É tarefa diícil precisar o campo de atuação da literatura comparada, pois
seus conteúdos e objetos mudam com o tempo e o espaço que ocupam. É possível no entanto, traçar um panorâma histórico de suas origens como disciplina até os dias atuais. Para isso, utilizaremos as contribuições de Coutinho e Carvalhal no basilar “Literatura comparada, textos fundadores”, Sandra Nitrini em “Literatura comparada: história, teoria e crítica” e contribuições mais pontuais de críticos como Antonio Candido, Silviano Santiago e Leyla Perrone-Moisés. As origens da literatura comparada se confundem com a da própria literatura. Basta aproximar-se duas literaturas distintas e contrastá-las com objetivo de exaltar os méritos, por exemplo. No entanto, tal comportamento está distante de um projeto de comparatismo mais elaborado, e mais próximo de um teste empírico. A tendencia ao empirismo acrítico perdura até o século XIX, marco de sua institucionalização como disciplina acadêmica em contexto europeu. A expressão literatura comparada, conforme os textos fundadores, deriva de um método de contraste aplicável as ciências naturais e utilizado para confirmar hipóteses. Havia uma tendência – particularmente na França – de valorização do contato com as literaturas estrangeiras: foi sob esse mote que se tornou disciplina ensinada nas universidades francesas na década de 1830. Chasles, numa aula inaugural de um desses cursos, cita as influências” entre nações e culturas do norte e do sul, em intercâmbios entre países europeu como França, Inglaterra, Alemanha e Itália. Entre os primeiros entusiastas está o irlândes Hutcheson M. Posnnett, em cujo ensaio “O método comparativo e a literatura”,´traça-se um paralelo entre a trajetória da evolução humana e de evolução da literatura, vendo-a como uma espécie de “progressão”. O método comparativo, de acordo com Posnett, evolui com a vida em sociedade Posnett parte do conceito de crítica proposto por Mattew Arnold para propor que o crítico de sua época deveria lidar com literaturas estrangeiras, sendo “forçado a olhar além de suas costas marítimas” Mas antes, o estudioso deverá se voltar para as influências internas do desenvolvimento da sociedade e buscar entender como os efeitos deste desenvolvimento foram sentidos na literatura. Assim, seu olhar se alarga para além das fronteiras nacionais e percebe pontos em comum entre a literatura de seu país e a literatura de todo um continente; percebe, em suma que o pensamento literário é influenciado por países estrangeiros. O autor ressalta, contudo, que essas influências podem levar à imitação de modelos, o que pode implicar na “exotização” da literatura Posnett assenta seu conceito de literatura sobre a questão da influência, que para ele, inicia-se desde Roma, que imitava as tragédias gregas. O autor acredita que “a questão central destes estudos [comparatistas] é a relação do indivíduo com o grupo” e adota a ordem da expansão social do clã para a cidade como ordem para os estudos de literatura comparada Outro estudioso desse período inicial de consolidação da disciplina foi o francês Joseph Texte. Este autor julgava que ser “cosmopolita” era uma característica necessária à literatura. Mais que isso, nota que “(....)De nacional ou local como o era geralmente até aqui, a história literária possui uma tendência manifesta de se tornar européia e internacional. As relações das diversas literaturas entre elas, as ações e reações que elas exercem ou sofrem, as influências morais ou simplesmente estéticas que derivam destas trocas de idéias, tudo isto constitui um campo de estudos ainda quase novo (...)”. Desde o título de seu estudo “A literatura comparada no estrangeiro e na França”, Texte estabelece novos paradigmas disciplinares ao situar o interesse da literatura além das fronteiras nacionais, capaz de influenciar literaturas vizinhas e assim tornar-se internacional ou ainda “europeia”. No entanto, segue a proposição de uma historiografia literária. Como Posnett, Texte assinala a antiguidade da comparação, mas conclui que como método era uma perspectiva mais recente, devido ao número pequeno de literaturas conhecidas, a ausência de um ponto de vista crítico e histórico e ainda, a dependência que se estabelecia entre as literaturas grega e latina. Para se fazer comparável, assegura Texte, a literatura deve ser concebida como expressão de uma nação, que seja percebida como arte local e cujas características denotem unidade. Texte já via também resultados provenientes do estudo comparado entre literaturas: por um lado, aumentou a consciência nacional de cada povo, fazendo surgir obras