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PROCESSOS FONOLÓGICOS E METAPLASMOS

São alterações e transformações porque passam alguns vocábulos, também chamadas


metaplasmos ou figuras de dicção. São alterações prosódicas, ou seja, usadas na prosa, no discurso
oral, por vezes transportados para a escrita, com maior ou menor aceitação oficial.

Ocorrem normalmente por adição, subtração, substituição ou transposição de sons.

Há uma diferença entre Processos Fonológicos e Metaplasmos, segundo o professor Paulo


Hernandes. Diz ele:

“...ainda que o fenômeno fonético seja o mesmo, sua classificação varia


conforme o enfoque: metaplasmo (fato sincrônico) ou mudança fonética (fato
diacrônico).”

1. Prótese
POR ADIÇÃO 2. Epêntese
3. Paragoge

1. Aférese
2. Síncope
POR SUBTRAÇÃO

(1) Sinalefa
3. Apócope (2) Ectilipse
(3) Crase

1. Assimilação
2. Dissimilação
3. Sonorização
4. Degeneração
5. Palatalização
6. Semivocalização
7. Consonantização
8. Nasalização
POR SUBSTITUIÇÃO 9. Desnasalização
10. Assibilação
11. Ditongação
12. Monotongação
13. Apofonia

Este fenômeno não é gráfico,


apenas sonoro. Está nesta
14. Metafonia
relação para conhecimento
teórico.

1. Hipértese
2. Metátese

POR TRANSPOSIÇÃO

(1) Sístole
3. Hiperbibasmo
(2) Diástole

1
a) Por Adição

1. Prótese – é o acréscimo de um fonema NO COMEÇO do vocábulo:1

afigurar (a par de figurar) *alembrar (por lembrar)


*arruído (por ruído) *adispois (por depois)
alevantar (a par de levantar) *alimpar (por limpar)
alumiar (a par de lumiar) *arreceber (por receber)
assoalho (a par de soalho) *avoar (por voar)
espada < spata ameaça < minatia
arrenegar (a par de renegar) arrodear (a par de rodear)
espírito < spiritu atum < thunu
estar < stare escudo < scutu

2. Epêntese – é o acréscimo de fonema NO MEIO do vocábulo ou, nas palavras de Xavier &
Mateus2 (1990:146), “acrescentamento de um segmento fonético em posição medial de
palavra”.

humile > humilde


stella > estrela 3
simulante > simlante > sembrante (arc.) > semblante
umèro > ombro

Epêntese4

Se o tédio
te der sono,
aproveita
pra sonhar!

Se não sabe
que fazer:
Depois do n
o h.

A epêntese possui uma modalidade denominada suarabácti ou anaptixe, que consiste na


intercalação de uma vogal para desfazer um grupo de consoantes:

1
A expressão a par de indica que ambas as formas são aceitas; a preposição por indica que a forma
apresentada, com asterisco, não é aceita por ser agramatical; o sinal < indica que a palavra foi originária do
latim.
2
XAVIER, M. F. & M. H. M. MATEUS (1990) (orgs.) Dicionário de termos lingüísticos. Volume 1. Lisboa:
Cosmos.
3
Nesta palavra ocorreram três fenômenos: prótese (acréscimo da vogal e no início), epêntese (acréscimo do r
no meio da palavra) e fechamento do e da tônica, que antes era aberto, por metafonia. Ocorre a epêntese
(acréscimo do /r/ medial) por causa da analogia com astro. O mesmo com veruclu > ferrolho (analogia com
ferro), foresta (arc.) > floresta (analogia com flor).
4
Poema de Géber Romano Accioly, copiado do site http://www.usinadeletras.com.br
2
planu > prão > porão
Blatta > brata > barata
Grupa (do germânico Kruppa) > garupa

      Também se inclui no suarabácti o acrescentamento do I intervocálico, para desfazer o hiato.


Observa-se, nos exemplos abaixo, que ocorre após a vogal e, ficando o i soando em duas sílabas: ca-
dei-ia; chei-io; fei-io; crei-io, etc.
catena > cadea > cadeia
plenu > cheo > cheio
foedu > feo > feio5
credo > creo > creio
cena > cea > ceia
arena > area > areia
tela > tea > teia

Para eliminação do hiato, a bem da eufonia, também ocorre a epêntese (chamada neste caso
de suarabácti) do fonema / i / nas flexões verbais, em verbos terminados por EAR:

Ex.: CEAR – P1,2,3,66


Presente do indicativo: ceio, ceias, ceia, ceamos, ceais, ceiam.
Presente do subjuntivo: ceie, ceies, ceie, ceemos, ceeis, ceiem.
Imperativo afirmativo: ceia, ceie,ceemos, ceai, ceiem.
Imperativo negativo: não ceies, não ceie,não ceemos, não ceies, não ceiem.

