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O formato Digital Video e a digitalização do cinema fora do contexto industrial

O final dos anos 1990 assinalou um momento novo na digitalização do cinema. Em


1995, um consórcio dos principais fabricantes mundiais de câmaras de vídeo lançou no
mercado o Digital Video (DV), um formato digital de captura de imagens destinado a
múltiplos segmentos de utilizadores profissionais e amadores. Este foi originalmente
concebido para gravação em cassetes magnéticas das quais foram criadas variantes com
características e dimensões distintas, definidas em função de contextos de produção
diferenciados. Este novo formato digital de registo de imagens, assim como todos os
seus sucessores, foi tornado possível graças à criação do charged-couple device (CCD),
um mecanismo que funciona como um sensor que permite converter a luz em descargas
elétricas. As câmaras DV constituíram a primeira aplicação do CCD em equipamentos
de captura de imagens em movimento.
Os equipamentos associados ao formato DV ofereceram várias possibilidades
indisponíveis nos materiais analógicos. Entre os benefícios apresentados foram
nomeados a superior qualidade de imagem e a sua não degradação ao longo do tempo
ou mediante o seu processamento ou reprodução; o baixo custo desses equipamentos e
materiais consumíveis; e a sua pequena dimensão, em particular no caso dos
equipamentos MiniDV – uma das variantes do formato, concebida inicialmente para
utilização amadora –, que possibilitava grande portabilidade e mobilidade e, por isso,
novas modalidades de utilização.
Outro elemento apontado como mais vantajoso dizia respeito à forma como estes
equipamentos facilitavam o processo de edição. Quase desde a sua génese, as câmaras
DV vieram equipadas com uma porta IEEE 1394 (também designada por FireWire ou
iLink) que permitia ligá-las, através de um cabo, a um computador pessoal, de forma a
transferir para aí as imagens e poder editá-las. Este elemento conciliava-se com o facto
de, no mesmo período, estarem já́ disponíveis, para aqueles computadores, alguns
sistemas de edição ‘não-linear’, esboçados a partir dos seus antecedentes industriais, tais
como o Adobe Premiere (o pioneiro nesse contexto, criado logo em 1991, pela Adobe) e
o posterior Final Cut Pro (lançado em 1999, pela Apple). Pouco tempo depois, a
indústria viria a integrá-los no seu trabalho, já́ que os mesmos ofereciam elevada
qualidade, ao mesmo tempo que permitiam uma redução substancial de custos, por não
estarem dependentes de placas de conversão analógico-digital (como ocorria com
alguns dos seus antecessores ‘não-lineares’). Logo em 2003, Cold Mountain tornou-se
conhecido por ter sido o primeiro filme de Hollywood a ser editado com o Final Cut
Pro15. Hoje, este programa de edição e o já́ referido Premiere são muito usados pela
indústria.
Estes novos materiais de captação e edição de imagem em movimento vieram permitir o
alargamento do número de intervenientes no território da produção cinematográfica. Os
não profissionais passaram a ter à sua disposição equipamentos de registo com elevada
qualidade de imagem, baixo custo e fácil utilização. Além disso, obtiveram a
possibilidade de editar as imagens mediante interfaces simplificadas, através dos seus
computadores pessoais. Se desde o surgimento do vídeo analógico e, mesmo antes, com
os formatos amadores de película, tinha sido possível aos amadores registar imagens,
antes do DV a montagem dessas imagens apenas estivera disponível para iniciados,
exigindo elevada disponibilidade financeira e conhecimentos avançados. As
características dos novos equipamentos estiveram na génese de transformações
importantes para o cinema produzido no contexto amador, o que resultou mesmo na
transição de alguns dos seus protagonistas para o território profissional.
(continua)

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