de caráter nativo e, por outro, diminuiu as fronteiras, possibilitando inclusive, novo fôlego às pretensões imperialistas francesas. De modo geral, Texte visa um estudo comparativo calcado na historiografia literária que forje um novo tipo de “saber científico”. Louis Paul Betz propõe a constituição de uma “literatura universal” a partir da problemática não resolvida entre fontes e influências. Num avanço em relação aos outros comparatistas discutidos até aqui, Betz enxerga a literatura comparada não como simples método, mas como campo de estudos em expansão. Escrevendo em termos de “história da literatura comparada explica que esta “observa as constantes mudanças, o contínuo trocar de idéias e formas. Como literatura mundial, ela caminha passo a passo com a história nacional da literatura em direção a um objetivo comum: a investigação do desenvolvimento do espírito humano. Em suma, como afirma Nitrini, no final do século XiX acredita-se saber quais os objetos e métodos da literatura comparada. Mas, em 1902, Benedetto Croce ainda se pergunta: “O que ´´é a literatura comparada”? e responde que ela não pode ser definida por seu método, comum a outras àreas. Rompendo com a crítica anterior, que se firmava na busca de fontes e influências, Croce contraria ainda outra definição, a de que a literatura comparada se ocupa de “ideias ou temas e acompanha os acontecimentos, as alterações, as agregações, os desenvolvimentos e as influências recíprocas entre as diferentes literaturas”, concepção dominante até então, para colocar-nos diante de uma terceira possibilidade: “a história comparada da literatura é a história entendida como explicação completa da obra literária, investigada em todas as suas relações, posta no campo da história universal, vista em todas aquelas conexões e preparações que a esclarecem”. Ferdinand Baldensperger destaca que a necessidade se comparar literaturas está intimamente ligada à valorização da produção literária nativa de cada nação, a fim de destacar a “superioridade” ou “inferioridade” de uma dada literatura. Mais do que isso, a literatura comparada parece ter servido para denunciar “roubos” ou “apropriações” de uma dada literatura sobre a outra, ou ainda, para demonstrar que uma dada literatura é superior, visto que consegue influenciar mais países, como proposto anteriormente por Joseph Texte. Ao fazer um inventário de todas as possibilidades utilizadas até então pela literatura comparada, a partir de uma perspectiva histórica, Baldesperger afirma que havia duas direções-mestras que a literatura comparada poderia seguir: uma esforçava-se por reduzir a elementos simples, tradicionais, os diferentes temas de que vivem as literaturas, sem renovação básica de sua matéria essencial, sem variação e com uma espécie de adulteração contínua de sua simplicidade inicial. A outra “entendia e precisava as inter-relações visíveis entre as séries nacionais das obras literárias [...] ela descobria fenômenos de empréstimo, determinava a zona de influência externa dos grandes escritores”. Paul van Thieghem é outro estudioso, que embora com ideias ultrapassadas, precisa ser revisitado. Seu conceito de literatura comparada, de cunho positivista´, vê a literatura comparada como um meio-termo entre a história literária de cada nação e uma história mais geral. “Já que todas as partes que compõem o estudo completo de uma obra ou de um escritor podem ser tratados recorrendo-se unicamente à história literária, exceto a pesquisa e análise das influências recebidas e exercidas, convém, reservar esta para uma disciplina particular, que terá suas finalidades bem definidas, seus especialistas e seus métodos. Ela prolongará em todos os sentidos os resultados adquiridos para a história literária de uma nação e os unirá àqueles, que por sua vezes forem adquiridos por historiadores de outras literaturas; com esta rede complexa de influências, constituirá um domínio à parte” Como disciplina autônoma, a literatura comparada tem seu objeto e método próprios; o objeto é o estudo das diversas literaturas e suas relações entre si, ou seja, em que medida se ligam na inspiração, no conteúdo, na forma, no estilo. Van Thieghem é quem formyla a diferença entre literatura comparada e literatura geral: a primeira tem por objeto o estudo entre duas ou mais literaturas; a literatura geral faria uma síntese dos “fatos comuns a todas as literaturas”. No entanto, afirma Nitrini, a tripartição entre literatura comparada, literatura geral e literatura nacional, deve-se à visão positivista e não resiste à análise. Marius-Fraçois Guyard define a literatura comparada