Por esse modelo, conjugam-se:


acarear, afear, afoguear, aformosear, alardear, alhear, amercear-se, apear, aperrear, arear,
arrear, arrotear, atear, bambolear, baquear, bloquear, cambalear, capitanear, charquear, chasquear,
coxear, desfear, desnortear, enfear, enlear, falsear, folhear, fundear, galantear, golpear, granjear,
guerrear, hastear, lisonjear, manusear, menear, margear, nomear, ondear, palmear, papaguear, passear,
patentear, pentear, planear, rabear, rarear, recear, regatear, recrear, rodear, saborear, saquear,
saracotear, semear, serpear, serpentear, tatear, titubear, tourear, vadear (não confundir com vadiar),
vaguear, zombetear dentre outros.7

O mesmo acontece com cinco verbos terminados em IAR, a saber: Ansiar, Incendiar, Mediar,
Odiar, Remediar.

Ex. ANSIAR
Presente do indicativo: anseio, anseias, anseia, ansiamos, ansiais, anseiam.
Presente do subjuntivo: anseie, anseies, anseie, ansiemos, ansieis, anseiem.
Imperativo afirmativo: anseia, anseie, ansiemos, ansiai, anseiem.
Imperativo negativo: não anseies, não anseie, não ansiemos, não ansieis, não anseiem.

3. Paragoge (ou epítese)8 – é o acréscimo de fonema NO FIM do vocábulo:

mártir > mártire ante > antes


feliz > felice quite > quites

5
O caminho é: 1º redução do ditongo latino oe em e; 2º intervalação de vogal i após vogal e, para evitar-se o
hiato.
6
P1,2,3,6, ou seja, 1ª pessoa, 2ª, 3ª e 6ª (3ª do plural).
7
Consoante o ensino do professor Otelo Reis, Breviário da Conjugação dos Verbos da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1974, 35ª edição, p. 59.
8
Entre as diferenças observadas entre a epêntese e a paragoge, a principal é de motivação: enquanto a epêntese
busca estruturas silábicas possíveis dentro da língua, a paragoge mexe com a estrutura de uma palavra já bem
formada, em termos de estrutura silábica. (Lição de Gladis Massini-Cagliari – UESP).
3
b) Por Subtração

1. Aférese – é a supressão de um fonema NO INÍCIO do vocábulo:9

até > té
José > Zé
ainda > inda
obrigado > brigado
acume > gume
atonitu > tonto
episcopo > bispo10

Um caso especial de aférese diz respeito à deglutição (o contrário da aglutinação), isto é, à


supressão das vogais a e o, em início de palavra, para evitar confusões com o artigo definido ou
desfazer o hiato:

Horologiu > orologio > relógio


Apotheca > abodega > bodega

2. Síncope – é a supressão de fonema(s) NO MEIO do vocábulo:

despois > depois  originário do latim de ex post


listra > lista
inimigo > imigo
maior > mor
óculos > *oclus
áspero > *aspro
sanctu > santo > são
pílula > píula11
legenda > lenda
malu > mau
episcopos > bispo
intimus > imo
9
Em ‘“Stamos em pleno mar”, Castro Alves suprime a vogal “e” de “estamos”. A aférese não é normalmente
aceita na escrita. Quando um poeta a usa em um verso, usa da chamada licença poética. Como esta ocorrência é
atual para nós, temos um metaplasmo, por ser uma ocorrência sincrônica, isto é, acontecida em um dado
momento da língua. No caso em que “está” se transforma em “tá”; “mboitatá” do guarani se transforma em
“boitatá” do português; e “enamorar” se transforma em “namorar”, temos uma aférese verificada ao longo do
tempo, um fato diacrônico, logo, uma mudança fonética. Em resumo: ainda que o fenômeno fonético seja o
mesmo, sua classificação varia conforme o enfoque: metaplasmo (fato sincrônico) ou mudança fonética (fato
diacrônico). Lição do professor Paulo Hernandes. Merece mais explicação a dicotomia sincrônico-diacrônico.
Para tanto, usaremos do glossário do professor Paulo Hernandes: Sincronia - Conjunto dos fatos da língua
ocorridos em determinado momento de sua história, quando as modificações são imperceptíveis. Assim, a
descrição das vogais de uma língua; das flexões de gênero e número; de fatos sintáticos, como voz ativa vs. voz
passiva; etc. constitui estudo sincrônico e, conseqüentemente, faz parte da Lingüística Sincrônica ou Estática.
Quando essa descrição assume aspecto normativo, passa a pertencer à Gramática Normativa. Diacronia -
Sucessão dos fatos de uma língua através do tempo. Dessa forma, a evolução bona > boa; Vossa Mercê >
vosmecê > você; a mudança de sentido de formidável (antigamente: que causa medo - formido - e hoje:
admirável, magnífico) são fatos diacrônicos. Esses fenômenos são estudados pela Lingüística Diacrônica ou
Evolutiva, às vezes, impropriamente chamada "Gramática Histórica".
10
Do grego episkopoj. Por evolução fonética, tornou-se bispo, em português, pelo seguinte caminho: 1.
sonorização da consoante oclusiva bilabial surda “p”, que se tornou “b”; 2. aférese do “e” inicial; 3. síncope da
sílaba “ko” por harmonização vocálica.
11
Ocorrência muito comum no Nordeste do Brasil (em especial a sub-região leste RN, PB, PE, PI). Deve-se à
rejeição popular às formas proparoxítonas. Casos como o de pílula existem bastantes no português não-padrão:
árvore > arvre; córrego > corgo; fósforo > fosfro ou fósco; glâudula > landra; música > musga; pássaro > passo;
sábado > sabo; víbora > briba; tíquete > tique.
4
fructa > frutta > fruita > fruta12

