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Neuroanatomia

Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dr.ª Aliny Antunes

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
Introdução ao Estudo
da Neuroanatomia

• Morfogênese do Sistema Nervoso;


• Neurulação;
• Divisão Morfofuncional do Sistema Nervoso;
• Arcabouço Ósseo;
• Neurohistologia;
• Atualidades em Neurociência.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Conhecer a origem embriológica das estruturas do sistema nervoso central e suas
­modificações anatômicas durante a embriogênese do sistema;
• Identificar e caracterizar as divisões morfofuncionais do sistema nervoso;
• Definir conceitos morfológicos e funcionais dos neurônios;
• Definir morfológica e funcionalmente as células da glia e classificá-las.
UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

Morfogênese do Sistema Nervoso


O homem deve saber que de nenhum outro lugar, mas apenas do en-
céfalo, vem a alegria, o prazer, o riso e a diversão, o pesar e o luto, o
desalento e a lamentac ã̧ o. E por meio dele, de uma maneira especial, nós
adquirimos sabedoria e conhecimento, enxergamos e ouvimos, sabemos
o que é justo e injusto, o que é bom e o que é ruim, o que e ́ doce e o
que é insípido... E pelo mesmo órgão nos tornamos loucos e delirantes,
e medos e terrores nos assombram... Todas essas coisas nós temos de
suportar quando o encéfalo não está sadio... Nesse sentido, opino que é
o encéfalo quem exerce o maior poder no homem.
Hipo ́crates, Da Doenc a̧ Sagrada. Se ́culo IV a.C.

Quando iniciamos o estudo de um sistema, é importante entendemos a sua o ­ rigem


embriológica, pois assim é possível traçarmos uma linha evolutiva entre a histologia,
morfologia e fisiologia para que, então, possamos compreender as anomalias congê-
nitas e patologias associadas a cada sistema.

A formação embrionária é altamente regulada por fatores genéticos, moleculares e


celulares. O desenvolvimento se inicia na fecundação, aproximadamente 14 dias após
o início do último período menstrual normal. O processo contínuo começa quando um
espermatozoide penetra um oócito (ovócito) e forma um zigoto (óvulo). Podemos divi-
dir o desenvolvimento pré-natal em 2 períodos: o período embrionário, que abrange
as primeiras oito semanas de desenvolvimento de um embrião, e o período fetal,
que começa na nona semana. A análise do cronograma de desenvolvimento pré-natal
humano mostra que a maioria dos avanços visíveis ocorre da terceira à oitava semana.
Estágio
embrionário
Mórula Blastocisto
de 8 células Blastocisto
Estágio 58 células
chocado Blastocisto
embrionário
implantado
de 4 células
paritalmente
Estágio Tuba
embrionário uterina
2 células

Zigoto

Núcleo espermático
Núcleo do óvulo
Ovulação
Glóbulos polares

Esperma
Endométrio
Fertilização
Ovário Útero
Óvulo
Colo
uterino

Vagina

Figura 1 – Etapas do desenvolvimento embrionário. Fases iniciais.


Eventos que ocorrem da fecundação a implantação
Fonte: Adaptado de Getty Images

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A neuroembriologia proporciona a chave para a compreensão das malformações
congênitas do sistema nervoso. A maturação do sistema nervoso progride em uma
sequência previsível no tempo exato. Mesmo as lesões breves podem ter um pro-
fundo impacto sobre o desenvolvimento posterior do sistema nervoso interferindo
nos processos essenciais para iniciar o estágio seguinte de desenvolvimento, é um
processo altamente regulado e sincronizado.

O sistema nervoso está entre as primeiras estruturas embriológicas a se desenvol-


ver e as últimas a se completar. Antes da formação do sistema nervoso, durante a
organogênese, na terceira semana de desenvolvimento, o embrião já se diferenciou
em três camadas básicas.
• Ectoderma: que origina a epiderme e o sistema nervoso;
• Mesoderma: que origina os músculos, os vasos e o tecido conectivo;
• Endoderma: que origina o trato gastrointestinal, os pulmões e o fígado.

Neurulação
A formação do sistema nervoso inicia-se em fases bem precoces da embriogênese
humana. Logo após a implantação do blastocisto, é possível observar um espessa-
mento no ectoderma embrionário, denominado placa neural, na terceira semana
embrionária aproximadamente. Essa placa neural passa a apresentar uma região
central (sulco) e duas extremidades (pregas) e desenvolve-se sob a influência de sinais
moleculares provenientes do mesoderma subjacente e da notocorda. Assim, a placa
neural invagina-se, acentuando o sulco neural e, posteriormente, fecha-se por união
das pregas, constituindo um tubo neural.

Figura 2 – Neurulação
Fonte: Adaptado de WASCHKE, 2018

A. e B. A placa neural se expande de ambos os lados da linha média na for-


ma de pregas neurais em direção dorsal, e forma o sulco neural. C. Ao início
da 3ª semana, as pregas neurais se fundem de modo similar a um “zíper” e
formam o tubo neural. D. O tubo neural permanece conectado à cavidade
amniótica por algum tempo através dos neuroporos anterior e posterior.

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

No momento desse fechamento, um grupo de células permanece sobre o tubo,


formando a crista neural. Enquanto o tubo neural origina o sistema nervoso central,
a crista neural forma os elementos do sistema nervoso periférico (gânglios e nervos),
as células de Schwann e outras estruturas não neurais (células pigmentares, odonto-
blastos, meninges e componentes musculares e esqueléticos da cabeça).

