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Revista LiteraLivre 32 Edição
Revista LiteraLivre 32 Edição
Diagramação: Ana Rosenrot – Alefy Santana A responsabilidade pelo conteúdo de cada texto
ou imagem e dos textos das colunas assinadas é
Suporte Corporativo: exclusiva de seus autores e tal conteúdo não
Julio Cesar Martins – Alefy Santana reflete necessariamente a opinião da revista.
Contato: revistaliteralivre@yahoo.com
Página do Facebook:
https://www.facebook.com/RevistaLiteraLivre
Autor Corporativo:
Ana Rosenrot – SNIIC: AG-67162
Olá, amigos(as) autores(as) e leitores(as), chegou a 32ª edição da
Revista LiteraLivre
Nesta edição, trazemos para vocês, maravilhosos trabalhos de autores e
artistas de todos os lugares, literalmente de A a Z.
Temos também, a matéria da Joyce Nascimento, sobre o “Literatura
Já”(projeto que eu adoro) e a apresentação do nosso novo parceiro: a Editora
Pé de Jambo, do meu amigo e talentoso escritor Mikael Mansur-Martinelli, que
já chega trazendo dois editais imperdíveis. Participem!
Quero agradecer aos autores(as) e leitores(as) pelo carinho e apoio de
sempre! Vocês são demais!! Abraços Poéticos!
Pratiquem Literatura com Liberdade! Vamos mudar o mundo através das
palavras!
https://www.youtube.com/c/Literaturajá
Fundada em fevereiro de 2019, em meio a pandemia do Covid-19 pelo escritor
Mikael Mansur-Martinelli, a Editora Pé de Jambo é uma empresa prestadora de
serviços editoriais, revisão gramatical, copidesque e orientações textuais para
autores independentes.
Meu bicho é o bicho: Envio de vários estilos com temática “Os animais”,
aberto a todos autores em língua portuguesa.
https://editorapedejambo.wixsite.com/editorapdejambo/antologias
Neste Número:
Keli Vasconcelos.......................................4 Daniela Genaro...................................50
Fantasia Visual.........................................5 David Leite.........................................51
Roberto Schima..............................................5 Dias Campos......................................57
Mulher (pintura).......................................6 Edgar Borges......................................59
Cristiane Ventre Porcini..............................6 Edih Longo.........................................61
Haikai Engraçadinho.................................7
Edna das Dores de Oliveira Coimbra...63
Jorginho da Hora............................................7
Edweine Loureiro................................66
Adam Mattos............................................8
Elidiomar Ribeiro................................68
Adriane Neves..........................................9
Elisandra Corrêa de Campos...............69
Agostinha Monteiro................................10
Elton Sipp...........................................70
Alan Rubens...........................................12
Elza Melo............................................73
Alberto Arecchi.......................................13
Emily T. Domingues............................74
Aline Bischoff.........................................17
Eni Ilis................................................75
Alvaro Daniel Costa................................18
Érika Cristina Faria de Souza...............76
Ana Eduarda Teixeira Seixas de Azevedo 21
Filipe Cotrim.......................................77
Ana Maria Fázio de Freitas......................23
Flávia Prata.........................................78
Ariane de Medeiros Pereira.....................24
Gedeane Costa...................................80
Ariel Von Ocker......................................25
Gigi Locateli........................................81
Bruna Laís Rocha....................................27
Gislene da Silva Oliveira......................83
Bruno Antonio Picoli...............................28
Giulia Wydra.......................................84
Carli R. Bortolanza (Borto)......................30
Giulianno Liberalli...............................85
Carlos Frederico Ferreira da Silva............33
Gustavo de Souza Paschoim................88
Carlos Jorge Azevedo.............................34
Gutenberg Löwe.................................91
Carmem Aparecida Gomes.....................35
Hernany Tafuri....................................92
Catarina Dinis Pinto................................36
Ícaro Marques Estevam.......................93
Charles Burck.........................................37
Ícaro Uriel Brito França........................94
Clarice de Assis Rosa..............................38
Ilmar Ribeiro da Silva..........................96
Cláudia Gomes.......................................41
Iraci Marin..........................................97
Cleidirene Rosa Machado........................42
Iram Leal............................................99
CLG........................................................43
Conceição Maciel....................................44
Cristiane Cardoso...................................45
Cristiane Ventre......................................46
Daniel Cardoso Alves..............................48
Isabel Cristina Ferreira..........................100 Marcos Guimarães............................158
Isabel Cristina Silva Vargas...................101 Marcos Malagris................................159
Ivo Aparecido Franco............................102 Marcus José......................................161
Jamison Paixão.....................................103 Maria Carolina Fernandes Oliveira.....162
JAX.......................................................106 Maria Eduarda Lago..........................163
Jeane Tertuliano...................................109 Maria Inácia......................................165
Jeferson Ilha.........................................111 Maria Pia Monda...............................166
João Vitor Tóffoli..................................112 Mario Gayer do Amaral.....................168
Joaquim Bispo......................................114 Mario Loff.........................................170
Joedyr Bellas.........................................117 Matheus Camilo Coelho....................171
Jonas Maffei.........................................119 Matias...............................................172
Jorge Gonçalves de Abrantes................124 Maura Ferreira Fischer......................173
José Manuel Neves................................125 Mauricio de Oliveira Silva..................175
Joyce Nascimento Silva.........................126 Maurício Régis..................................176
Juiz.......................................................127 Mayara Lopes da Costa.....................177
Juliana Moroni......................................128 Mestre Tinga das Gerais...................179
Kamila Bicalho......................................132 Mikael Mansur-Martinelli..................181
Karol Costa...........................................133 Mônica Monnerat..............................182
Keli Vasconcelos...................................134 Nazareth Ferrari................................183
L. S. Danielly Bass.................................135 Neila Reis.........................................184
Leandro Emanuel Pereira......................136 Nercy Grabellos................................187
Leila Araújo Pereira..............................137 Nilde Serejo......................................189
Liécifran Borges Martins.......................138 Ovidiu-Marius Bocsa.........................190
Lilian Gonçalves....................................139 Patrícia Nogueira Lopes da Silva........191
Lira Vargas...........................................140 Paula Gibbert....................................194
Lizédar Baptista....................................141 Paulo Luís Ferreira............................195
Luan Henrique Schettini........................143 Paulo Roxo Ferreira..........................199
Luís Amorim.........................................144 Raimundo Nogueira Soares...............200
Luis Fernando Ribeiro Almeida.............146 Regiane Silva....................................201
Luís Lemos...........................................148 Regilene Martins...............................202
Luisa Garbazza.....................................151
Luiz Manoel de Freitas..........................152
Marcel Luiz...........................................153
Marco Antonio Rodrigues.....................154
Marcos Andrade...................................156
Marcos Antonio Campos.......................157
Reinaldo Fernandes..............................204 Valéria Pisauro..................................247
Renan Apolônio....................................207 Valter Bitencourt Júnior.....................248
Roberta Tavares de Albuquerque Menezes Vanderlei Kroin.................................249
............................................................208 Vanessa Milani..................................250
Roberto Schima....................................209 Vera Raposo.....................................251
Rodrigo Leonardi..................................212 Victor Azulay....................................252
RodrigoSBA..........................................213 Wagner Azevedo Pereira...................253
Roque Aloisio Weschenfelder................214 Wagner Cortêz..................................254
Rosangela Maluf...................................216 Wagner Pires.....................................255
Rosângela Martins................................218 Willian Fontana.................................257
Roselena De Fátima Nunes Fagundes....220 Yuki Eiri............................................261
Rozz Messias........................................221 Zyon Colbert.....................................262
Samara Semião Freitas..........................222 Na estrada com trem(pintura)...........263
Saulo Barreto Lima................................224 Cristiane Ventre Porcini....................263
Schleiden Nunes Pimenta......................227 Artista do Mês..................................264
Sebastião Amâncio...............................230 O trompetista (pintura).....................265
Sérgio Soares........................................232 Cristiane Ventre Porcini....................265
Jamison Paixão.................................266
Sigridi Borges.......................................235
Oportunidade: site “Seleções Literárias”
Simone Reis Carvalho...........................236
........................................................268
Starik Adripa........................................237
Revista SerEsta..................................269
Taís Curi...............................................238
Projeto Cartas para a Vida................270
Talita Bueno.........................................239
LiteraAmigos....................................271
Tauã Lima Verdan Rangel.....................242
Modelo de envio de textos para
Ted Dantas...........................................243
publicação na revista........................276
Vadô Cabrera.......................................245
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Keli Vasconcelos
São Paulo/SP
Valor do Menosprezo
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Fantasia Visual
Roberto Schima
Itanhaém/SP
5
LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Mulher (pintura)
Cristiane Ventre Porcini
São Paulo/SP
6
LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Haikai Engraçadinho
Jorginho da Hora
Simões Filho/BA
7
LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Adam Mattos
Curitiba/PR
O que é a felicidade?
8
LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Adriane Neves
Florianópolis/SC
A moça
@adrianesoul
@soul.adriane
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Agostinha Monteiro
Vila Nova de Gaia, Portugal
Bom viver
Desde muito cedo que somos confiança e autoestima. E isso nem
confrontados com a necessidade de nos sempre corre bem.
adaptarmos aos outros e à sociedade. No meu primeiro dia de escola,
Eu só percebi isso quando me mudei lembro-me de ficar a olhar para a
para França. Habituada a viver sob a professora para tentar perceber o que
proteção da minha mãe, tudo me era ela dizia e de estar sempre a rezar
dado de mão beijada, mas uma nova para que ela não me perguntasse
realidade estava à minha espera. nada. Mas claro, não tive muita sorte!
O contacto com uma nova língua Ainda não tinham decorrido vinte
transformou-se, de um dia para o outro, minutos quando ouvi o que parecia
num verdadeiro pesadelo. De repente, ser o meu nome. Todos os olhares se
fui confrontada com uma infinidade de voltaram para mim.
desafios que me forçaram a crescer e a Senti-me a corar e balbuciei
enfrentar esta nova vida: viver num país qualquer coisa parecido com “
diferente, com uma língua diferente e a desculpe, não percebi nada”.
conviver com pessoas desconhecidas. A professora voltou a tentar
Se uma criança não é uma boa interagir comigo, mas sentia-me
companhia para si mesma, é improvável totalmente perdida. Naquele
que o seja para aqueles que a momento, percebi que precisava de
frequentam ou que estão ao seu redor. E mudar muita coisa.
eu sentia que a minha companhia não Nesse dia, como em muitos que
me bastava. Precisava de interagir, mas se seguiram, a minha mãe foi buscar-
não sabia como. me à escola, mas só quando cheguei
Aprender a viver com outras a casa é que deixei correr
pessoas, numa outra cultura, exige uma copiosamente as lágrimas que
adaptação que desenvolva a nossa durante todo o dia teimaram em
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querer saltar dos meus olhos. Desabafei é diferente. Aprendi que nem todos
com ela tudo o que tinha guardado ao temos as mesmas noções de
longo do dia e este comportamento de sensibilidades e de afinidades, as
partilha e amor foi sempre reiterado ao mesmas crenças, os mesmos hábitos
longo dos tempos. Aprendi a falar sobre de vida e que certos valores
mim mesmo e encontrei nisso um específicos para mim não serão
grande alívio, que potenciou o necessariamente os mesmos
desenvolvimento da minha confiança. daqueles que estão à minha volta.
Com o tempo, fui adquirindo o Aprendi a respeitar os outros e a
vocabulário essencial para garantir uma compreender as suas opiniões, ainda
comunicação recíproca, mas o que que nem sempre concordasse com
melhor aprendi foi a observar os outros. elas.
Mesmo sem perceber o que diziam, Em suma, aprendi a ser o que
conseguia ler-lhes a expressão facial e sou hoje, uma cidadã tolerante com
sabia, por exemplo, quando devia rir ou as diferenças culturais que povoam o
quando devia ficar em silêncio. nosso planeta, respeitando e
Foi uma época muito difícil, mas adaptando-me às novas realidades.
lembro-me que foi sobretudo uma época Afinal nada é mais certo do que o
de aprendizagem e adaptação. Aprendi ditado popular “na terra do bom
que sou diferente e que o outro também viver, faz como vires fazer”.
www.escritacomprazer.blogspot.com
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Alan Rubens
São Luís/MA
Minha Janela
Quando abro
Minha janela
Do tempo
Espio o mundo
De um jeito
Reflexivo
E sem perder
A esperança
De dias melhores
Da minha janela
Observo homens
De bem
Que buscam
Alternativas
Para a construção
De um mundo
Mais humano
Pela janela
Vejo as mãos
De Deus sobre nós
Protegendo-nos
E abençoando-nos
Sempre misericordioso
E justo.
https://alanrubens.wordpress.com/
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Alberto Arecchi
Pavia, Itália
O Prepúcio Sagrado
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Galeazzo. A cura porém não foi eficaz, o seria um ótimo achado para os fãs da
duque morreu e permaneceu não história da Pavia e para estimular o
enterrado por alguns dias, durante os turismo.
quais as notícias de sua morte foram No entanto, um documento
mantidas secretas, até seu corpo for recentemente divulgado afirma que a
levado para a Abadia de Viboldone, na relíquia foi perdida sem esperança,
área de Milão e depois transportado para alguns anos depois do fim de Gian
Pavia, na Basílica de São Pedro no Céu Galeazzo, quando dois cirurgiões, Piet
Dourado. Molla (da Bósnia) e o doutor de
Em 1474, quando Galeazzo Maria Pádua Feliz Pompim, quiseram
Sforza decidiu cumprir a última vontade examiná-la.
de seu antecessor. Os dois médicos quebraram o
De fato, o trabalho de construção do frasco contendo o prepúcio e o
mosteiro da Cartuxa chegara a tal ponto pedaço de couro, no contato com o
que permitiria que o corpo do fundador ar, ficou pulverizado. Pompim teve o
fosse levado. Parece que o prepúcio, tempo de gostá-lo, alegando que
deixado mais de setenta anos antes por tinha um gosto salgado. Desde então,
Pauzinho de Canibus, também chamaram-no “o Chupa-prepúcio”.
permanecera com o corpo de Gian Então, o prepúcio sagrado foi
Galeazzo. substituído por um pedaço de couro
Não sabemos onde o prepúcio foi qualquer, de modo a não perturbar a
escondido depois, mas a sua descoberta antiga tradição.
https://www.liutprand.it
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Aline Bischoff
Osasco/SP
Fantasma Alado
https://www.facebook.com/AlineBischoffArtes
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Deve-se ainda ponderar que o texto para no fim (capítulo III) ser
de Kafka trata de uma tragédia familiar, retransformado.
além disso, nos põe em uma reflexão O quarto de Gregor, todo
sobre as possibilidades existenciais. organizado passa a se tornar um
Kafka humaniza um inseto e o mais depósito e um lugar extremamente
importante: coloca um animal (inseto) sujo e abandonado. Nota-se nesses
como um ser passível de alteridade. O exemplos que a mobília conservava a
imaginário animal chega até a nós memória humana, tudo ali tinha algo
através de tamanha naturalidade como a contar e carregava afetividade. A
se nós estivéssemos compartilhando da afetividade (uma das características
própria experiência (em uma acepção de humanas) é expressa em uma
Walter Benjamin eu diria que é uma passagem do capítulo II quando o
experiência compartilhada) de Gregor. narrador cita uma experiência de
Kafka nos desperta para essa emoção, Gregor ao dizer “trepava para o
por isso não causa um estranhamento peitoril e, arrimando-se à cadeira,
ao leitor, ou seja, não existe uma encostava-se às vidraças, certamente
hesitação como em um texto fantástico. obedecendo a qualquer reminiscência
Recebemos todas as informações como da sensação de liberdade que sempre
se estivéssemos junto ao Gregor. experimentava ao ver a janela”.
O espaço é essencial para Quando se perde a afeição e Gregor
compreender a obra, pois é nele que de passa a ser coisificado, as mobílias de
um lugar de descanso (quarto) passa a seu quarto passam a não ter mais
se tornar uma prisão para Gregor. A importância, ou seja, é quase como
casa que era familiar passa a ser um que se quisesse apagar a memória.
lugar estranho. Essa transformação dos Um exemplo é na passagem que o
valores referentes ao espaço é dividida narrador coloca a diferença de
de maneira simétrica entre os capítulos, opinião entre a mãe e a irmã de
pois enquanto que no capítulo I o Gregor sobre a mobília, enquanto a
ambiente é caseiro, no segundo mãe queria que tudo permanece
momento torna-se algo que incomoda, igual, a irmã queria mudar tudo. Uma
passagem mostra exatamente a
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afetividade que Gregor tinha por sua como a mobília ou pelas as ações do
mobília: “tiravam-lhe tudo, privavam-no dia a dia como, por exemplo, olhar
de tudo o que lhe agradava: a cômoda pela janela. Pode-se concluir que
onde guardava a serra de recorte e Gregor se mantinha humano em sua
outras ferramentas tinha sido retirada, e interioridade. A grande sacada de
agora tentavam remover a secretária Kafka é justamente essa dicotomia:
(...)”. Gregor é um humano animal ou um
Nota-se que a humanidade era animal humano? A experiência da
mantida através de sentimentos e afetividade em Gregor nos revela
afeições que Gregor tinha por coisas muito sobre esse questionamento.
Referências
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@anaeseixas
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Amanheceu
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O sertão e as serpentes
Zona rural de Caicó/RN – Sítio Batentes
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O Filho de Deus
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um reflexo do próprio Criador de quem pela terra. Muitos, pois, eram curados
era seu unigênito? ... Ah...doía-lhe ser e se fartavam de sua luz que rutilava
Eterno, Uno, Perfeito, Incausado.... numa terra de sombras.