Haplologia13

A Síncope possui uma modalidade denominada haplologia, que consiste não na simples
supressão de um fonema em interior de palavra mas na redução da primeira de duas sílabas sucessivas
iniciadas pela mesma consoante:
piedadoso > piedoso
bondadoso > bondoso
Tragicocomédia > tragicomédia
Formicicida > formicida
Idolólatra > idólatra
Saudadoso > saudoso

3. Apócope – é a supressão de fonema(s) NO FIM do vocábulo:

grande > grão


belo > bel
vale > val
desde que > dês que
muito > mui
demais > *demai
cantare > cantá
mare > mar
amat > ama
male > mal

A apócope se divide em:

(1) Sinalefa – fusão de duas palavras, mediante a supressão da última vogal da primeira
palavra:

de + o = do
este + outro = estoutro
em + um = num14
de + um = dum
de + algum = dalgum
deixa estar = d’está15

(2) Ectilipse – supressão do m final da preposição com diante de vocábulos começados


por vogal (usada na conversação e na poesia):

com +o = co
com + um = cum
com + a = coa > ca (esta forma é uma assimilação o-a)

12
Ocorre aqui a perda da consoante [ k ], que se assimila à seguinte [ t ], e após isso cai.
13
É a haplologia que explica o verbo brasileiro dedurar, proveniente da expressão dedo-duro. Lição da
professora Barbara Weedwood (História concisa da língüística. São Paulo, Parábola, 2002. p.112)
14
Este é um caso de sinalefa porque o em é pronunciado [ẽy], perdendo na fusão o seu fonema semivocal,
mantendo a nasalização, que se funde com a palavra seguinte, que se inicia por vogal.
15
Este caso de sinalefa é formado por síncope de vogais iniciais e junção da vogal final de uma palavra com a
vogal inicial de outra, na formação da expressão composta. Ocorre também a apócope na palavra final estar >
está. O s do verbo estar é pronunciado chiante (palatal), porque o exemplo é tirado do sul do Estado de
Pernambuco. Lição e exemplo do professor João Constantino Gomes Ferreira.
5
(3) Crase – fusão escrita e oral de duas vogais idênticas.

Crase é o nome dado à fusão de duas vogais em uma única. Em Fonética Histórica, podemos
observar o processo fonológico (fato diacrônico) da crase das vogais e, o e u em:

 legere > leer > ler; pede > pee > pé (crase do e)
 dolor > door > dor; palomba > paomba > poomba > pomba (crase do o)16
 crudu > cruu > cru; nudu > nuu > nu (crase do u).

A vogal i (metaplasmo / fato sincrônico) apresenta crase na 1ª pessoa do singular do pretérito


perfeito do indicativo dos verbos da 2ª e 3ª conjugações:
 CANTEI  formado por CANT (radical) + E (vogal temática) + I (desinência número-pessoal)
 VENDI  formado por VEND (radical) + I (vogal temática) + I (desinência número-pessoal)
 PARTI  formado por PART (radical) + I (vogal temática) + I (desinência número-pessoal)

Como se pode notar, as formas vendi e parti foram simplificadas pela crase do i.

Vendii > vendi [vẽ´diy]


Partii > parti [paR´tiy]

Resta-nos agora analisar os casos em que há crase na vogal a. Esses casos merecem análise
mais pormenorizada, vez que a crase do a recebe acento próprio (grave).

Crase do "a"

Ocorre crase da preposição A com o artigo A ou o A dos demonstrativos AQUELE(S), AQUELA(S)


e AQUILO.

"O navio singrava, em direitura a Alexandria, com essa carga preciosa de


dois filósofos, que iam levar ÀQUELE regaço do saber os frutos da razão
esclarecida."
(Machado de Assis in Conto Alexandrino).

Contração da preposição A com o pronome demonstrativo AQUELE (a aquele regaço).

"Tão nobre resposta encheu de admiração tanto aos sábios como aos
principais e À mesma plebe."
(Machado de Assis, idem, ibidem).

