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DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES NARRATIVAS E DE FLUÊNCIA EM

PRÉ-ESCOLARES COM DESENVOLVIMENTO TÍPICO NASCIDOS NO RIO


GRANDE DO NORTE

RESUMO
Introdução: Devido à complexidade do processo de aquisição da linguagem, é
importante avaliar todos os componentes. Entre eles, a narrativa e a fluência.
Todavia, dentre os instrumentos padronizados para avaliação da linguagem, não há
valores de referência para a população do Nordeste. Objetivo: descrever o perfil de
fluência de fala e o desenvolvimento das habilidades narrativas em crianças
potiguares. Método: O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética sob nº CAAE
87485518.0.0000.5292. Participaram 15 crianças entre 4 e 6 anos de idade. Os
procedimentos realizados foram: tarefa de Fluência do ABFW, e o livro “Frog, where
are you?”. Resultados: A mediana das sílabas por minuto foi 151,9 e das palavras
por minuto 89,6. Com relação a ocorrência de disfluências comuns a mediana foi de
14 enquanto que as disfluências gagas foi 1. Houve predominância da hesitação
(média 4,5) dentre as disfluência comuns ao passo que nas disfluências gagas, foi a
repetição de sílabas (média 0,8). Com relação a narrativa, o tipo casual (53,3) foi
predominante, além do total de palavras com mediana 151 e palavras diferentes
com 65. Conclusão: O perfil da fluência de fala apresenta mais disfluências comuns
que gagas, com maior ocorrência da hesitação (comum) e da repetição de sílabas
(gaga). Na narrativa os sujeitos apresentaram 2 vezes mais palavras que o total de
palavras diferentes e predomínio de narrativa casual. Não houve relação estatística
entre o perfil da fluência e o tipo de narrativa.

PALAVRAS-CHAVE
DesenvolvimentoDaLinguagem.Fluência.HabilidadeNarrativa
TITLE
DEVELOPMENT OF NARRATIVE SKILLS AND FLUENCE IN TYPICAL
DEVELOPMENT CHILDREN BORN IN RIO GRANDE DO NORTE
ABSTRACT
Introduction: Due to the complexity of the language acquisition process, it is
important to evaluate all components. Among them, the narrative and the fluency.
However, among the standardized instruments for language assessment, there are
no reference values for the Northeast population. Objective: To describe the speech
fluency profile and the development of narrative skills in Potiguar children. Method:
The study was approved by the Ethics Committee under CAAE No.
87485518.0.0000.5292. Fifteen children between 4 and 6 years old participated. The
procedures performed were: ABFW Fluency task, and the book “Frog, where are
you?”. Results: The median of syllables per minute was 151.9 and of words per
minute 89.6. Regarding the occurrence of common disfluencies the median was 14
while the stuttering disfluencies was 1. There was a predominance of hesitation
(average 4.5) among the common disfluencies whereas in stuttering disfluencies it
was the repetition of syllables (average 0, 8). Regarding narrative, the casual type
(53.3) was predominant, in addition to the total of words with median 151 and
different words with 65. Conclusion: The speech fluency profile presents more
common disfluencies than stutterers, with a higher occurrence of hesitation.
(common) and syllable repetition (gaga). In the narrative the subjects presented 2
times more words than the total of different words and predominance of casual
narrative. There was no statistical relationship between the fluency profile and the
narrative type.

