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Dias dE Azar

Crer para não sofrer

Stélio Bento Changule


Índice
Dedicatória............................................................................. 4
Azar não custa. ...................................................................... 5
Os amigos são sementes de azar. .......................................... 9
Nos dias de azar ninguém tem sorte. ................................. 14
Nos dias de azar as circunstâncias da vida conspiram
contra si. .............................................................................. 20
Nos dias de azar as pessoas conspiram contra si. .............. 26
Nos dias de azar você conspira contra si mesmo. ............... 34
Nos dias de azar não há conscidências mas sim armadilhas
.............................................................................................. 40
Os dias de azar são os dias das imprevisibilidades ............ 46
Como tudo na vida os dias de azar têm fim ........................ 55
Crer para não sofrer ............................................................ 64
A confissão ........................................................................... 69
Dedicatória.
Este livro é dedicado de forma muito
especial a todos policias de trânsito que dia e
noite, debaixo do sol ou da chuva encontram-
se nas estradas nacionas dando o seu
contributo para que acidentes sejam
evitados e vidas sejam poupadas.

A mesma dedicatória de forma muito


especial estende-se também a todos
azarentos do mundo. Sim, a todos aqueles
que sempre metem-se em sarilhos mesmo
que de forma não intencional. Seus idiotas!
Azar não custa.
Você já ouviu falar sobre dias de azar?
Parece brincadeira mas os dias de azar
existem mesmo. São nesses dias que Deus
usa um pouco do seu tempo para nos
atormentar o dia todo. Vou contar uma
experiência por mim vivida nos meus dias de
azar. Se você não acreditar a culpa é sua!

Eu sou Mário, tenho 15 anos de idade e vivo


numa casa de pau-a-pique, vulgo caniço no
bairro 9 da cidade de Xai-Xai. Na minha
casa de caniço, vivo com minha mãe e meus
dois irmãos Tiago e Mãezinha. Ambos de
seis anos de idade. Sim, são gémeos. Você
não é burro.

Era meio de semana, por sorte, também era


o período de férias escolares de fim de ano.
Mais um dia de férias acabava de começar,
eu estava na cozinha lavando pratos. Na
cabeça vinha- me a música de Lucky Dube-
Slave.

Por uns instantes, a música parou, a pausa


repentina fora causada pelo barulho
estrondoso vindo em minha direção, eram os
gritos da minha mãe. Ela vinha correndo de
longe, escoltada de poeira e chovendo a
suores.Ela estava toda atrapalhada. E
finalmente chegou até mim.

Em dias normais ela me perguntaria se eu


havia enchido o tambor e os bidões de água
mas, já que era um dos meus dias de azar:

-Mário, estão aonde Tiago e Mãezinha?

Raramente me dou bem quando minha mãe


não consegue achar esses dois.

-Não sei.

-Não estão em casa dos amigos?

-Não sei mamã.

Minha mãe disparou-me com um olhar


céptico.

-Mas podem estar em casa dos amigos?

-Oh, não sei.

Não tardou muito para minha mãe explodir.

-Hawena Mário, o que você sabe?

-Mas mamaã...
-Mas mamã o que? Sai daqui, vai lá ver se os
seus irmãos estão em casa dos amigos, e se
estiverem lhe chama para virem aqui...
depressa pá.

Deixei os pratos na bacia enquanto encarava


o rosto pálido da minha mãe, o que me valeu
um carrolho bem dado no meio da cabeça.

-Famba!

No seio da rua eu queimava com o calor


matinal, se a minha mãe não tivesse me
expulsado de casa a gotwanas eu teria me
dado tempo de levar um chapeu.

Enquanto caminha em direcção á casa dos


amigos dos meus irmãos, ví uma multidão
arrastando poeira de um lado para o outro,
todos corriam dizendo «pega ladrão» mas, o
ladrão já tinha fugido.

Eu inocente, mesmo distante da multidão


também levantei a voz e puz- me a gritar
«pega ladrão».

Foi quando um mano que acabava de sair do


quintal de uma das casas vizinhas chamou-
me com assobios e gestos.
Mal cheguei lá o gajo recebeu-me com uma
rasteira, subiu em em mim e rematou-me a
chapadas, levantou-se e chutou- me na
barriga, daí percebí que aquele era o ladrão
foragido então comecei a gritar «ladrãooo, o
ladrão está aqui», a multidão já havia se
dispersado.

O gajo levantou-me do chão, rebentou-me a


chapadas e deixou- me girando e vendo
estrelas em plena luz do dia na rua.

Levei tanta porrada que se não fosse pela


visão do chinelo que vinha desfilando na
mão da minha mãe lá no fim da rua, eu teria
esquecido completamente da minha missão.
Os amigos são sementes de azar.
Vou contar uma história, dentro desta
mesma história. Na altura, minha
mãenãoqueria ter filhos. Aos seus 16 anos de
idade, ela viu muitas de suas amigas
abandonandoa virginade, isso cutunou e
muito a mente dela. Cansada de esperar,
minha mãe embarcou no mesmo barco, mas
ficou grávida.

Oito anos depois, as amigas da minha mãe


tomaram vacinas anticocepcionais e
livraram- se dos irritantes preservativos.
Elas disseram a minha mãe que as vacinas
eram tão eficaz que, mesmo tendo feito sexo
uma semana após a injecção não ficaram
grávidas. Minha mãe ficou vislumbrada com
a boa nova e foi ao posto de saúde aplicar a
injeção. Depois esperou duas semanas sem
fazer sexo. Ao cabo de duas semanas ela fez
sexo, e ficou grávida, de gêmeos.

Daí em diante, minha mãe nunca mais deu


ouvidos às amigas. Ela diz que quem cria
muitas amizades cultiva um hectar de azar.
Depois de levar uma tremenda porrada de
um ladrão foragido, fiquei com a roupa toda
empoeirada, o cabelo cheio de arreia, ganhei
até de brinde uns hematomas na barriga. O
meu rosto, por sorte, permanecia sem
hematomas, nem inchaços, embora as
chapadas.

Sacudí- me a poeira e o cabelo, e continuei


cocheando em direção à casa dos amigos dos
meus irmãos.

Enquanto eu caminhava, um carro de caixa


aberta vermelha, dupla cabina, marca Ford,
vinha atrás de mim. Eu estava acabado não
tinha como me eforçar mais para afastar- me
da estrada.

O condutor arriscou- se a bater o quintal de


uma das casas nas proximidades e travou
bem onde eu estava, o vidro escuro desceu.
Um monhé estava ao volante.

-Alo amigo, você parecer estar alejado.


Vamos te levari ao hospital.

-Não precisa tio, estou bem. Obrigado!


No mesmo instante ouví uma voz familiar
saindo de dentro carro.

-Yah, está alí meu amigo. Podem chamar ele


para entar, ele vai aceitar.

Era um amigo, não tão próximo assim mas


uma amigo da zona. O monhé notou a minha
curiosidade em ver a pessoa que falava
dentro do carro.

-Então se você estar bem, nos ter que ir pra


casa.

