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Entre a ação e a intervenção: poder e conflitos na

produção de identidades coletivas*


FABIO REIS MOTA**

Resumo: Neste artigo, proponho uma reflexão sobre as práticas de intervenção de agências
estatais e não-governamentais sobre o futuro de determinados grupos socialmente
marginalizados. Mais do que uma auto-reflexão, pretendo tomar os discursos
operacionalizados pelos atores como uma situação etnográfica (Oliveira, 2004), com a
finalidade de compreender reflexivamente as dimensões políticas e teóricas dos conflitos.
Em particular, abordarei a situação de conflito envolvendo pescadores artesanais –
moradores da Ilha da Marambaia que descendem de ex-escravos – e a Marinha Brasileira.
Palavras-chave: pesquisa, conflito, direito e identidade.

Introdução pontos centrais da discussão diz respeito à


legitimidade desses relatórios, em virtude, como
“Depois de Dewey, ficou mais difícil encarar
o pensamento como uma abstenção do agir, a argumentam alguns críticos, da parcialidade dos
teorização como uma alternativa ao compro- antropólogos na elaboração dos laudos.
misso e a vida intelectual como um monacato No entanto, a participação de cientistas
secular, isento de responsabilidade por ser sociais brasileiros na produção de conhecimento
sensível ao Bem.”
aplicado a políticas públicas está intimamente
C LIFFORD GEERTZ
relacionada à formação da disciplina no Brasil.
Desenvolvimento econômico, questão indígena,
Atualmente temos assistido, em notícias
campesinato e conflitos raciais fazem parte do
veiculadas pelos meios de comunicação do
Brasil, a um debate a respeito de conflitos repertório das problemáticas obrigatórias do
envolvendo terras indígenas. Debate este que campo. Como ressalta Mariza Peirano, as ciên-
coloca em evidência a produção de laudos cias sociais no Brasil não evitaram o compro-
antropológicos confeccionados com vistas ao misso geral com os problemas nacionais que
reconhecimento dos direitos indígenas. Um dos norteavam as problemáticas obrigatórias do
campo científico e político (Peirano, 1992).
* A primeira versão deste artigo foi apresentada na 24 a Os denominados estudos de comunidade,
Reunião Brasileira de Antropologia, no Fórum de Pesquisa por exemplo, foram uma importante e influente
A Pesquisa Antropológica e o Futuro das Populações Com
Quem se Trabalha, coordenado pela professora Telma
Camargo da Silva e pelo professor Hugo Benevides. Aten- ** Bolsista da Faperj. Professor da Universidade Estadual
dendo à solicitação dos coordenadores, realizei as modifica- do Norte Fluminense (UENF/Lesce). Doutorando do Pro-
ções necessárias no sentido de incorporar as discussões e grama de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA/UFF).
sugestões dos coordenadores e dos participantes do fórum. Pesquisador associado do Núcleo Fluminense de Estudos e
Agradeço aos coordenadores pelo convite. Parte dos dados Pesquisa (Nufep/UFF). III Prêmio da Associação Brasileira
etnográficos aqui apresentados é resultado de minha pesqui- de Antropologia/Fundação Ford Direitos Humanos-2004.
sa de mestrado realizada na Ilha da Marambaia desde o ano Primeiro colocado na Categoria Mestrado. E-mail:
de 1999. Para maiores detalhes, ver Mota, 2003. reismota@yahoo.com.br.

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MOTA, FABIO REIS. Entre a ação e a intervenção: poder e conflitos...

vertente do campo das ciências sociais na própria cultura impõe-nos a necessidade de um