como “a história das relações literárias internacionais” e o comparatista como alguém que se encontra nas fronteiras e acompanha as mudanças que acontecem em duas ou mais literaturas. Guyard afirma que o comparatista é ou quer ser historiador, e como historiador das relações literárias, deve conhecer as literaturas de diversos países Seguindo a mesma linha de Van Tieghem, em seu texto percebe-se a literatura comparada tomando forma de disciplina, mas seus apontamentos são excessivamente normativos. René Welleck, por outro lado, critica, de forma contundente os estudos de fontes e influências, praticados até então por comparatistas da Escola Francesa, como Paul Van Tieghem e Guyard. Wellek afirma que a literatura comparada “está obviamente correta [...] na sua concepção de uma tradição literária ocidental composta de uma rede de inúmeras inter-relações”, mas condena a divisão entre “literatura geral” e “literatura comparada” proposta por Van Tieghem. Também considera limitada a proposta de Guyard de estudar literatura comparada como uma espécie de “comércio exterior”, restrita a fontes e influências, causas e efeitos. Wellek continua criticando a tentativa de Van Tieghem de conceber literatura comparada em termos “factualismo positivista do século XIX, como um estudo de fontes e influências.” Segundo o autor, “eles [os comparatistas franceses] acreditam em explicações causais, na informação obtida a partir da investigação dos motivos, temas, personagens, situações, enredos, etc, que são tributários de algum outro trabalho cronologicamente anterior” O autor enxerga um paradoxo no modo como a literatura comparada vinha sendo praticada até então, visto que surgiu como maneira de combate a um nacionalismo exacerbado e se tornou uma ferramenta deste mesmo nacionalismo. Isso levou a um estranho sistema de contabilidade, no qual uma nação impera sobre as demais e julga compreender melhor um escritor estrangeiro do que seus conterrâneos. Para Wellek a literatura comparada “instituiu-se como o termo empregado para qualquer estudo de literatura que transcenda os limites de uma literatura nacional”. Welek insiste que a literatura tem de reencontrar seu foco de estudo, e por isso, propõe que volte a se preocupar com o texto literário somente, mas levando em consideração todo o contexto de sua produção. Propõe uma confrontação dos objetos com sua essência, uma contemplação parcial e intensa que leve à análise e a juízos de valores. Se Paul Van Thieghem tinha definido bem objeto e método da literatura comparada a ponto de seu texto assemelhar-se a uma “cartilha”, foi por isso mesmo atacado por Welleck para quem o “factualismo positivista” tinha chegado ao fim e por isso propôs um estreitamento das relações entre história, literatura e crítica. Welleck moldou essa concepção depois de participar dos círculos línguísticos de Praga e por isso, o arcabouço teórico de sua argumentação é a fenomelogia da obra literária, no debate das relações entre sua estrutura e as relações que se estabelecem com a história. Questiona a distinção entre literatura comparada e literatura geral, a limitação de estudarmecanicamente as fontes e influências e a delimitação artificial do objeto da literatura comparada, repleta de prarelismos, similaridades e identidades que não contribuem para uma teoria literária mais geral, além de considerar o método adotado obsoleto. Critica, em suma, o isosalacionismo da literatura comparada, que não agregou conhecimentos advindos, por exemplo, do formalismo russo, do new criticism, da estilística espanhola, da psicanálise, nem do marxismo. Por esses motivos, conforme o crítico tcheco, a literatura comparada está em crise e precisa de novos princípios. Reclama uma tomada de consciência dos valores e qualidades da obra literária, insiste sobre o papel fundamental da crítica, defende a concepção da obra de arte como uma totalidade diversificada, como uma estrutura de signos que implicam e exigem significados e valores. Essa nova visão afasta a possibilidade de se trabalhar com o conceito de influência. O problema da literariedade passa a ocupar papel central no debate da crítica. Welleck partilha da ideia de que a a literatura comparada define-se pela perspectiva de “estudar qualquer literatura de uma perspectiva internacional, com a consciênvcia de unidade de toda criação e experiência literárias”, independentemente de quaisquer fronteiras. Seu modelo ideal de comparatista é aquele que procura ler tudo o que for possível das literaturas e culturas disponiveis nas línguas originais, para formular um quadro de referência, escrever e falar de