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Sobre concordância nominal em crianças com Perturbação Específica

do Desenvolvimento da Linguagem *

Telma Branco1, Miriam Moreira1 & Ana Castro1 2


1
Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal
2
Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa

Abstract
A study aiming at assessing nominal agreement skills of SLI children speaking European
Portuguese was conducted with 8 SLI children, aged 4 to 8 years old, in a picture-selection
comprehension task and in an elicited production task using nouns and pseudo-nouns. The results show
that SLI children are globally, not only in production but also in comprehension, below their peers of the
same age, in spite of the patterns of performance being not homogeneous within the SLI group.
Correlation between the type of SLI and the skills on nominal agreement may be the answer for this
heterogeneous behaviour.

Keywords: Nominal Agreement, Gender, Number, Specific Language Impairment.


Palavras-chave: Concordância nominal, Género, Número, Perturbação Específica do Desenvolvimento
da Linguagem.

1. Introdução
As crianças com Perturbação Específica do Desenvolvimento da Linguagem
(PEDL) apresentam dificuldades em aspetos específicos da linguagem relativamente aos
seus pares com desenvolvimento típico, e estes podem centrar-se na componente
lexical, fonológica, morfo-sintática ou pragmática. Estas dificuldades têm sido
explicadas tanto por lacunas no conhecimento gramatical, atribuídas a uma maturação
tardia ou uma deficiente representação da linguagem, como por limitações em processos
especificamente linguísticos ou mais gerais, cognitivos ou linguístico-cognitivos, como
memória de trabalho e velocidade de processamento de informação (Schwartz, 2008).
No contexto clínico, independentemente das causas subjacentes a esta perturbação
da linguagem, tem-se procurado identificar marcadores clínicos, mais ou menos
linguísticos, que permitam caracterizar o desempenho dos sujeitos e contribuir para um
diagnóstico de PEDL.

Textos Seleccionados, XXVI Encontro da Associação Portuguesa de Linguística, Lisboa, APL, 2011,
pp. 111-124
*
Este estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior, Portugal) através dos Projectos “Técnicas Experimentais na Compreensão da Aquisição do Português
Europeu” (POCI/LIN/57377/2004) e “Dependências Sintácticas dos 3 aos 10” (PTDC/CLE-LIN/099802/2008).
Agradece-se às crianças, pais e educadores do Agrupamento Vertical de Escolas de Alcochete, do Colégio O Pequeno
Polegar, e do Externato O pinguim, assim como às terapeutas da fala Telma Pereira, Bruna Costa e Andreia de Melo.
XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA

Em particular, no que se refere a aspetos morfo-sintáticos, vários estudos reportam