Figura 3
Fonte: Adaptado de MARTINEZ, 2014

Vista dorsal, após remoção do âmnio (A e C), e seccional (B, D, E e F) de


embrião em diferentes fases do desenvolvimento (18 dias em A e B; 22 dias
em C, D, E e F). Observa-se a invaginação da placa neural, originando o
sulco e, posteriormente, o tubo neural. Durante as fases iniciais, antes do
fechamento dos neuroporos, como o sistema vascular ainda não está forma-
do, a nutrição das células do sistema nervoso em desenvolvimento depende
do fluido amniótico que circula em seu entorno. Uma circulação sanguí-
nea rudimentar se estabelece no momento do fechamento dos neuroporos,
­tomando, então, essa função.

Ao longo da quarta semana de desenvolvimento, as células na extremidade


cefálica do tubo neural proliferam ativamente fazendo-a dilatar-se e formar as três
vesículas primárias do encéfalo:
• Vesícula do prosencéfalo (encéfalo anterior);
• Vesícula do mesencéfalo (encéfalo médio);
• Vesícula do rombencéfalo (encéfalo posterior).

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Três vesículas Cinco vesículas Derivados adultos de
primárias secundárias
Paredes Cavidades
Parede Cavidade
Telencéfalo Hemisférios Ventrículos laterais
encefálicos
Prosencéfalo
(encéfalo anterior) Tálamo Terceiro ventrículo
Diencéfalo
Mesencéfalo Aqueduto do
Mesencéfalo Mesencéfalo mesencéfalo
(encéfalo médio) Ponte Parte superior do
Metencéfalo quarto ventrículo
Rombencéfalo Cerebelo
(encéfalo posterior) Medula Parte inferior do
Mielencéfalo quarto ventrículo
Medula espinal

Figura 4 – Vesículas encefálicas primária e secundária e seus principais derivados no encéfalo adulto
Fonte: Adaptado de MOORE, 2018

A extremidade caudal do tubo neural alonga-se e permanece com diâmetro


menor; ela formará a medula espinal. À medida que o desenvolvimento continua,
as três vesículas primárias formam as cinco vesículas secundárias do encéfalo (na
quinta semana). Essas vesículas, de rostral à caudal, são as seguintes:
• O prosencéfalo, que se divide em: telencéfalo e diencéfalo;
• O mesencéfalo;
• O rombencéfalo, que se divide em: metencéfalo e mielencéfalo.

Cada vesícula secundária desenvolve-se em componentes específicos do sistema


nervoso adulto.

Figura 5
Fonte: Adaptado de MARTINEZ, 2014

Desenvolvimento do encéfalo desde o estágio de cinco vesículas (em torno


da 5ª semana) até um nível bem avançado – porém ainda incompleto – do
desenvolvimento (ao nascimento). Note como a estrutura se torna progres-
sivamente maior e mais complexa com o aparecimento de sulcos e giros a
partir do 6º mês de gestação.

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

Conexão clínica: microftalmia, ciclopia e criptoftalmia

A microftalmia congênita é um grupo heterogêneo de defeitos dos olhos. O olho


pode ser muito pequeno e estar associado a outros defeitos oculares, como uma
fenda facial e trissomia do 13, ou pode ter aparência normal. O lado da face afetado
é subdesenvolvido, e a órbita pequena. A microftalmia grave resulta de uma inter-
rupção do desenvolvimento do olho antes ou logo após a formação das vesículas
ópticas na quarta semana. O olho é basicamente subdesenvolvido, e o cristalino não
se forma. Se a interferência no desenvolvimento ocorre antes que a fissura retiniana
se feche, na sexta semana, o olho é grande, mas a microftalmia estará associada
a defeitos oculares grosseiros. Quando o desenvolvimento do olho é interrompido
na oitava semana ou durante o período fetal inicial, ocorre microftalmia simples
(olho pequeno com anomalias oculares mínimas). Alguns casos de microftalmia são
herdados. O padrão hereditário pode ser autossômico dominante ou autossômico
recessivo, ou ligado ao X. A maioria dos casos de microftalmia simples é causada
por agentes infecciosos (p. ex., vírus da rubéola, toxoplasma gondii, vírus do herpes
simples) que atravessam a membrana placentária durante os períodos embrionário
tardio ou fetal inicial.
A Ciclopia é um defeito raro. Os olhos encontram-se parcialmente ou completa-
mente fundidos, formando um único olho mediano encerrado em uma única órbi-
ta. Há, normalmente, um nariz tubular (próscide) superior ao olho. A ciclopia (olho
único na linha média) e sinoftalmia (fusão dos olhos) representam um espectro de
­defeitos oculares. Essas anomalias oculares graves estão associadas a outros d­ efeitos
craniocerebrais incompatíveis com a vida. A ciclopia parece resultar da ausência de
estruturas encefálicas da linha média (holoprosencefalia) que se desenvolve a partir
da porção cranial da placa neural. A ciclopia é uma condição hereditária transmitida
como um caráter recessivo.
A criptoftalmia é um distúrbio raro que decorre da ausência congênita de pálpe-
bras; como resultado, os olhos são recobertos por pele. O globo ocular é pequeno e
­defeituoso, e a córnea e a conjuntiva geralmente não se desenvolvem. Basicamente,
o defeito representa a ausência de uma fissura palpebral (fenda) entre pálpebras.
Há, em geral, ausência de cílios e de sobrancelhas, além de outros defeitos do olho.
Criptoftalmia é uma condição autossômica recessiva, geralmente parte da síndrome
da criptoftalmia, que inclui anomalias urogenitais.

