteira, que com muita dificuldade abria seu
caminho para as ruas adjacentes; porém, a surpresa com o que havia
acontecido tomou conta dela de tal forma que, quando chegou à casa de Mr.
Briggs, quase se esqueceu do que a levara até lá.
O lacaio que atendeu a porta a informou de que seu amo estava em casa,
mas que não se sentia bem. Ela disse que gostaria que ele soubesse que ela
desejava conversar sobre negócios e que voltaria a vê-lo a qualquer hora em
que achasse conveniente. O menino voltou com a resposta de que ela poderia
voltar na semana seguinte. Cecilia, sabendo que uma demora tão longa
destruiria toda a gentileza da sua intenção, resolveu lhe escrever pedindo o
dinheiro; ela foi até a sala de estar e solicitou uma pena e tinta. O menino,
depois de fazê-la esperar algum tempo em uma sala sem aquecimento, trouxe
uma pena e um pouco de tinta em uma xícara quebrada, dizendo: — O amo
pede que não derrame a tinta, porque ele não tem mais, e todo o nosso
escurecimento se foi.
— Escurecimento? — repetiu Cecilia.
— Sim, senhorita; quando os sapatos do amo são enegrecidos,
normalmente ficamos com um pouco da tinta fresca.
Cecilia prometeu tomar cuidado, mas pediu que ele lhe trouxesse uma
folha de papel.
— Senhorita — disse o menino, com um sorriso —, atrevo-me a dizer que
o amo vai preferir lhe dar um pedaço do próprio nariz, mas eu vou pedir.
Em poucos minutos ele retornou, trazendo na mão uma pedra de ardósia e
um lápis de chumbo. — Senhorita — disse ele —, o amo diz que pode
escrever sobre esta pedra, pois ele supõe que a senhorita não tem grandes
assuntos a tratar.
Cecilia, muito espantada com a extrema parcimônia, foi obrigada a
consentir, mas como a ponta do lápis estava cega, solicitou ao menino uma
faca para que pudesse afiá-la. Ele obedeceu, mas disse: — Por favor,
senhorita, tome cuidado, porque o amo só faz isso uma vez por ano, e se ele
souber que eu lhe dei uma faca, vai querer dar com ela na minha cabeça.
Cecilia escreveu na pedra que gostaria de ser informada de que maneira
poderia lhe enviar um recibo para seiscentas libras, que solicitava que fossem
adiantadas imediatamente.
O menino retornou, rindo, erguendo as mãos e dizendo: — Senhorita, há
muita agitação lá em cima. O amo está em apuros, mas diz que descerá se a
senhorita ficar até que ele vista suas coisas.
— Ele está de cama, então? Espero não o ter feito se levantar.
— Não, senhorita, ele não está de cama, só precisa se vestir, pois não usa
muitas roupas quando está sozinho. A senhorita deveria saber — disse ele,
baixando a voz — que, naquele dia, quando saiu com nossos trajes de
varredura, ele voltou para casa tão nervoso que só vendo. Eu acho que
alguém bateu em seu joelho, a Moll também acha, mas não diga que eu lhe
contei. Ele tem sido especialmente mau desde então. Moll e eu ficamos muito
contentes, porque ele é sempre tão esperto, porque a senhorita deve saber, é
de se admirar como ele vive, e mesmo assim, tem muito dinheiro.
— Bem, bem — disse Cecilia, sem muito interesse em encorajar aquela
ousadia —, se precisar de alguma coisa, eu o chamarei.
O menino, entretanto, feliz por contar sua história, continuou:
— A nossa Moll diz que não vai ficar com ele mais do que uma semana,
senhorita, porque ela diz que não tem nada para comer, só um pedaço de
carne salgada e fedorenta, que ficou tanto tempo no açougue que deixaria um
cavalo doente só de olhar para ela. Mas a Moll é muito boa. Saiba, senhorita,
que não fazemos uma boa refeição mais do que uma vez a cada três meses. E
na última semana não comemos nada além de alguns arenques vermelhos
secos e bolorentos, então, como vê, senhorita, nós nos mantemos muito
alertas!
O menino foi interrompido por Mr. Briggs, que descia as escadas. Ele
cessou suas queixas abruptamente, levou o dedo ao nariz em sinal de sigilo e
correu para a cozinha.
A aparência de Mr. Briggs não havia de forma alguma se tornado mais
atraente por causa da enfermidade e da negligência no vestuário. Ele usava
uma camisola de flanela e touca de dormir; sua barba negra, crescida durante
muitos dias, era longa e desagradável, e em seu nariz e em uma de suas
bochechas havia um grande pedaço de papel pardo, o qual, ao entrar na sala,
ele segurou com as duas mãos. Cecilia pediu muitas desculpas por tê-lo
incomodado e fez algumas indagações civilizadas sobre sua saúde.
— Sim, sim — exclamou ele, mal-humorado —, muito mal. Desde aquele
baile de máscaras; gostaria de não ter ido! Sou mesmo um tolo!
— Quando o senhor adoeceu?
— Sofri um acidente, caí, quebrei minha cabeça, quase perdi minha peruca
naquele baile de máscaras. Achei que não me custaria nada, ou não teria ido.
Eu garanto que tão cedo não vou a outro.
— O senhor caiu quando ia para casa?
— Sim, sim, machuquei o joelho, dificilmente poderia ter escapado. Senti
que estava caindo, tinha medo de rasgar as roupas, sabia que o malandro me
faria pagar por elas; então, eu me segurei pela velha bolsa e ela veio como um
raio na minha cara. Arrancou minha peruca, eu não sabia o que fazer, tudo
estava tão escuro como breu.
— O senhor não gritou para pedir ajuda?
— Ninguém por perto, só os limpadores, mas sabia que eles não iriam
ajudar por nada. Eu me arrastei como pude, tateei à procura da minha peruca,
finalmente encontrei, toda ensopada na lama. Grudou na cabeça como um
unguento de Turner.
— Eu espero, então, que tenha tomado uma carruagem?
— Para quê? Para piorar as coisas? Já não foi ruim o suficiente? Ainda ia
ter que pagar dois xelins?
— Mas como o senhor estava quando chegou em casa?
— Como? Ora, molhado e sujo; minha cabeça estava inchada, meu rosto
cortado, meu nariz tão grande como se fossem dois! Forçado a usar
emplastro, meio danificado pelo vinagre. Peguei um resfriado, me deixou
com febre, nunca fiquei bem desde então.
— Mas, o senhor não teve nenhuma recomendação? Não deveria chamar
um médico?
— Para quê? Para me encher de purgante? Posso conseguir isso sozinho,
não posso? Tive um uma vez; estava muito mal, pensei que ia apagar, já
estava começando a me contorcer, mandei chamar o médico, e ele provou não
passar de um charlatão! Custou-me um guinéu, eu paguei na quarta visita e
ele nunca mais voltou. Eu garanto que não acontecerá de novo.
Então, percebendo que havia sobre a mesa um pouco de poeira e um lápis
preto, perguntou, furioso: — O que significa isso? Quem andou cortando o
lápis? Gostaria que fossem enforcados; imagino que tenha sido o menino,
merece ser chicoteado, ou uma boa surra.
Cecilia imediatamente o inocentou, reconhecendo que ela mesma tinha
sido a culpada.
— Sim, sim! — exclamou ele. — Eu pensei nisso o tempo todo! Adivinhei
logo; nada além de perdição e desperdício; vir buscar dinheiro, ninguém sabe
pra quê; querendo seiscentas libras... para quê? Jogar na lama? Nunca ouvi
coisa parecida! Você não vai, é uma promessa que eu faço — disse ele,
assentindo com a cabeça —, você não vai pegar esse dinheiro.
— Não vou?! — exclamou Cecilia, bastante surpresa. — Por que não,
senhor?
— Guarde para o seu marido; vai arranjar um logo e não vai ter que fazer
nenhum malabarismo. Não tenha pressa, já tenho um em vista.
Cecilia, então, começou um protesto muito sério e lhe garantiu que ela
realmente queria o dinheiro para uma situação que não admitia demora. No
entanto, ele ignorou totalmente suas objeções e lhe disse que as meninas nada
sabiam sobre o valor do dinheiro e que o mesmo não devia ser confiado a
elas; que ele não queria ouvir falar de tal extravagância e estava decidido a
não lhe adiantar um centavo. Cecilia ficou irritada e confusa com uma recusa
tão inesperada, e como se julgava obrigada, pela honra com Mr. Harrel, a não
revelar o motivo de sua urgência, ela foi por algum tempo totalmente
silenciada, até se lembrar da sua dívida com o livreiro, quando decidiu basear
seu argumento neste fato, convencida de que ele não poderia, pelo menos,
negar-lhe dinheiro para pagar suas próprias contas. No entanto, ele a ouviu
com o maior desprezo;
— Livros? — disse ele. — O que pretende fazer com livros? Não têm
serventia, perda de tempo, as palavras não dão dinheiro.
Ela lhe informou que já era tarde demais para suas admoestações, pois ela
já os havia recebido, e, portanto, deveria necessariamente pagar por eles. —
Não, não! — exclamou ele. — Mande-os de volta, é melhor; não guarde esse
lixo, não valerá a pena, ficará melhor sem eles.
— Isso, senhor, será impossível, pois já os tenho há algum tempo e não
posso esperar que o livreiro os aceite de volta.
— Ele vai ter que aceitar — afirmou ele —, não pode evitar; e ficará feliz
também. Você ainda é menor de idade, não pode ser obrigada a pagar um
centavo.
Cecilia ouviu a recomendação de tal fraude com muita indignação e disse
que não poderia de forma alguma seguir seu conselho. Porém, ela logo
descobriu, para seu total assombro, que ele se recusava terminantemente a lhe
dar qualquer coisa, ou a prestar a mínima atenção aos seus protestos,
afirmando que seu tio havia deixado para ela um patrimônio nobre, e que
cuidaria dele até vê-lo colocado em mãos adequadas, conseguindo para ela
um marido bom e cuidadoso.
— Não tenho a intenção, nem o desejo, senhor — disse ela —, de me
apoderar da renda ou do patrimônio deixado pelo meu tio; pelo contrário, eu
os considero sagrados, e me vejo obrigada em consciência a nunca viver além
dele, mas as dez mil libras deixadas pelo meu pai, eu considero mais
peculiarmente de minha propriedade, e, portanto, penso que tenho a liberdade
de dispor delas como quiser.
— O quê? — gritou ele, furioso. — E entregar para um livreiro miserável!
Renunciar ao dinheiro por um velho gancho? Não, não, não sofra por isso;
você não vai ter o dinheiro, não vai, eu lhe garanto! Se quiser alguns livros,
vá a Moorfields e compre o suficiente em uma velha barraca. Compre por
dois centavos o exemplar, o que ainda é muito caro.
Durante algum tempo, Cecilia esperou que ele estivesse apenas cedendo ao
seu estranho e sórdido humor com uma oposição que pretendia apenas
atormentá-la, mas ela percebeu que estava extremamente equivocada: ele era
tão inamovível na obstinação como incorrigível na avareza; não se
incomodava com as perguntas e argumentações, mas contentava-se em
recusar seu pedido como se faz com uma criança, dizendo peremptoriamente
que ela não sabia o que queria e que, portanto, não deveria ter o que pedia.
Com esta resposta, depois de todo tipo de súplica, Cecilia viu-se obrigada a
deixar a casa, pois ele havia reclamado que seu emplastro de papel pardo
precisava de um novo mergulho em vinagre, e ele não podia mais ficar
falando.
O desgosto causado por tal comportamento foi duplicado pela vergonha e
preocupação de regressar aos Harrels com sua promessa não cumprida; ela
deliberou sobre todos os métodos que lhe ocorreram de ainda se esforçar para
ajudá-los, mas não foi capaz de pensar em nada, exceto tentar convencer Mr.
Delvile a interferir em seu favor. Na verdade, não lhe agradava a ideia de
precisar fazer tal solicitação a um homem tão arrogante, mas, como não tinha
outro recurso, sua repugnância cedeu lugar à sua generosidade, e ela ordenou
aos carregadores da liteira que a levassem a St. James’s Square.
CAPÍTULO 21
UMA PERPLEXIDADE
Ali, na porta da casa de seu pai, subindo os degraus, ela viu o jovem
Delvile.
— Novamente! — exclamou ele, ajudando-a a sair da liteira. —
Certamente algum bom gênio está trabalhando a meu favor esta manhã.
Ela lhe disse que não deveria ter vindo tão cedo, agora que estava
familiarizada com os horários de Mrs. Delvile, mas que pretendia apenas
falar com o pai dele sobre negócios, e que só levaria dois minutos.
Ele a acompanhou escada acima e, ao descobrir que estava com pressa, foi
ele mesmo levar a mensagem a Mr. Delvile, e logo voltou com uma resposta
de que ele iria atendê-la em breve. Os estranhos discursos que o rapaz fizera
quando se encontraram naquela manhã voltaram à sua memória e ela decidiu
que eles deveriam ser explicados; para conduzir o assunto, ela mencionou a
situação desagradável em que ele a encontrara enquanto se apressava para
evitar a visão dos malfeitores condenados.
— Verdade?! — exclamou ele, em um tom de voz um tanto incrédulo. —
E foi por esse motivo que a senhorita se apressou?
— Certamente, senhor, qual outro motivo eu teria?
— Nenhum, com certeza — disse ele, sorrindo —, mas o incidente foi
singularmente oportuno.
— Oportuno? — repetiu Cecilia, enquanto fixava o olhar no seu rosto. —
Como foi oportuno? Esta é a segunda vez nesta mesma manhã que não
consigo entender o que diz.
— Como poderia entender o que é tão pouco inteligível?
— Vejo que o senhor quer dizer alguma coisa que não consigo
compreender; por qual motivo seria tão extraordinário que eu fizesse um
esforço para evitar uma turba? Ou como poderia ser oportuno que
acontecesse de eu me encontrar em uma?
Ele riu, a princípio sem dar nenhuma resposta, mas, percebendo que ela o
observava com impaciência, com um tom um tanto alegre, um tanto
reprovador, ele disse: — Por que as jovens damas, mesmo aquelas cujos
princípios são mais rígidos, parecem universalmente, nos assuntos relativos
aos seus afetos, pensar que a hipocrisia é necessária e o engano é amável? E
considerar gracioso negar hoje o que elas talvez reconheçam publicamente
amanhã?
Cecilia, que o ouvia com verdadeiro espanto, olhou para ele com
impaciência por uma explicação.
— A senhorita se admira — continuou ele — que eu esperasse de Miss
Beverley algum desvio dessas regras? E que tenha esperado mais abertura e
franqueza de uma jovem que deu provas tão nobres da liberalidade da sua
mente e compreensão?
— O senhor me surpreende além da medida! — exclamou ela. — Quais
regras, que franqueza, que liberalidade, do que o senhor está falando?
— Devo ser mais claro? E se eu for, a senhorita suportará me ouvir?
— Na verdade, eu ficaria extremamente feliz se pudesse fazer entender.
— E tenho permissão para lhe dizer o que me encantou, bem como o que
ousei imaginar?
— O senhor pode me dizer qualquer coisa, se puder ser menos misterioso.
— Perdoe-me, então, pela franqueza que a senhorita reclama, e permita
que eu admita o quanto honro a nobreza da sua conduta. Cercada como está
pela opulência e esplendor, liberta das algemas da dependência, livre das
restrições da autoridade, abençoada pela natureza com tudo o que é mais
atraente, pela situação com tudo o que é desejável (desprezar os ricos e
depreciar os poderosos, pelo puro prazer de aumentar o mérito oprimido e dar
à deserção aquela riqueza em que por si só parecia deficiente), como pode um
espírito tão liberal ser suficientemente admirado, ou uma escolha de tanta
dignidade ser tão elogiada?
— Eu penso — disse Cecilia — que devo abster-me de qualquer
indagação posterior, pois quanto mais eu ouço, menos entendo.
— Perdoe-me, então — disse ele —, se volto à minha primeira pergunta:
por que uma jovem que tem a capacidade de pensar com tanta nobreza e agir
tão desinteressadamente não deve ser uniformemente grandiosa, simples na
verdade e indiferente na sinceridade? Por que ela deveria ser assim cautelosa,
quando a franqueza lhe traria tanta honra? Por que corar por possuir o que
todos os outros podem corar por invejar?
— Na verdade, o senhor me deixa perplexa da maneira mais intolerável —
exclamou Cecilia, com certa irritação. — O senhor não pode ser mais
explícito?
— E por que, madame — respondeu ele, com uma risada —, a senhorita
me tentaria a ser mais impertinente? Eu já não disse as coisas mais estranhas?
— Estranhas, realmente — disse ela —, pois não posso compreender
nenhuma delas.
— Neste caso, peço perdão — disse ele — e que esqueça todas elas. Eu
mesmo não sei o que me levou a dizê-las, mas comecei inadvertidamente,
sem intenção de continuar, e tenho procedido involuntariamente, sem saber
como parar. No entanto, em última análise, a culpa é sua, pois quando eu a
vejo sinto um desejo instransponível de conversar com a senhorita, e com sua
conversa, uma propensão igualmente incorrigível de interessar-me pelo seu
bem-estar.
Ele teria mudado de assunto, e Cecilia, com vergonha de pressioná-lo
ainda mais, ficou alguns minutos em silêncio, mas, quando um dos criados
veio informá-la de que seu amo pretendia atendê-la diretamente, sua
relutância em deixar o assunto em suspenso a induziu, de forma um tanto
abrupta, a dizer: — Talvez, senhor, esteja pensando em Mr. Belfield?
— Uma feliz conjectura! — exclamou ele —, mas tão peculiar que não
posso deixar de me maravilhar com como isso lhe ocorreu.
— Bem, senhor — disse ela —, devo dizer que agora entendo o que quer
dizer, mas com respeito ao que deu origem a tudo isso, eu desconheço
completamente.
A entrada de Mr. Delvile encerrou a conversa.
Ele começou com suas habituais desculpas ostentosas, declarando que
tinha tantas pessoas para atender, tantas reclamações para ouvir e tantas
queixas para reparar, que foi impossível atendê-la mais cedo, e não sem
dificuldades a atendia agora. Nesse meio tempo, seu filho retirou-se quase
imediatamente, e Cecilia, no lugar de ouvir a arenga, apenas ficou inquieta
com conjecturas sobre o que acabara de acontecer. Ela compreendeu que o
jovem Delvile chegara à conclusão de que ela estava comprometida com Mr.
Belfield, e, embora estivesse mais satisfeita de que qualquer suspeita
estivesse ali e não sobre Sir Robert Floyer, ainda assim, sentiu-se irritada e
preocupada com a suspeita em si. Um ataque tão sério que partisse de
qualquer outra pessoa dificilmente deixaria de ser ofensivo, mas os modos do
jovem Delvile, e sua boa educação tão felizmente associada com a franqueza,
faziam com que sua liberdade parecesse meramente resultado da franqueza
do seu caráter, e mesmo o ato em si justificava sua própria desculpa. Seu
devaneio foi finalmente interrompido pelo desejo de Mr. Delvile em saber
como poderia ajudá-la.
Ela lhe disse que havia uma situação que exigia seiscentas libras e
esperava que ele não se opusesse a que ela levantasse aquela quantia.
— Seiscentas libras — disse ele, após alguma deliberação — é uma
exigência bastante extraordinária para uma jovem na sua situação; sua
mesada é considerável, a senhorita ainda não tem casa, nem equipagem ou
estabelecimento; suas despesas, eu imagino, não podem ser muito grandes...
Ele parou e pareceu pesar seu pedido.
Cecilia, surpresa por parecer extravagante, mas generosa demais para
mencionar Mr. Harrel, voltou a recorrer à conta do livreiro, a qual declarou
estar ansiosa para pagar.
— A conta de um livreiro? — perguntou ele. — E a senhorita quer
seiscentas libras para pagar a conta de um livreiro?
— Não, senhor — disse ela, gaguejando —, não toda a quantia. Eu tenho
um outro, um outro assunto particular...
— Mas que conta, afinal — disse ele, com grande surpresa —, pode uma
jovem dama assumir com um livreiro? A Spectator, a Tatler e o The Guardian
formariam uma biblioteca boa o suficiente para qualquer mulher no reino,
nem acho que seja bom para uma dama ter mais do que isso. Além disso, se a
senhorita se aliar da maneira que aprovarei e recomendarei, provavelmente
encontrará mais livros reunidos do que terá ocasião para examiná-los. E
deixe-me lembrá-la de que uma dama, seja assim chamada pelo nascimento
ou apenas pela fortuna, nunca deve se degradar ao se colocar no mesmo nível
de escritores e esse tipo de gente.
Cecilia agradeceu o conselho, mas confessou que já era tarde demais, pois
os livros agora estavam em seu poder.
— E a senhorita tomou uma medida como esta — disse ele — sem me
consultar? Achei que tivesse deixado claro que minha opinião estava sempre
a seu serviço quando se encontrasse em algum dilema.
— Sim, senhor — respondeu Cecilia —, mas eu sabia o quanto o senhor
estava ocupado e quis evitar tomar o seu tempo.
— Não posso culpá-la pela sua modéstia — respondeu ele —, e, portanto,
como já contraiu a dívida, pela sua honra, está obrigada a pagá-la. No
entanto, é Mr. Briggs quem administra sua fortuna, minhas muitas ocupações
me obrigaram a recusar tão laboriosa confiança; sendo assim, peça
diretamente a ele, e da maneira como as coisas estão, não farei oposição à sua
demanda.
— Eu já falei com ele, senhor — disse Cecilia —, eu falei com Mr. Briggs,
mas...
— Foi até ele primeiro, então? — interrompeu Mr. Delvile, com um olhar
de muito desagrado.
— Eu não pretendia incomodá-lo, senhor, até que achasse que era
inevitável.
Ela então o informou da recusa de Mr. Briggs e implorou para que ele
fizesse o favor de interceder em seu nome, para que o dinheiro não fosse mais
negado.
A cada palavra que ela dizia, seu orgulho parecia aumentar o
ressentimento, e quando ela terminou, depois de olhar para ela por algum
tempo com indignação aparente, ele disse: — Eu interceder! Eu me tornar um
agente!
Cecilia, surpresa por encontrá-lo tão violentamente irritado, desculpou-se
sinceramente pelo pedido; porém, sem prestar atenção ao que ela dizia, ele
andava de um lado para o outro na sala exclamando: — Um agente! Para Mr.
Briggs! Esta é uma afronta que eu nunca teria esperado! Por que me rebaixei
ao aceitar este cargo tão humilhante? Eu deveria saber! — então, voltou-se
para Cecilia e disse: — Criança, por quem me toma e para quê?
Cecilia, mais uma vez, embora igualmente ofendida, começou alguns
protestos de respeito, mas ele a interrompeu com arrogância e disse: — Se a
senhorita julgar a mim e minha posição a partir de Mr. Briggs ou Mr. Harrel,
devo estar sujeito a propostas como essas todos os dias; permita-me, portanto,
para sua informação, sugerir que o chefe de uma casa antiga e honrada é
propenso a se considerar um tanto superior a outras pessoas, mas só àquelas
que se levantam do pó e da obscuridade.
Atônita pela repreensão imperiosa, ela não pôde apresentar mais nenhuma
justificativa; porém, quando ele notou sua consternação, sentiu-se um pouco
mais apaziguado e, esperando que agora a tivesse impressionado com um
senso mais adequado da sua dignidade, disse suavemente: — A senhorita não
tinha, creio eu, a intenção de me insultar.
— Meu bom Deus, senhor, não! — exclamou Cecilia. — Nada poderia
estar mais distante dos meus pensamentos! Se minhas expressões foram
erradas, foi por total ignorância.
— Bem, bem, não vamos mais pensar nisso.
Ela disse que não iria mais detê-lo e, sem ousar fazer menção ao seu
pedido, desejou-lhe um bom dia.
Ele permitiu que ela se fosse, mas, enquanto ela saía da sala, ele disse
gentilmente: — Não pense mais no meu desagrado, pois já passou. Vejo que
a senhorita não estava ciente da coisa extraordinária que me propôs. Lamento
não poder ajudá-la; em qualquer outra ocasião a senhorita pode contar com os
meus serviços, mas a senhorita conhece Mr. Briggs e pode julgar por si
mesma que qualquer homem de posição não deve se relacionar com uma
pessoa dessas!
Cecilia concordou, fez uma reverência e partiu.
“Ah!”, pensou ela a caminho de casa. “Como estou feliz por ter seguido o
conselho de Mr. Monckton! Eu realmente estava interessada em tornar-me
uma moradora daquela casa, e, então, como ele sabiamente previu, eu
inevitavelmente me sentiria oprimida com pomposa insolência. Nenhuma
família, por mais amável que seja, poderia compensar tal mestre”.
CAPÍTULO 22
UMA ADVERTÊNCIA
UMA FUGA
UMA AVENTURA
Nunca antes o coração de Cecilia estivera tão leve, tão alegre, tão brilhante
como depois desta transação. Sua vida nunca lhe parecera tão importante,
nem sua riqueza tão valiosa. Ver cinco crianças indefesas sustentadas por ela
mesma, resgatadas dos extremos da penúria e da miséria, e preparadas para
tornarem-se úteis à sociedade e confortáveis para si mesmas; contemplar sua
débil mãe, arrebatada das agruras daquele trabalho que, dominando suas
forças, quase destruíra sua existência, agora colocada em uma situação onde
poderia ganhar um sustento eficiente sem fadiga, e o resto dos seus dias
passaria confortavelmente empregada; ver tudo isso e poder dizer: “Estas são
minhas realizações!” O que mais, para um temperamento repleto de ternura e
benevolência, poderia lhe dar mais autoestima ou uma satisfação mais
primorosa?
Tais eram os prazeres que deleitavam as reflexões de Cecilia quando, a
caminho de casa, tendo deixado a liteira para caminhar pela parte alta da
Oxford Street, de repente encontrou o velho cavalheiro cujos enfáticos
discursos tanto a assustaram. Ele caminhava rápido, mas parou no momento
em que a viu, e gritou severamente: — A senhorita sente orgulho disso? É
assim tão insensível? Será que seu coração já endureceu tão cedo?
— Ponha-me, por favor, à prova! — exclamou Cecilia, com a coragem
virtuosa de uma consciência tranquila.
— Eu já o fiz! — respondeu ele, indignado —, e a considerei culpada.
— Lamento ouvir isso — disse a espantada Cecilia —, mas poderia, pelo
menos, me dizer por quê?
— A senhorita recusou-se a me receber — respondeu ele —, mas eu era
seu amigo, e estava disposto a prolongar o prazo da sua genuína
“tranquilidade”. Eu lhe apresentei uma maneira para preservar a paz com sua
própria alma; eu a procurei em nome dos pobres e a instruí sobre como
merecer suas orações; a senhorita me ouviu, foi suscetível e obedeceu! Eu
pretendia ter repetido a lição, sintonizar seu coração com a compaixão e
ensiná-la os tristes deveres de simpatizar com a humanidade. Para isso eu a
procurei novamente, e mais uma vez não fui recebido! Curto foi o período da
minha ausência, mas longo o suficiente para a conclusão da sua queda!
— Céus! — exclamou Cecilia. — Que linguagem terrível! Quando o
senhor me procurou? Nunca soube que esteve na casa. Longe de recusar-me a
recebê-lo, eu queria vê-lo.
— De fato? — perguntou ele, com alguma suavidade. — E a senhorita não
é, na verdade, orgulhosa? Nem insensível? Não tem um coração duro? Venha
comigo, então, venha visitar os humildes e os pobres, venha comigo e dê
conforto aos combalidos e abatidos.
Diante de tal convite, por mais desejosa que estivesse por fazer o bem,
Cecilia assustou-se; a estranheza daquele que fizera o convite, sua agitação,
sua atitude autoritária e a incerteza de para onde ou para quem ele poderia
levá-la fizeram com que ela temesse prosseguir. No entanto, uma curiosidade
benevolente de ver e servir aos objetos de sua recomendação, aliada ao anseio
da integridade juvenil para livrar seu próprio caráter da difamação da dureza
de coração, logo conquistou sua indecisão, e ela fez um sinal para que seu
criado se mantivesse por perto e seguiu seu condutor.
Ele continuou silenciosa e solenemente até a Swallow Street; então virou-
se para ela e parou em uma pequena casa de aparência miserável, bateu à
porta e, sem fazer qualquer pergunta ao homem que a abriu, acenou para que
ela o seguisse e subiu apressadamente algumas escadas estreitas e sinuosas.
Cecilia hesitou novamente, mas, quando se lembrou de que o velho
homem, ainda que pouco conhecido, era visto com frequência e, embora com
poucos amigos, era por muitos pessoalmente reconhecido, achou ser
impossível que ele pudesse lhe causar algum dano. Entretanto, ela ordenou ao
criado que entrasse e ficasse subindo e descendo as escadas até que ela
retornasse. Só então obedeceu às instruções do seu guia.
Ele continuou até chegar ao segundo andar, onde novamente acenou para
que ela o seguisse, abriu uma porta e entrou em um pequeno aposento muito
mal mobiliado. E ali, para seu infinito assombro, ela notou, ocupada em lavar
alguma porcelana, uma jovem muito bonita, “elegantemente” vestida, e
aparentando apenas 17 anos de idade. No momento em que eles entraram,
com evidentes sinais de confusão, ela imediatamente abandonou o trabalho,
colocou apressadamente a bacia que lavava sobre a mesa e esforçou-se para
esconder atrás da cadeira a toalha com a qual a enxugara. O velho cavalheiro
caminhou na sua direção rapidamente e disse: — Como ele está agora? Está
melhor? Vai viver?
— Deus permita que sim! — respondeu a jovem, com emoção. — Mas, na
verdade, não está nada melhor.
— Veja — disse ele, apontando para Cecilia —, eu trouxe alguém que tem
condições de te servir e aliviar tua aflição; alguém que está rolando na
riqueza, uma estranha à enfermidade, uma novata no mundo; sem experiência
para as misérias que ainda vai ter de suportar, inconsciente da depravação em
que irá afundar! Receba seus benefícios enquanto ela ainda está imaculada e
está ao mesmo abençoando a si mesma.
A jovem, corando e envergonhada, disse: — O senhor é muito bom para
mim, mas não é o caso; não há necessidade; eu não preciso de nada, estou
longe de estar tão necessitada...
— Pobre alma humilde! — interrompeu o velho. — Sente vergonha da
pobreza? Guarda-te, guarda-te de outras vergonhas, e os mais ricos poderão
sentir inveja! Conte-lhe a sua história, claramente, sem rodeios,
verdadeiramente; não diminua nada de sua indigência, não reprima nada de
sua liberalidade. As pessoas não empobrecem por sua própria culpa, assim
como os ricos não enriquecem por suas próprias virtudes. Venha, então, e
deixem-me apresentá-las. Jovens como são, com muitos anos e muitas
tristezas a enfrentar, aliviem o fardo das preocupações mútuas através do
reconfortante intercâmbio de gratidão por beneficência!
Ele, então, pegou a mão de cada uma delas e uniu-as entre as suas: — A
senhorita — continuou ele —, que, embora seja rica, ainda não se tornou
insensível, e a senhorita, que, embora seja pobre, não se deixou degradar, por
que não deveriam amar e cuidar uma da outra? As aflições da vida são
tediosas, suas alegrias, evanescentes; as senhoritas são agora jovens e, com
pouco para desfrutar, encontrarão muito com o que sofrer. Acredito que são
também inocentes... oh, poderiam muito bem permanecer assim! “Já foram
anjos um dia, e os filhos dos homens poderão adorá-las!”
Ele se deteve, controlado por sua própria emoção crescente, mas logo
retomou sua austeridade usual: — No entanto — continuou ele —, esta não é
a condição da humanidade. Tenham compaixão, portanto, dos males
iminentes sobre ambas, sejam amáveis uma com a outra! Deixo-as juntas, e
para sua mútua ternura as recomendo!
Ele voltou-se particularmente para Cecilia: — Não desdenhe — disse ele
— para consolar os deprimidos; olhe para ela com respeito, converse com ela
sem desprezo; assim como a senhorita, ela é órfã, ainda que diferente da
senhorita, não é uma herdeira; assim como ela, a senhorita não tem pai,
embora não seja como ela, sem amigos! Se as tentações da adversidade a
aguardam, a senhorita também está cercada pelas corrupções da prosperidade.
Sua queda é mais provável, a dela, mais desculpável; assim, compadeça-se
dela agora e, pouco a pouco, ela poderá compadecer-se de ti.
Com estas palavras, ele saiu do aposento.
Um silêncio total sucedeu sua partida. Cecilia teve dificuldade para se
recuperar da surpresa e não conseguiu falar. Ao seguir seu extraordinário
guia, sua imaginação havia pintado uma cena como aquela que havia
abandonado recentemente e a havia preparado para contemplar alguma
família em apuros, alguma criatura indefesa enferma ou algumas crianças
necessitadas, mas o fato de encontrar ninguém além daquela bela e delicada
jovem, uma apresentação tão singular e um objeto tão impensado, a privou de
todo o poder, exceto o de demonstrar seu espanto. Enquanto isso, a jovem
parecia um pouco menos surpresa e infinitamente mais envergonhada. Ela
olhava para o próprio aposento com irritação e para sua hóspede com
confusão; ela escutara a exortação do velho homem com visível desconforto
e, agora que ele se fora, parecia dominada pela vergonha e pelo desgosto.
Cecilia, que ao notar tais emoções sentiu aumentar tanto sua curiosidade
quanto sua compaixão, apertou a mão dela quando se separaram e, um tanto
recuperada, disse: — A senhorita deve pensar que esta é uma estranha
intromissão, mas talvez conheça tão bem o cavalheiro que me trouxe aqui, a
ponto de fazer com que suas singularidades invoquem suas próprias
desculpas.
— Na verdade, madame — respondeu ela, com timidez —, eu o conheço
muito pouco, mas ele é muito bom e deseja muito me prestar algum serviço.
Porém, acredito que ele considera minha situação muito pior do que
realmente é, pois, eu lhe asseguro, madame, seja o que for que ele tenha dito,
não estou tão mal assim.
As diversas dúvidas em seu detrimento, que a princípio, por sua situação
incomum, surgiram na mente de Cecilia, aquela ânsia por disfarçar e não
manifestar sua angústia consideravelmente removia e a afastava de qualquer
suspeita da busca através do artifício e da imposição de brincar com seus
sentimentos. Com uma gentileza sumamente tranquilizadora, Cecilia
respondeu: — De maneira alguma eu teria entrado aqui de forma tão
inesperada se não tivesse concluído que meu condutor tinha algum direito de
me trazer. No entanto, uma vez que realmente nos encontramos, vamos nos
recordar de suas exigências e nos esforçar para não nos separarmos até que,
mediante uma troca mútua de boa vontade, cada uma tenha agregado uma
amiga à outra.
— A senhorita é realmente condescendente, madame — respondeu a
jovem, com um ar humilde —, vendo o que está vendo e falando de uma
amiga quando vem a um lugar como este! Subindo dois lances de escadas!
Sem móveis! Nenhum criado! Tudo em tamanha desordem! Eu realmente
admiro Mr. Albany! Ele não deveria, mas ele pensa que os assuntos de todas
as pessoas podem se tornar públicos e não se importa com o que diz, nem
com o que ouve; ele não conhece a dor que causa, nem o mal que pode fazer.
— Estou muito preocupada — disse Cecilia, cada vez mais surpresa com
tudo o que ouvia — por descobrir que tenho sido tão útil para sua angústia.
Eu não sabia para onde ia e o segui, acredite, nem por curiosidade nem por
inclinação, mas simplesmente porque não sabia como recusar. Ele se foi, e,
por isso, vou aliviá-la partindo também, mas permita-me deixar um pequeno
testemunho de que a intenção de minha vinda não foi mera impertinência.
Ela pegou sua bolsa, mas a jovem, recuando com um olhar de ressentida
mortificação, exclamou: — Não, madame! A senhorita está enganada; por
favor, guarde sua bolsa. Eu não sou uma mendiga! Mr. Albany não me
representa se disse que sou.
Cecilia, por sua vez, mortificada com a rejeição inesperada de uma oferta
que se julgava convidada a fazer, ficou alguns momentos em silêncio, e,
então, disse: — Eu não quis ofendê-la e sinceramente imploro seu perdão se
não compreendi bem a missão que acabei de receber.
— Não há o que perdoar, madame — disse ela, mais calma —, exceto, de
fato, a Mr. Albany; com ele, não adianta ficar zangada, pois ele não se
importa com o que eu digo. Ele é muito bom, mas muito estranho, pois pensa
que todas as pessoas devem viver em conjunto, e que todos os pobres devem
pedir, e todos os ricos devem dar; ele não sabe que muitos preferem morrer
de fome.
— E a senhorita — disse Cecilia, meio sorrindo — encontra-se neste
número?
— Na verdade, não, madame! Não tenho tanta grandeza de espírito. Mas
aqueles a quem pertenço têm mais força e espírito superior. Eu gostaria de
poder imitá-los!
Impressionada pela franqueza e simplicidade do discurso, Cecilia sentiu
um caloroso desejo de servi-la e, pegando sua mão, disse: — Perdoe-me,
mas, embora eu veja que a senhorita deseja que eu me vá, não sei como
deixá-la; recorde-se, portanto, do encargo que nos foi dado, e se a senhorita
recusar minha ajuda de uma maneira, indique-me de que outra forma eu
posso oferecê-la.
— A senhorita é muito gentil, madame — respondeu ela —, e ouso dizer
que é muito boa. Tenho certeza de que a senhorita parece ser, pelo menos.
Mas eu não quero nada. Eu estou indo muito bem e tenho esperanças de
melhorar. Mr. Albany está muito impaciente. Ele sabe, é verdade, que não
sou extremamente rica, mas ele está errado se me supõe, portanto, um objeto
de caridade, e se me considera tão mesquinha a ponto de receber dinheiro de
uma estranha.
— Eu lamento sinceramente — disse Cecilia — pelo erro que cometi, mas
a senhorita deve permitir que façamos as pazes antes de nos separarmos;
ainda assim, até que nos conheçamos melhor, tenho receio de propor os
termos. Talvez permita que eu deixe meu endereço e me daria a honra da sua
visita?
— Oh, não, madame! Tenho um parente doente a quem não posso
abandonar; e, de fato, se ele estivesse bem, não gostaria que eu fizesse
amizades enquanto estou neste lugar.
— Espero que não seja sua única enfermeira? Estou certa de que não
parece capaz de suportar tamanha fadiga. Ele tem um médico? Está
devidamente atendido?
— Não, madame; ele não tem um médico e nem mesmo atendimento.
— É possível que em tal situação a senhorita se recuse em ser assistida?
Certamente deveria aceitar alguma ajuda para ele, se não para a senhorita.
— Mas de que adiantaria, se eu aceitasse e ele não fizesse uso dessa ajuda?
E quando disse que prefere mil vezes morrer a deixar que saibam que está
passando por necessidade?
— Aceite, então, sem que ele saiba; ajude-o sem que tenha conhecimento.
Certamente a senhorita não permitiria que ele morresse sem ajuda?
— Deus me livre! Mas o que posso fazer? Estou sob seu comando,
madame, não ele sob o meu!
— Ele é o seu pai? Perdoe minha pergunta, mas sua juventude parece
precisar muito de tal protetor.
— Não, madame, eu não tenho pai. Era mais feliz quando tinha. É meu
irmão.
— E qual é a sua doença?
— Uma febre.
— Uma febre e sem médico. Está certa de que não é algo infeccioso?
— Ah, sim. Tenho certeza!
— Tanto assim? Como pode ter tanta certeza?
— Porque eu conheço bem a situação.
— E qual é a situação? — perguntou Cecilia, tomando novamente a sua
mão. — Por favor, confie em mim. Na verdade, não se arrependerá da sua
confiança. Sua reserva até agora só elevou minha estima, mas não a leve tão
longe a ponto de me mortificar com uma rejeição total os meus bons serviços.
— Ah, madame — disse a jovem, suspirando —, a senhorita deve ser
muito boa, estou certa, pois vai conseguir tudo de mim com essa boa
vontade! A situação foi um ferimento negligenciado, nunca devidamente
curado.
— Um ferimento? Ele está no exército?
— Não, ele foi baleado pela lateral em um duelo.
— Em um duelo? — exclamou Cecilia. — Diga, qual é o nome dele?
— Ah, isso eu não posso dizer! Seu nome é um grande segredo enquanto
está neste lugar pobre, pois eu sei que ele iria preferir nunca mais ver a luz do
que ter o fato conhecido por todos.
— Certamente, certamente! — exclamou Cecilia, com muita emoção. —
Não pode ser, espero que não seja Mr. Belfield?
— Ah, céus! — exclamou a jovem, gritando —, a senhora o conhece?
Neste momento, com espanto mútuo, elas se entreolharam.
— A senhorita é, então — disse Cecilia —, irmã de Mr. Belfield? E Mr.
Belfield está doente e seu ferimento ainda não foi curado, e ele não tem
nenhuma ajuda!
— Quem é a senhorita, madame? — perguntou ela. — E como o conhece?
— Meu nome é Beverley.
— Ah! — exclamou ela. — Temo não ter feito nada além de causado um
grande mal. Eu sei bem quem a senhorita é, madame, mas, se meu irmão
descobrir que o traí, ele vai ser cruel e talvez nunca me perdoe.
— Não tenha medo — disse Cecilia. — Esteja certa de que ele nunca
saberá. Ele não deveria estar no interior?
— Não, madame, ele está agora mesmo no quarto ao lado.
— Mas o que aconteceu com o cirurgião que o atendia, e por que ele ainda
não o visita?
— Será tolice, agora, esconder qualquer coisa da senhorita. Meu irmão o
enganou e disse que estava saindo da cidade apenas para se livrar dele.
— Mas o que poderia induzi-lo a agir de forma tão estranha?
— Um motivo que a senhorita, espero, nunca venha a conhecer. Pobreza!
Ele não assumiria uma conta que não pudesse pagar.
— Meu Deus! Mas o que pode ser feito por ele? Ele não pode continuar
sofrendo assim; devemos pensar em alguma coisa para aliviá-lo e ajudá-lo,
quer ele consinta ou não.
— Temo que isso não seja possível. Um de seus amigos já o descobriu e
lhe escreveu uma carta muito gentil. Mas ele não respondeu e não quis
recebê-lo; ele ficou preocupado e zangado.
— Bem — disse Cecilia —, não vou segurá-la por mais tempo, para que
ele não fique alarmado com sua ausência. Amanhã de manhã, com sua
licença, voltarei a visitá-la e espero que me permita fazer alguma coisa para
ajudá-la.
— Se dependesse apenas de mim, madame — respondeu ela —, agora que
tenho a honra de saber quem é, creio que não deveria ter muitos escrúpulos,
pois não fui educada com noções tão elevadas como meu irmão. Ah! Seria
tão bom para ele, para mim, para toda a família se ele também não tivesse.
Cecilia, então, repetiu suas expressões de conforto e gentileza e se
despediu.
Esta pequena aventura lhe trouxe uma preocupação infinita: todo o horror
que o duelo originalmente a havia causado voltou novamente; ela acusou a si
mesma com muita amargura por tê-lo provocado, e ao descobrir que Mr.
Belfield sofria tão cruelmente, tanto na saúde quanto nos negócios, pensou
que cabia a ela aliviá-lo da melhor maneira possível.
Sua irmã também a havia interessado muito; sua juventude e a incomum
falta de artifícios na sua conversa, somadas à sua situação melancólica e à
beleza de sua pessoa, despertaram nela o desejo de servir e a predisposição
para amá-la; ela decidiu, se a achasse tão merecedora quanto atraente, não
apenas ajudá-la no momento, mas, se suas angústias continuassem, recebê-la
em sua própria casa no futuro.
Mais uma vez, ela lamentou a detenção indevida de suas duzentas libras. O
que ela agora tinha de sobra era extremamente inadequado para o que
desejava conceder, e aguardava com crescente entusiasmo a conclusão de sua
minoridade. O plano de vida generoso e elegante que pretendia seguir
ganhava terreno diariamente em sua imaginação e crédito em sua opinião.
CAPÍTULO 25
UM HOMEM GENIAL
UM RECURSO
“Mr. Rupil certamente atenderá Mr. Belfield, cujos amigos podem ter a
certeza de que fará tudo o que está ao seu alcance para recuperá-lo, sem
receber nenhuma recompensa senão o prazer de servir a um cavalheiro que é
tão querido”.
UM PROTESTO
Cecilia voltou para casa tão tarde que foi chamada à sala de jantar assim
que passou pela porta. Seu traje matinal e sua longa ausência despertaram
muita curiosidade em Mrs. Harrel, que depois de uma rápida sucessão de
perguntas evasivamente respondidas, logo tornou-se generalizada, e Sir
Robert Floyer, voltando-se para ela com um olhar de surpresa, disse: — Se a
senhorita é capaz de extravagâncias como estas, Miss Beverley, devo
começar a indagar um pouco mais sobre o seu comportamento.
— Isso, senhor — disse Cecilia, com muita frieza —, não compensaria
tanto trabalho.
— Quando a levarmos para Violet-Bank — exclamou Mr. Harrel —,
seremos capazes de vigiá-la melhor.
— Assim espero — respondeu Sir Robert —, embora ela tenha se
mostrado tão recatada que eu nunca imaginei que fizesse qualquer coisa a não
ser ler sermões. No entanto, acho que não há como confiar nas mulheres,
assim como no dinheiro.
— Sim, Sir Robert — exclamou Mrs. Harrel —, o senhor sabe que sempre
o aconselhei a não ser tão tranquilo e estou certa de que merece um pouco
mais de seriedade, se não sentir medo!
— Medo de quê, madame? — perguntou o baronete. — De uma jovem
saindo sem mim? Acha que eu gostaria de restringir o tempo de Miss
Beverley em uma manhã, quando tenho a felicidade de visitá-la todas as
tardes?
Cecilia ficou estupefata com o discurso, que não apenas expressava uma
confissão aberta de suas pretensões, mas também uma segurança confiante do
seu êxito. Ela estava surpresa com o fato de que um homem com tais
princípios pudesse presumir sua preferência, mesmo que por um momento, e
irritada com a teimosia de Mr. Harrel ao não lhe informar da sua recusa. A
sua insinuação de ir à casa pela alegria de visitá-la fez com que ela se
decidisse, sem perder um minuto, a lhe dar ela mesma uma explicação,
enquanto a descoberta de que ele estava incluído na festa de Páscoa, a qual
várias outras causas concomitantes já haviam tornado desagradável para ela,
fez com que ansiasse por esta prontidão proposital com nada além de má
vontade e desgosto. Porém, embora sua determinação para concluir o assunto
a fizesse agora se colocar voluntariamente no caminho do baronete, ela
sempre encontrava seu plano contrariado por Mr. Harrel, quem, com uma
diligência óbvia demais para ser uma simples casualidade, constantemente
impedia o progresso de qualquer discurso do qual ele próprio não estivesse
participando. Um admirador mais apaixonado poderia não ter sido derrotado
tão facilmente, mas Sir Robert, orgulhoso demais para renunciar e indolente
demais para persistir, foi rapidamente detido, porque rapidamente se cansou.
Assim, a tarde toda, para sua infinita mortificação, passou sem que tivesse a
oportunidade de lhe fazer saber o seu engano.
Seu próximo esforço foi protestar com o próprio Mr. Harrel, mas este
plano não foi mais fácil de executar do que o outro, uma vez que Mr. Harrel,
suspeitando que ela pretendia cobrar o dinheiro novamente, evitou qualquer
conversa em particular com ela com tanta habilidade, que ela não conseguiu
um momento para fazê-lo ouvi-la. Ela, então, resolveu dirigir-se à sua
senhora, mas seu sucesso não foi melhor: Mrs. Harrel, temendo outra palestra
sobre economia, respondeu com mau humor ao seu pedido para uma
conferência, alegando que não se sentia muito bem e que não poderia
conversar sobre coisas sérias. Cecilia, justificadamente ofendida com todos
eles, não tinha mais recursos a não ser Mr. Monckton, cujo conselho para
despachar o baronete definitivamente ela decidiu solicitar na primeira
oportunidade. Assim, na próxima vez que o viu, ela lhe informou sobre os
discursos de Sir Robert e sobre o comportamento de Mr. Harrel.
Não havia necessidade retórica para apontar a Mr. Monckton o perigo de
tais expectativas, ou a impropriedade de sua situação atual; ele foi golpeado
por ambas da maneira mais contundente, e não poupou afetos para alarmar
sua delicadeza, ou aumentar seu descontentamento. No entanto, ele estava
exasperado com Mr. Harrel, e lhe garantiu que não havia dúvidas de que ele
tinha algum interesse particular em apoiar de forma tão enérgica e astuta as
pretensões de Sir Robert. Cecilia esforçou-se por refutar esta opinião, que
considerava procedente mais do preconceito do que da justiça, mas, quando
mencionou que o baronete havia sido convidado a passar o feriado de Páscoa
em Violet-Bank, ele observou com tanta energia as consequentes obras do
destino, bem como o inevitável encorajamento que tal intimidade implicaria,
que a deixou aterrorizada a ponto de lhe implorar uma sugestão capaz de
salvá-la.
— Há apenas uma — respondeu ele —, a senhorita deve se recusar
peremptoriamente a ir a Violet-Bank. Se, depois do ocorrido, a senhorita for
incluída no mesmo grupo de Sir Robert, sancionará os comentários já
circulados de seus compromissos com ele, e o efeito de tal sanção será mais
grave do que a senhorita pode imaginar, já que o conhecimento de que uma
conexão é acreditada por todos, com muita frequência, senão sempre, conduz
a graus imperceptíveis à sua ratificação real.
Cecilia, com grande entusiasmo, prometeu implicitamente seguir seu
conselho, qualquer que fosse a oposição de Mr. Harrel. Ele a deixou,
portanto, com satisfação incomum, feliz pelo poder que tinha sobre sua mente
e antecipando com êxtase secreto a felicidade que lhe reservava poder visitá-
la durante a ausência da família.
Como nenhuma entrevista particular foi necessária para anunciar sua
intenção de não comparecer à festa de Páscoa, que aconteceria em dois dias,
ela mencionou sua intenção de passar o feriado na cidade na manhã seguinte,
no momento em que Mr. Harrel entrava na sala de café da manhã com
alguma incumbência à sua senhora. A princípio, ele apenas riu do seu plano,
zombando do seu amor pela solidão, mas, quando percebeu que era sério, ele
se opôs veementemente e convocou Mrs. Harrel a juntar-se a ele nos
protestos. A dama concordou, mas de maneira tão débil que Cecilia logo
percebeu que ela não desejava vencer; e com uma preocupação que lhe
custou uma dor infinita, ela finalmente se deu conta de que não só toda a sua
afeição anterior havia se reduzido à indiferença, mas que, uma vez que havia
se esforçado para reduzir seu divertimento, ela a considerava uma espiã e a
temia como uma censura de sua conduta.
Enquanto isso, Mr. Arnott, que estava presente, embora não tenha
interferido no debate, acompanhava o evento com ansiedade; naturalmente
esperava que suas objeções tivessem origem na sua antipatia por Sir Robert, e
secretamente resolveu ser guiado pelos movimentos dela. Por fim, Cecilia,
cansada das importunações por parte de Mr. Harrel, disse gravemente que se
ele desejava ouvir as razões que a obrigavam a recusar o seu pedido, ela
estava disposta a comunicá-las.
Mr. Harrel, após alguns momentos de hesitação, acompanhou-a até a outra
sala.
Ela, então, declarou sua resolução de não viver sob o mesmo teto que Sir
Robert, e muito abertamente expressou sua irritação e desagrado por ele tão
evidentemente persistir em encorajar o cavalheiro.
— Minha cara Miss Beverley — respondeu ele, descuidadamente —,
quando uma moça não sabe o que pensa, é necessário que algum amigo lhe
diga: a senhorita demonstrou ser muito favorável a Sir Robert há pouco
tempo, e, assim, ouso dizer que o será de novo, quando o conhecer melhor.
— O senhor me surpreende! — exclamou Cecilia. — Quando fui
favorável a ele? Ele não foi sempre e regularmente a minha aversão?
— Eu imagino — respondeu Mr. Harrel, rindo — que não será fácil para a
senhorita o convencer de que este é o seu pensamento; seu comportamento na
Opera House foi mal calculado se pretendia dar essa impressão.
— Meu comportamento na Opera House, senhor, eu já lhe expliquei; e se
o próprio Sir Robert tem alguma dúvida, seja sobre este acontecimento ou
qualquer outro, perdoe-me se digo que só podem ser atribuídas à sua falta de
vontade em removê-las. Eu suplico, portanto, que não brinque mais com ele,
nem me submeta novamente à liberdade de implicações extremamente
desagradáveis para mim.
— Ora, Miss Beverley! Depois de tudo o que aconteceu, depois da sua
longa expectativa e da sua presença constante, a senhorita não pode, nem por
um momento, pensar seriamente em recusá-lo.
Cecilia, igualmente surpresa e irritada pelo discurso, não soube como
responder, e Mr. Harrel, deliberadamente interpretando erroneamente o seu
silêncio, pegou a sua mão e disse: — Vamos, estou certo de que a senhorita
possui honra suficiente para não fazer de tolo um homem como Sir Robert
Floyer. Não há mulher na cidade que não inveje sua escolha, e eu garanto que
não há outro homem na Inglaterra que lhe recomendaria no momento.
Ele a teria levado imediatamente de volta para a outra sala, mas, afastando
sua mão com indisfarçável ressentimento, ela exclamou: — Não, senhor. Isso
não vai acontecer! Minha rejeição categórica à proposta de Sir Robert no
mesmo instante em que tomei conhecimento dela, o senhor não pode ter
esquecido nem se enganado; e o senhor não deve estranhar se eu demonstro
extrema desobediência pela sua inexplicável perseverança em se recusar a
aceitar minha resposta.
— As jovens que foram criadas no campo — respondeu Mr. Harrel, com
sua negligência habitual — estão sempre tão certas de suas posições que é
difícil lidar com elas, mas como conheço melhor o mundo do que a senhorita,
permita-me dizer que, se, depois de tudo, recusar Sir Robert, isso lhe fará
muito mal.
— Por que diz isso, senhor? — perguntou, — quando é totalmente
impossível que tenha formado uma opinião tão absurda. Por favor, ouça o
que eu digo, e finalmente, por favor, diga a Sir Robert...
— Não, não — interrompeu ele, com afetado contentamento —, a
senhorita deve resolver tudo do seu jeito. Eu não terei nada a ver com brigas
entre namorados.
Então, com uma risada fingida, ele a deixou apressadamente.
Cecilia ficou tão indignada com tal comportamento, que, no lugar de
retornar para a família, foi diretamente para o seu quarto. Foi fácil para ela
compreender que Mr. Harrel estava empenhado em utilizar todos os métodos
que pudesse inventar para envolvê-la em algum compromisso com Sir
Robert, e embora ela não pudesse imaginar o significado do plano, a
pequenez do seu comportamento estimulava o seu desprezo e o persistente
engano do baronete lhe causava muita inquietação. Mais uma vez ela decidiu
lhe dar uma explicação ela mesma e, inabalavelmente, recusar-se a juntar-se a
eles em Violet-Bank.
No dia seguinte, enquanto as damas e Mr. Arnott tomavam o café da
manhã, Mr. Harrel entrou na sala para perguntar se todos estariam prontos
para partir para a casa de campo às dez horas do dia seguinte. Mrs. Harrel e
seu irmão responderam afirmativamente, mas Cecilia ficou em silêncio; ele
virou-se para ela e repetiu a pergunta.
— Acha que sou assim tão caprichosa, senhor — disse ela —, que, depois
de lhe dizer ainda ontem que não poderia fazer parte do seu grupo, hoje vou
dizer que posso?
— A senhorita não pode realmente ter a intenção de ficar na cidade
sozinha — respondeu ele. — Não pode supor que seja uma ideia apropriada
para uma jovem. Pelo contrário, será tão impróprio que, na qualidade de seu
guardião, sou obrigado a me opor.
Assustada com o discurso autoritário, Cecilia olhou para ele com um misto
de mortificação e raiva, mas sabendo que seria inútil resistir ao seu poder se
ele estivesse decidido a exercê-lo, ela não respondeu.
— Além disso — continuou ele —, tenho planos para algumas reformas
na casa durante minha ausência, e acho que seu quarto, em particular, será
muito beneficiado, mas será impossível empregar qualquer operário se todos
nós não deixarmos o local.
Esta perseguição decidida a alarmava seriamente; ela percebeu que Mr.
Harrel não omitiria nenhum expediente ou estratagema para encorajar os
avanços de Sir Robert e a obrigaria a ficar em sua presença; ela começou a
compreender que aquele cavalheiro poderia presumir sua conivência em sua
conduta. Ela decidiu, portanto, como último e único esforço em seu poder
para evitá-lo, tentar encontrar uma acomodação na residência de Mrs.
Delvile, durante a excursão a Violet-Bank, e se, quando voltasse a Portman
Square, o baronete continuasse com suas visitas, ela suplicaria ao amigo, Mr.
Monckton, que se encarregasse de desenganá-lo.
CAPÍTULO 28
UMA VITÓRIA
UMA QUEIXA
UM PESAR
Cecilia havia decidido passar o dia seguinte em St. James’s Square; ela
sabia por experiência que provavelmente encontraria alguma oportunidade de
falar a sós com Delvile. Foi o que aconteceu, pois, à tarde, Mrs. Delvile saiu
da sala por alguns instantes para responder uma carta. Cecilia, então, deixada
com o filho, após um minuto de hesitação, perguntou: — O senhor me achará
muito estranha se eu tomar a liberdade de consultá-lo sobre um assunto?
— Eu já acho que a senhorita é muito estranha — respondeu ele. — Tão
estranha que não conheço ninguém parecido. Mas que consulta é essa que
precisa da minha opinião?
— O senhor está familiarizado, creio eu, com o sofrimento de Mr.
Belfield?
— Sim, e acho sua situação a mais triste que se pode imaginar. Tenho
pena dele com toda a minha alma, e nada me daria maior prazer do que uma
oportunidade de ajudá-lo.
— Ele é, de fato, digno de pena — respondeu Cecilia —, e se algo não for
feito rapidamente, temo que tudo estará perdido. A agitação de sua mente
frustra todo o poder da medicina, e, até que seja aliviada, sua saúde nunca
poderá ser restaurada. Seu espírito, provavelmente sempre mais elevado do
que sua posição social, luta contra todos os ataques da enfermidade e da
pobreza, no lugar de submeter-se ao seu destino e apelar para amigos em
busca de auxílio e renda. Não tenho a intenção de justificar sua obstinação,
mas gostaria que fosse possível superá-la. Na verdade, temo pensar no que
pode acontecer com ele, sentindo no presente nada além da miséria e dor e
esperando do futuro nada além de ruína e desespero!
— Não há um só homem — disse o jovem Delvile, emocionado — que
não prefira cobiçar no lugar de se compadecer com sofrimentos que dão
origem a tanta compaixão.
— Ele não aceitará assistência pecuniária — continuou ela —, e, de fato,
sua mente está acima do conforto de um alívio tão temporário. Desejo,
portanto, que ele seja colocado em algum modo de vida através dos seus
próprios talentos, que há muito divertem o mundo, e que possam finalmente
se tornar úteis para ele. O senhor acha isso possível?
— Como me regozijo — exclamou Delvile, corando de prazer enquanto
falava — com esta lisonjeira concordância de nossas opiniões! Veja, madame
— disse ele, enquanto tirava uma carta do bolso —, como tenho estado
ocupado esta manhã, esforçando-me para conseguir para Mr. Belfield algum
emprego no qual a sua educação possa ser útil e onde seus talentos lhe tragam
alguma vantagem.
Ele rompeu o lacre e colocou em suas mãos uma carta endereçada a um
nobre, cujo filho logo iria para o exterior, e onde encarecidamente lhe
recomendava Belfield na qualidade de tutor.
Uma empatia de sentimentos tão impactante os sensibilizou ao mesmo
tempo com surpresa e consideração. Delvile a olhava com seriedade e
admiração, enquanto a ocasião de sua atenção era muito agradável para
angustiá-la, e a preenchia de uma satisfação interior que iluminava todo o seu
semblante. Ela teve apenas tempo para, de uma maneira que marcou
fortemente sua aprovação, devolver a carta antes que Mrs. Delvile voltasse a
aparecer.
Durante o resto da tarde, muito pouco foi dito; Cecilia não falava muito, e
o jovem Delvile estava tão ausente que três vezes sua mãe o lembrou de um
compromisso para encontrar seu pai, que era esperado naquela noite na
residência do duque de Derwent na cidade, antes que ele notasse que ela
falava com ele; e três vezes mais antes que ele, mesmo já tendo ouvido,
obedecesse.
Ao voltar para a casa de Mr. Harrel, Cecilia a encontrou cheia de visitas.
Ela entrou na sala, mas não ficou muito tempo; estava séria e pensativa,
desejava ficar sozinha, e, na primeira oportunidade, fugiu para os seus
próprios aposentos. Sua mente estava ocupada com novas ideias e sua
imaginação com o delineamento de novas perspectivas. Desde o seu primeiro
encontro com o jovem Delvile, ela havia sido tomada por uma admiração
involuntária por suas maneiras e conversas. A cada conversa posterior, ela
encontrava algo novo para aprovar, e passou a sentir por ele um favoritismo
que sempre a fazia vê-lo com prazer e nunca se separar dele sem o desejo de
vê-lo novamente. Porém, como não era dessa natureza inflamável que está
sempre pronta a arder, como suas paixões estavam sob o controle da sua
razão e ela não permitia que seus afetos triunfassem sobre seus princípios,
assustou-se diante do perigo no momento em que tomou conhecimento dele,
e no mesmo instante decidiu não oferecer nenhum encorajamento a uma
predisposição que nem o tempo nem a intimidade haviam justificado. Ela
negou a si mesma a ilusória satisfação de demorar-se na suposição de seu
valor, foi incomumente assídua para ocupar todos os minutos do seu tempo,
para que seu coração tivesse menos oportunidades para a imaginação; e se ela
descobrisse seu caráter corrompido pela promessa de sua aparência, a pureza
bem regulada da sua mente logo lhe permitiria afastá-lo totalmente de seus
pensamentos.
Tal era sua situação quando as circunstâncias dos seus relacionamentos a
levaram a se tornar uma prisioneira em sua casa; ali ela poderia ser menos
cautelosa, porque era menos perspicaz diante do perigo e da negligência, pois
as frequências de suas conversas lhe permitiam pouco tempo para considerar
seus efeitos. Se a princípio ela ficara satisfeita com seu porte e elegância, na
intimidade ficara encantada com seu temperamento e comportamento; ela o
considerava viril, generoso, dono de um coração aberto e amável; apaixonado
por literatura, adorador do conhecimento, gentil em seu temperamento e
espirituoso em suas ações.
A casa de Mr. Harrel, que nunca lhe agradara, agora lhe parecia
completamente repugnante; ela estava enfadada e desconfortável, porém,
disposta a atribuir sua inquietação a qualquer outra causa que não a
verdadeira. Ela imaginava que a própria casa estava modificada e que todos
os seus habitantes e visitantes eram mais desagradáveis do que o usual.
Porém, tal engano sem utilidade teve curta duração; o momento da
autoconvicção estava próximo, e quando Delvile lhe apresentou a carta que
havia escrito para Mr. Belfield, havia um brilho em seus olhos. Esta
descoberta do estado alterado da sua mente trazia um cenário completamente
novo às suas opiniões e esperanças, pois nem o exercício da mais ativa
benevolência nem o curso constante da conduta mais virtuosa foram
suficientes para ocupar completamente os seus pensamentos, ou constituir
sua felicidade. Ela tinha propósitos que se aproximavam dos dele, e
preocupações que ameaçavam absorver em si mesmas aquele coração e
aquelas faculdades, que até então pareciam animadas apenas para o serviço
dos demais.
No entanto, esta perda de liberdade mental não lhe causou muita
preocupação, visto que a escolha de seu coração, embora involuntária, foi
aprovada por seus princípios e confirmada por seu julgamento. A posição
social do jovem Delvile era exatamente o que ela desejava, mais elevada do
que a sua, mas não tão exaltada a ponto de humilhá-la com um sentimento de
inferioridade. Suas conexões eram honrosas, sua mãe era para ela a melhor
das mulheres, seu caráter e temperamento pareciam formados para fazê-la
feliz, e sua própria fortuna era tão grande que a dele lhe parecia indiferente.
Encantada com tão lisonjeira união de temperamento e decoro, ela passou
a apreciar a preferência que a princípio havia reprimido, e acreditando que o
futuro destino da sua vida já estava estabelecido, esperava com grata alegria a
perspectiva de terminar seus dias com o homem que considerava o mais
digno a quem confiar sua fortuna. Ela não tinha, na verdade, nenhuma certeza
de que a estima do jovem Delvile fosse recíproca, mas tinha todos os motivos
para acreditar que ele a admirava muito e suspeitar que sua noção equivocada
de seu compromisso anterior, primeiro com Mr. Belfield, e depois com Sir
Robert Floyer, fizera com que ele procurasse comprovar tais sentimentos a
seu favor, os quais, quando o engano fosse removido, ela esperava ver
encorajado.
Portanto, seu objetivo era esperar tranquilamente por uma explicação, a
qual ela preferia retardar a antecipar, para que pudesse utilizar seu tempo
livre e oportunidades para investigar o seu caráter e poupar a si mesma de um
arrependimento.
CAPÍTULO 31
UM CONFLITO
UMA EXPECTATIVA
UMA AGITAÇÃO
UM CAVALHEIRO TON
UMA DESAPROVAÇÃO
UM ENGANO
Neste ínterim, o jovem Delvile não deixou de retribuir a honra que Cecilia
lhe concedeu ao apresentá-lo a Mr. Harrel, fazendo uma visita ao cavalheiro
assim que os efeitos nocivos de seu acidente no Panteão permitiram que
deixasse sua própria casa. Mr. Harrel, embora estivesse de saída quando ele
chegou, estava desejoso de se relacionar com sua família e, portanto, levou-o
ao andar de cima para apresentá-lo à sua esposa e convidou-o para um chá
com carteado na noite seguinte.
Cecilia, que estava com Mrs. Harrel, não o viu sem emoção, a qual não foi
diminuída pela tarefa de agradecê-lo por sua ajuda no Panteão e perguntar
como havia se saído. No entanto, não houve nenhum sinal de emoção em
retribuição, seja quando ele se dirigiu a ela pela primeira vez, ou depois de
responder às suas perguntas. O olhar de solicitude que tanto a impressionara
quando eles se separaram não era mais discernível, e a voz da sensibilidade
que havia removido todas as suas dúvidas não era mais ouvida. Sua
tranquilidade e alegria natural voltaram a ser imperturbáveis, e, embora nunca
tivesse parecido realmente indiferente a ela, não havia o menor sinal de
qualquer parcialidade adicional.
Cecilia sentiu uma mortificação involuntária ao observar tal mudança;
ainda assim, depois de alguma reflexão, ela atribuiu ao seu comportamento o
engano quanto à sua situação e, portanto, ficou ainda mais satisfeita com a
preferência que ele ocasionalmente revelava.
O convite para a noite seguinte foi aceito, e Cecilia, pela primeira vez, não
sentiu repugnância ao juntar-se ao grupo. O jovem Delvile estava novamente
de excelente humor, mas, embora seu prazer principal fosse evidentemente
conversar com ela, Cecilia ficou aflita ao observar que ele parecia considerá-
la propriedade indubitável do baronete, sempre recuando quando este se
aproximava. Porém, quando Sir Robert ficou entretido com as cartas, tendo
cessado todos os seus escrúpulos, ele quase a absorveu completamente.
Estava ansioso para lhe contar sobre a situação de Mr. Belfield, a qual,
segundo ele, estava agora muito melhor. Na verdade, a carta de
recomendação que havia lhe mostrado tinha fracassado, pois o nobre em
questão já havia firmado um compromisso para o seu filho, mas ele havia
feito um pedido em outro lugar e acreditava que seria bem-sucedido; e ele
tinha comunicado todas as suas ações a Mr. Belfield, cujo ânimo esperava
fosse recuperado com a perspectiva de emprego e benefícios.
— É bem verdade — acrescentou ele — que eu preferia ter obtido o seu
consentimento para os passos que estou tomando no lugar da sua aprovação
dos mesmos, mas não creio que, se o tivesse consultado anteriormente, eu o
teria. Decepcionado por seus pontos de vista tão superiores, seu espírito está
quebrantado e, sem esperanças, dificilmente é condescendente para aceitar o
alívio, devido à amarga lembrança da indicação que aguardava. O tempo,
porém, enfraquecerá esta sensibilidade aguda e a reflexão o fará envergonhar-
se desta delicadeza irracional. Nós devemos consolá-lo pacientemente até que
seja mais ele mesmo, ou, enquanto pretendemos lhe servir, apenas o
atormentamos. A doença, a tristeza e a pobreza caíram pesadamente sobre
ele, e todas de uma vez; não devemos, portanto, nos admirar por encontrá-lo
intratável, quando sua mente está tão deprimida quanto seu corpo está
debilitado.
Cecilia, a quem sua franqueza e generosidade sempre proporcionavam um
novo deleite, reforçou suas opiniões com seu assentimento e confirmou seus
desígnios com o interesse que nutria por eles.
A partir de então, ele quase diariamente encontrava uma ocasião para
visitar Portman Square. A devoção de Cecilia em favor de Mr. Belfield lhe
conferia o direito de comunicá-la acerca de todos os processos que lhe diziam
respeito; ele sempre tinha uma carta para mostrar, um novo esquema a
propor, alguma recusa a lamentar ou alguma esperança para se alegrar;
quando tudo o mais falhou, Cecilia apanhou um resfriado, o que o fez
perguntar por sua saúde; em outras ocasiões, Mrs. Harrel lhe fazia um
convite, o que tornava qualquer desculpa desnecessária. Mas, embora sua
intimidade com Cecilia aumentasse, embora sua admiração por ela fosse
conspícua e seu apreço pela sua companhia parecesse crescer com o desfrute
da mesma, ele nunca manifestava qualquer dúvida sobre o seu compromisso
com o baronete, nem traía sua intenção ou desejo de suplantá-lo. Cecilia, no
entanto, não se lamentava muito pelo engano, já que acreditava que a situação
seria determinante para obter um conhecimento mais imparcial de sua
personalidade, daquilo que poderia racionalmente esperar se, assim como
esperava, a explicação do seu engano o fizesse procurar sua boa opinião com
mais estudo e planejamento.
Para contentar-se não apenas com o irmão, mas também com a irmã, ela
voltou a visitar Miss Belfield, e teve o prazer de encontrá-la de melhor humor
e de ouvir que o nobre amigo do seu irmão, de quem ela já havia falado, e de
quem Cecilia havia antes suspeitado ser o jovem Delvile, havia agora lhe
indicado um método de conduta pelo qual seus negócios poderiam ser
decentemente recuperados e ele mesmo poderia ser empregado de maneira
digna de crédito. Miss Belfield falou sobre o plano com grande satisfação; no
entanto, reconheceu que sua mãe estava extremamente insatisfeita e que seu
próprio irmão fora mais levado pela vergonha do que pela inclinação da sua
aplicação. Mesmo assim, ele estava evidentemente mais tranquilo, ainda que
longe de ser feliz, e tão melhor, que Mr. Rupil dissera que muito em breve
poderia deixar seu quarto.
Tal era a situação tranquila e feliz de Cecilia, quando uma noite, que era
destinada a receber companhia em casa, enquanto estava sozinha na sala de
estar, da qual Mrs. Harrel acabara de sair para responder uma mensagem, Sir
Robert Floyer acidentalmente subiu as escadas antes dos outros cavalheiros.
— Ah! — exclamou ele no momento em que a viu. — Finalmente tenho a
sorte de encontrá-la sozinha. Este é um privilégio que pensei que me seria
sempre negado.
Ele estava se aproximando dela, mas Cecilia, que se encolheu
involuntariamente ao vê-lo, estava se afastando rapidamente para deixar a
sala, quando de repente lembrou-se de que não haveria oportunidade melhor
para uma explicação final e deteve-se indecisa; Sir Robert imediatamente
tomou sua mão, pressionou-a contra os lábios enquanto ela tentava retirá-la e
exclamou: — A senhorita é uma criatura muito encantadora!
Neste momento, a porta foi aberta, e o jovem Delvile foi anunciado e
apareceu.
Cecilia, corando violentamente e extremamente envergonhada,
desvencilhou-se apressadamente da sua mão. Delvile parecia inseguro se
deveria retirar-se ou não, o que Sir Robert logo notou; ele fez uma reverência
com ar de triunfo e aborrecimento misturados e disse: — Meu senhor, seu
servo mais obediente!
No entanto, a dúvida de cada um sobre o que fazer a seguir foi
imediatamente eliminada pelo regresso de Mrs. Harrel e pela chegada quase
ao mesmo tempo dos demais convidados.
O restante da noite foi passado, por parte de Cecilia, da forma mais
dolorosa: a explicação que planejara terminara pior do que imaginara, pois,
ao permitir que o baronete a detivesse, ela havia demonstrado mais
disposição a seu favor do que qualquer intenção para descartá-lo; e a situação
em que fora surpreendida pelo jovem Delvile foi a gota d’água para
confirmar as suspeitas que ela tão pouco desejava que ele nutrisse. Mas o
acidente pareceu não ocasionar nenhuma outra alteração em lorde Delvile,
além de deixá-lo mais dedicado do que o habitual, e a ceder espaço a Sir
Robert sempre que este se aproximasse dela. Sir Robert também não hesitou
em aproveitar-se desta atenção: ele estava muito animado, conversava com
ela com mais liberdade e exibiu durante toda a noite um ar de exultante
satisfação.
Cecilia, irritada pela sua presunção, magoada pelo comportamento do
jovem Delvile e mortificada pelo caso como um todo, resolveu não mais
permitir que o engano ficasse nas mãos da casualidade, mas recorrer
imediatamente a Mr. Delvile sênior, e solicitar, na qualidade de seu guardião,
que ele procurasse o próprio Sir Robert e o informasse de que sua
perseverança em persegui-la era inútil e ofensiva. Através desta medida ela
esperava desvencilhar-se para sempre do baronete e descobrir mais
plenamente quais eram os sentimentos do jovem Delvile, pois a irritação que
acabara de suportar consumiu toda a sua paciência para esperar o conselho de
Mr. Monckton.
CAPÍTULO 37
UMA EXPLICAÇÃO
Assim, na manhã seguinte, Cecilia partiu cedo para St. James’s Square, e,
após as cerimônias habituais de mensagens e longa espera, ela foi conduzida
a uma sala onde encontrou Mr. Delvile e seu filho. Ela se alegrou ao vê-los
juntos e decidiu informar ambos sobre o significado da sua visita. Portanto,
após algumas desculpas e uma certa hesitação, ela disse a Mr. Delvile que,
encorajada por suas ofertas de servi-la, havia tomado a liberdade de procurá-
lo com o objetivo de pedir sua ajuda.
O jovem Delvile levantou-se imediatamente e teria deixado a sala, mas
Cecilia lhe garantiu que preferia que o que dissesse fosse conhecido e não
mantido em segredo e implorou que ele não se incomodasse em sair. Delvile,
satisfeito com a permissão para ouvi-la e curioso para saber o que se seguiria,
prontamente voltou ao seu lugar.
— Eu não deveria de forma alguma — continuou ela — ter pensado em
proclamar, mesmo ao mais íntimo dos meus amigos, a parcialidade que Sir
Robert teve o prazer de me demonstrar se ele tivesse me deixado a escolha de
publicá-la ou ocultá-la. Pelo contrário, seu próprio comportamento parece ter
a intenção não apenas de exibi-la, mas de insinuar que conta com a minha
aprovação. O próprio Mr. Harrel, estimulado por uma amizade muito
calorosa, também tem encorajado esta crença; nem eu mesma sei onde este
engano termina, nem quais são os rumores que ele não tem escrúpulos em
afirmar, mas acredito que não deva mais negligenciá-los e, portanto, presumi
que poderia solicitar seu conselho sobre qual a maneira mais eficaz para
contradizê-lo.
A extrema surpresa do jovem Delvile com o discurso não foi mais
evidente do que agradável para Cecilia, para quem ela explicava tudo o que
havia deixado confuso em sua conduta, ao mesmo tempo em que estimulava
todas as expectativas que ela desejava encorajar.
— O comportamento de Mr. Harrel — respondeu Mr. Delvile — de forma
alguma me deixa esquecer que seu pai era filho de um mordomo de Mr.
Grant, que vivia na vizinhança de meu amigo e parente, o duque de Derwent,
nem consigo me parabenizar o suficiente por ter sempre recusado qualquer
relacionamento com ele. O falecido reitor, na verdade, cometeu a
impropriedade mais estranha ao nomear Mr. Harrel e Mr. Briggs juntamente
com minha pessoa. Entretanto, tal impropriedade, embora extremamente
ofensiva para mim, jamais suprimiu da minha mente a estima que eu tinha
pelo reitor, nem posso dar maior prova disso do que a prontidão que sempre
demonstrei para oferecer meus conselhos e instruções à sua sobrinha. Mr.
Harrel, portanto, certamente deveria ter solicitado a Sir Robert Floyer que me
informasse de suas propostas antes de lhe dar qualquer resposta.
— Sem dúvida, senhor — disse Cecilia, disposta a abreviar a cantilena —,
mas como ele se descuidou desta intenção, o senhor me acharia muito
impertinente se eu implorasse o seu favor de falar o senhor mesmo com Sir
Robert e explicar a ele a total ineficácia da sua perseguição, já que minha
determinação contra ele é inalterável?
Naquele momento a conferência foi interrompida pela entrada de um
criado que disse algo a Mr. Delvile, o que ocasionou que ele se desculpasse
com Cecilia por deixá-la por alguns instantes e ostensivamente lhe garantisse
que nenhum assunto, por mais importante que fosse, deveria impedi-lo de
pensar no seu pedido ou de voltar para ela o mais rápido possível. O espanto
do jovem Delvile com a força das suas últimas palavras o manteve em
silêncio por algum tempo depois que seu pai deixou a sala. Então, com um
semblante que ainda revelava seu espanto, ele disse: — É possível, Miss
Beverley, que por duas vezes eu tenha sido tão flagrantemente enganado? Ou
melhor, que toda a cidade, e até mesmo o mais íntimo dos seus amigos,
deveria ter persistido tão inexplicavelmente em um erro?
