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DOSSIER

CUIDADOS PALIATIVOS

Tratamento sintomático
em cuidados paliativos:
prurido
LUÍSA CARVALHO*

RESUMO:
Resumo: O prurido é um sintoma que, apesar de aparentemente menos importante, pode afec-
tar bastante a qualidade de vida de alguns doentes terminais. O manejo deste sintoma não
se reduz apenas à utilização de anti-histamínicos, pelo que ao longo deste artigo passaremos de prurido não ultrapassa o valor de
em revista os principais mecanismos etiopatogénicos do prurido e as medidas gerais e específi- 1%.
cas para o seu tratamento. É importante sublinhar que os princípios aqui contidos são aplicáveis Faremos a revisão dos principais
a situações de prurido fora do âmbito dos cuidados paliativos. mecanismos e etiologias do prurido,
destacando depois as medidas práticas,
Palavras-Chave: Prurido; Histamina; Serotonina; Cuidados Paliativos.
muito simples que, se devidamente ado-
ptadas, poderão melhorar bastante a
qualidade de vida destes doentes.
IENTRODUÇÃO
DITORIAIS 1. DADOS BÁSICOS DE FISIOPATOLOGIA
Definição
decisão de abordar este sin- Prurido - Sensação desagradável que

A toma prende-se com dois as-


pectos principais: apesar de
globalmente apresentar
uma baixa prevalência, o prurido pode
revelar-se como causa agravante do
provoca o desejo de coçar. Sensação de
comichão cutânea, que pode ser devi-
da a doença de pele ou a afecção geral,
ou não ter causa aparente.
O prurido é uma função fisiológica e
sofrimento de doentes em cuidados uma sensação própria frequente da
paliativos, frequentemente negligencia- pele, mas também da conjuntiva e
da e mal tratada; por outro lado, é ain- membranas mucosas, incluindo o trac-
da hoje largamente desconhecida a va- to respiratório superior, que alerta o in-
riedade de fármacos que podem ser efi- divíduo de potenciais agressões a par-
cazes nesta situação. tir de fontes físicas, químicas e biológi-
Nos doentes em cuidados paliativos cas.
estima-se que a prevalência do prurido O reflexo de coçar está ligado à per-
seja, em média, de cerca de 5%, mas em cepção de prurido, e na maioria das
grupos específicos, como os doentes de situações funciona efectivamente como
SIDA, os que apresentam insuficiência uma resposta motora aversiva para
hepática com colestase ou com insufi- aliviar a sensação e proteger a pele.
ciência renal avançada, a prevalência Contudo, o prurido tem o potencial de
pode atingir valores da ordem dos 60%. funcionar de uma maneira aberrante e
De ressaltar ainda que os fármacos tornar-se uma situação patológica que
opióides, frequentemente usados em cria sofrimento e morbilidade significa-
cuidados paliativos, também podem tiva.
condicionar prurido, sobretudo se
*Especialista em Medicina administrados por via espinal. Quando Neuro-anatomia
Geral e Familiar administrados por via oral a ocorrência A neuro-anatomia do prurido é seme-

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lhante à da dor. O prurido é uma sen- por fibras C polimodais aferentes. Estes
sação discreta e uma modalidade sen- projectam-se num grupo distinto de
sorial primária que surge da activação neurónios secundários no corno dorsal
e integração dos receptores neuronais da medula espinhal.
sensitivos cutâneos, vias aferentes e sis- As fibras nervosas que conduzem os
tema nervoso central. O prurido é indu- sinais que representam o prurido ini-
zido na pele por vários estímulos, quer ciam-se predominantemente na junção
endógenos, quer exógenos (Figura 1). epidérmica-dérmica e com terminações
livres que se estendem até à epiderme,
ACTIVAÇÃO EXÓGENA DO PRURIDO sendo mais superficiais do que as fibras
C nociceptivas, e são estimuladas pela
Estímulo pruritogénico histamina e outros mediadores.
Muitos estímulos físicos induzem pruri-
do, incluindo a pressão, a estimulação Mediadores
térmica, a estimulação eléctrica de Histamina: A histamina é o mediador
baixa intensidade, a formação de bolhas químico mais importante do prurido,
por sucção e a aplicação de substâncias mas não o único. A histamina endóge-
cáusticas. Os estímulos químicos in- na libertada na pele é libertada princi-
cluem a histamina, proteases, prosta- palmente a partir dos mastócitos. Para
glandinas e neuropépticos. além da estimulação directa dos rece-
ptores neuronais H1, a histamina pro-
Fibras nervosas vavelmente estimula a formação de ou-
O prurido é transmitido primariamente tros mediadores.
Serotonina: A serotoni-
na também pode causar
prurido, mas é um agente
mais fraco do que a hista-
mina. Está envolvido no
prurido associado com a
colestase e a insuficiência
renal, duas situações em
que os antagonistas dos re-
ceptores da serotonina são
benéficos.
Opióides endógenos:
Os opióides endógenos têm
um efeito regulador no
prurido e, dependendo das
circunstâncias, a naloxona
pode aumentar ou diminuir
o prurido. A morfina e ou-
tros opióides exógenos po-
dem causar prurido princi-
palmente quando injecta-
dos no SNC. A naltrexona,
um antagonista opióide,
alivia o prurido colestático.
Em doentes que fazem
opióides pela primeira vez,
Figura 1. Via aferente do prurido o prurido é mais comum