Ora, no céu reinava uma paz Todavia, embora muitos o
dolorida e tranquila que fazia roer de amassem sinceramente, ainda doía o
inquietação o coração de Cristo. Então, coração do Messias, pois poucos
olhando para a terra, ele viu uma compreendiam suas palavras e
mulher e um homem. E viu Jesus que se menos as seguiam porque seus
amavam sem palavras e se corações eram duros e ásperos.
compreendiam sem julgares... E Jesus Entrementes, Jesus predicava e
sentiu ali que, além do sétimo céu, dizia:
poderia haver alguém que o "Amai-vos uns aos outros como
compreendesse e o amasse de um amor iguais que são, pois todos são filhos
puro e imperfeito: qual de uma criança do Meu Pai, que está no Céu."
como era. Porém, seus próprios
Naqueles dias, o Menino tomou de semelhantes puseram-se a pregar o
uma estrela cadente que passava e ódio contra o Homem do Céu. No seu
desceu à terra e ao ventre de Maria. ódio, diziam:
No Infinito, Javé, o Eterno, se "Ele blasfema! Seu amor é
encheu de tristeza, pois via os dias que abominação! Suas palavras ferem
viriam além do amanhã. nossa Sagrada Religião."
E Jesus nasceu entre homens e E, pois, pelo ódio desses homens,
animais, numa manjedoura distante de o Menino se fez o Cristo imolado
sua terra e dos homens de sua terra. numa cruz de madeira ao lado de dois
O Menino cresceu pois e ladrões, malgrado suas palavras de
amadureceu. E, sendo o homem e o amor e suas bênçãos do céu, porque
Messias de muitas gentes, pregava e entre aquelas gentes, Deus era
abençoava espalhando os dons do céu somente uma palavra.
@ariel_von_ocker
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Diagnóstico
Aflita, eu observava o médico
que, atento, olhava os meus exames
Naquele momento, já não sabia se era o frio
ou o medo que me fazia tremer
Paciente: Humanidade
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Memória escolar
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pomposo, descansou o carimbo sobre a almofada. Não sei se por mais tempo que
o normal ou se foi o próprio tempo que para zombar de mim passou mais
devagar, mas aquilo não tinha fim. Eu, de pé, ao lado de sua mesa, esperando o
veredito. Sem dizer uma palavra e sem olhar para mim, ela levantou o carimbo,
marcou o papel e o entregou em minhas mãos suadas. Respirei fundo, pronto
para pedir uma nova chance, garantindo que iria me esforçar mais na próxima
oportunidade, se me fosse concedida. Pousei meus olhos sobre a folha e vi um
boneco de palito segurando uma estrela de seis pontas. Pálido olhei para ela que
sorriu e me disse para ir me sentar em meu lugar. No dia seguinte mudei de
escola, e isso em nada tem a ver com os fatos narrados, é que uma aluna maior
tinha o hábito de me bater no trajeto de volta para casa. Não sei se houve
rebelião no reino, se o rei caiu, foi decapitado ou permaneceu intocável. Não sei
se o carimbo novamente foi retirado de seu descanso gavetal. Mas essas duas
experiências me atravessam até hoje e fazem parte da pessoa que sou. Desde
1992 sei que a injustiça viceja onde quer que não se mantenha firme a
disposição pelo que é justo. Sei também da importância de uma professora justa
para a autoestima de um menino que nunca pôde ser rei.
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Não é certo que digam isso ou aquilo referente que: “à morte vem a galope”, às
vezes ela é lenta, mas de uma lentidão que parece eterna.
Quando se sente dor, muita dor, o tempo não é contado em dias, ou horas, nem
em minutos, pois cada segundo faz a diferença nos ranger os dentes, nos tremer
dos ossos, como se a carne quisesse se desgrudar. Essa é a dor que sinto. Muito
semelhante à época que assávamos “costelão” de gado, lá pelos pampas
gaúchos, que depois de 12 horas em fogo brando, os ossos eram retirados das
costelas, branquinhos, como se nunca tivessem tido contato com a carne.
Sei que não estou sendo assado, mas sei também como a carne reage ao querer
puxar os ossos. Sinto e dói; e essas dores já estou quase que acostumando;
embora não sei quanto tempo cá estou inerte, sentindo o peso de estar vivo, mas
sei que vários dias se passaram, pois até a lua que antes mal era vista, agora
brilha cheia, exuberante no céu estrelado. Até parece um holofote a iluminar a
minha dor, mas não a morte, pois está, sei que ainda vai demorar e muito. A dor
que separa a carne dos ossos, é apenas uma das tantas que me torturam a vida
e não me deixam morrer. Os vermes que me mordem a carne, fazendo
verdadeiros desfiladeiros de trilhas/cavernas em meus músculos, só não são
mais doloridos do que o óleo que, com a luz do sol, fazem borbulhar a pele, como
quem pururuca o torresmo na frigideira. O grito não sai, pois o sinto que aperta
meu pescoço me impede de mexer, e quase não há espaço para tossir, embora o
faça quando me engasgo com a saliva, que não consegue descer e que quando
desce, parece rasgar toda a traqueia como uma lâmina áspera e pontiaguda. Só
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um filete de ar resta para dar aos pulmões um pouco de oxigênio, o pouco que é
o suficiente para infelizmente me manter vivo. Já até tentei me afogar na própria
saliva, mas involuntariamente os músculos reagem a tossir só para não me
deixar morrer e permanecer nessa agonia que parece não ter fim.
Sei que fui um bom padre, bom até demais para as minhas juvenis fiéis,
mostrando na prática o pecado da carne, para que quando elas crescessem,
soubessem o que é o pecado, todavia, sempre rezava vários cânticos para me
absorver e para absolvê-las. (alguém iria ser o primeiro delas igualmente, e
porque não eu? O fazia de forma educativa!).
Não acho que fiz pecado algum para ser castigado de forma tão cruel, e os que
fiz, rezei para pagá-los, estaria absolvido dos pecados; mas nada pode ser pior
que ficar imóvel preso às ferragens do carro capotado, apodrecendo em vida no
meio da mata virgem. Poderia dizer que foi o destino ou que Deus me puniu, mas
não! Porque ouvi vozes ao meu redor, tão logo o carro parou de girar morro
abaixo. Podiam ter me socorrido, talvez não naquele momento, mas terem
buscado ajuda, mas não o fizeram, me deixaram morrer à própria sorte. Sorte
essa que não tenho, pois as dores são imensas, as vezes desmaio por não
aguentá-las, às vezes quase sempre.
Hoje não vai chover, há uma chance maior de eu morrer, pois sem comer se vive,
mas sem água não. Quando a chuva vem, cada gota de água que cai na pele, é
como uma alfinetada com ferro quente. Já chorei mais de dor pela chuva do que
por qualquer outra dor que eu sinto.
O tempo vai passando lentamente, a boca seca, o suor salgado mata a sede ao
escorregar na testa para os lábios, e aos poucos sei que a própria água do meu
corpo está se esgotando, assim como minhas forças de impedir a invasão das
formigas, que cedo ou tarde vou se alimentar de meus restos, mas espero estar
morto até lá.
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O barulho cessa, tão logo as abelhas voam a começar construir seus ninhos em
minhas narinas, um “pito” já pronto, é só entrar e ocupar o espaço aberto pelos
vermes. Não sei se é sorte ou azar, mas as abelhas são sem ferrão e fazem
cócegas ao entrarem, parece irônico chorar de cócegas em meio a tanta dor.
Mais uma fase lunar, mais dias se passam, mais uma desgraça de vida que não
me deixa morrer embora haja muita vida em mim e a cada dia mais. Os
caramujos se amontoaram em família, os vermes estão na segunda geração com
suas asas prontas a voar e lançar novos ovos, as abelhas polinizando com seu
mel meu cérebro entrando literalmente pelas minhas narinas. O cinto afrouxou-
se do pescoço, ou foi o pescoço que se livrou do aperto. Os pés as frieiras
criaram uma crosta, a pele enrijecida, ergue-se a desgrudar na carne, assim
como os ossos, por onde os poucos músculos já nem se prendem mais. Os
carrapatos se adonaram das costas, as pulgas e piolhos dos cabelos. Os olhos
não fitam mais, virou um opaco depois que os pássaros o bicaram todo. Penso
em gritar mas sei que é em vão, e nesse estado que estou, não quero mais ser
encontrado, curado, quero é morrer e parar de sofrer.
https://maldohorror.com.br/
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Temperada Compreensão
@carlosfredericoescritor
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Dúvida e verdade
Desacreditamos da ocorrência
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Não Me Acostumei
Eu não me acostumei com as poucas horas de uma noite toda sentindo você em minha
cama.
A culpa de você partir ao amanhecer é do teimoso sol que nasce com os seus raios
atrevidos invadindo o jardim florido e a minha vidraça que pirraça e deixa os raios
vorazes entrarem em nosso quarto para tentar nos espionar.
Raios que caminham em nossos corpos desnudos enquanto nossos lábios mudos se
tocam num beijo longo e profundo.
Eu não me acostumei em ficar só com a miragem de você nu trafegando em meu quarto,
me excitando e implorando para que o meu corpo inveje o seu e se desnuda.
A culpa é toda de sua nudez e de minha insatisfação ao terminar a noite e com a sua
partida no amanhecer, eu me entristecer.
Eu não me acostumei em contar as horas até chegar à noite e outra vez ter você a noite
toda em meu quarto completamente desnudo.
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Charles Burck
Rio de Janeiro/RJ
Seda Negra
Deitada sobre o alvejado lençol de flores brancas
amor amargor se desfaz no crepúsculo, como as asas frágil de uma borboleta a pousar sobre um
seio
A adornar o botão de rosa, flor-de-algodão, ou botão de cerejeiras
Fios frágeis que ordenamos sobre nós para isolar-nos do mundo, dando as causas do que somos,
Que és?
Nem sempre sei
Agora eu, protegido pelos teus cabelos de seda negra, sou o pássaro a perfurar os céus para
chegar às estrelas
Eu, ilha de solidão te percebo agora, arquipélagos siderais
A poção da mística mulher que cede a noites sem fundo ao meu colo
Que me salva do exílio com apenas um beijo,
Senhora das minhas poesias, borboleta banhada em maios que se aninha em meus pelos,
Os frêmitos lavoura que brota à espera das colheitas
Já não posso, banhado no langor das tuas carícias sorver todas as ondas das quais me insuflas a
boca
E o que além dos teus olhos me importa?
Nada
Espera enquanto redijo cada nota,
Sou um poeta, escrevo sobre amores secundários enquanto tudo em ti é pleno e primeira
importância
Amo-te.
Se ora renitente e contínua seja humana a forma
Quanto a sonhada, não consigo, na limitada imaginação conceber ainda, o amanhã.
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C.A.R
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Cláudia Gomes
Feira de Santana/BA
Interrogação
Saúde?
Importa!
Família?
Importa!
O outro?
Importa!
A vida?
Importa!
Pessoas?
Importam!
Os cuidados com a vida
É o que mais importa
Para estarmos bem.
Importe-se você também!
@claudia_gomes_poeta
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CLG
Taubaté/SP
A fé artista
Palavras, poesia.
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Conceição Maciel
Capanema/PA
Sonho meu
@conceicaomacielescritora
https://www.facebook.com/conceicao.maciel.14
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Cristiane Cardoso
São Paulo/SP
Fim da Linha
Paranapiacaba. Há plantinhas brotando no trem
Das boas fotos tiradas pela filha Quero as cores do fim
Uma foi escolhida a dedo As cores das dores mais funestas
Suada perspectiva, ampliada, transferida Como as da foto e título também surgido do
E a tela me aguarda nada
Na dura beleza da decrepitude Mas meus verdes estão muito verdinhos...
Um trem todinho enferrujado Nossas várzeas têm mais flores
Atrás grande verde em diagonal Quero as cores do fim...
Sobre o trilho no sentido contrário
Pessoinha longínqua Dificuldades com os tons da paleta
Indo ao ponto de fuga Passei por cima um branco pálido
Sob muita, muita névoa... E agora impassível e silenciosa
É o nosso fim, só o pó e as incertezas de qual A tela me aguarda.
continuidade?
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Cristiane Ventre
São Paulo/SP
A mesa era grande, de madeira maciça. criadas por ele dentro daquela casa!
Havia lugar para oito pessoas, mas em Apesar de sua aparência forte, seus
dias de festa buscávamos mais cadeiras olhos tinham doçura e pareciam
no cômodo dos fundos, onde ficava a sorrir. Ele era generoso e sabia
máquina de lavar roupas. receber as pessoas em casa.
Empurrávamos um tanto a mesa para As comidas tinham o sabor da
abrir espaço para mais um lugar festividade do Natal. Minha mãe fazia
próximo a janela. E perto da janela a lasanha, a carne assada com
sentava minha avó. Que criatura mais batatas, encomendava-se o peru.
simpática era minha avó! Não havia Minha irmã trazia o salpicão. A mesa
quem não gostasse dela! E como eram ficava cheia, a casa animada. Sempre
gostosos os bombons de licor que ela havia alguém que pedisse o cafezinho
fazia questão de trazer para cada um de após o almoço. E lá eu ia preparar o
nós. Faltavam cadeiras, enfim, para café: três xícaras de água para três
acomodar toda a família. Mas o colheres cheias de pó de café.
sentimento de estarmos compartilhando Usávamos o coador de pano.
bons momentos no dia de Natal, era Preparava-se doce com goiabas
gratificante. brancas, que eram colhidas no
A toalha florida, com tema festivo, o quintal. Que perfumado era aquele
som dos talheres nos pratos, vozes doce!
empolgadas conversando a mesa, as A conversa continuava à tarde no
horas passavam alegres. Ou nem quintal ou na sala. E havia o
víamos talvez o tempo passar! Quando momento de bater uma fotografia. Eu
os momentos são bons, nem vemos tomava a frente para tirar as fotos.
realmente a hora passar! Quando o dia terminava, nossos
Naquele tempo, meu pai ficava na familiares iam embora sempre
cabeceira da mesa. Era presença levando um pratinho e boas
marcante. Tinha mãos fortes e grandes, lembranças.
desgastadas pelo trabalho árduo de uma E assim foram muitos anos. Temos os
vida inteira. Mãos engenhosas que álbuns de fotos guardados, que
sabiam consertar e criar objetos. E ele confirmam nossos semblantes
era um inventor! Quantas coisas foram alegres. As fotos são documentos
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(In)Feliz aniversário
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@danielcalves_
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Daniela Genaro
São Paulo/SP
Manhã de sol
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David Leite
O temporal
“Somos da mesma substância que os sonhos”
William Shakespeare, A Tempestade
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sentava. Trajando indumentárias reais Tudo aquilo foi visto por Antônio
puídas e uma coroa entortada, o como num êxtase. Não questionou
escasso homem diz para o ar. até então nada naquela situação
— Obrigado, Ariel. Seus esforços serão insólita. Mas, num ímpeto de
considerados futuramente. preservação, finalmente se põe à
— Liberta-me! – Murmurava o invisível. conversa.
— Tenho tarefa ainda para tu, meu — Julgamento? Afinal, quem são
servo. Estamos aqui para julgar esse vocês? E o que estou fazendo aqui?
homem. E você será meu guia. — Poupa-te de dizer algo, usurpador.
A resposta parecia não ter satisfeito a Responda apenas nossas questões. –
entidade, que começa a soprar para O homem enrugado o interpela.
todos os lados, até então se apaziguar — Usurpador? Acaso eu lhe roubei
num torvelinho suave, que levantava algo? Engana-se a meu respeito.
poeira e folhas do chão, e se coloca ao Minha honra jamais permitiria tal
lado do homem. perjúrio.
Uma voz poderosa então se faz — Honra? O que é honra? O que há
presente. nessa palavra? Vento. – O homem
— Que julgamento essa criatura responde.
merece? Deveríamos devorá-lo de uma — Quem és tu, afinal?
vez. — Sou Próspero. Recorda-te desse
— Acalma-te, Calibã. – O homem no nome?
trono intercede – Não estamos aqui para Antônio, então, examina suas
uma execução. Esse homem merece memórias. Próspero, o rei
julgamento como qualquer cria do amaldiçoado, a quem serviu por um
Senhor. tempo. Perdido numa tempestade.
O dono da voz possante se aquieta, — Mas... Você se perdeu no mar... –
bufando. Não era homem, era parte do Antônio diz, quase questionando se
sonho de Antônio. Orelhas, pelagens e isso seria possível.
musculatura de um touro, sobre as — Não. Perdi minha doce Matilda
patas de um. Um amálgama de homem naquela viagem. Perdi meu trono e
e touro como saída de alguma mitologia. meus súditos. Mas estou aqui.
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Encontrei novo reino. Reino sobre o perdão, tornar-se modesto com sua
nada que vê, tendo por servos apenas ignorância, mas ainda assim não
meu ente celeste e meu algoz taurino. E repara teu erro. Devemos castigá-lo
agora, tenho você também. O homem de qualquer forma. Seja pelo mal em
que me roubou tudo. Que falhou em seu coração, ou pela ignorância
prever a tormenta que me rasgou a imperdoável.
alma. Hoje sou dono de meu próprio — Sim, e mesmo tendo cometido tal
temporal, e que melhor justiça de erro ainda segue trabalhando em
reivindicá-lo a mim senão assim? – minha corte, servindo a um novo rei?