Fonte: MOORE, 2018

Hora de praticar – Caso clínico 1


Após exames de ressonância magnética e Ecografia transfontanelar, um re-
cém-nascido de 34 semanas, peso ao nascer de 1315g, mostrou: ausência de foice
cerebral, dos lobos temporais, parietais e occipitais; lobos frontais incompletos e
comunicam-se na fossa anterior; ventrículo único, fusão dos tálamos na linha mé-
dia, ausência de septo pelúcido; cerebelo reduzido. Conclusão: Holoprocencefalia
alobar­ (MARGOTTO, 2020).

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Figura 6
Fonte: Adaptado de MARGOTTO, 2020

Faça uma discussão sobre os eventos da morfogênese do sistema nervoso que levam
a este quadro clínico.

• Rubrica: A holoprocencefalia (ocorre em 1/11000 a 1/20.000 nascidos vivos)


se deve a uma falha parcial ou completa do procencéfalo primitivo em formar
o telencéfalo (hemisférios cerebrais, ventrículos, putamen e núcleo caudado) e
o diencéfalo (tálamo, hipotálamo, 3º ventrículo e globus pallidus) entre a 4ª e a
8ª semanas de gestação. Nos casos mais extremos, podemos ter deformidades
como ciclopia e, nos casos mais brandos, hipotelorismo (a face fetal se desenvol-
ve no mesmo período do cérebro). Muitas destas crianças também apresentam
anomalias na linha média (fenda palatina, narina única). A principal causa da
holoprocencefalia é o distúrbio cromossômico, ocorrendo entre 40 a 50% dos
casos. A trissomia do 13 isoladamente ocorre em 75% dos cariótipos anormais.
Vários casos familiares sugerem uma etiologia mendeliana com transmissão
autossômica dominante (risco de recorrência de 6%). A holoprosencefalia se
subdivide basicamente nas formas alobar, semilobar e lobar:
» na forma alobar (64%), a mais severa, há um único ventrículo, os tálamos
são fundidos na linha média e há uma ausência do 3º ventrículo. Na ultrasso-
nografia na forma alobar, não se visualiza a foice do cérebro e há um único
ventrículo central e volumoso. Os tálamos são fundidos;
» na variedade semilobar (24%), os dois hemisférios são parcialmente separados
posteriormente, mas há ainda uma simples cavidade ventricular;
» na holoprocenfalia lobar (12%), a desorganização do cérebro é mais sutil. O cérebro
é dividido em dois distintos hemisférios, com a única exceção que é a ocorrência
de variável grau de fusão em nível do girus cingulado e dos cornos frontais dos
ventrículos laterais. O septo pelúcido é sempre ausente. Na ultrassonografia e
tomografia, o diagnóstico diferencial da holoprosencefalia lobar com hidrocefalia
associada com lesão secundária do septo pelúcido. Na holoprosencefalia lobar,
podemos observar o fórnice na linha média, visualizado dentro do 3º ventrículo.

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

Tanto a forma alobar como a semilobar apresentam prognóstico ruim, sendo


oferecida à gestante a opção da interrupção da gestação antes do limite de
viabilidade. Para as gestações que continuam, recomenda-se o tratamento es-
tritamente conservador. Quanto ao prognóstico da holoprosencefalia lobar, é
incerto; os indivíduos afetados podem ter vida normal, mas o retardo mental e
as sequelas neurológicas ocorrem com frequência. A displasia do aqueduto de
Sylvius presumivelmente está presente em muitos casos, levando à hidrocefalia.
O manto cortical frequentemente apresenta heterotopias e outros sinais de dis-
túrbios na migração neuronal. O corpo caloso é geralmente ausente.

O cariótipo deve ser sempre realizado nesses casos (associação comum com a
trissomia do 13 e trissomia do 18), sendo importante na formulação do risco
de recorrência em futuras gestações. Na forma semilobar, o ventrículo único
costuma ser um pouco menor em relação à forma alobar (o 3º ventrículo é
praticamente incorporado ao ventrículo único). Na forma lobar, observa-se um
desenvolvimento variável dos lobos cerebrais e os cornos frontais exibem con-
formação com base achatada. O septo pelúcido está ausente.

Divisão Morfofuncional do Sistema Nervoso


O sistema nervoso humano desempenha uma série de funções e, por isso, apre-
senta subdivisões especializadas e fortemente conectadas. Desse modo, é essencial
entender toda a anatomia do sistema nervoso para se chegar à compreensão de sua
função e das patologias a ele relacionadas.

O sistema nervoso pode ser dividido sob os critérios anatômico, embriológico


ou funcional, ou usar como base a segmentação do sistema. Se comparado aos
demais sistemas orgânicos, parece ser composto de vários dentro de um só, devido
à sua complexidade.

O critério anatômico baseia-se na disposição das estruturas macroscópicas do


sistema nervoso e sua relação com o esqueleto. Assim, com finalidade didática, a
Anatomia divide o sistema nervoso em sistema nervoso central (SNC) e sistema ner-
voso periférico (SNP). É considerada SNC a parte do sistema nervoso localizada no
interior do esqueleto axial, dessa maneira, o encéfalo e a medula espinal localizados,
respectivamente, centro da caixa craniana e do canal vertebral, compõem o siste-
ma nervoso central. O SNP, a parte fora desse esqueleto, é constituído de nervos e
de gânglios nervosos distribuídos pelo corpo humano. Apesar de partes de nervos
cranianos e raízes nervosas espinais estarem no interior do esqueleto axial, nervos,
gânglios e terminações nervosas formam o SNP, pois a grande maioria deles real-
mente fica fora desse esqueleto, distribuída por todo o corpo.