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com a morfina epidural do que com a 2. ETIOLOGIAS HABITUAIS NESTES


hidromorfona. O prurido pode ser sen- DOENTES
tido na metade inferior do corpo ou só
na cara, ou ainda ser generalizado, não Prurido primário
é aliviado por anti-histamínicos, mas O prurido idiopático ou primário é diag-
os antagonistas dos receptores da sero- nosticado na maioria (mais de 70%) dos
tonina podem ajudar. Felizmente, como doentes em quem uma perturbação
já referimos, a incidência de prurido subjacente foi excluída como causa de
com opióides sistémicos é só de cerca prurido. O prurido idiopático pode es-
de 1%. tar limitado em extensão e intensidade.
Muitas destas fibras nervosas con- Os sintomas podem ser razoavel-
têm ainda neuropéptidos, tais como a mente controlados através de bons
substância P, neuroquinina A e o pépti- cuidados da pele e de medidas tópicas
do relacionado com a gene da calcito- calmantes. Contudo, outros casos de
nina (CGRP), o VIP e o neuropéptido Y. prurido primário são bastante exten-
Os neuromediadores influenciam di- sos, graves e crónicos. O diagnóstico de
rectamente a permeabilidade vascular prurido primário é feito seguindo uma
e o eritema. Também activam uma cas- avaliação médica e dermatológica
cata de outros mediadores a partir dos meticulosa para exclusão de causas se-
leucócitos e mastócitos tecidulares. cundárias.
Todos em conjunto, estes mediadores
neuronais e celulares induzem a sensa- Prurido secundário
ção de prurido e criam áreas de hiper- O prurido secundário está associado
sensibilidade à volta da zona do estí- com uma variedade de alterações in-
mulo primário. As terminações nervo- cluindo, quer doenças dermatológicas
sas do prurido tendem, assim, a estar (Quadro I), quer doenças sistémicas
agrupadas à volta de pontos sensíveis. (Quadro II). O tratamento da condição
dermatológica específica e a eliminação
Activação endógena do prurido do factor agressor exógeno alivia tipica-
Para além dos estímulos exteriores, mente os sintomas de prurido. Quando
existe também a activação endógena do se lida com prurido que pode ter como
prurido. O estímulo sistémico ou endó- causa uma doença cutânea, é crucial
geno do prurido só está parcialmente avaliar e instituir a terapêutica ade-
caracterizado, e as causas bioquímicas quada para o caso em questão.
para o prurido estão associadas com A pele seca ou xerose é a causa mais
uma vasta gama de doenças sistémicas, comum de prurido e pode estar associa-
incluindo doenças metabólicas, insufi- do com o aumento da expressão de cito-
ciências orgânicas e várias neoplasias; quinas, por aumento da desgranulação
continuam a ser mal definidas e a levan- dos mastócitos e com aumento da sen-
tar problemas ainda sem resolução. O sibilidade cutânea à histamina, obser-
prurido também pode ser neuropático, vado quando a integridade da pele é
isto é, iniciado centralmente por lesão danificada pela desidratação cutânea.
cerebral, tumores e esclerose múltipla. A pele macerada e húmida também é
A vasodilatação induzida pelo calor pruriginosa.
exacerba o prurido, enquanto a vaso- Os alergéneos cutâneos mais fre-
constrição mediada pelo frio reduz o quentes na dermatite de contacto são os:
prurido. O prurido é também aumen- cremes e sabonetes contendo perfume,
tado pela atenção, ansiedade, aborreci- preparações com neomicina, cremes
mento e diminuído pelo relaxamento e com anti-histamínicos, cremes com
distracção. anestésicos locais (excepto a lidocaína),