que as crianças com PEDL apresentam, entre outras, dificuldades com a estrutura
funcional e categorias funcionais, sendo essas dificuldades tanto maiores quanto mais
“rica” é a morfologia flexional - veja-se referências em Jakubowicz (2006) e Schwartz
(2008).
Diferentes estudos apontam para dificuldades na utilização de morfemas
gramaticais (Roulet, 2007), mais na morfologia nominal do que na verbal, e nas línguas
românicas, comparativamente com o inglês (Bottari et al., 2001), tanto em tarefas de
produção como de compreensão (van Der Lely, Rosen & McClellead, 1998).
No que respeita especificamente a aspetos que envolvem a concordância nominal,
vários estudos para línguas que não o português europeu (PE) mostram que as crianças
com PEDL apresentam dificuldades mais evidentes do que os seus pares sem patologia
(Silveira, 2002, 2006, para o português brasileiro; Restrepo & Gutiérrez-Clellen, 2001,
para o espanhol); em tarefas de produção e quando são utilizados pseudo-nomes
(Haeusler, 2005, e Silveira, 2002, 2006, para o português brasileiro). As crianças com
PEDL também omitem mais artigos do que substituem (Leonard, 1995, para o inglês;
Leonard et al., 1993, Bortolini, Caselli & Leonard, 1997, Bortolini et al., 2002, para o
italiano; Roulet, 2007, para o francês; Bosch & Serra, 1997, Restrepo & Gutiérrez-
Clellen, 2001, Bedore & Leonard, 2001 e Anderson & Souto, 2005, para o espanhol;
Ewijk & Avrutin, 2010, para o holandês); e parecem apresentar mais erros de
concordância em género do que em número (Restrepo & Gutiérrez-Clellen, 2001),
apesar de os resultados de alguns estudos não serem conclusivos (Bortolini, Caselli &
Leonard, 1997; Leonard et al., 1993).
No género, em particular, as crianças com PEDL apresentam mais dificuldades com
o feminino (Bosch & Serra, 1997; Roulet-Amiot & Jakubowicz, 2006), especialmente
nos adjetivos e quanto mais elementos contiver o sintagma nominal (Roulet-Amiot &
Jakubowicz, 2007, para o francês). A incongruência entre o marcador de classe no
nome, correlacionado com género, e o género expresso pelo artigo definido, assim como
a sua forma morfo-fonológica parece ser também um fator de dificuldade (Roulet, 2007,
para o francês). Quanto ao número, estas crianças apresentam mais dificuldades com o
plural (Bedore & Leonard, 2001; Leonard et al., 1993; Rice & Oetting, 1993).
Para o português europeu, uma língua com morfologia flexional “rica”, não há
ainda estudos sobre concordância nominal em crianças com PEDL. Contudo, estudos
com crianças com desenvolvimento típico mostram que estas, aos 2 anos, já revelam
perceção da categoria plural, processam a informação de número e género a partir de D,
e processam concordância; não apresentam grandes dificuldades na produção de número
e género, em pseudo-nomes, embora haja um efeito de género feminino e da
“incongruência” de marcas de género entre artigo e marcador de classe no nome
(Castro, 2007; Castro & Ferrari-Neto, 2007; Corrêa, Augusto & Castro, 2010, entre

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DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

outros). Há também omissão de artigos nas primeiras produções, até por volta dos 3
anos (Freitas & Miguel, 1998; Soares, 1998; Corrêa, 2005; Castro, 2007; Corrêa,
Augusto & Castro, 2010). Sabe-se assim que as crianças com desenvolvimento típico
revelam uma precoce sensibilidade às propriedades fónicas e distribucionais das marcas
flexionais, e interpretam os traços gramaticais que estas veiculam, ainda que as omitam
ou dêem “erros” nas suas primeiras produções. A interpretação dos traços gramaticais
veiculados pelas marcas flexionais implica o processamento de concordância interna ao
sintagma nominal, sendo D o elemento essencial para a interpretação.
O objetivo deste estudo é verificar se, no português europeu (PE), as crianças com
PEDL apresentam mais alterações ao nível da concordância nominal, comparativamente
a crianças com desenvolvimento típico de linguagem, tal como se verifica noutras
línguas em que a morfologia flexional é “rica”, contribuindo para a identificação de
marcadores clínicos de PEDL.
Considerando todos estes aspetos, as questões de investigação deste estudo são:
(i) As crianças com PEDL apresentam mais alterações ao nível da concordância
nominal que os seus pares com desenvolvimento típico de linguagem?
(ii) As crianças com PEDL apresentam mais erros de concordância nominal na
produção ou na compreensão, em género ou em número, em nomes ou
pseudo-nomes?
(iii) As crianças com PEDL omitem o determinante no sintagma nominal, em
nomes e pseudo-nomes, mais que os seus pares com desenvolvimento típico
de linguagem?
As hipóteses são de que o desempenho das crianças portuguesas com PEDL é na
generalidade pior do que nas crianças com desenvolvimento típico; a proporção de erros
de concordância nominal é maior na produção que na compreensão; a proporção de
erros de concordância nominal é maior em pseudo-nomes que em nomes; a omissão do
determinante é mais frequente do que nas crianças com desenvolvimento típico e maior
em pseudo-nomes que em nomes.

2. Método

2.1. Participantes
A amostra foi constituída por dois grupos de crianças, de ambos os sexos, com
idades compreendidas entre os 4 e os 8 anos, falantes monolingues de PE e residentes
na região do Vale do Tejo. Todas as crianças frequentavam o jardim de infância ou o
primeiro ciclo do ensino básico, consoante a idade 1.