— Quanto à cidade — respondeu Cecilia —, não sei como podem ter se
preocupado com um assunto tão insignificante; quanto aos meus amigos
íntimos, tenho tão poucos que é improvável que alguma vez tenham sido tão
estranhamente mal informados.
— Perdoe-me — disse ele —, eu obtive a informação de alguém que
deveria saber.
— Eu suplico, então — disse Cecilia —, que me informe quem foi?
— Foi o próprio Mr. Harrel quem disse a uma dama na minha presença e
na frente de todos.
Cecilia ergueu os olhos com admiração e indignação por uma prova tão
incontestável da sua falsidade, mas não respondeu.
— Mesmo assim — continuou ele —, eu não posso ter me enganado tanto:
seu compromisso parecia tão positivo, sua conexão tão irrecuperável... tão
certa, eu quero dizer.
Ele hesitou, um pouco envergonhado, mas, de repente, exclamou: — Mas
de onde, senão de forma favorável, se é indiferente tanto a Sir Robert quanto
a Belfield, de onde veio aquela apreensão entusiasmada por sua segurança na
Opera House? Eu nunca poderei esquecer: “Detenham-no! Meu Deus!
Ninguém irá detê-lo?” Palavras de ansiedade tão ternas! E sons que ainda
vibram nos meus ouvidos.
Cecilia, por sua vez, surpreendida pela força das suas expressões,
enrubesceu e, por alguns instantes, hesitou em responder, mas então, para não
deixar dúvidas sobre nada que estivesse relacionado a um relato tão
desagradável, resolveu contar-lhe ingenuamente as circunstâncias que haviam
ocasionado seu alarme e, portanto, embora sua modéstia fosse um tanto
dolorosa, confessou seus temores de ter sido ela mesma a causadora da
afronta, embora sua única intenção tenha sido desacreditar Sir Robert, sem
querer mostrar qualquer distinção por Mr. Belfield.
Delvile, que parecia encantado com a franqueza da explicação, disse,
quando ela terminou: — A senhorita está então livre? Ah, madame! Quantos
podem lamentar uma descoberta tão perigosa.
— O senhor chegou a pensar — disse Cecilia, esforçando-se para falar
com naturalidade — que Sir Robert Floyer poderia ser considerado tão
irresistível?
— Oh, não! — exclamou ele. — Muito pelo contrário. Mil vezes eu
duvidei da sua felicidade, mil vezes, depois de ter visto a senhorita e de tê-la
escutado, eu achei que seria impossível, mas minha autoridade parecia
indiscutível. E como desacreditar o que não foi dito como conjectura, mas
afirmado como um fato? Afirmado, também, pelo tutor com quem vivia, e
não sugerido como um segredo, mas afirmado como um fato estabelecido?
— No entanto, certamente — disse Cecilia —, o senhor me ouviu fazer
uso de expressões que não poderiam deixar de levá-lo a supor que havia
algum engano, qualquer que seja a autoridade que tenha conquistado sua
crença.
— Não — respondeu ele —, nunca imaginei que houvesse algum engano,
embora às vezes pensasse que a senhorita se arrependia do compromisso. Na
verdade, cheguei à conclusão de que a senhorita tinha sido imprudentemente
atraída para ele, e até mesmo, em algumas ocasiões, fui tentado a confessar
minhas suspeitas, declarar sua independência e incentivá-la... como um
amigo, incentivá-la a ter coragem, e, se estivesse algemada contra sua
vontade, de maneira incauta ou indigna, a quebrar os elos das correntes pelas
quais estava confinada e restaurar aquela liberdade de escolha, de cujo uso,
em última instância, depende toda a felicidade. Mas eu duvidava de que isso
fosse honorável para o baronete, e qual era, de fato, meu direito para tomar
tal liberdade? Nenhum do qual qualquer homem não possa vir a se orgulhar,
um desejo de honrar a mim mesmo, sob o pretexto desinteressado de servir a
mais amável das mulheres.
— Mr. Harrel — disse Cecilia — tem sido tão estranhamento fanático por
seu amigo, que, em sua ânsia de manifestar sua consideração por ele, parece
ter se esquecido de todas as outras considerações; de outra forma, ele não
teria espalhado tão amplamente uma notícia que mal suportaria uma
investigação.
— Mas, se Sir Robert — respondeu ele — engana a si mesmo enquanto
engana os demais, quem pode abster-se de sentir pena dele? Da minha parte,
no lugar de reclamar do meu engano, não deveria antes abençoar um erro que
pode ter sido minha proteção contra o perigo?
Cecilia, angustiada com a maneira de apoiar sua parte na conversa,
começava agora a desejar o retorno de Mr. Delvile e, sem saber mais o que
dizer, expressou sua surpresa pela sua longa ausência.
— Não é, de fato, oportuno — disse o jovem Delvile —, no momento em
que... — ele deteve-se e exclamou: — Que intervalo perigoso! — ele se
levantou do seu assento em manifesta desordem.
Cecilia também se levantou e, apressadamente, tocou a campainha e disse:
— Estou certa de que Mr. Delvile está detido e, portanto, solicitarei minha
liteira e voltarei em outra hora.
— Eu a estou assustando? — perguntou ele, assumindo uma aparência
mais plácida.
— Não — respondeu ela —, mas eu não gostaria de apressar Mr. Delvile.
Um criado surgiu e disse que a liteira estava pronta.
Ela o teria seguido imediatamente, mas o jovem Delvile novamente falou e
ela parou por um momento para ouvir: — Eu temo — disse ele, com muita
hesitação — que tenha me exposto de maneira peculiar, e a senhorita não
deve, mas tamanha surpresa... — deteve-se novamente em meio a uma
confusão de ideias, e então acrescentou: — A senhorita permitiria que eu a
acompanhasse até sua liteira? — ele a conduziu escada abaixo e, ao afastar-
se, curvou-se sem dizer uma palavra mais.
Cecilia, que estava quase totalmente indiferente a todas as partes da
explicação, exceto ao que realmente acontecera, encontrava-se em um estado
de felicidade mais prazeroso do que qualquer outro que já experimentara. Ela
não tinha dúvidas da sua influência sobre a mente do jovem Delvile, e a
surpresa que o fez mais trair do que expressar sua estima foi infinitamente
mais lisonjeira e satisfatória para ela do que qualquer declaração formal ou
direta. Ela o havia convencido de que estava descomprometida, e, em troca,
embora sem parecer ter a intenção de fazê-lo, ele a convencera do profundo
interesse que demonstrava pela descoberta. Sua perturbação, as palavras que
lhe escaparam e sua evidente luta para não dizer mais nada eram provas
exatamente como ela desejava receber de sua admiração parcial, pois,
enquanto satisfaziam seu coração, também acalmavam seu orgulho, já que
demonstravam uma certa falta de confiança no sucesso, o que lhe assegurava
que seu próprio segredo ainda era sagrado, e que nenhuma fraqueza ou
inadvertência de sua parte havia roubado o poder de mesclar a dignidade com
a franqueza com que ela pretendia receber seus discursos. Portanto, tudo o
que agora exigia cuidado era evitar qualquer compromisso indissolúvel até
que um fosse mais conhecido pelo outro.
No entanto, quanto a esta reserva, ela teve menos oportunidades do que
esperava; ela não voltou a ver o jovem Delvile naquele dia, nem ele apareceu
no seguinte. No terceiro, ela o aguardava avidamente, mas ele ainda não veio.
Enquanto se questionava do porquê de uma ausência tão incomum, ela
recebeu um bilhete de lorde Ernolf, solicitando sua permissão para vê-la por
apenas dois minutos, na hora em que ela desejasse.
Ela prontamente enviou uma resposta dizendo que deveria ficar em casa
pelo resto do dia, pois desejava muito uma oportunidade para encerrar todos
os assuntos, exceto um, e colocar sua mente em liberdade para pensar apenas
no que desejava que prosperasse. Lorde Ernolf estava em sua presença em
meia hora. Ela o achou sensato e bem-educado, extremamente desejoso de
promover sua aliança com seu filho, e aparentemente igualmente satisfeito
com ela e com sua fortuna. Ele lhe disse que havia se dirigido a Mr. Harrel há
algum tempo, mas fora informado de que ela estava realmente comprometida
com Sir Robert Floyer, e que deveria, portanto, ter evitado tomar qualquer
parte do seu tempo, se não tivesse, no dia anterior, durante uma visita a Mr.
Delvile, tomado conhecimento de que Mr. Harrel estava enganado e que ela
ainda não havia se declarado a favor de ninguém. Assim, ele esperava que ela
concedesse a seu filho a honra de visitá-la e que permitisse que ele
conversasse com Mr. Briggs, quem sabia ser seu guardião, sobre assuntos que
deveriam ser resolvidos rapidamente.
Cecilia agradeceu a honra que ele lhe concedia e confirmou a veracidade
do relato que ouvira em St. James’s Square, mas ao mesmo tempo lhe disse
que deveria recusar-se a receber visitas do seu filho, e suplicou que não
tomasse nenhuma medida para a promoção de um compromisso que nunca
poderia ter êxito. Ele pareceu muito preocupado com sua resposta e durante
algum tempo esforçou-se para suavizá-la, mas achou que ela fora tão firme,
embora cortês em sua recusa, que foi obrigado, ainda que a contragosto, a
desistir de sua tentativa.
Cecilia, depois que ele se foi, refletiu com muito desgosto sobre a
disposição dos Delviles em encorajar sua visita; entretanto, ela considerou
que ele poderia ter obtido a informação em uma conversa generalizada, mas
se culpava por não ter indagado qual parte da família ele tinha visto e quem
estava presente quando lhe deram a informação. Neste ínterim, ela descobriu
que nem a frieza nem a distância nem a aversão eram suficientes para
reprimir Sir Robert Floyer, que continuou a persegui-la com tanta confiança
no seu sucesso quanto poderia ter surgido com o maior encorajamento. Mais
uma vez, embora com muita dificuldade, ela conseguiu conversar com Mr.
Harrel sobre o assunto e acusou-o abertamente de divulgar uma informação
fora da casa, bem como de apoiar uma expectativa dentro da casa, que não
tinha nem verdade nem justiça para sustentá-la.
Mr. Harrel, com sua habitual frivolidade e descuido, riu da acusação, mas
negou qualquer crença em seu desagrado e fingiu pensar que ela estava
apenas coqueteando, enquanto Sir Robert não era menos do que sua escolha.
Irritada e cansada, Cecilia decidiu não mais depender de ninguém além de si
mesma para a administração dos seus próprios assuntos. e, portanto, para
concluir o caso sem qualquer possibilidade de maiores questionamentos, ela
mesma escreveu a seguinte carta a Sir Robert:
Para esta carta, Cecilia não recebeu resposta, mas teve o prazer de
observar que Sir Robert se absteve da sua visita habitual no dia em que ela a
enviou, e embora voltasse a aparecer no dia seguinte, não falou com ela e
parecia abatido e taciturno.
Contudo, o jovem Delvile não apareceu, e, ainda assim, à medida que
aumentava sua surpresa, sua tranquilidade diminuía. Ela não conseguia
formar nenhuma desculpa para sua demora, nem conjecturar qualquer razão
para sua ausência. Todos os motivos pareciam favorecer sua busca, e não
havia nenhum para evitá-la; a explicação que tivera tão recentemente o
informara de que ele não tinha rival a temer, e a maneira como a tinha
recebido garantiu a ela que a informação não era indiferente para ele. Por
que, então, era tão assíduo em suas visitas quando acreditava que ela estava
comprometida, e tão descuidado quando sabia que estava em liberdade?
CAPÍTULO 38
UM MURMÚRIO
UMA DERROTA
UM GRANDE INDÍCIO
UMA ACOMODAÇÃO
UMA DESCOBERTA
UM SARCASMO
UMA SUSPEITA
A manhã seguinte teve início com outra cena: Mrs. Harrel entrou correndo
no quarto de Cecilia antes do café da manhã e lhe disse que Mr. Harrel não
tinha voltado para casa na noite anterior. Ela esforçou-se para dissipar a
consternação que sentia diante do relato que ouvira, a fim de amenizar a
apreensão da comunicação. Mrs. Harrel, no entanto, estava extremamente
inquieta e enviou um criado para fazer uma investigação em toda a cidade, o
qual retornou sem nenhuma informação.
Cecilia, não querendo deixá-la em tal estado de alarme, escreveu uma
justificativa à Mrs. Delvile, avisando que não poderia ir ficar com ela até que
recebessem alguma notícia. Um assunto de preocupação imediata como
aquele era uma justificativa suficiente para evitar qualquer conversa
particular com Miss Belfield, que apareceu, como de costume, por volta do
meio-dia, e cujo coração suscetível foi muito afetado pela evidente
perturbação na qual Cecilia se encontrava.
O dia se passou sem que nenhuma notícia chegasse. Porém, para seu
grande espanto, à tarde, Mrs. Harrel preparou-se para uma reunião, ainda que
ao mesmo tempo declarasse que era extremamente desagradável para ela,
mas que temia que, se não comparecesse, todos imaginariam que algo estava
acontecendo.
Quem, afinal, pensou Cecilia, tem a metade dos servos do mundo se não
os esbanjadores? Aqueles que trabalham por contrato têm ao menos suas
horas de descanso; os que trabalham para sua subsistência encontram sua
liberdade quando esta é obtida; mas aqueles que labutam para agradar os
vaidosos e preguiçosos empreendem uma tarefa que nunca pode ser
concluída, não importando de que maneira inescrupulosa toda a paz privada e
todo o consolo interior possam ser sacrificados na realidade da loucura de
salvar as aparências! Assim, já que não havia mais motivos para renunciar ao
seu próprio compromisso, ela mandou buscar sua liteira, a fim de passar uma
ou duas horas com Mrs. Delvile. Os criados que a viram, enquanto a
conduziam escada acima, disseram que avisariam a senhora, e ao entrar na
sala ela viu, lendo e sozinho, o jovem Delvile.
Ele pareceu muito surpreso, mas a recebeu com o maior respeito,
desculpando-se pela ausência de sua mãe, quem disse ter entendido que não a
veria até o dia seguinte, e que o tinha deixado para escrever algumas cartas, já
que estava livre de compromissos. Cecilia lhe deu em troca algumas
justificativas para sua aparente inconstância; depois disso, por algum tempo,
toda a conversa cessou.
O silêncio foi finalmente quebrado pelo jovem Delvile, dizendo: — O
mérito de Mr. Belfield não foi desperdiçado com lorde Vannelt. Ele recebeu
excelentes recomendações com relação ao seu caráter por parte de todos os
seus antigos conhecidos e agora está arranjando para ele um aposento em sua
própria casa até que a viagem seja iniciada.
Cecilia disse que estava muito feliz em ouvir aquela informação, e então
os dois ficaram em silêncio novamente.
— A senhorita conheceu — disse o jovem Delvile, depois desta segunda
pausa, — a irmã de Mr. Belfield?
Cecilia, não sem mudar de cor, respondeu: — Sim, senhor.
— Ela é muito amável — continuou ele. — Na verdade, amável até
demais para a sua situação, uma vez que seus familiares, com exceção apenas
do seu irmão, são completamente indignos dela.
Ele deteve-se, mas Cecilia não respondeu, e ele logo acrescentou: —
Talvez não a considere amável? A senhorita deve tê-la visto mais vezes e
talvez saiba de alguma coisa que a desabone?
— Oh, não! — exclamou Cecilia, com um entusiasmo forçado. — Eu só
estava pensando que... o senhor disse que conheceu seus familiares?
— Não — respondeu ele —, mas, quando estive com Mr. Belfield, alguns
deles o visitaram.
Mais uma vez os dois ficaram em silêncio. Cecilia, envergonhada pelo seu
aparente atraso para responder, viu-se obrigada a dizer: — Miss Belfield é
realmente uma menina muito doce, e eu desejo que... — ela deteve-se, não
sabendo muito bem o que pretendia acrescentar.
— Eu fiquei muito satisfeito — disse ele, depois de esperar por alguns
minutos para saber se ela terminaria seu discurso — ao tomar conhecimento
da sua gentileza para com ela, e acredito que ela tanto exija quanto mereça
sua atenção. Não tenho dúvidas de que a senhorita fará ainda mais por ela
quando seu irmão se for, porque será neste momento em que, ao lhe prestar o
seu maior serviço, o fato refletirá na sua pessoa com a maior honra.
Cecilia, confusa pela recomendação, respondeu debilmente: —
Certamente, ficarei feliz em fazer tudo o que estiver em meu poder.
Neste momento Mrs. Delvile apareceu, e, durante as desculpas mútuas que
se seguiram, seu filho saiu da sala. Cecilia, satisfeita com qualquer pretexto
para deixá-la também, insistiu que não deveria interromper a escrita de Mrs.
Delvile e, depois de prometer passar o dia seguinte na sua companhia, voltou
apressada para sua liteira.
As reflexões que a acompanharam não eram de forma alguma as mais
tranquilizadoras; ela começava a compreender que a mesma comiseração que
sentira por Miss Belfield, a jovem, em um curto espaço de tempo, poderia
sentir por ela. Em qualquer outro momento, sua recomendação teria servido
apenas para confirmar sua opinião sobre sua generosidade, mas, em seu
presente estado de ansiedade e incerteza, tudo dava lugar a conjecturas e
tinha o poder de alarmá-la. Recentemente ele havia se comportado com a
mais estranha frieza e distância, mas seu elogio a Henrietta tinha sido pronto
e animado. Henrietta, ela sabia que o adorava, e não sabia por qual motivo,
mas uma suspeita involuntária surgiu em sua mente, de que o favoritismo que
ela mesma havia excitado uma vez fora transferido para aquela rival pouco
temida, mas não menos perigosa.
No entanto, se fosse este o caso, o que seria do orgulho ou do interesse de
sua família? Será que suas relações perdoariam uma aliança estimulada nem
por posição nem por riquezas? Será que Mr. Delvile, que quase nunca
conversava, a não ser com os bem-nascidos, sem que parecesse que sua
dignidade estivesse sendo prejudicada, se dignaria a receber como nora a
filha de um comerciante? Será que a própria Mrs. Delvile, um pouco menos
elevada em suas ideias, embora infinitamente mais suave em suas maneiras,
se dignaria a conhecê-la? O próprio berço e conexões de Cecilia, superiores
aos de Miss Belfield, foram inclusive abertamente desdenhados por Mr.
Delvile, e todas as suas expectativas de ser recebida em sua família
baseavam-se na grandeza da sua fortuna, em favor da qual a brevidade de sua
genealogia talvez pudesse passar despercebida. Quais seriam as chances de
Miss Belfield, que não tinha ancestrais de quem se vangloriar, nem riqueza
para seduzir?
No entanto, este último pensamento despertou toda a generosidade da sua
alma.
“Se”, pensou ela, “as vantagens que possuo são meramente as de riqueza,
não deveria me sentir lisonjeada por uma preferência aparente. E como posso
julgá-la e quanta sinceridade tenho a oferecer? A mais feliz nesta história é a
humilde Henrietta, que pode atribuir sua negligência à pobreza, mas que só
pode ser procurada e acariciada pelo mais puro respeito. Ela ama Mr. Delvile,
ama com a mais pura afeição; talvez, ele também a ame, por qual outra razão
teria interesse em saber minha opinião sobre ela, e por que se alarmou tão
repentinamente quando achou que seria desfavorável? Talvez ele pretenda se
casar com ela e sacrificar em nome da sua inocência e atrativos todos os
planos de ambição e todas as visões de engrandecimento. Feliz Henrietta, se
esta é sua perspectiva de felicidade. Por ter inspirado uma paixão tão
desinteressada, pode humilhar o mais insolente dos seus superiores e ensinar
até mesmo os mais ricos a invejá-la”.
CAPÍTULO 45
UM GOLPE OUSADO
Quando Cecilia voltou para casa, ela ouviu com grande preocupação que
nenhuma notícia de Mr. Harrel tinha sido obtida. Sua senhora, que não ficara
fora até tarde, estava muito assustada e implorou a Cecilia que se sentasse
com ela até que elas tivessem alguma informação do seu paradeiro. Ela
também mandou chamar seu irmão, e os três, na expectativa trêmula do que
estava por vir, passaram a noite toda em vigília.
Às seis horas da manhã, Mr. Arnott implorou à irmã e a Cecilia que
descansassem um pouco, prometendo ir pessoalmente a todos os lugares onde
Mr. Harrel costumava frequentar, e não voltar sem trazer alguma notícia.
Mrs. Harrel, cujos sentimentos não eram muito apurados, ao descobrir que as
persuasões do irmão estavam apoiadas no seu próprio cansaço, consentiu em
seguir seu conselho e desejou que ele começasse a busca imediatamente.
Alguns momentos depois de ele ter partido, enquanto Mrs. Harrel e Cecilia
estavam subindo as escadas, elas foram surpreendidas por uma violenta
batida na porta. Cecilia, preparada para alguma calamidade, apressou-se para
levar a amiga de volta à sala de visitas, e então deixou a sala novamente para
perguntar quem havia entrado, quando viu com igual surpresa e alívio o
próprio Mr. Harrel. Ela correu de volta com a boa notícia e ele
instantaneamente a seguiu. Mrs. Harrel falou entusiasticamente sobre o seu
medo, e Cecilia expressou seu prazer pelo seu retorno, mas a satisfação de
ambas não durou muito tempo. Ele entrou na sala com o mais aterrorizante
olhar de indignação, vestindo o chapéu e com os braços cruzados. Ele não
respondeu suas perguntas, mas empurrou a porta com o pé e atirou-se no
sofá. Cecilia já teria se retirado, mas Mrs. Harrel segurou sua mão para
impedi-la. Elas continuaram nesta situação por alguns minutos, e então Mr.
Harrel, levantando-se de repente, exclamou: — A senhora tem alguma coisa
para empacotar?
— Empacotar? — repetiu Mrs. Harrel. — Que Deus me abençoe, por quê?
— Estou indo para o exterior — respondeu ele. — Devo partir amanhã.
— Para o exterior? — gritou ela, desatando a chorar. — Eu espero que
não.
— Não espere coisa alguma! — respondeu ele, com raiva na voz. Então,
com uma praga terrível, ele ordenou que ela o deixasse e fizesse as malas.
Mrs. Harrel, que não estava acostumada com aquele tipo de tratamento,
teve um violento ataque histérico, do qual, no entanto, ele não se deu conta,
mas, praguejando que era uma tola e que tinha sido a causa de sua ruína,
deixou a sala.
Cecilia, embora tivesse tocado a campainha no mesmo instante e se
apressado para ajudá-la, ficou tão consternada com a brutalidade inesperada,
que mal sabia como agir ou o que pedir. Mrs. Harrel, entretanto, logo se
recuperou, e Cecilia a acompanhou até seus aposentos, onde ela ficou e
tentou acalmá-la até o regresso de Mr. Arnott.
O terrível estado em que Mr. Harrel tinha finalmente voltado para casa foi
imediatamente relatado a ele, e sua irmã lhe implorou que utilizasse toda a
sua influência para que o plano de ir para o exterior fosse adiado, ao menos,
se não abandonado por completo. Temeroso, ele seguiu com sua
incumbência, mas rapidamente, e com um semblante totalmente consternado,
voltou. Mr. Harrel, disse ele, lhe contou que havia contraído uma dívida de
honra maior do que possuía meios para arcar, e como não poderia aparecer
até que fosse paga, era obrigado a deixar o reino sem demora.
— Oh, irmão — exclamou Mrs. Harrel —, e você pode suportar isso?
— Ai de mim, minha querida irmã — respondeu ele —, o que posso fazer
para evitar? E quem, se eu também estiver arruinado, irá ajudá-la no futuro?
Mrs. Harrel então chorou amargamente, e o amável Mr. Arnott não pôde
se conter enquanto tentava consolá-la, misturando suas próprias lágrimas com
as de sua amada irmã. Cecilia, no entanto, cuja razão era mais forte e cujo
senso de justiça achava-se ofendido, tinha outras sensações. Ela deixou Mrs.
Harrel aos cuidados de seu irmão, cuja ternura ela lamentava infinitamente, e
retirou-se para os seus próprios aposentos. Ela não tinha, porém, a intenção
de descansar, a terrível situação da família a fizera esquecer do quanto
precisava de descanso, e sim deliberar sobre o curso que ela mesma deveria
seguir. Sem hesitação, ela decidiu não acompanhá-los em sua fuga, pois o
prejuízo irreparável que estava convencida de que já tinha sofrido sua fortuna
era mais do que suficiente para satisfazer as mais românticas ideias de
amizade e humanidade, mas seu próprio local de domicílio deveria ser
mudado imediatamente, e sua escolha cabia apenas a Mr. Delvile ou Mr.
Briggs.
Por mais importantes que fossem os obstáculos contrários à sua residência
na casa de Mr. Delvile, tudo o que se relacionava à sua inclinação e felicidade
a encorajava, enquanto, no que dizia respeito a Mr. Briggs, embora as
objeções fossem mais leves, não havia um único atrativo. Entretanto, sempre
que suspeitava de que Miss Belfield fosse amada pelo jovem Delvile, ela
desejava evitá-lo de qualquer maneira, mas, quando intervinham esperanças
melhores, que demonstravam que suas indagações eram provavelmente
acidentais, o desejo de finalmente conhecer seus sentimentos fazia com que
nada fosse tão desejável quanto uma relação mais frequente.
Tal era sua indecisão quando recebeu uma mensagem de Mr. Arnott
implorando para vê-la. Ela imediatamente desceu as escadas e encontrou-o
muito angustiado: — Oh, Miss Beverley — perguntou ele —, o que posso
fazer por minha irmã? O que poderia conceber para aliviar sua aflição?
— Na verdade, eu não sei — disse Cecilia —, mas a absoluta
impraticabilidade de prepará-la para este golpe, obviamente iminente há
muito tempo, faz com que agora eu deseje muito ajudá-la, mas uma dívida
contraída de forma tão injustificável...
— Oh, madame — interrompeu ele —, não imagine que eu a chamei com
uma perspectiva tão traiçoeira a ponto de envolvê-la em nossa miséria; sua
generosidade já foi abusada, e da forma mais indigna. Só desejo lhe consultar
sobre o que eu posso fazer por minha irmã.
Cecilia, após alguns minutos de deliberação, propôs que Mrs. Harrel fosse
deixada na Inglaterra, sob os cuidados dos dois.
— Infelizmente — disse ele —, eu já fiz esta proposta, mas Mr. Harrel não
irá sem ela, embora todo o seu comportamento esteja tão alterado que tenho
receio de confiá-la a ele.
— Quem, então, possui mais influência sobre ele? — perguntou Cecilia.
— Devemos mandar chamar Sir Robert Floyer para apoiar nosso pedido?
A isso Mr. Arnott consentiu, esquecendo-se, em sua aflição por perder a
irmã, a dor que deveria sofrer com a interferência de seu rival.
O baronete logo chegou, e Cecilia, sem querer falar com ele, deixou-o com
Mr. Arnott e aguardou informações na biblioteca. Aproximadamente uma
hora mais tarde, Mrs. Harrel entrou correndo na sala, as lágrimas secas e sem
fôlego de tanta animação, exclamando: — Minha mais querida amiga, meu
destino está agora em suas mãos, e estou certa de que não se recusará a me
fazer feliz.
— O que eu posso fazer para ajudá-la? — perguntou Cecilia, temendo
alguma proposta impraticável. — Eu imploro, não me peça o que não posso
fazer.
— Não, não — respondeu ela —, o que eu peço não requer nada além da
sua boa vontade. Sir Robert Floyer implorou a Mr. Harrel que me deixasse
aqui, e ele prometeu obedecer, com a condição de que a senhorita apresse seu
casamento e me leve para a sua casa.
— Meu casamento?! — gritou a espantada Cecilia.
Neste momento, o próprio Mr. Harrel uniu-se a elas, repetindo a mesma
oferta.
— Vocês me surpreendem e me assustam! — exclamou Cecilia. — O que
significa isso e por que fala comigo com modos tão brutos?
— Miss Beverley — exclamou Mr. Harrel —, já é hora de abrir mão dessa
reserva e parar de brincar com um cavalheiro tão irrepreensível como Sir
Robert Floyer. Toda a cidade há muito já o reconhece como seu marido e a
senhorita é considerada sua noiva em todos os lugares, portanto, um pouco de
franqueza ao aceitá-lo não apenas os unirá para sempre, mas também dará
crédito à generosidade do seu caráter.
Neste momento, o próprio Sir Robert irrompeu na sala, tomou uma das
suas mãos, enquanto as duas estavam erguidas em mudo espanto, pressionou-
a contra os lábios e despejou uma saraivada de elogios como nunca antes
havia permitido a si mesmo pronunciar, e confiantemente lhe suplicou que
completasse a felicidade há tanto buscada sem a crueldade de atrasos
adicionais.
Cecilia, quase petrificada por tamanha surpresa, diante de um ataque tão
violento, tão ousado e aparentemente otimista, durante algum tempo mal
conseguiu falar ou se defender, mas, quando Sir Robert, presumindo a partir
do seu silêncio, disse que ela o tornara o mais feliz dos homens, ela retirou a
mão de maneira indignada e, com um olhar de desgosto que exigia pouca
explicação, teria deixado a sala, quando Mr. Harrel, em tom de amargura e
decepção, gritou: — Essa tirania feminina nunca terá fim? — e Sir Robert,
seguindo-a impacientemente, disse: — E meu suspense durará para sempre?
Depois de tantos meses de dedicação...
— Na verdade, isso já é demais — disse Cecilia, voltando-se para ele —, o
senhor não foi mantido em suspense; todo o teor da minha conduta tem
declarado regularmente a mesma desaprovação que atualmente confesso, e
que minha carta, pelo menos, deve ter colocado fora de qualquer dúvida.
— Harrel — disse Sir Robert —, você não me disse...
— Não, não — exclamou Mr. Harrel —, de que adianta me perguntar?
Nunca notei em Miss Beverley qualquer desaprovação além da usual em
jovens que possuem uma tendência sentimental para exibir, e todos sabem
que onde um cavalheiro recebe permissão para pagar seus devoirs por
qualquer período de tempo, nenhuma dama tem a intenção de usá-lo de
maneira muito severa.
— Como o senhor pode, Mr. Harrel — disse Cecilia —, depois de todas as
conversas que tivemos, perseverar neste mal-entendido de forma deliberada?
É inútil debater onde todo o raciocínio é desconsiderado, ou fazer qualquer
protesto onde até mesmo a rejeição é recebida como uma preferência.
Então, com ar de desdém, ela insistiu em passar por eles e foi para o seu
quarto.
No entanto, Mrs. Harrel a seguiu, agarrou seu braço e suplicou por
compaixão e submissão.
— Que obsessão é essa?! — bradou Cecilia. — Será possível que a
senhora também possa supor que alguma vez tive a intenção de aceitar Sir
Robert?
— Claro que sim — respondeu ela —, pois Mr. Harrel me disse mil vezes
que, por mais que você banque a puritana, finalmente seria dele.
Cecilia, embora duplamente irritada com Mr. Harrel, estava agora
apaziguada com sua senhora, cujo erro, embora infundado, oferecia uma
desculpa para seu comportamento; mas lhe assegurou nos termos mais
veementes que sua repugnância ao baronete era inalterável, e que ainda
poderia reivindicar seus favores desde que não fossem completamente
irracionais.
Estas foram palavras de pouco consolo para Mrs. Harrel, que bem sabia
que seus desejos e sua razão tinham poucas afinidades, e, portanto, logo
deixou o quarto.
Cecilia então resolveu ir imediatamente falar com Mrs. Delvile, informá-la
sobre sua necessidade de remoção e decidir para onde deveria ir, de acordo
com a maneira pela qual suas informações fossem recebidas. Ela mandou
chamar uma liteira e já estava de saída quando foi interrompida pela entrada
de Mr. Monckton, que lhe dirigiu um olhar de pressa e seriedade e disse: —
Não vou perguntar aonde a senhorita está indo tão cedo, ou o que vai fazer,
mas devo implorar uma rápida audiência, seja o seu assunto qual for.
Cecilia o acompanhou até a deserta sala de café da manhã, onde ninguém,
exceto os criados, tinha entrado naquele dia, e ali, segurando sua mão, ele
disse: — Miss Beverley, a senhorita deve deixar esta casa imediatamente! É
um local de desordem e libertinagem, impróprio para sua permanência.
Ela lhe assegurou que naquele exato momento estava se preparando para
deixá-la, mas implorou que ele se explicasse.
— Tenho me mantido ocupado — respondeu ele — já há algum tempo em
me manter bem informado sobre todas as ações de Mr. Harrel, e as
informações que obtive esta manhã são da natureza mais alarmante. Soube
que ele passou a noite anterior em uma mesa de jogo, onde, intoxicado por
uma rodada de boa sorte, passou todo o dia seguinte festejando com seus
perdulários mais íntimos, e na noite passada, voltando novamente para sua
diversão favorita, ele não só perdeu tudo o que havia ganhado, mas muito
mais do que poderia pagar. Assim, não tenha dúvidas de que sua ajuda será
solicitada; ele ainda a considera uma fonte de recursos em tempos de perigo
e, enquanto souber que está sob o seu teto, sempre acreditará que está seguro.
— De fato, tudo conspira — disse Cecilia, mais consternada do que
surpresa com o relato — para tornar necessário que eu deixe sua casa. No
entanto, não creio que tenha alguma expectativa da minha parte neste
momento, já que entrou na sala esta manhã não apenas sem falar comigo, mas
dirigindo-se a Mrs. Harrel com tamanha brutalidade que com certeza me
deixaria enojada. Na verdade, isso me mostrou uma outra face do seu caráter,
pois, por pior que tenham sido meus pensamentos sobre ele durante muito
tempo, nunca suspeitei de que pudesse ser culpado de tamanha crueldade.
— O caráter de um jogador — disse Mr. Monckton — depende
unicamente de sua sorte; sua disposição varia com cada lance de dados, ele
pode estar leve, alegre e bem-humorado; ou azedo, taciturno e selvagem, nem
por natureza nem por princípio, mas totalmente pelo capricho do acaso.
Cecilia então contou a ele a cena em que acabara de se envolver com Sir
Robert Floyer.
— Eu já esperava essa manobra da parte dele há algum tempo, mas,
embora astuto e egoísta, Mr. Harrel não é nada profundo. O plano que
elaborou teria tido êxito com algumas mulheres, e, portanto, concluiu que
seria bem-sucedido com todas. Tantas do seu sexo foram subjugadas pela
perseverança, e tantas conquistadas pela ousadia, que ele supôs que, ao unir
duas classes de assediadores tão poderosas na pessoa de um baronete, este
deveria vencer todos os obstáculos. Ao lhe assegurar que o mundo acreditava
que o casamento já estava decidido, ele esperava surpreendê-la e fazê-la
acreditar que não havia como evitá-lo, e pela rapidez e veemência do ataque,
assustá-la e apressá-la a obedecer. Sabia que sua própria esposa poderia ter
sido controlada com facilidade e o mesmo se daria, provavelmente, com sua
irmã, sua mãe e sua prima, porque, em assuntos amorosos, ou o nome que
preferir, as mulheres em geral são facilmente enganadas. Ele não discerniu a
superioridade da sua compreensão sobre truques tão superficiais e
impertinentes, nem a firmeza da sua mente para manter sua própria
independência. Não há dúvidas de que seria amplamente recompensado pela
sua ajuda e, provavelmente, se a senhorita tivesse sido propícia esta manhã, o
baronete em troca o teria livrado de sua dificuldade atual.
— Eu já não posso mais defendê-lo — disse Cecilia —, pois ele nunca
poderia ter estado tão ansioso para promover o interesse de Sir Robert na
terrível situação atual de seus próprios negócios, se não tivesse sido
estimulado por alguns motivos secretos. No entanto, seus esquemas e
artifícios são agora totalmente inúteis, já que seu aviso e conselho, auxiliados
por minha própria sofrida experiência de inutilidade quanto a tudo o que
posso fazer por ele, me protegerão eficazmente contra todas as suas tentativas
futuras.
— Não confie tanto em si mesma — disse Mr. Monckton —, já que
desconhece os muitos truques e invenções pelos quais ainda poderá ser
roubada. Talvez ele peça permissão para morar em sua casa em Suffolk, ou
deseje uma anuidade para sua esposa, ou opte por receber seus primeiros
aluguéis quando atingir a maioridade; não importa o que ele vier a desejar,
não permita. Um coração tão generoso como o seu só pode se proteger
fugindo. A senhorita, quando cheguei, disse que estava indo... para onde?
— Para... para St. James’s Square — respondeu ela, com um profundo
rubor.
— Com efeito! O jovem Delvile, então, está indo para o exterior?
— Para o exterior? Não, acredito que não.
— Não? Eu só pensei, por sua escolha de viver em sua casa.
— Eu não escolhi isso — disse Cecilia, com rapidez —, mas não é
preferível a morar com Mr. Briggs?
— Certamente — disse Mr. Monckton, friamente —, nem deveria ter
suposto que ele teria qualquer chance com a senhorita, apenas pelo seu senso
de decoro.
Cecilia, sensibilizada por elogios tão cheios de censura e empenhada em
justificar sua delicadeza, depois de uma luta interna, a qual Mr. Monckton foi
bastante sutil para não interromper, protestou que iria imediatamente à casa
de Mr. Briggs para descobrir se seria possível instalar-se em sua casa, antes
que fizesse qualquer tentativa de se fixar em outro lugar.
— E quando? — perguntou Mr. Monckton.
— Não sei — respondeu ela, com alguma hesitação —, talvez esta tarde.
— Por que não esta manhã?
— Eu não posso ir a lugar algum nesta manhã; devo ficar com Mrs.
Harrel.
— A senhorita pensava de outra forma quando cheguei, parecia contente
em deixá-la.
Entretanto, o entusiasmo de Cecilia para mudar de residência estava perto
do fim, e ela gostaria de ser deixada em silêncio para reconsiderar seus
planos, mas Mr. Monckton insistiu com tanta veemência sobre o perigo de
sua permanência prolongada na casa de um homem tão astucioso como Mr.
Harrel, que ela foi convencida a partir sem demora, e ele teve a satisfação de
acompanhá-la até sua liteira.
CAPÍTULO 46
UMA DECLARAÇÃO
Ela não teria sido tão concisa se a cautela de Mr. Arnott não a fizesse
temer, na atual situação de perigo, revelar o segredo de Mr. Harrel no papel.
A seguinte resposta foi enviada por Mrs. Delvile:
UM JOGADOR
UMA PERSEGUIÇÃO
UM HOMEM DE NEGÓCIOS
UMA SOLUÇÃO
Durante o percurso até a cidade, não apenas Cecilia mas o próprio Delvile
dedicaram-se inteiramente à Mrs. Harrel, cuja dor, à medida que se tornava
menos violenta, era mais fácil de ser acalmada. No entanto, a angústia desta
noite agitada ainda não havia terminado; quando chegaram a Portman Square,
Delvile entusiasticamente pediu ao cocheiro para que não se dirigisse até a
casa e suplicou a Cecilia e à Mrs. Harrel que permanecessem na carruagem
enquanto ele mesmo saía para fazer algumas averiguações. Elas ficaram
surpresas com o pedido, mas consentiram imediatamente. Porém, antes que
ele as deixasse, Davison, que observava seu retorno, aproximou-se deles com
a informação de que naquele momento havia uma execução na casa.
Um novo infortúnio surgia diante de Mrs. Harrel, e um novo pânico e
assombro diante de Cecilia; ela já não tinha mais todo o peso do raciocínio ou
da conduta sobre si mesma. Delvile demonstrou o mais entusiasmado
interesse pelo seu bem-estar, suplicou-lhe que esperasse um momento e
apaziguasse sua amiga e entrou ele mesmo na casa para inteirar-se do
assunto. Ele retornou em poucos minutos e não parecia ter pressa para
comunicar o que tinha ouvido, mas suplicou a ambas que fossem
imediatamente para St. James’s Square.
Cecilia sentia muito medo de ofender o pai dele com a introdução de Mrs.
Harrel. No entanto, ela não tinha nada melhor a propor e, portanto, após uma
rápida e angustiada discussão, concordou.
Delvile então lhe disse que as circunstâncias que haviam alarmado sua
mãe, as quais ele havia insinuado, procediam de um rumor deste mesmo
infortúnio, ao qual, embora não soubessem se podiam dar crédito, fora devido
à ansiedade do tardar da hora que havia decidido procurá-la em Vauxhall.
Eles foram recebidos sem qualquer agitação, pois o criado do jovem Delvile
havia recebido ordens para ficar acordado até seu mestre retornar. Cecilia não
aprovava a ideia de mudar-se no meio da noite, embora Delvile, solícito em
tranquilizá-la, desejasse que ela não desperdiçasse seus pensamentos sobre o
assunto, e, fazendo com que seu criado lhe mostrasse o quarto que havia sido
preparado para sua recepção, ele lhe implorou que se acalmasse e confortasse
sua amiga, e lhe prometeu que iria informar seu pai e sua mãe sobre o que
havia acontecido quando eles se levantassem, para que ela pudesse ser
poupada de toda a dor da surpresa ou da curiosidade quando os encontrasse.
Ela aceitou o favor com gratidão, pois temia, após a liberdade que havia
tomado, encontrar o orgulho de Mr. Delvile sem algum pedido de desculpas
prévio, e temia ainda mais ver sua senhora sem o mesmo preparo, uma vez
que sua frequente quebra de compromisso poderia tê-la ofendido, e seu
desagrado a afetaria mais profundamente.
Já eram quase seis horas, mas as horas pareciam tão longas quanto
melancólicas até que a família se levantou. Elas se acomodaram em silêncio
até que alguma mensagem fosse enviada, mas, antes que qualquer mensagem
chegasse, Mrs. Harrel, que estava sentada na cama, exausta pelo cansaço e
pela tristeza, chorou como uma criança até conseguir dormir. Cecilia alegrou-
se ao notar tal alívio da aflição, embora suas sensações mais agudas a
impedissem de participar; na verdade, era a inquietação que a mantinha
acordada. Os cuidados com Mrs. Harrel pareciam voltar sobre si mesma: a
recepção que poderia receber dos Delviles era incerta, e as horríveis
aventuras da noite se recusaram por um momento a abandonar sua memória.
Às dez horas, uma mensagem foi trazida por parte de Mrs. Delvile, para
saber se elas estavam prontas para o café da manhã. Mrs. Harrel ainda
dormia, mas Cecilia levou sua própria resposta descendo apressadamente as
escadas.
Em seu caminho, ela foi recebida pelo jovem Delvile, cuja expressão ao se
aproximar declarava que ele pretendia dirigir-se a ela com a mais distante
gravidade, mas, no momento em que a viu, ele se esqueceu de seu propósito.
Sua palidez, o peso nos seus olhos e o cansaço de uma longa vigília traída por
todo o seu rosto mais uma vez o surpreenderam com toda a ternura da
ansiedade, e ele perguntou por sua saúde não como um elogio de cortesia,
mas como uma pergunta sobre a qual seu coração estava profundamente
interessado.
Cecilia agradeceu a atenção que ele dispensou à sua amiga na noite
anterior e dirigiu-se à sua mãe.
Mrs. Delvile, enquanto caminhava em sua direção, eliminou de imediato
todos os seus temores de desagrado e aboliu toda a necessidade de desculpas,
abraçando-a instantaneamente e exclamando calorosamente: — Adorável
Miss Beverley. Como posso lhe descrever metade da admiração que senti ao
ouvir falar de sua conduta. O exercício de tanta autoridade em uma
conjuntura na qual uma mente mais fraca teria sido dominada pelo terror, e
onde um coração menos dominado por princípios bem regulados teria
buscado apenas seu próprio alívio, fugindo da angústia e da confusão, mostra
tal domínio da mente que apenas pode resultar da união entre o bom senso e a
virtude. A senhorita realmente é uma criatura muito nobre! Esta foi a minha
opinião na primeira vez em que a vi, e espero manter a mesma opinião até o
fim da minha vida.
Cecilia, invadida pela alegria e gratidão, sentiu naquele instante a mais
ampla recompensa por tudo o que havia sofrido e por tudo o que havia
perdido. Aquele elogio vindo de Mrs. Delvile foi o suficiente para deixá-la
feliz, mas, quando ela considerou de onde procedia, e que as circunstâncias
pelas quais ela estava tão impressionada deveriam ter sido relatadas por seu
filho, seu deleite foi aumentado e converteu-se na emoção mais agradável que
ela poderia experimentar, ao constatar o apreço que advinha daqueles que
eram mais apreciados por ela.
Mrs. Delvile, então, com a maior cordialidade, começou a falar sobre seus
assuntos, poupando-lhe a dor de propor a mudança de habitação que agora
parecia inevitável, mediante um convite imediato para sua casa, o que ela fez
com tanta delicadeza como se a casa de Mr. Harrel ainda estivesse disponível,
e a escolha, não a necessidade, houvesse dirigido sua remoção. Toda a
família, disse ela, estaria fora dali a dois dias, e ela esperava que um novo
cenário, com tranquilidade e horários regulares, pudesse restaurar tanto o
desabrochar quanto a vivacidade que seus cuidados e inquietações recentes
haviam ferido. E embora lamentasse muito seriamente a ação precipitada de
Mr. Harrel, ela muito se alegrava com a aquisição que sua própria casa e
felicidade receberiam com a sua companhia.
Em seguida, ela discutiu a situação de sua amiga viúva, e Cecilia
apresentou o envelope que havia sido confiado a ela por seu falecido marido.
Mrs. Delvile aconselhou-a a abri-lo na presença de Mr. Arnott e lhe pediu
que chamasse qualquer outro de seus amigos que ela desejasse ver ou
consultar, e que reclamasse livremente para si mesma qualquer conselho ou
ajuda que pudesse lhe ser concedido.
E então, sem esperar por Mr. Delvile, ela se permitiu engolir um desjejum
apressado e voltar para Mrs. Harrel, a quem havia solicitado aos criados que
atendessem, pois concluiu que, em sua situação atual, não teria a intenção de
sair do quarto.
Cecilia, agora aliviada de todas as suas preocupações, mais satisfeita do
que nunca com Mrs. Delvile e encantada por finalmente ter se acomodado
sob seu teto, voltou com tanta habilidade quanto disposição para confortar
Mrs. Harrel. Ela a encontrou recém-desperta, mal consciente de onde estava,
ou por que não estava na sua própria casa.
Quando ela recuperou sua capacidade para recordar o acontecido, Cecilia a
tranquilizou com a mais suave compaixão, seguiu o conselho de Mrs. Delvile
e enviou seu criado em busca de Mr. Arnott e, em consequência da sua
permissão, escreveu uma nota de convite a Mr. Monckton.
Mr. Arnott, que já estava na cidade, chegou rapidamente. Seu próprio
criado, a quem havia deixado para vigiar os movimentos de Mr. Harrel, tinha
cavalgado de manhã cedo até o local de seu retiro com as notícias
melancólicas do suicídio e da execução.
Cecilia foi imediatamente até ele. O encontro foi extremamente doloroso
para os dois. Mr. Arnott culpou-se severamente pela sua fuga, acreditando
que havia acelerado o golpe fatal que alguns outros sacrifícios talvez
pudessem ter evitado, e Cecilia arrependeu-se do conselho que lhe havia
dado, embora o fracasso de seus próprios esforços provasse que a situação de
Mr. Harrel era desesperada demais para ser remediada. Ele então fez as mais
ternas indagações sobre sua irmã e suplicou que ela lhe colocasse a par dos
minuciosos detalhes da terrível transação. Depois disso, ela lhe mostrou o
envelope, mas nenhum dos dois teve coragem de romper o lacre. Eles
concluíram que o conteúdo seria nada menos do que a sua última vontade e
decidiram que uma terceira pessoa deveria estar presente quando o abrissem.
Cecilia esperava que pudesse ser Mr. Monckton, mas como a possibilidade de
ser encontrado imediatamente era incerta e o envelope poderia conter ordens
que não deveriam ser atrasadas, ela propôs, por uma questão de urgência,
chamar Mr. Delvile.
Mr. Arnott concordou prontamente e ela solicitou uma breve audiência
com aquele cavalheiro.
Ela foi chamada à sala de café da manhã, onde ele estava sentado com sua
esposa e com o seu filho.
A sua recepção não foi a mesma de quando estivera naquela sala
anteriormente; Mr. Delvile parecia aborrecido e de mau humor. Ele lhe fez
uma reverência rígida, enquanto o filho lhe trazia uma cadeira, e disse
friamente: — Se tiver pressa, Miss Beverley, irei atendê-la imediatamente; se
não, terminarei meu desjejum, pois terei pouco tempo no resto da manhã,
ocupado com uma multidão de pessoas e seus negócios que se amontoarão
sobre mim até a hora do jantar, a maioria das quais ficará extremamente
angustiada se eu deixar a cidade sem vê-las.
— Não há motivo, senhor — respondeu Cecilia —, para que precise deixar
a sala. Eu simplesmente vim lhe pedir que tivesse a bondade de estar presente
enquanto Mr. Arnott abre um pequeno envelope que, na noite passada, foi
colocado em minhas mãos por Mr. Harrel.
— E Mr. Arnott — respondeu ele, com certa severidade — achou
apropriado enviar-me tal solicitação?
— Não, senhor — disse Cecilia —, o pedido partiu de mim; e se, como
agora temo, for impertinente da minha parte, devo implorar que o esqueça.
— No que diz respeito apenas à senhorita — respondeu Mr. Delvile —, é
outra questão; mas certamente Mr. Arnott não pode reivindicar meu tempo ou
atenção, e acho bastante extraordinário que um jovem com quem não tenho
qualquer tipo de ligação ou comércio, e cujo próprio nome é quase
desconhecido para mim, suponha que uma pessoa com o meu estilo de vida
esteja tão pouco ocupada a ponto de estar completamente à sua disposição.
— Ele não tem essa suposição, senhor — disse Cecilia, muito
desconcertada. — A honra da sua presença foi meramente solicitada por mim
mesma, e simplesmente pela apreensão de que algumas instruções que
possam estar contidas nos papéis talvez devam ser executadas imediatamente.
— Não estou, repito — disse Mr. Delvile, mais suavemente —, insatisfeito
com a sua parte nesta transação; sua falta de experiência e conhecimento do
mundo a torna totalmente inconsciente das consequências que podem seguir
minha anuência. Os documentos de que a senhorita fala podem ser de grande
importância, e, a partir de então, poderá ser convocado publicamente o
primeiro testemunho da sua leitura. A senhorita não sabe os problemas que
este assunto pode causar, mas Mr. Arnott deveria estar mais bem informado.
Cecilia desculpou-se novamente pelo erro que havia cometido, ficou
bastante confusa e já estava deixando a sala, quando Mr. Delvile,
perfeitamente apaziguado ao notar sua angústia, interrompeu-a para dizer,
com muita gentileza: — Por sua causa, Miss Beverley, lamento não poder
atuar neste assunto, mas a senhorita vê a minha situação, sobrepujado por
meus próprios assuntos e indivíduos que nada podem fazer sem minhas
ordens. Além disso, se daqui em diante houver alguma investigação sobre o
assunto, meu nome poderia, talvez, ser mencionado, e seria supérfluo dizer o
quão mal eu deveria pensar que foi usado por ter sido levado a tal companhia.
Cecilia então deixou a sala fazendo uma promessa secreta de que nenhuma
exigência possível deveria tentá-la no futuro a solicitar ajuda a Mr. Delvile, a
qual, por mais ostensivamente oferecida, era constantemente negada quando
reclamada.
Ela estava começando a comunicar a Mr. Arnott o seu fracasso, quando o
jovem Delvile, com um ar de ansiedade, entrou na sala atrás dela. — Perdoe-
me — disse ele — por esta intrusão. Mas, diga-me, é impossível que neste
caso eu possa representar meu pai? Não pode o ofício que pretendia para ele
retornar sobre mim? Lembre-se do quanto somos próximos e honre-me pela
primeira vez ao supor que somos a mesma pessoa.
“Ah”, pensou Cecilia, “como podem ser tão diferentes?” Ela agradeceu a
oferta com muita doçura, mas recusou-se a aceitá-la, dizendo: — Não vou ser
tão egoísta, agora que conheço os inconvenientes do meu pedido, a ponto de
consentir que me seja concedido.
— A senhorita não pode me negar isso! — exclamou ele. — Onde está o
envelope? Por que está perdendo tempo?
— Em vez disso — respondeu ela —, pergunte por que devo permitir que
o senhor perca seu tempo com um assunto que não lhe diz respeito? E até
arriscar, talvez, a perda de muitos momentos futuros como consequência de
uma cortesia muito imprudente.
— E o que eu posso arriscar — perguntou ele — que seja tão precioso
quanto a sua menor satisfação? A senhorita acha que posso me lisonjear com
a possibilidade de contribuir para isso e, ainda assim, tomar a decisão de me
recusar a tanto prazer? Não, não, os tempos heroicos acabaram e a abnegação
não está mais na moda!
— O senhor é muito bom — disse Cecilia. — Mas, de fato, depois do que
aconteceu...
— Não importa o que tenha acontecido — interrompeu ele —, agora
devemos pensar no que está por vir. Eu a conheço muito bem para duvidar de
sua impaciência na execução de uma comissão que as circunstâncias
tornaram sagrada, e se alguma coisa for feita ou omitida de forma contrária às
instruções em seu envelope, a senhorita não estaria apta, inocente como é, de
se perturbar com mil temores de que não tenha adotado todos os métodos
adequados para cumprir com sua responsabilidade?
Havia algo naquela seriedade que se parecia tanto com seu comportamento
anterior, e tão distante da sua reserva recente, que Cecilia, que percebia isso
com um prazer que mal conseguia dissimular, não se opôs mais a ele, mas
pegou o envelope e rompeu o lacre.
E então, para sua grande surpresa, no lugar do testamento esperado, ela
encontrou um maço de contas muito altas e uma coleção de cartas de vários
credores, ameaçando a maior severidade da lei se suas exigências
continuassem sem resposta.
Em uma tira de papel que as mantinha unidas, estava escrito, na caligrafia
de Mr. Harrel: Serão pagas esta noite com uma BALA.
Em seguida, ela encontrou duas cartas de outro tipo. A primeira era de Sir
Robert Floyer, e continha as seguintes palavras:
“Senhor, embora eu deva pensar que duas mil libras sejam nada diante de
uma mínima esperança, devo tomar a liberdade de dizer que acho muito por
apenas dez minutos. O senhor não pode ter se esquecido dos termos do nosso
acordo, mas como descobri que não poderá cumpri-los, devo implorar que o
desfaça, e estou convencido de que é um homem de muita honra para se
aproveitar do meu excesso de entusiasmo em abrir mão de meu dinheiro sem
maiores seguranças. Eu sou, senhor, seu mais humilde servo, A. Marriot”.
O fato de Mr. Harrel parecer tão infeliz, sem religião, princípio ou honra, e
aquela carta incoerente, evidentemente escrita no momento desesperado da
decisão do suicídio, afetaram muito tanto Cecilia quanto Mr. Arnott e, apesar
da aversão ou ressentimento, eles derramaram lágrimas juntos. Delvile, para
quem todas as partes do caso eram novas, só podia considerar os papeis como
mostras da sua culpa e infâmia; ele os leu, portanto, com espanto e
aborrecimento, e parabenizou Cecilia abertamente por ter escapado das
duplas armadilhas que estavam preparadas para ela.
Nesse meio tempo, Mr. Monckton chegou e ficou muito insatisfeito ao ver
a dona do seu coração em conversa confidencial com dois dos seus rivais, um
dos quais há muito havia investido sobre ela com a lisonja perigosa da
perseverança, e o outro, que sem nenhum investimento tinha uma influência
ainda mais poderosa.
Delvile, tendo desempenhado o papel para o qual havia se prestado,
concluiu, com a chegada de Mr. Monckton, que Cecilia não precisaria mais
dele, pois sua longa amizade com aquele cavalheiro e o fato de ser um
homem casado e seu vizinho no interior eram circunstâncias bem conhecidas
por ele. Assim, ele apenas perguntou se ela o honraria com alguma ordem, e
quando ela lhe garantiu que não tinha nenhuma, ele silenciosamente se
retirou.
Isto foi um grande alívio para Mr. Monckton, em cujas mãos Cecilia
depositou o envelope fatal. Enquanto ele lia o seu conteúdo, a pedido de Mr.
Arnott, ela subiu as escadas a fim de preparar Mrs. Harrel para recebê-lo.
Mrs. Harrel, pouco acostumada à solidão e tão ansiosa por companhia,
consentiu em recebê-lo com prazer. Os dois choraram ao se encontrarem, e
Cecilia, depois de algumas palavras de consolo, os deixou juntos. Ela teve
então uma conversa muito longa e circunstancial com Mr. Monckton, que lhe
explicou o que parecia obscuro nos escritos deixados por Mr. Harrel.
Mr. Harrel havia contraído com Sir Robert Floyer uma grande dívida de
honra antes da chegada de Cecilia, e, não tendo poder para quitá-la, prometeu
que o prêmio que esperava de sua pupila seria dele, sob a condição de que a
dívida fosse cancelada. Nada seria mais fácil do que arranjar este negócio,
pois o baronete estava sempre em seu caminho e o informe da aliança
prevista serviria para afastar todos os outros pretendentes. Porém, muitas
vezes sua frieza o fizera pensar que o negócio seria impossível, e quando
recebeu sua carta, desistiu de toda a transação; mas Mr. Harrel, consciente da
sua incapacidade de satisfazer as reivindicações que se seguiriam a tal
deserção, constantemente o convencia de que a reserva fora afetada e que seu
próprio orgulho e falta de dedicação ocasionavam o desânimo dela.
Porém, deste modo, ao entreter o baronete com falsas esperanças e evitar
suas exigências, as demandas dos demais não eram menos clamorosas. Suas
dívidas aumentavam e seu poder para pagá-las diminuía. Ele ficou amargo e
desesperado, e em uma só noite perdeu três mil libras além do que poderia
conseguir, ou oferecer como garantia. Isto, como ele mesmo disse, era o que
desejava, e agora deveria se libertar dobrando as apostas e vencendo, ou
forçar o seu suicídio duplicando sua perda. Pois, embora com uma facilidade
tolerável pudesse esquecer os incontáveis débitos com seus negociantes, uma
dívida de honra negligenciada tornava sua existência insuportável! Para este
último grande esforço, sua dificuldade era levantar as três mil libras devidas,
sem as quais a proposta não poderia ser feita, e, depois de vários artifícios e
tentativas, ele finalmente planejou um encontro com Mr. Marriot, convenceu-
o a lhe emprestar duas mil libras por apenas dois dias e ofereceu seus mais
calorosos serviços em seu favor junto a Cecilia. O jovem impetuoso e
apaixonado, enganado por seus relatos a ponto de acreditar que sua pupila
estava inteiramente à sua disposição, prontamente lhe adiantou o dinheiro,
sem qualquer outra condição a não ser a de obter sua licença para visitar sua
casa livremente, e a exclusão de Sir Robert Floyer. — As outras mil libras —
continuou Mr. Monckton —, não sei como as conseguiu, mas ele certamente
tinha três. A senhorita, eu espero, não estava tão desprotegida...
— Ah, Mr. Monckton — disse Cecilia —, não me censure com muita
severidade! As crises, a necessidade, de outra forma, de trair o digno e meio
arruinado Mr. Arnott...
— Oh, que vergonha — exclamou ele — permitir que sua compreensão
fosse adormecida, porque a mente débil de Mr. Arnott não conseguiu se
manter desperta! Eu achava que, depois de tantas advertências minhas e de
sua própria experiência, a senhorita não poderia ser enganada novamente.
— Eu também achava — respondeu ela —, mas mesmo assim, quando a
provação começou, o senhor não faz ideia de como fui perseguida.
— No entanto, agora a senhorita vê — respondeu ele — a absoluta
inutilidade da sua tentativa. A senhorita vê, e eu a avisei de antemão, que
nada poderia salvá-lo.
— É verdade, mas, se eu tivesse sido mais firme na recusa, não teria como
ter certeza. Eu poderia então ter me censurado por supor que a minha
obediência o teria resgatado.
— A senhorita realmente — disse Mr. Monckton — caiu nas mãos mais
inúteis, e o reitor fez uma péssima escolha ao nomear tão levianamente um
guardião de uma fortuna como a sua.
— Perdoe-me — disse Cecilia —, mas ele nunca lhe confiou minha
fortuna, ele a entregou inteiramente a Mr. Briggs.
— Mas, se ele não conhecia os vários subterfúgios com os quais seria
possível frustrar tal precaução, deveria ter ouvido o conselho daqueles que
estavam mais bem informados. Mr. Briggs também! Um canalha!
Mesquinho, baixo, vulgar e sórdido! Creio que toda a cidade de Londres não
poderia produzir outro igual! Que irresponsabilidade a colocar sob a tutela de
um homem cuja casa a senhorita não poderia entrar sem sentir desgosto.
— Na sua casa — disse Cecilia — meu tio nunca quis que eu entrasse. Ele
acreditava, e estava certo, que minha fortuna estaria a salvo em suas mãos,
mas, quanto a mim, ele concluiu que sempre deveria residir na casa de Mr.
Harrel.
— Mas, não há mais famílias na cidade nesta época — disse Mr.
Monckton — com as quais, enquanto sua fortuna estava em segurança, a
senhorita poderia ter vivido com mais decoro? Nada requer circunspecção
mais minuciosa na escolha de um guardião para uma moça de grande fortuna,
e em geral apenas uma coisa é levada em conta: a aparência de decoro. A
moral, a integridade, o caráter, se não são pensados ou se são investigados
com tanta superficialidade, a investigação como um todo é omitida — ele
continuou seu relato: — Mr. Harrel correu com suas três mil libras para a
mesa de jogo; um lance de dados resolveu o assunto, ele perdeu e deve ter
dobrado a soma imediatamente. Isto, no entanto, não estava mais em seu
poder, ele sabia bem. Ele sabia também das exigências conjuntas dos
admiradores de Cecilia que haviam sido enganados, e que sua casa estava
novamente ameaçada com execuções de vários setores. Ele foi para casa,
carregou a pistola e tomou as atitudes já relacionadas para ganhar coragem
para o feito.
Os meios pelos quais Mr. Monckton havia obtido estes detalhes eram
muitos e variados, e nem todos poderiam ser confessados, já que, no curso de
suas investigações, ele havia manipulado criados e garçons, e não tivera
escrúpulos em nenhum método que o levasse à descoberta. E suas
investigações não pararam por aqui. Mr. Monckton costumava questionar a
paciência dos credores de Mr. Harrel, mas agora até isso havia sido
esclarecido por uma nova prova de infâmia. Ele mesmo estivera em Portman
Square, onde havia sido informado de que Mr. Harrel os mantivera calados,
com repetidas garantias de que sua pupila, em pouco tempo, pretendia lhe
emprestar dinheiro para pagá-los.
Cecilia via agora, muito claramente, o motivo pelo qual a sua permanência
em sua casa era tão importante para ele, e quanto mais pensava sobre o
assunto, mais o detestava.
— Oh, quão pouco se pode apreender com os alegres e esbanjadores em
pouco tempo! Extravagante, é verdade, imprudente e cheio de pompa ele me
pareceu de imediato; mas falso, vil, astuto, capaz de toda arte perniciosa de
traição e dissimulação, isso eu não esperava; sua própria leviandade e
frivolidade pareciam incompatíveis com tamanha hipocrisia.
— Sua leviandade — disse Mr. Monckton — não procedia da alegria do
seu coração. Tratava-se meramente do efeito do esforço, e seu ânimo era tão
mecânico quanto seu gosto por diversão. Ele não possuía resistência, nem
eram seus vícios o resultado de suas paixões; se a economia estivesse tão na
moda quanto a extravagância, ele estaria igualmente ávido por praticá-la. Ele
era um mero servidor do tempo. Lutava para ser alguma coisa e, não tendo
nenhum talento ou sentimento para saber o quê, olhava ao seu redor em busca
de qualquer resultado, e, ao perceber que a distinção era mais facilmente
alcançada no caminho para a ruína do que em qualquer outro, ele galopou em
sua direção, sem se importar se teria coragem quando chegasse ao fundo e
suficientemente satisfeito em mostrar sua habilidade durante o percurso.
E então, depois de tudo o que Mr. Monckton tinha para ouvir ou
comunicar sobre o assunto, ele perguntou, com uma forte expressão de
desaprovação, por que a encontrou na casa de Mr. Delvile, e o que havia
acontecido com sua resolução de evitar sua casa. Cecilia, que entre a pressa
dos seus pensamentos e de seus assuntos havia se esquecido completamente
que tal resolução havia sido tomada, enrubesceu com a pergunta e não pôde,
a princípio, lembrar do que a havia impelido a contrariá-la, mas, quando ele
começou a falar de Mr. Briggs, ela não se preocupou mais: ela fez um relato
circunstancial de sua visita, da miséria em que ele vivia e da
impraticabilidade de residir em sua casa. Mr. Monckton não poderia agora,
não de forma decente, oferecer mais oposição, por mais dolorosa e relutante
que fosse sua aquiescência. No entanto, antes de deixá-la, ele encontrou
consolo em agradá-la consideravelmente e amenizou seu desgosto com a
doçura dos seus agradecimentos.
Ele indagou qual a quantia total que ela havia tomado do judeu e, ao ouvir
o valor de nove mil e cinquenta libras, ele explicou para ela a perda adicional
que deveria sofrer ao pagar os juros exorbitantes por uma soma tão grande, e
a quase certeza de uma imposição muito grosseira. Ele discorreu, também,
sobre o dano que seu caráter poderia sofrer para os olhos do mundo, caso se
tornasse conhecido o fato de que usava tais métodos para conseguir dinheiro,
já que as circunstâncias que haviam sido seu incentivo provavelmente
passariam despercebidas ou seriam distorcidas; depois de ter despertado sua
inquietação e pesar sobre o assunto, ele se ofereceu para pagar ao judeu sem
demora, livrá-la totalmente do seu poder e receber o dinheiro tranquilamente
quando ela atingisse a maioridade. Uma proposta tão verdadeiramente
amistosa a fez contemplar a consideração de Mr. Monckton de um ponto de
vista mais elevado e nobre do que sua mais alta estima e reverência até aquele
momento. No entanto, a princípio ela negou-se a aceitar a oferta, por temer
que isso pudesse lhe causar algum inconveniente, mas, quando ele lhe
garantiu que tinha uma soma ainda maior, atualmente inútil, nas mãos de um
banqueiro, e prometeu cobrar os mesmos juros que receberia, ela o ouviu
com alegria, e ficou acertado que eles deveriam mandar chamar o judeu,
receber sua quitação e dispensá-lo completamente.
Mr. Monckton, entretanto, temendo parecer estar se intrometendo em seus
negócios, desejou não tornar pública sua parte na transação e aconselhou
Cecilia a não revelar o assunto aos Delviles. Porém, por maior que fosse sua
ascendência sobre a mente dela, sua aversão ao mistério e à hipocrisia eram
ainda maiores. Portanto, ela não poderia lhe fazer essa promessa, embora seu
próprio desejo de esperar algum momento oportuno para divulgá-la a fizesse
consentir que o encontro com o judeu fosse na casa de Mrs. Roberts, em
Fetter-Lane, às doze horas no dia seguinte, onde ela também poderia ver Mrs.
Hill e seus filhos antes de deixar a cidade.
Eles se separaram e Cecilia sentiu-se ainda mais encantada com o amigo,
cuja bondade, já que não suspeitava de seus motivos, parecia brotar da
generosidade mais desinteressada. Esta, no entanto, era a menor característica
do caráter de Mr. Monckton, um homem do mundo, astuto, penetrante, atento
aos seus interesses e a todas as vantagens para aperfeiçoá-los. Quanto ao
favor que agora prestava a Cecilia, ele estava satisfeito por lhe proporcionar
algum prazer, mas esta não era de forma alguma sua única gratificação. Ele
ainda esperava que a fortuna dela um dia fosse sua, estava contente por fazer
qualquer tipo de negócio com ela e feliz em fazer com que ela lhe devesse
alguma obrigação, mas seu principal incentivo era ainda mais forte: ele via
com muita inquietação a facilidade da sua generosidade, e temia que,
enquanto ela continuasse se correspondendo com o judeu, a facilidade com
que poderia levantar dinheiro fosse um motivo para continuar com a prática
sempre que fosse abrandada pela angústia ou subjugada por súplicas, mas
esperava que, ao concluir totalmente a negociação, a tentação fosse removida,
e que o perigo e a inconveniência de renová-la fortaleceriam sua aversão a tal
expediente, até que, entre as dificuldades e o desuso, não se pensasse mais no
recurso perigoso.
Cecilia então voltou para Mrs. Harrel, a quem encontrou da mesma
maneira que a tinha deixado: chorando nos braços do irmão. Eles discutiram
sobre o que seria melhor fazer e concordaram que ela deveria deixar a cidade;
para isso, uma carruagem foi chamada imediatamente. Eles também decidiam
que Mr. Arnott, depois de levá-la para sua casa de campo, que ficava em
Suffolk, deveria apressar sua volta para supervisionar o funeral e ver se algo
poderia ser salvo dos credores para sua irmã. Mesmo assim, até que Cecilia
fosse chamada para o almoço, eles não haviam decidido como colocar os
planos em prática. Eles foram então obrigados a partir, e sua despedida foi
muito melancólica. Mrs. Harrel chorou desmedidamente e Mr. Arnott sentiu
uma preocupação muito terna para confessar, embora fosse sincero demais
para ocultar.
Cecilia, embora satisfeita com a mudança na sua situação, ficou
extremamente deprimida com a tristeza deles e suplicou que lhe enviassem
relatos frequentes de seus procedimentos, repetindo calorosamente suas
ofertas de serviço e protestos de fiel consideração. Ela os acompanhou até a
carruagem e depois dirigiu-se à sala de almoço, onde encontrou Mr. e Mrs.
Delvile, mas não viu o filho durante o resto do dia.
Na manhã seguinte, depois do café da manhã, Mrs. Delvile saiu para fazer
algumas visitas de despedida e Cecilia tomou uma liteira até Fetter-Lane. Lá,
já esperando por ela, Cecilia encontrou o pontual Mr. Monckton e o
decepcionado judeu, o qual, de má vontade, foi pago e renunciou às suas
obrigações. Ele encontrou no severo e astuto Mr. Monckton outro tipo de
homem com quem lidar, diferente do necessitado e negligente Mr. Harrel.
Assim que ele foi dispensado, outras obrigações foram acordadas e assinadas
e as antigas destruídas. Cecilia, para sua infinita satisfação, não tinha outro
credor além de Mr. Monckton. Seu livreiro, na verdade, ainda não tinha sido
pago, mas sua dívida com ele era pública e não lhe causava nenhum mal-
estar. Então, com as mais calorosas expressões de gratidão, despediu-se de
Mr. Monckton, o qual encontrou a mais dolorosa dificuldade para reprimir as
diversas apreensões a que sua separação e seu estabelecimento com os
Delviles davam origem.
Ela inquiriu brevemente sobre os assuntos de Mrs. Hill e, depois de ouvir
um relato satisfatório sobre eles, voltou a St. James’s Square.
LIVRO VI
CAPÍTULO 52
UM DEBATE
Ainda era cedo e Mrs. Delvile não era esperada até mais tarde. Cecilia,
portanto, decidiu fazer uma visita a Miss Belfield, a quem havia
negligenciado desde os últimos distúrbios na residência de Mr. Harrel, e a
quem ela não suportaria afligir deixando a cidade sem vê-la, já que quaisquer
que fossem suas dúvidas quanto a Delvile, já não duvidava mais dela. Cecilia
chamou uma liteira para levá-la à Portland Street e deliberou no caminho se
seria melhor aderir à reserva que até então havia mantido ou se deveria
satisfazer sua perplexidade imediatamente por meio de uma investigação da
verdade. Ela ainda estava indecisa quando, olhando pelas janelas ao passar
por elas em direção à porta da casa, notou Miss Belfield parada na sala com
uma carta nas mãos, que pressionava com fervor contra os lábios. Muito
impressionada pela visão, milhares de conjecturas dolorosas lhe ocorreram,
todas indicando que a carta era de Delvile, e todas explicando, para sua
desonra, o mistério de sua conduta recente. Suas suspeitas estavam longe de
diminuir, quando, ao ser conduzida à sala, Miss Belfield, tremendo em seu
anseio por escondê-la, apressadamente enfiou a carta no bolso.
Cecilia, surpresa, consternada, alarmada, deteve-se involuntariamente na
porta, mas Miss Belfield, depois de proteger o que evidentemente era tão
precioso para ela, caminhou em sua direção, mas não sem corar, pegou a sua
mão e disse: — Quanta bondade sua, madame, ter vindo me visitar! Eu não
sabia onde encontrá-la e já temia não lhe ver mais.
Ela então lhe disse que a primeira notícia que havia escutado na manhã
anterior havia sido sobre a morte violenta de Mr. Harrel, que lhe havia sido
relatada com todas as circunstâncias pelo proprietário da sua hospedaria, já
que ele mesmo era um de seus principais credores, e que tinha ido
imediatamente a Portman Square para apresentar suas condolências, onde
havia sido informada que toda a família havia abandonado a casa, que estava
completamente ocupada por oficiais de justiça.
— Eu lamentei muito — continuou ela — que a senhorita se encontrasse
em dificuldades e não soubesse para onde ir e tivesse que buscar outra casa
para viver, quando estou certa de que o mendigo mais ordinário não aceitaria
nenhuma habitação, se a senhorita tivesse uma em seu poder para presenteá-
lo. Mas como a senhorita está triste e melancólica! Receio que esta atitude de
Mr. Harrel a tenha deixado bastante infeliz. Ah, madame! A senhorita é boa
demais para este mundo condenado! Sua própria compaixão e benevolência
não permitirão que descanse nele.
Cecilia, tocada pelo terno engano de sua inquietação momentânea,
abraçou-a e, com muita gentileza, respondeu: — Não, doce Henrietta! A
senhorita é que é muito boa, inocente e sincera! Espero que a senhorita seja
também feliz.
— E a senhorita não é, madame? — perguntou Henrietta, retribuindo
afetuosamente seu carinho. — Oh, se não for, quem merece ser? Acho que
prefiro ser infeliz a vê-la assim, pelo menos estou certa de que deveria,
porque o mundo todo pode ficar melhor com o seu bem-estar e, quanto a
mim, quem se importaria com o que acontece comigo?
— Ah, Henrietta — exclamou Cecilia —, a senhorita fala com
sinceridade? A senhorita se acha tão pouco valorizada?
— Bem, eu não costumo dizer — respondeu ela —, mas espero que haja
algumas pessoas que pensem um pouco bem de mim, pois, se não tivesse essa
esperança, desejaria partir meu coração e morrer. Mas o que é isso perto de
todo o amor e respeito que as pessoas sentem pela senhorita?
— Suponha — disse Cecilia, com um sorriso forçado — que eu coloque à
prova seu amor e respeito, acha que eles se sustentariam?
— Oh, sim, na verdade acho que sim. E eu desejei milhares e milhares de
vezes poder apenas lhe mostrar meu afeto, e deixá-la perceber que não passei
a amá-la somente porque é uma grande dama da alta sociedade e cheia de
poder para me prestar favores, mas porque a senhorita é tão boa e tão amável,
tão gentil com os infelizes e tão doce com todos!
— Espere, espere — disse Cecilia —, deixe-me tentar ser, de fato, justa e
verdadeira; a senhorita vai responder à pergunta que quero fazer?
— Oh, sim — disse ela, calorosamente —, mesmo se fosse o segredo mais
querido que possuo. Não há nada que eu não possa dizer à senhorita. Abrirei
o meu coração e ficarei orgulhosa de pensar que me deixará confiar na
senhorita, pois estou certa de que, se não se importasse um pouco comigo,
não se daria ao trabalho.
— A senhorita é realmente uma doce criatura — disse Cecilia, hesitando
entre aproveitar ou não da sua franqueza —, e cada vez que a vejo, admiro-a
ainda mais. Eu não a machucaria por nada no mundo, e talvez sua confiança,
eu não sei se seria justa ou não — ela se deteve, extremamente perplexa, e
enquanto Henrietta aguardava suas novas indagações, elas foram
interrompidas pela entrada de Mrs. Belfield.
— É claro, minha criança — disse ela à filha —, que você já deveria ter
me avisado quem estava aqui, quando sabe muito bem o quanto eu desejava
uma oportunidade de ver a moça eu mesma, mas você desce com o pretexto
de ver seu irmão e fica fora a manhã toda, fazendo sabe-se lá o quê.
Então, ela voltou-se para Cecilia: — Madame — continuou ela —, tenho
estado na maior preocupação do mundo pelo pequeno acidente que aconteceu
na última vez que a vi, pois, com certeza, eu pensei, e ninguém me
convencerá do contrário, que era bastante estranho que uma jovem como a
senhorita viesse tantas vezes atrás de Henny, sem sequer desconfiar de
qualquer outra razão, especialmente quando, sem dúvida, não há a menor
comparação entre ela e meu filho. No entanto, se for assim, assim é, e não
quero dizer mais nada sobre o assunto, e tenha a certeza de que ele está muito
contente em pensar assim, como se fosse um mero animal insignificante.
— Este assunto, madame — disse Cecilia —, está há tanto tempo
resolvido, que lamento que se dê ao trabalho de pensar nele novamente.
— Oh, madame, eu apenas menciono isso para fazer o pedido de desculpas
apropriado, pois, quanto a tomar conhecimento do fato, eu o deixei
completamente de fora, embora pode estar certa de que o que eu penso, eu
penso; mas quanto ao meu filho, ele tem tanto domínio sobre mim, que é tudo
em vão. Não que eu tenha a intenção de criticá-lo; então, por favor, madame,
não permita que o que eu digo o prejudique, pois eu acredito todo o tempo
que não há ninguém como ele, nem nesta extremidade da cidade nem na
outra, porque, quanto à outra, ele tem muito mais aparência de um lorde, até
demais, do que de um comerciante, e a razão é simples, pois este é o tipo de
companhia que sempre manteve, como ouso dizer que uma dama como a
senhorita deve ter notado há muito tempo. Mas, apesar de tudo, há alguns
pequenos assuntos que nós, mães, imaginamos que podemos enxergar tão
bem quanto nossos filhos. No entanto, se eles não pensam assim, ora, não há
razão para discussão, pois, quanto a um filho melhor, esteja certa de que
nunca houve um, e isso, como sempre digo, é o melhor sinal que conheço de
que será um bom marido.