Para quem ia me dar boleia ao hospital a


alguns segundos atrá, o monhé parecia estar
muito apressado!

Sem me aperceber, enquanto eu examinava


a expressão facial do monhé, um homem,
que por sinal era o seu súbdito surpreendeu-
me, agarrando-me pelas costas, e de seguida
metendo-me no carro pela porta de trás.

Fiquei me questionando, que tempo teve


parar sair do carro sem que eu me
apercebesse? E, na mesma fracção de tempo
em que ele saiu do carro sem que eu o visse,
o meu amigo Paito também fugiu sem que
ele o visse.

Fiquei encurralado entre um monhé e um


Ninja negro num carro que já se encontrava
em movimento.

-O que se passa aqui, onde está o Paito?

Perguntei assustado, não se obriga ninguem


a aceitar boleia.

Irritado, o Ninja acertou- me uma cotovela


no peito e mandou- me calar a boca.

-Boss, aquele outro miudo fugio!

O monhé parecia estar alegre, como se


tivesse acertado uma encomenda melhor.

-Aquele pode deixar ir Hermenegildo. Eu


queria esse stilo mesmo. Esse rapaz ser bom
para o serviço.

-Do que vocês estão falando, que serviço é


esse?

Comecei a chorar dentro do carro

-Cala a boca!
Gritou o Ninja.

Com risos de rasgar bochechas, o monhé


virou a cabeça para a cabine de trás e disse:

-Você ir para sua nova casa. Você nem


querer mais voltar para sua casa. Você
gostari dos dinheiro e mulheri que vai comer
lá no serviço. Nossas clientes gostari de
rapagi bonito e crançinhas como você.

-o que?

Confesso que no começo também não entendi


perfeitamente.

-Você vai ser um dos nossos garrotos de


programa rapaz.

Disse o homem, revelando um sorriso


amarelo, e acrescentou

-Você vai gostar do dinheiro que vai fazer


brincando aquelas coroas e, se tiver sorte,
brancas.
Nos dias de azar ninguém tem sorte.
-Socorrooo!

Eu sempre sonhei em um dia desvirginar


mas, em nenhuma das circunstâncias nos
meus sonhos envolvia essa tragédia, muito
menos mulheres velhas.

-Cala a boca pá!

O homem acertou-me mais uma cotovelada


no peito mas, desta vez eu disferí um golpe
de cabeça no seu nariz e deixei ele mais
assustado do que nervoso.

-Hermenegildo pá, porque você demorari dar


sorinífero esse menino dorimiri pá. Já estar
entrari na estrada, não querer confusão eu.

Depois da pancada que recebera de mim, o


súdito pensava duas vezes antes de me
tocar. Embora pesasse o receio, não tardou
muito para o Ninja cumprir as ordens.

Com uma das mãos, encostou a minha nuca


contra a cadeira e com a outra segurou a
injecção e que de seguida aplicou-me na
coxa.
Em questão de segundo eu já estava nos
céus.

Acordei num quarto enorme, mais grande


que a sala de minha casa e o quarto da
minha mãe juntos. Minha mãe? Damm it,
minha mãe vai me matar. Comecei a sentir
dores de cabeça.

-Desgraçado do ladrão foragido, suas


porradas estão começando a fazer efeito.

Tentei levar a mão a cabeça mas, eu


encontrava-me algemado com as duas mãos
afastadas numa cama enorme.

Duas moças entraram no quarto, elas


estavam muito pouco vestidas e com ar de
atrevidas, uma mais atrevida que a outra.

-Finalmene o bicho acordou.

Disse uma delas enquanto tirava o pouco de


roupa que tinha. A outra limitou- se
apenasem subir na cama e andar nela como
se de um tapete se tratasse.

-Eu tenho nome, e não é bicho.


Respondi enquanto lutava para safar-me das
algemas.

A moça lançou um sorriso sacana e disse:

-Não estou falando de si querido, mas sim do


seu bicho.

Ela falava apontando para meu júnior que


estava parado. A outra riu- se e eu fiquei
todo atrapalhado.

-Como é possível? Isso tem hora para


acontecer, que horas são? Tirem-me essas
algemas, eu não sou um ladrão.

A moça em cima da cama mostrou- se


impaciente para um papo furado, cortou todo
palavreado.

-Não é um bicho nem ladrão, a gente sabe


disso, corta o papo furado. Qual de nós?
Escolhe.

-O que?

Ainda que desfilando sobre a cama, a moça


aproximou-se de mim, deitou-se no meu
corpo e falou bem devagar no meu ouvido.
-Hermenegildo mandou a gente preparar o
seu aço, essa é a regra da casa com os
novatos. Agora eu vou perguntar-lhe uma e
última vez, com qual de nós você vai querer
fazer sexo?

Bem antes da moça terminar eu já


respondia.

-Com você. Eu quero fazer sexo com você.

Um silêncio seco dominou o lugar. Os três


ficamos, espantados pela rapidez com a qual
respondi a pergunta.

Talvez a ansiedade de desvirginar tenha


tomado conta de mim. Talvez!

A moça não escondeu o seu espanto.

-Foi mais rápido que o esperado. Certo, Elisa


podes sair, ficarei com ele.

Elisa vestiu-se e ia-se embora. Não tão


contente, parecia que ela queria preparar o
aço.

-Porque não ficam as duas?

Ouvindo isso Elisa recuou os passos


entusiasmada e falou para amiga.
-Sim Ana, eu posso ficar. Vamos fazer
juntar. Ele é bonito, á hawena!

Ana concordou, e foi acordado que fariamos


um threesome. Que sorte é essa minha,
desvirginar logo com duas!

Do nada ouve um apagão e o quarto estava


às escuras, assim também ficou o meu
coração. Hermenegildo, que na verdade é o
Ninja, entrou no quarto com uma na laterna
na mão.

-Vistam-se, rápido. Temos que sair daqui.

O Ninja disparou-me com um olhar de


poucos amigos.

-O que aconteceu?

Perguntou Ana.

-Recebemos um alerta de um dos nossos


informantes, a polícia está vindo aqui
sacudir tudo.

O súdito voltou a encarrar- me com um olhar


malicioso e sentí- me obrigado a responder
com uma pergunta.

-Tem algum problema comigo?


O súbdito nada respondeu, apenas deu
ordens para as moças me soltarem.

-Tirem as algemas desse palhaço.

As moças tiraram- me as algemas e


levantaram- me da cama. Bem na hora em
que eu ficava de pé, o Ninja surpreendeu-
me com uma cabeçada bem forte que me
apagou na hora.

Fui acordar no dia seguinte pelo cântico do


galo no quarto de uma casa abandona da
minha zona.
Nos dias de azar as circunstâncias da
vida conspiram contra si.
Pensar que voltar para casa marcou o fim do
meu azar foi uma pura ilusão. Há uma moça
no bairro, que a tempos vem me tirando o
sono. Finalmente tive o contacto dela, e
ontem, justamente ontem era o dia do nosso
primeiro encontro. Eu fui espancado,
raptado e novamente nocauteado. Não que
isso importe lá muito na minha conquista
mas serve de desculpa para um encontro
cancelado.