Ao analisarmos tanto a divisão embriológica quanto a morfológica (anatômica),


analogicamente o telencéfalo e o diencéfalo correspondem, anatomicamente, ao
cérebro; o metencéfalo corresponde à região de origem da ponte e do cerebelo; e o
mielencéfalo corresponde ao bulbo.

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Usando um critério funcional, o sistema nervoso é dividido em 2 partes: sistema
nervoso somático (SNS) e sistema nervoso visceral (SNV).

O SNS é constituído por todas as estruturas nervosas relacionadas com a porção


consciente do sistema nervoso, aonde chegam estímulos, por vias aferentes, que po-
dem desencadear respostas voluntárias por vias eferentes, integrando o organismo
com meio externo. O SNV é constituído pelas partes do sistema nervoso relaciona-
das com a porção inconsciente, recebendo também estímulos por vias aferentes, po-
rém, com informações inconscientes que desencadeiam respostas involuntárias por
vias eferentes. Sendo assim, essa parte do sistema nervoso é denominada sistema
nervoso da vida vegetativa, pois mantém o organismo vivo.

Importante!
A região eferente do SNV corresponde ao sistema nervoso autônomo, que controla o
funcionamento das vísceras do organismo por meio de sistemas antagonistas chamados
sistema simpático e sistema parassimpático. Esse assunto é discutido em disciplinas que
abordam a função do sistema nervoso (neurofisiologia).

Sistema Nervoso Central


O sistema nervoso central é contido dentro de um arcabouço ósseo e é revestido
por membranas de tecido conjuntivo denominadas de meninges. Estruturalmente, é
dividido em medula espinal, no canal vertebral, e encéfalo, situado na caixa craniana.
O encéfalo é ainda subdividido em tronco encefálico, que compreende o bulbo, a pon-
te e o mesencéfalo; cerebelo e cérebro, que compreende o diencéfalo e o telencéfalo.

Figura 7 – Organização anatômica do sistema nervoso central


Fonte: Adaptado de COSENZA, 2012

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

A medula espinal é a região mais simples do SNC. Tem forma cilíndrica e ocupa
o canal vertebral com, aproximadamente, 45 centímetros de comprimento. O limite
­entre a medula espinal e o bulbo do tronco encefálico ocorre no nível do forame
­magno, forame magn, enquanto seu limite inferior situa-se no nível da segunda vér-
tebra lombar (L2). Na medula espinal, penetram axônios que carreiam informações
da periferia e do meio interno (vísceras) e dela partem axônios que se dirigem aos
­músculos e glândulas. Desse modo, eles são um ponto de junção entre o SNC e o SNP.

Importante!
O estudo da anatomia descritiva segue planos de delimitação e secção. Em neuroana-
tomia, os planos clássicos de secção são: coronal (divide anterior e posterior); horizontal
(divide superior de inferior); sagital (divide lateral esquerdo e lateral direito).

Figura 8 – Planos de secção no estudo da neuroanatomia


Fonte: KREBS et al., 2015

Sistema Nervoso Periférico


O sistema nervoso periférico (SNP) é a parte do sistema nervoso que, em uma
classificação que observe um critério anatômico, situa-se além das meninges, sen-
do constituído por nervos, gânglios e terminações nervosas. Por definição, nervo
é formado pela união de vários axônios; enquanto o gânglio é um aglomerado de
corpos de neurônios fora do sistema nervoso central; e terminações nervosas são
estruturas especializadas na captação de estímulos. Assim, o sistema nervoso peri-
férico está presente em todos os tecidos corporais e, usualmente, conecta-se ao sis-
tema nervoso central por meio dos nervos cranianos e espinais. Os nervos espinais
são organizados­em 31 pares (oito cervicais, doze torácicos, cinco lombares, cinco

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sacrais, um coccígeo), contendo uma mistura de fibras sensitivas (aferentes) e moto-
ras (eferentes). Eles se originam ao longo da medula espinal como séries contínuas de
raízes nervosas, posteriores e anteriores, que se unem formando os nervos espinais.

Figura 9
Fonte: Adaptado de MARTINEZ, 2014

Os componentes do sistema nervoso central são o encéfalo e a medula


espinal, encontrados dentro de caixas ósseas (crânio e coluna vertebral, res-
pectivamente). Enquanto isso, o sistema nervoso periférico é composto por
nervos cranianos (distribuídos pela região da cabeça e do pescoço) e espi-
nais (distribuídos ao longo do corpo) e por gânglios cranianos e espinais.

Arcabouço Ósseo
Como citado anteriormente, o sistema nervoso central está contido dentro de
um arcabouço ósseo formado pelos ossos do crânio e da coluna vertebral.

O crânio, com exceção dos três ossículos da audição e da mandíbula, consiste em


22 ossos individuais conectados uns aos outros por meio de suturas. A mandíbula
articula-se com o restante do crânio por meio do par de articulações temporomandi-
bulares, e pode assim se movimentar em relação à parte superior do crânio.