1
Todas as crianças do grupo experimental estavam no ano escolar correspondente à sua idade, à exceção de uma,
(PEDL7), que estava numa turma de 2º ano, embora esteja ao nível do 1º ano.
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2
Do grupo experimental f , com diagnóstico,
efetuado por um terapeuta da fala, ou suspeita de Perturbação Específica do
Desenvolvimento da Linguagem (PEDL) 3, e com avaliação psicológica que assegurasse
um desempenho não-verbal adequado à faixa etária. Constituíram-se, assim, como
critérios de exclusão para o grupo experimental todos os que excluem o diagnóstico de
PEDL: défices sensoriais; défices cognitivos; problemas neurológicos e
psicopatológicos; problemas emocionais e comportamentais; e estimulação ambiental
inadequada - Schwartz (2008), entre outros.

faixa etária), com rastreio de linguagem indicador de desenvolvimento típico da


4
, e sem história familiar de distúrbios de linguagem,
cognitivos ou emocionais.
Foi assegurado que todos os participantes, do grupo experimental e do grupo de
controlo, produziam codas em final de palavra, descartando, assim, a possibilidade da
articulação influenciar a produção da marca de plural -s.

2.2. Desenho experimental


Os participantes foram sujeitos a dois tipos de tarefa: (i) uma de seleção de imagens
com pseudo-nomes de objetos inventados (compreensão), adaptada de Corrêa, Augusto
& Castro (2010); e (ii) outra de produção elicitada com nomes e pseudo-nomes,
adaptada de Silveira (2006). Da tarefa de compreensão faziam parte 36 itens (pseudo-
nomes) e da tarefa de produção 72 itens (nomes e pseudo-nomes aleatorizados),
segundo as condições definidas, que são mostradas na Tabela 1.

Tabela 1 – Condições em estudo

Condição Congruente Incongruente Neutro


Condição 1 masculino singular -o -a -e
Condição 2 masculino plural -os -as -es
Condição 3 feminino singular -a -o -e
Condição 4 feminino plural -as -os -es

2
A distribuição não uniforme por géneros espelha a maior incidência desta patologia de linguagem em crianças do
género masculino - Schwartz (2008), entre outros.
3
A tipologia de PEDL usada na maioria dos diagnósticos é a proposta por Allen & Rapin (1983): (i) apraxia ou
dispraxia do discurso; (ii) défice de programação fonológica; (iii) surdez verbal ou agnosia auditiva; (iv) défice
fonológico-sintático; (v) défice sintático-lexical; e (vi) défice semântico-pragmático. No entanto, a tipologia de
Friedmann & Novogrodsky (2008) é também usada. Esta tipologia pressupõe uma modularização das áreas da
linguagem: Sintaxe, Fonologia, Léxico e Pragmática e define os défices linguísticos de acordo com isso. Uma das
crianças do grupo experimental tem um diagnóstico de PEDL fonológica.
4
A todas as crianças do grupo de controlo foi aplicado um dos seguintes testes de rastreio da linguagem: Teste de
Avaliação da Linguagem na Criança – TALC (Sua Kay & Tavares, 2008), a crianças de idade pré-escolar; e Grelha
de Observação da Linguagem - Nível Escolar (Sua Kay & Santos, 2003) a crianças de idade escolar.
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DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

As condições combinam os diferentes valores que as variáveis género e número


podem ter e consideram ainda (in)congruência entre o determinante e o valor de género
do nome 5.
As variáveis independentes (intra-sujeitos) foram: (i) tipo de prova (compreensão e
produção); (ii) tipo de nome (nome e pseudo-nome); (iii) género (masculino e
feminino); e (iv) número (singular e plural).
As variáveis dependentes foram: (i) número de respostas com manutenção dos
valores de género e número do determinante, e (ii) taxa de omissão do determinante, na
tarefa de produção apenas.
Os dados foram recolhidos mediante a apresentação às crianças de diapositivos de
Power Point© com recurso a um computador portátil HP Pavilion DV2000 Special
Edition em dois momentos distintos. No primeiro momento, foi apresentada a tarefa de
compreensão e 36 itens da tarefa de produção, sendo os restantes 36 itens desta última
tarefa apresentados num segundo momento.
Na tarefa de compreensão, foi dito às crianças que iriam ver uns desenhos novos,
que eles não conheciam, com uns nomes esquisitos, e teriam de adivinhar qual seria
qual. A pergunta era: “Onde está o bapo?”, sendo apresentado o diapositivo (Figura 1)
com o alvo e três distratores (em género e número).