Próspero diz, e aponta com a cabeça Pergunto-me o quanto de
para o pequeno tufão ao seu lado. incompetência houve em sua análise
— Mas. Não é minha culpa. Eu não pude dos céus daquele dia.
prever... — O que está dizendo? Eu juro com
— Cala-te. Suas palavras são como minha alma que jamais fiz algo contra
patifes desde o começo em que suas vossa majestade.
promessas as desonraram. São de tal — Mas quantas vezes a simples visão
modo impostoras que me repugna que de fazer o mal permite que o mal seja
as deixe usá-las para defender sua feito? Você o confiou, mestre. Uma
honra. vez bastou. Seja por erro ou por
Antônio, atônito, tenta retrucar. escusos interesses, esse homem
— Você não parece impelido a creditar falhou contigo. Deixemos esse
em mim nada. Como poderia me julgamento para o lado e façamos
defender? Apenas digo, que meus justiça. – Calibã continua.
conhecimentos não foram suficientes — Eu sei de que forma a alma
para assegurar uma viagem segura para empresta à língua juramentos quando
vossa majestade e sua comitiva. Perdão o sangue arde. Não. Ainda estamos a
por isso. julgá-lo. Ariel, não se manifesta?
— Vê, mestre? – Calibã se dirige a Esperava que fosse uma voz a mais
Próspero. – As coisas mais mesquinhas nisso. Que tentasse defender este
são valores para os baixos como ele. homem, já que o carregou em seu
Tenta enobrecer-se com um pedido de ventre furioso até aqui.
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não me parece nova, nem estranha. para o céu, onde o sol brilhava baixo,
Apenas a mesma, em outra artimanha. e o entardecer já lançava seu áureo
Caça-o, Calibã. Dê-lhe o castigo que brilho por todo o firmamento. As
tanto almejava. nuvens passavam calmas, com suas
Pronto pela ordem, Calibã salta para imperfeitas formas projetando
cima de Antônio, projetado pelas perfeitas sombras sobre o mar, calmo
possantes patas e com as mãos tenazes. como um espelho.
Quando o agarra, o vento torna-se mais — Sim. Isso tudo também há de
violento, joga Próspero de seu trono e sumir. – A voz solene do vento ecoa
paralisa Calibã com as mãos apertando novamente nos ouvidos de Antônio.
as vestes de Antônio, enquanto ele — Tudo desaparecerá no ar. Menos
tentava ao menos manter os olhos você, que é feita do mesmo tecido
abertos. dos sonhos, mesmo em sua curta
Antônio, com a força que seu corpo existência, entre um sono e outro.
castigado permitia, coloca as pernas no Antônio se sobressalta. Ariel, então,
peito de Calibã e se projeta para trás, começa a se mover violentamente
fazendo-o perder completamente o como antes, atacando Antônio como
equilíbrio, enquanto Antônio se um açoite impiedoso, com o som de
impulsiona para o portal atrás de si, no estalos e malhos.
mesmo momento em que Ariel — Dorme agora. Torne a sonhar.
desenlaça seu potencial em tormenta. O assoviar do vento começa a se
Antônio salta para fora, para o caminho atenuar enquanto pousa o corpo de
na mata, e atrás de si rosnava os ventos Antônio no chão. O sol volta a se
como cães famintos, e tão destrutivos esconder no horizonte enquanto
como todas as mandíbulas de uma finalmente Ariel se recolhe numa
matilha. brisa.
Antônio corre pelo caminho da floresta E o resto é silêncio.
até a praia. Ofegante, não olha para trás
em momento algum. Olha novamente fim
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Dias Campos
São Paulo/SP
William, o papagaio
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Edgar Borges
Boa Vista/RR
Quinta é dia de publicar fotos antigas casa dos meus avós (talvez o tenha
nas redes sociais. É o dia do #TBT, obtido através de outra pessoa na
quando todo mundo se sente autorizado foto). Marcamos, nos agradamos e
pelos amigos virtuais a abrir e ficamos várias vezes. Ela morava na
compartilhar o conteúdo de seus baús frente da praça do bairro Aparecida,
digitais. na casa dos tios, a uns 10 minutos de
Fiz isso dia desses e publiquei no bicicleta.
facebook e no instagram uma foto do O namorico só não foi mais pra frente
tempo em que cursava o ensino médio porque, no meio duma ligação, a
na escola estadual Gonçalves Dias, o gente discutiu um pouco e, para me
GD. Nessa época, em Boa Vista, despedir e deixar esse papo para
Roraima, os fotógrafos iam na escola, outra hora, falei “adeus” achando que
batiam as fotos das turmas, expunham estava dizendo “depois te ligo”. Ela,
as cópias na vidraça da diretoria e quem meio espantada, ainda perguntou se
quisesse pagava para ter a sua cópia. Eu era isso mesmo, eu estranhei que ela
quis. Apareço nela com o cabelo bem não entendesse e mantive o meu
alto no topo, como se fosse um cantor adeus.
sertanejo. Não era, mas na primeira Karla não me ligou no outro dia e eu
metade dos anos 1990 tudo se permitia era muito orgulhoso nesse tempo,
em relação aos cortes. coisas de jovenzinho sem noção. Por
Essa foto me rendeu depois um isso, também não liguei de volta e
namorico: Karla, uma menina que havia ficamos assim, terminando nosso
conhecido em uma festinha meses romance sem terminar. Depois disso,
antes, me reconheceu na imagem e me só lembro de tê-la visto uma única
contatou pelo telefone convencional da vez; eu dentro de um ônibus, ela
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https://linktr.ee/borgesedgar
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Edih Longo
São Paulo/SP
(IN)cidadania
Cândido era puro como o nome. Chegou peito. Olhou para o companheiro do
do interior com uma mala e o peito lado que estava com as mãos presas
cheio de vontade de vencer na cidade e um olhar de fera acuada. Olhou
grande. Seria uma história banal se para a mulher do outro lado e ela,
descendo a ladeira do terminal de apesar de ter um filete de sangue nos
ônibus não tivesse sido roubado. lábios vermelhos e uma mancha
Procurou um guarda que o mandou para negra nos olhos, piscou para ele
a Delegacia mais próxima. Perdeu-se no escandalosamente.
caminho e quando deu por si, estava — Onde estou? Perguntou-lhe.
envolto em um corre-corre de gente que — No esgoto do mundo, a
não acabava mais. mulher respondeu.
Assustado, nem percebeu quando O guarda que o trouxera
foi segurado pelo braço e jogado dentro aproximou-se.
de um carro parecendo uma gaiola. — Onde estou? Perguntou-lhe.
Quanto mais explicava, menos o policial — Em uma Delegacia.
acreditava nele, mandando-o calar a
— Ah, graças a Deus, acabei
boca.
vindo ao lugar certo. Eu gostaria de
— O que aconteceu? Perguntou. fazer uma queixa: fui roubado.
O guarda deu-lhe um tapa no — Aqui a gente prende e não
rosto, batendo fundo na sua dignidade. atende aos agitadores, camarada.
Finalmente, chegaram a um local
— Agitador, eu?! Mas eu sou
grande, com uma fila maior ainda de
uma pessoa calma. Eu fui roubado.
gente que estava esperando para ser
— Você estava numa passeata
atendida. Sentou-se no lugar indicado
comunista e diz que foi roubado?
com as mãos trêmulas apertando o
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www.facebook.com/edih.longo
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Edweine Loureiro
Saitama, Japão
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naturalmente, tem sido mais uma vez Pois sim, para o bem ou para o mal, o
referência nesse campo. Há um mês, fato é que a chamada inteligência
levei meu filho a uma dessas exposições artificial já domina as nossas vidas.
realizadas por universidades de Mas ainda é cedo para saber se
tecnologia locais. O pequeno vamos precisar da ajuda de
obviamente ficou fascinado com os Schwarzenegger. Por enquanto, no
movimentos dos robôs. E eu também. Japão, ainda há lojas de conveniência
Havia, por exemplo, um deles, com sorrisos humanos ao balcão...
gigantesco, creio que uns três ou quatro Esperem. Aquela atendente japonesa
metros de altura, que levantava objetos não sorri jamais e, toda vez que um
pesados ― era este um robô cliente vai pagar, ela repete
programado para ajudar em construções automaticamente a mesma frase. O
e afins. Confesso que, enquanto seu colega, ao lado, a mesma coisa.
observava tal gigante, fiquei imaginando Seriam androides? Na dúvida, vou
se algo do tipo caísse em mãos erradas. pagar logo e dar o fora daqui!...
Um perigo que, infelizmente, sempre há.
***
https://www.facebook.com/edweine.loureiro
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Elidiomar Ribeiro
Rio de Janeiro/RJ
https://www.instagram.com/labeuc.elidiomar/
https://twitter.com/Elidiomar_
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Vejo
Vejo
Através dos meus olhos
Do fundo de minha alma que já não existe
Um ser que se diz homem,
Levou o que de bonito eu tinha
E hoje em mim plantou
Um ser que não sou mais eu.
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Elton Sipp
Os livros no nicho estavam organizados foi que ela parou de realizar o que
de forma desorganizada de propósito. sempre foi seu sonho.
Era uma tentativa de superar ou, pelo
Temos disso às vezes. Começamos a
menos desafiar, o TOC (transtorno
nos absorver nos afazeres do dia a
obsessivo compulsivo), algo que ela
dia, nos compromissos e
talvez leu em alguma revista ou assistiu
responsabilidades que vão surgindo.
algum vídeo na internet. Ela não sabia
E com isso esquecemos de realizar
muito bem se estava funcionando, mas
nossos sonhos. Sabe aquele sonho de
escolheu insistir mais um tempo na
criança? De salvar o mundo, de tocar
“organização desorganizada”... Ou como
as nuvens, de encontrar um
quer que se chame essa estratégia.
dinossauro. Ou qualquer outra coisa
Ela estava deitada na cama, acordada a parecida. Em algum ponto da vida,
algumas horas, o cara que ela conheceu por algum motivo, esquecemos de
na noite anterior, com quem veio para realizar. Não é que a gente deixa de
casa, estava deitado do lado, de bruços. sonhar isso de um momento para o
Roncava baixo. Muito menos irritante do outro, isso meio que se desfaz, como
que outros com quem ela já dormiu. Era uma névoa da madrugada que se
mais uma respiração profunda, não um desfaz quando o sol começa a
ronco de verdade. aquecer ela. Sabe como é?
Pensou em quantas noites fez isso... Nas últimas duas semanas ela
Sexo sem motivo, só por alguns pensava nisso com mais intensidade.
momentos de prazer. Aliás, prazer que E nessa manhã, uma manhã de
nem sempre acontecia. Sabe como é, sábado, depois de bastante álcool,
né? Mas, ela não queria pensar nisso muita agitação e mais uma noite com
agora. um estranho, ela acordou no fim da
madrugada pensando sobre tudo isso
Estava preocupada pensando no que
de novo.
fazer e em como fazer... De alguma
forma parecia que estava revisando toda O sol começou a clarear o lado de
a sua vida nos últimos dias. Alguns fora da janela e as pequenas frestas
chamam de crise de meia idade, mas ela permitiam que a luz começasse a
não conseguia ver assim. Só queria ficar mais forte. Levantou e fez um
algumas coisas um pouco diferentes, um café preto, ela queria mesmo era o
pouco melhores. Talvez descobrir onde açúcar de uma Coca-Cola para curar
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instagram.com/eltonsipp
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Elza Melo
Capanema/PA
Alma colorida
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Emily T. Domingues
Campinas/SP
Minha maior cobiça é que você sinta a dor que senti quando você se adentrou em
mim sem minha permissão
Sabe do que estou falando, não minta.
Suas mãos passaram por onde não deveria, recordo-me do seu toque a cada dia
E isto só eleva minha ira.
Embora em claramente tenha dito não, me amaldiçoo por ter feito parte desta
dança
Eu só me pergunto: como foi capaz de querer estuprar uma garotinha somente
com seu vestidinho de criança?
Tiktok: @sweet__imagination
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Eni Ilis
Campinas/SP
Qando
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Borboleta Azul
Queria ser assim.
Como a borboleta azul
suas longas asas a mover
em câmera lenta a bater.
Naquele dia!
Naquela hora!
Naquele momento!
Me despedia, pois, a morte chegou e o meu tempo parou!
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Filipe Cotrim
Guanambi/BA
Apenas te amo
E ter razão já não faz tanta diferença, E que estamos ali por nós, apenas.
As ansiedades passam,
Pois és meu sol em dias nublados, Não quero mais ser feliz sozinho,
@filipe_cotrim
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Flávia Prata
Cuiabá/MT
Reencontro
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Gedeane Costa
Recife/PE
As Lágrimas
a lágrima alegre
embora tão breve
estampou no rosto fino
ou da pele enrugada
mas a pessoa extasiada
em cambalhote do espírito
respirou aliviada!
http://paginasinfinitas.blogspot.com/
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Gigi Locateli
Chapecó/SC
Foi só um sonho!
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
(@gigi.locateli)
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
https://www.facebook.com/gislene.oliveira.56/
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Giulia Wydra
São Paulo/SP
Sanidade
A que ponto dei o poder de minha vida a você para tu estragar tanto ela? Até que
ponto doamos nossa vida aos outros? E, com essa doação também doamos nossa
sanidade, a qual já não tenho mais, já a doei. A doei a um outro, que a estragou.
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Giulianno Liberalli
Nova Iguaçu/RJ
Um Personagem
Bloqueio, bloqueio e bloqueio. Tantas Estão ali, na outra mesa, mas com a
ideias e cenários passam pela minha Olivetti crio o clima, a estrutura, a
cabeça, mas nenhum toma uma forma base, tem a inspiração que a
definitiva, pois falta uma coisa essencial acompanha, eu acredito que seja seu
para a história fluir: um personagem. ar de filme noir, enfim. Devidamente
Não qualquer personagem, mas O acomodado, começo a datilografar.
Personagem! No escritório sento diante Tec. Tec. Tec.
da velha Olivetti elétrica, pego uma
Tenho o cenário de um assassinato,
folha de papel, giro o cilindro para
um corpo surge no chão e o detetive
posicioná-la e com uma xícara de café
entra em ação:
na mão está tudo pronto para começar.
Você deve estar se perguntando: “Era uma noite de quinta-feira,
cheguei ao local do crime e o
“Máquina de escrever nos dias de hoje?
sargento Perez me aguardava, o ar
Mas e o computador, o editor de texto?”
cheirava a mofo e sangue seco. Pelo
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Na minha frente o detetive caminha pela pedestal à sua frente. O vestido azul
amasso e jogo fora. O detetive e o Ainda não é isso, que saco! Outra
cadáver somem no ar. folha para o lixo e a cantora
Outra folha e ajeito a margem, lá vamos desaparece com a boca ainda aberta
nós de novo. Fora da atmosfera para uma canção que nem teve
terrestre brilhavam as estrelas, a lua era chance de começar. Que agonia esses
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https://scriv.com.br/giulianno/
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
https://www.instagram.com/escritoporgustavo/
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Gutenberg Löwe
Juiz de Fora/MG
Haicais cotidianos
Noite de verão
Poluição e nuvens breves
cobrem seu sorriso
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Hernany Tafuri
Juiz de Fora/MG
Peito portátil
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Porto Madero
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Frui vita
Não mais sentir dor no torpor dos dias moribundos, cuja cura torna-se apenas piada de
má-fé servil.
Ah, guerreiro forjado por sangue derramado em guerra transcendental que não mais está
em pé.
Hoje, abatido, acamado, com feições cadavéricas de mórbida palidez hostil.
Sim, eis a vida tal qual ela é!
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https://www.facebook.com/goticoecultura
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Beija-for
Beija-flor, beija-flor,
Você transmite amor.
Que saudade de um beijo
Dado com muito sabor.
Essa pandemia é cruel,
Afastou-me dos meus amores.
Visita, só de longe.
Abraços, nem pensar.
Beija-flor, eu lhe admiro.
Para você eu compro néctar.
A sua presença me agrada,
É a minha distração.
ilmarribeiro@yahoo.com.br
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Iraci Marin
Caxias do Sul/RS
Ambígua
Não foi por amor, mas por sombras internas que cresciam
necessidade, que ela fugiu de sua cama. dentro dela, sem foças para impedir.
Vivia sentindo o fracasso e a Ele a viu bordando. Chegou
frustração do sexo e não via alternativa devagar, sem que ela percebesse, e
para satisfazer o seu desejo. Ou a sua perguntou:
necessidade. Muitas vezes criou - Pra que isto aí?
fantasias, mas sempre tudo acabava na
amarga realidade da falta. - É coisa minha, passatempo.
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Iram Leal
É o grito...
Da dor
Da fome
Da solidão.
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“ O Amor é Fogo”
Desde a primeira vez que eu ti vi,
eu vi que seus olhos expressavam,
doçura e encanto, a sua boca proferiam
as palavras, sempre sinceras,
e do seu sorriso, uma harmonia
que me contagiava por inteira.
Do seu jeito menino, mas já um homem,
fez acender dentro de mim, brasas de emoções,
que a cada dia foram se transformando
em chamas de sentimentos!
O tempo foi passando e essas brasas não se apagavam,
acenderam as chamas da paixão... Eu me apaixonei!
E cada vez que a saudade apertava, pedindo a sua presença,
as chamas me consumiam e me queimavam ,
querendo buscar mais uma vez os seus olhos e o seu sorriso!
Dentro de mim, um fogo que ardia, sem eu poder ver,
apenas eu sentia e não podia tocar.
Descobri que eu estava te amando e o fogo do amor
com suas labaredas não deixavam eu te esquecer!
Amor este, que hoje é uma chama acesa, incapaz de apagar,
amor este, que é um fogo que me incendeia, por inteira,
que ama e te espera todos os dias.
Amor este, que quando uma lágrima escorre dos olhos
é porque deseja estar presente e te espera o tempo
que for preciso para te ter... Meu amor!
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As sequelas da pandemia
Afetarão a sociedade toda
Independente de país, continente
De raça,credo,classe,ou posses.