Saindo da casa abandonada onde eu fora


deixado na minha zona, lembrei da moça
linda e do encontro marcado que não veio a
ser celado. Por sorte, lembrei também que
trazia meu celular no bolso. Peguei no
celular e vi 36 chamadas perdidas e 24
mensagens.

Engana- se quem pensa que todas aquelas


chamadas e mensagens eram da Júlia, ups!
Eu não queria revelar o nome dela, mas já
que já sabem, paciência.
Das 36 chamadas perdidas, apenas 3 eram
da Júlia e as restantes 33 da minha mãe.
Das 24 mensagens, 3 eram da Júlia nas
quais...

A primeira dizia: oi tudo bem? Já estou


pronta, podes vir me levar no portão da
minha casa;

A segunda: oi, já estou no portão, onde


estás?

E a última: oi, já esperei tempo demais,


estou desiludida contigo. Adeus!

Quanto as 21 mensagens que restaram,


adivinhe de quem eram todas elas! Prontos,
darei uma dica.

A primeira mensagem dizia: é bom você não


voltar aqui, porque se voltar vai render.

Acho que já a tem resposta.

Eu ainda estava caminhando para casa,


pensando no que eu diria a minha mãe. E
depois a Júlia, claro.Pensei e cheguei a
conclusão que diria nada mais e nada menos
que a verdade e, quando devolví o celular ao
bolso sentí alguns pequenos objectos de ferro
e frios no bolsos.

Lembrei que eram os dez meticais que havia


reservado para comprar crédito quando
chegasse o momento de ter com Júlia ontem.
Peguei naquelas moedas e comprei uma
deginha.

Respirei fundo, contei até três e liguei para


minha mãe. Bem, na verdade minha mãe
não se zangou comigo, ainda ontem, Paito foi
ter com ela e falou o que havia acontecido.
Aliás, foi graças ao Paito e alguns vizinhos
aventureiros que a polícia invadiu o
prostíbolo, na verdade, a policia já o
conhecia desde a muito.

A primeira ligação trouxe- me alívio a


mente, faltava ligar para Júlia. O número
dela chamou e de imediato ela atendeu.

-Alo.

-Oi Júlia tudo bem?

-Não.

-Porque?
-Marquei um encontro com alguem ontem e
fui matrecada.

-Desculpa Júlia, mas eu fui raptado ontem, e


só voltei por sorte.

-Ah, conta outra Mário.

-Sério Júlia, não posso brincar com isso.

-Ta, esta bem. Hoje, a mesma hora, mas se


me matrecar de novo, é melhor apagar o
meu número.

-Não vou. E, obrigado pela compreensão.

-Esta bem. E se você não ligar nem mandar


mensagem primeiro, eu vou ficar no silêncio.

-Esta bem.

Cheguei em casa e de longe vi minha mãe


lavando louça. Assim que pôs os seus olhos
em mim ela veio correndo para me dar um
abraço.

Nunca vi minha mãe tão feliz. Aliás, devia


colocar entre parênteses, desde o dia em
apanhou dois mil meticais no chão voltando
do mercado.
Minha mãe abraçou- me de todas as
maneiras, beijou- me em tudo o quanto é
lugar na cabeça, naquele momento percebi
que no fundo eu sou amado.

Em meio aos da minha mãe, notei a


ausência do meus irmãos no quintal de casa,
afinal de contas, eles foram a raiz de toda
aquela confusão e porrada que apanhei.
Então perguntei a minha mãe onde eles
estavam.

-Filho, os teus irmãos viajaram.

-Para onde eles viajaram?

-Para casa seu tio em Maputo. Foi por isso


que mandei você chamar eles ontem.

-Está bem.

Até aí estava tudo bem, mas quanto eu ia me


afastando dela, indo descansar no meu
quarto. Minha mãe disse algo que tirou toda
minha alegria.

-Filho, você também deve viajar.

-Quando?

-Hoje
-Hoje?

-Foi o que eu disse. Por acaso ficou surto lá


onde estava?

-Mas mamã, não dá pra eu viajar amanhã?


Tenho algo a fazer hoje.

-Marito, não quero ter problemas consigo.


Eu já disse que você vai viajar hoje, e
prontos. Até vai lá tomar banho agora.
Depressa.

Peguei no meu celular e apaguei o número


da Júlia.
Nos dias de azar as pessoas conspiram
contra si.
Ainda faltavam duas horas para que
qualquer burro dentro do país desse
indicação de meio-dia. Eu estava na sala
despedindo- me da minha mãe. O meu
semblante não mostrava agrado algum em
viajar, mas o dela mostrava o contrário, o
que significava que nada ia mudar.

De barriga cheia, saí de casa rumo a


paragem. Quando as portas não são do seu
agrado, elas mesmas abrem-se para si e
puxam- te para dento. Eu estava na
paragem, e em poucos segundos um chapa
apareceu faltando um passageiro para
completar. Algo raro de acontecer.

Enquanto o chapa encontrava-se parado na


portagem da pontinha, um velhote sentado
ao meu lado no último banco soltou um peido
meio silencioso. Eu não consegui me segurar,
abri a janela a minha direita e comecei a rir.

Poucos segundos depois, os restantes


passageiros também sentiram o odor, e já
que eu era o único rindo, todos pensaram
que fui eu.

E num piscar de olhos, eu já estava sendo


apontado dedos, insultado, ameaçado de
porrada e só não fui atirado pela janela
graças a ganância do cobrador.

Até Macia os passageiros ainda falavam de


mim. Eu não me defendia porque não
mudaria nada, a não ser que eu acabasse
mesmo levando porrada. E o velhote
continuava calado.

Finalmente cheguei á casa do meu tio.


Foram três horas de viagem muito
desagradáveis.

Meu tio vive sozinho numa casa de


alvenaria, simples mas bonita do tipo 3, vem
com cozinha e casa de banho dentro e tem
até garagem no bairro A do aeroporto, bem
perto da terminal de cargas.

Entrei no quintal da casa pelo portão


pequeno, sorte minha que meu tio nunca
gostou de cães.
Meu tio tem 28 anos de idade, é o único
irmão da minha mãe. Depois da morte dos
meus avôs, ele é a única familia que a minha
mãe tem, tirando eu e meus irmãos claro.

Apesar de ser mais novo, meu tio tem


ajudado minha mãe com as contas de casa.
Ele é polícia de trânstio.

Agora encontra-se de férias de serviço e


pediu a minha mãe para que eu meus e
irmãos fossemos ficar alguns dias com ele
antes de ele ir passar o natal e fim de ano
com a gente em casa.

Voltando ao assunto. Eu acabava de entrar


no quintal da casa e, enquanto caminhava
pelo quintal, apreciei a nova carinha do meu
tio estacionada na entrada da garagem.
Uma caixa aberta branca de dupla cabina,
marca Izuzu.