KEYWORD
LanguageDevelopment.Fluency.NarrativeSkill
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da linguagem é crucial para que a criança se desenvolva
de forma equilibrada, propiciando a construção da própria identidade e a interação
social (MOUSINHO et al., 2008) São os primeiros anos de vida da criança os mais
importantes para o desenvolvimento das habilidades linguísticas (FRIEDERICI,
2006).
Contudo, o desenvolvimento da linguagem não se baseia apenas a aquisição
de uma língua, mas está intrinsecamente associado à cognição, à interação social e
às habilidades motoras como um todo. (KUHL, 2010, PAPALIA e FELDMAN, 2013).
Logo, a linguagem engloba diversas áreas essenciais para um bom
desempenho comunicativo, sendo de grande importância avaliar todos os seus
componentes linguísticos. Entre eles, a narrativa e a fluência aqui apresentados.
Para a elaboração da narrativa faz-se necessário a integração das
habilidades motoras, cognitivas e linguísticas, além de experiências vivenciadas no
contexto familiar, sendo essencial para o processo de aprendizagem. No início do
desenvolvimento das habilidades narrativas, as crianças apresentam diferentes
desempenhos de acordo com a idade, o ambiente e o aprimoramento linguístico
(BENTO e BEFI-LOPES, 2010; GANTHOUS, ROSSI e GIACHETI, 2013; SILVA,
FERREIRA e QUEIROGA, 2014).
A fala, sendo uma das habilidades linguísticas, configura-se por diversos
elementos, dentre eles, a fluência que exige controle motor crucial para o
desenvolvimento adequado do padrão de fala (ANDRADE et al., 2004; SCHIRMER,
FONTOURA e NUNES, 2004).
Alterações na fluência de fala podem consistir em um transtorno conhecido
como gagueira, podendo manifestar-se ainda na infância durante o desenvolvimento
da linguagem, devido ao complexo processo de aquisição. (MARTINS, 2011;
MOUSINHO et al., 2008; ANDRADE, 2006). As alterações ou dificuldades na
elaboração da narrativa podem prejudicar o desenvolvimento da linguagem escrita,
portanto, é fundamental que a avaliação da linguagem de crianças ocorra em idades
precoces, possibilitando a detecção de possíveis alterações e permitindo uma
intervenção adequada.
Entretanto, no Brasil ainda há poucos instrumentos padronizados para avaliar
a linguagem e, dentre os poucos, não há valores de referência para a população
brasileira da região nordeste (GONÇALVES GURGEL et al., 2014; LINDAU et al.,
2015; SILVA, LINDAU e GIACHETI, 2017). O estudo teve como objetivo descrever o
perfil de fluência de fala e o desenvolvimento das habilidades narrativas em crianças
nascidas no Rio Grande do Norte.

MÉTODO
Aspectos éticos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(HUOL/UFRN nº 2.631.15). Todos os responsáveis pelos sujeitos da pesquisa
concordaram e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE
e todas as crianças registraram o aceite no Termo de Assentimento.

Participantes
A pesquisa é de tipo quantitativo e transversal com a seleção dos
participantes por amostra de conveniência, composto por 15 crianças de ambos os
sexos com faixa etária entre 4 anos e 6 anos e 11 meses. A média de idade foi de
62,5 meses, com desvio-padrão de 7,65 meses.
A coleta foi realizada no Núcleo de Educação da Infância – NEI/UFRN na
cidade de Natal-RN e os critérios de exclusão foram: transtornos do
desenvolvimento da linguagem; alterações sensoriais, motoras e/ou
neuropsicológicas; não ser falante do Português Brasileiro como língua nativa; não
estar devidamente matriculados na instituição NEI; ou qualquer outra alteração que
possa afetar a aquisição e o desenvolvimento da linguagem. 

Instrumentos
A bateria de avaliação da linguagem foi composta por testes de vocabulário,
fonologia, memória de curto prazo fonológica, fluência e narrativa. Para responder
ao objetivo deste estudo consideramos apenas o desempenho nas duas últimas,
sendo que sua coleta teve duração de aproximadamente 15 minutos, com gravação
das amostras para posterior análise.
Foram aplicadas a tarefa de fluência de fala (Andrade et al., 2004) e a tarefa
de narrativa com o livro “Frog, where are you? de Mercer Mayer. Ambas as tarefas
avaliam a fala espontânea eliciada a partir da apresentação de uma figura estática
(no caso da fluência) ou de uma sequência de imagens relacionadas entre si (no
caso da narrativa).
Após a coleta, as gravações foram transcritas e o desempenho foi analisado
de acordo com parâmetros específicos. A amostra da fluência de fala foi composta
por 200 sílabas fluentes e a partir delas foram considerados o tempo de duração (em
segundos), o total de palavras, a velocidade de fala (em palavras e sílabas por
minuto), a porcentagem de descontinuidade de fala e a porcentagem da amostra
com disfluências gagas.
A amostra de fala obtida a partir das 25 cenas em preto e branco e sem
escrita do livro, sendo considerada toda a produção espontânea da criança. A partir
dessa amostra foram considerados o número total de palavras, o número de
palavras diferentes e o tipo de narrativa. O tipo de narrativa foi classificado de
acordo com suas características predominantes em descritivo (ausência de
elementos conectivos que estabelecessem uma relação sequencial entre as cenas),
causal (estabelecidas relações causais entre as cenas) ou intencional (emprego de
interjeições ou expressões não linguísticas que expressavam desejo ou sentimento
da personagem, expressão de estados mentais das personagens ou quando a fala
da personagem foi narrada na forma de discurso direto), conforme Bento e Befi-
Lopes, 2010.
Para garantir a fidedignidade dos dados, duas pesquisadoras realizaram a
transcrição e análise das amostras de forma independente, e uma terceira
pesquisadora fez a conciliação dos dados.