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

Sob os pontos de vista embriológico e funcional,


o crânio é dividido em duas partes:
• Neurocrânio: osso temporal, par; martelo, bi-
gorna e estribo = ossículos da audição; osso
parietal, par; partes do osso frontal, ímpar;
osso esfenoide, ímpar; osso etmoide, ímpar;
osso occipital, ímpar;
• Viscerocrânio ou esplancnocrânio: partes
orbitais do osso frontal, ímpar; osso zigomá-
tico, par; osso maxila, par; osso lacrimal, par;
osso nasal, par; osso palatino, par; osso vô- Figura 10 – Arcabouço ósseo
mer, ímpar; concha nasal inferior, par; mandí- do sistema nervoso central
bula, ímpar. Fonte: Getty Images

O crânio atua na absorção de impactos e na proteção do encéfalo, contendo


também partes da orelha externa, a orelha média e a orelha interna­. O viscerocrânio
forma a base estrutural da face relacionando-se com os órgãos do sentido (visão,
olfato e paladar).

Figura 11 – Ossos do crânio


Fonte: Adaptado de WASCHKE, 2018

Visão anterior. A parte anterior dos ossos frontal, nasal, zigomático, maxila
e mandíbula corresponde aos principais componentes para a formação do
relevo facial. A maxila, o frontal, o zigomático, o esfenoide, o lacrimal e uma

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pequena parte do palatino formam a órbita. O forame supraorbital (frontal),
o forame infraorbital (maxila) e o forame mentual (mandíbula) representam
os locais de passagem para as partes sensitivas do nervo trigêmeo [V] e são
utilizadas no exame físico de um paciente como pontos de pressão do tri-
gêmeo. A margem inferior da maxila é formada pelo processo alveolar, no
qual estão posicionados os dentes maxilares. A mandíbula é constituída por
um corpo e por dois ramos, que se continuam nos ângulos da mandíbula.
Além disso, a mandíbula tem uma parte alveolar, na qual os dentes estão
ancorados. Abaixo dessa parte se situa a base da mandíbula que se projeta,
na linha média, para formar a protuberância mentual.

Figura 12 – Ossos do crânio – Vista lateral esquerda


Fonte: Adaptado de WASCHKE, 2018

A parte principal do relevo lateral do crânio é formada pelos dois ossos


parietais e os dois ossos temporais (principalmente a parte escamosa),
pertencentes ao neurocrânio. O osso zigomático se limita com o arco
zigomático do osso temporal e é responsável pelo contorno da bochecha.
No limite anterior, em direção ao processo mastoide, está o poro acústico
externo, que faz parte da orelha externa. No interior da articulação tempo-
romandibular, a cabeça da mandíbula se articula com a fossa mandibular
do osso temporal.

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

Figura 13 – Ossos do crânio. Lado direito – Vista medial


Fonte: Adaptado de WASCHKE, 2018

Neste corte sagital mediano do crânio, são observadas as partes ósseas


do esqueleto nasal (lâmina perpendicular­do osso etmoide, vômer e osso
­nasal) e partes do palato duro (maxila e lâmina horizontal do osso palatino).
Além disso, nesta secção, podem ser observadas as partes pneumatizadas
do osso frontal (seio frontal) e do osso esfenoide (seio esfenoidal). As impres-
sões dos vasos meníngeos (sulcos arteriais), que seguem entre a dura-máter
e a calvária, são proeminentes.

Importante!
Fontículos (Fontanelas)
Ao nascimento e por algum tempo depois, os ossos do neurocrânio são mantidos unidos por
meio de tecido conectivo mesenquimal, na região das suturas – tal mesênquima se torna ossi-
ficado ao longo da vida. Podem ser distinguidos dois fontículos principais ímpares e dois pares
de fontículos menores, que permitem leve deformabilidade do crânio durante o parto.

Tabela 1
Fontículo Fechamento Posição
Fontículo anterior 24ª-36ª meses Entre os dois ossos frontais e os dois ossos parie-
tais, na interface entre as suturas coronal e sagital
Fontículo posterior 2ª-3ª meses Entre os dois ossos parietais e o osso occipital, na
interface entre as suturas sagital e lambdoidea
Fontículo anterolateral 5ª-7ª meses Lateralmente, entre os ossos frontal e parietal, e a
asa maior do esfenoide
Fontículo posterior 17ª-20ª meses Lateralmente, entre os ossos parietal, temporal
occipital e o processo mastoide

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Figura 14 – Crânio de um recém-nascido com fontículos (fontanelas)
Fonte: Adaptado de WASCHKE, 2018

O viscerocrânio ainda é significativamente menor do que o neurocrânio;


durante o desenvolvimento para o crânio adulto, essas proporções irão ser
equalizadas ou revertidas devido ao rápido crescimento do esqueleto da face.
a Vista anterior. b Vista lateral.

Na parte posterior do tronco e, portanto, excentricamente, localiza-se a coluna


vertebral, que sustenta o peso da cabeça, dos membros superiores, do tronco e das
vísceras torácicas e abdominais, transferindo-o para o cíngulo dos membros inferio-
res. No canal vertebral, encontra-se a medula espinal; através dos forames interver-
tebrais, passam os ramos dos nervos espinais. Nesses locais também se encontram
os gânglios sensitivos dos nervos espinais (ou gânglios da raiz posterior).

A coluna vertebral possui curvaturas fisiológicas, o que lhe confere um formato


em duplo S. As regiões cervical e lombar da coluna vertebral possuem uma curva-
tura convexa de concavidade posterior, chamada lordose (lordose cervical e lordose
lombar), enquanto a região torácica e o sacro/cóccix possuem curvaturas côncavas
anteriormente posicionadas, constituindo a cifose (cifose torácica e cifose sacral). As
curvaturas da coluna vertebral dos adultos não são exatamente correspondentes aos
diferentes segmentos da coluna vertebral. Desse modo, a lordose cervical refere-se

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

às vértebras cervicais I-VI, a cifose torácica é caracterizada da vértebra cervical VI até


a vértebra torácica IX, e a lordose lombar corresponde da vértebra torácica IX até a
vértebra lombar V.