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Bicho de estimação
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Jamison Paixão
Las Palmas de Gran Canária/Espanha
Caricaturas
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Caricatura – Florescer
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https://www.facebook.com/paixaodeoliveira
https://www.facebook.com/jpartes.desenho.3
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JAX
DIMINUTOS
O Cheiro Do Jaborandi
A psicologia salva
Após dez anos de sessões com sua psicóloga, o homem que pensava ser
um queijo Minas verde saiu do consultório radiante:
“Tô curado! Tô curado!”
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Realização do homem
Tratou
De seguir o ditado.
Fez árvores.
Escreveu filhos.
Plantou livros.
Deveria ser
Um homem realizado.
Mas...
Algo saiu errado.
Nada natalino
Bate o sino
Grande da catedral.
Pequenino
Só quando é Natal.
Repentino,
Alguém grita: “boçal”!
Desatino
Enxergar tanto mal
No menino
Sem pendor musical.
A última do sabiá
O velho sabiá sentiu seu fim próximo. Guardou forças para a última
cantoria, que deveria ser a mais linda de quantas entoara. Verdadeira apoteose
de um artista! Chegado o momento, cantou como nunca, em perfeita mescla de
emoções. A nota derradeira foi encerrada pelo suspiro final do talentoso pássaro.
Pobre sabiá! Nenhum animal humano prestara atenção ao belo canto. Se acaso o
fizesse, tampouco entenderia o significado, pois ninguém sequer suspeitava que
a avezinha estivesse para morrer.
Brinquedo perdido
Passarinho amarelo de plástico, dotado de assovio banal. Com um pouco de
água, contudo, quem diria? Soava como autêntico canário, pelo menos aos
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ouvidos da criança que com ele tanto brincou. Melodia agradável, saudoso
brinquedo que já não existe, perdido no tempo. Deixaram de fabricar. Pelo
menos, nunca mais se viu. Cedeu seu lugar a um monte de invencionices,
pródigas em tecnologia sofisticada que logo se acaba ou perde o interesse.
Custava ainda arremedar a natureza daquela forma tão simples?
Bicho de estima-inven-ção
O menino via outros a passear com seus animais de estimação. Não quis
ficar pra trás. Inovou: nada de cãezinhos, canários ou porquinhos-da-índia!
Tratou de arrumar um ornitorrinco, que leva pela coleira, orgulhoso. Bico de pato,
rabo de castor e perfil extremo de mamífero que põe ovos! Todos se admiram do
seu bichinho. Ninguém sabe como ele fez para trazer algo tão exótico da distante
Austrália. Criança que se preza dá asas à imaginação ante o desafio. Se bem que
asas ornitorrinco não tem...
Outros textos do gênero em JAX, Microcontos, Mini-Poemas, Curtas Reflexões para uma Vida Breve, ed. Assis,
MG, 2020.
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Jeane Tertuliano
Campo Alegre/AL
Reminiscência
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https://instagram.com/jeanetertuliano/
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Jeferson Ilha
Santa Maria/RS
Fake News
Retroalimentar-se de mentiras
Torna você o quê?
Infelizmente está além da sua compreensão
Pois se tornou tão profundamente enraigado
Que não se distingue mais
Entre o verossímil
E a sua vontade contrapositiva.
Mero produto
De um sistema de indução.
Repetir sem questionar
Aceitar sem entender
A veemência de um estado destrutivo
Que ocasiona
Uma demência arraigada
Instaurada para se retroalimentar de si mesma.
https://www.facebook.com/jeferson.ilha
@jeferson_ilha
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segunda chance, faria tudo exatamente que um dia eu julguei como mera
da mesma maneira. Estive só desde o ilusão.
princípio e próximo ao fim, me contam Toda a minha jornada, me
que devo ficar sozinho, para mim, dediquei a literatura, procurei nos
parece até uma piada de um dia ruim, livros o que em nenhum momento eu
mas é só uma situação, o modo que pude encontrar em um ser humano,
melhor encontrei para navegar no originalidade. Talvez nem eu tenha
abismo e que fora desvendar a solidão isso por eu ser uma junção de
quando, na verdade errei a palavra e diversas obras que inundam o meu
esta em si era, solitude. coração.
Minhas costas doem Ao final, muitos mudam, alguns
incessantemente, me sinto fraco, a tosse se arrependem, eu não farei nenhum
não cessa e a minha garganta está e nem tão pouco o outro, fiz o que
inchada, ainda que eu tome os meus fiz, deixei o que deixei e morrerei
medicamentos, eles aliviam apenas por sozinho da mesma maneira que
um breve período e após isso, os enganei.
enfermos voltam. Estou há alguns dias
sem dormir e a ansiedade está cada vez Minha última chamada ao paraíso
mais constante. Não conto mais quanto será aquela da qual abdico das
tempo me resta, apenas aguardo e emoções e sensações ao tentar
procuro manter minhas atividades desconstruí-las. Enquanto isso, hei de
rotineiras, limpar a casa, ler, ouvir habitar o inferno quando vou dedicar
música, porém, não tenho a agilidade de diversas horas ao tentar desmistificar
antes e às vezes preciso tenho de parar as obras literárias, sem ao menos ter
devido ao ataque de tosse, não almejo de trocar as palavras com os
que essa dor pare, que continue, para demônios para de tal modo, dizer que
somente assim descrever a sensação do talvez um dia eu já fora um anjo.
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Joaquim Bispo
Odivelas, Portugal
Cinzas da vida
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http://vislumbresdamusa.blogspot.pt/
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Joedyr Bellas
São Gonçalo/RJ
A Pensão
Já estavam juntos há uns dez anos, ou onze, ela sempre se lembrava da data,
ele nunca se lembrava.
Às vezes, ela brincava com ele, fazia um bolo e uma caipirinha, sentavam na
varanda, ficavam olhando ao longe. A lua cheia, vagalumes e, como não quer
nada, perguntava ao marido o que eles estavam comemorando.
Quase sempre ele cortava com um não enche o saco, mas nesse dia em especial
ele não estava pensando no trabalho nem na Judite, a moça do cafezinho da
repartição pública onde ele batia ponto, diariamente, nem nas contas que
acumulavam.
Dava nó nas tripas para se safar na vida.
Ele parou de se distrair com os pirilampos, olhou pra ela e disse que
provavelmente comemoravam algo importante, muito importante,
demasiadamente importante, sem dizer naturalmente o que era.
Ela pensou em insistir, em continuar com a brincadeira, mas desistiu porque
conhecia o humor do marido. Capaz de um beijo, capaz de um safanão, capaz de
pagar uma noite no motel com direito à champanhe, ordinária, mas champanhe,
o que valia era a intenção, brindavam e fingiam que estavam em Paris.
O faz de conta.
A mulher se derretia toda, fazia cafuné e massagem no pé dele, quando ele
chegava estressado do trabalho, após o banho, e isso ocorria quase sempre.
Ela trabalhava, tinha a batalha dela, mas era Deus no céu e o marido na terra. A
mãe dela de vez em quando avisava, de vez em quando abria o caderninho das
frases prontas e ia falando, dividindo a boca com o prato de mingau e as
palavras. Homem é tudo igual, aposto que ele nem sabe o dia que vocês
juntaram os trapos.
Não, não sabia.
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Jonas Maffei
Botucatu/SP
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paulista e alguns clássicos do rap, tive a banhado a ouro que extravasava dela
oportunidade (que aproveitei com era laranja e meio fraca,
prontidão, já que não sou otário) de dar incrementando o mistério que se
a mão à imperatriz do castelo de cartas impunha sobre o delírio e a harmonia
fictícias (em cujos versos se da situação. Conversamos por uns
encontravam observações triviais e quinze minutos, peles coladas e em
poesias épicas) que construí no decorrer atrito, sobre nossos cachorros, sobre
da noite: a musa absoluta das valquírias abobrinhas e berinjelas e sobre uma
ou talvez, melhor ainda, minha esposa, terceira guerra mundial. Depois
ou futura esposa, ou, perfeito, minha começamos a nos beijar timidamente
viúva ou futura viúva. Ela, tateando o a acabamos por, depois de algo entre
reino dos céus ou, mais modestamente, dez e quinze minutos, devorarmos
o purgatório, recostou a cabeça no meu um ao outro como quem se delicia
ombro. Estávamos nós dois sozinhos a com a plena experiência de se
esta hora na varanda da casa, de onde deparar com toda a existência e
se podia ver uma lua singela e tímida, simplesmente suspirar de encanto, na
assim como uns bons carros passando, ausência de palavras. Depois de tudo,
vários postes, uns poucos viciados e ela dormiu com a cabeça encostada
quatro moradores de rua. A luz que em mim e eu me senti como nunca
abria os portões para eu ver toda aquela antes um Deus ou, talvez, mas só
lindeza de flamingo encantado e talvez, um diabo.
jonnasmaffei@gmail.com
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https://maldohorror.com.br/poebos-abel/
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Recordação de Natal
https://joseneves.tambemescrevo.com/
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Nasci assim
Nasci assim
Mulher
Na pele amor
No suor sabor
Nas palavras
Uma certeza
https://www.youtube.com/c/Literaturajá
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Juiz
Curitiba/PR
Soneto da intensidade
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Juliana Moroni
Ibaté/SP
A Carta
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de uma história
da qual eu também era a protagonista.
Do meu ponto de vista,
estava desconfiada,
mas a intuição me impelia
a abri-la.
Hesitei,
visto que a data estava errada.
A curiosidade me consumiu por alguns minutos,
já que o nome da destinatária era igual ao meu,
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https://fragmentosilusoes.blogspot.com/
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Kamila Bicalho
Vila Velha/ES
Anjo
Querido anjo meu
Por tanto tempo me guardastes
Guiou-me, protegeu-me
Levaste-me ao céu
E pude sentir um pouco do paraíso
Mas algo começou a acontecer
E tudo dessa liberdade
Começou a nos aprisionar
A corroer por dentro
A nos machucar
E o que antes era tão bom
Tornou-se nossa prisão
Mas que doce prisão
Estaríamos sempre presos
Mas e o mundo?
Quem ama não é livre?
Vai anjo meu
Volte para os céus
Proteger quem te merece
Pois quis tirar tua liberdade
E agora isso me compadece
Não poderei mais voar
Mas ainda espero poder amar
Querido anjo
Lembra-te de mim em suas orações
Que algum dia eu mereça o perdão
De ter machucado teu coração
De ter tirado teu voar
Dentro de nossa prisão
Por ser egoísta
E te querer para sempre
Em minha triste solidão
https://www.instagram.com/clichesia/
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Karol Costa
Campo Grande/MS
Ciclos
É comum ouvir que a vida é feita de vários ciclos, sendo eles comumente
divididos em dois: bons momentos e momentos de crescimento (dificuldade).
Para algumas pessoas o ciclo se transmuta muito rápido enquanto para outros,
demora um pouco mais, como por exemplo o ciclo de 7 anos.
A cada 7 anos ocorre algo que muda sua história de uma forma totalmente
inesperada.
O ano foi cheio de imprevistos, de crescimento, de desafios.
Algumas pessoas entraram no meu caminho e da mesma forma saíram.
Reconhecer que tudo é crescimento, aprendizado e que além do crescimento
mental há a evolução espiritual não é simples, mas no fim tudo é válido.
E como isso é bom saber que ao menos houve melhora mesmo que seja
pequena, nos mostra que o ser humano tem a capacidade de evoluir às vezes
lentamente ou outras rapidamente.
Então a você que tem receio do novo, posso dizer não temas, deixe entra porque
tudo acontece conforme o tempo de Deus.
Mesmo que não saibamos o porquê, confiar é reconhecer que a fé nos move.
Ciclos se iniciam e terminam, com eles novas histórias podem surgir.
Vale lembrar que o direito de escolha é que determinará onde iremos chegar, ou
seja, se quer resultados diferentes, é preciso ter atitudes diferentes.
Ás vezes mudar de ares, de amizades, modo de enxergar a vida.
Valorize aquilo que não tem valor palpável, te garanto que vale mais do que
aquilo que o dinheiro compra.
Ao ano que passou agradeça por tudo que lhe trouxe mesmo que não fosse o
desejado, mas foi o que o Universo decidiu que fosse melhor para o meu
crescimento.
E o que esperar do ano que vem? Bom, do fundo do coração deseje que lhe seja
concedido o melhor e que novos projetos se iniciassem.
www.karolinnesilva.prosaeverso.net
@cartas_da_karol_
133
LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Keli Vasconcelos
São Paulo/SP
Apenas nós
Busco em seus lábios
O campo mais ousado
A pétala macia
Cor de violeta
Absorta
Absorvida pelo seu olhar
Já me flagro a cantar
Vejo daqui de cima a sua chegada
Apenas nós
A sós
Estrofe e refrão
Repouso e coração
https://keliv1.tumblr.com/
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
L. S. Danielly Bass
Marília/SP
Amor Cartesiano
Deus sabe que eu não sou cartesiana, todavia, há quem diga que meu
amor é cartesiano, que eu tenho um jeito cartesiano de amar. Eu digo que o
amor real parece ser ideal em um mundo onde tudo acaba por ser tão banal. É
verdade, há um tanto de idealidade no meu amar, por isso, talvez, mas só talvez,
no amor eu haja de fracassar. Se for isso, que seja, mas eu ei de deixar alguns
pensamentos e, em pensamento, é impossível eu errar, na prática? É provável
que eu ei de falhar, talvez um gênio maligno venha me atrapalhar. Eu percorro o
caminho e o vivo, eu não sou de meditar! Só costumo desconfiar de um amor
que não seja tudo, de um amor que não seja absoluto, de um amor que não seja,
porque o não-ser não cabe no amor. Os amores parciais parecem-me irreais, por
vezes, estes não amores enganaram-me. Mas eu sei que o talvez não
fundamenta o amar, só um lado é incapaz de o completar e metade do amar é
um não-amar, um não-amor. Esqueça, eu não postulo um gênio maligno a nos
enganar sobre o amor, sobre o que é amar, não preciso ir tão longe, aqui a
observar, eu posso afirmar que o regime em que vivemos é uma escola do
desamar, não sei, mas digo, que do amor este sistema ousou nos afastar.
Contudo, eu não deixei, eu nunca deixei de buscar para além das sombras que
ele costuma projetar. Então, deste caminho o que eu posso afirmar? Eu sou uma
coisa que ama a buscar outro ser que ama, um ser que eu ame, um ser que me
ame. Sem vacilar, eu afirmo, a reciprocidade é o alicerce a levantar qualquer
conceito de amor que se queira eternizar. E na completude do buscar eu sei que
irei experimentar o amor que nunca deixei de acreditar, o amor absoluto, que não
sei onde está, mas no qual eu ouso confiar, porque, sem ele, não vale a pena o
amar, sem ele, o amor é um sentimento vulgar. Eu sei que pode demorar, mas eu
sigo meu percurso sem me apressar e, sem método, eu me permito errar,
vivendo as delícias que os desamores da vida podem me dar.
@l.s.daniellybass
https://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=222558
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Anima-me animal
Tens um dono; Suavemente me ensinas;
Alguém que te guia; A desmesurar este triste engano...
Mas te afasta do trono;
E assim será com a tua cria... És poço de sabedoria;
Ainda assim não te afliges; Quem te subestima;
Nem tão pouco; Empobrece a própria filantropia;
Alguém agrides; Rateia os dias de lucidez num eterno
Com este fado rouco… enigma...
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Saudade
Reencontrar, reviver, viver...
Momentos bons e agradáveis
Com entes queridos há muito separados
Pelos imprevistos previstos pela vida!
Dia a dia que se adia,
Pela labuta,
Por caminhos que escolhemos trilhar!
Mas tudo se acaba no abraço apertado,
No beijo prolongado,
No choro aliviado,
De ter ao seu lado,
Aqueles tão amados!
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Amor
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Lilian Gonçalves
Mário Campos/MG
Bucólica
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Lira Vargas
Niterói /RJ
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Lizédar Baptista
Anápolis/GO
Ulos Lunares
A cidade dorme
Restaram apenas nós
Diz-me breve
A ponto de caber na casca de uma noz
Desabafa o que tu escondes
Deságua em mim a verdade como se fosse foz
E com teu reflexo trêmulo vibra tua voz
Lua de tapioca
Lívida como Mandi
Exala teu perfume de Piripiri
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Por favor não esconde atrás das nuvens como índio que adentra à oca
Lua Lua
Sai da toca
Sai da toca
Diz a alta verdade que a ponta de um arranha-céu toca
Lua Lua
A cidade já foi dormir
Vê que ironia do destino
Outra vez só nós dois
Diz-me Lua
Contra quem lutas
Ó guerreiro de prata!
Lua Lua
Diz-me o que sente
Diz-me o que aí de cima vês
Quereria voar para ver o céu in loco nem que seja só uma vez
Lua Lua
O que diz teu ulo?
Teu salto?
Teu pulo?
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Enganados Em Tela
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Luís Amorim
Oeiras, Portugal
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
facebook.com/luisamorimeditions
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
@fernandoalmeida_pinheiro
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Luís Lemos
Manaus/AM
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
– Não seja sentimental. Claro que – Hoje foi o dia mais feliz da
só de você e do meu neto. minha vida!
Pelo fato de não ter irmãos nem – O que aconteceu? – perguntou
outras crianças da mesma idade com sua mãe.
quem conviver, Rodrigo permaneceu – Os meus amigos vieram me
muito isolado durante a primeira visitar!
infância, a ponto de começar a falar só – Que amigos? – perguntou a sua
aos três anos e meio de idade. avó.
Um dia, ao chegar do trabalho, sua – A senhora não disse que hoje
mãe sentiu sua falta. Foi no quarto do não veio ninguém aqui?
filho, e ele não estava lá. Procurou em – Deixa ele falar – disse sua avó.
todos os cômodos da casa e nem sinal E virando-se para o neto, disse-
de Rodrigo. A avó de Rodrigo pensando lhe:
que a filha tinha levado o filho com ela – Conte-nos Rodrigo. Quem são
para o trabalho, nem se preocupou com esses seus amigos?
o “sumiço” do neto, e passou o dia – Vó, a senhora não vai acreditar.
inteirinho nos seus "afazeres – Vou sim filho, pode contar –
espirituais”. insistiu sua avó.