primeira metade do século XX no Brasil. Oracy estranhamento das categorias que nos é
Nogueira – em um texto publicado em 1955, particular, pois a compartilhamos com os demais
resultado de sua conferência na Reunião da agentes. Em segundo lugar, estive presente no
Associação Brasileira de Antropologia – chama campo durante quatro anos acompanhando os
a atenção para o ponto de vista prático esperado conflitos, colaborando quando possível para
dos estudos de comunidade para um conheci- superá-los, presente em reuniões etc. Pressu-
mento mais aprofundado e minucioso da reali- ponho que meu olhar é um dentre outros olhares
dade nacional. sobre o conflito. Um olhar que buscou, durante
Desde a criação da Associação Brasileira esses anos de convívio no campo, estabelecer
de Antropologia (ABA), as ações de antropó- não uma “neutralidade”, mas, ao contrário,
logos têm sido dirigidas para o reconhecimento observar freqüentemente as ações de meus
da diversidade étnica, bem como para a garantia interlocutores e minhas “participações obser-
dos direitos dos grupos etnicamente diferen- vantes” e suas conseqüências diretas na vida
ciados, tais como: quilombolas, populações indí- das mulheres e homens da Marambaia.
genas, populações tradicionais etc.
A pesquisa, ainda que sua finalidade esteja
Dimensionando um pouco da história e
direcionada para uma produção de conheci-
estórias
mento, tem para a antropologia um caráter que
vai além do teórico. O conhecimento torna-se O modo de vida dos pescadores artesanais,
um instrumento de ação. Para Bourdieu, desde a Colônia, é visto pela sociedade como
atrasado e primitivo. A conseqüência disso é
ainda que a relação de pesquisa se distinga da que as políticas públicas visavam extinguir a
maioria das trocas da existência comum, já que
pesca artesanal para dar lugar às atividades
tem por fim o mero conhecimento, ela continua,
modernas (Silva, 1988).
apesar de tudo, uma relação social, que exerce
efeitos (variáveis segundo os diferentes Sendo assim, os dispositivos jurídicos que
parâmetros que a podem afetar) sobre os regulavam a pesca tinham em suas letras um
resultados obtidos. (Bourdieu, 1997, p. 694) caráter interventivo e punitivo. Ilustrativo disso
eram as políticas destinadas ao setor pesqueiro,
É nesse sentido que é possível transpor um como os “Pesqueiros Reais” (controlados pelos
ficcionismo positivista que pressupõe no jesuítas) e o “Rei dos Negros” (instituídos pelos
conhecimento um saber neutro e imparcial. Não administradores das capitanias), levadas a cabo
é necessário aqui tecer considerações tradicio- no século XVII, respectivamente na Amazônia
nalmente discutidas por diferentes autores. e em Pernambuco. Visavam supervisionar e
Minha finalidade neste artigo é produzir uma ordenar a atividade pesqueira através de órgãos
reflexão sobre as práticas de intervenção de centrais. Nestes eram aglomerados diferentes
agências estatais e não-governamentais sobre grupos, muitas vezes antagônicos, para a
o futuro de determinados grupos socialmente execução das atividades da pesca (Silva, 1988),
marginalizados. homogeneizando-os em uma única categoria:
Mais do que uma auto-reflexão, pretendo pescadores em trabalho escravo.
tomar os discursos operacionalizados pelos No século XIX, as políticas públicas em
atores em uma determinada situação de conflito, relação à prática pesqueira caracterizavam-se
envolvendo pescadores artesanais (da Ilha da pela intervenção direta na organização dos
Marambaia), descendentes de escravos, e a pescadores. Em meados de 1846, elabora-se a
Marinha brasileira, como uma situação etno- primeira listagem oficial de todos os pescadores
gráfica (Oliveira, 2004) para a compreensão das brasileiros, com a criação da Capitania dos
dimensões políticas e teóricas que estão impli- Portos e Costas e dos Distritos de Pesca. Essa
cadas no conflito. listagem tinha, sobretudo, o objetivo de regular
Reconheço neste exercício uma reflexivi- a atividade dos pescadores com a cobrança de
dade por considerar que o estudo de nossa taxas e dízimos pelo Estado imperial.