Figura 15 – Coluna vertebral. a. Vista anterior. b. Vista posterior. c. Vista lateral esquerda
Fonte: Adaptado de WASCHKE, 2018

Hora de praticar
Atividade 1
Preencha a chave abaixo de acordo com a divisão do sistema nervoso:

Sistema nervoso

Sistema nervoso
periférico

Medula espinal

Cerebelo

Diencéfalo

Ponte

Figura 16

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Atividade 2
É hora de colorir: Faça esquema de cores e destaque os lobos: frontal, parietal,
occiptal, temporal e insular.

Figura 17
Fonte: Adaptado de WASCHKE, 2018

Neurohistologia
O tecido nervoso é distribuído pelo organismo, interligando-se e formando uma
rede de comunicações, que constitui o sistema nervoso. O tecido nervoso apresenta
dois componentes principais: os neurônios, que são células com prolongamentos, e
vários tipos de células da glia ou da neuróglia, que sustentam os neurônios e partici-
pam de funções importantes para a sua atividade.

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

Figura 18 – Estrutura geral do tecido nervoso


Fonte: Adaptado de Krebs et al., 2015

No SNC, os corpos celulares dos neurônios e os seus prolongamentos concen-


tram-se em locais diferentes. Isso faz com que sejam reconhecidas no encéfalo e na
medula espinal duas porções distintas, denominadas, respectivamente, substância
cinzenta e substância branca. No SNP, os nervos são constituídos basicamente por
prolongamentos dos neurônios, cujos corpos celulares se situam no SNC ou nos
gânglios nervosos.

O neurônio tem em comum com outras células eucarióticas os seus principais cons-
tituintes: o núcleo, onde a maior parte do DNA celular está armazenada; o citoplas-
ma, com as organelas habituais, tais como mitocôndrios, ribossomas, retículo endo-
plasmático rugoso, complexo de Golgi e retículo endoplasmático liso, e uma malha
complexa de proteínas do citoesqueleto; e a membrana plasmática. Adicionalmente,
o neurônio apresenta determinadas especializações que lhe são peculiares, específicas
para as funções que exerce. Assim, ao mesmo tempo em que o corpo celular – a re-
gião perinuclear – se assemelha ao de muitas outras células, por outro lado dele, irra-
diam prolongamentos muitas vezes extensos e complexos, os dendritos e o axônio, os
quais são locais de contatos sinápticos entre os neurônios e fazem parte dos circuitos
neurais por onde trafega o impulso nervoso.

Os neurônios são responsáveis pela recepção e pelo processamento de informa-


ções, atividades que terminam com a transmissão de sinalização por meio da liberação
de neurotransmissores e de outras moléculas informacionais. Esta célula apresenta
morfologia complexa, mas quase todos os neurônios apresentam três componentes:

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• Corpo celular ou pericário: onde se concentram organelas, e que também é
capaz de receber estímulos;
• Dendritos: prolongamentos mais curtos e de quantidade variável, utilizados na
comunicação entre neurônios;
• Axônio: prolongamento único e alongado, que pode ser mielínico (quando re-
vestido por uma bainha lipídica de mielina, a qual aumenta a velocidade de
transmissão do impulso) ou amielínico (sem revestimento nenhum).

Sob a designação de neuróglia ou glia, incluem-se vários tipos celulares encon-


trados no SNC ao lado dos neurônios. As várias células da glia são formadas por
um corpo celular e por seus prolongamentos. Os seguintes tipos celulares formam
o conjunto das células da glia: oligodendrócitos, astrócitos, células ependimárias e
células da micróglia. No SNP, quem exerce funções similares às da neuróglia são as
células de Schwann e as células satélites de neurônios ganglionares.

Resumidamente, o funcionamento do sistema nervoso consiste em vias sensitivas


(que recebem e transmitem os estímulos para o sistema nervoso central), centros
associativos (que retransmitem os estímulos a várias áreas do SNC) e vias motoras
(que levam estímulos para os órgãos efetuadores).

Você Sabia?
A retina é uma das regiões do sistema nervoso central onde forma e função ocorrem
estreitamente associadas. O sistema óptico ocular forma a imagem dos objetos dis-
tribuídos no campo visual sobre a superfície da retina, mais precisamente no plano
do segmento externo dos cones e bastonetes. Os cones e bastonetes codificam e
retransmitem a informação presente na imagem retiniana para células bipolares
e estas para células ganglionares situadas nas camadas mais internas da retina,
guardando a relação espacial com a imagem retiniana. Assim, quanto maiores os
campos dendríticos das células ganglionares, maiores as regiões do campo visual
analisadas por essas células, função funcionalmente importante para recolher e
somar o estímulo luminoso provindo de várias partes contíguas quando o nível de
luz é baixo, por exemplo; por outro lado, quanto menores os campos dendríticos
das células ganglionares mais precisa é a informação sobre os detalhes espaciais
do campo visual que elas transmitem, uma função importante para tarefas que
exigem alta resolução espacial, como a identificação de animais a grandes dis-
tâncias ou a leitura, por exemplo. Assim, como esperado, as células ganglionares
retinianas compreendem várias classes neuronais com diferentes morfologias e ta-
manhos de campos dendríticos, correspondendo, por sua vez, a diferentes formas
de análise das cenas presentes no campo visual circundante.