Contração da preposição A com o artigo definido A (a a mesma plebe).

c) Por Substituição

16
Palomba > paomba (síncope do l intervocálico) > poomba (assimilação vocálica do a pelo o) > pomba (crase
dos oo).
6
1. Assimilação – é a influência exercida de um fonema sobre outro, a ponto de substituí-lo.
É a “assemelhação” de um som a outro. A assimilação pode ser vocálica e consonantal,
total e parcial, progressiva e regressiva:

(1) Vocálica – O fonema que se assimila é vogal:

 auru > oro > ouro (o ditongo latino /au/ passa a /o/, porque /a/ – vogal baixa – por
influência de /u/ – vogal alta – passa a /o/ – vogal média). Também um caso de
assimilação parcial. Mesmo caso para paucu (pouco) e lauru (louro).

 auricula > oricla > orec’la > oreyla > orelya > orelha (/au/ passa a /o/, pelas razões de
auru > oro)

 paomba > poomba > pomba (/a/ tornou-se /o/ pela presença desse fonema já
existente). Há assimilação seguida de crase.
 caente > queente > quente (/a/ passou a /e/ pela ação do /ẽ/ preexistente, estes dois
últimos, vogais médias).

(2) Consonantal – O fonema assimilado é consoante:

amam-lo > amam-no


ipse > isse > esse
per+lo > pello > pelo.

Há os casos de pronúncia popular de verbos no gerúndio (-NDO), onde o fonema “d”, por ser
consoante dental, é assimilado pela consoante dental “n”: falando > falano; vendendo > vendeno;
dirigindo > dirigino.
Há o caso das bilabilais “m” e “b”, com assimilação desta última: também > tammém >
tamém; um bocado > um mucado.

(3) Total – O fonema assimilado torna-se idêntico ao assimilador:

mirabilia > maravilha (/i/ passou a /a/ por influência de outro /a/)
persicu > pêssego (o fonema /s/ assimilou o fonema /R/ anterior, tornando-o igual a si
(assimilação total, regressiva, consonantal).
persona > pessoa (caso igual ao anterior).
Per + lo > pello > pelo
ouro > oro (na fala popular do Brasil e Portugal). Também é um caso de monotongação.

(4) Parcial – O fonema assimilado não se identifica, mas aproxima seus traços dos do
assimilador:

assibilare > assibiar > assobiar (em razão da presença de /a/ – vogal baixa –, /i/ – alta –
passa a /o/ – média)
lacte > laite > leite (/a/ – vogal baixa – passou a /e/ – média – por influência de /y/ – alta) ( 17)
auru > ouro.

(5) Progressiva – O fonema assimilado situa-se adiante do assimilador:

amaramlo > amaram-no (/ã/ – fonema nasal – faz /l/ tornar-se /n/, igualmente nasal),
molnario > mollairo > moleiro
salnitre > sallitre > salitre
17
Quer dizer: o fonema /i/, de menor grau de abertura, influiu no /a/, anterior, de maior grau, fechando-o num
grau intermediário /ë/  assimilação parcial, regressiva, vocálica. A assimilação só ocorre no caminho da
evolução, /layte/, não do latim para a forma atual.
7
en + lo = enno > no
nostro > nosso  assimilação t > s

(6) Regressiva – O fonema assimilado situa-se antes do assimilador:

captare > cattar > catar


ipsa > essa
reversu > revesso
sub + por = supor
in + romper = irromper (com desnasalização)
ad + provar = aprovar
ad + tender = atender
persicu > pêssego
septe > sette > sete
lacte > leite

“O fenômeno continua a ocorrer na língua oral: perigo > *pirigu (/i/ faz com que /e/ se
identifique com ele e também influencia /o/, que passa a vogal alta, /u/, da mesma forma que /i/
também é alta), menino > *mininu (caso idêntico), polícia > *pulícia (/i/ – vogal alta – faz /o/ – média
– passar a /u/ – igualmente alta). Se a vogal é tônica, mais provavelmente ela pode-se tornar
assimiladora”. (Lição do professor Paulo Hernandes)

A sequência ei > ii, ocorrrente em menino > minino, também é chamada dilação.

2. Dissimilação. Fenômeno inverso da Assimilação, consiste em estabelecer uma


diferenciação entre dois fonemas iguais:

calamellu > caramelo  aqui, o falante põe um /r/ no lugar de /l/, para bem da eufonia.
Liliu > lírio
Memorare > membrar > lembrar
Rotundu > rodondo > redondo
Menhã (por manhã)  o falante, normalmente o não-culto, evita a assimilação da vogal nasal
ã da segunda sílaba com a vogal nasal ã da primeira sílaba. Ocorrência
atestada no português arcaico e em variedades populares modernas.

Queijo  em Portugal, pronunciado [´kâyžu], a fim de evitar-se a monotongação como no


Brasil [´kežu], por proximidade fonêmica das vogais fechadas e e i.
Palavra (por paravra < parabola)  este caso foi dicionarizado. É a evolução fonética do
latim parabola para o português atual palavra. Houve a dissimilação na sílaba ra primitiva, passando
a la atual.