Durante todo o discurso, Henrietta ficou confusa, temendo que a grosseria
de sua mãe deixasse Cecilia com raiva novamente, mas Cecilia, que percebia
sua inquietação, mais do que nunca estava encantada com seu caráter, pela
simplicidade de sua sinceridade. Então, decidiu poupar-lhe a dor, ouvir a
arenga em silêncio, e depois partir tranquilamente, embora tivesse ficado
muito irritada ao descobrir, a partir das constantes insinuações de lástima, que
Mrs. Belfield ainda estava interiormente convencida de que a timidez
obstinada do filho era o único obstáculo que o impedia de escolher quem
mais lhe agradava, e que, embora ela não ousasse expressar sua opinião com
franqueza, estava totalmente convencida de que Cecilia estava interessada
nele.
— E, por esta razão — continuou Mrs. Belfield —, esteja certa de que
qualquer dama que conhecesse suas verdadeiras qualidades não poderia
deixar de aceitar a recomendação de uma mãe, que deve naturalmente
conhecer melhor a personalidade de seus filhos do que seria esperado de um
estranho; e quanto a um filho como o meu, talvez não haja dois iguais no
mundo, porque ele teve a educação de um cavalheiro, e não importa qual
caminho vai seguir, nunca verá um homem mais bonito do que ele, embora,
pobre querido, ele sempre tenha sido o mais magro. Mas os infortúnios contra
os quais teve que lutar não engordariam ninguém.
Neste momento ela foi interrompida, e Cecilia ficou bastante surpresa pela
entrada de Mr. Hobson e Mr. Skimkins.
— Madames — exclamou Mr. Hobson, que ela logo descobriu ser o
senhorio de Mrs. Belfield —, eu não subiria as escadas sem dar uma parada
para que soubessem um pouco sobre como anda o mundo.
Então, ao perceber e lembrar-se de Cecilia, ele exclamou: — Estou
orgulhoso de vê-la novamente, madame! Senhorita, creio que devo dizer, pois
suponho que ainda é muito jovem para ter contraído matrimônio.
— Matrimônio? — exclamou Mr. Skimkins —, não, com certeza, não, Mr.
Hobson; como pode estar tão enganado? A jovem se parece mais com uma
aluna de internato, se posso ter a liberdade de dizer.
— Sim, é uma lástima — exclamou Mrs. Belfield —, pois, quanto às
moças que esperam e esperam, não vejo grande vantagem nisso.
Especialmente se um bom pretendente lhe é oferecido, pois, quanto a um
bom marido, creio que nenhuma dama deveria julgar-se superior para aceitá-
lo, se ele for modesto e bem-comportado, e se tiver recebido uma educação
refinada.
— Ora, quanto a isso, madame — disse Mr. Skimkins —, é outra questão
para suposições, pois, quanto ao fato de uma dama ter um cônjuge adequado,
se posso tomar a liberdade, creio não ser uma coisa ruim.
Cecilia tomou a mão de Henrietta e já ia lhe desejar um bom dia quando,
ao ouvir Mr. Hobson dizer que acabara de chegar de Portman Square, sua
curiosidade foi despertada e ela decidiu demorar-se mais um pouco.
— Que tristeza, madame! — disse ele. — Quem teria imaginado que Mr.
Harrel nos convidou para jantar pelo mero propósito de uma coisa daquelas.
Só para nos fazer de bobos, como pode-se dizer. Mas, quando a consciência
de um homem está suja, o que eu digo é dez para um, ele foge de si mesmo.
Que todo homem se mantenha afastado do mundo, é o que eu digo, e então
ele não terá tanta pressa para deixá-lo.
— Na verdade, madame — disse Mr. Skimkins, aproximando-se de
Cecilia com muitas reverências —, eu humildemente anseio pelo perdão da
liberdade, não posso fingir que acho que Mr. Harrel tenha feito a coisa mais
honrada por nós, pois, quanto a nos fazer beber todo aquele champanhe e
coisas do gênero, nós apenas o absorvemos, de modo que, se fosse dizer o
que penso, não poderia, pois considero isso um grande desfavor.
— Bem — disse Mrs. Belfield —, nada é tão surpreendente para mim
quanto uma pessoa ser o seu próprio carrasco, pois, quanto a mim, se eu
tivesse que morrer por esse meio cinquenta vezes, creio que não conseguiria
fazê-lo.
— Então, cá estamos — retomou Mr. Hobson —, todos nós fomos
defraudados em nossas dívidas! Ninguém é capaz de obter a sua parte, que
ele tenha tido algum trabalho na sua execução. Tristes acontecimentos por lá,
senhorita! Todos confusos. Quanto a mim, eu deixei Vauxhall assim que a
coisa toda aconteceu, na esperança de obter vantagem sobre os outros, ou
então teria ficado orgulhoso de atendê-las, madames, com todos os detalhes,
mas um homem de negócios nunca faz cerimônia, pois, quando o dinheiro
está em jogo, isso está fora de questão. No entanto, cheguei tarde demais,
pois a casa havia sido confiscada antes mesmo que eu me aproximasse dela.
— Espero, madame, se puder tomar a liberdade — disse Mr. Skimkins,
mais uma vez curvando-se profundamente —, que a senhorita e a outra
senhora não tenham considerado muito errado da minha parte não ter
retornado para atendê-las, pois não foi culpa minha, apenas fui tão
pressionado pelas damas e pelos cavalheiros que observavam os
acontecimentos que simplesmente não consegui me mover; eu fiz o que pude.
Mas, pelo que vejo, devo dizer que, se alguém nunca está em companhia tão
gentil, as pessoas são sempre mais rudes quando estão em uma multidão, pois
mesmo se alguém implorar e suplicar, não há como se adaptarem.
— Por favor — disse Cecilia —, é provável que sobre alguma coisa para
Mrs. Harrel?
— Sobrar, madame? — disse Mr. Hobson. — Sim, umas cem faturas sem
recibo para elas. Esteja certa, madame, não quero insultá-la, era seu
conhecido íntimo, mais especialmente porque a senhorita não faltou com o
respeito comigo, o que é mais do que posso dizer sobre Mrs. Harrel, que
parecia totalmente envergonhada de mim e também de Mr. Skimkins,
embora, apesar de tudo, teria sido melhor para ela não estar tão embriagada.
— Que vergonha, Mr. Hobson, que vergonha! — exclamou o flexível Mr.
Skimkins. — Como pode ser tão duro? Da minha parte, devo reconhecer que
acho que a pobre senhora é digna de lástima, pois deve ter sido uma visão
melancólica para ela, ver a vida do seu esposo ser assim interrompida na flor
da sua juventude, como se pode dizer; e o senhor deve desprezar o orgulho de
uma dama quando ela tem tantos problemas. Sem dúvida, não posso dizer
que ela foi excessivamente complacente para nos fazer sentir que éramos
bem-vindos, mas espero estar acima de ser tão indelicado a ponto de lhe
dever rancor, agora que ela está tão triste.
— Que todos sejam civilizados! — exclamou Mr. Hobson. — É o que eu
digo, e então eu estarei acima de ser indelicado tanto quanto qualquer outra
pessoa.
— Mrs. Harrel — disse Cecilia — estava na ocasião muito infeliz e agora
está, certamente, muito consternada, para tornar possível que qualquer
ressentimento seja nutrido contra ela.
— A senhorita, madame, fala como uma pessoa sensata — respondeu Mr.
Hobson —, e, de fato, isto é o que ouvi dizer sobre seu caráter, mas, apesar
de tudo isso, madame, todos estão dispostos a defender seus próprios amigos;
por isso, madame, esteja certa de que está fazendo o melhor possível, tanto
pela sobrevivente quanto pelo próprio cavalheiro falecido, mas, se eu tivesse
coragem de dizer o que penso de maneira justa, o que diria seria o seguinte:
um homem para atirar contra si mesmo com todas as suas dívidas não pagas,
é um mero escândalo, madame! Peço perdão, mas o que eu digo é que a
verdade é a verdade, e não posso chamá-la por nenhum outro nome.
Neste momento, Cecilia, ao descobrir que não tinha nenhuma chance de
acalmá-lo, chamou seu criado e a liteira. Mr. Skimkins, então, fingindo
baixar a voz, disse em tom de censura ao seu amigo: — Na verdade, Mr.
Hobson, para falar ingenuamente, devo dizer que não acho que seja educado
ser tão duro com o conhecido da jovem, quer dizer, agora que ele está morto.
Sem dúvida, não posso fingir que nego, mas ele se comportou de maneira
bastante cômica; não pagou ninguém, nem ao menos fez um pequeno elogio
ou coisa parecida, embora não tenha escondido os seus bens, e sempre tenha
escolhido ter o melhor de cada coisa, ora, e isso eu não posso fingir defender.
Mas isso não está nem lá nem cá, pois, se ele tivesse se comportado tão mal
novamente, a pobre senhorita não poderia fazer nada a respeito, e ouso dizer
que ela não teve mais participação do que qualquer outra pessoa.
— Não, com certeza — exclamou Mrs. Belfield —, o que ela poderia ter
com isso?! O senhor acha que uma jovem com a fortuna que ela tem iria
querer tirar vantagem de uma pessoa no comércio? Estou certa de que seria
uma vergonha e um pecado se o fizesse, pois, se ela não tem dinheiro
suficiente, eu me pergunto quem tem. E, da minha parte, acredito que,
quando uma jovem tem uma fortuna dessas, a única coisa que tem que fazer é
pensar em fazer um bom uso dela, dividindo, por assim dizer, com um bom
marido. Quanto a guardar tudo para si, ouso dizer que ela é uma dama muito
generosa, e quanto a se casar apenas com alguém que possui tanto quanto ela,
mas que não representa nenhum privilégio, ela deveria aceitar meu conselho e
se casar por amor; e quanto ao lucro, ela tem o suficiente em plena
consciência.
— Mas isso — disse Mr. Hobson — não altera meu argumento. Estou
falando sobre o propósito e não sobre complacência. Portanto, ouso dizer que
o ato de Mr. Harrel não teve nada de cavalheiro. Um homem tem direito
sobre a própria vida, alguém me dirá, mas e daí? Isso não é argumento, pois
não dá a ele nem um pouco mais de direito sobre a minha propriedade, e um
homem endividado que gasta substâncias de outras pessoas, sem nenhuma
razão aparente, apenas porque pode estourar os próprios miolos ao final,
embora seja uma coisa nem lícita nem religiosa de se fazer, ora, está agindo
fora do personagem, e tem uma grande dificuldade para negociar na
barganha.
— Eu gostaria muito que tivesse sido diferente — disse Cecilia —, mas
ainda espero que, se algo puder ser feito por Mrs. Harrel, o senhor não se
oponha a tal proposta.
— Madame, como eu já disse — respondeu Mr. Hobson —, vejo que é
uma pessoa sensata, e por isso eu a respeito, mas, quanto a qualquer coisa que
estiver sendo feita, é o que eu chamo de coisa distinta. O que é meu, é meu, e
o que é de outro homem, é dele. Esta é minha maneira de pensar; mas, se ele
pegar o que é meu, onde está a lei para impedir que eu pegue o que é dele? É
a isso que chamo falar com propósito. Agora, quanto a um homem cortar sua
garganta, ou algo parecido, ou estourar o próprio cérebro, que é considerado a
mesma coisa, o que seus credores ganham com isso? Absolutamente nada,
mas tanto pior é uma falsa noção de respeito, pois não há respeito neste caso.
— Concordo inteiramente com sua opinião — disse Cecilia —, mas, ainda
assim, Mrs. Harrel...
— Eu conheço o seu argumento, madame — interrompeu Mr. Hobson. —
Mrs. Harrel não é pior porque seu marido levou um tiro na cabeça, porque ela
não era sua cúmplice, e por isso é uma pena que perca todo o seu sustento.
Isto, madame, é o que eu chamo de falar o seu lado do argumento. Mas,
agora, madame, por favor, note o meu argumento em resposta: o que nós,
credores, temos a ver com a família de um homem? Suponha que eu seja um
marceneiro; quando entrego minhas cadeiras, pergunto quem vai se sentar
nelas? Não, é tudo igual para mim, quer seja a prole do cavalheiro ou seus
amigos, eu devo ser pago pelas cadeiras da mesma forma, use-as quem
quiser. Esta é a lei, madame, e nenhum homem deve se envergonhar de
cumpri-la.
A verdade deste discurso, que aliviava seu absurdo sentencioso, fez
Cecilia abandonar sua fraca tentativa de abrandá-lo, e, estando sua liteira
pronta, ela se levantou para partir.
— Não vá ainda, madame — exclamou Mrs. Belfield —, pois espero meu
filho em breve e, além disso, tenho muitas coisas para conversar com a
senhorita, mas com Mr. Hobson tendo tanto a dizer, ele fechou a minha boca.
Mas eu deveria considerar como um grande favor, madame, se a senhorita
viesse alguma tarde dessas e bebesse uma xícara de chá comigo, pois então
teríamos tempo para dizer tudo o que devemos dizer. E estou certa, madame,
se apenas permitisse que um de seus criados desse uma corrida para me
avisar quando viria, de que meu filho ficaria muito orgulhoso em encontrá-la;
e os criados não podem ter muito o que fazer em sua casa, pois onde há tantos
deles, eles geralmente não pensam em nada o dia todo, a não ser em ficar
parados boquiabertos olhando uns para os outros.
— Eu vou sair da cidade amanhã — disse Cecilia —, e, portanto, não
poderei ter o prazer de visitá-la novamente, Miss Belfield.
Ela então fez uma breve reverência e saiu da sala.
A gentil Henrietta, com os olhos marejados de lágrimas, acompanhou-a até
sua liteira. Porém, ela não estava sozinha; Mrs. Belfield também a seguia,
lamentando em voz alta a desafortunada ausência do filho, e o encolhido Mr.
Skimkins, rastejando atrás dela e fazendo uma reverência, disse em voz
baixa: — Eu humildemente imploro o seu perdão, madame, pela liberdade,
mas espero que não pense que eu tenho qualquer participação no
comportamento rude de Mr. Hobson, pois devo dizer que não acho que seja
excessivamente refinado de forma alguma.
O próprio Mr. Hobson, decidido a dizer mais uma frase, gritou, mesmo
depois que ela já estava sentada: — É o que eu tenho a dizer, madame, que
todo homem seja honesto; é nisso que acredito, e esta é a minha noção das
coisas.
Cecilia ainda chegou em casa antes de Mrs. Delvile, porém mais
inquietantes eram suas sensações e mais inquieto era o seu coração. A carta
que vira nas mãos de Henrietta parecia corroborar todas as suas suspeitas
anteriores, pois, se não viesse de alguém infinitamente querido, ela não teria
demonstrado tanto carinho por ela, e, se não fosse segredo, ela não a teria
escondido. Onde então estava a esperança de que qualquer um, exceto
Delvile, pudesse tê-la escrito? Em segredo ela não poderia amar dois homens,
e como Delvile era muito estimado, a ingenuidade do seu caráter a impedia
de disfarçar. E por que ele deveria escrever para ela? Qual era sua pretensão?
Que ele a amava, ela agora menos do que nunca poderia acreditar, já que sua
conduta recente, embora desconcertante e inconsistente, evidenciava ao
menos um favoritismo incompatível com a paixão por outra pessoa. O que,
então, ela poderia inferir, senão que ele havia seduzido seu afeto e arruinado
sua paz, para a gratificação inútil e cruel da vaidade temporária?
“E se esta é”, pensou ela, “a depravação deste hipócrita consumado, se tal
é a pequenez da sua alma que suas maneiras tão nobres disfarçam, será o seu
próximo passo, instado, talvez, mais por prudência do que preferência, fazer-
me o objeto da sua busca, e o alimento de sua vaidade? E eu, prevenida e
instruída como sou, serei uma presa tão fácil e uma tola tão miserável? Não,
eu deverei me satisfazer com sua conduta antes de me aventurar a confiar
nele, e como sou mais rica do que Henrietta e menos provável de ser
abandonada, quando conquistada, estarei mais cautelosa para entender por
que sou cortejada e reivindicar os direitos da inocência, se descobrir que ela
foi assim iludida, esquecendo suas qualidades em sua traição e renunciando a
ele para sempre”.
Tais eram as reflexões e suposições que atenuaram o tão almejado prazer
de sua mudança de residência e tornaram sua habitação em St. James’s
Square não mais feliz do que fora na casa de Mr. Harrel.
Ela almoçou novamente apenas com Mr. e Mrs. Delvile, e não viu o filho
durante o dia todo, o que, em sua atual incerteza sobre o que pensar sobre ele,
era uma ausência pela qual ela dificilmente lamentava. Quando os criados se
retiraram, Mr. Delvile lhe disse que naquela manhã havia recebido duas
visitas em seu nome, ambas de admiradores que fingiam ter recebido
permissão de Mr. Harrel para visitá-la.
Ele disse os nomes de Sir Robert e Mr. Marriott.
— Isso não é verdade. Sempre fui muito explícita, quando consultada, e se
ficaram satisfeitos em usar outros métodos, não me surpreende que tenham
fracassado.
— Eu disse a eles — disse Mr. Delvile — que, uma vez que a senhorita
está agora sob meu teto, não poderia me recusar a receber suas propostas,
especialmente porque não haveria impropriedade em sua aliança com
nenhum deles, mas também disse que, ao mesmo tempo, não poderia de
forma alguma pensar em pressioná-la, já que este é um ofício que, ainda que
funcionasse para Mr. Harrel, seria totalmente impróprio e indecoroso para
mim.
— Certamente — disse Cecilia —, e permita-me implorar, senhor, caso
eles voltem a insistir, que possam ser totalmente desencorajados a repetir
suas visitas e tenham a certeza de que, longe de ter brincado com seus
sentimentos até agora, as resoluções que declarei não sofrerão modificações.
— Fico feliz — disse Mrs. Delvile — ao ver tanta coragem e
discernimento quando manobras de todos os tipos são praticadas com o
intuito de enganar e iludir. Fortuna e independência nunca estiveram tão
seguramente alojadas como no caso de Miss Beverley, e não tenho dúvidas
de que sua escolha, quando ocorrer, refletirá tanta honra em seu coração
quanto compreensão.
Mr. Delvile então perguntou se ela havia decidido alguém para escolher
como guardião no lugar de Mr. Harrel. Ela respondeu que não e nem deveria,
a menos que fosse absolutamente necessário.
— Eu realmente acredito — disse Mrs. Delvile — que seus negócios não
sentirão muito a falta dele. Desde que ouvi comentários sobre o excesso da
sua extravagância, regozijei-me enormemente com a inusitada prudência e
sagacidade de sua bela pupila, que, em mãos tão perigosas, com menos
entendimento e bom senso, poderia ter sido arrastada para milhares de
dificuldades, e talvez até tivesse defraudado metade da sua fortuna.
Cecilia recebeu com pouca alegria o elogio tão fora de hora, o qual, com
muitos do mesmo tipo que eram feitos com frequência, ainda que
acidentalmente, a intimidava a confessar o que ela havia planejado e não
encontrar nada além da censura que provavelmente seguiria a descoberta, e
finalmente decidiu renunciá-la completamente, a menos que se estabelecesse
qualquer conexão que pudesse tornar necessária sua confissão. No entanto,
algo que ela não poderia deixar de comentar, que era uma ação tão prejudicial
ao seu próprio interesse, e que, na época, parecia indispensável para sua
benevolência, deveria agora ser considerada como um sinal de loucura e
imprudência que ela não se atrevia a admitir.
CAPÍTULO 53
UM PROTESTO
UM FALATÓRIO
Nessa época, a casa ficou mais animada com a visita de lady Honoria
Pemberton, que veio passar um mês com Mrs. Delvile. Cecilia tinha agora
pouco tempo livre, pois lady Honoria não podia descansar um momento
longe dela: ela insistia em caminhar com Cecilia, sentar-se com ela, trabalhar
com ela e cantar com ela; qualquer coisa que Cecilia fizesse, ela queria fazer
também; onde quer que Cecilia fosse, ela estava decidida a acompanhá-la.
Mrs. Delvile, que lhe queria muito bem, embora não tivesse paciência com
suas fraquezas, encorajava esta intimidade na esperança de que lhe pudesse
ser útil.
Não era, entretanto, que lady Honoria tivesse sentido qualquer
consideração por Cecilia, pelo contrário. Se lhe tivessem dito que não deveria
mais vê-la, ela o teria ouvido com a mesma serenidade como se lhe tivessem
dito que deveria encontrar-se com ela todos os dias; ela não tinha nenhum
motivo para persegui-la, simplesmente não tinha mais nada para fazer, e
nenhum carinho por sua companhia a não ser o que resultava da aversão à
solidão.
Lady Honoria havia recebido uma educação elegante, na qual sua
qualificação era exatamente o que a moda exigia; ela cantava um pouco,
tocava um pouco de cravo, pintava um pouco, bordava um pouco e dançava
muito. Ela era ágil e tinha bom humor, embora sua mente fosse inculta e
estivesse totalmente destituída de bom senso ou discrição; ela era descuidada
para ofender e indiferente a tudo o que se pensava dela; o deleite de sua vida
era criar surpresa com suas provocações, e se essa surpresa era para ela uma
vantagem ou descrédito, ela não se preocupava nem por um momento em
considerar. Uma criatura dona de tanta frivolidade com tão pouco coração
não teria grandes chances de despertar a estima ou o respeito de Cecilia, que
em quase qualquer outro período de sua vida teria se cansado da sua presença
inoportuna. Porém, no momento, o estado de inquietação de sua própria
mente a deixava contente por dar-lhe qualquer emprego, e a vivacidade de
lady Honoria servia, portanto, para diverti-la. No entanto, ela não podia evitar
sentir-se magoada ao descobrir que o comportamento de Delvile era
exatamente o mesmo com relação às duas, e que qualquer observador comum
teria dificuldade em nomear sua preferida.
Certa manhã, cerca de uma semana depois da chegada de Sua Senhoria ao
castelo, ela entrou correndo no quarto de Cecilia, dizendo que tinha boas
notícias para ela.
— Diga, por favor — disse Cecilia.
— Ora, milorde Derford está vindo para cá!
— Oh, que melancólica carência de conhecimentos — disse Cecilia —, se
esta é a sua melhor notícia.
— Bem, é melhor do que nada, melhor do que dormir em uma reunião de
família. Eu juro que às vezes tenho tanta dificuldade para me manter
acordada, que morro de medo de ser tomada por um cochilo repentino e
afrontar a todos. Agora, por favor, diga a verdade, sem escrúpulos, a
senhorita não acha isso muito terrível?
— Não, eu não acho nada que venha de Mrs. Delvile muito terrível.
— Oh, eu também gosto de Mrs. Delvile, entre todas as coisas, pois
acredito que ela é a mulher mais inteligente do mundo; mas sei que ela não
gosta de mim, então não sinto nenhum carinho por ela. Além disso, na
verdade, se eu a admirasse tanto assim, estaria terrivelmente cansada de não
ver nada mais. Ela nunca sai, a senhorita sabe, e não tem companhia em casa,
o que é um plano extremamente cansativo, pois só serve para nos deixar a
todos duplamente cansados uns dos outros, embora deva saber que é um
grande motivo pelo qual meu pai gosta que eu venha, pois ele tem algumas
noções muito antiquadas, embora eu me esforce muito para que ele as supere.
Mas fico sempre excessivamente contente quando a visita é concluída, pois
sou obrigada a vir todos os anos. Não me refiro a este momento, na verdade,
porque o fato de a senhorita estar aqui torna tudo mais tolerável.
— A senhorita me honra muito — disse Cecilia, rindo.
— Mas, realmente, quando milorde Derford chegar, não poderá ser tão
ruim, pois pelo menos haverá algo mais para olhar, e a senhorita deve saber
que meus olhos se cansam de ver sempre as mesmas pessoas. E podemos
também lhe pedir algumas notícias, o que vai deixar Mrs. Delvile muito
aborrecida e nos ajudará a dar um pouco de ânimo, embora eu saiba que não
obteremos nenhuma informação dele, já que não sabe nada sobre o que está
acontecendo no mundo. Na verdade, isso não é grande coisa, pois, mesmo se
soubesse, ele não saberia como dizer, é bobo demais. No entanto, vou lhe
perguntar todo tipo de coisas, pois quanto menos ele puder responder, mais
eu o atormentarei; eu gosto muito de atormentar um bobo, porque ele nunca
poderá atormentar alguém de novo, embora eu realmente deva implorar o seu
perdão, pois ele é um de seus admiradores.
— Oh, não por isso. A senhorita tem o meu livre consentimento para dizer
o que quiser sobre ele.
— Eu lhe asseguro, então, que gosto mais do velho milorde Ernolf, pois
ele tem mil vezes mais bom senso do que o filho, e dou a minha palavra de
que não creio que seja muito mais feio. Mas me surpreende muito que a
senhorita não queira se casar com ele, apesar de tudo, porque a senhorita
poderia ter feito exatamente o que quisesse com ele, o que, geralmente, não
teria sido uma circunstância inconveniente.
— Quando eu quiser um protegido — respondeu Cecilia —, eu
considerarei esta uma recomendação admirável, mas, se eu fosse me casar,
iria preferir encontrar um tutor.
— Estou certa de que não deveria — disse lady Honoria,
despreocupadamente —, pois já se tem muito o que fazer com tutores
antecipadamente, e a melhor coisa que sei sobre o casamento é como me
livrar deles. Imagino que também pense assim, só que é um discurso bonito
de se fazer. Oh, como minha irmã Eufrásia iria adorar a senhorita! Diga,
sempre foi tão séria quanto é agora?
— Não, sim. Na verdade, eu não sei.
— Imagino que este seja um ponto sombrio que fere seu espírito. Lembro-
me de que, quando a vi em St. James’s Square, a achei muito animada. Mas
realmente essas paredes grossas são suficientes para irritar os nervos, se
nunca antes o havia feito.
— Não creio que tenham um efeito tão ruim sobre Vossa Senhoria!
— Oh, sim, têm sim. Se Eufrásia estivesse aqui, ela dificilmente me
reconheceria. E a extrema falta de gosto e entretenimento em toda a família é
bastante melancólica, pois mesmo que por uma casualidade alguém tenha a
sorte de ouvir alguma informação, Mrs. Delvile dificilmente permitirá que
seja repetida, por medo de que seja falsa, como se isso significasse alguma
coisa. Estou certa de que saberia se as coisas são verdadeiras ou não, porque
contam tão bem uma como a outra, se tivesse paciência para escutá-las. Mas
ela é extremamente severa, a senhorita sabe, como são quase todas as
mulheres muito inteligentes, de modo que ela mantém uma espécie de
restrição sobre mim, queira ou não. No entanto, isso não é nada comparado
com seu caro esposo, pois ele é absolutamente insuportável. Tão solene e tão
enfadonho! Tão majestoso e tão cansativo! Mortimer também está ficando
cada vez pior. Formam um grupo muito triste! Ouso dizer que em breve ele
ficará tão horrível quanto o pai. A senhorita não acha?
— Na verdade, não. Eu não acho que haja muita semelhança — disse
Cecilia, com alguma hesitação.
— É a criatura mais alterada — continuou Sua Senhoria — que já vi em
minha vida. Eu já o considerei o jovem mais agradável do mundo uma vez,
mas, se a senhorita prestar atenção, está tudo acabado agora; ele está ficando
tão estúpido e sombrio quanto o resto deles. Gostaria que tivesse estado aqui
no verão passado. Eu garanto que a senhorita teria se apaixonado por ele.
— Eu deveria? — disse Cecilia, com um sorriso consciente.
— Sim, pois ele era muito encantador, cheio de animação e alegria, mas
agora, se não fosse pela senhorita, eu realmente acho que deveria fingir que
me perdi e, no lugar de atravessar aquela velha ponte levadiça, me jogar no
fosso. Eu queria que Eufrásia estivesse aqui. É o lugar certo para ela. Ela vai
se imaginar em um mosteiro assim que chegar, e nada a deixará mais feliz,
pois ela está sempre desejando se tornar uma freira, pobre tola.
— Existe alguma possibilidade de que lady Eufrásia venha?
— Oh, não, ela não pode neste momento, porque não seria apropriado; eu
quero dizer, se ela chegar a se casar com Mortimer.
— Casar-se com ele?! — repetiu Cecilia, muito consternada.
— Eu acredito, minha cara — disse lady Honoria, olhando-a com malícia
—, que a senhorita pensa em se casar com ele?
— Eu? Não, na verdade, não.
— Mas a senhorita parece muito culpada — disse ela, rindo —, e, de fato,
quando veio para cá, todos disseram que tudo estava arranjado.
— Que vergonha, lady Honoria! — disse Cecilia, novamente mudando de
cor. — Estou certa de que esta fantasia deve ser uma invenção sua...
— Não, eu garanto. Eu ouvi isso em vários lugares, e todos falavam sobre
a forma encantadora como sua fortuna reforçaria todas essas velhas
fortificações, mas algumas pessoas disseram que sabiam que Mr. Harrel a
tinha vendido a Mr. Marriot e que, se a senhorita se casasse com Mortimer,
haveria um processo que removeria metade dos seus bens, e outros disseram
que a senhorita havia prometido sua mão a Sir Robert Floyer, e que se
arrependeu quando soube de suas hipotecas, e ele declarou aos quatro cantos
que lutaria com qualquer homem que se apresentasse como um pretendente
seu, e, por outro lado, alguns disseram que a senhorita sempre foi casada em
segredo com Mr. Arnott, mas que não se atrevia a admitir, porque ele tinha
muito medo de duelar com Sir Robert.
— Lady Honoria! — exclamou Cecilia, rindo discretamente. — Que
invenções malucas são essas! E todas, espero, suas.
— Não, na verdade, os falatórios corriam por toda a cidade. Mas não ligue
para o que eu disse sobre Eufrásia, porque talvez isso nunca aconteça.
— Talvez — disse Cecilia, revitalizada por achar que tudo era fruto da sua
imaginação — este casamento nunca tenha sido cogitado.
— Ah, sim; está sendo negociado neste exato momento, creio eu, entre as
potências superiores. Apenas Mr. Delvile ainda não sabe se Eufrásia tem
fortuna suficiente para o que deseja.
“Ah”, pensou Cecilia, “como me alegro que minha situação de
independência me isente de ser descartada para sempre, dessa forma me
colocando à venda”.
— Eles pensaram em mim, uma vez, para Mortimer — continuou lady
Honoria, —, mas estou muito contente que isso tenha terminado, pois eu
nunca teria sobrevivido se fosse trancada neste lugar; é muito mais adequado
para Eufrásia. Para dizer a verdade, acredito que eles não conseguiram
dinheiro suficiente, mas Eufrásia tem fortuna própria, além do que vamos
herdar, pois vovó deixou para ela tudo o que estava em seu próprio poder.
— Lady Eufrásia é sua irmã mais velha?
— Oh, não, coitadinha, ela é dois anos mais nova. A vovó a criou, e ela
não viu nada no mundo, pois ainda não foi apresentada, então ela ainda não
pode aparecer, sabe, mas ela deve ser apresentada no próximo ano. No
entanto, ela viu Mortimer uma vez, mas não gostou nada dele.
— Não gostou dele?! — exclamou Cecilia, muito surpresa.
— Não, ela achou que ele era muito alegre. Oh, minha cara, eu gostaria
que ela pudesse vê-lo agora! Estou certa de que o acharia bastante triste. Ela é
a criaturinha mais formal e séria que alguém já viu. Às vezes, faz um sermão
por meia hora. Vovó não lhe ensinou nada a não ser fazer suas orações, de
modo que quase todas as palavras que disser, ela achará que são muito
perversas.
A conversa foi interrompida por sua separação para vestirem-se para o
almoço. Todo o assunto deixou Cecilia muito perplexa; ela não sabia no que
deveria acreditar ou não, mas sua principal preocupação surgiu da infeliz
mudança de semblante que lady Honoria havia notado com tanta rapidez.
Na próxima oportunidade em que ficou sozinha com Mrs. Delvile, a
senhora lhe disse:
— Miss Beverley — disse ela —, a sua pequena e barulhenta torturadora
lhe informou quem está vindo?
— A senhora se refere a lorde Derford?
— Sim, acompanhado por seu pai. A presença deles incomoda a senhorita?
— Não se, como espero, eles vierem meramente para visitar a senhora e
Mr. Delvile.
— Mr. Delvile e eu — respondeu ela, sorrindo — certamente teremos a
honra de recebê-los.
— Lorde Ernolf — disse Cecilia — nunca deverá supor que sua visita
provocará alguma mudança em mim. Fui muito explícita com ele, e ele
parecia igualmente racional e bem-educado para tolerar qualquer
importunação sobre o assunto.
— No entanto, muitos na cidade acreditam — disse Mrs. Delvile — que a
senhorita estava estranhamente ligada a Mr. Harrel, e, portanto, Sua Senhoria
pode provavelmente esperar que uma mudança em sua situação seja seguida
por uma mudança a seu favor.
— Eu lamentarei muito se assim for — disse Cecilia —, pois então ele
descobrirá que está muito enganado.
— A senhorita está certa, muito certa — disse Mrs. Delvile —, em
dificultar sua escolha e ganhar tempo para olhar ao redor antes de tomar uma
decisão. Eu renunciei a todas as perguntas sobre este tema, para que não
precisasse relutar em respondê-las, mas agora estou profundamente
interessada em seu bem-estar e não posso me contentar com a total ignorância
de seus desígnios. A senhorita permitiria, então, que eu fizesse algumas
perguntas?
Cecilia lhe ofereceu um pronto consentimento, ainda que corando.
— Diga-me, então, entre os muitos admiradores que a agraciaram, qual a
senhorita distingue com alguma intenção de preferência futura?
— Nenhum, madame!
— Entre tantos, não há um só que, daqui em diante, a senhorita pretende
distinguir?
— Ah, madame! — exclamou Cecilia, sacudindo a cabeça —, ainda que
pareçam muitos, tenho poucos motivos para me orgulhar deles. Há apenas um
que teria, creio eu, se minha fortuna fosse menor, pensado em mim; e há
apenas um que, se ela agora fosse diminuída, nenhuma vez pensaria em mim.
— Esta sinceridade — disse Mrs. Delvile — é exatamente o que eu
esperava encontrar. Existe, então, um?
— Eu acredito que sim. Mr. Arnott é o homem em questão. Eu estaria, de
fato, muito enganada, se sua preferência por mim não fosse verdadeiramente
desinteressada, e eu quase desejo...
— O quê, meu amor?
— Que eu pudesse retribuir com mais gratidão.
— E a senhorita não pode?
— Não, eu não posso. Eu o estimo, tenho o mais sincero respeito por seu
caráter, e se agora, por alguma necessidade fatal, me visse obrigada a
pertencer a qualquer um dos que tiveram o prazer de se dirigir a mim, não
hesitaria um momento em mostrar-lhe minha gratidão, mas, ainda assim, ao
menos por algum tempo, tal prova me deixaria muito infeliz.
— A senhorita pode pensar assim agora — respondeu Mrs. Delvile —,
mas com sentimentos tão fortemente a seu favor, provavelmente será levada a
sentir pena e aceitá-lo.
— Na verdade, não, madame. Não pretendo, admito, abrir meu coração
com a senhora. Não sei se teria paciência para um detalhe tão pouco
interessante, mas embora haja algumas coisas que não me atrevo a
mencionar, não é minha intenção, acredite, enganá-la.
— Eu acredito — exclamou Mrs. Delvile, abraçando-a. — E ainda mais
prontamente porque, não apenas entre seus admiradores declarados, mas
entre toda a raça dos homens, conheço apenas um a quem deva pensar que a
senhorita foi dignamente entregue.
“Ah!”, pensou Cecilia, “apenas um! Quem seria a exceção?”
— Para lhe provar — continuou ela — que merecerei sua confiança no
futuro, vou abster-me de angustiá-la com mais perguntas neste momento.
Creio que a senhorita não vai agir materialmente sem me consultar, e, por
seus pensamentos, seria tirania, não amizade, investigá-los de forma mais
minuciosa.
A gratidão de Cecilia por tamanha delicadeza a teria induzido
instantaneamente a revelar todos os segredos da sua alma, se ela não temesse
que tal confissão pudesse parecer solicitar seu interesse e ajuda no único
assunto em que ela teria desdenhado até mesmo de recebê-los. Assim, ela lhe
agradeceu por sua gentileza e a conversa foi encerrada.
Ela gostaria muito de saber se tais indagações surgiam simplesmente de
uma curiosidade amigável ou se a outra desejava, por algum motivo mais
próximo, ficar satisfeita com relação à sua liberdade ou compromissos. Isso,
no entanto, ela não tinha como descobrir, e, portanto, viu-se obrigada a
aguardar em silêncio até que o tempo esclarecesse tudo.
CAPÍTULO 56
UMA TEMPESTADE
UM MISTÉRIO
Por dois dias, como consequência dos fortes resfriados apanhados durante
a tempestade, lady Honoria Pemberton e Cecilia ficaram confinadas em seus
aposentos. Cecilia, satisfeita pela solidão e pela reflexão para recompor seu
ânimo e definir seu plano de conduta, de boa vontade ainda teria prolongado
seu retiro, mas o abrandamento do seu resfriado não lhe proporcionou
pretextos, e, no terceiro dia, viu-se obrigada a deixar o quarto.
Lady Honoria, embora menos recuperada, por ter sido a maior sofredora,
estava impaciente com as restrições e não se negou a abandonar seu quarto ao
mesmo tempo. Toda a família, então, estava reunida como de costume à
refeição.
Mr. Delvile, com sua costumeira solenidade de cortesia, fez várias
indagações e felicitações pelo perigo e pela segurança delas, com cuidado em
ambos os casos, dirigindo-se primeiramente à lady Honoria, e depois, com
mais majestade em sua amabilidade, a Cecilia. Sua senhora, quem
frequentemente visitava as duas, não tinha nada de novo para ouvir.
Delvile não apareceu até que todos estivessem sentados, quando,
apressadamente, disse que estava feliz por ver as duas damas tão bem
novamente. Ele imediatamente começou a trinchar a carne, com a agitação de
um homem que temia confiar em si mesmo para ficar sentado sem fazer nada.
Porém, enquanto ele falava, Cecilia ficou muito pouco impressionada com o
tom melancólico da sua voz e, no momento em que ergueu os olhos, percebeu
que seu semblante estava igualmente triste.
— Mortimer — disse Mr. Delvile —, estou certo de que você não está
bem. Eu não posso imaginar por que não pode pedir algum conselho.
— Se eu chamasse um médico, senhor, ele teria muito mais dificuldade em
imaginar que conselho me dar — disse Delvile, com afetada alegria.
— Permita-me, entretanto, Mr. Mortimer — disse lady Honoria —,
retribuir meus humildes agradecimentos pela honra de sua ajuda durante a
tempestade. Receio que tenha adoecido por me atender.
— Vossa Senhoria — respondeu Delvile, corando muito, mas fingindo rir
— tornou-me um covarde tão grande que fugi da vergonha de minha própria
inferioridade de coragem.
— Você estava, então, com lady Honoria durante a tempestade? —
perguntou Mrs. Delvile.
— Não, madame! — exclamou lady Honoria, rapidamente. — Mas ele foi
suficientemente gentil em me deixar durante a tempestade.
— Mortimer — disse Mr. Delvile —, isso é possível?
— Lady Honoria foi uma heroína — respondeu Delvile — e recusou
completamente receber qualquer tipo de ajuda; sua coragem era tão mais
destemida do que a minha, que ela se aventurou a enfrentar os relâmpagos
embaixo de um carvalho!
— Cara Mrs. Delvile — disse lady Honoria —, pense no quão simplória
ele me considerou. Ele queria me persuadir de que ao ar livre eu estaria
menos exposta ao perigo do que sob o abrigo de uma grande árvore.
— Lady Honoria — respondeu Mrs. Delvile, com um sorriso sarcástico
—, na próxima vez que a senhorita me obrigar a ouvir uma história de
escândalos, eu vou insistir em uma punição onde a senhorita vai ler um dos
livrinhos de Mr. Newbury. Há vinte deles que irão lhe explicar esta questão, e
tal leitura irá, pelo menos, empregar seu tempo de forma tão útil quanto os
seus contos.
— Bem, madame — respondeu lady Honoria —, eu não sei se a senhora
está rindo de mim ou não, mas realmente cheguei à conclusão de que Mr.
Mortimer apenas escolheu se divertir em um tête-à-tête com Miss Beverley.
— Ele não estava com Miss Beverley — disse Mrs. Delvile, rapidamente.
— Ela estava sozinha, eu mesma a vi no momento em que entrou.
— Sim, madame, mas não naquele momento, pois ele já tinha partido —
disse Cecilia, esforçando-se, mas sem muito sucesso, para falar com
compostura.
— Eu tive a honra — disse Delvile, fazendo com igual sucesso a mesma
tentativa — de acompanhar Miss Beverley até o pequeno portão, e já estava
voltando para lady Honoria quando encontrei Sua Senhoria, que acabava de
chegar.
— Que extraordinário, Mortimer — disse Mr. Delvile, com olhar fixo —,
auxiliar lady Honoria por último!
— Não fique zangado, senhor — exclamou lady Honoria alegremente —,
eu não tinha a intenção de fazer mexericos!
O assunto foi abandonado, para grande satisfação de Delvile e de Cecilia,
que se esforçaram mutuamente para falar sobre o próximo assunto, para
evitar uma repetição do primeiro.
Quando o temor havia desaparecido, Delvile não disse muito mais; a
tristeza pesava em sua mente, ele estava ausente, perturbado e inquieto. No
entanto, não mais se esforçava para evitar Cecilia; pelo contrário, quando ela
se levantou para sair da sala, ele pareceu evidentemente desapontado.
Os resfriados das damas as mantiveram em casa durante toda a tarde, e
Delvile, pela primeira vez desde sua chegada ao castelo, juntou-se a elas para
o chá. Nem quando terminou ele se retirou como de costume: demorou-se,
fingiu ser atraído por um panfleto e parecia tão ansioso para falar com Cecilia
como até então parecia querer evitá-la. Cecilia percebeu a mudança com nova
emoção e nova angústia. O que ele poderia ter a dizer, ela não podia
conjecturar, mas tudo o que antecedeu sua comunicação a convenceu de que
não era nada que ela pudesse desejar, e por mais que desejasse alguma
explicação de seus propósitos, quando o momento tão esperado parecia
chegar, as suposições eram as mais cruéis; elas reprimiram sua impaciência e
abrandaram sua curiosidade. Ela lamentou sinceramente sua infeliz estada em
sua casa, onde a adoração de cada habitante, desde seu pai ao criado mais
inferior, a haviam impressionado com a mais forte crença de seu valor, e em
grande medida, embora imperceptivelmente, aumentara seu respeito por ele,
uma vez que não havia mais nenhuma dúvida, mas a certeza de que algum
obstáculo cruel, algum obstáculo fatal, proibia sua união.
Todos os seus esforços concentravam-se agora em reunir coragem para
ouvi-lo com compostura, mas, embora, quando sozinha, ela pensasse que
qualquer descoberta seria preferível à suspeita, toda sua coragem falhava
quando Delvile aparecia, e se ela não podia deter lady Honoria, ela a seguia
involuntariamente.
Assim se passaram quatro ou cinco dias, período no qual a saúde de
Delvile parecia sofrer com sua mente, e embora ele se recusasse a reconhecer
que estava doente, era evidente para todos que estava longe de sentir-se bem.
Mr. Delvile frequentemente o instava a consentir em receber alguns
conselhos médicos, mas ele sempre se reanimava, embora com ânimo
forçado e transitório, diante da menção de um médico, e a proposta terminava
em nada.
Mrs. Delvile também acabou ficando alarmada; suas perguntas eram mais
penetrantes e diretas, mas não obtinham maior êxito. Todo ataque deste tipo
era seguido de alegria imediata, a qual, embora limitada, servia naquele
momento para mudar de assunto. Mrs. Delvile, entretanto, não tinha a
intenção de ser enganada: ela observava o filho incessantemente e parecia
sentir uma inquietação pouco menor do que a dele.
A angústia de Cecilia aumentava a cada minuto, e a dificuldade para
ocultá-la tornava-se cada vez mais dolorosa. Ela acreditava ser a causa do
abatimento do filho, e esse pensamento a fazia sentir-se culpada na presença
da mãe. A explicação que esperava a ameaçava com um novo sofrimento, e a
coragem para suportá-la ela tentava em vão adquirir. Seu coração estava
cruelmente oprimido, a apreensão e a suspeita nunca a deixavam. O descanso
a abandonava à noite e a alegria durante o dia.
Nesta ocasião, os dois lordes, Ernolf e Derford, chegaram, e Cecilia, que a
princípio havia lamentado seu propósito, agora regozijava-se em sua
presença, pois dividiam a atenção de Mrs. Delvile, que agora temia não estar
totalmente voltada para o filho, e porque a poupavam de precisar ter a força e
o bom humor de lady Honoria para si mesma.
Suas observações imediatas sobre a má aparência de Delvile
surpreenderam tanto Cecilia quanto a mãe dele ainda mais do que seus
próprios temores, os quais esperavam ser mais o resultado da apreensão do
que da razão. Cecilia agora se censurava severamente por ter adiado a
conferência que ele evidentemente buscava, sem dúvida, ela havia
contribuído para sua indisposição ao negar o alívio que ele poderia esperar da
conclusão do caso. Por mais melancólica que parecesse a ideia, ainda era um
motivo para superar sua relutância e determiná-la a não mais evitar o que
parecia necessário suportar.
No entanto, um raciocínio mais profundo, quando parte de casuístas
agradáveis, com frequência delibera com atraso e torna suas resoluções sem
efeito. Este era o caso de Cecilia. Na mesma manhã em que desceu as escadas
preparada para receber com firmeza o golpe que acreditava já ser esperado,
Delvile, que desde a chegada dos dois senhores sempre comparecera ao
desjejum, reconheceu, em resposta às sérias indagações de sua mãe, que tinha
um resfriado e dor de cabeça. Se ele, ao mesmo tempo, reconhecesse uma
pleurisia e febre, o alarme instantaneamente estendido a toda a família não
poderia ter sido maior. Mr. Delvile tocou furiosamente a campainha e
ordenou que um homem e um cavalo fossem enviados naquele momento para
buscar o Dr. Lyster, o médico da família, e que não retornassem sem ele, se
estivesse vivo. Mrs. Delvile, não menos angustiada, embora mais calada,
fixou os olhos no filho com uma expressão de ansiedade que revelava que
toda a sua felicidade estava ligada àquela recuperação. Delvile esforçou-se
para afastar o medo deles, garantindo-lhes que estaria bem no dia seguinte e
representando em termos ridículos a busca do Dr. Lyster.
O comportamento de Cecilia, guiado pela prudência e modéstia, foi firme
e composto; ela acreditava que sua doença e seu mal-estar eram os mesmos
que os dela e lady Honoria, e esperava que a decisão que havia tomado
trouxesse alívio para ambos, enquanto os terrores de Mr. e Mrs. Delvile
pareciam tão descomedidos, que os seus diminuíam mais do que
aumentavam.
Dr. Lyster logo chegou; ele era um médico afetuoso e excelente, e também
um homem de muito bom senso. Delvile, muito alegre, apertou a mão dele e
disse:
— Acredito, Dr. Lyster, que o senhor não esperava encontrar um paciente
tão bem. Já me diagnostiquei.
— O quê?! — exclamou o doutor. — Vamos, vamos, o senhor não deve
me ensinar minha própria profissão. Quando atendo um paciente, venho para
dizer como ele está, não para ouvir.
— Ele está, então, doente?! — exclamou Mrs. Delvile. — Oh, Mortimer,
por que você nos enganou assim?
— Qual é a doença dele? — perguntou Mr. Delvile. Vamos pedir mais
ajuda. Quem devemos chamar, doutor?
Ele novamente tocou a campainha.
— O que é isso, agora? — disse o Dr. Lyster, com frieza. — Não
precisamos de mais ninguém. Espero poder prescrever uma receita para um
resfriado sem precisar consultar alguém.
— Mas como pode estar certo de que é apenas um resfriado? — perguntou
Mr. Delvile. — Não poderia ser uma doença terrível...
— Por favor, senhor, tenha paciência — interrompeu o médico. — Mr.
Mortimer e eu teremos uma conversa agora. Enquanto isso, vamos todos nos
sentar e nos comportar como cristãos. Nunca converso com o paciente na
frente de outras pessoas. É difícil se não me deixarem ser um cavalheiro
durante dois minutos.
Lady Honoria e Cecilia teriam então se levantado, mas nem o Dr. Lyster
nem Delvile permitiram que elas se retirassem, e uma conversa
razoavelmente animada teve lugar, após a qual o grupo se separou e o médico
acompanhou Delvile aos seus próprios aposentos. Cecilia então subiu as
escadas, onde esperou impacientemente por alguma informação. Cerca de
meia hora depois, como não havia recebido nenhuma, ela voltou para a sala e
a encontrou vazia, mas logo se uniu à lady Honoria e lorde Ernolf.
Lady Honoria, feliz porque alguma coisa estava acontecendo e não muito
preocupada se era boa ou não, estava tão ansiosa para comunicar o que havia
descoberto quanto Cecilia para ouvir.
— Bem, minha cara — disse ela —, então eu não descobri que, afinal,
toda essa doença prodigiosa será colocada em sua conta?
— Em minha conta?! — exclamou Cecilia. — Como isso é possível?
— Ora, aquele franguinho pegou um resfriado na tempestade da semana
passada, e como não foi colocado na cama por sua mãe e cuidado com soro
de vinho branco, o pobrezinho está com febre.
— Ele é um rapaz excelente — disse lorde Ernolf. — Eu lamentaria muito
se qualquer coisa acontecesse com ele.
— Ele era um rapaz excelente, milorde — disse lady Honoria —, mas
ultimamente se tornou intoleravelmente estúpido. No entanto, é tudo culpa de
seu pai e de sua mãe. Já viu alguma coisa mais ridícula do que o
comportamento deles nessa manhã? Foi com muita dificuldade que evitei rir
na cara deles. De fato, eu acredito que, se acontecesse um incidente infeliz
com Mortimer, seu pai logo o transformaria em uma estátua de mármore. Na
verdade, ele está um pouco melhor agora.
— No entanto, sou capaz de perdoar Mr. Delvile — respondeu lorde
Ernolf — por sua ansiedade em relação ao filho, já que é o último de uma
família tão antiga.
— Essa é sua grande desgraça, milorde — respondeu lady Honoria —,
porque é precisamente a razão pela qual o fazem de fantoche. Se houvesse
mais alguns pequenos mestres a quem mimar e acariciar, eu respondo por
isso, aquele precioso Mortimer logo seria deixado por sua própria conta, e
então, na verdade, acredito que ele seria um tipo de jovem bastante tolerável.
A senhorita não concorda, Miss Beverley?
— Oh, sim! — disse Cecilia. — Eu acredito... acho que sim.
— Não, não, não perguntei se o acha tolerável agora, então não precisa se
assustar.
Neste momento, eles foram interrompidos pela entrada do Dr. Lyster.
— Bem, senhor — disse lady Honoria —, e quando devo começar meu
luto por meu primo Mortimer?
— Muito em breve — respondeu ele —, a menos que cuidem melhor dele.
Ele me confessou que, depois de sair na tempestade na quarta-feira passada,
ficou sentado com suas roupas molhadas durante toda a noite.
— Meu caro — disse lady Honoria —, e o que isso poderia fazer por ele?
Não tinha ideia de que um homem precisa de um lenço de cambraia em volta
do pescoço.
— Talvez Vossa Senhoria preferisse que ele o usasse nos olhos? —
perguntou o médico. — No entanto, sentar-se inativo em roupas molhadas
derrubaria até um homem mais robusto do que Mr. Delvile, mas ele se
esqueceu disso, segundo diz. Qual das duas jovens poderia ter lhe dado um
bom motivo?
— Sua mais obediente serva — disse lady Honoria —, mas por que seria
uma dama a lhe dar um bom motivo e não um cavalheiro?
— Eu não sei — respondeu o médico secamente —, mas por falta de
prática, imagino.
— Ainda pior! — exclamou lady Honoria. — O senhor nunca será meu
médico; se fosse, eu ficaria ainda mais doente.
— Tanto melhor — respondeu ele —, pois então deverei ter a honra de
atendê-la curada e não doente.
Com um sorriso bem-humorado, ele as deixou ao mesmo tempo em que
lorde Derford entrou na sala e Cecilia conseguiu uma desculpa para caminhar
até o jardim.
O relato que havia escutado redobrou sua inquietação. Ela estava
consciente de que qualquer que fosse a indisposição de Delvile, fosse ela
mental ou física, ela mesma tinha sido a causa; por meio dela, ele havia sido
negligente, ela o deixara distraído, e ao consultar seus próprios temores em
detrimento de sua paz, ela havia evitado uma explicação, embora ele a tivesse
buscado vigilantemente. Ela desconhecia, ele havia dito, metade da miséria
do seu coração. “Infelizmente”, pensou ela, “ele nem suspeita do estado do
meu”.
Lady Honoria não permitiu que ela ficasse muito tempo sozinha. Cerca de
meia hora depois, ela correu atrás de Cecilia, dizendo alegremente: — Oh,
Miss Beverley, a senhorita perdeu a diversão mais deliciosa do mundo!
Acabo de presenciar a cena mais ridícula com milorde Derford que alguém já
viu na vida! Perguntei a ele o que lhe deu na cabeça para se apaixonar pela
senhorita, e ele teve a simplicidade de responder, muito sério, que foi o pai
dele.
— Ele estava certo — disse Cecilia —, se o desejo de unir dois
patrimônios deve ser denominado estar apaixonado; por isso, com certeza a
ideia foi colocada em sua cabeça por seu pai.
— Oh, mas a senhorita não ouviu nem a metade. Eu disse a ele, então, que,
como amiga, em segredo deveria familiarizá-lo de que eu acreditava que a
senhorita pretendia se casar com Mortimer.
— Meu Deus, lady Honoria!
— Oh, a senhorita vai saber a razão, porque, como eu lhe assegurei, seria
apropriado que ele o chamasse imediatamente para dar explicações.
— A senhorita enlouqueceu, lady Honoria?
— O senhor sabe, disse eu, Miss Beverley já teve um duelo travado por
ela, e uma dama que uma vez recebe tal honra, sempre espera o mesmo de
cada novo pretendente, e eu realmente acredito que o fato de o senhor não
observar esta particularidade seja a verdadeira causa da sua frieza.
— É possível que tenha falado de forma tão bárbara?
— Sim, e o que é muito melhor, ele acreditou em cada palavra que eu
disse.
— Muito melhor? Não, na verdade, é muito pior! E se, de fato, ele é tão
excepcionalmente fraco, eu realmente estarei em dívida com Vossa Senhoria
por ter dado a ele tais noções.
— Oh, eu não faria isso por nada no mundo, pois nunca em minha vida ri
com tanta imoderação. Ele me assegurou que não tinha medo, pois disse que
praticava esgrima mais do que qualquer outra coisa; então, fiz com que ele
prometesse enviar um desafio a Mortimer assim que ele estiver bem o
suficiente para descer, já que o Dr. Lyster ordenou que ficasse em seu quarto.
Cecilia sufocou sua preocupação com a última informação fingindo senti-
la apenas por conta da primeira; ela protestou com lady Honoria por causa de
uma brincadeira tão travessa e implorou, com veemência, que ela voltasse e
retirasse tudo o que havia dito.
— Nunca! — exclamou ela. — Ele não tem a mínima coragem e ouso
dizer que não lutaria para salvar a nação inteira da destruição; mas eu vou
fazê-lo acreditar que é necessário, para lhe dar algo em que pensar, porque,
na verdade, sua pobre cabeça está tão vazia que tenho certeza de que, se
alguém pudesse brincar com ela com gravetos, soaria como um tambor.
Cecilia achou inútil lutar contra aquelas fantasias e viu-se finalmente
obrigada a se submeter.
Ela passou o resto do dia de forma muito desagradável. Delvile não
apareceu, seu pai estava inquieto e perturbado, e sua mãe, embora atenciosa
com os convidados e, pelo bem deles, mais animada, estava visivelmente
disposta a pensar ou falar apenas sobre o filho. No entanto, Cecilia encontrou
uma distração para si mesma: Delvile tinha um spaniel favorito, o qual,
quando ele caminhava, o seguia, e, quando ele cavalgava, corria atrás do
cavalo. Ela passou a tomar conta do cachorro, que não era admitido na casa, e
passou quase todo o dia ao ar livre, principalmente pela satisfação de torná-lo
seu companheiro.
Na manhã seguinte, quando o Dr. Lyster voltou, ela ficou por perto para
ouvir sua opinião. Ela estava sentada na sala, na companhia de lady Honoria,
quando ele entrou para prescrever uma receita. Em alguns minutos, Mrs.
Delvile o seguiu e, com o rosto e a voz expressando as mais ternas
apreensões maternas, disse: — Doutor, o senhor deve me dizer
imediatamente; não posso suportar imposição nem suspense; o senhor sabe o
que eu diria! Diga se tenho algo a temer, por favor.
— Nada a temer, eu acredito.
— O senhor acredita?! — repetiu Mrs. Delvile, sobressaltada. — Oh,
doutor!
— Ora, a senhora não queria que eu dissesse que tenho certeza, não é?
Este não é o momento para Papismos e afirmações; no entanto, garanto que o
acho perfeitamente bem. Ele fez algo tolo e inútil, mas nenhum homem é
sábio todo o tempo. Precisamos nos livrar de sua febre, e então, se o resfriado
persistir com alguma tosse, ele poderá fazer uma pequena excursão a Bristol.
— Bristol?! Não, então... eu entendo muito bem!
— Não, não, a senhora não entendeu nada. Não vou mandá-lo a Bristol
porque ele está mal, mas apenas porque pretendo deixá-lo em boas condições.
— Neste caso, deixe que vá imediatamente. Por que deveria aumentar o
perigo aguardando? Vou pedir...
— Calma, calma! Eu mesmo sei o que vou pedir. É uma coisa estranha
que as pessoas sempre queiram me ensinar meu próprio dever. Por que eu
deveria expor um homem às intempéries de uma viagem enquanto tem febre?
A senhora acha que eu quero confiná-lo em um hospício, ou ser confinado eu
mesmo em um?
— Certamente o senhor sabe mais do que eu, mas, ainda assim, se houver
algum perigo...
— Não, não há! Só não escolhemos que deveria haver algum. E como ele
vai se divertir mais do que indo a Bristol? Eu o estou enviando apenas em
uma viagem de lazer, e estou certo de que estará mais seguro lá do que
trancado em uma casa com duas damas como aquelas.
E então ele partiu. Mrs. Delvile, ansiosa demais para conversar, deixou a
sala, e Cecilia, muito consciente para ficar em silêncio, obrigou-se a
conversar com lady Honoria.
Ela passou três dias nesta incerteza do que deveria esperar, culpando os
seus temores e atormentada por lady Honoria, cujas brincadeiras e
frivolidades tornavam-se agora muito fora de hora. Fidel, o spaniel favorito,
era quase seu único consolo, e ela se alegrava, não sem alguma consideração,
por ter feito amizade com o fiel animal.
CAPÍTULO 58
UMA ANEDOTA
UMA CONFERÊNCIA
UMA OFENSIVA
Durante o jantar, com a ajuda de lorde Ernolf, que parecia muito feliz em
servi-la, Cecilia parecia toleravelmente tranquila. Lorde Derford também,
encorajado pelo pai, esforçou-se para atrair sua atenção, mas falhou
completamente. Sua mente era superior às pequenas artes do flerte, e seu
orgulho tinha dignidade demais para ser dissipado pela raiva. Portanto, ela
decidiu, neste momento, assim como em todos os outros, manter-se
consistente e demonstrar que ele não tinha chances de ser seu favorito.
Durante o chá, quando estavam novamente reunidos, a viagem de
Mortimer foi o único tema da conversa, e ficou acertado que ele deveria partir
bem cedo na manhã seguinte; como o tempo estava extremamente quente,
não deveria viajar no meio do dia.
Lady Honoria, então, sussurrou para Cecilia: — Suponho que a senhorita,
Miss Beverley, levantar-se-á com a cotovia amanhã de manhã. Pelo bem da
sua saúde, quero dizer. Acordar cedo, como sabe, é bom para a saúde.
Cecilia fingiu não entender e disse que pretendia se levantar na hora de
costume.
— No entanto, vou dizer a Mortimer — continuou Sua Senhoria — para
olhar para sua janela antes de partir, pois, se ele decidir bancar o Romeu,
ouso dizer que a senhorita será a Julieta, e este velho castelo é perfeito para a
mofada família dos Capuletos. Ouso dizer que Shakespeare pensou nisso
quando escreveu sobre eles.
— Diga o que quiser — disse Cecilia —, mas imploro que não diga nada
em meu nome.
— E milorde Derford — continuou lady Honoria — será um Paris
excessivamente bonito, pois está profundamente apaixonado, embora não
tenha nada a dizer; mas o que faremos por Mercúcio? Podemos encontrar
quinhentos Romeus chorões para um Mercúcio alegre e charmoso. Além
disso, Mrs. Delvile, para lhe fazer justiça, é realmente boa demais para a
velha babá, embora o próprio Mr. Delvile possa servir para representar todos
os Capuletos e todos os Montecchios ao mesmo tempo, pois ele tem orgulho
suficiente por suas casas, e mais vinte. A propósito, se eu não tomar cuidado,
acabarei vendo a fuga desse Romeu antes que meu pequeno e delicado Paris
comece a brigar com ele.
Ela então caminhou até uma das janelas e, fazendo um gesto para que
lorde Derford a seguisse, Cecilia a ouviu dizer: — Bem, milorde, o senhor
escreveu a carta? E enviou a carta? Miss Beverley, eu lhe asseguro, ficará
encantada além da medida com tal gesto de bravura.
— Não, senhora — respondeu o simples e jovem lorde —, ainda não a
enviei, pois só escrevi um rascunho.
— Oh, milorde — disse ela —, é exatamente isso o que o senhor deve
enviar! Um rascunho de um desafio é sempre melhor do que a versão final,
pois parece escrito com mais emoção. Estou muito feliz que tenha
mencionado isso.
Cecilia, então, levantou-se, juntou-se a eles e disse: — Que tipo de
travessura lady Honoria está planejando agora? Todos devemos ficar em
guarda, milorde, pois ela tem um espírito de diversão que não nos poupará.
— Ora, por que está interferindo? — disse lady Honoria. Então, em voz
mais baixa, acrescentou: — Do que tem medo? Acha que Mortimer não pode
enfrentar um pobre idiota como este?
— Eu não acho nada disso.
— Bem, então, não interrompa minhas operações. Lorde Derford, Miss
Beverley acaba de me dizer que, se colocar este plano em ação, ela o achará
irresistível para sempre.
— Lorde Derford, assim espero — disse Cecilia, rindo —, conhece muito
bem Vossa Senhoria para correr qualquer risco de credulidade.
— Muito bem! — exclamou ela —, vejo que está determinada a me
provocar, então, se estragar meus planos, eu estragarei os seus e contarei a
um certo cavalheiro seus temores por sua segurança.
Cecilia, muito alarmada, implorou fervorosamente para que ela ficasse em
silêncio, mas a descoberta do seu medo apenas excitou o riso de Sua Senhoria
e, com um olhar perverso, ela disse: — Por favor, Mr. Mortimer, venha até
aqui.
Mortimer obedeceu prontamente, e Cecilia, naquele momento, teria
suportado com prazer qualquer punição para estar a vinte milhas de distância.
— Eu tenho algo — continuou lady Honoria — da maior importância para
lhe comunicar. Estamos traçando um plano admirável para o senhor: promete
ser guiado por nós se eu lhe contar do que se trata?
— Oh, certamente! — disse Mortimer. — Duvidar disso seria uma
desgraça para todos nós.
— Bem, neste caso, Miss Beverley, a senhorita tem alguma objeção ao
meu procedimento?
— Nenhuma! — respondeu Cecilia, que sabia que o maior entusiasmo
para o ridículo é a oposição.
— Bem, então, devo lhe dizer — continuou ela —, é recomendação de
todos nós que, assim que obtiver a posse de sua propriedade, o senhor deverá
fazer algumas alterações importantes neste antigo castelo.
Cecilia, muito aliviada, poderia tê-la abraçado por gratidão; e Mortimer,
muito certo de que aquela agitação era toda dela, prometeu a máxima
submissão às suas ordens e implorou-lhe mais instruções, declarando que não
poderia, pelo menos, desejar um arquiteto mais justo.
— O que estamos tentando dizer — disse ela — é que as alterações podem
ser efetuadas com a maior facilidade; basta retirar essas janelas velhas e fixar
algumas grades de ferro grossas em seu lugar, e assim transformar o castelo
em uma prisão para o condado.
Mortimer riu muito da proposta, mas seu pai, infelizmente, ouviu tudo,
avançou severamente e, com grande austeridade, disse: — Se eu achasse meu
filho capaz de fazer tal insulto a seus ancestrais, qualquer que seja o apreço
que sinto por ele, eu o baniria da minha presença para sempre.
— Caro senhor — perguntou lady Honoria —, como seus ancestrais
tomariam conhecimento disso?
— Como? Ora, esta é uma pergunta muito extraordinária, lady Honoria!
— Além disso, senhor, ouso dizer que o comissário de polícia, ou o
prefeito e a sociedade, ou alguma dessas pessoas, dariam a ele dinheiro
suficiente para que fosse usado na compra de uma casinha bonita e elegante
em algum lugar perto de Richmond.
— Uma casinha?! — exclamou ele, indignado. — Uma casinha elegante
para o herdeiro de uma propriedade como esta?
— Só quero dizer — disse lady Honoria, vertiginosamente — que ele
poderia ter um lugar um pouco mais agradável para viver, pois, na verdade,
aquele velho fosso e a ponte levadiça são suficientes para vaporizá-lo até a
morte. Não consigo, pela minha vida, imaginar qualquer utilidade para eles, a
não ser espantar o cervo, pois não têm outra serventia. Por outro lado, se
transformasse a casa em prisão...
— Uma prisão? — gritou Mr. Delvile, ainda mais furioso. — Vossa
Senhoria deve me perdoar se imploro que não mencione esta palavra
novamente quando tiver o prazer de falar sobre o Castelo Delvile.
— Caro senhor, por que não?
— Porque é um termo o qual, por si só, vindo de uma jovem, tem um som
peculiarmente impróprio, e que, aplicado à antiga residência familiar de
qualquer cavalheiro, algo, lady Honoria, que é sempre respeitável, por mais
que seja comentado de forma leviana, tem um efeito menos agradável do que
se pode imaginar, pois implica em uma ideia de que a família ou a mansão
está se deteriorando.
— Bem, senhor, com relação à mansão, certamente é muito verdadeiro,
pois todo aquele outro lado, perto da velha torre, parece que vai cair sobre a
sua cabeça toda vez que alguém é forçado a passar por ele.
— Eu protesto, lady Honoria — bradou Mr. Delvile —, aquela velha torre,
da qual a senhorita tem o prazer de falar de forma tão leviana, é o mais
honroso testemunho da antiguidade do castelo entre todos os remanescentes,
e eu não me separaria dela por todas essas novas casas, como a senhorita
disse, no reino.
— Folgo em saber disso, senhor, pois ouso dizer que ninguém daria
nenhuma delas por isso.
— Perdoe-me, lady Honoria, a senhorita está equivocada. Eles dariam mil
delas; uma coisa dessas, deixada a um homem por seus próprios ancestrais, é
inestimável.
— Ora, meu caro senhor, o que eles fariam com isso? A menos que, de
fato, eles permitissem que algum homem o pintasse para uma cena de ópera
trágica.
— Indigno! — exclamou Mr. Delvile, cada vez mais afrontado. — E,
diga-me, Vossa Senhoria fala assim com o duque seu pai?
— Ah, sim; ele não se importa.
— Seria estranho se o fizesse! — exclamou Mrs. Delvile. — Meu único
espanto é que é possível encontrar alguém que se importe.
— Ora, Mrs. Delvile — respondeu ela —, seja sincera: a senhora acredita
que este lugar gótico e feio é comparável a qualquer uma das novas vilas da
cidade?
— Lugar gótico e feio?! — repetiu Mr. Delvile, em completo espanto com
sua volatilidade intrépida. — Vossa Senhoria realmente honra demais a
minha humilde morada!
— Senhor, eu imploro seu perdão! — disse ela. — Eu realmente não
estava pensando no que estava dizendo. Venha, cara Miss Beverley, caminhe
comigo, pois estou muito consternada para ficar aqui por mais tempo.
Então, ela pegou Cecilia pelo braço e a levou às pressas para o jardim,
através de uma porta que dava para o salão.
— Pelo amor de Deus, lady Honoria — disse Cecilia —, a senhorita não
poderia encontrar melhor diversão para Mr. Delvile do que ridicularizar sua
própria casa?
— Oh! — exclamou ela, rindo —, a senhorita nunca nos ouviu brigando
antes? Ora, quando estive aqui no verão passado, costumava afrontá-lo dez
vezes por dia.
— E este foi um acontecimento corriqueiro?
— Não! Na verdade, eu não fiz de propósito, mas aconteceu. Falar do
castelo, ou da torre, ou da ponte levadiça, ou das fortificações, ou ainda
desejar que todos fossem usados para preencher aquele fosso odioso, ou
qualquer coisa nesse estilo, a senhorita sabe, qualquer assunto de menor
importância é capaz de deixá-lo de mau humor.
— E a senhorita acredita que é um assunto de menor importância desejar
que toda a habitação de um homem seja aniquilada?
— Deus, eu não desejo nada disso! Só disse para provocá-lo.
— E que estranho prazer isso pode lhe trazer?
— O maior do mundo! Mr. Delvile é enfadonho, metido e insuportável.
Tenho muito prazer em vê-lo humilhado. Faz com que pareça excessivamente
feio.
— E é assim que acha que todos deveriam parecer, lady Honoria?
— Oh, minha cara, a senhorita está se referindo a mim; eu nunca fiquei
irritada duas vezes em minha vida, pois, assim que provoco as pessoas, eu
sempre fujo. Mas às vezes sinto um medo terrível de que elas me vejam rir,
pois fazem caretas tão horríveis que é quase impossível olhar para elas.
Quando meu pai fica zangado comigo, às vezes sou obrigada a fingir que
choro, como desculpa para colocar o lenço no rosto, pois, na verdade, ele
parece tão horrível, que alguém poderia imaginar que ele está fazendo
caretas, assim como as crianças, só para assustar alguém.
— Incrível — disse Cecilia —, Vossa Senhoria pode, de fato, não estar
buscando diversão, mas encontrá-la na raiva do seu pai? Mas isso não lhe
causa outra sensação? Não fica com medo?
— Oh, nunca! O que ele pode fazer comigo? Ele só pode esbravejar um
pouco, pois sempre xinga quando está com raiva, e talvez me mande para o
meu quarto; dez contra um, mas isso é exatamente o que eu pretendo, pois
nunca brigamos, a não ser quando estamos sozinhos, e é tão monótono que
sempre tenho vontade de fugir.
— E a senhorita não pode encontrar outro método para deixá-lo?
— Ora, eu não consigo pensar em nenhum com tanta facilidade, e isso não
pode fazer mal a ele, sabe. Eu costumo dizer a ele, quando fazemos as pazes,
que, se não fosse por um mensageiro e sua filha, ele não teria com quem
praticar como repreender e praguejar, porque sempre que está viajando, nada
pode fazer, embora ninguém possa adivinhar o porquê de ele estar sempre
com tanta pressa, pois não importa aonde vá, não há nada para fazer.
Assim continuou a dama caprichosa, feliz e de bom humor, sem se
importar com quem pensasse de outra maneira, até que, a uma certa distância,
elas notaram lorde Derford, que se aproximava para juntar-se a elas.
— Miss Beverley — disse ela —, lá vem seu adorador. Eu só vou
caminhar até chegarmos àquele grande carvalho, e então irei fazê-lo prostrar-
se aos seus pés e os deixarei a sós.
— Vossa Senhoria é extremamente generosa, mas fico feliz por ter me
informado sua intenção, pois isso me permitirá evitar o problema.
Ela então voltou rapidamente e, passando por lorde Derford, que ainda
caminhava em direção à lady Honoria, voltou para casa. Porém, ao entrar na
sala, encontrou todo o grupo disperso, exceto Mortimer, que caminhava pela
sala, com algumas plaquinhas nas mãos, nas quais estivera escrevendo.
Sentindo um misto de vergonha e surpresa, Cecilia, ao vê-lo, recuou
involuntariamente, mas ele caminhou na direção da porta e disse em tom de
reprovação: — A senhorita não vai ao menos entrar na mesma sala onde
estou?
— Ah, sim — disse ela, retornando —, eu só temia incomodá-lo.
— Não, madame — respondeu ele, gravemente. — A senhorita é a única
pessoa que não poderia me incomodar, já que meu trabalho era escrever
alguns memorandos para uma carta que pretendia lhe escrever, com a qual,
no entanto, não tinha a intenção de importuná-la, se a senhorita não tivesse
me negado uma audiência de cinco minutos.
Cecilia, muito confusa com a ofensiva, não sabia se deveria ficar parada
ou prosseguir, mas, enquanto ele continuava o discurso, ela percebeu que não
tinha escolha a não ser ficar.
— Eu lamento muito deixar este lugar, especialmente porque a duração da
minha ausência é extremamente incerta, enquanto eu tenho a infelicidade de
estar sob seu desagrado, sem fazer qualquer tentativa para desculpar-me pelo
comportamento que o causou. Devo, então, terminar minha carta, ou a
senhorita vai finalmente se dignar a me ouvir?
— Meu desagrado, senhor — disse Cecilia —, morreu com a ocasião. Eu
imploro, portanto, que não fique mais em sua lembrança.
— Não tinha a intenção, madame, de inferir que o assunto ou mesmo que
o objeto merecesse sua atenção deliberada. Eu simplesmente desejo explicar
o que pode ter parecido misterioso em minha conduta, e pelo que pode ter
parecido ainda mais censurável, imploro seu perdão.
Cecilia, recuperada de suas primeiras apreensões e mais tranquila, pois
despertada com a tranquilidade com que ele mesmo falava, não se opôs ao
seu pedido, mas permitiu que ele fechasse tanto a porta que dava para o
jardim como aquela que dava para o hall. Ela se sentou perto de uma das
janelas, determinada a ouvir com intrepidez aquela explicação tão esperada.
No entanto, os preparativos, que ele fez para evitar que os ouvissem,
adicionados à tranquilidade com que Cecilia aguardava seus próximos
procedimentos, logo o privaram da coragem com a qual havia iniciado a
ofensiva e evidentemente lhe deram o desejo de recuar.
Por fim, após muita hesitação, ele disse:
— Esta indulgência, madame, merece meus mais reconhecidos
agradecimentos, e é, na verdade, o que eu pouco tinha direito, e ainda menos
razão diante da severidade que eu esperava encontrar.
Neste momento, com a simples menção da palavra severidade, sua
coragem, invocada por seu orgulho, instantaneamente retornou e ele
continuou com o mesmo ânimo com que havia começado.
— Essa severidade, no entanto, não pretendo lamentar. Pelo contrário, em
uma situação como a minha, talvez tenha sido a primeira benção que recebi.
Na verdade, foi a partir dela que encontrei mais vantagem e alívio do que em
tudo o que a filosofia, a reflexão ou a perseverança poderiam oferecer. Ela
me mostrou a vaidade de lamentar o obstáculo colocado pelo destino aos
meus desejos, já que me mostrou que outro, menos inevitável, mas
igualmente insuperável, teria se oposto a ele. Decidi, portanto, após alguma
dificuldade, que devo confessar aquilo que me é mais doloroso, negar a mim
mesmo o perigoso consolo da sua companhia, e me esforçar, unindo a
dissipação à razão, para esquecer o grande prazer que até agora ela me
proporcionou.
— Neste caso, senhor — disse Cecilia —, sua tarefa será fácil. Só posso
desejar que o restabelecimento de sua saúde não seja mais difícil.
— Ah, madame — disse ele, com um sorriso de reprovação —, “ele brinca
com as cicatrizes de feridas que nunca existiram!”41 Mas esta é uma aflição
da qual não tenho o direito de falar, e não vou ofender sua delicadeza, nem
minha própria integridade, esforçando-me por abusar da generosidade de sua
disposição a fim de despertar sua compaixão. Não foi por este motivo que
implorei por esta audiência, foi apenas um desejo, antes que eu me vá, de
abrir meu coração, sem paliativos ou reservas.
Ele parou por alguns momentos, e Cecilia, suspeitando que aquela
audiência deveria ser definitiva, considerou que sua provação, por mais
severa que fosse, seria curta, e convocou toda a sua resolução para sustentá-la
com coragem.
— Muito antes de eu ter a honra de conhecê-la — continuou ele —, seu
caráter e suas realizações já eram conhecidos por mim. Mr. Biddulph de
Suffolk, que foi meu primeiro amigo em Oxford e com quem ainda mantenho
uma amizade, logo percebeu suas excelências. Nós nos correspondemos, e
suas cartas eram cheias de elogios à sua pessoa. Ele me confessou que sua
admiração havia sido um infortúnio. Posso agora fazer a mesma confissão a
ele.
Mr. Biddulph, entre muitos dos cavalheiros da vizinhança, havia feito
propostas ao reitor para Cecilia, as quais, por sua vontade, haviam sido
rejeitadas.
— Quando Mr. Harrel ofereceu o baile de máscaras em Portman Square,
minha curiosidade por conhecer uma dama tão adorada e tão cruel me levou
até lá; seu vestido a distinguia com facilidade. Ah, Miss Beverley! Ouso não
mencionar o que senti então por meu amigo! Direi apenas o que senti por
mim mesmo, e que imediatamente me fiz uma advertência de que deveria
evitá-la, já que a cláusula do testamento de seu tio era bem conhecida por
mim.
“Finalmente”, pensou Cecilia, “toda a perplexidade terminara. A mudança
de nome é o obstáculo; ele é o herdeiro do orgulho de sua família, e, portanto,
para esta família eu o deixarei sem me lamentar”.
— Esta advertência — continuou ele —, eu não teria desconsiderado se
não a tivesse visto na Ópera, se não tivesse me deixado enganar e acreditado
que estava comprometida. Eu então não desejei mais evitá-la, estando
obrigado pela honra a renunciar a todos os esforços para suplantar um
homem, a quem eu quase acreditei que se uniria, e já a considerava casada, e
com o mesmo entusiasmo que buscava sua companhia, não a buscava com
mais prazer do que inocência. Mesmo assim, para ser franco, descobri em
mim mesmo uma inquietação a respeito de seus assuntos que me mantinha
em eterna perturbação, mas eu me gabava de que era mera curiosidade, e que
estava apenas entusiasmado com a perpétua mudança de opinião que deu
lugar a ocasião, a respeito de qual seria o homem mais feliz.