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QUADRO I

DOENÇAS CUTÂNEAS ASSOCIADAS COM PRURIDO

Dermatite de contacto Linfoma cutâneo de células T Picadas de insectos


Dermatite herpetiforme Líquen plano Pitiaríase rosea
Dermatite medicamentosa Líquen simplex crónico Psoríase
Eczema atópico Mastocitose Queimadura solar
Escabiose (sarna) Pediculose Urticária
Foliculite Pele húmida macerada Xerose
Infestação sistémica Penfigóide bulhoso

QUADRO II

PERTURBAÇÕES SISTÉMICAS ASSOCIADAS COM PRURIDO

Doenças biliares Atresia biliar Doenças Linfomas (linfoma de


e hepáticas Cirrose biliar primária hematopoiéticas Hodgkin 15%)
Colangite esclerosante Linfoma cutâneo de células T
Obstrução biliar extra-hepática Mastocitose sistémica
Colestase gravídica Mieloma múltiplo
Colestase induzida por drogas Policitemia vera (30 a 50%)
Anemia ferropénica

Insuficiência Uremia Doenças Sífilis


renal crónica infecciosas Parasitoses
HIV
Fármacos Opióides Fungos
Anfetaminas Herpes zoster
Cocaína
Ácido acetilsalicílico Neoplasias Mama, estômago, pulmão, etc.
Quinidina Síndroma carcinóide
Niacinamina Síndroma paraneoplásico
Etretinato
Outros Doenças AVC
neurológicas Esclerose múltipla
Doenças endócrinas Diabetes insípida Tabes dorsal
Diabetes Mellitus Meralgia parestésica
Doença da paratiróide Tumores/abcessos cerebrais
Doença da tiróide Causas psiquiátricas
(hiper e hipotiroidismo)
Hiperuricemia

álcool, lanolina e a borracha. nilbutazona.


As reacções secundárias cutâneas a Para algumas doenças sistémicas, o
fármacos são mais frequentemente ob- tratamento específico médico ou cirúr-
servadas com as cefalosporinas, peni- gico providencia a cura da doença e do
cilinas, fenitoína, sulfonamidas, con- prurido. Contudo, na maioria das doen-
trastes radiológicos, alopurinol e a fe- ças sistémicas, os doentes sobrevivem