Figura 1 – Exemplo de diapositivo da prova de compreensão (com resposta-alvo assinalada)

A tarefa de produção contemplava os mesmos desenhos desconhecidos e alguns


conhecidos, e o diapositivo era introduzido com a frase: “Aqui está um carro e um
dedo”. Seguidamente, uma das imagens desaparecia (a que correspondia ao alvo) e a
criança era questionada: “Qual foi o que desapareceu?”. A criança deveria responder
com um sintagma nominal completo, composto por um artigo definido e um nome: “O

5
Na conceção do estudo, e como tal na preparação do instrumento de recolha de dados, considerou-se congruência de
nome como uma variável. Contudo, essa variável não será aqui analisada.
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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA

carro”. No caso de alvos de mais que um objeto (plurais) foi utilizada a instrução: “Aqui
estão algumas denhas e algumas bafes.”

3. Resultados
Os resultados dos desempenhos de cada uma das crianças com PEDL, nas tarefas
de compreensão e produção, distinguindo nomes e pseudo-nomes, são os apresentados
na Tabela 2. Nesta tabela, podem ver-se também os desempenhos médios do respetivo
grupo de controlo, da mesma faixa etária das crianças do grupo experimental.

Tabela 2 – Respostas com manutenção da concordância nominal (compreensão e produção) do GE


(PEDL) e GC (com desenvolvimento típico) em compreensão e produção de nomes e pseudo-nomes (%)

TIPO DE PEDL COMPREENSÃO PRODUÇÃO


NOMES PSEUDO-NOMES

PEDL1 FS 61% 47% 36%


PEDL2 DPF 42% 78% 64%
GC 4;0 67% 91% 76%
PEDL3 FS 39% 92% 69%
PEDL4 FS 47% 42% 28%
GC 5;0 73% 96% 84%
PEDL5 F 92% 83% 75%
PEDL6 FS 81% 81% 78%
GC 6;0 91% 87% 77%
PEDL7 SP 33% 28% 19%
GC 7;0 88% 83% 69%
PEDL8 SP 86% 89% 72%
GC 8;0 98% 80% 62%
Legenda: Tipo de PEDL: FS = Fonológico-sintática; DPF= Défice de Programação Fonológica;
F = Fonológica; SP = Semântico-pragmática

Nas crianças com PEDL, o desempenho é pior do que nas crianças com
desenvolvimento típico, com exceção de 3 sujeitos, os PEDL5, 6 e 8, que apresentaram
um desempenho igual ou melhor que os seus pares com desenvolvimento típico.
Por outro lado, não há efeito geral de desenvolvimento no grupo de controle – só
parcial na compreensão (H(4) = 22.364, p=.000), nos grupos dos 5 e 6 anos (U = 16.5,
p=.009) 6.

No Gráfico 1 mostram-se os resultados das tarefas de produção e compreensão do


grupo experimental, considerando apenas pseudo-nomes, e comparando com o grupo de
controlo.

6
A análise estatística foi realizada com recurso ao software SPSS 17.0 e os testes usados foram os testes não-
paramétricos Kruskal Wallis e Mann-Whitney.
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DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

Gráfico 1 – Respostas com manutenção da concordância nominal (compreensão e


produção) do GE (PEDL) e GC (com desenvolvimento típico) em compreensão e
produção de pseudo-nomes (n=36)

Os resultados da Tabela 2 e do Gráfico 1 mostram que, tanto no grupo experimental


como no grupo de controlo, a proporção de erros de concordância nominal se distribui
equilibradamente por produção e compreensão: nas crianças mais novas a tendência é
para mais erros na compreensão; nas crianças mais velhas a tendência inverte-se,
embora os valores sejam bastante próximos.
No Gráfico 2, podem ver-se os resultados da tarefa de produção, comparando os
desempenhos do grupo experimental e do grupo de controlo, para nomes e pseudo-
nomes.