— Sinto muito — disse Cecilia com frieza — que tenha se enganado.
— Eu não tenho a intenção, madame, de fatigá-la — respondeu ele —
perseguindo o progresso de minha desafortunada admiração. Tentarei ser
mais breve, pois percebo que já está cansada — ele se deteve por um
momento, esperando um pequeno encorajamento, mas Cecilia, sem ânimo
para expressá-lo, assumiu um ar de despreocupação e permaneceu sentada em
silêncio.
— Eu desconhecia — continuou ele, com um olhar de extrema
mortificação — o afeto com o qual honrei suas virtudes até que a senhorita se
dignou a implorar por Mr. Belfield, mas não me deixe recordar os
sentimentos naquele momento! No entanto, não era nada frio, lânguido ou
sem vida o que experimentei depois, quando a senhorita finalmente me
revelou sua situação e me informou que os rumores de sua união com Sir
Robert Floyer estavam igualmente errados, assim como os que diziam
respeito a Belfield. Oh, qual foi a agitação de toda a minha alma naquele
instante! Saber que estava desimpedida, vê-la diante de mim, pela desordem
de toda a minha estrutura, descobrir o erro que tinha valorizado.
Cecilia, então, tentou se levantar, mas sentou-se outra vez, parecia
extremamente impaciente para deixar a sala.
— Perdoe-me, madame — exclamou ele —, eu não detalharei meus
sentimentos e sofrimentos por muito tempo, mas me apressarei, tanto para o
meu próprio bem como para o seu, em direção ao motivo que mencionei.
Desde o momento em que me dei conta da minha infortunada paixão, pesei
todas as consequências de ceder a ela e descobri, além do extremo perigo do
êxito, uma impropriedade até mesmo na tentativa. Minha honra está ligada à
honra de minha família. O que pareceria errado, para mim seria injustificável.
No entanto, onde os incentivos são tão numerosos, eles foram contestados por
uma única objeção! Onde a virtude, a beleza, a educação e o berço eram
todos irrepreensíveis... oh, cláusula cruel! Cláusula bárbara e repulsiva! Ela
me impede de aspirar à melhor das mulheres, mas por uma ação que com
minha própria família me degradaria para sempre! — deteve-se, dominado
pela própria emoção, e Cecilia levantou-se. — Eu noto, madame — disse ele
—, sua ânsia para me deixar, e por mais que eu possa lamentar neste
momento, vou me lembrar dela como uma vantagem. Porém, para concluir,
decidi evitá-la, e evitando, esforçar-me para esquecê-la. Decidi também que
nenhum ser humano, muito menos a senhorita, deveria saber, sequer suspeitar
da situação da minha mente, embora, em várias ocasiões, minha prudência e
paciência de repente cederam à surpresa e à paixão; a rendição, entretanto, foi
curta e quase, creio eu, despercebida. O silêncio e a evasão sustentei com
uma constância decente, até que, durante a tempestade, em um malfadado
momento, eu vi, ou pensei ter visto, que estava em perigo, e então, todo o
cuidado desprevenido, toda a resolução surpreendida, toda a paixão
despertada e a ternura triunfante...
— Por que, senhor — perguntou Cecilia, com raiva —, e com qual
propósito tudo isso?
— Infelizmente, eu não sei — disse ele, com um suspiro profundo. —
Achei que estava mais preparado para esta conferência e pretendia ser firme e
conciso. Contei mal a minha história, mas como seu próprio entendimento
identificará a causa, sua própria benevolência talvez exija alguma desculpa.
Eu estava certo, desde aquele infeliz acidente, de que todo o disfarce era em
vão, e estava convencido por seu desagrado da impropriedade da qual era
culpado e decidi, como única desculpa que poderia oferecer, abrir meu
coração, e então me afastar, talvez para sempre. E isto, madame, de forma
incoerente, é verdade, mas sincera, eu o faço agora. Meus sofrimentos e meus
conflitos não ouso mencionar. Oh, se eu pudesse descrever as lutas amargas
de uma mente em guerra consigo mesma. Dever, coragem e obstinação
lutando contra amor, felicidade e desejo, cada qual vencendo alternadamente,
e alternadamente sendo vencido. Eu não podia mais suportar e resolvi,
através de um esforço, colocar um fim no conflito e passar por um instante de
tortura, até mesmo requintada, no lugar de continuar com um sofrimento tão
persistente.
— A restauração de sua saúde, senhor, e, já que imagina que foi ferida,
também a da sua felicidade — disse Cecilia — será, espero, tão rápida, pois
não tenho dúvidas de que...
— Já que imagino que foi ferida — repetiu ele —, que expressão a ser
usada depois de uma confissão como a minha. Mas, por que haveria de querer
convencê-la da minha sinceridade, se para a senhorita isso não pode ser mais
indiferente do que para mim é lamentável? Agora só me resta implorar seu
perdão pelo roubo do seu tempo e reiterar meu reconhecimento por ter se
esforçado a me ouvir com paciência.
— Se me der a honra, senhor, com alguma parte da sua estima — disse a
ofendida Cecilia —, este reconhecimento, talvez, deva ser meu. Considere
que tenha sido feito, já que tenho uma carta a escrever e, portanto, não posso
me demorar mais.
— Nem tenho a presunção, madame — disse ele, com orgulho —, de detê-
la. Até este momento a senhorita pode ter com frequência me considerado
misterioso, por vezes estranho e caprichoso, e talvez, muitas vezes, sem
sentido. Para me livrar de tais imputações, uma confissão sincera dos motivos
que me governaram é tudo o que eu desejava. Uma vez, também, espero que
apenas uma vez, a senhorita me achou impertinente. Esta ocasião, na verdade,
é a que menos ouso me justificar...
— Não há motivos, senhor — interrompeu ela, enquanto caminhava em
direção à porta —, para justificações adicionais do que quer que seja. Estou
perfeitamente satisfeita, e se meus melhores votos merecem a sua aceitação,
certifique-se de que os tem.
— Bárbara e repulsiva! — disse ele, meio para si mesmo. Então, com um
movimento rápido, ele apressou-se para abrir a porta para ela: — Vá,
madame — acrescentou ele, quase sem fôlego, com emoções conflitantes. —
Vá, e que sua felicidade seja tão inalterada como a sua inflexibilidade!
Cecilia pretendia voltar para responder a provocação, mas a visão de lady
Honoria, que entrava pela outra porta, deteve-a e ela seguiu seu caminho.
Quando chegou ao seu próprio quarto, ela ficou caminhando por algum
tempo em um estado tão perturbado, entre raiva e decepção, tristeza e
orgulho, que mal sabia à qual emoção ceder, e sentia-se explodindo com cada
uma delas.
— Os dados — disse ela — foram finalmente lançados, e este caso está
encerrado para sempre. O próprio Delvile está satisfeito em me abandonar,
não houve ordem do pai, ou interferência da mãe, ele não precisou de uma
advertência, está perfeitamente capacitado para agir por si mesmo pela
poderosa instigação da arrogância hereditária! Mesmo a minha família, diz
ele, uma condescendência inesperada! Minha família e todas as outras
circunstâncias são irrepreensíveis; quão débil, então, é esta consideração que
cede a uma única objeção! Quão poderosa é sua altivez que a nada é capaz de
ceder. Bem, deixe-o conservar o seu nome! Já que suas propriedades são tão
maravilhosas, sua preservação tão suficiente, que vaidade, que presunção a
minha, para supor que era equivalente à sua perda.
Assim, profundamente ofendida, seu ânimo sustentado pelo ressentimento,
e não apenas quando estava acompanhada, mas também quando estava
sozinha, via-se pouco avessa à separação que se aproximava e capaz de
suportá-la sem maiores lamentações.
CAPÍTULO 61
UM RETIRO
UMA PREOCUPAÇÃO
Cecilia continuou neste local privado, feliz pelo menos por estar sozinha,
até que o sino da refeição a chamou de volta para casa.
Assim que entrou na sala e viu todos reunidos à sua frente, ela observou,
pelo semblante de Mrs. Delvile, que ela havia tido uma manhã tão triste
quanto a sua.
— Miss Beverley — disse lady Honoria, antes de se sentar —, insisto que
ocupe o meu lugar hoje.
— Por que, madame?
— Porque eu não posso permitir que a senhorita fique perto de uma janela
com um resfriado tão terrível.
— Vossa Senhoria é muito generosa, mas na verdade eu não tenho
nenhum resfriado.
— Oh, minha cara, devo implorar o seu perdão, mas seus olhos estão tão
vermelhos. Mrs. Delvile, lorde Ernolf, os olhos dela não estão muito
vermelhos? Deus, olhe para as suas bochechas! Por favor, olhe-se no espelho,
eu lhe garanto que dificilmente se reconhecerá.
Mrs. Delvile, que olhou para ela com muita gentileza, fingiu entender
literalmente a fala de lady Honoria, tanto para atenuar sua aparente confusão
assim como as suspeitas de lorde Ernolf, e disse: — A senhorita realmente
está com um forte resfriado, meu amor. Proteja os olhos com o chapéu, e
depois do almoço a senhorita os banhará com água de rosas, o que logo
eliminará a inflamação.
Cecilia, ao perceber sua intenção, pela qual sentiu a maior gratidão, deixou
de negar seu resfriado e não recusou a oferta de lady Honoria, que,
deleitando-se com a travessura, qualquer que fosse sua procedência, logo
acrescentou: — Este resfriado é um castigo por ter me deixado sozinha a
manhã toda, mas suponho que tenha preferido um tête-a-tête com seu
favorito, sem a intrusão de qualquer outra pessoa.
Neste momento, todos a olharam fixamente, e Cecilia declarou muito
seriamente que estivera sozinha.
— É possível que seja tão esquecida? — perguntou lady Honoria. — A
senhorita não estava acompanhada do seu amado?
Cecilia, que então compreendeu que ela se referia a Fidel, corou mais
profundamente do que nunca, tentou não rir e começou a comer sua refeição.
— Esta parece ser uma questão de muita complexidade — disse lorde
Ernolf —, mas para mim totalmente ininteligível.
— E para mim também — disse Mrs. Delvile —, mas estou contente em
deixar que continue assim; os mistérios de lady Honoria são tão frequentes
que enfraquecem a curiosidade.
— Cara senhora, isso não é natural — disse lady Honoria —, pois estou
certa de que deseja saber de quem estou falando.
— Eu, pelo menos, gostaria de saber — disse lorde Ernolf.
— Ora, milorde, o senhor deveria saber; Miss Beverley tem dois
companheiros, eu sou um deles, e Fidel é o outro, mas Fidel esteve com ela
toda a manhã, e ela não quis a minha companhia. Suponho que tenha algo
particular a dizer a ele sobre a viagem de seu mestre.
— Que brincadeira é essa?! — exclamou Mrs. Delvile. — Fidel foi
embora com meu filho, não foi? — ela voltou-se para os criados.
— Não, madame, Mr. Mortimer não perguntou por ele.
— Que estranho — disse ela —, nunca o vi sair de casa sem ele.
— Cara senhora, se ele o tivesse levado — disse lady Honoria —, o que
seria de Miss Beverley? Pois ela não tem nenhum amigo aqui além de mim e
dele, e realmente ele é o grande favorito, isto é, se eu não o envenenar algum
dia por puro despeito.
Cecilia não teve nenhum recurso a não ser obrigar-se a rir, e Mrs. Delvile,
que evidentemente se compadecia dela, conseguiu mudar de assunto. Porém,
não antes de lorde Ernolf, com infinito pesar, certificar-se por tudo o que se
passara da situação desesperançada de seu filho.
O resto do dia, e cada hora dos dois dias seguintes, Cecilia passou
desconfortavelmente constrangida, com medo de ficar sozinha, para que o
peso do seu coração não buscasse alívio nas lágrimas, cujo consolo,
melancólico como era, ela achava um amparo muito perigoso. No entanto, a
alegria de lady Honoria perdeu todo o poder de entretenimento, e mesmo a
bondade de Mrs. Delvile, ela agora imputava à compaixão, e lhe trazia mais
sofrimento do que prazer. No terceiro dia, chegaram cartas de Bristol, mas
não traziam consigo nenhum conforto, pois, embora Mortimer escrevesse
alegremente, seu pai enviou uma mensagem de que sua febre parecia ameaçar
voltar.
Mrs. Delvile ficou na mais extrema ansiedade, e a promessa de Cecilia,
que era a de mostrar-se alegre e despreocupada, tornou-se cada vez mais
difícil de cumprir. Os esforços de lorde Ernolf para agradá-la eram tão
desesperadores para ele quanto enfadonhos para ela, e lady Honoria sozinha,
em toda a casa, não conseguia encontrar o que fazer ou a menor diversão.
Mas enquanto lorde Derford lá estava, ela ainda tinha um objeto para
ridicularizar, e como Cecilia corava e ficava confusa, ela ainda tinha o objeto
para a travessura. Assim transcorreu uma semana, durante a qual as notícias
de Bristol eram cada vez menos agradáveis; Mrs. Delvile manifestou o desejo
fervoroso de fazer ela mesma uma viagem para lá e propôs, meio rindo e
meio seriamente, que todo o grupo a acompanhasse.
Entretanto, o tempo de lady Honoria já havia terminado e seu pai pretendia
mandar buscá-la em alguns dias. Mrs. Delvile, que sabia que tal encargo
ocuparia todo o seu tempo, adiou de bom grado a partida até que Sua
Senhoria partisse, mas escreveu uma carta a Bristol informando que em breve
estaria lá, acompanhada pelos dois lordes, que insistiram em acompanhá-la.
Cecilia estava em um estado de extrema angústia: sua estadia no castelo,
ela sabia que mantinha Delvile à distância; acompanhar sua mãe a Bristol iria
forçá-la a ficar à sua vista, o que tanto por prudência quanto por orgulho ela
desejava evitar; até Mrs. Delvile evidentemente desejava sua ausência, pois,
sempre que se falava sobre a viagem, ela preferia se dirigir a qualquer outra
pessoa que estivesse presente. Tudo o que ela conseguiu imaginar para aliviar
uma situação tão dolorosa foi implorar permissão para fazer uma visita sem
demora à sua velha amiga, Mrs. Charlton, em Suffolk. Tomada a resolução,
ela a colocou em execução imediatamente e, procurando Mrs. Delvile,
perguntou se poderia fazer uma reivindicação em seu nome.
— Sem dúvida — respondeu ela —, mas que não seja muito desagradável,
já que sinto que não posso lhe negar nada.
— Eu tenho uma velha amiga, madame — disse ela, falando rápido e com
muita pressa para concluir —, que não vejo há muitos meses, e como minha
saúde não requer uma viagem a Bristol, se a senhora me honrar com a
menção do meu pedido a Mr. Delvile, creio que poderia aproveitar a
oportunidade presente para fazer uma visita à Mrs. Charlton.
Mrs. Delvile olhou para ela por algum tempo sem dizer uma palavra, e
então abraçou-a com fervor e disse: — Minha doce Cecilia, sim, a senhorita é
tudo o que eu imaginei que seria: generosa, sábia, discreta, carinhosa e nobre
ao mesmo tempo! Como poderei me separar da senhorita, na verdade, eu não
sei, mas deve fazer o que achar melhor, pois tenho certeza de que é o certo e,
portanto, não farei oposição.
Cecilia corou e agradeceu, mas percebeu que os reais motivos dos seus
planos foram claramente compreendidos. Ela apressou-se, portanto, em
escrever à Mrs. Charlton e preparar-se para a viagem.
Mr. Delvile, apesar da sua formalidade habitual, enviou sua permissão, e
Mortimer, ao mesmo tempo, implorou que sua mãe levasse Fidel, que ele
infelizmente havia esquecido. Lady Honoria, que estava presente quando
Mrs. Delvile mencionou a incumbência, disse em um sussurro para Cecilia:
— Miss Beverley, não o deixe ir.
— Por que não?
— Oh, é muito melhor a senhorita levá-lo astutamente para Suffolk.
— Eu preferiria — respondeu Cecilia — levar comigo o aparador de
pratos, pois dificilmente pareceria um roubo maior.
— Oh, eu imploro o seu perdão, estou certa de que todos considerariam o
roubo uma honra; e se eu fosse para Bristol, pediria a Mortimer que o
enviasse à senhorita imediatamente. No entanto, se quiser, posso escrever
para ele. Ele é meu primo, então não haverá grande impropriedade nisso.
Cecilia lhe agradeceu por uma oferta tão cortês, mas implorou que não a
induzisse a mostrar-se condescendente. Ela então fez os preparativos
imediatos para sua viagem a Suffolk, o que viu causar igual surpresa e pesar a
lorde Ernolf, sobre cujos interesses a própria Mrs. Delvile agora desejava
conversar com ela.
— Diga, Miss Beverley — disse ela —, de forma breve e positiva, qual é a
sua opinião sobre lorde Derford.
— Penso nele tão pouco, madame — respondeu ela —, que não tenho
muito a dizer; ele parece, no entanto, inofensivo. Mas, na verdade, se eu o
visse novamente, eu provavelmente me esqueceria de já tê-lo visto.
— É exatamente o meu caso — exclamou Mrs. Delvile. — E suplicar por
ele eu acho completamente impossível, embora milorde Ernolf tenha me
pedido veementemente, mas pressionar tal aliança, devo considerar uma
indignidade à sua inteligência.
Cecilia ficou muito satisfeita com a conversa, mas ela logo acrescentou: —
Há uma razão, na verdade, que tornaria tal conexão desejável, embora seja
apenas uma.
— Qual é, madame?
— Seu título.
— E por quê? Estou certa de que não tenho este tipo de ambição —
respondeu Cecilia.
— Não, meu amor — disse Mrs. Delvile, sorrindo —, eu não me refiro a
uma forma de gratificação para o seu orgulho, mas para o dele, já que um
título, ao tomar o lugar de um nome de família, evitaria a única objeção que
qualquer homem poderia ter para formar uma aliança com Miss Beverley.
Cecilia, que a entendia muito bem, reprimiu um suspiro e mudou de
assunto.
Um dia foi suficiente para todos os preparativos de que precisava, e como
pretendia partir bem cedo na manhã seguinte, despediu-se de lady Honoria e
dos lordes Ernolf e Derford quando se separaram à noite, mas Mrs. Delvile a
seguiu até o quarto. Ela expressou sua preocupação em perdê-la nos termos
mais calorosos e lisonjeiros, mas não falou sobre seu regresso, nem sobre a
duração de sua estadia. No entanto, ela desejava receber notícias suas com
frequência e lhe assegurou que, fora da sua própria família, não havia
ninguém no mundo a quem valorizasse com tanto carinho. Quando se
levantou para sair do quarto, Mrs. Delvile disse: — Veja com que relutância
eu a deixo! Nenhum interesse, a não ser alguém tão querido como aquele que
me chama, deveria induzir-me, com meu próprio consentimento, a suportar
sua ausência por apenas uma hora, mas o mundo está cheio de sofrimentos, e
suportar ou afundar com eles faz toda a diferença entre os nobres e os de
mente fraca. Para a senhorita, posso dizer isso com segurança; para a maioria
das jovens, exigiria um pouco de reflexão.
— A senhora é muito boa — disse Cecilia, sufocando as emoções que
suscitavam tal discurso —, e se realmente me honra com uma opinião tão
lisonjeira, tentarei, se estiver ao meu alcance, não desapontá-la.
— Ah, meu amor! — exclamou Mrs. Delvile calorosamente —, se apenas
da minha opinião sobre a senhorita dependesse nossa convivência, nunca
iríamos nos separar e não viveríamos um só momento separadas. Mas que
direito tenho eu de monopolizar duas bênçãos como estas? A mãe de
Mortimer Delvile não deveria se lamentar, e a mãe de Cecilia Beverley teria
motivos iguais para se orgulhar.
— A senhora está decidida — disse Cecilia, forçando um sorriso — que eu
seja digna, dando-me o mais doce dos motivos, o de merecer tal elogio —
então, com a voz fraca, ela desejou seus respeitos a Mr. Delvile e
acrescentou: — A senhora encontrará a todos em Bristol melhor do que
espera.
— Espero que sim — respondeu ela — e também espero que encontre
Mrs. Charlton bem, feliz e tão bem quanto a deixou. Porém, não permita que
ela me afaste da sua lembrança, e nunca pense que, porque ela a conhece há
mais tempo, a ama mais do que eu; nosso relacionamento, ainda que breve,
tem sido intenso, e ela deve ouvir da senhorita um mundo de anedotas antes
de encontrar motivos para amá-la tanto.
— Ah, madame — exclamou Cecilia, com lágrimas nos olhos —,
devemos nos separar agora. Onde estará toda esta força de espírito que espera
de mim se eu continuar a ouvi-la?
— Tem razão, meu amor — respondeu Mrs. Delvile —, já que toda a
ternura enfraquece a fortaleza — em seguida, ela a abraçou afetuosamente e
disse: — Adeus, doce Cecilia, a criatura mais amável e excelente, adeus!
Leve consigo minha mais alta aprovação, meu amor, minha estima, meus
melhores votos! E eu... sim, menina generosa! Devo acrescentar meu mais
sincero agradecimento!
Ela pronunciou a última palavra quase em um sussurro, beijou-a
novamente e saiu apressada do quarto.
Cecilia, muito surpresa e emocionada, satisfeita e deprimida, permaneceu
quase imóvel e durante muito tempo não pôde chamar a criada ou persuadir a
si mesma a ir descansar. Ela via em todo o comportamento de Mrs. Delvile
um calor de consideração que, embora fortemente oposto pelo orgulho da
família, a tornava quase favorável a promover a união, cuja família
considerava impossível; também via que era com extrema dificuldade que
mantinha a firmeza de sua oposição, e que carregava um conflito perpétuo
consigo mesma, para abster-se de reconhecer abertamente a contrariedade de
seus desejos e a perplexidade de sua angústia; mas principalmente, ela ficou
impressionada com o uso expressivo da palavra gratidão. “Por que deveria
estar agradecida”, pensou Cecilia, “o que eu fiz ou tive o poder de fazer? Ela
está, na verdade, infinitamente enganada se supõe que seu filho agiu seguindo
minhas instruções; minha influência sobre ele é nula, e ele não poderia ser
mais dono do seu próprio destino se fosse completamente indiferente a mim.
Tudo o que tentei fazer foi esconder minha própria decepção, e talvez ela me
tenha em tão alta estima por supor que a firmeza de seu filho se deva à minha
cautela e reserva. Ah, ela não o conhece! Se neste momento eu abrisse meu
coração para ele, se toda a sua fraqueza, sua parcialidade, sua admiração
desafortunada fosse exibida, ele apenas dobraria a vigilância a fim de me
evitar e esquecer, e acharia a tarefa ainda mais fácil pela diminuição de sua
estima. Oh, que estranha paixão pelo preconceito invencível! Ele sacrificará
sua própria vida pelo seu nome, e enquanto o conflito de sua mente ameaça
arrastá-lo com a poeira, ele desdenha da união com aquela cujo desejo não se
satisfaz!”
Tais reflexões, aliadas à incerteza se voltaria alguma vez a dormir no
Castelo Delvile, a perturbaram durante toda a noite e tornaram desnecessário
chamá-la pela manhã. Levantou-se às cinco horas, vestiu-se com o maior
peso no coração e, ao passar por uma longa galeria que levava à escada, ao
passar pela porta do quarto de Mortimer, o pensamento em sua saúde
debilitada, na longa viagem que pretendia fazer e na probabilidade de nunca
mais voltar a vê-lo, impressionou-a e entristeceu-a tão profundamente que ela
mal conseguiu encontrar forças para prosseguir sem parar para chorar e orar
por ele. Porém, ela foi logo cercada por criados e, portanto, obrigada a
apressar-se e subir na carruagem.
Cecilia atirou-se no banco, cobriu os olhos com o chapéu e pensou,
enquanto a carruagem se afastava, que sua última esperança de felicidade
terrena estava perdida.
LIVRO VII
CAPÍTULO 63
UMA RENOVAÇÃO
UMA VISITA
UM INCIDENTE
UMA PROPOSIÇÃO
Bem cedo na manhã seguinte, Delvile novamente fez sua aparição. Cecilia,
que estava tomando o café da manhã com Mrs. e Misses Charltons, o recebeu
com a mais dolorosa confusão, e ele mesmo, evidentemente, se encontrava
em um estado de extrema perturbação. Mrs. Charlton fingiu quase
imediatamente dispensar as duas netas e, então, sem se dar ao trabalho de
inventar uma desculpa para si mesma, levantou-se e as seguiu, embora
Cecilia fizesse vários sinais de solicitação para que ela ficasse.
Ao encontrar-se sozinha com ele, ela apressadamente, e sem saber o que
dizia, perguntou: — Como está Mrs. Delvile, senhor? Ela ainda está em
Bristol?
— Em Bristol? Não, a senhorita não soube que ela voltou para o Castelo
Delvile?
— Oh, é verdade! Eu me referia ao Castelo Delvile; espero que ela tenha
encontrado algum benefício com as águas.
— Ela não teve, acredito, nenhuma oportunidade de experimentá-las.
Cecilia, envergonhada pelos dois erros em seguida, ficou ruborizada. No
entanto, não se aventurou a falar novamente, e Delvile, que parecia
importante pelo que tinha a dizer, levantou-se e caminhou por alguns
instantes pela sala; depois disso, exclamou em voz alta: — Quão vão é todo
plano que passa na hora presente! — ele aproximou-se de Cecilia, que fingia
estar admirando um bordado, sentou-se ao seu lado e disse:
— Quando nos separamos ontem, presumi dizer que apenas uma noite
deveria ser dedicada à deliberação, e hoje, hoje seria o dia de ação! Porém, eu
me esqueci de que, embora ao deliberar tivesse apenas a mim mesmo para
consultar, ao agir não seria tão independente; e que, quando minhas próprias
dúvidas estivessem satisfeitas e minhas próprias decisões tomadas, outras
dúvidas e outras decisões deveriam ser consideradas, pelas quais meus
procedimentos planejados poderiam ser retardados, talvez poderiam até ser
completamente evitados!
Ele fez uma pausa, mas Cecilia, incapaz de conjecturar o que ele estava
dizendo, não respondeu.
— De ti, madame — continuou ele —, tudo o que será bom ou ruim na
minha vida futura, no que se refere à sua felicidade ou miséria, dependerá, a
partir de agora, quase exclusivamente. No entanto, por mais que eu confie em
sua bondade, e acima de tudo por conhecê-la no que diz respeito à leviandade
ou afetação, o que agora venho a propor, e pedir, e implorar, não posso reunir
coragem para mencionar, por medo de deixá-la alarmada.
“Para que ele está me preparando?”, pensou Cecilia, tremendo diante da
introdução. “Ele pretende me pedir que eu solicite o consentimento de Mrs.
Delvile? Ou de mim mesma ele deve receber ordens para que nunca mais nos
encontremos?”
— Estaria Miss Beverley — exclamou ele — decidida a não falar comigo?
Ela está inclinada ao silêncio apenas para me intimidar? Na verdade, se ela
soubesse o quanto eu a respeito, ela me honraria com mais confiança.
— Quando, senhor — perguntou ela —, pretende fazer sua viagem?
— Nunca — exclamou ele, com fervor —, a menos que seja banido pela
senhorita, nunca! Não, encantadora Miss Beverley, eu já não posso mais
deixá-la. Tive o poder para renunciar a fortuna, a beleza, o valor e a doçura, e
por mais severa que fosse a tarefa, obriguei-me a realizá-la. No entanto,
quando a isso tudo encontro unida uma doçura tão atraente, uma compaixão
pelos meus sofrimentos tão inesperadamente suave, não! Minha doce Miss
Beverley, não posso mais deixá-la — e, então, ele segurou a mão dela, com
ainda mais energia, e continuou: — Aqui estou — disse ele —, oferecendo-
lhe meus votos; sou o único árbitro do meu destino! Estou lhe entregando não
apenas a posse do meu coração, o que, de fato, não teria poder para lhe negar,
mas também a direção de minha conduta; rogo-lhe que se torne minha
conselheira e guia. Aceitará Miss Beverley tal cargo? Será que ela se dignará
a ouvir tal oração?
— Sim — exclamou Cecilia, involuntariamente encantada ao descobrir
que tal era o resultado de sua deliberação noturna —, estou disposta a lhe dar
o meu conselho, o que eu faço agora: quero que o senhor parta para o
continente amanhã de manhã.
— Oh, que maldade — exclamou ele, meio rindo —, mas não tão
imediatamente peço seu conselho; antes devo fazer algo para qualificá-la a
oferecê-lo; a perspicácia, a habilidade e a compreensão, por mais amplamente
que as possua, não são suficientes para prepará-la para o cargo. Algo mais se
faz necessário, a senhorita deve estar investida de plenos poderes, deve ter
um direito menos discutível e um título, que não apenas a inclinação nem
mesmo o julgamento deve santificar, mas que a lei deve cumprir, e ritos mais
solenes apoiar.
— Creio, então — disse Cecilia, profundamente corada —, que devo me
contentar em abster-me de dar qualquer conselho, se as qualificações para
isso são tão difíceis de adquirir.
— Não se ressinta da minha presunção — exclamou ele —, minha adorada
Miss Beverley, mas deixe a severidade de meus sofrimentos recentes
amenizar minha temeridade atual, pois onde a aflição tem sido profunda e
séria, a miséria sem causa e desnecessária encontrará pouco encorajamento, e
a minha tem sido realmente séria. Docemente, então, permita-me, na
proporção de sua amargura, alegrar-me com o reverso suave que agora me
lisonjeia com sua abordagem.
Cecilia, envergonhada e inquieta, incerta do que viria a seguir e sem
vontade de falar até sentir-se mais segura, fez uma pausa, e então exclamou
abruptamente: — Receio que Mrs. Charlton esteja esperando por mim — e
teria se afastado apressadamente, mas Delvile, quase usando a força, obrigou-
a a ficar, e, depois de uma breve conversa, do lado dele, a mais apaixonada, e
do dela, a mais confusa, ele obteve dela o que, de fato, depois da surpresa da
tarde anterior, ela mal podia negar: uma franca confirmação de seu poder
sobre o coração dela e um reconhecimento ingênuo, embora relutante, de há
quanto tempo ele o possuía.
Diante desta confissão, tal como as coisas estavam agora, totalmente em
oposição ao seu julgamento, Cecilia foi arrebatada por uma urgência
impetuosa, à qual não tinha presença de espírito para resistir, e com a qual
Delvile, quando particularmente animado, há muito estava acostumado a
dominar toda a oposição. A alegria com que a ouvia, embora um pouco
mesclada com admiração, era tão violenta quanto a ansiedade com a qual a
havia procurado. No entanto, tal alegria não durou muito; uma lembrança
repentina e muito dolorosa logo o reprimiu e, mesmo em meio ao seu
reconhecimento extasiado, pareceu atingi-lo no coração.
Cecilia logo percebeu tanto em seu semblante como em suas maneiras uma
alteração que a comoveu, e arrependeu-se amargamente de uma confissão da
qual ela nunca poderia se lembrar, e ficou horrorizada de expectativa e pavor.
Delvile, que rapidamente viu nela uma mudança de expressão da qual ele
mesmo estava inconsciente, exclamou, com muita emoção: — Quão
passageira é a felicidade humana! Com que rapidez voam aqueles momentos
raros e requintados onde tudo é perfeito! Ah! Doce Miss Beverley, que
palavras encontrarei para suavizar o que agora tenho a revelar? Para dizer
que, depois de uma bondade, franqueza e generosidade como a sua, há ainda
uma súplica a ser proferida que me afastará, se recusada, de sua presença para
sempre!
Cecilia, extremamente consternada, desejou saber o que era; um evidente
temor de ofendê-la o impediu de prosseguir por algum tempo, mas, por fim,
depois de expressar repetidamente seus temores de sua desaprovação, e uma
repugnância até mesmo de sua própria parte na medida em que era obrigado a
fazer a solicitação, ele reconheceu que todas as suas esperanças de estar
sempre unido a ela dependiam da obtenção de seu consentimento para um
casamento secreto e imediato.
Cecilia, perplexa com essa declaração, ficou por alguns instantes confusa
demais para falar, mas, quando ele começou um pedido de desculpas
explicativo, ela se sobressaltou e, radiante de indignação, disse: — Eu
costumava me orgulhar, senhor, de que tanto meu caráter quanto minha
conduta, independentemente da minha situação na vida, teriam me eximido a
qualquer momento de uma proposta que eu me considerasse degradada por
ter escutado.
E então ela estava indo embora novamente, mas Delvile, ainda a
impedindo, disse: — Eu sabia muito bem o quanto ficaria alarmada, e tal era
o meu pavor de seu desagrado, que teve poder até para amargar a felicidade
que busquei com tanta seriedade, e fazer com que sua condescendência fosse
insuficiente para garanti-la. No entanto, não se maravilhe com meu esquema;
por mais selvagem que pareça, é o resultado de deliberação, e por mais
censurável que pareça, não surge de motivos indignos.
— Quaisquer que sejam os seus motivos com respeito a si mesmo, senhor
— disse Cecilia —, com respeito a mim, eles certamente devem ser
vergonhosos. Não irei, portanto, ouvi-los.
— A senhorita está me julgando com crueldade — exclamou ele, com
carinho —, e um momento de reflexão deve lhe dizer que, por mais distintas
que sejam nossa honra ou nossa desgraça em todas as outras instâncias,
naquela pela qual deveríamos estar unidos, elas devem ser inevitavelmente as
mesmas; eu preferiria abandoná-la voluntariamente do que ser eu mesmo
cúmplice para contaminar esta delicadeza cuja pureza imaculada tem sido a
principal fonte de minha admiração.
— Por que, então — perguntou Cecilia, em tom de censura —, mencionou
um projeto desse tipo?
— As circunstâncias mais singulares e a necessidade mais inevitável —
respondeu ele — deveriam ser as únicas que me teriam tentado a planejá-lo.
Não mais do que ontem de manhã, eu me achava incapaz de até mesmo
desejá-lo, mas situações extraordinárias exigem decisões extraordinárias, e,
tanto na vida privada como na vida pública, atenuam, pelo menos, as ações
extraordinárias. Pobre de mim! A proposta que tanto a ofende é o meu último
recurso! É a única barreira entre mim e a miséria perpétua! O único recurso
em meu poder para me salvar de me separar eternamente da senhorita! Eu
agora sou compelido a confessar cruelmente que minha família, estou certo
disso, nunca consentirá com a nossa união!
— Nem, então, senhor — exclamou Cecilia, com muito ânimo —, eu o
farei! O desdém que posso encontrar, pretendo não retrucar, mas ao encontrá-
lo deliberadamente, seria maldade merecê-lo. Não entrarei em nenhuma
família em oposição aos seus desejos, não consentirei em nenhuma aliança
que possa me expor à indignidade. Nada é tão contagioso quanto o desprezo!
O exemplo de seus parentes poderia funcionar com força sobre o senhor, e
quem se atreveria a me garantir que não contrairia a infecção?
— Eu ouso lhe dar minha garantia! — exclamou ele. — Talvez a senhorita
ache que sou apressado e um tanto impetuoso, não posso negar a mim
mesmo, mas creia-me, não sou dono de um caráter tão miserável a ponto de
ser capaz disso, em qualquer caso de instabilidade ou capricho.
— Mas qual é, senhor, minha segurança do contrário? Acaso não acabou
de confessar neste momento que ontem desaprovava o mesmo plano que hoje
propõe? E não poderá amanhã retomar a mesma opinião?
— Cruel Miss Beverley! Quão injusta é esta inferência! Se ontem
desaprovei o que hoje recomendo, uma pequena recordação certamente lhe
dirá por quê; e esta não é minha opinião, mas minha situação é diferente.
Neste momento, a consciente Cecilia virou a cabeça; ele estava muito
seguro da descoberta de sua parcialidade.
— A senhorita mesma — continuou ele — não testemunhou a firmeza de
minha mente? Não me viu voar, quando tinha o poder de perseguir e me
esquivar, quando tive a oportunidade de procurá-la? Depois de testemunhar
minha constância em ocasiões tão difíceis, é justo, é certo suspeitar que estou
vacilando?
— Mas, qual foi — perguntou ela — a constância que o trouxe a Suffolk?
Quando toda a ocasião para nosso encontro acabou, quando me disse que
estava indo para o exterior e se despediu de mim para sempre; onde, então,
estava sua firmeza nesta jornada desnecessária?
— Tenha cuidado — disse ele, meio sorrindo, e tirando uma carta do bolso
—, tenha cuidado sobre este ponto, a senhorita está me obrigando a expor
minha justificativa!
— Ah! — exclamou Cecilia, corando. — É um truque de lady Honoria!
— Não, pela minha honra. A autoridade é menos duvidosa. Creio que
dificilmente deveria ser considerada de outra maneira.
Cecilia, muito alarmada, estendeu a mão para pegar a carta. Ela olhou
primeiro para o final e ficou muito surpresa ao ver o nome de Biddulph. Ela
então olhou para o início e, quando viu seu próprio nome, leu o parágrafo
seguinte.
“Miss Beverley, como você sem dúvida sabe, voltou para Suffolk; todos
aqui a viram com a maior surpresa. Desde o momento em que ouvi falar de
sua residência no castelo Delvile, eu a tinha dado por perdida, mas, após sua
inesperada aparição entre nós novamente, eu fui suficientemente fraco para
mais uma vez colocar seu coração à prova. Entretanto, logo descobri que a
dor de uma segunda rejeição você poderia ter me poupado, e que, embora
ela tivesse deixado o Castelo Delvile, ela não havia estado lá à toa; ao som
do seu nome, ela fica ruborizada; diante da menção de sua doença, ela
empalidece; e o cachorro que você deu a ela, do qual me lembrei
imediatamente, é seu querido companheiro. Oh, feliz Delvile! Ainda assim,
você abandona uma conquista tão adorável.”
Cecilia não conseguiu ler mais e a carta caiu de sua mão. Descobrir-se
assim traída por suas próprias emoções fez com que ela concluísse
imediatamente que fora descoberta universalmente. Ela sentiu-se doente com
a suposição, todo o seu espírito a abandonou e ela começou a chorar.
— Meu Deus! — exclamou Delvile, extremamente comovido. — O que a
afetou assim? Será que as suposições ciumentas de um rival apreensivo...
— Não fale comigo — interrompeu ela, impaciente —, e não me detenha;
estou extremamente perturbada; quero ficar sozinha; eu suplico, eu até
imploro que me deixe sozinha.
— Eu irei, farei tudo o que quiser! — exclamou ele, ansiosamente. — Mas
diga-me, quando posso voltar, e quando vai permitir que eu lhe explique
todos os motivos de minha proposta?
— Nunca, nunca! — exclamou ela, com seriedade. — Já estou
suficientemente rebaixada, mas nunca vou me intrometer em uma família que
me desdenha!
— Desdenha? Não, a senhorita é reverenciada nesta família! Quem
poderia desdenhá-la?! É só aquela cláusula fatal...
— Bem, bem, por favor, deixe-me; na verdade, não posso ouvi-lo. Não
estou em condições de argumentar, e todo raciocínio agora é nada menos do
que crueldade.
— Eu estou indo — disse ele — neste exato momento! Não gostaria nem
de aproveitar sua agitação para trabalhar sua sensibilidade. Meu desejo não é
surpreender, mas reconciliá-la com meu plano. O que busco em Miss
Beverley? Uma herdeira? Não, como ela já viu que eu poderia resistir a ela;
tampouco a ligeira leviandade de uma primavera ou duas, negligenciada
quando não é mais novidade. Não, não! É uma companheira para sempre, é
um consolo para todos os cuidados, é uma amiga íntima em cada época da
vida que busco em Miss Beverley! Portanto, sua estima para mim é tão
preciosa quanto seu afeto, pois como posso esperar sua amizade no inverno
de meus dias, se sua estação mais iluminada e alegre é obscurecida por
dúvidas sobre minha integridade? Tudo deve ser claro e explícito; nenhuma
causa latente de inquietação perturbará nossa tranquilidade futura; agora
seremos sinceros, para que no futuro possamos estar tranquilos, e docemente
em uma felicidade sem nuvens, o tempo passará imperceptivelmente, e nos
interessaremos um pelo outro na alegria da juventude, para suportar as
enfermidades da idade e aliviá-las com bondade e simpatia. E então minha
consoladora Cecilia...
— Oh, não diga mais nada — interrompeu ela, mais abrandada apesar de
um plano tão consoante com seus desejos —, que linguagem é esta?! Tão
imprópria para o senhor quanto para quem o escuta.
Ela então insistiu muito seriamente para que ele fosse embora, e, depois de
mil vezes se despedir e voltar, prometendo obediência, mas seguindo seu
próprio caminho, ele finalmente disse que, se ela consentisse em receber uma
carta sua, ele se esforçaria para colocar no papel o que tinha para dizer, uma
vez que sua mútua agitação o impedia de se explicar com clareza e mais
prejudicava sua causa do que ajudava, deixando todos os seus argumentos
inacabados e obscuros.
Outra disputa surgiu: Cecilia, protestando que não receberia nenhuma
carta e não ouviria nada sobre o assunto, e Delvile, declarando
impetuosamente que não se submeteria a nenhuma sentença sem ser ouvido
primeiro. Por fim, ele venceu o debate e finalmente partiu.
Cecilia então sentiu todo o seu coração afundar em seu peito diante da
infelicidade de sua situação. Ela se considerava condenada a rejeitar Delvile,
pois a única condição sob a qual ele sequer solicitava seu favor, nem o rigor
de seus princípios nem a delicadeza de sua mente a permitiriam aceitar. Seu
desagrado com a proposta não havia sido afetado, e ela considerou uma
ofensa ao seu caráter tê-la recebido. Ainda que o orgulho do coração de
Delvile cedesse à sua paixão, que ele a amasse com tanto carinho a ponto de
renunciar aos ambiciosos planos de sua família, e até mesmo aquele nome
querido, que tão recentemente parecia anexado à sua existência, eram
circunstâncias às quais ela não era insensível; ao contrário, eram provas de
ternura e consideração que havia considerado incompatíveis com o espírito
geral de sua disposição. No entanto, por mais que se sentisse satisfeita com
isso, ela decidiu nunca cumprir uma medida tão humilhante, mas esperar o
consentimento dos parentes dele, ou renunciar a ele para sempre.
CAPÍTULO 67
UMA CARTA
Assim que Mrs. Charlton soube da partida do jovem Delvile, ela voltou
para ver Cecilia, impaciente para ser informada do que havia ocorrido. A
narrativa que ela ouviu tanto a magoou quanto a surpreendeu: que Cecilia, a
herdeira de tal fortuna, a possuidora de tanta beleza, descendente de uma
família digna, formada e educada para honrar uma família nobre, fosse
rejeitada por pessoas a quem sua riqueza seria mais útil e que tivesse recebido
uma proposta em segredo, ela considerou uma indignidade que não exigia
nada além de ressentimento, e aprovou e fez cumprir a resolução de sua
jovem amiga de resistir a todas as solicitações que Mr. e Mrs. Delvile não
apoiassem.
Cerca de duas horas depois que Delvile foi embora, sua carta chegou.
Cecilia abriu com apreensão e leu o seguinte:
Cecilia leu e releu a carta, mas com uma perturbação mental que a impedia
de pesar o seu conteúdo. Parágrafo por parágrafo, seus sentimentos variavam
e sua determinação era alterada; a seriedade de sua súplica agora a suavizava
para que agisse em conformidade, o orgulho reconhecido de sua família
agora a irritava e se convertia em ressentimento, e a confissão de seu próprio
pesar agora a deixava doente e desanimada. Ela queria ter dado uma resposta
imediata, escrito uma dispensa final, mas, embora fosse prova contra suas
súplicas, porque seus argumentos não a convenceram, havia algo na
conclusão de sua carta que abalou sua decisão.
Os escrúpulos e aquele refinamento contra os quais ele a advertia, ela
mesma pensava que poderiam estar sobrecarregados, e para satisfazer a
desnecessária meticulosidade, o curto período de existência seria tornado
irremediavelmente infeliz. Ele realmente havia dito que sua união não seria
uma ofensa à moralidade, e com respeito meramente ao orgulho, por que isso
deveria ser poupado? Ele sabia que possuía o seu coração, ela estava segura
há muito tempo de possuir o dele, seu caráter logo ganhou a afeição de sua
mãe, e o serviço essencial que uma renda como a dela devesse prestar à
família logo seria sentido com força suficiente para fazer a conexão antes
lamentada.
Estas reflexões eram tão agradáveis que ela não sabia como descartá-las; e
a consciência de que seu segredo fora revelado não apenas a ele, mas também
a Mr. Biddulph, lorde Ernolf, lady Honoria Pemberton e Mrs. Delvile lhe
dava força adicional, tornando provável que ela fosse ainda mais amplamente
suspeita. Mesmo assim, sua delicadeza e seus princípios se rebelaram contra
uma conduta cujo sigilo parecia implicar em impropriedade. “Como vou me
encontrar com Mrs. Delvile”, pensou ela, “depois de uma ação tão
clandestina? Como, depois de elogios como os que ela me concedeu, suportar
a severidade de seu olhar, quando ela acredita que eu seduzi a obediência de
seu filho? Um filho que é o único consolo e primeira esperança de sua
existência, cujas virtudes fazem toda sua felicidade, e cuja piedade filial é sua
única glória! E ela estava certa em se orgulhar de um filho como Delvile!
Nobremente ele havia se esforçado nas situações mais difíceis, sua família e
suas ideias de honra ele preferiu à sua paz e saúde, ele cumpriu com espírito e
integridade os vários, os conflitantes deveres da vida. Mesmo agora, talvez,
em sua presente solicitação, ele possa simplesmente pensar que está obrigado
por saber que já não estou livre, e o que sua generosa sensibilidade pode fazer
com a fraqueza recém-descoberta, sem qualquer convicção pretendida, pode
ter ocasionado tal proposta!”
Uma sugestão tão mortificante mudou novamente sua determinação; as
lágrimas de Henrietta Belfield, com a carta que ela surpreendera em sua mão
voltando à sua memória, todos os seus pensamentos se voltaram mais uma
vez para rejeitá-lo para sempre.
Nesse estado de espírito oscilante, ela achava impraticável escrever;
embora sem saber o que desejar, decidir era impossível. Ela desdenhava o
coquetismo, era superior à frivolidade, a sinceridade e a franqueza de Delvile
mereciam toda sua sinceridade e, portanto, enquanto ainda houvesse alguma
dúvida, considerava indigno de seu caráter dizer-lhe que não tinha nenhuma.
Mrs. Charlton, ao ler a carta, tornou-se novamente a defensora de Delvile;
a franqueza com que ele havia expressado suas dificuldades lhe assegurava
de sua probidade e, ao explicar sua conduta anterior, a satisfizera com a
retidão de suas futuras intenções. — Não, minha menina querida —
exclamou ela —, não se torne a responsável pela sua própria miséria
recusando-o; ele a merece tanto por seus princípios quanto por seu afeto, e a
tarefa seria longa e melancólica para desvinculá-lo de seu coração. Não vejo,
entretanto, a menor ocasião para a desgraça de um casamento privado; não
conheço nenhuma família para a qual você não seria uma honra, e aqueles
que não reconhecem o seu mérito, não são dignos de agradar. Que Mr.
Delvile, portanto, dirija-se abertamente a seus pais, e se eles recusarem seu
consentimento, que seus preconceitos sejam a sua recompensa. A senhorita
estará livre de todas as obrigações onde o capricho só pode levantar objeções,
e poderá, então, diante do mundo, reivindicar sua escolha.
Os desejos de Cecilia estavam de acordo com este conselho, embora o teor
geral da carta de Delvile desse a ela poucos motivos para esperar que ela o
aceitasse.
CAPÍTULO 68
UMA DISCUSSÃO
O dia passou e Cecilia ainda não havia escrito nenhuma resposta; a noite
chegou e sua resolução ainda não havia sido estabelecida. Por fim, Delvile foi
novamente anunciado, e embora ela temesse confiar em suas súplicas, a
necessidade de apressar alguma decisão a impediu de se recusar a vê-lo.
Mrs. Charlton estava com ela quando ele entrou na sala. A princípio, ele
tentou alguma conversa generalizada, embora a ansiedade de sua mente
estivesse fortemente representada em seu rosto. Cecilia se esforçou também
para falar sobre temas comuns, embora seu evidente embaraço denunciasse a
ausência de seus pensamentos. Por fim, Delvile, incapaz de sustentar o
suspense, voltou-se para Mrs. Charlton e disse: — Provavelmente, madame, a
senhora conhece o propósito da carta que tive a honra de enviar à Miss
Beverley esta manhã?
— Sim, senhor — respondeu a velha senhora —, e o senhor precisa
desejar um pouco mais que a opinião dela seja tão favorável quanto a minha.
Delvile fez uma reverência e agradeceu. Ao olhar para Cecilia, com quem
se aventurou a não falar, percebeu em seu semblante um misto de abatimento
e confusão, que lhe dizia que qualquer que fosse sua opinião, de modo algum
aumentaria sua felicidade.
— Mas, por qual razão — disse Mrs. Charlton — o senhor deveria estar
tão seguro da desaprovação de seus pais? Não seria melhor ouvir o que eles
têm a dizer?
— Eu sei, senhora, o que eles têm a dizer — respondeu ele —, pois sua
linguagem e seus princípios têm sido invariáveis desde o meu nascimento;
pedir a eles, portanto, uma concessão que estou certo de que eles não irão
conceder, foi apenas um artifício cruel para colocar toda a minha miséria em
sua conta.
— Se eles são tão perversos, não merecem nada melhor — disse Mrs.
Charlton. — No entanto, o senhor deve falar com eles e então terá cumprido
seu dever; se eles forem obstinadamente injustos, o senhor terá adquirido o
direito de agir por si mesmo.
— Fazer pouco de sua autoridade — respondeu Delvile — seria mais
ofensivo do que opor-se a ela; solicitar a aprovação deles, e, então, agir de
forma a desafiá-la, poderia provocar justamente sua indignação. Não, se, por
fim, for obrigado a apelar para eles, devo acatar sua decisão.
Mrs. Charlton não pôde responder e em poucos minutos saiu da sala.
— E é esta também — disse Delvile — a opinião de Miss Beverley? Ela
me condenou a ser um miserável e deseja que esta condenação seja assinada
por meus parentes mais próximos!
— Se seus parentes, senhor — disse Cecilia —, são tão indubitavelmente
inflexíveis, seria uma loucura, em qualquer plano, arriscar-se ao desagrado
deles.
— Para a súplica — respondeu ele — serão inflexíveis, mas não ao
perdão. Meu pai, embora muito altivo, carinhosamente, até mesmo
apaixonadamente, me ama; minha mãe, embora espirituosa, é justa, nobre e
generosa. Ela é, de fato, a mais exaltada das mulheres, e não estou
acostumado a resistir ao seu poder sobre minha mente. Miss Beverley
sozinha parece ter nascido para ser sua filha...
— Não, não — interrompeu Cecilia —, como sua filha ela me rejeita!
— Ela te ama, ela te adora! — exclamou ele calorosamente. — E se eu não
estivesse certo de que ela sente suas excelências como deveriam ser sentidas,
minha veneração por vocês duas deveria poupá-las da minha presente súplica.
Porém, eu tenho certeza de que a senhorita se tornaria a primeira bênção da
sua vida; na senhorita ela contemplaria toda a felicidade de seu filho, sua
restauração à saúde, ao seu país, aos seus amigos!
— Oh, senhor — exclamou Cecilia, emocionada —, quão funda é essa
trincheira de verdadeira miséria, para erguer este monte de felicidade
imaginária! No entanto, eu não serei responsável pela ofensa que causará à
sua mãe; dificilmente o senhor poderá honrá-la mais do que eu, e eu aqui
declaro muito solenemente...
— Por favor, pare — interrompeu Delvile —, e não se decida antes de me
ouvir. Se ela não existisse, se meu pai também não existisse, a senhorita
persistiria em me recusar?
— Por que me pergunta? — disse Cecilia, corando. — O senhor, então,
seria seu próprio agente, e talvez...
Ela hesitou, e Delvile exclamou com veemência: — Oh, não me converta
em um monstro! Não me obrigue a desejar a morte daqueles por quem vivo!
Não enfraqueça os laços de afeto pelos quais eles são tão queridos por mim, e
não me obrigue a vê-los como as únicas barreiras para minha felicidade!
— Deus me livre! — exclamou Cecilia. — Se eu acreditasse que o senhor
é tão deplorável, pouco sofreria em desejar a sua ausência eterna.
— Por que, então, somente após a extinção deles devo depositar minha
esperança em seu favor?
Cecilia, aturdida e angustiada pela pergunta, não conseguiu responder.
Delvile, percebendo seu constrangimento, redobrou sua urgência, e antes que
tivesse forças para se recompor, ela quase consentiu com o plano, quando
Henrietta Belfield voltou à sua memória e ela exclamou apressadamente: —
Há uma dúvida que não sei como mencionar, mas que deveria ser esclarecida;
o senhor conhece... o senhor se lembra de Miss Belfield?
— Certamente; mas como Miss Belfield pode suscitar uma dúvida na
mente de Miss Beverley?
Cecilia corou e ficou em silêncio.
— É possível — continuou ele —, a senhorita poderia, mesmo que por um
instante, supor... eu não posso nem mesmo nomear uma suposição tão
estranha a todas as possibilidades.
— Ela é certamente muito amável.
— Sim — respondeu ele —, ela é inocente, gentil e simpática; e eu
realmente gostaria que ela estivesse em uma situação melhor.
— O senhor alguma vez, ou por algum acidente, se correspondeu com ela?
— Nunca em minha vida.
— E não eram suas visitas ao irmão, às vezes...
— Cuidado — interrompeu ele, rindo — para que eu não inverta a
pergunta e deseje saber se as suas visitas à irmã, às vezes não eram para o
irmão! Mas, o que isso significa? Será que Miss Beverley poderia imaginar
que, depois de conhecê-la, os encantos de Miss Belfield poderiam me colocar
em algum perigo?
Cecilia, comprometida com delicadeza e amizade a não trair a terna e
confiante Henrietta, e internamente satisfeita com sua inocência por sua
franqueza, evitou qualquer resposta. Ela estava disposta a mudar de assunto,
mas Delvile, ansioso por se desculpar totalmente, embora de maneira alguma
desgostoso com uma investigação que mostrava tanto interesse em seus
afetos, continuou sua explicação.
— Miss Belfield tem, eu reconheço, um atrativo na simplicidade dos seus
modos que encanta pela sua singularidade; seu coração também parece puro,
e seu temperamento, toda doçura. A senhorita descobrirá que eu não estou
cego para seus méritos; pelo contrário, eu senti admiração e tive pena dela.
Mas, na verdade, ela está longe de toda possibilidade de rivalidade em meu
coração! Um personagem como o dela por um tempo é irresistivelmente
atraente, mas, quando sua novidade se acaba, a simplicidade desinformada
torna-se enfadonha, e a suavidade sem dignidade é indiscriminada demais
para dar prazer. Suspiramos por diversão quando enjoados de mera doçura; e
arrastamos pesadamente o fardo da vida quando a companheira de nossas
horas sociais carece de espírito, inteligência e cultura. Com Miss Beverley,
todos esses...
— Não diga tudo isso — exclamou Cecilia — quando um único obstáculo
tem o poder de torná-los sem valor.
— Mas agora — disse ele — este obstáculo foi superado.
— Superado apenas por um momento, pois mesmo em sua carta desta
manhã o senhor confessa o seu pesar.
— E por que eu deveria enganá-la? Por que fingir pensar com prazer, ou
mesmo com indiferença, em um obstáculo que por tanto tempo tem o poder
de me fazer infeliz? Mas onde está a felicidade sem alívio? Será a bem-
aventurança perfeita uma condição da humanidade? Ora, se nos recusarmos a
saboreá-la até seu último estado de refinamento, como a taça do mal sairá de
nossos lábios?
— Como, de fato! — disse Cecilia, com um suspiro. — Creio que esse
pesar permanecerá eternamente em sua mente, e aquela que talvez deveria ser
sua causa, em breve poderá ser ensinada a compartilhar dele.
— Miss Beverley! O que fiz para merecer tanta severidade? Acaso fiz
minhas propostas de forma leviana? Demonstrei muita impaciência para
conquistar minha razão? Pelo contrário, não fui constante e atencioso? Nem
predisposto pela paixão nem traído pela ternura?
— E, no entanto, em que consiste esta constância alardeada? — perguntou
Cecilia. — De fato, foi o que percebi no Castelo Delvile, mas aqui...
— O orgulho do coração que lá me oferecia apoio — exclamou ele — não
me apoiará mais; o que sustentou minha constância, senão sua aparente
severidade? O que me permitiu abandoná-la, senão sua frieza invariável? O
rigor com o qual pisoteei meus sentimentos, acreditei ser fortaleza e ânimo,
mas eu não conhecia então a piedosa simpatia de Cecilia!
— Quisesse Deus que o senhor não soubesse disso! — exclamou ela,
corando. — Antes daquele acidente fatal, o senhor pensava em mim, eu
acredito, de uma maneira muito mais honrosa.
— Impossível! Eu já pensei na senhorita de forma diferente, mas nunca
melhor, nunca tão bem como agora. Eu a via amável na sua beleza, perfeita
em sua bondade e virtude, mas era uma virtude em sua mais alta majestade, e
não, como agora, combinada com a mais suave sensibilidade.
— Que infelicidade! — disse Cecilia. — Como este retrato está
desbotado!
— Não, é simplesmente mais da vida, é a sublimidade de um anjo,
mesclada com tudo o que há de atraente na mulher. Mas, quem é o amigo em
quem podemos nos aventurar a confiar? A quem devo oferecer minha fiança?
E de quem posso receber um tesouro que para o resto da minha vida
constituirá toda a sua felicidade?
— Onde posso — disse Cecilia — encontrar um amigo que, neste
momento crítico, me instruirá sobre como agir?
— A senhorita encontrará um — respondeu ele — em seu próprio coração;
pergunte apenas a si mesma esta simples pergunta: ficará alguma virtude
ofendida se me honrar com a sua mão?
— Sim, o dever ficará ofendido, pois é contrário à vontade de seus pais.
— Mas não há um momento para a emancipação? Não estou em condições
de escolher para mim mesmo a parceira da minha vida? A senhorita, em
alguns dias, não será a dona absoluta de suas ações? Não somos ambos
independentes? Não é sua ampla fortuna toda sua e as propriedades de meu
pai tão vinculadas que devem ser inevitavelmente minhas?
— E são essas — disse Cecilia — considerações para nos libertar de nosso
dever?
— Não, mas são circunstâncias para nos libertar da escravidão. Não
pretendo ofendê-la sendo mais explícito. Quando nenhuma lei humana ou
divina pode ser ferida por nossa união, quando um motivo de orgulho é tudo
o que pode se opor a mil motivos de conveniência e felicidade, por que
deveríamos ambos ficar infelizes, apenas para que o orgulho não perdesse sua
gratificação?
Esta questão, que tantas vezes e com tanta raiva ela havia revolvido em
sua própria mente, novamente a silenciou; e Delvile, com a ânsia de se
aproximar do êxito, redobrou suas solicitações.
— Seja minha — disse ele —, doce Cecilia, e tudo ficará bem. Referir-me
a meus pais é, efetivamente, banir-me para sempre. Poupe-me, então, da
tarefa inútil e salve-me das súplicas irresistíveis de uma mãe cujo desejo
sempre considerei sagrado, cujo desejo tem sido minha lei, e cujos comandos
tenho obedecido implícita e invariavelmente! Oh, generosamente, salve-me
da terrível alternativa que é ferir seu coração materno com uma recusa
peremptória, ou de torturar o meu próprio com dores às quais é desigual por
uma obediência extorquida!
— Pobre de mim! — exclamou Cecilia. — Quão absolutamente
impossível é para mim aliviá-lo!
— E por quê? Uma vez minha, irrevogavelmente minha...
— Não, isso apenas a irritaria, e irritaria a esperança de perdão do passado.
— Certamente a senhorita está enganada; para o seu mérito, eles estão
longe de ser insensíveis, e sua fortuna é exatamente o que eles desejam.
Portanto, confie em mim quando lhe asseguro que o descontentamento deles,
que tanto o respeito quanto a justiça evitarão que o expressem na sua frente,
logo desaparecerá por completo. Não falo simplesmente com base nas minhas
esperanças; ao julgar meus próprios pais, considero a natureza humana em
geral. Males inevitáveis são sempre melhor suportados. A suspeita é a
esperança que alimenta a miséria; a certeza é sempre suportada, porque sabe-
se que passou da emenda e é sentida como um desafio para quem luta.
— E o senhor pode ficar satisfeito — bradou Cecilia — com um raciocínio
tão desesperado?
— Em uma situação tão extraordinária como a nossa — respondeu ele —,
não há outro. A voz do mundo em geral estará a nosso favor. Nossa união não
prejudica nossa fortuna, nem mancha nossa moralidade; se o caráter de cada
um está satisfeito e ambos devem ser igualmente desculpados dos pontos de
vista mercenários de interesse ou do desprezo romântico pela pobreza, que
direito temos, então, de nos queixar de uma objeção que, embora potente, é
única? Certamente nenhum. Oh, se a felicidade que agora tenho em vista
estivesse totalmente controlada, se nenhuma tormenta horrível por vezes
desabasse sobre a perspectiva, e por um momento obscurecesse seu brilho,
como poderia meu coração encontrar espaço para uma alegria tão
superlativa? O mundo inteiro poderia se levantar contra mim como o
primeiro homem que não tem mais nada a desejar!
Cecilia, cujas próprias esperanças contribuíram com este raciocínio, não
encontrou muito para se opor, e com um pouco mais de súplica, e ainda
menos de argumentação, Delvile finalmente obteve seu consentimento para
seu plano. Temerosa, na verdade, e com clara relutância, ela o ofereceu, mas
era a única alternativa a uma separação para sempre, para a qual ela não tinha
a necessidade adequada à dor.
Os agradecimentos de Delvile foram tão veementes como haviam sido
suas súplicas, as quais, entretanto, ainda não haviam chegado ao fim; a
concessão que ela havia feito era imperfeita, a menos que seu desempenho
fosse imediato, e ele agora se esforçava para convencê-la a ser sua antes do
final de uma semana.
Esta tarefa, no entanto, não foi difícil; Cecilia, tão ingênua por natureza
quanto honrada por princípios, havendo uma vez se convencido a aceitar sua
proposta, buscou não sem dificuldades realçar o valor de sua submissão; o
grande ponto decidido, ela considerava tudo o mais de muito pouca
importância para uma competição.
Mrs. Charlton foi então chamada e informada do resultado da conferência.
Sua aprovação de forma alguma aprovou o esquema de privacidade; no
entanto, ela estava muito feliz em ver sua jovem amiga próxima a um período
de longo suspense e inquietação, para se opor a qualquer plano que pudesse
levar ao seu término.
Delvile então voltou a perguntar a qual homem deveria confiar seu projeto.
O nome de Mr. Monckton ocorreu imediatamente a Cecilia, embora a
certeza de sua má vontade para com a causa pudesse tornar qualquer pedido
desagradável para ele, mas sua longa e constante amizade por ela, sua
disposição para aconselhá-la e ajudá-la, assim como as promessas que ela
ocasionalmente fizera de não agir sem seu conselho, tudo concorria para
persuadi-la de que, em um assunto de tal importância, ela devia a ele sua
confiança, e deveria se sentir culpada de prosseguir sem ela. Sobre ele,
portanto, ela se fixou; no entanto, encontrando em si mesma uma repugnância
insuperável de informá-lo de sua situação, ela concordou que Delvile, que
imediatamente se propôs a ser seu mensageiro, deveria lhe abrir o caso e
prepará-lo para o encontro.
Delvile, então, rápido em pensamento e fértil em recursos, com uma
celeridade e vigor que derrotava todas as objeções, organizou toda a
condução do assunto. Para evitar suspeitas, ele decidiu renunciar sua união
com ela instantaneamente e, assim que tivesse cumprido seu encargo com
Mr. Monckton, iria imediatamente para Londres, a fim de que os preparativos
necessários para o casamento fossem feitos com rapidez e sigilo. Também se
propôs a encontrar Mr. Belfield, para que pudesse estabelecer o vínculo com
o qual pretendia confiar em Mr. Monckton. Cecilia havia se oposto a esta
medida, mas ele se recusou a ouvi-la. A própria Mrs. Charlton, embora sua
idade e enfermidades a tivessem confinado por muito tempo em sua própria
casa, satisfez Cecilia nessa ocasião crítica com o seu consentimento para
acompanhá-la ao altar.
Mr. Monckton deveria entregá-la, e uma igreja em Londres foi o local
designado para a realização da cerimônia. Em três dias as principais
dificuldades para a união seriam removidas com a maioridade de Cecilia, e
em cinco dias ficou acertado que eles deveriam se reunir na cidade. No
momento em que se casassem, Delvile prometeu partir para o castelo,
enquanto em outra carruagem Cecilia regressaria para a casa de Mrs.
Charlton. Com tudo resolvido, ele a fez prometer ser pontual e,
recomendando sua fidelidade e afeto, despediu-se dela.
CAPÍTULO 69
UMA RETROSPECÇÃO
Esta carta, que com tremenda pressa, resultante do medo de sua própria
estabilidade, ela dobrou e selou, Mr. Monckton, com a mesma apreensão, a
recebeu com ainda mais ansiedade; ele apenas lhe desejou um bom dia,
montou em seu cavalo e seguiu seu caminho para Londres.
Cecilia voltou para Mrs. Charlton para informá-la sobre o que havia
acontecido, e, apesar da tristeza que sentia ao aparentemente ferir o homem a
quem, em todo o mundo, mais desejava agradar, ela encontrou uma satisfação
no sacrifício que havia feito que a recompensou por grande parte dos seus
sofrimentos e a acalmou em algo como tranquilidade: o verdadeiro poder da
virtude que ela mal havia experimentado, pois ela o considerava um recurso
contra o mais cruel abatimento, e um apoio na mais amarga decepção.
CAPÍTULO 70
UM CONSTRANGIMENTO
“Miss Beverley.
Que esta carta seja a última que Miss Beverley receba de minha pessoa
antes de ser minha esposa! No entanto, doce para mim como é essa
esperança, escrevo na maior inquietação. Acabo de saber que um cavalheiro,
que, pela descrição que fazem dele, imagino ser Mr. Monckton, tem me
procurado com uma carta que ansiava por entregar de imediato. Talvez esta
carta seja de Miss Beverley, talvez contenha instruções que devam ser
seguidas imediatamente; se eu pudesse adivinhar quais são, com que avidez
me dedicaria para antecipar sua execução! Espero que não seja tarde
demais para recebê-las no sábado, quando seu poder sobre minhas ações
será confirmado, e quando cada desejo que expressar será com gratidão,
alegria e deleite realizados. Procurei Belfield em vão; ele deixou lorde
Vannelt e ninguém sabe para onde foi. Fui obrigado, portanto, a confiar em
um estranho para estabelecer a fiança, mas ele é um homem de bom caráter,
e o tempo de segredo será muito curto para colocar sua discrição em perigo.
Amanhã, sexta-feira, eu dedicarei unicamente a tentar encontrar Mr.
Monckton. Tenho tempo suficiente para a busca, visto que tão próspera tem
sido minha diligência, que tudo está preparado! Eu vi alguns alojamentos em
Pall-Mall que acredito que são cômodos e que achará convenientes,
portanto, envie um criado na frente para garanti-los. Se, quando chegar, eu
me aventurar a encontrá-la, eu imploro que não se sinta ofendida ou
alarmada; tomarei todas as precauções possíveis para não ser reconhecido
nem visto, e não ficarei mais de três minutos. O mensageiro que leva esta
carta ignora de onde vem, pois temo que ele repita meu nome entre seus
criados, e ele dificilmente poderia retornar a mim com uma resposta antes da
senhorita chegar à cidade. Sim, mais encantadora Cecilia! No exato
momento em que receber esta carta, a carruagem, para minha satisfação,
estará na porta, aguardando para trazer para mim um tesouro que irá
enriquecer todas as horas futuras de minha vida! E quanto a mim, será
inesgotável, porém, que seu doce dispensador possa experimentar uma parte
da felicidade que ela concede, e então o que, exceto a sua própria pureza,
será tão perfeita, tão imaculada, como a felicidade dela mesma! M. D.”
UM MARTÍRIO
Em certa parte do trajeto pararam para jantar; Mrs. Charlton estava muito
fatigada para continuar sem descansar, embora a pressa de Cecilia para
encontrar Delvile em tempo suficiente para discutir seus assuntos novamente
a fizesse lamentar cada momento que passava na estrada. A refeição não foi
longa e elas estavam voltando para a carruagem quando, de repente, foram
abordadas por Mr. Morrice, que acabava de descer de seu cavalo. Ele
felicitou-se pela satisfação de encontrá-las, com o ar de um homem que não
duvidava que a satisfação fosse mútua. A seguir, apressou-se em trazer
notícias sobre Grove: — Eu dificilmente poderia escapar — exclamou ele —,
meu amigo Monckton não saberá o que fazer sem mim, pois lady Margaret,
coitada, encontra-se realmente em um estado lamentável; dificilmente alguém
fica na mesma sala com ela, pois sua respiração é como o grunhido de um
porco. Ela não deve durar muito; está muito cansada e cambaleia quando
anda sozinha, alguém poderia jurar que está embriagada.
— Não deve supor que nenhum idoso possa ficar só, ainda mais quando
sofre de alguma enfermidade por intoxicação — disse Mrs. Charlton, que
agora era ajudada a subir na carruagem.
— Certamente, senhora! — exclamou ele. — Eu realmente me esqueci que
a senhora também é idosa, ou não teria feito essa observação. No entanto,
quanto à pobre lady Margaret, ela pode acabar se recuperando como sempre,
pois tem uma constituição excelente, e suponho que nunca tenha estado
melhor durante estes quarenta anos, pois lembro-me de quando era um
menino e a ouvi ser chamada de velha poça mancando.
— Bem, vamos discutir este assunto, por favor — disse Cecilia —, em
outra hora.
Ela ordenou ao postilhão que seguisse em frente, mas, antes de chegarem à
etapa seguinte, Morrice, que havia trocado de cavalo, juntou-se a elas e
cavalgou ao seu lado, implorando que observassem a maneira como ele se
apressara voluntariamente para ter o prazer de escoltá-las. Esta ousadia foi
muito ofensiva para Mrs. Charlton, cuja idade e personalidade há muito lhe
proporcionavam mais deferência e respeito. Cecilia, porém, ansiava apenas
por apressar a viagem e se mostrava indiferente a tudo, exceto àquilo que a
atrasava. Na mesma estalagem, elas trocaram de cavalo novamente; Mr.
Morrice ainda continuou cavalgando com elas e, ocasionalmente, falando, até
que estivessem a vinte milhas de Londres, quando um distúrbio na estrada
despertou sua curiosidade e ele apressadamente se afastou delas para indagar
sobre sua causa. Ao chegarem ao local de onde procedia, viram um grupo de
cavalheiros montados rodeando uma carruagem que acabara de virar, e,
enquanto a confusão na estrada obrigava o postilhão a parar, Cecilia ouviu a
voz de uma mulher que exclamava: — Ouso dizer que estou morta! — e
lembrou-se instantaneamente de Miss Larolles. O medo da descoberta e da
demora a fez desejar que o homem continuasse seguindo a toda velocidade.
Ele estava se preparando para obedecê-la, mas Morrice, galopando atrás
delas, gritou: — Miss Beverley, uma das damas que foi derrubada é uma
conhecida sua. Eu costumava vê-las juntas na casa de Mrs. Harrel.
— É mesmo? — disse Cecilia, muito desconcertada —, espero que ela não
esteja ferida.
— Não, de forma alguma; mas a dama que a acompanha está ferida de
morte. A senhorita não vai vê-la?
— Estou com muita pressa no momento, e não posso lhes servir de
nenhuma ajuda, mas estou certa de que Mrs. Charlton pode se desfazer de seu
criado, se ele puder ser de alguma utilidade.
— Oh, mas a jovem quer falar com a senhorita; ela está se aproximando da
carruagem o mais rápido que pode.
— E como ela soube que estou aqui? — gritou Cecilia, com grande
surpresa. —Tenho certeza de que ela não podia me ver.
— Oh, eu disse a ela — respondeu Mr. Morrice, com um aceno de
autoaprovação pelo que havia feito. — Eu disse a ela que era a senhorita, pois
sabia que logo poderia alcançá-la.
O descontentamento com essa intromissão foi inútil, pois, olhando pela
janela, ela viu Miss Larolles, seguida por metade de seu grupo, a menos de
três passos da carruagem.
— Oh, minha querida criatura — exclamou ela —, que terrível acidente!
Garanto que estou tão assustada que a senhorita não faz ideia. É a coisa mais
afortunada do mundo que a senhorita esteja seguindo por este caminho.
Nunca aconteceu algo tão excessivamente provocador, a senhorita não tem
noção da queda que tivemos. Foi horrível, eu lhe garanto. Como a senhorita
tem estado todo esse tempo? Não pode imaginar como estou feliz em vê-la.
— E à qual Miss Beverley vai responder primeiro — gritou uma voz que
anunciava Mr. Gosport —, à alegria ou à tristeza? Pois elas estão tão
habilmente combinadas, que um auditor comum poderia encontrar
dificuldade ao decidir se condolências ou felicitações deveriam ter
precedência.
— Como o senhor pode ser tão horrível — exclamou Miss Larolles —
para falar de felicitações quando se está em um pânico tão espantoso que não
se sabe se está vivo ou morto!
— Morta, então, para qualquer aposta — respondeu ele —, se pudermos
julgar por sua imobilidade.
— Eu gostaria que o senhor não começasse a me provocar — exclamou
ela —, pois eu lhe garanto que é um assunto excessivamente sério. Nunca
fiquei tão feliz em toda minha vida como quando descobri que não estava
morta. Eu estava tão esmagada que o senhor não faz ideia. Durante uma hora
eu pensei que tinha quebrado os dois braços.
— E meu coração ao mesmo tempo — disse Mr. Gosport. — Espero que a
senhorita não tenha imaginado que é a menos frágil dos três?
— Todos os nossos corações, permita-me acrescentar — disse o capitão
Aresby, que se aproximava —, todos os nossos corações deveriam ter sido
abimés pela indisposição de Miss Larolles, se seu destino não tivesse sido
felizmente revogado pela visão de Miss Beverley.
— Bem, é muito estranho — exclamou Miss Larolles — que todo mundo
fuja assim da pobre Mrs. Mears; ela vai ficar tão ofendida que não se pode
fazer ideia. Eu pensei, capitão Aresby, que o senhor ficaria para cuidar dela.
— Vou correr e ver como ela está eu mesmo — gritou Morrice, e saiu
galopando.
— Realmente, madame — disse o capitão —, estou bastante au desespoir
por ter falhado em qualquer um dos meus devoirs, mas considero um
princípio ser um mero espectador nessas ocasiões, para não me sentir tão
infeliz a ponto de cometer qualquer gafe por demasiada empressement.43
— Uma cautela admirável — disse Mr. Gosport — e, para um
temperamento tão ardente, uma verificação necessária!
Cecilia, a quem a surpresa e o desgosto de um encontro tão inapropriado
quando ela particularmente desejava não ser notada, havia até então guardado
um doloroso silêncio e começava a recuperar alguma presença de espírito; ela
cumprimentou Miss Larolles e Mr. Gosport, fez uma ligeira reverência ao
capitão e desculpou-se pela pressa, mas disse que tinha um compromisso em
Londres que não poderia ser adiado, e já estava dando ordens ao postilhão
para seguir adiante, quando Morrice voltou a toda velocidade, dizendo: — A
pobre senhora está tão mal que não consegue dar um passo; ela não consegue
colocar um pé no chão e diz que está cheia de hematomas, então eu disse a
ela que tinha certeza de que Miss Beverley não se recusaria a abrir espaço
para ela em sua carruagem até que a outra pudesse ser colocada em ordem, e
ela diz que vai aceitar isso como um grande favor. Aqui, postilhão, um pouco
mais à direita! Vamos, senhoras e senhores, abram caminho.
Cecilia não pôde se opor a esta impertinência, por mais extraordinária que
fosse, pois Mrs. Charlton, sempre compassiva e complacente onde havia
qualquer aparência de angústia, imediatamente apoiou a proposta; a
carruagem, portanto, foi virada para trás, e ela foi obrigada a oferecer um
lugar para Mrs. Mears, que, embora mais assustada do que ferida,
prontamente aceitou; não obstante, para abrir espaço para a mulher sem
incomodar Mrs. Charlton, ela foi forçada a dar seu lugar a outra. Entretanto,
ela não deixou de desejar que toda a presteza possível pudesse ser usada para
consertar a outra carruagem e que elas pudessem ser acomodadas, e todos os
cavalheiros, exceto um, desmontaram de seus cavalos a fim de ajudar, ou
parecer ajudar. Este único espectador despreocupado em meio à aparente
agitação geral era Mr. Meadows, que via tudo o que se passava sem se
incomodar em interferir e com o ar da mais evidente indiferença se as coisas
iam bem ou mal. Miss Larolles, agora voltando à cena de ação, de repente
exclamou: — Oh, céus, onde está o meu cachorrinho! Nunca pensei nele, eu
confesso! Eu o amo mais do que qualquer coisa no mundo. Eu não queria que
ele fosse ferido nem por cem mil libras. Senhor, onde ele está?
— Esmagado ou asfixiado pela reviravolta, sem dúvida — disse Mr.
Gosport —, mas como a senhorita deve ter sido seu carrasco, que morte mais
suave ele poderia ter? Se a senhorita mesma impõe a punição, eu me
submeterei ao mesmo destino.
— Meu Deus, como o senhor adora me atormentar! — exclamou ela, e
então perguntou aos criados o que havia acontecido com seu cachorro. O
pobre animalzinho, esquecido por sua dona e desprezado por todos os outros,
foi agora descoberto por seu ganido, e logo descobriu-se que tinha sido o
mais afetado pela queda: uma de suas patas dianteiras estava quebrada.