– A senhora não sabe mesmo onde – Assim que a mamãe saiu para o
está o meu filho? trabalho e a senhora foi varrer o
– Claro que não, filha! Hoje eu não quintal, apareceram três crianças.
atendi ninguém. Ninguém veio aqui. Elas me chamaram para brincar
– Se ele não está aqui, para onde debaixo da mesa da sala, dizendo:
ele foi mamãe? Será que raptaram o “Vem conosco! Vem conosco!”.
meu filho? – Devem ter sido os filhos
– Acalme-se! Ele não deve ter daquela mulher que a senhora
fugido. atendeu semana passada. A senhora
– Então vamos procurá-lo. lembra como ela era?
A angústia de não saber onde – Não interrompa. Deixe o seu
Rodrigo estava e nem o que tinha filho falar.
acontecido com ele prolongava-se por – Mamãe, – continuou Rodrigo, –
uma, duas, três horas... não se trata de seres materiais, mas
Quando ambas iam saindo para sim de seres espirituais, de Anjos.
buscar ajuda externa, mãe e avó Muito assustada, sua mãe lhe
avistaram Rodrigo de joelhos, orando pegou no colo e cobriu-o de beijos.
junto a uma imagem de Nossa Senhora Disse-lhe que o amava muito e que
de Fátima, nos fundos da propriedade. não queria lhe perder.
Ao ser questionado sobre o que – Eles me convidaram para morar
havia acontecido, ele respondeu: no céu.
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
https://www.youtube.com/channel/UC94twozt0uRyw9o63PUpJHg
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Luisa Garbazza
Bom Despacho/MG
Dilema
Esses instantes inversos,
tal o âmago dos versos,
ou recôndito da alma,
visto na ausência da calma.
Um turbilhão se pressente
no burburinho da mente.
A tristeza evidencia
o rosto que silencia.
A intensa fragilidade
rouba-lhe a serenidade.
Distingue da alma o grito
num murmúrio tão restrito.
A mente em desalinho
busca pra si um caminho,
uma palavra, um poema:
poesia em seu dilema.
https://luisagarbazza.blogspot.com/
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Marcas explícitas
Um amor mal-amado,
uma paixão mal resolvida,
um não... O sentimento
que lhe provoca tristezas,
e no meio do jardim,
o sol aquece com firmeza
o resquício que ainda existe,
deste mal. Enfim ... ela evapora.
www.reviver2003.blogspot.com
https://www.facebook.com/luizmanoel.freitas.12
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Marcel Luiz
Contagem/MG
Delírio
há vista
onde
o olho cega
onde
há ar e mar
é onde é
e onde
ontem
ainda não acontecia
a certeza poesia
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Niterói/RJ
Decisão
União infeccionada.
Carcomida pelo tempo.
Que se arrasta combalida.
Se transforma em tormento.
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Período perturbador.
De grande desilusão.
Recheado de dissabor.
Que exige decisão.
Dente cariado.
Que comprometeu o canal.
Tem de ser arrancado.
Se tornou um grande mal.
Sangue na gengiva.
Dor no coração.
Luto por um período.
Ciclo da renovação.
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Marcos Andrade
Lavagem/Trairi/CE
Girando
O mundo Gira
Gira o mundo dentro de mim
E Giram os contrários
E contrariando o mundo Gira
O mundo Gira para dentro e para fora
A maresia Gira o mundo
Gira o mundo dos meus antigamente
Gira o mundo daqui para frente
Gira o mundo do encantamento
O mundo Gira pelo encantamento
Gira o mundo todo
O mundo é Girado por Seu Viramundo
E de Gira se fará o novo mundo.
https://www.amisticadosencantados.com.br/
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Tabacaria
Era aligeirado pela pouca idade quando meteram-me dentro do poema. Sou o
Esteves sem a metafísica da Tabacaria. Já completei cem anos, mas o poema
não. O poema tornou-se meu adversário, quando plantei no poeta o “terreno
fértil da criatividade”. Sou um mito da poesia e ainda está de pé a infâmia que
deitaram sobre mim. Nunca tive nada com o Pessoa e andam a sugerir que sou
heterônimo. Isso é futrica do Álvaro que me pôs ao ridículo dessa abstração.
O Álvaro, sim! Gosta de deitar prosa com o Pessoa e imergir nas profundezas
da angústia. É heterônimo e cá estou a insinuar que o gajo caminha pelas “linhas
quebradas e ao final do ponto vira verso”. Estou a esperar retratação nos cem
anos do poema que cá já estou a vislumbrar.
@marcos antoniocampos89
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Marcos Guimarães
São Luís/MA
Mar
https://instagram.com/marcosrodrigo95?utm_medium=copy_link
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Marcos Malagris
Rio de Janeiro/RJ
O Tombo
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Marcus José
Maranguape/CE
Indelével Utopia
1. Ah! Que bom seria
Viver na santa paz
Em plena harmonia
É assim que Deus faz
https://www.facebook.com/profile.php?id=100018517876743
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
8 de Março
Sorrateiramente
a chama chegou.
Aqueceu os pés inchados
acariciou o chão puído.
Portas trancadas
janelas fechadas
fábrica em convulsão.
Em pleno século XIX
esta fogueira da Santa Inquisição
em que o papa era o burguês
e as bruxas eram as 130 operárias,
párias
da nação norte-americana
da cobiça soberana,
que ousaram gritar
por jornadas menores
salários melhores
e morreram.
Queimadas.
Sentenciadas
pela bondade do patrão.
Era 8 de março
e rastilho de transformação.
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Cíclico
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Maria Inácia
Natal/RN
No dia do horto
Acordei cedo, como de costume, em teu quarto só havia o lume de uma vela,
pois no dia anterior, mesmo após pedidos haviam cortado o fornecimento de
energia elétrica. Oh! Ingrata vida, que mesmo trabalhando o dia inteiro, na
maioria das vezes o dinheiro só dá para a comida.
Vida que me faz levantar todos os dias, antes das cinco; preparo o café, ajeito o
almoço que comerei no serviço e já deixo tudo pronto para o almoço dos
meninos. Me banho, em seguida já separo a roupa que vou vestir para voltar ao
serviço. Viver é um risco, saio antes das cinco, faço minhas orações pedindo uma
boa ida e boa volta. Mas, ainda no peito sinto o desgosto, de deixar meus filhos
dormindo.
Em alguns momentos quando estou em casa e há luz, assisto novela e assistindo,
tudo parece tão bonito a atriz sofre, sofre, mas, no final fica rica. Por mais que
diga, que a vida imita a arte, me parece que na verdade, que não é minha
História de vida, que eles querem contar. Dia após dia, faço a mesma coisa todos
os dias.
Há quem me diga que é assim mesmo, que o dia a dia não é fácil, mas seu olhar
pro lado, consigo observar que a minha vida é bem mais difícil do que a de
Mariáh. Sou preta não tenho as coisas de bandeja e muitos ainda me olham
como alguém que não tem estrela para brilhar. Também por isso, não sou
humilde como esperam, sou brava! E faço de meu colega o melindre, daquela
que não vai muito aturar.
A minha vida até parece uma novela, mas é dessas que você não vai ter
paciência para acompanhar.
https://www.youtube.com/channel/UCGKDNP9W3LhWxIm5hyIol5g
https://www.instagram.com/inaciamusic/
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O canivete suíço
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Striptease:
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Mario Loff
Tarrafal, Cabo Verde
Já não me lembro das coisas já gastas, sempre foste desesperadamente boa nos
alfabetos. Alias, boa como o mundo debaixo da tua costa. Aguentavas os filhos
pelo corpo inteiro, mesmo dando de comer pelo resto dos braços. Lua mora
grávida na tua cara, observavas os dias sem poemas ruins. Os teus olhos já
idosos são um verso só. Ainda observas as fotos que um dia ti tiraram. Quando
sorrias dos meus elogios em silêncio. Já me zanguei muito sem raiva. Eu mesmo
me tornei metáfora sem raiva, só tenho essa cara feia, talvez ainda falte o seu
amor sem aviso prévio. Por agora só me interessa a tua foto, quando bebíamos
super bock no tempo que eramos uma só boca, agora há um viros invisível e as
nossas estórias nos condenam. Te chamava de menina graciosa e, você era a
baby. Ainda que hoje conservar-se rocha, eterno silêncio. Não fui eu é que cansei
de ti. As vezes a distância relata o cansaço das palavras que gastamos até
naqueles antigos beijos. Apartamos os beijos e as palavras. a podridão dos lábios
são incertezas, orgulho e a morte anunciada. As vezes o próprio tempo cansa
com nós mesmos. Vê as nossas peles tristes! As nossas antigas tristezas são
saudades felizes, rugas e almas em fuga.
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A geografa da dança
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Matias
Uberlândia/MG
Pensamento Carcomido
As ruas e a escuridão
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Um Lar
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Agora, sem ele, havia momentos em que não sentia vontade de nada,
apenas esperava o tempo passar. Era como se a vida tivesse se tornado uma
interminável sucessão de dias vazios.
Emergiu de tais pensamentos ao sentir aquela pequena, rechonchuda e
morna mãozinha puxar seu braço, ao mesmo tempo em que ouvia a voz doce
dizer: - Vovó, os biscoitos estão prontos?
Os cabelos da neta, quase tão beges quanto a cor daquelas paredes, lhe
fizeram recordar as colinas da Toscana que admiraram juntos em um verão. A
imagem dos vastos campos ondulados sob a luz dourada do sol encontrava-se
eternizada em uma foto sobre aquela mesma velha lareira.
Abriu a cristaleira. Pegou uma das belas travessas daquela louça especial.
Serviu os cookies quentinhos, recém-saídos do forno. Colocou-a sobre lençol
estendido na grama do jardim, ao lado das xícaras e do bule com leite e café.
Sentou-se na almofada de seda chinesa e observou a menina que dançava
displicentemente sua música imaginária, como uma linda e livre borboleta,
girando ao redor do piquenique improvisado. Sorriu.
Já era tempo de criar novas memórias.
@mauraferreirafischer
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Maurício Régis
Camassandí/BA
Sagrado Planejamento
@masire_mauricioregis
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Por toda a vida sentiram pena de Pelo visto, sou uma ótima atriz,
mim, mas não o suficiente para não me porque se convenceram mesmo de
deixarem de lado. Sentiram pena porque que fui feliz. De que eu me basto. De
sou sozinha, mas, nem assim me que não preciso de mais ninguém ou
convidaram. Sentiram pena porque mais nada. De que sou aquela de
esqueci meu nome, mas, nem assim os mente e condutas exageradas. Acho
sábios lembraram. Sentiram-se mal que fiz um ótimo trabalho, pois,
porque me perdi, mas, nem assim me acreditaram que eu era um ser de
encontraram. Incomodaram-se, os que outro planeta, capaz de escalar
são, porque fiz parte das coisas loucas e montanhas de olhos vendados e de
insanas deste mundo, das que ninguém deixar os inimigos respirando poeira.
jamais compreendeu... Também, nunca Ou, simplesmente, em nada
tentaram! acreditaram. Só esqueceram. Não se
Por toda vida também tiveram importaram. Pobrezinhos, estes nada
razão, sem saber que nada para mim pensaram, são muito ocupados!
era novidade. Acreditaram que foram as Se clamam tanto por um novo
causas de fúria, temor e frustração mundo, por que se afligem com quem
desta deprimida. Mas, nenhum deles julgam ter surgido de outro? Por que
atingiu esse mérito. Porque esse mérito se sentem afrontados com o novo?
é meu! Entreguem, então, a medalha a Como um mundo pode realmente
quem sempre a mereceu: a dona de mudar, se todos são daqui e
todas as feridas e a razão permanecem iguais? Se suas ideias
das despedidas, fui eu mesma, esta nunca irão se chocar? Precisamos
improvável, minha grande inimiga. daqueles que não são, das coisas
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
loucas que surpreendem, e das que aprofundará nas partículas dos meus
sempre insistem em duvidar... medos, dos meus sonhos, dos meus
Talvez seja muita pretensão, mas, erros, nos falsetes das minhas
eu gostaria muito que um dia alguém angústias e nas melodias dos meus
me olhasse. Porém, que não me olhasse desejos, se tateará no escuro em
com pressa, nem de maneira superficial, busca das ideias que me alucinam, se
como é de praxe. Mas, que realmente algum ser alguma vez decifrará as
olhasse! A verdade é que todo dia deixo vozes que me iluminam... E ainda
meu olhar perdido recair sobre algo ou que nem assim me enxerguem, não
alguém. Eu queria que me tem problema, porque é só um
enxergassem... eu queria ser vista, desabafo, não uma imposição. Mas,
transparente, nua! Mas, ainda assim não quem me dera! Ainda que eu, a
acho que mereça toda essa invisível, desapareça, minimamente
particularidade. Ainda assim, tão crua... anseio, que algum dia compreendam
Sei que parece pretensioso escolher a esta coisa louca, e a sua frieza, esta
forma como deveriam me olhar. coisa insana, e a sua visão! Contudo,
Desculpem toda essa minha pretensão, dizem que a forma como fazemos as
e se eu gostaria que me olhassem só pessoas se sentirem é um reflexo do
um pouquinho devagar, com apenas um que nós somos, e não do que elas
pouquinho mais de calma... Se esse são. Eu sei que eu fiz as pessoas se
desejo louco tem consumido por inteiro sentirem especiais por onde andei e é
a minha alma! isso que eu carrego dentro de mim.
Flagro-me conjecturando o dia que Elas, não...
algum olhar se deitará sobre mim e se
@itismayara
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
O Doutor e o Matuto
Óia seu moço... Cumo nóis rabisca
Nóis é da roça Prante uma semente pro bem.
E num fala errado. Quem sabe vocemecê ricunhece
Nóis fala deferente. Que nóis inté merece
O sinhôre fais discurso Sê aletrado tomem?
Pa dotôre e intelectuale
E nóis cunversa cum as semente. Nosso traje tomém é deferente.
Nóis carça butina...se tivé
Se a ponta dos seu dedo Se num tivé, nóis vai de pé no chão
A caneta num lhe faiz o calo Purisso nóis é matuto do pé rachado.
As nossa mão Nóis num usa terno e nem gravata
Parece inté um ralo. Nem essa tale de bravata
É a força dos nosso braço Qui a gente vê nos arrogado.
No cabo da inxada
Desse caipira falado. Na sala do sinhore
Tem um tale de are cundicionado
O sinhôre pode inté achá Nóis tem o vento
Qui nóis é bobo Que sempre foi nosso aliado.
Mais nóis sabe da quentura E assopra os nosso sembrante
Qui tem o misterioso fogo. E nóis fica radiante
E memo cum o sole iscardante E inté imocionado.
Cum o suóre constante
Nóis alimenta esse povo. Hoje tem Cambuquira
Pa mode fazê cum abobra.
Seu moço! No nordeste é Girimum
Se o sinhôre pudé rabiscá a terra É cumida rocêra seu moço
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Mikael Mansur-Martinelli
Colatina/ES
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Mônica Monnerat
Santos/SP
Zé Cachaça (HAIBUN)
Zé Cachaça levava uma vidinha difícil naquela terrinha esquecida por Deus. Ia à
missa aos domingos, e roubava as moedinhas na sacristia. Depois ia no boteco
do Nhô Chicão e gastava os trocados com pinga, daquela bem ardida.
À noite vagava sob a luz das estrelas com seu cão. Dormia na calçada de barro,
coberto com a manta furada doada por dona Veva.
Um dia, alguém lhe disse pra tentar a vida na cidade grande, pois teria mais
oportunidades.
Zé Cachaça partiu. Em São Paulo passava fome, não conseguia serviço...
Dez anos depois, encontrou um conhecido da terrinha. Ele lhe contou que sua
cidade estava muito bonita, moderna...
E Zé Cachaça voltou. Estava de fato, muito bonita sua cidade... A igrejinha era
agora um shopping center. O boteco virou uma Smart Fit da vida. E nas ruas
asfaltadas, dezenas de carros... Zé Cachaça sentou no gramado da praça e
chorou.
— Diabo leve quem deixou bonita a minha terra!!!
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Nazareth Ferrari
Taubaté/SP
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Neila Reis
Feira de Santana/BA
Preciosa e Perigosa
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mal súbito e tiveram que chamar um um pelo outro, mas que o destino
médico às pressas no meio da noite. pregava um peça nos seus corações.
Dr.Diógenes era um homem alto e Por coincidência, a saúde de
muito simpático que atendeu Antoniel piorou muito depois daquele
prontamente o chamado. Ao avaliar o mal súbito, mesmo com a atenção
paciente, verificou que era apenas um prestimosa da esposa e do médico,
mal estar leve, mas seus olhos se que agora lhe fazia visitas diárias, o
encantaram com a jovem e bela esposa. idoso estava cada vez mais debilitado
Procurando ter certeza que o paciente e recluso. Seu corpo não atendia
estava bem e buscando um motivo para mais a seus comandos e sua mente
ficar mais algum tempo perto daquela lhe pregava peças.
mulher encantadora, passou alguns Os outros empregados tentaram
exames e agendou nova visita para convencê-lo a ir para o hospital, mas
avaliação. a fé na sua dupla de cuidadores e a
O interesse de Safira por Diógenes aversão ao cheiro do hospital o fez
foi recíproco, era como se um raio acreditar que era melhor estar em
atravessasse seu corpo numa mistura de casa. Algumas semanas depois, ele
êxtase e fogo. E logo o casal tornou-se descansou placidamente no seu leito
amante. Procuravam manter a discrição sob o olhar atento de seu médico e
e ela aconselhou o marido a contratar os segurando a mão da sua jovem e bela
serviços daquele médico tão educado, o esposa.
que foi prontamente aceito. Safira foi uma viúva inconsolável
Antoniel era bondoso com Safira, no princípio, chorou copiosamente a
lhe dera uma vida confortável, mas lhe perda de seu marido, chegando a
faltava desejo e calor, e isso ela passar mal depois do velório, o que
conseguia finalmente obter com aquele levou a necessidade de atendimento
médico jovem e voraz. O casal queria médico e de um período considerável
ficar junto o tempo todo, não de repouso. Inclusive lhe foi
conseguiam se afastar por muito tempo. aconselhado uma viagem para
Sentiam que era amor o que sentiam espairecer a mente e lhe trazer mais
alegria, pois poderia até mesmo ter
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Nercy Grabellos
Rio de Janeiro/RJ
Num recanto de luz duas almas conversavam ao modo dos que desencarnam,
devemos usar nossa imaginação para identificá-las pois no outro mundo a nossa
nomenclatura e símbolos não tem serventia.
