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Menos Platão e mais Sócrates

Hanna Arendt, cujo falecimento completa 45 anos hoje, teve um papel


fundamental no pensamento do século XX, em especial por tentar pensar em
uma Ética, em especial uma Ética Política, compatível com a emergência e
preponderância do indivíduo na sociedade contemporânea, tentando lidar com
os insulamentos e fragmentações que marcam um mundo no qual já não há
verdades absolutas que o guiem. A despeito de eventuais divergências com a
cosmovisão existencialista que a informa, as reflexões que ela traz são mais do
que necessárias em um mundo onde o totalitarismo está sempre a espreita, em
especial na sua moderna roupagem tecnocrática.

Sem querer discutir o pensamento dela, complexo e profundo, só pinço


uma pequena reflexão dela no “A Dignidade da Política”, em uma leitura
totalmente não autoriza, quando ela contrapõe a visão de Platão, segundo o
qual é necessária uma ditadura do filósofo; a qual pode inclusive mentir e
trapacear para manter-se, em noem de destruir a pluralidade de opiniões para
impor a verdade, e a visão original de Sócrates de que seria possível conduzir,
com o devido método, a opinião de cada um, formada em sua visão parcial da
realidade, até o conhecimento verdadeiro.

A função do estadista – segundo Arendt/Sócrates – seria ser capaz de


compreender esta diversidade de “doxas”. Como ela diz no livro citado: “Se
quiséssemos definir, em termos tradicionais, a única virtude importante do
estadista, poderíamos dizer que ela consiste em compreender o maior numero
e a maior variedade possível de realidades”. Enquanto isto o papel do
filósofo/pensador seria construir a compreensão, a linguagem comum no qual
esta pluralidade de visões e ângulos pudesse convergir na verdade.

A primeira condição para isto, destacam Arendt/Sócrates, é de que cada


ator do processo seja verdadeiro consigo mesmo, em especial o estadista que
conduz o processo e o filósofo que age como facilitador (para usar um termo
contemporâneo). Não estar em desacordo consigo mesmo, ser portanto
verdadeiro e não fragmentado é tão relevante quanto estar em desacordo com
as visões distorcidas.

Mesmo nesta pequena pinçada de um pensamento muito mais


complexo, e peço desculpas pela mutilação, há pontos nesta reflexão que são
muito necessários para entender o cenário político que emerge das eleições e
nos projetos e estratégias que dele devem emergir.

As perspectivas de diálogo vão se limitando na medida em que os


sucessivos apelos aos instintos mais baixos e básicos – ao que Sagan
chamava, à luz da fisiologia, de cérebro réptil – produziu e trouxe à luz algumas
visões de mundo viscosas demais para que se possa interagir com elas,
mostrando como nossa casca de civilização é ainda muito precária. Mas
mesmo excluindo esta disputa de milhões de anos entre o cerebelo e o
neocortex, há ainda todo um campo de diálogo a ser construído.

Um ponto fundamental de toda concepção

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