Pudessem gritos ou lamentações, reprimendas aos criados ou reclamações
contra o destino ter mitigado sua dor ou feito um calo na fratura, curta teria
sido a duração de sua miséria, pois nem palavras foram salvas, nem pulmões
foram poupados, o próprio ar se rasgou com gritos e todos os presentes foram
repreendidos como cúmplices do desastre. O postilhão, por fim, interrompeu
a vociferação com a notícia de que a carruagem estava novamente em
condições de uso, e Cecilia, ansiosa por partir, achando-o pouco considerado,
repetiu o que ele disse à Miss Larolles.
— A carruagem? — disse ela. — A senhorita não acredita que eu voltarei
a subir naquela carruagem horrível? Eu lhe garanto que não o faria em
hipótese alguma.
— Não voltará a subir? — disse Cecilia. — Com que propósito, então,
todos nós esperamos até que estivesse pronta?
— Oh, eu declaro que não entraria nela por quarenta mil mundos. Eu
prefiro caminhar até uma estalagem, mesmo se ela estiver a cento e cinquenta
milhas de distância.
— Mas, por acaso — disse Mr. Gosport —, por estar a apenas sete milhas,
imagino que a senhorita condescenderá a subir.
— Sete milhas! Senhor, que espantoso! O senhor não tem ideia do quanto
me assusta. Pobre Mrs. Mears! Ela terá que ir sozinha. Ouso dizer que a
carruagem tombará cinquenta vezes pelo caminho. É dez para um como ela
vai quebrar o pescoço! Apenas conceba o quanto é horrível! Eu lhe garanto
que estou excessivamente feliz por estar fora dela.
— Muito amigável, de fato! — disse Mr. Gosport. — Mrs. Mears, então,
pode quebrar seus ossos como quiser!
Mrs. Mears, porém, quando solicitada, professou uma aversão igual à
carruagem em que fora tão infeliz e declarou que preferia caminhar do que
voltar para ela, embora um de seus tornozelos já estivesse tão inchado que ela
mal conseguia ficar em pé.
— Neste caso, a melhor maneira, senhoras — exclamou Morrice, com o
olhar de um homem feliz em vencer todas as dificuldades —, será que Mrs.
Charlton e aquela pobre senhora com hematomas possam seguir juntas na
carruagem sólida, e nós, cavalheiros, acompanhemos esta jovem e Miss
Beverley a pé, até que todos cheguemos à próxima estalagem. Miss Beverley,
eu sei, é uma excelente caminhante, pois ouvi Mr. Monckton comentar o fato.
Cecilia, embora muito consternada com a proposta que tanto retardaria
uma viagem que ela tinha tantos motivos para desejar que fosse apressada,
não sabia como opor-se a ela com decência ou humanidade; e o medo de
levantar suspeitas, consciente do quanto havia para suspeitar, a obrigou a
conter sua impaciência e a reduziu até mesmo a repetir a oferta que Morrice
havia feito, embora mal pudesse olhar para ele por raiva de seu atrevimento
inoportuno. Sem voz dissidente, a tropa começou a se formar. A caminhada
consistia nas duas jovens e Mr. Gosport, que desmontou para caminhar com
Cecilia e a cavalaria; Mr. Meadows, o capitão e Mr. Morrice, que trotavam
com seus cavalos a um passo lento, enquanto o resto do grupo seguia na
carruagem, como assistentes de Mrs. Mears.
Pouco antes de partirem, Mr. Meadows, subindo negligentemente na
carruagem, esforçou-se ao ponto de perguntar à Mrs. Mears: — Está ferida,
senhora? — e, no mesmo instante, parecendo se lembrar de Cecilia, virou-se
e, bocejando enquanto tocava no chapéu, disse: — Oh, como vai, senhorita?
— e então, sem esperar uma resposta a nenhuma de suas perguntas, juntou-se
à cavalgada, embora sem parecer ter qualquer consciência de pertencer a ela.
Cecilia teria muito prazer em usar a carruagem rejeitada, mas não poderia
fazer tal proposta à Mrs. Charlton, que não tinha mais idade nem coragem
para qualquer aparência de aventura. Assim, após a pergunta, ela teve a
satisfação de ouvir que a distância para a próxima etapa era de apenas duas
milhas, embora tivesse sido aumentada para sete pela malícia de Mr. Gosport.
Miss Larolles carregava seu cachorrinho nos braços, declarando que nunca
mais passaria um momento longe dele. Ela contou a Cecilia que estava há
algum tempo em uma visita na residência de Mrs. Mears, que, com o resto do
grupo, a havia levado para ver a casa e os jardins, onde haviam preparado um
jantar mais cedo, de onde acabavam de regressar em direção à casa quando a
carruagem quebrou.
Com sua habitual volubilidade, ela então passou a relatar as pequenas
coisas que se passaram desde o inverno, voando de um tema a outro, sem
nenhum significado adicional além de ser ouvida, e nenhum desejo a não ser
falar, sempre rápida na fala, embora minuciosa nos detalhes. Esta
loquacidade não sofreu nenhuma interrupção, exceto um ocasional
comentário sarcástico de Mr. Gosport, pois Cecilia estava muito ocupada
com seus próprios assuntos para responder ou ouvir um discurso tão pouco
interessante. Seu silêncio, entretanto, foi finalmente quebrado à força; Mr.
Gosport, aproveitando o primeiro momento em que Miss Larolles se deteve
para respirar, perguntou: — O que a leva à cidade, Miss Beverley, nesta
época do ano?
Cecilia, cujos pensamentos estavam inteiramente concentrados no que
aconteceria em seu encontro próximo com Delvile, estava tão completamente
despreparada para esta pergunta, que não pôde responder até que Mr.
Gosport, em um tom de surpresa, a repetiu, e então, não sem hesitação, ela
disse: — Tenho alguns negócios em Londres, senhor. Diga, há quanto tempo
está no campo?
— Negócios, hein? — disse ele, atingido por sua evasão. — Ora, o que a
senhorita e negócios podem ter em comum?
— Mais do que o senhor pode imaginar — respondeu ela, com grande
firmeza. — E talvez em pouco tempo eu possa até ter o suficiente para me
ensinar a desfrutar do lazer.
— Por que a senhorita não contrata um administrador? Ora, procurar um
administrador pronto para tirar o problema de suas mãos. Existem tais
criaturas que se podem encontrar, eu garanto; bestas de carga, que assumirão
livremente a administração de sua propriedade sem outra recompensa senão a
insignificância de possuí-la. Não é capaz de encontrar um ser assim?
— Não sei — respondeu ela —, não tenho prestado atenção.
— E nenhum deles fez uma solicitação?
— Bem, não. Eu acredito que não.
— Ora, ora! Nenhum guardião de cartório foi incomodado com mais
requerentes. A senhorita sabe que eles a atacam às dezenas.
— O senhor deve me perdoar; de fato, eu não sei nada sobre isso.
— A senhorita sabe, então, por que eles não o fazem, e isso é praticamente
a mesma coisa.
— Posso, pelo menos, conjecturar por quê; o lugar, suponho, não vale o
serviço.
— Não, não; o lugar, eles concluem, já está confiscado, e o pagamento da
propriedade é simplesmente o coração da proprietária. Não é assim mesmo?
— O coração da proprietária — respondeu ela, um pouco confusa — pode,
de fato, ser simples, mas talvez não tão facilmente conquistado como
imagina.
— Então a senhorita o salvou sabiamente de uma tormenta, mediante uma
rendição generosa? A senhorita esteve, de fato, em uma excelente escola para
o estudo de ataque e defesa; o Castelo Delvile é uma fortaleza que, mesmo
em ruínas, demonstra sua força pela sua antiguidade, e ensina, também, uma
lição admirável, exibindo o perigoso e infalível poder do tempo, que desafia
todo o poder e mina todas as forças, que rompe todas as barreiras e não
mostra nada suportável além de si mesmo — em seguida, olhando para ela
com mais seriedade, Mr. Gosport disse: — Eu creio que a senhorita fez uma
longa visita ao castelo. Esta observação nunca lhe ocorreu? A senhorita
nunca percebeu, nunca sentiu, pelo contrário, as propriedades insidiosas do
tempo?
— Sim, certamente — respondeu ela, alarmada com a simples menção do
Castelo Delvile, mas fingindo entender literalmente o que era dito
metaforicamente —, o caos do tempo sobre o lugar não poderia deixar de me
surpreender.
— E o caos se instalou — continuou ele, ainda mais maliciosamente —
apenas no exterior? Está tudo a salvo? Sólido e firme? E a duração de sua
residência não demonstrou seu poder por nenhuma nova travessura?
— Sem dúvida não — respondeu ela, com a mesma ignorância fingida —,
o lugar não está em uma condição tão desesperadora a ponto de exibir
quaisquer sinais visíveis de deterioração no curso de três ou quatro meses.
— E a senhorita não sabe — disse ele — que o lugar a que me refiro pode
receber um dano em poucos minutos que o dobro do número de anos não
pode corrigir? As partes internas de um edifício não são menos vulneráveis a
acidentes do que o seu exterior, e embora o mal possa ser mais facilmente
ocultado, será mais difícil remediá-lo. Eu vi muitas estruturas justas que,
como aquela agora diante de mim (olhando com muito significado para
Cecilia), parecem perfeitas aos olhos em todas as suas partes, e ilesas, seja
pelo tempo ou por casualidade, enquanto, no interior, algum demônio à
espreita, alguma ferida latente, secretamente abriu seu caminho até o próprio
coração do edifício, onde consumiu sua força e desperdiçou seus poderes, até
que, afundando cada vez mais, minou seu próprio alicerce, antes que a
superestrutura tivesse exibido algum sinal de perigo. Este acidente está entre
as coisas que a senhorita considera possíveis?
— Sua linguagem — disse ela, corando muito — é tão floreada que devo
admitir que torna seu significado um tanto obscuro.
— Devo ilustrá-la com um exemplo? Suponhamos, durante sua residência
no Castelo Delvile...
— Não, não — interrompeu ela, com involuntária rapidez. — Por que o
senhor deveria se incomodar com ilustrações?
— Ora, minha querida criatura — exclamou Miss Larolles —, como está
Mrs. Harrel? Nunca senti tanta pena de ninguém em minha vida. Eu quase me
esqueci de perguntar por ela.
— Sim, pobre Harrel! — exclamou Morrice. — Ele foi uma grande perda
para seus amigos. Eu tinha acabado de começar a ter alguma consideração
por ele; estávamos ficando extremamente íntimos. Pobre camarada! Ele
realmente oferecia jantares excelentes.
— Harrel? — exclamou de repente Mr. Meadows, que só então pareceu
ouvir pela primeira vez o que estava acontecendo. — Quem era ele?
— Oh, o sujeito mais agradável que conheci em minha vida — respondeu
Morrice. — Ele nunca estava triste; sempre bebendo, cantando e dançando
até o último momento. Não se lembra dele, senhor, naquela noite em
Vauxhall?
Mr. Meadows não respondeu, mas continuou cavalgando languidamente.
Mr. Morrice, cada vez mais petulante do que sagaz, exclamou: — Eu
realmente acredito que o cavalheiro é surdo! Ele nem mesmo diz “hum!” ou
“o quê?”, mas eu darei a ele o que seus ouvidos merecem de forma que ele
me ouça, quer ele queira ou não. Senhor! Eu disse — gritando —, o senhor se
esqueceu daquela noite em Vauxhall?
Mr. Meadows, assustado com os gritos, olhou para Morrice com alguma
surpresa e disse: — O senhor foi tão amável a ponto de falar comigo?
— Sim, senhor — disse Morrice, assombrado. — Achei que tivesse
perguntado algo sobre Mr. Harrel, então respondi; é tudo.
— O senhor é muito bom — respondeu ele, curvando-se levemente e
olhando para outro lado, como se estivesse completamente satisfeito com o
que havia acontecido.
— Mas eu gostaria de saber, senhor — retomou Mr. Morrice —, se não se
lembra como Mr. Harrel...
— De quem está falando, senhor?
— Mr. Harrel, senhor; o senhor não me perguntou quem ele era?
— Oh, sim, é verdade! — exclamou Mr. Meadows, em um tom de
extremo cansaço. — Estou muito grato ao senhor. Por favor, transmita-lhe
meus respeitos — ele tocou seu chapéu e voltou a cavalgar, mas o espantado
Morrice gritou:
— Transmitir-lhe seus respeitos? Ora, o senhor não sabe que ele está
morto?
— Morto? Quem, senhor?
— Ora, Mr. Harrel, senhor.
— Harrel? Ah, é verdade! — exclamou Mr. Meadows, com uma expressão
de repentina lembrança. — Ele deu um tiro em si mesmo, creio eu, ou foi
derrubado, ou algo assim. Eu me lembro perfeitamente.
— Oh! — exclamou Miss Larolles. — Não vamos falar sobre isso, é a
coisa mais cruel que já vi em minha vida. Garanto que fiquei tão surpresa que
pensei que nunca conseguiria superar o fato. Lembro-me que na noite
seguinte em Ranelagh eu não consegui falar de outra coisa. Ouso dizer que
contei para 500 pessoas. Garanto que estava morrendo de cansaço; apenas
conceba quão angustiante foi!
— Um método excelente — disse Mr. Gosport — para tirar o fato da
própria cabeça, a senhorita o enfia na cabeça de seus vizinhos! Mas a
senhorita não teve medo, com semelhante ebulição de impropriedade, de
estourar tantos corações quantos a ouviram?
— Oh, eu lhe asseguro — exclamou ela —, todos ficaram tão abalados que
o senhor não tem noção; não se ouviu mais nada; todos ficaram insanos com
a história.
— Realmente, foi assim mesmo — disse o capitão. — O assunto estava
obsedépartout.44 Quase não se respirava, a história jorrava de todas as
direções. Devo confessar que fui anéanti45 até certo ponto.
— Mas a coisa mais surpreendente de tudo — disse Miss Larolles — foi o
leilão. Eu não perdi um único dia. Foi possível encontrar o mundo inteiro lá,
e todos estavam tão tristes que os senhores não fazem ideia. Foi horrível.
Garanto que nunca havia sofrido tanto; o caso todo me deixou tão infeliz que
ninguém pode imaginar.
— Isso eu posso imaginar — disse Mr. Gosport —, que os poderes da
imaginação sejam sempre tão excêntricos.
— Sir Robert Floyer e Mr. Marriot — continuou Miss Larolles — se
comportaram tão mal que os senhores não fazem ideia, pois eles nada fizeram
desde então, exceto dizer como Mr. Harrel os enganou monstruosamente, e
como eles perderam somas tão imensas com ele; apenas concebam quanta
maldade!
— E eles se queixam — disse Mr. Morrice — que o velho Mr. Delvile os
usou de forma pior, pois, enquanto eles foram defraudados de todo aquele
dinheiro propositalmente para negociar sua aproximação de Miss Beverley,
ele nunca os deixaria vê-la, mas de repente a levou para o interior com o
propósito de casá-la com o próprio filho.
As bochechas de Cecilia agora brilhavam com os mais profundos rubores,
mas ao descobrir, por meio de um silêncio geral, que se esperava que ela
desse alguma resposta, ela disse, com a despreocupação que podia adotar: —
Eles estavam muito enganados; Mr. Delvile não tinha essa intenção.
— De fato?! — exclamou Mr. Gosport, percebendo novamente sua
mudança de semblante; — e é possível que a senhorita realmente tenha
escapado de um cerco, enquanto todos concluíram que havia sido levada de
assalto? Ora, onde está o jovem Delvile neste momento?
— Eu não... eu não posso dizer, senhor.
— Faz muito tempo que a senhorita não o vê?
— Faz dois meses — respondeu ela, com ainda mais hesitação —, desde
que estive no Castelo Delvile.
— Oh, mas — disse Mr. Morrice — a senhorita não o viu enquanto ele
estava em Suffolk? Acredito, de fato, que ele está lá agora, pois foi ontem
mesmo que ouvi por um cavalheiro que visitou lady Margaret que tinha visto
um estranho, um ou dois dias atrás, na porta de Mrs. Charlton, e quando ele
perguntou quem era, lhe disseram que seu nome era Delvile, e disseram que
ele estava visitando Mr. Biddulph.
Cecilia ficou bastante perplexa com esse discurso; saber que Delvile a
visitara era em si alarmante, mas ter seu próprio equívoco assim tão
flagrantemente exposto era infinitamente mais perigoso. As justas suspeitas
que o assunto devia suscitar a enchiam de pavor, e a evasão palpável com a
qual fora descoberta a oprimia de confusão.
— Então a senhorita se esqueceu — disse Mr. Gosport, olhando para ela
com muita malícia — que o viu nos últimos dois meses? Não é de se admirar,
pois onde se encontra uma dama que, com tantos admiradores, pode se dar ao
trabalho de se lembrar qual deles ela viu por último? Ou quem, estando tão
acostumado à adulação, pode considerar pertinente indagar de onde vem? Mil
Mr. Delviles são para Miss Beverley como um, usado por todos eles para a
mesma história; ela os considera não individualmente como pretendentes,
mas coletivamente como homens, e para obter, mesmo de si mesma, o que
está mais inclinada a favorecer, ela provavelmente deve desejar, assim como
Portia em O Mercador de Veneza, que seus nomes possam ser revisados um a
um, antes que ela possa distinguir claramente qual é qual.
A excelente galhardia deste discurso foi um certo alívio para Cecilia, que
já estava começando a rir, quando Morrice exclamou: — Aquele homem
parece estar sobre o batedor!
Ao erguer os olhos, ela percebeu um homem a cavalo, que, embora muito
coberto, usando um chapéu de abas e um lenço que escondia sua boca e
queixo, ela instantaneamente, por seu aspecto e sua figura, reconheceu ser
Delvile.
Muito consternada com a visão, ela se esqueceu do que iria dizer e,
baixando os olhos, continuou caminhando em silêncio. Mr. Gosport, atento
aos seus movimentos, olhou dela para o cavaleiro e, após um breve exame,
disse: — Creio que já vi aquele homem antes; a senhorita não, Miss
Beverley?
— Eu? Não — respondeu ela —, acredito que não, eu mal o vejo agora.
— Eu já vi, tenho absoluta certeza — disse Mr. Morrice —, e, se eu
pudesse ver seu rosto, eu me atreveria a dizer que me lembro dele.
— Ele parece muito disposto a saber se pode reconhecer algum de nós —
disse Mr. Gosport —, e, se não estou enganado, ele vê muito melhor do que é
visto.
O homem agora se aproximava deles, e embora bastasse um olhar para
descobrir o objeto de sua busca, a visão do grupo que a cercava o fez não
ousar parar ou falar com ela, e, portanto, ele esporou o cavalo e galopou
passando por eles.
— Vejam — exclamou Morrice, acompanhando o cavaleiro com os olhos
— como ele se volta para nos examinar! Eu me pergunto quem é.
— Talvez algum salteador de estrada! — disse Miss Larolles. — Eu
garanto que levei um susto prodigioso; eu simplesmente detesto ser roubada,
os senhores nem podem imaginar.
— Eu ia fazer a mesma conjectura — disse Mr. Gosport —, e, se não estou
muito enganado, aquele homem é um ladrão pouco vulgar. O que acha, Miss
Beverley, a senhorita consegue discernir um ladrão disfarçado?
— Na verdade, não; não finjo ter nenhum conhecimento tão
extraordinário.
— Isso é verdade, pois tudo o que se finge é uma ignorância
extraordinária.
— Eu tenho uma boa ideia — disse Mr. Morrice —, cavalgar atrás dele e
saber do que se trata.
— Para quê? — perguntou Cecilia, muito alarmada. — Certamente não
pode haver ocasião!
— Não, por favor, não — disse Miss Larolles —, eu garanto que, se ele
voltasse para nos roubar, eu morreria na hora. Nada poderia ser tão
desagradável e eu iria gritar tanto, os senhores não fazem ideia.
Morrice então desistiu da proposta e eles seguiram caminhando em
silêncio, mas Cecilia ficou extremamente perturbada pelo incidente; ela
prontamente conjecturou que, impaciente por sua chegada, Delvile havia
cavalgado naquela direção para ver o que a havia retardado, e ela estava
ciente de que nada poderia ser tão desejável como uma explicação imediata
do motivo de sua viagem. Tal encontro, portanto, se ela estivesse sozinha, era
exatamente o que poderia ter desejado, embora, infelizmente assim
envolvida, apenas aumentasse sua ansiedade. No entanto, involuntariamente,
ela apressou o passo na ânsia de se livrar de um grupo tão problemático, mas
Miss Larolles, que não tinha tanta pressa, protestou que não conseguia
acompanhar seu ritmo, dizendo: — A senhorita se esquece que eu tenho esse
cachorrinho adorável para carregar, e ele é uma praga tão lamentável para
mim que a senhorita não tem noção. Imagine só o peso que ele tem!
— Por favor, madame — exclamou Mr. Morrice —, permita que eu
mesmo o carregue; terei muito cuidado com ele, eu prometo; e a senhorita
não precisa ter medo de confiá-lo a mim, pois entendo mais sobre cães do que
sobre qualquer outra coisa.
Miss Larolles, depois de muitas carícias afetuosas, achando-se muito
cansada, consentiu, e Mr. Morrice colocou o animalzinho diante dele no
cavalo, mas, enquanto o assunto estava se ajustando e Miss Larolles dava
instruções sobre como deveria ser, Morrice exclamou: — Vejam, vejam!
Aquele homem está voltando! Ele certamente está nos observando. Lá! Agora
ele está partindo de novo! Suponho que ele me viu comentando sobre ele.
— Ouso dizer que ele está esperando para nos roubar — disse Miss
Larolles. — Então, quando sairmos da estrada principal para ir até a casa de
Mrs. Mears, suponho que ele virá galopando atrás de nós. É horrível demais,
eu lhes asseguro.
— É petrificante — disse o capitão — que alguém deva ser sempre
degouté46 por algum ser miserável ou outro deste tipo; mas, por favor, não
fiquem perturbadas, eu irei atrás dele, se quiserem, e farei o possível para me
livrar dele.
— Na verdade, eu gostaria que o senhor o fizesse, pois garanto que ele
colocou essas noções surpreendentes, que são bastante desagradáveis, em
minha cabeça — respondeu Miss Larolles.
— Vou tomar isso como um princípio — disse o capitão —, ter a honra de
obedecê-la — ele já estava se afastando, quando Cecilia, muito agitada,
perguntou: — Por que deveria ir, senhor? Ele não está em nosso caminho;
imploro que o deixe em paz; com qual propósito o senhor deveria persegui-
lo?
— Espero — disse Mr. Gosport — que com o propósito de fazê-lo juntar-
se ao nosso grupo, para uma parte da qual imagino que ele não seria uma
adição muito intolerável.
Este discurso novamente silenciou Cecilia, que percebeu, com a maior
confusão, que tanto Delvile quanto ela eram indubitavelmente suspeitos para
Mr. Gosport, se não já realmente traídos para ele. Ela foi obrigada, portanto, a
deixar o assunto seguir seu curso, embora bastante apreensiva de que uma
descoberta completa se seguisse à busca projetada.
O capitão, que não precisava de coragem, por mais profundo que tivesse
enterrado o bom senso na vaidade e na afetação, foi interrompido, a pedido
de Cecilia, para que desistisse do seu plano, e, com um encolher de ombros
angustiado, disse: — Eu estou parfaitment em um estado o mais accablant47
do mundo; nada poderia me dar maior prazer do que aproveitar a ocasião para
atender qualquer uma dessas damas, mas como elas seguem princípios
diferentes, fico indeciso até certo ponto para que lado me virar!
— Coloquem em votação, então — disse Mr. Morrice. — As duas damas
já falaram; agora, então, é a vez dos cavalheiros. Vamos, senhor — para Mr.
Gosport —, o que o senhor diz?
— Oh, traga o culpado de volta, por todos os meios — respondeu ele —, e
então vamos todos insistir para que abra sua causa, contando-nos de que
maneira nos ofendeu, pois não há nenhuma parte de seus assuntos, creio eu,
com a qual estejamos menos familiarizados.
— Bem — disse Mr. Morrice —, eu mesmo devo lhe fazer algumas
perguntas; o capitão também; então todos deram sua opinião, menos o senhor
— dirigindo-se a Mr. Meadows. — Então, agora, senhor, vamos ouvir sua
opinião.
Mr. Meadows, parecendo totalmente desatento, seguiu em frente.
— Ora, senhor — Morrice gritou, ainda mais alto —, estamos todos
esperando pelo seu voto. Por favor, qual é o nome do cavalheiro? É muito
difícil fazê-lo ouvir alguma coisa.
— Seu nome é Meadows — disse Miss Larolles, em voz baixa —, e lhe
asseguro que, às vezes, ele não ouve as pessoas por horas a fio. Ele é tão
ausente que o senhor não tem noção. Um dia ele me deixou com tanta raiva,
que não pude deixar de chorar, e Mr. Sawyer ficou parado o tempo todo! Eu
lhe asseguro que acredito que ele riu de mim. Apenas imagine quão
angustiante!
— Pode ser — disse Morrice — que seja por acanhamento, talvez ele
pense que vamos criticá-lo.
— Acanhamento? — repetiu Miss Larolles. — Deus, o senhor não
concebe a coisa de forma alguma! Por que ele está na frente do grupo? Não
há nada no mundo tão na moda quanto não dar atenção às coisas, nunca ver
as pessoas, não dizer absolutamente nada, nunca ouvir uma palavra e não
conhecer os próprios conhecidos. Todas as pessoas ton fazem isso, e eu lhe
asseguro quanto a Mr. Meadows, ele é tão excessivamente cortejado por
todas as pessoas, que, se ele disser apenas uma sílaba, pensarão que é um
favor imenso, o senhor não faz ideia.
Esse relato de sua celebridade, embora pouco atraente em si, foi suficiente
para fazer Mr. Morrice cobiçar seu futuro amigo, pois Morrice estava sempre
atento para converter seu prazer em benefício, e nunca negligenciava seus
interesses, a menos que ignorasse como persegui-lo. Ele voltou, portanto, à
acusação, embora de forma alguma com a mesma liberdade com que a havia
começado, e, baixando a voz para um tom de respeito e submissão, disse: —
Por favor, senhor, que possamos tomar a liberdade de solicitar o seu
conselho, se devemos prosseguir ou voltar atrás.
Mr. Meadows não respondeu, mas, quando Mr. Morrice estava pronto para
repetir a pergunta, sem parecer nem mesmo perceber que o outro se
aproximava, ele disse abruptamente à Miss Larolles: — O que aconteceu com
Mrs. Mears? Eu não a vejo entre nós.
— Meu Deus, Mr. Meadows! — exclamou ela. — Como pode ser tão
estranho? O senhor não se lembra que ela foi em uma carruagem para a
estalagem?
— Oh, sim, é verdade — disse ele —, confesso que havia me esquecido
completamente; eu imploro seu perdão, de fato. Sim, eu me lembro agora, ela
caiu do cavalo.
— Caiu do cavalo? Ora, o senhor sabe que ela estava na carruagem dela.
— Na carruagem dela, hein? Bem, sim! Pobrezinha! Estou feliz por ela
não estar machucada.
— Não estar machucada? Ora, ela está tão machucada que não consegue
dar um passo! Imagine só a memória que o senhor tem!
— Sinto muitíssimo por ela — disse ele, novamente se espreguiçando e
bocejando. — Pobre alma! Espero que ela não morra. Acha que pode morrer?
— Morrer! — repetiu Miss Larolles com um grito. — Senhor, que
surpreendente! O senhor é realmente capaz de assustar qualquer um que o
ouve.
— Mas, senhor — disse Mr. Morrice —, gostaria que tivesse a gentileza
de nos dar o seu voto; do contrário, o homem terá ido tão longe que não
seremos capazes de alcançá-lo. Embora eu realmente acredite que é o mesmo
sujeito que está voltando para nos espiar novamente!
— Estou ennuyé48 até certo ponto — disse o capitão. — Ele certamente foi
designado para nos espionar, e eu realmente devo implorar permissão para
perguntar a ele por que princípio ele nos incomoda — o capitão
imediatamente cavalgou atrás do homem.
— E eu também — disse Mr. Morrice, seguindo-o.
Miss Larolles gritou atrás dele para que antes lhe desse seu cachorrinho,
mas com a ânsia de um colegial para ser o primeiro, ele galopou sem dar
atenção a ela.
A inquietação de Cecilia aumentava a cada momento; a descoberta de
Delvile parecia inevitável, e sua vigilância impaciente e indiscreta deve ter
tornado os motivos de seu disfarce muito evidentes. Só lhe restava a
esperança de chegar à estalagem antes que a detecção fosse anunciada e, pelo
menos, evitar a cruel mortificação de ouvir a zombaria que se seguiria.
Mesmo isso, entretanto, não lhe foi permitido. Miss Larolles, a quem ela não
tinha como abandonar, mal podia dar outro passo por causa de sua ansiedade
pelo cachorro e da sinceridade de sua curiosidade pelo estranho. Ela ficou
andando de lá para cá, detinha-se ora para falar, ora para escutar, e mal se
afastou um metro do local onde fora deixada, quando o capitão e Morrice
voltaram.
— Nós não pudemos por nossas vidas ultrapassar o sujeito — disse Mr.
Morrice. — Ele estava bem montado, eu prometo a vocês, e garanto que ele
sabe o que está fazendo, pois fez uma curva tão curta em um lugar onde havia
duas estradas estreitas, que não pudemos saber para que lado ele foi.
Cecilia, aliviada e encantada com a fuga inesperada, recuperou a
compostura e contentou-se em caminhar sem reclamar.
— Mas, embora não pudéssemos capturar sua pessoa — disse o capitão
—, nos despojamos tout à fait49 de sua perseguição; espero, portanto, que
Miss Larolles revogue suas apreensões.
A resposta para isso não foi nada além de um grito alto, com uma
exclamação: — Senhor, onde está meu cachorro?
— Seu cachorro?! — gritou Mr. Morrice, parecendo horrorizado. —
Nossa! Não pensei nele!
— Que coisa mais cruel! — exclamou Miss Larolles. — Ouso dizer que o
senhor o matou. Pense em como isso é surpreendente! Eu preferia ter visto
qualquer pessoa assim servida no mundo. Eu nunca vou perdoá-lo, eu lhe
garanto.
— Meu Deus, madame — disse Morrice —, como pode supor que o
matei? Pobre criatura, estou certo de que me agradava muito. Não consigo
pensar onde ele pode estar, mas tenho a impressão de que caiu em algum
lugar enquanto eu estava a galope. Portanto, irei procurá-lo, porque fomos a
um ritmo tal que nem o notei.
Morrice se afastou novamente.
— Eu estou completamente abîmé — disse o capitão — que o pobrezinho
se perca; se soubesse que estava em perigo, eu teria tomado como princípio
ter eu mesmo consideração por sua pessoa. Tenho sua permissão, madame,
para ter a honra de procurá-lo partout?
— Oh, eu gostaria que o senhor o fizesse, de todo o meu coração, pois eu
lhe asseguro que, se não o encontrar, considerarei o fato tão angustiante que o
senhor não pode conceber.
O capitão tocou no chapéu e se foi.
Estes repetidos impedimentos quase despojaram Cecilia de toda a
paciência; no entanto, sua total incapacidade de resistência a obrigou a se
submeter e a caminhar, parar, ou voltar, de acordo com os movimentos do
grupo.
— Agora, se Mr. Meadows tivesse a menor natureza bondosa do mundo
— disse Miss Larolles —, ele se ofereceria para nos ajudar, mas ele é tão
estranho que creio que, se todos nós caíssemos e quebrássemos o pescoço, ele
estaria tão ausente que dificilmente se daria ao trabalho de nos perguntar
como o fizemos.
— Em um caso tão desesperador — disse Mr. Gosport —, o problema
seria um tanto supérfluo. No entanto, não se queixe de que um dos cavaleiros
fique conosco como guarda, para que seu amigo, o espião, não nos pegue de
surpresa enquanto nossa tropa está dispersa.
— Oh, senhor — exclamou Miss Larolles —, agora que colocou essa ideia
na minha cabeça, atrevo-me a dizer que aquele desgraçado está com o meu
cachorro! Pense em como é horrível!
— Eu vi claramente — disse Mr. Gosport, olhando significativamente para
Cecilia — que ele tinha inclinações para o crime, embora deva confessar que
não o tomei por um ladrão de cães.
Então, Miss Larolles correu até Mr. Meadows e disse: — Tenho um favor
imenso e prodigioso para lhe pedir, Mr. Meadows.
— Madame! — exclamou Mr. Meadows, com seu sobressalto habitual.
— É apenas para saber se, caso aquela horrível criatura voltasse, o senhor
não poderia simplesmente cavalgar até ele e atirar nele antes que ele chegue
até nós? O senhor pode me prometer fazer isso?
— A senhorita é muito boa — disse ele, com um sorriso vago. — Que
tarde mais encantadora! A senhorita não ama o campo?
— Sim, imensamente; só que estou tão monstruosamente cansada que mal
consigo dar um passo. O senhor gosta?
— Do campo? Oh, não! Eu detesto! Cercas empoeiradas e pardais
cantando! É espantoso para mim que qualquer pessoa possa existir nesses
termos.
— Eu lhe asseguro — exclamou Miss Larolles — que concordo
plenamente com a sua opinião. Eu odeio tanto o campo que o senhor não tem
noção. Desejaria de todo o coração que tudo estivesse debaixo da terra. Eu
confesso que, quando vou para o campo no verão, eu choro tanto que o
senhor não consegue imaginar. Eu não gosto de nada além de Londres. O
senhor não?
— Londres?! — repetiu Mr. Meadows. — Oh, que melancolia! O
sumidouro de todo vício e depravação. Ruas sem luz! Casas sem ar!
Vizinhanças sem sociedade! Falantes sem ouvintes! É espantoso que
qualquer ser racional possa suportar estar tão miseravelmente encarcerado.
— Céus, Mr. Meadows — gritou ela, com raiva —, me parece que o
senhor não apoia viver em lugar algum!
— É verdade, é verdade, madame — disse ele, bocejando —, não se pode
mesmo viver em lugar algum; nós apenas vegetamos e desejamos que tudo
termine. Não lhe parece?
— A mim? De fato, não. Eu lhe asseguro que gosto de viver mais do que
todas as coisas. Sempre que estou doente, fico com tanto medo que o senhor
não faz ideia. Eu sempre acho que vou morrer, e isso me deixa tão
desanimada que não se pode imaginar. O senhor não?
Neste momento, Mr. Meadows olhou para outro lado e começou a
assobiar.
— Meu Deus! — exclamou Miss Larolles. — Quão excessivamente
angustiante! Fazer perguntas e nunca ouvir as respostas.
Então, o capitão voltou sozinho, e Miss Larolles, correndo para encontrá-
lo, perguntou onde estava seu cachorro
— Tenho o douleur e regret50 de lhe dizer — respondeu ele — que nunca
estive mais triste em minha vida! O pequenino quebrou outra perna!
Miss Larolles, transtornada pela dor, declarou então que tinha certeza de
que Morrice o havia mutilado de propósito e desejava saber onde estava o vil
desgraçado.
— Ele ficou tão desconcertado com o incidente — respondeu o capitão —,
que imediatamente cavalgou na outra direção. Eu mesmo peguei o pequenino
e fiz todo o possível para não o machucar.
O infeliz animalzinho foi então entregue a Miss Larolles, e depois de
muita lamentação, eles finalmente continuaram sua caminhada e, sem mais
aventuras, chegaram à estalagem.
LIVRO VIII
CAPÍTULO 72
UMA INTERRUPÇÃO
UM EVENTO
UMA CONSTERNAÇÃO
UMA PERTURBAÇÃO
“Miss Beverley,
A senhorita me afasta da sua vida torturado pelo suspense e confuso pela
apreensão, a senhorita me afasta, certa da minha miséria, mas deixando-me
suportá-la como eu puder! Eu a chamaria de insensível, mas vi que também
está infeliz. Eu a reprovaria por tirania, porém os seus olhos, quando me
deixou, estavam inchados de tanto chorar! Sendo assim, obedeço às suas
severas ordens, já que minha ausência é o seu desejo, e permanecerei na
casa de Biddulph até que receba novas ordens. No entanto, não desprezo
refletir que cada instante parecerá interminável enquanto Cecilia parecer-
me injusta, ou ferir minha própria alma com a lembrança dela com tristeza.
MORTIMER DELVILE”.
Quando ela enviou a nota, seu coração ficou mais à vontade, pois ela
finalmente se reconciliou com sua consciência. Ela havia sacrificado o filho,
havia se resignado à mãe, agora só faltava curar seu orgulho ferido, sofrendo
o sacrifício com dignidade, e recuperar sua tranquilidade na virtude, fazendo
a renúncia sem queixas.
Suas reflexões, também, cada vez mais claras à medida que a névoa da
paixão se dispersava, a faziam lembrar com confusão de seu comportamento
frio e taciturno para com Mrs. Delvile. Aquela senhora tinha feito apenas o
que acreditava ser seu dever, e esse dever não era mais do que ela havia sido
ensinada a esperar dela. No início de sua visita, e embora duvidosa de seu
êxito, ela tinha sido realmente austera, mas, quando a vitória surgiu como
perspectiva, ela se tornou terna, afetuosa e gentil. Sua justiça, portanto,
condenou o ressentimento a que ela havia cedido e fortificou sua mente para
o encontro que se seguiria, com um desejo sincero de reparar tanto Mrs.
Delvile quanto ela mesma pelo que havia passado. Assim decidida, sentiu-se
fortalecida ao considerar seriamente o grande abatimento de toda a sua
felicidade futura, que deveria ter sido provocada pela circunstância
humilhante de forçar sua entrada em uma família que considerava
vergonhoso qualquer vínculo entre elas. Ela nem mesmo desejava ser esposa
de Delvile em tais termos, pois quanto mais o estimava e admirava, mais
ansiosa ficava por sua honra e menos podia suportar ser considerada o motivo
de sua degradação.
Agora que seu plano de conduta estava estabelecido, com sua disposição
mais serena, embora com o coração pesado, ela atendeu Mrs. Charlton.
Porém, temendo perder a determinação que acabara de adquirir antes de ser
chamada, desconfiando de si mesma para relatar a decisão que havia sido
tomada, ela lhe implorou por ora que prescindisse da narrativa e, em seguida,
forçou-se a conversar sobre temas menos interessantes. Esta prudência surtiu
efeito; Cecilia ouviu Mrs. Delvile ser anunciada novamente com uma
tranquilidade tolerável e a recebeu na sala com ar de compostura.
Mas não foi assim que Mrs. Delvile a recebeu; ela era toda ansiedade e
emoção. A mulher aproximou-se rapidamente de Cecilia no momento em que
esta apareceu e, jogando os braços à sua volta, exclamou calorosamente: —
Oh, menina encantadora! Protetora da nossa família! Protetora de nossa
honra! Quão pobres são as palavras para expressar minha admiração! Quão
inadequados são os agradecimentos em troca das obrigações que devo à
senhorita!
— A senhora não me deve nada, madame — disse Cecilia, suprimindo um
suspiro. — De minha parte está toda a obrigação, se a senhora puder perdoar
a petulância do meu comportamento esta manhã.
— Não chame por um nome tão duro — respondeu Mrs. Delvile — a
intensidade de uma sensibilidade da qual a senhorita é a única vítima. A
senhorita passou por uma provação muito severa e, por mais capaz que seja
de suportá-la, seria impossível que não a sentisse. Que a senhorita tenha de
desistir de qualquer homem cujos familiares não solicitam sua aliança, sua
mente é delicada demais para torná-la maravilhosa. Porém, sua generosidade
em submeter, sem que seja solicitado, o arranjo dessa renúncia àqueles por
cujo interesse é feito, e seu elevado senso de honra em se responsabilizar por
mim, embora sem vínculo, e sem nenhum tipo de compromisso, marcam uma
grandeza de mente que exige reverência mais do que agradecimento, e que
nunca poderei elogiar nem a metade do que admiro.
Cecilia, que recebeu o elogio apenas como uma confirmação de sua
rejeição, agradeceu apenas com uma reverência, e Mrs. Delvile, sentando-se
ao seu lado, continuou seu discurso.
— Meu filho, a senhorita teve a bondade de me dizer, está aqui. A
senhorita o viu?
— Sim, madame — respondeu ela, corando —, mas apenas por um
momento.
— E ele não sabe da minha chegada?
— Não, acredito que não.
— Triste, então, é a provação que o espera, e tão pesada para mim é a
tarefa que devo cumprir! A senhorita espera vê-lo novamente?
— Não, sim, talvez... na verdade, eu não sei... — balbuciou ela, e Mrs.
Delvile, tomando sua mão, respondeu:
— Diga, Miss Beverley, por que deveria vê-lo novamente?
Cecilia ficou perplexa com a pergunta e, corando ainda mais
profundamente, olhou para baixo, mas não conseguiu responder.
— Considere — continuou Mrs. Delvile — o propósito de qualquer outro
encontro; sua união é impossível, a senhorita nobremente consentiu em
renunciar a todos os pensamentos sobre ela; por que então dilacerar seu
próprio coração e torturar o dele por uma relação que parece mais um convite
infeliz a uma tristeza infrutífera e inútil?
Cecilia ainda estava em silêncio; sua razão reconheceu a verdade da
contestação, mas seu coração se recusou a aceitar suas consequências.
— O triunfo pouco generoso da pequena vaidade feminina — disse Mrs.
Delvile — está longe, estou certa, de sua mente, cuja expansão e
generosidade encontrarão mais consolo em diminuir do que em amargar seus
sofrimentos. Fale comigo, então, e diga honestamente, judiciosamente,
francamente, diga: não seria mais sábio e mais acertado evitar em vez de
buscar um objeto que só pode dar origem ao arrependimento? Uma conversa
que não pode suscitar sensações, além de miséria e tristeza?
Cecilia, então, empalideceu; tentou falar, mas não conseguiu; ela desejava
obedecer, mas, ainda assim, pensar que o tinha visto pela última vez, lembrar
como abruptamente ela havia se separado dele e temer que o havia tratado
com crueldade eram obstáculos que se opunham à sua concordância, embora
tanto o juízo quanto o decoro assim exigissem.
— Poderia, então — disse Mrs. Delvile, depois de uma pausa —, desejar
ver Mortimer simplesmente para contemplar sua dor? Poderia desejar que ele
a veja simplesmente para aguçar sua aflição por sua perda?
— Oh, não! — exclamou Cecilia, a quem a reprovação restaurou a fala e a
resolução: — Não sou tão desprezível, não sou, espero, tão indigna! Eu
serei... serei completamente governada pela senhora. Vou me comprometer
com tudo o que quiser, no entanto, uma vez, talvez, não mais...
— Ah, minha querida Miss Beverley! Para se encontrar confessadamente
por apenas uma vez, o que será isso senão enterrar uma adaga no coração de
Mortimer? O que será isso, senão infundir veneno em seu próprio corpo?
— Se a senhora pensa assim, madame — disse ela —, será melhor que...
sem dúvida eu o farei... — ela suspirou, gaguejou e se deteve.
— Ouça — disse Mrs. Delvile. — É melhor me deixar tentar convencê-la
do que a persuadir. Se houvesse alguma possibilidade, mediante um
argumento, uma reflexão, ou mesmo por acidente, de remover os obstáculos à
nossa conexão, então seria bom se a encontrássemos, pois então a discussão
poderia converter-se em uma explicação, e um intercâmbio de sentimentos
produziria algum expediente feliz, mas neste caso...
Ela hesitou, e Cecilia, consternada e envergonhada, virou o rosto e
exclamou: — Eu sei, madame, o que irá dizer. Está tudo acabado! E,
portanto...
— Mesmo assim, permita-me — interrompeu ela — dizer explicitamente,
já que falamos sobre este assunto agora pela última vez. Neste momento,
então, eu digo, quando nenhuma dúvida permanece, quando TUDO está
acabado, embora não satisfatoriamente decidido, o que este encontro pode
produzir? Danos de todos os tipos, dor, horror e lamentos! Para Mortimer, a
senhorita pensar que seria gentil garantir a ele as suas orações como um
alívio de sua infelicidade é uma noção equivocada! Nada poderia aumentar
mais sua dor do que vê-la. Todos os seus desejos seriam enaltecidos, toda a
sua prudência seria extinta, sua alma seria dilacerada pelo ressentimento e
pesar. Para a senhorita também...
— Não fale de mim, madame — exclamou a infeliz Cecilia —, o que disse
sobre o seu filho é suficiente, e eu cederei...
— No entanto, ouça o que eu digo — prosseguiu ela — e acredite que não
sou tão injusta a ponto de considerar apenas os sentimentos do meu filho. A
senhorita, também, sofreria da mesma forma, embora de forma menos
tempestuosa. A senhorita imagina, neste momento, que encontrá-lo mais uma
vez aliviaria sua inquietação, e que despedir-se dele amenizaria a dor da
separação: que raciocínio falso! Que consolo perigoso! Antes de supor que
não voltaria a encontrá-lo, seu coração estaria repleto de doçura e tristeza, e
no exato momento em que a ternura deveria ser banida de suas interações, ela
abateria toda oposição de juízo, ânimo e dignidade. A senhorita se apegaria a
cada palavra, porque cada palavra pareceria a última, cada olhar, cada
expressão seria gravada em sua memória, e sua imagem nesta angústia de
despedida seria pintada em sua mente em cores que devorariam sua paz, e
que talvez nunca fossem apagadas.
— Já chega, já chega — disse Cecilia —, não vou mais vê-lo, nem mesmo
vou desejar vê-lo.
— Esta é uma manifestação de conformidade ou convicção? O que eu
disse é verdade ou apenas assustador?
— As duas coisas, as duas coisas! Eu creio, de fato, que o conflito teria me
dominado, vejo que está certa, e agradeço, madame, por me salvar de uma
cena que eu poderia ter arruinado tão cruelmente.
— Oh, filha da minha alma! — exclamou Mrs. Delvile, levantando-se e
abraçando-a. — Nobre, generosa, a mais doce Cecilia! Que laço, que
conexão, poderia torná-la mais querida para mim? Quem é como a senhorita?
Quem é tão excelente? Tão aberta à razão, tão ingênua no erro! Tão racional!
Tão justa! Tão sentimental, mas tão sábia!
— A senhora é muito boa — disse Cecilia, com uma serenidade forçada
—, e sou grata que seu ressentimento pelo acontecido não obstrua sua
indulgência pelo presente.
— Ah, meu amor, como ficaria ressentida com o acontecido, quando eu
mesma deveria ter previsto esta tragédia! E eu deveria ter previsto isso, se
não tivesse sido informada de que estava comprometida, e sobre o seu
compromisso construído nossa segurança. Caso contrário, eu teria ficado
mais alarmada, pois minha própria admiração me teria feito esperar também a
de meu filho. A senhorita era apenas, de fato, a mulher a que ele teria menos
chances de resistir, a senhorita era precisamente a personagem que iria se
apoderar de sua alma. A doçura mais fatalmente sedutora, a senhorita une
uma dignidade que resgata de seu próprio desprezo até o mais humilde de
seus admiradores. Parece ter nascido para que todo o mundo deseje sua
exaltação, e nenhuma parte dele murmure sobre sua superioridade. Se
houvesse algum obstáculo no caminho, além deste, que é insuperável, se os
nobres, não, se os príncipes oferecessem suas filhas para minha escolha, eu
rejeitaria sem a menor dúvida as propostas mais magníficas e tomaria em
triunfo em meu coração a escolha mais nobre de meu filho!
— Oh, madame — exclamou Cecilia —, não fale assim comigo! Não diga
palavras tão lisonjeiras! Seria melhor me desprezar e me repreender, diga que
despreza meu caráter, minha família e minhas conexões, me oprima com
desonra, mas não me torture assim com sua aprovação!
— Perdoe-me, doce menina, se eu despertei estas emoções que tão
sabiamente busca subjugar. Que meu filho apenas imite seu exemplo, e meu
orgulho por sua virtude será o consolo da minha aflição por seus infortúnios.
Ela então a abraçou com ternura e despediu-se abruptamente.
Cecilia havia desempenhado seu papel, e o fizera para sua própria
satisfação, mas a cortina só foi fechada quando Mrs. Delvile deixou a casa. A
natureza então retomou seus direitos e a tristeza de seu coração não era mais
disfarçada ou reprimida. Algum tênue raio de esperança havia atravessado a
nuvem mais sombria de sua miséria, e secretamente a lisonjeava de que sua
dispersão seria possível, embora distante. Porém, aquele raio estava extinto,
aquela esperança já não existia; ela havia prometido solenemente banir
Delvile de sua vida, e sua mãe havia declarado absolutamente que até mesmo
o assunto havia sido discutido pela última vez.
Mrs. Charlton, impaciente por alguma explicação sobre as transações da
manhã, logo enviou a neta novamente para implorar que Cecilia fosse vê-la.
Cecilia obedeceu com relutância, pois temia aumentar sua indisposição com a
informação que tinha a comunicar; ela se esforçou, portanto, para aparentar
uma calma tolerável e, ao relatar brevemente o que havia acontecido,
absteve-se de misturar à narrativa seus próprios sentimentos e infelicidade.
Mrs. Charlton ouviu o relato com a maior preocupação; ela acusou Mrs.
Delvile de severidade e até de crueldade; lamentou o estranho incidente pelo
qual a cerimônia de casamento havia sido interrompida e condoeu-se de que
ela não tivesse sido reiniciada, como o único meio de tornar ineficaz a
presente interposição fatal. Mas a dor de Cecilia, por mais violenta que fosse,
induziu-a a não se unir ao pranto; ela queixou-se apenas do obstáculo que
havia ocasionado a separação, e não do incidente que apenas interrompeu a
cerimônia; convencida, pelas conversas em que tinha acabado de se envolver,
da inflexibilidade de Mrs. Delvile, ela mais se alegrou por não ter sido
submetida a uma nova provação. Tristeza era tudo o que lhe restava, pois sua
mente era muito generosa para nutrir ressentimentos contra uma conduta que
ela via ser ditada por um senso de direito, e muito maleável e afetuosa para
permanecer impassível diante da gentileza pessoal que havia suavizado a
rejeição, e as muitas demonstrações de estima e consideração também foram
lamentadas, embora consideradas indispensáveis.
Ela não sabia como e quem havia levado o assunto à Mrs. Delvile, mas a
descoberta foi nada menos do que surpreendente, uma vez que, por vários
acidentes infelizes, era do conhecimento de muitos, e uma vez que, no horror
e na confusão da misteriosa proibição do casamento, nem Delvile nem ela
mesma haviam pensado em tentar fazer qualquer advertência às testemunhas
daquela cena para não torná-la conhecida, uma tentativa, no entanto, que
quase necessariamente deveria ter sido inútil, visto que o incidente foi muito
extraordinário e singular para ter qualquer possibilidade de supressão.
Durante a conversa, um dos criados informou Cecilia que um homem
estava lá embaixo perguntando se não havia resposta ao bilhete que trouxera
de manhã.
Cecilia, muito angustiada, não sabia o que responder; que a paciência de
Delvile se esgotara, ela não estranhava, e, de fato, aliviar sua ansiedade era
agora quase seu único desejo. Assim, ela pensou em escrever para ele
instantaneamente, confessar sua simpatia por seus sofrimentos e implorar que
ele suportasse com firmeza um mal que já não poderia mais ser evitado.
Porém, ela não estava segura se ele estava familiarizado com a viagem de sua
mãe a Bury, e tendo concordado em confiar a ela toda a administração do
assunto, temeu que seria desonroso dar qualquer passo sem o seu
consentimento. Ela devolveu, portanto, uma mensagem de que ainda não
tinha uma resposta pronta.
Em poucos minutos, Delvile anunciou a si mesmo e enviou um pedido
sincero de permissão para vê-la.
Neste ponto, pelo menos, ela não se sentiu perplexa; um encontro que ela
havia dado sua palavra positiva que recusaria, e, portanto, sem um momento
de hesitação, ela pediu ao criado que lhe informasse que ela estava
particularmente comprometida e que lamentava não estar em seu poder ver
ninguém.
Na maior perturbação, Mortimer deixou a casa e imediatamente lhe
escreveu as seguintes linhas:
“Miss Beverley.
Eu imploro que me veja! Nem que seja por um instante, eu suplico, eu
imploro que me veja! Mrs. Charlton pode estar presente, todo o mundo, se
assim desejar, pode estar presente, mas não me negue isso, eu imploro, eu
suplico! Voltarei em uma hora; nesse meio tempo é possível que já tenha
terminado seu compromisso atual. Caso contrário, vou esperar e voltar mais
tarde. A senhorita não vai, creio eu, me afastar da sua porta, e, até que eu a
tenha visto, eu só posso viver nas proximidades. M. D.”
O homem que trouxe a nota não esperou por nenhuma resposta.
Cecilia leu o bilhete com uma agonia inexprimível: ela viu, por seu estilo,
o quanto Delvile estava irritado, e seu conhecimento de seu temperamento a
fez ter certeza de que sua irritação procedia de se acreditar maltratado. Ela
desejava ardentemente apaziguá-lo e aquietá-lo, e lamentava a necessidade de
parecer obstinada e insensível, mais ainda naquele momento do que na
própria separação. Para uma mente orgulhosa de sua pureza e animada em
seus afetos, poucas sensações podem excitar uma tristeza mais violenta do
que aquelas pelas quais surge a apreensão de ser considerada inútil ou ingrata
pelos objetos escolhidos por nossa consideração. Ser privado de sua
companhia é menos amargo, ser privado de nossa própria tranquilidade por
qualquer outro meio é menos aflitivo.
No entanto, a isso era necessário se submeter ou incorrer na única pena
que, para tal opinião, seria mais severa: a autocensura. Ela havia prometido
ser governada por Mrs. Delvile e, portanto, já não tinha nada a fazer, a não
ser obedecer.
Mesmo assim, afastar da porta, como ele se expressou, um homem que,
não fosse por um incidente o mais incompreensível possível, seria agora o
único mestre dela mesma e de suas ações, parecia tão cruel e tão tirânico que
ela não poderia suportar ouvir sua repulsa. Portanto, ela implorou pelo uso da
carruagem de Mrs. Charlton e decidiu fazer uma visita à Mrs. Harrel até que
Delvile e sua mãe tivessem deixado Bury por completo. Na verdade, ela não
estava muito satisfeita em ir para a casa de Mr. Arnott, mas não tinha tempo
para pesar objeções e não conhecia nenhum outro lugar para o qual objeções
ainda maiores não pudessem ser levantadas.
Ela escreveu uma breve carta à Mrs. Delvile, apenas para lhe informar de
seu propósito e sua razão, e repetir suas garantias de que seria guiada por ela
implicitamente; e então, ela abraçou Mrs. Charlton, a quem deixou aos
cuidados de suas netas, entrou na carruagem acompanhada apenas por sua
criada, um postilhão e um cavalo, e ordenou que fosse levada à casa de Mr.
Arnott.
CAPÍTULO 76
UM CASEBRE
UMA DISPUTA
O resto do dia foi passado com a discussão desta aventura, mas à noite o
interesse de Cecilia por ela foi completamente dissipado ao receber a seguinte
carta de Mrs. Delvile.
“Miss Beverley,
Lamento interromper a tranquilidade de um retiro tão criteriosamente
escolhido e lamento a necessidade de voltar a chamar à prova a virtude cujo
esforço, embora tão cativante, seja tão doloroso, mas, infelizmente, minha
excelente jovem amiga, não estamos aqui para desfrutar, mas para sofrer, e
felizes são aqueles cujos sofrimentos não foram buscados por insensatez,
nem por culpa merecida, mas que, decorrentes apenas da imperfeição da
humanidade, têm resistido com firmeza ou suportado com paciência. Fui
informada de sua firmeza virtuosa, que corresponde às minhas expectativas
ao mesmo tempo em que desperta meu respeito. De todos os conflitos
posteriores eu esperava tê-la poupado, e para o triunfo de sua bondade havia
confiado a recuperação de sua paz, mas Mortimer me decepcionou, e nosso
trabalho ainda está inacabado. Ele declara que está solenemente
comprometido com a senhorita e, ao suplicar sua honra, silencia tanto a
acusação quanto a autoridade. Somente por suas próprias palavras ele
reconhecerá sua desistência, e apesar da minha relutância em impor-lhe esta
tarefa, não posso silenciá-lo ou calá-lo sem fazer o pedido. Para um
propósito como este, a senhorita poderia, então, nos receber? Poderia
suportar com seus próprios lábios confirmar a decisão irrevogável? Estou
certa de que sentirá compaixão por Mortimer, e era sinceramente meu desejo
poupá-la de ver sua aflição; contudo, tal é minha confiança em sua
prudência que, visto que ele se encontra decidido a vê-la, tenho esperança de
que, ao testemunhar a grandeza de sua mente, o encontro possa acalmá-lo
mais do que inflamá-lo. Esta proposta a senhorita levará em consideração, e
se puder, em tais condições, encontrar meu filho novamente, nós a
atenderemos juntos, onde e quando desejar, mas, se a gentileza de sua
natureza tornar o esforço muito severo para a senhorita, não tenha
escrúpulos em recusá-lo, pois Mortimer, quando conhecer o seu desejo, se
submeterá a ele como deveria. Adeus, muito amável e adorável Cecilia; seja
qual for sua decisão, esteja certa de minha concordância, pois nobremente a
senhorita conquistou e deve para sempre conservar a estima, o afeto e a
gratidão de AUGUSTA DELVILE”.
UMA MENSAGEM
“Dr. Lyster,
Diga-me, meu caro senhor, como o senhor encontrou minha mãe? Estou
inquieto pela sua longa visita e estou comprometido com meu amigo
Biddulph, ou deveria tê-lo seguido pessoalmente.
M.D.”
UMA DESPEDIDA
UM CONTO
Uma semana se passou, durante a qual Cecilia, por mais triste que
estivesse, dedicou, como de costume, todo o seu tempo à família que a
abrigava, negando a si mesma toda indulgência voluntária à dor e abstendo-se
de buscar consolo na solidão ou alívio nas lágrimas. Ela nunca dizia o nome
de Delvile e implorou à Mrs. Charlton que nunca o mencionasse; ela usou em
seu auxílio o relato que recebera do Dr. Lyster sobre sua firmeza e se
esforçou, por meio de uma ambição concorrente, para fortalecer sua mente da
fraqueza da depressão e do arrependimento. Esta semana, uma semana de luta
com todos os seus sentimentos, já estava perto do fim quando ela recebeu
pelo correio a seguinte carta de Mrs. Delvile:
“Bristol, 21 de outubro.
Miss Beverley,
Espero que minha doce e jovem amiga não lamente saber de minha
chegada a salvo a este lugar; para mim, cada relato de sua saúde e bem-
estar será sempre a informação que mais desejarei receber. No entanto, não
pretendo exigir o mesmo em troca; ao acaso confiarei para obter
informações, e só escrevo agora para dizer que não escreverei mais. Muitos
agradecimentos é o que lhe devo, e o que penso da senhorita está além de
todo poder de expressão. Não me deseje mal, o mal que pareci merecer, pois
meu próprio coração está partido pela tirania que fui obrigada a praticar
sobre o seu. E agora deixe-me dizer um longo adeus, minha admirável
Cecilia; a senhorita não será atormentada com uma correspondência inútil,
que só pode despertar lembranças dolorosas ou dar origem a novas
ansiedades ainda mais dolorosas. Orarei fervorosamente pela restauração
de sua felicidade, para a qual nada pode contribuir tanto quanto aquele
sábio, aquele comando uniforme, tão feminino, mas tão digno, que mantém
sobre suas paixões, o que muitas vezes admiro, embora nunca com tanto
sentimento como neste momento consciente, quando minha própria saúde é o
sacrifício de emoções mais fatalmente desenfreadas. Não me envie nenhuma
resposta, mesmo que tenha a doçura de desejá-la; cada nova prova da
generosidade de sua natureza é para mim apenas uma nova ferida. Portanto,
esqueça-se completamente de nós. Infelizmente, a senhorita apenas nos
conhece pela tristeza! Esqueça-se de nós, querida e inestimável Cecilia,
embora, sempre, como nobremente mereceu, a senhorita deve ser lembrada
com carinho e gratidão por AUGUSTA DELVILE”.
UM ESTARRECIMENTO
UMA INSINUAÇÃO
UMA SURPRESA
UMA CONSPIRAÇÃO
UMA DISPUTA
No dia seguinte, Mr. Monckton, assim que terminou o desjejum, saiu, para
evitar mostrar, até mesmo para Cecilia, a ansiedade que sentia quanto ao
controle de sua fortuna e organização de seus negócios. No entanto, ele a
aconselhou veementemente a não mencionar sua grande dívida, que, embora
contraída na inocência da mais pura benevolência, não incorreria em nada
além de reprovação e desaprovação de todos os que ouvissem falar dela
quando tomassem conhecimento de sua inutilidade.
Às onze horas, embora uma hora antes da hora marcada, enquanto Cecilia
estava sentada no quarto de vestir de lady Margaret, “demonstrando uma
triste cordialidade e com dor de cabeça”, ela foi chamada por Mr. Briggs na
sala de estar. Ele imediatamente começou a censurá-la por ter fugido dele
durante o verão e pelas várias despesas que ela lhe causara com compras
inúteis e provisões estragadas. Ele então se queixou de Mr. Delvile, a quem
acusou de fraudá-lo de seus direitos, mas, ao observar em meio à sua censura
seu semblante abatido, ele repentinamente se interrompeu e, olhando para ela
com alguma preocupação, disse: — Qual é o problema, patinha? Não se sente
bem?
— Oh, sim — exclamou Cecilia —, eu lhe agradeço, senhor, estou muito
bem.
— Por que está tão abatida, então? — disse ele. — O que a preocupa?
Alguma decepção amorosa? Perdeu seu amor?
— Não, não, não — disse ela, com rapidez.
— Deixe para lá, minha menina, deixe para lá — disse ele, beliscando sua
bochecha, com renovado bom humor. — Outros virão; se um não servir,
outro o fará; deixou-me muito irritado, afastando-se de mim com aquele
velho nobre, ou já teria um pretendente há muito tempo. Odeio aquele velho
Don; não foi bom para mim; gostaria de poder derrotá-lo. Pensa mais em um
pergaminho velho e empoeirado do que no preço das ações. Não serve para
nada além de ser colocado em um antigo monumento para receber a cabeça
da morte.
Ele então lhe informou que suas contas foram todas feitas e ele estava
pronto a qualquer momento para apresentá-las; ele estava satisfeito que ela
terminasse qualquer negociação com o velho Don, que não havia tido
nenhuma participação na execução, mas ele a aconselhou a não pensar em
tomar o dinheiro em suas próprias mãos, pois ele estava disposto a
administrá-lo até que ela se casasse.
Cecilia, agradecendo a oferta, disse que pretendia agora agradecer por todo
o trabalho que ele tinha tido, mas de forma alguma pretendia lhe oferecer
mais.
Ele debateu o assunto calorosamente, disse que ela não teria oportunidade
para se salvar dos patifes e dos trapaceiros, que não deveria confiar em
ninguém além dele mesmo. Ele a informou dos juros que havia obtido para o
seu dinheiro e perguntou como ela pensava em conseguir mais.
Cecilia, embora tivesse sido prevenida contra ele por Mr. Monckton, não
sabia como refutar seus argumentos. Contudo, consciente de que apenas uma
parte do dinheiro a que ele aludia era de fato dela, não podia se desfazer dele.
Entretanto, ele era tão teimoso e tão difícil de lidar que ela finalmente o
deixou falar sem se preocupar em responder, e secretamente decidiu solicitar
a Mr. Monckton que intercedesse por ela.
Ela não ficou, portanto, insatisfeita com a interrupção, embora tenha
ficado muito surpresa com a visão de sua pessoa, quando, no meio da oratória
de Mr. Briggs, Mr. Hobson entrou na sala.
— Peço que me perdoe, madame — disse ele —, pela minha intromissão,
mas tomei a liberdade de lhe procurar por conta das duas damas que são
conhecidas suas, que estão completamente, como se pode dizer,
enlouquecidas.
— Qual é o problema com elas, senhor?
— Bem, madame, não é grande coisa, mas as mães logo ficam assustadas
e, uma vez preocupadas, dizem coisas sem sentido! Elas sabem menos sobre
razão e argumentação do que sobre controle de estoque. No entanto, minha
máxima é esta: cada um deve seguir o seu caminho, ninguém tem mais
direito de esperar coragem de uma dama nesses casos do que de uma criança
de colo, pois o que eu digo é que elas não fazem o uso adequado de suas
cabeças, o que torna tudo muito desculpável.
— Mas o que causou a inquietação? Nada de errado com Miss Belfield, eu
espero.
— Não, madame, graças a Deus a jovem goza de muito boa saúde, mas ela
está agindo da mesma forma que sua mãe, pois o que pode ser mais natural?
O exemplo, madame, pode ser contagioso, e o pranto de uma dama faz a
outra pensar que deve fazer o mesmo, pois qualquer coisinha é suficiente para
as lágrimas de uma dama, já que pode começar a chorar a qualquer momento,
mas a natureza de um homem é completamente diferente; permita que ele
tenha uma boa consciência e que fique limpo do mundo, e eu lhe garanto que
ele não vai lavar o rosto sem sabão; é o que eu digo!
— Ora, não vai — exclamou Mr. Briggs —, eu mesmo faço isso! Nunca
uso sabão; nada além de desperdício; uso um pouco de areia, o efeito é o
mesmo.
— Que cada homem tenha sua própria proposta — respondeu Hobson —,
da minha parte, apanho todas as manhãs uma grande tigela de água e nela
mergulho toda a minha cabeça; e então, depois de secá-la, visto minha peruca
e me sinto bastante fresco e agradável. Então, eu dou um passeio pela
Tottenham Court Road até o Tabernáculo, mais ou menos, e aspiro um pouco
de ar fresco do campo, e então eu volto cheio de apetite e com uma respiração
suave e quente, espero que a dama me perdoe, eu aprecio meu bule de chá
fresco e minha rodada de torradas quentes com manteiga com tanto gosto
como se eu fosse um príncipe.
— Um bule de chá fresco — disse Briggs — pode levar um homem à
ruína; torrada e manteiga! Não suporto isso em minha casa. Café da manhã
com mingau de água, feito bem cedo, satisfaz qualquer um em um segundo.
Divido com meus criados, não posso comer muito, me dá refluxo — ele
balançou a cabeça significativamente.
— Mingau de água! — exclamou Mr. Hobson. — Eu não poderia engolir
uma coisa dessas por nada no mundo! Eu passaria muito mal, espero que a
dama me perdoe, eu sempre acharia que estava me preparando para a varíola.
Minhas ideias são outras; a primeira coisa que faço é ter um bom fogo, pois o
que eu digo é o seguinte: se um homem sente frio nos dedos, é provável que
ele se aqueça usando o seu bolso! Ah! Ah! Aquecer, entendeu, senhor? Eu fiz
um trocadilho. Embora eu deva pedir perdão, pois suponho que a jovem não
saiba o que estou dizendo.
— Eu realmente ficaria mais satisfeita, senhor — disse Cecilia —, em
ouvir o que o senhor tem a dizer sobre Miss Belfield.
— Bem, madame, a coisa é esta: passamos toda a manhã esperando o
jovem escudeiro, como costumo chamá-lo, mas ele não apareceu. Então, Mrs.
Belfield, sem saber onde ele se encontra, pensou que ele poderia estar aqui,
sabendo de sua bondade para com ele, e tudo o mais.
— O senhor fez sua indagação no lugar errado — disse Cecilia, muito
provocada pelas implicações das suas palavras. — Se Mr. Belfield está nesta
casa, o senhor deve procurá-lo junto a Mr. Monckton.
— Espero que não se ofenda, madame, por eu ter vindo questioná-la.
Como Mrs. Belfield estava chorando e por estar neste dilema, pensei que não
poderia fazer nada menos do que agradá-la ao vir verificar se o jovem
cavalheiro estava aqui.
— O que é isso? O que é isso? — perguntou Mr. Briggs, ansiosamente. —
De quem está falando? Hein? De quem está falando? É o seu pretendente,
patinha?
— Não, não, senhor! — exclamou Cecilia.
— Não tente me enganar! Eu não vou ficar aborrecido. Quem é esse? Eu
quero saber, diga!
— Eu direi, senhor — disse Mr. Hobson. — É um jovem cavalheiro muito
bem-apessoado, uma ótima pessoa, de maneiras e comportamento muito
refinados e, além disso, tem um jeito tão bonito de se vestir, como qualquer
dama poderia desejar. Ele não tem grande cabeça para os negócios, como
ouvi dizer, mas as mulheres não se importam muito com esse assunto, já que
elas próprias nada sabem sobre isso.
— Ele tem dinheiro em espécie? — perguntou Mr. Briggs, impaciente. —
É bom em aritmética? Esta é a questão; pode realmente provar que tem
dinheiro? Hein?
— Ora, quanto a isso, senhor, não estou obrigado a falar sobre os assuntos
privados de um cavalheiro. O que é meu é meu, e o que é de outra pessoa é
de outra pessoa; esta é minha maneira de argumentar, e é isso que chamo de
falar com propósito.
— Ouso dizer que ele é um trapaceiro! Não o aceite, menina. Aposto que
não vale dois xelins, e isso para o pó-de-arroz e para a pomada; odeio uma
cachola engessada, geralmente uma tolice; eu gosto é de uma boa peruca.
— Ora, esta conversa não condiz com a verdade — disse Mr. Hobson —,
supor que uma jovem dama de fortuna se casaria com um homem com uma
peruca. O que eu digo é que todos sigam sua natureza; essa é a maneira de se
sentir confortável; e então, se cada um arcar com suas próprias contas, quem
tem o direito de cobrá-los, quer eles usem uma peruca ou tranças que lhe
cheguem até as panturrilhas?
— Sim, sim — disse Briggs com desdém —, ou se eles enchem seus
esôfagos com torradas quentes e manteiga.
— Qual o problema se eles fizerem isso, senhor? — Hobson retomou, um
pouco zangado. — Quando um homem consegue uma posição elevada no
mundo, onde está o mal em viver com um pouco de elegância? E quanto a
uma rodada de torradas e manteiga, e algumas ostras recém-abertas como
entrada antes do jantar, nenhum homem deve se envergonhar delas, desde
que pague à medida que as consome; e quanto a viver de mingau de água e
esfregar a própria pele com areia, pode-se muito bem se converter em um
escravo de uma galera de uma vez. O cavalheiro não entende a vida, pelo que
vejo.
— Problema! Problema! — exclamou Briggs, falando com os dentes
cerrados. — O senhor está louco! Ostras! Vão levá-lo à ruína, eu lhe digo!
Vão levá-lo para a prisão!
— Para a prisão, senhor? — gritou Hobson. — Esta fala não é muito
educada! Que todo homem seja civilizado, é o que eu digo, pois esta é a
maneira de tornar tudo agradável, mas quanto a dizer a um homem que ele irá
para a cadeia, isso é o mesmo que afrontá-lo.
Uma batida na porta da rua trouxe um novo alívio para Cecilia, que
começava a ficar muito apreensiva de que o prazer de gastar dinheiro, tão
calorosamente contestado quanto o de poupá-lo, suscitasse uma rixa que,
entre dois tão vigorosos defensores de suas próprias opiniões, poderia levar a
uma conclusão um pouco mais dura e violenta do que ela desejava presenciar,
mas, quando a porta da sala se abriu, no lugar de Mr. Delvile, quem ela
aguardava, Mr. Albany fez sua entrada. Isso era bastante angustiante, já que
seu verdadeiro assunto com seus tutores tornava apropriado que sua conversa
com eles não fosse interrompida. Ele avançou com ar solene para Cecilia e,
como se não estivesse decidido se deveria falar com severidade ou gentileza,
disse: — Mais uma vez venho para provar sua sinceridade; a senhorita irá
comigo onde a tristeza a chama? Tristeza que sua caridade pode mitigar?
— Estou muito interessada — respondeu ela —, mas, na verdade, no
momento, é totalmente impossível.
— Outra vez — exclamou ele, com um olhar ao mesmo tempo severo e
desapontado —, mais uma vez a senhorita vai me decepcionar? Que
leviandade imoral! Por que precisa exaltar uma mente cansada, apenas para
fazê-la sentir sua persistente credulidade? Ou por que, depois de me fazer
acreditar que havia encontrado um anjo, me desengana de forma tão cruel?
— Na verdade — disse Cecilia, muito afetada por essa reprovação —, se o
senhor tivesse conhecimento da grande perda que eu mesma sofri...
— Mas eu sei — exclamou ele —, e fiquei triste pela senhorita quando
tomei conhecimento do fato. A senhorita perdeu uma velha e fiel amiga, uma
perda que a cada sol poente poderá lamentar, pois o sol nascente nunca a
reparará! Mas isso é motivo para desprezar os deveres da humanidade? Foi a
visão da morte um motivo para negligenciar as reivindicações da
benevolência? Pelo contrário, não deveria ter apressado o seu cumprimento?
E o seu próprio sofrimento com a brevidade da vida não deveria tê-la
ensinado a futilidade de todas as coisas, preparando-a para o seu fim?
— Talvez sim, mas minha dor naquele momento me fez pensar apenas em
mim mesma.
— E o que mais a senhorita pensa agora?
— Provavelmente ainda na mesma pessoa! — disse ela, meio sorrindo —,
mas, ainda assim, acredite, tenho assuntos importantes a tratar.
— Desculpas frívolas, sem sentido, sempre prontas! Que assunto é tão
importante quanto o alívio de um semelhante?
— Não devo, assim espero — respondeu ela com entusiasmo —, me
demorar, mas, pelo menos por esta manhã, devo implorar que seja meu
esmoler.
Ela então apanhou a bolsa.
Mr. Briggs e Mr. Hobson, cuja disputa havia sido suspensa pelo
aparecimento de uma terceira pessoa, e que haviam permanecido durante este
breve diálogo em silencioso assombro, tendo primeiramente abandonado a
raiva em sua consternação mútua, agora perdiam a consternação em seu
descontentamento mútuo. Mr. Hobson sentiu-se ofendido ao ouvir falar de
negócios de forma leviana, e Mr. Briggs ficou furioso ao ver a bolsa de
Cecilia pronta. Nenhum deles, porém, sabia de que maneira interferir; a
gravidade radical de Albany, aliada a uma linguagem muito elevada para sua
compreensão, intimidava a ambos. No entanto, eles se sentiam aliviados por
poderem se comunicar, e Mr. Hobson disse em um sussurro: — Aquele
homem, o senhor deve saber disso, segundo me disseram, é um velho
cavalheiro muito particular; o que eu chamo de gênio. Ele vai com frequência
à minha casa para ver minha inquilina, Miss Henny Belfield, embora eu
mesmo nunca o tenha encontrado, exceto uma vez no corredor, mas o que
ouço dele é o seguinte: ele tem o hábito, como se pode dizer, de entrar na
casa das pessoas e não fazer nada além de encontrar defeitos.
— Não vai entrar na minha — respondeu Briggs —, eu garanto! Não
gostei nem um pouco dele; esteja certo de que é um velho astuto.
Cecilia, nesse ínterim, quis saber de quanto ele precisava.
— Meio guinéu — respondeu ele.
— É o suficiente?
— Para quem não tem nada, é muito — disse ele. — A partir de agora a
senhorita poderá ajudá-los novamente. Vá e veja suas aflições e a senhorita
desejará lhes dar tudo.
Mr. Briggs, quando viu meio guinéu entre os dedos dela, não conseguiu
mais se conter; ele torceu a manga de seu vestido, beliscou seu braço, com
uma expressão de dolorosa ansiedade, e disse em um sussurro: — Não dê o
dinheiro! Não o deixe ficar com o dinheiro! Mande-o embora! Não passa de
um golpista!
— Perdoe-me, senhor — disse Cecilia, em voz baixa —, seu caráter é
muito conhecido por mim.
E então, soltando o braço dele, ela apresentou sua pequena oferta. Ao ver
isso, Mr. Briggs se mostrou praticamente ultrajado e, perdendo na sua ira
todo o medo do estranho, irrompeu em fúria nas seguintes exclamações: —
Será levada à ruína! Vejo isto claramente; será depenada! Será despojada de
tudo! Será roubada! Não terá um vestido para vestir! Não terá um sapato no
pé! Não terá um trapo no mundo! Será uma indigente na rua! Irá para a
paróquia! Apodrecerá em uma prisão! Meio guinéu de cada vez! O suficiente
para quebrar o Grande Mogul!56
— Espírito desumano de parcimônia egoísta! — exclamou Albany. — O
senhor se opõe a este empréstimo, dado por milhares aos que têm menos do
que nada? Quem hoje paga com fome o pão que pediu emprestado ontem por
piedade? Quem, para se salvar das dores mortais da fome, solicita senão o
que os ricos não sabem que possuem, e que não sentem falta quando se
desfazem?
— Hã? — gritou Mr. Briggs, recuperando a paciência da perplexidade de
seu entendimento diante de um discurso para o qual seus ouvidos não
estavam acostumados. — O que disse?
— Se para si mesmo a aflição pode chorar em vão — continuou Albany
—, se o seu próprio coração resiste à oração do suplicante, insensível à
súplica e endurecido a tudo, sofre, pelo menos, uma criatura ainda imaculada,
que se derrete na tristeza e que resplandece na caridade, para pagar com sua
vasta riqueza uma generosa taxa de gratidão, que o destino não reverteu sua
condenação, e aqueles a quem ela alivia, não a aliviem!
— Hã? — foi novamente tudo o que Mr. Briggs pôde dizer.
— Eu pergunto, madame — disse Mr. Hobson a Cecilia —, se não for
ofensivo, o cavalheiro alguma vez foi ator?
— Na verdade, creio que não.
— Peço que me perdoe, então, madame. Não quero prejudicar ninguém,
mas minha ideia era a de que o cavalheiro poderia estar falando algo que
havia decorado.
— É apenas no palco que a humanidade existe? — disse Albany,
indignado. — Oh, apressem-se então, monopolizadores da abundância!
Egoístas e insensíveis absorvedores que dissipam sem desfrutar, e da
abundância, que desperdiçam enquanto se recusam a distribuir! Apressem-se
para lá, se é que existe humanidade!
— Quanto a desfrutar — disse Mr. Hobson, feliz por finalmente ouvir uma
palavra com a qual estava familiarizado —, é o que eu mesmo nunca aprovei.
Minha máxima é esta: se um homem ganha um dinheiro de forma justa, sem
quaisquer negociações dissimuladas, ora, ele tem tanto direito de desfrutá-lo
quanto o chefe do judiciário ou o próprio lorde chanceler, e embora seja
improvável, ele está tão feliz quanto um homem superior. Mas o que eu
considero o melhor de tudo é uma consciência tranquila, com uma boa renda
de duas ou três mil libras por ano. Essa é minha ideia, e eu não acho que seja
ruim.