Gráfico 2 – Respostas com manutenção da concordância nominal do GE (PEDL) e


GC (com desenvolvimento típico) em produção de nomes e pseudo-nomes (n=36)

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XXVI ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA

Observa-se, no grupo experimental, que a proporção de erros de concordância


nominal é maior nos pseudo-nomes do que nos nomes, tal como as crianças com
desenvolvimento típico, mas os valores são muito aproximados.
Os resultados em função das variáveis género e número mostram-se nos Gráficos 3,
4 e 5, em que se comparam os desempenhos do grupo experimental com os do grupo de
controlo, por tarefa, respetivamente: compreensão, produção de nomes e produção de
pseudo-nomes.

Gráfico 3 – Respostas com manutenção de género e número do GE (PEDL) e GC


(com desenvolvimento típico) em compreensão (n=36)

Na tarefa de compreensão, os desempenhos do grupo de controlo são equilibrados


em género e número. Já no grupo experimental, os PEDL3, 4 e 7 têm um desempenho
que se distancia dos seus pares e apresentam uma assimetria nos resultados das duas
categorias: os primeiros dois têm melhor desempenho em número; o terceiro em género.

Gráfico 4 – Respostas com manutenção de género e número do GE (PEDL) e GC


(com desenvolvimento típico) em produção de nomes (n=36)

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SOBRE CONCORDÂNCIA NOMINAL EM CRIANÇAS COM PERTURBAÇÃO ESPECÍFICA DO
DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

Gráfico 5 – Respostas com manutenção de género e número do GE (PEDL) e


GC (com desenvolvimento típico) em produção de pseudo-nomes (n=36)

Na tarefa de produção de nomes, mantêm-se o equilíbrio entre género e número nos


desempenhos do grupo de controlo. Embora com resultados mais baixos que os do
grupo de controlo, o grupo experimental comporta-se também de forma semelhante
relativamente a estas variáveis.
Finalmente, na tarefa de produção de pseudo-nomes, mantém-se o equilíbrio entre
género e número nos desempenhos do grupo de controlo, exceto nas crianças de 5 anos,
em que existe maior proporção de erros de número. No grupo experimental, há
novamente 3 crianças com desempenhos abaixo dos seus pares, mas a proporção de
erros de concordância nominal em género e número é equilibrada.
Na Tabela 3, apresentam-se os resultados relativos às respostas com omissão de
determinante na tarefa de produção.

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Tabela 3 – Respostas com omissão de determinantes com nomes e pseudo-nomes


no GE (PEDL) e GC (com desenvolvimento típico) (%)
TIPO DE PEDL P RODUÇÃO
NOMES PSEUDO-NOMES
PEDL1 FS 22% 36%
PEDL2 DPF 3% 3%
GC 4;0 6% 8%
PEDL3 FS 3% 3%
PEDL4 FS 47% 44%
GC 5;0 3% 4%
PEDL5 F 6% 11%
PEDL6 FS 8% 8%
GC 6;0 12% 19%
PEDL7 SP 69% 81%
GC 7;0 17% 28%
PEDL8 SP 11% 19%
GC 8;0 19% 36%

Nas crianças com PEDL, observa-se variação nas taxas de omissão de


determinantes: os PEDL1, 4 e 7 omitem mais determinantes que os seus pares com
desenvolvimento típico, enquanto os restantes têm taxas de omissão de determinantes
equivalentes ou melhores que os seus pares.
Verifica-se também que no grupo de controlo, a taxa de omissão de determinantes é
muito baixa nas crianças mais novas (5 e 6 anos) e aumenta, inesperadamente, nas
crianças de 6, 7 e 8 anos.
A comparação em função de tipo de nome – nome e pseudo-nome – mostra-nos que
no grupo de controlo, os pseudo-nomes têm taxas de omissão de determinante mais
altas nas crianças de idade escolar; as crianças de idade pré-escolar têm um desempenho
equilibrado. No grupo experimental, alguns sujeitos têm desempenhos equilibrados
entre nomes e pseudo-nomes; outros têm pior desempenho nos pseudo-nomes.

