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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA-UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
CONSTITUCIONAL - PPGD
Tese de Doutorado em Direito Constitucional

O ATIVISMO JUDICIAL RELIGIOSO CATÓLICO E A SUA


INFLUÊNCIA NA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL (STF)

Sídney Guerra Reginaldo

Fortaleza-Ceará
Maio, 2014
SÍDNEY GUERRA REGINALDO

O ATIVISMO JUDICIAL RELIGIOSO CATÓLICO E A SUA


INFLUÊNCIA NA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL (STF)

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Direito Constitucional da
Universidade de Fortaleza(UNIFOR)
como requisito parcial para a obtenção
do Grau de Doutor em Direito, sob a
orientação do Professor Doutor Gustavo
Raposo Pereira Feitosa.

Fortaleza-Ceará
2014
R 335a Reginaldo, Sídney Guerra.

O ativismo judicial religioso católico e a sua influência na atuaçãoo do


Supremo Tribunal Federal(STF) / Sídney Guerra Reginaldo. – 2014.
217 f.

Tese (doutorado) – Universidade de Fortaleza, 2014.


“Orientação: Prof. Dr. Gustavo Raposo Pereira Feitosa.”

1. Ativismo judicial. 2. Supremo Tribunal Federal. 3. Poder


juduciário. 4. Igreja Católica. 5. Religião. I. Feitosa, Gustavo Raposo
Pereira. II. Título.

CDU 342.56
SÍDNEY GUERRA REGINALDO

O ATIVISMO JUDICIAL RELIGIOSO E A JURISPRUDÊNCIA DO


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
BANCA EXAMINADORA

Professor Doutor Gustavo Raposo Pereira Feitosa (UNIFOR) – Orientador

Professora Doutora Mônica de Carvalho Vasconcelos (UNIFOR) – Membro

Professora Doutora Cristiane Aquino de Souza (UNIFOR) – Membro

Professora Doutora Preciliana Barreto de Morais (UECE) – Membro

Professora Doutora Márcia Correia Chagas (UFC) – Membro


Aos meus pais.

A minha querida mulher.

Aos meus amados filhos.


AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Gustavo Raposo Pereira Feitosa, por ser este orientador

admirável, especial, generoso e amigo.

A Professora Doutora Lilia Sales pela confiança que em mim é depositada.

As Professoras Doutoras Mônica de Carvalho Vasconcelos, Cristiane Aquino

de Souza Preciliana Barreto de Morais e Marcia Correia Chagas pela sua

generosa participação na banca examinadora e contribuição ao trabalho.

Ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de

Fortaleza (UNIFOR), que possibilita a existência de espaços para reflexões aos

inquietos que acreditam ser possível, pesquisar, refletir e interpretar o Direito

Constitucional, em especial a Professora Doutora Gina Pompeu.

A Professora Doutora Fátima Veras, reitora da Universidade de

Fortaleza(UNIFOR), por ser essa pessoa especial.

Ao Professor Doutor Martonio Mont’Alverne pela amizade.

Ao professor Henrique Sá pela generosidade da companhia.

A Professora Nubia Garcia por sua competência na correção metodológica do

trabalho.
A todo o Corpo Docente do doutorado em Direito Constitucional da

Universidade de Fortaleza (UNIFOR) que de uma forma ou de outra

contribuíram neste trabalho.

A Professora Roberta Teles, pela sua participação afetiva neste trabalho.

Aos coordenadores do curso de Direito da Universidade de Fortaleza

(UNIFOR) pela força que sempre estão me dando.

Aos alunos maravilhosos do curso de Direito da Universidade de Fortaleza

(UNIFOR).

A todos os funcionários que fazem da parte do Centro de Ciências Juridícas da

Universidade de Fortaleza (UNIFOR) pelo carinho do dia a dia.

A Angélica Lopes pela força de sempre.

A Socorro Portela e a todos aqueles que sempre torcem por mim.

Muito obrigado!
Práticas de ativismo judicial, embora moderadamente
desempenhadas pela Corte Suprema em momentos
excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional,
quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam,
excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão
sujeitos, ainda mais se tiver presente que o Poder Judiciário,
tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à
Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura
passividade. (Voto proferido pelo Min. Celso de Mello dos
direitos dos homoafetivos)
RESUMO

O presente trabalho versa sobre o ativismo judicial religioso no âmbito das


decisões do Superior Tribunal Federal(STF). Para o desenvolvimento da tese
foi necessário estabelecer os aspectos conceituais do fenômeno denominado
de Ativismo Judicial diferenciando-o da Judicialização da Política, aborda o
confronto entre o Direito e a Política na nova arena (redes sociais) pública em
discussões permanentes de transformações sociais e a constante busca de
uma estabilização da sociedade. A lentidão do legislativo em formatar e votar
as leis que visem acompanhar a dinâmica social da sociedade tem influenciado
o judiciário na tomada de decisões que, interpretando as normas
constitucionais, sem usurpar a sua competência, visem dar uma maior garantia
aos direitos fundamentais albergados na Constituição Federal em favor da
cidadania. Não se trata de uma invasão do Direito pela Política. A ascensão
dos direitos humanos e o liberalismo fizeram com o que o judiciário deixasse
de lado alguns aspectos legais para tratar em suas decisões de aspectos
sociais relevantes, além dos aspectos meramente legais. Em decorrência
disso, a presença da Igreja Católica na política no Brasil, a sua luta social,
desde o seu descobrimento, se tornou uma conquista constitucional, inclusive,
em professar a sua política religiosa juntamente com as garantias individuais
estipuladas pela Constituição Federal. Para isso, fez-se uma abordagem da
participação da Igreja e os fatores que impulsionaram o ativismo religioso no
Superior Tribunal Federal (STF) na questão genética das células-tronco.

Palavras-chave: Ativismo Judicial. Religião. Igreja Católica. Supremo Tribunal


Federal. Constituição Brasileira. Direito e Política. Poder Judiciário.
ABSTRACT

The current work is about the religious judicial activism on the decisions of the
Supremo Tribunal Federa (STF). On the develepment of this thesis, was
necessary to establish the conceptual aspects of the phenomenon called
Judical Activism differentiating it of the Judicialization of Politic Política,
approaching the confrotation between Law and Politics on the new public arena
(social networks) in permanent discussions about social transformations and
the constant seach of a stability society. The slowness of legislative power in
making and voting the laws that intend to follow the social dinamics of society
have influenced the judiciary power on their decisions that, interpreting the
constitutional norms, without taking over their competence, intend to give a
better guarantee to the fundamentals rights presented on the Federal
Constitution. The ascencion of human rights and liberalism made the judiciary
power leave some legal aspects to treat, in their judgments, relevant social
aspects, beyond the ordinary legal aspects. As a result, the Catholic Church
presence in Brazil, its social struggle, since its Discovery, have become a
constitutional conquest, including put its religious politics together with the
individual guarantee on the Federal Constitution. The objective here is to
approach the Catholic Church and the factors that give its religious activism on
the Supremo Tribunal Federal (STF) on the medical question of stem cell.

Keywords: Judicial Activism. Religion. Catholic Church. Federal Supreme Court.


Brazilian Constitution. Law and Policy. Judiciary.
RÉSUMÉ

Le présent travail traite de l' activisme judiciaire religieuse dans les décisions de
la Cour suprême fédérale(STF). Pour le développement de la thèse était
nécessaire d'établir les aspects conceptuels du phénomène appelé l'activisme
judiciaire différencier de la judiciarisation du politique, traite de l' affrontement
entre le droit et la politique dans la nouvelle arène (réseaux sociaux ) dans les
débats publics permanents du changement social et la recherche constante
stabilisation d'une société. La lenteur du format législatif et vote sur les lois
visant à contrôler la dynamique sociale de la société a influencé le pouvoir
judiciaire dans la prise de décisions, l'interprétation des règles
constitutionnelles, sans usurper la compétence, visant à donner plus de droits
fondamentaux logés garantis par la Constitution fédéral en faveur de la
citoyenneté. Ce n'est pas une invasion de la politique du droit. La hausse des
droits de l'homme et le libéralisme fait à la magistrature de jeter de côté
certaines questions juridiques à traiter dans leurs décisions sur les aspects
sociaux pertinents au-delà des aspects purement juridiques. En conséquence,
la présence de l'Église catholique dans la vie politique au Brésil, la lutte sociale,
depuis sa découverte, est devenu un succès constitutionnel, même en
professant sa politique religieuse avec des garanties individuelles prévues par
la Constitution. Pour cela, il ya eu une approche de la participation de l'église et
les facteurs qui ont poussé l' activisme religieux dans la Cour suprême
fédérale(STF) sur la question des cellules souches génétiques.

Mots-clés: l'activisme judiciaire. Religion. Église catholique. Cour suprême


fédérale. Constitution brésilienne. Droit et politique. Judiciaire.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................14

1 O ATIVISMO JUDICIAL

1.1 Aspectos conceituais ..................................................................................21

1.2 O Direito e a Política na nova arena pública (redes sociais)


...........................................................................................................................30

1.3 O equilíbrio das disfunções sociais e a busca de uma estabilização da


sociedade ..........................................................................................................36

1.4 A invasão do Direito pela Política ...............................................................46

1.5 A Legitimação Democrática e a Divisão dos Poderes ................................53

2 O ESTADO CONFESSIONAL BRASILEIRO .................................................62

2.1 O império e a Constituição de 1824 ............................................................62

2.2 O segundo império e o Estado de liberdade político e religioso .................84

2.3 A separação confessional do Estado com a Igreja Católica na Constituição


Republicana ......................................................................................................84

2.4 Getúlio Vargas, o Estado Novo e a relação com a Igreja Católica .............96

3 A REDEMOCRATIZAÇÃO POLÍTICA E O ATIVISMO SOCIAL DA IGREJA


CATÓLICA ......................................................................................................112

3.1 Os direitos e garantias individuais da política religiosa ............................112

3.2 O golpe militar e a relação com a Igreja Católica .....................................121

3.3 A Constituição cidadã de 1988 e a luta política religiosa dos Direitos


Fundamentais .................................................................................................132
13
4 O ATIVISMO JUDICIAL RELIGIOSO E A DISCUSSÃO SOBRE O USO DAS
CÉLULAS-TRONCO .......................................................................................136

4.1 Os estudos científicos sobre as células-tronco .........................................136

4.1.1 Definições …………………………………………………………………….136

4.2 As Polêmicas que envolvem a utilização das células-tronco embrionárias


.........................................................................................................................138

4.3 As Instituições Sociais e a Ética na Utilização das células-tronco ...........144

4.3.1 Opinião da Imprensa e da Religião no Brasil ........................................144

4.4 O Brasil e a Política da Bioética: Breves Considerações …………………147

4.5 O Ativismo Religioso da Igreja Católica em defesa da vida


.........................................................................................................................148

4.5.1 Pesquisas com células-tronco embrionárias, o Direito Inviolável à Vida e à


Dignidade Humana ........................................................................................148

4.5.2 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ......................................151

4.5.3 Contextualização histórica do conceito de dignidade da pessoa humana


........................................................................................................................153

4.5.4 O princípio jurídico do conceito de dignidade da pessoa humana .......156

4.5.5 A Lei de Biossegurança e o Conceito de Dignidade da Pessoa Humana:


Os embates entre Ciência e Religião ............................................................157

4.5.6 A Lei nº 11.105/2005 (Lei de Biossegurança): Breves considerações


........................................................................................................................159

4.6 O STF e a autorização para realização das pesquisas com células-tronco


embrionárias no Brasil ...................................................................................165
14
4.6.1 Decisão do STF pela Constitucionalidade da Lei de Biossegurança
.........................................................................................................................166

4.6.2 O Acórdão do STF .................................................................................172

4.7 A Vitória da Ciência ..................................................................................182

CONCLUSÃO .................................................................................................185

REFERÊNCIAS ..............................................................................................206
INTRODUÇÃO

O Direito constitucional contemporâneo tem trazido novos desafios para

o Supremo Tribunal Federal brasileiro quanto a sua interpretação, no que tange

a expansão do controle judicial sob a perspectiva de modificação de leis e

criação de novos direitos.

Esta expansão tem por base conferir à Constituição uma vis directiva na

promoção do Direito contemplado pelos princípios jurídicos. E é por esse viés

que o controle de constitucionalidade e a guarda da constituição deixaram de

ser mero paradigma de controle dos atos do legislativo e do executivo dos

entes federativos, passando a ocupar um espaço na realização dos valores

positivados nos princípios constitucionais.

Uma dinâmica social, auxiliada pelas redes sociais, tem acelerado o

processo de construção de um Estado Democrático de Direito mais

participativo. Isso, de certa forma, tem submetido o Poder Judiciário a tomar

decisões que visam resguardar direitos fundamentais ainda não contemplados

pelo Legislativo, principalmente, como elemento catalisador e facilitador na

aquisição desses direitos.

Os atores sociais sempre estiveram presentes nas discussões políticas

no Brasil. Sejam por meio de representantes ou mesmo por meio de entidades.


16
Essa participação nunca deixou de ser ativa, mesmo nos tempos sombrios da

ditadura militar.

Ao longo de sua secular história republicana muito pouco foi alterado

nas características e funções essências do Supremo Tribunal Federal. Mas

exatamente por ter assumido, desde o início, o papel de instância jurídica de

controle sobre os demais Poderes, papel antes exercido pelo Poder

Moderador, sua história seria marcada por conflitos políticos, para os quais é

frequentemente chamado a dar respostas definitivas.

Nas palavras de Viotti da Costa (1999, p. 29), “inevitavelmente levado a

participar das lutas políticas que se travam à sua volta e sofrendo suas

consequências, o Supremo Tribunal Federal é ao mesmo tempo agente e

paciente dessa história”.

Da mesma forma, o imperador, na verdade, já havia pensado em

introduzir no Brasil uma instituição, similar à Suprema Corte dos Estados

Unidos da América, que assumisse muitas das responsabilidades até então

atribuídas a ele (Poder Moderador) e ao Conselho de Estado. Essa idéia,

entretanto, só vingaria depois da queda da Monarquia. (VIOTTI DA COSTA,

2007)

As instituições religiosas, especialmente a Igreja Católica,

continuamente, assim como os demais atores sociais, vêm desempenhando

um papel ativo na esfera política brasileira. Ao longo dos anos que sucedem a

Independência Nacional as suas divergências com a ordem política instaurada

nas diversas constituições, tem sido palco de discussões com a doutrina cristã,

levando a igreja a promover ativamente a defesa de sua teologia frente aos

embates positivistas que se instalam.


17
Sempre se pensou que a atuação da igreja fosse somente na esfera do

legislativo ou mesmo do executivo. Pelo contrário, a pesquisa ora dedicada a

essa temática vem a demonstrar que a igreja também exerce um papel ativo e

atuante na esfera do Poder Judiciário em defesa de seus interesses teológicos.

Ao trabalhar essa ideia, a tese investiga o ativismo social da Igreja

Católica frente as decisões judiciais no Supremo Tribunal Federal, desde a sua

criação, pelo Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, documento normativo

equivalente ao Judiciary Act norte-americano, de 1789, de onde abertamente

nosso Governo Provisório fora retirar o modelo, até os dias atuais.

Desta forma, a escolha da pesquisa, teve a sua consistência e

relevância, precrustando a contribuição cientifica, direcionada a saber quias os

propósitos que denunciariam um articulação com os valores orientados pela

religião e também com as representações das classes dominantes? A

crescente consciência política das massas oprimidas, oritentada pela teologia

da libertação, fundou um partido político que de fato atua nas esferas do

poderes republicanos? Até quando perdurará a influência da religião no âmbito

do judiciário, especificamente, no âmbito do Supremo Tribunal Federal?

Realizou-se uma análise da literatura especializada em Filosofia, Direito,

Ciência Política, Revistas, Jornais, e de decisões judiciais, sobretudo do

Supremo Tribunal Federal. Em cada texto procurou-se um significado particular

que é atribuído pela visão de quem analisa.

Estabelecido o objeto da investigação e as suas finalidades que são as

ações e a influência política da igreja sobre o judiciário brasileiro, durante todo

o curso das constituições até os dias atuais. Inclusive, as exemplificações e as

lições contidas na tese podem ser extensivas a outros ramos de disciplinas,


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trazendo um estudo para uma melhor compreensão do sistema judiciário

brasileiro em suas decisões acerca dos direitos fundamentais.

A metodologia utilizada na pesquisa caracteriza-se como estudo

descritivo-analítico, desenvolvido por meio de análise de jurisprudências junto

ao Supremo Tribunal Federal (STF). Quanto ao tipo foi bibliográfica, mediante

explicações embasadas em trabalhos publicados sob a forma de livros,

revistas, artigos, enfim, publicações especializadas, imprensa escrita e dados

oficiais publicados na Internet, que abordam direta ou indiretamente o tema em

análise e outros que tratam sobre o tema.

Na metodologia de analise quantitativa, o foco principal é chegar às

conclusões sobre quais são os critérios trabalhados e argumentados nas ações

demandadas no STF que tenham vié religioso nos últimos cino anos de 2008 a

2013. Para que este escopo seja alcançado, fez-se necessário a elaboração de

questionários para a pesquisa, mediante critérios, para se saber quantas ações

foram demandadas no período de 2008 a 2013 de viés religoso; a descrição da

classe; Ano da decisão; Link para visualização; se teve participação de

Instituição Religiosa; Classificação da instituição; a Instituição religiosa; Tipo de

Religião; Tipo de participação; o Objetivo da ação; o resultado do mérito; o

provimento da ação; o fundamento da decisão; se a decisão levou em

consideração a intervenção da instituição; se existe relação entre a atuação da

instituição e a defesa de princípios religiosos (missão institucional); se o

fundamento da decisão leva em consideração valores morais; se houve

audiência pública.

Quanto à utilização dos resultados, é pura, porque não vislumbra

transformar a realidade, e sim obter conhecimentos; no que se refere à


19
abordagem, qualitativa, porque busca apenas uma compreensão da

importância da influência religiosa nas decisões legislativas.

Quanto aos objetivos é descritiva, porque descreve fenômenos,

investiga a frequência com que um fato ocorre, sua natureza e características,

além de classificar, explicar e interpretar os fatos, sem interferência do

pesquisador e Exploratória, uma vez que procura aprimorar ideias, ajudando na

formulação de hipóteses para pesquisas posteriores, além de buscar maiores

informações sobre o tema.

Importa, assim, destacar as repercussões do resultado da tese sob

exame. O primeiro capítulo, apresenta os aspectos conceituais do fenômeno

denominado de Ativismo Judicial, suas perspectivas, e a diferença da

Judicialização da Política.

Nesse capítulo, será abordado o tema sobre o Direito e a Política na

nova arena pública. Discutem-se as políticas, acerca de temas religiosos e

jurídicos, que ocorrem nas redes sociais, como um novo palco ativista da

política brasileira.

Dando continuidade, enfoca-se a temática sobre o equilíbrio das

disfunções sociais e a busca de uma estabilização da sociedade. Demonstra-

se que a lentidão do legislativo em formatar e votar as leis que visem

acompanhar a dinâmica social da sociedade tem influenciado o judiciário na

tomada de decisões que, interpretando as normas constitucionais, sem usurpar

a sua competência, vêm dar uma maior garantia aos direitos fundamentais

albergados na Constituição Federal em favor da cidadania.


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Ao final do capítulo, trata-se como tema a invasão do Direito pela

Política. A ascensão dos direitos humanos e o liberalismo que fizeram com que

o judiciário deixasse de lado alguns aspectos legais para tratar em suas

decisões de aspectos sociais relevantes, além dos aspectos meramente legais.

O segundo e o terceiro capitulos tratarão da presença da Igreja Católica

na política no Brasil e a sua influência. Aborda a temática do Estado

confessional imperial brasileiro e a Constituição de 1824, onde se discute a

presença da igreja no império e o Estado religioso existente.

Dando continuidade, retrata-se o segundo império e o Estado de

liberdade político e religioso e a separação confessional do Estado com a

Igreja Católica na Constituição republicana. A presença da Igreja Católica no

Estado Novo de Getúlio Vargas e a relação carismática de ambos perante o

povo brasileiro, são também abordados.

Colacionam-se algumas decisões do STF acerca de temas defendidas

teologicamente pela Igreja Católica e a participação ativa de Ministros do

Supremo Tribunal Federal no culto da Igreja Católica.

Ainda, analisa-se a temática da redemocratização do Brasil, após a

chamada ditadura Vargas, e o fortalecimento do ativismo social da Igreja

Católica, tratando da conquista constitucional da Igreja Católica em professar a

sua política religiosa e as garantias individuais.

O golpe militar e a participação da Igreja Católica estão na parte final do

terceiro capítulo, para depois, se fazer uma abordagem sobre a Constituição

cidadã de 1988 e a luta política religiosa pela efetivação dos direitos


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fundamentais com a criação do chamado Partido de Deus, no caso, o Partido

dos Trabalhadores.

Por fim, fez-se um estudo das jurisprudências do STF, em temas sobre

direitos e garantias individuais que contrapõe à teologia política cristã e que

impulsionam o ativismo religioso católico na Corte Suprema Constitucional

brasileira. São decisões que sofreram ou supostamente sofreram influência da

igreja em temas de grandes complexidades e que foram fruto de um ativismo

religioso católico no STF, verbi gratia, a discussão sobre a utilização das

células-tronco.
1 O ATIVISMO JUDICIAL

1.1 Aspectos conceituais

A Constituição Federal de 1988 agenciou grande alterações no sistema

judicial brasileiro, findando por promover, em níveis de maior destaque, a

atuação e ascensão do Poder Judiciário na esfera jurídica, política e social.

Para tanto, basta observar a reforma do Judiciário por meio da Emenda n.°

45/2004, o aperfeiçoamento dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, a figura

do juiz de cooperação, dentre inúmeras modificações na estrutura jurídica que

favoreceram ao desdobramento de um comportamento proativo dos

representantes dos tribunais que adquiriram maior autonomia e tiveram um

alargamento de seus poderes processuais objetivados na produção de

decisões medidas com o consequencialismo.

É um contexto que anuncia um deslocamento de decisões políticas do

poder legislativo e executivo para o judiciário, diante de sua reputada inércia.

Desta forma, os magistrados estariam dispostos a receber essa transferência

de decisões, enfrentando uma emancipação social de natureza política do

judiciário, por força de normas constitucionais, sem usurpação de competência

com os outros poderes republicanos.

As redes sociais e a virtualização da informação por meio da web site,

além da mídia tradicional, vêm a todo momento divulgando decisões judiciais e

investigando os efeitos destas na vida real dos indivíduos, contextualizando-as

dentro dos padrões sociais.

A amplitude da repercussão, nos espaços das redes sociais, das

decisões proferidas diariamente pelo Judiciário em todo o Brasil, e,


23
principalmente, levando o contexto de como são decididas as questões

judiciais, apresenta uma família amplamente ramificada de pontos de vista

teóricos diferentes sobre o Direito e o Estado, redimensionando o discurso da

justiça, sobretudo quanto ao relativismo do caráter ético-jurídico das decisões

judiciais.

Esse movimento que acentua a visibilidade do debate publico acerca do

papel da magistratura e do sistema de justiça, projeta sobre os tribunais e

juízes dilemas e tensões semelhantes ao vivenciado nas outras instituições

publicas. Sentenças e Acórdãos passam a frequentar com assiduidade as

pautas jornalísticas e as discussões em torno das grandes questões políticas

nacionais e locais.

O ativismo judicial é um fenômeno em que a pressuposição da decisão

judicial, em matéria de direitos fundamentais, justificadas por perspectivas

contidas nos juízos da justiça, ultrapassam a linha que separa as esferas

judicial e legislativa. A sua competência legitimatória mostra-se no principio da

legitimidade, contido um principio condutor normativo constitucional que são os

Direitos Fundamentais, visando o bem estar comum social.

As características que correspondem essencialmente a esse conceito

são aplicados em países que possuem um sistema judicial comparado com a

Commom Law, ou aqueles países que venham a dar vazão constitucional para

que a Corte Suprema atenda, por meio de suas decisões, os fins sociais e às

exigências do bem comum, implicando em uma decisão politica de um agente

político ativo.
24
Thamy Pogrebinschi (2000, p. 2) prescreve que “o ativismo judicial

implica em tomada de posição política; o juiz ativista define-se como um agente

político.”

Para Dworkin (2002, p. 231) o Ativismo Judicial não consiste mais em

uma simples alternativa, mas, sim, em “um compromisso inadiável dos tribunais

em nome da imperativa defesa da moral, da justiça e da democracia”.

Nosso sistema constitucional baseia-se em uma teoria moral


específica, a saber, a de que os homens têm direitos morais contra o
Estado. As cláusulas difíceis (...) como as cláusulas do devido
processo legal e da igual proteção, devem ser entendidas como um
apelo a conceitos morais (...). Portanto, um tribunal que assume o
ônus de aplicar tais cláusulas plenamente como lei deve ser um
tribunal ativista, no sentido de que ele deve estar preparado para
formular questões de moralidade política e dar- lhes uma resposta.

Essa expansão historicamente é uma expressão cunhada nos Estados

Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação

da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre

1954 e 1969.

Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa

em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por

uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais [...]

Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista

ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma

participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e

fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros

dois Poderes (BARROSO, 2010, p. 9).

Esse termo, "ativismo judicial", foi criado por Arthur Schlesinger Junior,

em 1947. O conceito original de Schlesinger sobre o ativismo judicial foi


25
duplamente nebuloso: ele não só não consegue explicar o que conta como

ativismo, como também se recusou a dizer se o ativismo é bom ou ruim.

(GREEN, 2009, p. 37)

Falhas iniciais na busca da conceituação do termo “ativismo judicial”, no

entanto, não impediu do termo de tomar ascensão em grande parte nos

eventos imprevistos nos EUA, como, por exemplo, desagregação da escola e

do nascimento de tribunais federais. Tais principios ecléticos de explicar o

porquê de "ativismo judicial" é difícil de definir, mas não se tem explicação do

por que de o termo ter uma atenção continuada. (FRANK B. CROSS &

STEFANIE A. LINDQUIAT, 2007)

Apesar do termo "ativismo judicial" ter ligações com Arthur Schlesinger,

esse termo incorporou tradições rastreáveis ao século XVIII, marcando os

movimentos ativistas da época e a ansiedade sobre a atividade de julgar em

toda a história. Desta forma, o ativismo judicial se mostra muito mais do que

um termo de efeito, não só isso, evoca para as discussões tradições judiciais

consagradas nos tribunais.

Sua identificação passa a ter significado maior quando se trata de

direitos fundamentais. Principalmente, se a esses direitos houver um erro grave

em uma sentença judicial, ou mesmo, quando o resultado de um julgado seja

indesejável ou contrarie o anseio da população. Alias, não só a esse direitos,

mas a miscelânea de fatores sociais, de valores sociais, que a ele se agregue.

O que de fato vem a pesar sobre o termo “ativismo judicial”, são os

eventos de discussões sociais que formam uma conjuntura de valores a serem

apresentadas ao Judiciário quando se tem um matéria polemica a ser discutida

naquele órgão. Essas discussões sociais na atualidade, tornam o processo


26
mais dinâmico, mais célere, devido ao uso sistemático das redes sociais em

voga. A atenção e o resultado da discussão é mais rápido e porque não dizer

acompanhado pelo próprio Judiciário.

Na definição Ramos (2010, p. 129) ativismo judicial é

O desenvolvimento teórico até aqui realizado já permite uma


conceituação do fenômeno denominado de ‘ativismo judicial’,
necessariamente amplo por não se atrelar a um especifico sistema
jurídico, muito embora se revele mais próximo aos sistemas
constitucionais da família romano-germânica, em que a organização
do aparato estatal seja informada pelo principio da separação dos
poderes: por ativismo judicial deve-se entender o exercício da função
jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento
que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar,
resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesses) e
controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos).

Valle (2009, p. 21) enumera cinco definições de ativismo judicial sob

perspectivas diferente. A primeira com sendo a pratica dedicada a desafiar atos

de constitucionalidade defensável emanados em outros poderes. A segunda, é

a estratégia de não aplicação dos precedente. A terceira, a conduta que

permite aos juízes legislar “da sala de sessões”. A quarta, o distanciamento dos

cânones metodológicos de interpretação. O quinto e último, o julgamento para

alcançar resultados pré-determinados.

É desta forma que se apresenta o problema da identificação do ativismo

judicial reside nas dificuldades inerentes ao processo de interpretação

constitucional, ou seja, descobrir qual a correta leitura de determinado

dispositivo constitucional. Aduz a autora não ser o simples controle de

constitucionalidade que configura o ativismo, mas a frequente reiteração dessa

conduta tão invasiva ao espaço da atuação de outro poder. (VALLE, 2009)


27
Diz respeito à superação de alguma linha equivocada de interpretação

em face do surgimento de novas circunstancias da realidade. No sistema da

common law, o afastamento dos precedentes judicias pelo julgador, seja das

decisões de tribunais superiores, seja de suas próprias decisões, só pode

ocorrer por meio de uma técnica excepcional denominada de overrulling

(desconstituição fundamentada do precedente, em que este deixa de possuir

caráter vinculante). Doutrinariamente não é encarado como conduta ativista.

(VALLE, 2009)

O que se chama de ativismo judicial ganha projeção e se transforma no

importante problema de analise para o Direito e para a ciência política. O

processo de atualização das discussões e opiniões, em cima das notícias

divulgadas, correm muito rápido e ultrapassam fronteira, aumentando a

responsabilidade da função política do Estado, seja ela jurisdicional ou mesmo

legislativa.

Conforme Mauro Capelletti (1993, p. 46) o “terceiro poder” não pode

simplesmente ignorar as profundas transformações do real, impondo novo e

grande desafio aos juízes. O ativismo passa então a ser o novo desafio aos

juízes. A proximidade do Judiciário com o povo, por meio dos movimentos nas

redes sociais, enfatiza a responsabilidades ao Magistrado.

Portanto, mesmo que uma ordem social, imposta pelo mandato do

legislador, venha a lhe dar o exercício da coerção, garantindo a eficiência,

segurança e estabilidade da sociedade, mas se ela não alcançar as garantias

dos interesses sociais e fundamentais dos indivíduos, faltando-lhe legitimidade

de ação ou ainda por inércia legislativa, reside razão aos ativistas de provocar
28
o Judiciário para que assuma o seu papel político social e resolva aquela

determinada situação de desequilíbrio social.

Para o exercício ativo de uma politização da justiça cidadã, a aplicação

direta da regra, de forma positivada, sob o ponto de vista de seu regente, para

dar uma maior segurança jurídica de sua atividade, é secundária. A garantia

elementar desse exercício seria adequar em suas decisões judicias aspetos

das necessidade do bem estar social e o bem comum como principio de

produção legal, entrecruzando, em certos casos, mais critérios de revisão nos

outros poderes do Estado, com a promoção de políticas públicas em suas

decisões, não considerando os principios da coerência do direito e da

segurança jurídica como limites à sua atividade.

Thamy Pogrebinschi (2000, p. 2), considera

ativista o juiz que: a) use o seu poder de forma a rever e contestar


decisões dos demais poderes do estado; b) promova, através de suas
decisões, políticas públicas; c) não considere os principios da
coerência do direito e da segurança jurídica como limites à sua
atividade.

É em tais critérios que o magistrado deixa de ser um mero aplicador

técnico da lei, passando a se legitimar politicamente, sob o ponto de vista ético,

como um principio normativo e descritivo, possuindo uma estrutura de um

silogismo prático, fornecido por uma legitimação secundária.

Assim, expressa Thamy Pogrebinschi (2000, p. 2):

Não queremos sustentar que os três critérios acima devam ser


preenchidos simultaneamente para que se identifique um caso de
ativismo. Um juiz pode ser considerado ativista pelo exercício em
graus diferenciados de quaisquer das atitudes acima descritas.
Porém, a negação de qualquer destas atitudes implica, segundo
nossa definição, que ele não seja considerado um ativista. Isto é, um
juiz que se recuse a exercer seu poder de pelo menos uma das
29
formas acima não ser considera considerado, nesta artigo, um
ativista.

Os critérios de um juiz ativista acima adotados se caracteriza como justo

e equânime na aplicação da regra, não se tratando de nenhuma justiça

subsidiária. Pois a aplicação desses critérios também estão a serviço do

Estado. A justiça originária só existe lá onde as regras no todo são

consideradas justas.

Segundo Valle (2009, p. 25) isso decorre, de uma postura ativa do

Judiciário americano, classificada pelo jornalista americano Arthur Schlesinger

Junior como ativismo judicial, quando o mesmo chamou de ativistas judiciais os

juízes responsáveis pelas inovações que a Suprema Corte dos Estados Unidos

apresentava. Essa foi a primeira vez que se ouviu esse termo, contudo, o

mesmo foi aceito pela doutrina que passou a se referir a este comportamento

atípico e inovador como ativismo e por ser jurídico e judicial.

Essa inovação ativista não surge de um discurso político fundamental

quanto ao trato de questões de relevância social ou moral decididas pelo

Judiciário com efeito de coisa julgada. Desta forma, se descarta qualquer

possibilidade de confusão existente entre a judicialização da política e o

ativismo judicial. É uma questão instrumental em que os objetivos

fenomenológicos a serem alcançados por esses institutos são diferentes.

O exercício da coerção, entabulada no poder legislativo, deverá ser um

produto resultante das discussões nas redes sociais, ou seja, o bem estar de

todos é o bem comum entendido coletivamente e distributivamente, produzido

pela própria massa.


30
Com isso, Mauro Capelletti (1993, p. 46-47) assevera que

[...] a dura realidade da história moderna logo demonstrou que os


tribunais – tanto que confrontados pelas duas formas do gigantismo
estatal, o legislativo e o administrativo – não podem fugir de um
inflexível alternativa. Eles devem de fato escolher uma das duas
possibilidades seguintes: a) permanecer fieis, com pertinácia, à
concepção tradicional, tipicamente do século XIX, dos limites da
função jurisdicional, ou b) elevar-se ao nível dos outros poderes,
tonar-se enfim o terceiro gigante, capaz de controlar o legislador
mastodonte e o leviatanesco administrador.

Em reforço à tese, neste aspecto, Kelsen (2012, p. 162) reconhece que

qualquer conteúdo pode ser direito.

A identificação da forma estatal com a Constituição corresponde por


completo ao preconceito de que o direito termina na lei. O problema
da norma de Estado, como indagação acerca do método de produção
jurídica, acontece não apenas no grau da Constituição, e não
somente para a legislação, como também para todos os graus de
produção jurídica e, em especial, para os vários casos de instituição
de normais individuais: ato administrativo, sentença, negócio jurídico.

O magistrado não pode limitar o exercício de sua função somente aos

aspectos legais, tornando-se escravo de funções protetoras e repressivas.

Deve ele aumentar, em sua atividade jurisdicional, principalmente, no que

tange aos direitos fundamentais, a sua relevância politica social para a

sociedade, superando o gigante estatal, o legislativo e o administrativo.

Todas as discussões sociais, unificadas em um só momento, ao mesmo

tempo, nas redes virtuais, hoje têm uma dinâmica, uma celeridade, muito maior

do que em outras épocas. Sem contar que atingem um número muito grande

de pessoas que possam conversar e discutir ao mesmo tempo, ganhando em

pouco tempo a tarefa de seu peso.

1.2 O Direito e a Política na nova arena pública


31
A partir do entendimento de que o homem é um ser eminentemente

politico, ele necessita largamente de um espaço público de comunicação social

para difundir e promover as suas ideias em conjunto com outras pessoas. Esse

processo politico sempre foi transformador, ainda mais agora sob as condições

da virtualidade real.

Ainda mais se levar em consideração que

Em teoria social, espaço não pode ser definido sem referências às


praticas sociais, sendo este o suporte material de práticas sociais de
tempo compartilhado. É a articulação material dessa simultaneidade
que dá sentido ao espaço vis-à-vis a sociedade. (CASTELLS, 1999,
p. 500)

Desta forma, todo local passa a ser um espaço. E em todo espaço há

uma organização de relações constantes relativizadas sob diversos pontos de

vista em discussões permanentes de transformações sociais. É no interior

desse universo que estão empenhadas as forças motrizes detentoras que

definem uma posição social como ferramenta de divulgação.

Neste aspecto, Castells (2004, p. 167), diz que

As sociedades mudam através do conflito e gerem-se através da


política. Como a Internet se está a converter num meio essencial de
comunicação e organização em todos os âmbitos da actividade, é
óbvio que os movimentos sociais e os agentes políticos a utilizam e a
utilizarão cada vez mais, transformando-a numa ferramenta
privilegiada para actuar, informar recrutar, organizar, dominar e
contradominar.

As opiniões políticas, e do comportamento político, sejam aqui

consideradas em qualquer esfera do Estado, desde que a representação seja

pública, são formados no espaço de comunicação. Se deve ressaltar que, as

discussões promovidas nesse espaço de comunicação, seja de modo

presencial ou virtual, seja um fator determinante para conduzir o que as


32
pessoas pensam ou fazem. Mas não se deve, por sua vez, ignorar que ali não

seja um meio transformador de mudanças sociais nas esferas politicas.

A representação em termos de definição de espaço público da

diversidade social, tende a tornar-se um fim em si mesmo, neste novo ideal de

demonstração democrática tentamos reconstruir a lógica. Quem participa e por

quê, em que capacidade, é o que conta, e não o que acontece. (GAUCHET,

2005, p. 166)

Assim, deve ser considerada uma audiência publica interativa, apoiada

em receptores de mensagens processadas e encaminhas por todos aqueles

que participam daquele tema em debate. Porém, diferentemente do universo

implementado por George Orwell (2005), pois as informações não advém de

fontes autônomas. A partir do momento que é subscrita a opinião daquele

partícipe no espaço social, seja ela representada por uma imagem ou mesmo

por meio de uma mensagem processada, é consignada a sua presença.

O que se torna ainda mais interessante é que, mesmo aquele, por algum

motivo, não quiser consignar a sua presença, poderá acessar a todas as

opiniões dos participantes e poder chegar a uma conclusão sobre o conteúdo

discutido.

Este modo binário de ativismo midiático tem consequências

extraordinárias no processo político e nas instituições da sociedade. É

essencial para a construção de hegemonia política ou mesmo a contra

hegemonia.

Pierre Bourdier (2007, p. 229) alerta que


33
[...] se para escapar a ilusão subjetivista que reduz o espaço social ao
espaço conjuntural das interações, ou seja, a uma sucessão
descontinua de situações abstratas, convém construir, como fizemos,
o espaço social enquanto espaço objetivo - estrutura de relações
objetivas que determina a forma assumida, eventualmente, pelas
interações e pela representação concebidas pelos envolvidos em tais
relações -, ocorre que deve ser superado o objetivismo provisório
que, ao tratar os fatos sociais como coisas, reifica o que ele descreve:
as posições sociais que se apresentam ao observador como lugares
justapostos, partes extra partes, em uma ordem estática, formulando
a questão inteiramente teórica dos Iimites entre as grupos que as
ocupam, são inseparavelmente localizações estratégicas, lugares a
defender e conquistar em um campo de lutas.

Para essa propensão objetiva que se realiza no esquema do espaço

social, convém prevenir que se deve estar atento para o poder detido por

alguns indivíduos ou grupos que tendem a dominar as discussões que são

postas, impelindo a aceitação da pluralidade de opiniões. Se preservar esse

contexto, ou seja, se houver espaço para as pessoas opinarem de forma

diversificada, de forma plural, tornando-se obsoleto a atividade desse espaço.

De fato isso se torna um novo tempo de analise objetiva social do

mundo, já que incorpora e atrai para si toda uma dialeticidade de acesso às

informações e opiniões em tempo real, como instrumento de orientação de

ações múltiplas e contínuas, ajudando-as em um fluxo de mudanças.

Essa espeque permite comparar o pensamento individual de um com o

dos outros. Há de fato uma transformação que atinge a sociedade em um todo

e como consequência as instituições públicas, inclusive, de modo globalizado

já que existe uma ligação das redes sociais em todas as dimensões, permitindo

a participação do estrangeiro na discussão politica sobre o tema em debate de

um determinado país.

Para Pierre Levy (1999, p.190/91)

[...] a organização do território passa pela do laço social e da


inteligência coletiva. As redes de comunicação nada mais são que
34
ferramentas a serviço de uma política desse tipo. Se por um lado os
instrumentos do ciberespaço naturalmente reforçam o poder dos
“centros”, aos quais conferem a faculdade da ubiquidade, podem
também suportar estratégias sutis para constituir grupos regionais
como atores auto-organizados. Dispositivos informatizados de escuta
mútua, de exposição de recursos, cooperação e avaliação em tempo
real das decisões podem ser um poderoso reforço aos mecanismo
democráticos e as iniciativas as regiões economicamente
desfavorecidas.

