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O discurso sobre a participação e a colaboração na rede (II)

Marta Pinho Alves

Criou-se hoje a noção de que qualquer indivíduo tem a possibilidade de


participar como um membro de uma comunidade online e de, por esta via, criar valor,
com os seus pares. Esta possibilidade tem sido entendida dominantemente como
definidora de um novo modelo cultural que se convencionou designar, a partir da
proposta de Henry Jenkins, como uma cultura participativa. A esta, que reclama a
possibilidade da intervenção de todos e de uma construção partilhada dos seus
referentes e manifestações, corresponde a expectativa de reformulação do modelo
habitual de produção cultural dominado pela indústria, pelas lógicas comerciais e pela
massificação.
Estas novas condições originam efetivas transformações nos modos
convencionais de elaboração e difusão cinemática. As mesmas resultam,
particularmente, da dilatação do número de participantes neste contexto e do
significativo aumento dos canais de circulação e exibição da obra fílmica. No entanto,
embora se possa admitir que, perante o novo cenário, possam ocorrer alguns
condicionamentos ao modelo industrial dominante, é evidente que o mesmo não é alvo
de uma substituição, mas antes encontra forma de utilizar as novas práticas, construindo
negócios sustentados naquele que é considerado o ethos do trabalho em rede e
apropriando e mobilizando o discurso que lhe é associado. As ideias de colaboração e
de coautoria/coprodução passam a ser exploradas por um número crescente de
empresas, com objetivos comerciais. Na sequência disso, estas várias iniciativas, que
são muitas vezes identificadas como motivadoras de uma alteração das relações de
poder, significam antes uma migração das clássicas estruturas de produção e difusão de
conteúdos para um novo contexto onde continuam a exercer o seu papel convencional.
Assim, o novo cenário de colaboração em rede, em vez permitir a redistribuição do
poder entre os vários indivíduos, gera o restabelecimento dos modelos convencionais de
negócio, servindo como estratégia para a criação de empresas e para o aproveitamento,
por parte das mesmas, de mão de obra barata ou mesmo gratuita. Isto significa, como
sugere Toby Miller, que as possibilidades apontadas pelo novo cenário são
domesticadas por processos que mercadorizam as relações livres entre os indivíduos.
Investigação recente demonstra como as empresas de media implementam essas
atividades nos seus modelos de negócio, o que põe em causa a interpretação romântica
da participação. As várias plataformas que surgem na web 2.0, com o objetivo de
explorar o potencial colaborativo dos indivíduos ligados em rede na concretização de
objetos cinemáticos são pensadas, de forma frequente, como negócios que, ao contrário
do que proclamam, não visam a liberdade criativa e a busca de alternativas aos circuitos
convencionais de produção e circulação. A sua génese é antes motivada, dada a
constatação da disponibilidade do trabalho dos participantes na rede, pela tentativa de
aproveitamento e rentabilização dos recursos disponíveis e pela procura de monetização
dos mesmos. Dmytri Kleiner, investigador que se tem dedicado a analisar este
fenómeno, sintetiza-o deste modo: “este acesso facilitado, comparado com a tarefa
tecnicamente complexa e dispendiosa que implicaria deter os próprios meios de
produção de informação, criou um proletariado desterritorializado pronto a alienar
conteúdos/produzir trabalho para os novos infoproprietários da web 2.0”.

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