— Política fraca de uma ignorância míope! — exclamou Albany. —
Desejar aquilo que, se usado, exige cuidado, e, se negligenciado, traz
remorsos! O senhor não está à altura além do que sua natureza anseia? Por
que então ainda suspira por mais?
— Por quê? — perguntou Mr.Briggs, que por força de profunda atenção
agora começava a compreendê-lo melhor. — Para poder comprar, com
certeza! Já ouviu falar de ações, hein? Sabe alguma coisa sobre dinheiro?
— Seguir querendo mais e mais — disse Albany —, e para quê? Para
gastar no vício e na ociosidade, ou acumular em uma tristeza desolada.
Deixar de socorrer um miserável, não dar apoio àqueles que perderam tudo,
dedicar tudo a si mesmo, mesmo que não seja desejado, tudo vai para
reservas ou luxo adicional; nenhum semelhante é servido, nem mesmo um
mendigo aliviado!
— Alegro-me com isso! — exclamou Mr. Briggs. — Alegro-me com isso;
não os teria aliviado; não gosto deles; odeio os mendigos; deveriam todos ser
açoitados; vivem como esponjas.
— Ora, quanto a um mendigo, eu devo dizer — exclamou Mr. Hobson —,
de forma alguma aprovo esse modo de proceder; assim, considero-os todos
trapaceiros, pois eis o que eu digo: o que um homem ganha, ele ganha, e não
cabe a nenhum outro homem perguntar como ele gasta, pois um inglês
nascido livre é seu próprio senhor pela natureza da lei, e quanto a ele ser um
súdito, ora, um duque não é melhor, nem um juiz, nem o lorde Chanceler, e
assim por diante, o que o torna equivalente a nada, sendo que ele não
responde a ninguém pelo direito da Carta Magna, exceto em casos de traição,
crime e outros. Mas, quanto ao mendigo, é diferente; ele vem e me pede
dinheiro; mas o que ele tem a mostrar? O que ele me dá em troca? Ora,
apenas uma longa história de que ele não vale um centavo! O que é isso para
mim? Nada mesmo. Que cada homem tenha o seu, esta é a minha maneira de
argumentar.
— Mortais desagradáveis! — exclamou Albany. — Exultantes na riqueza,
até mesmo na desumanidade! Acham mesmo que esses párias miseráveis têm
menos sensibilidade do que vocês? Acreditam que, com frio e fome, eles
perdem aqueles sentimentos que, mesmo na prosperidade voluptuosa, de vez
em quando os perturbam? O senhor diz que eles são todos trapaceiros? Nada
além da mesquinharia da avareza, para afastar o remorso da obstinação. Acha
que o andarilho sem roupas implora por escolha? Dê a ele sua riqueza e veja
por si mesmo.
— Dê a ele uma chicotada! — exclamou Briggs. — Não lhe dê uma
esponja! Mande-o para Bridewell! Não passam de pedintes! Odeio todos
eles! Cheios de truques; quebram suas próprias pernas, distendem os braços,
cortam os dedos, deslocam os ligamentos dos tornozelos, e tudo para quê?
Para conseguir umas moedas! Para tirar nosso dinheiro! Devem ser
açoitados! Joguem todos no Tamisa, são piores do que condenados!
— Pobre subterfúgio de crueldade insensível! Enganam a si mesmos para
evitar a fraude dos outros! E, no entanto, qual a melhor maneira de usar a
riqueza tão protegida? Qual propósito mais nobre pode atendê-los do que
uma oportunidade de arrebatar algum desgraçado do naufrágio? Pensem
menos em quanto economizam e mais em para quê; então, considerem como
seus cofres cheios podem, daqui em diante, reparar a lista vazia de suas
virtudes.
— Hã? — disse Mr. Briggs, novamente perdido em perplexidade e
assombro.
— Ou, ainda — continuou Mr. Albany, voltando-se para Cecilia —, não
divulgue as suas dificuldades, prefira emendar a si mesma do que corrompê-
la, e ofereça com generosidade o que deve receber com gratidão!
— Esta não é a minha doutrina — disse Mr. Hobson —, e também não sou
um homem das imediações, mas quanto a seguir este ritmo, está totalmente
além dos meus limites. Tenho tanto direito às minhas próprias economias
quanto à minha própria renda. O que eu digo é: quem vai me dar alguma
coisa? Se eu puder ver isso, a coisa muda de figura; não importa como
começa, eu sou obrigado a manter, libra por libra, ou centavo por centavo.
Mas quanto a dar a mendigos, isso é o que não aprovo. Eu pago a taxa dos
pobres,57 e isso é o que chamo de caridade suficiente para qualquer homem.
Porém, no que se refere a viver bem, gastar seu dinheiro generosamente e ter
conforto, ora, é uma coisa de natureza bem diferente; e posso dizer isso por
mim mesmo, ou seja, nunca senti inveja de nada em minha vida. Sempre me
mostrei agradável e vivi da melhor forma possível. Este é meu caminho.
— Um mau caminho também — disse Mr. Briggs —, não siga por esse
caminho, nunca será capaz de ver além do seu nariz; não valerá um níquel
enquanto sua cabeça balança! — então, falando em particular com Cecilia: —
Escute, minha patinha — acrescentou ele, apontando para Mr. Albany —,
quem é este Mr. Desaprovação, hein? O que ele faz?
— Eu o conheço há pouco tempo, senhor; mas o tenho em alta estima.
— Ele é um bom homem? Este é o ponto, ele é um bom homem?
— Na verdade, ele me parece extraordinariamente benevolente e caridoso.
— Mas esta não é a questão. Ele é quente? Este é o ponto, ele é quente?
— Se o senhor quer dizer ardente — disse Cecilia —, acredito que a
energia de suas maneiras sirva meramente para fazer cumprir o que ele diz.
— Não me convence, não me convence — disse ele, com impaciência. —
Pode provar que tem dinheiro? Esta é a questão; é possível ouvir o tilintar das
moedas?
— Ora, eu me refiro a não temer por sua aparência, mas não sei nada de
seus negócios.
— Por que vem aqui? Hein? Vem para cortejá-la?
— Misericórdia, não!
— Para que, então? Apenas para obter alguma vantagem?
— Na verdade, não. Ele parece não ter nenhum desejo a não ser ajudar e
implorar pelos outros.
— Tudo falso! Acha que ele não toca em nada? Ai, ai, nada além de
truques! Tudo para obter algum dinheiro. Veja, ele é tão pobre quanto um
rato de igreja, só fala em dar dinheiro; um mau sinal! Se ele tivesse algum,
não faria isso. Quer ver se temos dinheiro; pensa que pode censurar todos
nós! Não eu! Não sou enganado tão facilmente.
Uma batida na porta da rua causou uma nova interrupção, e Mr. Delvile
finalmente apareceu.
Cecilia, a quem sua visão não deixava de desconcertar, sentia-se
duplamente angustiada pela presença desnecessária de Mr. Albany e Mr.
Hobson. Ela lamentou a ausência de Mr. Monckton, que poderia facilmente
tê-los levado embora, pois embora, sem dúvida, ela mesma pudesse dar a
entender a Mr. Hobson que ela tinha negócios a tratar, temia ofender Mr.
Albany, cuja estima ela ambicionava obter.
Mr. Delvile entrou na sala com um ar majestoso e ereto; ele tirou o
chapéu, mas não se dignou a fazer a menor inclinação da cabeça, nem
ofereceu qualquer desculpa a Mr. Briggs por ter passado da hora de seu
encontro. Porém, depois de avançar alguns passos, sem olhar nem para a
direita nem para a esquerda, disse: — Como nunca atuei como tutor, a minha
vinda pode não ser, talvez, imprescindível, mas, como meu nome está no
testamento do reitor e eu já me encontrei uma ou duas vezes com os outros
executores nele mencionados, acredito que tenho o dever para com meus
próprios herdeiros de evitar qualquer possível investigação futura ou
problemas para eles.
Este discurso não foi dirigido a ninguém em especial, embora fosse
destinado a ser ouvido por todos, e parecia orgulhosamente proferido como
um mero pedido de desculpas a si mesmo por não ter recusado a reunião.
Cecilia, embora recuperada de sua confusão com a ajuda de sua aversão a
esta autossuficiência, não respondeu. Mr. Albany se retirou para um canto da
sala; Mr. Hobson pensou que era hora de partir, mas não foi; e Mr. Briggs,
pensando unicamente na disputa em que havia se separado de Mr. Delvile no
verão, encheu-se de veneno, que ansiava por uma oportunidade de cuspir.
Mr. Delvile, que considerava este silêncio como o efeito de sua presença
imponente, tornou-se um tanto mais complacente, mas, olhando ao redor da
sala e percebendo os dois estranhos, ficou visivelmente surpreso e, olhando
para Cecilia em busca de alguma explicação, pareceu ter ficado em suspense
quanto ao propósito de sua visita até que ouvisse alguma. Cecilia, ansiosa por
concluir o assunto, voltou-se para Mr. Briggs e disse: — Senhor, aqui está a
pena e o tinteiro; o senhor deve escrever ou eu? O que deve ser feito?
— Não, não — disse ele, com um sorriso de escárnio —, passe para ele,
nós aguardamos a nossa vez; nunca passe na frente de Sua Graça, o
Honorável Mr. Vampus.
— Na frente de quem, senhor? — perguntou Mr. Delvile, corando.
— Na frente de milorde Don Pedigree — respondeu Mr. Briggs, com um
sorriso malicioso. — O senhor o conhece? Hein? Já ouviu falar de tal pessoa?
Mr. Delvile corou ainda mais, mas afastou-se dele com desdém e
desprezou a obrigação de oferecer qualquer resposta.
Mr. Briggs, que agora o considerava um homem derrotado, disse exultante
a Mr. Hobson: — O senhor ainda está em pé? Não está vendo o elevado e
imponente fidalgo?
— Quanto a me ajoelhar — respondeu Mr. Hobson —, é o que eu não
faria a nenhum homem, exceto se fosse o próprio rei, ou algo parecido,
enquanto estivesse recebendo o título de chanceler do tesouro ou de
comissário de impostos. Não que eu ofereça ao cavalheiro qualquer ofensa,
mas um homem é um homem, e que um homem adore outro homem está
completamente fora da lei.
— O senhor deve fazê-lo! — exclamou Mr. Briggs. — É o que dizem os
seus velhos avós; ele mantém seus nomes em uma lista, os tranca dentro de
um armário; diz suas orações para eles; não pode viver sem eles; gosta mais
deles do que de dinheiro! Gostaria que eles estivessem aqui! Eu mergulharia
todos eles dentro da pia.
— Se a sua intenção, senhor — disse Mr. Delvile, ferozmente —, é apenas
a de me insultar, estou preparado para as medidas que devo tomar. Recusei
vê-lo em minha própria casa para não ficar sob as mesmas restrições de
quando tive o desprazer de encontrá-lo pela última vez.
— Quem se importa? — disse Mr. Briggs, com um ar de desafio. — O que
pode fazer, hein? Enfiar-me em um cofre da família? Amarrar-me no topo de
um antigo monumento? Prender-me a uma carcaça fedorenta? Fazer de mim
um cadáver e chamá-lo de um de seus primos famosos?
— Pelo amor de Deus, Mr. Briggs! — interrompeu Cecilia, que viu que
Mr. Delvile tremia de cólera e mal se continha para não erguer a bengala. —
Acalme-se e vamos concluir o nosso assunto!
Mr. Albany, ao ouvir na voz de Cecilia o alarme que tomava conta dela,
aproximou-se e perguntou: — De onde vem essa discórdia sem sentido? Qual
o propósito deste abuso irritante? Oh, vaidade e insensatez! Vivem assim tão
felizes, e durante tanto tempo, que o tempo e a paz possam ser assim
menosprezados?
— Pronto, pronto! — exclamou Mr. Briggs, erguendo o dedo para Mr.
Delvile. — Aí está! Agora o velho Mr. Desaprovação está no seu pé! Ele vai
deixá-lo exausto, eu garanto!
— Contenha esta ira ociosa — continuou Mr. Albany —, e se possui
paixões ardentes, empregue-as para usos mais nobres; deixe-as estimular atos
de virtude, deixe-as animar atos de beneficência. Oh, não desperdicem
estados de espírito que podem incitá-los ao bem, conduzi-los à honra,
estimulá-los à caridade, com palavras pobres e raivosas, em debates hostis e
desumanos!
Mr. Delvile, que ao se aproximar de Mr. Albany lhe dedicara toda a
atenção, ficou pasmo com este discurso e quase petrificado de assombro com
sua linguagem e suas exortações.
— Ora, eu devo admitir que, quanto a este assunto — disse Mr. Hobson
—, eu também penso da mesma forma, pois discussões são coisas que não
defendo, já que não avançam de maneira alguma, pois o que eu digo é o
seguinte: se um homem fica melhor, ele só está onde estava antes, e se ele for
derrotado, é improvável, mas é ele quem faz o papel de ridículo. Então, se eu
me atrevo a dar o meu veredicto, gostaria que um desses cavalheiros tomasse
o outro pela mão e, assim, acabassem com as ofensas. Esta é a minha máxima
e é isso que chamo de ser agradável.
Mr. Delvile, ao ouvir as palavras que um dos cavalheiros deveria tomar o
outro pela mão, olhou com desprezo para Mr. Hobson, com uma carranca que
expressava sua mais alta indignação por estar tão familiarmente associado a
Mr. Briggs. E então, voltando-se dele para Cecilia, disse com altivez: —
Essas duas pessoas — apontando para Mr. Albany e Mr. Hobson — estão
aqui para serem testemunhas de alguma transação?
— Não, senhor, não! — exclamou Mr. Hobson. — Não quero me
intrometer, vou direto ao ponto. Portanto, madame, a senhorita pode me
fornecer alguma pista — dirigindo-se a Cecilia — sobre o paradeiro de Mr.
Belfield?
— Eu? Não! — exclamou ela, muito provocada ao observar que Mr.
Delvile olhou de repente para ela.
— Bem, madame, não é minha intenção prejudicá-la, apenas considero
que a maneira correta de ouvir falar de um jovem cavalheiro é perguntar por
ele a uma jovem; esta é a minha máxima. Veja, senhor — para Mr. Briggs —,
nós dois poderíamos ter tido uma discussão, mas o que eu digo é o seguinte,
que nenhum homem precise enfrentar o rancor; este é o meu jeito; então
espero que nos separemos sem ressentimentos.
— Sim, sim — disse Mr. Briggs, acenando com a cabeça.
— Bem, então — acrescentou Mr. Hobson —, espero que a boa vontade se
espalhe, e que não apenas o senhor e eu, mas esses dois bons cavalheiros
também deem as mãos.
Mr. Delvile agora não sabia para que lado se virar, de tanta raiva, mas,
depois de olhar para todos com o rosto em chamas de ira, ele disse a Cecilia:
— Se a senhorita reuniu estas pessoas com o propósito de me afrontar, devo
lembrá-la de que não sou alguém que deva ser afrontado impunemente!
Cecilia, meio assustada, estava começando uma resposta que negava tal
intenção, quando Mr. Albany, com a energia mais indignada, exclamou: —
Oh, orgulho de coração, com pequenez de alma! Refreie esta arrogância vil,
muito vã para o homem, e poupe aos demais alguma parte dessa indulgência
que nutre para si mesmo, ou com justiça conceda a si mesmo o mesmo
desprezo que nutre pelos outros!
E com estas palavras, ele saiu da casa severamente.
O perplexo Mr. Delvile começava agora a imaginar que todos os demônios
do tormento haviam sido intencionalmente lançados sobre ele, e sua surpresa
e ressentimento operaram com tanta força que ele só conseguia expressar
com frases entrecortadas. — Que extraordinário! Um novo método de
conduta! Liberdades às quais não estou muito acostumado! Impertinências
que não esquecerei tão cedo, um tratamento que dificilmente seria perdoável
para uma pessoa completamente desconhecida!
— Na verdade, senhor — disse Mr. Hobson —, não posso deixar de dizer
que foi um pouco de retaliação, mas o velho cavalheiro é o que se pode
chamar de gênio, o que o torna um pouco desculpável, pois ele faz as coisas à
sua maneira, e me disseram que é a mesma coisa com quem ele fala, então ele
só pode encontrar defeitos, e é isso.
— Senhor — interrompeu o ainda mais ofendido Mr. Delvile —, o que lhe
disseram é extremamente irrelevante para mim, e devo tomar a liberdade de
sugerir que uma conversa deste tipo não é o que eu estou acostumado a ouvir.
— Senhor, eu peço perdão — continuou Mr. Hobson —, eu não quis dizer
nada além do que era agradável; no entanto, eu o fiz e lhe desejo um bom dia.
Seu humilde servo, madame, e espero, senhor — para Mr. Briggs —, que o
senhor não volte a me ofender novamente.
— Não, não — respondeu Mr. Briggs —, estou pronto para fazer as pazes;
tudo acabado; só não gosto muito da Espanha, só isso — piscando
significativamente —, nem gosto tanto de um esqueleto!
Mr. Hobson se retirou, e Mr. Delvile e Mr. Briggs, estando ambos
cansados e com pressa para ter o assunto terminado, resolveram em cerca de
cinco minutos tudo o que eles concordaram, depois de passar mais de uma
hora decidindo o que era. Mr. Briggs, então, disse que tinha um compromisso
com negócios, se negou a ajustar suas próprias contas até outro momento,
mas prometeu voltar a ver Cecilia em breve e acrescentou: — Certifique-se
de cuidar daquele velho Mr. Desaprovação! Não me engana! Posso ver com
os olhos fechados! Melhor não confiar nele! Vai se revelar algum dia, vai te
fazer uma maldade!
Ele então foi embora, mas enquanto a porta da sala ainda estava aberta,
para grande surpresa de Cecilia, o criado anunciou Mr. Belfield. Ele mal
entrou na sala e seu semblante demonstrava pressa e ansiedade. — Eu acabei
de ser informado, madame — disse ele —, de que uma queixa foi apresentada
contra mim aqui, e não pude descansar até que tivesse a honra de lhe
assegurar que, embora eu tenha sido um tanto demorado, não negligenciei
meu compromisso, nem a condescendência de sua interferência foi
descartada.
Ele então fez uma reverência, fechou a porta e se afastou de Cecilia, que,
embora feliz ao compreender por este discurso que ele havia sido realmente
devolvido à sua família, lamentou estas repetidas intrusões na presença de
Mr. Delvile, que agora era o único que restava.
Ela esperava a cada instante que ele tocasse a campainha para pedir sua
cadeirinha, que ele mantinha esperando, mas, depois de uma pausa, para sua
igual surpresa e perturbação, ele fez o seguinte discurso: — Como é provável
que esteja agora pela última vez a sós com a senhorita, e como é certo que
não nos encontraremos mais a negócios, não posso, em justiça ao meu
próprio caráter e ao respeito que mantenho pela memória do reitor, seu tio,
retirar-me do cargo com o qual ele teve o prazer de me investir, sem antes
cumprir minhas próprias ideias do dever que isso exige de mim, dando-lhe
alguns conselhos relativos ao seu futuro estabelecimento.
Este não foi um prefácio muito animador para Cecilia; ele a preparava para
os discursos que ela menos estava disposta a ouvir, e lhe trazia a sensação
confusa e dolorosa de espíritos deprimidos e uma viagem alarmante.
— Meus numerosos compromissos — continuou ele — e a apropriação do
meu tempo, já estabelecido às suas várias reivindicações, devem tornar breve
o que tenho a explicar, e um tanto, talvez, mais abrupto para chegar ao
propósito. Mas isso a senhorita vai me desculpar.
Cecilia desobrigou-se de satisfazer esta arrogância com elogios ou
concessões; manteve-se calada, portanto, e quando os dois estavam sentados,
ele prosseguiu:
— A senhorita está agora em um momento da vida em que é natural que as
mulheres jovens desejem alguma conexão, e a grandeza de sua fortuna
removerá as dificuldades que oferecem obstáculos às pretensões, nestes dias
dispendiosos, daqueles que não possuem tais vantagens. Teria sido um
grande prazer para mim, enquanto eu ainda a considerava minha protegida,
vê-la devidamente estabelecida, mas como esse tempo já passou, posso
apenas lhe dar alguns conselhos gerais, que a senhorita pode seguir ou
negligenciar, como achar melhor. Ao oferecê-los, me sentirei satisfeito;
quanto ao resto, não sou responsável.
Ele fez uma pausa, mas Cecilia sentia-se cada vez menos inclinada a
aproveitar a oportunidade falando por sua vez.
— No entanto, embora, como acabei de sugerir, as moças de grandes
fortunas possam ter poucos problemas para encontrar um estabelecimento
para si mesmas, elas não devem, portanto, brincar quando algo perfeitamente
adequado estiver em seu poder, nem supor que esteja à altura de qualquer um
que possam desejar.
Cecilia corou com a repreensão destacada, mas sentindo seu desgosto
aumentar a cada momento, decidiu sustentar a afronta com dignidade, e pelo
menos não permitir que ele percebesse o triunfo de sua ostentação e
grosseria.
— As propostas — continuou ele — do conde de Ernolf sempre tiveram
minha aprovação; certamente seria errado negligenciar tal oportunidade de se
estabelecer de maneira tão honrada. A cláusula do nome era, para ele,
irrelevante, já que seu próprio nome, de meio século atrás, era desconhecido,
e já que ele mesmo só é conhecido por seu título. Ele ainda está, portanto,
estou autorizado a informá-la, perfeitamente disposto a renovar sua proposta.
— Eu lamento, senhor — disse Cecilia friamente —, ouvir isso.
— A senhorita tem, talvez, alguma outra oferta melhor em vista?
— Não, senhor — disse ela, com ânimo —, nem mesmo em desejo.
— Devo, então, inferir que alguma oferta inferior tem mais probabilidade
de obter sua aprovação?
— Não há razão, senhor, para inferir coisa alguma. Estou satisfeita com
minha situação atual e não tenho, no momento, nenhuma perspectiva nem
intenção de mudá-la.
— Percebo, mas sem surpresa, a sua relutância em discutir o assunto;
tampouco pretendo pressioná-la; eu meramente ofereci à sua consideração
uma advertência e, em seguida, a senhorita estará livre de minha presença. As
mulheres jovens e de grandes fortunas, que desde cedo são independentes, às
vezes tendem a presumir que podem fazer tudo impunemente, mas elas estão
enganadas; elas são tão passíveis de censura quanto aquelas que são
totalmente desprotegidas.
— Espero, senhor — disse Cecilia, olhando fixamente para ele —, que ao
menos esta seja uma advertência mais extraída da minha situação do que do
meu comportamento.
— Não pretendo, madame, aprofundar-me ou investigar o assunto; o que
eu disse, a senhorita pode fazer o seu próprio uso. Eu gostaria apenas de
observar que quando as jovens, em algum momento de suas vidas, são de
alguma forma negligentes com uma coisa tão boa como a reputação, elas
geralmente vivem para se arrepender.
Ele então se levantou para ir embora, mas Cecilia, não mais ofendida do
que surpresa, disse: — Devo implorar, senhor, que se explique!
— Certamente este assunto — respondeu ele — deve ser indiferente para
mim; ainda assim, como já fui seu tutor por nomeação do reitor, seu tio, não
posso deixar de fazer um esforço para evitar qualquer indiscrição, e visitas
frequentes a um homem jovem...
— Bom Deus! Senhor — interrompeu Cecilia —, o que quer dizer?
— Certamente, como eu já disse, pode significar nada para mim, embora
eu devesse estar feliz em vê-la em melhores mãos, mas não posso supor que
tenha sido levado a tomar tais medidas sem algum plano sério, e eu a
aconselharia, sem perda de tempo, a pensar melhor sobre o que está fazendo.
— Posso pensar, senhor, por toda a eternidade — exclamou Cecilia — e
nunca poderei conjecturar o que quer dizer!
— A senhorita pode escolher — disse ele, orgulhoso — não me entender,
mas eu fiz minha parte. Se estivesse em meu poder interferir em seu favor
com milorde Derford, apesar de minha relutância em me envolver em
qualquer nova responsabilidade, eu teria me assegurado de não o rechaçar,
mas este jovem não é ninguém, uma conexão imprudente...
— Qual jovem, senhor?
— Não, eu não sei nada sobre ele! Não é de forma alguma provável que eu
deva, mas como eu já tinha sido informado de sua atenção para com ele, os
incidentes que corroboraram o fato de que meu criado a seguiu até sua casa,
seu amigo o procurando na sua, e ele mesmo vindo até aqui esta manhã, não
foram bem calculados para me fazer retirar minha credibilidade.
— É, então, Mr. Belfield, senhor, a respeito de quem faz essas inferências,
de circunstâncias as mais acidentais e sem sentido?
— De forma alguma é meu hábito — disse ele, com altivez e com
evidentes marcas de grande desagrado por este discurso — acreditar em
qualquer coisa levianamente, ou mesmo sem autoridade inquestionável; o que
uma vez, portanto, creditei, muitas vezes não considero errôneo. No entanto,
não confunda o que eu disse ao supor que tenho alguma objeção ao seu
casamento; pelo contrário, teria sido para a honra da minha família se a
senhorita tivesse se casado há um ano e eu não teria então sofrido a
degradação de ver um filho das primeiras expectativas no reino a ponto de
renunciar ao seu nascimento, nem uma mulher da primeira distinção
arruinada em sua saúde, e destruída para sempre em sua constituição.
As emoções de Cecilia com este discurso foram fortes demais para serem
ocultadas; sua cor variava, ora ruborizada de indignação, ora empalidecendo
de apreensão, ela se levantou, estremeceu e voltou a sentar, levantou-se mais
uma vez, mas, sem saber o que dizer nem o que fazer, voltou a se sentar.
Mr. Delvile, então, fazendo uma reverência rígida, desejou-lhe bom dia.
— Não vá ainda, senhor — exclamou ela, com acentos vacilantes —,
deixe-me pelo menos convencê-lo do seu erro em relação a Mr. Belfield...
— Meus erros, madame — disse ele, com um sorriso desdenhoso —,
talvez não sejam facilmente apontados, e posso trabalhar sob o comando de
outros que não lhe causariam menos problemas, portanto, talvez seja melhor
evitar qualquer outra indagação.
— Não, melhor não — respondeu ela, recuperando novamente a coragem
com esta nova provocação. — Não temo nenhum discurso; pelo contrário, é
meu interesse solicitar um.
— Esta intrepidez em uma jovem — disse ele, ironicamente — é
certamente muito louvável e, sem dúvida, como a senhorita é dona dos seus
próprios atos, ter se desfeito de grande parte de sua fortuna não é nada além
do que tem o direito de fazer.
— Eu! — exclamou Cecilia, espantada. — Ter me desfeito de grande parte
da minha fortuna?
— Talvez este seja outro erro! Não costumava ser tão infeliz; a senhorita
não está, então, endividada?
— Endividada, senhor?
— Não, não tenho intenção de inquirir sobre seus assuntos. Tenha um bom
dia, madame.
— Por favor, eu imploro, senhor, pare! Faça-me, pelo menos, entender o
que quer dizer, quer se digne a ouvir minha justificativa ou não.
— Oh, estou enganado, ao que parece! Mal-informado, enganado. A
senhorita não gastou mais do que recebeu, nem pegou dinheiro de judeus?
Sua minoridade correu livre de dívidas? E sua fortuna, agora que é maior de
idade, estará livre de obstáculos?
Cecilia, que agora começava a entendê-lo, respondeu ansiosamente: — O
senhor se refere ao dinheiro que peguei na primavera passada?
— Oh, não; de forma alguma, acredito que tudo não passa de um grande
erro.
E ele foi até a porta.
— Ouça-me apenas um momento, senhor! — exclamou ela
apressadamente, enquanto o seguia: — Já que tem conhecimento desta
transação, não se recuse a ouvir o motivo: peguei o dinheiro para Mr. Harrel;
foi tudo e unicamente para ele.
— Para Mr. Harrel, de fato? — disse ele, com um ar de incredulidade
arrogante. — Foi um passo bastante infeliz. Seu servo, madame.
E ele abriu a porta.
— O senhor não vai me ouvir, então? O senhor não vai me dar crédito? —
perguntou ela, na mais cruel agitação.
— Outra hora, madame; no momento, minhas ocupações são numerosas
demais para permitir que o faça.
E novamente, fazendo uma reverência rígida, ele chamou seus criados, que
estavam esperando no corredor, e se acomodou em sua cadeira.
CAPÍTULO 86
UMA SUSPEITA
UMA PERTURBAÇÃO
“Miss Beverley.
Madame, minha mãe foi ao mercado e eu não devo sair sem sua
permissão. Eu corri para a porta a cada batida durante toda a semana, na
esperança de que a senhorita viesse me ver, e meu coração deu um pulo a
cada carruagem que passou pela rua. Caríssima amiga, por que me disse
que viria? Eu não teria pensado em honras tão grandes se a senhorita não
tivesse colocado na minha cabeça que viria. E agora eu tenho direito ao uso
de uma sala onde muitas vezes posso ficar sozinha por duas ou três horas. E
assim será esta manhã, se for possível para minha querida Miss Beverley vir
me visitar. No entanto, não tenho a intenção de provocá-la e não seria
impertinente ou hostil por nada no mundo, mas eu tenho muito a lhe dizer, e
se a senhorita não fosse uma dama tão rica e tão superior, estou certa de que
a amaria mais do que qualquer outra pessoa no mundo inteiro, e agora me
atrevo a dizer que não vou mais vê-la. Oh, querida! Não sei o que posso
fazer! Eu teria meu coração partido se minha querida Miss Beverley deixasse
a cidade sem que eu pudesse vê-la. Eu sou, madame, com o maior respeito,
sua mais humilde serva, HENRIETTA BELFIELD”.
UMA CALMARIA
UM COMUNICADO
UM SUSPENSE
UM PARENTESCO
“Miss Beverley.
O sofrimento, minha doce jovem amiga, há muito habita em todos nós.
Muito devemos à surpresa de interesses diversos, muito àquela rapacidade
que para desfrutar de qualquer coisa exige tudo, e muito àquela
perversidade generalizada que trabalha para colocar felicidade naquilo que
é retido. Que vocês possam, meu amor e o amor do meu filho, tirar proveito
da experiência, enquanto se compadecem dos erros de tantos que ilustram
esta verdade. A sua parcialidade mútua foi mutuamente infeliz, e deve
continuar assim para o interesse de ambos. Porém, quão cega é a espera em
nossos próprios destinos, por aquela perfeição de desfrute que todos vemos
faltar no destino dos outros! Minhas expectativas para meu filho tinham
“superado a modéstia” da probabilidade. Eu busquei classe e nascimento
elevado com a fortuna de Cecilia, e o raro caráter de Cecilia. Que tristeza!
Uma nova constelação nos céus poderia ser procurada com a mesma
racionalidade! Entretanto, minha extravagância tem sido toda para a sua
felicidade, mais cara para mim do que a vida, mais querida para mim do que
todas as coisas, exceto a sua própria honra! Vamos mantê-la e então deixar
que a riqueza, a ambição, o interesse, a grandeza e o orgulho, já que não
podem constituir sua felicidade, sejam removidos da sua destruição. Não vou
mais bancar a repressora que, depois de pesar o bem e o mal por meus
próprios sentimentos e opiniões, insiste em agir de acordo com as ideias que
formei, qualquer que seja a tristeza que elas possam lhe trazer ao se opor às
suas. Deixo o reino com poucos motivos para esperar retornar. Eu o deixo –
oh, quão cega é a vaidade e a paixão! – do efeito daquela violência com a
qual tão recentemente me opus ao que agora me contento em promover.
Porém, a extraordinária resignação à qual a senhorita se submeteu mostra
que seu coração pertence completamente ao meu filho e que é mais do que
digna da posse do dele, que lhe concede uma honra mais luminosa e mais
atraente do que qualquer outra aliança mais ilustre poderia agora conferir.
Eu gostaria de vê-la antes de ir, por medo de não vê-la mais; para ratificar
verbalmente o consentimento que verbalmente eu tão terminantemente
recusei! Não sei como poderia ir para Suffolk; não é possível que a senhorita
venha para Londres? Fui informada de que deixaria comigo o arbítrio de seu
destino; antes de entregá-lo a meu filho, é melhor que eu demonstre meu
critério para tal honra. Apresse-se então, meu amor, para a cidade, para que
eu possa vê-la mais uma vez! Não espere mais uma concorrência assim
injustamente retida, mas apresse-se, para que eu possa abençoar a filha que
tantas vezes desejei ter! Para que eu possa suplicar seu perdão por toda a
dor que lhe causei e, comprometendo-me com a futura felicidade de meu
filho, tome em meu coração materno os dois objetos mais caros para ele.
AUGUSTA DELVILE”.
UMA MISSÃO
UMA DESCOBERTA
UMA CONVERSA
Grande foi seu espanto com essa nota! Nenhuma assinatura, nenhuma
conclusão, os caracteres indistintos, a escrita torta, tão poucas palavras, e
essas poucas escassamente legíveis!
Ele desejava vê-la, e vê-la sozinha; ela não podia hesitar em sua
conformidade, mas quem ela poderia dispensar? Seus criados, se ordenasse
que fossem a algum lugar, ficariam curiosamente vigilantes; ela não
conseguia pensar em nada, era toda pressa e surpresa.
Ela perguntou se alguém esperava por uma resposta. O lacaio disse que
não, que o recado havia sido entregue por alguém que não disse coisa alguma
e que sumiu de vista no momento em que o entregou. Ela não duvidava de
que fosse o próprio Delvile; Delvile, que agora deveria estar retornando do
castelo para encontrar sua mãe, e a quem ela pensava que nem mesmo uma
carta chegaria se fosse dirigida a algum lugar mais próximo do que Margate!
Tudo o que ela poderia imaginar em obediência a ele era esperá-lo sozinha
em seu quarto de vestir, dando ordens para que se alguém a procurasse, ele
fosse imediatamente trazido a ela, já que esperava alguém para tratar assuntos
de negócios e com quem ela não deveria ser interrompida.
Isso foi extremamente desagradável para ela; no entanto, ao contrário do
que haviam concordado, ela não se sentia inclinada a reprovar Delvile; a
rispidez de seu bilhete, o evidente tremor nas mãos com o qual havia sido
escrito, a estranheza do pedido em uma situação como a deles, tudo concorria
para lhe assegurar que ele não iria procurá-la à toa, e tudo a levava a temer
que ele vinha com más notícias. Quais poderiam ser, ela não teve tempo para
conjecturar; poucos minutos depois, um criado abriu a porta e disse: —
Madame, um cavalheiro — e Delvile, entrando abruptamente, fechou ele
mesmo a porta, na ânsia de se livrar do empregado.
Ao vê-lo, seu prognóstico de más notícias se tornou mais forte! Ela
avançou ao seu encontro, e ele avançou sorrindo e apressado, mas seu sorriso
não foi suficiente; ele não escondia um semblante pálido, no qual cada feição
falava de horror; não disfarçava um coração dolorido, que palpitava quase
visivelmente com uma emoção intolerável. No entanto, ele se dirigiu a ela em
termos de ternura e paz, mas sua voz trêmula contrariava suas palavras e dizia
que tudo no seu interior era tumulto e guerra!
Cecilia, espantada, assustada, não tinha forças para apressar uma
explicação a qual, da sua parte, parecia incapaz ou temerosa de começar. Ele
lhe falou sobre a sua felicidade em vê-la novamente antes de deixar o reino,
suplicou que ela escrevesse para ele continuamente, repetiu a mesma coisa
duas ou três vezes em um suspiro, começou um assunto, mas parecia
inconsciente, logo mudou para outro e fez inúmeras perguntas sobre sua
saúde, sua viagem, seus negócios e tranquilidade mental, sem ouvir dela
qualquer resposta, e sem parecer perceber que ela não lhe oferecia nenhuma.
Cecilia ficou terrivelmente apavorada; ela estava certa de que algo
estranho e muito alarmante devia ter acontecido, mas o que, ela não tinha
como saber, nem coragem, nem mesmo palavras para perguntar.
Delvile, finalmente, com a ansiedade diminuída, tornou-se mais coerente e
atencioso; ele olhou ansiosamente para ela e disse: — Por que esse silêncio,
minha Cecilia?
— Eu não sei — disse ela, tentando se recuperar —, mas sua vinda foi
inesperada; eu estava escrevendo para você.
— Continue escrevendo, então, mas mande direto para Ostende;58 eu serei
mais rápido do que o correio, e não perderei nenhuma carta, nenhuma linha,
nenhuma palavra sua, por nada nesse mundo!
— Mais rápido que o correio? — perguntou Cecilia. — Mas como pode
Mrs. Delvile... — ela parou, sem saber o que se atreveria a perguntar.
— Ela está agora a caminho de Margate. Espero estar lá para recebê-la. Eu
vim apenas para lhe dar adeus e ir embora.
Cecilia não respondeu; ela estava cada vez mais surpresa, cada vez mais
confusa.
— Você está pensativa — disse ele, com ternura. — Você está infeliz?
Minha doce Cecilia! A mais excelente das criaturas humanas! Se eu te deixei
infeliz, e é provável que o tenha feito, foi inevitável!
— Oh, Delvile! — exclamou ela, agora assumindo mais coragem. — Por
que você não fala comigo abertamente? Alguma coisa, eu vejo, está errada;
por que eu não posso saber? Por que eu não posso, pelo menos, falar sobre
minha preocupação de que alguma coisa o tenha angustiado?
— Você é boa demais! — exclamou ele. — Merecê-la não é possível, mas
angustiá-la é desumano!
— Por que, então — perguntou ela, mais alegremente —, não devo
compartilhar da nossa sorte em comum? Ou devo esperar que o mundo
inteiro seja modelado novamente, para que eu não encontre nele nada além da
felicidade?
— Não há, de fato, muito perigo! Você tem uma pena e um tinteiro aqui?
Ela os trouxe imediatamente, com papel.
— Você estava escrevendo, você disse? Eu mesmo começarei uma carta.
— Para mim? — perguntou ela.
Ele não respondeu, mas pegou a pena e escreveu algumas palavras, e
então, jogando-a no chão, disse: — Tolice! Eu poderia ter feito isso sem
precisar vir aqui.
— Posso ver? — disse ela; e, ao descobrir que ele não fazia objeção,
aproximou-se e leu.
Eu temo alarmá-la com minha precipitação, temo assustá-la com um
suspense prolongado, mas nem tudo vai bem...
— Não tema! — exclamou ela, voltando-se para ele com a mais bondosa
seriedade. — Diga, seja o que for! Não sou sua esposa? Obrigada por cada
laço divino e humano a compartilhar todas as suas tristezas, se, infelizmente,
eu não puder mitigá-las?
— Já que você me permite — disse ele, agradecido — uma reivindicação
tão doce, uma reivindicação à qual todos os demais cederiam, e que, se você
se arrepender de não me atender, tornará tudo o mais insignificante para
mim... eu confesso a você que nem tudo, na verdade, está bem! Tenho sido
precipitado, você vai me culpar; eu mereço, de fato, ser culpado! Confiado
com sua paz e felicidade para enfrentar o ódio, o ressentimento, a violência,
para me fazer renunciar ao que eu devia a tal obrigação! Se a sua culpa,
entretanto, não chega ao arrependimento... mas não é possível...
— O que, então — disse ela, calorosamente —, você deveria ter feito?
Não existe uma ação da qual eu acredite que você seja capaz, não existe um
evento que eu acredite ser possível, que possa me fazer me arrepender
totalmente de pertencer a você!
— Cecilia, generosa e condescendente! — exclamou ele. — Palavras
como estas, se não pairasse sobre mim o mal mais deprimente, seriam quase
mais do que eu poderia suportar... me tornariam muito abençoado para a
mortalidade!
— Mas palavras como estas — disse ela, com mais alegria — eu poderia
ter pavoneado por muito tempo antes de dizer, se você não as tivesse tirado
de mim com este alarme. Tome, portanto, o bem com o mal, e lembre-se de
que, se nem tudo vai bem, você agora tem uma amiga em quem pode confiar,
tão disposta a ser sua companheira tanto nos momentos sérios quanto nas
suas horas mais felizes.
— Mostre com tanta firmeza o que você demonstra com doçura — disse
ele — e não terei medo de lhe contar nada.
Ela reiterou suas garantias. Então, os dois se sentaram e ele começou seu
relato.
— Imediatamente quando saí do seu alojamento, fui para onde havia
pedido uma carruagem e parei apenas para trocar de cavalo até chegar ao
Castelo Delvile. Meu pai me viu com surpresa e me recebeu com frieza.
Minha situação me obrigou a ser abrupto e eu lhe disse que tinha ido até lá,
antes de acompanhar minha mãe ao exterior, para informá-lo de um assunto
que me considerava obrigado por dever e respeito a permitir que ninguém o
comunicasse, além de mim mesmo. Ele então me interrompeu severamente e
declarou em altos termos que, se o assunto dizia respeito a você, ele não daria
ouvidos. Tentei protestar contra esta injustiça, quando ele irrompeu
raivosamente em novas e horríveis acusações contra você, afirmando que as
tinha por autoridade tão indiscutível quanto a demonstração ocular. Eu tive a
certeza, então, de que havia alguma traição...
— Traição, de fato! — exclamou Cecilia, que agora sabia muito bem por
quem ela havia sido ofendida. — Meu Deus, como posso ter sido enganada
por quem eu mais confiei?
— Eu lhe disse — continuou Mortimer — que alguma imposição grosseira
havia sido praticada sobre ele, e seriamente o conjurei a não mais esconder de
mim quem era seu autor. Isso, infelizmente, aumentou sua raiva; a imposição,
disse ele, não havia sido tão facilmente praticada sobre ele, que ele deixava
isso para mim, que tão prontamente havia sido enganado, enquanto ele
mesmo apenas deu crédito a um homem de muita consideração em Suffolk,
que a conhecia desde criança, que lhe garantiu solenemente que se esforçara
repetidamente para recuperá-la, que a havia resgatado das mãos dos judeus
por conta do seu próprio risco e perda, e quem realmente lhe mostrou títulos
reconhecendo dívidas imensas, que foram assinados com suas próprias mãos.
— Que horror! — exclamou Cecilia. — Eu não imaginava que tamanha
culpa e traição fossem possíveis!
— Eu pensei o mesmo — continuou Delvile — enquanto o ouvia; cheguei
até a exigir com ferocidade saber quem era, a quem eu mantinha escrúpulos
de não execrar como merecia; ele respondeu friamente que estava obrigado
por um juramento a nunca revelar, nem deveria retribuir sua honrosa atenção
à família violando sua própria palavra, caso ela estivesse ainda menos
formalmente comprometida. Então eu perdi toda a paciência; mencionar a
honra, disse eu, era uma farsa, quando tais calúnias infames eram ouvidas;
mas não me deixe escandalizá-la desnecessariamente, você pode facilmente
conjecturar o que se passou.
— Você então brigou com o seu pai?
— Sim — disse ele. — Ele ainda nem sabe que estou casado; em meio a
tanta cólera, não havia espaço para narrativas. Eu apenas me comprometi por
tudo que considerava sagrado que nunca descansaria até que tivesse limpado
sua reputação pela detecção desta traição, e então o deixei sem maiores
explicações.
— Oh, volte, então, diretamente para ele! — exclamou Cecilia. — Ele é
seu pai, você é obrigado a suportar o desagrado dele; se você nunca tivesse
me conhecido, isso nunca teria acontecido.
— Acredite em mim — respondeu ele —, não me sinto à vontade com
isso; se assim desejar, depois de me ouvir, irei imediatamente até ele; se não,
escreverei e você mesma ditará as palavras.
Cecilia agradeceu e implorou que ele continuasse seu relato.
— Meu primeiro passo, quando saí do castelo, foi enviar uma carta à
minha mãe, na qual implorei a ela que partisse o mais rápido possível para
Margate, já que eu, inevitavelmente, havia sido detido e não queria que
minha demora retardasse nossa viagem ou a obrigasse a viajar mais rápido.
Em Margate eu esperava alcançá-la, senão chegar antes dela.
— E por que — perguntou Cecilia — você não foi à cidade como havia
prometido e a acompanhou?
— Eu tinha outros assuntos. Eu tinha que vir aqui.
— Diretamente?
— Não, mas logo.
— Onde você foi primeiro?
— Minha Cecilia, agora você deve reunir toda a sua coragem; eu deixei
meu pai sem uma explicação de minha parte, mas não antes que, em sua raiva
por afirmar sua autoridade, ele imprudentemente nomeasse seu informante.
— Bem...
— O informante... o mais traiçoeiro dos homens... era seu amigo fingido
há muito tempo, Mr. Monckton!
— Era o que eu temia — disse Cecilia, cujo sangue agora corria frio em
suas veias com repentinas e novas apreensões.
— Eu fui até Grove, a pleno galope por todo o caminho. Falei com ele no
início da tarde. Eu fui levado à sua biblioteca. Eu disse a ele qual era a minha
missão. Você está pálida, meu amor? Não se sente bem?
Cecilia, enjoada demais para falar, apoiou a cabeça na mesa. Delvile iria
pedir ajuda, mas ela colocou a mão em seu braço para detê-lo, e, percebendo
que ela estava apenas mentalmente afetada, ele descansou e se esforçou por
todos os meios possíveis para reanimá-la.
Depois de um tempo, ela ergueu novamente a cabeça e disse baixinho: —
Lamento ter interrompido o seu relato, mas a conclusão eu já sei: Mr.
Monckton está morto!
— Ele não está morto — disse ele —, perigosamente ferido, de fato, mas,
graças a Deus, não realmente morto!
— Não está morto? — perguntou Cecilia, com força e ânimo recobrados.
— Oh, então, tudo pode ficar bem? Se ele não estiver morto, ele pode se
recuperar!
— Ele pode, e espero que se recupere!
— Agora, então — disse ela —, conte tudo; posso suportar qualquer coisa,
exceto a morte por meios humanos.
— Eu não pretendia ter ido tão longe; longe disso. Eu considero os duelos
repulsivos, atos injustificáveis de violência e dispositivos selvagens de
vingança. Ofendi minha própria convicção, mas, levado pela cólera por suas
acusações infames, não era senhor de minha razão. Eu o acusei de traidor, ele
negou; eu disse que soubera através do meu pai, ele mudou de assunto para
insultá-lo; insisti em uma retratação para liberá-la, ele perguntou com que
direito. Eu respondi furiosamente: por ser seu marido! Seu semblante, então,
ao menos explicou os motivos de sua traição, ele te ama! Ele provavelmente
planejava mantê-la livre até a morte de sua esposa, e então concluiu que suas
maquinações garantiriam que você fosse dele. Por esse motivo, ao descobrir
que corria o risco de perdê-la, ele se satisfez até em arruinar sua reputação no
lugar de permitir que você escapasse dele! Porém, no momento em que
confessei nosso casamento, ele ficou mais furioso do que eu, e, em suma, será
mesmo preciso falar sobre o frenesi da raiva? Nós saímos juntos, minhas
pistolas de viagem já estavam carregadas. Eu deixei que ele escolhesse a dele,
e, como o duelo era meu, já que a insolência aliada à culpa me roubou toda a
tolerância, ele disparou primeiro, mas não me acertou; então perguntei se ele
limparia sua reputação. Ele gritou: “Atire! Não farei nenhum acordo”, eu
atirei, e infelizmente minha mira foi melhor! Não tínhamos nenhum segundo
a perder, tudo era resultado de uma raiva imediata, mas logo levei as pessoas
até ele e ajudei a levá-lo para casa. Ele foi inicialmente considerado morto, e
eu fui apreendido por seus criados, mas depois ele deu sinais de vida e,
depois de mandar chamar meu amigo Biddulph, fui libertado. Tão
melancólica é a situação que vim relatar a você, dizendo a mim mesmo que
ficaria menos surpresa se ouvisse de mim mesmo do que de outro; contudo,
minha própria preocupação real pelo assunto, o arrependimento com o qual,
desde o momento em que o desgraçado caiu, fui atingido pela ideia de ser o
seu exterminador, e a tristeza, ou melhor, o remorso que senti por vir magoá-
la com uma informação tão terrível... você, a quem tudo que devo é paz e
conforto! Esses pensamentos me perturbaram tanto que, na verdade, eu sabia
menos do que qualquer outro como prepará-la para a história.
Ele se deteve, mas Cecilia nada pôde dizer; censurá-lo agora seria cruel e
inútil. No entanto, fingir que estava satisfeita com sua conduta seria como
violar seu julgamento e veracidade. Ela viu também que seu erro surgira
inteiramente de um ardor generoso em sua defesa, e que a confiança dele em
seu caráter havia resistido, sem vacilar, a todos os ataques que o ameaçaram.
Por isso ela se sentiu verdadeiramente grata, mas sua briga com seu pai, o
perigo que sua mãe corria, sua ausência necessária, sua própria situação
clandestina e, acima de tudo, a ameaça de morte de Mr. Monckton por suas
mãos eram circunstâncias tão cheias de pavor e tristeza que ela não sabia
sobre o que falar, como oferecer conforto, como assumir um semblante que
parecia capaz de receber qualquer coisa, ou por que meios reprimir as
emoções que de muitas maneiras a assaltavam. Delvile, depois de esperar em
vão por alguma resposta, em um tom mais melancólico, disse: — Se ainda for
possível, se estiver suficientemente interessada em meu destino para se
importar com o que acontecerá comigo, me ajude com o seu conselho, ou
melhor, com suas instruções. Mal sou capaz de pensar por mim mesmo, e se
você pudesse pensar por mim, seria um consolo que me daria ânimo para
qualquer coisa.
Cecilia, abandonando seu devaneio, repetiu: — Para se importar com o
que acontecerá com você...? Oh, Delvile! Não faça meu coração sangrar com
palavras tão rudes!
— Perdoe-me — exclamou ele —, não era minha intenção que parecesse
uma censura! Eu pretendia apenas declarar minha própria consciência do
quão pouco eu a mereço. Você disse alguma coisa sobre procurar o meu pai?
Você ainda pensa assim?
— Acredito que sim! — exclamou ela, muito perturbada para saber o que
havia dito, mas temendo magoá-lo novamente, fazendo-o esperar pela sua
resposta.
— Eu irei então — disse ele —, sem dúvida. Estou muito feliz por ser
guiado por você, seja qual for o caminho que tomar. Tenho agora, de fato,
muito a dizer a ele, mas qualquer que seja sua ira, há pouco temor neste
momento que meu próprio temperamento não possa suportar! O que eu devo
fazer a seguir?
— A seguir? — repetiu ela —, na verdade, eu não sei!
— Devo ir imediatamente para Margate? Ou devo ficar por aqui?
— Se a ideia te agradar — disse ela, muito perturbada e suspirando
profundamente.
— Nada me agrada a não ser por sua direção, segui-la é minha única
chance de satisfação. Então, o que devo fazer? Você não vai, agora, se
recusar a me dirigir?
— Não, certamente que não, por nada no mundo!
— Fale comigo, então, meu amor, e diga; por que está tão calada? É difícil
para você me aconselhar?
— Na verdade, não — disse ela, colocando a mão na cabeça. — Eu falarei
com você em alguns minutos.
— Oh, minha Cecilia! — exclamou ele, olhando para ela com muita
preocupação. — Traga de volta a sua memória! Você não sabe o que dizer e
não se interessa pelas suas respostas.
— Sim, é verdade — disse ela, suspirando profundamente e oprimida além
do poder de pensar, além de qualquer poder, exceto de uma consciência
interna de desgraça.
— Não suspire com tanta amargura — exclamou ele — se tiver alguma
compaixão! Não suspire com tanta amargura, não posso suportar isso!
— Eu realmente sinto muito — disse ela, suspirando de novo, sem parecer
sensata.
— Céus! — exclamou ele, enquanto se levantava —, não me enlouqueça
com este terror! Não fale comigo em frases tão entrecortadas! Está me
ouvindo, Cecilia? Por que não responde?
Ela se sobressaltou e tremeu, parecia pálida e assustada; ela colocou ambas
as mãos sobre o coração e disse: — Oh, sim! Mas eu sinto uma pressão aqui,
um aperto, um preenchimento, não tenho espaço para respirar!
— Oh, amada do meu coração! — exclamou ele, lançando-se
descontroladamente aos seus pés. — Não me mate com este terror! Diga que
pelo menos você me reconhece! Diga que não a torturei completamente até a
loucura! A única querida dos meus afetos! Minha, minha esposa Cecilia!
Livre-me desta agonia! É mais do que posso suportar!
Esta energia de angústia lhe devolveu seus sentidos dispersos, pouco mais
atordoados pela comoção de toda a calamidade do que pela moderação de
seus sentimentos ao lutar para escondê-los. Porém, as exclamações
apaixonadas restauraram sua sensibilidade e ela desatou a chorar, o que
felizmente aliviou sua mente do conflito em que se debatia e que, se não
fosse por isso, poderia ter terminado de maneira mais fatal.
Nunca antes Delvile havia se alegrado mais com seus sorrisos como agora
com as lágrimas oportunas, que ele considerava e abençoava como as
preservadoras de sua razão. Elas fluíram por muito tempo sem qualquer
interrupção, seu consolo e sua ternura a faziam se derreter em mais tristeza;
depois de algum tempo, no entanto, o retorno de seus sentidos, que a
princípio pareciam completamente entregues à dor, foi manifestado pelo
retorno da força de sua mente; ela se culpava severamente pela pouca
coragem que havia demonstrado, mas depois de ter dado vazão a emoções
muito fortes para serem mantidas rígidas, ela lhe garantiu que ele poderia
contar com uma coragem melhor para o futuro e suplicou que ele
considerasse e resolvesse seus assuntos.
No entanto, o próprio Delvile não pôde se recuperar tão rapidamente. A
tortura que ele havia sofrido ao acreditar, embora apenas por alguns instantes,
que o terror que ele havia causado a Cecilia havia afetado seu intelecto, havia
deixado uma impressão ainda mais profunda em sua imaginação do que a
cena de fúria e morte que o havia ocasionado, e Cecilia, que agora esforçava-
se ao máximo para reparar com sua firmeza a dor que por sua fraqueza ela lhe
causara, estava em melhor condição de raciocínio e deliberação do que ele
mesmo.
— Ah, Mortimer! — exclamou ela, compreendendo o que se passava
dentro dele. — Você não leva a surpresa em consideração? Ou o difícil
conflito de tentar suprimi-la? Você ainda me acha incapaz de dar um
conselho, e tão inútil, tão fraca como conselheira, como durante a primeira
confusão em minha mente?
— Não apresse seu espírito sensível, eu imploro — disse ele —, teremos
tempo para isso; conversaremos sobre o assunto aos poucos.
— Tempo! — exclamou ela. — Que horas são agora?
— Céus! — exclamou ele, olhando para o relógio. — Já passa das dez!
Você deve me expulsar, minha Cecilia, ou a calúnia ainda se manterá
ocupada, embora o pobre Monckton esteja calado.
— Eu vou expulsá-lo — disse ela —, estou realmente ansiosa para que
você vá embora. Mas antes diga, qual é o seu plano e que caminho pretende
seguir?
— Isso é você quem vai decidir, se para o Castelo Delvile, para terminar
uma história e comunicar a outra por completo, ou para Margate, para
apressar minha mãe para o exterior antes que a notícia desta calamidade
chegue até ela.
— Vá para Margate — disse ela, ansiosa —, vá agora mesmo! Você pode
escrever para seu pai de Ostende. Mas fique, eu imploro, no continente, até
que estejamos certos de que aquele infeliz ainda vive, e pergunte a aqueles
que podem julgar o que deve acontecer se ele não o fizer!
— Um julgamento — disse ele — deve se seguir, e temo que irá ser duro
comigo! O duelo era meu, e todos os seus criados podem testemunhar que eu
fui até ele e não ele até mim. Oh, minha Cecilia! A temeridade da qual sou
culpado é tão oposta aos meus princípios, e, tão generoso como é o seu
silêncio, eu sei que é tão oposta aos seus, que nunca, se o sangue dele
estivesse em minhas mãos, miserável como era, nunca mais meu coração
ficará tranquilo.
— Ele vai viver, ele vai viver! — gritou Cecilia, reprimindo seu horror. —
Não tema nada, porque ele vai viver; e quanto à sua ferida e seus sofrimentos,
sua traição o fez por merecer. Vá, então, para Margate; pense apenas em Mrs.
Delvile, e poupe-a, se possível, de ouvir o que aconteceu.
— Eu irei, eu ficarei, farei tudo o que você me ordenar, mas, se o que eu
temo acontecer, se minha mãe continuar doente, meu pai inflexível, se aquele
homem miserável morrer e se a Inglaterra não for mais um país onde eu
adorava viver, você concordaria em me seguir?
— Eu não sou sua? Você não pode simplesmente me ordenar? Diga, então,
você só tem que dizer: devo acompanhá-lo agora mesmo?
Delvile, afetado por sua generosidade, mal conseguia expressar seus
agradecimentos; ainda assim, ele não hesitou em se negar a tirar proveito da
situação:
— Não, minha Cecilia, eu não sou tão egoísta. Se não tivermos dias mais
felizes, pelo menos esperaremos por uma necessidade mais desesperadora.
Com a incerteza de não ter a vida daquele homem para responder por meu
próprio risco, levar minha esposa para longe do reino seria um erro.
Convertê-la em uma fugitiva e exilada ao primeiro conhecimento público de
que ela é minha! Não, se eu não sou um estranho para a vida, jamais poderei
permitir tal coisa. Nada, acredite em mim, jamais exigirá meu consentimento
para ferir a casta propriedade de seu caráter, convertendo-a em uma fugitiva
com um duelista.
Eles então se consultaram novamente sobre seus planos futuros e
concluíram que, no atual estado desordenado de seus assuntos, seria melhor
não reconhecer seu casamento nem mesmo a Mr. Delvile, pois a notícia do
duelo e o perigo que corria Mr. Monckton seriam um golpe tão severo que
acrescentar qualquer outro poderia levá-lo à loucura.
Às poucas pessoas já familiarizadas com ele, Delvile, portanto, decidiu
escrever de Ostende, reiterando suas súplicas por sua discrição e sigilo.
Cecilia prometeu informá-lo em todas as cartas sobre as condições de saúde
de Mr. Monckton, e então suplicou que ele partisse imediatamente para que
ele pudesse manter sua mãe longe das notícias. Ele obedeceu e se despediu
dela da maneira mais terna, fazendo-a prometer sustentar seu ânimo e cuidar
de sua saúde. — A felicidade — disse ele — está muito atrasada para nós, e
embora minha violência possa tê-la afugentado, sua doçura e gentileza a
atrairão de volta; tudo o que para mim está reservado e deverá ser recebido
pelas suas mãos; o que é oferecido de qualquer outra forma, eu apenas
confundirei com o mal! Portanto, não se abata, minha generosa Cecilia, e não
se esqueça de mim.
— Não vou me abater — disse ela —, você vai descobrir, espero, que não
se entregou às mãos erradas.
— Fique em paz, então, meu amor! Cecilia, minha consoladora e
revigorante de minha alma! Desejo-lhe a paz que os anjos nos trazem, que
tem o poder de retirar de sua mente a lembrança desta hora amarga.
Ele então se desvencilhou.
Cecilia, que para sua bênção quase poderia, como a terna Belvidera,59 ter
exclamado: “Oh, não me deixe! Fique comigo e me amaldiçoe!”, escutou
seus passos até não poder mais ouvi-los, como se os momentos restantes de
sua vida devessem ser medidos por eles. Mas então, ao se lembrar do perigo
de sua permanência tanto para ela quanto para ele, esforçou-se para sentir-se
alegre por ele ter partido, e embora sua mente não estivesse em um estado de
alegria, ela era racional demais para não querer mantê-lo perto de si naquele
momento.
A tristeza e a melancolia pelo que havia acontecido, a apreensão e o
suspense pelo que estava por vir, desordenaram tanto o seu corpo,
confundiram tanto até mesmo seu intelecto, que, quando nem toda a ajuda da
fantasia poderia persuadi-la de que ela ainda ouvia os passos de Delvile, ela
foi até a cadeira na qual ele estava sentado, tomou posse dela, sentou-se com
os braços cruzados, em silêncio, quieta e ereta, quase vazia de qualquer
pensamento, mas com uma ideia secreta de que estava fazendo algo certo. Ali
ela continuou até que Henrietta veio lhe desejar boa noite, e cuja surpresa e
preocupação com a estranheza de seu olhar e de sua atitude mais uma vez a
recuperou. Aterrorizada pela ameaça de divagação de sua razão e certa de que
não poderia descansar durante toda a noite, aceitou a oferta afetuosa da
bondosa menina de ficar com ela, que estava muito triste por sua dor para que
ela mesma pudesse dormir. Ela não lhe disse o que havia acontecido; isso, ela
sabia, seria uma aflição infrutífera para a outra. Porém, sua gentileza a
tranquilizava e sua conversa lhe trazia um pouco de segurança diante da
divagação perigosa de suas ideias.
A própria Henrietta encontrou consolo em suas próprias tristezas, por ser
capaz de confortar sua amada Miss Beverley, de quem recebera inúmeros
favores e tarefas amáveis. Ela não a abandonou noite e dia, e, com a gratidão
de seu coração, sentiu um prazer e uma consequência pessoal que nunca antes
havia experimentado.
CAPÍTULO 95
UMA INTIMAÇÃO
UMA DELIBERAÇÃO
Sua mente ficou um pouco mais tranquila quando esta carta foi escrita,
pois, embora achasse ser um dever, sentia uma certa relutância em cumpri-lo.
Ela desejava ter representado vigorosamente o perigo de que Delvile ouvisse
sua angústia, mas ela conhecia tão bem sua excessiva autossuficiência
desordenada, que temia que uma insinuação deste tipo pudesse ser
interpretada como um insulto, e concluiu que sua única chance de que ele
fizesse qualquer coisa era deixando inteiramente às suas próprias sugestões
pesar e estabelecer o quê.
Porém, embora nada fosse mais incerto do que se ela deveria ser recebida
no castelo Delvile ou não, nada era mais certo do que o fato de que ela
deveria deixar sua própria casa, já que o orgulho de Mr. Delvile não deixava
a mínima possibilidade de que seu interesse a conquistaria. Portanto, ela não
mais adiou os preparativos para sua remoção, embora não soubesse para
onde. A sua primeira, e também mais dolorosa tarefa, foi familiarizar
Henrietta com sua atual situação; ela lhe enviou um recado de que desejava
conversar com ela, mas o semblante de Henrietta revelava que a sua
comunicação não a surpreenderia.
— Qual é o problema com minha querida Henrietta? — perguntou Cecilia.
— Quem é que já afligiu este coração generoso que agora sou obrigada a
afligir por mim mesma?
Henrietta, em quem a raiva parecia estar lutando contra a tristeza,
respondeu:
— Não, madame, não estou aflita por sua causa! Seria estranho se
estivesse pensando como eu penso!
— Eu fico feliz — disse Cecilia, calmamente — por não estar, pois eu te
daria, se fosse possível, nada além de prazer e alegria.
— Ah, madame! — exclamou Henrietta, explodindo em lágrimas. — Por
que me diz isso se não se importa com o que vai acontecer comigo? Quando
vai me mandar embora... e quando logo estará feliz demais para pensar em
mim?
— Se eu não for feliz então — disse Cecilia —, triste, de fato, será minha
vida! Não, minha mais gentil amiga, você sempre terá sua parte em meu
coração; e sempre, para mim, teria sido a hóspede mais bem-vinda em minha
casa, se não fosse por aquelas circunstâncias infelizes que tornam nossa
separação inevitável.
— Ainda assim, madame, a senhora permitiu que eu soubesse através de
outra pessoa que estava casada e que estava indo embora; e todos os criados
da casa souberam disso antes de mim.
— Estou impressionada! — disse Cecilia. — Como e de que forma eles
podem ter ouvido isso?
— O homem que levou a carta a Mr. Eggleston trouxe a primeira notícia,
pois disse que todos os criados não falavam de outra coisa e que seu amo
viria tomar posse desta casa na próxima quinta-feira.
Cecilia se assustou com essa informação muito indesejável. — E mesmo
assim você sente inveja de mim? Mesmo que eu seja forçada a deixar minha
casa, embora a esteja abandonando, e esteja desprovida de qualquer outra, e
embora aquele por quem a renunciei esteja longe, sem meios para me
proteger ou poder de voltar para mim?
— Mas a senhora está casada com ele, madame! — exclamou ela,
expressivamente.
— É verdade, meu amor; mas também estou separada dele!
— Oh, de que maneira inteiramente diferente — exclamou Henrietta —
pensam os grandes e os pequenos! Se eu fosse casada, e casada desta forma,
não desejaria nem casa, nem roupas finas, nem riquezas, nem qualquer coisa.
Não me importaria com o lugar onde fosse morar, todo lugar seria o paraíso!
Eu caminharia até ele descalça se ele estivesse a mil milhas de distância, e
não me importaria com ninguém mais no mundo enquanto eu o tivesse para
cuidar de mim!
“Ah, Delvile”, pensou Cecilia, “que poderes de fascínio você possui! Se
um dia eu ficar tentada a reclamar do que tenho que suportar, vou me lembrar
desta heroína e corar!”
Neste momento, Mrs. Harrel invadiu a sala, ansiosa para ser informada da
verdade ou falsidade dos relatos que circulavam pela casa. Cecilia relatou
brevemente a ambas o estado de seus assuntos, expressando sinceramente sua
preocupação com a separação abrupta que deveria ocorrer e para a qual ela
não tinha sido capaz de prepará-las, pois as circunstâncias que a levaram a
isso haviam sido totalmente imprevistas até para ela mesma.
Mrs. Harrel ouviu o relato com muita curiosidade e surpresa, mas
Henrietta chorou incessantemente ao ouvi-lo: objeto de uma paixão tão
ardente quanto romântica, perdida em sua recuperação passada, separada,
provavelmente para sempre, da melhor amiga que tinha no mundo e obrigada
a retornar assim repentinamente para uma casa que ela detestava. Henrietta
não era forte o suficiente para ouvir infortúnios como estes, os quais, para seu
coração inexperiente, pareciam os mais severos que podiam ser infligidos.
Terminada a conversa, Cecilia mandou chamar seu administrador e lhe
pediu que, com a maior celeridade, cobrasse todas as suas contas e
imediatamente reunisse seus inquilinos em um raio de vinte milhas e
recolhesse, daqueles que podiam pagar, os atrasos agora devidos a ela, mas
dizendo que, no entanto, de forma alguma deveria insistir em uma cobrança
daqueles que pareciam angustiados.
As contas que ela teve de pagar foram pagas sem dificuldade; ela nunca
deveu muito e os credores raramente são difíceis de acessar, mas o dinheiro
que esperava receber foi muito aquém de suas expectativas, pois a
indulgência que havia demonstrado aos inquilinos os deixara mal preparados
para uma demanda tão repentina.
CAPÍTULO 97
UMA DECISÃO
Cecilia tinha pouco direito de se surpreender com esta carta, e ela não teve
um momento para comentá-la antes que o advogado chegasse.
— Bem, senhora — disse o homem ao entrar na sala —, Mr. Eggleston já
teve muita paciência; ele me encarrega agora de lhe perguntar se é
conveniente para a senhora deixar o local.
— Não, senhor, não é de forma alguma conveniente para mim; e se Mr.
Eggleston puder esperar mais algum tempo, serei muito grata a ele.
— Sem dúvida, madame, ele o fará, com as considerações adequadas.
— O que, cavalheiro, o senhor chama de adequada?
— Mediante um adiantamento, como eu sugeri antes, de uma soma
particular imediata que deve, pouco a pouco, ser legalmente restituída.
— Se esta for a condição de sua cortesia, vou deixar a casa sem lhe causar
mais problemas.
— Como achar melhor, madame. Ele ficará feliz em tomar posse amanhã
ou no dia seguinte.
— Fez muito bem, senhor, em elogiar sua paciência! Devo, no entanto,
apenas dispensar meus criados, acertar minhas contas e estar pronta para abrir
caminho para ele.
— Não me leve a mal, madame, se eu lembrá-la de que a conta com Mr.
Eggleston deve ser a primeira a ser acertada.
— Se o senhor se refere aos atrasos desta última quinzena ou de três
semanas, acredito que devo solicitar que ele espere o retorno de Mr. Delvile,
pois, de outra forma, eu mesma poderia ficar angustiada por não ter dinheiro
disponível.
— Isso, madame, é pouco provável, pois é sabido que tem uma fortuna
independente de seu falecido tio; e quanto à angústia por dinheiro disponível,
é um apelo para o qual Mr. Eggleston pode recorrer com muito mais
veemência.
— Isso está sendo estranhamente precipitado, senhor! Que em tão pouco
tempo Mr. Eggleston possa esperar qualquer parte desta propriedade!
— Isso, madame, não tem nada a ver com o propósito; a partir do
momento que é dele, ele tem tanto desejo por ela quanto qualquer outro
cavalheiro. Ele gostaria que eu, no entanto, a informasse de que, se ainda
deseja manter um aposento nesta casa até o retorno de Mr. Delvile, a senhora
terá um ao seu serviço.
— Ser uma hóspede nesta casa, senhor — disse Cecilia, secamente —,
talvez me pareça estranho. Portanto, não tenho a intenção de ficar no seu
caminho.
Mr. Carn então a informou de que ela poderia colocar um selo em tudo o
que pretendia reivindicar ou contestar no futuro e despediu-se.
Cecilia se fechou em seus próprios aposentos, para meditar sem
interrupção antes de proceder a qualquer ação.
Ela se sentia muito inclinada a mandar buscar imediatamente algum
advogado, mas, quando considerou sua situação peculiar, a ausência de seu
marido, a renúncia de seu pai, a perda de sua fortuna e sua ignorância sobre o
assunto, ela achou melhor ficar quieta até que o próprio destino de Delvile e
sua própria opinião pudessem ser conhecidos do que se envolver em um
processo que ela era tão pouco capaz de supervisionar.
Nessa cruel perplexidade de sua mente e de seus assuntos, seu primeiro
pensamento foi se hospedar novamente com Mrs. Bayley, mas o plano logo
foi abandonado, pois ela sentia uma repugnância invencível de continuar em
seu condado natal, quando privada de sua fortuna e expulsa de sua residência.
Sua situação, na verdade, era singularmente infeliz, pois, por essa imprevista
vicissitude do destino, ela repentinamente havia deixado de ser um objeto de
inveja e admiração para se afundar na angústia e ser ameaçada com a
desgraça. Por ser adulada em todos os lugares e elogiada por todas as vozes,
ela corava ante a possibilidade de ser vista e esperava até mesmo ser
censurada. Além disso, por ser geralmente considerada um exemplo de
felicidade e um modelo de virtude, ela se encontrava agora em um momento
no qual apareceria para o mundo como uma pária em sua própria casa, mas
não recebida em nenhuma outra! Uma noiva não reclamada por um marido!
Uma herdeira despojada de toda riqueza!
Ser reconhecida pela primeira vez como Mrs. Delvile em um estado tão
degradante, ela não poderia suportar; e, para escapar disso, restava apenas um
caminho, que consistia em ir diretamente para o exterior.
Sobre isso, portanto, ela finalmente tomou uma decisão; suas objeções
anteriores a tal passo haviam sido totalmente, embora desagradavelmente,
removidas, uma vez que ela não tinha bens nem negócios para exigir sua
estadia, e uma vez que todas as esperanças de ocultação haviam desaparecido
completamente. Com seu casamento, portanto, e suas vergonhosas
consequências sendo divulgadas ao mundo, ela resolveu sem demora buscar o
único asilo que lhe era próprio, na proteção do marido por quem ela havia
renunciado a tudo o mais.
Ela propôs, portanto, ir imediatamente e em segredo para Londres, de onde
poderia definir melhor sua rota para o continente e onde esperava
desembarcar antes que a notícia de seus problemas chegasse a Delvile, a
quem nada, ela estava certa disso, exceto sua própria presença, poderia ali se
manter por um momento depois de ouvi-la.
Assim, uma vez finalmente decidido o seu plano, ela passou a colocá-lo
em execução com calma e intrepidez, confortando-se com o fato de que as
conveniências e indulgências das quais ela estava se separando logo seriam
devolvidas a ela, embora não com igual poder, mas com muito mais
satisfação. Ela comunicou seu administrador da sua intenção de ir na manhã
seguinte a Londres, solicitou que pagasse imediatamente todas as suas
dívidas e liberasse todos os seus criados, decidida a não manter nenhuma
conta aberta a não ser aquela com Mr. Eggleston, que ele havia tornado tão
complicada ao dobrá-la e fazer exigências indevidas, que ela achou mais
prudente e seguro deixá-la inteiramente para Delvile.
Ela então empacotou todos os seus papéis e cartas e ordenou à sua criada
que empacotasse suas roupas. Em seguida, colocou seu próprio selo em seus
móveis, quadros e muitas outras coisas, e empregou quase todos os seus
criados para fazer inventários completos do que cada cômodo continha. Ela
aconselhou Mrs. Harrel a mandar chamar Mr. Arnott sem demora e voltar
para sua casa. A princípio, ela se propôs a levar Henrietta para a casa de sua
mãe, mas agora ocorria outro plano para ela, do qual Cecilia antecipava
muitas vantagens futuras para a amável e abatida menina. Ela sabia muito
bem que, por mais profundo que fosse seu desânimo, a remoção de todas as
possibilidades de esperança ao tomar conhecimento do casamento de Delvile
deveria em breve despertá-la das visões ilusórias de sua fantasia romântica. O
próprio Mr. Arnott estava em uma situação exatamente semelhante, e o
conhecimento do mesmo evento provavelmente produziria o mesmo efeito.
Portanto, quando Mrs. Harrel começou a se lamentar da solidão para a qual
estava voltando, Cecilia lhe propôs a companhia de Henrietta, que, feliz por
aproveitar qualquer coisa que pudesse penetrar sua solidão, ouviu com prazer
e apoiou o convite.
Henrietta, para quem todas as casas pareciam preferíveis à sua, aceitou a
oferta com alegria, obtendo de Cecilia a promessa de comunicação da
mudança de domicílio à Mrs. Belfield.
Cecilia, que conhecia a comprovada honra de Mr. Arnott e teria confiado
uma irmã a ele sem relutância, ficou muito satisfeita com este pequeno
arranjo, do qual, se não resultasse nenhum bem, nenhum mal, pelo menos, era
provável. No entanto, ela esperava, através da piedade mútua, que suas
mútuas melancolias pudessem inspirar suas mentes, que não eram diferentes.
Talvez fossem suavizadas em favor uma da outra, e que, em conclusão, cada
um pudesse ficar feliz em receber o consolo que o outro poderia dar, e
surgiria, então, uma união, na qual sua decepção recíproca poderia, com o
tempo, ser quase esquecida.
De fato, não havia muita promessa de tais eventos no semblante de Mr.
Arnott, quando, tarde da noite, ele veio buscar sua irmã, tampouco na tristeza
ilimitada de Henrietta quando chegou o momento da despedida. Mr. Arnott
parecia meio morto com o impacto que a informação vinda de sua irmã lhe
causara, e o coração de Henrietta, dilacerado entre a amizade e o amor, mal
suportava uma despedida, ainda mais uma despedida de Cecilia, a qual ela
considerava que seria eterna, somada à consciência da sua viagem para se
unir a Delvile para o resto da vida!
Cecilia, que notou e se compadeceu dessas emoções conflitantes, ficou
extremamente magoada com essa separação necessária. Ela amava Henrietta
com muita ternura, amava-a ainda mais pela simpatia de seus afetos, que
suscitavam a mais forte comiseração, a que brota do sentimento de
solidariedade!
— Adeus — exclamou ela —, minha Henrietta, espero que seja tão feliz
quanto é inocente, dessa maneira como eu a amo, e que seus amigos não
tenham nada a desejar para você ou para de você se lamentar.
— Eu sempre lamentarei — exclamou a soluçante Henrietta — não
podermos viver juntas para sempre! Eu lamentaria mesmo se fosse a rainha
de todo o mundo, quanto mais então, quando eu não sou nada, nem ninguém!
Não lhe desejo felicidade, madame, pois acho que a felicidade foi feita de
propósito para satisfazê-la e ninguém mais a teve antes. Só desejo saúde e
vida longa, para o bem daqueles que serão tão felizes quanto a senhorita, pois
a senhorita vai mimá-los, como sempre me mimou, e serão sempre felizes ao
seu lado!
Cecilia reiterou suas garantias de um respeito fiel, abraçou Mrs. Harrel,
disse algumas palavras de gentileza ao desanimado Mr. Arnott e se afastou
deles.
Tendo muitos pequenos assuntos a resolver, e sem companhia nem apetite,
ela não quis jantar, mas, ao passar pelo corredor a caminho de seu próprio
quarto, ficou muito surpresa ao ver todos os seus criados reunidos em um só
corpo. Ela se deteve para indagar sobre a sua intenção e eles avançaram
ansiosamente, implorando humilde e fervorosamente para saber por que
haviam sido dispensados. — Por nenhuma razão em especial — disse Cecilia
—, simplesmente porque no momento não está em meu poder mantê-los por
mais tempo.
— Não se separe de mim por isso, madame — exclamou um deles —, pois
eu a servirei de graça!
— Eu também! — exclamou outro. — E eu! E eu! — foi repetido por
todos eles, além de: — Nenhuma outra patroa semelhante pode ser
encontrada! Não suportaremos viver em outro lugar!
— Fique ao menos comigo, madame — foi até mesmo clamorosamente
exortado por cada um deles.
Cecilia, ao mesmo tempo angustiada e lisonjeada por sua relutância em
deixá-la, recebeu este testemunho de gratidão pelo tratamento gentil e
generoso que haviam recebido com os mais calorosos agradecimentos tanto
por seus serviços quanto por sua fidelidade, e lhes assegurou que, assim que
estivesse novamente instalada, todos aqueles que ainda não tivessem uma
colocação deveriam ser preferidos em sua casa antes de quaisquer outros
requerentes.
Tendo com dificuldade rompido com eles, ela mandou chamar seu criado
pessoal, Ralph, que havia vivido com ela muitos anos antes da morte do
reitor, e disse que ainda pretendia mantê-lo a seu serviço.
O homem ouviu com grande prazer e prometeu redobrar sua diligência
para merecer o seu favor. Ela então comunicou a mesma notícia à sua criada,
que também residia com ela há muitos anos, e por quem foi ouvida com
maior prazer.