Portanto, não se pode se furtar que hoje a sociedade é uma rede global,

não funcionando mais apenas no contexto nacional. Envolve um processo de

discussão politica globalizada, onde qualquer pessoa de qualquer país pode

participar e dar a sua opinião nas discussões sobre uma determinada nação.

Mas, nessas discussões, devem ser consideradas as raízes históricas e

culturais de valores embutidos em cada uma delas, para que as opiniões

proferidas tenham condão de credulidade.

Mesmo porque, os “[...] movimentos do século XXI, acções colectivas

direcionadas para a transformação dos valores e das instituições sociais,

manifestam-se na e através, da Internet”. (CASTELLS, 2004)

Esse é um papel social muito forte. Um fenômeno que o próprio

Judiciário, de certa forma, tem considerado, porque o resultado dessas

discussões e intervenções políticas têm moldado as necessidades e

perspectivas da sociedade. Como as decisões proferidas pelo Judiciário são

divulgadas quase que imediato nas redes sociais, assim, nesse espaço social

de comunicação, passam todos, quase que instantaneamente, a redimensionar

o ponto de vista moral das decisões judiciais em face do Direito e do Estado,

tornado um processo ativo, produtivo de formação e orientação da sociedade.


35
Evidentemente que o foco da definição da justiça, nas discussões

sociais e políticas nas praças virtuais, via de regra, traz o sentido de um critério

para definir o que é justo ou injusto, sob o ponto de vista de diferentes opiniões

e sem critério conceituais do direito, somente considerado procedimento

empíricos em seu sentido amplo.

Os padrões sobre as discussões políticas das decisões judiciais são

padrões básicos éticos e morais incontroversos em cima de regras gerais ou

mesmo em casos pontuais, mesmo porque muitos desses casos captam

criticas apressadamente e revelam desprovidos de seriedade.

Porém, em sentido estrito, os princípios revelados nas discussões

sociais das redes virtuais ou midiáticas, contém uma outra divisão e encargo

que não pode e não deve ser ignorado nem em sentido cientifico ou extra

cientifico, mesmo porque há um certo relativismo ético e jurídico formador de

opinião pública.

As opiniões têm significados, de modo a dar um sentido na busca de

critério a ser analisado pelo poder Judiciário, mesmo que seja por um

inconsciente coletivo, como principio articulador de sua discussão jurídica, nas

convergências ou divergências de opiniões ativas provocada pela analise

popular.

Ora, como a política utiliza as demais ciências e, por outro lado, legisla

sobre o que devemos e o que não devemos fazer, a finalidade dessa ciência

deve abranger as das outras, de modo que essa finalidade será o bem

humano. (ARISTOTÉLES, 1984, p. 49)


36
Não se pode ignorar que as opiniões ativas sobre as decisões judiciais

não deixam de ser um procedimento empírico em um sentido mais amplo. Os

elementos das discussões políticas são comuns à todos. O próprio Juiz que

circula nas redes de informações, passa a exercer um papel secundário, se

deixando revelar como pessoa nas praças virtuais de discussões, tecendo o

seu ponto de vista de casos que não tenha julgado ou mesmo ele próprio tenha

se submetido ao julgamento de outro juiz em tribunais diferentes, v. g., um

magistrado da Justiça Comum sendo julgado pela justiça especializada do

Trabalho.

Neste exemplo, se ele tiver perdido a causa, procurará discutir, em

locais virtuais ou em comentário com amigos e terceiros, o seu ponto de vista

sobre a decisão tomada contra si. Assim, passa ele a exercer o papel de

cidadão ativo, sendo um ativista sobre aquela determinada matéria.

Ao contrário de outras esferas, encontramos nessa politéia conversora

em principio articulador de sua discussão, ações ativas que existem para uma

justiça de troca. Cada cidadão contando o seu caso ou aquele que ouviu ser

contado, submete o seu ponto de vista a uma politica retributiva compensatória

de valor entre a lei e a política.

Deve sopesar o relativismo dessa politização ético jurídica cidadã e até

certo ponto hoje sobre a influência religiosa. Mas não se deve ignorar esse

elemento, ou seja, o relativismo, como um principio concorrente sob o ponto de

vista ativo, mesmo considerando que o elemento formal do direito consiste em

tratar cada um conforme o mesmo ponto de vista da lei tornando assim

imparcial.
37
Como o Estado não pode existir sem magistrados e precisa de homens

capazes de realizar suas funções, precisa também de pessoas que executem

suas ordens e estejam encarregadas do serviço, quer para sempre, quer

alienadamente. De resto, para que esta parte da ordem pública de que

acabamos de falar, que se divide entre a deliberação sobre os negócios de

Estado e o julgamento das contestações privadas, seja bem e devidamente

administrada, são necessárias personalidades versadas em direito e política.

(ARISTÓTELES, Política, 1998).

Como Aristóteles (1998, p. 287) apregoou, observa-se que, na

administração positiva da justiça, em sua realização, há um indicador de que o

direito e a política passam juntos a judicializar o Estado, redimensionando o

seu discurso ao bem comum e social dos cidadãos.

1.3 O equilíbrio das disfunções sociais e a busca de uma

estabilização da sociedade

O equilíbrio das disfunções sociais e a busca de uma estabilização da

sociedade sempre foi a tese defendida pelos políticos ao longo desses anos.

Com isso, a lentidão do Poder Legislativo em dar uma resposta mais imediata

aos anseios da sociedade na produção de suas normas advinda,

principalmente, pelas constantes mudanças que ocorre nos fatos e nos direitos

sociais, levou o povo a exigir do Judiciário uma resposta mais rápida à

satisfação de seus direitos, não importando o alcance da adjudicação desses

direitos, mas sim de uma resposta mais rápida a ser dada.


38
É dessa forma que ao analisar o sistema francês, Antoine Garapon

(1998, p. 48) salienta que

o sucesso da justiça é inversamente proporcional ao descrédito que


afeta as instituições políticas clássicas, causado pela crise de
desinteresse e pela perda do espírito público. A posição de um
terceiro imparcial compensa o “déficit democrático” de uma decisão
politica agora voltada para a gestão e fornece à sociedade a
referência simbólico que a representação nacional lhe oferece cada
vez menos.

Não se pode deixar de ser reconhecer que as lutas por novos direitos

travados no campo da política, quando não solucionados à situação real

porque passa a sociedade ou que se encontrem em mora legislativa, tendem

sempre a desaguar no Judiciário, em razão da incorporação desses novos

direitos ao exercício da plena cidadania.

Desta maneira, as Cortes passam a assumir uma postura “ativista” em

suas decisões, devido às omissões por parte dos demais poderes públicos e,

em outros momentos com o intuito de solucionar conflitos de interesses

complexos, projetados pelo subjetivismo dos cidadãos, à busca de uma teoria

da coerência nos casos de âmbito social que envolvem muita disputa,

integrando as lacunas existentes e materializando os valores constitucionais.

Nesse aspecto, ao tratar da questão do ativismo judicial, destaca o

respeito e a confiança que a sociedade deposita nos juízes, os quais possuem

a coragem e a dignidade necessárias para julgar as reclamações que lhe são

confiadas pelos cidadãos, em face da violação de seus direitos. Essa confiança

é retirada dos homens políticos e depositada nos juízes, independentes nas

suas decisões. (CANIVET, 2006)


39
Assim, a “decisão política” depositada nos ministros do Supremo

Tribunal Federal Brasileiro pelos cidadãos, em face da violação de seus

direitos, passa a ser um elemento semântico de cunho descritivo e

legitimatório, político, ético sobre o Direito e o Estado, provocada por um

numero crescente de demandas, intensificando, com isso, a atividade

jurisdicional do Estado, de continua analise ao efetivo emprego da justiça.

No entanto, não se pode dar uma conotação de que o ativismo judicial

venha ultrapassar as funções do legislativo e nem tampouco qualquer função

administrativa, ou mesmo função governamental, tendo em vista a contribuição

evolutiva que a postura ativista vem provocando nas decisões e discussões do

Supremo Tribunal Federal brasileiro, além de uma inegável contribuição ao

estudos da ciência jurídica.

Um longo período da história americana foi caracterizado pelo ativismo

judicial conservador e liberal, por um Tribunal Supremo dispostos a permitir que

os estados ou o Congresso a aprovar uma legislação que regule os assuntos

sociais ou econômicas.

O exemplo mais conhecido de ativismo judicial conservador é Lochner

vs Nova York, decisão de 1905 (Green, on line), um caso em que o Tribunal

invalidou a lei de Nova York que discutia o impacto sobre a reforma trabalhista

dos padeiros como uma violação da "liberdade de contrato".

Neste aspecto, o que os profissionais de ativismo liberal e conservador

tinham em comum era a vontade, pelo menos como percebidas por seus

adversários, a abandonar as palavras literais da Constituição em busca do que

a Suprema Corte considerava ser o curso apenas para a direita ou razoável de

ação, quer que seja o direito dos empregadores para definir o que quer que
40
condições eles entenderem para seus empregados ou o direito de uma mulher

de abortar um feto.

Portanto, a distinção entre ativismo judicial e restrição judicial estava

intimamente relacionado com a distinção entre interpretativismo e a não

intepretação da questão de saber se é sempre apropriado para juízes para

importar um novo significado para as palavras antigas da Constituição.

Sob o ponto de vista de Capelletti (1999, p.89-90), o fator criatividade de

função jurisdicional mostra-se inevitável:

Não se deve esquecer, ainda, o fato fundamental de que a


criatividade judiciaria, ou a sua acentuação, foi em larga medida
consequência do enorme crescimento dos próprios ramos políticos, e
da necessidade, daí decorrente, de não deixa-los sem controle
efetivo. Por isso também é previsível um gradual processo de
adaptação do Judiciário, no sentido de que desenvolva maior
“competência institucional”, a fim de saber responder às novas
exigências que se lhe estão impondo, processo este que, como
vimos, já está em curso na realidade.

Apesar disso, Capelletti (1999, p. 102) ainda registra que, mesmo nos

países da civil law, em que o direito se identifica com a interpretação vinculada

à lei, percebe-se o ativismo do Judiciário, pois sua atividade é limitada pelos

ditames legais, no entanto, a própria lei é um mito, uma abstração, que deve

ser interpretada e completada para alcançar efeitos reais e concretos. Além

disso, a arte de traduzir a lei é sempre criativa, o que muda sao os graus dessa

criatividade.

Na mesma esteira de raciocínio, Elival da Silva Ramos (2010, p.110)

enfatiza o sentido otimista da conduta ativista dos julgadores, na medida em

que proporciona a adaptação do direito diante de novas exigências sociais e de

novas pautas axiológicas, em contraposição ao “passivismo”, que, em busca


41
de conservar as opções dos legisladores ou mesmo dos precedentes

pretéritos, conduziria a estratificação dos padrões de conduta normativa

consagradas.

Dando conotação negativa ao termo, a corrente adepta ao liberalismo e

do originalismo entende que qualquer prática judiciaria que não se anexe ao

interpretativismo é considerada ativista, indo de encontro à democracia, ao

Estado de Direito, ao pluralismo ideológico, à objetividade e à segurança

jurídica. Em sentido oposto, os filiados ao não interpretativismo defendem a

incorporação da supremacia da Constituição e do judicial review ao conjunto

das instituições que expressam o sistema político democrático, insistindo na

inevitabilidade da característica criativa dos magistrados, conforme provado

pela Hermenêutica contemporânea. Enfatizam ainda que somente uma

interpretação evolutiva da Constituição teria permitido a sua sobrevivência

durante dezenas de anos, adaptando-se às enraizadas transformações sociais,

econômicas e culturais. (RAMOS, 2010, p. 133)

Prezar somente pela hermenêutica constitucional para se conceber a

prática ativista do Judiciário, sem especificações de técnica metodológicas,

sem adjudicar as mudanças dos fatos sociais e sem se discutir todo um

processo de aceitação da sociedade, no que tange aos direitos fundamentais,

poderá incorrer em erro, vez que a primazia dos princípios constitucionais

devem especificar cada decisão ativista do Judiciário, ou seja, a Constituição

como base referencial de todo o processo, levando em conta a concretização

da vontade constitucional do Poder Constituinte originário.

É assim que Elival da Silva Ramos (2010, p. 140-41) acautela não

restringir a analise do ativismo judicial ao controle de constitucionalidade


42
(jurisdição constitucional em sentido estrito), pois o cerne do fenômeno está na

concretização de normas constitucionais por juízes e tribunais, podendo surgir

também em sede de fiscalização de atos legislativos ou administrativos-

normativos, bem como no âmbito do controle de atos administrativos de

natureza concreta, de atos jurisdicionais atribuídos a outro poder ou de atos

relativos ao exercício da função de chefia de Estado.

Desta forma, não se poderá considerar ou mesmo conceber que algum

juiz ou tribunal venha a distorcer o sentido de algum dispositivo constitucional a

ser aplicado. Isso ocorrendo, poder-se-ia considerar a inexistência de pratica

ativista, por contrariar as expectativas do Poder Constituinte originário, bem

como a própria Constituição, trazendo graves prejuízo à sociedade.

O ativismo está concentrado de forma intrínseca no Poder Judiciário, no

âmbito interno de seu sistema, por força de sua organização e por conta da

própria função judicante. A extensão de seu papel se prospera pelos métodos

e procedimentos nas resoluções de conflitos em todas as arenas, sejam elas

políticas ou administrativas.

A Constituição é uma Carta Política. É uma unidade centralizada que

relaciona todos os sistemas sociais de modo autônomo e harmônico. Assim,

Barboza e Kozicki (2010) assevera que a própria ideia de constitucionalismo e

de previsão de questões politicas na Lei Maior abriu espaço para que o

Judiciário mergulhasse na seara política, posto que configura como demanda

constitucional.

Sob esse prisma, poder-se-ia, a priori, incluir qualquer erro de atuação

na esfera legisferante ou executiva, gerando, por assim dizer, uma

predisposição lesiva ao principio da separação dos poderes. Mas por outro


43
lado, não ha nenhuma razão para rótulos abrangentes, já que a Corte

Suprema, guardiã da Constituição, analisaria somente questões específicas

que tivessem em jogo, quando provocada a se pronunciar. (VALE, 2009, p. 22)

Desta forma, a interferência do Supremo Tribunal Federal, se dará onde

houve falhas de constitucionalidade na legislação, ou mesmo quando estas

estiverem ausentes ou carentes de interpretação. Essa interferência é uma

prática ativa do Judiciário que determinará o que de fato se deve cumprir à luz

da Constituição. Pode-se considerar que, especificamente, neste aspecto,

essas decisões judicantes são merecedoras de um generalizado título de

"ativismo."

Não se estar aqui a enquadrar o “ativismo” sobre os erros judiciais. Eles

não necessariamente se qualificam como ativismo. Alguns erros, resultam de

incompetência judicial. Assim, apesar de alguma ligação que fazem entre erros

Judiciários e ativismo judicial, os dois não são equivalentes.

Sob o mesmo prisma, alguns entendem de que a ideia do "ativismo"

poderia se enquadrar em um resultado indesejável de uma decisão. Não é bem

assim. As consequências indesejáveis das decisões, principalmente quando se

tem algum assunto de interesse político em jogo, necessariamente não se

enquadra em “ativismo”. De fato, a ideia de "ativismo" do Judiciário está ligada

à prática de julgar, assim, o termo deve ser ligada não apenas aos resultados,

mas também aos métodos, procedimento e formas judiciais aplicados no

julgamento competente.

Pode-se dizer que se trata de uma nova teoria do papel do Judiciário, já

que serviu de pauta principal na sabatina do advogado Luis Roberto Barroso,


44
indicado pelo executivo, ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Para Barroso (2009, on line)

“o ativismo é uma postura de interpretação mais expansiva do Poder


Judiciário criando uma regra especifica que não estava prevista.
Quando há uma manifestação politica do Congresso ou do Executivo,
o Judiciário não deve ser ativista, deve respeitar a posição política.
Mas se não há regra, o Judiciário deve atuar.”

Como exemplo, chegou a citar o julgamento que tratou da anencefalia

dizendo que

“A medida foi criativa? Sim. Foi desrespeitosa ao Congresso


Nacional? Não. Porque quando o Congresso deliberar sobre o tema,
será a palavra dele que valerá. Onde faltar uma norma, mas houver
um direito fundamental a ser tutelado, o Judiciário deve atuar. Mas
isso não impede o Congresso de deliberar, depois, sobre o tema.”
Barroso (2009, on line)

Por fim, ele definiu na sabatina o que considera os marcos do Judiciário

no ativismo judicial:

“onde há regra expressa, vale a decisão do processo político


majoritário. Ou seja, deve-se respeitar a deliberação do Congresso
Nacional. Onde não há regra, o Judiciário pode avançar, ainda que
com certo cometimento. Mas onde haja o direito fundamental de uma
minoria em jogo, o Judiciário deve ser mais diligente e atento, e atuar
com mais vigor.” Barroso (2009, on line)

Nota-se que desta forma, quando da sabatina, o então advogado Luis

Roberto Barroso, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, fez a distinção,

de modo claro, bem objetivo, entra a judicialização da política e o ativismo

judicial e o raio de atuação de cada uma desses termos, não demonstrando

nenhum embaraço nas suas atividades.


45
Alias, do ponto de vista apresentado pelo ministro Luis Roberto Barroso,

desmistifica que somente os cidadãos são ativistas, mas os próprios juízes

passam a serem ativistas, quando, se trata, principalmente, de um direito

fundamental de uma minoria em jogo. Isso é o que se pode dizer de um

realismo jurídico.

Em 1947, em um artigo sobre a Suprema Corte Federal Americana,

Arthur Schlesinger Jr. (Green, 2009, p. 52) dá conta que em um caso sobre os

direitos fundamentais dos negros. Faz uma citação elogiosa dizendo que a

Suprema Corte Federal Americana é "paraísos de refúgio para aqueles que

poderiam sofrer, porque eles são desamparados, fracos, em menor número, ou

porque são vítimas de preconceito".

Não se pode negar que houve uma aproximação muito forte da

população com o Judiciário. De fato pode estar se consagrando que o poder

emana do povo e por ele será exercido. Deve-se grande parte disso as redes

sociais. Hoje as discussões do papel do Judiciário, do papel do Executivo e do

papel do Legislativo têm ocupado grande parte dos acessos nas redes sociais.

O que se serve, portanto, é a busca de legitimação da coisa a ser

julgada em decorrência da lentidão do Poder Legislativo na elaboração de

normas decorrentes da práxis humana em seus diversos aspectos, a saber, a

ação, sujeitos, regras, sistemas de regras de ação, cujo âmbito se desenrola

todo o comportamento humano.

Sobre isso, Canivet (2006) traz uma abordagem partindo da ideia de que

o Legislativo demora para produzir a legislação esperada pela sociedade e

reclamada pelos fatos sociais, decorrendo daí a procura pelo Judiciário a fim

de solucionar os problemas que exigem soluções imediatas.


46
Esse problemas que exigem soluções imediatas são determinados em

cima de fatos socialmente relevantes, em que o contexto da práxis social, são

situações de conflito mais amplo, coletivos em alguns casos, havendo,

portanto, a necessidade de uma solução sem demora já que atinge as relações

sociais das futuras gerações, subsistindo uma assimetria desses fatos sociais

relevantes com a época de seu acontecimento. Daí a necessidade da prática

ativista, pois se o Estado tivesse um Legislativo forte e atuante no sentido de

dar uma maior produção legislativa, não haveria sentido em se buscar a

solução desses conflitos de natureza fundamental no Judiciário, como

elemento de uma obrigação social deixada para atrás pelo Legislativo.

É desta forma que Antoine Garapon (1998) salienta que a expansão do

Poder Judiciário decorre do enfraquecimento do Estado pelo mercado e pelo

desmoronamento simbólico do homem e da sociedade democrática. O

aumento de poder da justiça resulta de uma transferência do simbolismo da

democracia da politica para a justiça, como fruto de uma profunda mudança

social.

É claro que não se trata de qualquer conflito social de direito

fundamental para se ter uma prática ativista. Determinar o exato tipo de conflito

social de direito fundamental, ou seja, aquele que contenha obrigações

positivas e não convencionais é que merece a pratica ativista na validação para

determinados grupos sociais, caracterizando uma obrigação crítico social,

como especificidade conceitual, por falta de determinação da atividade

legislativa do Estado.

A ordenação do ativismo judicial passou a ter foro de legalidade com a

advento da Constituição Federal Brasileira de 1988, que por meio da Ética na


47
política designou os caminhos de proteção da política interna porque serve à

paz social e não põe em risco as atividades sociais.

1.4 A invasão do Direito pela Política

A invasão do direito pela política, com a passagem do Estado de Direito

ao welfare state, segue-se, com o constitucionalismo moderno, a invasão da

política pelo Direito, ampliando-se a esfera da legalidade: o Judiciário, por meio

do controle da constitucionalidade das leis, especialmente no que se refere à

declaração dos direitos fundamentais, passa a fazer parte, ao lado do

Legislativo, da sua formação. (VIANA Et al., 1999)

A jurisprudência, reconhecida fonte do direito, já vem beneficiando essa

invasão. Aliás, é a que melhor vem se adequando, de modo permanente, aos

interesses dos indivíduos e os conflitos de caráter coletivo diretamente

envolvidos com a dimensão da política.

Tocqueville (2007, p. 137) escrevendo sobre o poder judicial nos

Estados Unidos e suas ações sobre as sociedade políticas disse que “não há

nenhum acontecimento político, por assim dizer, que não invoque a autoridade

do juiz e concluiu que, é claro, que nos Estados Unidos, o juiz é um dos

primeiros poderes políticos”.

A descrição de Tocquevelli, no entanto, diverge da colocada por

Montesquieu (1973, p. 160) quando disse que “os juízes de uma nação não

são, como dissemos, mas que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres

inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor”.

Evidentemente que esse era um pensamento do século XVIII e início do século

XIX em que a lei significa um estatuto meramente codificado.


48
A mudança ocorre com a ascensão dos direitos humanos e o

liberalismo. O efeito que o regulamento fundamental da sociedade torna-se, em

certo sentido, por vezes controverso, com uma visão mais politica do que legal,

levaram o sistema a convergirem.

Na visão de Antoine Garapon (1998, p. 281) “o aumento de poder da

justiça resulta de uma transferência do simbolismo da democracia da política

para a justiça, como fruto de uma profunda mudança social”. Mas ele alerta,

substituindo o mundo político pelo jurídico que “a justiça não nos livrará

nunca da perturbação de ter de fazer política, mas convida a inventar uma

nova cultura política.” (GARAPON, 1998, p. 283)

A transferência do simbolismo da política para a justiça na democracia e

com isso um novo modelo cultural de fazer política pelo viés do judiciário, foi o

que Shapiro (1995, p. 5) explicou sobre os modos mais expressivos de

judicializar as questões políticas. Decorre quando há uma provocação do

jurisdicionado e quando os poderes políticos passam a assimilar essas

decisões no âmbito de sua atuação. Portanto, a judicialização da política pode

ocorrer independentemente do ativismo judicial e este também pode se

verificar sem aquela.

Mesmo porque, segundo Barroso (2010, p. 6) a judicialização da política

trata de questões relevantes do ponto de vista politico, social ou moral e estão

sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, como

intuitivo, de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em

detrimento da instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o

Executivo.
49
Este sistema organiza o seu próprio campo de atuação. Não se estar a

mudar a lei, tendo em conta as decisões dos tribunais. Apenas, trata-se de um

processo que reproduz decisões legais, estabelecidas formas reflexivas,

padronizando normativamente questões no âmbito dos Direitos Fundamentais,

por exemplo. Essa padronização normativa encarna a jurisdição que se serve

do principio de soberania legal: tudo o que leva a uma decisão torna-se legal.

Foi nesta perspectiva que Tate e Vallinder (2006, p. 28) enunciam a

Judicialização da política como o processo por intermédio do qual juízes e

tribunais passam a influenciar ou determinar as políticas públicas previamente

previstas em atos do Poder Legislativo ou do Poder Executivo.

O agir público deve, nesse caso, ser considerado, como mola propulsora

ativa dos grupos sociais, não apenas ocasionalmente, mas como participe ativo

do Estado, provocando as instâncias politicas, incluindo o Judiciário, como

entidade do próprio Estado. As prescrições jurídicas não são violadas ou

mesmo transgredidas. Levanta-se uma barreira de luta ativa produzida por

comunidades políticas onde existem lacunas e espaços discricionários do

direito.

Assim, independentemente de como a decisão é limitada por regras

legais, a certeza final na interpretação dada pelo Poder Judiciário, baseia-se na

reflexão do processo de normalização da sociedade. Esta não é uma

circunstância, entre outras coisas, é a incorporação da norma para a

sociedade em regra específica, apesar de ser um correlato da universalidade

aplicada ao caso.

De igual modo, é possível definir o fenômeno da expansão do poder

judicial como “[...] a reação do Judiciário frente à provocação de um terceiro


50
e tem por finalidade revisar a decisão de um poder politico tomando como base

a Constituição”. (CARVALHO, 2004, p.128)

O Judiciário tem ciência mais do a maioria das pessoas estão cientes do

principio da separação de poderes. Tendo herdado um sistema político

baseado no modelo Inglês, a separação entre os poderes executivo e

legislativo não é já tão distinto quanto do modelo de sua criação.

A distinção seria, no entanto, relativamente apertada entre o poder

legislativo, o poder executivo do Judiciário. Parece, no entanto, que agora se

está caminhando para uma integração, ou pelo menos uma maior aproximação

entre os poderes. Uma realidade que tem sido traduzida pelas constantes

provocações das comunidade politicamente ativas.

Esta aproximação tem dois eixos principais que são, como o outro, um

déficit de maior atuação nas mudanças e nos direitos sociais a serem

alcançados. A Constituição Federal, já garante o acesso de todos á justiça. Os

tribunais são agora chamados a decidir sobre a sabedoria de medidas

legislativas que o conflito com os direitos nela consagrados.

Evidentemente que para alguns defensores do sistema inicial criado por

Montesquieu no século XVIII, tendem a não aceitar que os tribunais sejam

chamados a decidir sobre medidas que deva ser ou foi analisada pelo

legislativo.

Os juízes estão perfeitamente conscientes do desconforto que pode

resultar desta nova exigência, e é por isso que os tribunais buscam para apoiar

o seu trabalho de controle de constitucionalidade puramente formal.


51
Quer se queira ou não, os tribunais, assim, já vêm desempenhando o

papel de árbitro social, um papel que é esperado para retornar ao Legislativo

sob a teoria da separação dos poderes.

Tudo isso foi inspirado em decisões inovadoras e até

revolucionárias “em matéria de direitos fundamentais envolvendo negros

(Brown v Board of Education, 1954), mulheres (Ruchardson v. Frontiero, 1973),

direito de privacidade (Griswold v. Connecticut, 1965) e de interrupção da

gestação (Roe v. Vade, 1973)”. (SITTA, 2011, online).

Portanto esses dois institutos, a Judicialização da política e o ativismo

judicial, sugerem uma pressuposição no sentido lato de uma perspectiva de

haver um controle jurisdicional do juiz sobre os demais poderes, refletindo,

assim, juízos de justiça social como meio direcionado a se chegar à efetivação

dos direitos fundamentais.

Essa característica corresponde essencialmente a possibilidade de uma

reconstrução conceitual empírica e analítica do Direito. Evidentemente que se

aplica àqueles casos específicos que versem sobre Direitos Fundamentais,

quando implicados obtenham uma oportunidade de se provocar o Estado, por

meio de sua atividade jurisdicional, jogando no prato da balança o peso dos

interesses comuns a serem decididos pelo viés jurisprudencial às exigências

correspondentes aos princípios do bem comum por todos politicamente

reconhecidos.

Para Capeletti (1993, p. 19), esse expansionismo estatal, “representa o

necessário contrapeso, segundo entendo, num sistema democrático de

“checks and balances”, à paralela expansão dos “ramos políticos” do estado

moderno”. Essa expansão tem sido um marco contra o declínio na política.


52
Têm se estendido para além da mera aplicação da lei, onde questões de

absoluta e extrema importância política vêm a definir o status de uma

sociedade.

De fato, os tribunais têm sido frequentemente solicitados para resolver

uma série de questões relativas aos direitos fundamentais, direitos humanos,

proteção ambiental, liberdade religiosa, reprodução assistida, educação,

questões de políticas públicas e controvérsias políticas. Esse fenômeno é sem

dúvida um dos mais importantes desde final do século XX e início do XXI.

As ousadas decisões judiciais, para dar alguns exemplos: o casamento

de pessoas do mesmo sexo, o direito de morrer e as ações afirmativas, estão

se tornando um fenômeno comum, marcando um desempenho bastante

significativo na formulação de políticas. Esses mecanismos estão em evidencia

nas democracias constitucionais que estabelecem mecanismos ativos na

própria Carta Política.

Conforme Schauer (2006) “a questão do governo pelo Judiciário

permanece, assim como suas mudanças de coloração políticas e ideológicas.

É esta persistência que nos convida a avaliar o que parece ser uma de suas

premissas empíricas fundamentais - que os tribunais estão a ponto de ocupar

uma parte substancial nos terrenos da política americana.”

A busca dessa coerência é orientada ao equilíbrio refletido naqueles

casos que apresentam um impasse pela ausência de norma capaz de

solucionar a questão ou devido ao conflito complexo de interesses, valores, ou

normas disciplinadoras da situação discutida.


53
Neste aspecto a Judicialização é um termo que sofre de imprecisão

analítica, que é muitas vezes usado de forma para se referir ao diferente,

relacionado a processos que trata de questões políticas que versem sobre os

direitos fundamentais e humanos.

A ascendência do discurso jurídico e a popularização do jargão jurídico

tornou-se evidente em praticamente todos os aspectos da vida moderna. Ele é

talvez a melhor ilustração das tomadas de decisões nas modernas regra da

política, das normas e dos procedimentos.

O exacerbado número de demandas que diariamente são apresentadas

ao Judiciário é um outro fator preponderante para a politização do Judiciário.

Muitas delas, são demandas próprias, individuais, mas de conteúdo meritório

público, que na verdade expressam o anseio coletivo e difuso dentro de uma

analise semântica de insatisfação por parte da sociedade, causadas, em

grande parte, por objeções legislativas.

Deve se levar em consideração que quando se discute esse excesso de

demandas no judiciário, pode significar uma sensação de agrado e desagrado,

mas não se pode ignorar que a busca de uma tutela jurisdicional, ou seja, a

busca de um pronunciamento de um Órgão Judicante, consoante a violação de

um direito, será sempre um predicado de um juízo de valor objetivo, seja ele

bom e correto, politico ou não, os valores de justo e injusto ou ruim e mau.

Barroso (2009, on line) diferenciou ativismo judicial de judicialização.

Ele explicou que a judicialização representa em grande parte a transferência de

poder político para o Judiciário, principalmente, para o Supremo Tribunal

Federal. “A judicialização é fato”. “A judicialização é um fato e não uma vontade


54
política do Judiciário; é a circunstância do modelo constitucional que nós

temos.”

Já o ativismo, ao contrário da judicialização, não é fato, diz Barroso, mas

atitude. Acontece quando há um déficit de outros Poderes e o Judiciário aplica

princípios a situações não previstas em leis. Ele cita como exemplo a fidelidade

partidária, quando o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu, e o Supremo

confirmou, norma não prevista na Constituição em nome do princípio

democrático. A demanda para acabar com o troca-troca de partido, diz, não foi

atendida pelas instâncias políticas competentes.

1.5 A Legitimação Democrática e a Divisão dos Poderes

Os regimes políticos, observando os padrões atuais, pelo menos em sua

maioria, adotaram a divisão de poderes proposta por Montequieu, alvitrando

uma organização de estrutura estatal orgânica de forma independente, com

prerrogativas institucionalizadas e harmoniosa, formado por três órgãos,

delegando funções, a cada um deles, legislativa, executiva e judiciária.

Portanto, essas funções, a de legislar, a de administrar e a de julgar,

passam a ser as atividades básicas do Estado, a serem desenvolvidas por

cada órgão respectivo. Essas atividades concedidas pelo Estado a cada um

desses órgãos específicos, tem a função de produção legislativa para nortear

os caminhos que deverá seguir a sociedade, diante dos fatos sociais que lhe

são apresentados; tem a função de administração da coisa (res) pública; tem a


55
função de julgar, interpretar, e proteger os direitos tutelas pela legislação e pela

Constituição Federal.

É desta forma que, no modelo especifico dessa divisão estatal, cada um

desses órgãos desempenhando o seu papel, se encontre uma harmonia

estatal, para garantir o objetivo central do Estado que é a de regular a vida

social.

Dentro dessa perspectiva, caberá ao legislativo criar um ordenamento

jurídico substantivo, suficientemente capaz de atender os anseios sociais. É a

partir daí, da criação desse ordenamento jurídico que o Judiciário começa a

atuar, como instrumento de função garantidor na aplicação do direito material.

Ao Executivo incumbe a tarefa gestora da máquina estatal através de atos

normativos que se equiparam a normas oriundas do Poder Legislativo e são

submetidas à fiscalização do mesmo Judiciário, e deste modo, os Poderes se

complementam.

Elival da Silva Ramos (2010, p. 117) formula ideia capaz de apresentar

a harmonia entre o poder legislativo e Judiciário:

A função jurisdicional consubstancia, por conseguinte, um


instrumento para a atuação do direito objetivo, visto que “ao criar a
jurisdição no quadro de suas instituições, visou o Estado a garantir
que as normas de direito substancial contidas no ordenamento
jurídico efetivamente conduzam aos resultados enunciados, ou seja:
que se obtenham, na experiência concreta, aqueles precisos
resultados práticos que o direito material preconiza”.

No constitucionalismo contemporâneo se observa uma acelerada

ascensão do Poder Judiciário sobre os demais Poderes. As divergências que

antes eram solvidas através de atos normativos do Poder Legislativos ou


56
políticas do Poder Executivo passam ora a ser submetidas ao crivo da

Supremo Tribunal Federa, o que provoca uma judicialização da política.

O controle de constitucionalidade brasileiro, o qual integra o modelo

norte-americano (controle difuso/concreto) e o modelo europeu (controle

concentrado/abstrato) amplia os meios pelos quais as autoridades

competentes ou qualquer cidadão possa reclamar a soberania constitucional e

assim submeter qualquer ofensa à Lei Maior à correção pelo Poder Judiciário.

Esse fenômeno de submissão de variadas questões ao judiciário se

confunde em diversos momentos com o ativismo judicial, porque ambos

representam a liderança que o Poder Judiciário tem assumido frente à

adequação dos preceitos constitucionais nos conflitos de interesses

interindividuais quando no exercício da atribuição de Guardião da Constituição

apresentada por Carl Schimitt.

Entretanto, existe uma diferenciação entre judicialização e ativismo

judicial que polemiza este segundo e absolve o primeiro. Esta diferenciação é

bem apresentada por Luís Roberto Barroso (2009, p. 14):

A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da


mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as
mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas
imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma
circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e
não um exercício deliberado da vontade política. Em todos os casos
referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer,
sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se
deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela
conhecer, decidindo a matéria [visto que o Judiciário não pode se
escusar de apreciar matéria que lhe for apresentada]. Já o ativismo
judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de
interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.
57
O exercício dessa postura ativista transforma a divisão das atividades

estatais entre os Poderes em uma tênue separação funcional, visto que uma

não termina quando a outra começa ou esta não começa somente quando a

primeira termina. O que se tem, é que em variados momentos percebe-se um

exercício simultâneo de criação e execução de direitos.

Deste modo, os juízes e Tribunais passam a ser criticados quando

assumem essa postura proativa em decisões expandindo o sentido e alcance

dos direitos amparados pela Constituição de forma explícita ou implícita em

sua ideia de Constituição cidadã, ou quando supre omissão legislativa no

intuito de concretizar a vontade constitucional.

Entretanto, essa atividade inovadora não se faz suficiente para que o

Poder Judiciário seja acusado de violar o princípio da separação dos poderes e

assim, interrompa a postura ativista que tem assumido quando do julgamento

de casos que em razão de sua complexidade ou desamparo legal necessitam

de um posicionamento mais comprometido com os preceitos constitucionais.

Elival da Silva Ramos (2010, p.118) afirma que “quando se investiga

suposto desvio no exercício da jurisdição, com ofensa ao princípio da

separação dos Poderes, o que compete é averiguar se existiu a desnaturação

substancial da atividade e não o afastamento de seu conduto formal”.

Uma postura ativista por parte do Supremo Tribunal Federal não viola a

tripartição dos poderes, nem tampouco enfraquece a atividade legislativa. O

ativismo judicial trata-se de instrumento do Poder Judiciário para cumprir sua

função jurisdicional que estará sempre submetida à Constituição e às leis

infraconstitucionais. O alargamento de conceitos ou a equiparação analógica


58
de direitos a casos semelhantes não viola preceitos constitucionais e sim os

assegura acima da omissão ou da inércia legislativa.

O simples exercício da função jurisdicional exige a interpretação que,

por sua vez, enseja em adequação, e em se tratando de casos complexos,

pode gerar inovação, criação ou até aperfeiçoamento da lei positiva em virtude

da natureza complexa que o caso apresenta.

Conforme Elival da Silva Ramos (2010, p. 119-120)

Quanto mais se tivermos em mente a evolução ocorrida no âmbito da


Hermenêutica, que tornou patente a natureza híbrida, cognoscitiva e
criativa, da atividade exegética, a qual propicia, mais do que a
aplicação, a concretização de normas, cujos elementos estão apenas
contidos in fieri nos textos legislativos. As decisões judiciais, portanto,
são, como já foi visto, necessariamente criativas e inovadoras, não
apenas porque geram a denominada norma de decisão (ponto
culminante do processo de concretização normativa), mas,
principalmente, porque esta não se limita a reproduzir o que está nos
textos paramétricos, os quais são desdobrados, adaptados e, porque
não dizer, enriquecidos para poderem disciplinar adequadamente a
situação fática que provocou a atuação da jurisdição. [...] nos Estados
democráticos a subversão dos limites impostos à criatividade da
jurisprudência, com o esmaecimento de sua feição executória, implica
a deterioração do exercício da função jurisdicional, cuja autonomia é
inafastável sob a vigência de um Estado de Direito [...].

A jurisprudência criativa, ou de valores, não nasce do arbítrio do

judiciário em criar um direito, surge da interpretação da norma para que esta

produza efeitos práticos, o que gera uma vinculação direta à norma já existente

e de criação Legislativa. E assim, o Supremo Tribunal Federal cumpre com sua

função jurisdicional de garantir a eficácia do ordenamento jurídico.

Já quando a decisão proveniente do Poder Jurídico, inova em virtude de

omissão, o que ocorre é o cumprimento de sua função protetora do indivíduo

que ao apresentar um conflito ao judiciário não deve ser punido com a


59
ausência de uma decisão capaz de lhe assegurar direito constitucional porque

outro Poder lhe foi anteriormente omisso ou obsoleto.

A proteção aos direitos fundamentais é o próprio objeto da função

jurisdicional. Além da obrigação negativa ordenada a todos para que não viole

o direito exercido por outro, os direitos fundamentais geram uma obrigação

positiva ao Estado de assegurá-los, como descreve J. J. Gomes Canotilho

(1999, p. 385):

“[...] da garantia constitucional de um direito resulta o dever do


Estado adoptar medidas positivas destinadas a proteger o exercício
dos direitos fundamentais perante actividades perturbadoras ou
lesivas dos mesmos, praticadas por terceiros.”

O Ativismo judicial consiste em medida positiva decorrente da

hermenêutica constitucional contemporânea para garantir a função

jurisdicional. Função esta garantida por meio da participação indireta da

democracia semidireta adotada pelo regime político brasileiro por ser

proveniente do Poder Constituinte.

Quando o judiciário se sobrepõe aos outros Poderes por meio de suas

decisões, isto não se dá de forma imperialista, ocorre porque assim deve

acontecer, foi o que a própria Constituição trouxe como função jurisdicional.

Não há o que se falar por conta do ativismo judicial, em um suposto

império jurídico. O que existe é a defesa da supremacia constitucional ,

superando qualquer supressão, violação ou ameaça de direitos defendidos

pela lei Fundamental.

O que se busca com o exercício ativista da função jurisdicional é

adequar a legislação ao contexto real apresentado através de uma delicada


60
interpretação da complexidade jurídica que se mostra desamparada da tutela

judicial.

Observe o poder conferido ao chefe do Poder Executivo federal de

sancionar ou vetar as leis oriundas do Poder Legislativo. Essa atribuição é

exercida de acordo com o convencimento do Presidente, enquanto que aquele

controle ou interferência que o Poder Judiciário executa através da

judicialização da política, do controle de constitucionalidade ou de decisões

ativista representa o resultado do estudo interpretativo destinado à preservação

da supremacia constitucional.