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Em meados do século XIX, são regulamen- do século XIX, o comendador Joaquim de Souza
tadas as Capitanias dos Portos e, com elas, uma Breves. Segundo consta em fontes de memo-
força militar de reserva é formada compul- rialistas existentes sobre a ilha, o comendador a
soriamente pelos pescadores artesanais regis- adquiriu em virtude da expansão cafeeira
trados em cada capitania. Ao se registrarem, fluminense, quando se exigia para as lavouras
eles não mais teriam que servir à Guarda um número crescente de trabalhadores escra-
Nacional, somente prestariam serviço militar vos. O padre Reynato Breves afirma o seguinte:
quando a Marinha os convocasse. Em 1846, o “Envolveu-se o latifundiário nesse comércio,
regulamento aprovado pelo Ministério da peché mignons da época; para tanto adquirindo
Marinha fez com que cada capitania fosse a Ilha da Marambaia, ponto de desembarque e
dividida em distritos e cada distrito entregue a admiravelmente adequado às embarcações
um capataz,1 instituindo-se as denominadas negreiras” (Breves, 1994, p. 676).
“capatazias”. Com a proibição do tráfico de escravos, a
Com a instauração da República, são Marambaia tornou-se ponto estratégico para o
criadas as Colônias de Pesca, subordinadas ao desembarque clandestino de escravos, servindo
Ministério da Agricultura. Em 1920, a Marinha como um importante porto interprovincial (Stein,
novamente passa a ter tutela sobre os serviços 1961) entre Maranhão, Ceará, Pernambuco e
de pesca. Bahia.
Em 1950, as colônias fixam-se na jurisdição O comendador, não liberto das concepções
do Ministério da Agricultura, que organiza a de raça de seu tempo, por outro lado, também
pesca em um sistema confederativo (colônias utilizava a ilha como uma fazenda de branquea-
locais, federações estaduais, confederação mento de seus escravos, tendo como objetivo
nacional) e define estatutos padronizados para “fortalecer a raça”. A Marambaia era conhe-
todas elas. A Colônia de Pesca insurge como cida como a “Restinga das Crias”, pelo fato de
um dispositivo de controle social que a República o comendador “facilitar o contato entre as suas
Nova impõe aos sertões litorâneos, com vistas escravas e os feitores brancos para a melhoria
a sua governabilidade. das raças” (Breves, 1994, p. 755). Diz o padre
Na década de 1930, são fundadas as Esco- Breves: “Conta-se que, quando vinha ao Rio
las de Pesca nos estados de Pernambuco e do com a família, trazia também algumas escravas
Rio de Janeiro, com o objetivo de dispor, para brancas e mesmo alouradas – conseqüência da
cada pescador artesanal brasileiro, um “barco a apuração da raça efetuada na Restinga da
motor e uma casa” (Pondé, 1977). Nesse mo- Marambaia – levando-as luxuosamente vestidas
mento, as políticas para o setor pesqueiro carac- à Ópera italiana” (Breves, 1994, p. 684).
terizavam-se pela tutela desses grupos por parte Essa heterogeneidade social encontrava
do Estado, com um forte teor desenvolvimentista, correspondência nas formas de apropriação dos
visando à transformação desses pescadores em recursos naturais. Na ilha plantava-se café e
uma espécie de “proletários do mar”. Na cana nas encostas do pico da Marambaia,
Marambaia, é criada a Escola de Pesca Darci criava-se gado e pescava-se. A fazenda do
Vargas. Nela, seu idealizador, Levy Miranda, “eito”, onde os escravos estavam destinados
tinha como objetivo “tirar a pesca do seu primi- primordialmente para o trabalho na lavoura,
tivismo, modernizando-a” (Pondé, 1977). estava situada na extremidade da ilha – onde
A Marambaia, em décadas anteriores à hoje estão as instalações da Marinha –, composta
implementação da escola, era um importante arquitetonicamente pelas casas, por uma capela
porto de desembarque de escravos. A ilha era e uma senzala. Essa fazenda estava destinada
de propriedade de um dos maiores fazendeiros para a lavoura, sendo, portanto, a fazenda de
eito do comendador. Os capitães-do-mato, os
1. O capataz, no regime escravista, tinha a atribuição de capatazes e demais trabalhadores da casa
regular o trabalho escravo na lavoura, assenhorando-o em grande residiam onde hoje é a Praia do Sino.
unidades administrativas. Friso que a idéia da regulação es-
tava fortemente marcada pela lógica da punição e do casti- Na Marambaia, os escravos eram divididos
go aos escravos. pelo senhor de escravos tanto em termos de suas

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atribuições funcionais, como também por suas A proximidade da Abolição culminou no


características físicas. Um antigo morador, hoje declínio da economia e da política do sul flumi-
com 81 anos, conta que, no tempo da escravidão, nense. Sendo o comendador um dos maiores
seu avô, antigo capitão-do-mato do Breves, proprietários de terras e escravos do Brasil –
diferenciava os escravos pela canela. “Os de chegou a possuir cerca de seis mil escravos –,
canela fina eram bons trabalhadores e os de a abolição do trabalho escravo levou-o à
canela grossa eram trabalhadores ruins. Os decadência. “Com a morte do Comendador
escravos de canela fina valiam mais do que os Breves em 1889, a Marambaia é praticamente
de canela grossa”, explica. Segundo ele, seu avô abandonada pelos Breves, permanecendo ali
não tinha o costume de castigar os escravos. apenas os ex-escravos e os trabalhadores da
“As famílias são de geração histórica. Assim casa grande” (Breves, 1994, p. 746).
ele trazia os escravos do mato, mas só não podia Um dos moradores enfatiza o fato de que
bater porque ele não consentia que os escravos
o Breves naquele tempo deu uma praia para
apanhassem. Não batia e não deixava bater”,
cada família. Ele disse que era para cada um
diz o morador. Segundo conta, “na Praia da ficar com a sua praia para não dar briga, mas
Kaetana existe uma toca que saía na extre- isso só foi feito de boca, não teve nada escrito.
midade da ilha repleta de esqueletos de escra- A filha do Breves disse que quando voltasse
vos. Reza a lenda de quem foi lá nunca mais lá das bandas da Europa ia passar a terra aqui
voltou. Era o cemitério dos escravos fugidos. para nós, só que ela nunca fez isso.
Meu avô ia muito lá atrás de escravo fugido.
Mas era difícil de catar eles por essa mata aí”. A ilha foi doada, “de boca”, pelo comen-
A atitude do capitão do mato da “fazenda dador aos escravos, mas não lhes foi transmitida
de engorda” era distinta da do capataz da “fa- nenhuma documentação comprobatória. O
zenda do eito” do Breves. Conta um outro mora- inventário, no qual supostamente constariam
essas informações, não foi encontrado em
dor, cujo avô materno era capataz do Breves:
nenhum arquivo. Todavia, mesmo sem uma
meu avô era escravo, foi capataz do Breves. documentação escrita, pode-se argumentar que,
Ele contava história pra gente. Ele não usava para as famílias que ali permaneceram, foi
roupa de cor não, era só roupa branca. Levava estabelecido um direito no ato da promessa do
os escravos pro mato, pro trabalho. Escolhia senhor em doar suas terras aos seus escravos.
os escravos de “canela grossa” e “canela fina”. Além de terras, o comendador recomen-
Os de canela fina prestava e os de canela grossa dava a distribuição de esmolas aos infortunados
não prestava. Ainda tinha o reprodutor. Ele das vilas e seus escravos.
chorava aquilo tudo que ele viu passar... Ele
falava que levava os escravos, prendia, batia e No dia de seu enterro o testamenteiro distri-
depois botava sal. Disse que eles gritavam buiria pelos pobres e orphaos de sua freguesia
muito. Passou aquele sofrimento dele, né. e aos que concorressem ao acto, 4:000$ de
Falava que os escravos vinham naqueles esmola, que, não sendo integralmente repar-
barcos grandões e os escravos ficava aqui e tidas nesse dia, sê-lo-hão no séptimo ou
depois eram vendidos. trigésimo dia do seu fallecimento. Fielmente
cumpridas, pelo testamenteiro, se o testador
Porém, quando a produção de café não as tivesse concluído, e para guia-lo deixaria
uma lista que a mesma sua mulher recomendar-
declinou, no último quartel do século XIX, com
lhe-á também a libertação de diversos escravos,
a construção das estradas de ferro D. Pedro II dos quaes alguns já o estão. (Breves, 1994, p.
e Piraiense, modificou-se significativamente o 650)
aspecto econômico da Marambaia. O porto de
Mangaratiba, hoje município que abrange a Quem esteve em visita à ilha, após a
Marambaia, ficou deserto. O povoado arruinou- Abolição, foi Assis Chateaubriand. Redigiu
se pouco a pouco até quase desaparecer, ficando algumas impressões a respeito dos ex-escravos
ainda de pé meia dúzia de ruínas, sendo mais do Breves, no início dos anos 1920. Dizia o
tarde substituído por um novo povoado. jornalista:

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quis a fortuna que eu me encontrasse na mar na Fundação Abrigo Cristo Redentor estava,
Restinga de Marambaia com os antigos em 1965, praticamente extinta por motivos de
escravos do Comendador Joaquim Breves. Falei ordem financeira. Existia ainda a pesca costeira
a vários deles, e de dois pretos recolhi até os
de traineiras, pouco rendosa e que servia mais
nomes: Adriano Júnior e Gustavo Vítor, este
ao ensino prático dos jovens alunos da Ilha da
filho por sua vez de um antigo escravo de
Breves, chamado Vítor, comprado pelo senhor Marambaia” (Pondé, 1977, p. 235).
quando adquirira a Fazenda do pontal da Com isso, a Marambaia é entregue à
restinga da Marambaia. Adriano Júnior residiu administração da Marinha brasileira.
na célebre Fazenda de São Joaquim da Grama,
donde o senhor o trouxe para vir trabalhar nesta Restava ainda a esperança da devolução da
outra fazenda da restinga. Têm para mais de 80 Ilha à Marinha de Guerra. No dia 6 de maio de
anos. É pai de 12 filhos, todos morando na 1970, encaminhou-se essa pretensão ao Presi-
Marambaia. (Chateaubriand, 1924, s/p). dente da República, tendo antes a Provedora
auscultado autoridades da Marinha que
Nos anos 1930, instala-se a Escola de Pesca confirmaram viabilidade da operação. O Presi-
Darci Vargas, obra de Levy Miranda, fundador dente Médici entregou ao Ministro do Plane-
da Fundação Abrigo do Cristo Redentor. Esta jamento o encargo de efetuar a medida
solicitada, em combinação com as autoridades
vem ocupar um espaço de mediação importante,
da Marinha de Guerra e, em solenidade ocorrida
antes reservado ao senhor de escravos. Resta-
em 12 de fevereiro de 1971, a Ilha da Marambaia
belece-se a tutela sobre as famílias da ilha. A retornou à Marinha, conforme o Decreto
fundação acolhe, abriga os pescadores e seus presidencial que indenizou os bens deixados
familiares. pela Fundação e ficou com os encargos traba-
A Escola de Pesca Darci Vargas era, como lhistas dos funcionários. (Pondé, 1977, p. 236)
rememora grande parte dos pescadores que
vivem hoje na Marambaia, “um momento de Com essa transação, estabeleceu-se na ilha
grande prosperidade”. Era um momento de o Centro de Adestramento da Marinha (Cadim).
redenção desse “povo esquecido”, como dizem Nesse momento, muitos dos funcionários da
os moradores locais. Esse era o projeto almejado Escola de Pesca retornaram às suas cidades
pela “era Vargas”: restabelecer a “ordem e o respectivas. Os antigos moradores perma-
progresso” para o desenvolvimento da “nação”, neceram em suas antigas casas, trabalhando em
do “povo” brasileiro. suas roças e nas suas embarcações.
O projeto “republicano” do Estado Novo – A Marinha passou a ocupar as instalações
que se opunha ao projeto político da República da antiga Escola de Pesca nos anos 1970. As
Velha – passou longe da possibilidade de casas foram destinadas aos militares e funcio-
autonomizar esses grupos, instituindo-os como nários do Cadim. A antiga senzala foi transfor-
sujeitos de direito no espaço público. Ao mada em um hotel destinado aos oficiais que
contrário, em seu projeto de “cidadania”, preva- porventura visitassem a ilha. Reformaram-se as
lecia a máxima de que esses grupos, ou indiví- antigas instalações, onde eram guardados os
duos, deveriam ser tutelados paternalmente pelo apetrechos de pesca, tornando-as almoxarifados
Estado, para que fosse possível “combater a sua e paióis para armazenamento de material da
natureza” e elevá-los à civilidade, à moder- Marinha.
nidade. Nesse sentido, a Marambaia constituía Permaneceu a escola com ensino de pri-
local ideal para a implantação de projetos com meiro grau, e os serviços básicos como saúde e
tais características, na visão das autoridades do transporte (através de uma barca destinada aos
Estado Novo. militares e funcionários). Todavia, a fábrica de
No entanto, a escola paulatinamente entrou gelo e de sardinha foi extinta.
em decadência. Os recursos provenientes do A relação entre o grupo local e a Marinha
governo federal foram se escasseando, e o apoio distinguia-se daquela da Escola de Pesca. Se
por parte de outros órgãos (municipais e esta- esta via na tutela uma forma de subjugar e incluir
duais) era quase inexistente. “A pesca de alto- subalternamente os pescadores no espaço