Esses e outros ajustes a mantiveram ocupada quase toda a noite. Embora
fosse tarde e estivesse muito cansada ao se deitar, ela não conseguia fechar os
olhos; temerosa de que algo ficasse por fazer, ela se privou do pouco tempo
que havia permitido a si mesma para descansar, meditando incessantemente
sobre o que ainda deveria ser feito. No entanto, ela podia se lembrar de uma
única coisa que havia escapado de sua vigilância, que era comunicar à
sacristã e duas ou três outras mulheres pobres que dela recebiam pensões
semanais que elas não deveriam, ao menos pelo momento, depender mais de
sua ajuda.
Nada poderia ser mais doloroso para ela do que lhes dar tal conhecimento,
mas não se apressar a fazê-lo multiplicaria a barbárie de sua decepção. Ela até
sentia por essas pobres mulheres, cuja perda para elas sabia que seria
irreparável, uma compaixão que afastava de sua mente quase todos os outros
assuntos, e ela decidiu, a fim de amenizar esse infortúnio, que ela mesma
deveria comunicá-las, a fim de impedi-las de afundar e renovar a esperança
de uma ajuda futura.
Ela pediu a uma carruagem alugada que estivesse à sua porta às sete da
manhã, e não demorou para se juntar a ela. Ela deixou sua casa com o
coração cheio de preocupação e ansiedade, lamentando a necessidade de
fazer tal sacrifício, sem saber o que aconteceria e trabalhando sob mil
perplexidades com respeito às medidas que deveria tomar imediatamente.
Quando atravessou o corredor, ela passou por uma fileira de domésticas
chorando, nenhuma das quais poderia ver com os olhos secos a casa privada
de sua patroa. Ela conversou com todas com amabilidade e com toda a alegria
possível, mas o tom de sua voz sugeria que havia poucos motivos para pensar
que a preocupação com aquela viagem era só delas. Ela ordenou que a
carruagem fosse até a casa da sacristã e de lá para a casa das suas outras
dependentes diretas. Entretanto, ela logo se arrependeu da tarefa; a aflição
dessas pobres pensionistas era clamorosa, quase de partir o coração. Elas
disseram que não poderiam mais viver, que estavam arruinadas para sempre,
que logo não teriam mais pão para comer e buscariam ajuda em vão, quando
sua generosa e única benfeitora estava longe!
Cecilia fez os melhores esforços para confortá-las e encorajá-las,
prometendo que, no exato momento em que seus próprios assuntos
estivessem resolvidos, ela se lembraria de todas elas, as visitaria ela mesma e
contribuiria para o seu alívio com todas as forças que lhe restavam. Nada,
entretanto, poderia consolá-las; elas se agarraram a ela, quase tiraram os
cavalos da carruagem e a conjuraram a não abandonar aquelas que eram
apenas acalentadas por sua generosidade!
E isso não foi tudo o que ela teve de suportar; a notícia de sua intenção de
deixar o condado havia sido divulgada por toda a região e espalhado a maior
consternação entre os pobres em geral, os vizinhos de seus próprios
inquilinos em particular, e a estrada logo ficou repleta de mulheres e crianças,
torcendo as mãos e chorando. Elas seguiram sua carruagem com súplicas
para que ela voltasse para elas, misturando bênçãos com suas lamúrias e
orações por sua felicidade com os mais amargos lamentos por sua própria
perda!
Cecilia ficou extremamente emocionada; sua mão generosa e sempre
disposta buscava involuntariamente sua bolsa, a qual suas muitas despesas
imediatas fizeram com que a prudência verificasse com frequência; e pela
primeira vez ela sentiu o erro gravíssimo que havia cometido ao viver
constantemente com o máximo da sua renda, sem nunca se preparar, embora
fosse capaz de fazê-lo, para qualquer contingência infeliz.
Quando ela, por fim, escapou de continuar recebendo tal doloroso tributo à
sua benevolência por mais tempo, ela deu ordens a seu criado para ir na
frente e fazer uma parada em Grove, para que um relato preciso e minucioso
de Mr. Monckton pudesse ser o último, já que agora havia se tornado a
notícia mais importante que ela deveria ouvir em Suffolk. Ele assim o fez, e,
para sua surpresa e deleite, ela soube que de repente ele estava muito melhor
e que havia esperanças para sua recuperação.
Uma informação tão satisfatória a compensava por quase tudo, no entanto,
ela não hesitou em seu plano de ir para o exterior, pois não sabia onde ficar
na Inglaterra e não suportaria apressar Delvile e afastá-lo de sua mãe doente
ao informá-lo de sua situação de desamparo e angústia. Porém, seu ânimo
havia sido tão renovado pela notícia inesperada, que um lampejo da mais
brilhante esperança dançou mais uma vez diante de seus olhos, e ela se sentiu
revigorada com nova coragem e novas forças, o suficiente para apoiá-la em
todas as dificuldades e fadigas.
Ânimo e coragem eram de fato muito necessários para a empreitada que
tinha pela frente, mas, pouco acostumada a viajar, e nunca tendo saído da
Inglaterra, ela não conhecia a rota, senão por um conhecimento geral de
geografia, que, embora pudesse orientá-la para leste ou oeste, não poderia lhe
ensinar nada sobre costumes estrangeiros, quais os preparativos necessários
para a viagem, as imposições contra as quais ela deveria se precaver, nem os
diversos perigos aos quais ela poderia ser exposta por total desconhecimento
do país por onde teria de passar.
Consciente das deficiências para tal empreendimento, ela deliberava sem
descanso sobre como evitá-las. Ainda assim, às vezes, quando a esses riscos
se somavam aqueles decorrentes de sua juventude e do seu sexo, ela estava a
ponto de renunciar ao seu plano, por ser perigoso demais para ser executado,
e pensava em continuar em particular em Londres até que surgisse alguma
mudança em seus assuntos.
Porém, embora para cada coisa que ela pudesse sugerir surgissem dúvidas
e dificuldades, ela não tinha nenhum amigo a quem pudesse consultar, nem
poderia imaginar qualquer meio pelo qual elas pudessem ser eliminadas. Sua
criada era sua única companheira, e Ralph, que havia passado quase toda a
vida em Suffolk, seu único segurança e assistente. Contratar imediatamente
um criado francês, acostumado a viajar em seu próprio país, parecia o
primeiro passo que ela deveria dar, e tão essencial que nenhum outro parecia
viável até que este fosse feito.
Mas, onde encontrar um homem assim, ela não saberia dizer, e aceitar um
que não fosse bem recomendado seria expor-se a inúmeras fraudes e perigos.
No entanto, apesar da lentidão com a qual Delvile viajava, de quem sua
última carta ainda era datada de Ostende, ela estava quase certa de que
poderia chegar ao continente e alcançá-lo em sua rota depois de um ou dois
dias de seu desembarque.
A sincera disposição que apoiava este plano fazia com que a cada
momento ela estivesse menos disposta a abandoná-lo. Parecia ser o único
porto para ela depois da tempestade à qual tinha resistido, e o único refúgio
que poderia buscar adequadamente enquanto estivesse indefesa e
desamparada. Mesmo se Delvile estivesse na Inglaterra, ele não teria nenhum
lugar para lhe oferecer, nem poderia propor algo tão irrepreensível como ela
viver com Mrs. Delvile em Nice, até que conhecesse a vontade de seu pai, e,
em uma viagem particular para casa, tivesse arranjado seus assuntos tanto
para o seu retorno quanto para sua permanência no exterior.
Com que pesar ela agora olhava para trás, para o tempo em que, em uma
aflição como essa, ela teria solicitado e recebido o conselho de Mr.
Monckton, como um oráculo. A perda de alguém que havia sido um
conselheiro por tanto tempo, tão implicitamente confiável, perdido também
para ela apenas por sua própria inutilidade interessada, ela sentia quase
diariamente, pois quase diariamente alguma complexidade ou embaraço a
fazia sentir falta de sua ajuda. E, embora estivesse feliz, desde que descobrira
que ele era tão indigno, que havia escapado das armadilhas que ele havia
preparado para ela, Cecilia lamentava muito não conhecer nenhum homem de
caráter honesto e igual capacidade que se importasse com ela o suficiente
para ocupar seu lugar em sua confiança.
Na situação em que se encontrava, ela só conseguia pensar em Mr.
Belfield, a quem poderia pedir conselhos. Porém, nem mesmo para ele a
solicitação era irrepreensível, pois as calúnias de Mr. Delvile haviam tornado
até mesmo sua visão desagradável para ela. Mas ele era ao mesmo tempo um
homem do mundo e um homem de honra; era amigo de Mortimer, cuja
confiança nele era grande, e seu próprio comportamento havia demonstrado
de maneira uniforme um respeito muito distante da impertinência ou da
vaidade, e uma mente superior apesar da influência de sua mãe grosseira. Ela
estava, de fato, quando saiu da sua casa pela última vez, determinada a nunca
mais voltar, mas determinações precipitadas ou violentas raramente são
observadas, porque são raramente praticáveis. Ela havia prometido a
Henrietta que informaria Mrs. Belfield de onde ela estava e reconciliá-la com
sua ausência de casa por um tempo ainda maior. Assim, ela decidiu ir à
Portland Street sem demora e perguntar abertamente e imediatamente se, e
quando, poderia falar com o Mr. Belfield e, se fosse novamente atormentada
por quaisquer insinuações ousadas, retificar todos os erros reconhecendo seu
casamento.
Ela deu instruções de acordo a Ralph.
Com respeito aos seus próprios aposentos enquanto estava na cidade,
como o dinheiro não era mais um assunto sem importância para ela, ela
pretendia ir da residência dos Belfields para as colinas, onde encontraria
recomendação de algum lugar de boa reputação e barato. Então, embora fosse
muito tarde, ela foi primeiro aos Belfields, pouco disposta a perder um só
momento no planejamento da sua viagem para o exterior.
Ela deixou a criada na carruagem e mandou Ralph procurar Mrs. Hill, com
instruções para que se empenhasse imediatamente em conseguir um
alojamento para ela.
CAPÍTULO 98
UMA INDISCRIÇÃO
Cecilia foi conduzida a uma sala de visitas onde Mrs. Belfield conversava
animadamente com Mr. Hobson e Mr. Skimkins, e o próprio Mr. Belfield,
para sua grande satisfação, também se encontrava na sala, lendo.
— Ora, ora — exclamou Mrs. Belfield —, não é sempre que a gente vê as
pessoas de quem estamos falando! Ainda esta manhã, madame, eu estava
dizendo a Mr. Hobson que uma jovem com uma fortuna como Miss Beverley
deveria ficar muito deprimida no campo! Não foi isso mesmo, Mr. Hobson?
— Sim, senhora — respondeu Mr. Hobson —, mas acredito que, da minha
parte, a jovem tem todo o direito de fazer o que quiser, pois é isso o que
chamo de viver agradavelmente, e se eu fosse uma jovem, com tão boa
fortuna, é isso, é exatamente o que eu iria fazer, pois o que eu digo é o
seguinte: onde está a alegria de ter um pouco de dinheiro e estar um pouco
acima do mundo, se não tem vontade própria?
— Madame — disse Mr. Skimkins, que mal havia levantado a cabeça da
profundidade de sua reverência quando Cecilia entrou na sala —, se puder
tomar a liberdade, posso me atrever a lhe oferecer esta cadeira?
— Eu vim, madame — disse Cecilia, aproveitando a primeira
oportunidade para falar —, para informar que sua filha, que se encontra
perfeitamente bem, fez uma pequena mudança em sua situação, que ela
estava ansiosa para fazê-la ouvir por mim mesma.
— Ah! Arranjou um pretendente, eu garanto! — exclamou o jocoso Mr.
Hobson. — Um bom exemplo para a senhorita, mocinha; e se seguir meu
conselho, não demorará muito para segui-lo, pois quanto a ser uma lady, ela
nunca vai ter algum valor, ela será uma mera ninguém, como se pode dizer,
até que consiga um marido, já que nada sabe sobre negócios e é obrigada a
pagar um valor maior por todas as coisas.
— Que vergonha, Mr. Hobson, que vergonha! — disse Mr. Skimkins. —
Falar de forma tão depreciativa das damas quando elas estão presentes! O que
se diz em reservado é de outra natureza, mas quanto a falar de maneira tão
rude na companhia delas, achava que o senhor não apreciava esse tipo de
coisas.
— Senhor, não tenho a intenção de ser mais rude do que o cavalheiro —
disse Mr. Hobson —, pois o que eu digo é que a grosseria é uma coisa que
não torna ninguém agradável. Porém, não vejo, com isso, por que um homem
não deve dizer o que pensa a uma dama, assim como a um cavalheiro, desde
que o faça de maneira complacente.
— Mr. Hobson — exclamou Mrs. Belfield, muito impaciente —, seria
melhor se me deixasse falar quando se trata da minha própria filha.
— Peço seu perdão, madame — disse ele —, não tive a intenção de detê-
la; pois, quanto a não deixar uma dama falar, é o mesmo que dizer a um
homem de negócios que não consulte o Daily Advertiser, porque é
moralmente impossível!
— Mas é claro, madame — exclamou Mrs. Belfield —, que este não é o
caso. A senhorita não pode ter a intenção de se separar dela tão cedo.
“Quem me dera”, pensou Cecilia, que então ofereceu suas explicações. No
entanto, ao falar de Mrs. Harrel, ela evitou qualquer menção a Mr. Arnott,
prevendo que ouvir falar que o homem existia, e que estava na mesma casa
com sua filha, seria autoridade suficiente para suas expectativas otimistas, por
depender de uma união entre eles, e ao relatar o fato à sua família, com a
situação dela sendo esclarecida, Cecilia acrescentou: — Eu não poderia, de
forma alguma, ter consentido voluntariamente em me separar tão cedo de
Miss Belfield, mas meus próprios assuntos me obrigam agora a deixar o reino
— então, dirigindo-se a Mr. Belfield, perguntou se ele poderia lhe
recomendar um criado estrangeiro de confiança, que seria contratado apenas
para o tempo que ela passasse no exterior.
Enquanto Mr. Belfield se esforçava para se lembrar de uma pessoa assim,
Mr. Hobson disse com entusiasmo: — Quanto a ir para o exterior, madame,
certifique-se de fazer o que quiser, pois essa, como eu sempre digo, é a alma
de todas as coisas, mas não posso dizer que é algo que aprovo muito, pois
minha ideia é esta: aqui está uma bela fortuna, obtida, como um homem pode
dizer, das entranhas da própria pátria, e esta bela fortuna, à revelia da
descendência masculina, está obrigada a ir para uma mulher, a lei não
fazendo ressalvas em contrário. Pois bem, esta mulher, indo para um país
estranho, naturalmente leva consigo esta fortuna, pois este é o principal artigo
do qual ela depende; e qual é o resultado? Ora, ela é roubada por um grupo de
vigaristas que nunca viram a Inglaterra em suas vidas, e que nunca a perdem
de vista até que ela não tenha um níquel no mundo. Mas a dificuldade da
coisa é esta: quando tudo estiver acabado, a madame pode voltar, mas o
dinheiro vai voltar? Não, nunca mais voltará a vê-lo, e isto é o que eu chamo
de não ser um verdadeiro patriota.
— Estou muito envergonhado de ouvi-lo falar assim, Mr. Hobson! —
exclamou Mr. Skimkins, fingindo sussurrar. — Levar uma pessoa a realizar
uma missão dessa maneira, este é um comportando bastante insuportável; é o
suficiente para fazer a jovem ficar com medo de falar na sua presença.
— Ora, Mr. Skimkins — respondeu Mr. Hobson —, a verdade é a
verdade, quer se diga ou não; e isso, madame, ouso dizer, uma jovem com o
seu bom senso sabe tão bem quanto eu.
— Eu creio, madame — disse Mr. Belfield, que aguardava o silêncio deles
com grande impaciência —, que conheço exatamente o homem que procura,
e alguém em cuja honestidade acredito que pode confiar.
— Isso é mais — disse Mr. Hobson — do que eu me atreveria a dizer de
qualquer inglês! Onde você poderá encontrar um francês assim, não me
atrevo a dizer.
— Ora, de fato — disse Mr. Skimkins —, se eu pudesse tomar a liberdade
de intervir, embora não pretenda de forma alguma contradizer o jovem
cavalheiro, mas, se eu tivesse a ousadia de expressar minha opinião particular
sobre a pessoa, estaria inclinado a dizer que, quanto a depender dos franceses,
o resultado é uma coisa bastante duvidosa.
— Eu considero um grande favor, madame — disse Mrs. Belfield —, que
tenha sido tão complacente a ponto de me fazer esta visita esta noite, pois
quase tive medo de que não merecesse mais este privilégio, pois com certeza,
da última vez em que esteve aqui, as coisas não foram muito bem; mas da
minha parte eu não tinha ideia de quem era o velho cavalheiro até depois de
sua partida, quando Mr. Hobson me disse que era o velho Mr. Delvile,
embora, com certeza, eu achasse que era uma coisa extraordinária que ele
viesse aqui em minha sala e fizesse segredo do seu nome com o propósito de
me fazer perguntas sobre meu próprio filho.
— Creio que, de fato, se posso tomar a liberdade — disse Mr. Skimkins
—, foi um tanto peculiar da parte do cavalheiro, pois, com certeza, se ele
estava tão curioso para ouvir sobre seus interesses particulares, a coisa mais
amável a fazer, se me permitem a liberdade de discordar, seria ele dizer:
“Madame, venho lhe pedir o favor de me deixar um pouco mais a par do que
seu filho tem feito, e qualquer coisa, madame, que gostaria de me perguntar
em contrapartida, eu serei muito complacente, madame, em lhe dar esta
satisfação”.
— Ouso dizer — respondeu Mrs. Belfield — que ele não teria falado tanto
se o senhor tivesse se ajoelhado e pedido, porque ele estava a ponto de ficar
irritado apenas porque perguntei o seu nome, embora que mal isso poderia
causar, estou certa de que nunca poderia adivinhar. No entanto, como ele
estava muito curioso sobre meu filho, se eu soubesse quem ele era a tempo,
não teria o menor escrúpulo em perguntar a ele se ele não poderia ter dito
algumas palavras em nome do rapaz para alguns daqueles grandes homens
que poderiam ter lhe feito algum bem. Mas eu acredito que o que o deixou de
mau humor foi eu ter tido o azar de dizer, antes mesmo de saber quem ele era,
que eu tinha ouvido que ele não era uma pessoa bem-humorada, pois eu logo
vi que ele não parecia ter apreciado o fato na ocasião.
— Se ele tivesse feito alguma coisa generosa — disse Mr. Skimkins —,
teria sido oferecer seus serviços por sua própria vontade, e é bastante
surpreendente para mim que ele nunca tenha pensado nisso. O que poderia
ser tão natural para ele dizer, eu vejo, madame, seria: “É muito provável que
a senhora tenha um jovem cavalheiro aqui que está passando por alguma
dificuldade financeira, então eu suponho, madame, que um lugar, ou uma
pensão, ou algo nesse estilo de vida, não seria ruim”.
— Mas nenhuma sorte desse tipo vem em minha direção — exclamou
Mrs. Belfield —, e eu posso lhe dizer que tudo o que eu quero fazer é
exatamente o contrário. Quem não teria pensado que um filho como o meu,
embora eu diga isso na cara dele, não poderia ter feito sua fortuna há muito
tempo, e estar vivendo como ele, entre todas as grandes pessoas, e jantando à
mesa como um deles? No entanto, apesar de tudo isso, vejam que eles o
deixaram seguir seu próprio caminho e não pensam mais nele! Estou certa de
que eles deveriam se envergonhar de mostrar seus rostos, então eu diria isso
na mesma hora, se eu pudesse apenas avistá-los.
— Não é a isso que me refiro — disse Mr. Skimkins —, não tive a
intenção de criticar o que a senhora diz, pois eu não seria indelicado de forma
alguma, mas, se posso tomar a liberdade de divergir um pouco, devo dizer
que prefiro trabalhar de outra maneira; e se eu fosse a senhora...
— Mr. Skimkins — interrompeu Mr. Belfield —, resolveremos essa
questão em outro momento — e então, voltando-se para a cansada Cecilia,
disse: — O homem, madame — disse ele —, a quem eu mesmo tenho a
honra de recomendar à senhorita, posso ver amanhã de manhã. Tenho sua
permissão, então, para lhe pedir para procurá-la?
— Peço perdão por intervir — disse Mrs. Skimkins, antes que Cecilia
pudesse responder, e novamente se curvando até o chão —, mas eu só quero
dizer que não pensei em ser impertinente, e quanto ao que eu estava
planejando observar, não tinha a menor importância.
— É uma grande sorte, madame — disse Mrs. Belfield —, que por acaso
tenha vindo aqui em um feriado. Se meu filho não estivesse em casa, eu
estaria prestes a chorar por uma semana; e a senhorita poderia vir a qualquer
dia do ano, exceto em um domingo, e não o encontrar mais do que se ele
nunca tivesse uma casa para ir.
— Se as visitas domiciliares de Mr. Belfield são tão periódicas — disse
Cecilia —, deve ser bem menos difícil encontrá-lo, e não mais.
— Ora, a senhorita deve saber — respondeu Mrs. Belfield — que hoje é
um dia especial, esta é a razão.
— Um dia especial?
— Meu bom Deus, madame, ora, então não soube que meu filho virou
guarda-livros?
Cecilia, muito surpresa, olhou para Mr. Belfield, que, muito ruborizado e
aparentemente muito irritado pela loquacidade de sua mãe, disse: — Se Miss
Beverley não soubesse até agora, madame, eu provavelmente não teria
perdido nenhum crédito com ela.
— Certamente não pode perder nenhum, senhor — respondeu Cecilia —,
por ter assumido um trabalho por qualquer motivo.
— Não é, madame, o trabalho em si — disse ele — que me vergonha, nem
a pessoa que me emprega, sou eu mesmo! No início do inverno a senhorita
me viu empenhado em outro negócio, um negócio com o qual eu estava
loucamente encantado e completamente convencido de que ficaria encantado
para sempre; agora, mais uma vez, no início do verão, a senhorita me
encontra em uma nova ocupação!
— Eu sinto muito — disse Cecilia —, mas, na verdade, não estou surpresa
que tenha se enganado com expectativas tão otimistas.
— Enganado! — exclamou ele com energia. — Eu estava enfeitiçado,
estava apaixonado! O bom senso foi afastado pela sedução de uma fantasia;
meu entendimento estava fermentando pela ebulição de minha imaginação!
Mas, quando essa nova forma de vida perdeu sua novidade... novidade!
Aquela felicidade de duração tão curta, mas requintada, assim que é
capturada, ela desaparece; uma vez degustada, desvanece. Que encanta, mas
não voa, e vem apenas para destruir o que deixa para trás! Uma vez perdida, a
razão fria e sem coração tomou o seu lugar e, ao me ensinar a ficar
maravilhado com o frenesi da minha loucura, trouxe-me de volta a mansidão,
a tristeza da realidade!
— Estou certa de que — exclamou Mrs. Belfield — o que quer que o
tenha trazido de volta, não o trouxe de volta por nada! É um caso difícil,
madame, para uma mãe, ver um filho que poderia fazer tudo o que quisesse,
se ele apenas estivesse disposto a fazê-lo, contentando-se em fazer nada além
de rabiscar e escrever em um dia, e quando ele se cansa disso, não pensa em
nada melhor do que estabelecer quanto é dois mais dois.
— Ora, madame — disse Mr. Hobson —, o que tenho visto do mundo é
isso: não há nada que metodize um homem a não ser os negócios. Se ele
nunca anda o suficiente com pernas de pau, esta é sempre uma maneira
segura de derrubá-lo, pois logo descobrimos que não há nada a ganhar sendo
arrogante. Que cada homem seja seu próprio escultor; mas o que eu digo é,
aqueles cavalheiros que são o que se pode chamar de gênios, comumente não
pensam na possibilidade principal até que recebam um tapinha no ombro com
uma ordem judicial, e um rapaz sólido, que sabe que três vezes cinco são
quinze, vai levar a melhor no longo prazo. Porém, quanto a discutir com
cavalheiros desse tipo, qual a vantagem disso? Nunca se pode levá-los ao
ponto, digam o que quiserem; tudo o que se pode obter deles é um monte de
palavras bonitas que não se pode compreender sem um dicionário.
— Sinto-me inclinado a pensar — disse Mr. Skimkins — que o jovem
cavalheiro gosta mais do prazer do que de negócios, e, sem dúvida, é muito
desculpável da sua parte, porque é mais agradável. E devo dizer que, se posso
tomar a liberdade, simpatizo com a mente do jovem cavalheiro, pois os
negócios são muito mais problemáticos.
— Espero, no entanto — disse Cecilia para Mr. Belfield —, que sua
situação atual seja menos enfadonha para o senhor.
— Qualquer situação, madame, deve ser menos enfadonha do que a que
abandonei; escrever como regra, compor por necessidade, tornar o
entendimento, primeiro dom da natureza, subserviente aos interesses, a prole
mais mesquinha da arte, quando cansado, apático, sem ânimo para torcer a
cabeça para a invenção, a memória para as imagens e a fantasia para os
adornos e ilusão; e quando a mente está totalmente ocupada com seus
próprios afetos e assuntos, convocar todas as suas faculdades para temas
estranhos, discussões pouco interessantes ou incidentes fictícios! Céus! Que
vida de luta entre a mente e o coração! Quão cruel, quão antinatural é uma
guerra entre o intelecto e os sentimentos!
— Quanto a esse tipo de coisas — disse Mr. Hobson —, não posso dizer
que sou muito versado nelas, porque são coisas que nunca estudei muito; mas
se eu tivesse que dizer qual é a minha ideia, é esta: a melhor maneira de
prosperar no mundo é ganhando dinheiro, mas como isso pode ser obtido?
Ora, através dos negócios, pois os negócios são para o dinheiro o que belas
palavras são para uma dama: um caminho seguro para o sucesso. Agora, eu
não quero dizer com isso que pretendo censurar as damas, pois elas não têm
mais nada em que se basear, pois quanto a examinar se um homem sabe
alguma coisa do mundo, elas não têm nada pelo que julgar, já que elas
mesmas não o conhecem. De forma que, quando são enganadas por bandidos
e vigaristas, a culpa é toda da lei, por não fazer nenhuma ressalva para que
elas não tenham dinheiro em suas próprias mãos. Que cada um seja confiável
de acordo com o que leva na cabeça, e o que eu digo é o seguinte: uma dama,
nesses casos, é digna de pena, pois ela é obrigada a aceitar um homem por
seu próprio crédito, o que equivale a crédito algum. Qual homem dirá uma
palavra ruim de si mesmo? Também não se deve esperar que um xelim ruim
grite “não me leve!” Isso é o que eu digo, e esta é a minha maneira de dar
meu voto.
Cecilia, bastante cansada dessas interrupções e impaciente para ir embora,
disse a Mr. Belfield: — Eu lhe agradeceria, senhor, se pudesse me enviar o
homem de quem fala amanhã de manhã. Desejo também consultá-lo sobre o
caminho que devo seguir. Meu propósito é ir para Nice, e como desejo viajar
com rapidez, talvez possa me instruir sobre qual é o melhor método a ser
seguido.
— Vamos, Mr. Hobson e Mr. Skimkins — disse Mrs. Belfield, com uma
expressão muito significativa e encantadora —, suponho que deveríamos ir
para a sala ao lado. Não há necessidade de ouvirmos tudo o que a jovem
possa ter em mente para dizer.
— Não tenho nada a dizer, madame — exclamou Cecilia —, que o mundo
inteiro não possa ouvir. Nem é meu propósito falar, mas ouvir, se Mr.
Belfield tiver tempo para me favorecer com seus conselhos.
— Eu sempre terei tempo, e ficarei muito honrado, madame — começou
Mr. Belfield, quando Mr. Hobson o interrompeu e disse:
— Peço perdão, senhor, por me intrometer, mas só quero desejar boa noite
à jovem. Quanto a interferir nos negócios, esse não é o meu jeito, pois não é o
método certo, por uma razão...
— Ouviremos sua razão, senhor — disse Mr. Belfield —, em outra
oportunidade. No momento, iremos lhe dar todo o crédito mesmo sem ter
sido ouvido.
— Que cada homem diga sua própria máxima, senhor — respondeu Mr.
Hobson —, pois isso é o que chamo de argumentação justa, mas, quanto ao
fato de uma pessoa dizer alguma coisa e depois dar uma resposta na
barganha, ora, não vai funcionar de jeito nenhum; pode-se muito bem falar
com um balcão e pensar, porque se faz um barulho sobre ele com suas
próprias mãos, que ele está dando uma resposta.
— Ora, Mr. Hobson — exclamou Mrs. Belfield —, estou muito
envergonhada do senhor por ser tão estúpido! Não vê que meu filho tem algo
a dizer à dama que o senhor e eu não temos que nos intrometer?
— Da minha parte, madame — disse Mr. Skimkins —, estou muito
satisfeito em ir embora, pois, quanto a deixar a jovem envergonhada, é o que
eu não faria de maneira alguma!
— Eu só queria dizer — disse Mr. Hobson, quando foi interrompido por
Mrs. Belfield, que, sem paciência, o empurrou para fora da sala pelos ombros
e, puxando Mr. Skimkins, deixou a sala e fechou a porta atrás de si, embora
Cecilia, muito provocada, desejasse que ela ficasse e declarasse
repetidamente que todos os seus assuntos eram públicos.
Mr. Belfield, que parecia pronto para assassinar todos eles durante esta
curta cena, aproximou-se de Cecilia e, com uma expressão que misturava
coragem e respeito, disse: — Estou muito triste e muito envergonhado,
madame, que seus ouvidos tenham sido ofendidos com discursos tão
impróprios. No entanto, se for possível, posso ter a honra de ser útil de
alguma maneira; em mim, assim espero, a senhorita pode confiar. Estou em
uma situação muito inferior à sua para que possa formar alguma opinião
sinistra sobre este favor, e permita-me acrescentar que estamos muito
próximos em nossas mentes para lhe causar a dor de me obrigar a lembrar
desta distância.
Cecilia, então, extremamente relutante em escandalizar uma sensibilidade
tão generosa, decidiu continuar suas indagações e, ao mesmo tempo, evitar
qualquer outro equívoco, revelando sua situação real.
— Lamento, senhor — respondeu ela —, ter ocasionado esta perturbação.
Mrs. Belfield, creio eu, não está totalmente familiarizada com a circunstância
que agora me leva para o exterior, ou isso não teria acontecido.
Neste momento, um pequeno ruído no corredor a interrompeu e ela ouviu
Mrs. Belfield dizendo em voz baixa: — Silêncio, senhor, silêncio! Não deve
entrar agora; o senhor me pegou, eu confesso, escutando atrás da porta, mas,
para dizer a verdade, não sabia o que poderia acontecer. No entanto, não
posso permitir sua entrada agora, eu lhe asseguro, porque meu filho está
tratando um assunto particular com uma dama, e Mr. Hobson, Mr. Skimkins
e eu fomos todos praticamente expulsos de lá agora mesmo.
Cecilia e Mr. Belfield, embora tivessem escutado este discurso com
indignação mútua, não tiveram tempo para comentá-lo ou expressá-lo, já que
uma voz ao mesmo tempo alta e furiosa respondeu: — A senhora, madame,
pode se contentar em apenas ouvir; perdoe-me se eu tiver uma disposição
menos humilde — a porta foi aberta abruptamente pelo jovem Delvile!
Cecilia, que soltou um gritou de susto, nem mesmo com a presença de Mr.
Belfield e sua mãe teria sido impedida de avançar ao seu encontro se ao
menos o seu próprio aspecto convidasse tal expressão de ternura, mas o caso
era bem outro. Quando a porta foi aberta, Mortimer parou bruscamente com
um olhar meio petrificado, os pés parecendo enraizados no local onde
estavam.
— Eu declaro meu perdão, madame — exclamou Mrs. Belfield —, mas a
interrupção não foi culpa minha, pois o cavalheiro iria entrar e...
— Não há interrupção alguma — exclamou Mr. Belfield. — Mr. Delvile
não faz nada além de nos honrar com sua presença.
— Eu agradeço, senhor — disse Delvile, tentando se recuperar, mas
tremendo violentamente e falando com a mais gélida frieza.
Então, eles ficaram todos em silêncio por alguns instantes; Cecilia,
espantada com sua chegada, ainda mais espantada pelo seu comportamento,
temeu falar para que ele não tivesse a intenção, ainda, de confessar seu
casamento, e sentiu mil apreensões de que alguma nova calamidade o tivesse
trazido para casa rapidamente, ao passo que Mr. Belfield estava tanto
magoado por sua singularidade quanto constrangido por causa de Cecilia, e
sua mãe, embora se espantasse com todos eles, manteve-se calada pela
aparência do filho.
Delvile, então, lutando para manter uma aparência de tranquilidade, disse:
— Parece que causei uma confusão generalizada aqui; por favor, eu
imploro...
— Em absoluto, senhor — disse Mr. Belfield, e ofereceu uma cadeira a
Cecilia.
— Não, senhor — respondeu ela em uma voz quase inaudível —, eu já
estava de saída.
— Temo tê-la apressado — disse Delvile, cujo corpo inteiro agora tremia
de emoção incontrolável. — A senhorita estava tratando de algum assunto,
devo implorar seu perdão, minha entrada, creio eu, foi inoportuna.
— Senhor! — exclamou ela, parecendo horrorizada com este discurso.
— Eu deveria estar bastante surpreso — acrescentou ele — por tê-la
encontrado aqui, tão tarde, tão inesperadamente, tão profundamente
comprometida, se não tivesse visto seu criado na rua, que me falou sobre a
honra que eu deveria receber ao vir aqui.
— Meu Deus! — exclamou ela, involuntariamente. Porém, controlando-se
o melhor que pôde, fez uma reverência a Mrs. Belfield, sem poder falar com
ela, e, evitando até mesmo olhar para Mr. Belfield, que respeitosamente se
afastou, saiu apressada da sala, acompanhada por Mrs. Belfield, que mais
uma vez oferecia as mais volúveis e vulgares desculpas pela intromissão.
Delvile também, depois de uma pausa momentânea, a seguiu, dizendo: —
Imploro sua permissão, madame, para acompanhá-la até sua carruagem.
Cecilia, então, apesar de Mrs. Belfield ainda continuar falando, não
conseguiu mais se conter: — Meu Deus, o que significa tudo isso?
— É o que eu tenho me perguntado — respondeu ele, com tamanha
agitação que não pôde, embora fosse sua intenção, ajudá-la a subir na
carruagem —, pois a minha, eu acredito, é a surpresa maior!
— Qual surpresa? — perguntou ela. — Explique-se, eu imploro!
— Em breve, eu o farei — respondeu ele. — Pode seguir, postilhão!
— Seguir para onde, senhor?
— Para o lugar de onde veio, eu suponho.
— De volta a Rumford?
— Rumford! — exclamou ele, com desordem crescente. — Então veio
diretamente de Suffolk para cá? De Suffolk para esta própria casa?
— Céus! — gritou Cecilia. — Entre na carruagem e deixe-me falar e ouvir
para que possa entender.
— Quem está lá dentro agora?
— Minha criada.
— Sua criada? E ela a aguarda na porta?
— O quê? O que quer dizer com isso?
— Diga ao homem, madame, para onde ir.
— Eu mesma não sei, irei para qualquer lugar que quiser, o senhor dá as
ordens.
— Eu dou as ordens? Você não veio aqui para receber minhas ordens!
Onde tinha a intenção de descansar?
— Eu não sei, pensei em ir para a casa de Mrs. Hill, eu não tenho nenhum
lugar reservado.
— Nenhum lugar reservado? — repetiu ele, com uma voz que oscilava
entre a paixão e a dor. — Você tinha a intenção de ficar aqui? Talvez eu a
tenha afugentado?
— Aqui? — gritou Cecilia, misturando, por sua vez, indignação com
surpresa. — Deus misericordioso! Do que está duvidando?
— Nada! — exclamou ele, com ênfase. — Nunca tive e nunca terei
dúvidas! Eu saberei, terei convicção de tudo! Postilhão, vá para St. James’s
Square! Para a casa de Mr. Delvile. Lá, madame, eu a aguardarei.
— Não! Fique, postilhão! — exclamou Cecilia, tomada por um terror
inexprimível. — Deixe-me sair, deixe-me falar com você de uma vez!
— Não é possível, vou segui-la em alguns minutos; siga em frente,
postilhão!
— Não, não! Eu não irei, não me atrevo a deixá-lo, cruel Delvile! Do que
você suspeita?
— Cecilia — disse ele, apoiando a mão na porta da carruagem —, eu
sempre acreditei que você fosse um anjo imaculado! E, por Deus! Eu ainda
acredito em você, apesar das aparências tão desafiadoras! Agora, fique
tranquila, estarei com você muito em breve. Enquanto isso, pegue esta carta
que eu estava prestes a lhe enviar. Postilhão, siga em frente ou estará por sua
conta e risco!
O homem não esperou uma segunda ordem, nem acatou a proibição de
Cecilia, que o chamava sem cessar, mas ele não a ouviu até chegar ao final da
rua; ele então parou, ela rompeu o selo da carta e leu à luz das lâmpadas o
suficiente para saber que Delvile a havia escrito na estrada de Dover para
Londres, para informá-la que sua mãe agora estava melhor, e que se
compadecia de seu suspense e impaciência, e que havia insistido em sua
vinda secreta para a Inglaterra, para se satisfazer plenamente com a situação
de Mr. Monckton, comunicar seu casamento ao pai e dar as ordens de
preparação para que se tornasse público, o que sua precipitação infeliz ao
deixar o reino o havia impedido.
Esta carta, que, embora escrita poucas horas antes de recebê-la, era cheia
de ternura, gratidão e ansiedade por sua felicidade, imediatamente a
convenceu de que seu estranho comportamento tinha sido inteiramente o
efeito de um repentino impulso de ciúme, despertado pelo fato de encontrá-la
na cidade de maneira tão inesperada, na própria casa onde seu pai lhe
garantira que ela possuía uma conexão indevida, e sozinha, de maneira tão
suspeita, com o jovem que afirmava ser seu favorito. Ele não sabia nada
sobre sua expulsão, nada sobre a razão pela qual ela havia deixado Suffolk,
tudo parecia não ter outro motivo a não ser entregar-se a uma inclinação
privada e criminosa.
Estes pensamentos, que confusamente, mas com força, invadiram sua
mente, trouxeram consigo uma desculpa para sua conduta e uma inquietação
para seu perigo:
— Ele deve pensar — exclamou ela — que vim à cidade apenas para me
encontrar com Mr. Belfield! — ela, então, abriu ela mesma a porta da
carruagem, saltou e correu de volta à Portland Street, impaciente demais para
discutir com o postilhão para que regressasse, e só parou quando chegou à
casa de Mrs. Belfield.
Ela bateu na porta com violência; Mrs. Belfield a recebeu: — Onde —
perguntou ela, entrando apressadamente enquanto falava — estão os
cavalheiros?
— Ora, ora, madame — respondeu Mrs. Belfield —, os dois já saíram.
— Saíram? Para onde? Para qual lado?
— Estou certa de que não posso dizer, madame, não mais do que a
senhorita; mas temo que eles tenham uma briga antes de terminarem o
assunto.
— Céus! — exclamou Cecilia, que agora não duvidava de um segundo
duelo. —Diga-me, mostre-me, para onde foram?
— Ora, madame, para lhe revelar o segredo — respondeu Mrs. Belfield
—, só imploro que não diga nada ao meu filho, mas, vendo-os se
comportando de forma tão estranha, eu implorei o favor de Mr. Skimkins, já
que Mr. Hobson tinha ido ao clube, apenas para segui-los e ver o que eles
estavam tramando.
Cecilia se alegrou muito com a tomada de precaução e decidiu esperar seu
retorno. Ela teria mandado chamar a carruagem para segui-los, mas Mrs.
Belfield não possuía criados, e a empregada doméstica estava ocupada
preparando o jantar.
Quando Mr. Skimkins voltou, ela soube, após várias interrupções de Mrs.
Belfield e muito atraso devido à sua própria lentidão e circunlóquio, que ele
havia seguido os dois cavalheiros até o café ___.
Ela não hesitou um momento em resolver segui-los; ela temia o fracasso
de qualquer comissão, nem sabia a quem confiar e o perigo era muito
eminente para muita deliberação. Ela implorou, portanto, que Mr. Skimkins a
acompanhasse até a carruagem, mas ouvindo que o café ficava na outra
direção, ela solicitou que Mrs. Belfield enviasse a criada até Mrs. Roberts, em
Fetterlane, e então ansiosamente solicitou a Mr. Skimkins que a
acompanhasse a pé até que encontrasse uma carruagem de aluguel.
Eles então partiram, Mr. Skimkins sentindo-se orgulhoso e feliz por ter
permissão para atendê-la, enquanto Cecilia, satisfeita com qualquer proteção,
aceitou sua oferta de continuar com ela, mesmo depois de encontrar uma
carruagem de aluguel.
Ao chegar ao café, ordenou ao cocheiro que pedisse ao dono que viesse
falar com ela.
Ele veio, e ela rapidamente perguntou: — Por favor, senhor, há dois
cavalheiros aqui?
— Há vários cavalheiros aqui, madame.
— Sim, sim, mas são dois discutindo um assunto, qualquer assunto em
particular...
— Dois cavalheiros, madame, chegaram cerca de meia hora atrás e
pediram uma sala só para eles.
— E onde eles estão agora? Eles estão no andar de cima? No andar de
baixo? Onde eles estão?
— Um deles foi embora depois de cerca de dez minutos, e o outro logo
depois.
Amargamente mortificada e desapontada, ela não sabia que passo dar a
seguir, mas, depois de alguma consideração, decidiu obedecer às instruções
do próprio Delvile e dirigiu-se para St. James’s Square, onde agora, sozinha,
ela parecia ter alguma chance de se encontrar com ele. Assim, com muito
gosto ela consentiu em ainda ser acompanhada por Mr. Skimkins, pois seu
medo de ficar sozinha, tão tarde da noite, em uma carruagem de aluguel, era
invencível. Se o próprio Delvile tinha alguma autoridade para encaminhá-la
para a casa de seu pai, ou se, na perturbação de suas recém... despertadas e
agonizantes sensações de ciúme, ele havia se esquecido de que qualquer
autoridade era necessária, ela não sabia, nem podia agora se interessar pela
dúvida; uma segunda cena, como a que havia acontecido tão recentemente
com Mr. Monckton, ocupava todos os seus pensamentos; ela conhecia a
grande probabilidade de que a boa disposição de Mr. Belfield desdenharia de
uma explicação que Delvile, em seu atual estado de agitação, poderia exigir,
e a consequência de tal recusa seria quase inevitavelmente fatal.
CAPÍTULO 99
UMA BUSCA
UM ENCONTRO
“LOUCURA.
Uma jovem dama louca, alta, pele clara, com olhos azuis e cabelos claros,
entrou no Three Blue Balls, na rua _____, na noite de quinta-feira deste
mesmo mês, e lá tem sido mantida desde então por um ato de caridade. Ela
estava vestindo um traje de montaria. Quem quer que seja o responsável por
ela, favor vir buscá-la imediatamente. Ela tem sido tratada com cuidado e
carinho. Ela fala muito em uma pessoa chamada Delvile.
Obs.: Ela não tinha nenhum dinheiro com ela. Maio, 1780”.
Mal tinha o anúncio sido enviado, quando Mr. Wyers, o homem da casa,
subiu as escadas e disse: — Agora teremos dois deles, pois aquele velho
cavalheiro maluco está lá embaixo dizendo que acabou de ouvir na
vizinhança sobre o que aconteceu conosco e deseja ver a pobre dama.
— É melhor deixá-lo subir, então — respondeu Mrs. Wyers —, porque ele
conhece todos os tipos de lugares e pessoas, e é dez para um como ele não vai
descansar até descobrir quem ela é.
Mr. Wyers, então, desceu as escadas para mandá-lo subir.
O homem veio instantaneamente. Era Mr. Albany, quem, em suas
andanças errantes, depois de ouvir que uma desconhecida e louca dama
estava na casa de penhor, na sua ansiedade costumeira para visitar e servir os
infelizes, foi até lá para ver o que poderia ser feito por ela. Quando ele entrou
no quarto, Cecilia estava sentada na cama com os olhos fixos na janela, da
qual ela secretamente saboreava seu desejo de escapar. Suas roupas estavam
muito desarrumadas, seu cabelo fino estava desgrenhado e as penas de seu
chapéu de montaria estavam quebradas e meio caídas, algumas cobrindo seu
rosto, outras alcançando seu ombro.
— Pobre moça! — exclamou Mr. Albany, aproximando-se dela. — Há
quanto tempo ela está neste estado?
Ela se assustou com o som de uma nova voz e olhou ao seu redor, mas
qual não foi o espanto de Mr. Albany quando percebeu quem ela era! Ele deu
um passo para trás, avançou e duvidou de seus próprios sentidos; ele olhou
seriamente para ela, afastou-se para olhar para a dona da casa, lançou os
olhos ao redor da habitação e, então, levantando as mãos, exclamou: — Oh,
visão da desgraça! Tão boa e tão generosa! A amável apaziguadora de
aflições! A benigna protetora dos miseráveis! Esta é Cecilia!
Cecilia, com a memória imperfeita, embora não pudesse compreendê-lo,
se jogou aos seus pés e gritou, trêmula: — Oh, se ele ainda puder ser salvo, se
já não foi assassinado, vai até ele! Vá correndo até ele! O senhor ainda pode
alcançá-lo, ele está na outra rua, eu mesma o deixei lá, com a espada
desembainhada e coberta com sangue humano!
— Doces poderes de bondade e da compaixão! — exclamou o velho. —
Olhem para esta criatura com piedade! Ela, que elevou os deprimidos; ela,
que animou os infelizes! Ela, cuja mão generosa transformou lamentações em
alegria! Quem nunca, sem lágrimas nos olhos, poderia ouvir a voz da tristeza!
É ela mesma! Esta é Cecilia!
— Oh, não perca tempo falando! — exclamou ela. — Vá até ele agora
mesmo, ou nunca mais o verá! A mão da morte está sobre ele, frio, frio como
barro é o seu toque! Ele está dando seu último suspiro... oh, Delvile,
assassinado! Esposo massacrado do meu coração! Não gema tão
lastimosamente! Corra até ele e chore por ele! Corra até ele e arranque o
punhal de seu peito ferido!
— Oh, sons de angústia e horror! — exclamou o moralista sensibilizado,
as lágrimas escorrendo rapidamente por suas faces enrugadas. — Quão
realmente melancólica é esta visão, humilhante para a moralidade! Tal é a
força humana, tal a felicidade humana! Frágeis como nossas virtudes, frágeis
como nossas naturezas culpadas!
— Ah! — exclamou ela, mais descontroladamente. — Ninguém poderá
me salvar agora! Estou casada e ninguém vai me ouvir! Ruins foram os
auspícios sob os quais lhe entreguei minha mão! Foi uma obra das trevas,
inaceitável e ofensiva! Foi selada, portanto, com sangue, e amanhã será
assinada com assassinato!
— Pobre criatura confusa! — exclamou ele. — Sinto as suas dores, mas a
sua inocência eu perdi! Minhas próprias feridas sangram de novo, meu
próprio cérebro ameaça um novo frenesi.
Então, ele disse: — Bondosa mulher, por favor, tenha a bondade de
atendê-la; vou procurar seus amigos, coloque-a na cama, tente confortá-la e
acalmá-la. Eu voltarei o mais rápido que puder.
Ele então saiu correndo.
— Oh, hora de alegria! — exclamou Cecilia. — Ele foi resgatá-lo! Oh,
que momento feliz! Ele ainda pode ser arrebatado do massacre!
A mulher não perdeu um minuto para obedecer às ordens que recebera.
Cecilia foi colocada na cama e nada foi negligenciado, até onde ela tinha
força e consideração, para dar uma aparência de decência e atenção às suas
acomodações.
Ainda não havia passado uma hora quando Mary, a criada que a tinha
atendido desde Suffolk, veio perguntar por sua senhora. Mr. Albany, que
perambulou pela cidade em busca de alguns de seus amigos, e que entrou em
todas as casas onde imaginava que ela era conhecida, apressou-se para ir à
casa de Mrs. Hill, a primeira de todas, pois ele estava bem-informado de suas
obrigações para com Cecilia. Lá estava a própria Mary, segundo as instruções
que sua senhora dera à Mrs. Belfield; e ali, com o maior assombro e
inquietação, ela continuou até que Mr. Albany trouxesse notícias dela.
Ela ficou surpresa e aflita além da medida, não apenas pelo estado de sua
mente e de sua saúde, mas por encontrá-la em uma cama em um aposento tão
inadequado para sua classe social, e tão diferente do que ela estava
acostumada. Ela chorou amargamente enquanto perguntava ao lado da cama
como estava sua senhora, mas chorou ainda mais quando, sem responder ou
parecer reconhecê-la, Cecilia se levantou e gritou: — Devo ser removida
neste momento! Devo ir a St. James’s Square agora mesmo; se eu ficar mais
um instante, o sino de passagem irá soar, e então como chegarei a tempo para
o funeral?
Mary, alarmada e assombrada, voltou-se apressadamente dela para a dona
da casa, quem disse tranquilamente que a dama estava apenas tendo um
ataque de delírio e não deveria ser incomodada.
Extremamente assustada com esta informação, Mary implorou que ela
ficasse quieta e calada. No entanto, Cecilia repentinamente ficou tão violenta
que somente a força poderia impedi-la de se levantar, e Mary, não
acostumada a contestar suas ordens, se preparou para obedecê-las.
Mrs. Wyers, por sua vez, se opôs em vão; Cecilia foi peremptória, Mary
foi submissa e, embora não sem muita dificuldade, em poucos minutos ela
estava novamente vestida com seu traje de montaria. Terminada a operação,
ela se dirigiu para a porta e a força temporária do delírio lhe presenteou com
uma resistência que combatia a febre, a doença, a fadiga e a fraqueza. Mary,
embora avessa e temerosa, a ajudou, e Mrs. Wyers, compelida pela
obediência de sua própria criada, antecipou-se a elas para pedir uma cadeira.
Cecilia, no entanto, sentiu nova fraqueza ao tentar descer as escadas; seus
pés cambalearam e sua cabeça ficou tonta; ela se apoiou em Mary, que gritou
pedindo ajuda e a obrigou a sentar até que a ajuda viesse.
Sua resolução, entretanto, não deveria ser alterada; uma teimosia
totalmente alheia ao seu caráter genuíno a tornava firme e severa, e Mary,
que considerava sua submissão indispensável, chorou, mas não se ofereceu
para se opor a ela.
Mr. e Mrs. Wyers se aproximaram para ajudá-la a apoiá-la, e Mr. Wyers se
ofereceu para carregá-la nos braços, mas ela não consentiu. Quando desceu
os degraus, sua tontura piorou e ela novamente se apoiou em Mary, mas Mr.
Wyers foi obrigado a segurar as duas. No entanto, ela ainda estava firme em
sua determinação e já tentava fazer outro esforço para prosseguir, quando
Delvile entrou correndo na loja.
Ele tinha acabado de encontrar Mr. Albany, que, conhecendo suas
relações, embora ignorante de seu casamento com Cecilia, o havia informado
do local onde deveria procurá-la.
Ele estava prestes a perguntar se aquela era a casa certa, quando a viu,
fraca, tremendo, parcialmente apoiada em uma pessoa e parcialmente
carregada por outra! Ele deu um passo para trás, cambaleou, sentiu
dificuldade para respirar, mas, ao perceber que eles estavam avançando,
aproximou-se com terror, exclamando furiosamente:
— Espere! Pare! O que está fazendo? Monstro da barbárie selvagem, está
assassinando minha esposa?
Mal a conhecida voz atingiu os ouvidos de Cecilia, ela imediatamente se
lembrou dela e gritou, mas, de repente, em um esforço para caminhar, ela
caiu ao chão.
Delvile avançou com veemência para pegá-la nos braços e salvá-la da
queda, o que sua rapidez inesperada impediu seus acompanhantes de fazê-lo,
mas a visão de sua complexão foi alterada e a loucura no seu olhar e no seu
semblante, mais uma vez, o fez estremecer; seu sangue congelou em suas
veias e ele ficou olhando para ela, frio e quase petrificado.
Sua própria recordação dele já parecia perdida; exausta pelo cansaço que
havia experimentado ao se vestir e descer as escadas, ela permaneceu quieta e
silenciosa, esquecendo seu desígnio de prosseguir e sem formar um novo
para voltar.
Mary, para quem, assim como para todos os outros criados, o casamento
de Cecilia havia sido conhecido antes de ela deixar o campo, desejava agora
as instruções de Delvile sobre o que deveria ser feito.
Delvile, a partir deste chamado, mudou repentinamente do mais profundo
horror para a mais desesperada fúria, e exclamou ferozmente: — Miseráveis,
desumanos! Desgraçados, insensíveis e execráveis, o que fizeram com ela?
Como ela veio parar aqui? Quem a trouxe? Quem a arrastou? Para qual
propósito infame ela caiu neste estado?
— Na verdade, senhor, eu não sei! — disse Mary.
— Eu lhe garanto, senhor — disse Mrs. Wyers —, a dama...
— Cale-se! — disse ele, furioso. — Eu não vou ouvir suas mentiras. Cale-
se e saia daqui!
Então, jogando-se no chão ao lado dela, ele exclamou: — Oh, minha
Cecilia, onde você esteve durante todo esse tempo? Como eu me perdi de
você? Que calamidade terrível se abateu sobre sua pessoa? Diga, meu amor!
Levante sua linda cabeça e me responda! Oh, fale! Diga qualquer coisa; as
palavras mais amargas serão misericordiosas perto deste silêncio!
Cecilia, então, ergueu os olhos de repente e perguntou: — Quem é o
senhor?
— Quem sou eu?! — exclamou ele, pasmo e assustado.
— Eu ficaria feliz se fosse embora — disse ela, apressadamente —, pois o
senhor é totalmente desconhecido para mim.
Delvile, inconsciente de sua insanidade e atribuindo ao ressentimento esta
aversão e repulsa, afastou-se apressadamente dela, respondendo com tristeza:
— Bem, de fato, você pode me rejeitar, recusar todo perdão, carregar-me com
ódio e reprovação e me entregar à angústia eterna! Eu mereço um castigo
ainda mais severo. Eu me comportei como um monstro e sou abominável
para mim mesmo!
Cecilia, enquanto tentava se levantar, olhava para ele com uma mistura de
terror e raiva, e disse ansiosamente: — Se não tem a intenção de me destroçar
e destruir, vá embora agora mesmo.
— Intenção de destroçá-la?! — repetiu Delvile, estremecendo. — Que
coisa terrível! Mas eu mereço! Não me olhe de forma tão apavorada e eu me
afastarei de você. Permita-me apenas ajudá-la a removê-la deste lugar, e eu só
a observarei à distância, e nunca mais a verei até que permita minha
aproximação.
— Por quê? Por quê? — gritou Cecilia, com expressão de perplexidade e
impaciência. — Por que não me diz o seu nome e de onde vem?
— Você não me reconhece? — perguntou ele, atingido por um novo
horror. —Ou você só quer me matar com a pergunta?
— O senhor me traz alguma mensagem de Mr. Monckton?
— Mr. Monckton? Não, mas ele está vivo e vai se recuperar.
— Eu pensei que o senhor mesmo fosse Mr. Monckton.
— Quanta crueldade, mas uma crueldade justa, Cecilia! Então Delvile está
completamente descartado? O culpado, o infeliz Delvile! Ele será rejeitado
para sempre? Você o expulsou completamente do seu coração? Você nega a
ele até mesmo um lugar em sua lembrança?
— Este é o seu nome, então, Delvile?
— O que está querendo dizer? Sou eu ou o meu nome que você repudia?
— É um nome — disse ela, enquanto se sentava — que bem me lembro de
ter ouvido, e que uma vez eu amei, e três vezes eu chamei na calada da noite.
E quando eu estava com frio e miserável, eu o estimei; e quando fui
abandonada e me deixaram sozinha, eu o repeti e entoei.
— Santo Deus! — exclamou Delvile. — Sua razão se foi por completo! —
ele se levantou apressadamente e acrescentou, desesperadamente: — O que é
a morte diante deste golpe?
Neste instante, Mary e Mrs. Wyers lhe contaram em detalhes um relato de
sua doença e insanidade, seu desejo de remoção e sua incapacidade para
controlá-la.
Delvile, entretanto, não respondeu; ele mal podia ouvi-las; o mais
profundo desespero tomou posse de sua mente, e, enraizado no local onde
estava, contemplou a terrível quietude e o objeto caído e alterado de suas
melhores esperanças e afetos; em sua face desbotada e corpo enfraquecido,
seu terror agonizante leu a destruição rápida e iminente de toda a sua
felicidade terrena! A visão era demais para sua coragem e quase para sua
compreensão; quando sua aflição se tornou proferível, ele torceu as mãos e,
gemendo alto, exclamou: — Você partiu tão cedo! Minha esposa! Minha
Cecilia! Já está perdida para mim?
Cecilia, com total insensibilidade ao que se passava, de repente e com um
movimento rápido, mas contínuo, virou a cabeça de um lado para o outro,
com os olhos fora de órbita e aparentemente sem olhar para nada.
— Que terrível! — exclamou Delvile. — Que visão é esta? — e então, ele
virou-se para as pessoas da casa e disse, com raiva: — Por que ela está aqui
no chão? Não poderiam lhe oferecer uma cama? Quem a está atendendo?
Quem está tomando conta dela? Por que ninguém mandou buscar ajuda? Não
responda, eu não vou ouvi-la, vá agora mesmo buscar um médico; traga dois,
traga três, traga todos os que puder encontrar.
Então, sem deixar de olhar para Cecilia, cuja visão ele não conseguia mais
suportar, ele consultou Mary para onde ela deveria ser levada. Eles logo
concordaram que ela só poderia ser removida para o andar de cima.
Delvile tentou carregá-la em seus braços, mas, trêmulo e instável, ele não
tinha forças para sustentá-la; ainda assim, não suportando contemplar o
desamparo que não podia evitar, ele os conjurou a serem cuidadosos e
amáveis e, deixando-a em sua confiança, ele mesmo correu para procurar um
médico.
Cecilia resistiu a eles com toda a força, implorando que não a enterrassem
viva e afirmando que havia recebido informações de que pretendiam sepultá-
la com Mr. Monckton. Mesmo assim, eles a colocaram na cama, mas seu
delírio se tornou ainda mais selvagem e incessante.
Delvile logo voltou com um médico, mas não teve coragem de
acompanhá-lo ao seu quarto. Ele o aguardou ao pé da escada, onde o
interrompeu apressadamente:
— Bem, senhor — disse ele —, não está tudo acabado? Não é impossível
que ela possa viver?
— Ela está muito doente, senhor — respondeu ele —, mas eu dei algumas
instruções que talvez...
— Talvez — interrompeu Delvile, estremecendo —, não me apunhale com
tal palavra!
— Ela está delirando muito — o médico continuou —, mas como a febre
está muito alta, isso não é tão significativo. Se as instruções que dei surtirem
efeito e a febre baixar, todo o resto ficará bem, é claro.
Ele então foi embora, deixando Delvile tão perplexo por respostas tão
alarmantes, como se o tivesse consultado com toda a esperança, e sem sequer
suspeitar de seu perigo. No momento em que se recuperou do susto, ele
correu para fora da casa em busca de mais conselhos. Voltou e trouxe
consigo dois médicos. Eles confirmaram as instruções já dadas, mas nada
pronunciariam de forma decisiva sobre sua situação.
Delvile, meio insano com a intensidade de sua miséria, acusou todos eles
de falta de habilidade e escreveu instantaneamente para o Dr. Lyster.
Embora fosse quase meia-noite, ele mesmo saiu em busca de um
mensageiro para tomar o expresso com sua carta, e então, ao regressar, ele
correu para o quarto onde ela estava, mas, enquanto ainda estava na porta, ele
a ouviu ainda delirando; seu horror venceu sua ansiedade e, descendo as
escadas correndo, ele passou o resto da noite longa e aparentemente
interminável na loja.
CAPÍTULO 101
UMA HOMENAGEM
Enquanto isso, Cecilia passava por uma disciplina muito severa, às vezes
se opondo fortemente, outras vezes mal percebendo o que era feito com ela.
Todo o dia seguinte transcorreu da mesma maneira, e nem a noite seguinte
trouxe qualquer alteração visível. Ela agora contava com enfermeiras e
atendentes ainda mais do que o suficiente, pois Delvile não sentia nenhum
alívio além de pedir mais ajuda. Seu receio de tornar a vê-la aumentava com
sua paciência; a última conversa entre eles quase o havia destruído, e,
perdendo toda a coragem de tentar entrar no seu quarto, ele passava quase
todo o tempo nas escadas que conduziam a ele. Sempre que ela ficava quieta,
ele se sentava à porta de seu quarto, de onde, se pudesse ouvi-la respirar ou se
mover, uma esperança repentina de sua recuperação lhe proporcionava um
êxtase momentâneo que recompensava todos os seus sofrimentos. Porém, no
instante em que ela começava a falar, incapaz de suportar o som de uma voz
tão amada que não pronunciava nada além de delírios incoerentes, ele descia
correndo as escadas, saía da casa e caminhava pelas ruas vizinhas até que
pudesse reunir novamente coragem para indagar ou ouvir como ela estava.
Na manhã seguinte, entretanto, o Dr. Lyster apareceu e todas as esperanças
renasceram. Ele correu para abraçá-lo, falou sobre seu casamento com Cecilia
e suplicou, por algum esforço superior de suas habilidades extraordinárias,
que o poupasse da loucura de sua perda.
— Meu bom amigo — disse o digno doutor —, o que é isso que está me
pedindo? E como aquela pobre jovem pode precisar de conselhos mais do
que você? Acredita que médicos competentes locais, com toda a experiência
da prática plena em Londres para ajudá-los em suas habilidades, precisam
que um médico insignificante e forasteiro venha e lhes ensine o que é
correto?
— Eu confio mais no senhor — disse Delvile — do que em toda a classe
profissional; vá e faça uma prescrição para ela, tome algum novo rumo...
— Impossível, meu caro, impossível! Não devo perder meu juízo por
vaidade, porque você perdeu o seu pela aflição. Não pude me recusar a vê-lo
quando me escreveu com tanta urgência, e agora irei ver a jovem, como uma
amiga, com todo o meu coração. Lamento profundamente por você, Mr.
Mortimer! Ela é uma criatura jovem e encantadora, e tem uma compreensão,
por sua idade e sexo, inigualável.
— Não fale dela para mim! — exclamou o impaciente Delvile. — Eu não
posso suportar! Vá até ela, caro doutor, e se quiser se consultar com alguém,
por favor, chame todos os médicos da cidade.
Dr. Lyster desejava apenas conversar com aqueles que já a haviam
assistido, e então, abandonando o costumeiro cerimonial de aguardá-los, ele
foi até Cecilia.
Delvile não ousou acompanhá-lo; ele estava tão bem familiarizado com
sua clareza e sinceridade que, embora aguardasse seu retorno com ansiedade,
assim que o ouviu nas escadas, temendo saber sua opinião, ele rapidamente
agarrou o chapéu e saiu da casa apressadamente, a fim de evitá-lo.
Delvile continuou caminhando pelas ruas até que até mesmo o medo de
más notícias fosse menos horrível para ele do que aquele suspense voluntário,
e então ele voltou para casa. Encontrou o Dr. Lyster em uma pequena sala
nos fundos, que Mrs. Wyers, acreditando que agora deveria ser bem paga,
havia reservado para uso de Delvile. Ele colocou a mão sobre o ombro do
doutor e disse: — Bem, meu caro Dr. Lyster, eu espero...
— Eu gostaria de poder tornar as coisas mais fáceis para você! —
interrompeu o doutor —, assim, se for racional, um conforto, em todo caso,
eu posso lhe dar; a crise parece estar se aproximando, e ou ela vai se
recuperar, ou, antes de amanhã de manhã...
— Não continue, senhor! — exclamou Delvile, com uma mistura de raiva
e horror —, não terei seus dias limitados! Não foi para isso que mandei
chamá-lo.
Mais uma vez ele correu para fora de casa, deixando o Dr. Lyster
sinceramente preocupado, mas ele era bondoso e sábio demais para se
ofender com a injustiça da dor imoderada.
Em poucos minutos, no entanto, mais por efeito do desespero do que da
filosofia, Delvile se recompôs e pediu ao Dr. Lyster que o desculpasse por
seu comportamento. Ele recebeu seu sincero perdão e o convenceu a
continuar na cidade até que tudo estivesse decidido.
Por volta do meio-dia, Cecilia, entre suas divagações mais loucas e
perpétua agitação, mergulhou de repente em um estado de insensibilidade tão
absoluto que parecia estar inconsciente até mesmo de sua existência; se não
estivesse respirando, já poderia ser considerada morta.
Quando Delvile recebeu esta informação, ele não pôde mais suportar nem
mesmo seu posto nas escadas; ele passava todo o tempo vagando pelas ruas
ou se detendo na sala do Dr. Lyster para perguntar se tudo já estava
terminado. O médico humano, não mais alarmado com o perigo de Cecilia do
que aflito com a situação de Delvile, pensou que a terrível crise atual oferecia
ao menos uma oportunidade de reconciliá-lo com seu pai. Portanto, ele
procurou o cavalheiro em St. James’s Square e o informou abertamente sobre
o perigoso estado de Cecilia e a tristeza de seu filho.
Mr. Delvile, embora de bom grado tivesse anulado uma aliança que
considerava vergonhosa para sua família, ao ser informado de que Cecilia
não mais estava entre nós, ficou extremamente desconcertado ao saber dos
sofrimentos pelos quais sua própria recusa de asilo, do qual estava
consciente, havia contribuído em grande parte, e depois de uma luta altiva
entre ternura e ira, ele implorou o conselho de Dr. Lyster sobre como seu
filho poderia ser retirado de tal cena.
Dr. Lyster, que bem sabia que Delvile estava desesperado demais para ser
dócil, propôs surpreendê-lo com uma conversa ao retornarem juntos. Mr.
Delvile, embora se sentindo apreensivo e complacente, cedeu de má vontade
a uma medida que mantinha sob seu domínio e, quando chegou à loja, mal
pôde ser persuadido a entrar. Mortimer, neste momento, estava dando um
passeio solitário, e o Dr. Lyster, para completar o trabalho que havia
começado de subjugar o duro orgulho de seu pai, planejou, sob o pretexto de
esperá-lo, conduzi-lo ao quarto da inválida.
Mr. Delvile, que não sabia para onde estava indo, à primeira vista da cama
e das acompanhantes, retirou-se apressadamente, mas o rosto mudado e
lívido de Cecilia chamou sua atenção, e, tomado de súbita consternação, ele
se deteve involuntariamente.
— Veja aquela pobre jovem! — exclamou o Dr. Lyster. — Pode imaginar
que uma visão como essa faria Mr. Mortimer se esquecer de tudo o mais?
Ela estava totalmente insensível, mas perfeitamente quieta; parecia não
distinguir nada, nem falava nem se mexia.
Mr. Delvile olhou para ela com o maior horror; o refúgio que ele tão
implacavelmente havia negado a ela na noite em que suas faculdades mentais
estavam desordenadas, ele agora teria alegremente oferecido à custa de
sofrimentos quase semelhantes, na tentativa de encontrar um alívio para
aquelas dores crescentes que o acusavam de ser o autor desta cena de
angústia. Seu orgulho, sua pompa e seu nome ancestral estavam agora
mergulhados em sua estima, e embora se considerasse o destruidor da infeliz
jovem criatura, ele teria sacrificado tudo para ser o seu protetor. Pouco
intensa é a ostentação da insolência quando analisada pela consciência!
Amarga é a agonia da autocensura, onde a miséria segue a dureza de coração!
No entanto, quando o primeiro assombro doloroso de sua situação diminuiu,
o remorso que provocou foi muito mais forte do que a compaixão; ele lançou
um olhar zangado para o Dr. Lyster, por tê-lo traído com tal visão, e saiu
apressadamente do quarto.
Mortimer, que agora esperava impacientemente para ver o Dr. Lyster na
pequena sala, alarmado com o som de novos passos na escada, saiu para
perguntar quem estava lá. Quando viu seu pai, ele se encolheu, mas Mr.
Delvile, não mais amparado pelo orgulho e incapaz de se recuperar do
choque que acabara de receber, segurou seus braços e disse: — Oh, volte para
casa, meu filho! Este lugar vai acabar destruindo sua alma.
— Ah, senhor! — exclamou Delvile. — Não pense em mim agora! Não
adianta demonstrar boa vontade, pois eu não estou em condições de suportar
isso! — ele se afastou do pai e saiu apressadamente da casa.
Mr. Delvile, tendo seu sentimento de pai despertado em seu peito, viu sua
partida com mais medo do que raiva, e voltou para St. James’s Square
torturado pelos temores paternos e atormentado pelo remorso pessoal,
lamentando sua própria inflexibilidade e perseguido pela pálida imagem de
Cecilia.
Ela ainda estava neste estado inconsciente, e aparentemente tão livre de
sofrimento quanto de alegria, quando de repente uma nova voz foi ouvida,
exclamando: — Onde ela está? Onde ela está? Onde está minha querida Miss
Beverley? — Henrietta Belfield correu loucamente para dentro do quarto.
O anúncio nos jornais imediatamente a trouxe para a cidade e a
encaminhou para a casa; a menção de que a dama perdida falava muito de
uma pessoa chamada Delvile instantaneamente a fez pensar em Cecilia. A
descrição correspondia a essa ideia, e o relato da vestimenta a confirmava.
Mr. Arnott, tão apavorado quanto ela, havia lhe emprestado sua carruagem
para saber a verdade dessa conjectura, e ela havia viajado durante toda a
noite. Ela correu para a beira da cama e exclamou: — Quem é esta? Esta não
é Miss Beverley! — E então, gritou com horror desenfreado: — Oh,
misericórdia! Misericórdia! Sim, é ela! E ninguém a reconheceria! Sua
própria mãe não pensaria que ela era sua filha!
— A senhorita deve ir embora, Miss Belfield — disse Mary —, realmente
deve. Todos os médicos dizem que minha senhora não deve ser incomodada.
— E quem vai me tirar daqui? — disse ela, furiosa. — Ninguém, Mary!
Nem todos os médicos do mundo! Oh, doce Miss Beverley! Eu vou me deitar
ao seu lado, eu nunca vou desistir de você enquanto viver, e eu desejo, eu
gostaria de poder morrer para salvar sua preciosa vida!
Então, inclinando-se sobre ela e torcendo as mãos, ela disse: — Oh, é de
partir o coração vê-la nesta condição! É a tão feliz Miss Beverley, que pensei
que todos nasceram para lhe dar alegria? A Miss Beverley, que parecia a
rainha do mundo inteiro?! Ainda assim, tão boa e tão gentil, tão amável com
a pessoa mais mesquinha, que sempre desculpava as falhas de todos, exceto
as dela mesma, e que dizia a eles como poderiam se corrigir e tentava torná-
los tão bons quanto ela! Oh, quem iria reconhecê-la! Quem a reconheceria! O
que eles fizeram com você, minha amada Miss Beverley? Como eles a
alteraram e desfiguraram dessa maneira bárbara e perversa?
Em meio a esse testemunho simples, mas patético, sobre o valor e as várias
excelências de Cecilia, o Dr. Lyster entrou no quarto. Todas as mulheres se
aglomeraram ao seu redor, exceto Mary, para justificar qualquer participação
na permissão da entrada e no comportamento da recém-chegada, mas Mary
apenas lhe disse quem ela era, e que se sua senhora estivesse bem o suficiente
para reconhecê-la, não haveria ninguém a quem ela tivesse tanta certeza de
que ficaria feliz em ver.
— Minha jovem — disse o médico —, eu a aconselho a ir para outro
quarto até estar um pouco mais composta.
— Todo mundo, creio eu, quer me afastar daqui! — exclamou a soluçante
Henrietta, cujo coração honesto estava inchado com sua própria integridade
afetuosa. —Mas todos podem se poupar do trabalho, pois eu não irei!
— Isso não está certo — disse o médico — e é desnecessário; a senhorita
chama isso de amizade, surgir assim diante de uma pessoa doente?
— Oh, minha Miss Beverley — exclamou Henrietta —, está ouvindo
como todos eles me censuraram? Como todos eles querem me afastar de você
e me impedir até de olhar para você! Fale por mim, doce senhora! Fale por
mim você mesma! Diga a eles que a pobre Henrietta não lhe fará mal; diga
que ela só deseja sentar-se ao seu lado e observá-la! Eu segurarei esta mão
tão querida e me agarrarei a ela até o último minuto, e você não vai, eu sei
que não vai dar ordens para tirá-la de mim!
O Dr. Lyster, embora sua boa índole tivesse sido muito afetada por essa
demonstração afetuosa de tristeza, com muita indignação lhe explicou a
impropriedade de ceder aos seus anseios. Mas Henrietta, que não estava
acostumada a disfarçar ou reprimir seus sentimentos, ficava cada vez mais
agressiva quanto mais ela se convencia do perigo de Cecilia. — Oh, olhe só
para ela — exclamou ela — e tire-me daqui se puder! Veja como seus doces
olhos estão fixos! Veja, veja a mudança na sua aparência! Ela não me vê, ela
não me reconhece! Ela não me ouve! Sua mão já parece sem vida, seu rosto
está todo caído! Ah, se eu tivesse morrido vinte mortes antes de viver para
ver essa cena! Pobre e desgraçada Henrietta, não tem mais um amigo no
mundo! Você pode ir e se deitar em algum canto, e ninguém vai te dizer uma
palavra de conforto!
— Isso não está certo — disse o Dr. Lyster —, vocês devem levá-la
embora.
— Vocês não devem! — exclamou ela, desesperadamente. — Ficarei com
ela até que dê seu último suspiro e ficarei com ela ainda mais tempo! E se ela
pudesse falar neste momento, ela diria que esta é a sua vontade. Ela amava a
pobre Henrietta e gostava de tê-la por perto, e quando ela estava doente e
muito angustiada, nunca me pediu que saísse de seu quarto. Não é verdade,
minha doce Miss Beverley? Não sabe que é verdade? Oh, abandone esta
aparência terrível! Volte para sua infeliz Henrietta, a mais doce, a melhor das
damas! Não vai voltar a falar com ela? Não vai dizer a ela uma única
palavra?
O Dr. Lyster ficou muito zangado, disse a ela que tal violência poderia ter
consequências fatais e a assustou a ponto de poder afastá-la ele mesmo. Ele
teve então a gentileza de ir com ela até o outro quarto, onde, quando sua
primeira veemência havia sido despendida, seus protestos e argumentos a
levaram a uma noção do perigo que ela poderia ocasionar e ele a fez prometer
não retornar ao quarto até que ganhasse forças para se comportar melhor.
Quando o médico voltou novamente para Delvile, ele o encontrou muito
alarmado com sua longa permanência; ele lhe comunicou brevemente o que
havia acontecido e o aconselhou a não agravar sua própria dor ao ver o que
fora sofrido por aquela garota desprotegida e ardente. Delvile assentiu
facilmente, pois o peso de sua própria aflição era muito grande para suportar
qualquer adição.
Henrietta, mantida sob controle pelo Dr. Lyster, contentou-se em apenas
ficar sentada na cama, sem tentar falar, e sem outra ocupação a não ser olhar
alternadamente para a amiga doente e cobrir os olhos lacrimejantes com o
lenço; de vez em quando ela abandonava o quarto em busca do alívio de
soluçar em liberdade e em voz alta em outro aposento.
Mas, à noite, enquanto Delvile e o Dr. Lyster realizavam um de seus
passeios melancólicos, uma nova cena foi representada nos aposentos da
ainda sem sentidos Cecilia. Mr. Albany repentinamente fez sua entrada,
acompanhado por três crianças, duas meninas e um menino, de quatro a seis
anos, bem-vestidos, limpos e saudáveis.
— Veja aqui — exclamou ele, ao entrar —, veja aqui o que eu trouxe para
você! Levante, levante sua cabeça lânguida e olhe para cá! Você me
considera rígido, inimigo do prazer, austero, severo e coibidor da alegria,
olhe para cá e veja o contrário! Quem poderá te oferecer tanto conforto,
alegria e satisfação? Três crianças inocentes, vestidas e alimentadas por sua
generosidade!
Henrietta e Mary, que o conheciam bem, ficaram pouco surpresas com
tudo o que ele dizia ou fazia, e as enfermeiras acharam melhor não interferir,
mas apenas sussurraram.
Cecilia, porém, nada observou do que acontecia, e Mr. Albany, um tanto
espantado, aproximou-se mais da cama: — Ainda não quer falar? —
perguntou ele.
— Ela não pode, senhor — disse uma das mulheres. — Ela está emudecida
há muitas horas.
O ar de triunfo com o qual havia entrado no quarto agora se transformava
em decepção e consternação. Por alguns minutos ele a contemplou pensativa
e pesarosamente, e então, com um suspiro profundo, disse: — Como os
pobres lamentarão este dia! — Então, voltando-se para as crianças, que,
assustadas com a cena, ficaram quietas de terror. — Que infelicidade — disse
ele —, vocês, crianças indefesas, não sabem o que perderam;
presunçosamente nós viemos; desatendidos devemos voltar! Eu os trouxe
para que fossem vistos por sua benfeitora, mas ela está indo aonde encontrará
muitos outros.
Ele, então, decidiu levá-los embora, mas voltou repentinamente: — Talvez
eu não a veja mais! Mas devemos antes orar por ela. Grande e terrível é a
mudança que ela está fazendo; o que são as revoluções humanas, quão
lamentáveis, quão insignificantes, comparadas com isso? Venham, crianças,
venham; com presentes ela tem abençoado vocês muitas vezes, com desejos
devem abençoá-la! Venham, ajoelhem-se ao redor da sua cama e vamos
todos orar juntos por ela; levantem suas mãos inocentes, e por todos vocês eu
falarei.
Ele então fez as crianças obedecerem às suas ordens e, tendo-se ajoelhado,
Henrietta e Mary imediatamente fizeram o mesmo. — Doce flor,
prematuramente colhida, mas madura em excelência! Tão cedo esmoreceu na
tristeza, embora fragrante na inocência! Suave seja a sua partida, pois
imaculados têm sido os seus dias; breves sejam suas dores, pois poucas foram
suas ofensas! Olhem para ela, doces crianças, e guarde-a em sua memória;
com frequência irei visitá-los e reviver a cena solene.