Apesar desse ascendente papel político do Judiciário, seus membros

não possuem vontade política própria e não atuam na defesa de um ou de

outro interesse político, o que se busca é tão somente o cumprimento de sua

função atribuída pela Constituição e assim, que esta prevaleça e impere sobre

todos os Poderes.

Luís Roberto Barroso (2009, p. 20-21) explica que a prática do ativismo

judicial não viola o principio da separação dos poderes, e sim confere meio de

exercício da função jurisdicional:

Os riscos para a legitimidade democrática, em razão de os membros


do Poder Judiciário não serem eleitos, se atenuam na medida em que
juízes e tribunais se atenham à aplicação da Constituição e das leis.
Não atuam eles por vontade política própria, mas como
representantes indiretos da vontade popular. [...] o Judiciário é o
guardião da Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos
fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive
em face dos outros poderes. [...] o ativismo judicial, até aqui, tem sido
parte da solução, e não do problema.

Não parece ser democrático afastar a postura ativista do judiciário que

tem assumido o compromisso de decidir conflitos dos mais diversos interesses


61
à luz da legislação em vigor, quando provocado por qualquer cidadão,

alegando a interferência na atividade de outro Poder que já deveria ter se

manifestado, mas se mostra inerte mesmo quando a inércia não lhe é uma

característica funcional.

De forma indireta, o Poder Judiciário representa a vontade política do

povo quando guarnece e assegura os direitos sociais e individuais trazidos na

Constituição. Com o ativismo judicial tem-se a esperança de que submetida um

conflito ao Poder Judiciário este poderá resolvê-lo desde que se funde em

preceito constitucional ou em outra lei, mesmo que não esteja especificamente

regulamentado.

Essa postura ativista visa à conservação da eficácia funcional da função

jurisdicional, estando tal comportamento dentro dos contornos da divisão dos

poderes e do princípio democrático. J. J. Gomes Canotilho, citado por Elival da

Silva Ramos (2010, p. 288-89) corrobora:

“[...] a radicação jurídico-política de magistraturas activas conduz ou


não a um estado de juízes dominado por um activismo politicamente
conformador das magistraturas? A nossa resposta é decididamente
negativa se recortamos com rigor os limites do ativismo judicial. Deste
logo, limites jurídico-constitucionais, ou seja, limites do direito
constitucional positivo, Mesmo quando os juízes se podem assumir
tendencialmente como ‘legisladores negativos’ (a declararem
a inconstitucionalidade de normas) ou criadores do direito
(ao elaborarem ‘normas’ para a decisão do caso), os juízes estão
vinculados à constituição e à lei, à distribuição funcional de
competências constitucionais, à separação de poderes e ao princípio
democrático.”

Deve-se, lembrar, que o ativismo judicial não representa a derrubada

dos limites de decisão dos juízes e tribunais. Estes estarão sempre vinculados,

mesmo que de forma indireta, à legislação proveniente do Legislativo e

Executivo e, principalmente, desempenhará sua atividade nos conformes


62
estabelecidos pelo Poder Constituinte originário. Este é que é ilimitado e

supremo.

E foi o Poder Constituinte de 1988 que delegou a função jurisdicional ao

Poder Judiciário, o qual em alguns casos de maior dificuldade tem encontrado

no ativismo judicial um forte aliado para o desempenho de sua função. A ideia

do ativismo judicial vem agenciando grandes transformações encontra-se

objeção no positivismo jurídico do Estado


2 O ESTADO CONFESSIONAL BRASILEIRO

A compreensão da atuação política das instituições religiosas na esfera


judicial passa obrigatoriamente pelo estudo das intersecções entre o
funcionamento das igrejas, especialmente a Católica, e as transformações que
afetaram as instituições política no Brasil. Com esta perspectiva, desenvolveu-
se o presente capítulo.

2.1 O Império e a Constituição de 1824

A epopéia deflagrada com o descobrimento do Brasil, por meio de um

projeto imperial português de conquistar os mares e novas terras pelo então

almirante Pedro Álvares Cabral tomando posse da chamada Terra de Vera

Cruz em nome de sua Sua Majestade Fidelíssima D. Manuel I, grão-mestre da

Ordem de Cristo e patrono da Igreja Católica do Novo Mundo e da santa fé,

representou, pelos títulos concebidos ao rei de Portugal, a instalação e

extensão do poder romano nestas terras, se tornando um verdadeiro

desembarque cristão.

Logo após, a identidade lusitana católica restou demarcada quando da

chegada dos jesuítas à então Terra de Santa Cruz quando fixaram uma cruz

para determinar quem de fato e de direito era o detentor das terras

descobertas, lavrando, por fim, o registro do feito com o marco da cruz de

madeira.

Com isso, dar-se-á início à “crucificação” indígena com a preparação e

organização da instalação do governo Português, por meio das construções de

escolas, hospitais e principalmente semeando a construção de mosteiros dos


64
Beneditinos, dos Carmelitas e dos Franciscanos tanto no litoral como no interior

da terra descoberta.

O caráter, a postura vertical, os padrões europeus de ética foram

infundidos pelo padre, sobretudo pelo jesuíta. O missionário encontrou duas

tarefas diante de si: a conquista espiritual do indígena c o domínio do branco,

contendo o deslumbramento do português diante da presa sexual e da presa

apta ao trabalho não pago. (FAORO, 2001, p. 234)

Até mesmo onde a mão de obra não deixava espaço para a mão de

Deus, como nas minas, era construído um mosteiro. Era uma invasão romana.

Só para se ter uma ideia dessa semeadura de mosteiros, naquela época em

Portugal já existiam mais de uma centenas deles de forma desproporcional à

população existente. De feito, é que se cria uma ponte entre a Europa e a

América do Sul indígena.

Conforme retrata Faoro (2001, p. 236)

De todas as ordens religiosas, franciscanos, capuchinhos,


beneditinos, carmelitas, oratorianos, responsáveis estes pela
educação liberal de alguns homens públicos, nenhuma
desempenhou, durante dois séculos (1549 a 1759), o papel dos
jesuítas, junto aos indígenas e aos colonos. Nenhuma ordem, como
esta, mais irredutível aos interesses econômicos dos colonos,
nenhuma mais rebelde aos ditames da administração.

Com o passar do tempo, por volta do século XVIII, com desembarque de

pessoas vindas de todos os continentes, sem controle, bastante curiosas, em

busca de um enriquecimento rápido, principalmente portugueses exploradores

de riquezas e pessoas, o Brasil passar a se organizar multiculturalmente, por

meio de centros sociais, associações, que servem de locais de encontro.


65
Talvez esses centros, associações e locais tenham sido as primeiras

organizações laicas pós descoberta do Brasil. Isso decorreu do fato que no

século XVIII a Igreja Católica, especificamente a Companhia de Jesus, estava

em decadência, ameaçada inclusive de extinção. A tradição da cristandade

estava perdendo a sua força, muito embora ainda resistia por conta de sua

secularização.

Então, dar-se-á inicio a implantação, sob a égide do patronato real, com

a ascensão de Dom Pedro, Pedro IV em Portugal, aquilo que se poderia

classificar de centralismo imperial brasileiro. (LUSTOSA, 2006, p. 123)

Daí à necessidade da criação política de um Estado brasileiro,

proclamada a sua independência, levou o príncipe regente a determinar a

elaboração de uma Constituição, inclusive para reconhecer e elevar o seu novo

status de Dom Pedro de Alcântara, príncipe regente, ao título de Sua

Majestade o Imperador Dom Pedro I do Império do Brasil.

Formava-se, então, a primeira assembléia constituinte brasileira, em

1823, composta de noventa constituintes eleitos, sendo 23 bacharéis em

direito, sete doutores em direito canônico, três médicos, dezoito padres, um

bispo, três marechais de campo e dois brigadeiros, além de alguns

proprietários rurais e funcionários públicos. (GOMES, 2010, p. 94)

Como se observa, é uma assembléia de uma classe dominante,

elitizada, eleitos de forma indireta e censitária, sob o domínio de uma formação

cristã, com a presença da maioria católica, mesmo tendo em seu quadro

bacharéis em direito, marechais, brigadeiros, dentre outros, mas de certa forma

todos seguiam a doutrina da Igreja Católica.


66
Baseado no relato da historiadora cearense Isabel Lustosa (2006, p.

159), constatou-se que dado o inicio dos trabalhos da Assembléia Constituinte

de 1823, em 3 de maio, após a leitura do discurso de d. Pedro, não havia

consenso entre os parlamentares eleitos e o Imperador, especificamente o

padre católico Andrade de Lima, deputado pela Província de Pernambuco, que

não aceitava a ambiguidade da polêmica frase introduzida por José Bonifácio

no discurso de d. Pedro, já pronunciada na coroação: “Aceitarei e defenderei a

Constituição, se for digna do Brasil e de mim”.

Como se observa, logo no primeiro discurso do Imperador, na abertura

dos trabalhos da constituinte, já havia divergência de ordem política entre

aqueles que foram eleitos e a fala do Imperador direcionada àquela casa.

Pairava no ar uma dúvida acerca do papel que iram exercer os parlamentares

eleitos.

Assim, constatava-se que havia de fato uma defasagem entre a idéia

imperial inicial com a convivência constrangida do cristianismo, querendo

configurar o Estado brasileiro a um Estado cristão, exigindo do Imperador uma

composição direcionada pela cartilha da Igreja Católica, apesar do momento de

crise porque passava à época o cristianismo.

Não se tinha ainda a noção precisa se de fato o imperador, auxiliado por

seu conselheiro José Bonifácio, pretendiam a todo custo instituir um

centralismo imperial contrário as proposição de um Estado cristão. Existem

aqui, nessa disputa inicial da formação do Estado brasileiro, duas

contextualizações diferentes.

De um lado um centralismo imperial formado por um conceito de

cidades-estados, aqui, à época, denominada de províncias. Do outro, um


67
Estado religioso advindo de um teologismo político onde padres, bispos e

seguidores das ideias da Igreja Católica, travestidos de parlamentares,

abandonam seus ideais para abraçar as causas políticas do Estado, para

resistirem à formação de um possível Estado não absolutista do cristianismo.

Estava aberta uma disputa da implantação de qual Estado deveria

prevalecer. Se o religioso, dominado pelo Legislativo ou o Estado voltado para

um centralismo imperial. A disputa especificamente se dava pela decisão do

Legislativo, ou seja, se esta se submeteria ou não ao veto do Imperador, de

acordo com o projeto apresentado em 12 de junho daquele ano.

Luís Mir (2007, p. 35) explica essa definição:

[...] o que define o Estado religioso católico é seu teologismo político,


conforme seu corpo político-doutrinário. A teologia politica tem sua
origem no estoicismo (Marcus Terentius Varro, 116-27 e.c.), através
da distinção triádica da religião em teologia fabularis (teologia mítica),
teologia naturalis (teologia natural) e teologia civilis (teologia politica).

Como se oberva, trata-se de um conceito secularizado. Aliás, todos os

conceitos marcantes da doutrina cristã na modernidade são conceitos

teológicos secularizados. Não apenas pelo o seu desenvolvimento histórico,

por haver sido transportado da teologia para a doutrina do Estado, mas em sua

estrutura sistemática.

Hegel (1997, p. 233-234) por sua vez define as relações entre o Estado

e a religião como sendo uma

[...] vontade divina, como espírito presente ou atual, que se


desenvolve na formação e organização de um mundo. Aqueles que,
frente ao Estado, querem se limitar à forma da religião se comportam
como os que crêem ter chegado ao direito no conhecimento, mas que
permanecem sempre na essência e não passam dessa abstração
para a existência ; ou ainda como aqueles que querem apenas o Bem
abstrato e reservam o livre-arbítrio a determinação do que é bom.
68
Desta forma, se oberva a presença de uma esfera que propõe a

efetivação de um eixo de ligação entre a vontade divina e a esfera política,

tornando crível uma gênese comum, definida pela imagem metafísica do

mundo. A transferência da votade divina para a esfera política possibilitaria a

compreensão da origem da política moderna.

A implantação do Estado religioso é totalmente diferente da religião em

si. A religião, conforme define Engels (1996, p. 136, tradução livre): “nada mais

é do que um reflexo fantástico nas mentes das pessoas das forças externas

que dominam sobre eles em seu cotidiano, uma reflexão em que as forças

terrestres assumir a forma de entes sobrenaturais”.

Com isso, necessariamente, nota-se que a formação do Estado

brasileiro, logo em sua primeira constituinte, foi influenciado pela religião

católica, fruto de um de um teologismo político dominante em quase todos os

continentes naquela época.

Carl Schmitt (2006, p. 89), jurista nazista confesso e católico

conservador, embasando ideologicamente a igreja-estado asseverou que

[...] todos os conceitos marcantes da doutrina moderna do Estado são


conceitos teológicos secularizados. Não apenas segundo o seu
desenvolvimento histórico, por terem sido transplantados da teologia
para a doutrina do Estado, na medida em que o Deus (de Roma)
todo-poderoso se tornou o legislador onipotente [...]

A religião em si não faz parte de uma estrutura da sociedade, está acima

da vida material, está na superestrutura como apregoava Marx (1985, p. 203)

dizendo que “o Estado verdadeiramente religioso é o Estado teocrático; o

príncipe de tais Estados deve ser, como no Estado Judaico, o Deus da religião,
69
o próprio jeová, ou então, como no Tibete, o representante desse Deus, o

dalai-lama.”

Para Philip Boobbyer (1995, p. 169, tradução livre): "na medida em que

as ideias religiosas são um reflexo distorcido e imprecisos do ser do povo, eles

não podem de forma alguma refletem com precisão a necessidade social de

desenvolvimento, eles sempre substituir as ilusões com a realidade.”

Desta forma, “o Estado religioso é, paradoxalmente, a negação religiosa

do Estado e a realização estatal da religião.”(MIR, 2007, p. 37)

Não se pode confundir a constituição de uma nação, fundado na

legitimidade de seu governante, na perspectiva de seus cidadãos como se

fosse um credo religioso que é um elemento de natureza religiosa, constituído

de uma ordem meramente simbólica.

É de se reconhecer que o Brasil ainda não tinha uma identidade estatal

própria e nem tampouco religiosa, apesar de toda a influência que os católicos

tentavam exerce sobre o monarca. Tinha sim um projeto daquilo que seria um

novo Estado perante os outros já existentes. Não tinha uma Constituição

própria, aquela estudada e destinada a um determinado povo.

O que existia era um projeto tirado no modelo francês. Até mesmo,

porque pelo tamanho do território brasileiro, não havia ainda uma unidade

central. Alguns indivíduos eleitos não tinham conhecimento suficientes para

promover uma discussão política, trocando ideais para a formação do Estado.

Muitos que se encontram no interior do país, sequer tinham conhecimento de

sua independência. E agora essa disputa entre o centralismo imperial e a

teologização do Estado tomava conta do cenário político brasileiro.


70
Com isso, não se pode negar que toda a formação inicial do parlamento

brasileiro era de cunho de um teologismo político baseado na religião cristã,

mas que não tinha a interferência da religião como sobreposição do ser e o

domínio cognitivo de Deus e sim da teologia civilis de origem estoica. Era uma

questão de montar uma estrutura social civil e não de se criar uma

superestrutura de domínio da religião.

Mas o que estava mesmo por trás dessa discussão era a definição da

autoridade que iria governar o país. O imperador de um lado, voltado ao seu

centralismo, ou os deputados eleitos que iriam promover a ascensão das

questões teológicas ao poder. Na verdade, tratava-se de uma disputa entre a

concentração de poder dirigida ao Executivo e o totalitarismo ideológico

religioso do Legislativo.

Para dirimir essa controvérsia, D. Leopoldina, em carta, procurou

explicar qual o modelo legislativo que seria adotado no Brasil, definido pela

Constituinte:

A Assembléia é formada de duas câmaras, o imperador dispõe de


veto absoluto, cabe-lhe a escolha do conselho privado e dos ministros
sem que deva existir a mínima oposição ou intromissão [...] o
imperador possuirá todos os atributos que fortalecem o bom senso de
seu poder; assim é o chefe principal do poder executivo e da maquina
política.(LUSTOSA, 2006, p. 161)

Esses dois fatores sucumbiram em um agravamento do conflito entre a

Igreja Católica e o Estado. Todos sabiam que d. Pedro não era um fiel seguidor

dos mandamentos da Igreja Católica. A interferência de Frei Caneca no veto da

câmara do Recife ao projeto da Constituição, já sinalizava o descontentamento

da Igreja Católica e não do legislativo eleito em relação a concentração do

poder ao imperador.
71
Jorge Miranda (2000, p. 405) assevera que

[...] a relação Estado-Religião passa nesse lanço com a identificação


entre a comunidade política e a comunidade religiosa num só corpo e,
por conseguinte, podemos afirmar: quando há o domínio do poder
religioso sobre o poder político há Estado Confessional.

Para SILVA (2010, p. 250), em outras palavras, o Estado é confessional

quando se confundir com uma determinada religião.” Esse talvez poderia ser o

pensamento ou mesmo um projeto da Igreja Católica em transformar o Estado

brasileiro em um Estado religioso. Deve-se, ainda, levar em consideração que

existiam muitas igrejas já edificadas, com influencia perante o povo, e muitas

riquezas guardadas em suas edificações.

Os padres, freis e bispos que estavam no Brasil, descentralizado

populacionalmente, poderiam, por meio de liturgias1, tratar de aspectos

políticos ligados a religião. Isso o imperador tinha conhecimento. As palavras

por ele proferidas não chegariam aos ouvidos dos “brasilianos”, mas as

palavras proferidas pela Igreja Católica chegariam mais facilmente e de

maneira rápida à população existente.

Realmente quem de fato possuísse o poder das palavras poderia ter o

domínio da população, no Brasil. Aliado a isso, ainda havia uma carência

1
A etimologia e o significado do termo grego leitourgia (do qual deriva nosso vocábulo
“liturgia”) são perspícuos. Leitourgia (de laos, povo, e ergon, obra) significa “obra pública” e
designa, na Grécia Clássica, a obrigação que a cidade impõe aos cidadãos possuidores de
certa renda de prover a uma série de prestações de interesse comum, que vão da organização
dos ginásios e dos jogos gímnicos (gymnasiarchia) à preparação de um coro para as festas da
cidade (chorēgia, a exemplo dos coros trágicos para as Dionisíacas), da aquisição de cereais e
óleos (sitēgia) a armar e comandar uma trirreme (triērarchia) em caso de guerra, de dirigir a
representação da cidade nos jogos olímpicos ou délficos (architheōria) ao adiantamento que os
quinze cidadãos mais ricos deviam pagar à cidade sobre as taxas de todos os cidadãos
tributáveis (proeisfora). Tratava-se de prestações de caráter tanto pessoal quanto real (“cada
um”, escreve Demóstenes, “liturgiza, seja com o próprio corpo, seja com as próprias
sustâncias”, “tois sōmasi kai tais ousiais lēitourgēsai”)[1], que, ainda que não fossem elencadas
entre as magistraturas (archai), faziam parte do “cuidado das coisas comuns” (“tōn koinōn
epimeleian”). (GIORGIO AGAMBEN, 2013, p. 12)
72
educacional muito grande, já que as escolas instaladas não representava

proporcionalmente o número de habitantes da época, portanto, o domínio seria

ainda mais fácil.

Bourdier (1989, p. 117) expressa que:

O que se faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de


manter a ordem ou de subverte-la, é a crença na legitimidade das
palavras e daquela que as pronuncia, crença cuja produção não é da
competência das palavras.

Tudo isso ocorreu para dar o florescimento de uma nova estrutura

organizacional da Igreja Católica que fosse potencialmente transformadora, já

que para os teólogos, Igreja Católica é “a Palavra, o Sacramento, a presença

do Bispo e a comunhão com todas as demais igrejas” (Scampini, 1974, p. 87) e

a igreja local é “a porção do Povo de Deus2 confiada a um Bispo que, aderindo

ao seu pastor e por ele congregada ao Espírito Santo, mediante o Evangelho e

a Eucaristia, constitui uma igreja particular” (Christus Dominus, 11/1034,

documento conciliar).

Esses fundamentos proferidos pela Igreja Católica são importantes para

a constituição do teologismo político estatal, principalmente, quando se está

referenciado a “presença do Bispo” e a “porção do Povo de Deus confiada a

um Bispo”. Mais a frente, principalmente a partir da Constituição de 1934,

observar-se-á toda a influencia da figura do Bispo, como referência, na

estrutura política e formação do legislativo religioso brasileiro.

Recorda Sergio Buarque de Holanda (2001, p. 185-86) que

2
A eleição de Israel como “povo de Deus” constitui-o imediatamente na função litúrgica (o
sacerdócio é imediatamente régio, isto é, político) e santifica-o assim enquanto nação (o termo
normal para Israel não é goj, mas “am qados, laos hagios”: Dt 7,6) (GIORGIO AGAMBEN,
2013, p. 12)
73
Na noite da agonia, de 11 para 12 de novembro de 1823, a
Assembléia manteve-se, por proposta de Antônio Carlos, em sessão
permanente. Ao princípio da tarde do dia 12 era dissolvida por um
decreto em que o imperador declarava haver “convocado aquela
Assembléia a fim de salvar o Brasil dos perigos que lhe estavam
iminentes” mas, “que havendo ela perjurado na defesa da pátria e de
sua dinastia havia por bem dissolve-la.

Conforme relata Scalquette (2013, p. 158)

[...] a questão religiosa foi objeto de debates na Assembleia


Constituinte de 1823 e diversas ideias com relação à Religião foram
discutidas: de um lado havia a proposta do Estado unirreligiosa e de
outro a proposta de um Estado em que se garantisse a liberdade
religiosa.

Mesmo porque, a Constituição que estava sendo elaborada, o seu

projeto, tinha sido apresentado ao apostolado por Martim Francisco,

demonstrando o Estado teológico político que estava a ser implantado no

Brasil. Todo o domínio deveria ser religioso. “O seu projeto, segundo afirmara

na mesma ocasião, derivava das constituições francesa e

norueguesa”.(HOLANDA, 2001, p. 186)

Pontes de Miranda (2002, p. 463) lembra que

Na assembleia constituinte de 1823, enquanto o Padre Rodrigues da


Costa ainda queria o estado unirreligioso, por ser difícil “altar contra
altar”, Antônio Carlos de Andrada trazia as ideias do “contrato social”
para concluir ser necessário assegurar e garantir a liberdade de
religião, para se “evitar o absurdo de se obrigar o cidadão a praticar o
contrário do que lhe dita a sua consciência, em negócio sobre que
não tem poder a sociedade e de que ninguém dever pedir contas”. O
Marquês de Queluz achava o caso dos Estados Unidos da América
exemplo nunca visto “na história antiga e moderna, efeito de ser
aquela povoação composta de homens de diversas religiões e
seitas”. O Visconde de Cachoeira trouxe à baila o caso da
cristianíssima França onde todos os cidadãos gozam de iguais
direitos” e profligou as “querelas religiosas”, inclusive a “teimosa
porfia com que os ingleses provam os católicos irlandeses dos
empregos públicos”.
74
Portanto, dissolvida a assembleia, porque o texto constitucional proposto

desagradava aos interesses de d. Pedro I, principalmente, no que tange a

restrição de seus poderes como monarca, por não comtemplar a criação de um

poder que lhe desse o domínio do Estado, no caso, o Poder Moderador.

Aproveitando a decadência da força da Igreja Católica, d. Pedro I

resolveu, então, buscar um aliado que viesse a fazer as suas vontades na

implantação de um estado imperial centralizado em sua pessoa. Aliou-se à

maçonaria. E sem que tivesse participado de qualquer atividade dentro da

maçonaria, recebeu logo o título de grão-mestre. (BARRETO et al. 1997, p.183)

Na verdade, d. Pedro I, nada entendia das ideias maçônicas, era uma

questão absolutamente política, assim, evitando a instalação de um governo

eminentemente religioso. Vale ressaltar que, Miguel, irmão de d. Pedro,

assumindo o comando do governo Português, derrocou toda influencia que

tinha a Igreja Católica na época do governo de seu pai (D. João VI).

(BARRETO et al. 1997, p.187)

Agora, aliado à maçonaria e com o domínio do governo, poderia ele,

então, finalmente, implantar o seu centralismo imperial. A nova Constituição

agora continha a criação do poder moderador, em que d. Pedro I o havia

fundamentado nos escritos de Benjamin Constant e Clermont Tonerre.

(BARRETO et al. 1997, p.201)

Para não romper de vez com a Igreja Católica, d. Pedro I determinou

que a religião católica seria a religião oficial do Estado, mas que não se poderia

evitar que qualquer pessoa praticasse suas oferendas a outras religiões,

conforme o Art. 5° da Constituição Brasileira de 1824.


75
Nessa vereda, quando o Estado determina uma religião oficial para a

sua comunidade política o faz por duas razões: primeira, porque é a religião da

maioria da população; segunda, porque a religião, dita como oficial, propaga a

única verdade religiosa. (SCALQUETTE, 2013, p. 141)

A justificativa adotada pelos governos que assim procedem repousa ora

no fato da religião reputada oficial ser aquela praticada pela maior parte da

população do país, ora na afirmação, por parte do Estado de que a religião por

ele reputada oficial é a única verdadeira, merecendo, pois, por conta de tal

superioridade, privilégio e vantagens, por parte do poder político. Estados que,

por outro lado, malgrado assumam uma religião como oficial, toleram, em maior

ou menor grau, outras crenças religiosas – como os Estados católicos do

passado -, situam-se no outro rol. (GALLEGO, 2010, p. 288)

Assim, pode ser visto no dístico preambular da Constituição de 1824. De

acordo com o texto, d. Pedro I é apresentado como Imperador pela “graça de

Deus e unânime aclamação dos povos”, anunciado em uma menção destacada

“EM NOME DA SANTÍSSIMA TRINDADE”.

Esse dístico é típico da chamada teocracia da providência divina. O

imperador é soberano por vontade divina e o povo deve assim respeita-lo, já

que poder político é primeiramente emanado por Deus e, no caso, o monarca o

representar perante o seu povo. À guisa desse ponto o Imperador será o guia

da sociedade política em nome de Deus e a sua vontade será a vontade divina.

Isso é afirmado no art. 99 da Constituição Imperial quando reza que “A

pessoa do Imperador é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a

responsabilidade alguma”.
76
Como se observa a instituição do Imperador é sagrada porque é advinda

de Deus. O seu poder, no caso o poder político que lhe é concedido na terra, é

autorizado por Deus, daí a percepção da Teocracia da Providência Divina. O

Imperador passa a ser o representante político de Deus. É ele quem vai cuidar

dos assuntos materiais do povo cristão, já que os espirituais (imateriais) estão

estregues aos pastores (padres).

Desta forma, retratava o art. 5° da Constituição Brasileira de 1824 que

A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião


do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto
domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma
alguma exterior do Templo.

Como se observa no texto lavrado na Constituição Imperial, a religião

católica apostólica romana era a religião do Império, e assim deveriam todos

ter a referência apostólica, litúrgica (política), a ser seguida. Permanece, dessa

forma, a hierarquia da politica da providencia divina estipulada no dístico

preambular da Carta Imperial.

Em relação a liberdade de outros cultos, havia uma mitigação de que

somente no ambiente doméstico e em casas destinada a tal desiderato. A

liturgia(política) deveria ser a da Igreja Católica Apostólica Romana. Mesmo

porque, os outro cultos eram destinados as ciências ocultas e não eram

professados em nome de Deus, pelo domínio da própria Igreja Católica.

Para certificar e ratificar a força política da Igreja Católica no império e

assim professar a política teocrática da providencia divina, não deixando

margem a algum desvio religioso do Imperador, o art. 103 da Constituição

brasileira de 1824 dispunha que


77
O Imperador antes do ser acclamado prestará nas mãos do
Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte
Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, a
integridade, e indivisibilidade do Imperio; observar, e fazer observar a
Constituição Politica da Nação Brazileira, e mais Leis do Imperio, e
prover ao bem geral do Brazil, quanto em mim couber.

Neste artigo, observa com uma maior clareza a hierarquia da política

teocrática da providencia divina: primeiro a Igreja Católica, depois o Império e

por último a Constituição e as demais leis. Ou seja, Deus e o seu poder político

em primeiro, mostrando a sua força providencial, o direito divino como fonte

política e institucional, o Imperador em segundo e as normas Constitucionais e

infraconstitucionais por último.

Estava dessa forma fundado o Estado Confessional brasileiro. Para José

Afonso da Silva (2010, p. 250-51)

[...] realmente, a Constituição politica do Império estabelecia que a


Religião Católica Apostólica Romana era a Religião do Império (art.
5°), com todas as consequências derivantes dessa qualidade de
Estado confessional, tais como a de que as demais religiões seriam
simplesmente toleradas, a de que o Imperador, antes de ser
aclamado, teria que jurar manter aquela religião (art. 103), a de que
competia ao Poder Executivo nomear bispos e prover os benefícios
eclesiásticos (art. 102, II), bem como conceder ou negar beneplácitos
a atos da Santa Sé (art. 102, XIV), quer dizer, tais atos só teriam vigor
e eficácia no Brasil se obtivessem aprovação do governo brasileiro.”

Esse alinhamento se fez necessário pelo domínio cultural religioso que

religião católica exerceu no século XIX. Seria uma forma determinante e

politicamente necessária para a legitimar o poder monárquico que se iniciava,

porque repercutiria diretamente na cidadania e na vida cotidiana dos brasileiros

e um eventual confronto implicaria, por conseguinte, o abalo dos próprios

alicerces daquela sociedade.


78
Segundo Scampini (1974, p. 82), “O Império, por sua natureza, devia ter

na religião o seu sustentáculo. Abalá-la era abalar-se. Discutir-lhes a

legitimidade era pôr em choque a própria”. Apresentava-se, como “um todo

único”, “inseparável de qualquer ato político, administrativo, educacional”.

Afirma ainda que

Ora, o verbo continuará, no futuro do presente, deixava claro tratar-se


do prolongamento de uma relação político-religiosa profundamente
enraizada no passado do Estado recém-independente, que doravante
seria promovida, por meio daquele dispositivo, ao status de direito
adquirido, devidamente reconhecido pelo novo ordenamento jurídico,
na qualidade de norma constitucional. (SCAMPINI, 1974, p. 79)

Escreve, a propósito, Mário Domingues (1963, p. 240):

As instituições religiosas que exerciam maior domínio no país eram


as dos jesuítas, que predominavam em todos os setores da vida
nacional; depois, os dominicanos, que dispunham de grande poder
repressivo, e a seguir, talvez, os franciscanos, que conseguiam por
vezes posições de comando. [...] A instrução e a educação das
classes dirigentes e mais abastadas achava-se, em primeiro lugar,
nas mãos dos jesuítas, depois, dos dominicanos e também dos
oratorianos, que pretendiam rivalizar, em cultura, com os membros da
Companhia de Jesus. Essas ordens religiosas devem considerar-se,
na pro- porção da sua influência, responsáveis pela mentalidade
nacional desses tempos. [...] os jesuítas detinham a maior parte das
instituições de ensino, onde amoldavam os espíritos dos governantes,
e eram, como se sabe, os confessores e diretores espirituais da
família real, bem como da maioria dos grandes fidalgos. Os
dominicanos [...] distinguiam-se pela intolerância e crueldade de seus
processos. Algozes do Santo Ofício, foram eles quem introduziram e
sustentaram em Portugal a Santa Inquisição.

No entanto, a Carta Política Imperial não garantia necessariamente a

centralização do poder político em prol da Igreja Católica, apesar de constar no

texto constitucional a união entre o Estado e a Igreja. Constituía, de fato, uma

posição privilegiada da Igreja Católica no contexto do Brasil Império, por conta

de sua posição como religião oficial subvencionada pelo Estado brasileiro

como herança cultural religiosa do Brasil colônia.


79
Mas as circunstâncias políticas acarretava uma severa restrição de

autonomia para uma confissão religiosa, apesar de inúmeras vantagens e

prerrogativas dadas à Igreja Católica, não apenas de cunho material mas

político também.

Isso é retratado por Oliveira Viana (1999, p. 313) quando afirma que

Nossa organização constitucional de 24 não correspondia, portanto,


às condições sociais do nosso povo-massa naquela época -- tais
como a análise histórico-sociológica revela. Pressupondo neste povo-
massa a existência de uma "consciência da Nação" e de uma
"consciência da Província", sobre estes dois complexos políticos --
então inexistentes - os constituintes do Império, entretanto,
assentaram, em 1824, toda a estrutura da Constituição e os
fundamentos democráticos da Monarquia Representativa!.

A Igreja Católica tinha prestígio junto à esse novo contexto social que se

constituía, a esse "povo-massa" que se formava, propiciando benefícios sociais

(materiais e espirituais) principalmente na população mais carente, onde dela

advinham os benefícios espitruais e materiais.

Esses efeitos ainda hoje são reproduzidos com as comunidades

eclesiástica de base. Como observa Ricardo Mariano (on line), “o duradouro

vínculo legal entre Estado e Igreja Católica é, de longe, o principal responsável

pela hegemonia religiosa de que o catolicismo ainda desfruta no Brasil...”.

Porém, haveria de ter um centralismo político no Império sem a

interferência da Igreja Católica. Pois como acima afirmado, o Imperador deveria

cuidar dos assuntos políticos e a Igreja Católica dos assuntos espirituais. Um

não deveria se intrometer nos assuntos do outro. Esse é o sentido teológico.

Diante disso, pelo Imperador ser uma pessoa sagrada, a Carta

Constitucional Imperial (art. 98) determinou que o Poder Moderador seria


80
[...] a chave de toda a organização Politica, e é delegado
privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu
Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a
manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais
Poderes Políticos.”

Neste aspecto, os ganhos entre o Estado e a Igreja Católica, parecem

ter sido contrabalanceados e bem divididos. O centralismo político ficava a

cargo do Imperador enquanto a Religião Católica era reconhecida como

religião oficial do Estado com todas as benesses que o poder lhe resguardara,

pelo menos no texto constitucional.

Mesmo porque, não se pode ignorar que

O monarca não pode receber as suas informações senão em um


círculo muito estreito, e ninguém ignora que os príncipes estão de tal
modo cercados de lisonja e intriga que a verdade apenas pode
chegar ao trono. (PAIM, 1999, p. 75)

Porém, havia um certo receio por parte do governo monarca que se

instalava no Brasil em relação a Igreja Católica. Principalmente, pelo

conhecimento que se tinha em Portugal do domínio político, administrativo e

educacional que a Igreja Romana tinha em relação ao governo português, nas

decisões do Estado.

Recorda Scampini (1974, p. 108) que

Antes da proclamação da independência, a Religião Católica


Apostólica Romana era a religião de todos: da monarquia portuguesa
e de todos o brasileiros. Era um fato pacifico conhecido por todos: a
religião era inseparável de qualquer ato político, administrativo,
educacional: era um todo único.

No caso da Constituição do Império brasileiro,


81
O clero católico era tratado como um ramo do funcionalismo público,
e as rendas da Igreja eram matéria de Estado. Os padres dispunham
de uma enorme influencia política nas localidade, não apenas por
serem frequentemente proprietários de terras, mas também pelas
funções públicas que exerciam (registros civis e de terras que eram
confiados às freguesias ou paróquias).(LOPES, 2011, p. 302)

Então com receio de um ativismo político, administrativo e educacional

da Igreja Católica perante o governo que se instalava e perante a pessoa do

monarca, o texto constitucional, de forma unitarista, tornou inviolável a pessoa

do Imperador e com isso todas as decisões que viesse a proferir, como Poder

Moderador, não poderiam ser questionadas, nem mesmo pela Igreja Católica.

Além disso, e ainda para evitar qualquer ativismo externo da Igreja

Romana, tutelaram que o Imperador seria também chefe do Poder Executivo, e

dentre suas atribuições restaria “Conceder, ou negar o Beneplácito aos

Decretos dos Concílios, e letras Apostólicas, e quaisquer outras Constituições

Eclesiásticas, que se não opuserem á Constituição; e precedendo aprovação

da Assembleia, se contiverem disposição geral” (inciso XIV, art. 102,

Constituição Imperial de 1824).

No Brasil Império, houve um flagrante choque entre dois dos três

ordenamentos existentes à época: o liberal (secular) e o canônico. Tratou-se

de um conflito de jurisdição, a célebre “questão religiosa”, em que o primeiro

ordenamento teve que se impor ao segundo de forma dramática (BONAVIDES;

AMARAL, 1996, p. 272).

Para fazer valer a força do governo monarca, evitando qualquer assente

de interferência política da Igreja Católica nos assuntos de interesse do Estado,

um caso típico chama a atenção. É o caso da excomunhão de membros da

maçonaria pelo bispo de Olinda.


82
É neste clima que tem lugar no Brasil a questão religiosa. O bispo de
Olinda, D. Fr. Vital Gonçalves, de 26 anos, formado na Europa,
resolve impor um interdito a uma irmandade do Recife e excomungar
os membros maçons da confraria, seguindo as determinações de Pio
IX. Ora, estas determinações do papa e do Concílio não haviam sido
submetidas ao governo imperial para beneplácito. Diante do fato, a
Irmandade do SS Sacramento da Igreja do Santo Antônio apresentou
um recurso à Coroa, na forma do Decreto 1.911, de 1857. O recurso
foi encaminhado ao Conselho de Estado, que decidiu em 23 de maio
de 1873 que o bispo havia excedido sua jurisdição (pois as
irmandades eram não apenas religiosas mas seculares e só a
autoridade religiosa não poderia dissolvê-las ou interditá-las) e que
havia feito uso de bulas pontifícias sem beneplácito. Deu-se
provimento ao recurso e encaminhou-se o processo de volta a Recife
para que se cumprisse a decisão, com um ofício dirigido ao bispo (em
12 de junho de 1873). D. Vital recusou-se a tomar as providências no
prazo dado (um mês), alegando matéria de consciência num ofício de
6 de julho de 1873 endereçado ao ministro de Estado do Império. Foi
então pedido ao procurador da Coroa, Fazenda e Soberania Nacional
que promovesse a acusação do bispo, dando início a processo
penal.(LOPES, 2011, pp. 303-304)

No caso em pauta, além do bispo de Olinda, mais outro bispo,

[...] em 1873, deram prova de intolerancia, querendo executar bulIas


do papa que não tinham recebido o placet do imperador.

Foram citados deante da Côrte Suprema de Justiça, condemnados a


4 annos de prisão e encerrados nas fortalezas do Rio onde,
entretanto, foram tratados com todo respeito, com a maior
generosidade: depois, foram amnistiados pelo imperador.” (MOSSÉ,
3
1958, p. 249)

Tudo isso ocorria pela disputa entre a Igreja Católica e a maçonaria

dentro poder político do governo imperial. Era uma verdadeira queda de braço

entre a maçonaria e o Igreja Católica. A Igreja Católica estava em oposição à

maçonaria que por sua vez, após conceder o título de grão-mestre a D. Pedro

I, sem ao mesmo este frequentar qualquer reunião maçônica ou mesmo

entender a estrutura da maçonaria, ficava em oposição a Igreja Católica.

O choque entre a maçonaria que tinha por grão-mestre o presidente do

conselho, e o clero inflexível, esboçara-se no Rio de Janeiro em 1872, quando


3
Cada um dos bispos habitava uma casa confortável no recinto de uma das fortalezas. Tinham
á sua mesa, quasi todos os dias, senadores, deputados, jornalistas, etc.
Nota: a transcrição em português está ipisis literis como se encontra na obra.
83
o Bispo D. Pedro Maria de Lacerda instou para que o Padre Almeida Martins,

orador numa reunião maçônica que festejara a Lei do “ventre livre”, se

desligasse dela. A maçonaria (sessão de 16 de abril de 1872) manifestou ao

padre a sua solidariedade e desenvolveu, em todo o país, uma campanha

sumamente enérgica contra a Igreja. (CALMON, 2002, p. 243)

Retrata o Bispo do Pará (1886, p. XIII)4:

As sociedade secretas, e em particular a maçonaria, são


condemnadas pela Igreja catholica.

Eis um facto.

Nós nenhuma parte n’elle tivemos. Desde 1738, ha mais de um


seculo, que esta disciplina está vigorando no seio do Catholicismo,
disciplina universal, mantida, confirmada por numerosas
Constituições Apostolicas. O Catholicismo romano exclue de seu
gremio as sociedades secretas e maçonica, considerando-as como
contrarias a seu dogma, a seus preceitos, á sua auctoridade. Isto está
no espirito do Catholicismo romano, pertence á sua constituição
organica, é uma lei para os que querem seguir esta Religião.

Nós, Bispos catholicos, por isso mesmo que o somos, devemos, pois,
aceitar esta lei, como todos os dogma e preceitos que constituem a
economia interna de nossa Igreja. Querer que fossemos Bispos
catholicos recusando crer nos dogmas da Santissima Trindade e da
Encarnação. não fora menos absurdo do que querer que o fossemos
negando um ponto da disciplina universal do Catholicismo.