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longos períodos de tempo com o con- com cancro avançado. O prurido gene-
trolo adequado da sua doença. ralizado pode criar agitação, ansiedade,
Em muitas das situações em cuida- escoriações cutâneas e infecções.
dos paliativos a causa do prurido é mul- Os doentes que sofrem de prurido
tifactorial, mas em algumas patologias podem desenvolve-lo só de uma manei-
específicas a sua fisiopatologia começa ra ligeira e passageira, ou o prurido
a ser revelada.Convém ressaltar que pode ser tão intenso e persistente que
apenas nalgumas das situações o pruri- preocupa e perturba completamente a
do tem por base a libertação de hista- existência diária.
mina. No caso do prurido colestático, ele Deve ser reconhecido que o prurido
existe devido ao aumento dos opióides é variável na sua qualidade apercebida
endógenos e ao aumento da libertação e na intensidade. Tal como a dor, a
da serotonina; no prurido por insufi- percepção e a tolerância do prurido e a
ciência renal a sua existência deve-se ao resposta a esta sensação depende si-
aumento dos opióides endógenos, à gnificativamente do estado físico e
proliferação dos mastócitos, ao aumen- emocional do indivíduo, o nível de acti-
to da vitamina A cutânea, aumento da vidade funcional, os mecanismos de
libertação da serotonina, aumento da «coping» adaptativos e o restante con-
libertação da Substância P e ao aumen- texto.
to do Ca e Mg cutâneos. Quando o
prurido é de origem paraneoplásica 4. AVALIAÇÃO DO SINTOMA
observava-se libertação de histamina
pelos basófilos, eosinofilia e reacção O prurido é um sintoma subjectivo e a
imune. Nos doentes sujeitos a quimio- sua objectivação pode tornar-se com-
terapia este geralmente desaparece plexa. A sua avaliação deve sempre
dentro de 30-90 min e não necessita de pressupor uma abordagem global dos
tratamento. Nos indivíduos sujeitos a múltiplos factores que o condicionam
radioterapia esta pode matar as células para além dos físicos – os psicológicos,
cutâneas e causar queimadura e pruri- sociais e outros.
do. Quando a pele cai, o coçar pode O diagnóstico do prurido passa por
lesá-la ainda mais, o que cria o poten- uma anamnese cuidadosa. Temos co-
cial para infecção. mo perguntas-chave para avaliar a etio-
logia do prurido:
3. IMPORTÂNCIA E VARIAÇÃO NO TEMPO A pele está mais seca ou mais húmi-
Embora não muito frequente, este sin- da do que o normal? A cor da pele mu-
toma pode ser muito perturbador e des- dou? A pele apresenta alterações? O
confortável para o doente e deixar os prurido mantém-se apesar de trata-
prestadores familiares sentirem-se im- mento local?
potentes. Infelizmente, o prurido con- Devemos considerar a doença de
tinua a ser um sintoma importante e a base, a medicação em curso e história
causar morbilidade considerável. Cerca prévia de alergias.
de 10% da população tem dermografis- No exame objectivo deverão clari-
mo, isto é, uma reposta exagerada ao ficar-se a localização, extensão e pro-
riscar a pele. Tais pessoas tem maior fundidade das lesões cutâneas. O as-
probabilidade de vir a desenvolver um pecto, o padrão e a probabilidade indi-
ciclo vicioso de «prurido – coçar – mais cam geralmente a causa.
prurido – mais coçar». O acto de coçar A objectivação do sintoma poderá
pode levar a lesões cutâneas e feridas fazer-se na prática clínica com o recur-
que podem resultar em infecção. so a escalas verbais para quantificação
Está presente em 17% dos doentes do sintoma.

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5. ATITUDE TERAPÊUTICA: MEDIDAS evitar o calor, banhos quentes, agentes


FARMACOLÓGICAS E OUTRAS secantes como a calamina e roupa
áspera. Deve-se hidratar a pele regu-
Corrigir o corrigível larmente com um creme hidratante.
Para o sucesso do tratamento é funda- Se a pele se apresenta húmida, deve-
mental reconhecer os mecanismos etio- -se usar um creme a fazer barreira nas
lógicos que estão subjacentes ao pruri- pregas cutâneas. A sudorese nocturna
do e quais os diferentes mediadores em pode ser difícil de tratar: tioridazina (10
jogo. O arsenal terapêutico comporta a 30 mg à noite), corticosteróides, cime-
medidas gerais imprescindíveis e medi- tidina ou ranitidina e anti-inflamatórios
das farmacológicas que se estendem não esteróides têm sido usados com al-
para além dos anti-histamínicos. gum sucesso.
Há questões iniciais que desde logo A pele em risco de maceração deve
devem ser adoptadas: rever a medi- ser protegida com uma barreira ade-
cação do doente – é o prurido causado quada: pasta de óxido de zinco quando
por uma droga indutora? iniciou tera- estejam em contacto 2 áreas de pele,
pêutica com opióide? Se o fármaco for unguento de barreira, por exemplo, óxi-
a causa, se possível deve ser parado. do de zinco em óleo de fígado de baca-
lhau, lanolina ou parafina, para as ou-
Medidas gerais tras áreas incluindo as regiões à volta
Virtualmente todos os doentes com can- das úlceras.
cro avançado e prurido têm a pele seca,
mesmo quando existe uma causa endó- Tratamento tópico
gena definida. A correcção da secura As medidas tópicas têm como objectivo
da pele deve preceder quaisquer medi- a hidratação da pele e o efeito antipru-
das específicas. A maior parte não pre- riginoso. Estas medidas devem ser apli-
cisa de anti-histamínicos ou de outras cadas após a lavagem de manhã e ou-
drogas se tiverem cuidados cutâneos tra vez à noite.
adequados. Sem cuidados cutâneos Incluem o uso de loção de calamina,
adequados as drogas sistémicas trazem creme de crotamitona (com ou sem es-
poucos benefícios. teróide) e mesmo a preparação antiga
Aconselhe contra o coçar, mas per- de solução de bicarbonato a humede-
mita esfregar ligeiro; as unhas devem cer a pele aplicada pelo doente (1 colher
estar curtas e limpas; deve-se secar a de sobremesa de bicarbonato dissolvi-
pele com uma toalha macia sem esfre- da num copo de água), creme aquoso
gar ou com um secador de cabelo sem (± 1 % de mentol). Se a pele se encon-
aquecer; evitar as temperaturas ele- trar inflamada pode-se aplicar um
vadas e a transpiração; este problema creme com clioquinol + hidrocortisona
pode surgir se for utilizado um edredão ou só hidrocortisona a 1%.
de inverno no verão, ou se o aqueci- Para doentes com escoriações nu-
mento central estiver ligado durante a merosas e crostas devido a lesões de co-
noite. Suspender o uso de sabonetes. ceira, a aplicação de compressas húmi-
Utilizar um unguento emulsionado ou das de água da torneira nas áreas afec-
creme aquoso como substituto do sa- tadas várias vezes ao dia durante 1 a
bonete, ou acrescentar Oilatum à água 2 h dá alívio temporário e acelera a cica-
do banho. Devem ser aplicadas medi- trização da pele lesionada. Pode usar-
das para manter a pele fria e diminuir -se um creme de hidrocortisona antes
a perspiração, pois ambos reduzem o da colocação das compressas para
limiar do prurido. acção anti-inflamatória.
Se a pele se encontra seca deve-se O uso tópico de cremes anti-histamí-