4. Discussão
Neste estudo, o desempenho das crianças com PEDL revela alguma
heterogeneidade, tanto no que diz respeito ao modo de expressão mais afetado
(compreensão ou produção) como à categoria gramatical mais afetada (género ou
número).
Quanto ao modo de expressão, os resultados não são conclusivos, uma vez que há
variabilidade nos desempenhos individuais no grupo experimental. Contudo, observa-se

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DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

um desempenho pior com pseudo-nomes, como observado para o português brasileiro


por Haeusler (2005) e Silveira (2006).
Já para a categoria gramatical mais afetada, nestes resultados não se vislumbra um
padrão definido. Enquanto na tarefa de compreensão há crianças com pior desempenho
em género e crianças com pior desempenho em número, na tarefa de produção os
desempenhos são similares entre uma e outra categoria. Assim, também aqui não se
pode afirmar que os erros afetam mais uma ou outra categoria (Bortolini, Caselli &
Leonard, 1997; Leonard et al., 1993).
No que respeita à omissão de determinantes, observa-se novamente variação
individual no grupo experimental. Se alguns PEDL apresentam claramente
desempenhos abaixo dos pares, outros têm desempenhos tão bons ou melhores.
Quando comparados com os seus pares, observou-se que algumas crianças com
PEDL não se distinguem do padrão de desempenho típico, da mesma idade cronológica.
No entanto, uma análise da distribuição percentílica dos sujeitos com PEDL
relativamente ao grupo de controlo, mostrada na Tabela 4, posiciona-os, no global,
abaixo do percentil 25. Só os PEDL5 e 8 estão melhor posicionados, não ultrapassando,
no entanto, o percentil 50.

Tabela 4 – Percentis do GC e GE em compreensão e produção (de nomes e pseudo-nomes)


calculados pelas respostas com manutenção de género e número do GE (PEDL) e GC (com
desenvolvimento típico)

TIPO DE PEDL COMPREENSÃO PRODUÇÃO TOTAL


NOMES PSEUDO-NOMES

PEDL1 FS <50 <5 <25 >10


PEDL2 DPF <25 <25 >25 <25
GC 4;0 <50 >25 <50 <50
PEDL3 FS >10 <25 10 <5
PEDL4 FS 25 <5 <5 <5
GC 5;0 <50 <25 <50 <50
PEDL5 F <25 >25 <50 <50
PEDL6 FS <25 <25 <50 >25
GC 6;0 <25 >25 <50 <50
PEDL7 SP <5 >10 >10 >10
GC 7;0 >25 >25 <50 >25
PEDL8 SP >10 <50 >50 <50
GC 8;0 >25 <50 <50 <50

O facto de com este estudo não se encontrar um padrão típico unificador do


desempenho das crianças com PEDL, relativamente à concordância nominal, pode ser
explicado por estarem incluídas nesta amostra crianças diagnosticadas com diferentes
tipos de PEDL.
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O reduzido número de participantes no grupo experimental invialibiliza para já o


estabelecimento da correlação entre diagnóstico e desempenho nestas tarefas. Contudo,
com um alargamento da amostra em estudos subsequentes a correlação deve,
certamente, ser explorada. Por outro lado, podemos considerar que a concordância
nominal pode não ser um marcador clínico de PEDL.
Relativamente à omissão de determinantes, também houve um comportamento
heterogéneo da parte das crianças do grupo experimental. No entanto, e tendo em conta
que houve uma grande omissão de determinantes nas crianças do grupo de controlo dos
6 aos 8 anos, estes resultados são inconclusivos. O desempenho das crianças mais
velhas do grupo de controlo não corresponderá a um comportamento típico mas,
eventualmente, a um efeito do tipo de tarefa, em que as crianças, estando mais focadas
na memorização do pseudo-nome, novo para elas, podem ter adotado uma estratégia de
nomeação nesta tarefa. Esse viés deverá ser eliminado em futuros estudos.

5. Conclusões
Este estudo exploratório pretendeu descrever os desempenhos de um conjunto de
crianças portuguesas diagnosticadas com PEDL em tarefas que envolvem concordância
nominal em género e número e produção de determinantes, no sentido de os identificar
como potencial marcador clínico para esta patologia. Observou-se que os desempenhos
das crianças com PEDL, ainda que não correspondendo a um padrão unificado, são
piores que os dos seus pares, da mesma idade, com desenvolvimento típico da
linguagem. Fica em aberto a questão de estas construções poderem ser um marcador
fiável de PEDL em geral, ou de PEDL gramatical em particular. Um alargamento da
amostra bem como a correlação com outros marcadores clínicos, de natureza mais ou
menos linguística, poderá contribuir para a resposta a esta questão.

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