modo claro e relacionar as ideias às circunstâncias históricas. Dentre as vozes que se levantaram, à época, para defender o método comparatista francês, destaca-se a de Munteano, para quem o estudo de literatura e sua história fornecem uma série de dicotomias que interferem em diversos níveis e ao qual subjaz um esquema de polaridades estruturais. A partir do reconhecimento da interdependência entre os termos, busca definir o objeto da literatura comparada, ligado a dois processos diametralmente opostos: um processo receptor que conduz à definição das ambiências de qualquer ordem que o autor incorporou na obra e por outro lado, um estudo da ação e da dispersão de cada obra nos ambientes cada vez mais vastos que as circundam. No entanto, Munteano ainda se volta a três vias principais de comunicação entre os pólos individual e universal das obras, a saber: fontes, influências e afinidades. Admite que a verdadeira dificuldade da literatura comparada não é demonstrar sua legitimida, mas determinar seus limites. Para chegar a isso, Munteano propõe dividi-los em elementos que encerrem divergências e relações dialéticas mais visíveis. Em suma, Munteano tem uma visão humanista dos estudos literários. Sua definição de literatura comparada volta-se pa Robert Escarpit tenta encontrar uma alternativa para o binarismo historicismo-formalismo que parece impregnar as reflexões de gerações de comparatistas, de Van Tieghem a René Wellek. A solução, segundo o autor é estudar a literatura como um “fenômeno social”, intimamente ligado com a vida coletiva.. O autor propõe considerar também, aspectos da recepção e circulação da obra, além de se preocupar com o fato de que existe um autor por trás da narrativa, que deve ser inserido em um contexto histórico, antes que se passe a estudá-lo. Cláudio Guillén, comparatista espanhol radicado nos Estados Unidos, assim com Welleck também critica a separação entre “literatura geral” e “literatura comparada”, pois esses campos não são independentes, o que não quer dizer que não haja diferenças entre um e outro. A experiência do crítico e do leitor é variada. De acordo com Guillén, pode-se tratar os elementos isoladamente, sem esquecer que ele participa de um campo maior, o da história literária, campo este entrelaçado pelas relações internacionais. Henry Remak, no texto subsequente tem uma ideia bastante distinta do comparatismo. Para ele,”A literatura comparada é o estudo da literatura além das fronteiras de um país específico e o estudo das relações entre, por um lado, a literatura, e, por outro, diferentes áreas do conhecimento e da crença, tais como as artes (por exemplo, a pintura, a escultura, a arquitetura, a música), a filosofia, a história, as ciências sociais (por exemplo, a política, a economia, a sociologia), as ciências, a religião etc. Em.suma, é a comparação de uma literatura com outra ou outras e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana” Para sustentar a pertinência de uma definição, diríamos, interdisciplinar e que vê a literatura comparada como passível de abertura a outras áreas do conhecimento, Remak sintetiza os principais acertos e pontos que devem ser revisitados das duas grandes escolas comparatistas, a francesa e a americana. De seu ponto de vista, ambas concordariam com a primeira parte de sua definição, aquela que se preocupa com o estudo de literaturas além das fronteiras nacionais, mas metodologicamente, adotariam posicionamentos diferentes. A escola francesa, afirma o autor, é contrária a estudos que “simplesmente comparam”, por vezes, como em Guyard, criticando, o estudo das influências. Para Remak, o estudo das influências é “delicado”, “requer de quem se dedica a ele mais conhecimento enciclopédico e mais finesse do que se tem mostrado”, e pode contribuir menos para a compreensão da literatura do que o estudo comparado de obras, autores, estilos, tendências e literaturas. O autor critica teóricos que se esquecem que o nome da disciplina é “literatura comparada” e não “literatura influente”. Ainda argumentando contra as idéias de Guyard, Remak nos diz que para estudar literatura “é preciso ter síntese”, a menos que se queira condenar à fragmentação e ao isolamento. A escola americana deve se precaver contra o preconceito a certos tópicos, como os estudos de recepção, por exemplo. Quanto à segunda parte da definição, aquela que propõe que a literatura se relacione com outras áreas, a distinção é simples: “os franceses com certeza se interessam por tópicos tais como as artes comparativas, mas não pensam neles como estando na jurisdição da literatura comparada”.Mas o autor