Ou catholicos ou não. O contrario seria uma ridicula impostura. Todos


nos desprezariam, como uns tristes hypocritas, como uns entes
parvamente inconsequentes, se, para agradar a quem quer que seja
n’este mundo, impuzessemos tão horrendo tracto á nossa
consciencia.

Alem disso, pense-se o que se quizer do papel que em segredo


representava entre nós a maçonaria, é um facto historico, indubitável,
que em 1872, por occasião da suspensão de um Padre maçon no Rio
de Janeiro, fez ella grande estrondo nas lojas, resolveu atacar com
todas a as suas forças o Catholicismo romano, o travou logo contra
elle, em campanha rasa e de viseira erguida, o mais encarniçado
combate.

Apesar de que, a hegemonia religiosa dentro do Estado Imperial

brasileiro, “não deixa de assinalar o lado mais duro do regime, que

4
O Bispo de Olinda e do Pará são obrigados pelo Império a revogar seus interditos, como eles
se negam acabam sendo presos
84
correspondia, no Império, à união entre o Estado e a Igreja romana: o poder

estatal “regulou com mão de ferro o campo religioso”. (MARIANO, on line)

Desta forma, nas palavras de Scampini (1974, p. 108) “o art. 5° da Carta

Imperial foi a causa precípua de todas as desgraças que a Igreja sofreu

durante o Império (...) foi o seu cárcere de ouro.”

Para a Igreja, o balanço final era, de acordo com Beozzo (2005, p. 36),

“a subordinação política, a dependência econômica e o controle ideológico

exercidos pelo Estado”.

Para amenizar a situação, em discurso, o papa Leão XIII, no dia 11 de

janeiro de 1888, em resposta ao do digno ministro do Brasil, o conselheiro

Souza Corrêa, proferiu as seguintes palavras que são bem significativas:

Desde a Independência do Brasil, nenhum dissentimento grave houve


com a Santa Sé, nós o reconhecemos, e procuraremos sempre
manter relações que satisfaçam nosso coração de chefe da Igreja
universal. (MOSSÉ, 1958, p. 249-250)

Desta forma, “era considerada normal e quase inevitável a vigilância

policial com que o Governo controlava a prática religiosa. A ereção de um

cruzeiro em lugar público, de uma capela, não dispensava a licença que tinha

de fazer longa caminhada burocrática”. (HAUCK, 1992, p. 17)

2.2 O Segundo Império e o estado de liberdade político e religioso

No período de D. Pedro II, sob o ponto de vista politico, o Brasil era uma

monarquia constitucional representativa, regida pela Constituição de 25 de


85
março de 1824 e pelo Acto Addicional de 12 de outubro de 1834, que

estabeleceu a autonomia das províncias, e pela lei regulamentar de 12 de maio

de 1840, que interpretou muitas disposições do Acto Addicional. (MOSSÉ,

1958, p. 51)

Com a condução de D. Pedro II ao trono, o Brasil se descentraliza, não

tendo mais aquela referência de decisões à cargo da figura do imperador. Mas,

apesar dessa descentralização de poder, novamente a Igreja Católica é posta

de lado em matéria política.

Não se pode esquecer que muito disso se deu por força de uma política

do estatismo desenvolvido pelo primeiro ministro português Marques de

Pombal, à época, em Portugal. Era uma política de afirmação nacional voltada

principalmente contra a presença da Igreja Católica dentro dos assuntos do

Estado.

Nesta época, a Igreja Católica no Brasil era dependente da igreja de

Portugal, apresentando uma fisionomia europeia, não tendo ainda identidade

própria, culminando com a expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759, os únicos

quadros religiosos que mantinham ainda uma certa disciplina e podiam

transmitir à Igreja Católica um mínimo de coesão interna, já que a corrupção

dos costumes, a cupidez do clero, o abandono das regras, a decadência da

disciplina, que eram então o estado geral da Igreja Católica, manifestavam- se

ainda mais cruamente no Novo Mundo.

O período monárquico de Pedro II com a Igreja Católica parece ter sido

vítima dos desvelos que dedicava à pureza da função pública. Os padres se

tornavam uma ameaça ao Estado, por vezes conspiradores e líderes políticos,


86
abandonando de vez a batina, por assim dizer, se dedicando, inclusive, as

atividades do comércio.

Recorda Mossé (1958, p. 56) que naquele período

“os templos acatholicos não devem ter exteriormente apparencia de


confissão religiosa. Esta interdicção, incompativel com os
sentimentos liberaes de um povo tão esclarecido, foi supprimida no
anno findo (1888) por um projecto de lei votado pela Camara.

São livres no exercicio de seu culto religioso todos os cidadãos;


egualmente são elegiveis e idoneos para todos os cargos.

Taes são as principaes disposições das leis fundamentaes do Imperio


brasileiro.”

Da mesma forma quando se tratava de educação,

Accrescentaremos que nas escolas publicas. como acontece hoje na


França, as creanças de todas as religiões são admittidas por espirito
de tolerancia e liberdade, e que o ensino religioso é deixado aos
cuidados da familia e dos sacerdotes da religião em que nasceram.

Note-se que no Brasil ha muito poucos coIlegios pertencentes a


corporações religiosas e, além disso, embora a religião catholica seja
a do Estado, todas as outras religiões são professadas livremente; o
clericalismo não existe, mesmo de nome, nesse paiz cujo espirito é
essencialmente iberal e onde os sacerdotes catholicos não se
occupam absolutamente de politica. (MOSSÉ, 1958, p. 240-250)

Como explica Robert Richard apud Thomas Bruneau (1970, p. 29).

“por volta de 1850 o imperador começou a escolher para bispos


homens cuja vida privada não fosse maculada por uma política
sectária ou por um comportamento imoral. Mas, agindo desta
maneira, escolha os homens mais provavelmente influenciados pelas
mudanças que se pro- diziam em Roma com Pio IX. Quer dizer que
Pedro II, sabendo-o ou não, fazia uma opção entre os padres flexíveis
e acomodados ao modus vivendi entre a Igreja e o Estado, mas cuja
vida moral era condenável, e os que eram mais disciplinados,
comprometidos, moralmente irrepreensível provavelmente mais
inclinados ao ultramontismo. Em 1872 havia no Brasil pelo menos
cinco bispos que favoreciam Roma e que tinham estudado na
Europa”.
87
Dessa forma, D. Pedro II deixava a Igreja Católica no ostracismo, pondo-

a fora do governo em matéria política, por meio de um acordo do então

primeiro ministro o Duque de Caxias, em 1875, onde o imperador anistiava os

bispos.

As opiniões da Igreja Católica em matéria política eram vazias, sua

atuação limita-se a cumprir ritos de sacramento, como por exemplo as

procissões que jamais poderiam ter conotações políticas, era, de fato, mera

observadora.

Por outro lado, a Igreja Católica não se aquilhava em ficar arredia aos

assuntos do Estado. Acompanhava o governo e sabia dos projetos sociais de

D. Pedro II, principalmente, para abolir a escravatura.

Com isso, a Igreja Católica, em seu culto missal, impunha ritos litúrgicos,

cada vez mais, em forma de superstição, aumentando ainda os dias festivos

em torno de seus santos, trazendo e conquistando a população em torno de si,

criando assim uma dependência espiritual muito forte.

Essa aquisição direta do poder de domínio perante a massa, de forma

supersticiosa, Espinosa (2003, p. 6) retrata a questão como ancora

determinativa de um poder:

“Na verdade, não há nada mais eficaz que a superstição para


governar as multidões. Por isso é que estas são facilmente
levadas, sob a capa da religião. ora a adorar os reis como se
fossem deuses, ora a execrá-los e a detestá-los como se
fossem uma peste para todo gênero humano. Foi, de resto
para prevenir este perigo que houve sempre o cuidado de
rodear a religião, fosse ela verdadeira ou falsa, de culto e
aparato, de modo a que se revestisse da maior gravidade e
fosse escrupulosamente observada por todos.”
88
Com o seu projeto de abolir a escravatura, D. Pedro II empregava todo o

seu prestígio para encorajar os esforços dos politicos para trabalharem nesse

sentido e em 1850 tinha conseguido extinguir o trafico de escravo, isto é, a

introdução de novos escravos africanos pelos contrabandistas no Brasil.

Não bastava, no entanto, somente suprimir o tráfico, mas era preciso

preparar o Estado brasileiro para a abolição dos escravos. Seria, portanto, um

caminho de reformas graduais que deveriam serem feitas com prudência para

a emancipação dos escravos, já que ainda o trabalho na lavoura era confiado

aos escravos e caso ocorresse a hipótese de abolição poderia arruinar a

agricultura brasileira.

Limitado pela Constituição, dirigindo um povo em que a opinião publica

é soberana, D. Pedro II não saberia ser um autocrata. Para realizar sua

aspiração philanthropica, precisava, em primeiro logar, esclarecer a opinião e

obter o apoio da maioria. Começou por animar as alforrias concedidas

espontaneamente pelos proprietarios, e o resgate de escravos operado por so

ciedades emancipadoras ou por irmandades, conferindo recompensas, titulos

ou condecorações, áquelles que assim procediam. (MOSSÉ, 1958, p. 149)

A Igreja Católica estava atenta e ativa a isso. Coadunava com essa

ideia, principalmente porque atendia a diversos escravos em projetos sociais

de inclusão e os incluía a participar de suas datas festivas.

Em 3 de maio de 1866, a ordem dos Benedictinos, no Capitulo Geral,

“proclamou a liberdade dos filhos de seus captivos, em numero de 1.600, o

imperador foi pessoalmente ao mosteiro de S. Benedicto, do Rio, para felicitar

o abbade geral, a quem entregou um presente. Toda a imprensa annunciou

esse gesto do imperador e o applaudiu.” (MOSSÉ, 1958, p. 149)


89
No comando das orientações em dissídio, na cúpula do sistema está,

sempre e ainda uma vez, o Estado, com uma circunstância especial: a história

portuguesa conseguira, desde suas origens, vencer, vigiar, limitar o clero, mas

jamais o absorvera como fizera com a nobreza. Comando, portanto, formal,

tênue, cheio de desconfianças mútuas, em estrutura que se prolongará no

Império e encontrará o desfecho na República com a separação do Estado da

Igreja. (FAORO, 2001, p. 234)

2.3 A separação confessional do Estado com a Igreja Católica

na Constituição Republicana

Operou-se em 1889 uma profunda mudança em todos os aspectos da

vida nacional. Jesús Hortal (2001, p. 246) assevera que

No momento da proclamação da República, em 1889, o Brasil iniciou


uma clara trajetória de separação entre a Igreja e o Estado. Os
militares que lideraram o novo regime eram, na sua grande maioria,
de tendência positivista; contudo, olhavam para os Estados Unidos
como para o lugar da realização mais acabada dos seu ideais
republicanos e federalistas. Por isso, pode-se dizer que a separação
foi feita entre nós, com ideias francesas, mas com legislação norte
americanas.

Instituiu-se a república federativa, com a máxima descentralização

administrativa. Foi separada a Igreja do Estado, decretado o casamento civil,

alterada a política econômica, sobretudo adotadas práticas financeiras em

inteiro desacordo com o passado. (CALMON, 2002, p. 289)

Não havia recurso do Estado destinado ao sustento da Igreja Católica.

Era de fato o que se poderia dizer um Estado Laico. Tentava afastar de vez
90
qualquer influencia que pudesse a Igreja Católica exercer sobre o Governo ou

mesmo sobre o parlamento. Era uma época diferenciada da monárquica.

Havia uma certa descrença da religião, um decréscimo de números de

padres no Brasil, o positivismo sobrepesava nas relações estatais e pessoais.

A política do governo republicano que se instalava não poderia perder o seu

objeto deixando-se influenciar por uma estrutura que se perdera no tempo.

Conforme relata Paim (1999, p. 98-99), “quando enfermo, Borges de

Medeiros afastou-se do governo no transcurso do seu terceiro mandato, de

julho de 1915 a maio de 1916, ocasião que aproveitaria, segundo Ivã Lins, para

reler e repensar Augusto Comte.

Em sua volta, em resposta à manifestação popular que lhe prestaram,


assim resumiria o essencial de sua meditação: O Brasil atravessa
uma crise profunda que abrange a complexidade dos fenômenos de
ordem moral, intelectual e material. É em vão que tenta a sua
debelação pelo emprego exclusivo de remédios políticos. (...) Não
existe uma doutrina universal, não existe uma doutrina positiva,
generalizada; e a moral teológica, exausta e decrépita, luta debalde
pela reconquista de sua influência fatalmente perdida. Inspiram as
classes dirigentes doutrinas metafísicas, incongruentes e eivadas de
preconceitos revolucionários. (...) Urge, pois, substituir a metafísica
pela ciência social positiva, pela sociologia fundada por Augusto
Comte -- única que pode iluminar e guiar a verdadeira política. As
sociedades não podem subsistir indefinidamente sob o jugo de
vontades arbitrárias ou sob o império de paixões e sentimentos
desordenados.”

Não se sabe se de fato houve uma separação entre a política e a

religião. Marcel Gauchet (2005, p. 86 - Tradução livre) diz que

“a idéia da república adquiridos por meio dos costumes que ainda


permanecem, perdeu sua alma com a idéia de que o secularismo irai
ladeado-lo como seu companheiro mais íntimo. (…) Os termos da
relação entre religião e política, segundo essas disposições foram
identificados radicalmente deslocadas.”
91
Duas forças são mobilizadas para a propaganda, embora inconciliáveis

no seu conteúdo espiritual: o catolicismo e o positivismo. Ambos serviam à

ordem, apesar do último, no Brasil, ter ajudado a transformação republicana.

(FAORO, 2001, p. 795)

Não havia como negar que a religião e a política estavam distantes,

deslocados, na inauguração da república brasileira. Contudo, não se poderia

considerar a Igreja Católica como uma instituição moribunda. Não se poderia

esquecer de seu legado nem as circunstâncias que a levou ao seu semi-

desaparecimento, pois, durante o curso da história ela sempre teve seus

momentos de descrença, mas sempre conseguiu soerguer. Portanto, essa não

seria a primeira vez que ela enfrentava uma crise institucional e com certeza

não será a última.

A Igreja Católica não aceitava entregar facilmente o seu rebanho à

influência positiva do Estado, apesar de passar por situações que hoje se

poderia considerar absurda. Em um incidente, relatado por Mem de Sá, na

mentalidade vigente à época:

E quando um engenheiro porto-alegrense, Rodolfo Ahrens, reunindo


capitais estrangeiros, projetou a construção da usina hidroelétrica de
Salto Grande do Jacuí, a ser inaugurada em 1922 como celebração
maior do centenário da Independência do Brasil, os engenheiros
positivistas da Secretaria de Obras Públicas vetaram a iniciativa
porque os proponentes se prontificaram a entregar a usina sem
indenização após 50 anos de exploração. Os dogmas de Comte
proibiam tal prazo. (PAIM, 1999, p. 98)

A divergência entre o Estado e a Igreja Católica passava a ser no campo

dogmático. A luta com a ciência positivista levou a Igreja Católica a montar

uma nova estrutura de aproximação, diante da separação imposta pela

Constituição de 1891.
92
Passou em determinados setores políticos, a privilegiar o dialogo nos

limites de sua influencia social, utilizando-se de métodos de recrutamento de

seus seguidores na posição de funcionários do Estado, no conjunto das

estruturas do Poder no país.

Não tinha, portanto, ainda, condições de se chegar diretamente dentro

do governo, mas mantinha as suas fontes ideológicas nos quadros de

funcionários do Estado, inclusive os militares.

Os padres são pessoas sociáveis em sua essência e isso era bom

politicamente. Apesar de tudo, circulava em todos os meios sociais,

principalmente entre os jovens. Tinha-se muitas considerações pela figura de

batina, sobretudo nas regiões pobres do Brasil. Foi nessas regiões que a Igreja

Católica começa nas paróquias a dar uma ênfase maior as festas religiosas

aproximando o povo da igreja. Com isso, vai aos poucos retomando o seu

rebanho.

A Igreja Católica sabia que para cristianizar o pensamento político do

país era necessário penetrar no legislativo. Porém, o legislativo na época

republicana, era influenciado por intelectuais agnósticos, positivistas e

secularistas, tornando cada vez mais difícil a penetração da Igreja Católica

naquele órgão.

O Brasil estava descatolizado. A Igreja Católica desorganizada e

desestruturada não tinha um projeto para ser reconhecida no país. Roma não

tinha força no Brasil. Portugal era quem poderia ainda ajudar fazendo uma

frente junto ao governo republicano, mas devido a expulsão dos jesuítas do

país pelo Marques de Pombal, tornou-se praticamente impossível.


93
A modernidade chega, surge a sociedade industrial e com ela a

securalização transformando a vida política, religiosa, social. Em 1916 surge

um líder carismático na pessoa do arcebispo de Olinda e Recife, bispo auxiliar

do Rio de Janeiro entre 1921 e 1930 que iria mudar a história da igreja política

no Brasil, Dom Sebastião Leme.

Conquista a população pobre do Brasil republicano, carente de

alimentos, vestuário e outros mantimentos essenciais, mostrando a eles que

Deus é o ser supremo e que somente a Ele se deve obedecer, e que os

políticos que não seguem os mandamentos de Deus, diga-se os mandamentos

políticos de Deus, por meio das cartas do apostolo Paulo, não tendo, portanto,

vocação para dirigir o país e enfrentar os problemas sociais que aflige a

sociedade.

Rui Barbosa atento à chegada dessas mudanças, em 2 de março de

1919, na cidade de Juiz de Fora, ministrando uma conferência profere o

seguinte:

“Quais são os grandes povos, os povos de atividade, os povos de


vigor, os povos de soberania? São os povos a quem Deus deu quem
lhes fale. Um povo, que não tem quem lhe fale perde o hábito de
ouvir; com o descostume de ouvir acaba perdendo o ouvido; e porque
já não ouve, se desaveza de falar, para ao cabo, perder, também, a
fala. No fim de contas se reduziu a uma pesada massa incônscia e
surda-muda; porque, à força de não escutar nada se lhe gastou a
oitava e a linguagem, mergulhando-se a vida na surdez e na afasia.
(FRANCO; PILA, 1999, p. 124)

É dessa forma que a Igreja Católica, na pessoa de Dom Sebastião

Leme, pretendia recuperar o campo político que perdera. Utilizando-se dos

discursos políticos das cartas do apóstolo Paulo, direcionava os mandamentos

à proteção dos pobres, dos humilhados, dos presos, daqueles que estivessem

fora da proteção do Estado.


94
Mas faltava à igreja aproximar-se dos militares. O Estado republicano

tinha esse impedimento de que o corpo militar não poderia participar de

qualquer ato religioso e nem sequer frequentá-lo. Mas não havia como impedir.

A força política e de representação da Igreja Católica era centrada na

figura do bispo Dom Sebastião Leme. Em uma ocasião, na inauguração da

estatua do Cristo Redentor, Dom Sebastião Leme, para demonstrar a força

carismática que tinha Igreja Católica, na pessoa dela, afrontou o Estado

positivista proferindo as seguintes palavras, conforme atesta (Azzi, 1978, p. 64)

“Ou o Estado reconhece o Deus do povo, ou o povo não reconhecerá o

Estado.”

Unido ao carisma "político" de Dom Sebastião Leme a Companhia de

Jesus que se encontrava representada pelos Jesuítas, Carmelitas,

Capuchinhos, Franciscanos e Beneditinos, frequentavam as organizações

laicas que eram associações de ajuda mútua. É aqui que a Igreja Católica

começa a desenvolver um trabalho mais forte junto à comunidade pobre,

comunidade de base, e, que por meio dessas organizações de ajuda mútua,

posteriormente conhecida associação eclesiástica de base, nasce o berço e

centro político da igreja moderna, com total influencia em todas as esferas

governamentais.

Esse método de reconstrução política da Igreja Católica se tornou

fundamental para se compreender as estruturas políticas e estatais atuais do

Brasil, sem esquecer a figura carismática do bispo.

E não poderia deixar de ser diferente, pois a figura do bispo carismático,

conforme explica Max Weber (1993, p. 199 - Tradução livre), “é uma qualidade

que, por meio hierárquicos, podem ser transmitidos ou produzido em outro”.


95
No caso da figura do sacerdote, envolve um quadro de

transubstancialidade, reconhecido pela fé e entusiasmo, de uma vida

messiânica na luta pelos pobres contra o Estado.

Essa compreensão nasceu das relações jurídicas e políticas entre a

Igreja Católica e o Estado na altura da descoberta, da sua evolução durante o

período colonial e da monarquia independente que buscava um centralismo

imperial.

Getúlio Vargas para apaziguar essa luta em torno do dogma positivista e

o da Igreja Católica, respondeu, “na sessão de 8 de dezembro de 1925, a um

parlamentar que dissera ser atéia a Constituição do Rio Grande, começa por

lembrar-lhe que "também levara oblatas ao altar de Clotilde de Vaux, para

acrescentar: Deus é uma pura abstração mental com diferentes nomes, mas

revestida da mesma significação... Tenhamos mais em conta a realidade, a

solução dos grandes problemas da vida nacional e não nos aferremos

demasiado ao sonoro verbalismo das expressões -- Deus, liberdade,

democracia, povo. Nos períodos de exaltação e de luta não é raro vermos a

democracia matando em nome da liberdade e a fé religiosa trucidando em

nome de Deus". (PAIM, 1999, p. 97)

Mas havia, por parte dos fieis, duvida quanto as intenções de Getúlio

Vargas. De movimento populista ele pode se transformar em movimento

socialista, desenvolvendo virtualidades não estranhas ao seu impulso íntimo.

Getúlio Vargas, um Salazar em atividade — perguntam-se os fiéis da Igreja —,

não poderia converter-se no Kerenski mal intencionado? O Francisco Campos

de 1935 queria dominar as massas por meio do mito — em 1945 quer destruir

o mito para dominar as massas. (FAORO, 2001, p. 839)


96
Diante da luta doutrinária com o positivismo cientifico, já que no período

republicano brasileiro não poderia ter qualquer ativismo politico religioso, a

Igreja Católica monta uma infra-estrutura social, com a própria ajuda do

governo, de acolhimento aos pobres, nas denominadas Santa Casas, já que o

Estado naquele momento não tinha condições de assumir pessoalmente

tamanha estrutura, pois estava passando por uma crise institucional financeira.

Era o golpe de misericórdia que a Igreja Católica precisava para voltar a

assumir o seu posto no Estado. A ajuda aos necessitados, Estado em

decadência política e econômica, e um líder sacerdotal carismático,

contribuíram para que a Igreja Católica voltasse a assumir o seu papel político

no Governo. Assim, se cria uma boa predisposição para um acordo e mesmo

para uma nova unificação Igreja-Estado.

Para comprovar isso, o discurso proferido por Dom Sebastião Leme no

encerramento do Congresso Eucarístico de 1922, confirma aquilo que seria,

para ele, a libertação da nação brasileira, ou seja, o triunfo de Cristo sobre o

laicismo – “a passagem da independência política para a independência

religiosa”. (DIAS, 1996, p. 117)

A Igreja Católica não queria só teologizar o regime politico brasileiro

naquela época, além disso, queria, de fato, deixar o regime teológico político

forte, perene, assumindo todo o controle estatal para impor as leis de Cristo

sob a égide do Papa Pio XI, privantando a religião no Estado, inclusive, desde

logo, preparando uma rotina carismática sacerdotal, por motivos de sucessão.

Mesmo porque, segundo Max Weber (1993, p. 874 - Tradução livre), o

carisma “se manifesta assim mesmo nas condições modernas e em forma

politicamente importante dentro das relações que mantêm os assuntos com


97
respeito ao poder do Estado.” Era isso, portanto, que a Igreja Católica havia

conquistado.

2.4 Getúlio Vargas, o Estado novo e a relação com a Igreja

Católica

A Constituição de 1934, promulgada por meio de Emenda através de

Decreto Legislativo n.° 6 de 18 de Dezembro de 1935, abre o seu preambulo

depositando uma confiança em Deus para o desenvolvimento do regime

democrático que iria ser implantado.

Diz o preambulo da Constituição da República dos Estados Unidos do

Brasil:

“Nós, os representantes do Povo Brasileiro, pondo a nossa confiança


em Deus, reunidos em Assembléa Nacional Constituinte para
organizar um regime democrático, que assegure á Nação a unidade,
a liberdade, a justiça e o bem estar social e econômico, decretamos e
promulgamos a seguinte Constituição da Republica dos Estados
Unidos do Brasil.’ (POLETTI, 2012, p. 95)

Com isso, a 2a. Constituição Republicana, de 1934, mantém

integralmente os dispositivos, não só quanto às subvenções oficiais como,

também, quanto às relações de dependência ou aliança entre os dois poderes,

espiritual e temporal. (SCAMPINI, 1974, p. 165)

Sob essa condição, vários embates foram travados no legislativo.

Estava ou não institucionalizado a religião católica cristã como religião oficial

do Estado?

Os constituinte católicos, por sua vez, não cessavam de afirmar da

tribuna parlamentar que a Igreja não pleiteava absolutamente o retorno ao

sistema da Religião do Estado, instituído no tempo do Império. Preferiam o


98
sistema da separação dos poderes. No caso o poder espiritual do poder

temporal. (SCAMPINI, 1974, p. 167)

Eis um trecho da discussão

O SR. BARRETO CAMPELO - Neste momento, o Estado faz que não


vê esse fato social evidente, - a religião. Estado não desconhece que
o nosso povo é religioso e, por consequência ...

O SR. ZOROABTRO GOUVEIA - Os príncipes da igreja católica


jámais entenderam como V. Ex. a situação constitucional do Brasil. O
Cardeal Arcoverde, quando arcebispo, na pastoral de 1897, dizia:
“Êsse Estado ateu que se criou, ultimamente, no Brasil."

O SR. BARRETO CAMPELO - A cláusula, portanto, Sr. Presidente,


não tem qualquer motivo oculto. Sua redação corresponde,
explicitamente, aos únicos motivos que temos, neste instante, para
pedí-Ia, isto é, que fique definitivamente traçada a futura prática desta
Constituição, que não será uma prática hostil, mas de cooperação,
isto é, de reconhecimento ao fato notório, evidente, de que as nossas
populações são católicas.

O SR. GUARACÍ SILVEIRA - V. Ex. permite um aparte, para


esclarecimento? Queria perguntar se êsse artigo significa autorizar o
Estado a entrar em concordata com o Vaticano.

O SR. BARRETO CAMPELO - Vou explicar tudo.

O SR. GUARACÍ SILVEIRA - V. Ex. pode responder "sim" ou "não".

O SR. BARRETO CAMPELO - A história atual do mundo é esta:


acabou-se a vesánia de hostilizar as religiões ...

O SR. GUARACÍ SILVEIRA - Mas, a pergunta que faço a V. Ex. ....

O SR. BARRETO CAMPELO - Vou respondê-la com precisão. Não


pense V. Ex. que procurarei ladear.

O SR. EDGARD SANCHES - Não será uma concordata o que VV.


EExs. alí encaminham ?

O SR. GUARACÍ SILVEIRA - Foi, justamente, o que perguntei.

O SR. BARRETO CAMPELO - Vou dizer tudo. O estado atual da


civilização extinguiu a vesánia de comprimiras religiões. Para uns, a
religião é sagrada; para toda gente que não está no mundo da lua, a
religião é um fato social. O Estado tende a ser organizado, tende a
reunir ...

(Annaes da Assembleia Nacional Constituinte 1933/1934. Volume 20.


1936. p. 435)
99
Não se tratava de uma aliança entre a Igreja Católica e o Estado, nem a

aceitação da Igreja Católica como igreja oficial ou igreja do Estado. Nem

tampouco da relação de dependência entre o Estado e a Igreja Católica. Mas

uma religião livre em Estado livre, de completa separação e independência,

com igualdade jurídica para todas as igrejas e cultos, em que se admitia uma

reciprocidade de interesses comuns com a colaboração de todos os credos nos

serviços públicos.

Para isso era necessário a abertura para todas as religiões,

independentemente de seus credos, da assistência religiosa nos hospitais, nas

penitenciarias, nas força armadas e a ministração do ensino religioso nas

escolas. Ou seja, o Estado não manteria nenhuma relação recíproca de

aliança, dependência ou mesmo de interferência na Igreja.

Trata-se do chamado Estado Leigo, bem explicado por Scampini (1974,

p. 166):

O Estado leigo não se arroga de escolher entre as religiões ou seitas


uma que julgue verdadeira para impô-la à sociedade: deixa que cada
individuo aceite a que lhe aparecer mais verdadeira. O Estado leigo
proclama a mais ampla liberdade de consciência, de crenças ou de
cultos. Entende que a fé e a piedade religiosa, apanágio da
consciência individual, escapam inteiramente a consciência do
Estado.

Tudo isso se esquadrinha nos incisos II e III do art. 17 da Constituição

da República do Estados Unidos do Brasil de 1934,

Art. 17. É vedado á união, aos estados, ao Districto Federal e aos


Municípios:

(...)

II, estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos


religiosos;
100
III, ter relação de alliança ou dependência com qualquer culto ou
igreja, sem prejuízo da collaboração reciproca em prol do interesse
collectivo; (POLETTI, 2012, p. 102)

pelo paragrafo 5° do art. 113,

Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros


residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á
liberdade, á subsistência, á segurança individual e á propriedade, nos
termos seguintes:

(...)

5) É inviolável a liberdade de consciência e de crença, e garantido o


livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham á
ordem publica e aos bons costumes. As associações religiosas
adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil. (POLETTI,
2012, p. 130)

e a assistência, na forma do paragrafo terceiro do Art. 163,

Art. 163. Todos os brasileiros são obrigados, na forma que a lei


estabelecer, ao serviço militar e a outros encargos, necessários á
defesa da Pátria, e, em caso de mobilização, serão aproveitados
conforme as suas aptidões, quer nas forças armadas, quer nas
organizações do interior. As mulheres ficam exceptuadas do serviço
militar.

(...)

§ 3°. o serviço militar dos ecclesiasticos será prestado sob a forma de


assistência espiritual e hospitalar às forças armadas. (POLETTI,
2012, p. 133)

A vez da esquerda também viria: no meio da motivação dos anos

posteriores a 1930, cresceu o interesse pela solução soviética, e esse

interesse passou da expressão livresca à conspiração efetiva. A Aliança

Nacional Libertadora, composta em 1934, passou a complementar (sob a férula

de Prestes) a ação do Partido Comunista Brasileiro. A liderança de Prestes

dava um teto comum às decisões de ambas as agremiações, e de- pois de


101
uma série de fatos – em que entraram gestões partidas dos organismos

marxistas internacionais – se tentou a tomada do poder em 1935, em bases

rápidas mas sob condições evidentemente imaturas (SALDANHA, 2001, p.

304)

Getúlio Vargas assumindo o governo, já sabia que não poderia ignorar a

Igreja Católica que adquiriu, por meio de um comunitarismo corporativo, uma

força carismática perante a massa, implantando a sua teologia da libertação.

A força desse comunitarismo corporativo, trouxe de volta os intelectuais

e políticos, por pressão dessa camada corporativa, para dentro da Igreja

Católica e novamente, por assim dizer, ser catequizados, agora, com “a

confecção de um livro didático no qual ficasse explicita a participação da Igreja

na história do Brasil, não como coadjuvante, mas protagonista e forjadora das

bases da grande pátria.” (AZZI, 1980, p. 56)

Aliás, não só isso, a Igreja Católica, para implantar a sua teologia

política, viria a assegurar e conduzir vários militares à Assembleia

Constitucional de 1934, dentre eles o fundador da TFP (Tradição, Família e

Propriedade) Plínio Correa de Oliveira.

A TFP era uma organização católica de extrema-direita se tornaria a

mais famosa após o golpe militar de 1964. De certa forma, era a libertação da

Igreja Católica que agora dominava o legislativo brasileiro. Tinha o comando

político nas mãos. A sua influência foi tão determinante que na Constituição de

1934 privatizou a religião no Estado.

O ensino religioso passou a ser obrigatório nos colégios. A Igreja

Católica tinha o Congresso em suas mãos. Passava a determinar o que


102
deveria ou o que não deveria ser aprovado. O legislativo brasileiro seguia a

cartilha teológica política da Igreja Católica.

Além disso a Igreja Católica tentava, por meio do legislativo, implantar

um sistema de governo hierocrático, conforme definição de Max Weber (1993,

p. 44 - Tradução Livre) quando traz a denominação da Igreja como sendo “uma

instituição é hierocrática quando e na medida em que o seu pessoal

administrativo reclama legitimamente o monopólio da acção hierocrática.”

Marilena Chaui (2003, p. 97) traduz bem a hierocracia por meio da

teologia política asseverando que

“numa formulação inspirada no neoplatonismo do Pseudo Dionísio


Areopagita e na causalidade estimativa (em que o efeito flui ou
emana diretamente da causa) a teologia política afirma que o poder é
um favor divino que emana de Deus aos diferentes tipos de anjos,
constituindo a hierarquia celeste, e ao governante terreno, do qual,
numa cadeia de eflúvios, se propaga hierarquicamente em graus de
comando decrescente, constituindo a hierarquia terrestre, cada um
ocupando um lugar inamovível na cadeia dos poderes do primeiro ao
último grau, no qual não há poder nenhum: o servo, corresponde
sociopolítico do último grau da hierarquia metafísica, isto é, a matéria
informe e a treva.

A Igreja Católica sempre esteve ao lado das oligarquias que dominavam

economicamente o país e a ajudavam nas construções de seus templos. A

relação era íntima porque não havia como sobreviver sem o capital. Mas a

desculpa era de que sempre ajuda os pobres, pode-se dizer que era uma

concepção moderna “robinhoodiana”.

O ativismo político de base ganha força sob orientação do carismática

do bispo como uma força externa de pressão sobre o governo e em especial

sobre o legislativo que segue a ordem da massa e que por sua vez segue a

ordem teológica política da igreja.


103
A elite econômica dominava o legislativo com financiamento e

distribuições de presentes nas campanhas, direcionando o voto de quem

deveria ser eleito.

A Igreja Católica, pos sua vez, respondia que, “há, decerto, no processo

democrático, um irredutível momento de irracionalidade, que é, precisamente,

o da formulação da vontade geral mediante o voto. A este momento, porém, a

democracia faz preceder, como no processo parlamentar das decisões

políticas, o da livre discussão, destinado a esclarecer as vontades convocadas

a participar da deliberação final. A eleição, que é um julgamento de Deus, vem,

assim, a revestir-se, como a decisão do juiz no processo forense e a dos

representantes do povo no processo parlamentar, de uma aparência de

racionalidade, que satisfaz plenamente às modestas exigências intelectuais do

sistema.” (CAMPOS, 2001, p. 25)

Aos pobres os padres para celebrarem o casamento. Aos ricos os

bispos ou arcebispos para celebrarem o casamento, demonstrando que havia

também diferenças hierocráticas nas relações entre as classes sociais. Assim,

apoiavam os necessitados ao mesmo tempo que apoiavam os

economicamente ricos.

De feito, há um preenchimento do vazio institucional no legislativo. E

assim por dizer, Alexis de Tocqueville (2007, p. 657 – Tradução Livre) expressa

que

“A religião encara a liberdade civil como um nobre exercício das


faculdades do homem, e o mundo político como um campo entregue
pelo Criador aos esforços da inteligência. Livre e poderosa na sua
esfera, satisfeita com o lugar que lhe é reservado, ela sabe que o seu
império está mais bem implantado quando não reina senão pelas
suas próprias forças e domina tendo apoio dentro dos corações.”
104
Proclamado o Estado Novo as relações entre a Igreja Católica e o

Governo em nada mudam. O macro domínio das incidências teológicas

implantadas pela Igreja Católica no legislativo estavam cada vez mais fortes.

A consciência religiosa desenvolvida politicamente, por meio de seu

ativismo, junto as necessidades sociais da massa era algo contínuo e

narcisista, para com aqueles que ela ajudou a eleger, trazendo isso sempre na

memória, sempre como uma forma de compensação de uma dívida eleitoral.

A Constituição de 1937 repete o mesmo dispositivo de separação da

igreja e do Estado, suprimindo a clausula introduzida na Constituição de 1934

“sem prejuízo da colaboração recíproca”. É, pois, solene reafirmação do

laicismo de 1891. (SCAMPINI, 1974, p. 163)

O que Pontes de Miranda (1970, p. 145) viria a dizer, “a Constituição de

37 saltou 34 e volveu a 1891, no que se refere a laicidade do Estado.” De fato,

somente as constituições de 1891 e 1937 não invocaram o nome de Deus em

seu preambulo, as outras Constituições, incluindo a de 1988, fazem essa

invocação.

Neste preambulo, em vez de princípios de ordem política, filosófica e

religiosa, encontramos uma série de considerados para justificar a atitude do

discricionária do ditador. (MIRANDA, 1970, p. 125)

Rui Barbosa afirmava que liberdade e religião são sócias e não inimigas.

Dizia ele “não há religião sem liberdade assim como não há liberdade sem

religião.”

A religião é muito mais necessária nas republicas do que nas

monarquias e muito mais ainda nas repúblicas democráticas do que em todas


105
as demais. Como seria a sociedade se, afrouxando o laço político, não

estreitasse o vínculo moral? (SCAMPINI, 1974, p. 260)

A Constituição de 1937 trouxe muita similaridade à Constituição de 1891

nos aspectos que versam a respeito da liberdade religiosa. Todas as

conquistas de assistência religiosa nos hospitais, as forças armadas e em

outros estabelecimento, o serviço militar eclesiástico, provento no texto

constitucional de 1934, foram todos eles riscados na Constituição de 1937.

Sequer foi preservado a representação diplomática do governo brasileiro junto

a Santa Sé.

Enquanto a Constituição de 1934 proclamou a liberdade de consciência

e de crença e o livre exercício dos cultos religiosos, a Constituição de 1937 só

assegurou a liberdade dos culto, conforme previsão na alínea b do art. 32 e no

paragrafo 4° do art. 122.

Art. 32. É vedado á União, aos Estados e aos Municípios:

(...)

b) estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos


religiosos;

Art. 122. A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros


residentes no paiz

o direito á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos


termos seguintes:

(...)

4 – Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer


publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e
adquirindo bens, observadas as disposições do direito commum, as
exigências da ordem publica e dos bons costumes. (PORTO, 2012, p.
130)
106
A grande mudança que se operou na cultura contemporânea é a

seguinte: os direitos inerem à pessoa e não aos valores. O titular do direito é a

pessoa. A relação que existe entre a pessoa e o valor é logica e não jurídica,

enquanto a relação jurídica é sempre intersubjetiva, entre pessoas, entre

sujeitos. Somente assim pode-se falar em direito à liberdade religiosa, porque o

direito de um supõe o dever correlato do outro. (SCAMPINI, 1974, p. 171)

A questão da liberdade religiosa tem aspectos modernos, com o

nascimento do Estado de Direito, o Estado Constitucional. A Igreja Católica

passou a entender que o Estado deveria prover direitos à liberdade religiosa e

não mais a religião prover o Estado.

Nessa concepção, para o Igreja Católica o Estado passa a ser uma

instituição humana, criada pelos homens e não mais uma Cidade de Deus,

acabando, por vez, a tese do direito divino interferindo nas relações estatais.

Fortalece a questão espiritual da providencia divina, o Estado é dos

homens mas a criação do Estado é de Deus. Mas nem por isso os homens de

Deus devem deixar de lutar por um Estado social mais justo, abominando

qualquer tipo de pobreza e miséria provocado por descaso do Estado.

Essa perspectiva é observada no encíclica Dignatis Humanas da Igreja

Católica quando anunciou que “este Concilio declara que a pessoa humana

tem o direito à liberdade religiosa. Este direito consiste em que todos o s

homens devem ser imunes de coação, seja por parte de indivíduos, seja por

parte de grupos sociais ou de qualquer autoridade, de tal forma que em matéria

religiosa ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência e não seja

impedido de agir, dentro dos devidos limites de conformidade com sua

consciência.”
107
Para Schmitt, (2006, p. 114)

É certo que à igreja está atrelada uma certa ambiguidade. Ela não é
uma inequívoca formação político-religiosa como o reino messiânico
dos judeus. Mas ela também não é uma formação puramente
espiritual na qual conceitos como política e pode não podem ocorrer
de jeito nenhum, que, ao contrário, teria que limitar-se a servi-los.

O Estado de direito é um Estado constitucional, um Estado em que

estão definidos em termos jurídicos a formação e configuração de seus órgãos,

seu funcionamento e sua relação. Nesse ordenamento jurídico, o exercício da

autoridade é limitado os termos fixados pela Constituição. Adota-se o principio

da divisão dos poderes para tutelar o direito dos cidadãos.

O direito publico se fortalece a partir do momento em que os direitos

fundamentais passam a ser exercidos por uma cidadania forte. A Igreja

Católica separada paternalisticamente do Estado, transfere a sua verdade

religiosa, a sua luta política para os direitos fundamentais, esfera inviolável do

individuo.