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

Figura 19
Fonte: Adaptado de MARTINEZ, 2014

A. Esquema de um neurônio ilustrando o corpo celular e seus prolonga-


mentos. B. Micrografia de corte semifino. C. Eletromicrografia de neurônio
evidenciando núcleo, nucléolo, substância de Nissl e outras organelas do
pericário neuronal. Observe, em C, o núcleo neuronal eletronlúcido.

Importante!
A comunicação entre os neurônios são chamadas de sinapses, as mais comuns no
­organismo são as chamadas sinapses químicas dependentes de neurotransmissores (o
outro tipo de sinapse é a elétrica, utilizada para sincronizar grupos de neurônios), que
são substâncias liberadas pelo neurônio para dar continuidade ao impulso ou produzir
uma resposta por um órgão efetuador (podem, inclusive, ser excitatórios ou inibitórios).
Os mais conhecidos são: epinefrina (ou adrenalina), norepinefrina (ou noradrenalina),
acetilcolina, histamina, serotonina, dopamina e GABA (ácido gama-aminobutírico).
O excesso ou a falta de um determinado neurotransmissor pode ter relação com várias
doenças físicas e psíquicas do sistema nervoso.

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Você Sabia?
Conexão clínica: Esclerose Múltipla
A esclerose múltipla é doença crônica inflamatória do sistema nervoso central (SNC) de
natureza autoimune, que apresenta intenso infiltrado perivenular de células mononu-
cleares, perda de oligodendrócitos e lesão axonal. Estudos epidemiológicos mostram
distribuição heterogênea da doença pelo mundo e incidência em 0,1% da população
nos países de clima temperado. Nos países de clima tropical como o Brasil, a doença era
considerada rara, porém, dados recentes relatam incidência elevada da EM em indiví-
duos brancos e também nos de etnia negra (afrobrasileiros). (Texto retirado e adaptado
de Carvalho et al. Determinação de autoanticorpos para antígenos da mielina no soro de
pacientes com esclerose múltipla. Arquivo de Neuropsiquiatria, volume 61, 2003)

Hora de praticar – Caso clínico 2


Paciente, 54 anos, sexo feminino apresentando formigamento no membro superior
esquerdo e relatando incontinência urinária, surtos de desorientação e alteração do
equilíbrio da coordenação motora. Há alguns meses, percebeu perda parcial da visão e
da capacidade de distinguir cores e dor ocular, que piora quando movimenta os olhos.
Quando procurou atendimento especializado, nesses últimos sintomas, foi diagnosti-
cada com neurite ocular. Conclusão: paciente diagnosticada com esclerose múltipla.

Explique como a esclerose múltipla afeta o tecido neuronal, sobretudo a morfologia


dos neurônios.

• Rubrica: esclerose múltipla é uma doença que afeta o sistema nervoso, leva ain-
da à perda de oligodendrócitos e lesão axonal, causando destruição da mielina
(desmielinização), proteína fundamental na transmissão do impulso nervoso.

Atualidades em Neurociência
A palavra “neurociência” e ́ jovem. A Society for Neuroscience, uma associação que
congrega neurocientistas profissionais, foi fundada ha ́ pouco tempo, em 1970. O estudo
do ence f́ alo, entretanto, e ́ tão antigo quanto a pro ́pria ciência. A ideia de que nascemos
com uma quantidade fixa de neurônios no cérebro e que esse número só diminui com
o passar do tempo imperou por muito tempo. O estudo da morfologia, da neurorege-
neração e neuroplasticidade do tecido nervoso é antigo, um dos grandes pesquisadores
na área foi o médico espanhol ganhador do prêmio Nobel, Santiago Ramón y Cajal.
Pai da neurociência moderna, Cajal elaborou o conceito da doutrina neuronal em 1894.
Conforme seus estudos, Cajal também defendia a ideia de que o sistema nervoso era
uma estrutura fixa e imutável, sendo, portanto, impossível a formação de novos neurô-
nios e/ou a regeneração após a sua maturação completa. Para a comunidade científica,
a neurogênese era um processo que apenas ocorria no período fetal e pouco depois do
período pós-natal. Alguns estudos começaram a questionar esse paradigma a partir da

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

década de 1960. Existem áreas de localização das células progenitoras capazes de gerar
novos neurônios durante a fase adulta. Até que, em 1990, uma psicóloga e neurocien-
tista norte-americana Elizabeth Gould, apresentou novos estudos, onde ela conseguiu
provar a neurogênese no giro dentado (uma das regiões do hipocampo). A partir desse
trabalho e com o desenvolvimento de técnicas mais avançadas de detecção de prolife-
ração celular, surgiu a hipótese de que a neurogênese – a formação de novos neurônios
– continua no cérebro após o nascimento passou a ser aceita. Logo, a noção de que
neurônios eram criados no hipocampo, uma região do cérebro envolvida na formação
de memórias, tornou-se a dominante na comunidade científica. Em março de 2018, um
artigo publicado na revista nature, o grupo de Arturo Alvarez-Buylla, concluiu a criação
de neurônios no hipocampo de humanos diminui no decorrer da infância até parar após
os 7 anos de idade. Nesse mesmo ano, outro estudo publicado na revista Cell-stem cell,
do grupo da pesquisadora Maura Boldrini, concluiu que a criação de neurônios se man-
tém estável por toda a vida. Esses dois trabalhos reacenderam a chama da discussão da
existência da neurogênese. Obviamente, resultados científicos dependem dos métodos
empregados para possíveis comparações.