Análise dos dados


O tratamento estatístico foi realizado no software SPSS versão 21. A
distribuição dos dados não respeitava a normalidade, portanto para a análise
descritiva das variáveis numéricas foi utilizada a mediana e o intervalo interquartil,
enquanto para as variáveis categóricas foi utilizada a distribuição de frequência. A
análise inferencial foi realizada pela ANOVA de Friedman e as comparações por
pares pelo teste de Dunn nos campos semânticos. O coeficiente de correlação de
Spearman foi utilizado para investigar a relação entre o DVU e o uso de palavras
nas narrativas. O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS E DISCUSSÃO (12000)

O perfil da fluência de fala pode ser observado no Gráfico 1, sendo possível


notar que a velocidade de fala em sílabas por minuto é cerca de 60% maior que de
palavras por minuto, e que a ocorrência de disfluências comuns é nitidamente maior
que de disfluências gagas.

Gráfico 1. Desempenho no perfil da fluência e na narrativa.


160.0 151.9 151.0
140.0
117.0
120.0
100.0 89.6
79.0
80.0 65.0
60.0
40.0
20.0 14.0 7.5
1.0 0.5
0.0
Porcentagem de disfluênicas gagas
Descontinuidade de fala
Disfluências comuns
Total de palavras

Disfluência gagas

Total de palavras

Palavras diferentes
Palavras por minuto

Sílabas por minuto


Tempo (seg)

Características Velocidade de fala Ocorrência de Frequência de Narrativa


disfluências rupturas

A hesitação foi a disfluência comum maior média de ocorrência nesta


amostra, sendo seguida pela repetição de palavra e pela interjeição. Ao passo que
dentre as disfluências gagas, a repetição de sílabas teve maior média, seguida pela
pausa (Tabela 1).

Tabela 1. Ocorrência de cada tipo de disfluência.


Desvio-
Disfluências Tipo Média Mínimo Máximo
padrão
Hesitação 4,5 1,77 2,0 8,0
Interjeição 2,3 2,85 0,0 8,0
Revisão 1,7 1,44 0,0 4,0
Comuns Palavra não terminada 1,5 1,55 0,0 5,0
Repetição de palavra 2,8 3,00 0,0 11,0
Repetição de segmentos 1,1 1,44 0,0 5,0
Repetição de frases 0,1 0,52 0,0 2,0
Repetição de sílabas 0,8 2,34 0,0 9,0
Repetição de sons 0,1 0,26 0,0 1,0
Prolongamento 0,3 0,82 0,0 3,0
Gagas
Bloqueio 0,0 0,00 0,0 0,0
Pausa 0,5 0,83 0,0 3,0
Intrusão de sons ou segmentos 0,1 0,35 0,0 1,0

Na narrativa os sujeitos tiveram mediana de 151 palavras com 65 palavras


diferentes e predomínio do tipo de narrativa causal (Gráficos 1 e 2).

Gráfico 2. Classificação do tipo de narrativa.

20.0
26.7

Descritivo
Causal
Intencional

53.3

Ao comparar o desempenho dos sujeitos em cada aspecto do perfil da


fluência de acordo com o tipo de narrativa produzido, não houve diferença estatística
para nenhum dos parâmetros (Tabela 2).

Tabela 2. Comparação do perfil da fluência por tipo de narrativa.