Dei mais alguns passos e eu já estava na


varanda. Meu tio estava assistindo desenhos
animados com os meus irmãos na sala,
assim que ele me viu entrando gritou:

-Campeão! Seja bem-vindo meu caro.


-Tio Lázaro, obrigado! Boa tarde.

Nesse momento eu entrava na sala de estar.


Meus irmãos levantaram-se e vieram
abraçar-me. Mãezinha foi a primeira a falar.

-Mano, disseram que foste sekestrado.

-Diz-se sequestrado sua burra.

Retrucou Tiago.

-Calmem manos. Sim, eu fui sequestrado,


mas eles viram no que dá quando se pega
um gajo errado.

Tiago mostrou-se curioso e perguntou.

-Você bateu todos eles?

-Sim e mandei todos eles para correrem bem


longe da nossa zona.

-Quem me dera se Tiago fosse um deles, só


para ver ele levando um chute na bunda.

Provocou Mãezinha, ao que Tiago respondeu


com o dedinho proibido.

Bem que meu tio se divertia vendo aquela


cena, mas ele teve que cortar a fita.
-Crianças, o que acham de ir a cozinha
ajudar tia Aninha a preparar o lanche?

Tia Aninha é a empregada da casa, ela tem


42 anos de idade.

-Mas tio Lázaro, ninguém pediu lanche.

Disse Tiago.

-E nem eu estou com fome, a gente acaba de


almoçar, lembra?

Perguntou Mãezinha.

-Sim, Lembro. Mas o vosso irmão acaba de


chegar de viagem e ele deve estar com fome.
Não está com fome Mário?

-Estou sim tio Lázaro.

-Ouviram nem? Então vão ajudar a tia


Aninha a preparar a mesa para o mano
Mário almoçar.

As crianças não viram mais motivos para


continuar a tagarelar, sairam da sala
correndo como tantas outras crianças fazem.

Eu ainda não havia me sentado. Tio Láraro


fez- me lembrar disso. Então sentei- me.
Depois de certificar-se de que as crianças já
estavam na cozinha, tio Lázaro veio
furtivamente até ao sofá onde eu estava
sentado. Parecia que ele queria ter papo
privado comigo.

-Então Mário. Eu sei que você teve uma


viagem longa e porventura, cansativa.

Na minha cabeça veio a seguinte frase «sabe


nada!»

-Sim tio, foi uma viagem cansativa.

-Eu sei meu sobrinho.

Meu tio começou a coçar o cabelo, e eu


comecei a presentir que algo nada bom vinha
daquela cabeça.

-Se tiver algo a falar tio Lázaro, pode falar.

-Precisamos viajar. Eu e você, ainda hoje.

-Para onde?

-Xai-Xai.

Naquele instante, veio me na mente a


imagem da Júlia.
-E qual é o motivo para essa viagem
repentina?

-A sua tia Isabel resolveu dar uma festa


surpresa ao pai. Ao que parece, surpreendeu
até os convidados. Sua mãe inclusive.

-Está bem. E as crianças?

-Deixe as crianças aqui. Pedirei a tia Aninha


para leva- las com ela a casa dela. Ela vive
na casa ao lado. Confio nela. Agora, vai
almoçar depois toma um banho e descança.
As dezasseis nós partimos para Xai-Xai.

-Está bem.

Para o meu tio, eu parecia estar disposto


para mais uma jornada de viagem no mesmo
dia, mas por dentro, eu estava muito feliz da
vida.

Se saíssemos de casa as dezasseis como o


meu tio disse, piloto de fórmula 1 que ele é
ao volante, até dezoito e trinta no máximo
estaremos em Xai-Xai. O que me daria o
tempo de trinta minutos antes do meu
encontro com a Júlia.
Quando pensei que tudo estava perdido, eis
que mais uma oportunidade aparece.
Nos dias de azar você conspira contra
si mesmo.
Dezasseis horas e sete minutos marcava o
meu celular. Eu e o meu tio estávamos
dentro da KB branca dele, no lado de fora do
muro de casa.

Despedímo- nosdos meus irmãos com


promessas de voltar no dia seguinte e que a
casa estava toda ela sob o comando deles.
Bem, quem fez a última promessa foi
somente o meu tio. A casa é dele, não me
leve a mal!

Era quarta-feira, e o trânsito não estava


congestionado. Foi fácil sair da cidade
usando a N1 sem apertos. Em uma hora já
havíamos passado Manhiça.

Caia a noite aos poucos quando passávamos


Macia. Peguei no meu celular com o intuído
de dar sinal a Júlia pois lembrei do que ela
disse na manhã de hoje «e se você não ligar
nem mandar mensagem primeiro, eu vou
ficar no silêncio.»

Com o celular na mão, entrei na lista de


contactos e procurei o nome dela mas nada
encontrei. Tentei digitar o número no campo
de chamadas mas eu não o tinha
memorizado. Isso até seria nada se não
tivesse apagado as chamadas e mensagens
dela poucos segundos após eu ter falado com
ela de manhã pelo meu vício incenssante por
privacidade, por medo de ninguém saber por
quem estou afim.

Comecei a odiar- me por isso. Meu tio


apercebeu- se de que eu estava um pouco
agitado e disse:

-Sabes que se estiveres apertado é só pedir


que eu paro nem?

-Não estou apertado tio.

Na altura passávamos a vila de Chissano.

-Então o que te encomoda?

-É que eu marquei de me encontrar com uma


gaja hoje.

Meu tio mostrou-se surpreso.

-Opha. Pensei que estivéssemos indo juntos


a uma festa!
-Ah, fala a sério. O tio vai a uma festa
organizada por sua namorada. É justo que
eu também vá arranjar uma para mim
enquanto você vai sozinho a festa. Aliás, tio
disse que minha mãe também vai a festa,
então quando chegarmos em casa aposto que
ela estará pronta pra ir consigo.

-Está bem, entendi. Agora, porque você está


tão frustrado assim?

-É que eu marquei de me encontrar com ela


ontem e não deu certo. Então ela disse que
se eu matrecasse hoje também, eu devia
apagar o número dela.

-Pra que horas vocês marcaram esse tal


encontro.

-19 horas.

-Ora vejamos, agora são dezoito e dois, e


estamos bem perto de passar Chicumbane,
ainda vai a tempo para você chegar ao seu
encontro rapaz.

-Tempo não é o problema tio.

-Então qual é o problema?


-Eu apaguei o número dela tio Lázaro.

-O que?

-Eu apaguei o número dela.

Meu tio pôs-se a rir.

-Mas porque você fez isso Mário?

-Ah estava confuso e cheio de raiva na hora.


Mamã me obrigou a viajar e a Júlia deixou
bem claro que se eu matrecasse eu devia
apagar o número dela. Estava claro que isso
não daria certo, então apaguei o número
dela.

-Não conheces alguem na zona que possa ter


o número dela? algum amigo seu ou amigas
dela?

-Deixa estar tio Lázaro. Não quero que os


isso vire papo na zona.

As dezoito e trinta e seis chegamos em casa.