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público, a Marinha estabeleceu uma tutela sobre Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Itaguaí,
o grupo almejando a sua subjugação aos deveres para que a entidade os apoiasse jurídica e
e às normas punitivas da instituição. Proibiam- politicamente. Nesse âmbito, a Pastoral da Terra
se os roçados, que complementavam a renda inseriu-se como mediadora no conflito local,
das famílias e constituíam espaço social elaborando um dossiê denominado Povos da
fundamental de afirmação das hierarquias, dos terra – povos do mar – Ilha da Marambaia:
laços de sociabilidade, das redes políticas e de do tráfico de escravos, ontem, aos despejos
reciprocidade existentes. Do mesmo modo, de famílias pescadoras, hoje. Sintetizava-se,
foram proibidas antigas vendas que se locali- no título do dossiê, as características predomi-
zavam nas praias. nantes da identidade do grupo: pescadores e ex-
Os conflitos envolvendo os moradores e a escravos, “povos da terra” e “povos do mar”.
Marinha tornaram-se mais tensos no momento
em que a Marinha impetrou diversas ações de Novos tempos, velhas práticas
reintegração de posse – através da Advocacia
Geral da União – contra as famílias de pesca- A partir disso, uma nova situação esboça-
dores da Marambaia a partir de 1998, com a se. Com o dossiê pronto, a CPT reuniu os
alegação de serem estas invasoras e esbulha- moradores – no final de 1998 – para discutir a
doras do patrimônio público.2 situação do grupo diante das ações judiciais.
As ações foram distribuídas por diferentes Propôs-se o envio do dossiê para a Fundação
varas federais, no sentido de dificultar a defesa Cultural Palmares (FCP)3 como estratégia para
dos réus. Do mesmo modo, os moradores foram que o grupo fosse enquadrado no artigo 68 do
acionados individualmente, para não caracterizar Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
uma ação coletiva – o que levaria a população (ADCT) da Constituição Federal, que reco-
a se mobilizar coletivamente contra a União –, nhece o direito à posse das comunidades rema-
mesmo contendo nas ações judiciais justificativas nescentes de quilombos.
semelhantes para a expulsão das famílias. Ainda sem possuir uma dimensão ampla
Nas ações, a União Federal alegava ser sobre os efeitos de tal solicitação, os moradores,
proprietária da ilha – sem nunca apresentar em conjunto com a CPT, enviam o dossiê à FCP,
provas documentais –, tendo adquirido-a em diretamente a sua presidente, em 1999. No
1905. Relatava que a ilha fora entregue à mesmo ano, a FCP elaborou um parecer, de n.
Fundação Cristo Redentor para a construção 035/99, no qual afirmava que, mesmo antes da
da Escola de Pesca, em 1939, e que, após a venda da ilha, os habitantes remanescentes de
falência desta, o local passou para a adminis- escravos já se encontravam no local. Nesse
tração da Marinha. Alegava que, durante o documento, a FCP comprometia-se a dispor
período de funcionamento da escola e da chega- especial atenção ao caso da Marambaia, levando
em consideração o fato de esta ser “indiscu-
da da Marinha, diversas pessoas invadiram e
tivelmente uma comunidade remanescente de
ocuparam, sempre a título precário, partes da
quilombo”.
Ilha da Marambaia e que, em nenhum caso, seja
O processo foi interrompido, sendo nova-
através da escola ou da Marinha, foi estabe-
mente reaberto com a intervenção da Procura-
lecido qualquer vínculo jurídico com os ocupantes
doria da República do Rio de Janeiro, da Seção
de certa área. Desse modo, por mera tolerância,
de Direitos Difusos, que, em 2001, solicitou
assim como exposto nos autos, a Marinha per-
providências em relação à situação da população
mitiu que alguns poucos pescadores perma-
da ilha. No mesmo ano, entretanto, um outro
necessem em humildes habitações já existentes.
procurador, da 2a Região, enviou ofício –
Os moradores da Marambaia, diante da
“urgente e confidencial” –, de no 111, à
situação iminente de serem expulsos, através Fundação Cultural Palmares, solicitando o
de ações judiciais, solicitaram a colaboração da
3. A Fundação Cultural Palmares é um órgão vinculado ao
2. Foram no período ajuizados onze processos, que tramita- Ministério da Cultura, responsável por políticas públicas
vam na Justiça Federal. voltadas para a população afro-descendente no Brasil.

