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Adoro andar. Bom, na verdade isso é uma meia verdade. O que eu gosto mesmo é de me
locomover. Pode ser dentro de carro, ônibus, o que importa é estar em movimento. Além de
ser saudável ver gente, se socializar (mesmo que não seja muito do meu agrado ás vezes),
nessas “andanças”, eu exercito minha observação, o que é fundamental para criatividade, que
por sua vez sustenta meus textos e poemas.
A principio, quando eu vi aquele sorriso, não imaginava que ele terminaria descrito em um
texto, muito menos que eu me lembraria dele ao fim do dia. Era um sorriso comum, como
tantos que eu havia visto por aí, um sorriso tímido, meio de canto de boca, mas ainda assim
perceptível. O que me deixou pensando nele foi em qual momento que ele se deu.
Transporte coletivo é um local que, geralmente, vemos o melhor e o pior das pessoas. Somos
forçados a viver em coletividade, seja por um minuto ou uma hora (ou quanto tempo à viagem
demorar). Chega a ser uma ironia, pois ao mesmo tempo, que estamos juntos, estamos longe,
seja por culpa dos modernos smartphones, Ipad’s, ou pelas já antiquadas revistas e livros, ou
pelo maior pai das distrações: o sono.
A viagem até o centro da cidade transcorria como toda viagem normal: alguns poucos
passageiros interagindo e outros imersos nos já citados passatempos. Eu, por minha vez,
escutava musicas em meu celular, pensando a esmo, sobre algo provavelmente supérfluo,
quando ela entrou. Subiu com dificuldade pela porta do meio do ônibus, após mostrar sua
identificação ao motorista. Tinha, por volta de uns 70 anos de idade e carregava sacolas, que
pareciam leves ao olho nu, mas pelo esforço que ela transparecia, ela não concordava com
nosso ponto de vista. Dei uma rápida olhada ao redor e vi que havia um local livre para ela se
acomodar, então voltei a me perder em pensamentos. Mas, justamente, em um intervalo
entre uma música e outra, eu ouvi algo que não escutaria caso estivesse tocando músicas
(tenho o péssimo hábito de manter o volume alto das músicas): um espirro que vinha
justamente daquela senhorinha tão simpática. Sou um rapaz muito bem educado pelos meus
pais, porém absurdamente tímido quando se trata de interagir fora do meu esquema (eventos-
casa-banda) então guardei meu desejo de saúde só para mim, mas pausei meu tocador de
músicas (por via das dúvidas). Dito e feito: a senhora espirrou de novo e eu prontamente
desejei:
-Saúde!
Neste momento, parece que algo anormal havia ocorrido. Se alguém adentrasse no ônibus
naquele momento, pensaria eu havia ofendido a senhora, dito palavras de baixo calão, ou
ainda que praguejasse contra algo. Jamais pensariam que um simples gesto de educação havia
acontecido. Pelo olhar que a senhora me deu, nem mesmo ela esperava minha saudação,
tanto que abaixou a cabeça e continuou brincando com as alças das sacolas que levava, mas
antes disso acontecer, ela sorriu. Meio timidamente, meio sem jeito, mas sorriu, porém, creio
que só eu percebi o discreto sorriso da senhora.
E desceu, da mesma forma lenta e frágil que entrou. Os passageiros olharam com curiosidade
para mim e alguns até com cara de riso, mas por dentro, me senti feliz. Lembrei dos meus
falecidos avós e imaginei eles personificados naquela senhora, me abençoando e orgulhosos
da minha atitude, que ainda que simples e comum para mim, infelizmente é pouco vista no
cotidiano.
Obrigado, senhora por me fazer ter um pouco mais de fé na humanidade e se por acaso,
espirrar, saúde de novo.