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Publicado
por
Ricardo Sangion
em 25/07/2012
em Artigos
.Tags:entrevista, livro, mauricio beltramelli.
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Entrevista de Mauricio Beltramelli, editor do BREJAS, pela jornalista Maraísa Oliveira,
originalmente publicada no site Quero Comer
A curiosidade insaciável de Mauricio Beltramelli pelos rótulos
especiais rende um livro para iniciantes no assunto, que será
lançado em breve.
Uma bebida viva, que acompanha o homem desde o início da civilização, que já salvou vidas,
na Idade Média, saciando a sede no lugar da água contaminada e ainda hoje faz parte da
história da humanidade. Com aromas e sabores peculiares, ela prova que tem classe e cabe
bem em diferentes ocasiões: harmoniza-se com pratos, é degustada em ambientes requintados
ou não, e seus preços podem ser mais em conta ou até tirar o fôlego. Não, não estamos
falando do vinho, e sim sobre cervejas especiais ? aquelas produzidas de forma artesanal, com
matérias-primas selecionadas e receitas guardadas a sete chaves pelos mestres-cervejeiros.
Embora tenham chegado tímidas ao Brasil, em menos de uma década, despertaram a
curiosidade dos brasileiros e se firmaram por aqui.
Hoje, esse mercado cresce seis vezes mais que o da indústria cervejeira de grande porte,
motivado, sobretudo, pela melhoria da renda per capita nacional, que impulsionou mudanças
nos hábitos de consumo. É nesse cenário que Mauricio Beltramelli (na foto acima), um
advogado apaixonado por cervejas, encontrou uma nova profissão. Sócio-proprietário do site
Brejas e também do Bar Brejas, em Campinas (SP), o mestre em estilos de cervejas e
avaliação, pelo Siebel Institute of Technology, em Chicago (EUA), está finalizando um livro
sobre o assunto para iniciantes.
Em um bate-papo descontraído, Mauricio fala sobre sua trajetória até se tornar um profissional
de renome na área, avalia o cenário econômico desse mercado, conta como descobriu os
rótulos especiais, os ônus e os bônus da carreira, além de histórias de boteco. Para quem está
dando os primeiros passos no assunto, ele desmente mitos, ensina como escolher e apreciar
uma boa cerveja, e defende a nobreza da bebida, mostrando que ela merece ser degustada
com o mesmo respeito atribuído ao vinho, na França, e ao uísque, na Escócia.
Sou advogado há mais de duas décadas e tenho clientes fora do país. Há alguns anos, precisei
intensificar minhas viagens para o exterior e passei a ter contato com as cervejas especiais
que, naquela época, eram raras no Brasil. Daí, diferentemente de muitos que vão para a
Europa e buscam as mesmas cervejas que tomam aqui, eu quis experimentar ao máximo as
variedades disponíveis por lá e me apaixonei.
E como se interessou de forma profissional pelo assunto?
Qualquer brasileiro seria capaz de eleger sua profissão como a melhor do mundo, mas,
com certeza, ela também tem seus inconvenientes como qualquer outro trabalho. Você
poderia nos contar alguns?
A verdade é que já não tomo um porre faz muito tempo, desde minha época de colegial. Só
para você ter uma ideia, sou casado há 10 anos e minha mulher nunca me viu embriagado. Por
incrível que pareça, hoje bebo muito menos que antes de me tornar profissional, mas também
bebo muito melhor: menor quantidade e maior variedade e qualidade.
Com certeza, Michael Jackson. Não o cantor, mas o jornalista inglês. Foi ele que, lá por volta
dos anos 1970, começou a classificar a bebida e lançou um guia sobre o assunto, no qual ele
descreve e organiza os rótulos de acordo com seu tipo, cultura e tradição das regiões. Foi ele o
responsável pela difusão da cultura cervejeira. A partir daí, surgiram outras literaturas sobre o
assunto.
Para quem tem interesse em ler sobre o assunto, há muitos livros disponíveis nas
livrarias?
No exterior sim, já no Brasil ainda há muito pouca opção. A Alemanha e os Estados Unidos, por
exemplo, encaram a cerveja como alimento. Aqui no país é diferente, é somente bebida. Mas,
além da tradução que citei, posso sugerir O Catecismo da Cerveja, de Conrad Seidl, e
Larousse da Cerveja, do meu amigo Ronaldo Morado.