Ele fez uma pausa, e as enfermeiras e Mrs. Wyers, impressionadas por este
apelo e comovidas pelo exemplo geral, arrastaram-se para a cama e caíram de
joelhos, quase involuntariamente.
— Ela está deixando — retomou Mr. Albany — a inveja do mundo!
Enquanto nenhuma culpa havia se apoderado de sua alma, e nenhum remorso
havia prejudicado sua paz. Ela era a serva da caridade, e a piedade habitava
em seu peito! Sua boca nunca se abria, senão para confortar, seus passos
foram seguidos por bênçãos. Oh, feliz em pureza, seja sua a canção do
triunfo! Suavemente cairá no sono temporal, sublimemente ressuscitará para
a vida que desperta para sempre!
Ele então se levantou, pegou as crianças pelas mãozinhas e foi embora.
CAPÍTULO 102
UMA SUPRESSÃO
“Mr. Monckton.
Não escrevo, senhor, para repreendê-lo; as desgraças que se seguiram às
suas atitudes maléficas, das quais talvez possa tomar conhecimento em
algum momento, farão com que minhas censuras sejam supérfluas. Escrevo
apenas para implorar que o que é passado possa satisfazê-lo, e já que,
enquanto solteira, o senhor escolheu me representar erroneamente diante da
família Delvile, o senhor agora tenha a honra, uma vez que agora sou uma
deles, de reconhecer minha inocência dos crimes que me imputou. Em
memória de minha antiga e longa amizade, envio meus melhores votos, e em
consideração às minhas esperanças de sua retratação, envio também,
senhor, se acredita que vale a pena aceitar, meu perdão. CECILIA
DELVILE”.
Delvile, através do Dr. Lyster, enviou esta carta ao seu pai, cuja raiva ao
descobrir a perfídia que o havia enganado era ainda inferior à que ele sentia
pela menção tão injuriosa de sua família.
Sua conferência com o Dr. Lyster foi longa e dolorosa, mas decisiva. Este
homem sagaz e amigável sabia bem como trabalhar suas paixões, e assim
efetivamente as despertou ao explicar a desgraça de sua própria família pela
atual situação de Cecilia, que, antes que ele deixasse sua casa, estava
autorizado a convidá-la para se mudar para lá.
Ao retornar de sua incumbência, ele encontrou Delvile no quarto dela; os
dois aguardavam com impaciência os eventos de sua negociação.
O médico, com grande entusiasmo, fez a Cecilia o convite que lhe fora
encomendado, mas Delvile, zeloso por sua dignidade, ficou zangado e
insatisfeito porque seu pai não o trouxera ele mesmo, e exclamou com muita
tristeza: — Esta é toda a graça que me foi concedida?
— Paciência, paciência, senhor — respondeu o médico. — Depois de
frustrar qualquer pessoa em sua primeira esperança e ambição, o senhor
espera que ele lhe envie seus cumprimentos e muitos agradecimentos pela
decepção? Por favor, deixe o bom cavalheiro fazer as coisas ao seu modo em
alguns pequenos assuntos, já que o senhor tomou todo o cuidado para deixar
fora de seu alcance o poder de atuar nos grandes.
— Oh, longe de criar obstáculos — exclamou Cecilia —, solicitemos uma
reconciliação com quaisquer concessões que ele possa exigir! O sofrimento
da desobediência que tão fatalmente experimentamos, e pensando como
pensamos sobre laços filiais e reivindicações dos pais, como podemos esperar
a felicidade até que sejamos perdoados e favorecidos?
— É verdade, minha Cecilia — respondeu Delvile —, a verdade generosa
e condescendente, e se você pode concordar com tanta doçura, com gratidão
deixarei de fazer qualquer oposição. Você já sofreu demais com a
impetuosidade de meu temperamento, mas tentarei contê-lo no futuro com a
lembrança do seu sofrimento.
— A combinação de toda essa situação desafortunada foi o resultado do
ORGULHO e do PRECONCEITO de suas famílias — disse o Dr. Lyster. —
Seu tio, o reitor, deu o início com sua vontade arbitrária, como se uma
determinação dele pudesse deter o curso da natureza, e como se tivesse o
poder de manter viva, mediante o empréstimo de um nome, uma família cujo
ramo masculino já estava extinto. Seu pai, Mr. Mortimer, prosseguiu com a
mesma parcialidade, preferindo a miserável satisfação de sentir cócegas em
seus ouvidos com um som favorito de um sobrenome em vez da sólida
felicidade de seu filho com uma esposa rica e merecedora. No entanto,
lembrem-se disso, se ao ORGULHO e ao PRECONCEITO vocês devem suas
misérias, tão maravilhosamente equilibrados estão o bem e o mal, que ao
ORGULHO e ao PRECONCEITO vocês também deverão a sua interrupção,
pois ao dizer a Mr. Delvile sobre a desonra em ter uma nora confinada nestes
alojamentos medíocres, ao associar o grande nome Delvile a uma casa de
penhores, seu ORGULHO e PRECONCEITO falaram mais alto. Assim,
minha cara jovem, o terror que a conduziu a esta casa, e os sofrimentos que
nela a confinaram, provarão ser, neste caso, a fonte de sua futura paz, pois,
quando toda a minha melhor retórica falhou com Mr. Delvile, eu
imediatamente o fiz mudar de ideia ao associar seu nome com uma casa de
penhores! E ele não poderia com mais desgosto ouvir seu filho ser chamado
de Mr. Beverley, do que pensar na esposa de seu filho quando ouvisse o
nome Three Blue Balls! Assim, as mesmas paixões, tomando apenas direções
diferentes, podem fazer o mal e curá-lo alternadamente. Esta é, meus bons
jovens amigos, a moral de suas tragédias. Todos vocês, na minha opinião,
estranhamente possuíam objetivos opostos e foram desprezados pelas
primeiras bênçãos da vida, ninguém sabe o porquê. Minha única esperança é
que agora, destituídos de seus luxos, vocês tenham conhecido o suficiente da
miséria para ficarem contentes em manter o que é necessário.
Este excelente homem ainda foi convencido por Delvile a ficar e ajudar na
remoção da débil Cecilia para St. James’s Square.
Henrietta, para quem a carruagem e os criados de Mr. Arnott ainda
permaneciam na cidade, foi então, embora com muita dificuldade, persuadida
a voltar para Suffolk, pois Cecilia, por mais que apreciasse sua companhia,
estava muito consciente do perigo e da impropriedade da sua situação atual
para receber dela qualquer prazer.
A recepção de Cecilia por Mr. Delvile foi formal e fria; no entanto, como
ela agora aparecia publicamente no caráter da esposa de seu filho, o melhor
aposento de sua casa havia sido preparado para seu uso, seus criados foram
instruídos a atendê-la com o maior respeito e lady Honoria Pemberton, que
acidentalmente se encontrava na cidade, se ofereceu, apenas por curiosidade,
ao que Mr. Delvile prontamente aceitou, para ser ela mesma a primeira a
receber e homenagear sua nora em St. James’s Square.
Quando Cecilia se recuperou um pouco da comoção da primeira conversa
e do cansaço de sua remoção, o ansioso Mortimer desejou imediatamente
transportá-la para seu próprio aposento; porém, disposta a se esforçar e na
esperança de agradar Mr. Delvile, ela declarou que poderia permanecer mais
algum tempo na sala de estar.
— Meus bons amigos — disse o Dr. Lyster —, no decorrer de minha
longa prática, descobri que é impossível estudar a estrutura humana sem
estudar um pouco a mente humana, e por tudo o que pude decifrar, seja por
observação, reflexão ou comparação, parece-me neste momento que Mr.
Mortimer Delvile tem a melhor esposa, e que o senhor tem aqui a nora mais
impecável que qualquer marido ou qualquer pai nos três reinos pertencentes a
Sua Majestade pode ter ou desejar.
Cecilia sorriu; Mortimer parecia maravilhado ao expressar sua
concordância; Mr. Delvile se obrigou a fazer uma inclinação rígida da cabeça
e lady Honoria alegremente exclamou: — Dr. Lyster, quando o senhor diz a
melhor e a mais impecável, o senhor sempre deve se lembrar do restante da
companhia que foi excluída.
— Eu imploro o perdão de Vossa Senhoria, mas há um certo entusiasmo
descuidado com o qual um homem se depara de vez em quando, que remove
a cordialidade de sua mente, e o faz dizer a verdade antes que saiba bem onde
está!
— Que horror! — exclamou ela. — O senhor está ficando cada vez pior.
Eu esperava que o ar da cidade o tivesse ensinado algumas coisas, mas vejo
que o senhor ficou no Castelo Delvile por tanto tempo que não está mais apto
a ir a qualquer outro lugar.
— Quem quer que seja, lady Honoria — disse Mr. Delvile, muito ofendido
—, que for adequado para o Castelo Delvile, deve ser adequado para
qualquer outro lugar, embora uma pessoa de qualquer outro lugar, de forma
alguma, possa ser adequada para ele.
— Oh, sim, senhor — exclamou ela, sem demora —, todas as pessoas de
lugares possíveis serão adequadas para ele, se elas puderem suportá-lo apenas
uma vez. Não é assim, Dr. Lyster?
— Bem, quando um homem tem a honra de ver Vossa Senhoria —
respondeu ele, bem-humorado —, ele tende a pensar muito na pessoa e se
preocupar menos com o lugar.
— Vamos, começo a ter esperanças com o senhor — exclamou ela —,
pois, pelo que vejo, para um médico, o senhor realmente tem uma noção
muito bonita de uma cortesia, mas ainda tem um grande defeito: o tempo
todo o senhor parece estar fazendo uma piada.
— Bem, na verdade, madame, quando um homem é um simples
negociante, há mais de cinquenta anos, tanto nas palavras quanto na
aparência, esperar uma reforma tão rápida exigirá um pouco de flexibilidade.
No entanto, dê-me apenas um pouco de tempo e um pouco de encorajamento
e, com tal tutoria, será difícil eu não aprender, com algumas poucas lições, o
método correto de condimentar um sorriso e a última moda para distorcer
palavras de seu significado.
— No entanto, por favor — disse ela —, nessas ocasiões, lembre-se
sempre de manter uma seriedade no olhar. Nada desencadeia tanto um
cumprimento quanto uma cara feia. Se se sentir tentado a rir fora de hora,
pense no Castelo Delvile; é um expediente que geralmente uso comigo
mesma quando tenho medo de ser muito atrevida, e sempre dá certo, pois a
própria lembrança dele me dá dor de cabeça instantaneamente. Eu lhe dou a
minha palavra, Mr. Delvile, que o senhor deve ter a constituição de cinco
homens para ter mantido uma saúde tão boa depois de viver tanto tempo
naquele lugar horrível. O senhor não pode imaginar o quanto me
surpreendeu, pois com muita regularidade esperava ter notícias sobre sua
morte no final de cada verão, e eu lhe asseguro que certa vez estive muito
perto de vestir luto...
— A propriedade que um homem recebe de seus próprios ancestrais, lady
Honoria — respondeu Mr. Delvile —, raramente estará sujeita a prejudicar
sua saúde, se ele estiver consciente de não ter cometido nenhum delito que
tenha degradado sua memória.
— Quão imensamente odioso é esse seu novo pai! — disse lady Honoria
em um sussurro para Cecilia. — O que poderia tê-la induzido a renunciar sua
encantadora propriedade para entrar nesta família antiquada?! Eu realmente a
aconselharia a anular seu casamento. Você só precisa, sabe, fazer um
juramento de que foi forçada a se casar, e como é uma herdeira, e os Delvile
são todos tão violentos, isso será facilmente reconhecido. E então, assim que
você estiver em liberdade, eu a aconselharia a se casar com meu pequeno
lorde Derford.
— Então — disse Cecilia —, eu estaria recuperando minha liberdade para
me separar dela em seguida?
— Certamente — respondeu lady Honoria —, pois não se pode fazer
absolutamente nada sem estar casada; uma mulher solteira está mil vezes
mais encarcerada do que uma esposa, pois ela deve ser responsável perante
todas as pessoas, e uma esposa, como todos sabem, não tem nada a fazer a
não ser administrar seu marido.
— E isso — disse Cecilia, sorrindo — pode ser considerado uma
trivialidade?
— Sim, se você se casar com um homem de quem não gosta.
— Neste caso, está certa em me recomendar milorde Derford!
— Oh, sim, ele será o marido mais bonito do mundo; você poderá voar por
aí tão livre quanto uma cotovia e mantê-lo todo o tempo domesticado como
uma gralha; e embora ele possa reclamar de você para seus amigos, ele nunca
terá a coragem de criticá-la pessoalmente. Mas, quanto a Mortimer, você não
poderá governá-lo enquanto viver, pois no momento em que o tiver deixado
de lado, você mesma ficará infeliz, tentará estender sua mão para ele e,
perdendo a oportunidade de ganhar algum ponto material, se reconciliará com
a primeira palavra suave.
— Acha, então, que a discussão é mais divertida do que a reconciliação?
— Oh, mil vezes! Pois enquanto você está discutindo, você pode dizer
qualquer coisa e exigir qualquer coisa, mas, quando estiver se reconciliando,
você deve se comportar bem e parecer contente.
— Aqueles que presumem ter alguma pretensão com Vossa Senhoria —
disse Cecilia — ficariam realmente felizes se ouvissem seus princípios!
— Oh, isso não significaria nada — respondeu ela —, pois os pais, os tios,
e essa classe de pessoas, estão sempre fazendo conexões para alguém, e
nenhuma criatura pensa em nossos princípios até que os descobrem por meio
de nossa conduta, e ninguém pode fazer isso até que estejamos casadas, pois
eles não nos dão poder de antemão. Os homens não sabem nada sobre nós
enquanto estamos solteiras, a não ser como dançamos um minueto ou
tomamos uma lição de cravo.
— E o que mais — disse Mr. Delvile, que se aproximou e ouviu seu
último discurso — deseja uma jovem senhorita de classe para ser conhecida?
Vossa Senhoria certamente não a deixaria se degradar estudando como uma
artista ou professora?
— Oh, não, senhor, eu não gostaria que ela estudasse; é muito bom para
crianças, mas realmente, depois dos 16 anos, quando somos apresentadas à
sociedade, encontramos bastante cansaço para nos vestir e ir a lugares
públicos e encomendar coisas novas, sem todo aquele tormento da primeira e
da segunda posição, o Fá, o Ré, o Mi etc.
— Vossa Senhoria deve, no entanto, me perdoar por sugerir — disse Mr.
Delvile — que uma jovem de condição, que tem um senso adequado de sua
dignidade, não pode ser vista com demasiada frequência, ou ser pouco
conhecida.
— Oh, mas eu odeio a dignidade! — exclamou ela, descuidadamente —,
pois é a coisa mais enfadonha do mundo. Sempre pensei que era devido ao
senhor ser pouco divertido; sinceramente, senhor, imploro seu perdão, eu quis
dizer tão pouco eloquente.
— Posso facilmente acreditar que Vossa Senhoria tenha falado
apressadamente — respondeu ele, muito irritado —, pois acredito, de fato,
que uma pessoa de uma família como a minha dificilmente terá vindo ao
mundo para o ofício de diverti-la!
— Oh, não, senhor — exclamou ela, fingindo inocência —, ninguém,
estou certa, jamais o viu com tal pensamento — em seguida, voltando-se para
Cecilia, ela acrescentou em um sussurro: — Não pode imaginar, minha
querida Mrs. Mortimer, como detesto esse meu velho primo! Agora, por
favor, diga sinceramente se não o odeia também?
— Espero — disse Cecilia — não ter motivos para isso.
— Meu bom Deus, como se mantém sempre em guarda! Se eu tivesse a
metade da sua cautela, morreria pelos vapores em um mês; a única coisa que
me mantém viva é a oportunidade de irritar as pessoas de vez em quando,
pois as pessoas da minha casa me deixam sair tão raramente e depois me
fazem ser acompanhada por damas de companhia tão estúpidas, que
atormentá-las um pouco é realmente a única diversão que posso conseguir.
Oh, eu quase me esqueci de lhe contar uma coisa maravilhosa!
— O quê?
— Bem, deve saber que tenho as maiores esperanças do mundo de que
meu pai brigue com o velho Mr. Delvile!
— E isso é uma coisa maravilhosa?
— Ah, sim. Eu tenho vivido com esta expectativa nos últimos quinze dias,
pois então, como deve saber, os dois ficarão muito irritados e eu verei qual
deles parece mais assustador.
— Quando lady Honoria sussurra — disse Mortimer —, sempre suspeito
de alguma travessura.
— Certamente que não — respondeu Sua Senhoria —, eu estava
simplesmente parabenizando Mrs. Mortimer por seu casamento. Embora, na
verdade, pensando melhor, não sei se não deveria me compadecer do fato,
pois há muito estou convencida de que ela tem uma prodigiosa antipatia pelo
senhor. Eu vi isso o tempo todo em que estive no Castelo Delvile, onde ela
mudava de cor ao som do seu nome; um sintoma que nunca percebi quando
falava com ela sobre milorde Derford, que certamente teria se tornado um
marido mil vezes melhor.
— Se está se referindo ao seu título, lady Honoria — disse Mr. Delvile —,
Vossa Senhoria deve estar estranhamente esquecida das conexões de sua
família, sem mencionar que Mortimer, após a morte de seu tio e a minha,
deve inevitavelmente herdar um título muito mais honrado do que uma
família recém-criada, como a que milorde Ernolf poderia oferecer.
— Sim, senhor; mas então, sabe, ela teria mantido seu patrimônio, o que
teria sido uma coisa muito melhor do que um antigo pedigree de novos
parentes. Além disso, não acho que alguém realmente se importe com o
sangue nobre dos Delviles, exceto eles próprios, e se ela tivesse conservado
sua fortuna, todo o mundo, eu imagino, teria se importado com isso.
— Todo o mundo, então — disse Mr. Delvile —, deve ser altamente
mercenário e ignóbil, ou o sangue de uma casa antiga e honrada se
consideraria contaminado pelo indício mais distante de uma comparação tão
degradante.
— Caro senhor, o que deveríamos todos fazer com o nascimento se não
fosse pela riqueza? Não nos levaria nem a Ranelagh nem à Ópera; nem nos
compraria bonnets ou perucas, ou nos proporcionaria jantares e buquês.
— Bonnets e perucas, jantares e buquês! — interrompeu Mr. Delvile. — A
estimativa de riqueza de Vossa Senhoria é realmente extremamente
minuciosa.
— Ora, o senhor sabe, bonnets e perucas são coisas muito sérias, pois
deveríamos parecer figuras poderosas e divertidas se andássemos por aí com
a cabeça descoberta; e quanto aos jantares, como os Delviles teriam durado
todos esses milhares de séculos se os tivessem desprezado?
— Qualquer que seja a satisfação de Vossa Senhoria — disse Mr. Delvile
com indignação — em depreciar uma casa que tem a honra de ser quase
aliada da sua... a senhorita não tem a intenção, assim espero, de instruir esta
dama — voltando-se para Cecilia — a adotar um desprezo semelhante por
sua antiguidade e dignidade?
— Tal dama — exclamou Mortimer — ao menos, ao condescender em se
tornar um deles, nos protegerá de qualquer perigo que tal desprezo se estenda
ainda mais.
— Permita-me — disse Cecilia, olhando para ele com gratidão — estar tão
segura da empolgação quanto estou de sentir desprezo.
— Boa e excelente jovem! — disse o Dr. Lyster. — A primeira das
bênçãos é certamente a temperança de sua própria mente. Quando iniciou sua
trajetória na vida, parecia para nós, mortais míopes, possuir mais do que sua
cota das coisas boas deste mundo; tal união de riquezas, beleza,
independência, talentos, educação e virtude parecia um privilégio para
suscitar a inveja e o descontentamento geral. Porém, note com que exatidão
escrupulosa o bem e o mal são sempre equilibrados! A madame tem sofrido
milhares de tristezas, às quais aqueles que a admiram são estranhos, e para as
quais nem todas as vantagens que possui são equivalentes. Evidentemente,
existe em todo este mundo, tanto nas coisas quanto nas pessoas, um princípio
nivelador em guerra com a preeminência e que destrói a perfeição.
— Ah! — exclamou Mortimer em voz baixa para Cecilia. — Quanto mais
alto devemos todos subir, ou quanto mais baixo você deve cair, antes que
qualquer princípio de nivelamento nos aproxime de você!
Ele então implorou que ela poupasse suas forças e ânimo voltando para os
seus próprios aposentos, e a conversa foi interrompida.
— Permita-me, Mrs. Mortimer — disse lady Honoria ao se despedir —,
implorar que o primeiro hóspede que convidar para o Castelo Delvile possa
ser eu. Já conhece minha parcialidade por ele. Ficarei particularmente feliz
em atendê-la em um clima tempestuoso! Todos nós podemos passear juntos
muito socialmente, e eu não ficarei muito no seu caminho, pois se acontecer
uma tempestade vocês poderão facilmente me alojar sob alguma grande
árvore, e enquanto se divertirão em um tête-à-tête, permitirão me deixar à
indulgência das minhas próprias reflexões. Eu gosto muito de pensar e ficar
sozinha, sabe, especialmente sob trovões e relâmpagos!
Ela então foi embora e todos se separaram: Cecilia foi levada para o andar
de cima, e o digno Dr. Lyster, carregado com agradecimentos de todo tipo,
partiu para o interior.
Cecilia, ainda fraca e muito abatida, por algum tempo viveu quase
inteiramente em seu próprio quarto, onde a assistência grata e solícita de
Mortimer aliviava a dor de sua enfermidade tanto quanto de seu
confinamento, mas assim que sua saúde permitiu a viagem, ele se apressou
com ela para o exterior. Lá, a tranquilidade mais uma vez fez sua morada no
coração de Cecilia; aquele coração dilacerado por tanto tempo pela angústia,
suspense e horror!
Mrs. Delvile a recebeu com o mais entusiasmado carinho e a impressão de
suas tristezas foi aos poucos se dissipando, graças aos seus amáveis cuidados
maternos, à afeição vigilante e à ternura encantadora de seu filho.
Os Egglestons tomaram a posse total de sua propriedade, e Mortimer, a
seu pedido, se absteve de demonstrar qualquer ressentimento pessoal por sua
conduta e colocou nas mãos de um advogado o arranjo do caso.
Eles continuaram no exterior por alguns meses, e a saúde de Mrs. Delvile
foi razoavelmente restabelecida. Eles foram então chamados de volta para
casa pela morte de lorde Delvile, quem legou a seu sobrinho Mortimer sua
casa na cidade e aquilo que era de sua propriedade, mas que não estivesse
anexado a seu título, que foi necessariamente devolvido a seu irmão.
A irmã de Mrs. Delvile, uma mulher de espírito elevado e fortes paixões,
não viveu muito depois dele, mas tendo, em seus últimos dias, intimamente
se conectado a Cecilia, estava tão encantada com seu caráter e tão
deslumbrada por sua admiração pelo sacrifício extraordinário que ela havia
feito, que, em um acesso de repentino entusiasmo, alterou seu testamento
para deixar a ela, e à sua disposição, a fortuna que, quase desde a infância,
havia destinado ao seu sobrinho. Cecilia, muito assombrada, opôs-se à
alteração, mas até mesmo sua irmã, agora lady Delvile, a quem a cada dia se
tornava mais querida, a apoiava fervorosamente, enquanto Mortimer,
encantado por devolver a ela, por meio de sua própria família, qualquer parte
daquele poder e independência dos quais sua consideração generosa e pura
por si mesmo a privara, recusou terminantemente que a escritura fosse
revogada.
Cecilia, a partir dessa transação lisonjeira, recebeu uma nova convicção da
falsidade maligna de Mr. Monckton, que sempre havia retratado para ela toda
a família Delvile como igualmente pobre em suas circunstâncias e egoísta em
suas mentes. O forte espírito de benevolência ativa que sempre havia
marcado seu caráter agora era novamente exibido, embora não mais, como
até então, ilimitado. Ela havia aprendido o erro da profusão, mesmo na
caridade e na beneficência, e ela tinha um motivo para economizar em seu
animado afeto por Mortimer.
Ela logo mandou chamar Mr. Albany, cuja surpresa por ela estar viva, e
cujo êxtase por sua prosperidade recuperada, agora ameaçava seus sentidos
com o tumulto de sua alegria, com quase o mesmo perigo que recentemente
haviam sido ameaçados pelo terror. Mas, embora suas doações fossem
circunscritas pela prudência e seus objetos escolhidos com discriminação, ela
entregou a si mesma todo o seu antigo prazer benevolente em consolar suas
aflições enquanto suavizava sua aspereza, devolvendo a ele seu ofício
favorito de ser seu esmoler e professor.
Em seguida, ela mandou chamar os seus antigos empregados e
beneficiários, aliviou as angústias que sua súbita ausência havia ocasionado e
renovou os salários que eles recebiam. Ela se lembrou de todos os que
nutriram expectativas razoáveis de sua generosidade, embora não aumentasse
o número de novos pretendentes, senão com economia e circunspecção.
Porém, nem Mr. Albany nem os velhos pensionistas sentiram a mesma
satisfação de Mortimer, que via com novo assombro as virtudes de sua
mente, cuja admiração por suas excelências tornou perpétua sua gratidão pela
felicidade de seu destino.
A carinhosa Henrietta, que ao voltar para seus novos amigos, cedeu com
franqueza ingênua à violência da dor indomável, mas ao encontrar Mr. Arnott
igualmente infeliz, a simpatia que Cecilia havia previsto logo os fez querer
um ao outro, enquanto o pouco interesse de Mrs. Harrel por ambos os
converteu em companheiros quase inseparáveis.
Mrs. Harrel, cansada de sua melancolia e farta do seu isolamento,
aproveitou a primeira oportunidade que lhe foi oferecida para mudar sua
situação: ela se casou com um homem de fortuna da vizinhança, rapidamente
se esqueceu de todo o passado e, impensadamente, começou tudo de novo,
com novas esperanças, novas conexões, novas carruagens e novos
compromissos.
Henrietta se viu, então, obrigada a voltar para a casa da sua mãe, onde,
embora privada de todas as indulgências com as quais agora estava
familiarizada, não se sentia mais magoada com a separação do que Mr.
Arnott. Sua casa parecia tão triste e tão solitária na ausência dela, que ele
logo a seguiu até a cidade e não regressou até que a levasse de volta como
sua esposa. E ali, a gentil gratidão de seu coração terno e sensível conquistou
o mais terno afeto do digno Mr. Arnott e, com o tempo, curou a ferida de sua
precoce e desesperada paixão.
O imprudente, o volátil, mas nobre Mr. Belfield, para cuja disposição
mutável e empreendedora a vida parecia sempre mais um começo do que um
progresso, vagava de um emprego a outro, e desde a vida pública até seu
afastamento, seguia agastado com o mundo e descontente consigo mesmo,
até que, finalmente vencido pela amizade constante de Delvile, consentiu em
aceitar seus bons ofícios e ingressar novamente no exército e, por sorte, ao
receber ordens para o serviço no estrangeiro, suas esperanças foram
reanimadas pela ambição e suas perspectivas iluminadas por uma visão de
honra futura.
O infeliz Mr. Monckton, enganado por sua própria astúcia e artifícios,
ainda vivia na miséria persistente, duvidoso de qual era a mais intensa, a dor
de sua ferida e confinamento, ou a de sua derrota e decepção. Levado por
uma crença inútil de que tinha talentos para vencer todas as dificuldades,
havia se entregado sem restrições a uma paixão cujo interesse era secundado
pela propensão. Seduzido por tais poderes fascinantes, a princípio não
encontrou nada que pudesse deter seu curso, e embora, quando no início de
sua trajetória, tivesse a ideia real da desonra, muito antes de ser concluída,
nem a traição nem o perjúrio eram considerados obstáculos para ele. Todo o
medo do fracasso se perdeu na vaidade, todo o senso de probidade se fundiu
no seu interesse, e todos os escrúpulos de consciência foram deixados para
trás pelo ardor da oportunidade. No entanto, a catástrofe imprevista e
melancólica de seus esquemas serviu de exemplo para a sua, apesar do que
seus princípios haviam obscurecido, pois mesmo nas atividades mundanas
onde a fraude supera a integridade, o fracasso une a desonra à perda, e a
decepção excita o triunfo no lugar da piedade.
A mente íntegra de Cecilia, sua pureza, sua virtude e a moderação de seus
desejos, entregues a ela no caloroso afeto de lady Delvile e no carinho
incessante de Mortimer, garantiram toda a felicidade que a vida humana
parece capaz de receber. Mas ela era humana, e, como tal, imperfeita. Ela
sabia que às vezes toda a família deveria comentar a perda da sua fortuna, e
às vezes ela dizia a si mesma que, ainda que em proporções menores, ela
ainda era uma herdeira. Racionalmente, no entanto, ela examinou o mundo
em geral e, descobrindo que, entre os poucos que tinham alguma felicidade,
não havia nenhum sem algum sofrimento, ela conteve o suspiro crescente de
lamentar a mortalidade e, agradecida por uma felicidade geral, suportou o
mal parcial com a mais alegre resignação.
FIM!
POSFÁCIO
Sua sociedade não permitirá isso, já que uma mulher que herda, uma
“herdeira”, é vista não como uma pessoa independente, mas como um canal
de transferência de dinheiro da família de um homem para outro. Cecilia não
tem como saber que ao entrar nessa sociedade ela não é vista como um
agente livre (como ela se imagina), mas como uma propriedade esperando
para ser tomada. Há uma série de homens dispostos a aderir à barganha de
mudar seu nome para obter sua fortuna. Seu tutor, Sr. Harrel, já a vendeu
para o libertino Sir Robert Floyer na altura em que ela chega a Londres, mas
o amigo dela no campo, Sr. Monckton, há muito tempo acredita que ela e sua
propriedade pertencem a ele. (DOODY, 1989, p. xvii)
CHISHOLM, Kate. The Burney Family. In: SABOR, Peter. (Ed.) The
Cambridge Companion to Frances Burney. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 7-22.
CLARK, Lorna. The afterlife and further reading. In: SABOR, Peter. (Ed.)
The Cambridge Companion to Frances Burney. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 163-180.
SPENCER, Jane. Evelina and Cecilia. In: SABOR, Peter. (Ed.) The
Cambridge Companion to Frances Burney. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007. p. 23-38.
P.S. Eu prometi à minha querida Esther que lhe enviaria um volume, ei-lo
aqui:
22 de março de 1812
Separada por tanto tempo como estou daqueles que para mim são tão
queridos, pai, irmãos, irmãs, sobrinhas e amigos na minha terra Natal, eu
pouparia, ao menos, de seus bondosos corações qualquer tristeza por mim,
além do que inevitavelmente devem sentir ao se entregar à dor de tal ausência
de alguém tão ternamente apegado a todos os seus primeiros e para sempre
tão queridos laços. No entanto, se souberem que estive tão gravemente doente
por qualquer outra pessoa que não eu, poderão duvidar da minha perfeita
recuperação, o que apenas minha pena pode evitar. Como posso esperar que
não cheguem aos seus ouvidos o que vem de Sevilha pelo Sul e de
Constantinopla, pelo Leste? De ambos, recebi mensagens, mas nada poderia
me impelir a fazer esta comunicação até que tomei conhecimento de que Mr.
Boinville havia escrito para sua esposa, sem qualquer precaução, por ignorar
o meu plano de silêncio. Ainda assim, espero que as notícias nunca cheguem
até meu querido pai. Mas você, minha amada Esther, quem, por viver na
sociedade, certamente ficará sabendo, e para você eu escreverei toda a
história, certa de que, a partir do momento em que souber que qualquer mal
existiu, seu generoso coração estará constantemente ansioso por saber sua
extensão e circunstâncias, bem como sua conclusão.
Por volta de agosto do ano de 1810, comecei a me aborrecer com uma
pequena dor no peito, que foi aumentando semana a semana, mas que, no
entanto, era mais intensa do que aguda, sem causar qualquer desconforto em
relação às consequências. Que desgraça é a ignorância! O mais simpático dos
companheiros, no entanto, ficou mais perturbado: nem um rosto irônico, nem
um movimento que indicava dor deixou de ser observado, e ele logo
concebeu apreensões para as quais eu era uma estranha. Ele me pressionou a
ver um cirurgião, eu me revoltei com a ideia e esperava, com cuidado e
carinho, tornar desnecessário todo o socorro. Assim se passaram alguns
meses, durante os quais Madame de Maisonneuve,79 uma amiga íntima, se
uniu a Mr. d’Arblay para me pressionar a fazer um exame. Eu pensava que
seus medos eram infundados e que não poderiam obter nenhum sucesso sobre
minha repugnância. Hoje, eu relaciono essa falsa confiança a uma advertência
à minha querida Esther, minhas irmãs e sobrinhas, que sensações semelhantes
excitam alarmes semelhantes.
Mr. d’Arnow revelou sua inquietude a outra das nossas amáveis amigas,
Madame de Tracy, que me escreveu uma carta longa e eloquente sobre o
assunto, que começou a despertar conjeturas muito desagradáveis. Um
encontro entre nós logo se seguiu, no qual sua urgência e suas explicações,
auxiliadas por sua grande experiência com a doença, existência mais
miserável pela arte, terminou por me subjugar; a mais dolorosa e relutante
paciente deixou de apresentar objeções e Mr. d’Arblay chamou um médico.
“Mr. Bourdois?”, dirá Maria. Não, minha querida Maria, eu não daria todo
esse trabalho ao seu beau; não ele, mas Dr. Jouart, o médico de Miss Potts.
Depois de refletir um pouco sobre o meu depoimento, ele me passou algumas
instruções que não geraram frutos, pelo contrário, eu piorei. Mr. d’Arblay, na
época, não aceitaria nenhuma recusa aos conselhos de Mr. Dubois, que já
havia me atendido e curado um abcesso do qual Maria, minha querida Esther,
poderá lhe contar toda a história. Mr. Dubois, o cirurgião mais célebre da
França, nomeado accoucheur80 da Imperatriz, que já esteve hospedado no
Tuileries e em constante atendimento, mas quem, porém, não era capaz de
abrandar o ardor de Mr. d’Arblay para obter o primeiro diagnóstico.
Felizmente, Mr. Dubois manteve uma consideração parcial desde o momento
de sua assistência anterior, e quando consultado através de uma terceira
pessoa, teve o primeiro momento de liberdade concedido por um passeio
levado pela Imperatriz, para chegar até mim. Foi então que comecei a
perceber meu verdadeiro perigo; Mr. Dubois me entregou uma receita para
seguir durante um mês, período no qual ele não poderia se comprometer a me
ver novamente. Ele não disse nada, além de que eu deveria ficar tranquila e
evitar qualquer preocupação que pudesse dar espaço a uma terrível
inquietação. Meu alarme aumentou quando notei a demora de Mr. d’Arblay
para vir me ver após sua partida. Eles haviam permanecido algum tempo
juntos na biblioteca e Mr. d’Arblay simplesmente não vinha me ver, até que,
incapaz de suportar o suspense, eu lhe implorei que viesse. Ele também
tentou me tranquilizar, mas apenas com palavras; sua aparência era
assustadora! Suas feições, todo o seu rosto exibia a mais amarga aflição. Não
tive, portanto, muita dificuldade para dizer a mim mesma o que ele se
esforçava para não dizer: uma pequena cirurgia seria necessária para evitar
consequências piores.
Ah, minha querida Esther, para isso eu não tinha coragem; meu pavor e
repugnância por mil razões, além da dor, quase me fez chorar e, por algum
tempo, fiquei mais confusa e surpresa do que assustada. No entanto, difícil
foi o efeito da visita: as dores tornaram-se mais rápidas, mais violentas, e a
rigidez do ponto afetado aumentou. Em vão eu assumi minha proscrição e
cada sintoma se tornou mais sério. Nessa altura, Madame de Narbonne
conversou com Mr. d’Arblay sobre um cirurgião de grande eminência, Mr.
Larrey, que havia curado uma senhora polonesa de uma doença semelhante, e
como meu horror a uma cirurgia era insuperável, Madame de Narbonne
recomendou fortemente que eu recorresse a ele. Eu alegremente me apeguei a
qualquer esperança e um outro conhecido de Mr. d’Arblay, no mesmo
instante, recomendou o médico Mr. Barbier Neuville, que possuía uma
influência irresistível sobre este Mr. Larrey, a quem escreveu a mais séria
injunção de que usaria todos os esforços para me resgatar do que eu mais
temia.
Mr. Larrey veio me ver, embora de má vontade e cheio de escrúpulos em
relação a Mr. Dubois, e nem ele me prestaria seus serviços até que eu mesma
lhe escrevesse declarando meu receio pelo atraso na assistência, ocasionado
pelo alto cargo junto à realeza e pelo confinamento de Mr. Dubois, e
solicitando que meu caso pudesse ser entregue a Mr. Larrey. Como era de se
esperar, uma resposta chegou e eu estava...
(de cabeça para baixo no topo da página)
Inquirir significa escrever para mim, minha Esther e todos os meus
queridos, por compaixão.
Acredito que desmaiei duas vezes, pelo menos tenho dois lapsos de tempo
em minha memória que me impedem de juntar os pontos sobre tudo o que se
passou. Quando estava terminado, eles me levantaram para que eu fosse
colocada na minha cama; minha força estava tão completamente aniquilada,
que precisei ser carregada; eu não podia sequer sustentar minhas mãos e
braços, que pendiam do meu corpo como se eu estivesse sem vida, enquanto
meu rosto, segundo a enfermeira, estava completamente sem cor. A remoção
me fez abrir os olhos, e então eu vi meu bom Dr. Larrey, pálido, quase como
eu, seu rosto estava manchado de sangue e sua expressão retratava tristeza,
apreensão e quase horror. Uma vez na cama, meu pobre Mr. d’Arblay, que
deveria ter escrito sua própria história nesta manhã, foi chamado, e depois
dele, Alex.
FIM DA CARTA
APOIADORES DO PROJETO CECILIA
Adélia Lemon
Adrialva de Farias Simões
Adriana A Montanholi
Adriana Aparecida dos Santos
Adriana Barbosa Fraga
Adriana Bombonato de Carvalho Lauksas
Adriana Campos
Adriana Celia Mattos Teixeira
Adriana de Godoy
Adriana do Nascimento
Adriana Ferreira de Figueredo
Adriana Maria
Adriana Teodoro da Cruz Silva
Adryene Marques Lemos de Oliveira
Ágabo Araújo
Agatha Elena Zago
Agatha Krauss
Aisha Morhy de Mendonça
Alaine
Alana Diniz
Alana Hoffmann
Alayana Flávia de Araújo Guimarães
Alessandra Aparecida Rozzino
Alessandra Fonte de Azevedo
Alessandra Paula de Almeida Nunes
Alessandra Valles D'Almeida Passador
Alessandro Lima
Alex André (Xandy Xandy)
Alexandra do Nascimento Ferreira
Alexandra Stedile
Alexandre Targino Gomes Falcão
Alice Antunes Fonseca
Alice Maria Marinho Rodrigues Lima
Aline Abe
Aline Lúcia
Aline Mendonça
Aline Rodrigues Fernandes de Oliveira
Aline Viviane Silva
Aline Zanella
Amanda
Amanda Campos Piva
Amanda Lorena
Amanda Matoso
Amanda Pampaloni Pizzi
Amanda Pereira Costa
Amanda Regina Fernandes
Amanda Rodrigues de Faria
Amanda Soares Teixeira
Amanda Vieira e Silva
Ana Beatriz Rausse
Ana Cândida Duarte de Souza
Ana Carolina Celick
Ana Carolina Macedo Tinós
Ana Carolina Rodrigues Vasconcellos
Ana Carolina Silva Chuery
Ana Carolina Wagner
Ana Caroline de Araujo Oliveira
Ana Claudia de Campos Godi
Ana Claudia Sato
Ana Coeli Ribeiro Bezerra
Ana Cristina de Moraes Dutra
Ana Elisa de Camargo Arndt Toledo
Ana Elsa Sobreira da Silva
Ana Julia Candea
Ana Julia Marinho
Ana Louise Ferreira de Araújo
Ana Lúcia de Mesquita Sampaio
Ana Lucia Oliveira de Lima
Ana Lucia Sakamoto
Ana Meira
Ana Priscília - Lia Cordeiro
André de Albuquerque Brito
André de Souza Ferreira
Andre Eder Lopes
Andre Soares dos Santos
Andreia Lucia Nunes
Andresa Façanha Oliveira
Andressa Vasconcelos Barroso Prado
Andrielli Cristina Novais
Andriw Burkert
Anelize Kanda
Angélica Dariva
Angelica Patrícia Lohn
Angély de Paula Miller
Anielly Sampaio Clarindo
Anna Carolina Almeida
Anna Luísa Barbosa Dias de Carvalho
Anna Samyra Oliveira Paiva
Antonia Érika Dias
Antonia Isadora de Araújo Rodrigues
Antonia Mendes
Antonia Natália Costa de Sales
Antonietta Martins Maia Neta
Antonio Venancio
Arian Leite
Ariane Casanova Dorneles
Ariane Szeliga Popovicz
Athos Vinícius de Castro Mello
Aurelina da Silva Miranda
Bárbara Burgardt Casaletti
Bárbara Góes
Barbara Molinari
Bárbara Santana Marques de Oliveira
Barbara Zaghi
Bartira Braga de Aquino
Beatriz Bernardo
Beatriz Gabrielli-Weber
Beatriz Leonor de Mello
Beatriz Lohane
Beatriz Magalhães Lima
Benedito Paulo
Brenda Nataly
Bruna Santos Silva
Camila Batista Silva
Camila Carvalho
Camila Nakano de Toledo
Camila Oliveira
Camila Peres rodrigues
Camila Piuco Preve Camila
Camila Vieira da Silva
Camilla de Souza Pedrosa
Carla Buffolo
Carla Suelen Carneiro Soares
Carlos Andre Jobim Figueiredo
Carlos Magno Reisen
Carolina Barreto
Carolina Gabriel Finco
Carolina Rodrigues
Caroline Bezerra Cavalcante
Caroline Cristina Peccini Cecin
Caroline Pazini Cavalcante
Caroline Pereira
Caroline Pinto Duarte
Catharino Pereira dos Santos
Catia Vilela
Cecília Checon Costa
Cecília Eloy
Cecília Rauscher
Cecília Santos Costa
Cesar Lopes Aguiar
Charles Batista
Chirlei Wandekoken
Christian Assunção
Christiane Mattoni
Cilaine Nunes Silva
Cinthia Torres Aranha
Cíntia Cristina Rodrigues Ferreira
Cintia Daflon
Cíntia Garbin
Cintia Minori Takeda
Cintia Suelotto Castro
Clara Daniela Silva de Freitas
Clarice das Merces Guimaraes
Clarinda Gomes da Silva
Clarissa Alves Bastos
Clarissa Maia Batista
Claudia Careli
Claudia Cruz Fialho Santos
Claudia Lima
Cláudia Maria Begiato
Claudia Sue Hirano Ogata
Cris Rodrigues Amarante
Crístian S. Paiva
Cristiane Ferreira da Silva
Cristiane Leite Cunha
Cristiane Pereira
Cristina Marques de Sousa
Daiane Schmechel
Daiany Martins Viana
Damaris Lobo
Dandara Palmeira Machado
Daniel Coutinho Moreira Felix
Daniel Kiss
Daniela Aparecida da Silva
Daniela Godinho
Daniela Nascimento da Silva
Daniela Oliveira Carvalho
Daniela Vila Pinhalves
Daniela Winter Woelbert Teixeira
Daniele Barros de Carvalho
Daniele Franco dos Santos Teixeira
Daniele Napoli
Daniele Werner
Daniella Lopes
Daniella Mancino Caixeta
Danielle da Cunha Sebba
Danielle Gomes dos Santos
Danielle Maria Souza Melo
Danielle Marques
Danielle Nunes
Danielle Pinto Coelho
Danielle Rabello Dias
Danuza Goncalves Jammal
Dari Diniz
Darlene Ramos Barboza
Dayane Montalvão
Dayane Suelen de Lima Neves
Debora Carneiro de Lima
Débora Darú Apocalypse Santos
Debora Ribeiro
Débora Schiessl de Oliveira
Débora Souza Silva
Déborah Delmiro
Déborah Machado
Deivisson dos Santos Costa
Denise Corrêa
Denise Marinho Cardoso
Diana Machado
Diogo Gomes
Douglas Quirino de Oliveira Mota
Duane Santos
Dyuliane Oliveira
Ediclece Sena Vilasboas
Edilane Heringer Coelho do Nascimento
Edinei Chagas
Edise Araujo
Edith Cristina da Nóbrega
Eduarda Lemos
Eduardo de Oliveira Prestes
Eduardo Fernandes
Eduardo Maciel Ribeiro
Elaine D'Marques
Elaine Kaori Samejima
Elba Regina Zarattini Perides
Elen Biguelini
Elen Faustino Garcias
Eliana Maria de Oliveira
Eliane Barros de Carvalho
Eliane da Silva Moraes
Eliane Oliveira de Sousa
Elis Finco
Elizabete dos Santos Ribeiro Cardoso
Emanoele Abreu
Emilia de Cerqueira Lima
Emilia Reis
Emille Dias
Emily Jhoyce Coimbra da Silva
Emmanuele Rodrigues Antonio
Érica Alessandra da Silva Woidella
Érica de Assis
Erica do Espirito Santo Hermel
Erisvania Maria da Silva Matias
Ester Garcia Ferreira da Silva
Euricelia Oliveira
Evandro Massaroti Munhoz
Evans Hutcherson
Eve Valadares
Evelise Horn
Evelyn Orona claussen
Everton Fernandes Tavares
Fabiana Aparecida Pereira
Fabiana Carvalho Bispo
Fabiana Nunes Caetano
Fabio Batista
Fabiola Hessel Bandeira
Fabrina Geremias da Rosa
Fatima Beatriz Gonçalves Monteiro Volpi
Fátima Regina Pereira da Silva
Fátima Saraiva
Felipe Augusto Cruz Lima
Felipe Bergamasco Perri Cefali
Fernanda Bononomi
Fernanda Dalmonechi Thompson de Paula
Fernanda de Oliveira da Silva
Fernanda Fernandes de Lima Melo
Fernanda Ghiggi
Fernanda Lopes Fagundes
Fernanda M. C. Hahne
Fernanda Marcelino Guimarães
Fernanda Mayara Bezerra de Araújo
Fernanda Queiroz Gonçalves
Fernanda Sousa
Fernando da Silveira Couto
Fernando Paulo
Flávia Cavalheire
Flávia Cavalieri
Flavia Martins Patricio
Francine Luz da Luz
Francisca Ívna Jesus Macêdo
Francisco Ferreira dos Santos
Francisco Junio Ferreira
Frank Gonzalez Del Rio
Freire Freire Freire
Gabriel Elias de Macedo
Gabriel Tavares Florentino
Gabriela Andrade
Gabriela Giacumuzzi
Gabriela Lopes Pestana
Gabriela Neres de Oliveira e Silva
Gabriela Xavier da Silva
Gabriele Góes
Gabriella Zane
Gabrielle Ferreira Benning
Gabrielle Maria Barbeta Volpatto
Gaby Cunha
Geórgia Vuotto
Geovana Alves da Luz
Geovana Ferreira do Nascimento
Gilmara Pereira dos Santos
Giovana Ap. Vicenzo Fragoso
Giovana Lopes de Paula
Giovanna Rodrigues Silva de Paula
Giovanni Alessandro de Freitas Vaz
Gisela Menicucci Bortoloso
Giselda da Silva Mendonça
Giselle de Oliveira Araújo
Gislaine Labêta
Glaucia Alves
Gloria Maria Pereira de Souza
Gofredo Bonadies
Graziela Fraga
Graziela Lepera
Graziela Nascimento Ferreira Gomes
Graziele Nogueira da Silva
Greiziele Godoy
Gustavo André Ramos Inúbia
Gustavo Cassiano
Gustavo Pavanetti
Haída Coelho
Haydee Victorette do Vale Queiroz
Helenise Alho Guimarães
Helga de Ávila Silva
Helil Neves
Hellen Tania
Herika Bernardino Quintanilla
Hilcia Regina Lima de Aquino
Hugo Abi-Sáber Rodrigues Pedrosa
Iedda Maria de Mesquita Braga
Igor & Roberta Ribeiro
Ileana Dafne Pereira da Silva
Ilma Barbosa de Carvalho
Inêz Camilla Saraiva Santos
Ingrid da Silva Ronconi
Ingrid Manhães
Iolanda Maria Bins Perin
Iomara V.
Irene Bogado Diniz
Isabel Portella
Isabela Felipe Ribeiro
Isabelle Miranda da Silva
Isadora Corrocher Santos
Isadora Emi Iwahashi
Isadora Maria Milanez Sousa
Isis Santiago
Isley Moreira Barreto
Ivânia
Ivi Paula Baldoino
Ivina R. M. C. Maiolo
Izabel Priviatelli
Izabela Miranda
Jacinta Maria Nogueira Camilo
Jackieclou
Jamila Ieda Machado Ambrósio
Janaína Edwiges Miranda
Janaina Sousa Battisti
Janaina Tanci dos Santos
Jane Rodrigues Pereira Andrade
Janete Barcelos
Jaqueline Pantoja do Nascimento
Jaqueline Vinhosa
Jenifer Costa
Jenifer Taila Borchardt
Jennifer Freitas
Jennifer Mayara de Paiva Goberski
Jenniffer Andrea Guerrero
Jéssica Burgos
Jéssica Cristina Panuto
Jessica Larissa
Jessica Torres Dias
João Lages Neto
Joao Paulo Pacheco
Jocelina Lickfedt
Joelma Dias de Souza
José Ailton de Souza Santos
Joselle Biosa Ferreira
Josenilson do Nascimento
Josiane Castro
Júlia Flávia Batista Sodré
Júlia Moreira Ramos de Souza
Juliana Andressa Morais da Silva
Juliana Angélika Cavalcanti Melo
Juliana de Jesus Silva Silva
Juliana Mayer
Juliana Nasi
Juliana Peres
Juliana Salmont Fossa
Juliana Silveira Leonardo de Souza
Julie Rosa Ferreira Matinha Santana
June Alves de Arruda
Jussara Freitas Nascimento
Kamile Nichele Serafim
Karina Correia de Lima
Karina Gomes Barbosa
Karina Natalino
Karine Barbosa Araújo
Karine Lopes
Karly Cazonato Fernandes
Karoline Rodrigues
Karollina Lopes de Siqueira Soares
Kathrine Tonial
Katia BoacninBeato
Katia Cristina Sinhorini Lima
Katielle Borba
Kecia Rayane Chaves Santos
Keila Nogueira Gomes
Keila Rodrigues
Keilany da Silva Sousa
Keite Aparecida Duarte
Kel Sampaio
Kely Cristina Magalhães Cordeiro
Ketilin Alves
Laianne Fonseca
Laís Felix Cirino dos Santos
Lais Fiuza Tesch Altoe
Lais Rangel
Lana Raquel Morais Rego lima
Lanah Rebeca Medeiros Silva
Lara de Sousa Cardoso Campelo
Lara Marinho
Larissa Alves de Pinho
Larissa Aparecida
Larissa Cunha
Laudercy A. S. Almeida
Laura Costa Porto
Laurenice Valentim Nunes Caprini
Leandro Rodrigues Brasil
Leandro Soares da Silva
Leiase Jella
Leila Maciel da Silva
Leila Maria Torres de Menezes Flesch
Leilaine Kendra Peres Araújo de Paiva
Leonardo Romano Martins Bastos
Letícia Antiquera Lopes
Letícia Bittes Reino
Letícia Bueno Cardoso
Letícia da Costa
Letícia I. Gonçalves
Letícia Oliveira Saraiva
Letícia Prata Juliano Dimatteu Telles
Letícia Quintela de Medeiros Oliveira
Leticia Silva
Li Matsuda
Lia Nojosa Sena
Liandra Schug
Lidiane Lima Melo
Lígia Francisca Andrade Araújo Pereira
Lígia Medeiros
Lígia Rocha
Lismery Canziani Sanchez
Lívia André de Souza Oliveira
Lívia Maria da Gama Carvalho Pamplona
Livia Rodrigues Garcia
Liz Ribeiro Diaz
Liz Torres Pedreira
Lorena Andreolli Schiavon
Lorena Buffolo
Louise Annunciação
Loyse Ferreira
Luana Andrade
Luana Campos Ferreira
Luana Lins
Luana Muzy
Luana Passos
Luana Santana
Luana Senhor
Luanna Nascimento Gomes de Figueiredo
Lucia Helena Cardoso
Luciana
Luciana Barreto de Almeida
Luciana Carla M. Mouta
Luciana Harada
Luciana José ribeiro
Luciana Sandes Damasceno
Luciana Vieira da Silva
Luciane Beatriz Dumann
Luciane C. Peixe Gonçalves
Lucimara Diniz Gomes de Almeida
Lucirlei Domene Andreotti
Ludmilla Bersácula
Luís Gustavo Laranjeiro Alves
Luísa Claudia Faria dos Santos
Luiz Fernando Cardoso
Luiz Guilherme Puga
Luíza Dias
Luiza Morais
Luiza Pimentel de Freitas
Luiza Rosiete Gondin Cavalcante
Luiza S. H.
Lya Naufal
Lygia Beatriz Zagordi Ambrosio
M. B. Menezes
Maice Molina
Manoela Lima Azevedo
Marcela Casagrande Meneghel
Marcela Santos Brigida
Marcele Queiroz
Marcelle Ribeiro Moreira
Marcia Antoniazi Michelin
Marcia Oliveira
Marcia Rizatto de Sousa
Marciana
Márcio Tiago Rocha
Marcos Melhado
Marcus Santini
Maria Aparecida Feital
Maria Cecilia Penteado
Maria Cristina Taveira dos Santos
Maria da Graça Muller
Maria de Fátima Santos Leal
Maria do Rosário Melo
Maria Eduarda Porto Réus
Maria Eduarda Ronzani Pereira Gütschow
Maria Elisa Nellis
Maria Fernanda Ribeiro da Silva Santana
Maria Helena Lima de Oliveira
Maria Jacimara de Moura Silva
Maria Julia Berriel Soares Ruiz
Maria Larissa
Maria Lígia Barbosa de Oliveira Carvalho
Maria Lucia Parcesepe
Maria Salete de Lima
Maria Stela Rodrigues de Souza
Mariana
Mariana Beatriz Nogueira M. de Sousa
Mariana Biason
Mariana Bricio
Mariana da Silva Sousa
Mariana do Canto Pereira
Mariana Gonçalves Santos
Mariana Hernandez Fioravante
Mariana Ióca
Mariane Godoy da Costa Leal Ferreira
Marielly Inácio do Nascimento
Marília Alves da Silva
Marília Poiani Teixeira
Marina Castro
Marina L. de Barros
Marina Magalhães da Silva
Maritsa Sá Freire Costa
Marlene Cardoso
Marlene Terezinha Ruza
Matheus Goulart
Maura Aparecida Cordeiro Ribeiro
Maya Gomes
Maya Maria Miranda Borges
Mayara Andrade
Mayara Nemet
Maynara Furlan Gonçalves
Merelayne Regina Fabiani
Méri Sartori
Michaela Stefany Cavalcanti
Michele Rodrigues
Michelle
Michelle Angelle Ribeiro
Michelle Chaiben Lascoski
Michelle de Andrade Passos
Michelle de Carvalho Mallmann
Mileide Teles Pereira
Milka Mantoku
Mira Mendes
Mirella Maria Pistilli
Miriam Paula dos Santos
Miriam Regina do Carmo Araujo
Mirna Auxiliadora
Mirna Lairte
Monica Lima
Monique Lameiras de Amorim
Mylena Cortez Lomônaco
Nádia Medeiros Pereira da Silva
Naiara Stefanello
Naide Maria Lopes Saraiva
Najara Nascimento dos Santos
Nara Oliveira
Natalia Correa Porto Fadel Barcellos
Natália Lopes Tavares dos Santos
Natália Stein
Natercia Pinto
Nathalia Borghi Tourino Marins
Nathália Cristina Ribeiro A. de Oliveira
Nathalia Premazzi
Nayanne Luna
Nayara Maciel Arêas
Neide Pelissoni Silva Pelissoni
Neuraci da Silva Neris
Neusa Matteo Fiberto
Nuza Batemarque
Odileyde Assis
O'hará Silva Nascimento
Olivia Mayumi Korehisa
Paloma Cezar
Paola Oliveira
Patricia Ana Tremarin
Patricia Costa
Patricia de Paula da Silva
Patrícia Kely dos Santos
Patrícia Kitamura Marini
Patricia Shimano
Patrícia Silva
Paula Lemos
Paula Marques dos S. Thompson Mello
Paulo Hudson
Paulo Lannes
Paulo Victor
Pedro Henrique Dias de Souza
Pedro Henrique Nunes Carvalho
Pedro Pacifico
Priscila Bortolotti
Priscila Cavalcante
Priscila Daniel do Nascimento
Priscila do Prado Soares
Priscila Menegon
Rafael Miritz Soares
Rafael Ronzani
Rafael Wüthrich
Rafaela da Silva Franco
Rafaela Lenhardt
Rafaella Kelly
Rafaelle Schütz Kronbauer Vieira
Raissa Pinto
Ramiro Michelon
Raonny Bryan Metzker
Raquel Andrade
Raquel Fernandes Mendes Baracuhy
Raquel Galvão Sartório
Raquel Quilião
Raquel Ribeiro da Silva
Raquel Silva do Rosario
Rayssa Albuquerque Cruz Abreu
Rayza Figueiredo
Rebeca Iervolino Fernandes Ferreroni
Rebecca Abreu Caldas Simões
Régia Daniele Freitas da Silva
Regiane Mota
Regina Andrade de Souza
Regina Kfuri
Regina Lima
Reginaldo Claudeonor Calegari
Renan Keller
Renata Alessandra Firmino Wanderley
Renata Alves de Paula
Renata Bertagnoni Miura
Renata de A. V. Capello
Renata Dias
Renata Guimarães de Araujo
Renata Prado Alves Silva
Renato Drummond Tapioca Neto
Ricardo Ataliba Couto de Resende
Ricardo Baesso
Rita de Cássia Dias Moreira de Almeida
Roberta Ouriques
Rodrigo Doerfner
Ronaldo Fernandes
Rute de Seixas Martins
Saara Erundina
Sabrina Inserra
Sabrina Lira Lima
Sâmara Moura
Sandra Fraga
Sandra Fraga Sampaio
Sandra Maria Ramos Galvão
Sandra Regina dos Santos
Sandra Regina Souza
Sanndy Victória Freitas Franklin Silva
Selma Valery Ruiz
Sheila Cristina Danucalov Barrancos
Sheila Massulo
Sheylla Adryanny
Shirley Peixe
Silvana Rosemeire Simonato dos Santos
Silvandir Silva
Silvia Cristiane de Paiva
Silvia Cristina de Castro
Silvia Helena Gonçalves Ribeiro
Silvia Maria dos Santos
Silvia Tanus
Simone Campos da Costa
Simone Ethur Cardoso
Sonia Aparecida Speglich
Sônia de Jesus Santos
Sônia Mara Bueno
Soriane Stefanes
Stefânia Sandrelli Duarte
Stephania de Azevedo
Suélen Mazzardo
Sueli Yoshiko Saito
Suellany Souza Bomfim
Suellen Melo
Susanna D'Amico Borin
T. B. Roseno
Tabita Seron
Taís Gregório
Taisa Regina Goi Fydryszeski
Tâmara Assunção
Tânia Carla da Rocha Lozano de Melo
Tania Mara Barbosa Santos
Tânia Maria Florencio
Tania Ramos
Tassia Medeiros
Tathi Souza
Tatiana Fabiana de Mendonça
Tatiana Miranda Souza
Tatiana Rocha de Souza
Tatiane Alves de Araújo
Tatiane de Maria Fernandes de Souza
Taylam Moura
Taynara Pereira de Freitas
Tayza Luz
Tereza Cristina Vargas Carneiro
Tereza Letícia
Tereza Reis
Thais Bueno Louzada
Thalita Oliveira
Thiago Massimino Suarez
Thiago Ribeiro Barbosa
Tiago Troian Trevisan
Tifani Souto Alves
Tífany Katiúscia Baesso Garcia Delgado
Tuísa Machado Sampaio
Ulisses da Silveira Job
Valdineia Conceição
Valéria Lima de Barros
Valeria Pereira Balthor
Valeria Pinto Fonseca
Valéria Quandt Rodrigues
Valquiria Gonçalves
Vandemeri Ines Flesch
vandrielly_paula@hotmail.com
Vanessa Falarz
Vanessa Martins de Moraes Abrantes Alves
Vanessa Queiroz
Vanessa Ramalho
Vanessa Raquel da Rosa
Vanessa Rodrigues Possel
Vanessa Vargas de Lima Costa
Vanusa Maria da Silva
Vera Carvalho
Vera Lúcia Trindade
Verônica Meira
Veronica Vizotto dos Santos
Vesta de Antares Faria Corradini
Victor Ramos Fernandes
Victoria Karolina dos Santos Sobreira
Virgínia de Oliveira Barbosa
Virginia Maggi
Virgínia Maria de Melo Magalhães
Virgínia Souza Montarde Flores
Vitória Martinez de Oliveira
Vitória Rugieri
Vivian Constantini Padilha
Vívian Landim
Vivian Osmari Uhlmann
Viviane Alves dos Santos
Viviane Carvalho
Viviane Tavares Nascimento
Viviane Ventura e Silva Juwer
Vivianne Franca
Walderlania Silva Santos
Walkiria Nascente Valle
Wanda Maria Mancino da Luz Caixeta
Washington Rodrigues Costa
Wilma Suely Ribeiro Reque
Yasmine Louro
Yvila Nayane
Notes
[←1]
. Professora do Departamento de Linguagem e Tecnologia do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais. Formada em Letras e Doutora em Linguística Aplicada, pela
Universidade Federal de Minas Gerais. É especialista em Jane Austen, pela Oxford University.
Traduziu livros da escritora Jane Austen para o português brasileiro. É editora da revista
LiterAusten, publicada pela Jane Austen Sociedade do Brasil. Atua na área de ensino de língua e
realiza pesquisa na área de literatura de autoria feminina de língua inglesa.
[←2]
. LE FAYE, D. Jane Austen: a family record. Cambridge: Cambridge University Press,
2004.
[←3]
. Em 1782, ela publicou Cecilia, obra escrita parcialmente em Chessington Hall e depois
de muita discussão com Crisp. Os editores, Thomas Payne e Thomas Cadell, pagaram a
Frances £ 250 por seu romance, imprimiram duas mil cópias da primeira edição e o
reimprimiram pelo menos duas vezes em um ano. (N.E.)
[←4]
. O Primeiro Diário de Frances Burney contém uma seleção de sua correspondência e
também dos diários das suas irmãs Susan e Charlotte Burney. Editado por Annie Raine
Elli. 1889. Vol. II. P. 307. (N.T.)
[←5]
. Espécie de universidade, desde o século XIV, comumente conhecida simplesmente
como Templo Médio. No século XVIII, espécie de internato (guildas de direito) de
bases da profissão jurídica inglesa, que com o tempo se tornaram as estalagens do
tribunal. A filiação era tradicionalmente limitada aos filhos da pequena nobreza ou de
classes sociais mais altas. (N.E.)
[←6]
. Passagem de Hamlet, W. Shakespeare. (N.T.)
[←7]
. Almack’s era o nome de vários estabelecimentos e clubes sociais em Londres entre os
séculos XVIII e XX, exclusivo e comandado por mulheres. O estabelecimento mais
famoso do Almack ficava em salas de reunião na King Street, St James’s, reduto da
aristocracia, frequentado por um público misto de classe alta, na agitada temporada
social, que coincidia com a sessão do parlamento. Começava algum tempo depois do
Natal e durava até o meio do verão, mais ou menos no final de junho. (N.E.)
[←8]
. O clube social lodrino Brooks’s, junto com o Boodles’s, fazia parte do Almack’s. (N.E.)
[←9]
. Do francês le bon ton, significa etiqueta, boas maneiras, apelido da alta sociedade
inglesa durante a era georgiana. (N.T.)
[←10]
. Carruagem vis-a-vis, do francês face-a-face, é a denominação de um tipo de
disposição dos assentos de um veículo, no qual os ocupantes se sentam uns de frente
para os outros. (N.E.)
[←11]
. Macaronis eram jovens da elite inglesa do final do séc. XVIII, que, após um “tour”
pela Europa, voltavam vestindo roupas excêntricas. Eram vistos pela aristocracia
inglesa como um símbolo de excesso, modos afeminados e até de homossexualidade.
(N.T.)
[←12]
. Lion é uma referência ao teatro mais antigo de Londres, construído em meados do séc.
XVI, conhecido como Red Lion. (N.T.)
[←13]
. Domino é o nome dado à túnica com capuz e mangas, para disfarce de mascarados.
Circassianos formam um grupo étnico originário da região norte do Cáucaso,
historicamente designada como Circássia. (N.T.)
[←14]
. Hotspur era o apelido de Sir Henry Percy, um nobre inglês que lutou contra a Escócia
no séc. XIV. Ele ganhou o apelido dos escoceses como um tributo à sua rapidez e ao
fato de ficar vermelho durante os ataques, parecendo um galo de briga. (N.T.)
[←15]
. Shylock é um personagem fictício da peça O Mercador de Veneza, de William
Shakespeare. Mentor é personagem da Odisseia, um dos principais poemas épicos da
Grécia Antiga, atribuído a Homero. (N.T.)
[←16]
. Cérbero, do grego “demônio do poço”, na mitologia grega era um monstruoso cão de
três cabeças que guardava a entrada do mundo inferior, o reino subterrâneo dos
mortos. (N.T.)
[←17]
. Livre tradução do francês: “Senhor, tenho a honra de representar Cícero, o grande
Cícero, pai de sua pátria! Mas, embora eu tenha essa honra, não sou pedante! Meu Deus,
Senhor, só falo francês em boa companhia!” (N.T.)
[←18]
. Fop’s alley, ou viela do janota, em português, era uma passagem elegante no centro do
fosso de um teatro ou ópera no séc. XVIII. (N.T.)
[←19]
. Livro I, cap. 2. (N.E.)
[←20]
. Trecho de Elfrida, poema lírico de William Mason. (N.T.)
[←21]
. The Lady Grace Mysteries é uma série de histórias de detetive sobre as escapadas de
lady Grace Cavendish, uma dama de honra de Elizabeth I. (N.T.)
[←22]
. Liliputiano: origem na ilha imaginária de Lilipute, em As Viagens de Gulliver. Significa
pequeno, medíocre. (N.T.)
[←23]
. Cotillion ou cotilão é uma dança social originada na França do séc. XVIII, introduzida
em Londres em 1766 por mestres de dança franceses, semelhante às quadrilhas de hoje.
(N.T.)
[←24]
. Texto atribuído ao poeta Christopher Smart. (N.T.)
[←25]
. Livre tradução do francês: abatido. (N.E.)
[←26]
. Livre tradução do francês: sobrecarregado. (N.E.)
[←27]
. Livre tradução do francês: desgostoso. (N.E.)
[←28]
. Livre tradução do francês: horror e interminável. (N.E.)
[←29]
. Livre tradução do francês: por toda a parte. (N.E.)
[←30]
. Livre tradução da expressão francesa que pode significar: “estar à beira do abismo,
precipício etc.” (N.E.)
[←31]
. Livre tradução do francês: atordoado. (N.E.)
[←32]
. Livre tradução do francês: sobrecarregado. (N.E.)
[←33]
. Livre tradução do francês: em desespero. (N.E.)
[←34]
. Livre tradução do francês: obcecado. (N.E.)
[←35]
. Vauxhall Gardens foi um jardim de lazer, um dos principais locais para
entretenimento público em Londres, Inglaterra, a partir de meados do século XVII até
meados do século XIX. (N.E.)
[←36]
. Livre tradução do francês, que pode significar: sobrecarregado, suportar algo doloroso
etc. Já obsedé significa: obcecado. (N.E.)
[←37]
. Livre tradução do francês: Chega de gente e por toda parte. (N.E.)
[←38]
. Livre tradução do francês: infortúnio. (N.E.)
[←39]
. O Décimo Segundo Dia de Natal, também conhecido como Epifania do Senhor e Dia
de Reis, refere-se ao dia em que os Três Reis Magos chegaram trazendo presentes ao
menino Jesus. (N.T.)
[←40]
. Neste caso, embora fale em jantar, provavelmente era o horário do almoço no Brasil.
Tradicionalmente, as refeições na Inglaterra de 1700 eram denominadas de desjejum
entre as 7 e a hora do nosso almoço. O jantar (refeição principal) era servido entre
meio-dia e 13h30, e chá a qualquer hora entre 17h30 e 18h30. A refeição da noite,
muitas vezes pomposa e com vários pratos, dependendo da classe social, era uma ceia.
(N.E.)
[←41]
. Romeu e Julieta. (N.T.)
[←42]
. Pap boat é um pequeno recipiente para alimentar bebês ou inválidos. Recebe este
nome porque tem o formato de um navio. (N.T.)
[←43]
. Palavra francesa que pode significar: ânsia, ato de correr para alguém ou rapidez
inspirada pelo zelo. (N.E.)
[←44]
. Livre tradução do francês: obcecado por toda parte. (N.E.)
[←45]
. Livre tradução do francês: aniquilado. (N.E.)
[←46]
. Livre tradução do francês: com nojo. (N.E.)
[←47]
. Livre tradução do francês: perfeitamente e opressor. (N.E.)
[←48]
. Livre tradução do francês: entediado. (N.E.)
[←49]
. Livre tradução do francês: absolutamente. (N.E.)
[←50]
. Livre tradução do francês: dor e remorso. (N.E.)
[←51]
. Primeira força policial profissional de Londres. A força foi fundada em 1749 pelo
escritor Henry Fielding, com, de início, somente seis homens. Os oficiais foram
apelidados pela população por Bow Street runners. O grupo acabou somente em 1839.
(N.E.)
[←52]
. Vida dos Poetas Ingleses, Life of Cowley (Dr. Johnson), 1765. (N.T.)
[←53]
. Expressão inglesa que significa “jovem afetado”. (N.E.)
[←54]
. Expressão francesa para uma demonstração alegre de sagacidade e inteligência,
especialmente em uma obra de literatura. (N.E.)
[←55]
. Rua próxima ao empobrecido distrito de Moorfields, em Londres, famosa por sua
concentração de escritores empobrecidos, aspirantes a poetas e editores, e livreiros de
baixa renda, que existia às margens da cena jornalística e literária de Londres. O nome
da rua não existe mais, mas Grub Street se tornou um termo pejorativo para redatores
empobrecidos e escritos de baixo valor literário. (N.E.)
[←56]
. Grande Mogul era um diamante de grandes proporções, lapidado em homenagem a
um imperador mongol. (N.T.)
[←57]
. A Lei dos Pobres prestava assistência social aos indivíduos que pudessem provar que
não possuíam condições de sustento e nem parentes ou amigos a quem pudessem
recorrer. O valor não vinha diretamente do Estado, mas da “taxa dos pobres”, paga pelos
contribuintes cujas posses ultrapassassem um valor determinado. (N.T.)
[←58]
. Oostende (Ostende) fica na Bélgica, na província da Flandres Ocidental. Faz fronteira
com a França, Países Baixos e outros. (N.E.)
[←59]
. Belvidera é personagem da peça Venice Preserv’d, de Thomas Otway. (N.T.)
[←60]
. Bethlem, em Londres, é considerado o mais antigo hospital psiquiátrico ainda em
funcionamento do mundo, estando em atividade desde 1247. (N.E.)
[←61]
. Doutora em Literaturas de língua inglesa (UERJ), criadora do projeto Literatura
Inglesa Brasil (https://literaturainglesa.com.br) e membro da Burney Society.
[←62]
. A abreviação EJL refere-se a The Early Journals and Letters of Fanny Burney.
[←63]
. O argumento de Doody é reforçado por Jane Spencer: “Cecilia é muito menos livre do
que parece à primeira vista. Sua escolha de residência acaba sendo uma escolha entre a
extravagância ruinosa praticada pelos Harrel, a mesquinharia sórdida do Sr. Briggs e o
orgulho frio do Sr. Delvile. Harrel trabalha com tanto sucesso com sua inexperiência e
benevolência que a rouba da fortuna de seu pai, deixando-a apenas com a renda de seu
tio que está vinculada à cláusula do nome. À medida que o tema clássico se encontra
com o enredo romântico, a escolha de vida da heroína se transforma em escolha de
marido. Quando ela se apaixona por Mortimer Delvile, sua vontade consciente é
superada pela involuntária ‘escolha de seu coração’”. (SPENCER, 2007, p. 31). Assim,
percebemos que mesmo a noção de um arco romântico funciona para aprisionar
Cecilia. E neste sentido Frances Burney foi alinhada a Mary Wollstonecraft.
[←64]
. Christopher Smart, amigo de Dr. Burney, foi internado em um manicômio.
[←65]
. Burney para Crisp, 15 Mar. 1782, Diary and Letters, ii. 145-6.
[←66]
. Vivien Jones aponta que “Apesar de sua notória modéstia feminina, Burney usou
ousadamente a publicação anônima de Evelina para identificar-se no início de sua
carreira com uma tradição masculina do romance em vez de uma tradição feminina,
com Fielding, Richardson e Smollett em vez de Lennox, Griffith e Brooke: em outras
palavras, com os escritores amplamente aceitos como padrão para a ficção
contemporânea. (JONES, 2007, p. 111-112). Para acompanhar o debate em torno das
afiliações protofeministas de Burney, leia CLARK, Lorna. The afterlife and further
reading. In: SABOR, Peter. (Ed.) The Cambridge Companion to Frances Burney.
Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 163-180.
[←67]
. Review of Evelina, Critical Review 46 (1778), 202.
[←68]
. “Se ela consegue cunhar ouro a uma taxa como esta, ao ponto de se sentar perto de
uma lareira quente, e em 3 ou 4 meses (já que o tempo real que ela passou de fato com
o texto, montando tudo, não será mais do que isso, embora tenha havido longos
intervalos neste meio tempo) ganhar £ 250 por rabiscar as invenções de seu próprio
cérebro – apenas colocando em preto e branco tudo o que vem em sua própria cabeça,
sem esforço, extraindo isoladamente de sua própria fonte, dinheiro não vai faltar a ela.”
(CRISP apud HUTTON, 1905, p. 74)
[←69]
. Kate Chisholm observa que dois bebês haviam recebido o nome do pai
anteriormente, mas morreram cedo. (CHISHOLM, 2007, p. 9).
[←70]
. Charles se casaria novamente em 1767, desta vez com Elizabeth Allen, uma viúva
abastada de King’s Lynn. Ela já tinha três filhos e o casal teria mais dois filhos juntos,
Richard e Sarah Harriet (nascida em 1772, quase vinte anos após Frances). Embora Dr.
Burney tenha tido a sensibilidade de adiar a fusão de seus arranjos domésticos com os
de Elizabeth, quando esta união de fato aconteceu, os atritos entre Elizabeth e as filhas
de Esther foram frequentes.
[←71]
. A própria mãe de Frances, Esther, era filha de um refugiado francês e foi criada na
religião católica. As conexões continentais de Frances Burney e as implicações políticas
destas em um período histórico de relações explosivas entre Inglaterra e França já
renderam debates interessantes na crítica especializada.
[←72]
. A abreviação DL refere-se a Diary and Letters of Madame d’Arblay (1778–1840).
[←73]
. Embora o sucesso de vendas fosse uma excelente notícia para os editores, Burney
pouco lucrava com isso.
[←74]
. Burney faz uso do termo “pin money”. O emprego da expressão é interessante. De
acordo com o dicionário Merriam Webster, historicamente “pin money” era “dinheiro
dado por um homem a uma mulher de sua família (como sua esposa ou filha) para seu
próprio uso”, uma espécie de mesada para ser gasta com itens triviais, como alfinetes
(pins). Se o uso de “pin money” em um contexto em que Burney estava recebendo pelo
seu trabalho parece curioso, podemos ler a expressão como uma reiteração da crítica da
romancista à ética de trabalho de seus editores e, talvez, como uma denúncia da
posição precária da mulher nesta estrutura.
[←75]
. A abreviação JL refere-se a The Journals and Letters of Fanny Burney (Madame
d’Arblay), 1791–1840.
[←76]
. Thomas Babington Macaulay, Review of Diary and Letters of Madame d’Arblay, ed. by
her Niece [Charlotte Barrett], Edinburgh Review 76 (1843), 523–70, 537.
[←77]
. Como Lorna Clark observa, a peça que teve uma apresentação, Edwy and Elgiva, foi
impressa pela primeira vez em 1957. Burney compôs quatro comédias e quatro
tragédias, que “existiram apenas em manuscrito por duzentos anos”. (CLARK, 2007, p.
177)
[←78]
. Frances Burney foi casada com o General Alexandre Jean-Batiste Piochard d’Arblay e
teve um filho chamado Alexander Charles Louis Piochard d’Arblay = Alexanders. (N.T)
[←79]
. Catherine Michelle de Maisonneuve foi uma feminista francesa e diretora de uma
revista feminina. (N.T.)
[←80]
. Accoucheur: do francês, médico obstetra, parteiro. (N.T.)
[←81]
. Livre tradução do francês: E o que é, então? (N.E.)
[←82]
. Livre tradução do francês: A senhora é tão respeitada, madame – disse ele – aqui, que
até o público ficará descontente se não tiver toda a ajuda que temos para lhe oferecer.
(N.E.)
[←83]
. Livre tradução do francês: primeiro cirurgião da Guarda Imperial. (N.E.)
[←84]
. Livre tradução do francês: Você deve esperar sofrer, não quero enganá-la. Você vai
sofrer, vai sofrer muito! (N.E.)
[←85]
. Livre tradução do francês: Ah! Se sua amiga Angelique estivesse aqui! (N.E.)
[←86]
. Livre tradução do francês: Chefe de Divisão de Escritório. (N.E.)
[←87]
. Livre tradução do francês: Deixe-os ficar! (N.E.)
[←88]
. Livre tradução do francês: Sim, é uma coisa pequena. (N.E.)
[←89]
. Livre tradução do francês: Quem vai segurar este peito para mim? (N.E.)
[←90]
. Livre tradução do francês: Quem vai segurar este peito para mim? (N.E.)
[←91]
. Livre tradução do francês: sou eu, senhor. (N.E.)
[←92]
. Livre tradução do francês: Ah, senhores! Como tenho pena de vocês! (N.E.)
[←93]
. Livre tradução do francês: Avisem-me, senhores! Me avisem! (N.E.)