Com isso, toda a verdade espiritual religiosa passa a ter uma nova

conotação. A luta pelos direitos sociais, passando essa a ser o foco da Igreja

Católica. O importante é a garantia de liberdade que o Estado deve prover das

lutas sociais em prol dos direito fundamentais.

Por isso, o Estado de direito procura assegurar os direitos fundamentais

da pessoa humana que se encontram inseridos em todas as Constituições

modernas. (SCAMPINI, 1974, p. 172)


3 A REDEMOCRATIZAÇÃO POLÍTICA E O ATIVISMO SOCIAL

DA IGREJA CATÓLICA

Getúlio Vargas deposto do governo pelos militares, se inicia um novo

período no Brasil, após o fracasso do regime ditatorial que havia se instalado.

Os constituintes reunidos em 1946, imbuídos do novo espírito de liberdade

democrática que assolava o país, trabalhavam para restabelecer, delineando à

nova Constituição um sistema liberal dentro da realidade brasileira.

Com a redemocratização do país em 1946, a politica da Igreja Católica é

também incorporada à Constituição pelo legislativo, mantendo novamente uma

unidade colaborativa que de fato outrora já vinha se consumado.

O Estatuto Fundamental de 1946, na maioria de seus aspectos, foi uma

reprodução melhorada da lei básica de 1934, livre de seus defeitos e com

novas virtualidade a serviço do bem público.

A independência religiosa do Estado, na Carta Constitucional de 1946,

advém dos incisos II e III do art. 31.

Art. 31. À união, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é


vedado:

(...)

II – estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes


o exercício;

III – ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou


igreja, sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse
coletivo; (BALEEIRO; BARBOSA, 2012, p. 58)

Em comentário a esse dispositivo, registra Scampini (1974, p. 174) que


109
“são reafirmados neste artigo dois princípios: o da separação e
independência do Estado da Igreja e o da colaboração do Estado
com a Igreja na persecução do bem comum. Conhecemos a gênese
deste artigo. O inciso II refaz o 1° artigo do Decreto n.° 119-A, da
separação da Igreja do Estado, promulgado pelo Governo Provisório,
em 1890. Ele é a transcrição fiel do principio sancionado nas
Constituições de 1891, de 1934 e de 1937. Representa, pois, uma
constante filosófico-jurídica das Constituições Brasileiras
Republicanas. A independência religiosa do Estado é uma conquista
definitiva da República.”

A unidade de colaboração entre o Estado e a Igreja advém da alínea b

do paragrafo 5° do art. 31 da Constituição de 1946.

V – lançar imposto sôbre:

(...)

b) templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos,


instituições de educação e de assistência social, desde que as suas
rendas sejam aplicadas integralmente no país para os respectivos
fins; (BALEEIRO; BARBOSA, 2012, p. 58)

Em seu voto no RE n. 45.316/SP, o então Ministro do Supremo Tribunal

Federal (STF), Aliomar Baleeiro acompanhando o voto do Relator, Ministro

Adalicio Nogueira, julgado em 7 de novembro de 1967, fez uma ressalva em

relação ao imposto de indústrias e profissões, dizendo

“Eu me coloco naquela corrente que teve como porta-bandeira, neste


Tribunal, o eminente Ministro Orozimbo Nonato, o qual reconhecia à
União a possibilidade de isentar de impostos estaduais e municipais
quando houver um “interesse comum” (Constituição de 1946, art. 31,
parágrafo único), tese que prevaleceu na Constituição de 1967.”
(AMARAL JR., 2006, p. 161)

Como se observa no voto do Ministro Aliomar Baleeiro, a expressão em

destaque “quando houver “interesse comum””, significa dizer que o Judiciário, o

Supremo Tribunal Federal, reconhecia no art. 31 da Constituição de 1946, que

o Estado poderia fazer a isenção de impostos sempre que lhe aprouvesse


110
interesse nas relações com o setor privado e demais setores.

A imunidade tributária referenciada no artigo, fundamenta um vinculo

colaborativo de interesse comum do Estado com a Igreja (alínea b, paragrafo

V, art. 31), ou com as religiões de um modo geral, pois vedava o lançamento

de impostos nos templos de qualquer culto, tornando a igreja imune da

cobrança de impostos.

Não houve, por parte do Ministro Aliomar Baleeiro, em seus votos

proferidos no Supremo Tribunal Federal, somente essa referencia de relação

do Estado com a Igreja.

Em vários de seus votos, restaram consignados a termo a sua referencia

a devoção ao preambulo da Constituição que trazia a seguinte expressão:

“Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus,

em Assembléia Constituinte para organizar um regime democrático,

decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS

UNIDOS DO BRASIL” (BALEEIRO; BARBOSA, 2012, p. 51) .

Afirmava ele, por exemplo, no voto do RE n. 63.216/SP, “Sr. Presidente,

peço a Deus e aos eminentes Juízes me perdoem se disser alguma heresia,

nesta Casa, porque o único meio de o Supremo Tribunal Federal construir a

Constituição, é por esse processo de tentar, errar e corrigir o erro.” (AMARAL

JR., 2006, p. 170)

Quando relator do processo RE 62.731 — GB, o Ministro Aliomar

Baleeiro disse em seu voto: “Creio, data vênia, que a solução alvitrada pelo

eminente Procurador-Geral criaria um impasse. Continuaria a luta entre as

partes, uma dizendo que teve ganho de causa no Supremo Tribunal e a outra
111
que, aplicando-se o Decreto-Lei 322, poderia voltar para resolver o mesmo

problema. Temos de enfrentar a dificuldade, e Deus que nos ilumine.”

(AMARAL JR., 2006, p. 348)

Dizia ele, em voto, em outro Recurso Extraordinário, desta feita, citando

a Constituição Argentina, que “Como dizia a Constituição argentina: em relação

aos atos que a lei não proíbe, o cidadão só deve contas a Deus.” (RE n.

63.216/SP) (AMARAL JR., 2006, p. 193)

Em outra manifestação do Ministro Baleeiro quando do voto do Ministro

Victor Nunes no RMS n. 16.912/SP, Relator o Ministro Djaci Falcão, julgado em

31 de agosto de 1967, advertiu ele que “Estamos entrando no subconsciente

do espírito legislativo. As intenções pertencem a Deus.” (AMARAL JR., 2006, p.

33)

Observa que as referencias em seu voto, por parte do Ministro Baleeiro,

a figura de Deus, são indícios significativos de respeito que o judiciário,

Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, vem tendo a expressão

contido no preambulo da Constituição brasileira de caráter eminentemente

religioso e não como profissão de fé, pelo menos essa é e deve ser a intenção,

pelo caráter positivista da Constituição.

Isso é uma consideração própria de um principio democrático de Direito.

A independência religiosa do Estado, onde todos, pelos mesmo a maioria, de

certa forma professam alguma fé, professam uma determinada religião. No

caso, seria respeito ao próprio preambulo da Constituição, embora haja uma

profissão de fé do Ministro no Supremo Tribunal Federal.

Vale registrar que “de forma categórica e enfática, “sob e proteção de


112
Deus” foi promulgada pelo representantes do povo brasileiro a Constituição da

República Federativa do Brasil. A inclusão do nome de Deus no Preâmbulo do

texto constitucional não é por acaso. “O campo da fé é do qualitativo e do

indesmonstrável; ele esteve essencialmente ligado à lei e à deliberação

pública.”” (SCALQUETTE, 2013, p. 173)

3.1 Os direitos e garantias individuais da política religiosa

Dissociado do Estado, a Igreja Católica, com maior liberdade

constitucional, ganhava força nas camadas populacionais de baixa renda, com

ações sociais de luta pelos direitos fundamentais, dos direitos e das garantias

individuais, concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à

propriedade assegurados na Constituição de 1946.

Estavam assegurados a liberdade de consciência e de crença e

assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a

ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas adquirirão

personalidade jurídica na forma da lei civil.

Ninguém poderia ser privado, por motivo de convicção religiosa,

filosófica ou política ninguém será privado de nenhum dos seus direitos. A

assistência religiosa poderia ser prestada as força armadas, bem como,

quando solicitada pelos interessados ou seus representantes legais, e também

nos estabelecimentos de internação coletiva.

A luta da Igreja Católica passava a ser no campo social. De fato efetivar

o texto constitucional à população de baixa renda. Ela já vinha espoliando um

direcionamento político para as gravidade das questões sociais que

estouravam no mundo inteiro, causados pela Revolução Industrial e o


113
agravamento da crise do capitalismo levado aos seus extremos, relegando a

classe dos trabalhadores, de um lado, e, do outro lado, o pensamento marxista

que fomentada a luta de classe causada pela frustações dos operários

fomentada pela ganancia de patrões inescrupulosos.

O Brasil caminhava para novos rumos políticos. A vez da esquerda

também viria: no meio da motivação dos anos posteriores a 1930, cresceu o

interesse pela solução soviética, e esse interesse passou da expressão

livresca à conspiração efetiva. A Aliança Nacional Libertadora, composta em

1934, passou a complementar (sob a férula de Prestes) a ação do Partido

Comunista Brasileiro. A liderança de Prestes dava um teto comum às decisões

de ambas as agremiações, e depois de uma série de fatos – em que entraram

gestões partidas dos organismos marxistas internacionais – se tentou a tomada

do poder em 1935, em bases rápidas mas sob condições evidentemente

imaturas (SALDANHA, 2001, p. 304)

Diante desses novos acontecimentos políticos, a Igreja Católica envia

“em 1946 o novo Núncio Apostólico, que substituía Dom Aloísio Masella,

elevado pouco antes ao cardinalato pelo Papa Pio XII. Informado da visão, que

Pe. Helder tinha dos problemas nacionais, o novo Núncio o convidou para ser

conselheiro da nunciatura no tocante a assuntos brasileiros. A partir deste

momento, Pe. Helder passou a proporcionar à Nunciatura, com frequência

semanal, um panorama completo das questões mais importantes em

andamento no país e os desafios enfrentados pela Igreja com relação a esses

temas.” (BARROS; OLIVEIRA, 2000, p. 24-25)

A visão política da Igreja Católica em relação aos agravamentos da

situação social das massas é bem antiga. No contexto histórico, o Papa Leão
114
XIII, tratou dessa realidade lançando a encíclica Rerum Novarum, em 1891.

Quarenta anos depois o Pio XI edita a encíclica Quadragesimo Anna, seguindo

a linha do pensamento social de seu predecessor.

Registra Maciel (1998, p. 5) que

Nesse documento, a posição de Pio XI se orienta no sentido de


apontar uma linha de conduta e um modelo de doutrina eqüi-
distantes do radicalismo de sistemas extremistas, que desintegravam
e corroíam o tecido social e econômico das muitas nações, deixando
os indivíduos à mercê do Estado todo poderoso e da ambição
desbragada dos ricos, sem qualquer tipo de mediação.

Preconiza, então, um modelo fundado sobre órgãos intermediários de


base cristã, capazes de privilegiar as comunidades de trabalho,
notadamente as de natureza profissional.

Nas inspirações dessas encíclicas, com o pensamento social voltada

para os pobres, privilegiando as comunidades de trabalho, é criada CELAM

(Conferencia Episcopal Latino-Americana) pela Igreja Católica, com a doutrina

voltada à teologia da libertação.

Para Alves (1979, p. 50)

“é necessário também seguir a evolução das organizações de


coordenação criadas a partir de 1952, a CNBB (Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil) e a CRB (Conferência dos Religiosos
do Brasil). Estas duas organizações, sobretudo a CNBB, tornaram-se
os centros das decisões políticas da Igreja. Criaram organismos
de estudos, de planejamento, de recolha de informações e
divulgação de dados estatísticos, enfim, verdadeiros estados-
maiores, integrados por clérigos e leigos que são responsáveis pela
formulação de planos de ação para o conjunto da instituição e
pela criação dos institutos de investigação destinados a medir a
eficácia destes planos, as possibilidades materiais da Igreja e a
acompanhar os conflitos que se geram no seu seio.”

Mir (2007, p. 415) esclarece que “o projeto prioritário da CNBB, nos anos

1950, para o catolicismo brasileiro é o programa da Ação Católica no

movimento operário; anticomunismo, círculos operários e juventude operária,


115
neutralização do movimento comunista brasileiro. O discurso religioso não

poderia ser outro, contra a fome, o cavalo de batalhar milenar da Igreja

Católica.”

Nesse diapasão, afirmava Dom Helder Câmara que “A Igreja nunca é

acusada de fazer política quando se junta aos poderosos”. Ele, que defendia os

oprimidos, era chamado de comunista. “Se falassem revolução como mudança

rápida e radical, então, eu desejo essa revolução social”, dizia ele. “E vêm me

dizer que isso é comunismo. Comunismo seria mostrar a religião como ópio do

povo. Eu desejo exatamente o contrário”. (SIMON, 2009, p. 76)

Nesse período, o judiciário sempre esteve envolvido em decisões sobre

questões religiosas. O Supremo Tribunal Federal, em uma provocação, acerca

de um Mandado de Segurança n. 1.114/DF, da Relatoria do Ministro Lafayette

de Andrada, julgado em 17.11.1949, foi acionado para dirimir uma controvérsia

sobre a prática à liberdade consciência religiosa, tanto em seu aspecto interno,

no caso a crença, quanto em seu aspecto externo, no caso o culto.

Disciplina o Marques de São Vicente (1873, p. 14)

Si para os crentes basta a certeza moral do que dispõe o acto


ecclesiastico nada obsta; que sigam no fôro interno os seus dictames;
o que está sujeito ao poder politico é o foro externo, isto é, toda e
qualquer manifestação, ou jurisdiccão exterior contraria á lei.

Tais dimensões foram, a propósito, devidamente sublinhadas pelo

Ministro Orozimbo Nonato:

No antigo direito francês, ao tempo de Luiz Felipe, a Carta


Constitucional trazia o seguinte conteúdo: “Chacun professe sa
religion avec um égale liberte, et obetient pour son culte la
même protection”. Os autores que elaboraram comentários a
esse dispositivo distinguiam entre o culto e a crença, para
mostrar que esta seria inviolável, sendo o culto a prática
externa da crença, protegido e tutelado. Quanto à primeira,
116
seria violência que levantaria as pedras, impedir que alguém
pudesse ser católico ou espírita ou descrente.

Mas o culto é manifestação externa da crença e, logo,


interessa ao Estado, à sociedade, aos usos e costumes, ao
5
consórcio civil.

Nessa linha, assinalou o Ministro Orozimbo Nonato que a liberdade


religiosa é, entre as garantias, a que mais cuidados inspira, a mais
6
melindrosa e delicada . Acolheu o magistério de Samapaio Dória,
para deixar assente que manifestar cada qual sua crença ou
descrença em religião, pregar, propagar o seu credo, associar-se
para cultuá-lo, e praticar em público sua fé, eis para a criatura
7
racional o mais sagrado dos direitos .

Quanto ao seu aspecto externo — a liberdade de culto —, o Supremo


Tribunal Federal dirimiu questão em face de mandado de segurança
impetrado contra ato policial que impediu a realização de cultos
públicos pela Igreja Católica Apostólica Brasileira, com base em
parecer da Consultoria-Geral da República aprovado pelo Presidente
da República. Segundo o Relator, Ministro Lafayette de Andrada, o
governo proibiu, sim, o culto público, em lugares públicos, por
entender que nessa prática havia manifesta confusão com os
costumes, com as solenidades externas da Igreja Católica Apostólica
Romana. Os ministros da Igreja Brasileira, suas vestes, suas
manifestações em atos públicos eram perfeitamente iguais aos de
8
outra Igreja .

Em sua defesa, o impetrante — Dom Carlos Duarte da Costa, ex-


bispo de Maura, da Igreja Católica Apostólica Romana, então Bispo
do Rio de Janeiro, da Igreja Católica Apostólica Brasileira — alegou:
não existe confusão entre sua Igreja e a Igreja Católica Apostólica
Romana, porque esta se pretende universal, e a Igreja Brasileira,
9
Igreja nacional, exclui desde logo a noção universal . Aduziu, ainda,
que as vestes sacerdotais, em todas as religiões que se separam de
outra, a princípio são as mesmas: só com o correr dos tempos as
10
religiões separadas adotam vestes sacerdotais características .
Ponderou também que os Estatutos da Igreja Brasileira estão
regularmente registrados, podendo praticar todos os atos não
proibidos pela Constituição, inclusive culto externo, porque não são
11
contrá- rios aos bons costumes .

Ao julgar o caso, o Supremo Tribunal Federal denegou a segurança


requerida. À maioria juntou-se o Ministro Orozimbo Nonato, que, ao
formar seu convencimento, atribuiu à situação sub judice a seguinte
conformação:

Mas a meu ver, no caso, não se cuida, propriamente, de


fundação de Igreja que apenas negue o primado de Roma.
Esta Igreja quer viver através do culto, porque, sem culto, as
Igrejas não vivem, e as crenças, em geral, estiolam-se. Raros
são os que, como os eremitas da antigüidade, podiam adorar a

5
Cf. voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-1949.
6
Cf. voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-1949.
7
Cf. voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-1949.
8
Cf. voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-1949.
9
Cf. voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-1949.
10
Cf. voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-
1949.
11
Cf. voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-
1949.
117
Deus sem os estímulos externos, que falam à imaginação, por
meio de imagens, preces coletivas, manifestações exteriores.

O culto é indispensável aos crentes. Logo, é livre a Igreja


Católica Brasileira ter seu culto e seu rito: negá-lo seria lacerar
a Constituição. Mas, no caso, informa o Poder Público — e a
informação tem fidedignidade, até prova em contrário — que
essa revelação de crença em seu rito exterior tende a
confundir-se com os ritos de outro culto, perturbando a
liberdade deste, a proteção que ele também merece. É certo
que inexiste, como disse o ilustre advogado, um registro de
cultos e de ritos, mas a confusão de cultos deve ser evitada,
por amor da ordem e da proteção que todos os cultos
merecem. Se a Religião Católica Brasileira estabelecer este
culto em linhas nítidas, nenhuma outra religião poderá adotá-lo,
12
para o fim de se prevalecer de confusões vitandas.

Em face de tais considerações, chegou o Ministro Orozimbo


Nonato ao âmago da controvérsia. Registrou, primeiramente,
que assegura o impetrante inexistir essa confusão. Alega que
as vestes são diferentes e que as insígnias e manifestações
13
externas não se confundem . Ou seja, nesse ponto específico
e fundamental, as assertivas do impetrante e as informações
14
do poder público se chocam . A resolução do mandamus,
reconheceu o Ministro, passava necessariamente por dirimir
questão de fato complexa e suscetível de larga indagação.
Para ele, seria desmudar a fisionomia desse remedium iuris,
cabendo à parte suscitar a ação própria para, então, o juiz
examinar a questão com a necessária minúcia, em face das
15
provas .

Ainda em relação à liberdade de culto — aspecto extrínseco da


liberdade de religião —, o Supremo Tribunal Federal deu
solução a conflito decorrente da condenação pelo Tribunal de
Segurança Nacional de Tossaku Kanada, pastor da Igreja
Adventista do Sétimo Dia. Sua infração decorreria do fato de
ter instigado a desordem e o não-cumprimento de ordens
legais, pois, divulgando e explicando os cânones de sua
religião, entre os quais o de não trabalhar aos sába- dos e o de
não matar nunca, incutia (...) nos respectivos adeptos a
obrigação de se recusarem ao cumprimento de qualquer
serviço naqueles dias, salvo quando objetivasse um bem, ou o
de repudiarem a defesa do solo pátrio e da honra nacional
ainda quando agredido ou vilipendiado por atos de violência de
16
seus inimigos .

Ocorre que um soldado do Exército Nacional, obedecendo as


normas adventistas, conforme declarou, se recusou, de modo
irrevogável, a realizar serviços internos da sua unidade, em
certo sábado, porque tal religião não lho permitia, o que lhe
valeu a pena de um ano de prisão aplicada em processo

12
Cf. voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-
1949.
13
Cf. voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-
1949.
14
Cf.voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-1949.
15
Cf.voto proferido no MS n. 1.114/DF, Rel. Min. Lafayette de Andrada, julgado em 17-11-1949.
Esta posição foi severamente criticada por Emília Viotti da Costa.
16
Cf. relatório proferido pelo Ministro Bento de Faria no HC n. 28.868/DF, Rel. Min. Bento de
Faria, julgado em 29-11-1944.
118
17
regular . Assim, procedeu-se à abertura de inquérito a fim de
apurar os efeitos da orientação tendenciosa das aludidas
pregações no tocante aos elevados interesses da segurança
nacional, assim comprometidos por motivos da conseqüente
indisciplina militar já concretizada em vários casos
determinados pela obediência àquelas normas adventistas,
divulgados e aconselhados por forma a incitar a desobediência
18
da lei . Em razão disso, foi o pastor condenado pelo Tribunal
de Segurança Nacional.

O entendimento da Corte — sufragado pelo Ministro Orozimbo


Nonato — foi qualificado pela autora de interpretação pouco
liberal da Constituição, caracte- rística — segundo ela — da
maioria das decisões nesse período (cf. O Supremo Tribunal
Federal e a construção da cidadania. São Paulo: UNESP,
2006. p. 122).

A questão — submetida à apreciação do Supremo Tribunal


Federal em sede de habeas corpus movido por Evandro Lins e
Silva em favor do pastor — foi resolvida por voto de minerva do
então Presidente da Corte, Ministro Eduardo Espinola. O
deferimento do writ foi acolhido por apertada maioria, da qual
participou o Ministro Orozimbo Nonato.

A controvérsia, segundo ele, estava em saber se a pregação


religiosa poderia resultar em prática delituosa. Assim, conferiu
à controvérsia a seguinte feição:

Cuida-se de saber se a pregação religiosa dos princípios mais


puros, mais elevados, mais humanos, pode conduzir a crime e
a delito. Como católico, tenho que a mais alta religião é que
obedece à Igreja de Roma. E esta mesma Igreja prega, às
declaradas, a necessidade de repouso hebdomadário e tem
19
como diretriz à consciência dos povos o “não matarás”.

Posta a indagação, respondeu, de maneira desenvolta, o Ministro


Orozimbo Nonato que a pregação religiosa pode, assim, conforme a
20
direção que tome, ser veículo de crime . No entanto, afirmou que
21
indispensável se torna o exame das provas . Passou, então, a
examinar as circunstâncias do caso específico:

O fato de que é acusado o pastor japonês é de pregar o “não


matarás” e o outro princípio do “descanso aos sábados”, de
modo prejudicial aos interesses do Brasil. É muito possível que
essa pregação derive para a prática de atos delituosos; é
possível ainda que, no “ânimo delituoso do japonês, que os
pregou, houvesse o intuito de diminuir a eficiência do trabalho
de defesa do território nacional”; mas a pregação, em si, não
constitui crime. Seria mister que a denúncia dissesse — e as
provas o demonstrassem — que Ministro Orozimbo
Nonatoessa pregação foi feita com o intuito de evitar a

17
Cf. relatório proferido pelo Ministro Bento de Faria no HC n. 28.868/DF, Rel. Min. Bento de
Faria, julgado em 29-11-1944.
18
Cf. relatório proferido pelo Ministro Bento de Faria no HC n. 28.868/DF, Rel. Min. Bento de
Faria, julgado em 29-11-1944.
19
Cf. relatório proferido pelo Ministro Bento de Faria no HC n. 28.868/DF, Rel. Min. Bento de
Faria, julgado em 29-11-1944.
20
Cf. relatório proferido pelo Ministro Bento de Faria no HC n. 28.868/DF, Rel. Min. Bento de
Faria, julgado em 29-11-1944.
21
Cf. relatório proferido pelo Ministro Bento de Faria no HC n. 28.868/DF, Rel. Min. Bento de
Faria, julgado em 29-11-1944.
119
conscrição militar. Não basta que no ânimo de um ouvinte ela
repercuta com essa intensidade. Se alguém for ouvir a prática
de um padre católico romano, em que se diga “não matarás” e
em que se apregoe o horror da guerra, e, exagerando e
descompreendendo o alcance do ensino, rebelar-se contra o
serviço de armas, nem por isso teria incidido o sacerdote em
crime, pois que se limitara à predica dos mais sãos princípios.

O mesmo se passa no caso dos autos. O pastor adventista


pregou esses princípios, que são das religiões civilizadas de
todos os povos, e um soldado, que se recusara a serviço
militar, dissera que foi ouvinte dessa pregação e que sua
recusa se filiara na pré- dica. Estabeleceu-se daí um nexo
ideológico, uma relação causal, entre a pregação do princípio
“não matarás”, entre a pregação do princípio “descansarás aos
sábados” e a insubordinação do soldado, o não-cumprimento
22
desse soldado às leis militares.

E, adiante, expôs seu juízo sobre o deslinde da questão:

Mas esta relação não existe, a não ser que o pastor adventista,
às declaradas, pregasse, como exemplo da aplicação do
princípio “não trabalharás no sábado” e como exemplo do
princípio “não matarás”, a necessidade de cruzar os braços em
23
face do inimigo atacante.

No raciocínio do Ministro Orozimbo Nonato, é necessário, para a


configuração da infração, que haja indicação específica, exata, de
que o japonês houvesse inculcado ao soldado a insubordinação, a
inércia ante os cruéis inimigos da pátria. Não é a repercussão do
ensino, advertiu, no ânimo enfraquecido de um ouvinte ou discípulo,
que pode qualificar como criminoso o ato do pregador, porque as
24
melhores lições, às vezes, dão péssimos frutos . Assim, ante a
ausência de elemento probatório específico sobre a pregação do
pastor japonês, concedeu a ordem afastando a condenação do
Tribunal de Segurança Nacional. Fez-se da liberdade de religião a
regra, somente elidível pela prova cabal da incitação ao ilícito. (LEAL,
2007, p. 91-98)

Em outro julgamento, nos Embargos no Recurso Extraordinário n.

31.179/DF, em que o Supremo Tribunal Federal decidia sobre a competência

exclusiva da autoridade eclesiástica na questão sobre se normas da confissão

religiosa, que devem ser respeitadas por uma associação constituída para o

culto, o Acórdão proferido em julgamento no dia 24.7.1959 e publicado no

Diário da Justiça em 9.9.1959, onde consta que foram rejeitados os embargos

22
Cf. relatório proferido pelo Ministro Bento de Faria no HC n. 28.868/DF, Rel. Min. Bento de
Faria, julgado em 29-11-1944.
23
Cf. relatório proferido pelo Ministro Bento de Faria no HC n. 28.868/DF, Rel. Min. Bento de
Faria, julgado em 29-11-1944.
24
Cf. relatório proferido pelo Ministro Bento de Faria no HC n. 28.868/DF, Rel. Min. Bento de
Faria, julgado em 29-11-1944.
120
da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Antiga Sé, foi proferido as

seguintes notas:

Rio de Janeiro, 24 de julho de 1959 — Orozimbo Nonato, Presidente


— Hahnemann Guimarães, Relator do acórdão.

Em julho de 1959, o Tribunal novamente julgou questão com


repercussões nos direitos individuais, uma vez que tratava dos
limites existentes entre as autoridades eclesiásticas e o poder
temporal.

No julgamento do RE 31.179, o ministro Ribeiro da Costa se


colocou do lado do voto vencedor, entendendo que regras
referentes à confissão religiosa somente poderiam ser fixadas
pela Igreja, não cabendo ao Poder Judiciário intervir para
estabelecer sua própria premissa de decisão.

A questão era delicada, uma vez que estava em jogo a


liberdade de religião e o objeto de proteção desse tipo de
liberdade. De fato, assumir a possibilidade de o Poder
Judiciário examinar temas internos da Igreja colocaria em risco
a autoridade eclesiástica, enfraquecendo e fragilizando a
crença religiosa que sofre a intromissão.

Em realidade, a proteção da liberdade religiosa significa a


proteção de uma determinada disciplina canônica que somente
permite guarda de maneira unitária.

Por isso, no caso, a forma de administração de bens imóveis


das associações religiosas é decisão que somente cabe à
própria Igreja Católica. Constituídas as associações sob o pálio
da crença católica religiosa, pouca repercussão e importância
há em saber se essa associação nasceu de dentro da Igreja.

Assim, em conclusão, “a administração desses bens cabe à


Irmandade, e para administrá-los os seus associados hão de
estar submetidos como simples prepostos à disciplina
canônica”.

O problema enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal, nesse

julgamento, sobre a administração dos bens imóveis da igreja, era se saber de

fato se todos os bens registrados em nome da igreja eram considerados para

fins de culto ou se estariam sujeitos à disciplina do Código Civil, do registro civil

e, portanto, do poder judiciário para deslindar as questões referentes a esse

bens imóveis.
121
Já aí se viu que a Igreja não podia tomar a atitude que teria tomado, no

caso; mas uma coisa é a disciplina jurídica, referente aos bens imóveis

pertencentes à Igreja Católica e toda vez que, em torno desses bens surgir

qualquer dúvida sobre o direito de propriedade, a Justiça Nacional pode agir e

age. É a própria Igreja que constantemente está perante juízes e tribunais

defendendo a sua propriedade imobiliária. (LEAL, 2012, p. 283)

O ativismo da Igreja Católica junto ao judiciário há tempo se concretiza,

principalmente quando o assunto é propriedade. Para a igreja a propriedade é

necessária para professar e cultuar a sua fé. Todas as suas propriedade são

constituídas por meio de doação. Nada de fato é comprado pela Igreja, tudo é

fruto de doação, por meio de sua massa dizimista. Assim, a defesa da

propriedade, pela Igreja, torna-se algo sagrado, portanto, devem estar

submetidos à disciplina canônica.

Isso remonta ao regime das sesmarias, adotado a princípio em Portugal

como simples uso e mais tarde incorporado à Ordenação Filipina L. 4, T. 43, foi

também seguido no Brasil pelos primeiros donatários. A este era lícito, pelas

doações e forais, dar em sesmaria as terras incultas. Como, porém, não

produzisse ele os resultados esperados, a coroa portuguesa autorizou o

primeiro governador geral do Brasil a conceder sesmarias gratuitas, sujeitas

apenas ao dízimo a Deus.(NOLETO, 2009, p. 213)

3.2 O golpe militar e a relação com a Igreja Católica

O golpe militar de 1964 levou a Igreja Católica a tomar um

posicionamento político de aceitação ao novo governo que se instalava.

Coincidiu à época com a votação da terceira sessão do concílio vaticano II.


122
O concílio vaticano II muda o foco da Igreja Católica em relação ao

Estado. A Igreja não quer que no mesmo território venha a compartilhar duas

soberanias. Agora vislumbra duas comunidades que em sentido colaborativo

visam dar um maior equilíbrio social às diversas camadas da sociedade em

diversos níveis político e econômico.

No Decreto n°5 sobre o apostolado dos leigos, a Igreja Católica se

pronuncia afirmando que “como leigo, o cristão deve considerar encargo

próprio a restauração da ordem temporal e agir nela de modo direito e

concreto, guiado pela luz do evangelho e pelo pensamento da Igreja, impelindo

pela caridade cristã; como cidadão deve cooperar com os outros cidadãos com

sua competência especial e sua responsabilidade específica.”

Os católicos, passada a fase de Jackson de Figueiredo morto prema-

turamente, aliás – adotam desde 1964 posições diferentes: uns, pelo bordo

tomista, se apegam a Maritain (cujas idéias chegaram, por aqueles anos, a ser

tidas e combatidas no Nordeste como “avançadas” demais) e sustentam

posições coerentes; alguns irão flertar airosamente com o marxismo; outros se

petrificarão num passadismo seco. (SALDANHA, 2001, p. 319)

Esse foi o discurso proferido pela Igreja Católica: “Julgamos que não

será demasiado agradecer a Deus, ainda uma vez, pelo que de positivo teve e

continua tendo o movimento político-militar de março último. (...) Com

satisfação igual vemos a nova ordem implantada em nossa pátria, esforçando-

se para se debelar totalmente o perigo do comunismo que assume proporções

assustadoras, infiltrando com propósito inaceitáveis na mais justa e inadiável

das campanhas reformistas” (RIBEIRO, 1999, p.118).


123
O posicionamento da Igreja Católica ao golpe militar era tão somente

para enfrentar um novo inimigo que se avizinhava, o comunismo. Já tinha no

império enfrentado a maçonaria. Na república enfrentado o cientificismo do

positivismo. E agora a situação era preocupante já que seu episcopado estava

politicamente se dividira em três grupos de lutas sociais e teria de se afastar do

comunismo.

Então multiplicam-se, também, as posições possíveis, no plano

doutrinário: o movimento sindicalista, o social-católico, o de extrema esquerda,

o liberal tradicional. (SALDANHA, 2001, p. 318)

A diocese do ABC é o maior êxito da Ação Católica no Brasil. Ela

assumiu uma posição de vanguarda dentro do processo de transformação e

flexibilização política do catolicismo pós-Concílio Vaticano II e colheu os frutos.

Os movimentos leigos foram se consolidando ao seu redor e se tornaram

influentes, e ela conseguiria o objetivo inicial: a inserção católica nas camadas

populares e operárias na região. (MIR, 2007, p. 415)

O poder legislativo que acompanhava politicamente a Igreja Católica

esperava o seu posicionamento. No ano de 1968, na 2a. Assembleia da

CELAM, realizada em Medellín, na Colômbia, o Santo Padre expressou que

“Diante do futuro é necessário audácia, soou a hora da esperança... Os

pastores devem tornar seus as angústias dos seus povos. Não devemos

solidarizar-nos com sistemas que favorecem opressoras desigualdades e

insuportáveis condições de inferioridade, para a população menos favorecida”.

(RIBEIRO, 1999, p.114)

Follmann (1985, p. 33) assevera que


124
“ao falar em condições “favoráveis” que ajudam a despertar para
posicionamentos ideológicos transformadores , em religiões, é
necessário que atendamos a fatores internos e externos. Podemos
dizer que, no limite, dá-se uma combinação fecunda entre um
determinado grau de internalização do compromisso religioso
carregando dentro de si toda uma insatisfação e busca de caminhos
alternativos internos, por um lado, e um determinado grau de
secularização, rejeição e repressão com relação a certas iniciativas
religiosas, por outro lado.”

Max Weber (1993, p. 369) reverbera que “projetada para outras

camadas, esta situação interna revela ainda alguns contrastes característicos

naquilo que as religiões tinham de “render” dentro das diferentes camadas

sociais. Toda necessidade de salvação é uma expressão de “indigência” e, por

isso, a opressão social ou econômica é, por sua própria natureza, uma fonte

muito eficiente de sua gênese, ainda que de modo algum seja a única. Sendo

iguais as demais circunstâncias, camadas positivamente privilegiadas dos

pontos de vista social e econômico dificilmente sentem por si a necessidade de

salvação.”

No mesmo diapasão, Bourdieu (2007a, p. 85) diz que “as demandas

religiosas tendem a organizar-se em torno de dois grande tipos de situações

sociais, ou seja, as demandas de legitimação da ordem estabelecida própria

das classes privilegiadas, e as demandas de compensação próprias das

classes desfavorecidas (religiões da salvação).”

A pretensão de legitimidade do regime militar perpassou em todos os

governos que compuseram aquele regime, o empenho para construir sua

aceitabilidade através da atuação junto à mente de todos os indivíduos. (…)

Atingir a mente dos indivíduos significava primordialmente disciplinar a

democracia e os indivíduos num mesmo processo de instauração de uma nova

ordem social. (RESENDE, 2013, p. 101)


125
Examinando os Planos de Ação Psicológica que eram denominados

Planos de Ação Democrática, divulgados pelos integrantes civis e militares do

grupo de poder do regime, constata-se que eles objetivavam, estabelecendo

missões, entidades e doutrinas, criar uma espécie de religião da suposta

verdadeira democracia. Para tal feito, os autores destes planos diziam-se

empenhados em nomear comissões, delegados, palestrantes, conferencistas,

etc., visando atingir todos os segmentos sociais. (Revista da Adesg, 1971, p.

133-6)

Essa estratégia psicossocial do governo militar era para demonstrar que

os militares que estavam no poder se identificavam com o povo, pondo em

relevo as suas qualidades, e que o país não estava sendo governado por uma

instituição militar, apesar de seu rígido sistema de governo.

Setores da Igreja Católica rejeitavam essa aproximação com os

militares. Dom Helder Câmara, certa vez, chamado para comparecer na

celebração de uma missa, nas comemorações de sucessivos aniversários do

golpe militar, justificou ele, por meio de uma carta dizendo que “em

consciência, acabei sentindo a impossibilidade de celebrar a missa campal de

abertura dos festejos do segundo aniversário da Revolução. A cerimônia é

tipicamente cívico-militar e não religiosa. E há sérias razões para nela descobrir

uma indiscutível nota política. O capelão-chefe celebrará a Santa Missa.

Privadamente, pedirei a Deus que ilumine os chefes revolucionários, de modo

a poderem corresponder, sempre mais, às graves responsabilidades que

assumiram ante o País.

Isso demonstrara a insatisfação e alguns setores da Igreja Católica. O

capelão que celebrou a missa o celebrou por fazer parte do corpo das forças
126
armadas, sob pena de penalidade administrativa ou mesmo expulsão. Da

mesma forma, o regime Nazista obrigava a todos os seus soldados a

comparecer em eventos religiosos para, em um sentido de estratégia, dizer que

as forças armadas estava do lado do povo de Deus.

A Igreja Católica rompe em definitivo com o regime militar, fazendo a

opção pelas lutas sociais, implantando politicamente a sua Teologia da

Libertação em toda a América Latina. Um movimento de ativismo social forte

fundamentada em bases cristãs e democrática.

Mas a Igreja Católica teria de enfrentar um problema interno. Haviam

três seguimentos políticos, com objetivos e ideologias diferentes, dentro de sua

estrutura hierárquica.

Eram os conservadores, os moderados e os adeptos da teologia da

libertação. Os teólogos da libertação pendiam para as lutas e críticas sociais,

não se conformavam com a situação apresentada, eram mais radicais e

atacavam o paradigma do desenvolvimento.

Os moderados apoiavam a crítica social mas eram contrários a qualquer

tipo de manifestação da massa contra o governo. Os conservadores, com

medo, não apoiavam a luta e nem tampouco a criticavam a situação que se

formava.

Com essas divergências internas, a Igreja Católica não poderia perder o

foco do domínio político brasileiro que era sempre o centro de seu ativismo e

de sua implantação política.


127
Era por lá que havia se aproximado do Estado e por ali deveria

permanecer para derrubar, quando preciso, os governos que por acaso não

aceitasse o seu ativismo social pelos direitos e garantias individuais.

Assim, como outrora, para tomar o seu lugar político junto ao Estado,

coloca à frente os seus bispos carismáticos, com feições angelicais, para

desenvolver um trabalho político junto à massa e assim determinar o seu lugar

junto ao governo militar.

Para se ter um exemplo, basta observar a luta por uma posição política

de confronto com os militares, leva a um caso de condenação a um ano de

prisão do Pe. Geraldo Bonfim, em Fortaleza, capital do Ceará, onde se percebe

a luta contra o governo militar que havia se instalado no Brasil e a confusão

doutrinária com a Igreja Católica. Conforme relata Alves (1979, p. 62)

é um exemplo dos choques produzidos pela teoria da não


identificação da Igreja com o sistema capitalista existente no Brasil e
pelas críticas ao regime que dessa teoria decorrem. É também um
exemplo interessante pelas represálias imaginosas que o episcopado
local tomou contra uma decisão da justiça militar.

(...)

A justificação do bispo foi política. A reação dos militares foi religiosa.


O bispo afirmou que, "para a Igreja, calar-se face a um atentado aos
direitos individuais e ao cumprimento da sua missão seria uma
omissão deplorável. Ao gesto de condenação da injustiça
queremos acrescentar o silêncio e a dor de toda a nossa Igreja.
Rezaremos para que o espírito da luz e da sabedoria desça sobre
todos os que participam no Poder na nossa pátria, para que o
exerçam de uma forma digna e razoável".

D. Helder Câmara e D. Eugênio Sales partiram em defesa dos presos

políticos com a bandeira dos Direitos Humanos, levando neste mesmo período

bispos e cardeais. Reuniram-se com o general Muricy e representantes das

forças de segurança na Comissão Bipartite na tentativa de salvar a relação

entre Igreja Católica e Estado que se rompia.


128
A Igreja Católica sempre se mostrou e se mostra ativa no judiciário

quando há interesse em defesa de suas convicções. Se apresenta não

diretamente, mas por meio de sua massa de seguidores que professam a sua

fé, sejam eles em associações ou mesmo em caráter pessoal.

Um caso típico, ocorreu na atuação ativa do advogado Sobral Pinto,

líder católico, Presidente do Centro Dom Vital, em defesa dos dois principais

responsáveis pela intentona comunista, Luiz Carlos Prestes e Harry Berger, no

então Tribunal de Segurança Nacional, órgão de exceção criado para julgar os

desafetos do regime antidemocrático.