A Dissimilação, às vezes, pode levar à supressão de fonemas. Quando isto acontece, recebe o
nome de dissimilação eliminadora:

aratru > arado  ocorreu a eliminação do /r/ e a sonorização /t/ > /d/.
cribru > cribo > crivo (degeneração)
rostru > rosto

3. Sonorização. É a passagem de uma consoante surda à sua homóloga sonora. Isto só


acontece se a consoante surda estiver em posição intervocálica:

8
capio > caibo18 civiate > cidade
lupu > lobo citu > cedo
sapui > soube19 maritu > marido
de p para b: sapore > sabor de t para d: totu > todo
aprile > abril petra > pedra
vita > vida
rota > roda

pacare > pagar acetu > azedo


aqua > água vicinu > vizinho
aquila > águia de c (+e, +i) facere > fazer
de c para g20
lacu > lago para z pace > paz
cattu > gato feroce > feroz
acutu > agudo
profectu > proveito
aurifice > ourives
de f para v

              
4. Degeneração. É a passagem de b para v. 21

caballu > cavalo


faba > fava
populu > pobo > povo
de b para v
libro > livro
probare > provar
amabam > amavam

18
Ocorre também a hipértese formada pela atração do i pelo a, gerando uma ditongação na primeira sílaba.
19
Mesma observação feita para caibo.
20
Sonorização da oclusiva surda intervocálica. Este evento é regular.
21
b para v em posição intervocálica, ao passo que se mantém em posição inicial. A evolução fonética segue,
com alguma regularidade o seguinte quadro:
P>B>V
T>D
K>G
9
5. Palatalização. A Palatalização consiste na transformação de um ou mais fonemas numa
palatal. Geralmente isto acontece com:
vinea > vinia > vinya > vinha
n + vogal (e, i) aranea > arania > aranya > aranha
> NH: seniore > senyor > senhor
unio > junyo > junho
palea > palha
l + vogal (e, i) folia > folha
> LH: juliu > julho
óleo > olho (verbo)22

video > vejo


d + vogal (e, i) hodie > hodye > hoje
>J invidia > inveja
dia  [´džia]23

pluvia > chuva24


implere > encher
clave > chave
masculu > masclu > macho
pl, cl, fl > CH flamma > chama
inflare > inchar
clamat > chama
plenu > cheio
amplu > ancho
oculu > oclo > olho
cl, pl, gl > LH apicula > apecla > abelha
scopulu > scoplo > escolho
tegula > tegla > telha
pisce > peixe
passione > paixão
sc, ss (i, e) > X miscere > mexer
russeu > roxo

cerevisia > cerveja


s (i) > J basiu > beijo
ecclesia > igreja

Ocorrendo (na fala de certas regiões do País) o contato da vogal alta / i /, chamada palatal por ser
pronunciada na região mais alta do céu da boca, com as consoantes anteriores /t/, /d/, // e /n/ e
velares /k/ e /g/, estas consoantes se palatalizam. Daí, a pronúncia carioca do /t/ de tio, diferente dos
/t/ de tonta – o primeiro chamado consoante africada [tš]; e a pronúncia do /d/ de dia, a par dos /d/ de
dado – o primeiro a africada [dž].
A palatalização do // diante do /i/ neutraliza a oposição entre // e //, como em óleo e olho
(verbo olhar).
A palatalização do /n/ ocorre na palavra vineo (latim), foneticamente [‘viniw], que pela
proximidade /i/ - /u/ passa a nh na pronúncia e na escrita: vineo > vinho.
A palatalização do /k/ ocorre em clave (latim), que passa a ciave [ki‘avi] e em seguida a
chave [´šavi]. O processo foi semivocalização kl > ky seguida de palatalização ky > š.
22
Ocorre na fala.
23
Ocorre na fala atual do Rio de Janeiro. É um caso de metaplasmo.
24
A evolução é a seguinte: Pluvia > pyuvia (semivocalização pl > py) > pyuva (monotongação vya > va) >
chuva (palatalização py > š).
1
A palatalização do /g/ ocorre em tegula (latim), que evolui teyla > telha. Processo de
semivocalização e palatalização.
O caso da palavra oito, pronunciada por pessoas incultas como [oytšu] é a mesma palatalização por
aproximação do espanhol ocho [otšu], sendo que no primeiro caso há um ditongo.

6. Semivocalização. Fenômeno fonético que consiste na transformação de uma consoante


em semivogal, formando um ditongo. Este fenômeno ocorre após assimilação:

                  nocte > noite


                  Regnu > reino
                  Multu > muito

O exemplo típico é a realização do / ł / pós-vocálico como [ w ]: papel, lençol, sol, maldade, selva.