Como eu disse antes, minha estaria pronta
para sair. E lá estava sainda da sala de casa.
Não demorou para que ela e meu tio saíssem
de casa rumo a festa.
Ainda faltavam cinco minutos para dezanove
horas quando saí de casa rumo a casa da
Júlia, na verdade, rumo ao portão da casa
dela. Levei apenas dois minutos até lá
chegar.

Para ser sincero, eu nem sei em que vida eu


teria uma chance de namorar com a Júlia,
muito menos entendo porque me dei o
trabalho de me importar com esse encontro.
Uma miuda do status dela dificilmente se
rebaixaria tanto a ponto de namorar um Zé
ninguém como eu.

Ela vive numa casa luxuosa, imagina o que


significa viver numa casa de um andar? E eu
que vivo cercado de caniço. Sem chance! Mas
já que estou aqui, paciência.

Ao lado do portão da casa dela estava


estacionado uma Toyota Land Cruiser
branca de uma só cabine. Meus pés estavam
cansados mas a minha mente de imediato
proibiu-me de encostar no carro para
descançar.

Coloquei uma playlist no celular e fiquei


rodando em circulos como formar de distrair-
me.
Quinze minutos passaram- se e nenhum
sinal da Júlia. Pensei e cheguei a conclusão
de que esperaria mais cinco minutos, se
dentro de cinco minutos ela não saísse eu ia
para casa. E acabei esperando por 15
minutos, e ela não saiu.

Estava claro que ela não sairia, então voltei


para casa.

Durante o caminho eu não conseguia


esconder de mim mesmoa tristeza que
sentia, e na mente sóme vinha um termo
para me definir melhor «idiota.»
Nos dias de azar não há conscidências
mas sim armadilhas.
Quando se vai a uma festa noturna, ainda
mais quando essa festa envolve álcool, é
esperado que se acorde tarde no dia
seguinte. Pelomenos assim costuma ser, mas
essa regra parece não se aplicar quando o
assunto é minha mãe.

Podia jurar e tenho até minha memória por


testemunho que a minha mãe voltou as duas
da madrugada, isto porque foi eu quem
abriu a porta para ela entrar.

Mesmo assim, até as seis da manhã lá


estava ela gritando o meu nome na sala.
Pelos vistos até minha ausência consegue
cometer erros aos olhos da minha mãe.

-Miudo não me faça vir até ai.

Tenho certeza que o meu dia começaria de


uma forma mais pior ainda se eu deixasse
ela vir.

Com medo de apanhar decidi responder e,


ainda que resmungando saí do cobertor,
calcei os chinelos e fui á sala. Na sala, dei
logo de cara com o meu tio e um senhor
Mulato calvo de pança enorme. Era o senhor
Rodolfo, pai da Júlia. Nenhum rosto dos
presentes transparecia um pingo de
animosidade.

Recorrí ao meu porto seguro.

-Tio Lázaro, como está?

Tio Lázaro também não parecia estar para


brincadeiras.

-Estou bem Campeão e você?

-Também estou bem. Pensei que o tio tivesse


dormido em casa da tia Isabel.

-Dormi lá sim Campeão, mas a tua mãe


interrompeu- me o sono porque você meteu-
se em problemas, assim ela disse.

-Eu? Que problemas são esses?

Nessa altura minha mãe entrava na


conversa.

-Mário, o que você fazia em casa do senhor


Rodolfo ontem?
-Eu? Eu não cheguei de entrar em casa de
ninguém ontem. O que eu fiz foi somente
ficar na rua dele. Porque? É crime agora
ficar na rua de alguém?

-Não, ficar na rua de alguém nunca foi


crime.

Disse meu tio e voltou a acrescentar

-Mas escuta o que o senhor Rodolfo tem a


dizer.

No bairro, o senhor Rodolfo é homem da


idade dos cinquenta e pouco anos. É
conhecido por ser empresário de sucesso,
mas convenhamos que de uns tempos para
cá ele tem andado um pouco mal nas suas
contas bancárias. Tem feito muitos
empréstimos e dado poucas festas do que
antes. Pelo visto o seu império está em um
declínio eminente.

Senhor Rodolfo reajustou o seu traseiro na


cadeira, limpou a garganta e disse:

-Bom dia jovem Mário.

-Bom dia senhor Rodolfo.


-Vou deixar bem claro que ficar na minha
rua não é e nunca foi um crime. A menos,
claro, que algo de alto valor monetário como
o meu Land Cruiser que estava estacionado
bem na entrada da minha casa.

As acusações do senhor Rodolfo foram tão


pesadas que o tio Lazaro sentiu-se obrigado
a interromper o descurso do senhor Rodolfo.

-Desculpa interromper senhor Rodolfo, mas


vendo o meu sobrinho, o senhor acha que ele
é capaz de roubar um carro, ainda mais um
daquele porte?

-Sinceramente falando, já foram- se os bons


tempos em que podíamos confiar uns aos
outros.

Respondeu o senhor Rodolfo.

Ainda de pé, fiquei olhando para a cara do


senhor Rodolfo enquanto ele falava, e vinha-
me na mente o seguinte pensamento
«maldita hora que me apaixonei pela sua
filha»

Nem com isso o senhor Rodolfo não parava


de falar.
-E ademais. Meu filho disse que conscidiu
consigo na rua da minha casa quando
voltava da oficina ontem por volta das
dezanove e trinta. E antes de cruzar consigo,
ele viu você girando em círculos perto do
carro.

Nesse instante, minha mãe teve um ataque


de choro. Custava- lhe ficar ouvindo tal
acusação que pesava sobre o filho. Antes que
o choro se prolongasse para um ataque
cardío, meu tio apressou em acalmá- la.

-Mana acalma-te, te garanto que foi só um


mal entendido. O miudo não seria capaz de
roubar um carro.

Vendo que mantendo ela alí serviria apenas


para piorar a situação, meu tio prefiriu pedir
que ela se retirasse, que fosse apanhar ar
fresco no quintal. Tendo minha mãe saíndo
da sala, tio Lázaro disparou o mulato com
um olhar picante e fez-lhe uma pergunta.

-E onde está o seu filho?

Assustado, senhor Rodolfo respondeu.


-A essa altura deve já ter chegado em
Inhambane. Mandei ele ir fazer um
carregamento de peças de automôveis hoje
de madrugada.

-Como o senhor pode mandar o seu filho


para um lugar distante mesmo depois de ter
usado ele como testemunha que liga o meu
sobrinho ao seu carro roubado? Só me
faltava essa, acusar o meu sobrinho por
causa de uma simples conscidência.

Sem se aperceber, meu tio também estava


sob ataque de nervos. Por alguns segundos
verificou- se que sua camisa começava a
inundar de suor.

Ninguém pronunciou mais uma sequer


palavra.
Os dias de azar são os dias das
imprevisibilidades
-O carro do senhor tem seguro?

Perguntou o tio Lázaro.

-Sim, tem.

-Pode pedir a sua agência seguradora para


que envie o GPS do seu carro por celular?

Senhor Rodolfo parecia hesitante e disse


algo que revelou a sua mão paixão pela
poupança de dinheiro.