Disse Evandro Lins (1995, p. 174-175):

O tratamento dos presos, os castigos físicos e psicológicos, a


incomunicabilidade com o mundo exterior, as dificuldades,
senão a proibição para o exercício da defesa, tudo foi sendo
admitido e mesmo aceito, com esteio de uma maciça
propaganda.

A ditadura cometeu, porém, um erro, que Maquiavel talvez não


cometesse. A lei que criou o fero Tribunal de Segurança deu à
Ordem dos Advogados do Brasil a atribuição de indicar
advogados para os réus que os não tivessem ou não os
quisessem constituir.

(...)

A posição da Igreja era, na época, extremamente conservadora


e declaradamente contrária ao comunismo, sob todas as suas
formas ou disfarces. Sob esse aspecto, Sobral Pinto tinha um
escudo que o protegia de qualquer suspeita quanto à simpatia
ou indulgência para com as idéias dos clientes dativos. Com a
firmeza de sua convicção e de sua fé religiosa, o advogado
entrou na liça e começou a atuar. E aí se revelou um
extraordinário exemplar humano, uma figura de lutador, de
espadachim intemerato, de abnegado defensor dos direitos dos
cidadãos, de um desprendido causídico, sem qualquer
remuneração, a gritar e a protestar contra as condições cruéis
e infames da prisão, contra as violações das leis, contra a
incomunicabilidade, contra as torturas. (...) Era uma voz
isolada, defensor assumido dos direitos individuais, remava
contra a maré das acomodações, das tibiezas, das covardias.
Os presos eram cidadãos, criaturas de Deus, seres humanos.
Exigia respeito à sua integridade e às suas idéias, embora seu
adversário no campo do pensamento político e filosófico.
129
A Igreja Católica estava ativa na luta pelos direitos fundamentais. As

diferenças ideológicas foram debatidas, procurou-se uma forma de controlar o

clero mais radical e decidiu-se que o tom das declarações públicas da Igreja

deveria ser menos enfático. A comissão buscou também uma forma de

preservar os privilégios especiais da Igreja. (...) Médici usou a comissão para

manter o diálogo com os bispos, pois o regime precisava da aprovação pública

da instituição como meio de preservar a imagem internacional de justiça e

progresso (...) Os bispos, porém, usavam a comissão para forçar o regime a

reconhecer que as forças de segurança torturavam prisioneiros, assassinavam,

provocavam desaparecimentos. (Revista História Viva, 2006, p. 22).

De um lado se via o pensamento dos católicos progressistas, unidos aos

partidos de esquerda, em prol de uma revolução social e do outro lado os

bispos ultraconservadores que não aceitavam esse rompimento com o governo

militar e nem tampouco esse movimento social juntamente com os partidos de

esquerda.

A teologia da libertação assume sua condição partidária da luta pelos

direitos sociais juntando-se a partidos políticos contrários as ideologias do

Estado. Cria raiz e tendência políticas dentro de seus agrupamentos pastorais

formando uma espécie de confessionalidade política.

Daí nasce um feito político e social da Igreja Católica com a junção da

Igreja por meio de sua Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)25 e

o Partido dos Trabalhadores (PT) por meio de sua Central Única dos

Trabalhadores (CUT), aquilo que Mir (2007, p. 347) denominou de

25
conforme o Código de Direito Canônico, "exercem conjuntamente certas funções pastorais
em favor dos fiéis do seu território, a fim de promover o maior bem que a Igreja proporciona
aos homens, principalmente em formas e modalidades de apostolado devidamente adaptadas
às circunstâncias de tempo e lugar, de acordo com o direito" (Cân. 447).
130
“uma trindade clerical-sindical em formado de partido político e central
sindica, fundados em tempos diferentes, mas que confluíra, para um
só projeto político-religioso no final dos anos 1980. Com dois
desígnios declarados: retomar a entralidade católica no país e tornar
o catolicismo (popular e de massas) um fator político estratégico e
operante dentro do Estado brasileiro.”

Pela primeira vez a Igreja Católica se engajaria de vez na luta política

com o seu discurso salvacionista se unindo ao Partido dos Trabalhadores.

Para Mir (2007, p. 23),

“o PT é um projeto salvacionista, político-religioso e herdeiro da Ação


Católica. A Igreja Católica começa a perder o seu rebanho a partir da
década de 1970. E a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil) acreditava que poderia reconquistar o monopólio religioso
através de uma ação político-pastoral. As Comunidades Eclesiais de
Base se estabeleceram nas periferias, nas áreas mais pobres,
discutindo assistência à saúde e serviços sociais. Essa forte presença
política criou um fato novo no Brasil, os movimentos sociais
religiosos. E esses movimentos sociais se transformaram em
movimentos políticos. Isso desaguou na Pastoral Operária, nas lutas
sindicais do ABC. O passo natural foi organizar esses movimentos
num partido político, o PT. A CNBB tinha um modelo, o Solidariedade,
da Polônia.”

O partido dos Trabalhadores (PT) acampa os movimentos sociais-

católicos da Igreja Católica em sua base eleitoral como benefício civilizador e

democrático de luta social. A Igreja Católica também se espalha em outros

segmentos para centralizar o legislativo eleito sob a sua cúria seja de oposição

ou não.

Mas a Igreja Católica, com toda esse luta social, não abandona o seu

ativismo no judiciário. O ativismo da Igreja Católica junto ao judiciário não era

somente quando se tratava de questões relativa a propriedade ou de direitos

fundamentais. Também a Igreja Católica era ativa junto ao judiciário nas

questões de formação moral religiosa.


131
Em um julgamento, em 26 de outubro de 1964, do RMS 11.68726, de

Minas Gerais, que discutiu se o exercício do poder de censura poderia ser

estendido aos Estados ou se a decisão de censura realizada pelos órgãos

federais deveria ser observada pelos demais entes federativos.

A leitura do acórdão daquele julgamento de 1964 surpreende o jurista

deste início de século XXI, dada a naturalidade com que se cuidou do tema da

censura e o entendimento da época, de que sobretudo as restrições aplicadas

aos espetáculos e às diversões públicas não somente eram aceitáveis como se

enquadravam em uma compreensão de necessidade diante da ordem pública.

Anos mais tarde, já no exercício da presidência do Supremo Tribunal


Federal, o ministro Ribeiro da Costa exarou novo voto (visto tratar-se
de matéria constitucional) em tema relacionado à censura, agora
confrontada com o princípio federativo, a exigir interpretação do art.
18, § 1°, da Constituição de 1964.

A tese jurídica da definição da competência para censurar envolveria


um resultado prático bastante evidente: para aqueles que
eventualmente entendessem que os Estados teriam também o poder
de censurar, não haveria dúvidas de que a censura seria um
instrumento vulgarizado e aplicado de forma bem mais ampla. Já a
tese pela competência privativa da União restringiria a sua incidência.

O ministro Ribeiro da Costa acabou por se filiar à primeira corrente,


formulando o seguinte entendimento: “(...) não vejo nenhum
dispositivo [na Constituição] que me autorize a dar ao Serviço de
Censura Federal essa competência ampla que obrigue os Estados a
seguir as suas determinações”. Em outras palavras, a razão
fundamental do entendimento do ministro era sua compreensão
acerca do modelo federativo que permitiria que cada região adotasse
o regime de censura em consonância com suas orientações culturais
e morais. Assim se manifestou o ministro acerca do tema,
denunciando sua formação mais conservadora:

Parece-me que o Tribunal não pode declarar, mesmo dentro dos


poderes implícitos que se encontram na Constituição, que esta
competência se possa estender, e de que o órgão federal possa
impedir a exibição de filmes. Também isso contraria os costumes, os
sentimentos, a formação religiosa de certos Estados da União
Federal.

Devemos compreender que há uma margem de restrições, mesmo


em grandes Estados, cuja formação, digamos, educativa do povo não
está tão adiantada para admitir essa licença de exibição de qualquer
filme, como nas grandes cidades, no Rio de Janeiro, por exemplo,
onde qualquer filme pode ser exibido. Mas, num Estado onde o

26
RMS 11.687, rel. min. Hahnemann Guimarães, julgado em 26-10-1964 (DJ de 22-12-1964).
132
sentimento religioso ou a formação de costumes seja mais fechada,
pode haver explosões. Neste caso é que se legitima a intervenção do
poder de polícia da autoridade local. (KAUFMANN, 2012, p. 43-44)

Como se observa o voto do Ministro Ribeiro da Costa tinha como

referencia a formação e a moral religiosa de cada Estado, seja ela

ultraconservadora ou não. Com base nessa formação religiosa é que o Estado

teria plena liberdade de discernir sobre a censura que seria imposta a exibição

de um espetáculo público, de filmes ou de qualquer outra liberação que lhe

aprouvesse.

A posição do ministro Ribeiro da Costa restou vencedora, o que

autorizou os Estados a realizar uma segunda fase de aplicação de censura aos

filmes e espetáculos públicos, especialmente nos casos de liberação do

conteúdo pelo órgão de censura federal. (KAUFMANN, 2012, p. 44)

3.3 A Constituição cidadã de 1988 e a luta política religiosa dos

Direitos Fundamentais

Retrata Simon (2010, p. 302) que “tivemos uma ditadura violenta,

radical, com cinco generais nomeados presidentes, o empresariado, a Igreja

Católica, a grande imprensa ao lado do poder constituído, que era para durar

um século. Os jovens na rua, e o povo na rua derrubaram esse regime, sem

um tiro.”

Durante vinte anos a participação popular, proferindo palavras pela

liberdade em todos os cantos e recantos do país, com o apoio da Igreja

Católica, no segmento daqueles que fazem a Teologia da Libertação, criou um

sentimento de cidadania ativa, como os projetos de iniciativa popular, o


133
plebiscito e o referendo e fortalecimento dos direitos fundamentais,

principalmente o chamado Direitos Humanos.

Essa participação popular pela luta da cidadania tornou o retrato fiel da

Constituição de 1988, tornando-a forte na segurança, no bem-estar, no

desenvolvimento, na igualdade e na justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social

e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das

controvérsias, e promulgada, sob a proteção de Deus, conforme prescreve o

seu preambulo.

Mais uma vez, uma Constituição brasileira prescreve de forma enfática e

categórica a expressão “sob a proteção de Deus” em seu preambulo. Isso

demonstra, o reconhecimento e a identidade do Estado brasileiro pelos valores

cristãos, estando, portanto, provido de fundamento dogmático.

No que respeita à produção legislativa, o cidadão pode participar hoje

por meio de referendos, de iniciativa popular ou de interlocução com as

Comissões de Legislação Participativa das duas Casas do Congresso

Nacional. No que se refere, por outro lado, à defesa dos seus direitos,

eventualmente ameaçados por falhas ou omissões das leis, o cidadão dispõe

hoje de uma série de possibilidades novas de provocação do Poder Judiciário.

(SIMON, 2010, p. 391)

A Igreja agora lutava para incorporar os principio éticos cristãos. Direitos

fundamentais a vida, a liberdade, tornaram a grande bandeira política da Igreja.

Mas isso trouxe consequência inevitáveis, pois o exercício de imposição da

formação moral religiosa entre em colisão frontal com outros valores da moral
134
vigente. É o caso, por exemplo, do divórcio, da homossexualidade, do aborto e

de muitos outros valores que a Igreja milenarmente não abre mão.

Os Direitos Humanos passaram a ser o grande traço nas discussões

sobre os direitos e as garantias individuais da liberdade de cada um. A Igreja

defende esse direitos, desde que sejam eles proferidos e autorizados pela

Igreja de Roma.

Para citar um caso, desses interessantes, em que ser aliado da Igreja

poderia ser atestado como honesto, Simon (2010, p. 152-153) narra o seguinte:

Um companheiro – com quem nós insistimos muito para ser prefeito,


e ele aceitou, um empresário de uma cidade mé- dia, o maior
empresário – se elegeu.

No espaço entre a eleição e a posse, uma pedreira, que funcionara


pela vida inteira naquela cidade, estava fechando as portas e
transferindo as máquinas para um outro lugar. Motivo: não tinha
movimento. A prefeitura há muito tempo não calçava uma rua, a
cidade estava parada, não valia a pena.

O dono da empreiteira foi falar com o futuro prefeito e ofereceu


pedras por uma quantia infinitamente menor do que valiam. Para ele
era importante vender, ele ia levar as máquinas embora. O prefeito,
empresário, comprou as pedras, pedras com as quais, durante os oito
anos na prefeitura, calçou toda a cidade, pagando 20% do que
valiam.

Eu fui depor. O Tribunal queria pô-lo na cadeia porque não tinha feito
concorrência.

Foi uma das reuniões mais interessantes de que eu participei. O juiz


era uma pessoa séria, honesta, correta. Aí, eu falei: “Sr. juiz, cá entre
nós, veja a biografia do prefeito aqui veja quem ele é. É uma dessas
pessoas que são diferentes. A igreja, lá na terra dele, foi ele quem
fez. É uma pessoa que tem crescido e a cidade tem crescido com ele.
Ele não recebe como prefeito, a verba de prefeito ele dá para a
igreja. O senhor vai cassar o mandato dele? Vai mandá-lo para a
cadeia?”

O juiz o absolveu, mas depois me disse: “Eu tinha de condená-lo,


porque ele não seguiu a lei. No entanto, ele agiu dentro da ética e da
moral”.

O caso se assemelha com as transações da Igreja Católica na Idade

Média com a venda de perdão aos pecadores. Conforme Gray (2008, p. 11) “a
135
política moderna é um capítulo da história da religião. Os grandes movimentos

revolucionários que tanto influenciaram a história dos dois últimos séculos

foram episódios da história de fé: momentos do longo processo de dissolução

do cristianismo e ascensão da moderna religião política.”


4 O ATIVISMO JUDICIAL RELIGIOSO E A DISCUSSÃO SOBRE
O USO DAS CÉLULAS-TRONCO

4.1 Os estudos científicos sobre as células-tronco

4.1.1 Definições

Conforme estudos de Pranke (2004), a célula-tronco é caracterizada

como a célula que possui a capacidade de gerar diferentes tipos celulares, bem

como reconstituir tecidos. A célula-tronco apresenta, ainda, a faculdade de se

autorrenovar, isto é, de gerar uma cópia idêntica de si mesma.

Pereira e Manzi (2013) escrevem que as células-tronco são classificadas

entre adulta e embrionária. As células-tronco adultas são mais facilmente

disponíveis e bastante utilizadas em clínicas de fertilização, também

classificadas como hematopoéticas. São as células retiradas da medula óssea

e do sangue do cordão umbilical. Já as células-tronco embrionárias são assim

classificadas por conta de sua origem, ou seja, do blastocisto do embrião.

As células-tronco embrionárias, em alguns países, são comumente

utilizadas a partir dos blastocistos gerados nas clínicas de fertilização, em que

casais doam para pesquisas, com fins terapêuticos, os blastocistos não

aproveitados na fertilização in vitro (KIRSCHSTEIN e SKIRBOLL, 2001).

O Blastocisto a partir da noção trazida pelos estudos de Dewit (2002),

especifica ser aquele as células originadas entre o quarto e quinto dias após a

fecundação, sem que tenha se alojado ainda no útero, o que ocorrerá após o

sexto dia.
137
Deste modo, é constituído por cerca de 150 células e tal estágio é

precedente à fase de embrião, a qual é denominada de gástrula, e na

linguagem das ciências biológicas, considerada um célula indiferenciada de

outras fases, tais como a mórula ou blástula do embrião (DEWIT, 2002).

Kirschstein e Skirboll (2001) escrevem que a células-tronco embrionárias

possui grande plasticidade, razão pela qual esta célula apresenta uma alta

capacidade de originar diferentes espécies de tecidos. Tal propriedade se deve

ao fato do blastocisto ser capaz de dar origem a todos os órgãos do corpo

humano.

O processo biológico é bastante complexo. Pereira e Manzi (2013),

expõem que o zigoto, após a fecundação, divide-se e diferencia-se até a

produção do organismo adulto, o qual será formado por mais de 200 tipos de

células, que compreendem os neurônios, os miócitos (células musculares), as

células epiteliais, as células sanguíneas, os osteócitos (células ósseas), os

condrócitos (células da cartilagem), entre outras. Por esta razão, as células-

tronco embrionárias têm a propriedade de reconstituir qualquer tecido do

organismo humano, demonstrando sua alta capacidade de plasticidade.

Segundo Sousa (2009), as células-tronco embrionárias têm sido

consideradas como uma fonte excelente de células com funções de

reconstituição de qualquer tecido do corpo humano, devido a sua alta

capacidade de plasticidade. Um exemplo interessante desse aspecto é o

tratamento de pacientes com doenças cardíacas, na qual as células-tronco

embrionárias são utilizadas na reconstituição do tecido cardíaco desses

pacientes, principalmente daqueles que sofreram infarto do miocárdio.


138
Matte (2003) alude aos estudos experimentais que têm sido feitos em

animais utilizando-se as células-tronco na busca de cura para doenças

neurológicas, como o Parkinson e Alzheimer. Tais estudos apresentam

resultados promissores e as pesquisas preliminares mostraram certo sucesso

na utilização dessa nova tecnologia.

A pesquisa com as CTE tem se tornado uma esperança no


tratamento da diabetes, na reconstituição óssea e dentária, na
regeneração de tecido renal e hepático. Pesquisas com as CTE,
ainda, têm sido vistas por muitos pesquisadores como a mais
importante ferramenta na recuperação de pacientes que sofreram
lesão na medula espinhal e hoje vivem em cadeiras de rodas. O uso
clínico das células-tronco embrionárias apresenta-se como a principal
esperança da ciência no tratamento de diversas doenças
neuromusculares degenerativas e de inúmeras outras doenças sem
cura até o presente momento (MATTE, 2003, p. 82-83).

Pranke (2004) argumenta que vivemos uma nova era na medicina e esta

encontra-se correlacionada à regeneração tecidual amparada nos avanços dos

estudos voltados para os experimentos com as células-tronco, em que esta

nova terapia promete a revolução da medicina, futuramente.

4.2 As Polêmicas que envolvem a utilização das


células-tronco embrionárias

Os estudos de Fortes (1998) mostram que o uso das células-tronco

embrionárias tem provocado polêmica no mundo todo. A grande questão ética

reside no fato da necessidade de se destruir os embriões humanos para o

trabalho com as células-tronco embrionárias.

Em consequência da opinião de grande parte da sociedade, incluindo-se

aí a da Igreja, surgem questionamentos éticos que consideram que a vida

humana inicia-se no momento da concepção, fazendo com que diversos


139
teóricos se posicionem contra a utilização das células-tronco embrionárias nas

pesquisas médicas.

As opiniões são bastante divergentes: há aquelas que defendem a

substituição das células-tronco embrionárias pelas células-tronco adultas.

Contudo, estas últimas não possuem a mesma plasticidade das primeiras,

sendo os estudos relacionados a este aspecto ainda inconclusos e

controversos.

Por outro lado, as pesquisas em torno da células-tronco adultas

mostraram que estas últimas apresentam certos problemas em relação a sua

utilização, como o fato de não se desenvolverem bem em cultura ou

apresentarem maiores índices de incompatibilidade (PRANKE, 2004).

De fato, as propriedades específicas das células-tronco adultas acabam

por limitar a capacidade de proliferação celular, uma vez que estas são células

mais velhas, possuindo vida útil menor que as células-tronco embrionárias.

Conforme cita Goldim (2003), a polêmica em torno do uso do blastocisto

como fonte de células-tronco para fins terapêuticos está no fato dessas células

receberem ou não o atributo de seres humanos. Desse modo, se tal embrião

pode ser considerado como uma pessoa, ele possuirá tutela da Constituição

Federal, em suas garantias e direitos.

Utilizando-se para pesquisas somente o blastocisto, os comitês éticos

têm utilizado uma nomenclatura para este estado da célula humana: pré-

embrião. Assim, embrião é a denominação comumente atribuída à célula após

a fecundação, nas primeiras oito semanas, não sendo reconhecido como

pessoa por muitos teóricos, principalmente nestes estágios iniciais de vida.


140
Deste modo, o uso da nomenclatura pré-embrião seria restrito para

caracterizar o estágio de blastocisto da célula, isto é, os primeiros cinco dias de

desenvolvimento embrionário, que vai da fecundação até a implantação no

útero.

A justificativa para o uso do termo remonta à questão científica de que

inúmeros óvulos fecundados são naturalmente descartados pelo organismo,

antes mesmo de serem implantados no útero.

O termo embrião seria empregado somente para aqueles que já se

encontrassem abrigados no útero. Goldim (2003) explica que por meio do

chamado Relatório Warnock, as pesquisas biomédicas consideram pré-

embrião até o 14º dia após a fecundação, ocasião em que já está se formando

o sistema nervoso central, justificando-se, pois, a pesquisa pelos comitês

éticos, uma vez que com embriões muitos procedimentos não são autorizados.

Portanto, resta saber uma questão importante na consideração da

temática: em que momento o ser humano passa a ser considerado um

indivíduo e, portanto, pleno de direitos civis?

Matte (2003) apresenta pontos de vista diversos sobre a questão,

apresentando duas linhas de raciocínio: a primeira, segundo a qual a vida

começa no momento da fertilização, dotando, pois, o embrião de direitos de

pessoa humana e merecedor da tutela jurídico-legal que tal estado lhe permite;

a segunda toma o embrião como um conjunto de células, devendo, deste

modo, receber tratamento igualitário a todos os demais grupos de células.

Badalotti (2003) apresenta, por sua vez, outra linha de raciocínio,

segundo a qual o posicionamento é intermediário, ou seja, considera-se o


141
embrião como um organismo vivo, portanto dotado de status especial. Todavia,

não deverá ser atribuído àquele condições de pessoa humana, não se

justificando a tutela especial de direitos.

Muitos acreditam que a partir da fecundação já deve ser considerado


um ser humano, uma vez que essas células, no ambiente uterino,
iriam gerar um ser humano. Mas outra questão polêmica seria: a vida
é o óvulo e o espermatozoide ou a vida é o óvulo, o espermatozoide e
o útero (ou seja: o ambiente apropriado)? Olhando por esse ponto de
vista, as CTE não deveriam ser consideradas como um ser humano
uma vez que, se essas células fossem implantadas em um coração
danificado, por exemplo, seriam as células cardíacas a serem
geradas e não uma criança que nascerá naquele coração (PRANKE,
2014, p. 23).

Em consonância com esse pensamento, depreendem-se as

controvérsias que surgem no próprio âmbito das pesquisas médicas, ao

considerarem o ambiente como o diferencial para as células serem ou não

consideradas um ser humano.

Kipper, Marques e Feijó (2003) contribuem para a elucidação daquelas,

publicando que se a fertilização se der em um laboratório, o aglomerado de

células pré-embrionárias será implantado no útero materno para continuar se

desenvolvendo.

Todavia, se o fato não acontecer, esse mesmo conjunto de células, com

potencial para vir a se tornar um ser humano, morrerá no laboratório. “O zigoto

já apresenta autonomia biológica de vida, ou seja, pode vir a ser um indivíduo

pleno, desde que se desenvolva em um ambiente apropriado” (ALHO, 2003, p.

63).

A guisa dessa discussões, Goldim (2003) explica que as controvérsias

geradas com a defesa de pesquisadores na geração de embriões


142
especificamente para fins terapêuticos, incluindo-se a compra de óvulos e

sêmen com o consentimento dos respectivos doadores.

Tal empreendimento tem provocado reações contundentes de comitês

éticos em todo o mundo, para os quais produzir embriões ou pré-embriões em

laboratórios, com a finalidade de utilizá-los em pesquisas terapêuticas e

visando o lucro na comercialização daqueles, se configura como prática

antiética e condenável.

O autor ainda propõe uma última reflexão: os pré-embriões que são

desenvolvidos em laboratórios com a finalidade de fertilização e não são

utilizados, deverão ser destruídos, segundo a norma vigente. Ao contrário,

seria bastante proveitoso que aqueles fossem usados nas pesquisas

terapêuticas para salvar vidas, ao invés de serem relegados ao desperdício

(GOLDIM, 2003).

4.3 As Instituições Sociais e a Ética na Utilização das células-tronco

4.3.1 Opinião da Imprensa e da Religião no Brasil

Segundo mapearam os estudos de Luna (2008), no Brasil a única

terapia celular aprovada para uso corrente está relacionada ao transplante de

medula óssea para doenças de caráter hematológico. O restante corresponde

às experimentações ainda não comprovadas.

A grande imprensa nacional tem divulgado os avanços das terapias

celulares experimentais no país, o que permite a constatação da opção de

grande parte dos protocolos pela obtenção de células-tronco adultas, por meio

da realização de punção da medula óssea ou, ainda, pela mobilização de tais


143
tipos de células presentes no sangue circulante (SEGATTO e BUSCATO,

2007).

No país, os estudos e experimentações envolvendo a utilização das

células-tronco embrionárias sob a forma terapêutica ainda guardam bastante

controvérsias. Contudo, a opinião pública, de uma forma geral, está

representada por uma imprensa que apresenta uma noção estereotipada sobre

o assunto, provocando a polarização das opiniões de cientistas que se

posicionam favoravelmente à utilização de embriões humanos, os verdadeiros

propagandistas do progresso científico e tecnológico, contrapondo-se a

religiosos que externalizam uma opinião dotada “de concepções obscurantistas

que barrariam o avanço da ciência” (SEGATTO e TERMERO, 2004, p. 18).

A imprensa brasileira assume um discurso, no mínimo, pouco

consistente do ponto de vista científico e legal sobre a utilização das células-

tronco, o qual tem hesitado entre anunciar os feitos das terapias experimentais

na cura de doenças e entre a visão religiosa e conservadora. Comprovando

este ponto de vista, se transcreve um trecho da pesquisa de Luna (2008, p.

158, grifos do autor):

Um exemplo [do discurso hesitante da imprensa brasileira] é a


matéria de capa da revista Veja intitulada "A medicina que faz
milagres: tratamentos com células-tronco no Brasil" (n° 47, 23 nov.
2005). A capa apresenta duas mãos se tocando pela ponta do dedo
indicador, como se fosse um recorte da pintura da Capela Sistina em
que Deus estende a mão para Adão. A partir da análise das posições
de cientistas, pesquisadores (Luna 2007a) e de profissionais ligados
à reprodução assistida (2006; 2007c), foi revelada a existência de um
leque de posições matizadas sobre a relação entre crenças religiosas
e atividade científica - em lugar da dicotomia veiculada pela imprensa.

O fato é que os experimentos com células-tronco no país envolvem a

manipulação de embriões humanos, o que suscitam antigas e conservadoras

controvérsias que cercam os fetos e o direito à vida, segundo esclarece


144
Waldby (2002). É exatamente neste âmbito que entram em cena as opiniões

dos religiosos quanto ao tema.

Em agosto de 2000, a Igreja Católica emitiu um parecer sobre as

pesquisas com células-tronco no mundo todo, por meio da Pontifícia Academia

para a Vida, posicionando-se contra a produção, aquisição e manipulação de

células-tronco embrionárias, realizada por meio da “técnica de transferência

nuclear para a produção de tecidos compatíveis com o doador, a chamada

clonagem terapêutica” (LUNA, 2008, p. 157).

A argumentação da Igreja era de que em todos esses casos estava

presente um ato que lesionava um indivíduo humano, o qual possui direitos

tutelados pela Magna Carta de uma nação, entre esses, o direito à vida,

mesmo no momento da concepção. “A finalidade boa não justifica uma ação

ruim, por isso, a Igreja aponta a alternativa do uso das células-tronco adultas

contidas na medula óssea, no cérebro, no mesênquima (sic) de vários órgãos e

no sangue do cordão umbilical” (PONTIFÍCIA, 2014).

Nesse diapasão, outros grupos religiosos também se manifestaram,

ainda que sem o aval de autoridade da Igreja Católica:

- Associação Médico Espírita do Brasil: este grupo tratou da bioética


do ponto de vista dos Direitos do Embrião (LUNA, 2008) e o uso de
célula embrionárias em experimentos e pesquisas de cunho
terapêutico. De fato, em 2005, durante a realização do V Congresso
Médico Espírita, foram propostos debates que enfatizaram a
condição de indivíduo humano de embriões:
tais pesquisas [com células-tronco] são realizadas sem o devido
respeito ao embrião reduzido simplesmente à condição de coisa, por
isso a associação se declara contra o uso de células-tronco
embrionárias em pesquisas ou em terapias, e recomenda o uso das
células-tronco presentes no indivíduo adulto e no cordão umbilical. De
modo semelhante à doutrina católica que afirma o início da vida na
fecundação, essa associação espírita identifica na concepção o
momento de encarnação no qual o espírito passa a comandar a
embriogênese (V CONGRESSO, 2013).
145

Cesarino (2006) faz referência à Lei de Biossegurança aprovada no

Brasil em 2005, a qual permitiu a utilização de embriões humanos nas clínicas

de fertilização, desde que os mesmos fossem inviáveis ou estivessem

congelados por, no mínimo, três anos, com o consentimento dos respectivos

genitores. A autora mostra que a aprovação desta lei contou com inúmeros

debates, que polarizaram opiniões da comunidade científica e grupos religiosos

no Congresso Nacional.

- CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil): este grupo


representante da Igreja Católica no Brasil argumenta que os limites
bioéticos devem compreender em que momento se dá início à vida
humana, defendendo que esta se principia nas primeiras etapas de
seu desenvolvimento, ou seja, no momento da concepção. E afirma:
[...] nós, cristãos católicos, a partir das exigências básicas para o
surgimento de uma sociedade e história novas, apontadas por Jesus,
presentes nos evangelhos e explicitadas na doutrina da Igreja,
defendemos os direitos inalienáveis de todos os seres humanos, o
respeito à sua integridade e a proteção à vida desde o momento da
concepção: “todo ser humano é precedido, ele chega a uma
humanidade que o precede. Sua existência aí se inscreve, pois é dela
que recebe a vida. Todo embrião já é um ser humano. Logo, não é
um objeto disponível para o homem” (OLIVEIRA JÚNIOR, 2009, p.
18)

Desta forma, os argumentos da CNBB caminham no sentido de não se

admitir a transformação de uma pessoa em objeto das intenções de uma outra,

o que as experimentações terapêuticas com embriões humanos realizam.

“Assim, é abominável, absolutamente inescrupulosa e caracteriza-se

como conduta antiética a destruição de embriões humanos” (OLIVEIRA

JÚNIOR, 2009, p. 23), uma vez que segundo as crenças religiosas católicas, os

fins terapêuticos não devem se sobrepor ao direito à vida, ainda que

direcionado a embriões, já que estes se configuram como seres humanos em

estágio inicial de desenvolvimento.


146
O discurso da CNBB é contundente no sentido de questionar os atos de

manipulação, descarte e, acima de tudo, destruição de embriões humanos,

uma vez que tal organização leva em consideração que tais condutas são

também voltadas contra a vida humana, ao se considerar embriões como tal.

Mister se faz, neste caso, apontar a necessidade de respeitar a dignidade da

pessoa humana e o direito à vida (OLIVEIRA JÚNIOR, 2009).

No princípio de 2005, antes mesmo da aprovação da Lei de

Biossegurança, o então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles,

propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre tal código legal,

questionando, sobretudo, a legalidade da utilização de embriões humanos em

pesquisas científicas, por entender que estes são tutelados pelo princípio do

direito à vida e dignidade humana, o que a prática científica violava.

Em 2007, durante a Audiência Pública referente à AI proposta no

Supremo Tribunal Federal (STF), participaram somente cientistas que, no

entanto, mostravam opiniões contrárias à utilização das células-troncos

embrinárias em experimentos terapêuticos.

Outros representantes da sociedade forçaram sua participação na ADI,

como representantes dos interessados diretos na ação: a CNBB, o único grupo

de clara orientação religiosa; organizações não governamentais em defesa dos

direitos de pacientes, como o MOVITAE (Movimento em Prol da Vida);

organizações dos direitos humanos, como a CONECTAS e o Centro de Direitos

Humanos; e organizações que tratam da bioética, como a ANIS (LUNA, 2008).


147
4.4 O Brasil e a Política da Bioética: Breves Considerações

A Lei de Biossegurança de 2005 propôs a utilização das células-tronco

sem qualquer restrição, fato chancelado pelo Supremo Tribunal Federal (STF),

em 2008. Tal decisão causou verdadeiro furor entre as instituições religiosas

brasileiras, destacando-se aqui a oposição da Igreja Católica, que alegou, entre

outros, ser assassinato tais pesquisas utilizando-se de embriões, por esta

instituição considerá-los como vidas em formação (CÉLULAS, 2008).

No entanto, para os cientistas, inclusive aqueles envolvidos nas

pesquisas, a decisão do STF foi um marco a se comemorar, uma vez que tal

decisão beneficia toda a sociedade e não somente um grupo.

A melhoria da saúde é o foco dos debates, uma vez que, segundo a

classe científica, a não aprovação das pesquisas com as células-tronco

acarretaria a punição de milhares de doentes e de outros tantos estudiosos que

baseiam seus estudos na cura por meio das células-tronco.

Destarte, a decisão do STF fez prevalecer a Ciência sobre a Religião,

fato bastante comemorado pela comunidade científica no país. A ciência tem

muito que contribuir para o tratamento de doenças e é fato que os estudos com

as células-tronco têm apresentado resultados interessantes, que objetivam,

sobretudo, a melhoria na qualidade de vida de muitas pessoas. Segundo

Oliveira (2002), os resultados das pesquisas e experimentos com as células-

tronco podem revolucionar a medicina, propondo curas de doenças fatais, por

meio de tecidos e órgãos especialmente criados para tal.

Atualmente, o Brasil tem avançado cada vez mais nos estudos e

pesquisas das células-tronco. Recentes trabalhos na Universidade de São


148
Paulo testaram as células-tronco encontradas no tecido adiposo de

camundongos que apresentavam distrofia muscular, a qual provoca a

paralisação progressiva dos músculos até a morte. Pesquisadores descobriram

que as células-tronco aumentaram a expectativa de vida dos animais (FOLHA,

2014).

Contudo, a opinião da Igreja Católica não arrefeceu sua crítica a esses

tipos de estudos e experimentações. É preciso que se esclareça que este

segmento religioso não se opõe às pesquisas com as células-tronco, mas tão

somente aquelas levadas a efeito com a utilização das células-tronco

embrionárias, devido ao já mencionado discurso sustentado a respeito do qual

mesmo em estado embrionário, o direito constitucional garante o direito à vida,

uma vez que no momento da concepção, segundo a Igreja, já se configura um

ser humano e, por isso mesmo, possuidor do direito de nascer.

4.5 O ATIVISMO RELIGIOSO DA IGREJA CATÓLICA EM


DEFESA DA VIDA
4.5.1 Pesquisas com células-tronco embrionárias, o Direito Inviolável à
Vida e à Dignidade Humana

A Igreja Católica, juntamente com outras instâncias da sociedade, se

opôs veementemente à realização dos experimentos terapêuticos com células-

tronco embrionárias, invocando para sustentar tal discurso o direito inviolável à

vida, ao nascimento e à dignidade da pessoa humana, sustentada, pois, na

noção de que o embrião, desde o momento da concepção, é um ser humano e,

por isso mesmo, com direitos tutelados pelo ordenamento jurídico pátrio.

SAUWEN (2008) pretende lançar luz a essa posição da Igreja no tocante

aos experimentos científicos com as células-tronco embrinárias, escrevendo


149
que é importante se observar, para uma solução justa e precisa, os princípios

éticos, filosóficos e antropológicos da questão.

De fato, a ciência biojurídica tem se apoiado nas máximas da filosofia

iana, visando não perder de vista o princípio fundamental e universal da

dignidade da pessoa humana, que coloca o indivíduo no centro da questão.

Segundo Kant (2008, p. 27) “o homem é um fim em si mesmo, jamais o

meio”, posição sustentada por Sauwen (2008, p. 51), que assevera “a pessoa

nunca pode ser tratada como coisa ou objeto, a reificação do homem é uma

das piores agressões contra a natureza”.

Deste modo, sustentando-se no princípio da finalidade social entre a

biotecnologia e a pessoa humana, visando à transparência dos princípios da

beneficência, autonomia e justiça, Sgreccia (1996) se inspira na teoria

personalista e estrutura novos princípios da chamada bioética, todos eles

tomados como valores fundamentais à pessoa, quais sejam:

- Princípio de defesa da vida

O princípio da defesa da vida, segundo informa Pereira (2005), é

matricial, enquanto representa o logradouro para os demais princípios.

- Princípio de liberdade e de responsabilidade

O princípio da liberdade deverá sempre estar correlacionado ao princípio

da responsabilidade, uma vez que, de acordo com o caráter do direito

fundamental, não haverá liberdade se o direito subjetivo do concidadão não for

respeitado.

- Princípio de totalidade ou terapêutico


150
Este princípio regula as ações em relação ao corpo humano, à ética

médica, buscando estabelecer regras sobre a obrigatoriedade da intervenção

médica e cirúrgica, segundo atenta Pereira (2005, p. 121).

- Princípio de socialidade e da subsidiariedade

A vida humana, por este princípio, é tratada como um bem comum,

elevando-se a pessoa ao status de participante ativo na preservação da

espécie. Este princípio é responsável em proporcionar o bem ao semelhante,

além da garantia do tratamento necessário, mesmo que isto represente o

sacrifício de alguns, atendendo-se ao princípio da subsidiariedade (GARRAFA;

KOTTOW e SAADA, 2006).

- Princípio do benefício

O princípio do benefício, ou beneficência, encontra-se aposto no

Juramento de Hipócrates e tem orientado às práticas em medicina e seres

humanos desde a Antiguidade. Por este princípio, obriga-se a efetivar as ações

médicas sempre em prol de outrem, ou seja, fazer o melhor para o paciente.

- Princípio da autonomia

Tal princípio está fundamentado no princípio da dignidade da pessoa

humana e aquele baseia a aliança terapêutica entre o profissional de saúde e o

paciente, bem como o consentimento deste para a realização de diagnósticos,

procedimentos e tratamentos (LOCH, 2002). Por este princípio, o profissional

se vê obrigado a fornecer ao seu paciente a mais completa informação

possível, auxiliando-o a superar seus sentimentos de dependência.

- Princípio da justiça

A justiça está relacionada aos grupos sociais e o tratamento equitativo

entre estes, seja na distribuição dos bens e recursos considerados comuns, na


151
tentativa de igualar as oportunidades de acesso àqueles. Nesse caso, a saúde,

de uma forma geral, é considerada como um bem social e, por isso mesmo,

deve ser oportunizada de forma igualitária a todos os membros da sociedade.

De forma sucinta esses são os princípios que norteiam as ações da

bioética, que estruturam o biodireito no país. É importante observar que este é

um ramo em desenvolvimento no Brasil, uma vez que a própria ciência, com

seus experimentos e pesquisas, encontra-se em desenvolvimento contínuo.

O biodireito se volta, então, à regulação dos estudos, descobertas e

experimentos na área da reprodução assistida, da clonagem terapêutica e

reprodutiva, bem como para a mudança de sexo e os trabalhos com células-

tronco, enquanto a bioética trata da demarcação das possibilidades e limites

dos progressos científicos nestes âmbitos (OLIVEIRA, 2002).

4.5.2 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Sarlet (2010) leciona que o conceito de dignidade da pessoa humana

tem profundos antecedentes na história da humanidade, construído através

dos séculos e emergente do destaque de valores em determinada época das

práticas sociais. Comumente se atribui a Kant a formulação de tal conceito,

segundo o qual todo ser humano deveria ter o direito e as garantias de

tratamento igualitário e fraterno.

Desta forma, o conceito de dignidade da pessoa humana passa a ser

um princípio construído historicamente e pelo qual se tem a noção da proteção

integral do mesmo contra toda forma de desprezo ou tentativa de valoração de

sua condição, conforme alude Lima (2013, p. 37):


152
A partir desta ideia [da proteção integral do ser humano] passamos
também a reconhecer que ao ser humano não se pode atribuir valor
ou preço, pois o ser humano em virtude tão somente de sua condição
meramente biológica, gênero humano, e independentemente de
qualquer outra circunstância, é possuidor de dignidade, isso de via
unilateral, sendo então segundo a concepção do direito moderno
“igual” aos seus demais diante da lei.

Nesse diapasão, todo ser humano é titular de direitos, mesmo que esse

não os reconheça ou invoque-os, os quais devem ser reconhecidos e

respeitados pelos seus pares e pelo Estado, cabendo a esse último a tarefa de

proceder às garantias do respeito às liberdades civis, incluindo-se aí os direitos

humanos e as liberdades fundamentais, necessitando-se do estabelecimento

de um ordenamento jurídico-legal que promova a tutela e garantia dos mesmos

(LIMA, 2013).