Sim, inclusive estou finalizando. Até outubro, ele estará nas bancas, pela editora LeYa. Será
um livro para iniciantes, pois o Brasil ainda está nessa fase. O livro traz a história da cerveja no
Brasil e no mundo, as classificações e também muitas dicas de degustação e de lugares para
visitar.
Não somente em barricas, mas também em azulejos, em tanques abertos, o que facilitava a
contaminação por micro-organismos presentes no ar. Esse é o grande terror dos cervejeiros
modernos: a contaminação. A vantagem da fermentação em inox é a maior replicabilidade. Ela
permite uma uniformização dos sabores e aromas, além do controle dos aspectos indesejáveis
que podem interferir na qualidade da bebida. Isso, claro, vai refletir no bolso. Desse modo, foi
possível produzir uma cerveja mais barata e sem tanto apelo gastronômico, o que fez com que
o consumidor comprasse mais. Muitos acreditam que as mais elaboradas afugentam os
clientes. Estamos querendo provar que não é bem assim.
O Brasil produz alguma cerveja fermentada em barricas? O que você acha disso?
Até hoje muitos ingleses usam recipientes desse tipo e até produzem a céu aberto, para
consumo no próprio local, mas no exterior a cultura cervejeira é muito forte, diferente daqui. No
Brasil, não conheço nenhuma. Já produzimos algumas maturadas, de segunda fermentação,
como a Eisenbahn Lust, da Cervejaria Sudbrack. Mas eu acho ótimo que isso aconteça,
embora o consumidor ainda não esteja preparado. Quando uma cerveja é fermentada em
barris de madeira, pressupõe-se que ela vai ter outros sabores, aos quais não estamos
acostumados, como o de couro de animais, notas azedas e maior acidez. Quem não conhece,
às vezes, pode achar que a bebida está estragada.
O aumento da renda per capita do brasileiro e o acesso mais fácil à informação favorecem a
busca mais intensa por produtos de qualidade. No meu site, por exemplo, o número de acessos
dobra a cada ano. E é o conhecimento que desperta a curiosidade. Qualquer pessoa que sabe
que há muitas variações daquela mesma cerveja que ela está tomando no bar, vai querer
experimentar outras. O brasileiro está tendo a mesma experiência que eu tive na Europa.
Então como saber se uma cerveja vale, realmente, quanto custa? Qual a dica para
escolher um rótulo especial?
É preciso se informar e ter um pouquinho de paixão pelo assunto. Não há outro jeito. A pessoa
tem que pesquisar e ler muito. Os rótulos nem sempre são confiáveis e podem não
corresponder à realidade. Afinal, ninguém vai dizer que o seu próprio produto é ruim. Estamos
numa briga muito grande sobre a necessidade de ter um sommelier de cerveja nos
estabelecimentos que comercializam esse tipo de bebida. Assim como o vinho, é necessário
indicação.
O principal é o estilo e há 120 deles, como India Pale Ale e Weiss. Outra coisa importante é a
fabricação. Ao contrário do vinho, na maioria das cervejas não há safra. Geralmente, quanto
mais jovem for a bebida, melhor ela será. Mas há exceção, como no caso dos rótulos de
guarda. Eles continuam fermentando dentro das garrafas e vão melhorando ao longo dos anos.
Normalmente, são mais alcoólicos e estruturados.
Uma só não, existem várias. Cada estilo de cerveja pede uma temperatura diferente. A Pilsen,
por exemplo, deve ser servida mais gelada, a 4°C. Já as Ale pedem entre 15ºC e 20ºC. Outro
cuidado importante é com o armazenamento. Se for guardar a bebida, é melhor que seja numa
adega, sem exposição à luz. O abre e fecha da geladeira faz com que a temperatura varie e,
consequentemente, provoca alteração no produto. Mas, na falta de adega, coloque o produto
em uma geladeira que não seja aberta constantemente.
Degustar nada mais é que prestar atenção naquilo que se está consumindo. Vai desde a
escolha do rótulo e refrigeração até a coloração, espuma, aromas. O ritual é parecido com o do
vinho, com a diferença da espuma. Então, comece escolhendo o copo adequado, cada uma
tem o seu. Depois, não incline muito o copo, derrame a cerveja sem medo de fazer espuma,
afinal ela protege o líquido da oxidação e do aumento de temperatura, evitando que produza
sensações desagradáveis. Na sequência, gire o copo, assim como você faz com o vinho, para
que desprenda os aromas. Muitos brasileiros acham frescura cheirar cerveja, mais isso é muito
importante. Às vezes, você gosta muito de uma cerveja e descobre que os aromas não lhe
agradam. No mais, beba com atenção, apreciando cada nota.