— Foi uma graça divina! Eu também pude visitar os meus amados netos e
bisnetos. O meu filho já desencarnou, apesar de minha pouca convivência com
ele na vida terrena aqui somos muito próximos, estamos numa comunhão que
jamais imaginei. Na vida terrena, devido ter-me separado da mãe dele, pouco
nos conhecemos. Somente na minha idade avançada, foi possível procurá-lo,
conhecer a esposa dele e os filhos.
— A família que lá deixei deu continuidade aos meus projetos da vida terrena.
Penso que criei bem meus filhos e netos. A minha missão foi cumprida!
— Eu tive alguns tropeços, você sabe...minha vida sempre foi complicada. Acho
que errei tentando acertar, meus descendentes, ao contrário de mim, levam uma
vida regrada, tem princípios...
— Penso que todos erram tentando acertar, você fala em tropeços, trata-se de
enganos que cometemos em relação as nossas escolhas. Posteriormente você
resgatou as suas pendências e cumpriu a sua missão com dignidade!
— Nós não pudemos ficar juntos, eu fiz você sofrer, fiquei cultivando um
sentimento que eu sabia que não daria certo, a minha vida nunca mais foi igual,
juntos, nos incentivamos um ao outro, eu tinha um lenitivo, depois fiquei
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— Penso que o criador é sábio em tudo que faz...na vida terrena tínhamos
diferentes missões, aqui estamos sempre juntos. Nunca erramos sozinhos, a
experiência que vivemos serviu para nossa aprendizagem, eu também fiquei
alimentando uma ilusão que desde o início eu sabia que não iria adiante. Em
todas essas vezes que me procurou eu sabia que era você, mas levava uma vida
tão atribulada com problemas de saúde de meus pais e irmão. Depois do meu
divórcio quando me procurou no meu trabalho e eu estava ausente, eu sabia que
era você, mas nunca mais retornou, não sabia que tinha mudado de cidade.
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Nilde Serejo
São Luís/MA
Ensaio de Despedida
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Ovidiu-Marius Bocsa
Romênia
Beija-for
O doce pássaro da juventude
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O meu azevinho
Toda gente que chegava naquela casa, deveria até ter, afinal, todas as
antes de ser convidada a sentar-se, era plantas florescem. Também lembro
levada imediatamente ao pequeno que o momento de regá-la e limpá-la
jardim. Ele estava localizado na parte de eram feitos como se fosse um ritual,
trás da antiga casa de uma rua sem e era. Num silêncio respeitoso,
saída, onde ela vivia desde que nasceu. quando retirava as folhas, já secas e
Os convidados eram então apresentados mortas e conversava animadamente
aquela planta que ela cuidava como se com a planta no momento da sua
fosse gente. Todos, sem distinção, rega. Eu assistia aquele movimento
desde o encanador até ao político que a todos os dias curiosa e entendia que
visitava para pedir votos, mesma sem aquilo era uma demonstração de
ela ter a obrigação de votar, precisavam amor. O final daquela temporada na
a conhecer. E ela, toda orgulhosa de si, casa da minha avó estava chegando
abria um sorriso a cada elogio proferido ao fim. Eu já estava na sua
para sua planta. Era a sua realização e companhia há mais de um mês
felicidade Não era uma planta muito quando minha mãe havia conseguido
especial, mas era a planta dela. Eu tinha a tão esperada promoção no trabalho
apenas dez anos de idade e fui avisada e precisou viajar para o exterior. Ela
que não podia tocá-la. Não me lembro estaria de volta no final de semana,
de ter visto flores, mas sim umas me disse a avó. Desde então eu
minúsculas bolinhas vermelhas e umas nunca tinha passado tanto tempo na
folhas com espinhos nas pontas. Era até sua companhia. Fomos viver em
engraçada, mas desprovida de beleza outro país e muitas vezes a minha
para mim. Eu gostava das flores e não avó é que ia nos visitar em
me lembro se esta as tinha. Na verdade, companhia da sua irmã mais nova.
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muito branquinhas que mais pareciam mas que era para me entregar só
pequenas pipocas naquele miniarvoredo naquele mês do ano, quando ele
de folhas grossa verde escura. Para floria, pois eu só gostava de plantas
minha surpresa e admiração, minha tia com flores. Chorei, sentindo o amor
explicou-me que a avó tinha deixado a invadindo meu coração. Agora, ele
planta que mais amava para eu cuidar, era meu, o meu azevinho.
@Professorapatricianogueira
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Paula Gibbert
Santa Carmem/MT
Procurada
Joaquim olhava para a foto de Maria que a mostrava exatamente como era:
perfeita.
Ele estava desesperado, pois a amava. Do seu jeito, mas amava.
Tudo lhe voltou à cabeça novamente.
Ele estava começando a entender a cabeça dela, mas era difícil aceitar essas
ideias. Para ele, ela só sairia com ele, sem maquiagem ou roupa que chamasse a
atenção para seu corpo bem desenhado. Ele tentava não ficar enciumado, porém
ficava doido só em pensar que mais alguém pudesse olhar para ela do jeito que
ele olhava. Essa obsessão era o que Maria não aceitava.
−Pare, Joaquim. Eu não sou desfrutável como você pensa. Se estou com
você, não quero estar com outros, mas quero viver. Quero sair para passear,
jantar fora, viajar, trabalhar.
−Não. Trabalhar fora, nunca. Eu consigo te sustentar.
−Não se trata disso. Eu quero me sentir útil.
−Você é útil. Para mim. Aqui em casa. Pronta para quando eu chegar.
−Você me sufoca.
−Isso é amor, minha cara. Eu te amo muito.
−Isso tem outro nome. Você me tem como um objeto. Assim não dá.
−Claro que dá. Você é livre para sair comigo quando quiser. Vamos jantar
fora hoje?
Maria correu para o quarto e, se trancou nele. Joaquim exigiu, aos berros
que ela abrisse a porta, mas ela não abriu. Ele dormiu novamente no sofá.
Pela manhã, ele voltou a chamar por ela, mas nenhuma resposta obteve.
“Ah, vou deixá-la dormir. Quando eu voltar para casa à noite, vai estar tudo
bem, como sempre.” Pensou.
Trabalhou o dia inteiro pensando nela. Ligou algumas vezes para ela, mas ela
não atendeu. Na última tentativa, ele até pensou em pedir desculpas, porém o
telefone anunciou caixa postal.
Comprou um buquê de rosas vermelhas para ela. Estava eufórico para revê-
la. Sentira muita saudade dela.
Encontrou a porta escancarada, a casa vazia e um bilhete.
“Joaquim, fui procurar a felicidade. Te amo, mas não dá para viver assim.”
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www.livroseleiturasdepaula.blogspot.com.br
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Ontem fui à festa na casa de minha amiga Naomir. Revelo: não gostei do
que vi quando lá cheguei. No centro da sala um relógio de pêndulo marcava as
horas sem precisão, se era zero toava doze vezes o carrilhão. Um grupo de
pessoas cantavam Ave- Maria, outro respondia ora-pro-nóbis. Os círios acesos
queimavam cheiros de alfazema, mirra e jasmim, inebriando o ar. Rasguei-me a
camisa e sequei meu pranto. Consternado desci às escadas do décimo quarto
andar. E, naquela postura atordoada, cheguei ao rés do chão. As ruas estavam
molhadas, opaca. A madrugada era de cinzas; os paralelepípedos salpicados de
lantejoulas e areia prateada, o sinal fechado e o trânsito parado. Entrei no carro.
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Os faróis dos carros contrários incandesciam minha mente que, por si, contra
brilhavam lembranças do dia em que vi Naomir sendo rainha do mar...
Liguei o rádio do carro.
Da última vez em que estive com Naomir ela estava só. Quase não havia luz
na sala. As persianas estavam fechadas. Apenas fachos de luz reverberavam.
Sentei-me ao seu lado às apalpadelas e ficamos ali, na penumbra. Então ela disse:
espera Arabel, vou fechar a janela, não quero que os vizinhos nos ouçam. Então
ficamos naquela tênue luz de uma claridade diluída, enquanto a fumaça de seu
cigarro dançava loucas acrobacias nos raios que transpassavam as frinchas da
janela. Tomamos chá em porcelanas que não eram chinesas. Naomir liga a vitrola.
Do disco soa uma bela e dolorida canção, que ela cantarola emotiva...
“Quantas vezes deve um homem olhar pra cima para poder ver o céu...”
O espaço enlevou-se numa súbita nuvem de incenso nepalês e melodia a
invadir nosso ser. Naomir senta-se em meu colo e olhando-me com ternura,
abraça-me forte e satisfaz mágoas contidas e prazeres instintos. Sinto em meus
glúteos a pressão doce de suas mãos. Vieram os êxtases; e entre espasmos
soluçamos de amor. Uma sonolência tomou conta de nós.
Lá fora, na noite, piscavam em volta de grandes letreiros concomitantes
luzes de neon. Do transe despertamos em sobressalto. E num lapso de tempo
Naomir abriu uma caixa de papelão coberta com papel crepom de onde saíram
poemas e fotografias que fiz para ela...
"Areia branca e parda, molhada, molhada dos pés ao cabelo por dentro do
vestido; molhada e úmida, nua e crua... Quando do primeiro sangue de seu
sangue o diluímos na areia de tantas praias... E vimos duas luas, uma no céu,
outra no mar... Em nossas bocas o grito paralisado no ar... E como um querubim
abristes as asas para voar, mas eras pássaro de uma asa só...” – o quarto
ilumina-se, a manhã chegou...
No primeiro giro do dial tocava uma bela canção de John Lennon...
A primeira vez que nos vimos foi minha amiga quem me encontrou.
Estávamos na escuridão, acabávamos de atravessar um longo corredor. Advindo
das gretas da terra. Ela vinha do Leste eu do Oeste. Encontramo-nos no centro do
vazio num silencioso setembro de primavera. Então ela tocou-me no rosto e eu no
rosto dela. E nesse instante ela me disse: eu estou aqui Arabel. Então eu disse: eu
também estou Naomir. Findas estas poucas palavras nos entregamos a um abraço
calado... Então deitei beijos em todo seu corpo até sua vulva fecunda para o sexo
altear. Que irrequieta, contorcia-se, deflagrando odores. Quando, entre suas
pernas, naveguei e meu lamento derramei em seu ventre. Assim ficamos saciados
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Nesse instante ela pegou de minha cabeça e como uma relíquia a depositou
em seu ombro e, sussurrando ao meu ouvido em tom metafísico, predisse-me que
o mundo já tinha data certa para seu fim. Para que eu não me assombrasse nem
entristecesse. E disse-me entre soluços: “Quero, pois então, que tomes minha
cabeça em tuas mãos e faças comigo o que for de teu desejo até a morte.
Não havia mais canção, mas uma estação dizia notícia:
“Na Maternidade da Luz ventres se abrem; outras vidas nascem...”
Uma réstia de luz iluminou minhas lágrimas finais. Começo e fim...
Apago o som do rádio...
O conta-giros do motor acelera alucinado rumo ao cais do porto. O carro voa
com as quatro rodas no ar para o mergulho abismal. E numa tela incolor uma
canção sem melodia borboleteou no bosque escuro e no cais do porto:
https://www.facebook.com/pauloluis.ferreira.10
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https://www.instagram.com/prf24/
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Dedicatória:
Nós, atleticanos, dedicamos:
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Regiane Silva
Belford Roxo/RJ
Pobre galinha
Abre os olhos
Suspira
Aos Céus,
Agradece.
É uma galinha.
Coitadinha.
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Regilene Martins
Fortaleza/CE
Encaixe
O dia de sábado foi de um sol escaldante, mas à noite seria bastante gélida.
Ainda assim, Rubênia decidiu-se trajar em desacordo ao evento nessa noite.
Como era um encontro de oração na casa de um jovem no bairro de sua
comunidade, não via problemas em usar um macacão de sarja preto feminino
pantacourt de cintura marcada. Afinal, o acessório principal ela tinha para o
momento: o terço.
Chegando lá, os participantes do grupo de oração Pequena Via na sede em
Gereraba falavam que ela estava muito elegante, que não precisava estar toda
produzida para um simples evento.
Ela era a única que não tinha o que conversar e nem com quem dialogar.
Simplesmente ficou sentada no sofá da sala, em frente à televisão que disputava
barulho.
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A ponto de levantar do sofá e dar uma desculpa ao dono da casa para não
participar do terço, eis que a pessoa que faltava chega: Carlos, garoto que
Rubênia almejava interesse.
De repente, não teve mais vontade de fugir. Carlos estava também com um
traje formal. Cumprimentou todos. Pediu desculpas pela demora que teve e
caminhou até Rubênia.
Ele ficou sentado ao lado dela. Agora, poderiam prosseguir com a oração.
No meio do terceiro mistério, o garoto deu um sorriso empolgante, olhando
firme para ela.
A garota ficou no mesmo instante com um diferente semblante.
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Reinaldo Fernandes
Brumadinho/MG
Galã de Hollywood
Hoje tive que ir a uma agência Posso contar nos dedos quem
bancária. Detesto banco, detesto passar me chama de “Rei”: Natalina, amiga
naquelas portas giratórias que nunca desde a infância; Gabriel, meu filho
querem deixar eu entrar, detesto fila. (um gozador de 12 anos, só para
Detesto esperar. E detesto aquelas imitar meu irmão Shakespeare me
atendentes loiras, lindas, bem-vestidas, chamando assim); minhas irmãs -
maquiadas e supersimpáticas. De cara, menos uma delas - e irmãos - menos
Janaína Jaqueline dos P. Silva (vi seu um deles; o Padre Renê (que não sei
nome no crachá impecável) se revelou: por que já que não tenho lá muita
– Boa tarde, Rei!, com aquele intimidade com ele); e alguns colegas
sorriso branco de propaganda de creme do trabalho, amigos mais íntimos. E
dental na TV. Jana, aquela loira linda que se
“Rei” como assim? Era uma apresentou assim.
intimidade sem limites (“como o cartão – Boa tarde!, repetiu, ao
Bradesco”, me diria ela mais tarde), perceber que eu estava “viajando” –
intimidade sem limites para quem enquanto pensava nas pessoas que
conversara uma única vez comigo. E me tratavam pelas iniciais de meu
pelo telefone! Naquele dia em que me nome.
ligou para tentar me convencer de que – Boa tarde! Vim para abrir a
seu banco era minha melhor opção, que conta.
me isentaria de taxa de manutenção da – Eu estava esperando o
conta, daria tantos dias no cheque senhor, disse lentamente, ao mesmo
especial sem pagamento de juros, blá, tempo em que mordia levemente o
blá, blá. lábio inferior, dando continuidade ao
seu jogo de sedução.
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https://www.facebook.com/reinaldo.13.fernandes/
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Renan Apolônio
Olinda/PE
Şair
Poeta nasceste
Poeta viveste
Poeta morreste.
Que poeta é este,
Que diz coisas tristes
De formas tão belas,
Que as belas donzelas
A ele preferem?
Tu, tuberculoso,
Tu fostes teimoso,
E um tanto engenhoso.
E o tempo glorioso
Do verso amoroso
Já foi-se, e agora
Não raia a aurora,
Descansas no além.
https://renanapolonio.blogspot.com/2022/01/literatura.html
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Mulher na Pandemia
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Roberto Schima
Itanhaém/SP
Nayana
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http://www.revistaconexaoliteratura.com.br/search?q=roberto+schima
https://clubedeautores.com.br/books/search?where=books&what=roberto+schima
https://www.wattpad.com/user/RobertoSchima
rschima@bol.com.br
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Rodrigo Leonardi
Mandaguaçu/PR
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RodrigoSBA
Salvador/BA
A Cadeira
enxergava naquele espelho e decidi que não passaria por aquilo novamente.
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Na Rede
O dedo apontado aos outros pesa na consegue pode destruir até uma boa
mão que o sustenta, mas é o indício de amizade instalada.
que há uma posição assumida. Assumir No advento das redes sociais,
a defesa de um lado quando há outro – parece haver um agravamento dos
e sempre há – requer certa coragem de sintomas de enervamento das
uma pessoa, que nem sempre está relações pessoais. Se Neimar se torna
acostumada de ter de acusar, condenar cai-cai e chacota é porque o time
e ter certeza de que está correta. acaba não vencedor, se os messis e
Nem sempre a posição que se cristianos não conseguem sucesso
assume é a correta para uma parte da nas suas seleções é porque há outros
cidadania que se coloca no oposto. que desafiam a fama e jogam em
Por que isso acontece? conjunto e com a devida humildade.