Sarlet (2010) busca argumentar que o conceito de dignidade da pessoa

humana é complexo em sua essência e desenvolve-se na esfera de ampla

diversidade de valores sociais.

Contudo, ainda conforme o autor, pode-se proceder ao entendimento do

mesmo sobre o prisma jurídico, o qual estabelece que por dignidade da pessoa

humana entende-se como “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser

humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração” (SARLET,

2010, p. 62) que advêm da comunidade e do Estado.

Destarte, o mesmo implica em uma série complexa de direitos e

deveres, ditos fundamentais, que buscam assegurar a integridade da pessoa

contra todo e qualquer conduta que possa degradá-lo ou desumanizá-lo, além

de promover garantias de condições mínimas de existência, visando uma vida

saudável. Dar condições e desenvolver a participação ativa do ser humano no

destino da própria existência na coletividade.


153
Já Diniz (2007) buscou conceituar dignidade da pessoa humana por

meio dos pressupostos do Direito de Família, pelo qual a integridade

psicossocial do indivíduo e seu desenvolvimento se processam no seio do

grupamento familiar, sendo, pois, esse titular da tutela por parte do Estado e da

sociedade.

Importante contribuição oferece Capez (2009) para o entendimento de

tal conceito, enquanto assevera que a dignidade da pessoa humana poder ser

entendida como um valor em si que emerge da moral, elemento próprio do

gênero humano e não coexiste com preconceitos ou depende de credos e

confissões, sendo, pois, o fundamento do Estado Democrático.

4.5.3 Contextualização histórica do conceito de dignidade da


pessoa humana

O conceito de pessoa, tal qual é conhecido nos dias atuais, não havia

entre os povos antigos. Sarlet (2013) retrata que na Grécia Antiga o homem

era considerado o animal político ou social, segundo a filosofia aristotélica, cujo

ser era invocado pelos pressupostos da cidadania, pertencente ao Estado e

correlacionado ao cosmos e à natureza. Por esse motivo, não se podia ter a

noção, na época, sequer do conceito de personalidade.

Nos estertores do Império Romano e com o advento do Cristianismo, o

conceito de pessoa passou a figurar lado a lado com a ideia do homem

espiritual. Deste modo, o ser humano pôde experimentar certo caráter de

subjetividade e valoração do seu “eu”, os quais passaram a considerar os

direitos subjetivos e fundamentais do mesmo, amparados na questão da

dignidade. Tal conceito foi amplamente utilizado, mais tarde, pelos escolásticos

(SARLET, 2013).
154
Verifica-se que a proclamação do valor distinto da pessoa humana irá

levar à consequente afirmação dos direitos específicos e individuais, passando-

se a reconhecer que na vida social o homem não se confunde com o Estado,

provocando, ainda, o deslocamento do Direito do plano do Estado, para o

plano do indivíduo, estabelecendo-se o equilíbrio necessário entre liberdade e

autoridade, segundo afirma Marques (1995).

Conforme o autor, o pensamento kantiano coloca o sujeito como

elemento decisivo na elaboração do conhecimento e, por sua vez, o homem no

centro de tudo, de acordo com a chamada revolução copernicana, na transição

da Idade Média para a Idade Moderna – século XV. Em Kant, o homem

representa um fim em si mesmo e, por esse motivo, demonstra possuir valor

absoluto não podendo, pois, ser usado como instrumento, ou simplesmente

coisa: o ser humano possui dignidade e deve ser considerado como pessoa

(MARQUES, 1995).

Ainda nos séculos XVII e XVIII, vê-se predominar, em plena égide do

chamado pensamento jusnaturalista, a concepção kantiana de que a dignidade

do ser humano decorre de um direito natural, fundamentada no princípio da

liberdade. O século XVIII vem acompanhado da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, resultante do processo revolucionário que modificou a

estrutura social na França e encontrou eco em diversos outros países, em fins

daquele mesmo século.

Pinho (2002, p. 31) reforça que “o advento da Declaração dos Direitos

do Homem [...] implicou na libertação do ser humano de qualquer tutela” e

buscou pôr fim aos abusos por parte do Estado.


155
Os direitos do homem foram considerados inalienáveis, irredutíveis,

indeduzíveis, mesmo perante outras leis e direitos, e tomados como inerente à

natureza humana, sendo que o ser humano seria o único soberano nas

questões legais, da mesma forma como o povo era proclamado único

soberano, em se tratando de governos, no pós-Revolução Francesa, conforme

escreve Berman (2006).

Arendt (1978), por sua vez, expõe que a Declaração dos Direitos do

Homem foi uma espécie de pré-anunciação de que a humanidade havia

atingido sua maioridade, o que perdurou até meados do século XX.

A eclosão da Primeira Guerra Mundial, segundo a autora, favorecendo

os elementos que fizeram emergir o segundo grande conflito, na década de

1930 do mesmo século, e todo esse período entre guerras contribuíram para a

criação de uma “nação de minoria”, “com a transformação do Estado de

instrumento da lei, para instrumento da nação” (ARENDT, 1978, p. 42).

Nesse diapasão, ou seja, da transformação estatal, inúmeras

atrocidades que contrastavam com o princípio da dignidade da pessoa humana

eram justificadas, como os campos de refugiados do regime de Hitler, aspectos

que configuram a subtração de direito e garantias outrora conquistados pela

humanidade, com o objetivo de subjugar os indivíduos (ARENDT, 1978).

O final da Segunda Guerra Mundial e momentos emblemáticos desse

período, como o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichman em Jerusalém,

fez surgir a expressão “banalidade do mal” (ARENDT, 1978, p. 46), que

procurou explicar a conduta de algozes durante o segundo grande conflito: as

ações dos mesmos eram desprovidas de quaisquer juízos éticos.


156
Criou-se, então, a necessidade de introduzir nos ordenamentos jurídicos

das inúmeras nações questões importantes relacionadas à ética. Deste modo,

a dignidade do ser humano passa a ser reclamada como princípio e

fundamento dos sistemas jurídicos. O marco histórico da retomada da

dignidade como valor que emana da condição humana e de sua consideração

como garantia de direito, foi o advento da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de

1948.

Segundo Piovesan (2003), a Declaração da ONU introduziu a

concepção que atualmente se tem no mundo ocidental de direitos humanos e

pôs no centro das discussões o conceito de dignidade da pessoa humana

como norteador dos ordenamentos jurídicos e textos constitucionais. Nesse

caso, é notório o art. 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o qual

institui, in verbis:

Art. 3º - Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e


direitos. São dotados de razão e consciência de devem agir em
relação uns aos outros com espírito de fraternidade (ORGANIZAÇÃO,
2013, art. 3º).

A Carta Constitucional da República Alemã, em 1949, foi a que primeiro

trouxe em sua letra a dignidade da pessoa humana como um princípio

constitucional, estabelecendo que a mesma era condição inviolável, devendo

todas as autoridades públicas respeitá-lo e protegê-lo. (PIOVESAN, 2003).

4.5.4 O princípio jurídico do conceito de dignidade da pessoa


humana

Outras nações, a exemplo da Alemanha, passaram a tutelar a dignidade

da pessoa humana como princípio fundamental em suas Magnas Cartas,


157
promovendo o direito a uma existência digna a todo ser humano, como

condição própria de sua natureza. No entanto, é importante observar que as

Constituições dos diferentes países não concedem a dignidade. Essas

reconhecem tal princípio como elemento essencial da estruturação da esfera

jurídico-legal. Sobre tal assunto, opina Rocha (1999, p. 32):

Enquanto princípio constitucional, a dignidade permeia e orienta o


ordenamento que a concebe como fundamento, porém seu
significado é muito mais amplo que a conceituação jurídica que venha
a ser adotada. A dignidade prevalece como condição da essência
humana, ainda que um dado sistema jurídico não a conceba.

Sarlet (2013) reforça que conceituar a dignidade da pessoa humana na

esfera da tutela jurídico-normativa não é tarefa das mais fáceis, existindo,

mesmo, diversas controvérsias relacionadas à matéria. Contudo, bem menos

complexo é o entendimento e a percepção de quando tal princípio é agredido,

violado ou usurpado.

O papel do Direito é proteger e promover a dignidade humana e o faz

por meio da criação de mecanismos que se destinam a coibir possíveis

violações àquela. O reconhecimento constitucional de tal princípio refere-se à

investigação de outros conceitos, a saber: pessoa, personalidade e sujeito de

direitos.

4.5.5 A Lei de Biossegurança e o Conceito de Dignidade da


Pessoa Humana: Os embates entre Ciência e Religião

No ano de 2003, ainda sob o governo do presidente Lula, o Poder

Executivo enviou ao Congresso Nacional o projeto original da nova Lei de

Biossegurança (LUNA, 2013). O texto do Projeto de Lei (PL) enfocava a

utilização de organismos geneticamente modificados, mantendo o texto da Lei


158
de Biossegurança de 1995, o qual proibia o uso de embriões humanos como

material biológico disponível.

Todavia, posteriormente o relator do projeto, Aldo Rebelo, retirou do

texto da lei o dispositivo que proibia a manipulação de embriões humanos,

abrindo, assim, precedente para a pesquisa com as células-tronco

embrionárias.

A reformulação feita surgiu como resposta às pressões de segmentos da

comunidade científica e de diversas associações que representavam os

pacientes portadores de moléstias específicas e para as quais as pesquisas

terapêuticas com as células-tronco embrionárias representariam uma

possibilidade de cura. Não havia, dessa forma, especificação clara quanto ao

que era permitido no texto do PL, o que poderia dar margem, também, à

produção de embriões humanos para fins de experimentos ou mesmo da

clonagem (LUNA, 2013).

A reação da comunidade religiosa foi imediata. A CNBB propôs um

referendo contra a aprovação do texto legal. Imediatamente, a Frente

Parlamentar Evangélica direcionou ao presidente da Câmara João Paulo

Cunha e ao novo relator do projeto, Renildo Calheiros, um manifesto que

continha as mesmas críticas do segmento católico à utilização de embriões

humanos em pesquisas e experimentos, conforme escreve Cesarino (2006).

O novo relator, após lobby da bancada parlamentar religiosa, emitiu

parecer voltando a vedar o uso de embriões humanos em pesquisas e estudos

científicos, inclusive criminalizando tal prática. Segundo escreve Luna (2013),

ocorreu uma aliança entre católicos e evangélicos, acontecimento histórico no

país.
159
4.5.6 A Lei nº 11.105/2005 (Lei de Biossegurança): Breves
considerações

Vieira (2005) informa que a Lei nº 11.105 de 2005, denominada a Lei de

Biossegurança, foi sancionada no governo do Presidente Lula, apresentando

sete vetos, e disciplinou as questões relacionadas com o plantio e a

comercialização dos organismos geneticamente modificados, os OGM, também

denominados produtos transgênicos. Além disso, o diploma legal em comento

autorizou o uso de células-troncos de embriões em pesquisas terapêuticas.

A Lei de Biossegurança regulou o uso das células-tronco embrionárias

oriundas de embriões humanos para pesquisas e terapias. Todavia, tais

embriões deverão ser provenientes da fertilização in vitro e não utilizados neste

processo, de modo que a pesquisa só se realizará com os embriões

considerados inviáveis ou, ainda, aqueles que se encontram congelados desde

a data da lei promulgada, completando três anos ou mais, a partir da data do

congelamento (LEITE e FAGUNDEZ, 2007).

O texto legal exige, ainda, em quaisquer dos casos, que a pesquisa só

poderá se efetivar utilizando os embriões, com o consentimento dos genitores,

os quais deverão assinar termo de consentimento livre e esclarecido, segundo

normatiza o Ministério da Saúde. É este órgão, ainda, que deverá definir as

diretrizes para a avaliação das novas tecnologias de utilização das células-

tronco embrionárias (VIEIRA, 2005).

Ainda em relação à regulação do diploma legal em comento, este vedou

a engenharia genética em organismos vivos ou “o manejo in vitro, natural ou

recombinante, de ácido desoxirribonucléico (ADN) e ácido ribonucleico (ARN)


160
[...] materiais genéticos que contém informações determinantes dos caracteres

hereditários transmissíveis à descendência” (PONTUAL, 2014).

Fica proibida, ainda, nos termos daquela lei, a engenharia genética em

célula germinal humana, em zigoto e embrião humanos, bem como a clonagem

de seres humanos e torna obrigatória a investigação de acidentes que ocorram

no decurso de pesquisas e projetos da engenharia genética e o envio de

relatórios às autoridades competentes da área da saúde pública.

O Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) foi criado pela Lei nº

11.105/2005, órgão vinculado à Presidência da República, com funções na

formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança (PNB),

reestruturando a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),

conforme escreve Pontual (2014).

Assim, a legislação procurou instituir as normas de segurança e os

mecanismos necessários para se proceder à fiscalização quanto ao trato dos

OGM, estabelecendo, inclusive, as sanções penais – multa ou detenção – que

objetivam à punição para as condutas que descumprirem as normas gerais

estabelecidas. Nesse caso, a pena de detenção poder alcançar os cinco anos,

acrescidos, dependendo do crime cometido (LEITE e FAGUNDEZ, 2007).

A maior pena - reclusão de dois a cinco anos e multa - é aplicada


para quem realizar clonagem humana e também utilizar,
comercializar, registrar, patentear e licenciar tecnologias genéticas de
restrição de uso. As penas podem ser dobradas caso resultem na
morte de alguém (PONTUAL, 2014, p. 59).

Por fim, é importante inferir sobre o art. 5º da Lei de Biossegurança de

2005, um dos dispositivos que mais suscitou debates e provocou a reação de


161
diversos segmentos sociais do país, entre estes organizações e instituições

religiosas.

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de


células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos
por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento,
atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da


publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação
desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da
data de congelamento.

§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem


pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas
deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos
respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere


este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no
9.434, de 4

de fevereiro de 1997. (BRASIL, 2005, art. 5º).

Os questionamentos sobre a Lei de Biossegurança atingiram o âmbito

das cortes máximas no país: no Senado, as negociações ocasionaram a

formulação do art. 5º, cujo texto encontra-se supracitado.

De fato, segundo reforça Cesarino (2006), desde o Congresso Nacional

destacou-se a participação dos membros parlamentares de orientação

religiosa, ainda na proposta do diploma legal em comento, questionando os

principais dispositivos da lei.

Porém, na audiência pública, os peritos do Senado e cientistas ligados

às pesquisas e experimentos celulares terapêuticos se pronunciaram,

convencendo os parlamentares que, antes de o material ser destinado ao lixo,


162
que se tornasse mecanismo de auxílio à saúde de milhões de pacientes em

todo o mundo.

- Pressões pela Inconstitucionalidade do art. 5º da Lei de


Biossegurança

Souza (2007) informa que a aprovação da Lei da Biossegurança

provocou a eclosão de um verdadeiro campo de batalha entre diferentes

argumentações contra ou favorável ao diploma legal. As pressões surgiam, de

um lado por aqueles que defendiam que a lei era válida, do outro, os que

consideravam a lei inconstitucional, mormente ao disposto no art. 5º.

A autorização que tal dispositivo continha soou como um risco à

objetividade dos estudos e experimentos, principalmente para os segmentos

religiosos da sociedade, que via no texto legal uma verdadeira afronta ao

próprio art. 5º da CF de 1988, o qual promove a tutela do direito à vida.

A argumentação desses setores, conjuntamente ao de outros, tais como

organizações sociais, se processava no sentido de prever possíveis atividades

que a lei não autorizava, bem como questionar os benefícios das pesquisas

terapêuticas com embriões humanos.

Todavia, a questão mais polêmica residia na possibilidade da disposição

dos embriões congelados, os quais representariam vidas humanas em

desenvolvimento, uma vez que a origem dos mesmos, ensejada por seus

genitores, era a geração de um filho (SOUZA, 2007).

Em outro polo, encontravam-se os defensores das pesquisas com

células-tronco embrionárias, que procuraram comprovar que tais células não

tinham a capacidade de desenvolverem-se, dando origem a uma vida humana.


163
Tais argumentos invocavam a norma imposta no art. 5º da Lei de

Biossegurança, a qual permitia a utilização dos embriões somente se estes se

encontrassem há mais de três anos congelados e com a autorização de seus

respectivos genitores, bem como na inviabilidade dos mesmos.

A defesa dos experimentos com as células-tronco embrionárias remetia-

se, ainda, a necessidade de fiscalização e aprovação dos comitês de ética para

que tais pesquisas se efetivassem, com pena de reclusão aos que

desobedecem tal regra.

Contudo, estas argumentações não bastaram para cessar os

questionamentos da comunidade religiosa, aliada às associações e

capitaneada pela Igreja Católica. Dessa forma, o lobby da bancada religiosa na

Câmara conseguiu com que o Procurador Geral da República, na época

Cláudio Fonteles, dias depois de sancionada a Lei de Biossegurança pelo

Presidente Lula, encaminhasse ao STF um parecer favorável à Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADIn) nº 3.510, visando suprimir o art. 5º do referido

diploma legal, vedando, assim, a utilização das CTE para fins de pesquisas

terapêuticas.

O texto da ADIn nº 3.510 sustentava-se principalmente sobre a questão

de se considerar o embrião como um ser humano em formação: a vida humana

inicia-se com a fecundação e vai se desenvolvendo continuamente; o zigoto

corresponderia, então, ao ser humano em forma embrionária; por fim, que a

utilização das células-tronco adultas nos estudos científicos apresentariam

resultados mais objetivos e promissores que o uso das células-tronco

embrionárias.
164
Assim, no dia 05 de março de 2008, na sessão para julgamento da ADIn

nº 3.510, Antônio Fernando de Souza, novo Procurador Geral da República, e

Ives Gandra Martins, advogado da CNBB, membro da Organização Religiosa

Opus Dei, promoveram uma forte assertiva contrária ao dispositivo da Lei de

Biossegurança, baseando as afirmações no art. 5º da CF de 1988, o qual tutela

o direito à vida.

Segundo leciona Amorim (2012), o fundamento da ADIn nº 3.510 foi a

defesa do direito à vida, considerando-se como inato o embrião, mesmo que

conservado in vitro, além da recorrência ao princípio da dignidade da pessoa

humana, agregando-se o princípio da isonomia, uma vez que todos os

brasileiros – ou estrangeiros – domiciliados ou residentes no país são

considerados iguais perante a lei.

Diante de tantas controvérsias e opiniões que muitas das vezes

resvalavam no puro ceticismo ou, ao contrário, misticismo, no dia 20 de abril de

2008, o STF promoveu um ato histórico, nunca antes perpetrado em todos as

décadas de trabalho do eminente órgão maior do Judiciário brasileiro: uma

audiência pública, na qual inúmeros representantes da comunidade científica

puderam dar o seu parecer a respeito do avanço científico que os

experimentos terapêuticos com as células-tronco poderiam garantir à nação.

Assim, a base discursiva dos grupos debatentes focava num só ponto

controverso: indicar, com precisão, quando começa a vida humana, não só do

ponto de vista biológico, mas antropológico, sociológico, religioso e ético:

quando da fecundação, ou mesmo quando o embrião se fixa nas paredes do

útero, ou, ainda, quando desenvolve o sistema nervoso, ou o coração começa

a bater.
165
Seguindo tal ponto de vista, culminou à decisão do STF, que em 29 de

maio de 2008, num julgamento histórico, decidiu pela constitucionalidade da

Lei nº 11.105/2005 e todos os seus dispositivos, liberando no país as

pesquisas com as células-tronco.

4.6 O STF E A AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DAS


PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS NO
BRASIL
Dei o melhor de mim no julgamento de causas que tiveram a ver, tudo
a ver, com o arejamento da cultura brasileira, mudança de
mentalidade, quebra de paradigmas ultrapassados e abertura de
novos horizontes no plano das ideias (Min. Ayres Britto, relator da
ação da ADIn nº 3.510).

Logo que a Lei nº 11.105/2005, também denominada a Lei de

Biossegurança que, entre outras providências “[...] estabelece normas de

segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam

organismos geneticamente modificados [...], dispõe sobre a Política Nacional

de Biossegurança [...]” (BRASIL, 2005) foi sancionada pelo Presidente Luiz

Inácio da Silva, foi proposta uma ADIn pela Procuradoria Geral da República,

questionando a constitucionalidade de tal diploma legal.

É importante destacar, acompanhando os estudos de Martinotto (2014),

que a matéria chegou até o STF com dois posicionamentos diversos e

ambíguos sobre dois importantes dispositivos constitucionais: o direito à vida e

o princípio da dignidade humana. Nesse diapasão, a tarefa do órgão maior do

Poder Judiciário brasileiro não se restringia a “interpretar a norma dita

inconstitucional, para não correr o risco de redesenhar a norma em exame,

assumindo o papel de legislador” (MARTINOTTO, 2014, p. 79), mas asseverar

qual regra constitucional deveria ser empregada ao diploma legal questionado.


166
Destarte, ao STF coube responder às questões cernes das

controvérsias entre os debatentes, mesmo para proferir a sua decisão, quais

sejam:

- Onde começa a vida humana?

- Qual é a vida que a CF de 1988 tutela?

- O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser aplicado a uma


expectativa de vida em detrimento de uma vida já existente?

- A pretensão dos cientistas poderia ser obstada, com o risco de se


incorrer no desrespeito ao princípio da liberdade da pesquisa
científica?

- O direito à saúde da pessoa que vê nas pesquisas com CT a única


oportunidade de levar uma vida digna, pode ser relegado a um
segundo plano?

- E o direito à saúde daqueles que vêem nas pesquisas em células-


tronco a única oportunidade de viver dignamente?

Tais questões se apresentaram aos onze Ministros do STF, que acima

de decidirem sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança, estariam

proferindo uma decisão que tinha como cerne o direito à vida.

Para Marinotto (2014), interessante é perscrutar a linha de raciocínio

doutrinário pela qual o STF buscou solucionar o conflito entre os princípios

constitucionais de direito à vida e da dignidade da pessoa humana e do

princípio da liberdade de pesquisa científica.

4.6.1 Decisão do STF pela Constitucionalidade da Lei de


Biossegurança

No dia 19 de dezembro de 2006, o Min. Carlos Ayres Brito, relator da

ação da ADIn nº 3.510, a qual questionava a constitucionalidade da Lei de

Biossegurança/2005, determinou, em face da complexidade da matéria, que


167
fosse convocada a primeira audiência pública da história do STF. Nesta

audiência, participaram 22 cientistas com o objetivo de debater o ponto

considerado mais polêmico do texto legal: quando, de fato, se inicia a vida

humana (MEDINA; FREIRE e FREIRE, 2014).

A justificativa para a decisão de Ayres Britto em convocar uma audiência

pública residia na possibilidade de maior participação da opinião pública e da

sociedade civil nos debates, como forma de fortalecer a legitimidade da

decisão a ser proferida pelo STF:

[...] a audiência pública confere “legitimidade democrática” à decisão


a ser proferida pelo STF. Afirmou ainda o ministro, segundo a mesma
nota, que “para que o povo tenha confiança na decisão que vamos
proferir é preciso que nós também ouçamos as vozes sociais, quando
essas decisões não perpassam apenas por um critério meramente
jurídico”, e que é importante que o STF “preste contas à sociedade e
que a decisão seja o quanto possível representativa da expectativa
popular” (MEDINA; FREIRE e FREIRE, 2014).

Segue abaixo a transcrição da citação do STF, quanto à audiência

pública da ADIn nº 3.510, bem como a convocação dos cientistas para os

debates sobre a matéria.

[...] Ante a saliente importância da matéria que subjaz a


esta ação direta de inconstitucionalidade, designei
audiência pública para o depoimento de pessoas com
reconhecida autoridade e experiência no tema (§ 1º do
art. 9º da Lei nº 9.868/99). Na mesma oportunidade,
determinei a intimação do autor, dos requeridos e dos
interessados para que apresentassem a relação e a
qualificação dos especialistas a ser pessoalmente
ouvidos.2. Pois bem, como fiz questão de realçar na
decisão de fls. 448/449, “a audiência pública, além de
subsidiar os Ministros deste Supremo Tribunal Federal,
também possibilitará u’a maior participação da sociedade
civil no enfrentamento da controvérsia constitucional, o
que certamente legitimará ainda mais a decisão a ser
tomada pelo Plenário desta nossa colenda Corte”. Sem
embargo, e conquanto haja previsão legal para a
designação desse tipo de audiência pública (§ 1º do art.
9º da Lei nº 9.868/99),não há, no âmbito desta nossa
168
Corte de Justiça, norma regimental dispondo sobre o
procedimento a ser especificamente observado.3. Diante
dessa carência normativa, cumpre-me aceder a um
parâmetro objetivo do procedimento de oitiva dos
expertos sobre a matéria de fato da presente ação. E
esse parâmetro não é outro senão o Regimento Interno
da Câmara dos Deputados, no qual se encontram
dispositivos que tratam da realização, justamente, de
audiências públicas (arts. 255 usque 258 do RI/CD).
Logo, são esses os textos normativos de que me valerei
para presidir os trabalhos da audiência pública a que me
propus. Audiência coletiva, realce-se, prestigiada pela
própria Constituição Federal em mais de uma passagem,
como verbi gratia, o inciso IIdo § 2º do art. 58, cuja dicção
é esta:“Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão
comissões permanentes e temporárias, constituídas na
forma e com as atribuições previstas no respectivo
regimento ou no ato de que resultar sua criação.(...) § 2º.
Às comissões, em razão da matéria de sua competência,
cabe:II – realizar audiências públicas com entidades da
sociedade civil;(...)”4. Esse o quadro, fixo para o dia
20.04.2007, das 09h às 12h e das 15h às 19h, no
auditório da 1ª Turma deste Supremo Tribunal Federal, a
realização da audiência pública já designada às fls.
448/449. Determino, ainda:a) a expedição de ofício aos
Excelentíssimos Ministros deste Supremo Tribunal
Federal, convidando-os para participar da referida
assentada;b) a intimação do autor, dos requeridos e dos
amici curiae, informado-lhes sobre o local, a data e o
horário de realização da multicitada audiência;c) a
expedição de convites aos especialistas abaixo
relacionados: c.1. Mayana Zatz, Rua do Matão, 277, Sala
211, Cidade Universitária, Bairro Butantã, São Paulo-SP,
CEP 05.508-090; c.2. Lygia V. Pereira, Rua do Matão,
277, Sala 211, Cidade Universitária, Bairro Butantã, São
Paulo-SP, CEP 05.508-090; c.3. Rosália Mendes Otero,
Avenida Rui Barbosa, 480, Ap. 601, Flamengo, Rio de
Janeiro-RJ, CEP 22.250-020; c.4. Stevens Rehen,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Bloco “F”, Ilha do
Fundão, Rio de Janeiro, CEP 21.941-590; c.5. Antonio
Carlos Campos de Carvalho, Rua General Glicério, 355,
Ap. 602, Laranjeiras, Rio de Janeiro-RJ, CEP 22.245-120;
c.6. Luiz Eugenio Araújo de Moraes Mello, Rua Álvares
Florence, 161, Bairro Butantã, São Paulo-SP, CEP
05.502-060; c.7. Drauzio Varella, Rua Joaquim Floriano,
72, Conjunto 72, São Paulo-SP, CEP 04.534-000; c.8.
Oscar Vilhena Vieira, Rua Pamplona, 1197, Casa 04,
Jardim Paulista, São Paulo-SP; c.9. Milena Botelho
Pereira Soares, Rua Waldemar Falcão, 121, Candeal,
Salvador-BA, CEP 40.296-710; c.10. Ricardo Ribeiro dos
Santos, Rua Waldemar Falcão, 121, Candeal, Salvador-
BA, CEP 40.296-710; c.11. Esper Abrão Cavalheiro, Rua
169
Botucatu, 862, Ed. José Leal Prado, Vila Clementino, São
Paulo-SP, CEP 04.023-900; c.12. Março Antonio Zago,
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto-
SP, CEP 14.049-900; c.13. Moisés Goldbaum, Avenida
Dr. Arnaldo, 455 , 2º andar, Sala 2255, Cerqueira César,
São Paulo-SP, CEP 01.246-903 c.14. Patrícia Helena
Lucas Pranke, Avenida Ipiranga, 2752, sala 305, Santana,
Porto Alegre-RS, CEP 90.610-000; c.15. Radovan
Borojevic, Avenida Pau Brasil s/nº, CCS, Bloco “F”, Ilha do
Fundão, Rio de Janeiro-RJ, CEP 21.941-970; c.16.
Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho, Rua Dr. Ovídio
Pires de Campos, 333, 3º andar, sala 302, Cerqueira
César, São Paulo-SP, 05.403-010; c.17. Débora Diniz,
Caixa Postal 8011, Setor Sudoeste, Brasília-DF, CEP
70.673-970.Às Secretarias Judiciária e das Sessões para
as providências cabíveis.Publique-se.Brasília, 16 de
março de 2007.Ministro CARLOS AYRES BRITTO
Relator. (STF - ADI: 3510 DF, Relator: Min. CARLOS
BRITTO, Data de Julgamento: 16/03/2007, Data de
Publicação: DJ 30/03/2007 PP-00098 RTJ VOL-00200-01
PP-00282) (JUSBRASIL, 2014a)

Finalmente, em 29 de maio de 2008, o julgamento pela

inconstitucionalidade ou não da Lei de Biossegurança foi dado por encerrado,

saindo-se vitoriosos os argumentos sustentados pela ciência nos embates com

os outros segmentos da sociedade, entre estes, o discurso da Igreja Católica,

representada pelos diversos pareceres da CNBB sobre o assunto.

Todavia, a decisão do órgão maior do Poder Judiciário brasileiro não se

configurou como unânime, porque cinco dos onze ministros do STF impuseram

algumas restrições ao texto da lei, a saber:

- As pesquisas devem ser aprovadas e acompanhadas por um comitê


de ética;

- Os embriões não poderão ser destruídos para a retirada das células-


tronco.
170
Magalhães e Coelho (2013) observam que ao contrário do que se

imaginava transcorrer durante o julgamento da ADIn nº 3.510, os ministros

pouco fizeram elucubrações a respeito do início da vida. Eestavam presentes

os aspectos filosóficos, teológicos e científicos sobre quando começa a vida

humana. Contudo, o elemento central dos debates estava em questionar um

texto legal curto e falho, como se configura a Lei de Biossegurança.

O Min. Gilmar Mendes, presidente do STF, chegou a afirmar a

perplexidade causada por um assunto tão sério estar sendo tratado em um

único artigo. Na oportunidade, o ministro reafirmou a insuficiência do texto legal

e apresentou, como exemplo, códigos legais de outros países – Alemanha,

França, Espanha, Portugal, entre outros – que tratam da mesma temática e

possuem regras bem mais detalhadas do que o ordenamento pátrio.

Na ausência de critérios, cinco dos ministros entenderam que o próprio

tribunal poderia estabelecer algumas condições para a realização das

pesquisas, isto é, ao entrarem em contato para julgamento de uma lei que o

STF conclua ser omissa em determinados pontos, tal órgão poderá assumir as

vezes de legislador e determinar regras, segundo informam Magalhães e

Coelho (2013). Dessa forma, os votos dos ministros Menezes, Ricardo

Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes.

Tais votos oscilaram entre considerar a total improcedência da ação e a

parcial improcedência, todavia, restaram unânimes em liberar as pesquisas

terapêuticas com as células-tronco, desde que estas obedecem a

determinados critérios, como a não destruição dos embriões e a presença do

comitê de ética na fiscalização das ações.


171
Os demais ministros, Ayres Britto, o relator da ação, Ellen Gracie,

Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello proferiram

seus votos no sentido de permitir as pesquisas científicas, sem que houvesse a

determinação de quaisquer restrições. O Min. Marco Aurélio, na ocasião,

chegou a dirigir críticas aos demais colegas pela imposição de regras,

afirmando: “O Supremo Tribunal Federal não é órgão de aconselhamento. Em

um processo como este, de duas uma: ou declara a constitucionalidade ou a

inconstitucionalidade, total ou parcial, do ato normativo abstrato atacado”

(FERNANDES, 2009, p. 117).

A discordância mostrada entre os ministros do STF se cabia ou não ao

órgão máximo impor limites às pesquisas com células-tronco motivou um

acalorado debate entre Celso de Mello e Cezar Peluso. Após a leitura do último

voto que faltava para a conclusão do julgamento, o do Min. Gilmar Mendes,

Peluso fez a sugestão de que o órgão supremo declarasse a competência do

CONEP (Conselho Nacional de Ética em Pesquisa) na fiscalização dos estudos

e experimentos com CTE (Ibidem, p.121).

Celso de Mello, então, repeliu imediatamente a sugestão do colega,

alegando que havia seis votos que julgavam a ação improcedente, alegação

que foi prontamente rebatida por Peluso, que indagou o colega sobre o porquê

da exclusão da pessoa do ministro, uma vez que este último também votara

pela improcedência da ação, ainda que com ressalvas, ao que Mello contra-

atacou: “V. Exª julgou parcialmente procedente” (FERNANDES, 2009, p. 119).

A discussão, a partir daí, ganhou contornos mais acalorados, com as

expressões “vossas excelências” e “eminentes ministros” proferidas no meio de

frases ríspidas e, muitas das vezes, ditas umas sobre as outras, até que o Min.
172
Eros Grau pediu a palavra, aconselhando o presidente a encerrar o julgamento,

o que só ocorreu depois que a Min. Cármem Lúcia, buscando descontrair a

sessão, gracejou: “Eu não sou embrião, mas já estou congelando aqui”.

4.6.2 O Acórdão do STF

Conforme publica Amorin (2012), o STF, por maioria de votos, em 29 de

maio de 2008, julgou improcedente a ADIn nº 3.510 e declarou, por

conseguinte, a constitucionalidade dos dispositivos impugnados, autorizando

as pesquisas com células-tronco embrionárias inviáveis ou aquelas congeladas

há mais de três anos.

O Acórdão do STF que pôs fim a contenda entre grupos que

argumentavam ser as pesquisas com células-tronco embrionárias um meio de

desrespeito a princípios constitucionais gravíssimos à pessoa humana, como o

direito à vida e à dignidade e entre a ciência, cujo discurso era o benefício que

tais estudos trazem para a saúde e terapia de certas doenças que vitimizam a

sociedade:

Ementa

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANCA.
IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº
11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE
BIOSSEGURANCA). PESQUISAS COM CÉLULAS-
TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE
VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA.
CONSITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-
TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS
CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS.
DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS
CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO
FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA
PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO
FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA
173
TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA
ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANCA CONTROLES
DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS
PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS.
IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO.

I - O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, A CONCEITUAÇÃO


JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E
SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE
BIOSSEGURANCA. As "células-tronco embrionárias" são
células contidas num agrupamento de outras,
encontradiças em cada embrião humano de até 14 dias
(outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de
blastocisto, ocorrente em torno de 5 dias depois da
fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide
masculino). Embriões a que se chega por efeito de
manipulação humana em ambiente extracorpóreo,
porquanto produzidos laboratorialmente ou "in vitro", e
não espontaneamente ou "in vida". Não cabe ao Supremo
Tribunal Federal decidir sobre qual das duas formas de
pesquisa básica é a mais promissora: a pesquisa com
células-tronco adultas e aquela incidente sobre células-
tronco embrionárias. A certeza científico-tecnológica está
em que um tipo de pesquisa não invalida o outro, pois
ambos são mutuamente complementares.

II - LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-


TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS TERAPÊUTICOS
E O CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. A pesquisa
científica com células-tronco embrionárias, autorizada
pela Lei nº 11.105/2005, objetiva o enfrentamento e cura
de patologias e traumatismos que severamente limitam,
atormentam, infelicitam, desesperam e não raras vezes
degradam a vida de expressivo contingente populacional
(ilustrativamente, atrofias espinhais progressivas,
distrofias musculares, a esclerose múltipla e a lateral
amiotrófica, as neuropatias e as doenças do neurônio
motor). A escolha feita pela Lei de Biosseguranca não
significou um desprezo ou desapreço pelo embrião "in
vitro", porém u'a mais firme disposição para encurtar
caminhos que possam levar à superação do infortúnio
alheio. Isto no âmbito de um ordenamento constitucional
que desde o seu preâmbulo qualifica "a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça" como valores supremos de uma sociedade
mais que tudo "fraterna". O que já significa incorporar o
advento do constitucionalismo fraternal às relações
humanas, a traduzir verdadeira comunhão de vida ou vida
social em clima de transbordante solidariedade em
benefício da saúde e contra eventuais tramas do acaso e
174
até dos golpes da própria natureza. Contexto de solidária,
compassiva ou fraternal legalidade que, longe de traduzir
desprezo ou desrespeito aos congelados embriões "in
vitro", significa apreço e reverência a criaturas humanas
que sofrem e se desesperam. Inexistência de ofensas ao
direito à vida e da dignidade da pessoa humana, pois a
pesquisa com células-tronco embrionárias (inviáveis
biologicamente ou para os fins a que se destinam)
significa a celebração solidária da vida e alento aos que
se acham à margem do exercício concreto e inalienável
dos direitos à felicidade e do viver com dignidade
(Ministro Celso de Mello).

III - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À


VIDA E OS DIREITOS INFRACONSTITUCIONAIS DO
EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO. O Magno Texto Federal não
dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso
instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer
estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico,
mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa,
porque nativiva (teoria "natalista", em contraposição às
teorias "concepcionista" ou da "personalidade
condicional"). E quando se reporta a "direitos da pessoa
humana" e até dos "direitos e garantias individuais" como
cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do
indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos
fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade", entre outros direitos e
garantias igualmente distinguidos com o timbre da
fundamentalidade (como direito à saúde e ao
planejamento familiar). Mutismo constitucional
hermeneuticamente significante de transpasse de poder
normativo para a legislação ordinária. A potencialidade de
algo para se tornar pessoa humana já é meritória o
bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente,
contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural
continuidade fisiológica. Mas as três realidades não se
confundem: o embrião é o embrião, o feto é o feto e a
pessoa humana é a pessoa humana. Donde não existir
pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa
humana. O embrião referido na Lei de Biosseguranca ("in
vitro" apenas) não é uma vida a caminho de outra vida
virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades
de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem as
quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de
vida autônoma e irrepetível. O Direito infraconstitucional
protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento
biológico do ser humano. Os momentos da vida humana
anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção
pelo direito comum. O embrião pré-implanto é um bem a
ser protegido, mas não uma pessoa no sentido biográfico
a que se refere a Constituição.
175
IV - AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO NÃO
CARACTERIZAM ABORTO. MATÉRIA ESTRANHA À
PRESENTE AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. É constitucional a
proposição de que toda gestação humana principia com
um embrião igualmente humano, claro, mas nem todo
embrião humano desencadeia uma gestação igualmente
humana, em se tratando de experimento "in vitro".
Situação em que deixam de coincidir concepção e
nascituro, pelo menos enquanto o ovócito (óvulo já
fecundado) não for introduzido no colo do útero feminino.
O modo de irromper em laboratório e permanecer
confinado "in vitro" é, para o embrião, insuscetível de
progressão reprodutiva. Isto sem prejuízo do
reconhecimento de que o zigoto assim extra-
corporalmente produzido e também extra-corporalmente
cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser
humano. Não, porém, ser humano em estado de embrião.
A Lei de Biosseguranca não veicula autorização para
extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião.
Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a
caminho do endométrio, ou nele já fixado. Não se cuida
de interromper gravidez humana, pois dela aqui não se
pode cogitar. A "controvérsia constitucional em exame
não guarda qualquer vinculação com o problema do
aborto." (Ministro Celso de Mello).

V - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AUTONOMIA DA


VONTADE, AO PLANEJAMENTO FAMILIAR E À
MATERNIDADE. A decisão por uma descendência ou
filiação exprime um tipo de autonomia de vontade
individual que a própria Constituição rotula como "direito
ao planejamento familiar", fundamentado este nos
princípios igualmente constitucionais da "dignidade da
pessoa humana" e da "paternidade responsável". A
conjugação constitucional da laicidade do Estado e do
primado da autonomia da vontade privada, nas palavras
do Ministro Joaquim Barbosa. A opção do casal por um
processo "in vitro" de fecundação artificial de óvulos é
implícito direito de idêntica matriz constitucional, sem
acarretar para esse casal o dever jurídico do
aproveitamento reprodutivo de todos os embriões
eventualmente formados e que se revelem geneticamente
viáveis. O princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana opera por modo binário, o que propicia a base
constitucional para um casal de adultos recorrer a
técnicas de reprodução assistida que incluam a
fertilização artificial ou "in vitro". De uma parte, para
aquinhoar o casal com o direito público subjetivo à
"liberdade" (preâmbulo da Constituição e seu art. 5º), aqui
entendida como autonomia de vontade. De outra banda,
para contemplar os porvindouros componentes da
176
unidade familiar, se por eles optar o casal, com
planejadas condições de bem-estar e assistência físico-
afetiva (art. 226 da CF). Mais exatamente, planejamento
familiar que, "fruto da livre decisão do casal", é "fundado
nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável" (§ 7º desse emblemático artigo
constitucional de nº 226). O recurso a processos de
fertilização artificial não implica o dever da tentativa de
nidação no corpo da mulher de todos os óvulos afinal
fecundados. Não existe tal dever (inciso II do art. 5º da
CF), porque incompatível com o próprio instituto do
"planejamento familiar" na citada perspectiva da
"paternidade responsável". Imposição, além do mais, que
implicaria tratar o gênero feminino por modo desumano
ou degradante, em contrapasso ao direito fundamental
que se lê no inciso II do art. 5º da Constituição. Para que
ao embrião "in vitro" fosse reconhecido o pleno direito à
vida, necessário seria reconhecer a ele o direito a um
útero. Proposição não autorizada pela Constituição.