faz uma objeção relacionada a isso, a de que existe ”falta de coerência lógica entre a literatura comparada enquanto o estudo de literatura além das fronteiras nacionais e a literatura comparada enquanto o estudo das ramificações da literatura além das suas próprias fronteiras”. A concepção de Remak por se abrir para outras àreas do conhecimento é polêmica e, de certa forma, exige do comparatista um nível próximo ou equivalente de expertise tanto em literatura quanto em outra àrea, tal como a história, o direito, o cinema e as artes plásticas, o que Carvalhal denomina “dupla competência”. Welleck critica essa proposta como muito ambiciosa e afirma que não sobrevive a um exame rigoroso. René Etiemble argumenta contra a visão “franco-cêntrica” de boa parte dos comparatistas, que tendem a colocar a literatura francesa em posição de destaque em relação às outras literaturas, argumentando que se os franceses têm este direito, qualquer outra nação poderia fazer isso, dado o suposto caráter “internacional” da disciplina. Segundo Etiemble, é tarefa do comparatista renunciar a todo tipo de chauvinismo e provincianismo, reconhecendo [..] que a civilização humana [...] não pode ser compreendida nem apreciada sem que se faça constante referência a essas trocas, cuja complexidade impede a quem quer que seja de ordenar a nossa disciplina em função de uma língua ou de um país, privilegiando-o dentre os demais Etiemble corrobora a noção de literatura “supranacional”. Propõe um método não-historicista, mas voltado para a reflexão histórica e abrange em seu texto literaturas não-ocidentais, como a japonesa. Define o espírito da disciplina como a necessidade de se “verificar se podemos conciliar as exigências de nosso ofício com a duração média da vida de um homem, mesmo que seja ele comparatista”. Retomando a crítica já proposta por Remak e outros autores, Viktor M. Zirmhusky opõe-se ao entendimento dominante de “literatura comparada” em termos de “influências literárias”, como fenômenos causais, o que impossibilita um estudo mais apurado de certos aspectos, como a personalidade do autor, sua origem nacional e histórica, entre outros fatores. Para Zimhunsky, essas influências não são um “impulso mecânico” e “acidental”, um mero “acontecimento”, mas sim “um fato social historicamente condicionado e determinado pelo desenvolvimento interno da literatura nacional em questão.” Zimhunsky questiona a validade da separação entre “literatura comparada” e “literatura mundial” ou “universal”, efetivada pelos manuais de literatura comparada como os de Van Tieghem e Guyard. Para o autor, “a literatura comparada, no sentido amplo do termo, revela a existência de paralelismos regulares na evolução literária, e de analogias tipológicas e convergências entre literaturas que parecem ser sintomas de tendências gerais; ela também revela o jogo de inter-relações literárias não menos regulares baseadas em "contra-correntes", no sentido de Veselovsk”. Claude Pichois e André M. Rosseau buscam definir o que é literatura comparada e de que ela trata. Chegam a seguinte definição, que eles mesmos consideram ampla, e aconselham o leitor a suprimir desta definição o que lhes parecer deslocado. ”A literatura comparada é a arte metódica, pela busca de la- ços de analogia, de parentesco e de influência, de aproximar a literatura dos outros domínios da expressão ou do conhecimento, ou então os fatos e os textos literários entre si, distantes ou não no tempo ou no espaço, desde que pertençam a várias línguas ou culturas, que façam parte de uma mesma tradição, para melhor descrevê-los, compreendê-los e saboreá-los”. Mas, segundo os autores, se alguma parte desta definição for suprimida a literatura comparada perde o sentido, uma vez que, seu objetivo é “permitir o estudo da literatura em sua totalidade”. Nitrini afirma tratar-se de uma definição conciliadora, que tenta dirimir a distinção entre as “escolas” de literatura compara. Como Cláudio Guillén, a autora reconhece ter havido predominância de um enfoque francês e depois de um estadunidense de fins do século XIX até a Segunda Guerra Mundial, considerando que depois desse marco, o uso dessa divisão lhe parece incorreto. A autora considera que os franceses buscavam compreender uma “ a antiga literatura comparada mundial”, baseada no estudo das fontes, com fins de documentação, enquanto “a nova literatura comparada mundial é centrada num modelo transnacional, de perspectiva interdisciplinar. Esse último conceito dificulta a adoção de uma metodologia bem definido, pois parte do pressuposto de que deve ser aceito todo tipo de abordagem. Simon