-Senhor Lázaro, as seguradoras cobram ao


proprietário do carro pelo resgate do carro.

-Mas eu não mencionei nenhum resgate.


Peça a sua agência seguradora para que
envie as cordenadas ao vivo do seu carro
para o seu celular.

-Desculpa desafortuná- lo senhor Lázaro,


mas presumo que a minha bombinha não
possa suportar tal aplicação.

Rebateu senhor Rodolfo.


-Então peça que envie para o meu celular. O
meu celular tem um sistema android
capacitado para tal.

-Mas o que o senhor pretende fazer com tal


informação?

Perguntou admirado o senhor Rodolfo.

Nesse momento o semblante do meu tio


mudara completamente. Nunca vi meu tio
tão assustador e cheio de bravura no seu
falar. Tio Lázaro meteu a mão no bolso de
frente da sua calsa, tirou um lencinho e
limpou o suor na testa enquanto raparava
sinicamente o senhor Rodolfo.

-Alguma vez foi a caça senhor Rodolfo?

Perguntou tio Lázaro.

-Não senhor. Eu nunca fui.

-Então hoje o senhor terá a sua


oportunidade.

-O que o senhor quer dizer com isso?

-Ainda não percebedo que se trata? Mário


meu sobrinho, faça o senhor Rodolfo
perceber do que se trata. Use o seu talento
de persuasão.

Meu tio é um policia de trânsito, lembro que


no seu primeiro ano nesse ofício, estando eu
na sua casa passando férias,ele fava muito
sobre caça, mas o contexto no qual usava
essa palavra não se enquadrava com a
palavra caça que eu aprendi na escola. Foi
quando num desses dias, meu tio mostrou-
me um video esplicando que tipo de caça ele
falava. Limpei a garganta e tentei explicar
as coisas para o senhor Rodolfo.

-Senhor Rodolfo, o que meu tio está tentando


fazer chegar ao senhor é que haverá uma
perseguição ao seu carro. Em outras
palavras: eu, o senhor e o meo tio iremos
caçar o seu carro.

-Bravo meu sobrinho. Acho que agora está


tudo bem, claro. Agora senhor Rodolfo, se
importa da ligar para sua agência?
Cinco minutos haviam se passado apôs a
ligação á agência seguradora. Fiéis ao
dinheiro que recebem não levaram mais de
cinco minutos para transferir a localização
do carro ao vivo como prometeram.

-Prontos senhores, acho que já podemos


partir. Mário tens dois minutos para escovar
os dentes e nos encontrar no carro.

Disse tio Lázaro apôs receber a notificação


da tranferência.

-Então enquanto o miudo se prepara, eu vou


para casa buscar meu outro carro.

Disse senhor Rodolfo, ao que meu tio


interceptou.

-Não. O senhor não precisa buscar o seu


carro. Nós os três iremos no meu carro. Para
que haja um pouco de transparência, se ê
que o senhor me entende.

Nesse momento, senhor Rodolfo percebeu


que o meu tio não acreditava que o carro
tivesse sido roubado. E meu tio realmente
não acreditava nisso, mas não podia
desencostar do senhor Rodolfo para evitar
uma fuga de informação durante a
perseguição.

Alguns minutos depois, a perseguição terá


dado o seu primeiro passo. Comigo no banco
de trás, o meu tio e o senhor Rodolfo no de
frente, a KB do meu tio saia do quintal da
minha casa enquanto o Gps ao vivo no
celular mostrava que a Land Cruiser estava
parada em algum lugar na praia de Xai-Xai.

Durante a viagem, a cinco minutos da praia


de Xai-Xai, todos celulares tiveram que ser
desligados para evitar distrações. E em
poucos instantes lá estávamos, alcançando a
última paragem da praia de Xai-Xai.

De longe dava para ver um Land Cruiser


branco parado, senhor Rodolfo olhou para o
carro e gritou «meu carro!». Ouvindo o grito,
o ladrão ou ladra ao volante pôs a marcha e
saiu voando. E irritado, meu tio Perguntou.

-Porque o senhor fez isso?

-Porque é o meu carro. O senhor também


viu.
-Sim, eu o vi mas nem com isso saí gritando
«seu carro!» Agora teremos que correr atrá
de um carro que pegaríamos sem fazer
algum esforço.

-Se é que o senhor vai conseguir correr


mesmo. Onde é que já se viu um Izuzu
desses perseguindo um Land Cruiser
daqueles?

-Então hoje será um dia histórico.

Respondeu sem dar brechas a sorrisos em


seu rosto tio Lázaro.

No mesmo instante, enquanto conduzia, tio


Lázaro pegou num outro celular seu e fez
uma ligação, ao que parecia, para um amigo
e colega de profissão. A ligação era em viva
voz.

-Jorge como estás?

-Porreiro e ai brada?

-Nice. Mano estou num perseguição vindo da


praia de Xai-Xai. Quem está controlar o
trânsito no cruzamento?

-Estamos eu e o Sérgio. Precisa de ajuda?


-Ya mano, o mais rápido possível.

-Qual é a viatura sob perseguição?

-Uma Land Cruiser branca de uma cabine,


notarás pela velovidade do carro.

-Esta bem, um minuto e a gente monta uma


emboscada.

-Obrigado amigo.

-Certo.

Espantara- se com que ouviu o senhor


Rodolfo. Que homem é esse afinal? Assim
deve ter se questionado no seu interior, dada
a sua expressão facial. Nessa altura dava
para ver o Land Cruiser quase embatendo
de frente com dois chapas vindo da baixa.

-Quem é você afinal? Quero dizer, o que você


faz da vida?

Perguntou todo espantado o senhor Rodolfo.

-Eu sou um polícia de trânsito, e a pessoa


com quem acabei de falar é meu amigo e
colega de profissão. Quem está dirigindo o
seu carro se meteu em sarilhos, amigo.
Respondeu enquanto fitava o Land Cruiser
de longe.

E continuou fitando por mais um minuto, e


um sorriso apareceu em seu rosto. O Land
Cruiser começava a reduzir a velocidade, até
ai só meu tio sorria. Uma chamada invadiu o
seu celular e ele atendeu em viva voz.

-Fala George!

-Alvo localizado.

-Certo, preparar para neutralizar.

-Certo!

De longe, mais a frente do Land Cruiser


vinham dois Mahindras e um Yundai da
policia de trânsito em alta velocidade e
tocando cirênes. Nenhum carro de civil
metia- se na frente dos oficiais. Alguns
segundos depois, os Mahindras e o Yundai
ocuparam a estrada em ambos sentidos
deixando nenhum espaço para a caça fugir.
A 130 km/h vinha a Izuzu que não dava
sinal de querer parar deixando ainda mais o
ladrão do Land Cruiser em apuros e
apertado tanto de frente assim como de trás.
E em poucos instantes ouviu-se o chiar de
pneus travando, e depois de mais outros
travando um na frente e outros nas laterais
da caça. Havia sido neutralizado o Land
Cruiser do senhor Rodolfo, mas o condutor
manitnha- se ainda sentado ao volante e
porventura esperando uma brecha para
escapulir-se.