As redes têm assunto e cada
Há o futebol, há a política, há a integrante ou curte ou detona a
religião, há a filosofia, há o “puta que opinião expressa. De repente, o que,
pariu” para servirem de exemplo à nunca, ninguém sabia, todos, agora,
bifurcação de opiniões. Tem quem dominam como verdadeiros experts.
defende respeito à decisão de ser homo Há graça nas postagens, porém muita
ou heterossexual, mas tem aqueles que ironia é mal percebida, pouco
simplesmente nem querem ouvir falar entendida e quase sempre tida como
disso. afronta.
O ser humano sempre vive em Enquanto isso, aparecem os
conflito, seja consigo mesmo ou com escritores. Sim os escritores do
seu semelhante. Difícil é resolver o século XXI que pouco leram em
íntimo, mais complicado é aceitar a livros, que são fruto de uma midiática
opinião alheia. Nos anseios mais parafernália de entes criados para o
anímicos sempre pode haver uma força domínio de índices de audiência, para
para vencer, ou então a depressão a imersão das mentes em uma
chega e toma conta da pobre mente que miscelânea totalmente turva, pela
sucumbe ao próprio pensar. No qual a mente pensante é reprimida ao
confronto com a opinião alheia, o furo é mínimo esforço. Pobres escritores
na mesma altura, todavia uma eterna seguidores de pistas espúrias
rusga pode se instalar para sempre, ódio direcionadas!
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https://www.facebook.com/roquealoisio.weschenfelder/
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Rosangela Maluf
Belo Horizonte/MG
Na Casa Azul
Ela abre os olhos sem sequer imaginar sua imagem refletida no espelho.
que horas são. Sorri. Feliz? Sim, muito. Se sente
O ambiente lhe é estranho. Sim, é a bem? Muito bem. Valeu a pena
primeira vez que dorme ali. O quarto é esperar. A longa espera que vinha
imenso, uma parte ainda escura e a sendo adiada há alguns meses.
outra, não. A claridade vem de fora e ela Sempre se teme o desconhecido. O
pode ver alguns raios do sol que há improvável. Até que o inesperado faz
muito já nascera. Canto de pássaros? uma surpresa...
Sim. Um bem-te-vi? Parece que sim, De pé ela o observa atentamente. Ele
não um apenas, mas vários. Ela não ainda dorme sob os lençóis desfeitos.
pode se mexer. O braço dele enlaça sua O edredom empurrado para os pés da
cintura. Estão de conchinha. Ela quer se cama. Deitado, de lado, a mão sob o
levantar, sem acordá-lo. travesseiro. Os cabelos em desalinho.
As cortinas se agitam lentamente. Parte O torso nu, branquinho, os braços
da janela dormiu aberta. Faz um também, sem marcas de sol.
friozinho gostoso. Ela mexe-se devagar. Respiração tranquila e sono profundo.
Ele retira o braço. Ressona. Vira-se para Em câmera lenta, ela coloca a
o outro lado. Lentamente, com todo calcinha. Pega a camisa dele e a
cuidado e em silêncio, ela se levanta. veste também. Repassa em detalhes
Olha para o quarto. Roupas pelo chão. a noite que vivera. O cuidado com
Sobre a mesinha duas taças, vazias. que ele preparara todo o cenário. A
Uma garrafa de champagne, vazia colcha indiana sobre a cama. A
também. Restos de lenha ainda dormem lâmpada amarela do abajur. O
na lareira. Fogo já não há. Sobre a mesa cheirinho bom de incenso no ar. A
um guia de viagem, uma camisa social, playlist do Eugenio Cortázar. As
jogada. Um celular. Caixinhas de palavras dele ditas na hora certa. Os
chicletes, vazias. A lingerie escolhida olhares significativos que não
com cuidado para aquela noite especial. deixavam mais dúvidas. Os afagos.
Encaminha-se até o banheiro. A porta Os abraços, os beijos. Toda ternura
apenas recostada. Ela entra sem fazer acumulada durante os meses de
barulho. O espelho, embaçado pelo frio espera. Muita incerteza. Dúvidas. Por
externo e o calor do quarto. Olha pra quê? Pra quê? E se... ?
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Rosângela Martins
Rio de Janeiro/RJ
Refexos Do Passado
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bola para esperar o pestinha vir busca- — Vamos, Sheik. Já está bom.
la. Logo, surge uma senhora, com um O cachorro pequinês cisca com as
garoto todo desconfiado, escondendo-se patas traseiras anunciando que já fez
por trás dela. as necessidades dele no meio fio.
— Moça, me desculpe. — Ela puxa o Comportou-se bem e é hora de
garoto para frente. — Eduardo Júnior, retornar aos braços de seu Haroldo. O
pede desculpa à moça! seu dono é o vizinho do apartamento
Com certeza a boca dele se mexe. de cima. Logo que se mudou, fizemos
— Eu já falei pro Júnior que a praça amizade. Seu cãozinho peludo, de
é pequena e não pode chutar forte. Você andar engraçado — caminha
está bem? rebolando e balançando o rabo
Meu rosto lateja e não tenho erguido — é possuidor de um gênio
dúvidas de que ficou ao menos com uma amargo e de atitudes de poucos
marca rosada. Será que sujou? amigos. Acho que foi por isso que
— Tudo bem — falo devolvendo a desde o início o cão não me
bola, rolando-a no chão. Sheik late. estranhou. Almas gêmeas.
Bastante. Creio que ele também não Paro diante do chafariz recém-
gostou do menino. O quanto tenho que desligado e procuro o meu rosto na
me conter para não arrumar mais água agora parada. Vejo ali o crime
confusão com o pessoal do bairro! Já me que meus pais cometeram: o reflexo
bastam as discussões na mercearia. E de uma infância morta, afogada pelo
tudo porque eu não podia enfrentar a abandono e com os pulmões
fila por haver deixado uma panela no encharcados de revolta.
fogo. Nem entro mais lá. Um bando de
mal-educados, é o que são.
@ro_.martins | Linktree
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Recomeço
Começo é recomeçar,
recomeçando no começo
para um novo começar,
sendo um recomeço!
Recomeçar no começo
é um belo começar,
começando um recomeço
para continuar a recomeçar!
Recomeçando um recomeçar
num perfeito começo,
um intenso começar
num renovado começo!
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Rozz Messias
Colombo/PR
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Rasuras
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Agiu Perfumou
como se finalmente o corpo com tons florais
voltasse de uma longa vestiu-se com roupas macias e largas
e cansativa viagem reconhecendo com satisfação
e precisasse se sentir limpa que a sensualidade de suas curvas
e a própria beleza
Soltou não se intimidavam assim tão
displicentemente os longos cabelos facilmente
unidos em tranças sentindo-se pronta para o encontro
e se despiu de tudo que tanto temia
Deixou Reuniu
as peças espalhadas pela sala novamente as folhas brancas
e caminhou sem pudor pela casa e se exauriu de todas as culpas
banhando-se demoradamente em uma tempestade de palavras
em água quente escritas sem censura
esvaziando o peito e sem correções
de lágrimas, soluços e altos padrões até cravar com confiança e alívio
um último ponto final.
@samarasfreitas
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À Deriva
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Outros, para desencargo de consciência, que seu corpo bailasse de acordo com
dever cívico e obrigação humanitária o sobe e desce do mar. O barco se
trataram de informar ao capitão o distancia, e ele percebe que alguns
inesperado ocorrido. Depois de tomar passageiros vão para o fundo do
ciência do infortúnio, o capitão, em uma navio para lhe observar somente,
rápida conversa entre aqueles que nada mais que isso. A embarcação
haviam lhe informado o fato, decidiram vai ficando longe, cada vez mais até
que nada poderiam fazer, e que os que some no horizonte, cessando
mesmos seguiriam suas viagens, também aquelas ondas formuladas
normalmente. Afinal era uma por seu deslocamento. O sujeito era
embarcação movida a motor, parar a jovem e sabia nadar. Por um
mesma para tentar resgatá-lo ou até momento, “boiando” pensa consigo e
mesmo saber o porquê que ele tomou vê que sua realidade havia mudado
essa atitude, estava fora de cogitação. drasticamente. Em poucos minutos
Para o capitão gatariam muito tempo, estava viajando num lugar
além de muito combustível. Para os confortável, acompanhado por
passageiros, muitos iriam se atrasar nos inúmeras pessoas com quem podia
seus compromissos. E para ambos, a interagir, com vistas a alcançar
possível volta poderia incorrer no risco qualquer intento que pudesse
da vazante da maré encalhar o barco imaginar; mas agora estava à deriva,
próximo já do cais de destino. Isso sem nada nem ninguém que pudesse
acontecendo, correriam o risco de ajudá-lo. Sem falar que se estivesse
passar a noite toda pedindo resgate, e aí no tal barco, chegaria bem mais
não seria somente um sujeito que rápido ao seu destino. Olha de um
necessitaria de socorro, mas dezenas lado para o outro, para o norte, sul,
deles. Enfim, ponderaram tanto o leste e oeste; abaixo, vê um mar
capitão como alguns passageiros, que turvo, acima, o sol escaldante; à
não valia a pena voltar para saber o que noite, notadamente, se depararia com
houve, afinal tinha pulado, por decisão a lua, e mesmo assim aos horizontes,
consciente do próprio, e assim sendo, somente veria os limites delgados
assumiria qualquer risco. Se fosse uma que separam o céu e o mar. Terra?
criança ou um cego, aí sim suas atitudes Não havia expectativa nenhuma para
poderiam até se dá de forma diferente. vê-la, ou melhor, saberia que teria de
Pois bem, o sujeito pulou, caiu na água, se esforçar muito caso algum dia,
submergiu, molhou-se, voltou à quisesse admirá-la ou até mesmo
superfície para respirar e num primeiro pisá-la. Enfim, se situando e cônscio
momento, avistou o barco ao qual de sua nova realidade, o mesmo se
viajava seguindo seu curso natural. Com põe a nadar. E segue nadando,
forte e potente motor, seu deslocamento nadando e nadando. Sua vida, a
geravam contundentes marolas, fazendo partir daquele ato consciente
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http://lattes.cnpq.br/3891912433650385
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Sapatos Limpos
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engraxar, ali no canto de uma calçada qualquer e a olhar o teto do seu lar a
brilhar. Ao final do conto, diante de seu prato que nem em uma garfada se
arranhara, a tristeza daquele ouvinte perguntou, baixinho, para a vida, sobre o
mérito dos que vivem. Mais que isso, indagou-a sobre o mérito de quem trabalha
e, além, clamou à Justiça. Ao passo que se a Justiça tivesse boca, exclamaria:
— Há alguma coisa de errado aqui...
O teto do seu lar era no céu ao reluzir de qualquer estrela; o seu
despertador, alguém que o chutava pela manhã; a sua educação, estampada não
em títulos mas sim no se abrir verdadeiro de alguns sorrisos; o seu travesseiro,
um pedaço de madeira. Mas os seus sapatos estavam sempre limpos.
https://www.instagram.com/sch.leiden/
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Sebastião Amâncio
Mas também me lembro das tristezas e das angústias que aquilo me causava
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Sérgio Soares
Simão Pereira/MG
expliquei que a Covid-19 era uma – Já faz prá mais de 3 ano, era uma
doença que estava afetando o mundo sexta-feira 13. Quando o sol raiô e a
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cidade começô a acordá, logo que o a vê com cachorro, que isso devia de
Geraldo abriu a venda, seu Xico Onório sê obra do “coisa ruim”, e que o
apareceu prá pegar pão e pó de café. Foi melhó era dá sumiço nos pulguento
então que o amigo do balcão aí se que andava solto pelas ruas de
assustô com o que viu. Seu Xico tava Prosperidade.
com os zóio, pequenininho, parecia os Coitado dos quatro pata, se não fosse
desse tal de chinês que você mostrô aí. Dona Elza Salgueiro, uma sitiante
– Assombrado, o vendeiro perguntô o famosa na cidade por cuidá dos
que havia acontecido com o homem, bichinhos de Deus, e devota de São
mas seu Xico não soube explicá, só Francisco de Assis, não tinha sobrado
sabia que tinha acordado com os zóio um vivo.
daquele jeito. Geraldo ainda recomendô – No sábado a cidade parecia uma
que ele procurasse o Posto de Saúde pra cidade “pantasma”, nem de dia nem
vê o que era aquilo. Ele concordô, pegô de noite você via viva alma nas rua,
o pão e o pó de café e saiu. nem a Igreja (que tava de porta
– Até o meio dia daquela sexta-feira, aberta) teve fiel na hora das Missa,
mais da metade da cidade já tava com Venda fechada, Posto de Saúde
os zóio fechado, foi aí que o Prefeito e o fechado (porque até us médico e
Secretário de Saúde resolverô tomá pé enfermeiro pegaru a danada) e foi aí
da situação, e descobrirô que aquilo era que veio o nó do borogodó. Sem
uma tal de “Cãojuntivita”. Uma doença médico e sem enfermeiro quem ia
que pegava igual sarna, e por isso tratá dos zóio dos morador de
resolverô fechá Escola, Igreja e até a Prosperidade?
Venda do Geraldo, que já tava ruim das – Foi aí que lembraro da Dona
vista também. Latércia, benzedeira famosa da região
– Aquele dia foi um fuzuê só. A cidade que ensinô prás pessoas que remédio
ficô toda em polvorosa. Ninguém nunca bão pra limpar zóio era banhá com
tinha ôvido falá daquela tal doença, mas arruda e rosa branca. Mas não pudia
começô a corrê na boca pequena que sê qualquer ramo de arruda, tinha
como era sexta-feira 13, e o nome tinha que sê do broto mais novo, e a rosa
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https://articulanciablog.wordpress.com/
https://sergiosoares517.wixsite.com/sergiosoares
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Sigridi Borges
São Paulo/SP
Cheiro de Terra
Terra seca que cobre o caminho
aguarda a água
recebe o forte sol
clama por gotículas de chuva
brilha tal qual farol.
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https://www.facebook.com/simone.reiscarvalhoferreira
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Starik Adripa
Franco da Rocha/SP
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Taís Curi
Santos/SP
A inteireza do ser
Desde a infância ela queria ser por pessoa. Precisamos manter o nível e
inteiro – como sugere o poeta. Nada de ver sempre se os novos amigos
se sentir meio alegre, meio triste, preenchem todas as condições para
meio... O termo, aliás, não fazia parte serem considerados como tal.
de sua existência, tal a inteireza com Em um belo dia,
que se comportava, em relação a tudo. inesperadamente, aquele mundo tão
As opiniões eram dadas sempre sem inteiro partiu-se. Sem saber como e
meias palavras. – Tudo preto no branco por que, a vida foi-lhe apresentando
e completo – costumava frisar. – Essa surpresas. Umas, em um dia; outras,
história de ficar rodeando, contando as no seguinte. E assim foi. De repente,
coisas pela metade, não é comigo. começou a perceber que não tinha
E assim seguiu vida à fora. Escolheu mais o controle de tudo. Nada
um marido rico, uma vez que o acontecia ou lhe chegava por inteiro.
remediado não lhe daria condições de Precisou mudar-se para uma casa
desfrutar inteiramente do que menor, teve que se desfazer do
desejasse. Foi morar na maior casa do carrão e adquirir um popular, algumas
bairro. Precisava de espaço para receber amigas começaram a deixar de lhe
todas as amigas ao mesmo tempo. fazer convites para festas ou
Exigiu que lhe fosse comprado o carro passeios, as roupas passaram a ser
mais arrojado. Àquela altura da vida não compradas em lojas menos
podia ter um carro no qual não se sofisticadas. O cabelereiro, que antes
sentisse plena, completamente feliz. só cuidava de cabeças endinheiradas,
As roupas eram adquiridas na foi substituído por um profissional de
melhor butique da cidade e sempre salão menos requintado.
depois de ver respondida a pergunta de Em uma manhã, ao acordar,
praxe: – Só existe essa peça na loja, percebeu que passara à classe média.
não é? Não posso sair por aí exibindo Levantou, olhou-se no espelho e só aí
algo que outras pessoas já tenham. percebeu que, além de ter agora
E o que falar das amizades? Eram metade do que possuía, estava
escolhidas a dedo, tanto quando se também meio idosa, meio gorda e, o
tratava dela, quanto dos filhos. – Não pior, meio feia ...
podemos nos relacionar com qualquer
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Talita Bueno
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Mas nunca tive coragem de dar a Holly, cremosa na pele. Faço bastante
como dei minhas plantas ou como me espuma e deixo ela um tempo no
desfiz do meu carro. meu corpo antes de entrar
E claro que eu não poderia deixar ela novamente na água morna e deixar
sozinha. ele escorrer pela minha pele. Estou
Então eu fiz um trato comigo mesma, com a cabeça baixa e vejo a espuma
que enquanto eu tivesse a Holly, eu escorrer pelo piso. Fui eu que escolhi
carregaria todas as sacolas. esse piso e ele é marrom. Sempre
Mesmo pesadas, eu não iria descansar. apreciei os veios que parecem
Não quando a Holly dependia de mim e madeira e agora vejo a espuma
vinha me lamber com aquela língua escorrer por eles.
áspera. Não enquanto ela precisasse de Não levanto a cabeça. Não me
mim para alimentá-la e aquecê-la. esfrego. Não faço nada. Só olho para
Ás vezes eu penso se foi por isso que a o chão até a água se tornar
Holly foi a cachorra mais bem tratada da novamente totalmente transparente e
história mundial. então desligo o chuveiro e saio do
Será que eu me enganava? Será que eu box , enrolada numa toalha.
mentia para mim? Não tenho qualquer pressa.
Reflexões de uma existência Mas estou tão cansada.
completamente sem sentido. Meu corpo dói, respirar dói.
Eu servi meu suco de laranja que trouxe Viver dói.
do mercado, estava bom. Doce e gelado. E já faz tanto tempo que convivo com
Fui para o meu quarto, olhei as a dor. Estou mais que acostumada.
prateleiras onde antes tinha livros. Vou para o meu quarto, paro em
Mas livros foram feitos para serem lidos frente ao espelho. Respiro fundo e
e com certeza a essa hora eles estavam penso na minha decisão. Penso na
na mão de algum adolescente. dor.