VI - DIREITO À SAÚDE COMO COROLÁRIO DO


DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DIGNA. O § 4º do art.
199 da Constituição, versante sobre pesquisas com
substâncias humanas para fins terapêuticos, faz parte da
seção normativa dedicada à "SAÚDE" (Seção II do
Capítulo II do Título VIII). Direito à saúde, positivado como
um dos primeiros dos direitos sociais de natureza
fundamental (art. 6º da CF) e também como o primeiro
dos direitos constitutivos da seguridade social (cabeça do
artigo constitucional de nº 194). Saúde que é "direito de
todos e dever do Estado" (caput do art. 196 da
Constituição), garantida mediante ações e serviços de
pronto qualificados como "de relevância pública" (parte
inicial do art. 197). A Lei de Biosseguranca como
instrumento de encontro do direito à saúde com a própria
Ciência. No caso, ciências médicas, biológicas e
correlatas, diretamente postas pela Constituição a serviço
desse bem inestimável do indivíduo que é a sua própria
higidez físico-mental.

VII - O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE


EXPRESSÃO CIENTÍFICA E A LEI DE
BIOSSEGURANCA COMO DENSIFICAÇÃO DESSA
LIBERDADE. O termo "ciência", enquanto atividade
individual, faz parte do catálogo dos direitos fundamentais
da pessoa humana (inciso IX do art. 5º da CF). Liberdade
de expressão que se afigura como clássico direito
constitucional-civil ou genuíno direito de personalidade.
Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica, até
como signo de vida coletiva civilizada. Tão qualificadora
do indivíduo e da sociedade é essa vocação para os
misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo
um autonomizado capítulo para prestigiá-la por modo
177
superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). A regra de que
"O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento
científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas" (art.
218, caput) é de logo complementada com o preceito (§
1º do mesmo art. 218) que autoriza a edição de normas
como a constante do art. 5º da Lei de Biosseguranca. A
compatibilização da liberdade de expressão científica com
os deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam
à melhoria das condições de vida para todos os
indivíduos. Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa
humana, a Constituição Federal dota o bloco normativo
posto no art. 5º da Lei 11.105/2005 do necessário
fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica
(Ministra Cármen Lúcia).

VIII - SUFICIÊNCIA DAS CAUTELAS E RESTRIÇÕES


IMPOSTAS PELA LEI DE BIOSSEGURANCA NA
CONDUÇÃO DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-
TRONCO EMBRIONÁRIAS. A Lei de Biosseguranca
caracteriza-se como regração legal a salvo da mácula do
açodamento, da insuficiência protetiva ou do vício da
arbitrariedade em matéria tão religiosa, filosófica e
eticamente sensível como a da biotecnologia na área da
medicina e da genética humana. Trata-se de um conjunto
normativo que parte do pressuposto da intrínseca
dignidade de toda forma de vida humana, ou que tenha
potencialidade para tanto. A Lei de Biosseguranca não
conceitua as categorias mentais ou entidades biomédicas
a que se refere, mas nem por isso impede a facilitada
exegese dos seus textos, pois é de se presumir que
recepcionou tais categorias e as que lhe são correlatas
com o significado que elas portam no âmbito das ciências
médicas e biológicas.

IX - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. Afasta-se o uso da


técnica de "interpretação conforme" para a feitura de
sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de
Biosseguranca exuberância regratória, ou restrições
tendentes a inviabilizar as pesquisas com células-tronco
embrionárias. Inexistência dos pressupostos para a
aplicação da técnica da "interpretação conforme a
Constituição", porquanto a norma impugnada não padece
de polissemia ou de plurissignificatidade. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada totalmente improcedente.

Decisão

Após os votos do Senhor Ministro Carlos Britto (relator) e


da Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente), julgando
improcedente a ação direta, pediu vista dos autos o
Senhor Ministro Menezes Direito. Falaram: pelo Ministério
Público Federal, o Procurador-Geral da República, Dr.
Antônio Fernando Barros e Silva de Souza; pelo amicus
178
curiae Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB,
o Professor Ives Gandra da Silva Martins; pela Advocacia-
Geral da União, o Ministro José Antônio Dias Toffoli; pelo
requerido, Congresso Nacional, o Dr. Leonardo Mundim;
pelos amici curiae Conectas Direitos Humanos e Centro
de Direitos Humanos - CDH, o Dr. Oscar Vilhena Vieira e,
pelos amici curiae Movimento em Prol da Vida -
MOVITAE e ANIS - Instituto de Bioética, Direitos
Humanos e Gênero, o Professor Luís Roberto Barroso.
Plenário, 05.03.2008.Decisão: Após os votos dos
Senhores Ministros Menezes Direito e Ricardo
Lewandowski, julgando parcialmente procedente a ação
direta; dos votos da Senhora Ministra Cármen Lúcia e do
Senhor Ministro Joaquim Barbosa, julgando-a
improcedente; e dos votos dos Senhores Ministros Eros
Grau e Cezar Peluso, julgando-a improcedente, com
ressalvas, nos termos de seus votos, o julgamento foi
suspenso. Presidência do Senhor Ministro Gilmar
Mendes. Plenário, 28.05.2008.Decisão: Prosseguindo no
julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto
do relator, julgou improcedente a ação direta, vencidos,
parcialmente, em diferentes extensões, os Senhores
Ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros
Grau, Cezar Peluso e o Presidente, Ministro Gilmar
Mendes. Plenário, 29.05.2008

Resumo Estruturado

- VIDE EMENTA. - FUNDAMENTAÇÃO


COMPLEMENTAR, MIN. ELLEN GRACIE: APLICAÇÃO,
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL, UTILIDADE,
APROVEITAMENTO, PESQUISA CIENTÍFICA. -
FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR, MIN. CÁRMEN
LÚCIA: NORMA, IMPUGNAÇÃO, PRESERVAÇÃO,
DIVERSIDADE, INTEGRIDADE, PATRIMÔNIO,
MATERIAL GENÉTICO, DETERMINAÇÃO,
FISCALIZAÇÃO, CLÍNICA, PESQUISA CIENTÍFICA,
MANIPULAÇÃO, MATERIAL GENÉTICO.
CONTINUIDADE, PESQUISA CIENTÍFICA,
MANUTENÇÃO, PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA, EXPRESSÃO, PRINCÍPIO DA
SOLIDARIEDADE. - FUNDAMENTAÇÃO
COMPLEMENTAR, MIN. JOAQUIM BARBOSA: LEI,
OBSERVÂNCIA, PRINCÍPIO DO ESTADO LAICO,
LIBERDADE INDIVIDUAL, CRENÇA, PRINCÍPIO DA
LIBERDADE, AUTONOMIA PRIVADA, ATIVIDADE
INTELECTUAL, ATIVIDADE CIENTÍFICA. - VOTO
VENCIDO, MIN. MENEZES DIREITO: PROCEDÊNCIA,
PARCIALIDADE, AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE SEM REDUÇÃO DE
TEXTO, INTERPRETAÇÃO CONFORME A
CONSTITUIÇÃO, MODULAÇÃO DE EFEITOS, EFEITO
179
PRO FUTURO. EXPLICAÇÃO, PROCEDIMENTO,
REPRODUÇÃO HUMANA, PESQUISA CIENTÍFICA,
DOENÇA, GENOMA. LEI IMPUGNADA, AUSÊNCIA,
PROTEÇÃO, CONTRARIEDADE, EUGENIA.
NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, CONTROLE,
PESQUISA CIENTÍFICA, GENOMA HUMANO,
OBSERVÂNCIA, PADRÃO ÉTICO. EMBRIÃO HUMANO,
FERTILIZAÇÃO IN VITRO, DESTINAÇÃO ESPECIAL,
REPRODUÇÃO HUMANA, RISCO, ILEGALIDADE.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PROTEÇÃO, DIREITO À
VIDA, ABRANGÊNCIA, EMBRIÃO HUMANO,
FUNDAMENTO, PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. DESTRUIÇÃO, CÉLULA-TRONCO
EMBRIONÁRIA, OFENSA, DIREITO À VIDA. CONCEITO,
EMBRIÃO HUMANO, INVIABILIDADE,
DESCONSIDERAÇÃO, EXISTÊNCIA, VIDA HUMANA,
PESQUISA CIENTÍFICA, POSSIBILIDADE,
PROSSEGUIMENTO, USO, CÉLULA-TRONCO
EMBRIONÁRIA, AUSÊNCIA, DESDOBRAMENTO,
ESPONTANEIDADE. - VOTO VENCIDO, MIN. RICARDO
LEWANDOWSKI: PROCEDÊNCIA, PARCIALIDADE,
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM
REDUÇÃO DE TEXTO, INTERPRETAÇÃO CONFORME
A CONSTITUIÇÃO. CONVENÇÃO AMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS, FIXAÇÃO, PROTEÇÃO, VIDA
HUMANA, MOMENTO, FERTILIZAÇÃO, DIVERSIDADE,
LEI NACIONAL, PROTEÇÃO, NASCITURO. PESQUISA
CIENTÍFICA, NECESSIDADE, OBSERVÂNCIA,
PRINCÍPÍO DA PRECAUÇÃO, RISCO, OFENSA,
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
IRRAZOABILIDADE, AUTORIZAÇÃO, DESTRUIÇÃO,
EMBRIÃO HUMANO. PESSOA NATURAL, CLÍNICA,
REPRODUÇÃO HUMANA, RESPONSABILIDADE,
EMBRIÃO HUMANO, EXCESSO, ÔNUS,
MANUTENÇÃO, PRESERVAÇÃO, MOMENTO
ANTERIOR, TRANSFORMAÇÃO, EMBRIÃO HUMANO,
INVIABILIDADE. - VOTO VENCIDO, MIN. EROS GRAU:
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE,
NORMA, IMPUGNAÇÃO, PREVISÃO, REQUISITO,
CARÁTER ADITIVO. INEXISTÊNCIA, VIDA HUMANA,
MOMENTO ANTERIOR, IMPLANTAÇÃO, EMBRIÃO
HUMANO, ÚTERO, FUNDAMENTO, IMPOSSIBILIDADE,
DESENVOLVIMENTO. INCOMPATIBILIDADE,
EXTENSÃO, PERMISSÃO, NORMA, BLOCO DE
CONSTITUCIONALIDADE, FIXAÇÃO, DELIBERAÇÃO,
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), FINALIDADE,
ATRIBUIÇÃO, FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO. - VOTO VENCIDO, MIN. CEZAR
PELUSO: IMPROCEDÊNCIA, AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, INTERPRETAÇÃO
CONFORME A CONSTITUIÇÃO. EMBRIÃO HUMANO,
180
EXCESSO, AUSÊNCIA, EXPECTATIVA DE DIREITO,
VIDA HUMANA. PAI, MÃE, FORNECIMENTO,
MATERIAL GENÉTICO, DISPONIBILIDADE JURÍDICA,
EMBRIÃO HUMANO, EXCESSO, TOTALIDADE,
FINALIDADE, AUSÊNCIA, LEI, VEDAÇÃO.
NECESSIDADE, EDIÇÃO, LEI ESPECÍFICA,
FINALIDADE, DELIMITAÇÃO, RESPONSABILIDADE
PENAL, TOTALIDADE, PESSOA NATURAL,
ENVOLVIMENTO, PROCESSO. - VOTO VENCIDO, MIN.
GILMAR MENDES: IMPROCEDÊNCIA, AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE, INTERPRETAÇÃO
CONFORME A CONSTITUIÇÃO, CARÁTER ADITIVO.
LEI IMPUGNADA, OFENSA, PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE, INSUFICIÊNCIA, PROTEÇÃO,
INTERESSE COLETIVO, INEXISTÊNCIA, ÓRGÃO
ADMINISTRATIVO, COMPETÊNCIA, APRECIAÇÃO,
APROVAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, PESQUISA CIENTÍFICA,
CÉLULA-TRONCO.

Referências Legislativas

CF ANO-1988 ART-00001 INC-00001 INC-00002 INC-


00003 ART-00003 INC-00001 ART-00005 "CAPUT" INC-
00002 INC-00003 INC-00009 INC-00047 LET-A ART-
00006 ART-00012 INC-00001 LET-A LET-B LET-C INC-
00002 LET-A LET-B ART-00034 INC-00007 LET-B ART-
00085 INC-00003 ART-00060 PAR-00004 INC-00004
ART-00084 INC-00019 ART-00102 INC-00001 LET-A
ART-000103 INC-00006 ART-00194 "CAPUT" ART-00196
"CAPUT" ART-00197 ART-00199 PAR-00004 ART-00205
ART-00218 "CAPUT" PAR-00001 ART-00225 "CAPUT"
PAR-00001 INC-00002 ART-00226 "CAPUT" PAR-00004
PAR-00007 ART-00227 PAR-00001 PAR-00003 INC-
00008 PAR-00004 PAR-00007 ART-00229

DEL-002848 ANO-1940 ART-00123 ART-00124 ART-


00125 ART-00127 ART-00128 INC-000001 INC-00002
LEI-010406 ANO-2002 ART-00002 LEI-008069 ANO-
1990 ART-00002 LEI-009434 ANO-1997 ART-00009
PAR-00003 LEI-011105 ANO-2005 ART-00003 ART-
00005 "CAPUT" INC-00001 INC-00002 PAR-00001 PAR-
00002 PAR-00003 ART-00006 INC-00003 INC-00004
ART-00024 ART-00025 ART-00026 ART-00027 LEI DE
BIOSSEGURANCA RES-001358 ANO-1992 RES-001480
ANO-1997 DLG-000027 ANO-1992 APROVA A
CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE OS DIREITOS
HUMANOS DEC-000678 ANO-1992 PROMULGA A
CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE OS DIREITOS
HUMANOS CF ANO-1988 ART-00001 INC-00001 INC-
00002 INC-00003 ART-00003 INC-00001 ART-00005
"CAPUT" INC-00002 INC-00003 INC-00009 INC-00047
LET-A ART-00006 ART-00012 INC-00001 LET-A LET-B
LET-C INC-00002 LET-A LET-B ART-00034 INC-00007
181
LET-B ART-00085 INC-00003 ART-00060 PAR-00004
INC-00004 ART-00084 INC-00019 ART-00102 INC-00001
LET-A ART-000103 INC-00006 ART-00194 "CAPUT"
ART-00196 "CAPUT" ART-00197 ART-00199 PAR-00004
ART-00205 ART-00218 "CAPUT" PAR-00001 ART-00225
"CAPUT" PAR-00001 INC-00002 ART-00226 "CAPUT"
PAR-00004 PAR-00007 ART-00227 PAR-00001 PAR-
00003 INC-00008 PAR-00004 PAR-00007 ART-00229
DEL-002848 ANO-1940 ART-00123 ART-00124 ART-
00125 ART-00127 ART-00128 INC-000001 INC-00002
LEI-010406 ANO-2002 ART-00002 LEI-008069 ANO-
1990 ART-00002 LEI-009434 ANO-1997 ART-00009
PAR-00003 LEI-011105 ANO-2005 ART-00003 ART-
00005 "CAPUT" INC-00001 INC-00002 PAR-00001 PAR-
00002 PAR-00003 ART-00006 INC-00003 INC-00004
ART-00024 ART-00025 ART-00026 ART-00027 LEI DE
BIOSSEGURANCA RES-001358 ANO-1992 RES-001480
ANO-1997 DEC-000678 ANO-1992 PROMULGA A
CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE OS DIREITOS
HUMANOS CF ANO-1988 ART-00001 INC-00001 INC-
00002 INC-00003 ART-00003 INC-00001 ART-00005
"CAPUT" INC-00002 INC-00003 INC-00009 INC-00047
LET-A ART-00006 ART-00012 INC-00001 LET-A LET-B
LET-C INC-00002 LET-A LET-B ART-00034 INC-00007
LET-B ART-00085 INC-00003 ART-00060 PAR-00004
INC-00004 ART-00084 INC-00019 ART-00102 INC-00001
LET-A ART-000103 INC-00006 ART-00194 "CAPUT"
ART-00196 "CAPUT" ART-00197 ART-00199 PAR-00004
ART-00205 ART-00218 "CAPUT" PAR-00001 ART-00225
"CAPUT" PAR-00001 INC-00002 ART-00226 "CAPUT"
PAR-00004 PAR-00007 ART-00227 PAR-00001 PAR-
00003 INC-00008 PAR-00004 PAR-00007 ART-00229

RES-001358 ANO-1992 RES-001480 ANO-1997

Observações

- Acórdãos citados: HC 82424 - Legislação estrangeira


citada: Human Fertilisation and Embrilogy Act de 1990 -
Reino Unido; Lei 800/2004 da França; Human Fertilisation
and Embriology Act - HFE § 11 (1) c e Anexo 2, § 3 da
Grã-Bretanha; Ley sobre Técnicas de Reproduccióm
Humana Asistida de 2003 da Espanha; Loi relative à la
recherche sur les embryons in vitro de 2003 da Bélgica;
art. 9 da Lei 32/2006 de Portugal; Assited Reproduction
Act de 2004 do Canadá; art. 1º da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1948; art. 10 e 11 da
Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os
Direitos Humanos da UNESCO de 1998. Número de
páginas: 526. Análise: 25/06/2010, MMR. (JUSBRASIL,
2014b).
182

4.7 A Vitória da Ciência

A decisão do STF pela constitucionalidade da Lei de Biossegurança e de

seus dispositivos atacados pela ADIn nº 3.510, na visão da comunidade

científica e de todos aqueles que coadunavam com as argumentações dos

benefícios das pesquisas com células-tronco para a saúde pública no país, foi

uma vitória da ciência e da vida.

Segundo escreve Pereira (2013), as pesquisas com células-tronco

atende à expectativa de centenas de milhares de pacientes que buscam a cura

para as suas doenças. Os estudos e experimentos abrem inúmeras

possibilidades para que a ciência possa dar respostas para moléstias que, nos

dias atuais, não possuem tratamento.

Além dessas prerrogativas, o julgamento do STF permite à ciência

brasileira figurar entre posições privilegiadas no cenário internacional, uma vez

que o Brasil é o primeiro país da América Latina a permitir as pesquisas com

células-tronco embrionárias e o 26º do mundo todo, ao lado de outros como a

Finlândia, o Japão, a Austrália, o Canadá, os Estados Unidos, entre outros.

No mesmo dia em que ocorreu o julgamento da ADIn nº 3.510 no STF, a

CNBB proferiu um manifesto em sua página eletrônica lamentando a decisão

do órgão maior do Poder Judiciário brasileiro em relação às pesquisas com

células-tronco no país, reafirmando que a posição daquela instituição não

possuía contornos religiosos, mas de militância em favor da vida humana

(CNBB, 2014).
183
Reconhecer que o embrião é um ser humano desde o início do seu
ciclo vital significa também constatar a sua extrema vulnerabilidade
que exige o empenho nos confrontos de quem é fraco, uma atenção
que deve ser garantida pela conduta ética dos cientistas e dos
médicos, e de uma oportuna legislação nacional e internacional.
Sendo uma vida humana, segundo asseguram a embriologia e a
biologia, o embrião humano tem direito à proteção do Estado. A
circunstância de estar in vitro ou no útero materno não diminui e nem
aumenta esse direito. É lamentável que o STF não tenha confirmado
esse direito cristalino, permitindo que vidas humanas em estado
embrionário sejam ceifadas (CNBB, 2014).

Assim, o manifesto da CNBB questiona a veiculação de notícias que são

aceitas pela opinião pública que dão conta de que as células-tronco

embrionárias representam a cura definitiva para inúmeras moléstias e continua

a defender, como alternativa mais viável, a utilização em pesquisas

terapêuticas de células-tronco adultas, as quais podem ser retiradas do próprio

paciente e são usadas no tratamento de doenças degenerativas. Termina,

assim, por reafirmar o compromisso e defesa da vida humana e pela dignidade

da pessoa.

O fato é que a contenda travada em torno da inconstitucionalidade ou

não da Lei de Biossegurança, elencando argumentações como direito à vida e

à dignidade da pessoa humana, elucubrações a respeito de quando realmente

se inicia a vida do ser humano, opôs duas instituições que, tradicionalmente,

ao longo dos séculos da história da humanidade, vêm travando batalhas da

ordem de ideologias sistematicamente arraigadas: a ciência e a religião.

O Brasil, nesses últimos cinco anos abrigou tal contenda, em que num

polo restavam cientistas afirmando que se abria, desde a promulgação da Lei

de Biossegurança/2005, até a decisão do STF uma oportunidade do país tomar

parte no âmbito mais promissor da pesquisa em biomedicina moderna, abrindo

a possibilidade do tratamento de doenças hoje incuráveis e de proceder ao


184
entendimento em detalhes de aspectos sem precedentes do desenvolvimento

do organismo humano.

Em outro polo, os grupos religiosos e organizações sociais,

capitaneados pela Igreja Católica, sustentam a assertiva de que a liberação

dos estudos e experimentos com células-tronco embrionárias representaria um

primeiro passo – perigoso, diga-se de passagem – em direção à legalização do

aborto, por exemplo, e de outras práticas que atentem contra a vida humana.
CONCLUSÃO

No Brasil, desde o seu descobrimento, a Igreja Católica vem ocupando

espaços nas esferas administrativas. Esses espaços não são ocupados

diretamente pela igreja, mas concebível aqueles que professam e seguem os

seus ensinamentos religiosos, sejam ele ou não de conotações políticas,

representados por diversos setores da sociedade, por meio de associações ou

outras entidades, movimentos sociais, unipessoalidade de seguidores da

própria igreja, partidos políticos, de um modo geral, todos aqueles que tenham

vínculos com a instituição religiosa, tornam-se atores ativistas em prol do

teologismo religioso, mesmo que haja uma previsão constitucional como

ocorreu ao longo da história em algumas constituições brasileiras.

Quanto maior o número de convertidos, maior se torna o ativismo da

igreja perante qualquer setor da sociedade. Além da conversão a Deus, há

uma necessidade de uma luta social para não ser implantado no Estado os

valores humanos e os valores religiosos derivativos da vontade de divina.

Há uma permuta da igreja por essa troca de valores. Com isso, haverá

uma mudança nos ideais políticos e morais dos brasileiros que muitas vezes

equivaleram a uma transação entre a visão de relações pessoais exemplares

expressas por uma religião influente e as preocupações com os movimentos

sociais que possam atingir os valores religiosos, mesmo que venham a lutar
186
por direitos e garantias fundamentais, sobretudo das minorias reconhecidas

pelo Estado Democrático de Direito. Como é o caso discutido nesse trabalho

do uso das células-tronco, onde o valor espiritual da cura deve sobrepor o valor

material da pesquisa em busca da cura de algumas doenças.

Diante da luta para a efetivação dos direitos e garantias individuais

estipulados na Constituição Federal, e a força que o fenômeno do ativismo vem

exercendo judicialmente, o Judiciário, no caso o Supremo Tribunal Federal

(STF), vem abdicando do seu papel de mero aplicador das leis assumindo um

papel de interprete das normas constitucionais, para tornar efetivo os direitos e

as garantias individuais contidos na Constituição Federal.

É desta forma, com a força do ativismo religioso ou não, o judiciário

brasileiro, torna-se assim capaz de fazer uma conexão entre as transformações

sociais proclamadas em todas os espaços democráticos de discussões, agora

mais do que nunca, nas redes sociais, livrando determinados anseios sociais

proclamadas pela democracia.

Essas consequências aproxima mais ainda um poder que outrora era

considerado afastado aos olhos do povo, mas não da Igreja Católica que

sempre esteve presente, de certa forma, nos poderes institucionais do Estado.

A relações entre a igreja e o Estado continuam sendo a mesma. Não se

pode admitir que um magistrado não possa professar a sua fé. Com isso, não

significa dizer que os juízes, na tomada de decisões, devam seguir a cartilha

religiosa, devam defender os dogmas professados pela igreja cristã.

Mesmo porque, durante o curso da história, conforme visto nos capítulos

2 e 3, houve uma conscientização no pensamento político dos brasileiros. A


187
própria Igreja Católica se dividiu, fundando a teologia da libertação, que

posteriormente se transformou em um partido político, abrindo uma frente

social para ir de encontro as lutas sociais, visando garantir os direitos

individuais constitucionais à todos, especialmente os das minorias.

Não se pode dizer que é uma tarefa fácil para o Supremo Tribunal

Federal (STF) administrar a pressão de um ativismo judicial religioso, frente as

questões polêmicas que já foram decididas, como é o caso do uso das células-

tronco, tratado no ultimo capítulo deste trabalho, do casamento homoafetivo,

do divórcio, do anencéfalo, e as que estão ainda para ser decididas, como é o

caso do aborto, da ortotanásia, da eutanásia, em que confrontam diretamente

com o dogma religioso.

A prestação do serviço jurisdicional não é só dar soluções aos conflitos.

Mas consiste em controlar e fazer respeitar as regras constitucionais,

principalmente, por parte do Estado, quanto aos direitos e garantias individuais.

Isso é extensivo aos demais poderes, Executivo e Legislativo, que não estão

imunes a esse controle.

Daí porque, o ativismo judicial passa a ser fenômeno ativo na conjuntura

da ciência jurídica contemporânea, sustentado por interpretações que são

dadas nas chamadas clausulas constitucionais.

Quando mais de uma solução se apresentar a partir dessa ‘conduta

interpretativa’, o juiz deverá optar pela interpretação que, do ponto de vista da

moral política, melhor reflita a estrutura das instituições e decisões da

comunidade, ou seja, a que melhor represente o direito histórico e o direito

vigente, sendo que esta seria, assim, a resposta correta para o caso concreto.

(STRECK, 2008, p. 335)


188
Pela analise da pesquisa quantitativa das demandas aforadas no STF

que tenham viés religioso, realizada de 2008 a 2013, com vetor direcionado ao

ativismo judicial religioso naquel órgão, traduzido no anexo do presente estudo,

se chega a seguinte conclusão.

Não se pode considerar que as instituições religiosas ou mesmo as

associações que a ela se vinculem tenham atuações direta no STF. Conforme

apontam os dados coletados, nos últimos cinco anos (vide tabela e gráfico

abaixo), poucas são as demandas promovidas pelas instituições religiosas por

meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) ou das Arguições de

Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

Observa-se que os agravos regimentais e os recursos extraordinários

são os instrumentos processuais mais utilizados pelas instituições religiosas ou

as associações que a ele se vinculem. Os dois instrumentos processuais

perfazem 64,52% das provocações diretas no STF.

A situação em tela se justifica pelo fato de que muitos projetos de lei,

especialmente aqueles que tenham viés religioso, encontram-se com a

tramitação emperrada, principalmente, porque muitos parlamentares ainda têm

um fundamentalismo moral religioso muito forte, quando não, são agregados

politicamente às igrejas. De certa forma, com isso, não se pode negar, se deixa

de chancelar algumas garantias individuais, justificando o ativismo judicial.

Instrumento processual

Frequência Porcentual

Agravo Regimental 13 41,9


189

Recurso Extraordinário 7 22,6

Agravo de Instrumento 2 6,5

Embargos Dec. no Agravo Reg. em RE 1 3,2

ADPF 5 16,1

ADI 3 9,7

Total 31 100,0

Muito embora a prática ativista religiosa direta, ou seja, por meio de

demandas judiciais impetradas pelas instituições religiosas junto ao STF,

especificamente nas ADI ou ADPF, de forma bastante moderada, nota-se que

nos últimos cinco anos têm aumentado o número de decisões em processos

que envolvem matéria de viés religioso.

Ano da decisão
190

Frequência Porcentual

2008 5 16,1

2009 2 6,5

2010 3 9,7

2011 5 16,1

2012 9 29,0

2013 7 22,6

Total 31 100,0

Como visto, nos dois últimos anos, 2012 e 2013, o percentual de


decisões prolatadas supera a soma dos anos de 2008 a 2011, demonstrando
celeridade no andamento do processo, bem como, rapidez nas decisões
judiciais, aumentando um fluxo maior nos direitos tutelados, haja vista, que
muitas dessas decisões possuem efeitos erga omnes, ou servem, no mínimo,
de orientação jurisprudencial à outros Tribunais.
191

Requerente

Frequência Porcentual

Ente Público 17 54,8

Entidade Privada 14 45,2

Total 31 100,0

Requerido

Frequência Porcentual

Ente Público 10 32,3

Entidade Privada 14 45,2

Não se aplica - ADPF 7 22,6

Total 31 100,0
192

Quando se indaga qual o tipo de instituição religiosa que mais demanda


sobre questões em defesa da doutrina cristã, observa que o resultado da
pesquisa aponta as Igrejas, nos últimos cinco anos, com instituições religiosas
que ainda têm uma atuação direta, com demandas no STF. Em termos
percentuais, 61,3% das demandas, cujo mérito visam garantir e preservar a
doutrina religiosa, são provocadas pelas igrejas, que têm um número muito
maior do que outras entidades que a elas são vinculadas, na tutela dos direitos
em que a legislação ou mesmo algumas decisões de instancias inferiores ao
STF venham a contrariar aos dogmas que são professados pelas instituições
religiosas.
193
Tipo de instituição

Frequência Porcentual

Igreja 19 61,3

Sociedade Civil 6 19,4

Associação - ONG 6 19,4

Total 31 100,0
194

No tocante à participação dos cristãos, quando tendem a dizer sobre a


designação de sua religião, se observa, na tabela abaixo, que os Católicos
ainda são a maioria. Porém, nota-se que, os evangélicos vêm tendo uma
atuação mais intensa, pelo fato de que a sua presença é desproporcional à
população que declara cristã, sendo a maioria de Católicos, praticantes ou não.

Designação da Religião

Frequência Porcentual

Católica 15 48,4

Evangélica 13 41,9

Espírita 1 3,2

Judaica 1 3,2

Maçonaria 1 3,2

Total 31 100,0
195

Quanto a forma de participação das entidades religiosas no polo ativo e

passivo da demanda, no universo pesquisado, se observa que há uma

tendência, conforme os dados coletados, de haver uma participação maior

como Amigos da Corte (Amicus Curiae), pelo fato das matérias religiosas se

concentrarem nas ADPF’s, mais ainda, pela vasta repercussão social do

mérito tutelado, que chega a tocar em questões enraizadas no juízo moral

religioso e nos costumes da sociedade, além da questão na autonomia da

vontade.

Se nota porém que a atuação das igrejas no polo ativo das demandas

têm como mérito das ações o pedido de imunidade tributária, por isso, se

observa o percentual de 54,8% dessas ações.

Forma de participação

Frequência Porcentual

Requerente 15 48,4

Requerido 9 29,0

Amicus Curiae 7 22,6

Total 31 100,0
196

Em relação ao objetivo da demanda, pelo cunho da amostragem, se

percebe que as Igrejas estão presente em todos os temas sensíveis às suas

doutrinas religiosas. Mas a maior parte das ações que chega no STF

envolvendo as igrejas diz respeito às questões de imunidade tributária,

tornando evidente que o caráter religioso que permeia em outros processos,

não sejam deixado de lado, há de fato uma organização de estar as igrejas

participando de todos os temas sensíveis às suas doutrinas, tratando o

Judiciário, no caso especificamente o STF, uma concretização da democracia

participativa.
197
Objetivo da demanda

Frequência Porcentual

Imunidade tributária 17 54,8

Exclusão de membro 2 6,5

Aborto anencéfalo 3 9,7

Cálculo de recursos mínimos para saúde 1 3,2

Células tronco 1 3,2

União Homoafetiva 2 6,5

ENEM e o Shabat 1 3,2

Outros - processual ou sem conotação religiosa 4 12,9

Total 31 100,0

A pesquisa ainda mostra que na maioria das ações é dado provimento

total ou parcial as demandas impetradas no STF que tenham no mérito viés

religioso. Com isso, não se pode interpretar que os argumentos tecidos pela

igreja nas demandas sejam considerado verdadeiros, ou seja, que naquelas


198
demandas as igrejas tenham se saído vitoriosas. Tem-se que se fazer uma

melhor analise, separando cada uma das ações, para se poder traçar um perfil

do conteúdo discutido nas demandas com o resultado da decisão imposta.

Entretanto, não se pode deixar de conhecer, conforme coleta da

pesquisa, que o percentual de provimento nas ações impetradas pelas igrejas,

no caso, em 38,7%, ainda é muito alto, o qual deve-se levar em consideração

que o ativismo religioso é muito forte nas demandas impetradas.

Resultado

Frequência Porcentual

Provido totalmente 15 48,4

Provido parcialmente 4 12,9

Improvido 11 35,5

Não conhecido 1 3,2

Total 31 100,0
199

Provimento favorável à instituição religiosa

Frequência Porcentual

Sim 12 38,7

Não 18 58,1

Não se aplica 1 3,2

Total 31 100,0

Conforme afere a pesquisa, os argumentos meritórios das igrejas, nas

demandas no STF, são levados em consideração, principalmente, naquelas

demandas em que se discute princípios religiosos, conforme se observa na


200
tabela abaixo apresentada, quando se tem um percentual de 48,39% em que a

decisão prolatada leva em consideração a intervenção da instituição religiosa.

Levou em consideração a intervenção da


instituição

Frequência Porcentual

Sim 15 48,4

Não 11 35,5

Não se aplica 5 16,1

Total 31 100,0
201
Processo serviu para defesa de princípios
relacionados à doutrina religiosa

Frequência Porcentual

Sim 12 38,7

Não 19 61,3

Total 31 100,0

Fundamento da decisão levou em


consideração valores religiosos

Frequência Porcentual

Sim 2 6,5

Não 29 93,5

Total 31 100,0
202

Por fim, se observa que em questões de audiência publica de todos os

processo relacionados no anexo, somente 16,1% tiveram audiência pública. Os

outros foram demandados sem que tenha havido previamente uma audiência

publica para se chegar a um consenso, antes de ser impetrada as ações.

Houve audiência pública?

Frequência Porcentual

Sim 5 16,1

Não 26 83,9

Total 31 100,0

O que se mostra interessante é o fato de todas as ações pleiteadas, no

caso da ADPF’s - anexo A -, visavam a discussão sobre o direito à vida e o

mérito da incompatibilidade do feto anencefalia, o que foi provido em parte,

conforme ata do plenário:


203
O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em
arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada, pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, a fim
de declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a
interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada
nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do CP. Prevaleceu o voto do Min.
Marco Aurélio, relator. De início, reputou imprescindível delimitar o
objeto sob exame. Realçou que o pleito da requerente seria o
reconhecimento do direito da gestante de submeter-se a antecipação
terapêutica de parto na hipótese de gravidez de feto anencéfalo,
previamente diagnosticada por profissional habilitado, sem estar
compelida a apresentar autorização judicial ou qualquer outra forma
de permissão do Estado. Destacou a alusão realizada pela própria
arguente ao fato de não se postular a proclamação de
inconstitucionalidade abstrata dos tipos penais em comento, o que os
retiraria do sistema jurídico. Assim, o pleito colimaria tão somente que
os referidos enunciados fossem interpretados conforme a
Constituição. Dessa maneira, exprimiu que se mostraria
despropositado veicular que o Supremo examinaria a
descriminalização do aborto, especialmente porque existiria distinção
entre aborto e antecipação terapêutica de parto. Nesse contexto,
afastou as expressões “aborto eugênico”, “eugenésico” ou
“antecipação eugênica da gestação”, em razão do indiscutível viés
ideológico e político impregnado na palavra eugenia. Na espécie,
aduziu inescapável o confronto entre, de um lado, os interesses
legítimos da mulher em ver respeitada sua dignidade e, de outro, os
de parte da sociedade que desejasse proteger todos os que a
integrariam, independentemente da condição física ou viabilidade de
sobrevivência. Sublinhou que o tema envolveria a dignidade humana,
o usufruto da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o
reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente, os
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. No ponto, relembrou
que não haveria colisão real entre direitos fundamentais, apenas
conflito aparente. Versou que o Supremo fora instado a se manifestar
sobre o tema no HC 84025/RJ (DJU de 25.6.2004), entretanto, a
Corte decidira pela prejudicialidade do writ em virtude de o parto e o
falecimento do anencéfalo terem ocorrido antes do julgamento.
Ressurtiu que a tipificação penal da interrupção da gravidez de feto
anencéfalo não se coadunaria com a Constituição, notadamente com
os preceitos que garantiriam o Estado laico, a dignidade da pessoa
humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da
privacidade e da saúde.

Especificamente quanto a questão religiosa na discussão sobre o aborto

do feto anencéfalo, o Min. Marco Aurélio proferiu o seguinte voto:

Ao frisar que laicidade não se confundiria com laicismo, rememorou


orientação da Corte, proferida na ADI 2076/AC (DJU de 8.8.2003), no
sentido de que a locução “sob a proteção de Deus”, constante no
preâmbulo da Constituição, não seria norma jurídica. Logo, enfatizou
que o Estado seria simplesmente neutro — não seria religioso,
tampouco ateu. Ademais, a laicidade estatal revelar-se-ia princípio
que atuaria de modo dúplice: a um só tempo, salvaguardaria as
diversas confissões religiosas do risco de intervenção abusiva estatal
nas respectivas questões internas e protegeria o Estado de
influências indevidas provenientes de dogmas, de modo a afastar a
prejudicial confusão entre o poder secular e democrático e qualquer
doutrina de fé, inclusive majoritária. Ressaltou que as garantias do
204
Estado secular e da liberdade de culto representariam que as
religiões não guiariam o tratamento estatal dispensado a outros
direitos fundamentais, tais como os direitos à autodeterminação, à
saúde física e mental, à privacidade, à liberdade de expressão, à
liberdade de orientação sexual e à liberdade no campo da
reprodução. Nesse tocante, dessumiu que a questão debatida não
poderia ser examinada sob os influxos de orientações morais
religiosas, apesar de a oitiva de entidades ligadas a profissão de fé
não ter sido em vão. Isso porque, em uma democracia, não seria
legítimo excluir qualquer ator do âmbito de definição do sentido da
Constituição. Entendeu que, todavia, para se tornarem aceitáveis no
debate jurídico, os argumentos provenientes dos grupos religiosos
deveriam ser devidamente “traduzidos” em termos de razões
públicas, ou seja, expostos de forma que a adesão a eles
independesse de qualquer crença. A respeito, sobrelevou que crença
não poderia conduzir à incriminação de suposta conduta de mulheres
que optassem por não levar a gravidez a termo, visto que ações de
cunho meramente imoral não mereceriam glosa do direito penal.
ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11 e 12.4.2012. (ADPF-54)

O que não diverge de sua postura quanto a questão do ativismo judicial:

Sempre afirmo que, como julgador, a primeira coisa que faço, ao


defrontar- me com uma controvérsia, é idealizar a solução mais justa
de acordo com a minha formação humanística, para o caso concreto.
Somente após, recorro à legislação, à ordem jurídica, objetivando
encontrar o indispensável apoio. Desejo, na busca deste respaldo –
porque já tenho idealizado a solução justa – refletir e pesquisar sobre
o tema, em que pese a proficiência do voto do nobre Relator. (...) –
(BRASÍLIA, STF, AOE. 13, Rel. Min. Celso de Mello, 2007).

Porém, o que se observa é que no trato da discussão sobre proibição de

discriminação das pessoas em razão do sexo, na dicotomia homem e mulher,

no aspecto da orientação sexual, apesar de ser um movimento social dos

direitos e garantias individuais, a Igreja Católica e nem tampouco as

evangélicas em nada interfere ou demonstram aprovar a luta ativa pela

inclusão dos direitos dessas pessoas junto ao Estado, conforme demonstra os

dados pesquisados.

O que se leva a concluir que o ativismo religioso católico só é concebido

e praticado nas causas em que o mérito a ser discutido não venha a ferir os

preceitos da igreja, não importando que o movimento ativista seja de uma


205
minoria ou mesmo que visem garantir os direitos e garantias individuais dos

cidadãos.

A igreja praticamente não funciona no polo ativo das demandas, mesmo

que essas demandas contrarie à teologia política da igreja. Somente quando

há de se pedir imunidade tributária. E assim, a Igreja Católica, com o seu

ativismo religioso, vai lutando para implatar os seus dogmas dentro das esferas

administrativas nos poderes do Estado.


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