7. Consonantização. Fenômeno inverso do anterior, consiste em transformar uma vogal em


consoante. Isto sucede, sobretudo com as letras ramistas 25 (o i e o u latinos, que passaram,
respectivamente a j e v):
Iam > já
Iesus > Jesus
Uita > vida
Uacca > vaca

8. Nasalização. Consiste na passagem de um fonema oral a fonema nasal:

Nec > nem


Mihi > mim
Bonu > bom

9. Desnasalização. Fenômeno inverso do anterior, consiste na passagem de um fonema


nasal a fonema vocálico:

luna > lũa > lua


bona > bõa > boa
ponere > põer > pôr
virgem > virge26
inlegal (ilegal)27
inreal (irreal)

Este tipo de desnasalização (virgem > virge) é comum na língua e tem muitos representantes oficiais:

abdomen > abdome examen > exame


bitumen > betume germen > germe
certamen > certame legumen > legume
cerumen > cerume lumen > lume
strumen > estrume nomen > nome

25
No século XVI, coube a Pedro de la Ramée, latinizado Petrus Ramus (1515-1572), filósofo e humanista
francês, nascido em Cuth, Vermandois , Picardia, em sua gramática editada em 1559, uniformizar o uso do U e
V, do I e do J. O V e o J passaram a representar as consoantes, respectivamente, lábio-dental e palatal, e o I e o
U as vogais e semivogais. Daí serem essas letras V e J conhecidas até hoje como letras ramistas, em
homenagem a Petros Ramos.
26
É comum na língua não-padrão a desnasalização das vogais postônicas como homem > home, ontem > onte,
garagem > garage.
27
Os casos de ilegal e irreal sao casos de desnasalização histórica, que alguns falantes não-cultos ainda o usam
na forma primitiva, como um processo de arcaização da linguagem.
1
regimen > regime volumen > volume.
velamen > velame

O n final desapareceu dessas palavras, mas ainda é encontrado em palavras derivadas como
abdominal, betuminoso, examinar, luminária, nominal. Algumas palavras conservaram a dupla
grafia: abdome/abdômen, certame/certâmen, cerume/cerúmen, germe/gérmen, regime/regímen,
velame/velâmen. (Ensino do professor Marcos Bagno).

10. Assibilação. Este fenômeno consiste em transformar um ou mais fonemas numa


sibilante:

capitia > cabeça


minatia > ameaça
fortia > força
t + vogal (e, i) > ç ou z
lentio > lenço
bellitia > beleza
ratione > razão
audio > ouço
d + vogal (e, i) > ç
ardeo > arço
minacia > ameaça
gallicia > galiza
c + vogal (e, i) > ç ou z
judiciu > juízo
lancea > lança
  

11. Ditongação. É esta a denominação correspondente à passagem de um hiato, ou de uma


vogal, a ditongo:

malo > mao > mau  o hiato a-o torna-se ditongo /aw/
sto > estou
do > dou
arena > area > areia

Houve o acréscimo de uma semivogal nas palavras abaixo, formando uma ditongação:

caranguejo (carangueijo)
bandeja (bandeija)
prazeroso (prazeiroso)

Este tipo de ocorrência, apenas com respeito aos hiatos, é chamado de epêntese ou
suarabácti. Outros exemplos: caranguejo > carangueijo; bandeja > bandeija; prazeroso > prazeiroso.

12. Monotongação ou Redução. É o fenômeno que consiste em transformar, ou reduzir, um


ditongo a vogal:
fructu > fruito (arc.) > fruto
lucta > luita (arc.) > luta
auricula > orelha28
auru > ouro > oro

Redução:

28
() Auricula > orec´la (monotongação au > o) > oreyla (semivocalização c > y) > orelya (hipértese yl > ly) > orelha (palatalização
ly > λ) > orêia (na língua não-padrão. Assimilação da líquida / λ/ para a semivogal /y/). A assimilação gera a semivocalização.
1
 do ditongo ou em o: pouco > poço; roupa > ropa; louro > loro.
 do ditongo ai em a: baixo > baxo; caixa > caxa; faixa > faxa.
 do ditongo ei em e: beijo > bejo; brasileiro > brasilero; cheiro > chero; deixa > dexa;
primeiro > primero. Nestes casos, só ocorre monotongação (redução) do ei em e quando o
ei aparece diante das consoantes j, x, r.

Redução (observação):

Nem toda redução será necessariamente também uma monotongação, como nos casos das
vogais postônicas e e o que se reduzem para i e u respectivamente:

Sede [´sedi]
Verde [´veRdi]
Ele [´eli]
Ovo [´ovu]
Medo [´medu]
Cavalo [ka´valu]

Exemplos de harmonização vocálica (por redução sonora de vogal alta para média) em e e o:

Em E:

mentira > mintira; alegria > aligria; avenida > avinida; bebida > bibida; feliz > filiz;
ferido > firido; pedido > pidido; pepino > pipino; preguiça > priguiça; Severino >
Sivirino. Também: cabeludo > cabiludu; segundo > sigundo; seguro > siguro; veludo
> viludo.