E por fim ouviu- se o último chiar. Era o dos


pneus da Izuzu parando bem atrás do Land
Cruise.

Abriu- se então uma das portas da Land


cruiser e o homem que estava ao volante
jogou-se rendido ao chão. Jorge, o polícia de
trânsito saiu da Yundai e foi ao encontro do
homem deitado no chão.

Depois de algemado, o homem foi trasido


pelo Jorge até nós ainda enfiados na Izuzo
do meu tio. Rios de lágrimas transbordaram
dos olhos do senhor Rodolfo vendo o homem
que vinha algemado pelo Jorge.

Era o filho do senhor Rodolfo. A testemunha


que me ligava com o roubo do carro.
Como tudo na vida os dias de azar
têm fim
Rolava a novela das dezoito e trinta
enquanto eu, meu tio e minha mãe
debruçávamos das maçarocas da velha
vizinha Marieta.

No bairro 9 partilha-se tudo, incluindo


maçarocas fervidas e fofocas. Estava claro
que o caso da viatura roubada não passaria
despercebido e tão pouco se assemelharia a
uma arma com silenciadora.

Recebendo a chamada do meu tio e desta


forma sabendo que o carro do senhor Rodolfo
havia sido recuperado e que fora o seu
próprio filho o autor do roubo, minha mãe
saiu disparando a sua AKM bucal pela
vizinhança.

A sua principal vítima, dona Marieta


contorceu-se com os primeiros tiros.

-Tia Marieta. Tia Marietooo!

Gritava minha mãe invadindo a base militar


da velha Marieta, a sua casa.
Tia Marieta é uma velha já bem vivida, mas
no quesito fofoca, parece que o negócio é
vitalício. A velha fofoca como se de uma
novinha de dezanove anos se tratasse.

Não tardou para que a de vinte e pouco anos


para centenária ouvisse os gritos da minha
mãe e saísse respondendo e trazendo duas
cadeiras na sua posse. Uma em cada mão.

As duas sentaram-se na varanda da velha


Marieta e começaram a fofocar.

Tanto eu assim como meu tio pouco


conseguíamos nos concentrar para assistir e
comer ao mesmo tempo pois sempre que o
fazíamos, minha mãe contava algo que nos
tirava a concentração.

Minha mãe conta que quando a velha soube


que o autor do roubo foi o próprio filho do
senhor Rodolfo, ela pirou, quase que saia
fumo pelos tímpanos.

-Esses filhos da mãe são uns cães. Não


houve roubo de anda aqui. Esses estão a
passar mal de fome e querem fazer dinheiro
connosco. Abra os olhos minha filha!
Ouvindo isso, eu e meu tio deixamos a
espigas de maçaroca caírem no chão, a velha
havia, afinal de contas, dito algo que
merecia a nossa reflexão.

Lembranças levaram-nos de volta até a


manhã de hoje. Quando Jorge trouxe o filho
do senhor Rodolfo até nós ainda
encurralados no carro do meu tio. Jorge
disse ao senhor Rodolfo que não podia
processar o seu filho por este ter roubado o
seu carro. Pois tratando do seu filho, isso era
legalmente impossível.

-Esqueçam isso. Já é passado.

Disse minha mãe cortando o nosso fio de


pensamento enquanto saia para atender
quem batia a porta. Embora minha mãe não
quisesse, eu e meu tio permanecíamos
pensativos.

-Quem é?

Perguntou minha mãe antes de abrir a


porta.

-Sou Paito, tia. Peço falar com Mário.


Minha mãe não gostava do Paito, muito
mais pelo seu comportamento agitado.
Confesso que às vezes, até eu fico pensando
que ele fuma porca causa da sua forma de
ser e as amizades que ele tem feito.

Mas enfim, desde o lance do prostíbulo,


Paito tornou-se aceite pela minha mãe, que
mãe não tardou a responder.

-Esta bem, vou chamar-lhe. Mário, seu


amigo Paito precisa de si lá fora.

Não vou omitir, Paito é um jovem de


problemas. Na maior parte das confusões
entre os jovens da zona ele está lá entre os
protagonistas. Ele é uma fonte segura de
problemas e a última coisa que eu quero
agora são problemas.

Saí para fora da casa já tendo em mente


frases preparadas para despachá-lo de uma
vez por todas da minha vida.

-Paito, como estás?

-Estou bem bro e tu?

-Também. Então, o que te trás aqui?


-Ouvi dizer que te meteste num problema
daqueles bro.

-Alguém meteu-me em problemas. Mas seja


breve man. O que queres?

De repente Paito ficou seco. Como quem veio


na expectativa de ser por recebido com
aplausos e fogos de artifícios tendo
contribuído para a minha volta a casa.

-Bro, tua mãe não te falou nada acerca de eu


ter ajudado na…

-Falou sim man. Mas eu não disse para ela


que você foi a razão de eu ter sido pego por
aqueles dois. Mas se quiseres posso dizer
agora…

-Não. Deixa estar bro. Vejo que nunca


seremos amigos de verdade.

Nunca vi o cabeçudo do Paito tão cabisbaixo.


Comecei a sentir pena do gajo, mas eu não
estava programado para demonstrar-lhe
algum afecto.

Ele fez cara de quem comeu e não gostou.


Limpou a garganta e disse:
-Na verdade, eu não vim aqui a busca da sua
gratidão. Vim porque alguém pediu para eu
vir chamar-te.

-Alguém? Que alguém?

-Júlia. Pelo visto o tanto que tens de


azarento tens também de sortudo. Aquela
pita é um Jackpot mano. Vê se não metes
água.

Confesso que eu não esperava por essa. Na


verdade, pelas duas coisas. A primeira, Júlia
saindo da nobreza atrás de um plebeu como
eu. E a segunda, alguém chamando-me de
sortudo em meio a uma maré de azares.

Não vou mentir, dizendo que depois da


praga que me foi pregada pelo seu irmão os
meus sentimentos por Júlia tornaram-se
vazios.

Pelo contrário, eu ainda gosto dela e não


serei um desses idiotas que deixaram
oportunidades passarem por conta de
problemas com pessoas próximas ao seu
objecto alvo.
Meu problema é com o irmão dela e não com
ela. Por isso, cale-se você que pensa que ela
veio ter comigo a mando do Pai ou do irmão
dela, eu não quero saber.

Meu coração saltava nas alturas.

-E onde é que ela está?

Perguntei entusiasmado.

-No lado de fora do seu quintal.

-Esta bem.

Não pensei mais de uma vez, saí sem


despedir-me do meu tio e da minha mãe,
para evitar outros azares. Dei somente dois
passos e Paito resolveu congelar-me com
suas reclamações.

-Mas Mário, tu não achas que me deve pelo


menos um obrigado por ter te salvado
daquele prostíbulo?

-E tu não achas que me deves um pedido de


desculpas por ter me metido nele?