Para quem está acostumado e gosta de cerveja Pilsen, o melhor é começar pelas de trigo. Elas
se prestam bem para essa função, também podem ser servidas em temperaturas mais baixas e
não vão assustar, pois não são muito diferentes. O visual é parecido e também refrescam, mas
com aromas distintos.
Falar de qualidade, nesse caso, é muito complicado. Quando uma pessoa não tem treino, o
que vale é sua própria referência, a cerveja que ela gosta mais. Experimente, cada um é
soberano dos seus gostos. Sugiro que, ao comprar, se tiver quatro cervejas do mesmo estilo na
prateleira, compre todas e veja a que lhe agrada mais. Se comparado com o vinho, a cerveja é
um luxo barato. Leia muito e prove o máximo possível. Eu, por exemplo, viajo sempre em
busca da melhor cerveja do mundo, como sei que não existe, o bacana é continuar procurando.
É comum ouvirmos pão líquido como sinônimo de cerveja. Essa expressão, no entanto,
tem sua origem na época em que todas elas eram produzidas artesanalmente. Será que a
cerveja ainda pode ser chamada assim?
Sem dúvida, desde o início da humanidade a cerveja veio para alimentar o povo, para suprir a
fome que assolava todo mundo. A função dela sempre foi alimentar e ela ainda possui as
mesmas características nutricionais de antes. Só que hoje a oferta de alimentos fez com que
ela fosse explorada apenas como bebida. As pessoas preferem que o pão desempenhe essa
tarefa.
Principalmente, que existem 120 tipos dela, um mais diferente que o outro. Muitos acham que,
por exemplo, Skol e Brahma são diferentes, mas são iguais, muda somente o fabricante.
Um dos grandes mitos aqui é a água. No Brasil, convencionou-se dizer que a cerveja de um
determinado lugar é mais gostosa porque a água captada naquele local é melhor. Isso existia
no século 17. Hoje, com a química moderna, mesmo uma água não potável pode ser alterada e
produzir uma bebida de qualidade. A água representa 90% da bebida, mas sua captação não
tem esse poder.
O Brasil está começando agora, embora sua evolução esteja sendo muito rápida, melhorando a
cada dia. Ao redor do mundo, as cervejarias são melhores. Detêm qualidade elevada, pois
fazem cerveja há muito mais tempo que a gente. Sem contar que alguns países têm mais
facilidade, sem precisar gastar muito, enquanto nós importamos boa parte da matéria-prima.
Nossa cervejas têm condições de competir com as importadas? Poderia citar exemplos
de bom custo benefício para os produtos nacionais?
Com certeza. Nossa cerveja tem ganhado prêmios lá fora. A Eisenbahn, de Blumenau (SC),
por exemplo, conquista uma ou outra medalha em quase todos os concursos. Já o custo-
benefício depende da variedade, é o consumidor quem avalia. As nacionais são mais baratas
em função da variação cambial e saem por uma média de R$ 8, enquanto as importadas
custam em torno de R$ 12 e R$ 15.
É mais fácil fazer uma harmonização com cervejas que com vinhos, e muitas vezes até com
mais vantagens. Um exemplo são as sobremesas. Combiná-las com vinhos é mais complicado.
Já as cervejas com malte mais tostado, notas de frutas e café vão perfeitamente com doces.
Sem contar os churrascos que casam bem com maltes defumados. A grande variedade de
cervejas consegue abrir um amplo leque de harmonizações.
Não há motivos para rivalidades. Suas histórias têm a mesma nobreza. São bebidas que se
complementam. Ambas são fermentadas, foram descobertas mais ou menos na mesma época
e suas culturas se desenvolveram de acordo com suas divisões geográficas, questões de solos
e climas mais propensos para uma ou outra. Mas as duas foram fundamentais no
desenvolvimento das civilizações, elas alimentaram ao mesmo tempo a humanidade.
Para mim não existe uma única preferida. Existem 120 preferidas, uma para cada estilo, o que
me faz muito feliz, porque se eu enjoar de uma posso ir para outra tranquilamente. Por
exemplo, do estilo Belgian Dark Strong Ale, minha favorita é a trapista Westvleteren. Em
segundo lugar, fica a Pilsner Urquell. Sem deixar o Brasil de fora, daqui a minha predileta é a
Colorado Indica, que é uma tipo India Pale Ale (IPA).
http://www.brejas.com.br/blog/25-07-2012/em-busca-da-melhor-cerveja-do-mundo-12544/#more-
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