Em O:

Assobio > assubiu; chovia > chuvia; comida > cumida; cozinha > cuzinha; corria > curria;
colégio > culégio; domingo > dumingo; folia > fulia; gorila > gurila; harmonia > harmunia; notícia >
nutícia; possível > pussível; Sofia > Sufia. coruja > curuja; costume > custume; fortuna > furtuna;
gordura > gurdura. (Lição de Marcos Bagno in A língua de Eulália, p. 97)

Em suma:

e – i > i – i (bebida > bibida)


o – i > u – i (formiga > furmiga)
e – u > i – u (segundo > sigundo)
o – u > u – u (coruja > curuja)

Ocorre também redução do o precedido do m ou b (bilabiais) em sílaba inicial:

boato > buato mocambo > mucambo


bocado > bucado moeda > mueda
bodega > budega molambo > mulambo
bolacha > bulacha moleque > muleque
boneca > buneca moqueca > muqueca
borracha > burracha mostarda > mustarda
botão > butão
boteco > buteco

1
Modernamente se tem chamado a atenção para a influência do contexto fonológico na
pronúncia (e apenas nela) de certos vocábulos – a chamada harmonização vocálica:

1. a vogal pretônica dos verbos crescer [kre’seR] e morder [moR’deR] passa respectivamente
a [ i ] e [ u ] nas formas cuja vogal tônica é / i /: crescíamos /kri’siamus/, crescido /kri’sidu/, cresci
/kri’si/, mordíamos /muR’diamus/, mordida /muR’dida/, mordi /muR’di/.
2. ocorre também quando a vogal tônica é /u/: costura /kus’tura/, coruja /ku’ruža/, veludo
/vi’udu/, peruca /pi’ruka/.
3. ocorre a harmonização nas vogais átonas de peteca /pε’tεka/ e bodoque /bσ’dσki/, onde as vogais
pretônicas tornam-se abertas por influência do timbre aberto da vogal tônica.

13. Apofonia. É o nome que se dá à mudança do timbre de uma vogal por influência de um
prefixo:

In + aptu > inepto


In + barba > imberbe
Sub + jactu > sujeito

14. Metafonia. Consiste na mudança de timbre de uma vogal tônica por influência de outra
vogal, geralmente i ou u:

debita > dívida


tepidu > tíbio
tosso (de tossir) > tusso
cobro (de cobrir) > cubro

A metafonia, por ser uma ocorrência meramente de mudança de timbre (de fechado para
aberto), não havendo mudança na elevação da língua, como na assimilação, é apresentada aqui em
lugar próprio.
A metafonia ocorre também em plurais de palavras com o fechado, em sílaba paroxítona
tônica, como nos casos abaixo:

 Plurais em o aberto (com metafonia)

Todas as palavras com a tônica na sílaba paroxítona com o fechado (ô), com o plural na
mesma sílaba com o aberto:

Abrolho, aeroporto, caroço, corcovo, coro, corpo, corvo, despojo, destroço,


entreposto, esforço, fogo, forno, foro, fosso, imposto, jogo, miolo, olho, osso, ovo,
poço, porco, posto, povo, reforço, rogo, socorro, tijolo, torto, troco, troço.

Plurais em o fechado (sem metafonia)

Nos exemplos abaixo a sílaba tônica permanece com o fechado (ô), inclusive nos plurais:

Acordo, adorno, almoço, arroto, boda, bolo, bolso, cachorro, caolho, coco, colosso,
conforto, contorno, dorso, encosto, endosso, engodo, esboço, esgoto, esposo, estojo,
ferrolho, forro, gafanhoto, globo, gosto, gozo, horto, jorro, logro, morro, polvo,
repolho, rolo, sogro, soldo, soro, toco, toldo, topo, torno, transtorno.

d) Por Transposição
1
1. Hipértese – deslocação do som de uma sílaba para outra:

palavra < parabolam


*estauta (estátua)
*tauba (tábua)
capio > caibo
primairo > primeiro
fenestra > festra > fresta

2. Metátese – deslocação de sons na mesma sílaba:

super > sobre


inter > entre
*pro (em vez de por)
semper > sempre
*tauba (por tábua)

3. Hiperbibasmo. Consiste na deslocação não de um fonema mas do acento tônico. Este


fenômeno compreende dois tipos de transposição:

(1) Sístole, quando o acento tônico sofre um recuo:

pantanu > pântano


campana > campa
idolu > ídolo
eramus > éramos
amavissemus > amassemus > amássemos

(2)  Diástole, quando, inversamente, o acento tônico sofre um avanço:


limite > limite
ponere > ponere
tenebra > tenebra

27) PROBLEMAS DE DICÇÃO

Há dois problemas apresentados por alguns falantes com respeito às consoantes líquidas  e
r:

a) Rotacismo (nome derivado da letra grega r “rô”) – consiste em se empregar o /R/ forte no
lugar do / ł / velar – como em carma (por calma), animar (por animal) – ou do // dental –
como praca (por placa).

É bom frisar que, afora o problema físico, o rotacismo tem um ror de ocorrências tidas como
normais e aceitas pela gramática:29

(germânico) blank > branco


(latim) blandu > brando
(latim) clavu > cravo
(latim) duplu > dobro
(latim) sclavu > escravo
(latim) flaccu > fraco
29
Relação tirada de Marcos Bagno in Preconceito lingüístico: o que é como se faz, Edições Loyola. São Paulo:
2000. pág. 41 e in A língua de Eulália, Novela Sociolingüística. Editora Contexto. São Paulo: 2000. pág. 44.
1
(latim) glúten > grude
(latim) obligare > obrigar
(latim) plaga > praga
(provençal) plata > prata
(latim) plica > prega
(latim) ecclesia > igreja
(latim) Blasiu > Brás

b) Lambdacismo (nome derivado da letra grega l “lambda”) – consiste em se empregar o //


dental pelo /r/ fraco – alenga (por arenga), peluca (por peruca).