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imediato arquivamento do processo de reconhe- quilombo. Uma definição paradigmática, cujo


cimento da comunidade de quilombos da parâmetro é o quilombo do Palmares. Visão
Marambaia, por não se tratar de um quilombo. reforçada pelo “insuspeito” (assim como o
O procurador afirmava, em seu ofício procurador o adjetivou) Edison Carneiro. O
destinado ao presidente da FCP, que havia procurador recorre à definição de quilombo
tomado conhecimento de um levantamento desse autor, para embasar seus argumentos: “O
realizado por técnicos da Palmares a respeito recurso mais utilizado pelos negros escravos no
da existência de um quilombo na Marambaia. Brasil, para escapar as agruras do cativeiro, foi
Solicitava à instituição o envio do processo sem dúvida o da fuga para o mato, de que
administrativo. Após ler o relatório elaborado resultaram os quilombos [...]”.
pelos técnicos da FCP, solicitou a sua impugna- Em sua conclusão, lembra que “se o
ção, pois, como dizia o documento, este “revela Parquet Federal conseguiu, após luta tenaz, o
em sua elaboração parcialidade, faccionalismo, cancelamento de registros espúrios sobre terras
intenção clara de favorecer esbulhadores do públicas nacionais na Marambaia, não o fez para
Domínio Público, desvirtuando a verdade assistir impassível ao favelamento dessas glebas,
histórica e violação a princípios legais”. sob quaisquer pretextos, numa singular privati-
Sustentava seu argumento afirmando que zação russa [...]”.
o procedimento visava “apoiar os invasores e Por outro lado, o procurador dos Direitos
viabilizar sua permanência no esbulho, fave- Difusos, a favor do reconhecimento do quilombo
lizando a área do Bem Público, prejudicando as da Marambaia, impetrou ação civil pública,
atividades da Defesa Nacional e danificando o solicitando o imediato reconhecimento da comu-
Meio Ambiente pelo aumento populacional”. nidade da Marambaia como remanescente de
Para justificar a desocupação da área, quilombos. Mesmo sem a ciência dos moradores
categorizava as habitações como favelas. A da ilha, a ação foi ajuizada em 2002. Ela era
favelização estaria diretamente relacionada com subsidiada por um relatório elaborado por uma
formas inadequadas de apropriação dos recursos organização não-governamental, que, através de
naturais da ilha. Para tanto, lançava mão de uma um de seus projetos, redigiu um relatório parcial
visão preservacionista, com o objetivo de sobre a comunidade da Ilha da Marambaia.
deslegitimar as ocupações humanas, potencial Mesmo sem as reuniões pretendidas com os
perigo à natureza, segundo a perspectiva adotada moradores da ilha, o procurador e a ONG
pelo procurador. tomaram para si a legitimidade de representar
Justificava em seu ofício: “não pode o os interesses dos pescadores e seus familiares
Ministério Público deixar passar impune essa perante o conflito, sem consultá-los previamente.
verdadeira falsificação da história em que o ‘jus Na ação, chamavam atenção para o fato
sperneandi’ é levado ao paroxismo de alegar, de que a população permaneceu na ilha após a
até, a existência de um quilombo junto ao alcance instalação da Escola de Pesca. Nesse período,
da voz de um dos maiores mercados de escravos “as famílias viviam em consonância com seu
da Província Fluminense, numa ILHA”. Para o modo de vida tradicional. Mudando tudo com a
procurador, o fato de ser a Marambaia uma ilha chegada da Marinha que, em 1998, ajuíza
justificaria por si só a inexistência de quilombo diversos processos de reintegração de posse
na área. “Em suas matas seria presa fácil ao contra os moradores”. A tradicionalidade é o
senhor de escravos em um local cercado de dispositivo classificatório que positiva o direito
águas por todos os lados”, alegava. do grupo. Ser tradicional representa aquilo que
Recorrendo ao dicionário Larousse, o guarda os componentes de nossa formação
procurador contestava a tese da existência de social, da cultura mais rudimentar, dos grupos
um quilombo na Marambaia. Segundo a que se abrigam do tempo. Essa categoria, nesse
definição do dicionário, o quilombo seria “casa sentido, busca se opor à categoria utilizada pelo
ou lugar no mato onde se refugiavam os escravos outro procurador, a favelização.
fugidos”. É perceptível como a idéia da fuga Para legitimar e dotar de autoridade os
torna-se elemento crucial para a definição de argumentos do Ministério Público, os procura-