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nicos deve ser desaconselhado porque mais específica falharam. Os benefícios


o seu uso prolongado pode provocar ocorrem rapidamente devendo retirar-
dermatite de contacto. Se estiver a ser -se o fármaco se não se obtiver respos-
usado algum e a pele ficar inflamada, ta ao fim de 4 a 7 dias. Outro antide-
substituí-lo por um creme com 1% de pressivo, a mirtazapina, poderá usar-se
hidrocortisona até que a inflamação de- isoladamente (7,5-15mg ao deitar) ou
sapareça. em associação à paroxetina se todos os
outros fármacos já falharam. Estes dois
Tratamento Sistémico fármacos poderão ser considerados
O recurso às medidas farmacológicas como de largo espectro no tratamento
deve assentar na compreensão dos do prurido, úteis onde outros anterior-
mecanismos etiológicos envolvidos no mente falharam.
aparecimento do prurido, mais concre-
tamente no tipo de mediadores que MEDIDAS ESPECÍFICAS
poderão estar em jogo (histamina, sero-
tonina, outros). Prurido associado a colestase
Como tratamento sistémico podem Aparece em 50 % de tumores extra-he-
utilizar-se os corticosteróides, algumas páticos que induzem colestase, também
vezes os anti-histamínicos e outros fár- é o mecanismo responsável do prurido
macos, em situações específicas. Os gravídico e por fármacos: anovulatórios,
corticosteróides utilizam-se principal- anabolizantes, eritromicina e fenotiazi-
mente se a pele se encontra inflamada das. O «stent» biliar é a medida mais efi-
mas não infectada, como resultado do caz e deve ser considerada para todos,
coçar - dexametasona 2-4 mg de manhã excepto nos doentes terminais com
ou prednisolona de manhã. mau estado geral. Geralmente toda a
Como anti-histamínicos podemos icterícia desaparece, mas mesmo que
utilizar a clorofenamida – 4 mg 3×dia a esta só diminua, o prurido desaparece.
12 mg 4×dia, um fármaco eficaz para Se não se conseguir aliviar a obstrução
ajustar as doses rapidamente; a cetiri- e as medidas gerais não forem sufi-
zina 5 mg 2×dia ou 10 mg 1×dia, fárma- cientes, pode ser necessário a utilização
co não sedante eficaz para tratamento de fármacos.
de manutenção; a hidroxizina – 10 mg- • colestiramina 12 a 24 g/dia em 3 to-
-25 mg 2 a 3×dia ou 25 – 100 mg ao mas. A sua utilização é controversa
deitar. Anti-histamínicos mais sedativos e actualmente limitada: existem au-
como é o caso da prometazina (25-50mg tores que a consideram a droga de
2×dia) poderão ter uma eficácia maior eleição nestas situações, mas a maio-
na remoção do prurido pela acção cen- ria não a recomenda por saber mal,
tral que lhes está associada. A prome- ser ineficaz e poder causar diarreia.
tazina pode ser administrada por via • rifampicina, 150 mg 2× dia, actua por
sub-cutânea. indução enzimática
A utilização de benzodiazepinas se- • ondansetron (inibidor da serotonina),
dativas pode ser útil, não por qualquer 4 mg/per os/2×dia, geralmente alivia
acção anti-pruriginosa, mas pelo alívio o prurido colestático após 5-6 h e em
da ansiedade associada e pela indução 30 min se forem dadas 8 mg IV
do sono. • estanozolol, 5 mg PO 1×dia ou
A paroxetina, enquanto inibidor da metiltestosterona 25 mg SL 2×dia –
serotonina, pode usar-se na dose de 5- demoram 5 a 7 dias para fazer efeito,
-20mg, de manhã, quer nos casos de não se sabe o modo de acção, podem
prurido paraneoplásico, quer noutras aumentar a icterícia e masculinizar,
situações em que os fármacos de acção o que geralmente não são problemas