Daí, o desejo do falante de corrigir a pronúncia que pensa estar errada em calvão (por carvão)
e galfo (por garfo) – a chamada HIPERCORREÇÃO.

1
Sobre a hipercorreção, nada melhor do que o ensino do Professor Cláudio Moreno:

28) HIPERCORREÇÃO

Não é qualquer pessoa que comete erros de hipercorreção; paradoxalmente, eles só atacam os falantes
que têm certo grau de estudo, preocupados honestamente com o correto uso do idioma. Não deixa de ser uma
ironia linguística: eu fico tão ansioso por evitar um erro para o qual fui alertado, que termino aplicando a regra
onde não devia aplicar. Por exemplo: na fala popular de algumas regiões do Brasil, as pessoas mais simples
trocam o /l/ pelo /r/, dizendo *carça, *sordado, *marvada, em lugar de calça, soldado e malvada. Imaginemos
que eu falasse assim e que me desse conta, num determinado momento, que essa troca é um desvio da norma
culta, extremamente prejudicial à minha imagem (em nosso país, todos sabem, a linguagem é um dos mais
terríveis intrumentos de discriminação social). Consciente agora do meu erro e dos prejuízos que ele acarreta,
passo então a evitá-lo a todo custo, mas com tal empenho que termino exagerando: eu, que dizia corretamente
disfarça e armário, passo a dizer *disfalça e *almário. No fundo, estou cometendo um erro novo ao tentar
evitar um erro velho. O que me levou a errar foi um esforço desmesurado de correção, que foi além dos limites
em que a regra deve atuar - daí o nome de ultracorreção, que alguns linguistas dão ao mesmo fenômeno.
Por sua forte motivação sociolinguística, as hipercorreções são mais encontradas na linguagem dos
indivíduos em ascensão cultural, pois essa mudança de lugar na pirâmide social implica uma inevitável tomada
de consciência, por parte do falante, dos traços linguísticos que caracterizavam a posição que ele ocupava
anteriormente. Essa reavaliação de como eu era antes e de como quero ser (ou parecer) agora é frequente na
sociedade moderna (não discuto aqui se isso é bom ou não; apenas registro o fato). Em termos de linguagem,
esse processo é benéfico, pois termina levando o falante a expressar-se cada vez mais de acordo com aquilo que
chamamos de Português Padrão. A hipercorreção só vai aparecer quando o falante faz uma avaliação
incorreta dos dados linguísticos que chamaram sua atenção, corrigindo ali onde não há nada a corrigir.
Esse é o tipo de erro que me faz rir. Devido à minha formação, jamais pude achar graça nos erros de
Português que alguém comete - ou por respeito a quem não teve a oportunidade de estudar, ou por entender que
ali está atuando algum processo linguístico que deve ser investigado. Não zombo, nem sinto piedade de quem
erra na minha frente: honestamente, fico é interessado, porque cada erro me desafia a encontrar as suas causas
(e, não poucas vezes, a reformular os meus conceitos de "erro"). Agora, confesso que acho os casos de
hipercorreção simpaticamente cômicos, próprios para um anedotário da linguagem. Meu grande mestre Luft,
por exemplo, que não era de muitos risos, dá-nos um bom exemplo:
"Caboclo, quando pega de ficar instruído, sabe que deve melhorar sua linguagem. Aprende que, entre
mais coisas, não deve falar paia, veia, reio, mio, oio e baruio. Deve é dizer palha, velha, relho, milho, olho e
barulho. Pois lá um dia o jeca-tatu vai à cidade falar com doutor. Claro, não se esqueceu de miorar, aliás,
melhorar a linguagem. O doutor logo viu o esforço: não só o jeca aprimorou o velho e o barulho, mas ainda as
telhas de aranha e as arelhas da pralha. Isto é o que se chama exceder-se. Saltou no cavalo tão bem, que caiu
no outro lado."
Um caso exemplar de hipercorreção ocorreu, muito adequadamente, diante do grande mestre de nosso
folclore, Luís da Câmara Cascudo, culto e engraçado como poucos. Quem conta é Diógenes da Cunha Lima, no
seu "Câmara Cascudo: um Brasileiro Feliz":
"Luís da Câmara Cascudo é convidado por um amigo, velho mestre de fandango, para assistir a um
ensaio. Estão compostas as duas alas de marujos e, ao som de instrumentos de corda, marinheiros e oficiais
começam a cantar:
– Nas ôndias do mar ...
Pára, pára! - ordena o mestre. - Respeitem o professor Cascudo! Eu já disse mais de mil vezes que a
palavra não é ôndias. A palavra certa é ôndegas.

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