Jeune, partícipe da tradição comparatista francesa, segue o mesmo caminho trilhado por Van Thieguem e Guyard ao fazer um manual de estudo da disciplina. Logo de início, o autor concebe “literatura geral como aquela que liga entre si as diversas literaturas nacionais e como aquela que estabelece pontes entre a literatura e as belas-artes”, um termo que deve ser usado não em oposição, mas para complementar o sentido de literatura comparada. Assim, durante o texto, Jeune fundamenta pontos de distinção entre uma e outra. Jan Bradt Courstius aproxima-se das concepções da escola norte- americana de literatura comparada. A intenção do autor é a de demonstrar que a literatura ocidental é uma comunidade literária dentro da qual estao inseridas cada uma de suas literaturas nacionais. Para o autor, a literatura comparada deve ser compreendinda e estudada dentro de uma ótica internacional. Courstius pressupõe que todos temos um impulso inicial que nos leva à literatura, mas a partir do momento em que nos tornamos estudiosos temos de manter contato contínuo com grandes obras. Embora rejeite a perspectiva historicista, o autor vê a possibilidade de se estudar historicamente a literatura. Segundo ele “a história de uma determinada literatura passa a presumir a existência de uma comunidade literária, e muitas vezes descobrimos que suas origens são profundamente enraizadas em outras literaturas. À medida que conseguimos rastrear sua história, deparamo-nos com o impacto de textos e autores de fora de suas fronteiras. Assim, verificamos que seus períodos receberam rótulos internacionais não apenas por razões cronológicas, como as expressões "Antigüidade" e "Idade Média" poderiam levar-nos a supor, mas porque esses rótulos dão conta de características literárias internacionais”. A.Owen Aldridge afirma que estudar literatura comparada não é fazer uma comparação entre literaturas nacionais; “ao invés disso, ela [literatura comparada] fornece um método de ampliação da perspectiva na abordagem de obras literárias isoladas — uma maneira de se olhar para além das estreitas fronteiras nacionais, a fim de que sejam discernidos movimentos e tendências nas diversas culturas nacionais e de que sejam percebidas as relações entre a literatura e as demais esferas da atividade humana” O autor faz uma retomada de tudo o que foi dito de mais importante acerca do conceito, que de início preocupava-se sobremaneira com as relações entre literatura e sociedade, de um ponto de vista historicista, para depois ser estudado com base na estética, e com Goethe assumir feições geográficas. Aldridge comenta que nos estudos literários a comparação pode ser usada para demonstrar afinidade, tradição ou influências. O autor critica os pontos fracos de cada uma dessas abordagens, mas ressalta o valor de cada um deles, no sentido de que aumentam a compreensão acerca da literatura. Werner Friederich afirma que assim como todo Estado tem um departamento de relações internacionais, toda universidade deveria ter um departamento de literatura comparada a fim de se informar acerca das idéias e trabalhos literários surgidos além das fronteiras nacionais. Friederich condena as abordagens extremistas e propõe diferenciar as abordagens francesa e americana de estudo da literatura comparada, como muitos antes dele já fizeram. Destaca três modos diferentes de metodologia utilizada pelos franceses: uma enfatizando o do emissor, outra o do receptor e a última o papel do intermediário Para o autor, o pesquisador que estudasse horizontalmente, se detendo em menos literaturas de um mesmo século por exemplo, compreenderia melhor o fenômeno literário do que quem optasse estudar verticalmente toda a tradição ocidental. Friederich defende a inclusão de Literatura Comparada nos currículos das universidades e de programas especiais Harry Levin afirma que a literatura não pode ser comparada a nenhum outro meio de expressão senão ela mesma, uma vez que é incomparável. Dizer isso, contudo, não é o mesmo que desconsiderar as relacões existentes entre literatura e artes ou literatura e ciência, mas conceber a literatura como algo “além de comparações”. O autor opõe as concepções francesa e americana de literatura comparada, na medida em que, para ele, os estudos efetuados pelos franceses tinham vocação centrípeta, ou seja, olhavam para dentro de seu próprio círculo, enquanto a concepção de Levin e seus contemporâneos é centrífuga, buscando enxergar além-fronteiras. Suas ideias concordam com alguns comparatistas que vieram antes dele, como Etiemble, que fala em “cosmopolitismo literário” e Courstius para quem