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MOTA, FABIO REIS. Entre a ação e a intervenção: poder e conflitos...

dores enfatizam que solicitaram da referida bem como para a elaboração e manutenção de
ONG a elaboração de um relatório, “visando à suas identidades, calcadas em uma territoria-
eventual caracterização da Comunidade negra lidade específica, em normas locais e sistemas
da Ilha de Marambaia como remanescente de de uso comum.
quilombo”. Do mesmo modo, essas terras da União,
O discurso científico foi reforçado com o geralmente tidas como bens coletivos e, portanto,
apoio das definições das agências estatais que deveriam beneficiar a reprodução desses
ligadas à temática de quilombos. grupos tradicionais, terminam produzindo uma
desorganização no modo de vida deles, através
Vale lembrar que, desde 1992, por iniciativa das de ações judiciais e não-judiciais promovidas pelo
organizações da sociedade civil, do campo próprio Estado, que, ao invés de agir dessa
acadêmico, do Ministério Público Federal e da maneira, deveria gerir políticas que beneficias-
própria União, se estabeleceu o consenso
sem esses grupos e fizessem prevalecer seus
largamente documentado de que o termo
‘remanescente de quilombo’ consiste em uma direitos.
categoria jurídica nova que não encontra Teoricamente, essas ingerências estatais em
perfeita correspondência na categoria histórica relação às políticas públicas estão orientadas por
dos quilombos conforme definido pela parca suposições de que os membros da sociedade
historiografia sobre o tema [...]. são desiguais e, portanto, tal desigualdade deve
ser compensada pela intervenção constante do
Reportava-se à conceituação de remanes- Estado, que não está só à margem, mas acima
cente de quilombo postulada pela Associação da sociedade. Essa posição do Estado implica
Brasileira de Antropologia (ABA) para definir uma sólida autoridade interpretativa, somente
o quilombo em um contexto teórico mais amplo. atribuível a um conhecimento superior e prévio
Cito o documento utilizado na ação: “os quilom- a todos os fatos, razões e, principalmente,
bos são pensados como grupos étnicos, como intenções (Kant de Lima et al, 2003). As ações
um tipo organizacional que confere perten- contra os direitos individuais ou coletivos de
cimento através de normas e meios empregados grupos sociais são tomadas diversas vezes pelo
para indicar afiliação ou exclusão”. Lembram próprio Estado, que idealmente deveria proteger
ainda que a definição de quilombo havia sofrido os cidadãos, mas não o faz.
uma ampliação, abarcando diversas comu- Por outro lado, as agências não-estatais
nidades negras de descendentes de escravos. disputam pela legitimidade do discurso no sentido
Por fim, a ação demanda das rés (a União de atribuir classificações e instituir representa-
Federal e a FCP) o fim de medidas que visem à ções a respeito da identidade dos moradores da
desocupação das casas dos moradores, à não- Marambaia. Como nos indica Bourdieu,
destruição ou danificação das construções, à
permissão do retorno dos moradores que já as lutas a respeito da identidade étnica ou
tivessem sido retirados e à autorização aos regional, quer dizer, a respeito de propriedades
moradores para manter seu estilo tradicional de (estigmas e emblemas) ligadas à origem através
vida. do lugar de origem e dos sinais duradouros
que lhes são correlativos, como o sotaque, são
um caso particular das lutas das classificações,
Entre discursos, memórias e conflitos. lutas pelo monopólio de fazer ver e fazer crer,
de dar a conhecer e fazer reconhecer, de impor
Geertz (1989, p. 41) ressalta que entender
a definição legítima das divisões do mundo
os discursos consiste em “olhar as dimensões social e, por este meio, de fazer e desfazer os
simbólicas da ação social; é mergulhar no meio grupos. (1989, p. 112)
delas”. Mergulhando nessas águas e histórias
da Marambaia, é possível perceber que as terras, Por um lado, o Ministério Público, garan-
ou mais precisamente, os territórios ocupados tindo e sustentando a hipossuficiência dos
por esse grupo tradicional, têm grande relevância pescadores em colaboração com uma ONG; por
para o seu desenvolvimento e reprodução social, outro, uma outra parte do Ministério Público