Vou para o banheiro, quero tomar um A dor... você é uma velha conhecida.
banho. O cheiro do meu banheiro, Me fez companhia muito tempo.
antes, era bom. Cheirava flores. Como Minha única companhia. Decido olhar
meus sabonetes e meus shampoos. Mas as cicatrizes nos meus braços, nas
hoje não sinto nada. minhas panturrilhas, nas minhas
Faz muito tempo que não sinto nada. costelas.
Só cansaço, e dor.
Além disso, não sinto mais nada. Nos meus pulsos.
Tiro minha roupa sem olhar para o
reflexo no espelho. Hoje não. O dia está Minha imagem refletida no espelho.
lindo demais para isso.
Tomo meu banho, aprecio o aroma de
orquídeas do meu sabonete. A textura
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Marcas que a dor me trouxe. Minha fiel Sei que poderia me deitar mais uma
amante, em que tantas vezes me perdi, vez. Esperar e acordar. Repleta de
sedenta pelo seu alívio luxuriante. dor, e aguardar as cicatrizes sararem
meu corpo.
Sim, você me trouxe alívio muitas
vezes. Mas me sinto cansada. A alma não
cicatriza. Há tempos. Anos. Vidas.
Mas hoje me despeço. Hoje, você me Existências.
terá pela última vez.
E já não me resta mais nada.
A ponta do picador de gelo na mesa de
cabeceira está afiada o suficiente. Quinze me parece um número
Pressiono no meu braço, vejo o sangue adequado. Ímpar, mas correto.
rubro e morno surgir. Pressiono mais
uma vez, nas pernas agora. Coxas. Já tenho treze. O fim de aproxima.
Panturrilhas. De um lado, do outro,
esquerda e direita. Pressiono o picador sobre meu peito e
vejo um novo fio de sangue surgir. O
Alguns são mais profundos, outros mais último que irei ver em mim.
superficiais. Todos sangram. Todos
doem. Vou para o meu quarto, me sinto
úmida e grudenta.
Oi velha amiga. Amada amante.
Me deito de barriga para baixo e
Me olho no espelho, os braços paralelos posiciono o picador na parte macia da
ao corpo. Fios de sangue escorrem pela minha garganta.
minha pele nua. Pareço adornada de
fitas de seda vermelha. Conto. São 13 Fecho os olhos, tomo impulso e
fitas vermelhas. recebo minha amante em meus
braços. Pela última vez.
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Luar Sertanejo
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Ted Dantas
Barueri/SP
O Velhaco da Porteira
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E o carvalho excomungado
Sobre um solo falecido. Passa boi, passa boiada.
Bem que ele fez?
Tu, o mico da Amazônia Bem quase nada.
Secarás o Pantanal.
Pampa, podes dar-lhes aula? Que uma saraiva de justiça
Serra serra o Cerrador Siga reta e te encontre
Ensine o clima ao doutor Foragido ou escondido
Antes que chova na Caatinga Ao fundo, à barca do Caronte,
Um toró de iniquidades Teu pecado bem punido,
Ou sertão devore Atlântis E findo o tempo de bandido
Ceifando matas e cidades Abrir-se-á novo horizonte!
Pior agora do que antes.
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Vadô Cabrera
Jacareí/SP
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Valéria Pisauro
Campinas/SP
Tinta Apagada
https://www.facebook.com/valeriadecassia.lima/
https://www.instagram.com/valeriapisauro
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Yemanjá
Quando saiu do mar com o cabelo perfumado
O vento passava levando seu aroma
E assim ela voltava para a maré (sumiu)
A gente presenteia a deusa!
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Vanderlei Kroin
Cascavel/PR
Doce de maçã
https://pt-br.facebook.com/vanderlei.kroin
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Vanessa Milani
Ribeirão Preto/SP
O Casamento
‘Eu não vou a esse casamento’ – em alto e bom som verbalizou sua decisão.
Mãe querida,
Poucos dias depois desse episódio, nos quais comentávamos, fomos todos
surpreendidos pelo ataque da doença fatal já instalada em seu corpo. Um mal
originário em mágoas e ressentimentos acumulados ao longo dos anos através
da convivência com a cunhada indiferente, compartilhada pela filha, que agora
anunciara o casamento.
Assim que me foi dito, por vias incomuns, que seu tempo se esgotava, e que
agora era a hora de não perdermos mais nenhum segundo de tempo, como o
coração apertado e ainda querendo duvidar da realidade que me era
apresentada, corri. Tudo o que pudesse fazer para que seus dias fossem os
melhores, que fosse feliz, mesmo que suas dores não permitissem, estivesse em
paz, mesmo que não tivesse mais como realizar alguns desejos, olhasse para
trás e enxergasse o quão valeu à pena sua existência. Fomos felizes e agradeço
pela minha vida. Por estar aqui porque você permitiu. Agradeço pela nossa
família e pelo convívio que tivemos.
Bem longe de meus pensamentos estava o momento em que nos separaríamos,
e agora, fiz o que me foi possível para que seus últimos dias fossem bons, o
tempo acabou. Meses foram o que nos restaram. Poucos meses para nos
despedirmos e dizermos o quanto nos amamos. Gratidão a Espiritualidade maior
pela oportunidade do tempo em que pudemos, de mãos dadas, caminhar. E
agora, na saudade precisando de seus sábios conselhos tenho que me valer do
que me deixou: ensinamentos e a certeza de que não podemos guardar rancor.
Depois de sua partida, meu pai também anunciou o desejo de não ir ao
casamento – ‘Cumprir um papel social’. Vocês conversaram sobre isso?
Encontraram-se? Pois de saudade, meu pai também partiu indo ao seu encontro,
devido a um infarto.
Além da saudade latente, me deixaram na dúvida se devo ou não ir ao tal
casamento.
https://pontovirgulatravessao.blogspot.com/
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Vera Raposo
Teresópolis/RJ
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Victor Azulay
São Luís/MA
Escafandro
Nesta prisão
Nesta tortura Quero poder voltar a enxergar as cores
Cárcere da dor dessa vida
E da loucura E as alegrias que um dia senti
Quero poder alcançar a liberdade que um
Meu próprio corpo dia experimentei
Apresenta as amarras desse sofrimento Que hoje tenho orgulho em dizer que vivi
As algemas que tanto me fazem mal
O motivo de tamanho tormento Quero poder viver sem essa senda
Sem esse ciclo
Quero poder viver sem precisar ouvir Quero poder voltar a respirar
As borboletas tilintando tranquilamente
Quero me libertar Sem precisar olhar para os lados
Do vidro do meu escafandro
Quero poder viver sem precisar ouvir
Quero poder voltar a viver As borboletas tilintando
Livrar-me dos grilhões dessa agonia Quero me libertar
Dessa doença que outrora me assolou Do vidro do meu escafandro
E novamente sentir a força da antiga alegria
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JOÕES – II
... que habita os ares apenas. Só quer
que o dia fique inteiro mais incrível,
que a noite seja qual uma mulher,
irmã da Natureza, insubstituível!
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Wagner Cortêz
Carnaúba dos Dantas/RN
Empedrou-se
pedra gélida
divagava nas tantas madrugadas
em ruas de sono
em silêncios de noite
e depois choveu
veio um abraço de sol
e empedrou-se no amanhecer
de nunca mais
www.facebook.com/wagner.c.delima
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Wagner Pires
Pelotas/RS
Vítima
Acordou cedo, um pouco antes do quer me ligando? Pro inferno”. Discou
despertador tocar. Pegou o filho nos o número da mãe.
braços e o jogou debaixo do chuveiro. O “Teu ex veio aqui te procurando.
menino chorou um pouco e logo calou. Perguntou onde você está
Ela o vestiu, sentou-o na cadeirinha e trabalhando”.
ligou a TV. Um pastor berrava forte na
tela do aparelho. Aprontou-se apressada “A senhora não disse, não é”?
enquanto fazia o mingau do menino. “Claro que não. Falei que não
Entregou-lhe a mamadeira e passou um sabia”...
café ralo para si mesma.
Perguntou como estava o filhinho
Pôs a criança no colo e saiu e desligou. Uma colega lhe avisou
correndo para a casa da mãe, dois que hoje iam fazer um balanço. Ela
quarteirões ladeira acima. Deixou o bufou de raiva. Iam sair tarde, muito
menino com a velha e foi para o ponto tarde! A rotina de trabalho seguiu
de ônibus. O veículo apareceu na curva igual como todos os dias. Dificilmente
lá adiante. Lotado, como sempre. Deu algo diferente ocorria ali. Eram
sinal e quando o veículo parou em seu sempre os mesmos clientes
ponto, esforçou-se na costumeira luta apressados, buscando pechinchas e o
para subir e encontrar lugar. mesmo mau humor do gerente que
Aperto, calor, engarrafamento. contaminava a todos.
Quando desceu, olhou para o relógio da Depois de uma manhã de pé
praça. Estava atrasada. Xingou o atrás do balcão, saiu para almoçar.
motorista mentalmente. Ao chegar na Com pouco dinheiro foi comer um
loja em que trabalhava, o gerente a cachorro quente na esquina. Depois
olhou feio. sentou-se na praça, em frente ao
“Atrasada de novo, Maria”! trabalho. Do lado dela sentou-se um
casal. Lembrou dela e do ex, a um
“Desculpe. Foi o ônibus que pegou tempo atrás, também sentados ali.
um engarrafamento”... Namoraram um tempo resolveram
O homem já tinha lhe dado as morar juntos. Logo veio a dura
costas. Olhou o celular. Duas ligações do realidade. As bebedeiras, as traições,
ex e uma da mãe. “Que é que o traste as surras. Um dia ela cansou. Juntou
as roupas dela e do bebê e saiu de
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casa. Já tinha 02 anos isso. Ele nunca dois, três estampidos. Sentiu uma dor
deu nada para a criança e quando a via, excruciante. Ele a deitou no chão.
mesmo já tendo outra mulher insistia “Acabou. Você nasceu pra ser
para reatarem o relacionamento. minha. Era pra você ter entendido
Ela não queria. Reaprendera a ser isso”.
feliz, mesmo com todas as dificuldades. Ela ficou só. Sentiu a garganta
E agora conhecera um cara direito, da apertar, os olhos se encheram de
igreja, que a tratava bem e que gostava lágrimas. Não conseguiu emitir
do filho dela. Era hora de seguir em qualquer som, a não ser um gemido
frente. baixinho. A noite estava quente, mas
Voltou para a loja e seguiu na lida a Maria sentia frio, cada vez mais frio.
tarde toda. Às 18 horas baixaram as Até que não sentiu mais nada. As
portas e foram fazer o balanço. Passava luzes das casas foram se acendendo.
das 22 horas quando terminaram e ela As janelas, depois as portas foram se
pôde pegar a condução para voltar para abrindo. Aos pouco, as pessoas que
casa. O ônibus se arrastou pelo caminho tinham ouvido os tiros foram saindo
do centro até o bairro onde ela morava. de suas casas. Encontraram-na
A rua escura lhe deu calafrios. deitada na sarjeta, em uma poça de
Caminhou rápido pela claçada, até que sangue. A mãe e o pai vieram junto
ouviu alguém chamá-la. Era o ex. com os demais vizinhos e não
Chegou perto dela e insistiu pelo acreditaram no viram. O pai caiu em
retorno. Ela disse não,. O homem pranto. A mãe desmaiou.
pareceu resignar-se como das outras Maria tombou. Mais uma vítima.
vezes. Pediu um abraço. Ela aceitou. Ele Vítima de uma sociedade hipócrita
a apertou com força e ela sentiu algo que sujeita a mulher a viver relações
duro e gelado pressionar suas costas. abusivas. Vítima da sociedade
Quis fugir. Não deu tempo. Ouviu um, patriarcal, que não aceita um não
como resposta. Vítima do machismo.
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Willian Fontana
Rio de Janeiro/RJ
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tornaram donos de tudo, era por não maiores pecados geralmente são no
restar mais nada a que governar. Mas máximo vaidade ou luxúria.
aqui cara, aqui é nosso lugar! Até sofrer Adolf Hitler concordou rindo.
aprendi ser bom pra mim! Disseram que
você também! Sorte a nossa não se – Essas perdedoras! Tivemos
acovardar se matando pra vir logo pra mais de 7000 prostitutas no Reich
cá... Não sem trazer o máximo de cara, e vi umas poucas aqui. O
pessoas possíveis para dessas aflições problema é que nós mais as
eternas partilhar! vitimizamos e por isso a maioria não
veio pra cá.
Naquele momento Hitler o
interrompeu e perguntou. – O inferno não é lugar pra
vítimas! – Completou Nero batendo
– Por qual motivo não há mulheres no ombro dele. – Sabe, ver todo esse
na alta cúpula infernal? fogo aqui até hoje faz-me lembrar
– Algumas mulheres fizeram alguns Roma ardendo no incêndio que
grandes feitos pelo diabo, como provoquei. É lindo!
Elizabeth Báthory, matando donzelas Aquela era a alta cúpula do diabo
virgens pra dar um toque feminino no no paraíso da pirotecnia, todos os
inferno. Em nome de Lilith! Ajudou a homens do diabo, pois o inferno era
imortalidade terrena do Messias do majoritariamente machista. E lá os
diabo. Mas o problema das mulheres era condenados dele reinavam finalmente
que normalmente nunca gostam de no lugar que lhe apraz após serem os
representatividade infernal, seus únicos definitivamente derrotados a
eternidade.
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Yuki Eiri
Maringá/PR
Ele e eu
https://www.facebook.com/yuki.eiri.7739
https://www.instagram.com/yuki.eiri.7739/
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Zyon Colbert
São Paulo/SP
Migalhas
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LiteraLivre Vl. 6 - nº 32 – mar./abr. de 2022
Artista do Mês
Desenho: Márcio Apoca
Campo Mourão/PR
https://www.ebiografia.com/mussum/
https://memoriaglobo.globo.com/perfil/mussum/perfil-completo/
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O trompetista (pintura)
Cristiane Ventre Porcini
São Paulo/SP
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Jamison Paixão
Las Palmas de Gran Canária/Espanha
Fotos
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https://www.facebook.com/paixaodeoliveira
https://www.facebook.com/jpartes.desenho.3
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https://selecoesliterarias.com.br/
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Revista SerEsta
Revista literária gratuita com publicação on-line. Para ler e participar das seleções,
acesse aqui:
https://revistaseresta.blogspot.com/p/apresentacao.html
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Seja um parceiro do projeto, escrevendo uma carta curta, mas com mensagem
significativa. Sua mensagem pode salvar vidas, tocar almas.
Instagram: https://www.instagram.com/cartasparaavida1/
Facebook: https://www.facebook.com/cartasparaavida
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LiteraAmigos
Espaço dedicado a todas as entidades e projetos amigos que de alguma forma
nos ajudam ou possuem proposta de trabalho semelhante a nossa:
Corvo Literário
https://corvoliterario.com/
https://corvoliterario.com/contact/
Facebook: https://www.facebook.com/concursosliterarios/
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https://alanrubens.wordpress.com/
http://mulheresaudiovisual.com.br/
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Página do facebook:
https://www.facebook.com/maldohorror/
Tenha acesso gratuito e legalizado à milhares de textos, sons, vídeos e imagens do Brasil
e do mundo em domínio público.
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp
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Sci-fi Tropical
Semanalmente, o site Sci-fi Tropical traz um exclusivo, o leitor terá uma experiência
artigo, resenha de livro ou análise sobre o imersiva nas histórias. Rubens Angelo,
cenário do fantástico nacional, permitindo criador do site Sci-fi Tropical, é formado
que os fãs do gênero, tão acostumados a ler em design, mestrando em mídias
obras estrangeiras, conheçam também criativas e, principalmente, fã
autores nacionais que ajudaram a consolidar incondicional da ficção científica.
a ficção-científica por aqui. O site traz ainda
Venha conferir:
O PROJETO MINIBOOKS FANTÁSTICOS, com
obras de autores de FC em língua
portuguesa para download. Com um design
https://scifitropical.wordpress.com/
Canal “Conto um Conto” - Canal do Youtube criado pelo locutor Marcelo Fávaro, onde
podemos “ouvir” clássicos da literatura mundial. O canal proporciona entretenimento
inclusivo e de qualidade para todos os amantes da boa literatura; tem Guimarães Rosa,
Monteiro Lobato, Stephen King, Edgar Allan Poe, Machado de Assis e muito mais.
Conheçam, se inscrevam e aproveitem.
Ouvir histórias é relaxante e instrutivo!!
https://www.youtube.com/channel/UCsqheVzvPGoI6S3pP3MBlhg
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Sarau na Favela
O Sarau na Favela nasce por conta do domingos semanalmente e as quintas-
isolamento social e da necessidade de feiras quinzenalmente, basta acessar a
movimentar as diversas linguagens página do Sarau no Youtube e no
artísticas. Facebook.
A princípio foi pensando nos amigos da Envie o seu vídeo para Whatsapp 55 (21)
favela e hoje é um espaço para todos, do 988918862.
país ao mundo. Estamos completando 2 Aproveita se inscreva no Canal e
anos de atividade, com diversas e com compartilhe e venha fazer parte do Sarau
atividades, as terças, sextas, e aos que seguirá com a celebração da vida.
Página do Facebook:
https://www.facebook.com/saraunafavela/
Canal do Youtube:
https://www.youtube.com/channel/UCKgHHTfDJgKOsiD0XW3DhTQ
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Modelo de envio de textos para publicação na revista
https://www.pensador.com/melhores_poemas_de_carlos_drummond_de_andrade/