existe uma “comunidade de literatura”. Mas, Levin acredita que esta oposição entre as “escolas” é menos uma polêmica e mais um conflito de gerações, visto que as concepções acerca de literatura comparada mudaram ao longo do tempo, mas que é preciso manter um padrão para que não se construa “uma nova Torre de Babel”. S. S. Prawer, no ensaio “O que é literatura comparada?” admite que esta não é uma expressão feliz. Recentemente, segundo o autor, até mesmo a palavra literatura teve seu significado estreitado. Até o fim do século XIX dizia- se “literatura” para dizer que determinada pessoa tinha conhecimento acerca das obras literárias, lia bastante. Nos dias em que Prawer escreve, literatura significa “(além de ‘o conjunto de livros e artigos que tratam de um assunto específico’), ‘produções literárias como um todo’, ‘os escritos de um país ou de um período, ou do mundo em geral’. mas para o autor, é complicado falar em “literatura comparada”, já que a literatura é uma expressão humana e as expressões comparativas normalmente dizem respeito às ciências. Assim, ele prefere o uso da expressão “estudo comparativo da literatura”. Se literatura comparada é aquela que se utiliza do método comparativo da literatura, então toda literatura é comparada. Urich Weisstein decide utilizar um conceito meio-termo entre o da escola francesa, que ele chama de “limitado” e àquele proposto pela escola americana, mais “liberal”. Weisstein divide “literatura comparada” em “teoria literáriada comparada” e “crítica literária comparada”, dois campos diversos de atuacao. Ao mesmo tempo em que critica a concepção historicista francesa, sente necessidade de tratar de cada obra em seu contexto histórico específico e embora defenda a interdisciplinaridade é contra a formulacao de meros paralelismos, pois esta prática requer sistematização e aprofundamento. Francois Jost, por seu turno, afirma que as noções de “literatura comparada” e “literatura mundial” não são idênticas. Vê a literatura mundial como “pré-requisito” para a comparada. Assim, destaca que a literatura comparada é uma “Weltilatur orgânica”; “um ‘relato’ articulado, histórico e crítico, do fenômeno literário visto como um todo.”, ou como é vista comumente como a “uma comparação mútua e até mesmo sistemática das literaturas na- cionais. “Literatura nacional” também é uma expressão que pode suscitar entendimentos diversos: existe a definição popular, de que a literatura nacional é aquela de um determinado país; e há a acadêmica, segundo a qual “por um lado, ela consiste em obras que aderem a códigos de estética idênticos e que são, conseqüentemente, escritos na mesma língua. Por outro lado, seus escritores têm a mesma formação cultural” Jost critica a escola francesa de comparatistas, pois estes, segundo ele, eram nacionalistas e achavam que sua literatura era a melhor de todas e a literatura comparada era vista como disciplina secundária, “ramificação da história literária” se relembrarmos Van Tieghem. Também critica a escola soviética, da qual um dos representes é Zirmhunsky, por não se preocuparem com questões estéticas Segundo o autor, na América do Norte, a literatura comparada “caracteriza-se, por um lado, pela multiplicidade de teorias literárias que surgem da mais absoluta liberdade no ensino acadêmico, e, por outro lado, por uma ausência quase total de preocupações nacionalistas”. o autor finaliza seu texto de maneira bastante otimista afirmando que “a literatura comparada representa uma filosofia das letras, um novo humanismo. Seu princípio fundamental consiste na crença na totalidade do fenômeno literário, na negação das autarquias nacionais na economia cultural e, como conseqüência, na necessidade de uma nova axiologia Ao longo dos ensaios, percebemos como a literatura comparada se constitui como disciplina e como suas concepções-mestras foram se modificando ao longo do tempo. Nota-se a importância de a literatura atravessar fronteiras nacionais e, mais recentemente, disciplinares, para que possa ser considerada objeto de estudo rico em significações. Partindo das abordagem historicista francesa, que buscava relações de fontes e influências, a literatura comparada ajuda a desmistificar o próprio objeto “literatura”, na medida em propõe um deslocamento de fronteiras para além do campo do texto literário. Considero de vital importância o estudo realizado, pois assim, passamos a conhecer abordagens valiosas acerca dos estudos literários
Resenha Crítica Do Capítulo Iii - o Marxismo Ou o Desafio Do "Principio Da Carruagem" Do Livro As Aventuras de Karl Marx Contra o Barão de Munchhausen, de Michel Löwy.