Parâmetro X2 p
Tempo (seg) 5,898 0,052
Palavras por minuto 5,185 0,075
Sílabas por minuto 5,898 0,052
Descontinuidade de fala 2,922 0,232
Porcentagem de disfluênicas gagas 3,441 0,179

CONCLUSÃO (3000)

Nesta amostra de crianças nascidas no Rio Grande do Norte o perfil da


fluência de fala teve maior ocorrência de hesitação dentre as disfluências comuns e
de repetição de sílabas dentre as disfluências gagas, com ocorrência de disfluências
comuns nitidamente maior que de disfluências gagas. A velocidade de fala em
sílabas por minuto foi cerca de 60% maior que de palavras por minuto.
Na narrativa os sujeitos produziram cerca de 2 vezes mais palavras do que o
total de palavras diferentes e houve predomínio de narrativa causal. Por fim, não
houve relação estatística entre o perfil da fluência e o tipo de narrativa.

REFERÊNCIAS (8000)
ANDRADE, CRF. et al. ABFW: teste de linguagem infantil nas áreas de fonologia,
vocabulário, fluência e pragmática. 2a ed. [s.l.] Pró-Fono, 2004.

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reimp. Barueri: Pró-Fono, 2006.

BENTO, A. C. P.; BEFI-LOPES, D. M. Organização e narração de histórias por


escolares em desenvolvimento típico de linguagem. Pró-Fono Revista de
Atualização Científica, v. 22, n. 4, p. 503–508, dez. 2010.

FRIEDERICI, A. D. The Neural Basis of Language Development and Its


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<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17178399>. Acesso em 18 de ago. 2019.
GANTHOUS, G.; ROSSI, N. F.; GIACHETI, C. M. Aspectos da fluência na
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GONÇALVES GURGEL, L. et al. Fatores de risco para o desenvolvimento


adequado da linguagem oral em crianças: uma revisão sistemática da literatura.
CoDAS, v. 26, n. 5, p. 350–6, 2014. 

KUHL, P. K. Brain Mechanisms in Early Language AcquisitionNeuron, 2010.


Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2947444/>. Acesso
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LINDAU, T. A. et al. Instrumentos sistemáticos e formais de avaliação da


linguagem de pré-escolares no brasil: uma revisão de literatura. Revista CEFAC,
v. 17, n. 2, p. 656–662, abr. 2015. 

MARTINS, V. DE O. Distúrbios da fala e da linguagem na infância. Medicina, v.


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MAYER M. Frog, where are you? New York: Dial Books for Young Readers; 1996.

MOUSINHO, R. et al. Aquisição e desenvolvimento da linguagem: dificuldades


que podem surgir neste percurso. Rev. Psicopedagogia, 2008, 25(78): 297-306.

PAPALIA, Diane E.; FELDMAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento Humano. 12 ed.


Porto Alegre: AMGH, 2013.

SILVA, A. C. F. DA; FERREIRA, A. A.; QUEIROGA, B. A. M. DE. Desenvolvimento


da narrativa oral e o nível de escolaridade materna. Revista CEFAC, v. 16, n. 1,
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SILVA, I. B. DA; LINDAU, T. A.; GIACHETI, C. M. Instrumentos de avaliação da


linguagem falada de pré-escolares nascidos prematuros: uma revisão de
literatura. Revista CEFAC, v. 19, n. 1, p. 90–98, 2017.

SCHIRMER CR, FONTOURA DR, NUNES ML. Distúrbios da aquisição da


linguagem e da aprendizagem. J Pediatria. 2004; 80(2-supl):S95-S103. Disponível
em < http://www.scielo.br/pdf/%0D/jped/v80n2s0/v80n2Sa11.pdf> Acesso em 23 de
jul. de 2019.
ANEXOS (Figuras, quadros, gráficos e tabelas. Todos os quadros, gráficos,
figuras devem seguir as recomendações da ABNT. Já as tabelas são regidas
pelas normas tabulares do IBGE. O título e a legenda devem ser inseridos no
campo descrição da imagem (Ex.: Figura 1 - Modelo experimental de primata
(Callithrix jacchus) para estudo de estresse pós-traumático).)

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