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SOCIEDADE E CULTURA, V. 6, N. 1, JAN./JUN. 2003, P. 37-46

desconsiderando os direitos efetivos dos A existência social do grupo étnico da


moradores residentes do local há séculos; de Marambaia passa, nesse sentido, pela aprecia-
outro lado, ainda, a Marinha brasileira, respaldada ção dos atores presentes no campo que o
muitas vezes por decisões judiciais, contrária à representam ou o tutelam. A existência social é
presença das famílias locais. legítima com base nos mecanismos discursivos
Os distintos discursos operacionalizados operacionalizados pelos grupos externos.
por esses agentes sociais definem e legitimam Instaurada a polêmica, fica no ar a questão:
suas posições no campo de disputa, estabele- afinal, qual o significado do termo quilombo?
cendo nominações oficiais a respeito da identi- Quem são os quilombolas? Questões difíceis de
dade dos “marambaienses”, e concorrendo pelo serem respondidas precisamente, indefiníveis
“monopólio do direito de falar e de agir em nome objetivamente, tendo como referência expli-
de uma parte ou da totalidade dos profanos” cações pretensamente científicas, por critérios
(Bourdieu, 1989, p. 185). O monopólio do discur- supostamente objetivos. Como salienta Alfredo
so pertence ao Estado ou aos seus interme- Wagner Almeida:
diários, restando aos pescadores o papel de
coadjuvantes e, em muitas circunstâncias, de o importante aqui não é tanto como as agências
espectadores de sua própria história, de tute- os definem, ou mesmo como a ONG define, ou
lados. como o partido político define, e sim como os
Como Foucault bem observa, os agentes próprios sujeitos se auto-representam e quais
os critérios político-organizativos que norteiam
que classificam, definem aquilo que é, são os
suas mobilizações e forjam a coesão em torno
que detêm legitimidade em falar. É a voz do de uma certa identidade. Os procedimentos de
especialista, do perito que conserva a autoridade classificação que interessam são aqueles
em classificar. Desse modo, a busca pela construídos pelos próprios sujeitos a partir dos
verdade apóia-se em um suporte institucional, próprios conflitos, e não necessariamente
no qual é ao mesmo tempo reforçada e aqueles que são produtos de classificações
reconduzida por todo um compacto conjunto de externas, muitas vezes estigmatizantes. (2002,
práticas e discursos tidos como oficiais e legais p. 68).
(Foucault, 1996).
A “verdade” nesse contexto pertence aos Todavia, é necessário que esses atores
atores tributários de um saber e conhecimento reconheçam os pescadores e seus familiares
próprio, legítimo para a sociedade envolvente, como sujeitos políticos autônomos e responsáveis,
como o saber científico, o saber jurídico, o como interlocutores, no espaço público da
conhecimento militar e a legitimidade da ONG. cidadania. Eles precisam tornar-se capazes de
Cada qual com suas características próprias, com expressar publicamente seus interesses em
suas linguagens próprias, mas com fim comum: relação aos outros interessados, participando das
o monopólio da verdade. Pois a verdade é o elaborações das regras de uso e apropriação
saber. E saber é poder. dos espaços em que vivem e se reproduzem
Como nos lembra o próprio Bourdieu: socialmente. Pois somente uma política inclusiva
poderá promover a administração democrática
toda a tomada de posição, seja do campo social desses conflitos, estabelecendo a igualdade das
ou do campo cientifico, que aspire à ‘objeti- partes, estimulando as negociações entre elas e
vidade’ acerca da existência atual e potencial, rompendo a lógica excludente de que o futuro
real ou previsível, de uma região, de uma etnia desses grupos pertence aos outros.
ou de uma classe social e, por esse meio, acerca
da pretensão à instituição de que se afirma nas
representações ‘partidárias’, constitui um
certificado de realismo ou um veredicto de Abstract: In this article I discuss the action of
utopismo o qual contribui para determinar as governmental agencies and Non Governmental Organi-
probabilidades objetivas que tem esta entidade zations (NGO) upon the future of groups left apart from
social de ter acesso à existência. (1989, p. 119) society. Far from a self-reflection I intend to take the
actors speeches as an ethnographic realm (Oliveira, 2004)

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MOTA, FABIO REIS. Entre a ação e a intervenção: poder e conflitos...

in order to understand reflexively the political and ção de unidades de conservação de uso sustentado,
theoretical dimensions of conflict. I will take as an 2003. (artigo no Prelo).
ethnographical situation the conflict between artisanal
MOTA, Fabio Reis. Nem muito mar, nem muita terra.
fishermen from Marambaia Island – who descend from
slaves – and the Brazilian Navy. Nem tanto negro, nem tanto branco: uma discussão
sobre o processo de construção da identidade da
Key-words: research, conflict, law,identity. comunidade remanescente de quilombos na Ilha da
Marambaia. Rio de Janeiro, 2003. Dissertação
(Mestrado em Antropologia) – Programa de Pós-
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