-Ah está bem. Peço desculpas, prometo que


coisas do género não tornarão a acontecer.
-Estas bem, estás perdoado. Muito obrigado
por ter me salvado.

-De nada. Agora podes ir ter com o teu


Jackpot bro.

Para falar a verdade, senti-me um tanto


relaxado apôs o diálogo com o Paito. Aquilo
trouxe-me mais alívio a alma e fez-me sentir
mais grado pela vida. As vezes, as melhores
sensações da vida nos são trazidos por quem
a gente menos espera.

Sai caminhando a passos bem largos até ao


portão de casa, mas quanto mais perto dele
eu chegava menos largo os passos tornavam-
se.

Faltava-me somente um passo para alcançar


o portão, e do nada minha mãe saiu da sala
gritando o meu nome para tudo que é lugar.

-Mário, vais para onde?

-Vou aqui perto mamã, mas não demoro.

-Você não vai a lugar algum. Não vê que já é


noite?

-Mas mamã!
Minha mãe soltou um balde de risos, disse
que estava brincar e que eu podia sair para
me divertir a vontade.

Quase tive um ataque cardíaco.

Abri o portão e lá estava Júlia. Iluminando


na escuridão com a sua pele clara. Ela
estava vestida de calças brancas e uma
camisola amarela. Ela estava bonita. Não
acreditei que aquele momento tinha
chegado, e foi ela quem veio ter comigo.

Finalmente.
Crer para não sofrer
Os dias de azar existem mesmo, e para
sempre existirão. Negar essa realidade é o
mesmo que condenar-se a si mesmo e talvez
a outros também a dias de profunda tristeza.

Com isso não quero dizer que devemos ficar


tristes e de braços cruzados. Os dias de azar,
na verdade, existem para trazer-nos
equilíbrio emocional.

Imagina, se os dias fossem todos iguais, que


bastava ser bom em fazer algo e você nunca
mais enfrentaria dificuldades em seu ofício.
Por mim seria um tanto chato.

Nenhum esforço seria valorizado, na


verdade, a palavra esforço seria descartada
do dicionário. As pessoas apenas estalariam
os dedos e abracadabra!

Não importa o quão bom você seja em fazer


algo. Seja dando aulas, jogando futebol,
investindo em bons negócios ou até mesmo
em conquistar moças bonitas, sempre
existirão aqueles dias em que nada, mas
nada mesmo dará certo.
Nesses dias você sentirá o seu coração
apertado, a sua visão embaraçada e a sua
mente coberta de nada. Contudo, isso não
quer dizer que você é fraco. Você estará
apenas passando por dias de azar.

Aceitar que estamos passando por dias de


azar, e continuar dando o nosso melhor
enquanto o tormento não passa, é o melhor
que podemos fazer por nós.

Os sábios e espertos fazem isso.


Não foi fácil, mas talvez teria sido nos meus
dias normais selar o meu primeiro encontro
com a Júlia.

Calma ai! Não estou dizendo que eu sou em


expert em conquistar moças bonitas. Mas
também tenho os meus truques.

Em fim, vendo ela sorrindo para mim,


custou-me acreditar que aquele momento
havia chegado.

Cheguei perto dela e depois de uma olá


segurei na mão dela para ver se ela era
mesmo real.

Depois da troca de olhares, houve troca de


elogios e palavras suaves e finalmente
saímos rumo ao local do encontro antes
planejado. A casa abandonada da zona.

Estava fria, e muito exposta a varanda da


casa abandonada.

-Por mim a gente pode ficar na sala, faz


menos frio e quase que ninguém saberá que
você saiu comigo.

Disse eu, enquanto acariciava o cabelo


demonstrando um pouco de timidez.
-Chega perto.

Disse ela, puxando-me pela camisola. Os


dois sentamos num canto da varanda. E ela
voltou a falar.

-Eu não sinto vergonha de por estar contigo


Mário, e eu estou gostando frio.

-Porque?

Júlia encostou o seu corpo ao meu e disse:

-Assim, pelo menos você me abraça.

Ela abraçou-me e em meio ao abraço


procurou os meus lábios, e tendo os
encontrando, foi directo ao beijo.

Não houve sexo, só para clarear essa sua


mente poluída.

Eu e a Júlia ficamos conversando por horas


naquele canto da varanda, o tempo foi
passando e o dia já não era mais uma
criança, aliás, crianças eram nós. Estava na
hora da gente voltar para casa.

Parecia um filme romântico chegando ao


fim. Júlia não queria entrar na sua casa e
tão pouco eu queria voltar para minha mas,
para tudo há tempo e hora certa.

Marcamos de nos encontrar no dia seguinte,


no mesmo local e a mesma hora.

Júlia despediu-me com um beijo meloso e


entrou na sua casa.

Feliz da vida, segui o meu caminho para


casa.
A confissão
O fim dos dias de azar é libertador. Na
verdade, para quem foi ousado e não desistiu
dos seus objectivos em meio a tempestade
causada pela maré de azares.

Com o fim dos dias de azar, a minha mente


ficou mais clara e precisa.

Durante o caminho para casa, lembrei que a


Júlia registou-se no facebook com o seu
contacto pessoal. Imediatamente, entrei no
facebook e encontrei que o contacto dela
ainda estava lá. Copiei o número e guardei-o
na minha lista de contactos.

Eu estava realmente feliz, voltando para


casa aos pulos.

Bem perto de casa, a escassos metros para


entrada do quintal meu celular começou a
tocar. Era um número privado.

Decidi ignorar de primeira, mas o meu


celular voltou a chamar e incomodado tive
que atender.

-Alô!
-Alô Mário aqui é o senhor Rodolfo.

Meu coração começou a bater forte. Fiquei


me questionado se ele viu-me beijando a
filha dela bem no portão da sua casa. Mas
ele foi directo ao assunto.

-Escuta Mário, eu sei que você saiu com


minha filha mas não liguei para falar disso.
A verdade é que tenho algo muito
importante a dizer e isso tira-me o sono.

-Pode falar senhor.

Senhor Rodolfo deu uma pausa, ao que me


pareceu, bebeu um pouco de água para
limpar a garganta e disse:

-Escuta Mário. Eu sei que tu és um bom


rapaz, nunca te meteste em confusões no
bairro e as pessoas falam muito bem de ti
mas, eu fiz algo muito errado para ti. Eu
sabia que você não havia roubado o meu
carro e eu não mandei meu filho buscar
carregamento algum em Inhambane. Foi
tudo um plano traçado por mim, e meu filho
foi forçado a concordar com isso. A verdade é
que a minha empresa está a beira da
falência, a oficina não tem recebido muitos
carros e pelos cálculos que fiz não vou poder
pagar a última parcela da compra daquela
Land Cruiser á agência e ninguém aceita
emprestar-me uns míseros cem mil meticais
para pagar a parcela. Eu já tinha planejado
aquele roubo a dias, só me faltava alguém
para culpar. Podia ser qualquer pessoa.

-E porque o senhor escolheu a mim, mesmo


sabendo que eu não disponho de condições
para pagar?

-Oh! Você teve azar.

Fim.

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