Estudos em roedores tem demonstrado que tanto estresses físicos (imobilização,


nado forçado ou choques elétricos) quanto psicológicos (exposição a um preda-
dor ­natural, agressão ou medo) resultam em significativa redução na neurogênese.
Os processos inflamatórios também são fatores importantes na redução da neurogê-
nese. Algumas interleucinas, proteínas produzidas por células do sistema de defesa
do organismo no processo inflamatório, podem afetar a neurogênese diretamente
(inibindo a divisão das células progenitoras hipocampais) ou indiretamente (estimu-
lando a secreção de corticosteroides pelas glândulas suprarrenais).

Atualmente, sabe-se que a neurogênese em adultos pode ser estimulada por fato-
res ambientais, fisiológicos e comportamentais. Estudos indicam que o aumento da
neurogênese pode estar relacionado ao processo de aprendizado, memória e prática
de atividades físicas, pois esses contribuem para liberação substâncias que estimulam
a fase de proliferação e diferenciação neuronal, tais como o neurotransmissor sero-
tonina, a proteína neurotrofina, fatores neurotróficos derivados do cérebro (BDNF),
fator de crescimento de fibroblastos (FGF) e o fator de crescimento epidérmico (EGF).
Conhecer pessoas novas, ler livros, fazer atividade física, expor-se em lugares dife-
rentes contribuem para o processo de formação de novos neurônios.

Com as descobertas e os estudos na área de neurogênese e com os avanços da


biologia molecular, talvez em um futuro não distante seja possível mapear e controlar
toda a cascata de eventos responsável pela neurogênese, o que abre perspectivas
para estratégias terapêuticas para patologias que acometem o SN, tais como dis-
túrbios psiquiátricos e doenças agudas e crônicas do sistema nervoso central, como
acidente vascular encefálico, doenças Parkinson, Huntington, Alzheimer e outras.

São evidentes os avanços na pesquisa sobre a neurogênese em adultos e a forma


como o nosso cérebro continua o seu processo de desenvolvimento. Para tanto, é
aconselhada a prática de atividades saudáveis, bem como aumentar, ao longo da
rotina, estímulos sensoriais, visuais, auditivos que possam contribuir para o processo
de memória e aprendizado, favorecendo cada vez mais o processo de formação de
novas células até a terceira idade.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Embryo Development – Up To Blastocyst
Semana 1: clivagem e formação do blastocisto.
https://youtu.be/P1h611sNji8
General Embryology – Detailed Animation On Second Week Of Development
Semana 2: implantação do blastocisto, formação da placenta e do disco embrionário
bilaminar (epiblasto e hipoblasto).
https://youtu.be/bIdJOiXpp9g
General Embryology – Detailed Animation On Gastrulation
Semana 3: gastrulação, resultando na formação dos três folhetos embrionários
(ectdoderma, mesodemra e endoderma).
https://youtu.be/3AOoikTEfeo
Cientista e oftalmo revelam relação chocante entre olho e cérebro
https://youtu.be/ZY1hScc0RfA

Leitura
Neurocientista de Stanford está desenvolvendo um olho robótico wireless para cegos
Alexandra Ossola. 15 set. 2017. Neoscope.
https://bit.ly/3fUHfd8

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UNIDADE Introdução ao Estudo da Neuroanatomia

Referências
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o Sistema Nervoso. Grupo A. 4. ed. São Paulo: Artmed, 2017.

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GEN, 2012.

FILHO, L. R. T.; FAUCZ, F. R. Células-tronco e Neurogênese. Revista Estudos de


Biologia, v. 26, n.56, p. 13-20, jul./set. 2004.

KREBS, C.; WEINBERG, J.; AKESSON, E. Neurociências. Ilustrada. Rio de


Janeiro­: Grupo A, 2015.

KUMAR, A.; PAREEK, V.; FAIQ, M. A.; GHOSH, S. K.; KUMARI, C. Adult
­Neurogenesis in Humans: A Review of Basic Concepts, History, Current Research,
and Clinical Implications. Innovations in Clinical Neuroscience. May-June 2019,
Volume 16, Number 5,6.

LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociências.


2. ed. Rio de janeiro: Atheneu/Biblioteca Biomédica/ FAPERJ, 2010.

MARGOTTO, P. R. Principais Malformações cerebrais Neurossonografia Neo-


natal. 2. ed. no prelo, 2020.

MARTIN, H. J. Neuroanatomia. Grupo A, 4. ed. 2013.

MARTINEZ, A. M; ALLODI, S.; UZIEL, D. Neuroanatomia Essencial. Guanabara


Saúde Didático. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.

MORENO-JIMÉNEZ, E. P.; FLOR-GARCÍA, M.; TERREROS-RONCAL, J.;


R ÁBANO, A.; CAFINI, F.; PALLAS-BAZARRA, N.; ÁVILA, J.; LLORENS-­
­
-MARTÍN, M. Adult hippocampal neurogenesis is abundant in neurologically
healthy subjects and drops sharply in patients with Alzheimer’s disease. Nature
­Medicine, 2019.

SCHMIDT, A. G.; PROSDÓCIMI, F. Manual de Neuroanatomia Humana – Guia


Prático. Rio de Janeiro: Grupo GEN, Roca, 2014.

SUZUKI, D. E.; Pereira, M. C. L.; JANJOPPI, L.; OKAMOTO, O. K. Células-


-tronco e progenitoras no sistema nervoso central: aspectos básicos e relevância
clínica. Einstein. 2008; 6(1):93-6.

Sites Visitados
Novos neurônios são gerados no cérebro adulto? <https://namidia.fapesp.br/
novos-neuronios-sao-gerados-no-cerebro-adulto/35498>. Acesso em: 2020

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