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em estádios avançados ELABORAÇÃO DE NORMAS DE APLICAÇÃO CLÍNICA,


de doença AJUSTADOS AOS DIFERENTES ENQUADRAMENTOS CLÍNICOS
• naltrexona – um antago-
nista opióide oral, reduz
a intensidade do pruri-
do, mas não o alivia com-
pletamente na maioria
dos casos. Não deve ser
usado em doentes sob te-
rapêutica com opióides.
• os bloqueadores dos re-
ceptores H2 (cimetidina e
ranitidina) e as fenotia-
zidas devem ser experi-
mentadas se a colestira-
mina não resulta
• A talidomida, na dose de
100 mg ao deitar, poderá
revelar-se útil no prurido
por urémia ou no caso da
cirrose biliar primária

Prurido associado a insu-


ficiência renal crónica
O prurido na insuficiência
renal é, muitas vezes, mais
difícil de tratar. Ele está as-
sociado com o aumento dos
mastócitos dérmicos e os
iões bivalentes (MG e Ca).
Aparece em 85 a 90 % dos
doentes em diálise. Trata-
mento: optimização do regi-
me de diálise e uso oral de
anti-histamínicos H1 com
acção central; cremes hi-
dratantes; talidomida, foto-
terapia; paratiroidectomia,
carvão vegetal, dieta pobre
em proteínas com suple-
mento de aminoácidos.

Prurido associado a
hiperparatiroidismo se-
cundário
Nos doentes com hipercal-
cemia associada a hiper-
paratiroidismo secundário
a correcção da hipercalcemia conduz
ao alívio rápido do prurido.

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Prurido associado à SIDA 15. Price T, Patterson W, Olver I. Ri-


Alguns anti-inflamatórios como a indo- fampicin as tratment for pruritus in malig-
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Anexo

Nomes Comerciais dos fármacos mais citados

Colestiramina: Quantalan carteiras 4 g


Rifampicina: cápsulas a 300 mg (Rifadin, Rifex)
Fenobarbital: comprimidos a 15, 100 e 200 mg (Bialminal, Bialminal Forte,
Luminal e Luminaletas)
Crotamitona: Eurax creme e loção
Calamina: em Portugal existe em várias associações – Caladryl, Benzocaína,
Benaderma com calamina, Pruridermase
Hidrocortisona tópica: creme, pomada, loção, lipocreme, etc.
Clioquinol: Quinodermil pomada
Dexametasona: Decadron Comprimidos; Oradexon (âmpolas 5mg)
Decadron (âmpolas 8mg)
Prednisolona: Lepicortinolo comprimidos
Clorofenamida: em associações
Cetirizina: Zyrtec
Hidroxizina: Atarax
Levopromazina: Nozinan
Paroxetina: Paxetil, Seroxat
Mirtazapina: Remeron
Ondansetron: Zofran
Naltrexona: Basinal, Nalorex
Cimetidina: Tagamet
Tioridazina: Melleril
Mentol: várias preparações de venda livre com associação a anti-inflamatórios

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